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Os autores e a editora empenharam­se para citar adequadamente e dar o devido crédito a todos os detentores dos direitos autorais
de qualquer material utilizado neste livro, dispondo­se a possíveis acertos caso, inadvertidamente, a identificação de algum deles
tenha sido omitida.
Não é responsabilidade da editora nem do autor a ocorrência de eventuais perdas ou danos a pessoas ou bens que tenham origem
no uso desta publicação.

Apesar dos melhores esforços do autor, das tradutoras, do editor e dos revisores, é inevitável que surjam erros no texto. Assim,
são bem­vindas as comunicações de usuários sobre correções ou sugestões referentes ao conteúdo ou ao nível pedagógico que
auxiliem o aprimoramento de edições futuras. Os comentários dos leitores podem ser encaminhados à Editora Roca.

The Merck Veterinary Manual, tenth edition First published in the United States by Merck & CO., INC,.
Copyright 2010 by Merck & Co., Inc. All rights reserved.

Manual Merck de Veterinária – 10a Edição


ISBN 978­85­412­0154­4
Direitos exclusivos para a língua portuguesa
Copyright © 2013 da 10a Edição pela Editora Roca Ltda.
Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial Nacional
Rua Dona Brígida, 701 – CEP: 04111­081 – São Paulo – SP
Tel.: 55(11) 5080­0770
www.grupogen.com.br

Reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou
por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na internet ou outros), sem permissão expressa da
editora.

Assistente Editorial: Sarita Borelli


Coordenador de Revisão: Queni Winters
Capa: Rosangela Bego
Imagens: Rosangela Bego
Produção: Freitas Bastos

CIP­BRASIL. CATALOGAÇÃO­NA­FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.
M251
10 .ed.

Manual Merck de veterinária / [editor Cynthia M. Khan; editor associado Scott line]; [tradução José Jurandir … [et al.]. ­ 10. ed. ­
São Paulo : Roca, 2013.

Tradução de : The Meck veterinary manual, 10th ed


Inclui bibliografia
ISBN 978­85­4120­310­4

1. Medicina veterinária ­ Manuais, guias, etc. 2. Patologia clínica veterinária. 3. Animais ­ Doenças. I. Kahn, Cynthia M. II. Line,
Scott.

12­8936.
CDD: 636.089
CDU: 619:616
MANUAL MERCK DE VETERINÁRIA

Edições Anteriores

1a Edição – 1955
2a Edição – 1961
3a Edição – 1967
4a Edição – 1973
5a Edição – 1979
6a Edição – 1986
7a Edição – 1991
8a Edição – 1998
9a Edição – 2005

Edições em Outros Idiomas

Croata/Eslovaca – Komora Vetarinarnich Lekarov, Brno


Espanhol – Editorial Oceano, Barcelona
Francês – Editions d’Apres, Paris
Inglês – Merck & Co., Inc., New Jersey
Italiano – Cristiano Giraldi Editore, Bologne
Japonês – Gakusosha, Tokyo
OUTROS
LIVROS DA MERCK

The Merck Index


Primeira Edição, 1889

Manual Merck – Diagnóstico e Tratamento


Primeira Edição, 1899

The Merck Manual of Medical Information


Home Edition
Primeira Edição, 1997

The Merck Manual of Health and Aging


Primeira Edição, 2004

Manual Merck – Saúde Animal


Primeira Edição, 2007

Manual Merck de Diagnósticos Médicos


Primeira Edição, 2008

Os livros da Merck são publicados como um serviço para a comunidade científica e o público em geral.
PREFÁCIO

Vivemos em uma época de novidades e melhoria, onde a “novidade” é sempre o mais importante. Quase que
diariamente nos é disponibilizada ampla gama de mensagens que tenta nos convencer de que algum produto é
melhor, tem ação mais rápida ou é mais efetivo. Assim, é muito gratificante que o Manual Merck de Veterinária,
inicialmente publicado no ano de 1955 como um livro pequeno e relativamente compacto, continue sendo a
melhor referência veterinária disponível no mercado, em seu gênero. A cada edição que o sucede, o Manual
cresce – tanto na quantidade de páginas quanto no escopo –, mas o objetivo permanece o mesmo declarado
pelos editores da primeira edição: “…propiciar ao veterinário informação concisa, confiável e facilmente
disponível sobre o diagnóstico e tratamento das doenças dos animais criados pelo homem com intuito de
consumo ou como animal de estimação”.
Embora o objetivo continue o mesmo e a organização do livro seja muito familiar aos usuários prévios, esta
nova edição do Manual contém modificações significativas. As páginas estão totalmente reformatadas para
tornar mais fácil a leitura do texto e para auxiliar os leitores a localizarem a informação mais rapidamente na
página. As tabelas também foram reformuladas para facilitar o uso. Mais notadamente, pela primeira vez o
Manual foi impresso em cores, permitindo o acréscimo de imagens – inclusive ilustrações originais; imagens
obtidas por radiografia, ultrassonografia e endoscopia; microfotografias; e muito mais – para realçar o texto. Ao
todo, o livro contém cerca de 250 imagens, quantidade que esperamos aumentar na próxima edição.
Cada seção do livro foi cuidadosamente revisada e atualizada. Para atender a crescente popularidade – e o
conhecimento básico a respeito – de animais exóticos e de laboratório, a seção foi ampliada, inclusive com
textos mais abrangentes sobre aves de estimação, peixes, ratitas, répteis e roedores, bem como um novo capítulo
sobre ouriço africano. Nesta nova edição, o capítulo sobre animais de laboratório inclui discussão a respeito de
normas reguladoras. As seções sobre imunologia e comportamento foram amplamente revisadas, de modo a
torná­las mais úteis ao clínico. A seção sobre toxicologia foi reorganizada para facilitar a informação e nela foi
incluído um novo capítulo a respeito de cogumelos venenosos. A extensa tabela de referência de zoonoses
também foi atualizada com novo material introdutório, zoonoses recentes e cruzamento de referências, para uma
discussão mais completa. Além disso, o risco zoonótico de doenças veterinárias foi destacado em todo o
Manual.
Foram adicionados novos capítulos para propiciar informações básicas sobre tópicos emergentes de
importância aos veterinários, inclusive clonagem de animais domésticos e medicina veterinária alternativa e
complementar. Foram acrescentados novos capítulos sobre doenças e anormalidades, como síndrome
metabólica de equinos, anormalidades do metabolismo de potássio, inflamação da vesícula seminal em touros e
pseudoprenhez em cabras. Vários outros capítulos foram consideravelmente revisados ou novamente escritos,
como claudicação em equinos, cardiopatia ou insuficiência cardíaca e doenças de estômago e intestinos em
pequenos animais, dentre outros.
Para utilizar o Manual de forma mais eficientemente, os leitores são estimulados a se familiarizar com o Guia
do Leitor e a utilizar o Sumário de cada seção, indicado pela respectiva reentrância colorida no corpo do
exemplar. A ampla Lista de Capítulos pode ser um importante primeiro passo para a localização da informação
de um tópico específico. Para manter o tipo de manual, que é a característica deste livro, os editores solicitaram
limitação do espaço de nossos colaboradores e não há inclusão das referências.
A extensão e profundidade do conteúdo do Manual Merck de Veterinária se devem, em grande parte, aos
quase 400 autores que participaram desta edição, incluídos na Lista de Colaboradores. Ademais, vários
revisores propiciaram comentários e sugestões relevantes que melhoraram adicionalmente o conteúdo. Sem o
seu tempo e habilidade, uma referência deste tipo não seria possível. O foco global do livro é evidenciado pela
publicação contínua de edições em línguas estrangeiras, bem como pelas contribuições oriundas de autores de
19 países, em todo o mundo.
Também agradecemos os membros do corpo editorial que revisaram os capítulos das suas áreas de
especialização, fornecendo inestimáveis sugestões para novos conteúdos e autores. Seus conhecimentos
coletivos continuam a moldar o escopo deste livro. Nos bastidores, a equipe editorial da Merial e o grupo
editorial do Merck tornaram possível a conclusão desta tarefa gigantesca. Agradecimentos especiais a Odilia
Achu, que praticamente gerenciou todas as etapas do desenvolvimento deste trabalho, sem perder de vista um
único detalhe; a Scott Line, que revisou vários milhares de imagens, selecionou as mais úteis e coordenou suas
inclusões, além de atuar como editor associado; por fim a Susan Aiello, que continua a contribuir para a
excelência editorial desta publicação. Também os agradecimentos a Gary Zelko e Pamela Barnes­Paul, da
Merck, por propiciarem orientação especializada e entusiasmo para a tarefa de produzir e promover cada edição.
A publicação de um novo livro é uma satisfação, ainda que saibamos que as informações nele contidas devam
ser disponibilizadas de outras formas, de modo a aumentar sua utilidade aos estudantes e clínicos. O Manual
Merck de Veterinária já se encontra disponível em vários formatos eletrônicos e continuamos a pesquisar novas
opções para disponibilizar informações durante o período desta edição. Como sempre, aguardamos feedback e
sugestões para melhorar cada vez mais este trabalho.

Cynthia M. Kahn
Editora
GUIA AOS LEITORES

O índice contém o título de cada seção do Manual e a correspondente reentrância no corpo do livro.
Cada seção tem seu próprio sumário, que contempla os títulos dos capítulos e subcapítulos da seção.
Há vários números de páginas com cruzamento de referências por todo o texto, permitindo que o leitor
encontre rapidamente discussão sobre o material relacionado em outras partes do livro.
Diversas abreviações utilizadas rotineiramente no texto estão listadas na página XIII. Outras abreviações
utilizadas são definidas quando citadas pela primeira vez.
Na maioria das vezes, são utilizados nomes genéricos (não comerciais) de medicamentos.
Os cabeçalhos das páginas pares correspondem ao título do capítulo do texto que aparece na parte superior
dessa página. Os cabeçalhos das páginas ímpares correspondem ao título do capítulo do texto que aparece na
parte inferior dessa página. Em outras palavras, os cabeçalhos são utilizados como em um dicionário padrão.
O índice é a melhor forma de localizar discussões específicas sobre determinada doença, condição ou
síndrome pelos nomes as quais são conhecidas.
A primeira metade deste Manual está organizada de acordo com os sistemas anatômicos e as doenças
específicas estão localizadas no principal sistema acometido. Enfermidades que podem afetar mais de um
sistema são descritas na seção sobre Infecções Generalizadas (INF). A segunda metade deste Manual abrange
tópicos ou disciplinas especiais.
Autores, revisores, redatores e o editor se esforçaram para assegurar que tratamentos, fármacos, dosagens e
períodos de carência dos medicamentos fossem confiáveis e de acordo com os padrões aceitos por ocasião
desta publicação. Entretanto, constantes alterações nas informações resultantes de pesquisas contínuas e
experiência clínica, diferenças de opiniões racionais entre as autoridades, aspectos particulares de
situações clínicas individuais e a possibilidade de erro humano na elaboração de um texto tão extenso
requerem que o leitor faça julgamento individual ao tomar uma decisão clínica e, caso necessário,
consulte e compare informações de outras fontes. Em particular, aconselha­se que o leitor verifique a bula
do produto, fornecida pelo fabricante do medicamento, antes de prescrevê­lo ou administrá­lo, especialmente
se não lhe for familiar ou se raramente utilizado. Várias doses de medicamentos administrados não são
indicadas na bula (uso extralabel), fato que requer uma relação veterinário­cliente­paciente incontestável.
Dedicado aos veterinários de todo o mundo,
e aos seus colegas em ciência veterinária.
ÍNDICE

CIR Sistema Circulatório


DIG Sistema Digestório
OO Olho e Ouvido
END Sistema Endócrino
INF Infecções Generalizadas
IMU Sistema Imunológico
TEG Sistema Tegumentar
MET Doenças Metabólicas
MUS Sistema Musculoesquelético
NER Sistema Nervoso
REP Sistema Reprodutivo
RES Sistema Respiratório
URN Sistema Urinário
COM Comportamento
PAT Patologia Clínica e Procedimentos
EME Medicina Emergencial e Cuidados Críticos
EXL Animais Exóticos e de Laboratório
MAN Manejo e Nutrição
FAR Farmacologia
DOM Aves Domésticas
TOX Toxicologia
ZNS Zoonoses
REF Guias de Referência
IR Índice Remissivo
ABREVIAÇÕES

AA = amiloide A
AAALAC = Association for Assessment and Accreditation of Laboratory Animal Care International
AAFCO = Association of American Feed Control Officials
AAr = ácido araquidônico
ABTS = ácidos biliares totais
ACh = acetilcolina
AChE = acetilcolinesterase
AcM = anticorpos monoclonais
ACTH = hormônio adrenocorticotrófico
ADH = hormônio antidiurético
ADP = difosfato de adenosina
AEC = artrite­encefalite caprina
AEH = aplasia específica de hemácia
AEO = abortamento enzoótico dos ovinos
AESP = atividade elétrica sem pulso
AG = anion gap
AGCC = ácidos graxos de cadeia curta
AGE = ácidos graxos essenciais
AGID = imunodifusão em ágar­gel
AGNE = ácidos graxos não esterificados
AGP = α1­glicoproteína ácida
AGPI = ácidos graxos poli­insaturados
AGV = ácidos graxos voláteis
AHAI = anemia hemolítica autoimune
AHIM = anemia hemolítica imunomediada
AIE = anemia infecciosa equina
AINE = anti­inflamatório não esteroide
ALP = fosfatase alcalina
ALT = alanina aminotransferase
AMDUCA = Animal Medicinal Drug Use Clarification Act
aMPV = metapneumovírus aviário
ANA = anticorpos antinucleares
ANTU = α­naftiltioureia
AP = alta patogenicidade
APDT = Association of Pet Dog Trainers
APHIS = Animal and Plant Health Inspection Service
APR = atrofia progressiva da retina
ASAR = acidose subaguda do rúmen
ASC = área sob a curva
ASR = arritmia sinusal respiratória
AST = aspartato aminotransferase
AT = alcalinidade total / antitrombina
ATP = trifosfato de adenosina
ATT = antitoxina tetânica
AV = atrioventricular
AVC = acidente vascular cerebral
AVE = arterite viral equina / vírus da arterite equina
AVIC = área veterinária
AVPS = anomalias vasculares portossistêmicas
AWA = Animal Welfare Act
AZT = azidotimidina
BCG = bacilo de Calmette­Guérin
BE = benzoato de estradiol
BER = necessidade de energia basal
BHB = beta­hidroxibutirato
BHC = hexacloreto de benzeno
BLV = vírus da leucemia bovina
BP = baixa patogenicidade
BPC = bifenilas policloradas
bpm = batimentos por minuto
BPV = papilomavírus bovino
BSP = sulfobromoftaleína
BUN = nitrogênio ureico sanguíneo
BVD = diarreia viral bovina / vírus da diarreia bovina
CADP = membrana de nitrocelulose revestida com colágeno e difosfato de adenosina
CAE = síndrome artrite­encefalite caprina
CAM = concentração antibiótica mínima
cAMP = monofosfato de adenosina cíclico
CAR = cilia­associated respiratory bacillus
CAV = adenovírus canino
CB = canabinoide
CCFT = capacidade de conjugação de ferro total
CCS = ceratoconjuntivite seca / contagem de células somáticas
CCV = doença do vírus do peixe­gato­do­canal
CDC = Centers for Disease Control and Prevention
CDV = vírus da cinomose canina
CEA = controle de exposição automático
CEM = gasto energético mínimo
CEME = gasto energético mínimo específico
CEPI = membrana de nitrocelulose revestida com colágeno e epinefrina
CHCM = concentração de hemoglobina corpuscular média
CHOP = ciclofosfamida, hidroxidaunorrubicina, Oncovin e prednisona
CIB = ceratoconjuntivite infecciosa bovina
CID = coagulação intravascular disseminada
CIDR = dispositivos intravaginais de liberação controlada de drogas
CIF = cistite idiopática felina / coronavírus intestinal felino
CIM = concentração inibitória média / concentração inibitória mínima
CJD = doença de Creutzfeldt­Jakob
CJDv = variante da doença de Creutzfeldt­Jakob
CK = creatinoquinase
CL = corpos lúteos
CLLFe = complexo leucemia­linfossarcoma felino
CLSI = Clinical and Laboratory Standards Institute
CMS = consumo de matéria seca
CMT = California Mastitis Test
CNE = carboidrato não estrutural
CNF = carboidratos não fibrosos
COP = doxorrubicina
COX = ciclo­oxigenase
CP = coronavírus dos perus
CPDA = adenina­dextrose­fosfato­citrato
CPE = C. perfringens enterotoxigênico
CVB = coronavírus bovino
CVF = calicivírus felino
CVS = circovírus suíno
DA = dermatite atópica
DAA = derivados aminoacetonitrílicos
DAD = deslocamento do abomaso à direita / doença articular degenerativa
DAE = deslocamento do abomaso à esquerda
DAG = diacilglicerol
DAP = dermatite alérgica a pulgas
DAS = diacetoxiscirpenol
DBPP = doença do bico e das penas dos psitacídeos
DCAD = diferença cátion­ânion dietética
DCI = doença do corpúsculo de inclusão
DCVS = doenças causadas por circovírus suíno
DDC = doença debilitante crônica
DDCA = dieta com diferença cátion­ânion
DDD = diclorodifeniletano
DDE = diclorodifenildicloroetano
DDP = doença da dilatação proventricular
DDPM = deslocamento dorsal do palato mole
DDT = diclorodifeniltricloroetano
DE = densidade específica
DEC = dietilcarbamazina
DEEM = doença epiteliotrópica eosinofílica multissistêmica
DEET = N,N­dietil­3­metilbenzamida
DEP = diferenças esperadas na progênie
DEPP = drenagem elevada ou postural do parênquima pulmonar
DERG = deficiência da enzima ramificadora do glicogênio
DES = dietilestilbestrol
DGR = diagnóstico de gestação do rebanho
DGV = dilatação gástrica­vólvulo
DHA = ácido docosa­hexaenoico
DHAI = doença hepática aguda idiopática
DIB = doença infecciosa da bursa de Fabricius
DICOM = Digital Imaging and Communication in Medicine
DII = doença intestinal inflamatória
DILC = dispositivos internos de liberação controlada de medicamento
DIVR = doença inflamatória das vias respiratórias
DLIP = dispositivos de liberação intravaginal de progesterona
DM = diabetes melito
DMAP = dimetilaminofenol
DMNA = dimetilnitrosamina
DMPS = 2,3­dimercaptopropano­1­sulfonato
DMSA = ácido dimercaptossuccínico
DMSO = dimetilsulfóxido
DMV = displasias microvasculares
DNA = ácido desoxirribonucleico
DNVV = doença de Newcastle velogênica viscerotrópica
DOCP = pivalato de desoxicorticosterona
DON = doença dos ovinos de Nairóbi
DP = doença de Pacheco
DPE = difenil­éter
DPIH = disfunção da parte intermediária da hipófise
DPIP = disfunção da parte intermediária da pituitária
DPR = doença proliferativa renal
DPS = desvio portossistêmico
DPSA = desvios portossistêmicos adquiridos
DRA = diarreia responsiva a antibióticos
DRAS = degeneração de retina adquirida súbita
DRB = doença respiratória bovina
DRC = doença respiratória crônica
DSA = dermatite semelhante à atopia
DSMA = metanoarsonato de dissódio
DSP = dual­specificity protein
DSS = sulfossuccinato sódico de dioctila
DT = dureza total
DTM = Dermatophyte Test Medium
DTUIF = doença do trato urinário inferior de felinos
DUCS = doença ulcerativa cutânea septicêmica
DUMP = deficiência de monofosfato sintetase
DVB = diarreia viral bovina
DVG = dilatação­vólvulo gástrico
DVS = doença vesicular suína
EBS = encefalomielite bovina esporádica
EC = escore corporal
ECC = escore de condição corporal
eCG = gonadotrofina coriônica equina
ECG = eletrocardiograma
ECI = encefalite do cão idoso
ED = energia digestível
EDG = enzima ramificadora de glicogênio
EDS = egg drop syndrome
EDTA = ácido etilenodiaminotetracético
EDTACa = etilenodiaminotetracético dissódico de cálcio
EEB = encefalopatia espongiforme bovina
EEFI = enterocolite eosinofílica focal idiopática
EEG = eletroencefalograma
EEL = encefalomielite equina do leste
EEO = encefalomielite equina do oeste
EEPAB = edema e enfisema pulmonar agudo em bovinos
EET = encefalopatia espongiforme transmissível
EEV = encefalomielite equina venezuelana
EG = enterite granulomatosa / etilenoglicol
EGF = fator de crescimento epidermal
EGH = erliquiose granulocítica humana
EH = encefalopatia hepática
EHHA = eixo hipotálamo­hipófise­adrenal
EHI = encefalopatia hipóxica isquêmica
EHV = herpesvírus equino
EL = energia líquida
ELISA = ensaio imunossorvente ligado à enzima
ELP = enterocolite linfocítica plasmocitária
EM = energia metabolizável
EMC = encefalomiocardite
EMG = eletromiograma
EMV = energia metabolizável verdadeira
ENO = encefalite do Nilo Ocidental
ENG = episcleroqueratite nodular granulomatosa
EODES = síndrome do ovo defeituoso e da oviposição errática
EPA = ácido eicosapentaenoico / Agência de Proteção Ambiental dos EUA
EPF = estomatite posterior felina
EPN = etil 4­nitrofenil fenilfosforotioato
EPO = eritropoetina
EPS = edema pulmonar suíno
ERG = enzima ramificadora do glicogênio
EROD = etoxiresorufina­O­desetilase
ERP = eritropoetina humana
EUA = Estados Unidos da América
EVP = enterite viral dos patos
EVS = enterovírus suínos / exantema vesicular dos suínos
FA = febre aftosa
FAO = Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura
FARAD = Food Animal Residue Avoidance Databank
FAST = ultrassonografia abdominal focada para o trauma
FB = fumonisinas B
FC = fixação do complemento
FCE = fluido cerebroespinal
FCI = fator de crescimento semelhante à insulina
FCM = febre catarral maligna
FCoV = coronavírus felino
FDA = fibra em detergente ácido / Food and Drug Administration
FDN = fibra em detergente neutro
FE = fator extracelular
FeLV = vírus da leucemia felina
FEP = febre equina de Potomac
FHCC = febre hemorrágica da Crimeia­Congo
FHM = fat­head minnow
FIP = peritonite infecciosa felina
FIV = vírus da imunodeficiência felina
FMMR = febre maculosa das Montanhas Rochosas
FOA = força oncótica da albumina
FOD = febre de origem desconhecida
FOS = fruto­oligossacarídios
FPA = fenilpropanolamina
FPV = vírus da panleucopenia felina
FSH = hormônio foliculoestimulante
FT = fator tecidual
FTP = falha na transferência passiva
FU = fluoruracila
FVR = febre do Vale Rift
g = grama
GAGPS = glicosaminoglicanos polissulfatados
GDH = glutamato desidrogenase
GEH = gastrenterite hemorrágica
GET = gastrenterite transmissível
GGT = gamaglutamiltransferase
GH = hormônio do crescimento
GI = gastrointestinal
GLC = globulina ligadora de corticosteroides
GM = glucomanan
Gn­RH = hormônio liberador de gonadotrofinas
GSDS = grãos secos de destilaria com solúveis
GT = glutamiltransferase
GUNA = gengivite ulcerativa necrosante aguda
H2S = sulfeto de hidrogênio
HACCP = Hazard Analysis and Critical Control Point
HaPV = poliomavírus do hamster
Hb = hemoglobina
HCA = hepatozoonose canina americana
hCG = gonadotrofina coriônica humana
HCH = hexaclorociclo­hexano
HCI = hepatite por corpúsculos de inclusão
HEA = hidroxietilamido
HEM = hormônio estimulante de melanócitos
HETE = hidroxieicosatetranoato
HHD = hiperadrenocorticismo hipófise­dependente
HIC = hepatite infecciosa canina
HIV = vírus da imunodeficiência humana
HM = hipertermia maligna
HMP = hexose monofosfato
hMPV = metapneumovírus humano
HPB = hipertrofia prostática benigna
HPIE = hemorragia pulmonar induzida por exercício
HPLC = cromatografia líquida de alta performance
HSCAS = aluminiosilicato de cálcio e sódio hidratado
HTP = hidroxitriptofano
HVB = herpesvírus bovino
HVC = herpesvírus canino
HVF = herpesvírus felino
HVP = hepatite viral dos patos
IA = influenza aviária / inseminação artificial
IACUC = Institutional Animal Care and Use Committee
IAPP = polipeptídio associado às ilhotas
IATF = inseminação artificial em tempo fixo
IBR = rinotraqueíte bovina infecciosa
IC = imunodeficiência combinada
ICC = insuficiência cardíaca congestiva
ICV = índice de conforto da vaca
IDA = ingestão diária aceitável
IDAG = imunodifusão em ágar­gel
IDG = inaladores de dose graduada
IDH = iditol desidrogenase
IDR = imunodifusão radial
IFN = interferona
IFTA = inibidor da fibrinólise trombina ativável
Ig = imunoglobulina
IHC = imunoistoquímica
IHQ = teste imunoistoquímico
IL = interleucina
ILP = imunorreatividade da lipase pancreática
IM = intramuscular
iMg2+ = magnésio ionizado
IMP = monofosfato de inosina
IN = isoeritrólise neonatal
IO = intraósseos
IP = intraperitoneal
IPE = insuficiência pancreática exócrina
IPO = implante de pérolas de ouro
IRF = identificação por radiofrequência
ISCOMS = complexos estimulantes de imunidade
IST = imunorreatividade semelhante à tripsina
ITU = infecção do trato urinário
IV = intravenoso
IVD = insuficiência ventricular direita
KBr = brometo de potássio
Kcal = quilocalorias
KCl = cloreto de potássio
kDNA = DNA cinetoplástico
Kel = constante da taxa de eliminação
Kg = quilo
KHV = herpesvírus da carpa
KIT = tirosinoquinase
kV = quilovolts
kVp = potencial de quilovoltagem
ℓ = litro
LBA = lavado broncoalveolar
LC = linfadenite caseosa
LCE = linfossarcoma cutâneo epiteliotrópico
LCNE = linfossarcoma cutâneo não epiteliotrópico
LDH = lactato desidrogenase
LES = lúpus eritematoso sistêmico
LH = hormônio luteinizante / lipidose hepática
LLA = leucemia linfoblástica aguda
LMR = limite máximo de resíduos
loVDN = VDN de baixa virulência
LOX = lipo­oxigenase
LPS = lipopolissacarídio
LTB4 = leucotrieno B4
LTI = laringotraqueíte infecciosa
mA = miliampere
MAC = medicina alternativa e complementar
MAPS = miopatia por acúmulo de polissacarídios
mAs = miliampere­segundo
Mcal = megacalorias
MCE = metrite contagiosa equina
MDMA = 3,4­metilenodioximetanfetamina
MDN = miodegeneração nutricional
ME = mercaptoetanol
MEDPB = mieloencefalopatia degenerativa progressiva bovina
MEG = meningoencefalomielite granulomatosa
mg = miligrama
MG = miastenia gravis
MGA = acetato de melengestrol
MGK­264 = N­octil biciclo­hepteno dicarboximida
MHC = complexo principal de histocompatibilidade
MHz = mega­hertz
MI = metilimidazol
MIFT = fator tecidual do mecanismo inibidor
MIP = manejo integrado de pestes
MJ = megajoules
mℓ = mililitro
MMA = complexo mastite­metrite­agalactia
MMCE = microrganismo da metrite contagiosa equina
MMM = mistura mineral contendo microelementos
MMP = matriz metaloproteinase
MNE = menor teor efetivo
MNTD = dose não tóxica máxima
MOS = mananoligossacarídios
MP = mercaptopurina
MPE = mieloencefalite protozoária equina
MRS = estafilococos resistentes à meticilina
MSMA = metanoarsonato de monossódio
MTC = medicina tradicional chinesa / menor temperatura crítica
MTD = dose tóxica mínima / meio de teste dermatofítico
MVAC = medicina veterinária alternativa e complementar
MVC = morbilivírus dos cetáceos
NAC = N­acetilcisteína
NADPH = fosfato de dinucleotídio de nicotinamida­adenina
NAT = nitrogênio amoníaco total
NC = nervo craniano
NDP = nervo digital palmar
NDT = nutrientes digeríveis totais
NEE = necrose eritropoiética epizoótica
NEM = necessidade de energia para manutenção
NER = necessidade energética em repouso
NK = células exterminadoras naturais
NK1 = neuroquinina 1
NMA = novo medicamento para uso em animais
NMDA = N­metil­D­aspartato
NMI = neurônios motores inferiores
NMS = neurônios motores superiores
NNP = nitrogênio não proteico
NO = óxido nítrico
NOEL = dose não tóxica
NPN = nitrogênio não proteico
NPP = nutrição parenteral parcial
NPT = nutrição parenteral total
NRC = National Research Council
NSP = proteínas não estruturais
NUS = nitrogênio ureico sanguíneo
OCD = osteocondrite dissecante
OCT = ornitina carbamoiltransferase
OD = oxigênio dissolvido
OEHDB = obstrução extra­hepática aguda de ductos biliares
OF = organofosforados
OIE = Office International des Epizooties / World Organization for Animal Health
OMS = Organização Mundial da Saúde
OP = organofosforados
OPA = ortoftaldeído
OPG = ovos por grama
ORVR = obstrução recidivante das vias respiratórias
OVC = oficial veterinário chefe
PABA = ácido paraminobenzoico
PAF = fator ativador de plaquetas
PAFG = proteínas ácidas fibrilares gliais
PAFI = pesquisa de anticorpo por fluorescência indireta
PAM = pralidoxima
PAS = ácido periódico de Schiff
PAT = peptídio de ativação de tripsinogênio
PBB = difenil polibromado
PBDE = éteres de difenil polibromado
PBO = butóxido de piperonila
PC = peso corporal
PCB = difenil policlorado
PCDD = dibenzo­p­dioxinas policloradas
PCDF = dibenzofuranos policlorados
PCMX = paraclorometaxilenol
PCP = parada cardiopulmonar
PCR = reação em cadeia de polimerase
PCV = circovírus suíno
PD = polidipsia
PDE = fosfodiesterase
PDF = produtos de degradação do fibrinogênio
PDR = proteína degradada no rúmen
PEM = polioencefalomalacia
PEOS = sistema opioide endógeno periférico
PET = tomografia por emissão de pósitron
PFK = deficiência de fosfofrutoquinase
PG = propilenoglicol / prostaglandina
PGEPB = Programa Global de Erradicação da Peste Bovina
PGF2α = prostaglandina F2α
PGI1 = prostaciclina
PHA = hidrocarbonetos halogenados persistentes / peróxido de hidrogênio acelerado
PhHV = herpesvírus focídeo
PHS = Public Health Service
Pi = fósforo inorgânico insolúvel
PI = parainfluenza
PIF = peritonite infecciosa felina
PIFV = vírus da peritonite infecciosa felina
PIO = pressão intraocular
PK/PD = farmacocinético/farmacodinâmico
PLA2 = fosfolipase A2
PLDO = opioides periféricos derivados de leucócitos
PLM = proteína liberadora de muramidase
PLP = proteínas ligadoras de penicilinas
PM = proteína metabolizável
PMMA = polimetilmetacrilato
PMSG = gonadotrofina sérica de égua gestante
PMT = proteína microssomal de transferência de triglicerídios
PNA = peptídio natriurético atrial
PNC = peptídio natriurético cerebral
PND = proteínas não degradadas
PNR = proteína não degradada no rúmen
PO4 = fosfato inorgânico estável
POC = pressão oncótica coloidal capilar
POR = receptores opioides periféricos
PPA = fenilpropanolamina
PPCB = pleuropneumonia contagiosa bovina
PPD = derivados de proteína purificada
PPH = paralisia periódica hiperpotassêmica
ppm = partes por milhão
PPR = peste dos pequenos ruminantes
PRRSV = vírus da síndrome reprodutiva e respiratória suína
PS = piretroides sintéticos
PSA = peste suína africana
PSC = peste suína clássica
PSGAG = glicosaminoglicanos polissulfatados
PSI = equinos puro sangue inglês
PT = proteína total / protrombina
PTH = paratormônio
PTHrP = peptídio relacionado com o paratormônio
PU = poliúria
PV = porcos vietnamitas
PVA = poliomavírus aviário
PVB = papilomavírus bovino
PVC = parvovírus canino / Program of Veterinary Care
RAL = lactonas ácidas resorcíclicas
RC = radiografia computadorizada
RCI = reguladores do crescimento de insetos
RCCP = reanimação cérebro­cardiopulmonar
RCCU = relação creatina/cortisol urinário
rcG­CSF = fatores estimuladores de colônia granulocítica recombinantes caninos
RD = radiografia digital
REATC = resposta evocada auditiva do tronco cerebral
RF = radiofrequência
RFLP = polimorfismos de comprimento de fragmentos de restrição
rhG­CSF = fatores estimuladores de colônia granulocítica recombinantes humanos
RIB = rinotraqueíte infecciosa bovina
RJO = retrovírus jaagsiekte de ovinos
RM = ressonância magnética
RMT = ração de mistura total
RN = rendement Napole
RNA = ácido ribonucleico
RNAr = ácido ribonucleico ribossômico
RNAt = ácido ribonucleico de transferência
RNDR = ribonucleosídio difosfato redutase
RT = transcriptase reversa
RTM = rações totalmente misturadas
RT­PCR = reação em cadeia de polimerase transcriptase reversa
RVF = rinotraqueíte viral felina
SA = sinoatrial
SAA = amiloide A sérica
SAAG = gradiente de albumina sorofluido ascítico
SADD = supressão com alta dose de dexametasona
SAMe = s­adenosilmetionina
SARA = acidose ruminal subaguda
SC = subcutâneo
SCAV = suporte cardíaco avançado da vida
SCBID = supercrescimento bacteriano no intestino delgado
SCBV = suporte cardíaco básico da vida
SDC = síndrome de disfunção cognitiva
SDH = sorbitol desidrogenase
SDPP = síndrome da disgalactia pós­parto
SDT = sólidos dissolvidos totais
SEB = soluções eletrolíticas balanceadas
SH = sepse hemorrágica
SHP = síndrome da hipertensão pulmonar / síndrome hemorrágica perirrenal
SIM = síndrome intermediária induzida pelos organofosforados
SIV = inspeção veterinária
SL = substituto de leite
SMD = síndrome mielodisplásica
SME = síndrome metabólica equina
SNC = sistema nervoso central
SNP = sistema nervoso periférico
SPECT = tomografia computadorizada por emissão de fótons isolados
SPF = estado livre de patógeno específico / suíno livre de patógenos
SPRE = síndrome da perda reprodutiva da égua
SPUC = síndrome paradentária ulcerativa crônica
SRIS = síndrome da resposta inflamatória sistêmica
SRRS = síndrome respiratória e reprodutiva suína
STD = sólidos totais dissolvidos
SUGE = síndrome da úlcera gástrica equina
TALB = teste do anel em leite para brucelose
TAMV = teste de aglutinação com muco vaginal
TB = tuberculose
TBA = acetato de trembolona
TBBPA = tetrabromobisfenol­A
TC = tomografia computadorizada
TCA = tempo de coagulação ativada
TCVM = medicina veterinária tradicional chinesa
TE = tubo endotraqueal
TEG = tromboelastografia
TEP = tromboembolia pulmonar
TEPP = toxicidade do pirofosfato de tetraetil
TFG = taxa de filtração glomerular
TG = tioguanina
THC = delta­9­tetraidrocanabinol
TIC = taxa de infusão constante
TIU = teste intradérmico único
TLR = receptores do tipo toll
TMB = taxa metabólica basal
TMBNP = tumores malignos de bainha nervosa periférica
tMg = magnésio total
TNM = sistema tumor­nódulo­metástase
TOC = transtorno obsessivo­compulsivo
ton = tonelada
TP = tempo de protrombina
TPA = ativador de plasminogênio tecidual
TPC = tempo de preenchimento capilar
TRAL = teste rápido de aglutinação em lâmina
TRH = hormônio liberador da tireotropina
TSH = hormônio estimulante da tireoide
TSI = triple sugar iron
TT = tempo de trombina
TTPA = tempo de tromboplastina parcial ativada
TUAT = técnica ultrassonográfica para avaliação do tórax
TVS = teschovírus suíno
TVT = tumor venéreo transmissível
UEA = ultrassonográfico específico do abdome
UFC = unidades formadoras de colônias
UGT = glucuronosiltransferase
UI = unidades internacionais
UNP = unidades de nitrogênio proteico
URE = uveíte recidivante equina
USDA = United States Department of Agriculture
UV = ultravioleta
VA = vólvulo do abomaso
VAE = vírus da arterite equina
VAG = vírus da anemia das galinhas
VAIE = vírus da anemia infecciosa equina
VBI = vírus da bronquite infecciosa
VCF = vírus da cinomose focina
VCM = volume corpuscular médio
Vd = volume aparente de distribuição
VDD = vômito e doença debilitante
VDEH = vírus da doença epizoótica hemorrágica
VDIB = vírus da doença infecciosa da bursa de Fabricius
VDN = vírus da doença de Newcastle
VDS = vírus da diarreia epidêmica suína
VDVB = vírus da diarreia viral bovina
VENO = vírus da encefalite do Nilo Ocidental
VEVS = vírus do exantema vesicular suíno
VFD = Veterinary Feed Directive
VG = volume globular
VGM = volume globular médio
VHP = vírus da hepatite dos patos
VIS = vírus da imunodeficiência de símios
VLA = vírus da língua azul
VLB = vírus da leucemia bovina
VLMSM = vírus dos leões­marinhos de San Miguel
VNA = vírus da nefrite aviária
VO = via oral
VP = proteínas virais
VPC = viremia primaveril das carpas / vírus da parvovirose canina
VPI = vulvovaginite pustular infecciosa
VR = via retal
VSF = vírus do sarcoma felino
VSRB = vírus do sincício respiratório bovino
VSRH = vírus do sincício respiratório humano
vVDN = vírus da doença de Newcastle virulento
VVM = vírus vivo modificado
VVVM = vacinas de vírus vivo modificado
WNV = vírus do Oeste do Nilo
ZDQ = zona desencadeadora de quimiorreceptores
ZTOA = zona térmica ótima de atividade
ZTOP = zona térmica ótima preferida
CONSELHO EDITORIAL

Dana G. Allen, DVM, MSc, DACVIM


Professor and Chair, Department of Clinical Studies, Ontario Veterinary College, University of Guelph,
Ontario, Canada

Peter D. Constable, BVSc (Hons), MS, PhD, DACVIM


Professor and Head, Department of Veterinary Clinical Sciences, School of Veterinary Medicine, Purdue
University, West Lafayette, IN

Peter R. Davies, BVSc, PhD


Allen D. Leman Chair in Swine Health and Productivity, Department of Veterinary Population Medicine,
University of Minnesota, St. Paul, MN

Katherine E. Quesenberry, DVM, MPH, DABVP (Avian)


The Animal Medical Center, New York, NY

Philip T. Reeves, BVSc, PhD, FACVSc


Principal Scientist, Australian Pesticides and Veterinary Medicines Authority, Symonston, Australia

Jagdev M. Sharma, BVSc, MS, PhD


Research Professor, The Biodesign Institute, Visiting Professor, School of Life Sciences, Arizona State
University, Tempe, AZ; Professor and Endowed Chair in Avian Health Emeritus, University of Minnesota, St.
Paul, MN

Roger K. W. Smith, MA, VetMB, PhD, DEO, DECVS, MRCVS


Professor of Equine Orthopaedics, Department of Veterinary Clinical Sciences, The Royal Veterinary
College, Herts, UK

Tracee Treadwell, DVM, MPH, CAPT USPHS


Associate Director for Epidemiological Science, National Center for Emerging and Zoonotic Infectious
Diseases, Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, GA
COLABORADORES

Stephen B. Adams, DVM, MS, DACVS


Professor of Surgery, Department of Veterinary Clinical Sciences, School of Veterinary Medicine, Purdue
University, West Lafayette, IN

Claudicação em Equinos: Artroscopia, Introdução, Exame da Claudicação

Robin W. Allison, DVM, PhD, DACVP (Clinical Pathology)


Associate Professor, Clinical Pathology, Oklahoma State University, Oklahoma State University, Stillwater OK

Hemoparasitas: Micoplasmas Hemotrópicos

Gary C. Althouse, BS, DVM, MS, PhD, DACT


Professor and Chairman, Department of Clinical Studies­New Bolton Center, School of Veterinary Medicine,
University of Pennsylvania, Kennett Square, PA

Manejo Reprodutivo: Suínos

Frank M. Andrews, DVM, MS, DACVIM


LVMA Equine Committee Professor and Director, Equine Health Studies Program, Department of Veterinary
Clinical Sciences, School of Veterinary Medicine, Louisiana State University, Baton Rouge, LA

Úlcera Gastrintestinal em Grandes Animais: Equinos

John A. Angelos, DVM, PhD, DACVIM


Associate Professor, Department of Medicine and Epidemiology, School of Veterinary Medicine, University of
California, Davis, CA

Ceratoconjuntivite Infecciosa

David A. Ashford, DVM, MPH, DSc


Assistant Area Director, International Services, APHIS, USDA, Amcogen Sao Paulo, APO, AA

Antraz

Rick Atwell, BVSc, PhD, FACVSc


Professor, Brisbane, Australia

Paralisia por Carrapato

Joerg A. Auer, DrMedVet, Dr h c, MS, DACVS, DECVS


Professor and Director, Equine Department, Vetsuisse Faculty, University of Zürich, Switzerland

Claudicação em Equinos: Anormalidades de Tarso e Metatarso

David G. Baker, DVM, MS, PhD, DACLAM


Director and Professor, Division of Laboratory Animal Medicine, School of Veterinary Medicine, Louisiana
State University, Baton Rouge, LA
Telazíase (Doença do Verme Ocular)

Alejandro Banda, DVM, MSc, PhD, DACPV, DACVM


Associate Clinical Professor of Avian Virology, Poultry Research and Diagnostic Laboratory, College of
Veterinary Medicine, Mississippi State University, Pearl, MS

Enterite Viral de Patos

Gad Baneth, DVM, PhD, DECVCP


Professor of Veterinary Medicine, School of Veterinary Medicine, Hebrew University, Rehovot, Israel

Leishmaniose

Lisa G. Barber, DVM, DACVIM (Oncology)


Assistant Professor, Cummings School of Veterinary Medicine, Tufts University, North Grafton, MA

Medicamentos Antineoplásicos

Thomas Barrett, MSc, PhD, Deceased


Professor, Institute for Animal Health, Pirbright Laboratory, Surrey, UK

Peste dos Pequenos Ruminantes, Peste Bovina

George M. Barrington, DVM, PhD, DACVIM


Associate Professor, Department of Veterinary Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Washington
State University, Pullman, WA

Introdução de Doenças Metabólicas, Paresia da Vaca Parturiente, Fotossensibilização, Tetania do Transporte


em Ruminantes

P.A. Barrow, PhD, DSc, FRCPath


Professor of Veterinary Infectious Diseases, School of Veterinary Medicine and Science, University of
Nottingham, Leicestershire, UK

Salmonelose

Joseph W. Bartges, DVM, PhD, DACVIM, DACVN


Professor of Medicine and Nutrition, The Acree Endowed Chair of Small Animal Research, Department of
Small Animal Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, University of Tennessee, Knoxville, TN

Procedimentos Diagnósticos para Laboratório Particular: Urinálise

Daniela Bedenice, DrVetMed, DACVIM, DACVECC


Assistant Professor, Cummings School of Veterinary Medicine, Tufts University, North Grafton, MA

Sepse em Potros

Sylvia J. Bedford­Guaus, DVM, PhD, DACT


Assistant Professor in Theriogenology, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine,
Cornell University, Ithaca, NY

Exame da Sanidade Reprodutiva de Machos

James K. Belknap, DVM, PhD, DACVS


Professor of Equine Surgery, Department of Veterinary Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Ohio
State University, Columbus, OH
Claudicação em Equinos: Afecção da Pata

Joachim Berchtold, DrVetMed, DECBHM


Bad Endorf, Germany

Síndrome da Vaca Caída

Alex J. Bermudez, DVM, MS, DACPV


Associate Professor, Department of Veterinary Pathobiology, College of Veterinary Medicine, University of
Missouri, Columbia, MO

Práticas de Manejo e Alimentação (Aves Domésticas), Intoxicações (Aves Domésticas)

Simon Bewg, BVSc


Principal Veterinary Officer, Biosecurity Queensland, Primary Industries and Fisheries, Department of
Employment, Economic Development and Innovation, Brisbane, Australia

Infecção pelo Vírus Hendra

J. Dürr Bezuidenhout, DVSc


Sinoville, South Africa

Síndrome da Sudorese

William G. Bickert, BS, MS, PhD


Professor Emeritus, Biosystems and Agricultural Engineering, Michigan State University, East Lansing, MI

Ventilação

Rob Bildfell, DVM, MSc, DACVP


Associate Professor, Department of Biomedical Sciences, College of Veterinary Medicine, Oregon State
University, Corvallis, OR

Coleta e Envio de Amostras ao Laboratório, Alcaloidose Pirrolizidina

William D. Black, MSc, DVM, PhD


Professor, Department of Biomedical Sciences, Ontario Veterinary College, University of Guelph, Guelph,
Ontario, Canada

Intoxicação por Pentaclorofenol

Pat Blackall, BSc, PhD


Senior Principal Research Scientist, Department of Primary Industries and Fisheries, Animal Research Institute,
Yeerongpilly, Australia

Coriza Infecciosa

Barry R. Blakley, DVM, PhD


Professor, Department of Veterinary Biomedical Sciences, Western College of Veterinary Medicine, University
of Saskatchewan, Saskatoon, Canada

Intoxicação por Cobre, Chumbo, Quercus e Sorgo

Shauna L. Blois, DVM, DVSc, DACVIM


Assistant Professor, Ontario Veterinary College, University of Guelph, Ontario, Canada
Doenças do Estômago e dos Intestinos: Vólvulo e Dilatação Gástrica, Neoplasia Gastrintestinal, Obstrução
Gastrintestinal, e Úlcera Gastrintestinal em Pequenos Animais e Infecção por Helicobacter em Cães e Gatos

Herman J. Boermans, DVM, MSc, PhD


Professor of Toxicology, Director Toxicology Program, Ontario Veterinary College, University of Guelph,
Ontario, Canada

Intoxicação por Flúor, Mercúrio, Metaldeído e Molibdênio

Carole Bolin, DVM, PhD


Director, Diagnostic Center for Population and Animal Health, College of Veterinary Medicine, Michigan State
University, Lansing, MI

Leptospirose

Steven R. Bolin, DVM, MS, PhD


Professor, Diagnostic Center for Population and Animal Health, College of Veterinary Medicine, Michigan State
University, Lansing, MI

Diarreia Viral Bovina e Complexo Doença da Mucosa

Rosemary J. Booth, BVSc


Principal Conservation Officer, Department of Environment and Resource Management, Queensland Parks and
Wildlife Services, Queensland, Australia

Pentauro do Açúcar

Dawn Merton Boothe, DVM, PhD, DACVIM, DACVCP


Professor, Department of Anatomy, Physiology, and Pharmacology, College of Veterinary Medicine, Auburn
University, Auburn, AL

Medicamentos Antibacterianos, Antifúngicos, Antivirais e Modificadores da Resposta Biológica, Introdução de


Quimioterapia, Introdução de Farmacologia

Davin J. Borde, DVM, DACVIM


(Cardiology)
Staff Cardiologist, Veterinary Heart Institute, Gainesville, FL

Anomalias Congênitas e Hereditárias do Sistema Cardiovascular

Jane C. Boswell, MA, VetMB, CertVA, CertES (Orth), DECVS, MRCVS


The Liphook Equine Hospital, Liphook, Hampshire, UK

Claudicação em Equinos: Anormalidades do Joelho

Joan S. Bowen, DVM


Bowen Mobile Veterinary Practice, Wellington, CO

Manejo da Reprodução: Cabras

R. Keith Bramwell, BS, MS, PhD


Associate Professor, Extension Breeder/Hatchery Management, Department of Poultry Science, University of
Arkansas, Fayetteville, AR

Inseminação Artificial

Joseph M. Bricker, MS, PhD


Associate Director, Vaccine Design Group, Pfizer Animal Health, Kalamazoo, MI

Erisipela (Aves Domésticas)

Steven P. Brinsko, DVM, MS, PhD, DACT


Associate Professor and Chief of Theriogenology, Department of Large Animal Clinical Sciences, College of
Veterinary Medicine and Biomedical Sciences, Texas A&M University, College Station, TX

Controle Hormonal do Estro

Scott A. Brown, VMD, PhD, DACVIM


Josiah Meigs Distinguished Professor and Head, Department of Small Animal Medicine and Surgery, College of
Veterinary Medicine, University of Georgia, Athens, GA

Doenças Não Infecciosas do Sistema Urinário de Pequenos Animais

Cecil F. Brownie, DVM, PhD, DABVT, DABT, DABFE, DABFM, FACFEI


Professor, Physiology and Pharmacology, School of Veterinary Medicine, St. George’s University; Director,
Veterinary Toxicology Laboratory, St. George’s University; Professor Emeritus, College of Veterinary Medicine,
North Carolina State University, Raleigh, NC

Plantas Tóxicas aos Animais, Cogumelos Tóxicos

David Bruyette, DVM, DACVIM


Medical Director, VCA West Los Angeles Animal Hospital, Los Angeles, CA

Glândulas Adrenais e Pâncreas

Marie S. Bulgin, DVM, MBA, DACVM


WI Program, Canine Veterinary Teaching Center, Department of Animal and Veterinary Science, University of
Idaho, Caldwell, ID

Claudicação em Ovinos, Scrapie

Kristine E. Burgess, MS, DVM, DACVIM (Oncology)


Assistant Professor, Cummings School of Veterinary Medicine, Tufts University, North Grafton, MA

Medicamentos Antineoplásicos

Ray Cahill, MS, DVM


Gloucester, MA

Intoxicação por Zinco

Robert J. Callan, DVM, MS, PhD, DACVIM


Professor, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine and Biomedical Sciences, Colorado
State University, Fort Collins, Co

Febre Catarral Maligna, Encefalomielite Bovina Esporádica

Ranald D. A. Cameron, BVSc, MVSc, PhD


Retired Associate Professor, School of Veterinary Sciences, University of Queensland, Brisbane, Australia

Epidermite Exsudativa, Paraqueratose, Pitiríase Rósea em Suínos

John Campbell, DVM, DVSc


Professor, Large Animal Clinical Sciences, Western College of Veterinary Medicine, University of
Saskatchewan, Saskatoon, Canada

Doenças Respiratórias de Bovinos

Wayne W. Carmichael, PhD


Professor Emeritus, Seaside, OR

Intoxicação por Algas

James W. Carpenter, MS, DVM, DACZM


Professor, Zoological Medicine, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Kansas State
University, Manhattan, KS

Peste Suína Africana

Christopher K. Cebra, VMD, MA, MS, DACVIM


Professor, Large Animal Medicine, College of Veterinary Medicine, Oregon State University, Corvallis, OR

Toxemia da Prenhez em Vacas

Sharon A. Center, DVM, DACVIM


Professor, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Cornell University, Ithaca, NY

Doença Hepática em Pequenos Animais

M. M. Chengappa, DVM, PhD, DACVM


Department Head, University Distinguished Professor, College of Veterinary Medicine, Kansas State University,
Manhattan, KS

Sepse Hemorrágica

Jens Peter Christensen, DVM, PhD


Associate Professor, Department of Veterinary Disease Biology, Faculty of Life Sciences, University of
Copenhagen, Frederiksberg, Denmark

Cólera Aviária, Riemerella Anatipestifer

Edwin Claerebout, DVM, PhD, DEVPC


Professor, Department of Virology, Parasitology and Immunology, Faculty of Veterinary Medicine, Ghent
University, Merelbeke, Belgium

Anti­helmínticos, Giardíase

Keith A. Clark, DVM, PhD


Retired Director, Zoonosis Control Division, Texas Department of Health, Austin, TX

Intoxicação por Sapo

Peter Clegg, MA, VetMB, PhD, CertEO, DECVS, MRCVS


Professor of Equine Surgery, Veterinary Teaching Hospital, School of Veterinary Sciences, University of
Liverpool, Neston, UK

Claudicação em Equinos: Anormalidades Coxofemorais

Johann (Hans) Coetzee, BVSc, CertCHP, PhD, DACVCP


Assistant Professor, Veterinary Clinical Sciences, Kansas State University, Manhattan, KS
Farmacoterapia Sistêmica do Sistema Digestório de Ruminantes

Stephen R. Collett, BSc, BVSc, MMedVet


Assistant Professor, Poultry Diagnostic and Research Center, College of Veterinary Medicine, University of
Georgia, Athens, GA

Síndrome da Morte Súbita em Frangos

Michael T. Collins, DVM, PhD, DACVM


Professor of Microbiology, Department Pathobiological Sciences, School of Veterinary Medicine, University of
Wisconsin­Madison, Madison, WI

Paratuberculose

Peter D. Constable, BVSc (Hons), MS, PhD, DACVIM


Professor and Head, Department of Veterinary Clinical Sciences, Purdue University, West Lafayette, IN

Necrose da Gordura Abdominal, Obstrução Intestinal Aguda em Grandes Animais, Cistite e Pielonefrite
Bovina, Coccidiose, Criptosporidiose, Doenças do Abomaso, Anormalidades do Metabolismo de Potássio,
Sobrecarga Alimentar por Grãos, Paresia de Ovelhas e Cabras Parturientes, Indigestão Simples,
Reticuloperitonite Traumática, Indigestão Vagal

Robert W. Coppock, BS, DVM, MS, PhD, DABVT, DABT


President and CEO, Robert W. Coppock, DVM, Toxicologist and Associate Ltd., Vegreville, Alberta, Canada

Intoxicação Persistente por Aromáticos Halogenados

Susan M. Cotter, DVM, DACVIM (Small Animal, Oncology)


Distinguished Professor of Clinical Sciences Emerita, Cummings School of Veterinary Medicine, Tufts
University, North Grafton, MA

Grupos Sanguíneos e Transfusão de Sangue, Introdução do Sistema Hematopoético

Laurent M. Couetil, DVM, PhD, DACVIM (Large Animal)


Professor, Large Animal Medicine, School of Veterinary Medicine, Purdue University, West Lafayette, IN

Enfisema Pulmonar

Andrew L. Crawford, BVetMed, CertES (Orth), MRCVS


Equine Referral Hospital, Royal Veterinary College, Hawkshead Campus, Herts, UK

Claudicação em Equinos: Anormalidades de Boleto e Quartela

Kate E. Creevy, DVM, MS, DACVIM


Assistant Professor, Small Animal Internal Medicine, College of Veterinary Medicine, University of Georgia,
Athens, GA

Cinomose Canina, Infecção por Herpesvírus Canina, Hepatite Canina Infecciosa

Rocio Crespo, DVM, MSc, DVSc, DACPV


Associate Professor, Avian Health and Food Safety Laboratory, Washington Animal Disease Diagnostic
Laboratory, Washington State University, Puyallup, WA

Deposição de Urato (Gota)

Gary L. Cromwell, PhD


Professor, Department of Animal and Food Sciences, University of Kentucky, Lexington, KY
Intoxicação de Leitões Neonatos por Ferro, Nutrição: Suínos

Suzanne M. Cunningham, DVM, DACVIM (Cardiology)


Assistant Professor of Cardiology, Department of Clinical Sciences, Cummings School of Veterinary Medicine,
Tufts University, North Grafton, MA

Doença Cardíaca e Insuficiência Cardíaca

Autumn P. Davidson, DVM, MS, DACVIM


Clinical Professor, Department of Medicine and Epidemiology, VMTH Small Animal Clinic, School of
Veterinary Medicine, University of California, Davis, CA

Manejo da Reprodução: Pequenos Animais

Sherrill Davison, VMD, MS, MBA, DACPV


Associate Professor, Avian Medicine and Pathology, New Bolton Center, University of Pennsylvania, Kennett
Square, PA

Salmonelose (Aves Domésticas)

Scott A. Dee, DVM, MS, PhD, DACVM


Professor, College of Veterinary Medicine, University of Minnesota, St. Paul, MN

Interação Manejo­Sanidade: Suínos, Síndrome da Orelha Necrosada em Suínos, Complexo Cistite­Pielonefrite


Suíno, Síndrome Respiratória e Reprodutiva Suína, Pseudorraiva, Doenças Respiratórias de Suínos

John Deen, DVM, MSc, PhD, DABVP


Associate Professor, College of Veterinary Medicine, University of Minnesota, St. Paul, MN

Úlceras Gastrintestinais em Grandes Animais: Suínos

Alice Defarges, DVM, MSc, DACVIM


Assistant Professor in Internal Medicine, Ontario Veterinary College, University of Guelph, Ontario, Canada

Doenças do Estômago e Intestinos: Colite, Constipação Intestinal e Obstipação, Doença Intestinal Inflamatória

Fabio Del Piero, DVM, DACVP, PhD


Associate Professor of Pathology, Department of Pathobiology and Department of Clinical Studies, School of
Veterinary Medicine, New Bolton Center, University of Pennsylvania, Kennett Square, PA

Anomalias Congênitas e Hereditárias do Sistema Respiratório

Sagi Denenberg, DVM


North Toronto Animal Clinic, Thornhill, Ontario, Canada

Comportamento Social Normal e Problemas de Comportamento em Animais Domésticos

Jean­Marie Denoix, DVM, PhD, Agregé


CIRALE­ENVA, Goustranville, France

Claudicação em Equinos: Anormalidades do Dorso e da Pelve

R. Page Dinsmore, DVM, DABVP (Food Animal)


Associate Professor, College of Veterinary Medicine and Biomedical Sciences, Colorado State University, Fort
Collins, CO

Interação Manejo­Sanidade: Rebanhos Leiteiros


Stephen J. Divers, BVetMed, DZooMed, DACZM, DECZM (Herpetology), FRCVS
Professor of Zoological Medicine, Department of Small Animal Medicine and Surgery, College of Veterinary
Medicine, University of Georgia, Athens, GA

Répteis

Thomas J. Divers, DVM, DACVIM, DACVECC


Professor of Medicine, College of Veterinary Medicine, Cornell University, Ithaca, NY

Doenças Não Infecciosas do Sistema Urinário de Grandes Animais

John E. Dohms, PhD


Professor, Department of Animal and Food Sciences, University of Delaware, Newark, DE

Botulismo (Aves Domésticas)

Thomas M. Donnelly, BVSc, DACLAM


The Kenneth S. Warren Institute, Ossining, NY

Roedores

Patricia M. Dowling, DVM,MSc, DACVIM, DACVCP


Professor, Veterinary Clinical Pharmacology, Western College of Veterinary Medicine, University of
Saskatchewan, Saskatoon, Canada

Farmacoterapia Sistêmica do Sistema Digestório de Monogástricos, Farmacoterapia Sistêmica do Sistema


Muscular, Farmacoterapia Sistêmica do Sistema Respiratório, Farmacoterapia Sistêmica do Sistema Urinário

Michael W. Dryden, DVM, PhD


E. J. Frick Professor of Veterinary Medicine, Department of Diagnostic Medicine/Pathobiology, Kansas State
University, Manhattan, KS

Quimioterápicos para Ectoparasitas Utilizados em Pequenos Animais

J. P. Dubey, MVSc, PhD


Microbiologist, Animal Parasitic Diseases Laboratory, Animal and Natural Resources Institute, USDA,
Beltsville, MD

Toxoplasmose

Rebecca S. Duerr, DVM, MPVM


Staff Veterinarian, International Bird Rescue Research Center, Cordelia, CA

Manejo do Neonato: Cuidados com Mamíferos e Pássaros Nativos Órfãos

Gregg A. DuPont, DVM, Fellow AVD, DAVDC


Co­owner, Shoreline Veterinary Dental Clinic, Seattle, WA

Odontologia em Pequenos Animais, Doenças da Boca em Pequenos Animais

Neil W. Dyer, DVM, MS, DACVP


Director and Pathologist, Veterinary Diagnostic Laboratory, North Dakota State University, Fargo, ND

Pneumonia por Aspiração, Pneumonia Micótica

Jack Easley, DVM, MS, DABVP (Equine)


Equine Veterinary Practice, LLC, Shelbyville KY
Odontologia em Grandes Animais

Mahmoud El­Begearmi, PhD


Extension Professor of Nutrition and Food Safety, Cooperative Extension, University of Maine, Orono, ME

Necessidades Nutricionais de Aves Domésticas

Steve Ensley, DVM, PhD


Veterinary Toxicologist, Iowa State University, Ames, IA

Introdução à Toxicologia

R. J. Erskine, DVM, PhD


Professor, Department of Large Animal Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Michigan State
University, East Lansing, MI

Mastite em Grandes Animais

Paul Ettestad, DVM, MS


State Public Health Veterinarian, Epidemiology and Response Division, New Mexico Department of Health,
Santa Fe, NM

Peste

S. A. Ewing, DVM, PhD


Wendell H. and Nellie G. Krull Professor Emeritus of Veterinary Parasitology, Department of Veterinary
Pathobiology, Oklahoma State University, Stillwater, OK

Hemoparasitas: Hepatozoonose e Hepatozoonose Canina Americana

Aly M. Fadly, DVM, PhD, DACPV


Research Leader and Laboratory Director, Avian Disease Oncology Laboratory, USDA­ARS, East Lansing, MI

Neoplasias (Aves Domésticas)

Timothy M. Fan, DVM, PhD, DACVIM


Assistant Professor, Department of Veterinary Clinical Medicine, University of Illinois, Urbana, IL

Linfoma Maligno Canino

Hume Field, BVSc, MSc, PhD, MACVS


Principal Veterinary Epidemiologist, Biosecurity Queensland, Department of Employment, Economic
Development and Innovation, Brisbane, Australia

Infecção Pelo Vírus Hendra

Margaret Finlay, BVMS, MRCVS


Faculty of Veterinary Medicine, Department of Veterinary Pathology, University of Glasgow, Scotland, UK

Tumores da Pele e de Tecido Mole: Sarcoide Equino

Scott D. Fitzgerald, DVM, PhD, DACVP, DACPV


Professor, Department of Pathobiology and Diagnostic Investigation, College of Veterinary Medicine, Michigan
State University, East Lansing, MI

Anomalias Congênitas e Hereditárias do Sistema Urinário, Infecção pelo Vírus do Oeste do Nilo em Aves
Domésticas
James A. Flanders, DVM, DACVS
Associate Professor, College of Veterinary Medicine, Cornell University, Ithaca, NY

Doenças de Próstata

Sherrill A. Fleming, DVM, DACVIM, DABVP


Associate Professor, Food and Animal Medicine, College of Veterinary Medicine, Mississippi State University,
Mississippi State, MS

Pasteurelose em Ovinos e Caprinos

Mark T. Fox, BVetMed, PhD, FHEA, DEVPC, MRCVS


Senior Lecturer in Veterinary Parasitology, Department of Pathology and Infectious Diseases, Royal Veterinary
College, University of London, UK

Parasitos Gastrintestinais de Ruminantes

Ruth Francis­Floyd, DVM, MS, DACZM


Professor, Department of Large Animal Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, University of
Florida, Gainesville, FL

Peixes

Don A. Franco, DVM, MPH, DACVPM


Retired President, Center for Biosecurity Food Safety and Public Health, Lake Worth, FL

Porfiria Eritropoética Congênita

Laurie J. Gage, DVM, DACZM


Large Cat Specialist, USDA APHIS Animal Care, Napa, CA

Manejo do Neonato: Cuidados com Mamíferos e Aves Nativas Órfãs

Maricarmen Garcia, BS, MS, PhD


Associate Professor, Poultry Diagnostic and Research Center, Department of Population and Health, College of
Veterinary Medicine, University of Georgia, Athens, GA

Laringotraqueíte Infecciosa

Tam Garland, DVM, PhD, DABVT


Garland, Bailey & Associates, College Station, TX

Intoxicação por Arsênio

Jack M. Gaskin, DVM, PhD, DACVM


Associate Professor Emeritus, Department of Infectious Disease and Pathology, College of Veterinary Medicine,
University of Florida, Gainesville, FL

Encefalomiocardite Viral

Clive C. Gay, DVM, MVSc, DVSc (Hons), FACVSc, DACIM (Hons)


Professor Emeritus, Department of Veterinary Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Washington
State University, Pullman, WA

Timpanismo em Ruminante, Colisepticemia, Doenças Intestinais em Ruminantes, Síndrome do Jejuno


Hemorrágico, Interação Manejo­Sanidade: Ovinos, Abscesso Hepático em Bovinos
Kirk N. Gelatt, VMD
Distinguished Professor, Department of Small Animal Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine,
University of Florida, Gainesville, FL

Neoplasia do Olho e Estruturas Associadas, Emergências Oftálmicas, Oftalmologia

Gertruida H. Gerdes, BVSc


Acting Head, Department of Virology, ARC­Onderstepoort Veterinary Institute, Onderstepoort, South Africa

Febre do Vale Rift, Doença de Wesselsbron

Thomas Geurden, DVM, PhD, DEVPC

Department of Virology, Parasitology and Immunology, Faculty of Veterinary Medicine, Ghent University,
Merelbeke, Belgium

Giardíase

Paul Gibbs, BVSc, PhD, FRCVS


Professor of Virology, Department of Infectious Diseases and Pathology, College of Veterinary Medicine,
University of Florida, Gainesville, FL

Doenças Tipo Varíola

Thomas W. G. Gibson, BSc, BEd, DVM, DACVS


Assistant Professor, Department of Clinical Studies, Ontario Veterinary College, University of Guelph, Ontario
Canada

Doenças de Estômago e Intestino: Vólvulo e Dilatação Gástrica, Obstrução Gastrintestinal

Robert O. Gilbert, BVSc, MMedVet, DACT, MRCVS


Professor, Reproductive Medicine, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Cornell
University, Ithaca, NY

Metrite em Grandes Animais, Retenção de Membranas Fetais em Grandes Animais, Farmacoterapia Sistêmica
do Sistema Reprodutor, Vulvite e Postite Ulcerativa, Eversão e Prolapso Uterino, Prolapso Cervical e Vaginal,
Vulvite e Vaginite

Alan Glazer, DVM, DACVIM


New England Animal Medical Center, West Bridgewater, MA

Doenças do Esôfago de Pequenos Animais

Eric Gonder, DVM, MS, PhD, DACPV


Veterinarian, Goldsboro Milling Company, Goldsboro, NC

Papo Penduloso

John R. Gorham, DVM, PhD


Professor, College of Veterinary Medicine, Washington State University, Pullman, WA

Vison

Louis Norman Gotthelf, DVM


Animal Hospital of Montgomery, Montgomery Pet Skin and Ear Clinic, Montgomery, AL

Tumores do Canal Auricular


Richard E. Gough, FIMLS, CBiol, MIBiol
Consultant in Avian Virology, Central Veterinary Laboratory, New Haw, Weybridge, Surrey, UK

Parvovirose em Gansos

Daniel H. Gould, DVM, PhD, DACVP


Professor Emeritus of Pathology, Department of Microbiology, Immunology and Pathology, College of
Veterinary Medicine and Biomedical Sciences, Colorado State University, Fort Collins, CO

Polioencefalomalácia

Gregory F. Grauer, DVM, MS, DACVIM


Professor and Jarvis Chair of Medicine, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine,
Kansas State University, Manhattan, KS

Intoxicação por Etilenoglicol

Deborah S. Greco, DVM, PhD, DACVIM


Senior Research Scientist, Nestle Purina PetCare, New York, NY

Glândula Pituitária

Paul R. Greenough, FRCVS


Professor Emeritus of Veterinary Surgery, Western College of Veterinary Medicine, University of
Saskatchewan, Saskatoon, Canada

Claudicação em Bovinos

Irene Greiser­Wilke, Dr rer nat


Professor, Department of Infectious Diseases, EU Reference Laboratory for Clasical Swine Fever, Institute of
Virology, University of Veterinary Medicine, Hannover, Germany

Febre Suína Clássica

Walter Gruenberg, DrMedVet, MS, PhD, DECAR, DECBHM


Assistant Professor, Department of Farm Animal Health, Utrecht University, Utrecht, The Netherlands

Anormalidades do Metabolismo de Fósforo, Distrofias Associadas ao Cálcio, Fósforo e Vitamina D, Doença do


Fígado Gorduroso em Bovinos

Jorge Guerrero, DVM, PhD, DEVPC (Ret)


Adjunct Professor of Parasitology, Department of Pathobiology, School of Veterinary Medicine, University of
Pennsylvania, Philadelphia, PA

Dirofilariose

P. K. Gupta, BVSc, MSc, VM &AH (Gold Medalist), PhD, Post Doc, PGDCA, FNA, VS, FASc, AW, FST,
FAEB, FACVT
Director, Toxicology Consulting Services, Inc.; and Former Chief, Division of Pharmacology & Toxicology,
(IVRI) and Advisor to WHO, Bareilly, India

Intoxicação por Herbicida

Ramesh C. Gupta, DVM, MVSc, PhD, DABT, FACT, FATS


Professor and Head, Toxicology Department, Breathitt Veterinary Center, Murray State University,
Kopkinsville, KY
Intoxicação por Inseticida e Acaricida (Orgânico)

James S. Guy, DVM, PhD


Professor, Department of Population Health and Pathobiology, College of Veterinary Medicine, North Carolina
State University, Raleigh, NC

Enterite por Coronavírus em Perus, Encefalite Viral

Sharon M. Gwaltney­Brant, DVM, PhD, DABVT, DABT


Vice President and Medical Director, A.S.P.C.A. Animal Poison Control Center, Urbana, IL

Riscos Alimentares, Riscos Domiciliares, Acidente Ofídico

Carlton L. Gyles, DVM, PhD, FCAHS


Professor Emeritus, Department of Pathobiology, Ontario Veterinary College, University of Guelph, Ontario,
Canada

Doença do Edema

Caroline N. Hahn, DVM, MSc, PhD, DECEIM, DECVN, MRCVS


Senior Lecturer in Veterinary Clinical Neuroscience, Royal (Dick) School of Veterinary Studies, University of
Edinburgh, Midlothian, UK

Disautonomia

Daniel J. Hall, VMD


Cardiology Resident, Tufts Cummings School of Veterinary Medicine, North Grafton, MA

Doença Cardíaca e Insuficiência Cardíaca

Edward J. Hall, MA, VetMB, PhD, DECVIM­CA


Professor of Small Animal Internal Medicine, Department of Clinical Veterinary Science, University of Bristol,
Bristol, UK

Síndrome da Má Absorção em Pequenos Animais

Jean A. Hall, DVM, PhD, DACVIM


Professor, Department of Biomedical Sciences, College of Veterinary Medicine, Oregon State University,
Corvallis, OR

Hipocalcemia Puerperal em Pequenos Animais

Jeffery O. Hall, DVM, PhD, DABVT


Professor and Head of Diagnostic Toxicology, Utah State University, Logan, UT

Intoxicação por Selênio

Christopher Hamblin, CBiol, MSB


Hampshire, UK

Febre Efêmera

Reid Hanson, DVM, DACVS, DACVECC


Professor of Surgery, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Auburn University,
Auburn AL

Anomalias Congênitas e Hereditárias do Sistema Musculoesquelético


Joseph Harari, MS, DVM, DACVS
Staff Surgeon, Veterinary Surgical Specialists, Spokane, WA

Artropatias e Distúrbios Relacionados em Pequenos Animais, Claudicação em Pequenos Animais, Miopatias


em Pequenos Animais, Osteopatias em Pequenos Animais

Billy M. Hargis, DVM, PhD, DACPV


Professor and Director, JKS Poultry Health Research Laboratory, University of Arkansas; Tyson Sustainable
Poultry Health Chair, Department of Poultry Science, University of Arkansas, Fayetteville, AR

Síndrome Ascite, Doença do Coração Redondo em Perus

D. L. Hank Harris, DVM, PhD


Professor, Department of Animal Science, Department of Veterinary Diagnostics and Production Animal
Medicine, Iowa State University, Ames, IA

Doença Intestinal em Suínos

Lynette A. Hart, PhD


Professor, School of Veterinary Medicine, University of California, Davis, CA

Relação Homem­Animal

Katrin Hartmann, DECVIM­CA, DrMedVet, DrMedVetHabil


Professor, Clinic of Small Animal Medicine, LMU University of Munich, Germany

Pleurite e Peritonite Infecciosa Felina

Joe Hauptman, DVM, MS, DACVS


Professor of Surgery, Veterinary Teaching Hospital, Michigan State University, East Lansing, MI

Hérnia Diafragmática

Jan F. Hawkins, DVM, DACVS


Associate Professor, Department of Veterinary Clinical Sciences, School of Veterinary Medicine, Purdue
University, West Lafayette, IN

Doenças do Esôfago em Grandes Animais, Doença da Boca em Grandes Animais, Paralisia de Faringe,
Faringite

Marcus J. Head, BVetMed, MRCVS


Rossdales Diagnostic Centre, NewMarket, UK

Claudicação em Equinos: Anormalidades do Ombro e Cotovelo

Peter W. Hellyer, DVM, MS, DACVA


Associate Dean for the Professional Veterinary Medical Program, College of Veterinary Medicine & Biomedical
Sciences, Colorado State University, Fort Collins, CO

Controle da Dor

Charles M. Hendrix, DVM, PhD


Professor, Department of Pathobiology, College of Veterinary Medicine, Auburn University, Auburn, AL

Doenças do Sistema Nervoso Central Causadas por Helmintos e Artrópodes, Procedimentos Diagnósticos para
Laboratórios Particulares: Parasitologia, Pulgas, Artrópodes Venenosos
Thomas H. Herdt, DVM, MS, DACVN, DACVIM
Professor, Department of Large Animal Clinical Sciences and Diagnostic Center for Population and Animal
Health, Michigan State University, Lansing, MI

Cetose em Bovinos, Nutrição: Bovinos Leiteiros

Karen Hicks­Alldredge, DVM


Sweetwater Veterinary Hospital, Sweetwater, TX

Ratitas

Michael A. Hill, BVetMed, MS, PhD, MRCVS


Associate Professor of Swine Production Medicine, Veterinary Clinical Sciences, School of Veterinary
Medicine, Purdue University, West Lafayette, IN

Claudicação em Suínos

W. Mark Hilton, DVM, DABVP


Clinical Associate Professor, Veterinary Clinical Sciences, School of Veterinary Medicine, Purdue University,
West Lafayette, IN

Interação Manejo­Sanidade: Bovinos de Corte

Katrin Hinrichs, DVM, PhD, DACT


Professor and Patsy Link Chair in Mare Reproduction, Department of Veterinary Physiology and Pharmacology,
College of Veterinary Medicine and Biomedical Sciences, Texas A&M University, College Station, TX

Clonagem de Animais Domésticos

J. Christopher Hodgson, BSc, PhD, MBA


Principal Research Scientist, Moredun Research Institute, Penicuik, UK

Doença da Boca Úmida em Cordeiros

Frederic J. Hoerr, DVM, PhD, DACVP, DACPV


Laboratory Director, Thompson Bishop Sparks State Diagnostic Laboratory, Auburn, AL

Vesículas de Peito, Canibalismo (Aves Domésticas), Micotoxicose (Aves Domésticas)

Charles L. Hofacre, DVM, MAM, PhD, DACPV


Professor of Population Health, Director of Clinical Services, College of Veterinary Medicine, University of
Georgia, Athens, GA

Encefalomielite Aviária, Enterite Necrótica

Daniel F. Hogan, DVM, DACVIM (Cardiology)


Associate Professor, Chief, Comparative Cardiovascular Medicine and Interventional Cardiology, School of
Veterinary Medicine, Purdue University, West Lafayette, IN

Introdução do Sistema Cardiovascular, Doença Cardíaca e Insuficiência Cardíaca: Diagnóstico, Trombose,


Embolia e Aneurisma

Steven R. Hollingsworth, DVM, DACVO


Associate Professor of Clinical Ophthalmology, Department of Surgical and Radiological Sciences, School of
Veterinary Medicine, University of California, Davis, CA

Uveíte Recidivante Equina


Peter H. Holmes, BVMS, PhD, Dr HC, FRCVS, FRSE, OBE
Emeritus Professor and Former Vice­Principal, Faculty of Veterinary Medicine, University of Glasgow,
Scotland, UK

Tripanossomíase

Timothy N. Holt, DVM


Assistant Professor, Clinical Sciences, Food Animal Department, College of Veterinary Medicine and
Biomedical Sciences, Colorado State University, Fort Collins, CO

Doença de Altitude Elevada

Michael J. Huerkamp, DVM, DACLAM


Director, Division of Animal Resources, Emory University; Professor, Pathology and Laboratory Medicine,
Emory University, Atlanta, GA

Animais de Laboratório

Basil O. Ikede, BVetMed, DVM, PhD, FCVSN


Retired Professor and Chair, Department of Pathology and Microbiology, Atlantic Veterinary College,
University of Prince Edward Island, Prince Edward Island, Canada

Febre Petequial Bovina

Tadao Imada, DVM, PhD


Retired Research Manager, Kyusyu Research Station, National Institute of Animal Health, Chuzan Kagoshima,
Japan

Nefrite Viral Aviária

Walter Ingwersen, DVM, DVSc, DACVIM


Specialist, Companion Animals, Boehringer Ingelheim (Canada) Ltd, Vetmedica, Burlington, Ontario, Canada

Anomalias Congênitas e Hereditárias do Sistema Digestório

Evelyn S. Ivey, DVM, DABVP


Staff Veterinarian, Four Corners Veterinary Hospital, Concord, CA

Peste Suína Africana

Peter G. G. Jackson, MA, BVM&S, DVM&S, FRCVS


St. Edmund’s College, University of Cambridge, Cambridge, UK

Gestação Prolongada em Vacas e Ovelhas

Mark W. Jackwood, PhD


Professor, Department of Population Health, College of Veterinary Medicine, University of Georgia, Athens,
GA

Bordetelose (Aves Domésticas)

Eugene D. Janzen, DVM, MVS


Assistant Dean, Clinical Practice, Community Partnerships, Faculty of Veterinary Medicine, University of
Calgary, Alberta, Canada

Histofilose, Eletrocussão e Choque por Raio, Tricomoníase


Cheri A. Johnson, DVM, MS, DACVIM (Small Animal)
Professor, Department of Small Animal Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Michigan State
University, East Lansing, MI

Tumor Venéreo Transmissível em Cães, Doenças Reprodutivas de Machos em Pequenos Animais

LaRue W. Johnson, DVM, PhD


Professor Emeritus, Colorado State University, Fort Collins, CO

Lhamas e Alpacas

Richard C. Jones, BSc, PhD, DSc, FRCPath


Emeritus Professor, School of Veterinary Science, University of Liverpool, Leahurst, Neston, Wirral, UK

Síndrome da Má Absorção (Aves Domésticas), Artrite Viral

Wayne K. Jorgensen, BSc, PhD


Senior Principal Research Scientist (Parasitology), Department of Primary Industries and Fisheries, Queensland,
Australia

Babesiose

Maureen H. Kemp, BVMS, MVM, PhD, DCHP, DECBHM, MRCVS


Upper Mulben, Mulben, Keith, Banffshire

Doenças da Laringe

Robert J. Kemppainen, DVM, PhD


Professor, Department of Anatomy, Physiology & Pharmacology, College of Veterinary Medicine, Auburn
University, Auburn, AL

Introdução do Sistema Endócrino

Morag G. Kerr, BVMS, BSc, PhD, Cbiol, FIBiol, MRCVS


SAC Veterinary Services, Midlothian, Scotland, UK

Procedimentos Diagnósticos Para Laboratório Particular: Hematologia e Bioquímica Clínica

Safdar A. Khan, DVM, MS, PhD, DABVT


Director of Toxicology Research, ASPCA Animal Poison Control Center, Urbana, IL

Intoxicação por Estricnina, Intoxicação por Drogas Ilícitas e que Provocam Dependência, Intoxicação por
Medicamentos Vendidos sem Prescrição, Intoxicação por Medicamentos com Prescrição

Daniel J. King, DVM, PhD


Veterinary Medical Officer (retired), USDA­ARS, Southeast Poultry Research Laboratory, Athens, GA

Doença de Newcastle

Rebecca Kirby, DVM, DACVIM,


DACVECC
Executive Director, Animal Emergency Center, Glendale, WI

Introdução de Medicina Emergencial, Avaliação e Tratamento Inicial do Paciente Emergencial, Fluidoterapia,


Procedimentos de Monitoramento Para Animal Gravemente Enfermo, Terapia e Diagnóstico Específico

Peter D. Kirkland, BVSc, PhD


Senior Principal Research Scientist, OIC, Virology Laboratory, Elizabeth Macarthur Agriculture Institute,
Menangle, NSW, Australia

Infecção Pelo Vírus Akabane

Mark D. Kittleson, DVM, PhD, DACVIM (Cardiology)


Professor, Department of Medicine and Epidemiology, School of Veterinary Medicine, University of California,
Davis, CA

Doença Cardíaca e Insuficiência Cardíaca: Doenças Específicas

Kirk C. Klasing, BS, MS, PhD


Professor of Animal Biology, Department of Animal Science, University of California, Davis, CA

Necessidades Nutricionais (Aves Domésticas)

Thomas R. Klei, PhD


Boyd Professor and Associate Dean for Research and Advanced Studies, School of Veterinary Medicine and
Louisiana Agriculture Experiment Station, Louisiana State University, Baton Rouge, LA

Parasitos Gastrintestinais de Equinos, Helmintos da Pele

Nick J. Knowles, MPhil


Institute for Animal Health, Pirbright Laboratory, Woking, Surrey, UK

Doença Vesicular Suína, Encefalomielite por Teschovírus, Exantema Vesicular em Suínos

Deborah T. Kochevar, DVM, PhD, DACVCP


Dean, Cummings School of Veterinary Medicine, Tufts University, North Grafton, MA

Medicamentos Antineoplásicos

Michelle Kopcha, DVM, MS


Associate Professor, Food Animal Medicine and Surgery, College of Veterinary Medicine, Michigan State
University, East Lansing, MI

Doenças Respiratórias de Ovinos e Caprinos

Sarah E. Kraiza, DVM, DACVIM


(Oncology)
Travelers Rest, SC

Anemia

Annemarie T. Kristensen, DVM, PhD, DACVIM (Small Animal), DECVIM­CA & Oncology
Professor of Small Animal Clinical Oncology, Department of Small Animal Clinical Sciences, Faculty of Life
Sciences, University of Copenhagen, Frederiksberg, Denmark

Anormalidades Hemostáticas

T. G. Ksiazek, DVM, PhD


Professor, Galveston National Laboratory, Department of Pathology, and Department of Microbiology and
Immunology, University of Texas Medical Branch, Galveston, TX

Febre Hemorrágica de Crimean­Congo, Infecção Pelo Vírus Nipah

Ned F. Kuehn, DVM, MS, DACVIM


Section Chief, Internal Medicine, Michigan Veterinary Specialists, Southfield, MI

Introdução do Sistema Respiratório, Doenças Respiratórias de Pequenos Animais

Mahesh C. Kumar, BVSc, MS, PhD, DACPV


Consultant, Poultry Health & Food Safety, St. Cloud, MN

Aneurisma Dissecante

Nina Yu­Hsin Kung, BVM, BVSc, MSc, PhD


Senior Veterinary Officer, Department of Employment, Economic Development and Innovation, Biosecurity
Queensland, Brisbane, Australia

Infecção pelo Vírus Hendra

Robert A. Kunkle, DVM, PhD


Veterinary Medical Officer, National Animal Disease Center, USDA­ARS, Ames, IA

Aspergilose (Aves Domésticas)

Gary Landsberg, BSc, DVM, MRCVS, DACVB, DECVBM­CA


Veterinary Behaviorist, North Toronto Animal Clinic, Thornhill, Ontario, Canada

Introdução Sobre Comportamento, Comportamento Social Normal e Problemas de Comportamento em Animais


Domésticos

Jimmy C. Lattimer, DVM, MS, DACVR, DACVRO


Associate Professor, Veterinary Medicine and Surgery, Veterinary Medical Teaching Hospital, University of
Missouri, Columbia, MO

Diagnóstico por Imagem, Radioterapia

D. Bruce Lawhorn, DVM, MS


Visiting Professor, Swine Practice, Food Animal Section, Department of Veterinary Large Animal Clinical
Sciences, College of Veterinary Medicine and Biomedical Sciences, Texas A&M University, College Station,
TX

Porco Vietnamita (Potbellied)

Dennis F. Lawler, DVM


O’Fallon, IL

Manejo do Neonato em Pequenos Animais

Margie D. Lee, DVM, PhD


Professor of Population Health, Poultry Diagnostic and Research Center, College of Veterinary Medicine,
University of Georgia, Athens, GA

Campilobacteriose Aviária, Colibacilose (Aves Domésticas)

Steven Leeson, PhD


Professor, Department of Animal and Poultry Science, University of Guelph, Ontario, Canada

Síndrome do Fígado Gorduroso, Deficiências Nutricionais (Aves Domésticas)

Nicholas W. Lerche, DVM, MPVM


Professor, Department of Medicine and Epidemiology, School of Veterinary Medicine, University of California;
Associate Director for Primate Services, California National Primate Research Center, University of California,
Davis, CA

Primatas Não Humanos

Michael L. Levin, PhD


Rickettsial Zoonoses Branch, Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, GA

Carrapatos

Alicja E. Lew­Tabor, BSc (Hons), PhD


Principal Research Scientist (Molecular Biology), Agri­Science QLD, Department of Employment, Economic
Development and Innovation, Brisbane, Queensland, Australia

Anaplasmose

David H. Ley, DVM, PhD, DACVM, DACPV


Professor, Department of Population Health and Pathobiology, College of Veterinary Medicine, North Carolina
State University, Raleigh, NC

Micoplasmose

Teresa L. Lightfoot, DVM, DABVP (Avian)


Chair, Avian and Exotics Department, Florida Veterinary Specialists, Tampa, FL

Pássaros de Estimação, Nutrição: Pássaros

Andrew Linklater, DVM, DACVECC


Clinical Instructor, Animal Emergency Center and Specialty Services, Milwaukee, WI

Introdução à Medicina Emergencial, Avaliação e Tratamento Inicial do Paciente em Emergência,


Fluidoterapia, Procedimentos de Monitoramento do Animal Gravemente Enfermo, Terapia e Diagnóstico
Específico

John E. Lloyd, BS, PhD


Professor Emeritus of Entomology, University of Wyoming, Laramie, WY

Berne e Piolhos em Bovinos

Jeanne Lofstedt, BVSc, MS, DACVIM (Large Animal)


Professor of Large Animal Internal Medicine, Department of Health Management, Atlantic Veterinary College,
University of Prince Edward Island, Charlottetown, Prince Edward Island, Canda

Síndrome Artrite­Encefalite Caprina, Laringite Necrótica, Disenteria de Inverno

Maureen T. Long, DVM, PhD, DACVIM


Associate Professor, Department of Infectious Diseases and Pathology, College of Veterinary Medicine,
University of Florida, Gainesville, FL

Encefalomielite Equina, Meningite e Encefalite

Michael R. Loomis, DVM, MA, DACZM


Chief Veterinarian, North Carolina Zoological Park, Asheboro, NC

Animais de Zoológico

Ingrid Lorenz, DrMedVet, DrMedVetHabil, DECBHM


Lecturer in Bovine Medicine, School of Agriculture, Food Science and Veterinary Medicine, University College
Dublin, Ireland

Goteira Ruminal, Paracetose Ruminal

Bertrand J. Losson, DVM, PhD, DEVPC


Professor, Department of Parasitology and Parasitic Diseases, Faculty of Veterinary Medicine, University of
Liege, Belgium

Sarna em Grandes Animais

Jodie Low Choy, BVMS


Veterinary, Palmerston, Northern, Territory, Australia

Melioidose

Katharine F. Lunn, BVMS, MS, PhD, MRCVS, DACVIM


Assistant Professor, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine and Biomedical Sciences,
Colorado State University, Fort Collins, CO

Febre de Origem Desconhecida

Robert J. Mackay, BVSc, PhD


Professor, Large Animal Medicine, Department of Large Animal Clinical Sciences, College of Veterinary
Medicine, University of Florida, Gainesville, FL

Mieloencefalite Protozoária Equina

Charles Mackenzie, BVSc, BSc, PhD, FRCVS, FRCPath, DEd


Professor, Department of Pathobiology and Diagnostic Investigation, Michigan State University, East Listening,
MI

Besnoitiose

Kenneth S. Macklin, PhD


Associate Professor and Extension Specialist, Department of Poultry Science, Auburn University, Auburn, AL

Helmintíase

John E. Madigan, DVM, MS


Professor, Department of Medicine and Epidemiology, School of Veterinary Medicine, University of California,
Davis, CA

Erliquiose Granulocítica Equina, Febre do Cavalo Potomac

Brian W. J. Mahy, BSc, MA, PhD, ScD, DSc


Senior Scientific Advisor, National Center for Emerging and Zoonotic Infectious Diseases, Centers for Disease
Control and Prevention, Atlanta, GA

Febre Aftosa

Linda S. Mansfield, MS, VMD, PhD


Professor of Microbiology, Department of Microbiology and Molecular Genetics, Michigan State University,
East Lansing, MI

Campilobacteriose

Richard A. Mansmann, VMD, PhD


Equine Podiatry & Rehabilitation Mobile Practice, Chapel Hill, NC

Exame de Equinos para Compra

Steven L. Marks, BVSc, MS, MRCVS, DACVIM


Clinical Associate Professor, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, North Carolina
State University, Raleigh, NC

Ácaros Nasais em Cães, Interação Manejo–Sanidade: Pequenos Animais

Bret D. Marsh, DVM


Indiana State Veterinarian, Indiana State Board of Animal Health, Indianapolis, IN

Exame de Ruminantes e Suínos para Compra

Guy­Pierre Martineau, DVM, DECPHM


Professor in Swine Medicine, Department of Animal Health, Production and Economics, National Veterinary
School, Toulouse, France

Síndrome da Disgalaxia Pós­Parto e Mastite em Porcas

Herris S. Maxwell, DVM, DACT


College of Veterinary Medicine, Auburn University, Auburn, AL

Anomalias Congênitas e Hereditárias de Condições Generalizadas

Milton McAllister, DVM, PhD, DACVP


School of Animal and Veterinary Sciences, University of Adelaide, Roseworthy, Australia

Neosporose

Dudley L. McCaw, DVM, DACVIM (Small Animal, Oncology)


Professor, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Kansas State University,
Manhattan, KS

Leucemia Viral Felina e Doenças Relacionadas

Diane McClure, DVM, PhD, DACLAM


Veterinarian, Animal Resource Center Veterinary Services, Goleta, CA

Coelhos

Larry R. McDougald, PhD


Professor, Department of Poultry Science, College of Agriculture and Environmental Sciences, University of
Georgia, Athens, GA

Espiroquetose Aviária, Coccidiose (Aves Domésticas), Criptosporidiose (Aves Domésticas), Infecção por
Cestódeos, Hexamitíase, Histomoníase, Tricomoníase (Aves Domésticas)

Catherine McGowan, BVSc, MACVSc, DEIM, DECEIM, PhD, FHEA, MRCVS


Faculty of Health and Life Sciences, School of Veterinary Science, University of Liverpool, Leahurst, UK

Fadiga e Exercício

C. Wayne McIlwraith, BVSc, PhD, DSc, FRCVS, DACVS


Professor of Surgery, College of Veterinary Medicine and Biomedical Sciences, Colorado State University;
Barbara Cox Anthony Endowed University Chair in Equine Orthopaedic Research, Colorado State University;
Director, Orthopaedic Research Center, Colorado State University, Fort Collins, CO

Artropatias em Grandes Animais, Claudicação em Equinos: Anormalidades de Carpo e Metacarpo

Erica C. McKenzie, BSc, BVMS, PhD, DACVIM


Assistant Professor, Large Animal Medicine, College of Veterinary Medicine, Oregon State University,
Corvallis, OR

Manejo do Neonato de Grandes Animais

Jennifer H. McQuiston, DVM, MS


Epidemiology Team Leader, Rickettsial Zoonoses Branch, Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta,
GA

Riquetsioses

Phillip S. Mellor, OBE, DSc, FRES, FHEA


Professor, Head of Vector­borne Diseases Programme, Pirbright Laboratory, Institute for Animal Health,
Pirbright, Woking, Surrey, UK

Doença do Cavalo Africano, Língua Azul

Mushtaq A. Memon, BVSc, MS, PhD, DACT


Theriogenologist, Department of Veterinary Clinical Sciences, Washington State University, Pullman, WA

Doenças Reprodutivas da Fêmea de Pequenos Animais

Paula I. Menzies, DVM, MPVM, DECS­RHM


Associate Professor, Ruminant Health Management Group, Department of Population Medicine, Ontario
Veterinary College, University of Guelph, Ontario, Canada

Toxemia da Prenhez em Ovelhas, Manejo Reprodutivo: Ovinos

Sandra R. Merchant, DVM, DACVD


Professor of Dermatology, Department of Veterinary Clinical Sciences, School of Veterinary Medicine,
Louisiana State University, Baton Rouge, LA

Dermatofitose (Tinha)

Samia A. Metwally, DVM, PhD


Head, Diagnostic Services Section, Foreign Animal Disease Diagnostic Laboratory, USDA, APHIS, Greenport,
NY

Doença do Ovino de Nairóbi

Patrice M. Mich, DVM, MS, DABVP (Canine/Feline), DACVA


OrthoPets Center for Animal Pain Management and Mobility Solutions, Denver, CO

Controle da Dor

Bernard Mignon, DVM, PhD, DEVPC


Assistant Professor, Faculty of Veterinary Medicine, Department of Infectious and Parasitic Diseases,
Parasitology and Parasitic Diseases, University of Liège, Belgium

Sarna em Cães e Gatos

Kelly D. Mitchell, DVM, DVSc, DACVIM (SAIM)


Toronto Veterinary Emergency Clinic, Scarborough, Ontario, Canada

Doenças de Estômago e Intestino: Parvovirose Canina, Coronavirose Intestinal Felina, Gastrite, Gastrenterite
Hemorrágica

Harry Momont, DVM, PhD, DACT


Clinical Associate Professor, Department of Medical Sciences, School of Veterinary Medicine, University of
Wisconsin­Madison, Madison, WI

Introdução do Sistema Reprodutivo

Donald R. Monke, DVM, MBA


Vice President, Production Operations, Select Sires, Inc, Plain City, OH

Vesiculite Seminal em Touros

James N. Moore, DVM, PhD


Distinguished Research Professor, Department of Large Animal Medicine, College of Veterinary Medicine,
University of Georgia, Athens, GA

Cólica Equina

Gastón A. Moré, MV, DVM


Investigador asistente CONICET, Laboratorio de Inmunoparasitología, Cátedra de Parasitología y
Enfermedades Parasitarias, Facultad de Ciencias Veterinarias, Universidad Nacional de La Plata, Buenos Aires,
Argentina

Sarcocistose

Karen A. Moriello, DVM, DACVD


Clinical Professor of Dermatology, School of Veterinary Medicine, University of Wisconsin­Madison, Madison,
WI

Acantose Nigricans, Anomalias Congênitas e Hereditárias do Sistema Tegumentar, Infestação por Cuterebra em
Pequenos Animais, Dermatofilose, Higroma, Introdução do Sistema Tegumentar, Furunculose Interdigital,
Piodermite

Dawn E. Morin, DVM, MS, DACVIM


Professor, Assistant Dean for Academic Affairs and Curriculum, College of Veterinary Medicine, University of
Illinois, Urbana, IL

Otite Média e Interna

Teresa Y. Morishita, DVM, MPVM, MS, PhD, DACPV


Associate Dean for Academic Affairs and Professor, Poultry Medicine and Food Safety, College of Veterinary
Medicine, Western University of Health Sciences, Pomona, CA

Enterococose, Dermatite Gangrenosa, Listeriose, Estafilococose, Estriptococose

James K. Morrisey, DVM, DABVP (Avian)


Service Chief, Companion Exotic Animal Medicine Service, Department of Clinical Sciences, College of
Veterinary Medicine, Cornell University, Ithaca, NY

Furões

W. Ivan Morrison, PhD, BVMS, FRSE


Professor, The Roslin Institute, Royal (Dick) School of Veterinary Studies, University of Edinburgh, Scotland,
UK
Teileriose

Sofie Muylle, DVM, PhD


Faculty of Veterinary Medicine, Department of Morphology, Ghent University, Salisburylaan, Merelbeke,
Belgium

Desenvolvimento Dentário

Dusty W. Nagy, DVM, MS, PhD, DACVIM


Assistant Teaching Professor, Food Animal Medicine & Surgery, College of Veterinary Medicine, University of
Missouri, Columbia, MO

Leucose Bovina

T. Mark Neer, DVM, DACVIM


Professor of Medicine and Director, Boren Veterinary Medical Teaching Hospital, Department of Clinical
Sciences, Center for Veterinary Health Sciences, Oklahoma State University, Stillwater, OK

Anormalidades Desmielinizantes, Indisposição durante Viagens

Peter Nettleton, BVMS, MSc, PhD, MRCVS


Moredun Research Institute, Scotland, UK

Doença da Fronteira

Robin A. J. Nicholas, MSc, PhD, FRCPath


Head of Mycoplasma Group, Veterinary Laboratories Agency­Weybridge, Addlestone, Surrey, UK

Agalaxia Contagiosa e Outras Infecções Mamárias por Micoplasmas em Pequenos Ruminantes

Paul Nicoletti, DVM, MS


Professor Emeritus, College of Veterinary Medicine, University of Florida, Gainesville, FL

Bruscelose em Grandes Animais, Brucelose em Cães

Jerome C. Nietfield, DVM, PhD, DACVP


Professor, Department of Diagnostic Medicine/Pathobiology, College of Veterinary Medicine, Kansas State
University, Manhattan, KS

Aborto em Grandes de Animais, Clamidiose Intestinal

Joeke Nijboer, PhD


Nutritionist, Rotterdam Zoo, Rotterdam, The Netherlands

Nutrição: Animais Exóticos e de Zoológico

Robert A. Norton, MS, PhD


Professor, Department of Poultry Science, Auburn University, Auburn, AL

Helmintíase (Aves Domésticas)

Mark J. Novotny, DVM, MS, PhD, DACVCP


Senior Principal Scientist, Metabolism and Safety, Veterinary Medicine Research and Development, Pfizer
Animal Health, Kalamazoo, MI

Farmacoterapia Sistêmica do Sistema Cardiovascular


Frederick W. Oehme, DVM, PhD
Professor of Toxicology, Pathobiology, Medicine and Physiology, Comparative Toxicology Laboratories,
Kansas State University, Manhattan, KS

Intoxicação por Rodenticidas

Garrett R. Oetzel, DVM, MS


Associate Professor, Department of Medical Sciences, School of Veterinary Medicine, University of Wisconsin­
Madison, Madison, WI

Acidose Ruminal Subaguda em Vacas Leiteiras

Gary D. Osweiler, DVM, MS, PhD, DABVT


Professor, Veterinary Diagnostic and Production Animal Medicine, College of Veterinary Medicine, Iowa State
University, Ames, IA

Intoxicação por Alcatrão de Hulha, Micotoxicose, Intoxicação por Derivados de Petróleo

Raul E. Otalora, DVM


Production Manager/Veterinarian, Quail International, Inc., Greensboro, GA

Enterite Ulcerativa (Doença da Codorniz)

Chris Oura, MSc, PhD, MRCVS


Head of the Non­Vesicular Reference Laboratories, Pirbright Laboratory, Institute for Animal Health, Pirbright,
Woking, Surrey, UK

Peste Suína Africana

Rebecca A. Packer, MS, DVM, DACVIM (Neurology)


Assistant Professor, Neurology/Neurosurgery, Department of Veterinary Clinical Sciences, and Department of
Basic Medical Sciences, School of Veterinary Medicine, Purdue University, West Lafayette, IN

Anomalias Congênitas e Hereditárias do Sistema Nervoso

David J. Paton, MA, VetMB, PhD,


MRCVS
Director of Science, Pirbright Laboratory, Institute for Animal Health, Pirbright, Surrey, UK

Doença Vesicular Suína, Exantema Vesicular de Suíno

Sharon Patton, MS, PhD


Professor of Parasitology, Department of Comparative Medicine, College of Veterinary Medicine, University of
Tennessee, Knoxville, TN

Amebíase

Maurice B. Pensaert, DVM, MS, PhD


Emeritus Professor of Animal Virology, Faculty of Veterinary Medicine, Ghent University, Merelbeke, Belgium

Encefalomielite Hemaglutinante

Andrew S. Peregrine, BVMS, PhD, DVM, DEVPC


Associate Professor, Department of Pathobiology, Ontario Veterinary College, University of Guelph, Ontario,
Canada

Parasitos Gastrintestinais de Pequenos Animais


Tilden Wayne Perry, BEd, BS, MS, PhD
Emeritus Professor of Animal Nutrition, Purdue University, West Lafayette, IN

Nutrição: Bovinos de Corte

Donald Peter, DVM, MS, DACT


Veterinarian/Owner, Frontier Genetics, Frontier Genetics, Hermiston, OR

Campilobacteriose Genital Bovina, Exantema do Coito em Equinos

Mark E. Peterson, DVM, DACVIM


Director, Animal Endocrine Clinic, New York, NY

Glândulas Paratireoides e Anormalidades do Metabolismo de Cálcio, Glândula Tireoide

James R. Philips, PhD


Associate Professor of Science, Math/Science Division, Babson College, Babson Park, MA

Ácaro de Saco Aéreo, Ectoparasitas (Aves Domésticas)

Carlos R. F. Pinto, MedVet, PhD, DACT


Associate Professor, Theriogenology and Reproductive Medicine, Department of Veterinary Clinical Sciences,
College of Veterinary Medicine, Ohio State University, Columbus, OH

Transferência de Embrião em Animais Pecuários

Robert E. Porter, DVM, PhD, DACVP, DACPV


Clinical Professor, Veterinary Population Medicine, College of Veterinary Medicine, University of Minnesota,
St. Paul, MN

Síndrome da Hemorragia Perirrenal em Perus

Karen W. Post, DVM, MS, DACVM


Director of Laboratories, North Carolina Veterinary Diagnostic Laboratory System, Consumer Services, Rollins
Animal Disease, Diagnostic Laboratory, Raleigh, NC

Procedimentos Diagnósticos Para Laboratório Particular: Microbiologia Clínica

D. G. Pugh, DVM, MS, DACT, DACVN


Veterinarian, Waverly, AL

Nutrição: Caprinos, Nutrição: Ovinos

Darryl Ragland, DVM, PhD


Associate Professor, Veterinary Clinical Sciences, School of Veterinary Medicine, Purdue University, West
Lafayette, IN

Biossegurança, Erisipela, Infecções Estafilocócicas em Suínos, Linfadenite e Linfangite: Linfadenite em Suínos

Sarah L. Ralston, VMD, PhD, DACVN


Associate Professor, Department of Animal Sciences, School of Environmental and Biological Sciences,
Rutgers University, New Brunswick, NJ

Nutrição: Equinos

John F. Randolph, DVM, DACVIM


Professor of Veterinary Medicine, College of Veterinary Medicine, Cornell University, Ithaca, NY
Eritrocitose e Policitemia

Silke Rautenschlein, DVM, PhD


Professor, Clinic for Poultry, University of Veterinary Medicine­Hannover, Hannover, Germany

Metapneumovírus Aviário

Willie M. Reed, DVM, PhD


Dean, School of Veterinary Medicine, Purdue University, West Lafayette, IN

Bronquite de Codorniz, Hepatite Viral em Perus

Philip T. Reeves, BVSc, PhD, FACVSc


Principal Scientist, Residues and Veterinary Medicines, Australian Pesticides and Veterinary Medicines
Authority, Canberra, Australia

Resíduos Químicos em Alimentos e Fibras, Ação de Medicamento e Farmacodinâmica, Dosagens e Sistema de


Administração

Hugh W. Reid, MBE, BVM&S, DTVM, PhD, MRCVS


Moredun Research Institute, Pentlands, Science Park, Penicuik, UK

Encefalomielite Ovina

Douglas J. Reinemann, PhD


Professor, Department of Biological Systems Engineering, College of Agricultural & Life Sciences, University
of Wisconsin­Madison, Madison, WI

Stray Voltage em Animais Estabulados

Christopher D. Reinhardt, MS, PhD


Assistant Professor, Extension Feedlot Specialist, Animal Sciences and Industry, Kansas State University,
Manhattan, KS

Promotores de Crescimento e Estimulantes de Produção

Petra Reinhold, DVM, PhD


Friedrich­Loeffler­Institute, Federal Research Institute for Animal Health, Jena, Germany

Pneumonia por Clamídia

Márcio Garcio Ribeiro, DVM, PhD


Associate Professor, Infectious Diseases of Domestic Animals, Department of Veterinary Hygiene and Public
Health, School of Veterinary Medicine and Animal Science, Sao Paulo State University­UNESP, Botucatu, SP,
Brazil

Nocardiose

Franklin Riet­Correa, MSc, PhD


Professor, Veterinary Hospital, Federal University of Campina Grande, Patos, Paraíba, Brazil

Lechiguana

Carlos A. Risco, DVM, DACT


Professor, Large Animal Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, University of Florida, Gainesville,
FL
Doença do Ovário Cístico, Manejo da Reprodução: Bovinos

Narda G. Robinson, DO, DVM, MS,


FAAMA
Director, Center for Comparative and Integrative Pain Medicine, Department of Clinical Sciences, Colorado
State University, Fort Collins, CO

Medicina Veterinária Alternativa e Complementar

Allan Roepstorff, DSc, PhD, MSc


Associate Professor, Department of Disease Biology, Danish Centre for Experimental Parasitology, Faculty of
Life Sciences, University of Copenhagen, Frederiksberg, Denmark

Parasitos Gastrintestinais de Suínos

Barton W. Rohrbach, VMD, MPH, DACVPM


Associate Professor, Department of Comparative Medicine, Veterinary Teaching Hospital, University of
Tennessee, Knoxville, TN

Febre Q, Tularemia

A. Gregorio Rosales, DVM, MS, PhD, DACPV


Vice President of Veterinary Services, Aviagen Inc., Huntsville, AL

Doenças do Sistema Reprodutor (Aves Domésticas)

Robert C. Rosenthal, DVM, PhD,


DACVIM (Small Animal, Oncology), DACVR (Radiation Oncology)
SouthPaws Veterinary Referral Center, Springfield, VA

Tumores Mamários, Neoplasias de Tecido Neuroendócrino

James A. Roth, DVM, PhD, DACVM


Distinguished Professor and Director, Center for Food Security and Public Health, College of Veterinary
Medicine, Iowa State University, Ames, IA

Zoonoses

Stanley I. Rubin, DVM, MS, DACVIM


Staff Internist, Southern Arizona Veterinary Specialty and Emergency Center, Tucson, AZ

Introdução do Sistema Digestório, Doenças do Reto e do Ânus

Pamela L. Ruegg, DVM, MPVM, DABVP (Dairy)


Professor, Department of Dairy Science, College of Agricultural and Life Sciences, University of Wisconsin­
Madison, Madison, WI

Doenças da Glândula Mamária

Charles E. Rupprecht, VMD, MS, PhD


Chief, Rabies Program, Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, GA

Raiva

Bonnie R. Rush, DVM, MS, DACVIM


Professor, Equine Internal Medicine, College of Veterinary Medicine, Kansas State University, Manhattan, KS
Doenças Respiratórias de Equinos

Y. M. Saif, DVM, PhD


Professor and Head, Food Animal Health Research Program, Ohio Agricultural Research and Development
Center, Ohio State University, Wooster, OH

Doença Infecciosa da Bursa, Rotavirose em Frangos, Perus e Faisão

Jean E. Sander, DVM, MAM, DACPV


Associate Dean for Academic and Student Affairs, College of Veterinary Medicine, Ohio State University,
Columbus, OH

Candidíase (Aves Domésticas), Descarte de Carcaças e Desinfecção de Equipamentos, Onfalite

Sherry Lynn Sanderson, BS, DVM, PhD, DACVIM, DACVN


Associate Professor, Department of Physiology and Pharmacology, College of Veterinary Medicine, University
of Georgia, Athens, GA

Nutrição: Pequenos Animais, Introdução do Sistema Urinário

Donald C. Sawyer, DVM, PhD


Professor Emeritus, Michigan State University, Okemos, MI

Hipertermia Maligna

Charles M. Scanlan, DVM, PhD


Professor, Department of Veterinary Pathobiology, College of Veterinary Medicine and Biomedical Sciences,
Texas A&M University, College Station, TX

Inspeção de Carne

K. A. Schat, DVM, PHD


Professor, Department of Microbiology and Immunology, College of Veterinary Medicine, Cornell University,
Ithaca, NY

Anemia Viral em Frangos

David G. Schmitz, DVM, MS, DACVIM


Associate Professor, Department of Veterinary Large Animal Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine
and Biomedical Sciences, Texas A&M University, College Station, TX

Intoxicação por Cantaridina (Blister Beetle)

Norman R. Schneider, DVM, MSc,


DABVT
Veterinary Toxicologist, Ceresco, NE

Intoxicação por Cianeto, Gossipol, Nitrato, Nitrito e Nitrogênio Não Proteico

Thomas Schubert, DVM, DACVIM, DABVP


Clinical Professor and Chief of Neurology Service, Small Animal Clinical Sciences, College of Veterinary
Medicine, University of Florida, Gainesville, FL

Paralisia Facial e de Membros, Introdução do Sistema Nervoso

James Schumacher, DVM, MS, DACVS, MRCVS


Professor, Department of Large Animal Clinical Sciences, University of Tennessee, Knoxville, TN
Claudicação em Equinos: Anestesia Regional

John Schumacher, DVM, MS, DACVS, MRCVS


Professor, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Auburn University, AL

Claudicação em Equinos: Anestesia Regional

Philip R. Scott, BVM&S, MPhil, DVM&S, DSHP, DECBHM, FHEA, FRCVS


Royal School of Veterinary Studies, University of Edinburgh, Midlothian, UK

Ectima Contagioso (Orf), Listeriose, Dermatose Ulcerativa de Ovinos

Joaquim Segalés, DVM, PhD, DECVP, DECPHM


Facultat de Veterinària, Departament de Sanitat i d’ Anatomia Animals and Centre de Recerca en Sanitat
Animals (CReSA), Universitat Autònoma de Barcelona, Bellaterra, Barcelona, Spain

Doença de Gläcer, Circovirose Suína

Debra C. Sellon, DVM, PhD, DACVIM


Professor, Equine Medicine, Department of Veterinary Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine,
Washington State University, Pullman, WA

Anemia Infecciosa Equina

Susan D. Semrad, VMD, PhD, DACVIM


Associate Professor, Department of Medical Sciences, School of Veterinary Medicine, University of Wisconsin,
Madison, WI

Doença Hepática em Grandes Animais, Síndrome da Má Assimilação em Grandes Animais

Patricia L. Sertich, MS, VMD, DACT


Associate Professor­Clinical Educator, School of Veterinary Medicine, New Bolton Center, University of
Pennsylvania, Kennett Square, PA

Manejo da Reprodução: Equinos

Linda Shell, DVM, DACVIM­Neurology


Pilot, VA

Farmacoterapia Sistêmica do Sistema Nervoso

David M. Sherman, DVM, MS, DACVIM


Clinical Associate Professor, Cummings School of Veterinary Medicine, Tufts University, North Grafton, MA

Interação Manejo­Sanidade: Caprinos, Claudicação em Caprinos

Michael Shipstone, BVSc, FACVSc, DACVD


Queensland Veterinary Specialists, Herston, Australia

Farmacoterapia Sistêmica do Sistema Tegumentar

H. L. Shivaprasad, BVSc, MS, PhD, DACPV


Professor, California Animal Health and Food Safety Laboratory System­Tulare, University of California,
Davis, CA

Enterite Hemorrágica de Perus e Doença do Baço Marmorizado de Faisão


Elizabeth A. Shull, DVM, DACVIM (Neurology), DACVB
Owner, Appalachian Veterinary Specialists, Knoxville, TN

Eutanásia

Wayne Simpson, MSc (Microbiology), Bhort Sc, Dhort


Research Associate, Endophyte Mycology, Forage Improvement Section, AgResearch Limited, Palmerston
North, New Zealand

Intoxicação por Azevém

Geof W. Smith, DVM, MS, PhD, DACVIM


Associate Professor of Ruminant Medicine, Department of Population Health and Pathobiology, College of
Veterinary Medicine, North Carolina State University, Raleigh, NC

Actinobacilose, Actinomicose

Roger K. W. Smith, MA, VetMB, PhD, DEO, DECVS, MRCVS


Professor of Equine Orthopaedics, Department of Veterinary Clinical Sciences, Royal Veterinary College,
Hatfield, Herts, UK

Claudicação em Equinos: Anormalidades do Boleto e da Quartela

Stephen A. Smith, DVM, PhD


Professor of Aquatic, Wildlife and Exotic Animal Medicine, Department of Biomedical Sciences and
Pathobiology, Virginia­Maryland Regional College of Veterinary Medicine, Virginia Tech, Blacksburg, VA

Interação Manejo­Sanidade: Sistemas de Aquicultura

Janice E. Sojka, VMD, MS, DACVIM


Professor, Department of Veterinary Clinical Sciences, School of Veterinary Medicine, Purdue University, West
Lafayette, IN

Síndrome Metabólica Equina, Glândula Pituitária: Hisurtismo Associado a Adenoma da Parte Intermediária,
Aumento da Glândula Tireoide Não Neoplásico

Anna Rovid Spickler, DVM, PhD


Veterinary Specialist, Center for Food Security and Public Health, College of Veterinary Medicine, Iowa State
University, Ames, IA

Zoonoses

Sharon J. Spier, DVM, PhD, DACVIM


Professor, Department of Medicine and Epidemiology, School of Veterinary Medicine, University of California,
Davis, CA

Tetania Hipocalcêmica em Equinos, Linfadenite e Linfagite: Infecção por Corynebacterium Pseudotuberculosis

Richard A. Squires, BVSc (Hons), PhD, DVR, DACVIM, DECVIM­CA, MRCVS


Head of Veterinary Clinical Sciences, School of Veterinary and Biomedical Sciences, James Cook University,
Townsville, Australia

Panleucopenia Felina

Henry R. Stämpfli, DVM, DrMedVet, DACVIM


Professor, Large Animal Medicine, Department of Clinical Studies, Ontario Veterinary College, University of
Guelph, Ontario, Canada
Clostridioses

Bryan L. Stegelmeier, DVM, PhD, DACVP


Veterinary Pathologist, Poisonous Plant Research Laboratory, USDA­ARS, Logan, UT

Intoxicação por Samambaia, Intoxicação por Trevo Doce

Jörg M. Steiner, DrMedVet, PhD, DACVIM, DECVIM­CA


Associate Professor and Director, Gastrointestinal Laboratory, Texas A&M University, College Station, TX

Testes para Doenças Pancreáticas, Pâncreas Exócrinos em Pequenos Animais

Allison A. Stewart, DVM, MS, DACVS


Assistant Professor of Equine Surgery, Department of Veterinary Clinical Medicine, College of Veterinary
Medicine, University of Illinois, Urbana, IL

Introdução do Sistema Musculoesquelético

Allison J. Stewart, BVSC (Hons), MS, DACVIM­LA, DACVECC


Associate Professor of Equine Internal Medicine, Department of Clinical Sciences, John Thomas Vaughan
Large Animal Teaching Hospital, College of Veterinary Medicine, Auburn University, Auburn, AL

Anormalidades do Metabolismo do Magnésio, Doenças Intestinais em Equinos e Potros

Michael K. Stoskopf, DVM, PhD, DACZM


Professor of Wildlife and Aquatic Health, Director of the Environmental Medicine Consortium, College of
Veterinary Medicine, North Carolina State University, Raleigh, NC

Mamíferos Marinhos

George M. Strain, PhD


Professor of Neuroscience, Comparative Biomedical Sciences, School of Veterinary Medicine, Louisiana State
University, Baton Rouge, LA

Cegueira

Reinhard K. Straubinger, DrMedVetHabil, PhD


Professor and Head for Bacteriology and Mycology, Institute for Infectious Diseases and Zoonoses, Department
of Veterinary Sciences, Faculty of Veterinary Medicine, LMU Munich, Germany

Borreliose de Lyme

Bert E. Stromberg, PhD


Professor, Veterinary and Biomedical Sciences, College of Veterinary Medicine, University of Minnesota, St.
Paul, MN

Infecção Renal Parasitária de Suínos, Triquinelose

David E. Swayne, DVM, PhD, DACVP, DACPV


Laboratory Director, USDA­ARS, Southeast Poultry Research Laboratory, Athens, GA

Influenza Aviária, Infecção por Paramyxovirus Aviário

Thomas W. Swerczek, DVM, PhD


Professor, Department of Veterinary Science, University of Kentucky, Lexington, KY

Doença de Tyzzer
Jane E. Sykes, BVSc (Hons), PhD, DACVIM
Professor of Small Animal Medicine, Department of Medicine and Epidemiology, School of Veterinary
Medicine, University of California, Davis, CA

Conjuntivite por Clamídia, Hemoparasitas: Anemia Infecciosa Felina

Joseph Taboada, DVM, DACVIM


Professor and Associate Dean, Office of Student and Academic Affairs, School of Veterinary Medicine,
Louisiana State University, Baton Rouge, LA

Infecções Fúngicas

Jaime Tarigo, DVM, DACVP


Center for Comparative Medicine and Translational Research, College of Veterinary Medicine, North Carolina
State University, Raleigh, NC

Citauxzoonose

Marcel Taverne, PhD


Emeritus Professor of Fœtal and Perinatal Biology, Department of Farm Animal Health, Faculty of Veterinary
Medicine, Utrecht University, Utrecht, The Netherlands

Pseudoprenhez em Cabras

Mike A. Taylor, BVMS, PhD, MRCVS, DEVPC, DECSRHM, CBiol, MSB


Veterinary Consultant, Wildlife and Emerging Disease Programme, Food and Environment Research Agency,
Sand Hutton, York, UK

Quimioterápicos Ectoparasiticidas para Grandes Animais

Stuart M. Taylor, PhD, BVMS, MRCVS, DECVP


VetPar Services, Bangor, UK

Infecção de Ruminantes por Cestódeos, Infecção por Verme Pulmonar

William Taylor,
Consultant, Angmering, Littlehampton, UK

Peste de Pequenos Ruminantes, Peste Bovina

Brett Tennent­Brown, BVSc, MS, DACVIM, DACVECC


Assistant Professor, Large Animal Medicine, College of Veterinary Medicine, University of Georgia, Athens,
GA

Encefalopatia Isquêmica Hipóxica

Charles O. Thoen, DVM, PhD


Professor, Veterinary Microbiology and Preventive Medicine, College of Veterinary Medicine, Iowa State
University, Ames, IA

Tuberculose (Aves Domésticas), Tuberculose e Outras Micobacterioses

William B. Thomas, DVM, MS, DACVIM (Neurology)


Professor, Neurology and Neurosurgery, Department of Small Animal Clinical Sciences, University of
Tennessee, Knoxville, TN

Doenças de Nervo Periférico e Junção Neuromuscular, Doenças da Coluna Vertebral e Medula Espinal
Larry J. Thompson, DVM, PhD, DABVT
Senior Research Scientist, Nestlé Purina PetCare Company, St. Louis, MO

Intoxicação por Sal

Barry H. Thorp, BVMS, PhD, MRCVS


Midlothian, UK

Anormalidades do Sistema Esquelético (Aves Domésticas)

John F. Timoney, MVB, PhD, Dsc,


MRCVS
Keeneland Chair of Infectious Diseases, Gluck Equine Research Center, Department of Veterinary Science,
University of Kentucky, Lexington, KY

Mormo

Peter J. Timoney, MVB, MS, PhD,


FRCVS
Frederick Van Lennep Chair in Equine Veterinary Science, Gluck Equine Research Center, Department of
Veterinary Science, College of Agriculture, University of Kentucky, Lexington, KY

Arterite Viral Equina

Ian Tizard, BVMS, PhD, DACVM


Professor of Immunology and Richard M. Schubot Professor of Exotic Bird Health, Department of Veterinary
Pathobiology, College of Veterinary Medicine and Biomedical Sciences, Texas A&M University, College
Station, TX

Amiloidose, Vacinação de Mamíferos Exóticos, Vacinas e Imunoterapia, Biologia do Sistema Imune, Doenças
Imunológicas

Susan J. Tornquist, DVM, PhD, DACVP


Professor and Associate Dean for Student and Academic Affairs, College of Veterinary Medicine, Oregon State
University, Corvallis, OR

Procedimentos Diagnósticos para Laboratório Particular: Sorologia

Sheila Torres, DVM, PhD, DACVD


Associate Professor, Dermatology, College of Veterinary Medicine, University of Minnesota, St. Paul, MN

Doenças do Pavilhão Auricular

Pierre­Louis Toutain, DVM, PhD,


DECVPT
Professor, Ecole Nationale Veterinaire de Toulouse, Toulouse, France

Anti­inflamatórios

Josie L. Traub­Dargatz, DVM, MS,


DACVIM
Professor, Population Health, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine and Biomedical
Sciences and the Animal Population Health Institute, Colorado State University, Fort Collins, CO

Estomatite Vesicular
Robert Tremblay, DVM, DVSc, DACVIM
Bovine/Equine Specialist, Boehringer Ingelheim (Canada) Ltd, Burlington, Ontario, Canada

Introdução de Manejo e Nutrição

Deoki N. Tripathy, DVM, MS, PhD, DACVM, DACPV


Professor Emeritus, Department of Veterinary Pathobiology, College of Veterinary Medicine, University of
Illinois, Urbana, IL

Varíola Aviária

Jeffrey W. Tyler, DVM, MPVM, PhD,


Deceased
Concentration Area Director, Veterinary Public Health, Department of Veterinary Medicine and Surgery,
University of Missouri, Columbia, MO

Encefalopatia Espongiforme Bovina, Doença do Definhamento Crônica

Wendy E. Vaala, VMD, DACVIM


Senior Equine Technical Service Veterinarian, Merck Animal Health, Alma, WI

Interação Manejo­Sanidade: Equinos

Stephanie J. Valberg, DVM, PhD, DACVIM


Professor, Department of Veterinary Population Medicine, College of Veterinary Medicine, University of
Minnesota, St. Paul, MN

Miopatias em Equinos, Miopatias em Ruminantes e Suínos

Arnaud J. Van Wettere, DVM, MS,


DACVP
Department of Population Health and Pathobiology, College of Veterinary Medicine, North Carolina State
University, Raleigh, NC

Clamidiose Aviária, Microrganismos Transmitidos pelo Sangue, Miopatias (Aves Domésticas)

Jozef Vercruysse, DVM, DEVPC


Professor, Faculty of Veterinary Medicine, Ghent University, Merelbeke, Belgium

Anti­helmínticos, Esquistossomose

Alice Villalobos, DVM, DPNAP


Director, Animal Oncology Consultation Service; Director, Pawspice, Hermosa Beach, CA

Tumores de Pele e Tecidos Mole

Pedro Villegas, DVM, MS, PhD, DACVM, DACPV


Professor Emeritus, Department of Population Health, College of Veterinary Medicine, University of Georgia,
Athens, GA

Síndrome da Queda de Postura de Ovos, Síndrome Hepatite/Hidropericárdio por Corpúsculo de Inclusão,


Bronquite Infecciosa

Stephan W. Vogel, BVSc (Hons)


Ridge Animal Hospital, Pretoria, South Africa
Cowdriose

Melissa S. Wallace, DVM, DACVIM


Regional Medical Director (MN, WI, IL, MO), VCA Animal Hospitals, Los Angeles, CA

Doenças Infeciosas do Sistema Urinário de Pequenos Animais

Patricia Walters, VMD, DACVIM, DACVECC


New England Animal Medical Center, West Bridgewater, MA

Doenças do Esôfago de Pequenos Animais

Craig B. Webb, PhD, DVM, DACVIM


Associate Professor, Department of Clinical Sciences, Veterinary Teaching Hospital, Colorado State University,
Fort Collins, CO

Vômito

Glade Weiser, DVM, DACVP


Clinical Pathologist, Heska Corporation; Professor, Department of MIP, College of Veterinary Medicine and
Biomedical Sciences, Colorado State University, Fort Collins, CO

Distúrbios Leucocitários

Nick Whelan, BSc, BVSc, MVSc, MACVSc, DACVCP, DACVO


Associate Professor, Department of Clinical Studies, Ontario Veterinary College, University of Guelph, Ontario,
Canada

Farmacoterapia Sistêmica do Olho

Brent R. Whitaker, MS, DVM


Deputy Executive Director of Biological Programs, National Aquarium, Baltimore, MD

Anfíbios

Trevor J. Whitbread, BSc, BVSc, MRCVS, DECVP


Abbey Veterinary Services, Devon, UK

Procedimentos Diagnósticos para Laboratório Particular: Citologia

Patricia D. White, DVM, MS, DACVD


Atlanta Veterinary Skin & Allergy Clinic, Atlanta, GA

Dermatite Atópica, Otite Externa

Stephen D. White, DVM, DACVD


Professor, School of Veterinary Medicine, University of California, Davis, CA

Alergia Alimentar, Complexo Granuloma Eosinofílico, Dermatoses Sistêmicas Diversas, Dermatose Nasal de
Cães, Ferimentos de Cela, Seborreia, Urticária

Chris Whitton, BVSc, FACVSc, PhD


Associate Professor, Equine Centre, University of Melbourne, Victoria, Australia

Claudicação em Equinos: Desenvolvimento de Doença Ortopédica

Mark L. Wickstrom, DVM, MS, PhD


Associate Professor, Department of Veterinary Biomedical Sciences, Western College of Veterinary Medicine,
University of Saskatchewan, Saskatoon, Canada

Antissépticos e Desinfetantes

Bo Wiinberg, DVM, PhD


Assistant Professor, Internal Medicine, Department of Small Animal Clinical Sciences, Faculty of Life
Sciences, University of Copenhagen, Frederiksberg, Denmark

Distúrbios Hemostáticos

Pamela Anne Wilkins, DVM, MS, PhD, DACVIM­LA, DACVECC


Professor of Equine Internal Medicine and Emergency/Critical Care, Section Head, Chief of Service Equine
Medicine and Surgery, Department of Veterinary Clinical Medicine, College of Veterinary Medicine, University
of Illinois, Urbana, IL

Medicina Emergencial Equina

Lisa H. Williamson, DVM, MS, DACVIM


Associate Professor of Large Animal Medicine, College of Veterinary Medicine, University of Georgia, Athens,
GA

Linfadenite e Linfangite: Linfadenite Caseosa

Kevin P. Winkler, DVM, DACVS


Surgeon, Georgia Veterinary Specialists, Atlanta, GA

Tratamento de Feridas

Thomas Wittek, PD DrMedVetHabil, DECBHM, MRCVS


Faculty of Veterinary Medicine, Scottish Centre for Production Animal Health and Food Safety, University of
Glasgow, Scotland, UK

Peritonite

Zerai Woldehiwet, DVM, PhD, DAgric, MRCVS


Reader in Infectious Diseases, Department of Veterinary Pathology, University of Liverpool, Wirral, UK

Febre Transmitida por Carrapato, Piemia do Carrapato

Peter R. Woolcock, BSc, MSc, PhD


Professor Clinical Diagnostic Virology, California Animal Health and Food Safety Laboratory System, School
of Veterinary Medicine, University of California, Davis, CA

Hepatite Viral de Pato


TRADUTORES

Adriana Érica Wilkes Burton Meirelles


Médica Veterinária. Aluna do Programa de Pós­Graduação da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da
Universidade Estadual Paulista (FCAV­UNESP) – Campus de Jaboticabal.

Zoonoses

Carla de Freitas Campos


Médica Veterinária da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ).
Olho e Ouvido, Sistema Respiratório

Caroline Peters Pigatto De Nardi


Médica Veterinária. Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) –
Campus de Matão.

Infecções Generalizadas

Clarisse Simões Coelho


Médica Veterinária. Docente da Universidade Vila Velha (UVV).

Manejo e Nutrição, Sistema Reprodutivo

Daniel Guimarães Gerardi


Médico Veterinário. Docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Toxicologia

Daniela Gomes da Silva


Médica Veterinária. Jovem Pesquisadora da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade
Estadual Paulista (FCAV­UNESP) – Campus de Jaboticabal.

Infecções Generalizadas

João Guilherme Padilha Filho


Médico Veterinário. Docente Aposentado da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade
Estadual Paulista (FCAV­UNESP) – Campus de Jaboticabal.

Sistema Musculoesquelético

José Jurandir Fagliari


Médico Veterinário. Docente da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual
Paulista (FCAV­UNESP) – Campus de Jaboticabal.

Abreviações, Lista de Colaboradores, Prefácio, Doenças Metabólicas, Guias de Referência, Manejo e Nutrição,
Patologia Clínica e Procedimentos, Sistema Circulatório, Sistema Urinário

Lucia Jamli Abel


Biomédica. Docente da Universidade Paulista (UNIP).
Comportamento, Sistema Imunológico

Marcio Antonio Brunetto


Médico Veterinário. Docente da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo
(FMVZ/USP) – Campus de Pirassununga.

Manejo e Nutrição

Marlos Gonçalves Sousa


Médico Veterinário. Docente da Universidade Federal do Tocantins (UFT) – Campus de Araguaína.

Medicina Emergencial e Cuidados Críticos, Toxicologia

Reinaldo Juan Garrido Palacios Junior


Médico Veterinário. Aluno do Programa de Pós­Graduação da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da
Universidade Estadual Paulista (FCAV­UNESP) – Campus de Jaboticabal.

Sistema Endócrino

Sabrina dos Santos Costa


Médica Veterinária. Docente da União Pioneira de Integração Social (UPIS).

Sistema Digestivo

Tânia de Freitas Raso


Médica Veterinária. Docente da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo
(FMVZ/USP) – Campus de São Paulo.

Animais Exóticos e de Laboratório, Aves Domésticas

Tatiana Champion
Médica Veterinária. Docente da Universidade Vila Velha (UVV).

Sistema Tegumentar

Thais Gomes Rocha


Médica Veterinária. Aluna do Programa de Pós­Graduação da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da
Universidade Estadual Paulista (FCAV­UNESP) – Campus de Jaboticabal.

Farmacologia, Sistema Musculoesquelético, Sistema Nervoso, Sistema Tegumentar

Thiago DeMarchi Munhoz


Médico Veterinário. Aluno do Programa de Pós­Graduação da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da
Universidade Estadual Paulista (FCAV­UNESP) – Campus de Jaboticabal.

Sistema Digestivo

Vivian Lindmayer Ferreira


Médica Veterinária. Aluna do Programa de Pós­Graduação da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia
da Universidade de São Paulo (FMVZ/USP).

Animais Exóticos e de Laboratório, Aves Domésticas


REVISÃO CIENTÍFICA

Prof. Dr. José Jurandir Fagliari


Professor Titular da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (FCAV­
UNESP) – Campus de Jaboticabal. Membro da American Society for Veterinary Clinical Pathology e do
National Mastitis Council – USA.
SISTEMA CIRCULATÓRIO

SANGUE E LINFÁTICOS

SISTEMA HEMATOPOÉTICO – INTRODUÇÃO


Hemácias
Leucócitos
Plaquetas
ANEMIA
Anemias Não Regenerativas
Anemia Decorrente de Doença Crônica
Deficiências Nutricionais
Doenças Primárias da Medula Óssea
Doença Renal
Anemias Regenerativas
Anemia Hemolítica
Anemia por Perda de Sangue
ANEMIA INFECCIOSA EQUINA (GEN)
ANORMALIDADES HEMOSTÁTICAS
Diátese Hemorrágica
Anormalidades de Coagulação
Anormalidades de Proteínas de Coagulação
Anormalidades Plaquetárias
Anormalidades Vasculares
Trombose Patológica
ANORMALIDADES LEUCOCITÁRIAS
Fisiologia e Fisiopatologia
Sistema Vascular Sanguíneo
Granulócitos
Linfócitos
Monócitos
Anormalidades do Leucograma
Padrões de Interpretação do Leucograma
ERITROCITOSE E POLICITEMIA
GRUPOS SANGUÍNEOS E TRANSFUSÕES
Tipagem Sanguínea
Reação Cruzada
Transfusão Sanguínea
Substitutos do Sangue: Soluções Carreadoras de Oxigênio que Contêm Hemoglobina
HEMOPARASITOS
Anaplasmose
Babesiose
Outras Espécies de Babesia Importantes em Animais Domésticos
Citauxzoonose
Erliquiose Granulocítica Equina
Hepatozoonose do Velho Mundo e Hepatozoonose Canina Americana
Esquistossomose
Micoplasmas Hemotrópicos
Anemia Infeciosa Felina
Riquetsioses (GEN)
Teileriose
Febre da Costa Oriental
Teileriose Tropical
Outras Teilerioses de Bovinos
Teileriose em Ovinos e Caprinos
Tripanossomíase
Tripanossomíase Transmitida pela Mosca Tsé­tsé
Surra
Durina
Doença de Chagas
Tripanossomos Não Patogênicos
LEUCOSE BOVINA (GEN)
LINFADENITE E LINFANGITE
Garrotilho (RES)
Infecção de Equinos e Bovinos por Corynebacterium pseudotuberculosis
Linfadenite Caseosa
Linfadenite Estreptocócica de Suínos
Linfangite Epizoótica (GEN)
Melioidose (GEN)
LINFOMA MALIGNO CANINO
VÍRUS DA LEUCEMIA FELINA E DOENÇAS RELACIONADAS (GEN)

CORAÇÃO E VASOS SANGUÍNEOS

SISTEMA CARDIOVASCULAR – INTRODUÇÃO


Anormalidades do Sistema Cardiovascular
Características Comuns da Doença Cardíaca
Insuficiência Cardíaca, Insuficiência Cardíaca Congestiva e Fraqueza Cardíaca
Diagnóstico de Doença Cardiovascular
Princípios Terapêuticos
Medicamentos Comuns
ANOMALIAS CONGÊNITAS E HEREDITÁRIAS DO SISTEMA CARDIOVASCULAR
Anomalias de Ramificações dos Arcos Aórticos
Persistência de Ducto Arterioso
Persistência de Arco Aórtico Direito
Coração Ectópico
Septo
Defeito do Septo Atrial
Defeito do Septo Ventricular
Displasia da Tricúspide
Displasia da Valva Mitral
Estenose Mitral
Hérnia Diafragmática Peritoniopericárdica
Obstrução do Fluxo Sanguíneo
Estenose Aórtica
Estenose Pulmonar
Coarctação da Aorta
Tetralogia de Fallot
Miscelânea de Anormalidades Cardíacas Congênitas
DIROFILARIOSE
DOENÇA DE ALTITUDE ELEVADA EM BOVINOS
DOENÇA E INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
Diagnóstico
Cateterização Cardíaca
Ecocardiografia
Eletrocardiograma
Exame Físico
Histórico Clínico e Resenha
Radiografia
Doenças Específicas
Cardiomiopatias
Doença do Pericárdio
Doença Valvular Degenerativa
Hematomas ou Cistos Sanguíneos Valvulares
Hipertensão Sistêmica e Pulmonar
Miocardite
Outras Causas de Insuficiência do Miocárdio
Endocardite Infecciosa
Insuficiência Cardíaca
Biomarcadores Cardíacos
Insuficiência Cardíaca Sistólica
Insuficiência Diastólica
Manifestações Clínicas
Mecanismos de Compensação
Tratamento
TROMBOSE, EMBOLIA E ANEURISMA

SISTEMA HEMATOPOÉTICO – INTRODUÇÃO

O sangue supre as células com água, eletrólitos, nutrientes e hormônios e remove seus catabólitos. Os elementos
celulares do sangue suprem o organismo com oxigênio (hemácias), protegem contra organismos estranhos e
antígenos (leucócitos) e iniciam a coagulação (plaquetas). Em razão da diversidade do sistema hematopoético,
as doenças que o envolvem são mais bem discutidas a partir de uma perspectiva funcional. A função do sangue
pode ser classificada como resposta normal a situações anormais (p.ex., leucocitose e desvio à esquerda em
resposta à inflamação) ou anormalidades primárias do sistema hematopoético (p. ex., pancitopenia decorrente de
depleção de medula óssea). Além disso, as anormalidades podem ser quantitativas (ou seja, contagem celular
muito alta ou muito baixa) ou qualitativas (ou seja, alterações funcionais). (Ver Sistema Imunológico, p. 859).

HEMÁCIAS

A função das hemácias é transportar oxigênio aos tecidos com pressão suficiente para permitir sua rápida
difusão. Esse transporte depende de uma molécula transportadora, a hemoglobina (Hb); um veículo (hemácia)
capaz de levar a hemoglobina intacta até a célula e um mecanismo que protege tanto a hemácia quanto a Hb de
condições adversas. Qualquer interferência na síntese ou na liberação de Hb, na produção ou na sobrevida das
hemácias ou no mecanismo metabólico induz doenças.
A Hb é uma molécula complexa, formada por quatro radicais heme ligados a quatro globinas (duas a­globinas
e duas β­globinas). O ferro é agregado no último estágio, pela ação da enzima ferroquelatase. Anormalidades na
produção de heme ou de globina ocasionam anemia. Dentre as anormalidades, incluem­se deficiência de cobre
ou de ferro e intoxicação por chumbo. As hemoglobinopatias, como talassemia e anemia falciforme, doenças
genéticas importantes do homem, ainda não foram diagnosticadas em animais. Nessas doenças, a produção de
globinas (a ou β, ou ambas) não é proporcional à síntese de heme, de modo que há comprometimento da função
da Hb. A única hemoglobinopatia conhecida nos animais é a porfiria. Embora descrita em várias espécies, é
mais importante como causa de fotossensibilização em bovinos (ver p. 1044).
No animal sadio, a massa eritrocitária e, consequentemente, a capacidade de transportar oxigênio
permanecem constantes ao longo do tempo. A meia­vida das hemácias maduras é limitada; suas taxas de
produção e destruição devem ser muito equilibradas, caso contrário há manifestação de doença.
A eritropoese é controlada pela eritropoetina, cujo teor aumenta na hipoxia, controlando a produção de
hemácias. Na maioria das espécies, o rim atua como órgão sensor e como principal local de síntese de
eritropoetina, de forma que a insuficiência renal crônica está associada à ocorrência de anemia. A eritropoetina
atua na medula, juntamente com outros mediadores humorais, aumentando a quantidade de células­tronco
envolvidas na produção de hemácias, de modo a reduzir o período de maturação e causar liberação precoce de
reticulócitos. Outros fatores que influenciam a eritropoese incluem suprimento de nutrientes (como ferro, folato
ou vitamina B12) e interação célula­célula entre precursores eritroides, células linfoides e outros componentes do
microambiente hematopoético. Os fatores que podem suprimir a eritropoese incluem doenças debilitantes
crônicas e anormalidades endócrinas (p. ex., hipotireoidismo, hiperestrogenismo).
Há dois mecanismos de remoção de hemácias senescentes; ambos conservam os principais constituintes da
célula para reutilização. Normalmente a remoção das hemácias envelhecidas envolve fagocitose pelos
macrófagos do baço. À medida que a hemácia envelhece, pode ocorrer alteração de suas características
antigênicas, adquirindo antígenos senescentes, e perda de sua flexibilidade decorrente do prejuízo na síntese de
trifosfato de adenosina (ATP). Ambas as alterações aumentam a possibilidade de sequestro celular no baço e de
remoção por macrófagos. Após fagocitose e subsequente lesão da membrana celular, a Hb é desdobrada nas
porções heme e globina. O ferro é liberado da porção heme, sendo armazenado no macrófago, na forma de
ferritina ou hemossiderina, ou liberado na circulação para transporte de volta à medula. O radical heme
remanescente dá origem à bilirrubina, que é liberada pelos macrófagos na circulação sistêmica, onde se liga à
albumina para ser transportada aos hepatócitos; no fígado, é conjugada e excretada na bile. Nas anemias
hemolíticas extravasculares, a meia­vida das hemácias é mais curta; ocorrem os mesmos mecanismos, porém,
em maior intensidade.
Cerca de 1% das hemácias envelhecidas normalmente é hemolisada na circulação, liberando Hb livre. Esta é
rapidamente transformada em dímeros de Hb que se ligam à haptoglobina e são transportados ao fígado, onde
são metabolizados da mesma maneira que os produtos oriundos de hemácias removidas por fagocitose. Na
anemia hemolítica intravascular, ocorre maior destruição de hemácias na circulação (hemoglobinemia),
superando a capacidade de ligação à haptoglobina. O excesso de Hb e, portanto, de ferro, é excretado na urina
(hemoglobinúria).
A principal via metabólica das hemácias é a glicólise, e a principal fonte de energia na maioria das espécies é
a glicose. A glicose penetra nas hemácias por um mecanismo independente da insulina, sendo a maior parte
metabolizada para produzir ATP e a forma reduzida do dinucleotídio de nicotinamida­adenina (NADH). A
energia oriunda do ATP é utilizada para manter as bombas da membrana da hemácia, a fim de preservar sua
forma e flexibilidade. O potencial de redução do NADH é utilizado na via da metemoglobina redutase para
manter o ferro da Hb em sua forma reduzida (Fe2+).
A glicose não utilizada no processo de glicólise é metabolizada em uma via metabólica secundária, a da
hexose monofosfato (HMP). Não há produção de energia nessa segunda via metabólica; sua principal função é
manter o potencial de redução na forma reduzida de fosfato de dinucleotídio de nicotinamida­adenina
(NADPH). Juntamente com o sistema glutationa redutase/peroxidase, o NADPH mantém os grupos sulfidrilas
da globina em seu estado reduzido.
Algumas anormalidades são consequências diretas da alteração do metabolismo eritrocitário e da
interferência na glicólise. A deficiência hereditária de piruvato quinase, uma enzima­chave na glicólise, causa
carência de ATP e consequente diminuição da meia­vida da hemácia, bem como anemia hemolítica. O estresse
oxidativo excessivo pode sobrecarregar as vias hexose monofosfato ou metemoglobina redutase, causando
anemia hemolítica por corpúsculos de Heinz ou formação de metemoglobina, respectivamente. A anemia
hemolítica provocada por medicamentos, como o paracetamol em gatos, é um exemplo desse mecanismo (ver,
p. 9).
Hematopoese normal. Cortesia de Teton NewMedia. BFU­E = BFU de eritrócito. CFU­Baso = UFC de basófilo; CFU­E = UFC de hemácia; CFU­
EO = UFC de eosinófilo; CFU­G = UFC de granulócito; CFU­GEM M = UFC de granulócito, hemácia, monócito e megacariócito; CFU­GM =
UFC de granulócito, hemácia e monócito; CFU­L = UFC de linfócito; CFU­M = UFC de monócito; CFU­MK = UFC de megacariócito; CFU­S =
UFC de célula do baço.

A diminuição da massa eritrocitária (anemia) pode ser causada por perda de sangue, hemólise ou diminuição
na produção de hemácias. Na anemia por hemorragia aguda, ocorre perda de hemácias, mas a morte geralmente
está mais relacionada com a hipovolemia do que com a perda eritrocitária. O ferro é o fator limitante na
hemorragia crônica. A hemólise pode ser causada por toxinas, microrganismos infecciosos, anomalias
congênitas ou anticorpos contra antígenos eritrocitários de membrana. A diminuição na produção de hemácias
pode ser decorrência de doenças primárias da medula (p. ex., anemia aplásica, neoplasia hematopoética maligna
ou mielofibrose) ou de outras causas, como insuficiência renal, medicamentos, toxinas ou anticorpos contra
precursores eritrocitários. A malignidade que acomete hemácias ou seus precursores pode ser aguda (p. ex.,
eritroleucemia) ou crônica (p. ex., policitemia vera). Os animais com eritroleucemia tornam­se anêmicos, apesar
de terem a medula preenchida com rubriblastos; os animais com policitemia vera apresentam eritrocitose.

LEUCÓCITOS

FAGÓCITOS: A principal função dos fagócitos é defender o organismo contra microrganismos invasores, por
meio de fagocitose e destruição, consequentemente, contribuindo para a resposta inflamatória celular. Há dois
tipos de fagócitos: os fagócitos mononucleares e os granulócitos. Os fagócitos mononucleares originam­se,
principalmente, da medula e são liberados no sangue como monócitos. Podem circular por horas ou até alguns
dias antes de alcançarem os tecidos e se diferenciarem em macrófagos. Os granulócitos apresentam núcleo
segmentado e são classificados como neutrófilos, eosinófilos ou basófilos, de acordo com suas características de
coloração. Os neutrófilos permanecem na circulação apenas algumas horas antes de alcançarem os tecidos.
No mecanismo de fagocitose, foram identificados cinco estágios distintos: (1) atração dos fagócitos
(quimiotaxia) por microrganismos, complexos antígeno­anticorpo e outros mediadores inflamatórios; (2)
aderência ao microrganismo; (3) ingestão; (4) fusão dos lisossomos celulares com os microrganismos
fagocitados e morte bacteriana e (5) digestão. Além disso, vários fagócitos têm outras funções especializadas.
Os monócitos participam de um sistema imune específico, preparando o antígeno para apresentação aos
linfócitos e sintetizando substâncias semelhantes à interleucina­1, que induzem febre e ativação linfocitária,
bem como estimulam os precursores hematopoéticos.
Os eosinófilos, embora possam atuar como fagócitos, também têm funções mais específicas que incluem
defesa contra metazoários e modulação do processo inflamatório. Eles respondem quimiotaticamente à
histamina, aos imunocomplexos e ao fator quimiotático eosinofílico de anafilaxia, substância liberada durante a
degranulação de mastócitos. Os basófilos não são fagócitos verdadeiros, mas contêm alto teor de histamina, bem
como de outros mediadores inflamatórios. Podem­se constatar eosinofilia e basofilia em resposta às reações
alérgicas sistêmicas e à invasão tecidual por parasitos.
À semelhança do que acontece com as hemácias, a produção e a população de fagócitos circulantes são
rigorosamente controladas por vários fatores humorais, inclusive fatores estimulantes de colônia e interleucinas.
Diferentemente das hemácias, que permanecem na circulação sanguínea, os fagócitos utilizam o compartimento
vascular como via de acesso aos tecidos. Consequentemente, a quantidade de fagócitos no sangue reflete
anormalidades teciduais (p. ex., inflamação), bem como a função proliferativa da medula óssea. A intensidade
com que os fagócitos refletem essas condições varia em função da espécie. Uma resposta anormal, como
neutropenia decorrente de depleção medular, infecções, medicamentos ou toxinas, provavelmente resulta em
infecção bacteriana secundária. Alguns casos de neutropenia “idiopática” em cães podem ter causa
imunomediada. Finalmente, os precursores fagocitários podem sofrer transformação maligna, originando
leucemia mielógena aguda ou crônica.
LINFÓCITOS: São responsáveis pelas imunidades humoral e celular. Não se consegue diferenciar
morfologicamente os dois tipos de células do sistema imune, mas há diferença em sua dinâmica de produção e
circulação. Nos mamíferos, os linfócitos são produzidos na medula óssea. Alguns dos linfócitos envolvidos na
imunidade celular migram para o timo e sofrem diferenciação por influência de hormônios tímicos. Esses
linfócitos tornam­se os linfócitos T e são responsáveis por várias funções imunológicas auxiliares ou
citotóxicas. A maior parte dos linfócitos circulantes é tipo T, porém muitos deles também estão presentes no
baço e nos linfonodos. Os linfócitos B migram diretamente para os órgãos, sem sofrer modificação no timo, e
são responsáveis pela imunidade humoral (produção de anticorpos).
Portanto, os órgãos linfoides apresentam populações de linfócitos B e T. Nos linfonodos, os centros
foliculares apresentam, principalmente, linfócitos B, ao passo que as zonas parafoliculares contêm,
especialmente, linfócitos T. No baço, a maior parte dos linfócitos da polpa vermelha é tipo B, ao passo que
aqueles das bainhas linfoides periarteriolares são linfócitos T. Para a função imune efetiva, é fundamental uma
estreita relação entre linfócitos T e B nos órgãos linfoides.
A função linfocitária no sistema imune celular envolve tanto componentes aferentes (receptores) quanto
eferentes (efetores). Os linfócitos T, de vida longa no sangue periférico, são os receptores. Em resposta aos
antígenos aos quais foram previamente sensibilizados, eles saem da circulação e sofrem transformação blástica
para originar linfócitos T ativados que, por sua vez, fazem que outros linfócitos T sofram transformação
blástica, tanto local quanto sistemicamente. Os linfócitos T estimulados produzem linfocinas que desempenham
várias funções, como atração e ativação de neutrófilos, macrófagos e linfócitos.
O sistema imune humoral é representado por linfócitos B, que produzem várias classes de anticorpos. Quando
os linfócitos B sensibilizados se encontram com o antígeno, eles se diferenciam em plasmócitos, que produzem
anticorpos. Por conseguinte, todo linfócito B inicialmente estimulado produz um clone de plasmócitos, os quais
sintetizam um anticorpo específico.
As moléculas de anticorpos (imunoglobulinas [Ig]) são agrupadas em várias classes, com características
funcionais próprias. Por exemplo, a IgA é o principal anticorpo das secreções respiratória e intestinal; a IgM é o
anticorpo inicialmente sintetizado em resposta a um antígeno recém­reconhecido; a IgG é o principal anticorpo
do sangue circulante e a IgE, o principal anticorpo envolvido nas reações alérgicas.
Os anticorpos desempenham sua função por se ligarem aos antígenos específicos que estimularam sua
produção. Os complexos antígeno­anticorpo podem ser quimiotáticos para fagócitos ou podem ativar o
complemento, um mecanismo que induz tanto lise celular quanto liberação de substâncias quimiotáticas para
neutrófilos e macrófagos. Dessa maneira, o sistema imune humoral relaciona­se e interage com o sistema imune
inespecífico.
O sistema imune humoral também está relacionado com o sistema imune inespecífico e com o sistema imune
celular por meio de outros mecanismos. Os linfócitos T são denominados “auxiliares” (CD4) e “citotóxicos”
(CD8). Os linfócitos T auxiliares reconhecem o antígeno processado e ativam a resposta imune humoral. Os
linfócitos T citotóxicos, após sensibilização pelo antígeno, tornam­se células efetoras, especialmente
importantes na atividade antiviral. Os linfócitos matadores naturais, que representam uma classe de linfócitos
distinta dos linfócitos T e B, destroem células estranhas (p. ex., células neoplásicas), mesmo sem sensibilização
prévia. O processamento de antígenos pelos macrófagos precede o reconhecimento de um antígeno pelos
linfócitos. Esses processos complexos estão envolvidos na vigilância rotineira contra células neoplásicas e no
reconhecimento do “próprio” organismo.
Em caso de doença, a resposta linfocitária pode ser apropriada (ativação do sistema imune) ou inapropriada
(doença imunomediada e neoplasia maligna linfoproliferativa). (Ver Sistema Imunológico, p. 859) A doença
imunomediada resulta da falha do sistema imune em reconhecer os tecidos do hospedeiro como próprios. Por
exemplo, na anemia hemolítica imunomediada são produzidos anticorpos contra as hemácias do próprio
hospedeiro. A alergia é outra resposta inapropriada do sistema imune. Nos indivíduos alérgicos, os anticorpos
IgE, contra alergênios, ligam­se à superfície de basófilos e mastócitos. Quando ocorre exposição ao alergênio,
formam­se complexos antígeno­anticorpo e a degranulação de mastócitos e basófilos induz a liberação de
aminas vasoativas. A reação a essas aminas pode ser discreta (como na urticária ou na atopia) ou grave, com
risco à vida (como na anafilaxia).
Em algumas espécies, particularmente em gatos, ocorre linfocitose como resposta à secreção de epinefrina.
Notam­se linfócitos atípicos no sangue em resposta à estimulação antigênica (p. ex., vacinação). A linfocitose
persistente em bovinos infectados por vírus da leucemia bovina representa o aumento policlonal benigno da
população de linfócitos. Doenças linfoproliferativas malignas incluem linfomas, leucemia linfocítica crônica e
leucemia linfoblástica aguda. Pode ocorrer linfopenia, principalmente em resposta à secreção de glicocorticoide.

PLAQUETAS

Sempre que há hemorragia, as plaquetas formam o tampão hemostático inicial. Também representam a fonte de
fosfolipídios necessários para a interação dos fatores de coagulação, a fim de formar o coágulo de fibrina. As
plaquetas são produzidas na medula óssea, a partir dos megacariócitos, sob a influência da trombopoetina. A
produção de plaquetas inicia­se com a invaginação da membrana celular do megacariócito e a formação de ilhas
e canais citoplasmáticos. As ilhas citoplasmáticas produzem plaquetas a partir da fragmentação do
megacariócito.
As plaquetas circulantes maduras apresentam grânulos densos que contêm ATP, difosfato de adenosina (ADP)
e cálcio, bem como serotonina, lisossomos, glicogênio, mitocôndria e um sistema canalicular intracelular. A
mitocôndria e o glicogênio estão envolvidos na produção de energia, e o sistema canalicular atua como meio de
transporte para os componentes granulares e como fonte de fosfolipídios, por sua alta concentração na
membrana do revestimento canalicular.
Quando há lesão das paredes do vaso, ocorre exposição de colágeno e de fator tecidual; as plaquetas
circulantes aderem­se ao local da lesão por meio do fator de von Willebrand e sua forma se altera, liberando
ADP. A agregação plaquetária local é estimulada pelo ADP, formando­se o tampão plaquetário primário. O
acúmulo local de fibrina e plaquetas é denominado tampão hemostático. O coágulo de fibrina que se forma é
consolidado pela ação de proteínas plaquetárias contráteis.
As anormalidades plaquetárias são quantitativas (trombocitopenia ou trombocitose) ou qualitativas
(trombocitopatia). A trombocitopenia é um dos distúrbios hemorrágicos mais comuns em animais. Em geral, há
risco de hemorragia quando o número de plaquetas diminui para menos de 30.000/ μL. Consumo, destruição ou
sequestro de plaquetas causam trombocitopenia, juntamente com aumento de sua produção na medula óssea. A
trombocitopenia por consumo excessivo está relacionada com hemorragia grave ou coagulação intravascular
disseminada (CID), subsequente a várias doenças. Na trombocitopenia imunomediada, condição na qual as
plaquetas são recobertas por anticorpos antiplaquetários e removidas da circulação pelo sistema fagocitário,
ocorre destruição plaquetária. Pode ocorrer sequestro excessivo de plaquetas pelo aumento de volume do baço
(esplenomegalia) em decorrência de enfermidades, como as doenças mieloproliferativas.
A diminuição da produção de plaquetas na medula óssea pode ser causada por medicamentos, toxinas ou
anormalidades medulares primárias, como aplasia, fibrose ou doença hematopoética maligna. Com frequência,
nas doenças medulares primárias ocorre diminuição de mais de uma linhagem celular hematopoética, resultando
em pancitopenia.
Trombocitose é um achado raro, quase sempre de origem idiopática. Pode estar associada a doença medular
primária, como leucemia megacariocítica. Com frequência, a trombocitose está relacionada com deficiência de
ferro e hemorragia crônica, em razão da maior produção de plaquetas na medula em resposta ao consumo e à
perda contínuos.
As trombocitopatias compreendem um grupo de doenças pouco definidas, nas quais o número de plaquetas
permanece normal, mas sua função encontra­se prejudicada. A doença de von Willebrand caracteriza­se,
principalmente, por distúrbio na aderência de plaquetas ao endotélio. As plaquetas são normais. Há relato de
outros distúrbios hereditários da função plaquetária, mas de ocorrência relativamente rara. Provavelmente, a
disfunção plaquetária mais comum é a inibição irreversível do tromboxano (necessário para a agregação
plaquetária), causada pela administração de ácido acetilsalicílico.

ANEMIA

É definida como a diminuição absoluta da população de hemácias, detectada por meio de contagem eritrocitária
e da determinação da concentração de hemoglobina e do volume globular (VG) ou hematócrito. Pode­se instalar
em razão de perda, destruição ou falha na produção de hemácias. As anemias podem ser classificadas como
regenerativas ou não regenerativas. Na anemia regenerativa, a medula óssea responde apropriadamente à
diminuição da massa eritrocitária, aumentando a produção de hemácias e liberando reticulócitos. Na anemia não
regenerativa, a medula óssea responde inadequadamente à maior necessidade de hemácias. Em geral, a anemia
decorrente de hemorragia ou hemólise é do tipo regenerativo. Anemia causada por diminuição do teor de
eritropoetina ou por anormalidade na medula óssea é do tipo não regenerativo.
ACHADOS CLÍNICOS: Em animais, os sintomas de anemia dependem da gravidade, da duração (aguda ou
crônica) e da causa primária do distúrbio. A anemia aguda pode resultar em choque, com risco à vida, caso
ocorra perda súbita superior a 1/3 do volume de sangue, sem reposição. Na hemorragia aguda, geralmente o
animal apresenta taquicardia, palidez de membranas mucosas, pulso fraco ou irregular e hipotensão. A causa da
perda de sangue pode ser óbvia, por exemplo, traumatismo. Caso não haja evidência de hemorragia externa,
deve­se considerar a possibilidade de hemorragia oculta ou interna, por exemplo, ruptura de tumor esplênico,
outras neoplasias, coagulopatia, úlcera gastrintestinal ou parasitose. Quando há hemólise, o paciente pode
manifestar icterícia. Animais com anemia crônica podem ter tempo suficiente para adaptação ao distúrbio,
sendo o quadro clínico deles, em geral, mais indolente, com discretos sinais de letargia, fraqueza e anorexia.
Esses pacientes apresentam achados semelhantes ao exame físico, como palidez de membranas mucosas,
taquicardia e, possivelmente, esplenomegalia e sopro cardíaco, ou ambos.
DIAGNÓSTICO: Anamnese minuciosa é uma parte importante da avaliação de um animal anêmico. Podem­se
questionar a duração dos sintomas, o histórico de exposição a toxinas (p. ex., rodenticidas, metais pesados,
plantas tóxicas), o uso de medicamentos e vacinas, bem como obter informação sobre viagem e qualquer doença
anterior.
O hemograma, inclusive com contagem de plaquetas e de reticulócitos, fornece informação sobre a gravidade
da anemia e o grau de resposta da medula óssea; ademais, possibilita a avaliação de outras linhagens celulares.
Deve­se examinar o esfregaço sanguíneo, verificando­se alterações na morfologia ou no tamanho das hemácias,
além da presença de hemoparasitos. Os índices hematimétricos (mensuração do tamanho das hemácias e da
concentração de hemoglobina) são calculados por aparelhos automáticos calibrados para a espécie em questão.
O tamanho da hemácia é expresso pelo volume corpuscular médio (VCM), em fentolitros, e geralmente reflete o
grau de regeneração. Macrocitose (aumento do VCM) geralmente está associada a anemia regenerativa.
Macrocitose pode ser um distúrbio hereditário em cães da raça Poodle, sem anemia, e pode ser notada em gatos
anêmicos infectados por vírus da leucemia felina (FeLV). Microcitose indica anemia por deficiência de ferro. A
concentração de hemoglobina da hemácia, expressa em g/dL, é definida pela concentração de hemoglobina
corpuscular média. Anormalidades morfológicas de hemácias, como pontilhado basofílico, podem indicar
intoxicação por chumbo. A presença de corpúsculos de Heinz indica lesão oxidativa da hemácia, secundária à
exposição a toxinas (ver Tabela 1). Os gatos são mais suscetíveis à formação de corpúsculos de Heinz do que
outras espécies; mesmo os gatos sem anemia podem ter pequena quantidade desses corpúsculos.
Em geral, a contagem de reticulócitos é expressa como porcentagem da população de hemácias. Esse valor
deve ser corrigido em função do grau de anemia, a fim de se avaliar o grau de regeneração. Contagem absoluta
de ret iculócitos (hemácias/μL × % de reticulócitos) inferior a 50.000/μL ou 60.000/μL, em gatos e cães,
respectivamente, indica anemia regenerativa. Para corrigir o percentual de reticulócitos, pode­se aplicar a
fórmula mostrada à frente. Em cães e gatos, uma porcentagem de reticulócitos corrigida > 1% indica
regeneração. Em geral, após crise hemolítica ou hemorragia aguda, a reticulocitose demora 3 a 4 dias para se
tornar evidente.

O perfil bioquímico sérico e a urinálise permitem avaliar as funções orgânicas. Na suspeita de hemorragia
gastrintestinal, pode ser útil o exame de fezes, com intuito de pesquisar sangue oculto e presença de parasitos.
Radiografias podem auxiliar na detecção de doenças ocultas, como a presença de uma moeda (intoxicação por
zinco) no estômago de um filhote de cão com anemia hemolítica. Hematoma ou sangramento pode ser sinal de
coagulopatia e indica a necessidade de avaliar os parâmetros de coagulação. Na suspeita de doença hemolítica,
pode­se avaliar autoaglutinação do sangue e indicar o teste de Coombs direto. Pode­se realizar o teste de
autoaglutinação mediante a deposição de uma gota de solução salina em uma lâmina, juntamente com uma gota
de sangue fresco do paciente; para misturar as gotas, a lâmina deve ser movimentada cuidadosamente; em
seguida, fazem­se avaliações macro e microscópicas, investigando­se macro e microaglutinações. Sorologia
para microrganismos infecciosos, como vírus da leucemia felina, Ehrlichia, vírus da anemia infecciosa equina e
Babesia, também pode ser útil para definir a causa da anemia (ver Tabela 2).

Tabela 1 – Causas tóxicas de anemia

Mecanismo Medicamentos Plantas, Toxinas, Metais


patogênico alimentos substâncias pesados
químicas

Oxidação Paracetamol, benzocaína, dapsona, Vicia faba, Óleo cru, Cobre,


nitrofuranos, primaquina, propofol, carvalho, naftaleno zinco
quinacrina cebolas,
propileno
glicol, bordo
vermelho
Hemorragia Ácido acetilsalicílico, naproxeno Samambaia, Dicumarol
trevo­doce
Hemólise Cefalosporinas, levamisol, penicilina, Pirimicarb
imunomediada propiltiouracila, sulfonamidas
Hemólise Fembendazol, heparina Indol Chumbo,
selênio
Diminuição da Anfotericina, azidotimidina, Samambaia Benzeno, Chumbo
produção cefalosporinas, cloranfenicol, estrógeno, tricloroetileno
medular fembendazol, griseofulvina, ácido
meclofenâmico, fenobarbital, fenotiazina,
fenilbutazona, propiltiouracila, quinidina,
eritropoetina humana recombinante,
sulfonamidas, tiacetarsamida

Indica­se exame da medula óssea a partir de amostras obtidas por aspiração e/ou biopsia, em qualquer animal
com anemia não regenerativa inexplicável. Caso o hemograma revele diminuição em mais de uma linhagem
celular, possivelmente há hipoplasia de medula, sendo indicada biopsia juntamente com o aspirado. Biopsias e
aspirado completam–se: as biopsias são melhores para avaliar a arquitetura e o grau de celularidade da medula
óssea, ao passo que o aspirado permite melhor avaliação da morfologia celular. O aspirado também possibilita a
avaliação da maturação das linhagens de hemácias e leucócitos, da proporção de precursores de hemácias e
leucócitos (proporção M:E) e da quantidade de precursores de plaquetas. Ademais, pode­se avaliar a reserva de
ferro utilizando­se o corante azul da Prússia. Proporção M:E < 1 indica que a produção de hemácias é superior à
de leucócitos; no caso de proporção M:E > 1, ocorre o oposto. A proporção M:E sempre deve ser interpretada
juntamente com os resultados de um hemograma recente, pois as alterações nessa proporção também podem ser
decorrentes da supressão de uma linhagem celular, comparativamente a outra.

Tabela 2 – Causas infecciosas de anemia

Microrganismos Espécies acometidas Hemolíticos Lesão de


medula

Bactéria

Clostridium perfringens A Bovinos, ovinos Sim Não


Clostridium haemolyticum Bovinos, ovinos Sim Não
Leptospira interrogans Bovinos, suínos, ovinos Sim Não
Mycoplasma spp Gatos ± Raramente
Haemobartonella spp Bovinos, gatos ± Não
Vírus

Vírus da anemia infecciosa Equinos ± Raramente


equina
Vírus da leucemia felina Gatos ± Sim
Vírus da imunodeficiência Gatos Não Sim
felina
Riquétsia

Mycoplasma spp Bovinos, caprinos, lhamas, suínos, Sim (apenas Não


ovinos a leitões)
Anaplasma spp Bovinos, caprinos, ovinos Sim Não
Ehrlichia spp Cães Sim Sim
Protozoários

Babesia spp Bovinos, gatos, cães, equinos, Sim Não


ovinos
Theileria sppb Bovinos, caprinos, ovinos ± Não
Cytauxzoon spp Gatos Não Sim
Trypanosoma spp Bovinos, equinos, suínos Sim Não
Sarcocystis cruzi Bovinos Sim Não
aNos adultos, é clinicamente importante apenas em pacientes gravemente enfermos ou submetidos a esplenectomia.
b Espécies patogênicas de Theileria ocorrem na África, no Mediterrâneo, no Oriente Médio, na Ásia e na Europa. As
espécies observadas na América do Norte não são patogênicas.

ANEMIAS NÃO REGENERATIVAS

ANEMIA DECORRENTE DE DOENÇA CRÔNICA

A anemia associada a doença crônica pode ser caracterizada como anemia normocítica normocrômica não
regenerativa, discreta a moderada. É a forma mais comum de anemia em animais. A anemia pode ser secundária
a infecção ou inflamação crônica, neoplasia, hepatopatia, hiper ou hipoadrenocorticismo e hipotireoidismo. A
anemia é mediada pelas citocinas produzidas por células inflamatórias, as quais reduzem a disponibilidade de
ferro, o tempo de sobrevida das hemácias e a capacidade de regeneração da medula. O tratamento da doença
primária resulta na cura da anemia. A anemia pode ser minimizada com o tratamento com eritropoetina humana
recombinante, mas o risco de formação de anticorpos contra eritropoetina endógena provavelmente é maior do
que qualquer possível benefício.

DEFICIÊNCIAS NUTRICIONAIS

As anemias causadas por deficiência nutricional instalam­se quando não há quantidade adequada de
micronutrientes para produção de hemácias. A anemia desenvolve­se gradativamente e, no início, pode ser
regenerativa; posteriormente, torna­se não regenerativa. A inanição causa anemia pela combinação de
deficiências de vitaminas e minerais, bem como balanços proteico e energético negativos. As causas mais
prováveis de anemia nutricional incluem deficiências de ferro, cobre, cobalamina (vitamina B12), vitamina B6,
riboflavina, niacina, vitamina E e vitamina C (importante apenas em primatas e porquinhos­da­índia).
A carência de ferro em cães e leitões é a deficiência mais comum; é menos frequente em equinos, gatos e
ruminantes. A deficiência de ferro raramente é de origem nutricional – mais comumente, é secundária à perda
de sangue (ver p. 16). Animais jovens têm reservas mínimas de ferro; ademais, o leite contém baixo teor de
ferro. Isso pode ser especialmente importante para leitões em fase de rápido crescimento, criados em ambientes
que não permitem acesso à fonte de ferro. A suplementação oral desse mineral é indicada como tratamento
desse estado carencial; qualquer perda de sangue deve ser controlada.
A deficiência de cobre pode se desenvolver em ruminantes alimentados com forragem cultivada em solo com
carência desse mineral. O cobre é necessário para o metabolismo do ferro. Em bovinos, a deficiência de cobre
pode ser secundária à dieta com alto teor de molibdênio ou de sulfatos; também pode acometer suínos
alimentados com dieta à base de soro lácteo. Baixas concentrações de cobre no sangue e baixo teor do mineral
em amostras de fígado obtidas por biopsia (mais confiável) são indicadores diagnósticos. O tratamento consiste
na suplementação oral ou injetável de cobre.
Deficiências de vitamina B são raras. Alguns medicamentos (anticonvulsivantes, medicamentos que
interferem no metabolismo de folato) são incriminados como causa de deficiência de folato ou de cobalamina,
ocasionando anemia normocítica normocrômica não regenerativa. Há relato de má absorção de cobalamina em
cães da raça Giant Schnauzer (seus enterócitos não são capazes de absorver essa vitamina). Esses cães
respondem à suplementação parenteral com cobalamina. Os ruminantes também desenvolvem deficiência
secundária de cobalamina quando mantidos em pastagens carentes de cobalto. Indica­se o tratamento oral com
cobalto ou terapia parenteral com cobalamina.

DOENÇAS PRIMÁRIAS DA MEDULA ÓSSEA

Doença primária ou insuficiência da medula óssea de qualquer natureza pode ocasionar anemia não regenerativa
e pancitopenia. No caso de envolvimento difuso da medula, os granulócitos são primeiramente acometidos,
seguidos das plaquetas e, finalmente, das hemácias.
Há relato de anemia aplásica em cães, gatos, ruminantes, equinos e suínos com pancitopenia e medula
hipoplásica substituída por tecido gorduroso. Na maioria dos casos, a doença é idiopática; porém, dentre as
causas conhecidas, incluem­se infecções (FeLV, Ehrlichia), medicamentos, ingestão de toxinas e radiação
corporal total (ver Tabelas 1 e 2). O tratamento consiste em eliminar a causa primária e propiciar medidas de
suporte, como antibióticos de amplo espectro (20 mg de amoxicilina/ácido clavulânico/kg, 2 vezes/dia) e
transfusão de sangue. Podem­se utilizar eritropoetina humana recombinante e fator estimulante de colônia de
granulócitos (5 μg/kg, VO, 1 vez/dia) até que a medula se recupere. Quando a doença é idiopática ou é
improvável a recuperação da medula (p. ex., intoxicação de cães por fenilbutazona), o transplante de medula
óssea é benéfico, caso haja disponibilidade de um doador apropriado.
Na aplasia específica de hemácia (AEH), apenas a linhagem eritroide é acometida. O distúrbio caracteriza­
se por anemia não regenerativa com depleção grave dos precursores de hemácias na medula óssea. Há relato em
cães e gatos; pode ser primária ou secundária. Em geral, os casos primários são imunomediados e
frequentemente respondem à terapia imunossupressora. Os gatos positivos à leucemia felina podem apresentar
esse tipo de aplasia. Há relato de AEH causada pelo uso de eritropoetina humana recombinante, em cães e
equinos. Em alguns animais, a interrupção do tratamento pode, eventualmente, propiciar recuperação das
hemácias.
A ocorrência de leucemias primárias é incomum ou rara nas espécies domésticas, porém há relato em cães,
gatos, bovinos, caprinos, ovinos, suínos e equinos. Retrovírus é a causa em alguns bovinos, gatos, primatas e
aves. As leucemias podem acometer as linhagens de células mieloides e linfoides; adicionalmente são
classificadas como agudas ou crônicas. A maior parte dos animais acometidos apresenta anemia não
regenerativa, neutropenia e trombocitopenia, geralmente com presença de bastonetes na circulação sanguínea.
Leucemias agudas, caracterizadas por infiltração da medula com bastonetes, geralmente não respondem bem à
quimioterapia. Em animais que respondem ao tratamento, o tempo de remissão geralmente é curto. Na leucemia
linfoblástica aguda (LLA), em cães, a taxa de resposta à quimioterapia é cerca de 30%, com sobrevida média de
4 meses. Leucemias mielobásticas agudas são menos comuns e menos responsivas ao tratamento, em
comparação com a LLA. Com frequência, nas leucemias agudas é difícil identificar morfologicamente a
linhagem celular, de modo que pode ser necessário o uso de corantes citoquímicos ou de testes imunológicos
com marcadores de superfície celular para a definição do diagnóstico. Leucemias crônicas, caracterizadas pela
produção excessiva de uma linhagem de célula hematopoética, são causas menos prováveis de anemia e
respondem melhor ao tratamento.
Mielodisplasia (síndrome mielodisplásica [SMD]) é considerada uma síndrome pré­leucêmica caracterizada
por hematopoese inefetiva, resultando em anemia não regenerativa ou outras citopenias. Há relato de SMD em
cães, gatos e pessoas. A doença pode ser primária ou secundária e comumente é constatada em gatos com
leucemia felina. As síndromes primárias provavelmente se originam de mutações em células­tronco. As
síndromes secundárias são causadas por outras neoplasias ou pelo uso de medicamentos. Alguns gatos e cães
respondem ao tratamento com eritropoetina humana recombinante e prednisona. Terapia de suporte, com
transfusão de sangue, pode ser útil. A sobrevida é variável porque a SMD pode evoluir para leucemia; vários
animais são submetidos à eutanásia ou morrem de sepse, hemorragia ou anemia.
A mielofibrose causa deficiência de medula óssea em razão da substituição de componentes normais da
medula por tecido fibroso. Foi diagnosticada em cães, gatos, pessoas e caprinos. Pode ser um distúrbio primário
ou secundário a neoplasia maligna, anemia hemolítica imunomediada, radiação de todo o corpo e anemias
congênitas (p. ex., deficiência de PK). O diagnóstico pode ser definido por meio de biopsia de medula óssea. O
tratamento varia de acordo com a causa primária, porém costuma consistir em terapia imunossupressora.

DOENÇA RENAL

Doença renal crônica é causa comum de anemia não regenerativa em animais. Normalmente a eritropoetina é
produzida pelas células do endotélio peritubular do córtex renal. Animais com doença renal sintetizam menor
quantidade de eritropoetina, instalando­se anemia. Como tratamento, tem­se utilizado eritropoetina humana
recombinante (44 a 132 U/kg, 3 vezes/semana, iniciando, na maior parte dos animais, com 88 U/kg). O VG é
monitorado semanalmente até que se obtenha a melhora desejada (o que varia em função da gravidade da
anemia); em seguida, reduz­se a dose. Os animais que recebem eritropoetina humana recombinante necessitam
de ferro suplementar para manter a produção de hemácias. (Ver, p. 2560)

ANEMIAS REGENERATIVAS

ANEMIA HEMOLÍTICA

Tipicamente, as anemias hemolíticas são regenerativas e decorrentes da lise de hemácias nos compartimentos
intra e extravascular. A hemólise intravascular resulta em hemoglobinemia e hemoglobinúria, ocorrências não
verificadas na hemólise extravascular. Ambos os tipos de hemólise podem ocasionar icterícia. Em cães, a causa
mais comum de anemia hemolítica é doença imunomediada (60 a 75%), embora toxinas, dano eritrocitário,
infecções e defeitos na membrana de hemácias também possam causar hemólise.
ANEMIA HEMOLÍTICA IMUNOMEDIADA: A anemia hemolítica imunomediada (AHIM, ver p. 42) pode ser primária
ou secundária a neoplasia, infecção, uso de medicamento ou vacinação. Na AHIM, o organismo não reconhece
suas próprias hemácias e desenvolve anticorpos contra as hemácias circulantes, que são destruídas por
macrófagos e pelo sistema complemento. Em alguns casos, os anticorpos são direcionados contra precursores de
hemácias na medula, resultando em aplasia eritrocitária específica e anemia não regenerativa. Animais com
AHIM geralmente apresentam icterícia; às vezes têm febre e podem desenvolver esplenomegalia. Como
características hematológicas da AHIM, notam­se esferocitose, autoaglutinação e teste de Coombs positivo.
Um método mais recente para avaliação da presença de anticorpos anti­hemácias de cães é a citometria de
fluxo. Essa técnica permite a detecção e a quantificação de IgG e IgM ligadas à superfície das hemácias.
Constatou­se que a especificidade da citometria de fluxo no diagnóstico de cães com anticorpos anti­hemácias
varia de 88 a 100%. Um artigo sugere o emprego de citometria de fluxo na avaliação da resposta dos cães ao
tratamento, porque ocorre diminuição do teor de anticorpos anti­hemácia antes de se constatar reticulocitose ou
aumento da contagem de hemácias.
Os animais com AHIM podem manifestar sintomas discretos ou crise aguda. É importante instituir o
tratamento com base nos sinais clínicos apresentados pelo animal. Toda infecção primária deve ser tratada de
acordo com a gravidade dos sintomas. Caso não haja disponibilidade de sangue compatível, podem­se
administrar soluções de hemoglobina bovina (Oxyglobin®). O objetivo da terapia é interromper a hemólise
mediante a administração de medicamento imunossupressor. Considera­se tratamento de primeira escolha a
administração de 2 mg de prednisona ou de prednisolona/kg, juntamente com 2 mg de azatioprina/kg/dia (o uso
de azatioprina é contraindicado aos gatos). Estudo recente relatou que baixa dose de ácido acetilsalicílico, 0,5
mg/kg, 1 vez/dia, aumentou a sobrevida de cães tratados com azatioprina e prednisona.
Na crise hemolítica aguda, a administração de ciclosporina (10 mg/kg, inicialmente 1 vez/dia) ou de
imunoglobulina humana IV, na dose única de 0,5 a 1,5 g/kg, também pode ser benéfica. Para a administração
intravenosa de imunoglobulina humana, o medicamento deve ser diluído em solução salina estéril e
administrado lentamente ao longo de 6 h. Durante a infusão, o cão deve ser monitorado quanto à ocorrência de
reações alérgicas. A imunoglobulina humana IV é utilizada apenas uma vez, por causa do risco de reações
alérgicas quando se utilizam múltiplas aplicações. O composto é altamente osmótico e deve ser utilizado com
cautela em cães com doença cardíaca. Atualmente não é considerado o tratamento de primeira escolha para
AHIM. Ainda não há relato de acompanhamento a longo prazo.
Em cães com AHIM, há risco de tromboembolia pulmonar. A causa primária é desconhecida, mas o risco
pode ser minimizado com tratamento de suporte à base de fluidoterapia e transfusão de sangue. Os fluidos são
importantes para manter a perfusão renal e proteger os rins da alta concentração de bilirrubina circulante. Na
suspeita de tromboembolia ou de seu risco iminente, pode­se utilizar heparina (100 a 200 UI/kg SC, 4
vezes/dia). No caso de aumento dos tempos de protrombina (TP) e de tromboplastina parcial ativada (TTPA) ou
de sinais de coagulação intravascular disseminada (CID), devem ser administrados 10 mL de plasma congelado
fresco/kg 2 vezes/dia, até que os sinais clínicos ou os parâmetros de coagulação melhorem.
As taxas de mortalidade da AHIM variam de 20 a 75%, dependendo da gravidade dos sintomas iniciais. Os
indicadores de prognóstico negativo incluem diminuição brusca do VG, aumento da concentração de
bilirrubina, leucocitose moderada a marcante (28.000 a > 40.000 leucócitos/μL), elevação do BUN, petéquias,
hemólise intravascular, autoaglutinação e complicações tromboembólicas. Relata­se que a leucocitose moderada
a intensa está associada a necrose tecidual, provavelmente secundária a hipoxia tecidual ou doença
tromboembólica. O encaminhamento do animal a um hospital de referência, para tratamento de suporte, pode
aumentar a sobrevida.
HEMÓLISE ALOIMUNE: Isoeritrólise neonatal (IN) é uma doença hemolítica imunomediada que acomete equinos,
mulas, bovinos, suínos, gatos e, raramente, cães recém­nascidos. É causada pela ingestão de colostro materno
que contém anticorpos contra um dos antígenos do grupo sanguíneo do neonato. Formam–se anticorpos
maternos contra antígenos de grupos sanguíneos estranhos específicos durante gestações anteriores, transfusões
incompatíveis e vacinação de bovinos contra Babesia e Anaplasma. No caso específico de gatos, os animais
com sangue tipo B apresentam naturalmente anticorpos anti­A, sem exposição prévia, e seus filhotes com
sangue tipo A desenvolvem hemólise após a ingestão do colostro. Em geral, os antígenos envolvidos em
equinos são os tipos A, C e Q; IN é mais comumente constatada em equinos puro­sangue e em mulas. Recém­
nascidos com IN são normais ao nascimento, porém desenvolvem anemia hemolítica grave dentro de 2 a 3 dias
e tornam­se fracos e ictéricos. O diagnóstico é confirmado pelo exame de soro, plasma ou colostro maternos
perante as hemácias do pai ou do neonato. O tratamento consiste na interrupção do fornecimento de colostro e
no tratamento de suporte por meio de transfusão sanguínea. Caso necessário, os neonatos podem receber
transfusão com hemácias maternas submetidas a tripla lavagem. A doença pode ser evitada impedindo­se a
ingestão de colostro materno e fornecendo­se colostro de uma mãe livre de anticorpos. As hemácias do recém­
nascido podem ser misturadas com o soro materno para verificar a ocorrência de aglutinação, antes que se
permita ao recém­nascido ingerir o colostro materno.
HEMÓLISE MICROANGIOPÁTICA: É decorrente do dano de hemácias secundário ao fluxo turbulento em vasos
sanguíneos anormais. Em cães, pode ser consequência de dirofilariose grave, tumores vasculares
(hemangiossarcoma), torções esplênicas e CID. Em outras espécies, relatam­se como causas síndrome urêmica
hemolítica em bezerros, anemia infecciosa equina, peste suína africana e peste suína clássica crônica. Nos
esfregaços sanguíneos desses pacientes, é comum notar esquistócitos. O tratamento envolve o controle da
doença primária.
CAUSAS METABÓLICAS DE HEMÓLISE: Hipofosfatemia (p. 1066) ocasiona hemólise e hemoglobinúria pós­parto
em vacas, ovelhas e cabras. Pode ser constatada 2 a 6 semanas após a parição. Hipofosfatemia com hemólise
secundária é constatada em cães e gatos com diabetes melito, lipidose hepática e síndrome da realimentação.
Indica­se administração de fósforo VO ou IV, dependendo do grau de hipofosfatemia. Bovinos que ingerem
quantidade exagerada de água (intoxicação por água) apresentam risco de hemólise por conta da hipotonicidade
do plasma. Tal ocorrência é constatada em bezerros com 2 a 10 meses de idade e causa angústia respiratória e
hemoglobinúria. Os sinais clínicos podem evoluir para convulsões e coma. Suspeita­se de intoxicação por água
quando o bezerro apresenta anemia hemolítica, hiponatremia, hipocloremia, diminuição da osmolalidade sérica
e baixa densidade específica da urina. O tratamento consiste na administração de fluido hipertônico (solução
salina a 2,5%) e diurético (p. ex., manitol).
TOXINAS:Toxinas e medicamentos podem causar anemia por vários mecanismos. Os tipos de anemia mais
comuns em animais e seus mecanismos fisiopatogênicos são mostrados na Tabela 1.
INFECÇÕES: Vários microrganismos infecciosos – bactérias, vírus, riquétsias e protozoários – podem provocar
anemia por lesão direta às hemácias, ocasionando hemólise, ou por efeitos diretos em seus precursores na
medula óssea (ver Tabela 2).
DOENÇAS HEREDITÁRIAS: Vários distúrbios hereditários que afetam as hemácias causam anemia. As
deficiências de piruvato quinase (PK) são constatadas em cães das raças Basenji, Beagle, West Highland White
Terrier, Cairn Terrier, além de outras, bem como em gatos das raças Abissínio e Somali. Deficiência de
fosfofrutoquinase (PFK) é constatada em cães da raça English Springer Spaniel. As deficiências dessas enzimas
reduzem a meia­vida eritrocitária e causam anemia regenerativa. Nos cães com deficiência de PFK, as crises
hemolíticas são induzidas por alcalose secundária a excitação ou a exercício físico excessivo. Caso tais
situações sejam minimizadas, esses cães podem ter vida normal. Não há tratamento para deficiência de PK; as
hemácias de cães acometidos têm meia­vida menor em decorrência da mielofibrose e da osteosclerose da
medula óssea. Os gatos acometidos apresentam anemia hemolítica crônica intermitente, que, às vezes, é
exacerbada por esplenectomia e uso de esteroides. Diferentemente dos cães, não há relato de osteosclerose em
gatos. Porfiria (ver p. 1098), uma hemoglobinopatia hereditária, provoca acúmulo de porfirinas no organismo;
há relato da doença em bovinos, gatos e suínos. É mais prevalente em bovinos da raça Holandesa; pode causar
crise hemolítica. Os bezerros acometidos não se desenvolvem adequadamente e manifestam fotossensibilização.
O diagnóstico baseia­se na constatação de alto teor de porfirinas na medula óssea, na urina ou no plasma. Os
dentes dos animais enfermos exibem fluorescência quando irradiados com luz ultravioleta.

ANEMIA POR PERDA DE SANGUE

A perda de sangue ou hemorragia aguda pode induzir ao choque, e até mesmo à morte, quando representa 30 a
40% do volume de sangue e quando a hipovolemia resultante não é tratada de modo agressivo com fluido
intravenoso (IV) e/ou com sangue compatível (ver p. 42). As causas de hemorragia aguda podem ser evidentes
(p. ex., traumatismo, cirurgia) ou inaparentes. Devem­se excluir causas como coagulopatias, tumores
hemorrágicos, úlcera gástrica e parasitoses internas ou externas. Parasitos gastrintestinais, como Haemonchus
em ruminantes e ancilóstomo em cães, podem provocar grave perda de sangue, especialmente em animais
jovens. Hemorragia crônica discreta às vezes resulta em anemia com deficiência de ferro, embora possa persistir
algum grau de reticulocitose, mesmo após a depleção da reserva de ferro. Tipicamente, a anemia por deficiência
de ferro é do tipo microcítica hipocrômica. Em animais jovens, essa perda de sangue crônica pode ser
decorrente de parasitismo (pulgas, piolhos, parasitos intestinais); porém, em animais mais velhos, a causa mais
comum é hemorragia oriunda de tumores ou úlceras gastrintestinais.

ANORMALIDADES HEMOSTÁTICAS

A hemostasia efetiva depende de quantidade adequada de plaquetas funcionais, de teor e atividade plasmática
adequados de proteínas de coagulação e fibrinolíticas e de vasos sanguíneos normalmente responsivos. É difícil
o diagnóstico, o tratamento e o monitoramento de animais com hipo e hipercoagulação, considerando ambos, a
progressão da doença e o monitoramento dos componentes sanguíneos e/ou da terapia anticoagulante. Em
medicina veterinária, frequentemente são utilizadas amostras de plasma com citrato para determinar a
concentração de fibrinogênio, o tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA), o tempo de protrombina (TP)
e a concentração de D­dímero ou de produtos de degradação do fibrinogênio (PDF). A introdução do modelo de
hemostasia dependente de fator tecidual (FT)/fator VII, com base celular, aumentou a compreensão do
complexo bioquímico fisiológico da hemostasia, induzindo à reavaliação do mecanismo convencional de
hemostasia fisiológica, classificado em vias de coagulação intrínseca e extrínseca. Embora o plasma com citrato
contenha vários fatores envolvidos na coagulação, o sangue total contém fatores solúveis e células
intravasculares que atuam na hemostasia fisiológica e patológica, incorporando FT e células que possuem
fosfolipídios, como plaquetas e leucócitos.

Compreensão Fisiológica da Hemostasia

Introduziu­se um modelo de hemostasia com base celular que explica a hemostasia fisiológica por meio de um
mecanismo complexo em que a interação de tônus vascular, fluxo sanguíneo, células endoteliais, plaquetas,
leucócitos, fatores de coagulação e fatores fibrinolíticos e seus cofatores e inibidores resultam em hemostasia
equilibrada e formação de coágulo no local da lesão. Esse modelo dinâmico envolve a regulação celular da
coagulação em três fases: iniciação, amplificação e propagação. Células que possuem FT iniciam a hemostasia.
O FT é um receptor de glicoproteína transmembrana verificado em tecidos extravasculares, inclusive nas
cápsulas de órgãos e na camada adventícia das paredes dos vasos sanguíneos. É fundamentalmente expresso nos
fibroblastos e, na ativação celular, nas células do músculo liso vascular, nos monócitos e nos neutrófilos. As
células que contêm FT e as superfícies das plaquetas atuam como principais superfícies celulares para
agregação dos complexos procoagulantes. Qualquer lesão vascular ocasiona exposição do FT. A ligação do fator
VII ao FT resulta em ativação do fator VIIa. O fator VIIa liga­se ao FT na superfície da célula e ativa o fator IX
para o fator IXa e o fator X para o fator Xa. Inicialmente, o fator Xa formado é limitado à célula que contém FT,
porque o fator Xa que se difunde para distante das células é rapidamente inibido pelo FT do mecanismo inibidor
(MIFT) ou pela antitrombina.
Juntamente com o fator Va formado, o fator Xa é agregado ao complexo protrombinase na superfície da
célula que contém FT. Produz­se uma pequena quantidade inicial de trombina próximo à célula independente da
presença de plaquetas, sendo responsável pela ativação de plaquetas, pela liberação do fator V de plaquetas, pela
ativação dos fatores V e VIII e pela liberação do fator VIII pelo fator de von Willebrand e ativação do fator XI.
As plaquetas também são ativadas por outros mecanismos, inclusive por colágeno da parede vascular e fator de
von Willebrand, promovendo aderência e agregação no local da lesão.
Como parte essencial do mecanismo de ativação plaquetária, o fosfolipídio procoagulante fosfatidil­serina
torna­se disponível. O fator IXa inicialmente produzido liga­se às superfícies das plaquetas ativadas,
promovendo a formação do complexo “tenase”; isso resulta na formação do fator Xa principal e na amplificação
do mecanismo de coagulação. O fator IXa formado difunde­se para as plaquetas, pois não é inibido pelo MIFT,
sendo inibido lentamente pela antitrombina. Os complexos formados pelos fatores Xa e Va na superfície de
plaquetas ativadas originam o complexo “protrombinase”, que induz a clivagem da protrombina e o principal
estímulo subsequente da trombina responsável pela clivagem do fibrinogênio, formando o tampão hemostático.
O fator IXa adicional é fornecido pelo fator XIa da superfície da plaqueta. O fator XIa ativa as vias
antifibrinolíticas.
A segunda elevação da trombina ativa a plasmina, iniciando a fibrinólise. Isso mantém o controle do coágulo
no local da lesão. Para controlar a fibrinólise, a via antifibrinólitica é ativada pela ativação da trombina do
inibidor da fibrinólise trombina ativável (IFTA). O IFTA reduz o processo fibrinolítico mediante inibição da
atividade da plasmina; isso impede a lise prematura do coágulo e permite a propagação do coágulo. O equilíbrio
entre formação de fibrina e fibrinólise regula o tamanho e a qualidade do tampão de fibrina e fixa­o no local da
lesão. A qualidade do coágulo é extremamente importante na eficiência da hemostasia.

Abordagem Clínica da Hemostasia

Embora a classificação convencional de hemostasia primária e secundária não seja biologicamente exata, ainda
é uma abordagem diagnóstica útil na hemostasia de animais com anormalidades hemostáticas hereditárias ou
adquiridas. A hemostasia primária envolve a interação de plaquetas com a superfície subendotelial exposta.
Simultaneamente, as proteínas plasmáticas de coagulação são ativadas em cascata sequencial que depende do
fosfolipídio oriundo das plaquetas ativadas e de íons cálcio do plasma para formar um coágulo estável
(hemostasia secundária). As circunstâncias que ativam as plaquetas e as proteínas de coagulação também ativam
as proteínas fibrinolíticas plasmáticas, que asseguram a fixação do coágulo e sua adequada dissolução.
As atividades hemostáticas são tradicionalmente avaliadas por meio de testes de hemostasia primária
(contagem de plaquetas e tempo de sangramento da mucosa bucal) e de hemostasia secundária com o uso de
testes em amostra de plasma com o intuito de detectar anormalidades adicionais, como TTPA (vias comum e
intrínseca) e TP (vias comum e extrínseca). O sistema fibrinolítico normalmente é avaliado mediante
mensuração de produtos de degradação, como PDF e D­dímero, e da capacidade anticoagulante endógena pela
dosagem de antitrombina, proteínas C e S. Testes de fatores de coagulação individuais específicos adicionais
podem auxiliar na detecção de defeitos congênitos. Desse modo, testes de triagem de coagulação no plasma
podem auxiliar na identificação de proteína de coagulação deficiente ou defeituosa. Embora essa abordagem
tradicional possibilite a detecção efetiva e sistemática da causa do sangramento, pode ser difícil a avaliação da
capacidade hemostática geral a partir de uma perspectiva clínica para o prognóstico ou o monitoramento do
efeito do tratamento com anticoagulante ou procoagulante. Isso pode ser, em parte, pelo fato de os testes
realizados no plasma para avaliação dos sistemas fibrinolítico e secundário visarem elementos específicos­alvo
do sistema hemostático, ignorando assim outros fatores que podem contribuir significativamente na avaliação da
capacidade hemostática geral em anormalidades adquiridas. Uma outra razão plausível é a baixa sensibilidade
dos testes TTPA e TP; geralmente, a atividade de uma proteína de coagulação deve ser < 30% e, às vezes, <
10% do valor normal, antes de se detectar uma anormalidade.
Os testes para avaliação de maior risco ou de tendência à trombose geralmente estão disponíveis apenas em
alguns laboratórios de pesquisa. A determinação da atividade de antitrombina está sendo disponibilizada por um
número crescente de laboratórios. Testes para mensuração das atividades de plasminogênio, proteína C, a2­
antiplasmina, ativador de plasminogênio tecidual e inibidor do ativador de plasminogênio têm sido
estabelecidos para alguns animais domésticos.

Avaliação da Função Hemostática no Sangue Total

Como o sangue total contém todos os fatores intravasculares e as células envolvidas na hemostasia fisiológica e
patológica, incorporando o FT e células que contêm fosfolipídios, os testes em sangue total podem propiciar
uma reflexão mais acurada de um teste de hemostasia in vivo, em comparação com os testes de hemostasia
tradicionais realizados em amostras de plasma. No entanto, até o momento têm­se realizado poucos testes em
sangue total para avaliar hemostasias primária e secundária em pesquisas veterinárias.
PFA-100: O analisador de função plaquetária PFA­100 é um aparelho relativamente novo que permite
determinação quantitativa in vitro, simples e rápida, de hemostasia primária relacionada com a plaqueta em
condição de alto stress shear*. O teste exige pequeno volume (0,8 mL) de sangue total citratado, que é obtido
sob vácuo em tubo capilar de aço inoxidável de 200 μm de diâmetro e abertura com orifício de 150 μm em uma
membrana de nitrocelulose revestida com colágeno e epinefrina (CEPI) ou colágeno e ADP (CADP). Em
resposta à alta velocidade das plaquetas circulantes e aos agonistas, forma­se um agregado plaquetário que
bloqueia o fluxo de sangue através do orifício; o tempo gasto para obstruir o orifício é denominado tempo de
fechamento. Verifica­se tempo de fechamento prolongado em apenas um cartucho CEPI em anormalidades
discretas da função plaquetária hereditária (p. ex., alteração no estoque) e no caso de ingestão de ácido
acetilsalicílico, ao passo que tempo de fechamento prolongado em ambos os cartuchos, CEPI e CADP, é
constatado na disfunção plaquetária hereditária mais grave e na doença de von Willebrand. O PFA­100 também
é capaz de monitorar a resposta ao tratamento com ambos os antagonistas, DDAVP e GPIIb/IIIa. Pode­se avaliar
a qualidade do concentrado de plaquetas do banco de sangue destinado à transfusão, bem como as respostas à
transfusão de plaquetas. O PFA­100 permite um bom teste de triagem para detecção de anomalias da função
plaquetária. Mais recentemente, o PFA­100 foi avaliado em vários outros estudos por sua utilidade na
determinação dos efeitos de medicamentos ou para avaliação geral da hemostasia primária em várias condições
clínicas ou durante procedimentos cirúrgicos.
TROMBOELASTOGRAFIA: A tromboelastografia (TEG) permite rápida avaliação da função hemostática em
amostra de sangue total. Avalia todas as fases da hemostasia – início, amplificação e propagação –, bem como
fibrinólise, inclusive interação de plaquetas e leucócitos com as proteínas de cascata de coagulação. Assim, a
TEG permite avaliação dos componentes de coagulação convencionais do plasma com os componentes
celulares. A TEG é realizada em amostra de sangue total fresco não estabilizado, dentro de 4 a 6 min após a
obtenção da amostra. Isso geralmente não é uma prática de rotina na clínica. Tem­se proposto o uso de sangue
total estabilizado citratado (com recalcificação imediatamente antes da análise), com o intuito de aumentar o
tempo de vida para análise da amostra. A TEG com FT ativado em amostra de sangue total citratado foi
validada para cães e notou­se baixa variação analítica e boa correlação com os sinais clínicos de hemorragia, em
comparação com vários testes de coagulação convencionais realizados em amostras de plasma.
Tem­se utilizado a TEG para avaliar a hipercoagulabilidade em cães portadores de coagulação intravascular
disseminada (CID), neoplasia e parvovirose e naqueles com hipotermia, com o intuito de avaliar a disfunção
plaquetária. A TEG permite auxiliar o perfil diagnóstico de animais com anormalidade hemostática e de testes
suplementares convencionais de coagulação, como TP, TTPA, D­dímero e fibrinogênio.

DIÁTESE HEMORRÁGICA

ANORMALIDADES DE COAGULAÇÃO

Diátese hemorrágica pode ser decorrência de defeitos congênitos ou adquiridos relacionados com as proteínas
de coagulação, as plaquetas ou os vasos sanguíneos. Em geral, as deficiências de plaquetas, congênitas ou
adquiridas, manifestam­se como hemorragias petequiais e equimoses superficiais (especialmente em
membranas mucosas), epistaxe, melena ou sangramento prolongado nos locais de injeção e incisão, ao passo
que as deficiências congênitas ou adquiridas de proteínas de coagulação geralmente se manifestam clinicamente
como formação de hematoma e hemorragia de tecido profundo tardia.
A trombose patológica pode ser decorrência de anormalidades de fatores de proteínas anticoagulantes
primárias, ou hereditárias, e secundárias, ou adquiridas. Tais anormalidades frequentemente são denominadas
estados de hipercoagulação. Doenças sistêmicas como CID, que exacerbam a resposta das plaquetas aos
agonistas, alteram o equilíbrio entre as proteínas anticoagulantes e procoagulantes ou aumentam a reatividade
do endotélio, são mais comuns nos animais do que as anormalidades hereditárias.

ANORMALIDADES DE PROTEÍNAS DE COAGULAÇÃO

Anormalidades de Proteínas de Coagulação Congênitas

Nas deficiências ou disfunções graves de proteínas de coagulação, os sinais clínicos surgem em idade precoce.
Geralmente, as reduções acentuadas nas atividades das proteínas de coagulação essenciais à hemostasia são
fatais. Os animais podem nascer mortos quando há < 1% da atividade normal ou podem morrer logo depois do
nascimento, em razão de hemorragia grave. Produção insuficiente de proteínas de coagulação ou quantidade
limitada de vitamina K no fígado imaturo do neonato pode exacerbar um distúrbio de coagulação. Caso a
atividade de qualquer proteína de coagulação corresponda a 5 a 10% do valor normal, o recém­nascido pode
sobreviver, mas, em geral, os sintomas surgem antes dos 6 meses de idade. É durante esse período, quando se
realizam vários procedimentos de rotina (p. ex., vacinação, corte de unhas, caudectomia, remoção de dígitos
rudimentares, corte de orelhas e castração ou ovarioisterectomia), que a tendência de sangramento pode tornar­
se aparente.
A maioria das anormalidades congênitas das proteínas de coagulação relatadas em animais domésticos
envolve deficiências ou anormalidades de um único fator. Os defeitos duplos ou múltiplos são raros.
Afibrinogenemia congênita (deficiência do fator I) foi relatada em uma família de cabras leiteiras da raça
Saanen, mas não em cães ou gatos. Hipofibrinogenemia, acompanhada de hemorragia grave, foi relatada em
cães das raças São Bernardo e Vizsla; notou­se aumento de TCA, TTPA, TP e do tempo de trombina (TT). Há
relato de disfibrinogenemia em uma família de cães da raça Russian Wolfhound (Borzoi). Constatou–se
aumento de TCA, TTPA, TP e TT, mas, em um teste quantitativo, notou­se fibrinogênio. Os cães afetados
apresentavam episódios hemorrágicos discretos, com epistaxe e claudicação, mas traumatismo ou cirurgia
resultava em hemorragia com risco à vida do animal. A administração IV de plasma fresco congelado ou de
crioprecipitado é o melhor tratamento para conter a hemorragia.
Anormalidades do fator II (protrombina) são raras. Em cães da raça Boxer, há relato de disfunção da
protrombina, porém com teor normal desse componente; o defeito é herdado como característica recessiva
autossômica. Também, há relato de distúrbio do fator II em cães da raça English Cocker Spaniel; os sinais
clínicos nos filhotes acometidos (epistaxe e sangramento gengival) diminuem com o avançar da idade; adultos
desenvolvem facilmente equimoses ou apresentam dermatite. Nos filhotes afetados, o TT permanece normal, e
nota­se aumento de TCA, TTPA e TP. O tratamento baseia­se na transfusão de plasma fresco congelado ou
sangue total fresco quando há necessidade de hemácias.
Deficiência do fator VII foi relatada em cães das raças Beagle, English Bulldog, Alaskan Malamute,
Alaskan Klee Kai, Schnauzer miniatura e Boxer, bem como em mestiços. É uma doença hereditária autossômica
com dominância incompleta. Geralmente não está associada a hemorragia clínica espontânea, mas os cães
afetados podem apresentar equimose ou sangramento prolongado após cirurgia. Há relato de hemorragia pós­
parto prolongada. A deficiência de fator VII é mais frequentemente diagnosticada quando se realizam testes de
coagulação de triagem; ocorre aumento do TP, mas os valores de TTPA e de outros testes permanecem normais.
Deficiência do fator VIII (hemofilia A) é o distúrbio hemorrágico hereditário mais comum em cães e gatos;
também é relatada em várias raças de equinos, inclusive Árabe, Standardbred, Quarto­de­Milha e Puro–Sangue
inglês. Há um padrão de herança ligado ao cromossomo X, de forma que usualmente as fêmeas são portadoras
assintomáticas e os machos são acometidos. Nas famílias altamente endogâmicas, raramente uma fêmea
portadora acasalada com um macho acometido origina fêmea com sintomas da doença.
Nos filhotes de cães comprometidos, nota­se sangramento prolongado em vasos umbilicais depois do
nascimento; na gengiva, na época da erupção dentária; e depois de uma cirurgia como caudectomia, remoção de
dígito rudimentar ou corte de orelha. Hemartrose acompanhada de claudicação intermitente, formação
espontânea de hematoma e derrame hemorrágico em cavidades corporais também são achados clínicos comuns
nos cães com < 5% da atividade normal do fator VIII. Com frequência, os animais com 5 a 10% de atividade
normal não apresentam hemorragia espontânea, mas exibem sangramento prolongado depois de cirurgia ou
traumatismo. Gatos afetados e, às vezes, cães pequenos podem apresentar sangramento prolongado após
cirurgia ou traumatismo, mas raramente ocorre hemorragia espontânea, provavelmente em razão de sua
agilidade e menor peso. Os animais acometidos geralmente apresentam concentração muito baixa do fator VIII
(< 10%) e TCA e TTPA prolongados. A concentração do fator de von Willebrand (antígeno relacionado com o
fator VIII) permanece normal ou maior que o normal. Os animais portadores apresentam concentração
intermediária de fator VIII (40 a 60%), e os resultados dos testes de coagulação de triagem, em geral,
permanecem normais. Em animais < 6 meses de idade, deve­se ter cuidado no diagnóstico, por conta da possível
baixa produção de fatores de coagulação pelo fígado imaturo. Em geral, os resultados dos testes de coagulação
de triagem permanecem normais em animais portadores.
O tratamento de diátese hemorrágica exige transfusões repetidas de crioprecipitado ou plasma fresco
congelado (10 mL/kg), 2 a 3 vezes/dia, até que se controle o sangramento. Prefere­se plasma fresco congelado
ou crioprecipitado a sangue total, em razão da possível sensibilização do animal aos antígenos eritrocitários
quando da realização de repetidas transfusões.
A deficiência do fator IX (hemofilia B) é menos frequentemente diagnosticada do que a deficiência do fator
VIII. Ela foi relatada em várias raças de cães, em um cão mestiço, em gatos da raça Himalaia, em uma família
de gatos mestiços da raça Siamês e em uma família de gatos da raça British Shorthaired. O defeito é ligado ao
cromossomo X; as fêmeas são portadoras e os machos, acometidos pela disfunção, embora as fêmeas também
possam ser afetadas em famílias com alto grau de endogamia. A manifestação clínica é semelhante àquela
verificada em animais com deficiência do fator VIII. Os animais com atividade do fator IX extremamente baixa
(< 1%) geralmente morrem ao nascimento ou logo depois. Os animais com atividade do fator IX entre 5% e
10% do valor normal podem apresentar hematoma espontâneo, hemartrose, efusão hemorrágica em cavidades
corporais ou hemorragia em órgãos. Pode ocorrer sangramento gengival durante a erupção dentária ou
hemorragia prolongada após caudectomia ou remoção de dígito rudimentar. Alguns animais são assintomáticos
até que ocorra traumatismo ou cirurgia. TCA e TTPA estão prolongados. Os animais portadores com 40 a 60%
da atividade normal do fator IX geralmente são assintomáticos, e os resultados dos testes de coagulação de
triagem permanecem normais. O tratamento exige transfusão com plasma fresco congelado (10 mL/kg), em
intervalos de 12 h, até que a hemorragia cesse. Frequentemente, nota­se hemorragia interna no abdome, no
tórax, no SNC ou entre os planos fasciais musculares, o que pode não ser detectado até que ocorra uma crise.
A deficiência do fator X foi relatada em uma única família de cães da raça American Cocker Spaniel e em
um cão mestiço. No primeiro caso, o padrão de herança era dominante autossômico, com penetrância variável.
Os homozigotos quase sempre morriam ao nascimento ou precocemente, em decorrência da hemorragia interna
grave. Os heterozigotos apresentavam distúrbios hemorrágicos discretos a graves. Usualmente notou–se
aumento de TCA, TTPA e TP quando os animais apresentavam < 30% da atividade normal do fator X. Para
controlar a hemorragia, foram necessárias transfusões com plasma fresco ou fresco congelado.
A deficiência do fator XI foi diagnosticada em cães da raça Kerry Blue Terrier, em uma cadela English
Springer Spaniel, em um cão Great Pyrenee, em cães da raça Weimaraner e em bovinos da raça Holandesa. Em
geral, as deficiências discretas não são detectadas. Nas deficiências graves, nas quais a atividade do fator XI
situa­se entre 30% e 40% do valor normal, ou menos, pode ocorrer discreto sangramento prolongado após
traumatismo ou cirurgia. As tendências hemorrágicas geralmente não são imediatas, podendo surgir após 3 a 4
dias. Em geral, nota­se aumento de TCA e TTPA. Transfusão com plasma fresco ou fresco congelado (10
mL/kg) é suficiente para interromper a hemorragia por até 3 dias. A herança é autossômica, mas ainda não se
determinou se o gene é dominante ou recessivo. Relata­se um único caso em gato adulto que apresentava
epistaxe e foi diagnosticado com lúpus eritematoso sistêmico, atribuído à presença de um inibidor circulante do
fator XI.
A deficiência do fator XII (Hageman) foi relatada em um cão da raça German Shorthaired Pointer, em um
cão da raça Poodle padrão, em uma família de cães da raça Poodle miniatura e em gatos. Os animais afetados
não apresentavam manifestação clínica de hemorragia. Em geral, a deficiência é diagnosticada
coincidentemente quando se realizam testes de coagulação de triagem e nota­se aumento de TTPA. As pessoas
com deficiência do fator XII não apresentam problemas hemorrágicos, mas são predispostas a trombose ou
infecções, atribuídas à função normal do fator XII na fibrinólise e na ativação do complemento. Ainda não se
relatou tendência de trombose ou infecção em animais. Descobriu­se que a deficiência do fator XII coexistia
com a doença de von Willebrand, em um cão, e com deficiência do fator IX, em um gato, mas as tendências
hemorrágicas não foram exacerbadas. O fator XII não está presente no plasma de aves, mamíferos marinhos e
répteis, sem qualquer efeito prejudicial.
A deficiência de precalicreína foi relatada em um cão da raça Poodle, em uma família de pôneis e em uma
família de equinos da raça Belga. Geralmente não há manifestação clínica aparente de hemorragias. Um equino
apresentou sangramento excessivo depois da castração. O diagnóstico normalmente é definido durante a
realização de testes de coagulação de triagem. Nota­se aumento de TCA e TTPA.

Anormalidades de Proteínas de Coagulação Adquiridas

DOENÇA HEPÁTICA: A maior parte das proteínas de coagulação é sintetizada principalmente no fígado. Portanto,
uma hepatopatia caracterizada por necrose, inflamação, neoplasia ou cirrose está, com frequência, associada a
menor produção de proteínas de coagulação, fatores anticoagulantes e proteínas fibrinolíticas. Como as várias
proteínas de coagulação apresentam meia­vida relativamente curta (4 h a 2 dias), deficiências discretas a graves
dessas proteínas podem ser secundárias a doenças hepáticas graves. Constatam­se aumentos de TTPA e/ou TP
em 50 a 85% dos cães portadores de doença hepática grave, indicando que a atividade do fator corresponde a <
30% do normal. Todavia, < 2% realmente desenvolvem hemorragia e, quando não ocorre sangramento,
geralmente está associado a doença concomitante. Com frequência, realizam­se, antes da biopsia hepática, testes
de coagulação.
As hepatopatias graves também podem causar CID. Os teores de fibrinogênio, uma proteína de fase aguda, e
do fator de von Willebrand, produzido em sítio extra­hepático, podem aumentar na doença hepática.
DEFICIÊNCIA DE VITAMINA K: A vitamina K é solúvel em micelos mistos antes da difusão passiva através da
borda em escova. Má absorção de gordura decorrente de quantidade inadequada de sais biliares (p. ex.,
obstrução biliar), linfangiectasia ou grave atrofia de vilosidades podem resultar em deficiência da vitamina e
coagulopatia decorrente da falha na síntese dos fatores II, VII, IX e X, que dependem da vitamina K.
INGESTÃO DE RODENTICIDAS ANTICOAGULANTES: A ingestão de certos rodenticidas por cães e gatos causa
coagulopatia por produção insuficiente de fatores de coagulação dependentes de vitamina K (ver p. 3236).
Precursores inativos dos fatores de coagulação II, VII, IX e X também são sintetizados no fígado, porém não
ocorre ?­carboxilação desses precursores porque os rodenticidas inibem a enzima epóxido­redutase, necessária
para a reciclagem da vitamina K ativa. Há duas classes gerais de anticoagulantes rodenticidas: os compostos
cumarínicos (varfarina, cumafuril, brodifacum e bromadiolona) e os compostos indanedionas (difacinona,
pindona, valona e clorofacinona). Os rodenticidas anticoagulantes são ainda classificados como de primeira e
segunda gerações, com base na toxicidade e na meia­vida. Em geral, a meia­vida dos cumarínicos (até 55 h) é
muito mais curta que a de compostos indanedionas (15 a 20 dias). Vários medicamentos administrados
simultaneamente e enfermidades concomitantes podem exacerbar a toxicidade do anticoagulante ingerido.
Os animais afetados podem desenvolver hematomas (especialmente em pontos de pressão) e equimoses em
tecidos superficiais e profundos. Frequentemente, os animais não apresentam hemorragia nas primeiras 24 h
após a ingestão da toxina. Em geral, constata­se aumento de TTPA, TP e TCA. O fator VII apresenta meia­vida
mais curta dentre as proteínas de coagulação dependentes de vitamina K; portanto, com frequência, o TP
apresenta­se anormal antes de outros testes e pode ser utilizado para monitorar a resposta ao tratamento. No
caso de ingestão aguda, são utilizados eméticos, adsorventes e catárticos com o intuito de minimizar a absorção.
Mesmo em animais assintomáticos, institui–se terapia com vitamina K. Para o tratamento de intoxicação por
cumarina, recomendam–se 2,5 a 5 mg de vitamina K1/kg SC, injetada em vários locais, seguida de 1,25 a 2,5
mg/kg VO, 2 vezes/dia, durante 4 a 6 dias, caso se acredite que a ingestão seja mínima. Deve­se mensurar o TP
48 h após a cessação do tratamento; no caso de TP prolongado, continua­se o tratamento por mais 14 dias. Se o
TP inicial está normal, deve­se determinar novamente o TP depois de 48 h. Se o teste for normal, pode­se
interromper o tratamento. No tratamento de intoxicação por indanedionas, podem ser necessárias altas doses de
vitamina K1, como 5 mg/kg VO, durante 3 a 6 semanas; contudo, essas altas doses devem ser administradas
cuidadosamente porque há relato de anemia por corpúsculos de Heinz em cães tratados com 4 mg/kg, durante 5
dias. Não se recomenda a administração por via intravenosa de vitamina K1 porque pode ocorrer reação
anafilática. O uso de vitamina K3 não é efetivo.
CID: Não é uma doença primária, mas sim uma disfunção secundária a várias anormalidades ativadoras de
coagulação, como doenças causadas por bactérias, vírus, riquétsias, protozoários ou parasitos; choque térmico;
queimaduras; neoplasias ou traumatismos graves. A doença primária induz resposta inflamatória sistêmica
incontrolável caracterizada por ativação e consumo maciços de proteínas de coagulação, inibidores endógenos,
proteínas fibrinolíticas e plaquetas.
No estágio inicial da CID, o animal apresenta hipercoagulação decorrente dos mediadores inflamatórios
circulantes, que provocam ativação da hemóstase pela maior exposição de FT e consumo de inibidor. Com o
tempo, o consumo de fatores de coagulação, se não compensado pelo aumento da produção, pode ocasionar a
condição de hipercoagulação com sintomas evidentes. Em virtude da natureza progressiva da CID, os achados
clínicos variam consideravelmente, desde ausência de sintoma evidente da doença, sem alterações, ou às vezes
alterações apenas discretas, nos testes convencionais de hemostasia (TTPA, TP, D­dímero, fibrinogênio e
contagem de plaquetas), até sinais clínicos de falência orgânica associada a trombose microvascular em órgãos
vitais, culminando, por fim, em hemorragias evidentes. Acredita–se que as últimas manifestações sejam
tradicionalmente características de pacientes com CID, nos quais há também alterações marcantes nos testes de
hemostasia e diminuição na contagem de plaquetas.
A TEG pode diferenciar o estágio de CID em cães. Os cães diagnosticados na fase de hipercoagulação
apresentam chance muito maior de sobreviver do que aqueles diagnosticados na fase de hipocoagulação. Isso
provavelmente se deve à intervenção precoce e agressiva por meio de terapia de suporte e/ou antitrombótica,
enquanto se trata a causa primária. O tratamento agressivo provavelmente minimiza as complicações
tromboembólicas e retarda, ou mesmo impede, o desenvolvimento de sintomas evidentes.
Em medicina veterinária, o diagnóstico laboratorial de CID não está padronizado e os testes de função
hemostática utilizados não são compatíveis; todavia, frequentemente, o diagnóstico de CID baseia­se em três
parâmetros hemostáticos anormais, ou mais, como TTPA, TP, fibrinogênio, D­dímero, contagem de plaquetas e
morfologia das hemácias, juntamente com predisposição à doença, que é uma condição sensível, porém
inespecífica. A fibrinólise pós­morte torna a necropsia um procedimento diagnóstico insensível.
Com frequência, o tratamento é direcionado de modo empírico à correção do desequilíbrio do sistema
hemostático, enquanto se trata a doença primária de modo intensivo. É fundamental a administração de soluções
de eletrólitos balanceadas e de expansores de plasma com o intuito de manter um volume circulante efetivo. A
resposta ao tratamento com plasma fresco congelado e heparina é imprevisível, e seu uso é controverso.

ANORMALIDADES PLAQUETÁRIAS

Podem ser classificadas em trombocitopenias adquiridas ou congênitas ou disfunções funcionais congênitas


(trombocitopatias)

Trombocitopenia Congênita

MACROTROMBOCITOPENIA HEREDITÁRIA EM CÃES DA RAÇA CAVALIER KING CHARLES SPANIEL: Esse distúrbio
de plaquetas gigantes hereditário benigno acomete cerca de 50% dos cães dessa raça. Caracteriza­se por
trombocitopenia com macrotrombócitos em 30% dos casos e agregação plaquetária variável em resposta à
adenosina difosfato, dependendo da quantidade de plaquetas. Não se constatou correlação entre a ocorrência de
macrotrombocitopenia e idade, sexo, castração ou não, cor da pelagem, peso ou presença de sopro cardíaco.
Essa anormalidade é detectada no hemograma de rotina. Os animais acometidos apresentam atividade normal
das proteínas de coagulação.
HEMATOPOESE CÍCLICA EM CÃES DA RAÇA GRAY COLLIE: Esse distúrbio autossômico recessivo (p. 31)

caracteriza­se por ciclos de citopenia de 12 dias. Todas as células­tronco da medula são afetadas, mas os
neutrófilos são mais comprometidos em razão de sua meia­vida curta (geralmente < 24 h). Pode­se constatar
trombocitopenia discreta a grave; sangramento excessivo é uma complicação potencial. Esse distúrbio
autossômico recessivo é fatal e, em geral, os cães acometidos morrem em decorrência de infecções fulminantes
antes dos 6 meses de idade. Mesmo os cães submetidos à terapia antimicrobiana intensiva morrem até os 3 anos
de idade, em razão da amiloidose (p. 631) secundária ao estímulo antigênico crônico induzido por infecções
recorrentes. O tratamento com fator estimulante de colônia de granulócitos recombinante mostrou efeito
temporário no alívio de ciclos neutropênicos, até que fossem produzidos anticorpos contra proteínas não
caninas.
TROMBOCITOPENIA ALOIMUNE FETAL E NEONATAL: Esse distúrbio ocorre quando anticorpos maternos são

produzidos contra um antígeno paterno presente nas plaquetas do feto. Há relato da doença em um potro de
equino Quarto­de­Milha com 1 dia de idade. Imunoglobulinas ligadas às plaquetas de potros foram detectadas
no plasma, no soro e no leite da égua, por meio de testes indiretos. Constatou­se que as imunoglobulinas
reconheceram as plaquetas do irmão do potro, filho dos mesmos pais, nascido 1 ano antes. Esse diagnóstico
deve ser considerado em potros com trombocitopenia grave, quando outras causas puderem ser excluídas.
Um grupo de cordeiros artificialmente criados e alimentados com colostro bovino apresentou sangramento
prolongado após ferimentos por punção para colocação de brincos de identificação, bem como equimose
subcutânea, fraqueza e palidez de membranas mucosas. Todos os cordeiros acometidos morreram dentro de 48 h
após o nascimento. Constataram­se trombocitopenia em amostra de sangue total e diminuição nítida da
contagem de plaquetas no esfregaço sanguíneo. Suspeitou­se da presença de anticorpos contra plaquetas porque
as vacas doadoras de colostro foram utilizadas em um experimento anterior, no qual foram imunizadas contra
sangue ovino.

Trombocitopenia Adquirida

As trombocitopenias adquiridas são relatadas com frequência em cães e gatos, menos comumente nos equinos e
raramente nas outras espécies. Foram identificadas várias causas, a maioria delas envolvendo destruição
plaquetária imunológica ou direta.
TROMBOCITOPENIA IMUNOMEDIADA PRIMÁRIA: Essa condição (também denominada trombocitopenia idiopática
ou púrpura trombocitopênica idiopática) é caracterizada por destruição imunomediada de plaquetas circulantes
ou, menos comumente, de megacariócitos da medula. Foi relatada em cães e equinos. Os sinais clínicos incluem
petéquias na gengiva ou na pele, equimose, melena ou epistaxe. A contagem de ?plaqueta é, em geral, < 50.000/
μL e frequentemente < 10.000 μL no momento do diagnóstico. O exame dos megacariócitos (por meio de
aspiração de medula óssea) auxilia no esclarecimento sobre a ação de anticorpos em plaquetas circulantes ou em
megacariócitos da medula. Um teste para detectar o fator 3 plaquetário, liberado por plaquetas lesionadas, não é
confiável ou não está facilmente disponível para compra. Tem­se utilizado um teste de imunofluorescência para
megacariócito, a fim de detectar anticorpos nesse tipo celular; contudo, deve–se obter uma amostra adequada
por meio de aspiração da medula óssea. Relata­se que um teste direto para detecção de anticorpos
antiplaquetários – teste ELISA, que detecta anticorpos ligados a plaquetas – tem boa sensibilidade (94%), mas
não é muito específico para trombocitopenia imunomediada primária. Um resultado negativo provavelmente
descarta esse tipo de trombocitopenia como causa de redução na quantidade de plaquetas; no entanto, um
resultado positivo pode indicar se a trombocitopenia imunomediada é primária ou secundária (p. ex.,
trombocitopenia associada a anemia hemolítica autoimune, doenças linfoproliferativas e lúpus eritematoso
sistêmico).
Os animais acometidos devem ser mantidos em repouso. Além disso, recomenda­se a administração de
corticosteroides, iniciando­se com alta dose e, em seguida, diminuindo­a (como no tratamento de anemia
hemolítica imunomediada, p. 14). Deve­se realizar transfusão de sangue total fresco em animais com VG <
15%; no entanto, transfusão de sangue total para suprir as plaquetas frequentemente é inútil para a normalização
da hemostasia primária, porque as plaquetas são removidas da circulação em poucas horas. A esplenectomia
deve ser limitada ao tratamento de animais que apresentam episódios recorrentes de trombocitopenia. Tem­se
utilizado vincristina para estimular a liberação de plaquetas pelos megacariócitos da medula, mas sua eficácia é
questionável no controle da destruição plaquetária imunomediada.
RIQUETSIOSES: Infecções por Anaplasma platys,A. phagocytophilum ou Ehrlichia canis provocam
trombocitopenia discreta a grave em cães. A infecção por E. platys (ver p. 824) geralmente é caracterizada por
discreta trombocitopenia e geralmente cíclica nos estágios agudos da doença. Com frequência, as infecções
crônicas são acompanhadas de trombocitopenia discreta a moderada, normalmente cíclicas. Às vezes, podem­se
identificar mórulas (inclusões basofílicas arredondadas a ovais, únicas ou múltiplas) em plaquetas de cães
infectados. A trombocitopenia raramente é grave o suficiente para causar hemorragia clinicamente evidente.
Provavelmente os carrapatos são os vetores. As infecções causadas por E. canis são caracterizadas por
alterações variáveis no leucograma, no VG e na contagem de plaquetas. Nas infecções agudas, é comum
trombocitopenia e, possivelmente, anemia ou leucopenia. Nas infecções crônicas, pode ou não haver
trombocitopenia ou anemia; no entanto, nota­se, com frequência, leucocitose e, às vezes, hiperglobulinemia
(monoclonal ou policlonal). Os cães infectados podem apresentar epistaxe, melena, sangramento gengival,
hemorragia de retina, hematoma e sangramento prolongado após venopuntura ou cirurgia.
Infecção por A. phagocytophilum está documentada em ampla variedade de animais domésticos e silvestres.
É caracterizada por febre, letargia e relutância para se movimentar. As alterações nos parâmetros sanguíneos
incluem trombocitopenia e linfopenia acompanhada de elevação da atividade sérica de fosfatase alcalina e
hipoalbuminemia.
NEOPLASIA: Hemangiossarcoma, linfoma e adenocarcinoma podem estar associados a trombocitopenia por alto
consumo decorrente da CID. Mecanismos inflamatórios e imunológicos ocasionam aumento do consumo de
plaquetas e diminuição da sobrevida da plaqueta. No entanto, ocasionalmente nota­se tendência de sangramento
sem trombocitopenia. A alteração na função plaquetária, em razão de defeito de membrana adquirido, está
associada a hiperglobulinemia. Vasculite também pode contribuir na instalação de distúrbio hemostático.
TROMBOCITOPENIA INDUZIDA POR VACINA: Cães que recebem doses repetidas de vacinas vivas modificadas
contra paramixovírus e adenovírus podem desenvolver trombocitopenia. Notou­se trombocitopenia 3 a 10 dias
após a repetição da vacina, geralmente transitória e leve, não ocasionando tendência hemorrágica evidente, a
menos que haja, simultaneamente, outro distúrbio de coagulação ou plaquetário. A trombocitopenia pode se
instalar em consequência da produção de anticorpos contra antígenos virais aderidos à superfície plaquetária ou
a complexos antígeno­anticorpo inespecíficos presentes nas superfícies das plaquetas.
TROMBOCITOPENIA INDUZIDA POR MEDICAMENTOS: Relata­se trombocitopenia associada à administração de
certos medicamentos em cães, gatos e equinos. Um mecanismo envolvido é a supressão medular que envolve
megacariócitos ou supressão generalizada de células­tronco da medula óssea (após administração de estrógeno,
cloranfenicol, fenilbutazona, difenil­hidantoína e sulfonamidas). Outro mecanismo envolve o aumento da
destruição de plaquetas e (após uso de sulfisoxazol, ácido acetilsalicílico, difenil­hidantoína, paracetamol,
ristocetina, levamisol, meticilina e penicilina). As reações medicamentosas são idiossincráticas e, portanto,
imprevisíveis. Normalmente a contagem de plaquetas retorna ao normal imediatamente após a interrupção do
tratamento. A supressão de medula óssea induzida por medicamento pode ser prolongada.
OUTRAS: Há relato de anormalidades plaquetárias quantitativas em hepatopatias, com ou sem deficiência de
proteínas de coagulação. Em dois estudos que envolveram gatos com trombocitopenia, 29 a 50% dos animais
apresentavam doença infecciosa, inclusive leucemia felina, peritonite infecciosa felina, panleucopenia ou
toxoplasmose. O mecanismo de ocorrência da trombocitopenia não foi esclarecido em vários desses casos. O
vírus da leucemia felina replica e se acumula em megacariócitos e plaquetas; nesse caso, aplasia ou hipoplasia
de células­tronco da medula, destruição imunomediada de plaquetas infectadas ou sequestro extravascular de
plaquetas nos tecidos linfoides podem contribuir no desenvolvimento de trombocitopenia.

Anormalidades da Função Plaquetária Congênitas

Influenciam a aderência, a agregação ou a produção de plaquetas. Tais anormalidades podem ser intrínsecas ou
extrínsecas às plaquetas. A avaliação da função plaquetária intrínseca necessita de manipulação cuidadosa de
amostras e equipamento especializado, não disponível na rotina de laboratórios de diagnóstico; portanto, não se
conhece precisamente a prevalência dos defeitos funcionais intrínsecos das plaquetas. Contudo, caso haja
distúrbio hemorrágico (especialmente sangramento de mucosa ou petéquias superficiais) em animal que não
tenha recebido qualquer medicação e cujos resultados dos testes de coagulação de triagem, da contagem de
plaquetas e da concentração do fator de von Willebrand sejam normais, deve­se suspeitar de anormalidade
plaquetária intrínseca.
Não há tratamento específico para qualquer distúrbio intrínseco da função plaquetária. Na hemorragia
intensa, pode­se administrar plasma fresco rico em plaquetas. O sangue total pode ser utilizado se o animal
acometido apresenta anemia.
DOENÇA DE VON WILLEBRAND: Esse distúrbio, causado por um defeito ou deficiência do fator de von

Willebrand (vWF, também denominado antígeno relacionado com o fator VIII), é a anormalidade hemorrágica
hereditária mais comum em cães (relatada em praticamente todas as raças e em animais mestiços). Também foi
relatada em gatos, coelhos, bovinos, equinos e suínos. Em cães, a doença de von Willebrand é classificada em
três subtipos, com base na gravidade dos sintomas, na concentração plasmática de vWF e na composição do
multímero do vWF. O tipo 1 é a forma mais comum, caracterizada por sinais clínicos discretos a moderados,
baixa concentração de vWF e distribuição do multímero normal. O tipo 2 é caracterizado por sintomas
moderados a graves, baixa concentração de vWF e perda de multímeros de alto peso molecular. O tipo 3 é um
distúrbio grave caracterizado pela ausência total de vWF. A doença é relativamente frequente (taxa de
prevalência de 10 a 70%) em várias raças de cães: Doberman Pinscher, Pastor Alemão, Golden Retriever,
Schnauzer miniatura, Welsh Corgi Pembroke, Shetland Sheepdog, Basset Hound, Scottish Terrier, Poodle
padrão e Manchester Terrier padrão. São conhecidos dois modos de herança. No padrão de herança autossômica
recessiva, menos comum, a homozigose geralmente é fatal, e a heterozigose resulta em portadores
assintomáticos. No padrão de herança de dominância autossômica com penetrância incompleta, mais comum, os
homozigotos e os heterozigotos podem apresentar tendências hemorrágicas variáveis. Os animais acometidos
podem manifestar sangramento gengival, epistaxe e hematúria. Alguns filhotes de cães podem sangrar
excessivamente apenas após injeção, venopunção ou cirurgia, como caudectomia, corte de orelha e remoção de
dígito rudimentar.
O vWF circula como um complexo associado ao fator de coagulação VIII (também denominado fator
coagulante VIII) e controla a adesão plaquetária à superfície subendotelial – a primeira fase da formação do
coágulo. Defeito ou deficiência do vWF mimetiza disfunções decorrentes de trombocitopenia ou de
anormalidades plaquetárias intrínsecas. Deve­se suspeitar de doença de von Willebrand em animais com sinais
clínicos de distúrbios hemorrágicos que apresentam testes de coagulação de triagem normais (TTPA e TP) e
contagem de plaquetas adequada, longo tempo de sangramento da mucosa bucal e tempo de fechamento de
análise de função plaquetária prolongado. Os testes quantitativos do vWF têm valor diagnóstico. O diagnóstico
é confirmado pela detecção de baixa concentração plasmática de vWF ou mediante o teste de DNA.
Ocasionalmente, os animais enfermos podem apresentar menor teor do fator de coagulação VIII e, portanto,
aumento de TTPA e do tempo de coagulação ativada (TCA). Em animais com suspeita da doença, devem ser
evitados medicamentos que interfiram na função normal das plaquetas. A transfusão de crioprecipitado, plasma
fresco ou sangue total fresco é efetiva para amenizar um episódio hemorrágico. Animal com doença de von
Willebrand tipo 1 pode responder ao tratamento com acetato de desmopressina, que provoca liberação de
multímeros de Weibel­Palade (multímeros de alto peso molecular) do endotélio, por um mecanismo
desconhecido.
Anormalidades hemostáticas concomitantes podem agravar a doença de von Willebrand. Antigamente
acreditava­se que o hipotireoidismo (p. 593) estava associado a doença de von Willebrand; ambas as
enfermidades são prevalentes em várias das mesmas raças de cães, como Doberman Pinscher e Golden
Retriever. Em um estudo, notou­se que a administração de hormônio tireoidiano suplementar a cães com
hipotireoidismo, sem deficiência do vWF, não aumentou a atividade desse fator; na verdade, na maioria dos cães
testados a atividade do vWF diminuiu. Portanto, não se pode recomendar a administração de levotiroxina como
tratamento de doença de von Willebrand, procedimento que pode, inclusive, agravar a doença.
SÍNDROME DE CHÉDIAK-HIGASHI: Essa anomalia autossômica recessiva é caracterizada por formação granular
anormal em leucócitos, melanócitos e plaquetas (p. 30). O defeito parece surgir durante a formação do
microtúbulo; portanto, grânulos anormalmente grandes, mas em pequena quantidade, são evidentes em vários
tipos de células. O defeito nos melanócitos resulta em clareamento da cor do pelame. Os leucócitos podem
apresentar menor capacidade funcional de fagocitose e destruição de microrganismos (um achado inconsistente
em animais), e as plaquetas apresentam menor capacidade de agregação e liberação. As plaquetas quase não
possuem grânulos densos e exibem diminuição acentuada no armazenamento de difosfato de adenosina e
serotonina. Nos gatos da raça Persa azul­fumaça acometidos, nota­se sangramento prolongado após venopunção
ou cirurgia. A síndrome já foi diagnosticada em martas, bovinos e camundongos beges, com tendências
hemorrágicas semelhantes.
TROMBOPATIA CANINA: Há relato de trombopatia em cães da raça Basset Hound. Os cães acometidos
apresentam epistaxe, petéquias e sangramento gengival. Estudos sugerem que a herança é autossômica, com
penetrância variável. As plaquetas apresentam exposição inapropriada ao receptor de fibrinogênio e distúrbio na
liberação de grânulos densos. Deve­se suspeitar de trombopatia quando cães da raça Basset Hound apresentam
petéquias e hemorragia de membranas mucosas, com contagem de plaquetas e concentração do vWF normais. O
diagnóstico específico desse distúrbio exige testes especializados de avaliação da função plaquetária. Em geral,
o resultado do teste de retração de coágulo é normal.
TROMBOPATIA BOVINA: Essa disfunção plaquetária hereditária autossômica acomete bovinos da raça Simmental.
Os animais enfermos podem manifestar hemorragia discreta a moderada, exacerbada por traumatismo ou
cirurgia. As plaquetas apresentam menor capacidade de agregação. O agente da diarreia viral bovina (p. 319)
pode provocar trombocitopenia em bovinos.

É uma doença genética autossômica, antigamente denominada trombopatia


TROMBASTENIA DE GLANZMANN: É uma doença genética autossômica, antigamente denominada trombopatia
trombastênica, diagnosticada em cães da raça Otterhound e Great Pyrenees, em equinos mestiços de Puro­
Sangue, cavalos Quarto­de­Milha e em potrancas da raça Oldenburg. Em animais acometidos, notam­se
aumento do tempo de sangramento e formação de hematomas no local de venopunção ou lesão. No esfregaço
sanguíneo, constatam­se várias plaquetas gigantes bizarras (30 a 80% da população plaquetária). Em razão da
menor síntese de glicoproteína IIb ou IIIa, nota­se diminuição, ou ausência, da glicoproteína receptora de
membrana IIb­IIIa na superfície das plaquetas. Até o momento, todos os animais acometidos apresentavam
anormalidade na síntese de IIb.
O sangue dos animais enfermos não mostra retração normal do coágulo, e as plaquetas não se agregam
normalmente após estímulo com adenosina difosfato, colágeno ou trombina.

Disfunção Plaquetária Adquirida

Os cães com trombocitopenia imunomediada também podem apresentar disfunção plaquetária adquirida. Eles
podem manifestar tendência hemorrágica excessiva, sem diminuição marcante na quantidade de plaquetas. Em
cães com trombocitopenia imunomediada, a disfunção plaquetária, juntamente com a menor quantidade de
plaquetas, pode contribuir para a tendência hemorrágica.
Várias doenças estão associadas a disfunção plaquetária adquirida. Hiperglobulinemia associada a mieloma
múltiplo induz alteração na membrana da plaqueta, resultando em prejuízo da função hemostática. Na uremia
associada a qualquer forma de doença renal, constata­se menor capacidade de adesão e de agregação das
plaquetas.
Vários medicamentos podem prejudicar a função das plaquetas. Dentre os medicamentos incriminados no
bloqueio de receptores plaquetários ou na alteração da permeabilidade ou da carga da membrana das plaquetas,
incluem­se furosemida, penicilina, carbenicilina, lidocaína, fentolamina e clorpromazina. Os medicamentos que
inibem a transdução de mensagens recebidas na superfície das plaquetas incluem cafeína, teofilina, dipiridamol
e papaverina. Os medicamentos que inibem a resposta plaquetária (agregação, secreção ou síntese de
tromboxano) são ácido acetilsalicílico, indometacina, paracetamol, fenilbutazona, ticlopidina, pentobarbital e
sulfimpirazona. Hemorragias de relevância clínica podem não ser causadas por prejuízo da função plaquetária
induzido por medicamentos, a menos que, simultaneamente, haja outro distúrbio associado a disfunção
hemostática.

ANORMALIDADES VASCULARES

Anomalia Vascular Congênita

Astenia cutânea (síndrome de Ehlers­Danlos, “doença do filhote de borracha”) é causada por um distúrbio na
maturação do colágeno tipo 1. Isso causa enfraquecimento do suporte estrutural de vasos sanguíneos e pode
resultar em hematomas e equimoses. Essa anomalia foi diagnosticada em cães, gatos, martas, equinos, bovinos,
ovinos e humanos, contudo é rara em animais domésticos. O sinal clínico mais evidente é pele solta e
hiperextensível que se lacera facilmente. Não há tratamento disponível.

Anormalidades Vasculares Adquiridas

Várias doenças provocam vasculite generalizada caracterizada por distúrbios hemorrágicos frequentemente
graves.
Febre maculosa das montanhas rochosas (p. 827) é causada por Rickettsia rickettsii, transmitida pelos
carrapatos Dermacentor variabilis e D. andersoni. As riquétsias invadem as células endoteliais e causam morte
celular, resultando em edema perivascular e hemorragia. Juntamente com trombocitopenia, podem ocorrer graus
variáveis de ativação da cascata de coagulação. Os cães infectados podem apresentar epistaxe, hemorragias
petequiais e equimoses, hematúria, melena ou hemorragia de retina. Nos cães gravemente enfermos, pode
ocorrer coagulação intravascular disseminada.
Herpes­vírus canino geralmente acomete filhotes com 7 a 21 dias de idade. Vasculite necrosante
generalizada é acompanhada de hemorragia perivascular. Em geral, a doença é rapidamente fatal e a maioria dos
filhotes morre dentro de 24 h após o início dos sintomas.

TROMBOSE PATOLÓGICA

Anormalidades Anticoagulantes Primárias ou Hereditárias

Ainda não se identificou deficiência congênita de qualquer proteína anticoagulante em animais domésticos. Se
tal condição existe, provavelmente é incompatível com a vida.
Anormalidades Procoagulantes Secundárias ou Adquiridas

É difícil avaliar a presença de hipercoagulabilidade antemorte em cães; ademais, a importância da


hipercoagulabilidade e da doença tromboembólica não foi bem definida em medicina veterinária. Há
necessidade de testes refinados para avaliar as alterações hemostáticas, inclusive hipercoagulabilidade e
condição hemostática geral dos cães. A TEG (p. 19) possibilita um exame global da função hemostática em
amostra de sangue total. As vantagens da TEG incluem a avaliação de propriedades viscoelásticas do
desenvolvimento do coágulo sanguíneo (inclusive formação, cinética, resistência, estabilidade e resolução do
coágulo) e a detecção imediata da condição de hiper ou hipocoagulabilidade.
Em animais, algumas doenças estão associadas a maior risco de trombose. Os gatos com cardiomiopatia,
principalmente a forma dilatada, mas também a hipertrófica e a restritiva, podem formar grandes trombos e
tromboembolia na artéria aorta ou braquial. Tem­se constatado trombose em cães que apresentam nefropatia
com perda de proteínas, hiperadrenocorticismo, neoplasia, hipotireoidismo crônico acompanhado de
aterosclerose e, mais raramente, anemia hemolítica autoimune. Há relato de trombos e tromboembolia em
equinos com doenças inflamatórias sistêmicas (como cólica, laminite ou colite causada por erlíquia), bem como
nos casos de uso prolongado de cateter na veia jugular e de aplicação intravenosa de medicamentos irritantes
aos vasos sanguíneos.
Neoplasia é um fator de risco de hipercoagulabilidade e possivelmente de complicações associadas, como
doença tromboembólica. Várias células e proteínas envolvidas na manutenção da hemostasia também
participam dos mecanismos de angiogênese, metástase, invasão e desenvolvimento de câncer. Trombose venosa
profunda é uma complicação clínica importante em pessoas com câncer, mas não se sabe se isso é verdadeiro
para cães com câncer.
Nas nefropatias com perda de proteínas (p. ex., glomerulopatias, síndrome nefrótica e amiloidose renal), a
deficiência de antitrombina III é bem documentada. O peso molecular da antitrombina III é 57.000 dáltons (D),
semelhante ao da albumina (60.000 D); portanto, as lesões glomerulares que resultam em perda de albumina
também causam perda de antitrombina III. Outras anormalidades detectadas nas nefropatias incluem aumento da
responsividade das plaquetas aos agonistas, aumento da atividade procoagulante e diminuição da atividade da
antiplasmina. Atualmente, considera­se a trombose um distúrbio de etiologia multifatorial.
Tem­se associado hipercolesterolemia com maior risco de tromboembolia. Considera­se que ocorre alteração
no teor de fosfolipídio das membranas endoteliais e plaquetárias, a qual provoca lesão vascular e aumento da
resposta das plaquetas aos agonistas, respectivamente. Relata­se aumento da síntese plaquetária de tromboxano
pela via ciclo­oxigenase. As doenças caracterizadas por hipercolesterolemia incluem hiperadrenocorticismo,
diabetes melito, síndrome nefrótica, hipotireoidismo e pancreatite. Todas elas estão associadas a maior risco de
formação de trombo, frequentemente trombose pulmonar.
Os gatos com cardiomiopatia apresentam maior risco de tromboembolia. Acredita­se que as lesões
endomiocárdicas e o fluxo sanguíneo turbulento nas câmaras e valvas cardíacas, secundários à alteração na
função do miocárdio, iniciam a formação de trombos. Ainda não se notou deficiência específica de proteínas
anticoagulantes ou fibrinolíticas. É interessante que o teor de antitrombina III eleva­se acentuadamente, mas não
propicia proteção. Gatos com doença cardíaca secundária a hipertireoidismo frequentemente recebem
medicamentos (p. ex., propranolol, atenolol ou diltiazem) que minimizam os sinais clínicos da disfunção
cardíaca. Esses medicamentos parecem proteger contra risco maior de trombose, por alterar a resposta
plaquetária aos agonistas.
Os equinos com cólica associada à endotoxemia apresentam diminuição na atividade do plasminogênio e da
concentração do antígeno da proteína C. Esses equinos são mais sujeitos à morte e à formação de trombos.
Acredita­se que a laminite seja o resultado final de anormalidades sistêmicas diversas. Os microtrombos nos
vasos da lâmina do casco já foram detectados nos estágios iniciais da laminite. Uma teoria é que a endotoxina
atua diretamente nos vasos e ativa fatores de contato da cascata de coagulação. Isquemia da lâmina secundária a
edema, compressão vascular e possível desvio sanguíneo na altura da coroa do casco também lesionam o
endotélio. Quando a circulação é restabelecida, ocorre lesão por reperfusão e a exposição do colágeno
subendotelial induz à trombose.
O manejo mais apropriado de um animal com trombose ou tromboembolia é o diagnóstico e o tratamento da
doença primária, juntamente com terapia de suporte adequada. É fundamental a manutenção de uma perfusão
tecidual adequada. A dissolução de coágulos e a prevenção de recidiva pela administração de anticoagulantes (p.
ex., heparina e cumarina) mostram eficiência variável. A heparina facilita a ação da antitrombina, mas, para ser
efetiva, deve haver teor adequado de antitrombina. Nos cães que apresentam nefropatias com perda de proteína
e nos equinos com endotoxemia, pode ser necessária a transfusão de plasma antes da terapia com heparina. A
cumarina é mais útil no controle ou na prevenção do que no tratamento. Têm­se administrado compostos
fibrinolíticos para maximizar a dissolução de coágulos. O ativador de plasminogênio tecidual tem mais
especificidade à fibrina do que a estreptoquinase ou a uroquinase e, portanto, propicia efeitos fibrinolíticos mais
localizados (embora não totalmente). O principal impedimento ao uso do ativador de plasminogênio tecidual é
seu alto custo. A estreptoquinase está mais facilmente disponível e de menor custo, mas é difícil determinar sua
dose terapêutica. Vários animais naturalmente apresentam anticorpos contra estreptoquinase, em razão de
infecções estreptocócicas anteriores. A dose de estreptoquinase deve ser suficiente para neutralizar todos os
anticorpos, porém não deve ocasionar fibrinólise sistêmica e, consequentemente, diátese hemorrágica.

ANORMALIDADES LEUCOCITÁRIAS

No sangue dos mamíferos normais, os leucócitos compreendem neutrófilos segmentados, neutrófilos bastonetes,
linfócitos, monócitos, eosinófilos e basófilos. Leucócitos anormais incluem neutrófilos menos desenvolvidos do
que o estágio de bastonetes (p. ex., metamielócitos, mielócitos, progranulócitos), blastócitos de qualquer
linhagem, mastócitos e células neoplásicas de origem tecidual. Os leucócitos são diferentes quanto a local de
produção, tempo de permanência na circulação e estímulos que influenciam sua liberação e migração para o
leito vascular. As contagens diferenciais também variam entre as espécies. As diferenças na fisiologia dos
leucócitos são responsáveis pelas diferentes contagens normais no sangue e pelas respostas ante as doenças, nas
espécies animais (ver Tabela 6, p. 3346).
O leucograma, um componente do hemograma, é uma tabulação organizada da contagem de leucócitos totais,
juntamente com as contagens dos tipos específicos de leucócitos presentes na amostra, também conhecida como
contagem diferencial. O conhecimento da fisiologia de leucócitos e a influência nos mecanismos de doenças
representam a base para a interpretação de anormalidades do leucograma, para fins de diagnóstico. A
interpretação do leucograma varia em função da especificidade diagnóstica. A maioria das interpretações define
mais uma condição de doença do que um diagnóstico específico. A interpretação geralmente envolve quatro
grupos de ocorrências: 1) respostas fisiológicas que alteram a hemodinâmica vascular; 2) respostas
inflamatórias, infecciosas e imunológicas; 3) respostas da medula à lesão e 4) neoplasias de célula
hematopoética (ver p. 1780).

FISIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

Sistema Vascular Sanguíneo

Em termos conceituais, o sistema vascular sanguíneo é dividido em dois compartimentos: o central e o


marginal. O compartimento marginal compreende a microcirculação, ou seja, a interface capilar­tecido. O
compartimento central consiste em vasos maiores. As amostras de sangue obtidas por venopunção representam
o compartimento central. A taxa de fluxo, o movimento de fluido para o espaço extravascular e a adesão seletiva
dos leucócitos ao endotélio são fatores que podem contribuir para diferenças marcantes na quantidade de células
contidas nos dois compartimentos. Ademais, esses compartimentos estão em equilíbrio hemodinâmico mútuo e
com o espaço extravascular. Portanto, a quantidade de leucócitos pode se alterar apreciavelmente por conta do
movimento de células e/ou fluido de um compartimento a outro, em decorrência de alteração no equilíbrio.
Grosso modo, na maioria das espécies, os leucócitos são distribuídos igualmente entre os dois compartimentos.
Os gatos apresentam uma população maior de leucócitos no compartimento marginal. Pode ocorrer aumento da
quantidade de leucócitos no compartimento circulante induzido por alguns mecanismos: a epinefrina pode
redistribuir os leucócitos do compartimento marginal para o compartimento circulante; os corticosteroides
podem inibir a adesão de neutrófilos ao endotélio e a migração tecidual.

Granulócitos

Compreendem neutrófilos, eosinófilos e basófilos produzidos na medula óssea, a partir de um subsistema de


célula­tronco comum. Os elementos proliferativos (mitóticos) consistem em mieloblastos, pró­mielócitos e
mielócitos. Inicialmente os pró­mielócitos formam grânulos primários azurofílicos (lisossomos) que,
posteriormente, desaparecem. O compartimento de armazenamento (maturação) compreende metamielócitos,
neutrófilos bastonetes e neutrófilos segmentados, que são funcionalmente maduros. Grânulos específicos, que
definem os tipos celulares finais, são produzidos inicialmente no estágio de mielócito. Os tipos de células são
identificados pela afinidade por corantes específicos; por exemplo, grânulos basofílicos em basófilos, grânulos
eosinofílicos em eosinófilos e grânulos não corados ou neutros no caso de neutrófilos.
NEUTRÓFILOS: No sangue, normalmente observam­se neutrófilos maduros (segmentados), com raras formas de
bastonetes imaturos. Os neutrófilos oriundos da medula óssea alcançam o sangue periférico e aí permanecem,
em média, 8 h. Eles tendem a se aderirem ao endotélio da microcirculação e, em seguida, migram aos tecidos de
modo unidirecional, onde podem participar da defesa do hospedeiro. Em razão do rápido turnover dos
neutrófilos no sangue, a manutenção da quantidade dessas células no sangue depende da liberação estável e
relativamente alta pela medula óssea. Esse equilíbrio pode se alterar drasticamente quando há aumento do
consumo tecidual em razão de inflamação tecidual ou no caso de dano à célula­tronco que reduz a taxa de
produção da medula. No início da reação inflamatória, fator(es) estimulante(s) de colônia liberados por células
mononucleares locais estimula(m) rapidamente a medula óssea para liberar a reserva de neutrófilos e acelerar a
granulopoese. Quando a demanda é intensa, aceleram­se a produção e a liberação da medula, resultando em
desvio à esquerda e alteração tóxica.
Neutrofilia extrema, excedendo os valores máximos verificados na inflamação, pode estar associada a
leucemia mielomonocítica, infecções por Hepatozoon canis e, raramente, neoplasias que produzem fatores
estimulantes de colônia.
Deficiência de aderência de leucócitos em bovinos é um distúrbio autossômico recessivo letal notado em
animais da raça Holandesa. Está associada a neutrofilia marcante, e os neutrófilos apresentam deficiência de
glicoproteínas (integrinas) fundamentais para adesão e emigração normais dos leucócitos. Infecções bacterianas
recorrentes, neutrofilia persistente (frequentemente > 100.000/μL), linfocitose e morte (geralmente entre 2
semanas e 8 meses de idade) são achados característicos. Com frequência, nota­se retardo no crescimento, e os
bezerros manifestam pneumonia recidivante, estomatite ulcerativa, enterite e periodontite. No exame
histológico, nota­se pequena quantidade de neutrófilos, exceto no lúmen vascular, porque eles permanecem na
circulação e são incapazes de migrar para os tecidos. Há disponibilidade de exames para detectar animais
portadores.
Neutropenia pode ser decorrente de excessiva demanda tecidual por neutrófilos ou por granulopoese
reduzida. Pode ser notada no caso de infecção bacteriana fulminante, especialmente sepse gram­negativa ou
endotoxemia, em todas as espécies. A destruição imunomediada de neutrófilos é diagnosticada pela exclusão de
outras possíveis doenças que consumem essas células. Pode haver lesão de célula­tronco de diversas causas,
como certas infecções virais, lesão química e reações idiossincráticas a medicamentos, por exemplo,
sulfonamidas, penicilinas, cefalosporinas e cloranfenicol, em gatos. Essas reações tipicamente influenciam todas
as linhagens celulares da medula, porém inicialmente detecta­se neutropenia por conta do turnover
relativamente alto dos neutrófilos.
Neutropenia é observada em uma condição rara e recente denominada síndrome da hematopoese cíclica de
cães da raça Gray Collie, também conhecida como neutropenia cíclica canina. É uma anormalidade hereditária
autossômica recessiva caracterizada por neutropenia cíclica intensa, infecção bacteriana grave recorrente,
hemorragia e despigmentação do pelame. Acredita­se que sua base molecular seja um defeito cíclico na
maturação das células­tronco hematopoéticas pluripotentes na medula óssea. Cessa­se a maturação neutrofílica
em ciclos regulares de 11 a 14 dias; a neutropenia periférica dura 3 a 4 dias, sendo seguida de neutrofilia. Todas
as outras células hematopoéticas, inclusive os linfócitos, também têm produção cíclica, que é minimamente
evidente por causa do tempo de circulação relativamente longo dessas células. Os filhotes de cães afetados
geralmente morrem ao nascimento ou nas primeiras semanas de vida e raramente vivem > 1 ano. Os cães
sobreviventes podem apresentar retardo no desenvolvimento e fraqueza e desenvolvem graves infecções
bacterianas recorrentes durante os períodos de neutropenia.
EOSINÓFILOS: Os eosinófilos atuam matando parasitos e também contêm enzimas que modulam os produtos de
mastócitos e basófilos liberados em resposta ao estímulo induzido pela destruição do receptor de mastócito para
o complexo antígeno­IgE, na doença alérgica. Por exemplo, a histamina liberada por mastócitos é modulada
pela histaminase dos eosinófilos. Eosinofilia é induzida principalmente por substâncias que provocam respostas
inflamatórias alérgicas e por infestações de parasitos que invadem tecidos. Há relato de síndrome
hipereosinofílica em gatos. Essa síndrome pouco compreendida é caracterizada por eosinofilia marcante
consistente e infiltração tecidual de eosinófilos com disfunção orgânica associada. Menos comumente, neoplasia
pode estar associada a indução paraneoplásica de eosinofilia. Lesões teciduais eosinofílicas localizadas não
necessariamente ocasionam eosinofilia periférica, por exemplo, dermatopatias com granuloma eosinofílico e
lesões bucais em gatos. Eosinopenia é um componente de leucograma induzido por corticosteroides (estresse).
BASÓFILOS: São raros em todos os animais domésticos comuns. Os grânulos basofílicos contêm histamina,
heparina e mucopolissacarídios sulfatados; a compreensão de sua função é limitada. Como resultado, não há
interpretação clara para basofilia. Basofilia é incomum, porém ocasionalmente acompanha eosinofilia, sendo o
último parâmetro a ser interpretado. Diferentemente do que se alega a respeito de equipamentos utilizados em
hematologia, não há dados ou documentação que comprovem que esses aparelhos sejam capazes de identificar
os basófilos de animais. Embora os basófilos no sangue e os mastócitos no tecido apresentem funções e
conteúdos enzimáticos semelhantes, os basófilos não se tornam mastócitos. Eles parecem se originar de
diferentes sistemas da ramificação medular.
Linfócitos

Originam­se de uma célula­tronco da medula e amadurecem nos linfonodos, no baço e nos tecidos linfoides
subepiteliais. Os linfócitos maduros compreendem duas importantes subpopulações: linfócitos B e linfócitos T.
Os linfócitos B (B de bone marrow ou bursa) são precursores potenciais dos plasmócitos e produzem
anticorpos para a imunidade humoral. Os linfócitos T (T de timo) estão relacionados com a imunidade celular
(p. ex., histocompatibilidade e hipersensibilidade do tipo retardada). Os linfócitos no tecido podem retornar ao
leito vascular e recircular. Alguns linfócitos têm vida longa quando comparados com outros tipos de leucócitos.
LINFOCITOSE: Causas comuns de linfocitose são resposta à excitação (epinefrina) e leucemia linfocítica. A
estimulação imune (antigênica) associada a inflamação crônica não causa linfocitose, mas pode resultar em
expansão de células linfoides responsivas nos tecidos linfoides. A estimulação imune também pode resultar em
linfócitos reativos (imunologicamente estimulados) notados no exame do esfregaço sanguíneo. Os linfócitos
reativos podem ser verificados em qualquer doença que causa estímulo imune sistêmico moderado a intenso.
Grandes linfócitos reativos são normais em animais jovens. Pequena quantidade de linfócitos granulares grandes
é normal. Há relato de contagens de linfócitos de até 17.000/μL, com linfócitos granulares grandes frequentes,
em cães com infecção crônica por Ehrlichia canis. Em bovinos, linfocitose persistente é definida pela contagem
linfocitária consistentemente > 7.500 células/μL. Isso se deve à proliferação de linfócitos B que acontece em um
subconjunto de animais infectados por vírus da leucemia bovina (BLV). Em geral, os bovinos acometidos são
assintomáticos. Linfocitose persistente é considerada indicação positiva de infecção por BLV. Um subconjunto
menor de bovinos infectados por BLV, com ou sem linfocitose, pode desenvolver linfoma ou leucemia
linfocítica.
LINFOPENIA: É uma anormalidade comum no leucograma. Está mais comumente associada a ação de
corticosteroides endógenos (estresse) ou exógenos. Possivelmente a causa mais comum seja apoptose de
linfócitos induzida por esteroide. Também, raramente nota­se linfopenia em decorrência de outras causas, como
extravasamento de linfa (p. ex., linfangiectasia e efusão quilosa), algumas infecções virais com tropismo por
células de rápida divisão e imunodeficiência hereditária (p. ex., imunodeficiência combinada de potros da raça
Árabe).

Monócitos

São produzidos na medula óssea e se desenvolvem a partir de monoblastos em pró­monócitos e, em seguida, em


monócitos. Os monócitos permanecem no sangue periférico por cerca de 24 a 36 h, migram para os tecidos e se
transformam em macrófagos teciduais fixos. Monócitos e macrófagos fagocitam microrganismos e restos
celulares no sítio inflamatório ou na lesão tecidual. Podem originar células gigantes multinucleadas nos tecidos,
particularmente em resposta a corpos estranhos ou a microrganismos complexos que estimulam a formação de
granuloma. Monócitos e macrófagos são as principais fontes de fatores estimulantes de colônia e citocinas que
controlam a resposta inflamatória, bem como atuam como células processadoras de antígenos. Monocitose pode
estar associada a inflamação, particularmente crônica. Monocitose também é um componente da resposta aos
esteroides, mais notadamente em cães.

ANORMALIDADES DO LEUCOGRAMA

Incluem alterações na contagem quantitativa ou numérica, bem como morfológicas de leucócitos.


ANORMALIDADES DA QUANTIDADE: As contagens de leucócitos são interpretadas por meio de comparação com
valores de referência espécie­específica. Para a interpretação adequada, devem ser considerados apenas os
valores absolutos. Ver Tabela 6 (p. 3346) para valores de referência das contagens de leucócitos totais e
diferenciais em contagens absolutas dos animais domésticos comuns. Nos neonatos, a contagem total de
leucócitos é mais variável e frequentemente maior do que a de adultos. Para interpretação do hemograma de
animais jovens, devem­se utilizar valores de referência próprios para a idade, particularmente em espécies nas
quais a população de linfócitos é maior (e a quantidade de neutrófilos é menor) em adultos, tipicamente em
ruminantes. Em geral, o padrão da contagem diferencial dos leucócitos de adultos é obtido aproximadamente na
idade de maturidade sexual.
A alteração na contagem total de leucócitos é útil somente para alertar o clínico no sentido de pesquisar e
interpretar anormalidades na contagem diferencial dos diferentes tipos celulares. Quando a contagem total de
leucócitos é anormal, é provável que haja uma ou mais anormalidades na contagem diferencial. Mesmo quando
a contagem total de leucócitos é normal, é possível que haja uma ou mais anormalidades na contagem
diferencial. Como consequência, a avaliação dos dados da contagem diferencial é o componente mais
importante do leucograma.
Leucocitose corresponde ao aumento da quantidade de leucócitos circulantes; leucopenia indica sua
diminuição. Para fins de interpretação clínica, a alteração na contagem dos tipos específicos de leucócitos é
mais importante.
Neutrofilia ou leucocitose neutrofílica é o aumento da contagem de neutrófilos. Linfocitose é o aumento da
contagem de linfócitos. Monocitose é o aumento na contagem de monócitos. Eosinofilia e basofilia referem–se
aos aumentos nas contagens de eosinófilos e basófilos, respectivamente. Metarrubricitose é o aumento da
quantidade de hemácias nucleadas (nHe) no sangue. Mastocitose é o aumento do número de mastócitos no
sangue.
A diminuição na contagem de um tipo celular é indicada pelo sufixo “penia”. Isso se aplica apenas aos tipos
celulares passíveis de diminuição, mas não àqueles de leucócitos cujas contagens possam ser 0, como
monócitos, basófilos, nHe e qualquer outro tipo de célula anormal. Assim, neutropenia é a diminuição na
contagem de neutrófilos, linfopenia é a diminuição na contagem de linfócitos e eosinopenia é a diminuição na
contagem de eosinófilos. Citopenia é um termo inespecífico que indica diminuição na contagem celular, porém
sem especificação do tipo celular. Pancitopenia refere­se à diminuição de todos os tipos de leucócitos,
geralmente uma redução intensa.
Os termos utilizados para descrever ou qualificar as anormalidades mais comumente associadas a respostas
inflamatórias incluem vários graus de desvio à esquerda e resposta leucemoide. Desvio à esquerda é o aumento
na quantidade de neutrófilos não segmentados imaturos, tipicamente bastonetes, mas também pode incluir
metamielócitos ou até mesmo outras formas imaturas. Desvio à esquerda regenerativo corresponde à
leucocitose caracterizada pela combinação de neutrofilia e desvio à esquerda. Nessa situação, a contagem de
neutrófilos segmentados é maior do que a de bastonetes e de outras células mais imaturas. Desvio à esquerda
degenerativo compreende um padrão de neutrófilos caracterizado por contagem total de neutrófilos normal ou
diminuída, mas com desvio à esquerda no qual a contagem de bastonetes e de formas mais imaturas é maior do
que o número de neutrófilos segmentados. Isso indica liberação máxima pela medula óssea em resposta à
inflamação. Resposta leucemoide corresponde à neutrofilia marcante de magnitude suficiente para indicar a
cronicidade de uma resposta inflamatória. Essa magnitude é tal que a leucemia mieloide torna­se uma
possibilidade diagnóstica. Referências para leucocitose neutrofílica consideram resposta leucemoide quando há
> 70.000 leucócitos/μL, para cães, > 50.000/ μL para gatos, > 30.000/μL para equinos e > 20.000/μL para
ruminantes.
ANORMALIDADES MORFOLÓGICAS: Podem estar associadas a doença hereditária ou adquirida. Várias destas são
incomuns.
Alteração tóxica é identificada apenas em neutrófilos. O termo origina­se de observações históricas de que
algumas características celulares geralmente estão associadas a condições tóxicas graves, como infecções
bacterianas sistêmicas e lesões inflamatórias agudas graves. É um erro considerar que isso implica dano ao
neutrófilo. As células não são comprometidas e a função delas é normal. A alteração tóxica é mais bem definida
como um conjunto de alterações morfológicas verificadas no esfregaço sanguíneo, decorrentes da produção
acelerada de neutrófilos na medula. A rápida produção é uma resposta à condição inflamatória relativamente
grave que induz estímulo máximo à medula óssea. As alterações morfológicas incluem (em ordem de
frequência) basofilia citoplasmática difusa, corpúsculos de Döhle e vacuolização citoplasmática fina. Alterações
mais raras incluem grânulos azurofílicos citoplasmáticos mais proeminentes, gigantismo celular e binucleação.
A alteração tóxica quase sempre está associada a desvio à esquerda concomitante. Ela é classificada como
discreta, moderada ou grave, por meio de avaliação subjetiva das alterações mais comuns. Os corpúsculos de
Döhle apresentam–se como inclusões intracitoplasmáticas azul­acinzentada, agregadas ao retículo
endoplasmático. Eles são particulares, pois podem ser notados em gatos clinicamente sadios e, portanto, não são
considerados alteração tóxica, a menos que acompanhada de outras anormalidades.
Linfócitos reativos apresentam citoplasma basofílico distintamente maior e podem ter núcleo irregular ou
fendido. Seu diâmetro pode variar consideravelmente. Apresentam cromatina condensada e, portanto, não são
blastócitos. São considerados linfócitos B imunologicamente estimulados.
Linfócitos granulares apresentam cromatina condensada e aumento do citoplasma azul­acinzentado claro
que contém vários grânulos pequenos róseos ou azurofílicos. O núcleo pode ser arredondado ou fendido. São
grandes linfócitos granulares e podem ser linfócitos matadores naturais (NK; natural killer), ou linfócitos T.
Blastócitos geralmente são indicativos de neoplasia de célula hematopoética, se reproduzíveis ou presentes
em grande quantidade. Pode­se tentar a identificação de sua linhagem com base em critérios morfológicos,
porem há necessidade de exame citométrico para identificar a linhagem.
Um distúrbio autossômico recessivo em gatos da raça Birman resulta em finos grânulos eosinofílicos
intracitoplasmáticos nos neutrófilos, os quais podem ser confundidos com granulação tóxica. Esses gatos
apresentam função neutrofílica normal, e considera–se que essa anomalia seja um achado casual.
Síndrome de Chédiak­Higashi (p. 27) é uma anomalia autossômica recessiva que envolve grânulos
lisossomais, descrita em gatos da raça Persa, pessoas, martas, raposas, bovinos das raças Hereford e Brangus,
camundongos e orcas. Há hiperfusão de grânulos, resultando em grandes inclusões citoplasmáticas
eosinofílicas. Notam­se maior suscetibilidade a infecções bacterianas e maior predisposição a hemorragia
decorrente de defeitos na função dos neutrófilos e das plaquetas e albinismo oculocutâneo parcial por conta da
distribuição anormal de melanina. No entanto, os gatos podem manter saúde razoável.
Mucopolissacaridioses são um grupo de anormalidades de armazenamento lisossômico no qual há defeito na
degradação de glicosaminoglicanos. Os neutrófilos e os linfócitos contêm acúmulo de mucopolissacarídio na
forma de grânulos intracitoplasmáticos de cor púrpura ou metacromáticos. Os linfócitos também podem
apresentar vacúolos. Esses distúrbios estão associados a diversas anormalidades clínicas sistêmicas e são vistos
em cães e gatos.
Outro grupo de anormalidades de armazenamento lisossômico detectado em cães e gatos pode resultar em
vacúolos citoplasmáticos, predominantemente nos linfócitos e, ocasionalmente, nos neutrófilos. Essas
anormalidades incluem gangliosidoses, a­manosidose, variantes da doença de Niemann­Pick, deficiência de
lipase ácida e fucosidose. A maioria desses distúrbios ocasiona graves anormalidades neurológicas progressivas
decorrentes do acúmulo de produtos no tecido neuronal.
Em grandes animais, a intoxicação por astrágalo é considerada uma forma de defeito de armazenamento
lisossômico adquirido. Ela deve­se ao princípio tóxico da planta que inibe uma ou mais enzimas que participam
do metabolismo de oligossacarídios. Isso pode resultar na vacuolização de linfócitos.
Anomalia de Pelger­Huët é um defeito na hipossegmentação nuclear de granulócitos que acomete pessoas,
gatos, coelhos e cães heterozigotos para a anomalia. Os neutrófilos apresentam função normal e quase não se
nota segmentação nuclear. A maioria ou todos os neutrófilos assemelham­se a bastonetes e metamielócitos.
Assim, no leucograma normal, pode parecer que há marcante desvio à esquerda. Os animais heterozigotos
acometidos são clinicamente normais; a transmissão da característica de homozigoto é letal.
Hipersegmentação é um grau maior de segmentação nuclear, resultando em múltiplos lobos conectados por
filamentos nucleares. É uma indicação inespecífica de maior permanência da célula no sangue; representa o
envelhecimento normal das células. Isso pode ser notado em leucogramas de animais tratados com esteroides.
A aglutinação leucocitária pode afetar neutrófilos ou linfócitos. No exame microscópico em baixo aumento,
ela é visualizada como agregados de 5 a 15 leucócitos firmemente agrupados. Aglutinação marcante pode
resultar em diminuição acentuadamente falsa da contagem total de leucócitos em alguns citômetros. Isso
possivelmente se deve à presença de uma aglutinina fria de ocorrência natural eficiente apenas in vitro, em
temperatura de laboratório. Não há relevância clínica conhecida.
Ocasionalmente, notam­se inclusões de agentes infecciosos. Inclusões do vírus da cinomose canina podem
ser verificadas em neutrófilos, monócitos e linfócitos, bem como em hemácias recentemente produzidas. Na
erliquiose, em várias espécies animais, e na hepatozoonose canina, é possível notar inclusões citoplasmáticas
dos respectivos microrganismos causadores dessas enfermidades transmitidas por carrapatos.

Padrões de Interpretação do Leucograma

O leucograma anormal é tipicamente interpretado em um dos vários padrões, cada um dos quais podendo
consistir em mais de uma anormalidade na contagem diferencial. Alguns padrões também podem estar
associados a alterações concomitantes nas hemácias e nas plaquetas. A seguir, são descritas importantes
diferenças nas respostas leucocitárias das espécies.
RESPOSTA AO ESTRESSE OU INDUZIDA POR CORTICOSTEROIDES: Essa provavelmente seja a resposta

leucocitária mais comum. O tratamento com corticosteroide exógeno ou sua liberação endógena resulta em
leucograma com múltiplas alterações. Linfopenia é a alteração mais consistente e geralmente é acompanhada de
neutrofilia madura. Esperam­se alterações como monocitose e eosinofilia, porém são mais variáveis. Neutrofilia
deve­se à menor adesão da célula ao endotélio vascular, fato que inibe sua marginação e prolonga o tempo de
circulação. Como resultado, os neutrófilos podem se tornar hipersegmentados. Também, pode haver maior
liberação de neutrófilos pela medula óssea. Com frequência, essa resposta é erroneamente interpretada como
inflamatória.
EXCITAÇÃO OU REAÇÃO À EPINEFRINA: Leucocitose pode ser decorrência de exercício ou de excitação; essa
resposta é induzida pelo aumento do teor de epinefrina, que provoca a transferência de leucócitos marginais para
o compartimento circulante. O efeito da excitação pode duplicar a contagem de leucócitos em minutos. Além
disso, a contração esplênica libera leucócitos e hemácias na circulação periférica. Em geral, a leucocitose deve­
se à neutrofilia madura, sem desvio à esquerda. Também, pode ocorrer linfocitose, especialmente em equinos e
gatos jovens. O efeito em gatos é frequentemente detectado na forma de linfocitose evidente – tão elevada
quanto o dobro do limite superior da faixa de normalidade. A resposta à excitação é relativamente rara em cães.
REAÇÃO INFLAMATÓRIA: A resposta dos neutrófilos sanguíneos à doença inflamatória é altamente variável e
dinâmica. É melhor considerada como um equilíbrio entre o consumo tecidual e a produção de neutrófilos na
medula óssea, em todas as fases da resposta. Entre as espécies, há importantes diferenças nesse equilíbrio, as
quais estão relacionadas com a reserva orgânica de neutrófilos e com a capacidade proliferativa da medula.
No início da resposta inflamatória, a medula óssea reage mediante a liberação de sua reserva de neutrófilos
em estágio final de maturação ao sangue, inclusive as células mais jovens que acompanham o desvio à
esquerda. Se, na fase aguda, o consumo de neutrófilos exceder a liberação da medula, ocorre neutropenia com
marcante desvio à esquerda. Em cães e gatos, isso indica lesão inflamatória bastante intensa que,
historicamente, é denominada desvio à esquerda degenerativo. No entanto, classificação absoluta de
“degenerativo” não deve ser enfatizada na interpretação. O mais importante é que a neutropenia com desvio à
esquerda deve ser prontamente considerada uma grave doença inflamatória em cães e gatos.
Subsequentemente, demora 2 a 4 dias para a medula acelerar a produção de neutrófilos mediante maior
ingresso de células–tronco e expansão de estágios proliferativos que suprem os estágios de maturação e
aumentam a liberação de neutrófilos no sangue. Em cães, espera­se neutrofilia discreta a moderada na fase
aguda da resposta inflamatória, com desvio à esquerda proporcional à intensidade da demanda.
Após alguns dias, verifica­se produção acelerada de neutrófilos. A neutrofilia pode aumentar e ser
acompanhada de desvio à esquerda e alteração tóxica. À medida que a inflamação se torna crônica, o equilíbrio
entre maior produção medular e consumo de células pode favorecer o desenvolvimento de neutrofilia de maior
magnitude. A forma mais crônica, instalada há semanas ou meses, é considerada uma reação inflamatória de
“cavidade fechada”. A lesão torna­se um tanto encapsulada e, assim, consome menos neutrófilos, ainda que
estimule a produção máxima da medula. Bons exemplos de inflamação de cavidade fechada são piometra, em
cadelas, e reticuloperitonite traumática (doença do corpo estranho metálico), em vacas. Nesses casos, a
magnitude da contagem total de leucócitos pode ser tão elevada quanto 100.00 células/μL de sangue, em cães,
decorrente de neutrofilia.
Ao contrário da resposta inflamatória em cães, nos bovinos e na maioria dos outros ruminantes há uma
reserva relativamente baixa de neutrófilos na medula e menor capacidade para acelerar a granulopoese. Isso se
reflete em uma contagem relativamente baixa de neutrófilos no sangue de ruminantes. Como resultado, a
inflamação aguda em vacas caracteriza­se por neutropenia, que pode ser marcante. Portanto, em bovinos a
neutropenia não revela o grau de gravidade da inflamação. Após vários dias, a resposta da medula pode
estabelecer o retorno de neutrófilos ao sangue, em quantidade moderada, caracterizada por marcante desvio à
esquerda e alteração tóxica. Isso pode permitir a definição de desvio à esquerda degenerativo, mas não é
possível definir a gravidade da inflamação em bovinos. Lesões inflamatórias crônicas de cavidade fechada estão
associadas a neutrofilia que raramente excede 25.000 neutrófilos/μL de sangue.
Gatos e equinos apresentam resposta intermediária; quanto à resposta inflamatória, os gatos parecem­se mais
aos cães, e os equinos parecem­se mais com os bovinos. Os suínos manifestam resposta inflamatória semelhante
àquela de cães.
No padrão inflamatório, é possível haver monocitose em qualquer estágio de sua evolução. Monocitose é
mais provável e de maior magnitude quando a doença se torna crônica.
PADRÕES INFLAMATÓRIO E ESTEROIDE COMBINADOS: Doenças inflamatórias comumente induzem uma

resposta esteroide endógena concomitante, identificada pela presença de linfopenia associada a um padrão
inflamatório neutrofílico. A resposta neutrofílica à inflamação predomina e pode ser aditiva à influência dos
esteroides nos neutrófilos.
LINFOCITOSE: Linfocitose moderada, na faixa de 7.000 a 20.000/μL, deve ser prontamente considerada possível
resposta à excitação, particularmente em gatos. Caso tal condição seja excluída, deve­se considerar a
possibilidade de distúrbio linfoproliferativo. Se o exame morfológico dos linfócitos revelar prolinfócitos e/ou
blastócitos, deve­se considerar leucemia linfocítica na interpretação. Quando as células se apresentam pequenas
e com cromatina de aparência normal, a possibilidade de leucemia linfocítica crônica deve ser considerada na
lista de diagnósticos. A erliquiose crônica pode resultar em linfocitose de tal magnitude em cães. Em valor mais
elevado, a linfocitose pode ser considerada como evidência conclusiva de leucemia.
PADRÃO DE DANO À CÉLULA-TRONCO E PANCITOPENIA: Vários fatores podem provocar dano reversível ou
irreversível à célula­tronco. Essas anormalidades interferem na produção de células eritroides, plaquetas,
linfócitos e granulócitos. Neutropenia frequentemente é a primeira anormalidade observada em razão de seu
breve tempo na circulação. Quando crônico ou irreversível, esse dano resulta na diminuição das três principais
linhagens de células do sangue, e o hemograma revela leucopenia, anemia não regenerativa e trombocitopenia.
Os fatores etiológicos incluem: 1) sobredose de radiação e de medicamentos antineoplásicos; 2) intoxicação por
medicamentos ou plantas (p. ex., intoxicação por estrógenos em cães, intoxicação por broto de samambaia em
bovinos, intoxicação por fenilbutazona, exceto em equinos); 3) neoplasia de célula hematopoética envolvendo a
medula óssea (mieloftise) e 4) infecções virais que lesionam células capazes de se multiplicar rapidamente e que
podem causar neutropenia transitória (Tabela 3).
EOSINOFILIA E BASOFILIA: Eosinofilia ou a combinação de eosinofilia e basofilia prontamente faz pensar nas
seguintes possibilidades, na abordagem e na interpretação do caso: inflamação secundária à reação alérgica,
infestação parasitária, inflamação subepitelial (pele, tratos respiratório e gastrintestinal), possivelmente de
natureza alérgica e indução paraneoplásica, quando se excluem as causas comuns. A maioria dos cães com
dirofilariose pode apresentar eosinofilia, bem como cães e gatos infestados por pulgas.
METARRUBRICITOSE MARCANTE: Ocasionalmente, o metarrubrícito torna­se componente importante na fração
total de células nucleadas. A magnitude pode corresponder a 10 a 50% da população de células nucleadas, ou
mais, com números absolutos de 5.000 a 10.000/μL. Isso pode ocorrer raramente nas fases iniciais de uma
resposta regenerativa intensa. Também, pode estar associada a lesão endotelial (p. ex., termoplegia), resultando
em taxa de liberação anormal de nHe pela medula. Nos hemocitômetros que fornecem contagem diferencial das
células, a maior parte das hemácias é contada como se fossem linfócitos. Isso pode ocasionar um resultado
preliminar de linfocitose, que é esclarecido apenas no exame da população de linfócitos no esfregaço sanguíneo.

Tabela 3 – Infecções virais que podem causar neutropenia transitória

Espécie Infecção

Cães Parvovírus
Cinomose canina (fase aguda)
Gatos Parvovírus (panleucopenia do gato)
Vírus da leucemia felina
Equinos Influenza equina
Arterite viral equina (fase aguda)
Herpes­vírus equino
Gado Diarreia viral bovina
Suínos Vírus dxa febre suína clássica
Vírus da febre suína africana

NEOPLASIA DE CÉLULA HEMATOPOÉTICA E A maioria dos casos de neoplasia de célula


LEUCEMIA:

hematopoética de origem linfoide ou da medula óssea é acompanhada de alguma quantidade de células


anormais no sangue. Às vezes, nota­se pequena quantidade de células neoplásicas detectadas somente no exame
microscópico do esfregaço sanguíneo em pequeno aumento. Achados anormais de pequena quantidade de
células hematopoéticas precursoras no sangue induzem ao exame da medula e/ou de outros tecidos
hematoipoéticos para avaliação de possível envolvimento de doença neoplásica.
O extremo oposto é leucocitose marcante com predominância de população celular anormal (neoplásica).
Nessa situação, o exame de sangue tem valor diagnóstico para leucemia. Quando pouco diferenciadas, as células
são classificadas como blastócitos, com possível linhagem celular, com base nas suas características
morfológicas. Quando bem diferenciadas, geralmente os aspectos morfológicos das linhagens celulares são mais
definidos.
Tem­se obtido progresso considerável no uso de anticorpos monoclonais marcados e exame citométrico para
melhor estabelecer a linhagem celular, particularmente quando a morfologia não é definida. Isso é
especialmente útil nas leucemias pouco diferenciadas, nas quais apenas a análise morfológica não é confiável.
Pode ser difícil a distinção entre leucemia mielógena crônica ou bem diferenciada e leucocitose neutrofílica
extrema.

ERITROCITOSE E POLICITEMIA

Eritrocitose é o aumento relativo ou absoluto da quantidade de hemácias circulantes, resultando em aumento do


VG acima da faixa de variação normal. Policitemia é um termo frequentemente utilizado como sinônimo de
eritrocitose; contudo, policitemia pode implicar leucocitose e trombocitose, bem como eritrocitose.

ERITROCITOSE RELATIVA

É o aumento da quantidade de hemácias, sem aumento da massa eritrocitária total. Em geral, é decorrente da
perda de volume plasmático e consequente hemoconcentração, como acontece na desidratação grave que ocorre
em casos de vômito e diarreia. Pode­se notar também uma forma transitória de eritrocitose relativa discreta não
assintomática em cães quando reações ao medo ou excitação provocam contração esplênica com liberação de
hemácias na circulação sanguínea.

ERITROCITOSE ABSOLUTA

É definida como o aumento da quantidade de hemácias por conta do aumento da massa eritrocitária; a causa
pode ser primária ou secundária. Eritrocitose primária (policitemia vera) é uma doença mieloproliferativa de
causa desconhecida relatada em cães, gatos, bovinos e equinos. A produção de hemácias aumenta
acentuadamente, enquanto a atividade sérica de eritropoetina (EPO) tipicamente é baixa ou no menor valor da
faixa de normalidade. Eritrocitose secundária, ao contrário, deve­se, em geral, à produção excessiva de EPO.
Quando a EPO é secretada por causa da hipoxia sistêmica, a eritrocitose resultante é uma resposta
compensatória adequada. Isso pode ser notado no caso de doença pulmonar grave ou anomalia cardíaca,
resultando em desvio (shunt) de sangue do lado direito para o esquerdo, com passagem secundária aos pulmões
(p. ex., persistência do ducto arterioso reverso, tetralogia de Fallot). Caso ocorra aumento da produção de EPO
sem hipoxia sistêmica, então a resposta é inadequada. Tumores secretores de EPO, nos rins ou em outros
órgãos, ou lesões renais não neoplásicas que resultam em hipoxia local com produção de EPO podem provocar
eritrocitose inapropriada. Outro tipo de eritrocitose secundária, denominada eritrocitose associada à
endocrinopatia, não é causada pela EPO, e sim por outros hormônios (p. ex., cortisol, andrógeno, tiroxina,
hormônio do crescimento) que estimulam a eritropoese. A discreta eritrocitose verificada em cães com
hiperatividade adrenocortical ou em gatos com hipertireoidismo ou acromegalia não é suficiente para ocasionar
sinais clínicos.

ACHADOS CLÍNICOS

Os sintomas de eritrocitose absoluta incluem membranas mucosas avermelhadas, tendências a sangramento,


poliúria, polidipsia e anormalidades neurológicas (ataxia, fraqueza, convulsões, cegueira, alterações de
comportamento). Podem­se visualizar, mediante exame de retina, vasos tortuosos dilatados. Esses achados
clínicos são atribuídos à hiperviscosidade decorrente do aumento da massa eritrocitária.

DIAGNÓSTICO

Na eritrocitose relativa, a desidratação e a hemoconcentração podem ser detectadas com base nos achados
clínicos (perda da umidade das membranas mucosas, ausência de turgor cutâneo), nos resultados de exames
laboratoriais (hiperproteinemia, azotemia pré­renal) e na resposta à reidratação. Os cães indóceis com
eritrocitose discreta atribuída à contração esplênica costumam apresentar VG normal nas amostras de sangue
coletadas subsequentemente em situação de menos estresse. Animais de raças Sighthound (p. ex., Greyhound)
normalmente apresentam ligeira eritrocitose, com base na faixa de variação normal de referência para cães.
Na eritrocitose absoluta, recomenda­se a determinação da concentração sérica de EPO para verificar se a
causa é primária ou secundária. Infelizmente, há considerável sobreposição dos valores de EPO em animais
normais e naqueles com eritrocitose primária e secundária. Ademais, atualmente há disponibilidade limitada de
testes validados para EPO para animais de companhia. Exame de rotina de medula óssea não tem valor na
diferenciação de eritrocitose primária de secundária, pois ambas as condições são acompanhadas de hiperplasia
eritroide. Em consequência disso, em geral a eritrocitose primária é diagnosticada mediante a exclusão de
causas secundárias.
A determinação da oxigenação tecidual pode ser útil na pesquisa dos tipos de eritrocitose secundária. Valor de
pO2 do sangue arterial < 80 mmHg e saturação de oxigênio verificada na oximetria de pulso < 90 a 95% são
compatíveis com hipoxemia e hipoxia tecidual decorrente de eritrocitose secundária apropriada. Exame de
coração e pulmões por meio de auscultação, radiografias, eletrocardiografia e ecocardiografia pode revelar a
causa primária. Pode ser necessário angiografia seletiva ou ecoaortrografia contrastada a fim de confirmar
desvio (shunt) cardíaco da direita para a esquerda. Não havendo hipoxia sistêmica, a localização da fonte
potencial de produção inapropriada de EPO é facilitada por exames físico e neurológico, ultrassonografia
abdominal, urografia IV e tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM).

TRATAMENTO

Na eritrocitose relativa decorrente de desidratação, a terapia consiste em reidratação com fluidos IV e


tratamento da causa primária.
O tratamento inicial para policitemia vera c?onsiste em flebotomia (5 a 20 mL/kg para reduzir o VG para
cerca de 50 a 60%), com reposição de fluido simultânea. Tem­se recomendado flebotomia periódica, com ou
sem administração de hidroxiureia (30 mg/kg/dia VO, por 7 a 10 dias, seguida de ajuste para 15 mg/kg/dia VO),
aos cães e aos gatos acometidos. Durante o tratamento com hidroxiureia, devem ser monitoradas as contagens
de hemácias, leucócitos e plaquetas.
Na eritrocitose secundária inapropriada, os tumores secretores de EPO devem ser tratados por meio de
cirurgia, quimioterapia ou radioterapia. A flebotomia, para normalizar o VG, ajuda a reduzir a hiperviscosidade.
Na eritrocitose secundária apropriada, a causa primária deve ser tratada. Caso o tratamento corretivo da
enfermidade não seja exequível, podem­se aliviar os sinais clínicos associados à hiperviscosidade mediante
flebotomia criteriosa (5 a 10 μL/kg) e terapia com hidroxiureia. No entanto, como esse tipo de eritrocitose é
uma resposta compensatória à hipoxia, o VG deve ser mantido em valor acima da faixa de variação normal.

GRUPOS SANGUÍNEOS E TRANSFUSÕES

Os grupos sanguíneos são determinados por componentes antigênicos polimórficos da membrana da hemácia,
geneticamente controlados. Os produtos de alelos de um locus genético particular são classificados como
sistemas de grupo sanguíneo. Alguns desses sistemas são muito complexos, com vários alelos definidos em um
locus; outros consistem em um único antígeno. Os sistemas de grupos sanguíneos, em geral, são independentes
entre si, e sua herança considera a dominância mendeliana. No caso dos sistemas de grupos sanguíneos
polimórficos, geralmente o animal herda um alelo de cada pai e, consequentemente, expressa não mais que dois
antígenos de grupos sanguíneos de um determinado sistema. Uma exceção ocorre em bovinos, que herdam
alelos múltiplos ou “fenogrupos”. Normalmente, um indivíduo não possui anticorpos contra qualquer um dos
antígenos presentes em suas próprias hemácias ou contra outros antígenos de grupo sanguíneo dos sistemas
dessa espécie, a menos que tenham sido induzidos por transfusão, prenhez ou imunização. Em pessoas e em
alguns animais (ovinos, vacas, suínos, equinos, gatos e cães), é possível verificar isoanticorpos considerados “de
ocorrência natural”, não induzidos por transfusão ou prenhez, com títulos variáveis, porém detectáveis. Por
exemplo, gatos do grupo B com anticorpos anti­A de ocorrência natural. Também, os anticorpos circulantes
contra antígenos de grupos sanguíneos de animais podem ser induzidos por transfusão. Nas transfusões
sanguíneas aleatórias em cães, o risco de sensibilização do receptor é de 30 a 40%, principalmente ao grupo
sanguíneo DEA 1. Nos equinos, pode ocorrer imunização transplacentária da égua por um antígeno fetal
incompatível herdado do pai. A imunização também pode ocorrer quando se utilizam alguns produtos
sanguíneos homólogos, como vacinas (p. ex., contra anaplasmose, em bovinos).
O número dos principais sistemas de grupos sanguíneos reconhecidos (Tabela 4) varia entre as espécies de
animais domésticos, sendo os bovinos os mais complexos e os gatos os mais simples. Em animais, deve­se
realizar a tipagem dos grupos sanguíneos a fim de auxiliar na comparação de doadores e receptores e identificar
os pares de reprodutores com risco potencial de transmitir doença hemolítica a suas crias. Como a expressão de
antígenos de grupos sanguíneos é geneticamente controlada e os modos de herança são conhecidos, esses
sistemas também podem ser utilizados para comprovar a qualidade racial da prole de bovinos e equinos; no
entanto, na maioria dos casos, o teste de ácido desoxirribonucleico (DNA) substitui a tipagem sanguínea como
teste de paternidade.

Tipagem Sanguínea

Os antissoros utilizados para identificar os grupos sanguíneos (reagentes de tipagem) geralmente são produzidos
como soros isoimunes. Suas características sorológicas in vitro variam com a espécie. Muitos reagentes são
hemaglutininas; outros são hemolíticos e requerem um complemento para completar a reação sorológica, como
no caso dos bovinos (porque as hemácias não se aglutinam facilmente) e equinos (nos quais o empilhamento de
hemácias é um problema). Outros reagentes de tipagem, não hemaglutinantes ou hemolíticos, combinam­se com
os antígenos das hemácias em uma reação “incompleta”, porque necessitam de sítios de combinação adicionais
para aglutinar outras hemácias; é necessária a adição de antiglobulinas espécie­específicas para a aglutinação.
Tabela 4 – Principais grupos sanguíneos de interesse clínico

Espécies Grupo sanguíneo

Canina DEA 1.1 e 7


Felina A, B, mic
Equina A, C, Q
Bovina B, J
Ovina B, R

A diversidade de grupos sanguíneos nos animais e a falta de reagentes para tipagem sanguínea disponíveis no
mercado dificultam a realização de testes completos de tipagem e de reação cruzada, mas não devem impedir o
uso clínico das transfusões. Em equinos e cães, os antígenos de grupos sanguíneos mais comumente envolvidos
na ocorrência de incompatibilidade à transfusão são conhecidos. A seleção de animais doadores que não
apresentam esses grupos ou que são semelhantes àquele do receptor pode minimizar o risco de sensibilização do
receptor aos principais antígenos.

Reação Cruzada

A possibilidade de identificação dos antígenos de grupos sanguíneos em um receptor potencial de transfusão é


limitada pela disponibilidade de reagentes para cada antígeno, para cada espécie. Apenas há disponibilidade de
reagentes para alguns antígenos, geralmente aqueles que muito provavelmente sensibilizam um receptor, ou
aqueles para os quais pode haver anticorpos de ocorrência natural. Por exemplo, os cães apresentam mais de 12
sistemas de grupos sanguíneos, mas, em geral, faz­se a tipagem apenas de um (DEA 1.1). Recentemente,
descobriu­se um antígeno de grupo sanguíneo adicional (dal) quando uma cão da raça Dálmata dal­negativo
reagiu a vários doadores potenciais, sendo apenas alguns animais da raça Dálmata compatíveis. É um antígeno
comum à maioria dos cães, mas não observado em alguns cães da raça Dálmata. Como há múltiplos antígenos
de grupos sanguíneos, é provável que um animal que receba transfusão seja exposto a alguns antígenos não
presentes em suas hemácias.
Receptores previamente sensibilizados podem ser identificados por meio do teste de reação cruzada, realizado
com o intuito de evitar a administração de sangue incompatível. Nos EUA, mais de 99% dos gatos apresentam
grupo sanguíneo tipo A; assim, é baixo o risco de transfusão incompatível. No entanto, algumas raças, incluindo
Abissínio, Birman, Bristish Shorthair, Devon Rex, Himalaia, Persa, Scottish Fold e Somali, apresentam maior
frequência de grupo sanguíneo tipo B. Qualquer transfusão incompatível em gatos ocasiona rápida destruição
das células transfundidas; desse modo, antes de qualquer transfusão, devem ser realizadas tipagem e teste de
reação cruzada. Um antígeno recentemente identificado em gatos (mic) está presente em alguns deles; em gatos
que não apresentam o antígeno mic, notam­se anticorpos de ocorrência natural. Por essa razão, antes da primeira
transfusão em gatos, deve­se realizar o teste de reação cruzada, mesmo que recebam sangue compatível A ou B.
O teste de reação cruzada direta, com controle apropriado, é efetivo em todas as espécies. A reação cruzada
principal ou maior detecta anticorpos já presentes no plasma do receptor que podem induzir reação hemolítica
quando se faz transfusão de hemácias do doador; não detecta o risco de ocorrência de sensibilização. Adiciona­
se um anticoagulante (citrato ou edetato de cálcio dissódico) nas amostras de sangue do doador e do receptor; as
hemácias do doador devem ser lavadas com solução salina a 0,9%, por três vezes, obtendo­se uma suspensão de
hemácias a 4% em solução salina, com as células lavadas. A reação cruzada principal consiste na combinação
de iguais volumes (0,1 mL) de suspensão de hemácias do doador e plasma do receptor. O tubocontrole contém
hemácias e plasma do receptor. As amostras são incubadas, centrifugadas e avaliadas quanto à hemólise ou à
aglutinação. A hemólise é avaliada comparando­se a cor do sobrenadante da amostra­teste com aquela da
amostra­controle. Em seguida, cada amostra é agitada cuidadosamente até que todas as células precipitadas
misturem­se novamente à suspensão. Novamente, deve­se comparar o grau de aglutinação celular da amostra­
teste com aquele da amostra­controle. O teste é considerado negativo, ou compatível, quando o plasma
apresenta­se claro e as hemácias são suspensas rapidamente. O teste positivo, ou incompatível, pode mostrar
hemólise e/ou hemaglutinação. Todos os testes considerados macroscopicamente negativos para hemaglutinação
devem ser confirmados no exame microscópico, em pequeno aumento. Há disponibilidade de alguns sistemas
de reação cruzada mais modernos que utilizam técnica com gel. Isso é particularmente importante em equinos,
pois suas hemácias tendem a se empilhar.
A reação cruzada menor é o inverso da reação cruzada principal, ou seja, as células do receptor combinam­
se com o plasma do doador. A reação cruzada menor é importante apenas nas espécies que apresentam
isoanticorpos de ocorrência natural ou quando o doador recebeu transfusão prévia ou em éguas com prenhez
anterior.
Transfusões Sanguíneas

Com frequência, a necessidade de transfusão sanguínea é emergencial, como no caso de hemorragia ou


hemólise aguda; as transfusões também são indicadas para o tratamento de anemias agudas ou crônicas.
Geralmente os animais com distúrbios hemostáticos necessitam de repetidas transfusões de sangue total,
hemácias, plasma ou plaquetas. A transfusão sanguínea deve ser realizada com cuidado por conta do risco de
reações adversas no receptor.
Com frequência, o sangue total não é o produto ideal a ser administrado. Quando há necessidade de
restabelecer a capacidade de transporte de oxigênio do sangue, a transfusão de hemácias é mais apropriada; caso
haja necessidade de reposição da volemia, podem–se utilizar soluções cristaloides ou coloides, adicionando­se
solução de hemácias, quando indicado. A quantidade de plaquetas aumenta rapidamente após hemorragia, sendo
raramente necessária sua reposição. As concentrações de proteínas plasmáticas equilibram­se com aquelas do
espaço intersticial, não sendo necessário o uso de plasma, exceto no caso de hemorragia grave (> 1 volume do
sangue em 24 h). Os animais que necessitam de fatores de coagulação beneficiam­se mais com a administração
de plasma congelado fresco ou crioprecipitado, se a necessidade for especificamente do fator VIII, do fator de
von Willebrand ou de fibrinogênio. Os concentrados de plaquetas ou o plasma rico em plaquetas podem ser
úteis no caso de trombocitopenia, embora a trombocitopenia imunomediada geralmente não responda à
administração de plaquetas, porque essas células são rapidamente removidas pelo baço.
A decisão sobre a realização de transfusão de hemácias baseia­se nos sinais clínicos manifestados pelo
paciente, não pelo volume globular (VG) pré­estabelecido. Os animais com anemia aguda apresentam fraqueza,
taquicardia e taquipneia em VG mais elevado do que aquele de animais com anemia crônica. A quantidade de
hemácias necessária para melhorar os sinais clínicos geralmente aumenta o VG em mais de 20%. O volume de
sangue em animais domésticos corresponde a 7 a 9% de seu peso corporal; em gatos, o volume é ligeiramente
menor, ao redor de 6,5%. Pode­se calcular o volume de reposição de hemácias necessário por meio da
determinação do volume sanguíneo do receptor e do conhecimento do VG do animal. Por exemplo, o volume de
sangue total de um cão de 25 kg é cerca de 2.000 ?mL; com VG de 15%, o volume de hemácias é 300 mL; caso
o VG aumente em 20%, tem­se um volume de hemácias de 400 mL. Portanto, são necessários 100 mLde
hemácias ou 200 mLde sangue total (com VG de 50%) para aumentar o VG do receptor para um percentual
desejado. Esses cálculos não consideram nenhuma perda simultânea de hemácias por hemorragia ou hemólise.
Não se recomenda coletar mais que 25% do sangue de um animal doador, em cada vez.
Coleta, armazenamento e transfusão de sangue devem ser procedimentos assépticos. O anticoagulante de
escolha é adenina­dextrose­fosfato­citrato (CPDA­1). No mercado, há disponibilidade de bolsas de sangue que
contêm quantidade apropriada de anticoagulante para uma “unidade” (500 mL). Não se deve utilizar heparina
como anticoagulante, pois sua meia­vida é mais longa no receptor e causa ativação plaquetária; ademais, o
sangue heparinizado não pode ser armazenado.
O sangue coletado em CPDA­1, com a solução de nutriente Adsol, pode ser armazenado seguramente em
temperatura de 4°C, durante 4 semanas. Caso esse sangue não seja utilizado imediatamente, o plasma pode ser
removido e congelado para uso posterior como fonte de fatores de coagulação ou de albumina, nos casos de
hipoalbuminemia aguda reversível. O plasma deve ser congelado a –20 a –30°C, dentro de 6 h após a coleta, a
fim de assegurar que o teor do fator de coagulação VIII permaneça adequado durante 1 ano. A hipoproteinemia
crônica não melhora com a administração de plasma, pois o déficit corporal total de albumina é tão grande que
pode não se alterar com a pequena quantidade da proteína presente no plasma. Soluções coloides, como
hetamilo, são mais efetivas no tratamento de hipoalbuminemia. Albumina humana foi utilizada em cães; no
entanto, o risco de reação alérgica ou de sensibilização é significante.
RISCOS DA TRANSFUSÃO: O risco mais sério da transfusão é hemólise aguda. Felizmente, isso é raro em
animais domésticos. Os cães raramente apresentam teor de anticorpos pré­formados clinicamente relevantes, de
forma que somente os que receberam repetidas transfusões apresentam risco. A reação hemolítica mais comum
nos cães que receberam transfusões múltiplas é hemólise retardada, clinicamente notada como menor sobrevida
das hemácias transfundidas e teste de Coombs positivo. Mesmo as hemácias consideradas compatíveis no teste
de reação cruzada, administradas a equinos ou bovinos, permanecem viáveis por apenas 2 a 4 dias. Transfusões
repetidas podem causar hemólise aguda. Dentre as causas não imunes de hemólise, incluem­se coleta ou
separação inapropriada do sangue, congelamento ou superaquecimento das hemácias e infusão sob pressão com
agulha de pequeno calibre.
Outras complicações incluem sepse decorrente da transfusão de sangue contaminado, hipocalcemia causada
por excesso de citrato e hipervolemia (especialmente em animais com doença cardíaca preexistente ou naqueles
muito pequenos). Ocasionalmente, notam­se urticária, febre ou vômito. Por meio de transfusão, também se pode
transmitir doença do doador para o receptor, como hemoparasitos (p. ex., Mycoplasma em gatos ou Babesia em
cães) e vírus (p. ex., retrovírus em gatos, equinos ou bovinos). Outras doenças, como aquelas causadas por
riquétsias ou outras bactérias, também podem ser transferidas quando o doador apresenta bacteriemia.
Substitutos do Sangue: Soluções Carreadoras de Oxigênio que Contêm Hemoglobina

Em razão dos problemas associados à dificuldade de encontrar doadores compatíveis e com a transmissão de
doença durante a transfusão, continuamente têm­se realizado pesquisas relacionadas com a obtenção de
substituto de hemácias há mais de 50 anos. Um substituto do sangue deve transportar e liberar oxigênio à
semelhança das hemácias, ser facilmente produzido em grande quantidade, não ter efeito antigênico e
permanecer na circulação por tempo suficiente para a renovação.
Recentemente foi aprovado um carreador de oxigênio que contém hemoglobina de origem bovina para uso
em cães (Oxyglobin®). A hemoglobina é coletada assepticamente, filtrada de modo a remover todos os
elementos do estroma das hemácias e polimerizada para possibilitar que o produto permaneça na circulação
sanguínea por uma meia­vida aproximada de 36 h. Esse produto mostrou–se eficiente no transporte e na
liberação de oxigênio, pode ser utilizado imediatamente sem necessidade de tipagem ou teste de reação cruzada
e tem vida útil de 3 anos em temperatura ambiente. Como a estrutura da molécula da hemoglobina é similar
entre as espécies, o efeito antigênico da hemoglobina bovina é mínimo. Embora atualmente aprovado apenas
para uso em cães, tem sido utilizado em gatos, equinos, lhamas, aves e pessoas. Seu efeito coloidal é
especialmente útil na reanimação após traumatismo com hemorragia aguda.
Em animais sadios, a hemoglobina das hemácias capta oxigênio dos pulmões e o deposita nos tecidos por
meio da microcirculação capilar. Apenas uma pequena quantidade de oxigênio pode ser transportada dissolvida
no plasma. No animal anêmico, a hemoglobina contida na hemácia torna­se completamente saturada de
oxigênio, mas a oxigenação tecidual é inadequada simplesmente porque há menor quantidade de hemácias. No
caso de hipotensão, hipovolemia ou isquemia tecidual localizada, a liberação de oxigênio pode ser
adicionalmente prejudicada pela constrição ou diminuição da perfusão capilar. Caso se administre a solução de
hemoglobina, o conteúdo de oxigênio do plasma melhora e a distribuição de oxigênio é facilitada porque o
oxigênio já está em contato com o endotélio e apenas tem que se difundir aos tecidos. Como a viscosidade do
sangue é menor após a transfusão de hemoglobina, em comparação com o mesmo volume de sangue, a perfusão
nos pequenos capilares é melhor. Uma preocupação com as soluções de hemoglobina é que o óxido nítrico é
sequestrado e removido pelo produto. Paradoxalmente, isso pode provocar vasoconstrição e diminuir a liberação
de oxigênio aos tecidos isquêmicos.

HEMOPARASITOS

ANAPLASMOSE

A anaplasmose, anteriormente conhecida como doença da bile, refere­se tradicionalmente a uma doença de
ruminantes, causada por uma bactéria intraeritrocitária obrigatória da ordem Rickettsiales, família
Anaplasmataceae, gênero Anaplasma. Bovinos, ovinos, caprinos, búfalos e alguns ruminantes selvagens podem
ser infectados por Anaplasma eritrocítico. A anaplasmose ocorre em regiões tropicais e subtropicais (cerca de
40°N a 32°S), incluindo Américas do Sul e Central, EUA, Sul da Europa, África, Ásia e Austrália.
O gênero Anaplasma também inclui Anaplasma phagocytophilum (compilado de espécies anteriormente
conhecidas como Ehrlichia phagocytophila,E. equi e agente da erliquiose granulocítica humana, ver p. 824), A.
bovis (anteriormente E. bovis) e A. platys (anteriormente E. platys), os quais invadem as células do sangue de
seus respectivos hospedeiros mamíferos. A anaplasmose bovina é de importância econômica na criação
industrial de bovinos.
ETIOLOGIA: A anaplasmose bovina clínica geralmente é causada por A. marginale. A. marginale com apêndice é
denominado A. caudatum, mas não é considerada uma espécie diferente. Os bovinos também são infectados por
A. centrale, que geralmente resulta em uma doença discreta. A. ovis pode causar doença discreta a grave em
ovinos, cervídeos e caprinos. Há relato recente de infecção de bovino por A. phagocytophilum; no entanto, a
infecção natural é rara e não provoca doença clínica.
TRANSMISSÃO E EPIDEMIOLOGIA: Relata­se a existência de até 19 espécies de carrapatos (incluindo Boophilus,
Dermacentor, Rhipicephalus, Ixodes, Hyalomma e Ornithodoros) que atuam como vetores na transmissão de
Anaplasma spp. Provavelmente, nem todas essas espécies são vetores importantes no campo; ademais, tem­se
mostrado que cepas de A. marginale também se desenvolvem, em parte, em cepas específicas de carrapatos. As
espécies de Boophilus são vetores importantes na Austrália e na África. Já as de Dermacentor são consideradas
vetores importantes nos EUA. Depois de se alimentar de um animal infectado, pode ocorrer transmissão intra ou
transestadial. Também pode haver transmissão transovariana, embora raramente, mesmo nas espécies de
Boophilus de um único hospedeiro. Há um ciclo de replicação no carrapato infectado. Em algumas regiões,
ocorre transmissão mecânica pela picada de dípteros. Há relato de transmissão transplacentária, geralmente
associada a infecção aguda da mãe no segundo ou no terceiro trimestre de prenhez. A anaplasmose também
pode se disseminar mediante o uso de agulhas ou de material de descorna ou outros instrumentos cirúrgicos
contaminados.
Há uma forte relação entre a idade dos bovinos e a gravidade da doença. Os bezerros são muito mais
resistentes à doença (embora não à infecção) do que os bovinos mais velhos. Essa resistência não se deve a
anticorpos colostrais provenientes de mães imunes. Em áreas endêmicas, onde os bovinos primeiramente se
infectam com A. marginale no início da vida, as perdas ocasionadas por anaplasmose são mínimas. Depois da
recuperação da fase aguda da infecção, os bovinos permanecem cronicamente infectados e portadores do
parasito, mas, em geral, ficam imunes a uma doença clínica posterior. No entanto, esses bovinos cronicamente
infectados podem manifestar recidiva de anaplasmose quando imunodeprimidos (p. ex., pelo uso de
corticosteroides), quando infectados por outros parasitos ou após esplenectomia. Os portadores atuam como
reservatórios para transmissão posterior. Ocorrem perdas sérias quando os bovinos adultos, não expostos
previamente, são transferidos para áreas endêmicas ou para regiões endêmicas instáveis, quando as taxas de
transmissão são insuficientes para infectar todos os bovinos antes que alcancem a idade adulta mais suscetível.
ACHADOS CLÍNICOS: A anaplasmose geralmente é subclínica em animais < 1 ano de idade, sendo
moderadamente grave naqueles com 1 a 2 anos de idade. Já em animais mais velhos, é grave e frequentemente
fatal. A anaplasmose caracteriza­se por anemia progressiva decorrente da destruição extravascular de hemácias
infectadas ou não. O período pré­patente de A. marginale está relacionado diretamente com a dose infectante e,
tipicamente, varia de 15 a 36 dias (embora possa ser tão longo quanto 100 dias). Após o período pré­patente,
pode ocorrer anaplasmose hiperaguda (mais grave, porém rara), aguda ou crônica. A riquetsemia duplica­se em
intervalos de cerca de 24 h durante a fase de crescimento exponencial. Geralmente, 10 a 30% das hemácias
estão infectadas no pico da parasitemia, embora esse valor possa chegar a 65% ou mais. Os valores da contagem
de hemácias, do VG e dos teores de hemoglobina diminuem acentuadamente. Pode­se instalar anemia
macrocítica com reticulócitos circulantes no estágio final da doença.
Os animais com infecção hiperaguda sucumbem dentro de algumas horas após o início dos sinais clínicos.
Animais com infecção aguda depauperam­se rapidamente. A produção de leite diminui. Inapetência,
incoordenação, insuficiência respiratória quando submetidos a exercício e pulso rápido costumam tornar­se
evidentes nos estágios finais. A urina pode tornar­se amarronzada; mas, diferentemente do que acontece na
babesiose, não há hemoglobinúria. Próximo ao pico de parasitemia, ocorre resposta febril transitória, com
temperatura corporal que raramente excede 41°C. As membranas mucosas tornam­se pálidas e depois
amareladas. As vacas prenhes podem abortar. Os bovinos sobreviventes convalescem por várias semanas,
período no qual os parâmetros hematológicos retornam gradativamente ao normal.
As raças Bos indicus parecem mais resistentes à infecção por A. marginale do que as raças B. taurus, mas se
nota variação da resistência entre indivíduos da mesma raça, nas duas espécies. Diferenças na virulência entre
cepas de Anaplasma e grau e duração da riquetsemia também estão envolvidos na gravidade das manifestações
clínicas.
Lesões São típicas daquelas que ocorrem em animais com anemia causada por eritrofagocitose. As carcaças de
bovinos que morrem em razão de anaplasmose geralmente apresentam icterícia e palidez acentuadas. O sangue
perde a viscosidade e torna­se aquoso. Tipicamente, há aumento e amolecimento do baço, com folículos
proeminentes. O fígado pode apresentar aparência mosqueada e amarelo­alaranjada. Com frequência, a vesícula
biliar distende­se e contém bile espessa amarronzada ou verde. Os linfonodos hepáticos e mediastínicos tornam­
se amarronzados. Notam­se efusões serosas nas cavidades corporais, edema pulmonar, hemorragias petequiais
em epi e endocárdio e, com frequência, evidência de estase gastrintestinal grave. No exame microscópico de
órgãos reticuloendoteliais, nota­se fagocitose ampla e evidente de hemácias. Em geral, há uma quantidade
significativa de hemácias parasitadas depois da morte causada por infecção aguda.
DIAGNÓSTICO: A. marginale, juntamente com os hemoprotozoários Babesia bovis e B. bigemina, é o
microrganismo causador da febre do carrapato em bovinos. Essas três espécies de parasitos apresentam
distribuição geográfica semelhante, exceto nos EUA, onde se verifica anaplasmose na ausência de babesiose. O
exame microscópico de esfregaços sanguíneos finos e grossos corados pelo Giemsa é fundamental para
diferenciar anaplasmose de babesiose (ver a seguir) e de outras enfermidades que resultam em anemia e
icterícia, como leptospirose (p. 695) e teileriose (p. 60). Devem ser obtidas também amostras de sangue com
anticoagulante para exames hematológicos. Nos esfregaços sanguíneos finos corados pelo Giemsa, Anaplasma
spp aparece como corpúsculo de inclusão denso com 0,3 a 1μm de diâmetro, corado uniformemente de azul­
púrpura. O corpúsculo de inclusão de A. marginale geralmente se localiza na margem da hemácia infectada, ao
passo que o corpúsculo de inclusão de A. centrale situa­se mais ao centro. Não é possível distinguir A.
caudatum de A. marginale em esfregaços corados pelo Giemsa. Devem ser utilizadas técnicas de coloração
especiais para identificar essa espécie, com base na presença dos apêndices característicos do microrganismo.
Há relato de A. caudatum apenas na América do Norte e, possivelmente, deve ser uma forma de A. marginale, e
não uma outra espécie. Os corpúsculos de inclusão contêm 1 a 8 corpúsculos iniciais, com 0,3 a 0,4μm de
diâmetro, os quais correspondem às riquétsias individuais.
Os portadores de infecção crônica podem ser identificados com grau razoável de segurança por meio de testes
sorológicos que utilizam ELISA msp5, fixação de complemento ou teste de aglutinação em placa. Relata­se que
os métodos de detecção baseados no DNA são mais úteis como testes de diferenciação de espécies e cepas.
No momento da necropsia, devem ser preparados esfregaços sanguíneos de fígado, rins, baço, pulmões e
sangue periférico para exame microscópico.
TRATAMENTO: Para o tratamento, atualmente utilizam­se tetraciclinas e imidocarbe. Bovinos podem se tornar
livres da infecção com esses medicamentos e permanecerem resistentes à anaplasmose grave durante, no
mínimo, 8 meses.
A administração imediata de tetraciclinas (tetraciclina, clortetraciclina, oxitetraciclina, rolitetraciclina,
doxiciclina, minociclina) nos estágios iniciais da doença aguda (p. ex., VG > 15%) geralmente assegura
sobrevivência. Um tratamento comumente utilizado consiste em uma única injeção intramuscular (IM) de
oxitetraciclina de longa duração, na dose de 20 mg/kg. Transfusão de sangue com intuito de restabelecer
parcialmente o VG aumenta muito a sobrevida dos bovinos mais gravemente enfermos. O estado de portador
pode ser eliminado pela administração de oxitetraciclina de longa duração (20 mg/kg IM, no mínimo 2 injeções
com intervalo de 1 semana). Na maioria dos países, deve­se obedecer a um período de carência para a
tetraciclina. Prefere­se a aplicação da injeção no músculo do pescoço, em vez do músculo da região da garupa.
O imidocarbe também é muito efetivo contra A. marginale, com uma única injeção (como sal di­hidrocloreto,
na dose de 1,5 mg/kg, SC, ou de 3 mg de dipropionato de imidocarbe/kg). A eliminação do estado de portador
exige o uso de doses mais altas e repetidas de imidocarbe (p. ex., 5 mg/kg IM ou SC, em 2 aplicações do sal de
di­hidrocloreto, com intervalo de 2 semanas). Suspeita­se que o imidocarbe é carcinogênico; ademais, exige
longo período de carência e não está aprovado para uso nos EUA ou na Europa.
PREVENÇÃO: Na África do Sul, Austrália, Israel e América do Sul, a indução de infecção com A. centrale vivo
(oriundo da África do Sul) é utilizada como vacina, com intuito de propiciar aos bovinos proteção parcial contra
a doença causada por A. marginale. A vacina de A. centrale (dose única) ocasiona reações graves em alguns
bovinos. Nos EUA, país onde não é permitido o uso de vacinas vivas, as vacinas purificadas que contêm A.
marginale inativado, produzidas a partir de hemácias de bovinos infectados associadas a adjuvante, foram
utilizadas no passado, mas atualmente não estão disponíveis. A imunidade induzida pelo uso de várias doses de
vacina inativada protege bovinos da doença grave, mas esses animais ainda podem ser suscetíveis às cepas
heterólogas de A. marginale. Ocorrem casos de isoeritrólise em bezerros lactentes por conta da vacinação prévia
das mães com essa vacina preparada com material de hemácias de bovinos. A imunidade de longa duração
contra A. marginale é conferida pela pré–imunização com riquétsia viva, combinada com quimioterapia para
controlar reações graves. Há relato de uso de cepas atenuadas de A. marginale como vacina viva, com
ocorrência, também, de reações graves. Como alternativa à vacina viva, têm­se pesquisado cepas de A.
marginale cultivadas em células de carrapato. Também, há pesquisa de vacina com subunidades para controlar
anaplasmose bovina. Em algumas áreas, a eliminação ou o controle rigoroso e prolongado de artrópodes vetores
pode ser uma estratégia preventiva viável; contudo, em outras regiões, recomenda­se imunização.

BABESIOSE

É causada por protozoários intraeritrocitários do gênero Babesia. A doença, transmitida por carrapatos, acomete
ampla variedade de animais domésticos e selvagens e, ocasionalmente, as pessoas. Embora o principal impacto
econômico da babesiose ocorra na indústria bovina, a infecção de outros animais domésticos, inclusive equinos,
ovinos, caprinos, suínos e cães, assume grau variável de importância em todos os países.
Duas espécies importantes em bovinos – B. bigemina e B. bovis – estão disseminadas em países tropicais e
subtropicais e constituem o foco desta discussão. No entanto, como há muitas características comuns às doenças
causadas por diferentes cepas de Babesia, várias dessas informações podem ser aplicadas às outras espécies.
TRANSMISSÃO E EPIDEMIOLOGIA: Os principais vetores de Babesia bigemina e de B. bovis são carrapatos
Rhipicephalus (Boophilus) spp, hospedeiro 1, nos quais a transmissão ocorre por via transovariana. Embora os
parasitos possam ser facilmente transmitidos experimentalmente por meio de inoculação de sangue, na prática a
transmissão mecânica por insetos ou durante procedimentos cirúrgicos não é relevante. Também, há relato de
infecção intrauterina, mas a ocorrência é rara.
Nos carrapatos Rhipicephalus spp, os estágios sanguíneos do parasito são ingeridos durante o repasto, com a
ocorrência de multiplicação sexuada e assexuada na fêmea de carrapato ingurgitada, nos ovos infectados e nos
subsequentes estágios parasitários. A transmissão ao hospedeiro ocorre quando as larvas (no caso de B. bovis)
ou as ninfas e os adultos (no caso de B. bigemina) se alimentam. A porcentagem de larvas infectadas pode variar
de 0 a 50%, ou mais, dependendo, principalmente, do grau de parasitemia do hospedeiro no momento do
repasto das fêmeas. Em condições de campo, a taxa de transmissão de B. bigemina por carrapato geralmente é
maior do que aquela de B. bovis.
Nas áreas endêmicas, três características são importantes na determinação do risco de doença clínica: (1) os
bezerros apresentam grau de imunidade (relacionado com o teor de anticorpos colostrais e fatores específicos da
idade) que persiste por cerca de 6 meses; (2) os animais que se recuperam de infecção por Babesia geralmente
se tornam imunes por toda a vida comercial (4 anos) e (3) algumas raças de bovinos, p. ex., Bos indicus, são
inerentemente mais resistentes aos carrapatos e aos efeitos clínicos da infecção por Babesia. Desse modo, em
situação de alta taxa de transmissão por carrapatos, praticamente todos os bezerros recém­nascidos infectam­se
com Babesia até os 6 meses de idade, apresentando sintomas discretos, caso os tenham, e subsequentemente
tornam­se resistentes à infecção. Essa situação pode ser influenciada por redução natural (p. ex., climática) ou
artificial (p. ex., tratamento com acaricidas ou mudança da composição de raças do rebanho) na população de
carrapatos para taxas nas quais a transmissão de Babesia por carrapatos aos bezerros é insuficiente para infectar
todos eles durante esse período crítico inicial. As outras circunstâncias que podem ocasionar surtos de infecção
clínica incluem a introdução de bovinos suscetíveis em áreas endêmicas e a presença de carrapatos infectados
com Babesia em áreas anteriormente livres desses vetores. Notou­se variação do grau de imunidade em função
da cepa, mas provavelmente sem importância no campo.
ACHADOS CLÍNICOS E PATOGÊNESE: Em geral, a doença aguda dura cerca de 1 semana. O primeiro sinal é febre
(com frequência, 41°C ou mais), que persiste por todo o curso da doença; posteriormente, notam­se inapetência,
taquipneia, tremores musculares, anemia, icterícia e perda de peso. No estágio terminal, notam­se
hemoglobinemia e hemoglobinúria. Na infecção por B. bovis, pode haver envolvimento do sistema nervoso
central (SNC) em razão da aderência de hemácias parasitadas nos capilares cerebrais. Pode­se constatar
constipação intestinal ou diarreia. As vacas em final de prenhez podem abortar, e os touros podem apresentar
infertilidade temporária decorrente da febre transitória.
Na infecção por cepas virulentas de B. bovis, a síndrome de choque hipotensivo, combinada com inflamação
inespecífica generalizada, coagulopatias e estase de hemácias nos capilares, contribui na patogênese. Na maioria
das infecções por cepas de B. bigemina, os efeitos patogênicos relacionam–se mais diretamente à hemólise.
Animais que se recuperam de doença aguda permanecem infectados por vários anos, no caso de B. bovis, e
durante alguns meses, no caso de B. bigemina. Não há sintomas aparentes durante essa fase de portador.
A suscetibilidade das raças de bovinos à infecção por Babesia é variável; por exemplo, animais Bos indicus
tendem a ser mais resistentes à infecção por B. bovis e B. bigemina do que aqueles de raças europeias.
Lesões Notam­se baço volumoso e friável, fígado edemaciado com aumento da vesícula biliar que contém bile
granular espessa, rins congestos e escurecidos e anemia e icterícia generalizadas. Com frequência, mas não
invariavelmente, a urina se apresenta avermelhada. Outros órgãos (inclusive cérebro e coração) podem
apresentar congestão ou hemorragias petequiais.
DIAGNÓSTICO: Clinicamente, a babesiose pode ser confundida com outras doenças que causam febre, anemia,
hemólise, icterícia ou urina avermelhada. Portanto, é fundamental a confirmação do diagnóstico por exame
microscópico de esfregaço sanguíneo ou de órgãos corado por Giemsa. Devem ser preparados esfregaços
sanguíneos espessos e delgados do animal vivo, de preferência dos capilares auriculares ou da extremidade da
cauda.
Durante a necropsia, devem­se preparar esfregaços de músculo cardíaco, rins, fígado, pulmões, cérebro e de
vaso sanguíneo de uma extremidade (p. ex., do membro inferior).
Microscopicamente, as espécies de Babesia envolvidas podem ser identificadas com base em sua morfologia,
mas há necessidade de alguma experiência, especialmente nas infecções por B. bovis nas quais há poucos
microrganismos. B. bovis é pequena, e os parasitos apresentam­se pareados, com ângulo obtuso entre si, e
medem cerca de 1 a 1,5 × 0,5 a 1 mm. B. bigemina é maior (3 a 3,5 × 1 a 1,5 mm), estando os parasitos
pareados em ângulo agudo entre si.
Há relatos de diversos testes sorológicos para detecção de anticorpos contra Babesia em animais portadores.
Os mais comumente utilizados são pesquisa de anticorpos por fluorescência indireta e ELISA; no mercado, há
disponibilidade de ELISA para B. bovis e B. bigemina. Um procedimento que, às vezes, pode ser justificado
para confirmar a infecção em animais portadores suspeitos é a inoculação de sangue (cerca de 500 mL) em um
animal totalmente suscetível, de preferência um bezerro esplenectomizado, e subsequente monitoramento do
receptor quanto à infecção. Há disponibilidade, mas não para uso de rotina, de testes de reação em cadeia de
polimerase (PCR) e PCR em tempo real, capazes de detectar parasitemia extremamente baixa, como ocorre em
animais portadores, e diferenciar os isolados.
Diagrama de várias formas de hemácias infectadas por Babesia bovis, coloradas por Giemsa. Cortesia de State of Queensland, Department of
Primary Industries & Fisheries.

TRATAMENTO E CONTROLE: No passado, foram utilizados vários medicamentos no tratamento de babesiose, mas
apenas o aceturato de diminazeno e o dipropionato de imidocarbe ainda continuam sendo utilizados. Esses
medicamentos não estão disponíveis em todos os países onde a doença é endêmica ou o seu uso pode ser
controlado. Devem ser obedecidas as recomendações de uso indicadas pelo fabricante. Administram­se 3 a 5 mg
de diminazeno/kg IM. A dose terapêutica de imidocarbe é 1,2 mg/kg SC. Na dose de 3 mg/kg, o imidocarbe
confere proteção contra babesiose por cerca de 4 semanas; também, elimina B. bovis e B. bigemina de animais
portadores. A tetraciclina de longa ação (20 mg/kg) pode minimizar a gravidade da babesiose quando se institui
o tratamento antes ou logo após o início da infecção.
Recomenda­se tratamento de suporte, particularmente no caso de animais de alto valor, que pode incluir anti­
inflamatórios, antioxidantes e corticosteroides. A transfusão de sangue pode salvar a vida de animais que
apresentam anemia grave.
Diagrama de várias formas de hemácias infectadas por Babesia bigemina, coradas por Giemsa. Notar o grande tamanho dos parasitos,
raramente visto nas infecções por B. bovis. Cortesia de State of Queensland, Department of Primary Industries & Fisheries.

Em vários países, tem­se utilizado, com sucesso, uma vacina que contém cepa viva atenuada do parasito,
inclusive na Argentina, na Austrália, no Brasil, em Israel, na África do Sul e no Uruguai. A vacina está
disponível na forma resfriada ou congelada. Ela induz imunidade adequada por toda a vida comercial do animal;
no entanto, há relato de acidente vacinal. Experimentalmente, vários antígenos recombinantes induzem
imunidade, mas não há disponibilidade de vacinas comerciais.
Embora o ciclo de transmissão possa ser interrompido pelo controle do carrapato vetor, esse procedimento
(exceto a erradicação completa) raramente é possível a longo prazo e pode tornar suscetível grande população
de animais em áreas endêmicas, com consequente risco de ocorrência de surto da doença.
RISCO ZOONÓTICO: Há relato de alguns casos de babesiose humana, mas ainda não se identificou com certeza a
espécie envolvida. Têm­se incriminado Babesia divergens, B. canis e B. microti e uma espécie não nominada
(WA­1). Os casos relatados em indivíduos esplenectomizados ou imunocomprometidos por outros fatores
costumam ser fatais.
Vários casos, cuja gravidade da infecção varia de subclínica até doença aguda, são documentados tanto em
pessoas esplenectomizadas como não esplenectomizadas, na América do Norte. Essas infecções foram causadas
pelo parasito de roedores B. microti ou pela espécie não nominada (WA­1), cujos hospedeiros parecem ser
ovinos da raça Bighorn. Em pessoas, a infecção por Babesia é transmitida por picada de carrapatos infectados
ou por transfusão de sangue de um doador infectado.

Outras Espécies de Babesia Importantes em Animais Domésticos

BOVINOS: Babesia divergens e B. major são duas espécies observadas em regiões temperadas, com
características comparáveis àquelas de B. bovis e B. bigemina, respectivamente. B. divergens é uma babésia
patogênica pequena, de importância considerável nas ilhas Britânicas e no Noroeste da Europa, ao passo que a
B. major é uma babésia grande de baixa patogenicidade. B. divergens é transmitida pelo Ixodes ricinus, já a B.
major, por Haemaphysalis punctata.
EQUINOS: A babesiose equina é causada por Theileria (antigamente Babesia) equi ou B. caballi. T. equi é um
pequeno parasito, mais patogênico que B. caballi. Em 1998, T. equi foi reclassificada como uma Theileria (ver
p. 60). A babesiose equina ocorre na África, na Europa, na Ásia, nas Américas do Sul e Central e no Sul dos
EUA. É transmitida por carrapatos dos gêneros Rhipicephalus, Dermacentor e Hyalomma. A infecção
intrauterina, particularmente por T. equi, também é relativamente comum.
OVINOS E CAPRINOS: Embora os pequenos ruminantes possam ser infectados por várias cepas de Babesia, as
duas espécies mais importantes são B. ovis e B. motasi. Destas, B. motasi é a mais patogênica. A infecção é
comum no Oriente Médio e no Sul da Europa e China, bem como em regiões tropicais e subtropicais. Os
carrapatos dos gêneros Rhipicephalus, Haemaphysalis, Hyalomma, Dermacentor e Ixodes são considerados
vetores.
SUÍNOS: Há relato de doença grave em suínos causada por Babesia trautmanni. Esse parasito foi identificado na
Europa e na África. Outra espécie, B. perroncitoi, apresenta patogenicidade semelhante, mas, aparentemente,
sua distribuição é limitada nas regiões anteriormente mencionadas. Os vetores dessa babésia ainda não foram
identificados, embora já se tenha demonstrado que Rhipicephalus spp transmite B. trautmanni.
CÃES E GATOS: Na maioria dos países, há relato de infecção de cães por Babesia canis, que compreende as
subespécies B. canis canis, B. canis vogeli e B. canis rossi. B. canis canis é transmitida por Dermacentor
reticularis, na Europa; B. canis vogeli, pelo Rhipicephalus sanguineus, nos países tropicais e subtropicais; e B.
canis rossi, pelo Haemaphysalis leachi, na África do Sul. Os sinais clínicos da infecção por B. canis variam
desde discreta doença transitória até doença aguda rapidamente fatal. Na Europa, há disponibilidade de uma
vacina que contém um exoantígeno de B. canis canis, porém não protege contra as outras subespécies.
Outra babésia importante em cães é B. gibsoni, que é um parasito muito menor. Ela apresenta uma
distribuição mais limitada e tipicamente causa doença crônica cujo principal sintoma é anemia progressiva
grave não facilmente tratada com os babesicidas convencionais.
Há relato de enfermidade de gravidade variável causada por B. felis em gatos domésticos na África e na Índia.
Uma característica incomum é a não resposta aos babesicidas comumente utilizados. No entanto, já se constatou
que o fosfato de primaquina (duas doses de 0,5 mg/kg IM, com intervalo de 24 h) é efetivo.

CITAUXZOONOSE

Citauxzoonose, causada por Cytauxzoon felis, foi inicialmente relatada nos EUA, no ano de 1976; desde então,
se tornou uma importante doença infecciosa emergente em gatos domésticos. As espécies de Cytauxzoon são
protozoários parasitos da família Theileriidae, juntamente com Theileria spp e Gonderia spp. A caracterização
molecular mais recente desses microrganismos resultou em certa controvérsia quanto à taxonomia de
Cytauxzoon spp, mas a multiplicação desse parasito por esquizogonia em fagócitos mononucleares
(macrófagos), em vez de linfócitos, como acontece com Theileria spp, é um forte argumento para sua
classificação com um gênero à parte.
ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO: Há relato de infecção por Cytauxzoon felis em gatos domésticos nos estados
americanos de Missouri, Arkansas, Flórida, Geórgia, Louisiana, Mississipi, Oklahoma, Kansas, Texas,
Kentuchy, Tennessee, Carolinas do Norte e do Sul e Virgínia. Considera­se que o gato doméstico seja
hospedeiro aberrante ou final em razão do curso agudo e mortal da doença; no entanto, há relatos de gatos
domésticos que sobreviveram à infecção natural, com ou sem tratamento. O lince (Lynx rufus) é o hospedeiro
natural; apresenta tipicamente infecção subclínica e mantém parasitemia crônica. Relata­se infecção por C. felis
em vários outros felídeos selvagens, como suçuarana ou onça­parda, na ausência de doença evidente; no
entanto, há relatos de que alguns leões e tigres sucumbem à doença.
Estudos recentes mostram que C. felis pode ser transmitido por um único carrapato­estrela, Amblyomma
americanum. A distribuição desse carrapato assemelha­se muito mais à distribuição da citauxzoonose em gatos
domésticos do que a de outro vetor admissível, o carrapato de cão americano, Dermacentor variabilis.
Tipicamente, a citauxzoonose é diagnosticada nos meses de abril a setembro, condição relacionada com a
atividade sazonal clima­dependente do carrapato. Os gatos que vivem próximos a áreas intensamente
arborizadas com poucas residências, especialmente aquelas mais próximas de habitats naturais ou mal cuidados,
onde ambos, carrapatos e linces, podem ter contato muito estreito, apresentam maior risco de infecção. Tem­se
induzido infecção experimental mediante injeção parenteral (subcutânea, intraperitoneal ou intravenosa) de
homogenato de tecido de gatos com infecção aguda. No entanto, não se constatou infecção quando esse tecido
foi administrado por via intragástrica ou quando gatos não infectados foram mantidos com gatos infectados, na
ausência de artrópodes vetores.
Após a transmissão ao gato doméstico pelo carrapato, o parasito submete­se a dois estágios importantes:
esquizogonia (reprodução assexuada) e merogonia. Primeiramente, os esporozoitos infectam os leucócitos
(fagócitos mononucleares) e passam por esquizogonia para formar esquizontes. Detectaram­se leucócitos
infectados por esquizontes cerca de 12 dias após infecção experimental, com aumento do diâmetro de 15 μm
para 250 μm. São mais comumente detectados em linfonodos, baço, fígado, pulmão e medula óssea, mas foram
documentados em vários órgãos e, ocasionalmente, são verificados em esfregaços sanguíneos. Leucócitos
infectados por esquizontes são as principais causas de doença e morte; são vistos predominantemente no
revestimento vascular, com frequência ocluindo os vasos sanguíneos. Esses “trombos de parasitos” ocasionam
isquemia e necrose tecidual.
Em seguida, os leucócitos infectados por esquizontes rompem­se e liberam piroplasmas (merozoitos), que
infectam as hemácias. Nas hemácias, os piroplasmas são relativamente inócuos, notando­se taxa de parasitemia
média de 1 a 4%; no entanto, há relato de maior taxa de parasitemia (> 10%). Na infecção aguda, a detecção de
hemácias infectadas por merozoitos é variável, sendo tal achado relacionado com aumento da temperatura
corporal e diminuição do número de leucócitos. Os animais sobreviventes tipicamente permanecem com
parasitemia crônica, e pelo menos um gato mostrou experimentalmente ser solidamente imune a infecções
subsequentes. Em gatos, obteve­se parasitemia crônica mediante a inoculação de hemácias infectadas por
merozoitos. Esses gatos com parasitemia crônica não desenvolveram doença clínica evidente, mas não ficaram
imunes à infecção em desafio subsequente com esporozoitos/esquizontes, sugerindo que é necessária a fase
tecidual de esquizontes para o estabelecimento de imunidade em gatos domésticos.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Em geral, nota­se início dos sinais clínicos em gatos infectados por C. felis 5 a
14 dias (em média, cerca de 10 dias) após a infecção transmitida por carrapatos. Sintomas inespecíficos incluem
depressão, letargia e anorexia. Febre e desidratação são os achados mais comuns ao exame físico; a temperatura
corporal aumenta gradativamente e pode ser tão alta quanto 41°C. Outros achados incluem icterícia,
linfadenomegalia e hepatoesplenomegalia. No extremo, os gatos costumam apresentar hipotermia, dispneia e
vocalização quando estão com dor. Sem tratamento, tipicamente o paciente morre 2 a 3 dias após o pico febril.
À necropsia, geralmente notam­se esplenomegalia, hepatomegalia, aumento de linfonodos e edema renal. Os
pulmões apresentam edema e congestão extensos, com hemorragias petequiais na superfície serosa e por todo o
interstício. Ocorre dilatação venosa progressiva, especialmente em veias mesentéricas e renais e na veia cava
posterior. Com frequência, notam­se hidropericárdio e hemorragias petequiais no epicárdio.
Quando inicialmente descrita, a taxa de mortalidade decorrente da infecção por C. felis era próxima a 100%.
Um estudo com C. felis na região Noroeste de Arkansas e no Nordeste de Oklahoma menciona que 18 gatos
sobreviveram à infecção natural, com ou sem tratamento. No início, esses gatos pareciam menos doentes, não
apresentavam temperatura acima de 41°C e jamais desenvolveram hipotermia. Há relatos esporádicos similares
em outras regiões. Algumas hipóteses para a sobrevivência desses gatos incluem via atípica de infecção,
imunidade inata em alguns animais, maior detecção de portadores, diminuição da virulência com atenuação de
cepas ou ocorrência de nova cepa, dose do inóculo infeccioso e controle do tempo e do tipo de tratamento.
DIAGNÓSTICO: As anormalidades mais comumente constatadas no hemograma incluem leucopenia com
neutrófilos tóxicos e trombocitopenia. Nos estágios posteriores, anemia normocítica normocrômica. As
alterações bioquímicas mais comuns são hiperbilirrubinemia e hipoalbuminemia, que podem variar, dependendo
dos sistemas orgânicos acometidos por trombose parasitária e isquemia, com necrose tecidual. Outras
anormalidades detectadas menos consistentes incluem aumento de atividade de enzimas hepáticas e azotemia.
O diagnóstico precoce exige a detecção microscópica de piroplasmas ou esquizontes. A presença de
piroplasmas nos esfregaços sanguíneos é variável; eles são notados com aumento da temperatura corporal e
tipicamente são evidentes cerca de 1 a 3 dias antes da morte. Há relatos casuais de que a sensibilidade do exame
é maior quando o sangue para preparação de esfregaço é coletado de vasos pequenos (p. ex., punção de veia
auricular). Quando há merozoitos em um esfregaço sanguíneo bem preparado e adequadamente corado (p. ex.,
Wright’s Giemsa, Giemsa, Diff­Quik) é possível notar taxa de 1 a 4%, em média; há relato de porcentagens
extremamente altas (> 10%) de merozoitos. Essas estruturas são pleomórficas e podem ser redondas, ovais,
anaplasmoides, bipolares (binucleados) ou em forma de bastonetes; no entanto, as formas de piroplasmas
arredondadas (1 a 2,2 μm de diâmetro) e as formas ovais (0,8 a 1 μm × 1,5 a 2 μm) são mais comuns.
Apresentam­se descorados na região central e contêm um pequeno núcleo de cor magenta arredondado a um
núcleo em formato de lua crescente em um lado. Quando a parasitemia é superior a 0,5%, notam­se formas em
cruz de malta e piriformes pareadas. É necessário exame cuidadoso para excluir a possibilidade de Mycoplasma
haemofelis, corpúsculos de Howell­Jolly, precipitados de corante e artefatos de água.
O estágio tecidual de esquizonte precede a fase eritrocitária. Ocasionalmente, é possível notar esquizontes em
esfregaços de sangue periférico, especialmente em sua margem, e em menor aumento podem ser confundidos
com grandes aglomerados de plaquetas. Na ausência de piroplasmas ou esquizontes em hemácias do esfregaço
sanguíneo, deve­se obter um rápido diagnóstico, obtendo­se aspirado com agulha fina de linfonodo periférico,
baço ou fígado, a fim de detectar esquizontes no exame citológico. Esses fagócitos apresentam 15 a 250 μm de
diâmetro, contêm um núcleo ovoide com grande nucléolo escuro proeminente característico. O citoplasma
costuma se encontrar muito distendido com várias partículas basofílicas pequenas e profundas, que
correspondem ao desenvolvimento de merozoitos.
Na ausência dessas estruturas, deve­se fazer o diagnóstico por meio de PCR, mais sensível e específico do
que a microscopia, disponível no Vector Borne Disease Diagnostic Laboratory da North Carolina State
University. Esse teste é recomendado a casos suspeitos, nos quais não se detectaram parasitos, bem como para
confirmação após a detecção de piroplasmas ou esquizontes.
TRATAMENTO E CONTROLE: Historicamente, as tentativas de tratamento dessa doença com vários
antiparasitários (parvaquona, buparvaquona, trimetoprima/sulfadiazina, tiacetarsamida sódica) são pouco
efetivas. Seis gatos de um grupo de sete foram tratados com sucesso com aceturato de diminazeno (não
aprovado nos EUA) ou com dipropionato de imidocarbe (duas doses de 2 mg/kg IM, com intervalo de 3 a 7
dias). Mais recentemente, em uma série de casos (n = 22), relatou­se a sobrevivência de 64% dos gatos tratados
com a combinação de atovaquona (15 mg/kg VO, 3 vezes/dia, por 10 dias) e azitromicina (10 mg/kg VO, 1
vezes/dia, durante 10 dias), além de tratamento de suporte.
Em todos os casos, deve­se instituir tratamento de suporte com aplicação IV de fluido e heparina (100 a 200
U/kg SC, 3 vezes/dia). Recomenda­se suporte nutricional por meio de tubo para alimentação, esofágico ou
nasoesofágico, o qual também facilita a administração de medicamentos orais (atovaquona e azitromicina).
Devem­se propiciar oxigenoterapia e transfusão de sangue, quando necessário. No caso de febre incessante,
justifica­se o uso de anti­inflamatório; no entanto, é contraindicado o uso de anti­inflamatório não esteroide
(AINE) a gatos com azotemia ou desidratação. Uma vez definido o diagnóstico e iniciado o tratamento,
recomenda­se mínimo estresse e manuseio do paciente. A recuperação, inclusive a resolução da febre,
frequentemente é lenta e pode demorar até 5 a 7 dias. Os animais que sobrevivem apresentam recuperação
clínica completa, inclusive das anormalidades hematológicas e bioquímicas, em 2 a 3 semanas. Alguns
sobreviventes permanecem persistentemente infectados com piroplasmas e podem representar uma fonte de
infecção.
Recomenda­se a aplicação rotineira de medicamento para controle de carrapatos; no entanto, gatos foram
infectados mesmo com esse tratamento. A retirada dos gatos de áreas possivelmente infestadas por carrapatos
vetores (ou seja, mantê­los apenas em ambientes fechados) é considerada o melhor método de prevenção da
enfermidade.

HEPATOZOONOSE DO VELHO MUNDO E HEPATOZOONOSE CANINA AMERICANA

ETIOLOGIA, EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: A hepatozoonose do Velho Mundo é uma doença que acomete
animais carnívoros, selvagens e domésticos, transmitida por carrapatos e causada pelo protozoário Hepatozoon
canis. Não se sabe se a infecção de felídeos selvagens e domésticos é causada por H. canis ou por outras
espécies de Hepatozoon. Esse microrganismo é transmitido pelo carrapato marrom de cães, Rhipicephalus
sanguineus. No final da década de 1990, as características clínicas particulares em cães da América do Norte
sugeriam que alguma espécie ou cepa diferente de Hepatozoon poderia ser responsável pela doença na América
do Norte, diferentemente de outros países; em 1997, essa suspeita foi confirmada. Sabe­se atualmente que, na
América do Norte, a doença é causada pelo protozoário H. americanum, transmitido pelo carrapato da Costa do
Golfo, Amblyomma maculatum, e não pelo carrapato marrom de cães. Assim, na América do Norte, a doença é
denominada hepatozoonose canina americana (HCA), uma enfermidade diferente.
O modo de transmissão de hepatozoonose não é típico no sentido clássico de uma doença transmitida por
carrapato; à semelhança de outras espécies do gênero, as infecções por H. canis e H. americanum ocorrem
quando um carrapato infectado, o hospedeiro definitivo, é ingerido pelo cão (ou outro hospedeiro intermediário
vertebrado). Esporozoitos liberados de oocistos maduros na hemocele do carrapato penetram no hospedeiro
vertebrado através do intestino. Os cães também podem adquirir HCA pela ingestão de hospedeiros paratênicos
(transporte) que contêm cistozoítos, um estágio latente de H. americanum encistados em seus tecidos.
Experimentalmente, a infecção por cistozoíto resulta nas mesmas manifestações de doença observadas em cães
que ingerem oocistos esporulados. Até o momento não se sabe se há uma via de transmissão semelhante na
infecção por H. canis.
Em várias partes do mundo (Índia, África, Sudeste Asiático, Oriente Médio, Sul da Europa e Ilhas dos
Oceanos Pacífico e Índico), a maioria dos cães com hepatozoonose geralmente apresenta infecção subclínica ou
apenas sintomas discretos. Nessas regiões, a imunossupressão causada por doença concomitante ou por outros
fatores parece ter papel importante na ocorrência de sinais clínicos mais graves. Nos EUA, parece não haver
necessidade de imunossupressão ou de doença concomitante para induzir sintomas mais graves do que aqueles
normalmente constatados na HCA.
HCA é uma doença emergente inicialmente disseminada ao Norte e ao Leste da Costa do Golfo, no Texas,
onde foi primeiramente detectada, em 1978. A distribuição desse parasito é semelhante àquela do carrapato da
Costa do Golfo. Nos EUA, a maior parte dos casos foi diagnosticada no Texas (principalmente ao longo da
Costa do Golfo), Oklahoma e Louisiana; contudo, há relato de vários casos no Alabama e casos tão distantes,
como no Leste do Tennessee, Geórgia e Flórida. Há relato de casos esporádicos em locais geográficos díspares,
como Califórnia, Washington e Vermont; supõe­se que esses cães tenham sido transferidos de áreas endêmicas,
pois o carrapato da Costa do Golfo não se estabeleceu em locais tão distantes. H. americanum, bem como A.
maculatum, também pode ser observado nas Américas do Sul e Central. Identificou­se Amblyomma ovale como
vetor de H. canis na América do Sul. Evidências em testes de genética molecular sugerem que a infecção por H.
canis pode ser mais comum na América do Norte do que se acreditava anteriormente, mas a HCA continua
sendo a forma mais grave e mais comum de hepatozoonose no Novo Mundo.
Experimentalmente, cães com > 4 a 6 meses de idade são resistentes à infecção por H. canis. No entanto, H.
americanum provoca sinais clínicos graves, mesmo em cães adultos. Como a doença causada por H.
americanum é clinicamente muito mais importante do que aquela induzida por H. canis, as considerações que
constam do restante deste capítulo referem­se, principalmente, à HCA.
ACHADOS CLÍNICOS: As fases teciduais dos microrganismos causadores de hepatozoonose, especialmente

aquelas de H. americanum, induzem inflamação piogranulomatosa, que resulta em sinais clínicos. Esses
sintomas, que podem ser intermitentes, incluem febre, depressão, perda de peso, baixo escore corporal, atrofia
muscular, sintomas de dor, rigidez e fraqueza; secreção ocular mucopurulenta é comum e, ocasionalmente, nota­
se diarreia sanguinolenta. Surpreendentemente, vários cães manifestam apetite normal quando o alimento é
colocado diretamente na frente deles, porém eles não se movem para consumi­lo, aparentemente por conta da
dor intensa. Dor ou hiperestesia grave na região paraespinal é um achado comum ao exame físico; constata­se,
também, dor cervical, articular ou generalizada. A hiperestesia manifesta­se como andar rígido e relutância para
se movimentar, bem como rigidez cervical e/ou de tronco. A febre pode oscilar em função da gravidade dos
sintomas e variar de 39,3 a 41°C, não diminuindo com o uso de antibióticos. Dentre as sequelas de ocorrência
retardada, incluem­se glomerulonefrite e amiloidose.
DIAGNÓSTICO: A anormalidade laboratorial mais consistente é a leucocitose com neutrofilia, cuja contagem
varia de 20.000 a 200.000 células/μL. Tipicamente, é uma neutrofilia madura marcante, embora possa haver
desvio à esquerda. Anemia normocítica normocrômica não regenerativa discreta a moderada é outro achado
comum. Tipicamente, a contagem de plaquetas está normal ou elevada. Também, pode­se constatar leve
aumento da atividade de fosfatase alcalina (ALP), hipoalbuminemia e elevação da atividade de creatinoquinase
(CK). Embora haja relato de hipoglicemia marcante, acredita­se que tal achado seja um artefato in vitro
decorrente do maior metabolismo de glicose, em razão do grande número de leucócitos. Nas radiografias,
reações periosteais podem ser visualizadas em qualquer osso (inclusive crânio e vértebras). Essas reações
periosteais assemelham–se àquelas de osteoartropatia hipertrófica, exceto que, na HCA, as lesões tendem a ser
mais proximais do que distais, com frequência notadamente evidentes nos ossos longos. O mecanismo
fisiopatológico das lesões ósseas não foi esclarecido.
O diagnóstico definitivo de hepatozoonose baseia­se no achado de gamontes nos leucócitos do sangue
periférico (utilizando–se corantes do tipo Romanowsky); identificação de cistos típicos, merontes ou
piogranulomas em amostras de músculos obtidas por biopsia ou detecção de anticorpos séricos contra
esporozoítos de H. americanum. Em alguns cães, podem ser necessárias biopsias musculares múltiplas ou
sequenciais, a fim de detectar os microrganismos. Embora tenha sido desenvolvido um método de diagnóstico
sorológico experimental (ELISA, que detecta anticorpos contra esporozoítos de H. americanum), ele não está
disponível para diagnóstico de rotina. A Auburn University e a North Carolina State University disponibilizam
testes diagnósticos para hepatozoonose baseados em PCR. Esses testes mostraram que a hepatozoonose clássica
causada por H. canis é mais comum na América do Norte do que se pensava anteriormente. Ademais, a variação
detectada na sequência do rDNA 18S de cães infectados originou novas questões sobre hepatozoonose canina.
Ainda, pode ser que mais espécies (ou cepas) com padrão de patogenicidade e/ou com ciclo biológico diferentes
provoquem a doença em cães.
TRATAMENTO: A hepatozoonose é uma infecção que persiste no cão pelo resto da vida. Nenhum procedimento
terapêutico elimina totalmente o microrganismo do animal. No passado, o tratamento era frustrante porque a
maioria dos cães apresentava apenas melhora temporária, com recidivas frequentes dentro de 3 a 6 meses, e
morria dentro de 2 anos após o diagnóstico. Atualmente, em geral, é possível obter a remissão dos sinais
clínicos mediante terapia combinada, denominada TCP, que inclui: trimetoprima­sulfadiazina (15 mg/kg VO, 2
vezes/dia), clindamicina (10 mg/kg VO, 3 vezes/dia) e pirimetamina (0,25 mg/kg VO, 1 vez/dia); essa
medicação deve ser administrada durante 14 dias. Infelizmente, a remissão clínica com essa terapia costuma ser
de curta duração e, em geral, os cães manifestam recidiva dentro de 2 a 6 meses. No entanto, há relatos de um
tratamento adjuvante relativamente recente que utiliza decoquinato (um anticoccídio utilizado para grandes
animais). O decoquinato não é efetivo na doença clínica ativa, mas pode prevenir recidivas clínicas; é
administrado após a resolução dos sinais clínicos, como adjuvante ao tratamento TCP. A dose recomendada é de
10 a 20 mg de decoquinato/kg VO, 2 vezes/dia, continuamente ao longo de 2 anos. Terapia TCP combinada com
uso diário de decoquinato tem resultado em melhora acentuada no prognóstico de cães com hepatozoonose.
Outros tratamentos mais antigos incluem dipropionato de imidocarbe (dose única de 5 mg/kg SC); associação
de dipropionato de imidocarbe (6 mg/kg, SC, em intervalos de 14 dias) com tetraciclina (22 mg/kg VO, 3
vezes/dia, durante 14 dias) ou o coccidiostático toltrazurila (5 a 10 mg/kg SC ou VO, 1 vez/dia, durante 3 a 5
dias, ou 5 mg/kg VO, 2 vezes/dia, por 4 dias). A eficácia do tratamento com imidocarbe tem sido inconsistente e
pode depender da gravidade dos sintomas e da região, os quais podem estar associados à cepa de microrganismo
causador da doença. De modo semelhante, embora haja relato de resposta clínica inicial excelente à toltrazurila,
ocorrem recidivas e não há evidência de eliminação das formas císticas do tecido muscular.
O uso de AINE pode ser o melhor procedimento terapêutico para o controle de febre e dor, especialmente nos
primeiros dias da terapia TCP. Deve­se evitar a administração de glicocorticoide, porque, embora os esteroides
possam propiciar alívio temporário, seu uso prolongado pode exacerbar a doença.
A prevenção de acesso a locais que contenham carrapatos e o desencorajamento de predação são as formas
mais efetivas de controle de hepatozoonose. A predação implica risco duplo de HCA: a pelagem da presa
capturada/ingerida pelos cães pode ter carrapato infectado, o que pode ser uma fonte de esporozoítos; além
disso, a presa pode conter cistozoítos (pelo menos no caso de H. americanum), que também causam infecção.
Não há risco zoonótico conhecido para hepatozoonose.

ESQUISTOSSOMOSE

É uma infecção parasitária comum em bovinos e, raramente, em outros animais domésticos na África e na Ásia.
Embora os esquistossomos possam atuar como importantes patógenos em raras condições, favorecendo a
transmissão intensiva, a maioria das infecções em regiões endêmicas é subclínica. No entanto, altas taxas de
prevalência de infecções subclínicas provocam perda significativa por conta dos efeitos a longo prazo no
crescimento e na produtividade e da maior suscetibilidade a outras doenças parasitárias ou bacterianas.
Esquistossomos são membros do gênero Schistosoma, família Schistosomatidae. Os vermes adultos são
parasitos obrigatórios do sistema vascular de vertebrados. Os esquistossomos são dioicos. A fêmea adulta é
mais delgada do que o macho e normalmente é transportada em um sulco ventral, o canal ginecofórico, formado
pelas protuberâncias laterais dobradas ventralmente no corpo do macho.
Das 19 espécies relatadas em animais com infecção natural, 7 – todas parasitos de ruminantes – recebem
atenção especial, principalmente por causa de sua reconhecida importância veterinária: S. mattheei, S. bovis, S.
curassoni, S. spindale, S. indicum, S. nasale e S. japonicum. A espécie S. mattheei é verifcada no Sudeste da
África, desde a Província do Cabo, na África do Sul, em direção ao Norte até a Tanzânia e Zâmbia. S. bovis é
observado na região do Mediterrâneo e no Oriente Médio, sendo comum nas regiões Norte, Oeste e Leste da
África (exceto no Egito), estendendo­se do Sul ao centro de Angola, Sul do Congo e, possivelmente, Norte da
Zâmbia. S. curassoni foi detectado em ruminantes no Senegal, Mauritânia, Mali, Níger e Nigéria. Há relato de
S. spindale na Índia, Sri Lanka, Indonésia, Malásia, Tailândia e Vietnã. A distribuição de S. indicum parece
limitada ao subcontinente indiano. S. nasale é observado na Índia, Sri Lanka, Bangladesh e Mianmar. S.
incognitum foi relatado na Índia, Tailândia e Indonésia. S. japonicum é endêmico em vários países da Ásia
Oriental.
A diferenciação das espécies de Schistosoma pode basear­se na morfologia do ovo (tamanho, forma). As
espécies também podem ser diferenciadas pelos aspectos taxonômicos e morfológicos (vermes adultos), ciclo
biológico ou características comportamentais; cromossomos; especificidade do hospedeiro ou estudos com
enzima e DNA. Algumas dessas espécies são conhecidas por interagir em áreas onde coexistem, havendo relato
de hibridização interespecífica. O parasito bovino S. mattheei, por exemplo, ocasionalmente pode infectar
pessoas, nas quais pode ocorrer hibridização com a espécie humana S. haematobium.
CICLO BIOLÓGICO, TRANSMISSÃO E EPIDEMIOLOGIA: Esquistossomos vivem nas veias mesentéricas e hepáticas
do hospedeiro (exceto S. nasale, que se instala nas veias nasais), onde se alimentam de sangue e produzem ovos
com uma espinha lateral ou terminal característica. Os ovos eliminados nas fezes devem ser depositados na
água, a fim de eclodirem e liberarem os miracídios, que invadem caramujos aquáticos específicos e se
desenvolvem como esporocistos primários e secundários e se tornam cercárias. Quando completamente
maduras, as cercárias saem do caramujo e nadam livremente na água, onde permanecem viáveis por várias
horas. Em geral, os ruminantes infectam­se com cercárias que penetram na pele, embora tenha sido mostrado
que a infecção pode ser adquirida VO, quando os animais bebem água contaminada. Durante a penetração, as
cercárias transformam­se em esquistossômulas e são transportadas pela linfa e pelo sangue aos locais de
predileção. O período pré­patente varia de acordo com as espécies, mas geralmente é de 45 a 70 dias.
A ocorrência de esquistossomose bovina é descontínua, dependendo da presença do hospedeiro intermediário,
o caramujo, do grau de infecção e da frequência de contato com a água. Nas regiões onde as condições são
favoráveis, a taxa de prevalência de infecção em bovinos pode variar de 40 a 70%, sendo comumente maior que
esse valor.
Há forte evidência de imunidade adquirida à infecção por esquistossomo em bovinos. Essa imunidade atua
principalmente por meio da supressão da fecundidade dos parasitos. O exame de animais naturalmente
infectados mostrou que também há proteção parcial contra reinfecção, e a resistência adquirida aos
esquistossomos é mais importante no controle da intensidade da infecção no campo.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES

Esquistossomose visceral: Na grande maioria dos casos, nas regiões endêmicas a esquistossomose visceral é
subclínica e caracterizada por alta prevalência de carga parasitária baixa a moderada na população bovina.
Embora, a curto prazo, possam ser detectados poucos sinais clínicos evidentes ou nenhum, altas taxas de
prevalência de infecções crônicas por esquistossomos provocam perda econômica significativa no rebanho.
Essas perdas devem­se aos efeitos menos facilmente reconhecíveis no crescimento e na produtividade, bem
como à maior suscetibilidade a outras doenças parasitárias e bacterianas.
Há relato de surtos ocasionais de esquistossomose intestinal clínica causados por S. mattheei, S. bovis ou S.
spindale. Em geral, eles limitam­se aos rebanhos jovens e animais adultos acometidos por infecção primária
relativamente intensa em condições de transmissão intensiva. A doença é caracterizada por diarreia, perda de
peso, anemia, hipoalbuminemia, hiperglobulinemia e eosinofilia marcante que se desenvolve após o início da
excreção de ovos. O quadro clínico de animais gravemente enfermos piora rapidamente e, em geral, esses
pacientes morrem dentro de alguns meses de infecção, embora aqueles menos intensamente infectados
desenvolvam doença crônica, acompanhada de retardo de crescimento.
Nas formas intestinal e hepática, observam­se trematódeos adultos nas submucosas porta, mesentérica e
intestinal e nas veias subserosas. No entanto, os principais efeitos patológicos devem­se aos ovos. Na forma
intestinal, a passagem de ovos através da parede intestinal provoca lesão, ao passo que na forma hepática
formam­se granulomas ao redor dos ovos que são aprisionados nos tecidos. Outras alterações hepáticas incluem
hiperplasia e hipertrofia medial das veias porta, desenvolvimento de folículos e nódulos linfoides por todo o
órgão e fibrose periporta nos casos mais crônicos. No intestino, nota­se também a formação de extenso
granuloma. Nos casos graves, notam­se várias áreas de petéquias e hemorragias difusas na mucosa, podendo–se
verificar grande quantidade de sangue descorado no lúmen intestinal. Frequentemente, os vasos sanguíneos
parasitados estão dilatados e tortuosos. As lesões vasculares também são verificadas nos pulmões, no pâncreas e
na bexiga de animais seriamente infectados.
Esquistossomose Nasal: Essa enfermidade está associada a crescimentos teciduais de formato semelhante a
couve­flor na mucosa nasal, provocando obstrução parcial do orifício nasal e ruídos de ronco durante a
respiração. Secreção nasal hemorrágica e/ou mucopurulenta é um sintoma comum. Na esquistossomose nasal,
observam­se trematódeos adultos nos vasos sanguíneos da mucosa nasal, mas, novamente, os principais
sintomas devem­se aos ovos, que originam abscessos na mucosa. Esses abscessos se rompem e liberam ovos e
pus na cavidade nasal, culminando com extensa área de fibrose. Além disso, são comuns grandes protuberâncias
granulomatosas na mucosa nasal, que ocasionam obstrução das vias nasais e dispneia.
DIAGNÓSTICO: Como os sintomas e a história clínica, exclusivamente, não são suficientes para distinguir
esquistossomose visceral de outras doenças debilitantes, o diagnóstico deve ser confirmado mediante a
constatação e a identificação de ovos nas fezes do animal infectado. À necropsia, o exame macroscópico das
veias mesentéricas, verificando­se a presença de vermes adultos, ou o exame microscópico de raspados de
mucosa intestinal ou de tecido hepático esmagado (ambos para pesquisa de ovos) pode comprovar o diagnóstico
mais facilmente.
Os ovos de S. bovis e S. mattheei apresentam o formato fusiforme; aqueles de S. spindale são mais alongados
e achatados em um dos lados e os ovos de S. nasale têm formato de bumerangue. Os ovos elípticos de S.
japonicum são relativamente pequenos, com uma espinha rudimentar.
Comumente nota­se excreção fecal de pequena quantidade de ovos nas infecções crônicas, de modo que pode
ser preferível o emprego de técnicas quantitativas de eclosão de miracídio, as quais, além de mais sensíveis,
também propiciam informação sobre a viabilidade dos ovos excretados nas fezes.
TRATAMENTO E CONTROLE: O praziquantel (25 mg/kg) é muito efetivo, embora possam ser necessárias duas
doses com intervalo de 3 a 5 semanas. No entanto, por motivos práticos e econômicos, a esquistossomose em
criações domésticas raramente é tratada. Somente na China, onde os animais pecuários infectados atuam como
importantes fontes de infecção humana, tem­se praticado amplamente o tratamento em massa com praziquantel.
O modo mais efetivo de controle de esquistossomose bovina nas áreas endêmicas é a construção de cercas, o
que impede o contato dos animais com o parasito, não permitindo acesso às áreas alagadiças contaminadas, e o
fornecimento de água de boa qualidade. Infelizmente, isso nem sempre é possível em regiões do globo onde
prevalecem condições de manejo nômade. Outros métodos de controle incluem destruição da população de
caramujos, os hospedeiros intermediários, em áreas de transmissão, utilizando–se métodos químicos ou
biológicos, ou a remoção deles mediante a colocação de barreiras mecânicas ou aprisionamento dos caramujos.
Medidas ecológicas contra os caramujos, com intuito de propiciar um habitat impróprio para sobrevivência,
como drenagem, remoção de ervas daninhas aquáticas e aumento do fluxo de água, mostraram–se valiosas.
Essas medidas auxiliam não apenas na redução da transmissão de esquistossomose, mas também no controle de
outros trematódeos parasíticos, como Fasciola gigantica e Paramphistomum spp, os quais têm os caramujos
aquáticos como hospedeiros intermediários e quase sempre estão nas mesmas áreas habitadas pelos
esquistossomos.

MICOPLASMAS HEMOTRÓPICOS

(HEMOPLASMAS)

Parasitos eperitrocíticos, anteriormente denominados Haemobartonella e Eperythrozoon e antigamente


classificados como riquétsias, foram reclassificados após a análise da sequência do gene RNA ribossômico 16S,
a qual revelou que são filogeneticamente mais relacionados com os membros do gênero Mycoplasma. Assim,
foram renomeados com a designação Candidatus adicionada aos microrganismos descritos de modo incompleto.
Esses hemoplasmas infectam diversos vertebrados em todo o mundo e compartilham características e aspectos
morfológicos similares. São bactérias gram­negativas pleomórficas sem parede celular que não foram
submetidas a cultura microbiológica fora de seus hospedeiros. Os hemoplasmas instalam–se na superfície das
hemácias, mas não penetram nas células.
Há vários hemoplasmas de importância veterinária (Tabela 5). A capacidade desses microrganismos em
provocar anemia hemolítica clinicamente relevante é variável, mas os animais infectados permanecem
portadores mesmo após terapia antimicrobiana. Caso o animal seja submetido a estresse ou apresente
imunossupressão, a parasitemia pode reaparecer.
TRANSMISSÃO: Os hemoplasmas podem ser transmitidos por meio da transferência direta de sangue infectado
(transfusão de sangue ou uso de agulhas, instrumentos cirúrgicos e material de lida do rebanho ou tropa
contaminados) ou por artrópodes vetores, como piolhos, moscas, carrapatos e mosquitos. Há relato de
transmissão vertical da mãe para as crias em gatas, porcas e camelídeos. Em gatos, suspeita­se de transmissão
direta associada a brigas, sustentada por estudos que relataram a presença de DNA de hemoplasma em saliva,
gengiva e leito ungueal de gatos infectados.
ACHADOS CLÍNICOS: Os hemoplasmas são capazes de causar anemia hemolítica, porém a gravidade é muito
variável. Em geral, tende a ocorrer infecção assintomática em animais adultos sadios; anemias agudas mais
graves estão associadas a esplenectomia, imunossupressão, doenças concomitantes (como vírus da leucemia
felina ou vírus da imunodeficiência felina, em gatos) ou coinfecção com diversas espécies de hemoplasma. A
principal exceção é M. haemofelis, que provoca anemia hemolítica aguda em gatos hígidos. A anemia pode ser
grave e, ocasionalmente, fatal. Os sinais clínicos típicos incluem letargia, anorexia e febre, com menor
ocorrência de esplenomegalia e icterícia.

Tabela 5 – Hemoplasma de importância veterinária

Espécie Hemoplasma

Cães Mycoplasma haemocanis (antigamente Haemobartonella canis)


‘Candidatus Mycoplasma haematoparvum’
Gatos Mycoplasma haemofelis (antigamente Haemobartonella felis)
‘Candidatus Mycoplasma haemominutum’
‘Candidatus Mycoplasma turicensis’
Suínos Mycoplasma (Eperythrozoon) suis
Eperythrozoon parvum (ainda não renomeada)
Bovinos Mycoplasma (Eperythrozoon) wenyonii
Ovinos e caprinos Mycoplasma (Eperythrozoon) ovis
Lhamas e alpacas ‘Candidatus Mycoplasma haemolamae’

M. haemocanis provoca hemólise aguda em cães submetidos a esplenectomia, porém geralmente a infecção é
assintomática em cães hígidos. M. suis provoca anemia hemolítica acompanhada de icterícia em leitões
neonatos, porcos suínos de engorda e porcas prenhes. A infecção crônica ocasiona baixa taxa de crescimento,
diminuição da taxa de concepção, deficiência reprodutiva e menor produção de leite. A infecção por M.
wenyonii em bovinos geralmente é assintomática, porém é relatada a ocorrência de uma síndrome que envolve
edema de glândula mamária e membros pélvicos, menor produção de leite, febre e linfadenopatia em novilhas
primíparas, sem anemia. Em ovinos e caprinos, a infecção por M. ovis costuma ser assintomática, mas a anemia
hemolítica pode ocorrer em animais jovens, especialmente naqueles com alta carga de parasitos intestinais. A
infecção crônica pode resultar em menor ganho de peso, intolerância ao exercício, diminuição da produção de lã
e anemia discreta. Em camelídeos, a infecção por hemoplasma pode provocar anemia hemolítica grave em
animais jovens.
A hemólise provocada por infecções por hemoplasma é tipicamente extravascular e resulta em anemia
regenerativa. Pode haver aglutinação de hemácias, e o resultado do teste de Coombs frequentemente é positivo
em gatos infectados por M. haemofelis. Cães esplenectomizados com hemólise aguda em razão da infecção por
M. haemocanis podem apresentar aglutinação, esferocitose e teste de Coombs positivo. Há relato de
hipoglicemia secundária ao consumo de glicose pela bactéria em suínos, ovinos, lhamas e bezerros intensamente
parasitados; no entanto, rápida glicólise bacteriana in vitro também pode ocasionar falsa diminuição da
concentração sanguínea de glicose.
DIAGNÓSTICO: Historicamente, o diagnóstico é realizado com base na detecção de microrganismos em exames
de rotina de esfregaços sanguíneos corados pela técnica de Wright. Neles, notam­se bastonetes basofílicos
arredondados muito pequenos (0,5 a 3 μm) ou estruturas em forma de anel nas hemácias, individualmente ou em
cadeias, ou, às vezes, livremente ao fundo da lâmina. No entanto, nas infecções crônicas a parasitemia pode ser
cíclica, e os microrganismos desaparecem da circulação tão rapidamente quanto em 2 h. Além disso, na
presença de ácido etilenodiaminotetracético (EDTA), os hemoplasmas soltam­se das hemácias e morrem após
um período variável, dificultando a detecção de microrganismos em amostras obtidas há algum tempo. O
desenvolvimento recente de testes de PCR sensíveis, capazes de distinguir vários hemoplasmas, aumentou
muito o diagnóstico de infecções por esses parasitos e propiciou a identificação de várias novas espécies de
Mycoplasma.
TRATAMENTO E CONTROLE: Nas infecções agudas, as tetraciclinas (doxiciclina, oxitetraciclina) são os principais
medicamentos utilizados como tratamento; enrofloxacino e marbofloxacino também são efetivos contra M.
haemofelis. Glicocorticoides podem ser úteis para minimizar a eritrofagocitose nos casos de hemólise grave;
alguns animais podem necessitar de transfusão sanguínea. Os animais tratados permanecem portadores e podem
manifestar recidivas clínicas periódicas. Doadores de sangue devem ser submetidos a teste de PCR baseado no
DNA, a fim de prevenir a transmissão do microrganismo ao receptor durante a transfusão. Pode­se evitar a
transmissão iatrogênica mediante o uso de agulhas e equipamentos adequadamente esterilizados. Recomenda­se
o controle de artrópodes vetores, bem como o evitamento de situações de estresse aos rebanhos e às tropas.
RISCO ZOONÓTICO: As infecções por hemoplasma geralmente são espécie­específicas, com exceção de M. ovis,
que infecta ovinos e caprinos, e de ‘Candidatus M. haemolamae’, que infecta lhamas e alpacas. Há relatos de
eperitrozoonose humana na Mongólia e na China, mas não há evidência clara para sustentar tal afirmação. No
entanto, há raros relatos de infecções por hemoplasma em pessoas imunocomprometidas, as quais foram
submetidas a exames moleculares para confirmação. Um relato recente documenta um paciente humano HIV­
positivo infectado simultaneamente por Bartonella henselae e um hemoplasma geneticamente semelhante a M.
haemofelis. Esse indivíduo possuía cinco gatos e apresentava várias lesões por arranhaduras e mordidas. Os
cinco gatos apresentaram resultado positivo em PCR para Bartonella spp e dois eram positivos para M.
haemofelis, sugerindo a possibilidade de transmissão zoonótica.

Anemia Infecciosa Felina (Hemoplasmose)

Em gatos, a micoplasmose hemotrópica pode causar uma doença denominada anemia infecciosa felina (AIF),
antigamente denominada hemobartolenose. A maioria das infecções é verificada em gatos machos que vivem
em ambiente externo. M. haemofelis (antigamente conhecido cepa Ohio ou forma grande de Haemobartonella
felis) é o agente etiológico de AIF mais patogênico; pode causar anemia hemolítica em gatos
imunocompetentes. ‘Candidatus M. haemominutum’ (antigamente conhecido como cepa Califórnia ou forma
pequena de H. felis) é o hemoplasma mais comum na população mundial de gatos, porém não está claramente
associado à doença em gatos imunocompetentes. ‘Candidatus M. turicensis’ nunca foi visto em esfregaço
sanguíneo, e sua patogenicidade não é bem compreendida. Ambas as espécies podem causar anemia em gatos
com doença imunossupressora primária, como acontece na infecção por vírus da leucemia felina.
Esfregaço sanguíneo de um cão infectado por Mycoplasma haemocanis. Os microrganismos parecem pequenos cocos basofílicos individuais e
em cadeias na superfície das hemácias. O aumento da policromasia indica anemia regenerativa (corante de Romanowsky em solução aquosa).
Cortesia do Dr. Robin Allison.
Esfregaço sanguíneo de uma cria de camelídeo infectada por ‘Candidatus Mycoplasma haemolamae’. Grande quantidade de microrganismos na
forma de pequenos cocos basofílicos e de anéis adere­se à superfície das hemácias, com poucos organismos livres ao fundo da lâmina (corante
de Romanowsky em solução aquosa). Cortesia do Dr. Robin Allison.

No caso de infecção por M. haemofelis, um período de incubação de 2 a 30 dias é seguido de anemia, e


alguns gatos desenvolvem alterações cíclicas no VG que coincidem com o aparecimento de grande quantidade
de microrganismos no esfregaço sanguíneo. Em gatos não tratados, essa fase aguda dura 3 a 4 semanas, após a
qual alguns animais podem permanecer cronicamente infectados, apesar do valor de VG normal ou quase
normal. Sugere­se que pode haver agravamento da anemia quando esses gatos com infecção crônica apresentam
doença debilitante ou são submetidos a estresse ou terapia imunossupressora.
Suspeita­se que todo gato com anemia é portador de AIF. A gravidade dos sinais clínicos está relacionada
com a rapidez de início da anemia. Os achados clínicos incluem fraqueza, palidez de membranas mucosas,
taquipneia, taquicardia e, ocasionalmente, colapso. Gatos com doença aguda podem manifestar febre, ao passo
que os agonizantes podem apresentar hipotermia. Outras anormalidades ao exame físico podem incluir sopro
cardíaco, esplenomegalia e icterícia. Nos casos crônicos ou de progressão lenta, é possível constatar temperatura
corporal normal ou subnormal, fraqueza, depressão e perda de peso ou emaciação.
As alterações laboratoriais esperadas incluem anemia regenerativa moderada a grave, aumento da quantidade
de hemácias nucleadas, policromasia, anisocitose, corpúsculos de Howell­Jolly e reticulocitose. Os testes de
Coombs podem ser positivos 7 a 14 dias após o aparecimento do microrganismo no sangue e permanecem
positivos durante toda a fase aguda, tornando­se negativos em gatos portadores cronicamente infectados.
Tradicionalmente, a confirmação laboratorial da infecção baseia­se na identificação do microrganismos em
amostra de sangue periférico examinado em microscopia óptica, embora M. haemofelis seja visto em menos de
50% dos gatos com infecção aguda. Alguns laboratórios disponibilizam testes PCR consideravelmente mais
sensíveis e específicos do que o exame do esfregaço sanguíneo. A detecção de M. haemofelis pela técnica PCR
é mais significante do que a detecção de outras espécies de hemoplasma (‘Candidatus M. turicensis’ e
‘Candidatus M. haemominutum’), as quais não estão estreitamente relacionadas com a ocorrência de anemia.
Sem tratamento, 1/3 dos gatos com infecção aguda pode morrer. O tratamento envolve terapia de suporte,
oxigenoterapia e transfusão sanguínea, bem como tratamento específico com doxiciclina (10 mg/kg VO, sid,
durante, pelo menos, 2 semanas). Em razão do risco de esofagite e estenose de esôfago, a administração de
hiclato de doxiciclina deve ser seguida de fornecimento de um bolus de vários mililitros de água. O
enrofloxacino (5 mg/kg/dia VO) é uma alternativa apropriada à doxiciclina. Atualmente não se recomenda o
tratamento de gatos sadios com resultado positivo no teste PCR, pois ainda não se conhece um protocolo
terapêutico que elimine completamente o microrganismo. O uso de doses imunossupressoras de glicocorticoides
para suprimir o dano imunomediado de hemácias é controverso, mas pode ser uma opção aos gatos que não
respondem à terapia antimicrobiana, exclusivamente, ou quando a possível causa seja anemia hemolítica
imunomediada.

TEILERIOSE

Representa um grupo de doenças transmitidas por carrapatos e causadas por Theileria spp. Grande quantidade
de Theileria spp é observada nos animais domésticos e selvagens em áreas infestadas por carrapatos do Velho
Mundo. As espécies mais importantes são T. parva e T. annulata, responsáveis por alta taxa de mortalidade em
bovinos que vivem em regiões tropicais e subtropicais do Velho Mundo. T. lestoquardi, T. lowenshuni e T.
uilenbergi são importantes causas de morte em ovinos.
Tanto a Theileria quanto a Babesia são membros da subordem Piroplasmorina. Enquanto a Babesia são
parasitos, principalmente, das hemácias, a Theileria utiliza sucessivamente leucócitos e hemácias para
completar seu ciclo biológico no mamífero hospedeiro. O estágio de esporozoíto infectante do parasito é
transmitido pela saliva dos carrapatos infectados por ocasião do repasto. Os esporozoítos invadem os leucócitos
e, dentro de poucos dias, se transformam em esquizontes. Na maioria das espécies patogênicas de Theileria (p.
ex., T. parva e T. annulata), ocorre multiplicação dos parasitos, principalmente nos leucócitos do hospedeiro, ao
passo que espécies menos patogênicas se multiplicam especialmente nas hemácias. O desenvolvimento do
estágio de esquizonte da Theileria patogênica causa divisão de leucócitos do hospedeiro; em cada divisão
celular, o parasito também se multiplica. Logo, a população de células parasitadas aumenta e, por migração, se
dissemina por todo o sistema linfoide. Posteriormente, parte dos esquizontes sofre merogonia; os merozoítos
resultantes infectam as hemácias, dando origem aos piroplasmas. A ingestão das hemácias infectadas com
piroplasmas pelos carrapatos vetores representa o início de um ciclo biológico complexo, culminando na
transmissão da infecção por carrapatos que se alimentam em seu próximo estágio (transmissão transestadial).
Não há transmissão transovariana, como acontece no caso de Babesia. A ocorrência da doença limita­se à
distribuição geográfica dos carrapatos vetores específicos. Em algumas áreas endêmicas, bovinos nativos
apresentam resistência inata. A mortalidade em tais rebanhos é relativamente baixa, mas bovinos nele
introduzidos são particularmente vulneráveis.

Febre da Costa Oriental

É uma doença aguda de bovinos, geralmente caracterizada por febre alta, aumento de linfonodos, dispneia e alta
taxa de mortalidade. Causada por Theileria parva, é um problema sério no Leste e no centro do continente
africano.
ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO: Os esporozoítos de T. parva são inoculados nos bovinos pelo carrapato vetor
infectado, Rhipicephalus appendiculatus, durante o repasto. Com base em parâmetros clínicos e
epidemiológicos, são identificados três subtipos de T. parva, mas provavelmente não são subespécies
verdadeiras. T. parva parva e T. parva bovis são mantidas pela transmissão entre os bovinos. T. parva parva é
altamente patogênica e pode causar alta taxa de mortalidade, ao passo que T. parva bovis é menos patogênica. T.
parva lawrencei é verificada em búfalos, sendo altamente patogênica quando transmitida aos bovinos, mas não
desenvolve o estágio de piroplasma e não pode ser transmitida entre animais infectados.
PATOGÊNESE, ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Ocorre uma fase oculta de 5 a 10 dias antes que os

linfócitos infectados possam ser detectados em esfregaços de células aspiradas do linfonodo infectado, corados
por Giemsa. Em seguida, a quantidade de células parasitadas aumenta rapidamente por todo o sistema linfoide;
aproximadamente a partir do 14o dia, são verificadas células em fase de merogonia. Tal ocorrência está
associada a lise disseminada de linfócitos, depleção linfoide acentuada e leucopenia. Nas hemácias infectadas
pelos merozoítos resultantes, os piroplasmas assumem várias formas, mas tipicamente são pequenos e ovais ou
em forma de bastonetes.
Os sinais clínicos variam de acordo com o grau de desafio, de inaparentes ou discretos a graves e fatais.
Tipicamente, surge febre 7 a 10 dias após a inoculação dos parasitos pelos carrapatos infectados; a febre
continua durante todo o curso da infecção e pode ser superior a 42°C. O aumento de linfonodos torna­se
acentuado e generalizado. Nos esfregaços de amostras de linfonodos obtidas por biopsia e corados por Giemsa,
notam­se linfoblastos com esquizontes multinucleares. O animal manifesta anorexia e rapidamente piora o seu
escore corporal; pode haver lacrimejamento e secreção nasal. No estágio terminal, é frequente a ocorrência de
dispneia. Imediatamente antes da morte, é comum a queda acentuada na temperatura corporal e excreção de
exsudato pulmonar pelas narinas. Geralmente o animal morre 18 a 24 dias após a infecção. As lesões mais
notáveis constatadas à necropsia são aumento de volume de linfonodos e edema e hiperemia pulmonar
marcantes. É comum a ocorrência de hemorragia nas superfícies serosa e mucosa de vários órgãos, às vezes
associada a áreas de necrose evidente nos linfonodos e no timo. A anemia não é um sinal diagnóstico importante
(como acontece na babesiose), pois há mínima multiplicação dos parasitos nas hemácias e, consequentemente,
não há hemólise intensa.
Os animais que se recuperam ficam imunes à nova infecção pela mesma cepa, mas podem ser suscetíveis a
algumas cepas heterólogas. A maior parte dos animais recuperados ou imunizados permanece como portador da
infecção.
TRATAMENTO E CONTROLE: O tratamento com parvaquona e seu derivado buparvaquona é muito efetivo quando
instituído no estágio inicial da doença clínica, porém sua eficácia é menor nas fases avançadas nas quais há
extensa destruição de tecidos linfoide e hematopoético. A imunização de bovino contra T. parva utilizando um
procedimento de infecção­e­tratamento é prática e está sendo aceita em algumas regiões. Para tal procedimento,
utiliza­se um inóculo de amostra de esporozoítos criopreservados da(s) cepa(s) apropriada(s) de Theileria
oriunda de carrapatos infectados e, simultaneamente, uma única dose de oxitetraciclina de longa duração;
embora a oxitetraciclina tenha pouco efeito terapêutico quando aplicada após a instalação de uma infecção, ela
impede o desenvolvimento do parasito quando administrada no início da infecção. Os bovinos devem ser
imunizados 3 a 4 semanas antes de serem introduzidos em pastagem infectada. As células de bovinos
parasitadas contendo o estágio esquizonte de T. parva e T. annulata podem ser cultivadas in vitro como
linhagens celulares de crescimento contínuo. No caso de T. annulata, os bovinos podem ser infectados com
alguns milhares de células cultivadas. As cepas atenuadas produzidas por passagens seriadas de culturas
semelhantes representam a base da vacina viva em vários países, inclusive Israel, Irã, Índia e antiga União
Soviética.
A ocorrência de febre da costa oriental pode ser minimizada por meio de rígido controle de carrapatos; porém
não é possível em várias regiões, por conta do custo e da alta frequência necessária do tratamento com acaricida.

Teileriose Tropical

T. annulata, microrganismo causador de teileriose tropical, está amplamente distribuída na África do Norte,
região costeira do Mediterrâneo, Oriente Médio, Índia, antiga União Soviética e Ásia. Ela é transmitida por
várias espécies de carrapatos do gênero Hyalomma. A T. annulata pode provocar taxa de mortalidade de até
90%, porém a patogenicidade das cepas é variável. A cinética da infecção e os principais achados clínicos são
semelhantes àqueles ocasionados por T. parva; porém, diferentemente da febre da costa leste, com frequência a
anemia é uma característica da doença. Os sinais típicos incluem febre e aumento dos linfonodos superficiais.
Se a doença progride, os bovinos emagrecem rapidamente. Os esquizontes e piroplasmas são morfologicamente
semelhantes àqueles de T. parva. Os animais que se recuperam da infecção ficam imunes a infecções
subsequentes. O tratamento e o controle são semelhantes àqueles da febre da costa leste (ver a seguir).

Outras Teilerioses de Bovinos

O grupo de T. orientalis, que consiste em parasitos estreitamente relacionados com T. orientalis, T. buffeli e T.
sergenti, apresenta distribuição cosmopolita. Esses parasitos são transmitidos por carrapatos do gênero
Haemaphysalis. Os piroplasmas são maiores do que aqueles de T. parva e T. annulata e se multiplicam
principalmente por divisão intraeritrocitária. A ocorrência de morte, particularmente em bovinos nativos, é rara,
mas a infecção pode resultar em anemia crônica progressiva.
T. mutans e T. velifera são verificadas na África, onde são transmitidas por carrapatos do gênero Amblyomma.
Ocorre multiplicação, principalmente por divisão intraeritrocitária. Os piroplasmas são morfologicamente
indistinguíveis daqueles de T. orientalis e T. taurotragi (um parasito de elã [espécie de antílope africano] e de
bovinos criados na África), porém os parasitos podem ser diferenciados por meio de testes sorológicos, como
pesquisa de anticorpos por fluorescência indireta e pela tipagem do DNA. Algumas cepas de T. mutans também
são patogênicas. Além disso, uma infecção concomitante pode exacerbar a patogenicidade de T. parva.

Teileriose em Ovinos e Caprinos

T. lestoquardi (antigamente denominada T. hirci) causa doença em ovinos e caprinos semelhante àquela de
bovinos ocasionada por T. annulata, com a qual é estreitamente relacionada. T. lestoquardi é transmitida por
carrapatos do gênero Hyalomma e apresenta distribuição geográfica semelhante àquela de T. annulata. A taxa de
mortalidade pode se aproximar de 100%. Os esquizontes podem ser facilmente vistos em esfregaços de
amostras de linfonodos superficiais aumentados obtidas por biopsia e coradas por Giemsa.
Recentemente, foram identificadas duas espécies de Theileria, T. lewenshuni e T. uilenbergi, como causa de
enfermidade grave em ovinos criados na China. Essas espécies são morfologicamente indistinguíveis e
provocam doença semelhante, porém podem ser diferenciadas por meio de tipificação do DNA. Elas são
transmitidas por carrapatos do gênero Haemaphysalis. Esquizontes são detectados em diversos tecidos, porém
mais tardiamente e em quantidade menor do que em outras espécies patogênicas de Theileria. Piroplasmas são
claramente vistos nas hemácias. Notaram­se taxas de morbidade e de mortalidade de até 65% (T. lewenshuni) e
75% (T. uilenbergi) em animais suscetíveis, introduzidos em áreas endêmicas. Os animais acometidos
manifestaram febre e anemia.
Várias outras espécies de Theileria não patogênicas (p. ex., T. ovis) também estão amplamente distribuídas.
Os piroplasmas dessas espécies são polimórficos.
Babesia equi foi reclassificada como T. equi no ano de 1998, com base na análise do DNA e de outros dados
biológicos (ver p. 46).

TRIPANOSSOMÍASE

Tripanossomíase Transmitida pela Mosca Tsé-tsé

Esse grupo de doenças causadas por protozoários do gênero Trypanosoma acomete todos os animais
domésticos. As principais espécies são T. congolense, T. vivax, T. brucei brucei e T. simiae. Na Tabela 6, estão
listadas as espécies animais mais suscetíveis à tripanossomíase transmitida pela mosca tsé­tsé e as regiões
geográficas onde ocorre esse tipo de tripanossomíase.
Bovinos, ovinos e caprinos são infectados, em ordem de importância, por T. congolense, T. vivax e T. brucei
brucei. Nos suínos, T. simiae é a espécie mais importante. Em cães e gatos, T. brucei é, provavelmente, o mais
importante. É difícil designar uma ordem de importância para equinos e camelídeos. T. vivax não se restringe à
região subsaariana da África infestada com mosca tsé­tsé.
Os tripanossomos que causam a tripanossomíase transmitida pela mosca tsé­tsé (ou doença do sono) em
pessoas, T. brucei rhodesiense e T. brucei gambiense são muito semelhantes a T. brucei brucei detectado em
animais, devendo­se adotar cuidados especiais ao se manusear tais isolados. Os animais domésticos podem atuar
como fonte de infecção humana.
TRANSMISSÃO E EPIDEMIOLOGIA: A maior parte dos casos de transmissão pela mosca tsé­tsé é cíclica e se inicia
quando o sangue de um animal infectado com tripanossomo é ingerido pela mosca. O tripanossomo perde o seu
revestimento superficial e se multiplica na mosca; em seguida, readquire um revestimento superficial e torna­se
infectante. T. brucei migra do intestino para o pró­ventrículo, daí para a faringe e, por fim, para as glândulas
salivares; o ciclo de T. congolense cessa na hipofaringe, e as glândulas salivares não são invadidas; o ciclo
completo do T. vivax ocorre na probóscida. A forma infectante presente na glândula salivar da mosca tsé­tsé é
considerada como forma metacíclica. O ciclo biológico dessa mosca pode ser inferior a 1 semana, como no caso
de T. vivax, ou se estender até algumas semanas, como no caso de T. brucei spp.

Tabela 6 – Tripanossomos de animais transmitidos pela mosca Tsé-Tsé

Trypanosoma Animais mais suscetíveis Principal distribuição


spp geográfica

T. Bovinos, ovinos, caprinos, cães, suínos, camelos, Região da África infestada


congolense equinos, a maioria dos animais selvagens por mosca Tsé­Tsé
T. vivax Bovinos, ovinos, caprinos, camelos, equinos, vários África, Américas Central e
animais selvagens do Sul, Oeste da Índiaa
T. brucei Todos os animais domésticos e vários selvagens; Região da África infestada
brucei mais grave em cães, equinos e gatos por mosca Tsé­Tsé
T. simiae Suínos domésticos e selvagens, camelos Região da África infestada
por mosca Tsé­Tsé
a Em regiões não infestadas pela mosca Tsé­Tsé, a transmissão ocorre por meio de picada de outras moscas.

O habitat da mosca tsé­tsé (gênero Glossina) restringe­se à África, na latitude 15°N a 29°S. As três principais
espécies habitam ambientes relativamente distintos – G. morsitans quase sempre é observada em savanas; G.
palpalis prefere áreas ao redor de rios e lagos e G. fusca vive em florestas altas. As três espécies transmitem
tripanossomos e se alimentam de vários mamíferos.
A transmissão mecânica pode ocorrer por picada da mosca tsé­tsé ou de outras moscas. No caso de T. vivax,
parece que Tabanus spp e outras moscas picadoras são os principais vetores mecânicos em regiões onde não há
mosca tsé­tsé, como nas Américas Central e do Sul. A transmissão mecânica necessita apenas da transferência
de sangue contaminado com tripanossomos infectantes de um animal para outro.
PATOGÊNESE: As moscas tsé­tsé infectadas inoculam os tripanossomos metacíclicos na pele dos animais, onde o
protozoário cresce por alguns dias e causa tumefações localizadas (cancros). Os tripanossomos alcançam os
linfonodos e, em seguida, a corrente sanguínea, onde se multiplicam rapidamente por meio de fissão binária. Na
infecção por T. congolense, os microrganismos se aderem às células endoteliais e se instalam em capilares e
pequenos vasos sanguíneos. T. brucei e T. vivax invadem os tecidos e provocam lesões teciduais em vários
órgãos.
A resposta imune é vigorosa, e os imunocomplexos causam inflamação, que contribui na manifestação clínica
e no desenvolvimento de lesões da doença. Os anticorpos contra as glicoproteínas de superfície destroem os
tripanossomos. No entanto, os tripanossomos possuem diversos genes que codificam diferentes glicoproteínas
de superfície, as quais não são vulneráveis à resposta imune; essa variação antigênica resulta na persistência do
protozoário. Não é conhecido o total de tipos antigênicos de glicoproteínas que podem ser sintetizados, mas
excede várias centenas. A variação antigênica tem impedido o desenvolvimento de uma vacina, permitindo
reinfecções quando os animais são expostos a um novo tipo antigênico.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A gravidade da doença varia em função da espécie e da idade do animal
infectado, bem como da espécie de tripanossomo envolvida. O período de incubação geralmente varia de 1 a 4
semanas. Os principais sintomas incluem febre intermitente, anemia e perda de peso. Os bovinos apresentam
curso crônico com alta taxa de mortalidade, especialmente quando há deficiência nutricional ou influência de
outros fatores estressantes. Os ruminantes podem recuperar­se gradativamente quando o número de moscas tsé­
tsé infectadas é baixo; no entanto, o estresse resulta em recidiva.
Os achados de necropsia são variados e inespecíficos. Nos casos agudos e fatais, pode haver extensas áreas de
petéquias nas membranas serosas, em especial na cavidade peritoneal. Também é frequente o aumento de
linfonodos e do baço. Nos casos crônicos, constatam­se aumento de linfonodo, atrofia serosa da gordura e
anemia.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico presuntivo baseia­se na constatação de um animal anêmico com baixo escore
corporal em uma área endêmica. A confirmação depende da identificação de tripanossomos em esfregaços
sanguíneos corados ou em preparações úmidas. O método rápido mais sensível consiste no exame de preparação
úmida da camada leucocitária de um tubo de VG, após centrifugação. Outras infecções que causam anemia e
perda de peso, como babesiose, anaplasmose e teileriose, devem ser excluídas pelo exame de esfregaço
sanguíneo corado.
Vários testes sorológicos detectam anticorpos contra tripanossomos, mas o seu uso é mais adequado para
triagem de rebanho do que para diagnóstico individual; no entanto, os testes para pesquisa de antígenos espécie–
específicos de tripanossomos circulantes no sangue periférico estão se tornando disponíveis para diagnóstico
tanto individual quanto de rebanho, embora sua eficiência ainda não tenha sido comprovada. Técnicas
moleculares para detecção e diferenciação de tripanossomos foram desenvolvidas, mas geralmente não estão
disponíveis para uso de rotina.
TRATAMENTO E CONTROLE: Vários medicamentos podem ser utilizados (ver Tabela 7). A maioria deles tem um
estreito índice terapêutico, o que torna importante a administração da dose correta. Ocorre resistência aos
medicamentos, o que deve ser considerado nos casos refratários.
Para o controle, podem ser empregados vários procedimentos, inclusive erradicação de moscas tsé­tsé e uso
de medicação profilática. Essas moscas podem ser controladas parcialmente mediante aspersão e imersão
frequentes de animais, aspersão de inseticidas em áreas de procriação de moscas, uso de telas impregnadas com
inseticidas e limpeza, além de outros métodos. Tem­se utilizado, com êxito, a SIT na região do Zanzibar e
espera­se utilizar em outras ações de controle em amplas áreas, após a redução das populações de moscas tsé­tsé
por inseticidas. Há renovado interesse internacional na erradicação da mosca tsé­tsé em grande escala por meio
da PAT­TEC, sustentada pela União Africana. Nas regiões com alta população de moscas tsé­tsé infectadas com
tripanossomos, os animais podem receber medicação profilática. A resistência a medicamentos deve ser
cuidadosamente monitorada por meio de exames de sangue frequentes para pesquisa de tripanossomos nos
animais tratados.
No Oeste da África, já foram identificadas várias raças de bovinos com resistência inata à tripanossomíase, e
elas têm importante papel na redução do impacto da doença nessa região. No entanto, essa resistência pode se
perder quando há deficiência nutricional ou alta infestação de moscas tsé­tsé.
Tabela 7 – Medicamentos comumente utilizados no tratamento de tripanossomíase em animais domésticos

Medicamento Animal Trypanosoma Efeito principal

Aceturato de Bovinos vivax, congolense, brucei Curativo


diminazeno
Brometo de Bovinos vivax, congolense, brucei Curativo, algum
homídio efeito profilático
Equídeos vivax
Cloreto de homídio Como indicado para o brometo de homídio
Cloreto de Bovinos vivax, congolense Curativo e
isometamídeo profilático
Sulfato de Equinos, camelos, vivax, congolense, brucei, evansi, Curativo
quinapiramina suínos, cães equiperdum, simiae
Dimetilsulfato de Equinos, camelos, vivax, congolense, brucei, evansi, Profilático
quinapiramina suínos, cães equiperdum, simiae
Suramina Equinos, camelos, brucei, evansi Curativo, algum
cães efeito profilático
Dicloridrato de Camelos evansi Curativo
melarsomina

O melhor procedimento de controle é a combinação de métodos que reduzem a infestação de moscas tsé­tsé e
que aumentam a resistência do hospedeiro mediante o uso de medicação profilática.

Surra (Infecção por Trypanosoma evansi)

A surra é distinta das doenças transmitidas pela mosca tsé­tsé, porque geralmente é transmitida por picadas de
outras moscas observadas dentro e fora das áreas infestadas por moscas tsé­tsé. Ela ocorre no Norte da África,
no Oriente Médio, na Ásia, no Extremo Oriente e nas Américas Central e do Sul. Na África, a distribuição de T.
evansi estende–se para as áreas infestadas por moscas tsé­tsé, onde sua diferenciação do T. brucei torna­se
difícil. É, essencialmente, uma doença de camelos e equinos, mas todos os animais domésticos são suscetíveis.
A doença pode ser fatal, particularmente em camelos, equinos e cães. Em outros animais T. evansi parece não
ser patogênico, e esses animais atuam como reservatórios do microrganismo.
A transmissão ocorre, principalmente, por moscas que picam, provavelmente resultando de alimentações
interrompidas. Alguns animais selvagens são suscetíveis à infecção e podem atuar como reservatórios.
Patogênese, achados clínicos, lesões, diagnóstico e tratamento são semelhantes àqueles descritos para a
infecção de tripanossomos transmitidos pela mosca tsé­tsé (p. 63).

Durina

É uma doença venérea crônica frequentemente constatada em equinos, transmitida durante o coito e causada por
T. equiperdum. A doença foi diagnosticada na costa mediterrânea da África, Oriente Médio, Sul da África e
América do Sul; é provável que sua distribuição seja mais ampla.
Os sintomas podem se desenvolver em semanas ou meses. Os sinais clínicos iniciais incluem secreção uretral
mucopurulenta, em garanhões, e secreção vaginal, em éguas, seguida de edema evidente da genitália.
Posteriormente, surgem placas cutâneas características de 2 a 10 cm de diâmetro, e o equino emagrece
progressivamente. A taxa de mortalidade de casos não tratados varia de 50 a 70%.
A identificação dos tripanossomos na secreção uretral ou vaginal, nas placas cutâneas ou no sangue periférico
é difícil, a menos que o material seja centrifugado. Os equinos infectados podem ser identificados pelo teste de
fixação de complemento, mas somente nas áreas livres de T. evansi ou T. brucei, pois possuem antígenos
comuns. Pode haver disponibilidade de um teste ELISA para o diagnóstico.
Nas áreas endêmicas, os equinos podem ser tratados (Tabela 7). Quando há necessidade de erradicação, o
controle rigoroso do acasalamento e a eliminação de equinos­problema são procedimentos efetivos. Como
alternativa, os equinos infectados podem ser identificados pelo teste de fixação de complemento; a eutanásia dos
animais positivos torna­se obrigatória.

Doença de Chagas (Infecção por Trypanosoma cruzi)

O ciclo de transmissão comum da doença de Chagas envolve gambás, tatus, roedores e carnívoros selvagens;
insetos da família Reduviidae atuam como vetores. Sua distribuição envolve Américas Central e do Sul e áreas
situadas ao Sul dos EUA. A doença de Chagas é importante na América do Sul. Os animais domésticos podem
se infectar e introduzir o tripanossomo em ambientes onde vivem pessoas, nos quais há insetos vetores; o
homem então se infecta por contaminação de lesões oculares ou ingestão de alimentos contaminados com as
fezes dos insetos que albergam tripanossomos. O tripanossomo é patogênico para o homem e, ocasionalmente,
para cães e gatos jovens; os outros animais domésticos atuam como reservatórios. Deve–se suspeitar de infecção
por T. cruzi em áreas endêmicas nas quais os cães manifestam morte súbita ou miocardite.

Tripanossomos Não Patogênicos

Têm­se isolado Trypanosoma theileri e outros tripanossomos muito semelhantes em culturas de sangue
periférico de bovinos, em todos os continentes. Também já foram isolados tripanossomos semelhantes em
bubalinos domésticos e selvagens e em várias outras espécies de animais ungulados selvagens. Nas poucas
regiões estudadas, a transmissão ocorreu por contaminação, depois de um ciclo de desenvolvimento em espécies
de moscas tabanídeas. Embora a maior parte das parasitemias seja subclínica, pode­se notar tripanossomo em
esfregaço sanguíneo destinado ao exame de protozoários patogênicos ou em uma câmara de hemocitometria.
Ainda não se comprovou, experimentalmente, sua patogenicidade.
T. melophagium, que acomete ovinos, é cosmopolita e transmitido pelo ectoparasita Melophagus ovis. T.
theodori, isolado em caprinos, pode ser um sinônimo desse tripanossomo.

LINFADENITE E LINFANGITE

INFECÇÃO DE EQUINOS E BOVINOS POR CORYNEBACTERIUM PSEUDOTUBERCULOSIS

(Pigeon fever, linfangite ulcerativa ou garrotilho de região seca)

Em equinos, o C. pseudotuberculosis causa linfangite ulcerativa (infecção que se instala na parte baixa dos
membros), abscessos na região peitoral e no abdome ventral, bem como abscessos internos. Na Califórnia, é
uma das doenças infecciosas mais comuns e economicamente importantes de equinos; sua prevalência está
aumentando em outros estados do Oeste e do Meio­Oeste dos EUA. Há relatos de surtos esporádicos em
bovinos criados no Oeste dos EUA. Nos bovinos, a bactéria ocasiona, principalmente, granulomas cutâneos com
escoriações. Amplas lesões cutâneas ulceradas semelhantes a tecido de granulação infectado e linfangite podem
acometer 2 a 5% das vacas. No animal, sua localização é variável, mas frequentemente está associada a
traumatismo cutâneo. Com frequência, há cura sem tratamento ou apenas com tratamento tópico por 2 a 4
semanas. Também, podem ocorrer aborto e mastite. Nos bovinos, há raros relatos de envolvimento visceral.
PATOGÊNESE E ACHADOS CLÍNICOS: Em equinos, o início da linfangite ulcerativa é variável e pode se

manifestar na forma de inflamação dolorida, pústulas e úlceras, especialmente na parte inferior dos membros, ou
claudicação e tumefação edematosa que pode se estender por todo o membro. O exsudato é inodoro, espesso,
marrom­claro e manchado de sangue. Em geral, apenas um membro é acometido. Caso não sejam tratados de
modo agressivo com antimicrobianos, as lesões e o edema progridem e a infecção pode se tornar crônica, com
recidivas.
No Sudoeste dos EUA, a infecção por C. pseudotuberculosis nos equinos é sazonal, com ocorrência máxima
no final do verão e no outono. A infecção resulta em formação de abscesso na região peitoral ou na parede
abdominal ventral, com disseminação secundária aos órgãos internos. Os sinais clínicos incluem tumefações
difusas ou localizadas, edema ventral com sinal do cacifo ou de Godet, dermatite na linha média ventral,
claudicação, abscessos ou fístulas, febre, perda de peso e depressão. Podem­se constatar leucocitose e
neutrofilia, hiperfibrinogenemia e hiperproteinemia. Febre alta ou prolongada, anorexia ou perda de peso
indicam sequelas indesejáveis como abscessos profundos ou recidivantes, abscesso interno ou infecção
sistêmica, com aborto. Os abscessos podem aumentar de tamanho, alcançando até 20 cm de diâmetro, antes de
se romperem; a cura pode demorar de semanas a meses. Perda de peso, cólica, abdome com partes em depressão
ou letargia podem ser indicativos de abscessos internos.
Provavelmente, as bactérias penetram no organismo através de feridas cutâneas por meio de artrópodes
vetores, como moscas de estábulo, mosca do chifre e moscas domésticas, ou pelo contato com fômite ou solo
contaminado.
DIAGNÓSTICO: Para confirmar a infecção, é necessário o isolamento de C. pseudotuberculosis das lesões. Em
todas as formas de linfangite em equinos, as amostras para cultura incluem aspirados de abscessos, swabs com
exsudato purulento obtidos abaixo das crostas associado a foliculite e biopsia com perfurador (punch). No
diagnóstico diferencial, devem­se incluir piodermatite, abscessos, linfangite causada por outras bactérias (p. ex.,
Staphylococcus aureus, Rhodococcus equi, Streptococcus spp ou Dermatophilus spp), dermatofitose,
esporotricose, criptococose equina, blastomicose norte­americana e oncocercose.
Ultrassonografia de abdome é útil para detectar infecção interna de fígado, baço ou rins. Também, a
ultrassonografia é importante para detecção e drenagem de abscessos profundos que provocam claudicação,
especialmente no músculo tríceps. É necessária a obtenção de aspirado transtraqueal para confirmar se a
pneumonia é causada por C. pseudotuberculosis. O teste sorológico por meio do teste de inibição da hemólise
sinérgica, que detecta IgG contra a exotoxina fosfolipase D, é um exame auxiliar valioso no diagnóstico de
infecção interna.
TRATAMENTO: Linfangite e infecções internas devem ser tratadas por longo tempo com antimicrobianos (durante
1 mês ou com base no exame ultrassonográfico de acompanhamento). O microrganismo é sensível aos
antimicrobianos mais comumente utilizados; no entanto, o tratamento antimicrobiano de abscessos externos não
complicados pode prolongar a doença, por retardar a maturação dessas estruturas. O abscesso externo é tratado
mediante aplicação de compressa quente, cataplasma ou hidroterapia, até sua ruptura ou drenagem cirúrgica. Os
abscessos são lancetados e lavados com solução antisséptica à base de iodo. Para colocação de dreno de demora
em abscessos profundos da região do tríceps ou do quadríceps, é necessário um procedimento guiado por
ultrassonografia. A fenilbutazona alivia a dor e o edema. Indicam­se terapia de suporte e cuidados gerais de
enfermagem.
Caso o tratamento seja efetivo, a tumefação regride gradativamente ao longo de dias ou semanas. A infecção
interna é responsável por taxa de mortalidade de 30 a 40%, mesmo com tratamento apropriado. Os casos graves
ou não tratados de linfangite frequentemente tornam­se crônicos, ocorrendo fibrose e rigidez do membro. Para a
prevenção da doença, recomendam­se isolamento dos equinos infectados, controle de moscas e boas práticas
sanitárias.
LINFADENITE CASEOSA

A linfadenite caseosa (LC) é uma doença contagiosa crônica causada pela bactéria Corynebacterium
pseudotuberculosis. A LC é de ocorrência cosmopolita. É uma doença de maior preocupação para produtores de
pequenos ruminantes, na América do Norte. A enfermidade é caracterizada pela formação de abscessos em
linfonodos, ou próximo a eles (forma externa), ou no tórax e no abdome (forma interna). A forma interna de LC
pode provocar definhamento e comprometimento respiratório, sendo importante para a exclusão da síndrome da
“ovelha magra”. Com frequência, a doença torna­se uma infecção endêmica nas propriedades, porque é difícil
eliminar os animais acometidos; ademais, os portadores subclínicos mantêm a contaminação do ambiente. As
perdas econômicas devem­se, principalmente, à condenação de carcaças infectadas, à desvalorização de couro e
lã, ao descarte de animais infectados, à perda de vendas de reprodutores e a mortes decorrentes da forma interna
da doença. Embora seja, principalmente, uma infecção de ovinos e caprinos, esporadicamente pode acometer
equinos, bovinos, camelídeos, suínos, búfalos, ruminantes selvagens, aves e ouriços. Raramente ocorre LC em
pessoas, de modo que se deve ter cuidado apropriado ao manipular animais infectados e exsudato purulento das
lesões.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: C. pseudotuberculosis é um cocobacilo gram­positivo intracelular facultativo.
Foram identificados dois biotipos com base na capacidade da bactéria em reduzir o nitrato: grupo nitrato­
negativo, que infecta ovinos e caprinos, e grupo nitrato­positivo, que infecta equinos. Os isolados de bovinos
representam um grupo heterogêneo. Todas as cepas produzem uma exotoxina denominada fosfolipase D, capaz
de exacerbar a disseminação da bactéria pelas células endoteliais e aumentar a permeabilidade vascular. A
bactéria tem um segundo fator de virulência, um revestimento lipídico externo que propicia proteção ante as
enzimas hidrolíticas dos fagócitos dos hospedeiros. A replicação da bactéria ocorre nos fagócitos que, em
seguida, se rompem e liberam as bactérias. O processo contínuo de replicação bacteriana, seguido de atração e
morte subsequente de células inflamatórias, origina os abscessos característicos da LC.
A infecção instala­se após a penetração de C. pseudotuberculosis na pele íntegra ou lesionada ou através das
membranas mucosas. A maioria das infecções instala­se a partir de feridas contaminadas com exsudato
purulento e de abscessos pulmonares ou externos que se rompem. As lesões de pele decorrentes de tosquia,
brincos de identificação, caudectomia, castração e fatores ambientais (p. ex., lascas de madeira, extremidades de
metais, pregos salientes, arame) predispõem à instalação da infecção. Em ovinos, o uso de tanques para banho
de imersão comuns pode disseminar a doença porque C. pseudotuberculosis pode sobreviver nas soluções de
imersão por até 24 h. A realização de tosquia imediatamente antes do banho de imersão aumenta o risco de
infecção porque costuma causar escoriação cutânea. C. pseudotuberculosis não se multiplica no ambiente, mas
pode sobreviver em feno, palha e madeira durante 2 meses e no solo por 8 meses. Sombra e umidade prolongam
a permanência do microrganismo no ambiente.
ACHADOS CLÍNICOS: A LC é uma doença recorrente crônica. Pode se desenvolver na forma de abscesso
encapsulado de crescimento lento, 1 a 3 meses após inoculação da bactéria, no local de penetração cutânea ou
no linfonodo regional. A infecção pode se disseminar por via sanguínea ou linfática e causar abscessos em
linfonodos ou órgãos internos, como pulmões, rins, fígado, útero e cérebro. Os locais de envolvimento menos
comuns são glândula mamária, escroto e articulações. Em alguns animais, a infecção inicial é subclínica, mas
pode ser acompanhada de febre, anorexia e celulite no local da infecção. Os abscessos superficiais
eventualmente se rompem e eliminam secreção purulenta contaminada no ambiente. As feridas cutâneas se
curam e deixam cicatrizes. Pode ocorrer recidiva de abscessos meses a anos depois.
Há diferença entre ovinos e caprinos quanto à distribuição dos abscessos, possivelmente como resultado de
diferentes manejos. Em caprinos, os abscessos superficiais desenvolvem­se, principalmente, nas regiões de
cabeça e pescoço, ao passo que a forma visceral é mais comum em ovinos. Os abscessos internos devem ser
potencialmente considerados no diagnóstico da síndrome “da ovelha magra”, na qual um pequeno ruminante
adulto perde sua condição corporal, mesmo com dieta adequada. A transmissão aumenta quando o rebanho é
reunido em grupos, como acontece na época da tosquia, principalmente por meio de secreção expelida durante a
tosse de ovinos com infecções pulmonares. Adicionalmente, lâminas de máquinas de tosquia contaminadas com
material purulento podem infectar outros ovinos durante a tosquia.
A ocorrência de abscessos aumenta constantemente com o avanço da idade; a doença clínica é mais
prevalente em adultos, e até 40% dos animais de um rebanho podem apresentar abscessos superficiais.
Lesões: Em ovinos, os abscessos costumam se apresentar classicamente como “anéis de cebola” laminados, em
corte transversal, com camadas fibrosas concêntricas separadas por exsudato caseoso condensado. Em caprinos,
os abscessos são menos organizados, e normalmente o exsudato é mole e pastoso.
DIAGNÓSTICO: Em pequenos ruminantes, a constatação de um abscesso externo é altamente sugestiva de LC,
especialmente em um rebanho no qual a doença é endêmica; porém, para um diagnóstico definitivo, deve–se
enviar uma amostra de aspirado de abscesso intacto para exame bacteriológico. Outros microrganismos
piogênicos, como Arcanobacter pyogenes, Staphylococcus aureus, Pasteurella multocida, e anaeróbios, como
Fusobacterium necrophorum, também podem causar abscesso. Os pacientes infectados devem ser mantidos
isolados até que se obtenha o resultado da cultura microbiológica. Em animais com abscessos viscerais, o
diagnóstico é um desafio maior. Radiografia e ultrassonografia podem ser úteis na detecção de lesões internas.
A realização de cultura de aspirado transtraqueal obtido de um animal com pneumonia pode auxiliar a
esclarecer se a causa é LC.
No Davis Diagnostic Laboratory, da Universidade da Califórnia, há disponibilidade do teste de inibição da
hemolisina sinérgica. Esse teste detecta anticorpos contra a exotoxina fosfolipase D. Devem­se avaliar os
resultados da titulação, considerando histórico do rebanho, presença ou ausência de doença clínica e histórico de
vacinação contra LC. Considera­se título 1:8 ou mais indicativo de infecção; título de 1:256 ou maior está
relacionado com abscesso interno. No entanto, os testes sorológicos não diferenciam um animal vacinado
daquele naturalmente infectado. Pode haver resultado falso­negativo se o teste for realizado nas primeiras 2
semanas após a exposição, antes de ocorrer soroconversão. Também, os animais com abscessos crônicos
encapsulados podem apresentar resultado falso­negativo. Quando há dúvida quanto à condição de um animal
com título positivo, deve­se repetir a titulação após 2 a 4 semanas. Caso o título aumente e se constatem
abscessos, pode­se considerar LC como a causa. Os títulos colostrais geralmente deixam de ser detectados com
3 a 6 meses de idade, de forma que o teste sorológico de cordeiros ou cabritos com menos de 6 meses de idade
deve ser interpretado com cuidado.
TRATAMENTO E CONTROLE: Uma vez definido o diagnóstico de LC, é necessário orientação do proprietário,
enfatizando a natureza persistente e recidivante da doença. A abordagem mais prática para animais comerciais
que apresentam LC é o descarte deles do rebanho. No entanto, os pacientes com abscessos supurados não
devem ser introduzidos em lotes de animais para venda, até que tenha cessado a secreção e a ferida, cicatrizado.
Deve­se tentar o tratamento dos animais, individualmente, estando­se ciente de que a LC não é considerada uma
doença “curável”. Os animais com valor afetivo ou econômico são tratados, principalmente, por motivo estético
e para evitar a contaminação do resto do rebanho. Sempre que possível, deve­se remover o abscesso intacto
mediante excisão cirúrgica. Como alternativa, os abscessos externos podem ser lancetados e drenados, e a
cavidade do abscesso lavada com solução de iodo. O material purulento deve ser coletado em recipiente
descartável e incinerado. O cirurgião deve utilizar luvas descartáveis a fim de evitar autoinoculação acidental. O
animal tratado deve ser isolado de outros pequenos ruminantes até que o ferimento tenha cicatrizado.
A eficácia da terapia antimicrobiana sistêmica é controversa. Como o uso da maioria dos medicamentos não é
indicado na bula (uso extralabel), é necessária uma relação cliente­paciente­veterinário. Embora o C.
pseudotuberculosis seja sensível à penicilina in vitro, o tratamento nem sempre é efetivo in vivo, porque o
antibiótico não consegue penetrar adequadamente nos abscessos. Como tratamento da forma interna de LC,
tem­se empregado terapia de longa duração (4 a 6 semanas) com penicilina (22.000 UI/kg IM, 2 vezes/dia) e
rifampicina (10 a 20 mg/kg VO, 1 vez/dia), com eficácia limitada. Não se recomenda a prática de injeção de
formalina nos abscessos, pois a FDA tem tolerância zero ao uso extralabel de um potente agente carcinogênico
como este em animais destinados ao consumo humano.
Atualmente são aprovadas vacinas comerciais contra LC para uso em ovinos. A vacinação de animais jovens
de reposição do rebanho reduz a ocorrência e a prevalência de LC no rebanho, mas não evita totalmente que
ocorram novas infecções, tampouco cura os animais já infectados. Atualmente, todas as vacinas contêm o
toxoide fosfolipase D; algumas contêm, ainda, bactérias mortas. A vacina está disponível na forma de bacterina
monovalente e como preparação polivalente contendo Clostridium tetani e C. perfringens tipo D. A dose inicial
é administrada por via SC na região axilar, após a diminuição da imunidade colostral (cerca de 3 meses de
idade), e deve ser repetida após 4 semanas. Pode­se melhorar a imunidade colostral pela administração de uma
dose de reforço às ovelhas e às cabras prenhes 1 mês antes da parição. Recomenda­se reforço vacinal
anualmente. Evidências sugerem que o aumento de frequência de vacinação, em intervalos de 4 a 6 meses, pode
ser benéfico a rebanhos sujeitos a alto risco de contaminação (p. ex., animais estabulados durante, ao menos,
parte do ano). Essas vacinas devem ser utilizadas com cuidado em ovinos potencialmente infectados, pois há
relato de possíveis reações adversas (p. ex., claudicação, letargia).
O uso extralabel da vacina em caprinos está associado a menor eficácia e maior ocorrência de reações
adversas (p. ex., redução da produção de leite, febre, indisposição, ataxia, edema ventral e, ocasionalmente,
morte). No entanto, relata­se algum êxito no uso de vacina comercial contra LC em caprinos. Há relato casual
de sucesso com o uso de vacinas autógenas contra LC em ovinos e caprinos.
Confirmada a presença de LC no rebanho, é necessário um programa de controle efetivo para reduzir a
ocorrência da doença. Os animais infectados devem ser imediatamente excluídos do grupo ou, como alternativa,
isolados dos animais não infectados, em um local separado. A presença de animais infectados assintomáticos no
rebanho “limpo” limita o sucesso desse procedimento, sendo um dos motivos da difícil erradicação de LC.
Cordeiros e cabritos de mães infectadas podem ser criados com leite e colostro pasteurizados, longe de animais
infectados. Devem­se vacinar os animais jovens de reposição do rebanho; os animais mais velhos devem ser
gradativamente descartados à medida que a atividade econômica permita. Quando a prevalência da doença é
baixa, a vacinação deve ser interrompida e todos os animais soropositivos não vacinados descartados. Sempre
que possível, devem­se adquirir animais de reposição de criadores que adotam programas com boas práticas de
prevenção de LC. A compra de animais de criatórios com histórico desconhecido é fortemente desestimulada.
Em um rebanho livre de LC, deve­se permitir somente a inclusão de animais soronegativos e aqueles sem
evidências ou cicatrizes ou abscessos próximos aos linfonodos.
Os criadores devem remover itens perigosos (arame farpado, pregos expostos, alimentadores grosseiros) do
ambiente, a fim de diminuir o risco de lesão e a transmissão potencial de LC. Os criadores também devem
comprar seu próprio equipamento de tosquia e sua solução de imersão, não compartilhando esses itens com
outros rebanhos. Animais adultos e aqueles com abscessos devem ser tosquiados no final, e o equipamento deve
ser desinfetado, se contaminado com exsudato. Os tosquiadores devem estar com as mãos limpas e vestir roupas
e botas limpas. Todos os itens que entram em contato com os animais de diferentes rebanhos devem ser
esterilizados, substituídos ou totalmente limpos antes do uso em novo rebanho.

LINFADENITE ESTREPTOCÓCICA DE SUÍNOS (Abscesso de mandíbula, abscesso cervical)

A linfadenite estreptocócica é uma doença contagiosa caracterizada por formação de abscessos em linfonodos
cervicais, mandibulares e cefálicos. Em geral, os suínos acometidos permanecem saudáveis e se desenvolvem
bem. A doença pode influenciar negativamente a eficiência do trabalho em abatedouros em razão da
condenação das cabeças infectadas, da necessidade de maior tempo para limpeza do abatedouro quando ocorre
ruptura acidental de um abscesso e do exame das carcaças afetadas pelos fiscais, a fim de verificar se estão
apropriadas para consumo.
Embora tenha sido um importante problema na indústria suína, atualmente a relevância de Streptococcus
porcinus e da doença resultante é insignificante. Mais recentemente, aumentou­se o interesse por S. porcinus por
conta de sua participação na ocorrência de infecção urogenital em pacientes humanos. A real importância de S.
porcinus na saúde humana é incerta; relata­se que, comumente, é mal identificado nos exames laboratoriais em
decorrência das reações cruzadas com S. agalactiae, indicado como causa de infecções urogenitais em pessoas.
Há relato de pelo menos oito sorotipos, e identificaram­se fatores antifagocitários e estreptoquinase como
fatores potenciais de virulência.
TRANSMISSÃO, EPIDEMIOLOGIA E PATOGÊNESE: A linfadenite estreptocócica é endêmica; quando ocorre em
uma propriedade, grupos sucessivos de suínos desenvolvem abscessos durante o período de crescimento e
terminação. Os suínos podem se infectar pela ingestão de S. porcinus presente na secreção de abscessos
rompidos que contaminam alimento e água; no entanto, os suínos portadores que se recuperaram da doença
representam a mais comum e importante fonte de infecção. Esses animais albergam S. porcinus nas tonsilas e
facilmente transmitem a bactéria aos animais suscetíveis por contato direto e pela contaminação da água e dos
alimentos. Os suínos são resistentes à infecção nas primeiras 3 a 4 semanas de vida, provavelmente em
decorrência da imunidade passiva.
Os abscessos miliares disseminados desenvolvem­se nos linfonodos mandibulares, parotídeos ou
retrofaringianos dentro de 7 dias após a infecção. Após cerca de 21 dias, é comum a constatação de abscessos
com 5 a 8 cm de diâmetro; essas lesões destroem a estrutura interna dos linfonodos acometidos e podem
envolver os tecidos adjacentes. Os abscessos em desenvolvimento podem atingir a pele, com supuração, dentro
de 7 a 10 semanas. As lesões drenadas cicatrizam por meio de granulação, permanecendo uma fístula
subcutânea fibrosa e densa que se cura após várias semanas. Os abscessos localizados profundamente podem
não ser detectados até o abate; eles tendem a não drenar para o lúmen da faringe. Em um lote de suínos
comerciais, a taxa de prevalência pode variar de 50 a 100%.
ACHADOS CLÍNICOS, LESÕES E DIAGNÓSTICO: Geralmente, os abscessos são os únicos sinais da infecção. São
mais comuns nos linfonodos mandibulares e retrofaringianos, sendo incomuns em outros linfonodos.
Raramente, a doença pode causar meningite, poliartrite ou sepse. O diagnóstico baseia­se na cultura e no
isolamento de S. porcinus na secreção do abscesso.
TRATAMENTO E CONTROLE: Nos rebanhos acometidos, os leitões devem ser desmamados com 21 dias de idade e
criados em um ambiente onde não se pratica fluxo contínuo de animais nas instalações, a fim de reduzir a
transferência de bactérias de suínos mais velhos para aqueles mais jovens. Historicamente, reporta­se que o
tratamento com penicilina era efetivo na cura de infecções detectadas antes da formação de abscessos. Relata­se
o uso de medicamento com alimento, na dose de 400 g de tetraciclina/tonelada, como um método efetivo na
redução da quantidade de abscessos. No entanto, o tratamento, após a instalação da infecção, não é efetivo na
eliminação da bactéria. A vacinação (autógena) é possível, mas não é amplamente utilizada porque os abscessos
cervicais não são considerados um problema disseminado.
LINFOMA MALIGNO CANINO

É uma doença progressiva e fatal causada pela expansão clonal maligna de células linfoides de imunofenótipo
de célula B ou T. Embora a transformação neoplásica de célula linfoide não se restrinja aos compartimentos
anatômicos específicos, o linfoma origina–se mais comumente de tecidos linfoides organizados, inclusive
medula óssea, timo, linfonodos e baço. Além desses órgãos linfoides primários e secundários, incluem­se sítios
extranodais como pele, trato intestinal, fígado, olho, SNC e osso. Relata­se que o linfoma é a neoplasia
hematopoética mais comum em cães, com taxa de incidência ao redor de 0,1% em cães mais velhos suscetíveis.
Apesar da prevalência de linfoma maligno, sua etiologia continua pouco caracterizada. Dentre as hipóteses
etiológicas aventadas, incluem­se infecção por retrovírus, contaminação ambiental com herbicidas à base de
ácido fenoxiacético, exposição a campo magnético, anomalias cromossômicas e disfunção imune. Com a
determinação completa do genoma do cão, espera­se que os genes específicos envolvidos na gênese e no
desenvolvimento do linfoma sejam identificados e caracterizados.
ACHADOS CLÍNICOS: O linfoma canino é um câncer heterogêneo com sinais clínicos, resposta à terapia e tempo
de sobrevida variados. A heterogeneidade associada ao linfoma canino é influenciada, em parte, por vários
fatores tumorais e do hospedeiro, inclusive envolvimento anatômico, extensão da doença, subtipo morfológico,
constituição do hospedeiro e imunocompetência. Em cães, há relato de quatro formas anatômicas de linfomas
bem definidas: multicêntrica, alimentar, mediastinal e extranodal (renal, SNC, cutânea, ocular, óssea etc.). O
linfoma multicêntrico é a forma anatômica mais comum, respondendo por cerca de 80 a 85% dos casos
diagnosticados. A manifestação clínica inicial mais comum e evidente de linfoma multicêntrico é o rápido
desenvolvimento de linfadenopatia generalizada indolor. Além de linfadenopatia periférica, a maioria dos
pacientes caninos apresentará linfócitos malignos detectáveis por meio de testes diagnósticos sensíveis e que
envolvem órgãos internos, inclusive baço, fígado, medula óssea e outros sítios extranodais. Ao final do curso da
doença, quando há massa tumoral significativa, o paciente pode manifestar sintomas como letargia, fraqueza,
febre, anorexia e desidratação.
O linfoma alimentar responde por < 10% de todos os linfomas caninos. Os cães com lesões intestinais focais
podem exibir sinais clínicos compatíveis com obstrução total ou parcial do lúmen intestinal (p. ex., vômito,
constipação intestinal, dor abdominal). No caso de envolvimento difuso do trato intestinal, os cães com linfoma
alimentar podem manifestar sintomas gastrintestinais importantes e debilitantes, incluindo anorexia, vômito,
diarreia e perda de peso marcante secundária a má absorção e má digestão.
O envolvimento exclusivo do mediastino cranial pelo linfoma representa apenas uma pequena fração dos
casos diagnosticados; no entanto, frequentemente nota­se aumento de linfonodo superficial em cães com doença
multicêntrica. Linfoma de mediastino é tipicamente caracterizado por aumento de linfonodos mediastinais
craniais e/ou timo. Linfoma mediastinal oriundo do timo é predominantemente composto de linfócitos T
malignos; no caso de doença avançada, os sinais clínicos podem incluir angústia respiratória associada a
acúmulo de fluido pleural, compressão direta de lobos pulmonares adjacentes ou síndrome da veia cava
superior. Além dos sintomas respiratórios, alguns cães com linfoma mediastinal podem manifestar poliúria e
polidipsia secundárias ao desenvolvimento de hipercalcemia de malignidade, uma síndrome paraneoplásica
constatada em 10 a 40% dos cães com linfoma.
Os achados clínicos associados a vários linfomas extranodais (que podem envolver pele, pulmões, rins, olhos,
SNC etc.) podem ser muito variáveis e são induzidos pela lesão do órgão acometido. A forma de linfoma
extranodal mais comum envolve a pele, sendo denominada linfoma cutâneo. Os linfomas cutâneos
(epiteliotróficos e não epiteliotróficos) podem se apresentar como nódulos ulcerativos aumentados solitários ou
lesões escamosas difusas generalizadas. É frequente o envolvimento de linfonodos periféricos e junções
mucocutâneas. Os sinais clínicos de linfoma em outros sítios extranodais incluem angústia respiratória
(pulmões), insuficiência renal (rins), cegueira (olhos), convulsões (SNC) e dor musculoesquelética ou fratura
patológica (ossos).
Lesões: Em geral, o tamanho de todos os linfonodos superficiais e vários linfonodos internos é 3 a 10 vezes
maior do que o normal (forma multicêntrica). Os linfonodos acometidos apresentam­se livremente móveis,
firmes e de cor marrom­acinzentada; ocorre abaulamento da superfície de corte e não há demarcação cortical­
medular. Com frequência, notam­se hepatomegalia e esplenomegalia, com aumento de volume difuso, ou vários
nódulos pálidos de tamanhos variáveis distribuídos pelo parênquima. Na forma alimentar, qualquer parte do
trato gastrintestinal ou do linfonodo mesentérico pode ser acometida. Pode­se constatar envolvimento de medula
óssea, SNC, rins, coração, tonsilas, pâncreas e olhos, porém isso é menos comum.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico definitivo de linfoma frequentemente não é complicado e pode ser obtido
mediante exame citológico ou histopatológico dos órgãos envolvidos. Em geral, o aspirado de linfonodos
periféricos aumentados ou órgãos viscerais afetados, com agulha fina, propicia amostras de conteúdo celular
adequado e detalhes suficientes para a definição do diagnóstico. Citologicamente, os aspirados de linfonodos ou
tecidos podem permitir a identificação de populações monomórficas de células linfoides grandes
(linfoblásticas), intermediárias ou pequenas. Apesar da facilidade de diagnóstico, o exame citológico não
permite diferenciar ou classificar a ampla variedade de linfomas quanto ao padrão morfológico (difuso versus
folicular, clivado versus não clivado) e grau histológico (alto versus baixo). O exame citológico especializado
utilizando anticorpos de linhagem específica pode diferenciar linfomas de célula B daqueles de células T e
propiciar alguma informação quanto ao prognóstico com base no imunofenótipo. No entanto, em razão das
limitações inerentes associadas à citologia, o exame histopatológico do tecido continua a ser o método padrão
ouro de diagnóstico de linfoma, fornecendo informação morfológica adicional necessária para a classificação
definitiva, bem como orientações para a decisão terapêutica.
Em raras condições nas quais os exames citológico e histológico não permitirem a confirmação do
diagnóstico de linfoma, há disponibilidade de técnicas moleculares mais avançadas para o diagnóstico
definitivo. O uso de PCR permite a amplificação de sequências de DNA que confirmam, ou não, a presença de
linfócitos de origem clonal, oligoclonal ou policlonal. Como a maioria das protuberâncias neoplásicas origina­se
de expansão clonal de uma célula malignamente transformada, as técnicas PCR podem diferenciar expansão de
linfócito como consequência de câncer (linfoma) versus inflamação (linfocitose reativa ou hiperplásica).
Embora as técnicas de PCR sejam altamente sensíveis, a metodologia deve ser reservada para os casos nos quais
as técnicas citológicas e histológicas não permitirem o diagnóstico ou quando os resultados não forem
compatíveis com os sinais clínicos e a progressão da doença.
TRATAMENTO: Com frequência, o tratamento de linfoma canino multicêntrico com protocolos quimioterápicos
agressivos que utilizam uma combinação de medicamentos é benéfico: > 90% de todos os cães mostram
redução da massa tumoral em > 50%. Os quimioterápicos mais comumente utilizados em protocolos de
combinação incluem vincristina, adriamicina, ciclofosfamida, ­asparaginase e prednisona. Os protocolos de
tratamento individual variam quanto a dose, frequência e duração do tratamento; vantagens e desvantagens de
cada protocolo terapêutico podem ser vistas em livros sobre oncologia. No caso de combinação de
quimioterápicos, a sobrevida esperada para cães com linfoma de linfócito B é cerca de 12 meses, ao passo que,
para cães com linfoma de linfócito T, a sobrevida costuma a se situar em torno de 6 meses. Embora o
imunofenótipo (linfócito B versus linfócito T) forneça uma orientação geral para o prognóstico do tratamento,
múltiplos fatores (tumor e hospedeiro) contribuem para a duração da resposta geral e para a sobrevida de cães
diagnosticados com linfoma. Para os cães que não respondem à combinação de quimioterápicos convencionais
ou que manifestam recidivas, é possível obter remissão da doença e/ou tempo de sobrevida adicional com
emprego de vários protocolos de salvamento (p. ex., lomustina, MOPP, ADIC, DMAC).
Embora a quimioterapia sistêmica continue a ser a base para o tratamento de linfoma, atualmente o conceito
de que fases de indução e manutenção de quimioterapia são necessárias para conseguir tempo de remissão
duradouro tem se modificado. Protocolos quimioterápicos curtos, mas com alta dose (p. ex., protocolo de
Madison Wisconsin), sem manutenção, propiciam intervalos livres de doença e sobrevida equivalentes aos
protocolos que incluem terapia de manutenção prolongada. Além disso, o uso de radiação de metade do corpo,
em substituição à quimioterapia de manutenção, mostra eficácia clínica e representa outra opção para manter
períodos de remissão longos, sem necessidade de quimioterapia prolongada.
Apesar dos resultados favoráveis esperados no tratamento de linfoma multicêntrico, a eficácia do tratamento
de outras formas anatômicas de linfoma frequentemente é menor e a terapia, menos compensadora. O linfoma
alimentar, se focal, pode ser tratado efetivamente com ressecção cirúrgica e combinação de quimioterápicos. No
entanto, quando há envolvimento difuso do trato intestinal, baixa reserva corporal, má absorção de nutrientes e
perda de proteínas grave, ocorrem resposta clínica discreta e sobrevida curta (ou seja, < 3 meses). A combinação
de quimioterápicos, com ou sem radioterapia paliativa, pode proporcionar, aos cães com linfoma mediastinal,
aumento considerável da sobrevida e melhora na qualidade de vida. Os linfomas que envolvem outros sítios
extranodais (como a pele) podem ser tratados com quimioterapia, somente com lomustina ou por meio de
combinação sistêmica (p. ex., CHOP); no entanto, o desenvolvimento de doença refratária e progressiva é
comum e, por fim, limitante à vida.

SISTEMA CARDIOVASCULAR – INTRODUÇÃO

O sistema cardiovascular compreende coração, veias e artérias. As valvas atrioventriculares (mitral e tricúspide)
e semilunares (aórtica e pulmonar) mantêm o fluxo sanguíneo em determinada direção, a partir do coração; as
valvas das grandes veias mantêm o fluxo sanguíneo por meio delas mesmas. A frequência e a força de contração
cardíaca e o grau de vasoconstrição e vasodilatação são determinados pelo sistema nervoso autônomo e pelos
hormônios sintetizados no coração e nos vasos sanguíneos (ou seja, parácrinos ou autócrinos) ou fora dessas
estruturas (i. e., endócrinos).
Pouco > 10% dos animais domésticos examinados por um veterinário apresentam alguma forma de doença
cardiovascular. À semelhança de várias enfermidades crônicas de outros sistemas orgânicos, as doenças
cardiovasculares geralmente não regridem; quase sempre se tornam progressivamente limitantes e podem levar
à morte. O exame do coração baseia­se em verificação de ruídos e sopros cardíacos, pressão de pulso e
batimentos apicais, eletrocardiograma (ECG), radiografia e ecocardiograma.

Frequência Cardíaca e Eletrocardiograma

O batimento cardíaco deve­se a uma onda de despolarização que se origina no nodo sinoatrial (SA), localizado
na junção da veia cava cranial e no átrio direito. Em repouso, o nodo SA descarrega cerca de 15 vezes/min, em
equinos; > 120 vezes/min, em gatos, e 60 a 120 vezes/min, em cães. Em geral, quanto maior o tamanho da
espécie animal, menor a frequência de descarga do nodo SA e menor a frequência cardíaca.
Quando a norepinefrina é liberada pelos nervos simpáticos e se liga aos β1­adrenorreceptores do nodo SA, a
frequência de descarga desse nodo aumenta. Essa aceleração cardíaca pode ser inibida por bloqueadores beta­
adrenérgicos (p. ex., propranolol, atenolol, metoprolol, esmolol). A frequência de descarga do nodo SA diminui
quando a acetilcolina, liberada no sistema nervoso parassimpático (vago), se liga aos receptores colinérgicos do
nodo SA. Essa desaceleração cardíaca mediada pelo nervo vago pode ser bloqueada por substâncias
parassimpaticolíticas (vagolíticas) (p. ex., atropina e glicopirrolato). Quando a descarga do nodo SA e a onda de
despolarização atravessam os átrios, origina­se a onda P no ECG. Subsequentemente, os átrios se contraem,
ejetando pequeno volume de sangue para os respectivos ventrículos.
Em cães, mesmo os saudáveis e tranquilos, a variação da frequência cardíaca com a respiração é denominada
arritmia sinusal respiratória (ASR); ela deve­se à diminuição da atividade vagal durante a inspiração e seu
aumento durante a expiração. Portanto, as substâncias vagolíticas, bem como excitação, dor, febre e
insuficiência cardíaca congestiva, normalmente inibem ou minimizam a ASR. Essa variação de frequência
cardíaca em sincronismo com a respiração é um bom indicador da saúde cardíaca. É raro observar um animal
cardiopata com ASR.
A frequência cardíaca também é inversamente proporcional à pressão sanguínea arterial sistêmica. Quando a
pressão sanguínea aumenta, a frequência cardíaca diminui; quando a pressão sanguínea diminui, a frequência
cardíaca aumenta. Essa relação é conhecida como reflexo de Marey e se deve aos mecanismos a seguir
descritos. Quando os barorreceptores arteriais de alta pressão dos seios aórticos e carotídeos detectam aumento
da pressão sanguínea, eles enviam impulsos aferentes mais vigorosos para o bulbo, ocorrendo aumento do
estímulo eferente vagal ao nodo SA e diminuição da frequência cardíaca. Na insuficiência cardíaca, os
barorreceptores (com alta atividade da Na+/K+­ATPase) entram em fadiga, condição que reduz os sinais
aferentes para o bulbo. Isso resulta em menor sinalização vagal eferente.
Quando a onda de despolarização atinge o nodo atrioventricular (AV) do átrio direito, ela atravessa
lentamente esse nodo, propiciando tempo para que ocorra contração dos átrios e ejeção de pequeno volume de
sangue aos ventrículos. Em seguida, a despolarização atravessa rapidamente o subendocárdio dos ventrículos e
o septo ventricular. A partir daí, passa lentamente pelo miocárdio ventricular, originando o complexo QRS do
ECG, à medida que os ventrículos se contraem. Em raras condições, pode ocorrer despolarização sem
contração; a isso se denomina dissociação eletromecânica.
No ECG, o intervalo entre o início da onda P e o início do complexo QRS é denominado intervalo PQ ou PR.
Trata­se do tempo necessário para a onda elétrica de despolarização começar no nodo SA e atingir o ventrículo
(e, finalmente, alcançar o nodo AV). Tudo aquilo que acelera ou retarda a taxa de descarga do nodo SA
(cronotropia) também acelera ou retarda a condução através do nodo AV (dromotropia). Consequentemente,
quando há aumento da frequência cardíaca, ocorre diminuição do intervalo PR; quando há diminuição da
frequência cardíaca, nota­se aumento do intervalo PR.
A onda T do ECG corresponde à repolarização dos ventrículos. Ela é influenciada por desequilíbrio
eletrolítico, lesão miocárdica e aumento de volume ventricular. Raramente nota­se a repolarização dos átrios
(onda Ta), pois ocorre simultaneamente a um complexo QRS muito maior. Ocasionalmente, é possível notar
doença de nodo AV (bloqueio AV), manifestada como uma “rede para dormir” após a onda P.

Força de Contração Ventricular

É determinada por vários fatores, incluindo volume diastólico final (pré­carga), que corresponde ao volume de
sangue no interior dos ventrículos imediatamente antes de sua contração, e a contratilidade do miocárdio (estado
inotrópico), que corresponde à taxa de ciclos das unidades contráteis microscópicas do miocárdio.
A pré­carga é determinada pela diferença da pressão diastólica final entre o ventrículo e o espaço pleural,
dividida pela resistência do miocárdio ventricular. A pressão diastólica final do ventrículo é determinada pela
proporção entre o volume sanguíneo e a complacência do miocárdio. A pré­carga é regulada,
predominantemente, por receptores de volume de baixa pressão do coração e das grandes veias. Quando esses
receptores são estimulados pelo aumento do volume sanguíneo ou pela distensão das estruturas que os contêm,
o organismo responde com a produção de maior volume de urina e dilatação das veias – na tentativa de reduzir
o volume sanguíneo e a pressão nas veias responsáveis pela dilatação venosa. O estiramento de receptores dos
átrios e ventrículos induz liberação de proteínas natriuréticas, peptídio natriurético cerebral (PNC), pelos
ventrículos, e peptídio natriurético atrial (PNA), pelos átrios. Essas proteínas natriuréticas, também
denominadas atriopeptinas, relaxam os músculos lisos e geralmente se contrapõem aos efeitos da vasopressina e
da angiotensina II.

Coração normal de bovino. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

A contratilidade miocárdica é determinada pela disponibilidade de ATP e cálcio, que possibilita a formação
da ponte cruzada miosina­actina. A taxa de liberação de energia pelo ATP é determinada, em parte, pela
quantidade de norepinefrina ligada aos receptores β1­adrenérgicos do miocárdio. Um dos principais fatores
envolvidos na insuficiência cardíaca é o baixo controle (quantidade reduzida) de β1­receptores.

Oxigênio e Miocárdio

O oxigênio é essencial para a produção da energia necessária às funções orgânicas. A quantidade de oxigênio
disponível para produção dessa energia é denominada teor de oxigênio tecidual. O conteúdo de oxigênio do
miocárdio corresponde ao equilíbrio entre a quantidade de oxigênio liberada no coração, subtraindo­se a
quantidade de oxigênio consumida pelo órgão.
O volume de oxigênio liberado no coração depende da função pulmonar, do teor de Hb disponível e do fluxo
sanguíneo no músculo cardíaco propiciado pelas artérias coronárias. Presumindo­se que os pulmões estejam
funcionando bem e que haja Hb suficiente, o fluxo sanguíneo coronariano determina o conteúdo de oxigênio
liberado no miocárdio. O fluxo sanguíneo coronariano é determinado pela diferença da pressão entre a artéria
aorta (normalmente 100 mmHg)* e o átrio direito (em geral, 5 mmHg), o qual recebe a maior parte do sangue
das artérias coronárias. Como o fluxo coronariano é maior durante a diástole, frequências cardíacas menores (as
quais, preferencialmente, aumentam o tempo de diástole) estão associadas a maior liberação de oxigênio no
miocárdio.
A quantidade de oxigênio consumido pelo coração é denominada consumo de oxigênio miocárdico. É
determinada, principalmente, pela tensão da parede e pela frequência cardíaca. A tensão da parede é expressa
pela lei de LaPlace, na qual a tensão aumenta com o aumento da pressão ou do diâmetro ventricular, e a tensão
diminui com o aumento da espessura da parede do ventrículo. A tensão aumenta em condições que aumentam a
pós–carga (pressão), como estenose pulmonar, estenose subaórtica, hipertensão sistêmica ou pulmonar ou pré­
carga (volume), incluindo insuficiência da valva mitral e cardiomiopatia dilatada. Na ausência de lesão
estenótica, a pré­carga é determinada pela rigidez relativa das artérias e pelo grau de constrição das arteríolas. O
tônus do músculo liso vascular depende de vários fatores; alguns contraem o músculo (p. ex., agonistas
adrenérgicos, angiotensina II, vasopressina e endotelina), outros relaxam­no (p. ex., norepinefrina, atriopeptina,
bradicinina, adenosina, óxido nítrico). Com frequência, há aumento da pós­carga na insuficiência cardíaca, e
comumente a terapia tende a diminuí­lo.
Aumento da frequência cardíaca resulta em maior consumo de oxigênio pelo miocárdio, ao passo que a
duração da diástole diminui quando o fluxo sanguíneo coronariano é maior. A combinação pode induzir o
estágio para um desequilíbrio na demanda e no fornecimento de oxigênio ao miocárdio, ocasionando isquemia
miocárdica. Insuficiência cardíaca é caracterizada por aumento do tônus simpático e aumento relativo na
frequência cardíaca; o impacto final é um miocárdio ineficiente que pode resultar em remodelação prejudicial.
O oxigênio é responsável pela produção da maior parte de ATP, que atua como combustível para contração e
relaxamento do miocárdio. O cálcio deve ser rapidamente liberado das reservas intracelulares (retículo
sarcoplasmático), permitindo a contração, embora seja necessária a remoção igualmente rápida do cálcio de
volta ao retículo sarcoplasmático para o relaxamento. Ambos os mecanismos envolvidos no ciclo do cálcio
dependem de energia.
Na insuficiência cardíaca, o controle inapropriado do cálcio pode ser o principal fator de redução da força de
contração e da taxa de relaxamento (ou seja, redução das funções sistólica e diastólica).

Resistência ao Fluxo Sanguíneo

O fluxo sanguíneo do coração, denominado débito cardíaco, é oriundo de ambos os ventrículos, esquerdo e
direito. O sangue flui pelos ramos arteriais sistêmicos (ventrículo esquerdo) ou pelos ramos da artéria pulmonar
(ventrículo direito), sendo fundamental na manutenção de função cardíaca apropriada e, consequentemente, na
perfusão dos órgãos com quantidade adequada de sangue e oxigênio. A maior parte (> 90%) da resistência ao
fluxo sanguíneo deve­se ao grau de constrição das arteríolas, denominado resistência vascular; no entanto,
parte se deve à rigidez da porção das grandes artérias próxima aos ventrículos, denominada impedância. Os
ventrículos ejetam o volume sistólico à porção proximal das grandes artérias, que se expandem para acomodar
esse volume de sangue; quando os ventrículos se relaxam, as grandes artérias distendidas se contraem e mantêm
o fluxo de sangue, por meio das arteríolas, para capilares. As valvas aórtica e pulmonar se fecham e impedem o
retorno do volume sistólico aos ventrículos que o ejetam.
Um dos principais fatores relacionados com a insuficiência cardíaca que causa morbidade é o aumento da
resistência dos músculos lisos de artérias, arteríolas e veias, em razão do aumento dos teores de angiotensina II,
vasopressina e endotelina. Se o ventrículo esquerdo é incapaz de ejetar um volume sistólico normal, ou débito
cardíaco, é razoável que a função ventricular possa ser melhorada pela diminuição da resistência vascular.
Diminuição da pós­carga (vasodilatação arterial) é um objetivo terapêutico no tratamento de insuficiência
cardíaca.

ANORMALIDADES DO SISTEMA CARDIOVASCULAR

Os seguintes mecanismos podem resultar em anormalidades do sistema cardiovascular: (1) falha no fechamento
ou abertura inadequada das valvas cardíacas (doença valvular); (2) baixa capacidade de bombeamento do
músculo cardíaco ou seu relaxamento inadequado (doença do miocárdio); (3) batimentos cardíacos muito lentos,
muito rápidos ou muito irregulares (arritmias); (4) alta resistência dos vasos sistêmicos ao fluxo sanguíneo
(doença vascular); (5) presença de orifício entre as câmaras dos lados esquerdo e direito do coração (shunts
cardíacos); (6) excesso ou escassez de sangue em comparação com a capacidade do compartimento vascular e
(7) parasitismo no sistema cardiovascular (p. ex., dirofilariose). As doenças de maior importância, em razão da
maior prevalência, incluem regurgitação mitral em cães, cardiomiopatia hipertrófica em gatos, cardiomiopatia
dilatada em cães, cardiomiopatia arrítmica em cães da raça Boxer e dirofilariose.
DOENÇA VALVULAR: O fechamento inadequado das valvas cardíacas ocasiona regurgitação, que ocorre mais
comumente como regurgitação mitral ou como regurgitação tricúspide e mitral. Regurgitação de valva mitral
e/ou tricúspide representa > 75% de todas as doenças cardíacas de cães. À medida que o sangue regurgita pelas
valvas AV, ouve­se um sopro sistólico típico entre a primeira e a segunda bulhas cardíacas. Quando o sangue
regurgita através da valva mitral ou tricúspide, grande quantidade de sangue se movimenta para a frente e para
trás entre o ventrículo e o átrio. Consequentemente, na regurgitação mitral é comum notar aumento de volume
do átrio esquerdo e do ventrículo esquerdo. O grau de dilatação do átrio esquerdo, documentado por radiografia
ou ecocardiografia, pode indicar a gravidade da doença. A regurgitação mitral ou tricúspide é mais comum nos
cães de raças pequenas e em equinos idosos, animais que possuem cúspides valvulares espessadas e rugosas
pela infiltração de glicosaminoglicanos. A regurgitação mitral é mais prevalente em cães da raça Cavalier King
Charles Spaniel jovens do que em qualquer outra raça.
A regurgitação aórtica é mais frequente em cães de raças grandes e em equinos idosos, após infecção (cães)
ou degeneração não inflamatória da valva aórtica. Ocorre dilatação do ventrículo esquerdo por conta da
regurgitação da aorta, proporcional ao grau de regurgitação. O sopro provocado pela regurgitação do sangue da
valva aórtica para o ventrículo esquerdo é sempre do tipo diastólico, ouvido imediatamente após a segunda
bulha cardíaca. Nos equinos, o ruído decorrente de regurgitação aórtica pode ser descrito como “assopro”, por
causa do fluxo de sangue regurgitante, ou como “zumbido”, por conta da vibração de folhetos aórticos à medida
que passa o fluxo de sangue. O sopro na forma de “zumbido” quase sempre está associado a quantidade
relativamente pequena de fluxo regurgitante. Uma relação semelhante pode ser notada em cães com
regurgitação mitral.
A abertura inadequada das valvas é denominada estenose. Estenose pulmonar é mais prevalente, ao passo que
estenose de valva aórtica é incomum; estenose mitral ou tricúspide é rara. No entanto, a ocorrência de estenose
subaórtica, causada por uma faixa de tecido fibroso ou fibromuscular localizada logo abaixo da valva aórtica, é
predominante, especialmente, em algumas raças de cães (p. ex., Newfoundland, Golden Retriever, Boxer,
Rottweiler e Pastor Alemão). Caso a valva se abra inadequadamente, maior pressão deve ser gerada para manter
o volume normal de sangue que flui através dela. O ventrículo responsável pelo bombeamento de sangue
através da valva estenosada sofre hipertrofia (torna­se espesso), proporcionalmente ao grau de estreitamento da
estenose. O sopro sistólico provocado por estenose pulmonar ou subaórtica é ouvido entre a primeira e a
segunda bulhas cardíacas; tipicamente, sua duração é mais breve do que o sopro sistólico da regurgitação mitral,
sendo mais audível na base da parte esquerda do coração. A gravidade da estenose geralmente pode ser
estimada pela intensidade do sopro. Em geral, quanto mais intenso o ruído do sopro, maior o grau de estenose.
A velocidade do fluxo sanguíneo através da abertura estenosada está associada à gravidade da lesão e pode ser
avaliada seguramente por meio de ecocardiografia Doppler espectral.
DOENÇA DO MIOCÁRDIO: O prejuízo à força de contração é denominado redução da função sistólica, ocorrendo
mais comumente na cardiomiopatia dilatada (em gatos e cães de raças grandes que recebem tipicamente dieta
com baixo teor de taurina) e na regurgitação mitral de longa duração. Quando isso acontece, diz­se que o
músculo cardíaco está em estado inotrópico negativo ou apresenta redução da contratilidade. Geralmente, em
cães de raças grandes, isso é denominado cardiomiopatia dilatada idiopática, porque a origem é desconhecida.
O prejuízo ao relaxamento ventricular é denominado redução da função diastólica, condição que ocorre mais
frequentemente quando há déficit de oxigênio no músculo cardíaco e consequente carência de energia para seu
relaxamento. Os músculos ventriculares também relaxam deficientemente no caso cardiomiopatia hipertrófica
(ou seja, quando o músculo fica demasiadamente espesso) ou no caso de doença de pericárdio, quando o
pericárdio espessado ou o fluido contido no saco pericárdico interfere no relaxamento. A cardiomiopatia
hipertrófica é mais comum em gatos. Provavelmente, > 85% dos gatos com doença cardíaca apresentam
cardiomiopatia hipertrófica. Um menor número de gatos desenvolve cardiomiopatia restritiva, na qual há
preenchimento cardíaco deficiente porque as paredes são mais rígidas que o normal. A doença de pericárdio é
mais prevalente em cães de raças grandes, idosos, com tumores que sangram no interior do saco pericárdico.
ARRITMIAS: Todo ritmo cardíaco diferente do ritmo sinusal normal é denominado arritmia. Arritmia muito
rápida, muito lenta ou muito irregular pode resultar em menor débito cardíaco, provocando sinais clínicos que
podem incluir intolerância ao exercício, síncope ou exacerbação de insuficiência cardíaca congestiva (ICC). As
arritmias mais frequentes incluem fibrilação atrial (comumente notada em equinos e cães de raças grandes com
dilatação de átrio esquerdo), despolarizações ventriculares prematuras (mais comumente notadas em cães das
raças Boxer e Doberman Pinscher), síndrome do seio doente (constatada, principalmente, em cães idosos da
raça Schnauzer miniatura) e bloqueio AV de terceiro grau.
Na fibrilação atrial, a despolarização atrial não é sincrônica, a estimulação do nódulo AV é frequente, porém
aleatória, e a frequência cardíaca torna­se rápida e irregular. As despolarizações ventriculares prematuras
(também denominadas batimentos ou complexos ventriculares prematuros) são oriundas de regiões
ventriculares irritadas. Em geral, tais estímulos são decorrentes do estiramento crônico das fibras, bem como do
déficit de oxigênio ou do efeito de medicamentos. Um batimento prematuro único não causa problema, mas
vários batimentos prematuros podem progredir para estímulos longos ou curtos que prejudicam a hemodinâmica
e causam síncope, ou até mesmo espasmo ventricular grave (fibrilação ventricular), que ocasiona morte súbita.
Isso comumente ocorre em cães da raça Boxer que apresentam cardiomiopatia ventricular direita arritmogênica
(anteriormente denominada cardiomiopatia do Boxer). Tanto na síndrome do seio doente (ou seja, interrupção
transitória da descarga do nodo SA) como no bloqueio cardíaco total (no qual nenhuma despolarização atrial se
propaga aos ventrículos), a frequência ventricular torna­se intensamente baixa e pode ocasionar prejuízo à
hemodinâmica, intolerância a exercício e síncope.
DOENÇA VASCULAR: O prejuízo ao fluxo sanguíneo através das arteríolas com frequência provoca hipertensão,
especialmente em animais idosos, com insuficiência renal (cães e gatos), hiperadrenocorticismo (cães) ou
hipertireoidismo (gatos). A causa primária exata geralmente é desconhecida, mas se suspeita de outras
etiologias, como retenção de sódio e expansão do volume plasmático, hiperaldosteronismo, aumento do tônus
simpático e, possivelmente, angiotensina II. Independentemente da causa, a perda da complacência arteriolar
pode permanecer mesmo com tratamento adequado da condição clínica associada. Vasodilatadores arteriais
representam o principal suporte no tratamento de hipertensão.
SHUNTS (DESVIOS) CARDÍACOS: As comunicações anormais entre as câmaras cardíacas dos lados esquerdo e
direito são denominadas shunts intracardíacos. Eles se devem (em prevalência decrescente) à persistência do
ducto arterioso (entre a aorta e o tronco pulmonar), ao defeito de septo ventricular (entre os ventrículos esquerdo
e direito) ou ao defeito do septo atrial (entre os átrios esquerdo e direito). Quando o sangue passa por esses
defeitos, do lado esquerdo do coração para o lado direito, que é a situação mais comum, denomina­se shunt
esquerdo­direito. Ele resulta em excessiva circulação pulmonar e dilatação das câmaras cardíacas, necessária
para bombear ou transportar o sangue desviado. Por fim, a dilatação crônica ocasiona insuficiência miocárdica.
Tetralogia de Fallot (p. 94) é uma anomalia congênita complexa que consiste em fluxo ventricular direito
hipoplásico e/ou tronco pulmonar, uma artéria aorta que atravessa o septo interventricular (portanto, surge de
ambos os ventrículos), defeito de septo ventricular e hipertrofia ventricular direita. O sangue deficientemente
oxigenado entra na circulação sistêmica e ocasiona membranas mucosas azuladas (cianose) e aumento na
quantidade de hemácias (policitemia). A tetralogia de Fallot é a forma mais comum de shunt direito­esquerdo.
DIROFILARIOSE: A dirofilariose (p.96) é outra importante doença cardíaca constatada, principalmente, em cães,
mas também em gatos, transmitida por mosquitos. Na dirofilariose, os vermes adultos presentes nos vasos
pulmonares impedem o fluxo sanguíneo aos pulmões e o sangue se acumula no lado direito do coração e nas
veias sistêmicas. Em cães, a progressão da doença é variável; em gatos, geralmente é < 2 anos. Tanto os cães
quanto os gatos morrem por conta da hipertensão pulmonar causada pela obstrução parcial do fluxo de sangue
nos vasos pulmonares parasitados.

Características Comuns da Doença Cardíaca

Os sinais clínicos associados a qualquer das doenças anteriormente mencionadas devem­se à perfusão
inadequada do órgão (p. ex., intolerância a exercício, fraqueza e síncope) ou ao acúmulo de sangue em órgãos
nos quais há drenagem inapropriada de sangue venoso (p. ex., edema pulmonar, ascite, edema com sinal de
cacifo, efusões). Um animal que apresenta sinais clínicos decorrentes de insuficiência relativa do sistema
cardiovascular em propiciar volume suficiente de sangue para manter as funções normais é considerado
portador de insuficiência cardíaca. Um animal que manifesta sintomas causados por acúmulo de sangue em
órgãos deficientemente drenados é considerado portador de ICC. Quando o sangue arterial sistêmico apresenta
teor inadequado de oxigênio, com grande quantidade de Hb não oxigenada, as membranas mucosas tornam­se
cianóticas e, com frequência, nota­se policitemia.
A condição orgânica dos animais com doença cardíaca pode se agravar gradativamente, em razão,
principalmente, de edema pulmonar, ou eles podem morrer subitamente em decorrência de arritmias e ruptura
de cordas tendíneas ou de átrio esquerdo.

Insuficiência Cardíaca, Insuficiência Cardíaca Congestiva e Fraqueza Cardíaca

Insuficiência cardíaca é definida como menor contratilidade do miocárdio, a qual pode ser determinada por uma
menor força de contração qualquer que seja a pré­carga. Mais objetivamente, pode­se considerar fraqueza
cardíaca quando há menor taxa de liberação de energia oriunda do metabolismo do ATP ou menor velocidade de
encurtamento de fibras quando o coração se contrai, em uma situação imaginária de contração ante a ausência
de carregamento. É difícil mensurar diretamente a contratilidade do miocárdio e identificar insuficiência do
miocárdio. Quase todos os animais com doença cardíaca que ocasionam dilatação de câmara cardíaca ou
aumento da espessura de suas paredes apresentam fraqueza cardíaca, mas, em geral, apresentam­se
compensados e não manifestam sintomas; portanto, eles apresentam insuficiência cardíaca ou ICC.
Insuficiência cardíaca e ICC (p. 108) são síndromes clínicas nas quais o animal manifesta sinais decorrentes
de uma complexa interação entre fraqueza cardíaca e vasos sanguíneos. Na insuficiência cardíaca, o débito
cardíaco é insuficiente para a perfusão dos órgãos com volume de sangue oxigenado suficiente para a função
orgânica apropriada durante repouso (denominada insuficiência cardíaca funcional classe IV), durante leve
esforço (classe III), durante exercício moderado (classe II) ou durante exercício extremo (classe I). Na ICC, o
sangue acumula­se nos órgãos – em geral, nos pulmões e, ocasionalmente, nos órgãos sistêmicos – e faz que os
órgãos com congestão sanguínea funcionem anormalmente e/ou se tornem edematosos. A classificação
funcional da insuficiência cardíaca é expressa quando, durante exercícios graduados, o animal manifesta sinais
clínicos de doença cardíaca (p. ex., dispneia, tosse, colapso).
DIAGNÓSTICO DE DOENÇA CARDIOVASCULAR

Os procedimentos mencionados a seguir são importantes no diagnóstico de doença cardiovascular: resenha,


anamnese, exame físico (p. ex., inspeção, auscultação, palpação), radiografia, ECG e ecocardiografia. Devem–
se obter imagens radiográficas, eletrocardiográficas e ecocardiográficas de qualidade, caso contrário não é
possível uma interpretação confiável. A maioria das doenças cardiovasculares (p. ex., regurgitação mitral,
cardiomiopatia dilatada) pode ser diagnosticada por meio de exame físico e radiografia. O ECG é específico
para o diagnóstico de arritmias (p. ex., fibrilação atrial, síndrome do seio doente). A ecocardiografia é excelente
para confirmação de diagnóstico, para caracterização da forma de cardiomiopatia felina, para detecção de
neoplasias cardíacas ou de doença do pericárdio e para determinar a gravidade das lesões estenóticas. O
diagnóstico de dirofilariose é mais confiável pela detecção de antígenos ou anticorpos contra fêmeas de
Dirofilaria adultas no sangue (cães) ou por meio de radiografias do tórax (gatos).
Várias doenças cardíacas acometem especificamente determinadas raças. Qualquer cão da raça Cocker
Spaniel macho e idoso, com tosse, respiração laboriosa e intolerância a exercício, ou qualquer cão da raça
Cavalier King Charles Spaniel é mais propenso a regurgitação mitral; no entanto, a doença pulmonar obstrutiva
crônica com fibrose pode ocasionar sintomas bem parecidos. Qualquer cão da raça Doberman Pinscher de
meia–idade, deprimido, com tosse, intolerante a exercício e com frequência cardíaca rápida e irregular
provavelmente apresenta cardiomiopatia dilatada. Qualquer fêmea canina da raça Schnauzer miniatura de meia­
idade a idosa que tem crises de desmaio possivelmente apresenta síndrome do seio doente. Qualquer cão da raça
Boxer que manifesta episódios intermitentes de desmaio provavelmente é portador de cardiomiopatia
ventricular direita arritmogênica ou cardiomiopatia dilatada. Um gato de meia­idade com respiração laboriosa e
relutância em se deitar possivelmente apresenta doença de miocárdio (mais comumente cardiomiopatia
hipertrófica). Um gato idoso provavelmente tem hipertireoidismo.
Deve­se considerar a possibilidade de doença cardíaca ao identificar qualquer dos seguintes achados no
exame físico: (1) frequência cardíaca rápida, lenta ou irregular (não associada a arritmia sinusal respiratória); (2)
ausência de arritmia sinusal respiratória, mesmo com o animal em repouso (isso também ocorre em decorrência
de dor, febre ou excitação); (3) auscultação de mais que duas bulhas cardíacas (p. ex., ritmo de “galope”) em
qualquer animal, exceto em equinos (mais comum em gatos com cardiomiopatia); (4) auscultação de sopro
forte; (5) abafamento de bulhas cardíacas na ausência de obesidade (pode indicar efusão pericárdica ou pleural);
(6) pulso arterial rápido, fraco ou irregular, com maior frequência cardíaca do que pulsações arteriais (déficit de
pulso); (7) desmaio ou menor tolerância do animal ao exercício, na ausência de doença musculoesquelética ou
obesidade; (8) cianose de membranas mucosas aguda na ausência de doença pulmonar primária.
A ecocardiografia é mais confiável do que a radiografia – que, por sua vez, é mais efetiva que o ECG – na
detecção de aumento de volume das câmaras cardíacas e dos grandes vasos. Em geral, o grau de dilatação das
câmaras cardíacas está relacionado com a gravidade da doença. O grau de ingurgitamento das veias pulmonares,
detectado radiograficamente, ou o grau de prejuízo à movimentação da parede do ventrículo esquerdo ou de
estreitamento da parede livre do ventrículo esquerdo pode estimar a gravidade da insuficiência cardíaca.
Infelizmente, nem sempre há boa correlação entre as medições hemodinâmicas ou ecocardiográficas, assim
como entre os sintomas ou a probabilidade de morte. Parece haver melhor correlação entre o aumento das
frequências cardíaca e respiratória e incapacidade ao exercício e a gravidade da doença cardíaca.
O diagnóstico de doenças cardiovasculares específicas é abordado em seus respectivos capítulos.

PRINCÍPIOS TERAPÊUTICOS

Ver farmacoterapia sistêmica do sistema cardiovascular, p. 2550.


Embora o tratamento seja específico da doença, há alguns objetivos gerais da terapia de doença cardíaca: (1)
minimizar o estiramento crônico das fibras miocárdicas, pois isso lesiona e irrita as fibras, faz com que
consumam quantidade exagerada de oxigênio e as leva à morte e à substituição por tecido conjuntivo fibroso
(remodelagem); (2) remover o fluido de edema, o que deixa os pulmões congestionados com fluidos, pesados e
rígidos, causa desequilíbrio na ventilação­perfusão e provoca fadiga dos músculos ventilatórios; (3) melhorar a
circulação e diminuir o grau de regurgitação (mais frequentemente de regurgitação mitral). A melhora da
circulação aumenta o fluxo sanguíneo aos órgãos importantes, ao passo que a redução na regurgitação mitral
minimiza o estiramento do átrio esquerdo e das veias pulmonares e diminui a pressão capilar pulmonar e a
formação de edema; (4) controlar a frequência e o ritmo cardíacos. Coração que bate demasiadamente lento não
ejeta volume de sangue suficiente; por outro lado, coração que bate demasiadamente rápido não permite tempo
de preenchimento adequado e consome muito mais oxigênio quando há fluxo sanguíneo coronariano muito
baixo. Quando o coração bate muito irregularmente, pode ocorrer fibrilação ventricular e morte súbita; (5)
melhorar a oxigenação sanguínea. Oxigenação inadequada propicia energia insuficiente para contração e
relaxamento do miocárdio. Oxigenação miocárdica inadequada também pode ocasionar arritmia; (6) manter os
receptores β1­adrenérgicos bem ajustados. A função inadequada dos receptores β1­adrenérgicos interfere na
capacidade de controlar doenças de outros sistemas orgânicos; (7) minimizar o risco de tromboembolia. Gatos
com cardiomiopatia hipertrófica podem eliminar êmbolos do átrio esquerdo dilatado, com risco de bloqueio dos
principais ramos arteriais e de ocasionar isquemia e morte; (8) eliminar as dirofilárias adultas e as microfilárias.
Esses parasitos adultos podem provocar graves alterações nas artérias pulmonares e, por fim, impedir o fluxo
sanguíneo aos pulmões.
Os objetivos básicos do tratamento de doença cardiovascular são alcançados quando é possível considerar a
doença do animal como classe funcional I após o tratamento, quando as frequências respiratória e cardíaca não
aumentam em repouso e quando há arritmia sinusal respiratória.

Medicamentos Comuns

A furosemida é um diurético de alça que diminui a reabsorção de sódio, cloreto e potássio na alça ascendente de
Henle. Ela também atua como venodilatador quando utilizada por via IV. É o procedimento mais importante e
efetivo para remoção de fluido de edema em animais com doença cardíaca e, frequentemente, é um
procedimento que impede a morte do animal em situação de emergência. A diurese com furosemida pode ser
exacerbada pelo uso de diuréticos tiazidas (p. ex., cloridrato de tiazida). As tiazidas impedem a reabsorção de
sódio e água nos túbulos renais distais. Quando se utiliza diurético de alça associado a diurético que atua nos
túbulos distais, reduz­se intensamente a capacidade dos rins em reter água, podendo ocorrer desidratação e
hipocalemia. Isso pode ser indicado pelo agravamento da azotemia.
A espironolactona, um diurético que poupa potássio, inibe a aldosterona. À semelhança das tiazidas, exerce
seu efeito diurético, principalmente, no túbulo contorcido distal. Embora a espironolactona mantenha
efetivamente os teores de potássio, dados recentes sugerem que não induz a um efeito diurético significativo. A
espironolactona minimiza a remodelagem dos vasos sanguíneos e do coração; à semelhança dos inibidores da
enzima conversora de angiotensina (ECA) e dos betabloqueadores, melhora os sintomas e prolonga o tempo de
vida de pessoas com insuficiência cardíaca. A amilorida e o triantereno também são diuréticos poupadores de
potássio.
Os glicosídios digitálicos inibem a Na+/K+­ATPase da membrana. Isso aumenta o teor intracelular de sódio,
a qual ativa a bomba de sódio­cálcio, que, por sua vez, aumenta a concentração intracelular de cálcio. A
digoxina aumenta a força de contração do miocárdio, diminui a frequência cardíaca e melhora a função do
barorreceptor.
Enalapril, benazepril e ramipril são inibidores de ECA comumente utilizados no controle de insuficiência
cardíaca em cães. São igualmente efetivos como bloqueadores da conversão de angiotensina I em angiotensina
II. Minimizam a remodelagem dos vasos sanguíneos e do miocárdio.
Anrinona e milrinona, análogos da teofilina que impedem a ação de outras formas de fosfodiesterase, são
potentes inodilatadores IV; ou seja, têm efeitos vasodilatador e inotrópico positivos. Piomendan, que é um
sensibilizante de cálcio e inibidor da fosfodiesterase, também é um inodilatador que melhora a qualidade de
vida e a sobrevida de cães com ICC.
Procainamida e quinidina, antiarrítmicos classe IA antigamente utilizados no tratamento de arritmias
ventriculares, têm sido substituídas pelo betabloqueador sotalol e pelo antiarrítmico classe IB mexiletina. São
mais frequentemente utilizados para arritmias ventriculares que não representam risco à vida. Lidocaína, um
antiarrítmico classe IB, é administrada nos casos de arritmias ventriculares emergenciais, apenas por via IV.
Atenolol, propranolol e metoprolol são betabloqueadores de uso oral, e o esmolol é um betabloqueador IV;
reduzem a frequência cardíaca, suprimem arritmias e controlam os receptores adrenérgicos. Carvedilol é um
bloqueador beta e alfa­adrenérgico que inativa radicais livres. Carvedilol, à semelhança dos inibidores da ECA e
da espironolactona, prolonga a vida e minimiza os sintomas de insuficiência cardíaca.
Diltiazem é um bloqueador de canal de cálcio utilizado para diminuir a frequência ventricular em animais
com fibrilação atrial. Também é utilizado para diminuir a rigidez miocárdica em gatos com cardiomiopatia
hipertrófica. Amiodarona é útil no controle de todas as formas de arritmia, mas há experiência clínica
relativamente escassa a seu respeito. No entanto, durante o tratamento, os cães comumente apresentam aumento
das atividades de enzimas hepáticas.
Atropina e glicopirrolato inibem a ação do nervo vago no nodo SA. Como o nervo vago reduz a descarga do
nodo SA e a frequência cardíaca, esses compostos aumentam a frequência cardíaca e podem ser úteis quando há
bradicardia mais evidente. A nitroglicerina é um venodilatador geralmente aplicado em forma de pasta cutânea
na parte interna do pavilhão auricular ou da coxa; o sangue se acumula nas veias periféricas dilatadas,
diminuindo a pré­carga do ventrículo esquerdo e reduzindo o edema pulmonar. Ácido acetilsalicílico,
clopidogrel, dalteparina, enoxaparina e cumadina são anticoagulantes que podem evitar tromboembolia em
gatos com cardiomiopatia. Taurina e L­carnitina são aminoácidos úteis na prevenção de cardiomiopatia dilatada
em gatos e em alguns cães, respectivamente. A melarsomina é utilizada no tratamento de infecção por
dirofilárias adultas; ivermectina, milbemicina e selamectina destroem microfilárias.
Pimobendana e os inibidores da ECA são comprovadamente seguros e efetivos no tratamento de cães com
arritmias ou com insuficiência cardíaca. Furosemida e digoxina são aprovadas, porém não há dados que
comprovem sua segurança ou eficácia. O uso de outros medicamentos no tratamento de insuficiência cardíaca
ou de arritmias baseia–se em dados não publicados ou em estudos não controlados.

ANOMALIAS CONGÊNITAS E HEREDITÁRIAS DO SISTEMA

CARDIOVASCULAR

As anomalias congênitas do sistema cardiovascular estão presentes ao nascimento e podem ser induzidas por
fatores genéticos, ambientais, infecciosos, tóxicos, medicamentosos, nutricionais ou outros fatores, ou pela
associação de fatores. Em várias anomalias suspeita­se de etiologia hereditária baseada na predisposição racial e
em estudos de acasalamento. As anomalias cardíacas congênitas são importantes não apenas devido suas
consequências, mas também pelo potencial de transmitir à prole e, consequentemente, acometer toda a ninhada.
Além das doenças cardíacas congênitas, várias outras anomalias cardiovasculares têm origem genética ou, ao
menos, se suspeita disso. Doenças como cardiomiopatia hipertrófica, cardiomiopatia dilatada e doença valvular
degenerativa de cães de raças pequenas podem ter importante componente hereditário.
Em um amplo estudo sobre doença cardíaca congênita em cães notou­se taxa de prevalência de 0,68%;
anomalias comuns incluíram persistência de ducto arterioso – PDA (28%), estenose pulmonar (20%), estenose
subaórtica (14%), persistência do arco aórtico direito (8%) e defeito de septo ventricular (7%). As doenças
cardíacas congênitas menos comuns (< 5% dos casos) incluíam tetralogia de Fallot, defeito de septo atrial,
persistência de veia cava cranial esquerda, displasia mitral, displasia tricúspide e cor triatriatum dexter. Estudos
mais recentes mostram aumento da prevalência de estenose subaórtica, que atualmente supera a de estenose
pulmonar, e a considera o segundo defeito cardíaco congênito mais comum em cães. No entanto, em razão das
diferenças regionais as anomalias cardíacas congênitas mais comuns em cães criados nos EUA diferem daquelas
relatadas no Reino Unido e, possivelmente, daquelas detectadas na Europa e em outras regiões.
Nos gatos, estima­se que a prevalência de doença cardíaca congênita seja 0,2 a 1% e inclui defeitos do septo
atrioventricular (inclusive defeito do septo ventricular, defeito do septo atrial e defeito do coxim endocárdico),
displasia da valva atrioventricular, fibroelastose endocárdica, PDA, estenose aórtica e tetralogia de Fallot. Os
defeitos mais comuns em outras espécies incluem: bovinos – defeito do septo ventricular, ectopia cardíaca e
hipoplasia ventricular; ovinos – defeito do septo ventricular; suínos – displasia da valva tricúspide, defeito do
septo atrial e estenose subaórtica; equinos – defeito do septo ventricular, PDA, tetralogia de Fallot e atresia da
tricúspide. Equinos da raça Árabe apresentam incidência relativamente maior de anomalias congênitas do que
aqueles de outras raças; várias anomalias foram relatadas nessa raça.

Detecção, Diagnóstico e Importância Clínica

A detecção precoce de anomalia cardíaca congênita é fundamental por várias razões. Algumas doenças
cardíacas são corrigidas por meio de cirurgia e o tratamento deve ser realizado antes do início da ICC ou do
desenvolvimento de lesão cardíaca irreversível; os animais recém­adquiridos podem ser devolvidos para evitar
prejuízo econômico; o mais provável é que animais de estimação com doença cardíaca congênita morram
prematuramente, causando estresse emocional; animais adquiridos para trabalho apresentam desempenho
limitado, talvez insatisfatório. A detecção precoce também evita a introdução de anomalias genéticas em seus
ascendentes.
A avaliação da maior parte dos animais com doença cardíaca congênita geralmente consiste em exame físico,
ECG, radiografia e ecocardiografia. Isso permite um diagnóstico definitivo e avaliação da gravidade da
anomalia. A ecocardiografia Doppler suplantou o uso invasivo da cateterização cardíaca na avaliação da maior
parte dos defeitos cardíacos. Após a definição do diagnóstico e da gravidade da doença pode­se optar pelo
tratamento e estabelecer o prognóstico.
A importância clínica da doença cardíaca congênita depende do defeito em questão e de sua gravidade.
Animais com anomalia discreta podem não exibir sintomas da doença e ter vida normal. Enfermidades que
causam disfunção circulatória significante provavelmente ocasionam morte neonatal. Tais anomalias, muitas
delas incompatíveis com a vida, também causam morte fetal e ninhada de menor tamanho. É mais provável que
o tratamento clínico ou cirúrgico beneficie animais com doença cardíaca congênita de gravidade moderada. A
PDA com shunt esquerdo­direito é uma notável exceção; indica­se correção cirúrgica na maioria dos animais
acometidos tão logo se consiga controlar doenças ou anormalidades concomitantes que possam apresentar risco
à anestesia ou à cirurgia.
Fisiopatologia

Doenças cardíacas congênitas induzem sinais clínicos de insuficiência cardíaca por vários mecanismos
fisiopatológicos. Anomalias como estenoses pulmonar e subaórtica causam obstrução do fluxo ventricular e
podem resultar em insuficiência dos lados direito e esquerdo do coração, respectivamente. A persistência de
ducto arterioso (PDA) e os defeitos de septo são exemplos de comunicações anormais entre os sistemas
circulatórios sistêmico e pulmonar e, na maioria dos casos, resultam em shunt esquerdo­direito. A recirculação
do sangue na circulação pulmonar e no interior das câmaras do lado esquerdo frequentemente ocasiona sintomas
de ICC esquerda (p. ex., edema pulmonar, tosse e fadiga). Tipicamente, as anomalias mais graves resultam em
maior volume de sangue circulante nas câmaras cardíacas esquerdas. A PDA é uma possível exceção, com
anomalias muito extensas, às vezes contribuindo para hipertensão pulmonar e shunt direito­esquerdo (ver a
seguir), também denominada PDA reversa. Animais com shunt direito­esquerdo (tetralogia de Fallot, PDA
reversa) podem desenvolver insuficiência cardíaca direita, porém mais frequentemente manifestam sinais
clínicos associados à policitemia (p. 38), que se instala subsequentemente à perfusão renal com sangue
deficiente em oxigênio. Isso resulta em aumento da síntese renal de eritropoetina e, consequentemente,
policitemia.

Sopros Inocentes

É importante lembrar que a constatação de sopro cardíaco em animal jovem não é patognomônica de doença
cardíaca congênita. Vários animais jovens apresentam sopro sistólico de baixo grau, decorrente de leve
turbulência não associada a doença cardíaca congênita. Em cães e gatos, geralmente esses sopros desaparecem
até os 6 meses de idade. Os sopros inocentes são constatados na ausência de qualquer outra evidência de doença
cardiovascular. Os sopros sistólicos de alto grau (grau IV/VI, ou mais) e os sopros diastólicos indicam doença
cardíaca e devem suscitar investigação adicional.

ANOMALIAS DE RAMIFICAÇÕES DOS ARCOS AÓRTICOS

Os arcos aórticos embrionários originam artérias carótidas (terceiro par de arcos), arco aórtico (quarto arco
esquerdo) e artérias pulmonares e ducto arterioso (sexto par de arcos). O restante dos arcos regride, embora os
primeiros arcos aórticos também se tornem parte das artérias maxilares. Caso haja interrupção do
desenvolvimento ou da regressão dos arcos aórticos podem surgir defeitos congênitos.

Persistência de Ducto Arterioso

Durante a vida fetal, o sangue oxigenado da artéria pulmonar principal é desviado para a artéria aorta
descendente através do ducto arterioso, desviando dos pulmões não funcionais. Ao nascimento, vários fatores
controlam o fechamento do ducto, havendo a separação dos sistemas circulatórios sistêmico e pulmonar. A
expansão pulmonar permite que a circulação pulmonar funcione como um sistema de baixa pressão e o
fechamento do ducto evita o desvio de sangue do sistema circulatório sistêmico de alta pressão, para a artéria
pulmonar.
FISIOPATOLOGIA: A persistência ou patência do ducto com sistemas circulatórios pulmonar e sistêmico normais
resulta em importante desvio de sangue da câmara cardíaca esquerda para a direita, ou seja, da circulação
sistêmica para a pulmonar. Como a resistência vascular sistêmica é sempre maior do que a da circulação
pulmonar, o desvio de sangue é contínuo. Como consequência, tem­se uma sobrecarga de volume nas artérias e
veias pulmonares no átrio e no ventrículo esquerdos. A dilatação dessas duas câmaras cardíacas pode ocasionar
arritmias cardíacas. A sobrecarga de volume crônica e a dilatação das câmaras cardíacas do lado esquerdo
geralmente originam sintomas de ICC do lado esquerdo. Portanto, a maioria dos pacientes não tratados
desenvolve ICC refratária. Animais com pequeno ducto podem se tornar adultos sem manifestar sinais de
insuficiência cardíaca, porém são mais predispostos à endocardite infecciosa. Em alguns animais com PDA
grave o aumento do fluxo sanguíneo pulmonar pode induzir vasoconstrição e hipertensão pulmonares, com
várias e importantes implicações: o desvio de sangue através do ducto se reduz e se reverte, desaparecendo o
sopro e a cianose caudal (cianose diferencial); o ventrículo direito se dilata e hipertrofia como resultado da
hipertensão pulmonar; a perfusão renal com sangue deficiente em oxigênio causa liberação excessiva de
eritropoetina e subsequente policitemia. Portanto, caso ocorra shunt direito­esquerdo no ducto nota­se
predomínio de sinais clínicos de policitemia.
ACHADOS CLÍNICOS E TRATAMENTO: Nos animais com PDA que apresentam shunt esquerdo­direito nota­se
sopro tipo maquinaria contínuo e evidente. Com frequência, o sopro é mais audível durante a segunda bulha
cardíaca e na região da valva aórtica, geralmente associado a frêmito precordial. O componente diastólico é
mais brando e melhor ouvido na região da valva pulmonar e, ocasionalmente, ainda melhor na região axilar (em
alguns casos, o ducto permanece aberto vários dias após o nascimento; portanto, pode­se detectar um sopro
contínuo durante o exame do neonato). Ocasionalmente, o componente diastólico pode não ser audível no final
da diástole. Tipicamente, o pulso femoral torna­se evidente. A maioria dos animais jovens não apresenta sinais
clínicos. Aqueles com grande shunt e animais mais velhos frequentemente apresentam sintomas de ICC
esquerda. Com frequência, o ECG revela ondas R altas na derivação II, indicando dilatação do ventrículo
esquerdo. Também, pode ser notado um espectro de arritmias cardíacas, inclusive complexos atriais e
ventriculares prematuros. As anormalidades radiográficas dependem do tamanho e do diâmetro do ducto e da
presença de PDA; na PDA com shunt esquerdo­direito é possível constatar dilatação de ventrículo e átrio
esquerdos, vasos pulmonares proeminentes, dilatações por aneurismas aórtico e pulmonar e vários graus de
edema pulmonar. A ecocardiografia é importante para a exclusão de doença cardíaca congênita concomitante,
bem como para documentar a ocorrência de PDA. Turbulência contínua na artéria pulmonar principal é
característica de PDA com shunt esquerdo­direito. Tipicamente, nota­se dilatação de átrio e ventrículos
esquerdos, podendo ser constatada discreta regurgitação mitral.
Geralmente, a ligadura cirúrgica do ducto em pacientes portadores de PDA com shunt esquerdo­direito é
curativa e quase sempre indicada. Quando presente, a ICC deve ser tratada (com diuréticos, vasodilatadores
etc.) antes da anestesia e cirurgia. O fechamento do ducto é uma alternativa à ligadura cirúrgica. Isso pode ser
feito por oclusão transcateter mediante a colocação de um dispositivo (p. ex., espiral de Gianturco, dispositivo
de oclusão vascular Gianturco­Grifka) no local da PDA, o qual resulta na formação de coágulo ou oclusão física
do ducto.
Na PDA com shunt direito­esquerdo geralmente há histórico de letargia, intolerância a exercício e colapso. O
exame minucioso pode revelar cianose diferencial. Podem ser notados desdobramento da segunda bulha
cardíaca e discreto sopro diastólico secundário à insuficiência pulmonar. Não se constata sopro contínuo,
tampouco o pulso femoral é evidente. A constatação de policitemia em um animal jovem com tais sinais
clínicos implica avaliação diagnóstica adicional imediata do coração. O ECG mostra grave dilatação do
ventrículo direito e arritmias ocasionais. Na PDA reversa é possível constatar aumento do ventrículo direito e
dilatação da artéria aorta descendente por aneurisma. Nesse caso indica­se ecocardiografia, que revela dilatação
e hipertrofia do ventrículo direito. O fluxo do ventrículo direito apresenta­se aumentado. Pode­se realizar
ecocardiografia contrastada para confirmar o diagnóstico. Após a injeção de solução salina em veia periférica
constatam­se microbolhas na aorta abdominal, mas não no coração. A ligadura do ducto é contraindicada
porque exacerba a hipertensão pulmonar (por causar aumento no fluxo, já com resistência vascular pulmonar
alta) e tipicamente causa morte. Nesses casos o tratamento envolve o controle da policitemia por meio de
flebotomias periódicas. O prognóstico quanto à sobrevida a longo prazo é desfavorável.

Persistência de Arco Aórtico Direito

Nessa anomalia vascular anelar há persistência do arco aórtico direito, distúrbio que causa obstrução esofágica
na altura da base cardíaca. O esôfago é envolvido pelo arco persistente à direita, pelo ligamento arterioso à
esquerda e dorsalmente e pela base do coração ventralmente.
Ducto arterioso patente; cão. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

Há relato de persistência de arco aórtico direito (PAAD) em bovinos, equinos, gatos e cães (especialmente das
raças Pastor Alemão e Irish Setter).
Outras anormalidades do anel vascular têm sido descritas; elas resultam em achados semelhantes àqueles da
PAAD. Essas anomalias congênitas não causam qualquer sintoma relacionado com o sistema cardiovascular –
predominam os sinais de regurgitação e pneumonia por aspiração.

CORAÇÃO ECTÓPICO

Coração ectópico é uma anomalia na qual o órgão se localiza fora da cavidade torácica, geralmente na região
cervical ventral. É mais comumente constatado em bovinos. O deslocamento por um esterno defeituoso ou pelas
costelas costuma resultar em morte neonatal, embora seja possível sobrevida por longo tempo no caso de outros
tipos de deslocamento.

DEFEITOS DO SEPTO

Defeito do Septo Atrial

Uma comunicação entre os átrios pode ser o resultado de persistência de forame oval ou um verdadeiro defeito
do septo atrial. Durante a vida fetal o forame oval, abertura oval do septo interatrial, permite o desvio de sangue
do átrio direito para o esquerdo, a fim de evitar a passagem pelos pulmões não funcionais. Esta abertura oval se
desenvolve entre dois septos: o septum primum e o septum secundum, que compõem o septo interatrial. Ao
nascimento, a queda na pressão do átrio direito permite que o forame oval se feche, interrompendo o desvio do
fluxo sanguíneo. O aumento da pressão no átrio direito pode reabrir o forame oval onde não houve vedação do
septo, permitindo o retorno do desvio. Isso não representa um defeito de septo atrial verdadeiro porque houve a
formação normal do septo. Um verdadeiro defeito de septo atrial corresponde a uma abertura consistente do
septo interatrial, a qual permite o desvio de sangue do átrio com maior pressão. Os defeitos do septum secundum
se desenvolvem na parte superior do septo interatrial, próximo ao forame oval, sendo o tipo mais comum. Os
defeitos do septum primum situam­se na porção mais inferior do septo interatrial, próximo à junção
atrioventricular.
FISIOPATOLOGIA: Na maioria dos casos, o sangue desvia do átrio esquerdo para o direito, ocasionando
sobrecarga de volume nas câmaras cardíacas direitas. A magnitude do desvio depende do tamanho do defeito e
do gradiente de pressão através desse defeito. O fluxo sanguíneo excessivo através das câmaras cardíacas
direitas resulta em sua dilatação e hipertrofia. Pode ocorrer vasoconstrição pulmonar em razão do excessivo
fluxo sanguíneo pulmonar e isso pode predispor à ICC direita. Em situações nas quais há aumento da pressão no
átrio direito (p. ex., estenose pulmonar) pode haver desvio de sangue do lado direito para o esquerdo, através do
forame oval ou do defeito de septo atrial, causando cianose e, potencialmente, policitemia.
ACHADOS CLÍNICOS E TRATAMENTO: É possível constatar sintomas de ICC direita (p. ex., ascite, edema e
cianose). Geralmente nota­se sopro sistólico de ejeção na região da valva pulmonar, refletindo aumento do fluxo
sanguíneo através da valva pulmonar. O sangue que flui pelo próprio defeito não produz sopro. O tempo de
ejeção prolongado do ventrículo direito pode resultar em desdobramento da segunda bulha cardíaca.
Eletrocardiografia pode revelar evidência de aumento de átrio ou ventrículo direito (desvio do eixo direito,
ondas S profundas, ondas P altas). Bloqueio do ramo do feixe direito e arritmias também podem ser constatadas.
Radiograficamente, notam­se vários graus de aumento de ventrículo direito e vasos pulmonares mais evidentes,
indicando excesso de fluxo sanguíneo pulmonar. Para esses animais indica­se ecocardiografia, pois esse exame
mostra graus variáveis de dilatação de ventrículo e átrio direitos, bem como identifica o defeito como uma perda
de ecogenicidade no septo interatrial. A perda normal da ecogenicidade da fossa oval não deve ser interpretada
como um defeito de septo atrial. A ecocardiografia Doppler confirma o desvio do fluxo sanguíneo através da
lesão e a maior velocidade de ejeção na valva pulmonar. Pode­se tentar correção cirúrgica, mas tal procedimento
está associado a alta taxa de mortalidade e alto custo. Animais com defeitos no septum secundum podem tolerar
bem tais anomalias e vários destes defeitos são achados acidentais em animais mais velhos. Os defeitos maiores,
como constatados nas anomalias de septum primum ou em defeitos de coxim endocárdico, predispõem mais à
ICC direita; também, pode­se constatar hipertensão pulmonar em razão do maior fluxo sanguíneo no pulmão.
Nesse caso o prognóstico é reservado a desfavorável.

Defeito do Septo Ventricular

Os defeitos do septo ventricular situam­se mais comumente na porção perimembranosa do septo, na parte
superior do septo ventricular logo abaixo das cúspides da valva aórtica não coronária e direita, à esquerda, e
logo abaixo da comissura craniosseptal da valva tricúspide, à direita. Apresentam tamanho e importância
hemodinâmica variáveis. Também, podem ocorrer defeitos no septo muscular. Pode haver anomalia de septo
ventricular juntamente com outras cardiopatias congênitas. Esse defeito é hereditário em suínos miniaturas.
FISIOPATOLOGIA: Na maioria dos animais ocorre desvio de sangue do ventrículo esquerdo para o ventrículo
direito e fluxo ventricular direito, em razão da maior pressão no ventrículo esquerdo. A magnitude do desvio
depende do tamanho do defeito e do gradiente de pressão entre os ventrículos. Ocorre recirculação do sangue
desviado para o ventrículo direito através dos vasos pulmonares e das câmaras cardíacas esquerdas, ocasionando
dilatação dessas estruturas.
O ventrículo direito também pode se dilatar, especialmente em animais com graves defeitos de septo
ventricular não resistentes ou anomalias menores no septo ventricular (de ocorrência rara). Pequenos defeitos
(anomalias de septo ventricular altamente resistente) limitam o volume de sangue desviado e minimizam os
efeitos hemodinâmicos, enquanto os grandes defeitos geralmente resultam em graves transtornos circulatórios e
sinais clínicos. Um desvio de sangue significativo através das artérias pulmonares pode induzir vasoconstrição
desses vasos. À medida que a resistência aumenta, o desvio pode se reverter (ou seja, a resistência ao fluxo
ventricular direito excede a resistência ao fluxo ventricular esquerdo, com desvio de sangue da direita para a
esquerda), resultando em cianose e policitemia. O desvio de sangue da direita para a esquerda através do defeito
de septo, como consequência de hipertensão pulmonar, é denominado complexo de Eisenmenger.
Defeito do septo ventricular (seta); suíno miniatura. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

ACHADOS CLÍNICOS E TRATAMENTO: Os achados clínicos dependem da gravidade do defeito e da direção do


desvio. Um pequeno defeito geralmente não ocasiona sintoma ou causa sinais clínicos mínimos. Os defeitos
maiores podem resultar em ICC esquerda aguda. Bovinos são predispostos aos sintomas de ICC direita. No
desenvolvimento do complexo de Eisenmenger nota­se cianose, fadiga e intolerância a exercício. A maioria dos
animais afetados apresenta sopro sistólico alto que se irradia amplamente, com frêmito no lado esquerdo. Nota­
se ausência ou discreto sinal de sopro quando há defeito muito grande ou quando ocorre shunt direito­esquerdo.
Às vezes, desenvolve­se secundariamente insuficiência valvular aórtica, pois um defeito subaórtico pode
interferir na justaposição da valva aórtica. Nesse caso, nota­se sopro diastólico concomitante e a combinação de
sopro sistólico/diastólico (sopro de vaivém) pode ser confundida com aquele verificado na PDA. A turbulência
prolongada no local do defeito pode causar erosão do endotélio e predispor à endocardite infecciosa.
Radiografias do tórax podem revelar cardiomegalia generalizada, com aumento do fluxo sanguíneo nos vasos
pulmonares. Em geral, o defeito pode ser visualizado no exame ecocardiográfico, embora pequenos defeitos
possam passar despercebidos. A ecocardiografia Doppler ou os exames contrastados confirmam a presença de
desvio do fluxo sanguíneo.
A terapia depende do uso do animal, da gravidade dos sinais clínicos e da direção do desvio. Animais com
pequenas anomalias de septo ventricular tipicamente não necessitam tratamento e o prognóstico é bom. Animais
com anomalia de septo ventricular moderada a grave mais comumente desenvolvem sinais clínicos, devendo­se
instituir tratamento. Correção cirúrgica da anomalia; bandagem da artéria pulmonar para aumentar a resistência
ao fluxo do ventrículo direito e, consequentemente, minimizar o desvio de sangue da esquerda para a direita; ou
uso de terapia para reduzir a resistência vascular sistêmica (p. ex., vasodilatador, como hidralazina) podem ser
empregados no tratamento de animais com grande defeito de septo ventricular e shunt esquerdo­direito. No caso
de shunt direito­esquerdo, geralmente o fechamento cirúrgico do defeito é contraindicado. Pode­se realizar
flebotomia para aliviar os efeitos da policitemia ou utilizar hidroxiureia para minimizar os sinais clínicos; no
entanto, o prognóstico é reservado a desfavorável. Os animais diagnosticados com defeito de septo ventricular
não devem ser acasalados; mostrou­se que em pelo menos uma raça (English Springer Spaniel) o defeito é
hereditário.
DISPLASIA DA TRICÚSPIDE

Ocasionalmente, nota­se malformação congênita do complexo da valva tricúspide em cães e gatos. As raças
predispostas são Labrador Retriever e Pastor Alemão. A displasia da tricúspide resulta em insuficiência valvular
e regurgitação sistólica do sangue para o interior do átrio direito. Mais raramente pode–se constatar estenose da
valva tricúspide. As cordas tendíneas comumente encontram­se encurtadas ou ausentes e as cúspides da valva
tricúspide podem estar espessadas ou aderidas à parede ventricular ou do septo intraventricular.
Simultaneamente, é possível notar outras anomalias congênitas como displasia da valva mitral, defeitos de
septo, estenose subaórtica e estenose pulmonar. Na anomalia de Ebstein, uma variante da displasia de tricúspide,
a valva é deslocada em direção ao ápice cardíaco.

Displasia da valva tricúspide; cão. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

FISIOPATOLOGIA: A malformação da valva tricúspide resulta em importante insuficiência valvular. A


regurgitação tricúspide prolongada ocasiona sobrecarga de volume no coração direito, causando dilatação de
ventrículo e átrio direitos. O fluxo sanguíneo pulmonar pode diminuir e ocasionar fadiga e taquipneia. À medida
que a pressão no átrio direito aumenta ocorre prejuízo ao retorno venoso, resultando em ascite.
ACHADOS CLÍNICOS E TRATAMENTO: Os sinais clínicos estão relacionados com a gravidade do defeito. Os
animais acometidos geralmente manifestam sintomas de ICC direita. Sopro holossistólico grave decorrente de
regurgitação tricúspide torna–se evidente no ápice cardíaco direito. Arritmias atriais, especialmente taquicardia
atrial paroxística, são comuns e podem causar morte. Tipicamente, eletrocardiografia e radiografia revelam
aumento de átrio e ventrículo direitos. A veia cava caudal pode aumentar significativamente de volume. A
ecocardiografia mostra malformação da valva tricúspide e, geralmente, dilatação grave de átrio e ventrículo
direitos. A ecocardiografia Doppler revela grave regurgitação na valva tricúspide.
Em animais com sinais clínicos o prognóstico é reservado. Pode ser necessária abdominocentese periódica
para controlar a efusão peritoneal. Também, pode­se indicar o uso de diuréticos, vasodilatadores e digoxina.

DISPLASIA DA VALVA MITRAL

A malformação congênita do complexo da valva mitral (displasia da valva mitral) é um defeito cardíaco
congênito comum em gatos.
As raças de cães predispostas são Bull Terrier, Pastor Alemão e Great Dane. A displasia da valva mitral
resulta em insuficiência mitral e regurgitação sistólica de sangue ao átrio esquerdo. Qualquer componente do
complexo da valva mitral (cúspides valvulares, cordas tendíneas, músculos papilares) pode apresentar
malformação e frequentemente há envolvimento de mais de um componente.

Displasia da valva mitral; cão. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

FISIOPATOLOGIA: A malformação do complexo da valva mitral provoca insuficiência valvular significativa. A


regurgitação mitral prolongada causa sobrecarga de volume no coração esquerdo que resulta em dilatação de
ventrículo e átrio esquerdos. Quando a regurgitação mitral é grave, o débito cardíaco diminui, acarretando
sintomas de insuficiência cardíaca. A regurgitação mitral grave também pode causar congestão venosa
pulmonar e ICC esquerda. A dilatação das câmaras cardíacas esquerdas predispõe os animais acometidos a
arritmias. Em alguns casos, a malformação do complexo da valva mitral causa certo grau de estenose valvular,
bem como insuficiência (ver estenose mitral, a seguir).
ACHADOS CLÍNICOS E TRATAMENTO: Os sinais clínicos estão relacionados com a gravidade da lesão. Os animais
acometidos geralmente manifestam sintomas de ICC esquerda. Sopro holossistólico de regurgitação mitral é
proeminente no ápice cardíaco esquerdo. Em alguns casos nota­se ruído cardíaco diastólico (ritmo de galope).
Os animais enfermos podem apresentar frêmito precordial no ápice cardíaco esquerdo. As arritmias atriais
(complexos atriais prematuros, fibrilação atrial) podem ser notadas no eletrocardiograma, especialmente de
animais gravemente afetados. Também, pode haver aumento de ventrículo e átrio (alargamento de ondas P)
esquerdos. Nas radiografias torácicas é possível notar aumento acentuado do átrio esquerdo. Ademais, pode­se
constatar aumento do ventrículo esquerdo e congestão venosa pulmonar. A ecocardiografia revela malformação
do complexo da valva mitral (fusão de cordas tendíneas e espessamento e imobilidade das cúspides valvulares,
aparência anormal dos músculos papilares) e dilatação de ventrículo e átrio esquerdos. A ecocardiografia
Doppler mostra regurgitação mitral grave. Quando presente é possível identificar estenose mitral (ver a seguir).
O prognóstico para os animais com sinais clínicos de doença grave é desfavorável. Pacientes discretamente
acometidos podem permanecer assintomáticos por vários anos. Para tratamento de ICC esquerda progressiva ver
p. 135.

ESTENOSE MITRAL

Estenose mitral corresponde ao estreitamento do orifício da valva mitral provocado por anormalidades na valva
e resulta em obstrução do fluxo sanguíneo ao ventrículo esquerdo. Esse defeito congênito é raro em cães e gatos
e pode ser concomitante a outras anomalias congênitas, como estenose subaórtica, displasia da valva mitral e
estenose pulmonar.
FISIOPATOLOGIA: A doença resulta em aumento da resistência ao fluxo atrial esquerdo, originando um gradiente
de pressão entre o átrio e o ventrículo esquerdos. Isso ocasiona aumento do átrio esquerdo e da pressão venosa
pulmonar e na pressão em cunha nos capilares. Como consequência, pode ocorrer edema pulmonar e, em alguns
casos, síncope.
ACHADOS CLÍNICOS E TRATAMENTO: A estenose mitral, por si só, pode resultar em sopro cardíaco diastólico
tipicamente de baixo grau (I­II/VI). Caso haja displasia da valva mitral, simultaneamente, pode ser audível um
sopro com intensidade máxima no ápice cardíaco esquerdo. As radiografias mostram graus variáveis de
aumento do átrio esquerdo e edema pulmonar em animais com ICC esquerda. A eletrocardiografia pode revelar
alargamento das ondas P (indicando aumento do átrio esquerdo) e arritmias supraventriculares. A
ecocardiografia permite o diagnóstico definitivo. É possível notar abaulamento das cúspides da valva mitral em
direção ao ventrículo esquerdo durante a diástole, aumento do átrio esquerdo e espessamento das cúspides da
valva mitral. A ecocardiografia Doppler revela fluxo diastólico turbulento através da valva mitral, iniciando
nesta valva e se estendendo ao interior do ventrículo esquerdo. No início da diástole é detectado gradiente de
pressão entre o átrio e o ventrículo esquerdos.
O tratamento medicamentoso de animais com estenose da valva mitral envolve o uso de diurético e restrição
de sódio na dieta. Deve­se evitar diurese excessiva porque pode ocorrer grave redução do débito cardíaco.
Terapia cirúrgica ou intervencional pode incluir comissurotomia fechada (correção da estenose, sem desvio),
comissurotomia aberta, substituição da valva mitral ou valvuloplastia com balão (relatada em um animal com
estenose de valva tricúspide). Esses procedimentos raramente são realizados em cães e gatos e envolvem risco e
custo consideráveis.

HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA PERITONIOPERICÁRDICA (HDPP)


A hérnia diafragmática peritoniopericárdica (HDPP) é a doença de pericárdio congênita mais comum em cães e
gatos. Deve­se ao desenvolvimento anormal do septo dorsolateral transverso ou de falha na união das dobras
pleuroperitoneal lateral e porção ventromedial esternal. Isso resulta em herniação de víscera abdominal no saco
pericárdico. O fígado é mais comumente herniado, seguido de intestino delgado, baço e estômago. Os sintomas
são muito variáveis; diversos pacientes permanecem assintomáticos e a anomalia é constatada durante a
necropsia. As radiografias de tórax podem mostrar alças do intestino delgado ou fígado atravessando o
diafragma, no sentido do saco pericárdico. Uma avaliação com radiografia contrastada utilizando bário VO
também pode identificar alças de intestino delgado ou estômago no saco pericárdico. Ainda, o diagnóstico pode
ser definido pela constatação de víscera abdominal no saco pericárdico durante o exame ecocardiográfico.
Pacientes que apresentam vômito, sinais de encefalopatia hepática ou outras condições adversas resultantes de
HDPP devem ser submetidos à correção cirúrgica da hérnia.

OBSTRUÇÃO DO FLUXO SANGUÍNEO

Neste grupo de doenças cardíacas congênitas incluem­se estenose aórtica, estenose pulmonar e coarctação da
aorta. Todas envolvem obstrução do fluxo (ou débito) sanguíneo do ventrículo direito ou esquerdo.

Estenose Aórtica

O esvaziamento do ventrículo esquerdo pode ser obstruído em três locais: (1) subvalvular, também denominado
subaórtico, constituído de uma crista de tecido fibroso no percurso do fluxo sanguíneo do ventrículo esquerdo;
(2) valvular; (3) supravalvular ou obstrução distal à valva aórtica. A forma mais comum no cão é a estenose
subaórtica. Há relato de predisposição em cães das raças Boxer, Golden Retriever, Rottweiler, Pastor Alemão e
Newfoundland.
FISIOPATOLOGIA: A estenose aórtica provoca hipertrofia do ventrículo esquerdo, cujo grau depende da
gravidade da estenose. Nos casos graves pode haver diminuição do fluxo do ventrículo esquerdo, especialmente
durante exercício. A principal ramificação da hipertrofia ventricular esquerda é a criação de áreas do miocárdio
com perfusão deficiente. A isquemia miocárdica é um fator importante no desenvolvimento de arritmias
ventriculares, com sério risco à vida.
ACHADOS CLÍNICOS E TRATAMENTO: Os sinais clínicos não são consistentemente relacionados com a gravidade
da estenose. Pode haver história de síncope e intolerância a exercício. Os animais sem histórico de enfermidade
podem morrer subitamente e a anomalia é detectada apenas durante a necropsia. Constata­se sopro sistólico do
tipo ejeção, mais audível na região da valva aórtica. A intensidade do sopro está razoavelmente correlacionada
com o grau de estenose e pode aumentar à medida que o animal se torna adulto, refletindo uma estenose
progressiva. Os filhotes de cães sem sopros detectáveis não devem ser considerados livres da doença até
completarem 6 meses de idade, pois o sopro pode ser muito discreto nos primeiros meses de vida. Em casos
moderados a graves, a força do pulso femoral diminui. A eletrocardiografia pode revelar aumento do ventrículo
esquerdo (ondas R altas na derivação II) e complexos ventriculares prematuros, cuja frequência aumenta com a
prática de exercício. Deve­se utilizar monitoramento com Holter em animais com síncope ou em pacientes com
doença grave, a fim de comprovar a presença de quaisquer arritmias, avaliar a gravidade da arritmia e evitar o
risco de morte súbita. Pode­se proceder à reavaliação com Holter após o início de terapia antiarrítmica, de modo
a verificar sua eficácia. Radiograficamente, notam­se aumento variável de volume do ventrículo esquerdo e
dilatação pós­estenose da artéria aorta. Recomenda–se ecocardiografia Doppler para confirmar o diagnóstico e
excluir outras anormalidades cardíacas. O grau de hipertrofia do ventrículo esquerdo e a velocidade máxima
sistólica do fluxo através da anomalia podem auxiliar na determinação da gravidade da estenose.

Estenose aórtica (estenose subaórtica), cão. Ilustração de Dr. Gheoghe Constantinescu.

As opções terapêuticas incluem tratamento médico das arritmias a fim de minimizar a ocorrência de sinais
clínicos de intolerância ao exercício ou síncope, valvuloplastia com balão (tipicamente não muito efetiva) e
ressecção cirúrgica (altas taxas de morbidade e mortalidade, alto custo, pouca redução do gradiente de pressão).
Tem­se defendido o uso de betabloqueadores, como atenolol, para controlar arritmias ventriculares em pacientes
com estenose subaórtica e, possivelmente, reduzir o risco de morte súbita. Em geral, os animais levemente
acometidos não necessitam tratamento e em vários pacientes o prognóstico pode ser reservado a bom. Os
animais acometidos não devem ser utilizados para procriação.

Estenose Pulmonar
Estenose pulmonar é um achado comum em cães e infrequente em gatos. Resulta em obstrução do fluxo do
ventrículo direito principalmente em razão da displasia das cúspides da valva pulmonar. Também, pode–se
constatar estenose no infundíbulo, na região subvalvular ou na porção supravalvular.
FISIOPATOLOGIA: O ventrículo direito deve gerar aumento de pressão durante a sístole para superar a estenose,
fato que nos casos moderados a graves pode ocasionar dilatação e hipertrofia marcantes do ventrículo direito. À
medida que o ventrículo direito hipertrofia a sua complacência diminui, acarretando aumento na pressão do átrio
direito e congestão venosa. O aumento da velocidade do fluxo deforma a parede da artéria pulmonar principal,
resultando em dilatação pós­estenose. Nos casos graves pode­se notar insuficiência congestiva direita. Estenose
pulmonar supravalvular é incomum e pode ser mais comumente constatada em animais da raça Schnauzer
gigante. Displasia da valva tricúspide simultânea é, às vezes, verificada em animais com estenose pulmonar.
Desenvolvimento anômalo da artéria coronária tem sido documentado em alguns animais com estenose
pulmonar, como cães das raças Boxer e Bulldog Inglês. Tipicamente, a artéria coronária principal esquerda se
origina de uma única artéria coronária direita e circunda o trajeto de fluxo do ventrículo direito.
ACHADOS CLÍNICOS E TRATAMENTO: Os animais afetados podem ter histórico de subdesenvolvimento e de
intolerância a exercício. Pode­se notar ICC direita, caracterizada por ascite ou edema periférico. Constata­se
sopro sistólico do tipo ejeção evidente, melhor audível na região da valva pulmonar. Geralmente, nota­se um
frêmito precordial correspondente. Também, pode haver dilatação e pulsação de veias jugulares. Em vários
casos, a ecocardiografia mostra evidência de aumento do ventrículo direito. As anormalidades radiográficas
incluem aumento do ventrículo direito, dilatação da artéria pulmonar principal por aneurisma e diminuição da
perfusão pulmonar. Nesses casos, indica–se ecocardiografia e este exame pode mostrar dilatação e hipertrofia do
ventrículo direito, aplanamento do septo interventricular e cúspides valvulares pulmonares espessadas e
relativamente imóveis. Em alguns casos pode­se notar estenose subvalvular discreta ou supravalvular. Às vezes,
pode­se notar insuficiência pulmonar em cães com estenose pulmonar. A ecocardiografia Doppler é valiosa na
determinação da gravidade da estenose. Com base na gravidade (descrita como o gradiente de pressão na valva)
pode­se avaliar a necessidade de intervenção. Os animais com estenose pulmonar moderada ou grave podem se
beneficiar de valvuloplastia com balão ou de intervenção cirúrgica (valvulotomia, enxerto, valvulectomia
parcial ou stent). A escolha do procedimento cirúrgico depende, em parte, da presença e do grau de hipertrofia
muscular subvalvular. Na presença de ICC direita deve­se iniciar terapia paliativa com medicamentos de uso
oral, como diuréticos e vasodilatadores. Tipicamente, o prognóstico é desfavorável quando há fibrilação atrial
ou ICC direita. Caso se constate fibrilação atrial o uso de digitálico pode ser justificável.

Coarctação da Aorta

Esta anomalia rara em cães e gatos envolve o estreitamento da artéria aorta distal à artéria subclaviana,
tipicamente na região do ducto arterioso. Outras anormalidades congênitas incomuns da aorta incluem
hipoplasia tubular da aorta ascendente e interrupção aórtica. Há relato de correção cirúrgica.

TETRALOGIA DE FALLOT

A tetralogia de Fallot é a principal anomalia causadora de cianose. Compreende uma combinação de estenose
pulmonar, um típico defeito de septo ventricular grande na parte superior do septo, hipertrofia do ventrículo
direito e graus variáveis de dextroposição da artéria aorta. Acredita­se que uma única malformação
conotroncular (formação cranialmente deslocada da porção superior do septo interventricular) resulta em
estreitamento ao fluxo sanguíneo do ventrículo direito (estenose pulmonar), sobreposição da aorta e defeito de
septo ventricular. A hipertrofia do ventrículo direito é simplesmente uma consequência dessas anormalidades. A
estenose pulmonar pode ser valvular e/ou infundibular. As raças de cães predispostas à tetralogia de Fallot são
Keeshond, Bulldog Inglês, Poodle miniatura, Schnauzer miniatura e Wirehaired Fox Terrier. A doença é
hereditária em animais da raça Keeshond e, possivelmente, em outras raças. Há relato dessa anomalia em outras
raças de cães e gatos.
FISIOPATOLOGIA: As consequências hemodinâmicas da tetralogia de Fallot dependem principalmente da
gravidade da estenose pulmonar, da extensão do defeito de septo ventricular (tipicamente grande e não
resistente) e da resistência vascular sistêmica. A direção e a magnitude do desvio de sangue através do defeito
de septo dependem, em grande parte, da resistência relativa ao fluxo entre a circulação pulmonar (obstruída pela
estenose pulmonar) e a circulação sistêmica. As consequências incluem menor fluxo sanguíneo pulmonar
(resultando em fadiga, respiração superficial) e cianose generalizada (resultando em policitemia, fraqueza)
causados pela mistura de sangue deficiente em oxigênio do lado direito com o sangue oxigenado do ventrículo
esquerdo no fluxo aórtico.
Em razão do desvio de sangue venoso para a aorta e da consequente hipoxia, os rins liberam eritropoetina,
resultando em policitemia (p. 38). O aumento da viscosidade do sangue associado à policitemia pode causar
efeitos hemodinâmicos importantes, como prejuízo à circulação sanguínea e deficiente perfusão capilar. Os
animais com policitemia grave frequentemente apresentam histórico de convulsões.
ACHADOS CLÍNICOS E TRATAMENTO: As informações típicas obtidas durante a anamnese incluem retardo do
crescimento, intolerância a exercício, cianose, colapso e convulsões. Pode­se constatar um frêmito precordial na
região da valva pulmonar e, na maioria dos casos, nota­se sopro decorrente da estenose pulmonar. A intensidade
do sopro é atenuada quando há policitemia grave e, em alguns animais acometidos, não há sopro cardíaco. No
exame eletrocardiográfico geralmente nota–se um padrão com aumento do ventrículo direito (ondas S profundas
na derivação torácica esquerda, desvio do eixo direito), sendo infrequente a ocorrência de arritmia. As
radiografias mostram aumento variável do coração direito, bem como vasos pulmonares menores que o normal,
frequentemente incluindo a artéria pulmonar principal. A ecocardiografia confirma o diagnóstico. Há evidência
de sobreposição da raiz aórtica (deslocamento à direita), hipertrofia do ventrículo direito e defeito de septo
ventricular. As câmaras cardíacas esquerdas podem ser pequenas em razão do menor retorno venoso pulmonar.
A ecocardiografia contrastada de rotina revela desvio do fluxo sanguíneo da direita para a esquerda no local do
defeito do septo ventricular. O fluxo sanguíneo através do defeito também pode ser detectado por
ecocardiografia Doppler.

Tetralogia de Fallot; gato. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

Tem­se utilizado bloqueadores beta–adrenérgicos para reduzir o componente dinâmico da obstrução do fluxo
do ventrículo direito e atenuar a menor resistência vascular sistêmica mediada por beta­adrenérgicos. O aumento
da resistência vascular sistêmica minimiza a magnitude do desvio. A policitemia deve ser controlada por meio
de flebotomias periódicas quando o volume globular (VG) excede 65%. O prognóstico é reservado, mas os
animais com desvio discreto a moderado podem atingir a idade adulta.
As opções terapêuticas incluem tratamento cirúrgico e medicamentoso. Há relato de cirurgia corretiva em
cães, porém, raramente é realizada. As técnicas cirúrgicas paliativas para aliviar os sinais clínicos associados à
tetralogia de Fallot também raramente são empregadas e incluem procedimentos que produzem anastomoses
sistêmico­pulmonares. Tais procedimentos podem minimizar os sintomas de hipoperfusão pulmonar e hipoxia
sistêmica. Em alguns casos, a redução da estenose pulmonar é paliativa. Outras opções para estenose pulmonar
são valvuloplastia cirúrgica e valvuloplastia com balão.

MISCELÂNEA DE ANORMALIDADES CARDÍACAS CONGÊNITAS

Conexão de veia pulmonar anômala é um defeito congênito no qual quantidade variável de veias pulmonares
(apenas uma ou até todas) se aderem ao átrio direito ou a uma veia sistêmica.
Defeitos do coxim endocárdico (defeito do canal atrioventricular [AV], persistência de óstio AV, defeito de
septo AV) envolvem distúrbios de desenvolvimento do coxim endocárdico que podem ocasionar anormalidade
do septum primum, da valva AV e do septo ventricular.
Cor triatriatum esquerdo e direito se origina a partir de uma membrana fibrosa que divide o átrio esquerdo e
direito, respectivamente. Há relato de cor triatriatum esquerdo em gatos e de cor triatriatum direito em cães. O
átrio envolvido é dividido em duas câmaras. Comumente há uma ou mais perfurações na membrana de
separação, permitindo a comunicação entre as duas partes do átrio. Como tratamento dessa doença, há relato de
valvuloplastia bem­sucedida com balão.
Dextrocardia, localização do coração no hemitórax direito, pode ser um defeito cardíaco congênito benigno.
Também, pode estar associado a situs inversus (posicionamento anormal dos órgãos corporais). Tipicamente,
nota­se uma combinação desses defeitos em animais com outras anormalidades simultâneas, como sinusite,
bronquite e bronquiectasia.
Além dessas anomalias, várias outras são relatadas, inclusive dupla abertura de ventrículo direito (toda parte
de uma grande artéria e a maior parte de outra grande artéria que se origina no ventrículo direito), interrupção
do arco aórtico, persistência da veia cava cranial esquerda, atresia pulmonar e transposição de grandes artérias.

DIROFILARIOSE

A dirofilariose é causada pelo microrganismo Dirofilaria immitis, uma filária. No mínimo, 70 espécies de
mosquitos podem atuar como hospedeiro intermediário; Aedes, Anopheles e Culex são os principais gêneros de

vetores. É possível a ocorrência de infecção persistente em várias espécies de animais selvagens e de


vetores. É possível a ocorrência de infecção persistente em várias espécies de animais selvagens e de
companhia. Dentre os reservatórios selvagens incluem­se lobos, coiotes, raposas, focas­cinza da Califórnia,
leão­marinho e guaxinins. Em animais de companhia a dirofilariose é diagnosticada principalmente em cães e
menos comumente em gatos e furões, devido às diferenças de técnica diagnóstica e ao ciclo de vida do parasita
nestes animais. Há relatos de dirofilariose na maioria dos países de clima temperado, semitropical e tropical,
inclusive EUA, Canadá, Austrália, América Latina e sul da Europa. Em animais de companhia, o risco de
ocorrência de dirofilariose é maior em cães e gatos criados em ambiente externo. Embora qualquer cão ou gato
seja suscetível à dirofilariose, criado ou não em ambiente interno, a maioria dos casos é diagnosticada em
animais de tamanho médio a grande, com 3 a 8 anos de idade.
Os mosquitos infectados podem transmitir dirofilariose às pessoas, porém, não há relato de infecção
persistente. A maturação das larvas infectantes pode progredir a ponto de alcançarem os pulmões, se
encapsularem e morrerem. A larva morta estimula reações granulomatosas denominadas “lesões de moeda”,
clinicamente importantes porque ao exame radiográfico são semelhantes às metástases de câncer pulmonar.
A taxa de prevalência de dirofilariose em outros animais de companhia, como furão e gato, tende a ser
proporcional àquela de cães criados nesta mesma região. Não há relato de predileção por idade em furões e
gatos; contudo, relata­se que gatos machos são mais suscetíveis do que as fêmeas. Furões e gatos criados em
ambientes interno e externo podem se infectar. Em gatos, outras infecções, como aquela causada por FeLV ou
pelo vírus da imunodeficiência felina, não são fatores predisponentes.
CICLO BIOLÓGICO: As espécies de mosquitos vetores adquirem microfilárias (um estágio larvário neonatal)
quando se alimentam no hospedeiro infectado. Uma vez ingeridas pelo mosquito, as microfilárias se
desenvolvem em larvas de primeiro estágio (L1). Em seguida, ativamente mudam para larvas de segundo estágio
(L2) e, novamente, para larvas de terceiro estágio infectante (L3), no mosquito, em cerca de 1 a 4 semanas,
dependendo da temperatura ambiente. Essa fase de desenvolvimento é mais curta (10 a 14 dias) quando a
temperatura ambiente é > 27°C e a umidade relativa do ar é de 80%. Quando maduras, as larvas infectantes
migram para o lábio do mosquito. Quando o mosquito se alimenta as larvas infectantes saem da extremidade
labial juntamente com pequena hemolinfa e se deposita na pele do hospedeiro. A larva migra para o local da
picada, iniciando a fase do ciclo biológico no mamífero. Um típico mosquito Aedes somente é capaz de
sobreviver à fase de desenvolvimento completa de pequena quantidade de larvas de dirofilária, geralmente
menos de 10 larvas por mosquito.
Em canídeos e em outros hospedeiros suscetíveis, a larva infectante (L3) se transforma em larva de quarto
estágio (L4) dentro de 3 a 12 dias. Após permanecer no tecido subcutâneo, abdome e tórax durante cerca de 2
meses, a larva L4 e transforma em parasita adulto jovem e migra pelo tecido do hospedeiro e, após 50 a 70 dias,
chega à artéria pulmonar cerca de 70 a 120 dias após a infecção inicial. Neste momento os parasitas medem 2,5
a 4 cm, crescem rapidamente no vaso pulmonar e se torna verme adulto maduro (machos com cerca de 15 cm de
comprimento; fêmeas com cerca de 25 cm). Quando os parasitas jovens inicialmente chegam aos pulmões, a
pressão sanguínea os força para as pequenas artérias pulmonares mais distais do lobo pulmonar caudal; à
medida que crescem ocupam artérias pulmonares maiores, indo para o ventrículo direito e o átrio direito,
quando a carga parasitária é alta. As microfilárias são produzidas pelas fêmeas grávidas tão precocemente
quanto 6 meses, porém mais tipicamente aos 7 a 9 meses, após a infecção.
As microfilárias são detectadas na maioria dos canídeos infectados (cerca de 80%) não submetidos à
profilaxia com macrolídeos e, ocasionalmente, naqueles cães tratados com macrolídeos preventivos quando já
havia infecção por dirofilária. Portanto, o número de microfilárias circulantes não necessariamente está
relacionado com a quantidade de fêmeas adultas de D. immitis. Tipicamente, os adultos vivem 3 a 5 anos; as
microfilárias podem sobreviver por até 2 anos, enquanto aguardam um mosquito hospedeiro intermediário.

Microfilaria de Dirofilaria immitis; esfregaço sanguíneo de cão. Cortesia de Merial Limited.

A maior parte dos cães é muito sensível à infecção por D. immitis e a maioria (56%, em média) das larvas
infectantes (L3) se transformam em adultos. Furões e gatos são hospedeiros suscetíveis; mas a taxa de
desenvolvimento de larvas infectantes em adultos é baixa (em média, 6% em gatos e 40% em furões). Em gatos,
com frequência a carga parasitária é de 1 a 3 vermes. Parece que a morte precoce de vermes jovens na chegada
ao sistema respiratório é basicamente responsável pela doença respiratória associada à síndrome dirofilariose
em gatos. A sobrevida do verme adulto em gatos tipicamente não é superior a 2 a 3 anos. Em todos os animais
suscetíveis à infecção há relato de migração aberrante em diferentes órgãos, resultando em lesões no cérebro,
sistema vascular sistêmico e nas vísceras e tecido subcutâneo.
PATOGÊNESE: Em cães, a gravidade da lesão cardiopulmonar é determinada pela quantidade de parasitas, pela
resposta imune do hospedeiro, pela duração da infecção e pelo grau de atividade do hospedeiro. A forma adulta
viva de D. immitis provoca irritação mecânica direta na camada íntima e na parede da artéria pulmonar,
ocasionando um manguito perivascular com células inflamatórias, inclusive com infiltração de grande
quantidade de eosinófilos. Os parasitas vivos parecem ter um efeito imunossupressor; contudo, os parasitas
mortos induzem reações imunes e subsequente lesão pulmonar em áreas não diretamente relacionada com a
presença do parasita morto. Infecções de longa duração, em razão dos fatores já mencionados (ou seja, irritação
direta, morte do parasita e resposta imune), resultam em lesões crônicas e subsequentes cicatrizações. Cães
ativos tendem a desenvolver mais lesões àqueles inativos, qualquer que seja a carga parasitária. Esforços
frequentes aumentam a lesão da artéria pulmonar e podem predispor a sinais clínicos evidentes, inclusive
insuficiência cardíaca congestiva (ICC). Com frequência, a alta carga parasitária se deve às infecções adquiridas
durante exposição a vários mosquitos. Alta exposição de cães jovens ainda não infectados que vivem em clima
temperado pode resultar em infecção grave, causando a síndrome da veia cava no ano seguinte à infecção. Em
geral, devido ao tamanho do parasita e da menor dimensão dos vasos pulmonares, os cães pequenos não toleram
tanto a infecção e o tratamento, quanto os cães grandes.
A participação da bactéria endossimbiótica Wolbachia pipiens, presente nos vermes, ainda está sendo
pesquisadas. No entanto, estas bactérias estão envolvidas na patogênese de filarioses, possivelmente pela ação
de endotoxinas. Estudos recentes mostraram que uma proteína de superfície primária de Wolbachia (WSP)
induz uma resposta com IgG específica em hospedeiros infectados por D. immitis.
Os mediadores inflamatórios associados à infecção por D. immitis que induzem resposta imune no pulmão e
nos rins (glomerulonefrite por deposição de complexo imune) causam vasoconstrição e, possivelmente,
broncoconstrição. O extravasamento de plasma e de mediadores inflamatórios de vasos de pequeno calibre e de
capilares ocasiona inflamação e edema de parênquima pulmonar. A constrição da artéria pulmonar provoca
aumento da velocidade do fluxo sanguíneo, especialmente durante esforço, resultando em lesão adicional ao
endotélio. A ocorrência de lesão endotelial, vasoconstrição, aumento da velocidade do fluxo sanguíneo e
isquemia local é um ciclo vicioso. Inflamação com isquemia pode causar fibrose intersticial irreversível.
Em gatos e furões, a lesão da artéria pulmonar é semelhante àquela de cães, embora as pequenas artérias
desenvolvam hipertrofia muscular mais grave. Alguns gatos podem nunca manifestar sinais clínicos. Trombose
arterial é causada por coágulos sanguíneos e alojamento dos parasitas no estreito lúmen das arteríolas. Em gatos,
as alterações do parênquima associadas ao parasita morto diferem daquelas constatadas em cães e furões. Além
de lesão e edema celular tipo I, como verificados em cães, os gatos apresentam hiperplasia celular tipo II, que é
uma importante barreira à oxigenação. Furões e gatos são muito mais sujeitos à morte pela infecção por D.
immitis, em razão da restrita capacidade vascular pulmonar e das consequentes lesões.
ACHADOS CLÍNICOS: Em cães, a infecção deve ser detectada por teste sorológico antes do início dos sinais
clínicos; contudo, é preciso ter em mente que a antigenemia e a microfilaremia, na dirofilariose, não surgem
antes de cerca de 5 e 6,5 meses após a infecção, respectivamente. Cães não submetidos a tratamento preventivo
e aos testes apropriados podem ser infectados. Os sinais clínicos de dirofilariose incluem tosse, intolerância ao
exercício, depauperamento, dispneia, cianose, hemoptise, síncope, epistaxe e ascite (ICC direita). A frequência e
a gravidade dos sintomas estão relacionadas com o grau de lesão pulmonar e com o tipo de atividade do
paciente. Com frequência, não se constata sintoma em cães sedentários, mesmo quando se imagina que a carga
parasitária possa ser relativamente alta. Os cães infectados submetidos a aumento marcante de atividade, como
ocorre durante a estação de caça, podem manifestar sinais clínicos evidentes.

Imagem radiográfica de discretas lesões de dirofilariose em um cão da raça German Shepherd, macho, de 5 anos de idade. Cortesia da
University of Florida.

Dirofilariose felina, imagem lateral. Cortesia da Merial Limited.

Clinicamente, os cães podem ser considerados como pacientes de baixo ou de alto risco, com base na
avaliação clínica da carga parasitária potencial, na saúde do animal e no seu estilo de vida. Isto substitui um
sistema mais complexo no qual os cães eram classificados de I a IV. Cães com 5 a 7 anos de idade são mais
sujeitos à carga intensa de parasitas. Outras enfermidades concomitantes (p. ex., doença de sistemas orgânicos
ou pulmonar) influenciam a avaliação do risco. O grau de restrição de exercício durante o período de
recuperação é outro fator importante a ser considerado.
Gatos infectados podem ser assintomáticos ou manifestarem tosse intermitente, dispneia, vômito, letargia,
anorexia e perda de peso. Quando evidentes, geralmente os sintomas se desenvolvem durante dois estágios da
infecção: 1) na chegada dos parasitas jovens aos vasos pulmonares, cerca de 3 a 4 meses após a infecção, e 2) na
morte dos parasitas adultos. Os sintomas iniciais estão associados a uma resposta vascular e inflamatória aguda
do parênquima aos vermes jovens recém­chegados e à subsequente morte de vários destes parasitas jovens. Esta
fase inicial frequentemente é diagnosticada erroneamente como asma ou bronquite alérgica. No entanto,
atualmente esta condição é considerada como parte de uma síndrome recentemente identificada e denominada
doença respiratória associada à dirofilariose. Em gatos, o teste sorológico para pesquisa de antígeno é negativo
no início da síndrome de pneumonite eosinofílica, embora o teste de pesquisa de anticorpos possa ser positivo.
Com frequência os sinais clínicos regridem e podem não reaparecer durante meses. Gatos que albergam
parasitas adultos podem manifestar vômito intermitente, letargia, tosse e episódios de dispneia. A morte, mesmo
de um parasita adulto, pode ocasionar angústia respiratória aguda e choque, que pode ser fatal, e parece ser
consequência de trombose pulmonar e/ou choque anafilático.
DIAGNÓSTICO: O teste para detecção de antígeno é o método de diagnóstico preferido para cães assintomáticos
ou quando o objetivo é investigar a suspeita de infecção por D. immitis. O teste para detecção de antígeno é o
método diagnóstico mais sensível e específico disponível ao clínico veterinário. Mesmo em regiões onde a
prevalência de dirofilariose é alta, cerca de 20% dos cães infectados podem não apresentar microfilaremia. Esta
taxa é maior em cães infectados por dirofilárias adultas consistentemente submetidos à profilaxia mensal com
macrolídeos, pois tal procedimento induz estase embrionária em fêmeas adultas de dirofilária.
O momento do teste para pesquisa de antígeno é fundamental. Deve­se considerar um período de pré­
detecção (estes testes detectam apenas vermes adultos), considerando a data aproximada na qual a infecção
tenha ocorrido. Um intervalo de 7 meses é razoável. Geralmente não há necessidade do teste antigênico ou de
pesquisa de microfilárias em cães antes de aproximadamente 7 meses de idade. Para assegurar que não há
infecção previamente adquirida, cães jovens ou cães que não receberam previamente tratamento profilático para
dirofilariose devem ser submetidos ao teste 6 a 7 meses após o início da profilaxia para dirofilariose.
Subsequentemente, recomendam­se testes anuais de pesquisa de antígeno.
O grau de antigenemia está diretamente relacionado com a quantidade de fêmeas adultas do parasita. No
mínimo, 90% dos cães que albergam = 2 fêmeas adultas são positivos à maioria dos testes disponíveis. Na
suspeita de baixa infestação parasitária os testes laboratoriais comerciais com base na titulação em micropoços
são os mais sensíveis.
Em cães, a importância da ecocardiografia é relativamente pequena como método diagnóstico. A constatação
de parasitas no coração direito e na veia cava está associada à alta carga parasitária, com ou sem síndrome da
veia cava. Hipertensão pulmonar crônica grave ocasiona hipertrofia do ventrículo direito, achatamento do septo,
subcarga do coração esquerdo e regurgitação de alta velocidade nas valvas pulmonar e tricúspide. Geralmente o
ECG de cães infectados é normal. Nota­se hipertrofia do ventrículo direito quando há hipertensão pulmonar
crônica grave, que está associada a ICC direita iminente ou evidente (ascite). Em geral, arritmias cardíacas são
discretas ou ausentes, porém, fibrilação atrial é uma complicação ocasional em cães com dirofilariose.
O diagnóstico de dirofilariose em gatos baseia­se nas informações obtidas na anamnese e nos achados
clínicos, no grau de suspeita, em radiografias do tórax, na ecocardiografia e na sorologia. Os gatos podem
apresentar teste antigênico positivo 8 meses após a inoculação de L3. No entanto, os testes antigênicos são
considerados muito pouco confiáveis como método de triagem inicial para gatos, pois nesta espécie são comuns
infecções por parasitas machos e fêmeas. Ademais, pode haver infecções brandas com quantidade de fêmeas
adultas insuficiente para serem detectadas; alguns gatos podem adoecer e serem examinados antes que se
desenvolva antigenemia detectável.
Anticorpos contra dirofilária, produzido por 90% dos gatos infectados, podem surgir 2 a 3 meses após a
infecção por L3 e geralmente são constatados até 5 meses depois. No entanto, os anticorpos podem persistir
durante vários meses após a morte do parasita. Além disso, os anticorpos induzidos por larvas podem persistir
após o uso profilático de macrolídeos, que são capazes de destruir as formas larvárias iniciais. Portanto, um teste
de pesquisa de anticorpo positivo indica infecção pelo parasita e sugere doença respiratória associada à
dirofilariose, mas não necessariamente infecção persistente ou contínua. Em associação com outros achados, o
teste sorológico para pesquisa de anticorpo positivo pode ser útil no diagnóstico de dirofilariose felina. Não há
relato de resultado falso­positivo decorrente de reação cruzada. O resultado negativo na pesquisa de anticorpo
indica probabilidade de ausência de infecção = 90%. Microfilárias são raramente detectadas pelo teste de Knott
ou de filtração (< 10%). Recomenda­se triagem anual utilizando­se testes de pesquisa de antígeno e de anticorpo
em gatos criados em áreas nas quais a dirofilariose é endêmica.
Em gatos, os parasitas geralmente podem ser vistos no exame ecocardiográfico. Linhas hiperecoicas
paralelas, que representam a imagem da cutícula da D. immitis, podem ser notadas no coração direito e na
artéria pulmonar. Alta carga parasitária pode estar associada a parasitas no coração direito. Quando realizada por
profissional competente, a ecocardiografia é mais importante em gatos do que em cães, em razão da maior
dificuldade de diagnóstico e da alta sensibilidade do exame.
Além dos testes de diagnósticos específicos para cães e gatos indicam­se hemograma, perfil bioquímico
sérico, urinálise e, particularmente, radiografias do tórax. Com frequência, os resultados de exames laboratoriais
são normais. Eosinofilia e basofilia são achados comuns e, juntas, sugerem dirofilariose subclínica ou doença
pulmonar alérgica. O grau de eosinofilia aumenta quando a L5 alcança a artéria pulmonar. Em seguida, a
contagem de eosinófilos torna­se variável, mas geralmente alta, em cães com infecção subclínica
imunomediada, especialmente quando há pneumonite eosinofílica (< 10% do total de infecções).
Em cães e gatos é possível constatar hiperglobulinemia decorrente do estímulo antigênico. Em cães, a
hipoalbuminemia está associada a ICC direita ou glomerulonefrite por deposição de complexo imune grave.
Ocasionalmente, nota­se aumento de atividade sérica de ALT e fosfatase alcalina, mas não há boa correlação
deste achado com disfunção hepática, eficácia do tratamento adulticida ou risco de intoxicação medicamentosa.
A urinálise pode revelar proteinúria, a qual pode ser determinada por método semiquantitativo calculando­se a
proporção proteína:creatinina da urina. Às vezes, amiloidose ou glomerulonefrite grave pode ocasionar
hipoalbuminemia e síndrome nefrótica. Cães com hipoalbuminemia secundária à doença glomerular também
perdem antitrombina III e tornam­se predispostos à doença tromboembólica. Hemoglobinúria está associada ao
caso clínico de alto risco e ocorre quando as hemácias são lisadas na circulação porta pela deposição de fibrina.
Indica­se tratamento com heparina (75­100U/kg, SC, 3 vezes/dia). Hemoglobinúria também é um sintoma
clássico da síndrome da veia cava.
Em cães, a radiografia do tórax propicia melhor informação sobre a gravidade da doença, sendo considerada
bom teste de triagem para cães com sinais clínicos compatíveis com dirofilariose. Infecções de alto risco são
caracterizadas por grande segmento da artéria pulmonar principal e tortuosidade e dilatação das artérias
pulmonares do lobo caudal. ?Caso estas últimas apresentem diâmetro = 1,5 vez àquele da nona costela, no ponto
de superposição, pode­se considerar lesão grave. Também, pode­se notar aumento do ventrículo direito.
Ademais, na doença avançada frequentemente é possível constatar infiltrado parenquimal não delimitado,
disperso e de extensão variável ao redor da artéria lobar caudal, geralmente mais grave no lobo caudal direito. O
infiltrado pode melhorar com o confinamento em gaiola, com ou sem o uso de dose anti­inflamatória de
corticosteroides.
Em gatos, as alterações cardíacas são menos comuns. Em geral, a artéria lobar caudal se apresenta
relativamente maior, porém é ainda maior no caso de dirofilariose. Também, é possível constatar infiltrados
parenquimais irregulares em gatos com sintomas respiratórios. Geralmente o segmento da artéria pulmonar
principal não é visível em razão de sua localização próxima à linha média.
TRATAMENTO EM CÃES: A avaliação do uso de medicamento pré­adulticida varia em função do estado clínico do
paciente e da probabilidade de coexistência de doenças que podem influenciar na eficácia do tratamento.
Devem­se obter informações laboratoriais, seletivamente, para complementar as informações obtidas na
anamnese, no exame físico, na pesquisa de antígeno e, geralmente, na radiografia do tórax.
Duas importantes variáveis que sabidamente têm influência direta na ocorrência de complicações
tromboembólicas após o uso de droga adulticida e na eficácia do tratamento são a extensão da doença vascular
pulmonar concomitante e a gravidade da infecção. A avaliação da função cardiopulmonar é indispensável para a
definição do prognóstico. As complicações tromboembólicas pulmonares pós­adulticida são mais prováveis em
cães infectados com alta carga parasitária, que já exibem sinais clínicos e radiográficos de obstrução da artéria
pulmonar grave, especialmente na presença de ICC.
Antes de iniciar a terapia adulticida os cães com dirofilariose devem ser avaliados e deve­se calcular o risco
de tromboembolia pós­adulticida. Os pacientes podem ser classificados como se segue: 1) baixo risco de
complicações tromboembólicas, baixa carga parasitária e sem evidência de lesão de parênquima e/ou de vaso
pulmonar; ou 2) alto risco de complicações tromboembólicas. Cães da primeira categoria devem satisfazer as
seguintes condições: nenhum sinal clínico, radiografia do tórax normal, baixa concentração de antígeno
circulante ou teste de pesquisa de antígeno negativo com microfilárias circulantes, ausência de verme no exame
ecocardiográfico, ausência de doença concomitante e capacidade do proprietário de restringir totalmente o
exercício do animal. Cães com risco de complicações tromboembólicas são aqueles com sintomas relacionados
com a dirofilariose (p. ex., tosse, lipotimia, tumefação abdominal), anormalidades em radiografias do tórax, alto
teor de antígenos circulantes, visualização de parasita na ecocardiografia, doença concomitante e baixa ou
nenhuma possibilidade de os proprietários limitarem o exercício.
O único medicamento adulticida disponível para tratamento de dirofilariose é o di­hidrocloreto de
melarsomina, efetivo contra parasitas maduros (adultos) e jovens, machos e fêmeas. Faz­se administração de 2,5
mg de melarsomina/kg, por via IM profunda, no músculo epaxial (lombar), na altura das vértebras L3­L5,
utilizando­se uma agulha calibre 22 (1 polegada de comprimento, para cães < 10 kg, ou de 1,5 polegada para
cães > 10 kg). Aplica­se pressão durante a injeção, mantendo­a 1 min após a retirada da agulha, a fim de evitar
extravasamento subcutâneo. Repete­se o procedimento no lado oposto 24 h depois. Cerca de 1/3 dos cães
apresenta, no local da injeção, dor, tumefação, sensibilidade durante o movimento ou abscesso estéril. Não é
incomum a ocorrência de fibrose no sítio de aplicação (sendo esta a razão para indicar a parte ventral da
musculatura epaxial). Para reduzir o risco de tromboembolia é altamente recomendado o tratamento em duas
etapas (protocolo com doses alternadas). Neste protocolo, administra­se uma única injeção de melarsomina,
seguida de duas injeções em intervalo de 24 h, após um período de, pelo menos, 30 dias. Este protocolo de
doses alternadas é recomendado pela American Heartworm Society, independente do estágio da doença ou da
categoria de risco.
Cães com alta carga parasitária são predispostos à tromboembolia pulmonar grave, vários dias a 6 semanas
após a aplicação do medicamento adulticida. A administração de uma única dose inicial resulta em morte
gradativa dos parasitas (cerca de 50%) e menor risco de complicações pulmonares. Pode­se reduzir o risco
cumulativo de êmbolos parasitários nos pulmões e artérias pulmonares gravemente lesionadas, induzindo
inicialmente a morte de alguns parasitas e completando o tratamento em duas etapas.
Outros protocolos de tratamento recomendam a administração de doses profiláticas de macrolídeos durante 3
meses, antes da aplicação de melarsomina. O objetivo dessa abordagem é eliminar as larvas de D. immitis
migrantes suscetíveis e permitir que larvas não suscetíveis de 2 a 4 meses de idade se desenvolvam até uma
idade em que sejam mais suscetíveis à melarsomina.
Após a injeção de melarsomina deve­se restringir drasticamente a atividade física durante 4 a 6 semanas, com
intuito de reduzir o risco de complicações tromboembólicas pulmonares. Deve­se manter baixo débito cardíaco,
a fim de reduzir a ocorrência de trombose e de lesão endotelial e de facilitar a cicatrização pulmonar. Os efeitos
colaterais do uso de melarsomina se limitam à inflamação local, febre baixa transitória e salivação. Raramente
se constata intoxicação hepática e renal.
Pacientes com alto risco devem ter o quadro clínico estabilizado antes da administração de melarsomina. O
tratamento de estabilização é variável e inclui confinamento em gaiola, fornecimento de oxigênio,
corticosteroides e heparina (75 a 100U/kg, SC, 3 vezes/dia), 1 semana antes do protocolo de tratamento com
doses alternadas de melarsomina.
Pacientes com ICC direita devem ser tratados com furosemida (1 a 2 mg/kg, 2 vezes/dia), baixa dose de
inibidor da enzima conversora da angiotensina (ECA), como enalapril (0,25 mg/kg, 2 vezes/dia), possivelmente
aumentada para 0,5 mg/kg, 2 vezes/dia, após 1 semana, dependendo dos resultados do teste de função renal) e
dieta com baixo teor de sódio. Digoxina, digitoxina e dilatadores arteriolares, como hidralazina e anlodipino,
não devem ser administrados. A digoxina não é efetiva no tratamento de cor pulmonale; dilatadores arteriolares
e, ocasionalmente, inibidores da ECA podem causar hipotensão sistêmica.
É possível a ocorrência de complicações tromboembólicas 2 a 30 dias após o tratamento com droga
adulticida, sendo mais provável a manifestação de sintomas 14 a 21 dias após a terapia. Dentre os sinais clínicos
incluem­se tosse, hemoptise, dispneia, taquipneia, letargia, anorexia e febre. Os achados laboratoriais podem
incluir leucograma indicativo de inflamação, trombocitopenia e aumento do tempo de coagulação ativada ou do
tempo de protrombina ativada. Após a injeção pode­se notar aumento da atividade sérica de CK. É possível a
ocorrência de coagulação intravascular local ou disseminada quando a contagem de plaquetas é L < 100.000/μl.
O tratamento para tromboembolia grave deve incluir oxigênio, confinamento em gaiola, dose anti­inflamatória
de corticosteroide (p. ex., 1 mg de prednisona/kg VO, 1 vez/dia) e baixa dose de heparina (75 a 100U/kg SC, 3
vezes/dia), durante vários dias a 1 semana. A maior parte dos cães responde ao tratamento dentro de 24 h. É
provável que exista lesão pulmonar grave quando não se constata melhora e a pressão de oxigênio permaneça <
70 mmHg 24 h após a oxigenoterapia.
O protocolo terapêutico padrão com melarsomina e o protocolo de tratamento com esta droga em duas
fases/alternado elimina a maioria dos parasitas adultos em 50 a 85% dos cães. Em estudo de eficácia controlado
contra vermes mais jovens (4 meses) a taxa foi menor, resultando em apenas 20% dos cães efetivamente livres
da infecção. Realiza–se teste de pesquisa de antígeno 6 meses após as duas primeiras doses do protocolo padrão
e 6 meses após a terceira dose do protocolo com doses alternadas. No caso de resultado fortemente positivo ao
teste deve­se realizar novo tratamento (duas injeções com intervalo de 24 h).
O uso prolongado de macrolídeos raramente é uma alternativa ao tratamento com melarsomina porque a
morte lenta pode possibilitar que a lesão pulmonar progrida nesse ínterim.
Na síndrome da veia cava é necessária a remoção cirúrgica dos parasitas do átrio direito e do orifício da valva
tricúspide, a fim de evitar a morte do cão. Isso pode ser realizado utilizando­se anestesia local e sedação leve e
uma pinça tipo jacaré rígida ou flexível ou uma alça de recuperação intravascular introduzida preferencialmente
na veia jugular externa direita. Quando há disponibilidade de um fluoroscópio como guia, o instrumento deve
ser utilizado até que os parasitas não possam mais ser recuperados. Imediatamente após um procedimento bem­
sucedido os sinais clínicos melhoram ou desaparecem. Nos casos críticos pode ser necessária fluidoterapia,
permitindo que os cães hipovolêmicos restabeleçam a hemodinâmica e a função renal. Algumas semanas após a
recuperação da cirurgia recomenda­se quimioterapia adulticida para eliminar possíveis parasitas remanescentes.
Deve­se ter cuidado quando vários deles ainda são vistos no exame ecocardiográfico.
Tratamento com Microfilaricida: Em doses preventivas específicas os macrolídeos têm ação microfilaricida

efetiva, embora não aprovados pela FDA (Food and Drug Administration) para tal propósito. Dependendo do
tipo de macrolídeo utilizado podem ocorrer reações adversas em cães com alta contagem de microfilárias (>
40.000/ml). No entanto, geralmente a contagem de microfilária é baixa e cerca de 10% dos cães manifestam
reações adversas discretas. A maior parte dos efeitos colaterais se limita à defecação e salivação transitória, que
iniciam dentro de algumas horas e duram várias horas após a medicação. Cães, especialmente animais pequenos
(< 10 kg), que apresentam alta contagem de microfilárias (> 40.000/ml), podem manifestar taquicardia,
taquipneia, palidez de membranas mucosas, letargia, ânsia de vômito, diarreia e até mesmo choque. O
tratamento inclui o uso de um corticosteroide solúvel e de solução eletrolítica balanceada IV. Geralmente a
recuperação é rápida quando se institui tratamento imediato. A contagem de microfilárias não é um exame de
rotina, sendo raramente esperadas reações graves. O tratamento visa especificamente as microfilárias circulantes
e pode ser iniciado 3 a 4 semanas após a administração do medicamento adulticida. Mais comumente, as
microfilárias são eliminadas mesmo em cães não tratados com adulticida, após vários meses de tratamento com
dose profilática de lactonas macrocíclicas. Atualmente não há medicamento microfilaricida aprovado pela FDA;
contudo, veterinários licenciados são autorizados a utilizar alguns medicamentos não indicados especificamente
para animais, caso haja uma relação apropriada entre veterinário­proprietário­paciente. O uso mensal profilático
de quimioterápicos para dirofilariose, como microfilaricidas, deve seguir esta regulamentação. As lactonas
macrocíclicas são os microfilaricidas mais seguros e efetivos atualmente disponíveis. Preparações dessas drogas
destinadas aos animais pecuários não devem ser utilizadas para se obter doses maiores com o intuito de obter
resultados mais rápidos. Recomenda­se um teste para microfilária por ocasião da realização do teste de pesquisa
de antígeno (6 meses após o tratamento com medicamento adulticida).
TRATAMENTO EM GATOS: Atualmente não há tratamento satisfatório para infecção por D. immitis em gatos. Com
frequência, a infecção é letal e ainda não há um protocolo efetivo e seguro com melarsomina. Desse modo,
todos os gatos criados em regiões endêmicas para dirofilariose canina devem receber medicamento profilático.
Nessa espécie animal, provavelmente o ciclo biológico da dirofilária adulta é = 2 anos, sendo possível
recuperação espontânea. Os gatos podem permanecer assintomáticos, manifestar episódios de vômito e/ou crises
de dispneia (que lembra asma), morrer subitamente por tromboembolia pulmonar ou, raramente, desenvolver
ICC. Cada parasita que morre pode causar complicações. Não parece haver associação entre presença, ausência
ou gravidade de sinais clínicos e a probabilidade de complicações agudas.
Vários gatos são submetidos ao tratamento conservativo com restrição de atividade física e terapia com
corticosteroides, como prednisolona (1 a 2 mg/kg VO, em intervalos de 24 a 48 h). Os esteroides reduzem a
gravidade do vômito e dos sinais respiratórios. A esperança é que episódios de complicações pulmonares não se
tornem fatais com a morte dos parasitas. Não havendo superinfecção, 25 a 50% dos gatos podem sobreviver
com este procedimento terapêutico. Podem ser realizados testes de pesquisa de antígenos e de anticorpos
seriados (com intervalos de 6 meses) com intuito de monitorar o quadro clínico.
Pode­se tentar a retirada cirúrgica de parasitas do átrio direito, do ventrículo direito e da veia cava, por meio
de venotomia jugular, em pacientes com alta carga de parasitas detectada por ecocardiografia. O endoscópico
pode ser introduzido na veia jugular, guiado por fluoroscopia.
PREVENÇÃO: É perfeitamente possível prevenir a infecção por D. immitis mediante o uso profilático de
macrolídeos. Aconselha­se a prevenção durante o ano todo. Recomenda­se o início da terapia preventiva em
cães com 6 a 8 semanas de idade. Nessa idade não há necessidade de realização de testes de diagnóstico.
Quando é iniciada após 7 meses de idade, recomenda­se teste de pesquisa de antígeno e teste de pesquisa de
microfilaria, seguidos por novo teste para pesquisa de antígeno 6 a 7 meses depois. Esta série de testes auxilia a
evitar demora desnecessária na detecção de infecções subclínicas, bem como confusão potencial quanto à
eficácia do programa de prevenção, uma vez que antes do segundo teste não é possível determinar se a infecção
existia antes de iniciar a quimioprofilaxia.
Os macrolídeos de uso preventivo, ivermectina, oxima milbemicina, moxidectina e selamectina, são seguros e
efetivos em todas as raças de cães. Ivermectina/pamoato de pirantel (ancilóstomos e nematelmintos) e
milbemicina (ancilóstomos, nematelmintos e nematoides) também propiciam controle de nematoides intestinais.
Na dose aprovada, a milbemicina mata rapidamente as microfilárias e caso haja alta população destas formas
parasitárias pode ocorrer choque. Portanto, não se deve administrar milbemicina como um método preventivo
em cães infectados com grande quantidade de microfilárias, sem rigoroso monitoramento. A forma injetável da
moxidectina é efetiva por, pelo menos, 6 meses após uma injeção; contudo, não é aconselhável o uso em cães
com microfilaremia.
Indica­se a adoção de medidas preventivas de dirofilariose a todos os gatos que vivem em regiões endêmicas,
independente se criados em ambiente interno ou não, em razão do risco de consequências graves. A aplicação
de uma dose mensal de 24 μg de ivermectina/kg VO é segura e efetiva para gatos. Nessa dose, o medicamento
também é eficaz contra Ancylostoma tubaeforme e A. braziliense. O tratamento preventivo deve ser iniciado em
todos os filhotes com 6 semanas de idade e continuar por toda a vida.
As formulações de selamectina e uma combinação de imidacloprid/moxidectina são indicadas para ambos,
cães e gatos. A aplicação de selamectina é tópica, com dose mensal de 6 mg/kg; também mata pulgas adultas e
impede a eclosão de ovos de pulgas por 1 mês. Ademais, é indicada no tratamento e controle de Otodectes
cynotis em cães e gatos, sarna sarcóptica, infestações por Dermacentor variabilis, em cães, e por Ancylostoma
tubaeforme e Toxocara cati, em gatos. Uma formulação de uso tópico que combina imidacloprid e moxidectina,
na dose de 10 mg de imidacloprid/kg e 1 mg de moxidectina/kg, também é efetiva contra vários ecto e
endoparasitas.
Anualmente, recomenda­se o teste de pesquisa de antígeno, em todos os casos.

DOENÇA DE ALTITUDE ELEVADA EM BOVINOS (“Doença do

peito inchado”, “Doença do peito grande”, Hidropisia,

Hipertensão pulmonar, Insuficiência cardíaca congestiva

direita)

A doença de altitude elevada em bovinos (DAEB) é caracterizada por tumefação edematosa não contagiosa nos
músculos ventral paraesternais (região do peito) em bovinos criados em regiões de altitude elevada (> 1.524 m),
nos estados americanos do Colorado, Wyoming, New Mexico e Utah. Também, acomete bovinos criados em
regiões montanhosas em todos os países, mais comumente em altitudes > 1.981 m, no oeste do Canadá e na
América do Sul. A DAEB acomete bovinos de todas as idades e raças, mas não necessariamente de modo
equitativo.
A DAEB se deve à hipertensão arterial pulmonar induzida pela hipoxia pulmonar que ocorre em altitudes
elevadas. Vasoconstrição arterial pulmonar e hiperplasia pulmonar induzidas por hipoxia reduz o diâmetro das
arteríolas pulmonares, resultando em hipertensão pulmonar e subsequente hipertrofia do ventrículo direito (VD).
Sem intervenção para reduzir a hipertensão pulmonar induzida por hipoxia a doença eventualmente progride
para insuficiência cardíaca congestiva direita. Raramente, relata­se enfermidade semelhante em ovinos e veados
submetidos a estresse intenso e acometidos por parasitismo grave. Etiologicamente, relata­se semelhante
insuficiência cardíaca associada à hipoxia em aves domésticas criadas em regiões montanhosas dos Andes e em
pessoas residentes em altitudes extremamente altas. A taxa de prevalência em bovinos criados em pastagens, em
altitude elevada, é cerca de 3%, variando de 0,5 a 5%; porém, há relato de taxa tão elevada quanto 65% em um
grupo de bezerros geneticamente suscetíveis.
Embora a doença seja estreitamente relacionada com altitude elevada, outros fatores genéticos, fisiológicos,
ambientais e tóxicos têm importante papel no desenvolvimento e na progressão da desta enfermidade. Toda
doença pulmonar, aguda ou crônica, que prejudica a função pulmonar pode resultar em hipoxia semelhante
àquela verificada na DAEB.
ETIOLOGIA: Embora vários fatores possam contribuir na ocorrência de DAEB, a patogênese está diretamente
relacionada com a hipoxia decorrente de altitude elevada. Desvio (shunt) vascular pulmonar é a resposta
fisiológica à hipoxia, sendo notado em todos os animais. Reações marcantes são notadas em bovinos, equinos e
suínos; pessoas, cães, porquinhos­da­índia e lhamas respondem com menor intensidade. Tais achados,
associados à alta incidência de doença em bovinos, indicam que são particularmente suscetíveis. O mecanismo
de vasoconstrição do shunt é um meio de desviar sangue não oxigenado para áreas dos pulmões ricas em
oxigênio e distantes de regiões pouco oxigenadas. O desvio exagerado em resposta à hipoxia, o padrão
anatômico lobulado do pulmão de bovinos e a baixa proporção tamanho do pulmão:peso corporal contribuem
para uma grave perda da capacidade funcional dos pulmões.
Inicialmente, o desvio vascular pulmonar é mediado pela constrição de arteríolas pulmonares, na fase aguda
da hipoxia. Com exposição prolongada à hipoxia (> 3 semanas), nota­se hipertrofia e espessamento das camadas
adventícia e média (hipertrofia da camada média) das arteríolas pulmonares. A remodelagem vascular induz à
perda de artérias pulmonares periféricas que também contribuem para aumento da resistência pulmonar. Esta
combinação de eventos provoca hipertensão pulmonar importante que ocasiona progressão da doença cardíaca:
hipertrofia de ventrículo direito, seguida de sua dilatação e, por fim, ICC direita.
Esta patogênese de shunt vasoconstritivo exagerado, hipertrofia das camadas média e adventícia das artérias e
obliteração vascular, resultando em hipertensão pulmonar parece ser característica de alguns bovinos, sendo
altamente hereditária. Alguns bovinos parecem naturalmente mais resistentes a esta enfermidade, dependendo
da raça e do próprio indivíduo. Há marcante variação individual e entre espécies quanto ao aumento da
resistência vascular pulmonar induzida por hipoxia. A base genética implicada na ocorrência de DAEB é
sustentada pela alta incidência familiar, com acentuada variação na suscetibilidade entre os animais, em relação
à raça, espécie e ao próprio indivíduo. Há forte evidência de que a suscetibilidade de bovinos à hipertensão
pulmonar induzida por hipoxia é hereditária.
Além da predisposição genética primária, também pode haver alteração na atividade de quimioceptores ou no
metabolismo miocárdico. Doença respiratória bacteriana ou viral aguda pode exacerbar a hipoxia pulmonar em
altitudes elevadas, resultando em início rápido de insuficiência do ventrículo direito.
Vários tipos de pastagens, com e sem brotos, foram associados a aumento da prevalência de DAEB, mas
apenas o astrágalo foi experimentalmente comprovado como indutor da enfermidade. Quando consumido por
bovinos criados em altitude elevada, o astrágalo (algumas espécies de Oxytropis e de Astragalus spp que contêm
o alcaloide swainsonina) aumenta drasticamente a prevalência e a gravidade da ICC, que se desenvolve de
modo relativamente rápido (dentro de 1 ou 2 semanas), podendo a taxa de prevalência chegar a 100%. A
swainsonina, a toxina do astrágalo, é excretada no leite, predispondo também os bezerros lactentes à ICC. Com
frequência, as vacas intoxicadas por astrágalo abortam e várias desenvolvem hidropisia de envoltórios fetais,
além dos sintomas de DAEB. É provável que a intoxicação por astrágalo contribua diretamente no aumento da
hipertensão e da resistência vascular pulmonar; estudos imunoistoquímicos em microscopia eletrônica
revelaram que a intoxicação causa grave edema e vacuolização citoplasmática de macrófagos pulmonares
intravasculares e de células endoteliais. O miocárdio também é lesionado pelo astrágalo em razão da extensa
vacuolização das células intersticiais miocárdicas. Por fim, a swainsonina tem efeitos endócrinos e parácrinos
sistêmicos devido à alteração do metabolismo de glicoproteína, condição que também podem contribuir na
patogênese da DAEB.
ACHADOS CLÍNICOS: Em geral, os sinais clínicos de ICC do VD relacionados com DAEB se desenvolvem
lentamente, ao longo de várias semanas, comumente nas primeiras 3 a 4 semanas após a transferência de
bovinos de altitude mais baixa para altitude elevada. Nestas regiões da América do Norte, onde os bovinos
passam o verão e o outono pastejando em altitude elevada e posteriormente retornam para altitude menor no
outono, a doença geralmente se manifesta no final do verão. Em regiões onde os bovinos vivem o ano todo em
altitude elevada, a prevalência da doença é maior no final do outono, no inverno e no início da primavera.
Períodos de frio intenso ou a influência de outros fatores fisiológicos ou ambientais (p. ex., prenhez, mudança
na alimentação) parecem precipitar o início dos sintomas. No princípio, os animais acometidos manifestam
depressão e se mostram relutantes em caminhar. À medida que a doença progride se desenvolve edema
subagudo na região da ponta do peito e este se estende, cranialmente, até o espaço intermandibular e,
caudalmente, à parede abdominal ventral. Efusão pleural e ascite geralmente são abundantes. Às vezes, notam­
se evidentes dilatação e pulsação da veia jugular. Pode haver diminuição do apetite. É possível notar diarreia
fluida profusa em decorrência de hipertensão venosa intestinal. A respiração é laboriosa e os animais podem
manifestar cianose. À medida que a doença avança, os bovinos acometidos tornam­se mais relutantes em
caminhar e podem adotar posição de decúbito. Quando submetidos a exercício forçado, os animais mais
gravemente enfermos podem apresentar colapso e morrer. Nos estágios terminais, o animal frequentemente
apresenta anorexia e decúbito, sendo incapaz de se levantar.
Lesões: Geralmente nota­se edema generalizado grave, particularmente no tecido subcutâneo ventral, nos
músculos esqueléticos, nos tecidos perirrenais, no mesentério e na parede do trato gastrintestinal. Ascite,
hidrotórax e hidropericárdio são achados consistentes. Os fluidos apresentam, como características, baixa
celularidade e teor proteico baixo a normal, compatível com transudato secundário à insuficiência cardíaca. As
lesões hepáticas, secundárias à congestão passiva crônica, variam desde a aparência inicial de “noz­moscada”
até fibrose vascular e lobular grave. Os pulmões podem apresentar graus variáveis de atelectasia, enfisema
intersticial, edema e pneumonia. Notam­se acentuadas dilatação e hipertrofia do ventrículo direito; o
deslocamento do ápice cardíaco para a esquerda confere ao coração um contorno aumentado e arredondado. É
comum a ocorrência de trombose de artéria pulmonar. Microscopicamente, constata­se hipertrofia da camada
média de pequenas artérias e de arteríolas pulmonares.
DIAGNÓSTICO: Não há teste diagnóstico definitivo para DAEB. O diagnóstico pode se basear nos achados
clínicos relacionados com a ICC, em bovinos mantidos em altitude elevada. Em geral, a temperatura corporal e
o hemograma são normais, a menos que haja doença inflamatória primária concomitante. No caso de efusão
pleural a auscultação torácica pode revelar diminuição da intensidade dos ruídos respiratórios na parte ventral
do tórax e abafamento das bulhas cardíacas. As frequências respiratória e cardíaca geralmente se apresentam
aumentadas e pode­se auscultar um sopro cardíaco sistólico se o aumento do VD resultou em insuficiência de
valva atrioventricular direita ou da valva pulmonar. No estágio final da ICC, frequentemente se detecta ritmo de
galope. Embora a dilatação da veia jugular seja um sinal clínico característico, pode ou não ser constatado pulso
jugular anormal. As alterações comuns verificadas nos exames laboratoriais incluem elevação das atividades das
enzimas hepáticas, especialmente AST e l­iditol desidrogenase. Os animais clinicamente acometidos podem
apresentar azotemia devido à diminuição da perfusão renal decorrente da insuficiência cardíaca e à
desidratação/hipovolemia.
Deve­se diferenciar a DAEB de outras causas de ICC, inclusive pericardite, reticulopericardite traumática,
linfossarcoma cardíaco, endocardite valvular, miocardite viral ou bacteriana, cardiomiopatia (nutricional,
hereditária ou idiopática), obstrução da artéria pulmonar decorrente de embolia pulmonar, ou hipoxia crônica e
cor pulmonale devido à doença pulmonar primária concomitante. Nem sempre se constata edema de peito nos
animais com insuficiência cardíaca congestiva do VD hiperaguda; isto pode resultar em DAEB em bezerros,
confundida com pneumonia viral ou bacteriana aguda.
TRATAMENTO E CONTROLE: Os animais acometidos devem ser transferidos para um local de altitude mais baixa,
com contenção, estresse e excitação mínimos. O tratamento de suporte, incluindo diuréticos, toracocentese,
antibióticos e estimulantes de apetite tal como vitaminas do complexo B, pode ser benéfico. Toracocentese é o
único tratamento que melhora acentuadamente a chance de sobrevivência do animal. Em regiões de altitude
elevada pode­se empregar oxigenoterapia ou câmara hiperbárica aos pacientes de alto valor. Como pode ocorrer
recidiva da doença, os animais enfermos não devem retornar à altitude elevada.
Os bovinos acometidos não devem ser mantidos como reprodutores devido à suscetibilidade hereditária.
Devem­se tratar as enfermidades concomitantes, incluindo doença respiratória/cardíaca, doença gastrintestinal,
parasitose e intoxicação por plantas. Como a intoxicação por astrágalo tem sido diretamente relacionada com o
desenvolvimento de ICC em bovinos, deve­se minimizar a exposição dos animais suscetíveis a esta planta
tóxica, assegurando aos bovinos forrageiras de boa qualidade. Os animais devem ser transferidos para uma
pastagem livre de astrágalo assim que se nota a intoxicação, de modo a prevenir lesão grave e irreversível.
O tratamento de DAEB pode ser oneroso e não compensador; assim, o melhor procedimento é a prevenção. A
seleção genética mediante mensurações da pressão arterial pulmonar (PAP) com intuito de selecionar bovinos
resistentes aos efeitos da hipoxia é a maneira mais efetiva de controle de DAEB. Identificação de animais
altamente suscetíveis aos efeitos da hipoxia decorrente da altitude (aqueles com mensurações de PAP altas) e a
retirada destes bovinos do grupo de reprodutores são procedimentos práticos para reduzir a prevalência de
DAEB no rebanho. A mensuração de PAP envolve a introdução de um cateter de polietileno flexível (diâmetro
interno de 1,19 mm e diâmetro externo de 1,7 mm) através de uma agulha de grande calibre (calibre 12 ou 13,
de 3,5 polegadas) introduzida na veia jugular. O cateter é avançado através da veia jugular até o átrio direito,
ventrículo direito e, por fim, artéria pulmonar.
Em altitudes de 1.524 m a 2.133 m a PAP média normal deve ser 34 a 41 mmHg. Em bovinos que
manifestam sintomas de hipertensão de artéria pulmonar a PAP pode variar de 48 a 213 mmHg. A PAP e a
pressão no ventrículo direito podem ser normais ou subnormais em bovinos em estágio terminal de ICC, em
razão da insuficiência do miocárdio. Bovinos com defeito de septo ventricular ou de septo atrial frequentemente
apresentam mensurações diastólicas e sistólicas médias na casa das centenas. Todo animal com PAP > 48
mmHg é considerado suscetível ao desenvolvimento de DAEB e pode ser um carreador genético potencial e não
deve ser mantido ou utilizado como reprodutor em regiões de altitude elevada. Estes animais também devem ser
auscultados para verificar se há sopro cardíaco e avaliados quanto à possibilidade de apresentarem defeitos
cardíacos congênitos. Em geral, bovinos com mais de 1 ano de idade têm PAP < 41 mmHg em altitude > 1.524
m e provavelmente mantêm uma PAP aceitável em altitude elevada, sendo bom candidato para ser incluído no
grupo de reprodutores, em rebanhos criados nesta altitude. É difícil uma interpretação consistente de valores de
PAP situados entre 41 e 49 mmHg; estes animais devem ser utilizados com cuidado em regiões de altitude
elevada.
Vários fatores contribuem para a variação da PAP em bovinos, incluindo raça, sexo, idade, condição corporal,
doença concomitante, condições ambientais, altitude e característica genética. Com base em estudo com mais de
200.000 bovinos, parece que nenhum rebanho é resistente aos efeitos da hipoxia decorrente de altitude elevada,
embora algumas raças, e linhagens dentro de uma raça, pareçam naturalmente mais resistentes. Não é comum
verificar diferença entre as mensurações de PAP de novilhas e touros em decorrência das práticas de manejo.
Com frequência, os touros são estimulados nutricionalmente a crescimento e desenvolvimento muscular mais
rápido, fato que pode influenciar a função pulmonar e originar hipertensão pulmonar. Tem­se constatado que
vacas prenhes apresentam PAP maior do que vacas não prenhes. Sempre deve ser considerada a idade do animal
por ocasião da mensuração da PAP, pois há ampla variação e menor previsibilidade em bovinos com = 1 ano de
idade. O exame dos animais aos 16 meses de idade parece mais consistente e confiável na previsão de
suscetibilidade à hipertensão pulmonar induzida por altitude elevada. Toda doença concomitante, em especial
enfermidade respiratória, ou qualquer causa de hipoxia pulmonar temporária ou permanente pode influenciar a
PAP.
Alguns bovinos parecem mais propensos ao desenvolvimento de ICC direita, enquanto outros são criados em
altitude elevada, com PAP elevada e nunca apresentam problema clínico. Embora estes animais não
desenvolvam DAEB clínica, eles podem transmitir a predisposição genética a sua prole. Esta manifestação
variável de doença clínica, bem como a variável penetrância do gene, torna a mensuração de PAP um desafio
em todas as altitudes e representa um grande problema em altitudes acima 1.524 m, onde as condições de
hipoxia necessárias para estimular uma resposta pulmonar não são suficientes. Não se deve empregar as
mensurações de PAP em baixa altitude < 1.524 m como procedimento de seleção positivo, mas apenas para
identificar animais altamente suscetíveis a condições de hipoxia e que apresentam hipertensão mesmo em
altitude < 1.524 m. Os bovinos transferidos de um local de baixa altitude para uma área de altitude elevada deve
permanecer nesta altitude por = 3 semanas, antes da mensuração da PAP.

DOENÇA E INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

Doença cardíaca é definida como qualquer anormalidade do coração. Envolve ampla variação de anormalidades,
inclusive anomalias congênitas (ver p. 83), bem como alterações fisiológicas e anatômicas de etiologias
variadas. Pode ser classificada com base em vários parâmetros, inclusive constatação ou não da doença ao
nascimento (p. ex., congênita ou adquirida), etiologia (p. ex., infecciosa, degenerativa), duração (p. ex., crônica,
aguda), quadro clínico (p. ex., insuficiência cardíaca esquerda, insuficiência cardíaca direita, insuficiência
biventricular) e malformação anatômica (p. ex., defeito de septo ventricular).
Insuficiência cardíaca corresponde a qualquer anormalidade cardíaca que resulta na perda da capacidade do
coração em bombear sangue em quantidade necessária ao metabolismo tecidual. É uma síndrome clínica na qual
ocorre congestão ou diminuição da perfusão periférica como consequência final da doença cardíaca grave. Pode
haver doença do coração sem que haja insuficiência cardíaca. No entanto, nota­se insuficiência cardíaca apenas
quando há doença cardíaca, pois ela é uma consequência da doença do coração.

DIAGNÓSTICO

Tipicamente, o diagnóstico das doenças cardíacas envolve resenha, anamnese e achados ao exame físico, bem
como resultados de exames auxiliares de diagnóstico, como radiografia, eletrocardiografia e ecocardiografia.
Ocasionalmente, são necessários testes mais especializados, como cateterização cardíaca ou estudos nucleares.

Cateterização Cardíaca

A cateterização cardíaca envolve a colocação de cateter especial no coração e nos grandes vasos sanguíneos
vizinhos. As indicações para tal procedimento incluem avaliação diagnóstica, por exemplo, quando outros testes
diagnósticos não são capazes de identificar anormalidades cardíacas específicas ou a gravidade de uma lesão,
bem como avaliação pré­cirúrgica, intervenção terapêutica e pesquisa clínica. No entanto, a cateterização
cardíaca pré­cirúrgica e diagnóstica têm sido amplamente substituída pela ecocardiografia.

Ecocardiografia

A ecocardiografia, na qual emprega­se ultrassonografia para avaliar o coração e os grandes vasos proximais,
complementa outros procedimentos diagnósticos por quantificar os eventos dinâmicos do ciclo cardíaco. Pode­
se determinar a dimensão das câmaras cardíacas e das paredes; é possível visualizar a anatomia e a
movimentação das valvas; pode­se calcular o gradiente de pressão, o volume do fluxo sanguíneo, bem como
vários parâmetros da função cardíaca. A ecocardiografia também pode revelar alterações na estrutura do tecido
miocárdico indicativa de isquemia e fibrose, bem como delinear tumores, vegetações valvulares, efusão
pericárdica e várias outras alterações antigamente vistas apenas com cateterização cardíaca ou durante a
necropsia.
Há três tipos principais de ecocardiografia: bidimensional, modo M e Doppler. A ecocardiografia
bidimensional propicia imagens bidimensionais cuneiformes do coração em movimento, em tempo real. Têm­se
desenvolvido vários padrões de imagens de eixo longo e de eixo curto, a partir de janelas de padrão de imagem
do tórax de cães, gatos, equinos e vacas. A ecocardiografia modo M é obtida por um feixe de ultrassom
monodimensional que penetra o coração, propiciando uma imagem de “gelo picado”. As interfaces teciduais
encontradas pelo feixe são registradas no monitor. Tipicamente, esse modo de avaliação é utilizado para
determinar as dimensões das câmaras, o espessamento de paredes, os movimentos valvulares e as dimensões de
grandes vasos. Na ecocardiografia Doppler emprega­se uma técnica que altera a frequência do feixe de
ultrassom assim que ele localiza uma hemácia em movimento, com intuito de medir a velocidade do fluxo e,
então, detectar turbulência ou alta velocidade do fluxo sanguíneo. Tal procedimento permite localizar sopros
cardíacos.

Eletrocardiograma
Eletrocardiograma é o registro da atividade elétrica do coração a partir da superfície corporal. Pode ser utilizado
não apenas para identificar arritmias cardíacas e anormalidades de condução, mas também para verificar
aumento da câmara cardíaca. No entanto, pequenos animais diferem de grandes animais, pois estes últimos têm
um coração categoria B (em pequenos animais é categoria A), o qual tem uma população de células de Purkinje
intensamente penetrantes. Isto resulta na redução de complexos na superfície do ECG, prejudicando a
capacidade do ECG em detectar com segurança alterações do tamanho do coração. Portanto, a forma de ECG
mais comumente empregada em grandes animais é uma análise do ritmo com base no ápice, na qual as
deflexões registradas são muito maiores e o foco do exame é a avaliação do ritmo.
ANORMALIDADES DAS FORMAS DAS ONDAS: Pode­se detectar aumento da câmara cardíaca pela análise das
alterações das formas das ondas. Em cães e gatos, na derivação II o alargamento ou a chanfradura da onda P
sugere aumento do átrio esquerdo, enquanto onda P alta sugere aumento do átrio direito. Ondas R altas nas
derivações que tem eletrodo positivo no lado esquerdo do coração (derivações I, II, aVF, CV6LL e CV6LU) são
evidências de aumento do ventrículo esquerdo. Aumento de ventrículo direito é sugerido pela presença de onda
S profunda nas mesmas derivações nas quais o eletrodo positivo encontra­se posicionado no lado esquerdo do
coração ou pela presença de um desvio do eixo à direita. Alargamento do complexo QRS pode ser notado em
pacientes com aumento de ventrículo direito ou esquerdo; no entanto, também pode ser decorrência de
anormalidades de condução (ver a seguir). Embora o ECG possa sugerir aumento da câmara cardíaca, a
radiografia torácica e o exame ecocardiográfico são mais sensíveis.
RITMO SINUSAL: No animal normal o nodo sinusal inicia a contração cardíaca, controla a frequência e o ritmo
normal do coração, sendo denominado marca­passo cardíaco. O ritmo sinusal normal é um ritmo regular e se
origina no nodo sinusal, indicado no ECG por uma onda P que precede cada complexo QRS normal. A
bradicardia sinusal é um ritmo sinusal regular com menor frequência que a esperada para a espécie. Pode­se
notar bradicardia sinusal em pacientes que recebem dose excessiva de anestesia ou de medicamentos que
resultam em aumento do tônus vagal ou redução do tônus simpático (p. ex., xilazina, digoxina), pacientes com
hipotermia, hipotireoidismo, síndrome do seio doente ou aumento do tônus vagal secundário à doença sistêmica,
como acontece nas doenças respiratórias, neurológicas, oculares, gastrintestinais ou urinárias. Tipicamente, não
é necessário tratamento para bradicardia sinusal, a menos que se constatem sinais clínicos associados à
bradicardia, como fraqueza e colapso. Em cães e gatos pode­se utilizar atropina (0,04 mg/kg, IV, IM ou SC)
para tratamento de bradicardia. Também, deve­se tratar a causa primária. Taquicardia sinusal corresponde a um
ritmo sinusal regular, com aumento exagerado da frequência. Dentre as causas incluem­se estresse (resultando
em maior condução simpática), hipertireoidismo, febre, hipovolemia, tamponamento cardíaco, insuficiência
cardíaca ou administração de medicamentos que aumentam a frequência de descarga do nodo sinusal (p. ex.,
catecolaminas). O tratamento envolve o controle da causa primária.
Arritmia sinusal ocorre como resultado de uma descarga irregular do nodo sinusal associada ao ciclo
respiratório. O sítio de formação do impulso continua sendo o nodo sinusal; no entanto, a frequência de
estímulo é variável. Arritmia sinusal é um achado normal em cães e equinos; é anormal em gatos em ambiente
hospitalar, embora pareça comum em gatos em seu ambiente domiciliar. Arritmia sinusal é caracterizada por
aumento da frequência cardíaca durante a inspiração e diminuição durante a expiração. A variação no ritmo
cardíaco está associada à oscilação da intensidade do tônus vagal. É inibida pela diminuição do tônus vagal
resultante de excitação, exercício ou administração de vagolíticos, como a atropina. Pode estar associada a
marca­passo migratório que, no ECG, é caracterizado por ondas P mais altas durante frequências mais rápidas e
ondas P mais curtas ou achatadas durante frequências mais lentas.
Ocorre bloqueio sinoatrial quando o impulso do nodo SA não é capaz de se propagar aos tecidos
circunvizinhos aos átrios e aos ventrículos. Desse modo, no ECG não se constata onda P ou complexo QRS e o
intervalo P­P próximo ao bloqueio do ritmo sinusal é um múltiplo exato do intervalo P­P normal.
Frequentemente o diagnóstico desta condição é difícil em cães porque nestes animais é comum notar arritmia
sinusal, resultando em um intervalo P­P variável.
Parada sinusal é provocada pelo retardo na descarga do nodo SA. Isto resulta em bloqueio do ritmo sinusal no
qual o intervalo P­P próximo ao bloqueio não é múltiplo exato do intervalo P­P normal.
Parada sinusal é a ausência de ondas P no ECG por um curto período de tempo (tipicamente é aceito como
um bloqueio que excede em duas vezes o intervalo P­P normal). A parada sinusal pode ser provocada por pausa
ou repouso prolongado do nodo SA.
Parada atrial é caracterizada pela ausência total de ondas P no ECG e ocorre porque o átrio é incapaz de ser
despolarizado pela descarga do nodo SA. Mesmo não tendo onda P, os complexos QRS são mais
frequentemente estimulados pela onda de despolarização que se origina do nodo SA, resultando em um ritmo
sinoventricular. Em alguns casos, o ritmo ventricular pode ser variável devido à presença de uma arritmia
sinusal concomitante. A frequência cardíaca é tipicamente baixa (40 a 80 bpm) em cães acometidos,
dependendo da causa específica. A etiologia inclui hiperpotassemia (parada atrial transitória), pois a elevação do
teor de potássio impede a despolarização do miocárdio atrial; miocardite; e formas específicas de
cardiomiopatia (cardiomiopatia atrioventricular), nas quais o miocárdio atrial é substituído por tecido fibroso
(parada atrial persistente). A resolução da hiperpotassemia reverte a parada atrial para um ritmo sinusal normal.
A síndrome do seio doente é um conjunto de sinais clínicos, inclusive alterações no ECG (parada ou bloqueio
sinusal, parada sinusal, complexos de escape juncional ou ventricular e, possivelmente, taquicardia
supraventricular) e fraqueza ou síncope decorrente de bradicardia (mais comum) ou taquicardia (menos
comum). Nesta síndrome clínica, o principal problema envolve o nodo SA ou o tecido perinodal; no entanto,
outras partes do tecido de condução especializado do miocárdio, inclusive o nodo AV, podem ser acometidas.
Portanto, também é possível notar evidência de bloqueio AV (ver a seguir). É comumente verificada em cães
geriátricos, como aqueles das raças Schnauzer miniatura e Cocker Spaniel. Em geral, para aumentar a
frequência cardíaca pode­se tentar como tratamento inicial o uso de parassimpaticomiméticos (p. ex., 0,25 a 0,5
mg de brometo de propantelina/kg VO, 2 a 3 vezes/dia) ou simpatomiméticos (p. ex., 10mg, 2 a 3 vezes/dia) ou
simpaticomiméticos (p. ex., 10 mg de teofilina de liberação lenta/kg VO, 0,14mg, 2 vezes/dia; 0,14 mg de
terbutalina/kg VO, 2 a 3 vezes/dia, em cães), mas frequentemente não são efetivos ou são eficazes apenas por
tempo relativamente curto ou ocasionam reações adversas inaceitáveis. Estes medicamentos também podem
agravar as taquiarritmias supraventriculares que podem ser notas na síndrome do seio doente. O tratamento mais
efetivo para bradicardia continua sendo a implantação de marca­passo.
ANORMALIDADES DE CONDUÇÃO: Bloqueio atrioventricular (AV) refere­se à alteração da condução do impulso
dos átrios aos ventrículos. No bloqueio AV de primeiro grau (condução prolongada), o tempo de condução
encontra­se aumentado, sendo detectado no ECG como um aumento do intervalo PR. No bloqueio AV de
segundo grau (condução intermitente), impulsos ocasionais falham na condução através da junção AV; é
caracterizado por ondas P ocasionais não acompanhadas de complexos QRS. Durante o bloqueio não se constata
S1 ou S2, tampouco pulso arterial. Em equinos, a bulha cardíaca associada a contração atrial (S4) é comumente
audível e a ocorrência de S4 não seguida de outros ruídos cardíacos é indicador diagnóstico de bloqueio cardíaco
de segundo ou terceiro grau. A bulha S4 também pode ser audível em cães com bloqueio AV de segundo grau,
porém isto é muito menos comum. Quando os intervalos PR precedem a diminuição do batimento
progressivamente aumentado, denomina­se tal condição como bloqueio AV de segundo grau Mobitz tipo I ou
fenômeno de Wenckbach. Caso os intervalos PR não se alterem, tal condição é denominada bloqueio AV de
segundo grau Mobitz tipo II.
No bloqueio AV de terceiro grau ou bloqueio cardíaco completo nenhum impulso é conduzido dos átrios para
os ventrículos. O ritmo atrial (ondas P) ocorre mais rapidamente e independe do ritmo ventricular (complexos
QRS), o qual se origina em marca­passos auxiliares nos ventrículos. As frequências cardíaca e de pulso são
regulares, mas há bradicardia acentuada relativamente irresponsiva aos fatores que normalmente ocasionam
aumento da frequência cardíaca (p. ex., exercício, excitação, atropina). A diferença entre a duração das
contrações atriais e ventriculares resulta em alteração no preenchimento ventricular e consequente alteração na
intensidade de S1 (Bruit de Canon) e, possivelmente, na pressão do pulso arterial. Periodicamente os átrios se
contraem, quando o ventrículo encontra­se em sístole, resultando em pulsações evidentes das veias jugular
(ondas A em canhão).
A importância do bloqueio AV varia entre as espécies. Pode­se constatar bloqueio AV de primeiro e segundo
graus, sem evidência marcante de doença cardíaca. O bloqueio AV de primeiro grau pode ser causado por tônus
vagal excessivo e, geralmente, não é considerado importante em cães e equinos, a menos que haja outras
evidências de doença cardíaca ou uma causa patológica de aumento do tônus vagal (p. ex., doença pulmonar ou
de SNC). Em todas as espécies animais o bloqueio AV de segundo grau pode ser indicativo de cardiopatia. No
entanto, em equinos o bloqueio Mobitz tipo I é comum, sendo uma resposta fisiológica normal resultante do
aumento do tônus vagal. Bloqueio AV de segundo e terceiro grau (completo) Mobitz tipo II sempre é anormal,
em todas as espécies.
O bloqueio AV de segundo e terceiro grau pode ser causado por fibrose, neoplasia, outras lesões de nodo AV,
hipoxia, substâncias que aumentam o tônus vagal ou anormalidades eletrolíticas. O principal objetivo do
tratamento é corrigir a causa primária, embora geralmente não seja possível. Com frequência, bloqueio AV de
segundo grau de alto grau (várias ondas P não conduzidas) e bloqueio AV de terceiro grau estão associados à
intolerância ao exercício ou síncope. O tratamento com administração oral de teofilina de liberação lenta (10
mg/kg VO, 2 vezes/dia), terbutalina (0,14 mg/kg VO, 2 a 3 vezes/dia, em cães) ou brometo de propantelina
(0,25 a 0,5 mg/kg VO, 2 a 3 vezes/dia) às vezes pode ser útil em animais com bloqueio AV de segundo grau,
porém em animais sintomáticos geralmente indica­se terapia mais agressiva (implantação de marca­passo). Em
geral, bloqueio cardíaco de terceiro grau está associado a lesões irreversíveis; o único tratamento efetivo é a
implantação de marca­passo.
ARRITMIAS: Arritmias podem ser classificadas em bradiarritmias, nas quais a frequência cardíaca é
demasiadamente lenta, e taquiarritmias, nas quais a frequência cardíaca é excessivamente rápida. O primeiro
tipo inclui bradicardia sinusal, parada sinusal, bloqueio SA, bloqueio atrioventricular e parada atrial (ver texto
anterior). As taquiarritmias podem ser classificadas em supraventriculares e ventriculares, com base no local de
origem. Despolarizações supraventriculares prematuras são despolarizações prematuras que se originam acima
dos ventrículos. Também são denominadas despolarizações/complexos atriais prematuros. Os possíveis locais
de despolarização ectópica incluem nodo SA, miocárdio atrial e junção nodal AV supraventricular. No ECG as
despolarizações supraventriculares prematuras incluem um complexo QRS que parece relativamente normal,
mas que ocorre mais prematuramente do que o próximo complexo QRS normal esperado. É possível notar onda
P de morfologia variável antes ou depois da despolarização supraventricular prematura ou essa onda pode estar
oculta no complexo sinusal precedente. Despolarizações supraventriculares prematuras são mais comumente
resultantes de aumento atrial, estresse ou outras causas de aumento da atividade simpática. Taquicardia
supraventricular corresponde a uma série de despolarizações supraventriculares prematuras que ocorrem
consecutivamente em um período relativamente longo. Vias acessórias são anormalidades congênitas que
permitem uma conexão elétrica entre os átrios e os ventrículos, diferentemente da conexão normal (nodo
AV/feixe de His). Essas vias ou desvios foram detectados em cães e gatos e podem resultar em taquiarritmias
supraventriculares. O tratamento pode envolver ablação do desvio por meio de cateter de radiofrequência ou
administração oral de medicamentos, como procainamida, sotalol ou diltiazem.
Flúter atrial é uma arritmia de ocorrência rara, geralmente transitória, que se reverte ao ritmo sinusal ou
progride para fibrilação atrial. É causada por uma grande alça circular reentrante no átrio e no ECG caracteriza­
se por um traçado “denteado” com complexos QRS relativamente normais, que podem aparecer em um ritmo
regular ou irregular. A frequência de descarga atrial é tão rápida (geralmente > 400 bpm) que apenas impulsos
intermitentes são conduzidos através do nodo AV devido à capacidade de refração do nodo AV.
Fibrilação atrial corresponde a um ritmo irregular tipicamente rápido e provocado pela despolarização
desordenada dos átrios. Como acontece no flúter atrial, o nodo AV é bombardeado por frequentes
despolarizações que resultam em prolongada capacidade refração do nodo AV e não condução da maioria destas
despolarizações atriais. No ECG a fibrilação atrial se caracteriza pela ausência de ondas P, uma linha basal
ondulosa que pode parecer quase plana (fina) ou muito irregular (grosseira) e complexos QRS relativamente
normais que ocorrem com padrão não identificável (irregularmente irregular). A irregularidade resulta em
variação no tempo de preenchimento diastólico dos ventrículos. Juntamente com a perda da contribuição atrial
ao preenchimento, isto causa variação na intensidade das bulhas cardíacas e na amplitude do pulso arterial. Em
cães e gatos, a fibrilação atrial quase sempre está associada a cardiopatia primária. Há exceções notáveis em
alguns cães de raças gigantes, como Irish Wolfhound, Scottish Deerhound, Great Dane e outras nas quais o
ritmo pode ser notado sem anormalidade do coração (fibrilação atrial primária ou solitária).
O objetivo do tratamento da fibrilação atrial em cães e gatos é o controle da taxa de resposta ventricular (ou
seja, a frequência em que os complexo QRS são produzidos pelas ondas de despolarização fibrilatórias) e não a
conversão para ritmo sinusal, pois este ritmo geralmente está associado a doença cardíaca primária. Isto
geralmente é realizado com digoxina associada a diltiazem ou um betabloqueador, como o atenolol. Estes
medicamentos reduzem a condução no nodo AV, resultando em menor número de despolarizações atriais que
atravessam o nodo AV a chegam ao ventrículo. Também, tem­se utilizado amiodarona para controlar a taxa de
resposta ventricular, porém suas reações adversas (toxicidade hepática e tireoidiana) limitam seu uso a um
tratamento de segunda escolha em animais refratários ao protocolo com digoxina e diltiazem/atenolol. Pode­se
tentar a conversão para ritmo sinusal em cães com fibrilação atrial primária ou fibrilação atrial recente causada
por doença cardíaca. Escolhas farmacológicas atuais incluem quinidina e amiodarona, embora em hospitais–
escola a cardioversão de corrente direta tem obtido alguma popularidade.
Em ruminantes a fibrilação atrial é, às vezes, paroxística e em associação com distúrbios gastrintestinais (p.
ex., indigestão vagal); também, pode ser persistente e surgir como sequela de cor pulmonale ou de doença
cardíaca.
Em equinos, a fibrilação atrial pode ocorrer mais comumente na ausência de cardiopatia primária aparente
(fibrilação atrial primária ou solitária) e está associada a alto tônus vagal, normalmente constatado em equinos
que mais provavelmente apresenta alguma predisposição à arritmia. No entanto, também pode ser decorrência
de doença cardíaca, como insuficiência mitral, insuficiência aórtica, miocardite, pericardite ou anomalias
cardíacas congênitas não tratadas. Em geral, a frequência cardíaca em repouso situa­se na faixa normal de
variação quando não há doença cardíaca primária, embora tipicamente seja elevada pela doença primária; isto
pode auxiliar na identificação da causa da arritmia durante o exame físico. A maioria dos equinos com fibrilação
atrial primária não exibe sinais clínicos em repouso ou após exercício/trabalho moderado; no entanto, exercício
ou trabalho mais vigoroso pode resultar em evidência de débito cardíaco reduzido. Isto pode ser constatado em
equinos de corrida que são submetidos à avaliação devido à redução súbita no desempenho durante a corrida.
Nesta situação, os sintomas também podem ser decorrências da fibrilação atrial paroxística, a qual pode ser
detectada somente durante o período de exercício. Atualmente, em equinos com fibrilação atrial primária a
conversão ao ritmo sinusal com 22 mg de quinidina/kg VO, a cada 2 h, é o tratamento de escolha. A taxa de
êxito para a conversão é maior em equinos com fibrilação atrial de duração mais curta. A chance de sucesso é
excelente quando a duração é < 4 meses e relativamente boa se > 4 meses, embora a conversão possa demorar
mais e a ocorrência de intoxicação por quinidina seja mais provável. A maioria dos equinos pode retornar às
corridas com êxito após a conversão. Não se indica a conversão para ritmo sinusal em equinos com doença
cardíaca primária, em razão da possibilidade de conversão ou manutenção de ritmo sinusal se a conversão é
muito lenta.
Despolarizações ventriculares prematuras se originam de um sítio localizado no miocárdio ventricular ou
sistema de condução especializado. No ECG, o complexo QRS geralmente tem aparência ampla e bizarra em
comparação com os complexos QRS normalmente oriundos do seio, ocorrem mais cedo do que o próximo
complexo QRS oriundo do seio e não há onda P precedente associada. Mais comumente, estes complexos são
decorrências de causas extracardíacas, como distúrbio eletrolítico, intoxicação aguda, neoplasia (p. ex.,
hemangiossarcoma esplênico em cães), distensão gástrica (como a verificada na síndrome vólvulo/dilatação
gástrica, em cães) ou traumatismo. Também, podem estar associadas a doenças de miocárdio ventricular como
cardiomiopatia dilatada, cardiomiopatia ventricular arritmogênica direita (cardiomiopatia de cães da raça Boxer)
e miocardite.
Taquicardia ventricular é a ocorrência de despolarizações ventriculares prematuras sequenciais durante um
período de tempo. Podem ser paroxísticas, não sustentadas (4 a 10) ou sustentadas. Fibrilação ventricular se
deve à presença de circuitos microreentrantes no miocárdio ventricular, resultando na ausência de contração
ventricular efetiva e, portanto, em ritmo terminal. O ritmo idioventricular acelerado comumente é notado em
cães em unidade de terapia intensiva, secundário à enfermidade ou traumatismo. No ECG, é caracterizada pela
presença de ritmo ventricular relativamente baixo (em geral < 120 bpm) associado a dissociação
atrioventricular, enquanto o ritmo sinusal é notado quando a frequência sinusal é mais rápida do que o ritmo
ventricular. Na maioria dos animais é considerada uma arritmia benigna. Embora se deva tratar a causa
primária, quando necessário, tipicamente a arritmia, por si só, não provoca sinais clínicos, tampouco necessita
terapia específica e se resolve assim que se trata a doença/traumatismo primário.

Exame Físico

Deve­se realizar exame físico minucioso em qualquer animal com suspeita de doença cardíaca ou que
apresentam sintomas que podem ser atribuíveis à cardiopatia. Além da auscultação do tórax, deve­se realizar
palpação para avaliar a presença de frêmitos (vibrações de baixa frequência que podem ser percebidas com as
pontas dos dedos), bem como alterações na intensidade ou localização dos batimentos cardíacos. Auscultação e
palpação de pulso, simultaneamente, também devem ser realizadas. Recomenda­se inspecionar a cor das
membranas mucosas e verificar o tempo de preenchimento capilar, bem como dilatação excessiva e de pulso da
veia jugular. Deve­se verificar se há edema de membros; do mesmo modo deve­se pesquisar a presença de
ascite. Como há várias causas de ascite, é fundamental o exame das veias jugular toda vez que se constata
ascite. Se a causa de ascite é uma cardiopatia necessariamente há dilatação das veias jugulares porque a efusão
abdominal cardiogênica se deve ao aumento da pressão no lado direito do coração. Se há ascite sem dilatação
das veias jugulares, deve­se pesquisar causas extracardíacas.
RUÍDOS CARDÍACOS: Os ruídos cardíacos se devem à rápida aceleração e desaceleração do sangue e das
vibrações secundárias no sistema cardiovascular. Quatro ruídos cardíacos podem ser potencialmente
auscultados. A primeira bulha cardíaca (S1) está associada ao fechamento das valvas atrioventriculares (AV) e a
segunda bulha (S2) está relacionada com o fechamento das valvas semilunares (aórtica e pulmonar). A terceira
bulha (S3) ocorre na diástole e se deve ao rápido preenchimento ventricular; a quarta bulha (S4) está associada à
sístole atrial (contração atrial ou kick atrial). Em equinos, as quatro bulhas podem ser audíveis. Em bovinos,
tipicamente apenas S1 e S2 são audíveis embora, às vezes, seja possível ouvir S3 ou S4. A administração por via
intravenosa de fluido em bovinos pode ocasionar reforço de terceira e/ou quarta bulha cardíaca. Em cães, gatos
e furões, normalmente S1 e S2 são as únicas bulhas audíveis. Pouco se conhece sobre isso em caprinos, ovinos e
suínos; no entanto, acredita­se que apenas S1 e S2 sejam audíveis nessas espécies.
Ritmo de Galope:Ritmo de galope caracteriza­se pela constatação de S1 e S2 seguidas de um ruído que
corresponde à S3 e/ou S4. Este ruído é considerado protodiastólico (S3), pré­sistólico (S4) ou a soma dos ruídos
de galope (fusão de S3 e S4). O ritmo de galope mais comum em cães deve­se ao reforço de S3 e tipicamente é
secundário à dilatação ventricular por doença cardíaca, como cardiomiopatia dilatada, doença valvular
degenerativa ou shunt esquerdo­direito, como acontece no caso de persistência de ducto arterioso. Um ruído de
galope S4 (pré­sistólico) é causado pela contração atrial empurrando o sangue para um ventrículo com pressão
relativamente alta. É notado com mais frequência em gatos com cardiomiopatia, especialmente cardiomiopatia
hipertrófica. Como em gatos a frequência cardíaca comumente excede 160 a 180 batimentos por minuto (bpm),
no exame físico é difícil determinar se o ritmo de galope se deve a um ruído de S3 ou S4. No entanto, o ritmo de
galope S3 em um gato é muito menos comum do que o ritmo de galope S4 devido às doenças cardíacas comuns
nesta espécie. Estalido (click) sistólico é um ruído agudo curto, frequentemente transitório, que pode ser notado
desde a metade até o final da sístole. Esses estalidos são incomuns em cães e, provavelmente, em outros animais
domésticos. No entanto, quando presentes, os estalidos sistólicos são mais comumente notados em cães no
estágio inicial de degeneração mixomatosa da valva mitral com prolapso de uma das cúspides da mitral.
Geralmente são únicos, mas podem ser múltiplos e sua intensidade é variável (ou mesmo podem desaparecer
completamente), dependendo da carga cardíaca.
Desdobramento de S1 ou S2: O desdobramento de S1 é causado pelo fechamento desigual das valvas mitral e
tricúspide, condição que pode ocorrer quando há contração assincrônica dos ventrículos, como acontece no
bloqueio de um ramo do feixe de His, esquerdo ou direito, no caso de marca­passo cardíaco e de alguns
batimentos ventriculares ectópicos. O desdobramento de S1 também pode ser verificado em cães de raças de
grande porte saudáveis. O fechamento retardado da valva pulmonar (em relação à valva aórtica) resulta no
desdobramento de S2. Isto pode ser notado em cães (especialmente de raças de grande porte) durante a
inspiração; à medida que aumenta a pressão intratorácica negativa aumenta o preenchimento do ventrículo
direito. O desdobramento de S2 é um achado normal em equinos durante a inspiração ou a expiração. O
desdobramento anormal de S2 está associado à hipertensão pulmonar, como acontece no enfisema pulmonar de
equinos e na dirofilariose canina. Outras possíveis causas em cães (e possivelmente em outras espécies) são
defeito de septo atrial, estenose pulmonar, bloqueio do ramo direito ou esquerdo do feixe de His e batimentos
ventriculares ectópicos originados no ventrículo esquerdo. O fechamento retardado da valva aórtica
(desdobramento paradoxal de S2) pode ser notado no bloqueio do ramo esquerdo do feixe de His ou no caso de
batimentos ventriculares ectópicos oriundos do ventrículo direito.
Flúter Diafragmático Sincrônico:O diafragma pode contrair sincronicamente com o coração, originando ruídos de
“pancada” altos à auscultação, geralmente, acompanhados de contração evidente do flanco. Essa síndrome se
deve ao estímulo do nervo frênico decorrente de despolarização atrial, sendo notada principalmente quando há
grave anormalidade eletrolítica ou ácido­base, em especial hipocalcemia. É mais comum em equinos e cães,
sendo frequentemente notado durante episódios de eclampsia. Nos cães, surge comumente em associação com
anormalidades eletrolíticas induzidas por doenças gastrintestinais.
SOPROS: Sopros cardíacos são vibrações audíveis oriundas do coração ou dos grandes vasos sanguíneos,
geralmente em decorrência de fluxo sanguíneo turbulento ou de vibrações das estruturas cardíacas como, por
exemplo, parte de uma cúspide valvular ou corda tendínea. Tipicamente, os sopros são classificados de acordo
com sua duração, intensidade e localização, mas também podem ser classificados em função da frequência
(tonalidade), qualidade (p. ex., musical) e configuração (p. ex., crescendo­decrescendo).
O sopro sistólico ocorre durante a sístole e tipicamente é de ejeção (crescendo­decrescendo) ou regurgitante
(holossistólico, em platô). O sopro sistólico de ejeção apresenta maior intensidade no meio da sístole e tem
formato de diamante na fonocardiografia. Pode ser decorrência de lesões estenóticas de valvas semilunares (p.
ex., estenose pulmonar ou estenose subaórtica). Sopros sistólicos regurgitantes apresentam intensidade
constante durante toda a sístole e podem ser causados por regurgitação mitral ou tricúspide (p. ex., degeneração
mixomatosa da valva mitral) ou defeito de septo ventricular. Sopros diastólicos são tipicamente do tipo
decrescendo (sua intensidade diminui durante a diástole) e se deve à insuficiência pulmonar ou aórtica (como
aquela causada por endocardite infecciosa da valva aórtica, em cães, ou doença degenerativa, em equinos).
Sopros contínuos são mais comumente notados no caso de persistência de ducto arterioso (uma anomalia
cardíaca congênita), sendo constatado durante a sístole e a diástole. Os sopros contínuos variam em intensidade
ao longo do tempo, sendo mais intensos no final da ejeção ventricular, diminuindo de intensidade durante
diástole. Um sopro em vaivém é notado em pacientes que têm tanto sopro sistólico quanto sopro diastólico e
pode ser constatado em animais com estenose subaórtica e insuficiência aórtica.
Em equinos sem doença cardíaca ou anemia é possível constatar sopro no início da sístole e da diástole. O
ponto de intensidade máxima tipicamente situa­se na base esquerda do coração. Às vezes, equinos jovens
saudáveis apresentam sopro cardíaco curto alto e agudo no início da diástole. Ocasionalmente, nota­se sopro
sistólico em alguns gatos em decorrência do aumento da velocidade do fluxo medioventricular direito, sem
doença cardíaca estrutural importante. Sopro cardíaco inocente também é notado comumente em cães e gatos
jovens (< 6 meses de idade) devido ao maior volume de ejeção.
Os sopros cardíacos são classificados da seguinte maneira: grau I – sopro de menor intensidade que pode ser
audível apenas durante a auscultação em ambiente silencioso; grau II – sopro débil, facilmente audível, restrito a
um determinado local; grau III – sopro imediatamente audível no início da auscultação; grau IV – sopro alto
imediatamente audível no início da auscultação, mas não é acompanhado de frêmito; grau V – sopro muito alto
com frêmito palpável; ou grau VI – sopro extremamente alto que pode ser ouvido mesmo quando se afasta o
estetoscópio da parede torácica.
ARRITMIAS: As arritmias são anormalidades de frequência, regularidade ou local de formação do impulso
cardíaco e são audíveis durante a auscultação. Outros termos como disritmia e ritmo ectópico também são
empregados para descrever as arritmias. A presença de arritmia cardíaca não indica necessariamente que há
doença cardíaca; várias arritmias cardíacas não têm importância clínica, tampouco necessitam tratamento
específico. Contudo, algumas arritmias podem causar sintomas graves, como síncope e morte súbita. Vários
distúrbios sistêmicos podem estar associados a ritmo cardíaco anormal (ver p. 111).
PULSO: O pulso corresponde a uma expansão rítmica de uma artéria que pode ser palpada (ou visualizada)
durante o exame físico. Fisiologicamente, a pressão do pulso é a diferença entre as pressões sistólica e diastólica
sistêmicas. Em cães e gatos, o pulso é tipicamente palpado na artéria femoral. Déficit de pulso significa
ausência de pulso, embora na auscultação note­se batimento cardíaco; é detectado durante auscultação e
palpação de pulso, simultaneamente. Ocorrem em decorrência de contrações ventriculares ectópicas (arritmias)
que surgem tão prematuramente que não é possível o preenchimento suficiente dos ventrículos, resultando em
menor ejeção de sangue e consequente pulso fraco ou ausência de pulso. Pulso forte (aumento da pressão do
pulso) geralmente está associado à diminuição da pressão do pulso e pode ser constatado em pacientes com
insuficiência aórtica ou persistência de ducto arterioso. Pulso fraco (diminuição da pressão do pulso) geralmente
se deve à diminuição da pressão sistólica e pode ser detectado em caso de disfunção sistólica, tamponamento
pericárdico ou estenose subaórtica.
Cães com estenose subaórtica grave podem ter aumento lento da pressão do pulso durante a sístole
ventricular, com pressão máxima no final da sístole; a esta condição denomina­se pulsus parvus et tardus. Pulso
paradoxo corresponde à diminuição da pressão do pulso durante a inspiração e aumento durante a expiração. É
um achado normal em animais, mas geralmente é muito sutil para ser constatado no exame físico. Contudo, em
pacientes com efusão pericárdica e tamponamento cardíaco essa ocorrência é mais evidente. Pulso alternante é
um pulso que se alterna entre forte e fraco quando o paciente apresenta ritmo sinusal; pode ser notado (ainda
que raramente) em pacientes com insuficiência miocárdica ou taquiarritmias. Pulso bigeminal é um pulso que se
alterna em forte e fraco, causado por uma arritmia, como bigeminia ventricular. Tipicamente, o pulso mais fraco
(durante contração ventricular prematura) é mais breve do que o pulso mais forte.
Pode­se notar pulso na veia jugular em animais normais. Normalmente, esse pulso não se estende além de um
terço da distância até o pescoço, em um animal em pé.
RUÍDOS RESPIRATÓRIOS: Edema pulmonar pode ser secundário à ICC. No exame físico se manifesta na forma
de crepitações ou estertores e sibilos respiratórios. Pacientes em tal situação também podem manifestar dispneia
e taquipneia. Comumente há diminuição no movimento de ar durante a auscultação torácica em pacientes que
desenvolveram efusão pleural em decorrência de doença cardíaca. Isto resulta em diminuição dos ruídos
respiratórios, em especial ventralmente. No entanto, doenças respiratórias ou efusão pleural secundária a outra
doença também pode induzir esses sinais clínicos.
ASCITE: A distensão abdominal pode ser decorrente da presença de gás, tecido mole ou acúmulo de fluido.
Pacientes com doença cardíaca e insuficiência cardíaca direita (p. ex., aquela causada por dirofilariose, displasia
da valva tricúspide, tamponamento cardíaco) podem desenvolver ascite. Nestas circunstâncias, a ascite está
associada à distensão da veia jugular.

Histórico Clínico e Resenha

Em pacientes com suspeita de doença cardíaca, a resenha (idade, raça, sexo) auxilia na elaboração de uma lista
de diagnóstico diferencial. A resenha influencia a importância relativa de possíveis cardiopatias (p. ex.,
endocardite é rara em gatos, mas é comum em vacas e equinos), bem como algumas anormalidades específicas
(p. ex., predisposição racial a determinadas anomalias congênitas).
Os animais que apresentam doença cardíaca podem ser assintomáticos ou ter um histórico de intolerância a
exercício, fraqueza, dispneia, taquipneia, distensão abdominal (devido à ascite), síncope (desmaio), cianose ou
anorexia e perda de peso. Outras informações do histórico clínico são mais espécie­específicos, como edema
periférico ou ventral (equinos e vacas). Gatos cardiopatas raramente apresentam tosse e, mais comumente, tem
histórico de dispneia (que pode ser discreta e passar despercebida pelo proprietário) e anorexia. Ao contrário,
cães com ICC comumente manifestam tosse e dispneia como queixas no momento da consulta.

Radiografia

Radiografias do tórax frequentemente fornecem informações valiosas para avaliação de pacientes com suspeita
de doença cardíaca. No entanto, raramente se realiza radiografia torácica em equinos e vacas devido ao seu
grande tamanho e conformação corporal, que prejudica a qualidade da imagem. A constatação de cardiomegalia
generalizada ou aumento de câmara cardíaca específica torna mais provável o diagnóstico de doença cardíaca
podendo fornecer, adicionalmente, informações sobre a presença de uma doença específica. Edema pulmonar
cardiogênico é um achado comum em pacientes com ICC e está associado à congestão venosa pulmonar; efusão
pleural também pode ser notada, mas isto tipicamente indica insuficiência biventricular, exceto em gatos, nos
quais é possível notar ICC esquerda. A constatação de resolução dessas anormalidades na reavaliação de
radiografias torácicas pode ser indicativa de eficácia do tratamento. A presença de edema pulmonar não
confirma definitivamente sua origem cardiogênica, tampouco exclui outra causa, como doença pulmonar.
Ademais, o tamanho do coração pode ser avaliado utilizando a escala ou escore vertebral. Isto é mais
comumente feito utilizando a imagem lateral do tórax. O diâmetro máximo do contorno cardíaco é medido da
posição cranial a caudal, bem como a distância da carina até o ápice do contorno cardíaco (dorsal a ventral).
Estas medidas são juntadas e mensuradas com base nos corpos vertebrais torácicos e, assim, são normalizados
para o tamanho do animal. Os corpos vertebrais são mensurados a partir da quarta vértebra torácica, em sentido
caudal. A variação normal é de 8,5 a 10,5 corpos vertebrais, em cães, e 6,9 a 8,1 em gatos.

DOENÇAS ESPECÍFICAS

Cardiomiopatias

Cardiomiopatia é definida como qualquer doença que envolve primária e predominantemente o músculo
cardíaco. A maioria das cardiomiopatias que acometem animais são doenças idiopáticas, não resultantes de
qualquer doença cardíaca sistêmica ou primária. Em animais (especialmente em cães e gatos) são classificadas
como cardiomiopatia dilatada, hipertrófica, arritmogênica do ventrículo direito e restritiva, ou não classificada.
Caso seja identificada uma doença como causa de disfunção do miocárdio a enfermidade é mais corretamente
denominada doença miocárdica secundária ou um termo descritivo acompanha a palavra cardiomiopatia (p. ex.,
cardiomiopatia dilatada responsiva à taurina).
CARDIOMIOPATIA DILATADA (CMD): Essa doença adquirida de causa desconhecida caracteriza­se por perda

progressiva da contratilidade cardíaca; em medicina humana esta definição está sendo modificada, pois
mutações genéticas estão sendo identificadas como causa de CMD. Há várias formas de cardiomiopatia dilatada
secundária (p. ex., deficiência de taurina, em gatos; induzida por doxorrubicina ou parvovírus, em cães). Em
cães, a cardiomiopatia dilatada apresenta uma fase subclínica prolongada, com sintomas evidentes por um
período relativamente curto. Durante a fase subclínica os mecanismos de compensação, principalmente
hipertrofia excêntrica ou sobrecarga de volume, mantêm a hemodinâmica normal. Com a perda progressiva da
função contrátil do coração, o débito cardíaco e, então, o fluxo sanguíneo renal diminui e novamente se
normaliza quando a retenção renal de sódio e água aumenta o volume de sangue e o retorno venoso e o
ventrículo acometido é estimulado a aumentar. Após um benefício inicial, a maior ativação do sistema nervoso
simpático e do SRAA causa efeitos prejudiciais no estágio final da doença (ver p. 134). O estímulo excessivo do
miocárdio pelo sistema nervoso simpático pode predispor a ocorrência de arritmias ventriculares e morte de
miócitos, enquanto a ativação excessiva do SRAA ocasiona vasoconstrição excessiva e retenção de sódio e
água.
A cardiomiopatia dilatada é uma das mais prevalentes doenças cardíacas adquiridas em cães, somente
superada pela doença valvular degenerativa; em alguns países a dirofilariose é a principal causa cardiovascular
de morbidade e mortalidade. Os cães de raças grandes são mais comumente acometidos, sendo os de raças
pequenas menos afetados (com raras exceções, como os cães das raças American Cocker Spaniel, Springer
Spaniel e English Cocker Spaniel). Dentre os cães de raças grandes os mais suscetíveis são Dobermann
Pinscher, Boxer, Great Dane, Pastor Alemão, Irish Wolfhound, Scottish Deerhound, Newfoundland Retriever,
São Bernardo e Labrador Retriever. Tipicamente, a doença acomete cães de meia­idade ou mais velhos; os
machos são mais suscetíveis ou mais gravemente acometidos do que as fêmeas. Em gatos, a prevalência
diminuiu drasticamente a partir de 1987, quando se constatou que a deficiência de taurina era responsável pela
maioria dos casos (cardiomiopatia responsiva à taurina). Desde então, em todas as rações comerciais para gatos
adiciona­se taurina. Atualmente, a maioria dos casos não é responsiva à taurina e envolve doença primária (ou
idiopática), embora ocasionalmente a doença seja notada em gatos alimentados com dietas não comerciais (p.
ex., vegetariana, alimento infantil, alimento caseiro).
Cães da raça Dobermann Pinscher desenvolvem arritmias ventriculares progressivas e simultâneas,
juntamente com disfunção sistólica. Pode ocorrer colapso e morte súbita em até 20% dos cães da raça
Dobermann Pinscher e, eventualmente, notam­se sintomas de insuficiência cardíaca esquerda. A maioria dos
cães Dobermann Pinscher apresenta evidência de insuficiência miocárdica por ocasião dos episódios de síncope.
Em outras raças, como Great Dane e Newfoundland, é menos provável a ocorrência de morte súbita e colapso.
Os sintomas de insuficiência cardíaca esquerda, inclusive taquipneia e dispneia devido ao edema pulmonar,
fraqueza e intolerância ao exercício, geralmente predominam, mas com frequência também há sintomas de
insuficiência cardíaca direita (ascite). É possível notar efusão pleural, mais comumente em cães com ambas,
insuficiência cardíaca direita e esquerda. Em um estudo notou­se ascite em 35% dos cães da raça Newfoundland
com cardiomiopatia dilatada. Gatos com cardiomiopatia dilatada tipicamente são levados à consulta com
sintomas respiratórios graves devido ao edema pulmonar ou efusão pleural e os sinais clínicos frequentemente
são de rápida progressão e refratários ao tratamento.
Normalmente, nota­se sopro sistólico de baixo grau, melhor audível no ápice cardíaco esquerdo. Com
frequência, nota­se também terceira bulha cardíaca ou ritmo de galope, especialmente em gatos. Este achado é
discreto em cães, mas frequentemente evidente em gatos. É possível constatar pulso femoral fraco e arritmia
associada a déficit de pulso. A arritmia é mais comumente causada por ectopia ventricular, em animais da raça
Dobermann Pinscher, e fibrilação atrial, em cães de raças gigantes. Dependendo do tipo da insuficiência
cardíaca pode­se notar ascite, dispneia ou tosse.
O perfil sanguíneo pode indicar azotemia pré­renal (aumento dos valores de BUN, creatinina). As
radiografias de tórax tipicamente revelam cardiomegalia moderada a marcante. Quando há insuficiência
cardíaca notam­se edema pulmonar evidente e aumento moderado a evidente do átrio esquerdo. A
ecocardiografia é o exame ideal para definição do diagnóstico de cardiomiopatia dilatada. Em cães com
cardiomiopatia dilatada grave e insuficiência cardíaca ocorre drástica diminuição da fração de encurtamento do
ventrículo esquerdo provocada pelo aumento do diâmetro sistólico final do ventrículo esquerdo. As câmaras
cardíacas, especialmente átrio e ventrículo esquerdos, apresentam­se dilatados. Tipicamente, instala­se
insuficiência da mitral, pois a progressiva dilatação da câmara cardíaca do ventrículo esquerdo resulta em
separação das cúspides valvulares. Os achados anormais do ECG podem incluir complexos ventriculares
prematuros e taquicardia ventricular (especialmente em cães das raças Dobermann Pinscher e Boxer), fibrilação
atrial (geralmente em raças gigantes). Pode haver evidência eletrocardiográfica de aumento de átrio esquerdo
(alargamento de ondas P e P mitral) e aumento de ventrículo esquerdo (ondas R altas e largas). A ocorrência de
complexos ventriculares prematuros no ECG de rotina em cães das raças Dobermann Pinscher e Boxer
aparentemente saudáveis é altamente sugestiva de cardiomiopatia.
O tratamento objetiva controlar a insuficiência cardíaca congestiva (p. ex., com diuréticos), melhorar a
contratilidade (p. ex., com pimobendana) e minimizar os efeitos colaterais da angiotensina II e outras alterações
neuro­hormonais (p. ex., inibidores da ECA). Insuficiência miocárdica responsiva à taurina acomete algumas
raças de cães, particularmente American Cocker Spaniel, e há relato casual em alguns cães das raças Golden
Retriever, Dálmata, Welsh Corgis, Tibetan Terrier e em outras raças. Em várias dessas raças é possível detectar
deficiência de taurina por meios da constatação de baixo teor plasmático ou sanguíneo dessa substância. A
resposta à suplementação com taurina (que pode demorar 2 a 4 meses) pode ser dramática, muitas vezes sendo
desnecessário o uso de outros medicamentos para doença cardíaca. Cardiomiopatia responsiva à carnitina,
embora relatada, é rara. A suplementação com coenzima Q10 é uma tentativa não comprovada e alguns clínicos
consideram tal procedimento irracional. Em pacientes com cardiomiopatia dilatada o fornecimento de óleo de
peixe pode reduzir a gravidade da caquexia cardíaca.
A ICC, que pode ser grave, deve ser tratada conforme mencionado em insuficiência cardíaca, (ver p. 131). À
medida que o edema pulmonar regride pode­se administrar furosemida VO, mantendo­se oxigênio até que
ocorra estabilização do quadro clínico. Deve–se iniciar o uso de pimobendana e de um inibidor da ECA (p. ex.,
enalapril, benazepril). Com frequência, indica­se terapia antiarrítmica, especialmente para cães Dobermann
Pinscher que apresentam arritmias ventriculares graves. O monitoramento com Holter é o procedimento ideal
para avaliar a gravidade das arritmias e a eficácia terapêutica. A mexiletina também é útil em pacientes com
arritmias ventriculares simultâneas à insuficiência cardíaca, pois seu efeito inotrópico negativo é menor do que
aquele do sotalol (1 a 3 mg/kg, 2 vezes/dia). Amiodarona pode ser um medicamento mais efetivo do que a
mexiletina na prevenção de morte súbita em cães da raça Dobermann Pinscher, mas seu uso está associado a
ocorrência relativamente alta de hepatotoxicidade nesta raça.
Em gatos com cardiomiopatia dilatada (não responsiva à taurina) o prognóstico é ruim, com sobrevida média
de 2 semanas. Gatos que apresentam cardiomiopatia responsiva à taurina também apresentam alto risco de
morte. Entretanto, pacientes que se mantêm vivos em tempo suficiente para a ação da suplementação com
taurina (2 a 3 semanas) têm prognóstico excelente. Cães que respondem à suplementação com taurina ou
carnitina também têm prognóstico reservado a bom, assim que os sintomas de ICC cessam. O prognóstico é
desfavorável na maioria dos cães Dobermann Pinscher; cerca de 25% dos animais morrem dentro de 2 semanas
após a manifestação clínica de insuficiência cardíaca; 65% morrem dentro de 8 semanas. Aparentemente, o uso
de pimobendana prolonga a sobrevida, às vezes, de modo significativo (meses). Em outras raças o prognóstico é
melhor, mas continua sendo reservado; 75% morrem dentro de 6 meses após o diagnóstico. Como esperado, em
cães com insuficiência cardíaca grave, particularmente ICC esquerda, o prognóstico é pior do que naqueles que
manifestam sintomas mais brandos ou sintomas de ICC direita, por ocasião da consulta.
CARDIOMIOPATIA DO VENTRÍCULO DIREITO ARRITMOGÊNICA (CVDA): Este tipo de cardiomiopatia é verificada
em cães da raça Boxer; também é denominada cardiomiopatia do Boxer. Raramente acomete gatos. A
cardiomiopatia do ventrículo direito arritmogênica é caracterizada por infiltrado gorduroso ou fibrogorduroso no
miocárdio do ventrículo direito. Em cães da raça Boxer a manifestação mais comum da doença é síncope,
ocasionada por taquicardia ventricular muito rápida (> 400 bpm) não sustentada. Para o animal tornar­se
inconsciente deve haver 6 a 8 segundos sem fluxo sanguíneo ao cérebro; assim, a taquicardia deve durar este
tempo para que ocorra síncope. O diagnóstico se baseia na quantidade de complexos ventriculares prematuros
(CVP) no monitoramento com Holter (valor > 100 CVP em 24 h geralmente é considerado diagnóstico para
CVDA). Os complexos QRS do CVP geralmente são perpendiculares nas derivações onde os complexos QRS
geralmente também são perpendiculares, o que significa que se originam do ventrículo direito. A maioria dos
cães da raça Boxer com CVDA parece ter coração normal, no ECG, embora alguns desenvolvam uma
verdadeira cardiomiopatia dilatada e manifestam insuficiência cardíaca. Cães da raça Boxer levados à consulta
por apresentarem síncope sem cardiomiopatia dilatada são tratados com sotalol (1 a 3 mg/kg, 2 ou com a
combinação de mexiletina (5 a 10 mg/kg, 3 vezes/dia) e atenolol (12,5 a 25 mg/cães, 2 vezes/dia). Em cães
refratários ao sotalol pode­se adicionar mexiletina ao tratamento. O prognóstico em cães com CVDA que não
apresentam cardiomiopatia dilatada frequentemente é bom; muitos deles vivem vários anos sob terapia
antiarritmogênica. O prognóstico a longo prazo para cães com cardiomiopatia dilatada com insuficiência
cardíaca congestiva é desfavorável. A maioria deles vive apenas alguns meses.
Nos gatos a doença geralmente se manifesta como aumento do ventrículo e do átrio direito e insuficiência
cardíaca direita, juntamente com taquiarritmias supraventricular e ventricular. Em gatos acometidos há relato de
dispneia e taquipneia, além de sintomas inespecíficos, como anorexia e letargia. O tratamento é semelhante
àquele mencionado para cardiomiopatia dilatada. Em geral, o prognóstico é desfavorável.
CARDIOMIOPATIA HIPERTRÓFICA: A cardiomiopatia hipertrófica caracteriza­se por hipertrofia (ou seja,
espessamento das paredes) concêntrica primária do ventrículo esquerdo causada mais por uma anormalidade
inata do miocárdio do que por sobrecarga de pressão (como aquela induzida por estenose aórtica), estímulo
hormonal (como o causado por hipertireoidismo ou acromegalia) ou outras doenças extracardíacas. Aumento do
músculo papilar é uma característica consistente da doença em gatos. Nas pessoas, a cardiomiopatia hipertrófica
é causada por mutações de vários genes sarcoméricos. Foram detectadas mutações em um gene sarcomérico, a
miosina cardíaca ligada o gene C, em gatos das raças Maine Coon e Ragdoll. Acredita­se que estas mutações
resultem na produção de sarcômeros anormais nos miócitos. O miocárdio, então, produz novos sarcômeros para
auxiliar àqueles anormais, resultando em hipertrofia, que pode ser discreta a grave. Hipertrofia grave
frequentemente é acompanhada de necrose celular e resultante fibrose de reposição (cicatriz miocárdica).
O aumento da fibrose associada a grave espessamento da parede origina um ventrículo esquerdo com mais
rigidez que o normal durante a diástole, o que aumenta a pressão diastólica em qualquer volume diastólico. O
aumento da pressão é transmitido de volta ao átrio esquerdo na diástole, resultando em aumento do átrio
esquerdo e, se grave o suficiente, em insuficiência cardíaca esquerda. Em gatos, a insuficiência cardíaca
esquerda se manifesta como edema pulmonar e efusão pleural. A contratilidade miocárdica é normal, mas o
diâmetro sistólico final do ventrículo esquerdo geralmente é menor do que o normal, às vezes, zero (obliteração
da cavidade ao final da sístole) devido ao aumento do parede espessada, resultando em diminuição da força
sistólica da parede (ou seja, pós­carga). Pode ocorrer grave aumento do átrio esquerdo, tornando o fluxo
estagnado. Isto pode induzir à formação de trombo no átrio esquerdo, com risco de tromboembolia sistêmica.
Deslocamento cranial da cúspide da valva mitral anterior durante a sístole ventricular, uma condição
denominada movimento sistólico anterior da valva mitral é um achado comum em gatos com cardiomiopatia
hipertrófica e se deve ao aumento acentuado dos músculos papilares, que arrasta a cúspide da valva mitral no
fluxo do ventrículo esquerdo, durante a sístole. Isso produz dois jatos turbulentos – um da estenose subaórtica
dinâmica e outro da regurgitação da mitral. Movimento sistólico anterior é a causa mais comum de sopro
cardíaco em gato com cardiomiopatia hipertrófica. No exame patológico macroscópico nota­se aumento do peso
do coração (> 20 g), maior espessamento da parede do ventrículo esquerdo, hipertrofia do músculo papilar e,
frequentemente, aumento do átrio esquerdo.
A cardiomiopatia hipertrófica é a doença cardíaca primária mais comumente diagnosticada em gatos; é rara
em cães. É uma doença familiar em algumas raças de gatos, inclusive Persa, Sphynx, Norwegian Forest Cat,
Bengal, Turkish Van e American e British Shorthair. Acredita­se que o modo de herança nas raças Maine Coon
e Ragdoll é autossômico dominante. A doença acomete gatos com 3 meses a 17 anos de idade, com maior
prevalência em animais de meia­idade. Não está presente ao nascimento, mas se desenvolve ao longo do tempo.
Em geral, a penetrância é < 100%. Gatos machos e fêmeas são igualmente predispostos, mas os machos tendem
a desenvolver doença mais grave em uma idade mais precoce. Nas raças Maine Coon e Ragdoll, os gatos
homozigotos para a mutação frequentemente desenvolvem cardiomiopatia hipertrófica mais cedo (comumente
antes de 1 ano de idade) e com frequência manifestam uma forma mais grave da doença.
Vários gatos acometidos podem ser assintomáticos, especialmente aqueles com doença discreta a moderada.
Os gatos portadores de doença grave também podem não manifestar sinais clínicos, mas geralmente
desenvolvem insuficiência cardíaca esquerda, tromboembolia sistêmica ou morte súbita. Gatos com
insuficiência cardíaca podem exibir taquipneia e dispneia secundária a edema pulmonar ou efusão pleural.
Pacientes com tromboembolia sistêmica mais comumente apresentam início agudo de paresia/paralisia de
membros pélvicos associada à dor aguda, ausência de pulso e poiquilotermia. É incomum a ocorrência de tosse
membros pélvicos associada à dor aguda, ausência de pulso e poiquilotermia. É incomum a ocorrência de tosse
em gatos com insuficiência cardíaca.
Com frequência, o exame físico revela ruídos cardíacos anormais, inclusive sopros cardíacos sistólicos
discretos a evidentes e ritmo de galope. Geralmente o sopro é dinâmico e sua intensidade aumenta com a
excitação. Pelo menos um terço dos gatos com cardiomiopatia hipertrófica não apresentam sopro. A
exacerbação dos ruídos respiratórios pode sugerir edema pulmonar, enquanto sua diminuição pode indicar
efusão pleural. Na tromboembolia aórtica distal o pulso pode ser normal, fraco ou ausente. No exame
radiográfico pode­se constatar aumento evidente do átrio esquerdo e aumento variável do ventrículo esquerdo.
Com frequência, o contorno cardíaco parece relativamente normal, mesmo quando há hipertrofia moderada do
ventrículo esquerdo. A ecocardiografia permite confirmar o diagnóstico e avaliar a necessidade de tratamento
adicional (p. ex., anticoagulantes são mais benéficos aos gatos com grave aumento de átrio esquerdo). Nota­se
espessamento (generalizado ou local) da parede do ventrículo esquerdo, juntamente com hipertrofia do músculo
papilar. Pode­se constatar movimento sistólico anterior da valva mitral. Dentre as anormalidades do ECG
podem­se incluir complexos supraventriculares prematuros, complexos ventriculares prematuros e taquicardia
ventricular. No caso de aumento significativo do átrio pode ocorre fibrilação atrial. É possível notar desvio do
eixo elétrico. No entanto, vários gatos com cardiomiopatia hipertrófica apresentam ECG normal. Nota­se
aumento da concentração plasmática de NT­proBNP (um produto da clivagem da proteína precursora do
peptídio natriurético tipo B, utilizado no diagnóstico de insuficiência cardíaca) em gatos com doença grave e,
especialmente, naqueles com insuficiência cardíaca, porém não naqueles com doença discreta a moderada (ver
p. 132).
O tratamento objetiva controlar os sintomas de ICC, melhorar a função diastólica e minimizar o risco de
tromboembolia sistêmica. Na ICC aguda deve­se administrar furosemida e oxigênio. Na insuficiência cardíaca
crônica indica­se furosemida e um inibidor da ECA, por exemplo, enalapril (0,5 mg/kg VO, 1 vez/dia). Para
gatos que não apresentam insuficiência cardíaca, nenhuma estratégia medicamentosa se mostrou capaz de
modificar a progressão natural da doença. Diltiazem (7,5 mg VO, 3 vezes/dia), um bloqueador de canal de
cálcio, pode melhorar a função diastólica, mas seus efeitos geralmente são insignificantes e está em desuso.
Também, podem ser utilizados betabloqueadores, como atenolol (6,25 a 12,5 mg VO, 1 a 2 vezes/dia) ou
propranolol. Em pacientes humanos com cardiomiopatia hipertrófica nota­se melhora nas crises de angina, na
dispneia e na intolerância ao exercício, quando tratados com betabloqueadores. Os gatos raramente se exercitam
e, assim, estas indicações não se aplicam a eles. No entanto, o betabloqueador reduz o movimento sistólico
anterior da valva mitral e deve ser empregado quando esta anormalidade é grave (gradiente de pressão através
da estenose subaórtica dinâmica é > 80 mmHg). Os inibidores da ECA não são benéficos antes do início da
insuficiência cardíaca.
A prevenção de formação de trombos e de tromboembolia sistêmica comumente é o objetivo, porém a
eficácia dos medicamento não foi bem documentada. O ácido acetilsalicílico (80 mg VO, em intervalos de 3
dias) não é efetiva. Varfarina (0,2 a 0,5 mg VO, 1 vez/dia) provavelmente também não é efetiva e induz algum
sangramento em gatos. Clopidogrel (18,75 mg/gato/dia) ainda está sendo pesquisada. Clopidogrel associado ao
ácido acetilsalicílico é uma estratégia terapêutica comum em pacientes humanos. Heparina de baixo peso
molecular, como enoxaparina (1 mg/kg, 2 vezes/dia), pode ser efetiva, mas seu custo é alto e deve ser
administrada por via parenteral.
O prognóstico de gatos com cardiomiopatia hipertrófica é muito variável. Vários gatos discretamente
acometidos apresentam prognóstico bom. O prognóstico de gatos com ICC é desfavorável, com sobrevida
média de 3 meses. No entanto, até 20% dos animais que apresentam ICC sobrevivem por um período mais
longo.
CARDIOMIOPATIA RESTRITIVA/NÃO CLASSIFICADA: Em gatos, é uma forma menos comum de cardiomiopatia, na
qual nota­se ventrículo esquerdo com aparência relativamente normal e aumento do átrio esquerdo. Embora seja
lógico pensar que estes gatos apresentem disfunção diastólica, muitos deles não têm tal anormalidade. Aqueles
que não apresentam disfunção diastólica têm alguma forma de cardiomiopatia restritiva. No entanto, como o
diagnóstico não pode ser realizado por meio de ecocardiografia bidimensional padrão é melhor denominar este
tipo de doença como cardiomiopatia não classificada, a menos que seja possível documentar disfunção
diastólica, geralmente na ecocardiografia Doppler tecidual. A cardiomiopatia restritiva se caracteriza por um
ventrículo esquerdo não complacente rígido, geralmente devido a maior formação de colágeno (ou seja, cicatriz)
nesta câmara cardíaca. A maior rigidez aumenta a pressão diastólica em qualquer volume diastólico. Assim
como na cardiomiopatia hipertrófica, isto resulta em aumento do tamanho do átrio esquerdo e insuficiência
cardíaca esquerda. Em alguns gatos com espessamento endomiocárdico ou obliteração parcial da cavidade o
diagnóstico de cardiomiopatia restritiva pode ser facilmente obtido por meio de ecocardiografia bidimensional.
Pode ser evidente a presença de trombos no átrio esquerdo. Geralmente a função sistólica é preservada. A
ecocardiografia Doppler pode revelar regurgitação mitral.
Os sinais clínicos e o tratamento de insuficiência cardíaca são semelhantes àqueles recomendados para
cardiomiopatia hipertrófica (ver texto anterior); contudo, o prognóstico parece menos favorável, especialmente
em gatos com ICC. As causas de cardiomiopatia restritiva e cardiomiopatia não classificada são desconhecidas.

Doença do Pericárdio

A doença do pericárdio provoca mais comumente acúmulo de fluido no saco pericárdico (ou seja, efusão
pericárdica). Este acúmulo pode ser agudo ou crônico, porém o crônico é muito mais comum em medicina
veterinária. Quando o acúmulo de fluido é grave o suficiente para aumentar acentuadamente a pressão
intrapericárdica ocorre tamponamento cardíaco. O tamponamento cardíaco agudo (p. ex., devido à ruptura do
átrio esquerdo ou a traumatismo torácico) resulta principalmente na diminuição do preenchimento cardíaco e na
redução abrupta do débito cardíaco. O tamponamento cardíaco crônico aumenta principalmente a pressão
intraventricular diastólica. Isto provoca sintomas de ICC. A pressão diastólica do lado direito – e, assim, a
pressão venosa sistêmica e capilar – necessita aumentar apenas de um valor normal de 5 mmHg para 10 a 15
mmHg para causar sintomas de insuficiência cardíaca direita, embora a pressão do lado esquerdo deva aumentar
de um valor normal de < 10 mmHg para > 20 mmHg para provocar insuficiência cardíaca esquerda. Assim,
predominam os sintomas de insuficiência cardíaca direita.
A efusão pericárdica é uma forma relativamente comum de doença cardiovascular adquirida em cães, é
incomum em bovinos e rara em equinos e gatos. Em cães, A maioria dos casos envolve animais de meia­idade,
predominantemente machos de raças grandes. Pericardite idiopática e neoplasia cardíaca é a principal causa de
efusão pericárdica em cães. Hemangiossarcoma e tumores da base do coração são os tumores cardíacos mais
prevalentes. Mesotelioma é uma forma menos comum de neoplasia pericárdica. Em cães, por meio de
ecocardiografia, mais frequentemente identifica­se hemangiossarcoma na aurícula direita, no sulco AV direito e
na câmara do átrio direito. Os tumores da base do coração (mais comumente quemodectoma ou carcinoma de
tireoide ectópico) geralmente são detectados entre a artéria aorta e a artéria pulmonar principal. Em gatos, a
neoplasia cardíaca mais comum é o linfoma, porém a causa mais comum de efusão pericárdica é insuficiência
cardíaca. Nesta espécie, a maioria dos casos de efusão pericárdica não é grave o suficiente para provocar
tamponamento cardíaco. Em cães, causas menos frequentes de efusão pericárdica incluem infecções (p. ex.,
coccidioidomicose), traumatismo, ruptura do átrio esquerdo e ICC. Em bovinos, é mais comum a ocorrência de
efusão pericárdica secundária à reticulopericardite traumática (p. 291) ou neoplasia cardíaca (linfoma). Nessa
espécie o linfoma também resulta em insuficiência valvular. Em equinos, pericardite séptica e pericardite
idiopática são as formas mais frequentemente relatadas.
A gravidade dos sintomas depende do volume de fluido pericárdico acumulado. Em cães, ascite é, de longe, a
manifestação clínica mais comum. Em equinos, é frequente um histórico de infecção de trato respiratório, febre,
anorexia e depressão. Os achados ao exame físico, além da distensão abdominal, incluem fraqueza generalizada,
distensão da veia jugular, abafamento de bulhas cardíacas e, ocasionalmente, ruídos de roçar pericárdico.
Quando o acúmulo de fluido pericárdico é gradativo o saco pericárdico é capaz de se distender ou aumentar e os
sinais clínicos de ICC direita podem não ser notados até que haja efusão pericárdica grave.
Os resultados do hemograma, do perfil bioquímico sérico e da urinálise geralmente são normais. É possível
constatar anemia discreta, leucocitose devido à neutrofilia, hiperfibrinogenemia e hiperproteinemia em equinos
com efusão e pericardite séptica. Deve­se realizar cultura e antibiograma de amostras de fluido obtidas de
equinos com suspeita de pericardite séptica. Nessa forma de pericardite há grande quantidade de neutrófilos,
alguns degenerados. O teor de proteínas no fluido é alto e nele podem existir bactérias. Em equinos, nota­se
variação nas características citológicas da efusão pericárdica idiopática, com quantidades variáveis de
neutrófilos, eosinófilos e macrófagos. Geralmente, o exame citológico do fluido pericárdico de cães não auxilia
na definição da causa da efusão pericárdica, a menos que haja infecção, o que é raro.
O exame radiográfico frequentemente revela aumento de tamanho do contorno do coração, que assume uma
forma arredondada (globoide). Quando a causa é um tumor cardíaco, especialmente de base do coração, o
contorno cardíaco pode se apresentar excentricamente aumentado, se não há efusão ou se está for discreta. No
caso de tamponamento cardíaco a veia cava caudal pode estar dilatada. É possível haver efusão pleural, mais
comumente quando a causa da efusão pericárdica é um mesotelioma. Na maioria dos casos o ECG revela desde
ritmo sinusal normal até taquicardia sinusal. Podem ser constatados complexos ventriculares e atriais
prematuros ocasionais. Com frequência, nota­se diminuição da altura das ondas R (< 1 mV, em cães) e pode
haver um padrão de alternância de variação na amplitude das ondas R, denominado alternância elétrica, quando
há grande quantidade de efusão. Isso se deve aos movimentos de oscilação do coração no saco pericárdico
preenchido com fluido. A ecocardiografia é o procedimento mais sensível e específico para detecção de efusão
pericárdica. Em vários casos de efusão neoplásica pode­se visualizar um tumor. Quando há tamponamento
cardíaco as paredes de átrio e ventrículo direitos parecem se colapsar na sístole e diástole.
Os animais com tamponamento cardíaco necessitam drenagem mecânica do espaço pericárdico
(pericardiocentese) com auxílio de um cateter. Tipicamente, a terapia medicamentosa não é efetiva na redução
da efusão pericárdica. Em geral, os diuréticos são contraindicados no caso de tamponamento cardíaco agudo
porque reduzem o volume sanguíneo e provocam diminuição adicional do débito cardíaco. Deve­se realizar
pericardiocentese, com introdução de um cateter no lado direito da parede torácica, logo acima da junção
costocondral, entre o quarto e o quinto espaço intercostal. Pode­se utilizar ecocardiografia para orientar a
introdução do cateter no ponto onde o saco pericárdico encontra­se mais próximo da parede torácica e no local
mais distendido por fluido, porém este procedimento não é imprescindível. Uma seringa ou um equipo com
válvula reguladora e seringa (preferível) é acoplada ao cateter. O sistema deve estar livre de ar durante a
penetração da parede torácica, a fim de evitar a instalação de pneumotórax. À medida que o cateter é
introduzido em direção ao coração faz­se aspiração intermitente. Quando o saco pericárdico é perfurado o fluido
(geralmente muito sanguinolento) flui livremente para a seringa. O cateter deve ser introduzido cuidadosamente
no saco pericárdico. O fluido retirado deve ser colocado em um tubo de vidro ou em um tubo contendo trombina
para provocar coágulos caso se aspire sangue do coração; se não coagula, o cateter deve ser removido da câmara
cardíaca onde se encontra. Deve­se remover o maior volume possível de fluido do saco pericárdico; uma
amostra deve ser submetida à análise. Em equinos, a pericardiocentese deve ser realizada no quinto espaço
intercostal esquerdo, a fim de evitar perfuração de átrios, artérias coronárias e ventrículo direito. Com
frequência faz­se a lavagem pericárdica, com ou sem antibiótico, após pericardiocentese, em equinos. Esse
procedimento é relativamente fácil e livre de complicações sérias. Contudo, recomenda­se a confirmação da
presença de efusão pericárdica por meio de ecocardiografia antes da realização de pericardiocentese.
Podem ser administrados antibióticos de amplo espectro e fluido, por via parenteral, imediatamente antes e
após pericardiocentese. Não há relato de benefício do uso de corticosteroides na pericardite idiopática (efusão
pericárdica benigna), em cães, embora tenham sido utilizados com eficácia em equinos. A maioria dos tumores
que causam efusão neoplásica não responde à quimioterapia.
Quando há suspeita de pericardite idiopática (ou seja, ausência de massa visível na ecocardiografia), o
proprietário deve ser instruído a monitorar cuidadosamente o animal, verificando qualquer sinal de recidiva.
Caso ocorra recidiva indica­se nova pericardiocentese. Em geral, recomenda­se pericardiectomia parcial após a
terceira pericardiocentese. Em cães, os tumores de base do coração apenas raramente originam metástase,
embora possam se tornar muito grandes e comprometer a função das estruturas vizinhas. Caso seja
diagnosticada efusão pericárdica recorrente secundária a um tumor de base cardíaca deve­se realizar
pericardiectomia parcial. Os cães podem sobreviver até 2 anos após pericardiectomia parcial bem­sucedida. O
prognóstico de hemangiossarcoma do átrio direito é desfavorável a grave. Vários cães apresentam metástase ou
micrometástase (mais comumente nos pulmões e não vistas nas radiografias), por ocasião do diagnóstico.

Doença Valvular Degenerativa (Doença de válvula AV degenerativa mixomatosa,

Endocardiose)

Essa cardiopatia é caracterizada por espessamento nodular das cúspides das valvas cardíacas, mais marcante em
suas extremidades. Degeneração mixomatosa comumente acomete as valvas mitral e tricúspide, em cães;
também ocorre prolapso ou hooding (protrusão do corpo da cúspide valvular no átrio) das cúspides. As cordas
tendíneas também são afetadas pela degeneração, tornando­se propensas à ruptura. A etiologia exata é
desconhecida; contudo em cães das raças Cavalier King Charles Spaniel e Dachshund é uma característica
hereditária. A doença valvular degenerativa mixomatosa é a enfermidade cardíaca mais comum em cães, sendo
responsável por cerca de 75% das doenças cardiovasculares nessa espécie. Cerca de 60% dos cães acometidos
apresentam apenas degeneração mixomatosa da valva mitral acometida, 30% apresentam lesões nas valvas
tricúspide e mitral e 10% manifestam apenas doença de valva tricúspide. Em cães, a enfermidade está
relacionada com idade e raça do animal; a taxa de prevalência é maior em cães mais velhos e naqueles de raças
pequenas. Equinos e gatos também são acometidos pela doença (envolvendo mais comumente as cúspides da
valva mitral); no entanto, é incomum nestas espécies. Em equinos, a doença valvular degenerativa
frequentemente acomete a valva aórtica e consiste em nódulos valvulares ou faixas fibrosas nas margens livres
da valva. Essa enfermidade é mais comum em equinos de meia­idade e em animais mais velhos. Sinais clínicos
(p. ex., insuficiência cardíaca) podem não ser notados porque é incomum regurgitação aórtica importante.
A insuficiência das valvas atrioventriculares (AV) resulta em fluxo sistólico (ou seja, fluxo durante a
contração ventricular) turbulento na valva afetada. Essa regurgitação de sangue para o átrio resulta em aumento
no volume no interior do átrio e, desse modo, aumento do tamanho da câmara atrial. Quando a regurgitação é
grave, também pode aumentar a pressão atrial. Caso haja acometimento da valva mitral o aumento da pressão
no átrio esquerdo ocasiona aumento da pressão dos capilares pulmonares e, se for alta o suficiente (ou seja, > 20
mmHg), ocasiona edema pulmonar cardiogênico (ou seja, insuficiência cardíaca esquerda). Caso a doença se
instale na valva tricúspide, a regurgitação intensa pode resultar em aumento da pressão venosa sistêmica e sinais
de insuficiência cardíaca direita (mais comumente ascite, em cães). O fluxo de sangue regurgitado, constante e
em alta velocidade, na valva mitral acometida, ocasiona lesão física no endocárdio do átrio esquerdo, resultando
em lesões decorrentes do fluxo. Na regurgitação grave, o aumento do tamanho e da pressão do átrio esquerdo
por longo tempo também pode provocar ruptura desta câmara cardíaca e tamponamento cardíaco agudo que,
frequentemente, resulta em morte.
Em termos fisiopatológicos, o organismo compensa a regurgitação valvular principalmente pela retenção
renal de sódio e água, provocando aumento do volume de sangue e no retorno venoso ao coração. Isto resulta
em aumento do tamanho da câmara ventricular. Há vários mecanismos de retenção de sódio e água, mas o
sistema renina­angiotensina­aldosterona (SRAA, p. 134) é um dos mais ativos e melhor estudado. A liberação
de renina pelo aparato justaglomerular renal ocasiona a clivagem de angiotensina em angiotensina I e, em
seguida, a enzima conversora de angiotensina transforma a angiotensina I em angiotensina II. Um das principais
ações da angiotensina II é estimular a liberação de aldosterona pelas glândulas adrenais. A aldosterona estimula
as células dos túbulos renais distais a transferir o sódio de volta ao espaço vascular e a água acompanha o sódio.
O aumento do volume sanguíneo e do retorno venoso ao coração ocasiona estiramento crônico dos miócitos
cardíacos, resultando na replicação do sarcômero nos miócitos e crescimento de miócitos mais longos. Isto
permite o desenvolvimento de uma câmara maior no ventrículo acometido (ou seja, hipertrofia excêntrica ou por
sobrecarga de volume). Este é um mecanismo compensatório primário na regurgitação valvar. É altamente
eficiente e possibilita ao coração compensar não apenas um vazamento valvular por anos, mas também um alto
volume de regurgitação. Por exemplo, um cão pequeno pode compensar totalmente a regurgitação na qual até
75% do fluxo de sangue do ventrículo esquerdo passa para o átrio esquerdo, embora apenas 25% do volume
sanguíneo alcance a artéria aorta.
A ativação do SRAA e de outros mecanismos de compensação é comumente vista como disfunção e elevação
de vários neuro–hormônios prejudiciais porque elevações evidentes frequentemente são notadas em cães com
insuficiência cardíaca, quando os mecanismos de compensação são superados. No entanto, estes mecanismos
somente são prejudiciais por alguns meses no estágio final da doença.
Em cães, os estágios inicial e intermediário da doença não são acompanhados de sinais clínicos, embora
possa ser notado sopro sistólico (grau I­V/VI), com intensidade máxima audível no ápice esquerdo. A
intensidade do sopro cardíaco nem sempre está relacionada com a gravidade da doença. À medida que a
enfermidade progride e se agrava e torna marcante a insuficiência cardíaca, mais comumente é evidenciada por
edema pulmonar que ocasiona aumento da frequência respiratória e do esforço respiratório, além de tosse.
Também, é possível notar episódios de síncope. Morte súbita é rara, mas pode ocorrer em decorrência da ruptura
do átrio esquerdo. Nos pacientes com insuficiência cardíaca esquerda os achados do exame físico incluem
sibilos e crepitações ou estertores respiratórios; no entanto, estes sintomas são mais comuns e evidentes em cães
com bronquite; vários cães com edema pulmonar não apresentam ruídos pulmonares anormais audíveis. Podem
ser notados sintomas de insuficiência cardíaca direita (p. ex., ascite, pulso jugular) quando a degeneração da
valva tricúspide é significante.
Hemograma, perfil bioquímico sérico e urinálise geralmente evidenciam valores na faixa de normalidade. O
aumento do átrio esquerdo é um achado característico em radiografias de tórax de um paciente com degeneração
mixomatosa da valva mitral; ademais, em cães pequenos o tamanho do átrio esquerdo está diretamente
relacionado com a gravidade da regurgitação. Outras alterações incluem aumento do ventrículo esquerdo e das
veias pulmonares. À medida que a insuficiência cardíaca progride ocorre aumento da densidade intersticial do
parênquima pulmonar e à medida que o quadro se agrava nota­se um padrão alveolar com surgimento de
broncograma aéreo (ou seja, edema pulmonar grave).
A ecocardiografia revela cúspides valvulares aumentadas, espessas e irregulares, com ecogenicidade normal.
Pode haver ruptura de cordas tendíneas, fazendo com que as cúspides AV tremulem (ou seja, protrusão das
extremidades das cúspides) no átrio durante a contração ventricular. Também, ocorre aumento da câmara do
ventrículo esquerdo (ou seja, hipertrofia excêntrica ou por sobrecarga de volume) em relação direta com a
gravidade da doença. Em cães pequenos, a contratilidade ou função miocárdica do ventrículo esquerdo
geralmente é normal, evidenciada pelo volume ou diâmetro sistólico final normal. O aumento no diâmetro
diastólico final juntamente com diâmetro sistólico final normal resulta no encurtamento fracional do ventrículo
esquerdo (ou seja, o grau de aumento da contração [não da contratilidade]). Em alguns cães pequenos e em
vários cães grandes nota­se diminuição da contratilidade miocárdica no início da insuficiência cardíaca e pode
estar diminuída em cães de pequeno porte durante o tratamento de insuficiência cardíaca.
No ECG de pacientes com doença valvular degenerativa discreta a moderada nota–se arritmia sinusal normal
ou ritmo sinusal normal. Quando desenvolve ICC, o aumento no tônus simpático frequentemente resulta em
aumento da frequência cardíaca (ou seja, taquicardia sinusal). O aumento do átrio esquerdo favorece o
desenvolvimento de arritmia atrial, como complexos prematuros atriais e fibrilação atrial. É rara a ocorrência de
taquiarritmia ventricular. No ECG pode haver evidência de aumento do átrio esquerdo (onda P mitral ou
alargamento de onda P) e aumento do ventrículo esquerdo (onda R alta e distendida), porém estas alterações não
são indicadores seguros de aumento de câmara cardíaca.
Estudo recente com cães portadores de doença degenerativa da valva mitral que ainda não desenvolveram
insuficiência cardíaca revelou que não há redução do tempo de início de ICC com o emprego de inibidores da
ECA. Portanto, em cães de raças pequenas o tratamento deve ser reservado aos pacientes sintomáticos, isto é,
àqueles cujas radiografias de tórax exibem edema pulmonar cardiogênico e que manifestam taquipneia em
repouso, na ausência de outra doença pulmonar grave. O tratamento de ICC inclui administração de diurético
(geralmente furosemida) e de inibidor da ECA como adjuvante do diurético. O edema pulmonar cardiogênico
não deve ser tratado exclusivamente com inibidor da ECA. Indica­se pimobendana (0,25 a 0,3 mg/kg, 2
vezes/dia) aos cães refratários à dose máxima de furosemida (4 mg/kg, 3 vezes/dia) e parece ser indicado
mesmo no início da insuficiência cardíaca. Não é indicado a cães que ainda não apresentam insuficiência
cardíaca. Espironolactona pode propiciar benefícios por longo tempo em cães com insuficiência cardíaca
decorrente de degeneração mixomatosa da valva mitral, porém não é capaz de induzir diurese clínica relevante.
Anlodipino e hidralazina reduzem a regurgitação e melhoram a perfusão, porém são mais comumente utilizados
em cães refratários à terapia convencional. Um diurético tiazida associado a furosemida é outro procedimento
terapêutico efetivo no tratamento de cães com insuficiência cardíaca refratária.
Quando presentes, arritmias anormais como fibrilação atrial e/ou outras arritmias supraventriculares graves e
persistentes devem ser tratadas ou controladas com digitálicos e diltiazem ou betabloqueador (p. ex., atenolol),
com intuito de prevenir taquicardia induzida pela insuficiência miocárdica. Terapia adequada deve ser planejada
para cada estágio da doença. Na ICC aguda e grave justifica­se o fornecimento de oxigênio juntamente com
terapia parenteral agressiva com furosemida. O uso de nitroprussiato também pode ser benéfico.
Os cães enfermos podem viver mais de 1 ano, quando tratados adequadamente. No entanto, a sobrevida é
muito variável e não é possível fornecer um período seguro.

Hematomas ou Cistos Sanguíneos Valvulares

Essas lesões valvulares benignas acometem até 75% dos bezerros com menos de 3 semanas de idade.
Localizam­se principalmente nas valvas atrioventriculares (AV).

Hipertensão Sistêmica e Pulmonar

Hipertensão sistêmica corresponde ao aumento da pressão sanguínea sistêmica. Há 2 tipos principais de


hipertensão sistêmica. A hipertensão essencial, ou hipertensão idiopática (primária), é rara em cães e gatos, mas
é comum em pacientes humanos. A hipertensão secundária é decorrente de uma doença primária específica. Em
cães, a principal causa de hipertensão é doença/insuficiência renal; em gatos as causas mais frequentes incluem
doença/insuficiência renal e hipertireoidismo. Hiperadrenocorticismo, diabetes melito e feocromocitoma são
outras causas de hipertensão em cães.
O diagnóstico de hipertensão sistêmica baseia­se na mensuração da pressão arterial sanguínea. O método de
avaliação mais confiável é a aferição direta por meio de punção arterial, procedimento que é impraticável na
maioria dos casos. O segundo método mais confiável (embora ainda frequentemente não confiável) é a medida
indireta da pressão com emprego de um transdutor Doppler, a fim de avaliar o fluxo sanguíneo em uma artéria
(tipicamente o ramo da artéria radial, na superfície plantar) distal ao local da colocação do manguito
(normalmente no membro torácico). A largura do manguito deve corresponder a 30% da circunferência do
membro, em gatos, e 40% da circunferência em cães. Deve­se realizar tricotomia da região imediatamente
proximal ao coxim metacarpiano palmar, para aplicação do transdutor Doppler, de modo a se obter um resultado
mais confiável. O membro pélvico também pode ser utilizado; nesse caso examina­se o ramo da artéria tibial
caudal na superfície plantar. A desvantagem da aferição da pressão sanguínea pela técnica Doppler é que apenas
a pressão sanguínea sistólica é medida com segurança. Outros métodos de mensuração da pressão sanguínea
sistêmica, como método oscilométrico, são menos confiáveis do que o método Doppler, especialmente em cães
de pequeno porte e em gatos. Embora a medição da pressão sanguínea indireta seja um método menos confiável
do que a mensuração direta, ela pode detectar indício de alteração aguda de pressão sanguínea durante anestesia.
Os valores normais variam em função do estresse do paciente; valores maiores que os esperados para um animal
normal frequentemente são decorrentes de estresse decorrentes do exame. Salvo algumas exceções, pressão
sistólica > 180 mmHg é considerada alta em um animal que aparenta calmo; valores > 200 mmHg devem ser
considerados seguramente como evidência de hipertensão sistêmica.
Cães e gatos com hipertensão sistêmica grave podem ser assintomáticos. Cegueira aguda é o sinal clínico
mais comum. Em um estudo foram verificadas lesões de retina (p. ex., hemorragia, descolamento, tortuosidade
arterial e edema focal ou difuso) em 80% dos gatos hipertensos. O exame de sangue pode revelar anormalidades
compatíveis com a causa da hipertensão (aumento do teor de T4 em gatos com hipertireoidismo, altas
concentrações de nitrogênio ureico sanguíneo (BUN) e de creatinina em pacientes com insuficiência renal).
Deve­se instituir o tratamento em pacientes com hipertensão confiavelmente aferida e com histórico de doença
primária, como insuficiência renal. Em gatos e cães a hipertensão sistêmica parece ser decorrência da constrição
de arteríolas sistêmicas, pois somente potentes dilatadores de arteríolas sistêmicas são razoavelmente efetivos na
diminuição da pressão sanguínea sistêmica, até um valor clinicamente relevante. Em gatos, o tratamento inclui
anlodipino (0,625 a 1,25 mg VO, 1 vez/dia). Outros medicamentos, como enalapril, diltiazem, betabloqueadores
como atenolol, e diuréticos como a furosemida, geralmente são ineficazes. Em cães, os únicos medicamentos
consistentemente efetivos são anlodipino (0,2 a 0,7 mg/kg VO, 1 vez/dia) e hidralazina (1 a 3 mg/kg VO, 2
vezes/dia).
Hipertensão pulmonar corresponde ao aumento da pressão sanguínea na circulação pulmonar. Dentre as
possíveis etiologias incluem­se aumento da viscosidade sanguínea (p. ex., policitemia), aumento do fluxo
sanguíneo pulmonar (p. ex., defeito de septo ventricular, persistência de ducto arterioso) e aumento da
resistência vascular pulmonar devido à diminuição da área transversal total do leito vascular pulmonar (como
acontece nos casos de hipertrofia de parede da artéria pulmonar, tromboembolia pulmonar e vasoconstrição
pulmonar). Hipertensão pulmonar primária é rara em toda espécies, exceto em pessoas. Em bovinos a principal
causa é vasoconstrição pulmonar induzida por hipoxia em decorrência de permanência em locais de altitude
elevada (ver p. 104). Ingestão crônica de astrágalo (Oxytropis e Astragalus spp) ou doença pulmonar crônica
causada por broncopneumonia ou pela infestação por vermes pulmonares também pode resultar em hipertensão
pulmonar grave o suficiente para causar insuficiência cardíaca direita. Em equinos, a hipertensão pulmonar pode
ser secundária à ICC esquerda. Em cães, a hipertensão pulmonar mais comumente ocorre em decorrência de
dirofilariose, tromboembolia pulmonar, hipoxemia grave devido à doença pulmonar primária e insuficiência
cardíaca esquerda. Tipicamente, os sinais clínicos são os mesmos verificados na ICC direita (ascite, intolerância
ao exercício, colapso) e síncope). Os achados do exame físico podem incluir evidência de ascite, em cães, e
edema ventral em bovinos e equinos, juntamente com dilatação e pulso da veia jugular. O diagnóstico definitivo
requer a medição direta da pressão arterial pulmonar (raramente realizada) ou a estimativa da pressão pulmonar
por meio de ecocardiografia Doppler. O exame ecocardiográfico pode mostrar achatamento de septo, hipertrofia
concêntrica e/ou dilatação do ventrículo direito e aumento do átrio direito. Dependendo da etiologia,
normalmente não se justifica o tratamento e o prognóstico é desfavorável. Na dirofilariose, a eliminação efetiva
dos vermes adultos da artéria pulmonar frequentemente resulta em redução da pressão na artéria pulmonar e
resolução da insuficiência cardíaca direita. Os cães com PDA e shunt direito­esquerda podem viver vários anos,
apesar da hipertensão pulmonar grave, desde que a policitemia seja adequadamente controlada. Sildenafila (1
mg/kg, 2 a 3 vezes/dia) provavelmente é o medicamento mais efetivo para reduzir a pressão na artéria pulmonar
de cães. A melhor chance de sucesso para uma recuperação prolongada é notada quando é possível identificar e
tratar a causa primária da doença.

Miocardite

Miocardite é a inflamação focal ou difusa do miocárdio, com degeneração ou necrose de miócitos, que origina
infiltrado inflamatório adjacente. Há várias causas, inclusive vírus e bactérias. Vírus da parvovirose canina (p.
423), vírus da encefalomiocardite (p. 806) e vírus da anemia infecciosa equina (p. 732) tendem a causar
miocardite. Nota­se degeneração miocárdica em cordeiros, bezerros e potros que apresentam doença do músculo
branco e em suínos com doença do coração “de amora” ou hepatose dietética. Streptococcus spp é a principal
causa de miocardite bacteriana em equinos. Salmonella, Clostridium, vírus da influenza equina, Borrelia
burgdorferi e estrôngilos são outras causas conhecidas. Deficiências minerais (p. ex., ferro, selênio, cobre)
podem resultar em degeneração miocárdica. Deficiência de vitamina E ou de selênio pode causar necrose do
miocárdio. Toxinas cardíacas incluem antibióticos ionóforos, como monensina e salinomicina, cantaridina
(intoxicação pelo besouro Epicauta vittata, p. 3136), Cryptostegia grandiflora (boca­de­leão) e Eupatorium
rugusum (serpentária branca). Tais condições causam sintomas típicos de ICC. Em equinos, é comum a
ocorrência de sinais clínicos de insuficiência cardíaca direita, incluindo ascite, congestão venosa e pulso jugular.
Geralmente à auscultação nota­se sopro de mitral ou regurgitação da tricúspide, bem como ritmo irregular.
Fibrilação atrial é um achado comum; também, podem­se constatar complexos ventriculares ou atriais
prematuros. A ecocardiografia revela dilatação da câmara cardíaca e menor contratilidade, com valvas normais.
Leucocitose devido à neutrofilia e hiperfibrinogenemia são achados laboratoriais comuns. Com frequência nota­
se aumento da atividade de isoenzimas cardíacas (CK, troponina e lactato desidrogenase).
O tratamento objetiva melhorar a contratilidade cardíaca, aliviar a congestão e minimizar a vasoconstrição.
Digoxina e dobutamina são utilizadas mais comumente com intuito de melhorar a contratilidade. A furosemida
é indicada para controlar o edema pulmonar. Com frequência, administram­se corticosteroides ao se constatar
aumento de atividade das enzimas cardíacas e quando é improvável uma infecção viral.
MIOCARDITE CHAGÁSICA: Trypanosoma cruzi, um protozoário, causa doença de Chagas (p. 66). Na doença
aguda notam–se anormalidades no ECG, como bloqueio AV de primeiro, segundo ou terceiro grau, bloqueio do
ramo direito do feixe de His, taquicardia sinusal e menor amplitude da onda R. Geralmente não há alteração
ecocardiográfica durante a fase aguda; contudo, o risco de morte súbita é um problema. Em seguida, instala­se
uma fase latente assintomática que dura 27 a 120 dias, em cães, seguida de um estágio crônico no qual se
constata disfunção sistólica indistinguível daquela da cardiomiopatia dilatada. Na fase crônica o tratamento é o
mesmo daquele recomendado para cardiomiopatia dilatada, mas tipicamente não é efetivo no controle dos
sintomas de insuficiência miocárdica progressiva.
MIOCARDITE DE LYME: A doença de Lyme (p. 650) é causada pela espiroqueta Borrelia burgdorferi; a infecção
induzida por este microrganismo raramente resulta em doença do miocárdio. Pacientes que desenvolvem
miocardite secundária à doença de Lyme podem apresentar anormalidades no ECG, como arritmias
ventriculares ou anormalidades de condução com bloqueio AV de primeiro, segundo ou terceiro grau transitório.
Também, pode ocorrer insuficiência miocárdica semelhante àquela verificada na cardiomiopatia dilatada. Em
pacientes com bloqueio AV total pode ser justificável a implantação de marca­passo cardíaco.

Outras Causas de Insuficiência do Miocárdio

Além das doenças listadas a seguir, a histofilose bovina (p. 769) pode resultar em abscessos e infarto do
miocárdio.
PARADA ATRIAL: Uma forma de cardiomiopatia que resulta em destruição do miocárdio atrial (e,
ocasionalmente, do miocárdio ventricular) foi relatada em cães, especialmente naqueles da raça English
Springer Spaniel. Outras raças acometidas são Old English Sheepdog, Shih Tzu, German Shorthaired Pointer,
além de cães mestiços. A doença também foi diagnosticada em alguns gatos que apresentavam cardiomiopatia
dilatada concomitante. No início, nota­se destruição do miocárdio atrial, que causa parada SA e ritmo de escape
em nodo AV. A regurgitação da mitral, que pode ser grave, frequentemente é notada neste estágio. Por fim,
instala­se insuficiência do miocárdio. Os sinais clínicos são semelhantes àqueles da cardiomiopatia dilatada,
sendo notada insuficiência cardíaca direita ou esquerda. A implantação de marca­passo pode melhorar a
frequência cardíaca e o débito cardíaco. Tipicamente, o tratamento não é efetivo; é semelhante aquele
recomendado para outros tipos de insuficiência miocárdica.
INSUFICIÊNCIA DO MIOCÁRDIO INDUZIDA POR DOXORRUBICINA: A doxorrubicina é um quimioterápico
comumente utilizado, sabidamente cardiotóxico. A cardiotoxicidade tende a ser dose­dependente, mas alguns
pacientes manifestam sinais de intoxicação com doses mais baixas que outros. Dentre as anormalidades
incluem­se complexos ventriculares prematuros isolados (notados em 80% dos cães que receberam 80
mg/m2/dia, por 2 dias, ou 25 mg/m2/semana, durante 4 a 11 semanas) e períodos de taquicardia ventricular.
Também, pode ocorrer insuficiência miocárdica, documentada em todos os cães que receberam tratamento
experimental com 25 mg/m2/semana, durante 20 semanas (Morte súbita e insuficiência cardíaca foram notadas
em 65% dos cães, após cerca de 17 semanas de tratamento). Os efeitos cardiotóxicos são irreversíveis. Com os
protocolos quimioterápicos atuais é rara a ocorrência de cardiotoxicidade grave.
FIBROELASTOSE ENDOCÁRDICA: Essa doença de etiologia desconhecida é caracterizada por espessamento focal
de átrio esquerdo, ventrículo esquerdo e/ou endocárdio da valva mitral. É causa rara de insuficiência miocárdica
em cães e gatos jovens. Em geral, os animais acometidos têm < 6 meses de idade e manifestam sinais clínicos
de insuficiência cardíaca esquerda. Dentre os animais suscetíveis incluem­se cães das raças Labrador Retriever,
Great Dane, Bulldog Inglês, Springer Spaniel, Boxer, Pit Bull e gatos das raças Siamês e Burmesa (nos quais
acredita­se que a doença seja hereditária). Na ecocardiografia nota­se dilatação de ventrículo e átrio esquerdos,
diminuição da fração de encurtamento do ventrículo esquerdo e aumento do diâmetro sistólico final do
ventrículo esquerdo; pode­se notar espessamento endocárdico difuso. Sinais clínicos, tratamento e prognóstico
são semelhantes aqueles mencionados para cardiomiopatia dilatada.
CARDIOMIOPATIA DE DUCHENNE: Esse distúrbio neuromuscular hereditário ligado ao cromossomo X foi relatado
em cães, particularmente naqueles da raça Golden Retriever. Uma doença similar denominada distrofia
muscular ligada ao cromossomo X foi relatada em cães das raças Irish Terrier, Samoyed e Rottweiler. Estas
enfermidades podem causar doença miocárdica e neuromuscular. As anormalidades do ECG incluem ondas Q
estreitas e profundas, encurtamento dos intervalos PR, parada sinusal e taquiarritmias ventriculares. O exame
ecocardiográfico pode mostrar lesões hiperecoicas principalmente no miocárdio do ventrículo esquerdo e no
músculo papilar. Geralmente se desenvolve aos 6 a 7 meses de idade, com redução do tamanho das lesões ao
longo dos próximos 2 anos. Essas lesões são decorrentes de calcificação e fibrose. Pacientes que sobrevivem à
doença podem manifestar insuficiência do miocárdio.

Endocardite Infecciosa

Tipicamente, a infecção endocárdica envolve uma das valvas cardíacas, embora possa ocorrer endocardite
mural. Lesão endotelial é um fator predisponente à instalação de endocardite infecciosa, embora em cães é mais
comum o desenvolvimento de endocardite em uma valva normal. Quando há erosão parcial do endotélio e o
colágeno subjacente é exposto as plaquetas aí se aderem e originam um microtrombo. Bactérias transportadas
pelo sangue podem se aderir a esse trombo, resultando em infecção localizada, que causa destruição progressiva
da valva e insuficiência valvular. As lesões vegetativas são os achados mais comuns nas valvas cardíacas e
podem causar estenose e insuficiência valvular. Em cães, equinos e gatos as valvas aórtica e mitral são as mais
comumente infectadas. A valva tricúspide raramente é acometida e a endocardite infecciosa da valva pulmonar
é muito rara. Por outro lado, a valva tricúspide é a mais comumente infectada em bovinos. Endocardite
infecciosa é rara em gatos e não há predileção por raças. Os cães de meia­idade de raças grandes são mais
predispostos; < 10% dos cães com endocardite infecciosa pesam < 15 kg. A maioria dos cães doentes tem > 4
anos de idade; os machos são mais suscetíveis do que as fêmeas. Cães com estenose subaórtica são mais sujeitos
à endocardite infecciosa.
Trombos contaminados liberados da valva mitral ou aórtica infectada alcançam a circulação e podem
colonizar outros órgãos; portanto, a endocardite infecciosa pode provocar um amplo espectro de sinais clínicos,
inclusive sintomas cardiovasculares primários ou sinais clínicos relacionados com os sistemas nervoso,
gastrintestinal e urogenital, bem como às articulações. Geralmente constata­se febre crônica intermitente ou
contínua. Em alguns animais pode­se notar claudicação com desvio de membro; em quase todos os pacientes
nota­se perda de peso e letargia. Regurgitação da valva aórtica ou mitral aguda ou subaguda pode ocasionar
insuficiência cardíaca esquerda (ou seja, edema pulmonar) e os sinais clínicos incluem taquipneia, dispneia e
tosse. Quando a valva tricúspide está acometida é possível verificar ascite e pulso jugular. Vacas infectadas
podem apresentar mastite e diminuição na produção de leite. Hematúria e piúria também podem ser notadas. Na
maioria dos casos, constata­se sopro cardíaco; o tipo de sopro depende da valva envolvida. Quando há
acometimento da valva aórtica nota­se sopro diastólico de baixo grau, com intensidade máxima na base cardíaca
esquerda. Também, é possível auscultar um sopro sistólico causado pelo aumento do volume de ejeção. Nesse
caso, o pulso arterial é cheio (ou seja, aumento da pressão de pulso) devido ao fluxo diastólico e aumento do
volume de ejeção. Endocardite da valva mitral resulta em sopro semelhante ao causado por doença valvular
degenerativa – sopro sistólico de baixo a alto grau (a intensidade depende principalmente do grau de
insuficiência mitral) – mais audível no ápice cardíaco esquerdo.
As bactérias mais frequentemente isoladas de pequenos animais incluem Streptococcus, Staphylococcus,
Klebsiella spp e Escherichia coli, embora um hospedeiro de outras espécies de bactérias também possa estar
envolvido. Em pessoas, 60 a 80% dos pacientes com endocardite infecciosa apresentam lesão cardíaca que
facilitam a adesão das bactérias. No entanto, em cães a infecção parece se desenvolver comumente em pacientes
sem evidência de anormalidades valvulares. Streptococcus spp e Actinobacillus spp são as bactérias mais
frequentemente isoladas em equinos, enquanto Arcanobacterium pyogenes é o mais comumente identificado em
bovinos.
Com frequência, o hemograma indica leucocitose devido à neutrofilia. A infecção ativa pode estar associada
à presença de neutrófilos bastonetes, enquanto a infecção crônica com monocitose (90% dos casos, em uma
pesquisa). Com frequência, nota­se anemia característica de doença crônica. As anormalidades do perfil
bioquímico sérico refletem o envolvimento de órgãos secundário ao êmbolo infeccioso e podem incluir aumento
de atividade das enzimas hepáticas, BUN e creatinina. Em pacientes que desenvolvem glomerulonefrite
imunomediada pode ocorrer importante perda urinária de proteínas e hipoalbuminemia. Os animais acometidos
devem ser submetidos à hemocultura e antibiograma. Recomenda­se a obtenção de 2 ou 3 amostras de sangue
em intervalos de 1 a 2 h, durante um período de 24 h. Devem ser adotadas rigorosas técnicas de assepsia. No
entanto, os resultados da hemocultura frequentemente são negativos (e são positivos em outros tipos de sepse) e
este teste não pode ser utilizado isoladamente no diagnóstico de endocardite.
Dependendo da localização e do grau de insuficiência da valva envolvida o exame radiográfico pode revelar
aumento da câmara cardíaca. Se a valva mitral ou aórtica encontra­se gravemente acometida ocorre dilatação de
ventrículo e átrio esquerdos. Evidências de insuficiência cardíaca esquerda podem ser notadas como aumento da
densidade intersticial ou, na ICC grave, como um padrão alveolar no parênquima pulmonar. Espera­se notar
aumento de câmara direita quando há infecção da valva tricúspide ou pulmonar. Ecocardiografia é o método de
diagnóstico de escolha, pois os resultados da hemocultura são positivos apenas em 50 a 90% dos cães. A valva
afetada é facilmente detectada: a área envolvida apresenta­se hiperecoica (clara), espessada e, com frequência
há vegetações (ou seja, aparência de couve­flor). Em alguns animais, pode haver predomínio de lesões erosivas.
O ECG pode mostrar complexos ventriculares e atriais prematuros. Menos comumente, é possível notar outras
arritmias, como fibrilação atrial ou distúrbio de condução. A altura da onda R pode estar aumentada (sugerindo
aumento do ventrículo esquerdo); também, a largura da onda P pode estar aumentada (sugerindo aumento do
átrio esquerdo).
O tratamento objetiva controlar os sinais clínicos de ICC e qualquer arritmia relevante, eliminar a
contaminação da lesão e impedir a disseminação da infecção. Caso haja envolvimento significativo da valva
aórtica, a insuficiência cardíaca pode ser extrema e intratável; nesses casos o prognóstico é desfavorável. O
prognóstico é muito mais favorável quando a infecção é discreta e se limita a uma das valvas AV. O controle da
insuficiência cardíaca requer o uso de diuréticos, como furosemida, inibidores da ECA e, no caso de
insuficiência miocárdica, pimobendana. Inicialmente, indica­se aplicação parenteral de antibióticos durante 1 a
2 semanas (procedimento cujo custo pode ser proibitivo), seguida da administração oral de antibióticos durante
6 a 8 semanas. No início devem ser utilizados antibióticos bactericidas de amplo espectro (ampicilina e
gentamicina ou enrofloxacino, ou cefalotina e gentamicina) e, se necessário, devem ser substituídos com base
no resultado do antibiograma. Quando se utiliza gentamicina deve­se monitorar a função renal, pois este
antimicrobiano é nefrotóxico. Na maioria dos cães o prognóstico é desfavorável. Os animais que respondem ao
tratamento provavelmente necessitam uso prolongado de medicamentos cardíacos (p. ex., diuréticos,
vasodilatadores, pimobendana) e reavaliações frequentes. Em grandes animais, a rifampicina (5 mg/kg VO, 2
vezes/dia) associada a outro antibiótico de amplo espectro aumenta a chance de cura a curto prazo. Ácido
acetilsalicílico (100 mg/kg, 1 vez/dia, para ruminantes, e 17 mg/kg, em dias alternados, para equinos) ou
heparina (30U/kg SC, 2 vezes/dia, para ruminantes e equinos) pode prevenir a formação de trombos e
crescimento bacteriano vegetativo em grandes animais.
Em cães com estenose subaórtica indica­se profilaxia antibiótica quando qualquer procedimento realizado
pode resultar em bacteriemia significante. A profilaxia dentária de rotina não se justifica em outros tipos de
doença cardíaca e, especialmente, em cães com degeneração mixomatosa da valva mitral, porque não há
evidência de que estes cães apresentam maior risco de endocardite infecciosa.

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

Nota­se insuficiência cardíaca quando o sistema cardiovascular não é capaz de satisfazer as demandas
metabólicas do corpo ou quando pode satisfazer estas demandas apenas em alta pressão de preenchimento e, em
consequência, ocorre descompensação induzida por um ou mais mecanismos. Assim, a insuficiência cardíaca
não é uma doença específica, tampouco um diagnóstico. É uma condição progressiva iniciada pela diminuição
do desempenho cardíaco que estimulam mecanismos compensatórios destinados a preservar a perfusão tecidual
e o metabolismo celular. Estes mecanismos ocasionam alterações de má adaptação que adicionalmente reduzem
o desempenho cardíaco, iniciando um ciclo vicioso que provoca falha do coração em funcionar como uma
bomba. Em consequência, a perfusão periférica normal apenas pode ser mantida em alta pressão de
preenchimento. Pode haver insuficiência cardíaca em decorrência de disfunção sistólica, disfunção diastólica,
ou de ambas. Comumente, há disfunção sistólica e diastólica, especialmente nas doenças em estágio avançado.
Os sintomas que podem se desenvolver em decorrência destas condições podem ser considerados em termos de
baixo débito cardíaco (anterógrada) ou insuficiência cardíaca congestiva (retrógrada).
As alterações iniciais na dimensão da câmara cardíaca (volume) ou do espessamento da parede são melhor
compreendidas em relação à pré­carga (tensão imposta pelo retorno venoso nas paredes ventriculares no final da
diástole) e na pós­carga (tensão imposta nas paredes ventriculares no final da sístole). As alterações na pré­carga
e na pós­carga podem ser causadas por anormalidades cardíacas estruturais, mecanismos compensatórios
sistêmicos, ou ambos. A sobrecarga de volume, como acontece na doença valvular/insuficiência valvular
crônica, persistência de ducto arterioso, defeito do septo atrial ou ventricular, shunts esquerdo­direito periféricos
e anemia ou hipertireoidismo, provoca aumento da pré­carga que ocasiona possível aumento da câmara
ventricular (dilatação) pela hipertrofia excêntrica dos miócitos. Sobrecarga de pressão, como aquela que ocorre
na hipertensão pulmonar ou sistêmica, estenose pulmonar ou aórtica e coarctação aórtica, provocam aumento na
pós­carga, o qual ocasiona espessamento da parede do ventrículo devido à hipertrofia concêntrica. Sobrecarga
de volume, tampouco de pressão, não é sinônimo de insuficiência cardíaca; estas condições podem causar
insuficiência cardíaca, dependendo da gravidade da sobrecarga e do grau de compensação.

Biomarcadores Cardíacos

Biomarcador é um parâmetro objetivamente mensurado que pode servir como indicador de função normal do
órgão, de doenças ou da resposta à intervenção médica. Os biomarcadores podem propiciar informação quanto à
presença e gravidade da doença, bem como quanto ao prognóstico. Estudos recentes em cães e gatos mostram
que aumentos dos teores sanguíneos de PNB, PNA e endotelina 1 são indicadores sensíveis de cardiopatia, os
quais se elevam proporcionalmente com a progressão da doença cardíaca e da ICC. Troponina cardíaca I (cTnI),
liberada após lesão de cardiomiócito, também foi avaliada como um biomarcador de ICC, mas constatou–se que
é menos sensível do que os três biomarcadores citados anteriormente. Também, PNA, PNB e cTnI foram
avaliados como testes de triagem para CMD oculta (antes do início de ICC), em cães. Constatou­se que os
aumentos dos teores de PNB foram altamente sensíveis para detecção de CDM oculta, enquanto PNA e cTnI
foram relativamente menos sensíveis. O peptídio natriurético pró–tipo B N terminal (NT­proBNP) é liberado
proporcionalmente à liberação de PNB em resposta à alta pressão de preenchimento cardíaco ou à disfunção de
miocárdio e sua maior estabilidade e meia­vida mais longa o tornam mais apropriado para uso como
biomarcador diagnóstico. Vários estudos mostraram a importância do NT­proBNP na diferenciação entre as
causas respiratórias primárias e cardíacas de dispneia em cães. Também o NT­proBNP mostrou­se útil no
diagnóstico de ICC em gatos e pode ser útil como teste de triagem para identificação de gatos com possível
cardiomiopatia, que pode ser comprovada por ecocardiograma.

Insuficiência Cardíaca Sistólica


A insuficiência cardíaca sistólica ocorre quando o preenchimento ventricular normal é acompanhado de
diminuição do volume sistólico anterógrado, refletindo inerente redução da capacidade de contração do
miocárdio. Por fim, isto pode ocasionar sinais de redução do débito cardíaco, como fraqueza, hipotensão e
diminuição da perfusão orgânica. É possível detectar insuficiência miocárdica em exame ecocardiográfico, no
qual se constata redução da fração de ejeção ou porcentagem de encurtamento fracional, causada por aumento
do diâmetro sistólico final, com diâmetro diastólico final normal ou aumentado. No entanto, estes índices de
função sistólica são muito influenciados pela pré­carga ventricular e podem ser necessárias opções de imagens
mais avançadas (como strain cardíaco ou Doppler tissular) para caracterizar a função de contratilidade em
virtude da pré­carga de volume concomitante. Adicionalmente, pode­se verificar adelgaçamento da parede
regional ou difuso e diminuição da movimentação da parede, que pode ser quantificada pelo emprego destas
opções de imagens mais avançadas.
Insuficiência miocárdica primária ou cardiomiopatia dilatada idiopática (CMD) é um diagnóstico de
exclusão. Esta doença pode ser notada em várias raças de cães, porém é mais comumente verificada em animais
da raça Dobermann Pinscher; atualmente há pesquisa que auxilia a definir uma base genética para esta condição.
Também, CMD raramente é notada em gatos. Alguns clínicos consideram que a CMD idiopática pode ser
decorrência de infecções virais não identificadas crônica ou miocardite. Embora tradicionalmente acredita­se em
uma relação da CMD com disfunção sistólica, atualmente sabe­se que a disfunção diastólica também ocorre em
um estágio relativamente precoce da doença.
Insuficiência miocárdica secundária frequentemente resulta de um ou mais insultos que induzem a lesão ao
cardiomiócito com subsequente remodelação e fibrose cardíaca. As etiologias incluem taquicardia prolongada
(taquicardia supraventricular ou ventricular), doença infiltrativa (neoplasia), infarto do miocárdio, deficiência
nutricional (taurina, carnitina, selênio [como notada na doença muscular]), miocardite (causada por vírus,
riquétsias, espiroquetas, parasitos e fungos), sepse, medicamentos (doxorrubicina), toxinas (chumbo, cobalto,
gossipol) e, raramente, doença endócrina (hipotireoidismo grave). Adicionalmente, sobrecarga de volume ou de
pressão crônica pode ocasionar remodelação e subsequente insuficiência miocárdica.

Insuficiência Diastólica

Nota­se insuficiência diastólica quando há aumento da pressão de preenchimento ventricular acompanhada de


função sistólica normal ou compensada. Elevações na pressão de preenchimento cardíaco se estendem à
circulação pulmonar ou sistêmica, resultando por fim em transudação de fluidos e sinais de congestão (edema
ou efusão). Na ausência de doença pericárdica ou extracardíaca que causam compressão ou restrição ventricular,
a disfunção diastólica reflete anormalidade inerente do relaxamento ventricular, que pode ser detectada em
estágio relativamente precoce da doença cardíaca por meio de ecocardiografia Doppler. Nas doenças, pode
haver disfunção diastólica que resulta em compressão cardíaca (efusão pericárdica, pericardite, neoplasia),
rigidez ou falta de complacência ventricular (cardiomiopatia hipertrófica, cardiomiopatia restritiva), infiltração
miocárdica (neoplasia) ou remodelação secundária à sobrecarga de pressão e de volume crônica.
Também, é possível notar ICC funcional quando um tumor ou outra obstrução anatômica impede o retorno
venoso para um ou ambos os átrios. Acredita­se que doença ou efusão pericárdica que ocasiona diminuição do
preenchimento ventricular também pode ser causa extracardíaca de insuficiência cardíaca congestiva e
subsequente redução do débito cardíaco. Sobrecarga de volume iatrogênica (ou seja, com diurese agressiva)
pode ocasionar ICC na ausência de disfunção miocárdica sistólica ou diastólica primária; no entanto, pode­se
pensar nesta situação como “disfunção pseudodiastólica” porque o ventrículo não é capaz de aumentar sua
complacência o suficiente para evitar aumento da pressão de preenchimento.

Manifestações Clínicas

As alterações hemodinâmicas que ocorrem na insuficiência cardíaca são relativamente limitadas, pois são as
síndromes clínicas resultantes destas alterações. Dependem muito do(s) local(is) da insuficiência da câmara
cardíaca, bem como das diferenças entre as espécies.
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA ESQUERDA: As veias pulmonares drenam o sangue para o átrio

esquerdo. Com o tempo, pode haver aumento da pressão do átrio esquerdo em resposta à sobrecarga de volume
(devido ao fluxo sanguíneo regurgitante ou ao maior volume de sangue circulante), estenose de valva mitral ou
aumento da pressão de preenchimento do ventrículo esquerdo. Elevação da pressão do átrio esquerdo se estende
para as veias pulmonares e, por fim, aos capilares pulmonares responsáveis pela perfusão alveolar. À medida
que a pressão hidrostática no capilar pulmonar continua a aumentar, as forças de Starling favorecem a
transudação de fluido e instala­se edema pulmonar. Em cães, tal condição pode se manifestar como intolerância
ao exercício, dispneia geral ou noturna, tosse e taquipneia. Também, é possível notar sincope, especialmente em
cães de raças de pequeno porte com doença valvular crônica. Pode estar associada à tosse (síncope tussígena) ou
a uma resposta do tipo vasovagal para estimulação de mecanorreceptores do ventrículo esquerdo. A tosse
também pode ser estimulada na ausência de edema pulmonar, por compressão do brônquio principal ocasionada
pela dilatação do átrio esquerdo ou pela maior responsividade das vias respiratórias (denominada “asma
cardíaca”).
Em gatos, o átrio esquerdo também recebe drenagem venosa parcial dos espaços pleural e pericárdico. Desse
modo, os sinais clínicos adicionais de insuficiência cardíaca esquerda nestes animais podem incluir efusão
pleural ou pericárdica; contudo, isso parece mais frequente na insuficiência biventricular. Pequeno volume de
efusão pericárdica é comum em gatos com insuficiência cardíaca e geralmente não influenciam a hemodinâmica
(geralmente não há necessidade de pericardiocentese). É menos provável que os gatos com insuficiência
cardíaca manifestem tosse evidente do que os cães, sendo rara a ocorrência de síncope, a menos que associada à
arritmia. Em gatos, pode ser difícil estabelecer a intolerância ao exercício porque são sedentários. Os sinais
clínicos mais comuns incluem inapetência, alteração de comportamento, dispneia e taquipneia, os quais não são
detectados por muitos proprietários até que a insuficiência cardíaca seja avançada.
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA DIREITA: O átrio direito recebe linfa e sangue venoso oriundos da veia
cava caudal e do seio coronário. Com o tempo, a pressão do átrio direito pode aumentar devido à sobrecarga de
volume (p. ex., insuficiência da valva tricúspide), estenose da tricúspide ou aumento da pressão de
preenchimento do ventrículo direito. Manifestações clínicas de insuficiência cardíaca direita incluem dilatação
das veias jugular, hepatomegalia, efusão pleural, efusão pericárdica e ascite. É mais provável que os cães
desenvolvam ascite, enquanto em gatos é mais comum efusões pleural e pericárdica. Embora as efusões
resultantes da insuficiência geralmente sejam transudato modificado, os gatos podem desenvolver efusão pleural
quilosa.
ALTERAÇÕES HEMOSTÁTICAS NA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA: Estudos recentes em cães e gatos com
insuficiência cardíaca congestiva mostraram alterações na função plaquetária, bem como de biomarcadores da
hemóstase, como fibrinogênio, d­dímero, antitrombina, fator de von Willebrand e proteína C. Não se sabe se
uma condição de hipercoagulação está associada a pior prognóstico em cães e gatos, embora tenha se constatado
microêmbolo no miocárdio e em outros órgãos de cães e gatos com cardiomiopatia, submetidos à necropsia.
Tromboembolia arterial é uma grave complicação em gatos com cardiomiopatia, porém ainda não se sabe se o
desenvolvimento de trombos nesta doença está relacionado com a condição de hipercoagulação intracardíaca
sistêmica ou apenas local.
A formação de trombo é notada com um aumento nos componentes da tríade de Virchow: alteração do fluxo
sanguíneo, lesão endotelial e estado de hipercoagulação. Na ICC pode haver alteração do fluxo sanguíneo, com
redução do débito cardíaco, aumento do volume de plasma circulante, vasoconstrição e disfunção endotelial.
Adicionalmente, relata­se lesão de pequenos vasos (arteriosclerose) do miocárdio de gatos e cães com
cardiopatia. Pode haver lesão endotelial devido à dilatação ou cisão de câmara cardíaca (mais comumente do
átrio esquerdo), forças de cisalhamento decorrente da alta velocidade do fluxo sanguíneo (como pode ocorrer ao
redor da estenose) e efeitos de remodelação vascular dos neuro­hormônios circulantes. Há relato de um estado
de hipercoagulação que pode ser exacerbado pelo aumento dos teores de catecolaminas circulantes.

Mecanismos de Compensação

A distribuição do fluxo sanguíneo sistêmico e de oxigênio aos tecidos periféricos e aos órgãos é rigorosamente
controlado por mecanismo neuroendócrino. Os mecanismos compensatórios atuam rapidamente para corrigir
qualquer diminuição do fluxo ou da pressão sanguínea. Estes mecanismos propiciam benefício imediato às
células metabolicamente ativas; também, quando ativados por tempo prolongado pode ser benéfico na lesão
crônica ao sistema cardiovascular e, por fim, aos sistemas corporais. Independente do mecanismo da doença
cardíaca, a cascata de eventos que induzem insuficiência cardíaca é iniciada por uma diminuição do débito
cardíaco percebida pelos barorreceptores, mecanorreceptores ou quimiorreceptores do sistema cardiovascular e
de tecidos periféricos. Isto pode ocorrer no caso de doença valvular crônica, CMD ou qualquer distúrbio
cardíaco primário ou secundário anteriormente mencionado. Mesmo alto débito, como acontece na anemia ou
no hipertireoidismo, pode preencher este modelo, pois os tecidos periféricos percebem um déficit metabólico e
tentam corrigir aumentando o débito cardíaco.
Quando há redução do volume de ejeção secundária à disfunção cardíaca ocorre diminuição do débito
cardíaco. A resposta aguda envolve aumento do tônus simpático induzindo vasoconstrição periférica, aumento
da frequência cardíaca e maior contratilidade cardíaca, que atuam restabelecendo o débito cardíaco e mantendo
a pressão sanguínea sistêmica. Adicionalmente, o sistema renina­angiotensina­aldosterona (SRAA) é ativado
por uma ou mais condições: diminuição da perfusão renal, menor liberação de sódio para a mácula densa (no
aparato justaglomerular) e aumento do tônus simpático. As células justaglomerulares liberam renina, que
converte angiotensinogênio (sintetizado no fígado) em angiotensina I. A enzima conversora de angiotensina
(ECA) transforma angiotensina I em angiotensina II, principalmente nos pulmões. Há outro SRAA no cérebro,
nos vasos sanguíneos e nos tecidos do miocárdio que podem originar angiotensina II, independentemente do
SRAA renal ou sistêmico.
A angiotensina II tem ampla variedade de ações, incluindo retenção de sódio e água por ação direta nos
túbulos renais, bem como estímulo à síntese de aldosterona, aumento da sede mediante estimulação para
liberação de hormônio antidiurético (ADH), maior liberação de norepinefrina e endotelina e estímulo para
remodelação e hipertrofia cardíaca. Estas ações podem provocar aumento do volume de sangue circulante (pré–
carga) e da resistência periférica (pós­carga) e têm efeitos cardiotóxicos diretos. Adicionalmente, a ação
circulante prolongada de angiotensina II, aldosterona, endotelina, ADH e catecolaminas ocasionam efeitos
nocivos ao coração e aos vasos periféricos pelo efeito de remodelação direta, bem como pela suprarregulação de
citocinas inflamatórias, componentes da matriz extracelular e proto–oncogenes.
Em resposta aos mecanismos de compensação, atuam sistemas contrarreguladores, a saber, liberação de
peptídio natriurético atrial (PNA), dos átrios, e peptídio natriurético tipo B (PNB), dos ventrículos. PNA e PNB
são liberados em resposta ao estiramento das câmaras atriais e ventriculares, respectivamente. Ambos os
hormônios atuam aumentando a natriurese (com subsequente diurese) e diminuindo a resistência vascular
sistêmica, neutralizando as ações do SRAA. Infelizmente, os efeitos de PNA e PNB são muito mais potentes do
que aqueles do SRAA, especialmente no estágio avançado de ICC. No entanto, há benefício clínico potencial na
mensuração de PNA e PNB circulantes como parâmetros de diagnóstico de cardiopatia (ver a seguir).
À medida o volume sanguíneo circulante aumenta devido à retenção de água e sódio, aumenta a pré­carga e o
volume sistólico, auxiliando no restabelecimento do débito cardíaco. O volume de sangue circulante
invariavelmente encontra­se aumentado em animais com insuficiência cardíaca e ativação prolongada do
SRAA, frequentemente até 30% nos estados avançados. No entanto, isso ocorre à custa do aumento da pressão
do preenchimento diastólico; por fim, desenvolvem­se sinais de congestão (edema e efusão). Adicionalmente, o
aumento da pós­carga devido à vasoconstrição periférica, como mencionado anteriormente, diminui o débito
cardíaco e perpetua o ciclo.

Tratamento

O objetivo do tratamento de insuficiência cardíaca é controlar os sintomas relacionados com a congestão


(edema pulmonar, efusão pleural ou pericárdica, ascite), à redução do débito cardíaco e às adaptações neuro­
hormonais crônicas. Isto é conseguido pela redução da pré­carga e/ou da pós­carga (diuréticos e
vasodilatadores), melhora da função miocárdica (inotropos positivos, lusitropos, simpaticomiméticos,
antiarrítmicos) e emprego de moduladores neuro­hormonais (inibidores da ECA e potencialmente
betabloqueadores, antagonistas da aldosterona e bloqueadores da angiotensina II).
DIURÉTICOS: Os diuréticos de alça são os medicamentos disponíveis mais efetivos para diminuir o volume de
sangue circulante e reduzir os sintomas de congestão. Os diuréticos de alça inibem o cotransportador
Na+/K+/2Cl­ na alça de Henle ascendente espessa. Isso induz a maior excreção renal de sódio e cloreto, com
subsequente perda de água livre. A furosemida é o diurético de alça mais amplamente utilizado. Quando
administrada por via IV também reduz diretamente a pressão em cunha do capilar pulmonar (antes do início da
diurese) mediante a síntese de prostaglandina, que tem efeito vasodilatador. Após administração por via
intravenosa a ação inicia dentro de 5 min, com efeito máximo aos 30 min e diminuição em cerca de 2 h. Após
administração oral tem­se início da ação em 60 min, com efeito máximo em 1 a 2 h e duração de cerca de 6 h.
Terapia emergencial de edema pulmonar frequentemente requer altas doses de furosemida (2 a 8 mg/kg para
cães; 2 a 4 mg/kg para gatos), em intervalos de 30 a 60 min, até que se controlem os sinais clínicos de
congestão. Em razão da preocupação quanto à ocorrência de hipotensão, azotemia e anormalidades eletrolíticas
importantes com a administração de furosemida, assim que o quadro clínico do animal se estabiliza recomenda­
se a redução da dose até a menor dose capaz de controlar os sintomas de ICC. Azotemia discreta e
anormalidades eletrolíticas e ácido­base (hiponatremia, hipopotassemia e alcalose metabólica hipoclorêmica)
não são raras e geralmente são toleradas, desde que o animal se alimente e beba água. A dose oral utilizada no
tratamento de ICC crônica pode variar significativamente entre os animais; deve­se utilizar a menor dose
possível. Com frequência, a ICC em cães é inicialmente controlada com dose de 1 a 2 mg/kg, 1 a 2 vezes/dia; os
gatos são mais predispostos às reações adversas e geralmente requerem dose menor (0,5 a 2 mg/kg, a cada 12 a
48 h). O uso de furosemida ou de outro diurético como terapia exclusiva no tratamento de longa duração de ICC
aumenta a ativação do SRAA; desse modo, recomenda­se a combinação com um inibidor da ECA.
Na ICC avançada pode ocorrer resistência à furosemida, tipicamente verificada pelos sintomas persistentes de
congestão, apesar da dose de 2 a 4 mg/kg VO, 3 vezes/dia. Há várias causas, inclusive menor liberação do
medicamento no néfron, ativação do SRAA (que neutraliza os efeitos de diurese) e hipertrofia das células dos
túbulos contorcidos distais e consequente aumento no transporte de íons nesta região do néfron. O edema
gastrintestinal secundário à ICC direita pode prejudicar a absorção de diuréticos administrados por via oral e
contribuir para a resistência ao diurético. Animais com resistência ao tratamento oral prolongado com altas
doses de furosemida podem apresentar melhor resposta diurética com a aplicação SC do medicamento ou pela
adição de outros diuréticos (“carregamento diurético”).
Os efeitos colaterais decorrentes da administração de furosemida geralmente estão relacionados com a
desidratação por depleção de volume e às anormalidades eletrolíticas e ácido­base. As reações adversas menos
comuns incluem vômito, pancreatite e surdez idiossincrática associadas à administração por via intravenosa
rápida. Os animais com doença renal preexistente são mais predispostos às reações adversas e a terapia com
furosemida pode ser reduzida ou temporariamente suspensa. Ao iniciar a terapia diurética os indicadores de
função renal devem ser monitorados frequentemente (no início e pelo menos 1 semana depois), com reavaliação
a cada 3 a 6 meses quando se utiliza tratamento prolongado. Alguns animais podem permanecer com azotemia
discreta a moderada, geralmente tolerada desde que se alimentem e bebam água adequadamente.
Outros diuréticos de alça são torsemida e bumetanida. Embora haja menor experiência com estes
medicamentos, podem ser úteis no tratamento de insuficiência cardíaca refratária em que se documentou
resistência à furosemida ou quando o paciente é tolerante à furosemida. A ação da torsemida é mais longa do
que aquela da furosemida; ademais auxilia na inibição da aldosterona. Torsemida e bumetanida são
significativamente mais potentes do que a furosemida oral, mas não foram avaliadas em medicina veterinária.
Há relatos casuais de que a dose inicial de ambos os medicamentos é, aproximadamente, um décimo daquela da
furosemida.
Diuréticos tiazidas (p. ex., hidroclorotiazida, clorotiazida) diminuem a reabsorção de sódio pela inibição do
cotransportador Na+/Cl­ no túbulo contorcido distal. Isto resulta em maior liberação de sódio e água nos ductos
coletores e subsequente aumento da excreção de hidrogênio e potássio. Embora as tiazidas sejam diuréticos
relativamente fracos, têm efeito sinérgico quando administradas com diuréticos de alça e podem provocar
importantes anormalidades eletrolíticas (especialmente hipopotassemia) e desidratação, quando não utilizados
criteriosamente. A hidroclorotiazida é mais comumente utilizada; a dose recomendada é 1 a 4 mg/kg VO, 1 a 2
vezes/dia. É associado a espironolactona, um diurético que poupa potássio (ver a seguir), contido no produto
aldactazida, que também pode ser administrado na dose de 1 a 4 mg/kg VO, 1 a 2 vezes/dia. Vários animais não
toleram a maior dose da faixa desta variação; deve­se utilizar a menor dose efetiva. Clorotiazida é administrada
na dose de 20 a 40 mg/kg VO, 1 a 3 vezes/dia. Os diuréticos tiazidas geralmente são reservados àqueles casos
nos quais ocorreu resistência à furosemida.
Diuréticos que poupam potássio representam a classe de diuréticos mais fracos, exibindo discreta ação
diurética, às vezes indetectáveis na dose padrão, especialmente quando utilizados isoladamente. Esta classe de
medicamentos incluem aldosterona, inibidores da espironolactona e eplerenona e aqueles que inibem a
reabsorção de sódio nos túbulos distais, triantereno e amilarida. Alguns cardiologistas recomendam dose
subdiurética de 0,3 a 1 mg de espirolactona/kg, 1 vez/dia, para cães com CMD subclínica ou insuficiência
miocárdica em estágio inicial por seu teórico benefício na remodelação e fibrose do miocárdio e dos vasos
sanguíneos mediadas por aldosterona. Um estudo de triagem clínica em grande escala em pessoas com
insuficiência cardíaca mostrou melhora significativa nas taxas de morbidade e de mortalidade em pacientes
tratados com espironolactana, em comparação com aqueles que receberam placebo, além da terapia de
insuficiência cardíaca padrão. Eplerenona mostrou um efeito protetor no miocárdio de cães com insuficiência
cardíaca experimentalmente induzida, embora não se tenha comprovado benefício clínico da inibição da
aldosterona em pacientes veterinários com cardiopatia de ocorrência natural. Um experimento clínico no qual
utilizou­se espironolactona em gatos com cardiomiopatia hipertrófica (CMH) mostrou que não houve redução
da remodelação cardíaca, tampouco melhora na função diastólica após 4 meses. Ademais, ocorreu grave
dermatite ulcerativa facial em cerca de um terço dos gatos tratados com espironolactona. Consequentemente,
não se recomenda o uso de espironolactona como antirremodelação profilática em gatos.
Em geral, a espironolactona é reservada a cães e gatos refratários à dose diurética padrão, àqueles com ascite
ou àqueles que desenvolveram hipopotassemia clínica importante. É administrada na dose de 1 a 3 mg/kg VO, 1
a 2 vezes/dia. Estudos futuros podem validar seu uso em algumas cardiopatias. Eplenerona, triantereno e
amilorida não são rotineiramente utilizados no tratamento de doença cardíaca em medicina veterinária.
INOTROPOS POSITIVOS: Pimobendana é um novo inodilator aprovado pela FDA em 2007 para uso em cães com
ICC relacionada com a insuficiência da valva atrioventricular ou CMD. É considerado um inibidor da
fosfodiesterase (PDE) III, capaz de causar sensibilização ao cálcio. O aumento do efeito inotrópico se deve
principalmente pela sensibilização do aparato cardiomiócito contrátil (principalmente troponina C) ao cálcio,
com aumento mínimo do cálcio intracelular. Isto é diferente do que acontece com outros inotropos positivos
(ver a seguir) que atuam predominantemente no cálcio intracelular, podendo ocasionar arritmia, taquicardia e
maior consumo de oxigênio pelo miocárdico. Ocorre vasodilatação equilibrada por meio da inibição da PDE III,
ocasionando relaxamento do músculo liso do endotélio e efluxo de cálcio. Benefícios adicionais podem incluir
melhora do relaxamento miocárdico e da função diastólica, ação anti­inflamatória e anticitocinas e modulação
neuro­humoral.
A combinação de aumento da inotropia com redução da pós­carga resulta em melhora significativa do débito
cardíaco e redução marcante da pressão de preenchimento cardíaco. As melhoras clínicas notadas com o uso de
pimobendana podem ser marcantes e podem incluir melhora na qualidade de vida, melhora do quadro clínico e
maior sobrevida. Até o momento não há pesquisa sobre os efeitos da combinação de pimobendana com um
inibidor da ECA, porém a maioria dos cardiologistas relata que esta combinação propicia benefícios clínicos
adicionais. O efeito inotrópico do pimobendana é significativamente maior do que aquele verificado com o uso
de digoxina; o pimobendana tem superado a digoxina como droga de primeira escolha como suporte inotrópico
de ICC em cães.
Há certa controvérsia quanto ao uso de pimobendana em gatos e até o momento não há estudo publicado
sobre seu emprego nesta espécie. O uso de pimobendana não é aprovado em gatos e vários cardiologistas
entendem que este medicamento é contraindicado aos gatos com CMH sem disfunção sistólica documentada,
especialmente quando há obstrução do fluxo do ventrículo esquerdo (como acontece na movimentação anterior
sistólica da valva mitral ou na hipertrofia de septo basal). Relatos casuais indicam que o pimobendana é bem
tolerado por gatos com ICC refratária de qualquer origem e pode beneficiar especialmente os gatos com função
sistólica reduzida, como pode acontecer na cardiomiopatia dilatada restritiva não classificada ou em estágio
final.
Em cães e gatos, administra­se 0,2 a 0,3 mg de pimobendana/kg VO, 2 vezes/dia. À medida que a
insuficiência cardíaca progride, vários cardiologistas aumentam a frequência de administração para 3 vezes/dia,
em cães. É rara a ocorrência de reações adversas e, em geral, ocorrem quando se administram altas doses;
podem incluir distúrbio gastrintestinal (GI) ou, possivelmente, maior risco de arritmia. Não há evidência clínica
que comprove risco significativamente maior de arritmia em pacientes tratados com pimobendana; embora
alguns estudos tenham revelado tal tendência, outros contestaram isto. O uso de pimobendana não é aprovado
para uso antes do início de insuficiência cardíaca; um estudo com animais da raça Beagle pré­sintomáticos, com
regurgitação da mitral experimentalmente induzida, revelou aumento de lesões valvulares em cães tratados com
pimobendana, em comparação com cães submetidos ao tratamento com benazepril.
As aminas simpaticomiméticas (dobutamina, dopamina) melhoram a contratilidade e o débito cardíaco
pelos efeitos agonistas beta­adrenérgicos e podem ser inestimáveis no tratamento imediato de choque
cardiogênico ou ICC secundária à insuficiência miocárdica. O estímulo de receptores β ligados à membrana
ativa a adenilciclase, induzindo a produção de cAMP e subsequente fosforilação de canais de cálcio ligado à
membrana em ambos, sarcolema (membrana do miócito) e retículo sarcoplasmático. Estas ações celulares
aumentam a contratilidade e o relaxamento do miocárdio, bem como o consumo de oxigênio. Os efeitos nos
canais iônicos das células do marca­passo cardíaco e nas fibras de condução induzem a menor limiar de
despolarização, aumento da frequência cardíaca e maior velocidade de condução; todos eles predispõem à
arritmia cardíaca. Nos vasos sanguíneos periféricos, a estimulação mista de β1 e β2 tem efeito irrelevante na
resistência vascular, embora o estímulo alfa­adrenérgico (como ocorre com a dopamina em dose maior) pode
ocasionar vasoconstrição.
A dobutamina é administrada por via IV, na forma de infusão de 2,5 a 20 μg/kg/min diluída em solução de
dextrose 5%. Dose > 15 μg/kg/min raramente é necessária e pode estar associada a maior risco de taquiarritmia.
Recomenda­se iniciar com a menor dose, aumentando a cada 15 a 30 min, se necessário. Monitoramento
concomitante com ECG é fortemente recomendado; indica­se redução ou suspensão da dobutamina caso ocorra
agravamento da arritmia. Como no caso de fibrilação atrial a dobutamina aumenta a condução através do nodo
AV, recomenda­se cuidado adicional. A dobutamina pode aumentar preferencialmente o fluxo ao miocárdio,
quando comparada à dopamina, a qual tende a aumentar o fluxo renal e mesentérico. Também, a dobutamina é
menos propensa a induzir taquicardia do que a dopamina. A dopamina é administrada como infusão contínua na
dose de 2 a 8 μg/kg/min; doses maiores (> 10 μg/kg/min) estão associadas a ocorrência de hipertensão e
taquicardia. Recomenda­se aumento gradativo da dose, como mencionado para dobutamina. Ambas, dopamina
e dobutamina, podem provocar distúrbio gastrintestinal. Estes medicamentos são menos comumente utilizados
em gatos, embora possa seguir a mesma estratégia de tratamento geral, porém iniciando com dose de infusão
mais conservadora (cerca de 1 μg/kg/min) para ambas, dobutamina e dopamina.
Os compostos bipiridina (milrinona, anrinona) são inibidores da PDE III. A inibição da PDE III reduz a
degradação de cAMP, com efeitos subsequentes similares àqueles verificados com o uso de aminas
simpaticomiméticas. Estes medicamentos geralmente são reservados aos pacientes com insuficiência miocárdica
refratária grave porque seu uso está associado a maior risco de morte do que aquele notado com o uso de aminas
simpaticomiméticas. Em razão da não dependência de estimulação do receptor β, os inibidores da PDE III não
são influenciados pela infrarregulação ou separação do receptor β, que pode ocorrer na doença cardíaca
progressiva; ademais, pode ser útil em situações clínicas em que os benefícios da terapia simpaticomimética são
menores do que os esperados. Adicionalmente, a inibição da PDE III vascular e a não dependência de
estimulação alfa­adrenérgica resulta em vasodilatação. As reações adversas notadas com o uso de inibidores da
PDE III incluem taquicardia, taquiarritmia, trombocitopenia, distúrbio GI e hipotensão em doses maiores. A
anrinona é administrada na dose de 1 a 3 mg/kg IV ou como infusão contínua na dose de 10 a 80 μg/kg/min. A
milrinona é significativamente mais potente do que a anrinona, mas seu uso em medicina veterinária é restrito
devido ao custo e à experiência limitada.
GLICOSÍDIOS CARDÍACOS: Os glicosídios digitálicos (digoxina, digitoxina) são medicamentos inotrópicos

relativamente fracos, apresentam estreita variação terapêutica e estão associados a ocorrência de reações
adversas significativamente maior, em comparação com o pimobendana. A digitoxina não está mais disponível
no mercado. Embora cada vez menos utilizada por seus efeitos inotrópicos desde a introdução de pimobendana,
a digoxina ainda tem importante função na doença cardíaca, especialmente no caso de fibrilação atrial ou
taquicardia supraventricular simultaneamente à ICC, pois é o único fármaco disponível que reduz a condução no
nodo AV, sem efeito inotrópico negativo concomitante (ver glicosídios cardíacos, p. 2550, para mais
informações).
Rápida digitalização (IV) comumente resulta em intoxicação, não sendo recomendada. A digoxina pode ser
administrada de modo conservador, iniciando com dose de 0,003 a 0,005 mg/kg, VO, 2 vezes/dia. Não se obtém
teor sérico adequado antes de 3 a 4 dias e a concentração de digoxina deve ser mensurada 5 a 7 dias após o
início do tratamento, 8 h após a administração da última dose. Ajustes adicionais de doses devem ser
conservadores e, por fim, com base no teor sérico de digoxina e na resposta clínica do animal. Caso utilize
digoxina em gatos, pode ser iniciada com um quarto de comprimido de 0,125 mg a cada 3 dias, para gatos com
< 5 kg, e em dias alternados para gatos com > 5 kg. Alguns gatos maiores podem tolerar dose tão alta quanto um
quarto de comprimido de 0,125 mg, 1 vez/dia. Encontra­se disponível na forma de elixir, mas os gatos
geralmente não apreciam o paladar.
A ocorrência de reações adversas está aumentando, possivelmente quando o teor sérico é maior e, em geral,
notam­se distúrbios GI, cardíacos e de SNC. Em razão de sua capacidade de reduzir a condução elétrica, bem
como aumentar o cálcio intracelular, a digoxina pode provocar quase todos os tipos de arritmia cardíaca, sendo
contraindicada no bloqueio AV, bradicardia relevante e taquicardia ventricular marcante. Caso ocorram reações
adversas o medicamento deve ser temporariamente suspenso (geralmente por 1 a 2 dias) e a dose subsequente
reduzida em cerca de 30%.
INIBIDORES DA ENZIMA CONVERSORA DE ANGIOTENSINA (ECA): Os inibidores da ECA impedem
competitivamente a atividade dessa enzima, que converte angiotensina I em angiotensina II. Isto atenua o
aumento da resistência vascular sistêmica, as reações adversas da hipertrofia e remodelação cardíaca e a
liberação de aldosterona induzidos pela angiotensina II. Os inibidores da ECA são moderados vasodilatadores
equilibrados. Podem reduzir a resistência vascular sistêmica em até 25%, melhorando o débito cardíaco e
reduzindo a fração regurgitante, no caso de regurgitação mitral. Além disso, os benefícios incluem diminuição
da pressão de preenchimento do ventrículo esquerdo e, desse modo, a congestão venosa pulmonar. Acredita­se
que os efeitos benéficos dos inibidores da ECA se devam principalmente à modulação neuro­hormonal, além
dos benefícios hemodinâmicos. Estudos em cães com ICC mostraram melhora clínica quando se adicionou um
inibidor da ECA à terapia padrão (diurético com ou sem glicosídio digitálico), sendo verificada melhora mais
evidente em cães com CMD do que naqueles com doença cardiovascular (DCV). Também, em alguns estudos
notou­se tendência de prolongamento da sobrevida.
Em geral, os cardiologistas concordam que no caso de ICC é indicado um inibidor da ECA. O benefício da
terapia com inibidor da ECA antes do início da ICC é mais controverso e o uso deve se basear no paciente,
individualmente, e na doença primária. Pode ser adequado iniciar o tratamento em qualquer cão com função
sistólica claramente deprimida (isto é, CMD oculta) na esperança de retardar a remodelação, ou em cães com
DCV e hipertensão documentada (pressão sanguínea sistêmica > 160 mmHg), porém não há estudo bem
controlado para sustentar esta afirmação. Em gatos, os estudos sobre a inibição da ECA são limitados e nenhum
mostrou real benefício estatístico da inibição desta enzima, além daquele obtido com a terapia diurética padrão
em gatos com ICC. Ademais, não houve benefício algum no retardamento da progressão da CMH oculta. No
entanto, estes estudos envolveram pequeno número de pacientes; a maioria dos cardiologistas prescreve um
inibidor da ECA, além do tratamento padrão, aos gatos com ICC.
As reações adversas à inibição da ECA geralmente estão relacionadas com a menor taxa de filtração
glomerular (TFG) em caso de hipovolemia ou insuficiência renal preexistente, pois a angiotensina II favorece a
constrição da arteríola eferente renal em razão da menor perfusão sanguínea aos rins. Mais comumente, as
reações adversas são constatadas em animais com azotemia relacionada com o deficiente débito cardíaco, à
administração de diuréticos ou à insuficiência renal preexistente. É possível notar anorexia, vômito e letargia.
Não se constata tosse em cães e gatos, embora tal sintoma seja um efeito adverso comum em pessoas tratadas
com inibidor da ECA. Alguns animais podem desenvolver hiperpotassemia ou azotemia transitória após o início
da terapia com inibidor da ECA. Por esta razão, recomenda­se a avaliação da função renal e a dosagem de
eletrólitos antes de instituir o tratamento com inibidor da ECA e 5 a 7 dias depois.
Nos EUA, o enalapril é o único inibidor da ECA aprovado para uso em cães com ICC. Em geral, a dose
inicial é 0,5 mg/kg VO, 1 vez/dia, ou 0,25 mg/kg, 2 vezes/dia, em cães com insuficiência cardíaca discreta; em
seguida a dose pode ser aumentada para 0,5 mg/kg 2 vezes/dia, em cães com insuficiência cardíaca modera a
grave. Em gatos, para tratamento de longa duração recomenda­se a dose de 0,5 mg/kg VO, 1 vez/dia. Em geral,
os benefícios clínicos não são constatados antes de 2 a 3 semanas. Durante o tratamento prolongado com
inibidor da ECA os parâmetros da função renal devem ser periodicamente monitorados (pelo menos, a cada 6
meses).
Outros inibidores da ECA utilizados no tratamento de insuficiência cardíaca incluem benazepril (0,25 a 0,5
mg/kg VO, 1 a 2 vezes/dia), captopril (0,5 a 2 mg/kg VO, 2 a 3 vezes/dia) e lisinopril (0,5 mg/kg VO, 1 a 2
vezes/dia). Diferentemente do enalapril e de outros inibidores da ECA excretados pelos rins, o benazepril passa
por importante excreção hepatobiliar (até 50%, em cães, e 85% em gatos). Não se sabe se o benazepril é mais
seguro ou mais efetivo em pacientes com insuficiência renal.
VASODILATADORES: Os vasodilatadores têm efeito positivo na ICC devido à redução da pré­carga ou da pós­
carga. Os nitratos (nitroprussiato de sódio, unguento de nitroglicerina, dinitrato de isossorbida) atuam por meio
de uma via final comum, que produz maior quantidade de óxido nítrico, com subsequente ativação da
monofosfato de guanosina cíclica (cGMP) e relaxamento do musculo liso do endotélio. O nitroprussiato de
sódio é um potente vasodilatador que atua em ambos os sistemas, arterial e venoso. A combinação de
nitroprussiato de sódio com dobutamina pode ser especialmente útil nos casos de choque cardiogênico e edema
pulmonar grave. Embora o nitroprussiato de sódio reduza a pré­carga e a pós­carga, de modo marcante e agudo,
seu uso é limitado pela necessidade de rigoroso monitoramento e pela necessidade de administração na forma de
infusão contínua. A principal reação adversa é hipotensão sistêmica (com ou sem fraqueza, taquicardia ou
vômito); desse modo, recomenda­se o monitoramento simultâneo da pressão sanguínea. O nitroprussiato de
sódio é diluído em solução de dextrose 5% e a administração é iniciada com 1 μg/kg/min, com cuidado,
aumentando a dose a cada 5 a 10 min, até obter o efeito desejado. Em geral, a dose de 5 a 7 μg/kg/min é
suficiente para controlar os sinais clínicos e, raramente, há necessidade de > 10 μg/kg/min. A administração
prolongada (> 16 h) aumenta o risco de intoxicação por cianeto.
Caso a terapia com nitroprussiato não está disponível ou não é desejável, o unguento de nitroglicerina e o
dinitrato de isossorbida são redutores efetivos da pré­carga, embora os efeitos clínicos geralmente sejam menos
previsíveis. As reações adversas também são menos comuns, embora igualmente associadas à hipotensão. Pode­
se notar depressão em alguns cães e gatos. A nitroglicerina é absorvida por via transcutânea; devem ser
utilizadas luvas por ocasião da administração. Aplica­se aproximadamente 1/4 de polegada para cada 4,5 kg
(cães e gatos), a cada 6 a 8 h, em um local sem pelos, como o pavilhão auricular ou a região inguinal. Este
último local pode ser o preferível em animais com deficiente perfusão periférica, em que o pavilhão auricular e
as extremidades podem se apresentar frias ao toque. Deve­se limpar ou retirar o medicamento depois de 8 a 12 h
ou antes de aplicar a dose seguinte. O dinitrato de isossorbida é menos comumente utilizado. Em geral é
indicado aos pacientes refratários à terapia com inibidores da ECA. É administrado na dose de 0,2 a 1,0 mg/kg
VO, 3 vezes/dia. Em modelos experimentais com cães notou­se tolerância aos nitratos.
Hidralazina é um potente vasodilatador arterial tipicamente reservado aos animais refratários à terapia com
inibidores da ECA ou no caso de ICC aguda, quando não há disponibilidade de nitroprussiato. Seu suposto
mecanismo de ação envolve a produção de prostaglandinas vasodilatadoras. A hidralazina pode reduzir a
resistência vascular sistêmica em até 40%. Frequentemente, recomenda­se monitoramento hospitalar no início
da ação devido ao maior risco de reações adversas relacionadas com a hipotensão (taquicardia, fraqueza,
vômito, diarreia). A dose inicial recomendada é 0,5 mg/kg VO, 2 vezes/dia, com aumento gradativo, tão alta
quanto 2,0 mg/kg, VO, 2 vezes/dia, até obter o efeito desejado. Em gatos, pode­se administrar 2,5 mg/animal
VO, 1 a 2 vezes/dia.
Anlodipino é um bloqueador de canal de cálcio com seletividade vascular periférica e efeito vasodilatador
moderado. Ação cardíaca direta (redução de inotropia e condução) é incomum nas doses padrões. O anlodipino
tem um início de ação relativamente demorado e tipicamente é reservado aos animais refratários ou que não
toleram a terapia com inibidor da ECA ou para aqueles com hipertensão sistêmica grave. As reações adversas
geralmente estão relacionadas com a hipotensão e são incomuns quando se realiza aumento gradativo da dose.
Em cães, inicia–se o tratamento com 0,1 mg/kg VO, 2 vezes/dia, aumentando semanalmente até a dose almejada
de 0,2 mg/kg, 1 a 2 vezes/dia. Em gatos, geralmente inicia­se com 0,625 mg (um quarto de comprimido de 2,5
mg), 1 vez/dia, aumentando gradativamente a dose até obter o efeito desejado, até 1,25 mg, 2 vezes/dia, em
alguns casos.
Inibidores da fosfodiesterase tipo V (PDE­V) (sildenafila, tadalafila) são vasodilatadores mistos com
seletividade pulmonar. Seu mecanismo de ação é semelhante àquele dos nitratos, com aumento comum no
segundo mensageiro cGMP. Os inibidores PDE­V são utilizados no tratamento de hipertensão arterial pulmonar
moderada a grave. Estudos em cães revelaram moderada melhora clínica, com redução mínima da pressão da
artéria pulmonar. Há relatos casuais de que os inibidores PDE­V parecem propiciar benefícios clínicos mais
evidentes aos animais com síncope decorrente de hipertensão pulmonar. As reações adversas são incomuns, mas
é possível notar distúrbio GI e sintomas relacionados com a hipotensão (especialmente quando associados a
outros nitratos, o que é contraindicado). O custo é uma limitação importante ao uso de inibidores PDE­V,
especialmente em pacientes maiores. Em cães e gatos, administra­se 1 a 2 mg de sildenafila/kg VO, 2 a 3
vezes/dia. A dose de tadalafila é 1 mg/kg VO, 1 a 2 vezes/dia.
ANTIARRÍTMICOS: Uma discussão detalhada do tratamento antiarrítmico encontra­se em outra parte (ver p.
2556). Vários antiarrítmicos apresentam efeitos inotrópicos negativos, com risco de agravar a ICC ativa. No
tratamento de taquiarritmia supraventricular isto ocorre mais provavelmente com o uso de bloqueadores de
canal de cálcio ou betabloqueadores. A decisão terapêutica pode ser um desafio quando se suspeita que uma
taquiarritmia está agravando a ICC em razão da redução do tempo de preenchimento ventricular durante a
diástole. Adicionalmente, isto é confuso pelo fato de que os animais com insuficiência cardíaca geralmente
apresentam aumento do tônus simpático, o que pode agravar a taquiarritmia. Desse modo, há certa controvérsia
quanto se a taquiarritmia discreta a moderada (frequência cardíaca de até 180 bpm) deve ser tratada ou
simplesmente monitorada, enquanto se espera melhor controle terapêutico da insuficiência cardíaca.
Há pouca discussão sobre se a taquiarritmia contínua grave (> 180 a 220 bpm) deve ser tratada. Como
mencionado anteriormente, a digoxina é o tratamento de escolha da maioria dos pacientes com fibrilação atrial
ou taquiarritmia supraventricular, na ICC. No entanto, os efeitos da digoxina geralmente não são notados antes
de 3 a 5 dias e, em vários casos, o medicamento é apenas moderadamente efetivo na redução da taxa da resposta
ventricular à fibrilação atrial. Diltiazen ou betabloqueadores, como atenolol, frequentemente são acrescentados
ao uso de digoxina por favorecerem gradativa condução no nodo AV e reduzirem a taxa de resposta ventricular
(betabloqueadores não devem ser utilizados quando há ICC ativa). Se a adição de diltiazen ou de
betabloqueadores resulta em piora dos sintomas de congestão, eles devem ser suspensos até que o animal se
livre da ICC. Outras opções para o tratamento de fibrilação atrial ou taquicardia supraventricular, na ICC,
incluem procainamida ou amiodarona (ver p. 2556).
Geralmente tenta­se o tratamento de arritmia ventricular importante (batimentos ventriculares sucessivos
revelando a condição R­sobre­T) ou taquicardia (> 160 a 180 bpm), na presença de ICC, com antiarrítmicos
classe IB (lidocaína ou mexilitina) ou amiodarona. Todas estas drogas apresentam mínimo a discreto efeito
inotrópico negativo. Sotalol, uma classe de antiarrítmico III com propriedades betabloqueadoras, também pode
ser útil, embora apresente mais efeitos inotrópicos negativos e possa não ser tolerado quando há importante
disfunção miocárdica ou ICC.
Bradiarritmia crônica, como aquela constatada no bloqueio AV (segundo grau alto ou terceiro grau) ou na
síndrome do seio doente, também pode induzir à ICC e nestes animais o tratamento de escolha é implante de
marca­passo. Caso esta não seja uma opção viável pode­se administrar anticolinérgicos ou simpaticomiméticos.
Propantelina é um anticolinérgico de uso oral administrado na dose de 0,25 a 0,5 mg/kg VO, 2 a 3 vezes/dia. As
reações adversas incluem taquicardia e distúrbio GI. Teofilina é um inibidor não seletivo da PDE, com
moderado efeito cronotrópico, administrada na dose de 9 mg/kg VO, 3 a 4 vezes/dia, em cães, e de 4 mg/kg VO,
2 a 3 vezes/dia, em gatos. Também, está disponível como preparação de liberação prolongada, administrada na
dose de 10 a 15 mg/kg VO, 2 mg/kg VO, a cada 24 a 48 h, em gatos. As reações adversas podem incluir
inquietação, excitabilidade, taquicardia ou distúrbio GI. Terbutalina é um beta­agonista que também possui
moderado efeito cronotrópico e induz reações adversas similares àquelas notadas com o uso de teofilina. É
administrada na dose de 1,25 a 5 mg VO, 3 vezes/dia, em cães, e de 0,625 mg, 2 vezes/dia em gatos. Tentativas
para controlar bradiarritmias clinicamente importantes com terapia oral frequentemente são pouco
compensadoras, embora em alguns pacientes o quadro clínico geral possa melhorar.
BLOQUEADORES BETA-ADRENÉRGICOS COMO CARDIOPROTETORES: Ainda não se sabe se os betabloqueadores
melhoram as taxas de morbidade e mortalidade em animais cardiopatas, porém estudos em pessoas indicam que
há base teórica e experimental para sustentar sua eficácia. Testes clínicos em cães com CMD ou DCV não
mostraram benefícios clínicos ou neuro­hormonais significantes com a administração de carvedilol, um
bloqueador beta­adrenérgico de terceira geração. Os cães com insuficiência cardíaca experimentalmente
induzida mostraram melhora mensurável no desempenho cardíaco após a administração de metropolol, porém
estes eram modelos de cardiomiopatia isquêmica, que é uma causa incomum de CMD nesta espécie.
Vários cardiologistas utilizam bloqueadores beta­adrenérgicos em cães com disfunção sistólica ou diastólica
confirmada e acredita­se que é possível obter melhores resultados clínicos caso estes medicamentos sejam
iniciados mais precocemente, no início da doença, e com aumento gradativo da dose. Em animais com doença
oculta ou insuficiência cardíaca compensada parecem ser bem tolerados quando se aumenta a dose
cuidadosamente, cessando quando se atinge a maior dose tolerada, que não provoca fraqueza, letargia ou outros
sinais clínicos associados à hipotensão ou redução do débito cardíaco. Carvedilol e metoprolol são os
medicamentos mais comumente utilizados nesta situação. Em geral, inicia­se a administração com dose de 0,2 a
0,4 mg de carvedilol/kg VO, 2 vezes/dia, em cães, aumentando gradativamente a cada 1 a 2 semanas, até dose
máxima de 1,5 mg/kg, 2 vezes/dia. Metoprolol é iniciado com 0,5 mg/kg VO, 2 a 3 vezes/dia, em cães,
aumentando até 1 mg/kg VO, 2 a 3 vezes/dia. Em gatos, a dose recomendada de metoprolol é 2 a 15 mg VO, 3
vezes/dia. Também, pode–se recomendar atenolol (6,25 a 12,5 mg/gato, 2 vezes/dia) para proteção miocárdica,
em gatos. Há alguns dados associando o uso de atenolol em gatos com CMH e ICC, com recuperação menos
eficiente; caso desenvolva ICC deve­se propiciar reduzir a dose ou suspender o uso do medicamento.
CONSIDERAÇÕES NUTRICIONAIS: Podem ocorrer alterações metabólicas importantes nos animais com
insuficiência cardíaca. A suprarregulação do SRAA ocasiona aumento do volume plasmático, basicamente
mediado pela maior retenção de sódio. Maior produção de citocinas inflamatórias, como fator de necrose
tumoral e interleucina 1, pode favorecer o aumento da demanda metabólica e contribuir para anorexia, desse
modo, agravando a condição de “caquexia cardíaca”. Estudos em pessoas e um estudo recente em cães mostra
que pacientes com ICC que perderam peso ao longo destes estudos apresentaram prognóstico ruim. Em alguns
pacientes, deficiências nutricionais (de taurina, carnitina, coenzima Q10) estão associadas a redução do
desempenho miocárdico. Documentou­se diminuição dos teores de ácidos graxos circulantes em pessoas e cães
com insuficiência cardíaca. Portanto, o manejo nutricional geral no tratamento de animais com insuficiência
cardíaca inclui suplementação adequada de calorias, modulando a síntese de citocinas proinflamatórias,
controlando o equilíbrio de sódio e propiciando nutrientes possivelmente deficientes.
O conceito de que a restrição de sódio reduz o volume plasmático circulante e, assim, a pré­carga, está bem
estabelecida. No entanto, sabidamente a restrição de sódio ativa o SRAA, mas há certa controvérsia quanto à
importância da restrição de sódio em animais com doença cardíaca assintomática ou ICC discreta ou moderada.
Por outro lado, há quase que unanimidade universal de que a restrição de sódio moderada a grave é indicada aos
animais com ICC avançada. Recomenda­se apenas discreta restrição de sódio (< 80 a 90 mg/100kcal) a
pacientes com remodelação cardíaca moderada a intensa, ainda sem ICC (International Small Animal Cardiac
Health Council [ISACHC] Classe IB). Também, é importante orientar os proprietários no sentido de evitar o
fornecimento de alimentos e guloseimas com alto teor de sódio, pois alta carga de sódio aguda (como pode
acontecer em animais alimentados com sobras de alimentos ou petiscos para pessoas) pode precipitar ICC em
animais com doença cardíaca compensada. Para animais com insuficiência cardíaca discreta a moderada
(ISACHC Classe II) recomenda­se restrição de sódio moderada (50 a 80 mg/kcal). Em alguns animais que no
momento apresentam caquexia cardíaca, pois alimentos com menor teor de sódio podem ser menos palatável,
isto representa um desafio terapêutico.
A suplementação com ácidos graxos n­3 mostrou vários benefícios em pacientes humanos com ICC e um
estudo recente em cães sugeriu também benefícios antiarrítmicos. Estes ácidos graxos podem reduzir os teores
de citocinas inflamatórias circulantes e parece melhorar o apetite de alguns cães com caquexia cardíaca.
Recomendam­se doses diárias de 40 mg de ácido eicosapentaenoico (EPA)/kg e 25 mg de ácido docosa­
hexaenoico (DHA)/kg.
Indica­se suplementação com taurina aos animais com deficiência deste nutriente e CMD documentada. Em
gatos, a ocorrência de CMD diminuiu muito assim que se identificou a deficiência de taurina como causa
primária da doença no final dos anos da década de 1980. A deficiência de taurina também foi documentada em
alguns gatos com CMD alimentados com dieta não comercial. Em gatos, pode­se iniciar a suplementação com
dose de 250 mg, 1 a 2 vezes/dia, enquanto se aguarda os resultados dos teores de taurina no plasma e no sangue
total. Os cães são capazes de sintetizar taurina endógena; assim, a deficiência é menos comum nesta espécie. No
entanto, cães das raças American Cocker Spaniel, Golden Retriever e Newfoundland são relativamente
predispostas à deficiência de taurina, especialmente quando alimentados com carne de cordeiro e arroz ou com
dieta rica em fibras e com baixo teor de proteína/taurina. Deve–se obter os teores de taurina no sangue total e no
plasma de todos os cães com suspeita de cardiomiopatia por deficiência de taurina e a suplementação pode ser
iniciada na dose de 500 a 1.000 mg VO, 2 a 3 vezes/dia, enquanto se aguarda os resultados dos exames
laboratoriais.
l­carnitina tem importante função no metabolismo de ácidos graxos e produção de energia. Deficiência de
carnitina foi documentada em uma família de cães da raça Boxer; há relato casual de que a suplementação de
carnitina em cães de outras raças com CMD mostrou alguma eficácia. Nestes cães, não se sabe se esta
deficiência é a causa ou a consequência da cardiomiopatia. O diagnóstico de deficiência de carnitina é difícil e
requer biopsia do endomiocárdio. Também, o custo da suplementação é alto; não é recomendada rotineiramente
em razão do conhecimento limitado sobre a participação da carnitina na cardiomiopatia, em cães. Todavia,
pode­se propor suplementação com 50 a 100 mg/kg VO, 2 a 3 vezes/dia, aos cães com CMD, especialmente da
raça Boxer.
A coenzima Q10 está envolvida na produção de energia mitocondrial e possui propriedades antioxidantes
gerais. Há relatos casuais de benefícios da suplementação em pessoas e cães com CMD, porém estudos bem
controlados são falhos e alguns relatos são contraditórios. Atualmente a dose recomendada para cães é 30 a 90
mg VO, 2 vezes/dia.
OXIGENOTERAPIA: A presença de edema pulmonar em animais com ICC aumenta a distância de difusão
alveolar­arterial do oxigênio aos capilares pulmonares. O fornecimento de oxigênio suplementar aumenta o
gradiente de difusão alveolar­arterial e, desse modo, aumenta o conteúdo de oxigênio arterial. O oxigênio pode
ser administrado em uma cabine apropriada, bem como por meio de fluxo, cânula nasal ou colar de oxigênio
(construído mediante o revestimento de 50 a 75% da parte ventral de um colar Elisabetano com plástico
aderente e fixando o tubo de oxigênio ao longo da parte ventral do colar). A cabine de oxigênio pode ser menos
estressante ao paciente, mas o custo é alto porque há necessidade de alto fluxo de oxigênio para obter a
concentração terapêutica (> 40% de oxigênio inspirado). O colar de oxigênio permite obter concentração muito
alta de oxigênio inspirado (até 80%), mas pode necessitar ligeira sedação para aumentar a complacência do
paciente.
TORACOCENTESE: A efusão pleural reduz a área disponível para a ventilação alveolar e, consequentemente, a
oxigenação arterial. Toracocentese é o tratamento mais efetivo em animais com volume significativo de efusão
ou com angústia respiratória. No entanto, deve­se ter cautela em pacientes particularmente estressados, os quais
podem necessitar pré­tratamento com oxigênio, dose moderada de furosemida e ligeira sedação. A terapia
diurética é relativamente ineficaz na resolução de grande volume de efusão pleural aguda, sendo provável o
desenvolvimento de hipovolemia com azotemia quando se utiliza esta estratégia de tratamento (ou seja,
administração de doses de diurético altas o suficiente para reduzir significativamente a efusão pleural).
ABDOMINOCENTESE: A ascite pode causar desconforto abdominal e agravar a dispneia devido à redução da
capacidade pulmonar disponível. Nos animais com ascite continuada, nos quais o aumento da dose de diurético
não é uma opção, pode­se realizar abdominocentese a cada 2 a 4 semanas com intuito de melhorar o conforto e
a qualidade de vida do paciente.
TERAPIAS AUXILIARES: Geralmente o tratamento com broncodilatadores (teofilina, terbutalina) é reservado aos
pacientes com doença de vias respiratórias crônica, que não é incomum em cães de raças pequenas mais velhos.
Deve­se ter cuidado com animais com ICC, especialmente com taquiarritmia, devido aos efeitos
simpaticomiméticos destes medicamentos. Tem­se utilizado teofilina com algum sucesso em cães com DCV e
síncope, em razão de sua ação vagolítica. As doses de teofilina e de terbutalina são aquelas indicadas no
tratamento de bradiarritmias (ver texto anteriormente).
Supressores de tosse podem auxiliar no alívio da tosse relacionada com a compressão do brônquio principal
pelo aumento do átrio esquerdo. Também, nota­se tosse associada à doença de vias respiratórias reativas (asma
cardíaca). No entanto, deve­se ter cuidado com pacientes portadores de ICC porque a supressão da tosse pode
mascarar o agravamento de edema pulmonar. Terapia antitussígena comum utilizada em cães com cardiopatia
inclui 0,05 a 0,3 mg de butorfanol/kg VO, 3 a 4 vezes/dia, ou 0,22 mg de hidroclorona/kg VO, 2 a 3 vezes/dia.
Pode ser necessária terapia ansiolítica para animais com angústia respiratória grave decorrente de ICC.
Tradicionalmente, tem se recomendado o uso de morfina para aliviar a ansiedade em cães e pessoas com ICC,
em razão de suas propriedades sedativas e venodilatadores concomitantes (e, assim, reduz a pré­carga).
Recomenda­se 0,1 a 0,25 mg de morfina/kg SC. As reações adversas mais comuns incluem depressão
respiratória e náuseas ou vômito. Em geral, evita­se o uso de morfina em gatos porque pode induzir agitação e
disforia. Butorfanol é um agonista/antagonista opiáceo parcial, com efeitos cardiovasculares mínimos. Em cães
e gatos pode­se utilizar uma dose sedativa de 0,2 a 0,5 mg/kg, por via IM ou IV. O butorfanol também pode ser
associado a uma benzodiazepina (midazolam ou diazepam), sendo a dose do último também de 0,2 a 0,5 mg/kg
IM ou IV. Os tranquilizantes fenotiazínicos (p. ex., acepromazina) podem ser utilizados para minimizar
ansiedade grave; no entanto, induzem vasodilatação devido ao efeito bloqueador e deve ser utilizado com
cautela, se realmente necessário, em animais com hipotensão sistêmica ou comprometimento hemodinâmico
grave. Quando há necessidade de ansiólise potente pode­se utilizar baixa dose, de 0,01 a 0,1 mg/kg IM ou IV.

TROMBOSE, EMBOLIA E ANEURISMA

Trombo é uma agregação de plaquetas e fibrina que se forma sob determinadas condições. Historicamente,
estas condições incluem uma combinação de estase sanguínea (redução do fluxo), lesão endotelial e estado de
hipercoagulação. O trombo pode se desenvolver em uma câmara cardíaca e nela se aderir (mural) ou menos
provavelmente pode permanecer livre (massa arredondada) ou no interior do vaso sanguíneo onde pode causar
obstrução parcial ou total. O trombo pode ser classificado com base em sua localização e na síndrome clínica
que ocasiona (p. ex., trombose de veia jugular em grandes animais associada à cateterização venosa prolongada,
trombose da artéria pulmonar associada à dirofilariose, em cães).
O trombo pode se partir totalmente ou parte dele e ser transportado na corrente sanguínea na forma de um
êmbolo que se instala distalmente em um ponto no qual o tamanho do êmbolo excede o diâmetro vascular.
Técnicas de cateterização e de injeção inadequadas e cateter de má qualidade podem resultar em trombose
vascular. No entanto, com mais frequência nota­se trombose vascular clinicamente relevante em pacientes com
doença primária que induz uma condição de hipercoagulação, como acontece na inflamação sistêmica e
endotoxemia ou deficiência de antitrombina. Caso não se institua tratamento ou controle, a condição trombótica
sistêmica pode resultar em diátese hemorrágica ou coagulação intravascular disseminada (CID), um distúrbio
hemostático com risco à vida do animal associado à deposição de microtrombos e consumo de fatores de
coagulação, que resultam em hemorragia concomitante.
O trombo pode ser formado em artérias e veias, tanto de pequeno quanto de grande calibre. Equinos e
bovinos são mais suscetíveis à ocorrência de trombos venosos, enquanto em cães e gatos os trombos arteriais
têm maior importância clínica.
Embolização ou trombose arterial resulta em isquemia dos tecidos irrigados pelo vaso infartado. Os êmbolos
decorrentes de doenças infecciosas, como endocardite, são classificados como sépticos (êmbolo com bactérias).
Êmbolos sépticos podem resultar em disseminação de bactérias e infecção aos leitos capilares distais. Embora a
tromboembolia arterial seja clinicamente relevante em animais domésticos, a doença obstrutiva arterial primária
(trombose arterial) é uma rara exceção. Relata­se trombose de artérias de membro, com claudicação e gangrena,
em equinos adultos e potros. Esta ocorrência é secundária à hipercoagulação e inflamação sistêmica (p. ex.,
sepse em potros).
Aneurisma é uma dilatação vascular causada pelo enfraquecimento da túnica média dos vasos sanguíneos.
Esse enfraquecimento pode ser primário ou secundário a alterações degenerativas ou inflamatórias progressivas
a partir de uma lesão na camada íntima. Falso aneurisma é causado por lesão das três camadas da parede arterial
e resulta em acúmulo extravascular de sangue. A lesão endotelial associada ao aneurisma verdadeiro pode
predispor à formação de um trombo e, consequentemente, embolização; portanto, aneurisma, trombo e êmbolo
podem ser detectados simultaneamente. No entanto, aneurismas são raros ou incomuns em animais dométicos.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Com frequência, a dispneia de início agudo está associada a
trombose/embolia pulmonar, embora alguns pacientes possam manifestar hemoptise; este último achado é mais
comumente associado a doença arterial pulmonar, como dirofilariose (p. 96). Trombos cardíacos sépticos estão
associados a endocardite; trombos cardíacos assépticos estão relacionados com doença do miocárdio,
principalmente em gatos. Infarto no sistema urogenital pode se manifestar na forma de hematúria, dor
abdominal e rigidez. Infarto esplâncnico geralmente resulta em dor abdominal e, em pequenos animais, vômito.
Aneurismas não causam sinais clínicos, a menos que haja hemorragia ou desenvolvimento de trombo
associado. Exceto nos casos de aneurisma dissecante em perus (p. 2890), ruptura aórtica ou do seio de Valsalva
na morte súbita em equinos, hemorragia associada a micose da bolsa gutural em equinos (p. 1556) ou com
aneurisma de artéria pulmonar em bovinos, raramente nota–se hemorragia espontânea do aneurisma; geralmente
os sinais clínicos são relacionados com a trombose. Em grandes animais, o aneurisma da artéria aorta abdominal
e de seus ramos pode ser palpado por VR, notando­se uma tumefação firme fixa com superfície irregular e
rugosa, que apresenta pulsos concomitantes aos batimentos cardíacos. É possível notar frêmito. No caso de
formação excessiva de trombos o pulso pode ser retardado distalmente e apresentar uma lenta taxa de aumento
de pressão, ou pode estar ausente. Outros exames auxiliares de diagnósticos úteis são ultrassonografia e
angiografia.
Bovinos: Trombose da veia cava caudal é notada juntamente com abscesso hepático e erosão vascular do
abscesso. Pneumonia embólica com abscedação pulmonar secundária, tromboembolia e aneurisma da artéria
pulmonar são sequelas comuns. Os animais acometidos podem apresentar tosse, taquipneia, dispneia e ruídos
pulmonares anormais. Aneurisma de artéria pulmonar que contém êmbolo séptico pode se romper e causar
hemorragia intrapulmonar ou o abscesso pulmonar pode se romper para interior dos brônquios, resultando em
hemorragia em vias respiratórias. Dentre as sequelas dessas anormalidades incluem­se epistaxe, hemoptise e
morte. Geralmente os resultados de exames laboratoriais indicam síndrome da veia cava, porém são
inespecíficos. Hiperfibrinogenemia, anemia e, em alguns casos, abscessos ativos podem aumentar a atividade de
enzimas hepáticas. Embolia arterial pulmonar e pneumonia embólica também são complicações frequentes de
endocardite de valva pulmonar ou tricúspide em bovinos, mas raramente se desenvolve aneurisma. Com
frequência nota–se febre intermitente e anorexia em razão da bacteriemia, quando há manifestação embólica, e o
animal tipicamente tem histórico de infecção crônica ativa (p. ex., abscesso de pata, abscesso reticular). A
maioria dos casos de endocardite de câmara cardíaca direita em bovinos é de origem bacteriana e comumente
está associada a sopro cardíaco de intensidade máxima no sítio de auscultação da valva tricúspide.
Ecocardiografia e hemocultura são úteis na identificação de lesões vegetativas do coração direito e da bactéria
causadora, respectivamente. Em bovinos, a trombose da veia cava cranial causa dilatação bilateral da jugular,
edema de cabeça, submandibular e da região peitoral e hiperemia evidente de membrana mucosa oral.
Entretanto, sintomas semelhantes são verificados na insuficiência cardíaca congestiva direita, que pode ser uma
sequela de endocardite da valva tricúspide. Pode haver importante edema de língua, de faringe ou de laringe,
resultando em disfagia e dispneia.
Equinos: Trombose da veia cava cranial pode ser decorrente da extensão de um trombo jugular. Em equinos,
trombose da veia jugular frequentemente está associada a flebite secundária à cateterização ou extravasamento
da solução injetável, causando edema, hipertermia e dor no local acometido. Trombose bilateral das veias
jugular pode causar edema e tumefação de cabeça e pescoço, mimetizando sinais de trombose da veia cava
cranial. O exame ultrassonográfico da veia acometida pode determinar a extensão do trombo e o grau de
oclusão. A ultrassonografia Doppler é um método mais sofisticado de determinação do fluxo sanguíneo e da
patência vascular. Na suspeita de tromboflebite associada a uso de cateter podem­se realizar hemocultura e
cultura microbiológica da extremidade do cateter. Equinos que apresentam colite e outras anormalidades
gastrintestinais são mais predispostos à trombose jugular; ruminantes são muito menos sujeitos à trombose
jugular, em comparação com os equinos.
Larvas de Strongylus vulgaris migrantes (p. 360) podem causar arterite, com desenvolvimento de trombo e
aneurisma verminótico na artéria aorta, mesentérica cranial ou ilíaca. Em alguns equinos os êmbolos ocluem
parcial ou totalmente os ramos terminais das artérias mesentéricas. Os segmentos intestinais afetados
apresentam alterações que variam desde isquemia até infarto hemorrágico. Os sinais clínicos são os mesmos
notados nos casos de cólica, constipação intestinal ou diarreia. Com frequência, há recidiva de sintomas de
cólica e os episódios podem ser graves e duradouros. A recente disponibilização de novos anti­helmínticos e de
melhores protocolos terapêuticos tem tornado a arterite verminótica uma doença incomum.
Trombose, com ou sem aneurisma das artérias aorta terminal e ilíaca proximal, causam uma síndrome
característica em equinos. Embora associada a parasitismo, é possível que haja outras causas envolvidas. Os
equinos acometidos parecem normais quando em repouso; entretanto, exercícios gradativos resultam no
agravamento da fraqueza dos membros e em claudicação uni ou bilateral, tremor muscular e sudorese. Os
animais gravemente afetados podem manifestar sinais de intolerância a exercício, fraqueza e claudicação
atípica, sinais que regridem após um curto período de descanso. Pode­se detectar temperatura subnormal nos
membros afetados, juntamente com diminuição ou ausência de pulso arterial e retardo e diminuição no tempo de
preenchimento capilar. A palpação retal pode mostrar variação na amplitude do pulso da artéria ilíaca interna ou
externa (ou de ambas) e vasos assimétricos. Nos casos graves os músculos dos membros pélvicos se atrofiam,
com possível claudicação quando o animal é submetido a exercício leve. Em equinos, a oclusão embólica ou
trombótica completa da aorta distal pode causar paralisia bilateral aguda dos membros pélvicos, bem como
decúbito. Os animais afetados tornam­se ansiosos, manifestam sinais de dor e rapidamente desenvolvem
choque. Os membros pélvicos apresentam­se frios e a palpação retal revela ausência de pulso na artéria ilíaca. A
ultrassonografia transrretal pode ser útil na avaliação do fluxo sanguíneo das artérias aorta e ilíaca.
Cães e Gatos: Em cães, e menos comumente em gatos, a dirofilariose pode causar trombose de artéria pulmonar
que comumente resulta em dispneia e taquipenia. Os animais acometidos frequentemente apresentam­se
normais até que ocorra início abrupto de tosse, angústia respiratória ou morte súbita. As radiografias do tórax
podem ser normais ou indicar subperfusão do lobo pulmonar acometido, infiltrado alveolar intersticial ou efusão
pleural. A hemogasometria tipicamente indica hipoxemia com concentração sanguínea de CO2 baixa ou normal.
A avaliação por meio de varredura da ventilação/perfusão com gases e macroagregado de albumina marcada
com radionuclídio ou a angiografia pulmonar pode confirmar o diagnóstico. Em cães e gatos, outras doenças
associadas a embolia pulmonar incluem glomerulopatia, hiperadrenocorticismo, anemia hemolítica
imunomediada e neoplasia.
Em gatos, a embolia cardiogênica (tromboembolia arterial) é uma grave complicação de cardiomiopatias,
inclusive das formas hipertrófica, dilatada, restritiva e aquela não classificada (p. 117). Trombos intracavitários
geralmente se formam no átrio esquerdo dilatado, onde há estase do fluxo, ou menos comumente, em áreas
anormais do ventrículo esquerdo. Embora esta condição seja pouco compreendida, estes animais mais
provavelmente apresentam algum distúrbio de hipercoagulação primário porque os gatos com cardiomiopatia
não desenvolvem embolia cardiogênica. Partes destes trombos intracavitários podem se desprender e originar
êmbolos que ocasionam infarto de ramos arteriais, mais comumente na bifurcação aórtica (êmbolo em sela). Os
sinais clínicos incluem dor e paresia ou paralisia de membros pélvicos decorrente de lesão de neurônio motor
inferior. O pulso arterial (ou femoral ou podal) encontra­se diminuído ou ausente nos membros acometidos, os
quais apresentam temperatura abaixo do normal e tumefação firme na parte ventral do músculo. Esses sintomas
podem ser unilaterais, bilaterais ou bilaterais, mas assimétricos. Os êmbolos também podem causar infarto de
outros leitos arteriais, inclusive do membro torácico direito, renal e esplâncnico, cerebral e miocárdico. A
descompensação da doença miocárdica primária não é incomum e pode resultar em insuficiência cardíaca
congestiva (edema pulmonar ou efusão pleural). Isquemia e necrose de músculo de membro pélvico infartado
resultam em elevação das atividades séricas de CK e AST. A ecocardiografia é a modalidade de obtenção de
imagem preferida para avaliar a função e as estruturas cardíacas, bem como a presença de um trombo
intracardíaco. Estudos da perfusão nucleares, utilizando radioisótopo 99mTc, pode propiciar informação confiável
a respeito do grau de perfusão dos membros pélvicos e da área que pode necessitar amputação.
TRATAMENTO: O tratamento de endocardite inclui o uso prolongado de antibióticos (várias semanas) e, em
alguns casos, administração intermitente de medicação antipirética e anti­inflamatória. A escolha do antibiótico
deve se basear nos resultados da hemocultura e do antibiograma. O prognóstico quanto à recuperação, na
melhor das hipóteses, é ruim a reservado; é comum doença cardíaca debilitante persistente mesmo quando a
infecção ativa pode ser controlada.
Em equinos e bovinos, o tratamento de trombose venosa geralmente se limita à terapia de suporte, incluindo
fluidoterapia, anti­inflamatórios e antimicrobianos sistêmicos, a fim de controlar a sepse secundária. Em
equinos, tem­se realizado com sucesso a remoção cirúrgica da veia jugular acometida por trombose; contudo, a
menos que ambas as veias estejam gravemente acometidas, a inflamação regride com o tratamento
medicamentoso e a formação de vasos colaterais geralmente resulta em circulação venosa suficiente. Trombose
da veia cava caudal ou cranial resulta em sinais clínicos mais graves, os quais necessitam terapia mais agressiva,
inclusive medicamentos trombolíticos ou remoção intravascular/cirúrgica. A resposta à terapia oral prolongada
geralmente é inadequada, resultando em prognóstico desfavorável.
Procedimentos que minimizam traumatismos à veia e contaminação bacteriana continuam sendo o melhor
meio de prevenção de trombose venosa. Deve­se ter muito cuidado durante a introdução de cateter ou a
aplicação de injeção IV. É desconhecida a eficácia da terapia antiplaquetária (100 mg de ácido
acetilsalicílico/kg, 1 vez/dia), terapia anticoagulante (40 a 80 UI de heparina não fracionada/kg, SC, 2 a 3
vezes/dia) e heparina de baixo peso molecular, com intuito de facilitar a resolução intrínseca do trombo, mas
pelo menos previne a formação adicional de trombo.
Em equinos, os aneurismas causados por Strongylus vulgaris raramente se rompem; a principal preocupação é
a ocorrência de tromboembolia em vasos intestinais e, em consequência, cólica. Geralmente, a parede arterial
encontra­se suficientemente envolvida, de forma que é inviável a remoção do trombo. O tratamento
antibacteriano e anti­helmíntico com intuito de destruir as larvas migrantes tem valor considerável. Nos equinos,
a abordagem mais racional para trombose mesentérica cranial e aórtico­ilíaca é a prevenção e o controle da
estrongilose (p. 360).
Em gatos, o controle agudo de êmbolo aórtico pode ser obtido de várias maneiras. Mais de 50% dos gatos que
sobrevivem ao evento cardioembólico recuperam parte da função dos membros pélvicos após 4 a 6 semanas,
sem uso de terapia específica. O tratamento mais agressivo direcionado à dissolução do trombo, com uso de
droga tromboembólica ou intervenção reolítica, resulta em melhor recuperação funcional, porém a taxa de
sobrevivência não é melhor do que aquela obtida com terapia conservadora. Em geral, o tratamento conservador
consiste em controle da dor (0,08 a 0,03 mg de hidromorfona/kg SC IM ou IV a cada 2 a 6 h; ou 0,005 a 0,01
mg de cloridrato de buprepernofina/kg SC, IM ou IV, 2 a 4 vezes/dia) e terapia anticoagulante (250 a 375 UI de
heparina/kg IV, seguida de 150 a 250 UI/kg, SC, 3 a 4 vezes/dia). O tempo de tromboplastina parcial ativada
pode ser utilizado para monitorar a terapia com heparina, cujo objetivo é obter o valor de 1,5 a 1,7× o valor pré­
tratamento. Deve­se utilizar terapia antiplaquetária (75 mg de clopidogrel, VO, uma vez, seguida de 18,75 mg,
VO, 1 vez/dia), com intuito de reduzir adicionalmente o risco de trombose; além disso, pode ser benéfica na
formação de circulação colateral. Na terapia trombolítica pode­se incluir estreptoquinase (90.000 UI/gato/IV, ao
longo de 20 min, seguida de 45.000 UI na forma de infusão contínua, durante 2 a 24 h), ativador de
plasminogênio tipo tecidual recombinante (tPA, 0,25 a 1 mg/kg/h IV, até dose total de 1 a 10 mg/kg) ou
uroquinase (4.400 UI/kg IV ao longo de 10 min, seguida de 4.400 UI/kg/h por 12 h). Esses medicamentos
ocasionam trombólise por transformarem o plasminogênio em plasmina que, subsequentemente, se quebra em
bandas de fibrina. A estreptoquinase é considerada um ativador inespecífico do plasminogênio porque ela ativa
a fibrina circulante, bem como a fibrina contida no trombo/êmbolo, a qual pode induzir um estado proteolítico
sistêmico, bem como hemorragia. Embora a uroquinase e o tPA sejam mais específicos para fibrina do que a
estreptoquinase, também é possível notar hemorragia com o uso destas drogas. Tem­se mostrado que o emprego
de fármacos antiplaquetários, como clopidogrel, acelera a dissolução do trombo e reduz a instalação de nova
trombose arterial aguda, em estudos experimentais e em testes clínicos em pessoas, respectivamente. Todavia,
em estudo in vitro com felinos não se constatou diferença significativa na taxa de trombólise. Não se sabe se
estes resultados podem ser aplicados à doença clínica natural. Terapia trombolítica parece dar melhor resultado
em gatos com infarto incompleto ou unilateral. Entretanto, estes gatos podem responder bem à terapia
conservadora, sem risco de lesão de reperfusão ou custo destes medicamentos. Embora seja mais provável que
um infarto total grave desenvolva lesão de reperfusão com a terapia trombolítica é muito improvável que estes
gatos se recuperem apenas com tratamento conservador, de modo que esta pode ser a melhor opção para a
sobrevivência do animal.
A taxa de sobrevivência relatada para infarto aórtico inicial é semelhante quando se compara o uso de terapia
conservadora (35 a 39%) e tratamento trombolítico (33%). Gatos com infarto de apenas um membro pélvico
respondem muito melhor (68 a 93%) do que aqueles com infarto bilateral destes membros (15 a 36%),
independente do tratamento empregado.
Historicamente, o ácido acetilsalicílico (25 mg/kg, VO, em intervalos de 48 a 72 h, ou 5 mg/gatos, VO, cada
48 a 72 h) tem sido a terapia preventiva mais amplamente utilizada na prevenção de doença cardioembólica de
gatos. Inibe de modo irreversível a agregação plaquetária por meio do impedimento à produção de tromboxano
A2. No entanto, atualmente não há evidência de que o ácido acetilsalicílico (ou qualquer droga antitrombótica)
previne caso inicial, tampouco recidiva de cardioembolia. O ácido acetilsalicílico parece relativamente segura
em gatos (até 20% dos animais manifestam reações gastrintestinais adversas) e de baixo custo, a menos que
manipulada.
O clopidogrel (18,75 mg/gato VO, 1 vez/dia) inibe ambas, a agregação primária e a secundária. Estes efeitos
são mais potentes do que aqueles induzidos pelo ácido acetilsalicílico. Também, o clopidogrel prejudica o
mecanismo de liberação de plaquetas, diminuindo a liberação de agentes pró­agregação e vasoconstritores.
Reações adversas são raras, mas pode incluir vômito em até 10% de gatos; isso parece ser melhorado
administrando o medicamento junto com alimento. Assim como acontece com o ácido acetilsalicílico, não há
evidência clínica objetiva de que o clopidogrel previne eventos cardioembólicos primários ou secundários.
Previamente foi utilizado um protocolo com a combinação de ácido acetilsalicílico e clopidogrel. Embora este
protocolo não tenha sido pesquisado objetivamente, parece bem tolerado, apesar do risco hipotético de
hemorragia.
A varfarina (0,25 a 0,5 mg/gato, 1 vez/dia) também tem sido utilizada na prevenção de cardioembolia
primária ou secundária. A dose é ajustada de modo a prolongar o tempo de protrombina em 1,5 a 1,7× o valor
pré­tratamento. Como a varfarina ocasiona diminuição das proteínas anticoagulantes C e S antes de reduzir os
fatores II, VII, IX e X, recomenda­se o tratamento associado à heparina nos primeiros 5 a 7 dias de terapia com
varfarina. Problemas relacionados com o uso de varfarina incluem amplas variações inter e intraindividuais,
dificuldade de dosagem devido ao tamanho do comprimido e sangramento, inclusive hemorragia fatal. Em razão
destas limitações e da falta de dados clínicos objetivos que demonstrem sua eficácia a varfarina geralmente é
um antitrombótico de segunda escolha para prevenção de evento cardioembólico em gatos.
O tamanho das heparinas de baixo peso molecular (HBPM) é menor do que aquele da heparina não
fracionada, mas elas mantêm a capacidade de inibir o fator Xa, com uma marcante redução do fator IIa. A
reduzida atividade anti­IIa propicia efeito negligenciável no tempo de tromboplastina parcial ativada. De modo
que é possível utilizar a mensuração da atividade anti­Xa. Em gatos, tem­se empregado a enoxaparina (1,0 a 1,5
mg/kg, SC, 1 a 2 vezes/dia) e a dalteparina (100 UI/kg, SC, 1 a 2 vezes/dia). Estas drogas têm sido bem
toleradas, ocorrendo apenas hemorragias raras, mas não foram realizados estudos clínicos objetivos para avaliar
sua eficácia. Com pouca frequência esses medicamentos têm sido combinados com ácido acetilsalicílico ou
clopidogrel na tentativa de um efeito antitrombótico mais completo. Esse protocolo parece bem tolerado embora
tenha se constatado algum sangramento mínimo.
A taxa de recidiva relatada para gatos submetidos a alguma forma de prevenção antitrombótica varia de 17 a
75%, com uma taxa de recidiva após 1 ano de 25 a 50%. O tempo de sobrevivência média de longa duração
após um evento cardioembólico inicial varia de 51 a 376 dias. Embora esses números possam parecer
desanimadores vários destes gatos podem permanecer bem. Eutanásia durante a fase aguda do evento deve­se
limitar àqueles animais com infarto grave e somente após 48 a 72 h de tratamento na ausência de ICC grave ou
lesão por reperfusão.
Em cães, a tromboembolia arterial é mais comumente associada a neoplasia e nefropatia com perda de
proteínas. Há escassa experiência clínica com tromboembolia arterial em cães, mas há relato de terapia
tromboembólica com estreptoquinase, uroquinase e tPA em casos isolados, com sucesso variável. Não há testes
clínicos avaliando a eficácia da terapia antitrombótica na prevenção de tromboembolia arterial em cães, mas há
relato de protocolos de doses para ácido acetilsalicílico (0,5 mg/kg, VO, 2 vezes/dia), clopidrogel (1 a 3 mg/kg,
VO, 1 vez/dia), varfarina (0,22 mg/kg, VO, 1 vez/dia), dalteparina (100 UI/kg, SC, 1 a 2 vezes/dia) e
enoxaparina (1,0 a 1,5 mg/kg, SC, 1 a 2 vezes/dia).
As recomendações terapêuticas para embolia pulmonar em cães são semelhantes àquelas mencionadas para
doenças cardioembólicas em gatos. Todavia, não há relato de terapia trombolítica em cães. Relata­se que a
administração de ácido acetilsalicílico (0,5 mg/kg, VO, 1 vez/dia) aumenta a sobrevida de cães com anemia
hemolítica imunomediada, quando adicionada à terapia imunossupressora padrão.

* N. do T.: Representa a força de colisão das plaquetas entre si e da plaqueta com uma superfície.
* N. do T.: Vaso a partir do qual todo o sangue coronariano se origina.
SISTEMA DIGESTÓRIO

INTRODUÇÃO
Achados Clínicos na Doença Gastrintestinal
Exame do Trato Gastrintestinal
Fisiopatologia
Doenças Infecciosas
Controle das Doenças Infecciosas
Tratamento das Doenças Infecciosas
Visão Geral sobre Parasitismo Gastrintestinal
Doenças Não Infecciosas
Princípios Terapêuticos
ANOMALIAS CONGÊNITAS E HEREDITÁRIAS
Boca
Cistos e Seios de Cabeça e Pescoço
Dentes
Esôfago
Estômago
Fígado
Hérnias
Intestinos Delgado e Grosso
DESENVOLVIMENTO DOS DENTES
Estimativa da Idade pelo Exame dos Dentes
DOENÇAS DO RETO E DO ÂNUS
Doença do Saco Anal
Estenoses Retal e Anorretal
Fístula Perianal
Hérnia Perineal
Lacerações Retais
Neoplasias Retais
Pólipos Retais
Prolapso Retal
Tumores Perianais
ODONTOLOGIA
Grandes Animais
Anomalias Congênitas e de Desenvolvimento
Anormalidade na Erupção dos Dentes
Cáries Dentárias
Desgaste Irregular dos Dentes
Doença Periodontal
Pequenos Animais
Anormalidades do Desenvolvimento
Cáries Dentárias
Doença Endodôntica
Doença Periodontal
Reabsorção Dentária
Traumatismo Maxilofacial
PARALISIA DE FARINGE
DOENÇAS BACTERIANAS

CAMPILOBACTERIOSE INTESTINAL
CLAMIDIOSES INTESTINAIS
DOENÇA DE TYZZER
SALMONELOSE

DOENÇAS PROTOZOÁRIAS

AMEBÍASE
COCCIDIOSE
Bovinos
Cães e Gatos
Caprinos
Ovinos
Suínos
CRIPTOSPORIDIOSE
GIARDÍASE

GRANDES ANIMAIS

CÓLICA EM EQUINOS
Doenças Associadas à Cólica devido à Localização Anatômica
Estômago
Intestino Delgado
Intestino Grosso e Ceco
DOENÇAS HEPÁTICAS EM GRANDES ANIMAIS
Abscessos Hepáticos em Bovinos
Atresia Biliar
Atrofia do Lobo Hepático Direito em Equinos
Colangite
Fibrose Hepática Congênita
Hemocromatose
Hiperamonemia em Potros da Raça Morgan Desmamados
Hiperamonemia Primária em Equinos Adultos
Insuficiência Hepática em Potros
Shunt (Desvio) Portossistêmico
Torção de Lobo Hepático
Hepatite Aguda
Doença Hepática Aguda Idiopática
Necrose Hepática Aguda em Bovinos
Hepatite Infecciosa e Abscessos Hepáticos
Abscessos Hepáticos
Colangioepatite
Doença de Tyzzer
Hemoglobinúria Bacilar
Hepatite Necrótica Infecciosa
Rinopneumonite Equina
Hepatite Crônica Ativa
Hepatotoxinas
Causas Químicas e Medicamentosas de Hepatopatia Tóxica
Intoxicação por Algas Verde­azuladas
Micotoxicoses
Plantas Hepatotóxicas
Hiperlipemia e Lipidose Hepática
Neoplasia Hepática
Síndromes Hiperbilirrubinêmicas
Síndrome de Dubin­Johnson
Síndrome de Gilbert
DOENÇAS DA CAVIDADE BUCAL EM GRANDES ANIMAIS
DOENÇAS DO ABOMASO EM GRANDES ANIMAIS
Deslocamento do Abomaso à Esquerda ou à Direita e Vólvulo de Abomaso
Impactação Alimentar no Abomaso
Úlceras de Abomaso
DOENÇAS DO ESÔFAGO EM GRANDES ANIMAIS
Estenose Esofágica
Neoplasia Esofágica
Obstrução Esofágica
DOENÇAS DOS PRÉ­ESTÔMAGOS DE RUMINANTES
Acidose Ruminal Subaguda
Fechamento Incompleto da Goteira Esofágica
Indigestão Simples
Paraqueratose Ruminal
Reticuloperitonite Traumática
Síndrome da Indigestão Vagal
Sobrecarga por Grãos
Timpanismo
DOENÇAS INTESTINAIS EM EQUINOS E POTROS
Doença Diarreica
Colite X
Colopatia Infiltrativa
Diarreia Recidivante
Enterocolite por Clostrídios
Enterocolopatia por Areia
Febre Equina de Potomac
Parasitismo
Salmonelose
Causas Variadas de Diarreia
Doença Diarreica em Potros
Diarreia Bacteriana em Potros
Diarreia do Cio em Potros
Diarreia Viral em Potros
Miscelânea de Causas de Diarreia em Potros
Perda de Peso e Hipoproteinemia
Doença Intestinal Inflamatória
Fibrose de Intestino Delgado
Neoplasia Gastrintestinal
Toxicidade de Anti­inflamatórios Não Esterórides
DOENÇAS INTESTINAIS EM RUMINANTES
Bovinos
Diarreia Viral Bovina e Complexo da Doença das Mucosas
Disenteria de Inverno
Síndrome do Jejuno Hemorrágico
Outras Doenças Intestinais em Bovinos
Ovinos e Caprinos
Doença da Boca Úmida em Cordeiros
Diarreia em Ruminantes Neonatos
DOENÇAS INTESTINAIS EM SUÍNOS
Colibacilose Intestinal
Diarreia Epidêmica Suína
Disenteria Suína
Doença do Edema
Enterite por Clostridium difficile
Enterite por Clostridium perfringens Tipo A
Enterite por Clostridium perfringens Tipo C 338
Enterite por Rotavírus
Enterite por Streptococcus dispar
Enterite Proliferativa Suína
Espiroquetose Intestinal
Estenose Retal
Gastrenterite Transmissível
Parasitismo
Salmonelose Intestinal
Síndrome do Intestino Hemorrágico
Outras Viroses Intestinais em Suínos
INFECÇÕES POR TREMATÓDEOS EM RUMINANTES
Dicrocoelium dendriticum
Eurytrema spp
Fasciola hepatica
Fasciola gigantica
Fascioloides magna
Paranfístomos
NECROSE DE GORDURA ABDOMINAL
OBSTRUÇÕES INTESTINAIS AGUDAS EM GRANDES ANIMAIS
PARASITOS GASTRINTESTINAIS DE EQUINOS
Cestóideos
Gasterophilus
Grandes Estrôngilos
Habronema
Oxyuris
Parascaris sp
Pequenos Estrôngilos
Strongyloides sp
Trichostrongylus sp
PARASITOS GASTRINTESTINAIS DE RUMINANTES
Bovinos
Bunostomum sp
Cestóideos
Chabertia sp
Cooperia sp
Haemonchus, Ostertagia e Trichostrongylus spp
Nematodirus spp
Oesophagostomum sp
Strongyloides sp
Toxocara sp
Trichuris spp
Ovinos e Caprinos
Bunostomum e Gaigeria spp
Cestóideos
Chabertia sp
Haemonchus, Ostertagia e Trichostrongylus spp
Nematodirus spp
Oesophagostomum sp
Strongyloides sp
Trichuris spp
Tricostrongilose Intestinal
PARASITOS GASTRINTESTINAIS DE SUÍNOS
Ascaris sp
Macracanthorhynchus sp
Oesophagostomum spp
Strongyloides sp
Trichuris sp
Vermes de Estômago
SÍNDROMES DA MÁ ASSIMILAÇÃO
ÚLCERAS GASTRINTESTINAIS
Equinos
Suínos

PEQUENOS ANIMAIS

DOENÇAS DA CAVIDADE BUCAL


Distúrbios Salivares
Fístula Salivar
Hipersialose Responsiva ao Fenobarbital
Mucocele salivar
Necrose da Glândula Salivar em Cães
Ptialismo
Sialoadenite
Sialometaplasia Necrosante
Tumores de Glândulas Salivares
Xerostomia
Doenças Inflamatórias e Ulcerativas da Cavidade Bucal
Complexo Granuloma Eosinofílico
Dermatite da Dobra Labial e Queilite
Estomatite Micótica
Estomatite Posterior Felina
Estomatite Ulcerativa Crônica
Gengivite Ulcerativa Necrosante Aguda
Glossite
Traumatismo de Tecidos Moles
Verrugas Virais e Papilomas
Tumores Bucais
DOENÇAS DE ESTÔMAGO E INTESTINOS DE PEQUENOS
Colite
Constipação Intestinal e Obstipação
Coronavirose Intestinal Felina
Dilatação Gástrica e Vólvulo
Doença Intestinal Inflamatória
Gastrenterite Hemorrágica
Gastrite
Infecção por Helicobacter
Neoplasias Gastrintestinais
Obstrução Gastrintestinal
Parvovirose Canina
Síndromes de Má Absorção
Úlceras Gastrintestinais
DOENÇAS DO ESÔFAGO
Acalasia Cricofaringiana
Alteração da Motilidade Esofágica
Corpos Estranhos Esofágicos
Dilatação Esofágica
Divertículos Esofágicos
Esofagite
Estenose Esofágica
Fístula Broncoesofágica
DOENÇAS HEPÁTICAS
Colecistite
Colelitíase
Infecção Hepatobiliar por Fascíola
Mucocele da Vesícula Biliar em Cães
Obstrução do Ducto Biliar Extra­hepático
Outras Anormalidades dos Ductos Biliares
Outros Distúrbios da Vesícula Biliar
Síndrome Colangioepatite/Colangite Felina
Ruptura de Trato Biliar e Peritonite Biliar
Doenças da Vesícula Biliar e do Sistema Biliar Extra­hepático
Cirrose Biliar
Colangioepatite Canina
Desvios (Shunts)
Doenças Hepáticas Infecciosas
Doenças Hepáticas Variadas
Amiloidose Hepática
Doença do Armazenamento de Glicogênio
Doenças Metabólicas que Acometem o Fígado
Encefalopatia Hepática
Hepatite Crônica Canina
Hepatite Crônica Específica de Raça
Hepatite Crônica Idiopática
Hepatopatia Associada ao Cobre
Hepatite Dissecante Lobular
Hepatopatia Vacuolar Canina
Hepatotoxinas
Hiperplasia Nodular
Hipertensão Portal e Ascite
Insuficiência Hepática Fulminante
Lipidose Hepática Felina
Malformações Vasculares Portossistêmicas
Neoplasias Hepáticas
Outras Anomalias Vasculares Hepáticas
Fístula Arteriovenosa Hepática
Obstrução do Fluxo Venoso Hepático
Síndrome Hepatocutânea
Exames Laboratoriais e por Imagem
Alterações Patológicas na Bile
Atividade Enzimática
Biopsia Hepática
Citologia Hepática
Colecistocentese
Hematologia
Imagens
Outros Testes Bioquímicos Séricos
Testes de Coagulação
Testes de Função Hepática
PÂNCREAS EXÓCRINO
Abscessos Pancreáticos
Insuficiência Pancreática Exócrina
Neoplasias Pancreáticas
Pancreatite
Pseudocisto Pancreático
PARASITOS GASTRINTESTINAIS
Acantocéfalos
Macracanthorhynchus sp
Oncicola sp
Ancilóstomos
Fascíolas
Fascíolas Hepáticas
Fascíolas Intestinais
Nematoides
Ollulanus sp
Physaloptera spp
Spirocerca lupi
Strongyloides sp
Tênias
Vermes Redondos
VÔMITO

SISTEMA DIGESTÓRIO – INTRODUÇÃO

O trato digestório inclui a cavidade bucal e órgãos associados (lábios, dentes, língua e glândulas salivares),
esôfago, pré­estômagos (retículo, rúmen, omaso) em ruminantes, estômago verdadeiro em todas as espécies,
intestino delgado, fígado, pâncreas exócrino, intestino grosso, reto e ânus. O tecido linfoide associado ao
intestino (tonsilas, placas de Peyer, tecido linfoide difuso) está presente ao longo de todo trato GI. O peritônio
recobre as vísceras abdominais e está envolvido em várias doenças GI. Medidas fundamentais no manejo de
doenças GI devem ser sempre direcionadas para localizar o segmento acometido e determinar a causa. Dessa
forma, um protocolo terapêutico pode ser estabelecido.

Achados Clínicos na Doença Gastrintestinal

Os achados clínicos incluem salivação excessiva, diarreia, constipação intestinal ou fezes escassas, vômito,
regurgitação, hemorragia de trato GI, distensão e dor abdominal, tenesmo, choque, desidratação e prejuízo ao
desenvolvimento. A localização e a origem das lesões que causam disfunção geralmente podem ser
determinadas por meio do reconhecimento e da interpretação dos sintomas clínicos. Além disso, anormalidades
de preensão, mastigação e deglutição na maioria das vezes estão associadas a doenças de mucosa bucal, dentes,
mandíbula ou outras estruturas ósseas da cabeça ou esôfago. O vômito é mais comum em animais
monogástricos e comumente ocorre devido à gastrenterite ou doenças não alimentares (p. ex., uremia, piometra,
doenças endócrinas). A regurgitação pode ser indicativa de doença de orofaringe ou esôfago e não é
acompanhada de náuseas, observada no vômito.
Diarreia aquosa em grande quantidade geralmente está associada à hipersecreção (colibacilose
enterotoxigênica em bezerros recém­nascidos) ou à má absorção (osmótica). A presença de sangue e fibrina nas
fezes indica enterite hemorrágica fibrinonecrótica do intestino delgado ou intestino grosso, por exemplo,
diarreia viral bovina, coccidiose, salmonelose ou disenteria suína. Fezes escuras (melena) indicam hemorragia
gástrica ou da parte inicial do intestino delgado. Tenesmo de origem gastrintestinal geralmente está associado à
doença inflamatória de reto ou ânus.
Fezes amolecidas e em pequena quantidade podem indicar obstrução intestinal parcial. Distensão abdominal
pode resultar de acúmulo de gás, fluido ou ingesta, geralmente devido à hipomotilidade (obstrução funcional,
íleo adinâmico) ou à obstrução física (p. ex., corpo estranho ou intussuscepção). Ingestão excessiva também
pode causar distensão. Um som de “ping” percebido durante a auscultação e percussão do abdome indica uma
víscera preenchida por gás. O início súbito de distensão abdominal grave em ruminantes adultos geralmente é
decorrente de timpanismo ruminal. Balotamento e sucussão podem revelar ruídos que lembram “balanço de
líquido” quando o rúmen ou intestino estão repletos de fluidos. Graus variáveis de desidratação e de
desequilíbrio eletrolítico e ácido­base, que podem levar ao choque, são observados quando há perda de grande
quantidade de líquido (p. ex., diarreia ou sequestro em caso de obstrução intestinal) ou em vólvulo de abomaso
ou estômago.
Dor abdominal é decorrente de estiramento ou inflamação da superfície serosa de vísceras abdominais ou do
peritônio; pode ser aguda ou subaguda e sua manifestação varia de acordo com a espécie. Em equinos é comum
dor abdominal aguda (ver p. 226). Dor subaguda é mais comum em bovinos e caracteriza­se por relutância ao
movimento ou à palpação abdominal profunda, bem como ronco durante a respiração. Dor abdominal em cães e
gatos pode ser aguda e subaguda e caracteriza­se por ganido, miado e posturas anormais (membros torácicos
esticados, esterno apoiado ao chão e membros pélvicos elevados).

Tabela 1 – Diferenciação entre diarreia de intestino delgado e diarreia de intestino grosso

Sinal clínico Intestino delgado Intestino grosso

Frequência de defecação Normal ou ligeiramente aumentada Bastante frequente


Volume fecal Grande quantidade; fezes volumosas Pequena quantidade
ou fezes aquosas frequentes
Urgência Ausente Geralmente presente
Tenesmo Ausente Geralmente presente
Muco nas fezes Geralmente ausente Frequente
Sangue nas fezes Escurecidas (melena) Avermelhadas (fresco)
Perda de peso Pode ser notada Rara

Exame do Trato Gastrintestinal

Anamnese completa e acurada e exame clínico de rotina geralmente permitem definir o diagnóstico. Ao
surgimento de doença do trato GI em animais de produção, a anamnese e os achados epidemiológicos são de
suma importância. Se a anamnese e os achados clínicos e epidemiológicos forem compatíveis com doença GI
deve­se localizar a porção acometida e identificar o tipo de lesão e sua causa.
Por meio de anamnese, exame físico e características das fezes é possível determinar se a alteração se localiza
no intestino grosso ou intestino delgado (Tabela 1). Esta distinção é importante, pois restringe a lista de
diagnósticos diferenciais e norteia a investigação adicional sobre a doença.
As técnicas de exame clínico e de exames laboratoriais e suas aplicações incluem: 1) inspeção visual da
cavidade bucal e da conformação abdominal quanto à distensão e contração; 2) palpação da parede abdominal
ou palpação retal para avaliar forma, tamanho e posição de víscera abdominal; 3) percussão abdominal para
detectar ruído de “ping”, que sugerem vísceras preenchidas por gás; 4) auscultação para determinar a
intensidade, frequência e duração dos movimentos GI, bem como ruído que lembra “balançar de fluido”
associado a estômago e intestinos preenchidos por líquido e ruídos de acúmulo de líquido relacionado com
doenças diarreicas; 5) sucussão para revelar ruído indicativo de presença de líquido; 6) balotamento para avaliar
densidade e tamanho de órgãos abdominais, mediante movimento de “ir e vir” aplicado à parede abdominal; e
7) avaliação macroscópica das fezes para estimar seu volume, consistência, cor e presença de muco, sangue ou
partículas de alimento não digerido.
O exame microscópico inclui pesquisa de parasitos. Citologia de esfregaço da mucosa retal ou do cólon
corada com novo azul de metileno ou com corante de Wright para leucócitos fecais é útil na detecção de doença
intestinal inflamatória. Os seguintes exames podem ser úteis (ou necessários): 1) cultura bacteriana e isolamento
viral; 2) endoscopia para visualizar a superfície mucosa de esôfago, estômago, duodeno, cólon e reto; 3)
abdominocentese, para coleta de fluido de uma víscera distendida ou da cavidade peritoneal, para avaliação; 4)
radiografia (contrastada) para diagnosticar doença obstrutiva; 5) ultrassonografia abdominal a fim de detectar
massas abdominais, intussuscepção e linfadenopatia mesentérica em pequenos animais e para a pesquisa de
doenças abdominais em cavalos e vacas; 6) biopsia (endoscópica, laparoscópica, guiada por ultrassom,
cirúrgica) para obtenção de amostras para exame microscópico (amostras de intestinos e fígado são úteis no
diagnóstico de enterite crônica e hepatopatia); e 7) testes das funções digestivas e de absorção para estimar e
diferenciar má absorção e má digestão. Testes comuns de absorção incluem mensurações das concentrações
séricas de cobalamina (vitamina B12) e folato. Além disso, em pequenos animais, concentração sérica elevada de
folato juntamente com redução do teor de cobalamina é compatível com supercrescimento bacteriano no
intestino delgado. A função pancreática pode ser avaliada pela determinação da imunorreatividade semelhante à
tripsina sérica e da concentração sérica de lipase canina específica do pâncreas; laparotomia e biopsia podem ser
indicadas quando o diagnóstico não foi elucidado ou quando pode ser necessária correção cirúrgica.
Fisiopatologia

A função motora anormal geralmente se manifesta como diminuição da motilidade. A resistência segmentar está
normalmente reduzida e o trânsito gastrintestinal aumentado. A motilidade depende de estimulação pelo sistema
nervoso simpático e sistema nervoso parassimpático (e dessa forma das atividades central e periférica destes
sistemas) e da musculatura GI e de seus plexos nervosos intrínsecos. A debilidade, acompanhada de fraqueza da
musculatura, peritonite aguda e hipopotassemia, causam atonia da parede intestinal (íleo adinâmico). O intestino
distende­se com fluido e gás e a evacuação fecal é reduzida. Além disso, a estase crônica do intestino delgado
pode predispor à proliferação anormal da microflora. Este supercrescimento bacteriano pode causar má
absorção por lesão das células mucosas, por competição por nutrientes e por desconjugação de sais biliares e
hidroxilação dos ácidos graxos.
O vômito (p. 519) é um ato reflexo neural que resulta na ejeção de alimento e fluido do estômago através da
cavidade bucal. Está sempre associado a eventos antecedentes, como náuseas, salivação e tremores e é
acompanhado de contrações repetidas dos músculos abdominais.
Tabela 2 – Patógenos do trato gastrintestinal comuns

Bovinos, Ovinos e Caprinos Suínos Equinos Cães e Gatos

Vírus Diarreia viral bovina, Gastrenterite Rotavírus, Parvovirose


rotavírus, coronavírus, transmissível, estomatite canina,
peste bovina, febre circovírus suíno vesicular coronavirose
catarral maligna, língua tipo II, vírus da canina, vírus da
azul, febre aftosa diarreia epidêmica panleucopenia
suína, rotavírus, felina,
febre aftosa, coronavirose
estomatite e intestinal felina,
exantema rotavirose canina
vesicular e felina,
astrovirose
canina e felina
Riquétsias Neorickettsia Neorickettsia
risticii (febre helminthoeca
equina de (intoxicação de
Potomac cães por salmão)
[erliquiose
monocítica
equina])
Bactérias E. coli enterotoxigênica, E. coli E. coli Salmonella spp,
Salmonella spp, enterotoxigênica, enterotoxigênica, Yersinia
Mycobacterium Salmonella spp, Salmonella spp, enterocolitica,
paratuberculosis, Brachyspira Rhodococcus Campylobacter
Fusobacterium hyodysenteriae e equi, jejuni, Bacillus
necrophorum, Clostridium Clostridium Actinobacillus piliformis,
perfringens (tipos B, C e perfringens tipos equuli, Clostridium spp,
D), Actinobacillus B e C, Lawsonia Clostridium Mycobacterium
lignieresii, Yersinia intracellularis, perfringens tipos spp, Shigella spp
enterocolitica e Clostridium BeC
Campylobacter jejuni difficile
Protozoários Eimeria spp e Eimeria spp e Eimeria spp Isospora spp,
Cryptosporidium spp Isospora suis Sarcocystis spp,
Besnoitia spp,
Hammondia sp,
Toxoplasma sp,
Giardia sp,
Trichomonas spp,
Entamoeba
histolytica,
Balantidium coli,
Cryptosporidium
spp
Fungos Candida spp (bovinos) Candida spp Aspergillus Histoplasma
fumigatus capsulatum,
Aspergillus spp,
Candida albicans,
ficomicetos
Algas Prototheca spp Prototheca spp Prototheca spp Prototheca spp
Parasitos Ver parasitas Ver parasitas Ver parasitas Ver parasitas
(helmintos) gastrointestinais de gastrointestinais gastrointestinais gastrintestinais
ruminantes, p. 362 de suínos, p. 375 de equinos, p. de pequenos
356 animais, p. 498

A regurgitação caracteriza­se por refluxo retrógrado e passivo de material previamente ingerido, proveniente
do esôfago, estômago ou rúmen. Em doenças esofágicas, o material ingerido pode não atingir o estômago.
Uma das principais consequências da motilidade alterada é a distensão por fluido e gás. A maior parte do
fluido acumulado constitui­se de saliva e sucos gástrico e intestinal secretados durante a digestão normal.
Distensão causa dor e espasmo reflexo dos segmentos intestinais adjacentes. Além disso, provoca secreção
adicional de fluido no lúmen intestinal, o que exacerba a situação. Quando a distensão excede um ponto crítico,
a habilidade de resposta da musculatura da parede é reduzida, a dor inicial desaparece e se desenvolve íleo
adinâmico, no qual se perde todo o tônus muscular GI.
Desidratação, desequilíbrio ácido­base e eletrolítico e insuficiência circulatória são as principais
consequências da distensão GI. O acúmulo de fluidos intestinais estimula a secreção adicional de fluidos e
eletrólitos no segmento anterior do intestino, o que pode agravar as anormalidades e ocasionar choque.
Dor abdominal associada à doença GI normalmente é causada por distensão da parede intestinal. Contração
intestinal causa dor por distensão reflexa e direta dos segmentos adjacentes. Espasmo, uma contração segmentar
exagerada de uma porção do intestino, resulta em distensão da região imediatamente anterior, quando surge uma
onda peristáltica. Outros fatores que podem causar dor abdominal incluem edema e falha no suprimento
sanguíneo local, como embolia local e torção mesentérica.
Doenças específicas causam diarreia por mecanismos característicos e variados, e o reconhecimento destes é
útil na compreensão, no diagnóstico e no tratamento dos distúrbios GI. Os principais mecanismos de diarreia
são aumento da permeabilidade, hipersecreção e osmose. Os distúrbios de motilidade geralmente são
secundários. Em animais saudáveis, água e eletrólitos são constantemente transportados através da mucosa
intestinal. A secreção (do sangue para o intestino) e absorção (do intestino para o sangue) ocorrem
simultaneamente. Em animais clinicamente normais, a absorção excede a secreção, isto é, há maior absorção. A
inflamação intestinal pode ser acompanhada de aumento do “tamanho do poro” da mucosa, o que permite maior
fluxo através da membrana (“vazamento”), abaixo do gradiente de pressão do sangue, para o lúmen intestinal.
Ocorre diarreia se a quantidade de exsudato excede a capacidade de absorção do intestino. O tamanho da
partícula que atravessa a mucosa varia de acordo com a magnitude do aumento do tamanho do poro. Um
aumento significativo no tamanho do poro permite exsudação de proteína plasmática, o que resulta em
enteropatia com perda proteica (p. ex., linfangiectasia em cães, paratuberculose em bovinos, infestação por
nematódeos). Maiores aumentos da permeabilidade resultam em perda de hemácias, causando diarreia
hemorrágica (p. ex., gastrenterite hemorrágica, infecção por parvovírus, intensa infestação de ancilóstomos).
A hipersecreção é uma perda intestinal final de fluidos e eletrólitos independente de alterações na
permeabilidade, na capacidade de absorção, ou no gradiente osmótico induzido por fatores exógenos.
Colibacilose enterotóxica é um exemplo de doença diarreica devido à hipersecreção intestinal; Escherichia coli
enterotoxigênica produz enterotoxina que estimula o epitélio das criptas intestinais a secretar fluido além da
capacidade de absorção dos intestinos. As vilosidades intestinais, juntamente com suas capacidades digestiva e
de absorção, permanecem intactas. O fluido secretado é isotônico, alcalino e livre de exsudatos. A integridade
das vilosidades intestinais é benéfica, pois ocorre absorção de um fluido (administrado por via oral) que
contenha glicose, aminoácidos e sódio, mesmo havendo hipersecreção.
Nota­se diarreia osmótica quando a absorção inadequada resulta em acúmulo de solutos no lúmen intestinal, o
que causa retenção de água por sua atividade osmótica. Isto ocorre em qualquer condição que resulte em má
digestão e má absorção de nutrientes.
Má absorção (ver p. 379 e p. 426) é uma falha na digestão e absorção devido a algum defeito nas células
digestivas e de absorção das vilosidades, as quais são células maduras que recobrem as estas vilosidades
intestinais. Diversas viroses epiteliotrópicas, por exemplo, coronavírus, vírus da gastrenterite transmissível
suína e rotavírus em bezerros, atingem e destroem as células epiteliais de absorção das vilosidades ou seus
precursores. O vírus da panleucopenia felina e o parvovírus canino destroem o epitélio da cripta intestinal, o que
resulta em falha da renovação das células de absorção das vilosidades e colapso destas vilosidades; a
regeneração é um processo mais longo após infecção por parvovírus do que após a infecção viral das
extremidades do epitélio das vilosidades (p. ex., coronavírus, rotavírus). A má absorção intestinal também pode
ser causada por qualquer evento que prejudique a capacidade de absorção, como doenças inflamatórias difusas
(p. ex., enterite linfocítica­plasmocítica, enterite eosinofílica) ou neoplasia (p. ex., linfossarcoma).
Outros exemplos de má absorção incluem alteração da secreção pancreática que resultam em má digestão.
Raramente, devido à falha na digestão de lactose (a qual, em grande quantidade tem efeito hiperosmótico), crias
neonatas de animais de produção ou filhotes podem desenvolver diarreia quando alimentados com leite.
Secreção reduzida de enzimas digestivas na superfície das células das vilosidades é característica de infecção
viral epiteliotrópica observada em animais de produção.
A capacidade do trato GI em digerir o alimento depende de funções motoras e secretoras e, em herbívoros, da
atividade da microflora dos pré­estômagos, em ruminantes, ou do ceco e cólon, em equinos e suínos. A flora dos
ruminantes pode digerir celulose, fermentar carboidratos em ácidos graxos voláteis e converter substâncias
nitrogenadas em amônia, aminoácidos e proteínas. Em algumas circunstâncias, a atividade da flora pode ser
suprimida ao ponto de alterar ou cessar a digestão. Dieta inadequada, jejum prolongado ou inapetência e
hiperacidez (como ocorre na ingestão aumentada de grãos) prejudicam a digestão microbiana. Bactérias,
leveduras e protozoários também podem ser negativamente acometidos pela administração bucal de drogas
antimicrobianas ou que alteram significativamente o pH do conteúdo ruminal.

Função

As principais funções do trato GI incluem preensão de alimento e água, mastigação, salivação e deglutição do
alimento; digestão do alimento e absorção de nutrientes; manutenção do equilíbrio hídrico e eletrolítico; e
evacuação dos produtos residuais. Há quatro funções principais – digestão, absorção, motilidade e defecação – e
quatro modalidades principais de disfunções correspondentes.
A motilidade normal do trato GI envolve peristalse – atividade muscular que move a ingesta do esôfago ao
reto; movimentos de segmentação que revolvem e misturam a ingesta; resistência segmentar e tônus do
esfíncter, que retardam a progressão aboral do conteúdo intestinal. Em ruminantes, esses movimentos são de
grande importância no funcionamento normal dos pré­estômagos.

DOENÇAS INFECCIOSAS

O trato GI está sujeito a infecções por vários patógenos, que representam a principal causa de perda econômica
devido a enfermidades, prejuízo ao desenvolvimento e óbito (ver Tabela 2). Estas infecções disseminam­se por
contato direto ou pela via fecal­bucal. Muitos dos patógenos são parte da flora intestinal normal e as doenças se
instalam somente após um evento estressante, por exemplo, salmonelose em equinos após transporte, anestesia
prolongada ou cirurgia. A flora intestinal se estabelece poucas horas após o nascimento, o que enfatiza a
importância da ingestão precoce de colostro para propiciar proteção contra sepse e infecção intestinal.
O diagnóstico etiológico definitivo de doença infecciosa do sistema digestório depende da identificação do
microrganismo no trato GI ou nas fezes do animal doente. Nas epidemias de rebanho, como um surto de diarreia
aguda de origem indeterminada em bezerros recém­nascidos ou em leitões, o melhor momento para estabelecer
um diagnóstico é a fase inicial da doença mediante a escolha de animais não tratados e envio destes para
necropsia e exame microbiológico detalhado da flora intestinal. Quando a necropsia seletiva não é uma opção,
uma série de amostras de fezes coletadas diariamente deve ser enviada para o laboratório de diagnóstico, com a
requisição de técnicas especiais de cultura, de acordo com a doença infecciosa da qual se suspeita. Testes
ELISA foram desenvolvidos para demonstrar a presença de antígeno viral, bacteriano ou protozoário nas fezes,
o que pode propiciar um diagnóstico definitivo (p. ex., parvovirose canino, salmonelose, criptosporidiose).

Controle das Doenças Infecciosas

O controle efetivo das doenças infecciosas comuns do trato GI depende da prática de boas medidas sanitárias e
de higiene, assegurando o desenvolvimento e a manutenção da resistência inespecífica do animal e, em certos
casos, propiciar imunidade específica por meio de vacinação das fêmeas prenhes ou de animais suscetíveis.
Medidas sanitárias e de higiene efetivas são obtidas principalmente pela disponibilização de espaço adequado
aos animais, limpeza regular de currais e remoção adequada do esterco do ambiente. O desenvolvimento e
manutenção de resistência inespecífica dependem de uma seleção genética de animais com grau razoável de
resistência inerente, bem como de provisão de nutrientes e abrigos adequados, que minimizam o estresse e
permitam que os animais cresçam e se comportem normalmente. Animais infectados, mas clinicamente
normais, que podem eliminar patógenos por semanas ou meses, é o maior problema relacionado com algumas
doenças infecciosas do trato GI, como por exemplo, salmonelose. Preferivelmente, esses animais portadores
devem ser identificados por meio de testes microbiológicos e isolados do restante do rebanho, até ficarem livres
da infecção, ou serem descartados.
Algumas doenças (p. ex., colibacilose enterotoxigênica em bezerros e leitões) podem ser controladas por
vacinação das fêmeas prenhes algumas semanas antes do parto. Este método depende dos níveis de anticorpos
protetores obtidos no colostro. Há exceções, mas em muitos casos a imunidade sistêmica propicia baixa
proteção contra enterites infecciosas; a imunidade efetiva contra doenças GI depende da estimulação da
imunidade intestinal local no período neonatal. Durante esse período, a proteção pode ser propiciada pela ação
local de anticorpos de origem materna. Por exemplo, a secreção de IgA aumenta progressivamente no leite de
porcas, desde o momento do parto até o desmame, propiciando ao leitão proteção diária durante o período de
aleitamento.

Tratamento das Doenças Infecciosas

Medicamentos antimicrobianos são utilizados no tratamento de doenças bacterianas e anti–helmínticos são


empregados para doenças parasitárias. Não há terapia específica para infecções virais. Antimicrobianos são
geralmente administrados diariamente por VO, durante vários dias, até a recuperação aparente, porém, há
poucas evidências relevantes de sua eficácia. Há relatos de que sobredose ou tratamento bucal prolongado pode
ser prejudicial (supercrescimento bacteriano, atrofia de vilosidades). A administração parenteral de
antimicrobianos é indicada quando há risco de sepse ou essa já se instalou. A escolha do antimicrobiano
depende da suspeita clínica, de resultados prévios e do custo. Nas epidemias em rebanhos os antimicrobianos
podem ser adicionados ao alimento ou água, em dose terapêutica, por vários dias, seguida de dose preventiva
por um período longo, dependendo da pressão de infecção na população. O medicamento deve ser adicionado
também ao alimento e à água fornecidos aos animais que têm contato com os doentes, como tentativa de evitar a
ocorrência de novos casos. (Ver p. 2565).
Visão Geral sobre Parasitismo Gastrintestinal

O trato GI pode ser habitado por várias espécies de parasitos. Seus ciclos podem ser diretos, nos quais ovos e
larvas são eliminados nas fezes e os estágios de desenvolvimento ocorrem até a fase infectante, quando é
ingerida pelo hospedeiro final. Por outro lado, a forma imatura pode ser ingerida por um hospedeiro
intermediário (geralmente um invertebrado), no qual posteriormente ocorre o desenvolvimento; adquire­se a
infecção quando o hospedeiro final ingere o hospedeiro intermediário ou a larva de vida livre. Às vezes, não há
desenvolvimento no hospedeiro intermediário e neste caso tem­se o hospedeiro paratênico ou de transporte,
dependendo se as larvas encontram­se encapsuladas ou nos tecidos. O parasitismo clínico depende do número e
da patogenicidade dos parasitos, que varia em função do potencial biótico destes agentes ou, em alguns casos,
de seus hospedeiros intermediários, do clima e das práticas de manejo. No hospedeiro, resistência, idade,
nutrição e doença concomitante também influenciam o curso de uma infecção parasitária. A importância
econômica do parasitismo subclínico em animais de produção é também determinada pelos fatores acima
citados e sabe­se que animais levemente parasitados e que não mostram evidências clínicas da doença têm
menor desempenho nos lotes de engorda, ordenha e abate.
No parasitismo leve a moderado, a conversão alimentar é influenciada negativamente e em especial devido à
redução do apetite e mau aproveitamento de fontes de proteínas e energia absorvidas. A qualidade e o tamanho
da carcaça também são acometidos, o que diminui o retorno financeiro. Endoparasitas em animais de
companhia podem causar doença grave ou emagrecimento esteticamente indesejável. Além disso, alguns desses
parasitos também infectam as pessoas.
Como as parasitoses são facilmente confundidas com outras condições debilitantes, o diagnóstico depende
muito do caráter sazonal das infecções parasitárias, da anamnese prévia do rebanho e de exames de fezes para
pesquisa de oocistos, de ovos de vermes ou de larvas. Aumento do teor sérico de pepsinogênio pode sustentar o
diagnóstico de infecção do abomaso, assim como a elevação das atividades séricas das enzimas hepáticas pode
sugerir infecção por Fasciola hepatica. ELISA e outras técnicas sorológicas (inclusive anticorpos monoclonais)
estão sendo desenvolvidas. O sorodiagnóstico provavelmente será cada vez mais utilizado à medida que
melhora a especificidade dos testes. Estes testes devem ser especialmente úteis em animais de companhia que
abrigam parasitos que causam zoonoses.
Os avanços na epidemiologia (particularmente em relação aos fatores que influenciam o desenvolvimento
sazonal dos estágios parasitários de vida livre e sua sobrevivência), juntamente com a descoberta de anti­
helmínticos de amplo espectro altamente eficientes, tornaram possível e prático o tratamento e o controle bem­
sucedidos dos parasitos GI. A resposta à terapia geralmente é rápida e os tratamentos em dose única costumam
ser eficientes, a menos que ocorra reinfecção ou as lesões sejam graves. O controle preventivo em grandes
animais na maioria das vezes é obtido pela combinação de manejo da pastagem e uso de anti­helmínticos. A
melhora nos métodos de administração de anti­helmínticos (p. ex., método pour on ou droga de longa ação ou
de liberação em pulso) também tem sido útil. As estratégias para evitar o parasitismo e as perdas de produção
relacionadas fazem parte de qualquer programa moderno de saúde de rebanho, de plantel ou de haras.
Programas preventivos semelhantes também são importantes no controle de parasitoses em animais de
estimação. O controle por meio de vacinação se limita aos vermes pulmonares; a vacina para bovinos encontra­
se disponível em diversos países europeus e vacinas para ovinos em partes da Europa Oriental e Oriente Médio.
Para estimar a carga parasitária, ver p. 1785.

DOENÇAS NÃO INFECCIOSAS

As principais causas de doenças não infecciosas do trato GI incluem sobrecarga alimentar ou indigestão
alimentar, agentes químicos ou físicos, obstrução de estômago e intestinos causada por ingestão de corpo
estranho ou por qualquer deslocamento ou lesão no trato GI que interfira no fluxo da ingesta, deficiências
enzimáticas, anormalidades na mucosa que alteram a função normal (p. ex., úlcera gástrica, doença intestinal
inflamatória, atrofia de vilosidades, neoplasias) e defeitos congênitos. Sintomas GI, como vômito e diarreia,
podem ser secundários a doenças sistêmicas ou metabólicas, como uremia, hepatopatia e hipoadrenocorticismo.
Há desconhecimento das causas de diversas doenças, como úlcera de abomaso em bovinos, úlcera gástrica em
suínos e potros, torção gástrica em cães e obstrução intestinal aguda e deslocamento de abomaso em bovinos.
Nas doenças não infecciosas do trato GI normalmente apenas um animal é acometido por vez; as exceções são
doenças associadas à ingestão excessiva de alimento ou intoxicação, e nestes casos, são comuns surtos no
rebanho.

PRINCÍPIOS TERAPÊUTICOS

Ver farmacoterapia sistêmica do sistema digestório de monogástricos e ruminantes, p. 2565 e p. 2582.


Embora o objetivo principal seja eliminar a causa da doença, a maioria dos tratamentos é de suporte e
sintomático, com intuito de aliviar a dor, corrigir anormalidades e propiciar a cura.
A eliminação da causa primária pode envolver o uso de antimicrobianos, coccidiostáticos, antifúngicos, anti­
helmínticos, antídotos contra substância tóxicas ou correção cirúrgica de deslocamentos.
A correção da motilidade, aumentada ou diminuída, parece racional, mas frequentemente a origem e o grau
da alteração da motilidade são desconhecidos; além disso, os fármacos disponíveis podem não mostrar
resultados consistentes. Há pouca evidência clínica para recomendação de uso rotineiro de fármacos
anticolinérgicos ou opiáceos para diminuir o trânsito intestinal. Esse, se reduzido, pode se contrapor ao
mecanismo de defesa da diarreia, que promove eliminação de microrganismos prejudiciais e de suas toxinas.
Em geral, o uso de anticolinérgicos justifica­se apenas para alívio sintomático breve de dor e tenesmo
associados a doenças inflamatórias de cólon e reto. Em alguns distúrbios da motilidade gástrica ou do cólon, os
fármacos procinéticos (p. ex., metoclopramida, eritromicina) podem ser úteis.
A reposição de fluido e eletrólitos é necessária quando há desidratação e desequilíbrio eletrolítico e ácido­
base, como acontece na diarreia, no vômito persistente, na obstrução intestinal ou na torção de estômago(s), em
que há sequestro de grande quantidade de fluido e eletrólitos.
Pode ser necessário o alívio da distensão por meio de sonda gástrica (como no timpanismo, em ruminantes)
ou de cirurgia (como na obstrução intestinal aguda, na torção de abomaso em ruminantes ou do estômago em
animais monogástricos). O trato GI pode se distender com gás, fluido ou ingesta, em qualquer parte, devido à
obstrução física ou funcional do sistema digestório.
O alívio da dor abdominal mediante administração de analgésicos deve ser feito quando a dor causa
consequências a outros sistemas corporais (p. ex., colapso cardiovascular) ou quando o animal se automutila por
rolar, escoicear ou lançar­se ao chão. Animais tratados com analgésicos devem ser monitorados regularmente
para assegurar que o alívio da dor não proporcione falsa sensação de segurança; a lesão pode piorar
progressivamente enquanto o animal está sob influência do analgésico.
A reconstituição da flora ruminal deve ser feita em situações em que ela se apresenta seriamente esgotada (p.
ex., na anorexia prolongada ou na indigestão aguda). A transfaunação (transferência de fluido ruminal; p. 2382)
envolve a administração bucal de conteúdo ruminal de um animal sadios que alberga bactérias e protozoários
ruminais, além de ácidos graxos voláteis.

ANOMALIAS CONGÊNITAS E HEREDITÁRIAS DO SISTEMA

DIGESTÓRIO

BOCA

COMPLEXO DO LÁBIO FENDIDO (LÁBIO LEPORINO) OU FENDA PALATINA: Isso se deve a uma anomalia na
formação de maxila e face durante o desenvolvimento embrionário. Fenda de lábio inferior é rara e geralmente
ocorre na linha média. Fenda no lábio superior, comumente na junção entre pré­maxila e maxila, pode ser uni ou
bilateral, completa ou parcial e frequentemente está associada à fenda no processo alveolar e no palato. O
defeito também pode envolver apenas o palato, afetando os componentes moles e/ou duros do palato.
Anomalias do desenvolvimento de outros órgãos são notadas em cerca de 8% dos cães e gatos com fenda
palatina ou labial. Da mesma forma, em grandes animais, fenda palatina ou labial geralmente é verificada
juntamente com outros defeitos, como artrogripose, a qual tem herança autossômica recessiva simples em
bovinos da raça Charolês. Em ovinos da raça Texel, a síndrome da fenda labial bilateral acompanhada de
defeitos na maxila foi observada como uma herança autossômica recessiva. Em pequenos animais, a prevalência
é maior em cães das raças Beagle, Cocker Spaniel, Dachshund, Pastor Alemão, Labrador Retriever, Schnauzer,
Shetland Sheepdog e em gatos Siameses. Em cães da raça Brittany Spaniel, acredita­se que tenha característica
autossômica recessiva, enquanto em animais das raças Bulldog (Francês e Inglês), Shih Tzu e Pointer suspeita­
se de herança autossômica dominante com penetrância incompleta. Raças braquicefálicas apresentam risco até
30% maior de manifestar a doença. Em animais de grande e médio porte, a fenda palatina/labial foi descrita em
bovinos, ovinos, caprinos e equinos. A principal causa é hereditária, embora deficiência nutricional materna,
exposição a substâncias químicas ou a fármacos, interferência mecânica no feto e algumas infecções virais
durante a prenhez também possam estar envolvidas. A ingestão de agentes tóxicos também pode ser incriminada
na etiologia; por exemplo, consumo de tremoço (Lupinus sericeus e L. caudatus) por vacas no segundo e
terceiro mês de prenhez pode causar a “doença do bezerro arqueado”, na qual a fenda palatina/labial pode ser
um componente.
Os sintomas iniciais refletem a extensão da malformação, mas podem incluir dificuldade de sucção, disfagia e
evidência de gotejamento de leite nas narinas quando o recém–nascido tenta mamar. Infecção respiratória por
aspiração de alimento é comum e representa uma grave consequência da anomalia, com prognóstico ruim. Em
geral, pelo exame da cavidade bucal se nota facilmente o defeito, exceto em potros que apresentem apenas fenda
de palato mole, cuja visualização pode ser de difícil.
O manejo inicial requer cuidado intensivo durante a amamentação, inclusive com alimentação manual ou por
meio de sonda, a fim de assegurar as necessidades nutricionais e calóricas diárias, bem como eventual
necessidade de terapia antimicrobiana apropriada para tratar infecções secundárias do trato respiratório inferior
ou das narinas. A correção cirúrgica é efetiva somente quando o defeito é pequeno e geralmente é realizada em
pequenos animais, ao redor de 8 a 12 semanas de idade, antes do comprometimento de seu estado geral.
Diversas técnicas cirúrgicas são utilizadas, desde um simples fechamento até enxertos móveis ou implantes de
próteses, dependendo da gravidade e da localização do defeito. Casos mais graves podem necessitar várias
cirurgias para uma correção adequada. Historicamente, a correção cirúrgica é associada à alta taxa de insucesso,
porém, novas técnicas, como o reparo com flap pediculado bilateral sobrepondo as membranas mucosas, para
defeitos de palato mole, têm aumentado a taxa de sucesso em cães. O envolvimento extenso do palato mole é
considerado um sinal de prognóstico ruim. A reparação cirúrgica deve ser feita apenas após discussão de
questões éticas; o animal acometido deve ser castrado ou não utilizado como reprodutor, a fim de evitar a
ocorrência da anomalia em suas crias.
ANOMALIAS DE OCLUSÃO: Nota­se braquignatia (retrognatia, maxilar inferior curto ou “boca de papagaio” em
equinos) quando a mandíbula é mais curta que a maxila. Pode ser notada em todas as espécies animais, com
prevalência e gravidade variáveis. Em bovinos, é herdada como um fator poligenético e pode estar associada a
outras anormalidades, como impactação de dentes molares e osteopetrose (p. 1120) em bezerros da raça Angus e
bovinos da raça Simental, ou com aberrações cromossômicas, como trissomia, que é letal. Em potros, a
braquignatia pode ser um componente dos vários efeitos teratogênicos decorrentes do uso de griseofulvina em
éguas prenhes. Em pequenos animais, formas leves podem não ter relevância clínica, porém formas mais graves
podem resultar em traumatismo ao palato duro ou restrição do crescimento normal da mandíbula secundária à
erupção dos dentes caninos mandibulares em adultos. O diagnóstico é obtido por meio de exame cuidadoso da
cavidade bucal. O tratamento varia de diversos a nenhum procedimento endodôntico ou ortodôntico,
dependendo da gravidade. Em pequenos animais, os dentes caninos são frequentemente removidos ou faz­se a
redução da coroa, com concomitante pulpotomia ou tratamento do canal da raiz. Caso necessário, recomenda­se
a colocação inicial de aparelhos ortodônticos que melhora ambos, o resultado a curto e a longo prazo. Nos
ovinos, vários defeitos de oclusão, desde braquignatia a aplasia mandibular e agnatia, são sabidamente herdados
como uma característica autossômica recessiva simples. Displasia craniofacial em bovinos da raça Limousin
caracteriza­se por contorno convexo do focinho, mandíbula curta, ossificação deficiente nas junções dos ossos
frontais, exoftalmia e língua grande; acredita­se que seja decorrência de homozigose de um gene recessivo
autossômico simples.
Prognatia (prognatismo, “boca de macaco” ou “boca de porca” em equinos) é constatada quando a
mandíbula é mais longa do que a maxila. Esta alteração é detectada no exame da cavidade bucal devido à
presença de dentes incisivos mandibulares em contato com, ou rostrais, aos dentes incisivos maxilares. Nos
gatos da raça Persa e em cães braquicefálicos é considerada uma característica racial normal. Apesar de ocorrer
em graus variáveis, o prognatismo raramente requer tratamento específico. Se um potro é muito acometido, a
sucção pode ser impossível; o tratamento, se viável, consiste em lixamento ou cisalhamento das pontas e
projeções dos dentes. Em ruminantes é frequentemente observado, em menor grau, ao nascimento e se corrige
espontaneamente à medida que o animal se desenvolve. Anomalias mais graves podem prejudicar a capacidade
de pastar e mastigar; portanto, com repercussões mais sérias.
Nos bezerros da raça Angus, um defeito facial caracterizado por face ampla e curta é acompanhado por
doença articular degenerativa e tem transmissão genética complexa.
ANOMALIAS DE LÍNGUA: Anquiloglossia ou microglossia refere­se ao desenvolvimento incompleto ou anormal
da língua. Nos cães, é frequentemente denominada “língua de pássaro” e pode ser componente da síndrome da
debilidade dos filhotes de cães. Os filhotes acometidos apresentam dificuldade para mamar e o fazem de forma
deficiente. O exame da cavidade bucal revela perda ou subdesenvolvimento das porções finas lateral e rostral da
língua, o que resulta em distúrbios de preensão e de motilidade. Geralmente é fatal. Macroglossia ou língua
grande é observada em bovinos da raça Galloway, mas normaliza com a idade e raramente tem relevância
clínica.
Epiteliogênese imperfeita ou “língua lisa” é uma condição de desenvolvimento incompleto das papilas
filiformes da língua, transmitida como característica recessiva autossômica em bovinos das raças Holandesa,
Friesian e Pardo Suíço. As consequências são salivação excessiva e definhamento.
SÍNDROME DO LÁBIO APERTADO EM CÃES DA RAÇA SHAR-PEI: Alguns cães da raça Shar­Pei apresentam o
vestíbulo anterior do lábio inferior pequeno ou ausente. O lábio inferior recobre os dentes inferiores e envolve
os incisivos inferiores até próximo à língua. O contato entre a superfície do palato dos incisivos superiores e o
lábio inferior compromete a posição do lábio e pode contribuir para o deslocamento dos dentes incisivos
inferiores no sentido da língua. A correção cirúrgica requer a criação de um vestíbulo mediante incisão de
relaxamento horizontal, dissecção da mucosa livre e sutura desse enxerto de mucosa sobre o tecido conjuntivo
exposto, a fim de evitar a cicatrização das bordas, o que implicaria em recidiva.

CISTOS E SEIOS DE CABEÇA E PESCOÇO

É importante diferenciar anomalias do desenvolvimento fetal e infecções, como abscesso. O cisto do ducto
tiroglossal é consequência da persistência pós­natal do ducto tiroglossal embrionário prematuro. Este cisto raro
é sempre único e situado no meio do pescoço, geralmente na altura do osso hioide e laringe. É arredondado, de
superfície lisa, com borda bem delimitada e ancorado no osso hioide e em tecidos profundos. A não ser que se
instale infecção, raramente se adere à pele. Não é dolorido e contém fluido.
Um cisto branquial (ou cervical lateral) desenvolve­se a partir de malformação do aparato branquial,
normalmente da segunda fenda branquial. Cistos branquiais, unilaterais ou bilaterais, ocupam uma posição
lateral da parte superior do pescoço e, em geral, são ligeiramente móveis. O tamanho é variado e um cisto,
individual, pode mudar de tamanho periodicamente à medida que seu conteúdo se extravasa através de pequena
abertura no pescoço ou de pequena fístula cutânea (fístula cervical lateral ou branquial). Estudo retrospectivo
recente em equinos identificou duas faixas etárias de manifestação: < 6 meses de idade, com sintomas clínicos
relacionados, principalmente, à doença do trato respiratório superior e > 8 anos de idade, predominância de sinal
clínico de doença esofágica obstrutiva.
Em equinos, é possível constatar cisto esofágico intramural ou duplicação cística do esôfago, geralmente
de manifestação precoce. O tratamento de escolha é remoção cirúrgica ou omentalização. Duplicações
tubulares também foram descritas e clinicamente se manifestam como disfagia recorrente ou falta de ar;
geralmente a remoção cirúrgica é curativa.
Cistos dentígeros têm origem epitelial e surgem com o desenvolvimento anormal do dente. Frequentemente,
contêm fragmentos de dente e envolvem a maxila e a mandíbula, em graus variáveis. Esses cistos são
observados em equinos jovens (< 3 anos) ou em ruminantes (principalmente ovinos). Em equinos jovens pode
ser difícil diferenciá­los de seios císticos (osteíte fibrosa cística) que também tipicamente resultam em distorção
facial ou mandibular.
Há necessidade de remoção cirúrgica do(s) cisto(s) seguida de definição do diagnóstico com base em exame
histopatológico subsequente.

DENTES

QUANTIDADE ANORMAL: Na maioria das espécies, um número reduzido de dentes (conhecido como anodontia) é
raro, embora em cães é possível notar desenvolvimento ou erupção de dentes molares e pré­molares. Em
equinos, ocasionalmente, notam­se dentes supranumerários na região incisiva ou molar; nos cães, estes dentes
geralmente são unilaterais e mais frequentes na maxila. Ainda nos cães, embora seja rara, uma germinação
inadequada da arcada dentária permanente pode causar a ruptura do germe dentário com a formação de dois
dentes. O resultado pode ser aglomeração e rotação subsequente dos dentes, o que requer extração para evitar ou
corrigir alterações de oclusão. Em equinos, os dentes supranumerários são removidos ou periodicamente
grosados, principalmente quando interferem na mastigação ou na colocação do freio.
ANORMALIDADES DE TROCA DE DENTES: Em ruminantes, nos dentes pré­molares, a raiz do dente temporário
pode ser absorvida, mas a coroa pode persistir como uma cobertura ou “tampa” para o dente permanente que irá
surgir. Essas coberturas são facilmente removidas com auxílio de pinça, caso não se desprendam
espontaneamente. Nos cães, a demora na troca dos dentes decíduos é comum e se deve à falha na separação do
ligamento periodontal do dente decíduo, com erupção rostral dos dentes caninos permanentes. Isso pode causar
deslocamento do dente permanente, em 2 a 3 semanas, e resultar em má oclusão ou preensão de alimento e
posterior doença periodontal. Portanto, os dentes decíduos retidos devem ser removidos assim que possível,
com especial cuidado para não danificar o germe dental permanente primário.
ANORMALIDADES DE POSIÇÃO, FORMA E DIREÇÃO: Nos equinos, essas alterações podem acometer os dentes
incisivos e resultar em rotação do eixo longitudinal ou sobreposição dos dentes adjacentes. Em cães
braquicefálicos, o terceiro pré­molar superior e, ocasionalmente, outros dentes pré­molares ou molares podem
apresentar rotação. Geralmente, isso não tem relevância clínica, mas pode requerer extração de alguns dentes
envolvidos, caso ocorra aglomeração ou anormalidades de oclusão. Alterações de forma, inclusive dente
invaginado, são observadas em várias espécies e raças. A importância clínica é variável e depende da gravidade,
sendo na maioria dos casos um achado acidental.
LESÕES NO ESMALTE: Hipoplasia ou lesão na formação do esmalte pode ser constatado em animais de grande e
de pequeno porte. As causas mais comuns incluem febre, traumatismo, desnutrição, intoxicação (p. ex., fluorose
em bovinos) e infecções (p. ex., vírus da cinomose em cães). As lesões podem variar, de acordo com a
gravidade e duração da agressão, de perfuração à ausência de esmalte com desenvolvimento incompleto do
dente. Os dentes acometidos ficam propensos à formação de placa e ao acúmulo de tártaro, com subsequente
penetração bacteriana e formação de cáries. Em pequenos animais, tem­se utilizada restauração com resina para
reparar os defeitos; mesmo assim, é fundamental higiene dentária cuidadosa e cuidados domiciliares com a fim
de reduzir a ocorrência de complicações. Também, é possível notar manchas no esmalte. Em pequenos animais,
a administração de tetraciclinas a fêmeas prenhes ou a filhotes < 6 meses de idade pode causar mancha amarelo­
amarronzada permanente nos dentes. Em ruminantes, o esmalte de alguns dentes pode exibir manchas de várias
colorações. Acredita­se que essa alteração tenha etiologia genética, mas geralmente não tem relevância clínica;
no entanto, alguns clínicos acreditam que os dentes acometidos podem ficar predispostos a desgaste mais
rápido.

ESÔFAGO

As anomalias esofágicas clinicamente importantes em geral se manifestam como distúrbios de deglutição e


regurgitação, em especial com a introdução de alimento sólido. Essas afecções, notadas predominantemente em
pequenos animais, podem ser classificadas como megaesôfago congênito, anomalias com aprisionamento do
anel vascular e acalasia. Megaesôfago congênito resulta de anomalias do desenvolvimento neuromuscular
esofágico. A prevalência é maior em cães das raças Shar­Pei Chinês, Fox Terrier, Pastor Alemão, Dogue
Alemão, Setter Irlandês, Labrador Retriever, Schnauzer miniatura e Newfoundland e nos gatos da raça Siamês.
Nos cães Fox Terrier é uma característica autossômica recessiva, enquanto naqueles Schnauzer miniatura é
autossômica dominante. O megaesôfago pode também ser um componente de neuropatia difusa congênita. O
complexo polineuropatia­paralisia de laringe, que comumente inclui megaesôfago, foi descrito em cães jovens
da raça Dálmata. Além disso, cães de raças predispostas a hipotireoidismo e hipoadrenocorticismo podem
apresentar polineuropatia concomitante que se manifesta como megaesôfago. Esta afecção também pode ser
detectada como síndrome paraneoplásica em cães jovens com timoma (p. 1347). Anomalias com persistência
do anel vascular na maioria dos casos é consequência da persistência do quarto arco aórtico direito durante o
desenvolvimento embrionário, resultando em estenose esofágica na altura da base cardíaca do quarto arco
aórtico direito, átrio esquerdo, artéria pulmonar e ligamento arterioso. Isto obstrui a passagem de alimento,
causa retenção alimentar e subsequente dilatação esofágica anterior à anomalia. Há maior prevalência em cães
das raças Boston Terrier, Pastor Alemão e Setter Irlandês. Embora rara, esta afecção foi descrita em gatos e
equinos. Acalasia cricofaringiana é uma falha ou assincronia no relaxamento do músculo cricofaríngeo
durante a deglutição, o que prejudica a passagem normal do bolo alimentar da porção caudal da faringe até o
esôfago cranial. É identificada principalmente em cães de raças toy, Cocker Springer Spaniel e, raramente, em
gatos. A acalasia de esfíncter esofágico inferior atualmente é considerada um componente de distúrbio motor
esofágico generalizado (p. ex., megaesôfago) e não mais como uma afecção.
Geralmente, o diagnóstico de uma doença esofágica baseia­se em sintomas clínicos característicos (p. ex.,
regurgitação) e radiografia contrastada ou fluoroscopia do reflexo de deglutição. O diagnóstico da etiologia
específica pode exigir exames adicionais, como endoscopia, teste de função endócrina e exclusão da
possibilidade de miastenia gravis. O tratamento deve ser direcionado à causa primária. Alguns cães
discretamente acometidos melhoram com o tempo, o prognóstico a longo prazo não é ruim. Pneumonia por
aspiração é uma complicação comum, várias vezes fatal. Alimentações frequentes com o animal em posição
elevada, com pequenas quantidades de alimentos altamente digestíveis, de consistência pastosa, podem ser
úteis. O comprometimento do proprietário é essencial para o sucesso do tratamento. A correção cirúrgica das
anomalias de anel vascular, geralmente por transecção do ligamento arterioso (por meio de toracotomia ou via
toracoscopia), é efetiva, se realizada precocemente; caso contrário, o lesão esofágico secundário à dilatação do
esôfago devido à retenção de alimento pode resultar em distúrbio permanente da motilidade esofágica.
Divertículos esofágicos podem envolver o esôfago cervical, imediatamente cranial à entrada torácica, ou
serem epifrênicos (imediatamente craniais ao diafragma). Os sintomas clínicos dependem da gravidade da
enfermidade e são verificados em apenas 10 a 15% dos casos, mas podem incluir impactação, esofagite e,
raramente, ruptura ou formação de fístula traqueoesofágica. O tratamento (se necessário) implica remoção
cirúrgica. A ocorrência periódica de divertículo esofágico imediatamente cranial à entrada torácica pode ser um
normal em cães da raça Bulldog Inglês.

ESTÔMAGO

Além de hérnia de hiato (anteriormente mencionada), a doença de estômago mais comum de etiologia
possivelmente hereditária é estenose de piloro. Estenose ou hipertrofia pilórica se deve ao espessamento
muscular do esfíncter pilórico, que obstrui a drenagem do piloro. As raças de cães acometidas incluem aquelas
braquicefálicas e pequenas, principalmente Boxer e Boston Terrier, bem como gatos Siameses. Os sintomas
clínicos envolvem retardo no esvaziamento gástrico e geralmente se manifestam como vômito várias horas após
a refeição. O tratamento baseia­se na modificação da dieta e uso de modificadores de motilidade, como
metoclopramida ou cisaprida. Nos casos mais graves a piloromiotomia pode ser benéfica.

FÍGADO

A anomalia hepática congênita mais comum é desvio (ou shunt) portossistêmico (DPS). (Ver malformações
vasculares portossistêmicas, p. 413, para informação completa). Embora essa anomalia possa acometer cães de
qualquer raça, é mais prevalente nas raças Yorkshire Terrier, Cairn Terrier, Maltês, Pug, Wolfhound Terrier,
Labrador e Golden Retriever e Schnauzer miniatura. Há relato também em gatos da raça Himalaia e Persa. O
DPS resulta no desvio de sangue portal do fígado com acesso direto à circulação sistêmica. Os desvios podem
ser únicos e intra–hepáticos (na maioria das vezes secundários à persistência de ducto venoso fetal), únicos e
extra­hepáticos (com várias vias vasculares possíveis entre as veias porta e pós­cava ou ázigos), ou múltiplos e
secundários a fístulas arterioportais intra­hepáticas. Geralmente, os sintomas clínicos se manifestam como
distúrbios neurológicos metabólicos (encefalopatia hepática) e são constatados em animais jovens, após dieta
rica em proteínas. Em estágios posteriores, pode­se desenvolver ascite secundariamente à hipertensão portal.
Outros achados clínicos concomitantes incluem aumento de volume dos rins e cálculo de urato.
Ultrassonografia abdominal é 100% sensível para DPS intra­hepático (embora um pouco menos sensível para
DPS extra­hepático), porém a sensibilidade depende da habilidade do profissional que realiza a ultrassonografia.
O diagnóstico definitivo por meio de portografia com contraste positivo pode identificar tanto o local do desvio,
quanto se este é único ou múltiplo. Esse procedimento também permite avaliar a possibilidade de correção
cirúrgica. Os desvios múltiplos tem prognóstico ruim, pois frequentemente são secundários à doença
progressiva primária do parênquima hepático (p. ex., cirrose).
Displasia microvascular hepatoportal é uma enfermidade circulatória intra­hepática que resulta em desvio
do sangue portal para a circulação sistêmica. A síndrome está bem estabelecida em cães das raças Cairn Terrier
e Yorkshire Terrier, embora também observada nas raças Maltês, Dachshund, Poodle toy e miniatura, Bichon
Frisé, Pequinês, Shih Tzu, Norfolk e Norwich Terrier, Tibetan Spaniel, Havanês e Lhasa Apso. Esta doença
geralmente é assintomática e sua importância clínica é que deve ser diferenciada de DPS. Como a concentração
de ácidos biliares encontra­se alterada nos dois casos, a diferenciação pode ser feita apenas pela exclusão de
desvio(s) vascular(es) macroscópico(s) delimitado(s). Cães que progridem para doença clínica são submetidos
ao tratamento medicamentoso, como descrito para DPS; na ausência de desvio vascular macroscópico
delimitado, a cirurgia não é uma opção terapêutica.
Hepatopatia associada ao cobre é um distúrbio metabólico que envolve o armazenamento deste mineral no
fígado, resultando em acúmulo hepatocelular progressivo de cobre e desenvolvimento subsequente de hepatite
crônica e cirrose hepática. Esta afecção é bem descrita em cães da raça Bedlington Terrier, nos quais são
relatadas três variações clínicas: necrose hepática aguda em cães jovens (< 6 anos); insuficiência hepática
progressiva crônica em animais idosos; e doença assintomática (portador). Altos teores de cobre também foram
detectados em casos de hepatopatia familiar em cães das raças Dálmata, West Highland White Terrier, Sky
Terrier e Dobermann Pinscher, embora uma relação causal não tenha sido definida, como demonstrada em cães
Bedlington Terrier. Há aparentes variações raciais geográficas, com teores hepáticos de cobre mais graves nas
raças Bedlington e West Highland White Terrier criados na América do Norte. O tratamento envolve o
fornecimento de quelantes de cobre, dieta com baixo teor de cobre e outras medidas de suporte direcionadas aos
animais com hepatopatia clínica.
Anomalias de desenvolvimento hepático adicionais incluem cisto hepático, geralmente assintomático e
importância clínica apenas quando devem ser diferenciados de abscesso hepático. Quando um cisto hepático é
encontrado deve­se avaliar, também, a arquitetura renal (especialmente em gatos), uma vez que pode haver
doença renal policística concomitante.
Há relato de hiperlipidemia primária ou familiar tanto em cães quanto em gatos. Cães das raças Colly,
Shetland Sheepdog e Briard são predispostos à hipercolesterolemia. Até 33% dos cães da raça Schnauzer
miniatura apresentam hipertrigliceridemia, com base em exames bioquímicos. Em geral, os sintomas clínicos
em cães acometidos são vagos e incluem desconforto abdominal, alteração de comportamento, convulsões,
afecções oculares associadas ao depósito de lipídios e aumento do risco de pancreatite.
Hiperquilomicronemia é descrita em gatos domésticos na Nova Zelândia, cujos sintomas clínicos incluem
neuropatias periféricas e xantomas cutâneos que, em geral, surgem antes de 9 meses de idade. O tratamento de
hiperlipidemia primária baseia­se no uso de dieta com baixo teor de gordura; suplementação com ácidos graxos
ômega 3, em casos mais graves; e fármacos que reduzem a concentração de lipídios, embora haja pouca
informação quanto à segurança e eficácia destes medicamentos em animais.

HÉRNIAS

Hérnias que comprometem o abdome ocorrem quando o conteúdo abdominal penetra uma abertura natural ou
anormal na parede corporal. Podem ser congênitas ou adquiridas. Nas hérnias adquiridas geralmente há história
de traumatismo. Hérnias congênitas podem envolver diafragma ou parede abdominal. Pode haver 3 tipos
principais de hérnias que envolvem o diafragma: peritônio­pericárdica, na qual o conteúdo abdominal estende­
se para o interior do saco pericárdico; pleuroperitoneal, quando o conteúdo abdominal encontra­se no interior
da cavidade pleural; e de hiato, na qual o esôfago abdominal, a junção gastresofágica e/ou porção gástrica
penetram o hiato esofágico diafragmático, alcançando a cavidade torácica. Os sintomas clínicos variam de
assintomáticos a graves e dependem da quantidade de tecido herniado e de suas consequências ao órgão
deslocado. As hérnias de hiato podem ser “deslizantes” e resultar em sintomas clínicos de esofagite por refluxo
(anorexia, salivação e/ou vômito), que podem ser intermitentes. Para a confirmação do diagnóstico há
necessidade de exame radiográfico, frequentemente, com técnicas contrastadas. Fluoroscopia ou endoscopia é
útil no diagnóstico de hérnia de hiato deslizante. A correção destas hérnias é mais efetiva por meio de cirurgia.
No caso de hérnia de hiato, o tratamento medicamentoso, com uso de antiácidos e alterações na dieta, pode
controlar sintomas discretos.
As hérnias que envolvem a parede abdominal podem ser umbilicais, inguinais ou escrotais. As hérnias
umbilicais são secundárias à falha no fechamento normal do anel umbilical e resultam em protrusão do
conteúdo abdominal para o tecido subcutâneo. O tamanho varia de acordo com a extensão do defeito umbilical e
da quantidade de conteúdo abdominal presente. Em grandes e pequenos animais a etiologia tem provável
componente genético; no entanto, tração excessiva do feto de tamanho exagerado ou corte do cordão umbilical
muito próximo à parede abdominal são outras possíveis causas. Geralmente, o diagnóstico é direto,
principalmente quando é possível a redução manual da hérnia. Se não for possível a redução da hérnia, deve­se
fazer diagnóstico diferencial de abscesso umbilical, comum em crias de grandes animais. Hérnia umbilical e
abscesso umbilical quase sempre são concomitantes, principalmente em bovinos e suínos. Para a confirmação
pode ser necessária punção exploratória por meio de biopsia com agulha fina, seguida de exame citopatológico.
O tratamento é cirúrgico. Em pequenos animais, se a hérnia for pequena, realiza­se correção cirúrgica
concomitante à castração. Em bezerros, há casos bem­sucedidos com a aplicação de uma bandagem adesiva
larga (10 cm de largura), por 3 a 4 semanas. Em equinos, hérnias pequenas (< que 1 a 3 cm) podem regredir
espontaneamente; entretanto, se persistem por mais de 6 meses, provavelmente é necessária correção cirúrgica.
O proprietário deve ser informado que essa doença pode ser hereditária.
Hérnia na parede abdominal de um potro. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.Estenose de piloro; local da piloromiotomia. Ilustração do Dr.
Gheorghe Constantinescu.

Hérnias inguinais são comuns em cachaços e geralmente se estendem para o interior do escroto. O
diagnóstico pode ser confirmado pela suspensão dos membros torácicos do leitão seguida de movimentos de
balançar, procedimento que permite que a saliência herniária pequena seja visível. Em porcas, essa afecção
sempre é acompanhada de prejuízo ao desenvolvimento genital; estes animais são estéreis e indica­se cirurgia
apenas se o tamanho da lesão representa risco ao crescimento do suíno até o peso de abate. Geralmente, em
potros as hérnias inguinais regridem espontaneamente no primeiro ano de vida, às vezes após repetidas vezes de
redução manual. Por essa razão, não se indica cirurgia corretiva precoce, exceto se ocorre estrangulamento do
conteúdo da hérnia ou se for grave o bastante para interferir na marcha. Hérnia inguinal estrangulada é frequente
em garanhões e se caracteriza por sintomas de dor abdominal intensa contínua. É facilmente detectada por meio
de palpação retal e pode ser reduzida, sob anestesia geral, por meio de manipulação retal. Caso este
procedimento falhe há necessidade de cirurgia imediata. Hérnia inguinal em bovinos é rara, embora às vezes é
notada em touros. Quando se realiza correção cirúrgica para preservar o potencial reprodutivo do touro nem
sempre se obtém sucesso.

INTESTINOS DELGADO E GROSSO

Os distúrbios de má digestão ou má absorção geralmente se manifestam como sintomas GI persistentes e


crônicos e incluem vômito, perda de peso ou diarreia de intestino grosso e/ou delgado, ou uma combinação
destes. Há várias possíveis etiologias, hereditárias e adquiridas, e a maioria está associada à doença intestinal
inflamatória (DII). As anomalias congênitas podem ter predileções raciais específicas.
Em cães da raça Wheaten Terrier de pelos macios há maior prevalência de nefropatia e enteropatia com
perda de proteína concomitante. Tanto DII quanto alergia alimentar são consideradas componentes dessa
síndrome. A constatação de alta concentração do inibidor a1­protease fecal pode auxiliar na confirmação de
perda intestinal anormal de proteína, embora o diagnóstico definitivo se baseie na histopatologia renal e
intestinal. Apesar do uso de dieta hipoalergênica e de terapia imunossupressora direcionada tanto para DII
quanto para glomerulonefrite, o prognóstico é ruim.
Há relatos de que cães da raça Setter Irlandês têm predisposição familiar para enteropatia sensível ao glúten,
com início dos sintomas clínicos em torno de 6 meses de idade. A sensibilidade ao trigo é confirmada e tratada
mediante o uso de dieta semanas glúten.
Cães da raça Basenji são predispostos à enteropatia imunoproliferativa de causa hereditária desconhecida;
a enterite linfocítica­plasmocítica grave é um componente e a afecção pode progredir para linfoma. O
diagnóstico baseia­se no exame histopatológico de amostras de tecido obtidas por meio de biopsia GI,
geralmente guiada por endoscopia. As tentativas de tratamento com fármacos imunossupressores e dieta
hipoalergênica geralmente não são bem­sucedidas, exceto se iniciadas de forma agressiva nos estágios iniciais
da doença.
A linfangiectasia é uma malformação do sistema linfático intestinal que causa enteropatia com perda de
proteínas; pode ser congênita ou adquirida, com maior prevalência em cães das raças Norwegian Lundehund,
Basenji, Wheaten Terrier de pelos macios e Yorkshire Terrier. O prejuízo à drenagem linfática causa dilatação
dos vasos quilíferos e linfáticos da parede intestinal. O diagnóstico baseia­se na exclusão de outras doenças
acompanhadas de perda proteica e pode ser confirmado por exame histopatológico da parede do intestino
delgado. A maioria dos animais acometidos responde à combinação de modificação da dieta e dose anti­
inflamatória de glicocorticoides. A dieta deve conter pouca gordura e alto teor de proteínas de alta qualidade e
pode ser suplementada com triglicerídios de cadeia média. Medidas terapêuticas adicionais incluem o uso de
rutina, uma droga efetiva também no tratamento de quilotórax e linfedema. Alguns animais não respondem e
não resistem à grave desnutrição proteica e calórica.
A insuficiência pancreática exócrina (IPE) é mais prevalente em cães das raças Pastor Alemão, Colly e
Setter Inglês e se deve à atrofia de ácinos pancreáticos; em felinos é uma doença adquirida (secundária à
pancreatite). A ausência de enzimas pancreáticas causa diarreia osmótica, na qual esteatorreia é um achado
evidente. Os animais acometidos não ganham peso ou se a IPE é adquirida posteriormente apresentam perda de
peso relevante. O diagnóstico baseia­se na mensuração da imunorreatividade semelhante à tripsina sérica (IST);
Há testes validados tanto para cães quanto para gatos. Testes mais recentes incluem imunorreatividade à lipase
pancreática canina, que pode ser mais sensível no diagnóstico de pancreatite, mas não tem vantagem em relação
ao IST. O tratamento compreende reposição exógena de enzimas pancreáticas e dieta facilmente digestível.
Colite ulcerativa histiocítica é uma doença inflamatória secundária a um distúrbio imunológico que acomete
os histiócitos do cólon. A afecção é semelhante à doença de Crohn em pessoas. Cães das raças Boxer e Bulldog
Francês são predispostos e o início dos sintomas clínicos de diarreia de intestino grosso crônica acontece no
primeiro ano de vida. O diagnóstico baseia­se em análise de biopsia do cólon e resposta à terapia, que inclui
modificação na dieta e uso de fármacos imunossupressores e/ou anti­inflamatórios.
Agangliose ileocolônica é descrita em potros brancos obtidos de acasalamentos entre equinos da raça Overo.
Embora os potros pareçam normais ao nascimento, logo desenvolvem cólicas e morrem no segundo dia. Os
equinos acometidos são brancos e possuem íris azuis. O diagnóstico pode ser confirmado pela constatação de
ausência de gânglios no cólon. Os defeitos congênitos de reto e ânus geralmente resultam de uma falha no
desenvolvimento embrionário.
As atresias hereditárias do intestino grosso ou delgado são relativamente comuns em grandes animais. Há
relato de atresia de cólon em equinos Percheron, envolvendo o cólon ascendente na flexura pélvica. Tem­se
observado atresia ilíaca em bovinos da raça Swedich Highland e atresia de intestino delgado em cordeiros.
Estas afecções sempre são fatais. Palpação retal no início da gestação (< 45 dias) foi incriminada como causa,
embora a recente redução na prevalência por meio de acasalamentos seletivos também indique possível
predisposição genética.
Atresia de cólon em bezerro. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.

Atresia anal é observada em ovinos, suínos e bovinos e ocorre quando a membrana dorsal que separa o reto e
o ânus não se rompe. Os sintomas clínicos são evidentes ao nascimento e incluem tenesmo, dor e distensão
abdominal, retenção de fezes e ausência de orifício anal. Recomenda­se remoção cirúrgica dessa membrana.
Essa afecção é rara em cães, mas foi descrita em diversas raças, como Poodle toy e Boston Terrier, com maior
prevalência em fêmeas. Indica­se cirurgia, mas pode ocorrer complicação devido à incontinência fecal pós­
operatória.
Aplasia segmentar (agenesia retal) ocorre quando o reto termina em um fundo cego, antes de atingir o ânus.
A correção cirúrgica é difícil, pois a localização da porção final é variável e pode ocorrer lesão iatrogênico aos
nervos da região.
Duplicações de cólon e reto são raras e os animais acometidos geralmente manifestam sintomas de doença
de intestino grosso. O diagnóstico é definido por meio de colonografia contrastada. Obtém­se a correção
mediante remoção cirúrgica da duplicação, embora alguns casos apresentem múltiplas anomalias de
desenvolvimento abdominal concomitantes que impedem a correção cirúrgica completa.
Fístula retouretral foi descrita em cães da raça Bulldog Inglês, gatos e equinos; clinicamente é caracterizada
por micção simultânea, tanto pelo orifício urogenital quanto pelo orifício, além de histórico de infecção crônica
do trato urinário. O diagnóstico baseia­se na uretrografia excretora contrastada ou colonografia retrógrada
contrastada. A correção cirúrgica é curativa.
Estenose de piloro; local da piloromiotomia. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

Fístula retovaginal é um trato fistuloso que conecta a vagina e o reto; em geral, é observada em combinação
com ausência de abertura anal. A eliminação de fezes pela vulva ou sinal de obstrução de cólon é sugestivo da
anomalia. O diagnóstico pode ser confirmado por enema com bário, o qual delimita a extensão do problema no
interior da vagina. A identificação da fístula, sua correção cirúrgica e a restauração das estruturas anatômicas
normais são procedimentos essenciais. Em geral, o prognóstico é reservado. As complicações são comuns e
incluem incontinência fecal e urinária. Estas alterações são frequentemente observadas em gatos da raça Manx
como sequela de espinha bífida hereditária.

DESENVOLVIMENTO DOS DENTES

Todos os animais domésticos apresentam dentição difiodonte, ou seja, um conjunto de dentes decíduos e outro
de dentes permanentes. Tanto a morfologia quanto a fórmula dentária (Tabela 3) são variáveis e intimamente
relacionadas com a alimentação da espécie. Antigamente, a identificação dos dentes baseava­se em um sistema
anatômico no qual os dentes incisivos eram identificados como I, caninos como C, pré­molares como P e
molares como M. Atualmente os dentistas veterinários empregam o sistema Triadan modificado, que utiliza um
número de três dígitos para um dente específico. A cabeça dos animais é dividida em quatro quadrantes, sendo o
quadrante superior direito designado como “1” e os demais quadrantes numerados no sentido anti­horário. Os
números 1 a 4 são usados para identificar o quadrante de dentes permanentes, e os números 5 a 8, para os dentes
temporários. O segundo e o terceiro dígitos identificam o número do dente específico. Por exemplo, em equinos,
o segundo pré­molar inferior esquerdo é o dente “306” e o último molar da mandíbula direita é o “411”.

Estimativa da Idade pelo Exame dos Dentes

Em equinos, que possuem dentição hipsodonte, a idade pode ser estimada pelo tempo de erupção e aparência
geral dos dentes (incisivo inferior). Em outras espécies com incisivos braquidontes, como bovinos e cães, a
determinação da idade é menos acurada e se baseia principalmente no tempo de erupção dentária.
Tabela 3 – Fórmulas dentárias

BOVINOS: As idades de erupção dos incisivos representam o achado mais confiável para a determinação da
idade em bovinos (Tabela 4). Embora esteja relacionado com a raça, o tempo de erupção é mais preciso para
determinar a idade do que os sintomas de desgaste, pois os achados dentários macroscópicos relacionados com a
idade são escassos (estrelas dentárias) ou ausentes (depressões e marcas), além do fato da taxa de desgaste ser
amplamente influenciada pela dieta.
Dentição de equino. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.
Tabela 4 – Erupção dos dentesa

Equinos Vacas Ovinos e Suínos Cães Gatos


caprinos

Di 0 – 1 semana Antes do 0–1 3–4 4–5 2 – 3 semanas


1 nascimento semana semanas semanas
Di 4 – 6 semanas Antes do 1–2 2 – 3 meses 4–5 3 – 4 semanas
2 nascimento semanas semanas
Di 6 – 9 meses 0–1 2–3 Antes do 3–4 3 – 4 semanas
3 semana semanas nascimento semanas
I 1 2,5 anos 2 anos 1 – 1,5 12 – 15 4 meses 4 – 7 meses
ano meses
I 2 3,5 anos 2,5 anos 1,5 – 2 16 – 20 4,5 4 – 7 meses
anos meses meses
I 3 4,5 anos 3,5 anos 2 – 2,5 8 – 10 5 meses 4 – 7 meses
anos b meses
Dc Não há erupção 0–2 3–4 Antes do 3–4 3 – 4 semanas
semanas semanas nascimento semanas
C 4 – 5 anos 3,5 – 4 anos 2,5 – 4 6 – 10 5–6 4 – 7 meses
anos c meses meses
Dp 0 – 2 semanas 0–3 0–4 4–6 4–6 5 – 6 semanas
2 semanas semanas semanas semanas (somente superior)
Dp 0 – 2 semanas 0–3 0–4 1,5 mês 4–6 5 – 6 semanas
3 semanas semanas semanas
Dp 0 – 2 semanas 0–3 0–4 1–5 4–6 5 – 6 semanas
4 semanas semanas semanas semanas
P 5 a 6 meses – – 5 meses 4–5 –
1 (dente­de­lobo) meses
P 2,5 anos 2 – 2,5 anos 1,5 – 2 12 – 15 5–6 4 – 7 meses
2 anos meses meses (somente superior)
P 3 anos 2 – 2,5 anos 1,5 – 2 12 – 15 5–6 4 – 7 meses
3 anos meses meses
P 4 anos 2,5 – 3 anos 1,5 – 2 12 – 15 5–6 4 – 7 meses
4 anos meses meses
M 9 – 12 meses 5 – 6 meses 3–6 4 – 6 meses 4–5 4 – 7 meses
1 meses d meses
M 2 anos 1 – 1,5 ano 9 – 12 8 – 12 5–6 –
2 meses meses meses
M 4 anos 2 – 2,5 anos 1,5 – 2 18 – 20 6–7 –
3 anos meses meses
a Dados médios, sujeitos à variação considerável.
b 2 anos, em caprinos.
c 2,5 a 3 anos, em caprinos.
d 3 a 4 meses, em ovinos.

Nascimento até 5 anos de idade: Ver Tabela 4.


5 anos de idade: Todos os incisivos apresentam desgaste. A superfície de oclusão dos incisivos centrais
começa a ficar plana.
6 a 7 anos de idade: Os incisivos centrais se apresentam nivelados e o colo é visível.
8 anos de idade: Os incisivos médios se apresentam nivelados e o colo é visível.
9 anos de idade: Os incisivos laterais se apresentam nivelados e o colo é visível. C pode estar nivelado.
10 anos de idade: C está nivelado e o colo é visível.
À medida que os bovinos envelhecem, os dentes se tornam mais curtos e os seus colos mais visíveis; se
afrouxam nos alvéolos dentários e, por fim, caem.
CÃES: Os dados a seguir foram considerados confiáveis em cerca de 90% dos cães de grande porte. Há mais
variação em cães pequenos (especialmente nas raças toy) e nos cães com maxilar braquignata ou prognata.
Mordeduras uniformes ou niveladas geralmente resultam em desgaste excessivo.
1,5 ano de idade: Incisivos centrais inferiores com cúspides desgastadas.
1,5 a 2 anos e meio de idade: Incisivos médios inferiores com cúspides desgastadas.
3,5 anos de idade: Incisivos centrais superiores com cúspides desgastadas.
4,5 anos de idade: Incisivos médios superiores com cúspides desgastadas.
5 anos de idade: Incisivos laterais inferiores com cúspides pouco desgastadas. A superfície de oclusão dos
incisivos inferiores centrais e médios é retangular. Desgaste discreto dos dentes caninos.
6 anos de idade: Incisivos laterais inferiores com cúspides desgastadas. Caninos desgastados e rombos. O
canino inferior mostra impressão do incisivo lateral superior.
7 anos de idade: A superfície de oclusão do incisivo central inferior torna­se elíptica, com eixo sagital longo.
8 anos de idade: A superfície de oclusão do incisivo central inferior se apresenta inclinada para a frente.
10 anos de idade: Os incisivos centrais superior e médio inferior apresentam superfícies de oclusão elípticas.
12 anos de idade: Os dentes incisivos começam a cair (exceto quando há cuidado para manterem saudáveis
os tecidos periodontais e gengivais).
EQUINOS: Em equinos, os dentes incisivos (inferiores) são os mais adequados para estimar a idade. Entretanto,
deve­se lembrar que as aparências dos dentes estão sujeitas a variações individuais e raciais e há diferenças
relacionadas com as condições ambientais. Os incisivos decíduos são menores que os dentes permanentes, a
superfície de suas coroas são mais brancas e têm várias cristas e sulcos pequenos longitudinais. As idades de
erupção estão listadas na Tabela 4. Os incisivos permanentes são maiores e sua forma é mais retangular. As
superfícies de suas coroas são amplamente cobertas por cemento e têm aparência amarelada. Os incisivos
superiores apresentam dois sulcos longitudinais distintos na superfície labial, enquanto os incisivos inferiores
possuem apenas um.
Os dentes incisivos dos equinos desenvolvem características macroscópicas relacionadas com o desgaste
dental, as quais tradicionalmente são utilizadas para estimar a idade. A estrela dentária consiste em uma dentina
secundária amarelo­amarronzada que preenche a cavidade pulpar e surge na superfície de oclusão como dente
desgastado. Sua forma e posição, bem como o aparecimento de uma “mancha branca” no centro, estão
relacionadas com a idade. A forma, o tamanho e o tempo de desaparecimento tanto do infundíbulo ou “cálice”
(semelhante a um funil envolvendo a superfície de oclusão) quanto das “marcas” (esmalte da superfície inferior
infundibular) são características adicionais, porém, são indicadores mais variáveis da idade. O desgaste dentário
progressivo causa alteração na forma de oclusão dos incisivos. As superfícies de oclusão dos incisivos recém­
irrompidos são elípticas, mas com a idade tornam­se trapezoides, arredondadas e, em seguida, triangulares, com
o ápice em direção à face lingual. A curvatura do arco dentário formada pelos incisivos inferiores também está
relacionada com a idade. Em equinos jovens, este arco é semicircular, enquanto em animais mais velhos ele
forma uma linha reta. Além disso, o arco formado pelos incisivos dos maxilares opostos (quando se encontram)
muda à medida que os dentes avançam de seus alvéolos e se desgastam. Em equinos jovens, os incisivos
superiores e inferiores estão situados em linha reta. Com o avançar da idade, o ângulo entre os incisivos
inferiores e superiores torna­se mais agudo. O sulco de Galvayne e o “arco dos sete anos”, tradicionalmente
utilizados como indicadores da idade, são variáveis, inconsistentes e têm pouco valor para determinação da
idade em equinos. Os sintomas mais utilizados estão cronologicamente ordenados, a seguir:
Dentição do cão. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.
Figura esquerda: vista da oclusão dos incisivos inferiores de uma égua de 6 anos de idade. Estrelas dentárias são notadas em I1 e I2 (setas),
“taças” dentárias são vistas como grandes depressões elípticas (pontas das setas). As superfícies de oclusão dos incisivos são ovais e a
curvatura da arcada dentária é semicircular.
Figura direita: vista da oclusão dos incisivos inferiores de uma égua de 12 anos de idade. Uma mancha branca é muito nítida no centro das
estrelas dentárias (setas). As “taças” são menores e mais rasas. As superfícies de oclusão são mais triangulares. Cortesia da Dra. Sofie
Muylle.

Nascimento até 5 anos de idade: Ver Tabela 4.


5 anos de idade: Início de erupção dos incisivos laterais. Estrela dentária nos incisivos centrais.
6 anos de idade: Estrela dentária nos incisivos médios. Desaparecimento da depressão (“taças”) dos incisivos
centrais.
7 anos de idade: Estrela dentária nos dentes laterais.
8 anos de idade: Os incisivos centrais se apresentam trapezoides e têm uma mancha branca na estrela
dentária.
9 anos de idade: Os incisivos médios são trapezoides e têm uma mancha branca na estrela dentária.
10 anos de idade: Desaparecimento da depressão dos incisivos médios. As marcas dos incisivos centrais são
ovais­triangulares.
11 anos de idade: Mancha branca na estrela dentária dos dentes laterais. Tanto os incisivos centrais quanto os
médios têm ápice lingual. Os incisivos laterais são triangulares com um ápice labial.
12 anos de idade: Desaparecimento da depressão de todos os incisivos inferiores.
14 anos de idade: As marcas dos incisivos centrais e médios são pequenas e arredondadas
18 anos de idade: Desaparecimento das marcas dos incisivos centrais.
20 de idade: Desaparecimento das marcas dos incisivos médios e laterais.

DOENÇAS DO RETO E DO ÂNUS

DOENÇA DO SACO ANAL

A doença do saco anal é a afecção mais comum da região anal, em cães. As raças pequenas são predispostas;
raramente as raças grandes ou gigantes são acometidas. Em gatos, a forma mais comum de doença do saco anal
é a impactação.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Podem ocorrer impactação, infecção, abscesso ou neoplasia nos sacos anais. A
deficiente compressão dos sacos anais durante a defecação, fraco tônus muscular em cães obesos e seborreia
generalizada (na qual há hipersecreção glandular) ocasionam retenção do conteúdo do saco anal. Esta retenção
pode predispor ao supercrescimento bacteriano, infecção e inflamação.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sintomas estão relacionados com a dor e desconforto, associados ao ato de
sentar. Podem­se observar, também, corridas em disparada, lambeduras e mordeduras na região anal e dor à
defecação, além de tenesmo. É comum ocorrer endurecimento, abscesso e fistula na região. No caso de
impactação, massas firmes são palpáveis e os sacos ficam preenchidos com uma secreção amarronzada, pastosa
e espessa, que pode ser eliminada mediante compressão aplicando­se forte pressão com uma faixa fina. Quando
há infecção ou abscesso é possível notar dor intensa e, com frequência, alteração da cor no local. A fístula
cutânea se origina da abscedação do saco anal; esta deve ser diferenciada de fístula perianal. As neoplasias do
saco anal geralmente não causam dor e estão associadas a edema perineal, eritema, endurecimento ou formação
de fístula. Os adenocarcinomas de glândulas apócrinas do saco anal são constatados principalmente em cadelas
idosas. Estes animais são levados à consulta devido aos sintomas secundários à hipercalcemia, como poliúria e
polidipsia, ou aos problemas relacionados com o tumor perineal.
O diagnóstico de impactação, infecção ou abscesso é confirmado por meio de palpação retal digital, durante a
qual pode­se comprimir o saco anoal. O exame microscópico do conteúdo dos sacos infectados revela grande
quantidade de leucócitos polimorfonucleares e bactérias. Deve­se suspeitar de tumor (adenocarcinoma apócrino
do saco anal) quando se nota saco anal firme, aumentado de volume e não comprimível, mesmo após a
drenagem. Nestes casos, deve­se confirmar o diagnóstico por biopsia. Deve­se investigar a presença de
metástases regionais e sistêmicas, além de mensurar a concentração sérica de cálcio.
TRATAMENTO: Deve­se realizar compressão manual cuidadosa do saco anal que se apresenta impactado. Se o
conteúdo for muito ressecado de forma que não possa ser eliminado com a compressão pode­se infundir solução
salina, agente ceruminolítico ou amolecedor no seu interior. Os sacos infeccionados devem ser higienizados
com antisséptico, seguido de terapia antimicrobiana local e sistêmica. Compressas quentes, aplicadas a cada 8 a
12 h por 15 a 20 min, são benéficas em casos de abscessos. Pode­se precisar de lavagens semanais frequentes
associadas à infusão de pomada contendo esteroide e antibiótico. A adição de suplemento rico em fibra à dieta
pode aumentar o bolo fecal, o que facilita a compressão e o esvaziamento do saco anal. Se o tratamento
medicamentoso for ineficaz, ou existir neoplasia, a excisão cirúrgica do saco é indicada. A técnica fechada para
excisão é preconizada, pois há menor prevalência de complicação. No entanto, a incontinência fecal, que é uma
complicação comum da cirurgia de saco anal, pode resultar de lesões no ramo retal caudal do nervo pudendo e
pode ser completa, se a lesão for bilateral. Quando a remoção do saco for incompleta ou há ruptura, pode­se
observar formação de fístula crônica. Uma cicatriz no esfíncter anal externo pode derivar de trauma cirúrgico e
causar tenesmo (Ver p. 953).

Sacos perianais no cão. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

ESTENOSES RETAL E ANORRETAL

As estenoses caracterizam­se por estreitamento do lúmen devido à presença de tecido cicatricial. A lesão pode
ser decorrência de corpos estranhos, traumas (p. ex., ferimentos por mordeduras e acidentes) ou de complicação
de doença inflamatória (p. ex., fístula perianal, histoplasmose, doença intestinal inflamatória, saculite anal).
Neoplasias, aumento do volume prostático e tecido cicatricial oriundo de fístula perianal ou de abscessos de
saco anal podem predispor à constrição extraluminal. Em pequenos animais, a estenose anorretal é mais comum
que a estenose retal, mas nenhuma delas é frequente. As estenoses são mais comuns nos cães das raças Pastor
Alemão, Beagle e Poodle.
A estenose retal em bovino pode ser decorrência de trauma, neoplasia ou necrose gordurosa, que comprimem
ou invadem o lúmen ou, ainda, de defeitos associados à estenose retal ou vaginal. Em suínos, a estenose retal é
secundária à enterocolite, correção de prolapso retal e como sequela de proctite ulcerativa induzida por
salmonelas. Em pequenos animais, o tratamento inclui anestesia geral seguida de dilatação da estenose com
auxílio de balão e aplicações intralesionais de esteroides de longa ação (triancinolona). Em grandes animais, o
tratamento pode implicar na ressecção da região estenosada ou em anoplastia.
FÍSTULA PERIANAL

A fístula perianal caracteriza­se por trato fistular crônico, purulento, fétido e ulcerado em tecido perianal. É
mais comum nos cães da raça Pastor Alemão, mas também é observada em cães Setter e Retriever. Cães com >
7 anos de idade são mais predispostos.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: A causa é desconhecida, embora existam várias teorias. A contaminação dos
folículos pilosos e das glândulas da região anal por material fecal e secreções pode ocasionar necrose, ulceração
e inflamação crônica nos tecidos e pele perianais. Os animais acometidos podem ser predispostos a
dermatopatia generalizada. Hipotireoidismo, defeito imunológico ou qualquer componente imunomediado pode
contribuir para a suscetibilidade. O risco de contaminação é maior nos cães com cauda de base larga e as dobras
anais profundas podem causar retenção de fezes nas glândulas retais, o que pode ter um papel importante. Os
tratos fistulares são revestidos por tecido inflamatório crônico e, frequentemente, se estendem até o lúmen do
reto e ânus. A infecção pode se disseminar para estruturas mais profundas envolvendo o esfíncter anal externo e,
portanto, deve ser tratada imediatamente.
ACHADOS CLÍNICOS: Em cães, os sintomas são mudança de comportamento, tenesmo, disquezia, anorexia,
letargia, diarreia e tentativas de morder e lamber a região anal. Os sintomas em gatos são semelhantes aos que
ocorrem nos cães, mas podem incluir pelame emaranhado e permanência do animal na caixa de areia.
TRATAMENTO: Até recentemente, o tratamento de fístula perianal era frustrante tanto para veterinários quanto
para os proprietários. Tradicionalmente, o tratamento cirúrgico inclui saculectomia anal, além de eliminação dos
tecidos acometidos. Esta técnica implica excisão cirúrgica, desbridamento, fulguração e criocirurgia. A
amputação da cauda em sua base pode ser realizada isoladamente, ou junto com outra modalidade terapêutica. A
cirurgia, atualmente, é recomendada apenas para fístulas que não respondem à terapia medicamentosa. As
sequelas da cirurgia incluem incontinência fecal, estenose retal e recidiva.
A ciclosporina é considerada um tratamento efetivo; geralmente é administrada por 16 semanas e por período
adicional de 4 semanas, após cicatrização completa da fístula. A administração concomitante de cetoconazol
permite redução da dose e do custo da terapia com ciclosporina. O tratamento imediato com ciclosporina
associada ao cetoconazol é recomendado logo no início da doença para reduzir o risco de recidiva. Uma
alternativa mais barata do que a ciclosporina é a administração de azatioprina e metronidazol por
aproximadamente 4 a 8 semanas, seguida de excisão cirúrgica da lesão residual e manutenção do tratamento
medicamentoso por 3 a 6 semanas adicionais. O uso tópico de tacrolimo (pomada 0,1%, 1 ou 2 vezes/dia)
também é efetivo em alguns cães. Outros aspectos do tratamento medicamentoso incluem uso de enema para
aliviar a disquezia. A limpeza perianal e o uso de antibióticos podem diminuir a inflamação.

HÉRNIA PERINEAL

A hérnia perineal é uma protrusão lateral de um saco herniário revestido pelo peritônio, entre o músculo
elevador anal e o músculo do esfíncter anal externo ou o músculo coccígeo. A prevalência é
desproporcionalmente maior nos cães machos de 6 a 8 anos de idade, não castrados; animais das raças Welsh
Corgi, Boston Terrier, Boxer, Collie, Kelpie e seus mestiços, Dachshund e seus mestiços, Old English Sheepdog
e Pequinês são predispostos.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Muitos fatores estão envolvidos, dentre eles predisposição racial, desequilíbrios
hormonais, doenças da próstata, constipação intestinal crônica e fraqueza no diafragma pélvico devido ao
esforço crônico. A maior prevalência em machos não castrados é uma evidência de que as influências
hormonais, provavelmente, exerçam um papel fundamental. Acredita­se que a hipertrofia prostática contribua
para o desequilíbrio de hormônios sexuais. Tanto os estrógenos como os andrógenos são citados como agentes
causais.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Os sintomas clínicos comuns são constipação intestinal e obstipação,
tenesmo e disquezia. Pode ocorrer estrangúria e obstrução urinária secundária à retroflexão da bexiga e da
próstata. Pode ocorrer estrangulamento visceral. Há evidente aumento do volume perineal ventrolateral ao ânus.
A herniação pode ser bilateral, mas em 2/3 dos casos são unilaterais e > 80% destes são do lado direito.
A consistência do aumento de volume é macia, flutuante e ele pode ser reduzido manualmente. A tumefação
dolorosa e firme pode ser compatível com retropulsão da bexiga e da próstata. Geralmente, a determinação do
seu conteúdo é feita por meio de exame retal e centese perineal (para determinar se há urina). Mais de 90% das
hérnias perineais apresentam desvio retal, que é uma saculação retal no interior do saco herniário, onde as
camadas da parede retal permanecem intactas.
TRATAMENTO: Raramente, a hérnia perineal é uma emergência, exceto quando a bexiga é estrangulada e o
animal não consegue urinar. Se não for possível realizar cateterização, a urina deve ser removida por meio de
cistocentese e deve­se tentar reduzir a hérnia. Pode ser necessário um cateter urinário fixo para assegurar a
patência uretral e evitar recidiva da obstrução.
A correção cirúrgica é sempre indicada e a castração concomitante é recomendada para reduzir o risco de
recidiva. O prognóstico é reservado devido à alta prevalência de recidiva (10 a 46%) e às complicações pós­
operatórias, como infecções, fístulas retocutâneas, fístulas de saco anal, compressão dos nervos ciático e
pudendo e prolapso retal.

LACERAÇÕES RETAIS

Separação, ruptura ou laceração da mucosa retal ou anal ocorre como resultado de laceração ocorrida no lúmen.
Há envolvimento de corpos estranhos (p. ex., ossos afiados, agulhas e outros materiais grosseiros). Ferimentos
por mordedura e, nos grandes animais, trauma decorrente de palpação retal são causas comuns. A ruptura pode
envolver somente as camadas superficiais do reto (ruptura parcial) ou atingir todas as camadas (ruptura
completa).
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Constipação intestinal e relutância em defecar geralmente se devem à dor.
O diagnóstico baseia­se na constatação de tenesmo e hemorragia, alteração de coloração da região perineal,
inspeção do reto e ânus; a presença de sangue fresco na luva ou nas fezes, após exame retal, é sugestiva de
laceração retal. Pode haver edema quando a lesão persiste. Deve­se avaliar cuidadosamente a integridade do
esfíncter anal externo.
TRATAMENTO: Em todas as espécies, o tratamento deve ser realizado imediatamente. A região anorretal deve ser
higienizada por completo e antibióticos sistêmicos de amplo espectro devem ser utilizados. Podem–se aplicar
fluidos IV e flunixino meglumina para evitar ou tratar choque séptico e endotóxico. Em pequenos animais, as
lacerações devem ser desbridadas e suturadas através do orifício anal, por meio de laparotomia ou pela
combinação de ambas, de acordo com a localização e extensão da ruptura. Devem­se administrar antibióticos e
amolecedores fecais no pós­operatório.
Em bovinos e equinos, a perfuração acidental do reto durante o exame retal requer tratamento imediato para
reduzir o risco de peritonite e morte. A exploração abdominal ampla deve ser lenta, cuidadosa e delicada. Deve­
se evitar o uso das pontas dos dedos excessivamente, bem como introduzir o braço em um local que oferece
resistência. Em equinos, as rupturas de reto são classificadas de acordo com as camadas teciduais acometidas. A
laceração grau I envolve a mucosa ou a submucosa. A laceração grau II implica ruptura somente das camadas
musculares. A laceração grau III compromete as camadas mucosa, submucosa e muscular, inclusive se
estendem para o interior do mesorreto. Na laceração grau IV ocorre perfuração de todas as camadas do reto e
extensão para o interior da cavidade peritoneal.
Pode­se realizar tratamento conservativo da laceração grau I com antibióticos de amplo espectro e fluidos IV.
O uso de flunixino meglumina é indicado para evitar ou tratar choque endotóxico. Deve­se administrar óleo
mineral por meio de sonda gástrica para amolecer as fezes e a dieta deve consistir de forragem de pastagem ou
alfafa. As lacerações graus II e III requerem cirurgia imediata e mais ampla. O prognóstico da laceração grau IV
é ruim; só deve ser corrigida se for pequena e se o tratamento é iniciado antes que a cavidade peritoneal seja
muito contaminada.

NEOPLASIAS RETAIS

Geralmente, as neoplasias retais malignas são adenocarcinomas, nos cães, e linfossarcomas, nos gatos. Os
adenocarcinomas têm crescimento lento e são infiltrativos. Pode surgir metástase local ou sistêmica antes de se
observar tenesmo, disquezia, hematoquezia ou diarreia. Cirurgia é o tratamento de escolha no caso dos
adenocarcinomas, mas pode não ser gratificante, pois em geral já há metástase previamente ao diagnóstico. Os
gatos com linfossarcoma retal devem ser tratados clinicamente com fármacos antineoplásicos.

PÓLIPOS RETAIS

Os pólipos adenomatosos retais são pouco frequentes e geralmente benignos, principalmente em pequenos
animais. Quanto maior o pólipo, maior é o risco de malignidade. Os sintomas incluem tenesmo, hematoquezia e
diarreia. Geralmente, o pólipo é palpável pelo reto, sangra facilmente e há ulceração superficial.
Periodicamente, o pólipo pode prolapsar através do orifício anal. A excisão cirúrgica com frequência é
acompanhada de rápida recuperação clínica e um longo período de sobrevida. Podem ocorrer novos pólipos
após a cirurgia. Deve­se enviar, sempre, uma amostra de tecido obtida por biopsia para diagnóstico
histopatológico.

PROLAPSO RETAL
No prolapso retal, ocorre protrusão de uma ou mais camadas do reto através do ânus, devido ao tenesmo
persistente associado a doença intestinal, anorretal ou urogenital. O prolapso pode ser classificado como
incompleto, no qual apenas a mucosa retal está evertida ou completo, quando há protrusão de todas as camadas
do reto.
ETIOLOGIA: O prolapso retal é comum em animais jovens com diarreia grave e tenesmo. Os fatores causais
incluem enterite grave, endoparasitismo, anormalidades no reto (p. ex., corpos estranhos, lacerações,
divertículos ou saculações), neoplasias retais ou do cólon distal, urolitíase, obstrução uretral, cistite, distocia,
colite e doença de próstata. Hérnia perineal ou outra causa de interrupção da inervação normal do esfíncter anal
externo também pode causar prolapso.
Animais de qualquer idade, raça ou sexo podem ser acometidos. Provavelmente, o prolapso retal é a
gastroenteropatia mais comum em suínos, devido à diarreia ou fraqueza do tecido de sustentação retal dentro da
pelve. Em bovinos, pode estar associado à coccidiose, raiva, prolapso vaginal ou uterino; ocasionalmente,
acasalamentos excessivos e lesão traumática associada podem ser a causa em touros jovens. Prolapso retal é
comum em ovinos com corte de cauda curto e, especialmente, em cordeiros de lotes de engorda, nos quais
rações ricas em concentrado podem ser os agentes causais. O uso de estrógenos como promotores de
crescimento ou a exposição acidental á micotoxinas estrogênicas também podem predispor os grandes animais
ao prolapso retal.
ACHADOS CLÍNICOS, LESÕES E DIAGNÓSTICO: A presença de uma massa cilíndrica e alongada que protrai
através do orifício anal geralmente define o diagnóstico. No entanto, ela deve ser diferenciada de intussuscepção
ileocólica prolapsada por meio de introdução de sonda, de instrumento rombo ou do dedo entre a massa
prolapsada e a parede interna do reto. No prolapso retal não se consegue introduzir o instrumento devido à
presença de um fórnix.
Ulceração, inflamação e congestão da mucosa retal são achados comuns. No início, há um segmento
inflamado, não ulcerado e curto; posteriormente, a superfície mucosa escurece e pode tornar­se congesta e
necrosada.
TRATAMENTO: Em todos os animais, é muito importante identificar e eliminar a causa do prolapso.
Em pequenos animais, o tratamento inclui reposicionamento imediato do tecido prolapsado viável em sua
localização anatômica apropriada, ou amputação se o segmento estiver necrosado. Os prolapsos pequenos ou
incompletos podem ser reduzidos manualmente, sob anestesia, com um dedo ou supositório. Lavagem com
solução salina morna e lubrificação com gel solúvel em água do tecido prolapsado devem ser previamente
realizadas. Como alternativa, uma solução de glicose hipertônica (glicose 50% ou manitol 70%) aplicada
topicamente pode ser usada para aliviar o edema de mucosa. Indica­se sutura em bolsa­de­fumo anal, frouxa,
por 5 a 7 dias. Pode­se evitar a tensão por meio da aplicação tópica de um anestésico (pomada de dibucaína 1%)
ou administração de narcótico por via epidural, antes ou após a redução ou correção. No pós­operatório,
recomenda­se dieta úmida e amolecedor fecal (p. ex., o sulfossuccinato sódico de dioctila). A diarreia, após a
cirurgia, pode necessitar tratamento.
Quando há dúvida quanto à viabilidade tecidual e esta impede a redução manual, há necessidade de ressecção
e anastomose do reto. Quando o tecido retal estiver viável, mas não for tratável por meio de redução manual,
indica­se celiotomia seguida de colopexia para evitar recidivas. Como indicado no tratamento medicamentoso,
pode­se utilizar anestesia epidural para reduzir a tensão.
Em grandes animais sugere­se anestesia epidural caudal para reduzir a tensão, facilitar o reposicionamento
do prolapso e permitir manipulações cirúrgicas. Recomenda­se redução e retenção com sutura em bolsa­de–
fumo. A sutura deve ser suficientemente frouxa para deixar abertura de um dedo no interior do reto, em suínos e
ovinos, e uma abertura ligeiramente maior em bovinos e equinos. O prolapso retal em éguas, se negligenciado,
pode levar ao prolapso do cólon menor. O suprimento sanguíneo para o cólon menor é facilmente interrompido.
O reposicionamento de um prolapso retal com prolapso do cólon menor, seguido por sutura em bolsa­de­fumo
anal tem prognóstico desfavorável. Um tratamento mais agressivo do prolapso deve se basear na condição do
reto. Em geral, o prolapso pode ser resolvido com medidas conservadoras, exceto quando há necrose ou trauma
profundo evidente no tecido, ou caso o tecido evertido se encontre firme, endurecido e irredutível. Neste caso
deve­se realizar ressecção ou amputação do tecido da submucosa. A amputação retal deve ser reservada aos
casos graves. A amputação completa implica maior prevalência de estenose retal, especialmente em suínos.
Pode­se utilizar anel de prolapso, êmbolo de seringa ou tubo plástico, como alternativa à amputação cirúrgica,
em suínos e ovinos. No pós­operatório, o animal deve receber antibióticos. Em equinos, pode­se utilizar
amolecedores fecais. Em geral, a correção de prolapso retal em cordeiros em idade de abate não é
economicamente viável.

TUMORES PERIANAIS

Ver tumores de glândula hepatoide, p. 953 e tumores de glândula apócrina oriundos do saco anal, p. 953.
ODONTOLOGIA

GRANDES ANIMAIS

A maior parte dos grandes animais é herbívora e o funcionamento dentário eficiente é fundamental para o
consumo alimentar e para a manutenção de condição corporal normal. Os dentes dos herbívoros evoluíram para
se ajustar aos atritos entre os dentes decorrentes do pastejo ou pela ruminação praticamente contínua.
As forças de desgaste são compensadas pelo desenvolvimento de dente hipsodonte (coroa alta) com erupção
contínua da coroa de reserva. As arcadas dentárias (6 dentes na região malar, em equinos) possuem dentição
regular que expõem bordas esmaltadas afiadas, para cortar e prensar alimentos com alto teor de celulose. Ao
mesmo tempo, a fragilidade do esmalte dentário é protegida pela dentina ao seu redor e ao cemento periférico.
Dentre os grandes animais domésticos comuns, geralmente os equinos exigem maior cuidado dentário. Na
suinocultura, o corte ou amputação de dentes caninos decíduos nos leitões e a amputação de presas nos varrões
podem ser parte do manejo destes animais. Nos camelídeos do Novo Mundo (lhamas etc.), faz­se o desgaste dos
dentes de briga (ou seja, incisivos e caninos superiores e os caninos inferiores) para reduzir o risco e as
consequências da briga. (Ver, lhamas e alpacas, p. 1954, para cuidados dentários adicionais). As espécies
exóticas também podem apresentar várias alterações dentárias, como compressão de presas em elefantes jovens
ou periostite dental maxilar e actinomicose em cangurus e cangurus­mirins.

Exame dos Dentes

Na maioria dos casos há correlação entre os achados de anamnese, a idade e os sintomas clínicos. Sempre, deve­
se realizar exame físico completo, seguido de exame minucioso dos dentes e da cavidade bucal. Na maioria dos
grandes animais, inclusive em equinos, este procedimento pode exigir sedação; alguns animais podem
necessitar anestesia geral. O exame completo da cavidade bucal pode ser facilitado quando a boca é lavada com
água morna e o profissional utiliza um foco de luz, juntamente com um espéculo bucal. O uso de um espelho
dentário ou de câmara de endoscopia melhora muito a qualidade do exame.

Profilaxia e Extração Dentária de Rotina

A profilaxia dentária de rotina é importante nos cuidados da saúde dos equinos. As bordas do esmalte devem ser
removidas duas vezes por ano, ao longo do período de erupção dos dentes permanentes e, posteriormente,
conforme necessário, de acordo com o manejo do animal. Os equinos com acesso livre à pastagem em geral
requerem profilaxia dentária anualmente; equinos estabulados e alimentados apenas com feno e grãos podem
necessitar profilaxia dentária e exame bucal duas vezes por ano.
O objetivo da profilaxia dentária é remover as bordas afiadas dos dentes da região malar, as quais podem
causar lesão de tecido mole e alongamento da superfície de oclusão. Impede­se o desenvolvimento de
irregularidades de desgastes das arcadas dentárias por meio da manutenção da superfície de oclusão normal.
Geralmente, é possível realizar profilaxia dentária mediante contenção simples e/ou uso de sedativos e
analgésicos. Atualmente são utilizados com maior frequência equipamentos elétricos para limar, nivelar e
realinhar as superfícies de oclusão dos dentes incisivos e da região malar. Estes instrumentos devem ser usados
com cautela, de modo a evitar traumatismo térmico e de pressão na dentina e na polpa. Isso implica no emprego
de esmeril de baixa velocidade, com curto período de contato e pouca pressão, além da remoção de no máximo
3 a 5 mm da superfície de oclusão, a cada 3 a 6 meses.
A maioria dos procedimentos dentários pode ser realizada com o equino em pé, sob sedação com ou semanas
anestesia regional; todavia, alguns procedimentos (p. ex., reparo de fratura e extração) geralmente requerem
anestesia geral. Na maioria dos casos há necessidade de exame radiográfico e proteção das vias respiratórias
contra os restos teciduais. Alguns dentes deteriorados podem ser extraídos utilizando­se afastador molar, pinça
de extração e aparador. No entanto, em alguns casos é preferível realizar exposição cirúrgica e remoção do
dente. A preservação do dente por ressecção da extremidade da raiz e tratamento endodôntico tem mostrado que
a extração não é necessária em todos os casos de deterioração de dentes em equinos.

Sintomas de Doença Dental

As doenças dentais (p. ex., fratura de dente e arcada dentária irregular) são causas primárias comuns de
definhamento, perda da condição corpórea ou mau desempenho reprodutivo ou de aleitamento. Em equinos, os
sintomas clássicos de doença dental incluem dificuldade ou demora em se alimentar e relutância em beber água
fria. Durante a mastigação o equino pode parar por alguns momentos e depois começar novamente. Às vezes, a
cabeça é mantida para um lado, como se o animal sentisse dor. Ocasionalmente, o equino pode “cuspir”, ou seja,
preender o alimento, transformá­lo em um bolo, mas deixá­lo cair da boca após mastigação parcial. Em alguns
casos, o conteúdo alimentar semimastigado pode se alojar entre os dentes e a bochecha. Para evitar o uso do
dente dolorido ou uma lesão de boca o equino pode engolir rapidamente o alimento e, em seguida, manifestar
indigestão, obstrução ou cólica. Pode evitar a ingestão de grãos duros e, juntamente, notam­se grãos não
mastigados nas fezes. Outros sintomas de doença dental em equinos incluem salivação excessiva e muco
sanguinolento na boca, bem como hálito fétido decorrente de deterioração dental. Deterioração extensa de
dentes acompanhada de periostite e abscesso radicular pode provocar empiema em seios paranasais e secreção
nasal unilateral intermitente. Pode haver tumefação facial ou mandibular e desenvolvimento de fístulas
mandibulares por infecções apicais nos dentes da região malar.
Os equinos podem relutar durante a colocação do freio na boca, chacoalhar a cabeça quando montados ou
resistir a técnicas de treinamento devido ao desgaste irregular dos dentes da região malar e às bordas afiadas nos
dentes maxilares acompanhadas de laceração da mucosa bucal. Nos equinos, a presença de dentes­de­lobo pode
ou não estar associada à resistência à colocação do freio.

ANOMALIAS CONGÊNITAS E DE DESENVOLVIMENTO

Nos equinos, a deformidade bucal congênita mais comumente diagnosticada é a “boca de papagaio”, na qual a
maxila é maior que a mandíbula. Em equídeos e bovinos, podem ocorrer várias anomalias de desenvolvimento
dental em consequência da exposição a toxinas teratogênicas. Entretanto, deve­se sempre considerar um fator
genético como causa primária.
Em bovinos e ovinos, notam­se irregularidades dentárias acompanhadas de fluorose sistêmica. Nas formas
mais discretas de fluorose pode haver envolvimento apenas dos dentes. Em casos extremos de fluorose (p. ex.,
40 ppm na dieta, por vários anos), podem–se observar outras anormalidades esqueléticas (fraturas de falange)
(Ver p. 3119).
Ocasionalmente, notam­se dentes supranumerários (poliodontia). Tanto nos equinos quanto nos bovinos, é
possível notar fileiras duplas de dentes incisivos ou dentes malares extras. O tratamento é determinado
individualmente e pode exigir extração dos dentes extras.
Ver dentes, p. 168.

ANORMALIDADE NA ERUPÇÃO DOS DENTES

A erupção anormal de dentes permanentes é uma sequela comum de trauma mandibular ou maxilar como, por
exemplo, fratura por avulsão dos dentes incisivos em bovinos e equinos, nas quais há lesão da papila dental em
desenvolvimento do dente permanente pela própria fratura ou pelo mecanismo de reparação. Em equinos, o
retardo na erupção ou a compactação dos dentes molares é causa comum de osteíte apical e subsequente
deterioração do dente. Isso acomete particularmente o terceiro dente molar (4o pré­molar [108, 208, 308 e 408,
do sistema de numeração Triadan]), tanto na arcada superior quanto na inferior, sendo uma sequela de discreta
sobreposição dos dentes. O deslocamento medial do terceiro dente molar é outra forma de erupção anormal
devido à sobreposição de dentes.

CÁRIES DENTÁRIAS

A infecção pode ser introduzida na cavidade pulpar de diversas maneiras, como por exemplo, por via
hematógena, periodontal ou por lesão direta à coroa dental. Nos equinos, a hipoplasia do cemento na camada de
esmalte (infundíbulo) dos dentes malares superiores pode predispor à cárie no infundíbulo, seguida de pulpite e
osteíte apical. Dependendo da localização do dente acometido, podem ocorrer sintomas de sinusite maxilar,
celulite local, periostite, periodontite alveolar e formação de fístulas. As características patológicas da
deterioração dentária são inespecíficas. Consequentemente, a etiologia da infecção apical no caso de fístula
dentária mandibular com secreção em uma lhama ou em um equino pode ser indefinida. Muitos animais não são
examinados até que a infecção esteja avançada e, em vez de primárias, as fraturas de dentes podem ser também
secundárias. Em algumas espécies (p. ex., equina) sugere­se que o fator predisponente de osteíte apical e pulpite
é a ocorrência de compactação anormal dos dentes. A etiologia da osteíte apical em camelídeos do Novo Mundo
e nos bovinos também pode igualmente influenciada.
Quando a deterioração dentária é grave, recomenda­se a extração do dente acometido. Em equinos,
geralmente é feita mediante exposição cirúrgica do dente acometido e posterior extração. Dados recentes
mostram que a extração bucal é possível, por meio de técnicas cuidadosas, sedação e bloqueio nervoso; desta
forma é possível evitar complicações graves associadas à extração, bem como o emprego de anestesia geral. O
alvéolo dentário deve ser higienizado cuidadosamente a fim de remover todos os fragmentos de osso e dente
acometidos. Devem­se utilizar acrílicos dentários, massas odontológicas e envoltórios para garantir que o
alvéolo dentário cicatrize adequadamente, protegendo­o de restos de alimentos. Após extrações dentárias, os
dentes adjacentes se movem gradualmente para preencher o espaço na arcada dentária. No entanto, esse
processo nunca se completa e a arcada de oclusão formará um declive no lado oposto ao dente extraído, bem
como encurvamento nas extremidades das arcadas opostas (tanto rostral quanto caudal). Nos equinos estas
irregularidades podem ser corrigidas por meio de polimento e realinhamento das arcadas a cada 6 a 12 meses.
Devido a estas complicações, especialmente em equinos, devem­se empregar técnicas cirúrgicas que
preservem os dentes. Em grandes animais, antes da ressecção da extremidade da raiz e do tratamento
endodôntico deve­se considerar a idade e as características específicas da doença local.

DESGASTE IRREGULAR DOS DENTES

Exceto no caso dos suínos, a maioria dos grandes animais possui um espaço intermandibular mais estreito que o
espaço intermaxilar; ou seja, são anisognáticos. Em equinos, tal condição, juntamente com o movimento natural
limitado da mandíbula, resulta no desenvolvimento de pontos de esmalte nas bordas bucais da arcada superior e
nas bordas linguais da arcada inferior. Em bovinos e ovinos, como a articulação temporomandibular propicia
maior movimentação lateral da mandíbula, estas irregularidades não ocorrem com tanta frequência. No entanto,
formas mais graves da doença são observadas em todas as espécies e podem ser influenciadas por outras
deformidades esqueléticas faciais ou infecções associadas (p. ex., Actinomyces sp). Boca com aspecto de tesoura
pode ser decorrência da obliquidade exagerada das superfícies molares. Pode acometer equinos idosos e
geralmente o tratamento não é satisfatório. O cuidado com os dentes deve ser complementado por dietas
especiais.
Nos equinos, os pontos de esmalte são melhor tratados por meio de profilaxia dentária regular (ou seja,
polimento). Isso deve ser feito duas vezes ao ano, até que a dentição permanente esteja completa; ao mesmo
tempo, devem ser removidos os revestimentos dentais quando há ulceração ou desconforto bucal.
Mandíbula em onda, mandíbula em degrau e curvas rostral e caudal são irregularidades causadas pelo
desgaste desigual dos dentes e são decorrências de dor local, mau alinhamento da mandíbula ou dos dentes ou
dente ausente ou danificado. Eventualmente, pode ocorrer doença gengival e alveolar secundária (i. e.,
periodontite). Estas afecções são prevenidas mediante profilaxia dentária regular de rotina. Quando as alterações
decorrentes de desgaste dental são graves, o resultado final dos procedimentos dentários geralmente não é
completo. Embora as superfícies de oclusão possam ser realinhadas, os cuidados com os dentes devem ser
complementados com o uso de dietas especiais.

DOENÇA PERIODONTAL

Em todos os animais, há certo grau de inflamação durante a erupção dos dentes, tanto decíduos quanto
permanentes. No entanto, caso ocorra má oclusão, uma doença periodontal grave é inevitável. Em equinos, isso
é uma sequela comum de formação de diastema, lesão bucal, compactação e fratura de dente, geralmente
acompanhada de desgaste irregular.
Em ovinos, a doença periodontal de dentes mandibulares rostrais (incisivos) geralmente é conhecida como
“boca quebrada”. Em alguns casos, a capacidade do pastejo do ovino é gravemente acometida. Geralmente, a
vida produtiva de muitos ovinos alimentados em sistema de confinamento é dois anos mais longa do que a dos
animais com acesso livre à pastagem. Poucas medidas podem ser empregadas para alterar a progressão da
doença, embora se recomende profilaxia dentária e restauração da regularidade de oclusão dos dentes incisivos.
Isso pode ser feito com auxílio de esmeril dentário ou bastão dental com lâmina fina.

PEQUENOS ANIMAIS

ANORMALIDADES DO DESENVOLVIMENTO

Crescimento e desenvolvimento adequado da cavidade bucal dependem de uma série de eventos que devem
acontecer em uma sequência correta. Alterações genéticas ou traumas que alteram o desenvolvimento dos
tecidos ou o tempo de seu desenvolvimento podem ocasionar anormalidades. Os defeitos que causam prejuízo
ao bem­estar, à saúde ou à atividade do paciente devem ser tratados, mas aqueles que envolvem apenas uma
condição estética não devem. Problemas de desenvolvimento comuns incluem persistência de dentes decíduos,
retenção de dentes, malformação dentária, má oclusão e maxilas mal formadas.

Persistência de Dentes Decíduos

Em filhotes de cães e gatos, os dentes decíduos auxiliam na funcionalidade da cavidade bucal de pequeno
tamanho (dentes em menor número e tamanho), por um determinado período de tempo. O trauma dentário
durante a fase de exploração bucal ativa geralmente é compensado pela esfoliação dos dentes lesionados à
medida que os permanentes surgem. Os dentes permanentes são maiores em tamanho e número e irrompem à
medida que as maxilas se desenvolvem para acomodá­los.
A esfoliação dos dentes decíduos é um mecanismo complexo e envolve a pressão exercida pela coroa do
dente permanente subjacente contra a raiz do dente decíduo. Se a erupção do dente permanente não ocorre na
posição correta o dente decíduo pode permanecer em sua posição. Isso pode ser devido à hipodontia
acompanhada de ausência de dente permanente sucedâneo, leito do dente permanente geneticamente mal
posicionado ou deslocamento traumático do leito dental. A persistência do dente decíduo em local com muito
espaço não causa problema. Entretanto, se há compactação com o dente permanente (geralmente, é o que ocorre
com o dente canino), este local torna–se predisposto à periodontite. Além disso, o dente permanente deslocado
pode causar oclusão traumática, que deve ser tratada. O tempo de esfoliação do dente decíduo e a substituição
deste pelo dente permanente são geneticamente determinados. Em casos raros, o trauma ocorrido durante o
desenvolvimento dentário pode causar deslocamento do leito dentário, o que interfere na esfoliação.
É comum notar dois dentes caninos ao mesmo tempo. A erupção do dente canino permanente superior é
medial (“rostral”) ao dente decíduo, com aspecto de um dente canino mais largo e rombudo, rostral a um dente
mais estreito e com cúspide afilada. A erupção do dente canino permanente inferior é em direção lingual
(medial) ao dente decíduo, com aspecto de um dente canino mais largo e rombudo em direção à língua, próximo
a um dente mais estreito e cúspide afilada, localizado próximo ao lábio. Na região dos dentes pré­molares é
comum verificar um dente decíduo semanas o dente permanente correspondente. Um dente pré­molar menor do
que o normal deve ser radiografado para que sua anatomia e estrutura radicular sejam avaliadas, o que
determina se este é um dente decíduo.
Deve­se realizar a extração de um dente decíduo que permanece fixo (semanas mobilidade) após a erupção do
dente permanente que o sucede. Os dentes decíduos persistentes, semanas um dente permanente substituto,
devem ser mantidos, desde que as raízes estejam preservadas. Entretanto, deve–se realizar avaliação
radiográfica para confirmar que não há dentes permanentes retidos e que as raízes não estão sendo reabsorvidas.
Sabendo­se que a maioria dos casos de persistência de dentes decíduos tem origem genética, os animais
acometidos não devem ser utilizados como reprodutores, exceto se a causa for traumática.

Dentes Retidos

A erupção dentária é geneticamente programada. Algumas raças, especialmente as pequenas (p. ex., Maltês),
são predispostas à erupção incompleta ou retardada. Algumas raças braquicefálicas são predispostas a alterações
nos primeiros dentes pré­molares, que ficam retidos devido sua má posição. O trauma também pode mover o
leito dentário para uma posição que impede a erupção devido ao contato contra outras estruturas.
Em algumas raças (principalmente Terrier), a ausência de alguns pré­molares é considerada um achado
normal. Entretanto, na maioria dos animais deve­se indicar o exame radiográfico quando se nota um local
semanas dentes, onde deveria existir. O dente retido é facilmente identificado.
Os dentes parcialmente retidos por uma porção de gengiva persistente podem ser tratados mediante
gengivectomia, a fim de para moldar o tecido à arquitetura normal. Os dentes que completamente retidos, após o
desenvolvimento, podem permanecer imóveis e devem apenas ser monitorados. Entretanto, podem também
originar cistos dentígeros que podem lesionar uma porção extensa das maxilas. Os primeiros pré­molares são
mais predispostos à formação de cistos, principalmente em cães de raças braquicefálicas. Por este motivo, deve­
se investigar radiograficamente a ausência do primeiro dente pré­molar; se estiver exposto, deve ser extraído ou
monitorado periodicamente com auxílio de radiografias. Outros dentes retidos associados a alterações devem ser
extraídos. A excisão cirúrgica de dentes caninos mandibulares fixados em pontos profundos é um desafio.
Animais com dentes retidos não devem ser utilizados como reprodutores, exceto se a causa for um trauma.

Dentes Malformados

Durante a formação dos dentes, qualquer interrupção neste processo pode originar um dente malformado. A
causa pode ser traumática, metabólica, infecciosa ou, raramente, genética. As lesões à epiteliogênese (p. ex.,
causados por parvovírus, vírus da cinomose e febre alta), que ocorrem durante a amelogênese, causam
hipoplasia de esmalte ou hipomineralização. A ocorrência de lesão durante a formação da dentina pode
ocasionar ausência ou malformação das raízes dentais.
As anormalidades no esmalte podem ser regionais, com linhas circulares delimitando uma região com
ausência de esmalte (superfície irregular e manchada), ou generalizadas, com perda completa do esmalte. A
disgenesia radicular pode resultar em coroa de aparência relativamente normal, porém móveis. A ausência de
raiz dental é facilmente identificada no exame radiográfico. A convergência das raízes dentárias do primeiro
dente molar inferior é uma alteração individual interessante e possivelmente sua origem é genética. Raramente,
esta afecção é notada em outros dentes. A coroa pode parecer normal ou ter um pequeno sulco oriundo do
desenvolvimento na superfície bucal que se estende até a margem da gengiva. A radiografia revela que as raízes
convergem em seu ápice, em vez de manter o posicionamento divergente normal. Em alguns casos, a coroa é
bem maior do que a raiz. A convergência causa arqueamento dorsal da região ventral da câmara pulpar, para o
interior de sua parte central, o que resulta em imagem radiográfica de “dens­in­dente” ou “dens invaginatum”.
Estes dentes comumente têm uma comunicação do ligamento periodontal à câmara da polpa, na região da
bifurcação, o que resulta em alta prevalência de doenças endodônticas. Geralmente, várias outras anormalidades
dentárias podem ser constatadas, como dentes supranumerários, dentes duplicados (dente supranumerário
ocupando o mesmo lugar de outro dente), dentes unidos parcialmente (dentes supranumerários fundidos), raízes
supranumerárias e dentes “em pino” (dentes cilíndricos e pequenos).
Hipoplasia de esmalte ou hipomineralização deve ser tratada por meio de selamento precoce da dentina para
evitar a penetração de bactérias na polpa. O uso de verniz dental contendo resina também pode proteger a
dentina mais delicada frente à abrasão e mantém uma superfície lisa, na qual é menos provável a formação de
placa; entretanto, pode ocorrer desgaste ou fragmentação. O prognóstico a longo prazo para disgenesia de raiz é
ruim. Os dentes podem ser preservados durante anos mediante higiene bucal cuidadosa e prevenção de uso
excessivo ou trauma dental. Dentes anômalos devem ser investigados com o intuito de detectar uma doença
associada; muitos não causam problemas e não requerem tratamento.
Dentes malformados podem ser consequências de traumas, infecções ou anormalidades genéticas. Em geral, a
prevenção e os cuidados de rotina durante a fase de desenvolvimento dental evitam que isso ocorra.

Má Oclusão e Maxilas Malformadas

Na maioria dos casos a má oclusão é de origem genética; entretanto, trauma durante o desenvolvimento dental
pode interferir no crescimento normal dos dentes. Por meio de manejo reprodutivo, é mais fácil manipular o
comprimento maxilar do que o mandibular. Logo, a seleção por cabeça e focinho mais longos acidentalmente
origina animais para distoclusão mandibular (ou seja, mordida profunda, braquignatismo, boca de papagaio),
enquanto a seleção de animais com cabeça “bloqueada” e focinho menor resulta em mesioclusão mandibular
(ou seja, braquicefalia, prognatismo). Os maxilares, inferior e superior, se desenvolvem em velocidades
diferentes, fazendo com que o momento da erupção dos dentes seja muito importante. Se os maxilares têm uma
relação anormal entre si no momento que os dentes permanentes têm tamanho suficiente para a oclusão, a
dentição se fecha de forma anormal. Se isso ocorre apenas em um lado pode ocorrer crescimento contínuo em
um lado, não ocorrendo no outro lado, resultando em desencontro da linha média dos incisivos centrais (ou seja,
mordida “torta”).
A discrepância mandíbula­maxila mais comum é horizontal, resultando em mesioclusão ou distoclusão
mandibular. Geralmente, a distoclusão ocasiona oclusão traumática quando os dentes caninos mandibulares
tocam o palato. Esta afecção, na maioria das vezes, é acompanhada de linguoversão dos dentes caninos
mandibulares, pois à medida que irrompem os dentes podem ser direcionados ao palato. O mau posicionamento
dental também pode ser de origem genética, como a mesioversão dos dentes caninos (ou seja, “dente em
lança”), em cães das raças Dachshund e Shetland Sheepdog.
Durante o período de dentição decídua pode­se realizar intervenção ortodôntica por meio da extração seletiva
de dentes decíduos. Caso haja dentes entrelaçados, a extração destes pode permitir que a maxila e/ou mandíbula
cresçam de acordo com o seu potencial genético. A mordida cruzada rostral pode ser corrigida pela extração dos
dentes incisivos maxilares decíduos. Além de aliviar o problema, isto permite que os incisivos permanentes
surjam em um ângulo mais labial (geralmente, estes surgem na face palatal dos incisivos decíduos), o que
auxilia na correção da má oclusão. Da mesma forma, a distoclusão mandibular de dentes decíduos pode ser
tratada pela extração dos dentes caninos inferiores decíduos. Conforme mencionado anteriormente, além de
aliviar o problema, isto permite que os caninos permanentes inferiores surjam em um ângulo mais labial
(geralmente, estes surgem na porção lingual dos caninos decíduos), o que auxilia na correção da má oclusão.
Sempre que se faz extração de dentes decíduos deve­se evitar o contato com o germe do dente permanente
subjacente em desenvolvimento, de modo a evitar lesão ao órgão formador de esmalte e ao próprio esmalte em
desenvolvimento. Este lesão pode provocar manchas amarronzadas nos dentes permanentes devido ao defeito de
esmalte. Deve­se evitar o uso de instrumentos na porção palatal dos dentes incisivos superiores decíduos ou na
porção lingual dos dentes caninos inferiores decíduos. Pode ocorrer lesão ao esmalte, mesmo com o uso de
técnicas adequadas, pois o epitélio do esmalte pode ser removido quando o dente decíduo é retirado do alvéolo.
A mesioclusão dos dentes permanentes pode ser um achado normal em várias raças braquicefálicas e não
deve ser tratada, exceto se resultar em má oclusão. Se há atrito entre os dentes caninos inferiores e a face palatal
do segundo e terceiro incisivos superiores, a extração destes origina um amplo diastema, no qual o canino pode
se encaixar, resolvendo o problema. A mordida cruzada rostral (ou seja, incisivos superiores localizados na face
lingual dos incisivos inferiores) raramente causa desconforto ou problemas de saúde. Por outro lado, a
distoclusão mandibular geralmente requer intervenção ortodôntica ou cirúrgica. Os dentes caninos podem ser
movidos para uma posição atraumática (nem sempre normal), confortável e funcional. Além disso, o dente pode
ser reduzido e a polpa tratada com um enxerto pulpar. Esta abordagem requer acompanhamento radiográfico ao
longo da vida, a fim de monitorar a necessidade de tratamento endodôntico definitivo.

CÁRIES DENTÁRIAS

As cáries dentarias (“deterioração”) são infecções bacterianas dos dentes. São muito comuns em pessoas, mas
pouco frequentes em cães e extremamente raras ou inexistentes em gatos. Isto pode estar relacionado com o fato
da saliva de cães e gatos ser mais alcalina do que a de pessoas; a lesão inicial da cárie é a desmineralização
ácida do esmalte. Outros fatores também podem estar envolvidos, como alteração na flora bucal e na dieta que
possui menor quantidade de carboidratos prontamente fermentáveis.
Em cães, geralmente a cárie se instala na superfície de oclusão dos dentes molares. A aparência é de uma
lesão cavitária amarronzada, com superfície macia, na qual a extremidade de uma pinça de exame pode
penetrar, cravando­a.
A parte do dente cariado deve ser removida com auxílio de pinças ou brocas dentais específicas. Devem ser
realizadas radiografias para determinar se a infecção atingiu a polpa e, neste caso, o dente deve ser também
submetido a tratamento de canal da raiz. A estrutura dentária removida deve ser restaurada com amálgama ou
resina sintética.
Cães que apresentam cáries dentais são predispostos a lesões adicionais; o tratamento com produto tópico à
base de fluoreto de estanho, a cada duas semanas, pode ajudar na prevenção de cáries nestes animais. Como os
cães não cospem, eles ingerem qualquer medicamento utilizado. Logo, deve­se empregar apenas pequena
quantidade do produto na superfície de oclusão dentária. O fluoreto pode causar gastrite, além de
nefrotoxicidade, se ingerido em grande quantidade.

DOENÇA ENDODÔNTICA

ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: A doença endodôntica se instala quando ocorre infecção ou inflamação da polpa
dentária (tecido conectivo, vasos sanguíneos e nervos no centro do dente). A polpa é protegida das bactérias por
um esmalte impenetrável que recobre a dentina da coroa. O lesão ao esmalte, seja por trauma ou por
anormalidades de desenvolvimento, resulta em pulpite e possível necrose pulpar. Trauma brusco também pode
lesionar a polpa, além de sua capacidade de cicatrização. O dente com exposição direta da polpa em um ponto
de fratura requer tratamento endodôntico ou extração. Os dentes são fraturados por trauma externo (p. ex.,
pedras, acidente automobilístico, brincadeiras agressivas) ou por mordida em objetos inapropriados (ossos,
unhas, brinquedos duros, pedras, cercas ou gaiolas). A polpa inflamada ou necrosada libera mediadores
inflamatórios nos tecidos perirradiculares, os quais saem do dente infectado através do delta apical, na
extremidade da raiz ou através de canais laterais. Nos tecidos envolvidos, surgem granulomas, cistos ou
abscessos. As cáries são infecções bacterianas dos dentes (ver p. 186). Apesar de raras em cães, quando
presentes, rapidamente infectam a polpa.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A alteração de coloração dos dentes indica trauma prévio e hemorragia oriunda
da polpa à dentina. Após lesão discreta a polpa inflamada pode cicatrizar. Entretanto, traumatismo mais grave
ocasiona pulpite irreversível e até mesmo necrose. Em razão da ausência de circulação colateral da polpa dental,
a cicatrização das lesões é mais demorada e o sangue extravasado permanece na dentina, onde se deteriora em
vez de ser removido. O principal sinal de doença endodôntica é um dente fraturado com exposição da câmara
pulpar. A polpa sangra apenas por breve período. Após a lesão inicial, pode surgir uma mancha vermelha no
local exposto, se a polpa estiver viva, ou um ponto preto, se ocorreu necrose. De qualquer forma, há necessidade
de tratamento. Mais frequentemente, ocorre drenagem no local da fratura. Entretanto, pode se formar um
abscesso apical, quando o ponto de fratura é ocluído. A pele ventral ao canto do olho é um local comum de
edema e drenagem purulenta oriunda de uma fístula decorrente de infecção do quarto dente pré­molar superior.
Também, é possível notar parúlide intraoral, ou seja, uma fístula eritematosa que drena acima ou na junção
mucocutânea adjacente ao dente. Em cães, abscesso do dente canino superior pode causar tumefação ao longo
da lateral do nariz; geralmente em gatos a tumefação é rostral ao olho. Os animais raramente manifestam
desconforto, mesmo nas síndromes que causam dor odontofacial intensa em pessoas.
No exame radiográfico de um dente acometido por doença endodôntica o achado típico é um brilho
periapical, ou seja, uma lesão circular irregular com redução da radiopacidade ao redor da extremidade da raiz.
Ao longo da vida, a polpa produz dentina no interior da cavidade pulpar, o que resulta em redução constante do
tamanho da polpa. A polpa necrosada deixa de produzir normalmente a dentina e fica menos desenvolvida do
que a polpa do dente adjacente ou contralateral. Por outro lado, uma polpa inflamada produz dentina em maior
quantidade. Caso haja pulpite generalizada o dente pode ter envelhecimento acelerado evidente, com câmara
pulpar e espaço do canal radicular muito estreitos.
TRATAMENTO: Os dentes com pulpite irreversível ou necrose pulpar necessitam tratamento endodôntico
(tratamento do canal da raiz) ou extração. Exceto em pacientes muito jovens, uma dessas opções deve ser
indicada nos casos de fratura de dente com exposição da câmara pulpar. Os dentes caninos, em cães e gatos, e o
dente carniceiro (quarto pré­molar superior e primeiro molar inferior), em cães, são considerados estratégicos. O
tratamento do canal da raiz é mais confortável ao paciente do que a extração, além de preservar a função do
dente. Cães de trabalho, como aqueles militares, da polícia, ou de desempenho podem necessitar restauração
completa da coroa. Em alguns casos, perdas extensas de dentes pré­molares ou molares podem requerer
restauração da coroa para restabelecer a estrutura cervical e manter a higidez periodontal.
DOENÇA PERIODONTAL

Doença periodontal é um termo amplo que caracteriza infecção e/ou inflamação do tecido que sustenta e
circunda os dentes. Gengivite é a inflamação da gengiva. É uma resposta normal aos antígenos da placa
bacteriana que se desenvolve em grande parte dos cães e gatos adultos. A periodontite é uma doença mais grave,
que envolve a inflamação do ligamento periodontal e do osso alveolar. A periodontite é mais comum em
algumas raças, mas pode acometer qualquer animal.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Geralmente a cavidade bucal contém uma microflora bacteriana abundante, a qual
dá origem à placa na superfície dentária. A placa bacteriana expõe antígenos constantemente à gengiva
adjacente, condição que estimula a reação inflamatória e causa gengivite. As bactérias presentes na placa são
principalmente aeróbicas gram­positivas imóveis, como Staphylococcus spp e Streptococcus spp, mas também
podem haver várias outras. Embora esta flora estimule a resposta imune, as bactérias presentes na boca saudável
mantêm relativa harmonia comensal com o hospedeiro, inclusive podendo ser benéficas por ajudarem a limitar o
número de bactérias mais patogênicas. Se a placa é muito espessa devido à má higiene bucal, a população
bacteriana pode se tornar mais patogênica, com maior porcentagem de bacilos anaeróbicos imóveis. As
bactérias encontradas quando há inflamação incluem Bacteroides fragilis, Peptostreptococcus, Porphyromonas
gulae, Porphyromonas salivosa, Porphyromonas denticanis, Prevotella intermedia, Treponema spp, Bacteroides
splanchnicus, possivelmente Odoribacter denticanis e várias outras. Curiosamente, alguns dos principais
patógenos periodontais verificados em pessoas, como Aggregatibacter (Actinobacillus) actinomycetemcomitans
não estão presentes em animais. A placa subgengival (placa na superfície da raiz abaixo da margem gengival)
com frequência também é habitada por estas espécies de bactérias mais patogênicas. A periodontite é causada
pela resposta do hospedeiro à placa subgengival. Os mediadores inflamatórios produzidos pelo hospedeiro
causam lesão ao tecido e osso, ao redor da raiz. As próprias bactérias e seus metabólicos também contribuem
com a lesão óssea. O desenvolvimento de periodontite também é influenciado por outros fatores intrínsecos
(características genéticas, aglomerado de dentes, osso alveolar fino, idade) e extrínsecos (dieta, estresse, doença
concomitante, higiene bucal).
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A gengivite discreta (grau 1) caracteriza­se por hiperemia decorrente dos vasos
sanguíneos gengivais marginais. Na gengivite moderada (grau 2) nota­se edema da margem gengival que se
caracteriza por bordas espessas, em razão do espessamento dos tecidos adjacentes aos dentes. Na gengivite de
grau 3 (grave) verifica­se ulceração na superfície epitelial. A gengivite não causa dor e os únicos sintomas mais
evidentes são eritema e halitose. Uma forma de gengivite juvenil acomete alguns felinos com 6 a 8 meses de
idade. Geralmente, esses gatos apresentam gengivite moderada a grave, condição rara em animais jovens.
A periodontite discreta (grau 1) caracteriza­se pela formação precoce de bolsas periodontais, à medida que o
tecido de sustentação é lesionado. Estas bolsas podem acometer até um terço do comprimento da raiz. Na
periodontite moderada (grau 2), a perda de aderência da raiz acomete um a dois terços do comprimento da raiz.
A perda de aderência ao longo de dois terços da raiz é considerada grave (grau 3) e geralmente é acompanhada
de movimentação dos dentes e desconforto. A periodontite não causa desconforto, exceto quando há mobilidade
dental ou abscesso periodontal. Também, pode ocorrer retração de gengiva, exposição da bifurcação da raiz e
perda do osso alveolar. As radiografias da cavidade bucal fornecem informações valiosas quanto à gravidade e
padrão de perda do osso alveolar.
TRATAMENTO: A remoção da placa bacteriana que causa gengivite propicia resolução da inflamação e o tecido
retorna à normalidade. Limpeza, raspagem e polimento dos dentes por profissionais são realizados sob anestesia
geral. A limpeza dentária realizada em paciente acordado melhora a aparência da coroa dos dentes, mas não a
higidez periodontal. Caso não se obtenha cura da gengivite, devem­se realizar exames adicionais para identificar
outros fatores complicadores, como cálculo e placa subgengival ou causa(s) predisponente(s). Outras causas
menos frequentes de gengivite são as doenças sistêmicas (p. ex., estomatite urêmica), doenças autoimunes,
gengivite juvenil, entre outras, que requerem outros procedimentos além da simples remoção da placa.
A periodontite necessita tratamento mais agressivo. Deve­se realizar raspagem da raiz do dente (para remover
o cálculo), polimento da raiz e remoção do cemento acometido. As bolsas periodontais não profundas são
tratadas clinicamente, mas quando sua profundidade é > 6 mm deve­se realizar cirurgia para expor a superfície
da raiz, de modo a permitir tratamento adequado. A aplicação local de antibióticos, no interior das bolsas, pode
ser útil. Geralmente, em casos de dentes com aumento da mobilidade, cujo prognóstico é reservado a ruim, a
extração é o melhor tratamento. A periodontite não é facilmente tratada como a gengivite, requerendo cirurgia
óssea e colocação de implantes ósseos e membranas biológicas para regeneração tecidual e óssea. Isto não é
uma boa opção para bolsas periodontais em dentes caninos maxilares próximos ao palato, que tenham causado
fístula oronasal; nestes casos o tratamento baseia­se na extração do dente canino e correção cirúrgica da fístula.
Os defeitos ósseos profundos, caracterizados por perda óssea que enfraquecem a bifurcação radicular podem
ocasionar infecção da polpa por meio de canal lateral ou pela bifurcação, o que resulta em doença endodôntica
secundária. A preservação destes dentes também requer tratamento endodôntico (ver a seguir); o prognóstico
varia de acordo com a doença periodontal.
Os dentes que se tornaram móveis devido à perda de aderência de suporte ósseo devem ser extraídos. Em
alguns casos eles podem ser preservados por meio de enxertos ósseos, cirurgia periodontal aberta e ligadura
dentária, mas ocorre recidiva quando não se adotam mudanças efetivas na higiene bucal, no domicílio. A
extração permite que o tecido cicatrize. Um cão ou gato pode viver muito melhor e com mais conforto, semanas
um dente do que com um dente infectado e móvel.
PREVENÇÃO: A prevenção de gengivite baseia­se nas mesmas medidasmencionadas no tratamento: controle e
remoção da placa. A placa é um biofilme típico composto por vários microrganismos que diferem quanto suas
formas planctônicas. Em um biofilme, os microrganismos são mais resistentes aos antibióticos, desinfetantes e
outros antimicrobianos. Entretanto, os biofilmes são fácil e efetivamente removidos com auxílio de uma escova
de dente; mesmo quando há grande quantidade de placa supragengival. Os dentes devem ser escovados
diariamente, evitando­se acúmulo de cálculo (tártaro). Os gatos raramente aceitam escovação regular, logo a
placa deve ser removida com auxílio de uma gaze, a cada dois ou três dias. Na maioria dos cães e gatos, apenas
a superfície externa (bucal/labial) dos dentes maxilares precisa ser escovada. A placa que permanece na
superfície por > 3 dias se mineraliza para formar o cálculo, que não é removido com a escovação. O cálculo
contribui pouco para a ocorrência de doença periodontal, apesar de dar uma aparência de dentição não saudável.
Textura dos alimentos, brinquedos e petiscos podem interferir nos mecanismos de autodefesa dos dentes.
Objetos fibrosos firmes que permitem a penetração do dente podem auxiliar na limpeza da placa presente na
superfície dentária, durante a mastigação. Além da textura, alguns alimentos são formulados com ingredientes
que ajudam a reduzir a carga bacteriana bucal ou a retardar a mineralização da placa.
Os produtos que evitam a ligação das películas ou adesão da placa bacteriana precursora podem ser úteis.
A prevenção da periodontite é mais complicada. A higiene bucal regular a fim de remover as placas
supragengivais propicia proteção, evitando o desenvolvimento de placa subgengival, além de reduzir o número
de patógenos periodontais. É essencial que os fatores predisponentes sejam identificados e eliminados. Os
fatores que devem ser modificados incluem agregação grave, que pode ser corrigida por meio de extração
dentária seletiva; predisposição anatômica, que podem ser modificadas; diabetes ou insuficiência renal, que
pode ser tratada e controlada; e comportamentos inapropriados ou hábitos parafuncionais, que lesionam os
tecidos, possíveis de serem tratados.

REABSORÇÃO DENTÁRIA (Lesão por Reabsorção, Lesão Cervical, Lesão de Colo, Lesão

por Reabsorção Odontoclástica Felina [LROF]).

A reabsorção de estruturas dentais se deve à ação de odontoclastos – células praticamente semelhantes aos
osteoclastos. Isso pode ocorrer na superfície externa da raiz ou na superfície de revestimento interno da
cavidade pulpar (câmara pulpar e canal radicular). A atividade odontoclástica pode ser estimulada por
inflamação e pela pressão de estruturas adjacentes, com resultado de mecanismos normais como a esfoliação de
dentes decíduos, ou até mesmo na ausência destes mecanismos. A reabsorção dentária idiopática pode ser
esporádica em diversas espécies (inclusive humana), mas é a lesão dental mais frequente em felinos domésticos.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: A reabsorção dentária começa com lesão focal ao cemento que recobre a superfície
da raiz. Em geral, áreas microscópicas de reabsorção radicular são reparadas rotineiramente, em felinos. A
reabsorção dental de qualquer etiologia se deve à ativação dos osteoclastos, que removem a estrutura dentária e
criam uma lacuna de reabsorção. Em várias lesões, mas não em todas, a atividade concomitante dos osteoblastos
propicia substituição do dente perdido por tecido ósseo. Além disso, a reabsorção atinge a dentina e pode
enfraquecer o esmalte dentário, fato que ocasiona defeito clínico evidente na superfície do dente. Sabe­se que a
inflamação decorrente de periodontite causa reabsorção externa e é mais provavelmente responsável pela
reabsorção dentária em áreas de doença periodontal. Entretanto, a etiologia da reabsorção dentária idiopática
ainda não foi comprovada. As principais teorias incluem abfração (ou seja, forças horizontais anormais no dente
durante a mastigação, o que causa microflexão e trauma na região cervical) e causas nutricionais (p. ex., dieta
rica em vitamina D), entre outras.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: As características clínicas são variáveis. Em felinos, geralmente o terceiro pré­
molar inferior (o primeiro pré­molar atrás do canino) é o primeiro dente acometido. Em cães, os dentes pré­
molares e molares são mais frequentemente acometidos. Em geral, pequenas lesões de esmalte da coroa dental
(lesões “intraorais”) iniciam na margem gengival e parecem inflamação da borda da gengiva ou crescimento
excessivo da gengiva em direção à coroa dental. Lesões maiores caracterizam­se por defeitos dentários
evidentes que são substituídos por tecido de granulação. A margem do defeito apresenta uma borda afilada de
esmalte. Neste estágio, a lesão visível representa “a ponta de um iceberg” e a maioria das alterações acomete as
raízes ou os tecidos dentais mais profundos. A reabsorção dentária é caracterizada em termos de gravidade
(estágio) e achados radiográficos (tipo). As lesões em estágio 1 acometem o cemento, mas não a dentina. As
lesões em estágio 2 afetam a dentina, mas não a polpa. As lesões em estágio 3 acometem a polpa. As lesões em
estágio 4 mostram lesão evidente de coroa ou raiz, seguida de perda da integridade dental. Nas lesões em
estágio 5 há perda total da coroa e a gengiva sobre o local acometido encontra–se intacta.
As lesões são radiograficamente classificadas como tipo 1, quando a raiz do dente acometido mantém a
radiopacidade normal em quase toda sua totalidade, exceto nos pontos da própria reabsorção focal; ou como
tipo 2, quando há perda completa da radiopacidade da raiz acometida quando comparada à raiz dos dentes
adjacentes. Em casos graves, as raízes “desaparecem” radiograficamente, ou parecem “imagens fantasmas” da
sua anatomia normal. Esta alteração é compatível com a substituição da raiz por tecido ósseo ou semelhante à
cemento.
As lesões por reabsorção expostas na cavidade bucal podem causar desconforto. As lesões restritas à
superfície da raiz geralmente não causam incômodo ou outros sintomas clínicos. A reabsorção causada por
inflamação decorrente de doença periodontal ou endodôntica está associada a sintomas típicos desta afecção.
Nos dois casos há inflamação e infecção e aqueles causados por doença endodôntica também podem causar dor.
DIAGNÓSTICO: Gengivite marginal de alguns dentes isolados, na ausência de periodontite, pode indicar lesão
subgengival inicial. As lesões sob a borda gengival podem ser diagnosticadas por meio de exame cuidadoso dos
dentes. Lesões maiores são identificadas pela sua característica típica na superfície dentária. Lesões extraorais,
que acometem a raiz ou a parte interna da coroa, são observadas apenas com auxílio de radiografia e notam­se
áreas com redução da radiopacidade.
TRATAMENTO E PREVENÇÃO: A maioria dos dentes que sofreu reabsorção deve ser extraída. A excisão cirúrgica
da coroa pode ser realizada nos dentes cuja lesão é classificada radiograficamente como do tipo 2 e apenas nos
pacientes que não apresentam doença endodôntica, periodontite ou evidência de estomatite caudal (ver p. 389).
A higiene bucal evita lesões inflamatórias causadas por periodontite marginal, enquanto o tratamento do canal
da raiz ou a extração de dentes com lesões endodônticas evita a reabsorção causada por periodontite apical. As
lesões idiopáticas não podem ser prevenidas, pois sua etiologia é desconhecida. Caso haja envolvimento de
abfração, é útil o fornecimento de uma dieta de consistência semelhante àquela oferecida a pássaros ou a
pequenos roedores, a fim de evitar essas lesões; mas a eficácia deste procedimento não foi comprovada.

TRAUMATISMO MAXILOFACIAL

Os dentes, a maxila e a mandíbula são resistentes e têm papel importante na interação entre o animal e seu
ambiente. Isto faz com que estes sejam predispostos a lesões traumáticas, principalmente durante briga com
outros animais, acidente automobilístico, lesão em grades ou queda em superfície dura. A mandíbula também
pode sofrer fratura patológica espontânea devido à periodontite grave na região dos primeiros molares inferiores
ou em razão de neoplasia mandibular.
Um dente fraturado com mancha avermelhada ou enegrecida no centro do local fraturado indica exposição da
polpa. A ausência de um dente após o trauma pode indicar que este caiu ou tenha sido fraturado, mas
fragmentos radiculares podem estar presentes. Isto pode ser detectado por meio de radiografias. A mandíbula
fraturada causa má oclusão aguda e incapacidade de se alimentar. Geralmente, a linha média da mandíbula é
deslocada para o lado fraturado. A boca pode permanecer aberta.
Os dentes fraturados são tratados conforme mencionado anteriormente (ver p. 190). Os dentes que sofrem
avulsão podem ser reposicionados, se tratados imediatamente. O proprietário deve condicionar o dente o mais
rápido possível em um meio de transporte específico ou no leite, semanas tocar na raiz. O alvéolo e a superfície
radicular devem ser lavados cuidadosamente com solução salina estéril para remover as sujidades; em seguida o
dente é colocado no espaço alveolar e fixado com fio metálico interdental, por um mês. A fixação rígida com
acrílico ou prótese não é tão útil na reparação do ligamento periodontal (favorece a ancilose), mas pode ser uma
boa opção para evitar o uso excessivo do dente recém­implantado. O tratamento do canal da raiz é realizado por
ocasião da remoção do fio.
O traumatismo a tecidos moles é tratado utilizando­se sutura primária com fio absorvível. Os tecidos moles
da cavidade bucal são vascularizados e cicatrizam rapidamente. A lavagem bucal com solução de clorexidina
0,12%, a cada 2 dias, auxilia na redução da população de bactérias bucais durante a cicatrização.
As fraturas maxilares podem ser fixadas com auxílio de fios metálicos e suturas. As fraturas mandibulares
podem ser mais complicadas; sempre que possível devem ser imobilizadas com uma combinação de fio
interdental e revestimento com resina ou acrílico, como um fixador externo, para sustentar os dentes. Posiciona­
se o fixador no lado fraturado do osso, evitando­se lesão às raízes dentais, comum em casos de estabilização
com parafusos ou placas metálicas. É muito importante a preservação da oclusão normal. Em geral, os cães
submetidos à fixação rígida ingerem alimento pastoso facilmente, até que o implante é retirado depois de 6 a 8
semanas.
As fraturas caudais da mandíbula, atrás dos molares, são mais graves devido à ausência de dentes em ambos
os lados da fratura e à fina espessura do osso caudal ao corpo da mandíbula. Podem­se utilizar placas, mas o
prognóstico é reservado. O uso de aparelhos dentários (ou seja, fios que unem a arcada dentária superior à
arcada inferior) pode propiciar bom resultado, mas há risco de aspiração durante o período de uso dos fios, caso
o animal vomite. Devem–se utilizar tubos de alimentação até que os fios sejam retirados.

PARALISIA DE FARINGE

A paralisia de faringe pode ser resultado de um distúrbio nervoso periférico ou central, ou ocorre
secundariamente à doença local grave que causa colapso, obstrução ou mau funcionamento da faringe. Dentre
os distúrbios do SNC, a raiva (p. 1422) é a causa viral de encefalomielite mais importante, embora talvez não a
mais frequente. Toxicidade ao SNC, intoxicação por chumbo, traumatismo craniano, abscesso intracraniano e
neoplasia também podem causar paralisia de faringe em várias espécies.
As causas periféricas de paralisia de faringe incluem traumatismo faringiano e anormalidades dos anexos da
faringe, especialmente aquelas que envolvem a bolsa gutural em equinos. As afecções da bolsa gutural que
causam paralisia faringiana incluem micose, empiema e neoplasia, além de osteoartropatia da articulação
temporo–hioide. A mieloencefalite protozoária equina também pode causar paralisia de faringe em alguns
equinos. O grau de paralisia varia de parcial a total, dependendo se a alteração é uni ou bilateral, e central ou
periférica. As lesões unilaterais provocam disfunção parcial da faringe. Por exemplo, equinos com doença de
bolsa gutural podem deglutir, mas podem manifestar sintomas de disfagia (p. ex., secreção nasal contendo
alimento ou água, tosse).
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sintomas clínicos de paralisia de faringe incluem disfagia com refluxo nasal
ou bucal contendo alimento, água ou saliva. Outros sintomas clínicos são tosse, dispneia, ptialismo e bruxismo.
Os animais acometidos apresentam risco de pneumonia por aspiração, desidratação e colapso cardiovascular e
respiratório. Em geral, os animais enfermos manifestam um ou mais sintomas, como febre, tosse, náuseas e
sintomas compatíveis com obstrução esofágica. Os animais gravemente acometidos podem morrer ou são
candidatos à eutanásia. Pacientes com dispneia podem necessitar traqueostomia emergencial antes de qualquer
exame complementar.
DIAGNÓSTICO: As informações obtidas na anamnese e os sintomas clínicos geralmente sugerem paralisia de
faringe. Deve–se realizar o hemograma e o perfil bioquímico. Os animais acometidos apresentam
hemoconcentração, anormalidades eletrolíticas e ácido­base e pode haver azotemia pré­renal. Há procedimentos
úteis para determinar se a etiologia é central ou periférica, como exame sorológico, radiografias de crânio,
radiografias torácicas para investigar se há pneumonia por aspiração, endoscopia, ultrassonografia, tomografia
computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM), se disponível. O uso de TC e RM é particularmente útil
na avaliação das causas neurológicas centrais de paralisia de faringe em pequenos animais. Animais com
suspeita de raiva devem ser manipulados adequadamente (ver p. 1422).
TRATAMENTO: Os protocolos de tratamento para paralisia de faringe variam de acordo com a causa primária. Em
geral, o tratamento inclui administração de anti­inflamatórios e antibióticos. Deve­se preferir a via IV, devido à
incapacidade dos animais deglutirem normalmente. Animais com hemoconcentração devem receber
fluidoterapia IV. Deve­se realizar nutrição parenteral ou extrabucal em animais incapazes de se alimentar,
evitando­se aspiração de alimentos e água. A alimentação extrabucal, por meio de faringostomia,
esofagostomia, uso de tubo nasogástrico ou rumenostomia temporária em ruminantes, pode ser um método
barato e efetivo de fornecimento de suporte nutricional. Além disso, deve­se fazer tratamento local de abscessos
de faringe.
O prognóstico de paralisia de faringe varia de acordo com a causa. O prognóstico de abscesso faringiano é
bom, entretanto, se há doença da bolsa gutural ele é reservado. Se os animais acometidos não melhoram após 4
a 6 semanas de tratamento sintomático, o prognóstico é desfavorável e deve­se considerar a eutanásia.

CAMPILOBACTERIOSE INTESTINAL

Campylobacter spp é uma bactéria gram­negativa microaeróbica espiral que causa gastrenterite em pessoas e
animais. Várias espécies de Campylobacter causam zoonoses. Diversos animais domésticos desenvolvem
gastrenterite aguda após ingestão de C. jejuni, como cães, gatos, bezerros, ovinos, suínos, furões, marta,
primatas e várias espécies de animais de laboratório, bem como pessoas (Ver p. 1464). Em todo o mundo, a
infecção por C. jejuni é uma das causas mais comuns de gastrenterite em pessoas.
ETIOLOGIA: Campylobacter spp é um bacilo em forma de bastão curvo que exibe motilidade do tipo espiralada
característica, provocada por um flagelo polar único. Tem crescimento lento, com tempo de multiplicação de
aproximadamente 90 min; é uma bactéria fastidiosa que requer meio enriquecido e condições microaeróbicas
com alta concentração de CO2 (3 a 15% O2, 3 a 10% CO2, 85% N2) para o seu crescimento.
A família Campylobacteraceae envolve dois gêneros: Campylobacter e Arcobacter. Atualmente, o gênero
Campylobacter possui 14 espécies. A maior prevalência e o maior impacto da doença são observados nos casos
que envolvem Campylobacter spp termofílico, C. jejuni ou C. coli. Entretanto, outras 12 espécies de
Campylobacter também podem ser patogênicas para pessoas e animais: C. fetus fetus, C. fetus venerealis, C.
hyointestinalis, C. lari, C. upsaliensis, C. helveticus, C. concisus, C. curvus, C. showae, C. gracilis, C.
sputorum, C. rectus e C. mucosalis. Ao menos duas dessas espécies, incluindo C. fetus fetus e C. upsaliensis,
penetram pelo trato GI, mas em geral estão associadas a infecções extraintestinais. Além disso, várias espécies
C. concisus, C. curvus, C. showae, C. gracilis e C. rectus podem causar doença periodontal. Algumas espécies
intimamente relacionadas foram excluídas deste gênero, como os microrganismos semelhantes ao
Campylobacter (OSC) (Helicobacter cinaedi [OSCIA] e H. fennelliae [OSC2]) e H. pilori. O simbionte do íleo,
Heliobacter intracelulares, originalmente denominado “semelhante ao Campylobacter”, foram reclassificados
como Arcobacter; C. nitrofragilis como A. nitrofragilis e C. cryaerophilus como A. cryaerophilus. Finalmente,
existem as subespécies de C. jejuni, C. jejuni jejuni e C. jejuni doylei.
TRANSMISSÃO E EPIDEMIOLOGIA: A transmissão ocorre por meio de alimento, água ou pela disseminação fecal­
bucal. Os animais atuam como hospedeiros reservatórios da infecção por Campylobacter spp tanto em animais,
como em pessoas, em todo o mundo. O habitat predominante do Campylobacter é o trato GI de vários
vertebrados domésticos e selvagens e a transmissão zoonótica de animais para pessoas, por meio da ingestão de
carne de animal, principalmente de frango, é um problema de segurança alimentar. As espécies de
Campylobacter também são comumente isoladas em pássaros de vida livre, inclusive aves migratórias e
aquáticas, corvos, gaivotas e pombos domésticos, que podem contaminar o ambiente de animais em pastejo.
Roedores selvagens e insetos, como moscas, também abrigam e transmitem C. jejuni. A contaminação do
ambiente por fezes implica ocorrência destes microrganismos por toda parte, em condições apropriadas para sua
sobrevivência. Campylobacter spp pode persistir por longo período nas fezes, leite, água e urina, principalmente
em temperaturas próximas a 4°C. Em condições adversas, o C. jejuni se transforma em uma forma viável, mas
não cultivável, que pode ser ativada quando ingerida.
Dentre os alimentos de consumo humano contaminados por Campylobacter pode­se incluir carne de frango,
peru, bovina, suína, peixes e leite. O reservatório mais importante de C. jejuni para as pessoas são as aves
domésticas, que causam 50 a 70% dos casos de infecção em pessoas; a carne de frango é a principal fonte. Cães
e gatos são infectados de forma semelhante aos seus proprietários ao ingerirem carne de frango crua.
PATOGÊNESE: Dentre os mecanismos envolvidos na virulência do C. jejuni incluem­se motilidade bacteriana,
colonização do muco, produção de toxinas, aderências, internalização e translocação. A infecção inicia com a
contaminação de alimento ou água por C. jejuni. O suco gástrico atua como uma barreira e, desta forma, a
bactéria deve atingir o intestino delgado e o intestino grosso para se multiplicar; C. jejuni invade tanto as células
epiteliais como as células da lâmina própria.
ACHADOS CLÍNICOS: A manifestação de dor abdominal, febre, diarreia e sangue vivo nas fezes, bem como a
presença de células inflamatórias nas fezes mostram a origem inflamatória da infecção. Há relatos de infecção
natural por C. jejuni causando enterite em macacos jovens, furões, cães, gatos e suínos, em idade de desmame.
Aves, roedores, furões, cães, primatas, coelhos e suínos foram inoculados experimentalmente com C. jejuni, por
várias vias, e desenvolveram subsequente enterite. Os relatos descrevem infecção primária com disseminação
sistêmica, infecção acompanhada de lesão de mucosa, infecção semanas lesão, mas com persistência da bactéria
por breve período e infecção com resistência semanas persistência da bactéria. Estes relatos sustentam a
possibilidade de C. jejuni produzir vários tipos de doença, de acordo com o estado imunológico do hospedeiro, a
virulência bacteriana, a expressão gênica e outros fatores.
C.jejuni, C. coli, C. upsalienis e C. helveticus são as espécies associadas à doença intestinal em animais de
companhia. C. jejuni causa diarreia em cães e gatos e estes são considerados importante fonte da bactéria para a
população humana. Geralmente, a diarreia é aguda, mas pode ser recorrente. A infecção de cães por C. jejuni
causa diarreia moderada, seguida de bacteriemia. A infecção é mais comum em filhotes de cães e gatos, mas
Campylobacter spp também pode ser isolado de cães e gatos adultos clinicamente normais (até 30%). C. jejuni
foi isolado de fezes de três, dentre 206 (1,5%), gatos em um estudo realizado na região oeste dos EUA com
intuito de identificar microrganismos entéricos zoonóticos. A bactéria foi detectada em amostras de fezes de
gatos com ou semanas diarreia. Além disso, o C. jejuni foi isolado em cultura simples de secreção vaginal
coletada de 3 cadelas da raça Pastor Alemão após aborto em gestação avançada; o principal sinal clínico era
secreção vaginal hemorrágica, fétida e profusa.
Geralmente, cães e gatos exibem sintomas após a infecção por C. jejuni. O sinal clínico mais frequente em
cães com < 6 meses de idade é diarreia durante 5 a 15 dias. Esta pode ser líquida a hemorrágica, com muco e em
alguns casos, com coloração de bile. Ocasionalmente, a diarreia torna­se crônica e pode ser acompanhada de
febre e aumento na contagem de leucócitos. Gatos com < 6 meses de idade com frequência tem diarreia que,
inclusive, pode ser hemorrágica. A maioria dos gatos alberga outros agentes infecciosos, como por exemplo,
Toxoplasma ou Giardia. Alguns gatos infectados são assintomáticos.
Em bovinos e ovinos, C. jejuni pode causar enterite e aborto. Entretanto, em estudos que compararam a
prevalência de C. jejuni em bovinos saudáveis e em bovinos acometidos de diarreia não se constatou diferença
significativa na frequência de Campylobacter spp. Porém, em estudos sobre a taxa de aborto, 3,2% das vacas e
21,7% das ovelhas que abortaram devido à infecção por Campylobacter spp, tal ocorrência foi atribuída a C.
jejuni. Tanto bovinos de leite quanto gado de corte podem ter maior taxa de prevalência de Campylobacter, de
2,5 a 60%. Em vários estudos, bovinos confinados para abate apresentaram Campylobacter na bexiga, intestino
grosso, delgado e fígado. A eliminação fecal em bovinos causa contaminação de leite e carne.
Em ovinos, C. jejuni foi associado a abortamento. Nos casos de aborto em ovelhas, a presença da bactéria foi
investigada e esta foi classificada em função da diferenciação bioquímica, antigênica e genética; os resultados
revelaram 15 casos de Campylobacter spp. (14 C. jejuni e 1 C. fetus fetus) em uma única estação de monta.
As espécies de Campylobacter podem contribuir com a ocorrência de colite em leitões em idade de desmame.
Geralmente, os suínos carreiam C. coli e C. jejuni como microrganismos intestinais comensais; estudos
realizados nos EUA, Holanda, Grã–Bretanha e Alemanha revelaram que mais da metade dos suínos criados para
fins comercias excretam o microrganismo. A principal cepa isolada em suínos foi C. coli. Leitões gnotobióticos
ou que não ingeriram colostro desenvolveram enterite aguda após inoculação VO, de cepas patogênicas de C.
jejuni. Os suínos apresentaram anorexia, febre e diarreia durante 1 a 5 dias, seguida de remissão dos sintomas,
mas com eliminação persistente de C. jejuni nas fezes. Entretanto, suínos imunocompetentes com carga
completa de bactérias intestinais, quando expostos precocemente, foram resistentes à reinfecção por C. jejuni. A
presença de infecções concomitantes causadas por vírus, bactérias e parasitos agrava a doença causada pelo C.
jejuni em suínos.
As aves parecem ter maior taxa de infecção, além de carrearem Campylobacter spp, principalmente C. jejuni,
do que outros animais. Em frangos, a bactéria pode colonizar o tecido linfoide palatino e o papo, o que provoca
transmissão extremamente rápida pela água de bebedouros e pela disseminação fecal­bucal. Entretanto, o
microrganismo foi isolado do intestino delgado de aves clinicamente doentes, principalmente psitacídeos
(papagaio) e passariformes (tentilhão e canários) com hepatite, letargia, perda de apetite, perda de peso e
diarreia amarelhada. A taxa de mortalidade pode ser elevada. Campylobacter spp também foi isolado de aves de
vida livre, inclusive aves migratórias e aquáticas, corvos, gaivotas e pombos domésticos. Em aves naturalmente
infectadas, a doença causada por C. jejuni é rara, apesar da alta taxa de colonização bacteriana.
A doença GI causada por Campylobacter foi descrita em animais exóticos (furões, martas, primatas,
hamsters, cobaias, camundongos e ratos). Embora os sintomas variem de acordo com a espécie, em geral
incluem diarreia aquosa, mucoide, com estrias de bile (às vezes, com sangue), anorexia, vômito e febre. Apesar
de rara, pode ocorrer infecção prolongada; a maior parte das infecções é autolimitante, com sintomas discretos.
Os furões desenvolvem doença diarreica induzida por Campylobacter semelhante a que ocorre em pessoas.
Várias espécies de camundongos também manifestam a doença após ingestão oral de C. jejuni, com alterações
específicas nos componentes do sistema imune, seguidas de diarreia aquosa ou sanguinolenta e tiflocolite.
Lesões: C. jejuni pode colonizar o intestino delgado e o intestino grosso de forma estável, embora a maioria dos
animais apresente lesões de cólon e ceco compatíveis com tiflocolite. Em suínos e camundongos, as lesões
macroscópicas observadas em casos de enterite por C. jejuni incluem ceco aumentado e preenchido por líquido,
além de cólon proximal com paredes espessas. Há aumento de volume de linfonodos (ileocecocólico e
mesentérico) que drenam os locais infectados. A infecção por cepas específicas de C. jejuni produz exsudato
sanguinolento com muco. Os achados histopatológicos incluem inflamação marcante da lâmina própria com
predomínio de neutrófilos polimorfonucleares e células mononucleares que, em alguns casos, atingem a
submucosa. Células imunes, como plasmócitos, macrófagos e células mononucleares, são encontradas em
pequenas quantidades na lâmina própria. Na maioria das espécies acometidas também foi observado edema,
além de perda, descamação e ulceração da superfície epitelial. Em suínos e camundongos, a lesão à superfície
epitelial está associada à presença de C. jejuni na superfície basolateral do epitélio, nas junções paracelulares do
epitélio e às lesões erosivas e ulcerativas do epitélio. Geralmente, há exsudato neutrofílico mucopurulento com
lise e desprendimento de células epiteliais e lesões erosivas ou ulcerativas quando C. jejuni infecta a porção
basolateral das extremidades das células das vilosidades do cólon, que se desprendem. Abscessos e lesões ao
epitélio da cripta também são achados comuns.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico de C. jejuni baseia­se no isolamento do microrganismo em meio seletivo, sob
condição de microaerobiose. Devem­se coletar amostras de fezes frescas; se há demora no envio ao laboratório,
os meios de transporte e o armazenamento a 4°C propiciam melhores resultados. Campylobacter spp é sensível
a pH baixo (< 5); ressecamento, exceto sob refrigeração; concentração de NaCl > 2%; e período prolongado em
temperatura de 10 a 30°C. Em condições desfavoráveis ao crescimento, os bacilos em forma de espiral se
transformam em forma cocoide. Campylobacter spp termofílico, C. jejuni, C. coli e C. lari crescem melhor a
42°C, embora sejam capazes de fazê­lo a 37°C. O enriquecimento do meio é necessário para maioria das
amostras clínicas, exceto se o material é transportado imediatamente ao laboratório.
As técnicas de PCR são efetivas na identificação da infecção, especialmente, se o cultivo for difícil ou se a
amostra foi mal manipulada. Entretanto, um teste positivo não é evidência suficiente para determinar a causa e o
resultado deve ser interpretado juntamente com o quadro clínico.
TRATAMENTO E CONTROLE: Clindamicina, gentamicina, tetraciclinas, eritromicina e fluoroquinolonas são

efetivas contra Campylobacter spp. Geralmente, as penicilinas, as cefalosporinas e o trimetoprima não são
efetivas. Há relatos de resistência de Campylobacter spp às fluoroquinolonas, tetraciclinas, canamicina e outros
antibióticos, decorrente tanto de mecanismos cromossômicos quanto de plasmídios. As amostras para
diagnóstico com base na cultura microbiológica podem permitir a obtenção do antibiograma. Porém, alguns
animais continuam infectados e excretam a bactéria de forma persistente, apesar do tratamento antimicrobiano.
Se o objetivo do tratamento é reduzir o risco de transmissão zoonótica para um membro da família suscetível, a
terapia apenas com antibiótico pode ser inadequada. O controle envolve tratamento, remoção do paciente para
um ambiente higienizado e exames de fezes sequenciais para averiguar a situação de excreção da bactéria; ainda
assim, o microrganismo encontra­se por toda a parte e dose infectante baixa representa um importante desafio.

CLAMIDIOSES INTESTINAIS

Clamídias foram isoladas de amostras de fezes de bovinos, caprinos, ovinos e suínos clinicamente normais em
diversas partes do mundo. Os animais com infecções intestinais clinicamente inaparentes podem excretar
clamídias nas fezes por meses e, possivelmente, anos. Assim sendo, o trato GI atua como reservatório e
importante fonte de transmissão desses organismos. Clamídia, que pode causar abortamento (p. 1225) e
pneumonia (p. 1304), pode ser facilmente isolada de fezes de ovinos ou bovinos normais. São encontradas
também em amostras de intestino de animais com poliartrite (p. 967), encefalomielite (p. 1198) e conjuntivite
(p. 464). A principal espécie isolada nas fezes de ruminantes é Chlamydophila (Chlamydia) pecorum, mas
Chlamydophila abortus também pode ser detectada. Chlamydia suis e Chlamydophila psittaci são as espécies
mais comumente isoladas em fezes de suínos e aves, respectivamente. A infecção intestinal exerce papel
importante como evento inicial na patogênese de várias doenças graves induzidas por clamídias, inclusive a
clamidiose aviária (p. 2411).
Embora a maior parte das clamidioses intestinais seja clinicamente quiescente, tem­se observado enterite
primária induzida por clamídia em bezerros recém­nascidos, em condições de campo. Estas infecções também
podem causar alteração na população de Escherichia coli no trato GI, com número acentuadamente elevado no
abomaso e na porção superior do intestino delgado. Os sintomas são mais graves em bezerros que não ingeriram
colostro ou naqueles que receberam apenas transferência parcial da imunidade passiva. Os bezerros recém­
nascidos acometidos podem apresentar diarreia transitória aquosa a mucoide, com febre discreta e secreção
nasal. Raros casos naturais de diarreia em leitões lactentes infectados por Chlamydia suis foram descritos e
reproduzidos experimentalmente em suínos livres de patógenos, mas tanto estudos experimentais quanto
estudos a campo sugerem que a infecção em leitões em idade de desmame é tipicamente assintomática. Muitos
laboratórios de diagnóstico veterinário não realizam rotineiramente cultura de clamídia em amostras de fezes
diarreicas; portanto, este exame deve ser especificamente solicitado. Os protocolos de tratamentos incluem altas
doses de tetraciclinas, administradas por via parenteral, oral, ou por ambas as vias.

DOENÇA DE TYZZER

A doença de Tyzzer é uma síndrome entero–hepática cosmopolita que acomete várias espécies animais (ver p.
1936). Uma infecção esporádica fatal em potros é comum; ocorre surto epidêmico agudo fatal em animais de
laboratório. A doença é rara em cães, gatos, bezerros e outros animais. Acomete principalmente animais
estressados e jovens; no entanto, algumas espécies parecem resistentes, exceto quando há estresse ou
imunossupressão, enquanto outras são suscetíveis mesmo semanas imunossupressão. Fatores alimentares,
inclusive dieta rica em nitrogênio, aparentemente tornam os potros mais suscetíveis à doença. O excesso de
compostos nitrogenados pode causar imunossupressão. Fármacos imunossupressores e alguns antibióticos,
especialmente as sulfonamidas, predispõem os animais à doença.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: O agente etiológico é Clostridium piliforme, uma bactéria obrigatoriamente

intracelular, móvel, filamentosa, flagelada e formadora de esporos. Não cresce em meio livre de células, mas
pode ser cultivada no saco vitelino de embriões de pintinho ou em células de culturas teciduais. A forma
vegetativa é bastante lábil; os esporos podem sobreviver em camas sujas, em temperatura ambiente, por > 1 ano;
também, podem sobreviver a cerca de 60°C, por 1 h. Os endósporos são resistentes à exposição ao etanol 70%,
cresol 3% ou clorexidina 4%; entretanto, são sensíveis ao ácido peracético 0,4%, hipoclorito de sódio 0,015%,
iodofor 1% e fenol 5%.
A patogênese é pouco compreendida. A infecção resulta, provavelmente, da infecção oral, por exemplo,
ingestão de esporos eliminados nas fezes de animais infectados. As possíveis fontes incluem esporos infectantes
oriundos do ambiente, contato com animais portadores e, em potros neonatos, ingestão de fezes da égua.
Algumas cepas de C. piliforme produzem toxinas, outras não. O papel destas toxinas na patogênese do C.
piliforme é desconhecido, mas as cepas tóxicas geralmente são mais virulentas do que as não tóxicas. Há maior
chance de as cepas mais toxigênicas induzirem lesões hepáticas em camundongos do que as não toxigênicas.
A doença de Tizzer pode ser grave em diversas espécies animais, mas geralmente as infecções são subclínicas
ou assintomáticas. Pode ocorrer diferença quanto à suscetibilidade entre as espécies animais. Os linfócitos B, os
linfócitos T e as células natural killer podem influenciar a suscetibilidade da cepa. A sorologia pelo método de
ELISA de competição inibitória utilizando anticorpo monoclonal sugere que a doença de Tizzer é relativamente
comum em equinos, os quais são suscetíveis a, no mínimo, duas cepas distintas.
O local primário de infecção é o trato intestinal inferior, com disseminação subsequente pela circulação
sanguínea ou linfática. A bactéria possui afinidade pelo intestino (células epiteliais e do músculo liso),
hepatócitos e miócitos cardíacos. Fatores estressantes, como captura, superpopulação, transporte e higiene
deficiente, parecem ser predisponentes. A administração de sulfonamidas predispõe os coelhos à doença. A taxa
de mortalidade é maior na idade de desmame, exceto em potros, nos quais a doença ocorre com 1 a 6 semanas
de idade, com a maioria dos casos entre 1 e 2 semanas. Em algumas espécies, a doença foi detectada com outras
doenças concomitantes, por exemplo, peritonite infecciosa felina, em gatos, cinomose e pneumonia micótica,
em cães, e enterite por criptosporidiose e coronavírus, em bezerros.
Em geral, a doença acomete com maior frequência os animais bem nutridos, especialmente alimentados com
dietas ricas em proteínas, durante períodos de estresse. Em condições laboratoriais, o estresse é induzido por
fármacos imunossupressores ou outros fatores que possam ser facilmente identificados. Em vários
experimentos, o estresse é parte do protocolo e, quando a doença ocorre, esta é devastadora.
ACHADOS CLÍNICOS: Após infecção experimental, o período de incubação nos potros é de 3 a 7 dias; em
condições naturais, desconhece­se esse período. A maioria dos potros é encontrada em coma, ou mortos. Os
sinais clínicos, se presentes, têm curta duração (poucas horas a 2 dias). Os sintomas são variáveis, mas podem
incluir depressão, anorexia, pirexia, icterícia, diarreia e decúbito. Em estágios terminais, ocorrem convulsões e
coma. Os sintomas variam ligeiramente entre as espécies. Os animais de laboratório podem mostrar depressão,
pelos eriçados e graus variáveis de diarreia aquosa; no início de um surto, frequentemente são encontrados
animais mortos.
Os testes clinicopatológicos têm pouco valor em animais de laboratório, pois estes morrem rapidamente. Em
potros, nota­se aumento das enzimas séricas sorbitol desidrogenase, AST, fosfatase alcalina, lactato
desidrogenase e ?­glutamiltransferase. Nota­se, também, hiperbilirrubinemia, leucopenia, hemoconcentração e
hipoglicemia grave.
Lesões: As lesões características são verificadas no fígado, miocárdio e trato intestinal. No fígado, há focos de
necrose brancos, acinzentados ou amarelados, com 2 mm de diâmetro, em pequena quantidade ou disseminados.
A necrose hepática é mais acentuada e disseminada em potros, nos quais os focos necróticos múltiplos, com
centros hemorrágicos e discreta depressão, parecem infectar quase todo o lóbulo hepático. Além disso, ocorre
hepatomegalia acentuada e os linfonodos hepáticos apresentam hiperplasia. Em coelhos, há lesões graves nos
intestinos e no coração. O íleo terminal, o ceco e o cólon proximal ficam difusamente eritematosos. Com
frequência, nota­se hemorragia difusa (“em pincel”) na serosa do ceco. Há áreas focais de necrose na mucosa do
ceco e cólon, além de edema intenso na parede do ceco. Os linfonodos mesentéricos podem estar aumentados e
edemaciados. É possível constatar linhas brancas no miocárdio, principalmente próximo ao ápice. As lesões
intestinais e cardíacas geralmente são mais brandas, ou ausentes em outros animais.
Microscopicamente, os focos necróticos do fígado aleatoriamente distribuídos e coalescentes se associam a
uma infiltração escassa a moderada de neutrófilos e macrófagos. As bactérias causadoras são encontradas em
um padrão cruzado em hepatócitos viáveis, na periferia dos focos de necrose. No ceco e no cólon de coelhos, as
áreas focais de necrose se estendem tão profundamente como até a camada muscular externa, associados a
infiltrados neutrofílicos na mucosa e submucosa. Os microrganismos podem ser encontrados no epitélio, na
camada muscular da mucosa e na camada muscular externa do intestino acometido. Quando há lesões cardíacas,
estas consistem em focos de fragmentação de fibras, vacuolização, perda de estriações cruzadas e infiltração
celular inflamatória discreta.
DIAGNÓSTICO: Clinicamente, pode­se realizar sorologia e PCR para investigar a ocorrência da doença.
Entretanto, os sintomas e os resultados dos testes diagnósticos comumente disponíveis devem ser juntamente
interpretados para estabelecer um diagnóstico clínico presuntivo. O diagnóstico clínico definitivo não é possível
devido à ausência de testes específicos. O diagnóstico baseia­se na constatação dos microrganismos em cortes
de tecidos submetidos a colorações especiais. O microrganismo cora­se pouco nas técnicas de hematoxilina­
eosina (H&E) e de Gram. Com o corante de Giemsa, o bacilo se cora bem no fígado e no epitélio intestinal e em
esfregaços de órgãos infectados, mas se cora pouco nas células musculares lisas e cardíacas. As colorações de
Warthin­Starry ou de prata de Levaditi são preferíveis às outras, pois o bacilo se cora bem no citoplasma de
todas as células infectadas.
TRATAMENTO E CONTROLE: Sabe­se pouco sobre a efetividade dos antimicrobianos no tratamento; alguns
antibióticos agravam a doença. C. piliforme é sensível à tetraciclina e parcialmente sensível a estreptomicina,
eritromicina, penicilina e clortetraciclina; é resistente às sulfonamidas e ao cloranfenicol. Em potros neonatos, a
doença parece fatal em quase 100% dos casos, embora seja possível a sobrevivência de alguns potros com
quadros menos graves. Quando a doença ocorre em uma propriedade, pode ser esporádica, ano após ano.
Animais com suspeita de infecção podem ser tratados por via IV, inicialmente com solução de glicose 50%,
seguida de glicose 10% (lentamente), outros fluidos e antibióticos. A maioria dos potros responde à terapia com
glicose, mas entram em coma e morrem dentro de poucas horas. Raramente, parece que um potro ocasional
parece sobreviver à doença após tratamento prolongado com glicose, por via IV lenta, com antibióticos.
Como a doença nos potros é esporádica e não é altamente contagiosa, em geral não se indicam medidas
preventivas específicas. Em áreas com endosporos presentes no ambiente, muitos potros podem ser expostos;
contudo, apenas os poucos que apresentam imunossupressão manifestam um quadro agudo. Nas propriedades
onde a doença é prevalente, a superalimentação de éguas, especialmente com dietas ricas em proteínas, parece
aumentar a suscetibilidade de potros neonatos. A redução de dieta nitrogenada capaz de induzir
imunossupressão em potros neonatos pode reduzir a prevalência da doença. Em geral, devem­se reduzir os
fatores que causam estresse e imunossupressão. Quando a doença ocorre em uma colônia de animais de
laboratório, o tratamento não é recomendado, pois este prolonga a doença e, possivelmente, dá origem a animais
portadores. É melhor eliminar todos os animais da colônia, descontaminar o ambiente e formar um novo lote,
com animais livres da doença.

SALMONELOSE

Salmonelose é causada por diversos sorotipos de Salmonella enterica enterica e caracteriza–se clinicamente por
duas principais síndromes – sepse/febre tifoide sistêmica e enterite – embora, semanas dúvida, ocorra infecção
assintomática.
Um pequeno número de sorotipos é caracterizado de acordo com a capacidade de causar febre tifoide em
indivíduos adultos saudáveis, em uma pequena parcela de espécies de hospedeiros. Desta forma, Salmonella
enterica sorovariantes Typhi (S. Typhi) e S. Paratyphi causam febre tifoide em pessoas, S. Gallinarum causa
doença semelhante em aves e S. Abortusovis, em ovinos, S. Choleraesuis, em suínos, e S. Dublin, em bovinos
etc. Nesta infecção, geralmente a transmissão é VO. A bactéria não coloniza amplamente o intestino, mas
penetra na parede intestinal, sendo fagocitada pelas células da linhagem monocítica­macrofágica no baço e
fígado, onde se multiplica. Em estágios mais avançados da doença, as bactérias penetram novamente no
intestino e são excretadas. Alguns sorotipos também estão presentes no trato reprodutivo.
Os demais sorotipos raramente provocam doença sistêmica em animais adultos saudáveis e que não estão
prenhes. Entretanto, estes sorotipos colonizam o intestino de diversas espécies animais, contaminam a cadeia de
alimentos de consumo humano e causam gastrenterite em pessoas (intoxicação alimentar). S. Typhimurium e o
S. Enteritidis são os principais agentes etiológicos de enterite em pessoas e, de maneira interessante, também
são capazes de provocar febre tifoide em camundongos, por um mecanismo fisiopatogênico desconhecido. As
cepas deste último grupo também podem causar doença mais grave, com envolvimento sistêmico, semelhante à
febre tifoide em animais muito jovens, casos tenham recebido quantidade insuficiente de anticorpos protetores
de sua mãe ou quando se encontram particularmente suscetíveis, como por exemplo, animais muito idosos ou
prenhes. O fato de um sorotipo ser isolado com maior frequência em determinada espécie não significa que esta
seja a única capaz de atuar como hospedeiro; logo, os fatores epidemiológicos são importantes na determinação
da prevalência.
Enterite é observada em todos os animais e ocorre mundialmente. A prevalência aumentou com a
intensificação da produção de animais de criação. Bezerros, leitões, cordeiros e potros podem desenvolver tanto
enterite quanto a forma septicêmica (ver diarreia em ruminantes neonatos, p. 329, doença diarreica em potros, p.
314 e salmonelose intestinal, p. 319). Bovinos, ovinos e equinos adultos com frequência desenvolvem enterite
aguda; enterite crônica pode ser observada em suínos em crescimento e, ocasionalmente, em bovinos (ver
capítulos sobre doenças intestinais nas principais espécies domésticas, p. 319 e outros). As fêmeas prenhes
podem abortar. O animal portador clinicamente normal é um problema sério em todas as espécies de
hospedeiros. Salmonelose é rara em cães e gatos e caracteriza­se por diarreia aguda, com ou semanas sepse.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Embora outras várias Salmonella spp possam causar enteropatia, as mais comuns
(em alguns casos há variação de acordo com a localização geográfica) nas diferentes espécies são: Bovinos – S.
Typhimurium, S. Dublin e S. Newport; Ovinos e Caprinos – S. Typhimurium, S. Dublin, S. Abortusovis, S.
Anatum e S. Montevideo; Suínos – S. Typhimurium e S. Choleraesuis; Equinos – S. Typhimurium, S. Anatum,
S. Newport, S. Enteritidis e Salmonella sorovariante IIIa 18:z4z23; e Aves Domésticas – S. Enteritidis, S.
Typhimurium, S. Gallinarum e S. Pullorum.
Embora o quadro clínico resultante não seja distinto, as diferentes espécies de salmonelas tendem a diferir em
sua epidemiologia. O perfil de plasmídios e os padrões de resistência a fármacos em alguns casos são
marcadores úteis para estudos epidemiológicos. As fezes dos animais infectados podem contaminar alimentos e
água, leite, carne fresca e processada oriunda de abatedouros, produtos vegetais e animais utilizados como
fertilizantes ou ingredientes alimentares, pastagens e piquetes e vários materiais inertes. Os microrganismos
podem sobreviver por meses em locais úmidos e quentes, como estábulos de suínos de engorda, galinheiros ou
bebedouro, mas sobrevivem < 1 semana em esterco bovino composto. Os roedores e as aves silvestres também
são fontes de infecção para os animais domésticos. A peletização dos alimentos reduz o nível de contaminação
por salmonelas, principalmente devido ao tratamento térmico utilizado.
A prevalência da infecção varia entre as espécies de hospedeiros e os países, sendo muito maior do que a
prevalência da doença clínica, que comumente é precedida por situações estressantes em animais de produção,
como privação súbita de alimentos, transporte, seca, superpopulação, parto, cirurgia e administração de alguns
fármacos, como antibióticos VO com finalidade terapêutica, profilática ou como estimulante do crescimento.
Na enterite, a via de infecção normal é oral; após a infecção o microrganismo multiplica­se no intestino e
causa enterite. A suscetibilidade maior de animais jovens pode ser consequência do alto pH gástrico, ausência
de flora intestinal estável e imunidade limitada. A penetração de bactérias na lâmina própria contribui para as
lesões intestinais e diarreia. O mecanismo complexo envolve adesão por meio de apêndices das fímbrias e
introdução de proteínas por Salmonella aderida às células epiteliais, o que induz alterações no citoesqueleto da
actina, causando irritação da superfície celular. Isto aprisiona Salmonella e provoca secreção de fluido e sua
ingestão pela célula. A infecção celular resulta em ativação de um mecanismo de defesa do hospedeiro que
envolve moléculas sinalizadoras, devido à detecção de proteínas da superfície da bactéria, que induzem reação
inflamatória intensa geralmente capaz de confinar a bactéria no intestino. Os sorotipos capazes de causar febre
tifoide podem modular a resposta inicial do hospedeiro e suprimir a reação inflamatória. Ocorre destruição
celular e a bactéria é fagocitada por células fagocíticas, como macrófagos e neutrófilos. Embora os neutrófilos,
em geral, sejam capazes de destruir Salmonella, a bactéria pode sobreviver e se proliferar no interior de
macrófagos, que é o principal tipo celular do hospedeiro durante a infecção.
À medida que a infecção progride pode ocorrer sepse e subsequente instalação no cérebro e meninges, útero
prenhe, porção distal dos membros e extremidades de orelhas e cauda, que pode resultar, respectivamente, em
meningoencefalite, aborto, osteíte e gangrena seca de patas, orelhas ou cauda. O microrganismo também se
instala com frequência na vesícula biliar e nos linfonodos mesentéricos; os animais sobreviventes excretam a
bactéria nas fezes, de forma intermitente.
Os bezerros raramente tornam­se portadores, mas praticamente todos os adultos o fazem por período variável
– até 10 semanas, em ovinos e bovinos, e até 14 meses, em equinos. Bovinos adultos infectados por S. Dublin
excretam o microrganismo durante anos. A infecção também pode persistir nos linfonodos ou nas tonsilas,
semanas nenhuma salmonela nas fezes. Os portadores latentes podem iniciar excreção do microrganismo ou, até
mesmo, desenvolver doença clínica quando submetido a estresse. Um portador passivo adquire a infecção do
ambiente, mas não é infectado, de forma que se for removido do ambiente deixa de ser um portador.

EPIDEMIOLOGIA:

Bovinos e Ovinos: Em bezerros e cordeiros, S. Dublin geralmente é endêmica em determinada fazenda, enquanto
S. Typhimurim frequentemente está associada à introdução de bezerros oriundos de fazendas contaminadas e
pode causar surtos explosivos esporádicos. Em bovinos adultos, pode ocorrer infecção subclínica com surtos
ocasionais no rebanho. Os fatores estressantes que precipitam a doença clínica incluem privação de alimento e
água, aporte nutricional mínimo, longo período de transporte, parto, uso profilático de antibióticos e mistura e
superpopulação em lotes de engorda.
Suínos: Os surtos de salmonelose septicêmica em suínos são raros e geralmente podem ser rastreados até um
suíno adquirido infectado. A aquisição de suínos de engorda de rebanhos livres de Salmonella e adoção do
sistema “todos dentro/todos fora” nas unidades de terminação minimizam o risco de infecção. O aumento do
sistema de criação extensiva ao ar livre eleva o risco de exposição a fontes de infecção ambientais.
Equinos: Nos adultos, a maioria dos casos ocorre após estresse decorrente de cirurgia, transporte para exposição
e privação de alimento e água seguida de superalimentação no destino final. As éguas podem ser portadoras
assintomáticas e excretar a bactéria durante o parto, podendo infectar o potro recém­nascido. Salmonelose
septicêmica pode acometer potros; pode ser endêmica em algumas propriedades ou ocorrer em forma de surto
(Ver p. 305).
Cães e Gatos: Muitos cães e gatos são portadores assintomáticos de salmonela. A doença clínica é rara, mas
quando ocorre, geralmente está associada à hospitalização, outra infecção ou doença debilitante em adultos ou
exposição a grande número de bactérias presentes nos filhotes, nos quais enterite é uma ocorrência comum.
ACHADOS CLÍNICOS: Enterite com sepse é a síndrome mais comum em bezerros, cordeiros, potros, frangos e
leitões recém–nascidos e pode ocorrer surto em suínos com até 6 meses de idade. Quando se instala doença
sistêmica com enterite, como resultado de imunidade comprometida, a enfermidade pode ser aguda, com
depressão, febre (40,5 a 41,5°C) e óbito em 24 a 48 h. Em bezerros e suínos, podem ocorrer sintomas nervosos e
pneumonia. A taxa de mortalidade pode atingir 100%, dependendo da carga genética do hospedeiro e da
virulência da cepa.
Enterite aguda semanas importante envolvimento sistêmico é a forma mais comum em adultos, bem como em
animais jovens com = 1 semana de idade. Inicialmente, nota­se febre (40,5 a 41,5°C), seguida de diarreia aquosa
grave, às vezes disenteria e, frequentemente, tenesmo. Em um surto no rebanho podem­se passar várias horas
antes do início da diarreia, momento em que a febre pode desaparecer. As fezes, que variam consideravelmente
quanto à consistência, podem ter odor pútrido e conter muco, cilindros fibrinosos, estrias de membrana mucosa
e, às vezes, sangue. O exame retal causa intenso desconforto e tenesmo. A produção de leite geralmente diminui
acentuadamente em vacas leiteiras. Dor abdominal é comum e pode ser grave (cólica) em equinos. A taxa de
mortalidade é variável, mas pode atingir 100%, dependendo da virulência da cepa. Leucopenia e neutropenia
acentuadas são características da doença aguda em equinos. Em cães e gatos, a doença clínica assume a forma
de diarreia aguda com sepse e acomete ocasionalmente filhotes ou adultos estressados por doença concomitante.
Pneumonia pode ser evidente. Quando a enterite se torna crônica, pode ocorrer abortamento em cadelas, gatas,
vacas, éguas e ovelhas e as crias também podem apresentar enterite. Em alguns casos, nota­se conjuntivite em
gatos acometidos.
Os carnívoros de zoológico e àqueles de peleteria podem ser acometidos. Geralmente, o alimento
contaminado é a fonte de infecção. Várias espécies de roedores (p. ex., cobaias, hamsters, ratos e camundongos)
e coelhos são suscetíveis. Os roedores comumente atuam como fonte de infecção nas fazendas nas quais a
doença é endêmica. Tartarugas de estimação eram fontes de infecção comuns para as pessoas, mas a redução do
tráfico de tartarugas praticamente acabou com este problema.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico se baseia nos sintomas e no isolamento do patógeno nas fezes ou nos tecidos de
animais infectados. A presença do microrganismo também pode ser investigada em alimentos, fontes de água e
em fezes de roedores e aves silvestres que possam habitar as instalações.
As síndromes clínicas geralmente são características, mas devem ser diferenciadas de várias doenças
semelhantes, nas diferentes espécies, como mencionado a seguir: Bovinos – diarreia por Escherichia coli
enterotoxigênica, disenteria por E. coli verotoxigênica, coccidiose, criptosporidiose, forma digestiva de
rinotraqueíte infecciosa bovina, diarreia viral bovina, enterite hemorrágica por Clostridium perfringens tipos B e
C, intoxicação por arsênico, deficiência secundária de cobre (molibdenose), disenteria de inverno,
paratuberculose, ostertagiose e diarreia alimentar; Ovinos – colibacilose intestinal, sepse por Haemophilus spp
ou por Pasteurella e coccidiose; Suínos – colibacilose e infecção intestinal por Clostridium difficile em suínos
recém­nascidos e em idade de desmame, disenteria suína (Brachyspira hyodysenteriae), campilobacteriose e
sepse do suíno em fase de crescimento (que incluem erisipela, Lawsonia intracellulare, peste suína clássica e
pasteurelose); Equinos – sepse (por E. coli, Actinobacillus equuli ou estreptococos); Aves – enterite por
coliformes e Yersinia pseudotuberculosis.
Lesões: As lesões são mais graves no íleo inferior e no intestino grosso e variam desde o encurtamento de
vilosidades, com desprendimento do epitélio, até perda completa da arquitetura intestinal. Ocorre reação
neutrofílica na lâmina própria e podem ser observados trombos em vasos sanguíneos dessa região. Comumente,
há hemorragia e estrias de fibrina. Geralmente, são necessárias técnicas de cultura que envolvem supressão de
E. coli fecal e várias culturas de fezes diárias para isolar o microrganismo. Pode ser necessário um meio de
cultura não seletivo enriquecido para amostras nas quais as bactérias possam estar em menor número, como em
gêneros alimentícios. Posteriormente, para melhorar o cultivo pode­se utilizar caldo seletivo e semear as
colônias em diversos tipos de ágar seletivo que suprimem o crescimento de outras bactérias entéricas que
provavelmente estão presentes no intestino. Em animais com sepse a hemocultura pode ser útil, mas são
onerosas.
Geralmente, as bactérias são identificadas por meio de vários testes bioquímicos. Pode–se identificar o
sorotipo, seguido de subdivisão adicional, com base na suscetibilidade a bacteriófagos específicos (tipificação
de fagos).
É difícil interpretar o teste sorológico em animais. Utiliza­se amplamente a técnica ELISA para monitorar
granjas avícolas quanto à presença de infecção por sorotipos como S. Enteritidis, S. Typhimurium e S.
Gallinarum/S. Pullorum e para detectar anticorpos no sangue de suínos em abatedouros.
TRATAMENTO: Na salmonelose septicêmica é essencial o tratamento precoce, mas há controvérsia quanto ao uso
de antimicrobianos na salmonelose intestinal. Os antibióticos de uso oral podem não ser efetivos e alterar
negativamente a microflora intestinal, interferir no antagonismo competitivo e prolongar a excreção do
microrganismo. Também, há preocupação quanto a cepas de salmonelas resistentes a antibióticos devido ao
fornecimento oral de antimicrobianos que, posteriormente, podem infectar as pessoas. Os antibióticos podem
também promover a transferência de resistência a esses fármacos de cepas resistentes de E. coli para
Salmonella, devido a redução da sensibilidade antibiótica dos componentes da flora normal. Por esta razão, o
uso de antibióticos com o objetivo de estimular o crescimento foi proibido em diversos países.
Os antibióticos de amplo espectro podem ser utilizados por via parenteral para tratamento de sepse. A terapia
antimicrobiana inicial deve se basear no conhecimento do padrão de resistência a fármacos dos organismos
previamente encontrados na região. As infecções hospitalares envolvem organismos altamente resistentes a
medicamentos. A combinação de trimetoprima­sulfonamida pode ser eficaz. As alternativas são ampicilina,
fluoroquinolonas ou cefalosporinas de terceira geração. Geralmente, a resistência à ampicilina, trimetoprima,
sulfonamidas, tetraciclinas e aminoglicosídios é mediada por plasmídios e transferida facilmente entre as
diferentes bactérias. A resistência às quinolonas é mutacional, mas mutações aleatórias podem ser selecionadas
pelo uso de antibióticos e transferidas aos bacteriófagos. O tratamento deve ser feito diariamente, por até 6 dias.
O tratamento oral deve ser administrado na água, pois os animais acometidos apresentam sede devido à
desidratação; ademais, geralmente há redução do apetite. Pode ser necessária fluidoterapia para corrigir os
desequilíbrios ácido­base e a desidratação. Bezerros, bovinos adultos e equinos precisam grande quantidade de
fluidos. Antibióticos, como ampicilina ou cefalosporinas, causam lise das bactérias e liberação de endotoxina;
pode­se utilizar anti­inflamatório não esteroide, como flunixino meglumina, para minimizar os efeitos da
endotoxemia. Os animais podem apresentar acidose e hiponatremia e requerem tratamento adequado.
A forma intestinal é difícil de ser efetivamente tratada, em todas as espécies. Embora possa ser obtida cura
clínica, é difícil conseguir cura bacteriológica, pois os organismos tornam­se estáveis no sistema biliar e são
eliminados de forma intermitente no lúmen intestinal ou porque os animais são reinfectados no ambiente
quando a flora intestinal está normal, o que causa inibição da colonização por patógeno e é eliminado pelo
tratamento antimicrobiano. O ideal é que após a terapia faça a administração oral de uma cultura de bactérias
intestinais espécie­específicas, livre de patógenos.
CONTROLE E PREVENÇÃO: Esses são os principais problemas porque envolvem animais portadores, ambiente e
alimentos contaminados. Pode­se fazer a cultura de suabes de drenos ou de filtros de leite para monitorar a
população de salmonelas no rebanho. O princípio de controle é prevenir a introdução e limitar a disseminação
da infecção no rebanho. Em diversos países, inclusive na União Europeia, programas governamentais foram
instituídos para controlar e reduzir o nível de infecção nos animais de produção, principalmente em aves e
suínos.
Prevenção da Introdução:Todo esforço deve ser feito para evitar a introdução de um portador; os animais devem
ser adquiridos somente de fazendas sabidamente livres da doença e devem ser isolados por = 1 semana, período
no qual se monitora o seu estado de saúde. A garantia de que os suprimentos alimentares se encontram livres de
salmonelas depende da integridade da fonte. Além disso, alguns países testam a contaminação e regulam a
importação e a produção caseira de gêneros e componentes alimentícios.
Limitação da Disseminação no Rebanho: Em um surto, devem ser adotados os seguintes procedimentos: 1) Os
animais portadores devem ser identificados e separados ou isolados e tratados de forma intensiva. Os pacientes
tratados devem ser reavaliados várias vezes antes de se assegurar que não são portadores; 2) Pode­se fazer uso
profilático de antibióticos nos suprimentos alimentares ou na água (os riscos já foram mencionados
anteriormente); 3) Deve–se restringir a movimentação dos animais pela fazenda a fim de limitar a infecção a um
grupo menor. Deve­se evitar mistura aleatória de animais; 4) Os suprimentos alimentares e a água devem ser
protegidos de contaminação fecal; 5) As instalações contaminadas devem ser rigorosamente higienizadas e
desinfetadas; 6) O material contaminado deve ser descartado cuidadosamente; 7) Todas as pessoas devem estar
cientes dos riscos de trabalhar com animais infectados e da importância da higiene pessoal. Deve­se introduzir
um programa de manejo rigoroso na fazenda; 8) Deve­se praticar vacinação, especialmente quando o surto
envolve vacas e marrãs prenhes ou aves de postura. Podem­se utilizar bacterinas mortas comerciais ou
autógenas. As vacinas vivas atenuadas são promissoras, mas poucas estão comercialmente disponíveis (ver a
seguir); 9) Deve­se minimizar o estresse.
Vacinas contra Salmonella: As salmonelas são parasitos intracelulares; portanto, uma vacina viva é necessária
para se obter máxima proteção imune contra a doença. Entretanto, há evidência de que bacterinas inativadas
podem induzir baixo nível de proteção. Diversos estudos com vacinas vivas atenuadas contra Salmonella em
suínos, bovinos e aves mostraram estimulação significativa da resposta imune celular e proteção de animais
contra doença sistêmica e colonização intestinal. Uma vacina viva atenuada contra S. Choleraesuis aprovada
para uso em suínos parece ser efetiva na redução da colonização de tecidos e na proteção contra a doença, após
desafio com microrganismos virulentos, em condições de campo. Esta vacina também protegeu bezerros em
desafio experimental com S. Dublin e com salmonelas do sorogrupo C1, após administração por via subcutânea
ou intranasal. A vacina viva contra S. Gallinarum mostrou ser efetiva não apenas contra esta bactéria, mas
também reduziu significativamente a infecção em aves de postura desafiadas com S. Enteritidis.
RISCO ZOONÓTICO: A prevalência de salmonelose entérica em pessoas aumentou nos últimos anos e os animais
são considerados os principais reservatórios. A transmissão às pessoas ocorre pela contaminação de água, leite,
carne, alimentos processados e seus ingredientes; carne de frango e ovos (p. 2877) são fontes de infecção
particularmente importantes. Além disso, o consumo de frutas e vegetais contaminados por água também pode
ser uma fonte de infecção.

AMEBÍASE (Amebiose)

A amebíase é uma colite aguda ou crônica, caracterizada por diarreia ou disenteria persistente e prevalente nas
áreas tropicais e subtropicais do mundo. Houve redução de sua prevalência nos EUA ao longo das décadas, mas
a doença ainda é importante em várias regiões tropicais, especialmente em situações de calamidade. É comum
nas pessoas e demais primatas; às vezes, é observada em cães e gatos, sendo rara em outros mamíferos. Várias
espécies de amebas são encontradas em mamíferos, mas o único patógeno conhecido é Entamoeba histolytica.
O homem é o hospedeiro natural dessa espécie e representa a fonte normal de infecção para os animais
domésticos. Os mamíferos se infectam pela ingestão de alimento ou água contaminada com fezes que contêm os
cistos infectantes. E. dispar é uma ameba não patogênica, não invasiva com características moleculares
distintas, mas morfologicamente indistinguível da espécie patogênica E. histolytica. E. invadens de répteis é
também morfologicamente idêntica a E. histolytica, mas não é transmitida aos mamíferos.
ACHADOS CLÍNICOS: E. histolytica é um patógeno de virulência variável. Habita o lúmen do intestino grosso,
inclusive do ceco, e pode provocar sinais clínicos inespecíficos ou penetrar na mucosa intestinal e causar colite
ulcerativa hemorrágica moderada a grave. Na doença aguda, pode ocorrer disenteria fulminante, que pode ser
fatal, progredir para cronicidade ou se curar espontaneamente. Nos casos crônicos, pode ocorrer perda de peso,
anorexia, tenesmo e diarreia ou disenteria crônica, contínua ou intermitente. Além do cólon e do ceco, amebas
podem invadir a pele perianal, genitália, fígado, cérebro, pulmões, rins e outros órgãos. Os sintomas podem
lembrar os de outras colonopatias (p. ex., tricuríase e balantidíase). A amebíase invasiva é exacerbada pela
imunossupressão muscular.
Cisto de Entamoeba histolytica; hematoxilina; aumento de 1.000×, com óleo de imersão. Cortesia do Dr. Roger Klingenberg.

DIAGNÓSTICO: O diagnóstico definitivo depende da detecção de trofozoítos ou cistos de E. histolytica nas fezes.
Trofozoítos são mais facilmente identificados em esfregaços diretos em solução salina ou em cortes de amostras
do cólon infectado coradas. É difícil encontrar os parasitos, pois muitos animais com amebíase extraintestinal
não apresentam qualquer infecção intestinal concomitante. No diagnóstico de colite por ameba, a colonoscopia
com biopsia ou raspado de ulcerações é mais efetiva do que o exame de fezes. Nas infecções intestinais, podem
ser necessários exames repetidos, pois os microrganismos podem ser eliminados periodicamente nas fezes.
O tamanho dos trofozoítos varia de 10 a 60 μm, mas geralmente seu diâmetro é > 20 μm, apresentam único
núcleo vesicular (geralmente com um cariossomo central), são móveis e podem conter hemácias ingeridas. As
fezes devem ser examinadas imediatamente, pois os trofozoítos morrem rapidamente fora do corpo. Os
leucócitos fecais podem ser confundidos com amebas, de forma que podem ser necessários esfregaços fecais
fixados e corados (iodo, tricromo, ferro, hematoxilina ou reação de ácido periódico de Schiff) para sua
identificação.
Os cistos têm, em geral, 10 a 20 μm de diâmetro; sendo comum tamanho de 12 a 15 μm. Os cistos maduros
têm quatro núcleos, enquanto os imaturos podem ter 1 ou 2. Em primatas, os cistos podem ser encontrados e
identificados por meio de exame de flotação em sulfato de zinco ou em preparações fixadas e coradas (iodo,
tricromo ou hematoxilina férrica); no entanto, os cistos de E. histolytica raramente são excretados por cães ou
gatos. Um teste ELISA baseado em antígeno, disponível para diagnóstico em pessoas, também pode auxiliar no
diagnóstico em outros mamíferos. A imunocoloração também pode ser útil.
TRATAMENTO: Há poucas informações disponíveis sobre o tratamento em animais. As opções incluem
metronidazol (10 a 25 mg/kg VO, 2 vezes/dia, por 1 semana) ou a furazolidona (2 a 4 mg/kg VO, 3 vezes/dia,
por 1 semana). Os cães podem continuar a eliminar trofozoítos após a terapia.

COCCIDIOSE

Geralmente, a coccidiose caracteriza­se por invasão aguda e destruição da mucosa intestinal por protozoários
dos gêneros Eimeria e Isospora. Os sintomas incluem diarreia, febre, inapetência, perda de peso, emaciação e,
em casos graves, morte. Entretanto, muitos casos são subclínicos. É uma doença economicamente importante
em bovinos, ovinos, caprinos, suínos, aves domésticas (p. 2901) e, também, em coelhos, nos quais tanto o
fígado quanto o intestino podem ser infectados (p. 1944). Em cães, gatos e equinos a coccidiose geralmente é
menos diagnosticada, mas pode resultar em enfermidade clínica. Outros gêneros, tanto de hospedeiros quanto de
protozoários podem estar envolvidos (ver criptospori­diose, p. 216; sarcocistose, p. 1296 e toxoplasmose, p.
724).
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: Eimeria e Isospora tipicamente necessitam apenas um hospedeiro, no qual
completam seu ciclo biológico. Algumas espécies de Isospora possuem hospedeiros intermediários facultativos
(paratênicos ou de transferência). Foi proposto novo nome de gênero, Cystoisospora, para estas espécies de
Isospora. Os coccídios são hospedeiros específicos e não há imunidade cruzada entre as espécies.
A coccidiose é cosmopolita, e infecta principalmente animais domésticos jovens ou confinados em pequeno
espaço contaminado com oocistos. Os coccídios são patógenos oportunistas; se forem patogênicos, a sua
virulência pode ser influenciada por vários fatores estressantes. Portanto, coccidiose clínica é mais prevalente
em condições de desnutrição, má higiene ou superpopulação, ou após estresse decorrente de desmame,
transporte, modificações súbitas na dieta ou de clima desfavorável.
Em geral, na maioria das espécies de animais pecuários, a taxa de infecção é alta e a de doença clínica é baixa
(5 a 10%), embora até 80% dos animais de um grupo de alto risco possam manifestar sintomas. Muitos animais
adquirem infecção por Eimeria ou Isospora, com gravidade variável, entre 1 mês e 1 ano de idade. Geralmente,
animais idosos são resistentes à doença clínica, mas podem ter infecções inaparentes esporádicas. Os animais
mais velhos, clinicamente saudáveis, podem ser fontes de infecção para animais jovens suscetíveis.
PATOGÊNESE: A infecção resulta da ingestão de oocistos infectantes. Os oocistos chegam ao ambiente junto
com as fezes de um hospedeiro infectado, mas os oocistos de Eimeria e Isospora não são esporulados e,
portanto, não são infectantes quando eliminados nas fezes. Em condições favoráveis de oxigênio, umidade e
temperatura, os oocistos esporulam e tornam­se infectantes por vários dias. Durante a esporulação, o
protoplasma amorfo se desenvolve em pequenos corpos (esporozoítos), dentro de cistos secundários
(esporocistos), no interior do oocisto. O oocisto esporulado de Eimeria spp possui 4 esporocistos, cada um
contendo 2 esporozoítos; o oocisto esporulado de Isospora spp tem 2 esporocistos, cada um contendo 4
esporozoítos.
Quando um animal suscetível ingere o oocisto esporulado, os esporozoítos saem do oocisto, invadem a
mucosa intestinal ou as células epiteliais em outros locais e se desenvolvem no meio intracelular em esquizontes
multinucleados (também denominados merontes). Cada núcleo se desenvolve em um corpo infectante,
denominado merozoíto; os merozoítos entram em novas células e o processo se repete. Após número variável de
gerações assexuadas, os merozoítos se desenvolvem em macrogametócitos (feminino) ou microgametócitos
(masculino). Esses gametócitos originam um único macrogameta ou vários microgametas na célula hospedeira.
Após a fertilização pelo microgameta, o macrogameta se desenvolve em um oocisto. Os oocistos possuem
paredes resistentes e são eliminados na forma não esporulada nas fezes. Os oocistos não sobrevivem bem em
temperaturas abaixo de cerca de 30°C ou acima de 40°C; dentro dessa variação, podem sobreviver = 1 ano.
Dentre as várias espécies de Eimeria ou Isospora que podem infectar determinado hospedeiro, nem todas são
patogênicas. Infecções concomitantes com duas ou mais espécies, algumas das quais não normalmente
patogênicas, também influenciam a doença clínica. A virulência das cepas de determinada espécie patogênica
pode ser variável.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos de coccidiose são decorrentes da destruição do epitélio intestinal e, com
frequência, do tecido conjuntivo subjacente da mucosa. Isso pode ser acompanhado de hemorragia no lúmen
intestinal, inflamação catarral e diarreia. Os sintomas podem incluir eliminação de sangue ou de restos de
tecidos, tenesmo e desidratação. As concentrações séricas de proteínas e eletrólitos (tipicamente hiponatremia)
podem estar notadamente alteradas, mas só se constata alteração no teor de Hb ou no valor do VG em animais
gravemente infectados.
DIAGNÓSTICO: Os oocistos podem ser identificados nas fezes por métodos de flotação em solução com sal ou
açúcar. O achado de número apreciável de oocistos de espécies patogênicas nas fezes é diagnóstico (> 100.000
oocistos/g de fezes, nos surtos graves); todavia, como a diarreia pode preceder a intensa eliminação de oocistos
em 1 ou 2 dias, e pode persistir depois que a excreção de oocistos retorna a níveis baixos, nem sempre é
possível encontrar oocistos em uma única amostra de fezes; podem ser necessários vários exames de fezes de
um animal ou uma única amostra de vários animais oriundos de um mesmo ambiente. O número de oocistos
presentes nas fezes é influenciado pelo potencial reprodutivo geneticamente determinado da espécie, pelo
número de oocistos infectantes ingeridos, pelo estágio da infecção, pela idade e estado imunológico do animal,
pela exposição prévia, pela consistência da amostra de fezes (quantidade de água livre) e pelo método de exame.
Portanto, os resultados dos exames de fezes devem estar relacionados com os sintomas e as lesões intestinais
(macro e microscópicas). Além disso, as espécies devem ser patogênicas para este hospedeiro. O achado de
muitos oocistos de uma espécie não patogênica, com diarreia concomitante, não define o diagnóstico de
coccidiose clínica.
TRATAMENTO: Os ciclos biológicos de Eimeria e Isospora são autolimitantes e terminam, espontaneamente, em
poucas semanas, exceto se há reinfecção. O tratamento imediato pode retardar ou inibir o desenvolvimento dos
estágios resultantes de uma reinfecção e, consequentemente, abreviar a duração da enfermidade, reduzir a
eliminação de oocistos, amenizar a hemorragia e a diarreia e diminuir o risco de infecções secundárias e óbito.
Os animais doentes devem ser isolados e tratados individualmente, sempre que possível, para garantir a
administração de concentração terapêutica do fármaco e evitar a exposição de outros animais. Entretanto, a
eficácia do tratamento para coccidiose clínica não foi demonstrada com uso de nenhum fármaco, embora seja
amplamente aceito que o tratamento é efetivo contra a reinfecção e, desta forma, auxilia na recuperação.
Oocistos de Eimeria zuernii em esfregaço de fezes de bezerro. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.

A maioria dos coccidiostáticos tem efeito depressor nos esquizontes de primeira geração e, assim, o seu uso é
mais adequado para o controle do que para o tratamento. As sulfonamidas solúveis são comumente
administradas por via oral em bezerros com coccidiose clínica e são mais efetivas do que as formulações de
sulfonamidas intestinais (bolus). O amprólio também é administrado por via oral em bezerros, ovinos e caprinos
com coccidiose clínica. O tratamento preventivo de animais saudáveis expostos como proteção contra
morbidade adicional é um procedimento importante durante a terapia de animais com sinais clínicos.
PREVENÇÃO: A prevenção baseia­se em limitar o consumo de oocistos esporulados por animais jovens, de
forma a estabelecer uma infecção para induzir imunidade, mas não um quadro sintomático. As boas práticas de
alimentação e manejo, incluindo medidas sanitárias, contribuem para esse objetivo. Os neonatos devem receber
colostro. Os animais jovens suscetíveis devem ser mantidos em alojamentos limpos e secos. Os comedouros e
bebedouros devem ser limpos e protegidos de contaminação fecal; geralmente, isso implica no fornecimento de
alimentos em cochos acima do chão e posicionados de forma que seja difícil a contaminação do alimento por
fezes. O estresse (p. ex., desmame, alterações súbitas da dieta e transporte) deve ser minimizado.
Recomenda­se administração preventiva de coccidiostáticos, quando é possível prever que os animais em
diversos sistemas de manejo desenvolverão coccidiose. Em todos os casos, Eimeria spp está envolvida. O
decoquinato e os ionóforos são amplamente utilizados com este objetivo, em ruminantes jovens. Há relato de
que uma alimentação contínua com baixo teor de amprólio, decoquinato, lasalocida ou monensina no primeiro
mês de confinamento de um lote de engorda, tem valor preventivo. O amprólio e os ionóforos são efetivos em
cabritos, assim como sulfas e amprólio são eficazes em suínos.

COCCIDIOSE EM BOVINOS

Foram identificadas 12 espécies de Eimeria spp nas fezes de bovinos, em todo o mundo, mas apenas três (E.
zuernii, E. bovis e E. auburnensis) são mais frequentemente associadas à doença clínica. Experimentalmente,
outras espécies mostraram ser discreta ou moderadamente patogênicas, mas não são considerados patógenos
importantes.
Geralmente, a coccidiose é uma doença de bovinos jovens (1 a 2 meses a 1 ano), sendo esporádica nas
estações úmidas do ano. A “coccidiose de verão” e a “coccidiose de inverno” em bovinos submetidos à criação
extensiva provavelmente resultam de estresse térmico grave e de superpopulação ao redor de uma fonte limitada
de água, o que concentra hospedeiros e parasitos em uma área restrita. Embora haja relato de epidemias
particularmente graves em bovinos de lote de engorda durante clima extremamente frio, os bovinos confinados
em lotes de engorda são suscetíveis à coccidiose durante todo o ano. Geralmente, os surtos ocorrem no primeiro
mês de confinamento. As vacas podem contribuir para a contaminação do ambiente com oocistos de E. bovis
devido ao maior número de oocistos fecais no periparto. O tempo para início da diarreia após a infecção é de 16
a 23 dias, para E. bovis e E. zeurnii e de 3 a 4 dias para E. alabamensis; a infecção clínica causada por
coccidiose geralmente não ocorre nas primeiras 3 semanas de vida. Desta forma, a coccidiose não é considerada
parte do complexo diarreico em bezerros neonatos.
A síndrome mais típica é uma doença crônica ou subclínica em grupos de animais em crescimento. Os
bezerros podem apresentar definhamento e região perineal sujas de fezes. Nas infecções brandas os bovinos
parecem saudáveis e os oocistos estão presentes em fezes normalmente formadas, mas a conversão alimentar
está reduzida. O sinal mais característico de coccidiose clínica são fezes aquosas, com pouco ou nenhum
sangue, e os animais mostram somente desconforto discreto por poucos dias. Infecções graves são raras. Os
bovinos gravemente acometidos desenvolvem diarreia líquida sanguinolenta, que pode persistir > 1 semana, ou
fezes líquidas com estrias ou coágulos de sangue, fragmentos de epitélio e muco. Pode se constatar febre,
anorexia, depressão, desidratação e perda de peso. Tenesmo é comum, pois os casos mais graves de enterite
acometem o intestino grosso, embora o coccídeo patogênico de bovinos possa lesionar a mucosa da porção
inferior do intestino delgado, ceco e cólon. Alguns bovinos morrem durante o período agudo; outros morrem
posteriormente por complicações secundárias (p. ex., pneumonia). Os bezerros que sobrevivem à enfermidade
grave podem apresentar perda de peso significativa, que não é rapidamente recuperada, ou podem permanecer
caquéticos. Os bezerros com infecção intestinal concomitante (p. ex., Giardia) podem apresentar quadro clínico
mais grave do que os bezerros apenas com coccidiose. Além disso, os fatores de manejo, como clima, abrigo,
práticas alimentares e agrupamento dos animais são importantes na determinação da manifestação da coccidiose
clínica em bovinos.
Sintomas neurológicos (tremores musculares, hiperestesia, convulsões tônico­clônicas, com ventroflexão de
cabeça e pescoço, nistagmo) e alta taxa de mortalidade (80 a 90%) são observados em alguns bezerros com
coccidiose clínica aguda. Os surtos dessa “forma nervosa” são notados com maior frequência durante ou após
clima muito frio, no inverno do Canadá e do norte dos EUA; não há relato da “forma nervosa” fora desta região
geográfica. Bezerros acometidos podem morrer < 24 h após o início de disenteria ou de sintomas nervosos ou
podem viver por muitos dias em posição de decúbito lateral, com leve grau de opistótono. Os sintomas
neurológicos não foram observados em coccidiose clínica experimental em bezerros, sugerindo que os sintomas
nervosos podem não estar relacionados com a disenteria ou, na verdade, nem mesmo à coccidiose.
O diagnóstico é feito pelo achado dos oocistos em teste de flotação fecal, esfregaço direto ou técnica de
McMaster. O exame quantitativo de oocistos em amostras de fezes da ampola retal de, no mínimo, 5 bezerros de
um piquete são úteis na confirmação da coccidiose como causa da doença clínica. Os diagnósticos diferenciais
incluem salmonelose, diarreia viral bovina, desnutrição, toxinas ou outros parasitos intestinais.
Coccidiose é uma doença autolimitante e a recuperação espontânea semanas tratamento específico é comum
quando o estágio de multiplicação dos coccídios se finda.
Os fármacos que podem ser utilizados na terapia de animais clinicamente acometidos são amprólio (10
mg/kg/dia, por 5 dias) e sulfaquinoxalina (13 mg/kg/dia, por 3 a 5 dias). A sulfaquinoxalina é particularmente
útil para bezerros desmamados que desenvolvem diarreia sanguinolenta após a chegada em lotes de engorda.
Como prevenção, pode­se utilizar amprólio (5 mg/kg/dia, por 21 dias), decoquinato (22,7 mg/45 kg/dia, por 28
dias) e lasalocida (1 mg/kg/dia, até o máximo de 360 mg/animal/dia) ou monensina (100 a 360 mg/animal/dia).
O principal benefício dos coccidiostáticos é a melhora da conversão alimentar e da taxa de ganho de peso.
Em um surto, os animais com infecção clínica devem ser isolados e tratados com fluidoterapia de suporte
parenteral ou oral, conforme necessário. Deve­se reduzir a densidade populacional nos criadouros infectados. O
fornecimento de alimento e água deve ser distante do solo, o bastante para evitar contaminação por fezes. A
medicação em massa do alimento e da água pode ser indicada na tentativa de evitar novos casos e minimizar os
efeitos de uma epidemia. Bovinos com coccidiose e sintomas nervosos devem ser confinados em ambiente
interno, mantidos bem aquecidos e acomodados, e receber fluidoterapia oral e parenteral. Porém, a taxa de casos
fatais em bezerros com coccidiose e sintomas nervosos é alta, apesar da terapia de suporte intensiva. O uso de
sulfonamida parenteral pode ser indicado para controlar o desenvolvimento de enterite ou pneumonia bacteriana
secundárias, possíveis em bezerros com coccidiose durante clima muito frio. Os corticosteroides são
contraindicados, pois aumentam a excreção de oocistos e há relato de que induzem doença clínica em bezerros
com infecção subclínica.
O controle efetivo de coccidiose é difícil. Deve­se evitar aglomeração de animais enquanto desenvolvem
imunidade às espécies de coccídios presentes no ambiente. O piso deve ser drenado adequadamente e mantido o
mais seco possível. Deve­se realizar tosquia regularmente, bem como adotar todas as medidas possíveis para
minimizar a contaminação fecal dos pelos. O cocho de alimentos e o bebedouro devem ser altos o suficiente
para evitar contaminação fecal intensa. O controle da coccidiose bezerros introduzidos em um lote de engorda
depende do manejo da densidade populacional, da disponibilidade de cocho apropriado ou do uso de
quimioterápicos para controlar a quantidade de oocistos ingeridos pelos animais enquanto se desenvolve a
imunidade efetiva.
Os coccidiostáticos são utilizados para o controle de coccidiose de ocorrência natural. O coccidiostático ideal
suprime todo o desenvolvimento do ciclo biológico do coccídio, permite o desenvolvimento de imunidade e não
interfere no desempenho produtivo. O uso de sulfonamidas no alimento, na dose de 25 a 35 mg/kg, por = 15
dias, é efetivo no controle de coccidiose em bezerros. Monensina é coccidiostático e promotor de crescimento
eficiente em bezerros. A coccidiose pós­desmame em bezerros de corte tem sido controlada com administração
de monensina intraluminal de liberação contínua. A lasalocida é um composto relacionado com a monensina,
sendo também um coccidiostático efetivo para ruminantes. A lasalocida misturada ao sucedâneo do leite de
bezerros aos 2 a 4 dias de idade é um método de controle de coccidiose efetivo. A lasalocida também é efetiva
como coccidiostático, quando fornecido à vontade no sal, com 0,75% do total de sal da mistura. A dose de 1
mg/kg é a mais efetiva e de resultado mais rápido, sendo recomendada quando há iminência de surto de
coccidiose. O decoquinato no alimento, na dose de 0,5 a 1 mg/kg, suprime a produção de oocistos na coccidiose
induzida experimentalmente em bezerros. O decoquinato é mais efetivo na prevenção de infecção por coccídios,
quando fornecido continuamente em alimento seco, na dose de 0,5 mg/kg. Monensina, lasalocida e decoquinato,
nas doses recomendadas pelo fabricante, são igualmente efetivos. A administração oral de dose única de 15 mg
de toltrazurila/kg, 14 dias após a introdução dos animais no pasto, é efetiva para evitar diarreia devido à
coccidiose. O diclazurila (5 mg/kg) está sendo pesquisado como anticoccídeo de uso oral em bezerros.
O controle da infecção deve incluir modificação nas condições de manejo que contribuem para o
desenvolvimento da doença clínica. Devem­se corrigir as deficiências de abrigo e ventilação, adotar práticas de
alimentação que evitem contaminação fecal dos alimentos, agrupar os bezerros por tamanho e adotar um
método de “todos dentro todos fora” na transferência de bezerros de um piquete para outro.

COCCIDIOSE EM GATOS E CÃES

Várias espécies de coccídios infectam o trato intestinal de gatos e cães. Todas as espécies parecem ser
hospedeiro­específicas. Os gatos são infectados por espécies de Isospora, Besnoitia, Toxoplasma, Hammondia e
Sarcocystis. Os cães são infectados por espécies de Isospora, Hammondia e Sarcocystis. Cães e gatos não são
infectados por Eimeria.
Hammondia tem um ciclo biológico obrigatório em dois hospedeiros; gatos e cães atuam como hospedeiros
finais e os roedores e os ruminantes atuam como hospedeiros intermediários, respectivamente. Os oocistos de
Hammondia são indistinguíveis daqueles de Toxoplasma e de Besnoitia, mas não infectam nenhum hospedeiro
(ver besnoitiose p. 547, sarcocistose, p. 1296 e toxoplasmose, p. 619).
Os coccídios mais comuns em gatos e cães são espécies de Isospora. Algumas espécies de Isospora de gatos
e cães podem infectar facultativamente outros mamíferos e induzir uma forma encistada em vários órgãos, que é
infectante para gatos e cães. Duas espécies infectam os gatos: I. felis e I. rivolta; ambas podem ser identificadas
facilmente pelo tamanho e forma do oocisto. Quase todos os gatos eventualmente são infectados por I. felis.
Quatro espécies infectam os cães: I. canis, I. ohioensis, I. burrowsi e I. neorivolta. Em cães, apenas I. canis pode
ser identificada com base na estrutura do oocisto; as outras 3 espécies de Isospora se sobrepõem pelo tamanho e
podem ser diferenciadas apenas pelas características de desenvolvimento endógenas.
A coccidiose clínica, embora não seja comum, foi descrita em filhotes de cães e gatos. Nos filhotes de gatos,
ocorre principalmente durante o estresse do desmame. Os sintomas mais comuns nos casos graves incluem
diarreia (às vezes sanguinolenta), perda de peso e desidratação. Geralmente, a coccidiose está associada a outros
microrganismos infecciosos, imunossupressão ou estresse.
O tratamento pode ser desnecessário em gatos, pois em geral eles eliminam espontaneamente a infecção. Em
gatos clinicamente infectados pode­se utilizar sulfonamida­trimetoprima (30 a 60 mg/kg/dia, durante 6 dias).
Em canis, quando pode­se prever a necessidade de profilaxia, acredita­se que o amprólio seja eficaz, embora
não seja aprovado para uso em cães. Em casos graves, além da fluidoterapia de suporte, podem­se utilizar
sulfonamidas, como sulfadimetoxina (50 mg/kg, no primeiro dia, seguida de 25 mg/kg/dia, durante 2 a 3
semanas). As medidas sanitárias são importantes, especialmente nos gatis e canis, ou quando se abriga um
grande número de animais. As fezes devem ser removidas frequentemente. Deve­se evitar contaminação fecal
dos alimentos e da água. Os cercados, as gaiolas e os utensílios devem ser desinfetados diariamente. Não se
deve fornecer carne crua. Deve­se estabelecer um programa de controle de insetos.

COCCIDIOSE EM CAPRINOS

Há várias espécies de Eimeria em caprinos na América do Norte e em outras regiões. Eimeria spp é hospedeiro­
específica e não é transmitida de ovinos para caprinos.
E. arloingi, E. christenseni e E. ovinoidalis são altamente patogênicas aos cabritos. Os sinais clínicos incluem
diarreia com ou semanas muco ou sangue, desidratação, emaciação, fraqueza, anorexia e morte. Alguns caprinos
apresentam constipação intestinal e morrem subitamente semanas diarreia. Geralmente, os estágios e as lesões
se restringem ao intestino delgado, que pode parecer congesto, hemorrágico ou ulcerado e apresentar placas
macroscópicas amarelas ou brancas, pálidas e disseminadas na mucosa. Histologicamente, o epitélio das
vilosidades se desprende e notam­se células inflamatórias na lâmina própria e na submucosa. Além disso, há
vários relatos de coccidiose hepatobiliar com insuficiência hepática em caprinos leiteiros. O diagnóstico de
coccidiose intestinal baseia­se no achado de oocistos de uma espécie patogênica em fezes diarreicas, geralmente
dezenas de milhares a milhões por grama de fezes. Não é raro encontrar contagem de 70.000 oocistos em
cabritos semanas uma doença evidente, mas o ganho de peso pode estar prejudicado.
Caprinos da raça Angorá e leiteiros criados sob práticas de manejo diferentes podem apresentar padrão
semelhante de exposição dos cabritos. Imediatamente após o parto, os piquetes de parição e as áreas
circundantes podem estar altamente contaminados com oocistos originários das cabras. A resistência à infecção
diminui imediatamente após transporte, mudança de ração, introdução de animais novos ou mistura de animais
jovens com idosos. Pode­se administrar coccidiostático a um rebanho imediatamente após o diagnóstico ou
como medida preventiva em situações previsíveis, como as mencionadas anteriormente.
Os procedimentos de diagnóstico e tratamento são semelhantes àqueles de bovinos e ovinos. A adição de 55 g
de sulfadimidina/tonelada também é efetiva no controle de coccidiose em caprinos. A adição de monensina ao
alimento (18 g/tonelada) é uma medida preventiva para caprinos não lactantes.

COCCIDIOSE EM OVINOS

A infecção por Eimeria é uma das doenças economicamente mais importantes em ovinos. Historicamente,
acreditava­se que algumas espécies de Eimeria eram infectantes e transmissíveis entre ovinos e caprinos, mas
atualmente esses parasitos são considerados hospedeiro­específicos. Os nomes de algumas espécies de coccídios
de caprinos ainda são aplicados erroneamente a espécies de aparência semelhante encontradas nos ovinos. E.
crandallis e E. ovinoidalis (ninakohlyakimovae) são patógenos de cordeiros, geralmente com 1 a 6 meses de
idade; E. ovina parece ser um pouco menos patogênico. Os ovinos mais velhos atuam como fonte de infecção
para os jovens. Todas as demais Eimeria de ovinos essencialmente não são patogênicas, mesmo quando há
grande número de oocistos nas fezes.
Os sintomas incluem diarreia (às vezes contendo sangue ou muco), desidratação, febre, inapetência, perda de
peso, anemia, lã quebradiça e morte. O íleo, o ceco e o cólon superior são, em geral, os mais acometidos e
podem se tornar espessados, edemaciados e inflamados; às vezes, ocorre hemorragia de mucosa. Podem­se
desenvolver placas opacas brancas e espessas com grande número de oocistos de E. ovina no intestino delgado.
Como os oocistos são frequentes nas fezes de ovinos de todas as idades, a coccidiose não pode ser diagnosticada
com base apenas no achado de oocistos. Tem­se descrito uma contagem de oocistos máxima > 100.000/g de
fezes em cordeiros com 8 a 12 semanas de idade, aparentemente saudáveis. No entanto, diarreia com contagem
de oocistos de uma espécie patogênica > 20.000/g é característica de coccidiose em ovinos. A glomerulonefrite
por deposição de imunocomplexos tem sido também atribuída à coccidiose. Ataque de moscas e infecções
intestinais bacterianas secundárias podem acompanhar a coccidiose em cordeiros.
Cordeiros com 1 a 6 meses de idade mantidos em piquete de parição, em áreas de pastejo intensivo e em
áreas de confinamento encontram­se em maior risco, quando submetidos à transporte, modificação da dieta,
estresse por superpopulação, clima desfavorável e contaminação ambiental com oocistos oriundos de ovelhas ou
outros cordeiros. Como a ocorrência de coccidiose em animais submetidos a esses sistemas de manejo
frequentemente é muito previsível devem­se administrar coccidiostáticos profilaticamente por 28 dias
consecutivos, começando poucos dias depois dos cordeiros serem introduzidos no ambiente. Uma ração
concentrada que contenha 15 g de monensina/tonelada pode ser fornecida a ovelhas a partir de 4 semanas antes
do parto até o desmame e a cordeiros com 4 a 20 semanas de idade. O teor tóxico de monensina para cordeiros é
4 mg/kg. A lasalocida (15 a 70 mg/animal/dia, de acordo com o peso corporal) pode ser efetiva. A combinação
de monensina e lasalocida, na dose de 22 e 100 mg/kg de alimento, respectivamente, é uma medida profilática
efetiva contra coccidiose de ocorrência natural em cordeiros recém­desmamados em lotes de engorda.
O tratamento dos ovinos acometidos, uma vez diagnosticada a coccidiose, não é efetivo, mas pode diminuir a
gravidade da parasitose, se o tratamento começar cedo. A administração única de toltrazurila (20 mg/kg) pode
reduzir significativamente a produção de oocistos em ovinos infectados naturalmente cerca de 3 semanas após a
administração. O diclazurila (1 mg/kg) é um anticoccídio de uso oral efetivo em cordeiros, sendo administrado
uma vez por volta de 6 a 8 semanas de idade (mais comum) ou duas vezes com 3 a 4 semanas de idade e
novamente depois de 3 semanas. Pode­se adicionar sulfaquinoxalina na água de beber, na concentração de
0,015%, por 3 a 5 dias, para tratamento dos cordeiros acometidos. Em grupos de ovinos em pastejo, a frequente
rotação de pastagem para o controle de parasitos também auxilia no controle de infecção por coccídios. Porém,
quando os ovinos são expostos aos coccídios no início da vida, como resultado de infecção oriunda da ovelha e
do solo da maternidade contaminado, geralmente se estabelece uma imunidade sólida ocorrendo infecção
apenas quando a densidade animal é extremamente alta.

COCCIDIOSE EM SUÍNOS

Oito espécies de Eimeria e uma de Isospora infectam suínos na América do Norte. Leitões com 5 a 15 dias de
idade se infectam caracteristicamente apenas com I. suis, que causa enterite e diarreia. Esses agentes devem ser
diferenciados de vírus, bactérias e helmintos que também causam diarreia em suínos neonatos.
I. suis é prevalente em suínos neonatos. A infecção caracteriza­se por diarreia aquosa ou gordurosa,
geralmente amarelada a branca e de odor fétido. Os leitões podem parecer fracos, desidratados e com tamanho
reduzido, menor ganho de peso e, às vezes, morrem. Um fator que contribui para a morte é a cobertura de
leitões com fezes diarreicas, que permanecem úmidos. Os oocistos geralmente são eliminados nas fezes e
podem ser identificados pelo tamanho, pela forma e pelas características de esporulação; no entanto, nas
infecções hiperagudas, o diagnóstico deve se basear na constatação de estágios do parasito em esfregaços por
impressão ou cortes histológicos do intestino delgado, pois os suínos podem morrer antes que os oocistos se
formem. Nos leitões gravemente infectados, as lesões histológicas restritas ao jejuno e ao íleo se caracterizam
por atrofia de vilosidades, úlcera focal e enterite fibronecrótica com estágios parasitários nas células epiteliais.
Há relato de controle preventivo por meio do fornecimento de anticoccídios no alimento de porcas, desde
duas semanas antes do parto até o final do período da lactação, ou de suínos neonatos, desde o nascimento até o
desmame. No entanto, ainda não se confirmou se tal procedimento é efetivo. Embora a porca seja uma fonte de
infecção lógica para os suínos, isto ainda não foi comprovado. A remoção completa das fezes e a desinfecção
dos locais de parição no período entre as leitegadas diminuem muito a ocorrência de infecções. Os leitões que se
recuperam de uma infecção ficam muito resistentes à reinfecção.
Embora menos comumente associada à coccidiose clínica, E. debliecki, E. neodebliecki, E. scabra e E.
spinosa são encontradas em suínos cerca de 1 a 3 meses de idade, com diarreia. A enfermidade pode durar 7 a
10 dias, e os suínos permanecem definhados.
O tratamento de coccidiose pode incluir o uso da sulfametazina na água de beber. O controle de coccidiose
em leitões recém–nascidos infectados por I. suis não tem se mostrado efetivo. A adição de coccidiostáticos no
alimento de porcas por diversos dias ou poucas semanas antes e após o parto tem sido recomendada e utilizada
no campo, mas os resultados são variáveis. Amprólio e monensina não foram eficazes na prevenção de
coccidiose experimental em leitões. Recomenda­se um programa de controle visando reduzir o número de
oocistos, que consiste em limpeza apropriada, desinfecção e limpeza a vapor das instalações de parição.
Recomenda­se amprólio (25% do teor de alimento) na dose de 10 kg/tonelada de alimento das porcas, iniciando
1 semana antes do parto e continuando até que os leitões tenham 3 semanas de idade; mas os resultados são
insatisfatórios. Dose única de toltrazurila (20 mg/kg VO) reduziu a excreção de oocistos, a ocorrência de
diarreia e o prejuízo ao ganho de peso em leitões com coccidiose induzida experimentalmente. O diclazurila (5
mg/kg) está sendo pesquisado como anticoccídio de uso oral em leitões.

CRIPTOSPORIDIOSE

A criptosporidiose é cosmopolita, e acomete principalmente bezerros neonatos, mas também cordeiros, cabritos,
potros e leitões. Criptosporídios causam graus variados de diarreia de ocorrência natural em animais pecuários
neonatos. Geralmente, os parasitos atuam em conjunto com outros enteropatógenos para provocar lesão
intestinal e diarreia.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: A infecção por Cryptosporidium parvum é comum em ruminantes jovens e
verificada em várias espécies de mamíferos, inclusive em pessoas. A infecção é comum em bezerros.
Criptosporídios têm sido encontrados em 70% dos bezerros leiteiros com 1 a 3 semanas de idade. A infecção
pode ser notada aos 5 dias de idade, com a maior parte dos bezerros eliminando os microrganismos entre o 9° e
14° dia. Diversos relatos associam a infecção em bezerros com diarreia que ocorre por volta de 5 a 15 dias de
idade. C. parvum também causa infecção entérica comum em cordeiros e caprinos jovens. A diarreia pode
decorrência de uma única infecção, porém está associada a maior frequência de infecções mistas. A infecção
pode estar relacionada com surtos graves de diarreia, com alta taxa de mortalidade em cordeiros de 4 a 10 dias
de idade e em cabritos de 5 a 21 dias de idade. A infecção por criptosporídios em suínos é constatada em uma
faixa de idade mais ampla do que aquela de ruminantes e tem sido observada em suínos com 1 semana até a
idade de abate. A maioria das infecções é assintomática e o microrganismo não parece ser um patógeno
intestinal importante em suínos, embora possa contribuir para ocorrência de diarreia por má absorção após o
desmame. As infecções por criptosporídios em potros são menos prevalentes e ocorrem em idades mais
avançadas que em ruminantes, com taxa de eliminação máxima ao redor de 5 a 8 semanas de idade. Geralmente,
a doença não é observada em animais de 1 ano de idade ou naqueles adultos. A maioria dos estudos indica que a
criptosporidiose não é uma doença comum em potros; em geral, em animais imunocompetentes as infecções são
subclínicas. Infecções clínicas persistentes são verificadas em cavalos da raça Árabe com imunodeficiência
herdada. Criptosporidiose é também notada em cervídeos jovens e pode ser uma causa de diarreia em crias
órfãs.
TRANSMISSÃO: As fontes de infecção são os oocistos, totalmente esporulados e infectantes quando eliminados
nas fezes. Grande quantidade é eliminada durante o período patente, o que resulta em contaminação intensa do
ambiente. A transmissão pode ocorrer diretamente de bezerro para bezerro, indiretamente por meio de fômites
ou de transmissão humana, a partir da contaminação ambiental ou por contaminação fecal de alimento e água.
Pode ocorrer aumento da excreção de oocistos no período periparto, em ovelhas. C. parvum não é hospedeiro
específico e a infecção oriunda de outras espécies (roedores, gatos que vivem em fazendas), via contaminação
alimentar, também é possível.
Os oocistos são resistentes à maioria dos desinfetantes e podem persistir por vários meses em ambiente frio e
úmido. A infectividade do oocisto pode ser inibida por amônia, formalina, gelo seco e exposição à temperatura
< 0°C ou > 65°C. Hidróxido de amônio, peróxido de hidrogênio, dióxido de cloro, formol 10% e amônia 5% são
efetivos na eliminação de oocistos. A contagiosidade das fezes dos bezerros diminui 1 a 4 dias após o desmame.
Infecções concomitantes com outros patógenos entéricos, especialmente rotavírus e coronavírus, são comuns
e estudos epidemiológicos sugerem que a diarreia é mais grave nas infecções mistas. Animais
imunocomprometidos são mais suscetíveis à doença clínica do que os imunocompetentes, mas a relação entre
doença e falha na transferência passiva de imunoglobulinas colostrais não está clara. Em cordeiros, mas não em
bezerros, nota­se resistência idade­dependente não relacionada com a exposição prévia. A infecção resulta em
produção de anticorpos específicos contra o parasito, mas tanto a imunidade celular quanto a humoral são
importantes na proteção, bem como os anticorpos presentes no intestino do neonato.
Geralmente, a taxa de mortalidade decorrente de criptosporidiose é baixa, exceto quando há complicação por
outros fatores (p. ex., infecções concomitantes, déficit energético por ingestão inadequada de colostro e leite e
estresse por condições climáticas adversas).
PATOGÊNESE: O ciclo biológico de Cryptosporidium baseia­se em 6 principais eventos de desenvolvimento.
Após a ingestão do oocisto ocorre rompimento da estrutura (liberação de esporozoítos infectantes), merogonia
(reprodução assexuada), gametogonia (formação de gametas), fertilização, formação da parede do oocisto e
esporogonia (formação do esporozoíto). Os oocistos de Cryptosporidium spp podem esporular no interior das
células do hospedeiro e são infectantes quando eliminados nas fezes. A infecção persiste até que a resposta
imune do hospedeiro elimine o parasito. Os criptosporídios são mais numerosos na porção inferior do intestino
delgado e são menos frequentes no ceco e no cólon, em casos naturais e experimentais em bezerros. O período
pré­patente é de 2 a 7 dias, em bezerros, e de 2 a 5 dias, em cordeiros. Geralmente, os oocistos são eliminados
nas fezes de bezerros durante 3 a 12 dias.
ACHADOS CLÍNICOS: Geralmente os bezerros apresentam diarreia discreta a moderada que persiste por diversos
dias, semanas tratamento. O início da doença é notado em idade avançada e a diarreia tende a durar alguns dias,
período mais longo do aquele da diarreia causada por rotavírus, coronavírus ou Escherichia coli
enterotoxigênica. As fezes são amareladas ou pálidas, aquosas e contêm muco. A diarreia persistente pode
resultar em perda de peso significativa e emaciação. Na maioria dos casos, a diarreia é autolimitante, após
vários dias. Notam­se graus variáveis de apatia, anorexia e desidratação. Raramente há desidratação grave,
fraqueza e colapso, ao contrário de outras causas de diarreia aguda em bezerros neonatos. A taxa de mortalidade
pode ser alta em rebanhos com criptosporidiose, quando o bezerro recusa leite e ingere apenas soluções
eletrolíticas durante o episódio de diarreia. O padrão persistente de diarreia ocasiona déficit energético
significativo nestas condições e os bezerros morrem por inanição com 3 a 4 semanas de idade.
Lesões: Os bezerros com diarreia persistente apresentam atrofia de vilosidades do intestino delgado.
Histologicamente, nota­se grande número de parasitos nas microvilosidades dos enterócitos de absorção. Em
infecções de baixo grau, apenas poucos parasitos estão presentes, semanas alteração histológica aparente no
intestino. As vilosidades intestinais são menores que o normal, com hiperplasia de criptas e infiltrado celular
inflamatório misto.
DIAGNÓSTICO: Baseia­se na detecção de oocistos em esfregaços de fezes corados pela técnica Ziehl­Neelson,
em exame de flotação fecal ou por métodos imunológicos auxiliares. Sugere­se que se a diarreia é causada por
criptosporídios deve­se encontrar 105 a 107 oocistos/ml de fezes. Os oocistos são pequenos (5 a 6 mm de
diâmetro) e relativamente não refrativos. Dificilmente são detectados por microscopia óptica normal, mas são
facilmente vistos em microscopia de contraste.
TRATAMENTO: Atualmente não há medicamento aprovado disponível nos EUA para tratamento de infecções por
C. parvum em animais de produção. Relatos anedóticos de sucesso com uso extrabula de vários compostos não
foram confirmados em testes controlados. Tratamentos experimentais mostraram que a maioria destes fármacos
é tóxica ou ineficaz. Relata­se que a halofuginona reduz significativamente a produção de oocistos em cordeiros
experimentalmente infectados e em bezerros com infecção experimental e natural; também, foi indicada para
evitar diarreia. O sulfato de paromomicina (100 mg/kg VO, 1 vez/dia, por 11 dias a partir do segundo dia de
idade) mostrou­se efetivo na prevenção de doença natural em um teste clínico de campo controlado, em
cabritos.
Os bezerros acometidos devem receber tratamento de suporte com fluidos e eletrólitos, tanto VO quanto por
via parenteral, conforme necessário, até a recuperação. Leite integral de vacas deve ser fornecido em pequenas
quantidades, várias vezes ao dia (até completar a necessidade), para otimizar a digestão e minimizar a perda de
peso. Vários dias de cuidados intensivos e alimentação podem ser necessários antes da recuperação evidente.
Nutrição parenteral pode ser instituída em bezerros de alto valor.
CONTROLE: O controle da doença é difícil. A redução da quantidade de oocistos ingeridos pode diminuir a
gravidade da infecção e permitir que a imunidade se desenvolva. Os bezerros devem nascer em um ambiente
limpo e ingerir quantidade adequada de colostro logo após o nascimento. Os bezerros devem ser mantidos
separados, semanas contato com outros animais, no mínimo nas duas primeiras semanas de vida, com
alimentação rigorosamente higiênica. Animais com diarreia devem ser isolados dos saudáveis durante o curso
de diarreia e vários dias após a recuperação. Um cuidado maior deve haver para evitar a transmissão mecânica
da infecção. Os bezerreiros devem ser desocupados e higienizados seguindo um protocolo adequado; deve­se
empregar o sistema de manejo “todos dentro todos fora”, com limpeza completa e várias semanas de “vazio
sanitário” entre as acomodações dos grupos de bezerros. Ratos, camundongos e moscas devem ser controladas,
quando possível, e roedores e animais de estimação não devem ter acesso a áreas de armazenamento de grãos e
leite.
O colostro bovino hiperimune reduziu a gravidade da diarreia e o período de eliminação de oocistos em
bezerros experimentalmente infectados. A proteção não está relacionada com o teor circulante de anticorpo
específico, mas requer alto título de anticorpo contra C. parvum no lúmen intestinal por longo período. A vacina
com C. parvum liofilizado, administrada por via oral logo após o nascimento, propiciou proteção parcial em
bezerros desafiados experimentalmente na primeira semana de vida. Não foi efetiva na proteção contra desafio
natural em teste de campo, provavelmente porque a infecção natural ocorre muito cedo, antes do
desenvolvimento de imunidade. No mesmo teste, probióticos produtores de ácido láctico não tiveram efeito
protetor.
RISCO ZOONÓTICO: Infecções em animais domésticos podem ser fonte de infecção para pessoas suscetíveis.
Cryptosporidium é considerado causa não viral relativamente comum de diarreia autolimitante em pessoas
imunocompetentes, principalmente crianças. Nos pacientes imunocomprometidos, a doença clínica pode ser
grave. A infecção é transmitida predominantemente de pessoa a pessoa, mas a infecção direta de animais e a
infecção carreada pela água devido à contaminação da água de beber por animais domésticos ou selvagens
podem também ser importantes. Tratadores de animais de uma fazenda de criação de bezerros podem estar
altamente sujeitos a desenvolver diarreia por criptosporidiose transmitida por animais infectados. Pessoas
imunocomprometidas devem ter acesso restrito a animais jovens e, provavelmente, também às fazendas.

GIARDÍASE (Giardose, Lamblíase, Lambliose)

Giardíase é uma infecção intestinal crônica cosmopolita causada por protozoários que acomete a maioria dos
mamíferos domésticos e silvestres, diversas aves e pessoas. A infecção é comum em cães, gatos, ruminantes e
suínos. Giardia spp foi encontrada em 1 a 39% das amostras de fezes de cães e gatos, tanto de estimação quanto
de abrigos, 1 a 53% de pequenos ruminantes, 9 a 73% de bovinos, 1 a 38% de suínos e 0,5 a 20% de equinos,
com alta taxa de infecção em animais jovens. A prevalência em animais de produção varia de 10 a 100%. A
prevalência cumulativa em uma propriedade na qual se diagnosticou Giardia é de 100%, em bovinos e caprinos,
e próxima a esse valor em ovinos.
Foram descritos três grupos distintos ou espécies de Giardia, incluindo G. duodenalis (sinonímia: G.
intestinalis, G. lamblia), com ampla variedade de mamíferos hospedeiros. A caracterização molecular mostrou
que, na verdade, G. duodenalis é um complexo de espécies, que compreende 7 grupos (A a G), dos quais alguns
tem preferência por hospedeiros distintos (p. ex., grupo C/D, em cães, grupo F, em gatos) ou um número
limitado de hospedeiros (p. ex., grupo E, em bovinos confinados), enquanto outros infectam vários animais,
inclusive o homem (grupos A e B). Há maior evidência de que alguns grupos (A e B) que infectam animais
domésticos também podem contaminar pessoas, embora o mecanismo de transmissão seja mais complicado do
que se pensa.
CICLO BIOLÓGICO E TRANSMISSÃO: Os protozoários flagelados (trofozoítos) do gênero Giardia habitam as
superfícies mucosas do intestino delgado, onde infectam a borda em escova, absorvem nutrientes e se replicam
por divisão binária. Os trofozoítos encistam no intestino delgado ou grosso e os cistos recentemente formados
são eliminados nas fezes. Geralmente, o período pré­patente é de 3 a 10 dias. A eliminação de cistos pode ser
contínua por vários dias e semanas, mas com frequência é intermitente, principalmente na fase crônica da
infecção. O cisto é o estágio infectante e pode sobreviver por várias semanas no ambiente, ao contrário dos
trofozoítos.
A transmissão ocorre por via fecal­oral, por contato direto com hospedeiro ou com ambiente contaminado. As
características que facilitam a infecção incluem excreção de grande quantidade de cistos por animais infectados
e baixa dose necessária para que ocorra infecção. Além disso, os cistos de Giardia são infectantes
imediatamente após a excreção e muito resistentes, o que resulta em aumento gradual da pressão de
contaminação do ambiente. Alto teor de umidade facilita a sobrevivência do cisto no ambiente e a
superpopulação favorece a transmissão.
PATOGÊNESE: As infecções por Giardia causam aumento da permeabilidade epitelial, elevação do número de
linfócitos intraepiteliais e ativação de linfócitos T. As toxinas dos trofozoítos e a ativação de linfócitos T iniciam
um encurtamento difuso da borda em escova das microvilosidades e redução da atividade das enzimas presentes
na borda em escova do intestino delgado, principalmente lipase, algumas proteases e dissacaridases. O
encurtamento difuso das microvilosidades ocasiona redução generalizada da área de absorção do intestino
delgado e prejudica a absorção de água, eletrólitos e nutrientes. O efeito combinado da redução de reabsorção e
deficiências das enzimas da borda em escova ocasiona diarreia por má absorção e diminuição do ganho de peso.
A atividade reduzida da lipase e o aumento da produção de mucina pelas células caliciformes podem justificar a
ocorrência de esteatorreia e diarreia mucosa, relatadas em hospedeiros contaminados por Giardia.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: As infecções por Giardia em cães e gatos podem ser inaparentes ou causar
perda de peso e diarreia crônica ou esteatorreia, que podem ser contínuas ou intermitentes, principalmente em
filhotes. Geralmente, as fezes moles, mal formadas, pálidas, fétidas, com muco e aparência gordurosa. Diarreia
aquosa é incomum nos casos não complicados e, em geral, não há sangue nas fezes. Vômitos ocorrem
ocasionalmente. Deve­se diferenciar giardíase de outras causas de má absorção de nutrientes (p. ex.,
insuficiência pancreática exócrina [p. 493], má absorção intestinal [p. 426]). Os achados laboratoriais
geralmente são normais.
Em bezerros, e em menor proporção em outros animais de produção, a giardíase pode causar diarreia não
responsiva ao tratamento com antibióticos ou coccidiostáticos. A eliminação de fezes líquidas a pastosas, com
aparência mucoide, pode sugerir giardíase, principalmente quando a diarreia ocorre em animais jovens (1 a 6
meses). Além de diarreia, há prejuízo à produção devido à giardíase em animais pecuários. A infecção
experimental em cabritos, cordeiros e bezerros provoca redução da conversão alimentar e consequente
diminuição do ganho de peso.
As lesões intestinais macroscópicas raramente são evidentes, embora possam ser detectadas lesões
microscópicas, que consistem em atrofia de vilosidades e enterócitos cuboides.
DIAGNÓSTICO: Trofozoítos móveis e piriformes (12 a 15 × 6 a 10 μm) ocasionalmente são observados em
esfregaços de fezes aquosas em solução salina. Não devem ser confundidos com tricomonas, que têm núcleos
simples ou duplos, membrana ondulada e sem concavidade na superfície ventral. Cistos ovais (9 a 15 × 7 a 10
μm) podem ser detectados em fezes concentradas pela técnica de centrifugação–flotação com sulfato de zinco
(densidade específica de 1,180). Os meios de flotação com cloreto de sódio, sacarose ou nitrato de sódio são
muito hipertônicos e distorcem os cistos. A coloração dos cistos com iodo auxilia sua identificação. Como os
cistos de Giardia são excretados de forma intermitente, devem­se realizar vários exames de fezes em caso de
suspeita de giardíase; por exemplo, 3 amostras coletadas ao longo de 3 a 5 dias.
Técnicas de imunofluorescência e ELISA estão no mercado disponíveis para detecção do antígeno do
parasito. Em bezerros, ambas as técnicas foram sensíveis e específicas para o diagnóstico da infecção, quando
comparadas ao exame microscópico. Atualmente há disponibilidade de técnicas de imunocromatografia
qualitativa em fase sólida rápida, o que torna possível o diagnóstico de giardíase on­site. Um teste ELISA está
disponível no mercado para uso em cães, recentemente comprovou­se que é um procedimento útil no
diagnóstico clínico. A técnica dipstick também está disponível para o diagnóstico de giardíase em bezerros, mas
o teste parece ter pouca sensibilidade. Em suma, os testes laboratoriais baseados nas técnicas de
imunofluorescência e ELISA foram considerados mais sensíveis para o diagnóstico clínico de Giardia quando
comparados às técnicas imunocromatográficas.
Cistos de Giardia spp oriundos de cobra ratsnake asiática; aumento de 1.000×, em óleo de imersão. Cortesia do Dr. Roger Klingenberg.

TRATAMENTO: O fembendazol (50 mg/kg/dia, durante 3 dias) elimina efetivamente os cistos de Giardia das
fezes dos cães; não há relato de efeito colateral e o medicamento é seguro em fêmeas prenhes e lactantes. Na
Europa, essa dosagem é aprovada para tratamento de infecções por Giardia em cães. O fembendazol não é
aprovado para gatos, mas pode reduzir os sinais clínicos e a eliminação de cistos, na dose de 50 mg/kg/dia,
durante 3 a 5 dias. O oxfendazol é efetivo na dose de 11,3 mg/kg, por 3 dias, em cães, mas não é aprovado para
tratamento de giardíase. O albendazol é efetivo na dose de 25 mg/kg, 2 vezes/dia, por 4 dias, em cães, e durante
5 dias em gatos, mas não deve ser usado nestes animais, pois tem causado supressão da medula óssea e não é
aprovado para essas espécies. A combinação de praziquantel (5,4 a 7 mg/kg), pirantel (26,8 a 35,2 mg/kg) e
febantel (26,8 a 35,2 mg/kg) também reduz de forma efetiva a eliminação de cistos em cães infectados. O efeito
sinérgico entre pirantel e febantel foi demonstrado em animais de pesquisa, sugerindo que a combinação dos
produtos é preferível em relação ao uso de febantel isoladamente.
O metronidazol (25 mg/kg, 2 vezes/dia, por 5 a 7 dias) é efetivo na eliminação da Giardia spp em cerca de
65% de cães infectados, mas pode induzir episódio agudo de anorexia e vômito; ocasionalmente, pode progredir
para ataxia generalizada e nistagmo posicional vertical acentuado. O metronidazol pode ser administrado aos
gatos, na dose de 10 a 25 mg/kg, 2 vezes/dia, por 5 dias. A furazolidona, na dose de 4 mg/kg VO, 2 vezes/dia,
por 7 dias, também é eficaz em gatos e cães pequenos, embora diarreia e vômitos sejam efeitos colaterais
possíveis; também, suspeita­se que seja teratogênica. Uma vacina morta está disponível nos EUA para cães e
gatos, mas a vacinação preventiva ou curativa mostrou eficácia variável na redução dos sinais clínicos e do
número e duração de cistos eliminados no ambiente.
Atualmente, não há fármacos aprovados para o tratamento de giardíase em ruminantes. Fembendazol e
albendazol (5 a 20 mg/kg/dia, durante 3 dias) reduzem significativamente o pico e a duração da eliminação de
cistos e resulta em melhora clínica em bezerros. Relata­se que a paromomicina (50 a 75 mg/kg, VO, por 5 dias)
é muito efetiva em bezerros.
O uso oral de fembendazol pode ser uma opção de tratamento para alguns pássaros.
CONTROLE: Os cistos de Giardia são prontamente infectantes quando eliminados nas fezes e sobrevivem no
ambiente. Os cistos representam uma fonte de infecção e reinfecção aos animais, especialmente àqueles criados
em superpopulação (p. ex., canis, gatis ou sistemas de criação intensiva para animais de produção). A remoção
imediata e frequente das fezes limita a contaminação ambiental, bem como a consequente infecção. Os cistos
são inativados pela maioria dos compostos à base de amônio quaternário, vapor e água fervente.
Para aumentar a eficácia dos desinfetantes, as soluções devem ser deixadas em contato com os cistos por 5 a
20 min, antes de en xaguar as superfícies contaminadas. A desinfecção de jardins e corredores é impossível e
essas áreas devem ser consideradas contaminadas por, no mínimo, um mês após os cães infectados terem
deixado o local. Os cistos são suscetíveis ao ressecamento e deve­se deixar que essas áreas sequem
completamente após a limpeza.

CÓLICA EM EQUINOS
Em sua definição mais correta, o termo “cólica” significa dor abdominal. Com o passar dos anos tornou­se um
termo abrangente para várias enfermidades que são acompanhadas de sinais clínicos de dor abdominal.
Consequentemente, é utilizado para se referir a doenças de etiologia e gravidade amplamente variáveis. Para
compreender essas etiologias, obter o diagnóstico e iniciar tratamentos apropriados, o veterinário deve
inicialmente compreender os aspectos clinicamente relevantes da anatomia gastrintestinal dos equinos, os
mecanismos fisiológicos envolvidos na movimentação da ingesta e do líquido ao longo do trato GI e a
sensibilidade extrema do equino aos efeitos deletérios das endotoxinas bacterianas normalmente presentes no
lúmen intestinal.

Anatomia do Trato Gastrintestinal

O equino é um animal monogástrico, com estômago relativamente pequeno (capacidade de 8 a 10 L), localizado
no lado esquerdo do abdome, abaixo do gradil costal. A junção do esôfago distal com o cárdia representa uma
válvula funcional via única, que permite que gases e fluidos entrem no estômago, mas não saiam. Como
consequência, as enfermidades que impedem o deslocamento aboral normal de gases e fluidos através do
intestino delgado podem resultar em grave dilatação e ruptura gástrica. Devido sua posição, é difícil visualizar o
estômago em radiografia ou ultrassonografia, em equinos adultos grandes. No entanto, em potros, pelo tamanho
menor do órgão, é possível avaliar o esvaziamento gástrico por meio de radiografia contrastada.
O intestino delgado compreende duodeno, jejuno e íleo, com a última parte se juntando ao ceco, em uma
junção ileocecal específica. O duodeno localiza­se principalmente na porção dorsal, no lado direito do animal,
onde fica suspenso na parede corporal dorsal por meio de um pequeno mesentério de 3 a 5 cm.
Consequentemente, o duodeno não se envolve nos deslocamentos de intestino delgado que acometem o
mesentério (vólvulo). Na base do ceco, na região da fossa paralombar direita, o duodeno volta­se para a linha
média. É nesse ponto que é possível sentir o duodeno, quando distendido por gases ou líquido (p. ex., nos
equinos com enterite proximal), na palpação retal.
À medida que o intestino delgado alcança a linha média dorsal, torna­se jejuno. O mesentério longo
característico possibilita que as alças jejunais apoiem­se sobre o conteúdo da porção ventral abdominal. O
jejuno tem cerca de 19,5 m de comprimento; este comprimento, juntamente com seu longo mesentério, permite
que ele se envolva em vólvulos e encarceramentos do intestino delgado. No final do jejuno a parede intestinal
torna­se mais muscular, o lúmen se estreita e a ligação mesentérica adicional torna­se aparente. Os últimos 45
cm do intestino delgado, o íleo, juntam­se com o ceco em sua face medial dorsal. Essa junção é identificada pela
ligação da prega ileocecal do íleo à faixa dorsal do ceco. A prega ileocecal é utilizada como ponto de referência
para localizar o íleo em uma cirurgia.
Intestino grosso de equino. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

Vista medial esquerda do ceco e do cólon direito de equino. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

Através do íleo, a ingesta alcança o ceco, um grande reservatório de fermentação de fundo cego, situado
essencialmente no lado direito do equino e se estende da região da fossa paralombar até a cartilagem xifoide, na
linha média ventral. O ceco tem 1,2 a 1,5 m de comprimento e pode conter 27 a 30 L de alimento e fluido. Sob a
influência do músculo cecal, no interior do ceco a ingesta é amolecida, misturada com microrganismos capazes
de digerir celulose e, finalmente, passa pela abertura cecocólica para o interior do cólon ventral direito. A
ligação do ceco na parede corporal dorsal é larga, minimizando o risco de deslocamento ou rotação sobre seu
próprio eixo.
O cólon ventral direito é dividido em saculações que ajudam a misturar e reter as fibras vegetais, até que
sejam digeridas. Localiza­se na porção ventral do abdome, desde a região do flanco até o gradil costal. O cólon
ventral, então, se desvia para a esquerda, torna­se a flexura esternal e, depois, o cólon ventral esquerdo. O cólon
ventral esquerdo, que também é grande e apresenta saculações, passa caudalmente para a área do flanco
esquerdo. Próximo da região pélvica, o diâmetro do cólon diminui acentuadamente e ele se dobra sobre si
mesmo. Essa região, denominada flexura pélvica, corresponde à porção inicial do cólon dorsal esquerdo não
saculado. Possivelmente, pela diminuição abrupta do diâmetro, a junção entre o cólon ventral esquerdo e a
flexura pélvica é o local mais comum de impactação.
O diâmetro do cólon dorsal é máximo na sua flexura diafragmática ou no cólon dorsal direito. Não há
saculação nas porções direita e esquerda do cólon dorsal. O cólon dorsal direito está intimamente ligado ao
cólon ventral direito por meio de uma pequena dobra intercólica e, à parede corporal, por uma resistente ligação
mesentérica comum com a base do ceco. Contrariamente, nem o cólon ventral nem o cólon dorsal esquerdos se
prendem diretamente à parede corporal, o que permite que essas porções do cólon apresentem deslocamento ou
rotação.
A ingesta se desloca do cólon dorsal direito maior para o cólon transverso menor, que possui diâmetro de
cerca de 10 cm e está firmemente fixo na face mais dorsal da cavidade abdominal, por meio de um mesentério
fibroso, curto e forte. O cólon transverso situa­se cranialmente à artéria mesentérica cranial. Finalmente, a
ingesta alcança o cólon descendente saculado, que tem 3 a 3,6 m de comprimento.

Suprimento Sanguíneo ao Trato Gastrintestinal


As artérias celíaca e mesentérica cranial (ramos da aorta abdominal) fornecem o suprimento sanguíneo ao trato
gastrintestinal (GI). A artéria celíaca fornece sangue arterial ao estômago, pâncreas, fígado, baço e porção
inicial do duodeno. A artéria mesentérica cranial fornece sangue arterial para o restante do duodeno, para todo o
jejuno, íleo, ceco, cólon maior e cólon transverso e porção inicial do cólon descendente. Como o cólon maior se
prende à parede corporal apenas na região próxima à artéria mesentérica cranial, o sangue que supre todas as
partes do cólon deve atravessar toda sua extensão. A flexura pélvica recebe sangue de dois ramos da artéria
mesentérica cranial; um ramo supre o cólon dorsal, direito e esquerdo, antes de atingir a flexura pélvica, e o
outro supre o cólon ventral direito e esquerdo, antes de atingir a flexura pélvica. Logo, um vólvulo no cólon
maior, próximo à junção cólon­ceco, pode impedir o fluxo sanguíneo para todo o cólon esquerdo.
Os principais ramos da artéria mesentérica cranial podem ser lesionados por formas migratórias do parasito
Strongylus vulgaris (ver p. 358).

Aberturas Naturais no Abdome

Há várias aberturas ou espaços naturais na cavidade abdominal que podem ser importantes nas enfermidades
que causam cólica. O canal inguinal é uma abertura pela qual o intestino pode passar e ficar retido. Embora as
hérnias inguinais sejam comuns em potros jovens, raramente causam problemas clínicos; a situação é
consideravelmente diferente em garanhões. De modo semelhante, se a parede abdominal ventral não se fecha
corretamente ao redor do umbigo, permanece uma abertura, com risco de problemas intestinais secundários à
hérnia umbilical. O forame epiploico, uma abertura natural entre a veia porta, a veia cava caudal e o lobo
hepático caudato, pode ser um local de encarceramento intestinal. Finalmente, há um espaço natural entre a face
dorsal esplênica e o rim esquerdo. Esse espaço é limitado pelo ligamento nefroesplênico, uma faixa tecidual
forte que liga a face dorsomedial esplênica à cápsula fibrosa do rim esquerdo. Esse ligamento propicia uma
“saliência” sobre a qual o cólon maior pode se deslocar.

Padrões de Motilidade do Cólon

O peristaltismo normal no cólon ventral esquerdo desloca a ingesta em direção ao cólon dorsal esquerdo e os
músculos da parede do cólon dorsal esquerdo se contraem para movimentar a ingesta em direção à flexura
diafragmática. No entanto, há evidências de que os músculos do cólon ventral esquerdo se contraem de maneira
retrógrada, da flexura pélvica em direção à flexura esternal. Além disso, essas contrações se originam de um
marca­passo presente na flexura pélvica. Há hipótese de que esse marca­passo percebe tanto o tamanho quanto a
consistência das partículas de alimentos da ingesta e, então, inicia o padrão de motilidade apropriado. Se a
ingesta for digerida o suficiente, ela será movida em direção normal; se for necessária uma digestão adicional, a
ingesta será direcionada em sentido retrógrado, sendo retida no cólon ventral. Esta teoria justifica a ocorrência
clínica comum de obstrução na flexura pélvica, ou próxima a ela.

Achados Clínicos

Vários sinais clínicos estão associados à cólica. Os mais comuns incluem repetidas batidas de patas no solo com
o membro torácico, olhar para a região do flanco, movimentação do lábio superior e arqueamento do pescoço,
levantamentos repetidos de membro pélvico ou coices no abdome, decúbito, rolamento de um lado para o outro,
sudorese, posição de micção, esforço para defecar, distensão abdominal, perda de apetite, depressão e
diminuição da motilidade intestinal. É raro que um equino com cólica exiba todos esses sinais. Embora estes
sejam indicadores confiáveis de dor abdominal, os sinais particulares não indicam qual parte do trato GI se
encontra comprometida ou se será necessária cirurgia.

Diagnóstico

Obtém­se o diagnóstico e institui­se tratamento apropriado apenas após realização de um exame completo do
equino, considerando o histórico de quaisquer problemas ou tratamentos anteriores, definindo a parte do trato
intestinal envolvida e identificando a causa do episódio específico de cólica. Na maioria das vezes, a cólica se
deve uma das seguintes razões: 1) A parede intestinal encontra­se excessivamente distendida por gás, líquido ou
ingesta. Isso estimula as terminações nervosas sensíveis a estiramentos da parede intestinal e os estímulos de
dor são transmitidos ao cérebro. 2) Há dor devido tensão excessiva no mesentério. 3) Na maioria das vezes,
ocorre isquemia, como resultado de encarceramento ou grave torção intestinal. 4) Ocorre inflamação, que pode
envolver toda a parede intestinal (enterite) ou o revestimento intestinal (peritonite). Nestes casos, os mediadores
pró­inflamatórios da parede intestinal reduzem o limiar para estímulos de dor.
A lista de possíveis enfermidades que causam cólica é longa, sendo razoável primeiramente determinar o tipo
de doença mais provável e iniciar tratamento apropriado e, depois, obter o diagnóstico mais específico, se
possível. Os tipos gerais de doenças que causam cólica incluem excesso de gás no lúmen intestinal (cólica
gasosa), obstrução simples do lúmen intestinal, obstrução do lúmen intestinal e do suprimento sanguíneo para o
intestino (obstrução estrangulante), interrupção do suprimento sanguíneo apenas para o intestino (infarto não
estrangulante), inflamação intestinal (enterite), inflamação do revestimento da cavidade abdominal (peritonite),
erosão da mucosa intestinal (úlcera) e “cólica de causa inexplicável”. Em geral, equinos com obstruções
estrangulantes e obstruções completas necessitam cirurgia abdominal de emergência, enquanto equinos com
outros tipos de doença podem ser tratados clinicamente.
Deve­se investigar a história do episódio atual de cólica e dos episódios anteriores, se houver, para determinar
se o equino apresenta problemas repetitivos ou semelhantes ou se o episódio é um evento isolado. Duração do
evento, grau de comprometimento cardiovascular, intensidade da dor, defecação e resposta ao tratamento são
informações importantes. Também, é importante investigar o controle de parasitos intestinais em equinos
(esquema, datas de tratamento e fármacos utilizados), há quanto tempo fez­se a limpeza dos dentes, as
mudanças no fornecimento ou na quantidade de alimentos ou água e se o equino se encontrava em repouso ou
se exercitando quando a cólica começou.
O exame físico deve incluir avaliação dos sistemas cardiopulmonar e GI. Deve­se examinar as membranas
mucosas bucais quanto à coloração, umidade e tempo de preenchimento capilar. As membranas mucosas podem
se apresentar cianóticas ou pálidas quando há comprometimento cardiovascular agudo e, por fim, hiperêmicas
ou congestas, à medida que se instala vasodilatação periférica posteriormente ao choque. O tempo de
preenchimento capilar (o normal é cerca de 1,5 segundos) pode estar diminuído no início, mas geralmente torna­
se prolongado à medida que ocorre estase vascular (congestão venosa). As membranas mucosas tornam­se secas
à medida que o equino se desidrata. A frequência cardíaca aumenta devido à dor, hemoconcentração e
hipotensão; portanto, a frequência cardíaca mais elevada está associada a problemas intestinais mais graves
(obstrução estrangulante). No entanto, nem todas as enfermidades que necessitam cirurgia são acompanhadas de
alta frequência cardíaca.
Um aspecto importante no exame físico é a introdução de sonda nasogástrica. Como os equinos não podem
regurgitar, tampouco vomitar, a ocorrência de íleo adinâmico, obstruções que envolvem o intestino delgado ou
distensão gástrica com gás ou líquido podem resultar em ruptura do estômago. Portanto, a introdução de uma
sonda gástrica pode salvar a vida do equino e auxiliar no diagnóstico dessas enfermidades. Caso ocorra refluxo
de líquido devem­se avaliar o volume e sua coloração.
Devem­se auscultar o abdome e o tórax e percutir o abdome. Este deve ser auscultado em vários locais (ceco
à direita, intestino delgado na porção esquerda superior e cólon na parte esquerda inferior). Os sons intestinais
associados a episódios de dor podem indicar obstrução intraluminal (p. ex., impactação e enterólito). Ruído de
gás pode indicar íleo adinâmico ou distensão visceral. Ruído de líquido pode indicar diarreia iminente associada
à colite. A ausência total de ruídos geralmente está associada a íleo adinâmico ou isquemia. A percussão auxilia
na identificação do segmento do intestino totalmente distendido (ceco à direita e cólon à esquerda), que pode
necessitar esvaziamento. Pode­se notar aumento da frequência respiratória devido à febre, dor, acidose ou
doença respiratória primária. Hérnia diafragmática também é uma possível causa de cólica.
A parte mais importante do exame é a palpação retal. O veterinário deve desenvolver um método de palpação
consistente das seguintes estruturas: artéria aorta, artéria mesentérica cranial, base do ceco e sua porção ventral,
duodeno, bexiga, superfície peritoneal, anel inguinal em garanhões e nos cavalos castrados, bem como ovários e
útero em éguas, flexura pélvica, baço e rim esquerdo. Deve­se palpar o intestino, verificando­se tamanho,
consistência do conteúdo (gasoso, líquido ou impactado), distensão, edema de parede e dor.
Com frequência, uma amostra de fluido peritoneal (coletada por meio de paracentese asséptica na linha
média) reflete o grau de lesão intestinal. Devem­se avaliar coloração, contagem celular total e diferencial e
concentração de proteína total. O líquido peritoneal normal apresenta­se claro a cor­de­palha, contém < 5.000
leucócitos/μl, sendo a maioria deles células mononucleares e < 2,5 g de proteína/dl.
A idade do equino é importante, pois várias enfermidades relacionadas com a idade causam cólica. As mais
comuns são: potros – atresia de cólon, retenção de mecônio, uroperitônio e úlcera gastroduodenal; equinos com
cerca de 1 ano de idade – impactação por ascarídeos; equinos jovens – intussuscepção de intestino delgado,
infarto não estrangulante e obstrução por corpo estranho; equinos de meia­idade – impactação de ceco,
enterólitos e vólvulo de cólon maior; em equinos idosos – lipoma pedunculado e ruptura mesocólica.
A avaliação ultrassonográfica do abdome pode auxiliar na diferenciação entre doenças que podem ser tratadas
clinicamente e aquelas que necessitam cirurgia. Ultrassonografia transrretal também pode ser realizada para
elucidar as alterações notadas durante a palpação retal. Em potros, as imagens do cólon maior e do intestino
delgado são comumente vistas através da parede abdominal ventral, enquanto apenas a imagem do cólon maior
é frequentemente notada em equinos adultos. O cólon maior pode ser visualizado por sua aparência sacular. O
duodeno pode ser visto na altura do décimo espaço intercostal e delimitado ao redor da porção caudal do rim
direito. O jejuno raramente é identificado no exame ultrassonográfico transabdominal de um equino adulto
normal, enquanto o íleo com parede espessada pode ser notado no exame transrretal.
As anormalidades mais comumente identificadas no exame ultrassonográfico incluem hérnia, encarceramento
nefroesplênico do cólon maior, cólica com conteúdo arenoso, intussuscepção, enterocolite, colite dorsal direita e
peritonite. Garanhões com hérnia inguinal apresentam intestino encarcerado no lado acometido; é possível
identificar o intestino e obter informações acerca da espessura de sua parede, assim como a presença ou
ausência de peristaltismo. Em equinos com encarceramento nefroesplênico do cólon maior, a extremidade do
baço ou o rim esquerdo não podem ser observados, ou o cólon maior preenchido por gás está presente na porção
caudodorsal do abdome, na região do espaço nefroesplênico. Equinos com cólica por conteúdo arenoso
apresentam uma imagem hiperecoica granular da porção acometida do cólon. O achado característico em
equinos com intussuscepção é a aparência de “olho de touro” da porção do intestino delgado envolvida.
Frequentemente, a região do intestino proximal à intussuscepção encontra­se distendida e há espessamento da
região estrangulada. Equinos com enterocolite comumente exibem evidências de hiperperistaltismo, parede
intestinal com áreas espessadas e distensão do intestino por líquido. Entretanto, equinos com colite dorsal direita
com frequência apresentam espessamento acentuado da parede do cólon dorsal direito. Em cavalos com
peritonite, o fluido peritoneal pode ser anecoico ou indicar evidência de material flocoso e fibrina entre as
superfícies serosas das vísceras.

Tratamento

Os equinos com cólica podem necessitar tanto tratamento clínico quanto cirúrgico. Quase todos requerem
alguma forma de tratamento clínico, mas apenas os equinos com algumas obstruções intestinais mecânicas
necessitam cirurgia. O tipo de tratamento clínico é definido em função da causa da cólica e da gravidade da
doença. Em alguns casos, no início o equino pode ser submetido ao tratamento clínico e ter a resposta avaliada;
isso é particularmente adequado quando há dor leve e as funções do sistema cardiovascular estão normais.
Ultrassonografia pode ser utilizada para avaliar a eficácia do tratamento medicamentoso. Se necessário, pode–se
utilizar um procedimento cirúrgico como diagnóstico, bem como para tratamento.
Havendo evidências de obstrução intestinal por ingesta seca, durante palpação retal, o objetivo principal do
tratamento é hidratar e retirar o conteúdo intestinal. Se o equino apresenta dor intensa e sinais clínicos de
hemoconcentração por perda de água (frequência cardíaca elevada, tempo de preenchimento capilar prolongado
e alteração da cor das membranas mucosas), os objetivos iniciais do tratamento são: aliviar a dor, restabelecer a
perfusão tecidual e corrigir quaisquer anormalidades na composição do sangue e dos fluidos corporais (ver
Tabela 5). Na suspeita de lesão de parede intestinal (em decorrência de inflamação grave ou de deslocamento ou
obstrução estrangulante), devem ser adotadas medidas para evitar ou tratar os efeitos nocivos das endotoxinas
bacterianas que saem do intestino e alcançam a corrente sanguínea. Finalmente, se há evidência de que o
episódio de cólica foi causado por parasitos, o objetivo do tratamento é eliminá­los.
ALÍVIO DA DOR: Na maioria dos casos de cólica, a dor é leve, sendo suficiente a analgesia. Nesses casos,
presume­se que a causa da cólica seja espasmo do músculo intestinal ou excesso de gás em uma porção do
intestino. No entanto, se a dor se deve à torção ou deslocamento intestinal, alguns analgésicos mais potentes
podem mascarar os sinais clínicos úteis para a definição do diagnóstico. Por isso, deve­se finalizar o exame
físico completo antes de administrar qualquer medicamento. No entanto, como os equinos com cólica ou com
dor intensa podem se lesionar e se tornar agressivos às pessoas próximas, com frequência deve­se administrar
analgésico previamente. Além disso, muitos animais com problemas menos graves podem necessitar alívio da
dor até que outros tratamentos tornem­se efetivos. Deve­se escolher um analgésico que ocasione poucos efeitos
colaterais e que cause alteração mínima no comportamento do equino.

Tabela 5 – Considerações gerais sobre a necessidade de fluido em equinos desidratadosa

Fator Fórmula utilizada Volume para um equino de 500 kg


determinante

Déficit de % desidratação × peso (kg) 4­10% × 500 = 20 a 50 l


fluido
Manutenção 50 ml/kg/24 h 50 × 500 = 25 l/24 h
Perdas de Refluxo estimado ou volume de
fluido fezes na diarreia
Taxa de 50% em 1 a 2 h; 50% no resto 20 a 35 l nas primeiras 1 a 2 h; o restante
administração do dia distribuído nas outras 22 a 23 h
a Adaptado, com autorização, de: Zimmel D.N., Management of pain and dehydration in horses with colic. In Current
Therapy in Equine Medicine, 5, 2003, Robinson N.E., (ed.), Elsevier.

Os medicamentos comumente utilizados no alívio de dor abdominal são AINE, que reduzem a produção de
prostaglandinas. Quando esses fármacos são utilizados conforme recomendado, os seus efeitos tóxicos nos rins
e no trato GI são raros. Pesquisas clínicas mostraram que a flunixino meglumina pode mascarar os sintomas
iniciais de enfermidades que requerem cirurgia; portanto, deve ser utilizado com critério em equinos com cólica.
O sedativo mais comumente usado para cólica é a xilazina, um a2­agonista. Poucos minutos após sua
administração, o equino permanece quieto e menos responsivo à dor. Infelizmente, os efeitos da xilazina têm
curta duração e inibe os músculos intestinais; também, diminui o débito cardíaco e, consequentemente, reduz o
fluxo sanguíneo aos tecidos. A detomidina, um a2­agonista mais potente e que possui ação muito mais longa,
está sendo utilizada com sucesso, em condições semelhantes.
Dentre os analgésicos narcóticos, o butorfanol é utilizado com maior frequência em equinos com cólica.
Ocasiona poucas reações adversos no trato GI ou no coração. No entanto, quando administrado em altas doses,
os narcóticos podem causar excitação e o equino pode ficar inquieto. O butorfanol geralmente é combinado com
um a2­agonista, para induzir um período de analgesia mais prolongado.
Embora geralmente o alívio da dor é obtido com o uso de analgésicos, há outras maneiras importantes de
reduzir a intensidade da dor. Por exemplo, a introdução de uma sonda nasogástrica (também parte importante na
elaboração do plano diagnóstico) pode remover qualquer líquido acumulado no estômago, em razão de uma
obstrução de intestino delgado. A remoção desse líquido não só alivia a dor decorrente da distensão gástrica
como também evita a ruptura do estômago.
FLUIDOTERAPIA: Muitos equinos com cólica se beneficiam da fluidoterapia, que evita desidratação e mantém o
suprimento sanguíneo aos rins e outros órgãos vitais. Os fluidos podem ser administrados por meio de sonda
nasogástrica ou por via IV, dependendo da doença intestinal específica (ver Tabela 5). Equinos com obstrução
estrangulante ou enterite devem receber fluido IV, pois a absorção de fluido no intestino acometido fica reduzida
e o fluido pode ser secretado no interior do lúmen intestinal. Isso causa acúmulo de líquido no intestino, e no
estômago, cuja remoção estomacal pode ser feita com auxílio de sonda nasogástrica. Essa transferência anormal
de fluidos corporais ao intestino contribui para o desenvolvimento de choque circulatório, que geralmente é a
causa definitiva de morte.
A maior parte do fluido da ingesta é reabsorvida no ceco e no cólon. Na verdade, cerca de 95% do líquido que
normalmente passa pelo intestino grosso retornam à corrente sanguínea. Portanto, equinos com obstrução
intestinal próxima à flexura pélvica, em geral, requerem quantidade relativamente pequena de fluido IV,
enquanto equinos com obstrução do intestino delgado precisam de um volume extremamente grande.
O volume e o tipo de fluido a ser administrado são determinados pela gravidade e pela causa da enfermidade.
Os testes laboratoriais para avaliar o grau de hemoconcentração e as anormalidades eletrolíticas são essenciais
para o tratamento apropriado do equino com cólica grave. O equilíbrio dos fluidos corporais pode ser
restabelecido pela administração por via intravenosa de fluidos formulados para repor a(s) deficiência(s) de
eletrólito(s). No entanto, na maioria dos casos, a fluidoterapia deve começar antes que os resultados
laboratoriais estejam disponíveis, particularmente quando o equino exibe sinais clínicos de choque circulatório.
Quando há necessidade de fluidoterapia IV, mas os sinais clínicos são discretos a moderados, o equino deve
receber 8 a 10L de fluido de reposição estéril que contenha eletrólitos nas concentrações normalmente presentes
no sangue. Esse volume deve ser administrado ao longo de 1 a 2 h e o equino deve ser reavaliado para
determinar a necessidade adicional de fluido. Os equinos em choque circulatório requerem volume muito maior
de fluido IV, que deve ser administrado o mais rapidamente possível; pode ser necessários até 20L em 1 h, para
restabelecer a perfusão tecidual. Em casos graves, solução salina hipertônica (NaCl 7%) deve ser administrada
para aumentar rapidamente o volume plasmático. Dependendo da causa da cólica pode ser preciso fluido IV por
vários dias, até que a função intestinal retorne ao normal, as concentrações de eletrólitos se equilibrem e o
equino consiga manter as sua necessidade hídrica por meio da ingestão de água. Nestas condições, a
necessidade diária de fluido IV pode variar de 30 a 100L.
Em alguns casos, os fluidos são administrados por meio de sonda nasogástrica, como parte do tratamento de
impactação de cólon. Muitos clínicos acreditam que o mesmo resultado pode ser obtido pela administração por
via intravenosa de grande volume de fluido. Se o equino não bebe espontaneamente e não há obstrução de
intestino delgado, a hidratação mediante administração de fluidos por sonda pode ser mantida. Caso haja refluxo
de fluido ao estômago, não se deve administrar fluidos ou medicamentos por sonda nasogástrica, pois isso
indica que tanto o esvaziamento do estômago quanto do intestino delgado não foi adequado.
PROTEÇÃO CONTRA ENDOTOXINAS BACTERIANAS: Endotoxina, uma parte da membrana externa de bactérias
gram–negativas intestinais, é liberada quando a bactéria morre ou se multiplica rapidamente. Normalmente, as
endotoxinas se restringem ao lúmen intestinal, mas se a mucosa intestinal é lesionada devido à isquemia, elas
passam para a cavidade peritoneal ou a corrente sanguínea. Em seguida, elas interagem com fagócitos
mononucleares e induzem uma resposta inflamatória que pode incluir febre, depressão, hipotensão, distúrbios de
coagulação e, por fim, morte. A minimização das respostas inflamatórias à endotoxemia é parte fundamental no
tratamento de cólica.
As prostaglandinas estão envolvidas em muitos dos efeitos patológicos iniciais das endotoxinas. O flunixino
meglumina reduz a produção celular de prostaglandinas e pode ajudar a evitar alguns de seus efeitos. Como o
flunixino pode evitar alguns efeitos iniciais da endotoxemia em dose menor do que aquela recomendada (1,1
mg/kg), é possível administrar doses menores (0,25 mg/kg) sem mascarar os sintomas associados à enfermidade
que requer cirurgia.
Há considerável controvérsia quanto à eficácia do uso de plasma ou soro que contém anticorpos
neutralizantes de endotoxina. Esses anticorpos atuam contra os componentes das endotoxinas, que são
semelhantes nas diferentes bactérias gram­negativas. Resultados de estudos clínicos que utilizaram tais
anticorpos são conflitantes, com evidência de proteção em alguns estudos e nenhum efeito positivo em outros.
Como as endotoxinas estimulam, por si só, a geração de ampla variedade de substâncias inflamatórias que
produzem efeitos fisiopatológicos, devem­se empregar os anticorpos neutralizantes o mais cedo possível, no
curso da doença.
Como alternativa, a polimixina B é utilizada para evitar a interação da endotoxina com as células
inflamatórias do animal. A polimixina B possui nefrotoxicidade bem descrita; entretanto, a dose de polimixina
B para atuar nas endotoxinas é menor que aquela que causa toxicidade. A polimixina B foi avaliada em vários
estudos experimentais de endotoxemia e rotineiramente á utilizada na dose de 1.000 a 5.000U/kg, 2 a 3
vezes/dia. Esta forma de terapia deve ser iniciada o mais cedo possível. Além disso, fluidoterapia de reposição
deve ser administrada em animais hipovolêmicos e a concentração sérica de creatinina deve ser monitorada
criteriosamente. Isto é especialmente relevante em potros neonatos azotêmicos, pois eles parecem mais
suscetíveis aos efeitos nefrotóxicos da polimixina B.
LUBRIFICANTES INTESTINAIS E LAXANTES: Uma causa comum de cólica em equinos é a obstrução simples do
intestino grosso com ingesta seca, às vezes misturada com areia. Essas impactações do intestino grosso
geralmente ocorrem próximas à flexura pélvica ou no cólon dorsal direito, mas podem envolver qualquer porção
do cólon maior, do cólon descendente ou do ceco. Na maioria dos casos, os lubrificantes ou agentes
amolecedores de fezes administrados por sonda nasogástrica amolecem a ingesta impactada, permitindo que
seja eliminada. Essa forma de terapia pode ser auxiliada pela administração simultânea de fluido IV. Aconselha­
se manter o equino amordaçado para evitar impactação adicional por alimento, enquanto se tenta amolecer o
conteúdo da obstrução.
O óleo mineral é o medicamento mais utilizado no tratamento de impactação do cólon maior. Ele reveste a
parte interno do intestino e auxilia no movimento normal da ingesta ao longo do trato GI. Deve ser administrado
por sonda nasogástrica, até 4L, 1 a 2 vezes/dia, até que se resolva a impactação. Embora o óleo mineral seja
seguro, não é muito efetivo no tratamento de impactação grave ou por areia, pois pode simplesmente passar pela
obstrução sem amolecê­la.
O sulfosuccinato sódico de dioctila (SSD) é um composto semelhante à sabão que atua sequestrando água
para o interior da ingesta seca. É mais efetivo que o óleo mineral no amolecimento de impactação. No entanto,
pode interferir na absorção normal de água no cólon e pode ser tóxico. Logo, o SSD só pode ser administrado,
com segurança, em pequena quantidade, por 2 vezes, com intervalo de 48 h.
Um composto seguro e útil no tratamento de impactações, especialmente aquelas que contêm areia, é o
muciloide hidrofílico psílio. Quando misturado à água, forma uma massa gelatinosa que provoca movimentação
da ingesta ao longo do trato GI. Embora geralmente administrado por sonda nasogástrica em equinos com
impactação, o psílio também pode ser utilizado como preventivo, misturando­o, como pó seco, no alimento. Os
equinos que vivem em ambiente arenoso ou que persistentemente desenvolvem impactação podem receber
psílio em pó, na dose de 400 g/500 kg, 1 vez/dia, junto com alimento, por 7 dias. Este tratamento é repetido 2 a
3 vezes ao ano, na tentativa de se evitar a ocorrência de impactação por areia.
Os laxantes potentes que estimulam as contrações intestinais não são frequentemente utilizados no tratamento
de impactação e, na verdade, podem agravar o problema. Ocasionalmente, os equinos com impactação dura são
tratados com sulfato de magnésio, que transferem fluidos corporais para o trato GI. Os efeitos colaterais incluem
desidratação e maior risco de diarreia.
A fluidoterapia, com administração de fluidos por sonda nasogástrica ou por via IV, é uma parte importante e
efetiva do tratamento dos equinos com impactação de cólon ou ceco. Se uma impactação não começa a se
desfazer dentro de 3 a 5 dias, é necessária cirurgia para esvaziar o intestino e auxiliar no restabelecimento da
motilidade normal.
VERMÍFUGOS LARVICIDAS: A migração normal das larvas dos grandes vermes hematófagos, particularmente
Strongylus vulgaris, está envolvida em muitos casos de cólica. Em resposta à migração e à maturação das larvas
na artéria mesentérica cranial, a parede arterial torna­se espessa e forma placas frouxas de tecido inflamatório.
Tem se proposto que essas placas ativam a coagulação, o que resulta em tromboembolia. O suprimento
sanguíneo ao intestino pode ser reduzido, o que provoca alteração na motilidade intestinal e na absorção de
nutrientes no intestino ou necrose intestinal. Logo, presume­se que a tromboembolia seja uma causa de
episódios recidivantes de cólica e perda de peso.
Vermífugos recentes, como ivermectina e moxidectina, atuam em larvas migratórias de S. vulgaris. O
fembendazol elimina os estrôngilos migratórios se administrado o equivalente a 2 vezes a dose recomendada,
diariamente, por 5 dias, ou a 10 vezes a dose recomendada, diariamente, durante 3 dias. Como resultado do uso
frequente destes anti­helmínticos, os casos de cólica intermitente crônica, cujas causas acreditavam ser
tromboembolia ou migração de larvas parasitárias, diminuíram amplamente na prática equina.
Há considerável evidência de que a lesão causada por ciatostomos provoca cólica, diarreia e perda da
condição corporal, particularmente em equinos jovens. Estes sintomas são sazonais e simultâneo ao surgimento
de grande número de larvas encistadas no lúmen do cólon maior. Em áreas temperadas do hemisfério norte, a
larva permanece encistada nos meses de inverno e emergem no final do inverno e na primavera, causando
úlcera, edema e inflamação da mucosa do cólon maior. Isto pode resultar em diarreia, perda proteica, perda de
peso, cólica e febre discreta intermitente. Equinos com ciatostomíase requerem tratamento com doses larvicidas
de anti­helmínticos, como ivermectina, moxidectina e fembendazol. Alguns equinos necessitam analgésicos,
tratamento suporte e manejo nutricional adequado.
Ver p. 356, para uma discussão detalhada sobre o tratamento de pequenos e grandes estrôngilos.
CIRURGIA: Geralmente há necessidade de cirurgia quando ocorre obstrução mecânica do fluxo de ingesta
normal, que não pode ser corrigido clinicamente ou se a obstrução também interfere no suprimento sanguíneo
intestinal. A última situação causa a morte do equino, exceto se a cirurgia é realizada rapidamente. Em alguns
casos indica­se cirurgia como procedimento diagnóstico exploratório para equinos com cólica crônica que não
respondem à terapia medicamentosa de rotina.
Nestes casos, os equinos que exibem sinais de dor abdominal grave que não respondem à terapia analgésica
necessitam cirurgia abdominal de emergência. Geralmente, o lúmen intestinal encontra­se completamente
obstruído, como acontece na obstrução estrangulante ou no deslocamento grave. Da mesma forma, os equinos
com intestino anormalmente distendido à palpação retal e com aumento da concentração de proteína total e do
número de hemácias no fluido peritoneal provavelmente apresentam lesão estrangulante que requer correção
cirúrgica. Esses achados clássicos que caracterizam os equinos que necessitam cirurgia emergencial, em geral,
são exceção, não a regra. Alguns equinos com dor leve ou moderada também podem necessitar intervenção
cirúrgica e a decisão deve se basear em no exame físico completo e em outros métodos de avaliação. Algumas
indicações mais comumente utilizadas para decidir pela intervenção cirúrgica em equinos com cólica são: dor
incontrolável; > 4 L de refluxo de fluido estomacal; ausência de borborigmo à auscultação; aumento de
proteína, eritrócitos e neutrófilos tóxicos no fluido peritoneal; intestino firmemente distendido, cólon deslocado
ou enterólito ou corpo estranho detectado mediante palpação retal.
A realização precoce de cirurgia (se indicada) é fundamental para o sucesso e melhora do prognóstico quanto
à sobrevivência. Portanto, é mais importante decidir se o equino deve ser encaminhado para uma clínica onde a
cirurgia poderá ser realizada se necessária, do que tentar determinar se, definitivamente, há necessidade de
cirurgia emergencial. Geralmente, é prudente encaminhar os seguintes casos: 1) equino que responde
inicialmente ao analgésico, mas requer terapia analgésica adicional poucas horas depois, 2) equino que continua
a exibir sinais de dor, apesar da administração de analgésicos, 3) equino que permanece com dor, mas apresenta
fluido peritoneal normal, 4) equino com distensão de intestino delgado à palpação retal, mas que não apresenta
refluxo, ou 5) equino com grande quantidade de líquido removido do estômago, mas que não apresenta
distensão de intestino delgado palpável ao exame retal.
Quando há necessidade de cirurgia, na maioria das vezes, o equino é anestesiado e posicionado em decúbito
dorsal e a incisão é feita na linha média ventral. Ao ter acesso à cavidade peritoneal devem­se examinar as
porções intestinais para determinar a causa definitiva da cólica. A correção pode envolver reposicionamento da
porção intestinal deslocada, remoção de obstrução ou ressecção de intestino desvitalizado. Quando os
segmentos intestinais desvitalizados precisam ser removidos ou quando se realiza enterotomia, os cuidados pós­
operatórios devem incluir o uso de antibióticos, fluidos IV, polimixina B, anticorpos contra endotoxinas e AINE
para evitar endotoxemia. Quando o segmento do intestino deslocado é facilmente reposicionado em sua posição
normal, os cuidados pós­operatórios são muito menos rígidos. Cada equino deve ser manejado individualmente;
a necessidade de tratamento baseia­se na resposta à cirurgia e na ocorrência de complicações.

Prognóstico

Um amplo estudo retrospectivo, nos EUA, revelou taxa de sobrevivência total de 60%, em equinos com cólica,
e de 50% em equinos submetidos à cirurgia abdominal, incluindo aqueles submetidos à eutanásia na mesa de
cirurgia em razão de doenças inoperáveis. As taxas de sobrevivência em equinos com obstrução estrangulante e
naqueles com doença inflamatória foram de apenas 24 e 42%, respectivamente. Por outro lado, equinos com
causa indefinida do episódio de cólica apresentaram taxa de sobrevivência de 94%. Quando se considerou o
segmento do trato GI, a taxa de sobrevivência de enfermidades de intestino delgado e estômago foram menores
do que daquelas que acometem o cólon maior. Além disso, as doenças que interferem na passagem da ingesta e
no suprimento sanguíneo intestinal diminuíram drasticamente a chance de sobrevivência. Resultados de estudos
mais recentes são muito mais promissores, com taxa de sobrevivência de equinos submetidos à cirurgia
abdominal de emergência > 80%. Além disso, há relatos de taxa de sobrevivência de 70% em equinos que
necessitaram ressecção de intestino delgado estrangulado ou correção de vólvulo em cólon maior. Em estudos
retrospectivos iniciais, estas condições estavam associadas à taxa de sobrevivência = 30%. Embora a obtenção
de dados quanto à sobrevivência a longo prazo (p. ex., equino que retorna ao seu uso pretendido) seja mais
difícil, achados recentes indicam que quando a maior parte dos cavalos morrem ou são submetidos à eutanásia
devido à doença grave, isso ocorre dentro de 3 meses após a cirurgia.
Frequentemente, combinam­se valores obtidos de diversas variáveis para prever a sobrevivência de equinos
com cólica. Os indicadores de prognóstico envolvem avaliação da dor, distensão intestinal, cor das membranas
mucosas e função do sistema cardiovascular. As taxas de sobrevivência são mais altas em equinos com dor
abdominal leve e são mais baixas em animais com dor intensa. Equinos com distensão intestinal palpável
apresentam taxa de sobrevivência menor do que aqueles que não manifestam evidência de distensão intestinal; a
taxa de sobrevivência é ainda menor se nenhum som intestinal for audível na auscultação abdominal.
Membranas mucosas congestas frequentemente estão associadas a endotoxemia bacteriana, o que reduz a taxa
de sobrevivência. A função do sistema cardiovascular reflete o grau de choque e, portanto, está relacionada com
o prognóstico quanto à sobrevivência. Por exemplo, equinos com pressão arterial sistólica baixa ou frequência
cardíaca alta têm menor chance de sobreviverem.
Dentre as análises laboratoriais utilizadas para prever a sobrevivência, a concentração sanguínea de lactato e
o valor de anion gap são utilizados com mais frequência. A dosagem de lactato sanguíneo é utilizada como
indicador de perfusão tecidual; aumento da concentração de ácido láctico indica perfusão tecidual deficiente. De
modo semelhante, o anion gap (cálculo da diferença entre cátions e ânions mensuráveis) reflete a geração de
ânions orgânicos, principalmente de ácido láctico, decorrente de menor perfusão tecidual. A concentração de
proteínas no fluido peritoneal também é utilizada para prever a sobrevivência; concentrações mais altas estão
associadas a pior prognóstico.

DOENÇAS ASSOCIADAS À CÓLICA DEVIDO À LOCALIZAÇÃO ANATÔMICA

Estômago

DILATAÇÃO E RUPTURA DE ESTÔMAGO: A causa mais comum de dilatação gástrica em equinos é excesso de gás
ou obstrução intestinal. A dilatação gástrica pode estar associada com ingestão exagerada de ingredientes
alimentares fermentáveis, como grãos, capim viçoso e polpa de beterraba. Possivelmente, o grande aumento na
produção de ácidos graxos voláteis inibe o esvaziamento gástrico. Se não for tratada, a dilatação gástrica
associada a este consumo excessivo pode ocasionar brusca ruptura do estômago. Caso a causa seja obstrução
intestinal, esta envolve mais frequentemente o intestino delgado. O líquido do intestino delgado obstruído
acumula­se no lúmen do estômago, causando dilatação gástrica e recuperação do refluxo pela introdução de
sonda nasogástrica. Dilatação gástrica também pode ocorrer em alguns equinos com alguns tipos de
deslocamentos de cólon, principalmente com deslocamento do cólon dorsal direito, ao redor do ceco (ver p.
239). Presume­se que o cólon deslocado obstrua o fluxo duodenal. A dilatação gástrica por líquido também é
característica de enterite­jejunite proximal.
A ruptura de estômago é uma complicação fatal da dilatação gástrica. Geralmente é notada na curvatura
maior do estômago. Cerca de 2/3 de todos os casos de ruptura gástrica são secundários à obstrução mecânica,
íleo adinâmico e traumatismo; o restante se deve à sobrecarga ou a causas idiopáticas.
Os sinais clínicos associados a dilatação gástrica incluem dor abdominal intensa, taquicardia e ânsia de
vômito. As membranas mucosas podem ficar pálidas. Classicamente, esses sinais agudos são substituídos por
alívio, depressão e toxemia após a ruptura do estômago. O prognóstico quanto à sobrevivência pode ser
excelente na maioria dos casos de dilatação, mas a ruptura gástrica é fatal.
IMPACTAÇÃO GÁSTRICA: A impactação gástrica é causa incomum de cólica. Embora possa estar associada à
ingestão de determinados ingredientes alimentares (polpa de beterraba, alimentos peletizados, sementes de
caqui, palha e cevada) também devem ser considerados os fatores contribuintes (p. ex., lesões dentárias,
consumo inadequado de água e ingestão rápida de alimentos). Como a incidência dessa enfermidade é baixa, é
difícil determinar quais fatores podem ser mais importantes. O sinal clínico mais evidente na impactação
gástrica é dor abdominal intensa. Devido à ausência de outros achados característicos, mais frequentemente o
diagnóstico é definido por meio de cirurgia; a decisão sobre a realização de cirurgia para controlar o problema
se baseia em dor incessante.
O tratamento envolve a administração intragástrica de solução salina ou de água, por meio de uma agulha
introduzida na massa impactada. Depois da injeção deve­se massagear o estômago e desfazer a obstrução. Se
uma sonda nasogástrica está posicionada no momento da cirurgia pode­se bombear água para o interior do
estômago e massagear a massa. Deve­se continuar a lavagem após a cirurgia, na tentativa de remover parte do
material impactado. O prognóstico é favorável se a decisão de realizar uma cirurgia exploratória é tomada
precocemente e a impactação possa ser desfeita manualmente, durante a cirurgia.

Intestino Delgado

Os sinais clínicos de cólica podem surgir após obstrução, inflamação ou obstrução estrangulante no intestino
delgado. O prognóstico das enfermidades que acometem o intestino delgado geralmente é reservado. Com isso,
diagnóstico precoce e tratamento adequado são fundamentais.
IMPACTAÇÃO DE ÍLEO: A enfermidade mais comum que provoca obstrução simples do intestino delgado é
impactação de íleo. É mais comum na região sudeste dos EUA, na Alemanha e nos Países Baixos. Embora os
fenos que contêm alto teor de fibras possam ser importantes na patogênese, a relação causa­efeito ainda não foi
comprovada. Resultados de uma pesquisa clínica recente no Reino Unido indicaram que há estreita relação entre
infecção pela tênia intestinal Anoplocephala perfoliata e impactação de íleo. Em estudo similar realizado nos
EUA, dois fatores de risco de impactação de íleo foram identificados – não administração de pamoato de
pirantel, um anti­helmíntico com alguma eficácia contra A. perfoliata, por 3 meses; e alimentação com feno de
capim Bermudas. Adicionalmente, tem­se sugerido que a impactação se desenvolve secundariamente a
contrações espásticas do músculo íleo contra a direção da ingesta.
Os sinais clínicos incluem início com dor abdominal leve a intensa, seguida de redução nos ruídos intestinais,
refluxo gástrico e taquicardia. Embora a palpação retal precoce possa permitir a detecção de impactação do íleo
na parte inferior do quadrante abdominal caudal direito, uma distensão de jejuno subsequente pode dificultar ou
impossibilitar esse achado. O diagnóstico diferencial mais comum é jejunite proximal; a distinção entre as duas
enfermidades pode ser, com frequência, difícil. Como o quadro clínico do equino pode permanecer inicialmente
estável e o grau de dor abdominal pode ser discreto, muitos equinos com esta enfermidade não são
encaminhados para terapia intensiva ou cirurgia antes de 18 h. A concentração de proteínas no fluido peritoneal
pode aumentar se a impactação persiste por todo esse tempo.
O tratamento requer, com mais frequência, cirurgia, embora tenha sido relatado que a enfermidade responde
ao tratamento com fluido e óleo mineral, se diagnosticada precocemente. Se indicada cirurgia, pode­se misturar
a massa impactada com solução salina ou carboximetilcelulose e massageá­la no interior do ceco ou realizar
enterotomia no jejuno distal e remover a ingesta por essa incisão. Pode­se se instalar íleo adinâmico após a
cirurgia. De acordo com o grau de lesão na superfície serosa do intestino delgado no momento da cirurgia
podem ocorrer complicações várias semanas após, devido às aderências intra­abdominais (ver a seguir).
ADERÊNCIAS: As aderências intra­abdominais acometem geralmente o intestino delgado e causam obstrução
intestinal; também, podem causar obstrução estrangulante. Essas aderências se desenvolvem em resposta à lesão
peritoneal e, mais frequentemente, resultam de cirurgia prévia no intestino delgado, distensão crônica do
intestino delgado, peritonite ou migração de larvas de parasitos. Resposta tecidual à isquemia, manipulação de
tecido lesionado, corpos estranhos, hemorragia ou desidratação resulta na formação de aderências fibrinosas (e,
em seguida, fibrosas). Os sinais clínicos são notados quando a aderência causa torção, compressão ou estenose
intestinal.
Deve­se considerar a possibilidade de aderência quando o equino foi submetido anteriormente à cirurgia
abdominal e apresenta histórico recente de dor abdominal recidivante. Os sinais clínicos associados às
aderências intra­abdominais podem variar desde uma cólica discreta recidivante até uma dor intensa incessante.
Mais comumente, as aderências intra­abdominais causam problemas clínicos dentro de 90 dias após a cirurgia,
quando representam um problema importante para o equino.
O tratamento cirúrgico envolve transecção da aderência, ressecção do intestino acometido e sua anastomose,
de modo a propiciar um fluxo de ingesta normal. São utilizados agentes terapêuticos destinados a reduzir a
formação subsequente de novas aderências. Isso inclui a administração sistêmica de antimicrobianos e de AINE
e da instilação de carboximetilcelulose estéril no interior do abdome, no momento da sutura. O proprietário deve
ser informado de que as aderências provavelmente são recidivantes e que o prognóstico quanto à sobrevivência
de equinos com amplas aderências, a longo prazo, é desfavorável.
IMPACTAÇÃO POR ASCARÍDEOS: Equinos jovens, particularmente aqueles criados em haras que adota programa
de controle parasitário inadequado, podem desenvolver impactação de intestino delgado por ascarídeos. Essas
impactações ocorrem após administração de anti­helmíntico altamente efetivo contra Parascaris equorum. Os
anti­helmínticos mais comumente associados a essa enfermidade são ivermectina, piperazina e
organofosforados. Esses fármacos paralisam os ascarídeos, resultando em acúmulo de massa de vermes no
lúmen do intestino delgado. Tem­se sugerido que a destruição da superfície do ascarídeo libera fluidos
antigênicos que inibem a atividade do músculo intestinal e, assim, aumenta o risco de obstrução intestinal.
Os sinais clínicos variam de dor abdominal discreta a intensa, evidências de toxemia e refluxo gástrico que
pode conter ascarídeos. Deve­se suspeitar de impactação por ascarídeos se o equino acometido encontra­se em
fase de desmame ou com cerca de 1 ano de idade, com condição corporal ruim e histórico de uso recente de
vermífugo. O tratamento clínico com fluidos e lubrificantes intestinais pode ser bem­sucedido em alguns casos.
Outros equinos podem necessitar intervenção cirúrgica e remoção dos ascarídeos por meio de várias
enterotomias. O prognóstico é reservado, se há necessidade de cirurgia. O proprietário deve ser avisado de que
outros equinos jovens da propriedade devem receber anti­helmínticos com eficácia mais baixa contra
ascarídeos, como o fembendazol. Esse tratamento inicial pode ser seguido do uso de compostos mais eficazes.
ENTERITE-JEJUNITE PROXIMAL: Essa doença pouco compreendida acomete a porção proximal do intestino
delgado e tem vários nomes, inclusive enterite­jejunite proximal, enterite anterior e duodenite­jejunite. A
enfermidade foi relatada no sudeste e no nordeste dos EUA, na Inglaterra e na Europa. A causa é desconhecida.
O intestino acometido contém lesões que variam de hiperemia à necrose e infiltração da submucosa por células
inflamatórias. Comumente, nota­se edema e hemorragia em diversas camadas da parede intestinal.
Graus variáveis de dor abdominal, de leve a intensa, são característicos. Quando a prevalência da
enfermidade atingiu seu pico na década de 1980, foi caracterizada por grande quantidade de refluxo gástrico,
progressão de dor para depressão e distensão moderada a grave do intestino delgado, na palpação retal. Além
disso, em muitos casos o duodeno distendido pode ser palpado à medida que percorre a base do ceco.
Frequentemente o fluido peritoneal contém maior concentração proteica (> 3 g/dl), com número normal de
leucócitos, mas esse achado não distingue consistentemente a enfermidade de outras causas de doença de
intestino delgado. Com base em relatos informais, a prevalência e a gravidade clínica da enfermidade
diminuíram na última década, ao menos em regiões do país onde a enfermidade teve um curso mais grave e foi
acompanhada de alta prevalência de laminite.
O tratamento pode ser tanto clínico quanto cirúrgico. O tratamento clínico inclui descompressão gástrica
contínua até que o refluxo gástrico diminua, fluido IV e analgésicos, conforme a necessidade. Muitos clínicos
administram penicilina e baixas doses de flunixino meglumina; alguns clínicos também administram
neostigmina, lidocaína ou metoclopramida, para estimular a motilidade do intestino delgado. Alguns cirurgiões,
particularmente no Reino Unido, acreditam que a laparotomia exploratória com descompressão intestinal resulta
em recuperação mais rápida. Na enterite­jejunite proximal a taxa de sobrevivência é de 44%.
Os membros devem receber uma atenção particular, pois há relato de laminite aguda como uma complicação
comum, com prevalência de cerca de 25%.
INTUSSUSCEPÇÃO: A maior parte das intussuscepções que ocorrem nos equinos é jejuno­jejunal, ileoileal ou
ileocecal. A extensão do intestino que se invagina (o intussuscepto) no interior do segmento intestinal mais
distal (o intussuscepiente) pode variar de poucos centímetros a 1 m. Embora haja dúvida quanto à causa exata
da maioria das intussuscepções, na melhor das hipóteses, têm­se sugerido alterações do peristaltismo devido à
enterite, traumatismos cirúrgicos, lesão por parasitos, anti­helmínticos e infecção por Anaplocephala perfoliata.
Equinos com < 3 anos de idade são mais predispostos.
A dor abdominal pode ser aguda, quando há obstrução total do lúmen intestinal, ou crônica, na obstrução
parcial do lúmen. Se a oclusão do lúmen intestinal for completa, o equino manifesta dor aguda e apresenta
refluxo gástrico e as alças do intestino delgado distendidas são palpáveis através do reto. Pode ser possível
palpar a intussuscepção túrgida, especialmente se o íleo estiver comprometido. Como o intussuscepto
estrangulado fica contido no intussuscepiente, a contagem de leucócitos no líquido peritoneal pode não refletir o
grau de lesão intestinal.
O tratamento requer cirurgia para redução da intussuscepção, se possível, seguida de ressecção e anastomose.
Devido ao edema e à hemorragia na parede do intestino acometido pode ser difícil avaliar a viabilidade do
tecido intestinal. Além disso, as lesões no intussuscepto podem resultar no desenvolvimento de aderências. Se o
jejuno estiver envolvido deve­se realizar anastomose jejuno­jenunal. Se a intussuscepção envolve apenas o íleo,
deve­se resseccionar o intestino acometido e realizar uma anastomose jejuno­cecal. Caso o íleo se invagine no
interior do ceco deve­se transeccionar a porção terminal do íleo próxima ao ceco e realizar uma anastomose
jejuno­cecal. O prognóstico quanto à sobrevivência é favorável se a cirurgia for realizada antes que seja
impossível a redução da intussuscepção. No último caso o prognóstico é reservado a desfavorável devido ao
desenvolvimento de peritonite, íleo adinâmico, aderências e formação de abscessos.
VÓLVULO: Vólvulo no intestino delgado se instala quando ele gira > 180° sobre seu eixo mesentérico. À medida
que o grau de rotação aumenta, perde­se o suprimento vascular ao intestino. Na maioria dos casos, a face distal
do vólvulo é o íleo, possivelmente pela sua ligação com o ceco.
Os equinos com vólvulo no intestino delgado apresentam dor aguda e aumento da frequência cardíaca,
prolongamento do tempo de preenchimento capilar e refluxo gástrico. Devido à perda de líquido no interior do
intestino e do estômago, esses equinos se desidratam e apresentam aumento do VG e da concentração
plasmática de proteínas. O quadro clínico pode se agravar rapidamente devido à hipovolemia e endotoxemia. A
palpação retal geralmente revela alças de intestino delgado distendidas e túrgidas e o líquido peritoneal contém
maior número de leucócitos e aumento do teor de proteínas.
Anoplocephala perfoliata e impactação de íleo em equino. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.

O tratamento compreende correção cirúrgica do vólvulo mediante celiotomia na linha média ventral. Se o
intestino se apresenta inviável deve ser resseccionado, realizando–se anastomose. O prognóstico quanto à
sobrevivência depende da duração da doença e da parte do intestino que foi removida. O prognóstico é
favorável quando se estabelece diagnóstico precoce e cirurgia. Equinos com longo período de doença antes da
cirurgia ou com íleo adinâmico e peritonite no pós­operatório são mais sujeitos à formação de aderências. Tem­
se sugerido que a eutanásia é justificável quando > 50% da extensão do intestino delgado necessita remoção.
Entretanto, resultados de um estudo experimental em pôneis indicou que a remoção de 70% do intestino
delgado não resultou em má absorção, quando os animais foram alimentados com várias refeições (8) com ração
com pequenos peletes, diariamente.
LIPOMAS PEDUNCULADOS: Cólica causada por lipomas pedunculados acomete equinos > 10 anos de idade. Os
lipomas pedunculados ficam aderidos ao mesentério por uma base, ou pedículo, que se enrola ao redor de um
segmento intestinal, ocluindo o lúmen e interferindo com seu suprimento sanguíneo. Frequentemente o lipoma
forma um nó com o pedículo.
Os sinais clínicos variam de depressão a dor abdominal intensa, refluxo gástrico e rápida deterioração da
condição metabólica. As alças do intestino delgado distendidas são palpáveis ao exame retal; em casos especiais
o lipoma também pode ser notado através do reto. O número de leucócitos e de hemácias e a concentração de
proteínas no fluido peritoneal encontram­se aumentados.
O tratamento requer transecção do pedículo e, se necessário, ressecção do intestino desvitalizado. O
prognóstico depende do tempo decorrido entre o início dos sinais clínicos e a cirurgia. Se esta for realizada
precocemente, o prognóstico é favorável; no entanto, se não for efetuada até se notem sinais de
comprometimento cardiovascular o prognóstico quanto à sobrevivência é reservado a desfavorável.
ENCARCERAMENTO INTERNO: Os locais mais comuns de encarceramento interno são as fendas mesentéricas e o
forame epiploico. As fendas mesentéricas são defeitos no mesentério do intestino delgado. O problema surge
quando um segmento do intestino delgado passa através do defeito mesentérico e o intestino fica encarcerado.
Como o intestino se distende com fluido e sangue, com frequência instala­se vólvulo no segmento acometido.
As fendas mesentéricas são verificadas em equinos de todas as idades.
O forame epiploico é uma abertura natural limitada pelo lobo caudal do fígado, pela veia porta e pela veia
cava caudal. O jejuno distal e o íleo são as porções intestinais mais comumente encarceradas através do forame
epiploico. Embora geralmente o intestino passe da direita para a esquerda, para entrar na bursa do omento, ele
pode passar em direção oposta, empurrando o omento para sua frente. Embora haja relato de que equinos com >
7 anos de idade sejam acometidos com maior frequência, a enfermidade também se desenvolve em equinos com
< 7 anos.
Os sinais clínicos podem ser vagos e semelhantes àqueles de equinos com enterite proximal ou lipoma
pedunculado. O diagnóstico pode ser obtido durante a cirurgia. Além disso, em alguns casos, devido à posição
do intestino acometido dentro da bursa do omento, o líquido peritoneal disponível para análise pode permanecer
normal.
O tratamento de equinos com fenda mesentérica ou encarceramento no forame epiploico é cirúrgico. Deve­se
exteriorizar o segmento acometido, avaliar sua viabilidade e, se necessário, realizar ressecção e anastomose. O
prognóstico quanto à sobrevivência depende do tempo decorrido entre o início da enfermidade e a cirurgia. Se a
cirurgia for realizada precocemente, o prognóstico é favorável. No entanto, como os sinais clínicos podem ser
vagos, a decisão pela cirurgia pode ser retardada, piorando o prognóstico.
HÉRNIA INGUINAL: Hérnias inguinais geralmente se desenvolvem em garanhões, após acasalamento,
traumatismo ou exercício intenso. As hérnias parecem mais comuns em equinos das raças Marchador do
Tennessee, Americano de sela e Standardbred. Na maioria dos casos, a hérnia resulta em cólica aguda. Na
maioria dos casos o intestino passa através do anel inguinal e se instala próximo ao testículo e epidídimo. O
exame físico revela testículo edemaciado, firme e frio à palpação. Se a hérnia se instalou há horas, o intestino
pode ser palpado no canal inguinal. Nesse caso, pode­se tentar reduzir a hérnia tracionando o testículo para
baixo para apertar as bordas do canal inguinal e, depois, forçar o intestino para cima, em direção ao anel
inguinal. Uma vez encarcerado, o intestino, frequentemente incluindo o íleo, torna­se edemaciado e não é
possível reduzir a hérnia manualmente. A palpação retal revela alças do intestino delgado distendidas, uma
delas seguindo para o anel inguinal, no lado acometido. Ocorre refluxo gástrico e a condição do equino se
agrava rapidamente. O líquido peritoneal geralmente reflete o grau de isquemia.
A cirurgia envolve celiotomia na linha média ventral e acesso ao anel inguinal para reduzir a hérnia.
Frequentemente, deve­se remover o testículo do lado acometido e seccionar o intestino comprometido. O
prognóstico quanto à sobrevivência parece depender da raça, sendo melhor em equinos Standardbred e
reservado a desfavorável em cavalos Marchadores do Tennessee. Possivelmente, isso reflete o fato de que
muitos garanhões Marchadores do Tennessee com hérnia inguinal manifesta discretos sinais de dor.

Intestino Grosso e Ceco

IMPACTAÇÃO: Os locais mais comuns de impactação são flexura pélvica do cólon esquerdo, junção do cólon
dorsal direito com o cólon transverso e base e corpo do ceco. A flexura pélvica e o cólon transverso são
anatomicamente predispostos à obstrução devido às diferenças marcantes de tamanho. Não se conhece a causa
primária de impactação do ceco, mas aventa­se a possibilidade de que a atividade muscular do ceco é anormal
nos equinos acometidos. Outros fatores predisponentes incluem alimentos demasiadamente grosseiros, dentes
lesionados ou mal cuidados e consumo insuficiente de água. Em uma pesquisa clínica, dentre os equinos com
impactação de ceco, os animais das raças Apaloosa, Árabe e Morgan apresentaram maior prevalência; ademais,
tem­se proposto que a enfermidade se instala secundariamente à infestação pela tênia Anaplocephala perfoliata.
As impactações também podem ser secundárias a outras enteropatias e podem estar associadas a internação
prolongada. Em consequência, deve­se avaliar a produção de fezes de equinos que estão sendo tratados para
outras anormalidades, em protocolos de rotina. Isto é especialmente importante em equinos tratados diariamente
com AINE.
Equinos com impactação simples de ceco ou cólon maior exibem sinais de cólica intermitentes e discretos e
há mínima evidência de comprometimento sistêmico, exceto quando a impactação tem um curso prolongado.
Em geral, a frequência cardíaca aumenta apenas ligeiramente. Os ruídos intestinais são comumente audíveis à
auscultação abdominal e podem estar associados ao início da dor à medida que a porção acometida do intestino
contrai devido à obstrução. O diagnóstico se baseia na palpação retal. Embora se considere a flexura pélvica do
cólon maior como o local mais comum de obstrução, a ingesta impactada, na verdade, preenche boa parte ou
todo o cólon ventral esquerdo. A massa impactada pode ser sentida estendendo a palpação cranialmente no
abdome e o segmento intestinal acometido é notado pela palpação das faixas longitudinais na superfície do
cólon ventral. A detecção de impactação de ceco é relativamente fácil, pois a massa instala­se na região
paralombar direita. O ceco pode ser detectado definitivamente mediante palpação da faixa cecal ventral tensa e
da gordura e dos vasos sanguíneos que recobrem a faixa cecal medial. A análise do fluido peritoneal pode ser
normal ou a concentração de proteína total pode aumentar à medida que o curso da doença se prolonga.
Impactação de ceco tende a ser a principal causa de cólica em equinos com > 8 anos de idade.
Alternativamente, pode­se observar impactação em equinos internados por outras razões e nesses casos estas
estão, com frequência, associadas a ruptura abrupta do ceco. Consequentemente há certa controvérsia quanto ao
melhor método de tratamento. Como em alguns estudos o tratamento medicamentoso não foi bem­sucedido em
50% dos casos, recomenda­se, principalmente, a remoção cirúrgica da massa da impactação, seguida de
ileocolostomia. Outros veterinários relatam bons resultados com tratamento clínico agressivo, particularmente
se a dor abdominal associada à impactação do ceco é a principal razão que o equino foi levado à consulta
veterinária.

Locais mais comuns de impactação em equinos: ceco e intestino grosso (os pontos maiores indicam os locais de impactação mais frequentes
nesta região). Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

O tratamento clínico de equinos com impactação de ceco ou de cólon maior envolve a administração de
analgésicos, quando necessários, grande volume de fluido IV balanceado e administração intragástrica de óleo
mineral ou de sulfossuccinato sódico de dioctila e água. Devem­se restringir os alimentos até que a impactação
seja desfeita. Muitos veterinários consideram a fluidoterapia agressiva como principal parte do tratamento. São
administradas soluções eletrolíticas balanceadas para induzir a transferência de fluido do plasma para o lúmen
intestinal. Essa forma de tratamento pode requerer > 50L de fluido/dia, para um equino de 450 kg, até que a
impactação se resolva. Recentemente, aumentou­se o emprego de fluidoterapia enteral no tratamento de equinos
com impactação, principalmente porque é significativamente mais barata do que a fluidoterapia IV. Os
resultados clínicos com fluidoterapia enteral têm sido benéficos e dados de trabalhos experimentais em equinos
saudáveis têm mostrado que é mais efetiva do que a fluidoterapia IV em promover hidratação do conteúdo do
cólon.
Se a impactação de cólon maior não se resolve com o tratamento clínico, pode­se realizar cirurgia.
Geralmente, a impactação envolve celiotomia na linha média ventral, com a porção do cólon acometida
suavemente exteriorizada e posicionada em uma bandeja estéril. Deve­se, então, efetuar enterotomia na flexura
pélvica e remover o conteúdo do cólon.
A cirurgia para tratamento de impactação de ceco requer anestesia geral, celiotomia na linha média ventral,
isolamento do ceco no local da celiotomia e remoção do conteúdo cecal por meio de enterotomia. Como ocorre
recidiva da impactação após o simples esvaziamento, o ceco é desviado mediante ileocolostomia.
O prognóstico de impactação que envolve o cólon maior é excelente, com taxa de sobrevivência > 95%. Ao
contrário, na impactação de ceco a taxa de sobrevivência situa­se ao redor de 50 a 55%, o que pode refletir o
prognóstico desfavorável das impactações de ceco que se desenvolvem em equinos hospitalizados.
Em algumas áreas geográficas, o material envolvido pode ser areia, especialmente quando há quantidade
insuficiente de capim no pasto e os equinos ingerem solo. A areia se acumula no cólon dorsal direito e no cólon
transverso. Podem ocorrer sinais intermitentes de dor abdominal devido ao peso da areia no intestino. Há sinais
de dor mais intensa quando a impactação oclui o cólon transverso. Neste caso, o cólon proximal à obstrução se
distende com gás e o equino pode sentir dor extrema. Pode não ser possível distinguir essa enfermidade de
deslocamento ou vólvulo intestinal. A areia também pode ser notada nas fezes, misturando o material fecal com
água em uma luva de borracha utilizada em palpação retal.
O tratamento de impactação por areia pode ser tanto clínico quanto cirúrgico. O tratamento clínico
geralmente envolve a administração intragástrica de psílio (400 g/500 kg de peso corporal, diariamente, por 7
dias) para eliminar a areia do lúmen. Os flocos de psílio são adicionados a 7,5 L de água morna e bombeados
rapidamente para o interior do estômago. Esse tratamento é acompanhado da administração de analgésicos,
quando necessários, e fluido IV para estimular a transferência do fluido para o interior do lúmen intestinal.
Se a areia causa obstrução completa do cólon transverso, é preciso cirurgia, mediante celiotomia na linha
média ventral. O cólon esquerdo é exteriorizado em uma bandeja estéril e a areia é removida por enterotomia.
Geralmente o prognóstico é favorável. Às vezes, ocorrem problemas durante a cirurgia se o cólon foi lesionado
devido ao peso da areia ou durante a remoção da areia do intestino ver p. 309).
ENTEROLITÍASE: Os enterólitos são concreções compostas por cristais de fosfato de amônio­magnésio ao redor
de um núcleo (p. ex., arame, pedra ou prego). Os enterólitos podem ser individuais ou em grupos e são
encontrados comumente em equinos em algumas regiões dos EUA, incluindo o sudoeste e os estados da
Califórnia, Indiana e Flórida. Enterolitíase afeta equinos da raça Árabe, mas o fato destes equinos serem
extremamente populares nas áreas mencionadas causa confusão quanto à predileção racial. A maioria dos
equinos com enterólitos tem cerca de 10 anos de idade; a enterolitíase ocorre raramente em equinos < 4 anos de
idade. Embora nem todos os fatores que contribuam para a formação de enterólitos tenham sido identificados,
resultados de estudos clínicos indicam que o conteúdo do cólon maior de equinos com enterólitos possui
concentrações de minerais (magnésio, cálcio e fósforo) e pH mais elevados do que o conteúdo em equinos com
cólica não decorrente de enterólitos. O fator comum associado à enterolitíase é consumo de feno de alfafa, que
resulta em pH mais elevado e aumento nas concentrações de cálcio, magnésio e enxofre no cólon maior.
Muitos equinos com enterolitíase têm histórico de cólicas recidivantes, possivelmente indicando que o(s)
enterólito(s) causou(aram) obstrução parcial ou temporária do lúmen do cólon. Se o enterólito se aloja no início
do cólon transverso, o cólon proximal à obstrução se distende com gás e a dor é intensa. A distensão abdominal
pode ser acentuada. As frequências cardíaca e respiratória aumentam e as membranas mucosas podem se tornar
pálidas ou róseas. Em geral, é evidente a distensão de cólon e ceco à palpação retal, mas a massa raramente é
palpável porque o cólon transverso é cranial à artéria mesentérica cranial. A análise do líquido peritoneal
geralmente indica resultados dentro dos limites normais, a menos que tenha havido isquemia de parede do cólon
no local de alojamento do enterólito. Nas áreas onde o problema é endêmico pode­se utilizar radiografia para
identificar os enterólitos.
O tratamento envolve cirurgia, mediante celiotomia na linha média ventral, para descomprimir o cólon e o
ceco e, em seguida, para remover o(s) enterólito(s). Deve­se exteriorizar a porção esquerda do cólon maior e
posicioná­la em uma bandeja estéril; remove­se a ingesta por meio de enterotomia e depois faz­se a remoção
do(s) enterólito(s). Se o cálculo apresenta um lado achatado ou em forma poliédrica deve­se investigar o
restante do cólon maior e do cólon menor verificando se há outros cálculos. O prognóstico é excelente; clínicos
que atuam em áreas endêmicas relatam taxa de sobrevivência de 95%.
DESLOCAMENTO DORSAL À ESQUERDA: O deslocamento dorsal esquerdo do cólon ocorre quando a flexura
pélvica ou todo o cólon esquerdo se desloca sobre o ligamento nefroesplênico. Como esse ligamento é livre na
face mais dorsal do baço, há uma fenda natural entre o baço e o rim esquerdo. Embora equinos de todas as
faixas etárias, machos ou fêmeas, sejam acometidos igualmente, resultados de um estudo clínico indicaram que
o deslocamento é comum em equinos jovens.

Deslocamento dorsal do cólon à esquerda (encarceramento nefroesplênico) em equino; vista dorsal. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

Como o deslocamento dorsal esquerdo resulta em obstrução simples do cólon no local em que cruza o
ligamento, a enfermidade geralmente está associada a dor abdominal moderada ou curso prolongado de
episódios intermitentes de dor. As membranas mucosas permanecem normais e a frequência cardíaca aumenta
ligeiramente. Normalmente o diagnóstico se baseia no exame retal (palpação da flexura pélvica sobre o
ligamento, palpação das faixas do cólon ventral esquerdo que correm dorsocranialmente até o rim esquerdo e
detecção de que o baço se encontra deslocado em direção ao meio do abdome). A enfermidade também pode ser
detectada utilizando­se ultrassonografia. Paracentese poderá revelar sangue na amostra, se o baço se encontra
deslocado para a linha média.
Utilizam­se quatro formas de tratamento: 1) suspensão do alimento para determinar se o esvaziamento do
conteúdo intestinal permite que o cólon retorne à posição normal, 2) rolamento do equino para desalojar o cólon
do ligamento, 3) administração de fenilefrina e/ou submeter o animal ao trote para induzir contração esplênica e
correção do deslocamento, ou 4) realização de cirurgia para retornar o cólon à sua posição correta. O
procedimento de rolamento envolve anestesia de curta duração (geralmente xilazina ou detomidina e cetamina),
elevação dos membros pélvicos e rolamento do equino em 360°. A intervenção cirúrgica deve envolver
celiotomia na linha média ventral. A vantagem do procedimento cirúrgico é que se consegue avaliar a
viabilidade do cólon. Em geral, o prognóstico é favorável; a maioria dos estudos relata taxa de sobrevivência >
80%.
DESLOCAMENTO DORSAL À DIREITA: O cólon esquerdo se desloca lateralmente ao redor da base do ceco e situa­
se entre o ceco e a parede corporal direita. Na forma mais comum desse deslocamento, a flexura pélvica termina
posicionada próxima ao diafragma. Em muitos casos, o deslocamento pode ser complicado pela torção do cólon
próximo à base do ceco. Embora possa haver certa interferência na drenagem venosa do cólon acometido,
geralmente o suprimento arterial permanece normal.
A maioria dos equinos com deslocamento dorsal direito exibe graus moderados de dor e lento
desenvolvimento de comprometimento sistêmico. No entanto, em alguns casos, a dor pode ser intensa. A
palpação retal pode revelar que a tênia do cólon passa transversalmente pela entrada pélvica. Pode não ser
possível palpar a faixa do ceco ventral no exame retal. Alguns equinos com esta enfermidade apresentam
refluxo gástrico, possivelmente devido à obstrução do duodeno.

Deslocamento dorsal do cólon à direita, com flexão e torção, em equino; vista dorsal. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

Alguns equinos acometidos parecem ser estáveis e podem manifestar sintomas intermitentes compatíveis com
dor abdominal leve. O tratamento pode ser conservador, envolvendo atenção às necessidades de fluido e
administração de analgésicos leves. Entretanto, em equinos com dor deve­se realizada cirurgia para localizar a
flexura pélvica, exteriorizar e descomprimir a porção esquerda do cólon, se possível, e depois reposicionar o
cólon na sua posição normal por meio da sua rotação ao redor da base do ceco. Deve­se identificar e corrigir a
torção do cólon. O prognóstico quanto à sobrevivência é favorável, desde que não ocorra lesão da parede do
órgão durante a cirurgia.
COLITE DORSAL DIREITA: A colite dorsal direita tem sido relatada com frequência cada vez maior nos últimos
anos, particularmente, mas não restrita, em equinos que recebem altas doses AINE. Como a enfermidade tem
sido diagnosticada em equinos que recebem doses recomendadas destes fármacos, parece que alguns animais
são particularmente sensíveis aos seus efeitos tóxicos. O fármaco mais comumente associado à colite dorsal
direita é a fenilbutazona, mas isto pode refletir o uso comum e muitas vezes prolongado deste fármaco. As
lesões mais frequentemente observadas em equinos com colite dorsal direita são úlcera e espessamento e/ou
fibrose da parede do cólon dorsal direito.
Equinos geralmente apresentam dor abdominal, anorexia e letargia. Em muitos casos os sinais são
compatíveis com dor abdominal intensa, febre, endotoxemia e diarreia. Equinos com a forma mais crônica da
doença apresentam dor abdominal intermitente, perda de peso, letargia e anorexia. Em muitos casos,
hipoproteinemia é um achado laboratorial comum e pode causar edema ventral em alguns animais com a forma
crônica da doença. O diagnóstico geralmente baseia­se na anamnese, nos sinais clínicos e nos achados
hematológicos. Em alguns casos a avaliação ultrassonográfica do cólon, entre o 12o e o 15o espaço intercostal,
pode evidenciar espessamento marcante da parede do cólon.
O tratamento dos equinos acometidos envolve a suspensão do uso de AINE, repouso e mudança da dieta para
uma ração completa peletizada que contenha = 30% de fibra. Alguns veterinários recomendam fornecimento de
diversas refeições, em pequenas quantidades, ao longo do dia; outros indicam o uso de psílio para promover a
cicatrização da mucosa; alguns administram sucralfato ou metronidazol. Equinos com dor incontrolável podem
necessitar cirurgia para resseccionar ou deslocar a porção acometida do cólon dorsal direito. O prognóstico para
equinos com colite dorsal direita é reservado.
VÓLVULO DO CÓLON MAIOR: Embora o termo “torção” seja utilizado há anos para indicar que o cólon torceu em
si mesmo, o envolvimento do mesentério, entre os cólons ventral e dorsal, indica que a enfermidade trata­se de
vólvulo. Quando se instala no local mais comum de ocorrência de vólvulo (a junção entre o cólon ventral direito
e o ceco), o vólvulo se desenvolve mais frequentemente no sentido horário; o ceco pode ou não estar envolvido.
Se o vólvulo apresentar < 270° pode ocorrer obstrução intestinal, sem isquemia. Se for > 360°, ocorre obstrução
estrangulante de todo o cólon esquerdo.
O início da cólica é súbito e o grau de dor pode ser leve a moderado, se o vólvulo resultar apenas em
obstrução intestinal. Quando a torção é mais extensa, a dor é intensa e o equino pode não responder aos
analgésicos. O cólon aumenta de volume em demasia e o mesentério, entre os cólons dorsal e ventral, se mostra
edemaciado ao exame retal. A frequência cardíaca aumenta, a condição clínica do equino se agrava rapidamente
e instala­se perfusão periférica deficiente. A distensão abdominal é marcante. Geralmente há uma baixa relação
entre os resultados da análise do líquido peritoneal e o grau de envolvimento do cólon.
Embora a causa do vólvulo de cólon permaneça desconhecida, presume­se que está associado a uma
quantidade desproporcional de gás no órgão. Em haras de éguas reprodutoras, a enfermidade está
frequentemente associada a parição recente (dentro de 90 dias) ou iminente e dieta com capim ou alimentos
altamente fermentáveis. A presença de um potro ao lado da égua (história recente de parto) é um fator de risco
adicional.
O tratamento de vólvulo de cólon requer cirurgia para sua correção e para a remoção do intestino acometido,
se necessário. Embora a técnica de remoção de 90% do cólon tenha sido aperfeiçoada em equinos saudáveis,
pode­se encontrar dificuldade extrema se o cólon estiver edemaciado. Como em alguns estudos clínicos a taxa
de recidiva foi estimada como sendo tão alta quanto 20%, têm­se instituído procedimentos de colopexia para
reduzir o risco de recidiva da enfermidade em éguas reprodutoras. Embora os resultados de um estudo
envolvendo vários hospitais universitários tenham mencionado taxa de sobrevivência de 27%, clínicas
localizadas próximas a haras de éguas reprodutoras indicam que é comum taxa de sobrevivência > 85%.
IMPACTAÇÃO E OBSTRUÇÃO POR CORPO ESTRANHO DO CÓLON DESCENDENTE: As anormalidades que

comprometem o cólon descendente (menor) são raras e, em um estudo, representaram < 5% das enfermidades
caracterizadas por cólica. As causas mais comuns incluem retenção de mecônio, impactação e obstrução por
corpo estranho. A retenção de mecônio é observada em potros machos recém­nascidos, nas primeiras 24 h de
vida. Os potros acometidos balançam a cauda para os lados, se esforçam para defecar e rolam pelo chão. O
diagnóstico é obtido por meio de toque retal cuidadoso. O tratamento envolve a administração lenta de enema
com água morna e sabão. O prognóstico é excelente.
A impactação do cólon descendente acomete pôneis, equinos anões e equinos adultos com acesso restrito à
água ou com outras causas de estase intestinal. Mais recentemente, a enfermidade foi associada a salmonelose,
embora ainda não se tenha comprovado uma relação de causa e efeito. A dor pode ser intensa na obstrução
completa. Em tais casos ocorre, secundariamente, timpanismo do cólon, que resulta em íleo adinâmico. Nos
equinos adultos, o diagnóstico se baseia na palpação da massa obstrutiva na porção ventral do abdome, no
exame retal. Deve­se considerar obstrução por corpo estranho no cólon descendente se o equino tiver < 3 anos
de idade; o material da obstrução pode ser de cerca de borracha ou fibras de náilon de cabrestos ou de rédeas,
redes de feno ou sacos de alimentos. Os equinos com impactação podem ser tratados clinicamente com
analgésicos, fluido IV e enemas leves. No entanto, frequentemente, há necessidade de cirurgia para esvaziar o
cólon devido à intensidade da dor e da distensão por gás. O prognóstico de impactação do cólon descendente é
reservado, a menos que seja complicada por colite grave após remoção da obstrução. O prognóstico de
obstrução por corpo estranho é favorável.

DOENÇAS HEPÁTICAS EM GRANDES ANIMAIS

A doença hepática é comum em grandes animais. Os aumentos nas atividades séricas das enzimas hepáticas e da
concentração total de ácidos biliares podem indicar disfunção, lesão, doença ou insuficiência hepáticas. Embora
a doença hepática seja especialmente comum em equinos e potros, sua progressão para insuficiência hepática é
incomum.
As doenças que resultam, frequentemente, em insuficiência hepática nos equinos incluem doença de Theiler,
doença de Tyzzer (nos potros), intoxicação por alcaloide pirrolizidínico, lipidose hepática, colangite supurativa
ou colangioepatite, colelitíase e hepatite ativa crônica. Doenças obstrutivas (cálculos biliares, deslocamento do
cólon dorsal direito, neoplasia, úlcera e estenose duodenais, torsão hepática, trombose da veia porta),
aflatoxicose, leucoencefalomalacia, doença pancreática, intoxicação por capim macaricam ou trevo híbrido,
shunt portocaval, abscesso hepático, neoplasia hepática e infecção perinatal por herpesvírus tipo I resultam,
esporadicamente, em insuficiência hepática. Menos frequentemente, a insuficiência hepática está associada à
endotoxemia, administração de esteroides, anestesia inalante, doença granulomatosa sistêmica, amiloidose
induzida por medicamento, hiperamonemia em potros Morgan, lesão parasitária, intoxicação por ferro ou
isoeritrólise neonatal.
Nos ruminantes, a doença hepatobiliar está associada à lipidose hepática, abscessos hepáticos, endotoxemia,
alcaloide pirrolizidínico e outras plantas tóxicas, determinadas doenças clostridiais, fascíolas hepáticas,
micotoxicose e intoxicação por minerais (cobre, ferro e zinco) ou deficiência de minerais (cobalto). Deficiência
de vitamina E ou de selênio (hepatose dietética), aflatoxicose, migração de ascarídeos, hepatite bacteriana e
ingestão de substâncias tóxicas (p. ex., alcatrão de hulha, cianamida, algas verde­azuladas, plantas e gossipol)
estão associadas à lesão hepática em suínos.
Embora a exata prevalência de doença hepática em camelídeos (lhamas, alpacas) seja desconhecida, parece
ser comum na América do Norte. Lipidose hepática (sendo a forma secundária mais frequente que a primária) é
relatada como a doença hepática mais comum em lhamas e alpacas, ocorrendo tanto em crias quanto em
adultos. Colangioepatite bacteriana (Salmonella spp, Escherichia coli, Listeria ssp, Clostridium ssp), hepatite e
pneumonia por adenovírus, hepatite fúngica (coccidioidomicose), hepatopatia tóxica (cobre), necrose hepática
induzida por halotano, neoplasia hepática (linfossarcoma, hemangiossarcoma, adenoma) e infestação por
fascíola hepática também foram observadas em camelídeos.
O fígado pode responder a um insulto apenas em número limitado de casos. A infiltração gordurosa no fígado
pode ser uma alteração inicial e frequentemente reversível. A hiperplasia biliar também é reversível, se o insulto
é logo removido. A necrose de hepatócitos indica lesões mais recentes. As células mortas são removidas por um
processo inflamatório e substituídas por hepatócitos novos ou fibrose. A menos que a disfunção seja aguda e a
regeneração hepatocelular torne­se evidente, o prognóstico dos animais com insuficiência hepática é
desfavorável. A fibrose hepática inicial pode ser reversível, se há reconhecimento e intervenção imediatos. A
doença crônica com extensa perda de parênquima hepático e fibrose, especialmente com desvios portais,
justificam um pobre prognóstico.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos de doença hepática podem não se tornar evidentes até > 60 a 80% do
parênquima hepático se encontrar afuncional ou quando a disfunção hepática é secundária a uma doença em
outro sistema orgânico. Os sinais clínicos podem variar com o curso da doença (agudo ou crônico), sítio
primário da lesão (hepatocelular, biliar), e etiologia específica. O aparecimento dos sinais de encefalopatia
hepática e insuficiência hepática é, frequentemente, agudo independente de a doença hepática ser aguda ou
crônica. Os sinais clínicos e a gravidade da enfermidade hepática refletem o grau de comprometimento de uma
ou mais funções vitais do fígado, inclusive regulação da glicemia, metabolismo de gorduras, produção de
fatores de coagulação, de albumina, de fibrinogênio, de aminoácidos não essenciais e de proteínas plasmáticas,
formação e excreção de bile, metabolismo da bilirrubina e de colesterol, conversão de amônia em ureia,
metabolismo de polipeptídios e de hormônios esteroides, síntese de 25­hidroxicolecalciferol e metabolismo e/ou
desintoxicação de várias drogas e toxinas.
Icterícia, perda de peso ou comportamento anormal são comuns em equinos com doença ou insuficiência
hepática. Muitas vezes, os sinais neurológicos são iniciais e predominantes em equinos com insuficiência
hepática aguda, enquanto perda de peso é um sinal predominante em muitos, mas não em todos, equinos com
doença ou insuficiência hepática crônica. Fotossensibilização, e menos comumente, paralisia bilateral da faringe
causando estridor inspiratório, diarreia ou constipação intestinal podem estar presentes. Os bovinos acometidos
geralmente manifestam inapetência, diminuição na produção de leite e perda de peso. Tenesmo e ascite são
observados em bovinos, mas não são comumente notados nos equinos acometidos. Perda de peso pode ser o
único sinal associado aos abscessos hepáticos. A icterícia, embora mais marcante quando o sistema biliar está
doente, é também comum em equinos com insuficiência hepática aguda. Encontra­se mais variavelmente
presente em equinos com insuficiência hepática crônica ou nos ruminantes. A hiperbilirrubinemia por jejum é a
causa de icterícia mais comum nos equinos e não está associada à doença hepática. Ocasionalmente, pode­se
observar uma hiperbilirrubinemia persistente (principalmente bilirrubina indireta ou não conjugada) nos equinos
saudáveis (especialmente em animais Puro­Sangue), sem evidência de hemólise ou hepatopatia. Nos
ruminantes, a icterícia ocorre mais comumente por hemólise e envolve, principalmente, aumentos na bilirrubina
indireta. A hiperbilirrubinemia causada por afecções biliares obstrutivas é rara nos caprinos e ovinos.
A encefalopatia hepática está associada a alterações comportamentais em equinos, ruminantes e suínos. A
gravidade da encefalopatia hepática frequentemente reflete o grau de insuficiência hepática, mas não diferencia
a insuficiência hepática aguda da crônica. Os sinais de encefalopatia hepática variam de depressão e letargia
inespecíficas ao ato de pressionar a cabeça contra um obstáculo, andar em círculos, marcha errante, disfagia,
ataxia, dismetria, bocejo persistente, afabilidade aumentada, agressividade, estupor, convulsões e coma. Há
colapso de faringe ou de laringe com estertores inspiratórios ruidosos e a dispneia ocorre em alguns casos de
insuficiência hepática, especialmente nos pôneis. Desconhece­se a patogênese da encefalopatia hepática, mas as
teorias propostas incluem a amônia como uma neurotoxina, alterações na neurotransmissão monoamínica
(serotonina e triptofano) ou nos neurotransmissores catecolamínicos, desequilíbrio entre os aminoácidos
aromáticos e os de cadeia curta ramificada resultando no aumento de neurotransmissores inibitórios (ácido ?­
aminobutírico e L­glutamato), neuroinibição pelo aumento nos teores cerebrais de substâncias semelhantes às
benzodiazepinas endógenas, aumento da permeabilidade da barreira hematencefálica e prejuízos ao
metabolismo energético do SNC. Embora os sinais possam ser dramáticos, a encefalopatia hepática é
potencialmente reversível se a doença hepática primária puder ser resolvida.
A fotossensibilização, que pode ocorrer na insuficiência hepática aguda ou crônica, deve ser diferenciada da
fotossensibilização primária (p. 1044). A fotossensibilização hepatógena acontece quando a função hepática
comprometida resulta em acúmulo de filoeritrina, um metabólito fotodinâmico da clorofila, na pele. A
filoeritrina na pele é ativada pela luz ultravioleta e libera energia, causando inflamação e lesão cutânea. Os
sinais de fotossensibilização são variados, mas incluem inquietação, dor, prurido, dermatite discreta a grave com
eritema, edema subcutâneo extenso, úlcera e desprendimento cutâneo e oftalmia com lacrimejamento, fotofobia
e opacidade de córnea. Dermatite e edema são particularmente evidentes nas áreas corporais não pigmentadas,
de coloração clara ou sem pelos e nos locais expostos ao sol. As áreas de junções mucocutâneas e de pelos
brancos são os locais mais comuns de fotossensibilização em bovinos. Ocasionalmente, a parte inferior da
língua pode ser acometida. Cegueira, piodermatite, perda da condição corporal e, às vezes, morte são sequelas
possíveis. O prurido pode resultar da fotossensibilização ou da deposição de sais biliares na pele, secundária a
alterações na excreção hepática.
Diarreia ou constipação intestinal podem ser observadas nos animais com doença hepática. A diarreia é mais
observada em bovinos do que nos equinos com hepatopatia crônica ou em animais com fasciolose crônica e
intoxicação por plantas hepatotóxicas. Pôneis e equinos com hiperlipemia e insuficiência hepática podem
desenvolver diarreia, laminite e edema ventral. Alguns animais com doença hepática apresentam diarreia e
constipação intestinal intercaladas. Os equinos com insuficiência hepática e encefalopatia hepática
desenvolvem, frequentemente, impactação do cólon devido ao menor consumo de água. A constipação intestinal
é característica da intoxicação por Lantana em caprinos e outros ruminantes.
Cólica recidivante, febre intermitente, icterícia, perda de peso e encefalopatia hepática podem ser observadas
nos equinos com colelitíases que obstruem o ducto biliar comum. As hepatopatias infecciosas ou inflamatórias
ou a falha do fígado em evitar que uma endotoxina entre na circulação sistêmica também podem resultar em
febre intermitente e cólica. A dor abdominal pode advir de uma pressão na cápsula hepática decorrente de
edema no parênquima, observada em animais com hepatite difusa aguda ou traumatismo na própria cápsula. Os
animais acometidos podem ficar com o dorso arqueado, relutar em se mover ou exibir sinais de cólica. Nos
ruminantes, a dor pode ser localizada, no fígado, pela palpação acima da face ventrolateral anterior do abdome
ou nas últimas costelas no lado direito. Em alguns ruminantes com hepatopatia, observa­se tenesmo seguido de
prolapso retal. Este pode estar associado à diarreia, encefalopatia hepática ou edema intestinal decorrente de
hipertensão portal.
A hipoalbuminemia não está frequentemente associada à hepatopatia, nos equinos, tal como se pensava
anteriormente. Devido à longa meia­vida (cerca de 19 a 20 dias nos equinos, cerca de 16 dias em bovinos) e
reserva hepática de albumina produzida, a hipoalbuminemia é, em geral, um evento muito tardio no processo da
doença. Concentrações séricas de proteína total podem estar normais ou elevadas por um aumento nas β­
globulinas em equinos com hepatopatia. Hipoalbuminemia e hipoproteinemia ocorrem mais na hepatopatia
crônica, e são achados comuns em lhamas com doença hepática. Podem acarretar ascite generalizada ou edema­
dependente. A ascite está relacionada com hipertensão portal causada por um bloqueio venoso e aumento na
pressão hidrostática e por derrame proteico na cavidade peritoneal. O fluido abdominal presente em
hepatopatias é, geralmente, um transudato modificado. A hipoalbuminemia pode agravar a ascite, mas se ocorre
sozinha, provavelmente causa edema submandibular, na região peitoral ou na região ventral. A ascite é difícil de
ser percebida em equinos e bovinos adultos, a menos que seja extensa. Ascite é um achado comum em bezerros
com cirrose hepática.
Anemia pode ser observada nos animais com disfunção hepática devido a doenças parasitárias, intoxicação
crônica por cobre (em ruminantes), algumas intoxicações por plantas ou doença inflamatória crônica. A anemia
na fasciolose aguda provém de intensa hemorragia na cavidade peritoneal, à medida que as larvas penetram na
cápsula hepática. O traumatismo e a atividade alimentar das fascíolas adultas dentro dos ductos biliares causam
anemia e hipoproteinemia nos animais com fasciolose crônica. Doença inflamatória crônica (p. ex., abscesso
hepático e neoplasia) pode causar anemia sem hipoproteinemia concomitante.
Os sinais clínicos de insuficiência hepática grave ou terminal incluem coagulopatias e hemorragias por
diminuição da produção dos fatores de coagulação, pelo fígado, e possivelmente maior demanda na sepse ou
inflamação. Um tempo de protrombina prolongado é, geralmente, observado inicialmente, pois o fator VII
apresenta meia­vida plasmática mais curta. Os equinos podem desenvolver uma crise hemolítica terminal
causada por aumento na fragilidade eritrocitária. Isso ainda não foi descrito nos ruminantes.
A coloração das fezes raramente se altera nos herbívoros adultos com hepatopatias. Nos ruminantes jovens e
nos animais monogástricos, a colestase pode resultar em evacuação de fezes mais claras, em virtude da perda de
estercobilina, um metabólito da bilirrubina.
Doença hepática deve sempre ser considerada quando se encontram presentes sinais clínicos inespecíficos
como depressão, perda de peso, febre intermitente e cólica recidivante, sem uma causa aparente. A
diferenciação entre hepatite aguda e crônica ou insuficiência hepática, baseada na duração dos sinais clínicos
antes da sua apresentação, pode ser enganosa, pois o processo patológico geralmente está avançado antes
mesmo dos sinais clínicos ficarem evidentes. Sinais vagos iniciais de depressão e diminuição do apetite podem
ser negligenciados. É necessária biopsia hepática para determinar o tipo de doença, o grau de fibrose hepática e
a capacidade de regeneração do parênquima hepático, a fim de estabelecer um plano terapêutico e definir um
prognóstico acurado.
ANÁLISES LABORATORIAIS: Os testes laboratoriais frequentemente detectam doença ou disfunção hepática antes
de se instalar a insuficiência hepática. Os testes bioquímicos rotineiros, como atividades séricas enzimas
hepáticas, são indicadores sensíveis de doença hepática, mas não avaliam a função hepática. Os testes
bioquímicos dinâmicos que determinam a depuração hepática fornecem informações quantitativas sobre a
função hepática. Os testes de função hepática são úteis no diagnóstico e no prognóstico e como guia para a
modificação do protocolo terapêutico.
Atividades Séricas de Enzimas Hepáticas: As atividades séricas de enzimas hepáticas específicas são, em geral,
mais elevadas na hepatopatia aguda do que na doença hepática crônica. Podem estar dentro dos limites normais
nos estágios tardios da hepatopatia subaguda ou crônica. A magnitude dos aumentos das enzimas hepáticas
(especialmente de gamaglutamiltransferase) não deve ser utilizada para determinar o prognóstico. As enzimas
hepáticas são úteis para indicar a presença da doença, mas não do grau de disfunção hepática. É fundamental
uma interpretação cuidadosa dos valores laboratoriais, juntamente com os achados clínicos.
Mensurações séricas sequenciais de gamaglutamiltransferase (GGT), sorbitol desidrogenase (SDH; também
conhecida como iditol desidrogenase, IDH), AST, bilirrubina e ácidos biliares são comumente utilizadas para
avaliar disfunção ou doença hepática em grandes animais. As concentrações séricas de GGT, bilirrubina e
ácidos biliares totais e a depuração de sulfobromoftaleína (BSP®) não são indicadores sensíveis de hepatopatia
em bezerros jovens. Embora a enzima GGT esteja principalmente associada a membranas microssomais do
epitélio biliar, também está presente nas superfícies dos canalículos dos hepatócitos, pâncreas, rins e úbere.
Devido a excreção de GGT pela urina e pelo leite e pela rara ocorrência de pancreatite em grandes animais, um
aumento na atividade sérica de GGT indica, mais comumente, doença hepática ou de ducto biliar. Alguns
clínicos consideram a GGT o único teste de maior sensibilidade para diagnóstico de hepatopatia em grandes
animais adultos. O aumento de GGT é mais evidente na doença biliar obstrutiva. Nos equinos com doença
hepática aguda, a GGT pode continuar a aumentar por 7 a 14 dias, apesar da melhora clínica e do retorno dos
outros testes laboratoriais aos valores normais. Declaradamente, a atividade sérica de GGT se eleva poucos dias
após a lesão hepática e permanece alta até a fase terminal. Fibrose hepática crônica é a única hepatopatia na qual
um aumento anormal de GGT pode não ser notado. Os potros neonatos e os equinos jovens, especialmente
aqueles que estavam sob treinamento, podem exibir aumento inespecífico de GGT, não associado à hepatopatia,
ou outros aumentos de enzimas hepáticas ou da concentração sérica de ácidos biliares. GGT tem pouco valor no
diagnóstico de doenças hepáticas em bezerros ou cordeiros neonatos, pois está presente no colostro e no leite. A
atividade de GGT também pode aumentar no caso de deslocamento do cólon ou administração de
medicamentos (p. ex., corticosteroides, rifampicina, benzimidazóis e anti­helmínticos). As atividades de
algumas enzimas oriundas do fígado se elevam em bezerros (GGT, fosfatase alcalina [ALP], glutamato
desidrogenase, lactato desidrogenase) e em potros jovens (ALP, GGT, SDH, AST) porque estão transitoriamente
elevadas ou provêm de outras fontes extrahepáticas. Em caprinos, as atividades séricas das enzimas hepáticas
também variam em função de idade, raça e sexo. Os valores de referência devem ser compatíveis com a espécie
e a faixa etária em questão.
SDH, arginase, ornitina carbamoiltransferase (OCT), AST, isoenzima 5­lactato–desidrogenase (LDH­5),
glutamato­desidrogenase (GLDH) e ALP também são utilizadas para avaliar disfunção e doenças do fígado.
Arginase, SDH e OCT são enzimas hepatoespecíficas em equinos, na maioria dos ruminantes e em suínos. SDH
é mais utilizada na doença hepatocelular ativa, com aumentos marcantes na atividade enzimática após lesão
hepatocelular. Discretos aumentos de SDH também podem ocorrer nos casos de lesões gastrintestinais
obstrutivas, endotoxemia, anoxia decorrente de choque, anemia aguda, hipertermia e anestesia. SDH e LDH­5,
devido à meia­vida curta, são mais úteis para avaliação da progressão ou da resolução de uma lesão hepática.
Ambas as enzimas geralmente retornam a valores próximos ao normal 4 dias após a lesão hepática, e nenhuma
delas aumenta nas doenças hepáticas crônicas. Raramente, nos casos graves de insuficiência hepática, a SDH
pode retornar ao normal, apesar da condição fatal. Arginase e GLDH são consideradas específicas para doença
hepática aguda, pois ambas apresentam altas concentrações no tecido hepático e meia­vida curta no sangue.
AST é altamente sensível para hepatopatias, mas carece de especificidade, pois altas concentrações provêm
tanto do fígado quanto do músculo esquelético. Outras fontes de AST incluem músculo cardíaco, eritrócitos,
células intestinais e rins. Quando se mensura, simultaneamente, CK para descartar a possibilidade de miopatia e
o soro não se encontra hemolisado, os aumentos de AST e LDH­5 são decorrentes de doença hepatocelular. A
AST pode permanecer aumentada 10 a 14 dias, ou mais, após lesão hepático transitória aguda. Em geral, os
valores de AST encontram­se normais na hepatopatia crônica. SDH e AST podem aumentar acentuadamente na
colestase intra­hepática e discretamente na colestase extra­hepática. Os aumentos de ALP e GGT estão
associados à irritação ou destruição do epitélio biliar e com obstrução biliar. A ALP provém da placenta, ossos,
macrófagos, epitélio intestinal e fígado. Nos bezerros e nos potros muito jovens, a ALP aumenta,
provavelmente, devido à fonte placentária ou óssea. Nos bezerros jovens, atividades de ALP de até 1.000 UI/l,
ao nascimento, e 500 UI/l, com várias semanas de idade, são consideradas normais. Valores de ALP de 152 a
2.835 UI/l são descritos em potros (< 12 h de vida) e a atividade de ALP pode permanecer elevada por 1 a 2
meses, comparada com sua atividade em adultos. Em bezerros (< 6 semanas de idade), nenhum dos testes de
rotina (bilirrubina, GGT, GLDH, ALP, LDH, AST ou alanina aminotransaminase [ALP]) para diagnóstico de
lesão hepática ou avaliação de função hepática são clinicamente úteis no diagnóstico de hepatopatia, quando
utilizados sozinhos. AST e GLDH são as enzimas mais sensíveis para lesão hepática, mas a AST também
aumenta quando há lesão muscular. A atividade de AST em potros pode estar elevada, se comparada com seu
valor em adultos, por vários meses. Essa elevação é também observada durante o desenvolvimento muscular.
Aumentos discretos e passageiros na atividade de SDH podem ser notados em alguns potros com < 2 meses de
idade.
Concentração Sérica de Ácidos Biliares Totais: A concentração sérica de ácidos biliares é extremamente específica
para disfunção hepática, mas não define o tipo de lesão ou doença presente. Aumenta na lesão hepatocelular,
colestase ou shunts (desvios) do sistema porta para a veia cava. Estas elevações são mais evidentes na obstrução
biliar e no shunt portossistêmico. A concentração sérica de ácidos biliares aumenta precocemente na doença
hepática e frequentemente permanecem elevadas nos estágios posteriores.
A concentração de ácidos biliares totais permanece elevada em equinos com doença hepática crônica. Nesta
espécie não há variação diurna, elevação pós­prandial e variação significativa de hora em hora nas
concentrações de ácidos biliares. A concentração sérica de ácidos biliares totais na maioria dos equinos
saudáveis é < 10 μmol/l. Teores séricos ou plasmáticos de ácidos biliares > 20 μmol/l apresentam alta
sensibilidade e valor preditivo positivo para diagnóstico de doenças hepáticas em equinos, mas não em
ruminantes. Embora concentrações de ácidos biliares > 30 μmol/l possam ser indicadores precoces de
insuficiência hepática, deve­se ter cautela na interpretação de elevações discretas porque concentrações de
ácidos biliares acima de 20 μmol/l podem ser constatadas em equinos com anorexia. Jejum prolongado (< 14 h),
mas não de curta duração, pode causar aumento do teor sérico de ácidos biliares em equinos.
A interpretação da concentração de ácidos biliares totais é difícil em potros < 1 semana de idade. Comparada
com aquela de equinos adultos saudáveis, a concentração séricas de ácidos biliares em potros saudáveis é
consideravelmente maior nas seis primeiras semanas de vida. Quando se mensura a concentração sérica de
ácidos biliares em potros doentes é particularmente importante ter controles de animais sadios, pareados por
idade, ou valores de testes laboratoriais de referência para a idade.
Em bovinos leiteiros, a mensuração de ácidos biliares séricos é de pouco valor no diagnóstico de esteatose
hepática e doença ou insuficiência hepática devido às variações significativas que ocorrem a cada hora. A
concentração de ácidos biliares totais em vacas recém­paridas é significativamente maior do que em vacas na
metade da lactação ou em bezerras com 6 meses de idade.
A concentração de ácidos biliares totais pode ser o melhor teste para diagnóstico de hepatopatia em bezerros
jovens. Nos bezerros, concentrações > 35 μmol/l podem indicar doença hepática, obstrução biliar ou shunt
portossistêmico.
Os intervalos de referência relatados para a concentração sérica de ácidos biliares são 1,1 a 22,9 μmol/l, para
lhamas > 1 ano de idade, e 1,8 a 49,8 μmol/l, para as lhamas < 1 ano. As concentrações de ácidos biliares em
lhamas, individualmente, podem variar em função da alimentação ou do momento da coleta de amostra durante
o dia, permanecendo no intervalo de referência.
Concentração Sérica de Pigmentos Biliares: A avaliação da concentração sérica de bilirrubina (direta e indireta) é
útil no diagnóstico de disfunção hepática em equinos e ruminantes. Aumento do teor de bilirrubina se deve à
hemólise, doença hepatocelular, colestase ou causas fisiológicas. Nos equinos, a anorexia causa aumento
fisiológico no teor sérico de bilirrubina total < 6 a 8 mg/dl e, raramente, tão alto quanto 10,5 a 12 mg/dl. A
concentração de bilirrubina indireta aumenta 2 a 3 vezes, enquanto a bilirrubina direta permanece na faixa de
normalidade. Nos potros, a bilirrubina indireta, mais que a direta, pode estar elevada em casos de
prematuridade, isoeritrólise neonatal, sepse ou shunt portocaval. Enterite, infecção umbilical, obstrução
intestinal e alguns medicamentos (corticosteroides, heparina, halotano) também podem causar
hiperbilirrubinemia. Hiperbilirrubinemia fisiológica transitória discreta e icterícia podem ser observadas em
potros e bezerros recém­nascidos. Embora o(s) mecanismo(s) não seja(m) completamente conhecido(s), as
causas propostas incluem “sobrecarga” pré­natal dos hepatócitos, destruição naturalmente alta de eritrócitos ao
nascimento ou próximo dele, excreção ineficaz de bilirrubina ou baixa concentração de ligandina hepatocelular
em potros neonatos, em comparação com equinos adultos. Nos bezerros normais < 72 h de idade, a bilirrubina
total pode elevar­se até 1,5 mg/dl e até 0,8 mg/dl nos bezerros com 1 semana de idade. A bilirrubina direta
encontra­se, geralmente, < 0,3 mg/dl nos bezerros jovens. Em potros saudáveis (< 2dias de idade) a
concentração de bilirrubina total pode variar de 0,9 a 4,5 mg/dl, sendo a maior parte bilirrubina não conjugada
(0,8 a 3,8 mg/dl). Prematuridade ou enfermidade (sem doença hepática) pode aumentar a fração de bilirrubina
não conjugada (indireta) em potros jovens. Em potros saudáveis a concentração de bilirrubina deve situar­se na
faixa dos valores de referência para adultos, quando alcançam 2 semanas de idade. Os valores normais de
bilirrubina total em caprinos variam de 0 a 0,1 mg/dl.
Equinos com doença ou insuficiência hepática apresentam, com mais frequência, aumentos significativos das
bilirrubinas indireta e direta. Na lesão hepática, em equinos ou em ruminantes, a maior parte da bilirrubina
retida é indireta (não conjugada) e a proporção bilirrubina direta:bilirrubina total é, em geral, < 0,3.
Insuficiência hepática aguda causada por necrose hepática resulta em aumento das bilirrubinas indireta e direta.
Em equinos com insuficiência hepática aguda, o aumento de bilirrubina se deve, principalmente, ao aumento na
fração de bilirrubina indireta. Doença hepatocelular deve ser considerada quando o teor de bilirrubina indireta é
> 25% do valor da bilirrubina total. A bilirrubina direta raramente excede 25 a 35% da bilirrubina total, em
equinos. Aumento desta magnitude sugere doença ou obstrução biliar. Na obstrução biliar ou colestase intra­
hepática, a proporção bilirrubina direta:bilirrubina total pode ser > 0,3, em equinos, ou 0,5, em vacas. Elevação
do teor de bilirrubina direta pode ser verificada em potros com sepse e íleo adinâmico, com evidência mínima
de disfunção hepatocelular.
Nas hepatopatias crônicas, as concentrações de bilirrubina encontram­se na faixa de valores normais. Bovinos
adultos e bezerros podem apresentar doença hepática grave sem aumento do teor sérico de bilirrubina. Em
bovinos, caprinos e ovinos, os teores circulantes de bilirrubina podem aumentar apenas moderadamente na
doença hepática grave generalizada. Os aumentos mais evidentes na concentração sérica ou plasmática de
bilirrubina se deve à crise hemolítica, mais do que disfunção hepática. Na ausência de hemólise, concentração
sérica de bilirrubina total > 2 mg/dl indica prejuízo à função hepática em ruminantes.
Urobilinogênio:O urobilinogênio pode ser detectado por meio de fita reagente de imersão, em equinos normais.
Teor elevado de urobilinogênio na urina, sem hemólise, é sugestivo de disfunção hepática, shunt portos–
sistêmico ou maior produção pelas bactérias intestinais. Urobilinogênio na urina indica patência de ducto biliar.
Ausência de urobilinogênio pode indicar obstrução biliar completa, hepatopatia ou falha na excreção de
bilirrubina para o intestino, conversão ineficiente por bactérias intestinais ou baixa absorção no íleo. A
correlação entre urobilinogênio e doença hepatocelular, nos animais, é baixa. O urobilinogênio é instável na
urina; consequentemente, deve ser mensurado dentro de 1 a 2 h, ou estará diminuído ou indetectável.
Concentração Sérica ou Plasmática de Proteínas: Em equinos e bovinos com doença hepática as concentrações
séricas de albumina e de proteína são variáveis. A hipoproteinemia não é comum nos equinos com hepatopatia
aguda. É mais provável notar redução da albumina sérica na doença hepática crônica devido à redução do
parênquima hepático funcional. Em um estudo com 84 equinos, notou­se que 13% apresentavam
hipoproteinemia. A concentração de albumina estava abaixo do menor valor da faixa de normalidade em 18%
dos animais com doença crônica do fígado e 6% com hepatopatia aguda. A concentração de globulina estava
elevada em 64% dos animais. Hiperproteinemia por hiperglobulinemia (gamopatia policlonal ou aumento de β­
globulinas) pode ser verificada em equinos com doença hepática aguda ou crônica grave. A concentração
plasmática de proteína total geralmente é normal, mas a proporção albumina:globulina pode estar diminuída.
A concentração plasmática de fibrinogênio pode não ser um teste sensível em equinos com insuficiência
hepática. Baixa concentração de fibrinogênio pode ser decorrência de parênquima insuficiente ou de coagulação
intravascular disseminada. Alta concentração de fibrinogênio está associada a resposta inflamatória em equinos
com colangioepatite.
Tempo de Protrombina: Anormalidade no tempo de protrombina (TP) é a primeira alteração detectada porque o
fator VII, um fator de coagulação dependente de vitamina K sintetizado no fígado, apresenta meia­vida curta. O
TP sérico pode ser rapidamente prolongado no caso de insuficiência hepática, sendo um dos primeiros testes
funcionais a retornar ao normal na recuperação de hepatopatia aguda. No entanto, a determinação do TP normal
não exclui a possibilidade de coagulopatia causada por deficiência de vitamina K. Tempo de tromboplastina
parcial ativada (TTPA) prolongado ou outros indicadores de coagulopatia podem ser verificados em animais
com doença hepática grave. Como vários fatores podem influenciar a mensuração dos valores de TP ou TTPA
em equinos, a proporção entre o tempo de coagulação do animal com suspeita de hepatopatia e este valor em
animais normais deve ser > 1,3 para que o teste seja interpretado como anormal.
Ureia, Glicose, Amônia e Outras Alterações: A concentração sérica de ureia pode estar diminuída tanto na

insuficiência hepática aguda quanto na crônica. Hipoglicemia é comum em potros com insuficiência hepática. A
glicemia em equinos adultos com disfunção hepática está, frequentemente, normal ou aumentada. Hipoglicemia,
embora menos comum em equinos adultos e ruminantes com disfunção hepática, é mais provável na doença
hepática crônica. A concentração plasmática de triglicerídios aumenta acentuadamente em pôneis, em equinos
miniatura, nos asininos e em equinos adultos com lipidose hepática. A magnitude do aumento pode estar
relacionada com o prognóstico, em equinos. Alterações nos teores de triglicerídios, lipoproteínas de densidade
muito baixa e colesterol esterificado são mais comuns em ruminantes do que em equinos com insuficiência
hepática. Potros neonatos apresentam concentrações de colesterol e triglicerídios maiores do que os animais
adultos.
A concentração plasmática de amônia pode se elevar em casos de insuficiência hepática, mas não há boa
correlação com a gravidade de encefalopatia hepática, exceto quando há shunt portocaval. Alta concentração de
amônia e sinais clínicos de encefalopatia hepática, sem insuficiência hepática, foram relatados em equinos da
raça Morgan desmamados que apresentam a síndrome hiperornitinemia, hiperamonemia e normocitrulinúria, e
em equinos adultos com hiperamonemia primária ou idiopática. A ingestão de ureia ou de sais de amônio mais
provavelmente causa aumento da concentração sanguínea de amônia e encefalopatia em bovinos, do que em
equinos.
O volume globular (VG), ou hematócrito, e o teor sérico de ferro se elevam em equinos com doença hepática
grave. O hematócrito elevado pode persistir, apesar da fluidoterapia e hidratação normal, até que a doença
hepática primária seja resolvida. Eritrocitose secundária (com ou sem aumento da concentração de
eritropoetina) foi observada em alguns equinos com neoplasia hepática. Alta concentração sérica de ferro é
comumente observada em equinos com doença hepática e/ou doença hemolítica.
Testes de Depuração e Excreção de Corante: Os corantes sulfobromoftaleína (BSP®) e verde de indocianina
podem ser utilizados para avaliar o transporte hepatobiliar. A meia­vida da BSP se prolonga quando > 50% da
função hepática é perdida. A meia­vida normal de depuração da BSP nos equinos é < 3,7 min; nos caprinos é
2,13± 0,19 min e nos ovinos é = 4 min. A depuração de BSP é mais demorada nos bezerros (5 a 15 min) do que
em bovinos adultos (= 5 min). Embora os testes de excreção de corante fiquem, geralmente, prolongados no
caso de disfunção hepática, eles ainda podem permanecer dentro da variação normal. Hiperbilirrubinemia, fluxo
sanguíneo hepático reduzido e colestase significativa podem prolongar falsamente a depuração de BSP; a
hipoalbuminemia também pode encurtá­la falsamente. A depuração de BSP em caprinos é mais demorada na
lipidose hepática generalizada secundária à toxemia da prenhez. A determinação do tempo de depuração de
BSP, em vez da meia­vida, é mais utilizada na detecção de hepatopatia. O tempo de depuração de BSP em
animais saudáveis alimentando­se normalmente e em equinos com 3 dias de jejum é, respectivamente, 10
ml/min/kg e 6 ml/min/kg. Esses testes, no entanto, são de uso limitado na prática clínica devido à falta de
produtos farmacêuticos no mercado disponíveis. Custo, limitações de procedimento e equipamentos necessários
para quantificação da depuração de verde de indocianina limitam seu uso como teste diagnóstico.
Cintigrafia:Função dos hepatócitos e patência biliar, estrutura e fluxo sanguíneo podem ser avaliados por
cintigrafia hepatobiliar. Mapeamento de radionucleotídios hepáticos e mapeamento biliar podem detectar
alterações no fluxo sanguíneo ou massas hepáticas e obstrução biliar (atresia, colangite, colelitíase),
respectivamente. A cintigrafia é utilizada em suínos, potros e cordeiros para diferenciar obstrução biliar de
outras causas de hiperbilirrubinemia.
Ultrassonografia: A ultrassonografia pode ser utilizada para avaliar tamanho, aparência (forma, textura) e
localização do fígado, em equinos e ruminantes, para o diagnóstico de hepatomegalia, hepatolitíase, dilatação
biliar, colelitíase ou lesões focais. Também podem–se observar tumores, cistos, abscessos e granulomas.
Doenças difusas são mais difíceis de se detectar do que os processos focais, pois aquelas causam menor
distorção da arquitetura hepática normal. O diagnóstico de uma hepatopatia difusa deve ser comprovado por
biopsia e histopatologia. O ultrassom pode ser utilizado para guiar a coleta de amostras hepáticas por biopsia e
também a execução de colecistocentese e aspiração de abscessos, massas e amostras de bile (ovos de fascíola,
ácidos biliares, cultura). A ultrassonografia é um meio não invasivo e preciso para o monitoramento da
progressão e resolução de uma doença. Nos equinos, imagens hepáticas devem ser obtidas tanto do lado
esquerdo quanto do lado direito do animal.
Biopsia Hepática: A biopsia hepática percutânea é o meio definitivo para o diagnóstico de hepatopatia. A
avaliação histológica do fígado propicia informações valiosas com relação à etiologia e à gravidade do processo
patológico. A maioria das hepatopatias é difusa, de modo que a amostra é representativa para a doença. As
amostras podem ser obtidas às cegas, mas a orientação por ultrassonografia diminui os riscos de complicações
(peritonite por extravasamento de bile ou perfuração intestinal, hemorragia ou pneumotórax). As biopsias
hepáticas também podem ser obtidas durante uma laparoscopia, que oferece a vantagem adicional de se
visualizar a superfície hepática e outros órgãos abdominais para evidência de doenças.
As amostras devem ser colocadas em meios para cultura bacteriana e antibiograma e em formalina, para
avaliação histológica. Antes de uma biopsia hepática, podem­se efetuar perfis de coagulação (tempo de
protrombina, tempo de tromboplastina parcial, contagem plaquetária, fibrinogênio, produtos da degradação da
fibrina e contagem de plaquetas opcional) para redução dos riscos de hemorragia. Não se aconselha uma biopsia
hepática em um animal com evidência clínica ou clinicopatológica de coagulopatia ou abscesso hepático,
devido à hemorragia ou à contaminação da cavidade peritoneal.
Radiografia:A radiografia abdominal contrastada nos potros é útil no diagnóstico de obstruções gastroduodenais
e de colangioepatite secundária. Os desvios portossistêmicos nos potros ou bezerros jovens podem ser
identificados por portovenografia mesentérica por meio de administração de solução de contraste radiopaco na
veia mesentérica jejunal seguida de fluoroscopia ou pesquisas radiográficas sequenciais para monitorar o fluxo
sanguíneo hepático.
TRATAMENTO E MANEJO: O tratamento inicial dos animais com sinais de doença ou insuficiência hepática é,
geralmente, de suporte e costuma ser iniciado antes de se conhecer a causa primária e a extensão das lesões
hepáticos. Anamnese, sinais clínicos e dados laboratoriais podem fornecer algum indício quanto à natureza do
processo de doença hepática, mas a biopsia hepática é geralmente necessária para elaborar o diagnóstico
definitivo e determinar o grau da lesão hepática. Terapias específicas para a doença hepática dependem da
etiologia, presença de insuficiência hepática, cronicidade, grau de fibrose hepática ou obstrução biliar e espécies
afetadas. Aumentos nas enzimas hepáticas sem doença hepática podem não exigir uma terapia específica para o
fígado, mas sim para a doença primária.
A terapia obtém mais sucesso quando a intervenção é precoce, a fibrose hepática é mínima e existem
evidências de regeneração hepática. Equinos com fibrose grave ou difusa respondem pobremente, devido ao
inadequado potencial de regeneração hepática. Os objetivos do tratamento de grandes animais com doença ou
insuficiência hepática são o controle da encefalopatia hepática, tratar o processo patológico primária, propiciar
terapia de suporte que permita tempo para regeneração do fígado, e, mais importante, evitar lesões no animal e
nas pessoas que trabalham com ele. Os animais com encefalopatia hepática frequentemente exibem
comportamento agressivo e imprevisível, o que pode acarretar lesão a eles mesmos ou aos tratadores.
Encefalopatia Hepática e Insuficiência Hepática: Equinos com encefalopatia hepática podem ser agressivos ou
demonstrar comportamentos repetitivos que dificultam a contenção. Para garantir a segurança dos animais e
tratadores, exige­se sedação. Como a maioria dos sedativos e tranquilizantes é metabolizada pelo fígado, a sua
meia­vida de eliminação pode estar prolongada nos animais com insuficiência hepática; portanto, as dosagens
devem ser minimizadas. Uma dose reduzida da droga é inicialmente determinada para avaliar seu efeito.
Xilazina ou detomidina administradas em pequenas doses podem ser utilizadas para controlar os equinos que
exibem comportamento anormal. Deve­se evitar o diazepam em animais com encefalopatia hepática, pois pode
potencializar o efeito do ácido ?­aminobutírico nos neurônios inibitórios e piorar os sinais neurológicos.
Também se deve evitar a acepromazina, pois pode diminuir o limiar de convulsões.
Desidratação, desequilíbrio ácido­básico e eletrolítico e hipoglicemia devem ser corrigidos com fluidoterapia
apropriada. Inicialmente, uma solução poliônica balanceada (preferencialmente sem lactato) é administrada para
reidratação. Caso o animal se apresente hipopotassêmico ou hipofágico, realiza­se suplementação com potássio
(10 a 40 mEq/l, dependendo da velocidade de infusão). Se infusão IV não é possível em ruminantes, pode­se
tentar a reidratação por meio da administração oral de fluidos, se a motilidade ruminal está normal. Alguns
equinos com doença hepática apresentam policitemia, dificultando a avaliação do estado de hidratação pelo VG.
Acidose grave pode estar presente. Como uma rápida correção da acidose pode exacerbar os sinais
neurológicos, ela deverá ser corrigida, gradualmente, com a administração por via intravenosa de fluidos com
uma alta concentração de eletrólitos. Se isso falhar ou se o pH sanguíneo permanecer < 7,1 (bicarbonato < 14
mEq/l) o bicarbonato deverá ser administrado cautelosamente. A suplementação com vitaminas é opcional.
Água fresca em quantidade adequada deve estar disponível se o animal conseguir degluti­la normalmente.
Os fatores que podem contribuir para a encefalopatia hepática devem ser eliminados. Solução de glicose a 5 a
10% é administrada para corrigir hipoglicemia, se presente. Adicionalmente, a suplementação de glicose ajuda a
diminuir as concentrações sanguíneas de amônia e reduz a gliconeogênese catabólica, o catabolismo proteico e a
necessidade de gliconeogênese hepática. A menos que esteja hiperglicêmico, deve­se administrar, na forma de
infusão contínua IV, solução de glicose (2 ml de solução 5%/kg/h ou 1 ml de solução 10%/kg/h), até mesmo aos
animais que não apresentam hipoglicemia. A velocidade deve ser ajustada de modo que a euglicemia seja
mantida. Indução de hiperglicemia moderada a grave, alteração brusca na concentração de glicose e glicosúria
devem ser evitadas. A glicose IV deve ser utilizada em combinação com uma solução eletrolítica balanceada e
não como fonte única de fluido.
As terapias direcionadas à diminuição na produção de amônia ou na sua absorção pelo intestino incluem
administração de óleo mineral, neomicina, lactulose e metronidazol. A administração de óleo mineral diminui a
absorção e facilita a remoção de amônia. A passagem de sonda nasogástrica em um animal com encefalopatia
hepática deve ser feita com cuidado, pois o sangramento nasal pode ser de difícil controle devido à diminuição
nos fatores de coagulação. Além disso, o sangue deglutido pode exacerbar os sinais neurológicos. A
administração oral de neomicina (10 a 30 mg/kg, 2 a 4 vezes/dia, por 1 a 2 dias) é utilizada para diminuir a
população de bactérias produtoras de amônia no intestino. A lactulose (0,2 ml/kg, 2 vezes/dia; 0,3 ml/kg, VO, 4
vezes/dia; ou 90 a 120 ml/450 kg, 3 a 4 vezes/dia) é metabolizada em ácidos orgânicos por bactérias no íleo e no
cólon. A redução do pH do cólon promove maior assimilação bacteriana de amônia, menor produção de amônia,
retenção de amônia no intestino, mudanças na microflora intestinal e catarse osmótica. Declaradamente, a
administração oral de vinagre (ácido acético) tem o mesmo efeito no pH do cólon e na concentração de amônia
no intestino. O metronidazol (10 a 15 mg/kg VO, 2 a 4 vezes/dia) diminui a população de microrganismos
produtores de amônia nos equinos, mas não é utilizado nos animais de corte. Se o animal conseguir deglutir,
drogas orais poderão ser misturadas ao xarope Karo ou melaço e administrá­las por intermédio de uma seringa,
para evitar traumatismos e riscos de se induzir hemorragia durante a passagem de uma sonda nasogástrica.
Neomicina, lactulose e metronidazol podem induzir, potencialmente, uma diarreia discreta a grave
(salmonelose) devido à destruição da flora gastrintestinal. O uso de combinação de drogas é mais passível de
induzir diarreia do que o uso isolado dos fármacos. Pelo fato do metronidazol ser metabolizado no fígado,
cautela deve ser tomada quando administrar o fármaco aos equinos com insuficiência hepática. Sinais
neurológicos por intoxicação pelo metronidazol podem mimetizar uma encefalopatia hepática.
Até que se conheça a natureza da hepatopatia primária, justifica­se tratamento com antimicrobianos de amplo
espectro, caso se suspeite de hepatite infecciosa. A combinação de sulfa­trimetoprima é uma boa escolha
empírica, devido sua atividade contra bactérias Gram­negativas e a alta concentração na bile. A penicilina, em
combinação com um aminoglicosídio, possui amplo espectro de ação e pode ser benéfica ao se suspeitar de
Streptococcus sp ou de um coliforme anaeróbico ou Gram­negativo. Enrofloxacino também é recomendada.
Têm­se utilizado as cefalosporinas de primeira e segunda gerações nos potros e em outras espécies. O
metronidazol pode ser administrado quando se suspeitar de infecção anaeróbica nos equinos. Uma terapia
antimicrobiana específica, com base na cultura e no antibiograma de uma biopsia hepática, é ideal.
A dor pode ser controlada com baixas doses de AINE (p. ex., 0,5 mg de flunixino meglumina/kg, IV ou IM, 2
a 3 vezes/dia). Nos potros, pode­se preferir o butorfanol (0,01 a 0,05 mg/kg, IV; 0,04 a 0,07 mg/kg, IM).
Quando se desenvolvem coagulopatias ou quando ocorrer hipoalbuminemia, pode­se administrar vitamina K1
(até 1 mg/kg, SC; 40 a 50 mg/450 kg, SC) e realizar transfusões de plasma (1 a 2 l/100 kg). Em alguns equinos
com doença ou insuficiência hepática aguda, tratamentos com antioxidantes (dimetil sulfóxido, acetilcisteína,
vitamina E, S­adenosilmetionina [SAMe]) e anti­inflamatórios (flunixino meglumina, pentoxifilina) podem ser
úteis. O manitol é recomendado para o tratamento de suspeita de edema cerebral na encefalopatia hepática
fulminante. Equinos com doença hepática devem ser protegidos da luz solar.
Manejo Alimentar: O manejo alimentar é essencial para o tratamento de animais com encefalopatia hepática ou
hepatopatias aguda ou crônica. Os animais acometidos devem ser alimentados com cuidado, pois a disfagia
pode constituir um problema. A dieta deve ser oferecida com frequência, em quantidades relativamente
pequenas. Deve satisfazer as exigências energéticas com carboidratos facilmente digeríveis, propiciar proteína
adequada, mas não excessiva, apresentar alta proporção de aminoácidos de cadeia ramificada com relação a
aminoácidos aromáticos e ser moderada a rica em amido, para diminuir a necessidade de síntese de glicose
hepática. Não se deve acrescentar gordura e sal na dieta. Os alimentos utilizados com sucesso para equinos
incluem capim e feno de aveia, milho e sorgo. Uma quantidade pequena de melaço pode ser adicionada para
melhorar a palatabilidade e acrescentar energia. Grandes quantidades de melaço podem tornar o alimento menos
palatável e induzir diarreia. O farelo de linhaça e o farelo de soja apresentam excelente proporção entre
aminoácidos de cadeia ramificada e aminoácidos aromáticos e podem ser utilizados como suplemento proteico,
em pequenas quantidades. A polpa de beterraba pode ser substituída por feno de aveia ou de capim. A polpa de
beterraba deve ser embebida, primeiramente, para permitir expansão total antes de ser oferecida. O engasgo
pode ser um problema em alguns animais que ingerem polpa de beterraba.
A alimentação com feno de alfafa, alimentos que contenham alfafa ou outros fenos de leguminosas para
equinos com hepatopatias é controversa. Embora o feno de alfafa possua melhor proporção entre aminoácidos
de cadeia ramificada e aminoácidos aromáticos do que o feno de capim, o primeiro pode apresentar conteúdo
proteico muito alto. Prefere­se alimentação com feno de capim, no caso dos animais com hiperamonemia ou
sinais de encefalopatia hepática. Pode­se oferecer uma mistura de feno de capim/alfafa aos equinos sem sinais
neurológicos centrais, se a perda de peso constituir um problema e há tolerância a proteínas adicionadas. O
acesso a pastagens de capim é permitido, contanto que os sinais de encefalopatia hepática estejam controlados e
se evite exposição à luz solar.
Outros alimentos ricos em aminoácidos de cadeia ramificada incluem sorgo, farelo ou milo. Suplemento
parenteral ou enteral com aminoácidos de cadeia ramificada ajuda a restaurar a proporção normal entre
aminoácidos de cadeia ramificada e aminoácidos aromáticos. Pode­se indicar suplementação de vitaminas A, D,
B1 e ácido fólico, possivelmente também com as vitaminas C e E. A vitamina K1 pode ser indicada para animais
com coagulopatias. Grandes quantidades de gordura não devem ser utilizadas para o fornecimento de energia;
alimentos contendo este excesso podem levar à lipidose hepática.
Transfaunação (p. 2583) com fluido ruminal oriundo de uma vaca saudável pode auxiliar a restabelecer a
flora ruminal normal e aumentar o apetite dos bovinos acometidos. Os animais que não comerem
voluntariamente devem ser alimentados à força. Pode­se administrar uma mistura com cereais, por sonda
nasogástrica, aos equinos e aos suínos ou por sonda orogástrica ou por uma fístula ruminal, aos ruminantes. Nos
ruminantes, recomenda­se uma alimentação forçada com farelo de alfafa (15% de proteínas) e grãos de
cervejaria ou polpa de beterraba secos, com cloreto de potássio e fluido ruminal normal. O feno de alfafa e os
alimentos que contêm alfafa podem ser mais bem tolerados pelos bovinos do que pelos equinos com
hepatopatias. Também são necessários fluidos poliônicos IV com dextrose 5%, cloreto de potássio e vitaminas
do complexo B nos animais que não estiverem consumindo uma quantidade adequada de alimento.

ABSCESSOS HEPÁTICOS EM BOVINOS

Os abscessos hepáticos podem ocorrer em todas as idades e raças de bovinos, em qualquer lugar em que se
criem bovinos. São mais comuns nos bovinos em engorda e leiteiros alimentados com rações que predispõem à
ruminite. Os bovinos com abscessos hepáticos apresentam redução na eficiência de produção. Os fígados
comprometidos são condenados no abate e aderências em órgãos vizinhos ou no diafragma podem implicar em
limpeza da carcaça. Os abscessos hepáticos também podem ocasionar síndromes associadas a trombose de veia
cava caudal.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Fusobacterium necrophorum, uma bactéria Gram­negativa e anaeróbica obrigatória
componente da microflora ruminal normal, é o principal agente etiológico. A infecção hepática geralmente se
origina a partir de uma ruminite necrobacilar. Há relato de 2 biovares. O biovar A (F. necrophorum
necrophorum), o mais virulento, é o biovar predominante na microflora ruminal e geralmente é isolado em
cultura pura, em muitos casos de abscedação hepática. O biovar B (F. necrophorum funduliforme) é comumente
isolado de microabscessos na parede ruminal, sendo isolado menos comumente de abscessos hepáticos, onde é
sempre encontrado em uma cultura mista com o biovar A ou outras espécies de bactérias. Arcanobacterium
pyogenes, estreptococos, estafilococos e Bacteroides spp são recuperados mais frequentemente em culturas
mistas.
A ruminite geralmente resulta de fermentação intrarruminal rápida de carboidratos da dieta, com produção
subsequente de ácido láctico e aumento na acidez do fluido ruminal. As rações com alto teor de carboidratos
representam a causa principal em bovinos leiteiros e em engorda, mas a textura do alimento e o método de
alimentação podem ser agentes modificadores. A incidência de ruminite nos bovinos em confinamento torna–se
significativamente maior quando são transferidos diretamente de uma ração volumosa para uma ração de
terminação e quando há pobre manejo alimentar. F. necrophorum, sozinho ou com outras bactérias, coloniza­se
pela área de necrose superficial produzida pelo conteúdo ruminal ácido. As leucotoxinas podem facilitar a
resistência à fagocitose. Êmbolos bacterianos oriundos das lesões invadem o sistema venoso porta–hepático e
são transportados para o fígado, onde podem estabelecer focos infecciosos de necrobacilose que eventualmente
se desenvolvam em abscessos.
As outras fontes de infecção nos abscessos hepáticos incluem penetração por corpo estranho a partir do
retículo, extensão direta de uma infecção decorrente de onfaloflebite nos bezerros neonatos e doenças
bacterianas.
ACHADOS CLÍNICOS, LESÕES E DIAGNÓSTICO: Os bovinos com abscessos hepáticos raramente exibem sinais
clínicos. Um exame clínico detalhado pode evidenciar febre periódica, inapetência e evidências de dor quando
se aplica uma pressão no xifesterno e gradil costal posterior, no lado direito. Grunhido e outros sinais de dor
podem ocorrer quando o animal se movimenta ou se deita. Uma queda transitória na produção de leite é notada
em vacas leiteiras. Sinais clínicos de onfaloflebite estão presentes quando há abscedação hepática resultante de
extensão de onfaloflebite. As proteínas de fase aguda aumentam no início do curso da doença e a concentração
sérica de ácido siálico tem sido utilizada para o diagnóstico antemorte. Quando ocorrem vários abscessos ou um
abscesso grande, pode ocorrer leucocitose com neutrofilia e aumento nos teores de fibrinogênio, podendo haver
um aumento nas concentrações séricas de globulina. A ultrassonografia serve como auxílio ao diagnóstico, mas
os abscessos no lado esquerdo do fígado podem não ser visualizados. Os bovinos em confinamento, com
abscessos hepáticos, apresentam redução na eficiência alimentar, e aqueles com processo de maior gravidade
perdem 5 a 15% do ganho diário em relação aos bovinos sem abscessos. A maioria dos abscessos corresponde a
lesões ocultas que regridem para uma cicatriz estéril. As sequelas inconvenientes incluem peritonite após
ruptura do abscesso no interior da cavidade peritoneal e morte súbita decorrente de uma reação anafilática ou
tóxica quando ocorre uma ruptura de um abscesso no interior dos vasos sanguíneos hepáticos. A ruptura nas
veias hepáticas também pode levar a tromboflebite da veia cava caudal com doença tromboembólica,
endocardite, tromboembolia pulmonar, abscessos pulmonares múltiplos e pneumonia supurativa crônica. Os
aneurismas da artéria pulmonar consequentes ao tromboembolia pulmonar podem se romper no interior de vias
respiratórias, resultando em hemoptise, epistaxe e morte. A trombose da veia cava caudal também pode levar à
hipertensão portal com uma síndrome caracterizada por hepatomegalia, ascite e diarreia.
As lesões ruminais caracterizam­se por reação inflamatória acentuada e necrose. Ocasionalmente, encontram­
se abscessos nas camadas mais profundas da parede ruminal. As lesões de necrobacilose hepática de < 6 dias de
duração são amarelo­pálidas e esféricas, com contornos irregulares. Caracterizam­se por necrose de coagulação
dos hepatócitos com uma zona de hiperemia e inflamação intensa circundantes. Os abscessos mais velhos
possuem um núcleo que é progressivamente encapsulado por tecido conjuntivo fibroso. Os abscessos têm
geralmente 4 a 6 cm de diâmetro. Os fígados acometidos geralmente apresentam de 3 a 10 abscessos, mas
podem ter até 100 deles.
Há relato de taxa de condenação do fígado tão alta quanto 40%, em uma ampla pesquisa com bovinos
abatidos nos EUA. Raramente se realiza cultura para confirmar o diagnóstico. Ocasionalmente, os abscessos
hepáticos por F. necrophorum devem ser distinguidos daqueles resultantes de reticuloperitonite traumática (p.
291).
TRATAMENTO E CONTROLE: Fosfato de tilosina fornecido na dose de 10 g/tonelada de alimento reduz

significativamente o número de abscessos hepáticos e aumenta a eficiência alimentar e o ganho de peso, mas
tem, se muito, pequeno efeito na prevalência de lesões ruminais. Virginiamicina fornecida na dose de 16
g/tonelada de alimento ou fornecimento contínuo de clortetraciclina na dose de 70 mg/animal/dia, durante o
período de terminação, também são utilizadas. Em bovinos de leite, pode­se tentar drenagem percutânea e
terapia por longo tempo com penicilina G procaína (22.000 UI/kg), mas o prognóstico é ruim. Uma vacina
composta de leucotoxoide de F. necrophorum, combinado com uma bacterina de A. pyogenes, administrada
quando os bovinos são transferidos ao confinamento, reduz a prevalência e a gravidade dos abscessos.
A principal medida profilática é o controle da acidose ruminal por meio da alimentação, composição da dieta,
manejo alimentar adequado e uso de tampões na dieta. Desenvolvem­se bem menos lesões ruminais quando a
proporção de concentrado em relação ao volumoso diminui e quando o período de transição de volumoso para
uma ração de terminação se prolonga. O aumento no volumoso na ração e as alimentações diárias múltiplas
aumentam o período de mastigação e o fluxo salivar; isso aumenta o tampão ruminal e propicia fermentação
contínua e uniforme que reduz a acidez intrarruminal, que, por sua vez, abaixa o número de lesões ruminais e
indiretamente o número de abscessos hepáticos.

COLELITÍASE, COLEDOCOLITÍASE E HEPATOLITÍASE

ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: A colelitíase nos equinos pode causar obstrução biliar e hepatopatia concomitante
ou pode ser um achado acidental na necropsia. Afeta mais comumente equinos de meia­idade (6 a 15 anos), sem
predileção sexual ou racial. Cálculos solitários ou múltiplos podem estar presentes no ducto biliar comum
(coledocolitíase), nos ductos biliares intra­hepáticos (hepatolitíase) ou no ducto biliar ou na vesícula biliar, nos
ruminantes (colelitíase). Em grandes animais, a coledocolitíase é a causa mais comum de obstrução biliar, sendo
os equinos mais frequentemente acometidos. Não se conhece a causa de formação dos cálculos biliares em
equinos. Tem­se proposto infecção no trato biliar ascendente (colangioepatite), infecção bacteriana intestinal
resultando em estase biliar e alterações na composição biliar ou concentração de colesterol. Os cálculos biliares
formados ao redor de um corpo estranho ou parasitos podem ocluir o ducto biliar comum. Colelitíase e
hepatolitíase, notadamente, não são reconhecidas como um problema clínico em ovinos e caprinos. A incidência
em camelídeos é desconhecida.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos comumente observados nos equinos com cálculos biliares ou

colangioepatite incluem perda de peso, dor abdominal, icterícia, depressão e febre intermitente. Sinais de
insuficiência hepática, inclusive encefalopatia, fotossensibilidade e coagulopatias ocorrem em menor
frequência. Os sinais clínicos são, muitas vezes, intermitentes. Obstrução completa do ducto biliar comum é
acompanhada de dor abdominal persistente. As anormalidades laboratoriais incluem hiperbilirrubinemia com
aumento na bilirrubina direta (conjugada), aumento acentuado na atividade sérica de GGT e aumento na
concentração sérica de ácidos biliares totais. As atividades de SDH e AST aumentam, mas em menor grau. As
concentrações séricas de BUN, glicose e potássio podem diminuir. Os testes metabólicos indicam redução na
função hepática. Tempo de tromboplastina parcial ativada e tempo de protrombina de em um estágio podem
ficar prolongados. Ocorrem, muitas vezes, leucocitose, anemia por doença crônica, hiperproteinemia,
hiperglobulinemia e hiperfibrinogenemia, devido à inflamação. As alterações histológicas englobam fibroses
periporta e intralobular, moderadas dilatação e proliferação do ducto biliar e colestase. A cultura hepática pode
revelar uma infecção bacteriana.
Lesões:À necropsia, o fígado pode estar aumentado ou reduzido quanto ao volume. O fígado fica vermelho a
marrom­esverdeado e mais firme que o normal. Os ductos hepáticos e o ducto biliar comum ficam dilatados e
podem conter um ou mais cálculos.
DIAGNÓSTICO: Colelitíase deve ser considerada em equinos com histórico de febre, icterícia e dor abdominal
recidivante. Outros sinais de insuficiência hepática (encefalopatia, fotodermatite, perda de peso) são menos
consistentemente observados na colelitíase. Um aumento marcante em GGT sérica com hiperbilirrubinemia
(bilirrubina direta > 25%) é esperado. Elevações em SDH, AST e fosfatase alcalina também estão presentes,
com frequência. Nota­se leucocitose neutrofílica e elevação inconsistente das concentrações de globulina e de
fibrinogênio. O exame ultrassonográfico pode revelar hepatomegalia com aumento na ecogenicidade do fígado,
ductos biliares distendidos e espessos e regiões hiperecoicas sugestivas de cálculos biliares. Estes, nos equinos,
são mais visualizados na porção cranioventral do lobo hepático direito, especialmente do 6o ao 8o espaços
intercostais. Os cálculos biliares podem ser hiperecoicos, projetando uma sombra acústica ou sonolucentes. Os
cálculos podem ser observados como cálculos discretos ou depósitos de sedimentos menos discretos, dentro do
trato biliar. Os ductos biliares distendidos podem aparecer como canais dilatados adjacentes à veia porta.
Devido ao grande campo pulmonar dos equinos, os cálculos biliares podem não ser encontrados em um exame
ultrassonográfico.
TRATAMENTO: Embora a obstrução biliar, nos equinos, muitas vezes seja fatal, a coledocolitotripsia e a
coledocolitotomia são realizadas com sucesso. O prognóstico, nos casos que exigem coledocolitotomia, depende
da gravidade da colangioepatite concomitante e do tamanho do animal. O procedimento é difícil, em virtude da
exposição limitada e da má visibilidade do ducto hepático comum. As complicações incluem contaminação
biliar, peritonite biliar, deiscência, estenose do ducto biliar, recidiva dos cálculos biliares e enterite (p. ex.,
induzida por estresse ou salmonelose). O prognóstico é melhor se a obstrução é corrigida por
coledocolitotripsia.
Quando cálculos pequenos ou depósitos de sedimentos menos distintos estão presentes, a resolução clínica
pode ser bem­sucedida. Adicionalmente, a dissolução de cálculos de bilirrubina, que são comuns nos equinos,
pode ser facilitada pela administração simultânea de dimetil sulfóxido IV (solução < 20%, na dose de 0,5 a 1
mg/kg). O dimetil sulfóxido deve ser utilizado criteriosamente ou evitado em animais com coagulopatia ou
sinais de hemólise. Agentes anti­inflamatórios são administrados para reduzirem a inflamação e promoverem
analgesia. Como a colangioepatite está, muitas vezes, presente, a terapia antimicrobiana de amplo espectro é
indicada. A escolha do antibiótico é melhor sustentada por cultura e antibiograma de bactérias colhidas por
biopsia hepática, aspirado do ducto biliar ou do cálculo biliar. Cuidados de suporte são necessários para orientar
medidas no acompanhamento da insuficiência hepática.

HEPATITE AGUDA

Etiologias infecciosas, tóxicas e indefinidas podem causar hepatite aguda. Os sinais clínicos podem aparecer
subitamente nos equinos apresentando letargia, anorexia e icterícia. Fotossensibilização, diarreia e
anormalidades na coagulação também podem ser observadas. Os sinais neurológicos resultantes de
encefalopatia hepática e/ou hipoglicemia podem ser mais graves nos animais com hepatopatia fulminante aguda.
Sinais de endotoxemia podem estar presentes, dependendo da etiologia primária e da capacidade das células de
Kupffer em remover endotoxinas da circulação sistêmica. Elevações nas atividades séricas de SDH e AST
indicam uma lesão hepatocelular aguda. A GGT aumenta na colestase secundária ao edema de hepatócitos. A
colestase resulta em hiperbilirrubinemia, com a fração direta (conjugada) variando de 15 a 35% do total nos
equinos. Aumento da concentração sérica de ácidos biliares totais, diminuição das concentrações de glicose e de
BUN e tempo de coagulação prolongado tornam­se evidentes à medida que a função hepática se agrava
progressivamente. Anorexia pode levar à hipopotassemia. Os resultados do hemograma é variável, pois pode
refletir resposta inflamatória com neutrofilia ou endotoxemia com neutropenia, aumento de neutrófilos
bastonetes e alterações tóxicas.

Doença Hepática Aguda Idiopática (Doença de Theiler, Hepatite sérica, Hepatite pós-vacinal)

A doença hepática aguda idiopática (DHAI) é a causa mais comum de hepatite aguda em equinos. É,
principalmente, uma doença de equinos adultos.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: Frequentemente, equinos com DHAI exibem sinais clínicos de insuficiência
hepática 4 a 10 semanas após receberem um produto biológico de origem equina, como a antitoxina tetânica
(ATT). Em alguns casos, o equino afetado pode não ter recebido a ATT, mas esteve em contato com outro
equino que a recebeu. Declaradamente, DHAI pode ocorrer como uma complicação potencial da administração
de qualquer produto de plasma ou soro equino, inclusive de plasma equino comercial. Outros equinos
acometidos não apresentam histórico anterior de exposição a tal produto. DHAI subclínica pode­se desenvolver
após administração de ATT. Mais comumente, apenas um equino da propriedade está acometido, embora
possam ocorrer surtos ou outros equinos no haras possam apresentar evidências de hepatopatia (aumento das
atividades enzimáticas), sem sinais clínicos. A ocorrência da doença em grupos de equinos adultos, durante o
final do verão ou no início do outono (agosto a novembro), sugere uma etiologia infecciosa (viral) ou espalhada
por vetores, apesar de faltarem evidências. A ocorrência sazonal poderia refletir o fato de várias éguas
parturientes receberem ATT na primavera do mesmo ano, junto com seus potros recém­nascidos. Éguas
lactantes que recebem ATT ao parto parecem ser mais suscetíveis. Também já se propôs uma reação de
hipersensibilidade tipo III (mediada por imunocomplexos).
ACHADOS CLÍNICOS: O início dos sinais clínicos é agudo. A taxa de mortalidade da doença aguda pode ser 50 a
60%, podendo chegar a 88%. Os equinos com DHAI apresentam­se tipicamente com anorexia, encefalopatia
hepática e icterícia. Os sinais clínicos de SNC são diversos, variando de letargia à agressão ou comportamento
maníaco, cegueira central e ataxia. fotossensibilidade e urina corada por alta concentração de bilirrubina. Há
febre em cerca de 50% dos casos. Perda de peso (incomum), edema ventral, pulsos jugulares, íleo adinâmico e
desconforto respiratório agudo foram observados em alguns equinos com DHAI. Esses achados sugerem há
uma fase subclínica antes do desenvolvimento da insuficiência hepática evidente. Hemólise intravascular com
hemoglobinúria pode ser relatada em alguns casos terminais. Muitos casos são esporádicos, mas são reportados
surtos envolvendo muitos animais. O reconhecimento da DHAI em um animal sugere uma observação
cuidadosa dos equinos da mesma propriedade, quanto a sinais clínicos ou bioquímicos séricos de hepatopatia.
As concentrações séricas de GGT, AST e SDH aumentam. A GGT encontra­se frequentemente aumentada
durante os primeiros dias de doença, apesar da melhora clínica e de eventual recuperação de um equino
acometido. Animais com valores de AST > 4.000 UI/l possuem pobre prognóstico. A AST diminui dentro de 3
a 5 dias nos equinos que melhoram e a SDH diminui ainda mais rapidamente. A concentração sérica de
bilirrubina total costuma ficar mais alta nos equinos com DHAI do que naqueles com anorexia. A
hiperbilirrubinemia é comum, com a forma não conjugada correspondendo a > 70% do total. Concentrações
séricas de ácidos biliares totais também estarão aumentadas. Acidose moderada a grave, hipopotassemia,
policitemia, aminoácidos aromáticos plasmáticos aumentados, e hiperamonemia podem estar presentes.
Lesões: Na necropsia, há icterícia e graus variáveis de ascite. O fígado geralmente apresenta tamanho reduzido a
normal, mas pode estar aumentado (casos hiperagudos), com uma superfície com aspecto de noz­moscada e
corada com bile. Histologicamente, há necrose hepatocelular acentuada da zona centrolobular à zona média e
infiltrado mononuclear discreta a moderado. Proliferação discreta a moderada de ductos biliares podem ser
observados em alguns animais com uma doença mais crônica.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico baseia­se na anamnese, início abrupto dos sinais clínicos e alterações laboratoriais
sugestivas de insuficiência hepática. Em alguns casos, o fígado fica reduzido e difícil de ser visualizado no
exame ultrassonográfico. Só se pode fazer um diagnóstico definitivo por biopsia hepática. Os diagnósticos
diferenciais incluem intoxicação aguda por pirrolizidina, hepatotoxinas, hepatite infecciosa aguda, micotoxicose
aguda, doença cerebral e doença hemolítica.
TRATAMENTO E PROGNÓSTICO: Não há terapia específica para DHAI. A terapia de suporte (fluidos cristaloides
IV com adição de glicose e potássio) e o tratamento da encefalopatia hepática podem ser bem­sucedidos.
Situações estressantes tais como transporte do animal ou desmame do potro podem exacerbar os sinais clínicos
de encefalopatia hepática e devem ser evitadas. Só se deve utilizar sedação para controlar o comportamento,
para evitar uma lesão no animal e permitir os procedimentos terapêuticos.
A recuperação depende do grau de necrose hepatocelular. Os equinos acometidos que permanecem estáveis
por 3 a 5 dias e que continuam a se alimentar frequentemente se recuperam. Diminuições na SDH e no tempo de
protrombina, junto com melhora do apetite, são os melhores indicadores prognósticos positivos de recuperação.
Animais com progressão rápida dos sinais clínicos, encefalopatia incontrolável ou hemólise possuem pobre
prognóstico. No caso dos equinos comprometidos que se recuperam, o prognóstico a longo prazo é excelente.
Em alguns animais, perda de peso progressiva e morte podem ocorrer durante os meses após os primeiros sinais
clínicos.
PREVENÇÃO: O uso de ATT não deixa de ter riscos. A administração rotineira de ATT em éguas parturientes é
fortemente desestimulada. O uso da ATT deve ser restrito a situações que necessitam profilaxia para tétano e nas
quais esteja ausente ou se desconheça um histórico de imunização ativa com toxoide tetânico.

Necrose Hepática Aguda em Bovinos

EPIDEMIOLOGIA E PATOGÊNESE: Doença e insuficiência hepáticas agudas em bovinos resultam, mais


comumente, de lesão tóxica. Necrose hepatocelular com evidências clínicas e laboratoriais de insuficiência
hepática pode se desenvolver nos bovinos após mastite ou metrite, com sinais clínicos de endotoxemia. A
endotoxina induz à necrose hepatocelular por efeitos diretos ou indiretos no fígado. A endotoxina pode fazer
com que as células de Kupffer liberem enzimas lisossomais, prostaglandinas e colagenase que danificam os
hepatócitos, ou pode interagir diretamente com os hepatócitos, causando lesões lisossomais, diminuição na
função mitocondrial e necrose. A necrose hepatocelular relacionada com endotoxinas pode ocorrer, em parte, à
diminuição no fluxo sanguíneo hepático e hipoxia hepática.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sinais clínicos incluem perda de peso, anorexia e interrupção da produção de
leite. Fotossensibilização e icterícia discreta são variáveis. As concentrações séricas de SDH, GGT e AST estão
discreta a gravemente aumentadas. Lipidose hepática ou cetose não são característicos. O fígado pode
permanecer com tamanho normal ou aumentar levemente. Histologicamente, ocorre uma alteração hidrópica
acentuada, junto com graus variáveis de necrose hepática.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico baseia­se no histórico de sinais relacionados com o fígado, que se desenvolvem
simultaneamente ou após uma doença primária e endotoxemia. Os aumentos nas enzimas hepáticas e biliares e a
ausência de cetose sustentam o diagnóstico. O diagnóstico definitivo baseia­se na biopsia hepática e no descarte
de outras causas infecciosas, tóxicas e inflamatórias de disfunção hepática. Os diagnósticos diferenciais incluem
outras causas de hepatopatia subaguda ou crônica (p. ex., hepatotoxinas, lipidose hepática) e afecções que
causam perda de peso e hipofagia.
TRATAMENTO: O fornecimento de suporte nutricional e de fluidos, muitas vezes são procedimentos bem­
sucedidos em vacas com necrose hepática aguda secundária a lesões transitórias. Recomenda­se alimentação
forçada com farelo de alfafa (15% de proteínas) e grãos de cervejaria ou polpa de beterraba secos com cloreto
de potássio e fluido ruminal normal. Também são necessários fluidos poliônicos IV, com dextrose a 5%, cloreto
de potássio e vitaminas do complexo B. O controle da endotoxemia e o tratamento da afecção patológica
primária tornam­se essenciais.
HEPATITE INFECCIOSA E ABSCESSOS HEPÁTICOS

Abscessos Hepáticos

Os abscessos hepáticos são causados, geralmente, por infecções polimicrobianas; anaeróbios são comuns. O
principal agente etiológico dos abscessos hepáticos nos bovinos é Fusobacterium necrophorum. Nos caprinos, a
maioria dos abscessos se deve ao Corynebacterium pseudotuberculosis, Arcanobacterium pyogenes e
Escherichia coli. Os microrganismos isolados em menor frequência incluem Proteus sp, Mannheimia
haemolytica, Staphylococcus epidermidis, S. aureus, Rhodococcus equi, Erysipelothrix rhusiopathiae e a
levedura Candida krusei. Nos equinos, os abscessos hepáticos muitas vezes contêm Streptococcus spp (S. equi
equi, S. equi zooepidemicus), C. pseudotuberculosis ou enterobactérias após colangioepatite ascendente ou
enteropatia, e anaeróbios. Nos suínos, os abscessos hepáticos desenvolvem­se após migração de ascarídeos para
o interior dos ductos biliares.
O fígado é particularmente suscetível à formação de abscessos, pois recebe sangue da artéria hepática, do
sistema portal e da veia umbilical no feto e no recém­nascido. Os abscessos hepáticos são mais prevalentes nos
ruminantes e incomuns nos equinos. Os abscessos estão associados à ruminite (complexo ruminite­abscesso
hepático), bacteriemia, trombose séptica da veia porta, migração parasitária ou uma extensão de doença
intestinal. Também pode ocorrer como uma sequela de cirurgia abdominal. Nos neonatos e nos animais jovens,
os abscessos podem se desenvolver secundariamente à migração de ascarídeos, sepse bacteriana ou infecção
ascendente da veia umbilical. Nos equinos e nos bovinos, os sinais podem ser semelhantes aos observados em
casos de abscessos abdominais e incluem cólica e febre intermitentes e perda de peso. Muitas vezes, os
abscessos hepáticos são subclínicos nos bovinos. O prognóstico é, geralmente, pobre pela falta de resposta à
terapia antimicrobiana ou resolução incompleta. (Ver p. 252).

Colangioepatite

Colangioepatite é uma inflamação grave dos ductos biliares e do tecido hepático adjacente que esporadicamente
causa insuficiência hepática em equinos e ruminantes. Ocasionalmente, ocorre secundariamente a colelitíase,
duodenite, obstrução intestinal, neoplasia, parasitismo e certas toxinas em equinos. A micotoxina
esporodesmina, produzida por Pithomyces chartarum, pode causar colangioepatite em ovinos e bovinos.
ETIOLOGIA: Bacteremia devido a um organismo (p. ex., Salmonella spp) eliminado na bile, uma infecção
ascendente no trato biliar após um distúrbio intestinal ou íleo adinâmico, relacionam­se com o desenvolvimento
de colangioepatite. Nos potros, a úlcera duodenal e a duodenite podem resultar em estase biliar, obstrução no
ducto hepático e colangioepatite. A migração de parasitos pelo fígado pode predispor à colangioepatite em
alguns animais. Microrganismos Gram­negativos, inclusive Salmonella spp, Escherichia coli, Pseudomonas spp
e Actinobacillus equuli, são frequentemente isolados no fígado. Clostridium spp, Pasteurella spp e
Streptococcus spp são recuperados com menor frequência.
ACHADOS CLÍNICOS: Dependendo da gravidade da infecção e virulência do microrganismo, os sinais clínicos
podem ser agudos com toxemia grave, subagudos ou crônicos. Tipicamente, a colangioepatite é uma doença
subaguda ou crônica que ocorre em animais comprometidos exibindo sinais de perda de peso, anorexia, febre
intermitente ou persistente ou cólica. Icterícia, fotossensibilidade e sinais de encefalopatia hepática
hiperamonêmica são variáveis. As concentrações de SDH, AST, GGT, bilirrubina conjugada e ácidos biliares
totais geralmente se elevam. A contagem leucocitária periférica torna­se variável, dependendo do grau de
inflamação e de endotoxemia presentes. A colangioepatite supurativa aguda pode resultar, ocasionalmente, em
sepse grave e morte.
Lesões: Nos casos agudos, o fígado fica edemaciado, macio e pálido. Focos supurativos podem ficar visíveis
abaixo da cápsula ou na superfície de corte. As lesões nos outros sistemas podem refletir sepse e icterícia.
Microscopicamente, nos casos agudos, encontram­se neutrófilos nas tríades portais e parênquima degenerado.
Exsudato purulento torna­se evidente nos ductos. Na colangioepatite subaguda ou crônica, a inflamação é mais
proliferativa e a proliferação dos ductos biliares é mais marcante. Podem ficar evidentes áreas de atrofia,
hiperplasia regenerativa e fibrose periporta.
DIAGNÓSTICO: Deve­se realizar uma biopsia hepática para confirmar o diagnóstico e para se obter amostra para
cultura aeróbica e anaeróbica e antibiograma. Os diagnósticos diferenciais incluem as outras causas de
hepatopatias agudas a crônicas, perda de peso, cólica ou sepse. Havendo sinais neurológicos, doenças cerebrais
devem ser consideradas. Como a colangioepatite está associada, frequentemente, à colelitíase nos equinos,
deve­se descartar a presença de um ou mais cálculos.
TRATAMENTO: O tratamento baseado nos resultados de cultura e de antibiograma muitas vezes fornece
resultados favoráveis. A terapia consiste na administração, a longo prazo, de antimicrobianos (= 4 a 6 semanas),
terapia de suporte com fluidoterapia IV e manejo da encefalopatia hepática, quando presente. Inicialmente, os
antimicrobianos de amplo espectro efetivos contra organismos gram­negativos, gram–positivos e anaeróbicos
devem ser administrados. Uma combinação de penicilina com sulfa­trimetoprima ou com um aminoglicosídio
ou com enrofloxacino pode ser utilizada. Ampicilina ou uma cefalosporina podem ser utilizadas no lugar da
penicilina. O metronidazol pode ser utilizado em equinos para combater as bactérias anaeróbicas. A terapia
antimicrobiana pode ser alterada, dependendo dos resultados de cultura do tecido obtido via biopsia hepática. O
prognóstico é bom se a fibrose não é grave, mas é pobre nos casos de fibrose periporta grave ou fibrose septal.

Doença de Tyzzer

A doença de Tyzzer, causada por Clostridium piliforme, ocasiona hepatite necrosante aguda, miocardite e colite
em potros com 8 a 42 dias de idade (ver p. 200). Há relato em dois bezerros – um macho da raça Jersey com 1
semana de idade com enterite e hepatite necrosante aguda e outro com criptosporidiose concomitante e enterite
por coronavírus. No último animal, C. piliforme foi identificado em hepatócitos e epitélio e células de músculos
lisa do íleo e do ceco. Os sinais clínicos incluem hipofagia, fraqueza generalizada, apatia e diminuição da
eliminação fecal.

Hemoglobinúria Bacilar (Doença da água vermelha, Icteroemoglobinúria)

Clostridium novyi tipo D (C. haemolyticum) é o microrganismo anaeróbico que causa a hemoglobinúria bacilar
nos bovinos, nos outros ruminantes e, raramente, nos equinos. Ver p. 660 quanto a achados clínicos, diagnóstico
e controle.

Hepatite Necrótica Infecciosa (Doença negra)

A hepatite necrótica infecciosa, causada pelo Clostridium novyi tipo B, afeta principalmente os ovinos, mas
também bovinos, equinos e suínos. Ver p. 661 quanto a achados clínicos, lesões e controle.

Rinopneumonite Equina

A rinopneumonite equina causada pelo herpesvírus equino 1 é uma causa esporádica de pneumonia intersticial,
hepatopatias e, habitualmente, morte nos potros recém­nascidos. Ver p. 1574 quanto a achados clínicos,
diagnóstico e tratamento.

HEPATITE CRÔNICA ATIVA

O termo hepatite crônica ativa descreve qualquer processo inflamatório progressivo no fígado. Trata­se de um
diagnóstico histopatológico no qual há evidências de hepatopatia crônica, agressiva e prolongada. O diagnóstico
histológico é, geralmente, colangioepatite, pois a resposta inflamatória ocorre, principalmente, na área periporta.
ETIOLOGIA: A exata etiologia é desconhecida. Acredita­se que se envolvam processos infecciosos,
imunomediados ou tóxicos. Os estágios iniciais associam­se com inflamação dos ductos biliares e de áreas
portais hepáticas. A extensão de uma infecção bacteriana via ductos biliares ou veias portais drenantes podem
ser responsáveis pelas lesões nos animais com colangioepatite supurativa. Quando os linfócitos e os plasmócitos
predominam no infiltrado celular, torna­se mais provável um processo imunomediado. Várias causas de
insuficiência hepática aguda podem progredir para hepatite crônica ativa.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos predominantes são perda de peso, anorexia, depressão e letargia.

Icterícia, alterações comportamentais, diarreia, fotossensibilização e hemorragia encontram­se variavelmente


presentes. A febre pode ser persistente ou intermitente, dependendo do grau da colangioepatite e da fibrose
existentes. Pode ocorrer dermatite na banda coronária do casco, com descolamento cutâneo regional. Doença
abdominal recente ou concomitante é, muitas vezes, relatada. A duração dos sinais clínicos varia, estendendo­se
por dias a meses. Sinais neurológicos podem aparecem abruptamente embora haja evidências histológicas de
doença crônica. A GGT e a AP ficam moderadamente aumentadas, assim como a SDH e a glutamato­
desidrogenase, o que indica lesões contínuos nos hepatócitos. Nos casos de fibrose hepática acentuada, a
atividade enzimática pode permanecer normal e as concentrações de BUN e de albumina podem diminuir. A
proteína total sérica pode estar aumentada ou normal. As globulinas, em geral, elevam–se. A concentração
sérica de ácidos biliares totais aumenta e a depuração de BSP® fica prolongada. A colestase pode causar
hiperbilirrubinemia, com > 25% da bilirrubina total sendo a direta. Com a diminuição da função hepática, a
glicemia e os fatores de coagulação diminuem e os tempos de protrombina em um estágio e de tromboplastina
parcial ativado prolongam­se. As concentrações de amônia podem estar elevadas. Pode haver uma neutrofilia ou
neutropenia com desvio à esquerda se ocorrer endotoxemia. A anorexia pode levar à hipopotassemia. A
ultrassonografia geralmente revela aumento na ecogenicidade hepática, indicando fibrose hepática. O fígado
pode estar menor que o normal.
Lesões: Macroscopicamente, o fígado torna­se firme, com coloração marrom­pálida a verde e, com frequência,
pequeno. Podem­se observar marcações irregulares na superfície de corte. As lesões histológicas predominam
nas áreas periportais. A infiltração de células inflamatórias pode consistir, primariamente, de células
mononucleares, neutrófilos com bactérias (muitas vezes coliformes) ou linfócitos e plasmócitos. O tipo do
infiltrado pode indicar a natureza do processo patológico primário. A hiperplasia biliar pode ser acentuada, na
presença de colangioepatite. Há graus variados de necrose e fibrose.
DIAGNÓSTICO: Necessita­se exame histológico de amostra obtida por biopsia hepática para o diagnóstico
definitivo. O tecido também deve ser cultivado embora, em muitos casos, não se identifiquem isolados
significativos.
TRATAMENTO: Deve­se propiciar terapia de suporte, inclusive fluidoterapia com cloreto de potássio, glicose e
suplementação vitamínica; manejo alimentar (dieta pobre em proteínas, rica em aminoácidos de cadeia
ramificada e em carboidratos) e prevenção de exposição ao sol, estando presente uma fotodermatite.
Corticoterapia foi utilizada com sucesso em equinos com infiltrado linfoplasmocitário na amostra de biopsia
hepática. Sabidamente, os esteroides agem aumentando o apetite, estabilizam as membranas celulares e reduzem
a inflamação e formação de tecido conjuntivo. Protocolos terapêuticos diferentes, que utilizam prednisolona e
dexametasona, são recomendados. Um protocolo recomendado envolve a administração inicial de 0,04 a 0,08
mg de dexametasona/kg por 4 a 7 dias, seguida de redução gradual da dose em até 2 a 3 semanas, dependendo
da resposta à terapia. A prednisolona (0,5 a 1 mg/kg, VO, 1 vez/dia) pode ser necessária por 2 a 4 semanas
adicionais. O risco de se induzir laminite ou aborto em animais prenhes, com os corticosteroides, deve ser
discutido com o proprietário, antes de se iniciar a terapia. Alternativamente, recomenda­se um agente
antifibrótico, a colchicina (0,03 mg/kg/dia, VO), mas ainda não se comprovou sua eficácia em insuficiência
hepática e segurança em animais prenhes. As reações adversas possíveis à colchicina, nos equinos, incluem
laminite, diarreia e, raramente, supressão da medula óssea afetando todas as linhagens celulares. Mal­estar,
vômitos, diarreia, dor abdominal, miopatia, alopecia e supressão de medula óssea já foram descritos em
humanos e outras espécies. Outros fármacos recomendados para deter ou reduzir a fibrose são pentoxifilina (7,5
mg/kg, VO, 2 vezes/dia) e SAMe (5 g, VO, 1 vez/dia). Nos casos complicados, com colangioepatite séptica,
antimicrobianos de amplo espectro são recomendados. Idealmente, uma terapia antimicrobiana deve­se basear
em cultura bacteriana e antibiograma da amostra coletada por biopsia.
PROGNÓSTICO: O prognóstico é variável e melhor baseado na biopsia hepática e na resposta à terapia. O
prognóstico é reservado a bom nos animais com lesões menos graves, especialmente nos animais com infiltrado
celular linfocítico­plasmocitário que respondam bem a uma terapia com corticosteroides; contudo, o
prognóstico é ruim em equinos com insuficiência hepática, fibrose disseminada e perda do parênquima hepático
normal.

HEPATOTOXINAS

As hepatotoxinas induzem toxicidade por um ou mais mecanismos: necrose periacinar (centrolobular), necrose
na zona média, necrose periporta, colestase, hiperplasia biliar, alteração gordurosa ou hidrópica próxima de
zonas necróticas ou obstrução venosa. Insuficiência hepática fatal pode ocorrer se a lesão inicial é aguda e
grave. Mais comumente, a lesão hepática por toxinas é subaguda ou crônica. Nos processos crônicos, o
resultado a longo prazo poderá ser uma cirrose. Várias hepatotoxinas, especialmente as vegetais, exercem
efeitos tóxicos em vários órgãos, particularmente nos rins, nos pulmões e no trato gastrintestinal.
O diagnóstico definitivo pode ser difícil. Pode ser necessária anamnese cuidadosa, inspeção do ambiente,
exames laboratoriais, biopsia hepática ou necropsia para determinar o agente ofensor. Em intoxicações agudas
por plantas, evidências de plantas hepatotóxicas no conteúdo gástrico ou no rúmen podem ser observadas.
Os antídotos específicos contra as hepatotoxinas são limitados. A remoção dos animais da fonte de
hepatotoxinas torna­se essencial para diminuir uma exposição adicional. A administração de absorbantes (p. ex.,
carvão ativado) ou laxantes (p. ex., óleo mineral e sulfato de magnésio) ou uma ruminotomia podem diminuir a
absorção de elementos tóxicos nas intoxicações agudas. Essas substâncias podem não ser úteis em intoxicações
crônicas (ou seja, a intoxicação pelo alcaloide pirrolizidínico), nas quais o agente tóxico é ingerido por semanas
a meses antes dos sinais da doença se tornarem evidentes. A terapia de suporte inclui a correção dos distúrbios
eletrolíticos, metabólicos e de glicose via fluidoterapia e manejo alimentar. A encefalopatia hepática deve ser
controlada. Se há fotossensibilização, a luz solar deve ser evitada. Podem­se considerar antimicrobianos para
evitar uma piodermite secundária. O prognóstico é reservado e depende da hepatotoxina em particular.

Causas Químicas e Medicamentosas de Hepatopatia Tóxica

Quanto à intoxicação por alcatrão de hulha, ver p. 3118.


INTOXICAÇÃO POR FERRO: Os potros recém–nascidos (< 3 dias de idade) são especialmente sensíveis ao ferro,
devido às elevadas concentrações séricas de ferro, ao aumento na capacidade de absorver ferro e à
supersaturação de transferrina ao nascimento. Nos equinos adultos, o ferro injetável aumenta a concentração de
ferro corporal mais substancialmente que a maioria dos suplementos orais. A intoxicação por ferro foi relatada
em bezerros e touros jovens tratados com citrato de amônio férrico, sozinho ou em combinação com gliconato
ferroso.
Os potros que recebem ferro ao nascimento, especialmente antes de ingerirem o colostro, podem desenvolver
intoxicação aguda com sinais clínicos de encefalopatia hepática em 2 a 5 dias, e um desfecho fatal. As
concentrações séricas de bilirrubina e de amônia se elevam e o tempo de protrombina se prolonga. As alterações
nas enzimas hepáticas séricas são variáveis. Nos equinos adultos, a intoxicação aguda, embora menos comum,
pode causar irritação intestinal e colapso cardiovascular com morte súbita. Sinais de insuficiência hepática mais
crônica, inclusive perda de peso, icterícia e depressão podem ser observados com administrações orais repetidas
de ferro. As fontes possíveis de excesso de ferro incluem suplementação inapropriada, forragens ricas em ferro,
ferro injetável e lixiviação de ferro na água ou nos alimentos. Os bezerros intoxicados por ferro apresentam
tremores, vocalização, bruxismo, cólicas e convulsões.
As lesões hepáticas são variáveis. Muitos fígados tornam­se friáveis e edemaciados ou contraídos. O fígado
fica com uma coloração castanho­pálida ou mosqueada de marrom–avermelhado. Podem­se encontrar
hemorragias no estômago, intestinos e bexiga.
O diagnóstico baseia­se no histórico de suplementação com ferro, nos sinais clínicos e nas lesões observadas
durante a necropsia. As concentrações séricas e hepáticas de ferro podem permanecer normais ou elevadas. Nos
equinos, as concentrações normais de ferro no soro e no tecido hepático são 66 a 204 μg/dl e 100 a 300ppm,
respectivamente. Como a concentração sérica de ferro tem pouca relação com o depósito de ferro total, as
concentrações séricas de ferritina são melhor utilizadas como estimativa do ferro total.
O tratamento é, geralmente, de suporte, com suplementações hídrica e nutricional. É improvável que uma
terapia queladora com deferoxamina obtenha sucesso, tanto na intoxicação aguda por ferro como na
hemocromatose crônica. Flebotomias repetidas foram tentadas em casos de hemocromatose. O prognóstico é
pobre.
INTOXICAÇÃO POR COBRE: A intoxicação por cobre aguda com necrose hepática grave e morte pode ser
observada em bovinos 1 a 4 dias após a administração de sais de cobre. A intoxicação por cobre ocorre em
ovinos e bezerros jovens, após excessivo consumo dietético de cobre e nos cabritos jovens alimentados com
sucedâneo lácteo de bezerro contendo cobre. A anormalidade primária associada à intoxicação por cobre é
anemia hemolítica, bem como lesões hepáticas. Nos camelídeos, a ingestão de concentrações inapropriadas de
ferro na dieta resulta em morte aguda com poucos sinais antemorte e sem evidência de crise hemolítica (Ver p.
3116).
DIVERSOS PRODUTOS QUÍMICOS E MEDICAMENTOS ASSOCIADOS À HEPATOTOXICIDADE: A exposição a

tetracloreto de carbono, hidrocarbonetos clorados, hexacloretano, dissulfeto de carbono, arsênico, monensina,


pentaclorofenóis, fenol, paraquat, halotano (caprinos, lhamas), isoflurano, fenobarbital, ácido tânico, edetato
dissódico de cobre e altas doses de ivermectina podem causar necrose centrolobular e insuficiência hepática. O
fósforo causa, principalmente, alterações periportais. Nos grandes animais, pode surgir hepatite ativa tendendo a
cirrose após o uso de isoniazida, nitrofurano, halotano, ácido acetilsalicílico ou dantroleno. Eritromicina,
rifampicina, esteroides anabolizantes, tranquilizantes fenotiazinas, alguns diuréticos, sulfato de quinidina e
diazepam estão associados à colestase e icterícia.

Intoxicação por Algas Verde-azuladas

Hepatotoxicose aguda pode ser observada após ingestão de cianobactérias hepatotóxicas. (Ver p. 3002).

Micotoxicoses

As aflatoxinas e as fumonisinas podem causar lesão e insuficiência hepáticas em ruminantes, suínos e equinos.
A intoxicação por Fusarium é a micotoxicose que mais comumente ocasiona insuficiência hepática nos equinos,
enquanto as aflatoxinas só provocam, esporadicamente, insuficiência hepática nessa espécie (Ver p. 3062).

Plantas Hepatotóxicas

INTOXICAÇÃO POR ALCALOIDE PIRROLIZIDÍNICO: A intoxicação por alcaloide pirrolizidínico é mais uma
hepatopatia progressiva crônica, mas também pode ocorrer intoxicação aguda (Ver p. 3140).
INTOXICAÇÃO PELO CAPIM MACARICAM: O capim macaricam (Panicum coloratum) pode provocar intoxicação
em equinos e ruminantes. Essa intoxicação é um problema no sudoeste dos EUA, desde o final da primavera até
o início do outono. As plantas jovens em crescimento são mais perigosas, devido ao seu teor mais elevado de
sapogenina, acreditando ser este o princípio tóxico. Observa­se uma síndrome semelhante nos equinos do leste
dos EUA, que pastejam ou são alimentados com fenos contendo altas concentrações de capim do gênero
Panicum.
Os sinais clínicos incluem icterícia, fotossensibilidade, cólica e febre intermitentes, perda de peso e
encefalopatia hepática. A fotossensibilidade pode ocorrer ao redor da banda coronária do casco e causar
claudicação. As lesões compreendem fibrose hepática e portal e hiperplasia biliar. As concentrações de GGT,
bilirrubina e amônia aumentam. Os ovinos com fotossensibilidade causada por ingestão de capim macaricam
apresentam, comumente, um material cristalino nos ductos e canalículos biliares e nos macrófagos.
O diagnóstico presuntivo de hepatopatia induzida por plantas baseia­se no histórico de exposição a plantas e
vários animais acometidos em uma fazenda ou em uma área. Os animais acometidos devem ser removidos da
fonte de capim macaricam, alimentados com feno de boa qualidade e protegidos da luz solar. Nos casos graves,
pode­se precisar de um tratamento local da fotodermatite, com cremes antimicrobianos ou hidratantes.
INTOXICAÇÃO POR TREVO HÍBRIDO: O trevo híbrido (Trifolium hybridium) provoca duas síndromes em equinos
criados nos EUA e Canadá: fotossensibilização (trifobíase) e intoxicação por trevo híbrido (“doença do fígado
grande”). O trevo híbrido cresce bem em solo argiloso e há relato de maior prevalência de intoxicação nas
estações úmidas. A doença é mais observada quando se ingere o broto da planta e a forragem oferecida
predominante é o trevo híbrido. O princípio tóxico é uma fototoxina não identificada. A fotossensibilidade já foi
descrita em equinos, ovinos, bovinos e suínos.
A fotossensibilidade pelo trevo também é conhecida como “envenenamento pelo orvalho”, pois ocorre, na
maioria das vezes, quando as pastagens de trevo e a pele do equino se encontram úmidos. Caracteriza­se por
uma pele avermelhada após exposição ao sol, seguida de necrose seca da pele ou edema e secreção serosa.
Muitas vezes, o focinho, a língua e os pés estão acometidos. Se a estomatite é grave, nota­se anorexia e perda de
peso.
A intoxicação por trevo híbrido pode ser fatal, com perda progressiva da condição corporal e sinais de
insuficiência hepática e distúrbios neurológicos. Observam­se cólica, diarreia e outros sinais de distúrbios GI.
Os equinos comprometidos podem ficar acentuadamente deprimidos ou excitados. Em geral, há necessidade de
exposição prolongada antes que os sinais de insuficiência hepática se tornem evidentes. As alterações no perfil
bioquímico sérico incluem aumento das atividades de GGT e AST e hiperbilirrubinemia; a bilirrubina direta,
frequentemente, corresponde a = 25% da bilirrubina total.
O diagnóstico presuntivo de hepatopatia induzida por plantas baseia­se no histórico de exposição a plantas e
de vários animais acometidos em uma fazenda ou área. Os equinos nos quais a fotossensibilização é o achado
principal, podem se recuperar rapidamente, após transferidos para uma pastagem livre de trevo híbrido. Os
equinos com estomatite ou dermatite grave necessitam terapia suporte e tratamento local das lesões, até que
cicatrizem.
LUPINOSE MICOTÓXICA: A lupinose micotóxica é uma doença muito difundida em ovinos e bovinos que
consomem tremoços contendo uma micotoxina hepatotóxica produzida pelo fungo Phomopsis
leptostromiformis. Ver p. 3081 quanto aos achados clínicos, diagnóstico e controle.
INTOXICAÇÃO POR XANTHIUM (CARDO): Os cardos, inclusive Xanthium strumarium, podem ser encontrados em
todo o mundo. A intoxicação é mais frequente após ingestão do palatável estágio de sementeira com duas folhas
ou de sementes do chão. Os carrapichos são altamente tóxicos, mas raramente ingeridos. A planta adulta é
menos tóxica e não palatável. O princípio tóxico é a carboxiatractilosida, que afeta diretamente o fígado.
Horas após a ingestão da toxina, suínos, bovinos e equinos desenvolvem sinais de depressão, náuseas,
fraqueza, ataxia e temperatura abaixo do normal. Podem ocorrer espasmos nos músculos cervical, vômitos,
dispneia e convulsões. Pode ocorrer morte dentro de horas do início dos sinais. Os animais que sobrevivem ao
envenenamento agudo inicial frequentemente desenvolvem hepatopatia crônica.
Os animais intoxicados requerem terapia de suporte intensiva. Podem ser administrados, por via VO, óleo
mineral ou carvão ativado para retardar a absorção do princípio tóxico. Também se recomenda fisostigmina (5 a
30 mg IM).
HEPATOTOXICOSE CAUSADA POR DIVERSAS PLANTAS: As hepatotoxinas são encontradas em várias plantas,
inclusive Nolina texana, Agave lecheguilla, Phyllanthus abnormis e Lantana camara. (Ver plantas de pastagem
da América do Norte temperada, p. 3162).

HIPERLIPEMIA E LIPIDOSE HEPÁTICA

EPIDEMIOLOGIA E PATOGÊNESE: A baixa qualidade dos alimentos ou a diminuição no consumo alimentar,


particularmente durante um período de alta demanda energética (p. ex., prenhez e doença sistêmica), pode
resultar em síndrome hiperlipêmica. A hiperlipemia é mais comum em pôneis, equinos miniatura e asininos e
menos frequente nos equinos adultos de tamanho padrão. A patogênese da hiperlipidemia é complexa, com o
balanço energético negativo disparando uma mobilização excessiva de ácidos graxos do tecido adiposo,
acarretando aumento na síntese hepática de triglicerídios e na secreção de lipoproteínas de densidade muito
baixa, hipertrigliceridemia concomitante e infiltração de gordura no fígado. A etiologia bioquímica da
hiperlipidemia baseia­se na superprodução de triglicerídios, em vez de falha no catabolismo dos triglicerídios.
O início da doença está associado a estresse, diminuição no consumo alimentar, mobilização e deposição de
gordura no fígado e superprodução de triglicerídios, que pode ser precipitada por resistência à insulina. Nos
pôneis, a hiperlipemia geralmente é um processo patológico primário associado à obesidade, prenhez, lactação,
estresse ou transporte. A hiperlipemia pode ocorrer secundariamente a qualquer doença sistêmica que resulte em
anorexia e balanço energético negativo. A hiperlipemia secundária é mais comum que a primária, nas raças
miniatura. A hiperlipemia secundária a uma doença sistêmica pode ser observada em equinos de qualquer idade
e em qualquer condição. As mulas estressadas e obesas encontram­se em maior risco de desenvolvimento de
hiperlipemia, independentemente do estado de prenhez. A hiperlipemia é observada mais no inverno e na
primavera.
Alpacas e lhamas podem desenvolver hiperlipemia e cetonúria nos estágios finais da gestação ou
secundariamente a processos patológicos. Os camelídeos adultos e mesmo as crias jovens são suscetíveis à
lipidose hepática durante estados de doença.
Esteatose hepática é uma doença metabólica complexa constatada principalmente em vacas leiteiras. Há
ampla discussão do assunto em outra parte deste livro (ver p. 1090).
Nos caprinos, a lipidose hepática foi associada à deficiência de cobalto. As lesões histológicas são
compatíveis com aquelas características de doença do fígado branco dos ovinos.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos são inespecíficos, variados e podem não indicar perda da função

hepática. Incluem letargia, fraqueza, inapetência, diminuição no consumo hídrico e diarreia. Muitas vezes há
histórico de anorexia prolongada, perda de peso rápida e obesidade anterior. Emaciação, edema ventral, cólica e
tremores podem ser observados. Os exames bioquímicos séricos e os testes de coagulação nos equinos miniatura
e nos pôneis com hiperlipemia indicam que o prejuízo na função hepática é comum. Os animais acometidos
apresentam o sangue grosseiramente leitoso e plasma lipêmico. As concentrações sanguíneas de todos os
lipídios estão aumentadas, especialmente os triglicerídios, ácidos graxos não esterificados e lipoproteínas de
densidade muito baixa. Os asininos apresentam concentrações plasmáticas de triglicerídios mais altas que os
outros equídeos. A hipoglicemia é um achado comum nos pôneis, mas não nos equinos miniatura com
hiperlipemia. A concentração de ácidos biliares totais e a depuração de BSP® frequentemente permanecem
normais, mas a depuração de BSP® pode ficar prolongada em alguns animais. O tempo de tromboplastina
parcial ativada e o tempo de protrombina em um estágio podem estar prolongados. AST e SDH podem
permanecer normais ou ficarem aumentadas. Aumento na creatinina, isostenúria e acidose metabólica podem
ocorrer secundariamente a uma doença renal. Os valores de BUN e de creatinina tornam­se variáveis. A
anorexia pode levar à hipopotassemia. Os animais podem ficar neutropênicos, com aumento de neutrófilos
bastonetes. Há relato de pancreatite concomitante.
O aumento prolongado nas concentrações séricas de triglicerídios está associada ao acúmulo de lipídios no
fígado, nos rins, no miocárdio e na músculos esquelética, prejudicando a função desses órgãos. O fígado e os
rins tornam­se friáveis e morte pode resultar de uma ruptura hepática aguda.
Alpacas e lhamas podem desenvolver hiperlipemia e cetonúria nos estágios finais de gestação ou secundárias
a estados patológicos. Os sinais clínicos inespecíficos incluem letargia, anorexia e decúbito.
Hipertrigliceridemia, hipercolesterolemia, aumento na atividade de SDH, acidose metabólica, azotemia e
cetonúria podem ser observados. Pode­se desenvolver insuficiência renal secundária. Os camelídeos parecem
ser semelhantes aos equinos (hiperlipemia) e aos bovinos (cetose), em sua resposta a um desequilíbrio
energético grave no final da gestação. Lipidose hepática é a doença hepática mais comum encontrada em lhamas
e alpacas. Camelídeos de várias idades e necessidades energéticas são suscetíveis, e a patogênese é multifatorial.
Achados clínicos comuns incluem anorexia, perda de peso, altas concentrações de ácidos biliares, ácidos graxos
não esterificados, e β­hidroxibutirato, aumento de GGT e AST e hipoproteinemia.
Lesões: O fígado e os rins se apresentam, muitas vezes, pálidos, edemaciados e friáveis, com textura gordurosa.
Microscopicamente, ocorrem graus variados de deposição gordurosa dentro dos hepatócitos e do epitélio dos
ductos biliares. Os sinusoides hepáticos podem parecer comprimidos e anêmicos, com grave infiltração
gordurosa. As lesões macro e microscópicas do processo patológico primário podem predominar nos pôneis e
nos equinos.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico clínico baseia–se, muitas vezes, na anamnese, nos sinais clínicos e na observação
macroscópica de uma coloração branca a amarelada do plasma, em equídeos. Concentração plasmática ou sérica
de triglicerídios > 500 mg/dl confirma o diagnóstico. O colesterol também pode estar elevado, indicando
aumento de lipoproteínas. Ácidos graxos não esterificados, lipoproteínas de densidade muito baixa e β­
hidroxibutirato também podem estar elevados. As evidências laboratoriais de disfunção hepática sustentam o
diagnóstico.
TRATAMENTO: Correção da doença primária, fluidoterapia IV e suporte nutricional são fundamentais no
tratamento de hiperlipemia. O suporte nutricional reverte o equilíbrio energético negativo, aumenta a
concentração sérica de glicose, promove a liberação de insulina endógena e inibe a mobilização do tecido
adiposo periférico. Solução eletrolítica poliônica contendo glicose suplementar (50 g/h/450 kg) e potássio (20 a
40 mEq de cloreto de potássio/l) deve ser administrada, por via intravenosa, aos animais hipoglicêmicos e
hipopotassêmicos. A administração de glicose pode causar hiperglicemia refratária nos animais com resistência
à insulina. As concentrações de glicose, a função renal, débito urinário e as concentrações séricas eletrolíticas
devem ser monitorados rigorosamente. Fluidoterapia IV e glicose devem ser administradas, cuidadosamente, em
camelídeos com lipidose hepática, pois muitos já apresentam hipoproteinemia e a regulação de glicose em
camelídeos, muitas vezes, é desafiadora. Administração em bolus de fluidos IV em vez de infusão contínua
pode ser mais efetiva para manutenção da hidratação sem exacerbar a hipoproteinemia existente.
Prefere­se dieta enteral voluntária se o animal consume quantidade adequada de alimentos nutricionalmente
adequados; no entanto, muitos não o fazem. Preferem­se refeições frequentes, com dieta rica em carboidratos e
pobre em gorduras. Nos animais com um consumo inadequado, torna­se necessária a alimentação suplementar
por sonda. As formulações enterais ricas em calorias, no mercado disponíveis, proporcionam um adequado
suporte nutricional a curto prazo. Também se encontram disponíveis receitas caseiras com líquidos para
alimentação por sonda em equinos. Alimentações frequentes e em pequenas quantidades não necessárias para
preencher as exigências calóricas sem sobrecarga do trato gastrintestinal. Os animais devem ser observados após
cada alimentação quanto a sinais de desconforto abdominal. Peso corporal, consumo hídrico total e consistência
fecal devem ser monitorados, diariamente. Nos animais que sobrevivem, a hiperlipemia geralmente se resolve
em 5 a 10 dias, mas a alimentação enteral deve continuar até que o consumo alimentar voluntário seja adequado.
A suplementação nutricional enteral e o tratamento da doença primária, muitas vezes é bem­sucedida na
reversão da hiperlipemia em equinos miniatura e asininos, mas não nos pôneis.
Hiperlipemia, equino. Plasma lipêmico (direita). Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.

Para os equinos totalmente anoréticos, pode­se utilizar dieta parenteral. Deve­se preterir a porção lipídica da
solução. A glicemia deve ser monitorada 2 vezes/dia, para se assegurar que a euglicemia seja mantida e se evitar
uma hiperglicemia substancial (= mg/dl).
Em camelídeos, a dieta parenteral parcial com suplementação enteral pode ser utilizada para manutenção de
ingestão energética adequada e minimizar a mobilização adicional de gordura. Devido ao diferente metabolismo
dos camelídeos, os produtos da dieta parenteral devem conter quantidades de aminoácidos (relativos a calorias
não proteicas) mais altas que as formulações tradicionais utilizadas em outras espécies. As concentrações de
glicose devem ser cuidadosamente monitoradas, como nos animais que não assimilam de maneira satisfatória a
glicose exógena.
Recomenda­se administração de insulina exógena para o tratamento de hiperglicemia e hiperlipemia
iatrogênicas. A insulina diminui a mobilização do tecido adiposo periférico por estimulação da atividade da
lipoproteína lipase e pela inibição da atividade da lipase hormônio­sensível dos adipócitos. Ainda não se
estabeleceu bem a dose apropriada de insulina a ser utilizada nos equinos. Quando se utiliza insulina, deve­se
monitorar, com rigor, a resposta à terapia e ajustar a dose de insulina de acordo com a necessidade. A
administração de insulina pode falhar em abaixar os triglicerídios séricos ou as concentrações de glicose nos
animais hiperlipêmicos, na presença de um estado resistente à insulina. A insulinoterapia não está bem
documentada em camelídeos, mas foi efetiva no tratamento de lhamas com lipidose hepática.
A heparina é utilizada no tratamento de hiperlipemia, porque promove a utilização periférica de triglicerídios
e potencializa a lipogênese por intermédio da estimulação da atividade da lipoproteína lipase. A heparina pode
ser administrada por via intravenosa ou SC, com dosagens recomendadas de 40 a 100 UI/kg, 2 vezes/dia. O uso
da heparina é questionável em animais comprometidos com aumento na produção hepática de triglicerídios e
nenhum prejuízo na sua remoção periférica. A administração de heparina pode potencializar as complicações
hemorrágicas e é contraindicada para animais com coagulopatias decorrentes de disfunção hepática.
Indica­se suplementação nutricional para evitar hiperlipemia nos equinos miniaturas e asininos, pôneis,
equinos e camelídeos com doença sistêmica associada à hipofagia e altas demandas metabólicas.
PROGNÓSTICO: Os parâmetros bioquímicos clínicos não são indicadores prognósticos úteis de sobrevivência em
pôneis com hiperlipemia. A morte decorrente de hiperlipemia é rara em raças miniaturas. Na maioria dos casos,
a sobrevivência depende da capacidade de se tratar a doença primária de forma bem sucedida. O prognóstico é,
muitas vezes, pobre para pôneis, equinos de tamanho padrão e camelídeos.

NEOPLASIA HEPÁTICA

Os tumores hepáticos primários são incomuns em equinos e ruminantes. Incluem carcinoma hepatocelular,
colangiocarcinoma e, raramente, linfoma, hepatoblastoma (potros, equinos jovens e crias de alpacas) e
hamartoma misto. O colangiocarcinoma é o mais comum e principalmente encontrado em equinos de meia­
idade ou mais velhos. Os carcinomas hepáticos surgem a partir dos hepatócitos, ductos biliares ou de
metástases. Os carcinomas hepatocelulares, geralmente, são encontrados nos equinos de 1 ano até adultos
jovens e também já foram descritos em lhamas e caprinos. Os adenomas ou os adenocarcinomas hepáticos
foram descritos nos bovinos. O fibrossarcoma hepático e o carcinoma de ducto biliar com metástase nos
pulmões foram relatados nos caprinos. Eritrocitose, extensas áreas de hematopoese extramedular e metástases
na cavidade torácica foram descritas em equinos com hepatoblastoma.
O linfossarcoma corresponde à neoplasia mais comum do sistema hematopoético dos equinos. Cerca de 37%
dos equinos com linfossarcoma possuem envolvimento neoplásico esplênico, e 41%, envolvimento neoplásico
hepático. Já se descreveu metástase de linfossarcoma hepático em bovinos, lhamas, alpacas e caprinos.
Os achados clínicos predominantes em casos de carcinoma hepático são letargia e perda de peso. Também
pode haver aumento progressivo do abdome, eritrocitose, hipoglicemia persistente, icterícia e insuficiência
hepática. O colangiocarcinoma causa perda de peso acentuada antes do início da insuficiência hepática. As
enzimas hepatocelulares e biliares podem aumentar nos casos de carcinoma hepático ou de colangiocarcinoma.
A atividade sérica de GGT, nos equinos acometidos, costuma ficar bastante alta. Os carcinomas hepatocelulares
são caracteristicamente uniformes em sua aparência, no exame ultrassonográfico.
As manifestações clínicas de linfossarcoma nos equinos são variáveis. No início da doença, observam­se
sinais inespecíficos, tais como perda de peso, anorexia e letargia. O linfoma pode, ocasionalmente, infiltrar­se
difusamente no fígado e provocar sinais de insuficiência hepática, icterícia e depressão grave. Os achados
laboratoriais incluem hipoglicemia, aumentos leves a moderados nas enzimas hepáticas, hiperbilirrubinemia e
concentrações anormalmente baixas de IgM. O exame ultrassonográfico ajuda a detectar neoplasias esplênicas e
hepáticas. Nos ruminantes, os sinais decorrentes do crescimento tumoral em outros órgãos (linfonodos,
abomaso, coração, útero, medula espinal) são, muitas vezes, mais predominantes.
A presença e o tipo da neoplasia hepática podem ser confirmados por uma biopsia hepática e exame
microscópico do tecido. Podem­se observar linfócitos atípicos ou linfoblastos no fluido peritoneal e no sangue
periférico de alguns animais acometidos. Aumento na concentração sérica de a­fetoproteína pode sustentar o
diagnóstico de hepatoblastoma; contudo, não é conclusivo, pois concentrações mais elevadas também podem
ser observadas no carcinoma hepatocelular.

SÍNDROMES HIPERBILIRRUBINÊMICAS
Síndrome de Dubin-Johnson

A síndrome de Dubin­Johnson é observada esporadicamente em pessoas e em ovinos da raça Corriedale. Trata­


se de uma falha da bilirrubina conjugada em adentrar os canalículos biliares. A excreção de bilirrubina e de
outros ânions orgânicos conjugados pode se tornar prejudicada. Os ovinos podem ficar ictéricos ou mostrar
hiperbilirrubinemia. Nos ovinos corriedale acometidos, as concentrações séricas de bilirrubina conjugada e não
conjugada aumentam, podendo a depuração de BSP® e a excreção de ácidos biliares ficarem atrasadas.
Histologicamente, os hepatócitos contêm um pigmento escuro semelhante à melanina.

Síndrome de Gilbert

A síndrome de Gilbert trata­se de uma hiperbilirrubinemia congênita observada em humanos, herdada como um
gene autossômico dominante, e em ovinos da raça Southdown. Compreende uma hiperbilirrubinemia não
conjugada, com meia­vida eritrocitária normal. Suspeita­se de um defeito nas proteínas transportadoras ou na
enzima de conjugação. Ovinos da raça Southdown acometidos apresentam aumento das concentrações
plasmáticas de bilirrubina conjugada e não conjugada. A depuração hepática da bilirrubina é incompleta e os
ovinos comprometidos não conseguem excretar a BSP® na bile. A icterícia é variável. Não há lesão
histopatológica, exceto pigmento nos hepatócitos.

DOENÇAS HEPÁTICAS DIVERSAS

Amiloidose Hepática

A amiloidose refere­se a uma doença caracterizada pelo depósito extracelular de amiloide, uma substância
fibrilar proteinácea, no tecido. O depósito de amiloide dentro de um órgão distorce a arquitetura normal do
tecido e, possivelmente, sua função. Nos equinos, o fígado e o baço são os órgãos mais comumente acometidos
pela amiloidose sistêmica. Amiloidose sistêmica reativa ou secundária com deposição de fibrilas de amiloide A
(AA) no fígado foi associada a parasitismo grave e infecção ou inflamação crônicas em equinos.

Atresia Biliar

Atresia biliar (extra­hepática) foi descrita em potros e em um cordeiro neonato. Com 1 mês de idade, os potros
acometidos apresentaram anorexia, depressão, letargia, crescimento deficiente, cólica, polidipsia, poliúria,
pirexia e icterícia. GGT e bilirrubina séricas notadamente aumentadas e SDH levemente elevada sustentaram o
diagnóstico de obstrução biliar. O diagnóstico de atresia biliar foi confirmado durante a necropsia.

Atrofia do Lobo Hepático Direito em Equinos

O lobo direito do fígado dos equinos corresponde ao maior lobo nos animais jovens, mas com frequência sofre
atrofia nos animais idosos e se torna fibroso. A atrofia do lobo hepático direito era, antigamente, considerada
um achado post­mortem acidental, mas alguns autores a consideram uma condição patológica.
Tem­se proposto que a atrofia do lobo hepático direito resulta de compressão crônica nessa porção hepática
pelo cólon dorsal direito e base do ceco. Alimentar os equinos com dietas ricas em concentrado e pobres em
fibras pode contribuir para atonia do cólon dorsal direito, com consequente distensão; essa distensão comprime
o lobo hepático direito contra a superfície visceral do diafragma. Embora não ocorra nenhuma evidência
morfológica de prejuízo vascular direto no lobo hepático direito, um comprometimento vascular pode se dar
secundariamente à compressão. Em caso de cronicidade, prejudica­se a circulação portal para o lobo direito,
resultando em anoxia hepática, privação de nutrientes e atrofia gradual do lobo direito hepático. Nenhuma
evidência de doença do trato biliar foi notada. Cólica pode ser observada. Alguns equinos podem apresentar
sinais não relacionados com o trato gastrintestinal.

Colangite

Doenças da vesícula biliar são raras em ruminantes. A obstrução pode estar associada à fasciolose hepática,
corpos estranhos, abscessos, neoplasia, colecistite supurativa ou necrose da gordura abdominal. Ruptura da
vesícula biliar foi relatada em uma vaca. Colangite (inflamação do sistema biliar) foi descrita em equinos com
hepatite crônica ativa. Alterações comportamentais discretas, perda de peso, cólica variada, icterícia e alterações
nas enzimas hepáticas podem ser observadas em equinos acometidos. O tratamento consiste no uso prolongado
de antimicrobianos e terapia de suporte, quando indicada.

Fibrose Hepática Congênita

Um estudo retrospectivo de arquivos da Universidade de Berne, Instituto de Patologia Animal, identificou 30


potros freiberger suíços com lesões patológicas compatíveis com fibrose hepática congênita. Os potros
acometidos apresentavam de 1 a 12 meses de idade (média de 3,7 meses). A maioria mostrava sinais e
alterações clinicopatológicas refletindo lesão hepático grave. Análises dos pedigrees demonstraram a afecção
voltada a um garanhão. Os resultados sugeriram que a fibrose hepática congênita em equinos freiberger suíços
está recessivamente relacionada com um defeito genético autossômico. Uma condição semelhante foi relatada
em um bezerro.

Hemocromatose

A hemocromatose é uma doença de armazenamento de ferro, na qual se deposita hemossiderina nas células
parenquimais, causando lesões e disfunção ao fígado e em outros tecidos. A doença é tanto primária (idiopática)
quanto secundária. É descrita no homem, nos mainás, nos bovinos da raça Salers e nos equinos.
ETIOLOGIA: Nos bovinos da raça Saler, a afecção parece ser uma condição de homozigose recessiva com
absorção intestinal de ferro inadequada, armazenamento hepático excessivo e perda eventual da função hepática.
Nos equinos, não há evidência de tendência familiar ou de excesso de ferro consumido na dieta.
Preferivelmente, parece haver cirrose hepática com sobrecarga de ferro secundária. Em ambos, equinos e
bovinos, o ferro em excesso deposita­se no fígado.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Nos equinos, os sinais clínicos principais englobam perda de peso, letargia e
anorexia intermitente. Nos bovinos, os sinais são diminuição no ganho de peso, má condição corporal, pelame
opaco e diarreia. Em ambas as espécies, as enzimas hepáticas estão elevadas, inclusive GGT, fosfatase alcalina,
AST e SDH. As concentrações séricas de ácidos biliares totais aumentam nos equinos e a concentração sérica de
ferro, a capacidade de conjugação de ferro total (CCFT) e a saturação porcentual da CCFT permanecem, em
geral, normais. Em alguns casos, ferro e ferritina séricos podem estar aumentados, mas a CCFT não está
saturada. Nos bovinos, o ferro sérico total, a CCFT e a saturação de transferrina aumentam. O teor de ferro no
tecido hepático aumenta demasiadamente nos equinos (normal de 100 a 300 ppm) e nos bovinos (normal de 84
a 100 ppm). Hepatomegalia e acúmulo de hemossiderina no fígado, nos linfonodos, pâncreas, baço, tireoide,
rins, cérebro e tecido glandular estão tipicamente presentes.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico baseia­se na anamnese, sinais clínicos e achados laboratoriais. O achado de
hemossiderina abundante nos hepatócitos, no exame histopatológico de uma biopsia hepática, sustenta o
diagnóstico. Altas concentrações de ferro no tecido hepático em animais sem histórico de excessivo consumo de
ferro ajudam a confirmar o diagnóstico. Os diagnósticos diferenciais incluem intoxicação por ferro decorrente
de fontes exógenas e doenças que causam perda de peso crônica e disfunção ou doença hepática.
TRATAMENTO: As flebotomias para remover sangue e reduzir os depósitos de ferro são utilizadas no tratamento
de pessoas com hemocromatose. Tratamento semelhante em equinos e bovinos não foi efetivo. A deferoxamina
também é empregada em pessoas para induzir equilíbrio iônico negativo e reduzir a velocidade na qual o ferro
se acumula. Ainda não se avaliou o seu efeito em bovinos e equinos.

Hiperamonemia em Potros da Raça Morgan Desmamados

Uma síndrome de depressão, deficiência no desenvolvimento e de hiperamonemia, com grau variado de


envolvimento hepático é descrita em potros da raça Morgan. Têm­se descrito potros acometidos, mas a causa da
síndrome é indeterminada. Os sinais clínicos são, em geral, observados pela primeira vez próximo ao desmame.
A encefalopatia pode melhorar, temporariamente, mas recidiva após a interrupção do tratamento. As enzimas
hepáticas e as concentrações de amônia aumentam. A concentração de bilirrubina permanece, habitualmente,
normal. Lesões hepáticas incluem fibrose portal e septal, hiperplasia do ducto biliar, cardiomegalia e
citomegalia. A doença é fatal.

Hiperamonemia Primária em Equinos Adultos

Nesta síndrome de hiperamonemia, notam­se cegueira e sinais neurológicos graves em equinos adultos. A
etiologia é desconhecida, mas suspeita­se de um problema intestinal primário acompanhado de
supercrescimento de bactérias produtoras de urease no intestino.
A síndrome quase sempre está associada a enteropatia, diarreia ou cólica. Diarreia e, em alguns casos,
enteropatia perdedora de proteína podem persistir por vários dias. Na maioria das vezes, diarreia ou cólica
precedem os sinais neurológicos em 24 a 48 h. As anormalidades laboratoriais incluem aumento nas
concentrações sanguíneos de amônia (200 a 400 μm/l, acidose metabólica grave, baixa concentração plasmática
de bicarbonato (= 12 mEq/l) e hiperglicemia profunda (250 a 400 mg/dl). As concentrações séricas de enzimas
hepáticas, de ácidos biliares totais e de bilirrubina permanecem normais.
Na maioria dos equinos, os sinais neurológicos resolvem­se dentro de 2 a 3 dias com um tratamento de
suporte (fluidoterapia IV, cloreto de potássio, glicose e bicarbonato de sódio) e administração de drogas para
reduzir a absorção de amônia (lactulose, neomicina).
Insuficiência Hepática em Potros

A insuficiência hepática em potros neonatos pode ser decorrente de sepse (especialmente causada por
Actinobacillus equuli), endotoxemia, asfixia perinatal, infecção por Leptospira pomona, herpesvírus equino tipo
1, obstrução do ducto hepático secundária a obstrução gastroduodenal, atresia biliar e intoxicação por ferro.
Úlceras gástricas e duodenite em potros podem causar estenoses duodenais e subsequente colangioepatite por
estase biliar. A isoeritrólise neonatal e hemólise podem causar hepatopatia por hipoxia e por colestase. A
administração de dieta parenteral total pode causar colestase e hepatopatia concomitante.

Shunt (Desvio) Portossistêmico

Shunt portossistêmico é observado em potros e bezerros. Hiperamonemia e sinais neurológicos resultam de


disfunção hepática com poucas evidências laboratoriais ou microscópicas de hepatopatia.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sinais clínicos são vistos pela primeira vez quando os potros acometidos
apresentam cerca de 2 meses de idade e começam a ingerir grandes quantidades de grãos e forragem. Os sinais
neurológicos incluem andar cambaleante e errante, cegueira, andar em círculos e convulsões. Crescimento
deficiente e sinais neurológicos intermitentes (ataxia, fraqueza, depressão, bruxismo e tenesmo) foram relatados
em bezerros com 2 a 3 meses de idade. As concentrações séricas de enzimas hepáticas costumam permanecer
normais. As concentrações de amônia e de ácidos biliares totais aumentam e a depuração de BSP® fica
prolongada.
O fígado encontra­se, muitas vezes, pequeno, com superfície lisa, coloração e consistência normais.
Microscopicamente, os hepatócitos se apresentam pequenos. As veias portas nas tríades portais podem ser
pequenas ou ausentes. As artérias hepáticas se tornam proeminentes e múltiplas.
DIAGNÓSTICO: Deve­se suspeitar de shunt portossistêmico em potros ou bezerros que exibam episódios
repetidos de sinais cerebrais sem razões óbvias. Os sinais clínicos podem ser mais acentuados e estão associados
à alimentação. Cateterização da veia mesentérica e realização de portograma ou de cintigrafia nuclear pode
confirmar o local do shunt. Em alguns casos, o desvio pode ser notado durante o exame ultrassonográfico do
fígado.
TRATAMENTO: A correção cirúrgica pode ser realizada em animais nos quais o local do shunt possa ser
identificado, mas o prognóstico é reservado. Em alguns potros, os sinais clínicos podem ser controlados por
meio de restrição do consumo proteico e de cuidadoso manejo dietético. Pode–se administrar, oralmente,
neomicina ou lactulose para diminuir a produção de amônia dentro do intestino. Terapia de suporte com fluidos
poliônicos, potássio e dextrose pode ser necessária para auxiliar a diminuir os sinais neurológicos.

Torção do Lobo Hepático

A torção do lobo hepático pode causar cólica nos equinos. As enzimas hepáticas e o fibrinogênio aumentam,
mas a análise do fluido abdominal torna­se variável. Bactérias, inclusive Clostridium spp, podem ser
encontradas na porção necrótica do fígado. Uma celiotomia exploratória pode ser necessária para o diagnóstico.

DOENÇAS DA CAVIDADE BUCAL EM GRANDES ANIMAIS

Estomatite

Estomatite é um sinal clínico de muitas doenças, em grandes animais. Traumatismo bucal ou contato com
produtos químicos irritantes (p. ex., equinos que lambem os membros após contato com substâncias cáusticas)
pode resultar em estomatite transitória. Lesão traumática por ingestão de haste de cevada, capim rabo­de­raposa,
capim porco­espinho e capim lanciforme, bem como ingestão de plantas infestadas com taturanas, também
provocam estomatite em equinos e bovinos.
Geralmente, os sinais clínicos associados à estomatite ativa aguda incluem ptialismo, disfagia ou relutância à
realização do exame bucal. O animal deve ser sedado para facilitar a inspeção da cavidade bucal, a qual deve ser
examinada, cuidadosamente, com um espéculo e uma fonte de luz. As úlceras devem ser inspecionadas e
palpadas para verificar se há corpo estranho (p. ex., capim). Se a causa é a ingestão de material estranho, a
alteração da qualidade e da quantidade do feno ou a remoção do animal de um pasto com capim pode resultar
em recuperação.
Os diagnósticos diferenciais incluem actinobacilose, febre aftosa, febre catarral maligna e diarreia viral
bovina. As doenças epidêmicas, como doença da língua azul em ruminantes, doença vesicular suína e estomatite
vesicular nos equinos, precisam ser diferenciadas das outras formas agudas de estomatite não infecciosa ou
contagiosa.

Estomatite Papilar

Papilomas virais são notados ao redor dos lábios e da boca em animais jovens, especialmente em bovinos com 1
mês a 2 anos de idade. Em alguns rebanhos, a taxa de prevalência pode ser de 100%. As lesões são tipicamente
esbranquiçadas ou róseas, elevadas e de aspecto proliferativo. A maioria dos papilomas se cura
espontaneamente. No entanto, em alguns casos, as lesões podem se unir e formar massas esteticamente
desagradáveis e os proprietários podem requisitar seu tratamento.
A excisão cirúrgica de massas maiores pode ser cosmeticamente aceitável; ademais, reduz o tempo de
recuperação. Lesões pequenas também podem ser desbridadas ou curetadas manualmente para estimular o
sistema imune. Outras modalidades terapêuticas, incluindo criocirurgia e uso de vacinas autógenas, podem ser
efetivas. A maioria dos papilomas desaparece ao longo do tempo.

Glossoplegia (Paralisia da Língua)

A glossoplegia ou paralisia da língua é rara. Em equinos, as causas incluem posicionamento incorreto das pinças
obstétricas em neonatos durante parto distócico, estrangulamento, infecções do trato respiratório inferior,
meningite, botulismo, encefalomielite, leucoencefalomalácia, encefalomielite protozoária equina e abscessos
cerebrais. Qualquer enfermidade que lesione o nervo hipoglosso (XII nervo craniano), que é o principal nervo
motor dos músculos da língua, pode ocasionar glossoplegia. Os neonatos com glossoplegia precisam ser
monitorados cuidadosamente para assegurar que sejam capazes de se alimentar. Caso necessário, em potros
acometidos deve­se introduzir uma sonda nasogástrica para administração de colostro ou aplicação IV de
plasma para evitar falha na imunidade passiva. Os potros incapazes de manter a hidratação podem necessitar
fluidoterapia IV e medicação anti­inflamatória (p. ex., fenilbutazona, flunixino meglumina ou dexametasona). A
profilaxia contra úlcera gástrica também é indicada. Se a enfermidade persiste > 10 dias após o nascimento, o
prognóstico quanto à recuperação da função normal é reservado. Doenças inflamatórias e traumatismos também
podem resultar em glossoplegia transitória. Ocasionalmente, os equinos submetidos a procedimentos dentários
prolongados envolvendo tração excessiva da língua podem predispor à glossoplegia temporária. O prognóstico
de glossoplegia depende da resposta do animal ao tratamento da doença primária.

Estomatite papilar bovina. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.


Nos bovinos, a glossoplegia pode acompanhar actinobacilose grave (p. 628). Pode ocorrer paralisia total da
língua acompanhada de necrose da ponta da língua. Tais enfermidades são ocasionalmente observadas em surtos
em lotes de bovinos de engorda e podem ser decorrências de estomatite viral primária.

Intoxicação por Eslaframina

Esta intoxicação é causada pela ingestão de forragens, principalmente de trevo, infectadas pelo fungo
Rhizoctonia leguminicola, que produz o alcaloide tóxico eslaframina. Geralmente, o único sinal clínico é
ptialismo abundante. Os animais acometidos não manifestam evidência de úlcera ou de outras lesões bucais. Há
resolução do ptialismo quando o animal é afastado das forragens envolvidas. Os diagnósticos diferenciais em
grandes animais (em especial nos ruminantes) incluem doença da língua azul, estomatite vesicular, exantema
vesicular e febre aftosa.

Lacerações Labiais

Ferimentos nos lábios e nas bochechas são frequentes em equinos. As causas mais comuns são trauma externo
ou secundário ao uso de freios ou dispositivos de contenção. As lacerações labiais podem ser acompanhadas de
fraturas ósseas na região dos dentes incisivos ou mandíbula, com ou sem fraturas e avulsões dentárias. Isso
ocorre quando um equino apanha um objeto com a boca e puxa para trás quando se assustam. As lacerações
labiais sem envolvimento ósseo ou dentário podem ser suturadas e, geralmente, com bom resultado. Devido à
vascularização da região, a cicatrização é rápida. As lacerações que cicatrizam por segunda intenção podem
resultar em fístula orocutânea, que pode necessitar ressecção ou sutura da ferida primária. Raramente, pode ser
necessário enxerto cutâneo ou mucoso para tratar fístula orocutânea.

Neoplasias

Neoplasias bucais e labiais, além de papilomas virais, são incomuns e incluem melanomas, sarcoides e
carcinoma de célula escamosa. Equino tordilho pode desenvolver melanoma, os quais podem se infiltrar nas
comissuras bucais e originar placas tumorais rígidas e espessas que podem não ser detectadas até se encontrem
em estágio bem avançado. As formas verrucosas, fibroblásticas e sésseis ou planas do sarcoide equino podem
acometer a cavidade bucal e os lábios.
Deve­se empregar laser com dióxido de carbono para remover melanomas de cavidade bucal e lábios. Não é
necessária a remoção completa dos melanomas bucais ou labiais para uma recuperação bem­sucedida. Além
disso, alguns equinos podem responder à terapia oral com cimetidina. A excisão cirúrgica de sarcoides pode ser
realizada com sucesso utilizando­se laser com dióxido de carbono. Além da ressecção com laser, pode–se
administrar cisplatina intratumoral para reduzir o risco de recidiva. Criocirurgia é outra modalidade terapêutica
aceita. O carcinoma de célula escamosa pode ser de difícil tratamento devido ao seu caráter invasivo. A
remoção cirúrgica com laser com dióxido de carbono, seguida da aplicação intratumoral de cisplatina, pode ser
efetiva em alguns casos. Independente do tratamento, o prognóstico quanto à resolução completa do carcinoma
de célula escamosa bucal é de reservado a ruim (ver p. 926).

DOENÇAS DO ABOMASO EM GRANDES ANIMAIS

As doenças do abomaso incluem deslocamento do abomaso à esquerda (DAE), deslocamento do abomaso à


direita (DAD), vólvulo do abomaso (VA), úlcera e impactação. Deslocamento e vólvulo ocorrem comumente
em vacas leiteiras, mas também em bezerros e touros de raças leiteiras. Ao contrário de VA, o deslocamento do
abomaso é raro em bovinos de corte e praticamente não é diagnosticado em pequenos ruminantes. As úlceras
são observadas em bovinos de leite e de corte e em bezerros e cordeiros; raramente são notadas em pequenos
ruminantes. A impactação pode ser primária, mais frequente em bovinos de corte, ou secundária, mais comum
em vacas leiteiras, como forma de indigestão vagal. Em alguns ovinos de cara preta, a causa da impactação
pode ser hereditária.

DESLOCAMENTO DO ABOMASO À ESQUERDA OU À DIREITA E VÓLVULO DE ABOMASO

Como o abomaso é sustentado frouxamente pelos omentos maior e menor, ele pode se deslocar de sua posição
normal, na parte ventral direita abdominal, para o lado esquerdo ou direito (DAE ou DAD) ou pode girar em seu
eixo mesentérico durante o deslocamento à direita ou lateralmente ao fígado (VA). O abomaso pode se desviar
de sua posição normal, deslocando­se para à esquerda ou à direita, em um período relativamente curto. O VA
pode se desenvolver rápida ou lentamente, a partir de um DAD não corrigido.
ETIOLOGIA: Embora DAE, DAD e VA (também denominado torção direita do abomaso) sejam frequentemente
considerados separadamente, há evidência de etiologia comum; podem ser manifestações diferentes da mesma
doença ou um quadro clínico semelhante.
A etiologia é multifatorial, mas acredita–se que a hipomotilidade do abomaso e a disfunção do sistema
nervoso intrínseco tenham participação importante no desenvolvimento de deslocamento ou vólvulo. Os fatores
contribuintes importantes incluem hipomotilidade do abomaso associada à hipocalcemia e doenças
concomitantes (mastite, metrite) associadas à endotoxemia e redução do preenchimento ruminal, alterações na
posição dos órgãos intra­abdominais no periparto e predisposição genética, particularmente em vacas robustas.
A predisposição genética está relacionada com a produção de leite, indicando que as técnicas atuais de seleção
para produção leiteira aumentam a prevalência de deslocamento de abomaso. A hipomotilidade também está
relacionada com o consumo de dieta com alto teor de concentrado e baixa quantidade de volumoso, que reduz a
motilidade do abomaso por um mecanismo pouco conhecido, que pode envolver hiperinsulinemia ou aumento
da concentração de ácidos graxos voláteis. Além disso, dieta rica em concentrado provoca aumento linear da
produção gasosa (predominantemente dióxido de carbono, metano e nitrogênio). Dessa forma, cetose clínica e
subclínica aumentam o risco de deslocamento do abomaso por um mecanismo não conhecido, que pode estar
associado à redução do preenchimento ruminal.
Cerca de 80% dos casos de deslocamento ocorrem um mês após o parto; no entanto, podem ocorrer em
qualquer momento. DAE é muito mais comum do que DAD (30:1); casos de VA são também mais comuns do
que DAD (10 DAE para 1 VA). VA é precedido de DAD.
PATOGÊNESE: No DAE, em razão da hipomotilidade do abomaso e da produção de gases, o abomaso
parcialmente distendido com gás se desloca dorsalmente, ao longo da parede abdominal esquerda, lateral ao
rúmen. O fundo e a curvatura maior do abomaso se deslocam primeiramente que, por sua vez, causa
deslocamento de piloro e duodeno. Omaso, retículo e fígado também giram em graus variáveis. A obstrução do
abomaso é parcial e embora o segmento contenha gás ou líquido, alguma quantidade de ingesta pode sair e a
distensão raramente é grave. Pelo fato de haver interferência mínima no suprimento sanguíneo, exceto quando
há distensão gasosa acentuada, os efeitos do deslocamento se devem apenas à interferência na digestão e na
passagem do alimento, o que causa diminuição do apetite e desidratação.
Alcalose metabólica discreta com hipocloremia e hipopotassemia é comum. Alcalose metabólica
hipoclorêmica ocorre devido à hipomotilidade do abomaso, secreção contínua de ácido clorídrico no interior do
abomaso e obstrução parcial do fluxo do abomaso, com sequestro de cloreto no abomaso e refluxo ao rúmen.
Ocorre hipopotassemia devido à ingestão diminuída de alimentos ricos em potássio, sequestro de potássio no
abomaso e desidratação. Cetose secundária é comum e pode ser complicada pelo desenvolvimento de esteatose
hepática (lipidose hepática; p. 1090).
A) Topografia normal dos órgãos do abdome esquerdo, em vaca. B) Deslocamento do abomaso à esquerda. Ilustração do Dr. Gheorghe
Constantinescu. Adaptado, com autorização, de DeLahunta e Habel, Anatomia Veterinária Aplicada, W.B. Saunders, 1986.

No DAD, notam­se hipomotilidade, produção de gases e deslocamento do abomaso parcialmente preenchido


com gás, como acontece no DAE. Também, instala­se discreta alcalose metabólica hipoclorêmica e
hipopotassêmica. Após essa fase de dilatação, a rotação do abomaso em seu eixo mesentérico resulta em
vólvulo, prejuízo à circulação e isquemia local (obstrução estrangulante hemorrágica). Geralmente, o vólvulo
ocorre em sentido anti­horário, quando o animal é visto por trás e pelo lado direito. O omaso desloca­se
medialmente e pode estar envolvido no desenvolvimento de vólvulo, com obstrução do suprimento sanguíneo
(denominado vólvulo omaso­abomasal) e deslocamento de fígado e retículo. Em casos raros, o retículo pode
estar envolvido (denomina­se vólvulo retículo­omaso­abomasal). Há acúmulo de grande quantidade de líquido
com alto teor de cloro (até 50 L) no abomaso e instala­se alcalose metabólica hipopotassêmica e hipoclorêmica.
O suprimento sanguíneo ao abomaso é comprometido, assim como ao duodeno proximal e ao omaso; por fim,
resulta em necrose isquêmica do abomaso, bem como desidratação e insuficiência circulatória. À medida que a
enfermidade progride, a acidose metabólica devido à elevada concentração sanguínea de L­lactato e a azotemia
se sobrepõem à alcalose metabólica preexistente.
ACHADOS CLÍNICOS: O histórico típico de deslocamento inclui anorexia (mais comum a falta de apetite por
grãos com apetite diminuído ou até normal para volumoso) e diminuição na produção leite (em geral
significativa, mas não tão drástica quanto na reticuloperitonite traumática ou em outras causas de peritonite). No
VA nota­se anorexia, redução progressiva marcante da produção de leite e rápido agravamento do quadro
clínico. No deslocamento de abomaso, geralmente a temperatura e as frequências cardíaca e respiratória são
normais. A parte posterior do gradil costal, no lado do deslocamento, pode parecer “saltada”. No deslocamento
a hidratação parece subjetivamente normal, exceto em alguns casos crônicos. A motilidade ruminal pode
permanecer normal, mas geralmente há redução na frequência e na força de contração. A quantidade de fezes
diminui e são mais líquidas que o normal.
O achado físico diagnóstico mais importante é um som de “ping” na auscultação e percussão simultâneas do
abdome, que devem ser realizadas na área delimitada por uma linha que une a tuberosidade isquiática ao
cotovelo e deste em direção ao joelho. O “ping” característico de DAE localiza­se com maior frequência na área
entre a 9a e a 13a costela, no terço médio a superior abdominal esquerdo; no entanto, esse “ping” pode ser mais
ventral ou mais caudal, ou ambos. O “ping” associado a acúmulo de gás no rúmen geralmente é mais dorsal,
menos ressonante e se estende mais caudalmente à fossa paralombar esquerda. A palpação retal pode confirmar
a presença de rúmen preenchido por gás ou extremamente vazio, que está relacionado com o “ping” ruminal,
nesses casos. Os “pings” associados a pneumoperitônio são menos ressonantes, são notados em ambos os lados
do abdome e sua localização é variável em repetidas avaliações. Frequentemente, desenvolve­se cetose
secundária e nota­se cetona na urina e no leite. Cetose associada a deslocamento do abomaso responde apenas
transitoriamente ao tratamento e ocorre recidiva (diferentemente da cetose primária, que se desenvolve no início
da lactação em vacas de alta produção e a resposta à terapia é permanente, se instituída precocemente) (ver
cetose, p. 1075).
O “ping” associado a DAD também se localiza mais comumente na área entre a 10a e a 13a costela. Em
alguns casos, a diferenciação entre as várias causas de “ping” no lado direito é difícil, embora um som de “ping”
cranial à 10a costela geralmente indica VA devido ao deslocamento do fígado medialmente pelo órgão
distendido. Um “ping” discreto no lado direito subjacente à 12a ou 13a costela e que se estende para frente, até a
10a costela, é comum nas vacas com íleo funcional, decorrente de várias causas. Este “ping” geralmente está
mais associado à presença de gás no cólon ascendente e se resolve com a correção da doença primária.
Dilatação e rotação de ceco caracterizam­se por um “ping” no lado direito. Este som estende­se pela fossa
paralombar dorsal, no caso de dilatação cecal e geralmente localiza­se mais caudalmente (exatamente na fossa
paralombar), no caso de rotação do ceco, em comparação com o “ping” notado no DAD. Palpação retal é útil na
diferenciação entre DAD e dilatação ou rotação do ceco. Outros sons no lado direito são produzidos por
pneumoperitônio ou gás no reto, cólon descendente, duodeno ou útero.
É possível ouvir ruídos de movimentação de líquidos ou ruído metálico de gases, espontâneos, à auscultação
da área do “ping” ou com balotamento e auscultação simultâneos do abdome (sucussão). Na palpação retal, os
achados característicos de DAE incluem deslocamento medial do rúmen e do rim esquerdo. Raramente o
abomaso é palpável no DAE e apenas ocasionalmente no DAD.
Os sinais clínicos associados a vólvulo do abomaso são mais graves do que os associados a deslocamento
simples, em razão do comprometimento vascular. No entanto, pode ser difícil diferenciar vólvulo do abomaso
inicial de um DAD, exceto pela presença de um “ping” do lado direito, cranial à 10a costela (indicando
deslocamento medial do fígado por vólvulo do abomaso) e posição anatômica verificada em uma cirurgia. Ao
contrário dos casos de deslocamento, um animal com VA apresenta taquicardia proporcional à gravidade da
enfermidade. A área de “ping” geralmente é maior (estende­se para frente, até a 8a costela) e a quantidade de
líquido notado pela aplicação de sucussão é maior. O animal fica mais deprimido e se desenvolvem sinais de
fraqueza, toxemia e desidratação, à medida que a doença progride. A extensão caudal do abomaso geralmente
encontra­se palpável por VR. Sem terapia, o animal geralmente deita dentro de 48 a 72 h após o
desenvolvimento do vólvulo. A morte ocorre por choque e desidratação, sendo súbita se o abomaso isquêmico
se rompe.
DIAGNÓSTICO: No deslocamento ou vólvulo, o diagnóstico baseia­se na constatação de “ping” característico à
auscultação e percussão simultâneas e na exclusão de outras causas desses sons no lado esquerdo ou direito.
Ultrassonografia pode ser útil para confirmar o diagnóstico de DAE, DAD ou VA, mas não permite diferenciar
seguramente DAD de VA. Parto recente, anorexia parcial e diminuição da produção de leite sugerem
deslocamento. Cetose, que responde apenas temporariamente ao tratamento, é compatível com deslocamento de
abomaso, que pode ser intermitente. Os sintomas típicos notados no exame físico (além do “ping”), palpação
retal e avaliação laboratorial também sustentam o diagnóstico. Melena ou sinais de peritonite (p. ex., febre,
taquicardia, dor abdominal localizada e pneumoperitônio) com DAE podem indicar sangramento ou úlcera de
abomaso perfurada, respectivamente.
TRATAMENTO: Podem­se utilizar técnicas fechadas (percutâneas) e abertas (cirúrgicas) para corrigir os
deslocamentos. Rolar a vaca em um arco de 70° após deitá­la com o lado direito para baixo corrige a maioria
dos DAE; no entanto, recidiva é muito provável. DAE pode ser corrigido cirurgicamente utilizando­se
omentopexia pilórica no flanco direito, abomasopexia paramediana direita, abomasopexia paralombar esquerda,
laparoscopia paramediana nos flancos esquerdo e direito associadas (procedimento em dois momentos) ou
laparoscopia no flanco esquerdo (procedimento em um momento). As técnicas de sutura às cegas (técnica de
fixação toggle pin ou de “agulha comprida” [laço de fio cego]) realizadas na região paramediana direita, são
métodos percutâneos de correção de DAE; entretanto, não se sabe onde é a localização exata da sutura. Podem
ocorrer complicações potencialmente fatais após a técnica de sutura às cegas e a taxa de sucesso relatada é
menor do que a da correção cirúrgica por omentopexia pilórica no flanco direito. No caso de fixação toggle pin
pode­se mensurar o pH para confirmar se o pino encontra­se dentro do abomaso, o que reduz o risco de se fixar
rúmen, intestino delgado ou omento à parede corporal, em vez do abomaso. DAD e VA são corrigidos
cirurgicamente (utilizando­se omentopexia na fossa paralombar direita), quando economicamente viável. A
abomasopexia paramediana direita deve ser usada apenas para correção de DAD e VA em bovinos incapazes de
ficar em pé.
O tratamento auxiliar de animais com deslocamento inclui terapia de qualquer doença concomitante (p. ex.,
metrite, mastite e cetose). Em muitos casos, borogliconato de cálcio, por via SC, ou gel de cálcio VO, ajudam a
restabelecer a motilidade normal do abomaso. A administração de eritromicina (10 mg/kg, IM) no momento da
cirurgia aumenta a taxa de esvaziamento abomasal e a produção de leite no pós–operatório imediato. Como a
correção cirúrgica de deslocamento ou vólvulo do abomaso frequentemente é realizada na fazenda, o efeito
procinético da eritromicina sugere que seu uso seja preferível quando há necessidade de antibiótico para
controlar infecção intraoperatória.
No deslocamento simples, as anormalidades hidreletrolíticas se corrigem espontaneamente com o acesso à
água e a um bloco de sal mineral. O fornecimento de água com eletrólitos (60 g de cloreto de sódio e 30 g de
cloreto de potássio em 19L de água), via sonda gástrica, é útil nos casos crônicos. Os animais com desidratação
e desequilíbrio metabólico significativos requerem terapia IV, sendo tipicamente administrada solução salina
hipertônica (5 ml de NaCl 7,2%/kg IV, ao longo de 5 min).
Ocasionalmente, os animais com deslocamento ou vólvulo do abomaso apresentam fibrilação atrial, que se
acredita ter origem metabólica. A correção do deslocamento ou do vólvulo quase sempre resulta em melhora da
fibrilação atrial em 1 semana.
O tratamento agressivo de cetose tem importante papel no sucesso do tratamento do deslocamento do
abomaso, uma vez que a maioria das mortes de bovinos após correção cirúrgica de DAD e DAE se deve às
consequências metabólicas da anorexia prolongada.
O prognóstico após correção de DAE ou DAD simples é favorável, com taxa de sobrevivência de 95%. O
prognóstico de VA é variável e menos favorável (taxa de sobrevivência média de 70%); alta frequência cardíaca,
desidratação moderada a grave, período prolongado de doença, grande quantidade de líquido no abomaso e
presença de vólvulo omaso­abomasal ou retículo­omaso­abomasal, estão associados a prognóstico ruim.
PREVENÇÃO: A prevalência de deslocamento pode ser reduzida propiciando rápido aumento do volume ruminal
após o parto; fornecendo ração mista completa, em vez de grãos, 2 vezes/dia (“dieta leve”); evitando alterações
bruscas na dieta; mantendo quantidade adequada de volumoso na dieta; evitando hipocalcemia pós­parto; e
minimizando e tratando imediatamente as doenças concomitantes, inclusive cetose.

IMPACTAÇÃO ALIMENTAR NO ABOMASO

Impactação do abomaso ocorre em vacas de corte prenhes, nos meses de inverno, quando o animal diminui a
ingestão de água e recebe volumoso de baixa qualidade. Também acomete bovinos em lote de engorda
alimentados com várias rações mistas que contêm volumosos picados ou triturados (palha e feno) e grãos de
cereais, bem como em vacas leiteiras em final de gestação alimentadas da mesma forma. A impactação do antro
pilórico é uma enfermidade pouco diagnosticada em vacas leiteiras, em início de gestação.
ETIOLOGIA: A causa não é conhecida, mas considera­se ser o consumo excessivo de volumoso com baixo teor
de proteínas digestíveis e de energia. Pode ocorrer impactação por areia, se os bovinos são alimentados com
feno ou silagem em solos arenosos, ou com cereais com raiz, arenosos ou sujos. Os surtos podem envolver até
15% das vacas prenhes da fazenda, quando a temperatura atinge ­26°C, ou menos, por vários dias.
Provavelmente, a causa em vacas após o parto está relacionada com a hipomotilidade do abomaso.
PATOGÊNESE: A patogênese não é conhecida, mas está relacionada com a alimentação. Uma vez que ocorre
impactação do abomaso, há obstrução subaguda do trato GI superior. Íons de hidrogênio e cloro são secretados
continuamente no interior do abomaso, apesar da impactação e, assim, instala­se atonia e alcalose com
hipocloremia. Ocorrem graus variáveis de desidratação, pois os líquidos não passam do abomaso para o
duodeno, para a absorção. O sequestro de íons potássio no abomaso resulta em hipopotassemia. Também
ocorrem desidratação, alcalose, desequilíbrio eletrolítico e inanição progressiva. A impactação do abomaso
pode ser suficientemente grave para causar atonia irreversível do abomaso.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Anorexia, fezes escassas, distensão abdominal moderada, perda de peso e
fraqueza geralmente são os sinais iniciais. A temperatura corporal em geral permanece normal, mas pode estar
abaixo do normal em clima frio. Uma secreção nasal mucoide tende a se acumular na parte externa das narinas e
no focinho; geralmente, o focinho fica seco e com fissuras devido à impossibilidade do animal lamber suas
narinas e ao efeito da desidratação. A frequência cardíaca pode aumentar e discreta desidratação é comum.
Na maioria das vezes, o rúmen apresenta­se com atonia e distendido, com conteúdo seco, mas pode conter
excesso de líquido se a vaca recebe alimentos finamente triturados. O pH do fluido ruminal geralmente
permanece normal (6,5 a 7). A atividade e a quantidade de protozoários no rúmen variam de normais a
acentuadamente reduzidas (no exame microscópico, em pequeno aumento). O abomaso impactado situa­se
geralmente no quadrante inferior direito, no assoalho abdominal. Palpação profunda e percussão forte no flanco
direito podem indicar uma massa firme e extensa (abomaso impactado) e estimular um mugido (como acontece
na reticuloperitonite traumática aguda), provavelmente devido à distensão do abomaso e ao estiramento de sua
serosa.
Os bovinos gravemente acometidos morrem 3 a 6 dias após o início dos sintomas. Em alguns casos, o
abomaso se rompe e ocorre morte súbita devido à peritonite difusa aguda e ao choque, em poucas horas. Na
impactação com areia, nota­se perda de peso considerável, diarreia crônica com areia nas fezes, fraqueza,
decúbito e morte em poucas semanas.
Alcalose metabólica, hipocloremia, hipopotassemia, hemoconcentração e contagens total e diferencial de
leucócitos dentro da faixa de variação normal são comuns. À necropsia, o abomaso geralmente encontra­se
aumentado de volume (até 8 vezes o tamanho normal) e impactado, com um conteúdo seco semelhante ao do
rúmen. O omaso pode se encontrar da mesma forma, aumentado de volume e impactado. O rúmen geralmente
encontra­se muito aumentado de volume e preenchido com conteúdo seco ou líquido. A parte do trato GI além
do piloro está tipicamente vazia, com aparência ressecada. Também, há graus variáveis de desidratação e
emaciação. No caso de ruptura de abomaso notam­se lesões de peritonite difusa aguda. Nas vacas leiteiras em
início de lactação ocorre apenas impactação do antro pilórico.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico clínico baseia–se no histórico alimentar, nas evidências clínicas de impactação e
nos resultados de exames laboratoriais. A doença deve ser diferenciada de impactação secundária do abomaso,
como uma forma de indigestão vagal.
A impactação do abomaso como complicação de reticuloperitonite traumática geralmente é notada no final da
prenhez, sendo comum em apenas um animal. Pode­se constatar, ou não, febre discreta e mugido durante
palpação profunda da cartilagem xifoide. O rúmen apresenta aumento de volume, sendo possível verificar
aumento de motilidade (no início) ou atonia (no final). Em muitos casos, é impossível distinguir as duas causas
de impactação do abomaso, sendo necessária laparotomia pelo flanco direito para explorar o abdome quanto à
presença de lesões peritoneais.
TRATAMENTO: O desafio é identificar os casos que respondem ao tratamento e aqueles que não, ou seja, definir
os animais que devem ser submetidos à eutanásia imediatamente. O prognóstico em vacas fracas, com abomaso
gravemente impactado e com taquicardia acentuada (100 a 120 bpm) é ruim. O tratamento medicamentoso
geralmente requer a confirmação do diagnóstico por meio de laparotomia no lado direito. Nas vacas tratadas,
deve­se corrigir alcalose metabólica, hipocloremia, hipopotassemia e desidratação. Podem­se utilizar
lubrificantes na tentativa de movimentar o material impactado; é necessário esvaziar o abomaso cirurgicamente
apenas em bovinos com impactação grave. Deve­se infundir continuamente, por via IV, solução eletrolítica
balanceada por até 72 h, na dose diária de 80 a 120 ml/kg. Algumas vacas respondem bem a essa terapia e
começam a ruminar e defecar em 48 h.
O óleo mineral deve ser administrado na dose de 4 L/dia, por 3 dias. Com alternativa, o sulfossuccinato
sódico de dioctila (SSD) pode ser administrado no interior do abomaso durante a laparotomia pelo flanco
direito, com o animal de pé, na forma de 60 a 100 ml de solução 25%/450 kg de peso corporal. Esta dose não
deve ser administrada por via oral, pois o SSD destrói os protozoários do rúmen. Não se pode esperar uma
resposta benéfica em < 24 h; nos bovinos que respondem, geralmente nota­se no final do terceiro dia de
tratamento. Eritromicina (10 mg/kg, IM, 1 a 2 vezes/dia) pode ser administrada como procinético em bovinos
que não melhoram após a cirurgia, sabendo­se que o óleo mineral foi fornecido e que não há obstrução física
detectada durante a cirurgia.
Pode­se realizar cirurgia, mas os resultados geralmente não são bons, provavelmente pela atonia do abomaso,
que parece piorar após a cirurgia. A alternativa pode ser rumenotomia com intuito de esvaziar o rúmen e
infundir óleo mineral diretamente no abomaso, através do orifício retículo­omasal, na tentativa de amolecer e
estimular a evacuação do conteúdo do abomaso. Bovinos com impactação secundária que se desenvolve como
sequela de reticuloperitonite traumática ou VA geralmente manifestam sinais de indigestão vagal e a impactação
do abomaso pode ser diagnosticada no momento da cirurgia exploratória.
A indução do parto com dexametasona (20 mg IM) pode ser indicada em vacas acometidas duas semanas
antes do final da gestação, nas quais não se obteve sucesso com o tratamento por poucos dias. A parição pode
auxiliar na recuperação, devido à redução do volume intra­abdominal. Na impactação com areia, os bovinos
acometidos devem ser retirados da área de solo arenoso e receberem feno de boa qualidade e uma mistura de
capim que contenha melaço e minerais. Os bovinos gravemente acometidos devem ser tratados com óleo
mineral (4 L/dia, por 3 dias).
PREVENÇÃO E CONTROLE: A prevenção é possível pelo fornecimento dos nutrientes necessários às vacas de
corte prenhes durante o inverno. Quando um volumoso de baixa qualidade é utilizado, deve­se analisá­lo quanto
ao teor de proteína bruta e de energia digerível. Com base nessa análise, geralmente acrescentam­se grãos à
ração para suprir as necessidades calóricas e proteicas.
As necessidades nutricionais de bovinos de corte (p. 2266) são parâmetros médios; podem ser necessários
teores de nutrientes mais altos do que os indicados, particularmente nos períodos de estresse grave decorrente
do frio. Água fresca adequada deve ser fornecida à vontade; é perigosa a prática de forçar as vacas criadas em
pastagem durante o inverno a suprirem suas necessidades de água por ingestão de neve, enquanto se alimentam
de volumoso de baixa qualidade.

ÚLCERAS DE ABOMASO

Nota­se úlcera de abomaso em bovinos adultos e em bezerros; induz vários tipos de manifestações.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Com exceção do linfossarcoma de abomaso e erosão da mucosa abomasal, que
acompanham doenças virais como diarreia viral bovina, peste bovina e febre catarral maligna, as causas de
ulcerações abomasais não são bem compreendidas. Têm­se sugerido várias causas. Embora as úlceras de
abomaso possam ocorrer em qualquer momento durante a lactação, são comuns em vacas leiteiras adultas de
alta produção, nas primeiras 6 semanas após o parto. A causa mais provável é a inapetência prolongada que
resulta em baixo pH no abomaso por longo tempo, o que dá origem à afirmação “sem ácido, sem úlcera”.
As úlceras do abomaso podem surgir em associação com linfossarcoma, enfermidades do abomaso
(deslocamento ou vólvulo) ou pressão luminal elevada que causa isquemia da mucosa do abomaso; também
podem surgir sem relação com outras doenças.
As úlceras de abomaso são muito frequentes em bezerros após o consumo de leite ou de substituto de leite
por 4 a 12 semanas. A maioria dessas úlceras é subclínica e não hemorrágica. Ocasionalmente, bezerros < 2
semanas de idade, alimentados com leite, desenvolvem úlceras abomasais hemorrágicas agudas, que podem
perfurar e causar morte súbita. Bezerros de corte lactentes, bem nutridos, com 2 a 4 meses de idade, podem
apresentar úlcera de abomaso aguda. Nesses bezerros são comuns tricobezoares no abomaso, mas não parecem
aumentar o risco de úlcera.
ACHADOS CLÍNICOS: A síndrome varia, dependendo se a úlcera é complicada por hemorragia ou perfuração e da
gravidade desta hemorragia ou peritonite.
Um sistema de classificação baseia­se na profundidade da úlcera ou no grau da hemorragia ou de peritonite
causada pela úlcera: o tipo I é uma erosão ou úlcera sem hemorragia; o tipo II é hemorrágico; o tipo III indica
úlcera perfurada, com peritonite aguda localizada, o tipo IV indica úlcera perfurada, com peritonite difusa
aguda, e no tipo V há úlcera perfurada, com peritonite que se instala até o omento. Pode haver uma única úlcera
ou várias úlceras agudas e crônicas.
Bovinos com úlcera de abomaso hemorrágica podem ser assintomáticos, apresentando apenas sangue oculto
intermitente nas fezes, ou pode morrer de forma súbita devido à hemorragia intensa. Os sinais clínicos comuns
incluem dor abdominal leve, bruxismo, início súbito de anorexia, taquicardia (90 a 100 bpm) e sangue oculto
nas fezes ou melena, que podem ser intermitentes. Ocorrem sinais de perda sanguínea junto com hemorragia
importante e estes podem incluir taquicardia (100 a 140 bpm), membranas mucosas pálidas, pulso fraco,
extremidades frias, respiração superficial, taquipneia e melena. Os sintomas mais graves incluem estase ruminal
aguda, dor abdominal generalizada com relutância em se movimentar e ronco ou gemido audíveis em cada
movimento respiratório, fraqueza e desidratação. Nos casos hiperagudos pode não haver melena, pois são
necessárias, no mínimo, 8 h para que o sangue do abomaso seja detectado nas fezes. À medida que a doença
progride a temperatura corporal diminui e o animal se posiciona em decúbito e morre em 6 a 8 h.
Em geral, as úlceras hemorrágicas não perfuram e as úlceras perfurantes não sangram suficientemente no
lúmen do trato GI a ponto de provocar melena. No entanto, às vezes observam­se hemorragia e perfuração
simultâneas, geralmente em casos crônicos ou associados a deslocamento do abomaso.
Bezerros com úlcera de abomaso e tricobezoares podem apresentar o órgão preenchido com gás e líquido,
palpável atrás do arco costal direito. Uma palpação profunda pode revelar dor abdominal associada a peritonite
local devido à úlcera perfurada. Nos bezerros, as úlceras perfurantes são mais comuns do que as úlceras
hemorrágicas.
Lesões: A úlcera é mais comum na região fúndica, em bovinos adultos, e no antro pilórico, em bezerros
lactentes. As úlceras únicas ou múltiplas medem desde alguns milímetros até 5 cm de diâmetro. A artéria
acometida geralmente é visível após remoção da ingesta e do tecido necrosado, em uma área ulcerada
hemorrágica. A maioria das úlceras perfuradas é protegida pelo omento, originando uma cavidade de 12 a 15
cm de diâmetro, contendo sangue degenerado e restos de material necrosado. O material oriundo dessa cavidade
pode se infiltrar amplamente pela gordura do omento. Pode ocorrer aderência da úlcera com os órgãos
circundantes ou com a parede abdominal.
DIAGNÓSTICO: Nos casos com apenas sangramento brando e sinais clínicos discretos, o diagnóstico é difícil e
pode requerer exames de fezes seriados para pesquisa de sangue oculto. A possibilidade de haver outras
enfermidades que podem causar anorexia parcial e diminuição da produção de leite deve ser excluída por meio
de exames físicos e laboratoriais, inclusive abdominocentese. Em casos de melena, o diagnóstico pode se basear
apenas no exame físico. O volume globular (VG) pode auxiliar na determinação do grau de hemorragia, embora
sejam necessárias, no mínimo, 4 h após a hemorragia aguda para a verificação de redução do VG. A pesquisa de
sangue oculto nas fezes pode confirmar ocorrência de melena. As outras enfermidades que resultam em sangue
nas fezes devem ser descartadas. No teste para pesquisa de sangue oculto nas fezes ocorre reação do sangue
oriundo de porções do trato GI distais ao abomaso; geralmente é vermelho­brilhante, se proveniente do intestino
grosso, ou cor de framboesa, se oriundo do intestino delgado. Animais com linfossarcoma de abomaso podem
manifestar uma síndrome hemorrágica semelhante àquela associada a úlcera de abomaso, mas não respondem à
terapia. Ocasionalmente, lesões orais, faringianas e laringianas sangram e o sangue ingerido surge nas fezes. Da
mesma forma, abscessos pulmonares que se formam como sequela de ruminite, por embolia pulmonar e
hepática, podem causar erosão de vasos sanguíneos e resultar em hemoptise; se o sangue for deglutido, também
pode resultar em melena. A presença de sangue oculto nas fezes também pode ser devido a VA ou, raramente, a
helmintos hematófagos.
O diagnóstico de úlcera de abomaso perfurada baseia­se no exame físico e na exclusão de outras causas de
peritonite. Úlcera de abomaso perfurada, com peritonite local, pode ser indistinguível de reticuloperitonite
traumática crônica. A introdução de um ímã no retículo (confirmado pelo uso de uma bússola) ou a informação
confiável sobre a introdução de um ímã à vaca antes do início dos sintomas reduz a probabilidade de
reticuloperitonite traumática. As radiografias de retículo podem confirmar ou descartar a presença de corpos
estranhos radiopacos. Em alguns casos, ocorre neutrofilia, possivelmente com desvio à esquerda. A avaliação do
líquido peritoneal confirma a peritonite se há aumento no teor de proteína total e na quantidade de células
nucleadas. Raramente observam­se bactérias intracelulares ou neutrófilos degenerados, pois na maioria dos
casos a infecção é rapidamente isolada. O diagnóstico de peritonite difusa devido à perfuração baseia­se no
exame físico e na exclusão de outras causas. Ruptura de uma víscera distendida, como pode ocorrer no VA ou
na torção de ceco, provoca sintomas semelhantes. Na peritonite difusa, independente da causa o prognóstico é
desfavorável devido à infecção generalizada e ao comprometimento cardiovascular. Nota­se neutrofilia com
desvio à esquerda acentuado e hemoconcentração. A coleta de grande quantidade de fluido abdominal é
facilitada e o teor de proteínas aumenta; a contagem de células nucleadas pode estar elevada ou permanecer
normal devido à diluição ou seu uso no foco infeccioso.
Úlcera de abomaso. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.

TRATAMENTO: Muitos casos de úlceras de abomaso não são diagnosticados e, consequentemente, não são
tratados. Ocasionalmente, faz­se um diagnóstico presuntivo e institui­se o tratamento clínico. O tratamento mais
importante é a reintrodução da alimentação, pois o alimento é um excelente tampão e o fluxo contínuo do
conteúdo dos pré­estômagos (pH 6 a 7) para o abomaso ajuda a elevar o pH deste órgão. A terapia com
antibióticos de amplo espectro (administrados por = 5 dias ou até a temperatura retal permanecer normal por 48
h) é indicada para úlcera perfurada. Antiácidos são efetivos no aumento do pH do abomaso em bezerros
lactentes, quando administrados em intervalos de 4 a 6 h, de modo a induzir o fechamento do sulco esofágico;
entretanto, sua eficácia é muito questionável em ruminantes adultos, devido à diluição ruminal. Os antagonistas
de receptores H2 são efetivos no aumento do pH do abomaso em bezerros lactentes; no entanto, as doses orais
necessárias para cimetidina (100 mg/kg, 3 vezes/dia) e ranitidina (50 mg/kg, 3 vezes/dia) são altas, o que torna o
tratamento oneroso. Os inibidores da bomba de prótons, como o omeprazol (2 mg/kg, IV), são efetivos em
aumentar o pH luminal, mas o tratamento também é caro. A eficácia do omeprazol oral (4 mg/kg) em
ruminantes adultos é desconhecida, mas pode ser benéfico em bezerros lactentes. Como os AINE podem
favorecer a ocorrência de úlcera, seu uso é contraindicado. O prognóstico de peritonite localizada, associada à
úlcera de abomaso perfurada, é favorável quando acompanhado de terapia medicamentosa e alteração da dieta.
A recuperação geralmente demora 1 a 2 semanas e os animais totalmente recuperados nesse período geralmente
não apresentam recidiva. No caso de úlcera de abomaso perfurada, indica­se cirurgia apenas quando há
deslocamento do abomaso; entretanto, pode ocorrer importante contaminação do abomaso quando há
desprendimento das aderências e ressecção ou sutura da úlcera.
Os animais com peritonite difusa após perfuração da úlcera de abomaso raramente respondem à terapia e o
prognóstico é desfavorável. O tratamento consiste em fluidoterapia IV rápida e continuada (com base na
condição metabólica atual) e uso de antibióticos de largo espectro IV. Os poucos animais que se recuperam de
peritonite difusa geralmente apresentam extensas aderências abdominais.
No caso de úlceras hemorrágicas, podem ser necessárias transfusões sanguíneas e fluidoterapia, além de
manejo alimentar, confinamento em baia e uso de antiácidos orais. Se a hemorragia é aguda, o VG pode não
refletir a gravidade devido ao equilíbrio entre os fluidos dos compartimentos intra e extravascular quando há
perda de sangue de, no mínimo, 4 h. Geralmente, transfusão sanguínea é necessária quando há fraqueza e
letargia; a decisão em se fazer transfusão deve se basear nos sinais clínicos, além do valor do VG. Geralmente,
não há necessidade de reação cruzada; é necessária apenas uma transfusão de 4 a 6L de sangue. Alguns bovinos
necessitam mais de uma transfusão ao longo de vários dias. Uma recuperação completa geralmente demora 1 a
2 semanas. O prognóstico é favorável, desde que não haja fraqueza e letargia antes do início do tratamento.
PREVENÇÃO: Os animais devem ser estimulados a se alimentar para evitar longo período de inapetência e baixo
pH no abomaso.

DOENÇAS DO ESÔFAGO EM GRANDES ANIMAIS

ESTENOSE ESOFÁGICA

Pode­se notar estenose esofágica idiopática em potros. O diagnóstico inicial baseado nos sinais clínicos pode ser
retardado devido a outras causas mais frequentes de disfagia, incluindo deslocamento dorsal idiopático do
palato mole ou refluxo nasal de leite, fenda palatina ou cisto faringiano. Em todos os casos de secreção nasal de
leite em potros deve­se realizar exame endoscópico. A estenose esofágica em equinos ou ruminantes idosos
tipicamente se deve à úlcera de mucosa secundária à obstrução do esôfago. O tratamento adequado depende do
tipo de estenose, se é de mucosa ou mural (envolvendo a parede muscular). A estenose de mucosa pode ser
submetida a tratamento conservador mediante manejo alimentar (ver obstrução esofágica, no texto anterior),
dilatação com sonda endotraqueal com manguito ou cirurgia. A estenose mural é melhor tratada com miotomia
esofágica. O tratamento cirúrgico da estenose de mucosa pode envolver esofagotomia ao longo da área
estenosada, com colocação de tubo nasogástrico, o que resulta em um divertículo de tração, ressecção e
anastomose da mucosa ou ressecção esofágica e anastomose de toda a área espessada.

NEOPLASIA ESOFÁGICA

A neoplasia esofágica mais comum em equinos é o carcinoma de célula escamosa, cujo prognóstico é reservado.
As neoplasias focais podem ser tratadas por meio de ressecção e anastomose esofágica. Infelizmente, na maioria
dos casos de carcinoma de célula escamosa não é possível tratamento cirúrgico e deve­se realizar eutanásia.
Em ruminantes, o papiloma viral bovino (ou seja, verruga), ocasionalmente se instala no esôfago cranial e na
faringe e, na presença de outros agentes, pode resultar no desenvolvimento de carcinoma de esôfago. Em
algumas áreas do mundo (p. ex., Escócia e América do Sul) esta doença pode ser decorrência da ingestão de
toxinas naturais de samambaia. Há, também, uma relação entre a ingestão de samambaia e a ocorrência de
câncer de bexiga, em bovinos (ver p. 3159).

OBSTRUÇÃO ESOFÁGICA (ENGASGAMENTO)

A obstrução esofágica (engasgamento) ocorre quando o esôfago é obstruído por alimentos ou objetos estranhos.
Esta é a doença esofágica mais comum em grandes animais. Em equinos é mais frequente a obstrução por grãos,
polpa de beterraba ou feno. A obstrução esofágica também pode ocorrer após recuperação de contenção química
em estação ou de anestesia geral. Em bovinos a obstrução tende a ser causada por um único objeto sólido, por
exemplo, maçã, beterraba, batata, nabo, sabugo ou palha de milho.
ACHADOS CLÍNICOS: Em equinos, os sinais clínicos associados à obstrução esofágica incluem secreção nasal
com alimento ou saliva, disfagia, tosse ou ptialismo. O equino pode parecer ansioso e com ânsia de vômito,
esticando e arqueando o pescoço. Os equinos acometidos podem continuar a se alimentar ou beber, o que agrava
os sinais clínicos.
Em bovinos, os sintomas incluem timpanismo, ptialismo ou secreção nasal com alimento e água. Os
ruminantes podem manifestar timpanismo e desconforto ou decúbito, ou pode exibir protrusão da língua,
extensão da cabeça, bruxismo e ptialismo. A obstrução esofágica aguda total é uma emergência, pois impede a
eructação de gases ruminais, instalando­se timpanismo. O timpanismo grave pode causar asfixia à medida que o
rúmen expandido pressiona o diafragma e diminui o retorno de sangue venoso ao coração.
DIAGNÓSTICO: Os sinais clínicos de obstrução esofágica geralmente são sugestivos. Achados de exame físico
compatíveis com obstrução esofágica incluem secreção nasal com alimento e água, bruxismo, ptialismo e
aumento palpável do esôfago; em alguns casos, objetos estranhos alojados no esôfago cervical podem ser
localizados por palpação. Enfisema subcutâneo, celulite cervical e febre podem estar associados a ruptura de
esôfago. A impossibilidade de introdução de sonda gástrica (ruminantes) ou nasogástrica (equinos) também
pode confirmar o diagnóstico.
O exame endoscópico é útil para localizar o sítio da obstrução, o tipo de material que causa a obstrução e a
extensão da úlcera esofágica. Devido ao risco de pneumonia por aspiração deve­se examinar cuidadosamente o
trato respiratório, incluindo auscultação cardíaca e pulmonar e radiografias torácicas. Em casos crônicos ou
complicados deve­se obter hemograma e perfil bioquímico sérico. As alterações no hemograma incluem
leucocitose, desvio à esquerda e neutrófilos tóxicos; também, nota­se hiperfibrinogenemia. As alterações
bioquímicas incluem hiponatremia, hipocloremia e hipopotassemia secundárias à perda excessiva de saliva.
TRATAMENTO:
Equinos: Vários casos de obstrução de esôfago podem se resolver espontaneamente, se há restrição de alimento
e água. A cura espontânea pode ser auxiliada pela administração de sedativos (como xilazina e detomidina). A
ocitocina (0,11 a 0,22 mg/kg, IV) mostrou­se útil como relaxante do músculo liso do esôfago. Para garantir que
a obstrução esofágica seja completamente resolvida, todos os equinos com suspeita de obstrução devem ser
submetidos à introdução de sonda nasogástrica até o estômago ou ao exame endoscópico.
Não se deve esperar > 4 a 6 h para introduzir a sonda nasogástrica devido ao risco de úlcera da mucosa
esofágica e à pneumonia por aspiração. Os equinos que não respondem ao tratamento conservador (restrição de
água e alimento, sedação IV ou uso de ocitocina) devem ser inicialmente tratados mediante lavagem esofágica
da seguinte maneira: após sedação IV, introduz­se um tubo nasogástrico até o local da obstrução. Neste local,
infunde­se água por meio de uma sonda gástrica, o tubo é vagarosamente introduzido, com liberação de água
para lavar o esôfago. A cabeça deve ficar mais baixa do que o tronco, de modo a minimizar o risco de aspiração
de água aos pulmões. A lavagem via nasogástrica é bem­sucedida em, no mínimo, 90% dos casos.
Para equinos que não respondem à lavagem esofágica em estação, sob anestesia geral, deve se realizar o
procedimento com o animal em decúbito lateral e com tubo orotraqueal. Novamente, a cabeça deve permanecer
abaixo do tronco para evitar a passagem de líquido aos pulmões. Uma sonda endotraqueal com manguito (18 a
22 mm) é introduzida no esôfago, o mais longe possível, ou na altura da obstrução, e o manguito é inflado.
Introduz­se uma sonda nasogástrica dentro da sonda nasotraqueal e o esôfago é lavado, conforme descrito
anteriormente. Novamente, deve­se confirmar se houve resolução da obstrução por meio de endoscopia ou pela
introdução de sonda nasogástrica até o estômago. Raramente há casos que requerem esofagotomia para a
correção da obstrução do esôfago.
Imagem endoscópica de obstrução de esôfago pós­faringiana. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.

Todos os casos crônicos de obstrução esofágica devem ser avaliados por meio de endoscopia, após resolução
bem­sucedida. Estes equinos geralmente apresentam úlcera esofágica circular. Úlcera grave da mucosa pode
ocasionar estenose de esôfago e recidiva da obstrução. A endoscopia também é útil para excluir a possibilidade
de divertículo esofágico, que pode predispor à obstrução do órgão. Os divertículos esofágicos também podem
ser diagnosticados por meio de esofagograma contrastado.
Os equinos sem úlcera de mucosa devem ser alimentados com ração peletizada úmida durante, no mínimo, 7
a 14 dias, para minimizar o risco de recidiva da obstrução esofágica. Equinos com úlcera de mucosa devem ser
alimentados com esta mesma dieta durante 60 dias e depois desse período deve­se repetir a endoscopia para
verificar se houve cura da úlcera de mucosa e se há estenose de esôfago. Equinos com úlcera de mucosa crônica
e estenose podem necessitar tratamento cirúrgico.
A pneumonia por aspiração deve ser tratada com antimicrobiano e anti­inflamatório VO ou IV. Os
antimicrobianos comumente utilizados são penicilina G potássica ou procaína (22.000U/kg IV [potássica] ou IM
[procaína], 2 a 4 vezes/dia), sulfametoxazol­trimetoprima (30 mg/kg, VO, 2 vezes/dia) e sulfato de gentamicina
(6,6 mg/kg, IV ou IM, 1 vez/dia). Metronidazol (15 mg/kg, VO, 4 vezes/dia) é útil no tratamento de infecções
por anaeróbios. Os anti­inflamatórios mais comumente utilizados são fenilbutazona (2,2 a 4,4 mg/kg VO ou IV,
2 vezes/dia) e flunexina meglumina (1,1 mg/kg IV, 2 vezes/dia).
Bovinos: A obstrução esofágica acompanhada de timpanismo ruminal é uma emergência; se os sinais clínicos
indicam angústia deve­se aliviar o timpanismo (p. 301) com introdução de trocarte na fossa sublombar
esquerda. Aliviado o timpanismo, os objetos sólidos (p. ex., batata) geralmente podem ser massageados ou até
desalojados espontaneamente à medida que sua superfície externa é amolecida pela saliva. Deve­se ter cuidado
ao fazer qualquer tentativa de empurrar um objeto traumatizante ao longo do esôfago por meio de sonda
esofágica; pode ocorrer ruptura de esôfago e mediastinite séptica fatal.
A obstrução esofágica em ruminantes pode ser tratada mediante lavagem esofágica com o animal em estação,
via sonda orogástrica, ou sob anestesia geral (ver texto anterior). Geralmente, um corpo estranho grande pode
ser empurrado para o rúmen sem complicações adicionais. Raramente, casos de obstrução esofágica por corpo
estranho necessitar ser tratados com esofagostomia.
Complicações da Obstrução Esofágica

Em equinos e bovinos, pneumonia por aspiração (p. 1620) e pleuropneumonia séptica podem ser complicações
de obstrução esofágica, principalmente em casos crônicos. Obstrução esofágica crônica (> 24 h) pode estar
associar à necrose por pressão na mucosa do esôfago devido ao contato prolongado com o corpo estranho. A
lesão de mucosa em circunferência pode contribuir para o desenvolvimento de estenose esofágica.
Ruptura de esôfago é uma complicação geralmente fatal da obstrução crônica do órgão. A ruptura esofágica
cervical pode ocasionar celulite cervical localizada, mediastinite ou pleuropneumonia séptica. A ruptura
intratorácica geralmente é fatal. A ruptura esofágica cervical pode ser tratada mediante drenagem local, lavagem
da ferida e introdução de sonda nasogástrica no local da ruptura. Permite­se a formação de um divertículo por
tração e a sonda nasogástrica é retirada. A ruptura esofágica tratada com alimentação extrabucal raramente
resulta em estenose de esôfago. Em casos de mediastinite ou pleuropneumonia séptica deve se considerar a
realização de eutanásia devido à dificuldade em controlar a infecção bacteriana.

Obstrução Esofágica Secundária à Doença Extraesofágica

Traumatismo cervical e pré­torácico podem resultar em fibrosamento periesofágico ou esofágico envolvendo a


camada muscular. Isso pode causar estenose de esôfago e obstrução intermitente ou recidivante do órgão. Em
alguns casos não há evidência externa de trauma cervical ou pré­torácico. Na suspeita de trauma extraesofágico,
o exame endoscópico do esôfago e o esofagograma contrastado podem ser úteis na definição do diagnóstico.
Uma vez identificado o local de estenose esofágica, alguns casos de estenose muscular podem ser tratados por
meio de miotomia esofágica ou remoção do tecido conectivo fibroso ao redor do esôfago.

DOENÇAS DOS PRÉ-ESTÔMAGOS DE RUMINANTES

ACIDOSE RUMINAL SUBAGUDA (acidose ruminal crônica, acidose ruminal subclínica)

Os ruminantes são adaptados para digestão e metabolização predominantemente de dietas à base de forrageiras,
porém, a taxa de crescimento e a produção de leite aumentam substancialmente quando consomem dietas ricas
em grãos. Uma consequência da dieta com quantidade excessiva de carboidratos facilmente fermentáveis,
juntamente com fibras inadequadas para ruminantes, é a acidose ruminal subaguda, caracterizada por períodos
de baixo pH ruminal, menor ingestão de alimento e subsequentes problemas de saúde. Doenças crônicas
secundárias à acidose ruminal subaguda podem anular o ganho na produção decorrente de dieta rica em grãos.
Bovinos leiteiros e de corte e ovinos de engorda apresentam alto risco de desenvolver esta enfermidade. Embora
tipicamente os bovinos leiteiros sejam alimentados com dietas mais ricas em forragens e fibras, quando
comparadas com animais de engorda, esta vantagem é compensada por sua ingestão muito maior de matéria
seca.
ETIOLOGIA: O pH ruminal varia consideravelmente no período de 24 h (tipicamente, 0,5 a 1 unidade de pH),
sendo determinado pelo equilíbrio dinâmico entre a ingestão de carboidratos fermentáveis, a capacidade de
tamponamento do rúmen e a taxa de absorção de ácidos pelo rúmen. Se o pH ruminal se mantém abaixo de
cerca de 5,5 (o menor pH fisiológico normal) por mais de algumas horas ao longo do dia considera­se que há
acidose ruminal subaguda. Por convenção, a acidose ruminal é considerada subaguda quando o baixo pH do
rúmen se deve ao acúmulo excessivo de ácidos graxos voláteis (AGV), sem excesso persistente de ácido láctico
e quando o pH ruminal volta ao normal pela ação das respostas fisiológicas do próprio animal.
A capacidade do rúmen em absorver rapidamente ácidos orgânicos contribui significativamente para a
estabilidade do pH ruminal. É difícil e muito raro que os tecidos periféricos utilizem AGV prontamente
absorvidos pelo rúmen; entretanto, a absorção destes AGV no rúmen pode ter importante efeito tampão.
AGV ruminais são absorvidos passivamente através da parede ruminal. Essa absorção passiva é exacerbada
pelas papilas das vilosidades, que se projetam para fora da parede do rúmen e atuam como área de superfície
importante para a absorção. As papilas ruminais aumentam de tamanho quando os bovinos são alimentados com
dietas ricas em grãos; isto possivelmente aumenta a área de superfície ruminal e a capacidade de absorção,
protegendo o animal de acúmulo de ácido no rúmen. Se a capacidade de absorção destas células for prejudicada
(p. ex., ruminite crônica com fibrose) torna­se difícil o animal manter o pH estável após a alimentação.
Um mecanismo pelo qual os animais acometidos corrigem a acidose ruminal e restabelecem o pH ruminal
normal é a escolha de partículas de forrageiras longas, quer seja pelo consumo preferencialmente de feno seco
longo ou de rações misturadas que contêm partículas de forragens maiores. Outro mecanismo é a redução do
consumo de alimento. A menor ingestão de matéria seca é especialmente evidente quando o pH ruminal situa­se
abaixo de cerca de 5,5. A redução do consumo pode ser mediada por receptores de pH e/ou receptores de
osmolalidade, no rúmen. Inflamação do epitélio ruminal (rumenite) pode causar dor e, também, contribuir para
a menor ingestão durante acidose ruminal subaguda.
À medida que o pH ruminal diminui ocorre aumento inerente da absorção de AGV. Estes ácidos são
absorvidos apenas na forma ionizada. A proporção de ácidos dissociados aumenta drasticamente à medida que
há redução do pH ruminal abaixo de 5,5, pois eles têm pKa em torno de 4,8. Em pH ruminal baixo, infelizmente
há desvio da fermentação ruminal de carboidratos para a produção de lactato (principalmente devido à
proliferação de Streptococcus bovis e desvio para a produção de lactato, em vez de AVG), o que pode
compensar o ganho na absorção de AGV. A produção ruminal de lactato é indesejável, uma vez que o lactato
tem pKa muito mais baixo do que os AGV (3,9 versus 4,8). Por exemplo, o lactato é 5,2 vezes menos dissociado
do que os AGV em pH 5. Como resultado, o lactato permanece no rúmen por mais tempo e contribui para a
redução do pH ruminal.
Ocorrem respostas de adaptação adicionais quando inicia a produção de lactato. Bactérias que utilizam
lactato, como Megasphaera elsdenii e Selenomonas ruminantium, proliferam­se. Estas bactérias benéficas
convertem o lactato em outros AGV que, então, são facilmente ionizados e absorvidos. Entretanto, o turnover
de utilizadores de lactato é muito mais lento do que o de sintetizadores de lactato. Logo, este mecanismo pode
não ser estimulado rápido o suficiente para estabilizar completamente o pH ruminal. Períodos de pH ruminal
muito alto, como acontece durante a privação de alimento, podem inibir a população de utilizadores de lactato
(que são sensíveis a pH ruminal elevado) e torná­los mais suscetíveis à acidose ruminal grave.
Além do desequilíbrio microbiano, a privação alimentar induz superalimentação quando o alimento é
reintroduzido aos bovinos. Isto cria um duplo efeito na redução do pH ruminal. Ciclos de privação alimentar
seguidos de superalimentação aumentam significativamente o risco de acidose ruminal subaguda.
O pH ruminal baixo durante acidose ruminal subaguda também reduz o número de espécies de bactérias no
rúmen, embora a atividade metabólica das bactérias que permanecem seja muito alta. As populações de
protozoários são particularmente limitadas em pH ruminal baixo; geralmente, nota­se ausência de protozoários
flagelados no fluido ruminal nos episódios de acidose ruminal subaguda. Quando há poucas espécies de
bactérias e protozoários a microflora ruminal é menos estável e menos capaz de manter o pH do rúmen normal
durante períodos de súbita mudança alimentar. Assim, períodos de acidose ruminal subaguda tornam os animais
mais suscetíveis a episódios futuros desta anormalidade.
PATOGÊNESE: O baixo pH ruminal pode ocasionar ruminite, erosão e úlcera do epitélio do rúmen. Uma vez
instalada inflamação no epitélio ruminal, as bactérias podem colonizar as papilas e penetrar na circulação portal.
Essas bactérias podem ocasionar abscessos hepáticos, o que pode causar, por fim, peritonite na região próxima
ao abscesso. Caso as bactérias ruminais passem pelo fígado (ou as bactérias de infecções hepáticas são liberadas
para a circulação), elas podem colonizar pulmões, válvulas cardíacas, rins ou articulações. Em geral,
pneumonia, endocardite, pielonefrite e artrite resultantes dificilmente são diagnosticadas antes da morte. O
exame pós­morte dessas enfermidades em animais que são abatidos, que são refugos ou que morrem na fazenda
pode ser muito útil.
A síndrome da veia cava caudal é causada pela liberação de um embolo séptico oriundo de abscessos
hepáticos; este material séptico atinge os pulmões via veia cava caudal. Estas bactérias se proliferam no tecido
pulmonar e podem invadir vasos pulmonares, causando sua ruptura. Isto é observado clinicamente como
hemoptise e morte súbita devido à hemorragia pulmonar intensa.
Acidose ruminal subaguda também está associada a laminite e consequente supercrescimento de casco e
abscesso e úlcera de sola. A gravidade da laminite depende da duração e da frequência da anormalidade
metabólica. Essas enfermidades podais geralmente não surgem antes de semanas ou meses após o evento inicial.
O mecanismo pelo qual a acidose ruminal subaguda aumenta o risco de laminite não é bem conhecido.
ACHADOS CLÍNICOS: A principal manifestação clínica de acidose ruminal subaguda é redução ou ingestão
alimentar cíclica, ou ambos. Outros sinais associados incluem diminuição da produção de leite, redução do teste
de gordura, baixo escore de condição corporal apesar de adequada ingestão calórica, diarreia de causa
desconhecida e episódios de laminite. Podem ocorrer altas taxas de animais–refugo ou de mortes não
esclarecidas no rebanho. Sangramentos nasais esporádicos devido à síndrome da veia cava caudal também
podem ser observados. Os sinais clínicos são tardios e insidiosos. Episódios recentes de baixo pH ruminal não
são detectados; na verdade, no momento em que o animal está em jejum, seu pH ruminal provavelmente retorna
ao normal. Pode ocorrer diarreia após períodos de pH ruminal baixo; no entanto, este achado é inconsistente e
também pode estar relacionado com outros fatores alimentares.
DIAGNÓSTICO: Acidose ruminal subaguda é melhor diagnosticada em um grupo do que em um indivíduo. A
avaliação do pH no fluido ruminal de um número representativo de animais aparentemente saudáveis em um
grupo é um procedimento utilizado para auxiliar no diagnóstico de acidose ruminal subaguda em rebanhos
leiteiros. A seleção dos animais deve ser em grupos de alto risco: vacas com cerca de 15 a 30 dias de lactação,
em rebanhos alimentados com dieta à base de um componente, e vacas com cerca de 50 a 150 dias de lactação,
em rebanhos alimentados com ração mista completa. O fluido ruminal é coletado por meio de punção do rúmen
e seu pH é mensurado em aparelho medidor de pH. Tipicamente, doze ou mais animais são avaliados cerca de 2
a 4 h após alimentação com grãos (ingrediente­base da dieta do rebanho) ou 6 a 10 h após a primeira
alimentação diária com ração total misturada. Caso > 25% dos animais testados apresentem pH ruminal < 5,5 o
grupo é considerado sob alto risco de acidose ruminal subaguda. Esse tipo de teste diagnóstico deve ser usado
juntamente com outros fatores, como exame da ração, avaliação das práticas de manejo e identificação de
problemas de saúde no rebanho.
A redução do teor de gordura do leite é um indicador ruim e pouco sensível de acidose ruminal subaguda em
rebanhos leiteiros. Vacas e rebanhos com acidose ruminal subaguda grave podem apresentar teor normal de
gordura no leite. Logo, é importante não excluir o diagnóstico de acidose ruminal subaguda em rebanhos
leiteiros que tenham teste de gordura no leite normal.
TRATAMENTO: Pelo fato de a acidose ruminal subaguda não ser detectada no momento da diminuição do pH do
rúmen, não há tratamento específico. As doenças secundárias podem ser tratadas conforme necessário.
PREVENÇÃO: O fator principal na prevenção é a redução da quantidade de carboidratos facilmente fermentáveis
consumidos em cada refeição. Requer tanto boa formulação da dieta (balanço adequado entre carboidratos não
fibrosos e fibrosos) e excelente manejo do cocho de alimentos. Animais que consomem dietas bem formuladas
permanecem sob alto risco desta enfermidade quando tendem a ingerir grande quantidade de alimento devido à
excessiva competição por espaço no cocho ou após período de privação alimentar.
As recomendações de campo para dieta à base de concentrado para bovinos leiteiros nas 3 primeiras semanas
de lactação geralmente são excessivas. O consumo de volume exagerado de concentrado e insuficiente de
forragem resulta em dieta deficiente em fibra, com risco de causar acidose ruminal subaguda. A mesma situação
pode ocorrer nos últimos dias que antecedem ao parto, se a dieta é fornecida em componentes separados; à
medida que a ingestão de matéria seca diminui antes do parto, as vacas secas consomem preferencialmente
concentrado, em vez de forragem, e desenvolvem acidose.
Acidose ruminal subaguda pode ser causada também por erros na distribuição da ração ou pela formulação de
ração que contém quantidade excessiva de carboidratos facilmente fermentáveis ou deficiência em fibras.
Recomendações quanto à exigência de fibras em rações de bovinos leiteiros estão disponíveis no relatório do
National Research Council, Exigência Nutricional de Bovinos Leiteiros (ver p. 2390). Os erros no conteúdo de
matéria seca em rações misturadas completas geralmente estão associados à falha no ajuste do teor de umidade
das forragens.
A inclusão de partículas de fibras longas na dieta reduz o risco de acidose ruminal subaguda por estimular a
produção de saliva durante a mastigação e por aumentar a ruminação após a alimentação. O fornecimento de
partículas de fibras longas reduz o risco de acidose ruminal, mas não o elimina. Caso seja utilizada uma dieta
mista completa, é importante que as partículas de fibras longas não sejam facilmente separadas do resto da
dieta; isto pode retardar seu consumo até o fim do dia ou causar sua total rejeição. A separação pode ser evitada
pelo fornecimento de partículas de fibras longas < 5 cm de comprimento, por umidade adequada (50 a 55%) na
ração mista e pela inclusão de ingredientes, como melaço, que ajudam na aderência dos componentes da ração.
As dietas de ruminantes também devem ser formuladas para fornecer tamponamento adequado. Isto pode ser
alcançado por meio da seleção da matéria­prima e/ou pela adição de tampões alimentares, como bicarbonato de
sódio ou carbonato de potássio. Dieta com diferença cátion­ânion (DDCA) é usada para quantificar a
capacidade de tamponamento do alimento; as rações para animais com alto risco de acidose ruminal devem ser
formuladas de modo a fornecer DDCA com > 250 mEq/kg de matéria seca, utilizando­se a fórmula (Na + K) –
(CI + S), para calcular a DDCA. A suplementação da dieta com microrganismos, que exacerbam os utilizadores
de lactato no rúmen, pode reduzir o risco de acidose ruminal subaguda. Têm­se utilizado leveduras,
propionobactérias, lactobacilos e enterococos com esse objetivo. A suplementação com ionóforos (p. ex.,
monensina sódica) também pode reduzir o risco por inibir seletivamente os produtores de lactato ruminal e
reduzir o tamanho do alimento.

FECHAMENTO INCOMPLETO DA GOTEIRA ESOFÁGICA

O fechamento incompleto da goteira esofágica se deve à falha no reflexo do esfíncter reticular e resulta em
acidose ruminal, em bezerros lactentes. A enfermidade apresenta–se como uma doença primária crônica
(síndrome do fechamento incompleto da goteira esofágica) em vitelos, e na sua forma aguda, como complicação
secundária de diversas doenças neonatais, principalmente diarreia do neonato. A enfermidade também foi
relatada em ovinos alimentados artificialmente.
O esfíncter reticular é uma estrutura muscular que se estende do cárdia ao orifício retículo­omasal. O seu
fechamento adequado é essencial para a passagem correta do leite ou de substituto de leite ingerido ao abomaso.
Quando há falha total ou parcial no fechamento do esfíncter reticular, o leite vai para o rúmen e retículo, onde é
fermentado e origina ácidos graxos de cadeia curta e/ou ácido láctico. A subsequente diminuição do pH do
conteúdo ruminal a valor às vezes inferior a 4 causa graus variáveis de inflamação na mucosa dos pré­
estômagos e do abomaso. Em casos crônicos, hiperqueratose ou paraqueratose da mucosa ruminal pode resultar
em motilidade ruminal prejudicada, com timpanismo crônico ou recidivante. Além disso, ocorre atrofia de
vilosidades intestinais e redução da atividade das enzimas da borda em escova, com má digestão e má absorção.
A consequência sistêmica do fechamento incompleto da goteira esofágica que causa indigestão láctea aguda
se deve principalmente à absorção de ácidos orgânicos do trato digestório. Especificamente, isômeros L e D do
ácido láctico podem causar acidose metabólica, com acúmulo de D­lactato, devido à deficiência de uma enzima
específica para seu metabolismo, em mamíferos. Recentemente, o acúmulo de D­lactato foi incriminado como
causa de sinais clínicos, como depressão, ataxia e fraqueza generalizada.
A disfunção primária do esfíncter reticular se deve a condições de estresse (transporte por tempo prolongado,
aglomeração, mudanças no manejo alimentar), principalmente em vitelos alimentados em balde. Geralmente, os
sinais clínicos surgem algumas semanas após a chegada de bezerros para a engorda e se caracterizam por
inapetência, depressão, crescimento retardado, perda de pelos, timpanismo recidivante, distensão do abdome
ventral e excreção de fezes pastosas. Sons indicativos de movimentação de líquido podem ser audíveis ao se
fazer balotamento do flanco esquerdo. A obtenção de conteúdo ruminal fermentado por meio de sonda gástrica
esclarece o diagnóstico. O prognóstico é desfavorável em casos crônicos e avançados. Se a doença for
diagnosticada precocemente, o fornecimento de pequenas quantidades de leite com auxílio de mamadeira ou
balde pode ser útil. Além disso, o fechamento do esfíncter esofágico pode ocorrer quando o bezerro é
estimulado a sugar um dedo antes o fornecimento de leite.
Acidose ruminal aguda secundária a outras enfermidades é observada em maior frequência em bezerros com
diarreia neonatal, mas também quando há doenças que causam dor ou fraqueza. Nestes casos, geralmente o
quadro clínico predominante é o da doença primária. Na ruminite grave, os bezerros podem apresentar ranger de
dentes, dorso arqueado e distensão abdominal discreta. A alimentação forçada dos bezerros inapetentes ou com
anorexia também pode causar acidose ruminal ou agravar a situação, por fornecer substrato para fermentação
adicional.
O prognóstico de indigestão láctea secundária varia principalmente em função da resposta ao tratamento da
doença primária. Bezerros com acidose metabólica e desidratação devido à diarreia neonatal geralmente
apresentam melhora espontânea da indigestão láctea após tratamento adequado e, em geral, a doença não é
detectada. Em bezerros submetidos à alimentação forçada ou que não respondem ao tratamento como se
esperava deve­se suspeitar de indigestão láctea e deve­se realizar exame do fluido ruminal. A remoção do
conteúdo e a lavagem com água morna com auxílio de sonda gástrica podem ser úteis, principalmente após
alimentação forçada por longo tempo. A profilaxia consiste em tratamento precoce dos bezerros doentes,
manejo alimentar adequado e minimização do estresse em bezerros adquiridos.

INDIGESTÃO SIMPLES (INDIGESTÃO ALIMENTAR DISCRETA)

A indigestão simples é um distúrbio menor da função gastrintestinal de ruminantes, que ocorre com maior
frequência em bovinos e, raramente, em ovinos e caprinos. A indigestão simples é diagnosticada por exclusão e
tipicamente está relacionada com alteração abrupta na qualidade ou quantidade da dieta.
ETIOLOGIA: Quase todos os fatores alimentares que podem alterar o ambiente intraruminal podem causar
indigestão simples. A doença é comum em bovinos leiteiros e de corte alimentados manualmente, devido à
variação na qualidade e quantidade de seus alimentos. Os bovinos leiteiros podem ingerir subitamente uma
quantidade excessiva de alimentos altamente palatáveis, como milho ou silagem de capim; os bovinos de corte
podem consumir quantidade excessiva de volumoso de má qualidade e relativamente indigerível durante o
inverno. No decorrer da seca, bovinos e ovinos podem ser forçados a ingerir grande quantidade de palha, cama
ou arbustos de má qualidade. A indigestão simples pode ser decorrência de mudança alimentar súbita, uso de
alimentos estragados ou congelados, introdução de ureia na ração, mudança dos bovinos para uma pastagem de
cereais viçosa ou fornecimento de ração com alto teor de grãos para bovinos de lote de engorda.
Geralmente, a indigestão simples está associada a mudança súbita do pH do conteúdo ruminal, como redução
do pH ruminal devido à fermentação excessiva ou aumento do pH ruminal por putrefação de alimentos
ingeridos. Isto também pode ocorrer em consequência do acúmulo excessivo de alimentos relativamente
indigeríveis que podem prejudicar fisicamente a função ruminal. Em geral, vários animais são acometidos
simultaneamente devido à origem alimentar da indigestão simples, embora a gravidade dos sinais clínicos possa
variar entre eles.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos dependem do tipo de animal acometido e da causa da doença. A
superalimentação com silagem provoca anorexia e diminuição moderada da produção de vacas leiteiras.
Geralmente, o rúmen torna­se repleto, firme e distendido; as contrações primárias estão ausentes ou em menor
frequência, mas as contrações secundárias podem estar presentes, embora, em geral, menos vigorosas. A
temperatura, o pulso e a respiração permanecem normais. As fezes apresentam consistência normal ou firme,
mas em quantidade reduzida. Geralmente ocorre recuperação espontânea em 24 a 48 h.
A indigestão simples causada pela ingestão excessiva de grãos resulta em anorexia e hipomotilidade ou atonia
(estase) ruminal. O rúmen não se apresenta necessariamente repleto e pode conter excesso de líquido.
Geralmente, as fezes são moles ou aquosas e fétidas. O animal acometido permanece alerta e com frequência
volta a se alimentar em 24 h. Relata­se um distúrbio digestivo mais grave devido à ingestão excessiva de grãos,
quando ocorre sobrecarga de grãos (ver a seguir).
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico de indigestão simples baseia­se no histórico de mudança abrupta no tipo e na
quantidade de alimento, com acometimento de vários animais, e na exclusão de outras causas de disfunção de
pré­estômagos. O diagnóstico é confirmado pela coleta e exame do fluido ruminal, que pode indicar pH normal
(< 6 ou > 7), redução do número e do tamanho dos protozoários ou tempo de redução do azul de metileno
prolongado (uma estimativa da atividade bacteriana).
Não há sinais sistêmicos, tampouco respostas doloridas à palpação profunda da cartilagem xifoide, notadas na
reticuloperitonite traumática. As informações obtidas na anamnese e a ausência de cetonúria auxiliam a excluir
a possibilidade de cetose. Geralmente, a ocorrência de deslocamento do abomaso à esquerda pode ser excluída
mediante auscultação e percussão simultâneas.
Indigestão vagal, vólvulo abomasal e vólvulo cecocólico são mais facilmente detectados com a progressão da
doença. Sobrecarga por grãos é diferenciada de indigestão simples por sua maior gravidade e diminuição
acentuada do pH do conteúdo ruminal para < 5,5.
TRATAMENTO: O tratamento visa corrigir os fatores alimentares suspeitos. Ocorre recuperação espontânea
quando os animais são alimentados com alimentos típicos para ruminantes. A administração de cerca de 20 L de
água ou de solução salina morna com auxílio de sonda gástrica, seguida de massagem ruminal vigorosa, pode
ajudar no restabelecimento da função ruminal em bovinos adultos. A administração oral de hidróxido de
magnésio pode ser útil quando ocorre ingestão excessiva de grãos, mas o hidróxido de magnésio deve ser
administrado apenas aos bovinos com pH ruminal baixo (< 6); caso contrário, pode ocorrer alcalinização
excessiva sistêmica e dos pré­estômagos. Fármacos rumenatóricos (p. ex., noz­vômica, gengibre, tártaro
emético, parassimpaticomiméticos) não são recomendados como tratamentos auxiliares. Se ocorre consumo de
quantidade demasiada de ureia (ver p. 3092) ou de proteínas pode­se administrar vinagre (ácido acético) por via
oral, para retornar o pH ruminal à faixa de normalidade. Se o número ou a atividade dos microrganismos
ruminais estiverem reduzidos, é útil a administração de 4 a 8L de fluido ruminal oriundo de uma vaca saudável
(ver p. 2582). Podem ser necessárias soluções eletrolíticas por via oral ou intravenosa, para corrigir os
desequilíbrios eletrolíticos e ácido­base, particularmente em bovinos desidratados.

PARAQUERATOSE RUMINAL

Paraqueratose ruminal é uma doença que acomete bovinos e ovinos, caracterizada por rigidez e aumento de
volume das papilas ruminais. É mais comum em animais alimentados com ração rica em concentrado durante o
período de terminação. Também acomete bovinos alimentados com ração peletizada de alfafa submetida à
tratamento térmico, bem como em bezerros com acidose ruminal crônica devido à indigestão láctea. Não parece
estar relacionada com o fornecimento de antibiótico ou concentrado proteico. A prevalência em um grupo pode
ser tão alta quanto 40%. Acredita­se que as lesões sejam causadas pela redução do pH e pelo aumento da
concentração de ácidos graxos voláteis (AGV) no fluido ruminal e geralmente não ocorre em bovinos
alimentados com grãos inteiros não processados (em que os animais ganham peso rapidamente). Isto pode estar
relacionado com o aumento do pH e da concentração de ácido acético, em comparação com o teor de AGV de
cadeia longa no fluido ruminal.
Várias papilas apresentam aumento de volume e rigidez e muitas delas podem se aderir formando agregados.
Comumente, as papilas do saco ventral anterior são acometidas. Nos bovinos, o teto do saco dorsal pode exibir
focos múltiplos (cada um com 2 a 3 cm2) de paraqueratose. Nos ovinos, as papilas anormais podem ser visíveis
e palpáveis na parede ruminal intacta. As papilas acometidas contêm camadas excessivas de células epiteliais
ceratinizadas, partículas de alimentos e bactérias. Durante a preparação do rúmen dos bovinos para o consumo
humano, sua limpeza é difícil. O epitélio anormal, por interferir na absorção, pode reduzir a eficiência alimentar
e o ganho de peso, embora existam poucas evidências que sustentem essa teoria.
Paraqueratose ruminal pode ser evitada mediante a alimentação de animais de terminação com ração que
contenha 1 parte de volumoso para 3 partes de concentrado. Não estão bem estabelecidos a necessidade e o
impacto econômico da prevenção.

RETICULOPERITONITE TRAUMÁTICA (Doença de metais, Gastrite traumática)

A reticuloperitonite traumática surge como consequência da perfuração do retículo. É importante inclui­la no


A reticuloperitonite traumática surge como consequência da perfuração do retículo. É importante inclui­la no
diagnóstico diferencial de outras doenças caracterizadas por estase do trato GI, pois causa sintomas
semelhantes. Reticuloperitonite traumática é mais comum em bovinos leiteiros adultos, ocasionalmente é
observada em bovinos de corte e raramente em outros ruminantes.
Os bovinos costumam ingerir objetos estranhos, pois não distinguem materiais metálicos nos alimentos e não
mastigam completamente os alimentos antes de engoli­los. A doença é comum quando se preparam forrageira,
silagem e feno de pastos que contêm cercas ou fios de arame farpado enferrujados e velhos, ou quando os pastos
se encontram em áreas ou locais nos quais se tenham construído, queimado ou demolido prédios, recentemente.
A ração de grãos também pode ser uma fonte devido à adição acidental de metais.
ETIOLOGIA: Os objetos metálicos engolidos, como pregos ou pedaços de arame, vão diretamente ao retículo ou
passam para o interior do rúmen e são, subsequentemente, transportados para a dobra ruminorreticular, na parte
cranioventral do retículo, pelas contrações ruminais. O orifício retículo­omasal situa­se acima do assoalho deste
pré­estômago, o que tende a reter objetos pesados no retículo, e a mucosa do retículo, semelhante a um favo de
mel, aprisiona objetos pontiagudos. As contrações do retículo fazem com que o objeto estranho penetre na
parede. A compressão do rúmen e retículo, pelo útero, no final da prenhez e o esforço durante o parto aumentam
a probabilidade de uma penetração inicial no retículo; também, podem eliminar aderências causadas por uma
penetração anterior.
A perfuração da parede do retículo permite extravasamento de ingesta e bactérias, que contaminam a
cavidade peritoneal. A peritonite resultante geralmente é localizada e causa aderências. Menos comumente,
desenvolve­se peritonite difusa mais grave. O objeto pode penetrar no diafragma e na cavidade torácica
(causando pleurite e, às vezes, abscesso pulmonar) e no saco pericárdico (causando pericardite, às vezes seguida
de miocardite). Ocasionalmente, o fígado ou o baço podem ser perfurados e se tornarem infectados, o que causa
abscesso ou pode ocasionar sepse.

Relação entre retículo, diafragma e coração/pericárdio em grandes ruminantes. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

ACHADOS CLÍNICOS: A lesão inicial no retículo caracteriza­se por início agudo de atonia ruminorreticular e
queda acentuada na produção de leite. A defecação diminui. Geralmente, a temperatura retal encontra­se
discretamente elevada. A frequência cardíaca permanece normal ou ligeiramente aumentada e a respiração é
superficial e rápida. Inicialmente, a vaca apresenta dorso arqueado, expressão ansiosa, relutância em se mover e
marcha difícil e cuidadosa. Os movimentos súbitos forçados, bem como defecação, micção, ato de deitar e de
levantar e o pisar sobre barreiras, podem ser acompanhados de gemidos. Pode­se estimular a emissão de ronco
por meio de pressão na cartilagem xifoide ou pelo beliscamento firme da cernelha, que causa extensão do tórax
e do abdome inferior. O ronco pode ser detectado por um estetoscópio colocado sobre a traqueia e aplicação de
pressão ou beliscamento da cernelha ao final da inspiração. Podem­se observar tremores no músculo tríceps e
abdução do cotovelo.
Nos casos crônicos, há redução do apetite e da defecação e a produção de leite é baixa. Os sinais de dor
abdominal cranial tornam­se menos aparentes e a temperatura retal geralmente retorna ao normal à medida que
a inflamação aguda diminui e a contaminação peritoneal é isolada. Alguns bovinos desenvolvem síndrome da
indigestão vagal (ver a seguir), devido às aderências que se formam após perfuração por corpo estranho,
particularmente uma perfuração no retículo ventromedial.
As vacas com pleurite ou pericardite decorrente de perfuração por corpo estranho geralmente apresentam
depressão, taquicardia (> 90 bpm) e febre (40°C). A pleurite manifesta­se por respiração rápida e superficial,
abafamento dos sons pulmonares e, possivelmente, atrito pleural. Toracocentese pode mostrar vários litros de
fluido séptico. A pericardite traumática é caracterizada, com maior frequência, por abafamento das bulhas
cardíacas; entretanto, na fase inicial da doença, atrito pericárdico e sons de gases e fluidos (ruído de máquina de
lavar roupa) podem ser notados à auscultação. Ocorre distensão da veia jugular e insuficiência cardíaca
congestiva, com edema submandibular e peitoral acentuados como sequelas frequentes de reticulopericardite
traumática. O prognóstico é desfavorável quando há essas complicações. Uma penetração do pericárdio até o
miocárdio geralmente causa extensa hemorragia no saco pericárdico ou arritmia ventricular e morte súbita.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico pode se basear nas informações da anamnese (quando disponíveis) e nos achados
clínicos, desde que a vaca seja examinada ao início dos sinais iniciais. Sem uma anamnese minuciosa e no caso
de enfermidade presente há vários dias o diagnóstico é mais difícil. Outras causas de peritonite, particularmente
úlcera abomasal perfurada, podem ser difíceis de distinguir de reticuloperitonite traumática. Os diagnósticos
diferenciais devem incluir enfermidades que possam causar sintomas GI variáveis ou inespecíficos, por
exemplo, indigestão, linfossarcoma ou obstrução intestinal. Devem­se descartar deslocamento do abomaso ou
vólvulo por meio de auscultação e percussão simultâneas. Pleurite ou pericardite de origem não traumática
causam sinais semelhantes àqueles associados a perfuração por corpo estranho.
Embora nem sempre sejam necessários, os exames laboratoriais podem ser úteis. Em vários casos, há
neutrofilia com desvio à esquerda. As concentrações séricas de haptoglobina e de amiloide A, bem como de
proteína total plasmática e de fibrinogênio podem estar elevadas. Os animais acometidos podem apresentar
distúrbios de coagulação, como tempo de protrombina, tempo de trombina e tempo de tromboplastina parcial
ativada prolongados. O estado ácido­base e os teores séricos de eletrólitos tipicamente são normais, pois a
absorção no abomaso e no intestino delgado pode permanecer inalterada. No entanto, pode haver alcalose
metabólica hipoclorêmica e hipopotassêmica marcante, possivelmente devido ao íleo adinâmico decorrente de
peritonite, podendo afetar a motilidade GI, inclusive do abomaso, e a reabsorção das secreções abomasais. A
alcalose metabólica pode ser induzida ou exacerbada por tratamento com agentes alcalinizantes, como hidróxido
de magnésio, utilizados como laxantes. A análise do líquido peritoneal pode ser útil para avaliar se há peritonite,
principalmente a mensuração da concentração de D­dímero e a porcentagem de neutrófilos no líquido
peritoneal. Entretanto, a peritonite geralmente é mascarada e, nesse caso, os valores dos exames do fluido
peritoneal situam­se na faixa de normalidade, exceto quando o material é coletado exatamente no local da lesão.
A presença de um imã no retículo pode ser detectada pelo movimento de uma bússola posicionada no abdome
cranioventral; a presença de um imã no retículo faz com que seja pouco provável a existência de
reticuloperitonite traumática, exceto se o objeto perfurante não for magnético.
O método diagnóstico mais confiável para peritonite localizada próximo ao retículo e para caracterizar o
número de contrações reticulares é a ultrassonografia do abdome ventral. Isso raramente detecta a presença de
um objeto penetrante. A ultrassonografia de coração e tórax é muito útil no diagnóstico de pleurite e pericardite
como sequelas de reticulopericardite traumática.
As radiografias laterais do abdome cranioventral podem revelar um material metálico no retículo, mas devem
ser realizadas apenas após a administração de um imã por VO. Para determinar se o retículo foi perfurado, o
corpo estranho deve ser visível além da borda do retículo, não aderido ao imã localizado neste ou posicionado
fora do assoalho reticular. Uma depressão na face cranioventral do retículo ou a identificação de abscesso (por
acúmulo de gás fora de uma víscera), de massas de tecido mole ou de uma linha de fluido no abdome cranial
também são achados radiográficos confiáveis sugestivos de material penetrante. Os aparelhos de radiografia
portáteis não conseguem penetrar na área reticular de bovinos adultos em pé e o animal pode precisar ser
transportado para um local onde exista equipamento com capacidade suficiente para isso. Vaca não deve ser
colocada em decúbito dorsal para obter as radiografias, pois esta manipulação altera a aderência no foco da
lesão e pode causar peritonite localizada, que se torna difusa devido à disseminação da infecção por gravidade.
Os detectores de metal eletrônicos podem identificar material metálico no retículo, mas não distinguem
corpos estranhos perfurantes daqueles não perfurantes.
TRATAMENTO: O tratamento de um caso típico diagnosticado no início de seu curso pode ser cirúrgico ou
clínico. Qualquer uma das abordagens melhora as chances de recuperação, de cerca de 60%, nos casos não
tratados, para 80 a 90%. A cirurgia envolve rumenotomia com remoção manual do(s) objeto(s) do retículo; se
um abscesso se encontra aderido ao retículo, esse deve ser aspirado (para confirmar que se trata de um abscesso)
e depois drenado no interior do retículo. Deve­se administrar antimicrobiano no pré­operatório. O tratamento
clínico envolve a administração de antibacterianos, para controlar a peritonite, e de um ímã, para evitar recidiva.
Devido à flora bacteriana mista na lesão deve­se utilizar um antimicrobiano de amplo espectro, como
oxitetraciclina (16 mg/kg IV, 1 vez/dia). A penicilina (22.000 UI/kg IM, 2 vezes/dia) é utilizada amplamente,
sendo efetiva em muitos casos, apesar do seu espectro limitado. As vacas acometidas devem ser confinadas por
1 a 2 semanas; acredita­se que a colocação destes animais em aclive pode limitar a penetração adicional do
objeto estranho, mas não há comprovação científica. Deve–se administrar terapia de suporte, como fluido oral
ou, ocasionalmente, IV e borogliconato de cálcio SC, conforme necessário. A inoculação ruminal é benéfica em
alguns casos de estase ruminal prolongada e perda da flora normal.
Os casos mais graves, com complicações secundárias evidentes, ou aqueles que não respondem à terapia
medicamentosa ou cirúrgica inicial devem ser avaliados sob uma perspectiva econômica; se a vaca tiver baixo
valor, o abate deverá ser considerado, desde que a carcaça passe por uma inspeção.
PREVENÇÃO: As medidas preventivas incluem evitar o uso de arame farpado, passar os alimentos sobre ímãs
para remover objetos metálicos, não manter os bovinos em locais de construções novas e remover
completamente construções e cercas antigas. Além disso, pode­se administrar ímãs em barra, VO,
preferivelmente depois de jejum de 18 a 24 h. Em geral, o ímã permanece no retículo e aprisiona quaisquer
objetos ferromagnéticos em sua superfície. Há boas evidências de que a administração de ímã a todas as
novilhas e aos touros de reposição com cerca de 1 ano de idade minimiza a ocorrência de reticuloperitonite
traumática.

SÍNDROME DA INDIGESTÃO VAGAL (Indigestão crônica)

A síndrome da indigestão vagal caracteriza–se por desenvolvimento gradual de distensão abdominal secundária
à distensão de rúmen e retículo. Originalmente, acreditava­se que a distensão resultava de lesões que afetavam o
nervo vago ventral. A síndrome da indigestão vagal ocorre com maior frequência em bovinos, mas já foi
relatada em ovinos.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: As doenças que causam lesão, inflamação ou compressão do nervo vago podem
resultar em sinais clínicos de síndrome da indigestão vagal. No entanto, na maioria dos casos de indigestão
vagal não há lesão do nervo vago e a causa mais comum é reticuloperitonite traumática (ver p. 291). As
enfermidades que resultam em obstrução mecânica do cárdia ou do orifício retículo­omasal (p. ex., papiloma ou
ingestão de placenta) também podem causar indigestão vagal se ocorre distensão de rúmen e retículo e se a
doença for subaguda ou crônica.
Historicamente, há relato de 4 tipos de indigestão vagal com base no local da obstrução funcional. O tipo I
envolve falha de eructação ou timpanismo com gás livre; o tipo II implica falha no transporte do omaso; o tipo
III envolve impactação secundária do abomaso e o tipo IV indigestão em gestação avançada. Os tipos I e IV são
raros.
A indigestão vagal tipo I, ou falha na eructação, resulta em timpanismo com gás livre, e deve­se a lesão
inflamatória próxima ao nervo vago, como peritonite localizada, aderências (geralmente após um episódio de
reticuloperitonite traumática), ou pneumonia crônica com mediastinite anterior. Outras possíveis causas de
indigestão vagal tipo I incluem traumatismo faringiano, que afeta uma parte mais proximal do nervo vago, e
compressão esofágica por abscessos ou neoplasias, como linfossarcoma. A indigestão vagal pode se instalar em
bovinos, após vólvulo de abomaso sem impactação. Estes casos devem ser incluídos na categoria de indigestão
vagal tipo I com lesão do nervo vago próximo ao retículo e omaso.
A indigestão vagal tipo II, melhor definida como falha no transporte do omaso, desenvolve­se como resultado
de qualquer enfermidade que impeça que a ingesta passe do canal do omaso ao abomaso. As aderências e os
abscessos (abscessos reticular ou hepático único) são as causas mais comuns de falha no transporte do omaso e,
em geral, localizam­se na parede reticular direita ou medial, próximo ao trajeto do nervo vago. Os abscessos e
as aderências reticulares se devem, quase que invariavelmente, à reticuloperitonite traumática. A obstrução
mecânica do canal do omaso por material ingerido (p. ex., sacolas plásticas, cordas, placenta) ou por massas (p.
ex., linfossarcoma, carcinoma de célula escamosa, granulomas ou papilomas) também pode causar distensão
ruminal e reticular crônica decorrente de falha no transporte do omaso.
A indigestão vagal tipo III envolve uma impactação secundária do abomaso. Impactação primária do
abomaso se desenvolve em razão de alimentação com volumoso seco e grosseiro, como palha, picado ou
triturado, com acesso restrito à água e, em geral, durante temperaturas extremamente baixas (ver p. 277). A
impactação secundária do abomaso ocorre com maior frequência após um episódio de reticuloperitonite
traumática ou, ocasionalmente, como sequela de vólvulo do abomaso. A fixação mecânica do retículo ao
assoalho do abdome ventral em bovinos com reticuloperitonite altera a capacidade de filtração normal do
retículo, com a passagem de fibras maiores (> 2 mm de comprimento) ao abomaso. O abomaso tem dificuldade
em eliminar partículas de alimentos maiores, devido ao aumento da viscosidade e, dessa forma, estas se
acumulam no abomaso e resultam em impactação.
A indigestão vagal tipo IV, ou obstrução parcial dos pré­estômagos, é pouco definida. Tipicamente acomete
vacas prenhes, sendo melhor relatada como indigestão em gestação avançada. Acredita­se que esta enfermidade
esteja relacionada com o aumento do volume uterino, que desvia o abomaso para uma posição mais cranial,
impedindo seu esvaziamento normal.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos variam de acordo com a localização da obstrução. Em todos os casos,
ocorre desenvolvimento gradual (ao longo de dias a semanas) de distensão abdominal secundária à distensão de
rúmen e retículo. A distensão dos sacos dorsal e ventral do rúmen resulta em um rúmen “em forma de L”, ao
exame retal. A distensão dorsal esquerda e ventral esquerda e direita do abdome estabelece uma forma de “pera­
maçã” quando o animal é inspecionado por trás.
Os bovinos com síndrome da indigestão vagal apresentam diminuição do apetite que melhora,
temporariamente, se a distensão for aliviada. A produção de leite diminui gradualmente, a defecação fica
reduzida e o rúmen desenvolve uma consistência de líquido com som de fluido. Tipicamente as fezes são
bastante escassas e viscosas e podem conter partículas maiores do que o normal. A força das contrações
ruminais diminui; no entanto, a motilidade do rúmen frequentemente aumenta (3 a 4 contrações por minuto).
Comumente é possível observar movimentos da parede abdominal esquerda que reflete os movimentos da
hiperatividade ruminal. No entanto, os sons de contração do rúmen não são audíveis, pois o conteúdo torna­se
espumoso devido às contrações prolongadas e à falha no esvaziamento do órgão.
Temperatura e frequência respiratória geralmente são normais; contudo, essas variáveis podem aumentar,
dependendo da causa. Bradicardia está presente em 25 a 40% dos casos e ocorre devido à diminuição da
ingestão de alimento e não pela estimulação direta do nervo vago. Taquicardia desenvolve­se à medida que a
doença progride e o animal pode apresentar desidratação. Com o tempo, o bovino desenvolve pelame áspero,
perde sua condição corporal, enfraquece (em alguns casos, chega ao decúbito) e manifesta sinais clínicos
evidentes de desidratação.
Na palpação retal, o rúmen se apresenta distendido por gás ou espuma, ocupando todo o abdome esquerdo e
pressionando o rim esquerdo para a direita da linha média. O saco ventral ruminal aumenta de volume e torna­se
palpável também à direita da linha média (o característico rúmen em “forma de L”). É importante saber que o
diagnóstico de síndrome da indigestão vagal requer a constatação de aumento de volume marcante de rúmen e
retículo. A palpação da metade inferior do lado direito do abdome, abaixo da junção costocondral, pode detectar
abomaso impactado que parece frouxo. Os achados hematológicos são variáveis. O VG pode estar aumentado
devido à desidratação ou diminuído por depressão da medula óssea (anemia por doença crônica). O número de
leucócitos pode estar normal, aumentado ou diminuído. Se há enfermidade inflamatória, como peritonite, a
proporção neutrófilos:linfócitos tipicamente se inverte e pode ocorrer neutrofilia. Linfocitose pode ser um
achado na indigestão vagal decorrente de linfossarcoma. Leucopenia pode ser notada em caso de peritonite
difusa. Quando há abscesso pode ocorrer aumento das concentrações séricas de globulinas e de proteína total.
O estado metabólico permanece normal ou pode ocorrer alcalose metabólica. A concentração sérica de cloro
varia de acordo com o local da obstrução. Geralmente, permanece normal se a lesão for proximal ao abomaso.
Baixo teor sérico de cloro indica refluxo de cloreto do abomaso para o rúmen (vômito interno) e obstrução na
altura do abomaso (tipo III). Se a concentração sérica de cloro está diminuída, tipicamente ocorre alcalose
metabólica. A concentração de cloro no rúmen aumenta na indigestão vagal tipo III, sendo uma maneira útil de
diferenciar indigestão vagal tipo II daquela tipo III. A concentração sérica de potássio geralmente diminui
devido à redução na ingestão de alimento. A concentração sérica de cálcio encontra­se, com frequência,
moderadamente diminuída devido à produção contínua de leite; no entanto, pode estar baixa o bastante para
causar decúbito. As concentrações séricas de ureia e creatinina aumentam com a desidratação, em razão da
azotemia pré­renal.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico baseia­se na constatação de distensão abdominal e de rúmen e retículo subaguda
ou crônica. Como a indigestão vagal é, por definição, uma doença subaguda ou crônica, esse diagnóstico não
deve ser feito em bovinos que não estejam doentes durante, pelo menos, vários dias, o que exclui a possibilidade
de timpanismo ruminal aguda e timpanismo espumoso agudo. Outras causas de distensão abdominal, como
ascite e aumento de volume uterino, incluem–se no diagnóstico diferencial e podem, quase que invariavelmente,
ser excluídas por meio de palpação retal, devido à ausência de distensão de rúmen e retículo. Casos esporádicos
de obstrução crônica de ceco ou intestino delgado podem causar distensão abdominal e de rúmen e retículo
grave; no entanto, uma distensão palpável no ceco ou no intestino delgado também é palpável por VR. Além
disso, o rúmen fica distendido, mas não em “forma de L” e há um ruído característico no caso de vólvulo
cecocólico.
O diagnóstico da causa específica de indigestão vagal é mais difícil, mas é importante devido às diferenças no
tratamento e no prognóstico. Exame físico, exame retal, hemograma, condição ácido­base do sangue e perfil
bioquímico sérico frequentemente são úteis. O exame do fluido peritoneal pode sustentar o diagnóstico de
peritonite se há aumento da concentração de proteína total ou da quantidade de células nucleadas. Devem–se
obter radiografias laterais do retículo para detectar corpo estranho linear radiopaco (p. ex., um arame) ou
abscesso reticular. A ultrassonografia do abdome cranioventral pode indicar peritonite focal e, também, a
frequência de contração do retículo. Geralmente, o diagnóstico definitivo requer cirurgia exploratória
(laparotomia com incisão na fossa paralombar esquerda e rumenotomia).
TRATAMENTO E PROGNÓSTICO: Se o valor do animal justifica o tratamento, quase sempre é necessária cirurgia
para identificar e corrigir adequadamente a causa primária. O tratamento medicamentoso isoladamente,
geralmente é ineficaz. A laparotomia na fossa paralombar esquerda e rumenotomia propiciam a oportunidade de
um tratamento definitivo, em alguns casos. O esvaziamento do rúmen no momento da cirurgia pode ajudar no
restabelecimento da motilidade ruminal normal. Em condições normais, a estimulação dos receptores de tensão
de baixo limiar do retículo causa contrações reticulorruminais reflexas. No entanto, uma distensão grave
provoca estimulação de receptores de alto limiar, que têm efeito oposto e inibem as contrações.
Em todos os casos, deve­se instituir terapia de suporte ou sintomática, que envolve tipicamente a correção da
desidratação, bem como dos déficits de cálcio e de outros eletrólitos, comumente com uso de solução oral de
fluidos e eletrólitos. Os animais muito desidratados e aqueles com doença de longa duração requerem
fluidoterapia IV. Água fresca e alimentação normal devem estar disponíveis. A transfaunação durante a cirurgia
e/ou via sonda oroesofágica podem ajudar no restabelecimento da flora ruminal normal em bovinos com
anorexia prolongada. Antibióticos (penicilina procaína ou oxitetraciclina) devem ser administrados se a causa
primária é uma infecção ou caso se forme uma fístula ruminal.
O tratamento da indigestão vagal tipo I (falha na eructação) também envolve tipicamente a criação de uma
fístula ruminal para permitir a saída do gás livre. Se a cirurgia não é economicamente viável e a causa primária
da indigestão vagal já tenha sido identificada e tratada, pode­se colocar, temporariamente, um trocarte ruminal.
Este trocarte encontra­se disponível no mercado e deve ser seguro e propiciar autorretenção, de modo a evitar
possível extravasamento fatal do conteúdo ruminal no interior da cavidade peritoneal. O trocarte não deve ser
removido por pelo menos duas semanas, para permitir que se formem aderências firmes entre o rúmen e a
parede corporal.
O prognóstico de animais com indigestão vagal tipo I geralmente é favorável. Após a criação de uma fístula
ruminal, os sintomas de indigestão vagal se resolvem em quase todos os casos. No entanto, os animais com
doença respiratória crônica ou traumatismo faringiano podem não se recuperar da doença primária. O
extravasamento da ingesta pela fístula pode causar produção de leite com sabor desagradável. Pode ocorrer
peritonite a partir de vazamento ao redor da fístula ou após rumenotomia; no entanto, isso não deve acontecer
com uma boa técnica cirúrgica.
O tratamento de indigestão vagal tipo II (falha no transporte do omaso) raramente responde à terapia de
suporte ou sintomática, sem uma intervenção cirúrgica. Podem­se utilizar laparotomia na fossa paralombar
esquerda e rumenotomia para detectar aderências próximas ao retículo, abscessos reticulares ou hepáticos ou
obstrução do canal do omaso. A remoção de corpos estranhos, fios de arame e alguns tumores durante a cirurgia
e a drenagem de abscessos perirreticulares no interior do retículo propicia prognóstico excelente. O diagnóstico
de linfossarcoma durante a cirurgia implica prognóstico ruim. Os abscessos reticulares detectados na cirurgia
devem ser drenados cuidadosamente no interior do retículo e deve­se administrar antibióticos por 10 a 14 dias.
Notadamente, 83% dos bovinos com abscessos reticulares respondem favoravelmente ao tratamento. A
identificação de aderências próximas ao retículo justifica um prognóstico razoável ou bom com emprego de
cirurgia, terapia antimicrobiana e tratamento de suporte apropriados. Os abscessos hepáticos devem ser
drenados em uma segunda cirurgia. As cânulas de grande calibre, colocadas através das aderências da parede
corporal e no interior do abscesso drenam o conteúdo purulento. No entanto, recidiva é um problema maior no
caso de abscesso hepático do que de abscesso de retículo.
Animais com indigestão vagal tipo III (impactação secundária do abomaso) diagnosticados sem cirurgia
geralmente não recebem tratamento adicional algum devido ao mau prognóstico, em particular quando há
histórico de reticuloperitonite traumática ou vólvulo do abomaso. Se o diagnóstico é obtido na cirurgia ou
presume­se que a impactação do abomaso seja de origem alimentar, pode­se infundir sulfossuccinato sódico de
dioctila diretamente no abomaso, pelo orifício retículo­omasal, após esvaziamento do rúmen. Pode­se introduzir
uma sonda nasogástrica no abomaso pelo orifício retículo­omasal durante a cirurgia e deixá­la nessa posição
para um tratamento contínuo (3,8 L de óleo mineral/dia, por 3 a 5 dias). Se possível, deve­se remover
manualmente o material impactado através do orifício retículo­omasal. Outras lesões, como abscesso na parede
medial do retículo, devem ser identificadas e drenadas. Como último pode–se realizar abomasotomia e remoção
do conteúdo do abomaso, utilizando acesso paracostal direito, com o animal em decúbito lateral esquerdo. No
entanto, é comum ocorrer recidiva da impactação. A obstrução pilórica nos bovinos é rara e se deve mais
frequentemente a um corpo estranho que obstrua o lúmen. A piloromiotomia quase nunca é efetiva na resolução
de impactação de abomaso.
O prognóstico da indigestão vagal tipo III é ruim, independente da causa ou do tratamento. No entanto,
bovinos com impactação primária de abomaso respondem à terapia, o que não acontece com os animais
gravemente acometidos (ver p. 277). Bovinos com impactação secundária à reticuloperitonite traumática ou
como sequela de vólvulo do abomaso raramente se recuperam. O prognóstico em animais com corpos estranhos
(p. ex., tricobezoares) que obstruem o piloro é favorável, se a obstrução é removida.
Recomenda­se aborto terapêutico como tratamento de vacas com indigestão vagal tipo IV (indigestão por
gestação avançada) e algumas vacas melhoram com esse tratamento; no entanto, como a indigestão vagal tipo
IV é uma enfermidade pouco relatada, o prognóstico sempre é reservado. Um prognóstico mais específico
baseia­se na resposta à terapia e na identificação de uma lesão específica durante a celiotomia e rumenotomia
exploratória.
PREVENÇÃO: A causa mais comum de síndrome da indigestão vagal é reticuloperitonite traumática, que causa
aderências e abscessos que interferem na motilidade do retículo e na estratificação adequada das partículas
alimentares que passam pelo abomaso. Portanto, a prevenção de reticuloperitonite traumática é importante. As
boas práticas de manejo podem evitar alguns casos de indigestão vagal associados à pneumonia crônica. O
diagnóstico precoce de vólvulo de abomaso e a correção cirúrgica no dia do diagnóstico podem evitar alguns
casos.

SOBRECARGA POR GRÃOS (Acidose láctica, Ingestão excessiva de carboidratos,

Rumenite)

A sobrecarga por grãos é uma doença aguda de ruminantes, caracterizada por hipomotilidade ou atonia ruminal,
desidratação, acidose, diarreia, toxemia, incoordenação, colapso e, em casos graves, morte.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: A doença é mais comum em bovinos que acidentalmente teve acesso a grande
quantidade de carboidratos facilmente digestíveis, especialmente grãos. A sobrecarga por grãos também é
comum em bovinos de lote de engorda, quando são submetidos bruscamente a dietas ricas em grãos. Trigo,
cevada e milho são os grãos mais facilmente digestíveis; a digestão de aveia é mais demorada. As causas menos
comuns incluem consumo excessivo de maçãs, uvas, pães, massas de farinha, beterrabas açucareiras e
forrageiras, batatas ou grãos de cervejaria molhados e azedos que não foram completamente fermentados na
cervejaria. A quantidade de alimento necessária para induzir doença aguda depende do tipo de grão, da ingestão
prévia desses grãos pelo animal, do estado nutricional e da condição do animal e da natureza da microflora
ruminal. Bovinos acostumados com dietas ricas em grãos podem consumir 15 a 20 kg de grãos e desenvolver
apenas uma enfermidade moderada, enquanto outros podem manifestar doença aguda e morrer após consumir
10 kg de grãos.
A ingestão de quantidade tóxica de carboidratos altamente fermentáveis é seguida de alteração da população
microbiana do rúmen, após 2 a 6 h. O número de bactérias gram­positivas (Streptococcus bovis) aumenta
acentuadamente, resultando em produção de grande quantidade de ácido láctico. O pH ruminal diminui para =
5, condição que destrói os protozoários, microrganismos celulolíticos e que utilizam lactato, além de prejudicar
a motilidade ruminal. O pH baixo permite que os lactobacilos utilizem os carboidratos e produzam quantidade
excessiva de ácido láctico. A superposição de ácido láctico e de seus sais, L­lactato e D­lactato, nos solutos
existentes no fluido ruminal causam aumento substancial da pressão osmótica, o que provoca transferência de
quantidade excessiva de fluido ao rúmen, causando desidratação.
O pH ruminal baixo causa ruminite química e a absorção de lactato, particularmente D­lactato, resulta em
acidose láctica e acidemia. Além de acidose metabólica (íons fortes) e desidratação, as consequências
fisiopatológicas são hemoconcentração, colapso cardiovascular, insuficiência renal, fraqueza muscular, choque e
morte. Os animais que sobrevivem podem desenvolver ruminite micótica em alguns dias e abscessos hepáticos
após várias semanas ou meses. Pode haver evidência de lesão ao epitélio ruminal por ocasião do abate. A
relação entre a sobrecarga por grãos e a ocorrência de laminite crônica em bovinos não está bem definida.
ACHADOS CLÍNICOS: A ingestão excessiva de carboidratos resulta em enfermidades que variam de indigestão
simples (p. 289) à acidemia rapidamente fatal e acidose por íons fortes (metabólica). O período entre a ingestão
excessiva e o início dos sinais é menor quando o animal consome alimento triturado do que quando ingere grãos
inteiros e a gravidade aumenta de acordo com a quantidade ingerida. Poucas horas após o ingurgitamento a
única anormalidade detectável pode ser aumento de volume ruminal e, possivelmente, dor abdominal
(manifestada por coices no ventre ou ato de caminhar apoiando­se nos membros pélvicos). Na forma discreta, os
movimentos ruminais diminuem, mas não são completamente ausentes; os bovinos apresentam anorexia, porém
permanecem alertas; e diarreia é comum. Em geral, os animais voltam a se alimentar após 3 a 4 dias, sem
qualquer tratamento específico.
Após 24 a 48 h do início da sobrecarga grave alguns animais permanecem em decúbito, alguns cambaleiam e
outros se mantém de pé, quietos; todos os bovinos ficam distantes dos alimentos. Imediatamente após consumir
grande quantidade de grãos secos, os bovinos podem ingerir água em excesso, mas quando doentes geralmente
não bebem de forma alguma.
Comumente, a temperatura corpórea encontra­se abaixo do normal, 36,5 a 38,5°C; no entanto, nos animais
expostos ao sol em clima quente ela pode aumentar para 41°C. A respiração tende a ser superficial e rápida,
com 60 a 90 movimentos respiratórios/min. Geralmente, a frequência cardíaca aumenta de acordo com a
gravidade da acidose; em bovinos com frequência > 120 bpm o prognóstico é ruim. Diarreia é comum, quase
sempre abundante e fétida. As fezes são moles ou líquidas, amarelas ou castanhas e apresentam odor agridoce
evidente. As fezes frequentemente contêm grãos não digeridos do alimento que ocasionou a sobrecarga. Nos
casos discretos, a desidratação equivale a 4 a 6% do peso corporal; nos casos graves, é de até 10 a 12%.
Na sobrecarga por grãos grave, as contrações ruminais primárias desaparecem completamente, embora
durante a auscultação sejam audíveis borborigmos do gás que sobe através do grande volume de fluido.
Balotamento e auscultação no flanco esquerdo podem estimular ruídos de fluido no rúmen. O conteúdo ruminal,
palpado na fossa paralombar esquerda, pode estar firme e pastoso em bovinos que receberam previamente dieta
de volumoso e consumiram grande quantidade de grãos. Em bovinos que adoecem com menor quantidade de
grãos não se nota necessariamente o rúmen repleto, mas como um tecido elástico, devido ao excesso de fluido.
Os animais gravemente acometidos cambaleiam e podem trombar com objetos; o reflexo palpebral torna­se
lento ou ausente e o reflexo da pupila à luz geralmente está presente, porém mais lento do que o normal. Os
animais acometidos comumente deitam­se quietos, em geral com a cabeça virada para o flanco e sua resposta a
qualquer estímulo encontra­se muito diminuída, de forma que lembra um quadro de paresia da parturiente.
Pode­se constatar laminite aguda, sendo mais comum nos animais não gravemente acometidos; pode ocorrer
laminite crônica semanas ou meses depois. Anúria é um achado comum nos casos agudos; diurese, após
fluidoterapia, é um sinal de bom prognóstico.
O paciente pode morrer em 24 a 72 h e o desenvolvimento rápido de sinais agudos, particularmente decúbito,
indica necessidade de tratamento agressivo. Redução da frequência cardíaca, elevação da temperatura, retorno
do movimento ruminal e eliminação de grande quantidade de fezes amolecidas são sinais mais favoráveis. No
entanto, alguns animais parecem melhorar temporariamente, mas adoecem com mais gravidade após 3 a 4 dias,
provavelmente devido à grave ruminite fúngica ou bacteriana; morte por peritonite difusa aguda geralmente
ocorre em 2 a 3 dias. Vacas prenhes que sobrevivem à forma grave da doença podem abortar após 10 a 14 dias
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico geralmente é óbvio quando há disponibilidade de informações da anamnese e
vários animais são acometidos. O diagnóstico pode ser confirmado pelos achados clínicos, com baixo pH
ruminal (< 5 em bovinos não acostumados à dieta rica em grãos) e exame da microflora ruminal para pesquisa
de protozoários vivos. Quando apenas um animal está envolvido e não há histórico de ingestão excessiva, o
diagnóstico é menos óbvio, mas os sinais clínicos – estase ruminal com ruído de fluido, diarreia, ataxia e
temperatura normal – são característicos. Nestes animais, é necessário exame do fluido ruminal para confirmar
o diagnóstico de sobrecarga por grãos.
Embora a paresia parturiente (p. 1058) possa parecer com sobrecarga ruminal, não há diarreia e desidratação
típicas, nota­se menor intensidade das bulhas cardíacas e a resposta a uma injeção de cálcio geralmente é
eficiente. Mastite coliforme hiperaguda e peritonite difusa aguda também podem lembrar sobrecarga por grãos,
mas geralmente um exame cuidadoso revela a causa da toxemia.
Para evitar aumento do pH durante exposição ao ar, o pH do fluido ruminal obtido por sonda ororruminal ou
paracentese deve ser mensurado imediatamente. Normalmente, o pH em bovinos que recebem dieta com
volumoso varia de 6 a 7; em bovinos alimentados com dieta rica em grãos varia de 5,5 a 6. Valores abaixo de
5,5 sugerem fortemente sobrecarga por grãos e pH ruminal < 5 indica acidemia grave e acidose metabólica. Um
papel indicador de pH de amplo espectro (2 a 11) é adequado para uso a campo. O fluido ruminal também deve
ser submetido ao exame microscópico, se há disponibilidade de um laboratório. Nos bovinos acometidos o
fluido contém número reduzido de protozoários (especialmente protozoários de tamanhos médio e grande). A
coloração do fluido ruminal pela técnica de Gram revela alteração, de bactérias predominantemente gram­
negativas (normal) para bactérias predominantemente gram­positivas na sobrecarga por grãos, com perda
concomitante da diversidade bacteriana.
Também, nota­se aumento dos teores sanguíneos de D­lactato e L­lactato e de fosfato inorgânico,
hipocalcemia discreta e redução do pH urinário, mas raramente é necessário mensurar tais valores para definir o
diagnóstico. O problema do diagnóstico é avaliar adequadamente quais animais requerem terapia vigorosa (ou
abate), quais necessitam terapia de suporte, quais manifestam apenas indigestão leve que se resolve com
restrição ao consumo de água e de grãos e fornecimento de dieta á base de feno e exercícios e quais não
precisam de auxílio, além dos cuidados básicos e de ração de rotina. Em um surto de sobrecarga que envolve
vários animais é necessário identificar os animais que requerem terapia mais intensiva e aqueles que se
recuperam com uma terapia medicamentosa simples.
Se os bovinos são encontrados ainda enquanto se alimentam, é possível que alguns animais do grupo se
enquadrem em algumas dessas categorias, sendo necessário monitoramento rigoroso para minimizar as perdas.
Bovinos flagrados se alimentando em excesso ou imediatamente após esse evento, não devem receber mais
concentrado ou água, mas sim bastante feno de boa qualidade por até 24 h e serem estimulados a caminhar
periodicamente. Os bovinos que parecerem normais no final do primeiro dia, provavelmente estão bem;
entretanto, se um deles se apresenta doente, todos devem ser monitorados cuidadosamente por 48 h. A maioria
dos animais que consomem concentrado suficiente para serem gravemente acometidos manifestam sintomas em
6 a 8 h.
TRATAMENTO: Para todos os bovinos sob suspeita de terem ingerido grande quantidade de concentrado, acredita­
se que seja útil a restrição ao consumo de água nas primeiras 18 a 24 h, embora isso não tenha sido
comprovado. Se a sobrecarga é grave deve­se considerar o abate; para bovinos de engorda próximo ao final
desse período, o abate poderá ser também a opção mais econômica. A taxa de mortalidade é alta em animais
gravemente acometidos, exceto se medidas terapêuticas vigorosas forem adotadas precocemente. Nestes
animais, é necessária a remoção do conteúdo ruminal e sua substituição por ingesta coletada do rúmen de
animais saudáveis. Em animais que ainda permanecem de pé a rumenotomia é mais vantajosa do que a lavagem
ruminal, pois os animais podem aspirar conteúdo durante o procedimento de lavagem e apenas a rumenotomia
garante a remoção de todos os grãos ingeridos. A lavagem ruminal pode ser realizada com uma sonda gástrica
grande, se há água suficiente disponível. Pode ser usada uma sonda de grande calibre (2,5 cm de diâmetro
interno e 3 m de comprimento) e deve­se introduzir água em volume suficiente para distender a fossa
paralombar esquerda; em seguida, deve­se permitir um fluxo por gravidade para esvaziar o que for possível. A
repetição desse procedimento por 15 a 20 vezes, para esvaziar e lavar o rúmen com um sifão, propicia o mesmo
resultado (e requer aproximadamente o mesmo tempo) daquele obtido com rumenotomia.
O esvaziamento ruminal deve ser acompanhado de inoculação ruminal (p. 2582) e, se não for realizado antes
do início dos sinais de intoxicação grave, deve ser seguido de fluidoterapia intensiva, de modo a corrigir a
acidose metabólica e a desidratação e a restabelecer a função renal. Inicialmente, deve­se administrar, por via
IV, solução de bicarbonato de sódio 5% (5 L/450 kg) ao longo de cerca de 30 min. Durante as 6 a 12 h seguintes
pode­se administrar, por via IV, solução eletrolítica balanceada ou solução de bicarbonato de sódio 1,3%, em
solução salina, até 60 L/450 kg de peso corporal. A micção deve recomeçar durante esse período. Geralmente, é
desnecessária, e mesmo indesejável, também a administração oral (ou intrarruminal) de antiácidos,
principalmente se o bicarbonato de sódio é administrado por via IV. A penicilina G procaína deve ser aplicada
por via IM em todos os animais acometidos durante, no mínimo, 5 dias, para minimizar o risco de rumenite
bacteriana e abscessos hepáticos. A tiamina deve ser administrada também por via IM para facilitar o
metabolismo do L­lactato, via piruvato e fosforilação oxidativa; os animais acometidos por sobrecarga de grãos
também apresentam menor concentração de tiamina no fluido ruminal, devido à maior produção de tiaminase
pelas bactérias ruminais. Não há tratamento preventivo eficaz para rumenite micótica.
Nos casos menos graves, o esvaziamento ruminal não é necessário. Nestes bovinos, deve­se acrescentar
hidróxido de magnésio (500 g/450 kg de peso corporal) à água morna que é bombeada ao rúmen e misturada
por meio de massagem no flanco. Isso pode ser necessário quando o pH ruminal é > 5 e se o animal ainda se
encontra de pé e razoavelmente alerta várias horas após a ingestão excessiva de grãos. Frequência cardíaca de
70 a 85 bpm, contrações ruminais fracas, temperatura corporal normal e, especialmente, vontade de se alimentar
indicam, adicionalmente, que essa terapia será suficiente. Se há qualquer dúvida deve­se administrar fluido
adicional. Durante o período de convalescença, que pode durar 2 a 4 dias, deve­se fornecer feno de boa
qualidade e não oferecer grãos, os quais devem ser reintroduzidos gradualmente. Se o apetite retornar dentro de
3 dias o prognóstico é bom. No entanto, se o tratamento não foi iniciado precocemente, para evitar acidificação
do conteúdo ruminal e infecção micótica da parede ruminal, provavelmente ocorre recidiva dentro de 3 a 5 dias
e o prognóstico é desfavorável.
PREVENÇÃO: Deve­se evitar o acesso acidental a concentrados de interesse dos bovinos, em quantidade em que
não estão acostumados. Bovinos de lote de engorda devem ser estimulados a consumir, gradualmente, ração à
base de concentrado ao longo de 2 a 3 semanas, iniciando com uma mistura com = 50% de concentrado em
alimento moído contendo volumoso.

TIMPANISMO (Timpanismo Ruminal)

Timpanismo é a distensão exagerada do rúmen e do retículo por gases oriundos de fermentação, quer seja na
forma de espuma persistente misturada ao conteúdo ruminal, denominado timpanismo primário ou espumoso,
ou na forma de gás livre separado da ingesta, conhecido como timpanismo secundário ou de gás livre. A
enfermidade acomete predominantemente bovinos, mas também pode se instalar em ovinos. A suscetibilidade
do bovino ao timpanismo é variável e geneticamente determinada. Relata­se taxa de mortalidade de 20% em
bovinos mantidos em áreas de pastagem mais propensas ao timpanismo; a taxa de mortalidade anual decorrente
de timpanismo em vacas leiteiras mantidas em pastagem pode atingir 1%. Há, também, perda econômica devido
à redução na produção de leite em casos não fatais e pelo menor uso de pastagens mais propensas à doença.
Timpanismo pode ser causa importante de morte em bovinos em um lote de engorda.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: No timpanismo ruminal primário ou timpanismo espumoso, a causa é a retenção de
gases normais da fermentação em uma espuma estável. Inibe­se a coalescência das pequenas bolhas de gás e a
pressão intrarruminal aumenta, pois não ocorre eructação. Vários fatores, tanto animais como vegetais,
influenciam a formação de uma espuma estável. Acredita­se que proteínas, saponinas e hemicelulose solúvel
das folhas sejam os agentes espumantes principais e formem uma camada monomolecular ao redor das bolhas
gasosas ruminais, que possuem maior estabilidade em pH de aproximadamente 6. A mucina salivar é
antiespumante, mas a produção de saliva é reduzida quando a forragem é suculenta. Pastagens que causam
timpanismo são mais rapidamente digeridas e podem liberar maior quantidade de pequenas partículas de
cloroplasto, que se aderem às bolhas gasosas e evitam sua coalescência. O efeito imediato da alimentação é,
provavelmente, o suprimento de nutrientes para a atividade da fermentação microbiana. No entanto, o principal
fator que determina a instalação de timpanismo é o tipo do conteúdo ruminal. Conteúdo proteico, taxa de
digestão e fluxo ruminal refletem o potencial da forragem em provocar timpanismo. Por um período de 24 h, a
forragem causadora de timpanismo e fatores individuais desconhecidos atuam em conjunto para manter uma
concentração elevada de pequenas partículas alimentares e exacerbar a suscetibilidade ao timpanismo.
O timpanismo é mais comum em animais que consomem pastagem de leguminosas, ou com predominância
dessas, em particular alfafa, feijão­ladino e trevos vermelho e branco, mas também ocorre em áreas de cultivo
de cereais verdes imaturos, uva, couve, cebola, legumes e verduras. As forragens de leguminosas, como alfafa e
trevo, possuem porcentagem maior de proteínas e sua digestão é mais rápida. Outras leguminosas, como
sanfeno, Securigera varia, Astragalus e trevo pé­de­ave, são ricas em proteínas, mas não causam timpanismo,
provavelmente por conterem taninos condensados, que precipitam as proteínas e são digeridos mais lentamente
do que a alfafa ou o trevo. O timpanismo por leguminosas é mais comum quando os bovinos são colocados em
pastagens suculentas, particularmente onde predominam leguminosas de crescimento rápido nos estágios
vegetativo e germinativo, mas também pode ocorrer quando se oferece feno de alta qualidade.
O timpanismo espumoso também acomete bovinos em lote de engorda e, menos comumente, bovinos
leiteiros, que recebem dieta rica em grãos. A origem da espuma no timpanismo em lote de engorda é
desconhecida, mas acredita­se que seja devido à produção de muco insolúvel por certas espécies de bactérias
ruminais nos bovinos alimentados com dieta rica em carboidratos, ou à retenção de gases oriundos da
fermentação de pequenas partículas de alimentos triturados. Um material com partículas reduzidas, como grãos
bem triturados, pode interferir acentuadamente na estabilidade da espuma, assim como um baixo consumo de
volumoso. O timpanismo em lote de engorda é mais comum em bovinos que recebem dieta com grãos por 1 a 2
meses. Esse período pode ser devido ao aumento do teor de grãos na dieta ou ao tempo em que as bactérias
ruminais produtoras de muco demora para sua intensa proliferação.
No timpanismo ruminal secundário ou timpanismo com gás livre, a obstrução física da eructação é
causada por obstrução esofágica devido a um corpo estranho (p. ex., batata, maçã, cebola, kiwi), estenose ou
pressão devido a aumento de volume externo ao esôfago (como linfadenopatia ou, esporadicamente, linfoma de
timo juvenil). Interferência na função do sulco esofágico na indigestão vagal e hérnia diafragmática podem
causar timpanismo ruminal crônico. Isso também acontece no tétano. Tumores e outras lesões como aquelas
causadas por infecção por Actinomyces bovis, do sulco esofágico ou da parede do retículo, são causas menos
comuns de timpanismo obstrutivo. Também, pode haver alteração nos trajetos nervosos envolvidos no reflexo
de eructação. As lesões na parede do retículo (que contém receptores de tensão e receptores que distinguem gás,
espuma e líquido) podem interromper o reflexo normal, essencial para a saída de gás do rúmen.
O timpanismo ruminal também pode ser secundário ao início agudo de atonia ruminal que surge na anafilaxia
e na sobrecarga com grãos; isso causa redução do pH ruminal e, possivelmente, esofagite e ruminite, que podem
interferir na eructação. Também, ocorre timpanismo ruminal na hipocalcemia. O timpanismo ruminal crônico é
relativamente frequente em bezerros com até 6 meses de idade, sem causa aparente; essa forma costuma se
resolver espontaneamente.
As posturas anormais, em particular o decúbito lateral, são comumente associadas a timpanismo secundário.
Os ruminantes podem morrer de timpanismo quando se posicionam acidentalmente em decúbito dorsal ou outra
posição restritiva, em instalações, veículos de transporte lotados ou fossas de lavagem.
ACHADOS CLÍNICOS: O timpanismo é uma causa comum de morte súbita. Os bovinos não observados de perto,
como os de pastejo e de lote de engorda e as vacas leiteiras secas, em geral são encontrados mortos. Nas vacas
leiteiras lactantes, que são observados regularmente, o timpanismo comumente surge dentro de 1 h após o
animal sair de uma pastagem que causa timpanismo. O timpanismo pode ocorrer no primeiro dia depois que o
bovino é colocado no pasto, sendo mais frequente no segundo ou terceiro dia.
No timpanismo primário por pastejo, ocorre distensão ruminal evidente, súbita e o flanco esquerdo pode ficar
tão distendido que o contorno da fossa paralombar protrai acima da coluna vertebral; todo o abdome aumenta de
volume. À medida que o timpanismo progride, a pele do flanco esquerdo fica progressivamente mais tensa e,
nos casos graves, não é possível perfurá­la. Dispneia e ronco ficam acentuados e são acompanhados de
respiração bucal, protrusão da língua, estiramento da cabeça e micções frequentes. Ocasionalmente, ocorre
vômito. A motilidade ruminal não diminui até que o timpanismo seja grave. Se o timpanismo se agravar, o
animal entra em colapso e morre. A morte pode ocorrer dentro de 1 h após o início do pastejo, sendo mais
comum cerca de 3 a 4 h depois de surgirem os sinais clínicos. Em um grupo de bovinos acometidos, geralmente
há vários deles com timpanismo clínico e alguns com distensão abdominal leve a moderada.
No timpanismo secundário, o excesso de gás geralmente fica livre na parte superior do conteúdo ruminal
sólido e fluido, embora o timpanismo espumoso possa surgir em uma indigestão vagal, quando há aumento na
atividade ruminal. O timpanismo secundário é observado esporadicamente. Ocorre uma ressonância timpânica
no abdome dorsal à esquerda da linha média. O gás livre produz um som de “ping” mais alto, à percussão, do
que o timpanismo espumoso. A distensão ruminal pode ser detectada por palpação retal. No timpanismo com
gás livre, a passagem de sonda gástrica ou o uso de trocarte liberam grande quantidade de gás e aliviam a
distensão.
Lesões: Os achados de necropsia são característicos. Congestão e hemorragia em linfonodos de cabeça e
pescoço, epicárdio e trato respiratório superior são marcantes. Os pulmões ficam comprimidos e pode­se notar
hemorragia intrabrônquica. O esôfago cervical encontra­se congesto e hemorrágico, mas a porção torácica
esofágica fica pálida – demarcação conhecida como “linha de timpanismo” esofágica. O rúmen distende­se, mas
o seu conteúdo geralmente é muito menos espumoso do que antes da morte. O fígado torna­se pálido devido à
saída de sangue do órgão.
DIAGNÓSTICO: Geralmente, o diagnóstico clínico de timpanismo espumoso é fácil. As causas de timpanismo
secundário devem ser investigadas, por exame clínico, para determinar a origem da falha de eructação.
TRATAMENTO: Em casos de risco à vida pode ser necessária rumenotomia emergencial, seguida de retirada de
grande quantidade de conteúdo ruminal e, consequentemente, de alívio acentuado ao animal. A recuperação
geralmente é tranquila, com complicações ocasionais mínimas.
Podem­se utilizar trocarte e cânula para alívio emergencial, embora o instrumento de tamanho padrão não
seja grande o suficiente para permitir que a espuma estável e viscosa, nos casos agudos, saia com rapidez
suficiente. É necessário um instrumento de calibre maior (2,5 cm de diâmetro), mas deve­se fazer uma incisão
na pele antes de introduzi­lo nas camadas musculares e no rúmen. Se a cânula falha em reduzir o timpanismo e
a vida do animal se encontra ameaçada deve­se realizar rumenotomia emergencial. Se a cânula proporciona
algum alívio pode­se administrar um agente antiespumante pela cânula, que pode permanecer no local até que o
animal retorne ao normal, o que geralmente acontece após várias horas.
Quando não há risco iminente à vida recomenda­se a introdução de uma sonda gástrica com o maior calibre
possível. Devem–se fazer algumas tentativas para limpar a sonda, por meio de sopro, e movimentá­la para
frente e para trás, procurando encontrar local onde o gás ruminal esteja armazenado, para que possa ser liberado.
No timpanismo espumoso, pode ser impossível reduzir a pressão com a sonda e deve­se administrar um agente
antiespumante enquanto a sonda permanece na posição. Se o timpanismo não for aliviado rapidamente pelo
agente antiespumante, deve­se observar cuidadosamente o animal na hora seguinte, para determinar se o
tratamento obteve sucesso ou se é necessária uma terapia alternativa.
Vários agentes antiespumantes são efetivos, incluindo óleos vegetais (p. ex., de amendoim, milho e soja) e
minerais (parafinas), na dose de 250 a 500 ml. O sulfossuccinato sódico de dioctila (docusato), um surfactante, é
comumente adicionado aos óleos vendidos como fármacos patenteados para tratamento de timpanismo, os quais
são efetivos quando administrados precocemente. O poloxaleno (25 a 50 g VO) é efetivo no tratamento de
timpanismo causado por forragem, mas não naquele causado por sobrecarga de grãos. A colocação de uma
fístula ruminal propicia alívio a curto prazo de casos de timpanismo com gás livre associado à obstrução externa
ao esôfago.
CONTROLE E PREVENÇÃO: A prevenção do timpanismo por pastejo pode ser difícil. As práticas de manejo que
têm sido utilizadas para reduzir o risco de timpanismo incluem alimentação com feno, particularmente de
Dactylis glomerata, antes da introdução do bovino na pastagem, manutenção predominantemente de gramínea
na pastagem ou emprego de rotação de pastagem, para restringir o consumo, com a transferência de animais
para uma nova área, no período da tarde, mas não na manhã seguinte. Para que o feno seja efetivo na redução do
risco de timpanismo ele deve representar pelo menos um terço da dieta. A alimentação com feno ou em sistema
de rotação de pastagem pode ser confiável quando o pasto é apenas moderadamente perigoso, mas esses
métodos são menos indicados quando a pastagem se encontra no estágio de pré­florescimento e o risco de
timpanismo é alto. Pastagens maduras são menos passíveis de causar timpanismo do que as imaturas ou em fase
de rápido crescimento.

Colocação de cânula no rúmen, em vaca. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

O único método satisfatório disponível para evitar timpanismo por pastejo é a administração contínua de um
agente antiespumante durante o período de risco. Isso é amplamente praticado em países com amplas áreas de
pastagens, como Austrália e Nova Zelândia. O método mais confiável é a administração forçada de um agente
antiespumante 2 vezes/dia (p. ex., nos momentos de ordenha). A pulverização do produto na pastagem é
igualmente efetiva, contanto que os animais tenham acesso apenas ao pasto tratado. Esse método é ideal no caso
de rotação de pastagem, mas não quando o pastejo não é controlado. O agente antiespumante pode ser
adicionado ao alimento ou à água ou incorporado em blocos de ração, mas o sucesso do método depende do
consumo individual adequado. O produto também pode ser “pincelado” nos flancos dos animais, de onde é
lambido durante o dia, mas animais que assim não se comportam não estarão protegidos.
Os agentes antiespumantes disponíveis incluem óleos e gorduras e surfactantes não iônicos sintéticos. Óleos e
gorduras são administrados na dose de 60 a 120 ml/animal/dia; indicam­se doses de até 240 ml durante os
períodos de risco. O poloxaleno, um polímero sintético, é um surfactante não iônico altamente efetivo, que pode
ser administrado na dose de 10 a 20 g/animal/dia e até 40 g/animal/dia nas situações de alto risco. Seu uso é
seguro e econômico e deve ser administrado diariamente por todo o período suscetível, adicionado à água, à
ração mista com grãos ou ao melaço. Um polímero similar (Alfasure®) e uma mistura hidrossolúvel dos
detergentes etoxilato de álcool e plurônico (Blocare 4511) também são efetivos, mas não são aprovados pela
FDA. Os ionóforos são efetivos na prevenção de timpanismo e uma cápsula de liberação prolongada,
administrada no interior do rúmen, e que libera 300 mg de monensina por dia, por um período de 100 dias,
protege contra timpanismo causado por pastejo e melhora a produção de leite quando a vaca encontra­se em
pastos que podem causar timpanismo.
O objetivo final do controle é obter uma pastagem que permita alta produção e resulte em baixa ocorrência de
timpanismo. O uso de pastagem de trevos e capins em quantidades iguais torna mais fácil atingir o objetivo. A
capacidade de causar timpanismo varia entre os cultivares de alfafa; cultivares de baixa taxa inicial de digestão
(BTID), de baixo risco, estão disponíveis no mercado. A adição de leguminosas com bastante tanino
condensado à mistura de sementes de pastagem (10% de sanfeno) pode reduzir o risco de timpanismo onde se
pratica rotação de pastagens, assim como a alimentação com sanfeno peletizado.
Para evitar timpanismo em lotes de engorda, as rações devem conter = 10 a 15% de volumoso cortado ou
picado, misturado em uma ração completa. De preferência, o volumoso deve ser cereal, palha de grãos, feno de
capim ou equivalente a eles. Os grãos devem ser cortados ou quebrados, mas não finamente triturados. Devem­
se evitar rações peletizadas fabricadas com grãos muito triturados. A adição de sebo (3 a 5% da ração total)
ocasionalmente pode ser bem­sucedida, mas não foi efetiva em experimentos controlados. Os surfactantes não
iônicos, como poloxaleno, são ineficazes para evitar timpanismo em lote de engorda, mas o ionóforo lasalocida
é efetivo no seu controle.

DOENÇAS INTESTINAIS EM EQUINOS E POTROS

A doença intestinal em equinos e potros é sugerida pela ocorrência de diarreia, perda de peso, hipoproteinemia e
dor abdominal (ver p. 226).

DOENÇA DIARREICA

Consegue­se determinar a etiologia definitiva em < 50% dos casos. Além disso, o tratamento de muitos equinos
e potros com diarreia é semelhante e, consequentemente, permite tratamento de suporte, apesar da falta de
diagnóstico definitivo.
Em equinos adultos, a diarreia pode ser aguda ou crônica. Os microrganismos infecciosos citados como
causas potenciais de diarreia aguda em equinos adultos incluem diversos sorovariantes de Salmonella,
Neorickettsia risticii, Clostridium difficile, C. perfringens e Aeromonas spp., bem como ciatostomíase. Outros
diagnósticos diferenciais para diarreia aguda em equinos incluem ingestão de produto(s) tóxico(s), colite
induzida por antimicrobianos, intoxicação por AINE e enterocolopatia por areia. Uma doença diarreica aguda
fatal, de etiologia desconhecida, é denominada colite X. A diarreia que persiste > 1 mês é considerada crônica e
geralmente é um desafio ao diagnóstico. A diarreia crônica pode ser causada por doenças inflamatórias ou
neoplásicas que envolvem o intestino ou por distúrbios nos mecanismos fisiológicos normais do intestino. Os
diagnósticos diferenciais compreendem enterocolopatia por areia e lesões infiltrativas, como aquelas associadas
à doença intestinal inflamatória ou linfossarcoma intestinal. A resposta individual a alguns componentes da
dieta pode ter um papel na diarreia crônica dos equinos devido à inflamação intestinal, mas frequentemente não
é considerada como uma causa.
As doenças de cólon não inflamatórias também podem resultar em diarreia. Essas incluem alteração da
fermentação no cólon maior, que se deve, potencialmente, à alteração da população de microrganismo do
intestino secundária ao tratamento antimicrobiano, alteração da dieta ou a etiologias desconhecidas. As causas
não intestinais de diarreia crônica incluem insuficiência cardíaca congestiva e hepatopatia crônica. A abordagem
diagnóstica, nesses casos, objetiva diferenciar enteropatias infiltrativas e causas fisiológicas de diarreia.
Devido ao grande volume do cólon e do ceco de equinos, pode ocorrer perda intensa de fluido em curto
período. Por isso, a diarreia em equinos adultos pode ser um evento marcante, com taxas de morbidade e de
mortalidade superiores àquelas associadas a doença diarreica em outros animais e em pessoas.

COLITE X

Na verdade, a colite X não é uma doença, mas um termo antigo utilizado para descrever causas não conhecidas
de enterocolite fatal e superaguda em equinos, caracterizada por início súbito de diarreia aquosa abundante e
desenvolvimento de choque hipovolêmico. Muitos equinos acometidos apresentam histórico de estresse. O
diagnóstico diferencial inclui salmonelose hiperaguda, enterocolite clostridiana, colite por Aeromonas spp e
endotoxemia. O cultivo de Salmonella spp e Clostridium difficile pode ser difícil em fezes líquidas e o
diagnóstico de salmonelose ou enterocolite clostridiana não é facilmente obtido. Recomenda­se cultura de
amostras de tecido GI e linfonodos mesentéricos, além do conteúdo intestinal, quando se faz necropsia.
Resultados de cultura e teste de toxina negativos para clostrídios não necessariamente excluem essas
enfermidades; assim, em todos os casos deve­se fazer desinfecção completa do local, das instalações
hospitalares e do trailer.
Clinicamente, pode ocorrer um curto período febril, mas a temperatura corporal logo retorna ao normal ou ao
subnormal. Nota­se taquipneia, taquicardia e depressão acentuada. Ocorre diarreia explosiva, seguida de
desidratação grave. Em alguns casos, o animal morre antes que a diarreia seja evidente, com grave enterocolite
observada durante a necropsia. Choque hipovolêmico ou endotóxico se manifesta como aumento do tempo
preenchimento capilar, membranas mucosas azuladas e extremidades frias. O paciente pode morrer dentro de 3
h após o início dos sinais clínicos. Nos casos menos agudos, a morte ocorre em 24 a 48 h. A taxa de mortalidade
atinge 100%. Na necropsia, edema e hemorragia na parede do cólon maior e do ceco são evidentes e o conteúdo
intestinal apresenta­se fluido e, com frequência, com sangue.
Tipicamente, o VG é > 65%, mesmo imediatamente após o início dos sintomas. O leucograma varia de
normal à neutropenia com desvio à esquerda degenerativo. Também ocorrem acidose metabólica e distúrbios
eletrolíticos.
Em geral, o início da doença está intimamente associado a estresse, como cirurgia ou transporte. Os sintomas
são semelhantes àqueles de outras doenças diarreicas, inclusive salmonelose hiperaguda, toxemia causada por
Clostridium spp, febre equina de Potomac, choque endotóxico experimental e anafilaxia. Nos equinos, pode­se
verificar uma doença semelhante, após uso de lincomicina. Colite X é o termo reservado para os casos em que
não se consegue elaborar um diagnóstico definitivo e o equino morre.
O tratamento de colite X geralmente não é efetivo (por definição), mas seria semelhante ao da salmonelose
(ver p. 311). São necessárias grandes quantidades de fluidos IV para corrigir a desidratação grave e a reposição
eletrolítica. O uso de plasma ou coloide sintético é necessário para manter a pressão oncótica plasmática,
quando há hipoproteinemia secundária à enteropatia com perda de proteínas. A flunixino meglumina pode
reduzir a inflamação e a polimixina B pode ser útil por se ligar às endotoxinas. Antibióticos de amplo espectro
são indicados para tratar os casos de bacteriemia que, em geral, são secundários à transferência de bactérias do
trato GI lesionado.

DIARREIA RECIDIVANTE

Alguns equinos apresentam fezes semiformadas quando recebem, pela primeira vez, pastagem suculenta ou
feno de alfafa ou são submetidos temporariamente a uma situação estressante (p. ex., transporte em trailer,
corrida, exposição e visita a hospital veterinário). Essa alteração na consistência de fezes não tem relevância
clínica, pois o equino permanece saudável, mas os proprietários podem ficar preocupados. É importante que os
animais com diarreia passem por exames físicos e testes laboratoriais apropriados para excluir as causas
infecciosas e para determinar se há necessidade de tratamento. Em geral, a consistência das fezes retorna ao
normal quando o equino se adapta à nova dieta ou a situação estressante se resolve.

COLOPATIA INFILTRATIVA

Qualquer distúrbio que provoca espessamento da parede do cólon maior pode interferir na absorção de fluidos e
resultar em diarreia crônica, perda de peso e, às vezes, hipoproteinemia. O espessamento pode ser decorrência
de neoplasia, células inflamatórias (como linfócitos, plasmócitos, macrófagos ou eosinófilos) ou formação de
cicatriz devido uma colite aguda anterior.
A palpação retal pode auxiliar na detecção de espessamento intestinal e linfadenopatia mesentérica. A
citologia do fluido abdominal pode revelar células neoplásicas. Ultrassonografia pode ser utilizada para
determinar o grau de espessamento da parede intestinal (se a área acometida do intestino pode ser visualizada) e
pode revelar tumores de fígado, baço ou em superfícies peritoneais. Biopsia percutânea pode propiciar
diagnóstico histopatológico de neoplasia ou de infiltrado de células inflamatórias. Biopsia de mucosa retal ou
duodeno (endoscópio de 3 m) pode ser útil no diagnóstico de doença intestinal inflamatória e deve­se realizar,
também, cultura para Salmonella. Biopsia de cólon, ceco e jejuno espessos é mais confiável para o diagnóstico
de doença intestinal inflamatória (p. 317) e a amostra pode ser coletada cirurgicamente por meio de laparotomia
pelo flanco, com o animal em pé, ou celiotomia na linha média, em decúbito ventral. Laparotomia exploratória
pode fornecer informações importantes, mas é um procedimento oneroso e há importante risco de má
cicatrização no pós­operatório devido à hipoproteinemia.
O tratamento de neoplasia abdominal ou de doença intestinal inflamatória geralmente não é compensador,
mas em alguns casos pode ocorrer remissão dos sinais clínicos com uso de dexametasona, principalmente na
doença intestinal inflamatória. Há relato de melhora dos sinais clínicos e dos parâmetros laboratoriais com
tratamento com altas doses de dexametasona (0,1 mg/kg, 1 vez/dia) em 3 equinos com sintomas de linfoma de
trato GI, com origem em linfócitos T. Em dois deles, as altas doses de dexametasona foram seguidas de dose
menor (0,01 a 0,95 mg/kg, 1 vez/dia), assim que se constata melhora dos sintomas. Respostas favoráveis
persistiram por > 9 meses. O terceiro animal foi mantido com altas doses por todo o tratamento, pois os sinais
clínicos retornavam com a diminuição da dose. Houve recidiva dos sintomas mesmo com altas doses de
dexametasona e após dois meses de tratamento o equino foi submetido à eutanásia. O mecanismo de ação dos
esteroides consiste no controle da inflamação associada à doença, ao contrário da apoptose induzida por
glicocorticoides.

ENTEROCOLITE CAUSADA POR CLOSTRÍDIOS


Clostridium difficile e C.perfringens são causas comuns de enterocolite em equinos e potros. A administração
de antibióticos foi associada à diarreia por C. difficile. Alguns relatos consideram que 50% dos casos de diarreia
em potros são causados por C. perfringens. C. difficile produz toxina A e/ou B, que causa secreção de fluidos e
resulta em inflamação intestinal. Comumente, o trato GI de potros recém­nascidos é rapidamente colonizado por
C. difficile, que pode ser isolado de fezes utilizando­se técnicas anaeróbicas sensíveis. As cepas que não
produzem toxinas são consideradas comensais. Aproximadamente 1/3 das éguas e > 90% dos potros saudáveis,
da população em geral, excretam C. perfringens nas fezes; logo, é importante identificar as cepas produtoras de
toxinas.
As cepas de C. perfringens são classificadas de acordo com as toxinas produzidas. Entretanto, tanto as
toxinas quanto as cepas de C. perfringens e C. difficile produtoras de toxinas podem ser encontradas em equinos
e potros normais e com diarreia. C. perfringens tipo A é o mais comumente isolado, sendo o tipo C mais raro
nas fezes ou no ambiente de éguas saudáveis e seus potros, mas está associado à maior taxa de mortalidade.
Sugere­se que o uso de antimicrobianos, a privação de alimentos e outros fatores estressantes podem predispor
os equinos ao supercrescimento de C. perfringens, C. difficile, ou ambos, provocando doença GI. Em um relato,
potros de fêmeas tratadas com eritromicina desenvolveram enterocolite fatal associada à C. difficile. Os esporos
de clostrídios podem persistir no ambiente e serem resistentes a diversos desinfetantes; logo, podem ocorrer
infecções hospitalares em ambientes contaminados.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos incluem morte súbita, diarreia com ou sem sangue, cólica, febre, redução
no consumo de alimentos e letargia. A doença pode variar desde enterocolite subclínica a grave até morte aguda
antes de se notar diarreia. Com técnicas de diagnóstico avançadas foi possível verificar que muitas das infecções
antigamente diagnosticadas como “colite X” eram infecções por clostrídios. Em razão da perda da integridade
da mucosa pode ocorrer transferência de bactérias ao longo do trato GI, o que resulta em bacteriemia por
clostrídios ou por outras espécies de bactérias entéricas. Geralmente notam­se sinais clínicos de sepse ou
resposta inflamatória sistêmica compatível com outras causas de enterocolite. Clinicamente, a clostridiose não
pode ser distinguida de salmonelose. Potros com < 3 dias de idade com enterocolite causada por C. perfringens
geralmente apresentam diarreia sanguinolenta e cólica. Com frequência, na ultrassonografia ou radiografia nota­
se intestino preenchido por fluido e gás. Em casos graves, ocorre enterocolite necrosante com espessamento
intramural e até mesmo acúmulo de gás evidente dentro da parede intestinal. Em determinado haras, vários
potros podem ser acometidos, mas tipicamente a doença é esporádica.
O papel de C. perfringens tipo A na enterocolite de potros neonatos é pouco conhecido; relata­se que > 90%
dos potros com 3 dias de idade eliminam a bactéria nas fezes e que C. perfringens tipo A é, provavelmente, uma
das primeiras bactérias a colonizar o trato intestinal de potros recém­nascidos, independente dos protocolos de
higiene.
C. difficile está associado à ocorrência de enterocolite em potros recém­nascidos e em equinos adultos. Foi
identificado como causa de infecção hospitalar em pessoas, fato notado também em equinos.
A taxa de mortalidade associada à enterocolite por C. difficile e C. perfringens, especialmente tipo C, pode
ser alta, mesmo com tratamento clínico intensivo.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico baseia­se no isolamento da bactéria toxigênica em amostras de fezes frescas,
refluxo, conteúdo intestinal ou tecido. Hemocultura é indicada em potros e equinos adultos com enterocolite
grave. As amostras de fezes para cultura e detecção de genes produtores ou não de toxinas devem ser entregues
diretamente no laboratório, ou enviados durante a noite, resfriadas (não congeladas) em gelo. As amostras para
cultura devem ser mantidas em ambiente anaeróbico. O isolamento de clostrídios requer condições anaeróbicas
e, dependendo do microrganismo, também meios especiais de crescimento. O C. difficile é difícil de ser
cultivado, daí o seu nome. Deve­se informar o laboratório de que enterocolite clostridiana é um diagnóstico
diferencial para o caso, pois muitos laboratórios veterinários não fazem cultivo anaeróbico de amostras de fezes,
exceto quando há solicitação específica para tal.
Como os sorovariantes não patogênicos são comuns, uma cultura positiva para C. difficile ou C. perfringens
deve ser confirmada pela identificação de toxinas ou de seus genes. A técnica de PCR, disponível em alguns
laboratórios, permite diferenciação de C. perfringens dos tipos A, B, C, D e E, com base na combinação de
toxinas a, β, e ou ?, bem como identificação do código genético para toxina β2. Os testes disponíveis no
mercado para toxinas clostridianas incluem ELISA para toxina A de C. difficile e enterotoxina de C. perfringens
e um teste de aglutinação em látex para enterotoxina de C. perfringens. Os testes de toxinas são rápidos e
podem ser realizados no domicílio; são sensíveis e específicos para C. difficile. Geralmente, o diagnóstico de
enterocolite por clostrídio é realizado durante a necropsia e baseia­se principalmente na constatação de necrose
intestinal associada à presença de diversos bacilos gram­positivos em esfregaços intestinais. Amostras de fezes
e tecidos devem ser coletadas imediatamente após o óbito, de modo a evitar degradação de toxinas ou
supercrescimento de clostrídios.
TRATAMENTO: O tratamento com metronidazol (15 a 20 mg/kg, VO, 3 a 4 vezes/dia) parece útil no tratamento
de infecções entéricas por clostrídios. Estudos farmacocinéticos não foram realizados em potros, mas o
metronidazol por VO e até mesmo IV, em geral, parece seguro. Em algumas regiões surgiram cepas de C.
difficile resistentes ao metronidazol, mas parecem sensíveis à vancomicina; entretanto, o metronidazol deve ser
utilizado sempre que possível.
O tratamento de suporte é semelhante ao realizado na enterocolite de equinos de outras causas e geralmente
requer grande quantidade de fluido poliônico IV, com suplementação de eletrólitos (potássio, magnésio e
cálcio); plasma ou coloides sintéticos no caso de pressão oncótica baixa; anti­inflamatórios, como flunixino
meglumina; e antibióticos de amplo espectro, se o equino apresenta leucopenia e com risco de transferência de
bactérias do trato GI comprometido. A polimixina B pode auxiliar ligando­se às endotoxinas sistêmicas. Dieta
parenteral parcial ou total pode ser útil para fornecer suporte nutricional aos potros com restrição ou redução da
ingestão de leite, permitindo repouso intestinal. Potros com cólica ou diarreia profusa geralmente se beneficiam
da retirada de leite. A infusão contínua de fluido e o emprego de dieta parenteral IV são ideais, mas muito
trabalhosas e exigem separação do potro, de sua mãe. Entretanto, o curso da diarreia parece reduzido, o que
justifica uma abordagem mais intensiva em alguns casos graves.
A levedura Saccharomyces boulardii induziu proteção em casos de diarreia causada por clostrídios, em outras
espécies. Ela sintetiza uma protease que degrada especificamente as toxinas A e B do C. difficile. O pó de
esmectita DTO também se liga às toxinas clostridianas e pode ser útil em equinos com diarreia.
A antitoxina específica para C. perfringens tipos C e D também foi utilizada em potros; entretanto, ela não é
aprovada para este fim. O benefício da antitoxina tipo C e D na doença associada ao tipo A ou β2 é
desconhecido, mas com base em métodos de produção, as toxinas a e β2 provavelmente não estão presentes em
altos níveis neste toxoide.
PREVENÇÃO: Não há disponibilidade de produtos biológicos comprovadamente eficazes para imunizar equinos
ou potros contra enterocolite clostridiana. Quando a doença surge em vários potros de um haras, medidas
preventivas são implementadas, mas a eficácia e segurança destas intervenções ainda não foram avaliadas
criticamente. Essas medidas incluem aplicação de duas doses de vacina em éguas prenhes, com intervalo de 2 a
4 semanas, pelo menos um mês antes do parto, com um toxoide contra C. perfringens tipos C e D (devem­se
evitar bacterinas e óleos adjuvantes); uso profilático de antitoxina contra C. perfringens tipos C e D, por via
oral, em potros recém–nascidos; uso profilático de antimicrobianos (p. ex., metronidazol) em potros nos
primeiros 3 a 5 dias de vida. O toxoide contra C. perfringens tipos C e D e a antitoxina não são aprovados para
uso em equinos; no entanto, esses produtos são utilizados por alguns proprietários devido à alta taxa de
mortalidade de potros com enterocolite clostridiana nos haras acometidos. Há relato de reações adversas ao uso
de toxoide contra C. perfringens tipos C e D em éguas.
A estratégia de prevenção mais importante é a boa higiene na propriedade. Esporos de clostrídios são
extremamente resistentes às condições ambientais e a diversos desinfetantes. A manutenção da limpeza da área
de parição e da fêmea durante o período perinatal e a ingestão imediata de colostro na primeira hora de
nascimento (por sonda gástrica, se necessário) reduzem a ocorrência da doença em algumas propriedades
contaminadas. Os membros pélvicos da égua, a cauda e o úbere também podem ser higienizados com água e
sabão imediatamente após o parto para reduzir a ingestão de matéria fecal pelos potros recém­nascidos. Os
animais acometidos devem ser isolados para evitar infecção cruzada e contaminação de pastagens e baias.

ENTEROCOLOPATIA POR AREIA

O consumo de grande quantidade de areia, que se acumula no intestino grosso, pode causar diarreia, perda de
peso ou cólica. A areia é ingerida quando o equino ou o potro é mantido em pasto arenoso ou alimentado com
feno ou grãos em uma área arenosa (piquete, baia ou pasto). Alguns equinos ou potros ingerem,
preferencialmente, cascalho e areia, se estes itens estiverem em seu ambiente. O diagnóstico baseia­se no
histórico de ambiente arenoso, na presença de areia nas fezes, em “ruídos de areia” na auscultação do abdome
ventral, e (se disponível) radiografias abdominais, as quais revelam a presença de areia no cólon maior. Para o
tratamento, utiliza­se um produto à base de hemicelulose (casca de semente de psílio) administrado por meio de
sonda nasogástrica ou adicionado aos grãos, diariamente. A diarreia, em geral, se resolve em 2 a 3 dias após o
início do tratamento. Geralmente, são necessárias 3 a 4 semanas de tratamento para remover toda a areia; pode
ser preciso repetir os procedimentos o equino ou o potro não for retirado da fonte de areia. Tem­se utilizado
tratamento preventivo com psílio (diariamente, por 1 semana, a cada mês), onde é comum enterocolite por areia.
Há vários produtos à base de psílio no mercado; muitos animais preferem a forma peletizada, em vez de pó (ver
p. 236).

FEBRE EQUINA DE POTOMAC (ERLIQUIOSE MONOCÍTICA EQUINA, DOENÇA DO RIO

SHASTA, COLITE EQUINA CAUSADA POR ERLIQUIA)


A febre equina de Potomac (FEP) é uma síndrome enterocolítica aguda que causa cólica discreta, febre e
diarreia em equinos de todas as idades, bem como aborto em éguas. O microrganismo causador é Neorickettsia
risticii. A infecção de enterócitos de intestinos delgado e grosso resulta em colite aguda, que é um dos principais
sinais clínicos de FEP. A doença ocorre na primavera, verão e no início do outono e está associada a pastejo em
margem de riachos e rios. Recentemente, a epidemiologia da FEP mostrou o envolvimento de um vetor
trematódeo. Doença esporádica causada por N. risticii foi descrita em cães e gatos; os bovinos parecem
resistentes à infecção. Há relato de FEP em diversas regiões dos EUA e do Canadá, com base em teste de
pesquisa de anticorpo por fluorescência indireta como evidência de exposição; entretanto, estudos recentes
indicam alta taxa de títulos falso­positivos neste teste e a real variação geográfica da distribuição não é
conhecida. Isolamento ou detecção do agente causador em casos clínicos de FEP utilizando cultura celular
convencional ou PCR foi descrito apenas nos estados da Califórnia, Illinois, Indiana, Kentucky, Maryland,
Michigan, Nova York, Nova Jersey, Ohio, Oregon, Pensilvânia, Texas e Virgínia.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: N. risticii é uma bactéria gram­negativa intracelular obrigatória com tropismo por
monócitos. Estudos morfológicos iniciais deste microrganismo isolado de cultura celular, assim como de
respostas sorológicas a ele, fizeram com que essa bactéria fosse incluída no gênero Ehrlichia. Entretanto, testes
de DNA têm apontado que, em muitos casos, N. risticii está mais intimamente relacionado com N.
helminthoeca, o microrganismo causador de intoxicação por salmão, em cães, e Ehrlichia sennetsu, uma doença
humana, no Japão. O microrganismo não é visto em monócitos, em esfregaços sanguíneos de casos clínicos, ao
contrário do que acontece com Anaplasma phagocytophilum, que é prontamente identificado em granulócitos de
equinos infectados.
N. risticii foi isolado em caramujos de água doce e em trematódeos liberados de caramujos. O DNA de N.
risticii foi obtido em 13 espécies de moscas d’água jovens e adultas (Trichoptera), efeméridas (Ephemeroptera),
libélulas (Odonata, Anisoptera, Zygoptera) e perlas (Plecoptera). Estudos sobre transmissão utilizando moscas
d’água infectadas com N. risticii reproduziram a doença clínica. Um meio de exposição possível é a ingestão
acidental de insetos aquáticos que carreiam N. risticii no estágio de metacercária do trematódeo. O período de
incubação é cerca de 10 a 18 dias. O agente causador está presente nas fezes de equinos experimentalmente
infectados, mas o significado biológico disto não é conhecido. Animais clinicamente doentes não são infectantes
e podem ser colocados juntos com equinos suscetíveis. São necessários estudos adicionais para determinar o
exato papel de vetores e hospedeiros de helmintos no complexo ciclo de manutenção de N. risticii.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: As características clínicas da FEP inicialmente envolvem depressão discreta e
anorexia, seguidas de febre de 38,9 a 41,7°C. Nesse estágio, os ruídos intestinais podem estar diminuídos. Em
24 a 48 h, surge diarreia moderada a grave, com fezes de consistência líquida semelhantes às fezes de vacas
normais, em cerca de 60% dos equinos acometidos. O início da diarreia é acompanhado de desconforto
abdominal leve. Alguns animais desenvolvem desidratação e toxemia grave. Laminite pode ser uma
complicação grave de FEP em até 40% dos equinos enfermos. Os achados hematológicos na fase inicial da FEP
variam de leucopenia (caracterizada por neutropenia e linfopenia) até um hemograma normal, apesar de
evidências de toxemia. Um achado comum na FEP é leucocitose acentuada, normalmente observada poucos
dias após o início da doença. A FEP pode se manifestar como todas ou algumas combinações desses sinais
clínicos.
Após vários meses da doença clínica em éguas prenhes pode ocorrer aborto devido à infecção do feto por N.
risticii. Experimentalmente, éguas prenhes infectadas aos 100 a 160 dias de gestação abortaram aos 190 a 250
dias. O aborto é acompanhado de placentite e retenção de placenta. Lesões fetais incluem colite, hepatite
periporta e hiperplasia linfoide em linfonodos mesentéricos e baço. Os achados de necropsia em éguas não
prenhes com enterocolite são inespecíficos e mostram inflamação difusa, principalmente no intestino grosso.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico presuntivo de FEP baseia­se na constatação dos sintomas típicos e na ocorrência
sazonal e geográfica da doença. O diagnóstico definitivo de FEP deve­se basear no isolamento ou identificação
de N. risticii no sangue ou nas fezes de equinos infectados, por meio de cultura celular ou PCR. Testes
sorológicos têm valor diagnóstico limitado, embora muitos animais infectados apresentem alto título de
anticorpos no momento da infecção. Devido à alta prevalência de títulos falso­positivos, a interpretação do teste
de pesquisa de anticorpos por fluorescência indireta, em casos isolados, é difícil. O isolamento do
microrganismo em cultura celular, embora possível, é demorado e não está disponível em muitos laboratórios de
diagnóstico. Uma pesquisa desenvolvida recentemente com PCR em tempo real permitiu a detecção de DNA de
N. risticii em 2 h, tornando­o um teste muito mais viável para diagnóstico de rotina. Para aumentar a
possibilidade de detecção de N. risticii, a pesquisa deve ser realizada tanto em amostra de sangue quanto em
fezes, pois não necessariamente constata­se o agente no sangue e nas fezes, simultaneamente.
TRATAMENTO: A FEP pode ser tratada, com sucesso, com oxitetraciclina (6,6 mg/kg, IV, 2 vezes/dia), desde que
instituída no início da doença. A resposta ao tratamento geralmente é notada dentro de 12 h. Está associada à
diminuição da temperatura retal, seguida de melhora na disposição, apetite e ruídos intestinais. Se a terapia é
iniciada precocemente, os sinais clínicos frequentemente regridem no terceiro dia de tratamento. Geralmente, a
terapia antimicrobiana dura, no máximo, 5 dias. Animais com sintomas de enterocolite devem receber fluido e
AINE. Laminite, caso ocorra, geralmente é grave e refratária ao tratamento.
PREVENÇÃO: Várias vacinas inativadas, com célula total, baseadas na mesma cepa de N. risticii, estão
disponíveis no mercado. Embora a vacinação tenha propiciado proteção em 78% dos pôneis experimentalmente
infectados, a proteção no campo foi baixa. Falhas vacinais foram atribuídas às heterogeneidades antigênicas e
gênicas das > 14 diferentes cepas de N. risticii isoladas em casos de doenças de ocorrência natural. Além disso,
podem ser decorrentes da falta de proteção por anticorpos no local da exposição, pelo fato de que o meio natural
de transmissão é a ingestão oral do agente. Para diminuir as fontes de infecção pode­se tentar a redução do
número de caramujos em rios e alagados. Recomenda­se a redução da ingestão de insetos em equinos
estabulados, apagando as lâmpadas das baias durante a noite, pois a luz normalmente atrai os insetos.
Não há relato de risco zoonótico.

PARASITISMO

Têm­se incriminado os grandes e os pequenos estrôngilos como causa de diarreia crônica em equinos e potros.
A parasitose associada a pequenos estrôngilos em equinos é denominada ciatomostomíase e relata­se que causa
cólica recidivante, diarreia e perda de peso (ver p. 356).
Giardíase (p. 218) foi mencionada, em número restrito de casos, como causa de diarreia intermitente em
equinos. Entretanto, Giardia também pode ser encontrada nas fezes de alguns equinos normais e raramente é
considerada como causa de diarreia nestes animais. Criptosporídios (p. 216) foram isolados em fezes de potros
saudáveis e naqueles com diarreia. Há evidência de que Cryptosporidium spp possa causar diarreia, e até morte,
em potros imunocompetentes; estes microrganismos foram incriminados como causa de surtos de diarreia em
potros, em algumas fazendas.

SALMONELOSE

Salmonelose (ver p. 203) é uma das causas de diarreia infecciosas mais comumente diagnosticadas em equinos
adultos. As manifestações clínicas variam desde ausência de sinal clínico (portador subclínico) até diarreia
aguda grave e até mesmo morte. A doença é esporádica, mas pode tornar­se epidêmica, dependendo da
virulência da bactéria, do nível de exposição e dos fatores do hospedeiro. A infecção pode ser decorrente da
contaminação do ambiente, do alimento ou da água ou de contato com animais que estejam eliminando
ativamente as bactérias. O estresse parece ter papel importante na patogênese – histórico de cirurgia, transporte
ou alteração da dieta; doença concomitante, particularmente distúrbios GI (cólica); ou tratamento com
antimicrobianos de amplo espectro frequentemente precedem a diarreia.
Salmonella enterica sorogrupo B (que inclui S. enterica sorovar Typhimurium e S. enterica Agona) são dois
dos principais sorovariantes isolados de equinos com doença clínica. O conhecimento do sorovariante e o
antibiograma podem auxiliar na identificação ou no monitoramento do sorovariante de salmonela que está
infectando um grupo ou população de equinos (p. ex., rastreamento de disseminação hospitalar, em um hospital
veterinário). O surgimento de S. enterica resistente a vários fármacos é uma preocupação tanto à conduta nas
infecções hospitalares quanto nas zoonoses.
ACHADOS CLÍNICOS: Há relato de três formas de salmonelose em equinos adultos. Uma delas é a de portador
subclínico, que pode ou não excretar ativamente o microrganismo, mas tem o potencial de transmitir a bactéria
aos animais suscetíveis por contato direto ou por contaminação do ambiente, da água ou de fontes de alimentos.
Várias culturas de fezes podem ser necessárias para identificar os portadores, pois a bactéria é eliminada nas
fezes de modo intermitente e em número reduzido. Quando estressado, o portador pode desenvolver doença
clínica. A prevalência nacional de excreção de S. enterica nas fezes de equinos normais, nos EUA, é estimada
em < 2%; entretanto, em animais hospitalizados esta taxa é muito maior. Os sorovariantes mais comuns
identificados em uma população de equinos foram S. enterica Muenchen e S. enterica Newport (ambos do
sorogrupo C2).
A segunda forma da doença caracteriza–se por um curso clínico discreto, com sinais de depressão, febre,
anorexia e fezes moles, porém não aquosas. Os equinos acometidos podem apresentar neutropenia absoluta. A
doença clínica pode durar 4 a 5 dias e, geralmente, é autolimitante, podendo­se isolar a S. enterica das fezes. Os
equinos recuperados podem continuar a excretar a bactéria nas fezes por dias a meses; portanto, recomendam­se
isolamento do animal que está eliminando o microrganismo, limpeza completa e desinfecção subsequente da
área contaminada.
A terceira forma é caracterizada por início agudo de depressão grave, anorexia, neutropenia grave e, com
frequência, dor abdominal. A diarreia surge 6 a 24 h após o início da febre; as fezes se tornam líquidas e fétidas.
Os equinos infectados desidratam–se rapidamente e há acidose metabólica e perda de eletrólitos à medida que o
quadro clínico do paciente se agrava. Os sintomas de endotoxemia e choque hipovolêmico podem progredir
rapidamente. É possível notar sinais de desconforto abdominal, tensão ou cólica intensa secundária ao íleo
rapidamente. É possível notar sinais de desconforto abdominal, tensão ou cólica intensa secundária ao íleo
adinâmico, distensão por gás, inflamação e, possivelmente, infarto no cólon. Pode ocorrer enterocolopatia com
perda de proteínas, com concentração plasmática de proteínas perigosamente baixa (albumina < 2 g/dl), após
poucos dias de diarreia. Os equinos podem apresentar bacteriemia devido à transferência de microrganismos
intestinais e podem ocorrer distúrbios de coagulação que resultam em coagulação intravascular disseminada. Se
não tratada, essa forma de salmonelose geralmente é fatal.
Bacteriemia por Salmonella pode ser notada em potros neonatos, principalmente em fazendas onde a
ocorrência de salmonelose é endêmica (ver p. 314).
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico baseia­se nos sinais clínicos, neutropenia grave e isolamento de salmonela em
amostras de fezes, sangue ou tecidos. O envio de 10 a 30 g de fezes para cultura é mais efetivo na identificação
de salmonelas do que a cultura de suabes com fezes. É importante coletar e enviar as amostras de fezes de
acordo com as recomendações do laboratório responsável pela cultura. É recomendável trabalhar com um
laboratório de diagnóstico que utiliza meios enriquecidos, com ágar especificamente selecionados, a fim de
facilitar o isolamento de S. enterica. Como as salmonelas não podem ser cultivadas consistentemente a partir
das fezes, devem ser coletadas várias amostras (em geral, 3 a 5), diariamente, de cada animal. A cultura de
amostra de mucosa retal obtida por biopsia aumenta a probabilidade de isolamento do microrganismo; no
entanto, a técnica não deixa de ser arriscada para o equino. As amostras de fezes que são enviadas pelo correio
devem ser colocadas em meios de transporte adequados para patógenos intestinais, no momento da coleta, e
mantidas em gelo. Há disponibilidade de um teste PCR e, dependendo do primer utilizado, parece ser mais
sensível do que a cultura bacteriana de rotina na detecção de salmonelas.
TRATAMENTO: O tratamento da forma grave da salmonelose baseia­se em reposição de fluidos e eletrólitos, por
via IV, e tentativas de controle das respostas do hospedeiro induzidas por endotoxemia. Para a reposição de
volume utiliza­se fluido isotônico poliônico. Devido à secreção ativa de fluido e eletrólitos no lúmen intestinal,
pode ser necessário volume de fluido IV de 40 a 80 L/dia. As deficiências eletrolíticas e ácido­básicas são
comuns e corrigidas pelo uso de fluido oral e/ou IV suplementado com eletrólitos. É difícil predizer o estado
eletrolítico dos animais acometidos. Os déficits devem ser determinados por análise bioquímica sérica;
suplementações com cloreto de sódio, cloreto de potássio, gliconato de cálcio, sulfato de magnésio e,
ocasionalmente, bicarbonato de sódio podem ser indicadas.
O tratamento antimicrobiano em equinos adultos com salmonelose é controverso e parece não alterar o curso
da colite, tampouco diminuir a eliminação de salmonelas; no entanto, pode reduzir o risco de sepse. A escolha
de um antimicrobiano não é simples e deve se basear na sensibilidade do microrganismo isolado. Os padrões de
resistência variam entre as amostras de Salmonella e podem mudar com o curso de um surto. Em equinos com
depleção de volume há risco potencial de nefrotoxicose quando se utilizam antibióticos aminoglicosídios;
portanto, o estado de hidratação de um animal deve ser considerado quando se escolhe um antimicrobiano. O
antibiótico ideal também deve ser lipossolúvel.
O uso de protetores GI (p. ex., bioesponja, subsalicilato de bismuto e carvão ativado) pode ser benéfico. Essas
substâncias podem se ligar às toxinas bacterianas. AINE, como flunixino meglumina, ajudam a impedir o efeito
das endotoxinas, controlar a dor e, possivelmente, evitar laminite. A dose de AINE utilizada é bastante variável.
Terapia com AINE pode resultar em efeitos colaterais graves, como úlceras gástricas e de cólon e nefrotoxicose,
de modo que deve­se utilizar a menor dose efetiva. Pode–se administrar plasma de equino para corrigir a
hipoproteinemia e suprir fatores de coagulação e, dependendo da fonte do plasma, anticorpos específicos contra
endotoxinas e Salmonella. Substitutos de plasma coloidal, como hidroxietilamido, podem ser necessários para
manutenção da pressão oncótica em equinos com perda importante de proteínas pelo trato GI. Estas substâncias
podem ser menos dispendiosas e mais bem toleradas do que o plasma equino, em alguns animais. Com
frequência, plasma equino e substitutos de plasma coloidal são utilizados em equinos com hipoproteinemia
decorrente de colite.
Utiliza­se baixa dose de polimixina B (6.000 U/kg, 2 vezes/dia), a qual se liga a endotoxinas circulantes. Em
testes controlados, a polimixina B propiciou melhora em alguns efeitos conhecidos da endotoxemia em equinos.
Doses antimicrobianas de polimixina B são substancialmente maiores do que as utilizadas como quelantes de
endotoxinas e podem ser nefrotóxicas. A terapia com baixa dose de polimixina B provavelmente não causa
nefrotoxicidade aos equinos adequadamente hidratados e que recebem fluido IV.
PREVENÇÃO: A prevenção de salmonelose é difícil, pois o microrganismo encontra­se no ambiente e nas fezes
de alguns animais saudáveis. Em um ambiente hospitalar onde os equinos ficam estressados, não se alimentam e
recebem, com frequência, tratamento antimicrobiano, indica­se identificação segura e isolamento rigoroso dos
equinos infectados por salmonelas. Práticas de biossegurança para minimizar a contaminação cruzada entre os
animais hospitalizados também são aconselháveis.
Os proprietários devem estar cientes do risco zoonótico da infecção por S. enterica. As pessoas que lidam
com animais infectados devem realizar higiene rigorosa.
VARIADAS CAUSAS DE DIARREIA

As outras causas de diarreia ou de fezes semiformadas a aquosas em equinos incluem sobrecarga de grãos,
doença de cólon tromboembólica, peritonite, terapia antimicrobiana, insuficiência renal, várias toxicoses (p. ex.,
ingestão de besouros [cantaridina] e intoxicação por sal, eslaframina, amitraz, propilenoglicol, fósforo, selênio,
nicotina, reserpina, arsênico, mercúrio, monensina, organofosforados, espirradeira, teixo japonês, mamona,
abacate, estramônio, batatas, charneca, algas, frutos do carvalho, Hypericum, agrostema e cavalinha [ou junco
residual]), bem como micotoxicoses, hiperlipidose e resolução de impactação de intestino grosso.

DOENÇA DIARREICA EM POTROS

DIARREIA BACTERIANA EM POTROS

Enterocolite bacteriana em potros neonatos pode ser um componente da sepse neonatal e pode ocorrer diarreia
nos casos de bacteriemia de qualquer etiologia. Os microrganismos que podem estar envolvidos na bacteriemia
neonatal e na diarreia associada, em potros neonatos, incluem Salmonella spp, Escherichia coli, Klebsiella spp e
Clostridium spp. Embora E. coli seja o principal mediador da sepse sistêmica em potros neonatos, não é causa
primária comum de diarreia em potros, como acontece em bezerros e leitões.
Há necessidade de terapia antimicrobiana intensiva, reposição da perda de água e das alterações eletrolíticas,
além de cuidados de suporte. Os potros devem ser avaliados para determinar se houve adequada transferência
passiva de anticorpos colostrais; se isso não ocorreu, indica­se transfusão de plasma (ver p. 748). Potros com
hipoproteinemia grave beneficiam­se da transfusão de plasma e/ou da administração de um substituto de
plasma, como o hidroxietilamido, para aumentar a pressão oncótica. Fluidoterapia IV sem correção da
hipoproteinemia grave pode induzir edema pulmonar ou periférico.
Síndrome diarreica hemorrágica aguda fulminante, com alta taxa de mortalidade em potros com < 10 dias de
idade, em geral com < 3 dias de idade, está associada à infecção por C. perfringens tipo C (p. 307). Enterocolite
também foi associada à C. perfringens tipo A, com ou sem gene da toxina β2. O significado desta associação é
menos entendido do que com o tipo C, uma vez que o tipo A foi isolado nas fezes de > 90% dos potros neonatos
saudáveis, em estudo em um haras. É possível que o número de bactérias e a fase de crescimento predisponham
à doença pelo tipo A. As infecções podem ser esporádicas ou na forma de surtos envolvendo vários potros de
um haras. Na maioria dos casos, letargia grave e rápido comprometimento da função cardiovascular são
seguidos de morte dentro de 24 a 48 h. Na necropsia, verificam­se hemorragia intraluminal e necrose extensa da
mucosa do intestino delgado e, em alguns casos, também do cólon.
As outras bactérias associadas à diarreia em potros são Bacteroides fragilis, C. difficile (p. 307), Aeromonas
hydrophila e Rhodococcus equi. Embora R. equi cause, principalmente, doença respiratória (p. 1576), tanto a
enterite aguda quanto a crônica podem causar diarreia em potros com 1 a 4 meses de idade. O diagnóstico é
mais evidente quando há, também, pneumonia. Quando isolado em fluido de lavado traqueal, R. equi é
considerado um patógeno; no entanto, cultura fecal positiva não é tão confiável, pois R. equi pode ser
encontrado nas fezes de potros saudáveis. Claritromicina combinada com rifampicina é o tratamento de escolha
para infecção por R. equi em potros. Outros macrolídeos, como azitromicina e eritromicina, podem ser
utilizados, mas a eritromicina pode predispor à diarreia e hipertermia.

Infecção por Lawsonia intracellularis

A infecção intestinal por Lawsonia intracellularis causa enteropatia proliferativa e resulta em surtos de diarreia,
rápida perda de peso, cólica, letargia, edema subcutâneo e enteropatia com perda de proteínas, em potros
recém–desmamados. Lawsonia é cosmopolita e pode infectar várias outras espécies, como suínos, roedores e
ratitas; pode sobreviver no ambiente por 2 semanas e acredita­se que a infecção ocorra por via fezes­oral. L.
intracellularis penetra no enterócito e impede a destruição lisossomal. A multiplicação das células infectadas
continua, originando células epiteliais imaturas nas criptas hiperplásicas, com borda em escova pouco
desenvolvida, o que culmina em redução da atividade enzimática e da função de absorção. A redução da
atividade das dissacaridases resulta em má digestão e consequente sobrecarga de carboidratos no cólon maior,
bem como diarreia osmótica. Hipoproteinemia se instala pela combinação de má absorção de aminoácidos e
aumento da permeabilidade do intestino delgado; ocasiona diminuição da pressão oncótica plasmática e
subsequente edema ventral. Má absorção e má digestão de nutrientes e a enteropatia com perda de proteínas
causam perda de peso e retardo do desenvolvimento.
Os potros acometidos apresentam 3 a 12 meses de idade, mas os mais suscetíveis são aqueles com 4 e 6
meses de idade. O estresse pode ser um fator predisponente. Devido à debilidade, os potros infectados são
predispostos a infecções secundárias nos sistemas GI, respiratório e tegumentar. As taxas de mortalidade e de
morbidade são baixas, desde que os animais sejam tratados adequadamente, embora haja relato de morte súbita.
Os principais achados laboratoriais são hipoproteinemia marcante (< 4,0 mg/dl), com hipoalbuminemia (< 1,5
g/dl). A contagem de leucócitos e a concentração de fibrinogênio tendem a ser normais ou discretamente
aumentadas. Pode ocorrer anemia, hiponatremia, hipocloremia e hipocalcemia. Geralmente, a atividade de CK
encontra­se um pouco aumentada.
O diagnóstico pode ser confirmado na necropsia, quando a bactéria intracelular característica é observada em
tecidos corados com prata. Pode­se confirmar a presença de L. intracellularis utilizando­se teste PCR e exame
imunoistoquímico de tecidos coletados durante a necropsia. Como Lawsonia é um microrganismo intracelular,
não cresce em meio de cultura microbiológica padrão e há necessidade de linhagem celular suscetível para seu
isolamento. PCR pode ser utilizado para detectar DNA de L. intracellularis nas fezes, mas é possível resultado
falso­negativo. O exame sorológico é mais sensível do que PCR de fezes para detectar anticorpos contra L.
intracellularis, mas a diferenciação entre potros infectados e potros expostos pode ser difícil. Atualmente, os
melhores testes sorológicos disponíveis são o teste de pesquisa de anticorpos em fluorescência indireta e o teste
de pesquisa de anticorpos por imunoperoxidase. ELISA também está disponível. Assim, recomenda­se tanto
PCR de fezes quanto os testes sorológicos. O tratamento é indicado quando o teste é positivo, na presença de
hipoproteinemia. Os potros podem permanecer soropositivos por 6 meses após a cura dos sinais clínicos.
Frequentemente, ultrassonografia transabdominal revela espessamento acentuado da parede do intestino
delgado.
O diagnóstico diferencial de enteropatia proliferativa inclui salmonelose, clostridiose, infecções por
Neorickettsia risticii e R. equi, doenças parasitárias e qualquer causa de doença intestinal
inflamatória/infiltrativa. O diagnóstico é confirmado pela resposta ao tratamento. A ausência de resposta após 7
a 10 dias indica necessidade de reavaliação do diagnóstico.
Lawsonia é um patógeno intracelular; logo, os antimicrobianos devem ser lipofílicos ou anfotéricos para
atingirem concentrações adequadas no interior do citoplasma da célula do hospedeiro. O tratamento com
oxitetraciclina (6,6 mg/kg, IV, 2 vezes/dia, por 3 a 7 dias), seguido de doxiciclina (10 mg/kg, 2 vezes/dia, por 14
dias) tem sido efetivo. Casos discretos respondem ao uso apenas de doxiciclina por via oral. Outras opções
incluem eritromicina (exclusivamente ou associada à rifampicina), por 3 a 4 semanas, ou cloranfenicol.
Transfusões de plasma são necessárias apenas aos potros gravemente acometidos. Glicocorticoides não são
indicados. A resposta ao tratamento pode ser notada pela melhora da disposição, do apetite e do ganho de peso.
A resolução da hipoproteinemia pode demorar 4 a 5 semanas e o espessamento do intestino delgado, 4 a 8
semanas.

DIARREIA DO CIO EM POTROS

Muitas vezes, 4 a 14 dias após o nascimento os potros manifestam diarreia discreta autolimitante. Nesse
período, a égua geralmente apresenta seu primeiro ciclo estral, daí o nome de “diarreia do cio em potros”. No
entanto, neste período também pode­se notar diarreia em potros órfãos; assim, é pouco provável que a atividade
hormonal da égua esteja envolvida na patogênese. Embora a causa não seja conhecida, pode estar associada a
alteração na flora microbiana do intestino do potro ou modificação da dieta à medida que o potro começa a
ingerir pequena quantidade de feno e grãos. Coprofagia também pode estar envolvida.
O potro permanece ativo e alerta e apresenta apetite normal. Os sinais vitais também permanecem normais.
As fezes ficam semiformadas a aquosas e não são fétidas. O monitoramento é importante para garantir que a
condição do potro não se agrave. Geralmente, não é necessário tratamento específico, mas a aplicação de um
protetor na pele ao redor do períneo ajuda a evitar assaduras.

DIARREIA VIRAL EM POTROS

Os vírus parecem causar diarreia em potros, mas não em equinos adultos. Rotavírus é a principal causa de
diarreia viral em potros; no entanto, outros vírus estão envolvidos (p. ex., coronavírus). A diarreia induzida pelo
rotavírus caracteriza­se por depressão, anorexia e fezes aquosas abundantes e fétidas. Geralmente acomete
potros com < 2 meses de idade; potros mais jovens apresentam, tipicamente, sintomas mais graves. A diarreia
normalmente dura 4 a 7 dias, embora possa persistir por semanas.
O rotavírus destrói enterócitos da extremidade das vilosidades do intestino delgado, resultando em má
absorção. A lactase torna–se deficiente, de modo que a lactose alcança o intestino grosso ocasiona diarreia
osmótica. O diagnóstico se baseia na identificação do vírus nas fezes por microscopia eletrônica ou testes
imunológicos comerciais fabricados para detecção de rotavírus humano. A solicitação de um teste laboratorial
específico para rotavírus, coletando­se fezes no início da doença de diversos potros, aumenta a chance de
detecção viral.
Geralmente institui­se tratamento de suporte. Algumas práticas de manejo e técnicas de desinfecção de haras
limitam efetivamente a disseminação do rotavírus, em caso de surto. Os potros doentes são altamente
infectantes e devem ser isolados em uma baia, no estábulo no qual desenvolveram doença ou em uma instalação
destinada a isolamento. Os funcionários devem utilizar luvas e botas higienizáveis e lavar as mãos com sabão
antes e depois de manipular os potros com diarreia. Também devem­se utilizar pedilúvios que contenham
desinfetantes fenólicos, do lado de fora da baia do potro doente. O equipamento específico de limpeza da baia
deve ser destinado apenas à limpeza das instalações dos potros com diarreia. Quando a baia é desocupada, deve
ser limpa, lavada com detergente e, depois, desinfetada com compostos fenólicos que preencham os padrões da
EPA (Environmental Protection Agency). Alvejantes, clorexidina e compostos quaternários não parecem
efetivos contra rotavírus. Não se deve espalhar o material fecal de potros doentes removido de baias, em pastos
utilizados para equinos e potros; ademais, deve­se tomar cuidado para evitar contaminação dos corredores com
fezes. Devem­se desinfetar todos os materiais de limpeza das baias. É difícil limpar e desinfetar adequadamente
baias com piso sujo. Pode ser necessária a remoção das camadas superiores de sujeira.
Equinos e potros que chegam no haras, incluindo aqueles que retornam de hospitais veterinários, devem ser
isolados por = 7 dias, antes de serem introduzidos na população local. Há disponibilidade de uma vacina para
éguas prenhes para induzir a produção de anticorpos colostrais com o objetivo de reduzir o risco de rotavirose
em seus potros.

MISCELÂNEA DE CAUSAS DE DIARREIA EM POTROS

Diarreia alimentar pode ser decorrência de superalimentação (p. ex., quando se coloca o potro com a égua
depois de um período de separação) e de dieta inadequada (p. ex., potros órfãos alimentados com substituto de
leite de bezerro ou sacarose). A intolerância à lactose em potros é rara e pode ser detectada por meio de teste de
tolerância à lactose ou pela resposta clínica à suplementação com lactase. Diarreia também pode surgir quando
os potros consomem substâncias indigeríveis, como volumoso, areia, cascalho e pedras. Há relato de que a
diarreia dos potros está associada à infecção por Strongyloides westeri, Parascaris equorum e Cryptosporidium
spp (ver p. 356).

PERDA DE PESO E HIPOPROTEINEMIA

As causas de perda de peso em equinos são várias e podem envolver diversos sistemas corporais. Este texto se
restringe às doenças do trato GI. Perda de proteínas pode ou não estar associada à perda de peso. Os distúrbios
comumente relacionados com qualquer um desses sintomas incluem neoplasias, doença intestinal inflamatória e
intoxicação secundária ao tratamento com AINE.

DOENÇA INTESTINAL INFLAMATÓRIA

Este grupo de doenças inclui enterite granulomatosa (EG), enterocolite linfocítica plasmocitária (ELP), doença
epiteliotrópica eosinofílica multissistêmica (DEEM) e enterocolite eosinofílica focal idiopática (EEFI). A
doença se caracteriza pela infiltração de células inflamatórias, inclusive linfócitos, plasmócitos, macrófagos e
eosinófilos nos intestinos delgado e grosso. A inflamação pode se limitar a apenas um pequeno segmento do
intestino ou ser mais difusa. Ocorre má absorção e enterocolopatia com perda de proteínas. A diarreia pode ou
não ser um achado clínico. A doença intestinal inflamatória deve ser considerada no diagnóstico diferencial em
equinos com perda de peso, cólica recidivante ou hipoproteinemia, bem como em alguns equinos com
dermatopatias generalizadas.
O diagnóstico baseia­se nos sinais clínicos, na baixa concentração sérica de proteína, na constatação de
espessamento intestinal (detectado por ultrassonografia ou durante palpação retal), nos sinais de má absorção e
na biopsia intestinal ou retal. A má absorção de carboidratos ocorre secundariamente à atrofia grave de
vilosidades ao longo do intestino delgado. A falha na absorção de glicose ou D­xilose, administrada por via oral,
confirma o diagnóstico de má absorção no intestino delgado.
O diagnóstico histológico é subjetivo e deve ser realizado por um patologista experiente em leitura de biopsia
intestinal de equinos. A biopsia da mucosa retal é útil no diagnóstico de cerca de 50% dos casos de EG e
DEEM, mas raramente auxilia no diagnóstico de ELP e EEFI. Pode­se verificar grande quantidade de
eosinófilos e linfócitos na parede intestinal de equinos normais e deve­se evitar erro de interpretação. A
presença de granuloma eosinofílico, vasculite e necrose fibrinoide de vasos intramurais define o diagnóstico de
DEEM. Equinos com DEEM podem apresentar dermatite grave, infiltrado eosinofílico no fígado ou no pâncreas
e, em alguns casos, eosinofilia acentuada. Equinos com EEFI apresentam infiltrado eosinofílico restrito ao
intestino e o prognóstico quanto à sobrevida é melhor. Pode­se coletar amostra de tecido intestinal espesso por
meio de biopsia, mediante laparoscopia com incisão de flanco ou por celiotomia na linha média ventral. Como a
maioria dos equinos apresenta hipoproteinemia grave no momento do diagnóstico, a cicatrização no ponto de
incisão pode ser problemática.
A fisiopatologia de várias síndromes não é bem conhecida. Resposta imune alterada a um fator intestinal
comum (p. ex., alimentos, parasitos, bactérias) tem sido sugerida. Há semelhanças histopatológicas entre EG em
equinos, doença de Johne em bovinos e doença de Crohn em pessoas. Equinos Standardbred parecem
predispostos a EG e DEEM, sugerindo possível predisposição genética.
Têm­se tentado vários tratamentos medicamentosos, com êxito limitado. Têm­se empregado corticosteroides,
alteração da dieta, metronidazol e o antimetabólito azatioprina. Geralmente, a síndrome hipereosinofílica
humana responde à hidroxiureia ou à vincristina e, em alguns casos, utiliza­se interferona­a e ciclosporina. A
terapia nutricional de suporte deve envolver refeições frequentes com alimentos de boa qualidade e com alto
teor de energia. O prognóstico é desfavorável. A remoção cirúrgica pode ser bem­sucedida se apenas uma parte
restrita e acessível do intestino é acometida. Isto é mais comum na EEFI, na qual os equinos em geral
apresentam cólica, em vez de perda de peso. Pode­se detectar espessamento focal, às vezes restrito a faixas
murais circulares, durante laparotomia exploratória ou necropsia; o diagnostico pode ser estabelecido com
subsequente exame histopatológico. Equinos com EEFI respondem à ressecção cirúrgica do segmento intestinal
acometido. O tratamento medicamentoso com corticosteroides e refeições com pequenas porções também
propicia regressão dos sintomas após descompressão do intestino delgado, sem ressecção.

FIBROSE DE INTESTINO DELGADO

Fibrose extensa na submucosa do intestino delgado tem sido associada à perda de peso e cólica recidivante em
equinos adultos em pastejo no norte do Colorado. Todos os equinos acometidos morreram ou foram submetidos
à eutanásia devido ao estado geral. A causa é desconhecida.

NEOPLASIA GASTRINTESTINAL

O carcinoma de célula escamosa do estômago e a forma alimentar de linfossarcoma são as formas mais comuns
de neoplasia de trato GI de equinos. Perda de peso crônica pode ser o principal sinal clínico. Quando o
linfossarcoma se infiltra na parede intestinal pode ocorrer diarreia crônica e hipoalbuminemia.
Como a prevalência de neoplasias GI é baixa devem­se investigar, inicialmente, outras causas de perda de
peso. O diagnóstico geralmente é feito pela exclusão de outras causas de perda de peso e pelo exame
histopatológico de tecido coletado durante cirurgia exploratória ou durante a necropsia. O carcinoma de célula
escamosa do estômago pode ser diagnosticado por meio de gastroscopia. É necessário um endoscópio de 2 a 3
m de comprimento para examinar a mucosa gástrica de equinos adultos. Nos equinos com linfossarcoma,
podem­se detectar linfonodos mesentéricos aumentados ou intestino espessado, por meio de palpação retal ou
exame ultrassonográfico. Ocasionalmente, as células neoplásicas são identificadas no exame citológico do
fluido abdominal. A ultrassonografia pode revelar tumor no fígado ou no baço, bem como guiar a biopsia
percutânea do tumor. Laparotomia exploratória, com biopsia de tumor de intestino ou de outros locais, pode
permitir o diagnóstico definitivo.
Geralmente, não se realiza tratamento de neoplasias GI; o prognóstico é ruim. Há poucos relatos de remoção
cirúrgica do segmento intestinal acometido. Quimioterapia pode ser uma opção para alguns equinos; terapia
corticoide pode prolongar a sobrevida, em alguns casos.

TOXICIDADE DE ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDES

A toxicidade de AINE está relacionada com a seletividade à ciclo­oxigenase (COX) e à dose e duração do
tratamento (ver p. 2681). Acredita­se que os inibidores não seletivos de COX têm maior potencial de toxicidade
do que aqueles seletivos à COX. Os inibidores de COX também causam retardo na cicatrização GI. O trato GI e
os rins são os órgãos mais comumente afetados pela toxicidade de AINE. A lesão induzida por AINE surgir em
qualquer porção do trato GI, mas o cólon maior (principalmente cólon dorsal direito) e a mucosa gástrica
parecem mais sensíveis. A capacidade da fenilbutazona em causar úlcera é maior do que a da flunexina
meglumina e a desta é maior do que a do cetoprofeno. As lesões ulcerativas no cólon maior causam enteropatia
com perda de proteínas, geralmente com sintomas de edema ventral, anorexia, letargia, perda de peso, diarreia e
cólica. Pode ocorrer cicatrização no cólon dorsal direito e causar impactação no cólon maior; em alguns casos
há necessidade de ressecção do cólon maior.
Nos equinos, a fenilbutazona, administrada em altas doses ou por longo tempo, causa enterocolopatia com
perda de proteínas. Entretanto, alguns equinos apresentam sensibilidade individual aos AINE, podendo ocorrer
colite dorsal direita quando se utiliza dose inferior à recomendada. Pode ocorrer toxicidade com a administração
oral ou parenteral de AINE. Tem­se notado hipoproteinemia devido à perda de proteínas no lúmen intestinal,
que pode ser notada sem úlcera visível. Pode ocorrer necrose papilar renal. A administração de flunixino
meglumina em altas doses ou por longo tempo pode resultar em toxicidade semelhante.
Os sinais clínicos de toxicidade por AINE incluem dificuldade de mastigação devido à úlcera bucal e lingual,
hipersalivação e sinais de dor durante a deglutição em razão de úlcera esofágica. Úlcera gástrica pode resultar
em decúbito após alimentação, sinais de cólica e anorexia. Equinos com úlcera de cólon apresentam fezes
amolecidas, diarreia e edema ventral. A úlcera intestinal pode ser grave o suficiente para causar transferência de
bactérias e endotoxinas, bem como sinais de inflamação sistêmica e sepse. Em casos graves, pode ocorrer
desidratação, febre e taquicardia. Os sinais clínicos podem surgir dias ou meses após a terapia com AINE. Nos
casos mais crônicos nota­se cólica recidivante, perda de peso e fezes amolecidas.
Pode­se obter um diagnóstico por tentativa com base no histórico de administração de AINE, nos sinais
clínicos e na constatação de hipoproteinemia. Nos casos graves há hiponatremia, hipocloremia, hipocalcemia e
acidose, além de hipovolemia. Na ultrassonografia pode­se notar espessamento do cólon. Úlcera gástrica pode
ser confirmada por meio de gastroscopia, mas há necessidade de endoscópio com 2 a 3 m de comprimento.
O tratamento inclui a interrupção do uso de fenilbutazona ou de qualquer outro AINE. Em casos agudos,
pode­se utilizar 3,8 L de óleo mineral, repetido duas horas após, para reduzir a absorção do medicamento. Para
auxiliar na prevenção de úlcera gástrica pode ser benéfica a redução da produção de ácido gástrico com uso de
bloqueadores de receptores de H2 (p. ex., ranitidina) ou inibidor da bomba de prótons (p. ex., omeprazol);
também, pode ser benéfico o uso de sucralfato. Pode­se indicar a administração de misoprostol (um análogo
sintético de prostaglandina), mas pode causar sintomas adicionais de diarreia e cólica. No caso de hipovolemia
indica­se fluidoterapia IV, principalmente quando há azotemia concomitante. A transfusão de plasma ou o uso
de coloide sintético pode ser utilizado para aumentar a pressão oncótica do plasma.
Recomenda­se o manejo alimentar de longa duração com ração completa peletizada com baixo teor de fibras,
fornecida várias vezes ao longo do dia, e a eliminação de volumoso da dieta. Óleo de milho pode ser fornecido
para garantir o aporte de calorias; ademais, pode auxiliar na cicatrização da mucosa intestinal. O muciloide
psílio também pode promover cicatrização de cólon por aumentar a concentração de ácidos graxos de cadeia
curta. Pode ser necessária cirurgia, se a cicatrização intestinal ocasiona obstrução parcial do intestino.
A prevenção de toxicidade por AINE consiste na restrição de sua dose e da duração do tratamento, utilização
de terapia analgésica alternativa e monitoramento da consistência de fezes e da concentração sérica de
albumina.

DOENÇAS INTESTINAIS EM RUMINANTES

DOENÇAS INTESTINAIS EM BOVINOS

A determinação da causa da doença intestinal em bovinos baseia­se nos achados clínicos, epidemiológicos e
laboratoriais. A terapia inespecífica inclui reposição de fluidos e eletrólitos. Uma abordagem é descrita a seguir;
terapia específica e prevenção são detalhadas a seguir, no tópico de cada doença. Doenças intestinais de
neonatos são discutidas separadamente, embora algumas das causas também acometam animais mais velhos.

Diarreia Viral Bovina e Complexo da Doença das Mucosas

Diarreia viral bovina (DVB) é mais comum em bovinos jovens (6 a 24 meses de idade); os achados clínicos
podem incluir febre, inapetência, diarreia e lesões típicas na mucosa. A DVB deve ser distinguida de outras
doenças virais que causam diarreia e lesões de mucosa. Dentre elas incluem­se febre catarral maligna (p. 758),
que geralmente é uma doença esporádica de bovinos adultos, e peste bovina (p. 783), que pode se manifestar na
forma de surtos, mas é exótica em muitos países.
O vírus da diarreia viral bovina (VDVB), o agente causador da DVB e do complexo da doença das mucosas,
pertence ao gênero Pestivirus, família Flaviviridae. Embora os bovinos sejam os principais hospedeiros do
VDVB, vários relatos sugerem que a maioria dos animais biungulados também é suscetível. Classicamente, as
estirpes de VDVB são separadas em biotipos não citopáticos e citopáticos, com base nos efeitos citopáticos
observados em culturas de células infectadas. Um terceiro biotipo proposto inclui VDVB não citopático em
cultura de células não linfoides, porém citopático em linhagem celular linfoide. VDVB não citopático em
células não linfoides é o biotipo viral predominante na natureza. VDVB citopático é relativamente raro e isolado
de bovinos que são persistentemente infectados com VDVB não citopático. A mudança no biotipo viral é
causada por mutações que frequentemente envolvem recombinação de RNA viral não citopático com ele
mesmo, com RNA viral heterólogo ou com RNA da célula hospedeira.
Baseando­se na comparação da sequência de nucleotídios do RNA viral há, no mínimo, dois genótipos virais
(grupo genéticos distintos) do VDVB que podem ser considerados subgenótipos ou genogrupos. Os genótipos
virais são denominados VDVB tipo 1 e VDVB tipo 2 e ambos, VDVB citopático e não citopático, estão
representados em cada genótipo viral. Os subgenótipos são aglomerados de vírus no interior do genótipo viral,
que são muito semelhantes à sequência de nucleotídios do vírus RNA (subgenótipos são indicados por letras
minúsculas; logo os subgenótipos do genótipo VDVB 1 seriam representados por 1a, 1b, 1c etc.) Atualmente,
desconhece­se o número de subgenótipos virais. Baseando­se na sequência de várias centenas de nucleotídios de
algumas regiões do RNA viral, notou­se que o VDVB tipo 1 possui, no mínimo, 12 a 15 subgenótipos e o
VDVB tem pelo menos dois subgenótipos.
A distribuição de VDVB tipo 1 e tipo 2 parece ser cosmopolita; no entanto, a prevalência de cada tipo de
vírus varia consideravelmente de acordo com a região. A distribuição dos subgenótipos virais é mais restrita e
vários subgenótipos virais são encontrados apenas em algumas partes do mundo e, em alguns casos, apenas em
determinadas regiões de um país. Todos VDVB, considerando­se o genótipo ou subgenótipo, são
antigenicamente relacionados. No entanto, o exame sorológico em que se utiliza soro coletado de bovino
convalescente pode diferenciar VDVB tipo 1 e VDVB tipo 2. O grau de variação antigênica entre VDVB de
diferentes genótipos e subgenótipos não são conhecidos, mas há consenso de que as diferenças antigênicas entre
os VDVB podem ser suficientes para interferir na proteção oriunda de vacinação.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: Pesquisas sorológicas indicam que o VDVB tem distribuição cosmopolita. A
prevalência do anticorpo antiviral em bovinos varia entre os países e pode variar entre regiões geográficas
dentro de um mesmo país. A prevalência do anticorpo antiviral pode ser > 90% se a vacinação é praticada com
frequência em determinada região. Embora bovinos de todas as idades sejam suscetíveis, a maioria dos casos de
doença clínica evidente são notados em bovinos com 6 meses a 2 anos de idade.
Bovinos persistentemente infectados por VDVB não citopático atuam como reservatório natural do vírus.
Infecção persistente se desenvolve quando o VDVB não citopático é transmitido por via placentária, nos
primeiros 4 meses de desenvolvimento fetal. O bezerro nasce infectado com o vírus e assim se mantém ao longo
da vida; geralmente é imunotolerante ao vírus não citopático presente. A infecção transplacentária que ocorre
tardiamente na gestação resulta em aborto, malformações congênitas ou nascimento de bezerros normais que
possuam anticorpos contra VDVB. A prevalência da infecção persistente varia entre os países e entre as regiões
de um país. Relatos recentes indicam que a prevalência da infecção persistente em bezerros introduzidos em
lotes de engorda na região central dos EUA varia de 0,1 a 0,3%. A prevalência da infecção persistente em
bezerros recém­nascidos provavelmente é maior e de acordo com relatos pode atingir 4% em fazendas de
bovinos leiteiros onde há infecção endêmica por VDVB. Em determinada fazenda, os bovinos persistentemente
infectados, com frequência, fazem parte de grupos de animais de idades semelhantes. Bovinos persistentemente
infectados podem excretar grande quantidade de VDVB em suas secreções e excreções e transmitir o vírus
facilmente para o rebanho de matrizes suscetíveis. Doença clínica e disfunções reprodutivas geralmente são
notadas depois que um bovino saudável teve contato com um animal persistentemente infectado. Apesar dos
bovinos infectados de forma persistente ser importantes na transmissão do VDVB, insetos picadores, fômites,
sêmen, produtos biológicos e outros animais, como suínos, ovinos, caprinos, camelídeos e, possivelmente,
ruminantes selvagens, também podem disseminar VDVB.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: As doenças induzidas por VDVB variam em gravidade, duração e sistema
orgânico envolvido. A doença aguda resulta de infecção de bovinos suscetíveis tanto por VDVB não citopático
quanto citopático. A DVB aguda, também denominada DVB transitória, frequentemente é uma doença
inaparente ou discreta cuja taxa de morbidade é alta e a taxa de mortalidade é baixa. Febre bifásica (cerca de
40°C), depressão, diminuição na produção de leite e inapetência transitória, aumento da frequência respiratória,
secreção nasal e lacrimejamento excessivos e diarreia são sintomas típicos de DVB aguda. Os sinais clínicos da
doença geralmente surgem 6 a 12 dias após a infecção e duram 1 a 3 dias. Leucopenia transitória pode ser
notada no início dos sinais da doença. A recuperação é rápida e coincide com a produção de anticorpos
neutralizantes virais. Lesões macroscópicas são raramente observadas nas formas discretas da doença. O tecido
linfoide é o principal sítio de replicação do VDVB, que pode ocasionar imunossupressão e exacerbar a
gravidade de infecções concomitantes.
Algumas cepas de VDVB causam doença clínica grave que se manifesta com febre alta (cerca de 41 a 42°C),
úlceras bucais, lesões erosivas na faixa coronária e na fenda interdigital do casco, diarreia, desidratação,
leucopenia e trombocitopenia. Nos bovinos com trombocitopenia podem­se observar petéquias na conjuntiva,
esclera, membrana nictante ocular e na superfície mucosa da boca e da vulva. Nota­se, também, sangramento
prolongado nos locais de injeção. Linfonodos aumentados, erosões e úlceras de trato GI, petéquias e equimoses
nas superfícies serosas das vísceras e depleção linfoide marcante são achados associados à forma grave de DVB
aguda. O curso da doença pode ser de 3 a 7 dias. Alta taxa de morbidade e moderada taxa de mortalidade são
comuns. A gravidade da DVB aguda está relacionada com virulência da cepa viral infectante ao animal e não
depende do biotipo ou genótipo viral.
O VDVB pode atravessar a placenta e infectar o feto, em vacas prenhes. As consequências da infecção fetal
geralmente são observadas várias semanas a meses após a infecção da fêmea e depende do estágio do
desenvolvimento fetal e da cepa de VDVB. Infecção da fêmea próximo ao período de fertilização pode resultar
em baixa taxa de concepção. Infecção nos primeiros 4 meses de desenvolvimento fetal pode causar reabsorção
embrionária, abortamento, crescimento retardado ou infecção persistente. As malformações congênitas oculares
e do SNC resultam de infecções fetais que surgem entre o 4o e o 6o mês de desenvolvimento. Também ocorre
mumificação fetal, nascimento prematuro, natimortos e nascimento de bezerros fracos, após a infecção fetal.
Infecção persistente é sequela importante de infecção fetal por VDVB não citopático. Os bezerros
persistentemente infectados podem parecer saudáveis e de tamanho normal ou podem apresentar baixo
crescimento e predisposição a enfermidades respiratórias e intestinais. Frequentemente têm baixa expectativa de
vida, sendo comum morte antes de 2 anos de idade. As vacas com infecção persistente parem bezerros também
persistentemente infectados, mas muitos bezerros gerados por um touro com infecção persistente não são
infectados pelo vírus, no útero. Com frequência, as lesões atribuídas ao VDVB não são constatadas na necropsia
de bovinos persistentemente infectados. Anticorpo contra DVB raramente é detectado em bovinos com infecção
persistente na ausência de vacinação ou superinfecção com VDVB antigenicamente heterólogo. Um bovino
persistentemente infectado exposto a um VDVB antigenicamente diferente do vírus não citopático que alberga
pode provocar anticorpo antiviral. Logo, a triagem de infecção persistente utilizando teste de neutralização viral
para identificar animais deficientes em anticorpo antiviral pode não detectar alguns bovinos persistentemente
infectados.
Doença das mucosas é uma forma de DVB altamente fatal, aguda ou crônica, notada com pouca frequência
em bovinos com infecção persistente. A doença das mucosas se instala quando os bovinos persistentemente
infectados são superinfectados por VDVB citopático. A origem do VDVB citopático geralmente é interna,
decorrendo de mutação do VDVB não citopático persistente. Nestes casos, o vírus citopático é antigenicamente
similar ao vírus não citopático em questão. As origens externas do VDVB citopático são outros bovinos e
vacinas de vírus vivos modificados. Bovinos que desenvolvem doença das mucosas devido à exposição ao vírus
citopático de origem externa geralmente produzem anticorpo antiviral. A prevalência de infecção persistente
geralmente é baixa e muitos bovinos persistentemente infectados não desenvolvem doença das mucosas, mesmo
se expostos ao microrganismo. A doença das mucosas aguda se caracteriza por febre, leucopenia, diarreia,
inapetência, desidratação, lesões erosivas nas narinas e na boca e morte poucos dias após o início dos sintomas.
Na necropsia, podem­se encontrar erosões e úlceras ao longo do trato GI. A mucosa que recobre as placas de
Peyer pode apresentar hemorragia e necrose. No exame microscópico, observa­se extensa necrose de tecidos
linfoides, especialmente aqueles relacionados com os intestinos.
Os sinais clínicos da doença das mucosas crônica podem durar várias semanas a meses e são menos graves do
que aqueles da doença aguda. São comuns diarreia intermitente e definhamento gradual. Em alguns bovinos,
coronite e lesões erosivas na pele da fenda interdigital causam claudicação. As lesões verificadas na necropsia
são menos evidentes, mas semelhantes àquelas observadas na doença das mucosas aguda. Frequentemente, as
lesões macroscópicas notadas são apenas úlceras focais na mucosa do ceco, cólon proximal ou reto; a mucosa
que reveste as placas de Peyer do intestino delgado pode se mostrar retraída.
DIAGNÓSTICO: A DVB pode ser diagnosticada, por tentativa, a partir da anamnese, dos sinais clínicos e das
lesões macro e microscópicas. Quando os sinais clínicos e as lesões macroscópicas forem discretos, há
necessidade de exames laboratoriais. Estes também são essenciais em alguns surtos de doença das mucosas ou
de DVB aguda clinicamente grave, que podem ser semelhantes à peste bovina (p. 698) e à febre catarral maligna
(p. 687).
Os exames laboratoriais para VDVB incluem isolamento viral e sorologia para pesquisa de anticorpos, bem
como de antígenos virais ou RNA viral em amostras clínicas e de tecidos. Como os anticorpos contra VDVB
são constatados na maior parte das populações bovinas, um único teste sorológico raramente é suficiente para o
diagnóstico de infecção recente. É necessário um aumento > 4 vezes no título de anticorpos em amostras séricas
pareadas, obtidas com intervalo = 2 semanas, para detectar uma infecção recente. A infecção ativa é confirmada
pelo isolamento de VDVB em amostras de sangue, suabe nasal ou de tecidos. A identificação de infecção
persistente requer detecção do vírus em amostras clínicas obtidas em intervalos de, no mínimo 3 semanas. Na
necropsia, os tecidos de escolha para o isolamento viral incluem baço, linfonodos e segmentos ulcerados do
trato GI.
As alternativas ao isolamento viral são testes ELISA para detectar o vírus em amostras de sangue, soro ou
tecido; imunoistoquímica para detectar proteína viral em tecidos congelados ou fixados; PCR para detectar
RNA viral em amostras clínicas; e PCR ou hibridização in situ para detectar RNA viral em tecidos frescos ou
fixados. A diferenciação dos genótipos e subgenótipos virais pode ser feita apenas por PCR ou por PCR seguida
da sequência de nucleotídios, análise de fragmento de restrição ou análise de substituição do nucleotídio
palindrômico. Os testes de conjugação de anticorpos monoclonais e de neutralização viral também diferenciam
genótipos virais.
Tratamento e Controle: O tratamento de DVB limita­se principalmente à terapia de suporte. O controle
baseia­se em práticas corretas de manejo que incluem uso de medidas de biossegurança, descarte de bovinos
com infecção persistente e vacinação. Os bovinos adquiridos devem ser testados quanto à infecção persistente
antes de serem introduzidos no rebanho. Deve­se adotar quarentena ou separação física de bovinos adquiridos
dos demais animais do rebanho, por 2 a 4 semanas; a vacinação dos animais adquiridos contra DVB deve ser
feita antes de serem misturados ao rebanho inicial. Doadoras e receptoras de embriões também devem ser
testadas quanto à infecção persistente. Se a vacinação de doadoras e receptoras de embriões for atestada, ela
deve ser feita no mínimo um ciclo estral antes da transferência de embriões. Como VDVB é excretado no
sêmen, touros reprodutores devem ser testados quanto à infecção persistente antes do acasalamento. A
inseminação artificial deve ser feita apenas com sêmen obtido de touros livres de infecção persistente.
A triagem de rebanhos bovinos quanto à infecção persistente frequentemente é realizada por PCR em
amostras de pele obtidas por biopsia ou amostras de sangue; por métodos clássicos de isolamento viral do soro
ou pele; por ELISA do soro ou pele, ou detecção de antígeno utilizando métodos imunoistoquímicos em tecidos
ou amostras de pele obtidas por biopsia. Há disponibilidade de diversas estratégias para avaliar os rebanhos
quanto à infecção persistente, com base no tamanho e tipo do rebanho, nas limitações financeiras do proprietário
e na sensibilidade do teste laboratorial de diagnóstico utilizado. Quando identificado, o bovino persistentemente
infectado deve ser removido do rebanho o quanto antes.
Estão disponíveis vacinas de vírus vivos modificados ou inativados. Elas contêm uma variedade de cepas de
VDVB, que envolvem ambos, biotipos virais e genótipos virais 1 e 2. A diversidade antigênica entre VDVB
pode interferir na eficácia de uma vacina utilizada se o(s) vírus vacinal(is) é muito diferente do vírus do desafio.
Para imunização apropriada e segura dos bovinos, tanto com vacinas de vírus vivos modificados quanto com
vírus inativados, é importante seguir as instruções do fabricante. Como o VDVB é fetotrópico e pode ser
imunossupressor, o uso de vacinas com vírus vivo modificado não é recomendado às vacas prenhes ou que
manifestam sinais de doença. As vacinas inativadas podem ser aplicadas em vacas prenhes. A proteção
conferida por uma vacina inativada pode ter curta duração e pode ser necessária vacinação frequente para evitar
a doença ou disfunção reprodutiva. Anticorpos colostrais conferem proteção parcial ou total contra doença, na
maioria dos bezerros, 3 a 6 meses após o nascimento. A vacinação dos bovinos neonatos que adquiriram
anticorpo colostral pode não estimular uma resposta imune protetora, podendo ser necessária revacinação aos 5
a 9 meses de idade. Uma dose de reforço de vacina geralmente é administrada antes do primeiro acasalamento;
uma dose de reforço pode ser administrada nos anos subsequentes, antes do acasalamento.

Disenteria de Inverno

A disenteria de inverno é uma gastroenteropatia aguda altamente contagiosa que acomete vacas leiteiras,
principalmente no inverno. Os achados clínicos incluem diarreia explosiva (às vezes acompanhada de
disenteria), queda acentuada na produção de leite, depressão e anorexia variável e sintomas respiratórios
discretos, como tosse. A doença tem alta taxa de morbidade, mas baixa taxa de mortalidade; é comum cura
espontânea em poucos dias.
ETIOLOGIA: A etiologia exata da disenteria de inverno não foi esclarecida. Nos últimos anos tem­se incriminado
como agente etiológico um coronavírus bovino (CVB) estreitamente relacionado com o vírus que causa diarreia
neonatal em bezerros. As evidências de que o CVB é a causa da diarreia de inverno incluem: 1) os sinais
clínicos e os achados patológicos são compatíveis com a doença causada pelo CVB, 2) demonstrou­se
soroconversão com relação ao CVB em bovinos acometidos, 3) o vírus é frequentemente isolado de fezes
diarreicas de bovinos que apresentam sinais clínicos de disenteria de inverno, e 4) a doença tem sido
reproduzida mediante breve exposição de vacas lactantes soronegativas para CVB a um bezerro
experimentalmente infectado com fezes de vacas com diarreia de inverno. Apesar dessas evidências, ainda não
foi possível induzir consistentemente disenteria de inverno por meio da inoculação oral de CVB em bovinos
adultos. Podem ser necessários fatores de risco concomitantes, como alteração da dieta, temperatura fria e
presença de outros microrganismos, antes que o CVB cause doença clínica em bovinos adultos. Os agentes
anteriormente sugeridos como causas de disenteria de inverno incluem Campylobacter jejuni, parvovírus
bovino, enterovírus, vírus da rinotraqueíte infecciosa bovina e vírus da diarreia viral bovina.
TRANSMISSÃO, EPIDEMIOLOGIA E PATOGÊNESE: CVB é transmitido por via de fezes­oral, mediante ingestão de
alimento ou água contaminada por fezes de bovinos doentes ou de portadores clinicamente normais. Partículas
virais presentes em secreções respiratórias de animais acometidos podem favorecer a transmissão. A
transmissão da doença é exacerbada por confinamento fechado. A disenteria de inverno é altamente contagiosa
e facilmente introduzida em estábulos por visitantes, animais portadores e fômites. É comum em clima boreal,
onde os animais são criados em ambiente interno por longo período durante os meses de inverno. Isto é visto
frequentemente no norte dos EUA, Canadá, Reino Unido, Europa, Austrália, Nova Zelândia, Israel e Japão. Os
coronavírus sobrevivem melhor em baixa temperatura e baixa intensidade de luz ultravioleta, o que pode manter
o vírus no ambiente durante os meses mais frios. Vacas lactantes recém­paridas são mais gravemente infectadas,
mas a doença pode acometer animais mais jovens ou mais velhos, além de machos. A taxa de mortalidade
associada à disenteria de inverno geralmente é baixa (1 a 2%), mas a taxa de morbidade nas fazendas
acometidas é alta, com 20 a 50% dos animais do rebanho exibindo sinais clínicos dentro de poucos dias; quase
100% dos animais do rebanho exibem sinais clínicos em 1 semana. Algum grau de imunidade à disenteria de
inverno parece desenvolver, pois notam­se recidivas no mesmo rebanho em intervalos de 1 a 5 anos.
Acredita­se que os mediadores inflamatórios que causam hipersecreção no intestino delgado e no cólon
podem contribuir para a diarreia volumosa observada nos bovinos acometidos. Além disso, a destruição de
células epiteliais das criptas do cólon resulta em transudação de fluido extracelular e sangue, explicando a
natureza hemorrágica da diarreia, em alguns casos.
ACHADOS CLÍNICOS: A síndrome clínica caracteriza­se por início agudo de diarreia fluida e queda acentuada na
produção de leite (perda de produção de 25 a 95%). As fezes são líquidas e homogêneas, verde­escuras a pretas,
com discreto odor; podem conter sangue (tipicamente em novilhas de primeira lactação) ou muco. Há odor
desagradável, bolorento e doce nos estábulos com grande número de bovinos acometidos. Secreção
nasolacrimal ou tosse podem acompanhar ou preceder a diarreia. Outros sinais incluem cólica leve,
desidratação, depressão, breve período de anorexia e algum prejuízo da condição corporal. Ocasionalmente, os
animais exibem sintomas mais graves, como fezes com quantidades variáveis de sangue, desidratação grave e
fraqueza. Casos fatais são raros. Em casos isolados o curso da diarreia é breve e as fezes retornam ao normal em
2 a 3 dias, na maioria dos animais. No rebanho os casos da doença tipicamente diminuem em 1 a 2 semanas,
mas a produção de leite pode demorar semanas a meses para retornar ao normal.
Lesões: O intestino delgado pode apresentar dilatação e flacidez. As lesões são vistas principalmente no
intestino grosso e consistem de hiperemia da mucosa do ceco e do cólon, hemorragias em faixas lineares ou
puntiformes, predominantemente ao longo das criptas da mucosa do cólon, e sangue no lúmen do intestino
grosso. Os achados histológicos podem incluir ampla degeneração e necrose do epitélio glandular do cólon.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico pode ser confirmado pela constatação de partículas do coronavírus em amostras de
fezes, em ELISA ou microscopia eletrônica. Na infecção por coronavírus, a soroconversão em amostras de soro
de animais com a doença aguda e daqueles convalescentes, obtidas em intervalos de 8 semanas, também auxilia
na confirmação do diagnóstico de disenteria de inverno.
Os diagnósticos diferenciais para diarreia aguda em bovinos adultos incluem diarreia viral bovina (DVB),
coccidiose e salmonelose entérica. Essas doenças podem ser excluídas devido à ausência de lesões nas mucosas
(DVB), culturas de fezes negativas (Salmonella spp), teste de flotação fecal negativo (coccidiose), assim como
pela manifestação clínica característica da disenteria de inverno (início súbito de diarreia de curta duração em
um rebanho, com alta taxa de morbidade e baixa taxa de mortalidade).
TRATAMENTO E CONTROLE: A maioria dos bovinos acometidos recupera­se espontaneamente. Devem ser

disponibilizados água fresca, alimentos palatáveis e sal à vontade, a qualquer momento. O uso de adstringentes,
protetores e adsorventes é controverso. Pode ser necessária fluidoterapia IV ou transfusões sanguíneas em
bovinos gravemente infectados.
Não há vacina contra disenteria de inverno. Recomendam­se isolamento de um bovino adquirido
recentemente por duas semanas e separação de qualquer vaca com diarreia, a fim de diminuir o risco de
introdução da doença no rebanho. Em um surto, deve­se restringir o acesso às instalações e assegurar que todas
as pessoas em contato com os bovinos acometidos limpem seus sapatos e suas roupas antes de sair da fazenda
onde a doença ocorre.

Síndrome do Jejuno Hemorrágico (Síndrome do intestino hemorrágico em bovinos)

A síndrome do jejuno hemorrágico é uma doença esporádica de bovinos que surgiu nos últimos anos. É
caracterizada por início súbito de dor abdominal, que progride para decúbito esternal, choque e morte.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: A etiologia é incerta, mas Clostridium perfringens tipo A e o gene da toxina β2 foi
isolada do intestino de casos de ocorrência natural, com maior frequência do que em bovinos com outras
doenças intestinais. A principal lesão é semelhante àquela causada por C. perfringens em animais jovens em
fase de rápido crescimento e consiste em enterite hemorrágica necrosante aguda localizada no intestino delgado,
que resulta no desenvolvimento de coágulo sanguíneo intraluminal. O coágulo causa obstrução física e acúmulo
proximal de fluido e gás intestinal, ocorrendo hipocloremia, hipopotassemia, desidratação e graus variáveis de
anemia. A enterite hemorrágica é progressiva. Isquemia e necrose se estendem pela parede intestinal e em 24 a
48 h instala­se peritonite fibrinosa, desequilíbrio eletrolítico continuado, toxemia grave e morte.
EPIDEMIOLOGIA: A doença ocorre de forma esporádica, principalmente em vacas leiteiras lactantes, na América
do Norte, mas há relatos em bovinos de corte, bem como em rebanhos da Europa. A maioria dos casos em vacas
leiteiras ocorre nos primeiros 3 meses de lactação. Os possíveis fatores de risco para a doença são aqueles
associados a práticas de manejo adotadas para obter alta produção de leite, como dieta completa misturada e
administração de somatotropina bovina. Sugere­se que o maior consumo de dieta com alto teor energético seja
possível fator de risco por propiciar um ambiente intestinal favorável à proliferação de C. perfringens tipo A e
produção de enterotoxinas.
ACHADOS CLÍNICOS: Os bovinos acometidos tem histórico de depressão e anorexia súbita, redução acentuada da
produção de leite, distensão e dor abdominal com coices no abdome e fraqueza progressiva que progride para
decúbito. Os achados clínicos incluem depressão, desidratação, aumentos das frequências cardíaca e respiratória
e membranas mucosas pálidas. O lado direito abdome pode estar moderadamente distendido, com atonia
ruminal e ruído de fluido notado com a sucussão do abdome direito. As fezes ficam sanguinolentas e
escurecidas, mas podem ser escassas e ressecadas. Alças intestinais distendidas e firmes podem ser palpadas no
exame retal profundo. Na laparotomia, um segmento do intestino delgado se mostra congesto e distendido, com
a superfície serosa recoberta por estrias de fibrina. O intestino delgado proximal à porção acometida e o
abomaso torna­se distendido por gás e fluido. A ultrassonografia pode auxiliar no diagnóstico.
Na maioria dos casos o animal morre em 2 a 4 dias, mesmo com tratamento intensivo com fluidos e
eletrólitos. Pode ocorrer morte súbita sem sinais clínicos prévios. O hemograma é variável; o perfil bioquímico
reflete obstrução da porção superior do intestino delgado e sequestro de secreção no abomaso, com
hipopotassemia e hipocloremia resultantes.
Lesões: A jejunite hemorrágica necrosante, com sangramento intraluminal, é grave. O segmento intestinal
acometido fica congesto e distendido, com estrias de fibrina na superfície serosa. O lúmen contem coágulos
sanguíneos firmes aderidos à mucosa e o segmento intestinal acometido apresenta necrose.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico diferencial inclui outras causas de obstrução física ou funcional do intestino
delgado, como intussuscepção (p. 353), dilatação e vólvulo do ceco e peritonite difusa (p. 713), torção do
abomaso à direita (p. 273), torção na base do mesentério, bem como doenças que causam melena, como úlcera
de abomaso (p. 279).
TRATAMENTO E CONTROLE: Terapia com fluidos e eletrólitos e laparotomia com ressecção do segmento

intestinal acometido são as opções terapêuticas em animais de valor. Apesar deste tratamento, a taxa de
mortalidade é muito alta. Não há relato de estratégias preventivas.

Outras Doenças Intestinais em Bovinos

A infecção por Salmonella spp (p. 203) pode provocar diarreia em animais de todas as idades, especialmente
naqueles estressados, aglomerados ou expostos a alimento ou suprimento de água muito contaminado. Nos
animais idosos, a doença se manifesta como disenteria e toxemia; a taxa de mortalidade pode ser relevante.
Rotavírus e coronavírus causam surtos ocasionais de diarreia em bezerros lactentes com 2 a 3 meses de idade.
As fezes são volumosas e podem conter muco. Não há evidência de toxemia e a taxa de mortalidade é
insignificante, mas há retardo do crescimento (ver p. 329).
Síndrome do jejuno hemorrágico. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.

Enterite necrótica de etiologia desconhecida acomete bovinos de corte com 5 a 12 semanas de idade e,
comumente, vários bezerros do rebanho. Nota­se início súbito de febre, depressão e diarreia abundante.
Inicialmente as fezes são verde­escuras, contêm sangue e frequentemente sujam o períneo. É possível notar
erosões circulares na mucosa bucal. Parte dos bezerros recupera­se após um curso clínico de 3 a 5 dias. É mais
longo nos casos fatais; os animais apresentam escassas fezes muco­hemorrágicas, eliminadas com tenesmo, e
desenvolvem leucopenia não regenerativa grave. Pode haver broncopneumonia fibrinosa secundária. A taxa de
mortalidade é alta, apesar da terapia antimicrobiana intensiva. Na necropsia nota­se necrose ulcerativa no
intestino delgado terminal e no intestino grosso.
Coccidiose (p. 208) geralmente acomete bovinos com < 1 ano de idade, especialmente quando há
aglomeração de animais e superlotação no pasto. Caracteriza­se por disenteria e tenesmo e pode ser
acompanhada de sintomas nervosos. As helmintíases intestinais, particularmente a ostertagíase (p. 369),
infectam bovinos da mesma faixa etária. A ostertagíase tipo I acomete bovinos criados em pastos, mas a
ostertagíase tipo II pode ser notada em animais confinados.
Os surtos explosivos de diarreia em bovinos adultos estão associados mais comumente com disenteria de
inverno (p. 323), mas também com salmonelose quando há contaminação intensa de alimentos ou água.
Diarreia crônica com definhamento e emaciação, que ocorre como doença esporádica, está associada mais
comumente com a paratuberculose (p. 778), mas também pode ser causada por salmonelose e infecção crônica
por DVB. Diarreia com emaciação também pode ser observada em bovinos com insuficiência cardíaca
congestiva, uremia ou peritonite crônica. Diarreia persistente com definhamento e, ocasionalmente, emaciação
em bovinos com 1 ano de idade e em adultos pode estar associada a deficiência de cobre secundária ao excesso
de molibdênio nas pastagens. Nos bovinos em crescimento, a diarreia também pode acompanhar síndromes de
definhamento patológico responsivas ao selênio.
Casos isolados ou surtos de diarreia podem estar associados à negligência alimentar. Diarreia pode
acompanhar casos de indigestão simples, sendo comum em casos de sobrecarga por grãos (p. 297). Também
acompanha ingestão de quantidade tóxica de produtos químicos (p. ex., arsênico, cobre, zinco e molibdênio) ou
de algumas plantas tóxicas e micotoxicoses; a intoxicação por dipiridila e organofosforado também pode causar
diarreia.
Os bovinos também podem abrigar microrganismos, como Escherichia coli O157:H7, Yersinia enterocolitica
e Campylobacter jejuni, no intestino; embora esses microrganismos raramente causem doença clínica nas vacas,
a contaminação do leite com fezes pode ocasionar surtos de gastrenterite em pessoas que consomem leite não
pasteurizado ou queijos. Os produtos derivados de carne vendidos no varejo também podem ser contaminados
quando ocorre contaminação da carcaça com fezes, por ocasião do abate.
Adenocarcinoma intestinal é observado comumente em associação com hematúria enzoótica bovina e
acredita­se que resulte da interação de um carcinógeno (ptaquilosida) da samambaia (Pteridium spp, p. 3159) e
com o papilomavírus.
Obstruções intestinais são esporádicas (ver p. 353). Vólvulo e dilatação de ceco ocorrem predominantemente
em bovinos adultos, no período pós­parto. Intussuscepção de jejuno distal ou íleo proximal é a causa mais
comum de obstrução total, tanto em bovinos adultos quanto em bezerros. Intussuscepções ileocecocólica,
cecocólica e de cólon são menos frequentes em bezerros e não ocorrem, em absoluto, em bovinos adultos,
devido à maior resistência do ligamento ileocecal e à presença de gordura mesentérica, que estabiliza essa
região intestinal em bovinos idosos. Vólvulos intestinais e ao redor da base mesentérica ocorrem
esporadicamente em todas as idades. Raramente, a obstrução intestinal é causada por encarceramento e
aprisionamento de intestino delgado por persistência de úraco ou resquícios umbilicais, por obstrução de
intestino delgado ou cólon descendente por fitobezoares e enterólitos, ou por compressão devido à necrose
gordurosa ou lipoma. A obstrução intestinal também pode ser causada por doença congênita (p. 172), mais
comumente por atresia de cólon (que ocorre tanto esporadicamente quanto em grupos de uma fazenda e pode
ser provocada por palpação retal da vesícula amniótica aos 35 a 41 dias de prenhez), mas também por atresia
anal (que pode ser acompanhada de defeitos urogenitais e da cauda).

DOENÇAS INTESTINAIS DE OVINOS E CAPRINOS

As causas e circunstâncias de diarreia em cordeiros e cabritos neonatos são semelhantes àquelas verificadas em
bezerros recém–nascidos. As práticas de parição e desmame intensivas aumentam o risco de doenças e o
acúmulo de microrganismos infecciosos e podem estar associadas a importantes surtos de diarreia. Os sorotipos
de Escherichia coli enteropatogênica que causam diarreia secretória em bezerros também o fazem em cordeiros
e as abordagens para diagnóstico, tratamento e controle são semelhantes. Da mesma forma, rotavírus,
coronavírus e criptosporídios (p. 216) também causam surtos de diarreia em cordeiros (ver p. 329). A disenteria
dos cordeiros causada por Clostridium perfringens tipo B (p. 658) é uma enteropatia distinta que acomete
cordeiros na primeira semana de vida. Infecta principalmente raças montanhesas de ovinos no Reino Unido e se
caracteriza por morte súbita ou diarreia, disenteria e toxemia. Nos EUA, C. perfringens tipo C causa síndrome
semelhante. A síndrome da boca úmida ou “crepitação abdominal” (ver a seguir), doença de etiologia
desconhecida associada a baixa concentração de imunoglobulinas circulantes, ocorre predominantemente no
Reino Unido. Acomete também cordeiros jovens, mas se manifesta como estase GI. A coccidiose (p. 208) e as
helmintíases GI (p. 369), exceto hemoncose, são causas importantes de diarreia em ovinos lactentes mais velhos
e desmamados. Ileíte terminal e atrofia de vilosidades, ambas de etiologia desconhecida, são achados frequentes
no intestino de cordeiros descartados devido ao retardo no crescimento.
A helmintíase GI é a causa mais comum de diarreia em ovinos criados em pasto. Coccidiose está associada à
superpopulação ou confinamento intensivo e condição sanitária precária. Salmonelose (p. 203) pode causar
diarreia em animais de todas as idades; as condições em cordeiros jovens são semelhantes àquelas mencionadas
para bezerros. Também, pode causar surtos de diarreia no final da prenhez, frequentemente acompanhados de
abortamento. Salmonelose é mais comum quando ovinos ou caprinos são reunidos intensivamente ou ficam
estressados, particularmente devido ao transporte. Yersinia pseudotuberculosis e Y. enterocolitica estão
associadas a enterocolite e diarreia em ovinos jovens criados em pasto, que se encontram debilitados devido a
fatores como inanição e clima frio. Diarreia pode ser notada na doença “língua azul” de ovinos (p. 775),
acompanhada de lesões mucosas típicas. Nos caprinos, a diarreia é frequentemente evidente na enterotoxemia
associada a C. perfringens tipo D (p. 659). Isso não é uma característica da doença clínica em ovinos, mas pode
ser notadas em animais do rebanho de ovinos acometidos. Nos ovinos em engorda, a diarreia está associada
mais comumente com sobrecarga de grãos, salmonelose ou coccidiose.
Outras enteropatias dos ovinos adultos podem se manifestar com diarreia. A infecção por C. perfringens tipo
C (p. 658) se apresenta como dor abdominal, tenesmo e morte súbita. Obstrução intestinal devido a
traumatismos intestinais é esporádica, mas em geral não é observada clinicamente. Ovinos com paratuberculose
(p. 778) geralmente exibem emaciação progressiva sem diarreia. Depauperamento progressivo também é o
principal sintoma em ovinos adultos com adenocarcinoma intestinal, que pode ser prevalente em algumas
regiões, associado a ingestão de samambaia (ver p. 3159).

Doença da Boca Úmida em Cordeiros (Boca com baba, Salivação, Crepitação Abdominal)

Doença da boca úmida não ocorre em rebanhos submetidos à criação extensiva, mas corresponde a cerca de
25% dos óbitos de cordeiros recém­nascidos no Reino Unido em sistemas de criação intensiva em ambiente
interno. A taxa de morbidade em um rebanho pode ser tão alta quanto 30% e, se não for tratada, a maioria dos
cordeiros acometidos morre. Há relato de síndrome semelhante em cordeiros na Espanha e em cabritos na
França e Canadá.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Os cordeiros com 12 a 72 h de vida privados de colostro, ou com acesso inadequado
a ele, em razão de competição entre irmãos, fraqueza, castração precoce e cuidado ou suprimento materno
inadequado são mais sujeitos à enfermidade. A pouca transferência de anticorpos maternos e a fisiologia
digestiva específica de cordeiros recém­nascidos permite que bactérias gram­negativas, particularmente
Escherichia coli, presentes na lã ou na cama, sejam ingeridas acidentalmente, sobrevivam e passem do intestino
para a corrente sanguínea. As cepas envolvidas não possuem o antígeno K99 e normalmente não são
consideradas enteropatogênicas, tampouco enterotoxigênicas. A bacteriemia resultante pode ser tolerada pelo
cordeiro; no entanto, as bacteriemias com > 104 unidades formadoras de colônia/ml está associada à liberação de
endotoxinas, instalando­se choque endotóxico agudo.
ACHADOS CLÍNICOS: Os cordeiros acometidos apresentam hipotermia, apatia, param de se alimentar e,

classicamente, apresentam longos filamentos de saliva que saem pela boca. Nos casos menos evidentes é
possível notar focinho úmido; outros animais podem não exibir qualquer sinal externo de salivação excessiva,
mas a boca pode estar fria ao toque e conter saliva espumosa. Também, pode ocorrer lacrimejamento. O
abomaso pode estar distendido com gás e fluido e conferir a aparência enganosa de um cordeiro bem
alimentado, mas se esses cordeiros são erguidos e movimentados gentilmente, pode­se perceber um ruído
associado à denominação alternativa de “crepitação abdominal”. Raramente ocorre diarreia.
Lesões: A necropsia pode revelar trato GI inflamado e distendido, retenção de mecônio, palidez renal e
muscular, desidratação e linfonodos mesentéricos aumentados de volume e reativos.
DIAGNÓSTICO: As alterações bioquímicas e hematológicas e os achados de necropsia em cordeiros acometidos
são compatíveis com endotoxemia e choque endotóxico. Finalmente, os cordeiros desenvolvem endotoxemia,
leucopenia, hipoglicemia grave, acidemia láctica e acidose metabólica. Os diagnósticos diferenciais incluem
artropatia ou onfalopatia, hipotermia, inanição primária e enterite infecciosa.
TRATAMENTO: Não há tratamento específico. Pode ser útil a aplicação parenteral de antibióticos e AINE e a
administração de 50 a 200 ml de solução de glicose 10% com eletrólitos, contendo antibiótico hidrossolúvel
(neomicina e/ou estreptomicina), com auxílio de sonda gástrica 3 vezes/dia; todavia, a terapia antimicrobiana
deve ser fornecida antes que os cordeiros apresentem bacteriemia, dentro de 4 a 8 h após o nascimento, para
reduzir o risco de lise de bactérias presentes no sangue e a ocorrência de choque endotóxico. Purgantes de uso
oral ou enemas podem auxiliar a sanar a estase intestinal e facilitar a excreção de bactérias infecciosas. O
tratamento deve ser mantido até que os sintomas se resolvam e o cordeiro volte a mamar. Também, pode ser
necessário aumento da temperatura corporal por meio de aquecimento externo. No entanto, tais cuidados
requerem tempo, são onerosos e não garantem qualquer de sucesso.
PREVENÇÃO: A prevenção é a melhor opção. As ovelhas devem ser bem nutridas para assegurar um suprimento
abundante de colostro. Currais, cercados, ovelhas e equipamento devem ser mantidos o mais limpo possível por
ocasião da parição, de modo a evitar o acúmulo de E. coli e manter baixa a prevalência da doença. A
suplementação alimentar dos cordeiros com colostro armazenado (de ovelha, vaca ou cabra) ou com substituto
de colostro comercial devem propiciar no mínimo 50 ml/kg de peso corporal, dentro de 6 h após o nascimento.
Os cordeiros não devem ser castrados nas primeiras 24 h, pois isso reduz o consumo de colostro.
Em experimentos controlados, notou­se que uma única dose oral de antibiótico administrada dentro de 2 h
após o nascimento, aos cordeiros privados de colostro e nascidos em ambiente confinado contaminado, foi tão
efetiva quanto o colostro de ovelha na prevenção de doença neonatal e de morte em todos os cordeiros com até
3 dias de idade, apesar da ausência de anticorpos maternos. Logo, o tratamento com antibióticos pode propiciar
uma proteção simples, rápida e barata contra doença da boca úmida, sendo uma opção atrativa para o criador de
ovinos. No entanto, é importante que este tratamento seja indicado aos cordeiros incluídos nas categorias de alto
risco especificadas anteriormente, pois o uso indiscriminado pode estimular a resistência aos antibióticos.

DIARREIA EM RUMINANTES NEONATOS (Disenteria)

Diarreia é comum em bezerros, cordeiros e cabritos recém­nascidos. A doença aguda caracteriza­se por
desidratação progressiva e morte, às vezes em menos de 12 h. Na forma subaguda, a diarreia pode persistir por
vários dias e resultar em desnutrição e emaciação. Este texto aborda a doença em bezerros, mas os princípios
fisiopatológicos e terapêuticos se aplicam também aos cordeiros e cabritos.
ETIOLOGIA: Vários enteropatógenos estão associados à diarreia neonatal. A sua prevalência relativa varia
geograficamente, mas as infecções mais prevalentes na maioria das regiões são causadas por Escherichia coli,
rotavírus, coronavírus e Cryptosporidium parvum. Os casos de diarreia neonatal comumente estão associados a
mais de um desses microrganismos e a causa da maioria dos surtos é multifatorial. Pode ser importante
identificar os microrganismos específicos causadores do surto de diarreia porque para alguns deles há terapia
específica. Além disso, alguns agentes representam risco zoonótico. Diarreia também é notada na colibacilose
septicêmica.
Bactérias: E. coli é a causa de diarreia bacteriana mais importante em bezerros; as diferentes cepas desse
microrganismo produzem pelo menos 2 tipos de doença diarreica. Um tipo está associado a E. coli
enterotoxigênica, que possui 2 fatores de virulência associados à ocorrência de diarreia. Os antígenos das
fímbrias permitem que ela se prenda às vilosidades do intestino delgado e as colonize. Nos bezerros, as cepas
possuem mais comumente os antígenos fimbriais K99 (F5), F41, ou ambos. Esses antígenos representam o foco
de proteção imunológica. E. coli enterotoxigênica também elabora uma enterotoxina não antigênica
termoestável (Sta), que influencia a secreção de íons e fluidos intestinais, provocando diarreia secretória não
inflamatória. Diarreia de bezerros e cordeiros também está associada a E. coli enteropatogênica, que se adere ao
intestino e provoca lesão por fixação e destruição, com dissolução da borda em escova e perda da estrutura das
microvilosidades no local de fixação; diminuição da atividade enzimática; e alterações no transporte de íons no
intestino. Esses enteropatógenos também são denominados “E. coli de fixação e destruição”. Alguns deles
produzem verotoxina, que pode causar diarreia hemorrágica mais grave. A infecção se instala mais
frequentemente no ceco e no cólon, mas também pode acometer o intestino delgado distal. Nas infecções graves
as lesões podem resultar em edema, erosões e úlceras de mucosa, ocasionando hemorragia no lúmen intestinal.
Salmonella spp, especialmente S. Typhimurium e S. Dublin, e ocasionalmente outros sorovariantes, causam
diarreia em bezerros com 2 a 12 semanas de idade. As salmonelas produzem enterotoxinas, mas também são
invasoras e induzem alterações inflamatórias no intestino. Nos bezerros, comumente a infecção progride para
bacteriemia (ver p. 203).
Clostridium perfringens tipos A, B, C e E produzem várias toxinas necrosantes e causam enterite
hemorrágica rapidamente fatal em bezerros. Nestes, a doença é rara e geralmente esporádica. A infecção pelo
tipo B ou C é uma causa comum de enterite e disenteria em cordeiros (ver p. 662). Campylobacter jejuni e
Yersinia enterocolitica podem ser encontradas nas fezes de bezerros e cordeiros com diarreia, mas também
podem estar presentes nas fezes de animais saudáveis.
Vírus: Rotavírus é a causa mais comum de diarreia viral em bezerros e cordeiros. Rotavírus grupos A e B estão
envolvidos, mas o grupo A é mais prevalente e clinicamente importante e contém vários sorotipos com
diferentes virulências. O rotavírus se replica nos enterócitos de absorção maduros e produtores de enzimas, nas
vilosidades do intestino delgado, ocasionando ruptura e perda dos enterócitos com liberação de vírus que
infectam as células adjacentes. O rotavírus não infecta células imaturas das criptas. No caso de cepas virulentas
do rotavírus, a perda de enterócitos excede a capacidade de reposição das criptas intestinais; com isso, reduz­se
a altura das vilosidades, com diminuição subsequente da área de superfície de absorção e da atividade
enzimática digestiva no intestino.
Coronavírus também está comumente associado a diarreia em bezerros. Ele se replica no epitélio do trato
respiratório superior e nos enterócitos intestinais, onde produz lesões semelhantes ao rotavírus; também, infecta
as células epiteliais do intestino grosso e ocasiona atrofia das saliências do cólon.
Outros vírus, inclusive vírus de Breda (torovírus), um vírus semelhante ao calicivírus, astrovírus e parvovírus,
já foram isolados nas fezes de bezerros com diarreia e podem provocar diarreia experimental nesses animais. No
entanto, esses microrganismos também podem ser isolados nas fezes de bezerros saudáveis. Ainda é preciso
determinar a importância desses vírus na síndrome da diarreia neonatal. Relata­se que vírus da diarreia viral
bovina e da rinotraqueíte infecciosa bovina causam diarreia em bezerros, mas isso não é uma manifestação
comum dessas infecções.
Protozoários: Cryptosporidium parvum (p. 216) é uma causa comum de diarreia em bezerros e cordeiros. O
parasito não invade, mas se adere à superfície apical dos enterócitos no intestino delgado distal e no cólon. Isso
resulta em perda de microvilosidades, diminuição da atividade de enzimas na mucosa, com atrofia e fusão das
vilosidades (ocasionando redução da área da superfície de absorção das vilosidades) e inflamação na
submucosa. Os criptosporídios de mamíferos não possuem especificidade ao hospedeiro.
Giardia duodenalis é causa comum de infecção intestinal assintomática em bezerros e cordeiros jovens. Foi
isolada em fezes de bezerros com retardo de crescimento e que apresentavam diarreia mucoide crônica, mas há
poucas evidências de uma relação causal entre este microrganismo e a ocorrência de diarreia em bezerros ou
cordeiros.
Outras Causas: Bezerros alimentados com grande quantidade de leite ou de substitutos de leite
inapropriadamente formulados produzem grande volume de fezes, com maior conteúdo de fluido do que o
normal, mas não apresentam diarreia fluida com perda de peso. Da mesma forma, bezerros que mamam em
vacas de corte de alta produção, que se alimentam de pastagem suculenta, podem apresentar fezes líquidas. Os
substitutos de leite de má qualidade, com proteínas desnaturadas pelo calor ou com quantidade excessiva de
proteína de soja, peixe ou carboidratos de origem não láctea, apresentam maior risco de diarreia.
Há algumas evidências de que a administração oral de cloranfenicol, neomicina ou tetraciclina em bezerros
jovens, por 3 a 5 dias, pode resultar em alteração de vilosidades e consequente má absorção e discreta diarreia.
Tratamento prolongado com altas doses de antibióticos em bezerros pode ocasionar diarreia associada à
superinfecção bacteriana intestinal. Colissepticemia (p. 751) e fechamento incompleto da goteira esofágica, que
causa indigestão láctea (p. 290), também podem ser acompanhados de diarreia.
EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: Os enteropatógenos associados à diarreia são comumente encontrados nas
fezes de bezerros saudáveis; a ocorrência de infecção intestinal e diarreia depende de vários fatores
determinantes, incluindo diferenças na virulência das cepas distintas de determinado patógeno e presença de
mais de um patógeno. A resistência do bezerro é muito importante, sendo significativamente determinada pela
transferência passiva de imunoglobulinas colostrais bem­sucedida. Os bezerros privados de colostro são
altamente suscetíveis à infecção por enteropatógenos e desenvolvem doença grave, frequentemente fatal. A
progressão da infecção e a gravidade das lesões e da diarreia podem ser moduladas por imunoglobulinas obtidas
pela ingestão de colostro. As imunoglobulinas atuam diretamente nos patógenos do lúmen intestinal durante o
período de ingestão de colostro, bem como depois disso, porque quantidade significativa de imunoglobulinas
circulantes é novamente secretada no intestino, especialmente quando a concentração de imunoglobulinas
circulantes é alta. A ausência de anticorpos específicos nas mães não expostas a determinados patógenos e o uso
de vacinas específicas modulam adicionalmente a resistência dos bezerros. O estresse causado por ambiente
sanitário deficiente, proteção climática inadequada ou dieta insuficiente ou inapropriada também aumenta o
risco de doença.
Como acontece com todos os enteropatógenos, os bovinos adultos saudáveis podem ser portadores e
excretam periodicamente o microrganismo nas fezes. A excreção pode aumentar com o estresse da parição e ser
mais frequente em vacas primíparas. Isso pode contaminar áreas de parição e provocar infecção de úbere e
períneo da mãe. Outras fontes de infecção incluem fezes de bezerros saudáveis e de bezerros com diarreia, que
contêm grande quantidade de microrganismos no início da infecção. Alguns bezerros com diarreia podem
ocasionar contaminação intensa da área de criação de bezerros. A transmissão ocorre por meio de contato fecal–
oral, aerossóis de fezes e, no caso de coronavírus, também por aerossóis respiratórios.
PATOGÊNESE: A diarreia de ruminantes neonatais geralmente está associada a doença de intestino delgado e
pode ser causada por hipersecreção ou má absorção. Diarreia hipersecretora ocorre quando há secreção de
quantidade anormal de fluido no intestino, excedendo a capacidade de reabsorção da mucosa. Na diarreia por
má absorção, a capacidade da mucosa em absorver fluidos e nutrientes é prejudicada até que não se consiga
compensar a entrada normal de fluidos ingeridos e secretados. Isso geralmente se deve à atrofia de vilosidades,
na qual a perda de enterócitos maduros nas extremidades destas vilosidades ocasiona diminuição na altura
destas estruturas (e consequente redução da área da superfície de absorção) e perda de enzimas digestivas da
borda em escova. A extensão e a distribuição da atrofia variam em função dos diferentes patógenos e podem
explicar a variação na gravidade da doença clínica. A diarreia por má absorção pode ser agravada pela
fermentação de nutrientes no cólon, que seriam absorvidos no intestino delgado. Os produtos da fermentação,
especialmente o ácido láctico, parecem atuar osmoticamente e atrair água para o interior do cólon, o que
contribui para a gravidade da diarreia.
Na maioria das infecções, uma inflamação contribui para a fisiopatologia da diarreia e os mediadores
inflamatórios podem interferir no fluxo de íons ao lúmen intestinal. A inflamação também induz lesões
vasculares, linfáticas e de estruturais da unidade cripta­vilosidade. A maioria das diarreias infecciosas envolve
componentes hipersecretórios, inflamatórios e de má absorção, embora geralmente predomine apenas um desses
tipos. Isso acarreta perda de água, sódio, potássio e bicarbonato; se essa perda é grave, o bezerro desenvolve
hipovolemia, hiponatremia, acidose e azotemia pré­renal.
E. coli enterotoxigênica produz a enterotoxina Sta, que estimula intensa hipersecreção por meio da ativação
da guanilatociclase e da indução de secreção de sódio e cloro. O sistema de cotransporte de sódio­glicose ligado
à membrana permanece normal. As salmonelas também produzem enterotoxinas. Inflamação, que causa necrose
de enterócitos, infiltração inflamatória submucosa e atrofia de vilosidades também são componentes
importantes na fisiopatologia da diarreia causada por salmonelas, bem como da diarreia induzida por E. coli
enteropatogênica e Clostridium perfringens toxigênico. As infecções por E. coli enteropatogênica produtora de
verotoxina ocasionam em acúmulo de fluido no intestino grosso e extensas lesões na mucosa, com edema,
hemorragia, erosão e úlcera, o que resulta em sangue e muco no lúmen.
Os vírus geralmente causam diarreia por má absorção devido à destruição das células de absorção da mucosa
e, consequentemente, encurtando as vilosidades intestinais. O mecanismo pelo qual os criptosporídios provocam
diarreia não é completamente compreendido, mas parece haver implicação de componentes tanto de má
absorção quanto inflamatórios.
Os substitutos de leite inapropriadamente formulados provocam diarreia por dois mecanismos, ambos
associados à má absorção. Os produtos vegetais (especialmente a soja) são utilizados comumente como fontes
proteicas na fabricação de substitutos de leite. Dependendo do grau de refinamento, esses produtos podem
conter carboidratos não digeríveis por bezerros jovens. Tais carboidratos não são absorvidos no intestino
delgado e podem contribuir para a ocorrência de diarreia devido sua fermentação no cólon. Além disso, a
maioria dos bezerros com < 3 semanas de idade parece ter alergia às proteínas da soja, o que resulta em atrofia
de vilosidades e consequente diarreia, provavelmente por má absorção.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais principais incluem diarreia, desidratação, fraqueza intensa e morte dentro de 1 a
vários dias após o início.
A diarreia causada por E. coli enterotoxigênica (K99) acomete bezerros com < 3 a 5 dias de idade, raramente
mais tarde. No entanto, a idade de suscetibilidade pode se estender na presença de outros patógenos. O início é
súbito. Quantidade abundante de fezes líquidas é eliminada e os bezerros rapidamente se tornam deprimidos e
se posicionam em decúbito. Os bezerros podem perder mais de 12% do peso corporal em fluidos, podendo
ocorrer choque hipovolêmico e morte em 12 a 24 h. A temperatura corporal pode se elevar, mas comumente
permanece normal ou subnormal. Caso seja administrada precocemente terapia hidreletrolítica, a resposta
geralmente é boa. A doença causada por E. coli, por fixação e destruição, acomete predominantemente bezerros
com 4 dias a 2 meses de idade e pode se manifestar com diarreia ou, principalmente, como disenteria com
sangue e muco nas fezes. O curso clínico é curto. Diarreia por Salmonella spp geralmente não ocorre em
bezerros com < 14 dias de idade. Caracteriza­se por fezes fétidas com sangue, fibrina e grande quantidade de
muco. Sepse com febre alta e depressão que progride para prostração e coma, é a manifestação evidente da
salmonelose em bezerros e, embora haja diarreia, em geral a morte se deve a choque septicêmico, em vez de
hipovolêmico. Os bezerros com salmonelose geralmente perdem peso rapidamente e, com frequência, morrem
mesmo com tratamento intensivo.
A enterotoxemia hemorrágica causada por C. perfringens tipo B ou C se caracteriza por início agudo de
depressão, fraqueza, diarreia sanguinolenta, dor abdominal e morte em poucas horas. Geralmente ocorre em
bezerros robustos com apenas poucos dias de idade, apetite voraz e uma fonte de leite prontamente disponível.
Os bezerros com C. perfringens geralmente morrem antes que o tratamento seja instituído.
Diarreia por rotavírus, coronavírus e outros vírus geralmente acomete bezerros com 5 a 15 dias de idade, mas
também pode ser notada em bezerros com vários meses de idade. Os bezerros acometidos ficam apenas
discretamente deprimidos e geralmente continuam a mamar ou beber leite. As fezes ficam volumosas, moles a
líquidas e contêm, com frequência, grande quantidade de muco. A diarreia comumente persiste por três a vários
dias e alguns casos de diarreia por coronavírus tornam­se crônicos. Os casos de diarreia viral não complicados
por outros patógenos comumente respondem em poucos dias à terapia hidreletrolítica e ao suporte nutricional
adequado.
Criptosporidiose (p. 216) ocorre em bezerros com 5 a 35 dias de idade, mas geralmente na segunda semana
de vida. Caracteriza­se por diarreia persistente que não responde à terapia. A diarreia causada apenas por
Cryptosporidium spp frequentemente é discreta e autolimitante, embora a gravidade possa estar relacionada com
o estado geral do bezerro e a intensidade do desafio com o microrganismo. As infecções mistas com
criptosporídios, rotavírus e coronavírus são comuns e resultam em diarreia persistente que frequentemente se
caracteriza por emaciação e morte. Morte decorrente de hipoglicemia também ocorre como sequela de
criptosporidiose em bezerros com 3 a 4 semanas de idade que se recuperaram de diarreia, mas ainda se
encontram emaciados. Geralmente, a morte ocorre durante o período de clima frio, sendo mais provável em
fazendas onde o manejo implica a redução da quantidade de leite oferecido aos bezerros durante o período de
diarreia.
As diarreias alimentares acometem bezerros com < 3 semanas de idade e caracterizam­se por fezes
volumosas de consistência pastosa a gelatinosa. Inicialmente, os bezerros se mantêm alertas e apresentam bom
apetite. No entanto, por fim, tornam­se fracos e emaciados se a dieta não é corrigida. As diarreias infecciosas
são frequentemente complicadas por dietas de má qualidade ou pelo consumo insuficiente de alimentos.
DIAGNÓSTICO: É difícil estabelecer o diagnóstico etiológico definitivo com base apenas nos achados clínicos.
No entanto, anamnese, idade do(s) animal(is) acometido(s) e sinais clínicos podem permitir um diagnóstico
presuntivo. As amostras de fezes podem ser enviadas para isolamento e caracterização dos enteropatógenos
comuns. As amostras devem ser coletadas de vários bezerros não tratados, nos estágios iniciais de diarreia. São
necessárias técnicas especiais para a demonstração de vírus, criptosporídios e E. coli que possui K99. A
interpretação dos resultados microbiológicos das fezes pode ser difícil devido às infecções mistas e pelo fato de
os enteropatógenos estarem presentes nas fezes de bezerros saudáveis. A melhor informação diagnóstica
geralmente é obtida pelo envio de animais não tratados e agudamente acometidos para necropsia. Isso permite
um exame da mucosa intestinal quanto às evidências de lesões diagnósticas e a presença de enteropatógenos,
como criptosporídios. Esta pode ser a única maneira de diagnóstico de doenças como aquelas associadas às
cepas de fixação e destruição de E. coli. O valor diagnóstico da necropsia diminui rapidamente com o tempo
após a morte; as lesões importantes podem desaparecer dentro de minutos, devido à autólise.
O exame laboratorial completo pode ser oneroso; também, argumenta­se que é de muito pouco valor frente ao
alto gasto no diagnóstico, a menos que possam ser implementados procedimentos específicos de controle com
base nas informações obtidas. Em todos os casos devem­se obter informações sobre o consumo total de leite ou
de substituto de leite. Quando se fornece um substituto de leite, deve­se avaliar a composição da dieta. Deve­se
avaliar também a imunidade inespecífica por meio da determinação das concentrações séricas de
imunoglobulina e vitamina A.
TRATAMENTO: Vários fatores envolvidos na resistência às doenças são inespecíficos; consequentemente, devem­
se tomar medidas preventivas importantes e iniciar a terapia antes de se estabelecer um diagnóstico etiológico.
O tratamento inclui reposição de fluido e eletrólitos, modificação da dieta, terapia antimicrobiana e com
imunoglobulinas e uso de antidiarreicos e adsorventes. A terapia hidreletrolítica é mais importante e deve ser
instituída assim que possível, independente se há evidências clínicas de desidratação (os sintomas de
desidratação não são aparentes até que o bezerro perca pelo menos 6% do seu peso corporal em fluido). Os
bezerros ainda capazes de ficar de pé e mamar podem ser frequentemente tratados apenas com solução de
eletrólitos por via orais. Os fluidos para reidratação oral devem propiciar o cotransporte de sódio com glicose e
aminoácidos e devem conter sódio, glicose, glicina ou alanina, potássio, bicarbonato e citrato ou acetato como
precursor de bicarbonato. Encontram­se disponíveis várias preparações comerciais. Podem ser administradas
por meio de mamadeira ou, se necessário, por sonda gástrica. As soluções devem ser oferecidas à vontade, até
que o animal se reidrate.
Há controvérsia sobre se o leite deve ou não ser fornecido durante o período de reidratação. O fornecimento
de leite pode aumentar o volume de fezes, mas propicia energia ao bezerro e pode promover cicatrização
intestinal. Os bezerros têm alta necessidade energética e pouca reserva de energia. As soluções eletrolíticas não
suprem estas necessidades energéticas e não se deve suspender o fornecimento de leite por > 24 a 36 h.
Bezerros fracos em decúbito e exibem evidências de perda hídrica = 8% do seu peso corporal requerem
terapia hidreletrolítica IV. Esses bezerros frequentemente apresentam acidose e os déficits de água e de base
podem ser corrigidos inicialmente pela administração de uma solução isotônica (13 g/l) de bicarbonato de sódio,
preferencialmente na dose de 100 ml/kg, ao longo de 4 a 6 h. Como os bezerros geralmente desenvolvem
hipoglicemia, a adição de 25 a 50 g de glicose na solução de bicarbonato normalmente é benéfica. A solução de
bicarbonato deve ser seguida de fluidoterapia IV contínua com solução eletrolítica fisiologicamente balanceada,
na dose de 5 a 8 ml/kg/h, nas 20 h seguintes; pode ser necessário volume maior, dependendo da gravidade da
diarreia. Provavelmente, devem–se utilizar soluções eletrolíticas orais concomitantes à terapia IV.
O uso de antimicrobianos não é sustentado pela maioria dos experimentos clínicos e não é indicado na
diarreia causada por vírus ou protozoários. Os antibióticos podem ser úteis no tratamento de diarreia associada a
Escherichia coli enterotoxigênica ou com a cepa de fixação e destruição. A via de administração deve ser oral e
a escolha deve basear­se no antibiograma. Na suspeita de doença septicêmica como uma complicação devido à
transferência inadequada de imunoglobulinas colostrais, a administração parenteral de antibióticos também é
indicada. A salmonelose deve ser tratada com antimicrobianos, por via parenteral.
Vários fármacos, como flunixino meglumina, indometacina, loperamida, difenoxato e subsalicilato de
bismuto possuem atividades antissecretora e anti­inflamatória e são utilizados no tratamento, mas não há
experimento clínico sobre sua eficácia em bezerros. Géis e adsorventes intestinais, como caulim e pectina, são
de uso geral, mas o seu único efeito comprovado é o aumento da consistência das fezes; não reduzem a perda
hídrica e iônica.
PREVENÇÃO E CONTROLE: Devido à natureza complexa da diarreia em neonatos, é irreal se esperar uma
prevenção total – o controle econômico é o objetivo principal. A ocorrência de doença clínica e de casos fatais
depende do equilíbrio entre os níveis de exposição a microrganismos infecciosos e a resistência do bezerro.
Diferenças no tamanho dos rebanhos; disponibilidade de instalações, área e mão de obra; e os objetivos gerais
do manejo tornam impossível a recomendação de procedimentos de manejo específicos aplicáveis a todas as
situações. No entanto, três princípios amplos se aplicam a todos os rebanhos: 1) o grau de exposição dos
neonatos deve ser reduzido por meio de isolamento de animais doentes ou mudança do local de parição e
criação de bezerros para uma área à parte e prática de bom manejo sanitário geral; 2) a resistência inespecífica
do animal deve ser maximizada pelo fornecimento de uma boa dieta para a mãe e para o neonato e pela garantia
de que os bezerros recém­nascidos consumam colostro de alta qualidade em volume equivalente a > 5% do seu
peso corporal, preferivelmente dentro de 2 h e seguramente dentro de 6 h após o nascimento, seguido de
quantidade equivalente em intervalos de 12 h, nas 48 h seguintes; e 3) a resistência específica do recém­nascido
deve ser estimulada por meio de vacinação da mãe ou do recém­nascido. Em parte importante dos bezerros
leiteiros lactentes normais e dos bezerros alimentados manualmente com colostro ocorre falha na obtenção de
quantidade adequada de imunoglobulina devido à demora na amamentação ou alimentação, à ingestão de
volume inadequado de colostro ou ao consumo de colostro com baixo teor de imunoglobulinas. Quando o
tempo é um fator limitante para esta tarefa, impedindo que se assegure a ingestão de colostro por meio de
mamadeira, a administração de 3,8L de colostro por sonda esofágica nas primeiras 2 h de vida pode ser a
melhor maneira de fornecer este alimento (ver p. 2213).
A imunização dos bezerros contra a colibacilose por meio de vacinação de fêmeas prenhes pode controlar
colibacilose enterotoxigênica. A fêmea prenhe é vacinada 6 a 2 semanas antes do parto para estimular a
produção de anticorpos contra cepas de E. coli enterotoxigênica; em seguida, esses anticorpos são transferidos
ao recém­nascido por meio do colostro (desde que o animal consuma o colostro). Um reforço único deve ser
administrado nos anos subsequentes. Há no mercado disponibilidade de anticorpo monoclonal contra E. coli
K99 para administração oral aos bezerros imediatamente após o nascimento. Trata­se de um substituto efetivo
dos anticorpos K99­específicos do colostro de vacas vacinadas, embora os bezerros que recebem esse produto
também devem receber colostro para sua proteção inespecífica.
A vacinação das vacas prenhes contra rotavírus e coronavírus aumenta a quantidade de anticorpos específicos
no colostro e no leite, mas a concentração de anticorpos no leite pode ser insuficiente para propiciar anticorpos
no lúmen intestinal durante o período de prevalência máxima de infecção que, nos bezerros, é notada aos 5 a 15
dias de idade. Experimentos controlados com vacinas comerciais apresentam resultados variáveis. A adição de
pequena quantidade de colostro no leite oferecido durante o período de suscetibilidade pode propiciar alguma
proteção contra doenças.
RISCO ZOONÓTICO: Vários microrganismos que causam diarreia nos bezerros também podem provocar doenças
diarreicas em pessoas. Cryptosporidium parvum e Salmonella Typhimurium podem causar doença grave,
principalmente em indivíduos imunocomprometidos. Esses microrganismos são comumente isolados em
infecções subclínicas do intestino de bezerros e cordeiros; as pessoas imunocomprometidas devem evitar o
contato com ruminantes jovens e, possivelmente, com todos os animais de fazenda.
Os bovinos, incluindo os bezerros, são alguns dos reservatórios do sorotipo E. coli verotóxica O157:H7,
associado a colite hemorrágica humana e síndrome urêmica hemolítica. Em pessoas, a infecção geralmente é
adquirida com o consumo de alimentos contaminados, mas a dose infectante é baixa, e há risco de infecção por
contato direto. Outra E. coli verotóxica associada à doença humana também pode ser isolada em fezes de
bovinos saudáveis. A doença em humanos devido à infeção por patógenos entéricos de bovinos foi relatada após
contato em visita a feiras, zoológicos e viagens educacionais a fazendas. Lavagem e desinfecção das mãos deve
fazer parte dessas visitas.

DOENÇAS INTESTINAIS EM SUÍNOS

Suínos de todas as idades são suscetíveis a doenças intestinais; diarreia é o sintoma comum em quase todas
essas doenças. A transmissão de microrganismos infecciosos que causam enfermidades entéricas é via fezes­
oral. Pelo menos 16 diferentes agentes etiológicos, incluindo bactérias, vírus e parasitos, podem causar doença
intestinal primária. O circovírus suíno tipo 2 (CVS 2) pode ser isolado do intestino de suínos com diarreia. O
CVS 2 é a causa de várias doenças multissistêmicas em suínos, incluindo síndrome do definhamento
multissistêmico pós desmame que é discutida em detalhes a seguir (ver p. 657). Diarreia em um lote de animais
pode ser devido a um agente único, mas infecções concomitantes são comuns. Como algumas doenças ocorrem
em determinada idade, o diagnóstico diferencial é melhor definido por faixa etária (Tabela 6).

COLIBACILOSE INTESTINAL

A colibacilose intestinal é uma doença comum em suínos lactentes e recém­desmamados causada pela
colonização do intestino delgado por cepas enterotoxigênicas de Escherichia coli.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Algumas cepas de E. coli possuem fímbrias ou pili que permitem sua aderência ou
colonização nas células epiteliais de absorção de jejuno e íleo. Os tipos de antígenos comuns de fímbrias
associados a patogenicidade incluem K88, K99, 987P e F41. As cepas patogênicas produzem enterotoxinas que
secretam fluidos e eletrólitos no lúmen intestinal, o que resulta em diarreia, desidratação e acidose. A infecção
de neonatos é causada, comumente, por cepas de K88 e 987P, enquanto a colibacilose pós­desmame se deve
quase sempre à cepa K88.

É comum diarreia aquosa abundante, com rápida desidratação, acidose e morte. Raramente
ACHADOS CLÍNICOS: É comum diarreia aquosa abundante, com rápida desidratação, acidose e morte. Raramente
os suínos podem manifestar colapso e morrer antes de surgir diarreia.
Lesões: Desidratação e distensão do intestino delgado por um fluido amarelado e ligeiramente mucoide são
características. O cólon contém um fluido semelhante. A região fúndica da mucosa gástrica frequentemente
encontra­se eritematosa. Os suínos que morrem subitamente podem apresentar eritema cutâneo macular.
Histologicamente, em geral as vilosidades apresentam comprimento normal e contêm vários bastonetes
bacterianos pequenos aderidos aos enterócitos de absorção.
DIAGNÓSTICO: A confirmação do diagnóstico baseia­se na constatação histológica de colonização das
vilosidades; na constatação dos antígenos de fímbrias K88, K99, 987P ou F41 nos esfregaços intestinais, por
imunofluorescência ou outros testes imunológicos; e no isolamento do microrganismo no intestino delgado.
Como E. coli é um agente secundário comum deve­se considerar a possibilidade de envolvimento de outros
microrganismos, como vírus ou coccídios.
TRATAMENTO E CONTROLE: A terapia inclui administração imediata de antimicrobianos e correção do equilíbrio
hidreletrolítico. O antibiograma é útil para a seleção do medicamento efetivo. A prevenção compreende redução
dos fatores predisponentes, como umidade e frio; melhora da higienização, como substituição do piso de
concreto sólido ou ripado por piso de tela de arame; e vacinação das porcas prenhes com vacinas específicas de
antígenos de fímbrias. Suínos com deficiência de receptores de K88 são resistentes à doença causada por E. coli
que contém a enterotoxina K88.

DIARREIA EPIDÊMICA SUÍNA

Esta diarreia causada por coronavírus (ainda não diagnosticada no hemisfério ocidental) acomete suínos de
todas as idades e em vários aspectos lembra, clinicamente, gastrenterite transmissível (GET) (p. 344).
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O vírus da diarreia epidêmica suína (VDS) não se relaciona com nenhum outro
membro da família Coronaviridae. Os suínos são os únicos hospedeiros conhecidos. Ainda não se detectou
anticorpo contra o vírus em suínos silvestres ou em outras espécies animais. Há relato da infecção em vários
países europeus e na China. Ocorreram grandes epidemias na Europa, em 1969; não se detectou qualquer
anticorpo em amostras de soro coletadas antes dessa data. Desde então, o vírus se disseminou e se tornou
endêmico em vários países europeus, sendo raros os surtos agudos. Nas grandes fazendas de reprodutores, o
vírus persiste em leitegadas consecutivas, após o desmame e depois que os leitões perdem a imunidade
propiciada pelos anticorpos do leite. Nessas fazendas, o vírus pode estar associado a diarreia na época do
desmame. Na Bélgica, o vírus está associado, mais frequentemente, com diarreia em suínos de engorda, notada
imediatamente após serem adquiridos de outras fazendas de reprodutores e reunidos em grandes unidades de
engorda. O vírus foi encontrado nas fezes de 80% desses grupos. Dados epidemiológicos de outros países são
escassos. Na maioria dos casos, a disseminação do vírus é direta, dos suínos infectados e, indireta, por fômites
contaminados com vírus e por caminhões de transporte.
PATOGÊNESE: A patogênese e os mecanismos imunológicos são semelhantes aos descritos para GET. A
infecção oral resulta em replicação do vírus nas células epiteliais das vilosidades do intestino delgado. Também,
ocorre infecção das células das vilosidades do cólon. Não se demonstrou nenhum outro tropismo tecidual. O
vírus é excretado nas fezes.
ACHADOS CLÍNICOS: A diarreia é o único sinal clínico direto induzido pelo vírus. Um surto agudo em fazenda
de reprodutores suscetíveis lembra um surto de GET e se caracteriza por diarreia aquosa em suínos de todas as
idades. No entanto, em comparação com a GET, o período de incubação é mais longo (3 a 4 dias), nem todas as
leitegadas adoecem e a taxa de mortalidade em suínos neonatos é menor (em média, 50%). Além disso, a
doença se dissemina mais lentamente na fazenda. Em todos os surtos, os sintomas são mais evidentes em suínos
de engorda, em fase de terminação e em adultos, que parecem mais suscetíveis, pois os surtos em geral iniciam
nessas faixas etárias. Suínos idosos apresentam letargia e depressão, mais evidentes na VES do que na GET. Os
suínos infectados parecem ter cólicas.
Surtos agudos em suínos em fase de terminação suscetíveis caracterizam­se por diarreia aquosa, mas pode­se
observar um número acentuadamente maior de mortes agudas, em particular de suínos infectados no final do
período de terminação e nas raças sensíveis ao estresse. O animal pode morrer mesmo no período de incubação.
Lesões: As lesões macroscópicas se restringem ao intestino delgado, com encurtamento de vilosidades como
característica principal. Essas lesões lembram bem aquelas verificadas na GET. Ainda não há relato de lesão no
cólon. Necrose aguda de músculos das costas é um achado compatível.
DIAGNÓSTICO: É difícil a diferenciação clínica de GET. Esta, em sua forma epidêmica típica, causa diarreia com
rápida disseminação em animais de todas as idades, com alta taxa de mortalidade nos neonatos. Na DES, a
disseminação da diarreia é mais lenta e embora haja diarreia na maioria das leitegadas, algumas podem
permanecer saudáveis mesmo na ausência de imunidade. A taxa de morbidade é de 100% nos suínos idosos, que
desenvolvem doença grave. Morte aguda de suínos adultos e em fase de terminação, devido à necrose muscular
durante um surto de diarreia, é típica de DES, não sendo observada em qualquer outra diarreia infecciosa.
O diagnóstico laboratorial em neonatos é feito por imunofluorescência direta, em cortes do intestino delgado
ou do cólon em criostato. ELISA, para detectar antígenos virais nas fezes ou no conteúdo intestinal, é mais útil
no caso dos suínos idosos. Os anticorpos podem ser detectados em amostras séricas pareadas por meio de teste
ELISA de bloqueio.
CONTROLE: Não há disponibilidade de tratamento específico. As medidas tomadas durante um surto são de
natureza geral. Os suínos com diarreia devem ter livre acesso à água e os suínos em fase de terminação devem
ser privados de alimento por 1 a 2 dias.
Nas fazendas de reprodutores, diante de um surto, pode­se evitar temporariamente a disseminação do vírus
para o local de parição adotando­se medidas sanitárias e, se realizadas junto com uma infecção deliberada de
porcas prenhes, a perda de neonatos pode ser reduzida. Não há vacina disponível.

DISENTERIA SUÍNA (Disenteria sanguinolenta)

A disenteria suína é uma doença diarreica muco­hemorrágica comum em suínos; acomete o intestino grosso.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: O principal agente causal é Brachyspira hyodysenteriae, uma espiroqueta
anaeróbica que produz hemolisina; entretanto, outros microrganismos podem contribuir para a gravidade das
lesões. Ela se prolifera no intestino grosso e provoca degeneração e inflamação da mucosa, hipersecreção de
muco pelo epitélio da mucosa e pontos hemorrágicos multifocais na mucosa. O microrganismo não penetra
além da mucosa intestinal. A diminuição da capacidade da mucosa em reabsorver as secreções endógenas do
intestino delgado não acometido resulta em diarreia.
ACHADOS CLÍNICOS: Os primeiros sinais são inapetência, eliminação de fezes moles e, possivelmente, febre. O
curso da doença é variável. Alguns suínos morrem de forma hiperaguda. É mais comum notar uma diarreia
mucoide com estrias de sangue e muco, progredindo para diarreia muco­hemorrágica aquosa. Depois de vários
dias as fezes tornam­se amarronzadas e contêm estrias de fibrina e restos celulares. Os suínos com diarreia
apresentam desidratação, fraqueza profunda, definhamento e emaciação.
Lesões: As lesões difusas se restringem ao ceco, ao cólon espiral e ao reto. A mucosa acometida é recoberta por
uma camada de muco transparente ou cinza, frequentemente com estrias de sangue, nos estágios iniciais, com
mistura de sangue, fibrina e restos necróticos nos casos mais avançados, e restos necróticos amarelados no
estágio final da doença.
DIAGNÓSTICO: Os sinais clínicos e os achados de necropsia geralmente são suficientes para um diagnóstico
presuntivo. A confirmação baseia­se na demonstração de lesões histológicas típicas no intestino grosso e no
isolamento de B. hyodysenteriae em cultura anaeróbica. B. hyodysenteriae deve ser diferenciado de outras
espiroquetas anaeróbicas, por meio de cultura. Testes bioquímicos e, preferencialmente, PCR, devem ser
utilizados em cepas de Brachyspira para confirmar a identificação da espécie. Doenças concomitantes não são
raras. Os diagnósticos diferenciais incluem espiroquetose intestinal, enterite proliferativa, salmonelose e
tricuríase grave.
TRATAMENTO E CONTROLE: O uso terapêutico de antimicrobianos é efetivo, se instituído logo no início da
doença. Primeiramente, prefere­se a adição do medicamento na água. Como há cepas resistentes a
antimicrobianos, é essencial escolher uma droga a qual o microrganismo é sensível. Utilizam­se bacitracina,
carbadox, lincomicina, tilosina, tiamulina e virginiamicina. A doença pode ser erradicada das propriedades
infectadas sem necessidade de despovoamento total, adotando­se um programa persistente e cuidadosamente
planejado que inclui o tratamento dos suínos portadores com bactericidas e limpeza e desinfecção completas das
propriedades vazias. Roedores são importantes reservatórios de B. hyodysenteriae e qualquer tentativa de
erradicação deve incluir eliminação/redução da população dos roedores da propriedade. Além disso, B.
hyodysenteriae sobrevive > 60 dias em animais abatidos mantidos em temperatura de refrigeração.

DOENÇA DO EDEMA (Enterotoxemia por Escherichia coli)

Doença do edema é uma enfermidade nervosa aguda e potencialmente fatal que comumente surge 5 dias a 2
semanas depois do desmame, podendo ser acompanhada de diarreia (ver p. 795).

ENTERITE POR CLOSTRIDIUM DIFFICILE

C. difficile é um importante patógeno emergente que causa diarreia, principalmente, em suínos neonatos. O
microrganismo foi inicialmente descrito como causa de diarreia associada ao uso de antibióticos em pessoas.
Comumente causa doença em leitões com 1 a 7 dias de idade e em outros animais domésticos e de laboratório.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: C. difficile é uma bactéria gram­positiva anaeróbia, em forma de bastão, mais
sensível ao oxigênio do que C. perfringens. O microrganismo pode ser identificado no intestino, em esfregaços
diretos corados pelo Gram. Acredita­se que a sobrevivência de C. difficile no ambiente e a eliminação por
porcas portadoras sejam importantes na transmissão. C. difficile produz as “toxinas clostridianas grandes” A e
B; acredita­se que estejam envolvidas no desenvolvimento de lesão. A toxina A é uma enterotoxina que causa
secreção de fluido no lúmen intestinal; a toxina B é uma citotoxina.
ACHADOS CLÍNICOS: Os leitões infectados podem apresentar dispneia, distensão abdominal e edema escrotal.
Nem todos os suínos acometidos manifestam diarreia.

Tabela 6 – Distribuição das doenças diarreicas de suínos por faixa etária

Faixa etária

Lactente Desmame Fase de crescimento­terminação ou


reprodutora

Doenças Bacterianas

Enterite por Clostridium difficile +++ + +


Enterite por C. perfringens tipo ++ + ­
A
Enterite por C. perfringens tipo ++ ­ ­
C
Colibacilose intestinal +++ +++ ­
Espiroquetose intestinal – ++ +++
Enterite proliferativa suína – ++ +++
Enterite por Salmonella + ++ +++
Disenteria suína + ++ +++
Parasitismo

Cryptosporidium sp + + –
Isospora suis +++ + –
Strongyloides ransomi + + +
Trichuris suis – – ++
Doenças Virais

Diarreia suína por circovírus + ++ +


Diarreia epidêmica suína + ++ +++
Enterite por rotavírus +++ +++ +
Gastrenterite transmissível +++ +++ ++
– = Rara ou não ocorre; + = incomum; ++ = comum; +++ = muito comum.

Lesões:Há relato de ascite, hidrotórax e edema de cólon ascendente. Comumente há urólitos de urato nos rins.
Pode­se notar conteúdo de cólon pastoso a aquoso. Microscopicamente, o cólon apresenta principalmente
exsudação multifocal de muco e fibrina, além de edema de submucosa.
DIAGNÓSTICO: As lesões macroscópicas não são patognomônicas e o diagnóstico deve ser confirmado por meio
de cultura ou detecção das toxinas A e B e exame histopatológico. C. difficile pode ser cultivado em meios
seletivos que contêm cefoxitina, cicloserina, taurocolato e frutose, em condição anaeróbica. Os genes das
toxinas A e B são facilmente identificados por PCR. As toxinas também podem ser detectadas diretamente em
suspensão de conteúdo intestinal por meio de imunoensaios enzimáticos disponíveis no mercado.
TRATAMENTO E CONTROLE: Com base na determinação de concentrações inibitórias mínimas sugeriu­se que
eritromicina, tetraciclina e tilosina podem ser úteis no tratamento de leitões lactentes e que a tiamulina e a
virginiamicina podem auxiliar na redução da população de microrganismos em suínos adultos. Não há relato de
estudo controlado sobre os efeitos dos antibióticos na doença clínica.

ENTERITE POR CLOSTRIDIUM PERFRINGENS TIPO A


A infecção do intestino delgado por cepas de C. perfringens tipo A causa uma enfermidade discreta e mais rara,
em comparação com a doença causada por C. perfringens tipo C (ver a seguir). Infecta suínos lactentes e, em
alguns casos, recém­desmamados, que apresentam fezes amareladas com muco e estrias de sangue. Há retardo
do crescimento, mas com baixa ou nenhuma taxa de mortalidade. As lesões observadas à necropsia são mais
discretas e sem sangue, quando comparadas as verificadas na enterite por C. perfringens tipo C. Diagnóstico,
tratamento e controle são semelhantes à enterite causada por C. perfringens tipo C.

ENTERITE POR CLOSTRIDIUM PERFRINGENS TIPO C

A infecção do intestino delgado por cepas de C. perfringens tipo C provoca enterite necrótica e hemorrágica
potencialmente fatal. A doença acomete mais comumente leitões com 1 a 5 dias de idade, mas pode afetar
suínos com até 3 semanas de idade (e outras espécies, ver p. 662).
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: O microrganismo penetra entre as células de absorção do jejuno superior e sintetiza
toxina β, uma potente exotoxina sensível à tripsina e termolábil, que causa necrose de todos os componentes
estruturais das vilosidades. A inflamação necrosante geralmente se estende até as criptas mucosas. A infecção
pode continuar caudalmente e envolver o íleo, mas raramente acomete o cólon. A necrose da mucosa é
acompanhada sangramento de parede e lúmen intestinais.
ACHADOS CLÍNICOS: Início súbito de diarreia hemorrágica seguida de colapso e morte é característico em leitões
de 1 a 3 dias de idade. Nos casos menos agudos, notam­se fezes líquidas amarronzadas em 3 a 5 dias.
Raramente os suínos desenvolvem diarreia com fezes acinzentadas, pastosas e persistentes e se tornam
progressivamente emaciados. Nos casos hiperagudos, a região perineal mostra­se suja de sangue.
Lesões: Nota­se intestino delgado vermelho­escuro, hemorrágico e preenchido com fluido hemorrágico. Nos
casos menos agudos, com 3 a 5 dias, é possível verificar gás na parede do jejuno e necrose na mucosa de jejuno
e íleo. Nos casos mais crônicos constata­se intestino delgado espessado revestido por uma membrana necrótica
amarelo­pálida ou cinza, firmemente aderida à submucosa.
DIAGNÓSTICO: Geralmente a necropsia é suficiente para estabelecer o diagnóstico da forma hemorrágica
hiperaguda e da forma aguda com enfisema de jejuno. Pode­se obter um diagnóstico presuntivo rapidamente
pela constatação de grandes bactérias em forma de bastão em esfregaços de imprint de mucosa corados pela
técnica de Gram. A constatação histológica de necrose de vilosidades com colonização da mucosa por vários
bastonetes gram­positivos grandes é suficiente para a confirmação do diagnóstico. As formas subaguda e
crônica da doença em suínos com 6 a 14 dias de idade são facilmente confundidas, na necropsia, com enterite
por Isospora suis, mas o diagnóstico geralmente é possível pelo exame histológico de jejuno e íleo ou pela
detecção de clostrídios em esfregaços de mucosa corados pela técnica de Gram ou Giemsa. Pode­se obter o
genótipo de C. perfringens quanto à presença de genes que codificam a toxina β.
TRATAMENTO E CONTROLE: O tratamento de suínos com sinais clínicos é pouco benéfico, pois as lesões
frequentemente são irreversíveis ao início da diarreia. Em um surto agudo, a administração profilática de
antitoxina tipo C ou de antibióticos (ou de ambos), por via parenteral ou oral, é efetiva desde que fornecida aos
leitões dentro de 2 h após o nascimento. A doença tende a causar recidivas nas propriedades infectadas. A
vacinação de porcas prenhes, 6 a 3 semanas antes do parto, com bacterina­toxoide contra o tipo C confere algum
grau de imunidade lactogênica passiva às leitegadas subsequentes, contanto que os leitões consumam o colostro
logo após o nascimento. Quando já imunizadas com duas doses de bacterina­toxoide, as porcas devem receber
uma dose cerca de 3 semanas antes de cada parição subsequente.

ENTERITE POR ROTAVÍRUS

A enterite causada por rotavírus é uma doença comum de intestino delgado de suínos. Animais de todas as
idades são suscetíveis, mas uma doença diarreica significativa geralmente acomete suínos lactentes ou após o
desmame.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: O rotavírus causa infecção e destruição de enterócitos das vilosidades de todo o
intestino delgado, porém as lesões são mais graves no terço médio do intestino. A perda do epitélio das
vilosidades resulta em atrofia parcial destas vilosidades, má absorção e diarreia osmótica. Vários tipos
antigênicos de rotavírus infectam os suínos. Disseminam­se facilmente por contato direto. As porcas portadoras
saudáveis podem eliminar fezes contaminadas no periparto e, portanto, expõem suas leitegadas à infecção.
ACHADOS CLÍNICOS: Se os suínos neonatos não receberem quantidade protetora de anticorpos maternos,
provavelmente desenvolvem diarreia aquosa abundante dentro de 12 a 48 h. Geralmente, a infecção é endêmica
em um rebanho e as porcas possuem níveis variados de anticorpos no colostro e no leite, o que propicia graus
variáveis de proteção passiva aos leitões lactentes. Geralmente, a diarreia surge em animais com 5 dias a 3
semanas de idade, ou imediatamente após o desmame. As fezes dos leitões lactentes geralmente são amarelas ou
acinzentadas e pastosas, nos estágios iniciais, e se mostram cinzas e pastosas depois de cerca de 2 dias. A
diarreia persiste por 2 a 5 dias. Os leitões com diarreia tornam­se magros e com o pelame áspero, mas a taxa de
mortalidade, em geral, é baixa. Os suínos desmamados apresentam fezes aquosas contendo alimento pouco
digerido. Os suínos desmamados apresentam inapetência e não buscam por alimentos, o que resulta em
emaciação, definhamento e, provavelmente, predisposição à pneumonia e outras doenças.
Lesões: O intestino delgado se apresenta com parede fina e o ceco e o cólon contêm fezes líquidas.
DIAGNÓSTICO: Há necessidade de exames laboratoriais. A confirmação baseia­se na demonstração histológica
de atrofia de vilosidades do jejuno, na constatação de vírions no conteúdo intestinal por meio de microscopia
eletrônica e em técnicas de imunodiagnóstico para comprovar a presença do antígeno viral na mucosa intestinal
ou nas fezes. Os diagnósticos diferenciais incluem gastrenterite transmissível endêmica, enterite por Isospora
suis e colibacilose intestinal.
TRATAMENTO E CONTROLE: Não há tratamento específico. A minimização da perda de calor e a oferta de
quantidade de água adequada para manter a hidratação são medidas úteis. A vacinação das porcas também pode
ser útil. Infecção por Escherichia coli enterotoxigênica concomitante é comum; portanto, a terapia
antimicrobiana pode reduzir a taxa de mortalidade. Um ambiente sem correntes de ar, seco e quente, bem como
refeições limitadas e frequentes aos suínos desmamados com diarreia ajudam a evitar inanição, doenças
secundárias e atrofia permanente.

ENTERITE POR STREPTOCOCCUS DISPAR

Essa doença diarreica de leitões lactentes, geralmente com 5 a 10 dias de idade, está associada à colonização do
intestino delgado por S. dispar. O diagnóstico pode ser auxiliado pela observação de cocos gram­positivos
aderidos às células epiteliais das vilosidades. Antimicrobianos, como a penicilina, podem ser úteis no
tratamento.

ENTERITE PROLIFERATIVA SUÍNA (Adenomatose intestinal suína, Enteropatia hemorrágica

proliferativa, ileíte)

A enterite proliferativa suína é uma doença diarreica comum em suínos em fase de crescimento­terminação e
em reprodutores jovens e se caracteriza por hiperplasia e inflamação do íleo e do cólon. É, com frequência,
discreta e autolimitante, mas às vezes causa diarreia persistente, enterite necrosante grave ou enterite
hemorrágica com alta taxa de mortalidade.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: O agente causal é uma pequena bactéria gram­negativa intracelular, em forma de
bastão, denominada Lawsonia intracellularis. O microrganismo tem sido isolado apenas em culturas celulares e
tentativas de reproduzi­lo em meios livres de células têm falhado. Os postulados de Koch foram cumpridos por
meio da inoculação de culturas puras de L. intracellularis em suínos criados convencionalmente; produziram­se
lesões típicas da doença e L. intracellularis foi reisolado a partir dessas lesões. A inoculação de L.
intracellularis em suínos gnotobióticos não causa doença; portanto, em suínos criados convencionalmente
outros fatores podem contribuir para o desenvolvimento das lesões.
ACHADOS CLÍNICOS: A forma não hemorrágica e mais comum da doença geralmente acomete suínos com 18 a
36 kg e se caracteriza por início súbito de diarreia. As fezes tornam­se aquosas a pastosas, amarronzadas ou
fracamente manchadas de sangue. Depois de cerca de 2 dias, os suínos podem eliminar grumos
fibrinonecróticos amarelos que se formam no íleo. A maioria dos suínos acometidos se recupera
espontaneamente, mas um número significativo deles desenvolve enterite necrótica crônica e emaciação
progressiva. A forma hemorrágica se caracteriza por palidez cutânea, fraqueza e eliminação de fezes
hemorrágicas ou pretas. As marrãs prenhes podem abortar.
Brachyspira (Treponema) hyodysenteriae. Cortesia de Joann Kinyon, Universidade de Iowa.

Lesões: Podem surgir em qualquer local da metade inferior do intestino delgado, ceco ou cólon, mas são mais
frequentes e evidentes no íleo. A parede intestinal torna­se espessa e o mesentério pode ficar edemaciado. Os
linfonodos mesentéricos aumentam de volume. A mucosa intestinal parece espessa e enrugada, pode ser
recoberta por uma membrana fibrinonecrótica amarronzada ou amarela e, às vezes, apresenta petéquias. Os
grumos necróticos amarelos podem ser encontrados no íleo ou passarem para o cólon. Necrose de mucosa
completa e difusa, nos casos crônicos, causa rigidez intestinal, lembrando uma mangueira de jardim.
Frequentemente notam­se lesões proliferativas na mucosa do cólon, mas apenas detectadas por meio de
inspeção cuidadosa durante a necropsia. Na forma hemorrágica profusa, há fezes vermelhas ou pretas no cólon e
sangue coagulado no íleo.
DIAGNÓSTICO: A confirmação do diagnóstico baseia­se na observação histológica de proliferação e inflamação
características nas criptas da mucosa. Em geral, L. intracellularis (em forma de vírgula, lembrando
Campylobacter) pode ser demonstrado por colorações com prata. Desenvolveu­se um teste de PCR que pode ser
útil para confirmar a presença de L. intracellularis nas lesões. Culturas bacterianas do intestino e linfonodos,
para excluir a possibilidade de infecção por Salmonella, e exame histológico e cultura do ceco e cólon, para
excluir disenteria suína, são práticas adicionais importantes. Também, deve­se examinar o cólon quanto à
presença de vermes tricurídeos. L. intracellularis está presente em muitos rebanhos suínos, portanto, a
demonstração do microrganismo em fezes por PCR ou a presença de anticorpos em animais clinicamente
normais tem pouco valor diagnóstico.
TRATAMENTO E CONTROLE: Vários antibacterianos, administrados por via parenteral em suínos com infecção
aguda e por meio de alimentos ou água ao restante do grupo, ajudam a minimizar a gravidade da enterite e a
evitar o desenvolvimento de enterite necrótica crônica irreversível. A enterite proliferativa suína é uma das
primeiras doenças que ocorrem em rebanhos novos, iniciada por uma intervenção cirúrgica. Uma vacina viva
não virulenta administrada na água é altamente eficaz. Deve ser administrada às marrãs e aos varões durante a
aclimatização, antes da introdução no rebanho.

ESPIROQUETOSE INTESTINAL

A espiroquetose intestinal é uma doença do intestino grosso verificada na ausência de Brachyspira


hyodysenteriae (ver p. 341). Essa síndrome é observada com frequência no mundo todo.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: A principal causa de espiroquetose intestinal é B. pilosicoli. Há relatos de outras
espécies de Brachyspira associadas à infecção, mas caracterizações moleculares recentes indicam que B.
innocens, B. murdochi e B. intermedia provavelmente não são patogênicas. B. pilosicoli é um importante
patógeno emergente em pessoas, especialmente em populações indígenas, homossexuais e pacientes com
imunossupressão. O microrganismo é transmitido por via oral e sobrevive muito bem no ambiente. B. pilosicoli
foi isolado de vários animais, inclusive aves aquáticas, roedores e cães. Foi demonstrado com causa de doença
diarreica em suínos, galinhas e pessoas, por meio de inoculação experimental e em casos de ocorrência natural.
A patogênese não é bem estudada, mas parece que a fixação da espiroqueta na mucosa interfere na capacidade
de absorção do cólon, resultando em diarreia.
ACHADOS CLÍNICOS: Inicialmente, os suínos apresentam fezes aderidas à região do períneo. As fezes aparecem
como cimento úmido, podendo resultar em diarreia leve. Animais acometidos podem se tornar inapetentes, com
crescimento retardado.
Lesões: As lesões no intestino grosso são mais discretas do que aquelas causadas por B. hyodysenteriae, na
disenteria suína. O volume do intestino grosso pode estar aumentado e distendido, com espessamento de
mucosa. Alguns suínos desenvolvem colite muco­hemorrágica juntamente com aumento dos linfonodos
mesentéricos. Microscopicamente, as espiroquetas podem ser vistas aderidas à superfície mucosa, com
aparência de falsa borda em escova. A superfície mucosa apresenta erosão focal com discreto exsudato catarral.
As criptas do cólon frequentemente estão dilatadas e com várias espiroquetas.
DIAGNÓSTICO: Diagnósticos diferenciais importantes incluem salmonelose, enterite proliferativa, disenteria
suína e infecção por vermes tricurídeos. B. pilosicoli pode ser isolada em um ágar seletivo que contém
espectinomicina, em condições anaeróbias. Testes bioquímicos, e preferencialmente PCR, devem ser realizados
com cepas de Brachyspira para confirmar a identificação da espécie.
TRATAMENTO E CONTROLE: Tratamento e prevenção de espiroquetose intestinal são semelhantes aqueles da
disenteria suína. Antimicrobianos como tiamulina, lincomicina e carbadox são efetivos. Não se sabe se o
microrganismo pode ser erradicado sem uma despovoação total, como se faz na disenteria suína, mas devido aos
hospedeiros reservatórios e à sobrevivência da espiroqueta no ambiente, há dúvida quanto a isso.

ESTENOSE RETAL

Nos suínos em crescimento, a estenose retal é sequela de prolapso retal gravemente lesionado (p. 183) ou de
infecção que prejudica o suprimento sanguíneo ao reto. No primeiro caso a ocorrência é esporádica; no último
pode ser epidêmica. Uma das causas é infecção por Salmonella Typhimurium (p. 346), que provoca proctite
ulcerativa cuja cicatrização não restabelece a função normal. A estenose resulta, notadamente, de fibrose do
tecido retal devido à isquemia persistente causada pela infecção em local de suprimento sanguíneo limitado.
ACHADOS CLÍNICOS: Geralmente, observam–se vários suínos com timpanismo, em vários estágios de
emaciação, em um grupo de animais em crescimento. Outros sinais clínicos, inclusive surtos prévios de diarreia
debilitante grave, são comuns, mas nem sempre descritos. Raramente se consegue introduzir o dedo indicador
no interior do reto sem uma resistência considerável.
Lesões: Na necropsia, o cólon se apresenta visivelmente distendido e o intestino preenchido com gás e fezes
esverdeadas. A lesão predominante é o estreitamento do canal retal devido a úlceras fibrosadas anulares ou
estenoses retais, localizadas 2 a 5 cm cranialmente ao ânus.
DIAGNÓSTICO: Uma epidemia de estenose retal, sem prolapso retal anterior, indica infecção por S.
Typhimurium. Na coprocultura e na cultura de linfonodos regionais geralmente isola­se S. Typhimurium. No
entanto, não é possível determinar se ocorreu primeiro a lesão ou a infecção.
TRATAMENTO E CONTROLE: Diagnóstico e tratamento precoces de diarreia são imperativos para o controle.
Abrigo, manejo e boa higiene, com manejo de suínos no esquema “todos dentro ou todos fora”, são os melhores
procedimentos para evitar surtos adicionais. Não se acredita que a cirurgia seja economicamente viável.

GASTRENTERITE TRANSMISSÍVEL

A GET é uma doença viral comum de intestino delgado, que causa vômito e diarreia profusa em suínos de todas
as idades.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: O coronavírus causador infecta e destrói células epiteliais das vilosidades de jejuno
e íleo, o que resulta em grave atrofia destas vilosidades, má absorção, diarreia osmótica e desidratação. O
período de incubação é cerca de 18 h. A infecção se dissemina rapidamente por meio de aerossóis ou de
exposição por contato. Epidemias graves são mais comuns durante o inverno devido à sobrevivência do vírus
em temperatura mais baixa.
ACHADOS CLÍNICOS: Em rebanhos não imunes, geralmente vômito é o sintoma inicial, seguido de diarreia
aquosa abundante, desidratação e sede excessiva. As fezes dos leitões lactentes frequentemente contêm
coágulos de leite não digerido. A taxa de mortalidade é cerca de 100%, em leitões com < 1 semana de idade;
aqueles com > 1 mês raramente morrem. Porcas gestantes ocasionalmente abortam e porcas lactantes
frequentemente manifestam vômito, diarreia e agalaxia. Em leitões lactentes sobreviventes a diarreia persiste
por cerca de cinco dias; suínos mais velhos podem apresentar diarreia por um período mais curto.
Em grandes rebanhos com GET endêmica os sinais clínicos são variáveis, dependendo do grau de imunidade
e da magnitude da exposição. A imunidade propiciada por anticorpos do colostro da porca, em geral, é
suficiente para proteger os leitões até que tenham 4 a 5 dias de idade. À medida que o teor de anticorpos do leite
diminui pode ocorrer infecção e doença discreta. Dependendo do grau de imunidade e de exposição, a diarreia
pode ser discreta em algumas leitegadas, mas pode ser grave em outras. Se a proteção passiva é suficiente para
proteger os suínos por todo o período de aleitamento, geralmente ocorre diarreia nos primeiros dias após o
desmame.
Lesões: Os leitões que morrem em decorrência de GET apresentam desidratação grave e a pele fica manchada
com fezes líquidas. Em geral, o estômago contém coágulos de leite, mas pode estar vazio. O intestino delgado
apresenta parede fina e todo o intestino contém um fluido aquoso esverdeado ou amarelado e grumos de leite
não digerido. Os suínos mais velhos apresentam lesões pouco evidentes, exceto o cólon com fezes líquidas, em
vez de fezes normais. Pode­se notar atrofia de vilosidades no exame da mucosa do intestino delgado com
auxílio de lupa.
DIAGNÓSTICO: Os sinais clínicos da forma epidêmica de GET geralmente permitem um diagnóstico presuntivo.
Na forma endêmica branda são necessários testes laboratoriais. Exame histológico e teste de imunofluorescência
do intestino delgado, para demonstrar as lesões típicas e a presença de antígenos virais da GET, permitem a
confirmação do diagnóstico. Em alguns surtos, a encefalomielite hemaglutinante (p. 804) pode causar sintomas
semelhantes.
TRATAMENTO E CONTROLE: Não há tratamento específico. Aumento da temperatura da sala de parição para
minimizar a perda de calor corporal e o fornecimento de solução com eletrólitos para controlar a desidratação
são procedimentos úteis. Há relato de que a administração de imunoglobulina suína é benéfica. O desmame dos
leitões lactentes mais velhos, que já estão consumindo alimentos pode reduzir a taxa de mortalidade.
A imunidade protetora depende da presença de anticorpos no intestino delgado. A proteção passiva de leitões
é propiciada pela amamentação contínua em porcas imunes. Depois da infecção da mucosa intestinal pelo vírus
patogênico da GET desenvolve­se imunidade protetora ativa. A infecção intestinal ativa pelo vírus patogênico
induz imunidade protetora por 6 a 18 meses, devido à resposta da IgA secretora. A vacinação das porcas
naturalmente imunes reforça a imunidade o suficiente para proteger os neonatos, sendo particularmente útil em
rebanhos onde a infecção é endêmica. A vacinação de rebanhos de suínos livres de GET pode não ser
economicamente vantajosa, pois a vacina não induz imunidade completa.
A infecção planejada de porcas prenhes em rebanhos sabidamente infectados por vírus patogênicos, pelo
menos 2 a 4 semanas antes do parto, geralmente propicia imunidade adequada. Isso pode ser obtido pela mistura
de fezes e de intestino infectado com o vírus da GET triturada com a ração de porcas prenhes. Devido aos riscos
óbvios associados a esse procedimento, este deve ser realizado apenas se parece inevitável uma epidemia futura
em áreas de parição. O material infectado deve ser utilizado apenas no mesmo rebanho do qual foi coletado e os
tecidos devem ser livres de outros patógenos de suínos, se possível. O vírus da GET pode ser eliminado dos
rebanhos sem necessidade de despovoamento total, aumentando a imunidade por meio de infecção planejada do
lote de porcas, de esquema de manejo “todos dentro todos fora” nas baias de parição, aleitamento e crescimento
e de boa higiene.
Em razão de o vírus da GET ser facilmente disseminado às pessoas, animais e fômites durante uma epidemia,
devem ser tomados cuidados especiais para evitar a disseminação em grupos de porcos não expostos e em
rebanhos vizinhos.

PARASITISMO

Ver p. 375 e p. 213.


O Ascaris suum é o nematódeo intestinal mais comum em suínos. Os adultos, no intestino, reduzem a
eficiência alimentar e as infecções intensas causam emaciação. A migração das larvas provoca inflamação de
fígado e pulmões.
Cryptosporidium sp é um coccídio que se fixa no epitélio da mucosa intestinal de suínos com = 10 dias de
idade. Causa atrofia de vilosidades do intestino delgado inferior. Pode ocorrer má absorção e diarreia.
Eimeria spp é comum em suínos, mas raramente ocasiona uma doença evidente. Infecções maciças podem
causar importante enterocolite em suínos jovens em crescimento.
Hyostrongylus rubidus é um verme de estômago comumente encontrado em suínos criados em pastagem.
Geralmente causa poucas lesões.
Isospora suis é uma causa comum e importante de coccidiose em suínos com 6 dias a 3 semanas de idade. A
infecção provoca necrose e atrofia de vilosidades de íleo e jejuno. Uma infecção bacteriana secundária da
mucosa intestinal lesionada é comum. A taxa de mortalidade é, com frequência, 20 a 25%; muitos suínos
tornam­se raquíticos. O diagnóstico pode se basear na constatação de coccídios imaturos na mucosa intestinal,
em esfregaço direto da mucosa corado pelo Giemsa ou no exame histológico do intestino acometido. Uma
prevenção bem­sucedida, na maioria das vezes, depende de limpeza completa das instalações de parição, com
intuito de minimizar o número de oocistos. Após a limpeza, é útil a desinfecção completa com solução alvejante
50%. Às vezes, são administrados, por via oral, coccidiostáticos às porcas duas semanas antes do parto ou aos
suínos, desde o nascimento até 3 semanas de idade.
Os vermes adultos nodulares de Oesophagostomum spp no intestino grosso causam poucos danos, mas uma
infecção maciça por larvas encistadas, na parede intestinal, pode ocasionar emaciação.
As larvas de Strongyloides ransomi (verme intestinal filiforme) podem ser transmitidas pelo colostro ou
adquiridas a partir da pele contaminada da mãe. Os leitões altamente infectados desenvolvem diarreia grave aos
10 a 14 dias de idade, com alta taxa de mortalidade. O diagnóstico é baseado na constatação microscópica direta
de esfregaços da mucosa.
Trichuris suis (verme em forma de chicote) penetra na mucosa do ceco e do cólon e causa inflamação
multifocal. As infecções maciças ocasionam diarreia e emaciação. As fezes ficam hemorrágicas; portanto,
tricuríase grave pode ser confundida, clinicamente, com disenteria suína ou enterite proliferativa. O diagnóstico
baseia­se na constatação direta dos vermes no intestino grosso ou em exame de flotação das fezes.

SALMONELOSE INTESTINAL

As salmonelas enteropatogênicas causam inflamação e necrose nos intestinos delgado e grosso, resultando em
diarreia que pode ser acompanhada de sepse generalizada. Animais de todas as idades são suscetíveis, mas a
doença é mais comum em suínos desmamados e em fase de crescimento­terminação.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Salmonella choleraesuis Kuzendorf (S. choleraesuis) é uma das espécies de

Salmonella que mais comumente infecta os suínos. Às vezes, provoca enterocolite necrosante, mas uma doença
septicêmica caracterizada por hepatite, pneumonia e vasculite cerebral é bem mais comum. A infecção intestinal
por S. Typhisuis resulta em inflamação necrosante não supurativa da mucosa e da submucosa do íleo, ceco e
cólon; frequentemente, a mucosa apresenta úlcera. Em geral, estende­se para os linfonodos regionais e,
ocasionalmente, ocorre sepse generalizada. As fontes de infecção de S. choleraesuis e S. Typhisuis são
principalmente os suínos portadores assintomáticos, mas também pode incluir roedores, alimentos e
propriedades contaminadas (ver p. 203).
Vários outros sorotipos de salmonela são observados em suínos, alguns dos quais foram associados à
intoxicação alimentar em pessoas. Os sorotipos comumente encontrados em suínos são S. Typhimurium, S.
heidelberg, S. worthington e S. infantis. Esses sorotipos podem causar diarreia discreta à moderada em suínos e
podem ser resistentes a diversos antimicrobianos.
ACHADOS CLÍNICOS: Os suínos lactentes podem desenvolver diarreia, mas geralmente sucumbem à sepse
generalizada. Suínos recém­desmamados ou em fase de crescimento­terminação manifestam febre e apresentam
fezes líquidas, que podem ser amarelas e conter estrias de restos de tecidos necrosados.
Lesões: Os suínos infectados por S. choleraesuis exibem íleo e cólon inflamados e ligeiramente espessados,
geralmente com áreas de necrose na superfície da mucosa. Os linfonodos mesentéricos ficam aumentados,
edematosos e, às vezes, eritematosos. Pode ou não ser evidente úlcera na mucosa. Nos casos agudos, pode­se
observar hemorragia de pequena extensão. Ocasionalmente, é possível notar estenose de reto (p. 343). Outras
salmonelas enteropatogênicas, exceto S. Typhisuis, causam lesões semelhantes, porém menos graves do que
aquelas de S. choleraesuis. Na enterite por S. Typhisuis as lesões são úlceras distintas, tipicamente amarelas e
redondas (em botão) no cólon, ceco e, menos comumente, íleo.
DIAGNÓSTICO: As culturas de fezes ou da mucosa intestinal em um meio seletivo podem mostrar o
microrganismo. No entanto, com frequência (e mais confiavelmente) as salmonelas são isoladas de linfonodos
mesentéricos aumentados por meio de semeadura direta em meio seletivo, como ágar verde­brilhante, ou
inoculação em meios enriquecidos. O exame histológico do intestino e do fígado acometidos para diferenciação
de salmonelose de enterite proliferativa e disenteria suína é um procedimento auxiliar valioso.
TRATAMENTO E CONTROLE: Vacinas vivas atenuadas administradas por via intranasal ou na água são bastante
efetivas na prevenção da doença causada por S. choleraesuis. As vacinas atenuadas também podem ser efetivas
na redução da população de salmonelas nos tecidos de suínos abatidos. A administração parenteral de
antibióticos em suínos com doença aguda e a medicação do grupo acometido por meio da água ou do alimento
podem diminuir a gravidade do surto. Neomicina e lincomicina­espectinomicina são os antimicrobianos mais
utilizados na água. Carbodox, nos alimentos, geralmente é empregado como preventivo. O antibiograma de um
microrganismo isolado é útil na seleção de um antibiótico apropriado. Limpeza e desinfecção completas das
instalações contaminadas e eliminação da fonte da bactéria diminuem a probabilidade de repetidas epidemias.
SÍNDROME DO INTESTINO HEMORRÁGICO (Torção mesentérica do intestino delgado)

A síndrome do intestino hemorrágico acomete rapidamente suínos em crescimento, com 4 a 6 meses de idade.
Os animais morrem subitamente, sem evidência de diarreia, mas à necropsia o intestino delgado apresenta
parede delgada, preenchido com sangue coagulado e fresco. O intestino grosso geralmente contém material
fecal escuro, porém sem lesão sugestiva de disenteria suína, salmonelose, enterite proliferativa ou espiroquetose
intestinal. A doença pode ser prevenida pela administração de bacitracina ou clortetraciclina junto com
alimento. Durante a necropsia, deve­se palpar a base mesentérica antes da abertura do abdome. Na forma
hiperaguda de enterite proliferativa é possível notar lesões macroscópicas, e quadro clínico, semelhante; no
entanto, o exame histológico e a cultura do intestino indicam se há ou não proliferação epitelial e Lawsonia
intracellularis.
Acredita­se que na maioria dos casos a causa seja vólvulo intestinal. Fatores predisponentes podem incluir
exercício intenso, manipulação, brigas, aglomeração ou alimentação irregular. Suínos com quadril largo podem
ser mais predispostos à torção mesentérica do que suínos menores. A rotação completa do intestino, incluindo a
parte posterior do duodeno e a parte anterior do reto ao redor da base do mesentério, obstrui o fluxo de sangue
venoso, causando acúmulo de sangue no intestino, e consequente infarto. A rotação pode ser apenas parcial e
difícil de ser notada durante a necropsia, o que torna o diagnóstico um desafio maior.

OUTRAS VIROSES INTESTINAIS EM SUÍNOS

Outros vírus foram isolados do intestino de suínos, mas parecem não causar doenças economicamente
importantes. Isto inclui adenovírus e enterovírus.

INFECÇÕES POR TREMATÓDEOS EM RUMINANTES

DICROCOELIUM DENDRITICUM (Fascíola-lanceta, Fascíola hepática menor)

Dicrocoelium dendriticum é mais delgado; tem 6 a 10 mm de comprimento e 1,5 a 2,5 mm de largura. É


encontrado em muitos países e infecta ampla variedade de hospedeiros finais, inclusive ruminantes domésticos.
Outra espécie, D. hospes, é comum na África.
O primeiro hospedeiro intermediário é um caracol terrestre (Cionella lubrica, nos EUA), do qual as cercárias
emergem e são agregadas em uma massa de muco pegajoso (bola de muco). As cercárias são ingeridas pelo
segundo hospedeiro intermediário, que é uma formiga (Formica fusca, nos EUA) e se encistam na cavidade
abdominal. Uma ou duas metacercárias no gânglio subesofágico da formiga causam um comportamento
anormal, no qual as formigas se prendem nas plantas da pastagem que, por sua vez, aumenta o risco de ingestão
pelo hospedeiro final. As fascíolas jovens não migram pelo tecido hepático, mas alcançam os ductos biliares
pelo intestino e iniciam ovoposição cerca de 10 a 12 semanas após a infecção.
Parece não induzir imunidade e as infestações intensas podem­se acumular (até 50.000 fascíolas em ovino
adulto). Desenvolve­se cirrose e os ductos biliares podem estar espessados e distendidos. A perda econômica
deve­se, principalmente, à condenação de fígados. Os sinais clínicos não são óbvios, mas podem ser observados
em infecções maciças. Os ovos contêm um miracídio e são muito pequenos (40 × 25 μm), assimétricos e
marrom­amarelados.
O ciclo biológico complexo torna quase que impossível o controle dos hospedeiros intermediários, e o uso
disseminado de substâncias químicas tem efeitos ecológicos nocivos em outros organismos semelhantes. Os
tratamentos anti­helmínticos efetivos nos bovinos incluem o albendazol a 15 mg/kg, em dose única, ou 2 doses
de 7,5 mg/kg em dias seguidos, ou a netobimina a 20 mg/kg.

EURYTREMA SPP (Fascíola pancreática)

Essas fascíolas possuem um corpo espesso e apresentam 8 a 16 mm de comprimento e 6 mm de largura. São


parasitos dos ductos pancreáticos e, ocasionalmente, dos ductos biliares dos ovinos, suínos e bovinos no Brasil e
na Ásia. Três espécies são reconhecidas: Eurytrema pancreaticum, E. coelomaticum e E. ovis. Os primeiros
hospedeiros intermediários são caracóis terrestres (Bradybaena spp) e as cercárias se encistam em gafanhotos
(Conocephalus spp), que correspondem ao segundo hospedeiro intermediário. Depois de o animal ingerir um
gafanhoto, as fascíolas imaturas são liberadas e migram para o ducto pancreático, onde se tornam maduras e
produzem ovos em cerca de 7 a 14 semanas.
Não há qualquer sinal clínico evidente. Os ovos semelhantes aqueles de Dicrocoelium podem ser vistos nas
fezes. As infecções brandas causam inflamação proliferativa no ducto pancreático, que se torna aumentado de
volume e ocluído. Nas infecções intensas, ocorrem lesões fibróticas, necróticas e degenerativas. Isto resulta em
aumento da atividade plasmática de gamaglutamiltransferase e de AST. Descrevem­se perdas decorrentes da
condenação do pâncreas, mas a patogênese sugere perda de produção adicional.
Tal como nos casos de Dicrocoelium, o controle dos hospedeiros intermediários pode não ser prático. O
tratamento com praziquantel (20 mg/kg, por 2 dias) ou albendazol (7,5 mg/kg para ovinos e 10 mg/kg para
bovinos) tem sido considerado efetivo.
Fasciola hepatica, o trematódeo mais importante nos ruminantes domésticos, é a causa mais comum de
fasciolose hepática nas áreas temperadas do mundo. Nos EUA, é endêmica ao longo da costa do Golfo, costa
ocidental, região das Montanhas Rochosas e em outras áreas. Também se encontra presente no leste do Canadá,
Colúmbia Britânica e América do Sul e tem uma importância econômica particular nas ilhas britânicas, Europa
ocidental e oriental, Austrália e Nova Zelândia. F. gigantica é economicamente importante na África e na Ásia e
também é encontrada no Havaí. F. magna já foi descrito em pelo menos 21 estados norte­americanos e na
Europa. Na América do Norte, Dicrocoelium dendriticum encontra­se confinado principalmente nos estados
norte­americanos de Nova York, Nova Jérsei e Massachusetts e nas províncias atlânticas do Canadá. Também é
encontrado em algumas áreas da Europa e Ásia. Eurytrema spp, trematódeo pancreático, parasito os ovinos,
suínos e bovinos no Brasil e em partes da Ásia. Várias espécies de paranfístomos ou fascíolas ruminais são
encontrados em várias partes do mundo.

FASCIOLA HEPATICA (Fascíola hepática comum)

ETIOLOGIA: F. hepatica (30 × 2 a 12 mm e com forma de folha) é cosmopolita e possui uma ampla variação de
hospedeiros, inclusive as pessoas. As infecções economicamente importantes ocorrem em bovinos e ovinos de
três formas: crônica, raramente fatal nos bovinos, mas frequentemente fatal nos ovinos; subaguda ou aguda, que
aparecem principalmente nos ovinos e são frequentemente fatais; e em conjunto com a “doença negra” (hepatite
necrótica infecciosa, p. 258), mais comum nos ovinos e comumente fatal.
Os ovos eliminados nas fezes se desenvolvem em miracídios em cerca de 2 a 4 semanas, dependendo da
temperatura, e eclodem na água. Os miracídios infectam os caramujos limneídeos, nos quais se dão o
desenvolvimento e a multiplicação por estágios de esporocistos, rédias (às vezes, rédias–filhas) e cercárias.
Após cerca de 2 meses (ou mais, se as temperaturas são baixas), as cercárias emergem dos caramujos e se
encistam na vegetação aquática. Os caramujos podem estender esse período por hibernarem durante o inverno.
As cercárias encistadas (metacercárias) podem permanecer viáveis por muitos meses, a menos que se
ressequem.

Fasciola hepatica, adulto, coloração de Corazza. Cortesia do Dr. Raffaele Roncalli.


Após a ingestão pelo hospedeiro, em geral junto com a pastagem, as fascíolas jovens são liberadas no
duodeno, penetram na parede intestinal e entram na cavidade peritoneal, por onde percorrem até atingirem o
fígado. O tempo necessário para este trânsito pode variar e resulta em atraso nas taxas de desenvolvimento e na
eficácia de alguns tratamentos que afetam as fascíolas apenas tardiamente no seu desenvolvimento. As fascíolas
jovens penetram na cápsula hepática e se movem pelo parênquima por várias semanas, crescendo e destruindo
tecidos. Entram nos ductos biliares geralmente em 6 a 8 semanas após ingestão, atingem a maturidade e
começam a produzir ovos. O período pré­patente é comumente de 2 a 3 meses, dependendo da carga parasitária.
As fascíolas adultas podem viver nos ductos biliares dos ovinos por anos; a maior parte delas é eliminada pelos
bovinos dentro de 5 a 6 meses. Têm­se descrito infecções pré­natais em bovinos.
ACHADOS CLÍNICOS: A fasciolose varia, em gravidade, de doença devastadora, nos ovinos, a uma infecção
assintomática, nos bovinos. O seu curso é determinado pelo número de metacercárias ingeridas em um curto
período. Nos ovinos, a fasciolose aguda ocorre sazonalmente e se manifesta por dor e distensão abdominais,
anemia e morte súbita. As mortes ocorrem dentro de 6 semanas pós­infecção. A síndrome aguda deve ser
diferenciada da “doença negra”. Na doença subaguda, a sobrevivência é maior (7 a 10 semanas), mesmo nos
casos com lesões hepáticos significativos, mas as mortes se dão por hemorragia e anemia. A fasciolose crônica é
observada em todas as estações; os sinais podem englobar anemia, definhamento, edema submandibular e
redução na secreção láctea, mas mesmo os bovinos fortemente infectados podem não mostrar sinais, embora a
imunidade a outros patógenos (p. ex., Salmonella spp) possa estar reduzida e as reações a um teste intradérmico
único para tuberculose modificada. A infecção crônica intensa é fatal nos ovinos.
Os ovinos parecem não desenvolver resistência à infecção e as lesões hepáticas crônicas tornam­se
cumulativas, em vários anos. Nos bovinos, há evidências de redução na suscetibilidade após fibrose dos tecidos
hepáticos e calcificação dos ductos biliares.
Lesões: As fascíolas errantes e imaturas destroem o tecido hepático e causam hemorragia. Na fasciolose aguda,
as lesões são extensas; o fígado aumenta de volume e torna­se friável, com depósitos de fibrina na cápsula.
Podem–se observar tratos migratórios e a superfície apresenta uma aparência irregular. Nos casos crônicos,
desenvolve­se cirrose. As fascíolas adultas danificam os ductos biliares, que aumentam de volume, ou se tornam
císticos e apresentam paredes fibrosadas e espessadas. Nos bovinos, as paredes dos ductos tornam­se muito
espessadas e, com frequência, se calcificam. As fascíolas podem ser encontradas em locais aberrantes, como por
exemplo, pulmões. Nos bovinos, podem ocorrer infecções mistas com Fasciola magna.
A destruição tecidual pelas fascíolas errantes pode criar um microambiente favorável para a ativação de
esporos de clostrídios.
DIAGNÓSTICO: Os ovos marrom­dourados, operculados e ovais, com 130 a 150 × 65 a 90 μm, devem ser
distinguidos daqueles dos paranfístomos (fascíolas ruminais), que são maiores e claros. Os ovos de F. hepatica
não podem ser demonstrados nas fezes durante uma fasciolose aguda. Nos bovinos, em uma doença subaguda
ou crônica, o número de ovos varia de 1 dia para o outro e podem ser necessários exames de fezes repetidos. O
diagnóstico pode ser auxiliado por um teste ELISA (no mercado disponível na Europa) que permite o
diagnóstico cerca de 2 a 3 semanas após infecção e bem antes do período pré­patente. A atividade plasmática de
gamaglutamiltransferase, que aumenta quando há lesão de ductos biliares, também é útil durante o período de
maturação tardia, quando as fascíolas estão nos ductos biliares. Na necropsia, a natureza da lesão hepática tem
valor diagnóstico. As fascíolas adultas são facilmente observadas nos ductos biliares e os estágios imaturos
podem ser apertados ou espremidos a partir da superfície de corte.
CONTROLE: As medidas de controle de F. hepatica devem envolver, de modo ideal, eliminação das fascíolas nos
animais infectados, redução na população de caramujos­hospedeiros intermediários e impedimento de acesso
dos animais de produção a pastagens infestadas por caramujos. Na prática, apenas o primeiro desses métodos é
utilizado, na maioria dos casos. Embora se possam empregar moluscicidas para reduzir as populações de
caramujos limneídeos, todos os agentes desse tipo disponíveis possuem desvantagens que restringem o seu uso.
O sulfato de cobre, se aplicado antes da população de caramujos se multiplicar, todos os anos, é efetivo, mas é
tóxico para os ovinos, que devem ser mantidos fora da pastagem tratada por 6 semanas após a aplicação. Outros
produtos químicos geralmente são muito caros e possuem efeitos ecologicamente indesejáveis. Impedir o acesso
dos animais à pastagem infestada por caramujos muitas vezes é impraticável, devido à extensão das áreas
envolvidas e ao consequente gasto com a construção de uma cerca adequada.
Há várias drogas disponíveis para tratar ruminantes infectados, inclusive triclabendazol, clorsulona (apenas
para bovinos e ovinos), albendazol, netobimina, closantel, rafoxanida e oxiclozanida. Nem todas essas drogas
são aprovadas em alguns países (p. ex., nos EUA, só são aprovados a clorsulona e o albendazol) e a maioria
delas requer longo período de carência antes do abate, se utilizadas em animais destinados à produção de carne,
e antes do consumo do leite, de animais pecuários, por pessoas. A época do tratamento também é importante, de
maneira que a farmacocinética da droga utilizada possa ser aplicada para resultar na remoção ideal das fascíolas
– cada fasciolicida tem eficácia variável contra as diferentes idades das fascíolas. Tradicionalmente, alguns
tratamentos são determinados por fatores epidemiológicos locais e os tratamentos adicionais, por condições
incomumente adequadas para a multiplicação de parasitos. Por exemplo, nos estados americanos da Costa do
Golfo, os bovinos devem ser tratados antes da estação chuvosa do outono e, novamente, no final da primavera.
No noroeste dos EUA e no norte da Europa, eles devem ser tratados no final da estação de pastejo e, se não
confinados, novamente no final de janeiro ou em fevereiro. Nos países europeus com grandes populações ovinas
suscetíveis, usam­se sistemas computadorizados de previsão de pluviosidade e temperatura para determinar a
prevalência provável de infecções por F. hepatica. Nas áreas onde se esperam infecções intensas, os ovinos
podem exigir um tratamento em setembro ou outubro, em janeiro ou fevereiro e, novamente, em abril ou maio,
para reduzir as chances de infecções agudas ou crônicas e eliminar ovos de fascíolas para o desenvolvimento de
doença futura.

FASCIOLA GIGANTICA (Fascíola hepática gigante)

Fasciola gigantica possui forma semelhante a de F. hepatica, mas é maior (75 mm), com região anterior menos
definida, possuindo 12 mm de largura. É encontrada em climas mais quentes (Ásia e África), nos bovinos e
búfalos, nos quais torna­se responsável por uma fasciolose crônica, e nos ovinos, nos quais a doença costuma
ser aguda e fatal. O ciclo biológico é semelhante ao de F. hepatica, exceto quanto às espécies de caramujos
hospedeiros intermediários. A patologia da infecção, os procedimentos diagnósticos e as medidas de controle
são semelhantes aos de F. hepatica (ver texto anterior).

FASCIOLOIDES MAGNA (Grande fascíola hepática americana, Fascíola hepática gigante)

Fascioloides magna tem até 100 mm de comprimento, 2 a 4,5 mm de espessura, 11 a 26 mm de largura, e oval;
distingue­se de Fasciola spp pela ausência de um cone protraente anterior. Encontra­se nos ruminantes
domésticos e silvestres; os veados são os hospedeiros normais. O ciclo biológico lembra aquele de Fasciola spp.
O ciclo biológico não se completa nos bovinos. Nesses hospedeiros, a patogenicidade é baixa e as perdas se
restringem principalmente às condenações do fígado. Em ovinos e caprinos, poucos parasitos podem causar
morte devido à extensa migração de fascíolas no parênquima hepático. Nos veados, ocorre uma pequena reação
tecidual e os parasitos ficam envolvidos por cistos fibrosos e delgados, que se comunicam com os ductos
biliares. Nos bovinos, Fascioloides magna causa reação tecidual intensa, resultando em encapsulamentos de
parede espessa que não se comunicam com os ductos biliares. Nos ovinos, não se desenvolvem
encapsulamentos, e os parasitos migram no fígado e outros órgãos, causando lesões enormes. Histologicamente,
os fígados infectados dos bovinos, dos ovinos e dos veados exibem tratos escuros e tortuosos formados pelas
migrações das fascíolas jovens.
Embora os ovos de Fascioloides magna lembrem aqueles de Fasciola hepatica, isso tem uma utilidade
limitada; os seus ovos, geralmente, não são eliminados por bovinos e ovinos. Tornam­se necessárias a
recuperação dos parasitos em necropsias, bem como a diferenciação entre Fasciola hepatica e Fasciola
gigantica, para o diagnóstico definitivo. Quando ruminantes domésticos e veados compartilham a mesma
pastagem, deve­se pensar na presença de doença provocada por Fascioloides magna. Nos bovinos, ocorrem
infecções mistas por Fasciola hepatica.
Relata­se que a oxiclozanida é efetiva contra Fascioloides magna de veado de cauda branca e que a
rafoxanida é utilizada, com sucesso, no tratamento de infecções naturais em bovinos. Albendazol (7,5 mg/kg),
clorsulona (15 mg/kg) e closantel (15 mg/kg) têm­se mostrado eficazes contra essa fascíola em ovinos.
Atualmente, nenhum produto é aprovado para o tratamento desta parasitose nos EUA. Os veados são
necessários para completar o ciclo biológico; se eles são excluídos das áreas de pastagem de bovinos e ovinos, o
controle pode ser efetivo. O controle do hospedeiro intermediário (caramujos limneídeos) pode ser possível
quando é identificado em uma região e a natureza do seu habitat investigada.

PARANFÍSTOMOS (Anfístomos, Fascíolas ruminais, Fascíolas cônicas)

Há várias espécies de paranfístomos (Paramphistomum, Calicophoron e Cotylophoron) em ruminantes, no


mundo todo. Os parasitos adultos são piriformes, de cor rosa ou vermelha, têm até 15 mm de comprimento e se
prendem ao revestimento ruminal. As formas imaturas são encontradas no duodeno e apresentam 1 a 3 mm de
comprimento.
Os ovos são eliminados nas fezes, os miracídios são liberados na água e infectam os caramujos planorbídeos
ou bulinídeos. O desenvolvimento no caramujo é semelhante aos casos de Fasciola hepatica, eliminando as
cercárias que se encistam na pastagem. No ruminante hospedeiro, as fascíolas jovens se soltam e permanecem
no intestino delgado por 3 a 5 semanas antes de migrar através do retículo, até o rúmen. Os ovos são eliminados
7 a 14 semanas após a infecção.
As fascíolas adultas não causam uma doença clara e podem ser encontradas em grande número. As fascíolas
imaturas se aderem à mucosa duodenal e, às vezes, à mucosa do íleo, por meio de uma grande ventosa posterior,
provocando grave enterite, possivelmente com necrose e hemorragia. Os animais acometidos exibem anorexia,
polidipsia, definhamento e diarreia grave. Pode haver mortalidade extensa, especialmente entre bovinos e
ovinos jovens. Os animais mais velhos podem desenvolver resistência à reinfecção, mas podem continuar a
abrigar várias fascíolas adultas.

Paramphistomum cervi. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.

Os ovos operculados, claros e grandes são facilmente reconhecidos, mas, na paranfistomose aguda, pode não
há ovos nas fezes. A ocorrência conhecida na área e um exame das fezes amolecidas podem revelar fascíolas
imaturas, com várias delas sendo eliminadas nesses casos. O diagnóstico é, comumente, feito por necropsia.
As medidas de controle para reduzir a população de caramujos hospedeiros são as mesmas do controle da
fasciolose (p. 348). Os tratamentos com sucesso relatados (eficácia > 90%) incluem oxiclozanida (2 doses com
3 dias de intervalo) e a combinação de bitional e levamisol.

NECROSE DE GORDURA ABDOMINAL (LIPOMATOSE)

Massas endurecidas de gordura necrosada são relativamente comuns na cavidade peritoneal de bovinos adultos,
especialmente das raças Channel Island e Japanese Black e em bovinos de corte que se alimentam com
gramínea Festuca por longo período. A doença pode também ser observada em caprinos e em algumas espécies
de cervídeos mantidos em pastagens que contêm, principalmente, Festuca. As massas são comumente
confundidas com um feto em desenvolvimento, durante a palpação retal, pois são sentidas como “rolhas
flutuantes” semelhantes a cotilédones. As massas de gordura necrótica geralmente não causam sinais clínicos,
mas, em casos avançados, podem ocasionar obstrução extraluminal que resulta em episódios de dor abdominal
moderada, distensão do intestino próximo à gordura e eliminação de pequena quantidade de fezes.
A composição dos depósitos, nos bovinos com necrose da gordura, é idêntica à gordura de vacas normais. O
depósito de gordura anormal fica confinado à gordura abdominal e condiz com o conceito atual de que a
gordura abdominal é controlada de forma diferente dos depósitos de gordura de outros lugares do corpo. A
necrose de gordura foi denominada, historicamente, de lipomatose, mas este termo atualmente é considerado
impróprio, pois as massas não são neoplásicas ou hiperplásicas.
A etiologia é desconhecida, mas uma causa proposta seria o consumo de alimentos contendo altas
concentrações de ácidos graxos saturados, de cadeia longa. A necrose gordurosa é mais comumente observada
em bovinos de corte = 2 anos, depois de um período prolongado de pastejo em áreas de capim Festuca infectado
pelo endófito Neotyphodium (Acremonium) coenophialum (ver Intoxicação por Capim Festuca, p. 3076); a
necrose gordurosa está associada a taxas de infecção por endófitos de 65% ou mais. A enfermidade é verificada
por todo o sudeste dos EUA, onde o capim Festuca é a principal pastagem.
Massas endurecidas de gordura necrosada formam­se no omento, mesentério e gordura perirrenal. As massas
podem causar doença clínica quando comprimem o abomaso, intestino delgado, cólon espiral, obstruem o canal
do parto ou, mais raramente, comprimem os ureteres. A palpação retal é útil para diagnóstico e determinação da
prevalência em um rebanho bovino. Em bovinos leiteiros mais velhos, casos avançados podem ser detectados
por meio de balotamento abdominal, com detecção de massas grandes e firmes no abdome. A remoção dos
bovinos de pastagens de Festuca ou a diminuição do consumo por suplementação de leguminosas ou de outros
capins de pastejo podem promovem lenta redução no tamanho das massas. Isoprotiolona (50 mg/kg, VO, 1
vez/dia, por 8 semanas) é eficaz em diminuir a extensão das lesões em bovinos da raça Japanese Black.
Quanto aos cervídeos acometidos, 90% das fêmeas podem ser afetadas. Os sinais clínicos incluem lento
desenvolvimento de anorexia, depressão e uremia associada a grandes massas de gordura abdominal necrótica
comprimindo os ureteres, causando hidroureter e hidronefrose.
Uma segunda forma, bem menos definida, parece estar relacionada com pancreatite. Embora não se associem
com uma síndrome clínica, as lesões (massas discretas ou confluentes de tecido adiposo necrosado) estão
geralmente confinadas à gordura peripancreática. Contudo, as lesões podem ser encontradas por todo o abdome.
Uma terceira forma, uma necrose focal da gordura abdominal e retroperitoneal (esteatite ou doença da
gordura amarela), é observada mais frequentemente nos ovinos, mas também em suínos, equinos, gatos e outras
espécies. Pouca informação encontra–se disponível sobre a afecção nessas espécies, mas a radiografia ou a
ultrassonografia abdominais podem ser úteis em identificar a necrose focal em gatos.

OBSTRUÇÕES INTESTINAIS AGUDAS EM GRANDES

ANIMAIS

As obstruções intestinais ocorrem em todas as espécies de grandes animais, sendo mais comuns em equinos. Os
bovinos são os ruminantes mais acometidos; o diagnóstico em ovinos e caprinos é raro, com exceção do vólvulo
intestinal em cordeiros. Além das hérnias inguinais, as obstruções intestinais raramente são diagnosticadas em
suínos.
As obstruções interrompem o fluxo da ingesta e podem ter origem mecânica ou funcional. As obstruções
intestinais mecânicas caracterizam­se por serem luminais ou extraluminais. As obstruções extraluminais
incluem obstruções estrangulantes hemorrágicas em animais com vólvulo ou torção do trato GI, ou compressão
extraluminal simples em animais com distensão abdominal por massa tecidual, como linfossarcoma ou necrose
gordurosa. As obstruções funcionais não apresentam anormalidade macroscópica e caracterizam­se por
hipomotilidade generalizada ou íleo adinâmico. Em geral, as obstruções funcionais ocorrem com maior
frequência do que as obstruções mecânicas e são comumente detectadas em equinos após cirurgia abdominal.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Geralmente, não se determina a causa de uma obstrução intestinal funcional. As
obstruções funcionais estão associadas à alteração na motilidade intestinal, em geral por fatores alimentares ou
de manejo, infecção parasitária, enterite ou peritonite. As obstruções mecânicas (bloqueio físico da ingesta)
decorrem de anormalidades no lúmen intestinal, na parede ou fora do trato GI. As obstruções mecânicas
incluem as oclusões congênitas (atresia de jejuno, cólon, reto e ânus, em bezerros, e atresia anal em ovinos e
suínos), que resultam na ausência de defecação desde o nascimento.
Em equinos, as obstruções funcionais transitórias são comuns, bem como as impactações alimentares, que
geralmente envolvem a flexura pélvica do cólon esquerdo. Geralmente, infecção ou migração parasitária,
anormalidades dentárias e fatores alimentares ou de manejo estão envolvidos no desenvolvimento de obstrução
funcional. As impactações e outras obstruções luminais podem resultar de alimentos grosseiros, redução no
consumo de água, enterólitos ou ingestão de materiais estranhos. Os locais de impactação, além da flexura
pélvica, incluem cólon menor, cólon transverso, cólon dorsal direito, ceco e íleo. As outras causas de obstrução
intestinal em equinos são vólvulos (torção do eixo mesentérico), torções (rotação ao longo do eixo longitudinal
do intestino), deslocamentos do cólon ascendente (maior) e vólvulo parcial ou total do intestino delgado.
Alteração na motilidade e, possivelmente, exercício intenso e rolamento podem ser as causas iniciais. As éguas
reprodutoras podem ser predispostas a vólvulo, torção ou deslocamento de cólon ascendente durante a gestação
e imediatamente após o parto. A obstrução ocorre devido ao encarceramento intestinal (geralmente do intestino
delgado) pela herniação no canal inguinal, diafragma, defeitos mesentéricos, umbigo ou forame epiploico; ou se
deve a faixas fibrosas (aderências, faixas mesodiverticulares ou bases de lipomas pedunculados). Garanhões e
potros anglo­árabes desenvolvem hérnias inguinais e escrotais mais comumente do que as outras raças. As
hérnias diafragmáticas e os defeitos mesentéricos podem ser congênitos ou ocasionados por traumatismo. Em
equinos, as aderências frequentemente são sequelas de migração parasitária ou de cirurgia abdominal; no
entanto, a maioria das aderências é assintomática. Lipomas pedunculados são comuns em equinos idosos.
Também, ocorrem intussuscepções ileocecais, cecocecais, cecocólicas e de intestino delgado. Linfossarcoma e
outras neoplasias abdominais, bem como abscessos no abdome, podem causar obstrução intestinal.
Em bovinos, as causas específicas de obstrução intestinal incluem intussuscepção; vólvulos da junção jejuno­
ileal do intestino delgado e na base do mesentério; oclusão luminal devido a coágulo sanguíneo secundário à
jejunite hemorrágica; vólvulo ceco­cólico e atresia de cólon, reto e ânus. Acredita­se que as intussuscepções
resultem de movimentos peristálticos irregulares relacionados com a enterite, parasitismo intestinal, distúrbios
alimentares e tumores murais. A alteração na motilidade intestinal por ingestão de substrato facilmente
fermentável pode causar vólvulo intestinal. Podem surgir obstruções no intestino delgado devido à presença de
várias faixas fibrosas (p. ex., aderências, faixas paraovarianas, ligamento falciforme, retração do cordão
espermático no interior do abdome após castração), espessamento mural (p. ex., adenocarcinoma intestinal),
massas extramurais (p. ex., linfossarcoma, necrose gordurosa e abscessos abdominais), herniação (inguinal ou
umbilical) ou jejunite hemorrágica (que resulta em coágulos sanguíneos no lúmen e obstrução). Podem­se
formar aderências e abscessos abdominais subsequentes à peritonite, injeções intraperitoniais ou cirurgia
abdominal anterior. Tem­se sugerido que a motilidade diminuída causada por acúmulo de ácidos graxos
voláteis, possivelmente relacionadas com rações com alto teor de concentrados ou aumento abrupto na
proporção concentrado:volumoso, é uma causa de vólvulo ceco­cólico em bovinos. Também, está associada à
prenhez avançada e íleo adinâmico decorrente de doenças concomitantes. Atresia de cólon é mais comum em
bezerros Holstein­Friesian, secundária à isquemia intrauterina durante o desenvolvimento do cólon em espiral.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Em equinos, a obstrução intestinal geralmente se manifesta como dor
abdominal, denominada cólica (ver cólica, p. 221). Em bovinos, os sinais de dor abdominal incluem batidas da
pata no solo, estiramento, agitação, coices no abdome e, menos comumente, rolamento e vocalização. Os sinais
de obstrução intestinal em bovinos geralmente são mais sutis do que nos equinos e normalmente estão
relacionados com a distensão de intestino delgado, tensão no mesentério intestinal (pelo peso do intestino
distendido) ou comprometimento vascular. Os sinais de dor são relativamente consistentes, mas, com
frequência, são transitórios nas intussuscepções e notados em alguns casos de vólvulo cecocólico. Os bovinos
com vólvulo de intestino delgado na base do mesentério apresentam quadro clínico grave.
Geralmente, os bovinos com obstrução intestinal manifestam anorexia e eliminam poucas fezes ou param de
eliminá­las e a produção de leite em vacas lactantes diminui subitamente. As fezes eliminadas podem estar
recobertas de muco ou misturadas ou recobertas com sangue. Sangue espesso, cor de framboesa, misturado com
fezes escassas, é característico de hemorragia de intestino delgado, particularmente associada à intussuscepção
ou jejunite hemorrágica. O sangue oriundo do cólon ou do reto geralmente é vermelho mais brilhante. Melena é
típica de sangramento de abomaso. Bezerros com atresia de cólon são normais ao nascimento, mas apresentam
distensão abdominal progressiva e redução do apetite nos primeiros dias de vida (ver p. 165).
Distensão abdominal, geralmente com “ping” à auscultação e percussão simultâneas no quadrante abdominal
direito caudal superior, é notada no vólvulo cecocólico. A dilatação de ceco não provoca distensão abdominal,
mas verifica­se um “ping” na fossa paralombar dorsal caudal. No vólvulo cecocólico, uma ou mais alças
distendidas do intestino delgado são identificadas à palpação retal. A motilidade ruminal geralmente é normal e
as alterações metabólicas e cardiovasculares tendem a ser discretas, exceto no vólvulo cecocólico de longa
duração.
Às vezes nota­se distensão no quadrante abdominal direito inferior, juntamente com distensão de intestino
delgado. As alças intestinais distendidas podem ser palpáveis por palpação retal e pode­se perceber líquido ao
balotamento e auscultação simultâneos do lado direito do abdome. Podem­se constatar pequenas áreas de
ressonância timpânica à auscultação e percussão simultâneas. Em cerca de 25% dos casos é possível palpar por
VR, as intussuscepções e faixas fibrosas que causam obstrução do intestino delgado. O exame ultrassonográfico
do abdome pela fossa paralombar direita ou pelo reto pode ser útil na detecção de distensão de intestino
delgado, íleo adinâmico e aumento do líquido peritoneal. Ocasionalmente, a ultrassonografia pode detectar
intussuscepção.
As alterações graves nos parâmetros cardiovasculares, como taquicardia, coloração anormal das membranas
mucosas, tempo de preenchimento capilar prolongado e desidratação, estão mais comumente associadas a
obstruções estrangulantes hemorrágicas, como vólvulo na junção jejuno­ileal do intestino delgado. Vólvulos na
junção jejuno­ileal ou na base do mesentério se caracterizam por início agudo e rápido comprometimento
cardiovascular. Isso é diferente do que ocorre no vólvulo cecocólico ou na intussuscepção em bovinos, que pode
durar vários dias.
Os distúrbios metabólicos variam desde alcalose metabólica hipoclorêmica e hipopotassêmica, nas obstruções
de intestino delgado e duodeno de longa duração, até acidose metabólica grave, nas obstruções estrangulantes
hemorrágicas. Geralmente, não se constata alteração metabólica em obstruções funcionais leves e obstruções
mecânicas iniciais (simples), particularmente se há envolvimento de uma parte relativamente distal do trato
intestinal. Pode­se notar hipocalcemia, possivelmente devido à diminuição na absorção de cálcio no duodeno.
AS ALTERAÇÕES NO LÍQUIDO PERITONEAL REFLETEM O GRAU DE PERITONITE E PODEM
AUXILIAR NO DIAGNÓSTICO, TANTO EM BOVINOS QUANTO EM EQUINOS, EMBORA OS
RESULTADOS SEJAM MAIS VARIÁVEIS NOS BOVINOS. AS OBSTRUÇÕES ESTRANGULANTES
HEMORRÁGICAS CARACTERIZAM­SE POR AUMENTO NA CONCENTRAÇÃO DE PROTEÍNA
TOTAL E DA CONTAGEM DE CÉLULAS NUCLEADAS NO LÍQUIDO PERITONEAL, POR
EXTRAVASAMENTO ATRAVÉS DA PAREDE INTESTINAL. OS NEUTRÓFILOS TORNAM­SE
DEGENERADOS E OBSERVAM­SE BACTÉRIAS GRAM­POSITIVAS E GRAM­NEGATIVAS
INTRACELULARES À MEDIDA QUE HÁ PERDA DA INTEGRIDADE DA PAREDE INTESTINAL. UM
MATERIAL VEGETAL NO INTERIOR DA CAVIDADE PERITONEAL INDICA RUPTURA INTESTINAL
OU ENTEROCENTESE INCORRETA. A ANÁLISE DO LÍQUIDO PERITONEAL INDICA
NORMALIDADE NA MAIORIA DAS OBSTRUÇÕES FUNCIONAIS E MECÂNICAS SIMPLES.
QUANDO HÁ NEOPLASIAS E ESTAS CAUSAM OBSTRUÇÃO EXTRALUMINAL, ÀS VEZES SE
IDENTIFICAM CÉLULAS NEOPLÁSICAS NO FLUIDO PERITONEAL.
TRATAMENTO: O tratamento da obstrução intestinal em equinos é discutido em outra parte do texto (ver cólica, a
seguir). Nas obstruções intestinais funcionais de bovinos geralmente o tratamento é sintomático e de suporte,
após identificação e eliminação da causa primária (p. ex., hipocalcemia, hipopotassemia, consumo excessivo de
grãos) e da permissão de tempo para que retorne à motilidade intestinal normal. No caso de desidratação e
desequilíbrios eletrolíticos, devem ser corrigidos por meio de fluidoterapia apropriada (VO ou IV). As vacas
lactantes frequentemente se beneficiam de gel de cloreto de cálcio, administrado por via oral, ou borogliconato
de cálcio aplicado por via SC; havendo cetose secundária, esta deve ser tratada. Eritromicina (10 mg/kg IM, 2
vezes/dia) é o fármaco mais efetivo para aumentar a taxa de esvaziamento do abomaso em bovinos (e
possivelmente aumentar a motilidade intestinal), mas não há estudo que comprove sua eficácia na obstrução
intestinal funcional. Procinéticos não devem ser administrados aos bovinos com obstrução mecânica devido ao
maior risco de ruptura intestinal proximal à obstrução. O prognóstico da maioria dos casos de obstrução
funcional é favorável, com tratamento de suporte adequado, especialmente se a causa primária é identificada e
eliminada.
As obstruções mecânicas quase sempre requerem cirurgia. Deve­se iniciar terapia antimicrobiana no pré­
operatório e tratamento de suporte, como fluidos, eletrólitos e cálcio, conforme necessário.
Em equinos que necessitam laparotomia exploratória para correção da obstrução intestinal a taxa de
sobrevivência a longo prazo é de 50%. Esta taxa é menor em equinos com obstruções estrangulantes
hemorrágicas e lesões no intestino delgado do que naqueles com obstruções simples, mas uma intervenção
cirúrgica precoce pode melhorar o prognóstico.
Em bovinos, 70 a 80% dos animais com vólvulo cecocólico sobrevivem, embora em 10% dos casos ocorre
recidiva. Para as vacas com obstrução de intestino delgado, tratável por ressecção e anastomose, 30 a 40%
sobrevivem e têm uma vida produtiva. Para vacas com vólvulo da junção jejuno­ileal do intestino delgado ou na
base do mesentério, cerca de 50% sobrevivem se a correção cirúrgica for realizada poucas horas após a
instalação da doença. Menos de 30% dos bezerros com atresia de cólon sobrevivem até a idade adulta. A
correção cirúrgica não é recomendada em bezerros Holstein­Friesian, pois a enfermidade provavelmente é
hereditária nesta raça, embora a lesão vascular secundária à palpação da bolsa amniótica nas primeiras 6
semanas de desenvolvimento embrionário possa, também, ocasionar isquemia intestinal e atresia em bezerros.
PREVENÇÃO: A prevenção de todos, ou mesmo da maioria dos casos de obstrução intestinal, não é possível. No
entanto, deve–se corrigir ou evitar alteração abrupta da dieta e do manejo, consumo de água inadequado,
infecção parasitária, anormalidades dentárias e acesso a alimentos grosseiros e nutrientes altamente
fermentáveis e materiais estranhos à dieta.

PARASITOS GASTRINTESTINAIS DE EQUINOS

CESTÓIDEOS (Tênias)

Nos equinos, encontram­se três espécies de cestóideos: Anoplocephala magna, A. perfoliata e


Paranoplocephala mamillana. Apresentam 8 a 25 cm de comprimento (a primeira delas costuma ser a mais
longa e a última, a mais curta). A. magna e P. mamillana geralmente são encontrados no intestino delgado, mas
também podem ocorrer no estômago; A. perfoliata é encontrado predominantemente no ceco, mas também pode
se estabelecer no intestino delgado. O ciclo biológico é semelhante ao de Moniezia spp nos ruminantes (p. 368)
e envolve ácaros oribatídeos de vida livre como hospedeiros intermediários. O diagnóstico é feito por
demonstração dos ovos característicos nas fezes, mas como a eliminação de proglotes é esporádica, um único
exame de fezes pode não ser diagnóstico. Nas infecções leves, não se encontram presentes sinais de doença; nas
infecções intensas, podem ocorrer transtornos GI. Têm–se descrito definhamento e anemia. Úlcera da mucosa é
bastante comum na área de fixação de A. perfoliata e foi sugerido como uma causa de intussuscepção.
Perfuração intestinal, peritonite e cólica subsequente estão associadas às infecções por Anoplocephala. Cólica
decorrente de distúrbios localizados na região ileocecal é mais provável nos equinos com infecções por
cestóideos do que nos não infectados. A cólica por infecções por cestóideos habitualmente recidiva. O local de
fixação destes vermes torna­se, com frequência, secundariamente infectado ou absceda. Anoplocephala spp
podem ser efetivamente tratados com sais de pirantel; as dosagens habituais (6,6 mg/kg) de pamoato de pirantel
são 87% eficazes, enquanto o dobro da sua dosagem normal é > 93% efetivo. A administração diária de tartarato
de pirantel (2,65 mg/kg) elimina Anoplocephala sp. O praziquantel (0,75 a 1,0 mg/kg) é 89 a 100% efetivo na
eliminação de A. perfoliata. O praziquantel (1 mg/kg) parece ser eficaz na eliminação de P. mamillana; os sais
de pirantel não o são. Misturas de lactonas macrocíclicas como ivermectina ou moxidectina com praziquantel
estão disponíveis e são altamente efetivas contra A. perfoliata.
Nas propriedades onde os cestóideos são prevalentes, os sinais clínicos de infecções por estes vermes podem
ser evitados por sais de pirantel administrados diariamente, durante a estação de pastejo, ou pela administração
de um anti­helmíntico oral efetivo, no intervalo de um programa de desverminação. O tratamento dos equinos
de acordo com o último programa, imediatamente antes do início e ao final da estação de pastejo, talvez seja
mais benéfico.

GASTEROPHILUS SP

Os bernes dos equinos, encontrados no estômago, Gasterophilus sp são as larvas das moscas. As três espécies
principais são cosmopolitas e um número pequeno de espécies é encontrado em partes da Europa, África e Ásia.
As moscas adultas não são parasitos e não conseguem se alimentar; elas vivem por um período suficiente para
se acasalar e depositar ovos e morrem tão logo os seus nutrientes remanescentes do estágio larval sejam
utilizados, geralmente em cerca de 2 semanas. As três espécies importantes podem ser diferenciadas em
qualquer estágio do seu desenvolvimento. Os ovos de G. intestinalis (o berne comum) se aderem aos pelos de
qualquer parte do corpo, mas especialmente nos membros torácicos e ombros. As larvas eclodem em cerca de 1
semana quando estimuladas, geralmente por lambedura do animal. Os ovos de G. haemorrhoidalis (o berne
nasal ou labial) se prendem aos pelos dos lábios. As larvas emergem em 2 a 3 dias sem estimulação e rastejam
para o interior da boca. G. nasalis (o berne da faringe) deposita seus ovos nos pelos da região submaxilar. Eles
eclodem em cerca de 1 semana, sem estimulação.
As larvas das três espécies aparentemente permanecem incrustadas na língua ou na mucosa da boca por cerca
de 1 mês, depois disso passam para o estômago, onde se prendem nas porções do cárdia ou do piloro e, no caso
de G. nasalis, na mucosa da porção inicial do intestino delgado. Após desenvolvimento de cerca de 8 a 10
meses, elas são eliminadas nas fezes e se transforma em pupas, no solo, por 3 a 5 semanas, de onde os adultos
emergem. O efeito patogênico principal é causado pelas larvas, que se prendem, por meio de ganchos orais, no
revestimento gástrico. Isso induz erosões e úlceras no local de aderência e uma reação hiperplásica ao seu redor.
No entanto, os estágios orais podem originar tratos sinusais, nos quais se forma uma secreção mucopurulenta,
especialmente ao longo da borda lingual dos dentes malares superiores mais posteriores.
Gasterophilus spp, estômago de equino. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.

ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Os bernes causam gastrite discreta, mas é possível encontrar grande
número deles sem qualquer sinal clínico. Os primeiros vermes que migram para o interior da boca podem
provocar estomatite e dor durante a alimentação. As moscas adultas podem perturbar os equinos quando
depositam seus ovos. O diagnóstico específico da infecção por Gasterophilus é difícil e pode ser feito por
constatação das larvas nas fezes à medida que são eliminadas. Nos EUA, geralmente considera­se que ocorre
infecção gástrica durante os meses de inverno. O histórico individual dos equinos, o conhecimento do ciclo
sazonal local da mosca e a constatação de ovos dos bernes, amarelos a branco­creme (1 a 2 mm), nos pelos dos
equinos são úteis para a confirmação da presença do parasito em determinado rebanho.
TRATAMENTO: Nas áreas de clima temperado, considera­se que a maioria dos animais se infectou no final do
verão. A ivermectina é efetiva contra os estágios gástrico e oral do parasito e, quando utilizada como parte do
programa de controle parasitário rotineiro, propicia um controle efetivo por toda a estação. Em regiões
subtropicais ou tropicais, algumas transmissões podem ocorrer durante o ano. A moxidectina é efetiva nos
estágios gástricos. As recomendações atuais para o controle incluem, no mínimo, 1 tratamento anual, ao final da
estação das moscas transmissoras. Em alguns locais onde a estação destes insetos é longa, tratamentos
adicionais podem ser necessários. Embora não exista nenhum método satisfatório para proteger os equinos
expostos do ataque das moscas adultas, os programas de controle do parasito, quando aplicados com base
regional para todos os equinos, reduzem acentuadamente o número de moscas e de infecções larvais.

GRANDES ESTRÔNGILOS

Os grandes estrôngilos de equinos também são conhecidos como vermes sanguíneos, vermes em paliçada,
escleróstomos ou vermes vermelhos. As 3 espécies principais são: Strongylus vulgaris (até 25 mm), S. edentatus
(até 40 mm) e S. equinus (até 50 mm). (Ver Triodontophorus spp, a seguir.) Sob condições favoráveis, as larvas
se desenvolvem até o estágio infectante dentro de 1 a 2 semanas após eliminação dos ovos. A infecção ocorre
por ingestão de larvas infectantes, que se desembainham no intestino e migram extensivamente antes de
alcançar a maturidade no intestino grosso. O período pré­patente é de 6 a 11 meses. As larvas de S. vulgaris
migram extensamente para a artéria mesentérica cranial e os seus ramos, onde podem causar trombose e arterite
parasitárias. As larvas das outras duas espécies podem ser encontradas em várias partes do corpo, inclusive
fígado, tecidos perirrenais, tecidos retroperitoniais e pâncreas. Essas espécies não provocam lesões nas artérias
mesentéricas. As infecções mistas de grandes e pequenos estrôngilos são a regra.
ACHADOS CLÍNICOS: Os grandes estrôngilos adultos possuem cápsulas bucais amplas e são ativos consumidores
de sangue; eles ingerem fragmentos da mucosa à medida que se movimentam no intestino. A perda sanguínea
associada pode levar à anemia. Também são comuns fraqueza, emaciação e diarreia. S. vulgaris é importante
devido aas lesões que provoca na artéria mesentérica cranial e nos seus ramos. Como resultado da interferência
no fluxo sanguíneo para o intestino e tromboembolia, pode­se seguir qualquer uma de várias afecções, inclusive
cólica, enterite gangrenosa ou estase intestinal, torção ou intussuscepção e, possivelmente, ruptura. A
nematodíase cerebroespinal (p. 1399) pode causar várias lesões e sinais, dependendo da parte afetada do SNC.
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO: O diagnóstico de infecção mista por estrôngilos baseia­se na demonstração dos
ovos nas fezes. O diagnóstico específico pode ser feito pela identificação das larvas infectantes após cultura de
fezes. O diagnóstico sorológico com base na elevação das β­globulinas é recomendado, mas não é específico
para S. vulgaris. Têm­se mostrado lesões arteriais parasitárias utilizando arteriografia, em pôneis e equinos
pequenos.
A cólica decorrente de lesões arteriais tem sido controlada, com sucesso, com tratamentos anti­helmínticos.
Ivermectina e moxidectina, em dosagem padrão, são efetivas contra os estágios larvais (L4 e L5) de S. vulgaris;
o fembendazol e o oxfendazol, em dosagens mais altas que as empregadas contra o parasito adulto, também são
efetivos contra as infecções larvais. A administração diária de tartarato de pirantel é eficaz na prevenção do
estabelecimento dos estágios arteriais de S. vulgaris. Vários anti­helmínticos, inclusive benzimidazóis, pirantel e
ivermectina, são ativos contra grandes estrôngilos adultos. Infecções por grandes estrôngilos foram eliminadas
de rebanhos fechados com tratamento à base de ivermectina.
Os programas de controle parasitário são designados a minimizar o teor de contaminação da pastagem e
reduzir os riscos associados às larvas migratórias. Os tratamentos anti­helmínticos de rotina agem evitando a
excreção fecal de ovos de estrôngilos (ver pequenos estrôngilos, a seguir).

HABRONEMA SP

Os vermes gástricos Habronema muscae, H. microstoma e Draschia megastoma são amplamente distribuídos.
Os adultos têm de 6 a 25 mm de comprimento. Draschia é encontrado em aumentos de volume semelhantes a
tumores na parede gástrica. As outras espécies ficam livres na mucosa. Os ovos ou as larvas são ingeridos pelas
larvas das moscas domésticas ou dos estábulos, que servem como hospedeiros intermediários. Os equinos são
infectados por ingestão de moscas que contêm larvas infectantes ou por meio de larvas livres que emergem das
moscas enquanto estas se alimentam ao redor dos lábios. (Ver habronemose cutânea, p. 826).
Gastrite catarral pode resultar de infecções intensas por vermes adultos. Draschia provoca as lesões mais
graves – aumentos de volume análogos a tumores de até 10 cm de diâmetro. Essas lesões ficam preenchidas por
material necrótico e grande número de vermes e são cobertas por um epitélio intacto, exceto quanto a uma
pequena abertura através da qual os ovos saem. Raramente, esses nódulos se rompem e causam peritonite fatal.
As larvas de Habronema spp e de Draschia foram encontradas nos pulmões dos potros, concomitantemente a
abscessos causados por Rhodococcus equi (p. 1576). Os sinais clínicos geralmente estão ausentes, exceto
quando os granulomas associados à infecção por Draschia levam a uma obstrução mecânica ou ruptura.
O diagnóstico antemorte é difícil, pois os ovos de casca fina ou as larvas são facilmente perdidos nos exames
nas fezes. Métodos moleculares foram desenvolvidos recentemente com este propósito, mas não são aplicáveis
para uso rotineiro. Os vermes e os ovos podem ser encontrados por intermédio de lavagem gástrica. A maioria
dos anti–helmínticos ainda não foi testada contra Habronema spp ou Draschia sp, embora a ivermectina seja
efetiva contra as suas larvas cutâneas e contra os adultos de H. muscae. A moxidectina é efetiva contra adultos
de H. muscae.

OXYURIS SP

Os oxiúros adultos, Oxyuris equi, são mais comuns nos equinos < 18 meses de idade e encontrados
principalmente na porção final do intestino grosso. As fêmeas têm 7,5 a 15 cm de comprimento; os machos são
menores e em menor número. As fêmeas grávidas saem pelo reto para pôr seus ovos, “cimentando­os” no
períneo, ao redor do ânus. A mistura de ovos e de “cimento” parece uma massa branca a amarela, crostosa. Os
ovos, achatados de um lado, tornam­se embrionados em poucas horas e ficam infectantes em 4 a 5 dias.
Os oxiúros adultos têm pequena importância no intestino, mas causam uma irritação perineal depois da
oviposição. O ato de esfregar a cauda e a região anal, com presença de pelos quebrados e placas sem pelo ao
redor da cauda e nas nádegas, é característico e sugere a presença de oxiúros. O exame de fezes pode ou não
revelar a infecção por oxiúros. As amostras coletadas ao redor da região perineal podem conter vermes fêmeas
ou ovos ressecados. A aplicação de uma fita adesiva na pele perineal ou a raspagem dessa área com um
abaixador de língua podem recuperar ovos para exame microscópico, mas testes falso­positivos são comuns.
A maior parte das drogas de amplo espectro recomendadas para o tratamento de estrôngilos (ver a seguir) é
efetiva contra os oxiúros.

PARASCARIS SP

Parascaris equorum adultos são vermes esbranquiçados e robustos, com até 30 cm de comprimento e com três
lábios proeminentes. O ciclo biológico é semelhante ao do Ascaris suum (a lombriga suína, p. 375), com um
período pré­patente de 10 a 12 semanas. Grande número de ovos infectantes pode permanecer viável, por anos,
em solo contaminado. Os animais adultos geralmente abrigam uma quantidade muito pequena de vermes. As
principais fontes de infecção para os potros jovens são pastagens, piquetes ou baias contaminadas com ovos
oriundos de potros do ano anterior.
Nas infecções intensas, as larvas migratórias podem provocar sinais respiratórios (“resfriados de verão”). Nas
infecções intestinais intensas, os potros exibem definhamento, perda de energia e, ocasionalmente, cólica. Têm­
se descrito obstrução e perfuração intestinais. Os estágios intestinais competem pela absorção dos aminoácidos
essenciais. O diagnóstico é baseado na demonstração dos ovos nas fezes. Se há suspeita de doença por uma
infecção pré­patente, o diagnóstico pode ser confirmado pela administração de um anti­helmíntico, depois do
qual poder­se­á observar grande número de vermes imaturos nas fezes.
Nos haras onde a infecção é comum, a maioria dos potros infecta­se logo depois do nascimento. Como
resultado, a maioria dos vermes amadurece quando os potros tiverem cerca de 4 a 5 meses de idade. O
tratamento deve começar quando esses potros tiverem cerca de 8 semanas de idade e ser repetido em intervalos
de 6 a 8 semanas, até que tenham 1 ano de idade. Todos os anti­helmínticos equinos de amplo espectro são
efetivos contra os vermes adultos e imaturos no intestino delgado e, portanto, os ascarídeos são facilmente
controlados por meio da administração rotineira de anti­helmínticos. Contudo, há relatos de resistência de P.
equorum à ivermectina na América do Norte e Europa. A eficácia em determinada fazenda deve ser monitorada
baseando­se na redução na contagem de ovos nas fezes. Nos casos em que ocorrer pneumonia verminótica em
virtude da migração de Parascaris, o benefício terapêutico pode ser alcançado pelo tratamento com ivermectina
ou fembendazol (o último agente a 10 mg/kg/dia, por 5 dias consecutivos) em conjunto com uma terapia
antimicrobiana adequada. A infecção por Parascaris pode ser evitada efetivamente com a administração diária
de tartarato de pirantel, quando os potros estiverem consumindo grãos regularmente.

PEQUENOS ESTRÔNGILOS

Mais de 40 espécies de pequenos estrôngilos, de vários gêneros, são encontradas no ceco e no cólon de equídeos
domésticos, cada um com o seu próprio local de preferência. São conhecidos como trichomenas, ciatostomas e,
atualmente, ciatostomíneos. Pertencem à subfamília Cyathostominae, da família Strongylidae e cerca de 10
espécies são particularmente prevalentes. A maior parte delas é apreciavelmente menor que as espécies de
“grandes estrôngilos”, mas Triodontophorus spp (às vezes classificado como um grande estrôngilo não
migratório) pode ser quase tão grande quanto Strongylus vulgaris.
Ao contrário dos grandes estrôngilos, os pequenos estrôngilos não migram extraintestinalmente, pois o
desenvolvimento precoce confina­se à parede do intestino. O terceiro estágio larval pode progredir para o quarto
estágio sem interrupção, ou pode entrar em hipobiose e recomeçar o desenvolvimento após períodos
prolongados de inatividade. Quando estes vermes emergem da parede intestinal, eles se alimentam
superficialmente na mucosa e podem romper capilares, mas são menos patogênicos que os grandes estrôngilos,
uma vez que sua cavidade bucal é bem menor. Uma exceção é o T. tenuicollis, que pode provocar úlceras graves
na parede do cólon. Geralmente, porém, as erosões resultantes são discretas e difíceis de serem visualizadas.
Consequentemente, é comum recuperar milhares de vermes adultos em equinos aparentemente saudáveis que
receberam um tratamento anti­helmíntico limitado. Em infecções mais intensas, entretanto, a erosão pode ser
extensa o bastante para prejudicar a função absorção e digestiva, resultando em perda na condição e até mesmo
enterite catarral do intestino grosso.
Larva encistada de ciatostoma no cólon maior de um equino. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.
Ovo de pequeno estrôngilo (esquerda) e ovo de grande estrôngilo (direita). Cortesia do Dr. Dietrich Barth.

CIATOSTOMÍASE LARVAL: Uma síndrome aguda de perda de peso abrupta, geralmente com diarreia grave, é vista
em áreas temperadas no final do inverno e primavera, particularmente em pôneis e equinos jovens (< 5 anos de
idade). Está associada ao aparecimento de grande número de larvas previamente hipobióticas na parede
intestinal e, embora de baixa incidência relativa, é de interesse, uma vez que a resposta ao tratamento é variável
e o prognóstico deve ser reservado mesmo sob terapia intensiva. É vista mais frequentemente na Europa do que
nos EUA, sendo relatada em Nova York, Kentucky e Tennessee.
Equinos com ciatostomíase larval geralmente apresentam neutrofilia e hipoalbuminemia. Hiperglobulinemia,
especialmente envolvendo a fração β­globulina, descrita como característica em alguns relatos, tem sido um
achado menos consistente. Eosinofilia não é um achado consistente. Geralmente, ovos de estrôngilos não são
observados no exame de fezes. No entanto, a observação macroscópica de larvas de quarto ou quinto estágio,
que possuem uma coloração vermelho­brilhante, nas fezes, é útil na elaboração do diagnóstico. Biopsia do
intestino grosso, via laparotomia, também pode auxiliar no diagnóstico; biopsia retal é menos confiável. Os
achados patológicos macroscópicos incluem tiflite ou colite, com hiperemia, hemorragia, congestão, úlcera ou
necrose da mucosa; nos casos prolongados, pode haver apenas espessamento da mucosa. À necropsia, as larvas
de ciatostomídeos podem ser vistas como pontos cinzas e pequenos (1 a 2 mm) na mucosa, dando uma sensação
de areia à palpação. A transiluminação da mucosa em relação à serosa pode auxiliar na visualização da larva.
TRATAMENTO: Os ciatostomíneos adultos são facilmente removidos do lúmen intestinal por uma ampla gama de
anti–helmínticos, contanto que a população de vermes seja suscetível à droga escolhida. Cepas de pequenos
estrôngilos resistentes aos benzimidazóis são comuns em algumas regiões, e a resistência ao pirantel tem sido
mostrada em alguns lugares. A resistência às lactonas macrocíclicas também já foi relatada, todavia existem
preocupações. A eficácia da droga e a presença de resistência ao anti­helmíntico podem ser determinadas
comparando a contagem de ovos de vermes no início do tratamento e 10 a 14 dias depois. Uma droga efetiva
deve reduzir a contagem de ovos para zero ou para teores muito baixos. Se há resistência, uma classe diferente
de anti­helmíntico deve ser utilizada, pois a resistência cruzada ocorre dentro dos grupos químicos.
Larvas de pequenos estrôngilos na mucosa intestinal são mais difíceis de serem efetivamente removidas com
uso de anti–helmínticos. A ivermectina tem sido utilizada com resultados mistos; a falta de eficácia foi relatada
na dose recomendada, bem como em doses mais altas. O tratamento com altas doses de fembendazol (10 mg/kg
por 5 dias consecutivos) ou com moxidectina foi descrito como efetivo e pode ser utilizado no inverno para
reduzir o risco de ciatostomíase larval. Equinos que já apresentam a doença podem não responder ao tratamento
se a inflamação da submucosa é muito grave. Consequentemente, o tratamento deve ser acrescido de
corticosteroides e outras terapias de suporte apropriadas.
PREVENÇÃO: Tratamentos de rotina ou intercalados são tradicionais e são pretendidos para minimizar o teor de
contaminação das pastagens, deste modo reduzindo os riscos associados ao acúmulo de larvas e vermes adultos
na mucosa. De modo alternativo, a infecção pode ser evitada por meio da administração diária de tartarato de
pirantel. Os intervalos entre os tratamentos de rotina dependem da duração que uma droga particular mantém as
fezes livres de ovos, e variam de 4 a 13 semanas. A frequência do tratamento é também influenciada pelo valor
dos animais e pelo teor de risco observado, que varia conforme o acesso à pastagem, densidade da população e
as práticas de manejo. Medidas de controle devem ser designadas para minimizar o risco de resistência
desenvolvida na população de vermes. Isto inclui preservar a população refugia de vermes, isto é, vermes não
expostos ao ou acometidos pelo anti­helmíntico, e reduzindo assim a pressão de seleção dos fármacos. Estas
populações compreendem as larvas encontradas fixadas na mucosa e larvas L3 na pastagem. Alguns poucos
tratamentos podem ser efetivos se determinados estrategicamente, de acordo com as considerações
epidemiológicas e climáticas locais. Muitos equinos adultos com > 3 a 4 anos desenvolvem certa imunidade à
reinfecção; deste modo, apenas uma pequena porção do rebanho abriga a população de vermes adultos e isto é
responsável pela contaminação da pastagem com ovos. O tratamento seletivo de apenas estes equinos infectados
também reduzirá a exposição da população de vermes aos anti­helmínticos e a seleção à resistência. A remoção
de fezes dos piquetes e das pastagens auxilia no controle e podem também reduzir o número de tratamentos
anti­helmínticos necessários.
Em geral, nos programas de controle parasitários, todos os equinos de um haras devem ser tratados, e aqueles
que dividem a mesma pastagem ou piquete precisam ser tratados ao mesmo tempo. Animais vizinhos ou que
retornaram após terem ficado fora da propriedade por um longo período devem passar por quarentena ou ser
desverminados antes de admitidos no rebanho. Para a administração do anti­helmíntico, todos os equinos devem
receber a dose recomendada, determinada por uma estimativa de peso acurada. Alternar diferentes classes de
anti­helmínticos em um rápido esquema de rotação (durante poucos meses) ou mais lento (anualmente) é
amplamente praticado para evitar o desenvolvimento de grupos de parasitos resistentes, mas há pouca evidência
para sustentar a utilidade deste procedimento. Por mais que este programa seja utilizado, amostras nas fezes
devem ser examinadas periodicamente para monitorar a eficácia do programa. O tratamento pode ser restrito
naqueles equinos de um grupo com contagem positiva de ovos, se esta informação está disponível.

STRONGYLOIDES SP

Strongyloides westeri é encontrado no intestino delgado dos potros. Os equinos adultos raramente são passíveis
de infecções patentes, mas as éguas apresentam, frequentemente, os estágios larvais nos seus tecidos, estágios
estes que são ativados pelo parto, deslocam–se para o tecido mamário e, subsequentemente, são transmitidos
para os potros pelo leite. No entanto, a relação entre infecção por S. westeri e diarreia em potros, a partir de dez
dias de idade, ainda não foi estabelecida claramente. Não se sabe se há diferença significativa entre o ciclo
biológico deste verme nos equinos e o ciclo de Strongyloides nos suínos (p. 374). O diagnóstico pode ser feito
com base na observação de ovos relativamente mais ovais, com cerca de um terço do comprimento dos ovos de
estrôngilos que contêm larvas. A ivermectina e oxibendazol são efetivos na remoção de S. westeri. A
transmissão das larvas para os potros, via leite de uma égua, pode ser evitada por meio de tratamento rotineiro
das éguas com ivermectina, dentro de 24 h pós­parto.

TRICHOSTRONGYLUS SP

O pequeno verme gástrico dos equinos (verme capilar), Trichostrongylus axei, também é encontrado nos
ruminantes (p. 369) e, consequentemente, só é um problema clínico em equinos misturados criados com
ruminantes ou em rodízio de pastejo com eles. T. axei adulto é delgado e mede até 8 mm de comprimento. Os
detalhes do ciclo biológico nos equídeos ainda não foram cuidadosamente estudados, mas se sabe que as larvas
penetram na mucosa. Esses vermes promovem uma gastrite catarral crônica, que pode resultar em perda de
peso. As lesões compreendem áreas nodulares de mucosa espessada circundada por uma zona de congestão e
cobertas com variável quantidade de muco. As lesões podem ser pequenas e irregularmente circunscritas ou
podem coalescer e envolver a maior parte ou toda a porção glandular gástrica, sendo possível observar erosões e
úlceras.
O diagnóstico definitivo baseado no exame de fezes é difícil, pois os ovos são semelhantes aos dos
estrôngilos. As fezes podem ser cultivadas e, em cerca de 7 dias, as larvas infectantes podem ser identificadas.
Alguns dos benzimidazóis e a ivermectina são efetivos contra T. axei.
PARASITOS GASTRINTESTINAIS DE RUMINANTES

ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Os sinais clínicos associados a parasitismo gastrintestinal são comuns a
várias doenças e condições; no entanto, um diagnóstico baseado em sinais clínicos, histórico de pastejo e
estação do ano frequentemente é válido. A infecção geralmente pode ser confirmada pela presença de ovos de
nematoides ou segmentos de trematódeos no exame de fezes. No entanto, na avaliação clínica destes exames,
dois aspectos devem ser levados em consideração: a contagem de ovos por grama (OPG) de fezes nem sempre
fornece uma indicação precisa do número de vermes adultos existentes, além disso, a identificação de ovos de
determinados nematoides é inviável, exceto em laboratórios especializados. Os valores de OPG podem ser
negativos ou baixos quando há grande número de vermes imaturos. Mesmo quando há muitos parasitos adultos,
a contagem pode ser baixa se a produção de ovos está suprimida por uma reação imune ou por tratamento anti­
helmíntico recente. A variação na capacidade de produção de ovos de diferentes tipos de vermes
(significativamente menor para Trichostrongylus, Ostertagia e Nematodirus do que para Haemonchus) também
pode mascarar o quadro real. Os ovos de Nematodirus, Bunostomum, Strongyloides e Trichuris são diferentes
entre si; no entanto, é difícil fazer uma diferenciação confiável dos ovos das espécies de nematoides mais
comuns em ruminantes. As culturas de fezes podem fornecer larvas de terceiro estágio distintas se a
diferenciação antemorte é importante.
O surgimento de anti­helmínticos de amplo espectro seguros e efetivos reduziu significativamente a
necessidade de diferenciação dos gêneros e espécies desses parasitos. Nas áreas onde há predomínio de
Ostertagia spp, a constatação de elevação da concentração plasmática de pepsinogênio é útil para fins de
diagnóstico. Geralmente, concentração de tirosina > 3 UI, que refletem a atividade do pepsinogênio, está
associada a sinais clínicos. Dificuldades podem surgir em animais imunes, que são assintomáticos, mas pode
haver aumento a concentração de pepsinogênio devido à reação de hipersensibilidade na mucosa abomasal. Em
áreas com predomínio de Haemonchus spp, a determinação do VG propicia uma estimativa rápida do grau de
anemia. Em alguns países, utiliza­se diagnóstico sorológico (ELISA) para detectar infecções por espécies
importantes, como Ostertagia e Cooperia, em bovinos. Até o momento, as informações sobre a correlação entre
os títulos sorológicos e a carga parasitária são insuficientes.
Em várias situações de manejo podem­se esperar altas cargas de infecção, principalmente após condições
favoráveis de temperatura e pluviosidade em determinadas estações do ano. Recomenda­se um “diagnóstico
terapêutico” quando a quantidade de ovos é pequena ou inexistente, mas o histórico e os sinais sugerirem
infecções. Uma resposta clínica a um anti­helmíntico de amplo espectro permite um diagnóstico retrospectivo;
de qualquer modo, os animais devem ser colocados em pastagens “limpos” após o tratamento, para evitar
reinfecção.
O exame pós­morte de rotina pode fornecer dados parasitológicos importantes sobre o estado do rebanho ou
do plantel. Na necropsia, podem­se observar facilmente os estágios adultos (ou formas imaturas avançadas) de
Haemonchus, Bunostomum, Oesophagostomum, Trichuris e Chabertia. Ostertagia, Trichostrongylus, Cooperia
e Nematodirus são difíceis de serem observados, exceto por seu movimento na ingesta fluida. Infecções
clinicamente importantes por esses parasitos facilmente são negligenciadas. O conteúdo total e todas as
lavagens devem ser combinados em um volume conhecido, devendo ser feita a contagem de vermes para avaliar
a gravidade da infecção. As amostras obtidas do conteúdo gastrintestinal e imprint da mucosa devem ser
examinadas microscopicamente, em pequeno aumento. Nematoides menores podem ser corados (por 5 min)
com solução de iodo forte. Os nematoides pequenos são facilmente vistos depois que o precipitado da ingesta e
os tecidos são descorados com solução de tiossulfato de sódio 5%. A importância do número de vermes
existentes varia de acordo com a espécie do parasito e do hospedeiro. Por exemplo, uma concentração de apenas
100 Haemonchus apresenta importância clínica para cordeiros, enquanto apenas uma concentração de 5.000 a
10.000 Ostertagia é clinicamente relevante. Quando os animais apresentam diarreia há alguns dias, os vermes
podem ser eliminados e o tipo e a gravidade das lesões macroscópicas podem assumir um valor diagnóstico
considerável.
Diversas causas devem ser levadas em consideração na avaliação dos achados clínicos e laboratoriais e de
necropsia. As infecções parasitárias mistas são a regra.
O diagnóstico de ostertagíase em bovinos durante o período de inibição larval é tecnicamente complicado,
particularmente para a indústria de confinamento norte­americana. Neste caso, a contagem de ovos nas fezes e a
análise de pepsinogênio plasmático não fornecem informações úteis, pois a inibição ocorre poucos dias após a
ingestão de larvas, antes de se tornarem adultos e eliminarem ovos ou do aumento das concentrações
plasmáticas de pepsinogênio. Os fatores predisponentes para a inibição de larvas incluem idade e origem
geográfica dos bovinos, época do ano, histórico e manejo prévio das pastagens, condições climáticas durante o
último período de pastejo e prevalência de Ostertagia ostertagi na região de origem.
As informações sobre esses fatores geralmente não estão disponíveis para bovinos em confinamento. Bovinos
que chegam ao confinamento depois de um pastejo no sul dos EUA durante a primavera, ou de um pastejo no
norte durante o outono, pode ter alta carga de larvas inibidas. Os bezerros menos expostos, provenientes de
áreas onde há alta prevalência de parasitos também podem apresentar este problema. É amplamente aceito que o
parasitismo, em particular a ostertagíase, é uma importante causa de doença clínica ou de problemas de
deficiência alimentar de bovinos em confinamento. Aconselha­se que bovinos oriundos de uma área suspeita,
em um período do ano suspeito, sejam tratados imediatamente com anti­helmíntico efetivo contra larvas
inibidas.
TRATAMENTO: Um controle parasitário efetivo nem sempre pode ser alcançado exclusivamente com o uso de
fármacos; no entanto, o uso de anti­helmínticos é importante (ver anti­helmínticos, p 2657). Podem ser
utilizados para reduzir a contaminação da pastagem, principalmente em épocas em que a contaminação da
pastagem com ovos de parasitos, é um pré­requisito para o desenvolvimento de um desafio infeccioso
necessário para causar parasitismo clínico. A combinação do uso de anti­helmíntico com outros métodos de
controle – como pastejo alternado de espécies de hospedeiros diferentes, pastejo rotativo de diferentes grupos
etários de uma única espécie de hospedeiro (inclusive o sistema creep­grazing) e alternância entre pastejo e
cultivo – é uma alternativa para a obtenção de um pastejo seguro.
O anti­helmíntico “ideal” deve ser seguro, altamente efetivo contra vermes importantes adultos e em estágios
imaturos (inclusive larvas hipobióticas), disponível em formulações práticas, econômicas e compatíveis com
outros compostos comumente utilizados. Vários fármacos satisfazem todas ou a maioria desses requisitos. O
tiabendazol foi o precursor dos anti­helmínticos modernos e estabeleceu um novo padrão em termos de eficácia
e segurança. Apesar de sua ineficácia contra as larvas hipobióticas de Ostertagia em bovinos e contra algumas
outras espécies de parasitos, ainda é amplamente utilizado. Depois do tiabendazol e do mebendazol, outros
benzimidazóis (como fembendazol, oxfendazol e albendazol) e os pró­benzimidazóis (tiofanato, febantel e
netobimina) foram desenvolvidos; esses compostos são efetivos contra a maioria dos principais parasitos GI de
ruminantes e possuem diversos teores de ação contra larvas hipobióticas. Levamisol, morantel e pirantel
também são anti­helmínticos de amplo espectro altamente eficazes e seguros, mas possuem baixa ação contra as
larvas hipobióticas em bovinos. As avermectinas e milbemicinas são altamente eficazes contra adultos e
estágios larvais, inclusive larvas hipobióticas de todos os nematoides GI comuns dos ruminantes, e contra
alguns ectoparasitas importantes. As avermectinas e milbemicinas podem continuar ativas em algumas espécies
de ruminantes depois da administração subcutânea ou tópica única, conferindo proteção contra reinfecção
durante esse período. A moxidectina também continua ativa após administração oral. Alguns anti­helmínticos
de espectro estreito, como salicilanilidas, closantel e rafoxanida, apresentam atividade excelente contra
Haemonchus contortus em ovinos e também permanecem no hospedeiro por um período longo, conferindo ação
profilática após a administração.
Outras vias de administração, além de drenching ou injeção (p. ex., inclusão no alimento, na água de beber e
em blocos minerais ou com componentes energéticos), são utilizadas para reduzir os custos e podem ser úteis
para animais em confinamento ou animais de pastejo recebendo suplementação. A inclusão do fármaco no
alimento permite sua administração contínua em baixas doses, contribuindo para a redução da contaminação da
pastagem nos períodos ideais para o desenvolvimento do estágio de vida livre dos paras itos. As desvantagens
dessa via de administração incluem consumo irregular de anti­helmínticos, resíduos nos tecidos (requerendo
observação dos períodos de carência recomendados) e possibilidade de resistência à droga por exposição
contínua. Uma alternativa de administração com custos reduzidos é o tratamento tópico pour­on, utilizado no
caso de alguns organofosforados (p. ex., triclorfon), levamisol e avermectinas. Várias preparações em bolus (p.
ex., morantel, levamisol, ivermectina ou benzimidazóis) liberam o fármaco de maneira prolongada ou em
pulsos, em intervalos equivalentes aos períodos pré­patentes dos parasitos GI mais importantes. Os bolus
utilizados em bovinos são calculados de modo a propiciar o controle da pastagem durante uma estação inteira
em áreas temperadas, se administrados aos rebanhos transferidos para sistemas de confinamento. Também estão
disponíveis bolus que fornecem tratamento e profilaxia aos animais já expostos a um pastagem contaminado.
Pode­se utilizar bolus em ovinos para reduzir a elevação periparturiente da eliminação de ovos nas fezes e,
consequentemente, a contaminação da pastagem na estação de pastejo posterior. Apesar da eficácia, alguns
bolus utilizados tanto para bovinos como para ovinos foram retirados do mercado por não serem viáveis no
mercado.
Niclosamida, morantel, praziquantel e os benzimidazóis mais novos (albendazol, fembendazol e oxfendazol)
são efetivos contra tênias em bovinos e ovinos (Moniezia spp). O tratamento de Thysanosoma actinioides tem
apresentado problemas; no entanto, há registros de que a niclosamida é efetiva na dose de 250 mg/kg. Tem se
utilizado, também, o bitionol (200 mg/kg).
Ao tratar animais clinicamente acometidos, deve­se considerar: (1) forneça uma dieta adequada; (2) trate
todos os animais do grupo, como medida preventiva e para reduzir contaminação adicional da pastagem; (3)
transferência do rebanho para pastagens “limpas” para minimizar o risco de reinfecção. A definição de
pastagens seguras é variável nos diferentes climas e depende do conhecimento local sobre a mortalidade sazonal
das larvas infectantes. Algumas autoridades têm sugerido tratar apenas os animais mais gravemente acometidos
de um rebanho ou plantel. Isso pode ser alcançado pela avaliação da gravidade da anemia por meio da
observação da coloração da esclera ocular, no caso de hemoncose em ovinos, isto é, escore “FAMACHA”. Este
novo sistema relaciona a palidez ocular com a carga de Haemoncus contortus, como meio de saber se ovinos e
caprinos, individualmente, necessitam desverminação. Quanto à gastrenterite parasitária, a gravidade da diarreia
e/ou a contagem de ovos nas fezes em bovinos e ovinos também pode ser utilizada para determinar a
necessidade de tratamento individual. A lógica para esta estratégia baseia­se no conhecimento de que uma
grande proporção de ovos eliminados de parasitos (desta forma, contaminação da pastagem) está associada a
uma proporção relativamente pequena da população de animais hospedeiros. O tratamento apenas destes
animais reduz significativamente a contaminação da pastagem e diminui toda a pressão de seleção exercida pelo
uso de um anti­helmíntico para genes de resistência dos parasitos. A preocupação também há com respeito ao
tratamento e transferência do rebanho para pastagens limpas. Se alguns parasitos com resistência genética
resistem ao tratamento, então a pastagem “limpa” torna­se contaminado por uma população totalmente
resistente.
Finalmente, o desenvolvimento de resistência a múltiplas drogas por populações de Haemonchus contortus,
Trichostrongylus spp e Ostertagia spp em ovinos e caprinos em relação aos benzimidazóis, ao levamisol e a
avermectinas/milbemicina já foi mostrado. Embora tal resistência seja um problema apenas em algumas áreas,
atualmente, ela deve ser considerada quando a resposta à terapia e a outros fatores podem ser descartada, por
exemplo, dose inadequada, rápida reinfecção, dieta deficiente ou alguma enfermidade, além de parasitismo. A
resistência de parasitos de bovinos às drogas foi mostrada; uso excessivo e tratamento indiscriminado devem ser
evitados.
O alto custo para desenvolvimento de novos fármacos anti­helmínticos tem incentivado pesquisadores a
procurarem por abordagens alternativas no controle de parasitos GI, tais como desenvolvimento de uma vacina
com “antígenos ocultos” contra Haemonchus, uso de forragens ricas em tanino (como o trevo e a luzerna ou a
alfafa), que apresentam alguma ação anti­helmíntica, e fungos nematófagos.

Medidas Gerais de Controle

“Controle” geralmente implica na supressão da carga parasitária do hospedeiro para teor inferior àquele que
ocasiona perda econômica. É necessário amplo conhecimento dos fatores epidemiológicos e ecológicos que
norteiam as populações de larvas na pastagem e a participação do sistema imune do hospedeiro frente às
infecções.
Os objetivos do controle incluem: (1) evitar exposição intensa de hospedeiros suscetíveis (a recuperação de
uma infecção maciça é sempre lenta); (2) reduzir o teor total de contaminação da pastagem; (3) minimizar os
efeitos das cargas parasitárias; (4) estimular o desenvolvimento de imunidade nos animais (menos importante
em animais de engorda do que naqueles que são mantidos para fins reprodutivos).
O uso estratégico de anti­helmínticos destina­se a reduzir as cargas parasitárias e, portanto, a contaminação
das pastagens. A frequência de administração baseia­se no conhecimento das alterações sazonais da infecção e
da epidemiologia regional das várias helmintoses. É essencial o reconhecimento imediato das condições que
favorecem o desenvolvimento de doença parasitária, como clima, comportamento de pastejo e perda de peso e
da condição corporal.
Por exemplo, no Reino Unido, onde o padrão da doença provocada por Nematodirus battus nos ovinos está
claramente definido, recomenda­se tratamentos estratégicos com 2 ou 3 doses de anti­helmínticos em intervalos
de 2 a 3 semanas, começando imediatamente antes da manifestação clínica da doença. O sincronismo destes
tratamentos visa coincidir com o maior número de larvas de Nematodirus na pastagem, durante a primavera; a
época do último tratamento pode ser definida, de maneira acurada, utilizando uma fórmula simples que inclui as
temperaturas do solo a 0,33 cm abaixo da superfície durante o mês de março. De modo semelhante, no norte dos
EUA, Canadá ou na Europa ocidental, as populações de Ostertagia e de outros parasitos na pastagem aumentam
substancialmente depois de meados de julho, isto é, o padrão geral de infectividade é mínimo na primavera, mas
aumenta rapidamente para teores máximos no final do verão e no início do outono. As práticas atuais nessas
áreas indicam a efetividade de 2 ou mais tratamentos anti­helmínticos (geralmente em intervalos de 3 a 5
semanas), administrados quando os bovinos saem pela primeira vez para pastejar na primavera. Tratamento com
avermectina/milbemicina em um período de 4 a 5 semanas de atividade residual e novamente 7 a 8 semanas
depois pode resultar em controle altamente eficaz na eliminação de ovos de vermes e números mínimos de
larvas na pastagem durante o outono. Os tratamentos únicos em pleno verão, com transferência subsequente de
animais para pastagem segura, e o tratamento associado a adiamento da transferência de pastagem na primavera,
também são efetivos.
Nos outros países de clima temperado frio ou quente, pode­se utilizar controle semelhante caso se conheça o
padrão sazonal da doença, mas na maioria das regiões emprega­se o uso tático de anti­helmínticos, por exemplo,
durante condições úmidas, quentes.

Bovinos – Considerações Especiais

Os problemas com vermes mais frequentemente se manifestam em bovinos de corte jovens, desde o momento
do desmame até vários meses depois e em grupos isolados de bezerros leiteiros durante a primeira estação de
pastejo. A imunidade aos nematoides GI é lentamente adquirida; podem ser necessárias duas estações de pastejo
antes de atingir teor significativo. Nas áreas endêmicas, as vacas podem continuar a abrigar cargas baixas, que
podem ser a causa de produção subideal. O parasitismo GI em animal jovem pode ser controlado com uso de
anti­helmínticos de amplo espectro juntamente com o manejo de pastagem para limitar reinfecção; o último
procedimento inclui transferência para pastagens “limpas” (p. ex., áreas de conservação de capim ou silagem ou
feno de segunda coleta), pastejo alternado com outras espécies de hospedeiros ou rotação de pastagem
integrada, na qual os bezerros suscetíveis são acompanhados de adultos imunes. O pastejo alternado com outras
espécies de hospedeiro pode ser ineficaz em áreas onde as espécies de parasitos (p. ex., Nematodirus) infectam
ambos os hospedeiros. A rotação de pastagem simples não é efetiva, pois a massa fecal bovina pode proteger as
larvas de condições ambientais adversas por vários meses e, portanto, os bezerros em rodízio podem ficar
sujeitos à reinfecção posteriormente.
Nos rebanhos de bovinos de corte, o tratamento anti­helmíntico no desmame é útil, especialmente quando se
mantem os bovinos jovens, por exemplo, como lote de novilhas de reposição ou garrotes para engorda. Os
bovinos terminados com capim devem receber tratamento ao desmame e em intervalos regulares durante os
próximos 12 meses e, se possível, devem ser transferidos para pastagens seguras.
Quando os bovinos não podem ser removidos imediatamente para outras pastagens, podem­se instituir
tratamentos estratégicos para limitar a contaminação das pastagens e a rápida reinfecção. De modo alternativo, o
bolus ruminal pode ser utilizado em países onde são aprovados. Em regiões de clima quente temperado, como
Austrália e Nova Zelândia, sul dos EUA e extensas regiões de criação de bovinos no sul do Brasil, do Uruguai e
da Argentina, os bovinos jovens podem receber 2 ou mais tratamentos desde o final do verão e no outono, para a
prevenção de grande aumento na contaminação da pastagem e de infecção durante o inverno e a primavera.
Dois ou três tratamentos estratégicos, administrados em curto intervalo, a partir do desmame, em tais regiões,
podem ser tão efetivos quanto tratamentos na primavera nas regiões temperadas frias. Contudo, a sobrevivência
das larvas infectantes na pastagem, a partir do desmame no outono, em regiões temperadas quentes, é mais
frequentemente persistente e intervalos mais longos entre tratamentos (p. ex., no desmame, durante o inverno e
no final da primavera) podem ser mais aplicáveis. Em várias áreas, os anti­helmínticos são administrados
simplesmente em intervalos regulares após desmame. Os intervalos entre os tratamentos devem variar,
necessariamente, de acordo com a epidemiologia local e a profilaxia conferida pela persistência dos anti­
helmínticos. Recomenda­se tratamento com anti–helmíntico efetivo contra larvas hipobióticas antes do
momento esperado do surto, quando ostertagiose tipo II é problema.

Ovinos – Considerações Especiais

Exige­se um tratamento estratégico especial, na maioria das regiões, para compensar a diminuição da imunidade
(maior demanda no periparto etc.) notada em ovelhas após o parto. A frequência exata de tal tratamento varia
entre as regiões e entre as diferentes espécies de parasitos, mas, em geral, um tratamento no mês anterior e outro
no mês posterior ao parto parece desejável e pode conferir uma produção vantajosa ao animal. Infelizmente, a
alta demanda do periparto pode durar até 8 semanas em alguns rebanhos e 2 tratamentos com a maioria dos anti­
helmínticos não são efetivos o suficiente para reduzir a contaminação da pastagem e garantir um pastejo
“seguro” para os descendentes, na estação. Encontram­se disponíveis, em alguns países, bolus contendo
albendazol ou ivermectina, que são mais eficazes para esse propósito. Além disso, em ovinos a ação da
moxidectina dura o suficiente para conferir vantagem epidemiológica no tratamento contra as espécies
parasitárias mais importantes. Um tratamento 2 semanas antes do acasalamento, como parte de um programa de
“nivelamento”, é outra aplicação estratégica de anti­helmínticos. A conduta de suporte depois do tratamento
inclui transferência dos ovinos de pastagens contaminadas para pastagens de bovinos, áreas de conservação de
capim, áreas de hortaliças ou pastagens não pastejados por ovinos há vários meses. O último período varia
conforme o padrão sazonal da mortalidade das larvas nos diferentes países e pode ser de até 1 ano, em alguns
países de clima temperado.
Os ovinos são mais suscetíveis aos efeitos adversos dos vermes do que outros animais de produção e uma
doença clínica é mais comum. A imunidade aos parasitos é adquirida lentamente e, em geral, incompleta.
Podem ser necessários tratamentos frequentes, especialmente no primeiro ano de vida.

PARASITOS GASTRINTESTINAIS DE BOVINOS

Bunostomum sp
O macho adulto de Bunostomum phlebotomum tem cerca de 15 mm de comprimento e a fêmea cerca de 25 mm.
Esses ancilóstomos têm cápsulas bucais bem desenvolvidas, no interior da qual a mucosa é sugada; as placas de
corte na borda anterior da cápsula bucal são utilizadas para raspar a mucosa durante a alimentação. O período
pré­patente é de cerca de 2 meses. A infecção ocorre por ingestão ou por penetração cutânea; a última forma é
mais comum.
A penetração da larva nas patas pode causar inquietação e pisoteio, particularmente em bovinos estabulados.
Os vermes adultos provocam anemia e rápida perda de peso. Diarreia e constipação intestinal podem se alternar.
Pode haver edema por hipoproteinemia, porém edema de barbela raramente é tão grave quanto na hemoncose.
Durante o período patente, um diagnóstico pode ser realizado através da demonstração dos ovos característicos
nas fezes.
Na necropsia, a mucosa pode parecer congesta e edemaciada, com vários pequenos pontos hemorrágicos,
onde os vermes se prendem. Os parasitos são facilmente observados nos primeiros poucos metros do intestino
delgado, e o conteúdo deste fica quase sempre tingido de sangue. Tão pouco quanto 2.000 vermes podem causar
morte de bezerros. Lesões locais, edema e formação de crostas podem resultar da penetração das larvas na pele
de bezerros resistentes.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.

Cestóideos (Tênias)

Os cestóideos Anoplocephalidae Moniezia expansa e M. benedeni são encontrados em bovinos jovens. Os


vermes desse grupo caracterizam­se pela ausência de rostelo e de ganchos e os seus segmentos geralmente são
mais largos do que longos. Os ovos são triangulares ou retangulares, os quais são ingeridos por ácaros
oribatídeos de vida livre que vivem no solo e no capim. Após 6 a 16 semanas, encontram­se cisticercoides
infectantes nos ácaros. A infecção dá­se pela ingestão dos ácaros; o período pré­patente é de cerca de 5
semanas. Moniezia comumente não são consideradas patogênicas aos bezerros, mas há relato de estase intestinal
nestes animais.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.

Chabertia sp

Os adultos do verme intestinal de boca grande, Chabertia ovina, tem cerca de 12 mm de comprimento e são
encurvados ventralmente na extremidade anterior. Há um ciclo biológico direto típico. As larvas penetram na
mucosa do intestino delgado imediatamente após ingestão e depois emergem e passam para o cólon. O período
pré­patente é de cerca de 7 semanas. As larvas e os adultos podem causar hemorragias discretas, com edema no
cólon e eliminação de fezes recobertas com muco. A chabertíase clínica é raramente observada, se alguma vez,
nos bovinos.

Bunostomum phlebotomum, ovos. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.


Moniezia expansa, proglotes maduras. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.

Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.

Cooperia spp

Várias espécies de Cooperia são encontradas no intestino delgado de bovinos; C. punctata, C. oncophora e C.
pectinata são as mais comuns. Estes vermes adultos vermelhos e enrolados têm 5 a 8 mm de comprimento e o
macho apresenta grande bursa. Pode ser difícil a visualização macroscópica. O ciclo biológico é essencialmente
o mesmo dos outros tricostrongilídeos. Esses vermes aparentemente não sugam sangue. A maior parte deles é
encontrada nos primeiros 3 a 6 m do intestino delgado. O período pré­patente é de 12 a 15 dias.
De modo geral, os ovos podem ser diferenciados daqueles dos nematoides gastrintestinais comuns por meio
de suas paredes corporais praticamente paralelas, porém é necessária cultura larval das fezes para diagnosticar
definitivamente uma infecção por Cooperia, no animal vivo. Nas infecções intensas por C. punctata e C.
pectinata ocorrem diarreia abundante, anorexia e emaciação, mas não anemia; a porção anterior do intestino
delgado exibe acentuada congestão da mucosa, com pequenas hemorragias. A mucosa pode exibir necrose
superficial em forma de renda e fina. C. oncophora provoca doença mais discreta, mas pode ser responsável por
perda de peso e produtividade deficiente. Em geral, é necessário esfregaços da mucosa para demonstrar
Cooperia spp, que deve ser diferenciada de Trichostrongylus spp, de Strongyloides papillosus e de Nematodirus
spp imaturo.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.

Haemonchus, Ostertagia e Trichostrongylus spp

Os parasitos gástricos comuns em bovinos são Haemonchus placei (barber’s pole worm, verme grande do
estômago, wire worm), Ostertagia ostertagi (verme do estômago médio ou marrom) e Trichostrongylus axei
(verme do estômago menor, p. 362). Em alguns países tropicais, encontra­se Mecistocirrus digitatus, um grande
verme de até 40 mm de comprimento. H. placei é principalmente um parasito de regiões tropicais, enquanto O.
ostertagi e, em menor extensão, T. axei, são encontrados em regiões de clima mais ameno. O macho adulto de
Haemonchus tem até 18 mm de comprimento e a fêmea tem até 30 mm. Adultos de Ostertagia tem 6 a 9 mm de
comprimento e de Trichostrongylus tem cerca de 5 mm de comprimento.
Os ciclos biológicos pré­parasitários dos três grupos costumam ser semelhantes. As larvas eclodem
imediatamente após a eliminação dos ovos nas fezes e atingem o estágio infectante em cerca de 2 semanas, sob
temperatura ideal (cerca de 24°C). O desenvolvimento do estágio infectante é retardado no período de clima
frio. Em regiões com estreitas variações de temperatura diurna, os meses com temperatura máxima média de
18°C e índice pluviométrico > 5 cm são favoráveis para o desenvolvimento dos estágios de vida livre de H.
placei mas, nas áreas onde ocorrem amplas flutuações, uma temperatura mínima média de 10°C pode limitar
efetivamente o desenvolvimento. As formas pré­parasitárias de O. ostertagi e T. axei se desenvolvem e
sobrevivem melhor em condições mais frescas e seus limites superiores para sobrevivência são menores do que
aquele de H. placei. Caso a temperatura seja desfavorável ou o clima é seco, as larvas infectantes podem
permanecer inativas nas fezes por semanas, até que as condições se tornem favoráveis novamente. Após esse
período, emerge grande número de larvas infectantes.

Haemonchus placei, fêmea adulta. Cortesia Dr. Dietrich Barth.

O período pré­patente de O. ostertagi normalmente é de 18 a 25 dias. As larvas ingeridas entram no lúmen


das glândulas abomasais e sofrem muda no quarto dia. Permanecem neste local durante o período pré­patente,
crescem e passam pela muda final antes de emergir no lúmen do abomaso como adultos jovens. As larvas nas
glândulas gástricas causam hiperplasia celular e resultam em nódulos, que podem ser discretos ou confluentes.
Pode haver citólise epitelial grave quando as larvas emergem. Nesse momento, as células parietais são
substituídas por células indiferenciadas que rapidamente se dividem em células cuboidais. Como consequência,
nas infecções intensas, o pH do abomaso aumenta de 2 para > 6. Em decorrência há gastropatia com perda
proteica e, juntamente com anorexia e prejuízo à digestão de proteínas, causam hipoproteinemia e perda de
peso. A diarreia é persistente. Na ostertagiose tipo I, decorrente de infecções recentes, a maioria dos vermes
presentes é adulta e a resposta ao tratamento anti­helmíntico é boa. A doença tipo I se manifesta principalmente
em bezerros com 7 a 15 meses de idade. É mais comum na época do desmame e nos meses seguintes, nas
regiões de clima quente temperado, e em bovinos jovens durante o verão e o início do outono, nas regiões de
clima temperado frio.
Na ostertagiose tipo II, grande quantidade de larvas que estavam inativas ou tiveram o desenvolvimento
inibido no início do quarto estágio larval emerge das glândulas. Isso acontece principalmente em bovinos com
12 a 20 meses de idade. Nas regiões de clima temperado quente, as larvas propensas à inibição são adquiridas
na primavera e a doença pode se desenvolver quando grande número de larvas reassumem o desenvolvimento
para o estágio adulto no final do verão, ou no outono. Nas regiões de clima temperado frio, as larvas propensas
à inibição são adquiridas durante o final do outono e amadurecem durante o final do inverno ou início da
primavera.
Acredita­se que a inibição larval (hipobiose) de O. ostertagi e outros nematoides seja semelhante à diapausa
nos insetos. Ela é interpretada como mecanismo de sobrevivência no qual os estágios pré­parasitários, na
pastagem, evitam as condições adversas do inverno nas regiões frias e as condições quentes e secas (ou quentes
e alternadamente úmidas e secas) de várias regiões quentes. Os fatores que causam inibição não são totalmente
conhecidos, mas constatou­se que o condicionamento ao frio experimental de larvas infectantes é importante em
região de clima temperado frio. Nas regiões de clima quente dos hemisférios norte e sul, o condicionamento dos
estágios pré­parasitários à inibição ocorre principalmente durante a primavera, antes das condições quentes e
secas do verão. A retomada do desenvolvimento ou da maturação dos parasitos parece ser geneticamente
predeterminada e pode ser influenciada por parto, dieta, infecção concomitante e resposta imune do hospedeiro.
H. placei também pode ficar inativo durante o inverno; em seguida podem reassumir o seu desenvolvimento
na primavera e infectar as pastagens com ovos no momento adequado ao seu desenvolvimento. Ambos os
estágios, larvais e adultos, são patogênicos devido sua capacidade de sucção de sangue. T. axei causa gastrite
com erosão superficial da mucosa, hiperemia e diarreia. A perda proteica decorrente de lesão da mucosa e
anorexia causam hipoproteinemia e perda de peso. Não há hipobiose no mesmo grau.
ACHADOS CLÍNICOS: Os animais jovens são acometidos com mais frequência, mas os adultos não previamente
expostos à infecção geralmente exibem sinais clínicos e sucumbem. Infecções por Ostertagia e Trichostrongylus
caracterizam­se por diarreia aquosa abundante e, em geral, persistente. Na hemoncose e na infecção por
Mecistocirrus pode ocorrer pouca ou nenhuma diarreia, mas possivelmente há períodos intermitentes de
constipação intestinal. Anemia de grau variável é sinal característico de ambas as infecções.
Concomitante à diarreia causada por infecções por O. ostertagi e T. axei, e com a anemia por infecções
intensas por Haemonchus, frequentemente ocorre hipoproteinemia e edema (raros em infecções por O.
ostertagi), em particular, na região submandibular (edema de barbela) e, às vezes, também ao longo da porção
ventral do abdome. As infecções maciças podem ocasionar morte antes do aparecimento dos sinais clínicos.
Outros sinais variáveis incluem perda de peso progressiva, fraqueza, pelame áspero e anorexia.
Lesões: Os vermes podem ser facilmente notados e identificados no abomaso e pequenas petéquias podem ser
vistas no local onde os vermes estavam fixados. As lesões mais características da ostertagiose são nódulos
pequenos e umbilicados, com 1 a 2 mm de diâmetro, por todo o abomaso. Esses nódulos podem ser discretos,
mas nas infecções intensas tendem a coalescer e ter aparência de “pavimentação com pedras” ou “marroquim”.
Os nódulos são mais evidentes na região fúndica, mas podem recobrir toda a mucosa do abomaso. O pH pode se
elevar para 6 a 7. O pepsinogênio pode se converter de forma deficiente em pepsina e extravasar pelo epitélio
danificado; concentrações elevadas podem ser encontradas no plasma. Também há evidência de que Ostertagia
adulta pode causar, diretamente, hipersecreção de pepsinogênio. O aumento do pH do abomaso também pode
estimular a produção de gastrina e, consequentemente, causar hipergastrinemia, que está intimamente associada
à inapetência que pode acompanhar a infecção. Esta diminuição do apetite associada ao parasito tem se
mostrado amplamente responsável pelo baixo ganho de peso. O edema frequentemente é marcante e, em casos
graves, pode­se estender pelo abomaso, intestino delgado e omento.
Nas infecções por T. axei, a mucosa do abomaso pode exibir congestão e erosões superficiais que, às vezes,
são recobertas por exsudato fibrinonecrótico.
DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E CONTROLE: Ver p. 362 e seguintes.

Nematodirus spp

Nematodirus helvetianus é comumente conhecido como a espécie mais comum em bovinos, embora outras
espécies, por exemplo, N. spathiger e N. battus, também possam infectá­los. Os machos adultos de N.
helvetianus tem cerca de 12 mm de comprimento e as fêmeas 18 a 25 mm. Os ovos desenvolvem­se lentamente;
o terceiro estágio infectante é atingido dentro do ovo em 2 a 4 semanas e pode permanecer nele por vários
meses. Os ovos podem acumular­se nas pastagens e eclodir em grande número após a chuva, provocando
infecções intensas em curto período. Os ovos são altamente resistentes e os ovos eliminados pelos bezerros em
uma estação podem permanecer viáveis e infectar os bezerros na estação seguinte. Depois da ingestão de larvas
infectantes, atinge­se o estágio adulto em cerca de 3 semanas. Os vermes são muito mais numerosos em uma
porção intestinal situada 3 a 6 m do piloro.
Os sinais clínicos, que incluem diarreia e anorexia, geralmente se desenvolvem durante a terceira semana de
infecção, antes dos vermes atingirem maturidade sexual; as infecções clínicas podem ser observadas em
bezerros leiteiros a partir de 6 semanas de idade. O diagnóstico é difícil durante o período pré­patente, mas
durante o período patente é facilmente definido com base na constatação de ovos característicos. Um número
relativamente pequeno de ovos é produzido. A imunidade à reinfecção desenvolve­se com rapidez. A necropsia
pode mostrar apenas uma mucosa espessada e edemaciada.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, veja p. 362 e seguintes.

Oesophagostomum sp

Os adultos de Oesophagostomum radiatum (verme nodular) tem 12 a 15 mm de comprimento e sua cabeça é


encurvada dorsalmente. Como os ovos são bastante semelhantes aos de Haemonchus placei, são frequentemente
agrupados no exame de fezes de rotina. O ciclo biológico é direto. Inicialmente as larvas penetram na parede da
porção de 3 a 6 m posteriores do intestino delgado, mas também penetram no ceco e no cólon, onde
permanecem por 5 a 10 dias e então retornam ao lúmen como larvas de quarto estágio. O período pré­patente
nos animais suscetíveis é de cerca de 6 semanas. No entanto, nas reinfecções subsequentes, as larvas ficam
retidas por algum tempo, e várias nunca retornam ao lúmen (encistamento no hospedeiro).
Os animais jovens sofrem ação dos vermes adultos, enquanto nos animais mais velhos a ação dos nódulos é
mais importante. A infecção causa anorexia; grave diarreia persistente com fezes escuras fétidas; perda de peso
e morte. Nos animais mais velhos, resistentes, os nódulos que circundam as larvas tornam­se caseosos e
calcificados, reduzindo a motilidade intestinal. Estenose ou intussuscepção ocorrem, ocasionalmente. Os
nódulos podem ser palpados por via retal e os vermes e os nódulos podem ser facilmente observados na
necropsia.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, veja p. 362 e seguintes.

Strongyloides sp

O ascarídeo intestinal Strongyloides papillosus possui um ciclo biológico incomum. Apenas as fêmeas são
encontradas no intestino. Elas têm 3,5 a 6 mm de comprimento e se incrustam na mucosa da porção superior do
intestino delgado. Os ovos embrionados, pequenos, são eliminados nas fezes, eclodem rapidamente e podem se
desenvolver diretamente em larvas infectantes ou em adultos de vida livre. Os descendentes desses adultos de
vida livre podem desenvolver­se em outra geração de larvas infectantes ou adultos de vida livre. O hospedeiro
torna­se infectado por meio da penetração na pele ou por ingestão; as larvas infectantes podem ser transmitidas
via colostro, como nas outras espécies do gênero. O período pré­patente é de cerca de 10 dias.
As infecções são mais comuns em bezerros jovens, particularmente em rebanhos leiteiros. Embora os sinais
clínicos sejam raros, podem incluir diarreia intermitente, perda de apetite e de peso e, às vezes, sangue e muco
nas fezes. Grande quantidade de vermes no intestino provoca enterite catarral com petéquias e equimoses,
especialmente no duodeno e no jejuno.

Oesophagostomum radiatum, ovos. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.

Quanto ao diagnóstico, tratamento e controle, veja p. 362 e seguintes.

Toxocara sp

O ascarídeo Toxocara vitulorum é um verme esbranquiçado e robusto (os machos tem 20 a 25 cm de


comprimento e as fêmeas 25 a 30 cm), encontrado no intestino delgado de bezerros < 6 meses de idade; os
bezerros mais velhos são resistentes. As larvas que eclodem dos ovos ingeridos passam aos tecidos e, nas vacas
prenhes, são mobilizadas posteriormente na prenhez e eliminadas pelo leite, para os bezerros. Os ovos aparecem
nas fezes dos bezerros a partir da terceira semana de idade e são facilmente reconhecidos por seu revestimento
espesso e com sulcos. Em alguns países, a infecção é considerada séria, particularmente em bezerros bubalinos.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, veja p. 362 e seguintes.

Trichuris spp

As infecções por Trichuris spp são comuns nos bezerros jovens e nos sobreanos, mas um grande número de
Trichuris spp é raro. Os ovos são resistentes e as infecções provavelmente persistem nas propriedades­problema.
Os sinais clínicos são improváveis, mas em infecções intensas ocasionais, fezes escuras, anemia e anorexia
podem ser observadas.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.

PARASITOS GASTRINTESTINAIS DE OVINOS E CAPRINOS

Várias espécies de nematoides e cestóideos causam gastrite e enterite parasitárias em ovinos e caprinos. As mais
importantes dessas espécies são Haemonchus contortus, Teladorsagia (Ostertagia) circumcincta,
Trichostrongylus axei, as espécies intestinais de Trichostrongylus, Nematodirus spp, Bunostomum
trigonocephalum e Oesophagostomum columbianum. Cooperia curticei, Strongyloides papillosus, Trichuris
ovis e Chabertia ovina também podem ser patogênicos nos ovinos; essas espécies e outras relacionadas
encontram­se discutidas em parasitos GI dos bovinos (p. 369).

Bunostomum e Gaigeria spp

Bunostomum trigonocephalum adultos (ancilóstomos) são encontrados no jejuno. O ciclo biológico e os achados
clínicos são essencialmente os mesmos que nos ancilóstomos bovinos (p. 367). Tão pouco quanto 100 vermes
podem causar sinais clínicos. Gaigeria pachyscelis é encontrado na África e na Ásia e lembra o Bunostomum
spp em tamanho e forma (2 a 3 cm). As larvas de G. pachyscelis infectam o hospedeiro apenas mediante a
penetração cutânea. G. pachyscelis é um sugador de sangue voraz e provavelmente é o ancilóstomo mais
patogênico.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.

Cestóideos (Tênias)

A patogenicidade de Moniezia expansa nos ovinos é debatida há muito tempo. Várias observações iniciais, que
associaram essa infecção com diarreia, emaciação e perda de peso, não diferenciavam precisamente as infecções
por cestóideos das infecções por alguns pequenos nematoides (p. ex., Trichostrongylus colubriformis). São
relativamente não patogênicas, mas as infecções intensas podem resultar em discreto definhamento e distúrbios
GI. O diagnóstico pode ser feito com o achado de proglótides em forma de cinta, amareladas a branco­peroladas
nas fezes ou saindo pelo ânus ou ainda pela demonstração dos ovos característicos em exame de fezes. O ciclo
biológico envolve um ácaro oribatídeo que vive nas pastagens. O período pré­patente é de 6 a 7 semanas. Os
cordeiros desenvolvem rápida resistência e as infecções são incomuns depois de cerca de 4 a 5 meses de idade.
Thysanosoma actinioides, a “tênia com franjas”, habita o intestino delgado, o ducto biliar e o ducto
pancreático. É comumente encontrada em ovinos da área das Montanhas Rochosas dos EUA. Embora não esteja
associada à doença clínica, é de importância econômica porque os fígados tornam­se condenados quando os
parasitos são encontrados no ducto biliar.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.

Chabertia sp

Os vermes adultos causam graves lesões à mucosa do cólon, com consequentes congestão, úlcera e pequenas
hemorragias. Os ovinos infectados definham; as fezes ficam moles, contêm muito muco e podem conter estrias
de sangue. Desenvolve­se imunidade rapidamente e os surtos são observados apenas sob condições de estresse
intenso.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.

Haemonchus, Ostertagia e Trichostrongylus spp

Os principais vermes gástricos dos ovinos e dos caprinos são Haemonchus contortus, Teladorsagia (Ostertagia)
circumcincta, Ostertagia trifurcata, Trichostrongylus axei (p. 369) e, em algumas regiões tropicais,
Mecistocirrus digitatus. A transmissão cruzada de Haemonchus entre os ovinos e os bovinos pode ocorrer, mas
não tão facilmente quanto à transmissão entre espécies homólogas. Os ovinos são mais suscetíveis às espécies
bovinas do que os bovinos o são com relação às espécies ovinas. Quanto às descrições e aos ciclos de vida, ver
parasitas gastrointestinais de bovinos, p. 367.
Haemonchus é mais comum nas áreas tropicais ou subtropicais ou nas áreas com chuvas de verão, enquanto
Ostertagia e T. axei são mais comuns nas áreas com chuvas de inverno. A última espécie também predomina
nas zonas temperadas.
A hemoncose nos ovinos pode ser classificada como hiperaguda, aguda ou crônica.
Na doença hiperaguda, a morte pode acontecer dentro de 1 semana de infecção intensa, sem sinais
significativos. A doença aguda caracteriza­se por anemia grave, acompanhada de edema generalizado. A anemia
também é característica de infecção crônica, frequentemente com cargas verminóticas baixas, e é acompanhada
de perda de peso progressiva. A diarreia não é um sinal clínico de hemoncose; as lesões são aquelas associadas
à anemia. O abomaso fica edemaciado e, na fase crônica, o pH gástrico eleva­se, o que provoca uma disfunção
abomasal. Os ovinos adultos podem desenvolver infecções intensas, até fatais, particularmente durante a
lactação.

Trichostrongylus axei, extremidade anterior. Cortesia da Merial Limited.

As lesões, a patogênese e os sinais das infecções por Ostertagia e T. axei são semelhantes aos encontrados
nos bovinos. Mesmo uma infecção subclínica reduz o apetite, prejudica a digestão gástrica e diminui o uso de
energia metabolizável e proteínas. Ostertagia corresponde ao principal gênero envolvido na elevação
periparturiente em contagens de ovos nas fezes nos ovinos e infecções intensas por este parasito podem causar
diarreia e diminuir a produção leiteira nas ovelhas. Essa eliminação de ovos serve como a principal fonte de
contaminação para os cordeiros. O mesmo tipo de inibição no desenvolvimento (hipobiose) observado nos
bovinos também é válido para Ostertagia e Haemonchus nos ovinos.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.

Nematodirus spp

As espécies de Nematodirus encontradas no intestino delgado de ovinos são semelhantes, em morfologia e ciclo
biológico, ao N. helvetianus (p. 371). Infecções clínicas têm importância considerável no Reino Unido, na Nova
Zelândia e na Austrália, onde já se descreveram perdas por morte de 20% dos cordeiros nos rebanhos
acometidos. Os parasitos são endêmicos em algumas partes dos estados das Montanhas Rochosas dos EUA,
onde ocasionalmente causam doença clínica em cordeiros.
Nas áreas onde as infecções clínicas são comuns, a doença frequentemente apresenta um padrão sazonal
característico. Muitos dos ovos eliminados pelos cordeiros acometidos permanecem inativos por todo o restante
da estação de pastejo e pelo inverno, com grande número de larvas surgindo durante o início do período de
pastejo do ano seguinte. Consequentemente, os cordeiros de uma estação contaminam os pastagens dos
cordeiros da estação seguinte, mas o ciclo biológico pode ser interrompido, caso não se utilize a mesma área
para pastagens todos os anos. A maioria das infecções clínicas ocorre em cordeiros de 6 a 12 semanas de idade.
N. battus é encontrado no Reino Unido e em outras partes da Europa e também na América do Norte. Os ovos
eclodem após um período de frio e depois de uma elevação da temperatura ambiente para média diurna/noturna
de 10°C. Isso ocorre no final da primavera, nas áreas temperadas. As exigências de eclosão demonstram que há,
geralmente, uma geração anual de N. battus, embora no Reino Unido já se descrevera surtos no outono. A
doença pode estar associada a estágios larvais em desenvolvimento e pode ser observada dentro de 2 semanas
do desafio. Outros Nematodirus spp são frequentemente encontrados em regiões de baixo índice de chuvas (p.
ex., a região do Karroo, na África do Sul, e no interior da Austrália), onde os outros parasitos raramente são
encontrados.
A nematodirose é caracterizada por início súbito, “perda de vigor”, definhamento, diarreia profusa e
desidratação acentuada, com morte em 2 a 3 dias após início do surto. A nematodirose restringe­se comumente
aos cordeiros ou aos ovinos em desmame, mas nos países com poucas chuvas, onde os surtos são esporádicos,
os ovinos mais velhos podem sofrer infecções intensas. As lesões geralmente consistem em desidratação e
enterite catarral discreta, mas pode ocorrer inflamação aguda no intestino delgado inteiro. As contagens =
10.000 vermes, associadas aos sinais e histórico característicos, indicam infecções clínicas. Os cordeiros
acometidos podem eliminar um grande número de ovos, que podem ser identificados facilmente; no entanto,
como o início da doença pode preceder a maturação dos vermes­fêmeas, isso não é um achado constante.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.

Oesophagostomum sp

O verme nodular de ovinos, Oesophagostomum columbianum, tem morfologia e ciclo biológico semelhantes
aos do verme nodular de bovinos (p. 371).
A diarreia geralmente se desenvolve durante a segunda semana de infecção. As fezes podem conter excesso
de muco, bem como estrias de sangue. À medida que a diarreia progride, os ovinos tornam­se emaciados e
fracos. Esses sinais costumam diminuir próximo ao final do período pré­patente, mas a presença contínua de
vários vermes adultos pode resultar em infecção crônica, na qual os sinais podem não se desenvolver por vários
meses. Os ovinos tornam­se fracos, perdem peso apesar de um bom apetite, e apresentam diarreia intermitente e
constipação intestinal.
À medida que a imunidade desenvolve­se, formam­se nódulos ao redor das larvas; esses nódulos podem
tornar­se caseosos e calcificados. A formação nodular geralmente é mais acentuada em ovinos do que em
bovinos. Os ovinos acometidos apresentam alteração da marcha e, com frequência, dorso arqueado. Nos casos
graves, pode haver estenose e intussuscepção. O diagnóstico é difícil durante o período pré­patente, momento
no qual ele deve basear­se amplamente nos sinais clínicos.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.

Strongyloides sp

As infecções intensas por vermes adultos causam uma doença semelhante à tricostrongilose. A infecção ocorre
geralmente por penetração cutânea, mas também pode ocorrer pelo leite. As lesões cutâneas, entre as unhas,
produzidas pelas larvas que penetram na pele, lembram os estágios iniciais do foot rot e podem auxiliar na
invasão dos agentes causadores dessa doença. A maioria das infecções é transitória e sem maiores
consequências.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.

Trichuris sp

As infecções intensas por tricurídeos não são comuns, mas podem ocorrer em cordeiros muito jovens ou durante
condições de seca, quando os ovinos são alimentados com grãos no solo. Os ovos são bastante resistentes.
Congestão e edema na mucosa do ceco, acompanhados de diarreia e definhamento são observados.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 280 e seguintes.

Tricostrongilose Intestinal

O ciclo biológico de Trichostrongylus (T. colubriformis, T. vitrinus e T. rugatus) intestinal é direto. As larvas em
desenvolvimento escavam superficialmente as criptas da mucosa e se desenvolvem em adultos que põem ovos
em 18 a 21 dias.
Anorexia, diarreia persistente e perda de peso são os sinais principais. Atrofia vilosidade resulta em prejuízo
na digestão e má absorção; há perda proteica através da mucosa danificada. Não há lesões características; deve­
se realizar uma contagem verminótica total para avaliar a condição.
Quanto ao diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.

PARASITOS GASTRINTESTINAIS DE SUÍNOS

Ver coccidiose em suínos, p. 213.


Nos suínos, constantemente são constatados helmintos gastrintestinais; seus principais sinais clínicos são
perda de apetite, redução no ganho diário, baixa utilização do alimento e potencialização de outros patógenos.
Raramente levam à morte.
Além da boa higiene básica nas pocilgas, que deve ser enfatizada, o controle dos helmintos gastrintestinais
baseia­se em tratamentos anti­helmínticos e medidas preventivas, tais como evitar o contato dos suínos com
hospedeiros intermediários. Para se reduzir o risco de desenvolvimento de resistência às drogas, o uso de anti­
helmíntico deve ser realizado antes da pesquisa dos helmintos em um número representativo de animais, e deve
ser iniciado apenas quando se constatam de ovos do parasito nas fezes do grupo etário examinado. Os produtos
administrados no alimento incluem benzimidazóis, ivermectina, levamisol e diclorvós. Um programa anti­
helmíntico simples consiste em tratar as porcas e as marrãs cerca de 10 dias antes do acasalamento e,
novamente, antes do parto, enquanto os leitões desmamados e os suínos em engorda antes de entrarem em
cercados limpos; os cachaços, em intervalos de 4 a 6 meses. De modo alternativo, uma administração de
ivermectina, também efetiva contra piolhos e sarna, pode ser realizada em um programa semelhante. Uma
abordagem diferente é em tratar todos os suínos do rebanho no mesmo dia e repetir a cada 3 a 6 meses ou
menos, com o intervalo de dosagem sendo determinado pelas contagens de ovos nas fezes. Em rebanhos
submetidos a um bom manejo, não é possível demonstrar uma diferença entre essas duas estratégias e, pelo fato
da transmissão aos leitões dentro de várias unidades de parto modernas ser desprezível, não há razão em tratar
as porcas antes da parição. Todavia, um bom sistema de manejo incorpora práticas que visam à prevenção de
infecções e não utiliza o tratamento anti­helmíntico como único método de controle de parasitos.

ASCARIS SP

As formas adultas do grande nematelminto, Ascaris suum, são encontradas principalmente no intestino delgado
e, transitoriamente, no intestino grosso durante a expulsão dos vermes. Possuem cerca de 15 a 40 cm de
comprimento, são esbranquiçados e bastante grossos. Um número grande de ovos é produzido (tanto quanto
200.000 a 1 milhão/fêmea/dia); podem se desenvolver ao estágio infectante (ovos contendo a larva L3) em 3 a 4
semanas, sob condições ótimas. Nas regiões temperadas, permanece inativo no inverno (< 15°C) e retoma o
desenvolvimento quando a temperatura se eleva na primavera. Os ovos são altamente resistentes a agentes
químicos, mas condições com baixa umidade, temperatura elevada e luz solar direta podem reduzir a
sobrevivência significativamente. Sob condições ótimas, os ovos podem sobreviver por 5 a 10 anos. Quando os
ovos são ingeridos, as larvas eclodem no intestino, penetram na parede do intestino grosso e atingem a
circulação portal. Depois de um período no fígado, as larvas são transportadas, pela circulação, aos pulmões, de
onde elas passam, através dos capilares, para o interior dos espaços alveolares. Cerca de 9 a 10 dias pós–
ingestão, as larvas sobem a árvore brônquica para retornarem ao trato gastrintestinal. Quando chegam no
intestino delgado, a maioria das larvas são expelidas; as larvas remanescentes desenvolvem­se em vermes
adultos maduros. Os primeiros ovos são eliminados 6 a 7 semanas pós­infecção.

Ascaris suum, macho e fêmea adultos. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.

DISTRIBUIÇÃO E GAMA DE HOSPEDEIROS: A. suum é encontrado em suínos no mundo todo. Os vermes podem
também infectar cordeiros e bezerros neonatos, nos quais os ascarídeos adultos localizam­se no ducto biliar. A.
suum apresenta potencial zoonótico e os adultos são comumente encontrados em crianças pré­escolares que tem
contato com rebanhos de suínos. Foi descrita a larva migrans visceral por migração de larvas.
ACHADOS CLÍNICOS: Os vermes adultos podem reduzir significativamente a taxa de crescimento dos suínos
jovens; em casos raros, podem causar a obstrução mecânica do intestino. A migração das larvas para o fígado
causa hemorragia, fibrose e acúmulo de linfócitos, que se apresentam como “pontos brancos” sob a cápsula,
levando a condenação do fígado ao abate. As manchas brancas desaparecem dentro de 1 a 4 semanas; portanto,
sua presença indica reinfecção recente. Nos suínos resistentes, apenas poucas larvas atingem o fígado e o
número de manchas brancas é baixo, apesar da reinfecção contínua. Sendo assim, o número de manchas brancas
e a taxa de condenação do fígado são medidas insignificantes do teor de infecção do rebanho. Nas infecções
intensas, as larvas podem causar edema e consolidação pulmonares, bem como exacerbar a gripe suína e a
pneumonia endêmica. Os animais suscetíveis, muito expostos, exibem respiração abdominal comumente
chamada de “golpes”. Além dos sinais respiratórios, observam­se definhamento acentuado e perda de peso. A
infecção geralmente induz o desenvolvimento de resistência adquirida à reinfecção, e a prevalência é mais
elevada em suínos jovens em crescimento. Se a taxa de tratamento é muito baixa, o teor de imunidade do
rebanho também é baixo, e a prevalência pode ser maior nos animais reprodutores.
DIAGNÓSTICO: Durante o período patente, o diagnóstico pode ser feito por demonstração dos ovos típicos
(marrom­dourado, parede espessa, com saliências externas, 50 a 70 × 40 a 60 μm) durante a análise das fezes ou
por observação dos grandes vermes no material fecal. Um diagnóstico presuntivo pode ser feito com base na
demonstração das manchas brancas no fígado; no entanto, outros parasitos migratórios (p. ex., larvas de
Toxocara canis) podem causar lesões semelhantes. Os vermes podem ser evidenciados nos pulmões (imaturos
pequenos) e no intestino delgado (imaturos grandes, adultos) durante a necropsia.
TRATAMENTO: Pode­se tornar necessária uma terapia de suporte, inclusive tratamento contra infecções
bacterianas secundárias, durante a fase respiratória da afecção. Têm–se utilizado várias drogas para eliminar os
ascarídeos adultos. As preparações de piperazina possuem baixa toxicidade e um preço moderado. Os
benzimidazóis e pró­benzimidazóis, diclorvós, ivermectina, levamisol e pirantel são efetivos e possuem um
espectro de ação mais amplo que o da piperazina. A higromicina é ativa contra os ascarídeos quando
administrada como um aditivo, em baixa dose, no alimento. Encontram­se disponíveis poucas informações com
relação ao controle dos estágios migratórios; o pirantel e o fembendazol mostram atividade.

MACRACANTHORHYNCHUS SP

Macracanthorhynchus hirudinaceus (acantocéfalo suíno) adulto geralmente instala­se no intestino delgado.


Apresenta 10 cm (machos) a 65 cm (fêmeas) de comprimento e 3 a 9 mm de largura, é levemente rosa e possui
um revestimento externo transversalmente enrugado. A extremidade anterior possui um rostelo ou uma
probóscide retraível, utilizados para uma firme aderência na parede intestinal. Os ovos (marrom­escuros,
embrionados, com 3 envoltórios embrionários, 90 a 110 × 50 a 65 μm) são ingeridos por larvas de vários
besouros, que servem como hospedeiros intermediários. Os suínos tornam­se infectados ingerindo larvas ou
besouros adultos, e a infecção fica então restrita aos suínos criados soltos. O período pré­patente é de 2 a 3
meses e as fêmeas colocam cerca de 260.000 ovos/dia, por vários meses.
Os sinais não são específicos; o diagnóstico antemorte é difícil, pois os ovos não flutuam, confiavelmente, em
soluções salinas e devem, então, ser examinados no sedimento. O local de fixação pode ter um centro necrótico
circundado por uma zona de inflamação. Essas lesões geralmente podem ser observadas na serosa. O rostelo
pode perfurar a parede intestinal e causar peritonite e morte.
Levamisol e ivermectina são efetivos no tratamento. O controle depende de se evitar o uso de recintos ou
pastagens contaminadas ou da remoção regular de fezes quando os animais são colocados em baias ou pequenas
salas.
OESOPHAGOSTOMUM SPP

Oesophagostomum spp são cosmopolitas; O. dentatum é a espécie mais comum, enquanto O. quadrispinulatum
parece ser um pouco mais patogênico. Todas as espécies de Oesophagostomum são hospedeiro­específicas. Os
adultos são encontrados no lúmen do intestino grosso; têm 8 a 12 mm de comprimento, são delgados e brancos
ou cinzas. O ciclo biológico é direto. A infecção resulta da ingestão de larvas L3, que penetram na mucosa do
intestino grosso em poucas horas após a ingestão e retornam para o lúmen em 6 a 20 dias. O período pré­patente
é de 17 a 35 dias. Uma elevação periparturiente na eliminação dos ovos foi observada em porcas de 2 semanas
antes do parto até o desmame; contudo, este fenômeno é muito menos constante em suínos do que nos ovinos e
sua importância epidemiológica é questionável. A maioria das infecções é assintomática, mas os suínos
intensamente infectados podem exibir anorexia, emaciação e distúrbios GI.
A serosa mostra pequenos nódulos, com o seu tamanho refletindo a espécie e uma exposição anterior. Nos
casos graves, a parede intestinal pode estar espessada e necrosada. Infecções maciças podem reduzir a
capacidade de lactação das porcas e o peso corporal dos suínos em crescimento. A infecção induz uma
imunidade moderada; por isso, a prevalência destes vermes tende a ser maior em grupos de animais mais velhos
(porca, varrão). Nas infecções patentes, encontram­se ovos de estrôngilos típicos (66 a 80 × 38 a 47 μm) nas
fezes, frequentemente em grande número. Esses ovos podem ser diferenciados dos do Hyostrongylus por meio
de cultura larval (as larvas L3 de Oesophagostomum são menores, mais espessas e se movem mais lentamente).
Na necropsia, os vermes e as lesões são facilmente observados. Os benzimidazóis, levamisol, piperazinas,
diclorvós, tartarato de pirantel e ivermectina são efetivos, mas a resistência anti­helmíntica foi relatada para os
benzimidazóis, levamisol e pirantel. Uma dieta composta por carboidratos altamente degradáveis pode auxiliar
no controle da verminose por criar condições desfavoráveis, reduzindo o estabelecimento e a fecundidade dos
vermes.

STRONGYLOIDES SP

O ciclo biológico de Strongyloides ransomi (verme filiforme intestinal) aparentemente é semelhante ao de S.


papillosus dos bovinos (p. 371). Os vermes filiformes são únicos entre os helmintos, possuindo tanto as
gerações parasitárias (fêmeas no intestino delgado) quanto às gerações de vida livre (machos e fêmeas no
ambiente circundante). A transmissão ocorre por penetração cutânea, enfatizando a importância de uma boa
higiene, ou via larvas infectantes no colostro de porcas lactantes. A transmissão lactogênica é altamente eficaz
para leitões recém­nascidos. Mesmo sem a reinfecção das porcas, as larvas inativas no úbere podem ser
transmitidas a várias ninhadas consecutivas de leitões. Os vermes adultos escavam a parede do intestino
delgado. O período pré­patente é de 4 a 9 dias, dependendo do modo de infecção. Nas infecções leves e
moderadas, os suínos geralmente não exibem sinais clínicos. Nas infecções intensas, podem­se observar
diarreia, anemia e emaciação com morte decorrente. As infecções induzem a uma imunidade duradoura, e,
consequentemente, animais mais velhos não são clinicamente acometidos.
Oesophagostomum spp, ovo. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.

O diagnóstico é determinado pela demonstração dos ovos embrionados de casca fina e pequenos,
característicos (20 a 35 × 40 a 55 μm), nas fezes. É importante que as fezes sejam coletadas do reto, pois os
excrementos nas fezes podem se tornar contaminados por nematoides de vida livre, podendo ter ovos
indistinguíveis dos de Strongyloides. Além disso, as fezes devem ser mantidas sob refrigeração imediatamente
para evitar a incubação. À necropsia, os adultos podem ser encontrados em esfregaços da mucosa intestinal e os
vermes imaturos podem ser recuperados de tecidos cortados em um aparelho de Baermann.
Benzimidazóis e levamisol são efetivos contra infecções intestinais. Se são administrados no alimento por
vários dias antes e depois do parto, reduzirão as transmissões lactogênicas aos leitões lactentes. infecções nos
leitões lactentes. A ivermectina é eficaz contra os adultos e, se é administrada à porca 1 a 2 semanas antes do
parto, controla a transmissão aos leitões. Um teor elevado de higiene nas baias é necessário para diminuir o
desenvolvimento larval, assim como a multiplicação de gerações de vida livre no recinto.

TRICHURIS SP

Trichuris suis é distribuído mundialmente nos suínos. Os vermes adultos têm 5 a 6 cm de comprimento e
formato de chicote; a porção delgada anterior se incorpora nas células epiteliais do intestino grosso,
especialmente o ceco, com o terço posterior espesso livre no lúmen. A infecção ocorre por ingestão de ovos
embrionados. As infecções intensas podem causar lesões inflamatórias no ceco e no intestino grosso adjacente e
serem acompanhadas de diarreia e definhamento. A afecção é mais frequentemente vista em animais jovens; a
resistência é tanto adquirida quanto relacionada com a idade. Os ovos duplamente operculados, amarronzados
(50 a 68 × 21 a 31 μm) são diagnósticos, com a oviposição iniciando­se 6 a 7 semanas após infecção.
Entretanto, os tricurídeos são apresentam um curto período de oviposição (2 a 5 semanas) antes dos vermes
serem expelidos por reações imunomediadas ovipositores esporádicos, e pouca importância tem sido
administrada ao número de ovos por grama de fezes. Diclorvós, levamisol, alguns benzimidazóis e ivermectina
são efetivos contra os vermes adultos. Biologicamente, os ovos são comparáveis aos de Ascaris – são altamente
resistentes aos produtos químicos e podem permanecer infectantes por até 11 anos; consequentemente, o
controle consiste na limpeza completa da área contaminada e a remoção dos animais para locais limpos. Os
ovos de Trichuris desenvolvem­se muito lentamente (10 a 12 semanas sob condições ótimas), e por não se
desenvolverem em temperaturas < 16°C, há apenas 1 geração/ano, em regiões temperadas.
As larvas de T suis podem eclodir no intestino grosso de pessoas, nas quais as larvas parecem capazes de se
instalar transitoriamente. Os adultos raramente são notados.

VERMES DE ESTÔMAGO

Três tipos de vermes de estômago são encontrados em suínos: um verme fino, Hyostrongylus rubidus (verme
gástrico vermelho) e dois espessos, Ascarops strongylina e Physocephalus sexalatus. H. rubidus tem cerca de 6
mm de comprimento, é delgado e possui um ciclo biológico direto. Os vermes gástricos espessos têm cerca de
10 a 20 mm de comprimento, são muito mais robustos e têm os besouros coprófagos como hospedeiros
intermediários. Todos os 3 vermes gástricos distribuem­se mundialmente mas principalmente em suínos criados
livres.
ACHADOS CLÍNICOS: Quando presentes em grande número ou quando a condição do hospedeiro é desfavorável
devido a uma dieta deficiente ou outros fatores, esta verminose pode causar apetite variado, anemia, diarreia ou
perda de peso e pode contribuir para a síndrome da porca magra. H. rubidus é encontrado, caracteristicamente,
sob um exsudato catarral ou mucoso intenso e pode provocar lesões na mucosa semelhantes às de Ostertagia
spp nos ruminantes, exceto nos que as hemorragias são mais comuns. O desenvolvimento retardado dos estágios
larvais na mucosa é análogo ao da Ostertagia. Nas porcas, as larvas inativas podem retomar o desenvolvimento
próximo ao parto e podem causar gastrite grave e, além disso, contaminar o ambiente dos suínos jovens. A
oviposição pelas fêmeas de Hyostrongylus é geralmente baixa quando comparada com a do gênero nematoide.
DIAGNÓSTICO: Os sinais clínicos, além do definhamento, não são óbvios. Os exames nas fezes podem
demonstrar os ovos distintos de Physocephalus e Ascarops – ovos pequenos (35 a 40 × 17 a 20 mm) e com
casca grossa, contendo uma larva ativa. Os ovos de Hyostrongylus lembram os dos outros estrôngilos (p. ex.,
Oesophagostomum) e exigem­se culturas nas fezes para obter larvas infectantes para um diagnóstico diferencial.
Na necropsia, observam­se facilmente os vermes adultos, em especial Physocephalus e Ascarops. Os
esfregaços da mucosa para exame microscópico são essenciais para a detecção de Hyostrongylus imaturo.
TRATAMENTO: Os benzimidazóis mais recentes, os pró­benzimidazóis e a ivermectina são bastante efetivos
contra os estágios adulto e imaturo (inclusive larvas hipobióticas) de Hyostrongylus. A ivermectina também é
efetiva contra Ascarops adulto.

SÍNDROMES DA MÁ ASSIMILAÇÃO EM GRANDES ANIMAIS

A má assimilação é um defeito na capacidade do trato gastrintestinal de incorporar nutrientes ao corpo devido à


má absorção ou má digestão. A má absorção corresponde a uma falha no transporte de nutrientes do lúmen
intestinal para a corrente sanguínea, enquanto a má digestão compreende uma falha na degradação intraluminal
dos constituintes dietéticos devido ao déficit da função pancreática exócrina, dos ácidos biliares ou das enzimas
da borda em escova. A má digestão, sozinha, é uma causa rara de má­assimilação em grandes animais.
Síndromes de má digestão são incomuns em equinos, quando comparadas com outras espécies domésticas. O
pâncreas do equino secreta apenas baixas concentrações de enzimas digestivas e provavelmente exerce um
papel pequeno na digestão dos nutrientes. Alguns processos patológicos envolvem tanto má digestão quanto má
absorção, como se observa no caso de animais jovens com deficiência de lactase. Doenças de má absorção são
muito mais comuns nos equinos do que as doenças de má digestão.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Várias doenças, por alterarem os mecanismos absortivos normais do intestino
delgado, induzem uma síndrome de má absorção. Nos equinos, essas doenças incluem: (1) distúrbios
inflamatórios ou infiltrativos – linfossarcoma difuso no intestino delgado (linfoma alimentar); enterite por
infiltrado eosinofílico, linfocítico­plasmocitário ou basofílico; enterocolite epiteliotrópica eosinofílica
multissistêmica; enterite granulomatosa (doença intestinal inflamatória); Lawsonia intracellularis (potros
desmamados, ao sobreano); isquemia e lesões intestinais por migração de larvas de Strongylus vulgaris,
pequenos estrôngilos ou infecção por Strongyloides westeri (potros); criptosporídios; inflamação pós­infarto;
gastroenteropatia associada a amiloide A; abscedação múltipla intestinal; tuberculose; histoplasmose; infecção
intestinal por Rhodococcus equi; enterocolite invasiva (Salmonella spp); (2) anormalidades bioquímicas ou
genéticas – deficiência de lactase adquirida ou congênita (intolerância à lactose); enteropatia induzida por
alimento; defeito no transporte de monossacarídios; insuficiência pancreática exócrina; (3) doenças que causam
uma área absorção inadequada – atrofia ou lesão vilosidade por infecção viral (rotavírus, coronavírus) ou
enterite bacteriana em potros, criptosporídios, ressecção intestinal; (4) distúrbios cardiovasculares –
insuficiência cardíaca congestiva; isquemia intestinal; (5) obstrução linfática – linfossarcoma, linfadenopatia
mesentérica, linfangiectasia intestinal, abscedação, obstrução do ducto torácico; (6) variados – induzidas por
drogas, intoxicação por metais pesados, deficiência de zinco.
As síndromes de má absorção nos bovinos são pouco documentadas, mas provavelmente ocorrem mais
frequentemente nos bezerros com diarreia. As doenças que causam síndrome de má absorção nos ruminantes e
suínos incluem vírus (rotavírus e coronavírus), criptosporídios, isquemia local ou generalizada, dieta pobre em
proteínas, ressecção do intestino delgado (síndrome do intestino curto), insuficiência cardíaca congestiva,
obstrução linfática, parasitismo (tricostrongilose dos ovinos e bovinos), tuberculose e doença de Johne nos
ruminantes, e enteropatia proliferativa (Lawsonia intracellularis) nos suínos. Os antibióticos orais podem alterar
a absorção das células epiteliais e causar desequilíbrio na flora do trato gastrintestinal. O tratamento com doses
altas de ampicilina, neomicina ou tetraciclina diminui significativamente e retarda a absorção de glicose durante
testes de tolerância com glicose oral em bezerros.
Os camelídeos são acometidos por várias das mesmas condições que causam a síndrome de má absorção em
ruminantes. O coronavírus é, particularmente, um problema em crias jovens. Eimeria macusaniensis, durante o
período pré­patente ou fase patente da infecção, pode causar perda de peso, hipoproteinemia e debilitação grave
em camelídeos jovens ou adultos, quando acometidos.
As síndromes de má digestão são incomuns e pouco compreendidas em grandes animais. Podem ocorrer por
alterações na função gástrica ou atividade da microflora ruminal, proliferação bacteriana anormal no intestino
delgado ou diminuição ou falta de enzimas da borda em escova do intestino delgado (deficiência de lactase). As
causas menos prováveis incluem alterações na secreção ou excreção de sais biliares (induzidas por drogas ou
hepatopatia ou enteropatia) ou deficiência ou inativação da lipase pancreática. As alterações na concentração de
sais biliares podem não prejudicar a digestão no herbívoro adulto, mas podem exacerbar os estados diarreicos
em neonatos alimentados com leite. A ressecção ou o desvio cirúrgico do intestino delgado distal pode facilitar
um supercrescimento bacteriano com anormalidades associadas aos sais biliares.
A lactose é um dissacarídio composto por glicose e galactose. As enzimas da borda em escova do intestino
delgado dos potros e bezerros contem lactase, que catalisa a degradação da lactose em seus componentes
monossacarídicos, que são então observados. Nas pessoas, a deficiência primária de lactase é herdada como
uma característica autossômica recessiva; porém, a sua ocorrência e o seu modo de herança nos grandes animais
são pouco documentados. Deficiência de lactase adquirida ou secundária é mais comum. Isto também é
observado nos potros e bezerros como resultado de alterações na mucosa intestinal induzidas por enterites
virais, protozoárias e bacterianas. A perda das células epiteliais do intestino delgado, extremidades vilosidades e
de algumas ou todas as células das criptas resultam em graus variados de deficiência de lactase por perda das
células epiteliais secretoras de lactase. As alterações morfológicas podem incluir atrofia vilosidade parcial,
hiperplasia de criptas e infiltração na lâmina própria. A diarreia osmótica resultante, em potros e bezerros
lactase­deficientes, ocorre devido ao aumento dos nutrientes não digeridos/não absorvidos no intestino delgado,
fermentação bacteriana aumentada, aumento na concentração de partículas osmoticamente ativas e retenção de
água e eletrólitos no intestino.
A má absorção é comumente observada nos animais com gastroenteropatias. Pode surgir a partir de distúrbios
estruturais ou funcionais do intestino delgado ou ser multifatorial. Ocorre, muitas vezes, má absorção
concorrentemente com perda proteica intestinal. Ambas podem causar perda de nutrientes nas fezes e perda de
peso. A má absorção não é sinônimo de diarreia em todas as espécies, embora a diarreia possa constituir uma
característica. A função do intestino grosso pode estar alterada secundariamente devido a alterações no intestino
delgado. Pode ocorrer uma diarreia transitória quando uma quantidade anormal de ácidos biliares, ácidos graxos
e carboidratos entra no intestino grosso, no efluente ileal. Essas substâncias podem potencializar direta ou
indiretamente a secreção ou diminuir as taxas de absorção.
A má absorção de nutrientes pode resultar da área de superfície absorção insuficiente, um defeito intrínseco
na morfologia da mucosa ou submucosa da parede intestinal ou obstrução linfática. Infecção por rotavírus em
animais mais jovens pode causar destruição das células epiteliais das vilosidades intestinais, que resulta em má
digestão por diminuição na atividade das enzimas dissacaridases da borda em escova e em má absorção por
diminuição na área da superfície absorção. Coronavírus e criptosporídios podem resultar em efeitos
semelhantes. A diminuição na área da superfície absorção também pode resultar de ressecção do intestino
delgado (síndrome do intestino curto) ou atrofia vilosidade por enterite granulomatosa. Doença infiltrativa ou
inflamatória local, edema ou obstrução linfática (enterite granulomatosa, linfossarcoma) secundários a causas
locais ou sistêmicas podem interferir na capacidade da parede intestinal em absorver nutrientes. Absorção
ineficiente também pode ocorrer por um aumento na permeabilidade da mucosa causado por lesões celulares.
As anormalidades metabólicas podem alterar as células epiteliais e diminuir a energia disponível para o
transporte ativo e a manutenção das proteínas transportadoras ou enzimas da borda em escova. As deficiências
congênitas de enzimas que estão normalmente presentes nos microvilosidades não são bem reconhecidas nos
animais domésticos. Deficiências congênitas de enzimas, que estão normalmente presentes nos
microvilosidades, não são muito bem reconhecidas em animais domésticos. No entanto, neonatos e ruminantes
possuem teores baixos de maltase, e os ruminantes não possuem sacarase. Na maioria das espécies, os teores de
lactase diminuem com a idade.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos são variáveis, dependendo da doença primária e da presença ou ausência
de enteropatia com perda de proteína concomitante. As síndromes de má­assimilação caracterizam–se por
equilíbrio energético negativo, perda de peso e possivelmente concentrações de proteínas séricas baixas. Perda
de peso crônica ou redução na taxa de crescimento são os sinais clínicos predominantes. Muitas vezes, a perda
intestinal de proteína também pode estar presente e se demonstrar mais debilitante que a má absorção.
O apetite dos animais acometidos pode permanecer normal, aumentar ou diminuir. Pode ocorrer polifagia
devido à falha dos nutrientes assimilados em estimular os centros de saciedade. Mais comumente no caso de má
absorção do intestino delgado, há hipofagia ou anorexia devido ao processo patológico primário causar perda de
apetite. As fezes permanecem, com frequência, normais em consistência e volume. Pode haver diarreia, mas
esta não é uma característica consistente. Nos animais adultos, a doença do intestino delgado pode ser de grande
magnitude antes da diarreia se desenvolver, pois o cólon pode compensar e absorver a carga de fluido
aumentada. Em equinos e ruminantes adultos, a diarreia indica uma doença de intestino grosso. Nos animais
jovens, nos quais a função do cólon ainda não está completamente desenvolvida, a diarreia é vista como doença
de intestino delgado e de intestino grosso.
Os sinais clínicos também podem incluir má condição, definhamento muscular, intolerância a exercícios,
atitude normal ou letárgica e sede variável. Os sinais vitais geralmente permanecem normais até o final da
doença. Pode­se observar pirexia com afecções inflamatórias e neoplásicas. Dor abdominal pode resultar de
inflamação intestinal, abscessos mesentéricos ou murais, aderências ou obstrução parcial. Podem ocorrer
posteriormente ascite, edema dependente e fraqueza, no processo patológico, especialmente quando há de perda
intestinal de proteínas. Lesões cutâneas e oculares, vasculite, artrite, hepatite e doença renal podem indicar
reações imunológicas, particularmente no caso de doença intestinal inflamatória. As lesões cutâneas observadas
em caso de dermatose relacionada com a má absorção incluem pelame escasso, áreas desiguais de alopecia e
áreas focais de descamação e formação de crostas que se distribuem de forma simétrica.
Potros e bezerros com intolerância à lactose apresentam comumente diarreia, taxa de crescimento deficiente e
aparência debilitada. Alguns animais podem exibir flatulência, desconforto abdominal discreto ou timpanismo
após ingestão de leite. Em animais jovens com deficiência de lactase adquirida, os sinais clínicos (diarreia,
desidratação, perda de peso) e alterações clinicopatológicas (acidose, hipoglicemia, anormalidades eletrolíticas)
podem ser indistinguíveis daqueles de enteropatia primária. A condição do animal pode melhorar rapidamente e
a diarreia pode se resolver quando se suspende o leite ou se esse é substituído por leite enzimaticamente tratado.
Lesões: A carcaça torna­se magra a emaciada, dependendo da duração e gravidade da doença de má­
assimilação. As lesões específicas dependem da doença primária. Os sinais claros de má absorção nem sempre
se correlacionam com alterações macroscópicas e histopatológicas, destacando a importância dos distúrbios
funcionais.
DIAGNÓSTICO: A má absorção do intestino delgado não pode ser determinada por meio de um exame clínico ou
de dados laboratoriais rotineiros. As causas mais comuns de perda de peso devem ser excluídas antes de um
diagnóstico de síndrome de má­assimilação poder ser feito. A determinação da doença primária também é
necessária para estabelecer um protocolo terapêutico, bem como um prognóstico apropriado.
Uma anamnese minuciosa deve focar a duração da afecção, fatores precipitantes, histórico nutricional,
programa rotineiro de desverminação e de cuidados de saúde, doenças anteriores ou concomitantes, bem como o
número, idade e proximidade com outros animais acometidos. Deve­se realizar um exame físico completo
correlacionando os achados do exame físico com os sinais clínicos e anamnese. A palpação retal é realizada
para determinar a presença de massas intra­abdominais, linfonodos aumentados de tamanho, aderências,
posicionamento ou espessamento anormais de segmentos intestinais, ou anormalidades na artéria mesentérica
cranial. Também se devem avaliar rins, bexiga e estruturas relacionadas.
Hemograma, fibrinogênio e perfil bioquímico sérico auxiliam na determinação do estado geral de saúde do
animal; presença de inflamação ou processo infeccioso; envolvimento de sistemas corporais e estados
metabólico, eletrolítico e de proteínas séricas. Também se deve realizar urinálise, abdominocentese e exame de
fezes quanto a ovos de parasitos, larvas, protozoários e sangue oculto. Eletroforese das proteínas plasmáticas,
pH fecal, cultura e contagem leucocitária nas fezes e estudos imunológicos também são indicados. A
fermentação intracólon de carboidratos mal absorvidos frequentemente reduzirá o pH fecal em potros e
bezerros. Uma enteropatia perdedora de proteína pode ser diagnosticada presuntivamente mediante o descarte
de outras causas de perda proteica, como doença renal ou perda para um terceiro espaço (peritônio ou espaço
pleural), e por meio da exclusão da possibilidade de uma diminuição na produção de albumina (p. ex., como no
caso de hepatopatia). Radiografia simples e contrastada do intestino pode ser realizável nos potros e pôneis
pequenos. Nos grandes animais, pode­se utilizar ultrassonografia para auxiliar a avaliar a espessura da parede
intestinal, assim como a presença de excesso de líquido, massas, aderências posicionamento anormal do
intestino na cavidade abdominal, e anormalidades vasculares na artéria mesentérica cranial.
Quando se suspeita de má­assimilação, um teste de absorção de carboidratos pode ser realizado para avaliar a
função do intestino delgado. Para que os testes de absorção sejam diagnósticos, a enteropatia deve ser difusa ou
afetar a distribuição e o trânsito do intestino delgado. Uma curva de absorção anormal ou achatada sugere
disfunção do intestino delgado. Deve­se realizar gastroscopia para eliminar a presença de lesões no estômago
(granulomas, tumores e úlceras) e duodeno ou de retenção de ingesta antes da realização de testes de absorção,
pois podem causar um atraso ou um achatamento na curva de absorção.
Embora os testes de absorção possam indicar a presença de má­assimilação, um diagnóstico etiológico requer
biopsia da mucosa intestinal e possivelmente de linfonodo. Em alguns casos, a biopsia retal pode revelar
infiltração inflamatória focal ou difusa. A cultura da biopsia e o exame de fezes quanto a leucócitos e células
epiteliais podem auxiliar na confirmação da presença de salmonelas ou de outros microrganismos invasores. Em
muitos casos, exige­se laparoscopia ou celiotomia exploratória para se obter uma biopsia intestinal ou de
linfonodo. Uma cirurgia pode não ser aconselhável no caso de um animal debilitado, pois a cicatrização do
ferimento é deficiente e deiscência é um problema potencial. Se realizável, deve­se obter biopsias intestinais e
de linfonodos para cultura, histopatologia, enzimologia e imunologia. Devido ao risco e ao custo da obtenção de
amostras teciduais apropriadas, a síndrome de má­assimilação é presuntivamente diagnosticada com o auxílio
de testes de absorção.
Os testes de absorção clinicamente aplicáveis incluem aqueles de absorção de D­glicose e D­xilose. Esses
testes podem ser úteis na avaliação da função do intestino delgado nos bezerros pré­ruminantes, potros e
equinos. Os estudos de tolerância com carboidratos orais não são úteis nos ruminantes, pois o açúcar é
degradado no rúmen. O teste de absorção de D­glicose possui as vantagens de ser fácil e barato, e encontram–se
disponíveis métodos para determinar a glicemia na maioria dos laboratórios clínicos. A principal desvantagem é
que os resultados são influenciados pela captação celular e pelo metabolismo de glicose, bem como pela
absorção intestinal. O teste de absorção de D­xilose mede mais diretamente a capacidade absorção intestinal e
não é influenciado por fatores endógenos e pela atividade enzimática intestinal. No entanto, a D­xilose é mais
cara, e a disponibilidade de xilose e de laboratórios que podem realizar suas determinações plasmáticas são
limitadas.
Glicose ou galactose podem inibir a absorção de D­xilose; portanto, torna­se necessário jejum antes de
realizar o teste. Os protocolos de ambos os testes requerem jejum prolongado, que pode ser prejudicial para
potros e bezerros jovens e doentes. Os resultados de ambos os testes também são acometidos pela velocidade de
esvaziamento gástrico, tempo de trânsito do intestino delgado e dieta do animal e duração do período de jejum
antes do teste. A forma da curva de absorção da D­xilose é influenciada pelo clearance renal, hipoxia, anemia,
infecções bacterianas sistêmicas e concentração de IgG nos potros. A idade do animal que está sendo avaliado
também afeta a absorção e a digestão de glicose, lactose e xilose. Portanto, a diferença de idade entre os
animais­controle e os acometidos deve ser pequena se não há valores de referência disponíveis no grupo etário
avaliado.
Um pico retardado na curva de absorção dos testes de D­glicose e D­xilose pode resultar de um atraso no
esvaziamento gástrico resultante de hipertonicidade da mistura de glicose ou xilose, agitação, dor ou retenção de
conteúdo gástrico ou alterações no tempo de trânsito gastrintestinal e motilidade ou obstrução parcial. Pode­se
observar uma curva de absorção achatada em um equino com capacidade absorção normal por diminuição
transitória no fluxo sanguíneo intestinal ou bactérias no lúmen do intestino delgado que metabolizam o açúcar­
teste. A xilose rapidamente se equilibra com muitos fluidos corporais (p. ex., ascite), o que diminui a
concentração sanguínea de xilose, conferindo uma curva achatada. As indicações para um teste de absorção de
D­xilose oral nos potros ou bezerros incluem diarreia persistente não atribuída a microrganismos infecciosos,
crescimento deficiente apesar do consumo normal e outros sinais de má digestão (episódios repetidos de cólica
gasosa, timpanismo e íleo adinâmico).
Teste de Absorção de D-xilose: Esse teste mede a capacidade absorção da mucosa do intestino delgado, pois os
enterócitos funcionais transportam ativamente a xilose por meio da mucosa para a corrente sanguínea. Uma
absorção subnormal sustenta o diagnóstico de má absorção. Nos equinos normais, a idade e a dieta também
afetam a absorção de xilose. Os potros < 3 meses de idade apresentam um pico de concentração maior de xilose
pós­administração que os adultos. Os equinos adultos mantidos com uma dieta rica em volumoso e pobre em
energia apresentam um pico de concentração maior de xilose pós–administração que os equinos alimentados
com uma dieta rica em energia. A privação de alimento pode alterar a absorção de D­xilose nos equinos sem
doença evidente do trato gastrintestinal. Esse efeito deve ser considerado quando se interpretam resultados em
animais anoréticos independentemente da causa.
D­xilose (0,5 a 1 g/kg de uma solução 10%) é administrada via sonda nasogástrica para um equino em jejum
de 18 a 24 h. Amostras heparinizadas de sangue venoso são coletadas antes da administração de xilose
(momento 0) e em intervalos de 30 min por 4 h (± 6 h de amostragem). Os valores máximos esperados (20 a 25
mg/dl) devem ocorrer 60 a 120 min após a administração. A curva normal deve ter forma de sino ou de V
invertido, com um pico definível da concentração de xilose plasmática 1 a 2 h após a administração. Em animais
normais, os picos plasmáticos devem ser = 15 mg/dl, acima dos valores basais.
As curvas de absorção de glicose são mais altas em equinos alimentados com
Teste de Absorção de D-glicose:

pastagem do que naqueles alimentados com ração mais rica em energia. Nos equinos com ração rica em
concentrado, observam­se valores de pico mais baixos. A duração do jejum pré­teste influencia a curva de
absorção. O jejum prolongado pode retardar ou diminuir a concentração máxima de glicose, consequentemente
conferindo um resultado falso­positivo. Em dois estudos, > 90% dos equinos adultos com evidência de má
absorção “total” de glicose apresentavam lesões infiltrativas graves no intestino delgado. A maioria dos equinos
(18/25) classificados com má absorção “parcial” também possuíam alterações patológicas óbvias no intestino
delgado.
O desempenho do teste de absorção de D­glicose é semelhante ao da absorção da D­xilose, exceto quando as
amostras são coletadas em tubos com fluoreto de sódio. Nos equinos normais, a glicemia deve atingir seu pico
em 90 a 120 min após a administração. Este pico deve ser > 85% dos teores basais de glicose. Declaradamente,
a má absorção completa é definida por um pico < 15% das concentrações basais; a má absorção parcial é
definida por um pico de 15 a 85% dos valores basais. Uma das principais desvantagens do teste de absorção de
glicose é que, se utilizando o protocolo convencional, a amostragem torna­se superior a 6 h. Um protocolo
modificado descrito requer apenas duas amostras para o teste no tempo 0 e 120 min após administração. Essa
modificação não alterou a confiança do resultado do teste.
Teste de Tolerância à Lactose Oral: O diagnóstico de deficiência adquirida de lactase é geralmente presuntivo e
baseia­se na anamnese, sinais clínicos e confirmação da presença de patógenos associados. O diagnóstico
definitivo pode ser feito por meio do teste de tolerância à lactose oral. A lactose é hidrolisada no interior da
borda em escova dos enterócitos do intestino delgado, por meio da lactase, nos constituintes D­glicose e
galactose, antes de ser absorvida. O teste de tolerância à lactose oral é direcionado especificamente em avaliar
se ocorre atividade de lactase ou não. Os equinos adultos (> 3 anos de idade) são intolerantes à lactose, e o teste
é inadequado para os ruminantes. O teste de tolerância à lactose oral tem valor na avaliação dos potros jovens e
bezerros pré­ruminantes com diarreia ou crescimento deficiente. A intolerância à lactose já foi registrada em
potros, bezerros e crianças.
O teste de tolerância à lactose oral não distingue má digestão de má absorção e requer jejum por várias horas.
Pode­se tentar uma alimentação com leite enzimaticamente tratado nos animais suspeitos de serem intolerantes
à lactose antes de submetê­los ao jejum prolongado (12 a 18 h) exigido antes de se realizar esse teste. Antes de
se realizar o teste de intolerância a lactose, grãos e feno não devem ser oferecidos a éguas e potros por 18 h. Os
potros devem ser impedidos de mamar (amordaçados) por = 4 h antes da administração de 1 g/kg de uma
solução a 20% via sonda nasogástrica; a mordaça deve ser mantida durante o teste. As amostras de sangue
devem ser coletadas em tubos com oxalato de flúor para a determinação da glicemia imediatamente antes da
administração, aos 30 min e em intervalos de 30 min, por 3 a 4 h após a administração. As concentrações de
glicose sanguínea devem ser o dobro dos valores basais em 60 a 90 min da administração da lactose. As
concentrações máximas de glicose devem ser = 35 mg/dl que os valores basais em potros saudáveis. Resultados
anormais sugestivos de intolerância à lactose incluem um atraso no, prolongamento do ou ausência de aumento
na glicemia, comparada com os valores basais.
A ausência de um aumento apropriado na glicose sanguínea deve ser consequente de má digestão ou má
absorção. Portanto, se o teste de tolerância à lactose é anormal, um teste de absorção de D­glicose ou D­xilose
deve ser realizado para determinar se má absorção ou má digestão, sozinha, é o problema. Hipersensibilidade à
caseína distingue­se da intolerância à lactose por avaliação da resposta do animal ao leite enzimaticamente
tratado ou não. Confirmação definitiva de deficiência de lactase faz–se por meio da mensuração direta da
atividade da lactase na mucosa do tecido intestinal. No entanto, isso é raramente empreendido na situação
clínica, pois se exige uma biopsia cirúrgica da mucosa.
Um teste respiratório de hidrogênio foi descrito para a detecção de má absorção de carboidrato em equinos.
Em um estudo clínico, os equinos doentes mostraram concentrações maiores de hidrogênio no ar expirado, em
jejum, do que os equinos normais. A utilidade deste teste na prática clínica ainda está para ser determinada.
TRATAMENTO: A causa primária deve ser determinada antes de se iniciar a terapia específica. Ainda não se
encontra disponível uma terapia específica para a maioria das causas de má­assimilação, exceto quanto a lesões
por lesões parasitários. Vermífugos larvicidas com ivermectina, moxidectina ou altas doses de febendazol
podem ser empregados. Drogas anti­inflamatórias (p. ex., AINE, corticosteroides) também podem ser úteis para
reduzir a resposta inflamatória no intestino afetado.
Má absorção e perda de peso crônica em equinos podem seguir com enterite viral. A descamação das
extremidades vilosidades com perda das células epiteliais intestinais resulta em superfície de absorção intestinal
insuficiente para uma adequada absorção de nutrientes pelo intestino. Cuidados de suporte e facilitação na
absorção de nutrientes no intestino devem ser promovidos até que o epitélio intestinal se restabeleça e novas
células vilosidades sejam produzidas. A regeneração e a recuperação da superfície intestinal absorção pode levar
semanas a meses em casos mais graves.
Os bezerros e os potros com deficiência adquirida de lactase após doença diarreica frequentemente
respondem bem a uma terapia de suporte (correção das anormalidades ácido­básicas, eletrolíticas e glicose) e
são alimentados com leite enzimaticamente tratado até que a mucosa do intestino delgado se regenere. Os potros
e os bezerros que tolerarem isso, devem ser alimentados com uma quantidade pequena de volumoso ou grãos de
alta qualidade para auxiliar a preencher as suas exigências energéticas. Embora a nutrição enteral deva ser
continuada sempre que possível, potros e bezerros jovens que não tolerarem a alimentação com leite ou leite
enzimaticamente tratado podem se beneficiar da interrupção da alimentação com leite por um curto período (<
24 h). Esses animais necessitam de fontes alternativas de energia e nutrientes tais como alimentações a curto
prazo (= 24 h) de soluções eletrolíticas contendo glicose ou, em casos mais graves, nutrição parenteral parcial
ou total. Mudanças na dieta para as baseadas em soja, sucedâneo de leite sem lactose e desmame precoce são
prudentes para animais com intolerância à lactose não responsiva.
O tratamento da doença intestinal inflamatória em equinos foi tentado, mas muitas vezes foi mal sucedido,
mesmo com a administração agressiva de corticosteroides. Sulfassalazina e isoniazida são recomendadas, mas
suas utilidades não estão comprovadas. De modo semelhante, o uso do dimetilsulfóxido no tratamento da
amiloidose intestinal é desconhecido. Os animais com supercrescimento bacteriano anaeróbico ou aeróbico
como um problema podem responder a uma administração antimicrobiana. A penetração adequada de
antimicrobianos nas lesões intestinais inflamatórias (p. ex., Rhodococcus equi nos potros e doença de Johne nos
ruminantes) é duvidosa. O tratamento bem­sucedido de Lawsonia intracellularis em potros foi alcançado com a
administração prolongada de antimicrobianos (eritromicina, azitromicina, claritromicina, cloranfenicol,
oxitetraciclina, doxiciclina) e tratamento de suporte agressivo (fluidos, plasma) de acordo com a condição
clínica do animal. As infecções por Eimeria macusaniensis, nos camelídeos acometidos, podem ser tratadas
com sucesso se diagnosticadas precocemente. O tratamento, atualmente, envolve a administração de amprólio
e/ou ponazurila juntamente com o tratamento suporte apropriado.
Os equinos com má absorção devido a um processo patológico ou após ressecção do intestino delgado devem
ser alimentados com uma dieta que otimize a digestão dos alimentos no intestino grosso. A dieta deve propiciar
proteínas, carboidratos, gorduras e vitaminas hidrossolúveis facilmente absorvidos e manter o equilíbrio
mineral. Aumento na proporção de concentrado em relação à forragem diminui a digestão dos alimentos no
intestino grosso e deve ser evitado. Os equinos beneficiam­se de uma dieta a base de fibras. Para potencializar a
digestão no intestino grosso, deve­se oferecer volumosos facilmente fermentáveis (p. ex., alfafa). As fibras de
alta qualidade, metabolizadas no ceco e cólon em ácidos graxos voláteis, podem compensar parcialmente as
perdas no intestino delgado. Nos animais jovens, a dieta pode ser suplementada com proteínas do leite, se não se
encontrar presente deficiência de lactase. Gorduras podem ser acrescentadas à dieta para potencializar a ingestão
de calorias. Pode­se precisar suplementar cálcio, magnésio, fosfato, zinco, cobre e ferro, pois, nos equinos, eles
são absorvidos apenas no intestino delgado. As vitaminas hidrossolúveis (especialmente a vitamina B12) e as
lipossolúveis devem ser suplementadas, via parenteral, conforme necessário. Deve­se evitar uma suplementação
excessiva, que poderia levar à intoxicação.
Os animais que não comerem necessitarão ser alimentados forçosamente com dieta líquida via sonda
nasogástrica. O equino deve ser alimentado com refeições pequenas e frequentes para tirar vantagem da
capacidade absorção remanescente e limitada do intestino delgado sem sobrecarregá­lo. Os bezerros pré­
ruminantes que são repetidamente alimentados com sonda podem desenvolver acidose ruminal devido a
deposição de material alimentar no interior do rúmen em vez do abomaso. A alimentação IV, utilizando nutrição
parenteral parcial ou total, pode se tornar necessária para os animais que se recusam a comer ou para os que não
conseguem tolerar uma alimentação forçada. No entanto, a nutrição parenteral é cara e difícil de ser continuada,
a longo prazo.
PROGNÓSTICO: Esforços devem ser realizados para determinar um diagnóstico etiológico quando se confirma
uma má­assimilação, de forma que se possa conferir um prognóstico preciso e prescrever uma terapia
apropriada. A maioria das afecções que causa má­assimilação em grandes animais adultos justifica um pobre
prognóstico, e o tratamento, comumente, é mal sucedido. No entanto, uma infestação parasitária intestinal ou
seu suprimento sanguíneo podem responder a terapia anti­helmíntica. Ocasionalmente, uma infiltração não
neoplásica no intestino pode responder ao uso de corticosteroide, mas a resposta pode ser transitória em alguns
casos. Bezerros, potros e crianças com deficiência de lactase geralmente respondem bem a terapia de suporte e
manejo dietético. O prognóstico de equinos com má absorção devido a uma doença intestinal inflamatória é
pobre; a maioria dos casos relatados foram fatais.

ÚLCERAS GASTRINTESTINAIS EM GRANDES ANIMAIS

As úlceras gástricas são importantes em equinos adultos, potros e suínos. As úlceras de abomaso (p. 289) em
bovinos adultos e nos bezerros têm importância crescente.
Úlceras GÁstricas em Equinos (Síndrome da úlcera gástrica em equinos)

As úlceras gástricas (síndrome da úlcera gástrica equina [SUGE]) são comuns em equinos e potros. Esta
síndrome está intimamente relacionada com cavalos envolvidos em treinamento atlético, a alterações no
alojamento ou de interação social e a doenças. A prevalência em cavalos de corrida não medicados em
treinamento ativo é de, no mínimo, 90%; em animais não atletas, é superior a 60%. Potros neonatos apresentam
risco significativo de desenvolvimento de úlceras pépticas perfurantes até que tenham várias semanas de vida,
pois a mucosa gástrica não está completamente desenvolvida ao nascimento. Embora possa ocorrer cicatrização
espontânea de úlceras pépticas, caso o cavalo seja mantido em situações que estimulam SUGE, é pouco
provável que as lesões cicatrizem sem tratamento.
A SUGE envolve eventos fisiopatológicos inflamatórios e lesões de mucosa, envolvendo tecidos do esôfago
distal, estômago e entrada do duodeno. A casuística em exame endoscópico indica que cerca de 90% destas
lesões se instalam na mucosa escamosa não glandular do estômago, principalmente na curvatura menor,
próxima à margem pregueada. Entretanto, porções significativas da mucosa escamosa ao longo da curvatura
maior e até o fundo gástrico também podem estar envolvidas, juntamente com lesões no antro e no piloro.
Úlcera duodenal em equinos e potros é considerada parte da SUGE e, desta forma, um distúrbio péptico
(induzido por ácido). É possível notar úlcera, perfuração e estenose duodenal; não se sabe se estes problemas
ocorrem apenas como resultado de enterite (duodenite) ou se há participação de fatores pépticos. Entretanto,
quando ocorre estenose, geralmente há úlceras gástricas e esofágicas graves secundárias ao retardamento do
esvaziamento estomacal.
ETIOLOGIA: As úlceras de mucosa escamosa não glandular estão associadas a lesões diretas repetidas causadas
por fluido com pH muito baixo, normalmente presente na região glandular do estômago. Ocorre aumento da
pressão abdominal (associado ao exercício), o que colapsa o estômago e pressiona o conteúdo de suco gástrico
para cima. A parte mais líquida (e muito ácida) da porção inferior do estômago entra em contato com a mucosa
escamosa não glandular, provocando inflamação e, possivelmente, erosões em graus variáveis.
As causas de úlceras na mucosa glandular do estômago não estão muito bem definidas. Sabe­se que o uso de
AINE não seletivos reduz o fluxo sanguíneo ao trato GI, ocasionando diminuição da produção da matriz
mucobicarbonato pela mucosa glandular gástrica e resultando em úlcera. Entretanto, isso não é um achado
consistente. Além disso, foram realizadas tentativas para isolar e/ou correlacionar a presença do microrganismo
Helicobacter spp do estômago de equinos, com e sem gastrite e úlceras. Os resultados destes estudos foram
confusos ou negativos, e a participação destes microrganismos na ocorrência de úlceras gástricas glandulares em
equinos não foi comprovada.
ACHADOS CLÍNICOS: A maioria dos potros com úlcera gástrica não apresenta sinais clínicos. Os sintomas se
tornam evidentes quando a úlcera é difusa ou grave. Diarreia, bruxismo, amamentação deficiente, decúbito
dorsal e ptialismo são os sinais clássicos de úlcera gástrica em potros. Estes sinais são vagos e inespecíficos
para úlcera gástrica. Na verdade, ptialismo é um sintoma de esofagite que, na maioria dos potros, é secundária à
obstrução do fluxo gástrico e ao refluxo gastresofágico.
Outras causas, incluindo obstrução esofágica e infecção por Candida, devem ser consideradas. É importante
lembrar que quando um potro apresenta sinais clínicos, as úlceras são graves e devem ser diagnosticadas e
tratadas imediatamente. Esporadicamente nota­se perfuração gástrica súbita sem sinal prévio, em potros.
Equinos adultos com úlcera manifestam sintomas inespecíficos que podem incluir desconforto abdominal
(cólica), diminuição do apetite, perda de peso discreta, condição corporal ruim e mudanças de comportamento.
Equinos com dor abdominal intensa ou com cólica podem apresentar úlcera gástrica, mas é pouco provável que
esta seja a causa primária da dor abdominal. Não se constatou correlação significativa entre a extensão da úlcera
e a gravidade dos sinais clínicos.
As complicações relacionadas com a úlcera gástrica são mais frequentes e graves em potros e incluem
perfuração, retardo no esvaziamento gástrico, refluxo gastresofágico e esofagite, além de megaesôfago
secundário a refluxo gastresofágico crônico. As úlceras em duodeno proximal ou no piloro podem causar
fibrose e estenose. A estenose duodenal e pilórica pode ocasionar retardo no esvaziamento gástrico em potros e
equinos adultos. Em casos raros, a úlcera gástrica grave causa fibrose e estenose do estômago.
DIAGNÓSTICO: Tanto sinais clínicos quanto testes laboratoriais são inespecíficos para úlcera gástrica e
anormalidades nestes exames não excluem a possibilidade de existir outro distúrbio. Úlceras gástricas podem se
instalar secundariamente ao estresse decorrente de doenças em outros órgãos ou de hospitalização e sistema de
confinamento. Endoscopia e visualização de úlceras em um estômago vazio é o único método de diagnóstico
definitivo. Os endoscópios com fontes de luz, cujos comprimentos são variáveis, podem ser utilizados para
visualizar com maior facilidade os estágios inflamatórios desta doença antes da lesão ao epitélio em decorrência
da úlcera. Pode­se inferir um diagnóstico presuntivo pela melhora dos sinais clínicos vários dias após o
tratamento com fármacos que sabidamente causam aumento efetivo do pH gástrico e permitem a cicatrização da
mucosa gástrica.
TRATAMENTO: A redução da acidez gástrica e a manutenção do pH em 4 a 5 são os principais objetivos do
tratamento. Estudos avaliaram o uso de protetores de mucosa, antiácidos, com antagonistas de receptor de
histamina tipo 2 (cimetidina e ranitidina), e o inibidor da bomba de prótons, o omeprazol, em um marcador, com
intuito de auxiliar na passagem do conteúdo do estômago para o intestino delgado, para absorção. Destes, o
omeprazol foi o único medicamento que propiciou de forma consistente a cicatrização de úlceras gástricas em
equinos que continuaram seus treinamentos normais. Este é o único fármaco aprovado pela FDA para
tratamento (4 mg/kg, VO, 1 vez/dia) ou prevenção (1 mg/kg, VO, 1 vez/dia) de úlceras gástricas em equinos. O
sucralfato adere­se à mucosa glandular gástrica e pode promover cicatrização, embora não haja dados
disponíveis que sustentem sua eficácia no tratamento de úlceras gástricas em equinos e potros. Logo, seu uso é
questionável nestes animais. Os antiácidos ainda não tiveram eficácia comprovada na cicatrização, tampouco na
prevenção de úlceras gástricas. Estes devem ser administrados em dose relativamente alta, a cada 2 h, para
neutralizar o suco gástrico. A ranitidina (6,6 mg/kg, VO, 3 vezes/dia) é efetiva na cicatrização de úlceras
gástricas, quando os equinos são afastados do tratamento. Estudos sugerem que a cimetidina não é efetiva.

ÚLCERAS GÁSTRICAS EM SUÍNOS

As úlceras acometem a parte esofágica dos suínos e causam episódios esporádicos de hemorragia gástrica
aguda, resultando em morte ou crescimento retardado devido à úlcera crônica.
ETIOLOGIA: As causas específicas não são conhecidas. As úlceras acometem suínos de todas as idades, mas são
mais comuns naqueles confinados em fase de crescimento (45 a 90 kg), alimentados com rações peletizadas ou
finamente trituradas e, também, nos suínos alimentados com grande quantidade de leite desnatado ou soro
lácteo. Acredita­se que promotores de hiperacidez possam contribuir para o desenvolvimento de úlceras. A
combinação de alimentos finamente triturados, transporte, clima quente, privação de alimento ou água e mistura
de suínos não familiares resulta em aumento significativo da ocorrência de úlceras gástricas em suínos em fase
de crescimento rápido. A variabilidade no consumo alimentar diário devido à enfermidade sistêmica,
particularmente pneumonia, também resulta em maior prevalência de úlceras. Esta enfermidade é especialmente
importante em suínos confinados destinados ao abate em frigoríficos, principalmente naqueles transportados por
longa distância.
ACHADOS CLÍNICOS: Na forma hiperaguda, os suínos morrem rapidamente e são encontrados mortos,

apresentando palidez como único sinal clínico. Na forma aguda, a hemorragia provoca anorexia, fraqueza,
anemia e fezes escurecidas a negras; o animal pode morrer em horas ou dias. Na forma crônica, são
característicos sinais de definhamento, anemia e fezes escurecidas a negras; o suíno pode sobreviver por várias
semanas. Os suínos com a forma subclínica podem não atingir a maturidade no momento esperado; nestes
animais, geralmente a úlcera cicatriza e resta uma cicatriz. Em alguns rebanhos, até 90% dos suínos podem ser
acometidos; em outros, a incidência é esporádica. Nos achados em frigoríficos, a prevalência de úlceras pode
ser bastante alta em suínos que cresceram normalmente, embora em alguns animais a lesão tenha se
desenvolvido durante o transporte. A doença clínica aparentemente ocorre apenas após hemorragia da úlcera.
Lesões: A lesão terminal típica é verificada na mucosa gástrica, próximo à abertura esofágica, em uma área
retangular de epitélio escamoso, não glandular, brilhante e branco. É comum notar uma lesão em forma de
cratera = 2,5 a 5 cm de diâmetro, circundando a entrada do esôfago. A lesão se apresenta como uma área
profunda amarelo­clara ou acinzentada e pode conter coágulos de sangue ou restos celulares. Na hemorragia
aguda, o estômago e o intestino delgado superior contêm sangue escuro. As lesões iniciais caracterizam­se por
hiperqueratose e paraqueratose do epitélio escamoso na região da entrada do esôfago, no interior do estômago.
Posteriormente, a lesão proliferativa progride para erosão e origina úlcera. A úlcera cicatrizada se parece com
uma cicatriz estrelada.
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO: A constatação, em uma baia, de 1 ou 2 suínos com anorexia e apatia, perda de
peso, anemia, fezes escura e, às vezes, dispneia, sugere úlcera gástrica, bem como a morte súbita de um animal
aparentemente saudável. Os diagnósticos diferenciais incluem hemorragia intestinal, eperitrozoonose, infecção
por Hyostrongylus rubidus e enteropatia suína.
Atualmente não há tratamento economicamente viável disponível. Cuidados paliativos – remoção do suíno
enfermo da baia e dieta com alimentos fibrosos e grosseiros – podem ser uma tentativa. Deve­se considerar o
abate precoce dos suínos acometidos. O controle de doença respiratória crônica é importante. O fornecimento de
alimentos, preferivelmente peletizados, com tamanho da partícula = 600 a 700 μm de diâmetro, é valioso, mas
pode surtir efeito negativo na conversão alimentar. É útil o oferecimento estratégico destas dietas durante os
estágios de produção em que o risco da doença é alto.
DOENÇAS DA CAVIDADE BUCAL DE PEQUENOS ANIMAIS

Para uma discussão sobre doenças do desenvolvimento da cavidade bucal veja p. 165. Para complexo
granuloma eosinofílico, ver p. 1040.
A principal e mais importante função da boca é prender e introduzir o alimento ao trato digestório. Algumas
das funções adicionais incluem comunicação e interação social, vocalização, proteção, regulação da temperatura
(particularmente nos cães) e pegar objetos. A última é muito importante para os animais atletas (Retriever, cães
militares e policiais). À semelhança de outras áreas do trato alimentar, a cavidade bucal, em um estado de saúde
normal, alberga grande e diversa população de bactérias que vivem, principalmente, no biofilme. Ao contrário
de outras áreas do corpo, a cavidade bucal também contém superfícies não vitais (esmalte dos dentes)
desprovidas de sistema imune de defesa local, sem habilidade de regeneração de suas superfícies por meio de
renovação celular. A gengiva e a mucosa apresentam excelente suprimento vascular e a gengiva intimamente
aderida protege o osso adjacente de traumatismo, lesão térmica e invasão bacteriana.
A preensão de alimentos exige uma interação complexa dos músculos da mastigação, dentes, língua e
músculos faringianos. Quando qualquer um desses componentes está comprometido por doença ou
traumatismo, podem ocorrer má nutrição e desidratação.
Um exame completo da cavidade bucal deve ser parte do exame físico, pois doenças bucais são mais
efetivamente tratadas quando se faz um diagnóstico precoce. Infelizmente, muitos problemas permanecem
ocultos na boca, até que progridam para um estágio avançado.

DISTÚRBIOS SALIVARES

Fístula Salivar

A fístula salivar é uma afecção incomum que pode resultar de traumatismo de glândulas salivares mandibular,
zigomática ou sublingual. Os ferimentos de glândula parótida, mais provavelmente, desenvolvem uma fístula.
Uma lesão no ducto parotídeo pode resultar de ferimento traumático (p. ex., mordedura), drenagem de abscesso
ou cirurgia anterior na área, com ruptura iatrogênica. O fluxo de saliva constante evita a cicatrização e instala–se
uma fístula.
Histórico de lesão na região glandular, detecção de fístula e aspecto da secreção são característicos. Uma
fístula salivar deve ser diferenciada de um seio drenante (por corpo estranho perfurante ou doença endodôntica
de um dente mandibular) no pescoço ou de seios decorrentes de defeitos congênitos. A ligadura cirúrgica do
ducto resulta geralmente em resolução, mas a excisão da glândula associada pode ser necessária.

Hipersialose Responsiva ao Fenobarbital (Epilepsia límbica)

Os sinais clínicos incluem aumento da glândula salivar, que pode estar dolorida à palpação, perda de peso,
ptialismo, mímica de vômito e vômito. O exame das amostras dos aspirados com agulha fina ou de biopsias não
revelam anormalidades. O diagnóstico exige a exclusão de outras causas de aumento de volume e resposta ao
tratamento com fenobarbital na dose de 5 mg/kg IM, 2 vezes/dia, durante 4 dias, e depois 2 mg/kg, PO, 2
vezes/dia. A terapia com fenobarbital pode ser suspensa, em alguns animais, dentro de 6 meses. Recidiva pode
ocorrer.

Mucocele Salivar

A mucocele salivar (ou sialocele) é um acúmulo de saliva mucoide no tecido subcutâneo após lesões no ducto
ou glândula salivares. Trata­se do distúrbio da glândula salivar mais comum em cães. Embora se possa afetar
qualquer uma das glândulas salivares, as glândulas sublingual e mandibular são as mais comumente envolvidas.
Geralmente, a saliva acumula­se na área cervical intermandibular ou cranial (mucocele cervical). Ela também
pode se acumular nos tecidos sublinguais no assoalho da boca (rânula). Um local menos comum é na parede
faringiana.
A causa pode ser uma obstrução traumática ou inflamatória ou ruptura do ducto das glândulas salivares
sublingual, mandibular, parótida ou zigomática. Geralmente, a causa exata não é determinada, mas uma
predisposição de desenvolvimento foi sugerida nos cães.
Os sinais dependem do local do acúmulo de saliva. Na fase aguda do acúmulo salivar, a resposta inflamatória
resulta em inchaço e dor na área acometida. Frequentemente, esse estágio não é observado pelo proprietário, e o
primeiro sinal notado pode ser uma massa flutuante e não dolorida que aumenta de volume lentamente e ocorre
quase sempre na região cervical. Uma rânula pode não ser notada, até que ela seja lesionada e sangre. Uma
mucocele faringiana pode obstruir as vias respiratórias e resultar em desconforto respiratório moderado a grave.
Uma mucocele é caracterizada como uma massa macia, flutuante e indolor, que deve ser diferenciada de
abscessos, tumores e outros cistos de retenção no pescoço. Dor ou febre podem estar presentes se a mucocele
infeccionar. Uma mucocele salivar geralmente pode ser diagnosticada por meio de palpação e aspiração da
saliva viscosa tingida de sangue ou dourada, característica. Geralmente, a palpação cuidadosa, com o animal em
decúbito dorsal, pode determinar o lado afetado; se não conseguir fazê­la, uma sialografia pode ser útil.
Recomenda­se cirurgia para remover a glândula e os ductos salivares danificados. As mucoceles cervicais
podem ser tratadas com drenagem periódica se cirurgia não é uma opção. Drenagem, marsupialização ou
remoção da glândula são recomendadas para o tratamento das rânulas. Recomenda­se a remoção completa da
glândula ou ducto no caso de mucocele faringiana, para evitar futura obstrução de via respiratória, com risco à
vida do animal.

Necrose da Glândula Salivar em Cães

Uma afecção da glândula salivar mais grave que a sialoadenite, a necrose da glândula salivar caracteriza­se por
uma glândula firme, aumentada de tamanho e dolorosa. Muitas vezes, é acompanhada de mímica de vômito e
regurgitação. Muitos cães acometidos apresentam patologias esofágicas associadas como megaesôfago,
divertículo esofágico ou esofagite. Nesses casos, a resolução do aumento da glândula salivar rapidamente segue
o tratamento bem­sucedido das lesões esofágicas. Uma citologia aspirativa com agulha fina ou exame
histopatológico do tecido pode revelar hiperplasia dos ductos, inflamação ou ausência de anormalidades.

Ptialismo

Ptialismo, ou hipersialose, é uma salivação causada pela hipersecreção de saliva. O pseudoptialismo é uma
salivação secundária a anormalidades de conformação ou distúrbios na deglutição em animais que produzem
quantidade normal de saliva. Ambos são discutidos conjuntamente, como ptialismo.
O ptialismo pode resultar de: 1) medicamentos, toxinas ou produtos tóxicos, por exemplo, organofosforados;
2) irritação local ou inflamação associada a estomatite, glossite (especialmente nos gatos), corpos estranhos
bucais, neoplasias, lesões ou outros defeitos na mucosa; 3) doenças infecciosas (p. ex., a raiva), a forma
neurológica da cinomose ou outros distúrbios convulsivos; 4) cinetose, medo, nervosismo ou excitação; 5)
relutância para engolir ou interferência com a deglutição (irritação do esôfago, obstrução esofágica por
patologia regional, ou estimulação dos receptores gastrintestinais causada por gastrite ou enterite; 6) lesões
sublinguais (corpo estranho linear ou tumor); 7) tonsilite; 8) administração de medicamentos (particularmente
nos gatos); 9) defeitos de conformação; 10) distúrbios metabólicos (encefalopatia hepática [especialmente em
gatos]) ou uremia; 11) abscesso, obstrução inflamatória ou outra patologia da glândula salivar.
A possibilidade de raiva deve ser eliminada antes do exame da cavidade bucal. A causa primária, local ou
sistêmica, deve ser determinada e tratada. A dermatite úmida aguda dos lábios e da face pode se desenvolver se
a pele não é mantida seca o suficiente. Limpeza com solução de clorexidine diluída ou peróxido de benzoíla
pode ser útil.

Sialoadenite

Sialoadenite ou inflamação a glândula salivar raramente é um problema clínico em cães e gatos. No entanto,
frequentemente é um achado incidental em estudos histopatológicos, na necropsia.
A causa pode ser um traumatismo decorrente de ferimentos perfurantes ou infecção sistêmica que
compromete a glândula salivar ou tecido circundante. A sialoadenite, como componente de uma doença
sistêmica, já foi relatada na raiva, cinomose e infecção por paramixovírus que causa a caxumba humana.
Os sinais incluem febre, depressão e glândulas salivares doloridas e inchadas. A ruptura de uma glândula
abscedada elimina pus no tecido circundante ou na boca. A ruptura, via pele, pode provocar a formação de uma
fístula salivar. O inchaço da glândula parótida torna­se mais proeminente abaixo da orelha; o inchaço da
glândula mandibular no ângulo da maxila; e o inchaço da glândula zigomática imediatamente caudal ao olho. O
envolvimento da glândula zigomática pode resultar em inchaço retrobulbar, estrabismo divergente no olho
afetado, exoftalmia, lacrimejamento excessivo e relutância em abrir a boca ou comer. Os abscessos das
glândulas zigomática e parótida são muito dolorosos; o animal pode manter a sua cabeça rígida e se ressentir
com qualquer manipulação que envolva a cabeça ou o pescoço.
As radiografias e os testes laboratoriais geralmente não são úteis, embora a avaliação do fluido de um
abscesso possa levar ao diagnóstico. A histopatologia do tecido da glândula salivar pode revelar alterações
inflamatórias agudas ou crônicas ou necrose.
A sialoadenite discreta não requer tratamento e a recuperação é geralmente rápida e completa. Um abscesso
maduro deve ser drenado via pele sobrejacente ou, caso envolva a glândula zigomática, atrás do último molar
superior no lado afetado. Antibióticos sistêmicos devem ser administrados.
A ausência de resolução ou recidiva necessitam de citologia do material aspirado, biopsia ou remoção
cirúrgica da glândula afetada.

Sialometaplasia Necrosante

Trata­se de uma doença inflamatória rara, benigna e autolimitante das glândulas salivares menores do palato.
Clinicamente, manifesta­se como uma úlcera no palato ou edema da submucosa. Há resolução espontânea, mas
a identificação é importante, pois pode se parecer clinicamente e microscopicamente com o carcinoma de
células escamosas ou com o carcinoma mucoepidermoide, resultando em cirurgia desnecessária.

Tumores de Glândulas Salivares

Os tumores de glândulas salivares são raros em cães e gatos, embora os gatos sejam acometidos duas vezes mais
frequentemente que os cães. A maior parte deles ocorre nos cães e gatos > 10 anos de idade. Não há uma
evidente predileção racial ou sexual, embora os cães poodle e raças Spaniel possam ser predispostos. A maioria
dos tumores de glândulas salivares é maligna, e o carcinoma e o adenocarcinoma ocorrem com maior
frequência. Infiltração local e metástase nos linfonodos regionais e pulmões são comuns, assim como a recidiva
local após excisão cirúrgica. Radioterapia, com ou sem cirurgia, propicia melhor prognóstico.

Xerostomia

O hipoptialismo corresponde à diminuição na secreção de saliva que pode resultar em boca seca, ou xerostomia.
Pode causar desconforto significativo e dificuldades durante a alimentação. É incomum em cães e gatos, mas é
muito comum em humanos submetidos ao tratamento, via ortorradiação, de tumores da cabeça e pescoço, que
resultou em lesões colaterais por radiação nas glândulas salivares. Como o tratamento com radiação está sendo
mais utilizado na medicina veterinária, essa condição pode se tornar mais frequente nos animais. A secreção
salivar diminuída pode resultar, também, do uso de determinadas drogas (p. ex., a atropina), desidratação
extrema, pirexia ou anestesia. Em alguns cães, é observada junto com ceratoconjuntivite seca e pode ser
imunomediada. Ocasionalmente, se deva a uma afecção da glândula salivar. A determinação e o tratamento da
causa primária possuem importância primordial. Os enxagues bucais fisiologicamente balanceados aliviam o
desconforto resultante da xerostomia. Fluidos devem ser administrados se o animal está desidratado. Terapia
imunossupressora está indicada caso uma doença imunomediada seja a suspeita.

DOENÇAS INFLAMATÓRIAS E ULCERATIVAS DA CAVIDADE BUCAL

A inflamação dos tecidos bucais pode ser primária ou secundária. A inflamação da cavidade bucal pode afetar a
gengiva (gengivite), periodonto (periodontite), membrana mucosa bucal (estomatite), língua (glossite), tecidos
ao longo da rafe pterigomandibular e arcos glossopalatinos (estomatite caudal), tecidos que se estendem desde a
faringe até a garganta (faucite), palato (palatite) ou faringe (faringite). A natureza e a gravidade das lesões
variam muito, dependendo da etiologia e da duração da doença.
Doença periodontal, inclusive gengivite e periodontite, é o problema oral mais comum em pequenos animais.
A gengivite é uma resposta inflamatória gengival normal na presença de placas bacterianas na superfície
dentária adjacente. Periodontite (inflamação do ligamento periodontal com perda da coesão) desenvolve­se a
partir da combinação de patógenos periodontais bacterianos e da resposta imune de indivíduos suscetíveis que,
em conjunto, destroem o osso e tecidos adjacentes ao dente (ver p. 187).
Uma infecção periapical causada por doença endodôntica é a causa mais comum de um abscesso (furúnculo
gengival), que se manifesta com uma área circular elevada de tecido de granulação inflamado na gengiva, com
uma fístula drenante central. Um abscesso periodontal é uma causa menos comum de um furúnculo gengival. A
fístula pode ser seguida de lesões periodontais ou periapicais primárias e a etiologia deve ser esclarecida (ver p.
190).
Outras causas de doenças inflamatórias bucais incluem imunopatia (p. ex., lesão autoimune, deficiência
imunológica), produtos químicos, doença infecciosa, traumatismo, doença metabólica, anormalidade de
desenvolvimento ou conformações anatômicas que predispõem a irritação ou inflamação, queimaduras,
radioterapia ou neoplasia. Os microrganismos infecciosos associados a inflamação da cavidade bucal, glossite,
estomatite e úlceras orais incluem herpesvírus felino, calicivírus felino, vírus da leucemia felina, vírus da
imunodeficiência felina, vírus da cinomose, Bartonella henselae, e alguns sorovares de Leptospira. A estomatite
traumática pode ocorrer depois de uma exposição oral ao material vegetal (praganas de plantas) ou fibra de
vidro. Quando mastigadas, as plantas da espécie Dieffenbachia podem causar inflamação oral e úlceras. O tálio
é o principal metal pesado responsável por lesões bucais; a incidência dessa intoxicação é baixa. A uremia pode
causar estomatite e úlceras orais. Úlceras orais recidivantes também são observadas em cães da raça Colly cinza
com hematopoese cíclica.
Os sinais clínicos variam amplamente, de acordo com a causa e a extensão da inflamação. Pode ocorrer
anorexia, especialmente nos gatos. Halitose e salivação são comuns na estomatite caudal ou na glossite, e a
saliva pode ficar tingida de sangue. O animal pode esfregar sua boca com as patas e reagir a qualquer tentativa
de exame da cavidade bucal, devido à dor. Os linfonodos regionais podem estar aumentados.

Dermatite da Dobra Labial e Queilite

A dermatite da dobra labial é uma dermatite úmida crônica observada em raças que possuem lábios superiores
pendulosos e dobras no lábio inferior, em sua porção lateral (p. ex., cães das raças Spaniel, Buldogue inglês e
São Bernardo), permitindo contato prolongado com a saliva. Essas lesões podem estar exacerbadas quando uma
higiene oral deficiente resultar em aumento no número de bactérias na saliva. As dobras do lábio inferior podem
tornar­se mal cheirosas, inflamadas, incômodas e edemaciadas.

Abscesso gengival. Um dente canino superior esquerdo fraturado, em um filhote de cão, resultou em doença endodôntica, inflamação periapical
e abscesso gengival. Note a lesão circular proliferativa, friável, com uma fístula central drenante acima do primeiro pré­molar. Cortesia do Dr.
Gregg A. DuPont.

Os ferimentos labiais, resultantes de brigas ou mastigação de objetos afiados, são comuns e variam
amplamente em gravidade. Os espinhos, praganas de plantas, carrapichos e anzóis podem se fixar nos lábios e
causar irritação acentuada ou ferimentos graves. Agentes irritantes como materiais plásticos ou vegetais podem
provocar inflamação dos lábios. As infecções labiais podem ocorrer secundariamente a ferimentos ou corpos
estranhos, ou podem estar associadas à inflamação de áreas adjacentes. Uma extensão direta de doença
periodontal grave ou estomatite pode provocar queilite. A lambedura das áreas de dermatites bacterianas ou de
ferimentos contaminados pode espalhar a infecção para os lábios e dobras labiais. Outras causas de inflamação
dos lábios incluem infecções parasitárias, dermatopatias autoimunes e neoplasias.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: A inflamação dos lábios e das dobras labiais pode ser aguda ou crônica.
Os animais com queilite podem arranhar, coçar ou esfregar a boca ou lábios; apresentam odor fétido no hálito; e
ocasionalmente salivam excessivamente ou ficam anoréticos. No caso de infecção crônica nas margens ou
dobras labiais, o pelo dessas áreas fica descolorido, úmido e emaranhado com uma descarga fétida, espessa,
amarelada ou marrom, por cima de uma pele hiperêmica e, às vezes, ulcerada.
A queilite por extensão da infecção na boca ou de outra área do corpo é geralmente detectada facilmente
devido à lesão primária.
TRATAMENTO: O manejo clínico da dermatite das dobras labiais inclui tricotomia e limpeza das dobras, 1 ou 2
vezes/dia, com peróxido de benzoíla ou substância suave para limpeza da pele, e manutenção da área seca.
Aplicação tópica de creme para assadura, diariamente, pode ser útil. A correção cirúrgica queiloplastia) das
dobras labiais mais pronunciadas é um procedimento mais duradouro.
Queilite não relacionada com as dobras labiais geralmente se resolve com limpeza mínima, antibióticos
apropriados, caso se encontre presente infecção bacteriana, e tratamento específico da etiologia primária (p. ex.,
dermatopatia autoimune). Os ferimentos labiais devem ser limpos e suturados, caso necessário. Torna­se
importante o tratamento da doença periodontal ou da estomatite para evitar recidiva.
A queilite infecciosa que se espalhou a partir de uma lesão em um outro lugar geralmente melhora com
tratamento da lesão primária, mas também se torna necessário tratamento local. No caso de infecção grave,
deve­se retirar o pelo da lesão, e a área deve ser gentilmente limpa e seca. Antibióticos são indicados se a
infecção é grave ou sistêmica.

Estomatite Micótica

A estomatite micótica, causada pelo supercrescimento do fungo oportunista Candida albicans é uma causa
incomum de estomatite em cães e gatos. É caracterizada por estomatite, halitose, ptialismo, anorexia, úlcera na
cavidade bucal, e sangramento do tecido oral. Acredita­se que está associada a outras doenças da cavidade
bucal, terapia antimicrobiana de longa duração ou imunossupressão. O diagnóstico é confirmado por cultura do
organismo da lesão ou evidências histológicas de invasão tecidual.
Qualquer doença local ou sistêmica primária que compromete a cavidade bucal deve ser tratada. Cetoconazol
ou um benzimidazol relacionado deve ser administrado até que as lesões se resolvam; interrompa a terapia
antimicrobiana. Deve­se manter uma dieta adequada. O prognóstico é reservado, caso não se consiga tratar ou
controlar adequadamente as doenças predisponentes.

Estomatite Posterior Felina (Faucite/Estomatite ulceroproliferativa, Palatoglossite, Estomatite

plasmocitária, Estomatite linfocítica-plasmocitária)

A estomatite posterior felina (EPF) é uma doença de gatos, relativamente incomum (3% dos problemas
dentários em felinos), porém grave. Os animais acometidos apresentam inflamação bucal com piora progressiva
e desconforto. De modo mais significativo, a área ao redor dos arcos glossopalatinos e os tecidos ao longo da
rafe pterigomandibular (entre as áreas retromolares da maxila e da mandíbula) se apresentam severamente
ulcerados, friáveis, inflamados e proliferativos. A inflamação ulceroproliferativa grave que envolve esta área,
bilateralmente, na parte mais profunda da boca, é patognomônica de EPF. A causa não está comprovada, mas
suspeita ser resultado de uma resposta inflamatória inadequada a um antígeno, ou mais. Alta porcentagem de
gatos acometidos (100% em alguns estudos) é portadora crônica de calicivírus felino. Em um indivíduo, a EPF
pode ser causada pela soma de sensibilidades múltiplas aos antígenos da superfície do dente, inclusive das
superfícies radiculares e do ligamento periodontal, acima de um limiar.
O sinal imediato é dor intensa ao abrir a boca. Os gatos vocalizam e saltam quando bocejam ou abrem a boca
para a preensão do alimento. Halitose, ptialismo e disfagia podem ser observados. Gatos frequentemente
mostram um comportamento de “aproximação­fuga” ao se aproximarem do alimento quando sentem fome,
então miam e fogem em antecipação ao desconforto. Se a afecção é grave e tiver uma longa duração, a perda de
peso pode ser evidente. A doença é lentamente progressiva, e pode não ser identificada até que as lesões se
tornem graves. Às vezes, nota­se linfadenopatia submandibular. Frequentemente, devido à dor, não se consegue
visualizar adequadamente a cavidade bucal sem que se empregue sedação ou anestesia.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico é feito pela identificação visual de alterações ulceroproliferativas bilaterais nos
tecidos ao redor dos arcos glossopalatinos durante o exame da cavidade bucal. Nos casos avançados, o gato
reage fortemente para abrir a boca. Testes adicionais incluem isolamento viral (calicivírus e herpesvírus), testes
retrovirais, e pesquisa de doença sistêmica (insuficiência renal). Embora uma associação definitiva com
infecção por Bartonella ainda não tenha sido comprovada, os testes são recomendados. Nos casos atípicos
(envolvimento unilateral, geralmente uma lesão focal proliferativa), biopsia e avaliação histopatológica são
necessárias para excluir neoplasia de cavidade bucal ou outras doenças específicas. A maioria das amostras
coletadas por biopsia a partir de lesões crônicas, inflamatórias ou ulceradas, revela predominância de linfócitos
e plasmócitos, o que indica a natureza inflamatória crônica da lesão sem elucidar a etiologia primária.
TRATAMENTO: A extração de todos os pré–molares e molares de remoção dos ligamentos periodontais
associados por meio de curetagem alveolar é o único tratamento que propicia alguma melhora e auxilia no
controle a longo prazo. Este tratamento fornece uma melhora significativa em 80% dos gatos acometidos
quando é realizado precocemente no curso da doença, e pontas ou fragmentos de raízes não devem ser deixados
para trás. Gatos cronicamente acometidos, que foram tratados medicamentosamente por muitos meses,
apresentam um prognóstico mais pobre após a cirurgia. Se algum dente está faltando, radiografias dentárias são
exigidas para localizar as raízes retidas. Todo fragmento de raiz persistente deve ser removido, pois poderá
prejudicar a melhora. No pós–operatório, deve­se administrar amoxiciclina­clavulanato por 1 semana, seguida
de clindamicina por mais 1 semana e, então, metronidazol, mais 1 semana. Raramente se indica cultura e
antibiograma das lesões, mesmo no caso de infecções crônicas ou recidivantes. O tratamento sintomático de
EPF inclui mudança da dieta (alimentos palatáveis e amolecidos, não alergênicos), antibióticos e antissépticos
tópicos (p. ex., solução ou gel de clorexidina 0,1%). Os animais incapazes ou que não desejam comer e beber
devem receber fluidos parenterais ou subcutâneos para evitar uma desidratação. A colocação de sonda
nasoesofágica, faringostomia ou gastrostomia deve ser considerada em gatos debilitados que não respondem à
terapia. Alimentações frequentes com líquidos palatáveis e, posteriormente, com alimentos semissólidos
estimulam a ingestão de alimentos. Para as dores que persistem, apesar das extrações, a terapia de manutenção
com prednisona ou triancinolona, VO, pode ser útil.
Muitos outros tratamentos para EPF foram descritos, inclusive a manutenção de uma boa higiene oral,
tratamento da doença periodontal, profilaxia dentária regular, clorambucila, ciclosporina, laser terapia,
lactoferrina bovina, progestina, sais de ouro, azatioprina, dietas hipoalergênicas, laser de CO2, crioterapia,
eletrofulguração e radiocirurgia. Nenhum destes procedimentos propicia resolução a longo prazo do problema.
Alguns relatos sobre a resposta à terapia com interferona­? recombinante felino foram promissores. A
administração de glicocorticoides, apenas, geralmente resulta em melhora clínica significativa e imediata devido
à modulação da resposta inflamatória excessiva, mas não é recomendada, exceto como último recurso. Sem
cirurgia, injeções repetidas de metilprednisolona ou triancinolona, ou terapia de manutenção com prednisona ou
prednisolona são, muitas vezes, necessárias. Este tratamento torna­se progressivamente menos eficaz e,
eventualmente, completamente ineficaz. Além disso, gatos que receberam tratamentos repetidos com
glicocorticoides apresentam um pobre prognóstico, logo que os dentes são extraídos. A extração de todos os
pré­molares e molares ou as extrações de todos os dentes geralmente resultam em melhora significativa ou
resolução completa da inflamação, se realizadas precocemente no curso da doença e antes dos múltiplos
tratamentos com glicocorticoides.

Estomatite Ulcerativa Crônica

As características da estomatite ulcerativa crônica (também conhecida como síndrome paradentária ulcerativa
crônica ou SPUC) incluem inflamação gengival grave, vários locais de retração gengival e deiscência e áreas
extensas de mucosa labial ulcerada adjacente à superfície dos grandes dentes. Este problema comumente afeta
cães da raça Greyhound, mas também foi descrito em animais das raças Maltesa, Schnauzer miniatura, Labrador
Retriever, entre outras.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico é feito pela observação clínica das lesões da cavidade bucal, após exclusão de
outras etiologias como estomatite urêmica, estomatite cáustica ou microrganismos infecciosos específicos. A
lesão característica é uma úlcera de contato que se desenvolve onde a mucosa do lábio ou da bochecha entra em
contato com a superfície do dente, mais comumente na superfície interna do lábio superior adjacente aos dentes
caninos. Essas lesões também são denominadas “úlceras de contato”, pois se manifestam quando os lábios
“tocam” os dentes. Um perfil imunológico deve ser obtido e uma biopsia realizada para histopatologia.
TRATAMENTO: A doença primária é uma imunopatologia que resulta em resposta inflamatória local excessiva
aos antígenos da placa dentária. A eliminação ou, pelo menos, a minimização da placa, por meio de limpeza
profissional, e boa higiene oral caseira (escovação dos dentes 2 vezes/dia) podem resolver o problema. Contudo,
mesmo uma discreta placa residual na superfície do dente perpetua a inflamação e as úlceras. Tratamento
antibacteriano complementar com gliconato de clorexidina tópica, como solução de enxágue ou gel, e, às vezes,
tratamento antimicrobiano com metronidazol devem ser utilizados. Em casos graves, preparações tópicas anti­
inflamatórias para modularem a resposta inflamatória também promovem conforto. O desconforto causado por
úlceras complica o esforço de se escovar os dentes e a administração oral de medicamentos. Em casos piores,
nos quais o desconforto é intenso e os proprietários são incapazes de ou relutantes em escovar os dentes dos
animais, a extração de todos os dentes associados às úlceras pode ser necessária para remover a superfície de
contato com as placas acumuladas. Apesar de poder auxiliar no controle das lesões, estas medidas não são
curativas, pois as placas se formam na superfície mucosa da boca, inclusive na língua. Em alguns casos com
extrações completas, os animais continuam a desenvolver lesões devido à resposta hiperimune à placa.
Estomatite ulcerativa crônica. Úlceras de contato nas membranas mucosas labial e bucal, onde o lábio e as bochechas tocam a superfície do
canino superior e do quarto dente pré­molar superior. Cortesia do Dr. Gregg A. DuPont.

Gengivite Ulcerativa Necrosante Aguda (Guna) (Gengivoestomatite ulcerativa necrosante,

Estomatite ulceromembranosa, Estomatite ulcerativa necrosante, Estomatite de Vincent,

Trenchmouth)

Esta doença relativamente incomum de cães caracteriza­se por gengivite grave, úlcera e necrose da membrana
mucosa bucal. Fusobacterium spp e espiroquetas (Borrelia vincenti), habitantes normais da boca, foram
incriminados como causadores da doença, após algum fator predisponente aumentar suas populações e diminuir
a resistência da mucosa bucal. Desconhece­se o papel, se realmente há, desses microrganismos como causa da
doença. Em pessoas, Bacteroides melanogenicus intermedius pode desempenhar um papel muito importante.
Outros fatores em potencial incluem estresse, administração excessiva de glicocorticoides em cães suscetíveis e
dieta deficiente.
A doença aparece, primeiramente, como hiperemia e inchaço nas margens gengivais e papilas interdentárias,
que ficam doloridas, sangram facilmente e podem progredir para retração gengival. A extensão para outras áreas
da mucosa oral é comum, resultando em membranas mucosas necrosadas e ulceradas e exposição ósseas nos
casos graves. A halitose é intensa, e o animal pode ficar anorético devido à dor. Às vezes ocorre ptialismo, e a
saliva pode ficar tingida de sangue. O diagnóstico diferencial inclui doença periodontal grave, dermatopatia
autoimune, uremia, neoplasia e outra doença sistêmica associada a lesões orais.
O diagnóstico é feito por meio da exclusão das outras etiologias.
Tratamento da doença periodontal, desbridação das lesões, higiene oral, antibióticos (amoxicilina­
clavulanato, ampicilina, clindamicina, metronidazol e tetraciclinas) e antissépticos orais (solução ou gel de
clorexidina 0,1%) são indicados.

Glossite

Glossite, uma inflamação aguda ou crônica da língua, é causada por microrganismos infecciosos (calicivírus,
herpesvírus, vírus da rinotraqueíte, leptospirose), agentes físicos (irritação pelo excesso de tártaro ou doença
periodontal, corpos estranhos que penetram ou se alojam sob a língua, lesões traumáticas) ou produtos
químicos; doenças metabólicas (uremia, hipoparatireoidismo, diabetes); ou outras causas como choque elétrico
e picada de inseto. Glossite por corpo estranho é um problema, especialmente em cães de pelos longos que
tentam remover carrapichos de seu pelame.
Salivação e relutância em se alimentar são sinais comuns, mas a causa pode não ser descoberta a menos que
se examine a boca cuidadosamente. Periodontite pode resultar em hiperemia, inchaço e, ocasionalmente, úlcera
da borda da língua. Um fio, barbante ou outro corpo estranho linear pode ficar preso sob a língua. Pode não
ocorrer inflamação na superfície dorsal da língua, mas a superfície ventral fica dolorida, exibe irritação aguda
ou crônica, e frequentemente está lacerada pelo corpo estranho. Espinhos de porco­espinho, materiais vegetais e
outros materiais estranhos podem penetrar tão profundamente que não ficam palpáveis. As picadas de insetos
causam inchaço agudo da língua.
Nos casos crônicos de glossite ulcerativa, pode se encontrar presente uma secreção fétida, marrom e espessa
(ocasionalmente com sangramento). Muitas vezes, o animal reluta em permitir um exame oral.
Língua fissurada ou pregueada (língua dissecta) apresenta uma variação quanto à textura do dorso da língua,
com um sulco central ou lateral longitudinal profundo. A fissura aprofunda­se com a idade e é considerada ser
adquirida de algum fator extrínseco. Entretanto, pode também representar uma anomalia de desenvolvimento. O
sulco fica preenchido por pelos que agem como irritantes locais causando inflamação e desconforto.
Todo corpo estranho e pelos devem ser retirados e os dentes comprometidos ou quebrados devem ser
removidos ou tratados. A glossite infecciosa bacteriana deve ser tratada com um antibiótico sistêmico
apropriado. Em alguns casos, desbridação e enxágues orais com clorexidina 0,12% são úteis. Pode ser
necessária curetagem da língua se o material estranho está aderido à língua. São oferecidos dieta amolecida e
fluido parenteral, se necessário. Se o animal está debilitado e incapaz de se alimentar corretamente por um
período prolongado, deve­se considerar uma sonda nasoesofágica, de faringe ou gastrostomia para suporte
nutricional. Glossite aguda por picada de insetos pode exigir um tratamento emergencial.
Se a glossite é secundária a outra afecção, deve­se tratar a doença primária. Os tecidos linguais cicatrizam
rapidamente após eliminação da irritação e infecção.

TRAUMATISMO DE TECIDOS MOLES

Mordedura da Bochecha

Uma lesão proliferativa, verrucosa ao longo do plano da mordida na bochecha pode resultar de um
autotraumatismo quando o tecido fica retido entre os dentes durante a mastigação. Isto é semelhante ao
morsicato buccarum e morsicato labiorum em humanos. Pode também afetar o tecido sublingual de cães e
gatos, semelhantemente ao morsicato linguarum. A remoção cirúrgica do tecido em excesso evita traumatismos
futuros.

Queimaduras Bucais

As queimaduras térmicas, químicas ou elétricas envolvendo a boca não são incomuns. O animal deve ser
avaliado e tratado de acordo com o envolvimento sistêmico, o qual pode representar risco de morte. Língua,
lábios, mucosa bucal e palato são envolvidos, muitas vezes, em queimaduras elétricas. As lesões podem ser
discretas, apenas com desconforto temporário, ou podem ser muito destrutivas com perda tecidual, formação de
cicatriz e deformidade ou déficits teciduais subsequentes. A mastigação de um fio elétrico é, muitas vezes, um
problema para filhotes de cães. Estes animais apresentam cicatriz linear no dorso da língua, delineando o
caminho do fio elétrico. Uma ou ambas as comissuras labiais podem apresentar uma cicatriz ou ferimento, e os
dentes caninos adjacentes podem ficar descoloridos ou exigirem tratamento endodôntico.
O proprietário pode ter observado o incidente mas, mais comumente, isso ocorre na ausência dele. O animal
hesita comer ou beber, saliva e ressente a manipulação da sua boca ou sua face. Se a destruição tecidual é
acentuada, pode se desenvolver estomatite ulcerativa ou gangrenosa, com infecções bacterianas secundárias.
Caso se observe um contato com substância química corrosiva e essa substância é alcalina, a boca pode ser
lavada com soluções suaves de vinagre ou de sucos cítricos; se a substância é ácida, uma solução de bicarbonato
de sódio deve ser utilizada. A lavagem abundante da boca com água ajuda a remover parte da substância
química. Mais comumente, o animal é visto muito tempo depois da exposição para que a neutralização seja
efetiva.
Os animais que apresentam uma mucosa oral avermelhada, sem defeitos teciduais, não requerem tratamento
específico além de uma dieta amolecida ou líquida até que a lesão cicatrize. Se as lesões teciduais são extensos,
o tratamento inclui lavagem com solução de clorexidine diluída e desbridação tecidual conservativo. Deve­se
minimizar o risco de infecção secundária com uso de terapia antimicrobiana sistêmica por vários dias.

TUMORES BUCAIS

Tumores Bucais Benignos


Fibromas são os tumores bucais benignos mais comuns. Os fibromas inflamatórios podem ser muito grandes,
apesar do seu comportamento completamente benigno. Os fibromas odontogênicos periféricos (antigamente
conhecidos como epúlides fibromatoso ou ossificante) são massas firmes que envolvem o tecido gengival
adjacente ao dente. Acometem cães de qualquer idade, mas são mais comuns naqueles > 6 anos. Alguns
desenvolvem centros de ossificação, perceptíveis como uma nítida proliferação do osso alveolar que se estende
para dentro da massa. Geralmente, são solitários, embora possa haver múltiplas lesões. O tumor não ocasiona
metástase, mas pode se tornar muito grande e invadir o osso regional. Origina­se do ligamento periodontal do
dente adjacente e a remoção cirúrgica completa deve incluir os tecidos, inclusive o ligamento periodontal. Em
geral, há necessidade de remoção em bloco do dente ou dos dentes comprometidos. A excisão completa é
curativa.
O ameloblastoma acantomatoso canino (antigamente denominado epúlide acantomatoso) é muito mais
localmente invasivo e rapidamente invade os tecidos locais, inclusive o osso. Não ocasionam metástase, mas,
devido sua natureza localmente agressiva, a excisão cirúrgica deve incluir uma margem de 1 cm de tecidos
clinicamente normais (inclusive as margens ósseas), para evitar recidiva. O tratamento com radiação pode
minimizar deformações quando se tratar de tumores grandes. A remoção cirúrgica adequada é curativa.

Tumores Bucais Malignos

Em cães, os três tumores malignos mais comuns da cavidade bucal são melanoma maligno, carcinoma de célula
escamosa e fibrossarcoma. A incidência de tumores bucais malignos é maior em cães > 8 anos de idade.
Os carcinomas de célula escamosa são, de longe, as neoplasias bucais malignas mais comuns em gatos;
geralmente envolvem gengiva e língua e são muito invasivos, localmente. Os fibrossarcomas são, em segundo
lugar, os mais comuns; nos gatos, são localmente invasivos e o prognóstico é ruim.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos variam dependendo da localização e da extensão da neoplasia. Halitose,
relutância em se alimentar e hipersalivação são achados comuns. Caso a orofaringe esteja envolvida, disfagia
pode estar presente. Os tumores, muitas vezes, ulceram e sangram. A face pode se tornar inchada a medida que
o tumor aumenta de volume e invade o tecido vizinho. Os linfonodos regionais, com frequência, aumentam de
volume antes dos tumores bucais e faringianos serem observados.
DIAGNÓSTICO: Devido ao comportamento variado dos crescimentos gengivais, a caracterização pré­cirúrgica é
valiosa para planejar a extensão da cirurgia necessária. A biopsia é o método mais confiável para se obter um
diagnóstico definitivo; contudo, um diagnóstico citológico por esfregaços de aspirados com agulha fina é
possível, em alguns casos. Os melanomas malignos variam em aparência, são pigmentados ou não, e devem ser
considerados no diagnóstico de qualquer tumor bucal. Os carcinomas de células escamosas envolvem
comumente a gengiva ou as tonsilas, e o linfossarcoma deve constituir um diagnóstico diferencial para um
aumento de volume das tonsilas. Os linfonodos regionais e os pulmões devem ser avaliados quanto à presença
de metástases.
TRATAMENTO: Os melanomas malignos são altamente invasivos e fazem metástase facilmente;
consequentemente, o prognóstico é de reservado a pobre. A ressecção cirúrgica pode prolongar o tempo de
sobrevida e pode ser curativa, particularmente nos casos de massas nas áreas rostrais da boca. Entretanto, a
recidiva local é comum. Enquanto várias estratégias de imunoterapia contra o melanoma tem apresentado pouco
sucesso, novas modalidades como vacinas com células dendríticas e vacinas de DNA xenogênico podem ser
bem­sucedidas. Outras modalidades que combinam terapia do gene suicida como tratamento adjuvante
começaram a ser avaliadas. O carcinoma não tonsilar de células escamosas é localmente invasivo, com taxa de
metástase baixa e o prognóstico é bom no caso de ressecção cirúrgica agressiva ou radioterapia ou ambas. Os
carcinomas tonsilares de células escamosas são agressivos e possuem um prognóstico pobre. Os fibrossarcomas
apresentam prognóstico reservado devido a sua natureza localmente agressiva. Recidiva do crescimento tumoral
após ressecção é comum.
Nos gatos, o carcinoma de células escamosas possui um prognóstico pobre e a sobrevida a longo prazo só é
obtida se o problema é diagnosticado e tratado precocemente. A remoção tumoral local, muitas vezes, exige
mandibulectomia ou perda de grandes áreas do osso maxilar e tecidos moles regionais.

VERRUGAS VIRAIS E PAPILOMAS

Verrugas virais (verrugas comuns) são crescimentos benignos causados por um vírus (ver p. 948). A membrana
mucosa bucal e as comissuras labiais estão, muitas vezes, envolvidas, mas os crescimentos (únicos ou, mais
frequentemente, múltiplos) podem envolver o palato e a orofaringe. As verrugas virais são mais comuns em
cães jovens e surgem repentinamente, com crescimento e difusão ocorrendo rapidamente. Os sinais são
observados quando os crescimentos interferem na apreensão, mastigação ou deglutição. Ocasionalmente, se os
crescimentos são numerosos, o cão pode mordê­los durante a mastigação, causando sangramento e infecção.
Podem regredir espontaneamente dentro de poucas semanas e a remoção, geralmente, não se torna necessária.
Se preciso, a retirada da lesão exofítica pode ser realizada por eletro ou radiocirurgia, ou por ressecção. A
remoção cirúrgica de uma ou mais verrugas pode iniciar a regressão. O uso de vacinas comerciais ou autógenas
é geralmente decepcionante. O caráter autolimitante da doença dificulta a avaliação de qualquer tratamento.
Papilomas (p. 949) são proliferações exofíticas benignas de epitélio escamoso. São clinicamente
indistinguíveis das verrugas induzidas por vírus. Diferente das verrugas virais, os papilomas geralmente
apresentam crescimento lento e são solitários. Comumente, permanecem benignos e a remoção cirúrgica é
curativa.

DOENÇAS DE ESTÔMAGO E INTESTINOS DE PEQUENOS

ANIMAIS

COLITE

O cólon ajuda a manter o equilíbrio hidreletrolítico e a absorver nutrientes; também, é o principal local de
armazenamento de fezes, até sua eliminação, e propicia um ambiente aos microrganismos. Interrupções na
função normal do cólon ocasionam alterações de absorção e motilidade; clinicamente, manifestam­se como
diarreia de intestino grosso. Cerca de um terço dos cães com histórico de diarreia crônica apresentam colite.
Colite crônica é definida como uma inflamação do cólon presente por = 2 semanas. A inflamação do cólon
reduz a quantidade de água e eletrólitos absorvidos e altera a motilidade de cólon por suprimir as contrações
normais que misturam e amassam a ingesta e por estimular as contrações migratórias gigantes (contrações muito
vigorosas que rapidamente impulsionam o conteúdo intestinal). A colite é classificada em quatro formas:
linfocítica–plasmocítica, eosinofílica, neutrofílica e granulomatosa. A linfocítica­plasmocítica é a forma mais
comum em cães e gatos. A maioria dos cães tem meia­idade e não há predileção sexual. Pode haver uma
associação entre colite e fístula perianal, principalmente no Pastor Alemão. Gatos com colite tendem a ser de
meia­idade e, de forma mais comum, de raças puras. Tipicamente, há um número aumentado de linfócitos e
plasmócitos na lâmina própria (menos frequentemente na submucosa e muscular).
A colite eosinofílica é caracterizada por um número aumentado de eosinófilos na lâmina própria. É menos
comum que a colite linfocítica­plasmocítica, os animais tendem a ser mais jovens e é mais difícil de ser tratada.
Microrganismos infecciosos, parasitos, alergênios alimentares podem ser fatores desencadeadores, mas nada foi
comprovado. O hemograma pode revelar eosinofilia. A síndrome hipereosinofílica em gatos é uma variante da
enterite eosinofílica com envolvimento eosinofílico não apenas do intestino, mas também do fígado, baço,
linfonodos mesentéricos, rins, glândulas adrenais e coração.
A colite granulomatosa é rara e ocorre em uma porção intestinal segmentada, espessada, parcialmente
obstruída (íleo e cólon, na maioria das vezes). É caracterizada pela presença de macrófagos e outras células
inflamatórias na lâmina própria. Esses macrófagos não são positivos ao ácido periódico de schiff. Devido a suas
características histológicas, torna­se importante excluir uma inflamação secundária à doença fúngica, parasitos
intestinais, peritonite infecciosa felina e corpo estranho. O tratamento permanece controverso, embora mais
frequentemente a cirurgia seja recomendada.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: A inflamação do cólon pode ser aguda ou crônica. Na maioria dos casos, os
fatores incitantes não são conhecidos. Já se admitiram causas bacterianas, parasitárias, fúngicas, traumáticas,
urêmicas e alérgicas. A inflamação pode resultar de um defeito na imunorregulação da mucosa. Após uma lesão
inicial na mucosa, os linfócitos e os macrófagos da submucosa ficam expostos aos antígenos luminais e
subsequentemente disparam a inflamação. Uma reação exagerada a fatores dietéticos ou bacterianos dentro do
lúmen intestinal, predisposição genética, patologia psicológica que afeta os suprimentos neurológico ou vascular
para o cólon, ou sequelas de infecções ou doenças parasitárias anteriores já foram implicados.
Na colite aguda há infiltração da mucosa por neutrófilos e destruição e úlcera epiteliais. A colite crônica
caracteriza­se mais frequentemente por infiltração mucosa de plasmócitos e linfócitos, fibrose e, às vezes,
úlcera. As células caliciformes são estimuladas a secretar uma quantidade excessiva de muco. A absorção de
água e eletrólitos torna­se prejudicada, e a motilidade reduzida. A inflamação destrói as firmes junções
intracelulares e diminui a diferença de potencial elétrico transmucoso, interrompendo a capacidade do cólon de
absorver sódio. Inibe­se a segmentação normal; as contrações musculares migratórias gigantes procedem na
extensão do cólon e o conteúdo luminal é rapidamente expulso. O intestino inflamado fica mais sensível a um
estiramento e o conteúdo que entra no cólon estimula contrações musculares migratórias gigantes fortes, uma
vontade de defecar e desconforto abdominal.
Fruto­oligossacarídios (FOS) aumentam a microflora do cólon e auxiliam na prevenção e tratamento da
doença. Estes carboidratos complexos não são digeridos no intestino delgado. São fermentados por bactérias
específicas do cólon que utilizam estes compostos como fonte de energia. FOS favorecem o crescimento de
bactérias benéficas e inibem o crescimento de bactérias potencialmente prejudiciais. São responsáveis pela
produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC).
AGCC (acetato, propionato, butirato) são importantes fontes energéticas, essenciais para a manutenção da
mucosa normal. Ajudam na manutenção da motilidade intestinal e a melhorar a inflamação intestinal. Alteração
dos ácidos graxos leva a atrofia e lesões na mucosa.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos mais comuns da colite crônica é a diarreia de intestino grosso,
caracterizada por muco, hematoquesia, tenesmo e, ocasionalmente, dor ao defecar. Há, muitas vezes, maior
urgência e aumento na frequência de defecação, com diminuição do volume fecal por evacuação. Perda de peso
e vômitos podem ocorrer, mas são incomuns; são observados, com mais frequência, quando o intestino delgado
está envolvido. Os sinais clínicos podem se exacerbar ou diminuir. Inicialmente, podem ser esporádicos, mas a
progressão geralmente ocorre. O exame físico encontra­se sem alterações na maioria dos casos. Um exame retal
minucioso pode revelar a presença de pólipos retais ou neoplasias malignas que podem mimetizar os sinais de
colite crônica.
DIAGNÓSTICO: A abordagem inicial deve incluir anamnese e exame clínico completo, inclusive palpação retal e
exame das fezes. Esfregaços de fezes para pesquisa de Giardia e fungos (Histoplasma capsulatum, Pythium
insidiosum), flotação fecal para identificação de parasitos (Trichuris vulpis, em cães, e Tritrichomonas foetus,
em gatos) e cultura bacteriana (Campylobacter, Salmonella, Clostridium) são sugeridos nos casos de colite
crônica. A citologia do reto é uma ferramenta importante para exclusão de outras causas de diarreia de intestino
grosso. Pode revelar a presença de células inflamatórias, células neoplásicas e alguns microrganismos
infecciosos (p. ex., H. capsulatum). Casos suspeitos de colite por clostrídios (> 5 endosporos por campo) devem
ser confirmados pela identificação de enterotoxinas A e B de Clostridium perfringens nas fezes, utilizando um
teste ELISA disponível no mercado após uma cultura bacteriana das fezes ter sido realizada.
Um teste alimentar é recomendado antes de uma busca por diagnósticos mais avançados. Se os sinais clínicos
persistem, deve­se realizar hemograma, perfil bioquímico sérico e urinálise para exclusão de outras doenças;
contudo, na maioria dos casos de colite crônica, os resultados são normais. Nos gatos, testes para o vírus da
leucemia felina e da imunodeficiência felina também são recomendados, assim como a avaliação dos hormônios
da tireoide, se a idade é apropriada. As radiografias simples abdominais geralmente estão normais. As
radiografias contrastadas podem, ocasionalmente, demonstrar uma diminuição do espaço intraluminal, o que
poderia indicar uma doença infiltrativa em progressão. A ultrassonografia permite a visualização da mucosa do
cólon, lesões localizadas e tamanho e ecogenicidade dos linfonodos.
A colonoscopia é indicada para inspecionar, visualmente, a superfície da mucosa do cólon e obter amostras
para biopsia. A preparação do cólon é essencial para se evitar perder lesões pequenas ou sutis devido ao
material fecal residual na superfície da mucosa. O alimento deve ser suspenso por 24 a 48 h antes do
procedimento, seguido de uma combinação de enemas e uma solução de lavagem de cólon. Várias amostras do
ceco e cólon ascendente, transverso e descendente devem ser obtidas, independentemente da aparência
morfológica. Devido a pobre concordância entre a aparência macroscópica e os resultados histopatológicos, os
resultados devem ser interpretados em face ao histórico e exame físico. Uma biopsia com resultado de mucosa
normal ou com evidência de uma mucosa hiperplásica, associadas a sinais clínicos de diarreia de intestino
grosso são compatíveis com a síndrome do intestino irritável. Eosinofilia periférica está invariavelmente
presente em gatos com a síndrome hipereosinofílica.
TRATAMENTO E CONTROLE: Se possível, a causa desencadeante deve ser identificada e eliminada. Os alimentos
devem ser suspensos nas primeiras 24 a 48 h nos animais com colite aguda no esforço de “poupar” o intestino.
Pelo fato da eliminação de ovos pelos tricurídeos ser intermitente, a desverminação terapêutica (p. ex.,
febendazol 50 mg/kg, 1 vez/dia, por 3 dias, repetindo em 3 semanas e, novamente, em 3 meses, se há resposta
positiva) deve ser realizada mesmo se os resultados de exame das fezes são negativos.
A suplementação da dieta com fibras (1 a 6 colheres de chá de muciloide hidrofílico de psílio ou 1 a 4
colheres de sopa de farelo de trigo grosso/refeição) melhora a diarreia em vários animais. As fibras alimentares
reduzem a água fecal, prolongam o tempo de trânsito intestinal (aumentando a oportunidade de se absorver
água), absorvem toxinas, aumentam o volume fecal e forçam a músculos lisa do cólon, e melhoram a
contratilidade. Contudo, a adição de fibras, sozinha, raramente resulta em resolução completa dos sinais clínicos
de diarreia de intestino grosso em cães, e os efeitos benéficos podem demorar até 6 semanas para se tornarem
evidentes. Ao longo do tempo, a dosagem da fibra pode ser reduzida ou até mesmo suspensa em alguns cães e
uma alimentação normal reintroduzida sem causar uma recidiva na diarreia.
Novas fontes proteicas foram eficazes em controlar os sinais clínicos de colite em cães e gatos. A fonte
proteica utilizada deve ser uma que o animais não tenha sido exposto previamente. Em um estudo, os sinais
clínicos associados à colite linfocítica­plasmocítica se resolveram em todos os cães em cerca de 2 semanas após
a alimentação com dieta hipoalergênica, com baixo teor de resíduos (1 parte de queijo cottage magro e 2 partes
de arroz branco cozido). Por conseguinte, a maioria dos cães permanece sem a recidiva dos sinais clínicos com
rações terapêuticas no mercado disponíveis, das quais não tinham se alimentado anteriormente. Atualmente, há
inúmeras rações terapêuticas que contem arroz com carne de carneiro ou cordeiro, veado ou coelho.
Alimentos hidrolisados também foram considerados efetivos no tratamento de colite. Estas dietas
especializadas quebram a estrutura da proteína para remover quaisquer alergênios ou epítopos alergênicos e,
portanto, evitam um reconhecimento imunológico.
Se a alimentação com dietas ricas em fibras ou com uma nova fonte proteica não é bem­sucedida, uma dieta
comercial pobre em resíduos pode ser testada, principalmente as que contém fruto­oligossacarídios (FOS).
Gatos com colite linfocítica­plasmocitária podem responder ao manejo alimentar, exclusivamente (p. ex.,
cordeiro e arroz, carne de equino ou uma ração disponível no mercado). Em um estudo, os gatos foram
inicialmente tratados com fibras alimentares ou fibras alimentares juntamente com tratamento medicamentoso
(prednisona, tilosina ou sulfassalazina). A maioria dos gatos foi mantida com dietas ricas em fibras ou com
ração facilmente digerível.
O metronidazol é considerado um dos principais medicamentos para tratamento de colite crônica em gatos.
Seus efeitos terapêuticos incluem atividade antiprotozoário e antimicrobiana e inibição de alguns aspectos da
imunidade mediada por células. Não é geralmente utilizado como um agente único, mas sim em combinação
com o manejo dietético ou outro fármaco. Embora o metronidazol seja bem tolerado por cães e gatos, efeitos
adversos podem ocorrer (principalmente neurológicos como nistagmo, ataxia, sinais vestibulares, convulsões),
seja em tratamentos crônicos ou em altas doses. Contudo, a neurotoxicose deve ser reversível dentro de 5 a 7
dias após o tratamento ser interrompido.
Tilosina, um antibiótico macrolídeo que é utilizado principalmente no alimento, em grandes animais, é útil
nas enteropatias crônicas porque interfere na adesão bacteriana na mucosa e tem alguns efeitos antibacterianos e
imunomoduladores. Atua, principalmente, contra bactérias gram­positivas anaeróbicas obrigatórias ou
facultativas e algumas bactérias gram­negativas. No entanto, Escherichia coli e Salmonella são resistentes à
tilosina. A tilosina é bem tolerada por cães e gatos, com poucos efeitos adversos.
Os sinais clínicos resolvem­se mais rapidamente quando um anti­inflamatório é administrado, junto com a
alteração na dieta. Sulfassalazina, prednisona ou prednisolona e azatioprina são as mais comumente utilizadas.
A sulfassalazina é, muitas vezes, utilizada para tratar colite linfocítica­plasmocitária em cães (12,5 mg/kg, 4
vezes/dia, por 14 dias, seguida de 12,5 mg/kg, 2 vezes/dia, por 28 dias). O uso prolongado deve ser evitado, pois
predispõe à ceratoconjuntivite seca. A sulfassalazina é um inibidor da prostaglandina sintetase e tem atividade
antileucotrieno. É composta de mesalamina ligada à sulfapiridina, por uma ligação azo; esta ligação impede sua
absorção no trato GI superior e permite que a maior parte do fármaco seja transportada ao intestino grosso. Uma
vez no intestino grosso, é metabolizada pelas bactérias do ceco e do cólon, liberando seus componentes. A
mesalamina atua localmente reduzindo a inflamação da mucosa do cólon. A sulfapiridina acredita­se ser
absorvida sistemicamente e, portanto, não possui qualquer efeito terapêutico local na colite, mas é responsável
pelos efeitos adversos da sulfassalazina. Os salicilatos são metabolizados no fígado pelos processos enzimáticos
hepáticos envolvendo a glucuronil transferase. Pelo fato dos gatos serem deficientes dessa via enzimática, os
salicilatos apresentam meia­vida prolongada nesta espécie. Portanto, a sulfassalazina não é utilizada como a
droga de eleição na colite felina devido ao risco de intoxicação por salicilato.
Os glicocorticoides, em combinação com manejo alimentar e metronidazol, são o tratamento de escolha para
a colite crônica em gatos. Podem ser introduzidos no plano terapêutico de cães quando as terapias anteriormente
discutidas não foram bem­sucedidas ou se o 5­aminosalicilato induz efeitos adversos. Se utilizada em
combinação com sulfassalazina ou metronidazol, a prednisona pode ser administrada em uma dose reduzida. A
prednisona deve ser iniciada na dose de 2 mg/kg/dia, VO; 2 semanas após a resolução dos sinais clínicos, a
dosagem deve ser reduzida em 25% a cada 2 a 4 semanas, o que geralmente resulta em remissão.
Os gatos normalmente toleram os glicocorticoides muito bem; os efeitos adversos são comuns em cães e
incluem poliúria, polidipsia, polifagia, sangramento GI, suscetibilidade aumentada às infecções,
hiperadrenocorticismo iatrogênico e supressão pituitário­adrenocortical.
A budesonida é um glicocorticoide não halogenado que tem sido utilizado no tratamento da doença de Crohn
em humanos. A budesonida sofre um metabolismo de primeira passagem significativo, no fígado; teoricamente,
isto deve reduzir os efeitos adversos observados, muitas vezes, com os glicocorticoides tradicionais, pois pouca
droga ativa encontra­se sistemicamente disponível. Em um estudo com 10 cães saudáveis, o eixo pituitário­
adrenocortical foi suprimido, mas nenhum outro efeito adverso foi observado.
As drogas imunossupressoras são principalmente utilizadas em combinação com os glicocorticoides quando a
resposta não foi satisfatória apenas com os últimos. Azatioprina e clorambucila são os mais comumente
utilizados em cães e gatos. A azatioprina (2 mg/kg, 1 vez/dia e reduzida gradualmente), sozinha ou em
combinação com prednisona, foi utilizada para controlar os sinais clínicos associados à colite linfocítica­
plasmocítica. A azatioprina pode ser considerada nos casos pouco responsivos à prednisona ou à prednisona
com sulfassalazina. Os sérios efeitos adversos da azatioprina em gatos (mielossupressão e hepatotoxicidade)
limitam seu uso na colite felina. Em vez disso, clorambucila (0,1 a 0,2 mg/kg ou 1 mg/gato, 1 vez/dia
inicialmente até os sinais clínicos melhorarem acentuadamente, o que pode necessitar de 4 a 8 semanas) é
utilizado em gatos em associação com a prednisona, se necessário.
A ciclosporina foi efetiva nos casos de colite refratários aos esteroides, mas isto não foi avaliado em gatos. Os
efeitos adversos incluem distúrbios GI, doença gengival e alopecia.
Alguns animais também necessitam do uso, a curto prazo, de modificadores de motilidade até que a
inflamação esteja controlada. Loperamida (0,1 a 0,2 mg/kg, 2 a 4 vezes/dia) estimula a atividade segmentar e
retarda o trânsito do conteúdo fecal. Também diminui a secreção do cólon, potencializa a absorção de sal e água
e aumenta o tônus do esfíncter anal. É contraindicada em casos de colite infecciosa (p. ex., causada por
Salmonella, Campylobacter ou Clostridium).
PROGNÓSTICO: O prognóstico da colite crônica, a curto prazo, é bom, para cães e gatos. Contudo, o
prognóstico, a longo prazo, da resolução completa sem recidivas parece ruim. Muitos casos de doença intestinal
inflamatória não são curáveis e alguma forma de tratamento provavelmente é necessária por longo período. Em
alguns animais, especialmente gatos, o manejo prolongado da colite crônica pode ser possível apenas com dieta.
Muitos casos de colite linfocítica­plasmocítica idiopática respondem às alterações alimentares e clínicas. A
formação de estenose e vastas fibroses justificam um prognóstico mais reservado. A colite eosinofílica em cães
responde favoravelmente com dietas controladas e terapia com glicocorticoide. Em gatos, o prognóstico é mais
reservado, e o tratamento mais agressivo com agentes imunossupressores é necessário. A síndrome
hipereosinofílica é uma doença progressiva e fatal que não possui tratamento efetivo em pacientes veterinários.
A colite histiocítica do Boxer suporta um pobre prognóstico a menos que o tratamento seja iniciado
precocemente no curso da doença. A enteropatia imunoproliferativa dos Basenjis também garantem um
prognóstico pobre; a maioria dos cães morrem em 2 anos do diagnóstico, embora tem­se relatado uma sobrevida
de até 5 anos. De modo semelhante, o prognóstico da síndrome diarreica relatada em cães da raça Lundehund
também é ruim.

CONSTIPAÇÃO INTESTINAL E OBSTIPAÇÃO

Constipação intestinal consiste em defecação infrequente ou difícil, de fezes ressecadas e muito duras. A
constipação intestinal é um problema clínico comum em pequenos animais. Em muitos casos, o problema é
facilmente corrigido; contudo, em animais mais debilitados, os sinais clínicos acompanhantes podem ser graves.
À medida que as fezes permanecem mais tempo no cólon, ficam mais secas, mais duras e mais difíceis de serem
eliminadas. A obstipação é a constipação intestinal intratável, caracterizada pela inabilidade de eliminar as fezes
secas e endurecidas; a impactarão que se estende do reto à válvula ileocólica pode ser consequente. O
megacólon é uma condição patológica de hipomotilidade e dilatação do intestino grosso que resulta em
constipação intestinal e obstipação.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: As ondas peristálticas são responsáveis pelo movimento aboral do material fecal
no cólon. As ondas migratórias gigantes, que ocorrem de forma intermitente durante o dia, movem este material
para frente e mais rapidamente. Estas ondas representam o “reflexo gastrocólico” e são comuns após a
alimentação. A redução ou perda dessas ondas podem contribuir para a constipação intestinal. De modo
semelhante, um aumento na atividade da onda de segmentação pode predispor a constipação intestinal.
Contudo, a dieta é o fator local mais importante que afeta a função do cólon.
A constipação intestinal crônica pode ocorrer por fatores intraluminais, extraluminais ou intrínsecos (ou seja,
neuromusculares). A obstrução intraluminal ocorre mais comumente e se deve à incapacidade de eliminar um
material pouco digerível e frequentemente firme (p. ex., pelos, ossos, areia) misturado com material fecal. A
falta de consumo hídrico ou a relutância em defecar com regularidade devido a situações ambientais (estresse)
ou comportamentais (caixa de areia suja) ou a doença anorretal dolorosa predispõem à formação de fezes duras
e secas. Os tumores intraluminais também podem impedir a eliminação de fezes. A obstrução extraluminal pode
ser causada por uma compressão do cólon ou do reto por estreitamento da entrada da pelve após redução
inapropriada de fratura pélvica ou por meio de compressão de cólon ou retal por aumento de volume dos
linfonodos sublombares ou da próstata. Estenose do cólon por traumatismo ou neoplasia também deve ser
considerada. Finalmente, alguns animais (geralmente gatos) com constipação intestinal ou obstipação crônicas
podem apresentar megacólon, provavelmente causado por uma lesão no leito neuromuscular do cólon. A
etiologia do megacólon permanece desconhecida. Outras doenças que afetam o controle neuromuscular do
cólon e reto incluem hipotireoidismo, disautonomia e lesões na medula espinal (deformação da medula espinal
sacral do Manx) ou nos nervos pélvicos. A hipopotassemia e a hipercalcemia também influenciam
negativamente o controle muscular. Alguns medicamentos (p. ex., opioides, diuréticos, anti­histamínicos,
anticolinérgicos, sucralfato, hidróxido de alumínio, brometo de potássio e bloqueadores do canal de cálcio)
causam constipação intestinal por mecanismos diferentes.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos clássicos da constipação intestinal incluem tenesmo e a eliminação de
fezes secas e firmes. Se a defecação está dificultada pelo aumento da próstata ou linfonodos sublombares, as
fezes podem assumir uma aparência achatada ou de “fita”. A palpação abdominal e exame retal confirmam a
presença de grande volume de material fecal retido. As fezes eliminadas encontram­se frequentemente pútridas.
Alguns animais ficam bastante indispostos e também apresentam letargia, depressão, anorexia, vômitos
(principalmente em gatos) e desconforto abdominal.
DIAGNÓSTICO: Um histórico de imprudência dietética e evidências físicas de retenção de fezes confirmam o
diagnóstico. Informação detalhada sobre a duração da constipação intestinal e fatores que a influenciam podem
auxiliar a detectar a causa, assim como um histórico de ingestão de material indigesto que poderia causar
aumento do volume fecal ou dor e esta limitando o reflexo de defecação. Outros fatores que podem ser
relevantes incluem cirurgia recente, trauma pélvico anterior e, possivelmente, radioterapia. Um exame
neurológico completo com ênfase especial na função da medula espinal caudal deveria ser realizado para
identificar causas neurológicas de constipação intestinal, por exemplo, lesões à medula espinal, trauma no nervo
pélvico, deformidade da medula espinal sacral do Manx.
Deve­se realizar palpação abdominal e exame retal, inclusive avaliação de próstata e linfonodos sublombares
para se determinar a presença de hérnia perineal, corpo estranho, dor ou tumores. Radiografias abdominais
simples podem auxiliar a estabelecer o(s) fator(es) incitante(s) de retenção fecal e oferecer alguma indicação do
que as fezes contêm (p. ex., ossos). Um enema de bário, ultrassonografia ou colonoscopia podem facilitar a
demonstração de lesões obstrutivas ou de causas predisponentes de constipação intestinal crônica.
Hemograma, perfil bioquímico que inclui o teor sérico de T4, urinálise e exame neurológico detalhado devem
ser realizados nos casos de constipação intestinal crônica ou recidivante.
TRATAMENTO E CONTROLE: Os animais acometidos devem ser hidratados adequadamente. A constipação
intestinal discreta pode ser tratada, muitas vezes, mediante um ajuste dietético que consiste em evitar
imprudências dietéticas, pronto acesso à água e dietas ricas em fibras, e uso de supositórios laxantes. Deve­se
evitar o uso contínuo ou de longa duração de laxantes, a menos que sejam absolutamente essenciais para
impedir a constipação intestinal.
Vários supositórios retais pediátricos estão disponíveis para o controle de constipação intestinal discreta.
Contêm dioctil sulfosuccinato de sódio (DSS; laxante emoliente), glicerina (laxante lubrificante) e bisacodil
(laxante estimulante). O uso de supositórios requer um animal complacente e um proprietário que colabora. Os
supositórios podem ser utilizados sozinhos ou juntamente com laxantes orais.
Constipação intestinal discreta a moderada ou episódios recidivantes de constipação intestinal podem exigir a
administração de enemas ou retirada manual das fezes impactadas, ou ambas. Os tipos de enemas incluem água
morna (5 a 10 ml/kg), salina isotônica morna (5 a 10 ml/kg) com ou sem detergente neutro para agir como um
irritante, DSS (5 a 10 ml/gato), óleo mineral (5 a 10 ml/gato) ou lactulose (5 a 10 ml/gato). As soluções de
enema devem ser administradas lentamente com um tubo de borracha French 10 a 12, ou tubo utilizado para
nutrição enteral.
Se os enemas não são efetivos, a extração manual das fezes impactadas pode ser necessária. Após reidratação
adequada, o animal deve ser anestesiado e deve ser colocada uma sonda endotraqueal para evitar a aspiração, no
caso da manipulação do cólon induzir vômito. A remoção completa de todas as fezes pode requerer duas a três
tentativas, por muitos dias. Anormalidades hídricas e eletrolíticas concomitantes devem também ser corrigidas.
Os laxantes são classificados como formadores de massa, lubrificantes, emolientes, osmóticos ou
estimulantes. A maior parte deles atua nos mecanismos de transporte hídrico e na estimulação motora do cólon.
Devem ser evitados na presença de desidratação. Laxantes formadores de massa são adicionados à dieta. Esses
produtos são suplementos com fibras alimentares de polissacarídios e celulose pobremente digeríveis derivados,
principalmente de grãos de cereais e psílio. Eles absorvem água, amolecem as fezes, acrescentam volume,
estiram a músculos lisa do cólon e melhoram a contratilidade. Muitos gatos constipados respondem à
suplementação dietética com um desses produtos. As fibras alimentares são preferíveis, pois são bem toleradas,
mais eficazes e mais fisiológicas que os outros laxantes. Dietas comerciais suplementadas com fibras estão
disponíveis ou o proprietário do animal pode adicionar psílio (1 a 4 colheres de chá/refeição), farelo de trigo (1
a 2 colheres de sopa/refeição) ou abóbora (1 a 4 colheres de sopa/refeição) ao alimento enlatado. Os animais
devem estar bem hidratados antes de se iniciar a suplementação com fibras, para minimizar o risco de
impactação das fibras no cólon constipado.
Laxantes emolientes são detergentes aniônicos que aumentam a miscibilidade da água e lípidios da dieta,
reforçando assim a absorção de lipídios e diminuindo a absorção de água. DSS e dioctil sulfosuccinato de cálcio
são laxantes emolientes disponíveis nas formas oral e de enema. O docusato sódico (gatos: 1 cápsula de 50 mg,
1 vez/dia; cães: 1 a 4 cápsulas de 50 mg/dia) e o docusato cálcico (gatos: 1 a 2 cápsulas de 50 mg/dia; cães: 2 a
3 cápsulas de 50 mg/dia) são outros exemplos de laxantes emolientes.
Óleo mineral e vaselina são laxantes lubrificantes que impedem absorção de água pelo cólon e permitem
maior facilidade na eliminação das fezes. Esses efeitos são moderados e os laxantes lubrificantes são úteis
apenas nos casos de constipação intestinal discreta. O uso do óleo mineral deve ser limitado à administração
retal devido ao risco de pneumonia por aspiração nos casos de administração oral.
Os laxantes osmóticos são compostos de polissacarídios pobremente absorvidos (p. ex., 0,5 ml de
lactulose/kg VO, 2 a 3 vezes/dia), sais de magnésio (p. ex., citrato de magnésio, hidróxido de magnésio, sulfato
de magnésio) e polietilenoglicol. A lactulose é o agente mais eficaz deste grupo. Os ácidos orgânicos
produzidos a partir da fermentação da lactulose estimulam a secreção de fluidos pelo cólon e a motilidade
propulsora. A lactulose, osmoticamente, retém água no intestino para amolecer o material fecal. Também é útil
no manejo da encefalopatia hepática porque diminui o pH luminal, reduz a produção bacteriana de amônia e
favorece a formação de íons amônio, que são pobremente absorvidos. Os laxantes estimulantes (p. ex., bisacodil
[gatos e cães pequenos: 5 mg; cães de tamanho médio: 10 mg; cães grandes: 15 a 20 mg]) aumentam a atividade
propulsora intestinal. Eles são contraindicados quando há obstrução intestinal.
Os agentes procinéticos que atuam no cólon (p. ex., cisaprida) exacerbam a motilidade propulsora do cólon
por ativarem os receptores 5­hidroxitriptamina­2A dos músculos lisos em várias espécies. Evidências anedóticas
sugerem que a cisaprida (0,1 a 0,5 mg/kg VO, 2 a 3 vezes/dia) é eficaz em estimular a motilidade propulsora do
cólon em gatos com constipação intestinal discreta a moderada. Altas doses (até 1 mg/kg) podem ser necessárias
em gatos com constipação intestinal moderada a grave. Efeitos adversos insignificantes foram relatados em
gatos tratados com 0,1 a 1 mg de cisaprida/kg VO, 2 a 3 vezes/dia. Gatos com constipação intestinal de longa
data e megacólon provavelmente não melhoram com o tratamento com cisaprida.
Relata­se que a ranitidina e a nizatidina, antagonistas de receptores H2, estimulam a motilidade do cólon por
inibirem a acetilcolinesterase. Elas estimulam a motilidade por aumentarem a quantidade de acetilcolina
disponível para se ligar aos receptores colinérgicos muscarínicos dos músculos lisos.
Para evitar recidiva, os animais devem ser estimulados a ingerirem dietas ricas em fibras; deve­se manter um
acesso fácil a água e permitir oportunidades frequentes de defecação.
Os casos de obstrução intraluminal não complexos, por descuido alimentar, respondem bem à lavagem
intestinal e a prevenção deste hábito, futuramente. Constipação intestinal crônica não responsiva ao tratamento
clínico (alguns gatos com megacólon) pode responder à colectomia parcial ou total. Dependendo do grau da
doença, pode­se realizar colectomia com anastomose colo­de cólon, íleo­de cólon ou jejuno­de cólon. Diarreia
discreta a moderada pode, ocasionalmente, persistir por semanas a meses após a cirurgia, e alguns gatos podem
ter constipação intestinal recidivante. Osteotomia pélvica sem colectomia é recomendada para gatos com má
união de fratura pélvica e megacólon hipertrófico com < 6 meses de duração. Em tais casos, a hipertrofia
patológica pode ser reversível com osteotomia pélvica precoce. A colectomia subtotal é recomendada para os
gatos com fraturas pélvicas se a hipertrofia e os sinais clínicos têm persistido por > 6 meses. Nesses casos, a
hipertrofia é seguida de degeneração muscular e dilatação patológica, e a osteotomia da pelve, sozinha, não irá
promover melhora da obstipação.

CORONAVIROSE INTESTINAL FELINA

O coronavírus intestinal felino (CIF) é um vírus RNA de filamento simples, envelopado, altamente prevalente
na população de gatos domésticos, em todo o mundo. A infecção é, muitas vezes, subclínica ou caracterizada
por distúrbios GI leves, transitórios, em filhotes de gatos. A mutação do CIF para um biotipo capaz de infectar e
replicar em macrófagos é responsável pelo desenvolvimento de peritonite infecciosa felina (PIF), uma doença
multissistêmica altamente fatal (p. 840).
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: A eliminação fecal do CIF começa dentro de 1 semana após a infecção inicial e
persiste, em teores elevados, por pelo menos 2 a 3 meses, seguida de um período prolongado (5 a 24 meses) de
teores mais baixos, potencialmente intermitentes, de eliminação viral. Pelo menos 13% dos gatos infectados
eliminam o vírus indefinidamente.
Os gatos se infectam pela ingestão ou inalação dos vírus presentes nas fezes ou pelo contato com fômites
contaminados (p. ex., caixas de areia, grooming mútuo, gaiolas, pessoas. CIF é relativamente frágil mas pode
sobreviver em ambientes secos por até 7 semanas. O íntimo contato entre os gatos (p. ex., gatis, abrigos com
muitos gatos) facilita a transmissão. A transmissão vertical, das gatas infectadas para os filhotes, ocorre, embora
estes geralmente não eliminem o vírus antes das 9 semanas de idade. Logo após a infecção, o vírus pode replicar
no tecido da orofaringe, resultando em eliminação salivar transitória (horas a dias). CIF infecta e se replica nas
células epiteliais apicais maduras dos vilosidades intestinais, causando encurtamento e destruição da borda em
escova.
ACHADOS CLÍNICOS: A maioria das infecções pelo CIF é clinicamente inaparente ou caracterizada por uma
gastrenterite discreta autolimitante. Ocasionalmente, vômito e diarreia podem ser agudos graves ou crônicos e
irresponsivos ao tratamento. Embora a diarreia seja o sinal clínico mais comum da infecção em filhotes,
sintomas de trato respiratório superior também foram relatados.
DIAGNÓSTICO: O DNA viral pode ser detectado nas fezes por PCR transcriptase reversa (RT­PCR). Pelo fato
dos portadores crônicos de CIF tenderem a ser assintomáticos, CIF pode ser acusado como a causa de diarreia
apenas depois que outras causas (p. ex., infecciosas, alimentares, doença intestinal inflamatória, neoplasia etc.)
são excluídas. A utilidade clínica da avaliação sorológica por anticorpos de CIF é questionável. Títulos
positivos de anticorpos contra o coronavírus são detectados em até 30% dos gatos domiciliados e em até 90%
dos gatos criados em gatis. Gatos de abrigos “doentes” não são mais propensos a terem títulos positivos de
anticorpos contra coronavírus do que os gatos de abrigos “saudáveis”. Títulos positivos indicam apenas uma
exposição ao vírus e não são sugestivos de etiologia de uma doença atual, não se correlacionam com o risco de
desenvolver FIP e não são diagnósticos de FIP. As lesões histológicas sugestivas de enterite por CIF incluem
fusão, atrofia ou desgaste das vilosidades intestinais. Pelo fato dessas lesões serem inespecíficas, o diagnóstico
definitivo requer a detecção imuno­histoquímica ou imunofluorescente do antígeno viral nas células do epitélio
intestinal.
TRATAMENTO E CONTROLE: Os sinais clínicos leves, transitórios provavelmente não necessitam de terapia. O
tratamento, se exigido, é sintomático e de suporte (i. e., fluidoterapia, soluções eletrolíticas orais, antieméticos).
Não há tratamento antiviral específico. A morte pelo CIF, associada à gastrenterite, é comum.
O controle e a prevenção do CIF são apenas de interesse em gatis de reprodução e abrigos de gatos
resgatados. A ingestão das partículas nas fezes contaminadas pelo vírus deve ser evitada tanto quanto possível.
A contaminação fecal do ambiente pode ser minimizada com um número suficiente de caixas de areia, limpeza
diária e desinfecção semanal das caixas de areia e tosa/limpeza da pele da região anal dos gatos de pelo longo.
CIF pode sobreviver dentro de casa por até 7 semanas sobre condições secas, mas é prontamente inativado por
muitos desinfetantes comerciais.
De forma ideal, os gatos devem ser alojados em grupos pequenos, estritos (3 a 4 gatos). Sala, gaiolas, camas e
caixas de areia devem ser desinfetadas com a troca de grupos de animais. Embora impraticável nos abrigos, os
gatos devem ser alojados em grupos de acordo com seus títulos de anticorpos (anticorpo imunofluorescente
soropositivo ou soronegativo) e em função de estar ou não eliminando vírus (com base no PCR em amostra de
fezes). Os gatos soropositivos devem ser retestados a cada 3 a 6 meses e removidos para os grupos
soronegativos quando seus títulos de anticorpos diminuírem. A identificação de gatos portadores de CIF requer
9 testes de RT­PCR fecal mensais consecutivos, enquanto a identificação de 1 gato que eliminou a infecção por
CIF requer 5 testes consecutivos negativos ao teste RT­PCR fecal.
Os gatos soropositivos devem ser acasalados apenas com fêmeas soropositivas. Filhotes nascidos de pais
soropositivos ou de mãe soropositiva estão protegidos da infecção, pela imunidade muscular adquirida da mãe,
por cerca de 6 semanas de idade. Filhotes que mamaram em mães soropositivas durante as 6 semanas de idade,
provavelmente, não adquirem a infecção da mãe. Testes sorológicos em filhotes devem ser realizados próximo
as 10 a 11 semanas de idade, altura em que a soroconversão é provável.
Novos gatos devem ser sorologicamente testados antes da introdução em um gatil ou programas de
reprodução. Apenas gatos soronegativos e livres de vírus (PCR fecal) devem ser introduzidos em um gatil livre
de CIF ou em um gatil tentando eliminar o vírus. Gatos soropositivos menos provavelmente desenvolvem FIP
que os gatos soronegativos quando introduzidos em um ambiente CIF­endêmico. A vacinação intranasal com
um CIF mutante, sensível à temperatura, não é geralmente recomendada, mas pode ser considerada em gatos
soronegativos > 16 semanas de idade, introduzidos em um ambiente endêmico para CIF. A vacinação induz
soroconversão e não protege completamente os gatos previamente expostos ao CIF, à infecção pelo vírus da
peritonite infecciosa felina.

DILATAÇÃO GÁSTRICA E VÓLVULO (Timpanismo)

A síndrome dilatação gástrica­vólvulo (DGV) é uma condição aguda, potencialmente fatal, que afeta
principalmente cães de raças grandes ou gigantes. Intervenções médica e cirúrgica imediatas são necessárias
para otimizar a sobrevida.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: A etiologia da DGV é desconhecida, porém vários fenótipos e fatores de risco
ambientais foram identificados no desenvolvimento da DGV. As raças em maior risco incluem Great Dane,
Pastor Alemão, Setter Irlandês, Gordon Setter, Weimaraner, São Bernardo, Poodle padrão e Basset Hound. Não
há predisposição sexual e o risco parece aumentar com a idade. Outros fatores de predisposição observados
incluem: condição magra do corpo, conformação torácica profunda/estreita, parentes de primeiro grau com
histórico de DGV, estresse, comportamento agressivo ou temeroso, alimentação diária única, dieta com
alimentação seca, doença esplênica prévia e fraqueza aumentada dos ligamentos gástricos.
Não está claro se a dilatação ou o vólvulo ocorre primeiro antes do desenvolvimento de DGV, embora seja
postulado que o vólvulo ocorra primeiro. A dilatação do estômago resulta do acúmulo de gás ou fluido e o
vólvulo impede a liberação normal desses conteúdos. Durante o vólvulo, o piloro e o duodeno migram
ventralmente e cranialmente. Observado de uma direção caudal a cranial, o estômago pode rotacionar 90 a 360°
em sentido horário, ao redor do esôfago distal. Esta rotação desloca o piloro à esquerda da linha média,
prendendo o duodeno entre o esôfago distal e o estômago. Dependendo do grau de vólvulo, o baço pode variar
em posição de posterodorsal esquerda para anterodorsal direita. Um vólvulo de > 180° causa oclusão da parte
distal do esôfago.
Após vólvulo de estômago, ocorre aprisionamento de gás e aumento da pressão intragástrica. O duodeno
pode ser comprimido pelo estômago distendido contra a parede do corpo, resultando em obstrução do fluxo
gástrico. O aprisionamento do baço frequentemente acompanha a DGV. O estômago progressivamente
distendido compromete o retorno venoso por compressão da veia cava caudal. O sequestramento do sangue nos
leitos capilares esplênicos, renais e músculos­posteriores dilatados resultam em hipotensão portal, isquemia do
trato GI, hipovolemia e hipotensão sistêmica. Esses fatores se somam à perda de fluido no estômago obstruído e
ausência de ingestão hídrica para provocar choque hipovolêmico. Cães estão sob risco de endotoxemia,
hipoxemia, acidose metabólica e coagulação intravascular disseminada.
ACHADOS CLÍNICOS: Cães podem apresentar histórico de esforço repetido de vômito não produtivo, salivação
excessiva e inquietação. Distensão abdominal aguda ou progressiva pode ser observada ou o cão pode se
encontrar deitado e deprimido com o abdome distendido.
Os achados clínicos incluem abdome timpânico ou aumentado, dor abdominal e/ou esplenomegalia.
Progressão de dilatação predispõe a choque hipovolêmico. Sinais de choque são comuns e podem incluir pulso
periférico fraco, taquicardia, tempo prolongado de preenchimento capilar, membranas mucosas pálidas e
dispneia. Frequência cardíaca irregular e déficits de pulso são achados comuns e indicam a presença de arritmia
cardíaca. Adicionalmente, o estômago expandido pode comprimir a cavidade torácica e inibir o movimento do
diafragma, levando a desconforto respiratório.
DIAGNÓSTICO: Histórico, resenha e sinais clínicos podem levar à forte suspeita de DGV. Radiografias são
valiosas para a distinção entre uma dilatação gástrica simples e DGV. As imagens radiográficas preferidas para a
identificação de DGV são em decúbito lateral direito e dorsoventral. Posicionamento ventrodorsal deve ser
evitado devido ao potencial de aspiração de conteúdo gástrico e maior compressão da veia cava caudal.
A radiografia lateral direita normalmente revela uma sombra gástrica grande, distendida, preenchida com gás
com o piloro localizado dorsal e ligeiramente cranial ao fundo. A sombra gástrica é normalmente
compartimentalizada ou dividida por uma “dobra” de tecido mole entre o piloro e o fundo. Esta “dobra” ou sinal
em C invertido é criada pela dobra da parede antral pilórica sobre a parede fúndica. Mal posicionamento ou
aumento esplênico pode ser observado. Gás dentro da parede gástrica é sugestivo de comprometimento tecidual,
enquanto gás livre dentro do abdome indica ruptura gástrica.
Dilatação gástrica e vólvulo, em cão. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

Volume globular, sólidos totais, eletrólitos, glicose sanguínea e teores séricos de lactato devem ser avaliados,
seguidos de hemograma, perfil bioquímico sérico e ensaios de coagulação. ECG contínuo e monitoramento da
pressão sanguínea são recomendados.
Azotemia pré­renal é um achado comum, secundária à hipotensão sistêmica. Pode­se notar elevada atividade
de CK devido à lesão de músculo estriado e alto teor de potássio devido ao lesão hipóxico. Lactato elevado é
um achado comum, secundário à hipotensão sistêmica e inflamação. Hiperlactatemia (> 6,0 mmol/l) está
associada a maior risco de necrose gástrica e necessidade de ressecção gástrica parcial.
TRATAMENTO: Os objetivos imediatos do tratamento são restabelecer o volume sanguíneo circulante e
descompressão gástrica. Rápida correção cirúrgica do vólvulo deve ocorrer após a estabilização inicial. Como a
duração dos sinais clínicos é um dos fatores de risco de morte associada à DGV, diagnóstico e correção
imediatos são imperativos.
Correção da hipovolemia pela reposição rápida de fluidos com um ou mais cateteres IV (calibre 16 a 18) nas
veias jugular ou cefálicas é prioridade no tratamento. Deve­se iniciar imediatamente a terapia com fluidos
contendo cristaloides em velocidade de infusão apropriada para choque (90 ml/kg/h). No choque grave,
Fluidoterapia com combinações de cristaloides, coloides (i. e. hetamilo ou pentamilo, na forma de bolus, na taxa
de 5 ml/kg, IV; pode ser repetido na dose de até 20 ml/kg) ou solução salina hipertônica (i. e. solução salina 7%
com dextrana 70, na dose de 5 ml/kg, ao longo de 15 min) pode ser considerada. A velocidade de infusão de
fluido cristaloide pode ser reduzida em 40% se estes produtos são utilizados. Deve­se fornecer oxigênio durante
a estabilização. Anormalidades eletrolíticas e ácido­base são geralmente corrigidas por fluidoterapia adequada e
descompressão gástrica. Devido ao risco potencial de endotoxemia e translocação GI de bactérias, normalmente
são administrados antibióticos (i. e. 22 mg de ampicilina/kg, 4 vezes/dia, continuada por 2 a 3 dias após a
cirurgia).
Torção gástrica em cão da raça Great Dane com 3 anos de idade; imagem lateral direita. Cortesia do Dr. Ronald Green.

Faz­se a descompressão gástrica concomitante à fluidoterapia. A tentativa inicial de descompressão deve ser
feita com sonda orogástrica, que pode ser realizada após sedação com fentanila (2 a 5 μg/kg IV) ou
hidromorfona (0,05 a 0,1 mg/kg, IV), com ou sem diazepam (0,25 a 0,5 mg/kg, IV). Vasodilatadores (i. e.
fenotiazinas) devem ser evitados. Mede­se o comprimento da sonda estomacal desde os incisivos até última
costela e faz­se uma marcação. A sonda não deve ultrapassar esta marca. A sonda lubrificada é introduzida pela
boca (normalmente mantida aberta com um espéculo bucal, rolo de esparadrapo ou material de bandagem)
enquanto o cão é posicionado sentado ou em decúbito esternal. Normalmente nota­se certa resistência do
esfíncter gastresofágico. Manipulação suave e rotação anti­horária da sonda podem ser necessárias para a
passagem da sonda ao estômago. Cautela deve ser tomada para evitar perfuração do esôfago. Quando a sonda
alcança o estômago, o gás gástrico é eliminado facilmente. A introdução bem­sucedida da sonda não descarta
um vólvulo gástrico concomitante. Após a liberação de gases e conteúdos via sonda, o estômago deve ser
lavado com água morna para diminuir a velocidade de redilatação do órgão com gás e remover a mistura de
ácido gástrico e endotoxinas.
Caso não se consiga passar facilmente a sonda orogástrica, pode­se realizar gastrocentese percutânea para
liberar o excesso de gás do estômago. Deve­se realizar tricotomia e preparação asséptica de uma área (10 cm ×
10 cm) da parede abdominal direita, caudalmente à última costela e ventralmente ao processo vertebral
transverso. A percussão da área deve revelar timpanismo; isto ajuda a evitar uma punção acidental do baço
sobrejacente. Se a estrutura timpânica não é identificada, deve­se acessar a região paracostal esquerda. Uma
agulha de grande calibre ou um cateter “sobre a agulha” (calibre 14 a 16) deve ser introduzida, através da pele e
parede corporal, no interior do estômago, no local de timpanismo mais evidente. A descompressão gástrica
geralmente facilita a passagem subsequente da sonda orogástrica e lavagem estomacal.
A correção cirúrgica da DGV deve ser realizada rapidamente após a estabilização inicial. A assepsia do
abdome é realizada antes da cirurgia (aproximação cranioventral da linha média). Antes da correção da torção
gástrica deve­se realizar descompressão do estômago por sonda orogástrica ou gastrocentese. O estômago,
então, retorna à posição normal e tanto o estômago quanto o baço são examinados quanto à isquemia. Quaisquer
áreas isquêmicas da parede gástrica são cirurgicamente removidas e deve­se realizar esplenectomia se há
comprometimento vascular esplênico. Extensa necrose gástrica e necrose do cárdia, bem como infarto
esplênico, são considerados indicadores de prognóstico ruim. O conteúdo estomacal deve ser removido e uma
gastropexia realizada para reduzir o risco de recidiva. Várias técnicas de gastropexia estão descritas e incluem
gastropexia incisional, de alça, circuncostal e por sonda.
O monitoramento antes, durante e depois da cirurgia deve incluir ECG contínuo, medida intermitente da
pressão sanguínea e avaliação frequente dos parâmetros vitais, volume globular, sólidos totais, eletrólitos,
glicose sanguínea e lactato sérico.
O tratamento pós­operatório consiste em fluidoterapia IV e analgesia. A alimentação deve ser suspensa por
12 a 24 h após a cirurgia. No caso de vômito continuado pode–se administrar antieméticos (0,2 a 0,5 mg de
metoclopramida/kg SC ou 1 a 2 mg/kg/dia em infusão IV em infusão contínua; 1 mg de maropitant/kg, SC, 1
vez/dia). Arritmias cardíacas antes, durante e após a cirurgia são comuns e as arritmias ventriculares são as mais
frequentes. Normalmente não se indica tratamento para as arritmias, porém ele deve ser instituído se ocorrer um
ou mais dos seguintes critérios: taquicardia persistente (> 140 bpm), hipotensão (pressão sanguínea sistólica <
90 mmHg), hipoperfusão (tempo de preenchimento capilar prolongado, pulso fraco), sobreposição da “onda R
em T” (condição que predispõe à fibrilação ventricular) ou contrações ventriculares prematuras multifocais.
Lidocaína 2%, na forma de bolus (2 a 4 mg/kg IV, lentamente), pode ser administrada e repetida 2 vezes durante
período de 30 min, se necessário. Infusão IV contínua de lidocaína (30 a 80 μg/kg/min) pode ser indicada para
controlar arritmias. Com frequência, é difícil o controle de arritmias cardíacas associadas a DGV. Se a arritmia é
pouco responsiva a essa terapia, deve­se administrar procainamida (6 a 10 mg/kg, IV, ao longo de 15 min). As
arritmias com risco à vida do animal podem responder ao sulfato de magnésio 20% (0,15 a 0,3 mEq/kg ou 12,5
a 35 mg/kg, IV, ao longo de 15 a 60 min). Solotol oral (1 a 2 mg/kg, PO, 2 vezes/dia) são também é utilizado no
controle de taquicardias ventricular e supraventricular.
Complicações pós­operatórias menos comuns podem incluir condições de risco à vida, como sepse, peritonite
e coagulação intravascular disseminada.
A taxa de mortalidade média associada à DGV é, aproximadamente, 25 a 30%. Fatores de risco associados à
morte súbita por DGV incluem sinais clínicos > 6 h antes do exame, execução da esplenectomia e gastrotomia
parcial, hipotensão a qualquer hora durante hospitalização, peritonite, sepse e coagulação vascular disseminada.
Não se sabe se gastropexia profilática previne o desenvolvimento de DGV se executada no momento da
castração, mas tem se mostrado útil na prevenção de recidivas se executada no momento da primeira correção
da DGV. Proprietários de raças em risco maior de DGV devem ser esclarecidos sobre os fatores de risco e os
sinais da DGV e aconselhados a procurar imediatamente cuidado veterinário se sinais clínicos são notados.
Precauções adicionais incluem evitar o estresse, alimentação fracionada em vez de refeições únicas diárias,
evitar exercício imediatamente após as refeições e não utilizar pratos de alimento elevados.

DOENÇA INTESTINAL INFLAMATÓRIA

Doença intestinal inflamatória idiopática (DII) é um grupo de doenças gastrintestinais caracterizadas por sinais
clínicos persistentes e evidências histológicas de infiltrado de células inflamatórias de etiologia desconhecida.
As várias formas de DII são classificadas em função da localização anatômica e do tipo celular predominante.
Enterite linfocítica­plasmocitária é a forma mais comum em cães e gatos, seguida de inflamação eosinofílica.
Há achados ocasionais de inflamação com padrão granulomatoso (enterite regional). Predominância neutrofílica
no infiltrado inflamatório é rara. Um padrão misto de infiltrado celular é descrito em várias ocasiões. Certas
síndromes específicas de DII ocorrem mais frequentemente em algumas raças, como o complexo
enteropatia/nefropatia com perda de proteínas em animais da raça Wheaten Terrier de pelos macios, enteropatia
imunoproliferativa no cão Basenji, DII em cão Norwegian Ludenhund e colite ulcerativa histiocítica em cães da
raça Boxer.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: A etiologia da DII não e conhecida. Vários fatores podem estar envolvidos,
como defeito na imunorregulação do tecido linfoide associado ao intestino (TLAI); alteração da permeabilidade;
distúrbios genéticos, isquêmicos, bioquímicos e psicossomáticos; microrganismos infecciosos e parasitários;
alergênios alimentares e reações adversas às drogas. DII também pode ser imunomediada. A mucosa intestinal
tem função de barreira e controla a exposição de antígenos ao TLAI. Estes últimos podem estimular a resposta
imune protetora contra patógenos, enquanto permanecem tolerantes a antígenos ambientais inócuos (p. ex.,
bactérias comensais, alimentos). Imunorregulação defeituosa do TLAI resulta na exposição e reações adversas a
antígenos que normalmente não desencadeariam resposta imune. Embora a alergia alimentar seja uma causa
improvável de DII (exceto na gastrenterite eosinofílica), ela pode contribuir para aumentar a permeabilidade da
mucosa e a sensibilidade aos alimentos.
Evidências atuais sustentam provável envolvimento de reações de hipersensibilidade a antígenos (p. ex.,
alimentos, bactérias, muco e células epiteliais) no lúmen ou mucosa intestinal. Na DII, mais de um tipo de
reação de hipersensibilidade está envolvido. Por exemplo, a hipersensibilidade tipo I está envolvida na
gastrenterite eosinofílica, enquanto a hipersensibilidade tipo IV está envolvida, provavelmente, na enterite
granulomatosa. A reação de hipersensibilidade incita o envolvimento de células inflamatórias, resultando em
inflamação da mucosa. A inflamação prejudica a barreira mucosa, facilitando o aumento da permeabilidade
intestinal a antígenos adicionais. Inflamação persistente resulta em fibrose.
ACHADOS CLÍNICOS: Não há predisposição etária, sexual ou racial aparente associada a DII. No entanto, pode
ser mais comum em cães das raças Pastor Alemão, Yorkshire Terrier e Cocker Spaniel e em gatos de raças
puras. A idade média descrita para o desenvolvimento de doença clínica é de 6,3 anos em cães e 6,9 anos em
gatos, mas a DII foi observada em cães < 2 anos de idade. Os sinais clínicos são frequentemente crônicos e, às
vezes, cíclicos ou intermitentes. Podem­se observar vômitos, diarreia, alteração do apetite e perda de peso. Em
um estudo retrospectivo em gatos com enterocolite linfocítica­plasmocitária, observaram­se mais
frequentemente perda de peso, vômito intermitente com progressão para vômito mais frequente, diariamente,
diarreia e anorexia. No caso de úlcera e erosão gastroduodenais, observam­se frequentemente vômitos, melena e
dor na parte cranial do abdome. Perda de peso, vômito, diarreia, ascite e edema periférico podem ser verificados
em casos de enteropatia com perda de proteínas. Tromboembolia pulmonar é uma complicação rara; entretanto,
pode ocorrer quando há perda grave de proteínas intestinais (perda de antitrombina III). Sinais clínicos de
diarreia de intestino grosso, inclusive anorexia e diarreia aquosa, não são incomuns.
Em cães, também se postulou uma associação entre a síndrome vólvulo­dilatação gástrica (p. 408) e a DII.
Nesse caso, a inflamação intestinal pode causar alterações na motilidade e no esvaziamento gástrico e no tempo
de trânsito gastrintestinal, consequentemente predispondo à vólvulo­dilatação gástrica.
Em gatos, relata­se associação entre doença hepática inflamatória, pancreatite e DII, embora ainda não se
tenha estabelecido uma etiologia para essa tríade de doenças. No entanto, gatos com colangioepatite também
devem ser avaliados quanto à DII e pancreatite. Nos gatos, embora ainda não comprovada, foi sugerido que a
DII grave pode progredir para linfossarcoma.
DIAGNÓSTICO: Não há anormalidade consistente no hemograma, no perfil bioquímico e em radiografias.
Pode­se notar hipoproteinemia devido à menor ingestão alimentar e má absorção ou maior perda via trato GI.
Hipocalcemia e hipocolesterolemia podem ser atribuídas à má absorção. Aumento da amilase sérica como
consequência da DII também foi observado. Podem­se notar hipoproteinemia devido à menor ingestão alimentar
e má absorção ou aumento da perda através do trato gastrintestinal. Também é descrito aumento da amilase
sérica como consequência da inflamação intestinal. Hipopotassemia secundária à anorexia, perda de potássio
decorrente de vômito e diarreia e baixos teores séricos de folato e cobalamina também foram relatados. Além
disso, podem­se esperar aumentos discretos nas atividades séricas das enzimas hepáticas.
Eosinofilia pode estar associada à enterite eosinofílica; no entanto, não é um parâmetro sensível. É possível
notar anemia microcítica com perda de ferro devido à hemorragia crônica. Anemia não responsiva, se presente,
provavelmente reflete anemia decorrente de doença crônica ou inflamatória.
Podem­se observar eritrocitose, associada à perda de fluidos decorrente de vômitos e diarreia, e leucograma
de estresse. Alterações radiográficas podem incluir distensão do estômago por gases ou líquido e aumento do
diâmetro total das alças do intestino delgado. Imagens contrastadas podem mostrar irregularidades focais ou
difusas da mucosa, sugestivas de doença infiltrativa. Perda de contraste pode estar associada à ascite.
Exame de fezes é importante para excluir outras causas de inflamação da mucosa, como infecção por
nematódeos, Giardia e bactérias. Giardia pode ser difícil de ser detectada devido à eliminação fecal
intermitente; em todos os casos recomenda­se tratamento empírico com fembendazol.
Ultrassonografia abdominal pode ser utilizada para avaliar todos os órgãos abdominais, examinar todo o trato
intestinal e mensurar a espessura da parede (embora a última medida seja insignificante no diagnóstico de DII).
Estrias hiperecoicas da mucosa do intestino delgado estão normalmente associadas à inflamação da mucosa e
enteropatia com perda de proteínas. Ultrassonografia é também útil para auxiliar na exclusão de possíveis
doenças em outros órgãos, para localizar a doença e determinar se a endoscopia permite biopsia do local.
A endoscopia permite avaliação de esôfago, estômago, duodeno e, às vezes, jejuno, dependendo do tamanho
do animal. A colonoscopia permite exploração do cólon. Em alguns casos, lesões espessas da mucosa podem ser
detectadas por endoscopia, inclusive eritema, friabilidade, granularidade aumentada, erosão e úlcera. Em muitos
casos, a aparência endoscópica é normal. Todavia, sempre devem ser obtidas amostras por biopsia, uma vez que
há pouca correlação entre a aparência microscópica e macroscópica da mucosa intestinal. São recomendados
pelo menos seis fragmentos de cada segmento do trato gastrintestinal. A endoscopia é o método mais fácil de se
obter fragmentos por biopsia, embora tais amostras sejam superficiais e normalmente podem ser coletadas
apenas da porção proximal do intestino delgado. Em alguns casos, celiotomia exploratória e biopsia com
espessura total são necessárias.
Pequenas populações de linfócitos, plasmócitos, macrófagos, eosinófilos e neutrófilos são componentes
normais do tecido da mucosa intestinal. Na DII, observa­se aumento do número de plasmócitos, linfócitos,
eosinófilos e neutrófilos na lâmina própria. No entanto, essas características morfológicas também podem ser
observadas com outras causas de gastroenteropatias (p. ex., infecções por Giardia, Campylobacter e Salmonella,
linfangiectasia e linfossarcoma). Embora o exame das amostras intestinais obtidas por biopsia seja ainda o
padrão ouro para o diagnóstico de DII, este exame apresenta várias limitações. A qualidade das amostras pode
variar, os diagnósticos patológicos são inconsistentes e a diferenciação entre uma amostra normal daquela que
apresenta DII, e até mesmo linfoma, pode ser um problema. Os resultados da biopsia sempre devem ser
interpretados juntamente com os sinais clínicos; ademais, o animal deve ser tratado adequadamente.
TRATAMENTO E CONTROLE: Os objetivos da terapia são reduzir a diarreia e vômito, promover apetite e ganho de
peso e diminuir a inflamação intestinal. Caso se consiga identificar uma causa (p. ex., alimentar, parasitária,
supercrescimento bacteriano, reação a drogas etc.), deve­se eliminá­la.
Mudança alimentar, isoladamente, pode ser efetiva em alguns casos (p. ex., colite crônica); em outros casos,
ela potencializa a eficácia da terapia medicamentosa concomitante, permitindo redução da dose do medicamento
ou interrupção da terapia medicamentosa quando os sinais clínicos regridem. Corticosteroides, azatioprina,
sulfassalazina, tilosina e metronidazol são as drogas mais frequentemente utilizadas no tratamento de DII.
Exceto quando o animal está debilitado, é melhor instituir modalidades terapêuticas sequenciais. A frequência
e natureza dos sinais clínicos devem ser monitoradas e a terapia ajustada, se necessária. O tratamento deve ser
iniciado com medicação anti­helmíntica/antiparasitária (p. ex., 50 mg de fembendazol/kg, VO, 1 vez/dia, por 3 a
5 dias). Isto é seguido de modificação da dieta (preferencialmente com uma dieta com proteínas hidrolisadas ou
com teor limitado de antígenos), por 3 a 4 semanas, seguida de tratamento antibacteriano por 3 a 4 semanas
(normalmente 10 mg de tilosina/kg, VO, 3 vezes/dia ou 10 mg de metronidazol/kg VO, 2 vezes/dia) e,
finalmente, terapia imunossupressora (inicialmente com 1 mg de prednisolona/kg VO, 2 vezes/dia).
Uma modificação alimentar geralmente envolve o fornecimento de uma dieta hipoalergênica ou eliminação
de uma fonte de proteína à qual o animal não tenha sido exposto anteriormente (p. ex., alimentos caseiros com
carne de cordeiro e arroz, ou carne de veado e arroz ou dietas comerciais). Essa dieta deve ser a única fonte de
alimento por um mínimo de 4 a 6 semanas e nenhum tipo de petisco deve ser oferecido. Os cães com diarreia de
intestino grosso podem se beneficiar de dietas com alto teor de fibras insolúveis (ver colite, p. 399). A
suplementação com apenas fibras alimentares raramente é efetiva nos casos com grave infiltrado de células
inflamatórias.
A sulfassalazina (e fármacos associados) é utilizada no tratamento de colite, em cães, quando a DII se limita
ao intestino grosso. No cólon, o medicamento libera o ácido 5­aminossalicílico, que tem atividade anti­
inflamatória na mucosa. Os principais efeitos adversos observados em cães são ceratoconjuntivite seca e
vasculite. Devido ao risco de toxicidade por salicilatos em gatos (ver colite, p. 399), a sulfassaliazina não é
indicada rotineiramente para coline em felinos. Encontram­se disponíveis outras drogas aminossalicílicas mais
recentes, isentas de alguns dos efeitos adversos da sulfassalazina, por exemplo, olssalazina (10 a 20 mg/kg, VO,
3 vezes/dia em cães) e mesalamina (10 mg/kg, VO, 3 vezes/dia em cães).
O uso de antibióticos pode ser justificado, em parte, pelo tratamento em potencial de enteropatógenos não
diagnosticados. O metronidazol (10 a 20 mg/kg, VO, 2 vezes/dia) é o antibiótico de primeira escolha para o
tratamento de várias formas de DII em pequenos animais. Pode ter efeito imunomodulador. Tilosina (10 mg/kg,
VO, 3 vezes/dia) também pode ter este efeito e ser eficaz no tratamento de DII canina. Colite ulcerativa
histiocítica em animais da raça Boxer é responsiva à enrofloxacino, o que sustenta a hipótese de que esta forma
particular de DII é consequência de uma infecção por um microrganismo específico.
Os corticosteroides podem ser úteis tanto na doença de intestino delgado quanto de intestino grosso. As doses
iniciais recomendadas são 2 mg de prednisona ou de prednisolona/kg/dia ou 0,25 mg de dexametasona/kg/dia.
Efeitos adversos incluem poliúria, polidipsia, polifagia e distúrbios GI (p. ex., vômito, diarreia, melena). As
doses devem ser reduzidas gradualmente a cada 7 a 10 dias, até que se obtenha a menor dose efetiva para
controlar os sinais clínicos e, se é possível, interrupção total da medicação. Uma preparação revestida do
glicocorticoide budesonida foi efetiva em manter a remissão de DII em pessoas. Um estudo preliminar mostrou
eficácia aparente em cães e gatos, porém informações sobre o uso deste fármaco são limitadas. A droga sofre
eliminação substancial de primeira passagem devido à imediata inativação no fígado, resultando em baixa
biodisponibilidade sistêmica e ação reduzida no eixo hipotálamo­hipófise­adrenal, tornando o
hiperadrenocorticismo iatrogênico menos comum do que com outros glicocorticoides. A dosagem ótima para
cães é desconhecida. Empiricamente, foram recomendadas doses de 1 mg/m2, VO, 1 vez/dia, para cães, e 1
mg/animal/dia, VO, para gatos.
Em casos refratários, a adição de um fármaco imunossupressor à terapia com glicocorticoides pode ser
benéfica. Azatioprina (para cães) e clorambucila (para gatos) podem ser utilizados. A dose de azatioprona é 2,2
mg/kg, VO, 1 vez/dia. Efeitos adversos incluem mielossupressão, pancreatite e hepatotoxicidade. As doses de
azatioprina podem ser reduzidas gradualmente após várias semanas. Tipicamente, a prednisona é reduzida
primeira (em 25% a cada 2 a 3 semanas). Após a redução da prednisona para 0,5 mg/kg, em dias alternados,
sem recidiva, a azatioprina passa a ser administrada em dias alternados.
A azatioprina não é recomendada aos gatos devido sua sensibilidade aos efeitos adversos. Em vez disso, gatos
são tratados com uma combinação de prednisona e clorambucila (0,1 a 0,2 mg/kg ou 1 mg/gato). Os sinais
clínicos melhoram em 3 a 5 semanas, embora 4 a 8 semanas de tratamento sejam indicadas. Hemograma deve
ser realizado a cada 2 semanas para monitorar evidências de mielossupressão.
Tratamento adjuvante pode incluir ácido ursodeoxicólico em gatos (10 a 15 mg/kg/dia, VO), suplementação
com cobalamina (29 mg/kg, SC, cada 7 dias, por 4 semanas e, então, a cada 28 dias por 3 meses) em cães e
gatos, e, se necessário, outras terapias de suporte.
O tempo de resposta ao tratamento de DII é variável. A qualidade de vida tende a ser ruim e o prognóstico é
reservado. Hipoalbuminemia é um sinal prognóstico negativo. O prognóstico é ruim em casos com lesões
histológicas graves, fibrose da mucosa, enterite eosinofílica, enteropatia com perda de proteínas ou síndrome
hipereosinofílica. Recidivas ocorrem e são mais frequentemente causadas por imprudência alimentar.

GASTRENTERITE HEMORRÁGICA

A gastrenterite hemorrágica (GEH) é uma síndrome clinicamente reconhecida, porém pouco descrita em cães.
Caracteriza­se por diarreia sanguinolenta aguda e hemoconcentração grave. Cães de raças toy e miniatura
parecem predispostos. Não há preferência por sexo ou idade.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: Desconhece­se a etiologia, porém suspeita­se de hipersensibilidade intestinal ou
uma consequência da infecção por Clostridium perfringens e produção de enterotoxinas. Hipersensibilidade a
outras bactérias, dieta ou antígenos parasitários não pode ser excluída. Ocorre extravasamento de fluidos, de
proteínas plasmáticas e hemácia no lúmen intestinal em decorrência do aumento da permeabilidade intestinal.
ACHADOS CLÍNICOS:
Início agudo de diarreia hemorrágica profusa (normalmente que lembra geleia de framboesa) em cães de
raças toy ou miniatura é característico de GEH. Vômito, anorexia, letargia e dor abdominal são comuns. Perda
de fluido expressiva e peraguda pode resultar em choque hipovolêmico antes da desidratação ser clinicamente
reconhecida. Outras informações nos históricos (p. ex., imprudência dietética, estado de vacinação etc.) são
comuns. GEH não é considerada contagiosa.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico baseia­se, tipicamente, no início agudo dos sinais clínicos, com hemoconcentração
(VG 55%) e concentração plasmática de proteína total normal ou levemente diminuída. Cultura seletiva para
patógenos nas fezes (p. ex., Clostridium spp, Yersinia spp, Campylobacter spp, Escherichia coli
enterotoxigênica) e avaliação para enterotoxinas de Clostridium spp por ELISA em amostras de fezes podem ser
realizadas. Anormalidades no hemograma normalmente se limitam à hemoconcentração e leucocitose por
eosinofilia. Neutropenia, sepse e/ou enterite por parvovírus podem ser um problema. O perfil bioquímico sérico
pode estar normal ou indicar discreta pan­hipoproteinemia, hipoglicemia (sepse, menor ingestão de alimentos,
com reserva limitada de glicogênio hepático) e anormalidades eletrolíticas compatíveis com perda GI e menor
ingestão de alimentos (i. e. hipopotassemia, hiponatremia, hipocloremia). Há relatos anedóticos de tempo de
coagulação moderadamente prolongado (< 10%) (tempo de coagulação ativado, tempo de protrombina, tempo
de tromboplastina parcial), potencialmente atribuído à inflamação ou à hemoconcentração. Se os tempos de
coagulação são moderadamente ou extensamente prolongados, deve ser investigada coagulopatia ou coagulação
intravascular disseminada (CID). Concentração sérica basal de corticosteroide deve estar normal ou aumentada;
é um teste de triagem apropriado para hipoadrenocorticismo. Anormalidades radiográficas e ultrassonográficas
devem ser limitadas à imagem de íleo difuso e alças intestinais preenchidas com fluidos. O diagnóstico
diferencial inclui gastrenterite bacteriana, viral (i. e. parvovírus, coronavírus) e parasitária (i. e. Trichuris vulpis,
Ancylostoma spp, Uncinaria spp); distúrbios sistêmicos com envolvimento secundário do trato GI (i. e.
hipoadrenocorticismo, pancreatite, insuficiência renal, doença hepática etc.); coagulopatia (i. e. intoxicação por
rodenticida, trombocitopenia, trombocitopatia etc.); úlcera GI grave; neoplasia e perfuração GI de qualquer
etiologia.
TRATAMENTO E PROGNÓSTICO: Fluidoterapia IV agressiva é a parte principal do tratamento. A velocidade de
administração de fluido isotônico baseia­se na perfusão do paciente, no grau de desidratação e na perda
progressiva de fluido. Cães com hipoproteinemia intensa ou em choque podem se beneficiar de terapia com
coloide natural ou sintético (plasma estocado ou congelado recentemente). Indicam­se antibióticos parenterais
eficazes contra Clostridium spp (i. e., 22 mg de ampicilina/kg, IV, 3 a 4 vezes/dia) e para diminuir o risco de
sepse secundária à translocação bacteriana. Dependendo da concentração sérica de potássio, os fluidos de
manutenção devem ser suplementados com 20 a 40 mEq de cloreto de potássio/l, a fim de prevenir
hipopotassemia. Cães hipoglicêmicos necessitam suplementação de dextrose (2,5 a 5%) na fluidoterapia IV.
Tratamento adicional de suporte, inclusive terapia antiemética e controle da dieta, como descrito anteriormente
(ver p. 423 e p. 416).
O prognóstico é bom, desde que o tratamento seja apropriado. Porém, podem ocorrer sérias complicações,
inclusive hipoproteinemia grave, CID, sepse, choque hipovolêmico e óbito.

GASTRITE

Gastrite é um termo geral utilizado para descrever uma síndrome de vômito agudo ou crônico secundário à
inflamação da mucosa gástrica. Irritação, infecção, estimulação antigênica ou lesão (i. e. erosão, químico ou
úlcera) da mucosa gástrica estimula a liberação de mediadores inflamatórios e vasoativos com subsequente
rompimento das células epiteliais gástricas, aumento da secreção de ácido gástrico e prejuízo da função da
barreira gástrica. Receptores viscerais sensíveis à distensão gástrica, inflamação gástrica e tonicidade dos
conteúdos gástricos enviam impulsos via nervos vago e simpáticos para o centro do vômito no bulbo,
estimulando, assim, o reflexo do vômito.
GASTRITE AGUDA: Na gastrite aguda, o vômito de início repentino é assumido ou confirmado ser secundário à
inflamação da mucosa gástrica. As causas incluem imprudência ou intolerância dietética (i. e. ingestão de
alimentos desconhecidos, estragados ou contaminados, ou material estranho), ingestão de drogas ou toxinas (i.
e. antibióticos, AINE, corticosteroides, plantas, produtos químicos), doenças sistêmicas (i. e. pancreatite,
gastropatia urêmica, hipoadrenocorticismo), endoparasitismo (i. e. Physaloptera sp [cães], Ollulanos sp [gatos])
infecção bacteriana (i. e. doenças associadas a Helicobacter) ou viral (i. e., gastrenterite por parvovírus canino,
panleucopenia felina). Vômito de início súbito é característico. O vômito pode conter bile, alimentos, espuma,
sangue (puro ou digerido) ou evidências da substância ingerida (i. e. grama, osso, material estranho etc.). Sinais
clínicos adicionais dependem da gravidade e frequência do vômito assim com das causas de base.
O diagnóstico é baseado normalmente no histórico, achados clínicos e resposta ao tratamento sintomático.
Um diagnóstico específico deve ser procurado se o animal teve acesso a objetos estranhos ou toxinas, se sinais
clínicos não desaparecerem dentro de 2 dias da terapia sintomática, se hematêmese ou melena estiverem
presentes, se o animal apresenta­se sistemicamente doente ou se anormalidades são percebidas na palpação
abdominal. Cães podem sinalizar a presença de desconforto abdominal cranial por adotarem uma posição de
“prece” (quartos traseiros elevados e peito e membros torácicos mantidos próximos ao solo), posição que
aparentemente confere alguma sensação de alívio. Hemograma, perfil bioquímico sérico e urinálise seguidos de
testes clinicopatológicos mais específicos (i. e. imunorreatividade da lipase pancreática, concentração sérica
basal de cortisol, teste de estimulação do hormônio adrenocorticotrófico [ACTH], avaliação do conteúdo do
vômito para toxinas específicas). Diagnósticos por imagem, inclusive radiografias abdominais simples e/ou com
contraste de bário e ultrassonografia abdominal, podem ser indicados.
O tratamento de gastrite aguda normalmente é sintomático e de suporte. Pequenas quantidades de fluidos
orais podem ser administradas frequentemente, com o aumento do volume quando o vômito diminui. Gelo
(picado ou em cubos) pode ser utilizados, inicialmente, como fonte única de água. Administração subcutânea de
solução isotônica eletrolítica balanceada pode ser o suficiente para corrigir o discreto déficit de fluidos (< 5%).
Se a desidratação é moderada ou grave ou a condição clínica do animal justifica fluidoterapia IV, indica­se
avaliação diagnóstica mais ampla. Se o vômito é agudo, a ingestão oral deve ser suspensa por = 24 h. Pequenas
quantidades de alimentos leves, com baixo teor de gordura e facilmente digeríveis (i. e. carne magra cozida,
frango ou queijo cottage e arroz ou ração comercial destinadas a tal fim), fornecidas frequentemente, podem ser
introduzidas com transição gradual para a dieta normal, ao longo de 3 a 5 dias.
Fármacos antieméticos devem ser utilizados para controlar o vômito apenas após que o diagnóstico etiológico
tenha sido estabelecido ou se o vômito é prolongado e grave o bastante para causar desidratação ou
desequilíbrio eletrolítico. Metoclopramida (0,3 mg/kg, PO ou SC, 3 vezes/dia ou 2 mg/kg/dia como infusão a
velocidade constante) aumenta a contração gástrica, relaxa o esfíncter pilórico e aumenta o peristaltismo
gástrico, duodenal e jejunal proximal. É contraindicada na suspeita de obstrução GI, ou em casos confirmados.
Antieméticos alternativos incluem ondansetron (0,1 a 1,0 mg/kg VO, 1 a 2 vezes/dia), maropitant (1 mg/kg, SC,
1 vez/dia, ou 1 a 2 mg/kg, VO, 1 vez/dia, por 5 dias) e clorpromazina (0,5 mg/kg, IV, IM ou SC, 3 a 4
vezes/dia).
GASTRITE CRÔNICA: A gastrite crônica deve ser considerada em animais com vômito intermitente ou persistente
que se estende por mais de 7 dias e que não pode ser atribuída à imprudência ou intolerância dietética, ingestão
de drogas ou toxinas, doenças sistêmica, endoparasitoses, infecções (bacteriana ou viral) ou neoplasia. O sinal
clínico mais comum é o vômito intermitente de alimentos ou bile. Doenças sistêmicas, perda de peso e úlceras
GI não são frequentes e devem levantar a suspeita de uma condição mais séria ou inflamação GI difusa (i. e.
doença inflamatória do intestino, pitiose etc.).
Hemograma, perfil bioquímico sérico, urianálise, concentração total de hormônio da tireoide [gatos],
concentração sérica basal de cortisol, teste de estimulação do ACTH (para excluir hipoadrenocorticismo canino)
e exame de fezes para endoparasitoses são indicadas, mas frequentemente são normais em animais com gastrite
crônica. Exame histológico de amostra de biopsia gástrica obtida por endoscopia ou cirúrgica é necessário para
o diagnóstico definitivo e classificação da gastrite crônica. Todavia, antes de realizar um diagnóstico
histológico, são indicados vermífugos de amplo espectro, radiografias abdominais (simples e/ou com contraste
de bário) e ultrassonografia abdominal (para identificar objetos estranhos, neoplasias, estenose pilórica,
hipertrofia da mucosa gástrica antral, anormalidades discreta ou multifocal da mucosa ou mural,
linfadenomegalia intra­abdominal ou outras patologias intra­abdominais).
Gastrite linfocítica­plasmacitária e gastrite eosinofílica são caracterizadas por infiltração difusa na mucosa
gástrica e lâmina própria por linfócitos e plasmócitos ou eosinófilos, respectivamente. Infiltrados celulares
similares podem ser observados no intestino delgado. Concomitante hiperplasia linfoide, atrofia da mucosa ou
fibrose não é frequentemente observada. Intolerância ou alergia à dieta, parasitismo subclínico ou resposta
hiperimune a antígenos normais têm sido propostos como possíveis causas. Gastrite eosinofílica com eosinofilia
e/ou lesões de pele devem induzir à suspeita de sensibilidade à dieta ou síndrome eosinofílica (gatos).
Animais com sinais clínicos moderados e lesões histológicas podem responder à alimentação exclusiva com
nova dieta proteica ou hipoalergênica (i. e. dieta caseira balanceada ou opções disponíveis no mercado). Além
dos tratamentos sintomáticos e de suporte e modificação da dieta (ver texto anterior), animais com doença
moderada a grave geralmente requerem terapia imunossupressora. Prednisona (ou prednisolona em gatos) é
iniciada na dose de 2 mg/kg, VO, 1 vez/dia e, então, reduzida para a menor dose efetiva para controlar os sinais
clínicos. Assim que ocorre remissão clínica continuada, a terapia com prednisona é suspensa e aderência rígida
à terapia dietética, mantida. Se os sinais clínicos persistem, apesar das modificações na dieta e do tratamento
com prednisona, podem ser utilizados imunossupressores adicionais (cães: 2 mg de azatioprina/kg, VO, a cada
24 a 48 h; gatos > 4 kg: 2 mg de clorambucila [dose total] VO, cada 48 h, por 2 a 4 semanas e, então, reduzida
para 2 mg a cada 72 a 96 h; gatos < 4 kg: 2 mg de clorambucila [dose total] VO, cada 72 h). Podem também ser
indicados gastroprotetores, como antagonistas de receptores H2 (i. e. 2 mg de ranitidina/kg ou 0,5 a 1 mg de
famotidina/kg, VO, SC ou IV, 2 a 3 vezes/di a), inibidores da bomba de prótons (i. e. 0,7 a 2,0 mg de
omeprazol/kg, VO, 1 vez/dia) e sucralfato (0,5 a 1 g, VO, 3 vezes/dia).
Gastrite atrófica crônica caracteriza­se por infiltração de células inflamatórias, afinamento da mucosa
gástrica e atrofia das glândulas gástricas. Uma forma de gastrite atrófica especial, relacionada com a raça
Norwegian Lundehund, não está associada à infecção por Helicobacter spp embora esteja associada a
adenocarcinoma gástrico. O papel, se algum, da infecção por Helicobacter spp no desenvolvimento de gastrite
atrófica é desconhecido. Todavia, se este microrganismo é encontrado em amostras de biopsia gástrica, indica­se
o tratamento (ver p. 365). Opções adicionais de tratamento incluem controle da dieta e imunossupressão, da
mesma maneira mencionada para gastrite linfocítica­plasmocitária e gastrite eosinofílica (ver texto anterior);
todavia, faltam dados a respeito da eficácia do tratamento e do prognóstico.
Gastropatia hipertrófica crônica é caracterizada por hipertrofia difusa ou focal da mucosa gástrica e
grandes dobras rugosas ou ambas, com infiltrado inflamatório variável. A lesão é mais frequentemente marcante
na região pilórica com resultante obstrução do fluxo gástrico. Vômito em jato do alimento dentro de algumas
horas após as refeições pode ser descrito. Cães mais velhos, machos e de raças pequenas são mais
frequentemente acometidos (i. e. Lhasa Apsos, Shih Tzus, Malteses, Poodles Miniatura). Hipergastrinemia
devido à secreção exagerada (i. e. neoplasia secretora de gastrina, gastroenteropatia em basenjis) ou depuração
inadequada (i. e. doença renal ou hepática, acloridria) podem iniciar a hipertrofia da mucosa. Correção cirúrgica
via piloroplastia e/ou a remoção de tecido hipertrofiado pode ser necessária para aliviar os sinais clínicos.

INFECÇÃO POR HELICOBACTER

Helicobacter spp é encontrado normalmente no estômago, tanto de cães e gatos saudáveis quanto doentes (com
vômito), porém sua relevância é desconhecida. Embora infecções por H. pylori em pessoas foram associadas à
gastrite, úlcera péptica e alta taxa de neoplasia gástrica, uma relação causal direta entre infecção por
Helicobacter e doença GI não foi estabelecida em cães e gatos.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: Helicobacter é um microrganismo espiralado ou curvado, Gram­negativo, móvel
e flagelado. H. pylori é a espécie mais comumente encontrada em infecções GI de pessoas, porém
microrganismos maiores semelhantes a Helicobacter (como H felis, H heilmannii e H bizzozeronii) são mais
comuns em cães e gatos. Pelo menos 38 espécies de Helicobacter foram identificadas em animais; animais
infectados podem hospedar várias espécies.
Helicobacter é mais comumente detectado no tecido gástrico de cães e gatos, especialmente no fundo gástrico
e no cárdia, mas pode ser isolado no trato intestinal. A colonização da mucosa gástrica parece ser mais
prevalente na superfície da camada mucosa, assim como nas glândulas gástricas e nas células parietais. Há
relatos esporádicos de Helicobacter no tecido hepático de cães com hepatite necrosante multifocal, bem como
em gatos normais e naqueles com colangioepatite.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Gastrite, vômito e diarreia foram associados à infecção por Helicobacter,
embora sem constatação de uma relação causal direta. Úlcera péptica raramente está associada à infecção por
Helicobacter em cães e gatos.
O diagnóstico envolve endoscopia do trato GI superior ou laparotomia exploratória. Amostras de muco
superficial de uma grande área do estômago pode ser obtido por meio de endoscopia, com auxilio de pincel
apropriado. Caso haja microrganismos eles são facilmente identificados em microscopia, em aumento de 100 x
em óleo de imersão. Como a citologia em pincel permite amostragem de uma grande área do estômago, a
sensibilidade deste teste é alta.
Biopsia gástrica deve ser obtida de múltiplas áreas do estômago, uma vez que a distribuição da bactéria pode
ser desigual. Coloração hematoxilina­eosina (H&E) de rotina é normalmente suficiente para identificar os
microrganismos, embora seja necessária coloração especial com prata, se a bactéria se localiza na glândula.
Inflamação da mucosa, degeneração glandular e hiperplasia folicular linfoide acompanham algumas infecções.
Citologia e histopatologia não são suficientes para identificar algumas espécies. Um teste de urease rápido, no
mercado disponível para verificar a produção de urease bacteriana em biopsia gástrica, pode detectar a presença
de Helicobacter. Todavia, como citologia e histopatologia são altamente confiáveis e específicos na
identificação de infecções por Helicobater, o teste de urease adiciona muito pouco ao diagnóstico.
Testes não invasivos para detecção de infecções por Helicobacter disponíveis no âmbito da pesquisa incluem
teste de ureia no hálito, detecção de antígeno fecal e sorologia.
TRATAMENTO: A falta de conhecimento sobre a patogenicidade das infecções por Helicobacter em cães e gatos
dificultam a tomada de decisão sobre o tratamento. Infecções por H. pylori em pessoas são tratadas com terapia
antimicrobiana dupla ou tripla, associada a um inibidor da secreção gástrica (p. ex., claritromicina, amoxicilina,
bismuto e ranitidina), por 2 semanas; estratégias terapêuticas similares têm sido utilizadas em medicina
veterinária.
Porém, infecções por Helicobacter em cães e gatos são difíceis de serem erradicadas e recomendações
específicas de tratamento não são possíveis. Alguns estudos clínicos citam melhora da gastrite crônica e vômito
após tratamento de cães e gatos infectados com Helicobacter, sugerindo que o tratamento da infecção em cães e
gatos que apresentam sinais clínicos deve ser considerado.
RISCO DE ZOONOSE: A transmissão de Helicobacter entre grupos de cães e gatos não é clara e não foram
identificados hospedeiros reservatórios. Devido às altas taxas de morbidade e mortalidade associadas à infecção
por H pylori em pessoas, aumentou­se a preocupação com a transmissão zoonótica. Infecção por H pylori foi
relatada em uma colônia de felinos de pesquisa; não foi identificada em cães. Enquanto alguns estudos sugerem
um risco maior de infecção por Helicobacter em pessoas que estão em contato com cães e gatos, outras
pesquisas refutam esse administrado. Portanto, a transmissão zoonótica de Helicobacter é considerada possível,
porém o risco provavelmente é baixo. Independente disso, ótimas práticas de higiene são encorajadas; a
identificação da infecção em cães e gatos com gastrite crônica e vômito é bastante prudente.

NEOPLASIAS GASTRINTESTINAIS

As neoplasias do sistema gastrintestinal são incomuns, onde tumores gástricos representam < 1% e tumores
intestinais < 10% de todos os cânceres em cães e gatos. As neoplasias gastrintestinais tendem a ser malignas. A
média de idade de cães com neoplasias GI é de 6 a 9 anos e de gatos de 10 a 12 anos.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: Agentes etiológicos específicos não foram identificados. O maior risco de
carcinoma gástrico em cães Pastor Belga e de adenocarcinoma intestinal e linfoma em gatos siameses podem ser
indícios de predisposição genética. Leucemia felina é sugerida como fator desencadeante ao desenvolvimento
de linfoma GI felino, mesmo em gatos com estado retroviral negativo. Infecções por Helicobacter são
associadas à neoplasia gástrica em pessoas, porém ligações diretas similares não foram estabelecidas em cães e
gatos.
Adenocarcinomas são as neoplasias gastrintestinais mais comuns em cães e são mais frequentemente
encontradas no duodeno, cólon e reto. Adenocarcinomas gástricos normalmente afetam o terço inferior do
estômago (i. e. a última curvatura e a região pilórica). Em gatos, adenocarcinoma é comumente identificado no
jejuno e íleo. Adenocarcinomas são agressivos e frequentemente enviam metástase para linfonodos regionais,
fígado e pulmões. No momento do diagnóstico em cães, até 44% dos adenocarcinomas intestinais e até 95% dos
gástricos têm metástase.
Adenomas e carcinomas localizados são incomuns no trato gastrintestinal de cães e raros em gatos. Essas
massas semelhantes a pólipos são normalmente isoladas e localizadas no cólon ou reto de cães. São
consideradas doenças locais, embora especula­se que eles podem se transformar em adenocarcinomas
agressivos com o passar do tempo.
Linfoma é a neoplasia gastrintestinal mais comum em felinos; é também comum em cães. Linfomas GI
normalmente afetam o intestino delgado assim como órgãos extraintestinais, tais como o fígado. Dois tipos de
linfomas GI felino foram reportados: linfoma de pequenas células linfocíticas e de baixo grau e um subtipo
pouco diferenciado e agressivo de linfoma. Linfoma GI canino normalmente é pouco diferenciado e agressivo.
Liomiomas e os liomiossarcomas não são comuns em cães e são extremamente raros em gato. Os tumores são
de crescimento lento: aproximadamente 80% dos liomiossarcomas não apresentam metástase no momento do
diagnóstico. Esses tumores estromais estão associados à hipoglicemia paraneoplásica que se resolve uma vez
que o tumor é extirpado. Outras neoplasias GI não comumente reportadas em cães e gatos incluem
fibrossarcomas, tumores de mastócitos e plasmacitomas.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos dependem da localização e extensão do tumor e das possíveis metástases
ou síndromes paraneoplásicas (i. e. hipercalcemia e hipoglicemia). Os sinais clínicos mais comuns associados à
neoplasia GI incluem vômito (com ou sem sangue), anorexia, perda de peso, diarreia e letargia. Sinais de
constipação intestinal ou tenesmo podem acompanhar tumores retais ou de cólon. Massa abdominal ou
organomegalia podem ser palpáveis. Dor abdominal e ascite podem refletir peritonite secundária a uma porção
rompida do intestino neoplásico.
DIAGNÓSTICO: Testes rotineiros de laboratório e radiografias simples não mostram alterações específicas
associadas a neoplasias GI. Hipoglicemia normalmente está associada a liomiomas/leiomiosarcomas.
Hipercolesterolemia e atividade elevada de fosfatase alcalina foram observadas em algumas neoplasias não
linfomatosas. Anemia microcítica com ou sem hipoproteinemia é um achado comum com massas tumorais
ulcerativas e hemorragia crônica. Desequilíbrio ácido­base e de eletrólitos podem refletir vômito e incluir
hipocloremia, hipopotassemia e alcalose ou acidose metabólica. Hipercalcemia paraneoplásica foi associada à
linfoma e adenocarcinoma intestinal.
Radiografias abdominais contrastadas podem revelar massas no trato GI ou áreas de úlcera. Ultrassonografia
abdominal pode evidenciar espessamento do trato Gi e perda das camadas normais. Linfonodos regionais
podem estar aumentados e esplenomegalia e/ou hepatomegalia podem ser vistos em alguns casos de linfoma GI.
Ultrassonografia pode facilitar a coleta de amostra para análise citológica ou histológica por meio de biopsia
com agulha ou aspiração com agulha fina.
Endoscopia do trato GI superior ou inferior podem auxiliar na identificação e na obtenção de amostra por
biopsia de espessamento parcial. O pequeno tamanho e a natureza superficial das amostras de biopsia obtidas
durante endoscopia não permitem diagnóstico definitivo porque alguns tumores situam­se na submucosa. Um
falso diagnóstico de gastrite ou enterite pode ser reflexo de inflamação da mucosa que reveste a neoplasia.
Biopsias cirúrgicas de espessura completa coletadas via laparoscopia ou laparotomia são mais adequadas para
estabelecer um diagnóstico e permitem uma biopsia de linfonodos regionais e fígado para avaliar metástases.
TRATAMENTO E PROGNÓSTICO: A remoção cirúrgica é recomendada para neoplasias não metastásicas e não
linfomatosas; margens = 4 cm são recomendadas, se possível.
O tempo médio de sobrevida de cães com adenocarcinoma GI é de 10 a 15 meses, se o tumor é focal e
completamente removido; porém é de apenas 3 meses se há metástase por ocasião do diagnóstico. Não há relato
de quimioterapia eficaz para o tratamento de adenocarcinoma GI.
Linfoma gastrintestinal normalmente é tratado com quimioterapia. Linfoma bem diferenciado, de baixo grau
e pequenas células é tratado com prednisona (5 mg, VO, 1 a 2 vezes/dia) e clorambucila (2 mg, VO, em dias
alternados, ou 15 mg/m2, 1 vez/dia, por 4 dias, a cada 3 semanas). O prognóstico do linfoma GI de pequenas
células é bom, com tempo médio de sobrevida de 765 dias reportados em estudo recente. Linfomas GI não
diferenciados em cães e gatos são pouco responsivos à quimioterapia. Se o tratamento não é suficiente, um
protocolo quimioterápico multidrogas (i. e. Wiscosin­Madison) é recomendado, porém o tempo médio de
sobrevida é < 2 meses. Linfoma focal pode ser removido cirurgicamente. Quimioterapia de acompanhamento
pode ser recomendada dependendo do tipo e natureza do processo neoplásico.
Neoplasia GI maligna normalmente tem prognóstico ruim (i. e. < 6 meses sobrevida), mesmo com terapia
medicamentosa e cirúrgica. Lesões benignas, como liomiomas e adenomas colorretais, têm bom prognóstico
após remoção cirúrgica.

OBSTRUÇÃO GASTRINTESTINAL

Obstrução GI normalmente ocasiona vômito não tratável, com consequências que podem induzir risco à vida do
animal, incluindo possível aspiração, desequilíbrio ácido­base e de eletrólitos e desidratação. Dependendo das
causas da obstrução, o local pode sofrer lesão tecidual, resultando em perfuração, endotoxemia e choque
hipovolêmico. Portanto, obstrução GI deve ser tratada como emergência.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: Obstrução do trato GI pode ser decorrência de várias causas extraluminais,
intramurais ou intraluminais. A causa extraluminal mais comum é intussuscepção, no qual um segmento
invaginado do trato GI se torna englobado por um segmento anterógrado ou retrógrado. Intussuscepção pode ser
secundária à infecção endoparasítica, infecção parvoviral, ingestão de corpo estranho ou neoplasia, porém
normalmente é idiopática. O local mais comum de intussuscepção é a junção ileocecocólica. Intussuscepção
gastresofágica e pilorogástrica são formas de intussuscepção incomuns, agudas e graves, que estão associadas a
altas taxas de mortalidade. Pastores alemães podem apresentar predisposição à intussuscepção gastresofágica.
Encarceramento intestinal em hérnias ou no mesentério pode resultar em estrangulamento das alças intestinais e
rápido desenvolvimento de choque hipovolêmico.
Obstrução intramural pode ser causada por doenças infiltrantes tais como neoplasias, infecção por fungos (i.
e. pitiose) e granulomas (i. e. secundária a peritonite infecciosa felina). Estenose pilórica pode causar obstrução
do fluxo gástrico e foi reportada como uma condição nas raças braquicefálicas.
Obstrução intraluminal normalmente ocorre em cães e gatos após a ingestão de corpo estranho e pode ser
parcial ou completa. Corpos estranhos lineares ou pequenos são mais prováveis de causar obstrução parcial,
enquanto a ingestão de objetos grandes e circulares normalmente leva à obstrução completa. Corpos estranhos
são, geralmente, objetos que não podem ser digeridos (i. e. plásticos, pedras), que são digeridos lentamente (i. e.
ossos) ou são muito grandes para passar pelo trato GI. Cães, com depravação do apetite consomem tais objetos,
enquanto gatos ingerem corpos estranho lineares (i. e. barbantes, fios, fio dental) enquanto brincam com eles.
Independente da etiologia, obstrução GI não tratada leva a distensão da parte mais proximal do trato GI com
fluido e gás. Encarceramento das alças intestinais secundárias a hérnias ou rasgos mesentéricos resulta em
estrangulamento e aprisionamento do intestino. O retorno venoso fica prejudicado, levando a congestão venosa,
anoxia e necrose. Pode ocorrer desvitalização do tecido GI e translocação de bactérias, como Escherichia coli e
clostrídios, do lúmen para o tecido. Se não tratado, pode ocorrer edema, hemorragia, descolamento da mucosa e,
por fim, necrose intestinal.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Intussuscepção é mais comum em cães jovens. Intussuscepção intestinal
causa tipicamente sinais de dor abdominal, vômito e diarreia com ou sem sangue. Intussuscepções no trato GI
mais proximal (i. e. gastresofágica e pilorogástrica) causam vômito e regurgitação.
Obstrução por corpo estranho é também mais comum em animais mais jovens. Sinais clínicos variam
dependendo da duração, grau e localização do corpo estranho, porém normalmente incluem vômito e anorexia.
Vômito é menos comum na obstrução distal do intestino delgado. Diarreia, perda de peso, letargia e sinais de
choque séptico são menos comuns. O quadro clínico pode não ser evidente ou o exame físico pode indicar sinais
de dor abdominal ou massa intestinal palpável. Inspeção da cavidade bucal pode revelar corpos estranhos
lineares, possivelmente ancorados na base da língua em gatos.
Sinais de choque hipovolêmico e dor abdominal são normalmente notados em casos de encarceramento
intestinal.
Achados laboratoriais associados à ingestão de corpos estranhos incluem leucocitose com discreto desvio à
esquerda. Em casos de perfuração GI e peritonite bacteriana secundária ou sepse, nota­se leucocitose ou
leucopenia marcante com desvio à esquerda degenerativo. Obstrução GI proximal está tipicamente associada à
hipocloremia, hipopotassemia e alcalose metabólica, enquanto obstrução de trato GI mais distal está associada à
acidose metabólica. Estudo recente realizado em cães mostrou que hipocloremia e alcalose metabólica foram as
duas alterações mais comuns, independente do local de obstrução GI. Hiperlactatemia e hemoconcentração
(aumento do volume globular e de proteína total) também são achados frequentes.
Radiografias simples podem auxiliar na localização dos corpos estranhos radiopacos. Obstrução completa
pode resultar em alterações radiográficas, como dilatação de alças intestinais e de íleo, com fluidos e/ou gás,
enquanto corpos estranhos lineares podem resultar em pregueamento intestinal. Todavia, esses achados não são
específicos para corpos estranhos e podem ser observados em outras causas de obstrução GI, inclusive estenose,
aderência, intussuscepção e neoplasia intestinais. Radiografia abdominal contrastada pode ser útil na detecção
de corpos estranhos radiolúcidos, que ocasionam defeitos de preenchimento, e em casos de intussuscepção.
Bário é comumente utilizado como contraste radiográfico, porém se há suspeita de perfuração, deve­se utilizar
iodo ou ioexol aquoso.
Ultrassonografia abdominal pode auxiliar na detecção de corpos estranhos GI e dilatação de alças intestinais
com fluidos. Imagens sonográficas transversais de intussuscepção intestinal geralmente mostram lesões tipo
“alvo”, com anéis concêntricos hiperecoicos e hipoecoicos. Grande quantidade de gases intestinais pode causar
sombras na imagem. Sinais de peritonite e perfuração GI detectável com radiografia ou ultrassonografia podem
incluir efusão abdominal ou gás livre. Efusão abdominal, se presente, deve ser avaliada citologicamente para
peritonite séptica. Exame endoscópico pode ser útil para identificar corpos estranhos ou massas e lesões.
TRATAMENTO: A maioria dos corpos estranhos deve ser removida via recuperação endoscópica ou cirúrgica
devido ao potencial de obstrução ou perfuração. Alguns corpos estranhos pequenos e macios podem passar
tranquilamente pelo trato GI; o movimento do corpo estranho pode ser monitorado com radiografia abdominal.
Se o corpo estranho não está em movimento e se a obstrução ou a piora dos sinais clínicos é aparente,
intervenção é necessária. Corpos estranhos lineares na cavidade bucal devem ser cortados e nunca puxados na
tentativa de recuperar o corpo estranho.
Corpos estranhos de cólon são frequentemente identificados acidentalmente e não necessitam remoção. Caso
sejam a causa dos sinais clínicos, a remoção endoscópica é preferida à abertura cirúrgica do cólon.
Desequilíbrios de fluidos, eletrólitos e ácido–base devem ser corrigidos antes da anestesia, se possível.
Recuperação cirúrgica ou endoscópica do corpo estranho está associada à alta taxa de sobrevivência. A
utilidade da endoscopia é limitada, tipicamente, a remoção do corpo estranho gástrico. O endoscópio deve
passar o intestino delgado o mais distalmente possível para avaliação e radiografias tiradas enquanto o animal
está ainda anestesiado para avaliar corpos estranhos adicionais.
Endoscopia pode não permitir o acesso ao trato GI distal à região pilórica ou proximal do duodeno. Se há
corpos estranhos distais à região pilórica, corpos estranhos em múltiplos locais ou sinais de peritonite séptica,
indica­se laparotomia exploratória. Laparotomia exploratória é também preferida à endoscopia em casos
suspeitos de intussuscepção e obstrução secundária à lesão tumoral. Durante a cirurgia, todo o trato GI deve ser
inspecionado quanto à presença de objetos que podem causar obstrução; avalia­se a vitalidade do trato GI e
áreas de perfuração ou isquemia são removidas. Se um corpo estranho linear está presente no estômago e se
prolonga para o intestino delgado, manipulação suave pode liberá­lo de suas ligações distais, permitindo a
remoção através de gastrotomia. Caso contrário, múltiplas enterotomias podem ser indicadas. Corpos estranhos
devem ser removidos com o mínimo de enterotomia possível, de modo a reduzir o risco de deiscência pós–
operatória. Múltiplos corpos estranhos lisos intestinais podem frequentemente ser “ordenhados” pelo intestino e
removidos através de incisão. Corpos estranhos lineares são mais prováveis de causarem lesões e desvitalização
de mucosa e podem afetar grande área do trato GI. Áreas desvitalizadas ou perfuradas devem ser removidas,
realizando–se anastomose do trato GI restante. Intussuscepções são manualmente reduzidas ou removidas; faz­
se anastomose do intestino remanescente, se a redução não é possível ou se a alça intestinal está comprometida.
Pregueamento intestinal pode auxiliar na redução do risco de recidiva.
Peritonite é tratada com antibióticos e drenagem por sucção fechada ou tratamento com abdome aberto.
Alimentos e água podem ser introduzidos 12 h após recuperação, se não há vômito.
PROGNÓSTICO E PREVENÇÃO: Se a obstrução do trato GI devido a corpos estranhos é diagnosticada e tratada
rapidamente, o prognóstico é bom. Animais com peritonite ou sepse apresentam mais complicações pós­
operatórias e maior risco de deiscência enterotômica. Hipoalbuminemia pré­operatória está também associada à
uma taxa maior de deiscência pós­operatória. Animais com peritonite ou que necessitam de remoção de uma
grande parte do intestino, levando à síndrome do intestino curto apresentam um prognóstico reservado.
Deiscência pós­operatória requer uma segunda cirurgia de emergência e está associada à alta taxa de
mortalidade.
Intussuscepções gastresofágica e pilorogástrica estão associadas à taxa de mortalidade e diagnóstico rápido e
intervenção cirúrgica são essenciais para maximizar a sobrevida. Obstrução GI secundária à neoplasia é rara; o
prognóstico depende do tipo de neoplasia.

PARVOVIROSE CANINA

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: O parvovírus canino (PVC) é altamente contagioso e uma causa relativamente
comum de doença infecciosa GI aguda, em cães jovens. Embora sua origem exata seja desconhecida, acredita­se
ter originado do vírus da panleucopenia felina ou de um parvovírus relacionado de animais não domésticos.
Trata­se de um DNA vírus não envelopado, de cadeia simples, resistente a muitos detergentes e desinfetantes. O
PVC infeccioso pode persistir em ambiente interno, em temperatura ambiente, por até 2 meses; em ambiente
externo, se protegido da luz solar e da dessecação, persiste por até 5 meses. Na América do Norte, a doença
clínica é amplamente atribuída ao PVC­2b; contudo, a infecção por uma cepa nova e igualmente virulenta,
PVC­2c, está cada vez mais comum.
Cães jovens (6 semanas a 6 meses), não vacinados ou vacinados de forma incompleta, são mais suscetíveis.
Cães das raças Rottweiler, Dobermann Pinscher, American Pit Bull Terrier, English Springer Spaniel e German
Shepherd são mais predispostos à doença. Se há ingestão adequada de colostro, filhotes nascidos de fêmeas com
anticorpos contra PVC estão protegidos da infecção nas primeiras semanas de vida; contudo, a suscetibilidade à
infecção aumenta à medida que o teor de anticorpos maternos diminui. Estresse (p. ex., amamentação,
superlotação, desnutrição etc.), parasitismo intestinal concomitante ou infecção por patógenos intestinais (p. ex.,
Clostridium spp, Campylobacter spp, Salmonella spp, Giardia spp, coronavírus) foram associados à doença
clínica mais grave. Dentre os cães > 6 meses de idade, os machos não castrados estão, de modo mais provável
que as fêmeas não castradas, mais predispostos a desenvolverem enterite por PVC.
O vírus é eliminado nas fezes dos cães infectados dentro de 4 a 5 da exposição (geralmente antes dos sinais
clínicos se manifestarem), ao longo do curso da doença, e por cerca de 10 dias após a recuperação clínica. A
infecção é adquirida diretamente por contato com fezes contendo o vírus, ou indiretamente por contato com
fômites contaminados pelo vírus (p. ex., ambiente, pessoas, equipamentos). A replicação viral ocorre
inicialmente no tecido linfoide da orofaringe, com sinais sistêmicos resultando da disseminação hematógena
subsequente. O PVC preferencialmente infecta e destrói as células que se dividem rapidamente do epitélio das
criptas do intestino delgado, tecido linfopoético, e medula óssea. A destruição do epitélio das criptas intestinais
resulta em necrose epitelial, atrofia vilosidade, capacidade absorção prejudicada, e interrupção da função da
barreira intestinal, com potencial translocação bacteriana e bacteriemia.
Linfopenia e neutropenia desenvolvem­se secundariamente à destruição das células progenitoras
hematopoéticas na medula óssea e tecidos linfopoéticos (p. ex., timo, linfonodos etc.) e são mais exacerbadas
por um aumento na demanda sistêmica por leucócitos. Infecção intrauterina ou em filhotes < 8 semanas ou nos
nascidos de fêmeas não vacinadas sem anticorpos naturais podem resultar em infecção, necrose do miocárdio e
miocardite. A miocardite, manifestada como insuficiência cardiopulmonar aguda ou tardia e insuficiência
cardíaca progressiva, podem ocorrer com ou sem sinais de enterite. Contudo, a miocardite por PVC­2 é
infrequente, pois várias cadelas apresentam anticorpos contra PVC oriundos de imunização ou exposição
natural.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos da enterite por parvovírus geralmente se desenvolvem dentro de 3 a 7
dias da infecção. Os sinais clínicos iniciais podem ser inespecíficos (p. ex., letargia, anorexia, febre) com
progressão para vômito e diarreia hemorrágica do intestino delgado em 24 a 48 h. Os achados de exame físico
incluem depressão, febre, desidratação, e as alças intestinais que se tornam dilatadas e preenchidas por líquido.
Dor abdominal justifica investigação complementar para excluir complicações potenciais de intussuscepção.
Animais severamente acometidos podem apresentar choque, com tempo de preenchimento capilar prolongado,
pobre qualidade de pulso, taquicardia e hipotermia – sinais fortemente consistentes de choque séptico. Embora a
leucoencefalomalácia associada ao PVC tenha sido relatada, sinais neurológicos são mais comumente atribuídos
à hipoglicemia, sepse ou anormalidades no equilíbrio eletrolítico ou ácido­base. Infecção inaparente ou
subclínica é comum.
Lesões: Lesões macroscópicas, à necropsia, podem incluir parede intestinal espessada e pálida; conteúdo
intestinal aquoso, mucoso ou hemorrágico; edema e congestão dos linfonodos abdominais e torácicos; atrofia do
timo; e, no caso de miocardite por PVC, estrias pálidas no miocárdio. Histologicamente, as lesões intestinais são
caracterizadas por necrose multifocal do epitélio da cripta, perda da arquitetura da cripta e espessamento e
edema das vilosidades. A depleção do tecido linfoide e de linfócitos corticais (placas de Peyer, linfonodos
periféricos, linfonodos mesentéricos, timo, baço) e hipoplasia da medula óssea também são observadas. Edema
pulmonar, alveolite e colonização bacteriana dos pulmões e do fígado também podem ser observados em cães
que morreram de complicações da síndrome do desconforto respiratório agudo, síndrome da resposta
inflamatória sistêmica, endotoxemia e sepse.
DIAGNÓSTICO: A enterite por PVC deve ser sustentada em qualquer cão jovem, não vacinado ou vacinado de
forma incompleta, com sinais clínicos relevantes. Além do curso da doença, muitos cães desenvolvem uma
leucopenia moderada ou grave caracterizada por linfopenia e neutropenia. Leucopenia, linfopenia e ausência de
uma resposta de neutrófilos bastonetes dentro de 24 h do início do tratamento foram associadas a um pobre
prognóstico. Azotemia pré­renal, hipoalbuminemia (perda de proteína GI), hiponatremia, hipopotassemia,
hipocloremia e hipoglicemia (estoques inadequados de glicogênio em filhotes jovens, sepse), e enzimas
hepáticas aumentadas podem ser notadas no perfil bioquímico sérico. ELISA comercial para detecção de
antígenos nas fezes está amplamente disponível. Muitos cães clinicamente doentes eliminam grandes
quantidades de vírus nas fezes. Contudo, resultados falso­negativos podem ocorrer precocemente no curso da
doença (antes do pico de eliminação viral) e após o rápido declínio na eliminação viral que tende a ocorrer
dentro de 10 a 12 dias da infecção. Resultados falso­positivos podem ocorrer 4 a 10 dias da vacinação com
vacina de vírus vivo modificado. Métodos alternativos para a detecção de antígenos de PVC nas fezes incluem
PCR, microscopia eletrônica e isolamento viral. O sorodiagnóstico da infecção por PVC requer a demonstração
de um aumento de 4 vezes nos títulos séricos de IgG em um período de 14 dias ou a detecção de anticorpos IgM
na ausência de vacinação recente (dentro de 4 semanas).
TRATAMENTO E PROGNÓSTICO: Os principais objetivos do tratamento da enterite por PVC incluem
restabelecimento das anormalidades hídricas, eletrolíticas e metabólicas e prevenção da infecção bacteriana
secundária. Na ausência de vômito significativo, soluções eletrolíticas orais podem ser oferecidas. A
administração por via subcutânea de uma solução isotônica balanceada de eletrólitos pode ser suficiente para
corrigir déficits hídricos discretos (< 5%), mas é insuficiente para cães com desidratação moderada a grave.
Muitos cães se beneficiam da fluidoterapia IV com solução de eletrólitos balanceada. A correção da
desidratação, a reposição contínua da perda de fluido e a promoção das necessidades de fluido de manutenção
são essenciais para o tratamento efetivo. Os cães devem ser monitorados quanto ao desenvolvimento de
hipopotassemia e hipoglicemia. Se os eletrólitos e a glicemia não podem ser rotineiramente monitorados, a
suplementação empírica de fluidos IV com potássio (cloreto de potássio, 20 a 40 mEq/l) e glicose (2,5 a 5%)
torna­se apropriada.
Se a perda gastrintestinal de proteínas é grave (albumina < 20 g/l, proteína total < 40 g/l, evidência de edema
periférico, ascite, efusão pleural, etc), a terapia com coloide deve ser instituída. Coloides não proteicos (p. ex.,
pentamilo, hetamilo) podem ser administrados na forma de bolus de 5 ml/kg (máximo de 20 ml/kg) ao longo de,
no mínimo, 15 min. O restante da dose máxima de 20 ml/kg pode ser administrado em infusão contínua ao
longo de 24 h e o volume de cristaloide administrado reduzido em 40 a 60%. De forma alternativa, a transfusão
de plasma fresco congelado pode repor parcialmente a albumina sérica enquanto fornece os inibidores da
protease sérica para conter a resposta inflamatória sistêmica. Não há evidência que sustenta o uso de soro de
cães recuperados de uma enterite por VPC (soro convalescente ou hiperimune) como meio de imunização
passiva.
Os antibióticos são indicados, pois há risco de translocação bacteriana pelo epitélio intestinal lesionado e
neutropenia concomitante. Um antibiótico betalactâmico (p. ex., ampicilina ou cefazolina [22 mg/kg, IV, 3
vezes/dia]) propicia proteção apropriada contra bactérias Gram­positivas e anaeróbicas. Nos casos de sinais
clínicos graves e/ou neutropenia marcante, uma cobertura gram­negativa adicional (p. ex., enrofloxacino [5
mg/kg, IM ou IV, 1 vez/dia] ou gentamicina [6 mg/kg, IV, 1 vez/dia]) é indicada. Antibióticos aminoglicosídios
não devem ser administrados até que a desidratação seja corrigida e a fluidoterapia estabelecida. A
enrofloxacino foi associada a lesões à cartilagem articular em cães de 2 a 8 meses de idade, crescendo
rapidamente, e deve ser interrompida caso ocorra dor ou edema articular.
A terapia antiemética é indicada se o vômito é prolongado, a desidratação e as anormalidades eletrolíticas se
perpetuam ou se há restrição à administração oral de medicamentos e suporte nutricional. Os antagonistas alfa­
adrenérgicos (p. ex., proclorperazina, 0,1 a 0,5 mg/kg, SC, 3 vezes/dia) podem agravar a hipotensão em animais
hipovolêmicos, enquanto os agentes procinéticos (p. ex., metoclopramida, 0,3 mg/kg, VO ou SC, 3 vezes/dia ou
1 a 2 mg/kg/dia, em taxa de infusão contínua) podem aumentar o risco de intussuscepção; o uso e ambos os
agentes devem ser restritos aos animais reidratados e monitorados de forma apropriada. A segurança e a eficácia
dos novos agentes antieméticos como a ondansetrona (0,1 a 0,2 mg/kg, administrados lentamente por via IV, 2 a
4 vezes/dia) e maropitan (1 mg/kg, 1 vez/dia, por 5 dias) não foram avaliados em cães com enterite por VPC. O
vômito pode persistir, mesmo com a administração de antieméticos. Os antidiarreicos não são recomendados
porque a retenção do conteúdo intestinal no lúmen do intestino comprometido aumenta o risco de translocação
bacteriana e complicações sistêmicas.
Recomendações prévias do manejo nutricional da enterite por VPC incluem suspensão do alimento e de água
até cessarem os vômitos, mas evidências recentes sugerem que a nutrição enteral antecipada está associada à
melhora clínica mais rápida, ganho de peso e melhora da função da barreira intestinal. Para cães com anorexia, o
uso de uma sonda nasoesofágica ou nasogástrica e o fornecimento de bolus ou administração oral de dietas
líquidas preparadas (p. ex., Clinicare, ou ração enlatada úmida, batida) devem ser instituídos dentro de 12 h após
a internação do animal. Uma vez cessado o vômito por 12 a 24 h, recomendada a reintrodução gradativa de água
e uma ração comercial úmida, pobre em gordura e facilmente digerível, ou de dieta caseira (p. ex., frango cozido
ou queijo cottage com pouca gordura e arroz). Nutrição parenteral parcial ou total é reservada aos cães com > 3
dias de anorexia, que não toleram nutrição enteral.
Evidências recentes sugerem que a administração de interferona­? recombinante felino (2,5 U/kg, IV, 1
vez/dia, por 3 dias consecutivos) melhora os sinais clínicos e taxa de mortalidade por enterite causada pelo
VPC. Tratamento com o antiviral oseltamivir (2 mg/kg, VO, 2 vezes/dia, durante 5 dias) pode ser considerado;
contudo, não há relato que comprovem sua eficácia. O potencial para indução ou seleção de resistência ao vírus
da gripe levaram alguns a recomendarem que a terapia com oseltamivir seja evitada na enterite por VPC. Os
efeitos adversos potencialmente atribuídos ao oseltamivir após 3 dias de terapia incluem letargia, dor
abdominal, dilatação gástrica, diarreia e inquietação. Outros tratamentos adjuvantes como fator estimulante de
colônia de granulócitos recombinante humano e proteína de aumento de permeabilidade/bactericida
recombinante não foram benéficos.
Intussuscepção, colonização bacteriana de cateteres IV, trombose, infecção do trato urinário, sepse,
endotoxemia, síndrome do desconforto respiratório agudo e morte súbita são complicações potenciais da
enterite por VPC. Muitos filhotes que sobrevivem após os 3 a 4 dias da doença apresentam recuperação
completa, geralmente dentro de 1 semana. Com tratamento suporte apropriado, 68 a 92% dos cães com enterite
por VPC sobrevivem. Os cães que se recuperam desenvolvem imunidade prolongada, possivelmente por toda a
vida.
PREVENÇÃO E CONTROLE: Para restringir a contaminação ambiental e a propagação para outros animais

suscetíveis, cães com enterite por VPC confirmada ou suspeita devem ser manipulados com procedimentos de
isolamento rigoroso (p. ex., separação dos animais, vestimenta e luvas individuais, limpeza frequente e
completa etc.). Todas as superfícies devem ser limpas com uma solução água sanitária diluída (1:30),
peroxigênio, ou um desinfetante com peróxido de hidrogênio acelerado. As mesmas soluções podem ser
utilizadas como pedilúvio para desinfetar os sapatos.
Para evitar e controlar o VPC, a vacinação com vacina de vírus vivo modificado é recomendada nas 6° a 8°,
10° a 12° e 14° a 16° semanas de idade, seguidas por um reforço administrado 1 ano depois e então a cada 3
anos. Devido à lesão potencial do VPC às células do miocárdio ou cerebelo, vacinas inativadas em vez da viva
modificada são indicadas em cadelas prenhes ou filhotes privados de colostro vacinados antes das 6 a 8 semanas
de idade. A presença de anticorpos contra VPC adquiridos via materna podem interferir na eficácia da vacinação
em filhotes < 8 a 10 semanas de idade. Vacinas recentes com vírus vivo modificado contra VPC são
suficientemente imunogênicas em proteger filhotes da infecção na presença de baixos teores de anticorpos
maternos interferentes. Pelo menos 2 vacinas comerciais promovem proteção contra a variante VPC­2c
circulante nos EUA.
Um novo filhote deve ser introduzido em uma casa de um cão recentemente diagnosticado com enterite por
VPC não antes de 1 mês após os sinais clínicos terem sido resolvidos. Apenas filhotes completamente vacinados
(nas 6, 8 e 12 semanas de vida) devem ser considerados. A introdução de um cão adulto incompletamente
vacinado deve ser realizada de maneira semelhante. O reforço vacinal de cães contactantes saudáveis que estão
em dia com a vacinação é sensato, mas potencialmente desnecessário, devido à duração prolongada da
imunidade ao VPC.

SÍNDROMES DE MÁ ABSORÇÃO

Má absorção é a absorção prejudicada de um constituinte alimentar devido à interferência em sua digestão ou


absorção, em razão de insuficiência pancreática exócrina (IPE) ou doença de intestino delgado. Má absorção
resulta, tipicamente, em diarreia, alteração de apetite e perda de peso.
As principais funções do intestino delgado são digestão e absorção de nutrientes que ocorrem em fases
sequenciais: digestão intraluminal, digestão e absorção mucosas e liberação de nutrientes na circulação.
Diversas doenças gastrintestinais causam má absorção crônica por meio de uma interferência nesses processos.
As síndromes de má absorção foram estudadas mais detalhadamente em cães; no entanto, o diagnóstico e os
princípios terapêuticos básicos são similares a outras espécies.
FISIOLOGIA: Os processos digestivos normais convertem os nutrientes alimentares poliméricos em formas
(monômeros) que conseguem atravessar a borda em escova das células epiteliais de absorção intestinal, os
enterócitos. A maioria das enzimas digestivas é secretada pelo pâncreas; logo a IPE é a principal causa de má
absorção. Alguns produtos da digestão, antes da absorção, podem ser degradados pelas enzimas da borda em
escova.
Os principais carboidratos da dieta são amido, glicogênio, sacarose e lactose. Amido e glicogênio são
inicialmente hidrolisados pela amilase pancreática nos oligossacarídios maltose, maltotriose e a­dextrinas­
limite. Os oligossacarídios e dissacarídios ingeridos (sacarose, lactose) são adicionalmente hidrolisados em
monossacarídios pelas enzimas da borda em escova dos enterócitos. A atividade da lactase da borda em escova
diminui após o desmame, especialmente em gatos, e os animais podem se tornar intolerantes à lactose,
principalmente se a borda em escova foi danificada por outra doença. Os produtos finais da hidrólise na mucosa
(glicose, galactose e frutose) são transportados ativamente para o interior do enterócito, por um processo
mediado por proteínas transportadoras. Uma vez no interior da célula, a glicose não é utilizada pela via
glicolítica, mas se difunde, por difusão facilitada, no sentido do gradiente de concentração através da lâmina
própria e entram na circulação venosa portal.
A digestão e absorção de proteínas seguem um padrão semelhante. As enzimas proteolíticas originárias do
estômago e pâncreas degradam a proteína em oligopeptídios de cadeia curta, dipeptídios e aminoácidos. Os
oligopeptídios são hidrolisados adicionalmente pelas peptidases da borda em escova em dipeptídios e
aminoácidos que atravessam a membrana da borda em escova em proteínas transportadoras específicas.
As moléculas lipossolúveis não necessitam transportadores específicos para atravessar a barreira fosfolipídica
da borda em escova. No entanto, é essencial uma degradação intraluminal dos lipídios grandes. A gordura no
duodeno estimula a liberação de colecistoquinina que, por sua vez, estimula a secreção de lipase pancreática.
Após solubilização por micelas de sais de bile, os triglicerídios são digeridos pela lipase pancreática em
monoglicerídios e ácidos graxos livres. Na membrana celular, os monoglicerídios e os ácidos graxos livres se
desagregam das micelas e são absorvidos passivamente para o interior da célula. Os ácidos biliares liberados
permanecem dentro do lúmen e finalmente são reabsorvidos pelo íleo e reciclados. Dentro da célula, os
monoglicerídios e os ácidos graxos livres são reesterificados em triglicerídios e incorporados em quilomícrons,
que subsequentemente entram nos vasos lacteais centrais da vilosidade e são entregues à circulação venosa,
através do ducto torácico. Triglicerídios de cadeia média (C8­C10) podem ser absorvidos diretamente para o
sangue portal, proporcionando desta forma uma via alternativa para eliminação de gordura em caso de obstrução
linfática, apesar de alguns entrarem normalmente na circulação via ducto torácico.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: A má absorção é uma consequência da interferência nos mecanismos

responsáveis pela degradação ou absorção dos constituintes alimentares (Tabela 7).


As doenças que interrompem a síntese ou secreção das enzimas pancreáticas digestivas causam má digestão
com subsequente má absorção. Uma causa importante é a IPE (p. 493), que ocorre quando há perda de cerca de
85 a 90% da massa pancreática exócrina. A IPE caracteriza­se por má digestão – má absorção grave de amido,
proteína e, mais notadamente, gorduras. Nos cães, a IPE deve­se mais comumente à atrofia acinar; pancreatite
crônica é menos comum, sendo mais notada em cães mais velhos; hipoplasia pancreática é uma causa congênita
rara. Em cães, a IPE geralmente é complicada por um supercrescimento bacteriano no intestino delgado
(SCBID), que interrompe adicionalmente a digestão e absorção de nutrientes. Nos gatos, a IPE é relativamente
incomum e se deve, predominantemente, à pancreatite crônica.
Os efeitos intraluminais da bactéria também podem ter consequências importantes. A desconjugação
bacteriana dos sais biliares interfere na formação de micela, que resulta em má absorção de lipídios. Sais
biliares desconjugados e ácidos graxos hidroxilados exacerbam a diarreia pelo estímulo da secreção no cólon. A
SCBID verdadeira pode ser secundária ao defeito na secreção de ácido gástrico, interferência na motilidade
normal ou obstrução mecânica do intestino, interferência na função da válvula ileocecal e imunodeficiência
local. Em outros casos, não há SCBID definida, porém uma resposta positiva à terapia antimicrobiana e
ausência de lesão visível na mucosa indica que a má absorção é causada por atividade bacteriana. Originalmente
denominada SCBID idiopática, esta síndrome é melhor designada diarreia responsiva a antibióticos (DRA).
Má absorção de gorduras também pode ocorrer em caso de deficiência de sais biliares intraluminais devido à
doença hepática colestática, obstrução biliar ou doença de íleo, resultando em absorção inadequada de sais
biliares conjugados.
Uma doença no intestino delgado pode causar má absorção pela redução no número ou na função dos
enterócitos, individuais. As doenças difusas da mucosa podem resultar em redução nas atividades das enzimas
da borda em escova, diminuição na função das proteínas transportadoras, diminuição na área da superfície de
absorção da mucosa e interferência no transporte final de nutrientes para a circulação. Pode ocorrer perda de
peso devido ao prejuízo à ingestão de nutrientes e inapetência. Além disso, os nutrientes mal absorvidos têm
efeitos osmóticos intraluminais significativos, que reduzem a absorção de água e eletrólitos no intestino e no
cólon, resultando em diarreia. Isso pode ser exacerbado se o lesão à mucosa é acompanhado de inflamação
intestinal, que pode causar diarreia secretória e por aumento da permeabilidade.
As causas potenciais de lesões à mucosa incluem doença intestinal inflamatória, patógenos intestinais (p. ex.,
vírus intestinais, bactérias patogênicas, giardíase, histoplasmose, pitiose), sensibilidade alimentar, SCBID e
neoplasia intestinal (linfossarcoma). Alterações histológicas, como atrofia de vilosidades e infiltrado com
células inflamatórias, indicam doença intestinal, mas não identificam a causa primária. Por exemplo, a enterite
linfocítica­plasmocitária pode ser uma resposta comum da mucosa intestinal a mais de um agente provocativo,
particularmente antígenos microbianos e alimentares. Foram demonstradas associações claras com parasitos e
bactérias patogênicas e sensibilidade alimentar em cães, mas frequentemente a causa primária não é
identificada.

Tabela 7 – Mecanismos de má absorção

Localização Doença Mecanismo

Luminal Insuficiência pancreática exócrina Ausência de enzimas pancreáticas (má


Supercrescimento bacteriano no digestão)
intestino delgado Desconjugação de sais biliares, hidroxilação de
ácidos graxos, competição por cobalamina e
nutrientes
Mucosa Doença intestinal inflamatória, Inflamação da mucosa, defeitos na borda em
enteropatias infecciosas, escova, alteração funcional de enterócitos
sensibilidade alimentar, infiltração (redução da área da superfície de absorção)
neoplásica Redução da área da superfície de absorção
Atrofia de vilosidades Deficiência de lactase, doença difusa do
Deficiência de enzimas da borda intestino delgado
em escova do intestino
Pós­ Linfangiectasia Obstrução linfática
mucosa Vasculite, hipertensão portal Absorção prejudicada
É possível notar lesões de mucosa sem alterações histológicas óbvias. Isto é típico de infecção por
Escherichia coli enteropatogênica (que especificamente causa lesões ultraestruturais nas microvilosidades, em
uma lesão tipo attaching­effacing) e, às vezes, também por DRA do intestino delgado proximal (que, nos cães,
pode causar dano bioquímico na borda em escova do intestino, interferindo na função enterocítica).
A principal deficiência de enzima da borda em escova é a deficiência relativa de lactase, ocasionando
intolerância à lactose em cães e gatos adultos. Defeitos adquiridos da borda em escova também podem ocorrer
no decorrer de uma doença intestinal generalizada.
Obstrução pós­mucosa pode ocorrer em caso de obstrução linfática (especialmente linfangiectasia) e
comprometimento vascular (hipertensão portal, vasculite). Linfangiectasia intestinal causa perda intestinal de
proteínas, bem como má absorção grave de gorduras.
Geralmente há má absorção de diversos ingredientes, com subsequente diarreia; má absorção de um único
ingrediente sem sinais gastrintestinais é rara (p. ex., má absorção seletiva de cobalamina em cães das raças
Schnauzer gigante e Border Colly). Além disso, a ampla capacidade de absorção do cólon pode evitar diarreia
difusa, apesar de significativa má absorção e perda de peso.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos de má absorção são principalmente decorrência da falha de absorção de
nutrientes e sua perda nas fezes. Duração, gravidade e causa primária determinam a gravidade dos sinais
clínicos que, tipicamente, incluem diarreia crônica, perda de peso e alteração do apetite (anorexia ou polifagia).
A ausência de diarreia não exclui a possibilidade de doença gastrintestinal grave. A perda de peso pode ser
substancial, apesar de um apetite voraz, às vezes caracterizado por coprofagia. Tipicamente, os animais com má
absorção permanecem sistemicamente bem, a menos que ocorra inflamação grave ou neoplasia. Os sinais
inespecíficos podem incluir desidratação, anemia e ascite ou edema em casos de hipoproteinemia. Alças
intestinais espessadas ou linfonodos mesentéricos aumentados de volume podem estar palpáveis, especialmente
nos gatos.
DIAGNÓSTICO: Diarreia crônica e perda de peso são sinais inespecíficos comuns a várias doenças sistêmicas e
metabólicas, assim como má absorção. Deve­se fazer uma abordagem diagnóstica completa em cães e gatos
com sinais sugestivos de má absorção para auxiliar a excluir a associação com possível doença sistêmica ou
metabólica primária. Um diagnóstico preciso também é importante para determinar o prognóstico e o
tratamento.
Anamnese é especialmente importante, pois pode sugerir intolerância, imprudência ou sensibilidade alimentar
específicas. Perda de peso pode indicar má absorção ou enteropatia com perda de proteína, mas também pode
ser devido à anorexia, vômitos ou doença instalada fora do trato gastrintestinal. As diarreias dos intestinos
delgado e grosso podem ser distinguidas por meio de várias características (Tabela 1, p. 158). Essa distinção é
mais útil em cães do que em gatos, que raramente apresentam apenas doença de intestino grosso. Nos cães,
doença no intestino grosso suspeita pode ser avaliada, adicionalmente, por meio de visualização e realização de
biopsia da mucosa mediante exame endoscópico. No entanto, caso os sinais de doença de intestino grosso sejam
acompanhados de perda de peso ou grande volume de fezes, então o intestino delgado provavelmente também
está afetado.
Deve­se realizar exame físico completo. A palpação abdominal é essencial para identificar anormalidades, o
exame retal é necessário mesmo quando não há suspeita de doença de trato intestinal inferior, para fornecer um
banco de amostras e possivelmente revelar melena não previamente observada. Em gatos mais velhos, a tireoide
deve ser palpada cuidadosamente e o T4 sérico dosado, uma vez que os sinais de hipertireoidismo podem
mimetizar fortemente aqueles de má absorção.
A avaliação inicial deve incluir hemograma, perfil bioquímico, urinálise, exame de fezes, ultrassonografia
abdominal e, quando indicado pelos sinais clínicos ou por palpação abdominal anormal, radiografia. Os achados
hematológicos das doenças intestinais incluem anemias por hemorragia crônica (microcítica, hipocrômica) ou
inflamação crônica (normocítica, normocrômica); neutrofilia e/ou monocitose associada a doenças intestinais
inflamatórias, enteropatias infecciosas ou neoplasia; eosinofilia associada a parasitismo, enterite eosinofílica ou
hipoadrenocorticismo, e linfopenia que pode estar associada à linfangiectasia intestinal em cães.
Os testes bioquímicos e a urinálise ajudam a excluir as doenças sistêmicas que causam diarreia crônica,
principalmente hipoadrenocorticismo, nefropatias com perda de proteínas, insuficiência renal e hepatopatias. A
hipoproteinemia frequentemente é secundária à enteropatia com perda de proteínas; na maioria dos casos, as
concentrações séricas de albumina e globulina estão diminuídas, mas apenas um baixo teor de albumina não
exclui essa possibilidade. Doença intestinal inflamatória e neoplasia podem estar associadas à
hiperglobulinemia, bem como hipoalbuminemia. Enzimas hepáticas (ALT, AST) podem estar aumentadas como
consequência do aumento da permeabilidade intestinal, o que permite que mais antígenos alcancem o fígado;
em tais casos, devem ser realizados teste de estimulação com ácido biliar, assim como ultrassonografia, para
excluir a possibilidade de doença hepática primária. Hipocolesterolemia pode ser decorrente de má absorção de
gorduras, sendo observada na linfangiectasia. Urinálise é importante para excluir as causas renais de
hipoalbuminemia e/ou doença renal. No entanto, às vezes, ambas podem ser vistas juntas (p. ex., enteropatia
com perda de proteína familiar e nefropatia do cão Wheaten Terrier de pelos macios). Nos gatos, os testes
sorológicos para pesquisa de vírus da leucemia e da imunodeficiência felinas devem ser realizados, não apenas
por ambas as doenças estarem associadas à diarreia crônica secundária, mas também por serem fatores
prognósticos importantes. Ocasionalmente, relatam­se peritonite infecciosa felina e toxoplasmose como causas
de diarreia crônica em gatos. Pode­se excluir a suspeita de hipertireoidismo por meio da dosagem dos teores
séricos de T4.
Devem­se examinar as fezes quanto à presença de parasitos (especialmente ancilóstomos e Giardia) e
bactérias potencialmente patogênicas (inclusive Salmonella e Campylobacter). Cepas patogênicas de
Escherichia coli estão surgindo como um problema potencialmente importante em cães, mas se requerem
técnicas moleculares sofisticadas para identificar os genes que codificam os seus determinantes de
patogenicidade, para o diagnóstico. Giardia pode ser detectada utilizando­se testes de flotação fecal seriados
com sulfato de zinco ou com kits ELISA disponíveis no mercado, sendo o último mais fácil de ser realizado e
com sensibilidade melhor do que o exame de flotação fecal realizado por funcionários inexperientes. A presença
de gorduras, fibras musculares não digeridas ou amido pode propiciar evidências indiretas de má absorção, mas
não são confiáveis. A detecção de excesso de leucócitos na citologia fecal pode indicar doença intestinal
inflamatória crônica ou patógenos intestinais como Salmonella ou Campylobacter. A citologia dos esfregaços
de cólon pode revelar Histoplasma spp.
Radiografia abdominal é mais útil quando há vômito ou anormalidades palpáveis. A ultrassonografia é parte
importante da investigação da maioria das doenças do intestino delgado. Pode ser utilizada para medir a
espessura da parede intestinal, camada e diâmetro luminal e para detectar outras lesões intestinais (massas
tumorais, intussuscepção), linfadenopatia mesentérica (neoplasia e doença intestinal inflamatória) e
anormalidades em outros órgãos.
Quando se eliminam as causas alimentares, parasitárias e infecciosas de diarreia crônica de intestino delgado,
o próximo passo é diferenciar uma IPE de uma má absorção intestinal; o diagnóstico de IPE é relativamente
simples, enquanto o de doença do intestino delgado é mais complicado. Vários testes foram recomendados para
cães e gatos com suspeita de IPE, mas são demasiadamente imprecisos ou não práticos para serem
recomendados. Utiliza­se um teste de imunorreatividade semelhante à tripsina sérica (IST), que é um teste
altamente sensível e específico para o diagnóstico da IPE em cães. Esse exame quantifica o tripsinogênio que
normalmente extravasa do pâncreas para o sangue e, portanto, propicia uma avaliação indireta do tecido
pancreático funcional. No IPE, o tecido exócrino funcional é gravemente esgotado e as concentrações séricas de
IST são extremamente baixas, distinguindo claramente a IPE de outras causas de má absorção. Esse teste requer
uma amostra de soro sanguíneo de animais em jejum. Teste de IST canino e felino espécie­específico estão
disponíveis.
O diagnóstico de doença do intestino delgado é difícil devido às limitações dos procedimentos de triagem de
rotina, da necessidade de biopsia e, frequentemente, da ausência de alterações histológicas diagnósticas.
Dosagens simultâneas das concentrações séricas de folato e cobalamina (vitamina B12) podem ser testes
iniciais úteis na avaliação de doença do intestino delgado. O folato é absorvido principalmente no intestino
delgado proximal (jejuno), enquanto a cobalamina é absorvida no intestino delgado distal (íleo). Como resultado
disso, a concentração sérica de folato pode diminuir na doença de intestino delgado proximal, o teor sérico de
cobalamina pode diminuir na doença de intestino delgado distal e ambas podem diminuir nas enteropatias
difusas graves. Outros fatores como gravidade, extensão e duração das anormalidades da mucosa, ingestão
alimentar e suplementação vitamínica também influenciam estas concentrações. Além disso, SCBDI pode afetar
as concentrações séricas de folato e cobalamina e as alterações no teor sérico de folato não são confiáveis para o
diagnóstico de DRA secundária a SCBDI. A validade das dosagens séricas de folato e cobalamina para
diagnóstico de doença de intestino delgado em gatos é menos conhecida, mas diminuição da concentração sérica
de cobalamina pode ser observada tanto na doença de intestino delgado quanto na IPE felina e são justificativas
para suplementação parenteral. Uma estratégia mais indireta de detecção de doença do intestino delgado é
avaliação da função e permeabilidade intestinal pela administração oral de substâncias­testes que são
mensuradas subsequentemente no sangue e na urina. Historicamente, o teste de absorção de xilose foi utilizado
para avaliar a função intestinal, porém não é sensível, principalmente em gatos. A mensuração da absorção
diferencial de D­xilose/3­O­metil­D­glicose parece ser uma estratégia mais eficiente, embora seja tecnicamente
trabalhosa e não adequada na rotina. Similarmente, a mensuração da permeabilidade intestinal, para obter
informações sobre a integridade física e não a capacidade funcional da mucosa, normalmente não é utilizada.
Este teste envolve a mensuração das concentrações urinária e sanguínea de sondas administradas por via oral e
que cruzam a mucosa intestinal por permeação não mediada através de duas vias possíveis (intracelular e
transcelular).
O cálculo da proporção da excreção urinária de uma mistura de 2 sondas de diferentes tamanhos, como
lactulose e ramnose, é utilizado, com sucesso, não apenas para o diagnóstico de uma doença de intestino
delgado em cães, mas também para monitorar a resposta ao tratamento (p. ex., para registrar sensibilidade
alimentar ou SCBID). Infelizmente, essa abordagem não parece útil em gatos, pois a permeabilidade intestinal
em gatos saudáveis é bastante alta.
A administração por via intravenosa de albumina marcada com Cr51 (ou com Cr51Cl3 para marcar albumina
endógena) tem sido historicamente utilizada para documentar enteropatias com perda de proteínas em cães. A
dosagem da excreção fecal desse marcador radioativo por 3 dias fornece uma estimativa da albumina marcada e,
com isso, da perda proteica para o interior do lúmen intestinal. Todavia, a sua utilização é restrita a algumas
instituições devido ao uso de marcadores radioativos. Uma abordagem alternativa é a dosagem do inibidor de
a1­protease nas fezes. Essa proteína plasmática é perdida junto com a albumina no lúmen intestinal, porém,
diferentemente da albumina, esta proteína é uma antiprotease, se excretada praticamente intacta nas fezes. Teste
espécie­específicos foram desenvolvidos. Três amostras de fezes frescas eliminadas por evacuação espontânea
são necessárias e qualquer sangramento gastrintestinal invalida o resultado.
O teste de hidrogênio expirado, após administração oral de açúcares individuais, é utilizado amplamente em
pacientes humanos para avaliar a colonização bacteriana no intestino delgado e a má absorção de carboidratos.
Esse teste baseia­se no princípio de que as bactérias intestinais fermentam os carboidratos intraluminais e
produzem gás hidrogênio, parte do qual é absorvida no sangue e excretada pelos pulmões. Portanto, um
aumento na concentração de hidrogênio exalado após administração oral de carboidratos pode refletir tanto
colonização bacteriana no intestino delgado proximal, onde a concentração de carboidratos é relativamente
elevada, quanto má absorção de carboidratos (que depois interfere na flora normalmente presente no intestino
grosso). Trata­se de um procedimento simples para detectar má absorção e para avaliar o tempo de trânsito, mas
provavelmente só está disponível em centros especializados.
Tentativas de se detectar SCBDI por meio do teste de hidrogênio expirado ou dosagem sérica de ácidos
biliares não conjugados não são confiáveis, uma vez que o número de bactérias pode não estar realmente
aumentado na DRA.
O diagnóstico definitivo de doença crônica de intestino delgado tipicamente inclui exame histológico de
amostras intestinais obtidas por biopsia durante endoscopia ou laparotomia. Endoscopia é um método
minimamente invasivo e permite a visualização da mucosa e coleta de amostras por biopsia. No entanto, as
biopsias de mucosa obtidas por endoscopia podem nem sempre fornecer informação adequada da doença
primária e estão restritas a partes do intestino delgado (duodeno e jejuno proximal e íleo [via colonoscopia]) que
podem ser visualizadas. Inicialmente, biopsia endoscópica é preferível devido ao risco de deiscência de feridas
intestinais, que pode exceder 10% em animais debilitados, mal nutridos ou com hipoproteinemia. Porém,
cirurgia é a opção preferida quando há preocupação com doença extraintestinal primária ou lesão focal. Caso se
realize laparotomia, deve­se coletar várias amostras delgadas e longitudinais do duodeno, jejuno e íleo, por meio
de biopsia; os linfonodos mesentéricos devem ser biopsiados e os demais órgãos examinados.
O exame histológico das amostras de biopsias intestinais pode mostrar alterações morfológicas de doenças
intestinais inflamatórias, inclusive enterite linfocítica­plasmocitária e eosinofílica, linfangiectasia intestinal,
atrofia de vilosidades e neoplasia intestinal. A descrição das anormalidades morfológicas pode fornecer um
parâmetro para avaliar a resposta ao tratamento, se biopsias intestinais sequenciais são possíveis. As
anormalidades morfológicas também fornecem algumas indicações sobre o prognóstico, pois as enteropatias
mais graves tendem a ser mais difíceis de tratar. No entanto, em determinadas enfermidades (p. ex., DRA),
podem ocorrer anormalidades morfológicas mínimas ou não evidentes, apesar da interferência considerável na
função intestinal. As descrições histológicas, isoladamente, fornecem poucas informações sobre a etiologia ou
os mecanismos de lesões primárias possíveis, o que notadamente auxiliaria para um tratamento efetivo. Além
disso, inconsistências na descrição histológica entre patologistas é um problema. Todavia, o World Small
Animal Veterinary Association GI Standardization Group publicou um guia descritivo, como guia para corrigir
essas discrepâncias.
A cultura microbiológica do suco duodenal obtido por endoscopia ou laparotomia tem sido utilizada para
confirmar o diagnóstico de SCBID. Entretanto, o valor exato que se considera excessivo o número de bactérias
no intestino delgado ainda é motivo de debate, uma vez que valor total > 105 ou > 104 unidades formadoras de
colônias (UFC) de anaeróbicos obrigatórios/ml podem ser encontrados em cães com aparência clínica saudável,
dependendo de condições, como ambiente, ingestão de lixo e coprofagia.
TRATAMENTO: O tratamento de má absorção envolve manejo da dieta e das complicações e tratamento da causa
primária (se identificada). O tratamento de IPE em cães é relativamente simples (ver p. 493). Deve incluir o
fornecimento de uma dieta pobre em fibras, que contenha teor moderado de gordura ou gordura de fácil
digestão, carboidratos altamente digeríveis e proteínas de alta qualidade. O tratamento específico envolve
suplementação vitalícia de extrato pancreático a cada refeição. Prefere­se os extratos em pó (1 colher de chá/10
kg de peso corporal) em vez de comprimidos, cápsulas e preparações revestidas para absorção intestinal. Pode­
se utilizar pâncreas fresco ou congelado como alternativa (100 g/refeição para um cão Pastor Alemão adulto).
Se a resposta à terapia de reposição pancreática é ineficaz, pode­se suspeitar de SCBID e o animal deve ser
tratado com antibiótico. VO, por = 1 mês (ver a seguir). Podem­se administrar bloqueadores de receptores H2,
como cimetidina ou ranitidina, 20 min antes da refeição, para inibir a secreção de ácido e minimizar a
degradação de enzimas no extrato pancreático, mas eles são caros e a eficácia é questionável. Deve­se
considerar uma suplementação multivitamínica oral como terapia de suporte, mas a cobalamina (500 a 1.000
μg/semana, até normalização) deve ser administrada por via parenteral. As necessidades nutricionais de gatos
com IPE podem, geralmente, ser supridas por rações comerciais convencionais, mas ainda é necessária a terapia
de reposição pancreática, assim como suplementação parenteral de cobalamina em gatos com baixo teor sérico
de cobalamina.
O tratamento efetivo de doença de intestino delgado depende da natureza do distúrbio, mas a terapia pode
ser empírica quando não é possível estabelecer o diagnóstico específico. Em cães com DRA, uma dieta pobre
em gorduras pode auxiliar reduzindo a diarreia secretória devido ao metabolismo bacteriano de ácidos graxos e
sais biliares. Terapia antimicrobiana oral de largo espectro com oxitetraciclina (10 a 20 mg/kg, 3 vezes/dia, por
28 dias) é efetiva. Metronidazol (10 a 20 mg/kg, 2 vezes/dia) e tilosina (20 mg/kg, 3 vezes/dia) são alternativas
efetivas. Pode ser necessário tratamento repetido e prolongado em cães com DRA idiopática. A suplementação
vitamínica pode ser útil, particularmente para animais com deficiência de cobalamina. SCBID secundário
geralmente se resolve com o tratamento apropriado da doença primária, mas o SCBID idiopático pode ser de
difícil controle, especialmente em cães jovens da raça Pastor Alemão, que são predispostos à enfermidade.
A alteração da dieta é importante no tratamento de doença do intestino delgado, tanto em cães quanto em
gatos. As dietas geralmente contêm teores moderados de fontes proteicas e carboidratos altamente digeríveis
(para reduzir a antigenicidade proteica, diminuir o efeito osmolar e aumentar a disponibilidade de nutrientes), e
teores baixos a moderados de gordura. Além disso, são livres de lactose e glúten, podem ser restritas em fibras e
podem conter altos teores de antioxidantes, prebióticos (frutoligossacarídios) ou ácidos graxos ômega 3.
Acredita­se que estes aditivos modulam a resposta inflamatória e melhoram a qualidade da flora bacteriana
intestinal e os enterócitos. O tratamento com dieta de exclusão composta por uma fonte proteica única e nova
deve ser utilizado como terapia­teste quando há suspeita de sensibilidade alimentar. Também, a inflamação
intestinal é, às vezes, manifestação de sensibilidade alimentar e o teste de exclusão alimentar também é indicado
em casos leves de doença intestinal inflamatória. Arroz branco ou batata cozida são fontes de carboidratos
adequadas, embora se utiliza, frequentemente, carne de cordeiro ou de frango como fonte proteica, dependendo
do histórico alimentar. O queijo cottage e as carnes de equinos, coelhos, veados e peixes podem ser alternativas
aceitáveis. Em geral, as rações de exclusão comerciais podem ser menos adequadas que as dietas caseiras para o
diagnóstico de hipersensibilidade alimentar; entretanto, são preferíveis para manutenção da redução dos
desequilíbrios nutricionais. Dietas com proteína hidrolisada podem ser mais efetivas na detecção de
sensibilidade alimentar. Geralmente não é necessário fornecer uma dieta de exclusão por > 3 semanas. A
prednisolona oral (1 mg/kg, 2 vezes/dia, por 2 a 4 semanas, seguida de redução da dose) associada à uma dieta
de exclusão, pode ser útil em animais com suspeita de DII idiopática sem, ainda, a exclusão de sensibilidade
alimentar.
O tratamento de doença intestinal inflamatória idiopática deve, inicialmente, tentar eliminar ou controlar
um estímulo antigênico primário que possa ter um papel primário ou secundário na lesão. O tratamento deve,
primeiro, envolver o uso de uma dieta de exclusão ou com proteínas hidrolisadas para a suspeita sensibilidade
alimentar, conforme mencionado anteriormente. A dieta deve conter carboidratos digeríveis, (preferivelmente
arroz) e proteína de alta qualidade. Restrição do teor de gordura também pode ser valiosa e pode minimizar a
diarreia secretora, consequência do metabolismo bacteriano dos ácidos graxos e sais biliares. Indica­se a
prednisolona oral (1 mg/kg, 2 vezes/dia, durante 1 mês, seguida de redução da dose) na doença intestinal com
componente inflamatório óbvio, como na enterite linfocítica­plasmocitária e eosinofílica. Nos casos mais
graves, pode ser necessário associar clorambucila (2 a 6 mg/m2 VO, 1 vez/dia, até a remissão dos sinais clínicos,
seguida de redução da dose), em gatos, ou azatioprina (2 a 2,5 mg/kg, 1 vez/dia), em cães.
Aos gatos, frequentemente, se administra metronidazol (10 mg/kg, 2 vezes/dia) associado; o efeito benéfico
do metronidazol pode ser decorrente da inibição da resposta imune mediada por células, bem como atividade
antibacteriana anaeróbia.
Na linfangiectasia, uma dieta altamente digerível, com restrição de gordura e rica em calorias reduz a
diarreia, porém tende a exacerbar a perda de peso. Recomenda­se suplementação com vitaminas lipossolúveis;
adicionalmente indica­se triglicerídios de cadeia média como fonte de gordura de fácil absorção que atravessa
os vasos linfáticos, embora este mecanismo tenha, recentemente, sido questionado. A terapia com prednisona
pode ser benéfica por seus efeitos anti–inflamatórios e imunossupressores, especialmente se há linfangite e
lipograniulomas associados. A resposta ao tratamento é variável; às vezes, os sinais clínicos podem melhorar
por meses ou mesmo anos, mas o prognóstico a longo prazo é desfavorável.
Giardíase pode ser tratada com metronidazol ou fembendazol, e histoplasmose com itraconazol (gatos) ou
cetoconazol (cães), com ou sem anfotericina B. Nos casos de linfossarcoma, o tratamento envolve um
protocolo quimioterápico apropriado, porém a resposta é fraca em cães e gatos com formas linfoblásticas. Em
gatos, o tratamento do linfoma de pequenas células de vilosidades com prednisona e clorambucila foi
associado à remissão da doença por longo tempo.

ÚLCERAS GASTRINTESTINAIS EM PEQUENOS ANIMAIS

Úlcera com rompimento da barreira mucosa é uma consequência bastante conhecida do uso de várias drogas e
doenças em pequenos animais. Como resultado, terapia gastroprotetora é amplamente utilizada.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: A barreira constituída pela mucosa gástrica é um mecanismo de defesa

complexo que protege a mucosa normal do ambiente químico inóspito do conteúdo luminal gástrico. Os ácidos,
pepsina e enzimas proteolíticas normalmente presentes no lúmen gástrico têm pH 2. A camada mucosa propicia
um tampão fraco, mantendo pH 4 a 6, neutralizando o conteúdo luminal ácido. A barreira gástrica é mantida por
uma camada protetora que inclui células mucosas, junções íntimas e uma camada espessa de muco. O alto fluxo
sanguíneo nesta área sustenta o metabolismo celular e a rápida renovação das células danificadas.
Prostaglandinas (principalmente E e I) ajudam a manter o fluxo sanguíneo e integridade da mucosa gástrica,
aumentam a secreção de muco e bicarbonato, diminuem a secreção gástrica e estimulam a reciclagem das
células epiteliais. As junções íntimas selam a camada celular da mucosa gástrica, garantindo que o conteúdo
luminal não extravase para dentro ou ao redor dessas células. A pequena quantidade de ácido gástrico que se
difunde pelas células epiteliais é rapidamente removido pelo alto fluxo sanguíneo nesta área.
Um defeito na barreira constituída pela mucosa gástrica leva a um ciclo de autoperpetuação da lesão da
mucosa. Alteração desta barreira permite que ácido clorídrico, ácidos biliares e enzimas proteolíticas degradem
as células epiteliais, rompam membranas líquidas e induzam inflamação e apoptose. Retrodifusão do conteúdo
luminal pelas junções íntimas ocasionam inflamação das células do trato GI e hemorragia, com maior secreção
ácida mediada pelas células inflamatórias e seus produtos. Ocorre degranulação dos mastócitos, levando à
liberação de histamina que perpetua a secreção aumentada de ácido gástrica. O ambiente inflamatório também
diminui o fluxo sanguíneo (resultando em isquemia), habilidade de reparo celular e secreção de muco e
prostaglandinas citoprotetoras. Úlcera da mucosa pode acontecer, expondo a submucosa ou camadas mais
profundas do tecido GI ao conteúdo luminal.
A prevalência de úlcera GI em cães e gatos é desconhecida. Administração de AINE, neoplasia e doença
hepática são as causas mais comuns, em cães. AINE podem causar lesão tópica direta da mucosa gástrica e
acredita­se que a inibição da ciclo–oxigenase (COX)­1 diminui a produção de prostaglandinas protetoras. Ao
uso de AINE específicos de COX­2 credita­se a diminuição da úlcera GI, embora úlcera e perfuração ainda
ocorram com o uso desses medicamentos. Corticosteroides potencializam as lesões na mucosa por diminuírem a
renovação celular e a produção de muco e por estimular a produção de gastrina (e ácido).
Doença hepática está associada a maior secreção de ácido gástrico e alteração do fluxo sanguíneo na mucosa,
levando, potencialmente, à formação de úlceras. Neoplasia gástrica primária, como linfomas, adenocarcinomas,
liomiomas e leiomiosarcomas podem resultar em úlceras. Adicionalmente, síndromes paraneoplásicas
secundárias a tumores de mastócitos e gastrinomas (síndrome de Zollinger­Ellison) foram associadas à produção
aumentada de ácido hidrocloridríco e úlceras em cães.
Outras doenças e condições associadas a úlceras GI em cães incluem doença renal, hipoadrenocorticismo,
estresse, doença gástrica primária tais como doença inflamatória do intestino, exercício exaustivo (i. e. trenó
canino), choque e sepse. Helicobacter foram encontrados em cães e gatos saudáveis, todavia, seu papel na
ocorrência de ulceração GI é desconhecido.
Úlcera GI é raramente observada em gatos. Neoplasia (i. e. linfoma, adenocarcinoma) foi associada à úlcera
GI em gatos, porém a etiologia é desconhecida.
ACHADOS CLÍNICOS: Sinais clínicos específicos de úlcera GI incluem melena, hematêmese e hematoquezia. Dor
abdominal, anorexia e sinais de doenças subjacentes podem estar presentes. Gatos com úlcera GI raramente
apresentam sinais específicos como melena ou hematêmese, porém normalmente manifestam hemorragia grave,
com risco de morte. Animais com úlcera grave e/ou perfuração GI podem apresentar sinais de dor, fraqueza,
palidez e choque. Podem ser observados sinais clínicos relacionados com os fatores etiológicos. Alguns cães e
gatos com úlcera GI não apresentam qualquer sinal clínico.
DIAGNÓSTICO: Hemograma, perfil bioquímico e urinálise podem auxiliar a diferenciar doença GI primária de
doença não GI e pode mostrar distúrbios metabólicos resultantes de doenças GI. Exames adicionais, como testes
de função hepática ou teste de estimulação do hormônio adrenocorticotrófico, podem ser justificados,
dependendo dos achados clínicos e dos resultados dos testes iniciais.
Radiografias abdominais geralmente não auxiliam no diagnóstico de úlcera GI, porém podem ajudar a excluir
obstrução GI, intussuscepções e peritonite. Ultrassonografia abdominal pode indicar anormalidades na
espessura da parede gástrica ou presença de massa, porém sua utilidade primária seja a verificação de lesões não
GI. Endoscopia permite a visualização do esôfago, estômago, duodeno e cólon e a identificação de lesões de
mucosa e úlceras. Endoscopia também permite a aspiração com agulha fina de lesões ou a coleta de amostras
para biopsia, embora cirurgia para biopsia de espessura completa seja necessária para diagnosticar doenças
infiltrantes e tumores. Áreas ulcerosas devem ser biopsiadas apenas na periferia para evitar perfuração. Fluido
gástrico pode ser testado para pH para auxiliar no diagnóstico de estados hipersecretivos.
TRATAMENTO E CONTROLE: O principal tratamento de úlcera GI é direcionado à causa. Tratamento de suporte
pode ser necessário para corrigir distúrbios metabólicos e podem incluir fluidoterapia. Medicação direcionada à
própria úlcera reduz a acidez gástrica, previne destruição adicional da mucosa gástrica e promove cicatrização
da lesão. Em geral, a terapia antiulcerativa deve ser mantida por 6 a 8 semanas.
A produção de ácido gástrico é estimulada por histamina (mais potente), gastrina e acetilcolina. Fármacos que
diminuem a secreção ácida ajudam a proteger a mucosa gástrica danificada. Bloqueadores de receptores H2 (p.
ex., cimetidina, famotidina) promovem cicatrização da mucosa e alguns deles (p. ex., ranitidina) também atuam
como procinéticos. Como não há relato de um fármaco clinicamente mais eficaz que o outro, a famotidina (0,5 a
1 mg/kg, VO, SC ou IV, 2 vezes/dia) é mais potente em reduzir o pH gástrico do que a cimetidina (10 mg/kg, 3
vezes/dia, VO, IM ou IV, 3 vezes/dia) ou a ranitidina (cães: 2 mg/kg, 3 vezes/dia VO ou IV; gatos: 2,5 mg/kg, 2
vezes/dia IV ou 3,5 mg/kg, 2 vezes/dia, VO). Inibidores da bomba de prótons (p. ex., omeprazol (0,5 a 1 mg/kg,
1 vez/dia, PO) são úteis no tratamento de úlceras mais graves, uma vez que são inibidores mais potentes da
secreção de ácido gástrico. Há relato do uso de pantoprazol (0,5 a 1 mg/kg, IV, 1 vez/dia), um inibidor da bomba
de próton, em cães e gatos. O uso profilático de bloqueadores H2 e inibidores da bomba de prótons pode não
diminuir o risco de úlcera GI em animais predispostos a elas.
Citoprotetores incluem os antiácidos e o sucralfato. Os antiácidos são bases fracas que neutralizam o ácido
gástrico no lúmen estomacal; eles também podem promover produção de prostaglandina gástrica. Antiácidos
contendo alumínio ou magnésio são considerados mais eficazes com menos efeitos adversos, embora possam
provocam constipação intestinal. Acidez gástrica de rebote ocorre frequentemente devido a curta meia­vida
desses agentes. Por esta razão, antiácidos não são mais utilizados rotineiramente. O sucralfato (cães: 0,5 a 1 g, 2
a 3 vezes/dia, VO; gatos: 0,25 g, 2 a 3 vezes/dia, VO) é um sulfato de sacarose polialumínio que se liga a áreas
erodidas ou ulceradas da mucosa gástrica. Como ele inibe a absorção, não deve ser administrado dentro de 2 h
após as refeições ou o uso de outros fármacos. O análogo de prostaglandina E2, misosprostol, é utilizado para
auxiliar na prevenção de úlceras associadas ao uso de AINE, porém não auxiliam na cicatrização da mucosa ou
na diminuição da secreção ácida.
O uso profilático de antibióticos pode ser indicado em casos de brusca alteração da barreira constituída pela
mucosa gástrica ou de choque, ou quando sinais clinicopatológicos, inclusive febre, hematoquezia, leucopenia e
neutrofilia, sugerem translocação bacteriana. Antibióticos betalactâmicos (p. ex., 22 mg de ampicilina/kg IV, 3 a
4 vezes/dia) são o primeira escolha para a terapia antimicrobiana, com cobertura gram­negativa adicional, se
necessários.
PROGNÓSTICO: O prognóstico para úlcera GI em cães é favorável quando as causas podem ser tratadas ou
removidas, a úlcera é moderada ou a condição é rapidamente diagnosticada e tratada. É difícil o controle de
úlceras associadas a doenças graves ou em estágio terminal (p. ex., insuficiência hepática). A taxa de
mortalidade associada à perfuração GI alcança até 70%.
Úlcera GI em gatos está frequentemente associada à neoplasia. Tratamento intensivo é, normalmente,
necessário devido à alta prevalência de hemorragia intensa. Relata­se que a sobrevida média de gatos com
úlcera gástrica submetidos à cirurgia e cura paliativa variou de 12 a 15 meses. Gatos com úlcera GI secundária à
doença não neoplásica manifestam doença clínica menos grave e um bom prognóstico.

DOENÇAS DO ESÔFAGO EM PEQUENOS ANIMAIS

ACALASIA CRICOFARINGIANA

A acalasia cricofaringiana caracteriza­se pelo relaxamento inadequado do músculo cricofaríngeo, o que leva à
incapacidade relativa do animal em engolir alimentos ou líquidos. Ocorre principalmente como um defeito
congênito, mas é ocasionalmente visto em cães adultos. As tentativas repetidas de engolir são seguidas por
engasgo e regurgitação. A pneumonia por aspiração é uma complicação comum. Geralmente, não se conhece a
causa, mas pode estar associada a distúrbio neuromuscular adquirido em animais adultos. Um diagnóstico
preciso requer avaliação fluoroscópica da deglutição após administração oral de material contrastado, sozinho,
ou misturado ao alimento. Função anormal (falta de relaxamento) do músculo cricofaríngeo resulta em retenção
de bário na faringe posterior.
O tratamento consiste em miotomia do cricofaríngeo, ou miectomia do cricofaríngeo e do tirofaríngeo, o que
promove a deglutição normal imediatamente após a cirurgia. A taxa de sucesso da cirurgia aproxima­se de 65%.
Cães com distúrbios neuromusculares adquiridos respondem menos à cirurgia, mas podem responder ao
tratamento da doença primária. A pneumonia por aspiração, caso presente, deve ser tratada de modo agressivo.

ALTERAÇÃO DA MOTILIDADE ESOFÁGICA

Estudo recente mostrou que cães jovens podem apresentar alteração da motilidade do esôfago, sem
megaesôfago aparente. Os sinais clínicos podem ser semelhantes aos do megaesôfago, embora alguns cães
apresentem motilidade anormal durante um esofagograma, sem sinais clínicos. Em mais da metade dos casos, os
casos melhoram ou se resolvem com a idade. Raças terrier foram as mais representativas.

CORPOS ESTRANHOS ESOFÁGICOS

Os corpos estranhos de esôfago são mais comuns em cães do que em gatos. Ossos são os corpos estranhos mais
comuns, mas também podem ser encontradas agulhas, anzóis, madeira, pedaços de couro e de petiscos que
auxiliam na limpeza bucal. Geralmente, o objeto aloja­se nas áreas de menor distensibilidade do esôfago:
entrada do tórax, base do coração ou esôfago caudal imediatamente cranial ao diafragma. Ocasionalmente, um
objeto pode se alojar em outras localidades como no esfíncter esofágico superior.
Ptialismo, engasgo, disfagia, regurgitação e repetidas tentativas de deglutição são sinais de corpos estranhos
esofágicos. Com frequência, o proprietário pode ver o animal ingerindo o corpo estranho. Os sinais dependem
da localização do corpo estranho e do grau e duração da obstrução. Uma obstrução parcial pode permitir a
passagem de líquidos, mas não de alimentos. Nos casos de obstrução crônica, anorexia, perda de peso e letargia
são comuns.
A perfuração do esôfago cervical pode resultar em abscedação local ou enfisema subcutâneo; uma perfuração
do esôfago torácico pode resultar em pleurite, mediastinite, piotórax, pneumotórax ou formação de fístula
broncoesofágica. Esofagite, laceração mucosa, estenose esofágica e formação de divertículo esofágico são
complicações potenciais. A formação de estenose esofágica é a complicação mais comum de um corpo estranho
esofágico. Pneumonia por aspiração pode ser secundária a regurgitação.
Muitos corpos estranhos esofágicos são radiopacos e podem ser observados em radiografias simples. Um
esofagograma contrastado ou uma esofagoscopia são necessários para identificar corpos estranhos
radioluscentes. Caso se suspeite de uma perfuração, deve­se utilizar um meio de contraste iodado em vez de
suspensões de sulfato de bário. A esofagoscopia permite um exame direto tanto do corpo estranho quanto da
parede esofágica e, com frequência, possibilita intervenção terapêutica.
Uma vez diagnosticado, o corpo estranho esofágico deve ser removido imediatamente. Muitas vezes, o objeto
pode ser removido pela boca com endoscópio flexível e pinça. Um endoscópio rígido pode também ser utilizado
se um guia flexível não está disponível, mas cuidados devem ser tomados na manipulação do equipamento no
esôfago para evitar lacerações ou perfurações. Se o corpo estranho é liso, pode­se inserir um cateter de Foley e
distendê­lo oralmente ao corpo estranho, e depois removê­lo via boca, trazendo o corpo estranho consigo. Um
tubo endotraqueal grande pode ser colocado sobre o endoscópio para remover corpos estranhos afiados, como
anzóis, que podem ser relocados para dentro do tudo endotraqueal e removidos sem lesões no esôfago durante
sua retirada. Caso um corpo estranho não possa ser removido pela boca, pode­se empurrá­lo para o interior do
estômago, onde ele poderá ser digerido (p. ex., ossos), eliminado ou removido por gastrostomia. Indica­se
cirurgia nos casos de perfuração ou se o corpo estranho não pôde ser removido via endoscopia; em um estudo, a
taxa de recuperação foi de 93% após a cirurgia. Contudo, há um potencial para formação de estenose e
complicações secundárias devido a pobre capacidade de cicatrização do esôfago. A esofagite, se presente, deve
ser tratada como anteriormente descrita.

DILATAÇÃO ESOFÁGICA (Megaesôfago)

O megaesôfago pode ocorrer por um defeito congênito ou por um distúrbio adquirido, na idade adulta. Os
defeitos congênitos que podem resultar em megaesôfago incluem anomalia no anel vascular, divertículo
esofágico e uma forma idiopática (ver anomalias congênitas e adquiridas, p. 169). O megaesôfago na idade
adulta pode ser primário (idiopático) ou secundário a uma doença sistêmica. O megaesôfago secundário pode
ocorrer por miastenia gravis, lúpus eritematoso sistêmico, polimiosite, hipoadrenocorticismo, intoxicação por
metais pesados (chumbo), disautonomia, distúrbios neurológicos, inclusive neoplasia e, possivelmente,
hipotireoidismo. A dilatação esofágica também pode se desenvolver cranialmente a uma lesão esofágica como
uma estenose, corpo estranho, neoplasia ou compressão extraesofágica.
O principal sinal é regurgitação. Um filhote de cão com megaesôfago congênito tipicamente começa a
regurgitar por ocasião do desmame, quando passa a ingerir alimentos sólidos. Os filhotes acometidos
geralmente definham e ficam menores que os seus companheiros de ninhada. Uma pressão aplicada no abdome
pode causar um abaulamento esofágico na entrada torácica. A pneumonia por aspiração é uma complicação
comum e os sinais associados incluem tosse, febre e, às vezes, secreção nasal. Os adultos que desenvolvem
megaesôfago começam a regurgitar e, finalmente, perdem peso. Os sinais respiratórios podem predominar, com
pouca ou nenhuma regurgitação aparente. As radiografias torácicas revelam ar, fluidos ou alimentos no esôfago
dilatado. O esôfago encontra­se uniformemente dilatado. Um grande desvio ventral pode estar presente
cranialmente ao coração. Megaesôfago secundário a estenose, corpo estranho, neoplasia ou anomalia do anel
vascular é visualizado como uma dilatação esofágica cranialmente ao defeito, apenas. Estenoses, corpos
estranhos e anomalia do anel vascular devem ser excluídos por esofagograma e/ou esofagoscopia.
Nos cães adultos, as doenças associadas (p. ex., a miastenia gravis) devem ser excluídas e, se diagnosticadas,
tratadas. Indica­se uma cirurgia no caso de anomalia do anel vascular. A cirurgia não resolverá, com sucesso, os
sinais clínicos nos casos de uma dilatação esofágica grave, de longa duração, cranial à anomalia. Indica­se um
tratamento clínico no caso de megaesôfago idiopático congênito ou adquirido. Megaesôfago congênito pode se
resolver com a idade do animal, geralmente aos 6 meses de idade. A consistência da dieta que melhor evita
regurgitação varia de cão para cão; alimento pastoso funciona bem em muitos animais, mas o alimento seco
funciona melhor no caso de alguns. Outra possibilidade é alimento enlatado oferecido no formato de
almôndega. Frequentemente, pequenas porções funcionam melhor em muitos cães. A alimentação em posição
elevada, ficando os membros torácicos mais altos que os pélvicos, e mantendo esta posição por, no mínimo, 10 a
15 min depois que o animal comeu permite que a gravidade auxilie a passagem do alimento para o estômago.
Nem cirurgias nem medicamentos melhoram a função esofágica. Por fim, muitos animais sucumbem devido à
pneumonia por aspiração.

DIVERTÍCULOS ESOFÁGICOS

Divertículos do esôfago são dilatações semelhantes a bolsas na parede esofágica e podem ser congênitos ou
adquiridos. São raros em cães e gatos. Os divertículos adquiridos são de dois tipos: propulsão ou tração. Os
divertículos de propulsão são causados por aumento na pressão intraluminal ou inflamação esofágica
profunda, podendo causar herniação da mucosa. As doenças predisponentes incluem esofagite, estenose
esofágica, corpos estranhos, anomalias do anel vascular, megaesôfago e hérnia de hiato. Esse tipo de divertículo
compreende o epitélio esofágico e o tecido conjuntivo. Os divertículos de tração resultam de inflamação da
cavidade torácica proximamente relacionada com o esôfago. Um tecido fibroso é produzido, que então contrai,
tracionando a parede do esôfago para fora. Esse divertículo compreende as quatro camadas do esôfago.
Divertículos pequenos podem ser subclínicos. Nos maiores, o alimento fica retido na bolsa, causando
dispneia pós­prandial, regurgitação e anorexia. Pesquisas radiográficas podem evidenciar o divertículo se o
mesmo está repleto de ingesta ou ar, mas radiografias contrastadas são melhores para demonstrar a bolsa. A
endoscopia permitirá a visualização e pode identificar úlceras ou cicatrizes.
Os divertículos pequenos podem ser tratados com uma dieta branda, amolecida, com o animal em pé. Os
divertículos maiores requerem excisão cirúrgica e reconstrução da parede esofágica. O prognóstico após cirurgia
é de razoável a bom.

ESOFAGITE

A inflamação do esôfago é geralmente causada por corpos estranhos, refluxo gastresofágico e, ocasionalmente,
certas drogas (p. ex., doxiciclina). O refluxo gastresofágico está associado à anestesia, medicamentos que
reduzem o tônus do esfíncter esofágico inferior (p. ex., atropina e acepromazina) e vômitos agudos ou crônicos.
As outras causas de esofagite incluem ingestão de substâncias irritantes ou cáusticas, neoplasia e infecção por
Spirocerca lupi (p. 498). Sondas alimentares que passam pela junção gastresofágica podem também resultar em
refluxo gastresofágico. Nos gatos, a calicivirose pode causar esofagite.
Regurgitação é o sinal clássico de esofagite; outros sinais incluem ptialismo, tentativas repetidas de
deglutição, dor, depressão, anorexia, disfagia e extensão da cabeça e pescoço. Esofagite discreta pode não estar
associada a sinais clínicos.
A endoscopia é a ferramenta diagnóstica de escolha. Permite a visualização de qualquer problema associado
(p. ex., corpos estranhos) e avaliação direta das lesões esofágicos. As radiografias simples têm pouco ou
nenhum valor no diagnóstico de esofagite. Um esofagograma por fluoroscopia mostra quaisquer defeitos na
motilidade esofágica associados, secundários a esofagite, e pode evidenciar defeitos na parede esofágica, se são
graves.
Esofagite discreta geralmente não requer tratamento. Caso haja sinais clínicos, deve­se iniciar tratamento
medicamentoso. A esofagite secundária ao refluxo gastresofágico é tratada por meio da diminuição da acidez
gástrica, aumento no tônus do esfíncter esofágico inferior e na velocidade de esvaziamento gástrico e promover
o controle da dor. Em muitos casos, os antagonistas dos receptores H2 (p. ex., ranitidina, famotidina) são
capazes de diminuir a produção de ácido gástrico; no entanto, em casos graves de esofagite, os inibidores da
bomba de prótons (p. ex., omeprazol) são preferidos. Cisaprida e metoclopramida aumentam o tônus esofágico
inferior e a velocidade de esvaziamento gástrico. A cisaprida é mais potente que a metoclopramida. Pode­se
administrar sucralfato, oralmente, para uma citoproteção esofágica. Alimentos amolecidos, pobres em gorduras
e fibras, devem ser oferecidos em porções pequenas e de modo frequente. Analgésicos sistêmicos podem ser
utilizados para alívio da dor.
Se a esofagite é grave, um tubo de gastrostomia deve ser utilizado para a completa recuperação do esôfago. A
administração de corticosteroide é controversa. Antibióticos de amplo espectro devem ser utilizados para
pneumonia por aspiração concomitante e podem ser úteis na esofagite grave, como uma tentativa de se evitar a
invasão e infecção bacteriana.

ESTENOSE ESOFÁGICA

Estenose esofágica corresponde a um estreitamento patológico do lúmen do esôfago, após traumatismo (p. ex.,
corpo estranho), ingestão de substâncias cáusticas, exposição a certos medicamentos (como doxiciclina ou
clindamicina), esofagite, refluxo gastresofágico ou invasão neoplásica. A maioria das estenoses ocorre na
porção torácica do esôfago. Os tumores esofágicos são raros, mas os sarcomas esofágicos podem estar
associados a infecções por Spirocerca lupi (p. 498) e requer consideração nas áreas onde esse parasito é
prevalente. A compressão esofágica por anomalias do anel vascular ou tumores extramurais podem mimetizar
os sinais de estenose.
Os sinais clínicos são semelhantes aos associados a corpos estranhos e incluem regurgitação, ptialismo,
disfagia e dor. Um esofagograma com fluoroscopia é a ferramenta escolhida para o diagnóstico, pois permite a
visualização do número, extensão, localização e gravidade das estenoses. A esofagoscopia pode também ser
diagnóstica, mas não permite a visualização além da estenose, a menos que se realize uma dilatação com balão
esofágico.
O tratamento com balão de dilatação esofágica é bem­sucedido. A sondagem é outra técnica, menos
disponível. Teoricamente, causa uma maior lesão por trauma no esôfago, mas não mostrou ter uma taxa de
complicação significativamente diferente da dilatação por balão. A ressecção cirúrgica de uma única estenose é
outra opção; entretanto, obtém menos sucesso. Estes tratamentos induzem, provavelmente, a certo grau de
esofagite, que deve ser tratada para diminuir a chance de recidiva da estenose. O uso de corticosteroides, tanto
sistêmico quanto intralesionalmente, na tentativa de se evitar uma recidiva de estenose, é controverso. Não há
dados sobre o sucesso dessa terapia adjuvante para estenoses esofágicas em cães e gatos, mas o uso intralesional
foi útil em reduzir recidivas em humanos.

FÍSTULA BRONCOESOFÁGICA

Fístulas broncoesofágicas são raramente observadas em cães e gatos. A maioria desenvolve­se, comumente,
secundária à penetração de corpo estranho no esôfago. As fístulas podem se desenvolver entre o esôfago e
qualquer parte da árvore respiratória. Uma forma congênita também foi descrita, e os Cairn Terriers podem ser
predispostos. O sinal clínico mais comum é a tosse após ingestão de água ou alimento. Regurgitação também
pode ser observada; anorexia, febre e letargia podem estar relacionadas com a pneumonia.
Avaliações radiográficas podem revelar um corpo estranho radiopaco ou pneumonia. Esofagogramas
contrastados mostrarão a comunicação entre o esôfago e as vias respiratórias. O uso de uma pequena quantidade
de bário é recomendada – contrastes iodados são hiperosmolares e podem causar edema pulmonar.
A correção cirúrgica consiste em lobectomia pulmonar e reparação do problema congênito. O prognóstico
após cirurgia é bom.

DOENÇAS HEPÁTICAS EM PEQUENOS ANIMAIS

O fígado tem várias funções, que incluem o metabolismo de lipídios, carboidratos e proteínas; armazenamento e
metabolismo de vitaminas; armazenamento de minerais, glicogênio e triglicerídios; hematopoese extramedular e
homeostasia. O fígado também possui atividade imunológica, contribui para a digestão por meio de produção de
ácidos biliares e é essencial para a desintoxicação de vários compostos endógenos e exógenos. Como o fígado
tem grande capacidade de armazenamento e reserva funcional e é capaz de se regenerar, a lesão hepática deve
ser considerável, crônica ou recidivante para causar disfunção ou insuficiência hepática evidente.
A lesão é normalmente acompanhada de aumento das atividades das enzimas hepáticas, com as transaminases
citosólicas (ALT, AST), refletindo alteração aguda da permeabilidade ou da viabilidade da membrana, e
enzimas de membrana (fosfatase alcalina [ALP], gamaglutamiltransferase [GGT]), refletindo colestase e
indução enzimática. O fígado é predisposto a lesões secundárias, devido sua posição de sentinela entre a
circulação sistêmica e o trato GI e, também, porque apresenta a maior quantidade de macrófagos residentes
(células de Kupffer) do organismo. A fagocitose dos macrófagos pode iniciar uma cascata de liberação de
citocinas inflamatórias/interleucinas, levando à lesão hepática focal e recrutamento local de células
inflamatórias. A considerável atividade metabólica do fígado exacerba sua exposição a produtos nocivos,
particularmente na região centrilobular, onde a alta atividade de citocromo p450 produz produtos tóxicos e onde
os hepatócitos são mais facilmente danificados por hipoxia. A capacidade do fígado em armazenar cobre e ferro
pode iniciar e exacerbar a lesão por meio de mecanismos oxidativos.
Os sinais clínicos de lesão hepática variam dependendo do tipo, mecanismo e cronicidade da lesão.
Características clínicas comuns podem incluir anorexia, vômito, diarreia, perda de peso, febre, icterícia, poliúria
(PU) e polidipsia (PD), anormalidades de coagulação, ascite e alteração na cor das fezes (fezes acólicas na
oclusão completa dos ductos biliares; fezes verdes com aumento da excreção intestinal de bilirrubina). Ascite
indica hipertensão portal e desvio (shunt) portossistêmico adquirido (DPSA) ocorre normalmente em associação
à hipoalbuminemia concomitante. Encefalopatia hepática se desenvolve em hepatopatias adquiridas, apenas
quando há fibrose e shunt adquirido, na insuficiência hepática aguda fulminante ou secundária a desvio
portossistêmico congênito. Hepatomegalia é observada em distúrbios infiltrativos difusos ou anormalidades de
armazenamento, obstrução extra­hepática aguda de ductos biliares (OEHDB) ou na malformação cística biliar
congênita, enquanto a redução da massa hepática normalmente reflete hipoperfusão portal venosa e desvio de
fatores hepatotróficos intestinais ou fibrose hepática crônica, em cães.

DIETA

A otimização do suporte nutricional é essencial. Tem influência crucial no tratamento de gatos com LH, sendo
um componente importante do tratamento domiciliar de animais com distúrbios lentamente progressivos. Ela
também melhora a qualidade de vida de animais com insuficiência hepática sujeitos à encefalopatia hepática
episódica. Dietas para animais com doença hepatobiliar devem ser facilmente digeríveis, caloricamente densa,
altamente palatável, fácil de ser preparada e administrada pelo proprietário e dadas frequentemente em pequenas
porções. Os objetivos são otimizar a digestão e assimilação do alimento e alcançar seu consumo voluntário.
Se os animais estiverem anoréxicos, alimentação por sonda deve ser considerada. Sondas nasogástricas são
baratas, fáceis de serem colocadas e recomendadas como solução a curto prazo. Sondas esofagostômicas são
preferíveis em gatos com LH. O uso de estimulantes de apetite permanece controverso. Eles podem atrasar a
instituição de um regime nutricional de suporte. Além disso, alguns dos fármacos comumente utilizados são
metabolizados pelo fígado. Diazepam e oxazepam podem levar a uma insuficiência hepática idiopática
fulminante em alguns gatos.
A modificação da dieta em um animal com doença hepática depende do estado clínico, diagnóstico definitivo
e análise recente da função hepática. As dietas devem ser balanceadas e suplementadas com vitaminas
hidrossolúveis. Nos distúrbios colestáticos graves que impedem o acesso da bile ao intestino (p. ex., OEHDB,
colangite esclerosante avançada em gatos), vitaminas lipossolúveis podem estar diminuídas. Vitamina K1 pode
ser suplementada com injeções parenterais: 0,5 a 1,5 mg/kg toda semana (ajustada contra um tromboteste
[ensaio de PIVKA]). Se a deficiência de vitamina K1 é confirmada, é provável que vitamina E também precise
ser suplementada. Como a vitamina E é lipossolúvel, uma forma especial solúvel em água pode ser necessária
para administração oral: succinato de a­tocoferol em polietilenoglicol (10 UI/kg, VO, 1 vez/dia).
A função hepática também tem influência considerável na homeostase da glicose (glicogenólise ou
gliconeogênese de aminoácidos e lactato), desintoxicação de nitrogênio (ciclo da ureia) e cetogênese (de ácidos
graxos).
SUPRIMENTO ENERGÉTICO: A necessidade de energia deve ser estimada com base no peso corpóreo ideal. A
mudança de alimentação para uma nova dieta deve ser feita lentamente. Por exemplo, a ingesta deve
compreender cerca de 50% da necessidade energética diária calculada no dia 1, aumentada para 75% no dia 2 e,
então, 100% no dia 3. O suprimento energético pode precisar de ajuste após a aceitação da dieta, a estabilização
do animal; nova avaliação do peso e da condição corporal confirmam se há necessidade de aumentar a ingesta.
A estimativa da ingestão energética inicial é calculada usando fórmulas que predizem os requerimentos
energéticos em repouso. Reavaliação frequente é necessária e a concessão de energia ajustada à resposta.
Fórmulas para a estimativa de suprimento energético inicial para cães são: 30 × peso corporal (kg) + 70 (para
cães de 2 a 16 kg); 70 × peso corporal (kg)0,75 (para cães < 2 ou > 16 kg); e 99 × peso corporal (kg)0,67 (ingesta
inicial segura para um cão saudável).
Para gatos, a fórmula estabelecida é: 60 × peso corporal (kg), a menos que o gato seja muito obeso ou
suspeita­se de taxa ou atividade metabólica subnormal.
SUPRIMENTO DE PROTEÍNA NA DIETA: O diagnóstico de doença hepática não deve automaticamente ditar a
necessidade de restrição proteica. De fato, a restrição proteica pode ser prejudicial em alguns pacientes como,
por exemplo, gatos com LH ou animais com doença hepática necrosante­inflamatória crônica, porém estável,
que não apresentam APSS ou encefalopatia hepática. O suporte nutricional pode estar prejudicado em animais
que rejeitam alterações dietéticas e restrição proteica. A restrição proteica é apropriada quando há suspeita de
encefalopatia hepática, cristalúria com biurato de amônio ou na confirmação de desvio portossistêmico
(adquirido ou congênito).
O suprimento proteico para um animal com encefalopatia hepática deve manter um balanço positivo de
nitrogênio e evitar o catabolismo. Como a manutenção da massa magra corporal (músculo) fornece uma pausa
temporária na toxicidade de amônia, o estado de condição corporal deve ser monitorada regularmente para
comparar as estimativas.
As proteínas devem ser inicialmente reduzidas a 2,5 g/kg (dietas < 5 g/100 kcal) para cães e 3,5 g/kg (< 7
g/100 kcal) para gatos. Avaliações sequenciais do histórico, condições físicas e clinicopatológicas devem julgar
a resposta ao tratamento.
A maioria das dietas de restrição proteica é utilizada em cães com doença hepática grave e crônica ou com
PSVA. Se um cão responde bem à restrição proteica inicial, pode­se adicionar 0,5 g de proteína/kg/dia, usando
tofu ou fonte proteica derivada do leite. Os pacientes devem ser monitorados a cada 1 a 2 semanas quanto a
sinais de encefalopatia hepática e alterações na albumina, BUN e o aparecimento de cristalúria por biureto de
amônio. Três amostras de urina devem ser coletadas: assim que acordar, a primeira coisa da manhã, 4 a 8 h após
as refeições e mais tarde ao entardecer.
A proteína da dieta não deve ser restrita em gatos com LH porque a restrição compromete a sobrevivência.
Proteínas não devem ser restritas em cães e gatos com distúrbio hepático necroinflamatório crônico na época do
diagnóstico; esses animais podem apresentar maior necessidade proteica para reparo tecidual e replicação
celular que um animal controle, sadio, de mesma idade e sexo.
Fonte/Qualidade de Proteínas Modificadas: A modificação do tipo e da qualidade da ingesta proteica em cães com
encefalopatia hepática é útil. Uma alta proporção energia:nitrogênio deve ser mantida, uma vez que isto otimiza
o uso da proteína na dieta. Em cães, a característica das proteínas de laticínios e vegetais (soja) funcionam
melhor. Proteínas do leite (quantidade por 225 g) podem ser encontradas nos seguintes produtos: leite integral (8
g e 157 cal), iogurte (8 g e 139 cal), queijo cottage (57 g e 800 a 900 cal). Alternativamente, em cães, o
caseinato de cálcio fornece 88 g proteína, 2 g de gordura e 370 kcal/100 g de porção. Em gatos, são essenciais
proteínas da carne, em uma dieta balanceada que contenha arginina (cerca de 250 mg/100 kcal) e taurina.
GORDURA NA DIETA: Não há necessidade de restringir a gordura da dieta na maioria dos animais com doença
hepatobiliar. Grande parte dos animais não apresentam problemas com a digestão de gordura ou similares e sua
ingestão é importante para o provisionamento de ácidos graxos essenciais e vitaminas lipossolúveis. Ocorre uma
exceção em animais com OEHDB crônica ou gatos com colangite esclerosante com “ductopenia” sintomática.
Estes pacientes tem circulação enterro­hepática de ácidos biliares reduzida, limitando a emulsificação, digestão
e assimilação da gordura ingerida. Outra exceção é cães com mucoceles da vesícula biliar, que apresentam
hiperlipidemia idiopática.
Micronutrientes e Vitaminas:
Vitaminas Hidrossolúveis: Estas devem ser suplementadas em animais com doença hepática crônica e em gatos
com LH (Tabela 8). Gatos são especialmente suscetíveis a tiamina (B1), cobalamina (B12) e deficiência de
vitamina K1 se eles são cronicamente inapetentes, tratados com antimicrobianos, apresentem doença pancreática
ou intestinal grave ou demonstrarem colestase crônica. Gatos hipertireóideos podem desenvolver problemas de
má absorção e podem estar mais sujeitos a essas complicações quando também acometidos por colangioepatite
ou LH. Vitamina C não é normalmente reconhecida como micronutriente depletado. Cães com hepatopatia por
reserva de cobre e animais com grande estoque de ferro hepático não devem receber suplementos de vitamina C.
Tabela 8 – Formulação de suplementos com vitaminas hidrossolúveis fortalecidos (2 ml/l de fluido IV) em cães e gatos com

hepatopatias

Suplemento Concentração por mL

Cloridrato de tiamina 50 mg
(vitamina B1)
Fosfato sódico de 2,0 a 2,5 mg
riboflavina 5´ (vitamina B2)
Niacinamida (vitamina B3) 50 a 100 mg
D­pantenol (vitamina B5) 5 a 10 mg
Cloridrato de piridoxina 2 a 5 mg
(vitamina B6)
Cianocobalamina (vitamina Variável: 0,4 a 50 μg (valor menor de vitamina B12 requer
B12) suplementação adicional SC ou IM, em gatos deficientes
Benzilálcool (conservante) 1,5%

Vitaminas Lipossolúveis: A suplementação de vitaminas lipossolúveis é importante em animais com má absorção


lipídica e obstrução do fluxo biliar. A depleção de vitamina K1 se instala quando o ciclo do ácido biliar enterro­
hepático está interrompido em animais com fezes acólicas (p. ex., OEHDB, colangioepatite ductopênica
esclerosante grave em gatos), LH (gatos), insuficiência pancreática exócrina, doença intestinal má absorção
grave, após a alimentação com dietas deficientes em vitamina K, como resultado de administração crônica de
antibióticos orais e em hepatopatias graves. Vitamina K deve ser administrada o quanto antes em qualquer
animal ictérico com suspeita de hepatopatia. Vitamina K1 deve ser administrada a 0,5 a 1,5 mg/kg, SC ou IM, 3
vezes em um intervalo de 12 h antes de procedimentos invasivos, inserção de cateteres em veias grandes,
cistocentese, inserção de sondas alimentares, amostragem por aspiração ou biopsia hepática. Na colangioepatite
ductopênica esclerosante felina ou OEHDB crônica, os animais necessitam de injeções intermitentes semanais
de vitamina K1 (p. ex., a cada 7 a 21 dias), monitorados por testes de coagulação PIVKA ou PT. Sobredose com
vitamina K1 pode induzir a anemia hemolítica por corpúsculos de Heinz em gatos.
Vitamina E é um importante agente antioxidante, anti­inflamatório e antifibrótico utilizado em hepatopatias
necrosante­inflamatórias e colestáticas. A dose de acetato de D­alfatocoferol é 10 UI/kg/dia. Doses maiores
(100 UI/kg/dia) são necessárias em animais com OEHDB crônica ou colangioepatite ductopênica esclerosante
felina. Alternativamente, succinato de alfatocoferol em polietilenoglicol (vitamina E solúvel) pode ser utilizado,
na dose de 10 UI/kg/dia. Doses de vitamina E não deve exceder as quantidades recomendadas uma vez que
muita vitamina E pode interferir na atividade de vitamina K, provocando coagulopatias e também lesões
oxidativos (acúmulo de radicais tocoferoxi).

DOENÇAS DA VESÍCULA BILIAR E DO SISTEMA BILIAR EXTRA-HEPÁTICO

A icterícia frequentemente é o primeiro sinal clínico evidente em animais com anormalidades de vesícula biliar
ou de estruturas biliares extra­hepáticas; efusão abdominal pode refletir peritonite biliar. Teor de bilirrubina na
efusão abdominal maior do que no soro sanguíneo (diferença > 10 vezes) confirma o extravasamento de bile na
cavidade abdominal, sendo uma emergência cirúrgica.

COLECISTITE

Na colecistite não necrosante, a inflamação da vesícula biliar pode envolver doenças supurativas e não
supurativas; pode estar associada a microrganismos infecciosos, doenças sistêmicas ou neoplasia; ou pode
refletir trauma abdominal embotado ou obstrução da vesícula biliar por oclusão do ducto cístico (p. ex.,
colelitíase, neoplasia ou coledocite). A oclusão do ducto cístico induz inflamação da vesícula biliar secundária à
estase biliar; este processo é exacerbado pela irritação mecânica de um cálculo biliar. A parede da vesícula biliar
se espessa e o lúmen é distendido por bile branca, viscosa e com muita mucina (bile branca).
Colecistite necrosante requer intervenção cirúrgica imediata (colecistectomia e desvio biliar). O início dos
sinais clínicos é agudo e incluem dor abdominal, febre e aumento de enzimas hepáticas. Entretanto, os sinais
podem permanecer indefinidos e episódicos e a hiperbilirrubinemia é inconsistente. Cães de meia­idade ou
adultos são mais acometidos. Detecção ultrassonográfica de uma parede da vesícula biliar espessada ou ducto
biliar cístico e desconforto durante a obtenção de imagem ou a palpação abdominal profunda pode ser apenas
evidência de doença.
Colescistite necrosante pode desenvolver–se secundária à tromboembolia, trauma abdominal contuso,
infecção bacteriana, OEHDB, obstrução de ducto cístico (cálculo biliar, neoplasia), ou mucocele de vesícula
biliar. Extensão de uma doença inflamatória ou neoplásica a partir do tecido hepático adjacente também pode
ser uma importante causa. Colecistite necrosante pode estar presente com ou sem ruptura da vesícula biliar, ou
como uma síndrome crônica associada a adesões entre a vesícula biliar, omento e a víscera adjacente. Bactérias
são comumente cultivadas a partir da parede da vesícula biliar.
O diagnóstico se baseia nos sinais clínicos, nas características clinicopatológicas e em imagens
ultrassonográficas. Devido ao fato da colecistite necrosante estar frequentemente associada à mucocele da
vesícula biliar em cães, intervenção precoce mediante colecistectomia profilática pode reduzir a necessidade de
cirurgia de emergência.
Colecistite enfisematosa/coledocite/coledoquite é uma condição rara associada à presença de gás na parede
ou no lúmen da vesícula biliar ou em ramos do trato biliar. Em cães, tem sido associada a diabetes melito,
colecistite aguda com ou sem colecistolitíase, isquemia traumática, formação de mucocele na vesícula biliar e
neoplasia. A presença de gás em estruturas biliares indica inflamação séptica grave associada à bactéria
formadora de gás, como Escherichia coli ou Clostridium spp. O tratamento requer colecistectomia e terapia
antimicrobiana com base na cultura da bile ou tecido biliar envolvido e no antibiograma. Cobertura antibiótica
de amplo espectro deve ser iniciada antes da exploração cirúrgica. O uso de penicilina resistente à
betalactamase, com enrofloxacino e metronidazol, é inicialmente indicado até que os resultados de cultura e
antibiograma estejam disponíveis.
ACHADOS CLÍNICOS: Sinais de colecistite aguda incluem dor abdominal (pode ser apenas pós­prandial), febre,
vômito, íleo adinâmico e icterícia discreta a moderada. Alguns animais entram em choque endotóxico. O
hemograma revela leucócitos variáveis, com ou sem neutrófilos tóxicos ou desvio à esquerda.
Hiperbilirrubinemia e icterícia dependem da cronicidade, envolvimento de estruturas biliares extra­hepáticas,
presença ou extensão da oclusão da trato biliar, peritonite biliar e endotoxemia. A atividade enzimática hepática
é variável, porém ALP e GGT estão moderadamente ou acentuadamente aumentadas. A ruptura da vesícula
biliar induz a formação de abscesso pericolecístico (no omento) ou peritonite biliar focal ou generalizada.
Radiografia abdominal pode revelar detalhes não distintos no abdome cranial compatível com peritonite focal;
uma alça intestinal sentinela pode indicar íleo adinâmico. Raramente, a parede da vesícula biliar pode se tornar
radiodensa devido à mineralização distrófica secundária à inflamação crônica. Cálculo biliar pode ser visto na
ultrassonografia. A detecção de gás no trato biliar ou na vesícula biliar indica um processo enfisematoso
associado à sepse e deve­se administrar antibióticos imediatamente. Em alguns casos, é apropriada triagem para
colecistectomia de emergência. Pode­se obter fluido pericolecístico guiado por ultrassonografia para confirmar
o extravasamento de bile e infecção. A comparação da concentração total de bilirrubina na efusão com sua
concentração no soro ajuda a confirmar o extravasamento biliar.
TRATAMENTO E PROGNÓSTICO: O tratamento visa restabelecer o equilíbrio hidreletrolítico, instituir terapia
antimicrobiana de amplo espectro efetiva contra microrganismos intestinais oportunistas e intervenção cirúrgica
imediata. Em alguns casos, transfusão de plasma e coloide são necessários. Pelo fato da OEHDB ser um
diagnóstico diferencial, vitamina K1 deve ser administrada (0,5 a 1,5 mg/kg, IM ou SC, 3 doses, com intervalo
de 12 h) antes da cirurgia para prevenir complicações hemorrágicas. Se cirurgia de emergência é necessária,
plasma congelado fresco deve ser administrado cuidadosamente com base nos testes de coagulação e do tempo
de sangramento da mucosa bucal. Deve­se assegurar exploração cuidadosa de todas as estruturas biliares. Deve­
se determinar a patência dos ductos biliares comum e cístico e a viabilidade da vesícula biliar.
Colecistectomia é o tratamento de escolha na maioria dos casos. Entretanto, alguns animais se beneficiam de
colecistoenterostomia ou coledocoenterostomia para circundar um ducto biliar comum distal permanentemente
obstruído. Colocação de uma endoprótese biliar temporária pode ser apropriada, porém antes deve­se considerar
cuidadosamente tal procedimento devido à alta taxa de complicações, especialmente em gatos. Amostras de
bile, da parede da vesícula biliar, de cálculos biliares e tecido hepático devem ser enviadas para cultura aeróbica
e anaeróbica. Avaliações citológicas de tecido e bile auxiliam na seleção antimicrobiana inicial (morfologia e
coloração de Gram). A combinação de metronidazol, ampicilina/clavulanato e enrofloxacino propicia ampla
proteção frente aos microrganismos intestinais oportunistas comumente encontrados. Se apenas a vesícula biliar
está envolvida, colecistectomia simples por ser curativa. Se o ducto biliar comum, cístico ou hepático está
envolvido, o prognóstico é mais reservado e terapia antibiótica a longo prazo é recomendada.
Há poucos efeitos adversos da colecistectomia, embora dor abdominal episódica e diarreia associada à má
absorção de gordura têm sido descrita. A colecistectomia resulta em perda de absorção e função reguladora da
pressão da vesícula biliar e reservatório de jejum onde a bile está concentrada. Após colecistectomia, o volume
da bile aumenta devido à reabsorção de sódio reduzida que normalmente ocorre na vesícula biliar, o tamanho da
quantidade de ácido biliar diminui e a circulação entero–hepática da bile se torna contínua. A composição da
bile muda devido à exposição aumentada dos ácidos biliares à flora intestinal e formação aumentada de ácidos
biliares secundários.
Animais que suportam a descompressão do trato biliar pelas anastomoses intestinais biliares são suscetíveis à
colangite séptica retrógrada e coledoquite. Cães toleram este procedimento com menos sinais clínicos do que
gatos. Os animais devem ser monitorados quanto à febre, inapetência, vômito e sinais de doenças cíclicas. A
medição da CBC e das enzimas hepáticas devem ser feitas trimestralmente. Administração antimicrobiana
crônica ou intermitente pode ser necessária para controlar infecções que ascendem as estruturas biliares.
Contudo, a doença geralmente é transitória e responsiva aos antibióticos. Na ausência de neoplasia espera­se
sobrevivência a longo prazo com boa qualidade de vida.

COLELITÍASE

A maioria dos cálculos biliares em cães e gatos é clinicamente silenciosa. O diagnóstico desta anormalidade tem
aumentado subsequente ao uso de ultrassom abdominal como uma modalidade de diagnóstico de rotina. Os
cálculos biliares são mais comuns em animais de meia idade e idosos e a incidência pode ser maior em cães de
raça pequenos. A maioria dos cálculos biliares em cães e gatos contém carbonato de cálcio e pigmentos de
bilirrubina e são considerados “cálculos de pigmento”. Contudo, muitos não contêm mineral suficiente para
detecção no exame radiográfico. Os pigmentos dos cálculos biliares são divididos em 2 categorias: os cálculos
de “pigmento preto”, compostos principalmente de polímeros de bilirrubina, e refletem hiperbilirrubinemia
prolongada, enquanto os cálculos de “pigmento marrom”, compostos predominantemente de bilirrubinato de
cálcio, estão associados a infecções bacterianas e estase biliar. Produção de mucina aumentada pela inflamação
local e por prostaglandinas atrapalha a visualização de bilirrubinato de cálcio e de polímeros de bilirrubina
dentro de agregados de cálculos biliares. Isso é sustentado pela ausência de motilidade da vesícula biliar e estase
biliar, criando uma condição que se perpetua.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Colelitíase pode estar associada a vômito, anorexia, icterícia, febre e dor
abdominal. Entretanto, muito animais permanecem assintomáticos. Características laboratoriais de colelitíase
mais comum refletem a colecistite associada. Em cães com litíase de ducto pequeno, as características
clinicopatológicas refletem envolvimento de estruturas biliares (aumento das atividades de ALP e GGT).
Icterícia está apenas diretamente relacionada com a colelitíase associada a OEHDB ou sepse; então, muito
animais com colelitíase não apresentam hiperbilirrubinemia. Colelitíase pode ser secundária à infecção, ou os
cálculos podem propiciar infecção. Trauma mecânico por cálculos biliares pode aumentar o risco de infecção do
trato biliar. Consequentemente, deve­se assegurar monitoramento rigoroso dos sinais de sepse.
O hemograma pode estar normal ou indicar inflamação ou infecção. Um perfil bioquímico sérico pode ser
normal ou revelar atividade aumentada de enzimas colestáticas ou evidência de icterícia obstrutiva. A
ultrassonografia pode detectar cálculos > 2 mm de diâmetro na vesícula biliar; habilidade e sorte são necessárias
para detectar os cálculos alojados em segmentos do ducto biliar comum. Para animais com colelitíase de ducto
pequeno, biopsia e cultura de tecido hepático são necessárias para identificar doença importante e infecções
bacterianas associadas.
TRATAMENTO: Tratamento medicamentoso de colelitíase inclui antibióticos de amplo espectro e um protocolo
colerético com 15 a 25 mg de ácido ursodeoxicólico/kg, VO, 2 vezes/dia, com alimento, 20 a 40 mg de
SAMe/kg/dia VO, em jejum. A biopsia hepática determina se terapia imunomodulatória é apropriada. Pode­se
utilizar 10 UI de vitamina E/kg/dia, por seus efeitos antioxidantes e anti­inflamatórios.
Intervenção cirúrgica é necessária se os cálculos biliares estão associados à colecistite, estão causando
obstrução do ducto cístico, ou estão ocluindo o ducto biliar comum. O tratamento bem­sucedido de colecistite e
oclusão do ducto cístico requerem colecistectomia e lavagem do ducto biliar comum. Os fatores causais da
formação do cálculo biliar devem ser cuidadosamente considerados; mantendo­se uma menor e imóvel vesícula
biliar impõe­se o risco de litíase recidivante ou colecistite necrosante. Em casos em que a obstrução do ducto
biliar comum não pode ser resolvida, uma colecistoenterectomia deve ser executada seguida de monitoramento
a longo prazo quanto à colangite séptica. Administração antimicrobiana em pulso prolongada pode ser
necessária para controlar infecções retrógradas do trato biliar. Biopsias de estruturas biliares e hepáticas
envolvidas são essenciais para determinar se uma importante doença inflamatória primária, séptica ou
neoplásica predispõe à formação de cálculos biliares. Tecidos (fígado, ducto biliar, vesícula biliar), bile e sítio
do cálculo biliar devem ser enviados para cultura bacteriana aeróbica e anaeróbica.
Colecistoduodenostomia e colecistojejunostomia são os procedimentos cirúrgicos colecistéricos mais comuns
para se contornar problemas biliares em pequenos animais. Anastomoses cistoentéricas para o duodeno
proximal é mais fisiológico porque isto permite entrar no duodeno em uma posição que mantém próximas as
respostas fisiológicas normais no intestino proximal para permitir integração coordenada de ácidos biliares e
enzimas pancreáticas necessárias para digestão e assimilação.

INFECÇÃO HEPATOBILIAR POR FASCÍOLA

Infecção hepática por fascíolas em regiões endêmicas pode causar colangite aguda e crônica em gatos e menos
frequentemente em cães. A infecção mais comum em gatos é por Platynosomum concinnum, na Flórida, Havaí e
outras regiões tropicais. A infestação é adquirida pela ingestão de um hospedeiro intermediário infectado,
normalmente lagarto ou sapo; nas áreas endêmicas, cerca de 15 a 85% dos gatos com acesso aos hospedeiros
intermediários estão infectados. Após a infecção, fascíolas jovens emergem no intestino e migram para o ducto
biliar, vesícula biliar ou ductos hepáticos, onde amadurecem em 8 a 12 semanas. Os ovos embrionados passam
da bile para o trato alimentar, podendo ser detectadas nas fezes tão precocemente quanto 12 semanas após a
infecção.
Os sinais clínicos dependem da gravidade da infecção (a carga parasitária); entretanto, a maioria dos gatos
infectados é assintomática. Gatos sintomáticos manifestam doença progressiva e podem se tornar ictéricos e
emagrecer devido à anorexia, vômito e diarreia mucoide. Os gatos podem apresentar letargia e febre, bem como
hepatomegalia e distensão abdominal. A infecção crônica por fascíola pode ser fatal em gatos gravemente
acometidos. Os primeiros sinais clínicos da doença ocorrem 7 a 16 semanas após a infecção. Em alguns casos,
os sinais clínicos se resolvem, sem tratamento, por volta de 24 semanas após a infecção. Eosinofilia circulante
pode se instalar 3 a 14 semanas após a infecção e pode ser persistente. Em animais intensamente infectados, a
atividade de ALT e AST pode aumentar, enquanto a atividade de FA pode permanecer normal ou aumentar
apenas discretamente. Hiperbilirrubinemia pode se desenvolver 7 a 16 semanas após a infecção.
Alterações histológicas hepáticas se desenvolvem após 3 semanas e nas infecções persistentes são
progressivas. Inflamação e distensão de ductos biliares maiores estão associadas à inflamação neutrofílica e
eosinofílica mista. Em 4 meses, hiperplasia biliar adenomatosa e inflamação peribiliar são notadas. Em 6 meses,
a fibrose progressiva se torna óbvia e progride para cirrose biliar. Linfadenopatia regional pode ser notada. A
distensão do ducto biliar aumenta com o crescimento das fascíolas adultas e quando elas se tornam sexualmente
maduras os ductos biliares se tornam fibrosados. Durante este período, a atividade sérica de transaminase se
normaliza. A ultrassonografia abdominal pode revelar obstrução biliar envolvendo a vesícula biliar, os ductos
biliares comuns e/ou ductos intra­hepáticos. Fragmentos de vesícula biliar associados à fascíolas podem
aparecer como estruturas ovais hipoecoicas com centros ecoicos. Uma parede espessa da vesícula biliar
associada a uma sinal de borda dupla pode indicar colecistite. O parênquima hepático hipoecoico, com regiões
portais hiperecoicas proeminentes (ductos), reflete colangite e colangioepatite.
Como gatos infectados podem ser assintomáticos, o diagnóstico de infestação por fascíolas pode ser difícil.
Os ovos podem não ser detectados no exame de fezes porque eles são eliminados apenas esporadicamente e
demonstram morfologia variável (formas imaturas e embrionadas), os ovos são pequenos e os métodos de
exame de fezes rotineiramente utilizados são relativamente insensíveis a detecção dos ovos de fascíolas. Além
disso, o desenvolvimento de obstrução do trato biliar e fibrose pode impedir a eliminação dos ovos de fascíolas
na bile e fezes.
Se há suspeita de infecção por fascíola, recomenda­se o tratamento com praziquantel (20 mg/kg/dia, SC, por
3 a 5 dias). Os ovos podem ser eliminados nas fezes por até 2 meses após o tratamento efetivo. Prednisolona é
utilizada para reduzir a inflamação eosinofílica associada (2 mg/kg/dia, por 2 a 4 semanas, seguida de redução
gradativa com decréscimos de 50% a cada 2 semanas). Ácido ursodeoxicólico é administrado (15 a 20 mg/kg,
VO, 2 vezes/dia, com alimento) para iniciar a hidrocolerese. Antibióticos de amplo espectro são recomendados
para proteger contra infecção retrógrada do trato biliar por bactérias introduzidas por fascíolas migrantes. A
infecção também pode estar associada a fascíolas mortas. Vitamina E (10 UI/kg/dia, VO) e SAMe (20 a 40
mg/kg/dia, VO) são administradas até que as enzimas hepáticas se normalizem. Se necessário, um antiemético
pode ser administrado, por exemplo, metoclopramida (0,2 a 0,5 mg/kg/dia, VO ou SC, a cada 6 a 8 h) ou
maropitant (1 mg/kg/dia, não mais que 5 dias consecutivos).
O resultado dos tratamentos é variável, porém o prognóstico é favorável para as formas discretas da doença.
Outros parasitos raros do trato biliar incluem Amphimerus pseudofelineus, Metorchis conjunctus e Eurytrema
procyonis (ver p. 503).

MUCOCELE DE VESÍCULA BILIAR EM CÃES

Esta enfermidade de cães é caracterizada pelo acúmulo progressivo de bile com alto teor de mucina aderente,
que pode se estender para dentro dos ductos biliares comum, hepático e cístico, resultando em graus variáveis
de obstrução destes ductos. A expansão progressiva de mucocele biliar causa isquemia da vesícula biliar e
necrose, peritonite biliar e, às vezes, infecções oportunistas. Deve­se considerar mucocele de vesícula biliar
quando exames ultrassonográficos sequenciais falham em indicar uma redução no tamanho da vesícula biliar ou
no conteúdo após alimentação, e confirma a ausência de movimento do “sedimento” luminal. Estase da vesícula
biliar, talvez refletindo ausência de motilidade, e distensão predispõe à colecistite.
Cães acometidos têm de 3 a 14 anos de idade; não há predisposição por sexo, porém a incidência é maior nas
raças Shetland Sheepdog, Schnauzer miniatura e Cocker Spaniel.
Fatores que predispõe à formação de mucocele da vesícula biliar incluem idade média ou avançada,
hiperlipidemia ou hipercolesterolemia, ausência de motilidade da vesícula biliar e hiperplasia cística da mucosa
da vesícula biliar. A causa inicial da hipersecreção de muco é desconhecida e pode ser multifatorial. Motilidade
diminuída da vesícula biliar conduz a estase biliar luminal e absorção aumentada de eletrólitos e líquido,
promovendo formação de sedimento biliar. Cães com fatores de risco podem rapidamente desenvolver uma
mucocele após início da terapia com glicocorticoide ou dieta rica em gordura (p. ex., algumas dietas para
doenças renais ou insuficiência hepática). Como é comum VH concomitante, associada à doenças primárias, tal
anormalidade deve ser investigada.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: A doença sintomática dura, em média, 5 dias, embora alguns cães exibam
sinais episódicos vagos (p. ex., inapetência, vômito, dor abdominal vaga) durante meses. Em ordem de
frequência decrescente, sinais clínicos incluem vômito, dor abdominal, anorexia, icterícia, taquipneia,
taquicardia, PU/PD, febre, diarreia e distensão abdominal. Cães em processo de ruptura da vesícula biliar
manifestam dor abdominal, icterícia, taquicardia, taquipneia e febre. Indicadores clinicopatológicos incluem
leucocitose com neutrofilia madura e monocitose; enzimas hepáticas elevadas inclusive ALP, GGT, ALT e AST;
e hiperbilirrubinemia. Bactérias aeróbicas podem ser cultivadas a partir da bile ou da parede da vesícula biliar,
com isolamento de vários microrganismos intestinais, inclusive Escherichia coli, Enterobacter ssp,
Enterococcus spp, Staphylococcus spp, Micrococcus spp e Streptococcus spp. Colecistocentese guiada por
ultrassonografia não deve ser feita se há mucocele de vesícula biliar. A ultrassonografia pode detectar
hepatomegalia, bem como se o parênquima hepático é heterogêneo ou hiperecoico. “Nódulos” hipoecoicos
correspondem a VH grave com formação de nódulos de reticulina definidos e reparo regenerativo. Após a
remoção da vesícula biliar, são necessárias avaliações ultrassonográficas seriadas do fígado para verificar se as
lesões do parênquima regrediram.
Histologicamente, hiperplasia da mucosa cística da parede da vesícula biliar é um achado comum. Todos os
cães possuem restos biliares maciços, alguns componentes podem ser profundamente viscosos e carregados de
mucina, outros mais fluidos; alguns são verde­escuro a pretos, outros com bile branca; alguns contêm material
escuro arenoso e outros contêm uma matriz gelatinosa organizada firme. Necrose isquêmica transmural pode se
desenvolver ocasionando colecistite necrosante e ruptura da vesícula biliar. Biopsias hepáticas podem revelar
VH ou hepatite portal discreta a moderada ou fibrose; a última reflete mudanças alterações associadas à
colangite ou oclusão da trato biliar transitória. Alguns cães carecem de lesões hepáticas.
TRATAMENTO: Cães sem sinais de extravasamento de mucocele ou obstrução do trato biliar no momento do
diagnóstico inicial podem se beneficiar de hidrocolerese induzida por administração de ácido ursodeoxicólico
(15 a 25 mg/kg, VO, 2 vezes/dia, administrado com alimento), SAMe (20 a 40 mg/kg/dia, VO, após jejum
durante a noite; também, deve­se evitar que animal se alimente por 2 h após a dose) e terapia antimicrobiana.
Avaliações bioquímicas e ultrassonográficas durante 6 semanas são úteis para monitorar a resposta ao
tratamento ou a progressão da síndrome. Raramente, uma mucocele de vesícula biliar aparente pode regredir
apenas com tratamento medicamentoso. A progressão de algum parâmetro indica controle inadequado e a
necessidade de intervenção cirúrgica.
Colecistectomia é o melhor tratamento, sendo essencial para a maioria dos cães com sinais clínicos e achados
clinicopatológicos compatíveis com ruptura ou inflamação do trato biliar. Como a estase biliar predispõe à
infecção, antimicrobianos de amplo espectro devem ser iniciados antes da manipulação cirúrgica das estruturas
biliares. Exames e coloração de preparações citológicas da bile e de imprints de amostras obtidas por biopsia do
trato biliar e do fígado podem não ter valor quando a terapia antibiótica influencia as amostras enviadas para
cultura. Evidências de bactérias nas amostras citológicas ou confirmação histológica de colecistite supurativa ou
colangite indica uma necessidade de terapia antimicrobiana prolongada no pós­operatório. Após a ressecção, a
vesícula biliar deve ser enviada para exame histopatológico e, também, faz­se biopsia hepática distante do local
da cirurgia. A taxa de mortalidade no perioperatório é alta em cães sintomáticos com ruptura da vesícula biliar
complicada por sepse. Se a peritonite biliar está presente, a cavidade peritoneal deve ser extensivamente lavada
com fluido poliônico aquecido estéril, para remoção de fragmentos, bactérias e sais biliares nocivos. Drenagens
abdominais podem ser necessárias. Antibióticos devem ser administrados por 4 a 6 semanas.
Colecistotomia para remoção do conteúdo da vesícula biliar sem colecistectomia não é aconselhada porque a
mucocele da vesícula biliar normalmente reaparece. Além disso, necrose da parede da vesícula biliar pode não
ser grosseiramente evidente na cirurgia, conduzindo a uma ruptura da vesícula biliar pós­operatória. Após a
ressecção da vesícula biliar, terapia colerética crônica é recomendada. Causas importantes de hiperlipidemia ou
distúrbios endócrinos devem ser identificadas e tratadas apropriadamente. Anormalidades clinicopatológicas
(em geral, ALP elevada) normalizam após a remoção da vesícula biliar, na maioria dos cães, exceto naqueles
com colangioepatite supurativa, endocrinopatias não resolvidas ou hiperlipidemia persistente. Dieta rica em
gordura e com restrição de proteína para animais hiperlipidêmicos pode ser prejudicial.

OBSTRUÇÃO DO DUCTO BILIAR EXTRA-HEPÁTICO

A obstrução do ducto biliar comum está associada a várias condições primárias, inclusive inflamação (p. ex.,
pancreatite, duodenite etc.), colelitíase, mucocele de vesícula biliar, coledoquite/colecistite, neoplasia,
malformações, infecção parasitária, compressão extrínseca, fibrose e rigidez. Hepatomegalia e distensão do
ducto biliar intra­hepático imediatamente se seguem à OEHDB. Se a obstrução é resolvida dentro de poucas
semanas, pode ocorrer resolução da fibrose e da distensão do ducto biliar. Contudo, obstrução > 6 semanas
resulta em cirrose biliar, hipertensão portal e APSS.
Obstrução completa pode resultar em bile branca onde pigmentos de bilirrubina não podem alcançar o “ramo
estagnado” do sistema de ductos. O aumento de mucina no ducto contribui para a distensão ductal. Em alguns
casos, a trato biliar é colonizado por bactérias que não são removidas devido à falha na expulsão mecânica da
bile e penetração inadequada de antibióticos na bile.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: OEHDB completa e aguda ocasiona letargia, febre cíclica e
desenvolvimento imediato de icterícia; a concentração de bilirrubina total aumenta dentro de 4 h. Vômito pode
ser episódico. Alguns animais são intermitentemente inapetentes enquanto outros se tornam polifágicos,
refletindo má digestão de gordura devido à ausência de ácidos biliares intestinais. Hepatomegalia, fezes acólicas
e ausência de urobilinogênio na urina geralmente se desenvolvem na primeira semana. Tendências a
sangramentos podem ser notáveis dentro de 2 a 3 semanas e são mais comuns em gatos. Úlcera GI na junção
piloroduodenal é comum e pode causar perda sanguínea considerável. Mesmo com sangramento intestinal
mínimo, pigmentos de bilirrubina alcançam o intestino, permitindo que as fezes se tornem marrons (formação
de estercobilina) e com resultado positivo para urobilinogênio no teste de urina.
O hemograma pode revelar anemia não regenerativa, na obstrução crônica, ou anemia fortemente
regenerativa, em animais com hemorragia intestinal importante. Leucocitose neutrofílica com ou sem desvio à
esquerda é comum. À medida que a bile se estagna no trato biliar, aumenta ALT e AST no soro. As atividades
séricas de ALP e GGT aumentam dentro de 8 a 12 h após a obstrução e se elevam substancialmente em poucos
dias. Necrose de parênquima, inflamação periporta e colastase sustentam a atividade enzimática colestática e
transaminase no soro. Em gatos, a magnitude da elevação de ALP e GGT é menos marcante do que em cães,
porém são indicadores úteis de obstrução, lesão e inflamação do trato biliar. Hipercolesterolemia desenvolve­se
dentro de 2 semanas após a obstrução completa, refletindo prejuízo à eliminação de colesterol e maior
biossíntese hepática de colesterol. Com obstrução crônica e desenvolvimento de cirrose biliar, o teor sérico de
colesterol diminui, refletindo prejuízo à síntese de colesterol e desvio portossistêmico. Coagulopatias associadas
à deficiência de vitamina K podem se desenvolver dentro de 2 a 3 semanas. Resposta à administração de
vitamina K1 geralmente é marcante. A confirmação de OEHDB é feito com imagens ultrassonográficas e por
laparotomia exploratória.
TRATAMENTO: Inspeção cirúrgica das estruturas biliares e hepáticas e descompressão biliar apropriada são
requisitos para uma ótima terapia. Inspeção grosseira da vesícula biliar e do ducto biliar comum normalmente
revela o sítio e a causa da obstrução; palpação do ducto é essencial para identificar lesão de massa intramural.
Compressão delicada da vesícula biliar é utilizada para verificar obstrução e o sítio de fluxo restrito da bile. Um
ducto biliar comum tortuoso distendido grosseiramente torna o diagnóstico aparente. A maior dificuldade para
confirmar e resolver as obstruções envolve os ductos hepáticos. Uma duodenotomia, colecistotomia ou
coledocotomia podem ser necessárias para a passagem de um cateter flexível dentro de um ducto biliar comum
para verificar o sítio da obstrução e para permitir a remoção do lobo biliar espessado ou cálculo biliar. O
tratamento bem­sucedido da sepse do trato biliar requer remoção mecânica de restos biliares e material
infeccioso e correção cirúrgica descompressiva. Animais tendem a se tornar hipotensivo e são suscetíveis ao
choque endotóxico durante a cirurgia e anestesia. Biopsia hepática por método laparoscópico ou agulha
percutânea não permite a descompressão biliar segura e podem dilacerar os ductos biliares distendidos
conduzindo a peritonite biliar.
Há controvérsias quanto à necessidade de descompressão do trato biliar em animais com OEHDB secundária
à pancreatite. Na maioria dos cães, a obstrução se resolve espontaneamente dentro de algumas semanas, como
uma inflamação. Em animais na qual a obstrução persiste além de 2 a 3 semanas, descompressão temporária ou
permanente do trato biliar deve ser considerada. O risco de morte em cães com pancreatite sujeito à cirurgia
biliar extra­hepática pode ser tão elevada quanto 50%.

OUTRAS ANORMALIDADES DOS DUCTOS BILIARES

CISTOS BILIARES OU HEPÁTICOS BENIGNOS: Estes cistos isolados são frequentemente limitados a um lobo do
fígado, geralmente não causam nenhuma lesão compressiva substancial e são achados ocasionais durante exame
ultrassonográfico para outras enfermidades, cirurgia ou necropsia. Não se expandem o suficiente para lesionar
tecidos adjacentes, não estão associados à atividade aumentada das enzimas hepáticas e são considerados
irrelevantes. Entretanto, podem ser problemáticos se crescem ou interferem com o fluxo de bile através do ducto
biliar comum.
ANORMALIDADES FIBROPOLICÍSTICAS HEPÁTICAS: Estas doenças têm sido identificadas na maioria dos animais
de companhia e reflete malformação embrionária envolvendo o desenvolvimento da placa ductal das estruturas
biliares e tubulares renais. As anormalidades foram classificadas em 6 grupos, em humanos, e esta classificação
também parece importante em animais: fibrose hepática congênita, síndrome de Caroli, complexos de von
Meyenburg, cisto hepático isolado, doença hepática policística e cistos de colédoco. Estas desordens são
complexas. A diversidade de manifestações pode predispor à colangite, causa hipertensão portal ou progride
para lesões que ocupam espaço (estruturas císticas). Uma única mutação genética tem sido identificada em gatos
(doença renal policística dominante de origem autossômica), maioria dos quais demonstram malformação renal
do que biliar. Em alguns gatos, entretanto, muitos cistos hepáticos grandes causam importante hepatomegalia e
requer repetidas drenagens, fenestração, marsupialização ou ressecção cirúrgica. Raramente, estruturas císticas
podem se tornar mineralizadas. Gatos acometidos gravemente possuem parênquima hepático pouco normal.
Tecido conectivo extensivo causa hipertensão portal intra­hepática, um fígado grande e firme, desenvolvimento
de APSS, sinais de HE e ascite.
Síndromes displásicas biliares raramente ocorrem em cães simultaneamente com malformações císticas
renais. Cães acometidos apresentam atividade de ALP aumentada e alta concentração de ABTS. Como acontece
em gatos, o extenso tecido conectivo pode causar hipertensão portal intra­hepática, APSS, EH e ascite.
O único tratamento para estas anormalidades é minimizar os sinais de EH, com fornecimento de dieta com
restrição de proteínas e tentativas para alterar o pH e a flora microbiana intestinal (lactulose, leite ou baixas
doses de metronidazol). Diuréticos e restrição de sódio na dieta são indicados para controlar ascite.
CISTOS DE COLÉDOCO: Esta dilatação cística congênita associada ao segmento distal do ducto biliar comum é
encontrada em gatos. Sinais clínicos incluem febre, dor abdominal e icterícia associada à infecção cística.
Exploração cirúrgica é normalmente requerida para diagnóstico definitivo. Extirpação da estrutura cística ou
marsupialização dentro do ducto biliar comum tem sido bem­sucedida.
CISTADENOMA BILIAR: Estas lesões, também chamadas de cistadenomas, adenomas de ducto biliar, adenomas
colangiocelular, colangiomas císticos e cistadenoma hepatobiliar são tumores benignos relativamente raros de
gatos idosos. Os tumores isolados bem demarcados podem invadir o parênquima hepático adjacente causando
atrofia compressiva. O conteúdo cístico alcança desde fluido aquoso claro a viscoso ou material sólido. O
tamanho dos cistos varia, atingindo de 1 mm a 8 cm, com a massa do tumor alcançando de 5 mm a 12,5 cm.
Estudos de imagem (ultrassonografia ou TC) são importantes para o diagnóstico.
Excisão cirúrgica é o tratamento de escolha, porém pode não ser possível se as estruturas integram dentro do
porta­hepato. O prognóstico após excisão completa é bom. Se a excisão completa não é possível, ressecção
parcial pode retarda as complicações da invasão mecânica do tecido normal. Aspirações repetidas, drenagem do
cateter, marsupialização e excisão parcial têm sido utilizadas para manutenção paliativa, porém com risco de
infecções e transformação neoplásica para uma lesão maligna.

OUTROS DISTÚRBIOS DA VESÍCULA BILIAR

Agênese da vesícula biliar é a ausência congênita da vesícula biliar. Na ausência de malformação congênita de
estruturas biliares intra­hepática, esta é uma anormalidade irrelevante.
Atresia biliar é o desenvolvimento anormal congênito das estruturas biliares intra­hepáticas, raramente
observada em cães. O cão jovem apresenta­se apático e as membranas mucosas são amarelas. O prognóstico é
ruim.
Uma vesícula biliar dividida em duas partes é ocasionalmente identificada em gatos durante a
ultrassonografia ou na cirurgia. Esta é uma anormalidade irrelevante.
Hiperplasia cística da mucosa da vesícula biliar é também conhecida como hipertrofia mucinosa cística,
hiperplasia mucinosa cística e colecistite mucinosa (embora não seja uma lesão inflamatória). O papel dos
hormônios esteroides na indução da lesão permanece desconhecido. Não há inflamação associada e a superfície
serosa da vesícula biliar permanece intacta. Estas lesões hiperplásicas são rotineiramente identificadas em cães
com mucocele de vesícula biliar na qual a parede da vesícula biliar está grosseiramente espessa com uma
superfície mucosa proliferativa e um lúmen contendo fragmentos mucoides verdes espessos e viscosos.
A ausência de motilidade da vesícula biliar é proposta como uma síndrome emergente em cães e pode
preceder o desenvolvimento de mucocele de vesícula biliar. A síndrome pode estar associada a hormônios
esteroides, com base em recentes observações de uma relação aparente entre desenvolvimento de mucocele e
tratamento com compostos progestacionais. Além disso, hormônios sexuais (progestinas, andrógenos) têm sido
mostrado experimentalmente (in vitro) que reduzem a contratibilidade de músculos da vesícula biliar.

RUPTURA DE TRATO BILIAR E PERITONITE BILIAR

Ruptura do ducto biliar comum, ducto cístico, ductos hepáticos ou da vesícula biliar está mais frequentemente
associada à colelitíase, coledocite ou colecistite necrosante, trauma abdominal contuso ou neoplasia. Em cães,
colecistite necrosante ocorre mais frequentemente como resultado de mucocele biliar madura que se estende
para a parede da vesícula biliar, causando necrose isquêmica. Sem levar em conta a causa, a ruptura de qualquer
porção do trato biliar pode ocasionar peritonite biliar. Sinais clínicos podem ser mínimos no início da doença,
consistindo apenas de inapetência e desconforto abdominal vago. Com a cronicidade, o trato biliar inicia uma
reação inflamatória (peritonite química), a efusão abdominal se acumula e se desenvolve icterícia evidente. A
ultrassonografia deve guiar a coleta de efusão abdominal o mais próximo possível do trato biliar, pois isto
aumenta a possibilidade de detecção de cristais de bilirrubina fagocitados ou livres e de bactérias. Com o
diagnóstico tardio instala­se aderência abdominal que complica o reparo cirúrgico.
Intervenções cirúrgicas são específicas para a causa das lesões e podem envolver descompressão do trato
biliar, colecistectomia, colecistotomia, coledocotomia, anastomose intestinal­biliar ou inserção de uma
endoprótese no ducto biliar. Recomenda­se biopsia hepática para identificar doença hepatobiliar antecedente ou
coexistente. Partes das estruturas rompidas, bile e efusão abdominal devem ser obtidas e cultivadas para
bactérias aeróbicas e anaeróbicas. A cavidade abdominal deve ser minuciosamente lavada com solução salina
estéril aquecida para remover a contaminação biliar. Recomenda­se terapia antibiótica contra microrganismos
intestinais oportunistas (bactérias Gram­negativas) e flora anaeróbica, por exemplo, ticarcilina, piperacilina,
cefalosporina de terceira geração ou enrofloxacino combinada com metronidazol. A terapia antimicrobiana deve
ser iniciada antes da cirurgia e no caso de sepse confirmada, continuar por 4 a 8 semanas. A seleção dos
antibióticos deve ser guiada, inicialmente, pelos resultados da citologia e coloração de Gram, e ajustada com
base nos resultados de cultura e antibiograma. Animais com icterícia crônica devem receber vitamina K1 (0,5 a
1,5 mg/kg, IM ou SC, até 3 doses) antes da intervenção cirúrgica. Plasma congelado fresco pode ser necessário
para reduzir tendências a sangramento durante cirurgia de emergência. Antieméticos são recomendados se o
paciente manifesta vômito. Antagonistas de receptor H2 são utilizados na presença de sangramento intestinal.
Em animais com colelitíase e cães com mucocele de vesícula biliar, hidrocolerese (ácido ursodeoxicólico e
SAMe) e antioxidantes (vitamina E e SAMe) são recomendados no pós­operatório.

SÍNDROME COLANGIOEPATITE/COLANGITE FELINA

Síndrome colangioepatite/colangite felina (SCHC) é a doença inflamatória adquirida mais comum em gatos
domésticos. Tanto colangite como colangioepatite são mais comuns em gatos do que em cães. A diferença
anatômica entre os ductos biliares e pancreáticos de gatos e cães tem sido considerada um grande fator de risco.
SCHC felina coexiste com processos inflamatórios no duodeno, pâncreas e rins (nefrite intersticial crônica).
Várias condições simultâneas têm sido identificadas em gatos com SCHC, se o infiltrado inflamatório é
predominantemente neutrofílico (supurativo), linfocítico ou linfoplasmático (não supurativo), ou se isto
ativamente envolve destruição de ducto biliar. Desordens associadas à SCHC felina incluem infecções
bacterianas (primárias ou crônicas), sepse, colecistite, colelitíase, OEHDB, infecção por trematódeos,
toxoplasmose, doença intestinal inflamatória, colangite primária, pancreatite, neoplasia (p. ex., adenocarcinoma
de vesícula biliar, cistadenoma de ducto biliar) e várias malformações dos ductos (p. ex., cistos de colédoco,
doença hepática policística, displasia biliar).
O lobo hepático envolvido na SCHC felina é variável e a extensão e gravidade das lesões histológicas podem
não ser completamente certificadas em uma única biopsia hepática ou pequenas biopsias (p. ex., 18 medidas).
Algumas secções da biopsia podem mostrar inflamação modesta à moderada do ducto e hepatite, enquanto
outros lobos hepáticos revelam eliminação completa dos ductos biliares e ausência de inflamação ativa. Os
gatos com doença em sistemas de múltiplos órgãos possuem tempo de sobrevivência significantemente menor
se não tratados. Contudo, como a SCHC é lentamente progressiva, os gatos podem sobreviver alguns anos
depois do diagnóstico, sem intervenção terapêutica.
SCHC supurativa é a doença clínica mais evidente. Nesses gatos a duração da doença é menor, antes da
consulta (< 5 anos), com predominância em adultos jovens e de meia­idade (3 meses a 16 anos). Sinais clínicos
incluem febre, letargia, desidratação, inapetência, vômito e icterícia variável. Muitos gatos manifestam dor
abdominal e alguns têm hepatomegalia palpável. As características clinicopatológicas são similares a outras
formas de SCHC, com aumento moderado a acentuado nas transaminases (ALT, AST) e aumento mais
moderado nas atividades de ALP e GGT. Alguns gatos não têm anormalidades nas enzimas colestáticas. A
maioria dos gatos apresenta hiperbilirrubinemia, alguns têm azotemia renal concomitante e muitos exibem
leucograma com desvio à esquerda e neutrófilos tóxicos. No início, a LH concomitante pode confundir a
interpretação. A ultrassonografia abdominal pode revelar OEHDB; anormalidades compatíveis com colecistite,
coledocistite, pancreatite ou doença intestinal inflamatória, e hiperecogenicidade parenquimal hepática difusa
compatível com LH pode ser observada. Um padrão de parênquima hepático heterogêneo pode, às vezes, ser
reconhecido, refletindo inflamação parenquimal. Contudo, em alguns gatos, nenhuma alteração
ultrassonográfica é identificada. Radiografia torácica revela frequentemente um grande linfonodo esternal que
reflete inflamação/sepse abdominal.
O tratamento medicamentoso é frequentemente fornecido antes da intervenção cirúrgica (cirurgia de
descompressão biliar para OEHDB, colecistectomia para colecistite, colecistotomia para colelitíase) e biopsia
hepática. Desordens que causam estase do fluxo biliar devem ser tratadas devido ao aumento no risco de
infecção oportunista envolvendo o sistema biliar. Exame citológico de imprints de material aspirado ou obtido
por biopsia de fígado e amostras de bile geralmente revelam bactérias e inflamação supurativa. Coloração pelo
Gram de amostras citológicas que contêm bactérias ajudam na seleção de antimicrobianos. As bactérias
comumente isoladas incluem Escherichia coli, Streptococcus, Clostridium, Bacteroides e Actinomyces. Culturas
podem ser negativas devido administração prévia de antibióticos ou falha no cultivo de bactérias anaeróbicas.
O tratamento envolve antibióticos de amplo espectro efetivos contra bactérias intestinais oportunistas
anaeróbicas Gram–negativas, como ácido ursodeoxicólico, SAMe, vitamina E, vitaminas hidrossolúveis,
nutrição enteral com dieta altamente calórica formulada para felinos e administração ponderada de fluidos para
corrigir e manter a hidratação e a condição eletrolítica. Os antioxidantes são fornecidos durante a fase crítica da
doença mediante administração de N­acetilcisteína (dose inicial de 140 mg/kg [solução 10% em NaCl], seguida
de 70 mg/kg IV, 2 a 3 vezes/dia, ao longo de 20 min, através de um filtro de 0,25 μm); quando a administração
oral é possível, SAMe é administrado por esta oral. Uma combinação de enrofloxacino, metronidazol e
ampicilina/sulbactam normalmente e administrada no início e ajustada com base nos resultados de cultura e
antibiograma, a partir de aspirados hepatobiliares ou de bile ou de amostras de tecido. O tratamento com
antimicrobianos deve ser iniciado antes da intervenção cirúrgica porque a sepse compromete a sobrevivência
após a cirurgia. O tratamento antimicrobiano continua por 8 a 12 semanas ou até que as atividades das enzimas
hepáticas normalizem. Se as enzimas hepáticas permanecem aumentadas, repete­se a avaliação
ultrassonográfica para verificar anormalidades que envolvem estruturas biliares, pâncreas, intestino ou
linfadenopatias. Repetição da aspiração para citologia ou biopsia hepática pode ser necessária.
A hepatite portal linfocítica felina, em si, provavelmente não é uma doença, mas pode refletir a liberação de
infiltrados inflamatórios inespecíficos na vasculatura portal. Por outro lado, pode representar lesão evidente de
SCHC felina quando foi obtida apenas mínima amostra da tríade portal de um lobo hepático relativamente
pouco envolvido. Biopsia com agulha de campos pequenos em gatos com SCHC não supurativa pode permitir o
diagnóstico.
SCHC não supurativa sem lesões destrutivas do ducto é uma síndrome inflamatória mediada por células T
que, frequentemente, acomete a maioria dos gatos de meia­idade e idosos. Infecções concomitantes com FeLV
ou FIV são raras, e não há predisposição sexual ou racial. A duração da doença varia de 2 semanas a alguns
anos; a maioria dos gatos ficam doentes alguns meses antes da consulta inicial. Sinais clínicos incluem vômito e
diarreia intermitentes e doença episódica que pode estar associada à icterícia que se resolve espontaneamente.
Hepatomegalia é comum. Isto é raro na SCHC não supurativa por causar hipertensão portal e efusão abdominal,
porque os gatos normalmente morrem antes de se estabelecer fibrose difusa.
As contagens leucocitárias são variáveis, porém tipicamente não há desvio à esquerda ou neutrófilos tóxicos.
Poiquilócitos são comuns e corpúsculos de Heinz podem ser evidentes. Hiperglubulinemia se desenvolve com a
cronicidade; a maioria dos gatos tem aumento moderada à acentuado de ALT e AST. Aumentos nas atividades
de ALP e GGT são muito variáveis e dependem da atividade cíclica da doença. Hiperbilirrubinemia é
inconsistente e também parece ser cíclica. Alguns gatos são persistentemente ictéricos devido à obstrução
inflamatória de ductos biliares de pequeno e médio calibre (SCHC não supurativa com lesões destrutivas do
ducto) e esses desenvolvem coagulopatias sintomáticas responsivas à administração de vitamina K (0,5 a 1,5
mg/kg, SC ou IM, 3 doses, em intervalos de 12 h, antes da biopsia). Achados ultrassonográficos abdominais se
sobrepõem àqueles de SCHC supurativa; um padrão parenquimal grosseiro ou não uniforme pode ser
identificado. Entretanto, gatos com SCHC não supurativa acentuada podem não apresentar anormalidade do
sistema biliar ou do parênquima hepático detectável na ultrassonografia. A gravidade das lesões é altamente
variável dentro e entre os lobos hepáticos e entre os gatos.
O tratamento inicial implica no uso de antimicrobianos apropriados, ácido ursodeoxicólico, SAMe, vitamina
E, suplementação com vitamina B, nutrição enteral com dieta altamente calórica formulada para gatos, bem
como fluidos para corrigir e manter a hidratação e anormalidades eletrolíticas. Terapia antimicrobiana de amplo
espectro (contra bactérias anaeróbicas Gram–negativas intestinais oportunistas) é recomendada, com base nos
resultados da biopsia hepática e da cultura. Tratamentos prolongados requerem imunomodulação. A terapia
imunossupressora de primeira linha implica no uso de prednisolona, inicialmente administrada na dose de 2 a 4
mg/kg de peso corporal, VO, 1 vez/dia, ajustando­se a dose para 5 a 10 mg/dia, 1 vez/dia ou em dias alternados
dependendo da resposta ao tratamento. A adição de metronidazol (7,5 mg/kg, VO) pode auxiliar na
imunomodulação e no controle da doença intestinal inflamatória associada e pode permitir a redução da dose de
glicocorticoide. Recomenda­se administração continuada de SAMe (40 a 50 mg/kg/dia VO) e vitamina E (10
U/kg/dia).
Como um agente isolado, SAMe tem resolvido a inflamação associada à SCHC em alguns gatos.
Clorambucila é utilizado em gatos que não respondem ao tratamento anti­inflamatório com glicocorticoide e
metronidazol (dose de clorambucila: 2 mg/gato/dia, 1 vez/dia, ajustado para uso em dias alternados ou a cada 3
dias). O tratamento geralmente retorna a concentração de bilirrubina ao normal, porém aumentos cíclicos na
atividade enzimática permanecem, embora em magnitudes menores.
Em gatos com SCHC não supurativa com lesões destrutivas de ducto (colangite esclerosante), por fim,
pode ocorrer destruição disseminada de ductos de pequeno calibre, causando hiperbilirrubinemia permanente e
fezes acólicas intermitentes devido à redução progressiva da quantidade de ductos, notada no exame histológico.
Este subgrupo de SCHC é identificado pelo uso de coloração imunoistoquímica para citoqueratina em amostras
de fígado. Gatos acometidos mostram atrofia de ducto, dúctulos biliares da tríade portal em localização
periférica, células T ductais em alvo e lipogranulomas onde os ductos desaparecem. Aproximadamente 30%
destes gatos se tornam diabéticos; o pâncreas pode abrigar as células T ductuais em alvo.
Os gatos com redução da quantidade de ductos sintomáticos requerem injeções semanais de vitamina K1 (ver
p. 442) e forma hidrossolúvel de vitamina E (succinato de a­tocoferol polietilenoglicol, 10 U/kg/dia, VO).
Superdosagem de vitamina K1 pode causar anemia hemolítica grave. Gatos acometidos devem ser investigados
quanto à doença intestinal inflamatória grave e adequação de B12. Características hematológicas e bioquímicas
do soro são similares àquelas de gatos com SCHC de ducto não destrutiva. Imunomodulação com prednisolona
torna a atividade enzimática discreta à moderada ou hiperbilirrubinemia em SCHC que atingem os ductos. Em
vez disso, inicialmente se utiliza metotrexato ou clorambucila. Metotrexato em pulso é administrado na dose
total diária de 0,4 mg/gato, fracionada em 3 doses, em um único dia (0,13 mg/kg, VO por dose), a cada 7 a 10
dias. Como alternativa, o metotrexato pode ser administrado por via IV ou IM, com redução de 50% da dose.
Concomitantemente, administra­se 0,25 mg de ácido fólico/dia, VO, para prevenir hepatotoxicidade associada
ao metotrexato. A dose de metotrexato deve ser reduzida em gatos com azotemia renal. O metotrexato induz
imunossupressão profunda quando utilizado na dose recomendada, sendo fundamental monitoramento
cuidadoso de infecções complicadoras. Alternativamente, o tratamento com clorambucila, como descrito
anteriormente, pode ser utilizado em vez de metotrexato. Recomenda­se tratamento concomitante com SAMe,
juntamente com baixas doses de prednisolona e metronidazol. O tratamento para doença intestinal inflamatória
concomitante com dieta hipoalergênica pode ser benéfica. A deficiência de cobalamina deve ser corrigida; os
gatos comprovadamente deficientes por teste de laboratório devem ser suplementados por longo tempo. Baixa
concentração de cobalamina representa uma preocupação quanto à má absorção grave de intestino delgado
(especialmente no caso de linfoma de célula pequena) ou à doença pancreática grave.
Na doença linfoproliferativa disfarçada, como SCHC linfocítica, as lesões são caracterizadas por densa
infiltração de linfócitos portais que penetram nos sinusoides hepáticos. Entretanto, os linfócitos envolvidos
perdem os detalhes microscópicos convincentes para sua classificação como uma população neoplásica. O
tratamento com clorambucila tem mostrado benefícios em alguns gatos (2 mg/gato, administrado em dias
alternados ou a cada 3 dias), combinado com tratamentos previamente descritos para SCHC. Gatos acometidos
podem sobreviver alguns anos com sinais clínicos mínimos. Coloração imunoistoquímica e outros testes
moleculares (pesquisa de clonalidade) podem ser necessários para diferenciar esta forma de SCHC, de linfoma.
Suspeita­se que a doença linfoproliferativa progride para linfoma.
No linfoma de célula pequena disfarçado, como SCHC linfocítica, densos infiltrados portais linfocíticos
penetram nos sinusoides hepáticos. O tratamento com protocolos quimioterápicos para linfoma felino é
recomendado, juntamente com a administração cuidadosa de suporte nutricional, vitamina e antioxidante.
Muitos gatos com linfoma de célula pequena respondem ao clorambucila, como descrito anteriormente, por
alguns anos. Gatos acometidos podem ter envolvimento intestinal concomitante, embora alguns gatos com
nítido linfossarcoma hepático tenham doença intestinal inflamatória e outros com linfossarcoma intestinal
evidente tenham SCHC não supurativa não neoplásica. Suspeita­se que a inflamação crônica progride para uma
doença neoplásica.

DOENÇAS HEPÁTICAS

CIRROSE BILIAR

Cirrose biliar refere­se à fibrose periporta associada a uma marcante remodelação da arquitetura hepática e
hiperplasia biliar subsequente à OEHDB crônica (vários meses) ou colangioepatite crônica (anos). Porém, é
incomum em gatos com colangite/colangiepatite, possivelmente porque os animais morrem antes de
desenvolver essa condição. Os sinais clínicos de cirrose biliar incluem inapetência variável, caquexia, tamanho
hepático variado e ascite. As enzimas hepáticas podem permanecer normais. Hipoalbuminemia,
hiperglobulinemia, hiperbilirrubinemia e coagulopatia são alterações laboratoriais comuns. Nas radiografias, o
fígado está aumentado e parece nodular no exame ultrassonográfico. É necessária biopsia para um diagnóstico
definitivo. Frequentemente, nos casos de defeitos de coagulação necessitam­se transfusão de sangue total e
suplementação de vitamina K1 antes da realização de biopsia. O tratamento é sintomático, requerendo
tratamento de HE, hipoalbuminemia, OEHDB e ascite. O prognóstico geralmente é ruim.

COLANGIOEPATITE CANINA

A colangioepatite é rara em cães e está associada à inflamação supurativa e infecção ascendente do trato biliar
(Salmonella, Campylobacter jejuni, coccidiose). A colangioepatite canina é mais comumente associada à
formação de mucocele biliar, colelitíase e manipulação cirúrgica do trato biliar. Os sinais clínicos incluem
anorexia, vômito, diarreia, letargia, poliúria, polidipsia, febre e dor abdominal.
As alterações laboratoriais são típicas de colestase e incluem hiperbilirrubinemia e aumento de ALP, GGT e
transaminases. Ultrassonografia pode ou não revelar anomalias envolvendo a trato biliar e a vesícula. Em alguns
casos, nota­se ecogenicidade hepática grosseira. Achados ultrassonográficos podem indicar a necessidade de
intervenção cirúrgica emergencial (p. ex., mucocele de vesícula biliar madura, colelitíase associada a OEHDB).
Esfregaços hepáticos ou biliares por aspiração ou impressão podem revelar inflamação séptica supurativa.
Amostras coletadas do fígado, bile e partes do trato biliar devem ser submetidas a culturas aeróbicas e
anaeróbicas e antibiogramas, se há suspeita de inflamação supurativa. O tratamento antibiótico deve se basear
nos resultados da cultura; outros tratamentos devem objetivar a cura das doenças subjacentes.

DESVIOS (SHUNTS) Portossistêmicos Adquiridos

Desvios portossistêmicos adquiridos (DPSA) são causados por hipertensão portal secundária à hepatopatia
crônica, devido ao desenvolvimento de uma arquitetura remodelada difusa e grave; fibrose ou cirrose; atresia
congênita da veia porta intra­hepática; fístula arteriovenosa hepática; lesões veno­oclusivas, trombo venoso
portal ou doença hepática policística em gatos. O conjunto principal de veias portais não apresenta válvulas e
nele normalmente se mantém pressão < 5 mmHg. O fluxo retrógrado de alta pressão na circulação arterial
hepática, na tríade portal, leva à formação de DPSA, uma vez que o sangue segue a via de menor resistência.
DPSA se desenvolve como múltiplos nichos de veias tortuosas que unem a vasculatura portal à veia cava
abdominal.
Os locais mais comuns de DPSA são caudais ao rim esquerdo, na região da vasculatura colorretal e
associados aos vasos do baço. Emaranhados de vasos pequenos e tortuosos podem normalmente serem
identificados durante ultrassonografia Doppler de fluxo colorido. Exploração cirúrgica de desvios ligados não
devem ser realizados em animais com suspeita de AVPS associada a DPS porque a identificação de DVS
confirma a presença de hipertensão portal. Entretanto, biopsias hepáticas devem ser realizadas nesses pacientes,
para determinar as causas primárias.
Os sinais clínicos incluem EH episódica, PU/PD, vômito, diarreia (às vezes sanguinolenta) e efusão
abdominal. Podem­se observar alterações laboratoriais compatíveis com a hepatopatia primária, além dos
marcadores de desvio (microcitose, redução do BUN e creatinina, hipocolesterolemia e cristalúria com biurato
de amônio). Hipoerbilirrubinemia pode ou estar presente, dependendo da causa primária. A ligadura de
múltiplos desvios adquiridos é contraindicada, pois são uma resposta compensatória à hipertensão portal. A
bandagem da veia cava caudal para reduzir a extensão do desvio não é recomendada. O tratamento
medicamentoso para minimizar os sintomas de EH e a restrição de sódio, combinados com diuréticos, são
utilizados para controlar a efusão abdominal. Cães e gatos podem viver vários anos sem intercorrências, com
suporte nutricional e médico apropriado.

DOENÇAS HEPÁTICAS INFECCIOSAS

Doenças Bacterianas

LEPTOSPIROSE: Infecções por Leptospira interrogans, especialmente os sorotipos Icterohemorrhagiae e


Pomona e as infecções crônicas pelo sorotipo Grippotyphosa, estão associadas a doença hepática. Outros
sorotipos também podem acometer o fígado. Nenhuma lesão histológica é patognomônica. Atividades das
enzimas hepáticas marcadamente aumentadas e hiperbilirrubinemia indicam envolvimento hepático. Entretanto,
esses marcadores podem refletir resposta hepática a uma síndrome séptica e não de um órgão específico em cães
agudamente debilitados. Características clínicas e clinicopatológicas do envolvimento hepático podem piorar
inicialmente com o tratamento (febre, enzimas hepáticas, hiperbilirrubinemia). O diagnóstico depende da
demonstração de aumento do título convalescente ou detecção por PCR no sangue ou na urina. A identificação
da bactéria em amostras de fígado coradas é difícil. O tratamento inclui tratamento de suporte e terapia
antimicrobiana específica. As penicilinas são as drogas de escolha para a fase aguda (p. ex., ampicilina [22
mg/kg IV, 4 vezes/dia] ou amoxicilina [22 mg/kg, VO, 2 vezes/dia]). Os aminoglicosídios ou a doxiciclina (5
mg/kg, VO, 2 vezes/dia, durante 4 semanas) são recomendadas para tratar a fase de portador. Recomendam­se
precauções especiais quanto à manipulação de animais suspeitos ou que tenham leptospirose (e suas amostras de
urina), devido ao seu potencial zoonótico (Ver p. 695).
DOENÇA DE TYZZER: A doença de Tyzzer (p. 200) é uma infecção rara, mas fatal, causada por Clostridium
piliformis. A infecção em cães e gatos ocorre mais comumente em hospedeiros imunocomprometidos, tanto
recém­nascidos quanto adultos acometidos por outras condições. Como C. piliforme é um microrganismo
comensal nos intestinos de roedores de laboratórios, a infecção é adquirida por contato ou ingestão de fezes
contendo esporos bacterianos. Os sinais clínicos (letargia, anorexia, desconforto abdominal) são agudos no
início e progridem rapidamente para morte dentro de 24 a 48 h. Um aumento marcante na atividade de ALT
imediatamente precede a morte. Colorações especiais são necessárias para identificar a bactéria no tecido
hepático, que não se multiplica em meios de cultura bacterianos de rotina. Não há tratamento efetivo; uma
vacina foi desenvolvida para pesquisa em animais de colônias.
INFECÇÃO POR MYCOBACTERIUM AVIUM: A infecção hepática com M. avium disseminado foi descrita em gatos
jovens das raças Abyssian e Somali com imunodeficiência inata aparente (causa desconhecida). O curso clínico
da doença inclui doença vaga caracterizada por histórico de perda de peso grave mesmo com polifagia. Um
evidente infiltrado pulmonar intersticial difuso é verificado em gatos com e sem sinais respiratórios.
Hepatomegalia e atividades aumentadas de ALT e AST são notadas. Amostras hepáticas revelam reação
inflamatória granulomatosa. O tratamento, inclusive claritromicina (62,4 mg/gatos, VO) associada tanto com
clofazimina (25 mg/gato, VO, 1 vez/dia, ou 50 mg/gato, VO, em dias alternados) ou rifampicina (75 mg/gato,
VO) e fluoroquinilona ou doxiciclina (50 mg, VO, 1 vez/dia) tem sido efetivo na remissão dos sintomas em
gatos infectados. Recidivas devem ser esperadas devido ao estado imunocomprometido desses pacientes.
INFECÇÕES BACTERIANAS INTRA E EXTRA–HEPÁTICAS E SEPSE: Infecção extra­hepática e sepse podem causar
colestase e hiperbilirrubinemia. Aumento no teor sérico de bilirrubina é moderado a marcante, enquanto os
aumentos nas atividades das enzimas hepáticas podem ser apenas modestos. Este tipo de icterícia foi observado
em cães com leptospirose e gatos com sepse não definida. O tratamento apropriado tem como alvo a condição
séptica primária. Atividades aumentadas das enzimas hepáticas na sepse podem também refletir invasão
bacteriana no fígado ou lesão hepatocelular causada por febre ou hipoxia.
Animais com insuficiência hepática aguda e doença hepatobiliar crônica são predispostos à infecção
bacteriana sistêmica e endotoxemia. Na insuficiência hepática aguda fulminante, sepse pode ser mascarada por
febre, hipoglicemia e leucocitose que podem também ser manifestações clínicas de doenças hepáticas.
Animais com doenças crônicas do trato biliar ou com neoplasia hepática crônica são mais propensos a
desenvolver infecções intra–hepáticas. Qualquer doença associada a estase biliar predispõe à endotoxemia
sistêmica e esplâncnica. Fatores de risco associadas a infecção do trato biliar incluem idade avançada, episódios
recentes de colangite, colecistite aguda, coledocolitíase e icterícia obstrutiva.
Tratamentos que propiciaram redução da suscetibilidade à infecção e à lesão hepática incluem administração
de N­acetilcisteína, a­tocoferol, glutamina, ácidos biliares orais e antibióticos sistêmicos e intestinais. Esses
tratamentos aumentam a perfusão microvascular, reduzem a translocação de bactérias intestinais, aumentam a
imunidade inata e protegem contra lesões oxidativas. Enquanto se espera o resultado da cultura e do
antibiograma (tecido, efusão abdominal, bile), antibióticos contra oportunistas intestinais devem ser
administrados empiricamente, evitando drogas extensivamente metabolizadas no fígado. A combinação de
penicilina resistente a betalactamase com metronidazol (7,5 mg/kg, VO, 2 vezes/dia) e enrofloxacino (2,5 a 5
mg/kg, VO, IM ou IV, 2 vezes/dia) pode ser benéfica durante o tratamento inicial enquanto as causas da
infecção primária permanecerem desconhecidas.

Doenças Causadas por Protozoários

TOXOPLASMOSE: A toxoplasmose (p. 724) pode causar insuficiência hepática aguda associada à necrose
hepática. Toxoplasma gondii comumente é mais observado em gatos positivos aos vírus da imunodeficiência
felina e FeLV. Há relatos de icterícia, efusão abdominal, febre, letargia, vômito e diarreia, além de sinais clínicos
compatíveis com envolvimento do SNC, ocular ou pulmonar. Em cães, a hepatopatia associada à toxoplasmose
geralmente é rara e quando observada é em hospedeiros imunocomprometidos ou em cães jovens. Cães jovens
podem estar infectados concomitantemente com o vírus da cinomose e a doença, de início agudo, é rapidamente
fatal. O diagnóstico pode ser difícil, mas um título de imunoglobulina M (IgM) positivo é indicativo de doença
clínica. Clindamicina (12,5 mg/kg, VO ou IM, 2 vezes/dia, durante 4 semanas) é a droga de escolha. Como a
clindamicina é metabolizada no fígado, a redução de dose pode ser necessária na insuficiência hepática grave.
Clindamicina oral deve ser seguida de um bolus, na água ou no alimento, para prevenir irritação esofágica. O
prognóstico depende do grau de debilidade e estágio da doença no diagnóstico inicial e distúrbios associados
causadores de imunossupressão. Apesar da melhora, os animais devem ser considerados cronicamente
infectados.
LEISHMANIOSE: Leishmaniose canina (p. 834) é uma doença multissistêmica causada por protozoários parasitos
do gênero Leishmania em países mediterrâneos, Portugal, Oriente Médio e algumas partes da África, Índia e
Américas Central e do Sul e, ocasionalmente, em cães dos EUA (especialmente da raça Foxhound). Os sinais
clínicos em cães com leishmaniose incluem anemia não regenerativa, aumento das atividades ALP, ALT e AST,
hipoalbuminemia e concentrações variáveis de bilirrubina. Necrose hepatocelular multifocal, degeneração
vacuolar e infiltração de macrófagos parasitados são comuns. Embora as lesões hepáticas sejam interpretadas
como representantes dos estágios sequenciais da função hepática na leishmaniose visceral durante a doença
crônica, nenhuma correlação foi notada entre características histológicas e raça, sexo, idade, sinais clínicos ou
carga parasitária hepática.
O tratamento raramente é curativo e o prognóstico para pacientes debilitados é ruim. Devido ao potencial
zoonótico da infecção, os proprietários devem ser informados que o protozoário nunca é completamente
erradicado e que recidivas podem requerer tratamentos repetidos. Isto é particularmente importante se o
proprietário apresenta imunossupressão. Na ausência de insuficiência renal devido à infecção, recomenda­se
uma dieta rica em proteínas. O tratamento específico mais comumente recomendado nos EUA é o alopurinol
(7,0 a 20,0 mg/kg VO, 2 a 3 vezes/dia) administrado por 3 a 24 meses ou indefinidamente.

Doenças Virais

As doenças virais associadas à disfunção hepática incluem hepatite infecciosa canina, herpesvírus canino,
injeção parenteral acidental de vacina intranasal de Bordatella bronchiseptica em cães, peritonite infecciosa
felina e infecção sistêmica por calicivírus em gatos. Raramente, parvovírus canino pode induzir lesão hepática
como resultado de sepse sistêmica portal
A hepatite infecciosa canina é causada pelo adenovírus canino tipo 1 (CAV­1). Além de necrose hepática
aguda, hepatite crônica e fibrose hepática podem ocorrer sequelas se anticorpos neutralizantes não são capazes
de eliminar a infecção durante a fase ativa. Ver p. 831 quanto a achados clínicos, diagnóstico, tratamento e
controle.
O herpesvírus canino infecta filhotes recém­nascidos, causando necrose hepática, assim como outras
alterações sistêmicas. Normalmente é fatal em filhotes.
A injeção parenteral acidental de vacina intranasal de B bronchiseptica em cães pode causar reação
inflamatória no local da injeção e degeneração hepatocelular aguda, asséptica e necrose que progride para
hepatite crônica. Não há tratamento conhecido além da terapia sintomática para hepatopatia inflamatória
crônica.
O vírus da peritonite infecciosa felina é um coronavírus que causa inflamação piogranulomatosa difusa e
vasculite. Icterícia, efusão abdominal, vômito, diarreia e febre são sinais clínicos comuns. Ver p. 840 quanto aos
achados clínicos, tratamento e controle.
O calicivírus sistêmico, uma variante surgida recentemente do calicivírus felino, pode induzir taxa de
mortalidade de 33 a 60% em gatos adultos. Identificados principalmente em abrigos ou gatis, este vírus causa
febre alta, anorexia, edema subcutâneo marcante (especialmente em membros e face), icterícia, alopecia e úlcera
ou crostas em narinas, lábios, orelhas e patas. Gatos adultos são mais severamente acometidos. Necrose dos
hepatócitos individuais progredindo para necrose centrolobular ou mais extensa é associada a focos
inflamatórios neutrofílicos e depósitos de fibrina intrasinusoidal.

Infecções Micóticas

As infecções micóticas mais comuns associadas à disfunção hepática são coccidioidomicose (p. 684) e
histoplasmose (p. 689). Em animais gravemente acometidos, os sinais clínicos incluem ascite, icterícia e
hepatomegalia, além de sinais associados a outros sistemas envolvidos. O tratamento antifúngico é variável e
determinado pela gravidade da infecção e resposta clínica individual. Como na forma disseminada de
histoplasmose nota­se comprometimento hepático, recomenda­se quimioterapia agressiva (inclusive a
combinação de itraconazol ou cetoconazol e anfotericina B). Dependendo do grau de debilidade, o prognóstico
é ruim. A coccidioidomicose pode ser tratada, com sucesso, com cetoconazol ou itraconazol, por longo tempo (6
a 12 meses). No entanto, há relatos de recidivas.

DOENÇAS HEPÁTICAS VARIADAS

Amiloidose Hepática

A amiloidose é uma doença familiar de gatos das raças Abyssinian, Siamesa e Oriental de pelos curtos e cães da
raça Shar­Pei. Os cães da raça Shar­Pei têm maior probabilidade de apresentar febre episódica e aumento de
volume de jarrete, com ou sem insuficiência renal, mas o fígado também pode ser afetado pela deposição
amiloide difusa. Os gatos da raça Abyssinian acometidos geralmente apresentam sinais clínicos relacionados
com os rins ou com complicações associadas à amiloidose hepática difusa. Gatos Oriental de pelos curtos e
Siameses geralmente apresentam complicações hepáticas relacionadas com a amiloidose. Outras condições
associadas à amiloidose hepática incluem uma diversidade de infecções crônicas ou exposição a antígenos (p.
ex., coccidioidomicose em cães, hematopoese cíclica em Gray Colly, infusão de insulina suína em cães) e
hipervitaminose A, em gatos.
Embora alguns animais acometidos possam ser assintomáticos por longos intervalos, os sinais clínicos podem
incluir febre, linfadenopatias, vômito, inapetência, perda de peso, PU/PD, icterícia e hepatomegalia.
Apresentação aguda de hemorragia abdominal grave subsequente à ruptura do lobo hepático normalmente
conduz a um diagnóstico em gatos orientais e da raça siamês. A ultrassonografia frequentemente pode
identificar o desenvolvimento de hematoma no local de ruptura do lobo hepático. Aspiração da efusão
abdominal confirma hemorragia ativa. O diagnóstico pode ser feito por citologia de aspiração se fibrilas
amiloides são recuperadas. Do contrário, o diagnóstico é definido pela identificação de depósito amiloide em
amostras obtidas em biopsias hepáticas.
A colchicina e o dimetilsulfóxido têm sido utilizados para retardar a progressão da amiloidose sistêmica em
cão Shar­Pei e gatos, com sucesso limitado. De maneira contraditória, amiloide hepático tem regredido em Shar­
Pei tratados com colchicina (0,03 mg/kg/dia, 1 vez/dia, por muitos outros dias). Como a amiloidose familiar é
uma anormalidade sistêmica progressiva, o prognóstico é ruim. Gatos que sobrevivem à hemorragia hepática
aguda ou grave por uso agressivo de terapia de componentes sanguíneos subsequentemente sucumbem à
amiloidose renal (ver p. 631).

Doença do Armazenamento de Glicogênio

Dentre as quatro doenças de armazenamento de glicogênio descritas nos cães, os tipos I e III afetam diretamente
o fígado, causando hepatomegalia marcante em filhotes. Estas anormalidades são caracterizadas pelo acúmulo
excessivo de glicogênio no fígado e em outros órgãos. O glicogênio acumulado não fica disponível para
conversão em glicose devido à deficiente atividade da enzima glicolítica.
A doença do armazenamento de glicogênio tipo Ia se deve à deficiência de glicose­6–fosfatase, sendo descrita
em cães de raças toy, principalmente maltês. Não há predileção por sexo conhecida e a transmissão é
autossômica recessiva. Sinais clínicos incluem emagrecimento, retardo no crescimento, distensão abdominal
devido à hepatomegalia maciça, depressão e fraqueza associado à hipoglicemia grave. Lesões histológicas
também são observadas no epitélio tubular renal. Esses cães desenvolvem acidose láctica, hipercolesterolemia,
hipertrigliceridemia e hiperuricemia. Filhotes acometidos normalmente morrem ou são submetidos à eutanásia
aos 60 dias de idade. Um teste genético está disponível para a doença tipo I em cães Maltês.
A doença do armazenamento do glicogênio tipo III é causado por deficiência de amilo­1,6­glicosidase, sendo
descrita em cães da raça Pastor Alemão. Não há predileção por sexo conhecida e há suspeita de transmissão
autossômica recessiva. Os sinais clínicos incluem distensão abdominal devido à hepatomegalia e hipoglicemia
discreta. Os estoques de glicogênio são notáveis tanto no fígado quanto no músculo esquelético.
O diagnóstico dessas anormalidades se baseia no alto índice de suspeita em função da raça e da hipoglicemia
sintomática. Radiografia abdominal revela hepatomegalia e a ultrassonografia exibe parênquima hepático
hiperecoico compatível com acúmulo hepático de glicogênio ou lipídios. Diagnóstico diferencial inclui outras
causas de hipoglicemia juvenil (inclusive má nutrição, endoparasitismo, hipoglicemia por jejum transitória em
cães de raças toy e malformação vascular portossistêmica) e outras causas de fraqueza muscular (inclusive
endocrinopatias, distúrbios mediados pelo sistema imune, doenças infecciosas, hipopotassemia e
neuromiopatias). Cuidados assistenciais consistem de suporte com fluidos, dextrose IV nas crises de
hipoglicemia e controle da hipoglicemia com refeições frequentes com dieta rica em carboidratos. O diagnóstico
é confirmado mediante análise enzimática tecidual, confirmação do armazenamento em excesso de glicogênio
no tecido hepático ou teste genético. O prognóstico é ruim. Cães acometidos e seus pais devem ser excluídos
dos programas de reprodução.

DOENÇAS METABÓLICAS QUE ACOMETEM O FÍGADO

Diabetes melito, hiperadrenocorticismo, hipotireoidismo e hipertireoidismo podem causar alterações hepáticas.


Lipidose hepática pode ser secundária ao diabetes melito, devido ao aumento do metabolismo e mobilização
de lipídios. Observam­se hepatomegalia e aumento de atividade das enzimas hepáticas. Os cães com diabetes
melito raramente apresentam disfunção hepática, a menos que desenvolvam VH progressiva grave e síndrome
hepatocutânea (ver a seguir). A maioria desses cães exibe aumento marcante de ALP e menor aumento na
atividade das transaminases. Os gatos diabéticos podem apresentar atividade de ALT e ALP aumentadas, e pode
haver hiperbilirrubinemia no início de lipidose hepática. Os animais diabéticos apresentam maior risco de
desenvolver pancreatite que pode, progressivamente, causar OEHDB (obstrução extra­hepática do ducto biliar)
e colangite, e são mais suscetíveis a infecções bacterianas que envolvem estruturas biliares (colecistite
enfisematosa, colangite).
Gatos com hipertireoidismo geralmente desenvolvem aumento de ALP e ALT e raramente,
hiperbilirrubinemia; a função hepática geralmente está normal. As causas das alterações nas enzimas hepáticas
não são completamente entendidas, mas acredita­se que há envolvimento de efeitos tóxicos do excesso de
tiroxina, dieta inapropriada, disfunção cardíaca, fenômeno de indução e metabolismo ósseo aumentado. As
enzimas hepáticas retornam ao normal após tratamento efetivo; no entanto, o tratamento com metimazol pode
levar à hepatopatia associada ao medicamento, que resulta na descontinuação do tratamento.?
ENCEFALOPATIA HEPÁTICA

Encefalopatia hepática (EH) se desenvolve quando há alguns distúrbios hepáticos associados a desvio
portossistêmico e insuficiência hepática fulminante. Os sinais clínicos são variáveis, porém envolvem
anormalidades sensoriais que variam de embotamento discreto e incapacidade de responder a comandos básicos
até anormalidades visíveis, inclusive círculo propulsivo, pressão da cabeça contra obstáculo imóvel,
perambulação sem rumo, fraqueza, ataxia, amaurose (cegueira inexplicável), ptialismo, demência, alteração de
comportamento (p. ex., agressividade), colapso, convulsão e coma. Embora o mecanismo fisiopatológico da EH
não sejam completamente entendidos, efeitos sinérgicos entre a insuficiência do fígado em detoxicificar amônia
e outras substâncias endógenas, aumento de citocinas inflamatórias cerebrais, comprometimento da perfusão
cerebral, edema cerebral, hipoxia, disfunção mitocondrial, neuroglicopenia e lesão oxidativa são importantes
mecanismos interdependentes. Acredita­se que a maior produção de espécies reativas de oxigênio e nitrogênio
desencadeiam modificações em proteínas e no RNA, que influenciam negativamente a função cerebral. O
conceito integrado de EH explica a variabilidade dos episódios e a heterogeneidade de fatores desencadeantes
relacionados com diversos quadros clínicos.
Amônia desempenha um papel fundamental na ocorrência de EH; acredita­se que ela sensibiliza o cérebro a
inúmeros outros fatores/mediadores desencadeantes. Entretanto, a concentração sanguínea e cerebral de amônia
são diferentes, desqualificando a concentração sanguínea deste composto como uma mensuração simplista de
EH. Em animais saudáveis, grande parte da amônia é removida pelos hepatócitos, convertida em aminoácidos
ou ureia e excretada pelos rins, na urina. Na insuficiência hepática e no desvio portossistêmico, as
concentrações de amônia no sangue aumentam devido ao prejuízo à desintoxicação hepática. Quando na
circulação, a amônia pode também ser excretada pelos rins (secreção tubular) e utilizadas no músculo
esquelético para a síntese de glutamina (desintoxicação temporária de amônia). Este último mecanismo é porque
a manutenção da massa corporal magra (músculo) é essencial em pacientes com insuficiência hepática, que são
suscetíveis à hiperamonemia e EH. Vários quadros clínicos e mecanismos podem aumentar a concentração
sanguínea de amônia e desencadear EH, inclusive desidratação (azotemia pré­renal/renal), alcalemia,
hipopotassemia, hipoglicemia, catabolismo, infecção, PU/PD, anorexia, constipação intestinal, hemólise,
transfusão sanguínea, hemorragia gastrintestinal, alto teor de proteínas na dieta e vários fármacos
(benzodiazepinas, tetraciclinas, anti­histamínicos, metionina, barbitúricos, organofosforados, fenotiazinas,
diuréticos [sobredose], metronidazol e alguns anestésicos).
Amônia pode influenciar vários sistemas de neurotransmissores diretamente (influência química) e
indiretamente (disponibilidade de substratos alterados para transmissores). Há evidências substanciais de que os
astrócitos desempenham função importante na patogênese da EH. Amônia e outros produtos endógenos,
citocinas inflamatórias e hiponatremia (associada à hipertensão portal) induzem edema em astrócitos, que pode
ocasionar herniação e edema cerebral, mais comum na insuficiência hepática aguda e EH aguda grave.
O objetivo do tratamento de encefalopatia hepática aguda é propiciar terapia de suporte e rápida redução das
neurotoxinas produzidas no trato GI. Os animais com encefalopatia grave geralmente apresentam­se comatosos
ou semicomatosos. Benzodiazepinas e outros sedativos não devem ser administrados. Deve–se suspender a
alimentação até que a condição neurológica do animal melhore. Fluidos devem ser administrados (solução de
glicose 2,5% e solução salina 0,45% acrescidos de cloreto de potássio e vitaminas do complexo B) para corrigir
a desidratação e os desequilíbrios ácido­base e eletrolíticos. Deve­se evitar o uso de solução lactato de Ringer
porque insuficiência hepática pode impedir o metabolismo de lactato e provocar acidose láctica. Devem­se
realizar enemas com água morna ensaboada, seguidos de enemas de retenção com lactulose (3 partes de
lactulose ou lactiol para 7 partes de água, na dose de 20 ml/kg), solução de povidona­iodo 10% (20 ml/kg,
enxaguar bem após 15 a 20 min) ou neomicina (22 mg/kg, misturada à água) ou metronidazol diluído (7,5
mg/kg suspensos em água, na dose de 10 a 20 ml/kg), a cada 8 h, até que o animal responda neurologicamente.
Enemas de retenção devem ser mantidos por 15 a 20 min, pelo uso de um cateter de Foley. A administração
(oral ou retal) de Lactobacillus e Bifidobacillus vivos (próbioticos ou culturas vivas na forma de iogurte)
também pode auxiliar na eliminação de micro­organismos produtores de amônia. Metronidazol, neomicina e
solução povidona–iodo podem alterar a flora bacteriana do cólon, diminuindo a população de organismos
produtores de amônia. Porém, deve se ter cautela com o uso de neomicina na presença de doença intestinal
inflamatória concomitante, uma vez que a maior absorção sistêmica pode elevar o risco de nefrotoxicidade e
ototoxicidade (coclear). A dose de metronidazol deve se restringir a = 7,5 mg/kg, a cada 8 h (combinando
administrações oral e retal); doses maiores conferem risco de neurotoxicidade iatrogênica (inicialmente com
sinais vestibulares).
Quando o animal está estabilizado, o objetivo do tratamento é evitar recidivas. Devem–se oferecer dietas
restritas em proteínas (ver p. 440). Iogurtes probióticos e lactulose oral (0,1 a 0,5 ml/kg VO, 2 a 3 vezes/dia,
dose inicial) podem ser utilizados, com dose inicial ajustada para propiciar, diariamente, fezes moles do tipo
pudim. Refeições com leite podem ter efeitos similares em alguns animais. O objetivo da administração de
carboidratos não digeríveis é promover fermentação no intestino. Organismos probióticos concentrados podem
prevenir o crescimento e replicação de outras bactérias pela competição por substratos e inibição do crescimento
associado ao pH (ácido) ou limpeza mecânica (catarse) induzida por produtos de fermentação. Esses efeitos
diminuem a absorção de amônia, substratos inflamatórios e oxidativos, lipopolissacarídios e outros produtos
tóxicos intestinais que contribuem para a ocorrência de EH.
Na EH recalcitrante, recomenda­se terapia antimicrobiana, preferencialmente o metronidazol (7,5 mg/kg, VO,
2 vezes/dia) ou amoxicilina (13 a 15 mg/kg, VO, 2 vezes/dia), em vez de neomicina. A terapia antimicrobiana
atua sinergicamente com carboidratos não digeríveis para reduzir as toxinas intestinais.
Os sinais clínicos da EH podem ser exacerbados por hemorragia gastrintestinal, infecção, uso de
glicocorticoides (maior catabolismo de proteínas teciduais), hipoglicemia, neoplasia, febre, azotemia ou
desidratação (o aumento de BUN eleva a produção intestinal de amônia), constipação intestinal (maior produção
e absorção de toxinas no cólon), alcalose metabólica (favorecendo tanto a produção de amônia pelo rins quanto
sua absorção na barreira hematencefálica) e uso de diazepam e barbitúricos (neuroinibidores sinérgicos). O uso
de antagonistas de receptores H2 e sucralfato, o controle de febre e infecção, hidratação adequada e uso mínimo
(se algum) de anticonvulsivantes podem auxiliar no alívio das complicações da EH.

HEPATITE CRÔNICA CANINA

A hepatite crônica que não envolve as estruturas biliares é mais comum em cães do que em gatos. Várias raças
são predispostas, inclusive Bedlington Terrier, Labrador Retriever, Cocker Spaniel, Doberman, Skye Terrier,
Poodle Standard e West Highland White Terrier. Embora se conheça a etiologia de algumas categorias de
hepatite crônica, na maioria dos casos a causa é desconhecida. São comuns acúmulo de cobre e de ferro nas
células de Kupffer, em cães com hepatite crônica. A quantidade de metal acumulado e sua localização acinar
podem auxiliar a determinar se representam causas da doença ou são secundárias à lesão hepática.
Outras afecções associadas incluem hepatite infecciosa canina, hepatite crônica secundária a enfermidades
infecciosas e exposição crônica a xenobióticos (inclusive algumas drogas, toxinas biológicas e químicas).
Prefere­se uma terminologia que reflita a etiologia específica ou predileção racial, tal como hepatite crônica
induzida por drogas, hepatite infecciosa crônica, hepatite crônica associada a cobre em cães da raça Bedlington
Terrier etc. Utiliza­se o termo hepatite idiopática crônica quando a etiologia não é identificada.
As alterações histopatológicas são semelhantes em todos os casos de hepatite crônica, independente da causa
primária, e incluem inflamação linfocítica­plasmocitária, com infiltrados excedendo o parênquima hepático,
necrose em partes, e em muitos casos, necrose em ponte; nos casos avançados, notam–se fibrose e regeneração
nodular.

Hepatite Crônica Específica de Raça

LABRADOR RETRIEVER: Esta raça popular é predisposta à hepatite crônica. Características clínicas ao
diagnóstico (em ordem de maior frequência) incluem icterícia, inapetência, vômito, letargia e perda de peso,
com alguns cães mostrando desconforto abdominal, PU/PD ou ausência de sinais relevantes de hepatite.
Características laboratoriais comuns incluem volume globular (VG) normal, leucocitose, aumento de ALT (10
vezes) e ALP (5 vezes), nenhum ou modesto aumento de AST e GGT, bilirrubina aumentada, TTPA prolongado
e glicosúria transitória. Imagens ultrassonográficas normalmente revelam nódulos parenquimais hipo e
hiperecoicos, diminuição do tamanho do fígado subjetiva e, menos frequentemente, bordas hepáticas irregulares
e ascite. Em alguns cães, observa­se retenção hepatocelular difusa de cobre associada à inflamação grave difusa.
O tratamento é baseado na interpretação dos resultados verificados em amostras obtidas por biopsia hepática
(colorações de rotina e específicas para cobre) e quantificação tecidual da concentração de cobre. Quelação de
cobre e restrição da ingestão desse metal (alimento e água) propicia a remissão completa dos sinais clínicos em
cães que não apresentam uma reação inflamatória não supurativa evidente, mas que apresentam alta
concentração hepática de cobre (> 800 μg/g peso seco do tecido). A resposta ao tratamento é rápida e dramática,
se a doença é diagnosticada precocemente, porém a hepatopatia associada ao cobre requer manutenção por toda
a vida (p. 465). Animais da raça Labrador Retriever que apresentam hepatite crônica imunomediada não
supurativa e não associada a acúmulo de cobre são tratados por toda a vida como acontece na hepatite crônica
idiopática (ver texto anterior). A resposta ao tratamento pode ser evidente, sendo especialmente efetiva quando
o diagnóstico é precoce.
DOBERMANN PINSCHER: A hepatite crônica e cirrose dos cães da raça Dobermann Pinscher é uma doença
idiopática. A doença afeta, principalmente, fêmeas de meia­idade. A retenção de cobre parece ter alguma função
em alguns cães e pode ser resultado de diminuição na excreção biliar secundária a colestase induzida por doença
e não a um distúrbio primário. Hepatite imunomediada e não supurativa também foi caracterizada.
Em cães com doença avançada, os sinais clínicos incluem doença cíclica envolvendo anorexia, perda de peso,
vômito, diarreia, icterícia, poliúria e polidipsia, coagulopatias (melena, epistaxe), esplenomegalia, micro­
hepática, ascite e encefalopatia hepática. As alterações laboratoriais incluem anemia não regenerativa,
leucocitose, trombocitopenia, aumento das atividades de ALP e ALT, hiperbilirrubinemia, hipoalbuminemia,
TTPA prolongado e efusão abdominal transudativa pura ou modificada. Ultrassonografia pode indicar lesões
nodulares no fígado.
A biopsia hepática é necessária para o diagnóstico definitivo; alguns cães apresentam apenas uma aparente
hepatite não supurativa imunomediada, enquanto outros apresentam retenção patológica de cobre com lesão
hepática associada.
O tratamento de cães com hepatite não supurativa imunomediada inclui imunomodulação com prednisona (1
a 2 mg/kg/dia, por várias semanas, gradativamente ajustada para 0,5 mg/kg/dia, se possível em dias alternados)
e antioxidantes, com ou sem azatioprina. Em cães com fibrose em desenvolvimento, o uso de fosfatidilcolina
polinsaturada é também recomendado (25 a 50 mg/kg VO, com alimento). O suporte nutricional depende da
presença de encefalopatia hepática e da necessidade de restrição de cobre. O prognóstico geralmente é ruim para
cães diagnosticados com hepatite não supurativa avançada. Cães diagnosticados precocemente podem alcançar
remissão por vários anos. O prognóstico para cães com hepatopatia aparente associada ao cobre pode ser bom,
se a doença é diagnosticada precocemente.
COCKER SPANIEL: A hepatite crônica em cães da raça Cocker Spaniel está associada à hepatopatia degenerativa
vacuolar relacionada com uma inflamação de interface não supurativa. A doença avançada está associada à
hiperplasia biliar marcante e fibrose. Achados clínicos comuns incluem início abrupto de anorexia, perda de
peso, letargia, vômito, diarreia variável (com ou sem melena), icterícia, PU/PD e encefalopatia hepática. As
alterações laboratoriais mais comuns são anemia discreta, leucocitose; atividade aumentada de ALT, AST e FA;
coagulopatia; redução do BUN e, em alguns cães, hiperbilirrubinemia. Cães sem icterícia apresentam alta
concentração de ABTS. A efusão abdominal é um transudato puro ou modificado. Macroscopicamente, o fígado
se apresenta pequeno e firme, com vários nódulos regenerativos, grandes e pequenos. Cirrose micro e
macronodular e hepatite periporta crônica foram identificadas. Alguns cães apresentam teor de cobre moderado
ou alto (nas colorações específicas para cobre), o que acredita­se representar retenção de cobre secundária à
colestase e lesão hepatocelular. Coloração imunoistoquímica positiva para a1­antitripsina, com hepatócitos
vacualizados, é achado comum. Não está claro se um defeito genético específico é a base desta hepatopatia.
O tratamento inclui medidas de suporte e terapia sintomática, e utiliza­se um protocolo balanceado como
descrito para a hepatite crônica. Imunomodulação precoce com glicocorticoides (antes de diagnóstico de doença
hepática, os glicocorticoides era prescritos para distúrbios de pele e auditivos) tem, aparentemente, prolongado a
sobrevida de animais infectados. Entretanto, em cães com hipoalbuminemia ou ascite, os glicocorticoides são
poucos tolerados e podem causar melena, ascite, encefalopatia hepática etc. Se o tratamento com
glicocorticoides seja uma tentativa, deve­se utilizar dexametasona em vez de prednisona para evitar os efeitos
mineralocorticoides. Recomenda­se também o uso de ácido desoxicólico, vitamina E, SAMe, fosfatidilcolina
polinsaturada e suporte nutricional ajustado individualmente. Urestotomia permanente pode ser necessária em
cães, machos, que desenvolvem cálculo de biurato de amônio. O sucesso do tratamento em cães gravemente
acometidos tem sido possível por vários anos. A necessidade de tratamento para retenção de cobre é baseada nas
colorações específicas e quantificação deste mineral.
SKYE TERRIER: Três relatos de hepatite em cães Skye Terrier, um caracterizando a doença em nove cães
relacionados, não mencionaram predileção por idade ou sexo e os sinais clínicos variaram de assintomáticos até
insuficiência hepática em estágio final, por ocasião do diagnóstico. Foram descritos três diferentes estágios de
doença hepática: inflamação discreta sem evidência de cirrose ou acúmulo de cobre até cirrose macronodular
avançada, colestase e acúmulo marcante de cobre.

Hepatite Crônica Idiopática

A hepatite crônica idiopática é definida como uma hepatopatia necroinflamatória crônica, autoperpetuante
associada a infiltrado inflamatório não supurativo. Para se qualificar como idiopática, uma causa primária deve
ter sido arduamente buscada, porém não ainda definida. A hepatite autoimune se inclui nesta classificação.
Deve­se investigar anticorpo antinuclear, título ou antígeno para doenças infecciosas endêmicas, exposição a
drogas ou toxinas e histórico familiar, alimentar e ambiental. A maioria dos animais acometidos tem meia­idade
ou mais velhos. Não há predileção por raça ou sexo.
Os sinais clínicos incluem extremos variáveis de anorexia, letargia, vômitos, diarreia, perda de peso, icterícia,
poliúria e polidipsia e, em casos graves ou de doença avançada, ascite, coagulopatias e HE. As anormalidades
laboratoriais mais precoces são aumento persistente ou cíclico de ALT, AST, ALP e GGT. Com o avanço da
doença, concentrações aumentadas de ABTS são seguidas de hiperbilirrubinemia. Outros achados podem incluir
anemia não regenerativa, leucocitose e hiperglobulinemia. Nos estágios mais tardios da doença, a hipertensão
portal causa desvio portossistêmico e marcadores laboratoriais associados à microcitose eritrocitária,
hipocolesterolemia, hipoalbuminemia, prolongamento de TTPA e/ou TP e cristalúria com biurato de amônio.
Neste estágio, os sinais evidentes de HE podem ser reconhecidos. Nos estágios iniciais, o tamanho do fígado
está normal e pode não haver lesões ultrassonográficas demonstráveis. No estágio final da doença, radiografias
podem mostrar um fígado reduzido com lesões nodulares detectadas ao exame ultrassonográfico.
O diagnóstico definitivo é estabelecido por biopsia hepática, com colorações histológicas para detalhar
infiltrados inflamatórios, fibrose e remodelamento e acúmulo de ferro e cobre. Aumentos inexplicáveis,
persistentes e prolongados, nas enzimas hepáticas normalmente indicam necessidade de biopsia do fígado. As
amostras obtidas por biopsia devem ser enviadas para cultura aeróbica e anaeróbica e quantificação de ferro,
zinco e cobre. A coloração para cobre deve ser confrontada com os teores quantitativos do metal. A biopsia do
fígado deve ser ampla o suficiente para obter pelo menos 15 tríades portais contíguas e deve ser coletada de
vários lóbulos hepáticos. Amostras coletadas apenas de “massas lesionadas” podem induzir a diagnóstico
errado.
Tratamento de suporte (nutricional e suplementação vitamínica) e uso de terapia específica para reduzir a
inflamação e fibroplasia e restabelecer o estado antioxidante são recomendados. Antibióticos são inicialmente
prescritos empiricamente até que os resultados das culturas histológicas e teciduais estejam disponíveis e são
continuados com base nos resultados da cultura. O tratamento adicional inclui ácido ursodesoxicólico (15 a 20
mg/kg, VO, 2 vezes/dia, administrado com alimentos), fosfatidilcolina polinsaturada como antifibrótico (25 a 50
mg/kg, VO, com alimentos), vitamina E (10 UI/kg, 1 vez/dia, com alimento) e SAMe (20 a 40 mg/kg, VO, em
jejum).
O uso de drogas imunossupressoras é indicado apenas depois de considerações cuidadosas sobre as causas
infecciosas ou tóxicas, quando o processo ativo da doença é caracterizado pela biopsia hepática. Prednisolona
ou prednisona é normalmente iniciada na dose de 1 a 4 mg/kg, por 7 a 10 dias, seguidas de ajuste para
diminuição, para manutenção, na dose de 0,5 a 1 mg/kg, 1 vez/dia ou em dias alternados, dependendo da
resposta do paciente. Uma droga imunomoduladora adicional é também administrada para reduzir a dose de
glicocorticoides e os efeitos adversos de cada fármaco e para alcançar os efeitos imunossupressores
multimodais. Reações adversas dos glicocorticoides na doença hepatobiliar crônica incluem retenção de sódio e
água (que pode exacerbar ou promover ascite), efeitos catabólicos (que podem causar EH), úlcera gastrintestinal
e sangramento intestinal (que podem precipitar EH), pancreatite, predisposição a infecções secundárias,
intolerância à glicose e hiperadrenocorticismo e HV iatrogênicos.
Azatioprima é mais comumente utilizada na dose de 1 ou 2 mg/kg, 1 vez/dia, por 3 a 5 dias e, em seguida, em
dias alternados. Efeitos benéficos não são observados antes de 8 semanas. Como a azatioprima a pode causar
supressão da medula óssea e toxicidade gastroentérica, avaliações frequentes como acompanhamentos são
imperativas. Se a azatioprima causa supressão aguda da medula óssea, o tratamento deve ser suspenso e
reiniciado após a recuperação, com redução da dose em 25 a 50%. Se a toxicidade à medula óssea é identificada
apenas após a administração crônica, a azatioprima deve ser suspensa permanentemente. Pancreatite e
hepatotoxicidade idiopática são efeitos adversos raros que requerem suspensão do tratamento. Mofetila
micoefenolato pode ser utilizado em cães que não toleram a azatioprima. A dose recomendada é 10 a 20 mg/kg,
VO, 2 vezes/dia, por 7 a 10 dias, seguida de 1 vez/dia e, então, faz­se ajuste da dose com base na resposta do
paciente. A suspensão da terapia imunossupressora não é recomendada em cães com hepatite crônica.
Uma remissão completa é difícil de ser avaliada clinicamente e pode exigir biopsia de acompanhamento. O
prognóstico é muito variado. Alguns cães vivem = 5 anos após o diagnóstico inicial. Cães com ascite necessitam
de uma dieta restrita em sódio e tratamento com furosemida e espironolactona (ver p. 470). Cães com EH
requerem modificação da dieta proteica e podem se beneficiar do uso de lactulose e administração de baixas
doses de metronidazol.
Se hepatite imunomediada é considerada o diagnóstico definitivo, considerações cuidadosas devem ser feitas
antes da administração rotineira de vacinas. A estimulação imune inespecífica pode influenciar negativamente a
hepatite e causar episódios da doença.

Hepatopatia Associada ao Cobre

A hepatopatia associada ao cobre é melhor caracterizada em animais da raça Belington Terrier. A doença é
causada por uma mutação autossômica recessiva; programas de acasalamento cuidadoso orientado por biopsia
hepática e teste genético têm diminuído muito a sua ocorrência. A falha em excretar o cobre através do sistema
biliar pode causar, inicialmente, lesões mínimas, mas pode progredir para hepatite crônica ou cirrose. O
aumento de cobre acumulado é detectado, pela primeira vez, em cães jovens com cerca de 1 ano de idade
(normal: < 400 μg/g de fígado seco ou 400 ppm). Em cães acometidos, os teores de cobre aumentam
progressivamente até cerca de 6 anos de idade, com teores hepáticos de cobre alcançando até 12.000 μg/g. As
lesões hepáticas geralmente são observadas quando o teor de cobre é > 2.000 ppm.
Há três manifestações clínicas distintas. A primeira é uma necrose hepática aguda, observada em cães da raça
Bedlington Terrier < 6 anos de idade, com hepatomegalia, vômito, depressão, anorexia, icterícia, anemia
hemolítica associada a cobre e hemoglobinúria. A anemia hemolítica associada ao cobre ocorre na necrose
hepática maciça (com rápida liberação de cobre na circulação sistêmica). O animal pode morrer 48 a 72 h após o
início dos sinais clínicos. Se o cão sobrevive, podem ocorrer episódios recidivantes, que podem ser induzidos
por situações estressantes (p. ex., parto). A segunda manifestação clínica é uma hepatite crônica. Os sinais
clínicos incluem perda de peso crônica, encefalopatia hepática, ascite e icterícia. A terceira manifestação é
observada em cães jovens clinicamente saudáveis, que apresentam elevação das enzimas hepáticas (ALT) e dos
teores hepáticos de cobre, em amostras obtidas por biopsia hepática. A afecção pode progredir para necrose
hepática aguda ou hepatite crônica, ou o cão pode permanecer assintomático.
Testes genéticos são recomendados para a seleção de reprodutores da raça Bedlington Terrier. Entretanto, o
diagnóstico definitivo de hepatopatia por acúmulo de cobre requer biopsia hepática em cães adultos, com
coloração qualitativa para cobre, associada a mensurações quantitativas do metal. Raramente, alguns cães
Bedlington Terrier com hepatopatia aparente causada por acúmulo de cobre apresentam uma mutação genética
especial não detectada nos testes genéticos atuais.
Outros cães de raça pura também são ocasionalmente diagnosticados com hepatopatia aparente primária
causada por cobre (especialmente Labrador Retriever, Dobermann, Pinscher, Dálmata), possivelmente associada
à suplementação de cobre na dieta. Uma causa genética não foi identificada nessas raças.
O tratamento de doença hepática causada por acúmulo de cobre requer terapia de quelação e ingestão de
alimentos e água com teor limitado de cobre. O cobre da dieta deve ser reduzido a 0,1 mg de cobre/100 kcal da
dieta; a água não deve conter mais que 0,1 ppm (0,1 μg de cobre/l). Evite água de torneira que passa por cano de
cobre, a qual pode conter maior quantidade de cobre, no primeiro fluxo de cada dia.
A administração de antioxidantes é importante porque o cobre induz lesões hepáticas por meio de danos
oxidativos. A terapia de quelação com D­penicilamina (15 mg/kg, VO, 2 vezes/dia, administrada 30 min antes
das refeições, por = 6 meses) é o padrão­ouro de tratamento. Depois disso, pode­se instituir terapia prolongada,
reduzindo a dose de D­penicilamina pela metade ou administrando­a na dose padrão, em dias alternados. A
administração concomitante de piridoxina (25 mg/dia) é aconselhável porque a D­penicilinamina tem efeitos
antipiridoxina (vitamina B6). Se a D­penicilamina não é tolerada, pode­se utilizar trientina (5 a 7 mg/kg, VO, 2
vezes/dia, 30 min antes das refeições), porém deve­se ter cautela porque a trientina induz insuficiência renal
aguda em cães com hepatopatia grave causada por acúmulo de cobre.
Uma abordagem alternativa para o tratamento da hepatopatia causada por acúmulo de cobre é utilizar
diariamente suplementação oral com acetato ou sulfato de zinco para inibir a absorção de cobre no trato
gastrintestinal. A justificativa deste tratamento é aumentar as opções alimentares. A zincoterapia não deve ser
realizada junto com a terapia de quelação, uma vez que pode haver comprometimento da eficácia dos
tratamentos. Informações sobre a eficácia da terapia prologada de suplementação de zinco em cães gravemente
acometidos são ainda limitadas. O zinco, administrado por via oral, pode não ser muito bem tolerado,
provocando vômito, náuseas e inapetência. Se a zincoterapia é a mais adequada para o tratamento prolongado
em um cão específico, uma dose de ataque com zinco elementar de 5 a 10 mg/kg/dia é administrada em duas
doses, 30 min antes das refeições. Concentrações plasmáticas de zinco são monitoradas para garantir que o
zinco circulante não está próximo de valores tóxicos (> 800 ppm). Após vários meses, as doses podem ser
reduzidas para 2 a 3 mg/kg/dia, 2 vezes/dia.
Vitamina E (10 UI/kg/dia, VO) e SAMe biologicamente disponível (20 mg/kg/dia, VO, em jejum) são
antioxidantes recomendados que também apresentam efeitos anti–inflamatórios. A vitamina C é contraindicada
em casos de hepatopatias por acúmulo de cobre porque pode favorecer os efeitos nocivos dos metais de
transição.
Após a terapia de quelação, é essencial que o fornecimento de cobre tanto nos alimentos quanto na água seja
limitada, por toda a vida do animal. O fornecimento de uma dieta e de fonte de água com restrição de cobre
pode evitar a necessidade de terapia de quelação ou com zinco, contínua. Várias rações disponíveis no mercado
formuladas para cães com insuficiência hepática comparativamente apresentam restrição de cobre. Fórmulas
com baixo teor de proteínas podem ser suplementadas como fontes proteicas com baixo conteúdo de cobre para
aumentar o consumo proteico. O uso dessas rações como base das refeições preparadas em casa é preferível ao
uso de formulações não prescritas que contêm alto teor de cobre.
HEPATOPATIA ASSOCIADA AO COBRE EM CÃES DA RAÇA DÁLMATA: Doença hepática grave por acúmulo de
cobre foi observada em pequeno número de cães Dálmata. Os animais acometidos apresentavam 2 a 10 anos de
idade e, tipicamente, a doença era aguda. Os sinais clínicos variavam de ausência de sintoma até icterícia, ascite,
HE e sinais gastrintestinais, inclusive inapetência progressiva e vômito (várias semanas). As características de
diagnóstico incluíam leucocitose variável, maior aumento de ALT e AST em relação a ALP, hiperbilirrubinemia
e hipoalbuminemia e concentrações normais de glicose e colesterol. Glicosúria renal foi observada em alguns
cães, compatível com lesão tubular renal (síndrome de Fanconi transitória). Biopsia hepática revelou inflamação
linfoplasmática neutrofílica mista e, em alguns casos, remodelamento tecidual extenso e necrose. As lesões
teciduais estavam associadas à retenção difusa de cobre. A gravidade da lesão hepática e o estado avançado da
insuficiência hepática limitaram as opções de tratamento e a sobrevivência.
HEPATITE CRÔNICA COM OU SEM COBRE EM CÃES DA RAÇA WEST HIGHLAND WHITE TERRIER: Embora os cães
da raça West Highland White Terrier mostram acúmulo excessivo de cobre, nem todos os animais com alto teor
hepático de cobre desenvolvem hepatite. Alguns cães com concentração de cobre no fígado muito aumentada
morrem de velhice, sem qualquer lesão hepática necroinflamatória. Embora os cães da raça West Highland
White Terrier com hepatite crônica geralmente apresentam alta concentração de cobre tecidual, há diferenças em
cães da raça Bedlington Terrier com hepatopatia causada por acúmulo de cobre: (1) o modo de herança ainda
não foi determinado; (2) observa­se acúmulo máximo de cobre aos 6 meses de idade e posteriormente pode
diminuir; (3) a concentração hepática total de cobre é menor do que em cães da raça Bedlington Terrier; (4) não
se observou anemia hemolítica.
No início da doença, ocorre hepatite focal e os cães geralmente permanecem assintomáticos. Hepatite crônica
está associada à anorexia, náuseas, vômito, diarreia e, mais tardiamente, ascite. O aumento das enzimas
hepáticas ocorre primeiro com a doença focal, seguido de aumento da concentração de ABTS e
hiperbilirrubinemia. As alterações histopatológicas incluem hepatite necroinflamatória, necrose e cirrose
multifocal. A terapia objetiva o controle do cobre, principalmente quando se nota uma associação entre
inflamação e acúmulo de cobre (ver p. 462, para recomendações de tratamento).

HEPATITE DISSECANTE LOBULAR

A hepatite dissecante lobular é uma hepatopatia rara associada a infiltrados inflamatórios não supurativos
intrassinusoidais, descrita principalmente em cães da raça Poodle padrão adolescentes a jovens adultos. Perda de
peso e ascite, com ou sem icterícia, são os sinais clínicos mais comuns. As alterações laboratoriais incluem
hipoalbuminemia, hipocolesterolemia e aumento de ácidos biliares séricos em animais não ictéricos. As enzimas
hepáticas podem estar normais ou discretamente aumentadas. Desvios portossistêmicos múltiplos podem se
desenvolver secundariamente à insuficiência hepática avançada e hipertensão portal. A doença pode progredir
para cirrose. Os teores de cobre não estão consistentemente elevados. Recomenda­se tratamento de suporte para
encefalopatia hepática e ascite e controle de fibroplasia e inflamação, como mencionado. Colchicina (0,03
mg/kg, VO, 1 vez/dia ou em dias alternados) foi utilizada para o controle da fibrose em alguns cães.
Alternativamente, fosfatidilcolina polinsaturada (25 a 50 mg/kg/dia) pode ser utilizada como antifibrótico.

HEPATOPATIA VACUOLAR CANINA

Hepatopatia vacuolar (HV) é comumente diagnosticada em cães. É descrita como um distúrbio no qual os
hepatócitos se tornam muito distendidos por glicogênio, com ou sem inclusões discretas de lipídios associados à
membrana. HV, caracterizada pelo acúmulo de glicogênio no citosol, está associada a hipoadrenocorticismo
típico ou atípico ou liberação de corticosteroides endógenos em resposta a estresse, doença, inflamação ou
neoplasia. Biopsia hepática é normalmente realizada nesses pacientes devido ao aumento inexplicável da
atividade sérica de fosfatase alcalina. As atividades das transaminases podem estar apenas modestamente
aumentadas; GGT pode estar ou não aumentada. É comum observar hematopoese extramedular intra­hepática.
Radiografia abdominal pode revelar hepatomegalia ou alterações associadas à doença primária. Metástases ou
vias respiratórias mineralizadas (hiperadrenocorticismo crônico) podem ser vistas na radiografia torácica.
Ultrassonografia revela hepatomegalia subjetiva e nódulos hepáticos hipoecoicos contra um fundo parenquimal
hiperecoico; o então denominado “padrão de queijo suíço” não pode ser diferenciado de massas infiltrativas,
fibrose hepática, hiperplasia nodular, nódulos regenerativos ou cirrose. Em alguns casos, nódulos hepáticos
macroscopicamente evidentes não podem ser identificados por ultrassonografia. HV normalmente é a lesão
hepática primária em cães com hiperplasia nodular idiopática e também é comum em cães com adenoma
hepático ou mucocele biliar. HV progressiva se consolida em síndrome hepática clássica associada à lesão
hepatocutânea (ver a seguir). A biopsia hepática é necessária para o diagnóstico definitivo porque hepatócitos
com vacúolos de glicogênio são também observados em hepatopatias necroinflamatórias.
O diagnóstico e o tratamento de qualquer doença primária em curso são fundamentais. O exame detalhado e
cuidadoso de reações adversas a fármacos é necessário, enfocando–se aqueles fármacos associados a
“fenômenos de indução”. Esses devem ser suspensos e substituídos por tratamentos alternativos. Os clínicos
devem investigar qualquer uso de medicamentos holísticos ou fitoterápicos que podem favorecer os efeitos
sistêmicos de glicocorticoides ou ACTH.
O suporte nutricional é importante e deve ser individualizado. Na maioria dos casos, ingestão normal de
nitrogênio é apropriada. HV em cães com hiperlipidemia requer tratamento com uma dieta pobre em gorduras
(< 2 g de gordura/100 kcal de dieta). Uma dieta restrita em proteínas não deve ser administrada, exceto quando
indicada (p. ex., constatação de encefalopatia hepática). Na verdade, a restrição proteica pode agravar esta lesão
hepática, especialmente se está associada a hipoaminoacidemia, como na síndrome hepatocutânea. Recomenda­
se suplementação de vitaminas hidrossolúveis a todos os cães. Antioxidantes também devem ser fornecidos;
ácido ursodeoxicólico é recomendado quando há aumento da concentração de ABTS.
HEPATOTOXINAS

Embora várias drogas sejam associadas à disfunção hepática, sua influência nas doenças do fígado varia
dependendo da fisiopatologia da lesão hepática e do distúrbio circulatório ou metabólico da zona acinar.
Primidona, fenitoína e fenobarbital podem causar insuficiência hepática fulminante, hepatopatia colestática
crônica ou VH degenerativa, progressiva e difusa, levando à necrose metabólica epidérmica (também conhecida
como eritema migratório necrolítico ou efeito fenobarbital). VH (hepatopatia esteroide) normalmente é uma
alteração benigna e reversível associada à terapia glicocorticoide de longa duração com altas doses. Entretanto,
administração prolongada de glicocorticoides em doses excessivas podem causar VH degenerativa, difusa e
grave, ocasionando icterícia em cães e lipidose hepática (LH) em gatos. Aumento de fosfatase alcalina (ALP) e,
em menor grau, de alanina aminotransferase (ALT) são observados dentro de 2 dias após a administração de
glicocorticoides em cães, mas não em gatos.
Lomustina, um quimioterápico utilizado em cães, causa hepatite idiossincrática progressiva e imprevisível,
culminando em cirrose.
Danazol, um andrógeno, pode causar icterícia idiossincrática reversível em cães.
Anabolizantes andrógenos podem causar LH em gatos inapetentes ou em gatos que recebem dieta com
restrição de proteína.
Tiacetarsamida, previamente utilizada no tratamento de dirofilariose, causa hepatotoxicidade devido seu
conteúdo de arsênico.
Toxicidade está associada a aumento da atividade de ALT e, em alguns cães, icterícia. Enzimas hepáticas
elevadas foram utilizadas como indicadores de suspensão de tratamento, após a cura da lesão hepática. Relata­se
que a hepatotoxicidade idiossincrática associada ao mebendazol em cães causa necrose hepática aguda e fatal ou
hepatite crônica. Administração crônica de oxibendazoldietilcarbamazina em cães causou aumento na atividade
de ALT e ALP, hiperbilirrubinemia, hepatite periporta e fibrose. As lesões progressivas e os sinais clínicos se
resolvem com a suspensão dos medicamentos.
Muitos anti­inflamatórios não esteroides (AINE) são tóxicos às mitocondriais e algumas estão associados à
toxicidade hepatocelular idiossincrática aguda. Em particular, relata­se que o carprofeno causou necrose
hepática idiossincrática em alguns cães, especialmente da raça Labrador Retriever. Cães podem se recuperar
completamente se a toxicidade é detectada precocemente e a administração da droga suspensa. Em cães, a
combinação trimetoprima­sulfadiazina também pode causar hepatotoxicidade idiossincrática, que pode envolver
componentes imunomediados. Hepatopatia colestática reversível ou necrose maciça fatal aguda/subaguda foi
observada, às vezes, após alguns tratamentos nas doses recomendadas. Halotano e metoxiflurano também
podem estar associados a reações de sensibilização que levam à necrose hepática em cães. Xilitol também pode
ser uma hepatotoxina intrínseca em cães; a ingestão de pequena dose ocasiona hipoglicemia não tratável e
insuficiência hepática letal. A intoxicação pode levar a óbito, antes mesmo do aumento das atividades das
enzimas hepáticas.
Tetraciclinas raramente induzem necrose idiossincrática em cães e gatos e aumentam o acúmulo lipídico
hepatocelular. Itraconazol e cetoconazol em cães e gatos podem causar hepatopatia idiossincrática associada à
atividade elevada das enzimas hepáticas e icterícia. Sinais clínicos se resolvem quando os fármacos são
descontinuados.
Paracetamol causa, previsivelmente, necrose hepática centrolobular em cães que recebem doses > 200 mg/kg.
Metemoglobinemia é também notada. A intoxicação em gatos é aguda, em dose muito baixa (56 mg/kg), com
sinais hematológicos predominantes (p. ex., metemoglobinemia e hemólise por corpúsculos de Heinz) (ver p.
3042).
A hepatotoxicidade por metimazol em gatos parece ser idiossincrática, porém pode envolver também
mecanismos imunológicos; pode causar necrose e degeneração hepatocelular. Características clínicas incluem
inapetência, icterícia e atividade aumentada das enzimas hepáticas (ALT, AST), que é reversível após suspensão
da droga.
Em gatos, hiperbilirrubinemia e aumento de ALT associados a griseofulvina também parecem
idiossincráticos. Os sinais clínicos e as lesões hepáticas geralmente são reversíveis após suspensão da droga.
Toxicidade idiopática por diazepam em gatos pode causar necrose e insuficiência hepática maciça aguda fatal
associada à necrose panlobular; sinais de toxicidade são evidentes após alguns dias do início da administração
da droga. A toxicidade tem sido principalmente observada após a administração oral para induzir modificação
do comportamento ou no tratamento de doença do trato urinário inferior de felinos. Hepatotoxicidade
idiossincrática por diazepam normalmente é fatal em gatos. O monitoramento proativo das enzimas hepáticas
pode identificar precocemente as reações adversas, permitindo a pronta descontinuação do fármaco. Toxicidade
semelhante foi observada com oxazepam.
Xenobióticos específicos tóxicos ao fígado incluem aflatoxinas, toxinas derivadas dos cogumelos do gênero
Amanita e as algas azul­esverdeadas (microcistinas) e cicades (palmeiras normalmente vendidas como bonsais).
Embora a toxicidade seja rara, pode causar necrose hepáti ca fatal. Outras substâncias químicas descritas como
hepatotóxicas compreendem metais pesados e alguns herbicidas, fungicidas, inseticidas e raticidas (ver p. 2998
e seguintes).
As medidas importantes para minimizar a absorção de toxinas ingeridas ou uma superdosagem de drogas
orais incluem descontaminação vigorosa do estômago e intestino por meio de lavagem gástrica, indução de
vômito e diminuição da sua absorção. Os vômitos podem ser induzidos 30 min a 2 h após a ingestão da
substância, por meio da administração de peróxido de hidrogênio (5 ml, VO, a cada 15 min) ou de xarope de
ipeca (1 a 2 ml/kg) ou apormorfina. A administração de carvão ativado sem sorbitol (2 g/kg, repetidos a cada 6 a
8 h) pode ser administrada para reduzir a absorção, apenas em animais conscientes. Carvão ativado também
pode ser administrado como enema de alta retenção. Enemas de limpeza de cólon devem também ser realizados
usando fluidos poliônicos aquecidos, em animais desidratados. Se não há tratamento específico para a
hepatotoxina, deve­se fornecer terapia de suporte.

HIPERPLASIA NODULAR

A hiperplasia nodular tem sido descrita como uma alteração benigna e relacionada com a idade, em cães.
Normalmente está associada a VH e pode ser confundida histologicamente com adenoma hepático. A
hiperplasia nodular não causa doença clínica, mas é frequentemente acompanhada de aumentos das atividades
de enzimas hepáticas, principalmente ALP. A menos que o fígado seja difusamente remodelado com lesões
nodulares (secundárias à VH degenerativa), a concentração de ABTS é normal. Na ultrassonografia, a
hiperplasia nodular está associada a grupos de nódulos hepáticos hipoecoicos contra um plano de fundo
hiperecoico. A citologia de um aspirado pode diferenciar células neoplásicas e células inflamatórias, mas não é
possível excluir nenhuma das anormalidades. Biopsia é necessária para diferenciação entre nódulos de massa
regenerativa, cirrose ou neoplasia.

HIPERTENSÃO PORTAL E ASCITE

Ascite se desenvolve secundária à hipertensão portal e baixa concentração de albumina. Respostas fisiológicas
desencadeadas para manter a normovolemia e perfusão esplâncnica induzem sinais sistêmicos para conservação
de sódio e água.
Hipertensão portal representa o impedimento da dinâmica circulatória do fluxo de sangue craniano pelo
fígado. Causas pré–hepáticas incluem estenose, restrição ou trombos envolvendo a veia porta extra­hepática.
Causas intra­hepáticas incluem: sequela de hepatite crônica resultando na colagenização e capilarização dos
sinusoides hepáticos, acúmulo de tecido conectivo encapsulando tríades portais e vênulas hepáticas (área
centrilobular), remodelação da arquitetura do fígado pela formação de nódulos regenerativos (cirrose), oclusão
vascular das veias hepáticas ou portais (p. ex., trombo, neoplasias, vasculite) ou disseminação difusa de células
neoplásicas dos sinusoides ou materiais de armazenamento (amiloide, glicogênio) nos hepatócitos. Arterização
do parênquima hepático por fístula intra­hepática arteriovenosa raramente ocasiona hipertensão portal e ascite.
Causas pós­hepáticas incluem obstrução do fluxo sanguíneo para fora do fígado através da veia hepática; isto
pode ter início no coração (p. ex., insuficiência cardíaca direita, coração triatriado direito, hemangiossarcoma do
átrio direito), pericárdio (p. ex., pericardite restritiva, tamponamento pericárdico) ou veia cava (p. ex., trombo,
dobra congênita, dirofilariose na veia cava).
Em todos os casos de hipertensão portal hepática, hipoperfusão portal intra­hepática está associada à
arterialização hepática. A perfusão arterial hepática é compensada para manter a circulação nos órgãos e causa
fluxo sanguíneo hepatofugal (reverso) na circulação porta e formação de desvios portossistêmicos adquiridos.
(APSS). Desequilíbrio compensatório na homeostase de sódio e água normalmente se torna aparente com o
início da hipertensão portal associada a concentrações subnormais de albumina. Efusão ascítica associada a
hepatopatias é normalmente caracterizada por um transudato puro ou modificado (albumina sérica < 1,8 g/dl).
O primeiro passo no controle de ascite é restrição de sódio na dieta. Recomenda­se ingestão de = 100
mg/100kcal (25 mg/kg/dia; < 0,1%, com base na matéria seca do alimento). No entanto, as dietas com restrição
de sódio, isoladamente, com frequência não são suficientes e o início de seu efeito é muito lento para um
controle eficiente. Portanto, recomenda­se o uso de diuréticos. A terapia diurética deve ser direcionada para
reduzir lentamente a ascite sem causar desidratação, alcalose metabólica e hipopotassemia. Recomenda­se
redução da ascite equivalente a = 1,0 a 1,5% do peso corporal total/dia. Inicialmente se recomenda terapia dupla
com furosemida (1 a 2 mg/kg, VO, 2 vezes/dia) e espironolactona (dose de ataque de 2 a 4 mg/kg, 2 a 3 doses e,
então, 1 a 2 mg/kg, VO, 2 vezes/dia). Reavaliação a cada 7 a 10 dias permite um ajuste cuidadoso das doses de
diuréticos. A associação de um diurético de alça com espironolactona reduz o risco de hipopotassemia
iatrogênica.
Se a ascite demora para se resolver, a mensuração da excreção fracionada urinária de sódio pode auxiliar a
determinar se a restrição dietética e as doses de diuréticos são adequadas. Se a ascite causa distensão abdominal,
comprometendo a respiração, o apetite e o conforto do paciente, recomenda–se abdominocentese. A
administração de fluidos (hetamilo) reduz o risco de disfunção circulatória pós­diurese que se desenvolve cerca
de 12 h após a remoção da efusão, quando os fluidos são novamente equilibrados (hipotensão, piora da
hipoalbuminemia). Entretanto, a infusão de hetamilo aumenta o risco de hemorragia devido à redução da
agregação plaquetária. Deve­se remover o mínimo possível de fluido ascítico, suficiente para manter o animal
confortável. A redução da pressão abdominal aumenta a perfusão renal e o débito cardíaco e melhora a resposta
do tratamento diurético. Em muitos casos, assim que o fluido é mobilizado, diuréticos devem ser utilizados
intermitentemente, desde que a atenção à restrição de sódio na dieta seja mantida.

INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA FULMINANTE

Insuficiência hepática fulminante é uma síndrome definida pela perda abrupta da função hepática associada à
encefalopatia hepática (HE) e coagulopatia. Tratamento precoce e apropriado é crítico. Na hepatopatia crônica e
em estágio final e na hepatopatia aguda sem causa primária aparente, o tratamento fornece cuidado de suporte e
ganho de tempo para regeneração e compensação hepática.
Tratamento específico deve ser administrado se uma causa primária é definida. Descontaminação das
superfícies oral, dérmica e intestinal é mandatória se a exposição a toxinas ocorreu dentro de 36 h. Se um efeito
adverso de fármaco é implicado, a administração do fármaco em questão deve ser suspensa e antídotos
investigados. Infecção com risco de morte, edema cerebral e coagulopatias são as principais complicações.
Atenção a fluidos, eletrólitos, condição ácido­base, estado glicêmico e suporte nutricional aumentam a chance
de sobrevida. Solução de lactato de Ringer deve ser evitada, uma vez que insuficiência hepática pode impedir o
metabolismo de lactose e provocar acidose láctica. Vômito crônico e diarreia podem levar a desidratação,
hipopotassemia, hipocloremia e alcalose metabólica. Alcalose e hipopotassemia podem aumentar a produção de
amônia renal, potencializando a HE. Neuroglicopenia pode induzir efeitos neurológicos que contribuem para a
HE. Administração de solução de NaCl 0,9% suplementada com vitaminas e glicose normalmente é uma
primeira escolha segura. Dextrose (2,5%) e potássio (escala de potássio) devem ser adicionados cuidadosamente
aos fluidos suplementados com vitamina hidrossolúveis de uso IV (vitaminas do complexo B solúvel, na dose
de 2 ml/l de fluido).
Em gatos, uma injeção de vitamina B12 (dose total de 250 a 1.000 μg IM ou SC) deve ser utilizada na suspeita
de doença intestinal grave, doença pancreática ou inanição. Deficiência de tiamina pode provocar sinais
neurocomportamentais similares aqueles da HE. Enquanto a hiperglicemia deve ser evitada porque ela pode
piorar o edema cerebral, euglicemia deve ser estabelecida antes da administração de tiamina; por outro lado,
neuroglicopenia pode agravar os sinais neurológicos e causar lesões neurológicas mais extensas. Tiamina pode
ser suplementada por VO ou com fluidos IV, lentamente, (solução de vitamina B solúvel fortificada), em gatos;
recomenda­se dose de 25 a 100 mg/dia.
Antibióticos de amplo espectro devem ser administrados empiricamente se HE, insuficiência renal ou
componentes da síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS) são identificados.
Na maioria dos casos, N­acetilcisteína é administrada nos dois primeiros dias para fornecer cisteína para a
síntese de glutationa, para melhorar a perfusão na microcirculação e para proteger contra o desenvolvimento de
SRIS. Uma dose de ataque (140 mg/kg) é inicialmente administrada através de um filtro de 0,25 μm, ao longo
de 20 min; infusão prolongada pode precipitar hiperamonemia. Portanto, 70 mg/kg é administrada por via
intravenosa em intervalos de 6 a 8 h, por 2 dias. Raramente se desenvolve efeitos adversos em cães, na forma de
urticária, brotoejas pruriginosas, vômito e, mais gravemente, edema angioneurótico.
Quando medicação oral é tolerada, recomenda­se S­adenosilmetionina biologicamente disponível (SAMe) é
recomendada a 20 a 40 mg/kg/dia, VO, administrada em jejum, para manter teor hepático adequado de
glutationa.
Vitamina K1 (0,5 a 1,5 mg/kg, IM ou SC) é administrada em 3 doses, em intervalos de 12 h. Também, indica­
se a inibição da secreção de ácido gástrico com antagonista de receptor de histamina H2 (p. ex., famotidina) ou
inibidores da bomba de prótons (p. ex., omeprazol). Na constatação de tendência hemorrágica, pode ser
necessário plasma recém­congelado ou crioprecipitados (para vWF e fibrinogênio). Acetato de desmopressina
(DDAVP, 0,3 μg/kg, IV diluído a em salina 10%) pode, às vezes, cessar a hemorragia por melhorar a hemostase
primária.
O desenvolvimento de edema cerebral é multifatorial, complexo e não completamente entendido. A cabeça e
o pescoço devem ser mantidos em posição neutra, evitando a compressão do fluxo sanguíneo da jugular. A
elevação da cabeça e do pescoço pode reduzir a pressão intracraniana e a pressão hidrostática do fluido
cerebroespinal. Cateter venoso central aumenta o risco de hemorragia iatrogênica grave, o que pode necessitar o
uso de bandagem de compressão. Hiperventilação espontânea mantém alcalose respiratória discreta que
promove vasoconstrição da artéria cerebral; isto tende a reduzir a pressão intracerebral. Hipoxia deve ser evitada
devido ao seu efeito associado à vasodilatação cerebral. Manitol (0,25 a 0,5 g/kg, administrado como bolus IV)
pode auxiliar na redução do edema cerebral; o bolus pode ser repetido se a osmolalidade sérica não está
aumentada. Furosemida (0,5 a 1 mg/kg, a cada 6 a 8 h) foi utilizada para aumentar a eliminação renal de sódio e
água. O uso de hipotermia, coma por barbitúricos, salina hipertônica ou infusão de flumazenil não é
recomendado.

LIPIDOSE HEPÁTICA FELINA

A lipidose hepática (LH) causa mais comum de doença hepática em felinos potencialmente letal, é uma
síndrome multifatorial. Na maioria dos casos, uma doença primária causa anorexia e induz o estágio de LH em
gatos sobrecondicionados. A mobilização de gordura periférica que excede a capacidade hepática tanto de
redistribuir quanto de utilizar gordura para β­oxidação (produzindo energia) leva a uma expansão marcante dos
hepatócitos, pelo acúmulo de triglicerídios. Em alguns casos, a inapetência é causada por estresse ambiental,
como programas forçados de perda de peso com mudanças inaceitáveis da dieta, transferência para uma nova
moradia com novos donos, perda ou introdução de novos animais de estimação ou membros na família,
transporte, confinamento acidental (p. ex., ficar trancado na garagem, porão ou sótão) ou gato criado em
residência e que se perde, fora de casa. O termo “LH idiopática” é apropriado quando uma condição ou evento
primário que levou à inapetência não pode ser identificado.
A LH não apresenta componente necroinflamatório e a colestase grave é causada por compressão canicular
secundária à distensão vacuolar por triglicerídios presentes nos hepatócitos. A síndrome está associada a várias
deficiências metabólicas, inclusive baixo teor de glutationa hepática ou eritrocitária e baixas concentrações
plasmáticas de taurina, bem como de vitamina K1, causando coagulopatias em alguns gatos, deficiência de
cobalamina e/ou tiamina e provavelmente depleção de outras vitaminas do complexo B e anormalidades
eletrolíticas.
Os sinais clínicos são variáveis, mas podem incluir drástica perda de peso (> 25%, pode incluir deficiências
por desidratação), vômitos, letargia, ptialismo, palidez, ventroflexão do pescoço, hepatomegalia, icterícia,
gastroparesia e íleo adinâmico (devido às alterações eletrolíticas) e retenção de gordura omental e falciforme,
apesar da diminuição da gordura periférica. Diarreia é comum em gatos com LH e com doença intestinal
inflamatória ou linfoma intestinal como doença primário. Sinais clássicos de LH não são observados e
cristalúria com biurato de amônio é rara, embora tendências a hemorragia possam surgir. Deficiência de
vitamina K1 foi confirmada em vários casos de LH felina pela constatação de tendências a sangramentos e
resolução de anormalidades nos testes de coagulação após reposição de vitamina K1.
As alterações laboratoriais refletem a síndrome LH, assim como as doenças primárias. Anemia não
regenerativa, poiquilocitose, aumento do número de corpúsculos de Heinz eritrocitários, contagem variável de
leucócitos, hiperbilirrubinemia e bilirrubinúria; aumento discreto a moderado de AST e ALT e aumento
significativo de ALP são comuns. Em gatos com doença necroinflamatória primária envolvendo pâncreas,
fígado, ductos biliares ou vesícula biliar, a atividade de GGT se eleva muito, excedendo o aumento normal de
ALP. Nas outras condições causadoras de LH, a atividade de GGT é normal ou apenas modestamente
aumentada. A relação GGT:ALP é útil na diferenciação de colangite/colangioepatite subjacente e outras doenças
que acometem os ductos biliares. GGT elevada também prediz se há indicação para biopsia hepática ou
pancreática. Dependendo dos distúrbios primários, pode­se notar hipoalbuminemia. Pode­se notar
prolongamento do tempo de protrombina (TP) ou do tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA); o tempo
de coagulação de PIVKA é mais sensível para a detecção de deficiência de vitamina K1. Nos estágios iniciais da
síndrome LH, o valor de ABTS é anormal, antes do início aparente de icterícia (esta condição é raramente
verificada). Efusão peritoneal é rara, porém quando observada representa a doença primária ou sobrecarga de
fluido iatrogência.
Avaliação ultrassonográfica revela parênquima hepático homogêneo e hiperecoico e hepatomegalia subjetiva.
A hiperecogenicidade é determinada comparando o parênquima hepático e a gordura falciforme. Os rins
também podem aparecer hiperecoicos devido à vacuolização da gordura tubular. O exame ultrassonográfico
deve pesquisar cuidadosamente todo o abdome para avaliar evidências de doença primária e inclui a avaliação
de trato biliar, vesícula biliar, pâncreas, espessamento das paredes intestinais, linfonodos hepáticos e intestinais,
rins, bexiga e exame detalhado para observar cálculos renais ou urocistólitos.
O diagnóstico definitivo se baseia no histórico, achados de exame físico, características laboratoriais,
aparência ultrassonográfica do fígado e citologia hepática por aspiração. Biopsia do fígado não é necessária;
entretanto síndrome colangite/colangioepatite primária ou linfoma hepático pode requerer biopsia para um
diagnóstico definitivo. Preparações citológicas mostram distensão vacuolar marcante dos hepatócitos
envolvendo > 80% destas células. Colestase canalicular é comumente observada.
O tratamento de LH tem por objetivo corrigir as deficiências de fluidos e eletrólitos e metabólicas e iniciar o
fornecimento de alimentos. Uma vez que gatos com LH podem apresentar altas concentrações de lactato e
podem não ser capazes de metabolizar acetato, a solução de NaCl 0,9% é o fluido de escolha. Fluidos não
devem ser suplementados com dextrose, já que isto reduz a utilização dos ácidos graxos intra–hepáticos na β­
oxidação. Como os gatos acometidos são normalmente sobrecondicionados, fluidoterapia deve ser baseada no
peso corporal ideal. A sobre­hidratação pode induzir efusão pleural e abdominal e edema pulmonar.
Fluidos devem ser suplementados adequadamente com potássio (usando a escala de potássio), com base na
condição eletrolítica. Se a concentração sérica inicial de fósforo é baixa (< 2 mg/dl), deve­se adicionar fosfato
de potássio, na taxa de 0,01 a 0,03 mmol/kg/h). A suplementação com cloreto de potássio deve ser restrita,
sendo importante verificar se há administração concomitante de suplemento com fosfato de potássio, para evitar
hiperpotassemia iatrogênica.
Uma solução de vitamina hidrossolúvel fortificada (2 ml/l de fluidos, ver Tabela 12) deve ser adicionada.
Suplementos de tiamina (50 a 100 mg/dia) são especialmente indicados na LH e fornecidos como suplementos
hidrossolúveis em fluidos ou VO. Raras reações anafilactoides e paralisia neuromuscular foram observadas em
alguns gatos tratados com tiamina, por injeção SC ou IM.
Amostras de sangue devem ser coletadas para a determinação de vitamina B12 seguida de administração
empírica de B12 (250 a 1.000 μg/gatos, SC). Deficiência de cobalamina é comum em gatos com LH e podem
predispor indivíduos a esta síndrome. Quando presente, a deficiência de vitamina B12 altera o metabolismo
intermediário. O tratamento com N­acetilcisteína não deve ser administrado como infusão prolongada em
velocidade constante (> 1 h) porque ela pode induzir hiperamonemia por desviar substratos do ciclo da ureia.
A vitamina K é administrada com uma agulha de pequeno calibre (0,5 a 1,5 mg/kg, SC ou IM, 3 doses em
intervalos de 12 h), antes dos procedimentos que possam provocar sangramentos.
A alimentação é iniciada assim que o gato é reidratado com eletrólitos balanceados. Alguns gatos podem
desenvolver depleção de potássio renal como resultado de doença renal primária ou acúmulo lipídico nos
túbulos renais. Excreção fracionada de potássio pode ser estimada pela mensuração de potássio e creatinina em
amostras de soro e urina coletadas simultaneamente. Excreção fracionada de potássio = ([potássio
urina/creatinina urina] × [creatinina soro/potássio soro]) × 100%. No gato hipopotassêmico, espera­se valor <
1%. Valor > 20% indica depleção de potássio marcante e necessidade de suplementação agressiva de potássio.
Gatos com necessidade elevada de potássio devem ter gliconato de potássio adicionado ao alimento assim que
as refeições são estabelecidas. Isto reduz as concentrações de potássio necessárias nos fluidos IV e os riscos
associados de hiperpotassemia iatrogênica.
O suporte nutricional é fundamental para a recuperação (ver p. 440). Como os gatos com LH apresentam
insuficiência hepática metabólica, estimulantes de apetites são inapropriados; diazepam, oxazepam, cipro–
heptadina e mirtazepina não devem ser utilizados. Ocasionalmente, um estimulante de apetite pode auxiliar no
início precoce da alimentação, no desenvolvimento da síndrome.
Alimentos aromatizados e palatáveis devem ser oferecidos inicialmente. Se o gato salivar ou se recisar a ela,
todo o alimento deve ser removido devido ao risco de indução da síndrome de aversão ao alimento. Se
alimentação oral não é tolerada, uma dieta líquida (p. ex., CliniCare®) suplementada via sonda nasoesofágica é
cuidadosamente iniciada. Um volume de 5 a 10 ml de água morna é primeiramente administrado para verificar a
tolerância e resposta do gato. Se nenhum vômito ou sinais de desconforto são observados, o processo é repetido
com alimentos liquefeitos. Após alguns dias de alimentação por sonda nasoesofágica, caso considere que o gato
está sob risco anestésico razoável, uma sonda esofágica (sonda­E) é introduzida, com a porção distal situada 2 a
4 cm cranial à junção esofágica­gástrica. Isto deve ser confirmado por meio de radiografia torácica lateral.
Dieta felina, rica em proteínas, densa em calorias e balanceada é recomendada para alimentação por sonda­E.
Apenas raramente se utiliza dieta com restrição de proteínas, uma vez que a restrição proteica pode agravar o
acúmulo de lipídios hepático. Por outro lado, o uso de lactulose e amoxicilina oral ou baixas doses de
metronidazol pode otimizar a tolerância ao nitrogênio na dieta normal felina por modificar a flora intestinal,
utilizar substrato e propiciar limpeza do cólon. Relata­se que vários suplementos metabólicos melhoram a
recuperação de gatos acometidos: taurina (250 a 500 mg/gato/dia), vitamina E (10 IU/kg/dia), L­carnitina
líquida oral de uso médico (250 a 500 mg/gato/dia) e gliconato de potássio, se a hipopotassemia não responde à
reposição.
As refeições iniciais são pequenas e fornecidas frequentemente ou por infusão em taxa constante. No
primeiro dia, um terço a metade dos requerimentos energéticos do gato são disponibilizados; a quantidade de
alimentos é gradualmente aumentada nos próximos 2 a 4 dias, até a ingesta ideal. Se ocorre vômito, os
eletrólitos devem ser reavaliados, a posição da sonda alimentar verificada e os fatores relacionados com a
doença primária considerados. Metoclopramida (0,05 a 0,1 mg/kg, IM, até 3 vezes/dia, ou 0,25 a 0,5 mg/kg
fracionada no dia como taxa de infusão constante), ondansetron (0,025 mg/kg IV, até 2 vezes/dia) ou maropitant
(1 mg/kg, 1 vez/dia, não mais que 5 dias) podem ser utilizados como antieméticos. Motilidade intestinal pode
ser estimulada por exercícios durante as visitas do proprietário.
Para evitar o desenvolvimento da hipofosfatemia induzida por realimentação, a qual pode causar fraqueza,
hemólise, encefalopatia e outros efeitos adversos, a concentração sérica de fósforo dever ser monitorada
periodicamente e fornecido de fosfato de potássio suplementar deve ser criterioso. Na suspeita de gastrite,
bloqueadores de receptores H2 (p. ex., famotidina ou ranitidina) e carafato VO (e não através de sonda­E)
podem ser utilizados. Se o gato tolera medicação VO, administra­se 40 mg de SAMe/kg/dia, entre as refeições,
assim que se completar o tratamento com N­acetilcisteína. A suplementação com SAMe deve ser acompanhada
de vitamina B12, folato e outras vitaminas hidrossolúveis suficientes para permitir máximo benefício metabólico
(metabolismo da glutationa e doação de grupo metil por reação de transmetilação). O uso de ursodeoxicolato na
LH pode ser prejudicial porque o valor de ABTS é extremamente alto nesses gatos; os perfis de ácidos biliares
(por HPLC) parecem aqueles associados ao OEHDB (aumento secundário dos ácidos biliares). Em altas
concentrações, todos os ácidos biliares são tóxicos às células; na LH, os ácidos biliares estão aparentemente
aprisionados pela compressão canalicular.
Em uma rara condição onde sinais de EH são notados, lactulose, amoxicilina ou baixa dose de metronidazol
(= 7,5 mg/kg, VO, 2 vezes/dia) pode ser útil. Se há pancreatite concomitante e complica a retenção de
alimentos, a alimentação por meio de sonda J pode ser necessária. Faz­se alimentação distal ao pâncreas em
taxa de infusão constante de CliniCare® misturado a um suplemento com enzimas pancreáticas através de uma
sonda J. Alternativamente, pode­se fornecer dieta parenteral, embora isto possa retardar a recuperação e
provocar acúmulo de triglicerídios no fígado.
Em gatos com LH o prognóstico é bom, se o diagnóstico é estabelecido precocemente, o tratamento iniciado
e a doença primária, se há, tratada. O monitoramento das enzimas hepáticas não tem valor na previsão de
recuperação. Porém, um decréscimo na bilirrubina total em 50% nos primeiros 7 a 10 dias aumenta a chance de
recuperação completa. Pancreatite concomitante é um mau indicador prognóstico. O monitoramento da ALP de
gatos obesos em dieta para redução de peso pode ser efetiva no diagnóstico de lipidose hepática subclínica,
permitindo a suspensão do programa de emagrecimento e o tratamento precoce. Recidiva é rara em gatos
recuperados.

MALFORMAÇÕES VASCULARES PORTOSSISTÊMICAS

As anomalias circulatórias hepáticas mais comuns em cães são displasias microvasculares (DMV) e anomalias
vasculares portossistêmicas (AVPS). Gatos também são acometidos por AVPS. DMV e AVPS são distúrbios
congênitos herdados geneticamente que afetam raças pequenas de cães. Cães de raças grandes podem
desenvolver AVPS intra­hepática.

Anomalias Vasculares Portossistêmicas (AVPS)

AVPS é uma conexão aberrante, grosseira e evidente entre a vasculatura portal extra­hepática e a circulação
sistêmica (normalmente conectando um ramo da veia porta a veia cava) que desvia o sangue para a circulação
sistêmica, contornando o fígado. Fluxo portal reduzido para o fígado causa atrofia hepática. Como a circulação
portal transporta microrganismos, toxinas, nutrientes e outros materiais do intestino para o fígado, o sangue
desviado não é depurado ou processado antes de sua transferência para a circulação cerebral e sistêmica.
Consequentemente, substâncias neurotóxicas que podem provocar efeitos encefalopáticos podem passar
diretamente para o cérebro.
AVPS congênita é vista principalmente em cães de raça pura. Há dois tipos de AVPS. AVPS extra­hepática
ocorre predominantemente em cães pequenos de raça pura Terrier, por exemplo, Yorkshire Terrier, Maltês, Shih
Tzu, Havanese, Schnauzer miniatura, Pug, Cairn Terrier, Norfolk Terrier, Spaniels tibetanos e outros. AVPS
extra­hepática normalmente surgem de veia porta, veia gástrica esquerda ou veia esplênica e se conecta com a
veia cava caudal (mais comum), veia ázigos ou raramente, outro vaso sistêmico. AVPS intra­hepática
corresponde à retenção de um vaso embrionário que transporta sangue da placenta para o coração do feto,
através do meio do fígado, mas que passa pela circulação hepática. Esta malformação afeta principalmente cães
de raças grandes, inclusive, por exemplo (mas não exclusivamente), Irish Wolfround, Old English Sheepdog,
Labrador Retriever e Golden Retriever.
Em gatos, a AVPS congênita é mais frequentemente notada em raças mistas, porém raças puras, como
Himalaia e Persa, apresentam alta prevalência. Entretanto, a maior prevalência de hepatopatia policística e
hipertensão portal que acometem essas raças dificulta o diagnóstico de AVPS. Em gatos, a AVPS extra­hepática
envolvendo a veia gástrica esquerda é mais comum.
Animais com AVPS normalmente são menores que seus “irmãos de ninhada”, demoram para se desenvolver e
pod em ter outras anomalias congênitas (p. ex., criptorquidismo em cães e gatos, sopro cardíaco em gatos). Os
sinais clínicos são muito variáveis e 10 a 20 % dos animais acometidos podem ser assintomáticos. A presença
de sinais clínicos depende da gravidade do desvio portossistêmico. Em animais sintomáticos, os sinais clínicos
incluem náuseas, vômito, diarreia, pica, anorexia intermitente, PU/PD (cães) e hematúria, polaquiuria,
estrangúria ou obstrução uretral associada à formação de urólito de biurato de amônio. Sinais decorrentes de
cálculos do trato urinário podem ser as únicas queixas. Hipersalivação é um sinal clínico comum associado a
EH em gatos. Gatos com AVPS também apresentam uma íris especial de cor de cobre homogênea que parece
estar geneticamente associada; a exceção são gatos de olhos azuis. Porém, íris cor de cobre é comum em gatos
Persas e Russos de olhos azuis que não apresentam AVPS. Cegueira episódica e vocalização excessiva também
podem ocorrer.
Anormalidades laboratoriais podem incluir eritrócitos microcíticos, anemia não degenerativa discreta,
poiquilocitose (gatos), células–alvo (cães), hipoproteinemia discreta e hipoalbuminemia, hipoglicemia
(especialmente cães de raças toy, podem ser sintomáticos), diminuição de BUN e creatinina, hipocolesterolemia,
atividade das enzimas hepáticas (ALT, AST e FA) normal ou levemente aumentadas, bilirrubina normal, urina
diluída (hipostenúria ou isotenúria) e cristalúria de biurato de amônio. ABTS em jejum e pós–prandial
normalmente está muito aumentado; entretanto, a mensuração de ABTS ou amônia depois de jejum prolongado
pode induzir valores normais de ABTS. Após administração de NH4Cl notam­se valores muito elevados de
ABTS pós­prandial e de amônia. Exames de rotina da coagulação normalmente indicam valores dentro dos
limites normais, porém a atividade da proteína C é < 70%.
Radiografias abdominais revelam “nódulos” micro­hepáticos e renais. Urólito de biurato de amônio é
radioluscente e, portanto, não detectado nas imagens radiográficas. Ultrassonografia é uma ferramenta não
invasiva útil para identificação de AVPS, se realizada por um operador experiente, em aparelho Doppler de
fluxo colorido. Embora a detecção de AVPS intra­hepática é relativamente fácil, a identificação de AVPS pode
ser desafiadora e requer uma estratégia sistemática. A presença de gás intestinal e a cooperação do animal
podem limitar a obtenção de imagem em regiões críticas. Ultrassonografia pode detectar urólitos radioluscentes
na pelve renal ou na bexiga. Cintigrafia colorretal, disponível em algumas clínicas especializadas ou hospitais­
escola, pode claramente determinar a presença de desvio portossistêmico. Todavia, a cintigrafia colorretal é
incapaz de identificar a localização anatômica dos vasos envolvidos. A cintigrafia esplenoportal requer injeção
percutânea de isótopos no baço, é considerada um teste invasivo e não fornece resolução, especificidade ou
sensibilidade melhor que as cintigrafias colorretais de rotina. Nas portografias com contraste radiográfico, um
ramo da veia porta é canulado e um “corante” contraste iodado e radiodenso é injetado para evidenciar a
anatomia vascular portal. TC em multisseções permite melhor mapeamento anatômico da vasculatura portal,
sendo melhor realizada sob anestesia de curta duração e com a injeção do contraste em um vaso periférico. Esta
modalidade de imagem permite uma reconstrução anatômica tridimensional de uma anomalia vascular e de
vísceras adjacentes. Biopsia hepática é sempre indicada em pacientes com AVPS durante cirurgia de correção do
desvio ou se múltiplos desvios são observados, para determinar se há doença primária ou hepatopatia adquirida
concomitante.

Desvio portossistêmico congênito em cão. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

O tratamento de escolha para AVPS sintomática é atenuação ou ligadura cirúrgica. A complicação pós­
cirúrgica mais comum é efusão abdominal benigna de curta­duração que, tipicamente, se resolve em alguns
dias. A complicação pós­cirúrgica mais grave é hipertensão portal aguda, caracterizada pelo desenvolvimento de
efusão abdominal, diarreia sanguinolenta, dor abdominal, obstrução intestinal completa, choque endotóxico e
colapso cardiovascular. Esta complicação requer remoção imediata da ligadura do desvio. Outras complicações
incluem convulsões (raras) e formação de coágulos sanguíneos. APSS pode se desenvolver silenciosamente em
intervalos variáveis, após cirurgia para corrigir AVPS, necessitando retornos frequentes. O local da ligadura
também pode ser envolvido por ramificações de vasos ou uma AVPS recanalizada que restabelece o desvio
portossistêmico vários anos após a cirurgia inicial. O risco maior de complicações pós­operatórias insidiosas
está associado à aplicação de constritores ameroides. Os melhores resultados foram observados com ligadura
gradual intraoperatória cuidadosa da AVPS extra­hepática (observação da pressão portal e resposta visceral).
De maneira geral, o prognóstico após ligadura cirúrgica de uma única AVPS normalmente é bom. O
prognóstico é menos favorável em cães com múltiplos desvios adquiridos secundários à atresia da veia porta
intra­hepática grave e naqueles com desvios intra­hepáticos. As cirurgias são mais bem­sucedidas em cães do
que em gatos. Gatos são mais propensos a desenvolver APSS múltiplas após ligadura da AVPS. O estadiamento
cirúrgico para atenuar gradualmente a AVPS em gatos não tem melhorado a recuperação. O tratamento cirúrgico
de AVPS intra­hepática é mais difícil do que da extra­hepática. Recentemente, a intervenção com colocação de
espirais intravasculares foi utilizada para atenuar o fluxo sanguíneo no AVPS intra­hepático não controlado por
atenuação cirúrgica. O resultado (agudo ou crônico) de cães tratados não foi ainda documentado.
Cães com AVPS relativamente assintomático normalmente podem ser tratados com dietas especiais indicadas
para insuficiência hepática. Suporte dietético é necessário por toda a vida e a expectativa de vida pode ser
normal. As melhores fontes proteicas são soja e proteínas lácteas, iniciando com ingestão de 2,5 g de
proteínas/kg/dia. Carne vermelha, peixes e vísceras devem ser evitados. A adição de proteína lácteas, em geral,
é bem tolerada e aumenta a ingestão de proteínas e fosfatos. Petiscos de vegetais crus (p. ex., brócolis, cenoura),
queijo, iogurte probiótico, pipoca, quantidade moderado de biscoitos caninos e ossos de couro cru (com
supervisão) podem ser oferecidos, sem consequências adversas. Cães submetidos a tratamento medicamentoso
permanecem em risco de desenvolver EH. Esses cães também parecem mais suscetíveis a infecções sistêmicas
devido à menor função dos macrófagos.
Displasia Microvascular

DMV é muito mais comum que a AVPS em parentes de cães pequenos de raças Terrier. Um diagnóstico de
DMV denota o desenvolvimento anormal de ramos delgados (terciários) das veias portais intra­hepáticas. Cães
com DMV apresentam alto teor sérico de ácidos biliares totais (ABTS) elevado porém não demonstram doença
clínica ou outras anormalidades laboratoriais encontradas em cães com AVPS. Eles não apresentam EH, não
desenvolvem cristalúria por biurato de amônio e têm atividade normal de proteína C. Uma expectativa de vida
normal é esperada em cães com DMV; este diagnóstico não requer alimentação com dieta especial ou
medicação hepatoespecíficas. Porém, como os cães com DMV podem ter problemas em metabolizar drogas que
requerem extração e liberação rápida no fígado, cautela é necessária quando se prescreve certas drogas. Como a
DMV é geneticamente associada a AVPS, ABTS deve ser mensurada em todas os filhotes de cães de raças
predispostas para problemas futuros associados a saúde e para selecionar cães reprodutores. Uma vez que ácidos
biliares elevados são detectados em raças pequenas do tipo Terrier jovens (< 6 mo), sem sinais clínicos de
AVPS, mensurações repetidas dos ácidos biliares não são justificadas permanecem aumentadas por toda a vida
do paciente. O conhecimento de que um cão apresenta ácidos biliares elevados, provavelmente devido a DMV,
define a utilidade de testes de ABTS em avaliações futuras da saúde do animal.
O diagnóstico definitivo de DMV é possível apenas por biopsia hepática combinada com estudos vasculares.
Biopsia hepática mostra lesões similares àquelas associadas a AVPS; de fato, a biopsia normalmente não
permite diferenciar os dois distúrbios. Biopsia hepática pelo método tru­cut é fortemente desencorajada, uma
vez que o diagnóstico se baseia na análise de unidades acinares múltiplas para se detectar atrofia lobular,
arteriolização da tríade portal e contração segmental do músculo liso das vênulas hepáticas, que caracterizam
estes distúrbios. Como há variação entre os lóbulos hepáticos na extensão da malformação vascular, amostras
dos três diferentes lóbulos são recomendadas. Entretanto, etapas seguintes para obter o diagnóstico definitivo
não são recomendadas, na maioria dos cães. Em vez disso, é prudente considerar que um cão com suspeita de
malformação vascular hepática apresente DMV como causa primária do alto valor de ABTS, exceto se exibe
características clínicas (EH) ou clinicopatológicas (microcitose eritrocitária, BUN diminuído e baixas
concentrações de creatina, colesterol e proteína C), associada a AVPS.

NEOPLASIAS HEPÁTICAS

As neoplasias hepáticas primárias são menos comuns do que as neoplasias hepáticas metastáticas no fígado e
são carcinomas, carcinoides, sarcomas ou de origem hemolinfática. Neoplasia hepática metastática pode se
originar de diversas vísceras e podem incluir linfossarcoma.
Tumores primários são frequentemente observados em animais idosos (> 9 anos de idade) e podem ser tanto
malignos quanto benignos. A maioria inclui adenomas e carcinomas hepatocelulares em cães, adenomas e
carcinomas biliares em gatos. Outros tipos de tumores são hemangiossarcomas, carcinoides e sarcomas em cães;
cistadenomas, linfomas e doença mieloproliferativa em gatos e, menos frequentemente, liomiossarcomas e
mielolipomas.
CARCINOMAS HEPATOCELULARES: O diagnóstico pode ser inicialmente percebido pela palpação de uma massa
abdominal ou constatação de aumento das atividades de ALT, ALP ou GGT, em amostras seriadas. A
radiografia pode revelar grande lesão em massa ou abscesso enfisematoso no núcleo de um tumor necrosado. A
ultrassonografia é mais sensível para detecção de lesões tumorais e pode distinguir o envolvimento de múltiplos
lobos. Carcinomas hepatocelulares pequenos podem aparecer hipoecoicos, hiperecoicos ou heteroecoicos. No
entanto, o tamanho volumoso de algumas massas na permite a nítida diferenciação de tumor invasivo ou
invasão à víscera adjacente e aos vasos. Carcinomas hepatocelulares podem ocorrer como uma única massa
volumosa em um lobo hepático, com ou sem massas menores nos outros lobos (maciços), como nódulos
discretos localizados em múltiplos lobos (nodulares) ou como doença infiltrativa por todo o fígado, sem a
presença de nódulos discretos (difusos). Carcinomas hepatocelulares difuso ou nodular, que somam 29% e 10%
de todos os carcinomas hepatocelulares, respectivamente, envolvem múltiplos lobos hepáticos e não são
geralmente tratáveis por remoção cirúrgica. Carcinomas hepatocelulares maciços isolados representam 61% de
todos os carcinomas hepatocelulares caninos e são potencialmente operáveis com bons resultados. Tumores que
envolvem os lobos esquerdos do fígado possuem melhor prognóstico.
Sinais clínicos comuns em cães incluem perda de peso, inapetência, letargia; sinais menos comuns incluem
vômito, PU/PD e crise epilépticas (hipoglicemina). Entretanto, cães podem ser assintomáticos ainda que o
tumor atinja tamanho maciço ou desenvolva um núcleo necrótico. Na palpação abdominal uma massa pode ser
detectada e dor notável. Efusão abdominal é rara. Testes laboratoriais podem indicar anemia não regenerativa,
microcitose de eritrócitos, trombocitose e aumento das atividades plasmáticas de ALP e AST e
hipercolesterolemia. Atividades elevadas de ALT e AST podem refletir invasão de tecido normal adjacente ou
necrose tumoral central e pode indicar um prognóstico ruim. Hipoglicemia pode se instalar tanto devido à massa
volumosa do tumor quanto a um efeito paraneoplásico. Metástase pulmonar é rara. As margens do tumor devem
ser delimitadas para o patologista, nas amostras a ele enviadas para definir a adequação da massa operável
(tumor livre de margem).
ADENOMAS HEPATOCELULARES: Esses tumores são mais comuns do que carcinomas hepatocelulares em cães e
são raros em gatos. Eles podem estar associados a aumento da atividade de enzimas hepáticas, principalmente
AP. Cães com hiperplasia adrenal atípica associada a andrógenos ou progesterona elevados podem ser
predispostos a adenomas hepatocelulares. Em vez de lesões em massa soladas, alguns cães desenvolvem
adenomas múltiplos em diferentes lobos do fígado. Adenomas hepatocelulares podem atingir tamanho maciço e
exceder sobre estruturas normais por seu crescimento pelo suplemento sanguíneo central e desenvolver um
núcleo necrótico que pode servir como um ninho para formação do abscesso. Eles podem romper causando
hemorragia abdominal crítica. A diferença entre adenoma e adenocarcinoma hepático em um paciente pode ser
controversa; isto pode ser pedante por causa da grande ressecção ser curável neste caso. As margens do tumor
devem ser demarcadas para o patologista nas amostras submetidas ao patologista para julgar a adequação da
massa operável (tumor livre de margem).
ADENOCARCINOMAS BILIARES: Variáveis classificadas como adenocarcinomas colangiocelulares e
adenocarcinomas hepatocelulares esses tumores são o mais comum tumor hepático maligno primário em gatos e
podem derivar de ductos biliares extra–hepáticos ou intra­hepáticos ou da vesícula biliar. Adenocarcinomas
pancreáticos, invasivo dentro de estruturas hepáticas, também são comuns em gatos. Cistos biliares podem ser
falsos na inspeção grosseira para adenocarcinomas biliares primários.
Sinais clínicos geralmente incluem anorexia, letargia e vômito e em alguns gatos apresentam icterícia. Muitos
gatos possuem um histórico de doença hepática antecedente baseada nos históricos dos perfis bioquímicos;
histologicamente a doença hepática crônica é colangioepatite não supurativa. Uma massa ou o fígado
aumentado pode ser palpável. Aumento das atividades de ALT, AST e ALP e das concentrações de bilirrubina e
colesterol são comuns. Entretanto, alguns gatos com adenocarcinoma biliar não apresentam sinais clínicos ou
anormalidades laboratoriais. A obstrução do trato biliar é notada em alguns, mas não em todos os gatos com
neoplasia associada ao ducto biliar comum ou à vesícula biliar. As radiografias abdominais podem revelar
lesões em massa associada à silhueta hepática. A ultrassonografia normalmente delimita as lesões em massa,
suas dimensões e a localização do lobo. Alguns gatos desenvolvem efusão abdominal e carcinomatose.
Ressecção cirúrgica da lesão associada ao sistema biliar intra­hepático distal ao sistema porta­hepático e
associado à vesícula biliar é possível. Neoplasia envolvendo o ducto comum pode ser paliativa com o
deslocamento de uma endoprótese através do esfíncter de Oddi para o duodeno ou criação de um desvio biliar.
Alguns gatos sobrevivem por meses com cuidados de suporte paliativos (sem cirurgia), apesar da obstrução total
do ducto biliar. No entanto, o prognóstico a longo prazo é ruim. Lesões metastásicas são notadas em nódulos
linfoides, peritônio e pulmões.
LINFOMA: O linfoma é o tumor hemolinfático mais comum, encontrado no fígado, tanto em cães quanto em
gatos. O linfoma pode ser primário ou metastático (a partir de doença multifocal ou intestinal primária). Outras
doenças mieloproliferativas e neoplasia de células mastoide também pode envolver o fígado, especialmente
gatos.
MIELOLIPOMAS: Estes tumores benignos são compostos de células adiposas e elementos hematopoéticos. A
composição celular se assemelha a elementos celulares encontrados na medula óssea. Esses tumores são
geralmente descobertos ao acaso durante a ultrassonografia abdominal e aparecem densamente hiperecoicos. A
citologia de aspiração pode facilmente caracterizar as características celulares. A menos que grandes vasos e
estruturas biliares estejam comprimidos, essas lesões não necessitam de remoção cirúrgica.
NEOPLASIA METASTÁTICA: Nos cães, os tumores metastáticos mais comuns são linfoma, carcinoma pancreático,
carcinoma mamário, feocromocitoma, carcinoma intestinal, carcinoma tireoidiano, fibrossarcoma,
osteossarcoma e carcinoma de célula de transição. Nos gatos, os tumores metastáticos hepáticos são menos
comuns, mas incluem carcinomas pancreático, intestinal e renal. Os tumores metastáticos geralmente são
multifocais.
Os sinais clínicos podem ser inespecíficos ou específicos para o fígado e suas características associadas se
assemelham com neoplasia hepatobiliar primária: anorexia, vômito, perda de peso, PU/PD e hiperbilirrubinemia
variável. Neoplasia hepática metastática é mais provável estar associada a uma efusão abdominal maligna.
Sinais neurológicos podem indicar lesões metastáticas dentro do encéfalo, com sinais clínicos falsos associados
por HE. Anormalidades nos parâmetros hematológicos e bioquímicos podem ser mínimos. Anemia não
regenerativa pode ocorrer, porém não há alteração consistente na distribuição e na contagem dos leucócitos.
Esquisócitos podem ser observados em animais em animais com neoplasia que invade os sinusoides hepáticos.
Eosinofilia pode ser vista com tumores de células mastoides e com linfoma, especialmente em gatos. Enzimas
hepáticas podem estar normais ou aumentadas. Hipoglicemia é, às vezes, se deve tanto à massa tumoral
volumosa quanto ao efeito paraneoplásico. Hiperbilirrubinemia e aumento de AST são observados mais
comumente em doença metastática canina do que em tumores primários. Os achados radiográficos são
variáveis. Os achados ultrassonográficos podem confirmar o envolvimento de um único lobo, alterações
nodulares múltiplas ou doença difusa. Uma biopsia é necessária para o diagnóstico definitivo.
Recomenda­se a remoção cirúrgica quando há envolvimento de um lobo do fígado. Caso o diagnóstico seja
linfoma ou mastocitose, quimioterapia apropriada pode prolongar a vida.

OUTRAS ANOMALIAS VASCULARES HEPÁTICAS

Outras anomalias vasculares incluem fístulas arteriovenosas hepáticas, obstrução do fluxo venoso hepático
(doença veno­oclusiva, síndrome de Budd­Chiari) e tromboembolia venosa portal. São relativamente raras, em
comparação com AVPS e DMV e outras doenças hepáticas adquiridas.

Fístula Arteriovenosa Hepática

Fístula arteriovenosa é uma conexão intra­hepática entre a artéria hepática com alta pressão e a veia porta com
baixa pressão. Isso causa um fluxo retrógrado de sangue para os vasos portais, que resulta em hipertensão portal
intra e extra­hepática, ascite e DPS adquirido. Podem ser congênitas ou, menos comumente, adquiridas de
trauma ou neoplasias. Os sinais clínicos são observados em animais jovens e incluem EH, efusão abdominal,
inapetência, vômito e diarreia (frequentemente sanguinolenta). Na auscultação abdominal pode­se ouvir um
sopro, que representa o fluxo de sangue anômalo através da fístula, no lobo hepático acometido.
As alterações laboratoriais são semelhantes às observadas no DPS. Ascite é o sintoma que diferencia estas
duas doenças; cães com atresia portal congênita grave também desenvolvem efusão abdominal. A
ultrassonografia abdominal pode mostrar a fístula AV intra­hepática associada a DPS adquirido. Imagens
definitivas requerem angiografia com contraste via artéria celíaca ou mesentérica anterior ou TC em
multisseções.
Recomenda­se lobectomia quando apenas um lobo está envolvido. Biopsias hepáticas de locais distantes à
malformação (outros lóbulos hepáticos) são imperativas, uma vez que muitos desses cães apresentam
malformações vasculares intra­hepáticas disseminadas. Cirurgias têm prognóstico de cura ruim devido à
distribuição espalhada das malformações vasculares microscópicas. A descrição recente de injeção intravascular
de acrilamida como alternativa para alívio também tem alto risco de complicações pós–procedimentos e
resultados ruins.

Obstrução do Fluxo Venoso Hepático

A obstrução do fluxo venoso hepático pode ser provocada por cardiopatia ou distúrbio pericárdico que leva à
congestão passiva da veia cava caudal (p. ex., insuficiência cardíaca direita, doença pericárdica, defeitos
congênitos e tumores cardíacos), obstrução da veia cava caudal (p. ex., síndrome pós­cava associada à
dirofilariose, torção da veia cava caudal, trombose ou neoplasia de veia cava caudal e hérnia diafragmática que
comprime a veia cava caudal) ou obstrução no sistema venoso hepático eferente (p. ex., torção de lobo hepático,
compressão por tumor hepático, obstrução venosa pós­sinusoidal idiopática associada à fibrose extensa,
hematopoese extramedular obstrutiva ou oclusiva grave ou constrição fisiologicamente aberrante da vênula
hepática associada com AVPS e DMV em cães de raças pequenas).
Os sinais clínicos de distúrbios oclusivos incluem hepatomegalia (exceto se a causa está associada a AVPS ou
DMV), ascite, DPS adquirido múltiplo e sinais sugestivos de doença primária. Doenças que causam congestão
passiva estão associadas à hepatomegalia, aumento moderado nas atividades de enzimas hepáticas,
concentrações normais de ácidos biliares e formação de um transudato modificado. As alterações laboratoriais
de doenças venoclusivas (oclusão inflamatória da vênula hepática) ou síndrome de Budd­Chiari (trombose da
vênula hepática ou veia cava) refletem o DPS (p. ex., altas concentrações de ABTS, hipocolesterolemia, baixa
atividade de proteína C), aumento discreto a moderado de transaminases hepáticas e concentrações de bilirrubia
total e albumina variáveis. É comum efusão abdominal transudativa modificada.
Radiografias torácicas e abdominais ajudam a distinguir doenças cardíacas de outras causas e podem revelar
o dobramento ou choque da região caudal diafragmática da veia cava. Ultrassonografia cardíaca pode auxiliar
na identificação de doenças que provocam congestão passiva (p. ex., diferenciação entre doença pericárdica,
tumores cardíacos, doença congênita ou massa intratorácica comprimindo a veia cava caudal). Ultrassonografia
abdominal revela distensão das vênulas hepáticas, na congestão passiva, e tamanho diminuído da vênula
hepática em animais com lesão venoclusiva ou do tipo Budd­Chiari. Esses últimos estão associados à disfunção
hepática e APSS. O tratamento e o prognóstico dependem das doenças primárias.

SÍNDROME HEPATOCUTÂNEA (Dermatite Necrolítica Superficial, Eritema Migratório

Necrolítico, Síndrome Glucagonoma)


A síndrome hepatocutânea é rara, crônica, progressiva e, frequentemente, fatal. Embora tipicamente associada
ao diabetes melito, a lesão hepática é uma VH degenerativa grave que também pode acompanhar pancreatite ou
tumores neuroendócrinos, VH grave secundária à liberação hormonal esteroidogênica endógena e terapia
prolongada com fenobarbital.
Descamações e lesões ulcerativas simétricas bilaterais são notadas nas junções mucocutâneas e regiões
cutâneas suscetíveis a lesões por pressão, por exemplo, coxim plantar, orelhas, região periorbitária e pontos de
pressão. Lesões de pele são caracterizadas por epiderme paraceratótica evidente. Espaços edematosos entre as
células encontram–se preenchidos por neutrófilos, células necrosadas e fragmentos que criam uma aparência
“eosinofílica”. Inflamação perivascular neutrofílica discreta também é observada. As lesões são comumente
referidas como “vermelhas, brancas e azuis” na coloração por H&E (hematoxilina e eosina) (vermelha para
paraqueratose, branca para edema e azul para hiperplasia). Lesões de pele são vistas inicialmente na maioria dos
cães acometidos, porém lesões hepáticas podem preceder alterações cutâneas.
Os sinais clínicos incluem anorexia, perda de peso, letargia, PU/PD, anemia não regenerativa discreta,
aumento marcante de ALP e elevação moderada de ALT e AST, hiperglicemia, redução plasmática de
aminoácidos, hipoalbuminemia e aumento da concentração de ABTS (ácidos biliares totais séricos). Teor
plasmático de glucagon aumentado é um achado inconsistente. O tamanho do fígado é variável. Na
ultrassonografia, observam­se múltiplos nódulos hipoecoicos circundados por parênquima hiperecoico
difusamente espalhados por todo o fígado, condição conhecida como padrão de “queijo suíço”. A associação
entre as lesões hepáticas e cutâneas não é compreendida. Especula­se que as causas incluem hipoaminoacidemia
ou metabolismo anormal do zinco. As lesões hepáticas não são necroinflamatórias e não estão associadas à
fibrose ou cirrose.
O tratamento destina­se à correção da deficiência de aminoácidos e cuidados sintomáticos das lesões cutâneas
e VH. Em geral, corticoides são contraindicados para lesões cutâneas. Pode­se utilizar uma ração comercial ou
formulada, com alto teor de proteínas para cães com insuficiência hepática, com suplementação de aminoácidos
para “crescimento corporal”. A administração por via intravenosa de aminoácidos requer cateterização da veia
jugular. Solução de aminoácido cristalina de aminosina 10% (100 ml contém 100 g de aminoácidos) pode ser
administrada por via intravenosa, na dose de 500 ml/cão, durante 8 a 12 h. Sintomas de hiperamonemia podem
ser notados em cães suscetíveis (previamente mencionados na EH), porém devem regredir dentro de 12 h.
Infusão de aminoácidos IV é repetida 7 a 10 dias após, se as lesões cutâneas persistem; podem ser
administradosc4 ciclos. Se nenhuma resposta é observada, outras infusões de aminoácidos são inúteis. O
tratamento com aminoácidos resulta em regressão das lesões de pele em alguns cães, porém não em outros.
O controle concomitante do diabetes melito pode ser um desafio e a resistência à insulina sugere
envolvimento de hormônios contrarreguladores (glucagon, glicocorticoides, outros). Cuidados de suporte
requerem uso apropriado de antifúngico de amplo espectro ou antibióticos para invasores secundários da
superfície, metionina­zinco (1,5 a 2 mg/kg, VO, 1 vez/dia), vitaminas hidrossolúveis (duas doses, diariamente),
suplementação com ácidos graxos essenciais e limpeza tópica da lesão. Alguns dermatologistas também
recomendam o tratamento com niacinamida (250 a 300 mg/cão, VO, 2 vezes/dia). Ácido ursodesoxicólico (15 a
20 mg/kg, fracionada e administrada, 2 vezes/dia, com alimento) e antioxidantes (vitamina E e SAMe) são
recomendados. A identificação e o tratamento das doenças primárias são fundamentais para o controle. A
terapia crônica com fenobarbital tem sido uma causa importante em alguns cães.

EXAMES LABORATORIAIS E POR IMAGENS

ALTERAÇÕES PATOLÓGICAS NA BILE (Síndrome da bile branca, síndrome da bile espessa,

desconjugação de ácido biliar)

Em animais com estase biliar, os constituintes não absorvíveis da bile (sais biliares, fosfolipídios, glicoproteínas
e colesterol) podem ser concentrados ou diluídos quando água e eletrólitos inorgânicos (cloreto de sódio,
bicarbonato) são reabsorvidos ou adicionados pelo epitélio biliar. OEHDB pode provocar uma síndrome da
“bile branca”, refletindo a ausência de pigmentos de bilirrubina. Estase do fluxo biliar também pode provocar
desidratação da bile, promovendo um espessamento patológico da bile, que se torna verde­escura a preta. A
formação de mucocele na vesícula biliar envolve aprisionamento, retenção, desidratação ou sobreprodução local
de mucina que concede uma viscosidade elástica à bile. Colerese (fluxo biliar aumentado) provoca bile
“aquosa” e diluída; é um objetivo terapêutico nos distúrbios acompanhados de estase biliar.

ATIVIDADE ENZIMÁTICA

Frequentemente, suspeita­se de doença hepática quando nota­se aumento das atividades das enzimas do fígado.
Entretanto, atividade enzimática anormalmente aumentada é considerada mais comum do que a prevalência de
doenças hepáticas. Um amplo espectro de doenças extra­hepáticas pode influenciar a atividade enzimática do
fígado. A mensuração das atividades das enzimas hepáticas não é um teste de função hepática; elas refletem a
integridade da membrana do hepatócito, necrose de epitélio biliar ou de hepatócitos, colestase ou condições
indutoras.
O padrão de anormalidade das enzimas hepáticas, juntamente com dados detalhados de resenha, histórico,
concentração de bilirrubina total, teores séricos de ácidos biliares e condições/medicações das enfermidades
concomitantes propiciam a primeira indicação de uma doença específica do fígado. A avaliação completa de
alterações nas enzimas hepáticas considera: 1) o padrão predominante da alteração enzimática (enzimas que
indicam extravasamento hepatocelular × enzimas que indicam colestase); 2) a magnitude do aumento da
atividade enzimática acima dos limites normais de referência (discreta: < 5× o limite superior da faixa de
normalidade; moderada: 5 a 10×; grave: > 10x); 3) a taxa de alteração (aumento ou resolução); 4) a natureza do
curso da alteração (flutuante × aumento ou diminuição progressiva). Até 2,5% dos indivíduos “normais” podem
apresentar valores enzimáticos anormais, na faixa de transição entre normal e anormal.
O reconhecimento se as anormalidades enzimáticas são persistentes ou cíclicas auxilia a classificar as
prováveis causas. A avaliação da função hepática com dosagens séricas pareadas de ácidos biliares totais
(ABTS) em jejum e pós­prandial ou a mensuração de creatinina/ácidos biliares na urina (em amostra de urina
coletada 4 a 8 h após a refeição) podem abreviar a decisão de realizar biopsia hepática quando os sinais clínicos
permanecerem vagos e as enzimas encontram­se apenas ligeiramente aumentadas. Estudos de imagem auxiliam
na detecção de doenças primárias que influenciam, secundariamente, o fígado, elevando a atividade enzimática.
Escalas de referência das atividades das enzimas hepáticas apropriadas para cada idade são essenciais em
filhotes de cães e gatos. As atividades plasmáticas das enzimas ALP e GGT em cães e gatos recém­nascidos são
consideravelmente maiores que aquelas dos adultos. As diferenças refletem adaptações fisiológicas durante a
transição do estado fetal para o neonatal, ingestão de colostro, maturação das vias metabólicas, fatores de
crescimento, diferenças no volume de distribuição e na composição corporal e dieta. As atividades séricas de
ALP, AST, CK e LDH em neonatos normalmente é muito maior nas primeiras 24 h. Em filhotes de gatos, a
atividade sérica de ALP, CK e LDH são maiores que os valores dos adultos até a 8a semana de idade. A
atividade sérica de ALP aumenta muito em filhotes de cães e gatos com 1 dia de vida, após a ingestão de
colostro; isso também é observado em bezerros, cordeiros, porcos, potros e bebês.
AMINOTRANSFERASES: ALT e AST são normalmente mensuradas para a detecção de lesão hepática; ambas
estão presentes em altas concentrações no fígado, mas também em outros tecidos. A atividade de AST é maior
nos rins, coração e músculo esquelético do que no fígado, enquanto a atividade de ALT é maior no fígado.
Como a atividade hepática da ALT é 10.000 vezes maior do que a atividade plasmática da enzima em animais
sadios, ela é muito útil no diagnóstico de lesões hepáticas. A localização das transaminases no citosol permite
sua liberação imediata, mesmo nas pequenas alterações das membranas hepatocelulares. Infelizmente, o
extravasamento indiscriminado limita sua utilidade diagnóstica. Apesar disso, a duração e a magnitude da
atividade das transaminases medidas em série podem predizer a atividade e a gravidade da doença e a
quantidade de células envolvidas.
As transaminases hepáticas aumentam nas lesões musculares, assim como atividade física vigorosa em cães.
A longa meia­vida plasmática das transaminases contribui para a manutenção de sua atividade aumentada em
algumas anormalidades. Como o catabolismo das transaminases ocorre por endocitose absortiva na borda
sinusoidal do hepatócito, a depuração lenta da enzima pode manter sua atividade plasmática elevada na
insuficiência hepática (shunt portossistêmico, regeneração nodular, fibrose hepática).
Alanina Aminotransferase: Os maiores aumentos de ALT ocorrem na necrose hepatocelular e inflamação. Após
necrose aguda intensa dos hepatócitos, a atividade sérica de ALT aumenta severamente nas 24 a 48 h, com
valores > 100 vezes o normal, atingindo atividade máxima nos 5 primeiros dias após a lesão. Se o evento nocivo
cessa, a atividade de ALT diminui gradualmente até o valor normal em 2 a 3 semanas. Apesar deste padrão ser
considerado clássico, algumas hepatotoxinas potentes não estão associadas à elevação da atividade de ALT
devido à inibição da transcrição gênica ou outras interferências na produção de ALT (p. ex., hepatotoxicidade
por aflatoxina B1 ou por microcistina). ALT em queda também pode indicar falta de hepatócitos viáveis no
estágio final da hepatite crônica.
Exemplos de hepatotoxinas necrosantes clássicas são tetracloreto de carbono, acetaminofeno (paracetamol) e
nitrosamina. Uma única exposição ao tetracloreto de carbono causa aumento brusco marcante de ALT, que se
resolve em 1 semana. Hepatotoxicidade induzida por paracetamol causa grande aumento de ALT e AST em 24
h, que pode diminuir para valores próximos ao normal em 72 h. Esta toxina é altamente dose­dependente, em
cães e gatos. Gatos são excessivamente suscetíveis, com sinais hematológicos após doses tão baixas quanto 125
mg. Em cães, a dose de 200 mg/kg pode representar risco à vida do animal. Necrose hepatocelular induzida por
nitrosaminas aumenta a atividade plasmática de ALT, mas não significativamente, até 1 semana após a
exposição crônica intermitente. A atividade de ALT persiste por semanas, até que a necrose se resolva.
Degeneração hepatocelular de baixo grau, observada em alguns cães com shunt portossistêmico congênito,
reflete retardo da depuração enzimática e baixo grau de redução dos hepatócitos; a maioria desses cães não
apresenta características histológicas compatíveis com a liberação de ALT.
Necrose hepática aguda causada por hepatite infecciosa canina aumenta a atividade plasmática de ALT em 30
vezes, com valor máximo em 4 dias. Depois disso, a atividade sustentada e crônica de ALT persiste, uma vez
que cães incapazes de eliminar os vírus desenvolvem hepatite crônica. Doenças hepáticas induzidas por toxinas
normalmente causam aumento, valor máximo e retorno ao valor basal da atividade plasmática de ALT mais
rápido do que ocorre nas hepatites virais. Hepatite crônica, uma enfermidade necrótica­inflamatória persistente
em cães, está relacionada com a necrose e fibrose de gravidade variável e doença cíclica associada a episódios
de elevações da atividade enzimática no plasma. Às vezes, a atividade plasmática de ALT é > 10 vezes o
normal. Flutuações enzimáticas contrastam com perfis associados a eventos nocivos únicos. Em cães com
hepatite, a atividade sérica de ALT diminui assim que a lesão se resolve, porém a atividade sérica da ALP pode
aumentar como resultado de doenças regenerativas. Cães tratados com glicocorticoides podem exibir atividade
de ALT levemente aumentada, que se resolve algumas semanas após a suspensão do hormônio.
Apesar da alta sensibilidade da ALT na detecção de doença hepática, sua baixa especificidade para diferenciar
clinicamente doenças hepáticas importantes, anormalidades histológicas específicas ou disfunção hepática
requer seja interpretada juntamente com outros testes diagnósticos.
Aspartato Aminotransferase: AST está presente em concentrações consideráveis em grande variedade de tecidos.
Atividade de AST aumentada pode refletir alterações reversíveis ou irreversíveis na permeabilidade da
membrana hepatocelular, necrose celular, inflamação hepática e, em cães, indução de enzimas microssomais.
Após necrose hepática aguda grave difusa, a AST sérica aumenta muito nos primeiros 3 dias, com valores 10 a
30 vezes acima do normal, em cães, e até 50 vezes acima do normal, em gatos. Se a necrose se resolve, a
atividade de AST diminui gradualmente em 2 a 3 semanas. Na maioria dos casos, alterações na atividade de
AST são paralelas àquelas da ALT.
Embora o aumento da atividade de AST na ausência de anormalidade da atividade de ALT implica fonte
enzimática extra­hepática (provavelmente, lesão muscular), há exceções clínicas que podem estar relacionadas
com a gravidade e à localização zonal da lesão hepática. Em alguns gatos com doença hepática, AST é um
marcador mais sensível de lesão hepática do que ALT (p. ex., necrose hepática, colangioepatite, doença
mieloproliferativa, linfoma hepático infiltrativo e OEHDB). Também se evidencia tendência similar em alguns
cães. Cães tratados com glicocorticoides podem apresentar atividade de AST ligeiramente aumentada, que
normaliza algumas semanas após a suspensão do hormônio.
FOSFATASE ALCALINA: O aumento da atividade de fosfatase alcalina (ALP) em cães é a anormalidade
bioquímica mais comum verificada nos exames bioquímicos de rotina; sua alta sensibilidade e baixa
especificidade podem ser um desafio à interpretação diagnóstica, sem biopsia hepática. A atividade de ALP em
cães tem a menor especificidade dentre as enzimas hepáticas avaliadas na rotina, em razão da complexidade
associada à indução de diferentes isoenzimas.
Em cães e gatos, os tecidos que contêm as maiores atividades de ALP (em ordem decrescente) são intestinos,
rins (córtex), placenta (apenas em cães), fígado e ossos. Diferentes isoenzimas ALP séricas podem ser extraídas
de alguns dos seguintes tecidos, em cada espécie; por exemplo, osso (B­ALP); fígado (L­ALP) e isoenzinas
induzidas por glicocorticoide (G­ALP) no soro de cães. Nesses animais, L­ALP e G­ALP são responsáveis
principalmente pelo aumento da atividade sérica de ALP, enquanto em gatos a L­ALP é a principal responsável.
Nota­se elevação da atividade de ALP em até 75% dos gatos com hipertireoidismo, dependendo da cronicidade
da doença, com contribuição substancial da B­ALP.
A pequena magnitude da atividade de ALP em gatos com hepatopatia (2 a 3 vezes o normal)
comparativamente aos cães (normalmente 4 a 5 vezes) reflete a menor atividade específica da ALP no fígado de
felinos, bem como sua meia­vida curta. No entanto, a atividade de ALP continua sendo clinicamente útil no
diagnóstico de doença hepática em felinos quando se mantém a perspectiva apropriada à espécie.
A utilidade da atividade sérica da ALP como indicador diagnóstico em cães é prejudicada pelo acúmulo,
comum, das isoenzimas L­ALP e G­ALP, as quais podem ser induzidas por hormônios esteroidogênicos.
Como a isozima B­ALP aumenta secundariamente à atividade osteoblástica, ela é detectada em animais
jovens em fase de crescimento e naqueles com tumor ósseo, hiperparatireoidismo secundário renal e
osteomielite. Porém, a pequena contribuição da B­ALP na atividade sérica total normalmente não ocasiona erro
de diagnóstico na doença hepática colestática. Remodelamento ósseo secundário à neoplasia pode não
influenciar substancialmente a atividade sérica de ALP ou apenas causa aumento irrelevante (2 a 3 vezes) em
cães. Em gatos jovens em fase de crescimento, a maior atividade de B­ALP pode estimular a atividade da
enzima, notada nas doenças hepatobiliares.
ALT é liberada imediatamente do citosol do hepatócito na necrose hepática aguda, o que não acontece com a
pequena quantidade de ALP associada à membrana. Demoram vários dias para que indução da enzima de
membrana aumente, com liberação à circulação sistêmica. A elevação da atividade sérica de ALP reflete o
aumento de nova síntese hepática, lesão de canalículos biliares, colestase e solubilização de seu fator de fixação
às membranas (pelos sais biliares). O maior aumento da atividade sérica da ALP (L­ALP e/ou G­ALP = 100
vezes o normal) é notado em cães com distúrbio colestático focal ou difuso, carcinoma hepatocelular extenso,
carcinoma de ducto biliar e naqueles expostos a hormônios esterodoigênicos.
Enquanto a atividade sérica de ALP pode estar normal ou ligeiramente aumentada em cães com neoplasia
metastática envolvendo o fígado, ela pode estar acentuadamente elevada na neoplasia mamária. Nota­se
atividade sérica elevada de ALP em cerca de 55% dos cães com tumores malignos e 47% daqueles com
neoplasia mamária benigna; a maior atividade de ALP é observada em cães com tumores malignos mistos.
Contudo, ALP sérica não tem valor como indicador diagnóstico ou prognóstico de câncer mamário; não está
claro se a remissão da doença (por cirurgia, quimioterapia) é seguida de diminuição da atividade sérica de ALP
ou se a atividade sérica desta enzima atua como um marcador paraneoplásico.
Após necrose hepática aguda grave, a atividade de ALP aumenta 2 a 5 vezes, em cães e gatos, se estabiliza e,
então, diminui gradualmente em 2 a 3 semanas. Atividade de ALP normal está relacionada com hiperplasia de
epitélio biliar. Em gatos, OEHDB resulta em aumento de 2 vezes na atividade de ALP em 2 dias, bem como
aumento de 4x em 1 semana e elevação de até 9x em 2 a 3 semanas. Depois disso, a atividade se estabiliza e
diminui gradativamente, mas normalmente não retorna ao valor basal; a diminuição da atividade enzimática
acompanha o desenvolvimento de cirrose biliar. Distúrbios inflamatórios envolvendo estruturas caniculares ou
biliares ou anormalidades que comprometem o fluxo biliar aumenta a atividade sérica de ALP devido à
inflamação/ruptura da membrana e acúmulo local de ácidos biliares. Tanto em cães como em gatos, aumentos
similares na atividade sérica de ALP são notados na colestase intra–hepática espontânea ou na obstrução que
envolve estruturas biliares extra­hepáticas. Consequentemente, a atividade de ALP não permite diferenciar
distúrbios colestáticos intra e extra­hepáticos.
Várias doenças hepáticas primárias e enfermidades extra­hepáticas estão associadas a aumento de L­ALP. Em
cães, lipidose hepática (p. 472) está associada a aumento marcante na atividade total de ALP e icterícia intensa.
A elevação de ALP parece refletir disfunção ou compressão canalicular. Embora a ALP em gatos raramente seja
influenciada por anticonvulsivantes ou glicocorticoides, ela pode aumentar no diabetes melito, no
hipertireoidismo e na pancreatite.
Em cães, inflamação hepática primária assim como infecção ou inflamação sistêmica e exposição a
hormônios esterodoigênicos podem induzir hepatopatia vacuolar (HV). Quando grave, a HV tem um efeito
colestático, causando compressão canalicular. Embora a HV tenha sido inicialmente caracterizada como uma
lesão induzida por glicocorticoides, está agora estabelecido que aproximadamente 50% dos cães com HV não
apresentam exposição comprovada a substâncias esterodoigênicas. Cães cronicamente enfermos podem
produzir a isoenzima G­ALP secundária à liberação de glicocorticoides endógenos induzida por estresse. Cães
cronicamente doentes, com HV (sem exposição a glicocorticoides exógenos) podem apresentar resposta normal
aos testes de supressão da dexametasona e do ACTH. Em alguns cães, a elevação de ALP associada à HV
sinalizam a presença de hiperplasia adrenal atípica relacionada com a produção anormal de hormônios sexuais.
Não há relação consistente entre a magnitude da atividade sérica de ALP, o aumento da atividade de G­ALP e
lesão histológica. Infelizmente, G­ALP não é útil para a caracterização da síndrome, uma vez que pode ser a
enzima predominante em cães tratados com glicocorticoides e naqueles com hiperadrenocorticismo espontâneo
ou iatrogênico, neoplasia hepática ou extra­hepática, inflamação e várias doenças crônicas, inclusive doenças
hepáticas primárias.
A magnitude da atividade de ALP induzida pela administração exógena de glicocorticoides depende do tipo
de fármaco e da dose administrada e da resposta do indivíduo. A produção de G­ALP não implica que um cão
tratado com cortisona apresenta hiperadrenocorticismo congênito, supressão do eixo pituitária­adrenal ou HV
clinicamente relevante. Comparativamente, o fígado felino é relativamente insensível aos glicocorticoides.
Em cães, a atividade sérica total de ALP e da isozima L­ALP pode também ser induzida pela administração
de alguns anticonvulsivantes (fenobarbital, primidona e fenitoína) e outros fármacos; a atividade de ALP
normalmente aumenta 2 a 6 vezes. Por outro lado, as atividades séricas de ALP e L­ALP não aumentam em
gatos, após administração de fenobarbital (16,25 mg, 2 vezes/dia), durante 30 dias.
GAMAGLUTAMILTRANSFERASE: Gamaglutamiltransferase (GGT) é uma glicoproteína de membrana com função
crítica na desintoxicação celular; confere resistência contra várias toxinas e medicamentos. A concentração
tissular mais elevada de GGT em cães e gatos é notada nos rins e no pâncreas, com menores concentrações no
fígado, vesícula biliar, intestinos, baço, coração, pulmões, músculo esquelético e eritrócitos. A GGT sérica é
oriunda principalmente do fígado, embora haja variações consideráveis entre espécies quanto sua localização
neste órgão.
Necrose aguda difusa grave está associada a nenhum ou aumento apenas discreto (1 a 3 vezes o valor normal)
na atividade de GGT, que se resolve em cerca de 10 dias. Em cães com OEHDB, a atividade sérica de GGT se
eleva 1 a 4 vezes acima do normal, em 4 dias, e 10 a 50 vezes, em 1 a 2 semanas. Depois disso, os valores
podem se estabilizar ou continuar aumentando atingindo valor tão elevado quanto 100 vezes. Em gatos com
OEHDB, a atividade sérica de GGT pode aumentar até 2 vezes, em 3 dias, 2 a 6 vezes, em 5 dias, 3 a 12 vezes,
em 1 semana, e 4 a 16 vezes, em 2 semanas. Glicocorticoides e outros indutores de enzimas microssomais
podem estimular a produção de GGT em cães, à semelhança do que acontece com ALP. A administração de
dexametasona (3 mg/kg, 1 vez/dia) ou prednisona (4,4, mg/kg, IM, 1 vez/dia) aumenta a atividade de GGT em 4
a 7 vezes acima do normal, em 1 semana, e até 10 vezes, em 2 semanas. Cães tratados com fenitoína ou
primidona apresentam apenas um aumento modesto da atividade sérica de GGT (até 2 a 3 vezes), exceto quando
desenvolvem hepatotoxicose pela ação de anticonvulsivantes, na qual nota­se aumento marcante da atividade
enzimática.
Gatos com doença hepática necrosante­inflamatória avançada, OEHDB ou colestase inflamatória intra­
hepática podem apresentar um aumento maior da atividade de GGT, em comparação com a ALP.
Glicocorticoides e outros indutores enzimáticos em cães não afetam clinicamente a GGT sérica em gatos. A
variação normal da atividade de GGT felina é muito mais estreita e menor do que aquela verificada em cães;
portanto, os testes devem ser sensíveis o suficiente para detectar baixa atividade de GGT.
Valores de GGT podem estar muito aumentados em cães e gatos com neoplasia hepática ou pancreática
primária. Porém, GGT não parece adequada para a detecção de metástase hepática em cães e gatos.
Assim como ALP, a GGT não apresenta especificidade para diferenciar entre doença parenquimal hepática e
doença biliar oclusiva. Não é tão sensível em cães quanto a ALP, embora apresente alta sensibilidade. Em gatos
com doença hepática inflamatória é mais sensível, porém menos específica, do que a ALP e essas duas enzimas
devem ser interpretadas simultaneamente. A probabilidade de que LH tenha se desenvolvido secundária à
doença hepática necrosante­inflamatória, OEHDB ou doença pancreática pode ser prevista avaliando o aumento
relativo de GGT, comparado com o de ALP. Com a exclusão desses distúrbios primários, gatos com LH
normalmente apresentam maior aumento de ALP, em comparação com GGT; isso tem importante utilidade
diagnóstica na diferenciação das causas primárias de LH.
Animais de várias espécies recém­nascidos, inclusive cães, mas não gatos, apresentam alta atividade sérica de
GGT secundária à ingestão de colostro.

BIOPSIA HEPÁTICA

Biopsias coletadas com agulha cortante (especialmente calibre 18) guiada por ultrassonografia podem propiciar
amostras muito pequenas ou fragmentadas para o diagnóstico preciso, devido à ausência de unidades acinares
representativas (pelo menos 15 tríades portais devem ser amostradas). Além disso, biopsias por agulha
normalmente permite a coleta de amostras apenas dos lobos esquerdos seguramente amostrados, as quais podem
não mostrar lesões que afetam os demais lobos hepáticos (colangioepatite em gatos). Biopsias com agulha
romba não guiadas por ultrassonografia são perigosas e não recomendadas. Laparotomia exploratória é mais
apropriada em animais com suspeita de linfadenomegalia hepática hilar ou mesentérica; envolvimento do ducto
biliar comum, vesícula biliar, intestino (p. ex., doença inflamatória do intestino, doença infiltrativa) ou pâncreas;
ou anormalidades múltiplas nos órgãos. Quando possível, biopsias das bordas ou biopsia por laparoscopia em
concha são métodos de escolha porque amostras de tamanhos adequados podem ser adquiridas, facilmente e de
maneira segura, de lobos hepáticos diversos, garantindo representação precisa da doença. Métodos
laparoscópicos não são recomendados quando doença comum do ducto ou vesícula biliar pode necessitar de um
procedimento de descompressão biliar, colecistectomia ou colestotomia. Biopsia hepática deve sempre ser
realizada mesmo se uma anormalidade biliar óbvia é o processo predominante e um distúrbio parenquimal pode
ser o processo doentio primário. Para determinar se uma hepatopatia primária há, é importante realizar a biopsia
do fígado normal quando lesões focais são identificadas independentemente da anormalidade focal identificada.
Exame de biopsia de rotina deve incluir a análise de um marcador citológico, coloração de Gram (se é
citologicamente identificada inflamação supurativa ou piogranulomatosa), coloração histológica, culturas
bacteriológicas aeróbicas e anaeróbicas do fígado e bile e quantificação das concentrações hepáticas de cobre,
ferro e zinco. Uma amostra de tecido deve também ser reservada para outros estudos específicos posteriores, se
necessário.
Antes da biopsia, a tendência de sangramento deve ser avaliada por uma revisão cuidadosa do histórico,
exame físico, esfregaço sanguíneo (para confirmar plaquetas = 100.000/μl), perfil de coagulação de rotina,
atividade do fator de Von Willebrand (vWF) em espécies propensas e tempo de sangramento da mucosa bucal.
Animais suspeitos a apresentar tendência de sangramento adquirida devem ser tratados com vitamina K1 (0,5 a
1,0 mg/kg, SC ou IM) em zero, 12 e 24 h antes da coleta do tecido. Se o tempo de sangramento da mucosa bucal
é > 5 min, indica­se uma transfusão de plasma recém–congelado. Tratamento adicional com acetato de
desmopressina (DDAVP, 0,3 a 1 μg/kg diluído em salina) aumenta o vWF em 2 vezes, em relação ao valor
basal, em 1 h, assim como a atividade plasmática do fator III. DDAVP pode iniciar um efeito hemostático em
cães com vWF tipo 1 (deficiência quantitativa parcial), porém não naqueles com doença causada por defeitos
qualitativos ou deficiência total de vWF.

CITOLOGIA HEPÁTICA
Aspirados por agulha fina guiados por ultrassom são utilizados rotineiramente para confirmar o diagnóstico de
lipidose hepática (LH) em gatos e para identificar inflamação séptica supurativa e neoplasia. Porém, o
diagnóstico definitivo de hepatopatia é impossível com aspirados hepáticos uma vez que a ausência da
arquitetura acinar compromete a orientação anatômica e interpretações corretas. Neoplasia ou sepse pode ser
excluída definitivamente por meio de citologia; também, frequentemente suspeita­se de doença inflamatória.
Citologia não deve ser a base para a recomendação de medicamentos imunomoduladores ou antibióticos ou
terapia de quelação prolongada para hepatopatia associada ao cobre.

COLECISTOCENTESE

Colecistocentese é a amostragem por aspiração da bile da vesícula biliar; isto pode ser completado usando uma
técnica percutânea guiada por ultrassom, por assistência laparoscópica ou durante cirurgia exploratória
abdominal. Amostras de bile são coletadas para exame citológico e cultura bacteriana. Complicações da
colecistocentese incluem extravasamento intraperitoneal de bile, hemorragia, hemobilia, bacteriemia e reação
vasovagal que pode resultar em parada respiratória, bradicardia grave e morte. Se há suspeita de mucocele da
vesícula biliar ou OEHDB, colecistocentese é contraindicada.

HEMATOLOGIA

Dependendo da gravidade da causa primária da doença hepática, pode­se observar anemia regenerativa ou não
regenerativa. Anemia grave ou aguda pode interferir na função hepática devido à hipoxia, causando alterações
nas membranas dos hepatócitos, levando à liberação de transaminases e indução de ALP. Alterações
morfológicas nas hemácias (poiquilócitos, hemácias irregularmente anormais) são comuns em gatos com
colangioepatite e lipidiose hepática (LH). Gatos com LH, colangioepatite grave e OEHDB também podem
desenvolver corpúsculos de Heinz, que causam hemólise. Na LH, a hipofosfatemia grave é secundária à
síndrome da realimentação, que pode causar hemólise grave o bastante para requerer transfusão sanguínea; isto
pode ser evitado pela administração de fluidoterapia suplementada com fosfato de potássio. Cães com doença
hepática necrosante e inflamatória difusa (perfusão sinusoidal alterada) podem apresentar hemácias com sinal de
rompimento microvascular (esquizócitos). Microcitose é comum no shunt portossistêmico congênito ou
adquirido.
Alterações na contagem e distribuição de leucócitos são variáveis. Leucocitose pode refletir lesão
inflamatória, infecciosa, necrótica ou neoplásica difusa infiltrativa no fígado, ou ação de glicocorticoides
endógenos ou exógenos. Leucopenia pode indicar sepse ou intoxicação. Na doença hepática necrosante
inflamatória difusa, a microvasculatura sinusoidal danificada pode provocar agregação plaquetária, contribuindo
para a ocorrência de trombocitopenia e coagulação intravascular disseminada (CID).

IMAGENS

RADIOGRAFIA: Radiografias abdominais de rotina são úteis na determinação do tamanho do fígado e de bordas
hepáticas irregulares. Densidades mineralizadas envolvendo o parênquima ou a trato biliar pode indicar estase
biliar, mineralização distrófica associada a malformação congênita, “saculação” de ducto adquirido, inflamação
crônico de ducto, ou cálculos biliares. Colelitíases com alto conteúdo de bilirubinato de cálcio são
radiograficamente visíveis. Um efeito de massa no quadrante cranial direito, na suspeita de OEHDB, pode
representar aumento da vesícula biliar, pancreatite, neoplasia ou peritonite biliar focal. Suspeita radiográfica de
efusão abdominal (detalhes abdominais tênues) podem levar ao diagnóstico de peritonite biliar. Gás no interior
do parênquima hepático ou em estruturas biliares indica doença efisematosa (p. ex., colecistite, coledoquite,
cisto biliar infectado, abscessos hepáticos, massa tumoral necrótica) e justificam terapia antimicrobiana
imediata, além de intervenção cirúrgica ou lavagem/aspiração percutânea guiada por ultrassom. Radiografia
torácica pode indicar sinais de doenças sistêmicas (p. ex., lesões metastásicas, fluido pleural). Linfadenopatia
esternal é comum em gatos com síndrome colangite/colangioepatite.
Radiografia contrastada do sistema biliar raramente é realizada. Colecistografia pode ser feita com contraste
iodado, por via oral ou IV. A distribuição e a concentração de contraste nas estruturas biliares é influenciada por
inúmeras variáveis, inclusive hiperbilirrubinemia e oclusão do ducto principal. Na melhor das hipóteses, esses
agentes podem revelar cálculos biliares, pólipos ou bile espessa, porém são insuficientes para confirmar
peritonite biliar ou para localizar o local de extravasamento. Tomografia computadorizada (TC), em várias
seções, é mais utilizada.
Radiografias contrastadas dos vasos da circulação porta são o padrão ouro para a confirmação de desvio
portossistêmico congênito. Radiografias devem ser obtidas nas posições laterais direita e esquerda e
ventrodorsal para melhor sensibilidade do teste. TC em multisseções propicia imagens excepcionais e está
gradualmente substituindo a portografia radiográfica porque permite injeção de contraste no vaso periférico,
pode capturar imagens em segundos e permite reconstrução anatômica tridimensional.
ULTRASSONOGRAFIA: As inúmeras utilidades diagnósticas da ultrassonografia incluem: 1) identificar distensão
e determinar a espessura das estruturas biliares; 2) verificar obstruções de ducto biliar comum; 3) detectar
mucocelas na vesícula biliar e colelitíase; 4) diferenciar entre anormalidades focais e difusas; 5) identificar e
determinar dimensões das lesões tumorais; 6) identificar pancreatite, linfadenomegalia mesentérica e peri­
hepática; 7) em associação com estudos vasculares, identificar anomalias vasculares portossistêmicas intra e
extra­hepática congênitas, APSS, fístula arteriovenosa e distensão venosa hepática compatível com congestão
passiva e 8) detectar efusão abdominal de pequeno volume. Entretanto, embora a ultrassonografia abdominal
tenha se tornado ferramenta indispensável de diagnóstico para acessar os sistemas hepático e biliar, seu uso
dependente muito do operador e os achados devem ser sempre confrontados com o histórico, achados nos
exames físicos e dados clinicopatológicos.
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA: TC em multisseções, disponível em clínicas especializadas, pode distinguir
lesão tumoral, detectar alterações na estrutura do parênquima hepático e sistema biliar, identificar coletite,
detectar perfusão hepática anormal (envolvendo a veia porta, artéria e veia hepática) e trombo portal e pode
detalhar a extensão da lesão traumática no sistema hepatobiliar.

OUTROS TESTES BIOQUÍMICOS SÉRICOS

ALBUMINA: Albumina é sintetizada exclusivamente pelo fígado e tem uma meia­vida estimada, em cães
normais, de cerca de 8 dias. Como estima­se que o fígado normal sintetiza o equivalente a 33% de sua
capacidade máxima de produzir albumina, ele tem uma capacidade de reserva. A função da albumina como uma
molécula transportadora é essencial para manter normais as interações fármacos­receptores. Nas doenças
hepáticas, as funções de transporte da albumina podem diminuir, aumentando o risco de reações adversas (há
mais fármaco livre ou não ligado). O importante papel da albumina na manutenção da pressão osmótica coloidal
reflete seu baixo peso molecular, comparado às outras proteínas plasmáticas, e sua alta concentração
intravascular. Na inflamação ou na desnutrição, pode haver aumento da taxa de extravasamento transcapilar de
albumina; isto aumenta a redistribuição da albumina e inicia um quadro de hipoalbuminemia em pacientes com
doenças hepáticas necrosante­inflamatórias, muito antes de surgir ascite.
A albumina também atua como sequestrador de radicais oxigênio e outros agentes oxidantes. Esses efeitos
antioxidantes podem estar comprometidos nas hepatopatias necrosante­inflamatórias e na insuficiência hepática
fulminante. Qualquer processo nocivo que promova um ambiente oxidativo (p. ex., diabetes melito, doença
renal, insuficiência hepática) pode danificar irreversivelmente a molécula de albumina, ocasionando aumento do
metabolismo dessa proteína (síntese e catabolismo).
Tendências iniciais de hipoalbuminemia normalmente refletem inflamação sistêmica (efeito de fase aguda
negativo). Apenas na insuficiência hepática grave (p. ex., hepatite crônica progressiva) a baixa síntese é o fator
desencadeante de hipoalbuminemia. Doença glomerular ou enteropatia com perda de proteína deve ser excluída
como causa de hipoalbuminemia; causas glomerulares estão associadas à proporção urina:creatinina > 3 e
hipercolesterolemia.
BILIRRUBINA: Bilirrubina total > 2,5 a 3,0 mg/dl resulta em icterícia clínica. As concentrações de bilirrubina
podem aumentar devido a causas pré­hepáticas (p. ex., hemólise), causas hepáticas (p. ex., absorção
prejudicada, transporte intracelular, conjugação com glicuronídio ou excreção canalicular) ou colestase hepática
(OEHDB, ruptura do trato biliar). A concentração de bilirrubina total é muito variável nas diferentes doenças.
As concentrações são mais elevadas em cães com distúrbios hemolíticos e em gatos com lipidose hepática (LH)
e OEHDB. Bilirrubinúria pode ser detectada em cães normais, devido sua capacidade de conjugar bilirrubina
nos rins (baixo limiar renal). Todavia, bilirrubinúria em gatos não é normal e sempre deve ser investigada. A
mensuração das frações da bilirrubina total, bilirrubina direta (conjugada) e bilirrubina indireta (não conjugada)
têm pouca utilidade diagnóstica.
As causas comuns de hiperbilirrubinemia incluem: aumento da liberação de hemoproteínas (p. ex., anemia
hemolítica, eritropoese inefetiva, hemorragia em cavidade corporal), oclusão do ducto biliar, ruptura do trato
biliar, colestase intra­hepática, prejuízo ao processamento hepatobiliar de bilirrubina e sepse, entre outros. Cães
com icterícia e gatos que apresentam anemia regenerativa devem ser testados quanto a distúrbios hemolíticos,
inclusive anemia hemolítica imunomediada. Hemólise com corpúsculos de Heinz, intoxicação por zinco e
eritroparasitas (inclusive Mycoplasma hemotrófico [cães e gatos] e Babesia [cães]). Bilirrubina ligada à
albumina por meio de ligação covalente (complexo biliproteico) permanecem na circulação e não são excretadas
na urina. Retenção crônica pode ocasionar icterícia tissular na ausência de bilirrubina, muito após a cura do
distúrbio colestático.
BUN E CREATININA: Não há alteração característica nas concentrações de nitrogênio ureico sanguíneo (BUN) ou
de creatinina em animais com hepatopatia, exceto valores diminuídos em pacientes com shunt portossistêmico e
em cães sob dietas com restrição de proteínas, formuladas para minimizar os sinais clínicos de encefalopatia
hepática. BUN reflete várias condições sistêmicas, inclusive estado de hidratação, suporte nutricional,
hemorragia intestinal, catabolismo tecidual e capacidade hepática de desintoxicação da amônia. Anorexia, dieta
com baixo teor proteico ou insuficiência hepática pode resultar em concentração normal ou subnormal de BUN,
enquanto valores aumentados em relação à creatinina podem refletir desidratação ou hemorragia intestinal.
Diminuição de BUN e, frequentemente, de creatinina pode estar associada a desvio portossistêmico. O maior
turn over de água eleva a taxa de filtração glomerular em até 2 vezes e contribui para ocorrência de poliúria
(PU) e polidipsia (PD) nesses pacientes. A menor síntese hepática de creatina também contribui para a
diminuição de creatinina em pacientes com insuficiência hepática, considerando que a creatinina depende da
síntese hepática de creatina na via transmetilação. Comparada a BUN, a concentração sérica de creatinina é
menos influenciada pelo teor proteico da dieta.
GLICOSE: Hipoglicemia não é comum na doença hepática adquirida, exceto no estágio final de cirrose ou na
insuficiência hepática fulminante. A incapacidade de armazenar glicogênio hepático ou converter glicogênio em
glicose é mais comum em cães de raças pequenas neonatos e jovens com shunt portossistêmico congênito.
Devem ser consideradas outras causas de hipoglicemia, inclusive sepse, insulinoma, sobredose iatrogênica de
insulina, distúrbios raros de armazenamento de glicose ou efeitos paraneoplásicos em animais com neoplasias
hepáticas (carcinoma ou adenoma hepatocelular canino) ou outros tumores.
COLESTEROL: Todas as células do corpo, exceto os eritrócitos, podem sintetizar colesterol para uso intracelular.
O colesterol utilizado em lipoproteínas plasmáticas é sintetizado apenas no fígado e no intestino delgado distal.
A bile é a principal via de excreção de colesterol. Concentração sérica de colesterol diminuída pode refletir
fatores endócrinos, metabólicos e nutricionais, assim como insuficiência hepática e desvio portossistêmico.
Doenças extra­hepáticas associadas à hipocolesterolemia incluem hipoadrenocorticismo, má digestão/má
absorção, inanição grave, caquexia, sepse e hipotireoidismo (gatos); causas hepáticas incluem desvio
portossistêmico (congênito ou adquirido) e insuficiência hepática grave (p. ex., na insuficiência hepática
fulminante). Colesterol elevado é mais comum em animais doentes e requer considerações cuidadosas quanto a
distúrbios extra­hepáticos potencialmente associados, inclusive hipertireoidismo, diabetes melito, pancreatite,
síndrome nefrótica, dislipidemias idiopáticas e, raramente, efeito pós­prandial. Hipercolesterolemia
normalmente é observada na OEHDB e em alguns animais com colestase intra­hepática difusa e regeneração
hepática.

TESTES DE COAGULAÇÃO

Anormalidades na coagulação podem ocorrer como resultado da menor produção ou ativação dos fatores de
coagulação produzidos no fígado (fatores V, VII, IX, X, XI, XII, fibrinogênio, protrombina, antitrombina III,
plasminogênio, a2­macroglobulina e a1­antitripsina). A diminuição na absorção gastrintestinal de vitaminas
lipossolúveis pode ocasionar sangramento responsivo à vitamina K em animais com OEHDB ou com ducto
biliar lesionado por complexos imunes (colangite esclerosante felina) ou em gatos com lipidose hepática. Gatos
são predispostos a coagulopatias responsivas à vitamina K. Avaliação convencional da coagulação normalmente
não evidencia coagulopatias não suspeitas após exame físico, análise de urina ou fezes ou teste do tempo de
sangramento da mucosa. Cães com shunt portossistêmico congênito ou adquirido normalmente apresentam
baixa atividade de proteína C (< 70%) que, aparentemente, reflete a gravidade deste shunt.

TESTES DE FUNÇÃO HEPÁTICA

ÁCIDOS BILIARES TOTAIS SÉRICOS (ABTS): As concentrações de ABTS podem detectar distúrbios colestáticos e
condições associadas a desvios portossistêmicos, com sensibilidade. ABTS devem ser mensurados antes e 2 h
após as refeições; não é necessário jejum. Massa hepática insuficiente ou desvio da circulação porta para a
circulação sistêmica, via shunt portossistêmico extra­hepático (congênito ou adquirido) ou desvios intra­
hepáticos microscópicos (displasia microvascular congênita) ocasionam alta concentração de ABTS,
principalmente nas amostras pós­prandiais. Concentrações de ABTS normalmente são menores antes das
refeições do que 2 h após, porém cerca de 15 a 20% dos cães e 5% dos gatos apresentam concentrações de
ABTS pré­refeição maiores que aquelas pós­prandiais. Concentrações > 25 μmol/l, em cães, e > 20 μmol/l, em
gatos, devem ser consideradas anormais tanto pré quanto pós­prandial. Porém, amostras aleatórias em jejum e a
coleta de apenas amostras pós­prandiais podem mascarar a detecção de valores anormais. Como os ácidos
biliares pós­prandiais são indicadores mais sensíveis de colestase do que a bilirrubina total, a mensuração de
ABTS é desnecessária na icterícia não hemolítica. O uso de ABTS como teste de função hepática pode ser
indicado quando há necessidade de biopsia do fígado. ABTS pode estar aumentado em distúrbios hepáticos
secundários a outras doenças orgânicas primárias como, por exemplo, doença inflamatória do intestino,
pancreatite e hiperadrenocorticismo.
AMÔNIA: A concentração sanguínea de amônia pode indicar disfunção hepática associada à encefalopatia
hepática. A amônia é derivada, predominantemente, da degradação proteica, sendo mais produzida no intestino,
a partir de alimentos consumidos e a ação da urease bacteriana intestinal que cataboliza ureia em amônia e
dióxido de carbono. O transporte portal de amônia do intestino para o fígado resulta em desintoxicação direta de
85%, em ureia. Nota­se prejuízo à depuração nos distúrbios associados a desvio portossistêmico e na
insuficiência hepática fulminante. Como a amônia não é afetada pela colestase, ela não é influenciada por
distúrbios hepáticos que não causam desvio da circulação portossistêmica.
Embora a amônia seja considerada a principal causa de encefalopatia hepática, animais com sinais evidentes
desta enfermidade podem apresentar concentração sanguínea aleatória normal de amônia devido a complexos
mecanismos fisiopatológicos primários desta síndrome. Um único valor de amônia normal não permite excluir
encefalopatia hepática em animais com suspeita de doença hepática crônica e mensurações seriadas de amônia
podem não se correlacionar a um quadro clínico progressivo de encefalopatia hepática. Portanto, não se pode
confiar na dosagem de amônia no diagnóstico de encefalopatia hepática.
A mensuração da concentração sanguínea de amônia é complexa. Falsos aumentos de amônia podem refletir
coleta de sangue lenta, aplicação de torniquete muito apertado, condições que promovem a liberação muscular
de amônia (convulsões ou traumatismos), contaminação das amostras e geração espontânea nas amostras não
resfriadas adequadamente após a coleta ou não prontamente examinadas. A amônia é altamente volátil e as
amostras não podem enviadas para análise via correio. Amostras de sangue devem ser coletadas em tubos pré­
resfriados e transportadas em gelo derretido ao laboratório onde serão realizadas as análises, dentro de 20 min.
A padronização das metodologias enzimáticas é difícil. Também, existem causas extra­hepáticas de
hiperamonemia. A mais comum é a infecção bacteriana do trato urinário por microrganismos produtores de
urease, associada com uroabdômen ou doença urinária obstrutiva.
Se uma concentração aleatória de amônia encontra­se dentro dos limites normais, porém há suspeita de
insuficiência hepática e shunt, pode­se realizar o teste de tolerância à amônia (TTA). Deve­se administrar, VO,
100 mg de cloreto de amônia/kg, em uma solução 5% (pode induzir vômito), ou 2 ml/kg de uma solução 5%,
VR, 30 min após um enema. A amônia sanguínea é dosada 20, 30, 40 e 60 min após a administração. TTA deve
ser realizado com cautela devido ao risco de encefalopatia hepática (EH) iatrogênica em pacientes suscetíveis.
A presença de cristais de biurato de amônio na urina de animais com ABTS elevado é patognomônico de
hiperamonemia e desvio portossistêmico. Um mínimo de três amostras de urina coletadas diariamente, em
intervalos, devem ser analisadas para aumentar a possibilidade de identificação dos cristais. Em animais
submetidos à dieta com restrição proteica, com ração formulada especificamente para insuficiência hepática,
pode ser difícil identificar biur ato de amônio devido sua alta eficiência em controlar hiperamonemia.

PÂNCREAS EXÓCRINO

O pâncreas tem funções exócrinas e endócrinas. O pâncreas exócrino é composto de células pancreáticas
acinares e um sistema de ductos que alcançam o duodeno proximal. As células pancreáticas acinares sintetizam
e secretam enzimas digestivas, essenciais à digestão de componentes alimentares complexos, como proteínas,
triglicerídios e carboidratos. O pâncreas exócrino, também, secreta outras substâncias essenciais, como grande
quantidade de bicarbonato, que tampona o ácido gástrico, fatores intrínsecos, necessários para absorção de
cobalamina e colipase, para absorção de lipídios.

ABSCESSOS PANCREÁTICOS

Por definição, um abscesso pancreático é uma coleção de pus, geralmente nas proximidades do pâncreas, com
pouca ou nenhuma necrose pancreática. Consideram­se os abscessos pancreáticos complicações da pancreatite.
Infecção bacteriana pode ou não estar presente, mas quase todos os casos descritos em pequenos animais eram
de abscessos estéreis. Os sinais clínicos são inespecíficos e podem incluir vômito, depressão, dor abdominal,
anorexia, febre, diarreia e desidratação. Em alguns animais a palpação abdominal revela uma massa no abdome
cranial. Achados clinicopatológicos comuns são neutrofilia com desvio à esquerda, aumento das atividades
séricas de amilase, lipase e das enzimas hepáticas e hiperbilirrubinemia. Concentrações séricas elevadas de TLI
e PLI não foram observadas em cães ou gatos com abscesso pancreático, porém relatos anedóticos sugerem que
ambos os parâmetros séricos aumentam nesses pacientes. Drenagem cirúrgica e terapia antimicrobiana agressiva
são as escolhas terapêuticas em pacientes humanos com abscessos pancreáticos infectados. Cães e gatos
também podem responder favoravelmente à drenagem cirúrgica. Entretanto, em um estudo, notou­se que apenas
pouco mais de 50% dos animais sobreviveram ao período pós­cirúrgico imediato. Desta forma, devido aos
resultados e riscos variáveis, dificuldades e custos associados à anestesia, cirurgia e cuidados pós­operatórios, o
procedimento cirúrgico não deve ser realizado, a menos que exista clara evidência de aumento da massa e/ou
sepse durante tratamento medicamentoso do animal.
INSUFICIÊNCIA PANCREÁTICA EXÓCRINA

IPE é uma síndrome causada por síntese e secreção deficiente de enzimas digestivas pela porção exócrina do
pâncreas. IPE é incomum em cães e mais rara ainda em gatos, embora seja o segundo distúrbio pancreático mais
comum em ambas as espécies.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: A causa mais comum de IPE em cães é atrofia acinar pancreática, enquanto a causa
mais comum em gatos, e a segunda mais comum em cães, é pancreatite crônica. Causas menos comuns de IPE
em cães e gatos incluem massas pancreáticas ou extrapancreáticas que levam à obstrução do ducto pancreático.
O pâncreas exócrino tem reserva funcional significativa, e é necessária a perda de 90% desta reserva para que
ocorram sinais clínicos de IPE. As enzimas acinares pancreáticas têm importante papel na assimilação dos
principais componentes alimentares e a deficiência de enzimas pancreáticas digestivas causa, principalmente,
má digestão. Entretanto, pacientes com IPE também mostram evidências de má absorção, cuja base patogenia
não está bem estabelecida (ver síndromes de má­absorção, p. 370). Os nutrientes restantes no lúmen intestinal
ocasionam fezes volumosas e pastosas e esteatorreia. A deficiência de nutrientes também causa perda de peso e
pode provocar deficiências vitamínicas. Em animais com IPE causada por pancreatite crônica, a destruição do
tecido pancreático pode não se restringir às células acinares, e pode se desenvolver diabetes melito
concomitante.
ACHADOS CLÍNICOS: IPE devido à atrofia acinar pancreática é mais frequente em cães jovens da raça Pastor
Alemão, embora tenham também sido descrita em animais das raças Colly de pelagem cresta e Eurasier. Cães e
gatos com IPE de outras causas geralmente são de meia–idade a idosos, de qualquer raça. Os sinais clínicos
mais frequentemente observados incluem polifagia, perda de peso e diarreia. Vômito e anorexia são observados
em alguns animais e podem ser sinais de doenças concomitantes, em vez de IPE. Em pequena parte dos gatos
com IPE, as fezes geralmente são pálidas, pastosas, volumosas e podem ter odor acentuado. Raramente pode­se
observar diarreia aquosa. O alto conteúdo de lipídios nas fezes podem levar à aparência gordurosa dos pelos,
especialmente nas regiões da cauda e do períneo.
DIAGNÓSTICO: A concentração sérica de IST = 2,5 μg/l (cães) ou = 8 μg/l (gatos) é diagnóstico para IPE. Como
a digestão de um macronutriente pode ser realizada por mais de uma enzima, a deficiência de secreção exócrina
pancreática não ocasiona, necessariamente, sinais clínicos. Por exemplo, alguns cães da raça Pastor Alemão
com IPE subclínica têm concentração sérica de IST muito diminuída, escassez de tecido pancreático exócrino,
mas sinais clínicos de IPE intermitentes ou ausentes.
Recentemente, foi desenvolvido e validado um novo teste para dosagem de elastase fecal em cães.
Infelizmente, alguns cães saudáveis ou com doença crônica do intestino delgado podem apresentar concentração
fecal de elastase reduzida, tornando esse teste menos confiável do que a concentração sérica de IST.
TRATAMENTO: A maioria dos cães e gatos com IPE pode ser tratada com sucesso por meio de suplementação
com enzimas pancreáticas. Formulações em pó são mais efetivas que cápsulas, comprimidos e, especialmente,
produtos revestidos para absorção intestinal. Inicialmente, deve­se administrar 1 colher de chá/10 kg de peso
corporal, para cães, em cada refeição e 1 colher de chá/gato, em cada refeição, para gatos. Quando há remissão
total dos sinais clínicos, a quantidade de enzimas pancreáticas pode ser gradualmente reduzida até obter a menor
dose efetiva. Todavia, deve­se considerar que a menor dose efetiva pode variar entre os lotes de enzimas.
Sangramento bucal foi observado em 3 de 25 cães com IPE tratados com suplementos de enzima pancreática, o
sangramento cessou nos 3 cães após redução da dose. A mistura do alimento com a formulação em pó também
pode diminuir a frequência deste efeito colateral.
Pâncreas fresco pode ser uma alternativa viável ao uso de pó; 30 a 90 g de pâncreas cru fatiado pode
substituir 1 colher de chá de extrato pancreático. Pâncreas cru pode ser mantido congelado por diversos meses,
sem perda da atividade enzimática. Não é necessária pré­incubação do alimento com as enzimas pancreáticas ou
suplementação com ácidos biliares. A terapia concomitante com antiácidos ocasiona poucos efeitos na
capacidade digestiva total e não é necessária em quase todos os pacientes com IPE.
Embora a suplementação de enzimas pancreáticas melhore os sinais clínicos em quase todos os animais, a
absorção de nutrientes, especialmente lipídios, não é normal. Foi sugerido o fornecimento de dieta pobre em
gordura para controlar a digestão prejudicada de lipídios, mas isto pode reduzir adicionalmente a absorção de
lipídios e acarretar deficiência de vitaminas lipossolúveis e/ou ácidos graxos essenciais. Alguns tipos de fibra
alimentar interferem na atividade das enzimas pancreáticas e, assim, deve­se fornecer uma dieta pobre em fibras
insolúveis ou não fermentáveis.
A suplementação enzimática, isoladamente, pode não propiciar a remissão completa dos sinais clínicos; deve­
se considerar a deficiência de cobalamina como possível causa. A absorção de cobalamina depende da síntese e
secreção adequada de fator intrínseco. Em cães e, especialmente em gatos, a maior parte do fator intrínseco é
secretado pelo pâncreas exócrino e > 80% dos cães e a maioria dos gatos com IPE apresentam deficiência de
cobalamina. Ainda, em um estudo realizado em cães com IPE a deficiência de cobalamina foi o único fator de
risco independente para prognóstico ruim. Dessa forma, as concentrações séricas de cobalamina e folato devem
ser rotineiramente avaliadas em pequenos animais com suspeita de IPE. Cães e gatos com deficiência de
cobalamina, supostamente pela marcante redução na concentração sérica de cobalamina, devem ser tratados
com cobalamina, por via parenteral. Foram relatadas outras hipovitaminoses. Por exemplo, notou–se deficiência
de vitamina K e consequente coagulopatia em gatos com IPE.
Alguns animais podem não responder à suplementação enzimática e terapia com cobalamina e provavelmente
apresentam doença de intestino delgado concomitante. Cães com IPE frequentemente apresentam
simultaneamente supercrescimento bacteriano no intestino delgado e podem necessitar terapia antimicrobiana,
enquanto gatos com IPE geralmente apresentam doença intestinal inflamatória concomitante.
PROGNÓSTICO: Na maioria dos casos, a IPE ocorre por perda irreversível de tecido acinar pancreático; a cura é
rara. No entanto, com tratamento apropriado e monitoramento, estes animais geralmente ganham peso
rapidamente, eliminam fezes firmes e podem viver normalmente.

NEOPLASIAS PANCREÁTICAS

As neoplasias do pâncreas exócrino podem ser primárias ou secundárias e podem ser classificadas como
benignas ou malignas. A maioria das neoplasias pancreáticas em cães e gatos é secundária.
Adenomas pancreáticos são tumores benignos que geralmente são únicos e podem ser diferenciados de
hiperplasia nodular pancreática pela presença de cápsula. Adenocarcinoma pancreático é a neoplasia primária
mais comum do pâncreas exócrino em cães e gatos, mas raramente é diagnosticado clinicamente em ambas as
espécies.
PATOGÊNESE: Neoplasias benignas podem causar transposição de órgãos da cavidade abdominal cranial.
Entretanto, na maioria dos casos essas alterações são subclínicas e geralmente o diagnóstico é estabelecido
como achado acidental na necropsia. Em casos raros, o crescimento da neoplasia pode obstruir o ducto
pancreático e causar atrofia secundária do restante do pâncreas exócrino, levando à IPE. No caso de
adenocarcinomas, pode ocorrer necrose do tumor, caso este cresça além de seu suprimento sanguíneo. A necrose
do tumor causa inflamação local, o que pode resultar em sinais clínicos de pancreatite. Neoplasias malignas
podem se disseminar para órgãos vizinhos ou distantes.
ACHADOS CLÍNICOS: O quadro clínico de cães e gatos com neoplasia do pâncreas exócrino é inespecífico e
muitos casos permanecem subclínicos até os estágios tardios da doença. Alguns animais demonstram sinais
clínicos sugestivos de pancreatite. Icterícia obstrutiva pode ser observada caso ocorra obstrução do ducto biliar.
Também há relatos de sinais clínicos relacionados com lesões metastáticas em alguns casos de adenocarcinoma
pancreático e podem incluir fraqueza, dor óssea ou dispneia. Recentemente, observou­se alopecia
paraneoplásica em gatos com adenocarcinoma pancreático.
DIAGNÓSTICO: Diversos achados inespecíficos, como neutrofilia, anemia, hipopotassemia, hiperbilirrubinemia,
azotemia, hiperglicemia e aumento da atividade das enzimas hepáticas foram observados em cães e gatos com
adenocarcinoma pancreático. Entretanto, os resultados de exames de sangue de rotina podem ser irrelevantes.
Aumento das atividades séricas de amilase e lipase e das concentrações de TLI e PLI não é comumente
observado em cães e gatos com adenocarcinoma pancreático, mas pode estar aumentado em ambas as espécies.
Os achados radiográficos também são inespecíficos na maioria dos casos. Achados anormais incluem redução
do contraste do abdome cranial, sugerindo efusão peritoneal, transposição do baço caudalmente e
sombreamento na região pilórica. Em alguns casos, as radiografias abdominais sugerem uma massa abdominal
cranial. Ultrassonografia abdominal geralmente mostra uma massa de tecido mole próxima ao pâncreas, mas em
muitos casos, o prolongamento da massa com o tecido pancreático não pode ser mostrado conclusivamente. As
lesões neoplásicas nos órgãos vizinhos também podem ser confundidas com o pâncreas. Finalmente, animais
com pancreatite grave podem apresentar imagem ultrassonográfica de massa na região do pâncreas que não
deve ser confundida com neoplasia pancreática.
Se há efusão peritoneal, uma amostra deve ser aspirada e submetida ao exame citológico. Entretanto, na
maioria dos casos, células neoplásicas não se desprendem facilmente na efusão peritoneal e estas não são
detectadas na citologia. Aspiração com agulha fina ou biopsia transcutânea guiada por ultrassonografia pode ser
uma tentativa quando massas suspeitas são vistas. Biopsia de massa pancreática guiada por ultrassonografia
pode permitir o diagnóstico definitivo em mais de 50% dos casos. Muitas vezes, o diagnóstico é estabelecido
por necropsia ou laparotomia exploratória.
TRATAMENTO E PROGNÓSTICO: Adenomas pancreáticos são benignos e teoricamente não requerem tratamento,
a menos que causem sinais clínicos. No entanto, uma vez que o diagnóstico final de adenocarcinoma
pancreático geralmente é estabelecido por meio de laparotomia exploratória, uma pancreatectomia parcial deve
ser realizada mesmo em casos de suspeita de adenoma pancreático. Nestes casos o prognóstico é excelente.
Adenocarcinomas pancreáticos geralmente aparecem no estágio final da doença, sendo muito comum doença
metastática no momento do diagnóstico tanto em cães quanto em gatos. Os locais comuns de metástase incluem
fígado, linfonodos torácicos e abdominais, mesentério, intestino e pulmões, mas também há relato de outros
locais de metástase. Nos poucos casos em que lesões metastáticas não são identificadas no momento do
diagnóstico, deve­se tentar a remoção cirúrgica do tumor, mas a retirada das margens cirúrgicas quase nunca é
possível e os proprietários devem ser comunicados sobre isso. Tanto a quimioterapia quanto a radioterapia têm
mostrado pouca eficácia em pacientes humanos e veterinários com adenocarcinoma pancreático. Logo, o
prognóstico para cães e gatos com esta neoplasia é ruim.

PANCREATITE

A pancreatite é a doença do pâncreas exócrino mais comum tanto em cães quanto em gatos. Pode ser aguda ou
crônica, dependendo se a doença ocasionou ou não alterações permanentes do parênquima pancreático,
principalmente atrofia e/ou fibrose. Tanto a pancreatite aguda quanto crônica pode ser grave e estar associada à
necrose pancreática e complicações sistêmicas. Logo, a diferenciação entre as duas formas tem pouco
significado clínico.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: A maioria dos casos de pancreatite em cães e gatos é idiopática. No entanto,
acredita­se que imprudência alimentar seja um fator de risco comum em cães. Traumatismo grave, como os que
podem ocorrer durante um acidente de trânsito ou em gatos com síndrome de elevação, pode causar pancreatite.
Cirurgia é também considerada um fator de risco para pancreatite, embora agora, acredita­se que a maioria dos
casos de pancreatite pós­cirúrgica seja decorrente de hipoperfusão pancreática durante anestesia. Doenças
infecciosas estão envolvidas, mas há pouca evidência de relação entre causa e efeito na maioria dos casos. Em
cães, a pancreatite foi associada à infecção com Babesia canis. Em gatos, Toxoplasma gondii e Amphimerus
pseudofelineus e peritonite infecciosa felina são consideradas mais importantes.
Vários medicamentos causam pancreatite em pessoas, mas pouquíssimos foram confirmados em cães e gatos.
Em geral, a maioria das drogas deve ser vista como causas potenciais de pancreatite; possivelmente as mais
prováveis são anticolinesterásicos, cálcio, brometo de potássio, fenobarbital, L­asparaginase, estrógeno,
salicilatos, azatioprina, diuréticos tiazinas e alcaloides da vinca.
Por fim, diversas lesões podem ocasionar pancreatite por um mecanismo comum. A secreção de suco
pancreático diminui durante os estágios iniciais da pancreatite. Em seguida, há acúmulo tanto de grânulos de
zimogênio quanto de lisossomos, levando à ativação do tripsinogênio em tripsina. A tripsina, por sua vez, ativa
mais tripsinogênio e também outros zimogênios. As enzimas digestivas ativadas prematuramente causam lesão
local do pâncreas exócrino com edema, sangramento, inflamação e necrose pancreática, além de necrose de
gordura peripancreática. O processo inflamatório também provoca recrutamento de leucócitos e produção de
citocinas. As enzimas ativadas e, principalmente, as citocinas circulam na corrente sanguínea e causam
complicações, como inflamação generalizada, CID, lipodistrofia disseminada, encefalopatia pancreática,
hipotensão, insuficiência renal, insuficiência pulmonar, miocardite ou mesmo insuficiência múltipla de órgãos.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos mais comuns observados em cães com pancreatite grave são anorexia
(91%), vômito (90%), fraqueza (79%), dor abdominal (58%), desidratação (46%) e diarreia (33%). Os sinais
clínicos em gatos com pancreatite grave são ainda menos específicos; os mais comumente observados incluem
anorexia (87%), letargia (81%), desidratação (54%), perda de peso (47%), hipotermia (46%), vômito (46%),
icterus (37%), febre (19%) e dor abdominal (19%). A baixa taxa de dor abdominal observada é notável, uma
vez que > 90% dos pacientes humanos com pancreatite relatam tal sintoma.
DIAGNÓSTICO: Histórico de imprudência alimentar associado a vômitos e dor abdominal pode sugerir
pancreatite em cães, mas a maioria dos gatos apresenta histórico e sinais clínicos inespecíficos. Os achados
hematológicos e o perfil bioquímico sérico podem sugerir uma doença inflamatória, mas são inespecíficos. Em
cães, é comum trombocitopenia e neutrofilia com desvio à esquerda. Azotemia e aumento do teor de bilirrubina
e das enzimas hepáticas são achados comuns e inespecíficos, tanto em cães quanto em gatos. Radiografias
abdominais podem revelar diminuição do detalhe da cavidade abdominal proximal e deslocamento de órgãos
abdominais, mas estes achados também são inespecíficos e um diagnóstico baseado apenas em achados
radiográficos não é confiável. Caso utilizem­se vários critérios, a ultrassonografia abdominal é altamente
específica para pancreatite, mas o aumento do pâncreas e acúmulo de líquido ao seu redor, isoladamente, não
são suficientes para o estabelecimento do diagnóstico. A associação de aumento do pâncreas, acúmulo de
líquido ao seu redor, alterações da ecogenicidade (redução da ecogenicidade nos casos de necrose pancreática,
aumento de ecogenicidade nos casos de fibrose sugerindo necrose lipídica peripancreática), e/ou massa
pancreática são altamente específicos para pancreatite. Deve­se ter cuidado para não superestimar os achados,
uma vez que equipamentos modernos de ultrassonografia têm resolução muito alta e hiperplasia nodular
pancreática pode levar a alterações na ecogenicidade sugerindo, falsamente, a presença de pancreatite. Ainda, a
sensibilidade da ultrassonografia abdominal depende muito do operador, alcançando sensibilidade tão elevada
quanto 35%, em gatos, e 68%, em cães, nas mãos mais experientes.
Diversos marcadores diagnósticos de pancreatite foram avaliados em cães e gatos. As atividades séricas de
amilase e lipase têm utilidade clínica limitada em cães e nenhuma em gatos. Em cães, um teste para análise
semiquantitativa da imunorreatividade da lipase pancreática sérica (SNAP cPL®) está disponível. Resultado
negativo neste teste sugere que é pouco provável que haja pancreatite. Resultado positivo sugere pancreatite e
deve­se examinar uma amostra de soro para a mensuração da imunorreatividade da lipase pancreática sérica
canina (ILPc, agora mensurada por um teste comercial, Spec cPL®), para confirmar o diagnóstico e determinar a
concentração basal. Isto permite o uso da concentração de ILPc sérica como ferramenta de monitoramento da
doença. Tanto em cães quanto em gatos, a concentração sérica de ILP (mensurada em cães pelo Spec cPL® e em
gatos pelo Spec fPL®) é extremamente específica quanto à função do pâncreas exócrino; também, é o teste
diagnóstico atualmente disponível mais sensível para pancreatite (sensibilidade > 80%).
Também, pode­se utilizar laparotomia exploratória para o diagnóstico definitivo de pancreatite. No entanto,
mesmo que a presença de pancreatite pareça óbvia (p. ex., congestão pancreática pode ser confundida com
pancreatite no exame macroscópico), deve­se coletar uma amostra por biopsia, uma vez que o diagnóstico
definitivo de pancreatite requer a identificação de infiltrado inflamatório em exame histopatológico. É difícil
excluir a possibilidade de pancreatite durante a laparotomia exploratória. Em muitos casos, a pancreatite
localiza­se apenas em um lobo do pâncreas e isto pode não ser notado quando uma única amostra por biopsia é
coletada. Além disso, pacientes com pancreatite grave geralmente apresentam alto risco anestésico e pode não
haver justificativa para realização de laparotomia exploratória.
TRATAMENTO: A base da terapia da pancreatite grave é o tratamento de suporte com fluidoterapia,
monitoramento rigoroso e intervenção precoce para evitar complicações sistêmicas. Nos poucos casos nos quais
a etiologia é conhecida, a terapia específica contra a causa incitante pode ser instituída. O valor dos antibióticos
é questionável e não devem ser utilizados rotineiramente. Descanso do pâncreas exócrino é apenas sugerido se o
paciente vomitar incontrolavelmente (ver p. 519). Deve­se presumir que exista dor abdominal e essa deve ser
tratada até que ocorra evidência contrária. Meperidina e butorfanol intermitentes podem ser utilizados em
pacientes com dor abdominal discreta a moderada. Pacientes com dor intensa são tratados frequentemente com
infusão em taxa de infusão contínua de fentanila, cetamina ou lidocaína. A administração de plasma parece
auxiliar em casos graves de pancreatite em cães. Deve ser fornecido diariamente até que a melhora seja
significativa ou efeitos adversos sejam observados. Muitos outros tratamentos têm sido testados em cães, gatos
e pessoas, mas infelizmente nenhum se mostrou útil.
Pacientes com formas leves de pancreatite devem ser avaliados cuidadosamente quanto à presença de fatores
de risco (p. ex., hipertrigliceridemia, hipercalcemia, histórico de medicação que causa pancreatite) e doenças
concomitantes (p. ex., colangite ou hepatite, doença inflamatória intestinal ou diabetes melito). Em cães,
refeições à base de ração com teor de lipídios muito baixo são cruciais para o sucesso do tratamento. Em gatos,
uma dieta com teor lipídico moderadamente baixo é recomendada. Fármacos antináusea são úteis aos animais
que não conseguem se alimentar devido às náuseas.
Se o paciente não responde à terapia, um teste com prednisona ou prednisolona pode ser realizado. Porém, o
uso indiscriminado de glicocorticoides nesses pacientes deve ser desaconselhado.
O prognóstico é bom em casos leves de pancreatite, mas é ruim em casos graves, tanto em cães quanto em
gatos. O desafio é a identificação precoce de casos graves durante o curso da doença e a prevenção de
complicações nesses animais.

PSEUDOCISTO PANCREÁTICO

Pseudocisto pancreático é uma coleção de fluido pancreático estéril revestida por uma parede de tecido fibroso
ou granulomatoso; também, estas estruturas são consideradas como complicações da pancreatite. Recentemente,
foram descritos diversos casos de pseudocistos pancreáticos em cães e gatos. Em geral, os sinais clínicos são
inespecíficos e semelhantes aos da pancreatite. O sintoma mais consistente em cães e gatos é vômito. Em alguns
casos, uma massa pode ser palpada no abdome cranial. Na ultrassonografia abdominal, pode­se identificar uma
estrutura cística bem próxima ao pâncreas. A aspiração do pseudocisto é relativamente segura e deve ser uma
tentativa com objetivo diagnóstico e terapêutico. O líquido oriundo de um pseudocisto pancreático deve conter
poucas células e não deve haver evidência de inflamação. Pseudocistos pancreáticos podem ser tratados
cirurgicamente ou com medicamentos. O tratamento medicamentoso envolve aspiração percutânea guiada por
ultrassonografia e monitoramento do tamanho do pseudocisto. Deve­se indicar um procedimento cirúrgico em
animais com sinais clínicos persistentes ou quando os pseudocistos não regridem ao longo do tempo.

PARASITOS GASTRINTESTINAIS DE PEQUENOS ANIMAIS


ACANTOCÉFALOS (Vermes de cabeça espinhosa)

Macracanthorhynchus sp

Macracanthorhynchus ingens, um parasito natural de guaxinins, é ocasionalmente encontrado em cães.


Geralmente nota­se um verme enrugado, branco e comprido (8 a 12 cm), nas fezes. Nenhum sinal clínico foi
associado à infecção. O ciclo biológico requer um inseto diplópodo como hospedeiro intermediário, mas outros
animais podem servir como hospedeiros paratênicos. Os ovos parecem aqueles de Oncicola canis, mas são
maiores (cerca de 50 × 100 μm). O diagnóstico de infecções patentes é improvável, pois as infecções
experimentalmente induzidas não persistem após 1 a 12 dias de patência. Tratamento não é necessário.

Oncicola sp

Oncicola canis raramente é encontrado no intestino delgado de cães e gatos, no ocidente. São brancos e
possuem cerca de 12 mm de comprimento e suas cabeças com espinhos ficam incrustadas na mucosa. As
fêmeas põem ovos marrons, de casca espessa, embrionados, ovais e largos (45 × 65 μm). O ciclo biológico não
é completamente conhecido, mas acredita­se que inclua um hospedeiro intermediário artrópode e hospedeiros
paratênicos, como perus ou tatus. A maioria das infecções não causa sinais clínicos.

ANCILÓSTOMOS

Ancylostoma caninum é a causa principal de ancilostomíase canina na maioria das áreas tropicais e subtropicais
do mundo. A. tubaeforme, de gatos, possui distribuição semelhante, porém mais escassa. A. braziliense, de gatos
e cães, se distribui escassamente da Flórida a Carolina do Norte, nos EUA. É também encontrado nas Américas
Central e do Sul e na África. Uncinaria stenocephala é o principal ancilóstomo canino nas regiões mais frias;
trata­se do ancilóstomo canino do Canadá e da fronteira norte dos EUA, onde é primariamente um parasito de
raposas. U. stenocephala também acomete gatos. Os machos de A. caninum têm cerca de 12 mm de
comprimento e as fêmeas, 15 mm; as outras espécies são um pouco menores. As larvas infectantes dos
ancilóstomos caninos, particularmente de A. braziliense, podem penetrar e se mover sob a pele do homem e
causar uma condição conhecida como larva migrans cutânea.
Os ovos alongados (> 65 μm) e de parede fina dos ancilóstomos nos estágios de clivagem iniciais (2 a 8
células) são eliminados nas fezes, pela primeira vez, 15 a 20 dias após a infecção; completam a fase de embrião
e eclodem em 24 a 72 h, em solo quente e úmido. A transmissão pode resultar da ingestão de larvas infectantes
do ambiente ou, no caso de A. caninum, do colostro ou leite de cadelas infectadas. As infecções por A. caninum
ou A. braziliense também podem resultar da invasão larval através da pele, mas essa via tem pouca importância
no caso de U. stenocephala. Em filhotes de cães, a penetração cutânea é seguida de migração das larvas, através
do sangue, para os pulmões, onde são expelidas por tosse e engolidas, para se tornar verme adulto no intestino
delgado. No entanto, nos animais com > 3 meses de idade, as larvas de A. caninum, após migração através dos
pulmões, ficam retidas nos tecidos somáticos. A parada de desenvolvimento também pode ocorrer na mucosa do
intestino delgado. Essas larvas latentes são ativadas após remoção dos vermes adultos do intestino ou durante a
prenhez, quando se acumulam nas glândulas mamárias.
ACHADOS CLÍNICOS: Em filhotes de cães, anemia normocítica normocrômica aguda, seguida de anemia

microcítica hipocrômica, é a manifestação clínica característica e frequentemente fatal de infecção por A.


caninum. Os filhotes sobreviventes desenvolvem baixa imunidade e exibem menos sinais clínicos. Entretanto,
os animais debilitados e desnutridos podem continuar a definhar e manter anemia crônica. Os cães adultos e
bem nutridos podem abrigar alguns vermes sem exibir sinais clínicos; representam séria preocupação como
fonte de infecção direta ou indireta de filhotes. Nas infecções graves nota­se diarreia com fezes escuras. Na
doença crônica, desenvolvem–se anemia, anorexia, emaciação e fraqueza.
Lesões: A anemia se deve diretamente da sucção de sangue e das úlceras hemorrágicas que ocorrem quando A.
caninum muda de locais de alimentação. Estimou­se que a quantidade de perda sanguínea devido a um único
verme, em 24 h, é de até 0,1 ml. Na ancilostomíase não complicada, não há interferência na eritropoese. O
fígado e outros órgãos podem parecer isquêmicos, com um grau discreto de infiltração hepática gordurosa.
Enterite hemorrágica com mucosa intestinal edemaciada e úlceras pequenas e vermelhas e com vermes aderidos
normalmente é observada em casos agudos e fatais. A. braziliense, A. tubaeforme, tampouco U. stenocephala
são hematófagos ávidos e raramente causam anemia. No entanto, hipoproteinemia é característica e o
extravasamento de soro ao redor do local de fixação no intestino pode reduzir o teor sanguíneo de proteínas em
> 10%.
Pode ocorrer dermatite devido à invasão cutânea da larva por qualquer ancilóstomo, mas é observada mais
frequentemente nos espaços interdigitais no caso de infecção por U. stenocephala. Podem ocorrer pneumonia e
consolidação pulmonar no caso de infecções graves em filhotes.
DIAGNÓSTICO: Os ovos de casca fina e ovais característicos são facilmente observados no exame de flotação de
fezes frescas de cães e gatos infectados (Ancylostoma spp: 52 a 79 × 28 a 58 μm; Uncinaria sp: 71 a 92 × 35 a
58 μm). Podem­se observar anemia aguda e morte decorrentes de infecções adquiridas pelo leite em filhotes de
cães, antes dos ovos serem eliminados nas fezes, ou seja, com até 1 a 2 semanas de idade.
TRATAMENTO E CONTROLE: As cadelas devem estar livres de ancilóstomos antes do acasalamento e devem ser
mantidas fora de áreas contaminadas durante a prenhez. As cadelas devem parir e amamentar os seus filhotes
em recintos higienizados. Em locais de clima quente, são melhores cercados de concreto que podem ser lavados
no mínimo 2 vezes/semana. Os cercados de areia ou de argila exposta ao sol podem ser descontaminados com
borato de sódio (1 kg/2 m2).
Em cães, as drogas e associações a seguir são aprovadas para o tratamento de infecções por A. caninum e U.
stenocephala: fembendazol, moxidecitina, nitroscanato e pirantel. A milbemicina também é aprovada para o
tratamento de infecções por A. caninum (Tabela 9). No caso de anemia grave, pode ser necessário incluir
transfusão sanguínea ou suplementação com ferro na terapia, seguida de dieta rica em proteínas até que o teor
de Hg esteja normal. A prevenção de ancilostomíase com milbemicina ou milbemicina/lufenuron também
controla A. caninum, enquanto pirantel/ivermectina, ivermectina/pirantel/praziquantel controla A. caninum e U.
stenocephala. Medicamentos preventivos de infecções por ancilóstomos contendo pirantel também são efetivos
contra A. braziliense (Tabela 9) e são aprovados para esse propósito. Finalmente, a formulação injetável de
moxidectina para prevenção de ancilostomíase em cães também tem eficácia significativa nas infecções por A.
caninum e U. stenocephala por, no mínimo, 3 meses.
Em gatos, as drogas aprovadas para o tratamento de A. tubaeforme incluem emodepsídeo, fembendazol,
ivermectina, milbemicina, moxidectina, pirantel e selamectina (Tabela 9). A prevenção de ancilostomíase com
ivermectina, milbemicina, milbemicina/praziquantel, moxidectina/imidacloprida ou selamectina controlam A.
tubaeforme, enquanto a ivermectina também controla A. braziliense (Tabela 10).
Tabela 9 – Fármacos com ação comprovada contra helmintos intestinais de cães aprovados nos EUA e no Reino Unido

(Continuacão)

Tabela 9 – Fármacos com ação comprovada contra helmintos intestinais de cães aprovados nos EUA e no Reino Unido
Fármaco/Combinação Dose Via de Contra Helminto Ativoa
(mg/kg) Administração

APROVADOS APENAS NOS EUA

Diclorofeno 220 VO Dipylidium caninum, Taenia pisiforms


Fembendazol 50, 1 VO Toxocara canis, Toxocaris leonina,
vez/dia, Ancylostoma caninum, Uncinaria
por 3 dias stenocephala, Trichuris vulpis, T pisiformis
Epsiprantel 5,5 VO D caninum, T pisiformis
Milbemicina oxima 0,5 VO T canis, T leonina, A caninum, T vulpis
Moxidectina 0,17 SC A caninum, U stenocephala
Piperazina (vários sais) 47 a 133b VO T canis, T leonina
Praziquantel 5 a 12,5 VO D caninum, T pisiformis, E granulosus C, E
multilocularis C
5 a 11,4 SC, IM D caninum, T pisiformis, E granulosus C, E
multilocularis C
Palmoato de pirantel 5 (10 para VO T canis, T leonina, A caninum, U
cães < stenocephala
2,3 kg)
Ivermectina + palmoato 0,006/5 VO T canis, T leonina, A caninum, A braziliense,
de pirantel U stenocephala
Praziquantel + palmoato 5/5 VO T canis, T leonina, A caninum, A braziliense,
de pirantel U stenocephala, D caninum, T pisiformis
Praziquantel + palmoato 5/5/25 VO T canis, T leonina, A caninum, U
de pirantel + febantel stenocephala, T vulpis, D caninum, T
pisiformis, E granulosus, E multilocularis
Praziquantel + palmoato 5/5/0,006 VO T canis, T leonina, A caninum, A braziliense,
de pirantel + U stenocephala, T vulpis, D caninum, T
ivermectina pisiformis
APROVADOS APENAS NO REINO UNIDO

Fembendazol 100 VO T canis, T leonina, Ancylostoma spp,


Uncinaria spp, Trichuris spp, Taenia spp
50, 1 VO T canis, T leonina, Ancylostoma spp,
vez/dia, Uncinaria spp, Trichuris spp, Taenia spp
por 3 dias
Nitroscanato 50 VO T canis, T leonina, A caninum, U
stenocephala, D caninum, T pisiformis,
Taenia hydatigena, E granulosus d
Praziquantel 5 VO D caninum, T pisiformis, Taenia multiceps, T
hydatigena, T ovis, E granulosus, E
multilocularis
3,5 a 7,5 SC IM D caninum, T pisiformis, E granulosus, E
multilocularis
Selamectina 6 tópica T canis
Febantel + embonato de 15/14,4 VO T canis, A caninum, T vulpis
pirantel
Milbemicina oxima + 0,5/5 VO T canis, T leonina, A caninum, T vulpis, D
praziquantel caninum, Taenia spp, E granulosus, E
multilocularis, Mesocestódios spp
Praziquantel + palmoato 5/14,4/15 VO T canis, T leonina, A caninum, T vulpis, D
de pirantel + febantel caninum, Taenia spp, E granulosus, E
multilocularis
Praziquantel + emboato 5/5/20 VO T canis, T leonina, A caninum, U
de pirantel + emboato stenocephala, T vulpis, D caninum, Taenia
de oxantel spp
APROVADO TANTO NOS EUA E NO REINO UNIDO

Milbemicina oxima + 0,5/10 VO T canis, T leonina, A caninum, T vulpis


lufenuron
Moxidectina + 2,5/10 tópica T canis, T leonina, A caninum, U
imidacloprida stenocephala, T vulpis
a Muitos desses fármacos são também aprovados para uso no tratamento de infcções por outros
tipos de parasitos (p. ex., pulgas, nematoides) não listados aqui.
b Repetir após 1 a 20 dias.
c Apenas alguns produtos.
d Auxilia no controle.

Tabela 10 – Fármacos para helmintos intestinais de gatos aprovados nos EUA e no Reino Unido

Fármaco/Combinação Dose (mg/kg) Via de Contra Helminto Ativoa


Administração

APROVADOS APENAS NOS EUA

Epsiprantel 2,75 VO Dipylidium caninum, Taenia taeniaeformis


Ivermectina 0,024 VO Ancylostoma tubaeforme, A braziliense
Milbemicina oxima 2 VO Toxocara cati, A tubaeforme
Piperazina (vários 47 a 103b VO T catic, Toxascaris leonina
sais)
Praziquantel 4,6 a 10 VO D caninum, T taenaeformis
5 a 10 SC, IM D caninum, T taenaeformis
Praziquantel + 5/20 VO T cati, A tubaeforme, D caninum, T
palmoato de pirantel taeniaeformis
APROVADOS APENAS NO REINO UNIDO

Fembendazol 50, 1 vez/dia, VO T cati, T leonina, A tubaeforme, A


por 3 dias; braziliense, Uncinaria stenocephala, Taenia
100 spp
Praziquantel 5 VO D caninum, T taeniaeformis, Echinococcus
multilocularis c
8 tópica D caninum, Taenia spp, E multilocularis
3,5 a 7,5 SC, IM D caninum, T taeniaeformis, Echinococcus
multilocularis c
Milbemicina oxima + 2/5 VO T cati, A tubaeforme, D caninum, Taenia
Praziquantel spp, E multilocularis
Praziquantel + 5/57,5 VO T cati, T leonina, D caninum, T taeniaeformis
palmoato de pirantel
APROVADO NOS EUA E NO REINO UNIDO

Selamectina 6 tópica T cati, A tubaeforme


Emodepsídeo + 3/12 Tópica T cati, A tubaeforme, D caninum, T
praziquantel taeniaeformis, T leoninad, E multilocularis d
Moxidectina + 1/10 tópica T cati, A tubaeforme
imidacloprida
a Muitos desses fármacos são também aprovados para uso no tratamento de infcções por outros
tipos de parasitos (p. ex., pulgas, nematoides) não listados aqui.
b Repetir após 1 a 30 dias.
c Apenas alguns produtos.
d Apenas no Reino Unido.
Ovos de ancilóstomos. Ancylostoma (esquerda) e Uncinaria (direita). Cortesia do Dr. Andrew Peregrine e do Ontario Veterinary College.

Quando filhotes neonatos morrem devido a infecções por ancilóstomos, as ninhadas subsequentes da cadela
devem ser tratadas contra A. caninum semanalmente por cerca de 12 semanas, com início na 2a semana de vida.
Além disso, o fembendazol (25 mg/kg, VO) administrado diariamente em cadelas prenhes, a partir do 40o dia de
prenhez até o 2o dia após o parto, reduz significativamente a transmissão transmamária aos filhotes. De forma
semelhante, o tratamento de cadelas com ivermectina (0,5 mg/kg), em 2 aplicações (4 a 9 dias antes do parto e
10 dias após), tem o mesmo efeito (uso extrabula).

FASCÍOLAS

Fascíolas Hepáticas

Nos ductos biliares e na vesícula biliar as fascíolas causam fibrose discreta a grave. Foram descritas várias
espécies de trematódeos distômicos do fígado de cães e gatos, na maior parte do mundo. As infecções leves
podem passar despercebidas; no entanto, na infecção grave os cães podem desenvolver fraqueza progressiva,
culminando em exaustão completa, coma e morte. A seguir, são apresentados alguns trematódeos mais
comumente encontrados.
Opisthorchis felineus é um parasito de ductos biliares e pancreáticos e de intestino delgado de cães e gatos
que vivem no leste da Europa e em partes da Ásia. O. viverrini é encontrado em cães, bem como em gatos
domésticos e silvestres no Sudeste Asiático. Essas duas espécies são pequenas (9 × 2 mm) e alongadas. O ciclo
biológico inclui alguns caramujos (Bithynia sp) e peixes ciprinídeos como hospedeiros intermediários. Uma
espécie relacionada, Clonorchis sinensis, a fascíola hepática oriental de humanos, também foi encontrada nos
ductos biliares e pancreáticos de cães, gatos e outros animais. É maior que Opisthorchis spp. Os ovos
operculados desses parasitos podem ser identificados nas fezes de animais infectados.
A presença, a longo prazo, dessas fascíolas no ducto biliar causa hiperplasia epitelial e fibrose da parede do
ducto. Nos casos crônicos e graves foram observados carcinoma hepático ou pancreático. O tratamento de
infecções por Opisthorchis spp em cães pode ser realizado com fembendazol (200 mg/kg, VO, 1 vez/dia, por 3
dias) ou praziquantel (20 mg/kg, VO, uma vez). O tratamento de infecções por C. sinensis em cães pode ser
feito com praziquantel (30 mg/kg, VO, 1 vez/dia, por 3 dias).
Platynosomum concinnum é uma fascíola pequena (6 × 2 mm) encontrada nos ductos biliares e pancreáticos
de felídeos do sudeste dos EUA, Porto Rico e outras ilhas do Caribe, América do Sul, algumas ilhas do Pacífico
e partes da África. O ciclo biológico inclui o caramujo Sublima octona e um crustáceo (piolho­da­madeira),
como hospedeiro intermediário, e algumas lagartixas, como hospedeiros paratênicos. Os gatos adquirem o
parasito por meio da ingestão de lagartixas infectadas. Em casos leves, podem­se observar sinais crônicos vagos
de definhamento. No entanto, as infecções graves podem causar a síndrome do “envenenamento por lagartixa”,
que se caracteriza por anorexia, vômitos persistentes, diarreia e icterícia, que levam à morte. Têm–se utilizado
com sucesso o tratamento com praziquantel (20 mg/kg, SC, uma vez ou 10 mg/kg VO, 1 vez/dia, por 3 dias;
idealmente, ambos os protocolos devem ser repetidos 12 semanas depois), fembendazol (50 mg/kg, VO, 2
vezes/dia, por 5 dias) e nitroscanato (100 mg/kg, uma vez, VO), embora estes medicamentos não sejam
aprovados para esse fim. Pode ser necessária cirurgia de ductos biliares.
Metorchis albidus e M. conjunctus são duas fascíolas diminutas (5 × 1,5 mm) encontradas nos ductos biliares
e na vesícula biliar de cães, gatos e outros carnívoros da América do Norte, Europa e nos países que
compreendiam a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Raramente causam algum sinal clínico
reconhecível. Os ovos são pequenos (24 a 30 × 13 a 16 μm) e o ciclo biológico inclui alguns caramujos de água
doce e peixes ciprinídeos como hospedeiros intermediários. O tratamento da infecção por Metorchis spp em
cães pode ser feito com praziquantel (20 mg/kg, VO, uma vez).
Eurytrema procyonis é uma fascíola pequena (2,1 × 1 mm) comumente encontrada no ducto pancreático de
guaxinins do leste dos EUA e, ocasionalmente, nos ductos pancreáticos e biliares e na vesícula biliar de gatos
domésticos. A infecção pode estar associada à perda de peso e vômito intermitente. Os ovos são de tamanho
médio (45 a 53 × 29 a 36 μm) e o ciclo biológico envolve um caramujo terrestre e um segundo hospedeiro
intermediário, que se acredita ser um artrópode. O tratamento pode ser realizado com fembendazol (30 mg/kg
VO, 1 vez/dia, por 6 dias) ou praziquantel/pirantel/febantel (5,8 mg de praziquantel e 5,8 mg de pirantel/kg e
28,8 mg de fenbatel/kg, VO, 1 vez/dia, por 5 dias), embora não seja aprovado para esse fim.

Fascíolas Intestinais

Nanophyetus salmincola, a fascíola da “intoxicação por salmão” é um parasito oval e pequeno (0,5 × 0,3 mm)
encontrado no intestino delgado de cães, gatos e muitos carnívoros silvestres do noroeste dos EUA, sudoeste do
Canadá e na Sibéria. Os ovos, que são eliminados nas fezes de hospedeiros infectados, são marrom­claros e
indistintamente operculados, com uma formação circular pequena em um polo; medem 72 a 97 × 35 a 45 μm. O
ciclo biológico inclui um período de formação de embrião prolongado (3 meses). Os principais hospedeiros
intermediários são caramujos encontrados em regiões endêmicas (p. ex., Oxytrema silicula, nos EUA). As
cercárias desses caramujos penetram na pele de peixes salmonídeos jovens e se encistam como metacercárias
nos músculos e nos órgãos. Os cães e outros animais se infectam por meio da ingestão de carne de peixe
infectado crua ou inapropriadamente preparada.
Como essas fascíolas se incrustam entre as vilosidades intestinais, a infecção com grande número delas pode
causar enterite. No entanto, a maioria das infecções é complicada pela intoxicação por salmão causada por
riquétsias, as quais a fascíola transmite (ver p. 828). Praziquantel (20 a 30 mg/kg, VO, uma vez) e fembendazol
(50 mg/kg, VO, 1 vez/dia, por 10 a 14 dias) são tratamentos efetivos para cães.
Alaria alata, A. canis e outras Alaria spp são fascíolas pequenas (2 a 6 mm) geralmente encontradas no
intestino delgado de cães, gatos, raposas, visons e carnívoros selvagens, no hemisfério ocidental, bem como na
Europa, Austrália e Japão. A parte anterior do corpo é achatada e a parte posterior é cônica. Os ovos são
marrom­claros e razoavelmente grandes (98 a 134 × 62 a 68 μm). O ciclo biológico inclui caramujos de água
doce (p. ex., Helisoma spp) como principais hospedeiros intermediários. As cercárias saem dos caramujos e
penetram em girinos e se tornam mesocercárias. Sapos, cobras e camundongos adquirem a infecção por meio da
ingestão de girinos; as mesocercárias se transferem para os tecidos e permanecem neste estágio do ciclo
biológico. Cães e outros hospedeiros definitivos se infectam pela ingestão destes animais. As fascíolas jovens
migram através de vários órgãos do hospedeiro definitivo, inclusive diafragma e pulmões, antes de atingir o
intestino delgado. Embora as fascíolas geralmente sejam consideradas não patogênicas, um grande número
delas pode causar hemorragias pulmonares durante a migração ou enterite quando amadurecem no intestino
delgado. Essas fascíolas podem infectar as pessoas. As infecções podem ser tratadas com praziquantel,
utilizando­se a dose aprovada para cestóideos (ver Tabela 11). No entanto, tal tratamento é extrabula.
As outras espécies de fascíolas, em geral não patogênicas, são encontradas ocasionalmente no intestino de
cães, gatos e outros carnívoros. Incluem Heterophyes heterophyes, em alguns países do norte da África e da
Ásia; Metagonimus yokogawai, na Ásia; Cryptocotyle lingua, nos EUA, Canadá, Japão, Sibéria e Europa, e
Apophallus donicum, na América do Norte e no leste da Europa. Os ciclos de vida incluem caramujos como
principais hospedeiros intermediários e peixes como segundos hospedeiros intermediários, nos quais as
metacercárias se encistam.
Heterobilharzia americana é encontrada nas veias mesentéricas de cães e animais silvestres do sudeste dos
EUA. Os ovos passam através dos tecidos intestinais para o lúmen e são eliminados nas fezes. A partir de
caramujos, hospedeiros intermediários, as cercárias escapam para a água e penetram na pele de cães e outros
hospedeiros definitivos, migram para o fígado, amadurecem e se transferem para os vasos mesentéricos.
Formam­se granulomas ao redor dos ovos, na parede do intestino, no fígado e em outras partes do corpo. Nas
infecções graves, podem­se desenvolver enterite e emaciação. Às vezes, ocorre “dermatite aquosa” quando as
cercárias penetram na pele. Os ovos não flutuam facilmente e, se colocados na água, eclodem dentro de
minutos; portanto, um método de sedimentação utilizando solução salina 0,85% é útil na separação dos ovos da
ingesta. Em cães infectados, os ovos são eliminados intermitentemente, de forma que, em determinado dia,
podem não ser encontrados nas fezes. Fembendazol, na dose de 40 mg/kg VO, 1 vez/dia, por 10 dias, é um
tratamento efetivo. O praziquantel, em doses preconizadas, também parece ser efetivo. Ambas as indicações são
extrabula.

NEMATOIDES (Tricuríase)

Trichuris vulpis adultos têm 45 a 75 mm de comprimento e uma porção anterior delgada e longa, com terço
posterior espesso. Habita comumente o ceco e o cólon de cães, onde se aderem firmemente à parede, com sua
extremidade anterior incrustada na mucosa. Os ovos de casca espessa com opérculos bipolares são eliminados
nas fezes e se tornam infectantes em 1 a 2 meses, em ambiente úmido e quente. Embora os ovos possam
permanecer viáveis em um ambiente apropriado por até 5 anos, eles são suscetíveis à dessecação. O ciclo
biológico é direto. Após ingestão dos ovos infectantes, as larvas eclodem e se desenvolvem na parede do íleo
distal, ceco e cólon e os adultos amadurecem em cerca de 11 semanas. Eles podem permanecer neste local por
até 16 meses.
Em infecções leves, não se observa qualquer sinal, mas à medida que aumenta a carga parasitária e a reação
inflamatória (e, ocasionalmente, a hemorragia) no ceco, ficam evidentes perda de peso e diarreia. Pode­se notar
sangue vivo nas fezes de cães intensamente infectados e, às vezes, ocorre anemia.
Raramente observam­se infecções por Trichuris em gatos nas Américas do Norte e do Sul e no Caribe, mas
ocasionalmente podem estar associadas a sinais clínicos semelhantes aos descritos em cães.
TRATAMENTO E CONTROLE: Os ovos são suscetíveis à dessecação; portanto, por meio da manutenção de limpeza
e da eliminação de áreas úmidas, pode­se reduzir consideravelmente o risco de infecção em cães, embora o
controle das infecções por T. vulpis possa ser difícil. Quanto ao tratamento anti­helmíntico em cães, os
compostos aprovados incluem febantel, fembendazol, milbemicina, moxidectina (tópica) e oxantel (Tabela 8). O
tratamento deve ser repetido 3 vezes, com intervalos de 1 mês, devido ao longo período pré­patente. Finalmente,
milbemicina, milbemicina/lufenuron, milbemicina/praziquantel e moxidectina/imidacloprida, quando
administradas para a prevenção de ancilostomíase, também são aprovados para o controle de infecções por T.
vulpis.
Não há terapia efetiva contra infecções por Trichuris em gatos. Se necessário, o tratamento deve ser realizado
com base em dados experimentais com uso de compostos com ação comprovada contra T. vulpis.

OLLULANUS SP

Ollulanus tricuspis é um verme pequeno, com = 1 mm de comprimento, que infecta várias espécies animais,
tipicamente gatos e outros felídeos e, ocasionalmente, induz gastrite erosiva ou catarral discreta em gatos.
Vômito minutos a poucas horas após alimentação é um sinal comum. As fêmeas são vivíparas; logo, as
infecções maciças podem se desenvolver endogenamente. A transmissão é pelo vômito. O diagnóstico é feito
por meio de constatação microscópica da larva (cerca de 500 μm) ou de vermes adultos no vômito ou no
conteúdo estomacal. O uso de um aparato de Baermann permite a separação dos vermes da ingesta, sendo mais
fácil observá­los. Os parasitos são raramente vistos nas fezes, uma vez que normalmente são digeridos antes de
serem eliminados. Em gatos, há relato de eficácia terapêutica com fembendazol (20 a 50 mg/kg, VO, 1 vez/dia,
por 3 dias) e levamisol (5 mg/kg, SC, uma única vez), embora estes medicamentos não sejam aprovados.

PHYSALOPTERA SPP (Verme do estômago)

Há várias espécies desses nematoides gástricos de cães e gatos em todo o mundo. Em geral, encontram­se
firmemente aderidos à mucosa gástrica ou duodenal. Os machos têm cerca de 30 mm e as fêmeas cerca de 40
mm de comprimento. Os ovos têm 42 a 53 × 29 a 35 μm, uma casca espessa, são ovais e contêm larvas.
As larvas infectantes encistadas de Physaloptera spp são encontradas em várias espécies de insetos, inclusive
besouros, baratas e grilos. Os camundongos e as rãs podem ser portadores paratênicos. Após o hospedeiro
intermediário ou paratênico ser ingerido pelo cão ou gato, o desenvolvimento da larva em forma adulto é direto.
Embora a maioria das infecções sejam subclínicas, esses parasitos podem causar gastrite e, em consequência,
vômitos, anorexia e fezes escuras. Áreas hemorrágicas e ulceradas permanecem na mucosa gástrica quando os
parasitos se movem para outros locais; em infecções graves, podem ocorrer anemia e perda de peso.
Gastroscopia é o meio de diagnóstico mais eficiente e os vermes imaturos frequentemente são encontrados no
vômito de filhotes de cães e gatos. É difícil encontrar ovos nas fezes, pois eles não flutuam facilmente; os ovos
são melhor detectados por sedimentação fecal. Em gatos, podem­se utilizar pamoato de pirantel (5 mg/kg VO, 2
doses com intervalo de 2 a 3 semanas; 20 mg/kg VO, uma única vez) e ivermectina (0,2 mg/kg SC, ou VO, 2
doses com intervalo de 2 semanas) para infecções por Physaloptera. Em cães, podem–se utilizar fembendazol
(50 mg/kg VO, 1 vez/dia, por 3 dias), pamoato de pirantel (5 mg/kg, VO, 2 doses com intervalo de 2 a 3
semanas; 15 mg/kg, VO, 2 doses com intervalo de 2 a 3 semanas; 20 mg/kg, VO, uma única vez) e ivermectina
(0,2 mg/kg SC ou VO, 2 doses com intervalo de 2 semanas). Nenhum desses medicamentos é aprovado para o
tratamento de Physaloptera em cães e gatos.

SPIROCERCA LUPI (Verme do esôfago)

Spirocerca lupi adulto é um verme vermelho–brilhante, de 40 (macho) a 70 mm (fêmea) de comprimento, que


se localiza geralmente em nódulos nas paredes de esôfago, estômago ou aorta. A espirocercose é observada no
sul dos EUA, bem como na maioria das regiões tropicais do mundo. Os cães são infectados por meio da
ingestão de um hospedeiro intermediário (geralmente besouro coprofágico) ou de um hospedeiro de transporte
(p. ex., galinhas, répteis ou roedores). As larvas migram através da parede da artéria celíaca para a aorta
torácica, onde geralmente permanecem por cerca de 3 meses. Os ovos são eliminados nas fezes cerca de 5 a 6
meses após a infecção.
ACHADOS CLÍNICOS: A maioria dos cães com espirocercose não exibe sinais clínicos. Quando a lesão esofágica
é bastante grande (geralmente quando se torna neoplásica), o cão apresenta dificuldade de deglutição e pode
vomitar repetidamente após tentar comer algo. Tais cães apresentam salivação abundante e, por fim, emaciação.
Além disso, os cães podem apresentar espessamento dos ossos longos, característico de osteopatia hipertrófica.
Esses sinais clínicos são sugestivos de espirocercose com neoplasia associada, em locais onde o parasito é
prevalente. Ocasionalmente, o cão morre subitamente como resultado de hemorragia maciça no interior do tórax
após ruptura da aorta danificada pelos vermes em desenvolvimento.
Lesões:As lesões características incluem aneurisma da aorta torácica, granulomas reativos de tamanho variável
ao redor dos vermes no esôfago e exostose, que fazem ponte entre as faces ventrais de vértebra torácica.
Sarcoma esofágico, frequentemente com metástase, às vezes está associado (aparentemente de forma causal)
com espirocercose, particularmente em cães de caça. Os cães com sarcoma relacionado com S. lupi
desenvolvem, frequentemente, osteopatia hipertrófica (p. 1295).
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico pode ser realizado mediante a constatação de ovos pequenos (11 a 15 × 30 a 37
μm) e alongados característicos (por meio de flotação em NaNO3 [densidade específica 1,360] ou flotação em
açúcar), que contêm larvas, nas fezes. No entanto, os ovos são eliminados esporadicamente nas fezes e podem
ser difícil encontra­los. A gastroscopia ocasionalmente revela um nódulo ou verme adulto. Pode­se estabelecer
um diagnóstico presuntivo por exame radiográfico, quando este revela massas densas no esôfago; um estudo
contrastado com bário positivo pode auxiliar na definição da lesão.
A maioria das infecções não é diagnosticada até a necropsia. Os granulomas variam significativamente em
tamanho e localização no esôfago, mas geralmente são bem característicos para o diagnóstico, mesmo que já
não haja vermes. Podem­se encontrar vermes e granulomas nos pulmões, traqueia, mediastino, parede gástrica
ou outro local anormal. Os aneurismas de aorta cicatrizados persistem por toda a vida do cão e são diagnósticos
de infecção anterior. Quando o sarcoma está associado à infecção, geralmente a lesão esofágica é maior e
frequentemente contém cartilagem ou osso; quase sempre há metástases nos pulmões, linfonodos, coração,
fígado ou rins.
TRATAMENTO E CONTROLE: Nas áreas endêmicas, deve­se evitar que os cães ingiram besouros coprofágicos,
rãs, camundongos, lagartos etc.; sobras de carne de frango crua não devem ser oferecidas aos animais. O
tratamento geralmente não é prático. No entanto, há relato de eficácia da doramectina (0,2 mg/kg, SC, 3 doses,
com intervalos de 2 semanas; 0,4 mg/kg, SC, 6 doses, com intervalos de 2 semanas; 0,5 mg/kg, SC, 2 doses com
intervalo de 2 semanas; 0,8 mg/kg SC, 2 doses com intervalo de 1 semana; tratamentos adicionais podem ser
necessários) e ivermectina (0,6 mg/kg, SC, 2 doses com intervalo de 2 semanas) associadas à prednisolona (0,5
mg/kg, VO, 2 vezes/dia, durante 2 semanas e, então, com redução da dose), embora estes protocolos não sejam
aprovados. A toxicidade raça­específica verificada para ivermectina em cães da raça Colly ou outros cães
pastores também é notada com o uso de doramectina. A remoção cirúrgica geralmente não é bem­sucedida,
devido a amplas áreas do esôfago envolvidas.

STRONGYLOIDES SP

Strongyloides stercoralis é um nematoide delgado e pequeno que, quando totalmente maduro, mede cerca de 2
mm e localiza­se na base da vilosidade, na metade anterior do intestino delgado de cães e gatos. Os vermes são
quase transparentes e praticamente impossíveis de serem vistos macroscopicamente durante a necropsia.
Geralmente, as infecções estão associadas a abrigo não higienizado, lotado, úmido e quente. A espécie mais
frequentemente encontrada em cães é idêntica à encontrada em pessoas.
Todos os vermes infectantes são fêmeas. Os ovos se tornam embrionados rapidamente e a maioria das larvas
se desenvolve antes de serem eliminadas nas fezes. Sob condições apropriadas de calor e umidade, o
desenvolvimento extracorporal é rápido. O terceiro estágio larval pode ser atingido em pouco mais de um dia.
Algumas dessas larvas se desenvolvem em larvas filariformes infectantes; outras se desenvolvem em vermes de
vida livre que acasalam e produzem descendentes semelhantes à fêmea infectante. As larvas filariformes
penetram na pele, mas também podem infectar um hospedeiro via cavidade bucal. A transmissão transmamária
é possível. Os descendentes podem ser eliminados nas fezes 7 a 10 dias após a infecção. A autoinfecção causada
pelas larvas que se desenvolvem até o estágio infectante dentro do trato gastrintestinal pode resultar em
infecções nas quais os cães eliminam as larvas por períodos prolongados.
ACHADOS CLÍNICOS: A constatação de sinais clínicos indica que uma infecção grave se desenvolveu por
algumas semanas. Diarreia mucoide com estrias de sangue, geralmente observada em animais jovens criados em
clima úmido e quente, é característica. Emaciação frequentemente é marcante e a redução na taxa de
crescimento pode ser um dos primeiros sinais. O apetite geralmente é bom e o cão permanece normalmente
ativo nos estágios iniciais da doença. Na ausência de infecções secundárias concomitantes, ocorre algum grau,
ou nenhum, de febre. Geralmente, em estágios avançados, nota­se respiração rápida e superficial e pirexia e o
prognóstico é grave. A autoinfecção pode ser induzida por corticosteroides ou outros fatores que afetam a
imunocompetência. Pode haver larvas nos tecidos e esses cães têm maior probabilidade de morrer. Na
necropsia, pode haver evidência de pneumonia verminótica com áreas amplas de consolidação nos pulmões,
bem como enterite grave com hemorragia, descamação de mucosa e muita secreção de muco.
DIAGNÓSTICO: As larvas de primeiro estágio (cerca de 380 μm) são identificadas por meio de exame
microscópico direto de pequena quantidade de fezes. Geralmente, utiliza­se a técnica de Baermann para separar
as larvas do material fecal. É importante utilizar amostra de fezes frescas do cão infectado, de forma que as
larvas possam ser facilmente diferenciadas das larvas de ancilóstomos ou nematoides de vida livre do solo.
Ocasionalmente, os ovos (50 a 60 × 30 a 35 μm) podem ser identificados por exame de flotação de fezes
frescas. As fêmeas adultas podem ser identificadas em esfregaço da mucosa do intestino delgado. Têm apenas
cerca de 2 mm de comprimento, mas a presença de ovos no seu útero facilmente as diferencia das larvas dos
outros nematoides.
TRATAMENTO E CONTROLE: Higiene deficiente e mistura de cães suscetíveis com cães infectados podem
ocasionar rápido desenvolvimento de infecção em todos os cães, em um canil ou cercado. Os cães com diarreia
devem ser isolados, imediatamente, dos cães aparentemente saudáveis. Luz solar direta, aumento da temperatura
do solo ou da superfície e dessecação são prejudiciais para todos os estágios de larvas livres. Lavagem completa
das superfícies de madeira e impermeáveis com solução salina concentrada ou como vapor ou com solução de
cal, seguida de enxágue com água quente, destroem efetivamente o parasito. Como a doença pode ser grave em
pessoas, deve­se ter cuidado na manipulação dos cães infectados. É muito mais provável que a doença no
homem (bem como em cães) seja grave, se a pessoa está imunossuprimida.
As infecções em cães podem ser tratadas com ivermectina (0,2 mg/kg, SC ou VO, uma vez, com uma
segunda dose após 4 semanas; 0,8 mg/kg, VO, em dose única), fembendazol (50 mg/kg, VO, 1 vez/dia, por 5
dias, repetida 4 semanas depois) ou tiabendazol (100 a 150 mg/kg, VO, 1 vez/dia, por 3 dias, repetida
semanalmente até que as larvas não sejam detectadas nas fezes – pode­se notar toxicidade com este protocolo).
Em gatos, pode­se utilizar fembendazol (50 mg/kg, VO, 1 vez/dia, por 3 dias). Estes protocolos não são
aprovados para cães, tampouco para gatos. Em todos os animais, deve­se examinar as fezes regularmente no
mínimo 6 meses após o tratamento, para confirmar a eficácia.

TÊNIAS (Cestóideos)

A maioria dos cães e gatos urbanos se alimenta de rações preparadas e tem acesso restrito a presas naturais. Tais
animais podem adquirir Dipylidium caninum (a tênia canina de poros duplos) de pulgas. Gatos com acesso a
camundongos e ratos domésticos (ou ao ambiente externo) infectados também podem adquirir Taenia
taeniaeformis. Os cães suburbanos, rurais e de caça têm mais acesso a vários mamíferos pequenos, além de
carne e vísceras cruas oriundas de ungulados domésticos e selvagens. Podem­se esperar vários cestóideos neste
cães (ver Tabela 11). Nas pastagens de ovinos e onde qualquer ungulado e canídeo silvestre sejam comuns, os
cães podem adquirir Echinococcus granulosus (a tênia do cisto hidátido). E. multilocularis silvático (a tênia do
cisto hidátido alveolar), antigamente conhecida apenas na região ártica da América do Norte, foi encontrada na
vida selvagem do meio­oeste e do oeste dos EUA e do Canadá. O parasito é também endêmico em várias partes
da Europa Oriental, particularmente França, Alemanha e Suíça. Até hoje, as infecções em gatos ou cães são
extremamente raras. Spirometra mansonoides é um parasito incomum (mas não raro) de gatos e,
ocasionalmente, de cães criados no leste e em áreas da Costa do Golfo da América do Norte.
O convívio com cães infectados pode resultar em infecção humana por metacestóideos de E. granulosus, E.
multilocularis, Taenia multiceps, T. serialis ou T. crassiceps em vários tecidos (por meio da ingestão de ovos
eliminados nas fezes de cães), ou por D. caninum adulto no intestino (pela ingestão de pulgas infectadas). A
presença de metacestóideos em animais de produção pode limitar o uso comercial de suas carcaças ou de partes
não aproveitadas de uma rês abatida. Dessa forma, os cestóideos de cães e gatos podem ter tanto importância
econômica quanto de saúde pública (ver Tabela 12, p. 516).

Taenia sp em gato. Cortesia do Dr. Andrew Peregrine e do Ontario Veterinary College.

Os cestóideos adultos no intestino de cães e gatos raramente causam doença séria e os sinais clínicos, caso
presentes, podem depender do grau de infecção, idade, condição e raça do hospedeiro. Os sinais clínicos variam
de definhamento, mal­estar, irritabilidade, apetite caprichoso e pelame eriçado, até cólica e diarreia discreta;
raramente observam­se intussuscepção intestinal, emaciação e convulsões.
Echinococcus granulosus. Cortesia do Dr. Andrew Peregrine e do Ontario Veterinary College.

O diagnóstico baseia­se no achado de proglotes ou ovos nas fezes. Os ovos de Taenia spp e Echinococcus spp
não podem ser diferenciados por exame microscópico. O exame microscópico direto das amostras de fezes e de
flotação fecal podem revelar ovos de Spirometra mansonoides que, às vezes, são confundidos com ovos de
trematódeos, embora sejam maiores e possuam um opérculo que, frequentemente, é difícil de ver.
O controle das tênias de cães e gatos requer terapia e prevenção. Os animais que perambulam livremente em
geral se reinfectam por meio da ingestão de metacestóideos em cadáver em decomposição ou em animais
caçados. Dipylidium caninum é diferente porque realizar seu ciclo em pulgas, que podem estar associadas à
infecção de animais confinados.
Portanto, é necessário um diagnóstico preciso para uma medida efetiva que evite reinfecção.
O tratamento efetivo remove escólex aderidos no intestino delgado dos animais infectados (Ver Tabela 11
para tratamentos específicos aprovados). Em cães, fembendazol e praziquantel são aprovados para tratamento de
Taenia spp (mais que apenas T. pisiformis); diclorofeno, epsiprantel, nitroscanato e praziquantel são aprovados
para tratamento de D. caninum; praziquantel é aprovado para tratamento de Echinococcus spp (Tabela 9). Em
gatos, fembendazol e praziquantel são aprovados para tratamento de Taenia spp (mais que apenas T.
taeniformis); epsiprantel e praziquantel são aprovados para tratamento de D. caninum; praziquantel é aprovado
para tratamento de E. multilocularis (Tabela 10).
Tabela 11 – Cestódios de cães e gatos na América do Norte
Cestódio Hospedeiro Hospedeiro Características Comentários Tratamento
Definitivo Intermediário e Diagnósticas do Aprovadob
Órgãos Verme Adulto
Infectadosa

Dipylidium Cão, gato, Pulgas e mais Estróbilo de 15 Provavelmente Cães e


caninum coiote, lobo, raramente a 70 cm de a tênia mais gatos:
raposa, piolhos; livre nas comprimento e comum em diclorofeno,
outros cavidades até 3 mm de cães, menos epsiprantel,
canídeos e corporais largura frequente em praziquantel
felinos máxima, 30 a gatos; Apenas
selvagens 150 ganchos cosmopolita. cães:
rostelares em Ocasionalmente nitroscanato,
forma de infecta diclorofeno
espinho de pessoas, em
rosa, em 3 ou 4 particular
círculos; crianças
ganchos
grandes 12 a
15 μm;
menores com 5
a 6 μm.
Segmentos
com forma
semelhante à
semente de
pepino, com
um poro
próximo ao
meio de cada
margem lateral
Taenia Cão, gato, Vários ratos, Estróbilo de 15 Cestódio Gatos:
taeniaeformis lince, camundongos e a 60 cm de comum em epsiprantel,
raposa e outros roedores; comprimento, 5 gatos, raro em praziquantel,
outros em grandes a 6 mm de cães; fembendazol
animais cistos no fígado largura cosmopolita
máxima, 26 a
52 ganchos
rostelares em
fileira dupla;
ganchos
grandes de 380
a 420 μm,
ganchos
pequenos de
250 a 270 μm
de
comprimento.
Ausência de
pescoço.
Ramos laterais
saculados do
útero de difícil
contagem
Taenia Cão, Coelhos e Estróbilo de 60 Comum Cães:
pisiformis raposa, lebres, cm a 2 m de particularmente epsiprantel,
lobo, coiote raramente comprimento, 5 em cães de fembendazol,
e outros esquilos e mm de largura caça, de praziquantel,
animais outros roedores; máxima, cerca fazenda e nitroscanato,
nas cavidades de 34 a 48 suburbanos que diclorofeno
pélvicas ou ganchos ingerem
peritoneais, rostelares em coelhos e suas
aderidas às fileira dupla; vísceras
vísceras ganchos
grandes de 225
a 290 μm,
ganchos
pequenos de
132 a 177 μm
de
comprimento.
Cada lado do
útero gravídeo
possui 5 a 10
ramos laterais
Taenia Cão, lobo, Artiodáctilos Estróbilo de até Em cães de Cães:
hydatigena coiote, domésticos e 5 m de fazenda, mais praziquantel,
furão, silvestres, comprimento e raramente em nitroscanato,
raposa raramente lebres 7 mm de cães de caça; fembendazol
e roedores; no largura cosmopolita
fígado e na máxima; cerca
cavidade de 26 a 44
abdominal ganchos
rostelares em
fileira dupla;
ganchos
grandes de 170
a 220 μm,
ganchos
pequenos de
110 a 160 μm
de
comprimento.
Cada lado do
útero gravídeo
possui 5 a 10
ramos laterais
Spirometra Gato, cão, Copépodos, rãs, Estróbilo de 0,5 Leste e Costa Ver texto
mansonoides guaxinim e roedores e m de do Golfo, para
lince cobras; tecido comprimento, 8 América do tratamento
vermelho conjuntivo mm de largura Norte extrabula
máxima.
Escólex com 2
sulcos e sem
ganchos. Poros
genitais na
linha média
ventral do
segmento
Diphyllobothrium Pessoas, Encistado em Estróbilo de até Canadá, Alasca Ver texto
spp cão, gato e vários órgãos ou 10 m de e vários para
outros livre na cavidade comprimento, estados dos tratamento
animais corporal de 20 mm de EUA, Sibéria e extrabula
piscívoros vários peixes largura outras áreas
máxima, mas
geralmente
menores.
Escólex com 2
sulcos (bótrio)
e sem
ganchos. Poros
genitais na
linha média
ventral do
segmento
Echinococcus Cão, lobo, Ovinos, Estróbilo de 2 a Focos na Cães:
granulosus coiote, caprinos, 6 mm de América do praziquantel,
raposa, e bovinos, suínos, comprimento Norte em nitroscanato
vários equinos, com 3 a 5 ovinos criados
carnívoros veados, alces, segmentos; 28 em pastagens e
silvestres alguns roedores, a 50 cães que
ocasionalmente (geralmente 30 convivem com
pessoas e a 36) ganchos eles; lobos
outros animais; rostelares em silvestres
comumente no fileira dupla; ciclam onde
fígado e nos ganchos esses animais
pulmões e, às grandes de 27 são
vezes, em a 40 μm, encontrados;
outros órgãos e ganchos provavelmente
tecidos pequenos de cosmopolita
21 a 25 μm de
comprimento
Echinococcus Raposas do Roedores Estróbilo de 1,2 Centro e Leste Cães e
multilocularis Ártico, microtíneos e, a 2,7 mm de europeu, ex­ gatos:
vermelha e eventualmente, comprimento URSS, Alasca praziquantel
cinzenta; pessoas; no com 2 a 4 e centro­oeste
coiote, gato fígado segmentos; é dos EUA e
e cão uma das Canadá; até o
menores tênias momento não
em cães se reconheceu
juntamente ciclo
com as significativo em
espécies cães e gatos na
acima; 26 a 36 América do
ganchos Norte
rostelares em
fileira dupla;
ganchos
grandes de 23
a 29 μm,
ganchos
pequenos de
19 a 26 μm de
comprimento
Mesocestódios Muitos Ciclo biológico Estróbilo de 10 Observado em Cães:
spp canídeos, completo é cm de cães e gatos no praziquantel
felídeos e desconhecido; comprimento e centro­oeste e
mustelídeos suspeita­se de 2 a 5 mm de oeste; em
silvestres; artrópodes como largura. animais
outros hospedeiros Escólex com 4 silvestres em
animais, intermediários; ventosas, mas diversos locais
inclusive tetratirídios sem rostelos dos EUA e
cão e gato juvenis na ou ganchos. Canadá
cavidade Poro genital
abdominal e em ventral na linha
outros locais, média do
em vários verme.
mamíferos, aves Segmentos
e répteis; os gravídeos com
tetratirídios órgão
provenientes da parauterino
cavidade
corporal dos
cães podem
penetrar no
intestino através
da parede
intestinal
Taenia Cão, coiote, Ovinos, caprinos Estróbilo de 40 Raro em Cães:
multiceps raposa e e outros a 100 cm de carnívoros diclorofeno,
lobo ruminantes comprimento e domésticos no fembendazol
domésticos ou até 5 mm de oeste da
silvestres, largura. América do
raramente em Escólex com 4 Norte; mais
pessoas; quase ventosas e 22 comum em
sempre no a 32 ganchos animais
cérebro e em fileira silvestres
medula espinal dupla; ganchos
grandes de 150
a 170 μm,
ganchos
pequenos de
90 a 130 μm de
comprimento.
Vagina com
curvatura
reflexa próxima
ao canal
excretório
lateral; 9 a 26
ramos laterais
no útero
gravídeo
Taenia serialis Cão, coiote, Coelhos, lebre, Estróbilo de 20 Principalmente Semelhante
raposa e esquilo, a 72 cm de em canídeos ao
lobo raramente comprimento e silvestres, recomendado
pessoas; no 3 a 5 mm de considerado por para T.
tecido conjuntivo largura; 26 a 32 alguns como multiceps
subcutâneo ou ganchos em não distinto de
retroperitoneal fileira dupla, T. multiceps
ganchos
grandes de 110
a 175 μm,
ganchos
pequenos de
68 a 120 μm de
comprimento.
Vagina com
curvatura
reflexa próxima
ao canal
excretório
lateral; 20 a 25
ramos laterais
no útero
gravídeo
Taenia Cão, coiote, Vários roedores, Estróbilo de 70 Observado do Semelhante
crassiceps raposa e eventualmente a 170 mm de Canadá e norte ao
lobo outros animais, comprimento e dos EUA, recomendado
poucos relatos 1 a 2 mm de inclusive para T.
em pessoas; largura. Alasca multiceps
subcutâneo e Escólex com
cavidades 30 a 36
corporais ganchos em
fileira dupla;
ganchos
grandes de 158
a 187 μm,
ganchos
pequenos de
119 a 141 μm
de
comprimento.
Útero possui 16
a 21 ramos
laterais, às
vezes
tornando­se
difuso
Taenia krabbei Cão, coiote, Alce, veado, Estróbilo cerca Observado do Semelhante
lobo e lince rena; na de 20 cm de Canadá ou ao
músculos comprimento e norte dos EUA, recomendado
estriados até 9 mm de inclusive para T.
largura. Alasca; multiceps
Escólex considerado por
pequeno com alguns como
26 a 36 uma
ganchos em subespécie de
fileira dupla; T. ovis
ganchos
grandes de 146
a 195 μm,
ganchos
pequenos de
85 a 141 μm de
comprimento.
Útero gravídeo
possui 18 a 24
ramos laterais
lineares e
estreitos
Taenia ovis Cão, Ovinos e Estróbilo de 45 Ocasionalmente Para cães:
canídeos caprinos; nos a 110 cm de em cães de praziquantel
silvestres músculos, comprimento e fazenda no (5 mg/kg,
raramente em até 4 a 8,5 mm oeste da uma vez VO
outros locais de largura. América do ou SC;
Escólex com Norte; extrabula);
32 a 38 cosmopolita caso
ganchos em contrário, o
fileira dupla; mesmo
ganchos recomendado
grandes de 160 para T.
a 202 μm. multiceps
Útero gravídeo
possui 20 a 25
ramos laterais.
A vagina
transpõe o
ovário no lado
do poro de
segmento
a Em todos os casos em que não se conhece o ciclo biológico, cães e gatos se infectam por
meio da ingestão de animais (ou partes deles) que contenham o metacestoide infectante. Esses
hospedeiros intermediários se infectam mediante a ingestão de ovos de cestoides (exceto
Mesocestoides spp, Spirometra e Diphyllobothrium spp, que têm um estágio extra no ciclo
biológico), eliminados nas fezes do hospedeiro definitivo.
b Ver Tabelas 9 e 10 para informações sobre dosagens dos medicamentos.

Aglomerado de ovos de Dipylidium. Cortesia do Dr. Andrew Peregrine e do Ontario Veterinary College.

O praziquantel, na dose de 7,5 mg/kg VO, por 2 dias consecutivos, é efetivo contra Diphyllobothrium sp, em
cães. Além disso, dose única de 35 mg/kg VO, elimina D. latum de gatos infectados. Ambos os tratamentos são
extrabula.
Infecções por Spirometra sp em gatos podem ser tratadas com dose única de 30 mg de praziquantel/kg, SC,
IM ou VO. Mebendazol, na dose de 11 mg/kg VO, tem tido efetivo. Todos esses tratamentos são extrabula.

VERMES REDONDOS
Os grandes vermes redondos (nematoides ascaridoides) de cães e gatos são comuns, especialmente em filhotes
de cães e gatos. Das 3 espécies, Toxocara canis, Toxascaris leonina e Toxocara cati, a mais importante é T.
canis, não só porque suas larvas podem migrar no homem (como também fazem as larvas de T. cati), mas
também porque podem ocorrer infecções fatais em cães jovens. T. leonina acomete cães adolescentes/adultos e
gatos. Essas espécies também infectam carnívoros selvagens, especialmente aqueles de zoológicos ou de outros
tipos de cativeiro.
Em filhotes de cães, o modo de infecção usual por T. canis é a transferência transplacentária. Se filhotes < 3
meses de idade ingerem ovos embrionados infectantes, as larvas liberadas penetram na mucosa intestinal,
atingem os pulmões através da circulação sanguínea, inclusive hepática, sendo expelidas por tosse, engolidas e
se desenvolvem em adultos que produzem ovos, no intestino delgado. No entanto, quando cães mais velhos
ingerem ovos embrionados infectantes de T. canis, as larvas são liberadas, penetram na mucosa intestinal e
migram para o fígado, pulmões, músculos, tecido conjuntivo, rins e muitos outros tecidos, onde ocorre parada
do desenvolvimento. Em cadelas prenhes, essas larvas dormentes se ativam e migram para o feto em
desenvolvimento; podem ser encontradas no intestino de filhotes de cão em até 1 semana após o nascimento.
Algumas larvas migram para a glândula mamária, de forma que os filhotes também podem se infectar pela
ingestão de leite. Durante a fase perinatal, a imunidade da cadela à ascaríase é parcialmente suprimida e o
animal pode eliminar número considerável de ovos nas fezes. O desenvolvimento destas infecções patentes
parece estar associado à maturação das larvas latentes na fêmea, que migram para o intestino através dos
pulmões, e à ingestão e maturação das larvas eliminadas nas fezes de filhotes.
Após a ingestão de ovos infectantes, as larvas dos nematoides ascaridoides podem migrar para os tecidos de
muitos animais e, desta forma, representa uma fonte de infecção alternativa, particularmente para gatos e
carnívoros selvagens. Tal migração também ocorre se a pessoa engole os ovos com larvas. A maioria das
infecções humanas é assintomática, mas podem ocorrer febre, eosinofilia persistente e hepatomegalia (às vezes
com envolvimento pulmonar), resultando em uma condição conhecida como larva migrans visceral.
Raramente, uma larva pode se instalar na retina e prejudicar a visão, resultando em uma condição conhecida
como larva migrans ocular.
O ciclo biológico de T. cati é semelhante ao de T. canis, exceto quando não ocorre infecção pré­natal. No caso
de T. leonina, a migração se restringe à parede intestinal, de forma que não ocorre transmissão pré­natal,
tampouco transmamária.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A primeira indicação de infecção nos animais jovens é ausência de crescimento
e perda de peso. Os animais infectados apresentam pelame opaco e frequentemente ficam com “barriga de
pote”. Os vermes podem ser eliminados no vômito e são quase sempre eliminados nas fezes. Nos estágios
iniciais, as larvas migratórias podem causar pneumonia eosinofílica, que pode estar associada à tosse. Diarreia
com muco pode ser evidente.
Tabela 12 – Cestódios com importância em Saúde Públicaa

Cestódio Hospedeiro Nome ou Medidas dos Principal Local do


do Verme Metacestódio Metacestódios Hospedeiro Metacestódio
Adulto Intermediário Intermediário

Taenia saginata Apenas Cisticerco 9 × 5 mm Bovinos Músculo


pessoas em carne de esquelético e
bovinos cardíaco
Taenia solium Apenas Cisticerco 6 a 10 × 5 a Suinos, raramente Músculos
pessoas em carne de 10 mm cães (pessoasnos esquelético e
suínos podem ser tanto cardíaco,
hospedeiro ocasionalmente
definitivo quanto sistema
intermediário) nervoso
Diphyllobothrium Pessoas, Procercoide 2 a 25 × 2,5 Copépodo, então Tecidos
spp cães, gatos em mm peixe mesentéricos,
e outros copépodos, testículos,
animais plerocercoide ovários e
psívoros em peixes músculos
Echinococcus Cães, lobos, Cisto Diâmetro 50 a Ovinos, bovinos, Comumente no
granulosus raposas e hidátido 100 mm, às suínos, equinos, fígado e
vários vezes = 150 alce, veado; pulmôes,
outros mm raramente cães, ocasionalmente
carnívoros gatos e pessoas em outros
silvestres órgãos e
tecidos
Echinococcus Canídeos e Multilocular Variável, Camundongos de Vários órgãos e
multilocularis gatos ou “cistos” penetra como campo, arganaz, tecidos
domésticos alveolares ou tecido lêmores, às vezes
hidátidos neoplásico mamíferos
domésticos e
pessoas
a Infecções em humanos por metacestoides de Taenia crassiceps, T. multiceps, T. serialis,
Mesocestoides spp e outros cestoides ocorrem raramente. Crianças podem ser infectadas com a
forma adulta de Dipylidium caninum, que parece não ter relevância médica, mas aspectos
importantes quanto à anestesia.

Em filhotes de cães com infecções graves, são comuns pneumonia verminótica, ascite, degeneração hepática
gordurosa e enterite mucoide. Em cães jovens, são frequentes granulomas na cortical renal contendo larvas.
DIAGNÓSTICO: A infecção de cães e gatos é diagnosticada por meio da detecção de ovos nas fezes. É importante
distinguir os ovos de casca rugosa e esféricos de Toxocara spp (T. cannis 80 a 90 × 75 μm; T. cati 65 × 75 μm)
dos ovos de casca lisa e ovais de Toxascaris leonina (75 a 85 × 60 a 75 μm), devido à importância dos primeiros
em saúde pública.
TRATAMENTO E CONTROLE: Em cães, os medicamentos aprovados para o tratamento de infecções por vermes
redondos incluem fembendazol, milbemicina, moxidectina, nitroscanato, piperazina e pirantel (Tabela 8). Na
Europa, a selamectina é aprovada para o tratamento de infecções por T. canis, com dose única, enquanto no
Canadá, o protocolo aprovado requer 2 doses com intervalo de 1 mês. Programas de prevenção de infecção por
nematódeos utilizando milbemicina, milbemicina/lufenuron, milbemicina/praziquantel,
moxidectina/imidacloprida, pirantel/ivermectina ou pirantel/ivermectina/praziquantel, também controlam a
ascaridíase intestinal. Além disso, o uso de selamectina é aprovado para esta indicação em alguns países, mas
não nos EUA (Tabela 9).
Os medicamentos aprovados para o tratamento de ascaridíase em gatos incluem emodepsídeo, fembendazol,
milbemicina, moxidectina, piperazina e selamectina (Tabela 10). O uso de pirantel também é aprovado no
Canadá. Programas de prevenção contra nematoides que empregam milbemicina, milbemicina/praziquantel,
moxidectina/imidacloprida ou selamectina também controlam ascaridíase intestinal em gatos (Tabela 10).
Ovos de nematoides. Toxocara (esquerda) e Toxocaris (direita). Cortesia do Dr. Andrew Peregrine e do Ontario Veterinary College.

Os ovos com larvas, resistentes ao ambiente do solo, e as larvas somáticas nas cadelas são os principais
reservatórios de infecção. A transmissão perinatal de uma infecção pode ser reduzida significativamente por
meio do tratamento das cadelas com (1) doses diárias de fembendazol (25 mg/kg, VO) desde o 40o dia de
gestação até o 2o dia após o parto (aprovado no Reino Unido); (2) ivermectina (0,3 mg/kg, SC) no 1o, 30o e 60o
dia de gestação e no 10o dia após o parto; (3) ivermectina (0,5 mg/kg) no 38o, 41o, 44o e 47o dia de gestação; (4)
ivermectina (1 mg/kg) no 20o e 42o dia de gestação. Essas indicações da ivermectina não são oficiais. Por outro
lado, para minimizar a produção de ovos, os filhotes de cães devem ser tratados o mais cedo possível; o ideal é
o tratamento 2 semanas após o nascimento, com repetição em intervalos de 2 semanas, até 2 meses de idade e,
então, mensalmente até 6 meses de idade. Fêmeas lactantes devem ser tratadas no mesmo momento. Filhotes de
gatos devem ser tratados nas 3, 5, 7 e 9 semanas de idade e, então, mensalmente até o sexto mês de idade.
Fêmeas lactantes devem ser tratadas no mesmo momento.
Uma vez que os vermes se aderem a diversas superfícies e se misturam ao solo e à poeira, as pessoas devem
adotar higiene rigorosa, particularmente em crianças expostas a animais ou áreas potencialmente contaminadas.

VÔMITO

O vômito corresponde a uma ejeção forçada e reflexa de parte ou de todo o conteúdo gástrico e do intestino
delgado proximal, através da boca. Trata­se de uma série de movimentos espasmódicos involuntários que
requerem contrações musculares visceral, diafragmática e de músculo abdominal. O ato de vomitar
normalmente é precedido por vários sinais clínicos estereotípicos e prodromais, inclusive hipersalivação, atos
repetidos de deglutição, esforço para vomitar e contrações forçadas dos músculos abdominais. O vômito deve
ser diferenciado de regurgitação, disfagia (dificuldade de deglutição) e várias outras formas de disfunção
esofágica. A regurgitação é um processo passivo no qual o alimento não digerido ou líquido é parcialmente ou
completamente liberado do esôfago ou estômago através da boca, sem esforço ou contrações musculares (i. e.
por meio da gravidade e da posição corporal do animal). Embora a disfagia envolva contrações musculares
ativas, porém ineficazes, e pode provocar movimentos que muito se assemelham ao esforço do vômito, o
processo representa um movimento disfuncional de líquido e/ou alimento para dentro e não fora do trato
gastrintestinal.
ETIOLOGIA, FISIOPATOLOGIA E ACHADOS CLÍNICOS: O ato reflexo de vomitar é iniciado pelo centro de vômito
(ou centro emético) localizado na formação reticular da medula. O centro do vômito responde a estímulos de
quatro fontes principais: 1) receptores aferentes de várias estruturas periféricas (trato gastrintestinal, pâncreas,
coração, fígado, trato urogenital e peritônio) conduzidos pelos nervos vago e simpáticos; 2) zona
desencadeadora de quimiorreceptores (ZDQ) da área postrema da medula; 3) córtex cerebral e sistema límbico;
e 4) aparato vestibular. Neste sentido, o centro do vômito responde a estímulos neurais, humorais e químicos.
Estimulação dos receptores nos canais semicirculares do sistema vestibular, aumento da pressão intracraniana,
distensão do duodeno (p. ex., obstrução por corpo estranho, gás e íleo adinâmico secundários à inflamação) ou
cólon (p. ex., constipação intestinal), distensão ou inflamação de cápsulas de órgãos (p. ex., pielonefrite ou
insuficiência hepática aguda), toxinas sanguíneas (p. ex., quimioterápicos exógenos ou toxinas urêmicas
endógenas) são exemplos de vários estímulos que podem ativar o reflexo do vômito e mostram porque a lista de
causas potenciais que causam vômito nos pacientes é tão extensa.
Algumas causas adicionais de vômito incluem toxinas (pesticidas, zinco, xilitol, micotoxinas),
envenenamento, parasitos (nematoides em gatos, Spirocerca lupi, Physaloptera, Ollulanos tricuspis), infecção
(Helycobacter) e inflamação (pancreatite), medicamentos (aciclovir, cisplatina, piperazina, zolpidem,
antibióticos), obstrução (intussuscepção, corpo estranho, obstipação), alergia alimentar, distúrbios de motilidade
(síndrome do vômito bilioso, hérnia de hiato), doença metabólica e eletrolítica, enfermidade neurológica
(desautonomia, epilepsia límbica), neoplasia, enterotoxemia e sepse.
Ansiedade, depressão, hipersalivação e deglutições repetidas acompanhadas de relaxamento do esfíncter
gastresofágico são seguidos de esforço de vômito. O intestino delgado proximal e o antro do estômago se
contraem, propelindo o seu conteúdo do interior do corpo do estômago, onde o movimento é inibido. O esfíncter
gastresofágico desloca­se para o interior da cavidade torácica, tornando­se incompetente e facilitando o refluxo
gastresofágico. Reprime­se a motilidade dos esfíncteres esofágico e faringoesofágico e a nasofaringe se fecha
para evitar regurgitação nasal. Contrações forçadas de músculos abdominais e do diafragma contra a glote
fechada, combinados com aumento da pressão intra­abdominal, forçam a expulsão de alimento, fluidos e
resíduos.
DIAGNÓSTICO: A abordagem diagnóstica se inicia com a identificação completa e acurada do problema. Isto
inclui diferenciar vômito de regurgitação ou disfagia e, então, caracterizar a duração e a natureza do vômito.
Embora a lista completa das prováveis causas de vômito seja extensa e relevante para qualquer paciente com
vômito, o ranqueamento da lista diferencial é significativamente influenciada por uma variedade de fatores
históricos. O problema deve ser definido como agudo ou crônico, persistente ou intermitente, estático,
progressivo ou recidivante. O vômito pode ser melhor definido em termos de frequência e período do dia em
que ocorre, natureza do vômito, alterações nas condições alimentares ou ambientais que precedem o problema e
condição geral do paciente (p. ex., atitude, atividade, apetite, aparência), entre os episódios. Tanto o histórico
quanto o exame físico podem revelar causas sistêmicas potenciais ou consequências do problema, tais como
depressão, desidratação, febre, halitose, perda de peso, dispneia (aspiração), dor abdominal, tumores,
espessamento ou distensão de alças intestinais, borborigmo ou melena.
Após anamnese e exame físico minuciosos, deve­se definir os diagnósticos diferenciais gastrintestinais
primários e secundários. Radiografias abdominais simples devem ser parte da abordagem diagnóstica inicial em
qualquer paciente com vômito; um corpo estranho gastrintestinal não diagnosticado em um paciente com
vômito agudo ou um tumor esplênico não detectado no paciente com vômito crônico são causas potencialmente
fatais de vômito, cuja identificação foi retardada por tratamento sintomático na ausência de testes diagnósticos
apropriados, em detrimento do paciente. Uma base mínima de dados, inclusive hemograma, perfil bioquímico
sérico, urinálise e exame de fezes, são também apropriados para o diagnóstico inicial, embora sejam menos
prováveis que permitam a identificação das causas primárias, que necessitam intervenção imediata.
O vômito crônico e o vômito com manifestações sistêmicas, tais como hematêmese, dor abdominal,
desidratação, febre ou perda de peso, devem ser abordados mais vigorosamente. Uma gama extensa de testes
diagnósticos está disponível para diagnóstico de causas primárias e secundárias de vômito. Modalidade não
invasiva de imagens, além de radiografias abdominais simples, incluem radiografias contrastadas,
ultrassonografia abdominal e ressonância magnética (RM) ou tomografia computadorizada (TC) do abdome.
Exame de flotação fecal, esfregaço seco, esfregaço úmido, ELISA para Giardia, PCR, microscopia eletrônica e
mensuração dos teores de a­antiprotease (para enteropatias com perda de proteínas) estão disponíveis para
auxiliar no diagnóstico de doença gastrintestinal. A imunorreatividade da lipase pancreática (ILP) substituiu as
dosagens de amilase e lipase séricas como testes muito mais sensíveis de inflamação pancreática. Laparoscopia
e endoscopia são ferramentas diagnósticas valiosas para as causas primárias e secundárias de vômito e elas
conferem uma morbidade muito menor do que a laparotomia exploratória.
TRATAMENTO E CONTROLE: O principal objetivo do tratamento de um paciente com vômito é identificar e tratar
as causas primárias do problema. A obtenção de um diagnóstico definitivo antes da instituição de tratamento
sintomático é quase sempre uma abordagem prudente e frequentemente efetiva em qualquer paciente com
vômito. A terapia antiemética é um componente essencial do protocolo terapêutico para muitos pacientes,
porém com a administração de um antiemético, o médico perde a capacidade de relacionar a cessação do vômito
com qualquer outro parâmetro específico (p. ex., reidratação, resolução de uma obstrução parcial, tratamento
efetivo da doença primária em curso e a progressão natural de uma simples gastrite).
A terapia sintomática para vômito agudo inclui jejum de 24 h. A água nunca deve ser suspensa, exceto se o
animal recebe fluidoterapia por via SC ou IV. As consequências previsíveis do vômito incluem desidratação,
desequilíbrio eletrolítico e ácido­base; a suspensão de água sem avaliar adequadamente o estado de hidratação
do paciente exacerba e complica essas anormalidades. Alguns animais mostram resposta positiva com essa
intervenção por 24 h e pequenos volumes de fluidos orais e, eventualmente, de alimentos podem ser
reintroduzidos lentamente se ocorrem mais episódios de vômito.
Vários animais com episódios de vômito necessitam um período maior de reidratação vigorosa ajustada à
progressão ou resolução das anormalidades do estado eletrolítico e ácido­base. Vômito normalmente resulta em
azotemia pré­renal, hipopotassemia, hipocloremia, alcalose metabólica e acidúria paradoxal devido à perda de
secreção rica em potássio, cloreto e hidrogênio. Vômito persistente sem reidratação suficiente pode resultar em
acidose metabólica e perda de excesso de base, hipovolemia, baixa perfusão tecidual, hipoxia e acidose láctica.
Portanto, é difícil predizer o estado ácido­base/eletrolítico de um animal com vômito; a capacidade do clínico de
tratar esses desequilíbrios depende de avaliações repetidas de vários parâmetros.
A decisão de se instituir terapia antiemética é baseada no quadro clínico do animal, na identificação da causa
primária, na necessidade de avaliação da progressão natural da condição do animal, da resposta a outros
tratamentos e do impacto geral do vômito no estado emocional, físico e bioquímico do paciente. Há vários
antieméticos disponíveis e sua eficácia, frequentemente, depende de que e/ou como muitos dos estímulos
previamente descritos atingem o centro do vômito. Antieméticos particularmente eficazes em animais com
doença vestibular podem ser de pouco valor a animais cujo vômito, por exemplo, é secundário à insuficiência
renal.
Fármacos que atuam diretamente no centro do vômito incluem os tranquilizantes fenotiazinas, tais como
proclorperazina (0,3 mg/kg, VO, 3 vezes/dia; 0,1 mg/kg, IM, 4 vezes/dia; ou 0,1 a 0,5 mg/kg, SC, 3 vezes/dia) e
clorpromazina (0,5 mg/kg, VO, 4 vezes/dia; 0,5 mg/kg, IM, 3 vezes/dia; ou 1 mg/kg, VR, 3 vezes/dia). As
fenotiazinas também inibem a atividade do ZDQ e tem discreto efeito anticolinérgico, o que as tornam uma
escolha valiosa e efetiva em muitos animais. Embora os efeitos antieméticos sejam observados em doses
menores que aquelas necessárias para o efeito tranquilizante, a hipotensão é um efeito adverso em potencial.
Portanto, é essencial que os animais sejam adequadamente reidratados antes de se instituir a terapia com
fenotiazinas.
Uma nova classe de antieméticos que parece atuar tanto no centro do vômito quanto na ZDQ é o antagonista
do receptor NK­1, maropitant (1 mg/kg SC, 1 vez/dia, por até 5 dias; 2 mg/kg, VO, 1 vez/dia, por até 5 dias; 8
mg/kg, VO, 1 vez/dia, por até 2 dias, para enjoo de transporte). Maropitant foi o primeiro introduzido com
profilático em animais com câncer sob tratamento quimioterápico. Seu uso foi estendido para cessar
eficazmente o vômito agudo secundário a uma ampla variedade de causas e para o tratamento do enjoo de
transporte. A administração de maropitant inclui um período de eliminação (5 dias de tratamento e 2 dias sem,
para o vômito; 2 dias de tratamento e 3 dias sem, para enjoo de transporte). Pode ocorrer, em alguns animais,
desconforto discreto e transitório após a injeção SC. A dose para gatos ainda não foi estabelecida, porém parece
ser aproximadamente metade da dose recomendada para cães.
Fármacos utilizados principalmente para enjoo de transporte e/ou doença vestibular incluem hidrocloreto de
meclizina (2 a 6 mg/kg, VO, 25 mg/cão, VO, 1 vez/dia; total de 12,5 mg para gatos, 1 vez/dia) e difenidramina
(2 a 4 mg/kg, VO, 3 vezes/dia). Esses anti­histamínicos atuam bloqueando os receptores H1 do aparato
vestibular e, em menor grau, da ZDQ. O antimuscarínico escopolamina (0,03 mg/kg IM ou SC, 4 vezes/dia)
também é utilizado para enjoo de transporte. Sonolência e xerostomia são reações adversas potenciais deste
fármaco.
Antagonistas dopaminérgicos, como metoclopramida (0,2 a 0,5 mg/kg, VO ou SC, 4 vezes/dia, ou 1 a 3
μg/kg/min em taxa de infusão constante), atuam na ZDQ e em receptores periféricos e são considerados úteis no
tratamento de vômito secundário a uma variedade de causas. A eficácia da metoclopramida como antiemético
em gatos está em estudo, uma vez que os gatos podem não ter receptores dopaminérgicos no centro do vômito.
Ondansetron (0,1 a 1 mg/kg, VO, 1 a 3 vezes/dia, ou 30 min antes da quimioterapia; 0,11 a 0,18 mg/kg, IV;
evite o uso em cães da raça Colly) é um antiemético que atua com antagonista seletivo do receptor de serotonina
5­HT3, com ação tanto central quanto periférica. A liberação periférica de serotonina mostrou se importante na
resposta do vômito decorrente da administração de quimioterápicos; o ondansetron deve ser utilizado em
pacientes com câncer, antes da terapia, assim como em outros casos que não respondem a outros antieméticos.
À semelhança do ondensetron, o dolasetron (0,6 a 1,0 mg/kg, IV ou VO, 1 vez/dia) é um antagonista
serotoninérgico 5­HT3 utilizado para aliviar náuseas e vômito secundário à anestesia, quimioterapia, enterite e
hepatopatia.
Além da manipulação farmacológica destinada para prevenir a expulsão do conteúdo gástrico em direção
retrógrada, um paciente com vômito pode também responder à intervenção farmacológica dirigida ao
movimento dos alimentos na direção apropriada. Embora qualquer possibilidade de obstrução ou corpo estranho
seja uma contraindicação, fármacos promotilidade, como metoclopramida (ver texto anterior), ranitidina (1 a 2
mg/kg, VO, 2 vezes/dia), baixas doses de eritromicina (0,5 a 1,0 mg/kg, 3 vezes/dia) e cisaprida (0,5 mg/kg,
VO, 3 vezes/dia em cães; 2,5 a 5,0 mg/gato, VO, 2 a 3 vezes/dia em gatos) deve ser incluídos no protocolo
terapêutico.
OLHO E OUVIDO

OLHO

CERATOCONJUNTIVITE INFECCIOSA
CONJUNTIVITE CAUSADA POR CLAMÍDIA
DOENÇA OCULAR PARASITÁRIA
Vermes Oculares de Grandes Animais
Vermes Oculares de Pequenos Animais
EMERGÊNCIAS OFTÁLMICAS (EMG)
NEOPLASIA DO OLHO E DE ESTRUTURAS ASSOCIADAS
Bovinos
Caninos
Equinos
Felinos
OFTALMOLOGIA
Aparato Lacrimal e Nasolacrimal
Conjuntiva
Córnea
Cristalino
Exame Físico do Olho
Fundo do Olho
Coriorretinite
Descolamentos de Retina
Retinopatias Hereditárias
Glaucoma
Manifestações Oftálmicas de Doenças Sistêmicas
Nervo Óptico
Órbita
Pálpebras
Anormalidades de Conformação
Inflamação
Prolapso do Olho
Úvea Anterior
UVEÍTE RECIDIVANTE EQUINA

OUVIDO

DOENÇAS DO PAVILHÃO AURICULAR


Adenite Sebácea
Alergia à Picada de Mosquito
Alopécia de Pavilhão Auricular
Ataque de Moscas
Dermatite de Contato
Dermatite de Pavilhão Auricular
Hematoma Auricular
Infestação por Ácaros
Miscelânea de Doenças
Placas Auriculares em Equinos
Seborreia da Borda Auricular
Síndrome da Necrose Auricular em Suínos
OTITE EXTERNA
OTITES MÉDIA E INTERNA
SURDEZ
TUMORES DO CANAL AURICULAR
Pólipos Nasofaríngeos
Neoplasias de Glândula Ceruminosa

CERATOCONJUNTIVITE INFECCIOSA (Olho róseo, Oftalmia

infecciosa)

Ceratoconjuntivite infecciosa de bovinos, ovinos e caprinos é caracterizada por blefarospasmo, conjuntivite,


lacrimejamento e graus variáveis de opacidade e ulceração de córnea.
A ceratoconjuntivite infecciosa bovina (CIB; “olho róseo”) é a doença ocular mais comum em bovinos, sendo
observada em rebanhos por todo o mundo. O bastonete gram­negativo Moraxella bovis é o único
microrganismo que, comprovadamente, causa CIB em bovinos. Atualmente, são conhecidos sete sorogrupos
diferentes de M. bovis. A maioria das outras infecções oculares em bovinos é caracterizada por conjuntivite,
com queratite mínima ou ausente. O principal diagnóstico diferencial é de rinotraqueíte infecciosa bovina (RIB),
que causa conjuntivite grave e edema de córnea, que se origina próximo ao limbo, porém é incomum a
ulceração de córnea. Mycoplasma spp pode causar conjuntivite em bovinos, tanto isoladamente como em
associação com M. bovis. RIB ou infecção por outros microrganismos pode intensificar a gravidade da infecção
por M. bovis. Um coco gram­negativo foi descoberto recentemente em olhos de bovinos acometidos por CIB.
Esse microrganismo é uma nova espécie de Moraxella (M. bovoculi), mas sua participação na patogênese da
CIB ainda não foi completamente elucidada. M. bovoculi também foi isolado de casos de ceratoconjuntivite
infecciosa em renas.
Ceratoconjuntivite infecciosa bovina, com úlcera de córnea em uma vaca. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.

Em ovinos e caprinos, conjuntivite ou ceratoconjuntivite pode estar associada a infecções por Chlamydophila
psittasi e C. pecorum. Infecções não clamidianas podem ser causadas por microrganismos semelhantes a
riquétsias (Colesiota conjunctivae), Mycoplasma spp (notavelmente M. conjunctivae) e bactérias aeróbias
(principalmente Moraxella ovis). Em caprinos, infecções por micoplasma são as mais comuns, embora bactérias
aeróbias também tenham sido isoladas. Devido aos riscos possíveis de transmissão zoonótica de tais
microrganismos, proprietários de pequenos ruminantes que tratam conjuntivite ou ceratoconjuntivite devem
calçar luvas para o manuseio de animais infectados.
ACHADOS CLÍNICOS: Em geral, a doença é aguda e tende a se disseminar rapidamente. Um ou ambos os olhos
podem ser acometidos. Fragmentos de plantas, mosca da face, radiação ultravioleta da luz solar intensa,
ambiente seco e com poeira e estresse de transporte são fatores de risco associados à CIB em rebanhos bovinos.
As moscas também podem atuar como vetores de M. bovis. Em todas as espécies, animais jovens são
acometidos mais frequentemente, porém animais de qualquer idade são suscetíveis. Os sinais clínicos mais
precoces são fotofobia, blefarospasmo e epífora. Depois, a secreção ocular inicial pode se tornar mucopurulenta.
Geralmente há conjuntivite, associada ou não à queratite de graus variáveis. Em ovinos e caprinos, pode haver
poliartrite concomitante. Em caprinos, infecções da glândula mamária e do útero também podem ocorrer
simultaneamente à ceratoconjuntivite. O apetite pode estar diminuído devido ao desconforto ocular ou ao
distúrbio visual, que resulta na incapacidade em localizar o alimento. O curso clínico típico varia de poucos dias
a algumas semanas. A maioria das úlceras de córnea em bovinos com CIB cicatriza sem perda da visão;
entretanto, em casos mais graves podem ocorrer ruptura de córnea e cegueira permanente.
Lesões: A gravidade das lesões é variável. Em bovinos, uma ou mais úlceras pequenas são notadas próximo ao
centro da córnea. Inicialmente, a córnea ao redor da lesão é transparente, mas em poucas horas surge uma
opacidade discreta que depois se torna mais densa. As lesões podem regredir nos estágios iniciais ou podem
continuar a progredir. Em casos graves, após 48 a 72 h toda a córnea pode apresentar opacidade, ocasionando
cegueira naquele olho. Vasos sanguíneos podem invadir a córnea a partir do limbo e seguirem em direção à
úlcera na velocidade de cerca de 1 mm/dia. A opacidade de córnea pode ser decorrência de edema (córnea
branco­turva a azulada), que é uma parte da reação inflamatória, ou de infiltração leucocitária (córnea branco­
leitoso a amarelada), que indica infecção grave. Úlcera ativa progressiva pode causar ruptura de córnea. Pode
ocorrer recidiva em qualquer estágio da recuperação.
DIAGNÓSTICO: Em todas as espécies, o diagnóstico presuntivo baseia­se nos sintomas oculares e da doença
sistêmica concomitante. É importante reconhecer que as lesões não se devem a corpos estranhos ou parasitos
(ver p. 528). Na RIB, predominam sintomas de trato respiratório superior e conjuntivite; queratite acompanhada
de úlcera é rara. Na febre catarral maligna bovina, são proeminentes os sintomas respiratórios, acompanhados
de uveíte primária e queratite associada. Cultura microbiana pode ser útil para confirmar os microrganismos
causadores. Chlamydophila e Mycoplasma spp requerem meio especial; o laboratório de diagnóstico deve ser
consultado antes da coleta da amostra. O exame citológico de lâminas coradas, preparadas a partir de raspados
conjuntivais de ovinos e caprinos, pode revelar a presença de Chlamydophila. Entretanto, pode ser difícil
reconhecer corpúsculos de inclusões intracitoplasmáticas. PCR pode ser utilizada para detectar Chlamydophila e
Mycoplasma spp.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO: Boas práticas de manejo são de extrema importância na redução ou prevenção da
disseminação da infecção em bovinos, ovinos e caprinos. A separação dos animais infectados, quando possível,
é benéfica. Isolamento temporário e tratamento preventivo de animais recem­introduzidos ao rebanho podem ser
úteis, pois alguns destes animais podem ser portadores assintomáticos. A radiação ultravioleta da luz solar pode
exacerbar a doença (particularmente em bovinos); portanto, animais acometidos devem ser colocados à sombra.
Sacos com inseticida, em pó, ou brincos impregnados com inseticida podem ser utilizados para reduzir a
população de moscas da face (Musca autumnalis), um importante vetor de M. bovis.
Bacterinas de M. bovis estão disponíveis e podem ser administradas antes do início da estação das moscas. Os
bovinos devem começar a receber a série de vacinas contra M. bovis 6 a 8 semanas antes do período estimado
para os primeiros casos de CIB, para que haja tempo de desenvolvimento de imunidade adequada. A eficácia
das bacterinas de M. bovis atualmente disponíveis no mercado é controversa e parece variar em função das
diferenças entre as linhagens de M. bovis usadas nas vacinas e aquelas envolvidas nos surtos e quanto aos graus
variáveis de proteção cruzada propiciada pela vacinação. A vacina pode reduzir a gravidade e a duração da
infecção em animais acometidos. A infecção por RIB pode predispor os bovinos à infecção por M. bovis; assim,
a vacinação dos rebanhos contra RIB pode reduzir os surtos de M. bovis. O uso de vacinas vivas modificadas
contra RIB foi associado a surtos de CIB em bovinos. A vacinação contra RIB deve ser programada
apropriadamente em relação ao transporte dos bovinos, de forma que esses eventos não coincidam. A vacinação
de bovinos com vacina viva modificada contra RIB pode exacerbar um surto de CIB associado a M. bovis e/ou
M. bovoculi, devido ao aumento das secreções oculares e nasais, que espalham as bactérias no rebanho, bem
como à lesão ao epitélio corneano.
M. bovis é suscetível a vários antibióticos. Como a suscetibilidade antibiótica pode variar em diferentes
regiões geográficas, é aconselhável a realização de cultura bacteriana e antibiograma. Um tratamento comum é a
injeção subconjuntival de penicilina. Oxitetraciclina de longa ação (2 injeções de 20 mg/kg IM ou SC, em
intervalo de 48 a 72 h) e tularromicina (2,5 mg/kg SC, aplicação única) são antibióticos atualmente aprovados
para tratamento de CIB. Outros antibióticos efetivos incluem ácido livre cristalino de ceftiofur (6,6 mg/kg SC,
na base da orelha) e florfenicol (20 mg/kg IM, 2 doses com intervalo de 2 dias). Injeção única de oxitetraciclina
de longa ação (20 mg/kg IM) associada à oxitetraciclina oral (2 g/bezerro/dia, por 10 dias), junto com alfafa,
também se mostrou efetiva na redução da gravidade da CIB durante surto em um rebanho. Aplicações tópicas
de preparações oftálmicas devem ser feitas ao menos 3 vezes/dia para que sejam efetivas; assim, frequentemente
não são consideradas práticas em condições de rebanho e seu custo­benefício não é favorável. Antibióticos
efetivos para uso oftálmico tópico incluem uma pomada antibiótica tripla, com gentamicina e a combinação de
oxitetraciclina/polimixina B. Dobra de terceira pálpebra ou tarsorrafia parcial, que protege a córnea da luz solar,
juntamente com injeção subconjuntival, pode reduzir a morbidade em animais gravemente acometidos. Um
adesivo ocular temporário, colado aos pelos que circundam o olho, é um tratamento de baixo custo e prático. O
adesivo ocular protege da luz e previne exposição às moscas, reduzindo a disseminação do microrganismo.
Para ovinos e caprinos, nos quais se suspeitam de infecções por clamídia e micoplasma, respectivamente,
pomadas tópicas de tetraciclina, oxitetraciclina/polimixina B ou eritromicina são os tratamentos de escolha.
Todas estas preparações são efetivas contra Chlamydophila ou Mycoplasma e devem ser aplicadas 3 a 4
vezes/dia. Se a terapia tópica não for prática, uma injeção de oxitetraciclina de longa ação (20 mg/kg IM) ou a
adição de oxitetraciclina ao alimento (80 mg/animal/dia) pode ser benéfica.
Animais com importante uveíte secundária à ceratoconjuntivite, que é particularmente dolorida, podem se
beneficiar da aplicação tópica de pomada oftálmica de atropina 1%, 1 a 3 vezes/dia. Isto previne espasmos
doloridos do corpo ciliar e reduz a possibilidade de formação de sinéquia posterior, que ocorre com a miose.
Devido à midríase causada pela atropina, os animais tratados devem ser protegidos da luz. Anti­inflamatórios
não esteroides (AINE) sistêmicos podem ser utilizados para aliviar a dor decorrente de uveíte secundária.
CONJUNTIVITE CAUSADA POR CLAMÍDIA

ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: As clamídias são bactérias intracelulares obrigatórias que originam inclusões
citoplasmáticas em células epiteliais. O ciclo biológico das clamídias envolve uma alternância entre o corpo
reticulado intracelular e o corpo elementar extracelular, que é a forma infectante do microrganismo. Diversos
membros da família Chlamydiaceae têm sido associados à conjuntivite no hospedeiro que eles infectam,
incluindo Chlamydophila caviaie (porquinhos da índia), Chlamydophila psittaci (pássaros) e Chlamydophila
pecorum (bovinos e ovinos). Apesar da infecção por clamídia ter sido associada à ceratoconjuntivite em ovinos
e caprinos, um estudo utilizando técnicas moleculares para detecção de clamídias em ovinos não constatou uma
associação clara entre a infecção e a doença. Em gatos, a conjuntivite por clamídia é causada por
Chlamydophila felis. Chlamydophila psittaci foi isolada de cães com ceratoconjuntivite e dispneia, em uma
criação de cães. Tracoma e conjuntivite por inclusão em pessoas são causados por Chlamydydia trachomatis.
Recentemente, microrganismo semelhante à clamídia (Parachlamydia acanthamoebae) que habita e se prolifera
em amebas de vida livre foi isolado de olhos de gatos, porquinhos da índia, suínos e ovinos com conjuntivite. A
importância patogênica desses microrganismos e das amebas hospedeiras atualmente não está clara, apesar de
um estudo recente em porquinhos da índia ter sugerido uma relação entre a infecção e a doença ocular.
Apesar da doença em gatos ser conhecida como pneumonite felina, as clamídias raramente causam
pneumonia em gatos. A infecção sempre envolve o olho, ocasionalmente causando sintomas de rinite, com
espirros e secreção nasal. Apesar dos títulos de anticorpos contra Chlamydophila felis serem comuns em
algumas populações de gatos, o microrganismo raramente é isolado em gatos clinicamente sadios. Os gatos com
infecção por clamídia geralmente têm menos de 1 ano de idade e gatos com 2 a 6 meses de idade parecem mais
suscetíveis à infecção. É improvável que gatos com mais de 5 anos de idade que apresentam conjuntivite sejam
infectados e que gatos com menos de 8 semanas de idade possam ser menos predispostos à doença devido à
presença de anticorpos maternos. A transmissão ocorre como resultado do contato próximo, direto, entre gatos,
pois a bactéria sobrevive por pouco tempo no ambiente. Os gatos infectados também excretam clamídias pelo
reto e pela vagina, apesar de não haver comprovação de transmissão durante o acasalamento. Há pouca
evidência de que a clamídia pode ser capaz de causar doença reprodutiva e claudicação em gatos, apesar dessas
associações não estarem definitivamente documentadas.
A infecção por clamídia é uma das causas mais comuns de conjuntivite em populações de porquinhos­da­
índia, nos quais também é conhecida como conjuntivite de inclusão (ver p. 2130). Assim como os gatos, os
porquinhos­da­índia jovens, especialmente aqueles com 1 a 2 meses de idade, são predispostos. Ademais, é
possível a ocorrência de doença subclínica. Rinite, doença do trato respiratório inferior e infecções genitais
causando salpingite e cistite, nas fêmeas, e uretrite nos machos de porquinhos da índia também podem ocorrer.
ACHADOS CLÍNICOS: Em gatos, o período de incubação após contato com um gato infectado é de 3 a 10 dias. Os
sintomas podem incluir conjuntivite serosa a mucopurulenta, secreção nasal e espirros. Gatos com sintomas de
rinite, na ausência de conjuntivite, provavelmente não estão infectados por Chlamydophila felis. Os sintomas
iniciais incluem hiperemia conjuntival uni ou bilateral, quemose e secreção ocular serosa, com folículos
proeminentes na face interna da terceira pálpebra, nos casos mais graves. A doença de córnea é rara e, se
presente, pode ser resultado de infecção concomitante por microrganismos como o herpes vírus felino­1. Os
sintomas são mais graves 9 a 13 dias após o início e, então, se tornam brandos em um período de 2 a 3 semanas.
Em alguns gatos, os sinais clínicos podem durar semanas, independente do tratamento, e a recidiva não é
incomum. Gatos não tratados podem carrear a bactéria durante meses após a infecção.
Porquinhos­da­índia podem desenvolver conjuntivite discreta a grave, com hiperemia conjuntival, quemose e
secreção ocular mucopurulenta.
DIAGNÓSTICO: Em gatos, a conjuntivite por clamídia deve ser diferenciada da conjuntivite causada por herpes
vírus felino­1 e por calicivírus felino e em porquinhos­da–índia da infecção por micoplasma ou outras infecções
bacterianas (p. ex., “olho rosa”). O diagnóstico pode ser confirmado pela constatação de inclusões
intracitoplasmáticas por clamídia em preparações citológicas esfoliativas ou pelo isolamento da clamídia em
cultivo celular ou por PCR, para DNA de clamídia, em esfregaços conjuntivais. Os raspados para exame
citológico são preparados aplicando­se uma espátula levemente, porém de modo firme, na conjuntiva e
espalhando o material colhido sobre uma lâmina de vidro. O preparado é seco por exposição ao ar e corado.
A citologia conjuntival de porquinhos–da­índia geralmente revela uma resposta inflamatória neutrofílica. As
inclusões por clamídia, as quais contêm corpos reticulados, são arredondadas e geralmente se coram de roxo
com o corante de Romanowsky. As inclusões geralmente são visíveis apenas no início da infecção e muitas
vezes não são absolutamente observadas. Os grânulos de melanina e estruturas remanescentes de algumas
preparações oftálmicas podem ser confundidos com inclusões, gerando resultado falso­positivo. Assim, outros
testes diagnósticos são recomendados para confirmar o diagnóstico. Raspados ou esfregaços conjuntivais podem
ser submetidos a isolamento de clamídia em cultivo celular ou a teste PCR em laboratório de diagnóstico
especializado. Apesar da sorologia na fase aguda e na fase convalescente ter sido utilizada para detectar a
resposta de anticorpos à infecção por clamídia, geralmente não é empregada clinicamente para diagnóstico de
conjuntivite por clamídia.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO: Vacinas contra clamidiose estão disponíveis para gatos, mas não para outras
espécies. A vacina contra clamidiose felina não protege completamente os gatos, mas reduz de forma
significativa a gravidade e a taxa de infecção.
Todos os isolados de C. psittaci são suscetíveis às tetraciclinas. O tratamento de escolha é a doxiciclina (10
mg/kg, 1 vez/dia) durante, pelo menos, 4 semanas. O tratamento sistêmico é mais efetivo do que o tratamento
tópico, o que é lógico, uma vez que as bactérias são excretadas de locais que não a conjuntiva. Tem sido
necessário tratamento por até 6 semanas para eliminar a infecção, em alguns gatos. Todos os gatos da casa
devem ser tratados. Fluorquinolonas, como enrofloxacino e pradofloxacino, e a combinação de amoxicilina e
ácido clavulânico também têm sido empregadas com sucesso no tratamento de clamidiose felina, apesar da
possibilidade de menor eficácia do que aquela da doxiciclina. A azitromicina não parece ser efetiva.
RISCO ZOONÓTICO: Em casos raros, Chlamydophila felis e Chlamydophila caviae foram isoladas de pessoas que
conviviam com gatos e porquinhos­da­índia infectados. Um único caso de conjuntivite folicular foi descrito em
pessoa imunocomprometida que estava infectada por C. felis. Há relato de detecção de C. caviae em uma pessoa
com secreção ocular e que trabalhava com cerca de 200 porquinhos da índia doentes. C. caviae também foi
detectada em esfregaços conjuntivais do gato e do coelho desta pessoa; o coelho apresentava sintomas discretos
de conjuntivite. Práticas de higiene rotineiras, como lavar as mãos antes e depois de manusear animais de
estimação doentes, podem reduzir o risco de transmissão desses microrganismos, de animais infectados para as
pessoas.

DOENÇA OCULAR PARASITÁRIA (Telaziose)

VERMES OCULARES DE GRANDES ANIMAIS

ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: Vermes oculares (Thelazia spp) são parasitos comuns de equinos e bovinos em
muitos países, inclusive aqueles da América do Norte. Os equinos são infectados principalmente por T.
lacrymalis; nos bovinos a doença é causada principalmente por T. gulosa, T. skrjabini e T. rhodesii. Esta última
infecção é a mais comum e agressiva em bovinos do Velho Mundo, mas não há relato recente em bovinos da
América do Norte. A prevalência de Thelazia spp no rebanho tem diminuído, pelo menos em algumas áreas
onde endectocidas lactonas macrocíclicas, como ivermectina e doramectina, são comumente utilizadas. Thelazia
spp também são encontradas em suínos, ovinos, caprinos, veados, búfalos d’água, dromedários, lebres, cães e
gatos, aves e pessoas.
A mosca da face, Musca autumnalis, é o vetor de T. lacrymalis, T. gulosa e T. skrjabini na América do Norte.
Hábitos alimentares dessa mosca incluem preferência por secreções oculares, o que é ideal para a transmissão.
O ciclo biológico de Thelazia é o seguinte: fêmeas do parasito são ovovivíparas e depositam larvas nas
secreções oculares; as larvas são ingeridas pelas moscas e se tornam infectantes em 2 a 4 semanas. As larvas
infectantes de terceiro estágio emergem das labelas dessas moscas e são depositadas no olho do hospedeiro
durante a alimentação destes insetos. O desenvolvimento de vermes sexualmente maduros demora 1 a 4
semanas, em bovinos, dependendo da espécie de parasito, e 10 a 11 semanas para T. lacrymalis, em equinos. As
infecções podem ser detectadas durante todo o ano, mas surtos da doença clínica, particularmente em bovinos,
em geral estão associados às atividades das moscas na estação quente. Durante o inverno, as larvas de Thelazia
sp podem permanecer na mosca. As taxas de infecção geralmente tendem a aumentar em hospedeiros mais
idosos, embora alguns estudos relatem infestação máxima aos 2 a 3 anos de idade.
PATOGÊNESE: A glândula lacrimal e seus ductos são locais comumente infectados por Thelazia lacrymalis e T.
gulosa, sendo as glândulas da membrana nictitante e os ductos nasolacrimais acometidos em menor frequência.
T. skrjabini é encontrada normalmente nos ductos lacrimais da membrana nictitante. Localizações superficiais
na córnea, no saco conjuntival e sob as pálpebras e membrana nictitante são mais típicas de T. rhodesii, mas T.
lacrymalis, T. skrjabini e T. gulosa também podem ser encontradas nesses locais. Esses vermes também podem
ser notados nos pelos ou pele periocular durante anestesia ou após a migração em um hospedeiro morto.
Irritação e inflamação localizadas provavelmente se devem à cutícula serrilhada dos vermes, especialmente de
T. rhodesii. A invasão da glândula lacrimal e dos ductos excretores pode causar inflamação e exsudação
necrótica. A inflamação dos ductos e dos sacos lacrimais também foi relatada em equinos. Conjuntivite e
blefarite brandas a graves são comuns. Também, pode se instalar queratite, inclusive com opacidade, ulceração,
perfuração e fibrose permanente em casos graves, particularmente nas infecções por T. rhodesii em bovinos.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: As infecções assintomáticas, tanto em equinos como em bovinos, parecem
típicas de telaziose, na América do Norte. A infecção pode ser constatada casualmente durante cirurgia ou
necropsia. Entretanto, infecções por Thelazia em bovinos na América do Norte podem não ser sempre inócuas.
Podem causar conjuntivite discreta, lacrimejamento excessivo, edema localizado, opacidade de córnea e,
ocasionalmente, cistos subconjuntivais. Na Europa e na Ásia, a telaziose está comumente associada a
manifestações clínicas graves, inclusive com conjuntivite, fotofobia e queratite. Tipicamente nota­se
conjuntivite crônica, com hiperplasia linfoide e exsudato seromucoso.
Não há disponibilidade de uma técnica clinicamente acessível para detecção segura de vermes oculares
adultos. A inspeção macroscópica dos olhos pode revelar os parasitos, sendo em geral recomendada para T.
rhodesii, comumente encontrada no saco conjuntival. Entretanto, T. gulosa e T. skrjabini, em bovinos, e T.
lacrymalis, em equinos, tendem a ser mais invasivas e mais dificilmente observadas. Anestésicos tópicos
permitem a manipulação tecidual e, assim, são úteis na detecção e remoção dos vermes. Pode­se fazer o exame
microscópico dos fluidos lacrimais em busca de ovos embrionados ou larvas.
Os sinais clínicos podem ser úteis no diagnóstico diferencial. A telaziose tende a causar conjuntivite crônica.
Em bovinos, a ceratoconjuntivite infecciosa (ver p. 470) é uma infecção aguda da córnea, que se dissemina
rapidamente. Em equinos, as larvas infectantes dos parasitos estomacais Draschia e Habronema sp também
podem provocar lesões oftálmicas. Estas tendem a ocorrer próximo ao canto medial da pálpebra, na forma de
granulomas ulcerativos proeminentes, frequentemente contendo “grânulos sulfurosos” amarelos característicos,
semelhantes a placas, com 1 a 2 mm de diâmetro. Também, microfilárias de Onchocerca sp invadem o olho e
podem resultar em manifestações oftálmicas. Pequenos nódulos (< 1 mm) elevados e brancos na conjuntiva
pigmentada adjacente ao limbo temporal são patognomônicos da infecção por Onchocerca. A despigmentação
da conjuntiva bulbar nesta área também ocorre frequentemente. Outras lesões de oncocercose envolvem a
córnea e incluem edema e opacidades pontilhadas ou estriadas no estroma, erosões superficiais e queratite
esclerosante em forma de cunha, que se estende a partir do limbo temporal. Estruturas intraoculares também
podem ser infectadas por microfilárias de Onchocerca sp (ver p. 827).
TRATAMENTO E CONTROLE: A remoção mecânica de Thelazia rhodesii com pinça, após instilação de anestésico
local, é útil em bovinos. Isto também pode ser empregado para as formas mais invasivas de T. gulosa ou T.
skrjabini, em bovinos, ou T. lacrymalis, em equinos. Irrigação dos olhos com 50 a 75 ml de solução aquosa de
iodo 0,5% e de iodeto de potássio 0,75% foi recomendada para T. gulosa e T. skrjabini. Também pode ser
efetiva para T. lacrymalis, em equinos. A aplicação tópica de iodeto de ecotiofato 0,03% ou de isoflurofato
0,025% (ambos organofosforados) tem sido bem­sucedida para T. lacrymalis em equinos. Recomenda­se o uso
concomitante de pomada contendo esteroide e antibiótico para inflamação e infecção secundárias por bactérias.
Estes agentes tópicos também devem ser úteis para T. gulosa e T. skrjabini, em bovinos. Alguns anti­
helmínticos sistêmicos têm mostrado atividade contra vermes oculares. Em bovinos, tanto a aplicação de 5 mg
de levamisol/kg SC, quanto de ivermectina e doramectina, ambas na dose de 0,2 mg/kg SC ou IM, têm sido
efetiva contra Thelazia spp. Formulações de ivermectina ou doramectina pour­on, aplicadas na dose de 0,5
mg/kg, também são muito efetivas. A doramectina foi aprovada nos EUA para o tratamento de parasitos
oculares adultos, em bovinos. Para T. lacrymalis em equinos, dose única dos anti­helmínticos comumente
utilizados, inclusive ivermectina, administrada por meio de tubo gástrico, na dose de 0,2 mg/kg, têm
apresentado efeito limitado, se apresentam, contra vermes oculares. Por outro lado, o protocolo com multidoses
de fembendazol (10 mg/kg, 1 vez/dia, por 5 dias) é eficaz contra T. lacrymalis.
Medidas para controle das moscas, direcionadas especialmente contra a mosca da face, auxiliam no controle
de telaziose, tanto em bovinos como em equinos. Bovinos em pastagens abertas e secas apresentam menor
população de moscas da face do que aqueles em pastagens onde há sombra e água.

VERMES OCULARES DE PEQUENOS ANIMAIS

Thelazia californiensis é encontrada em cães, gatos e veados, no oeste dos EUA. T. callipaeda é constatada em
cães, gatos, raposas, lobos e coelhos, na Europa e na Ásia. Adicionalmente, ambas as espécies têm potencial
zoonótico. Os parasitos são esbranquiçados, com 7 a 19 mm de comprimento e se movem rapidamente como
uma serpente, pelo olho. Até 100 vermes oculares podem ser encontrados no saco conjuntival, ductos lacrimais
e na conjuntiva sob a membrana nictitante e pálpebras. Moscas do lixo (Musca spp, Fannia spp) atuam como
hospedeiros intermediários e depositam larvas infectantes no olho, quando se alimentam de secreções oculares.
Os sintomas incluem lacrimejamento excessivo e epífora, conjuntivite, queratite com opacidade e ulceração
de córnea e, raramente, cegueira. Após anestesia local, o diagnóstico e o tratamento são prontamente realizados
por meio da observação e remoção dos parasitos com pinça. Alguns autores relataram a eliminação efetiva de
infecções por Thelazia spp de cães com injeção SC de 0,2 mg de ivermectina/kg, administração oral de no
mínimo 0,5 mg de milbemicina oxima/kg (2 aplicações, com intervalo de 1 semana, para maior eficácia) ou
tratamento spot­on com solução de moxidectina 2,5%. Soluções oculares (moxidectina 1% ou levamisol 2%) ou
pomadas (levamisol 1% ou morantel 4%) também podem ser efetivas. Foi possível a prevenção da infecção por
T. callipaeda em cães durante toda a estação pela aplicação SC de 0,17 mg de moxidectina/kg, na forma de
liberação lenta, e pela administração oral de milbemicina oxima, na dose recomendada para prevenção de
dirofilariose.

NEOPLASIA DO OLHO E DE ESTRUTURAS ASSOCIADAS

Os diferentes tecidos do olho e das estruturas associadas podem desenvolver neoplasias primárias ou podem ser
um local de neoplasias metastáticas. As neoplasias oftálmicas variam quanto ao tipo histológico, frequência e
importância nas diferentes espécies e representam um importante grupo de doenças em oftalmologia veterinária.

Bovinos

As neoplasias oftálmicas mais frequentes em bovinos são carcinoma de célula escamosa e infiltração orbitária
associada ao linfossarcoma (ver p. 671). Esta última, com ampla invasão das estruturas orbitárias, resulta em
exoftalmia progressiva, movimentação ocular reduzida, queratite por exposição e úlceras de córnea, que podem
ocasionar perfuração.
O carcinoma de célula escamosa ocular (olho canceroso) é a neoplasia mais comum em bovinos. Resulta em
perda econômica significativa devido à condenação da carcaça por ocasião do abate e à menor vida produtiva.
Ocorre mais frequentemente em raças Bos taurus do que em Bos indicus, sendo mais comum na raça Hereford,
com menor frequência em bovinos das raças Simental e Holstein­Frísio; raramente acomete outras raças. A
idade de maior incidência é aos 8 anos e a prevalência real nos rebanhos varia de 0,8 a 5%. A etiologia é
multifatorial, com possível influência hereditária, da incidência de luz solar, da dieta, da pigmentação palpebral
e, talvez, de vírus. As regiões límbicas medial e lateral (junção corneoescleral) são afetadas com maior
frequência, mas pálpebras, conjuntivas e membranas nictitantes também podem ser acometidas. A proporção de
envolvimento bilateral varia, mas pode chegar a 35%. Pigmentações palpebrais e conjuntivais são altamente
herdáveis, podendo reduzir a frequência de carcinoma de célula escamosa de pálpebra, mas têm efeito limitado
no desenvolvimento de tumores de conjuntiva e da membrana nictitante. As lesões cancerígenas ou pré­
cancerígenas são bilaterais ou múltiplas, no mesmo olho, em cerca de 28% dos casos. Radiação ultravioleta e
alto nível dietético são fatores contribuintes. Os vírus da rinotraqueíte infecciosa bovina e do papiloma foram
isolados nas neoplasias, mas sua importância é desconhecida.
Em geral, as lesões surgem como placas benignas brancas e lisas nas superfícies conjuntivais, podendo
progredir para um papiloma e então para o carcinoma de célula escamosa, ou passar diretamente para o estágio
maligno. Em geral, as lesões palpebrais iniciam tanto como uma lesão ulcerativa quanto como hiperqueratose
(corno cutâneo). Enquanto neste estágio benigno, cerca de 30% podem regredir espontaneamente. O tumor pode
crescer muito, sem invadir o globo ocular, mas nos estágios posteriores da doença ocorrem invasão do globo e
da órbita e metástase aos linfonodos parotídeo e submandibular. Em geral, o diagnóstico se baseia na aparência
clínica, mas pode ser rapidamente confirmado pelo exame citológico de esfregaços por impressão. A invasão
neoplásica intraocular deve ser diferenciada de olhos gravemente desarranjados após traumatismo ou
ceratoconjuntivite infecciosa (ver p. 470).
Carcinoma de célula escamosa em bovino, com lesão corneoconjuntival. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.

Carcinomas de célula escamosa podem responder à extirpação, crioterapia, hipertermia, radioterapia,


quimioterapia local com 5­fluoruracila e imunoterapia, ou, frequentemente, uma combinação destas terapias. A
excisão cirúrgica é indicada para lesões pequenas ou para remoção de lesões maiores, antes da crioterapia ou
hipertermia. Placas, papilomas e carcinomas de célula escamosa podem ser extirpados do limbo por meio de
ceratectomia superficial. Após ceratectomia superficial e remoção do tumor, crioterapia, hipertermia ou enxerto
permanente de conjuntiva bulbar têm propiciado excelente resultado a curto prazo, mas a recidiva no mesmo
local ou em um local diferente é cerca de 25%.
Para lesões avançadas restritas ao globo ocular, recomenda­se enucleação. Quando os tecidos adjacentes estão
acometidos deve­se remover o globo e todos os componentes orbitários (exenteração). A imunoterapia ainda é
procedimento experimental e a regressão tumoral resultante pode ser temporária. Radioterapia não é prática no
campo, mas pode ser uma opção para animais de alto valor.
Proprietários de rebanhos problemáticos devem ser orientados quanto à importância do fator hereditário e
animais acometidos e seus descendentes devem ser abatidos para reduzir a incidência de tumores. Touros em
função reprodutiva ativa e com carcinoma de célula escamosa ocular devem ser abatidos.

Caninos

As neoplasias palpebrais representam o grupo de neoplasias oftálmicas mais comum em cães. Adenoma e
adenocarcinoma da glândula meibomiana são as neoplasias palpebrais mais frequentes (cerca de 60%) em cães
mais velhos. Irritação e deformidade local requerem extirpação da lesão, que geralmente é efetiva.
Adenocarcinoma de glândula de Meibômio (sebáceo) é invasor local e histologicamente maligno, mas
sabidamente não causam metástase. Melanomas palpebrais, que se manifestam como massas pigmentadas
expansivas nas margens palpebrais ou como tumores na pálpebra, devem ser extirpados com ampla margem.
Outras neoplasias palpebrais frequentes incluem histiocitoma, mastocitoma e papiloma e podem requerer
biópsia para determinar a melhor forma de terapia e o prognóstico.
Neoplasias orbitárias em cães provocam exoftalmia, tumefação conjuntival e palpebral, estrabismo e queratite
por exposição. Não é possível fazer a retropulsão do globo ocular. Em geral, não há dor. Como cerca de 90%
das neoplasias são malignas e cerca de 75% se originam na órbita, o prognóstico quanto à sobrevida a longo
prazo frequentemente é ruim. Os tumores diagnosticados com maior frequência incluem osteossarcomas,
fibrossarcomas e adenocarcinomas nasais. O tipo neoplásico deve ser determinado histologicamente e a
extensão da massa determinada pelo exame físico, radiografias de crânio (inclusive procedimentos com
contraste especiais, tomografia computadorizada e ressonância magnética) e ultrassonografia, antes do
tratamento mediante excisão cirúrgica ou radiação. A remoção do tumor de órbita com o globo ocular e todos os
tecidos orbitários (inclusive o osso adjacente) pode reduzir a possibilidade de recidiva, mas causa mais
deformidade, especialmente em cães de pelos curtos. O prognóstico é reservado ou ruim; 25 a 40% dos cães
enfermos são submetidos à eutanásia no momento do diagnóstico. A cirurgia, por vezes combinada à
quimioterapia, prolonga a vida por = 6 meses.
Neoplasias corneanas e límbicas são incomuns em cães e podem ser confundidas com fascite nodular e
ceratoconjuntivite proliferativa em cães da raça Collie. Melanomas malignos epibulbares ou límbicos são
massas pigmentadas focais, geralmente superficiais, que se estendem tanto por sobre a córnea como
caudalmente, através do equador do globo. Após exame intraocular detalhado, incluindo gonioscopia e
ultrassonografia em modo B, para detectar possível penetração da esclera, a excisão cirúrgica parcial ou
completa com enxerto escleral, crioterapia ou fotocoagulação a laser em geral é bem­sucedida. Caso ocorra
disseminação intraocular, realiza­se enucleação.
Melanomas são as neoplasias de úvea mais comuns; em geral, são pigmentadas e mais frequentemente
envolvem a íris e o corpo ciliar. Os sinais clínicos de melanomas de úvea anterior podem incluir uma massa
evidente, iridociclite persistente, hifema, glaucoma e dor. Esses melanomas são classificados como melanomas
melanocíticos (80 a 90%) e melanomas malignos (10 a 15%). Metástase não é frequente (< 5%). Adenoma e
adenocarcinoma de corpo ciliar são as neoplasias epiteliais mais frequentes da úvea anterior. Os sintomas
podem incluir hifema, glaucoma e, geralmente, uma neoplasia não pigmentada atrás da íris e na pupila.
Neoplasias de origem neuroectodérmica são raras. Em geral, o tratamento implica enucleação. Estudos recentes
de melanomas de íris, especialmente em cães Labrador Retriever jovens, sugerem que a fotocoagulação não
invasiva com laser diodo pode ser efetiva e repetida, se necessária, evitando­se assim a enucleação.

Melanoma iridociliar em cão. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.

Adenocarcinomas de úvea secundários são relativamente infrequentes e se originam de vários locais


distantes. Outras neoplasias, como tumor venéreo transmissível e hemangiossarcoma, podem causar metástase
na úvea anterior. O linfossarcoma frequentemente envolve a úvea anterior e outras estruturas oculares, podendo
se apresentar como uma doença bilateral. A terapia sistêmica para linfoma, associada a tratamento anti–
inflamatório tópico e/ou sistêmico para linfoma intraocular, pode ser tentada empregando­se um dos vários
protocolos disponíveis para linfoma (p. ex., Madison, WI ou Animal Medical Center: combinação de
ciclofosfamida, prednisolona, vincristina e/ou doxorrubicina), mas cães com linfoma intraocular apresentam
períodos de sobrevida mais curtos.

Equinos

Em equinos, tumores da pele, olhos e sistema genital são os mais frequentes e cerca de 80% das neoplasias
oculares são malignas. Neoplasias de pálpebras e conjuntivas são os tumores oftálmicos mais frequentes em
equinos; a maioria deles são carcinomas de célula escamosa ou sarcoides. Neoplasias orbitárias são raras e
normalmente são extensões locais de tumores palpebrais, conjuntivais ou dos seios, ou de neoplasias sistêmicas,
inclusive linfossarcoma. Neoplasias intraoculares, em geral melanomas malignos, são raras.
Carcinoma de célula escamosa é mais frequente em equinos com 8 a 10 anos de idade, podendo ocorrer mais
comumente naqueles com pálpebras despigmentadas ou pouco pigmentadas. Animais da raça Appaloosa e de
raças de tração são acometidos com maior frequência. A radiação ultravioleta pode ser importante, pois sua
incidência na América do Norte é mais alta nas áreas montanhosas do sul e do oeste e em áreas de maior
altitude ou de radiação solar média. Pálpebras, conjuntivas, membrana nictitante e regiões límbicas podem ser
afetadas por massas ulcerativas ou proliferativas. O envolvimento bilateral não é uma ocorrência frequente
(cerca de 15%). O carcinoma de célula escamosa da membrana nictitante tende mais a invadir a órbita do que
aquelas neoplasias de outros tecidos. O tratamento de carcinoma de célula escamosa oftálmico em equinos é
semelhante àquele de bovinos, embora a visita ao veterinário para o tratamento geralmente seja mais precoce;
ademais, dá­se maior ênfase à aparência estética após a terapia. Injeções intratumorais repetidas de cisplatina
(dose média de 0,97 mg/cm3 de tecido tumoral) frequentemente causam regressão efetiva do tumor. Após o
tratamento do tumor e perda de quantidade variável de tecido palpebral, com frequência há necessidade de
blefaroplastia estética. A importância preventiva de anteparos ou máscaras faciais com o objetivo de reduzir a
exposição das camadas externas do olho à luz ultravioleta é desconhecida, mas seu uso deve ser iniciado em
uma idade bastante jovem.
O sarcoide equino (ver p. 869) geralmente acomete animais jovens (em média, 3,8 anos de idade) e representa
cerca de 40% de todas as neoplasias em equinos. Como o sarcoide destrói o tecido local e apresenta alta taxa de
recidiva após a cirurgia, o tratamento efetivo, quando há envolvimento dos tecidos perioculares, é um problema
estético e funcional. Os sarcoides são classificados como ocultos, verrucosos, nodulares, fibroblásticos, mistos e
malignos. Histologicamente, são considerados neurofibromas, neurofibrossarcomas, mixossarcomas e
fibromixossarcomas. Inicialmente surgem como massas subcutâneas nas pálpebras ou nos cantos; em geral, seu
volume aumenta rapidamente e podem invadir a pele, aparecendo como massas avermelhadas carnudas. O
tratamento pode ser feito por meio de cirurgia, hipertermia, crioterapia, quimioterapia, radiação ou por uma
combinação destas terapias. Após tentativas de remoção cirúrgica do sarcoide, a ocorrência de recidiva pode ser
rápida e preceder a cicatrização da ferida. Imunoterapia com BCG (bacilo de Calmette­Guérin), como
estimulante do sistema imune celular, frequentemente é efetiva (cerca de 70%). Após a remoção cirúrgica de
grandes sarcoides, injeta­se uma preparação de BCG (7,5 mg de extrato de parede celular purificado suspenso
em 10 ml de solução salina) diretamente no interior da massa remanescente (2 ml/local). As injeções devem ser
repetidas em intervalos de 2 a 4 semanas, até que o tumor desapareça. Corticosteroides sistêmicos e
antiprostaglandinas, antes e após o tratamento, podem reduzir o risco de reação anafilática. Terapia com
radiação gama utilizando irídio192 recoberto por platina é altamente efetiva (cerca de 95%), porém é menos
prática e, em geral, requer dose média total de 7.000 a 9.000 rads.

Felinos

As neoplasias oftálmicas são menos frequentes em gatos do que em cães. Cerca de 2% dos pacientes felinos
apresentam neoplasia e, destes, 2% são acometidos por tumores oftálmicos. Tumores conjuntivais e palpebrais
são as neoplasias oftálmicas primárias mais frequentes. Essas neoplasias geralmente são malignas e mais
difíceis de serem tratadas em gatos do que em cães. Carcinomas de célula escamosa, mais comuns em gatos
brancos com margens palpebrais despigmentadas, podem envolver pálpebras, conjuntivas e membrana
nictitante; são massas irregulares róseas, ásperas ou ulceradas, espessas. Outras neoplasias menos frequentes
incluem adenocarcinomas, fibrossarcomas, neurofibrossarcomas e carcinomas de célula basal. O tratamento
varia em função do tipo, da localização e do tamanho do tumor; inclui excisão cirúrgica, radioterapia e
crioterapia. O prognóstico para esses tumores malignos é ruim, com sobrevida de apenas 1 a 2 meses.
Complexo leucemia­linfossarcoma felino, com massas evidentes. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.

A neoplasia intraocular primária mais comum em gatos é o melanoma difuso de íris, que se apresenta como
hiperpigmentação progressiva da íris com uma superfície irregular expansiva. Anormalidades pupilares,
glaucoma secundário devido à obstrução do ângulo iridocorneano e buftalmia ocorrem tardiamente nesta
doença. Recomenda­se enucleação de neoplasias que crescem rapidamente ou de massas teciduais que
provocam anormalidades pupilares, envolvimento do ângulo iridocorneano e/ou glaucoma, pois em casos
avançados é frequente a ocorrência de metástase.
Sarcoma intraocular pós­traumático ocorre em gatos idosos com histórico de uveíte crônica, lesão intraocular
prévia ou injeções intraoculares de gentamicina. Os sinais clínicos são glaucoma, atrofia do bulbo ocular
(phthisis bulbi) ou uveíte crônica. A produção de cartilagem e osteoides intraoculares é comum. Recomenda­se
enucleação precoce.
O complexo leucemia­linfossarcoma felino (CLLFe) é a neoplasia ocular secundária mais comum. Gatos com
CLLFe ocular apresentam sinais clínicos que variam desde lesões oculares isoladas, afetando um ou ambos os
olhos, até doença sistêmica grave. Anormalidades de córnea podem incluir queratite, edema, neovascularização,
infiltrados corneanos e hemorragias no estroma. Pode ocorrer queratite ulcerativa. Massas podem ser
encontradas na órbita, globo, conjuntivas e pálpebras. Anormalidades pupilares, incluindo midríase, anisocoria,
síndrome da pupila espástica, pupila em formato de “D” ou “D invertido”, e ausência de reflexos pupilares
induzidos pela luz podem se instalar meses antes dos outros sintomas. Uveíte anterior é o achado clínico mais
comum no CLLFe. Outros achados incluem hipotensão ocular, alterações de pigmentação e da coloração da íris,
precipitados ceráticos, hifema, sinéquia anterior e posterior, miose e humor aquoso turvo (flare). As alterações
no segmento posterior incluem hemorragia de retina, vasos tortuosos e dilatados, embainhamento perivascular e
descolamento ou degeneração retiniana. Há poucos estudos terapêuticos em gatos com linfoma oftálmico, mas
gatos com linfoma e infecção pelo vírus da leucemia felina têm tempo de sobrevida menor.

OFTALMOLOGIA

APARATO LACRIMAL E NASOLACRIMAL

O sistema de produção e drenagem de lágrimas é vital para a saúde da superfície ocular. As glândulas lacrimais
dentro da órbita (glândula lacrimal e, em algumas espécies, glândula de Harder), bem como a glândula lacrimal
superficial da membrana nictitante (terceira pálpebra), produzem fluido pré­ocular coletivo ou filme lacrimal
pré­corneano. O filme consiste em três camadas: camada externa lipídica (das glândulas de Meibômio), camada
intermediária aquosa (das glândulas lacrimal e da terceira pálpebra) e camada interna (mucosa) das células
caliciformes presentes na conjuntiva.
O sistema de drenagem de lágrimas consiste em dois pontos lacrimais (exceto em coelhos e suínos), 2
canalículos, o saco lacrimal (dentro da fossa lacrimal óssea) e o ducto lacrimal longo e muitas vezes tortuoso
(para drenar as lágrimas para o interior da cavidade nasal).
Hipertrofia e prolapso da glândula da membrana nictitante (olho de cereja) é comum em cães jovens e em
determinadas raças (p. ex., Cocker Spaniel Americano, Beagle, Lhasa Apso, Pequinês e Buldogue Inglês). No
estágio agudo, a massa glandular vermelha aumenta de volume, evidenciando­se como uma protrusão acima da
margem livre da membrana nictitante, e há uma secreção mucopurulenta. Embora a tumefação possa regredir
por curtos períodos, a glândula frequentemente se mantém prolapsada. Por ser uma glândula lacrimal
importante, deve ser preservada sempre que possível. A glândula deve ser reposicionada e ancorada por suturas
à rima orbitária ou fáscia periorbitária ou cartilagem nictitante, ou ser recoberta com mucosa adjacente (técnicas
de envelope ou de bolso). A excisão parcial deve ser evitada. A excisão completa pode predispor à
ceratoconjuntivite seca em 30 a 40% dos cães no decorrer da vida. A resolução médica ou cirúrgica do olho de
cereja ainda predispõe cerca de 20% desses cães à ceratoconjuntivite seca futuramente.
Dacriocistite (inflamação do saco lacrimal) geralmente é causada pela obstrução do saco nasolacrimal e
ducto nasolacrimal proximal por restos inflamatórios, corpos estranhos ou massas que pressionam o ducto.
Resulta em epífora, conjuntivite secundária refratária ao tratamento e, ocasionalmente, uma fístula drenante na
pálpebra inferior medial. A irrigação do ducto nasolacrimal revela uma obstrução deste, refluxo de secreção
mucopurulenta a partir dos pontos lacrimais, ou ambos. Radiografias do crânio após injeção de contraste no
interior do ducto (dacriocistorrinografia) podem ser necessárias para estabelecer o local, a causa e o prognóstico
de obstruções crônicas. A terapia consiste na manutenção da patência do ducto e na instilação de soluções
antibióticas tópicas. A cateterização temporária com tubo (silicone ou polietileno) ou material de náilon para
sutura monofilamentar 2­0 pode ser necessária para a manutenção da patência durante a cicatrização. Quando o
aparato nasolacrimal tiver sido irreversivelmente danificado, uma nova via de drenagem pode ser construída
cirurgicamente (conjuntivoralorinostomia ou conjuntivoralostomia) para condução da lágrima até a cavidade
nasal, seios ou boca.
Pontos lacrimais imperfurados são causas incomuns de epífora em cães jovens. Em potros, a atresia da
extremidade nasal (distal) do ducto nasolacrimal é uma causa comum de epífora e conjuntivite crônica. Em
bovinos, aberturas múltiplas do ducto nasolacrimal podem conduzir a lágrima para a superfície da pálpebra
inferior e do canto medial, causando dermatite crônica. O tratamento em cães e potros consiste na abertura
cirúrgica do orifício bloqueado e na manutenção da patência por meio da cateterização por várias semanas
durante o processo cicatricial.
Ceratoconjuntivite seca (CCS) se deve a uma deficiência lacrimal aquosa e geralmente resulta em
conjuntivite mucopurulenta persistente, ulceração e formação de cicatriz corneana. A CCS ocorre em cães, gatos
e equinos. Em cães, está frequentemente associada à dacrioadenite autoimune, tanto da glândula lacrimal como
da membrana nictitante, sendo a causa mais frequente de conjuntivite secundária.
Cinomose, tratamento sistêmico com sulfonamida, hereditariedade e traumatismo são causas menos
frequentes de ceratoconjuntivite seca em cães. Essa CCS não é frequente em gatos e tem sido associada a
infecção crônica pelo herpes vírus felino do tipo 1 (HVF­1). Em equinos, a ceratoconjuntivite seca pode ser
consequência de traumatismo craniano. A terapia tópica consiste em soluções de lágrimas artificiais, pomadas e,
se não há ulceração de córnea, combinação de corticosteroides e antibióticos. Lacrimogênicos, como a
ciclosporina A tópica (0,2 a 2%, 2 vezes/dia), tacrolimo (0,02%, 2 vezes/dia) ou pimecrolimo (1%) podem
aumentar a produção de lágrimas em cerca de 80% dos cães com valor no teste lacrimal de Schirmer de 2
mm/min, ou mais. A pilocarpina oftálmica, misturada ao alimento, pode ser útil para ceratoconjuntivite seca
neurogênica (um cão pesando 10 a 15 kg deve receber inicialmente 2 a 4 gotas de pilocarpina 2%, 2 vezes/dia).
Agentes mucolíticos (p. ex., acetilcisteína 10%) promovem a lise do muco excessivo e restauram a habilidade
de espraiamento de outros agentes tópicos. Na CCS crônica refratária à terapia médica, indica­se a transposição
do ducto parotídeo.
Conjuntivite em um gato, associada ao herpes vírus felino 1. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.

CONJUNTIVA

A conjuntiva é dividida em: 1) a conjuntiva palpebral (recobrindo a face posterior das pálpebras), 2) o fórnix ou
saco conjuntival onde as conjuntivas palpebral e bulbar se conectam e 3) conjuntiva bulbar (recobrindo o globo
anterior ou episclera) e membrana nictitante. A conjuntiva desempenha funções importantes na dinâmica da
lágrima, proteção imunológica, movimento ocular e cicatrização corneana. Por ser frouxamente aderida à
episclera, a conjuntiva bulbar é um tecido útil para enxerto no caso de córnea ulcerada e enfraquecida.
Hemorragia subconjuntival pode ser decorrência de traumatismo ou discrasia sanguínea, deficiência do
fator de Von Willebrand e de algumas doenças infecciosas. Não requer tratamento, mas é necessária inspeção
cuidadosa para determinar se há alterações intraoculares mais importantes. Se não há evidência definitiva ou
histórico de traumatismo, indica­se o exame sistêmico para determinar a causa da hemorragia espontânea.
Quemose ou edema conjuntival ocorre em algum grau em associação a todos os casos de conjuntivite,
porém é mais evidente em traumatismo, hipoproteinemia, reações alérgicas e picadas de insetos. Estas últimas
são tratadas com corticosteroide tópico e, em geral, se resolvem rapidamente. Indica­se terapia específica para o
agente causal.
Conjuntivite é comum em todas as espécies domésticas. Os agentes etiológicos variam de infecciosos a
irritantes ambientais. Os sintomas são hiperemia, quemose, secreção ocular, hiperplasia folicular e desconforto
ocular brando. A aparência da conjuntiva em geral não é suficientemente distinta para sugerir o agente
etiológico e o diagnóstico específico depende do histórico, exame físico, raspado e cultura conjuntival, teste
lacrimal de Schirmer e, ocasionalmente, biópsia. A conjuntivite unilateral pode resultar de corpo estranho,
dacriocistite ou ceratoconjuntivite seca. Em gatos, herpes vírus­1 (HVF­1), Mycoplasma ou Chlamydophila
psittaci provocam conjuntivite que se inicia em um olho e se torna bilateral após cerca de 1 semana. O
diagnóstico específico é feito mais rapidamente pela demonstração de inclusões ou do agente em raspado
conjuntival. A conjuntivite bilateral é comum em infecções virais, em todas as espécies. As herpes viroses
causam conjuntivite em felinos, bovinos, equinos e suínos. A secreção purulenta indica um componente
bacteriano, mas este pode ser oportunista, devido à debilidade da membrana mucosa. Irritantes e alergênios
ambientais são causas comuns de conjuntivite em todas as espécies. Se um exsudato mucopurulento estiver
presente, indica­se terapia antibiótica tópica, mas pode não ser curativa se outros fatores predisponentes
estiverem envolvidos. Fatores mecânicos, como corpos estranhos, irritantes ambientais, parasitos e defeitos de
conformação palpebral, devem ser removidos ou corrigidos. Tetraciclina tópica é indicada para infecções por
clamídias e micoplasmas; preparações antivirais tópicas (p. ex., idoxuridina 1%, adenina arabinosídeo 3% ou
trifluorotimidina 1%) são indicadas para infecção por herpes vírus quando tanto a córnea quanto à conjuntiva
estão envolvidas. A suplementação oral diária com 250 a 500 mg de L­lisina para gatos pode reduzir a
gravidade e a frequência de recidiva de conjuntivite e queratite causada pelo HVF­1.
CÓRNEA

O tamanho aproximado da córnea, circular a oval (vertical/horizontal), varia de acordo com a espécie animal:
cão (8,5 × 9,5 mm), gato (8,4 × 8,9 mm), equino (16,6 × 17,9 mm) e boi (15,2 × 16,4 mm). Em animais, a
córnea consiste em um epitélio superficial e membrana basal, estroma grande e relativamente acelular,
membrana de Descemet mais profunda e endotélio profundo com uma única camada de células. A córnea
mantém uma barreira forte e durável entre o olho e o ambiente, bem como um meio transparente para permitir a
passagem de luz e imagens para o interior do segmento posterior. As doenças corneanas são comuns na maioria
das espécies animais e felizmente podem ser tratadas com sucesso por meio de medicamentos, cirurgia ou uma
combinação destes. A acessibilidade à córnea possibilita várias técnicas diagnósticas detalhadas e não invasivas.
Queratite superficial é comum em todas as espécies, sendo caracterizada por vascularização e opacificação
corneana, o que pode ser devido a edema, infiltrados celulares, pigmentação ou fibroplasia. Se há ulceração, a
dor – manifestada por epífora e blefarospasmo – é um sinal evidente. Queratite unilateral frequentemente tem
origem traumática. Fatores mecânicos, como defeitos de conformação palpebral e corpos estranhos, devem ser
sempre excluídos como causas possíveis, pois não ocorre melhora até que sejam resolvidos. A queratite
ulcerativa pode ser complicada pela invasão bacteriana secundária e, em equinos, por fungos saprófitas. A
queratite superficial bilateral pode ser imunomediada ou associada à ausência de lágrima, defeitos de
conformação palpebral ou agentes infecciosos.
Pano, ou doença de Uberreiter, é uma queratite superficial crônica específica, bilateral, progressiva e
proliferativa que se inicia no limbo lateral e, por fim, se estende a partir de todos os quadrantes para recobrir a
córnea. Esta queratite imunomediada é comum em animais da raça Pastor Alemão, Belgian Tervuren, Border
Collie, Greyhound, Husky Siberiano e Pastor Australiano. A terapia específica consiste no uso tópico de
antibióticos, antivirais ou antimicóticos, quando apropriados, remoção de qualquer irritante mecânico, reposição
lacrimal quando há deficiência, e corticosteroides ou ciclosporina A (ou ambos), quando de origem
imunomediada. Esta última pode requerer uso contínuo indefinido e a frequência varia de acordo com a resposta
clínica.

Ulceração corneana com malácia em equino. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.

Queratite intersticial é um envolvimento profundo do estroma corneano, presente em todos os casos


crônicos e em vários casos agudos de uveíte anterior. A vascularização corneana é menos ramificada, mais
delgada e mais profunda do que na queratite superficial. Se o endotélio estiver rompido, o edema de córnea é
frequentemente acentuado. Doenças sistêmicas, como hepatite infecciosa canina, febre catarral maligna bovina,
micoses sistêmicas em diversas espécies e sepse neonatal que atinge o olho podem causar queratite intersticial
uni ou bilateral. O tratamento é direcionado à uveíte anterior, à doença sistêmica, ou a ambas. Queratite
estromal específica não ulcerativa e periférica e uveíte anterior persistente (ceratouveíte) ocorrem em equinos. O
prognóstico e a resposta ao tratamento são ruins.
Queratite ulcerativa pode ser superficial, profunda, profunda com descemetocele ou perfurante. Dor,
irregularidade, edema e, por fim, vascularização corneana são sintomas de ulceração. Uma densa infiltração
branca na margem da úlcera indica intensa leucotaxia e envolvimento bacteriano. Para detectar úlceras
pequenas, pode ser necessária a aplicação tópica de fluoresceína. Em cães e equinos, a maioria das úlceras tem
origem mecânica; em bovinos, ovinos, caprinos e cervídeos, os agentes infecciosos e as causas mecânicas são
importantes; em felinos e equinos, a infecção por herpes vírus é uma causa frequente. Todas as úlceras estão
sujeitas à contaminação bacteriana secundária, bem como malácia estromal (“derretimento”) por proteinase
endógena. A terapia de úlceras superficiais geralmente é medicamentosa e consiste no uso de antibiótico(s)
tópico(s) de amplo espectro, correção de qualquer fator mecânico e atropina tópica para iridocicloplegia e
redução da dor ocular. Efeitos adversos induzidos pela atropina incluem redução da produção lacrimal em todas
as espécies e cólica em equinos, que devem ser considerados. A terapia antiproteinase para úlceras estromais
com malácia inclui aplicação tópica de soro e outros fármacos.
Síndromes de ulcerações superficiais, recorrentes e de cicatrização muito lenta, ocorrem em cães, gatos e
equinos. Em cães, podem ser decorrências de anormalidade da membrana basal, causando aderência deficiente
do epitélio corneano, enquanto em gatos e equinos deve­se suspeitar de infecção por herpes vírus. A terapia
inicial é o desbridamento da úlcera, seguido de uso tópico de antibióticos e atropina. Para casos refratários em
cães, múltiplas incisões em pontos ou em linhas cruzadas (ceratotomias pontilhadas ou em grade) das córneas
acometidas com uma agulha calibre 22 estimulam a maioria das úlceras indolentes a cicatrizar dentro de 7 a 10
dias. Relatos recentes sugerem que estas ceratotomias em gatos podem predispor ao sequestro corneano e
devem ser empregadas com muito cuidado. Recobrimentos com a membrana nictitante (ou lentes de contato
macias ou adesivos de colágeno) atuam como uma bandagem compressiva e, frequentemente, são terapêuticas
para úlceras superficiais. O tratamento medicamentoso de úlceras profundas é semelhante àquele de úlceras
superficiais, mas muitas úlceras profundas também requerem enxertos conjuntivais para reforçar e manter a
integridade da córnea.
Queratite e sequestro corneano parecem ocorrer exclusivamente em gatos. Nota­se opacidade marrom a
negra, dolorida, central a paracentral, composta de estroma necrosado, vascularização e inflamação circundante.
O tratamento consiste em ceratectomia superficial e, em lesões mais profundas, enxertos conjuntivais.
Abscessos estromais corneanos em equinos podem ser sequelas da cicatrização de defeitos ou úlceras de
córnea e aprisionamento de bactérias ou fungos (ou ambos) no estroma, após a reepitelização. Um infiltrado
estromal, branco a amarelo, variável, é circundado por queratite e vascularização estromais intensas e uveíte
anterior de intensidade variável, mas muito frequente. O tratamento consiste em terapia antimicrobiana
intensiva tópica e, ocasionalmente, sistêmica (e, se indicados, antifúngicos), iridocicloplégicos, anti­
inflamatórios não esteroides (AINE) e, às vezes, a remoção cirúrgica do abscesso com enxerto conjuntival e
tectônico da córnea.
Degeneração e distrofias corneanas ocorrem em cães, gatos e equinos. As degenerações corneanas são,
frequentemente, unilaterais e em geral secundárias a doenças oculares ou sistêmicas. As distrofias do estroma
corneano são bilaterais, parecem ser hereditárias ou decorrentes de predisposição racial em cães e, com
frequência, consistem em deposição de triglicerídios, colesterol e cálcio no estroma corneano. Geralmente, não
há necessidade de tratamento.
A distrofia corneana também pode envolver o endotélio da córnea. Acomete principalmente cães das raças
Boston Terrier, Chihuahua e Dachshund. As fêmeas de Boston Terrier são mais acometidas do que os machos,
com idade média de 7,5 anos. Devido ao endotélio distrófico e degenerativo se desenvolve um edema de córnea
progressivo, porém indolor. No caso de edema de córnea extenso de toda a espessura podem se desenvolver
bolhas no epitélio da córnea, que são bastante doloridas. O tratamento de casos precocemente diagnosticados,
antes do envolvimento total da córnea, consiste em aplicações tópicas frequentes de solução hiperosmótica
(cloreto de sódio 2 a 5% ou glicose 40%) e, nos casos avançados, termoceratoplastia (procedimento de Salaras)
ou ceratoplastia de espessura completa (penetrante).

CRISTALINO

O cristalino avascular e opticamente claro consiste em cápsula anterior do cristalino, cortical anterior, núcleo,
cortical posterior e cápsula posterior do cristalino muito fina (da região anterior para a posterior). O cristalino é
formado precocemente no desenvolvimento do olho, sendo recoberto por suas membranas basais (cápsulas
lenticulares anterior e posterior), as quais isolam as proteínas lenticulares do sistema imune que se forma em
seguida. Portanto, posteriormente na vida do animal, se a barreira da cápsula lenticular for comprometida por
trauma ou cirurgia, o sistema imune “ataca” o material lenticular estranho. A única função do cristalino é
permitir a passagem inalterada de luz e imagens para a retina. Doenças do cristalino envolvem alterações na sua
transparência.
Catarata é a opacificação do cristalino ou de sua cápsula e deve ser diferenciado de imperfeições lenticulares
mínimas em cães jovens e do aumento normal da densidade nuclear (esclerose nuclear) que ocorre em animais
mais idosos. As cataratas geralmente são classificadas de acordo com a idade de ocorrência (congênita, juvenil,
senil), localização anatômica, causa, grau de opacificação (incipiente, imatura, madura, hipermatura) e forma. A
maioria das cataratas pode ser detectada por meio da dilatação da pupila e de exame da região pupilar contra a
retroiluminação do fundo tapetal. A biomicroscopia com lâmpada em fenda permite o exame direto ideal do
cristalino. As cataratas (frequentemente hereditárias) são mais comuns em cães do que em outras espécies (ver
Tabela 2). Outras causas incluem diabetes melito, má nutrição, radiação, inflamação e traumatismo. A maioria
das cataratas hereditárias relatadas em gatos ocorre em animais jovens.
Em cães, as cataratas secundárias ao diabetes melito são cada vez mais comuns. A alta concentração
sanguínea de glicose faz com que o sorbitol intralenticular se acumule, intensificando as forças osmóticas do
cristalino, fazendo com que ele se torne embebido em água, resultando em tumefação, ruptura e morte das
fibras. Tipicamente, essas cataratas se desenvolvem rapidamente e podem causar ruptura da cápsula lenticular.
A cirurgia deste tipo de catarata parece propiciar a mesma taxa de sucesso que a obtida para cataratas
hereditárias em cães. Outras sequelas oculares de diabetes melito em cães são pequenas hemorragias de retina
ocasionais, neuropatia corneana presumida e redução da sensibilidade da córnea.

Catarata em cão da raça Cocker Spaniel americano. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.

A visão pode ser recuperada em cães, gatos e equinos jovens, quando a catarata sofre reabsorção espontânea
suficiente. A catarata nuclear congênita em animais jovens pode sofrer redução de tamanho com o crescimento
do cristalino e permitir o restabelecimento da visão com a maturidade do animal. Animais com catarata imatura
e incompleta podem ser beneficiados pelo uso tópico de atropina oftálmica, 2 a 3 vezes/semana, a qual permite
visão em torno da catarata central. Entretanto, a única terapia definitiva para a catarata é a remoção cirúrgica do
cristalino. Em cães, a extração da catarata, frequentemente por facoemulsificação, propicia melhor resultado
quando realizada antes da maturação completa da catarata e do estabelecimento de uveíte induzida pelo
cristalino (devido ao extravasamento de material lenticular). A uveíte induzida pelo cristalino é exacerbada pela
cirurgia da catarata e contribui muito para complicações pós­operatórias. Em animais nos quais a cirurgia de
catarata não é realizada, o monitoramento clínico contínuo é importante. A uveíte anterior secundária induzida
pelo cristalino frequentemente requer monitoramento a longo prazo e tonometrias repetidas e, ocasionalmente,
terapia com corticosteroide e midriático. Glaucoma secundário e atrofia do bulbo ocular (phthisis bulbus) são
complicações possíveis.
Deslocamento do cristalino (subluxação, luxação anterior ou posterior) ocorre em todas as espécies, mas é
comum como um defeito primário hereditário em cães de várias raças Terrier. O deslocamento completo para o
interior da câmara anterior provoca sintomas agudos e frequentemente é acompanhado de glaucoma e edema de
córnea. O tratamento consiste na remoção cirúrgica por meio de facoemulsificação ou extração intracapsular do
cristalino. O deslocamento posterior para o interior da cavidade vítrea é assintomático ou associado a
inflamação ocular ou glaucoma. Subluxação de cristalino é reconhecida por um afácico crescente e pela
tremulação ou instabilidade da íris (iridodonese) e do cristalino (facodonese). A decisão em remover o cristalino
com subluxação se baseia na gravidade da doença ocular que pode ser atribuída ao deslocamento lenticular. Este
deslocamento também pode ser ocasionado por traumatismo, aumento do globo por glaucoma e por alterações
zonulares degenerativas com catarata hipermadura. Procedimentos para remoção de cristalino deslocado estão
associados a maior risco de complicações pós­operatórias, como glaucoma e descolamento de retina.

EXAME FÍSICO DO OLHO

O exame inicial do olho deve avaliar simetria, conformação e lesões macroscópicas. O olho deve ser visualizado
a uma distância de cerca de 1 m, sob boa iluminação e com mínima contenção da cabeça. O segmento ocular
anterior e os reflexos pupilares à luz são examinados em detalhe com uma luz forte e sob aumento, em uma sala
escura. Testes basais, como o teste lacrimal de Schirmer, coloração por fluoresceína e tonometria (mensuração
da pressão intraocular), podem ser seguidos por testes adicionais, como coleta de amostras para citologia e
cultura de amostras de conjuntiva e córnea, eversão de pálpebra para exame e irrigação do sistema nasolacrimal
para avaliação de partes externas do olho, inclusive o segmento anterior. Doenças do vítreo e do fundo de olho
são avaliadas por oftalmoscopia direta e indireta (geralmente realizadas após indução de midríase) e pelo teste
da visão (reflexo à ameaça, teste do curso com obstáculos, reflexo de ofuscamento etc.).
O teste lacrimal de Schirmer e as culturas devem ser realizados antes da instilação do anestésico tópico. A
coloração com fluoresceína e a eversão das pálpebras não requerem anestesia tópica, mas a tonometria, o exame
da superfície bulbar da membrana nictitante, a coleta de amostra para citologia conjuntival e corneana, a
gonioscopia e a lavagem do sistema nasolacrimal geralmente a requerem. Para prevenir resultados falso­
positivos, amostras para citologia conjuntival e corneana que serão analisadas por meio de procedimentos que
empregam anticorpos fluorescentes devem ser colhidas antes da coloração com fluoresceína tópica.
Exames especiais, como biomicroscopia com lâmpada em fenda, ultrassonografia, angiografia fluoresceínica
e eletrorretinografia, podem requerer sedação ou anestesia local, regional ou geral, dependendo da espécie.

FUNDO DE OLHO

O fundo de olho consiste no fundo tapetal superior, fundo não tapetal ventral e circunjacente, vascularização da
retina e disco óptico (raiz do nervo óptico ou papila óptica). Histologicamente, o segmento posterior consiste, da
parte superficial para o interior, das seguintes estruturas: 1) esclera posterior; 2) coroide, que contém células
pigmentadas, com vasos sanguíneos, para suprir as necessidades metabólicas das camadas mais externas da
retina, e o tapete lúcido, para aumentar a visão em ambiente de pouca luminosidade (tapete celuloso, em
carnívoros, e tapete fibroso, em herbívoros); 3) retina, que consiste em 9 camadas de neurorretina e epitélio
pigmentado retiniano externo; e 4) disco óptico, onde os axônios das células ganglionares da retina saem do
olho através de uma frágil lâmina cribriforme escleral fenestrada, para fazer sinapse no corpo geniculado lateral
(visão) ou no mesencéfalo (reflexo pupilar à luz [núcleo de Edinger–Westphal] ou reflexo à ameaça
[mesencéfalo e colículos rostrais]).
Doenças do fundo do olho podem ser primárias ou secundárias a doenças sistêmicas. Anormalidades
hereditárias podem ser congênitas ou ocorrer tardiamente, sendo importantes na patogênese de retinopatias em
cães e gatos. Traumatismo, doenças metabólicas, infecções sistêmicas, neoplasias, discrasia sanguínea,
hipertensão e deficiências nutricionais são possíveis causas primárias de retinopatias em todas as espécies.

Coriorretinite

A coriorretinite frequentemente é uma manifestação de doença infecciosa sistêmica; é importante em ambas, na


compreensão do diagnóstico e no prognóstico da função visual. Excetuando­se os casos em que as lesões são
generalizadas ou que envolvam o nervo óptico, elas são frequentemente “silenciosas”. As cicatrizes podem ser
diferenciadas das lesões ativas, as quais apresentam bordas turvas e mal definidas. Exame oftalmoscópico da
rotina de todos os animais com doenças sistêmicas frequentemente permitem o diagnóstico rápido de várias
doenças específicas. A coriorretinite pode ocorrer no caso de cinomose canina, micoses sistêmicas em cães e
gatos, prototecose, toxoplasmose felina, tuberculose, sepse bacteriana em animais jovens, peritonite infecciosa
felina, meningoencefalite tromboembólica em bovinos, febre catarral maligna bovina, febre suína clássica,
leptospirose e oncocercose em equinos. A terapia é direcionada à doença sistêmica.

Descolamentos de Retina

Descolamento de retina ocorre na maioria das espécies. Em cães, o descolamento ou a separação da retina entre
a retina neurossensitiva e o epitélio pigmentado da retina está associado a anomalias de retina congênitas
(displasia de retina e anomalia do olho do cão Collie), coriorretinite, traumatismo, cirurgia intraocular e
neoplasia de segmento posterior. Em gatos, o descolamento de retina ocorre no caso de coriorretinite associada à
peritonite infecciosa felina, leucemia viral felina e hipertensão sistêmica. Em equinos, as causas mais frequentes
são traumatismo, cirurgia intraocular e uveíte recidivante.
Os descolamentos de retina são classificados clinicamente como não regmatogênicos (seroso, exsudativo,
hemorrágico, secundário à sinerese vítrea) e regmatogênicos (na ruptura de retina [orifícios ou rasgos]). Os
sintomas clínicos incluem midríase, anisocoria, perda visual e hemorragia intraocular. O diagnóstico é feito por
oftalmoscopia e, no caso de opacidade de córnea ou cristalino, por ultrassonografia ocular.
Os descolamentos de retina não regmatogênicos geralmente são tratados com medicamentos, com terapia
direcionada à causa primária. Ocorre nova aderência da retina com a resolução do exsudato e da hemorragia
subrretiniana. Pode ocorrer degeneração de retina variável nas áreas de descolamento. Geralmente, os
descolamentos de retina regmatogênicos com ruptura de retina requerem correção cirúrgica.

Retinopatias hereditárias

Anomalia do olho do cão Collie é um defeito ocular congênito, de característica hereditária recessiva, com
expressão variável em cães Collie de pelos lisos e crespos. Ocorre também em animais da raça Shetland
Sheepdog, Border Collie, Australian Sheepdog, Lancashire Heeler e Nova Scotia Duck Tolling Retriever. A
lesão básica é uma área de hipoplasia de coroide ou de coroide e retina que, à oftalmoscopia, aparece como uma
área focal de tamanho variado, pálida, lateral ao disco óptico. Cães acometidos mais gravemente (10 a 20%)
podem apresentar lesões colobomatosas adicionais da papila óptica ou em região peripapilar e descolamento
ocasional da retina (2 a 5%). Pode ocorrer hemorragia intraocular. A visão não é prejudicada de forma
apreciável, a não ser que haja descolamento de retina.
Displasia de retina é um mau desenvolvimento congênito, geográfico, focal ou generalizado da retina, que
pode ser decorrência de traumatismo, defeito genético ou lesão intrauterina, como aquelas causadas por
infecções virais. A maior parte das formas de displasia de retina em cães é hereditária. Infecções virais
maternas, especialmente no início do desenvolvimento fetal, podem resultar em anomalias oculares múltiplas
com displasia de retina em gatinhos (panleucopenia), carneiros (doença da língua azul), filhotes de cães (herpes
vírus) e bezerros (diarreia viral bovina). Raças de cães com displasia de retina focal, geográfica e generalizada
considerada herdada como uma característica autossômica recessiva incluem cães das raças Cocker Spaniel
Americano, Beagle, Labrador Retriever, Rottweiler e Yorkshire Terrier. As áreas focais de retina mal
desenvolvidas podem ser assintomáticas ou interferir com a visão central. Displasia de retina generalizada com
descolamento de retina, redução da acuidade visual ou cegueira é hereditária em animais das raças English
Springer Spaniel, Bedlington Terrier, Sealyham Terrier, Labrador Retriever, Doberman Pinscher e Australian
Sheepdog. Outras anomalias oculares, incluindo microftalmia e catarata congênita, frequentemente
acompanham as formas generalizadas. Em cães das raças Labrador Retriever e Samoyed, a displasia de retina
pode estar associada à displasia esquelética (encurtamento) dos membros torácicos.
Atrofia progressiva da retina em cão e alterações iniciais do fundo do olho. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.

Atrofia progressiva da retina (APR) é um grupo de retinopatias degenerativas, consistindo de degeneração e


displasia fotorreceptoras hereditárias, que apresentam aparências clínicas semelhantes. As displasias
fotorreceptoras hereditárias, como característica autossômica recessiva nos quais os sintomas clínicos se
desenvolvem no primeiro ano de vida, ocorrem em animais das raças Setter Irlandês, Collie, Elkhound
Norueguês, Schnauzer miniatura e Pastor Belga. As degenerações de fotorreceptores herdadas como
características autossômicas recessivas, nas quais os sintomas clínicos se desenvolvem aos 3 a 5 anos de idade,
ocorrem em cães Poodle toy e miniatura, Cocker Spaniel Inglês e Americano, Labrador Retriever, Terrier
Tibetano, Dachshund miniatura de pelos longos, Akita e Samoyed. No Husky Siberiano, a APR é herdada como
uma característica ligada ao cromossomo X, enquanto em Bull Mastiff, a APR é uma herança autossômica
dominante. Suspeita­se que muitas outras raças de cães também apresentam APR hereditária. Em gatos da raça
Abissinia, a APR ocorre tanto como displasia quanto como degeneração de fotorreceptores. Inicialmente nota­se
cegueira noturna, que progride para cegueira total dentro de meses a anos. Lesões oftalmoscópicas incluem
aumento simétrico bilateral da refletividade do fundo tapetal, redução da pigmentação do fundo não tapetal,
atenuação e redução do número de vasos da retina e eventual atrofia da papila óptica. A eletrorretinografia é
frequentemente utilizada para investigar e diagnosticar esta condição. Cataratas corticais são comuns em
estágios tardios da APR em várias raças e podem mascarar a retinopatia primária. Não há terapia efetiva
disponível. Marcador de DNA com base na mucosa bucal e no sangue e testes genéticos específicos foram
desenvolvidos para detectar cães portadores e acometidos, antes do desenvolvimento dos sintomas clínicos em
várias raças. A lista de raças afetadas por degenerações retinianas hereditárias e de genes causadores continua a
crescer. Para informações atualizadas, consulte literatura recente.
Distrofia do epitélio pigmentado da retina (atrofia progressiva central da retina) ocorre em animais das
raças Labrador Retriever, Collie de pelos lisos ou rugosos, Border Collie, Shetland Sheepdog e Briard. A
condição é hereditária em animais da raça Labrador Retriever, como característica dominante de penetrância
variável. Os achados oftalmoscópicos iniciais (às vezes, antes de surgirem os sintomas clínicos) são pequenos
focos de pigmentação irregular no fundo tapetal que, por fim, se unem e desaparecem gradualmente conforme
aumenta a refletividade do fundo tapetal.
O fundo não tapetal pigmentado se torna manchado, a vascularização da retina gradativamente diminui e o
disco óptico se atrofia. A redução da acuidade visual progressiva ocorre de modo gradual ao longo de vários
anos. A formação de catarata ocorre tardiamente na doença. Não há tratamento. Estudos recentes sugerem que
deficiência de vitamina E também pode ser importante na patogênese desta doença. Uma doença semelhante em
equinos, a doença do neurônio motor equino (ver p. 1141), é acompanhada de áreas focais amarelo­
amarronzadas espalhadas pelo fundo tapetal e também tem sido associada à deficiência de vitamina E.

Início de hemorragia e descolamento de retina desenvolvidos lateralmente ao disco óptico, em filhote de cão com anomalia do olho do Collie.
Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.

GLAUCOMA
Os glaucomas geralmente estão relacionados com a drenagem diminuída de humor aquoso através da trama
trabecular da câmara anterior ou ângulo iridocorneano (drenagem convencional, cerca de 85%) e através da rede
uveoescleral (através do corpo ciliar e espaço subescleral, cerca de 15%). A produção excessiva de humor
aquoso em pessoas parece ser uma causa rara de glaucoma e ainda não foi relatada em animais. Alterações na
composição do humor aquoso foram relatadas recentemente em pessoas e animais com glaucoma e parece ser
importante na gênese e progressão da doença.
Os glaucomas representam um grupo de doenças caracterizadas pelo aumento da pressão intraocular, com
destruição de retina e do disco óptico resultante. O glaucoma de baixa tensão, caracterizado em pessoas por
pressão intraocular normal e lesão progressivo ao disco óptico, não foi documentado em animais domésticos.
Em cães, os glaucomas primários (hereditários) e secundários ocorrem em cerca de 1,7% da população da
América do Norte. A frequência de glaucomas primários bilaterais relacionados com a raça, em cães de raça
pura, é maior que em qualquer espécie animal, exceto em pessoas (0,9%). Em gatos, os glaucomas são
predominantemente secundários à uveíte anterior e a neoplasias; entretanto, em gatos da raça Siamesa ocorre
glaucoma primário de ângulo aberto. Em equinos, os glaucomas parecem ser pouco diagnosticados, porque a
tonometria de aplanação não é realizada rotineiramente. Ocorrem com maior frequência em animais mais
velhos, em animais da raça Appaloosa e naqueles com uveíte anterior concomitante. Em bovinos, os glaucomas
têm sido associados a anomalias iridocorneanas congênitas e uveíte anterior.

Glaucoma crônico em cão. Globo ocular com glaucoma crônico frequentemente apresenta luxação de cristalino, com catarata. Cortesia do Dr.
Kirk N. Gelatt.

Procedimentos diagnósticos essenciais para o manejo dos glaucomas incluem tonometria, oftalmoscopia
(direta e indireta) e gonioscopia (visualização do ângulo iridocorneano e trama ciliar anterior). Técnicas
eletrofisiológicas mais recentes, como eletrorretinograma padrão e potenciais evocados visuais, estimam o lesão
às células ganglionares da retina e aos seus axônios e parecem sensíveis indicadores da destruição destas células
relacionada com o glaucoma. Novas técnicas clínicas de imagem de alta resolução, incluindo biomicroscopia
ultrassônica para alterações de segmento anterior, e tomografia de coerência óptica, para alterações de retina e
de base de nervo óptico, permitem exames intraoculares detalhados e não invasivos. Em pequenos animais, o
tonômetro de indentação de Schiotz foi substituído por tonômetros de aplanação, mais acurados e recentes,
utilizados para estimar a pressão intraocular. Em equinos e bovinos, pode ser utilizado apenas o tonômetro de
aplanação.
A pressão intraocular é razoavelmente consistente na maioria das espécies (ver Tabela 1) e variações diurnas
foram documentadas em cães, equinos, coelhos e primatas não humanos. A oftalmoscopia permite a detecção da
lesão à retina e ao disco óptico, relacionadas com a pressão intraocular. Gonioscopia é a base para a
classificação de todos os glaucomas; ela detecta alterações no fluxo para o exterior do ângulo iridocorneano e na
abertura da fenda esclerociliar, de acordo com a progressão do glaucoma, e auxilia na determinação de
tratamentos médicos e cirúrgicos mais apropriados. A biomicroscopia ultrassônica (50 a 100 MHz) permite um
melhor exame do ângulo da câmara anterior e de toda a trama ciliar.
Os sintomas clínicos são tradicionalmente considerados agudos e crônicos. Na realidade, a maioria dos casos
de glaucoma agudo é sobreposta por glaucomas crônicos, em vez de ocorrerem como eventos singulares. A
maioria dos cães com glaucoma precoce a moderadamente crônico não é levada ao veterinário, porque os
sintomas clínicos iniciais – pupila que demora para se dilatar, congestão venosa conjuntival bulbar branda e
aumento de volume inicial do olho (buftalmia ou megaloglobo) – são muito discretos. Para detectar um
glaucoma inicial, a tonometria deve ser realizada rotineiramente em raças de cães de alto risco, como parte do
exame físico geral anual. Os sintomas clínicos de aumento agudo e, frequentemente, marcante da pressão
intraocular são pupila dilatada, fixa ou lenta, congestão venosa conjuntival bulbar, edema de córnea e globo
firme. No caso de aumento crônico da pressão intraocular, tem­se aumento secundário do globo, deslocamento
do cristalino e ruptura da membrana de Descemet da córnea (estrias corneanas). Em geral, a dor se manifesta
mais por alterações comportamentais e, ocasionalmente, por dor periorbitária do que por blefarospasmo.
A classificação dos glaucomas auxilia no planejamento ideal para a conduta clínica e preservação da visão. A
escolha por tratamento medicamentoso ou cirúrgico, ou mais frequentemente pela combinação de ambos, se
baseia no fechamento progressivo do ângulo iridocorneano, que ocorre na maioria dos casos de glaucoma em
cães. Para glaucoma de ângulo aberto em cães, a conduta a curto e longo prazo se baseia em drogas mióticas,
inibidores da anidrase carbônica, tópicos e sistêmicos, prostaglandinas, solução osmótica e bloqueadores beta­
adrenérgicos. Estes mesmos tratamentos são utilizados no controle inicial do glaucoma de ângulo estreito e
fechado, mas o tratamento a curto e longo prazos frequentemente requer intervenção cirúrgica como, por
exemplo, procedimentos de filtração, shunt de câmara anterior, ciclocrioterapia ou ciclofotocoagulação
transescleral a laser. Em cães, o manejo a curto e longo prazos do glaucoma em estágio final, com buftalmia e
cegueira, também requer procedimento cirúrgico. Por exemplo, prótese intraescleral e enucleação, bem como
ciclocriotermia ou gentamicina intravítreo (10 a 25 mg) combinada com 1 mg de dexametasona. Procedimentos
cirúrgicos em cães têm tradicionalmente resultado apenas em cura de curta duração porque as fístulas filtrantes
eventualmente são recobertas por cicatriz e perdem sua função. Mais recentemente, o shunt de câmara anterior,
com ou sem válvula, propicia melhor resultado. Drogas antifibróticas, como mitomicina C e 5­fluoruracila,
podem retardar ou prevenir a cicatrização dos canais de fluxo alternativo do humor aquoso e prolongar sua
função. Em gatos, a terapia médica geralmente é o fundamento do tratamento e consiste no uso de
betabloqueadores adrenérgicos (cuidado com gatos pequenos), inibidor da anidrase carbônica tópico e, para
aqueles com glaucoma associado à uveíte anterior, corticosteroide tópico e/ou sistêmico. Em equinos, a
ciclofotocoagulação transescleral a laser, única ou repetida, é o procedimento mais efetivo.

Tabela 1 – Pressão intraocular obtida por tonometria de aplanação

Espécie Tonômetro PIO (mmHg)


Média ± DPa

Cão MacKay­Marg 15,7 ± 4,2


Tono­PenTM 18,7 ± 5,5
12,9 ± 2,7
Tono­Vet® 10,8 ± 3,1
Gato Tono­Pen 19,7 ± 5,6
Coelho Pneumatonografia 19,5 ± 1,8
17,9 ± 2,1
Equino Tono­Pen 29,6 ± 6,2
23,3 ± 6,9
Vaca Tono­Pen 26,9 ± 6,7
Lhama/Alpaca Tono­Pen 16,6 ± 3,6
Macaco (cetamina) Tono­Pen 13,6 ± 3,7
Jacaré Tono­Pen 23,7 ± 2,1
Furão Tono­Pen 22,8 ± 5,5
Rato Tono­Pen 17,3 ± 5,3
Falcão Tono­Pen 20,6 ± 3,4
Coruja Tono­Pen 10,8 ± 3,6
a Valores duplicados representam relatos diferentes para aquela espécie.
Tabela 2 – Catarata hereditária em animais domésticos

Raça Idade de Localização inicial Modo de herança


manifestação

Cães

Afghan Hound 6 a 12 meses Equatorial/cortical posterior Autossômico recessivo


Cocker Spaniel 1 a 6 anos Cortical posterior/anterior Autossômico recessivo
americano poligênico
Pastor australiano 2 a 4 anos Cortical posterior Autossômico dominante*
Bichon frisé 2 a 6 anos Cortical posterior/anterior Autossômico recessivo
Boston Terrier Congênita ou Sutura posterior/nuclear Autossômico recessivo*
juvenil Equatorial/cortical anterior Autossômico recessivo
Manifestação
tardia
Chesapeake Bay = 1 ano Nuclear/cortical Dominante incompleto
Retriever
Entelbucher 1 a 2 anos Cortical posterior Autossômico recessivo
Mountain Dog
Pastor alemão = 8 semanas Cortical/sutura posterior Dominante incompleto
Golden Retriever = 6 meses Subcapsular posterior Dominante incompleto
(triangular)
Labrador Retriever = 6 meses Subcapsular posterior Dominante incompleto
(triangular)
Havanese 2 a 6 anos Cortical anterior/posterior Possivelmente autossômico
recessivo
Schnauzer miniatura Congênita Cortical posterior/nuclear Autossômico recessivo
= 6 meses Cortical posterior Autossômico recessivo
Buhund norueguês = 1 ano Nuclear/cortical Autossômico dominante
Old English Congênita Nuclear/cortical Autossômico recessivo
Sheepdog
Rottweiler = 10 meses Polar posterior/completa Desconhecido
Husky siberiano = 6 meses Sutura Autossômico recessivo
posterior/subcapsular
posterior
Staffordshire Bull = 6 meses Sutura posterior/cortical Autossômico recessivo*
Terrier
Poodle padrão = 1 ano Cortical equatorial Autossômico recessivo
Welsh Springer Congênita Cortical posterior/nuclear Autossômico recessivo
Spaniel
West Highland Congênita Sutura posterior Autossômico recessivo
White Terrier
Equinos

Belga Congênita Nuclear/cortical Autossômico dominante


Morgan Congênita Nuclear Autossômico dominante
Bovinos

Holstein­frísio Congênita Nuclear/cortical Autossômico recessivo


Jersei Congênita Nuclear Autossômico recessivo
Ovinos

Romney da Nova Congênita Cortical posterior/anterior Autossômico dominante


Zelândia
* Associado a mutações no gene HSF4

MANIFESTAÇÕES OFTÁLMICAS DE DOENÇAS SISTÊMICAS


As manifestações oftálmicas de doenças sistêmicas não são incomuns nas doenças hereditárias, infecciosas,
degenerativas e neoplásicas de animais. Com frequência, os exames oftálmicos podem auxiliar na identificação
oportuna da doença sistêmica. Doenças que afetam os sistemas vascular e nervoso são propensas a exibir
manifestações oculares. Animais com doença ocular bilateral devem ser examinados cuidadosamente em busca
de doenças sistêmicas.
Em cães, doenças oftálmicas, como displasia de retina, microftalmia e catarata, foram associadas a nanismo,
albinismo e merling. Frequentemente, as doenças infecciosas envolvem o trato uveal e se apresentam como
iridociclite, coroidite e panuveíte. Podem ser causadas por vírus (cinomose, hepatite infecciosa), riquétsias
(erliquiose e febre macular das Montanhas Rochosas), bactérias (Brucella canis e Borrelia burgdorferi), fungos
(Blastomyces, Coccidioides, Histoplasma, Cryptococcus e Aspergillus), protozoários (Toxoplasma, Neospora,
Leishmania e Hepatozoon), algas (Prototheca) ou parasitos (Dirofilaria, Toxocara e Diptera spp). Doenças
metabólicas associadas a doenças oculares nos cães incluem diabetes melito (formação de catarata),
hipocalcemia (catarata), hiperadrenocorticismo (doença de córnea, catarata e lipemia retiniana) e
hipotireoidismo (ceratoconjuntivite seca, hemorragia intraocular decorrente de elevação da pressão sanguínea
sistêmica e lipemia retiniana [hiperlipidemia]). Distúrbios sanguíneos e vasculares podem se apresentar como
hemorragia intraocular, descolamento de retina, glaucoma secundário e papiledema. Neoplasias metastáticas,
como linfossarcoma, afetam mais frequentemente a úvea, manifestando­se como uveíte persistente, massas
intraoculares evidentes, hemorragia intraocular, glaucoma secundário ou descolamento de retina.
Em gatos, as doenças sistêmicas frequentemente afetam o sistema oftálmico. Inflamações palpebrais são, com
frequência, associadas à infecção sistêmica por Demodex cati e D. gatoi, Notoedres cati (sarna), micose e
doenças cutâneas imunomediadas. Os patógenos que comumente causam doenças infecciosas em gatos, ou seja,
herpes vírus felino­1, Chlamydia e Mycoplasma frequentemente ocasionam conjuntivite aguda e recidivante. O
herpes vírus felino­1 também está associado a queratite estromal e ulcerativa, ceratoconjuntivite proliferativa,
sequestro corneano, simbléfaro corneano e ceratoconjuntivite seca. Peritonite infecciosa felina, toxoplasmose,
imunodeficiência felina e vírus da leucemia felina, às vezes, são acompanhadas de uveíte anterior e posterior,
uveíte crônica, descolamento de retina e glaucoma secundário. A perda aguda de visão com hemorragia
intraocular e descolamento de retina em gatos mais idosos pode ser secundária à hipertensão sistêmica e
frequentemente está associada à insuficiência renal crônica ou hipertireoidismo. A resolução da hemorragia
intraocular, o reparo do descolamento de retina e a possível recuperação da visão dependem de uma redução
efetiva da pressão sanguínea para valor normal administrando, com frequência, o bloqueador de canal de cálcio
anlodipino, na dose de 0,625 mg/dia VO.
Em equinos, doenças infecciosas sistêmicas, como infecção por adenovírus em potros árabes com
imunodeficiência, gripe equina, garrotilho (Streptococcus equi), infecção por Rhodococcus equi, leptospirose,
doença de Lyme (Borrelia burgdorferi) e salmonelose, podem ser acompanhados de conjuntivite, uveíte anterior
ou uveíte posterior. A ocorrência de oncocercose oftálmica pode ser acentuadamente reduzida pela
administração frequente de ivermectina, mas pode cursar com uveíte anterior e posterior, coriorretinite
peripapilar, queratite, ceratoconjuntivite ou vitiligo conjuntival lateral. A habronemose se apresenta como
massas conjuntivais inflamatórias na área periocular (especialmente no canto medial), associadas à migração
aberrante de larvas de Habronema muscae, H. microstoma e Draschia megastoma. A terapia geralmente
consiste em ivermectina sistêmica.
Em bovinos, microftalmia, catarata, displasia de retina e descolamento de retina estão associados a
hidrocefalia e infecção intrauterina de bezerros com diarreia viral bovina. As mesmas anormalidades oftálmicas
ocorrem em carneiros infectados pelo vírus da língua azul na vida intrauterina. A deficiência de vitamina A
causa microftalmia em leitões e cegueira e hipoplasia de nervo óptico em bezerros. A deficiência de vitamina A
em bovinos adultos ou em fase de crescimento resulta em cegueira noturna, midríase e, por fim, cegueira
completa. Anormalidades oftalmoscópicas incluem papiledema, degeneração de retina e atrofia do nervo óptico.
A suplementação com vitamina A pode restabelecer a visão apenas em animais com cegueira noturna. O
linfossarcoma em bovinos pode se apresentar como exoftalmia progressiva bilateral. Muitas doenças
infecciosas, como rinotraqueíte, febre catarral maligna, meningoencefalite tromboembólica e sepse pré­natal,
podem cursar com conjuntivite ou uveíte anterior ou posterior. Toxicoses, como intoxicação por samambaia de
metro (Dryopteris filix), intoxicação por samambaia­do­campo (Pteridium aquilinum) em ovinos,
envenenamento por cumarínico (intoxicação por trevo doce) em bovinos e intoxicação por fenotiazina em
bovinos se apresentam com sintomas clínicos de cegueira por degeneração de retina, hemorragia intraocular ou
edema de córnea (ver p. 2541).

NERVO ÓPTICO

Hipoplasia do nervo óptico pode ser hereditária em cães da raça Poodle miniatura. Em gatinhos e bezerros,
pode resultar de infecção intrauterina notada na panleucopenia e na diarreia viral bovina, respectivamente. Em
bezerros, a causa pode ser avitaminose A materna. A condição pode ser uni ou bilateral, podendo ocorrer
isoladamente ou em associação a outras anomalias oculares. O envolvimento bilateral se manifesta como
cegueira, em neonatos; a doença unilateral frequentemente é um achado acidental que ocorre mais tarde na vida
do animal, ou é notado quando o outro olho desenvolve cegueira.
Papiledema é incomum em animais e às vezes é associada à neoplasia de órbita. A pressão intracraniana
aumentada geralmente não resulta em papiledema em animais, exceto em bezerros com avitaminose A. O disco
óptico é visualizado como um volume acima da superfície da retina adjacente e nota­se congestão venosa. A
visão e os reflexos pupilares à luz normalmente não são acometidos, a não ser que ocorra atrofia óptica.
Atrofia óptica pode se instalar após glaucoma, traumatismo, degeneração de retina avançada, hipotensão
ocular prolongada ou inflamação. O disco óptico é visualizado como uma depressão e menor do que o normal;
frequentemente é pigmentado, com redução acentuada na vascularização da retina e do nervo óptico. Não se
constata reflexo pupilar direto, tampouco visão. Não há tratamento.

ÓRBITA

Os sintomas de celulite orbitária são dor aguda ao abrir a boca, tumefação palpebral, prolapso unilateral da
membrana nictitante, deslocamento do globo para frente e conjuntivite. Pode­se desenvolver queratite devido à
lagoftalmia. A anormalidade é observada predominantemente em raças de cães de grande porte e de caça, sendo
rara em outras espécies. Corpos estranhos (p. ex., sementes migratórias de grama) e sialoadenite zigomática são
causas adicionais. Hemorragia e neoplasia de órbita podem mimetizar inflamação, exceto pelo fato de
geralmente não haver dor durante a abertura da boca. Em casos agudos, antibióticos sistêmicos de amplo
espectro, em geral, são curativos, mas se há tumefação atrás do último molar, indica­se drenagem desta área.
Compressas mornas e lubrificantes tópicos para proteger a córnea também são indicados. Podem ocorrer
recidivas; assim, são recomendadas radiografias e ultrassonografia dos dentes adjacentes, dos seios e da
cavidade nasal.

PÁLPEBRAS

As pálpebras consistem de quatro partes: 1) mais externa, de pele bastante fina e móvel; 2) o forte músculo
orbicular ocular, que circunda o olho e se ancora no canto medial; 3) o tarso fibroso, delgado e pouco
desenvolvido, que contém glândulas sebáceas de Meibômio e conecta a pálpebra à rima óssea da órbita; e 4) a
conjuntiva palpebral, fina e flexível, contínua ao fórnix conjuntival ou saco conjuntival. Anormalidades
palpebrais podem estar associadas a alterações faciais e orbitárias, características raciais; podem ser parte de
doença cutânea, bem como de muitas doenças sistêmicas.

Anormalidades de Conformação

Entrópio é a inversão de toda ou de parte da margem palpebral e pode envolver uma ou ambas as pálpebras e os
cantos. É o defeito palpebral hereditário mais frequente em muitas raças de cães e ovinos, podendo também ser
consequente à formação cicatricial e blefarospasmo grave decorrente de dor ocular ou periocular. A inversão
dos cílios ou pelos faciais causa desconforto, irritação conjuntival e corneana secundárias e, se perpetuada,
formação de cicatriz, pigmentação e, possivelmente, ulceração corneana. O entrópio espástico inicial pode ser
revertido se a causa for rapidamente removida ou se a dor for aliviada pela eversão dos pelos palpebrais com
suturas em colchoeiro na pálpebra, por injeções subcutâneas (p. ex., penicilina procaína) no interior da pálpebra
adjacente ao entrópio, ou por bloqueio do nervo palpebral. O entrópio estabelecido geralmente requer correção
cirúrgica.
Olho e pálpebras; corte mediano. Ilustração de Gheorghe Constantinescu.
Aparato lacrimal do cão. Ilustração de Gheorghe Constantinescu.

Ectrópio é uma margem palpebral evertida, estática, geralmente acompanhada de fissura palpebral extensa e
pálpebras alongadas. É uma anormalidade de conformação bilateral comum em diversas raças de cães, incluindo
o Bloodhound, Bull Mastiff, Great Dane, Newfoundland, Dogue Alemão, São Bernardo e vários cães da raça
Spaniel. Cicatrizes causando contração da pálpebra ou paralisia do nervo facial podem provocar ectrópio
unilateral em qualquer espécie. A exposição conjuntival a irritantes ambientais e infecções bacterianas
secundárias pode resultar em conjuntivite crônica ou recidivante. Preparações tópicas de associações de
antibióticos com corticosteroides podem controlar temporariamente as infecções intermitentes, mas
procedimentos cirúrgicos para a redução palpebral são frequentemente indicados. Casos brandos podem ser
controlados por meio de lavagem periódica e repetida com soluções descongestionantes suaves.
Entrópio em um potro antes (acima) e depois (abaixo) do tratamento. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.

Lagoftalmia é a incapacidade de fechar completamente as pálpebras e proteger a córnea de ressecamento e


traumatismo. Pode resultar de órbitas extremamente rasas (em raças braquicefálicas), exoftalmia devido a lesões
orbitárias que preenchem espaço ou de paralisia do nervo facial. Geralmente resulta em formação de cicatriz,
ulceração e pigmentação corneana. A menos que a causa possa ser corrigida, a terapia consiste em lubrificações
tópicas frequentes e redução ou fechamento cirúrgico dos cantos, temporária ou permanentemente. Pregas
cutâneas nasais e pelos faciais excessivos podem agravar o lesão causado pela lagoftalmia.
Anormalidades dos cílios incluem cílios extras (distiquíase) ou mal direcionados na margem palpebral.
Epífora, vascularização corneana, ulceração e formação de cicatriz corneana podem ser notadas. Em vários
casos, os cílios anômalos são muito finos e não ocasionam sintomas clínicos nem lesões. Entretanto, cílios
ectópicos que em protrusão através da conjuntiva palpebral dorsal podem causar dor intensa. Se a lesão
conjuntival ou corneana for causada pelo cílio extra, indica–se a excisão ou a criotermia dos folículos ciliares.
Anomalias dos cílios são comuns em algumas raças de cães e provavelmente são hereditárias, mas são raras em
outras espécies de animais.

Inflamação

Blefarite (inflamação das pálpebras) pode resultar da extensão de dermatite generalizada, conjuntivite ou
infecções glandulares locais, ou por irritantes, como óleos vegetais, ou por exposição solar. As pálpebras podem
ser o local original de envolvimento de agentes que progridem para uma dermatite generalizada. Dermatófitos
(todas as espécies), Demodex canis (cães), D. cati ou D. gatoi (gatos) e bactérias, como estafilococos, estão
frequentemente envolvidos. A junção mucocutânea da pele e conjuntiva pode ser o local afetado por lesões de
doenças imunomediadas, como o pênfigo. Raspados, culturas e biópsias cutâneas podem ser necessárias para
um diagnóstico preciso. Infecções glandulares localizadas podem ser agudas ou crônicas (hordéolo [glândulas
de Zeis e Moll] ou calázio [glândulas de Meibômio]).
Na blefarite generalizada, a terapia sistêmica é frequentemente indicada, além do tratamento tópico. Terapia
de suporte, com compressas quentes e limpezas frequentes, está indicada em casos agudos. Preparações não
oftálmicas podem ser utilizadas para tratar as pálpebras, mas deve­se ter cuidado durante a aplicação para evitar
o contato com a córnea e conjuntiva e possível irritação.

Glândula da membrana nictitante inflamada e prolapsada (“olho de cereja”) em um cão. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.

PROLAPSO DO OLHO

O prolapso agudo ou proptose do olho se deve a traumatismo. É comum em cães e incomuns em gatos. O
prognóstico depende da extensão do traumatismo, da raça do cão, da profundidade da órbita, da duração da
proptose, do tamanho da pupila em repouso, da condição da queratite por exposição e de outras lesões
perioculares. Em gatos, a proptose geralmente se deve a traumatismo grave na cabeça e frequentemente outros
ossos faciais encontram­se fraturados. O globo ocular deve ser reposicionado assim que possível, se a condição
física do animal permitir a indução de anestesia geral (ver p. 1555). O tratamento consiste no uso de antibióticos
sistêmicos e, ocasionalmente, corticosteroides, combinados a antibióticos tópicos e midriáticos. Embora o
prognóstico quanto à preservação da visão seja reservado, geralmente o globo é salvo. Retorno da visão ocorre
em cerca de 50% dos cães, sendo raro em gatos.

Celulite de órbita em cão. A expansão dos tecidos orbitários pressiona o globo ocular e a membrana nictitante para frente e prejudica o reflexo
de piscar. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.

ÚVEA ANTERIOR

A úvea anterior é constituída de íris, corpo ciliar e ângulo da câmara anterior (ou iridocorneano). A íris é
responsável pela maior parte da cor do olho, bem como por uma abertura (pupila) para regular a quantidade de
luz que penetra no olho e no segmento posterior. A forma da pupila varia muito entre as espécies animais,
podendo ser circular, em fenda vertical, oval horizontal, quadrada ou mesmo pupilas múltiplas. O corpo ciliar
provê a maior parte do humor aquoso, que nutre o segmento anterior e remove seus resíduos metabólicos, bem
como os canais de fluxo para o exterior (ângulo da câmara anterior) para que o humor aquoso retorne ao sistema
venoso. O corpo ciliar também regula a curvatura da cristalino (acomodação), o que é mais limitado em animais
do que em pessoas. O corpo ciliar continua posteriormente como a coroide; doenças da íris e do corpo ciliar
com frequência também envolvem a coroide. Afecções da úvea anterior são comuns em animais domésticos.
Membranas pupilares persistentes são restos da rede vascular pré­natal normal, que preenche a região
pupilar. A persistência de filamentos pigmentados através da pupila, de uma área da íris para outra, ou para o
cristalino ou a córnea, não é incomum em cães e ocasionalmente ocorre em outras espécies. Em cães da raça
Basenji a anormalidade é hereditária.
Atrofia de íris é comum em cães mais velhos e pode envolver a margem pupilar ou o estroma. A atrofia da
margem pupilar cria uma margem recortada e o enfraquecimento do músculo do esfíncter, que se manifesta
como pupila dilatada ou pela lentidão do reflexo pupilar à luz. A atrofia estromal resulta em graves orifícios na
íris e, frequentemente, deslocamento da pupila. Nenhuma forma de atrofia parece afetar a visão. Animais com
esfíncter iridiano não funcional podem apresentar maior sensibilidade à luz forte.
Cistos de íris são observados em cães, gatos e equinos. Em cães, geralmente são esferas pigmentadas que
flutuam livremente no humor aquoso, dentro da pupila e nas câmaras anterior e posterior. Apesar de inócuos na
maioria das raças, cistos uveais anteriores (íris e corpo ciliar) em cães da raça Golden Retriever estão associados
à esfoliação de células pigmentadas, uveíte crônica, glaucoma e formação de catarata. Em gatos, os cistos
frequentemente estão aderidos à margem pupilar. Em equinos, estão presentes no estroma da íris e mais
frequentemente envolvem íris azul. Terapia raramente é necessária, mas pode­se realizar aspiração ou
esvaziamento por laser. A transiluminação geralmente mostra a sua natureza cística e os diferencia de
neoplasia. A corpora nigra dorsal, cística e aumentada de volume, pode prejudicar a visão e mimetizar
melanoma de íris em equinos. Pode­se indicar excisão cirúrgica ou aspiração.
Colobomas de íris são raros em animais, mas ocorrem ocasionalmente em cães da raça Pastor australiano.
Geralmente estão localizados na porção superior da íris, principalmente em íris heterocromáticas, e causa
irregularidade na pupila. Ao exame próximo, nota­se que o defeito envolve o estroma anterior da íris e
aparentemente o músculo do esfíncter, mas a camada de pigmento está presente.
Uveíte anterior ou iridociclite, quando aguda, manifesta­se por miose, aumento do conteúdo proteico e
celular na câmara anterior (flare aquoso), pressão intraocular baixa, hiperemia conjuntival bulbar, tumefação de
íris, fotofobia e blefarospasmo. Glaucoma secundário, catarata e opacificação corneana podem ocorrer como
complicações. Comumente é acompanhada de uveíte posterior ou coroidite. Causas de uveíte anterior podem ser
classificadas em exógenas e endógenas. Traumatismo penetrante e não penetrante e, raramente, neoplasias
intraoculares ou helmintos intraoculares são causas de uveíte unilateral. As causas comuns de uveíte bilateral
incluem doenças imunomediadas e doenças infecciosas, como hepatite infecciosa canina, peritonite infecciosa
felina, leucemia felina, imunodeficiência felina, toxoplasmose felina, micoses sistêmicas em cães e gatos,
brucelose canina, leptospirose equina, febre catarral maligna bovina, rinotraqueíte infecciosa bovina, arterite
viral equina, febre suína clássica, erliquiose canina e infecções bacterianas neonatais (articulares, umbilicais e
intestinais) em bezerros, carneiros, crianças e potros. A uveíte recidivante, que é, pelo menos em parte,
imunomediada, afeta equinos (oftalmia periódica ou cegueira da lua) e cães (panuveíte com despigmentação
dérmica ou síndrome uveodérmica). Histórico completo, exame da córnea quanto à presença de lesões, exame
físico, sorologia sanguínea e centese do humor aquoso para cultura, sorologia e citologia auxiliam no
diagnóstico.
A terapia inespecífica consiste em uso tópico de midriáticos para manutenção da dilatação e movimentação
pupilares, corticosteroides (se não for de origem bacteriana), ambiente escuro e inibidores de prostaglandina
(como ácido acetilsalicílico, flunixino meglumina ou fenilbutazona). Se a origem for bacteriana, indicam­se
antibiótico tópico, sistêmico e, às vezes, intraocular. O tratamento de afecções imunomediadas pode requerer
uso sistêmico, subconjuntival e tópico de corticosteroides e administração oral de azatioprina.
Hifema ou hemorragia na câmara anterior pode ter várias aparências clínicas, inclusive: 1) pequenos
coágulos sanguíneos, focais, suspensos na câmara anterior ou aderidos à face posterior da córnea, íris ou cápsula
anterior do cristalino; 2) hemorragia difusa, sem coagulação, por toda a câmara anterior, impedindo a visão e o
exame de estruturas oculares mais profundas; e 3) múltiplas camadas de hemorragia sem coagulação,
recidivante ou crônica (a camada mais antiga é roxa ou preta, na parte inferior da câmara anterior, e a
hemorragia mais recente é a camada vermelha brilhante superior). As causas de hifema incluem uveíte, trauma,
neoplasia intraocular, hipertensão sistêmica, anormalidades de fatores de coagulação, distúrbios plaquetários,
hiperviscosidade, anomalias oculares congênitas, neovascularização de segmento anterior e glaucoma. A
resolução do hifema requer a saída dos eritrócitos intactos através dos canais de drenagem do humor aquoso.
Uveíte anterior secundária à peritonite infecciosa felina. Cortesia do Dr. Kirk. N. Gelatt.

O prognóstico de hifema agudo geralmente é bom, desde que a causa seja identificada e tratada. O
prognóstico do hifema recidivante e/ou crônico é reservado a ruim, porque há propensão ao glaucoma ou à
retração e definhamento do globo ocular. Não há comprovação de que algum fármaco facilite a resolução do
hifema, mas o ativador de plasminogênio tecidual (TPA), por via intracâmera, pode dissolver a fibrina formada
há menos de 10 a 14 dias e liberar os eritrócitos que estavam retidos na câmara anterior. O TPA não previne a
formação de fibrina, mas os corticosteroides tópicos e sistêmicos podem preveni­la.

UVEÍTE RECIDIVANTE EQUINA (Oftalmia periódica, Cegueira

da lua, Uveíte equina)

A uveíte recidivante equina (URE) é uma das doenças oculares mais comuns em equinos, classicamente
caracterizada por episódios de inflamação ativa seguida de períodos variáveis de quiescência. Durante o período
de quiescência, pode persistir uma discreta inflamação subclínica em alguns equinos. Independente do curso
específico, as reações inflamatórias, por fim, ocasionam alterações secundárias. São estas complicações
secundárias que tornam esta síndrome a causa mais comum de cegueira em equinos, em todo o mundo.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: URE é uma doença imunomediada que ocorre após um episódio inicial de uveíte
aguda. Nem todos os equinos que apresentam uveíte aguda desenvolvem URE. Entretanto, todos os equinos
com histórico de uveíte permanecem sob risco de desenvolver URE por um tempo de pelo menos 2 anos após o
episódio agudo. Agentes ou condições específicas associados ao desenvolvimento de uveíte aguda em equinos
incluem traumas oculares contusos ou penetrantes, leptospirose, brucelose, garrotilho (infecção por
Streptococcus equi), oncocercose, gripe equina e abscessos de raiz dentária e de casco. Não há predisposição
etária ou racial ao desenvolvimento de uveíte aguda. Entre os equinos com URE, as raças Appaloosa e de
sangue quente e aqueles animais de tração são acometidos mais comumente. Embora os equinos possam
manifestar URE inicial em qualquer idade, o diagnóstico aos 4 a 8 anos é característico. Os agentes infecciosos
associados à URE mais amplamente pesquisados são Leptospira spp, em particular L. interrogans sorovariante
pomona, apesar de outros sorogrupos também estarem envolvidos. Vários estudos mostram a persistência de
leptospira na URE crônica; entretanto, a relação exata entre leptospirose e URE permanece obscura.
Embora a base imunológica para a natureza recidivante da uveíte tenha sido extensivamente estudada, a
compreensão detalhada dos fatores envolvidos permanece desconhecida. Pesquisa recente sugere uma relação
autoimune genética com a ocorrência de URE. Considerada em associação à leptospirose, parece possível que a
patogênese subjacente da URE pode envolver tanto componentes infecciosos quanto hereditários.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sinais clínicos associados à uveíte recidivante equina incluem tanto sintomas
agudos de inflamação ativa como efeitos colaterais secundários crônicos. A lesão ao trato uveal acarreta
liberação de mediadores inflamatórios, como leucotrienos, prostaglandinas e histamina, os quais aumentam a
permeabilidade dos vasos da úvea anterior, dano à barreira sangue­humor aquoso, espasmo do esfíncter da íris e
espasmo do músculo do corpo ciliar. O comprometimento da barreira sangue­humor aquoso permite a entrada
de proteínas, fibrina e células ao humor aquoso. Estas respostas colaboram para os sintomas clássicos de uveíte
aguda: blefarospasmo, epífora, congestão episcleral, edema de córnea, humor aquoso turvo (flare), coágulos de
fibrina na câmara anterior e miose. Frequentemente, os sintomas no segmento anterior limitam a visibilidade do
segmento posterior. Se visíveis, os sinais de episódio agudo envolvendo o segmento posterior podem incluir
infiltrado celular inflamatório na retina e/ou coroide, separação focal ou difusa da retina, hemorragia de retina e
humor vítreo turvo, secundária à infiltração por células inflamatórias ou hemácias. Um ou ambos os olhos
podem ser acometidos. Quando bilateral, não é raro que um olho esteja mais gravemente afetado.
Formação de cicatriz na córnea, fibrose na íris, dano da corpora nigra, sinéquia posterior, glaucoma, catarata e
acúmulo de pigmento no fundo não tapetal (degeneração de retina) são sintomas compatíveis com URE crônica.
Não pode ser ignorada a importância da fundoscopia cuidadosa como parte de exames anteriores à compra e de
sanidade. Equinos com uveíte crônica podem apresentar poucos ou nenhum sinal no segmento anterior, mas
podem manifestar uveíte recidivante equina na forma de degeneração de retina. Tais equinos geralmente
apresentam resposta pupilar à luz normal ou próximo do normal, podendo não exibir sintomas evidentes de
comprometimento visual até estágios tardios da doença. Entretanto, deve­se suspeitar de URE em qualquer
equino com degeneração de retina relevante e, assim, é considerado como possível candidato a
comprometimento visual futuro.
DIAGNÓSTICO: Uma vez que o diagnóstico baseia­se na constatação de sinais clínicos característicos, deve­se
tentar identificar a causa primária. Como um episódio agudo de uveíte pode ser o primeiro sinal de doença
sistêmica, um exame físico cuidadoso deve ser sempre realizado, além do exame oftálmico. Hemograma
completo e perfil bioquímico sérico são frequentemente incluídos como parte de uma base de dados mínima.
Testes específicos podem auxiliar na pesquisa da causa primária do episódio inicial de uveíte. O teste sorológico
para Leptospira spp é frequentemente requisitado, apesar de não haver relação entre a sorologia para Leptospira
spp e a presença de anticorpos ou leptospiras no humor aquoso de equinos com URE. A paracentese da câmara
anterior ou da cavidade vítrea oferece a possibilidade de identificação de um agente causal. Entretanto, o
procedimento pode causar lesão intraocular grave e é desencorajado.
TRATAMENTO, PREVENÇÃO E CONTROLE: A terapia é iniciada assim que possível, quando os sintomas da fase
aguda são observados. Se uma causa primária específica pode ser identificada, seu tratamento deve ser incluído
no protocolo terapêutico inicial. Adicionalmente ao tratamento da causa primária, ou em ocasiões quando
nenhuma causa específica é encontrada inicia­se tratamento agressivo com anti–inflamatório, tanto sistêmico
quanto tópico, para minimizar a lesão associado à inflamação intraocular. Anti­inflamatórios tópicos, tanto
esteroides como não esteroides, são comumente utilizados. Têm­se empregado com sucesso acetato de
prednisolona (esteroide, suspensão 1%), dexametasona (esteroide, suspensão ou pomada 0,1%), flurbiprofeno
(não esteroide, solução 0,03%) e diclofenaco (não esteroide, solução 0,1%). Ao selecionar um esteroide para
uso tópico, prefere­se tanto a prednisolona como a dexametasona em relação à hidrocortisona, que penetra
pouco na córnea e não é potente o suficiente para ser considerada um tratamento efetivo para uveíte anterior.
Adicionalmente, a formulação do esteroide tópico influencia sua capacidade de penetração na córnea e a
disponibilidade do fármaco na úvea anterior. Devido a isso, as preparações em forma de acetato e suspensão são
preferíveis às formulações de fosfato sódico. A frequência de aplicação depende da gravidade da inflamação,
mas o comum é a administração 4 a 6 vezes/dia. Com a resolução dos sintomas, a frequência pode ser
lentamente reduzida. Recomenda­se que a terapia seja mantida por 1 mês após a regressão dos sintomas agudos
da inflamação. A atropina tópica (solução ou pomada 1%) é útil aos pacientes com uveíte anterior aguda em
razão da paralisação do esfíncter da íris e do músculo do corpo ciliar. Esses efeitos reduzem o risco de formação
de sinéquia posterior e aliviam acentuadamente a dor associada ao espasmo da musculatura do corpo ciliar. A
aplicação de atropina é tópica, 2 a 3 vezes/dia, até que a pupila esteja amplamente dilatada. A seguir, a
frequência de aplicações pode ser reduzida para 1 vez/dia ou em dias alternados, conforme a necessidade para
manutenção da midríase. Apesar deste esquema de dosagem ser bem tolerado na maioria dos equinos, a
motilidade intestinal deve ser monitorada, uma vez que a atropina aplicada topicamente tem o potencial de
ocasionar íleo adinâmico.
A aplicação sistêmica de flunixino meglumina, particularmente quando administrada por via intravenosa
(IV), pode ser o tratamento único mais efetivo de uveíte anterior aguda em equinos. A dose IV inicial usual é
1,1 mg/kg, administrada no momento do diagnóstico. Em seguida aplica­se 0,25 a 1,1 mg/kg VO, 2 vezes/dia,
durante 5 a 7 dias. Devido ao risco potencial de causar problemas gastrintestinais e renais com o uso prolongado
de flunixino meglumina, é comum que se alterne com fenilbutazona oral (2 a 4 mg/kg, 1 ou 2 vezes/dia) após o
período de tratamento inicial. Como alternativa, alguns equinos respondem melhor ao ácido acetilsalicílico (25
mg/kg VO, 1 ou 2 vezes/dia) após o uso da flunixino meglumina. Esteroides sistêmicos, especialmente
prednisolona (100 a 300 mg/dia) e dexametasona (5 a 10 mg/dia), também têm sido utilizados com sucesso no
tratamento de episódios de uveíte aguda, mas o seu uso prolongado tem sido associado à laminite. Com a
atenuação da gravidade dos sintomas, a dose e a frequência do uso de anti­inflamatórios orais podem ser
reduzidas ao longo de 2 a 3 meses do período terapêutico. Se não for possível o tratamento tópico frequente,
injeções subconjuntivais de triancinolona (10 a 40 mg), acetato de metilprednisolona (10 a 40 mg) ou
betametasona (5 a 15 mg) podem propiciar concentração anti­inflamatória intraocular terapêutica. Entretanto,
devem ser utilizadas com cautela, uma vez que não podem ser facilmente removidas após a injeção e podem
ocorrer consequências graves se há microrganismo infeccioso ou úlcera de córnea. Exceto nos casos em que há
infecção bacteriana, não se indica antibiótico sistêmico.
Historicamente, equinos com recidivas frequentes ou com uveíte crônica branda eram tratados com doses
diárias (ou em dias alternados) de fenilbutazona ou de ácido acetilsalicílico VO. Apesar de a maioria dos
equinos tolerar bem essa terapia, esses medicamentos podem apresentar efeitos colaterais gastrintestinais e
hematológicos, e a necessidade da administração diária pode dificultar a colaboração do proprietário. Além
disso, esse tratamento frequentemente não elimina o risco de recidiva.
Na tentativa de se superar os problemas do uso exclusivo de tratamento medicamentoso foram desenvolvidos
dois procedimentos cirúrgicos. A vitrectomia nuclear remove praticamente todo o humor vítreo, por meio de
uma incisão posterior à face dorsolateral do limbo. O vítreo é então substituído por solução salina ou por
solução salina balanceada. O benefício teórico deste procedimento é que os linfócitos T e/ou microrganismos
presentes no humor vítreo contribuem significativamente para a inflamação crônica, na URE. Por meio da
remoção desses elementos, a gravidade e frequência dos eventos inflamatórios podem ser minimizadas. Outro
procedimento cirúrgico para controle da URE é o implante de ciclosporina supracoroidal. Neste
procedimento, um disco de ciclosporina A (cerca de 5 mm de diâmetro) é implantado sob um retalho escleral
criado cerca de 8 mm posterior à região dorsolateral do limbo.
Boas práticas de manejo, como controle efetivo de moscas, trocas frequentes das camas, desverminação e
vacinações rotineiras, minimização do contato com bovinos ou animais selvagens, drenagem de água parada ou
restrição ao acesso a pastagens pantanosas e melhora da dieta foram relacionadas como formas de reduzir as
consequências da URE. Embora essas medidas propiciem benefícios gerais a alguns equinos, a extensão em que
influenciam o curso clínico da URE é controversa.

DOENÇAS DO PAVILHÃO AURICULAR

Várias afecções dermatológicas acometem o pavilhão auricular. Raramente, uma doença afeta apenas o pavilhão
auricular ou este é o local inicialmente acometido. Como em todas as enfermidades dermatológicas, a melhor
forma de obter o diagnóstico envolve histórico completo e exame físico e dermatológico minucioso, juntamente
com seleção e avaliação cuidadosa de testes diagnósticos específicos.

Adenite Sebácea

Esta doença é incomum em cães e rara em gatos. A causa é desconhecida, mas a forte predisposição racial de
certas raças de cães para o desenvolvimento da doença sugere uma influência genética. A patogênese proposta
inclui destruição da glândula sebácea mediada por resposta imune celular; anormalidade de cornificação
primária do ducto glandular, resultando em obstrução e inflamação secundária da glândula; defeito anatômico
da glândula sebácea, ocasionando extravasamento lipídico e reação do tipo corpo estranho; ou disfunção no
metabolismo lipídico, levando à destruição glandular. Raças de cães predispostas incluem Poodle padrão, Akita,
Samoyed e Vizla. Entretanto, várias outras raças podem ser acometidas. As lesões tipicamente se instalam nos
pavilhões auriculares, testa, face e parte dorsal do tronco e são caracterizadas por alopécia e escamas aderidas
nas hastes dos pelos. A gravidade e as características dos sinais clínicos variam entre as raças. O prurido é
variável e geralmente associado à infecção bacteriana secundária. Os achados histopatológicos incluem ausência
difusa de glândulas sebáceas, inflamação granulomatosa a piogranulomatosa no local anteriormente das
glândulas e queratose folicular. Atualmente, a terapia mais eficaz para adenite sebácea é a administração oral de
ciclosporina (5 mg/kg, 1 vez/dia). Vitamina A ou retinoides sintéticos (p. ex., isotretinoína ou acitretina) VO,
podem ser efetivos, em alguns casos. A combinação de tetraciclina e niacinamida é uma opção para os casos
mais brandos ou quando os proprietários estão preocupados quanto aos custos e/ou efeitos adversos associados
ao uso de ciclosporina ou retinoides. A terapia paliativa para todos os casos inclui xampu ceratolítico, seguido
de banho emoliente e ácidos graxos ômega 3 e ômega­6. Para auxiliar no amolecimento das escamas aderidas
pode­se borrifar uma mistura de propilenoglicol e água sobre a pelagem do animal, deixando atuar por 2 a 3 h,
antes do banho com xampu com medicamento.

Alergia à Picada de Mosquito

Uma reação alérgica á picada de mosquito pode causar dermatite ulcerativa e crostosa de pavilhão auricular,
narina e, raramente, coxins e pálpebras de gatos. As lesões progridem de pápulas e placas a úlceras crostosas,
que se unem para acometer áreas extensas. O prurido é variável; pode ocorrer linfadenopatia regional.
Histologicamente, as lesões são caracterizadas por dermatite eosinofílica perivascular a intersticial grave,
superficial e profunda, frequentemente associadas a lesões hiperêmicas, como foliculite e furunculose. O
diagnóstico diferencial inclui pênfigo foliáceo, dermatite ulcerativa por herpes vírus, outras causas de dermatite
eosinofílica (hipersensibilidade alimentar, atopia, idiopática), sarna notoédrica e dermatofitose. O tratamento
inclui a manutenção do animal dentro de casa e o uso de repelente à base de piretrina, quando é possível prever
a exposição aos mosquitos. Glicocorticoides sistêmicos podem ser necessários, em casos graves (ver p. 811).

Alopécia de Pavilhão Auricular

Várias dermatoses de borda auricular, caracterizadas por alopécia, foram descritas em cães. Alopécia periódica
do pavilhão auricular em Poodle miniatura é caracterizada por alopécia bilateral progressiva na superfície
convexa da orelha. A perda de pelos é aguda e progride por vários meses, mas pode ocorrer crescimento
espontâneo de novos pelos. Não há outros sintomas e o tratamento é desnecessário.
Alopécia do pavilhão auricular foi relatada em animais das raças Dachshund, Chihuahua, Italian Greyhound e
Whippet e considera­se que haja predisposição hereditária. A idade por ocasião da manifestação da enfermidade
é = 1 ano. As lesões iniciam como rareamento da cobertura pilosa, podendo ocorrer alopécia total do pavilhão
auricular aos 8 a 9 anos de idade. Outras áreas comumente acometidas são as regiões cervical e torácica ventral
e a face medial caudal das coxas. A perda de pelos é assintomática. Os diagnósticos diferenciais para essa
condição são endocrinopatias (p. ex., hipotireoidismo, hiperadrenocorticismo, desequilíbrio de hormônios
sexuais). Histologicamente, a pele é normal e o tamanho dos folículos pilosos diminui, mas com aparência
normal. Nenhum tratamento efetivo foi relatado, mas há relatos anedóticos do uso de que pentoxifilina (10 a 15
mg/kg, 2 vezes/dia ou 3 vezes/dia), melatonina (3 mg para raças pequenas e 6 mg para raças grandes, 2
vezes/dia ou 3 vezes/dia) e minoxidil tópico são úteis.

Ataque de Moscas

Este é um problema cosmopolita, causado pela mosca de estábulo, Stomoxys calcitrans (ver p. 813), e
tipicamente acomete cães e equinos. A picada da mosca causa pequenas pápulas que se tornam estrias elevadas
com crostas centrais hemorrágicas pruriginosas. As lesões são notadas nos ápices dos pavilhões auriculares de
cães de orelhas eretas ou sobre a superfície dobrada do pavilhão auricular de cães com orelhas pendentes. Em
equinos, esta mosca pode causar reação de hipersensibilidade ou dermatite grave, resultando em lesões no
tronco dorsal e/ou ventral e face e, adicionalmente, ao pavilhão auricular. O tratamento inclui repelentes contra
moscas, controle da população destes insetos mediante limpeza do ambiente (esterco, adubo etc.) e aplicação de
inseticidas.

Dermatite de Contato

Esta dermatite comumente se instala na face côncava do pavilhão auricular, provavelmente devido à ausência de
pelos. Medicamentos de uso tópico na orelha, particularmente aqueles contendo aminoglicosídios e/ou
propilenoglicol, são causas comuns da afecção em animais tratados para otite externa. As lesões podem se
instalar 5 a 7 dias após o início do tratamento. A dermatite de contato também pode ser decorrência do uso de
pomadas de aplicação transdérmica na parte côncava das orelhas. Os sinais clínicos incluem eritema, edema e
pápulas que podem se unir e formar placas, erosões e/ou ulcerações. O prurido e a dor são variáveis. Raramente
se obtém o diagnóstico definitivo, porque o teste de desafio à droga não é recomendado. A interrupção do uso
de todas as medicações tópicas é o procedimento indicado. Não se recomenda a substituição por outro fármaco
de uso tópico porque a maioria dos produtos apresenta veículos semelhantes, que são a causa da maioria dos
casos.

Dermatite de Pavilhão Auricular

Insetos e parasitos comumente causam dermatite de pavilhão auricular, seja por lesão direta pela picada do
parasito ou como resultado de hipersensibilidade. Carrapatos podem causar irritação no local de aderência;
podem ser encontrados no pavilhão auricular ou no canal auditivo. O carrapato espinhoso do ouvido (Otobius
megnini), encontrado no sudoeste dos EUA, nas Américas do Sul e Central, na África do Sul e na Índia, é um
megnini), encontrado no sudoeste dos EUA, nas Américas do Sul e Central, na África do Sul e na Índia, é um
carrapato de carapaça delicada, cujas formas de larva ou ninfa parasitam o canal auditivo externo de equinos,
bovinos, ovinos, caprinos, veados, coelhos, gatos e cães. Os sinais clínicos envolvem sacudidela de cabeça,
esfregação da cabeça ou ptose de pavilhão auricular. Tanto o animal quanto o ambiente devem ser tratados.
Produtos à base de piretrina/piretroides são efetivos.

Hematoma Auricular

Essas tumefações pequenas a grandes, preenchidas por fluido, se desenvolvem na superfície côncava do
pavilhão auricular de cães, gatos e suínos. A patogênese do desenvolvimento das lesões é desconhecida, mas o
ato de sacudir a cabeça ou coçar o ouvido devido ao prurido está quase sempre envolvido. Em cães, a afecção é
observada nos casos de atopia e alergia alimentar, nas quais os condutos auditivos representam os principais
locais de inflamação alérgica, prurido e infecção secundária. Em suínos, sarna sarcóptica, pediculose e presença
de alimento nas orelhas (proveniente de comedouros instalados acima da cabeça) foram incriminadas como
causa de sacudidela de cabeça que ocasiona hematomas auriculares. Mordidas de outros porcos também podem
ser incriminadas (ver síndrome da orelha necrosada, a seguir). O tratamento é cirúrgico, de modo a permitir a
drenagem. Após drenagem e irrigação, vários pontos de colchoeiro podem ser aplicados para eliminar o espaço
morto. A adição de um dreno, feito com uma sonda mamária, pedaço de cateter urinário ou de cateter de
aplicação intravenosa, aumenta a taxa de sucesso da cirurgia. Drenagem e instilação de glicocorticoide são
eficazes em cerca de 50% dos casos. A drenagem é mais efetivamente obtida pela conexão com um scalp ou
cateter IV. Glicocorticoides são instilados para preencher a cavidade, sem necessidade de causar distensão
cutânea. Um período curto de administração oral de glicocorticoide, em dose anti­inflamatória baixa,
comumente é associado a este tratamento.

Infestação por Ácaros

Infestação por ácaros Sarcoptes scabiei e Notoedres cati é comum em suínos, cães e gatos em todo o mundo
(ver p. 834). Nos EUA, a sarna sarcóptica é rara em equinos, bovinos e ovinos, sendo considerada doença de
notificação obrigatória. Erupções papulares progridem para escamas, crostas e escoriações nas bordas das
orelhas e em outras partes do corpo. O prurido é intenso. A transmissão ocorre por contato direto com animais
infectados ou com fômites contaminados. O diagnóstico baseia­se nos sinais clínicos, no histórico de exposição
e na detecção de ácaros em vários raspados de pele. Raspados negativos não excluem o diagnóstico, pois os
ácaros são frequentemente difíceis de encontrar. Na suspeita de infestação por ácaro deve­se instituir o
tratamento. É muito mais fácil encontrar ácaros em raspados de pele de gatos com sarna notoédrica. As opções
terapêuticas incluem banhos de imersão em óxido de enxofre (seguro em todas as espécies), a cada 5 dias, no
total de 3 a 5 tratamentos; imersões em inseticidas, como o amitraz (apenas em cães), 2 a 3 banhos, com
intervalos de 2 semanas, e 200 a 300 mg de ivermectina/kg VO ou SC, a cada 1 a 2 semanas, no total de 2 a 4
aplicações. A resposta ao tratamento não é consistente quando se utiliza banho de imersão em óxido de enxofre
ou amitraz, em pequenos animais. Desta forma, produtos tópicos não são boas opções para a triagem terapêutica
(ou seja, quando não são encontrados ácaros nos raspados de pele).
A ivermectina é amplamente utilizada no tratamento de sarna sarcóptica em cães e tem sido utilizada para
tratar sarna notoédrica em gatos; contudo, não é aprovada pela FDA para tal propósito. Assim, deve­se ter muito
cuidado e os clientes devem ser informados especificamente sobre os riscos inerentes ao uso dessa droga. Raças
de cães suscetíveis à intoxicação por ivermectina incluem Collie, Shetland Sheepdog, Australian Sheepherd,
English Sheepherd, Longhaired Whippet, Mcnab, Silken Windhound e Old English Sheepdog. Antes de usar
ivermectina em qualquer uma dessas raças deve­se realizar um teste genético para pesquisa de mutação do gene
MDR1, que codifica a glicoproteína­P, um transportador de várias drogas (Atualmente este teste está disponível
na Universidade de Washington). O uso oral de milbemicina oxima foi relatado como sendo seguro e eficaz no
tratamento da sarna sarcóptica canina, mas não é aprovado pela FDA para tal fim. O protocolo de tratamento
recomendado é de 2 mg/kg, 1 vez/semana, no total de 4 doses. A selamectina também se mostrou eficaz no
tratamento de sarna sarcóptica canina. O protocolo recomendado é de 4 aplicações, com intervalos de 2
semanas. Como os ácaros podem sobreviver fora do hospedeiro por um tempo variável, todas as camas, escovas
e fômites também devem ser tratados. Recomenda­se que todos os animais contactantes também sejam tratados,
devido à natureza contagiosa das infecções por ácaros.
Ácaros psorópticos que não escavam causam otite externa pruriginosa em equinos. Por ocasião da consulta os
equinos podem se apresentar balançando a cabeça e com orelha pendente. O diagnóstico é confirmado pela
detecção dos ácaros em raspados de pele ou no exsudato do ouvido, mas pode ser difícil encontrar ácaros no
conduto auditivo. A sarna psoróptica é uma doença de notificação obrigatória em algumas regiões. A
ivermectina, na dose de 200 mg/kg VO, a cada 2 semanas, por 2 tratamentos, tem se mostrado efetiva.

Miscelânea de Doenças
Várias doenças imunomediadas, como pênfigo foliáceo, pênfigo eritematoso, erupção medicamentosa,
necrólise epidérmica tóxica e vasculite imunomediada podem acometer o pavilhão auricular e o conduto
auditivo (ver p. 751). Outras áreas do corpo são tipicamente afetadas, inclusive coxins plantares, membranas
mucosas, junções mucocutâneas, unhas e suas bases e extremidade da cauda. As doenças imunomediadas são
confirmadas por biópsia das lesões primárias (pápulas, vesículas, pústulas, bordas eritematosas de lesões
secundárias), com exame histológico por um dermatoistopatologista.
As extremidades auriculares dobradas adquiridas em gatos são mais frequentemente associadas à terapia
prolongada com glicocorticoide (p. ex., uso diário de preparações oculares ou auriculares). Também, podem ser
causadas por lesão decorrentes de radiação solar. A dobra auricular pode ser irreversível.
Dermatite solar felina ou dermatite actínica é observada mais comumente em gatos brancos ou em gatos
com orelhas brancas que foram cronicamente expostos ao sol. As lesões aparecem primeiramente como eritema
e descamação das extremidades das orelhas, com poucos pelos. Formação de crostas, exsudação e ulceração
podem se desenvolver enquanto a queratose actínica se transforma em carcinoma de célula escamosa. Nos
estágios iniciais da doença, o tratamento consiste em limitar a exposição à luz ultravioleta por meio de
confinamento no interior da casa no horário de 10 h a 16 h e no uso tópico de protetor solar. O carcinoma de
célula escamosa da orelha é tratado mediante excisão cirúrgica, seguida de radioterapia. Se a cirurgia e a
radioterapia não forem uma opção, o tratamento tópico com creme de imiquimod, 2 a 3 vezes/semana, mostrou
resultados promissores.
Necrose trombovascular proliferativa do pavilhão auricular é rara em cães. Não há predileção conhecidas
quanto à raça, sexo ou idade e a etiologia é desconhecida. As lesões, que consistem em pele descamada,
espessada e hiperpigmentada ao redor de uma úlcera necrosante, iniciam no ápice da orelha e se estendem ao
longo da superfície côncava do pavilhão auricular. Por fim, a necrose pode deformar a borda da orelha. Há
relatos anedóticos de que pentoxifilina (10 a 15 mg/kg, 2 a 3 vezes/dia) e/ou combinação de tetraciclina e
niacinamida (250 mg e 500 mg, 3 vezes/dia, para cães < 10 kg e = 10 kg de peso corpóreo, respectivamente)
foram eficazes, em alguns casos.
Condrite auricular foi relatada raramente em gatos e cães. Os sintomas incluem dor, tumefação, eritema e
deformação do pavilhão auricular. Tipicamente, ambas as orelhas são acometidas. Em alguns casos é possível
notar sintomas sistêmicos. Histologicamente, as lesões consistem de infiltrado linfoplasmocítico, basofilia e
perda ou necrose da cartilagem. Tratamento pode não ser necessário se a afecção não for dolorida e não há
sintomas sistêmicos. Relata­se que a administração oral de glicocorticoides foram inefetivos, mas a dapsona (1
mg/kg, 1 vez/dia) induziu remissão dos sinais clínicos, em alguns casos.
Vasculite é uma doença incomum em cães e gatos. As lesões consistem em eritema, úlceras bem delimitadas,
crostas e perda de tecido necrótico. Pavilhões auriculares, cauda e coxins tipicamente são acometidos.
Geralmente é difícil determinar a causa desencadeante, que pode ser imunomediada ou induzida por fármaco,
neoplasia e infecção concomitante, ou pode ser idiopática. O tratamento implica na identificação e eliminação
da causa desencadeante, uso sistêmico de glicocorticoide, tetraciclina e niacinamida, pentoxifilina, dapsona e
ciclosporina ou outros fármacos imunomoduladores.
Ulceração pelo frio pode ser verificada em animais pouco adaptados ao clima frio, sendo mais provável em
condições úmidas ou com vento. Se instala tipicamente nas regiões corpóreas pouco revestidas, incluindo
extremidades das orelhas, patas e cauda. A pele pode se apresentar pálida ou eritematosa, edematosa e dolorida.
Em casos graves, pode ocorrer necrose e descamação do tecido necrosado das extremidades. O tratamento
consiste no aquecimento rápido e cuidadoso e no tratamento de suporte. A amputação das regiões afetadas pode
ser necessária, mas não deve ser realizada até que se determine a extensão de tecido viável.
Celulite juvenil canina é um distúrbio incomum de filhotes de cães, caracterizada por pápulas estéreis,
nódulos e pústulas na face e nos pavilhões auriculares, além de linfadenopatia submandibular. Acomete filhotes
de cães com 3 semanas a 4 meses de idade e raramente animais mais velhos. Animais das raças Golden
Retriever, Gordon Setter e Dachshund parecem mais suscetíveis do que outras raças. Otite externa purulenta é
comum, acompanhada de edema e espessamento das orelhas. Sintomas sistêmicos, como anorexia, letargia e
febre podem ser notados em alguns casos. É possível obter o diagnóstico por biópsia, que mostra infiltrado
inflamatório piogranulomatoso, sem microrganismos, e cultura bacteriana negativa. Recomenda­se tratamento
precoce para evitar a formação de cicatriz. Prednisona ou prednisolona (2 mg/kg VO, fracionada 2 vezes/dia); a
dose deve ser lentamente reduzida após 4 a 6 semanas ou até que a doença esteja inativa. Antibióticos podem
ser necessários para tratar a infecção bacteriana secundária.

Placas Auriculares em Equinos

Essas placas, também conhecidas como acantoma ou papilomas de orelhas, são causadas por um papiloma
vírus. Moscas negras (Simulium spp) representam o vetor mecânico preferencial. Essas moscas são ativas ao
amanhecer e ao anoitecer, quando atacam cabeça, orelhas e abdome ventral de equinos. Clinicamente, as lesões
são caracterizadas por pápulas e placas coalescentes, despigmentadas, hiperceratóticas, localizadas na face
côncava do pavilhão auricular. Frequentemente, ambos os pavilhões são acometidos. Lesões semelhantes podem
estar presentes raramente ao redor do ânus e genitália externa. Em geral, as lesões são assintomáticas, mas, em
alguns casos, o efeito direto da picada da mosca causa dermatite e desconforto. Histologicamente, as lesões são
caracterizadas por hiperplasia epidérmica papilomatosa branda e hiperqueratose acentuada. Grânulos
ceratoialínicos grandes, poiquilocitose e hipomelanose também podem ser notados na epiderme. Partículas
virais intranucleares foram observadas em estudos por microscopia eletrônica. Atualmente não há tratamento
eficaz documentado. Relatos anedóticos sugerem que creme de imiquimod é efetivo no tratamento de placas
aurais. Entretanto, a inflamação grave induzida pelo fármaco torna o uso deste tratamento difícil, sendo
necessária sedação da maioria dos equinos. O protocolo recomendado consiste na aplicação de imiquimod 2 a 3
vezes/semana, com intervalos semanais. Aplicações frequentes de repelentes contra moscas e estabulação dos
equinos durante os horários de alimentação das moscas são medidas importantes para reduzir o desconforto e
prevenir a ocorrência de recidiva. Tipicamente, as lesões não regridem espontaneamente.

Seborreia de Borda de Orelha

Esta afecção é comum em animais da raça Dachshund, apesar de outras raças com orelhas pendulosas serem
afetadas. As lesões geralmente se instalam no ápice do pavilhão auricular de ambos os lados, mas podem
progredir e envolver toda a borda auricular. A causa é desconhecida. As lesões surgem como escamas cerosas
acinzentadas a amareladas que se aderem às hastes dos pelos. Aglomerados de pelos podem ser facilmente
depilados, deixando no local uma superfície clara na pele. Em casos graves, as bordas auriculares apresentam
edema e fissuras. Os achados histológicos incluem hiperqueratose grave e queratose folicular, com folículos
dilatados, preenchidos por restos de queratina. Os diagnósticos diferenciais incluem sarna sarcóptica, alopécia
do pavilhão auricular, necrose trombovascular proliferativa, dermatofitose e ulcerações pelo frio. A
dermatofitose, em particular, pode causar dermatite descamativa auricular em cães, gatos e equinos, mas a borda
auricular tipicamente não é envolvida; outras áreas do corpo geralmente também são infectadas. O tratamento
inclui uso de xampu antisseborreico (p. ex., à base de enxofre, ácido salicílico, peróxido de benzoíla), produtos
ceratolíticos, sulfossuccinato sódico de dioctila e medicamentos sistêmicos que podem auxiliar na normalização
do mecanismo de queratinização (vitamina A e retinoides sintéticos, ácidos graxos essenciais). Glicocorticoides,
de uso tópico ou oral, e pentoxifilina (10 a 15 mg/kg, 2 a 3 vezes/dia) podem ser benéficos quando há
inflamação e fissuras graves.

Síndrome da Necrose Auricular em Suínos (Necrose de orelha, Dermatite auricular

necrosante)

Suínos com síndrome da orelha necrosada apresentam necrose de pavilhão auricular, uni ou bilateral,
apresentam definhamento e comumente desenvolvem artrite séptica ou morrem de sepse bacteriana secundária.
A enfermidade ocorre esporadicamente em suínos em crescimento e desmamados, submetidos a qualquer
sistema de manejo, particularmente quando desafiados por doenças endêmicas que podem influenciar o
consumo de alimento.
ETIOLOGIA, TRATAMENTO E PATOGÊNESE: As causas ainda não foram determinadas, conclusivamente.
Evidência circunstancial sugere que a doença se deve a trauma (briga) e subsequente invasão bacteriana do
tecido lesionado. Outro fator potencial que pode contribuir para a ocorrência da doença é um teor inadequado de
lisina na dieta, embora não haja dados científicos que comprovem tal afirmação.
Os achados histológicos e microbiológicos sugerem que a lesão é erosiva a ulcerativa agressiva e se deve à
infecção bacteriana secundária. Nas fases iniciais da doença, nota­se grande número de Staphylococcus hyicus e
quantidade baixa a moderada de estreptococos beta­hemolíticos no exsudato superficial. Mais tarde, no estágio
ulcerativo e necrosante, grande número de estreptococos é encontrado profundamente na lesão. Aventa­se a
possibilidade de que S. hyicus forma colônias e lesiona o tecido, facilitando a penetração de estreptococos
altamente invasivos que ocasionam danos que originam ulceração e necrose. Esforços para reproduzir a doença
por inoculação experimental desses dois microrganismos fracassaram.
ACHADOS CLÍNICOS, LESÕES E DIAGNÓSTICO: A natureza e a extensão dos sintomas dependem da gravidade da
lesão local e do desenvolvimento de sepse bacteriana secundária. Assim, pode­se notar uma variedade de
sintomas, incluindo definhamento, anorexia, febre, artrite séptica, colapso e morte.
Lesões discretas consistem de escoriações superficiais recobertas por crostas finas secas amarronzadas.
Edema ou eritema brando pode ser verificado próximo às escoriações. Em casos mais graves, crostas marrons,
espessas e úmidas cobrem úlceras profundas. Na maioria dos casos graves ocorre necrose extensa. As lesões
progridem de dermatite superficial discreta à inflamação grave, com exsudação, ulceração, trombose e necrose.
Nos casos brandos, ocorre cura sem perda de tecido auricular; em casos graves, as bordas, as extremidades ou
mesmo todo o pavilhão auricular podem ser perdidos.
O diagnóstico se baseia na aparência das orelhas acometidas.
MANEJO E CONTROLE: Aplicação tópica de tintura de iodo, 2 vezes/dia, durante 1 semana, tem reduzido a
prevalência e a gravidade da doença. Antibacterianos administrados junto com o alimento são efetivos em
alguns rebanhos, mas não em outros. A ineficácia pode ser decorrência de resistência à droga. Em casos de
ineficácia de antibacterianos devem ser coletadas, de modo asséptico, amostras da parte profunda das lesões
ulcerativas para cultivo e antibiograma. Eventos traumáticos devem ser minimizados. As práticas de manejo
(ventilação, posicionamento e funcionamento dos bebedouros, tipo das baias, tamanho dos grupos, mistura de
animais) e o teor apropriado de lisina na dieta devem ser monitorados e corrigidos, caso se detectem
deficiências (ver p. 1906).

OTITE EXTERNA

Otite externa é a inflação aguda ou crônica do epitélio do canal auditivo externo. Pode se desenvolver em
qualquer local, entre a membrana timpânica e o pavilhão auricular. Caracteriza­se variavelmente por eritema,
edema, exsudato ou secreção sebácea aumentada e descamação do epitélio. O canal auditivo pode estar dolorido
ou pruriginoso, dependendo da causa ou da duração da enfermidade. É a doença do canal auditivo mais comum
em cães e gatos, sendo observada ocasionalmente em coelhos (nos quais, em geral, se deve ao ácaro Psoroptes
cuniculi); é incomum em grandes animais. Fatores internos e externos podem induzir diretamente inflamação e
prurido no conduto auditivo. A identificação desses fatores é a chave para o tratamento efetivo.
ETIOLOGIA: As causas de otite externa foram agrupadas em 4 condições. Fatores primários são condições que
causam diretamente a otite. Fatores secundários, como infecções por leveduras e bactérias, exacerbam e
complicam as condições primárias e as perpetuam. Fatores predisponentes são condições que favorecem a
ocorrência de otite em um indivíduo. Fatores perpetuantes tendem a impedir a cura da otite, depois que ela se
instala. Frequentemente, os 4 fatores estão envolvidos, mas cada categoria deve ser identificada e tratada
separadamente. Dessa forma, pode­se estabelecer um prognóstico mais apurado, um plano terapêutico
específico e seguro e, assim, propiciar melhor resultado do tratamento.
Fatores primários incluem parasitos (Otodectes, Psoroptes, Sarcoptes, Demodex spp), corpos estranhos
(sementes de grama, cerume endurecido, medicamentos), neoplasias (adenoma de glândula ceruminosa, pólipos
inflamatórios), hipersensibilidade (dermatite atópica, sensibilidade alimentar, dermatite de contato), distúrbios
de queratinização, hipotireoidismo, doenças autoimunes, celulite juvenil e por irritantes (produtos de limpeza,
pelos arrancados etc.).
Fatores predisponentes frequentemente são congênitos ou ambientais e incluem conformação (porte da
orelha, canal auditivo estreito, excesso de pelos ou de glândulas ceruminosas), maceração do conduto auditivo
por tratamento excessivo ou orelha de nadador e doença sistêmica. Pequenas alterações no microclima auricular
podem alterar o delicado equilíbrio entra as secreções normais e a microflora, resultando em infecções
oportunistas. Qualquer doença que influencia as respostas normais aos patógenos pode predispor o canal
auditivo a infecções oportunistas.
Fatores perpetuantes incluem otite média e alterações patológicas progressivas. Uma vez alterado o
ambiente do conduto auditivo por uma combinação de fatores primários e predisponentes, instalam­se infecções
oportunistas (um fator secundário) e alterações mórbidas, as quais impedem a cura da doença. Enfermidades
auriculares crônicas também podem ocasionar doença cutânea ou sistêmica generalizada. A menos que todas as
causas sejam identificadas e tratadas, pode­se esperar recidiva.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: O quadro clínico e informações detalhadas sobre a história dermatológica
fornecem dados sugestivos da doença primária (p. ex., anomalias genéticas, hipersensibilidade e alteração de
queratinização). O histórico indica se a otite é aguda, crônica ou recidivante. Condições agudas tendem a ser
parasitárias ou causadas por corpo estranho. Condições crônicas sugerem doença neoplásica, alérgica ou
hormonal ou defeito de queratinização. Um exame físico e dermatológico detalhado fornece dados diagnósticos
relacionados com a hipersensibilidade, distúrbios endócrinos, imunomediados e de queratinização que também
afetam o ouvido. O tipo e a resposta à terapia auricular prévia também são importantes. O tratamento
inadequado pode induzir à otite crônica.
A parte externa da orelha deve ser examinada, pesquisando­se a presença de eritema, edema, crostas,
escamas, úlceras, liquenificação, hiperpigmentação ou exsudato. Adicionalmente ao exame otoscópico, devem
ser realizados raspados de pele, exame citológico do exsudato, exame com lâmpada de Wood e cultura para
dermatófitos, em todos os casos.
As orelhas e as regiões periauriculares devem ser inspecionadas quanto à evidência de autotraumatismo,
eritema e lesões cutâneas primárias e secundárias. Deformidades auriculares, tecido hiperplásico no canal
auditivo e sacudidelas de cabeça sugerem desconforto auricular crônico.
Em animais com sintomas unilaterais, primeiramente deve­se examinar o ouvido não afetado de modo a
impedir a contaminação iatrogênica por microrganismos (p. ex., Pseudomonas aeruginosa ou Proteus
mirabilis), que podem estar presentes no ouvido doente. Na verdade, a orelha que não exibe sintomas pode estar
infectada, requerendo um ajuste na lista de diagnóstico diferencial para incluir as causas de otite bilateral.
A doença auricular é tanto dolorida quanto pruriginosa; sendo assim, pode ser necessária sedação profunda ou
anestesia geral para um exame otoscópico detalhado. Isto é especialmente verdadeiro se o canal auditivo está
obstruído por exsudato ou tecido inflamatório proliferativo ou se o animal não colabora. O exame otoscópico
permite a detecção de corpos estranhos profundos na orelha, restos celulares impactados, infecções de baixa
gravidade por Otodectes cynotis e membranas timpânicas anormais ou rompidas.
O exame otoscópico pode ser realizado utilizando­se otoscópio manual ou um otoscópio com vídeo. O
otoscópio manual deve propiciar luz e aumento suficientes para visualização clara do canal externo até a
membrana timpânica. Os cones de otoscopia projetados para uso em cães e gatos estão disponíveis em diversos
tamanhos, para se ajustar nas diferenças anatômicas. Dois tipos de cabeças estão disponíveis. Uma cabeça para
diagnóstico, que tem uma lente de grande aumento, através da qual se vê o canal, é utilizada para exame do
ouvido. Uma cabeça cirúrgica, com uma lente de aumento muito menor, mas com espaço entre a lente e a
conexão com o cone para introdução de um suabe ou outro instrumento. A cabeça cirúrgica é usada quando se
prevê a necessidade de biópsia, de remoção de corpo estranho ou de irrigação profunda do canal.
O otoscópio com vídeo permite um aumento formidável do canal auditivo e da membrana timpânica. Os
achados podem ser registrados em gravador de vídeo ou digital. A maioria apresenta um canal de trabalho
através do qual podem ser passados instrumentos de biópsia, cateter para irrigação e remoção de restos celulares
do conduto e até ponteiras de laser. Os otoscópios de vídeo permitem visualização através de água ou solução
salina e inspeção da integridade da membrana timpânica e facilitam a coleta de amostras para cultura de
material da orelha média.
Durante o exame otoscópico, o canal auditivo deve ser inspecionado quanto a alterações de diâmetro, lesões
da pele, quantidade e tipo de exsudato, parasitos, corpos estranhos, neoplasias e alterações na membrana
timpânica. Deve­se examinar a membrana timpânica quanto à evidência de doença ou ruptura. Entretanto, em
muitos casos de otite, a membrana timpânica não pode absolutamente ser visualizada até que o exsudato seja
delicadamente irrigado e drenado para fora do canal. Amostras para exame citológico e cultura devem ser
obtidas antes da irrigação da orelha. Tenta­se examinar novamente após o ouvido estar seco. Em casos crônicos,
o canal frequentemente encontra­se muito estenosado, tanto por hiperplasia como por edema, para ser
examinado. Glicocorticoides sistêmicos, fornecidos diariamente por 1 semana, podem reduzir suficientemente a
tumefação para permitir o exame.
O exame citológico do exsudato ou do cerume retirado do conduto auditivo horizontal pode fornecer
informação diagnóstica imediata. Os canais auditivos externos da maioria dos cães e gatos abrigam pequeno
número de cocos gram­positivos comensais. Esses microrganismos podem se tornar patogênicos se o
microambiente for alterado de forma a favorecer seu crescimento excessivo. O exsudato obtido em um aplicador
com extremidade de algodão pode ser depositado por rolamento sobre uma lâmina de vidro, fixado pelo calor,
corado com um corante rápido em 3 etapas ou com corante de Wright modificado e examinado ao microscópio.
Inicialmente os esfregaços devem ser examinados em pequeno aumento e, em seguida, sob grande aumento
(preferencialmente usando óleo de imersão) quanto ao número e a morfologia de ceratinócitos, bactérias,
leveduras e leucócitos; evidência de fagocitose de microrganismos; hifas fúngicas e células acantolíticas ou
neoplásicas.
Um esfregaço corado pode indicar rapidamente se há crescimento microbiano exagerado. Bactérias em forma
de cocos geralmente são estafilococos e estreptococos. Microrganismos na forma de bastonetes geralmente são
Pseudomonas aeruginosa, Escherichia coli ou Proteus mirabilis; sua ocorrência em grande número indica que
deve ser realizada cultura bacteriana e antibiograma, devido sua conhecida resistência a vários antimicrobianos.
A presença de muitos neutrófilos fagocitando bactérias confirma a natureza patogênica desses organismos.
Pequena quantidade da levedura Malassezia pachydermatis é encontrada nos canais auditivos de muitos cães
e gatos normais. Como as leveduras colonizam a superfície do canal auditivo, elas são mais facilmente
encontradas aderidas a agregados de células epiteliais escamosas esfoliadas. M. pachydermatis é identificada
prontamente ao exame microscópico e sua quantidade é facilmente determinada. Não deve haver mais do que 2
a 3 microrganismos por campo, em grande aumento, ou qualquer agregado de células em um ouvido sadio.
Quando leveduras não identificadas ou são observadas hifas em número significativo em esfregaços citológicos,
a espécie deve ser identificada por meio de cultura. São comuns infecções bacterianas concomitantes,
especialmente aquelas causadas por cocos gram­positivos.
Um exsudato escuro no canal geralmente sinaliza a presença de Malassezia spp ou de um parasito, mas pode
também ser visto com uma infecção bacteriana ou infecção mista. Adicionalmente à citologia em esfregaço
colorido, o exsudato auricular deve ser examinado quanto à presença de ovos, larvas ou do ácaro adulto de
ouvido Otodectes cynotis, em cães e gatos, e de Psoroptes cuniculi, em coelhos e caprinos. Os esfregaços são
feitos combinando cerume e secreção auricular à pequena quantidade de óleo mineral, sobre uma lâmina de
vidro. Uma lamínula deve ser utilizada e o esfregaço deve ser examinado em pequeno aumento. Raramente,
uma otite externa ceruminosa refratária pode estar associada à proliferação local de Demodex sp nos canais
auditivos externos de cães e gatos, podendo ser a única área do corpo afetada.
Amostras para cultura microbiana são colhidas antes de se completar a otoscopia e antes de qualquer limpeza
local. As amostras para cultura devem ser colhidas com suabe estéril a partir do canal horizontal (região onde a
maioria das infecções se origina) ou da orelha média em casos de ruptura timpânica. Devem ser realizados
cultura bacteriana, antibiograma e estabelecimento da concentração inibitória média (CIM) do antibiótico.
Alterações histopatológicas associadas à otite externa crônica são, frequentemente, inespecíficas. Evidência
histopatológica de resposta de hipersensibilidade pode justificar a recomendação de teste alérgico intradérmico
ou de um teste dietético hipoalergênico. Adicionalmente, biópsias de animais com otite externa crônica,
obstrutiva e unilateral podem revelar se há alterações neoplásicas.
Radiografia da bulha óssea é indicada quando tecidos proliferativos impedem a visualização adequada da
membrana timpânica, quando há suspeita de que a otite média seja causa de recidiva de otite externa bacteriana
e quando a otite externa é acompanhada de sintomas nervosos. Densidades fluidas e proliferativas ou alterações
ósseas líticas são evidências de envolvimento da orelha média. Infelizmente, radiografias são normais em
muitos casos de otite média. Tomografia computadorizada ou ressonância magnética, se disponíveis, devem ser
realizadas em caso de otite crônica grave.
TRATAMENTO: As causas primárias e os fatores predisponentes e perpetuantes devem ser identificados e
corrigidos. Deve­se fazer tricotomia da área periauricular e os pelos do canal auditivo devem ser removidos para
melhorar a ventilação, facilitar a limpeza e secar os canais, bem como para melhorar a adesão do proprietário às
recomendações terapêuticas.
Medicamentos tópicos são inativados por exsudatos e o cerume excessivo pode impedir que eles alcancem o
epitélio. As orelhas devem ser delicadamente limpas e secas, antes do início do tratamento. Em animais com dor
auricular, a limpeza apropriada requer anestesia geral. Há diversos produtos disponíveis para uso para otite
limitada ao canal externo. As orelhas podem ser irrigadas com solução antibacteriana de limpeza (clorexidina ou
iodo­povidona) ou com solução salina, se o material apresenta consistência fluida. Material espesso, seco,
ceroso requer o uso de solução ceruminolítica, como peróxido de carbamida ou sulfossuccinato sódico de
dioctila (DSS). O uso deste último deve ser sempre seguido de irrigação abundante com solução salina morna,
após a remoção de todos os restos celulares, para a remoção do agente de limpeza. Se a membrana timpânica
estiver rompida, detergentes e DSS são contraindicados. Produtos para limpeza mais brandos (p. ex., solução
salina, salina com iodo­povidona, Tris­EDTA) devem ser usados para lavar a orelha.
O tratamento medicamentoso deve ser simples e específico. As causas contribuintes devem ser tratadas
especificamente e de modo intensivo. No tratamento da otite externa bacteriana aguda, antibacterianos em
combinação com corticosteroides podem ser utilizados para reduzir exsudação, dor e tumefação, bem como para
diminuir as secreções glandulares. Deve­se utilizar o corticosteroide menos potente capaz de reduzir a
inflamação (ver p. 2316). Animais com otite externa bacteriana recidivante e histórico de infecção por
Otodectes cynotis devem ser tratados com um produto tópico que contenha drogas antibacterianas e
antiparasitárias, a fim de assegurar a eliminação de infecções parasitárias de baixo grau não detectadas. Os
parasitos também podem infectar locais extra­auriculares. Um parasiticida geral tópico ou sistêmico é o
medicamente mais efetivo em casos recidivantes confirmados ou suspeitos.
A terapia tópica deve se basear na característica da doença. O medicamento ideal e aplicado apropriadamente
recobre o epitélio do canal auditivo externo, como um filme delgado. Soluções ou loções não oclusivas devem
ser utilizadas para otite externa exsudativa aguda ou crônica e em lesões proliferativas. Pomadas oclusivas à
base de óleo devem ser reservadas às lesões descamativas e secas no interior dos canais auditivos. Alterações
cutâneas dos canais auditivos durante o tratamento podem indicar reação de irritação por contato a um veículo
ou base e o medicamento deve ser substituído.
Medicações irritantes devem ser evitadas. Elas causam edemaciação do revestimento do canal auditivo e
aumento das secreções glandulares, que predispõem a infecções oportunistas. Substâncias que geralmente não
são irritantes aos canais auditivos normais podem causar irritação naqueles já inflamados. Isto é particularmente
verdadeiro para o propilenoglicol. Produtos na forma de pó, como aqueles utilizados após a extração dos pelos
do canal, podem formar concreções irritantes no interior do conduto auditivo e não devem ser utilizados.
A terapia sistêmica deve ser incluída ao regime terapêutico na maioria dos casos de otite crônica e em
qualquer caso suspeito de otite média. Em casos de atopia grave ou de seborreia idiopática, podem ser
necessários corticosteroides sistêmicos para controlar a inflamação. Falha em se utilizar terapia antimicrobiana
sistêmica é um fator de perpetuação importante de otite crônica em cães. Antibióticos sistêmicos devem ser
utilizados quando se constatam neutrófilos ou bactérias bastonetes no exame citológico, em casos de falha
terapêutica de drogas antimicrobianas de uso tópico, de infecções auriculares recidivantes crônicas e em todos
os casos de otite média (ver p. 2192).
A duração do tratamento varia de acordo com o caso, mas a terapia deve ser mantida até que a infecção tenha
cedido (frequentemente = 12 semanas). Animais com infecções bacterianas e por leveduras devem ser
submetidos ao exame físico e exame citológico semanalmente ou em semanas alternadas, até que não haja mais
evidência de infecção. Na maioria dos casos agudos isso demora 2 a 4 semanas. A cura dos casos crônicos
podem demorar meses; em alguns casos, o protocolo terapêutico deve ser mantido indefinidamente. Animais
com Otodectes cynotis ou Psoroptes cuniculi devem receber tratamento parasiticida apropriado nos ouvidos e
sobre todo o corpo por, no mínimo, 2 a 4 semanas. As infestações por Otobius megnini são mais bem tratadas
por meio da remoção manual dos carrapatos, seguida da aplicação de uma preparação auricular
acaricida/corticosteroide.
Pseudomonas (otite causada por Pseudomonas aeruginosa) e Staphylococcus intermedius resistente à
meticilina têm se destacado como causas perpetuantes e frustrantes de otite, devido ao desenvolvimento de
resistência aos antibióticos mais comuns. Essas infecções frequentemente têm curso crônico (> 2 meses) e estão
associadas a intensa exsudação supurativa, ulceração epitelial grave, dor e edema do canal auditivo. O
tratamento efetivo é multifacetado e deve incluir os seguintes passos: (1) identificar e tratar a causa primária da
otite; (2) remover os exsudatos e secar o canal; (3) identificar e tratar a otite média concomitante; (4) selecionar
o antibiótico apropriado a partir dos resultados de cultura e da concentração inibitória mínima do microrganismo
e utilizar dose efetiva por um período apropriado; e (5) instituir tanto aplicação tópica quanto sistêmica, até que
haja cura da infecção (semanas a meses).
O melhor tratamento para otite crônica é a prevenção. Adicionalmente à identificação da causa da otite aguda,
a escolha de medicamentos tópicos e/ou sistêmicos deve se basear no exame citológico ou na cultura; devem ter
espectro estreito e ser específicos para a infecção em questão. Os antibióticos aminoglicosídios e as
fluorquinolonas não devem ser utilizados, a não ser que absolutamente necessários para um tratamento bem­
sucedido, mas são os produtos mais comuns em preparações auriculares de uso tópico. Como vários produtos
tópicos contêm uma combinação de glicocorticoide, antibiótico e antifúngico, é imperativo orientar o
proprietário sobre o uso apropriado (frequência e duração). Muitos proprietários interrompem o tratamento
quando “o ouvido parece melhor”, antes da cura da infecção. Os antibióticos fluorquinolona e polimixina B têm
mostrado melhor taxa de sucesso no controle de infecções por Pseudomonas, em casos nos quais se verificou
resistência no antibiograma. Entretanto, está surgindo resistência às fluorquinolonas.
CUIDADOS DE MANUTENÇÃO: Os proprietários devem ser orientados sobre como limpar apropriadamente as
orelhas. Em geral, a frequência de limpeza diminui com o tempo, desde diariamente até 1 ou 2 vezes/semana,
como procedimento de manutenção preventiva. Os canais auditivos devem ser mantidos secos e bem ventilados.
O uso de adstringentes tópicos em cães que nadam frequentemente e a prevenção da entrada de água nos canais
auditivos durante o banho devem minimizar a maceração do canal auditivo. A maceração crônica prejudica a
função de barreira da pele, o que predispõe à infecção oportunista. Adstringentes auriculares preventivos podem
reduzir a frequência de infecções bacterianas ou micóticas em canais auditivos úmidos. O corte dos pelos do
interior da orelha e ao redor do meato auditivo externo e sua depilação em condutos auriculares com pelos
abundantes facilitam a ventilação e reduz a umidade nas orelhas. Entretanto, os pelos não devem ser
rotineiramente removidos do canal auditivo se não estiverem causando problema, pois isso pode induzir uma
reação inflamatória aguda.

OTITES MÉDIA E INTERNA

A otite média, inflamação das estruturas da orelha média, acomete pequenos e grandes animais domésticos,
inclusive cães, gatos, coelhos, ruminantes, equinos, suínos e camelídeos. Pode ser unilateral ou bilateral e afetar
animais de todas as idades. Apesar de serem tipicamente esporádicos, os surtos são possíveis em animais
criados em rebanhos. A otite média geralmente resulta da extensão da infecção do canal auditivo externo através
da membrana timpânica ou por migração de microrganismos da faringe através da tuba auditiva.
Ocasionalmente, a infecção se estende da orelha interna para a orelha média por via hematógena. A otite média
primária foi relatada em algumas raças de cães, particularmente Cavalier King Charles Spaniel. A otite média
não tratada pode progredir para otite interna (inflamação das estruturas auriculares internas) ou ruptura de
membrana timpânica intacta, com otorreia ou otite externa subsequente.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Os sintomas de otite média incluem sacudidelas de cabeça, esfregação ou
coceira da orelha acometida e inclinação ou rotação da cabeça em direção ao lado afetado; o autotraumatismo
pode ocasionar hematoma auricular. Quando a otite externa (ver p. 482) acompanha otite média, o canal
auditivo externo pode parecer inflamado e conter secreção anormal. O pavilhão auricular ou o canal auditivo
pode estar dolorido e os pelos ao redor da base da orelha podem estar úmidos ou emaranhados. Como os nervos
faciais (nervo craniano VII) e simpáticos atravessam o orelha média, animais com otite média frequentemente
exibem sintomas de paralisia do nervo facial (p. ex., ptose de orelha e de lábio, colapso da narina) e/ou
síndrome de Horner (p. ex., miose, ptose, enoftalmia e protrusão da membrana nictitante) no mesmo lado da
orelha acometida. Podem se desenvolver queratite de exposição e úlcera de córnea. Com a paralisia facial, o
filtro nasal ou o lábio pode ser desviado no sentido oposto ao lado afetado. Esses sintomas auxiliam na distinção
entre otite média e otite externa simples.
Na otite interna, a inflamação prejudica a função do nervo vestibulococlear (nervo craniano VIII), resultando
em perda auditiva e sintomas de doença vestibular periférica, como desvio e rotação de cabeça, andar em
círculos, inclinação ou queda em direção ao lado afetado, incoordenação geral ou nistagmo horizontal
espontâneo com a fase rápida no sentido oposto ao lado acometido. A extensão da infecção do orelha interna ao
cérebro ocasiona meningite, meninoencefalite ou abscesso e os sintomas referentes a tais condições. Em
equinos, a otite média/interna grave pode resultar em fusão e fratura da articulação tímpano­hioide. A extensão
da linha de fratura para o calvário pode ocasionar disseminação intracraniana da infecção ou causar hematoma e
morte.
Enquanto os animais com otite média e/ou interna geralmente são alertas, sem febre e com bom apetite,
aqueles com meningite ou meningoencefalite geralmente apresentam depressão, febre e inapetência. O principal
diagnóstico diferencial para otite média/interna em ruminantes é listeriose. Entretanto, a listeriose pode infectar
nervos cranianos, além dos nervos VII e VIII, causando sintomas como disfagia ou perda da sensação facial e os
animais infectados geralmente manifestam depressão.
Otite média e interna são diagnosticadas presuntivamente com base no histórico e nos sintomas. No caso de
histórico de aleitamento artificial ou alimentação com leite contaminado a neonatos, doença respiratória prévia
ou concomitante, infecção crônica de ouvido ou corpo estranho auricular, juntamente com sintomas típicos de
otite média/interna, deve­se realizar prontamente o exame do canal auditivo. A otite média é confirmada pela
visualização de abaulamento, descoramento ou membrana timpânica rompida. Embora em muitos casos a
membrana timpânica possa ser visualizada utilizando­se um otoscópio simples, a anatomia do canal auditivo
impede a visualização em algumas espécies, como em equinos e lhamas. Endoscopia ou otoscopia com vídeo é
uma abordagem alternativa. Os métodos de imagem auxiliam no diagnóstico e na avaliação da gravidade da
lesão. A radiografia pode detectar alterações ósseas da bula timpânica e fluido na cavidade timpânica, desde que
sejam utilizados posicionamento e técnica, corretamente. Entretanto, TC e RM são mais sensíveis e são os
métodos preferidos, quando possível. Em alguns casos, o diagnóstico é definido apenas durante a necropsia,
usando técnicas especiais para expor a região timpânica. O diagnóstico de otite média/interna clínica em uma
orelha deve sempre induzir ao exame da outra orelha para determinar se há otite subclínica.
TRATAMENTO E PROGNÓSTICO: O tratamento de otite média/interna é mais efetivo quando iniciado
precocemente. Casos crônicos são frequentemente refratários ao tratamento ou ocasionam recidivas após
aparente cura. Quando a otite externa acompanha otite média/interna, o ouvido deve ser examinado
detalhadamente quanto à presença de ácaros e corpos estranhos, como arestas de plantas, e deve­se coletar
secreção para cultura bacteriana. Muitas bactérias aeróbicas e anaeróbicas isoladas de orelhas de animais com
otite média/interna e de infecções mistas são comuns. Patógenos que devem ser considerados devido sua
frequência de isolamento incluem Malassezia spp e Pseudomonas spp, em pequenos animais; Streptococcus
suis, em suínos; Streptococcus spp, em equinos; Mycoplasma spp, em caprinos, e Mannheimia haemolytica,
Pasteurella multocida, Histophilus somni e Mycoplasma bovis, em bovinos. M. bovis é particularmente
problemático em bezerros leiteiros alimentados com leite de descarte não pasteurizado de vacas com mastite.
Entretanto, outros patógenos, como bactérias coliformes, Staphylococcus spp, Neisseria spp, corinebactérias e
Arcanobacteriumpyogenes são isolados frequentemente de orelhas dos animais acometidos. O isolamento de
bactéria(s) patogênica(s) ou de ácaros de orelha auxilia no direcionamento inicial, mas não necessariamente
indica a causa da otite média/interna, uma vez que estes mesmos microrganismos podem ser isolados dos canais
auditivos externos de animais aparentemente sadios.
(A) Labirinto membranoso, orelha interna, cão. (B) Ouvido externo, cão. Ilustração de Gheorghe Constantinescu.

Estruturas profundas da bulha timpânica e da membrana timpânica em gato. Ilustração de Gheorghe Constantinescu.

Ácaros de orelha, quando presentes, devem ser tratados com antiparasitário sistêmico apropriado (ver p.
2196). Acaricidas de uso tópico podem ser instilados no interior do canal auditivo externo, desde que esteja
limpo. A infecção bacteriana deve ser tratada com antibióticos sistêmicos apropriados (ver p. 2192), com base
nos resultados da cultura bacteriana e no antibiograma, se possível. Quando a cultura não é possível porque a
membrana timpânica está intacta, inicia­se tratamento antimicrobiano de amplo espectro, com base nos
patógenos causadores mais prováveis para a espécie animal em tratamento. Pode ser necessário tratamento de
longa duração, particularmente em casos subagudos ou crônicos. Nos EUA, não há qualquer antimicrobiano
formulado para o tratamento da otite média/interna em animais de produção; assim, deve adotar o uso extra­
bula, mas os fármacos proibidos devem ser evitados.
Otite média­interna em equino (radiografia). Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.

Além do tratamento antimicrobiano e/ou anti­helmíntico, o canal auditivo externo deve ser limpo e irrigado
quando há otorreia ou otite externa. Soluções fisiológicas salinas ou antissépticas diluídas, como iodo,
clorexidina ou peróxido de hidrogênio são comumente utilizadas para lavagem. Esteroides ou AINE podem
auxiliar na redução da inflamação e da dor associadas à otite média/interna. Úlcera de córnea, oto­hematoma e
infecções concomitantes devem ser tratadas apropriadamente, se presentes, e o animal protegido de novos
autotraumatismos.
Se a membrana timpânica estiver intacta e a otite média/interna não responder adequadamente ao tratamento
antimicrobiano e anti­inflamatório sistêmico pode­se realizar miringotomia (perfuração da membrana
timpânica) para aliviar a pressão e permitir a cultura e a drenagem do fluido da cavidade timpânica. Entretanto,
a miringotomia pode resultar em perda auditiva permanente e sua eficácia não é bem documentada em animais.
Em caso de otite média/interna crônica, recidivante ou não responsiva pode ser necessária osteotomia da bulha,
ressecção do canal auditivo lateral ou ablação total do canal auditivo para estabelecer drenagem suficiente e
permitir lavagem efetiva. Tubos de timpanostomia podem ser implantados no interior da membrana timpânica
após miringotomia para permitir drenagem contínua em cães da raça Cavalier King Charles Spaniel com otite
secretória primária, mas não são efetivos para drenagem de exsudato mais purulento.
Diagnóstico e tratamento precoces de otite média/interna podem resultar em cura completa da infecção e dos
sinais clínicos. Entretanto, em casos graves, crônicos ou não responsivos, os clientes devem ser orientados de
que a perda auditiva e as deficiências neurológicas podem persistir mesmo se a infecção seja debelada.

SURDEZ
Surdez – ausência da percepção do som – e capacidade auditiva diminuída são comuns em cães e gatos e, em
menor extensão, em outras espécies. A surdez pode ser hereditária ou adquirida e sensorioneural ou condutiva.
A surdez hereditária, que geralmente ocorre em cães com genes merle ou piebald e em gatos de pelagem
branca, acomete um ou ambos os ouvidos e frequentemente está associada a olhos azuis e pelagem branca. A
surdez associada à pigmentação também acomete equinos, bovinos, suínos e outras espécies. Esta é a causa
mais comum de surdez em cães e gatos e deve ser o primeiro diagnóstico diferencial considerado em um animal
com pigmentação branca. A doença surge 1 a 3 semanas após o nascimento, devido à degeneração da estria
vascular resultante da supressão de melanócitos pelo gene do pigmento, ocasionando degeneração
cócleossacular neuronal. Animais com surdez unilateral podem não ser detectados sem que se faça um teste de
resposta evocada auditiva de tronco cerebral (REATC), mas representa maior risco de surdez aos descendentes,
caso sejam acasalados. A herança não é autossômica simples.
Surdez congênita (geralmente hereditária) foi relatada em 90 raças de cães, sendo especialmente prevalente
nas raças portadoras do gene piebald, como Dálmata, Bull Terrier, Australian Cattle Dog, English Setter, Setter
Inglês, Cocker Spaniel Inglês, Boston Terrier e Parson Russel Terrier e nas diferentes raças Collie e Pastor que
carreiam o gene merle. Gatos brancos (gene branco dominante), especialmente aqueles com olhos azuis,
apresentam alta prevalência de surdez, mas gatos de olhos azuis de raças siamesas não parecem acometidos. Um
teste para genotipagem de carreadores merle está disponível, mas atualmente não há teste de DNA disponível
para identificar portadores de surdez genética em cães ou gatos; assim, o teste REATC e adequada seleção de
animais para reprodução são as únicas opções disponíveis para reduzir a prevalência nestas raças. Não há
evidência de surdez genética de manifestação tardia em animais.
Surdez de condução resulta da obstrução ou redução da quantidade de som que atinge a cóclea, geralmente
devido à otite média (ver p. 486), otite externa crônica (ver p. 482) ou excesso de cerume e, menos comumente,
à ruptura timpânica ou lesão ao ossículo. A resolução da obstrução ou da lesão tecidual geralmente propicia
recuperação da audição. A recuperação após otite média pode requerer semanas, enquanto o corpo fagocita os
resíduos da infecção. A otite média secretora primária (“orelha de cola”), especialmente em cães Cavalier King
Charles Spaniel, provoca surdez de condução persistente, que pode ser tratada por meio de miringotomia ou
tubos de timpanostomia.
A surdez sensorioneural se deve à perda irreversível de células nervosas cocleares em mamíferos. A surdez
sensorioneural adquirida pode ser resultado de infecções ou toxinas intrauterinas, otite interna ou meningite,
trauma mecânico ou ruído, ototoxicidade, anestesia, neoplasias ou senilidade (presbicose). A perda pode ser uni
ou bilateral e parcial ou completa. A otite interna (ver p. 486) frequentemente é acompanhada de sintomas
vestibulares, como rotação e desvio da cabeça (head tilt) e andar em círculos. Os cães expostos a sons
percussivos altos, como armas de fogo, podem apresentar perda cumulativa, inicialmente despercebidas. Isso é
observado com frequência em cães de caça, nos quais a distância em que um cão treinado responde ao comando
diminui pela metade, ou menos.
Vários fármacos e outros produtos químicos são ototóxicos e vestibulotóxicos, especialmente os antibióticos
aminoglicosídios (gentamicina, canamicina, neomicina, estreptomicina), silicilatos, diuréticos e antissépticos
(clorexidina). A toxicidade é permanente. A toxicidade dos aminoglicosídios é a mais comum e atua através de
espécies reativas ao oxigênio. Estudos em pessoas mostraram que a administração simultânea de ácido
acetilsalicílico ou N­acetilcisteína atenua a toxicidade, mas não se sabe se o tratamento pós­exposição é útil.
Sons de altas frequências são afetados primeiro, retardando a detecção da toxicidade, que pode surgir semanas
após a interrupção do tratamento. Cães ou gatos submetidos à anestesia geral para limpeza de orelha ou dentes
ocasionalmente “acordam” com surdez bilateral, mas os mecanismos são desconhecidos. Há poucos relatos de
procedimentos em outras regiões do corpo, além de boca e orelha, e não há relato de surdez unilateral
decorrente de procedimentos anestésicos.
Muitos animais geriátricos desenvolvem presbicose. Sons de altas frequências são acometidos primeiro,
seguidos de perda progressiva de todas as frequências. A perda pode parecer uma manifestação aguda, mas
reflete a inabilidade do animal, por fim, para compensar a perda progressiva que se desenvolveu há algum
tempo. Não parece haver diferença na prevalência quanto ao sexo. A manifestação tipicamente ocorre no último
terço da expectativa de vida da raça e progride até surdez completa se o animal vive por tempo suficiente.
Animais com surdez unilateral exibem sintomas insignificantes, primariamente a incapacidade em localizar a
origem de sons e de se orientar por meio do ouvido normal, mas muitos rapidamente compensam e não exibem
nenhum sintoma. Os movimentos de orientação das orelhas persistem em animais com surdez unilateral.
Animais com surdez bilateral não respondem aos estímulos sonoros, mas se tornam peritos em ter maior atenção
a outras sensações, como visão e vibrações. Filhote de ninhadas também fica alheio ao comportamento dos
demais animais da ninhada. Criadores de raças com alta prevalência frequentemente optam por realizar
eutanásia de animais com surdez bilateral (e castrar pacientes com surdez unilateral) devido à frequente baixa
qualidade de vida e imposições de se possuir um cão surdo, como mordeduras por susto. Cães com surdez
bilateral podem ser criados com sucesso, mas é necessária maior dedicação do que o normal. Proprietários de
cães surdos devem ser aconselhados a proteger seus animais de perigos não detectados, como veículos
automotivos.
Cães que perdem a audição tardiamente na vida parecem lidar bem com isso, mas ocasionalmente exibem
comportamento transitório sugestivo de sensações auditivas semelhantes a zumbido em pessoas. Não há
evidência de que animais surdos apresentem dor ou desconforto devido a tal condição.
A detecção de surdez é mais acurada com o teste REATC em centros de referência, mas tipicamente o teste
comportamental é empregado na clínica geral. Observa­se a resposta a um estímulo sonoro fora do campo visual
do animal. Limitações incluem inabilidade em detectar surdez unilateral, detecção do estímulo através de outros
sentidos, respostas bruscas em animais estressados e respostas falhas devido à falta de novidade em estímulos
repetidos. A falha de um animal adormecido em acordar por um estímulo auditivo que não ativa outros sentidos
é indicador confiável de surdez bilateral.
Exame otoscópico da orelha externa e do tímpano, radiografia da bulha timpânica e exame neurológico
podem revelar a causa, especialmente de surdez por condução, que geralmente responde a tratamento
medicamentoso ou cirúrgico apropriado. A intervenção precoce de ototoxicidade pode reduzir ou reverter a
perda, mas geralmente não é bem­sucedida. Uma vez desenvolvida, a surdez sensorioneural não pode ser
revertida e sua causa não pode ser determinada. Surdez congênita em raças com pigmentação branca é quase
sempre de origem genética.

TUMORES DO CANAL AURICULAR

Os tumores do canal auricular podem se desenvolver a partir de qualquer estrutura que recobre ou dá suporte ao
canal auricular, inclusive epitélio escamoso, glândulas sebáceas ou ceruminosas ou tecidos mesenquimais. Os
tumores malignos originados do canal auditivo externo e do pavilhão auricular são mais comuns em gatos do
que em cães.
Embora a causa precisa das neoplasias do canal auditivo seja desconhecida, diversas teorias foram postuladas.
A inflamação crônica do canal auditivo pode ocasionar hiperplasia, seguida de displasia e, finalmente,
neoplasia. A degradação bacteriana de ácidos graxos e outros produtos presentes em secreções apócrinas
espessadas originadas em glândulas ceruminosas hiperplásicas durante episódios de otite externa também
podem estimular a carcinogênese no canal auditivo. Pólipos nasofaríngeos felinos, que não são um crescimento
neoplásico, podem ser congênitos ou decorrentes de infecções bacterianas crônicas da bula, resultantes de
infecções do trato respiratório superior. Não foram isolados vírus nos tecidos de pólipos, em gatos.
Em cães da raça American Cocker Spaniel há maior prevalência de tumores benignos e malignos de canal
auditivo, quando comparados a outras raças. A densidade de tecido glandular no canal auditivo desta raça pode
ser a razão. Gatos de meia­idade ou mais velhos são predispostos a neoplasias benignas e malignas do canal
auditivo, enquanto gatos jovens (3 meses a 5 anos) são mais propensos a desenvolver pólipos nasofaríngeos. Os
sintomas de tumor do canal auditivo incluem secreção auricular unilateral crônica (ceruminosa, purulenta,
mucoide ou hemorrágica) e odor necrótico, sacudidelas de cabeça e esfregação da orelha. Frequentemente,
hematomas auriculares resultam da sacudidela da cabeça associada ao tumor de canal auricular. Como
consequência, podem surgir abscessos drenantes na região parotídea abaixo do ouvido acometido. Se houver
envolvimento do orelha média ou interno, é possível notar sintomas nervosos, inclusive surdez, sintomas
vestibulares (p. ex., balanço da cabeça, ataxia, nistagmo), paralisia ou paresia de nervo facial (ptose facial,
salivação e ptose labial), síndrome de Horner (ptose palpebral, miose e rotação do globo para dentro) e
protrusão ocasional da terceira pálpebra. Em qualquer caso de otite unilateral refratária ao tratamento deve­se
suspeitar de neoplasia de canal auditivo ou de orelha média.
Os tumores de canal auditivo em cães são mais propensos a serem benignos do que malignos. Os gatos
apresentam maior incidência de tumores auriculares malignos. As neoplasias auriculares mais comuns em cães
são os tumores de glândula sebácea, histiocitomas e mastocitomas. Em gatos, as neoplasias auriculares comuns
incluem carcinomas de célula escamosa, tumores de célula basal, hemangiossarcomas e tumores melanocíticos.
Os tumores de canal auditivo externo mais comumente relatados em cães são adenomas e adenocarcinomas de
glândula ceruminosa. Outras neoplasias de canal auditivo externo de cães relatadas incluem pólipos
inflamatórios, papilomas, adenomas de glândula sebácea, histiocitomas, plasmocitomas, melanomas, fibromas,
carcinomas de célula escamosa e hemangiossarcomas. Os tumores de canal auditivo externo mais comumente
relatados em gatos são pólipos nasofaríngeos, carcinomas de célula escamosa e adenocarcinomas de glândula
ceruminosa. Linfomas, fibrossarcomas e carcinomas de célula escamosa são ocasionalmente observados no
orelha média ou interno de cães e gatos (ver p. 858)
Neoplasias de Glândula Ceruminosa

(Adenocarcinoma, Adenoma de glândula ceruminosa)


Tumores da glândula ceruminosa são melhor visualizados em uma orelha sem cobertura gordurosa e limpa,
utilizando­se um otoscópio com vídeo. Esses tumores podem ser pedunculados ou de base ampla, mas se
originam acima da superfície epitelial. Podem ter aparência lisa ou multilobulada. Em raças diferentes de
Cocker Spaniel americano, frequentemente esses tumores são primários no canal auditivo vertical. No American
Cocker Spaniel, esses tumores se instalam principalmente no canal horizontal. As amostras de biópsia do canal
auditivo, quando apropriadamente colhidas, podem fornecer informações úteis. Entretanto, biópsias superficiais
do canal auditivo frequentemente são relatadas como pólipos, com tecido de granulação recoberto por epitélio.
Biópsias em bloco profunda do mesmo tecido geralmente indicam são relatadas corretamente como tumores.
TC ou RM pode ser muito útil na avaliação mais completa da bulha timpânica e na determinação da extensão da
invasão tumoral, especialmente em neoplasias malignas.
A remoção cirúrgica de tumores benignos do canal auditivo pode ser realizada por meio da ressecção da face
lateral do canal auditivo para acessar a massa tumoral. A cirurgia a laser, especialmente quando usada com
auxílio de otoscópio com vídeo, tornou a remoção intra­auricular desses tumores relativamente fácil, sem
necessidade de abertura cirúrgica do canal. A ablação total do canal auditivo e osteotomia da bulha é a única
cirurgia recomendada para remoção de tumores malignos de orelha média. Em neoplasias malignas, a ressecção
do canal auditivo lateral está associada à taxa de recidiva > 75%. O tempo médio de sobrevida dos animais com
tumores malignos de canal auditivo foi relatado como sendo > 58 meses, em cães, e > 11,7 meses, em gatos. O
prognóstico em cães com envolvimento tumoral extensivo é menos favorável. Radioterapia pode ser utilizada
para tratar adenocarcinoma de glândula ceruminosa extirpado em cães e gatos, sendo relatada sobrevida de 1
ano em 56% dos casos.

Pólipos Nasofaríngeos

Pólipos nasofaríngeos são crescimentos inflamatórios de tecido conjuntivo, incomuns, benignos, lisos, de
coloração rósea, com aspecto carnudo, pedunculados, verificados no canal auditivo externo de gatos jovens. Se
originam do recobrimento mucoso da bulha timpânica, mucosa faríngea ou tubo auditivo. Esses pólipos podem
ser congênitos ou podem resultar de otite média bacteriana crônica, comumente detectada em gatos com doença
respiratória do trato superior. São encontrados raramente em cães.
O diagnóstico envolve sedação e exame otoscópio profundo do canal auditivo horizontal. Pode ser necessária
irrigação e aspiração da secreção purulenta da bulha do canal auditivo para a visualização do pólipo. O uso de
um otoscópio com vídeo facilita muito a visualização e o tratamento dos pólipos. Os pólipos originários da tuba
de Eustáquio podem ser vistos ao se retrair o palato mole rostralmente. A radiografia das bulhas pode revelar
opacidade da bulha acometida. TC ou RM pode ser útil quando há suspeita de tumor na bula timpânica, que não
pode ser observado por meio de otoscopia. O diagnóstico é definido pelo exame histopatológico.
A remoção cirúrgica é curativa, desde que todo o pólipo e sua base sejam extirpados. Isto, com frequência,
envolve a realização de osteotomia da bulha, uma vez que a base do pólipo geralmente situa­se na bulha
timpânica. A remoção incompleta da base do pólipo por avulsão mediante tração, isoladamente, ocasiona um
novo crescimento rápido e recidiva dos sinais clínicos em 15 a 50% dos gatos. A aplicação tópica de esteroides
na bulha, por 30 a 45 dias, parece retardar este novo crescimento. Tratamento antibiótico sistêmico para otite
bacteriana média também é indicado.
SISTEMA ENDÓCRINO

INTRODUÇÃO
Estrutura Química Geral e Função
Mensuração de Hormônios
Patogênese de Doença Endócrina
Princípios Terapêuticos
Regulação do Sistema Endócrino
GLÂNDULA HIPÓFISE
Acromegalia Felina
Diabetes Insípido
Hiperadrenocorticismo
Hirsutismo Associado a Adenoma de Hipófise Intermediária
Pan­hipopituitarismo de Início Adulto
Pan­hipopituitarismo de Início Juvenil
Tumores Não Funcionais da Hipófise
GLÂNDULA TIREOIDE
Aumento Não Neoplásico da Glândula Tireoide
Hipertireoidismo
Hipotireoidismo
GLÂNDULAS ADRENAIS
Córtex Adrenal
Hiperadrenocorticismo
Hipoadrenocorticismo
Medula Adrenal
GLÂNDULAS PARATIREOIDES E ANORMALIDADES NO METABOLISMO DE CÁLCIO
Anormalidades Hipocalcêmicas em Equinos
Fisiologia do Cálcio e Hormônios Reguladores de Cálcio
Hipercalcemia em Cães e Gatos
Hipercalcemia Maligna
Hiperparatireoidismo Primário
Hipercalcemia Associada ao Hipoadrenocorticismo
Insuficiência Renal
Hipercalcemia Idiopática dos Gatos
Outras Causas de Hipercalcemia
Testes de Diagnóstico
Tratamento
Hipercalcemia em Equinos
Hipocalcemia em Cães e Gatos
Hipoparatireodismo
Outras Causas de Hipocalcemia
Tratamento
PÂNCREAS
Diabetes Melito
Tumores das Células de Ilhotas Funcionais
Tumores das Células de Ilhotas Secretores de Gastrina
TUMORES DE TECIDOS NEUROENDÓCRINOS
Medula Adrenal

Órgãos Quimioceptores
Órgãos Quimioceptores
Tumores de Célula C da Tireoide

SISTEMA ENDÓCRINO – INTRODUÇÃO

O sistema endócrino engloba um grupo de tecidos que liberam hormônios na circulação, para alcançar alvos
distantes. Um tecido endócrino é tipicamente uma glândula sem ducto (p. ex., hipófise, tireoide) que libera esses
hormônios aos tecidos permeados de capilares. Essas glândulas são ricamente supridas com sangue. Está, no
entanto, cada vez mais claro que tecidos endócrinos atípicos também contribuem com importantes hormônios
para a circulação, por exemplo, secreção do peptídio natriurético atrial do coração, eritropoetina pelo rim, fator
de crescimento semelhante à insulina pelo fígado e leptina pela gordura. Novos hormônios continuam a ser
descobertos. Alguns atuam apenas em um único tecido, enquanto outros têm efeitos em praticamente todas as
células do corpo. Os efeitos dos hormônios em seus alvos são variados – desde melhora na absorção de
nutrientes até influência na divisão e diferenciação celular, entre muitos outros.

ESTRUTURA QUÍMICA GERAL E FUNÇÃO

Há três principais categorias químicas de hormônios: proteicos/polipeptídicos, esteroides e aqueles compostos


de aminoácidos modificados.
HORMÔNIOS PROTEICOS/POLIPEPTÍDICOS: Exemplos de hormônios proteicos/polipetídicos incluem hormônio
adrenocorticotrófico (ACTH) da hipófise, insulina do pâncreas e paratormônio (PTH) da paratireoide. Esses
hormônios variam em tamanho, desde três aminoácidos (hormônio liberador de tireotrofina) a proteínas
consideravelmente grandes com subunidades (p. ex., hormônio luteinizante). São produzidos nos tecidos
endócrinos, originados por transcrição/tradução do código genético para o hormônio e inicialmente sintetizados
como grandes hormônios (pró ou pré­formas) que passam por processamento para o hormônio original na
célula, antes da secreção. Incorporados no código genético para a estrutura proteica, estão sequências de
aminoácidos (peptídios de sinalização) que comunicam à célula que essas moléculas são destinadas para a via
metabólica secretora regulada. Outras modificações pós­tradução podem ocorrer durante o processo, inclusive
dobramento, glicosilação, formação de pontes dissulfeto e formação de subunidades. O hormônio “dobrado” e
processado é, então, armazenado nos grânulos secretórios ou em vesículas preparadas para liberá­lo mediante
um mecanismo de exocitose. A liberação do hormônio é desencadeada por sinais únicos; por exemplo, a
secreção de PTH é estimulada por diminuição da concentração de cálcio livre ou iônico presente no fluido
extracelular, ao redor das principais células da paratireoide. Na maioria dos casos, as células produtoras de
hormônios proteicos/polipeptídicos armazenam quantidades significativas dessas substâncias intracelularmente;
portanto, podem responder rapidamente quando grande quantidade é necessária na circulação. Geralmente, a
meia­vida dos hormônios proteicos/polipeptídicos no sangue é relativamente curta (minutos) e não são
carreados por proteínas plasmáticas específicas (com algumas exceções, por exemplo, fator de crescimento
semelhante à insulina tipo 1 tem alta afinidade por proteínas do sangue).
Hormônios proteicos/polipeptídicos atuam em suas células­alvo ligando­se a receptores localizados na
superfície celular. Esses receptores são proteínas e glicoproteínas incluídas nas membranas das células, que
atravessam a membrana pelo menos uma vez, de tal modo que o receptor é exposto a ambos os meios,
extracelular e intracelular. Há várias classes ou tipos de receptores de hormônios na superfície das células que
traduzem a mensagem hormonal para o interior de célula por diferentes meios. Algumas são os tipos acoplados
de proteína G (guanosina), com sete rotações transmembranas dominantes. Após a ligação com o hormônio,
esses receptores ativam a proteína G que também está localizada na membrana. Uma ou mais subunidades da
proteína G interferem em outras moléculas (conhecidas como efetores), como enzimas (p. ex., adenilato ciclase
ou fosfolipase C) ou canais iônicos. A ativação pode resultar na produção de um segundo mensageiro, como o
AMP ciclíco, que pode se ligar à proteinoquinase A, causando ativação e subsequente fosforilação de outras
proteínas. Assim, a transdução de sinais é uma cascata e frequentemente aumenta uma série de eventos ativados
quando um hormônio se liga a um receptor. Os efeitos máximos nas células­alvo são múltiplos e inclui estímulo
da secreção, aumento da entrada da molécula ou ativação da mitose.
Os receptores de superfície celular são dinâmicos; mudam em número e/ou atividade de acordo com as
condições fisiológicas. Em alguns casos, assim como a exposição a quantidades excessivas de hormônios, pode
ocorrer uma baixa regulação pelo próprio receptor. Essa baixa regulação e uma menor resposta do tecido­alvo
podem ser decorrentes à internalização dos receptores, após ligação ou dessensibilização do receptor que é
quimicamente modificado e se torna menos ativo. Em contrapartida, uma falta de exposição aos hormônios
pode ocasionar um aumento no número de receptores nas células­alvo (autorregulação). As doenças têm sido
relacionadas com mutações nos receptores de hormônios, que podem resultar na inativação ou constituição ou
ativação não hormonal da via. Em algumas condições, uma única substituição de aminoácido é responsável por
isso.
HORMÔNIOS ESTEROIDES: Os hormônios esteroides são derivados do colesterol e incluem produtos do córtex da
adrenal, ovários e testículos, bem como a molécula relacionada, vitamina D. Ao contrário de hormônios
proteicos/polipeptídicos, os hormônios esteroides não são armazenados em grande quantidade. Quando
necessários são rapidamente sintetizados a partir do colesterol por uma série de reações enzimáticas. A maioria
do colesterol necessário para rápida síntese do hormônio esteroide é armazenada intracelularmente no tecido de
origem. Em resposta aos sinais apropriados, o precursor é deslocado para organelas (mitocôndria e retículo
endoplasmático liso), onde uma série de enzimas (p. ex., isomerases, desidrogenases) rapidamente converte a
molécula ao hormônio esteroide apropriado. A identificação do produto esteroide final é ditada pela expressão
do conjunto de enzimas naquele tecido.
Os hormônios esteroides são hidrofóbicos e atravessam a membrana celular facilmente. No sangue, se ligam
principalmente às proteínas transportadoras. A albumina se liga a vários esteroides suficientemente livres; além
disso, há várias globulinas de ligação específicas para vários hormônios esteroides. A maioria dos hormônios
esteroides na circulação se liga às proteínas transportadoras e uma pequena fração circula livre ou sem ligação.
Essa última fração encontra­se disponível para penetrar na célula­alvo, ou seja, é a porção biologicamente ativa.
No fluido extracelular há um rápido equilíbrio entre esteroides ligados às proteínas e aqueles não ligados.
Possíveis funções dos hormônios esteroides ligados a proteínas incluem auxílio na disponibilização do esteroide
no tecido, propiciando uma distribuição uniforme a todas as células do tecido­alvo, protegendo contra grandes
flutuações nos hormônios livres, e aumentando a meia­vida dos esteroides no sangue. Comparando­se aos
hormônios proteicos/polipeptídicos, os esteroides normalmente tem meia­vida maior, frequentemente na faixa
de vários minutos a horas.
Os hormônios esteroides atuam nas células­alvo via receptores localizados no interior das células. Esses
receptores normalmente são encontrados no núcleo, embora alguns parecem residir, quando não ligados, no
citoplasma. Há várias classes de receptores de esteroides – aqueles para glicocorticoides, mineralocorticoides,
progestágenos etc. Os receptores de esteroides compreendem uma família de proteínas conhecidas que também
mostram homologia aos receptores dos hormônios da tireoide e da vitamina D. O receptor tem regiões ou
domínios que realizam tarefas específicas: uma para reconhecimento e ligação do esteroide, outra para ligação à
região específica do DNA cromossômico e uma terceira para auxiliar a regular o mecanismo de transcrição. Os
hormônios esteroides entram nos alvos por meio de difusão através da membrana da célula e, então, se liga ao
receptor, causando uma mudança na conformação do novo complexo. Isso, por sua vez, induz a liberação de
proteínas associadas (p. ex., proteínas da termoplegia) e transporte ao núcleo (se necessário), seguida da ligação
do complexo à região do DNA próxima de genes específicos regulados por esteroides. O resultado é uma
alteração na taxa de transcrição de genes específicos também aumentando ou diminuindo suas expressões.
Assim, os hormônios esteroides tem principalmente a finalidade de interferir nas taxas de produção de proteínas
nos alvos e de RNA mensageiro específico. A ação do esteroide é relativamente lenta no início (horas), mas
pode ser duradoura em razão da duração da produção e da meia­vida do RNA mensageiro e das proteínas
induzidas nas células­alvo. Está muito claro que alguns esteroides também atuam por meio de mecanismo não
genômico. Por exemplo, acredita–se que muitos dos efeitos anti­inflamatórios dos glicocorticoides se devem aos
complexos de receptores de glicocorticoides que se ligam e inibem a ação de fatores de transcrição
proinflamatórios dentro das células.
Os esteroides são eliminados do sangue mediante metabolização hepática. Formas reduzidas são produzidas e
subsequentemente conjugadas a ácido glicorônico e sulfato. Esses metabólitos são livremente solúveis no
sangue e são excretos pelos rins e pelo do trato GI. Pequenas quantidades de hormônios esteroides livres são
também excretadas diretamente pelos rins.
HORMÔNIOS DE AMINOÁCIDOS MODIFICADOS: Essa classe de hormônios envolve alteração química de

aminoácidos, principalmente da tirosina. Incluem hormônios da tireoide e as catecolaminas epinefrina e


norepinefrina. Tiroxina (T4) e triiodotiroxina (T3) são armazenadas na tireoide como parte da tireoglobulina; a
secreção desses hormônios envolve absorção e quebra pelas células da tireoide dessa grande molécula,
liberando T4 e T3. Os hormônios tireoidianos atuam nos alvos, como os esteroides; são relativamente insolúveis
em água, carreados por proteínas transportadoras do sangue, e atuam nos alvos via receptores intracelulares. As
catecolaminas são produzidas por hidroxilação, descarboxilação e metilação da tirosina e são secretadas no
sangue a partir da medula da adrenal. Possuem meia­vida excessivamente curta (< 5 min), não se ligam a
proteínas e atuam nos alvos via receptores de superfície das células (receptores alfa e beta­adrenérgicos).

MENSURAÇÃO DE HORMÔNIOS
Como os hormônios circulam em baixa quantidade no sangue, a mensuração precisa dessas substâncias requer
testes sensíveis, normalmente na forma de imunoensaio competitivo. O método original (ainda amplamente
utilizado) é radioimunoensaio empregando anticorpo diretamente contra o hormônio e uma forma radioativa
marcada do hormônio. O hormônio marcado compete com o hormônio não marcado por sítios de ligação do
anticorpo. Curva padrão contendo conhecidas quantidades de hormônios é utilizada com padrão de comparação,
para calcular a concentração de hormônio na amostra do paciente. A marcação radioativa permite detecção de
baixas concentrações de hormônio, os quais tipicamente circulam em concentração de picomolar (10­12) ou
nanomolar (10­9). Nos anos recentes, marcadores não radioativos, teste “tipo sanduíche” e teste ELISA têm sido
desenvolvidos para mensuração de hormônios.
A precisa mensuração em espécies veterinárias apresenta alguns desafios, pois as concentrações normais de
determinado hormônio podem variar significantemente entre as espécies. Por exemplo, as concentrações
normais de T4 total em cães e gatos são cerca de 4 vezes menores do que em humanos. A preocupação com a
reação cruzada é importante; os hormônios proteicos/polipeptídicos variam quanto à composição de
aminoácidos e de outras vias estruturais (p. ex., padrões de glicosilação) entre as espécies. Como consequência,
anticorpos preparados contra um hormônio em particular podem não reconhecer aquele material de outra
espécie. Finalmente, enquanto hormônios esteroides são estruturalmente idênticos entre as espécies (cortisol no
cão é idêntico àquele de pessoas), as substâncias presentes no soro de determinada espécie pode às vezes
interferir no teste, levando a um resultado não confiável. Em geral, é importante que o laboratório realize a
mensuração de um hormônio em uma espécie particular, comprovando que o teste é válido para aquela espécie e
que o laboratório tem valores normais estabelecidos.

PATOGÊNESE DE DOENÇA ENDÓCRINA

As doenças endócrinas podem ser ocasionadas por diversas causas. Pode haver produção excessiva ou
insuficiente de hormônios, os receptores podem não ser ativos e as vias normais de remoção do hormônio
podem estar comprometidas. Os sinais clínicos consistentes com mau funcionamento de determinado tecido
endócrino podem ser decorrentes de um problema originado na produção do próprio hormônio ou pode ser
devido à alteração em outro local que interfere, secundariamente, na secreção ou ação hormonal.
Em medicina veterinária, os tipos mais comuns de doenças endócrinas incluem maior produção hormonal
associada a tumor ou hiperplasia tecidual, produzindo quantidades excessivas de hormônios, bem como
deficiência hormonal devido à destruição do tecido endócrino. As doenças comumente associadas a maior
produção hormonal são hipertireoidismo, em gatos, e hiperadrenocorticismo (doença de Cushing), em cães.
Frequentemente o tecido endócrino anormal não apenas produz mais hormônio; ele também falha ao responder
normalmente aos sinais de feedback, contribuindo para uma inapropriada liberação de hormônio. A maior
produção hormonal de um tecido endócrino pode também resultar de uma estimulação decorrente de uma fonte
secundária; por exemplo, a doença renal pode resultar em hiperplasia da paratireoide e aumentar a secreção de
PTH. Como consequência de alguns tipos de doença renal, ocorre hiperfosfatemia. Isso ocasiona menor
formação da forma ativa da vitamina D, o 1,25­di­hidroxicolecalciferol (calcitriol). Assim, a baixa concentração
de calcitriol contribui para diminuição do teor de cálcio no fluido extracelular, condição que atua como estímulo
para secreção de PTH. Tecidos não endócrinos podem produzir e secretar hormônios em quantidade suficiente
para causar sinais clínicos; por exemplo, certos tumores (tumor da glândula apócrina do saco anal em cães,
linfoma) podem produzir uma proteína relacionada com o PTH que mimetiza a ação do PTH, resultando em
hipercalcemia.
As síndromes associadas à secreção hormonal deficiente ou ausente também possuem múltiplas causas.
Acredita­se que a destruição do tecido endócrino secundário à reação autoimune mediado por células, às vezes,
é a causa. Exemplos de hipofunção endócrina resultante de perda de tecido primário incluem hipotireoidismo
canino, diabetes melito tipo 1, hipoparatireoidismo primário e hipoadrenocorticismo primário. Na fase inicial da
perda tecidual, mecanismos compensatórios envolvendo vias de feedback estimulam a atividade (produção
hormonal) do tecido remanescente. Por exemplo, no hipoadrenocorticismo primário (doença de Addison), a
secreção de ACTH pela hipófise aumenta à medida que ocorre atrofia do córtex da adrenal. O maior suporte
trófico resulta em ativação plena do tecido remanescente e frequentemente induz secreção hormonal suficiente
para retardar os sinais clínicos de deficiência, até que a perda tecidual simplesmente elimina a fonte hormonal.
Também podem ocorrer distúrbios resultando em sinais clínicos de hipoatividade endócrina devido a alterações
em tecidos distantes da fonte de hormônio. O hipotireoidismo secundário resulta de insuficiência de hormônio
estimulante da tireoide, na hipófise, que reduz o estímulo necessário para a produção e secreção de T4 e T3 pela
tireoide. Pacientes que recebem terapia com glicocorticoide podem apresentar atrofia de áreas produtoras de
cortisol no córtex da adrenal. O esteroide exógeno inicia o feedback negativo na glândula hipófise, suprimindo a
secreção de ACTH e ocasionando atrofia da cortical da adrenal. Outra potencial causa de hipofunção endócrina
está relacionada com a perda tecidual secundária à compressão e/ou destruição progressiva de tumores não
funcionais.
As doenças endócrinas e enfermidades relacionadas também resultam de alterações na resposta de tecidos a
hormônios. Um importante exemplo é o diabetes melito não dependente de insulina, ou tipo 2, no qual é
observada relativa insensibilidade à insulina, frequentemente associada à obesidade. O diabetes insípido
nefrogênico se deve à insensibilidade renal à ação da vasopressina (hormônio antidiurético). A insensibilidade
renal à vasopressina nessa síndrome pode estar relacionada com anomalias congênitas do receptor de
vasopressina, mas a mais frequente é secundária a outras doenças (p. ex., piometra, hiperadrenocorticismo) ou
anormalidades na concentração de íons (p. ex., hipopotassemia, hipercalcemia).

PRINCÍPIOS TERAPÊUTICOS

As doenças endócrinas envolvendo hiperatividade podem ser tratadas cirurgicamente (remoção de tumor), por
radioterapia (p. ex., 131I para hipertireoidismo), ou com medicamentos (p. ex., metimazol, como um
medicamento antitireoide). Síndromes de deficiência hormonal são frequentemente tratadas com sucesso
mediante a simples reposição do(s) hormônio(s) em falta, como no tratamento de diabetes melito com insulina
ou na terapia de reposição do hormônio da tireoide, no hipotireoidismo. Terapia de reposição para deficiências
relacionadas com hormônios proteicos/polipeptídicos podem ser um desafio. Frequentemente a preparação
espécie–específica do hormônio não se encontra disponível, pode ser necessário injetar o medicamento várias
vezes ao dia e o risco de formação de anticorpos e anafilaxia deve ser considerada. Os hormônios esteroides e os
tireoidianos podem ser administrados normalmente VO. Alguns hormônios proteicos/polipeptídicos ou análogos
são efetivos quando administrados por outras vias além da injetável (p. ex., acetato de desmopressina, análogo
do hormônio antidiurético é efetivo quando administrado por diversas vias).
A terapia de reposição hormonal deve ser monitorada mediante avaliação da resposta clínica e de outras
medidas adequadas, como monitoramento terapêutica do hormônio no sangue (p. ex., dosagem de T4 após a
medicação, mensuração de sódio e potássio no soro de pacientes com hipoadrenocorticismo primário). Com
frequência, a terapia de reposição é necessária por um período após remoção cirúrgica de um tumor de tecido
endócrino. No entanto, o tecido remanescente normal, atrofiado como consequência de uma doença, muitas
vezes recupera sua atividade em período de tempo razoavelmente longo e, assim, há necessidade de terapia de
reposição por toda a vida. Os animais mostram significante variação quanto à biodisponibilidade do
medicamente; desse modo, uma dose adequada deve ser ajustada para cada paciente.
Os glicocorticoides são comumente utilizados como medicamentos terapêuticas, particularmente devido seus
efeitos anti­inflamatórios e sua atividade antialérgica. O uso adequado requer o entendimento dos efeitos
colaterais, inclusive aparecimento de sinais de hiperadrenocorticismo resultantes de uma terapia por um período
longo ou do uso de derivados potentes. Tais reações adversas podem ser minimizadas pelo uso oral de
glicocorticoide, em dias alternados.

REGULAÇÃO DO SISTEMA ENDÓCRINO

A secreção de hormônios é regulada por um sistema de elementos sensoriais supridos de um meio para detectar
necessidades para ambos, aumento e diminuição da secreção. O sistema particular de sensoriamento, os
elementos de feedback e o sistema de controle das respostas são particulares para cada hormônio. As vias
hormonais mantêm a homeostasia, e ajustes na secreção normalmente resultam em mudanças que ajudam a
manter o status quo. Além disso, a secreção e a atividade de um hormônio em particular podem ser ajustadas
para mais ou para menos em resposta a desafios, como estresse crônico, doença ou alteração no estado
nutricional. O conceito de feedback negativo e sua relação no controle das vias hormonais é importante para o
entendimento da regulação da via e avaliação dos testes de função endócrina. Por exemplo, a insulina é liberada
em resposta ao aumento da concentração de glicose presente nas células beta das ilhotas de Langerhans do
pâncreas. Uma das ações da insulina é diminuir a concentração de glicose no fluido extracelular por aumentar
sua entrada nos tecidos–alvo. Essa diminuição da glicose leva a reduções na secreção da insulina. Em pacientes
suspeitos de ter um tumor secretor de insulina, o achado de uma baixa concentração sanguínea de glicose
(hipoglicemia), juntamente com a elevação da concentração de insulina indica feedback inapropriado,
característico desse tumor. Em outro exemplo, pacientes com alta concentração sanguínea de cálcio devem
apresentar baixo teor de PTH na circulação. Alta concentração de PTH nestes pacientes indica disfunção da
paratireoide, muitas vezes associada a adenoma nesta glândula.
Os padrões de secreção dos hormônios variam muito. Os hormônios da tireoide tendem a ter menos
variabilidade do que os hormônios esteroides e mostram apenas moderada variação diária ou semanal. Por outro
lado, o teor sanguíneo de cortisol da adrenal é muito mais variável, com picos de secreção ocasionais seguidos
de períodos de baixa atividade (baixo teor sanguíneos), ao longo do dia.
GLÂNDULA HIPÓFISE

A glândula hipófise (ou pituitária) é composta de adeno­hipófise (lobo anterior) e neuro­hipófise (lobo
posterior).
ADENO-HIPÓFISE: A adeno­hipófise, que circunda a porção nervosa do sistema neuro­hipofisiário em graus
variados nas diferentes espécies, consiste em parte distal, parte tuberal e da parte intermediária. A parte distal é
a maior e contém múltiplas populações de células endócrinas. A parte tuberal funciona principalmente como um
suporte para uma rede de capilares do sistema porta­hipofisiário. A parte intermediária forma a junção entre a
parte distal e a parte nervosa. Essa contém 2 populações de células em cães, uma das quais sintetiza o hormônio
adrenocorticotrófico (ACTH).
Uma população específica de células endócrinas na parte distal (e na parte intermediária, para ACTH, em
cães) sintetiza e secreta cada um dos hormônios tróficos da hipófise. As células da hipófise têm um ciclo
secretor e inicia rapidamente uma fase de síntese em resposta ao aumento da demanda de um hormônio
particular. As células secretoras da adeno­hipófise são muitas vezes subdivididas em cromófilas (acidófilas,
basófilas) e cromófobas, com base na interação dos grânulos secretores com corantes histoquímicos
dependentes de pH.
As células acidófilas são, além disso, subdivididas em somatotróficas, que secretam o hormônio do
crescimento (GH, somatotropina) e em lactotróficas, que secretam prolactina. As células basofílicas incluem
células gonadotróficas que secretam ambos, hormônio luteinizante (LH) e hormônio estimulante de folículo
(FSH), e células tireotróficas, que secretam o hormônio tireotrófico (hormônio estimulante da tireoide [TSH]).
Os cromófobos incluem células endócrinas envolvidas na síntese de ACTH e de hormônio estimulante de
melanócitos (MSH), células foliculares não secretoras e células precursoras não diferenciadas.
As células endócrinas da adeno­hipófise estão sob o controle de hormônios correspondentes liberados do
hipotálamo. Esses hormônios liberados são transmitidos pelo sistema portal hipofisário a células específicas da
adeno­hipófise, onde estimulam a rápida liberação de hormônios tróficos pré–formados.
Separadamente, os hormônios liberados pelo hipotálamo regulam a taxa de secreção de cada hormônio trófico
da adeno­hipófise. Para a maioria dos hormônios tróficos da hipófise, o controle mediante feedback negativo é
efetuado por um circuito que envolve a concentração sanguínea do hormônio produzido pela glândula
endócrina­alvo (p. ex., glândula tireoide, córtex da adrenal, ovários e testículos). Hormônios como prolactina,
GH e MSH têm mecanismos de feedback complexos. Por exemplo, a prolactina atua principalmente na glândula
mamária e o GH tem seu principal efeito no fígado – ambos os tecidos não são endócrinos. O feedback negativo
em tais casos incluem metabólitos e outros mensageiros (p. ex., fator de crescimento semelhante à insulina tipo
I, produzido no fígado). No caso do GH, há reguladores hipotalâmicos para sua inibição (somatostatina), bem
como para sua estimulação (hormônio liberador de GH).
NEURO-HIPÓFISE: A neuro­hipófise (parte nervosa, lobo posterior) tem três subdivisões anatômicas. Os grânulos
de secreção que contém os hormônios da neuro­hipófise, isto é, hormônio antidiurético (ADH, vasopressina) e
ocitocina, são sintetizados no hipotálamo, mas liberados na corrente sanguínea pela parte nervosa. O talo
pedúnculo infundibular se liga à parte nervosa pela sobreposição do hipotálamo.
O ADH, um octapeptídio sintetizado no hipotálamo, é armazenado em grânulos envolvidos por membrana,
com uma correspondente proteína de ligação (neurofisina) e transportado à parte nervosa, de onde é liberado à
circulação. O ADH se liga a receptores específicos na parte distal do néfron e do ducto coletor do rim; isso
aumenta a reabsorção tubular renal de água do filtrado glomerular.
A liberação de ADH é diretamente proporcional ao grau de hidratação do corpo. A hidratação orgânica inibe
a liberação de ADH, enquanto a desidratação ou a injeção de solução eletrolítica hipertônica favorece a
liberação deste hormônio que, por sua vez, aumenta a reabsorção de água do filtrado glomerular, resultando na
diluição ou diminuição da osmolaridade dos fluidos do corpo. Barbitúricos, além de clorofórmio, morfina,
acetilcolina, nicotina, e dor, aumentam a liberação de ADH, que ocasiona menor produção de urina. O etanol
inibe a liberação de ADH, que causa diurese.
O efeito vasoconstritor do ADH é menos evidente do que o efeito antidiurético. Em uma dose várias centenas
de vezes maior do que a dose antidiurética, o ADH tem um potente efeito vasoconstritor, que pode também
causar constrição da coronária. O mecanismo contrátil dos capilares, bem como dos músculos GI e uterino, é
estimulado e segue­se uma elevação prolongada da pressão sanguínea.
A ocitocina tem efeitos específicos na musculatura lisa do útero e das células mioepiteliais da glândula
mamária. Não foi estabelecida função fisiológica no macho, embora se tem sugerido um efeito no transporte do
esperma.

ACROMEGALIA FELINA
A acromegalia, ou hipersomatotropismo, resulta de uma secreção excessiva crônica do hormônio do
crescimento em animal adulto. A acromegalia em gatos é causada por tumor secretor do hormônio do
crescimento na hipófise anterior. Em gatos, esses tumores crescem lentamente e podem estar presentes muito
antes de surgirem os sinais clínicos.
ACHADOS CLÍNICOS: Acromegalia felina acomete gatos idosos (8 a 14 anos) e parece mais comum em machos.
Os sinais clínicos de diabetes melito não controlados são frequentemente o primeiro sinal de acromegalia em
gatos; portanto, polidipsia, poliúria e polifagia são os sintomas mais comumente verificados. Ganho de peso de
massa corporal magra em gatos com diabetes melito não controlada é o sintoma–chave de acromegalia.
Organomegalia inclui aumento de volume dos rins e do fígado; também, nota­se hipertrofia de órgãos
endócrinos. Alguns gatos exibem aumento de extremidades, do tamanho do corpo, mandíbula/maxila, língua e
região frontal da cabeça, característicos de acromegalia em pessoas. Algumas da manifestações mais marcantes
são verificadas no sistema musculoesquelético e inclui aumento na massa muscular e dos segmentos acrais do
corpo inclusive patas, queixo e crânio. Anormalidades cardiovasculares, como cardiomegalia (radiográfica e
ecocardiográfica), sopros sistólicos e insuficiência cardíaca congestiva, se instalam tardiamente no curso da
doença. Azotemia também se desenvolve tardiamente no curso da doença em cerca de 50% dos gatos com
acromegalia. Sinais neurológicos de acromegalia em pessoas, como neuropatia periférica (parestesia, síndrome
do túnel carpal, defeitos sensoriais e motores) e manifestações paraselares (cefaleia e alteração do raio visual),
geralmente não são detectados em gatos com acromegalia.
Em todos os gatos com acromegalia notam­se prejuízo da tolerância à glicose e resistência à insulina,
resultando em diabetes melito. A mensuração de insulina endógena revela aumento marcante da concentração
sérica de insulina. Apesar da grave resistência à insulina e hiperglicemia, a ocorrência de cetose é rara. Deve­se
suspeitar de acromegalia em qualquer gato diabético que tenha grave resistência à insulina (necessidade diária
de insulina > 20 U/gato). Hipercolesterolemia e moderado aumento das enzimas do fígado são atribuídos ao
estado diabético. Hiperfosfatemia sem azotemia também é um achado clínico­patológico comum. Os resultados
da urinálise não são notáveis, exceto pela proteinúria persistente.
Lesões: Achados macroscópicos à necropsia de gatos com acromegalia podem incluir tumor grande e expansivo
na hipófise, cardiomiopatia hipertrófica com marcante hipertrofia do septo e do ventrículo esquerdo (no início)
ou cardiomiopatia dilatada (posteriormente), aumento de volume de rins e fígado, artropatia degenerativa,
espondilose de vértebra lombar, aumento moderado das glândulas paratireoides, hiperplasia adrenocortical e
aumento difuso do pâncreas com hiperplasia nodular multifocal. O exame histopatológico das glândulas
endócrinas revela adenoma acidófilo na hipófise, hiperplasia adenomatosa da tireoide e hiperplasia nodular do
córtex de adrenais, paratireoides e pâncreas.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico definitivo requer constatação de aumento da concentração plasmática de hormônio
do crescimento ou do fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF­1), em casos suspeitos.
Infelizmente, não há disponibilidade de testes para hormônio do crescimento felino. Com frequência, a
concentração sérica de IGF­1 aumenta de modo marcante em gatos com acromegalia (como acontece em
pessoas). Atualmente, o principal teste para um diagnóstico definitivo é tomografia computadorizada da região
da hipófise. Os resultados da tomografia computadorizada, juntamente com a exclusão de outras enfermidades
que causam resistência à insulina (hipertireoidismo, hiperadrenocorticismo) e a constatação de sinais clínicos e
laboratoriais anormais, sustentam o diagnóstico de acromegalia.
TRATAMENTO E PROGNÓSTICO: A terapia medicamentosa em pessoas inclui o uso de agonistas de dopamina,
como bromocriptina e análogos da somastotatina (octreotida). O tratamento com octreotida não tem sido efetivo
em gatos com acromegalia. A ineficácia dos análogos da somastotatina de longa duração pode ser devido à
ligação espécie­específica ao tecido. Provavelmente, radioterapia propicia maior chance de sucesso, com baixas
taxas de morbidade e mortalidade. As desvantagens são a baixa taxa de regressão do tumor (> 3 anos) e a
ocorrência de hipopituitarismo, lesão do nervo cranial e óptico e lesão do hipotálamo por radiação.
O prognóstico a curto prazo em gatos com acromegalia não tratada é reservado a bom. A resistência à
insulina geralmente é controlada satisfatoriamente pelo uso de altas doses de insulina, fracionada em várias
doses, diariamente. Doenças cardíacas discretas podem ser controladas com diuréticos e vasodilatadores. O
prognóstico a longo prazo é relativamente ruim; entretanto, a maioria dos gatos morre de insuficiência cardíaca
congestiva, insuficiência renal crônica ou sintomas decorrentes da expansão de tumor de hipófise. O
prognóstico a longo prazo pode ser beneficiado com diagnóstico e tratamento precoces.

DIABETES INSÍPIDO

Diabetes insípido central é causada pela redução da secreção do hormônio antidiurético (ADH). Quando as
células­alvo no rim apresentam falha no mecanismo necessário para responder à secreção normal ou aumentada
de teor de ADH na circulação, tem­se diabetes insípido nefrogênico. Isso ocorre frequentemente em cães, gatos
e ratos de laboratório e raramente em outros animais.
ETIOLOGIA: A forma hipofisária se desenvolve como resultado da compressão e destruição da parte nervosa,
pedúnculo infundibular ou núcleo supraóptico do hipotálamo. As lesões responsáveis pela interrupção da síntese
ou secreção do ADH no diabetes insípido hipofisário incluem grandes neoplasias de hipófise
(endocrinologicamente ativos ou inativos), granuloma inflamatório ou cisto que se expande dorsalmente e lesão
traumática do crânio com hemorragia e proliferação glial no sistema neuro­hipofisário.
ACHADOS CLÍNICOS: Os animais acometidos excretam grande volume de urina hipotônica e, igualmente, bebem
grande quantidade de água. A osmolalidade urinária é menor do que a osmolidade normal do plasma (cerca de
300 mOsm/kg) em ambas formas, hipofisária e nefrogênica, mesmo se o animal é privado de água. O aumento
da osmolalidade da urina para valor acima daquele do plasma em resposta a ADH exógeno na forma hipofisária,
mas não na forma nefrogênica, é útil na diferenciação clínica das duas manifestações da doença.
Lesões: Lobo posterior, pedúnculo infundibular e hipotálamo são comprimidos ou sofrem ruptura por células
neoplásicas. Isso bloqueia os axônios não mielinizados que transportam ADH do local de produção
(hipotálamo) ao local de liberação (parte nervosa).
DIAGNÓSTICO: Baseia­se na constatação de poliúria crônica que não responde à desidratação e que não se deve à
doença renal primária. Para avaliar a habilidade de concentração da urina, deve­se realizar teste de privação de
água se o animal não estiver desidratado e não tenha doença renal. A bexiga é esvaziada e institui­se jejum de
água e comida (normalmente por 3 a 8 h) para promover máxima estimulação da secreção do ADH. O animal
deve ser monitorado cuidadosamente para prevenir a perda de > 5% do peso corpóreo e desidratação grave.
Devem ser determinadas as osmolalidades de urina e plasma; entretanto, como esse teste não está prontamente
disponível à maioria dos clínicos, frequentemente se obtém a densidade urinária. No final do teste, a densidade
da urina é > 1,025 em animais com apenas deficiência parcial de ADH ou antagonismo à ação do ADH causado
por hipercortisolismo. Há pequena alteração na densidade urinária de animais com deficiência total de ADH ou
ausência de resposta renal.
Em seguida, deve­se fazer um teste de resposta ao ADH para diferenciar entre enfermidades que podem
resultar em grande volume de urina com densidade cronicamente baixa, porém normal. Essas incluem diabetes
insípido nefrogênico (inabilidade dos rins em responder ao ADH), diabetes insípido psicogênico (polidipsia em
resposta a alguns distúrbios psicológicos, mas com resposta normal ao ADH), e hipercortisolismo (o qual
resulta em deficiência parcial da atividade do ADH devido aos efeitos antagonistas do cortisol na atividade do
ADH nos rins). Esse teste também por ser utilizado para avaliar animais no qual o teste de privação de água não
pode ser realizado. A densidade específica da urina é determinada no início do teste; administra­se acetato de
desmopressina (2 a 4 gotas no saco conjuntival). A bexiga é esvaziada em 2 h e a densidade urinária é
mensurada 4, 8, 12, 18, e 24 h depois da administração do ADH. Nota­se pico de densidade > 1,026 em animais
com deficiência primária de ADH, significativamente acima do teor induzido por privação de água naqueles
pacientes com deficiência parcial da atividade do ADH; nota­se pequena alteração naqueles animais com
diabetes insípido nefrogênico.
Se a osmolalidade é mensurada, a proporção osmolalidade urinária:plasma depois da privação de água é > 3
em animais normais, 1,8 a 3 naqueles com deficiência moderada de ADH e < 1,8 naqueles com deficiência
grave. A proporção da osmolalidade da urina após a administração de ADH, comparada com aquela após
privação de água, é > 2 em animais com deficiência primária de ADH, 1,1 a 2 naqueles com inibição da ação do
ADH e < 1,1 naqueles que não respondem ao ADH.
Como alternativa ao teste de privação de água ou em casos nos quais esse teste falha em estabelecer um
diagnóstico definitivo, pode­se realizar um teste terapêutico com demospressina com rigorosa monitoramento
(ver adiante). Novamente, outras causas de poliúria e polidipsia devem ser inicialmente descartadas, limitando­
se a diagnósticos diferenciais de diabetes insípido central, diabetes insípido nefrogênico e polidipsia
psicogênica. Para gatos, o proprietário deve mensurar o consumo de água do animal por 24 h, 2 ou 3 dias antes
do teste terapêutico com desmopressina, permitindo ingestão de água à vontade. A preparação intranasal de
desmopressina é administrada no saco conjuntival (1 a 4 gotas, 2 vezes/dia), por 3 a 5 dias. Uma redução
dramática na redução do consumo de água (> 50%) durante o primeiro dia de tratamento deve ser fortemente
sugestiva de deficiência de ADH e de diagnóstico de diabetes insípido central ou diabetes insípido nefrogênico
parcial.
Diabetes insípido também precisa ser diferenciado de outras doenças acompanhadas de poliúria. As mais
comuns são diabetes melito com glicosúria e alta densidade urinária e nefrite crônica com urina de densidade
normalmente baixa e com evidências de insuficiência renal (proteína, cilindros etc.).
TRATAMENTO: A poliúria pode ser controlada utilizando acetato de desmopressina, um análogo sintético do
ADH. A dose inicial é 2 gotas aplicadas na mucosa ou conjuntiva nasal; essa é gradualmente aumentada até que
se obtém a dose efetiva mínima. O efeito máximo normalmente ocorre após 2 a 6 h e dura 1 a 12 h. Não deve
haver restrição ao consumo de água. O tratamento deve ser contínuo, 1 ou 2 vezes/dia, por toda a vida do
animal.

HIPERADRENOCORTICISMO (DOENÇA DE CUSHING)

O hiperadrenocorticismo pode ser fracionada em duas amplas categorias. Uma categoria, o


hiperadrenocorticismo hipófise­dependente, se deve ao aumento adenomatoso da glândula hipófise, resultando
em excessiva produção de ACTH. A outra categoria, a doença adrenal­dependente, é associada a adenomas ou
adenocarciomas funcionais da glândula adrenal. A secreção ectópica de ACTH não foi relatada em cães;
entretanto, em humanos a secreção ectópica de ACTH está associada a alguns tumores de pulmão. O
hiperadrenocorticismo iatrogênico resulta de administração crônica e excessiva de esteroides exógenos.
ACHADOS CLÍNICOS: O hiperadrenocorticismo é notado em cães de meia­idade a mais velhos (7 a 12 anos de
idade); cerca de 85% apresentam hiperadrenocorticismo hipófise­dependente (HHD) e cerca de 15% tem tumor
de adrenal. As raças nas quais HHD é comumente diagnosticado incluem Poodle miniatura, Dachshund, Boxer,
Boston Terrier e Beagle. Os cães de raça de grande porte frequentemente têm tumores de adrenal e há uma
distinta predileção por fêmea (3:1).
Os sinais clínicos mais comuns são polidipsia, poliúria, polifagia, intolerância ao calor, letargia, distensão de
abdome ou “barriga de barril”, respiração ofegante, obesidade, fraqueza muscular e infecções do trato urinário
recidivantes. As manifestações dermatológicas no hiperadrenocorticismo canino podem incluir alopécia
(especialmente no tronco), pele fina, flebectasias, comedões, escoriações, hiperpigmentação cutânea, calcinose
cutânea, piodermite, atrofia dérmica (especialmente ao redor das cicatrizes), demodiciose secundária e
seborreia.
Sintomas incomuns são hipertensão, tromboembolia, calcificação brônquica, insuficiência cardíaca
congestiva e sinais neurológicos, bem como polineuropatia e miopatia, mudança de comportamento, cegueira ou
pseudomiotonia. A hipercortisolemia pode ser evidenciada como enfraquecimento do colágeno, manifestado
como ruptura do ligamento cruzado cranial (pequenos cães) ou úlcera de córnea (que não cicatriza). Sinais
reprodutivos do hiperadrenocorticismo podem incluir adenoma perianal em fêmeas ou machos castrados,
hipertrofia de clitóris em fêmeas, atrofia testicular em machos não castrados, ou aumento de próstata em cães
castrados.
Em cães, anormalidades no perfil bioquímico sérico associadas à hipercortisolemia incluem aumento das
atividades séricas de fosfatase alcalina (ALP) e de alanina aminotransferase (ALT), bem como
hipercolesterolemia, hiperglicemia e diminuição do BUN. O hemograma é caracterizado por evidência de
regeneração (eritrocitose, hemácias nucleadas) e leucograma clássico de estresse (eosinopenia, linfopenia e
leucocitose com células maduras). Basofilia é um achado ocasional. Muitos cães com hiperadrenocorticismo
mostram evidências de infecção de trato urinário inferior sem piúria (cultura positiva), bacteriúria e proteinúria
resultante de glomeruloesclerose.
DIAGNÓSTICO: Não há um único teste ou uma combinação de exames que totalmente confiável para o
diagnóstico de hiperadrenocorticismo. A sensibilidade e a especificidade de um teste individual ou da
combinação de exames aumentam quando são aplicadas a uma população de pacientes com possibilidade de
terem hiperadrenocosticismo. O diagnóstico deve se basear nos sinais clínicos característicos, seguido de
exames auxiliares mínimos indicadores de anormalidades comuns (p. ex., aumento de colesterol, SAP), e
confirmado por um apropriado exame de triagem para hiperadrenocorticismo. Se o resultado do exame de
triagem for inconclusivo ou se há anormalidades laboratoriais associadas à hiperadrenocorticismo (p. ex.,
aumento de SAP) em um cão assintomático, de preferência o paciente deve ser testado novamente 3 a 6 meses
depois, em vez de ser tratado sem que se tenha o diagnóstico definitivo. Em particular, o diagnóstico da doença
de Cushing induzido por esteroide sexual pode ser especialmente difícil.
A relação creatina/cortisol urinário (RCCU) é um teste altamente sensível para diferenciar cães normais
daqueles com hiperadrenocorticismo, mas não é altamente específico porque cães com doença não adrenal
moderada a grave também exibem o valor desta relação. A RCCU deve ser determinada em amostras de urina
obtidas por micção espontânea, na casa pelo proprietário. O estresse do transporte do cão à clínica, o estresse
induzido pela cistocentese, ou ambos, podem ser suficientes para causar RCCU falsamente elevada. Alta RCCU
deve ser esclarecida com o teste de estimulação com ACTH e teste de supressão com baixa dose de
dexametasona (SBDD) IV, ou teste SBDD oral.
SBDD é o teste de triagem de escolha para hiperadrenocorticismo canino, quando apropriadamente utilizado.
Apenas 5 a 8% dos cães com HHD exibe supressão da concentração de cortisol em 8 h (i. e. são falso­
negativos). Além disso, 30% dos cães com HHD exibem supressão em 3 ou 4 h, seguida de “escape” de
supressão em 8 h; esse padrão é diagnóstico para HHD, tornando desnecessários outros testes. A principal
desvantagem do teste SBDD é a falta de especificidade em cães com doença não adrenal: > 50% dos cães com
doença não adrenal tem teste SBDD positivo. Em tais casos, o cão deve se recuperar da doença não adrenal
antes de se realizar o teste de SBDD para diagnóstico de hiperadrenocorticismo.
O teste de estimulação com ACTH é utilizado para diagnosticar várias doenças adrenais, inclusive
hiperadrenocorcitismo endógeno ou iatrogênico e hiperadrenocorticismo espontâneo. Como teste de triagem
para diagnóstico de hiperadrenocorticismo de ocorrência natural, a sua sensibilidade quanto ao diagnóstico é
cerca de 80 a 85%, com especificidade maior do que o teste SBDD. Em um estudo, notou­se que apenas 15%
dos cães com doença não adrenal tem uma resposta exagerada à estimulação com ACTH. Os tumores de
adrenais podem ser particularmente difíceis de diagnosticar por este teste com ACTH.
Cães com excesso de esteroide sexual produzido pela adrenal podem ter resultado negativo nos testes de
estimulação com ACTH e no teste SBDD porque sua concentração sérica de cortisol é normal. Isso pode ser
decorrência do excesso de precursores de cortisol. Aumento de progesterona, 17­OH–progesterona,
androstenediona, testosterona e estrógeno podem requerer teste de adrenal dinâmico utilizando teste de
estimulação com ACTH e mensuração de esteroides sexuais, além de cortisol.
Depois da confirmação do diagnóstico de hiperadrenocorticismo, pode ser necessária a diferenciação entre
doença dependente de hipófise × doença dependente de adrenal. Embora muitos dos cães com
hiperadrenocorticismo tenham HHD, em casos atípicos (p. ex., cão anorético com hiperadrenocorticismo) o
teste de diferenciação é apropriado. Em particular, a diferenciação de HHD (frequentemente macroadenomas)
de tumores de adrenal frequentemente é necessária em raças grandes.
O princípio do teste de supressão com alta dose de dexametasona (SADD) é que a hipersecreção de ACTH
autônoma pela hipófise pode ser suprimida por concentração suprafisiológica de esteroide. Cães com tumor de
adrenal produtor de cortisol autônomo tem maximamente suprimida a produção de ACTH mediante o
mecanismo de feedback normal; portanto, administração de dexametasona, não importando quão alta for a dose,
pode não suprimir a concentração sérica de cortisol. Em cães com HHD, entretanto, alta dose de dexametasona
é útil para suprimir o ACTH e, assim, a secreção de cortisol. Uma importante preocupação é que cães com
macroadenoma de hipófise (15 a 50% dos cães com HHD) falham em induzir supressão no teste de SADD.
A mensuração da concentração plasmática de ACTH endógeno é o método mais confiável de diferenciação
entre HHD e tumor de adrenal. Cães com tumores de adrenal têm concentração de ACTH baixa ou indetectável;
por outro lado, cães com HHD apresentam concentração de ACTH normal ou elevada. Recentemente,
pesquisadores verificaram que a adição do inibidor de protease, aprotinina, ao sangue total em tubos com EDTA
inibe a degradação de ACTH. As amostras podem ser coletadas, centrifugadas em uma centrífuga não
refrigerada e mantida por até 4 dias a < 4°C.
O diagnóstico por imagem da hipófise e da glândula adrenal pode ser obtido via radiografia abdominal,
ultrassonografia, tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM). As radiografias
abdominais devem ser realizadas em todos os cães que não mostram supressão no teste SADD; cerca de 30 a
50% dos cães com tumores de adrenal têm uma massa mineralizada na região das glândulas adrenais. A
ultrassonografia abdominal é o método mais sensível de identificação de tumores de adrenal. Além disso,
metástase hepática ou invasão na veia cava pode ser notada em cães com carcinoma de adrenal. Tomografia
computadorizada ou RM do cérebro ou da cavidade abdominal de cães que não responderam ao teste SADD
podem apresentar aumento unilateral da adrenal (50%), macroadenoma de hipófise (25%), ou microadenoma de
hipófise (25%).
TRATAMENTO E PROGNÓSTICO: Três opções de tratamento estão disponíveis para hiperadrenocorticismo canino.
Terapia medicamentosa, cirúrgica e radioativa têm sido utilizados com variados graus de sucesso.
Cães com HHD podem ser tratados utilizando o agente adrenolítico mitotano (o,p’–DDD), iniciando com
dose de indução de 25 a 50 mg/kg/dia, durante 7 a 10 dias. Os cães devem ser monitorados quanto ao
aparecimento de sinais de hiperadrenocorticismo, bem como anorexia, vômito e diarreia; caso ocorram tais
sintomas, a terapia com mitotano deve ser interrompida e substituída por glicocorticoide. O consumo de água ou
o apetite deve ser avaliado,a fim de saber o momento de finalizar a terapia; o consumo de água deve diminuir
para < 60 ml/kg/dia (cães). Depois de 7 a 10 dias de tratamento com mitotano ou da redução do consumo de
água ou alimento, deve­se realizar um teste de resposta ao ACTH para determinar se a supressão do cortisol é
adequada. Ambos os valores de cortisol, antes e após o uso de ACTH, devem situar­se na faixa normal. Para
manter a supressão da secreção de cortisol, administra­se 50 mg de mitotano/kg/semana. Os cães que recebem
tratamento prolongado com mitotano devem ser examinados e submetidos ao teste de resposta ao ACTH a cada
3 a 4 meses. Gradualmente, há necessidade de aumento das doses do medicamento para manter adequada
remissão dos sintomas.
Efeitos colaterais do mitotano na dose recomendada incluem irritação GI (vômito e anorexia), distúrbios do
SNC (ataxia, fraqueza, convulsão), hipoglicemia moderada e aumento moderado da atividade sérica de fosfatase
alcalina. Sintomas como depressão e ataxia podem ser aliviados fracionando a dose diária em duas partes iguais,
administradas em intervalo de 8 a 12 h. Persistência dos sintomas de SNC após interrupção do uso de mitotano
sugere expansão do macroadenoma de hipófise.
Relatos recentes mostraram eficácia do inibidor da enzima da adrenal, trislostano, no tratamento da HHD em
cães. Estudos em cães com hiperadrenocorticismo mostraram que o trilostano é um inibidor de esteroide efetivo,
com efeitos colaterais mínimos. O trilostano deve ser administrado diariamente e, com frequência, 2 vezes/dia,
para se obter diminuição na secreção de glicocorticoide pelas glândulas adrenais. A deficiência de
mineralocorticoides, que é reversível, pode também ser observada em pacientes que recebem trilostano; alguns
casos de necrose de adrenal com insuficiência persistente da glândula foram observados após a administração de
trilostano. Apenas recentemente disponível nos EUA, o trilostano pode ser uma razoável alternativa à terapia de
HHD com mitotano, em cães. Cães com desequilíbrio de esteroide sexual também pode se beneficiar da terapia
com trilostano porque o inibidor da enzima afeta precursores da síntese de cortisol, além de inibir a própria
síntese de cortisol.
A remoção cirúrgica de adenoma ou adenocarcinoma de adrenal unilateral pode ser indicada, em alguns
casos; contudo, complicações cirúrgicas e anestésicas (p. ex., hipotensão) podem ocorrer secudariamente ao
hipoadrenocorticismo, notados logo após a remoção cirúrgica da neoplasia. O tratamento medicamentoso de
tumor de adrenal é difícil porque eles tendem a ser resistentes aos efeitos do mitotano. Finalmente, se o cão
exibe sinais neurológicos (p. ex., anorexia, estupor ou convulsão) e se identifica um tumor grande de hipófise
(macroadenoma), indicada radioterapia na glândula hipófise. Entretanto, radioterapia é cara e consome tempo (3
semanas). Os resultados da radioterapia em cães mostram que esse é um método efetivo de tratamento, com
baixa morbidade; contudo, pode demorar vários meses para a regressão dos sintomas de HHD. Esses cães ficam
bem a longo prazo; todavia, devido à doença primária (tumor de hipófise) tem sido tratado.

HIRSUTISMO ASSOCIADO A ADENOMA DE HIPÓFISE INTERMEDIÁRIA (Hipertricose)


O hirsutismo desenvolve­se em equinos velhos (tipicamente de 18 anos e mais velhos) e está associado a
disfunção da parte intermediária da hipófise (DPIH) causada por adenoma de célula da parte intermediária da
hipófise. Este adenoma frequentemente comprime severamente o hipotálamo sobreposto, que é o principal
centro de regulação da homeostasia da temperatura corporal, apetite e ciclo de troca de pelos. Ademais, o
adenoma da parte intermediária secreta grande quantidade de hormônio estimulante de melanócitos alfa (HEM),
que participa no crescimento de pelos longos de inverno.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sintomas de DPIH incluem poliúria, polidipsia, diminuição do tônus

muscular, fraqueza, sonolência, distribuição anormal de tecido adiposo, tumefação da fossa periorbital, laminite,
maior suscetibilidade a doenças, febre intermitente e hiperidrose generalizada. O hirsutismo frequentemente se
torna evidente devido à falha no ciclo de troca sazonal de pelos. Antes de se notar hirsutismo generalizado os
equinos podem exibir pelos longos nos membros, no abdome ventral e no pescoço. Por fim, os pelos sobre a
maior parte do tronco e extremidades se tornam longos (maior que 10 a 12 cm), anormalmente espessos,
ondulantes e frequentemente emaranhados.
Adenomas da parte intermediária são os tumores de hipófise mais comuns em equinos. São amarelos a
brancos, multinodulares e incorporam a parte nervosa. Equinos com DPIH podem apresentar hiperglicemia
insulinorresistente e glicosúria, provavelmente devido ao aumento da concentração de cortisol e de outros
hormônios antagonistas da insulina.
Os teores plasmáticos de adrenocorticotropina imunorreativa e de alfa­HEM podem apresentar aumento estar
moderado a marcante. A concentração sanguínea de cortisol geralmente permanece na faixa de normalidade,
mas a falta de um ritmo diurno normal e a falha na supressão pela administração de dexametasona ocorrem
muito mais rapidamente do que em animais normais.
Hirsutismo associado à doença de Cushing. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.

DIAGNÓSTICO: Hiperglicemia e insensibilidade à insulina são sugestivas de adenoma de hipófise em equinos,


mas como ocorrem em equinos com síndrome metabólica, não são diagnosticados na DPIH. Outros achados
inespecíficos incluem eosinopenia, linfopenia e neutrofilia absoluta ou relativa, lipemia, hipercolesterolemia e
anemia normocitíca normocrômica discreta. As atividades das enzimas hepáticas podem estar aumentadas. Os
teores de eletrólitos geralmente são normais. Os resultados da urinálise são normais, exceto a ocorrência de
glicosúria ocasional e densidade específica baixa ou normal.
O diagnóstico definitivo se baseia em testes evocatórios ou na mensuração da concentração de ACTH
endógeno em repouso. Dexametasona (40 μg/kg IM) frequentemente não suprime o teor de cortisol para, no
mínimo, 30% do valor basal ou < 1 μg/dl; como acontece em equinos normais 6 a 15 h após a administração do
medicamento. Além disso, a concentração de cortisol retorna para 80% do valor basal, ou mais, 24 h após a
administração de dexametasona em equinos com DPIH. Os equinos normais apresentam supressão do teor de
cortisol 24 h após o uso de dexametasona. Equinos com DPIH reagem com uma resposta exagerada à
administração de domperidona. O aumento da concentração plasmática de ACTH endógeno em 200%, ou mais,
do valor basal 2 a 4 h após aplicação de 5,0 mg de domperidona/kg VO é compatível com DPIH.
Os diagnósticos diferenciais incluem síndromes que resultam em debilidade crônica, por exemplo, manejo e
dieta inadequados, parasitismo e doenças sistêmicas crônicas. Poliúria e polidipsia (PU/PD) devem ser
diferenciadas de PU/PD decorrentes de doença renal crônica ou diabetes insípido. Hiperglicemia, glicosúria e
PU/PD devem ser diferenciadas daquelas causadas por diabetes melito primário. Alta concentração de insulina
ou aumento na proporção glicose:insulina deve ser diferenciado de hiperinsulinemia primária (síndrome
metabólica equina). Feocromocitoma (ver p. 621) pode causar hiperidrose, hiperglicemia e taquipneia, embora
normalmente não sejam funcionais e apenas são encontrados acidentalmente na necropsia. Diagnósticos
diferenciais de hirsutismo inclui informação de que o paciente é da raça Bashkir Curly ou tem uma anomalia
congênita com pelame ondulado. Não há outra condição conhecida na qual nota­se pelame longo e ondulado em
equinos adultos. Por essa razão, o hirsutismo pode ser considerado um indicador de diagnóstico positivo para
DPIH.
TRATAMENTO: Equinos com DPIH são relativamente frágeis, com fraca função imune. Assim, requerem mais
cuidados em uma criação normal. Pergolida, um agonista dopaminérgico, atualmente é o único agente que se
mostra capaz de reduzir a concentração de ACTH endógeno em equinos com DPIH. A dose inicial é 0,006 a
0,01 mg/kg VO, 1 vez/dia. Isso tipicamente resulta em uma dose de 0,5 a 1 mg/dia. Se essa dose não resulta em
melhora dos sinais clínicos e nos testes endocrinológicos, ela deve ser aumentada gradualmente. Efeitos
colaterais relatados com a terapia com pergolida incluem depressão e anorexia. Frequentemente esses sintomas
são transitórios e regridem com o tempo. Se não se curam, a dose pode ser diminuída ou fracionada e
administrada 2 vezes/dia. Embora, o uso de cipro­heptadina não tenha sido documentado como capaz de melhor
os sinais clínicos, relata­se o emprego de dose de 0,6 a 1,2 mg/kg VO, 1 vez/dia, para tratamento de DPIH. Há
relatos anedóticos de que a combinação de cipro­heptadina e pergolida tem efeito sinérgico e que os efeitos são
melhores do que aqueles verificados com o uso exclusivo de pergolida. Trilostano, um inibidor competitivo da
3­beta­hidroxiesteroide desidrogenase, pode ser benéfico em equinos, mas seu custo é proibitivo.

PAN-HIPOPITUITARISMO DE INÍCIO ADULTO

Tumores de hipófise não funcionais, endocrinologicamente inativos, desenvolvem­se mais comumente em


animais adultos a idosos; parece não haver predisposição racial. A causa mais comum é um adenoma
cromófobo que surge na parte distal. Outras causas infrequentes incluem extensa destruição inflamatória do
tecido hipofisário, necrose isquêmica da hipófise devido ao infarto decorrente da invasão de células tumorais,
embolia séptica ou parasitária, necrose difusa associada a toxemia, invasão neoplásica oriunda de estruturas
adjacentes (p. ex., meninges, osso esfenoide, cavidade nasal etc.), e hemorragia generalizada e cicatrização após
lesão traumática. Cães e gatos com adenomas não funcionais desenvolvem distúrbios clínicos relacionados com
a deficiência de secreção de hormônio trófico da hipófise e menor função de órgãos­alvo ou disfunção do SNC.
ACHADOS CLÍNICOS: Os animais acometidos frequentemente apresentam depressão e incoordenação e sofrem
colapso quando submetidos a exercício. Ocasionalmente, exibem mudança de comportamento, não respondem
ao comando de pessoas e tendem a se esconder à menor provocação. Em casos crônicos, pode haver evidência
de cegueira, com pupilas fixas e dilatadas, devido à compressão e ruptura do nervo óptico pela extensão dorsal
do tumor de hipófise. Os cães acometidos frequentemente exibem perda de peso progressiva, com atrofia
muscular, em razão do menor efeito anabólico da proteína do hormônio do crescimento. A compressão de
células que secretam hormônios gonadotróficos ou o correspondente hormônio liberador pelo hipotálamo resulta
em atrofia das gônadas. Os distúrbios do balanço hídrico se devem à interferência na síntese do hormônio
antidiurético ou de sua liberação em capilares da parte nervosa. Lobo posterior, pedúnculo infundibular e
hipotálamo são comprimidos ou invadidos por células neoplásicas.
Animais com hipopituitarismo parecem desidratados, apesar do maior consumo de água. Cães e gatos com
grande tumor de hipófise não funcional normalmente excretam grande volume de urina diluída, com baixa
densidade específica (= 1,007). Os sinais clínicos não são muito específicos e podem ser confundidos com
outras anormalidades do SNC (p. ex., tumor cerebral ou encefalite) ou doença renal crônica.
O hipopituitarismo causado por tumor hipofisiário deve ser incluído no diagnóstico diferencial de doenças
caracterizadas por incoordenação, depressão, poliúria, cegueira e mudança súbita de humor, em animais adultos
ou idosos. Devido à cegueira de origem central, no exame oftálmico normalmente não se constata lesão
significante. A estatura corporal não é influenciada pela compressão da parte distal e pela provável interferência
da secreção do hormônio do crescimento porque normalmente esses tumores surgem em cães já totalmente
desenvolvidos. Periquitos com adenoma cromófobo frequentemente desenvolvem exoftalmia devido à
disseminação de células neoplásicas ao longo do nervo óptico.
Lesões: Adenomas de hipófise endocrinologicamente inativos normalmente alcançam tamanho considerável,
antes que causem sintomas evidentes ou morte. As células tumorais em proliferação incorporam as estruturas
restantes da adeno­hipófise e do pedúnculo infundibular. Todo o hipotálamo pode ser comprimido e substituído
pelo tumor.
Em cães e gatos com grande adenoma de hipófise, as glândulas tireoides frequentemente são menores do que
o normal, embora em grau muito menor do que o córtex da adrenal. As glândulas adrenais são menores e
consistem principalmente de tecido medular rodeado por uma estreita camada de córtex. Os túbulos seminíferos
são pequenos e mostram pouca evidência de espermatogênese ativa.
Atrofia cutânea e perda de massa muscular podem estar relacionadas com os deficientes efeitos anabólicos da
proteína do hormônio do crescimento, em cães ou gatos adultos. A interferência com a secreção de hormônios
tróficos de hipófise frequentemente resulta em atrofia de gônadas, resultando também em diminuição da libido
ou anestro.

PAN-HIPOPITUITARISMO DE INÍCIO JUVENIL (Nanismo Hipofisário)


Nanismo hipofisário ocorre mais frequentemente em cães da raça Pastor Alemão, mas há relato em outras raças,
como Spitz, Pinscher miniatura e Karelian Bear Dog. Essa anormalidade é hereditária, com característica
autossômica recessiva simples.
O nanismo hipofisário normalmente está associado a falha do ectoderma orofaringiano do ducto da faringe
cranial (bolsa de Rathke) em se diferenciar em células tróficas do hormônio secretor da parte distal. Em
consequência, a adeno­hipófise não se desenvolve completamente. Uma segunda causa mais comum é o
craniofaringioma, um tumor benigno derivado do ectoderma da orofaringe da bolsa de Rathke. Comparado com
outros tipos de neoplasias da hipófise, esses tumores tendem a se desenvolver em cães mais jovens. Os
craniofaringiomas causam secreção subnormal do hormônio do crescimento, resultando em nanismo.
ACHADOS CLÍNICOS: Os filhotes de cães com nanismo são indistinguíveis dos irmãos de ninhada normais, até
que completem 2 meses de idade. Subsequentemente, nota­se evidência gradativa de taxa de crescimento mais
lenta, comparada com os irmãos de ninhada, retenção da pelagem de filhote e falta de pelos de proteção
primários. Cães da raça Pastor Alemão com nanismo hipofisário se parecem com coiote ou raposa, devido seu
pequeno tamanho e pelame espesso e macio. Alopécia bilateral simétrica se desenvolve gradualmente e, com
frequência, se generaliza, exceto na cabeça e com tufos de pelos nos membros. A dentição permanente é
retardada ou completamente ausente. O fechamento das epífises também é retardado por tanto tempo quanto 4
anos, dependendo da gravidade da insuficiência hormonal; deve­se à deficiência de ambos, hormônio
estimulante da tireoide e hormônio do crescimento. Os testículos e o pênis são pequenos, a calcificação do osso
peniano é retardada ou incompleta e o prepúcio peniano é flácido. O córtex do ovário é hipoplásico e o cio é
irregular ou ausente. A expectativa de vida é curta devido à disfunção endócrina secundária, como
hipotireoidismo e hipoadrenocorticismo. Filhotes de cães com pan­hipopituirarismo frequentemente tem latido
estridente.
Lesões: Os cistos hipofisários são preenchidos com muco e, por fim, ocupam toda a hipófise, resultando em
grave compressão da parte nervosa e do pedúnculo infundibular. Craniofaringiomas são massas grandes, sólidas,
císticas que se estendem ao hipotálamo. Podem também crescer ao longo da parte ventral do cérebro, onde a
incoorporação de vários nervos craniais resulta em disfunções de nervos específicos.
DIAGNÓSTICO: Os teores de tiroxina, tri–iodotironina e cortisol encontram­se diminuídos ou no limite inferior de
normalidade. Naqueles animais com suspeita de alteração no teor de hormônio basal, a resposta ao desafio com
tireotropina ou adrenocorticotropina exógena é subnormal devido à hipoplasia ou atrofia da tireoide ou do
córtex da adrenal. Outros testes auxiliares de diagnóstico úteis incluem: comparação entre as alturas dos irmãos
de ninhada, evidência de atraso no fechamento epifisário ou disgenesia em radiografias do esqueleto e biópsia
de pele. Lesões cutâneas incluem hiperqueratose, queratose folicular, hiperpigmentação, atrofia de anexos,
perda das fibras elásticas e perda da rede de fibras de colágeno na derme. Nota­se ausência de eixo piloso e os
folículos pilosos se apresentam principalmente na fase telógena do ciclo de crescimento.
A atividade da somatomedina C (fator de crescimento semelhante à insulina 1) é baixa em cães com nanismo.
Nota­se atividade da somatomedina C intermediária em progenitores fenotipicamente normais, suspeitos de
serem portadores heterozigotos. Testes para somatomedina C propiciam uma mensuração indireta da atividade
do hormônio do crescimento circulante, em cães com suspeita de nanismo hipofisário. Relata­se que, em cães, o
valor basal circulante de hormônio do crescimento é detectável, porém baixo (faixa normal: 1,75 ± 0,17 mg/ml),
em animais com nanismo hipofisário e não se eleva depois de um teste com injeção de clonidina (30μg/kg IV)
que provoca secreção, como acontece em cães normais. Hipersensibilidade à insulina foi demonstrada em cães
com nanismo hipofisário, provavelmente devido à alteração na quantidade de receptores de insulina ou da
afinidade de ligação em resposta a baixo teor de hormônio do crescimento.

TUMORES NÃO FUNCIONAIS DA HIPÓFISE

Esses tumores são incomuns na maioria das espécies. Os adenomas cromófobos parecem endocrinologicamente
inativos, mas podem causar atrofia por compressão de porções adjacentes à hipófise e estender­se adjacente ao
cérebro. Distúrbios clínicos ocorrem, também, devido à falta de secreção de hormônios tróficos da hipófise e da
menor função do órgão­alvo (p. ex., córtex da adrenal), ou disfunção do SNC. Animais acometidos
frequentemente apresentam depressão, incoordenação e fraqueza e podem entrar em colapso quando submetidos
a exercícios (ver p. 587).
Os adenomas de hipófise endocrinologicamente inativos com frequência atinge tamanho considerável antes
de causarem sintomas óbvios (ou óbito). A proliferação de células tumorais incorpora estruturas remanescentes
da adeno­hipófise e do pedúnculo infundibular. Todo o hipotálamo todo ser comprimido e substituído pelo
tumor.

GLÂNDULA TIREOIDE

Todos os vertebrados apresentam glândula tireoide. Em mamíferos, normalmente é bilobada e localiza­se


imediatamente caudal à laringe, adjacente à face lateral da traqueia. Os dois lobos podem ser conectados por um
istmo fibroso (p. ex., em ruminantes, equinos), ou um istmo conector pode ser indistinto (p. ex., cães, gatos). A
glândula é altamente vascularizada. Em pássaros, situa­se na cavidade torácica; ambos os lobos se localizam
próximo à laringe inferior, adjacente à artéria carótida, próximo à origem da artéria vertebral.
Tecido tireoidiano ectópico ou acessório é relativamente comum na maioria das espécies, especialmente em
cães e gatos. Pode ser encontrado em qualquer parte da laringe até o diafragma e pode ser responsável pela
manutenção da função tireoidiana normal após tireoidectomia. Ademais, no tecido tireoidiano ectópico
ocasionalmente é o local de hiperplasia ou neoplasia.
FISIOLOGIA: Os hormônios da tireoide são os únicos compostos orgânicos iodados do corpo. Tiroxina (T4) é o
principal produto secretado pela glândula tireoide normal. Entretanto, a tireoide também secreta 3,5,3´­tri­
iodotironina (T3), T3 reverso e outros metabólitos iodados. T3 é cerca de 3 a 5 vezes mais potente do que T4,
enquanto T3 reverso é uma substância que mimetiza a função tireoidiana, porém é inativo.
Contudo, todo T4 é secretado na tireoide e uma quantidade considerável de T3 é derivada do T4; portanto, T4
tem sido considerado um pró­hormônio. Sua ativação em T3, mais potente, é uma etapa regulada
individualmente por tecidos periféricos.
A secreção de hormônio tireoidiano é controlada principalmente por feedback negativo, mediante uma
resposta coordenada do eixo hipotálamo­hipófise­tireoidiano: o hormônio liberador da tireotropina (TRH) liga­
se à célula tireotrófica na hipófise e estimula a secreção de tireotropina (hormônio estimulante da tireoide,
TSH), que se liga à membrana da célula folicular e estimula a síntese e secreção do hormônio da tireoide.
Os hormônios tireoidianos são complexos lipofílicos insolúveis em água, que se ligam às proteínas
plasmáticas (ligação proteína–tireoxina, ligação pré­albumina­tireoxina [transtiretina] e albumina). A principal
função da ligação proteína­hormônio da tireoide provavelmente é propiciar uma reserva de hormônio no plasma
e distribuir um hormônio “tampão” no tecido. No animal com função de tireoide normal, 0,1% do T4 total sérico
encontra­se livre (não ligado à proteína), ao passo que cerca de 1% do T3 circulante é livre. Evidências atuais
sugerem que as frações de T4 livre e T3 livre circulante determinam qual quantidade de hormônio está
disponível para absorção pelo tecido.
AÇÃO DOS HORMÔNIOS DA TIREOIDE: Os hormônios da tireoide atuam em vários mecanismos celulares;
entretanto, nenhuma reação ou evento metabólico pode ser equiparado com a ação destes hormônios. Contudo,
ambos T4 e T3 têm atividade metabólica intrínseca; T3 é 3 a 5 vezes mais potente quanto à ligação a receptores
nucleares e similarmente mais potente na estimulação de consumo de oxigênio.
Efeitos dos hormônios da tireoide geralmente são incluídos em duas categorias: aqueles que se manifestam
minutos a horas após ligação com o receptor do hormônio e não requerem síntese de proteína; e aqueles que se
manifestam tardiamente (normalmente > 6 h) e requerem síntese de novas proteínas. Cerca de metade do
aumento do consumo de oxigênio induzido por hormônios da tireoide está relacionado com a ativação da
Na+/K+ATPase ligada à membrana­plasma; hormônios da tireoide também estimulam o consumo de oxigênio
pelas mitocôndrias. Essas alterações são diretamente ligadas ao efeito termogênico dos hormônios da tireoide.
Outros efeitos crônicos invariavelmente estão relacionados com a ação celular que requer interação com
receptores nucleares de T3, seguida de importante aumento na síntese de proteína para os processos fisiológicos,
como crescimento, diferenciação, proliferação e maturação.
Os hormônios tireoidianos, em concentrações fisiológicas, são anabólicos. Em conjunção com o hormônio do
crescimento e a insulina, estimula a síntese de proteína e a reduz a excreção de nitrogênio. Entretanto, em
excesso (hipertireoidismo), podem ser catabólicos, com aumento da gliconeogênese, quebra de proteínas e perda
de nitrogênio.

AUMENTO NÃO NEOPLÁSICO DA GLÂNDULA TIREOIDE (Bócio)


O aumento da glândula tireoide é, por definição, bócio. Aumento da tireoide não neoplásico e não inflamatório é
verificado em todos os mamíferos domésticos, bem como em aves. As principais causas de bócio são
deficiência de iodo, ingestão de substância bociogênicas, excesso de iodo na dieta e defeitos hereditários da
enzima que participa na biossíntese de hormônios da tireoide. Muitos animais com bócio parecem que se
mantêm eutireóideos, mas sinais clínicos de hipotireoidismo podem se desenvolver em alguns pacientes,
especialmente em recém­nascidos.
DEFICIÊNCIA DE IODO: Hiperplasia de tireoide devido à deficiência de iodo era comum em muitas regiões
bociogênicas, em todo o mundo, antes da suplementação generalizada de sal iodado à dieta dos animais.
Embora surtos de bócio por deficiência de iodo atualmente sejam esporádicos e menos animais são acometidos,
a deficiência de iodo é ainda responsável pela ocorrência de bócio não neoplásico em animais domésticos de
grande porte.
Os átomos de iodo são componentes dos hormônios tireoidianos tiroxina e tri­iodotironina; assim, a
deficiência de iodo reduz a habilidade da tireoide em sintetizar esses hormônios. Com baixa concentração de
hormônio tireoidiano circulante, a hipófise secreta mais hormônio estimulador da tireoide (TSH), que atua como
um estímulo para hiperplasia da glândula tireoide e subsequente desenvolvimento de bócio. A glândula
hiperplásica pode compensar, e normalmente faz isso, a menor disponibilidade de iodo; portanto, bócio não é,
de modo algum, sinônimo de hipotireoidismo. A tireoide fetal é mais suscetível aos efeitos de alta e baixa
ingestão de iodo; animais nascidos de fêmeas que recebiam dieta deficiente em iodo são mais sujeitos ao
desenvolvimento de aumento grave da tireoide e de sinais clínicos de hipotireoidismo.
O bócio causado por deficiência de iodo é mais comum em cordeiros, bezerros e leitões recém­nascidos, em
regiões com deficiência de iodo. Os lobos da tireoide do animal jovem normalmente são pelo menos duas vezes
maior que o tamanho normal, macia e vermelho­escura. Em casos graves, é acompanhada de falta de pelos
(especialmente em suínos) ou lã (cordeiros). No pescoço normalmente nota­se aumento de volume evidente e a
pele e outros tecidos podem estar espessados, flácidos e edematosos. Em animais discretamente afetados, o
tratamento com sal iodado (contendo > 0,007% de iodo) pode curar o bócio e os sintomas associados, mas
muitos animais morrem antes ou logo após o nascimento. Profilaxia é mais efetiva do que tratamento. O uso de
sal iodado estabilizado é recomendado em todas as áreas conhecidas ou suspeitas de serem deficientes em iodo.
TOXICIDADE AO IODO: Bócio e hipotireoidismo acometem potros que recebem excesso de iodo durante a
gestação. Éguas suplementadas com = 35 mg de iodo/dia podem gerar potros acometidos. Os sinais clínicos
variam e podem incluir bócio, fraqueza e anormalidades musculoesqueléticas. Éguas são assintomáticas,
invariavelmente. O quadro clínico dos potros pode melhorar ou recuperar assim que o excesso de iodo é
removido.
SUBSTÂNCIAS BOCIOGÊNICAS: Algumas plantas podem ocasionar bócio quando ingeridas em quantidade

suficiente, especialmente na ausência de adequada ingestão de iodo. Sojas são as mais notáveis; repolho, couve
e nabo são menos bociogênicos. Cozimento ou aquecimento (e o processamento normal do farelo de soja)
destrói a agente bociogênico presente nessas plantas. Todas as substâncias bociogênicas atuam interferindo na
produção de hormônio da tireoide. Como na deficiência de iodo, a hipófise responde a baixo teor de hormônio
tireoidiano circulante aumentando a secreção de TSH, o que resulta em aumento da tireoide. Em animais adultos
normalmente a doença não é significante, mas em recém­nascidos pode­se desenvolver intenso aumento da
tireoide e hipotireoidismo.
HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO E SÍNDROME DA DISFUNÇÃO DE MATURIDADE EM POTROS: Essa síndrome de
potros neonatos, primeiramente relatada no início da década de 1980, é caracterizada por hiperplasia da tireoide,
bócio e anormalidades musculoesqueléticas congênitas múltiplas. É mais comum no oeste do Canadá; também,
foi observada no noroeste do Pacífico e esporadicamente em outras regiões dos EUA. Não há predileção sexual
ou por raça. Potros com essa síndrome nascem depois de uma gestação prolongada (300 a 400 dias), mas
parecem imaturos, com orelhas moles, fraqueza muscular e desenvolvimento esquelético incompleto. Defeitos
musculoesqueléticos comuns incluem deformidades de flexura de membro torácico, ruptura de tendões do
músculo extensor do dígito comum, prognatia mandibular e imaturidade dos ossos do carpo e do tarso. Vários
casos podem surgir na fazenda, sem recidiva nos anos subsequentes. A causa primária é desconhecida, mas pode
ser decorrência de dieta com alto teor de nitrato (p. ex., alimento verde), juntamente com baixa ingestão de iodo
ou consumo de bociogênico não identificado. Muitos potros acometidos também morrem ou são submetidos à
eutanásia na primeira semana de vida.
BÓCIO DISORMONOGENÉTICO FAMILIAR:
Tem sido relatado em ovelhas, bezerros, cabras e suínos; parece ser herdado como uma característica
autossômica recessiva. Essencialmente, é um defeito genético da enzima que atua na biossíntese de hormônio da
tireoide. Como acontece na deficiência de iodo, a baixa produção de hormônio tireoidiano ocasiona maior
secreção de TSH e, subsequentemente, bócio. Os sinais clínicos podem incluir taxa de crescimento subnormal,
ausência de desenvolvimento normal de lã ou pelame escasso, edema mixedematoso nos tecidos subcutâneos e
fraqueza. Muitos animais acometidos morrem logo após o nascimento ou são muito sensíveis às condições
adversas do ambiente.

HIPERTIREOIDISMO

Excessiva secreção dos hormônios da tireoide, T4 e T3, resulta em sintomas que refletem aumento da taxa
metabólica e provoca hipertireoidismo clínico. Isso é mais comum em gatos jovens a idosos, mas também pode
se desenvolver raramente em cães.
O adenoma de tireoide funcional (hiperplasia adenomatosa) é a causa mais comum de hipertireoidismo felino;
em cerca de 70% dos casos, ambos os lobos da tireoide encontram­se hipertrofiados. O carcinoma de tireoide,
causa primária de hipertireoidismo em cães, é raro em gatos (1 a 2% dos casos de hipertireoidismo).
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Os sinais mais comuns incluem perda de peso, aumento do apetite,
hiperexcitabilidade, polidipsia, poliúria e aumento palpável da glândula da tireoide. Sintomas GI também são
comuns e podem incluir vômito, diarreia e maior volume fecal. Os sintomas cardiovasculares incluem
taquicardia, sopro cardíaco sistólico, dispneia, cardiomegalia e insuficiência cardíaca congestiva. Raramente,
gatos com hipertireoidismo apresentam sinais de apatia (p. ex., anorexia, letargia e depressão); perda de peso é
um sinal comum nesses gatos.
A alta concentração sérica basal de hormônio tireoidiano total é característica de hipertireoidismo e confirma
o diagnóstico. Embora na maioria dos gatos com hipertireoidismo a concentração sérica de T4 total seja alta,
cerca de 5 a 10% dos gatos têm valor normal de T4. Muitos gatos com teor sérico de T4 normal, também
apresentam hipertireoidismo inicial ou discreto ou hipertireoidismo com doença extratireoidiana concomitante,
que causa supressão da alta concentração de T4 total para valor nos limites da faixa de normalidade. Nesses
gatos, uma alta concentração de T4 livre, juntamente com as informações obtidas na anamnese e os achados de
exame físico consistentes, é indicador diagnóstico de hipertireoidismo.
TRATAMENTO: Gatos com hipertireoidismo pode ser tratado com iodo radioativo, tireoidectomia ou
administração prolongada de um medicamento antitireoide. O iodo radioativo é um tratamento simples, efetivo
e seguro, sendo considerado a terapia de escolha. O iodo radioativo se concentra no tumor de tireoide, onde
seletivamente irradia e destrói o tecido tireoidiano hiperfuncional.
Tireoidectomia também é um tratamento efetivo para hipertireoidismo, em gatos. No caso de tumor de
tireoide unilateral, a hemitireoidectomia corrige o estado de hipertireoidismo e geralmente não é necessária
suplementação com tireotoxina. Para tumores de tireoide bilaterais, indica­se tireoidectomia total, mas a função
da paratireoide deve ser preservada para evitar hipocalcemia pós­operatória. A suplementação com tirotoxina
deve ser iniciada 1 a 2 dias apóstireodectomia total. Caso se desenvolva hipoparatireodismo iatrogênico,
também indica­se tratamento com vitamina D e cálcio.
O tratamento com metimazol, um medicamento antitireoide, controla o hipertireoidismo por bloquear a
síntese do hormônio da tireoide. Propiltiouracila, outro medicamento antitireoide, não é recomendado para gatos
devido à alta taxa de reações adversas graves (especialmente anemia hemolítica e trombocitopenia). A dose
diária inicial de metimazol recomendada é 5 a 10 mg, fracionada em 2 doses. A dose é ajustada para manter a
concentração de hormônio da tireoide circulante dentro da faixa normal; é fornecido diariamente. Reações
adversas, sendo as mais graves agranulocitose e trombocitopenia, desenvolvem­se em < 5% dos gatos tratados.
Se isso ocorrer, deve­se interromper o uso de metimazol e instituir terapia de suporte; essas reações adversas
devem regredir dentro de 2 semanas. Para manter teor normal de hormônio da tireoide e para monitorar as
reações adversas durante nos 3 primeiros meses de tratamento (quando ocorre a maioria das reações adversas
graves associadas à terapia com metimazol), deve­se repetir o hemograma completo e a determinação sérica do
hormônio de tireoide em intervalos de 2 a 4 semanas, bem como ajustar a dose do medicamento, se necessário.
Subsequentemente, as concentrações de T4 sérico devem ser mensuradas em intervalos de 3 a 6 meses, para
monitorar a dose e a resposta ao tratamento.
No caso de reação adversa, pode ser necessário o emprego de outra terapia medicamentosa, em vez de
metimazol. Na maioria dos casos, essas terapias medicamentosas alternativas são para uso a curto prazo e
apenas recomendadas antes de uma opção de tratamento mais permanente.
O propranolol e o atenolol são os bloqueadores de beta­adrenorreceptor mais frequentemente utilizados em
gatos com hipertireoidismo. Esses medicamentos não diminuem a concentração de T4 circulante, mas são
utilizados no controle sintomático de taquicardia, taquipneia, hipertensão e hiperexcitabilidade associadas ao
hipertireoidismo.
Agentes colecistográficos de uso oral (p. ex., ipodato, ácido iopanoico ou diatrizoato meglumina) inibem
bruscamente a conversão periférica de T4 a T3. Em um estudo com gatos com hipertireoidismo, a administração
de ipodato de cálcio normalizou a concentração sérica de T3 total e propiciou melhora clínica em > 60% dos
gatos tratados. Atualmente o ipodato (308 mg de iodo/500 mg de ipodato de cálcio) não é mais comercializado,
pelo menos nos EUA, mas há relatos anedóticos de uso de ácido iopânico (333 mg de iodo/500 mg de ácido
iopanoico) e diatrizoato meglumina (370 mg de iodo/ml) em gatos com hipertireoidismo, em doses
comparáveis. Nenhum desses medicamentos propicia cura completa dos sinais clínicos ou das características
bioquímicas associadas a hipertireoidismo. Ademais, é comum a diminuição dos efeitos na tireoide após 3
meses de terapia com qualquer desses medicamentos.
Em cães, um tumor de tireoide que causa hipertireoidismo sempre deve ser considerado um carcinoma, até
que se prove o contrário. Esse é diferente do observado em gatos com hipertireoidismo, nos quais a prevalência
de carcinoma de tireoide é < 5%.
O tratamento de neoplasia de tireoide e de hipertireoidismo, em cães, depende do tamanho do tumor primário,
da extensão da invasão do tecido local, da presença de metástase detectável e das opções de tratamentos
disponíveis. Pode­se indicar cirurgia, quimioterapia, radiação com cobalto e iodo radioativo, sozinhos ou em
combinações, dependendo do indivíduo. O controle médico do estado de hipertireoidismo pode ser obtido pela
administração diária de um medicamento antitireoide, como metimazol ou carbamazol (5 a 15 mg/cão, 2
vezes/dia), mas este tratamento médico não evita o crescimento do tumor ou a ocorrência de metástase. Como o
hipertireoidismo canino quase sempre está associado a carcinoma de tireoide, o prognóstico a longo prazo para
esses cães é ruim.

HIPOTIREOIDISMO

No hipotireoidismo, o prejuízo à produção e à secreção de hormônios da tireoide resulta em diminuição da taxa


metabólica. Este distúrbio é mais comum em cães, mas também raramente é notado em outras espécies,
inclusive gatos, equinos e outros animais domésticos de grande porte.
ETIOLOGIA: Embora a disfunção em qualquer parte do eixo hipotálamo­hipófise­tireoidiano possa resultar em
deficiência de hormônio da tireoide, > 95% dos casos clínicos de hipotireoidismo em cães parecem resultar de
destruição da própria glândula tireoide (hipotireoidismo primário). A segunda causa mais comum de
hipotireoidismo primário de início adulto, em cães, incluem tireoidite linfocitária e atrofia idiopática da tireoide.
Tireoidite linfocitária, provavelmente imunomediada, é caracterizada histopatologicamente pela infiltração
difusa da glândula por linfócitos, plasmócitos e macrófagos e resulta em progressiva destruição dos folículos e
fibrose secundária. Atrofia idiopática da glândula tireoide é caracterizada histologicamente pela perda do
parênquima tireoidiano e sua substituição por tecido adiposo (ver p. 882).
Em cães, a causa mais comum de hipotireoidismo secundário é a destruição da tireotrofos da hipófise pela
expansão e ocupação do espaço por tumor. Devido à natureza não seletiva da atrofia compressiva e substituição
do tecido da hipófise por tumor grande; também, normalmente ocorrem deficiências de outros (um ou mais)
hormônios da hipófise.
Outras formas raras de hipotireoidismo em cães incluem destruição neoplásica do tecido tireoidiano e
hipotireoidismo congênito (ou de início juvenil). Hipotireoidismo primário congênito pode resultar de uma ou
várias formas de disgenesia da tireoide (p. ex., atireose, hipoplasia de tireoide) ou de disfunção na produção de
hormônio (normalmente uma inabilidade hereditária em tornar o iodo em sua forma orgânica). Hipotireoidismo
secundário congênito (associado a sinais clínicos de nanismo desproporcional, letargia, anormalidades no andar
e constipação intestinal) tem sido relatado em cães das raças Schnauzer gigante, Fox Terrier toy e Scottish
Deerhound. Hipotireoidismo secundário congênito também tem sido relatado no cão Pastor Alemão com
nanismo hipofisário associado a bolsa de Rathke cística. Entretanto, o grau de deficiência de TSH nesses cães é
variável e os sinais clínicos, em geral, são causados por deficiência de hormônio do crescimento (em vez de
hormônio da tireoide).
Em gatos, hipotireoidismo iatrogênico é a forma mais comum. O hipotireoidismo se desenvolve nesses gatos
depois do tratamento de hipertireoidismo com iodo radioativo, tireoidectomia ou uso de um medicamento
antitireoide. Embora, o hipotireoidismo de ocorrência natural seja uma anormalidade extremamente rara em
gatos adultos, estes animais também podem manifestar hipotireoidismo congênito ou de início juvenil. As
causas conhecidas de hipotireoidismo congênito em gatos incluem defeitos na biossíntese de hormônio
intratireoidiana (disfunção na produção de hormônio), uma inabilidade da glândula tireoide em responder ao
TSH, e disgenesia da tireoide. Todos os gatos diagnosticados com hipotireoidismo apresentavam a forma
primária (tireoidiana). Hipotireoidismo secundário (hipofisário) ou terciário (hipotalâmico) não foi bem descrito
em gatos, jovens e adultos, mas há relato da doença após grave traumatismo craniano.
Em potros, pode­se desenvolver hipotireoidismo congênito quando éguas prenhes consome pastagem que
contém substância bociogênicas, ou que são alimentadas com dieta deficientes ou que contém quantidade
excessiva de iodo. Mais comumente, o hipotireoidismo congênito desenvolve­se em associação com uma
síndrome neonatal específica do potro caracterizada por hiperplasia da glândula tireoide, juntamente com
anomalias musculoesqueléticas congênitas múltiplas. Essa síndrome, relatada mais comumente no oeste do
Canadá, foi denominada como síndrome de deformidades musculoesqueléticas e hiperplasia de tireoide ou
síndrome da dismaturidade ou hipotireoidismo congênito e pode estar relacionado o fornecimento de dieta com
alto teor de nitrato a éguas prenhes (ver p. 591). Em equinos adultos, a ocorrência de hipotireoidismo parece
muito rara, mas, como em outras espécies, é comumente erroneamente diagnosticado.
ACHADOS CLÍNICOS: Embora a idade de início da doença seja variável, o hipotireoidismo é mais comum em
cães com 4 a 10 anos de idade. O hipotireoidismo, normalmente acomete raças de porte médio a grande, sendo
raro em cães de raças pequenas e toy. As raças relatadas predispostas incluem Golden Retriever, Doberman
Pinscher, Setter Irlandes, Schnauzer miniatura, Dachshund, Cocker Spaniel e Airedale Terrier. Parece não
haver predileção sexual, mas fêmeas castradas parecem mais suscetíveis a hipotireoidismo do que fêmeas não
castradas.
A deficiência de hormônio da tireoide interfere na função de todos os sistemas orgânicos; como resultado, os
sinais clínicos são difusos, variáveis, frequentemente inespecíficos e raramente patognomônicos. Embora a
doença deva ser altamente suspeita, deve­se evitar valorização excessiva do diagnóstico porque muitas doenças,
especialmente aquelas de pele, podem facilmente ser diagnosticadas erroneamente como hipotireoidismo.
Muitos dos sinais clínicos associados a hipotireoidismo canino estão diretamente relacionados com o retardo
do metabolismo celular, que resulta em embotamento mental, letargia, intolerância ao exercício e ganho de peso,
sem correspondente aumento do apetite. Em alguns cães, nota­se obesidade moderada ou marcante. A
dificuldade de manter a temperatura corpórea pode ocasionar hipotermia evidente; o clássico cão com
hipotireoidismo é aquele que procura uma fonte de calor. Alterações na pele e no pelame são comuns. Pelos
secos, queda excessiva e retardo de crescimento, novamente, são as principais alterações cutâneas. Em cerca de
2/3 dos cães com hipotireoidismo, notam­se queda de pelos sem prurido ou alopécia (normalmente simétrica
bilateral) que pode envolver as partes ventral e lateral do tronco, a face posterior das coxas, o dorso da cauda, a
região ventral do pescoço e o dorso do nariz. Alopécia, às vezes associada a hiperpigmentação, frequentemente
surge em partes do pelame. Ocasionalmente, nota­se piodermite secundária (que pode causar prurido).
Em casos moderados a graves, ocorre espessamento da pele secundário ao acúmulo de glicosaminoglicanos
(sobretudo ácido hialurônico) na derme. Em tais casos, mixedema é mais comum na testa e na face, resultando
em uma aparência inchada nas pregas da pele acima dos olhos. Essas pregas, juntamente com ligeiro
dobramento sobre os olhos, dão à alguns cães uma expressão de face “trágica”. Essas alterações também foram
relatadas no trato GI, coração e músculo esquelético.
Em cães não castrados, o hipotireoidismo pode causar vários distúrbios reprodutivos em fêmeas, ausência de
cio (anestro) ou cio esporádico, infertilidade, abortamento ou baixa taxa de sobrevivência de fetos. Em machos,
nota­se falta de libido, atrofia testicular, hipospermia ou infertilidade.
Coma mixedematosa é uma síndrome rara; é a extrema manifestação do hipotireoidismo grave. O curso pode
ser agudo; letargia progride a estupor e, então, coma. Os sinais comuns de hipotireoidismo (p. ex., perda de
pelos) normalmente estão presentes, mas outros sintomas, como hipoventilação, hipotensão, bradicardia e
hipotermia profunda também são normalmente vistos.
Durante o período fetal e nos primeiros meses de vida pós­natal, os hormônios tireoidianos são fundamentais
para o crescimento e desenvolvimento do esqueleto e do SNC. Portanto, além dos sintomas bem reconhecidos
de hipotireoidismo de início adulto, nanismo desproporcional e prejuízo ao desenvolvimento mental
(cretinismo) são sinais marcantes de hipotireoidismo congênito de início juvenil. No hipotireoidismo congênito
primário, também pode ser detectado aumento da glândula tireoide (bócio), dependendo da causa do
hipotireoidismo. Sinais radiográficos de disgenesia de epífese (epífeses de ossos longos subdesenvolvidas),
encurtamento de corpos vertebrais e retardo no fechamento das epífeses são achados comuns.
Em cães com hipopituitarismo congênito (ver p. 588) pode haver graus variáveis de deficiência tireoidiana,
adrenocortical e gonádico, mas os sinais clínicos estão relacionados principalmente com a deficiência de
hormônio do crescimento. Os sintomas incluem nanismo proporcional (em vez de desproporcional, a forma de
nanismo característico de hipotireoidismo congênito), perda dos principais pelos de proteção com retenção do
pelame de filhote, hiperpigmentação cutânea e alopécia bilateral simétrica no tronco.
Em gatos adultos, os sinais clínicos associados a hipotireoidismo normalmente incluem letargia, retardo
mental, seborreia seca não pruriginosa, hipotermia, apetite diminuído e, ocasionalmente, bradicardia. É possível
notar obesidade, especialmente em gatos com hipotireoidismo iatrogênico, mas isso não é um sinal clínico
consistente. Parece não ocorrer alopécia bilateral simétrica, com exceção do envolvimento do pavilhão
auricular, mas ocasionalmente tem­se observado regiões focais de alopécia nas regiões craniolateral dos carpos,
caudal dos jarretes e dorsal e lateral da base da cauda. Em gatos jovens com hipotireoidismo congênito ou de
início juvenil, os sinais clínicos incluem nanismo desproporcional, letargia grave, retardo mental, constipação
intestinal, inapetência e bradicardia.
DIAGNÓSTICO DE HIPOTIREOIDISMO: Em cães, o hipotireoidismo provavelmente é uma das doenças mais

excessivamente diagnosticada. Muitas enfermidades e condições podem mimetizar hipotireoidismo e alguns dos
sinais clínicos, mesmo em cães com função de tireoide normal, podem melhorar após a administração de
hormônio tireoidiano exógeno. Ademais, vários fatores não tireoidianos (p. ex., doença extratireoidianas e
administração prévia de alguns medicamentos) podem ocasionar diminuição do teor sérico de hormônio da
tireoide em cães, gatos e outras espécies de animais com função tireoidiana normal. O diagnóstico definitivo de
hipotireoidismo canino requer atenção especial aos sinais clínicos e resultados de testes laboratoriais de rotina.
Os testes que podem confirmar o diagnóstico incluem mensuração das concentrações séricas de T4 total, T4 livre
e TSH; testes de desafio da função da tireoide (p. ex., teste de estimulação com TSH); imagem da glândula
tireoide; e resposta ao uso de hormônio da tireoide suplementar. A escolha e a interpretação dos testes de
diagnóstico se baseiam muito no grau de suspeita de hipotireoidismo.
Há anormalidades clínico­patológicas bem reconhecidas associadas a hipotireoidismo, a gravidade que é
normalmente relacionada com a gravidade e cronicidade da condição de hipotireoidismo. Essas alterações não
são específicas e podem estar associadas a muitas outras doenças de cães. Entretanto, sua constatação, propicia
suporte adicional à evidência de hipotireoidismo em cães com sinais clínicos compatíveis. Os achados
hematológicos clássicos associados a hipotireoidismo, verificado em 40 a 50% dos casos, é anemia normocítica
normocrômica não regenerativa. A anormalidade bioquímica sérica clássica é hipercolesterolemia, notado em
cerca de 80% dos cães com hipotireoidismo. A importância da determinação do teor sérico de colesterol como
teste de triagem para hipotireoidismo não pode ser superenfatizados por ser um marcador bioquímico sensível e
barato para essa doença, em cães. Outras anormalidades clínico­patológicas podem incluir alta concentração
sérica de triglicerídios, bem como das atividades de fosfatase alcalina e creatinina quinase.
A concentração de T4 total é a mensuração de hormônio da tireoide estático mais comumente realizado, sendo
considerado um bom teste de triagem inicial de hipotireoidismo, com sensibilidade de diagnóstico de cerca de
90%. Um cão com uma concentração de T4 na faixa de normalidade pode ser considerado eutireóideo, ou seja,
com função normal da tireoide. Entretanto, teor de T4 basal subnormal não é diagnóstico; isso pode indicar que
o animal é normal, hipotireóideo ou que apresenta uma doença extratireoidiana com diminuição secundária da
concentração de T4 basal.
Como a fração sérica não ligante de T4 é biologicamente ativa, a mensuração de T4 livre tem sido considerada
mais útil na diferenciação de cães eutireóideos daqueles cães com hipotireoidismo, do que a concentração de T4
total. Entretanto, a maioria dos testes comerciais de fase sólida e estágio único (análogo) para T4 livre não
parece superior à mensuração de T4 total no cão, provavelmente devido a diferenças nas proteínas de ligação
séricas. Um teste de T4 livre que utiliza uma fase de diálise de equilíbrio (diálise direta) tem maior acerácea do
que os métodos análogos. Comparado ao teste de T4 total, o teste de T4 livre por diálise é um indicador
diagnóstico mais sensível e específico.
Como o T3 é o hormônio tireoidiano mais potente em nível celular, seria lógico sua mensuração para fim de
diagnóstico. Entretanto, a concentração sérica de T3 pode ser baixo, normal ou (ocasionalmente) alto, em cães
com hipotireoidismo documentado. O valor da determinação de T3 sérico no diagnóstico é particularmente
baixo quando há insuficiência tireoidiana recente porque a “falha” da tireoide tende a aumentar a síntese e
secreção relativa de T3 versus T4. Em cão com hipotireoidismo, no qual o teor sérico de T3 é alto, deve­se
suspeitar de anticorpo anti–T3, que induz falso resultado na maioria dos testes de radioimunoensaio para T3.
A dosagem de TSH sérico por meio de um teste de TSH espécie­específico válido pode ser um exame
auxiliar útil no diagnóstico de hipotireoidismo em cães e equinos. Seria de se esperar que animais com
hipotireoidismo primário (de longe, o tipo mais comum) tivesse baixa concentração sérica de T4 e/ou T4 livre,
com alta concentração de TSH endógeno. Infelizmente, a concentração sérica de TSH permanece na faixa de
normalidade em 20 a 40% dos cães com hipotireoidismo confirmado. Embora poucos cães com concentração
sérica de TSH normal tenham hipotireoidismo secundário, deficiência de TSH hipofisário é extremamente rara e
vários cães com concentração de TSH normal (i. e., resultado falso­negativo) apresenta hipotireoidismo
primário. Por outro lado, teor sérico de TSH falsamente elevado (i. e., resultado falso­positivo) ocasionalmente
é constatado em cães eutireóideos, com doença extratireoidiana. Assim, a dosagem sérica de TSH nunca deve
ser avaliada sozinha, mas sempre juntamente com o histórico do cão, as anormalidades em exames laboratoriais
de rotina e as concentrações de T4 total e T4 livre.
O teste de estimulação de TSH avalia a resposta da glândula tireoide ao TSH exógeno administrado; ademais,
é um teste de reserva tireoidiana. É um teste de função da tireoide confiável em cães, mas seu uso é limitado
pela disponibilidade limitada e alto custo do TSH. O protocolo requer coleta de uma amostra de soro para
mensuração de T4 basal, seguido da administração por via intravenosa de 0,1 U de TSH bovino/kg (dose
máxima de 5 unidades). Uma segunda amostra é obtida após 6 h. O TSH recombinante humano encontra­se
disponível, embora caro, e pode ser congelado durante, pelo menos, 8 semanas, sem perda da potência. A dose
recomendada é 75 μg, IV, com coleta de amostra antes e 6 h após. Os resultados são similares aos obtidos com o
uso do produto bovino. Os resultados podem revelar resposta normal, resposta branda (síndrome do eutireóideo
doente) ou ausência de resposta (hipotireoidismo).
Ambas, ultrassonografia e cintigrafia da glândula tireoide têm sido avaliadas como testes de diagnóstico de
hipotireoidismo em cães. Com um radiologista experiente, a ultrassonografia da tireoide (i. e., diminuição da
ecogenicidade e do volume da tireoide) pode ser um procedimento auxiliar de diagnóstico efetivo para
diferenciar entre hipotireoidismo e síndrome do eutireóideo doente. A melhor técnica de imagem possível de ser
utilizada é a absorção de tecnécio 99m (99mTc) e posterior obtenção da imagem da tireoide. Na mensuração
quantitativa da absorção do 99mTc na tireoide há pequena ou nenhuma sobreposição entre cães com
hipotireoidismo primário e cães com doença extratireoidiana.
Em alguns casos o procedimento mais prático para confirmar o diagnóstico de hipotireoidismo é um teste
terapêutico com emprego de normas apropriadas. Toda tentativa deve ser feita para descartar previamente uma
doença extratireoidiana para, então, iniciar o teste terapêutico. Não há evidência de que a suplementação com
hormônio da tireoide é benéfica aos cães com a síndrome do eutireóideo doente; pode ser prejudicial. A
suplementação com tiroxina deve ser iniciada na dose de 20 μg/kg (administrada sem alimento, com estômago
vazio), 1 ou 2 vezes/dia. Um critério objetivo deve ser utilizado para avaliar a resposta ao tratamento. Caso
ocorra resposta positiva ao tratamento, o clínico deve ser preparado para interromper a terapia para confirmar se
os sinais clínicos retornam. Isso assegura que cães com doenças responsivas à tireoide (i. e., aquelas nas quais
nota­se melhora dos sintomas devido aos efeitos inespecíficos do hormônio tireoidiano ou melhora não
relacionada com a terapia) não sejam submetidos à suplementação com hormônios da tireoide por toda a vida.
Se a terapia é má sucedida, deve­se realizar o monitoramento terapêutico para identificar a causa de falha do
tratamento. Como o diagnóstico incorreto é a causa mais comum de falha de tratamento, o clínico deve estar
preparado para suspender a terapia e investigar outro diagnóstico.
DIAGNÓSTICO DE TIREOIDITE: Anticorpos antitireoglobulina circulantes podem ser detectados em até metade
dos cães com hipotireoidismo e acredita­se refletir o estado de tireoidite autoimune. A mensuração desses
anticorpos em haras de reprodutores e em cadelas tem sido proposta como método de identificação de cães com
tireoidite autoimune. A determinação sérica de autoanticorpos contra tireoglobulina pode ser um método
auxiliar útil para diagnóstico de hipotireoidismo. Entretanto, o teste nunca deve ser utilizado sozinho na
confirmação do diagnóstico de hipotireoidismo porque em cães eutireóideos com tireoidite linfocitária recente
pode­se notar um título de anticorpo antitireoglobulina positivo. A identificação desses anticorpos sustenta o
diagnóstico, caso os cães apresentem sintomas e outros dados laboratoriais compatíveis com a enfermidade.
Embora extremamente raros em cães, ocasionalmente são detectados autoanticorpos circulantes contra
hormônio da tireoide (anticorpos anti­T3 ou anti­T4); também, acredita­se que reflete a condição de tireoidite
autoimune. Esses anticorpos, os quais podem ser formados contra qualquer T3 e T4 (ou ambas), induzem falso
aumento das concentrações de T3 e T4, na faixa de hipertireoidismo, na maioria dos cães. De todos os hormônios
da tireoide, apenas a mensuração de T4 livre (por diálise) não é influenciada por anticorpos contra T4 ou T3
porque os anticorpos séricos são removidos na fase de diálise. Portanto, se há suspeita de hipotireoidismo em
um cão com anticorpos circulantes contra hormônio da tireoide, deve­se determinar a concentração sérica de T4
livre para auxiliar na confirmação do diagnóstico.
FATORES EXTRATIREOIDIANOS QUE INTERFEREM NA INTERPRETAÇÃO DOS TESTES DE FUNÇÃO DA TIREOIDE:

Em algumas raças a faixa de normalidade para hormônios da tireoide difere de muitas outras raças. Há poucos
estudos, mas cães Greyhound apresentam concentrações séricas de T4 total e T4 livre consideravelmente
menores do que em outras raças. Cães Scottish Deerhound também têm concentração de T4 total bem abaixo da
média verificada em cães em geral; ademais, em raças Sight Hound podem ser notados achados semelhantes.
Cães de trenó do Alasca apresentam concentrações séricas de T4 total, T3 e T4 livre abaixo da faixa de referência
de muitos cães domésticos, particularmente nos períodos de corrida ou de treinamento intenso.
Doenças que não envolvem a glândula tireoide podem alterar os testes de função da tireoide e têm sido
denominadas “doença extratireodiana” ou “síndrome do eutireóideo doente”. Qualquer doença pode alterar os
testes de função da tireoide, causando diminuição bastante consistente nas concentrações de T4 total e T3
proporcionalmente à gravidade da doença. Nota­se aumento da concentração sérica de TSH em 8 a 10% dos
cães com doença extratireoidiana. A mensuração do teor sérico de T4 livre por diálise em equilíbrio é menos
provavelmente influenciada, mas pode estar aumentada ou diminuída. Entretanto, em cães com doença
extratireoidiana importante, é provável ocorrer diminuição de T4 livre. Teste de função da tireoide deve ser
adiado até que a doença extratireoidiana seja resolvida. Se isso não for possível, as mensurações de T4, TSH e
T4 livre são indicadas.
Glicocorticoides, fenobrabital, sulfonamidas, clomipramina e ácido acetilsalicílico sabidamente alteram os
resultados de testes da função da tireoide. Glicocorticoide suprime as concentrações de T4 total e, às vezes, de
T4 livre. Fenobarbital reduz o teor de T4 total e aumenta discretamente o de TSH. Sulfonamidas podem induzir
hipotireoidismo primário evidente, com sinais clínicos e testes de função da tireoide que sustentam o
diagnóstico. Todas as alterações são reversíveis quando cessa a medicação. Há dúzias de medicamentos que
interferem na função da tireoide e nos testes de função desta glândula em pessoas, e muitas outras igualmente
afetam os animais.
TRATAMENTO: Tiroxina (T4) é o composto de reposição hormonal de escolha para cães. Com poucas exceções, a
terapia de reposição é necessária para o restante da vida do cão; diagnóstico inicial criterioso e ajustes no
tratamento são essenciais. A dose total de reposição de T4 relatada varia de 0,02 a 0,04 mg/kg/dia, em dose
única ou fracionada 2 vezes/dia, sem alimento (de estômago vazio).
O mais importante indicador de sucesso da terapia é a melhoria clínica. Cessação de mudanças do pelame e o
peso corporal devem ser avaliados apenas depois de 1 a 2 meses de terapia. Quando a melhoria clínica é
marginal ou os sinais de tireotoxicose são notados, as manifestações clínicas podem ser sustentadas mediante
monitoramento terapêutico da concentração sérica de hormônio da tireoide (“teste pós­pílula”). No caso de
administração de T4 1 vez/dia, a concentração sérica máxima de T4 geralmente deve ser ligeiramente alta ou no
limite superior de normalidade 4 a 6 h após a administração e deve ser no limite inferior de normalidade ou
normal 24 h após a dose. Os animais em administração 2 vezes/dia provavelmente podem ser avaliados a
qualquer momento, porém a concentração máxima pode ser esperada no meio do intervalo entre as doses (4 a 6
h), com valor mínimo antes da próxima dose. Quando a dose é estabilizada, as concentrações séricas de T4 (com
ou sem T3) devem ser verificadas 1 a 2 vezes/ano.
Se os sinais clínicos de hipotireoidismo permanecem, apesar do uso de doses razoável de hormônio da
tireoide, deve­se considerar: 1) a dose ou a frequência de administração é imprópria; 2) o proprietário não está
cumprindo as instruções ou não tem administrado o produto com sucesso; 3) o animal não está absorvendo bem
o medicamento ou está metabolizando e/ou excretando­o muito rapidamente; 4) o produto está vencido; ou 5) o
diagnóstico está incorreto.

GLÂNDULAS ADRENAIS

As glândulas adrenais dos mamíferos estão localizadas no polo cranial dos rins. Consistem de duas partes
distintas, o córtex mais externo e a medula interna, que se diferem quanto à morfologia, função e origem.

CÓRTEX ADRENAL

O córtex adrenal é subdividido em três camadas ou zonas, embora a delimitação entre as zonas seja indistinta. A
zona glomerulosa, a parte mais externa, é responsável pela secreção de hormônios mineralocorticoides. A zona
fasciculata, a porção intermediária, corresponde a cerca de 70% do córtex e é composta de células que contêm
abundante lipídios citoplasmáticos e os hormônios glicocorticoides. A zona reticulada, a mais interna, é
responsável pela secreção dos esteroides sexuais.
Os mineralocorticoides, dos quais o de ocorrência natural mais potente é a aldosterona, são esteroides
adrenais que atuam principalmente no transporte iônico pelas células epiteliais, resultando em perda de potássio
e retenção de sódio. As glândulas sudoríparas e as bombas eletrolíticas das células epiteliais do túbulo renal
respondem de modo semelhante. No túbulo contorcido distal do néfron dos mamíferos, um mecanismo de troca
de cátions reabsorve o sódio do filtrado glomerular e secreta potássio para o lúmen. Estas reações são aceleradas
pelos mineralocorticoides e ocorrem mais lentamente na ausência deles. A falha na secreção de
mineralocorticoides (doença de Addison) pode resultar em retenção letal de potássio e na perda de sódio.
Cortisol e corticosterina, em menor quantidade, são os hormônios glicocorticoides mais importantes
secretados pela glândula adrenal em muitas espécies. Em geral, as ações dos glicocorticoides nos metabolismos
de carboidratos, proteínas e lipídios resultam na economia de glicose e na tendência à hiperglicemia e no
aumento da produção de glicose. Ainda, diminuem a lipogênese e aumentam a lipólise no tecido adiposo, que
resulta na liberação de glicerol e ácidos graxos livres.
Glicocorticoides também suprimem as respostas inflamatórias e imunológicas, atenuando a destruição
tecidual e a fibroplasia associadas. Entretanto, altas concentrações de glicocorticoides reduzem a resistência a
bactérias, vírus e fungos, favorecendo a disseminação da infecção. Glicocorticoides podem prejudicar as
respostas imunológicas em qualquer estágio da interação inicial e processamento dos antígenos pelas células do
sistema reticuloendotelial, por meio da indução e proliferação de linfócitos imunocompetentes e subsequente
produção de anticorpos. A inibição de algumas funções dos linfócitos é parte da base para imunossupressão.
Glicocorticoides podem ter um profundo efeito negativo na cicatrização de feridas. Altas doses terapêuticas
de corticosteroides adrenais ou a síndrome de hiperadrenocorticismo podem causar deiscência de feridas
cirúrgicas. A inibição da proliferação fibroblástica e da síntese de colágeno ocasiona menor formação de tecido
cicatricial.
Progesterona, estrógenos e andrógenos são hormônios adrenais sexuais. O excesso de secreção pode estar
associado a neoplasia da zona reticulada. Manifestação de virilismo, desenvolvimento sexual precoce ou
feminização depende de qual esteroide é secretado em excesso, do sexo do indivíduo e da idade ao início da
anormalidade. Ainda, há relato da síndrome hiperadrenocorticismo atípico em associação com a excessiva
produção de esteroides sexuais adrenais. Os sintomas são semelhantes àqueles da síndrome de Cushing, apesar
de concentração normal ou reduzida de cortisol após o teste de provocação. Cães com esta síndrome têm alta
concentração de um dos diversos esteroides adrenais, que ocasionam os sinais clínicos. As opções de tratamento
são semelhantes àquelas utilizadas na síndrome de Cushing.

HIPERADRENOCORTICISMO (Síndrome de Cushing)


O hiperadrenocorticismo pode ser a mais frequente endocrinopatia de cães adultos ou idosos, mas é infrequente
em outros animais domésticos. Os sinais clínicos e as anormalidades bioquímicas resultam principalmente da
produção excessiva crônica de cortisol. Concentrações séricas aumentadas de cortisol em cães podem resultar
de diversos mecanismos. O mais comum é adenoma ou hiperplasia de células da hipófise que contêm hormônio
adrenocorticotrófico (ACTH) (parte distal ou parte intermediária), que resulta em hipertrofia ou hiperplasia
adrenocortical bilateral. Essa forma da doença é denominada hiperadrenocorticismo hipófise­dependente
(doença de Cushing) e ocorre em cerca de 90% dos casos. Tumores funcionais da adrenal, uma causa muito
menos frequente de hiperadrenocorticismo em cães, pode secretar cortisol ou esteroides sexuais, resultando em
uma variedade de sinais clínicos. Muitos dos sinais clínicos e anormalidades bioquímicas notados no
hiperadrenocorticismo de ocorrência natural podem ser induzidos por longo período, pela administração diária
de altas doses de corticosteroides. Os cães desenvolvem um espectro de sinais clínicos e anormalidades
laboratoriais como resultado da combinação de gliconeogênese, lipólise, catabolismo proteico e efeitos anti­
inflamatórios dos hormônios glicocorticoides em muitos sistemas orgânicos. A doença é insidiosa e lentamente
progressiva (ver p. 599, para informações sobre sinais clínicos, anormalidades laboratoriais, diagnóstico e
tratamento de hiperadrenocorticismo.)

HIPOADRENOCORTICISMO (Doença de Addison)


A deficiência de hormônios da adrenocortical é muito comum em cães jovens e de meia­idade e,
ocasionalmente, em equinos. A doença pode ser familiar em cães das raças Poodle padrão, West Highland
White Terrier, Dogue Alemão, Bearded Colly, cães D’água Português e em várias outras raças. A causa de
insuficiência adrenocortical primária normalmente é desconhecida, embora muitos casos provavelmente
resultem de um processo autoimune. Outras causas incluem destruição da glândula adrenal por doença
granulomatosa, tumor metastático, hemorragia, infarto, agentes adrenolíticos (mitotano) ou inibidores de enzima
da adrenal (trilostano).
ACHADOS CLÍNICOS: Muitos dos distúrbios funcionais da insuficiência adrenal crônica não são altamente

específicos; incluem episódios recidivantes de gastrenterite, perda da condição corporal lentamente progressiva
e falha na resposta apropriada ao estresse. Embora o hipoadrenocorticismo ocorra em cães de qualquer raça,
sexo ou idade, a insuficiência adrenocortical idiopática é mais comum em fêmeas adultas jovens. Isso pode ser
relacionado com a suspeita de patogênese imunomediada.
A redução na secreção de aldosterona, o principal mineralocorticoide, resulta em alterações marcantes das
concentrações séricas de potássio, sódio e cloro. A excreção renal de potássio diminui e resulta em aumento
progressivo da concentração sérica de potássio. Hiponatremia e hipocloremia se devem à perda tubular renal.
Hiperpotassemia grave pode resultar em bradicardia e ritmo cardíaco irregular, com alterações no ECG. Alguns
cães desenvolvem intensa bradicardia (frequência cardíaca (= 50 bpm) que predispõe à fraqueza ou colapso
circulatório após mínimo esforço.
Embora o desenvolvimento de sinais clínicos frequentemente não seja relatado, frequentemente notam­se
colapso circulatório agudo e evidência de insuficiência renal. A diminuição progressiva do volume sanguíneo
contribui para hipotensão, fraqueza e microcardia. O aumento da excreção renal de água, devido à menor
reabsorção de sódio e cloro, resulta em desidratação progressiva e hemoconcentração. Vômito, diarreia e
anorexia são comuns e contribuem para o agravamento do quadro clínico do animal. A perda de peso
frequentemente é grave. Sinais clínicos semelhantes são vistos em gatos com hipoadrenocorticismo.
A produção reduzida de glicocorticoide resulta em distúrbios funcionais característicos graves. A menor
gliconeogênese e a maior sensibilidade à insulina contribuem para o desenvolvimento de hipoglicemia
moderada. Em alguns cães, a hiperpigmentação da pele se deve à falha no feedback negativo da glândula
hipófise e à maior liberação de ACTH. Em cães, há relato de doença de Addison atípica associada a
hipocortisolemia e teores de eletrólitos normais. Os sinais clínicos são similares àqueles notados em cães com
insuficiência tanto de glicocorticoide quanto de mineralocorticoide.
Lesões: A anormalidade mais comum em cães é atrofia adrenocortical idiopática bilateral, na qual todas as
camadas do córtex apresentam espessura acentuadamente reduzida. O córtex adrenal está reduzido a um décimo
ou menos de sua espessura normal e consiste principalmente da cápsula adrenal. A medula adrenal se encontra
relativamente mais proeminente e, com a cápsula, representa a massa remanescente das glândulas adrenais.
Todas as três zonas do córtex adrenal estão envolvidas, inclusive a zona glomerulosa, que não está sob
controle do ACTH; entretanto, nenhuma lesão hipofisária tem sido observada em cães com atrofia
adrenocortical idiopática.
Uma lesão hipofisária destrutiva que reduz a secreção de ACTH é caracterizada por marcante atrofia das duas
camadas corticais mais internas da glândula adrenal; a zona glomerulosa se mantém intacta.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico presuntivo é baseado no histórico e nas anormalidades laboratoriais de suporte
(embora inespecíficas), que incluem hiponatremia, hiperpotassemia, relação sódio:potássio < 25:1, azotemia,
acidose discreta e anemia normocítica normocrômica. Perda sanguínea GI grave também é relatada.
Ocasionalmente, nota­se hipoglicemia leve. A hiperpotassemia resulta em alterações no ECG: aumento da onda
T (em pico), achatamento ou ausência de onda P, intervalo PR prolongado e alargamento do complexo QRS.
Fibrilação ventricular ou assistolia pode ocorrer quando a concentração de potássio > 11 mEq/l.
O diagnóstico diferencial inclui doença primária do trato GI (especialmente ancilostomíase), insuficiência
renal, pancreatite aguda e ingestão de toxinas. Para o diagnóstico definitivo, é necessária avaliação da função
adrenal. Após se obter uma amostra de sangue basal, administra­se ACTH (gel ou sintético). Preparações em gel
são administradas por via IM e uma segunda amostra de sangue é obtida 2 h depois. Preparações sintéticas são
administradas por via IM ou IV e uma segunda amostra de sangue é obtida 1 h depois. Concentração de cortisol
basal (em repouso) > 2,5 μg/dl efetivamente excluem o diagnóstico de hipoadrenocorticismo, enquanto valores
< 2,5 μg/dl requerem a realização do teste de estimulação com ACTH para confirmar o diagnóstico. Cães
acometidos têm concentração basal de cortisol baixa e há discreta resposta à administração de ACTH, nos casos
atípicos e clássicos. Este teste pode ser realizado na maioria dos animais antes que seja instituída terapia de
suplementação hormonal.
TRATAMENTO: Uma crise adrenal é uma emergência médica aguda. Deve­se colocar um cateter IV e iniciar a
aplicação de solução salina 0,9%. Se o cão apresenta hipoglicemia, a solução salina deve incluir dextrose 2,5 a
5%. A hipovolemia é corrigida rapidamente pela administração de solução salina 0,9% (60 a 70 ml/kg, nas
primeiras 1 a 2 h). A produção de urina deve ser monitorado para determinar se o cão está se tornando anúrico.
Fluidos devem ser continuados, na taxa de aplicação apropriada para repor as perdas concomitantes, até que os
sinais clínicos e as anormalidades laboratoriais se resolvam.
Succinato sódico de prednisolona (22 a 30 mg/kg) ou fosfato sódico de dexametasona (0,2 a 1,0 mg/kg)
podem ser utilizados no controle inicial do choque. A dexametasona não interfere nas mensurações do cortisol
durante o teste de estimulação com ACTH. Prednisolona ou prednisona devem ser administradas na dose de 1
mg/kg, 2 vezes/dia, nos primeiros poucos dias de terapia e, então, 0,25 a 0,5 mg/kg/dia. A terapia de reposição
de mineralocorticoides (ver a seguir) também é iniciada para auxiliar na correção de desequilíbrio eletrolítico e
hipovolemia. Teores de eletrólitos, função renal e glicemia devem ser monitorados regularmente para avaliar a
resposta à terapia.
Nos casos de hiperpotassemia grave, não responsiva, pode­se administrar solução de glicose 10% em salina
0,9%, por 30 a 60 min, para aumentar a transferência de potássio para as células. A administração por via
intramuscular de insulina regular (0,25 a 1,0 U/kg) aumenta a absorção de glicose e potássio, mas deve ser
administrar concomitantemente, por via IV, solução de glicose 10% (20 ml por unidade de insulina), para
prevenir hipoglicemia.
Para terapia de manutenção prolongada, o mineralocorticoide pivalato de desoxicorticosterona (DOCP) é
administrado na dose de 2,2 mg/kg IM ou SC, a cada 25 a 28 dias. Os eletrólitos devem ser mensurados 3 a 4
semanas após as primeiras aplicações, para determinar a duração do efeito. Como alternativa, o acetato de
fludrocortisona é administrado VO na dose de 10 a 30 μg/kg/dia. Eletrólitos séricos devem ser monitorados
semanalmente até que a dose apropriada seja determinada. Alguns cães (especialmente cães que recebem
DOCP) também requerem, diariamente, terapia com glicocorticoide oral para controlar adequadamente os sinais
clínicos. Doses de suplementação de prednisona (0,2 a 0,4 mg/kg/dia) são necessárias em cerca de 50% dos
cães. Suplementação adicional com glicocorticoide pode ser necessária (2 a 5 vezes a manutenção) durante
períodos de doença ou estresse. Cães com doença de Addison atípica apenas necessitam doses de suplementação
de prednisona, embora seja recomendado que os eletrólitos sejam monitorados a cada 3 meses, no primeiro ano
após o diagnóstico. Cães com hipoadrenocorticismo crônico devem ser reexaminados a cada 3 a 6 meses.
O tratamento de equinos com hipoadrenocorticismo é semelhante – reposição agressiva de fluidos, esteroides
e glicose, se necessários na crise adrenal. Terapia de suporte e repouso são indicados no caso de doença de
Addison crônica.

MEDULA ADRENAL

A medula adrenal, embora aparentemente não essencial à vida, tem importante papel na resposta ao estresse ou
à hipoglicemia. Secreta epinefrina e norepinefrina, que aumentam o débito cardíaco, a pressão sanguínea e a
glicose sanguínea e diminuem a atividade do trato GI.
Feocromocitomas podem se desenvolver em animais domésticos, mais frequentemente em bovinos e cães.
Eles secretam epinefrina, norepinefrina, ou ambas. Os sinais clínicos estão frequentemente ausentes e tumores
podem ser achados acidentais durante procedimentos para busca de outras condições ou por ocasião da
necropsia.
Outros tumores adrenais, como neuroblastomas e ganglioneuromas, podem surgir nas células cromafins do
sistema nervoso simpático.
GLÂNDULAS PARATIREOIDES E ANORMALIDADES NO

METABOLISMO DE CÁLCIO

A fisiologia e as anormalidades no metabolismo de cálcio e fosfato, a função da vitamina D (a qual atua mais
como um hormônio do que como uma vitamina) e a formação dos ossos são inter­relacionadas em um sistema
comum, juntamente com dois outros hormônios reguladores – paratormônio (PTH) e calcitonina. Portanto,
PTH, calcitonina e vitamina D são discutidos nesse capítulo, juntamente com as anormalidades associadas à
homeostase do cálcio.
Como as anormalidades no metabolismo de cálcio e fósforo refletem no sistema esquelético, nessa seção
incluem­se síndromes específicas (ver p. 1121).

ANORMALIDADES HIPOCALCÊMICAS EM EQUINOS

O hipoparatireoidimo primário é uma rara, mas bem documentada anormalidade de equinos. Os animais
acometidos manifestam sinais clínicos compatíveis com hipocalcemia (ataxia, convulsões, hiperexcitabilidade,
flúter diafragmático sincrônico, taquicardia, taquipneia, fasciculação muscular e íleo adinâmico). Como em
outras espécies, o diagnóstico é baseado na constatação de concentrações séricas baixas de cálcio e PTH, com
alta concentração de fósforo. Como mencionado anteriormente, o tratamento com cálcio intravenoso e
posteriormente oral, combinado com altas doses de vitamina D, deve resultar na remissão dos sinais clínicos
associados a hipoparatireoidismo.
Sepse é uma das causas mais comuns de hipocalcemia em equinos admitidos em hospitais veterinários.
Hipocalcemia total e ionizada são comuns em equinos com doença GI grave e sepse. Hipocalcemia com
concentração sérica de PTH inapropriadamente baixa também tem sido relatada em potros. A causa primária de
hipocalcemia pode ser pesquisada em restos mortais de potros. Entretanto, é possível que esses potros tenham
alguma forma de hipoparatireoidismo associado a sepse.

FISIOLOGIA DO CÁLCIO E HORMÔNIOS REGULADORES DE CÁLCIO

A concentração de cálcio no sangue de mamíferos é cerca de 10 mg/dl, com algumas variações devido à espécie
(p. ex., acima de 13 mg/dl é normal em equinos e coelhos), idade, dieta e método analítico. No plasma ou no
soro há três frações de cálcio: 1) o cálcio ligado à proteína responde por cerca de 1/3 da concentração sérica de
cálcio total. O cálcio ligado à proteína não pode se difundir através da membrana e, assim, não pode ser
utilizado pelos tecidos; 2) o cálcio ionizado ou livre é a forma fisiologicamente ativa que responde por 50 a 60%
da concentração de cálcio total; e 3) cálcio complexado ou quelado é ligado ao fosfato, bicarbonato, sulfato,
citrato e lactato e responde por cerca de 10% da concentração de cálcio total.
O íon cálcio é um componente estrutural essencial do esqueleto e tem papel fundamental na contração
muscular, coagulação do sangue, atividade enzimática, excitabilidade nervosa, mensageiros secundários,
liberação de hormônios e permeabilidade da membrana. O controle acurado do íon cálcio no fluido extracelular
é vital à saúde. Três hormônios principais (PTH, vitamina D e calcitonina) interagem para manutenção de
constante concentração de cálcio, apesar de variações na ingestão e excreção. Outros hormônios, bem como
corticosteroides da adrenal, estrógenos, tiroxina, somatotropina e glucagon podem, também, contribuir na
manutenção da homeostase do cálcio.
PARATORMÔNIO: O PTH é sintetizado e armazenado nas células principais das glândulas paratireoides. A síntese
é regulada por um mecanismo de feedback que envolve o teor de cálcio no sangue (e, em menor grau, de
magnésio). Além disso, aminas biológicas, peptídios, esteroides e várias classes de medicamentos podem
influenciar a secreção de PTH.
A principal função do PTH é controlar a concentração de cálcio no fluido extracelular, interferindo na taxa de
transferência de cálcio para dentro e para fora do osso, na reabsorção renal e na absorção gastrintestinal do
mineral. O efeito nos rins é o mais rápido, causando reabsorção de cálcio e excreção de fósforo. O principal
efeito inicial no osso é mobilizar o cálcio do osso para o fluido extracelular; mais tarde, a formação óssea pode
ser exacerbada. O PTH não influencia diretamente a absorção intestinal de cálcio. Esse efeito é mediado
indiretamente pela regulação da síntese do metabólito ativo da vitamina D.
VITAMINA D: O segundo principal hormônio envolvido no controle do metabolismo do cálcio e na remodelação
óssea é a vitamina D, que inclui colecalciferol (vitamina D3), de origem animal, bem como ergocalciferol
(vitamina D2), de origem vegetal. A vitamina D tem sido, a longo tempo, considerada um ingrediente essencial
da dieta, mas em várias espécies, inclusive ovinos, bovinos, equinos, suínos e humanos, a vitamina D pode ser
formada na pele, a partir de um metabólito do colesterol (7­deidrocolesterol), após exposição à luz ultravioleta.
Por outro lado, cães e gatos não são capazes de sintetizar adequadamente vitamina D3 na pele e dependem
principalmente da ingestão dietética.
A vitamina D deve ser metabolicamente ativada antes que possa atuas fisiologicamente. As ações biológicas
da vitamina D dependem da hidroxilação no fígado e no rim para a forma biologicamente ativa 1,25­di–
hidroxivitamina D (calcitriol). Essa conversão nos rins é um passo taxa­limitante no metabolismo da vitamina
D, sendo, em parte, responsável pelo atraso entre a administração de vitamina D e a expressão de seus efeitos
biológicos. PTH e condições que estimulam sua secreção, bem como hipofosfatemia, aumentam a formação de
metabólito de vitamina D ativo. Alta concentração de fósforo circulante tem efeito oposto. Em certas condições,
prolactina, estradiol, lactogênio placentário e, possivelmente, somatotropina, têm efeitos similares. O aumento
da secreção desses hormônios, sozinho ou em combinação, parece ser importante na eficiente adaptação às
principais demandas de cálcio durante prenhez, lactação e crescimento.
CALCITONINA: A calcitonina é um hormônio polipeptídio com 32 aminoácidos secretado pelas células
parafoliculares (células C) da glândula tireoide, em mamíferos, e pelo tecido ultimobranquial, em aves e outras
espécies não mamíferas. A concentração do íon cálcio no fluido extracelular é o estimulo principal para
secreção de calcitonina pelas células C. Na hipercalcemia, a taxa de secreção de calcitonina é aumentada
acentuadamente pela rápida liberação do hormônio armazenado pelas células C nos capilares interfoliculares. A
hiperplasia de células C ocorre em resposta à hipercalcemia crônica. Quando o teor sanguíneo de cálcio está
baixo, o estímulo para secreção de calcitonina diminui. O armazenamento de grande quantidade de hormônios
pré­formados nas células C e a rápida liberação em resposta à elevação moderada de cálcio circulante
provavelmente reflete a ação fisiológica de calcitonina como um hormônio de “emergência” para proteger
contra o desenvolvimento de hipercalcemia.
A calcitonina exerce seus efeitos pela interação com células­alvo, principalmente nos ossos e nos rins. As
ações do PTH e da calcitonia são antagonistas na reabsorção óssea, mas sinérgica na decrescente reabsorção
tubular renal de fósforo. Os efeitos hipocalcêmicos da calcitonina resultam principalmente da menor
transferência de cálcio dos ossos para o plasma, resultando em inibição temporária da reabsorção óssea
estimulada pelo PTH. Hipofosfatemia se deve à ação direta da calcitonina, que aumenta a taxa de transferência
de fósforo para fora do plasma e para o interior de tecidos moles e ossos e inibe a reabsorção óssea estimulada
pelo PTH e por outros fatores. Embora muitos efeitos tenham sido atribuídos à calcitonina, em doses
farmacológicas, há dúvida quanto sua relevância fisiológica. Fisiologicamente, a calcitonina tem, no máximo,
uma influência mínima no controle da concentração sanguínea de cálcio. A concentração de calcitonina
circulante, nem cronicamente alta (p. ex., em animais com câncer de medular da tireoide) tampouco
cronicamente baixa (p. ex., em animais após remoção cirúrgica da tireoide), resulta em qualquer alteração na
concentração sérica de cálcio.

HIPERCALCEMIA EM CÃES E GATOS

A hipercalcemia pode ser tóxica para todos os tecidos do corpo, mas os principais efeitos deletérios ocorrem nos
rins, no sistema nervoso e no sistema cardiovascular. O desenvolvimento de sinais clínicos de hipercalcemia
depende da magnitude da elevação do cálcio, quão rápido isso ocorre e sua duração. Concentração sérica de
cálcio total (= 15 mg/dl pode não estar associada a sinais sistêmicos, mas concentração sérica > 18 mg/dl está
frequentemente associada a enfermidade grave com risco à vida. Polidipsia e poliúria são os sintomas mais
comuns de hipercalcemia e resultam de uma habilidade prejudicada em concentrar urina e de estímulo direto do
centro da sede. Também pode ocorrer anorexia, vômito e constipação intestinal, como resultado da menor
excitabilidade do músculo liso gastrintestinal. A diminuição da excitabilidade neuromuscular pode ocasionar
fraqueza generalizada, depressão, contrações musculares e convulsões.
Há várias causas potenciais de hipercalcemia (Tabela 1). Em cães hipercalcêmicos, neoplasia (linfossarcoma)
é a causa mais comum, seguida de hipoadrenocorticismo, hiperparatireoidismo primário e insuficiência renal
crônica. Outras causas de hipercalcemia em cães, em ordem aproximada de incidência na prática, são
intoxicação por vitamina D, carcinoma de glândula apócrina de saco anal, mieloma múltiplo, carcinomas
(pulmão, mama, nariz, pâncreas, timo, tireoide, vagina e testículo) e, finalmente, algumas doenças
granulomatosas (blastomicose, histoplasmose, esquistossomose). Aproximadamente 70% dos cães
hipercalcêmicos também apresentam azotemia. Entretanto, azotemia é incomum em cães com
hiperparatireoidismo.
Em gatos, hipercalcemia idiopática parece ser a causa mais frequente de alta concentração de cálcio total,
seguida de insuficiência renal e neoplasia maligna. Alta concentração de cálcio ionizado, juntamente com
insuficiência renal crônica, é mais comum em gatos do que em cães. Os tipos de tumores mais comumente
associados a hipercalcemia de malignindade em gatos são linfoma e carcinoma de célula escamosa.
Hiperparatireoidismo primário é notado em gatos, mas não tão frequentemente quanto em cães. Raramente,
constata­se hipercalcemia em gatos com hipertireoidismo.
Hipercalcemia Maligna

Neoplasia maligna é a causa mais comum de hipercalcemia persistente em cães; é uma causa comum em gatos.
Na hipercalcemia de malignidade, a hipercalcemia se deve, principalmente, à maior reabsorção óssea
osteoclástica, mas o aumento da reabsorção tubular renal e da absorção intestinal também pode contribuir para
hipercalcemia. Substâncias que podem ser produzidas pelos tumores e resultar em hipercalcemia humoral de
malignidade incluem PTH, proteína relacionada com o PTH (PTHrP), fator de crescimento transformador, 1,25­
di­hidroxivitamina D, prostaglandina E2, fator ativador de osteoclastos e outras citocinas (interleucina­1,
interleucina­2 e interferona­gama). Embora vários tumores tenham sido associados com hipercalcemia em
pessoas, em cães a hipercalcemia associada à malignidade tem sido mais comumente relacionada com linfoma,
adenocarcinoma de glândula apócrina do saco anal e mieloma múltiplo. Outros tumores (timoma, carcinoma de
célula escamosa, carcinoma nasal, hemangiossarcoma e adenocarcinoma indiferenciado) também foram
associados a hipercalcemia em cães. Em gatos, hipercalcemia humoral de malignidade ocorre menos
frequentemente do que em cães, mas tem sido relatada com carcinoma de célula escamosa, mieloma múltiplo e
doenças mieloproliferativas.
LINFOMA (LINFOSSARCOMA): Tumor mais comumente associado a hipercalcemia em cães, o linfoma é também
uma das neoplasias associadas a hipercalcemia em gatos. A patogênese da hipercalcemia pode envolver dois
mecanismos gerais. Um é a elaboração local de um fator osteolítico que induz reabsorção óssea e mobilização
de cálcio, quando a medula óssea é infiltrada por células tumorais. A outra, provavelmente a mais importante, é
a hipercalcemia humoral na qual as células neoplásicas produzem um fator humoral que atua distante do tumor.
Tem­se documentada evidência de secreção de uma substância humoral pelas células tumorais, maior
reabsorção óssea, fosfatúria e excreção urinária de adenosina monofosfato cíclica (cAMP) em cães com
linfoma. As concentrações séricas de ambos, PTH e 1,25­di­hidroxivitamina D, geralmente são baixas nesses
cães, mas um peptídio relacionado com o PTH (PTHrP) tem sido detectado em cães com linfoma (Tabela 2).
Em cães com linfoma, 10 a 40% apresentam hipercalcemia concomitante e grande número desses casos
também tem a forma mediastinal de linfoma. Embora, linfadenopatia detectável seja normalmente notada,
hipercalcemia pode ser a principal anormalidade notada. Pode ser necessário exame físico minucioso,
juntamente com radiografias torácicas e abdominais, ultrassonografia abdominal, biópsia ou vários aspirados de
linfonodos e múltiplos aspirados de medula óssea para a definição do diagnóstico. Tratamento com
glicocorticoide (p. ex., prednisona) diminui a concentração sérica de cálcio; entretanto, os esteroides são
linfolíticos e dificultam a identificação do linfoma.
Tabela 1 – Causas de hipercalcemia em cães e gatos

Acromegalia
Adenocarcinoma de glândula apócrina
Carcinoma (célula escamosa, mamária, broncogênico, próstata, tireoide, cavidade nasal)
Insuficiência renal aguda e crônica
Artificial: lipemia pós­prandial, cão jovem (< 6 meses)
Doença granulomatosa
Neoplasias hematológicas malignas (osteólise de medula óssea)
Hipercalcemia humoral
Hipercalcemia de malignidade
Hipertireoidismo
Hipervitaminose D: iatrogênica, vegetais (Dama­da­noite), rodenticidas, creme contra psoríase
Hipoadrenocorticismo (doença de Addison)
Anormalidades iatrogênicas: excesso de cálcio ou de ligadores de fosfato de uso oral
Hipercalcemia idiopática de gatos
Erro laboratorial
Linfoma (linfossarcoma)
Neoplasia óssea primária ou metastática
Mieloma múltiplo
Doença mieloproliferativa (rara)
Hiperparatireoidismo primário
Lesões ósseas: osteomielite, osteodistrofia hipertrófica

Embora a taxa de remissão em cães com linfoma e hipercalcemia não seja estatisticamente diferente daquela
quando não há hipercalcemia, a sobrevida é consideravelmente menor, indicando que o prognóstico de linfoma
hipercalcêmico é pior (ver p. 38 e p. 852).
ADENOCARCINOMA DE GLÂNDULA APÓCRINA DO SACO ANAL: Esse tumor normalmente ocorre em cães mais
velhos, machos ou fêmeas, acompanhado de hipercalcemia em cerca de 90% dos casos. Mecanismos humorais
são os mais prováveis responsáveis pela hipercalcemia, pois uma proteína semelhante ao PTH foi identificada
em tecido tumoral, em cães. Esse tumor geralmente é maligno e no momento do diagnóstico há metástase em
linfonodos regionais. A ressecção cirúrgica está associada a redução do teor sérico de cálcio. Falha ao remover
todo o tumor ou recidiva do tumor normalmente resulta, novamente, em hipercalcemia. Apesar de extirpação
cirúrgica, radiação e vários protocolos quimioterápicos, normalmente ocorre recidiva do tumor dentro de poucos
meses e o prognóstico é ruim.
MIELOMA MÚLTIPLO: Em cães e gatos essa neoplasia maligna tem sido associada a hipercalcemia em 10 a 15%
dos casos. É mais provável que a patogênese da hipercalcemia seja multifatorial. Células do mieloma são
conhecidas por produzir fator ativador de osteoclastos em humanos, fato que pode explicar, em parte, a
hipercalcemia. A presença de extensa lise óssea pode também contribuir no aumento de cálcio sérico. Embora a
concentração sérica de proteína geralmente esteja elevada no mieloma múltiplo, o aumento do teor de proteína
ligada ao cálcio raramente contribui para a hipercalcemia. O tratamento de mieloma múltiplo com quimioterapia
tem sido associado a sobrevida prolongada, mas a presença de hipercalcemia associada, proteinúria de cadeia
leve e extensas lesões ósseas estão associadas a sobrevida menor.

Hiperparatireoidismo Primário

O hiperparatireoidismo primário resulta de excessiva secreção de PTH por um ou mais glândulas paratireoides
anormais (geralmente neoplásicas). É relativamente raro em cães e gatos. A persistência de hipercalcemia é
característica. O adenoma solitário da glândula paratireoide interna ou externa, é a causa mais comum de
hiperparatireoidismo primário, embora o carcinoma de paratireoide tenha sido infrequentemente relatado.
Hiperplasia de um ou de todas as quatro glândulas paratireoides tem sido descrita, mas é muito rara.
ACHADOS CLÍNICOS: Polidipsia, poliúria, anorexia, letargia e depressão são os sintomas mais comuns, porém
muitos animais com grau mais discreto de hipercalcemia podem ser assintomáticos. Constipação intestinal,
fraqueza, tremores, contrações musculares, vômito, andar rígido e edema facial são menos frequentemente
relatados.
DIAGNÓSTICO: Hipercalcemia, concentração sérica de fósforo normal ou diminuída e baixa densidade específica
urinária são os achados mais consistentes. Azotemia comumente se desenvolve como consequência de
hipercalcemia moderada a grave. Em animais hipercalcêmicos com função renal ainda relativamente normal
(com concentrações séricas de creatinina e nitrogênio ureico normais), a determinação da concentração sérica de
PTH é útil no diagnóstico. A constatação de concentração sérica de PTH no limite superior de normalidade ou
alta em animais hipercalcêmicos com função renal normal é compatível com hiperparatireoidismo primário,
enquanto concentração de PTH baixa é consistente com hipercalcemia de malignidade. Ultrassonografia das
glândulas paratireoides é uma técnica de diagnóstico útil, mas requer uma unidade de ultrassom com transdutor
de frequência gama alta, na faixa de 7,5 MHz a 10 MHz, para a resolução necessária. As glândulas da
paratireoide normais nem sempre são visualizadas no exame ultrassonográfico, mas a hipertrofia de paratireoide
aparecem como estruturas arredondadas hiperecoicas ou anecoicas, associadas à glândula tireoide. O achado de
uma glândula paratireoide solitária no paciente hipercalcêmico sustenta o diagnóstico de hiperparatireoidismo
primário, enquanto a constatação de múltiplas glândulas paratireoides hipertrofiadas é compatível com
hiperparatireoidismo secundário. Ultrassonografia não permite distinguir um adenoma de paratireoide de um
adenocarcinoma. Cirurgia exploratória da região cervical é uma alternativa diagnóstica se nenhuma outra causa
de hipercalcemia pode ser identificada.
TRATAMENTO: O procedimento mais efetivo e apropriado no tratamento do paciente é a exploração cirúrgica do
pescoço e remoção do tecido de paratireoide anormal. Ablação química (etanol) ou pelo calor da paratireoide
guiada por ultrassonografia percutânea tem sido utilizada e pode ser uma alternativa factível à cirurgia, em
alguns casos. Tentativas para diminuir a concentração sérica de cálcio com fluidoterapia IV (com solução
salina) e furosemida antes da cirurgia ou ablação podem ser benéficas (ver p. 610). Não há tratamento
medicamentoso para hiperparatireoidismo primário, embora possa ser realizado tratamento para hipercalcemia
quando a cirurgia é rejeitada.

Hipercalcemia Associada ao Hipoadrenocorticismo

Hipercalcemia discreta (= 15 mg/dl) tem sido relatada em até 30% dos cães com hipoadrenocorticismo (doença
de Addison). Múltiplos fatores podem resultar em hipercalcemia, inclusive o aumento de citrato de cálcio
(cálcio complexado), hemoconcentração (aumento relativo), maior reabsorção renal de cálcio e maior afinidade
de proteínas séricas pelo cálcio. Embora a concentração sérica de cálcio total possa estar aumentada, a fração
ionizada geralmente é normal. A hipercalcemia regride rapidamente com o tratamento bem­sucedido do
hipoadrenocorticismo.

Insuficiência Renal

Em gatos, insuficiência renal crônica (normalmente associada a nefrite intersticial crônica) parece ser a causa
mais comum de hipercalcemia. A patogenia da hipercalcemia é desconhecida, mas a concentração de cálcio
ionizado permanece normal. Em cães, a insuficiência renal causada por doença renal familiar é mais
frequentemente associada a hipercalcemia do que outras formas de insuficiência renal crônica. A hipercalcemia
pode também estar presente na insuficiência renal aguda durante a fase poliúrica, mas isso é raro.

Hipercalcemia Idiopática dos Gatos

Uma síndrome em gatos de idade jovem a meia­idade, com primeiro relato no início dos anos 1990, envolve
hipercalcemia sem explicação óbvia. O teor sérico de cálcio total se mantém elevado por meses a 1 ano,
frequentemente sem sinais clínicos evidentes. A concentração de cálcio ionizado se eleva, às vezes
desproporcionalmente ao aumento do teor sérico de cálcio total. Gatos de pelos longos podem ser mais sujeitos
a essa síndrome. Muitos não são azotêmicos no diagnóstico inicial, mas podem desenvolver azotemia mais
tarde. A concentração de PTH situa­se na faixa de normalidade, PTHrP não é detectável e as concentrações de
25­(OH)–D e calcitriol encontram­se dentro dos limites normais.
Raramente indica­se tratamento intensivo da hipercalcemia idiopática, pois a hipercalcemia se instala
gradualmente e demora um tempo relativamente longo; ademais, geralmente não se constatam sinais clínicos
marcantes. A maioria dos gatos pode ser tratada no próprio domicílio, mediante mudança da dieta, sozinha ou
combinada com terapia medicamentosa.
Alguns relatos indicam que aumento do teor de fibra da dieta está relacionado com a diminuição do cálcio
sérico em gatos acometidos. A administração de prednisona resulta em diminuição de longa duração nas
concentrações de cálcio ionizado e total, em alguns gatos.
Quando a modificação da dieta e o uso de prednisolona não são efetivos, deve­se utilizar bisfosfonatos.
Alguns gatos foram tratados com sucesso com 10 mg de alendronato VO, 1 vez/semana, por até 1 ano.
Esofagite erosiva é um conhecido efeito colateral do uso oral de bisfosfonatos em pacientes humanos. Embora o
risco de desenvolvimento de esofagite em gatos seja desconhecido, o proprietário pode fornecer 5 a 6 ml de
água ao gato, por meio de uma seringa dosadora, imediatamente após a administração de alendronato; pequena
quantidade de manteiga aplicada nos lábios do gato pode estimular lambidas e salivação, propiciando a
passagem do comprimido ao estômago. Atualmente são desconhecidas a segurança e a eficácia do uso oral de
bisfosfonatos por longo tempo, em gatos.
LESÕES OSTEOLÍTICAS
Hipercalcemia decorrente de invasão tumoral ou metástase ao osso é uma ocorrência muito rara em animais.
Tumores ósseos primários (p. ex., osteossarcoma) e células neoplásicas na medula óssea (p. ex., mieloma
múltipla) podem, ocasionalmente, provocar hipercalcemia. Os mecanismos pelos quais a neoplasia óssea pode
ocasionar hipercalcemia incluem destruição mecânica por infiltração celular (como acontece em tumores
metastáticos e osteossarcoma) e produção local do fator ativador de osteoclastos (como ocorre no mieloma
múltiplo). Osteomielites bacteriana e micótica podem também, ocasionalmente, causar hipercalcemia. A
hipercalcemia pode resultar de lise óssea direta ou pode ser mediada por fatores de reabsorção óssea (p. ex.,
prostraglandinas, fator ativador de osteoclastos).

Outras Causas de Hipercalcemia

HIPERVITAMINOSE D: A intoxicação por vitamina D refere­se aos efeitos da ingestão excessiva de metabólitos
bioativos de vitamina D. A intoxicação causada por ergocalciferol (vitamina D2) ou colecalciferol (vitamina D3)
pode ser decorrência de suplementação excessiva na dieta (mais comum em cães jovens em faz de crescimento)
para tratamento de hipoparatireoidismo primário. Ambas as formas de vitamina D tem início lento de ação e
efeito prolongado, tornando difícil estabelecer a dose adequada. O tratamento envolve a interrupção do
suplemento ou a diminuição da dose de vitamina D. A intoxicação causada por calcitriol (1,25­di­
hidroxivitamina D), a forma mais ativa de vitamina D, mais comumente ocorre após tratamento de
hipoparatireoidismo primário. O calcitriol é também o ingrediente ativo em alguns rodenticidas, mas esses
produtos não são mais amplamente disponíveis, pelo menos nos EUA.
Em cães, uma causa recente de intoxicação por vitamina D é a ingestão do análogo do calcitriol, calcipotrieno
(também denominado tacalcitol), utilizado em preparação tópica para tratamento de psoríase humana. Em cães,
a intoxicação por calcipotrieno pode resultar em calcificação metastática grave no trato GI, rins e outros tecidos;
a doença comumente é fatal.
PLANTAS DOMÉSTICAS: Algumas plantas domésticas (p. ex., Cestrum diurnum [Dama–da­noite], Solanum

malacoxylon, Triestum flavescens) podem conter uma substância similar à vitamina D que, quando ingeridas,
podem causar hipercalcemia.
DOENÇA GRANULOMATOSA: A hipercalcemia associada a doença granulomatosa surge de uma alteração no
metabolismo de vitamina D endógena. Os macrófagos ativados em resposta à inflamação granulomatosa por
desenvolver a habilidade de transformar precursores de vitamina D em forma ativa de vitamina D (p. ex.,
calcitriol), de uma forma não controlada. Alteração similar do metabolismo da vitamina D em pessoas pode
explicar a hipercalcemia que ocorre no linfoma não Hodgkin, no linfoma de Hodgkin e na granulomatose
linfomatoide.
Em animais de companhia, hipercalcemia relacionada com a doença granulomatosa tem sido relatada em
casos de histoplasmose disseminada, blastomicose, coccidiomicose, tuberculose e esquistossomose. Em animais
com hipercalcemia relacionada com a doença granulomatosa espera­se alta concentração sérica de cálcio
ionizado e baixo teor de PTH. Com o tratamento (p. ex., medicamentos antifúngicos e remoção cirúrgica) a
concentração sérica de cálcio retorna ao normal.

Testes de Diagnóstico

O primeiro passo na investigação de hipercalcemia é descartar a possibilidade de teste com resultado falso. O
ideal é obter uma amostra após jejum, pois amostras lipêmicas ou hemolisadas podem elevar artificialmente a
concentração sérica de cálcio total, quando se utiliza analisador colorimétrico.
Se a hipercalcemia se repete, deve­se mensurar o cálcio ionizado, pois representa a forma biologicamente
ativa do cálcio. Cálcio total ou cálcio total ajustado é uma mensuração confiável do estado de cálcio.
Em alguns animais com hipercalcemia ionizada persistente, a identificação da causa é óbvia após análise das
informações do histórico (exposição à vitamina D, medicamentos, ingestão de plantas domésticas) e dos
achados de exame físico (tumor, organomegalia, câncer ou doença granulomatosa). Em outros animais, a causa
não é óbvia e podem ser necessárias hematologia, bioquímica sérica, imagem de cavidade corporal, citologia e
histopatologia. Em muitos animais, o uso de exames especializados, inclusive mensuração de PTH, PTHrP e/ou
vitamina D, é necessário para confirmar o diagnóstico.
Se há linfadenopatia, deve­se realizar aspirado ou biópsia do linfonodo para pesquisa de linfossarcoma. Se
um tumor de saco anal é encontrado, deve­se tentar sua remoção cirúrgica. Qualquer outra neoplasia deve ser
tratada por meio de remoção cirúrgica, quimioterapia ou radioterapia. Problemas podem surgir quando a
hipercalcemia é complicada por insuficiência renal ou quando há suspeita de hiperparatireoidismo primário ou
neoplasia maligna oculta. Nesses casos, a causa de hipercalcemia pode não ser óbvia e devem ser realizados
exames adicionais para diferenciação entre hiperparatireoidismo primário e tumor oculto que causa
hipercalcemia.
CÁLCIO IONIZADO: Como a fração de cálcio ionizado é a forma biologicamente ativa e o componente que regula
a produção de PTH, a mensuração da concentração do cálcio ionizado é o primeiro passo na avaliação de
anormalidades do metabolismo de cálcio. Se o teor de cálcio ionizado está normal, ainda que o cálcio total
esteja elevado, não se justifica outros testes diagnósticos. Se o cálcio ionizado é elevado, então devem­se
determinar as concentrações de PTH e PTHrP se não há causa óbvia de hipercalcemia.
Em vários casos de hipercalcemia ou hipocalcemia, as concentrações de cálcio total e cálcio ionizado são
altamente correlacionadas (Tabela 2). Entretanto, em alguns casos o teor de cálcio total não reflete a
concentração de cálcio ionizado. Em cães com insuficiência renal, o cálcio total é alto, mas o cálcio ionizado é
normal ou surpreendentemente baixo. Nessa situação, elevação do cálcio total parece refletir a maior quantidade
de cálcio complexado a ânions, uma condição não detectada pela determinação da concentração de cálcio
ajustada com base no teor de albumina.
Cálcio ionizado é mensurado no soro ou no plasma heparinizado em um analisador que utiliza um eletrodo
específico para cálcio. O teor sérico de cálcio ionizado pode estar falsamente elevado quando a amostra é
coletada em tubo com separador de soro. Há mensuração simultânea de pH, o qual influencia a ligação do cálcio
à proteína, de modo inversamente proporcional. Aumento do pH é acompanhado de diminuição no teor de
cálcio ionizado. As amostras de soro coletadas e manuseadas em condições anaeróbicas fornecem o melhor
resultado na dosagem de cálcio ionizado. As amostras coletadas em tubo com EDTA são inadequadas porque
este anticoagulante se liga ao cálcio ionizado disponível.
PARATORMÔNIO: A dosagem de paratormônio (PTH) é a próxima etapa na avaliação de anormalidades do
metabolismo do cálcio, assim que hipercalcemia é confirmada pela mensuração da concentração de cálcio
ionizado. A avaliação do PTH pode revelar se as glândulas paratireoides estão respondendo apropriadamente à
alteração da concentração de cálcio ou se uma inapropriada produção de PTH é a causa da enfermidade. Se o
metabolismo do cálcio é normal, pequenos aumentos de cálcio ionizado inibem a secreção de PTH e pequenas
diminuições de cálcio ionizado ocasionam imediata liberação de PTH.
As determinações de PTH no plasma e no soro são muito úteis na avaliação da hipercalcemia em cães e gatos.
Animais com hiperparatireoidismo primário devem ter concentração de PTH normal/moderada à alta, enquanto
aqueles com outras formas de hipercalcemia apresentam baixa concentração de PTH (Tabela 2).
PROTEÍNA RELACIONADA COM O PARATORMÔNIO (PTHRP): A hipercalcemia associada a neoplasia, que não seja
da paratireoide, é frequentemente causada pela produção de um fator humoral, PTHrP, que tem atividade
semelhante ao paratormônio. Desde sua descoberta nos anos 1980, a PTHrP tem sido associada a uma variedade
de tumores que causam hipercalcemia de malignidade em pessoas.
O teste de PTHrP pode ser utilizado para confirmar o diagnóstico de hipercalcemia de malignidade (Tabela
2). Há prevalência relativamente alta de resultados positivos em cães com adenocarcinoma de glândula apócrina
do saco anal, linfoma ou outros tumores. Entretanto, hipercalcemia humoral de malignidade sempre permanece
como um diagnóstico diferencial em um cão hipercalcêmico com PTH baixo e teste de PTHrP normal ou
negativo. Em gatos, PTHrP alto é, também, compatível com hipercalcemia humoral de malignidade,
especialmente em gatos com carcinoma.
METABOLISMO DA VITAMINA D (CALCIDIOL E CALTRIOL): Como os metabólitos de vitamina D são quimicamente
idênticos em todas as espécies, o radioimunoensaio desenvolvido para uso em humanos é satisfatório para a
mensuração da vitamina em animais. A concentração de calcidiol (25­OH­vitamina D) é um bom indicador de
ingestão vitamina D e pode ser utilizada no diagnóstico de hipervitmainose D.
Os metabólitos de vitamina D resultantes da ingestão de colecalciferol presente em rodenticidas podem ser
mensurados com o teste de calcidiol. A intoxicação pela ingestão de colecalciferol ou ergocalciferol é detectada
pela elevação do teor de calcidiol, que pode persistir semanas após a exposição. Teste de calcidiol também pode
ser utilizado para confirmar intoxicação por ingestão de rodenticidas que contêm vitamina D3 como ingrediente
ativo.
Calcipotrieno, o análogo da vitamina D encontrado em creme para tratamento de psoríase, não é mensurado
pelo teste do calcidiol, mas é detectado no teste de calcitriol. Infelizmente, o teste de calcitriol não está
amplamente disponível para o uso clínico.
Na Tabela 2 há um resumo dos valores esperados para PTH, cálcio ionizado e PTHrP em várias enfermidades
que causam hipercalcemia. Geralmente, a concentração de PTH é normal à alta nos casos de
hiperparatireoidismo primário, secundário e terciário. A concentração de PTH é baixa com outras causas de
hipercalcemia (p. ex., hipervitaminose D, neoplasia maligna, insuficiência renal, hipoadrenocorticismo).

Tratamento

Um grau discreto de hipercalcemia pode não ser imediatamente perigoso e há tempo para estabelecer um
diagnóstico definitivo antes de iniciar o tratamento. Em animais com sinais clínicos graves associados à
hipercalcemia, o diagnóstico e os esforços terapêuticos podem ser instituídos simultaneamente. Nenhum
protocolo de tratamento é consistentemente efetivo para todas as causas de hipercalcemia; cada paciente deve
ser tratado individualmente e a causa de hipercalcemia deve ser determinada. O tratamento definitivo da
hipercalcemia implica no tratamento ou remoção da causa primária. Infelizmente, a etiologia pode não ser
evidente e medidas de suporte dever ser tomadas para diminuir a concentração sérica de cálcio. O objetivo do
tratamento de suporte é aumentar a excreção urinária de cálcio e prevenir a reabsorção de cálcio dos ossos.
TERAPIA COM FLUIDO: A expansão de volume com solução salina 0,9%, cerca de 100 a 125 ml/kg/dia IV, reduz
a hemoconcentração e aumenta a excreção renal de cálcio por elevar a taxa de filtração glomerular e de
excreção de sódio, o que resulta em menor reabsorção de cálcio.
DIURÉTICOS: Diuréticos de alça, como furosemida (2 a 4 mg/kg, 2 ou 3 vezes/dia), aumenta a excreção renal de
cálcio; entretanto, podem ser necessárias altas doses. Se há desidratação, deve­se instituir primeiramente a
fluidoterapia porque a redução de volume e a hemoconcentração adicional podem agravar a hipercalcemia.
Diuréticos tiazidas são contraindicados na hipercalcemia porque diminuem a excreção renal de cálcio e agravam
a hipercalcemia.
GLICOCORTICOIDES: Glicocorticoides, como prednisona (1 a 2 mg/kg, 2 vezes/dia) ou dexametasona (0,1 a 0,2
mg, 2 vezes/dia), representam uma segunda linha de tratamento para hipercalcemia que não responde
adequadamente à aplicação de fluidos IV e furosemida. Reduzem a reabsorção óssea de cálcio e a absorção
intestinal de cálcio, aumentam a excreção renal de cálcio e são citotóxicos a linfócitos malignos, ocasionando
substancial redução na concentração sérica de cálcio em animais com hipercalcemia secundária a linfoma,
mieloma, hipervitaminose D, doença granulomatosa e hipoadrenocorticismo. Entretanto, a utilização de
glicocorticoide pode dificultar o diagnóstico definitivo da causa primária de hipercalcemia. Isso é especialmente
verdadeiro no linfossarcoma porque os esteroides são linfocíticos e podem alterar a arquitetura do linfonodo e o
padrão de infiltração de linfócitos na medula óssea.
Tabela 2 – Anormalidades laboratoriais características associadas a causas comuns de hipercalcemia

Diagnóstico Cálcio Cálcio PTH Intacto 1,25­OH2 Fósforo Proteína


Total Ionizado Vitamina D relacionada
com o PTH

Hiperparatireoidismo Aumentado Aumentado Normal ou Normal Normal ou Negativo


primário aumentado diminuído
Hipercalcemia Aumentado Aumentado Diminuído Diminuído Normal ou Positivo
maligna ou no limite ou normal diminuído (às vezes)
inferior de
normalidade
Hipoadrenocorticismo Diminuído, Normal Normal Normal Normal ou Negativo
(doença de Addison) normal ou aumentado
aumentado
Insuficiência renal Diminuído, Normal a Normal a Diminuído Aumentado Negativo
crônica normal ou baixo aumentado ou normal
aumentado
Hipervitaminose D Aumentado Aumentado Diminuído Diminuído Normal ou Negativo
(calcitriol ou análogo ou no limite ou normal aumentado
do calcitriol) inferior de
normalidade
Hipervitaminose D Aumentado Aumentado Diminuído Aumentado Normal ou Negativo
(intoxicação por ou no limite aumentado
vitamina D2 ou D3) inferior de
normalidade
Doença Aumentado Aumentado Diminuído Diminuído Normal ou Negativo
granulomatosa ou no limite ou normal aumentado
inferior de
normalidade
Hipercalcemia Aumentado Aumentado Normal Normal Normal Negativo
idiopática dos gatos

AGENTES DIVERSOS: A terceira linha de tratamento é a adição de bisfosfonato, mitramicina ou calcitonina, para
melhor controle de hipercalcemia crônica. Bisfosfonatos contribuem na diminuição do teor sérico de cálcio por
reduzir o número e a ação de osteoclastos. Pamidronato é o medicamento de uso parenteral mais comumente
utilizado; em cães, a dose recomendada é 1 a 2 mg/kg IV, misturado à solução salina 0,9%, aplicado ao longo de
2 h. Em gatos, alendronato é o medicamento de uso oral mais comumente utilizado para controlar hipercalcemia
idiopática. Hidratação adequada é essencial quando o tratamento com bisfosfonatos em combinação com essas
drogas pode causar nefrotoxicidade, especialmente em altas doses. A dose pode se repetida após 3 a 4 semanas,
se necessário.
Mitramicina, um inibidor da síntese de RNA em osteoclastos, é um medicamento efetivo no tratamento de
hipercalcemia; a dose é 25 μg/kg, IV, ao longo de 4 a 6 h. Dose única geralmente é efetiva na normalização da
concentração sérica de cálcio; seu efeito dura poucos dias a várias semanas. Reações adversas podem incluir
trombocitopenia, nefrotocidade e hepatotoxicidade, mas são improváveis após uma única dose. Entretanto, esse
medicamento deve ser utilizado com extremo cuidado.
Calcitonina impede a reabsorção óssea por inibir a atividade e a formação de osteoclastos. A dose de
calcitonia é 4 a 8 U/kg SC, 2 a 3 vezes/dia. A calcitonina é o agente hipocalcêmico de ação mais rápida,
causando diminuição do cálcio sérico dentro de poucas horas após sua administração. Seus efeitos são bastante
transitórios, contudo, a redução máxima do teor de cálcio não é tão intensa quanto aquela notada com o uso de
bisfosfonato ou mitramicina.
Calcimiméticos, uma nova classe de medicamentos, são agonistas de receptores sensíveis ao cálcio. A droga
dessa classe mais comumente utilizada é a cinacalcete. Pela interação com os receptores sensoriais de cálcio nas
glândulas paratireoides, esses medicamentos reduzem a secreção de PTH e podem, efetivamente, suprimir o
PTH circulante em todas as formas de hiperparatireoidismo. Têm­se tornado a principal terapia para
hiperparatireoidismo secundário associado a insuficiência renal, bem como para tratamento de
hiperparatireoidismo primário, em alguns pacientes.

HIPERCALCEMIA EM EQUINOS

Como acontece em cães e gatos, os equinos podem desenvolver hipercalcemia devido a várias anormalidades,
inclusive insuficiência renal crônica, intoxicação por vitamina D e hiperparatireoidismo primário. A causa mais
comum de hipercalcemia em equinos é insuficiência renal crônica. Em equinos, os rins são importantes na
excreção de cálcio; portanto, uma excreção renal de cálcio comprometida associada à absorção intestinal normal
de cálcio pode explicar a hipercalcemia notada em equinos.
Hipercalcemia humoral de malignidade tem sido relatada em associação com carcinoma de célula escamosa
gástrica, carcinoma adrenocortical, carcinoma de célula escamosa da vulva, linfossarcoma e ameloblastoma.
Esses equinos têm hipercalcemia, hipofosfatemia, aumento da concentração sérica de PTHrP e diminuição de
concentração sérica de PTH.
Intoxicação por ergocalciferol ou colecalciferol tem sido relatada em equinos. Ingestão de plantas contendo
compostos semelhantes a 1,25(OH)2D (Solanun malacoxylon, S. sodomaeum, Cestrum diurnum, Trisetum
flavescens) causam sinais clínicos típicos de intoxicação por vitamina D, inclusive hipercalcemia.
Hiperparatireoidismo primário é uma anormalidade rara em pôneis e equinos. À semelhança do que ocorre
em cães e gatos, hipercalcemia, hipofosfatemia e alta concentração sérica de PTH são relatadas em equinos com
a enfermidade. Testes adicionais para excluir outras condições associadas à hipercalcemia podem incluir
mensuração de PTHrP e de metabólitos da vitamina D.
Como acontece em outras espécies, o tratamento definitivo do equino hipercalcêmico implica na terapia ou
remoção da causa primária. Infelizmente, a etiologia pode não ser facilmente perceptível e, às vezes, devem ser
empregadas medidas de suporte (p. ex., terapia com fluido, diuréticos e/ou glicocorticoides) para melhorar a
excreção urinária de cálcio e diminuir a concentração sérica de cálcio.

HIPOCALCEMIA EM CÃES E GATOS

A hipocalcemia causa as principais manifestações clínicas de hipoparatireoidismo por aumentar a excitabilidade


de ambos os sistemas, nervoso central e nervoso periférico. Sintomas neuromusculares periféricos classicamente
incluem tremores musculares, contrações musculares e tetania. Convulsões generalizadas, assemelhando­se
àquelas de crise epiléptica idiopática, são as manifestações de SNC predominantes no hipoparatireoidismo.

Hipoparatireoidismo

O hipoparatireoidismo é uma anormalidade metabólica caracterizada por hipocalcemia e hiperfosfatemia, bem


como deficiência transitória ou permanente de PTH. A doença espontânea é incomum em cães e raramente
relatada em gatos. Lesão iatrogênica ou remoção das glândulas paratireoides durante tireoidectomia para
tratamento de hipertireoidismo é a causa mais comum, em gatos. Pode ocorrer hipoparatireoidismo secundário
no pós­operatório de paratireoidectomia para tratamento de tumor de paratireoide, devido à atrofia das glândulas
remanescentes, em cães e gatos.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico é baseado no histórico, nos sinais clínicos, na evidência laboratorial de
hipocalcemia e hiperfosfatemia e na exclusão de outras causas de hipocalcemia (p. ex., hipoproteinemia, má
absorção, pancreatite, insuficiência renal). Na suspeita de hipoparatireoidismo idiopático, esse deve ser
confirmado por exame histológico das glândulas paratireoides e documentação de atrofia ou destruição da
paratireoide. Como as glândulas paratireoides não são macroscopicamente evidentes em animais com
hipoparatireoidismo, deve­se realizar tireoidectomia unilateral para assegurar que seja examinada amostra
adequada de tecido da paratireoide. A determinação da concentração sérica de PTH pode ser importante no
diagnóstico de hipoparatireoidismo idiopático e, assim, é possível eliminar a necessidade de cirurgia
exploratória cervical e exame histológico.
TRATAMENTO: O tratamento objetiva restabelecer a concentração sérica de cálcio ao limite inferior da faixa
normal. Esse deve incluir suplementos de cálcio e vitamina D para ambas as formas de hipoparatireoidismo,
iatrogênica e idiopática. Se há hipocalcemia com tetania ou convulsões, deve­se administrar imediatamente
cálcio por via IV. Para manutenção da normocalcemia, deve­se fornecer cálcio oral, juntamente com vitamina D.
A principal complicação associada ao tratamento de hipoparatireoidismo é hipercalcemia, que se instala como
consequência de tratamento excessivo com cálcio e vitamina D. Se isso acontece, a terapia com cálcio e
vitamina D deve ser temporariamente interrompida; solução salina e furosemia devem ser administradas se a
hipercalcemia é grave (ver p. 610). No hipoparatireoidismo idiopático é necessário tratamento prolongado com
vitamina D (com ou sem suplementação de cálcio). Por outro lado, no hipoparatireoidismo iatrogênico, pode
ocorrer recuperação espontânea da função da paratireoide ou acomodação do mecanismo de regulação do cálcio
na ausência de PTH semanas a meses após a cirurgia.

Outras Causas de Hipocalcemia

DOENÇA RENAL: A insuficiência renal crônica é, provavelmente, a principal e mais frequente causa de
hipocalcemia. Azotemia e hiperfosfatemia resultam da diminuição da taxa de filtração glomerular. Os
mecanismos de hipocalcemia incluem menor reabsorção tubular renal de cálcio, hiperfosfatemia, menor síntese
de 1,25­di­hidroxivitamina D, hipoalbuminemia e quelação de cálcio por oxalato. Ocorre hiperplasia da
glândula paratireoide para manter o cálcio sérico em valor normal. Alta concentração de PTH resultam em
maior reabsorção óssea. Contudo, hipocalcemia associada à insuficiência renal raramente é de relevância clínica
(p. ex., não há tremor muscular, contração muscular, tetania ou convulsão). Além disso, muitos animais com
insuficiência renal crônica têm concentração sérica de cálcio normal. O tratamento deve objetivar a redução na
concentração sérica de fósforo mediante a restrição do mineral e de ligadores de fósforo intestinais na dieta (ver
p. 1646).
HIPOPROTEINEMIA: Animais com hipoalbuminemia podem ser hipocalcêmicos devido à diminuição na fração
ligante da proteína ao cálcio, mas a fração de cálcio ionizado pode permanecer normal. Geralmente não se
constatam sinais clínicos de hipocalcemia. A magnitude da hipocalcemia comumente é discreta.
PANCREATITE: Hipocalcemia, quando ocorre em animais com pancreatite (ver p. 495), geralmente é discreta e
subclínica. O mecanismo exato é desconhecido, mas uma teoria comumente aceita é que o cálcio é precipitado
na forma de detergente insolúvel pela saponificação de ácidos graxos peripancreáticos subsequentemente
formados para liberar a enzima pancreática lipase. Trabalho mais recente sugere que a hipocalcemia pode ser
decorrência de um desvio de cálcio para os tecidos moles, especialmente músculos.
TETANIA PUERPERAL: A tetania puerperal (ver p. 1056) é uma doença aguda, com risco à vida, causada pela
redução extrema na concentração de cálcio circulante em cadelas ou gatas lactantes. Hipocalcemia grave
associada a eclâmpsia se desenvolve durante o período de amamentação (vários dias a várias semanas após o
parto). A fisiopatologia ainda é pouco compreendida, mas parece resultar de um desequilíbrio entre a taxa de
entrada (p. ex., reabsorção óssea, absorção GI) e saída (p. ex., glândula mamária) da reserva de cálcio
extracelular. O tratamento consiste na administração por via intravenosa lenta de cálcio, juntamente com o
desmame da ninhada, se possível.
INTOXICAÇÃO POR ENEMA DE FOSFATO: Enema com fosfato de sódio hipertônico (p. ex., Fleet®) pode resultar
em anormalidades bioquímicas graves, especialmente quando administrado a gatos desidratados, com lesão de
mucosa e atonia do cólon. Hipernatremia e hiperfosfatemia se devem à absorção de sódio e fósforo da solução
de enema no cólon, bem como transferência de água intravascular ao lúmen do cólon (em decorrência de enema
hipertônico). A hiperfosfatemia ocasiona precipitação de cálcio sérico e consequente hipocalcemia. Os sinais
clínicos de intoxicação por enema de fosfato, os quais resultam dessas alterações de eletrólitos e fluido, incluem
choque e irritabilidade neuromuscular. O tratamento consiste na aplicação IV de fluido para expansão de
volume, com baixo teor de eletrólitos (p. ex., solução aquosa de glicose 5%), bem como tratamento de
hipocalcemia.
AGENTES QUELANTES: EDTA (ácido etilenodiaminotetracético), sangue com citrato e ácido oxálico (um

metabólito do etilenoglicol em anticongelante) formam complexos com cálcio e podem causar hipocalcemia.
Animais intoxicados por etilenoglicol (ver p. 3222) também têm acidose metabólica grave, azotemia e
hiperfosfatemia por insuficiência renal oligúrica, que resulta em precipitação de cristais de oxalato de cálcio nos
túbulos renais.

Tratamento

O tratamento definitivo de hipocalcemia implica na eliminação da causa primária. Medidas de suporte, inclusive
restabelecimento da normocalcemia, pode ser adotadas até que se aguarda o diagnóstico.
CÁLCIO PARENTERAL: Hipocalcemia com tetania ou convulsões são indicações de administração por via

intravenosa imediata de gliconato de cálcio 10% (1,0 a 1,5 ml/kg), em infusão lenta ao longo de 10 min.
Monitoramento rigoroso é obrigatório; caso ocorra bradicardia ou encurtamento do intervalo QT, a infusão IV
deve ser diminuída ou temporariamente interrompida.
Uma vez controlados os sintomas de hipocalcemia com risco à vida, o cálcio pode ser adicionado a fluido IV
e administrado como infusão contínua lenta (p. ex., gliconato de cálcio 10%, 2,5 ml/kg, a cada 6 a 8 h). A taxa
de administração de cálcio deve ser ajustada quando necessária, de modo a manter uma concentração sérica de
cálcio normal e a infusão deve ser continuada por quanto tempo for necessário para prevenir recidiva de
hipocalcemia. Embora essa infusão contínua de cálcio mantenha normocalcemia, a duração de seu efeito é
breve; ocorre recidiva de hipocalcemia horas após cessar a infusão, a menos que seja administrado outro
tratamento.
CÁLCIO ORAL: A suplementação de cálcio VO pode ser benéfica em algumas condições (p. ex.,
hipoparatireoidismo, tetania puerperal). As necessidades diárias são 1 a 4 g para cães e 0,5 a 1 g para gatos. A
dose diária de cálcio deve ser baseada na quantidade de cálcio elementar no produto, mais do que no peso do sal
de cálcio.
VITAMINA D: Em algumas condições, a suplementação de vitamina D é necessária para aumentar a absorção
intestinal de cálcio. Há 3 principais preparações de vitamina D disponíveis – vitamina D2 (ergocalciferol), di­
hidrotocoferal e 1,25­di­hidroxivitamina D (calcitriol). A dosagem e a duração de resposta desses medicamentos
dependem da preparação utilizada. Para vitamina D2, a dose inicial necessária geralmente varia de 4.000 a 6.000
UI/kg/dia, enquanto a dose final requerida para manter a normocalcemia é de 1.000 a 2.000 IU/kg, 1 vez/dia a 1
vez/semana. Para di­hidrotasquiferol, geralmente a dose de carregamento inicial é 0,02 a 0,03 mg/kg/dia, com
dose de manutenção de 0,01 a 0,02 mg/kg, a cada 24 a 48 h. Para 1,25­di­hidroxivitamina D, geralmente
necessita­se a dose diária de 0,025 a 0,06 μg/kg (25 a 60 ng/kg/dia). Como o conteúdo das cápsulas disponíveis
(250 ng e 500 ng) não são bem apropriadas ao pequeno peso corporal da maioria dos cães e gatos e essas
cápsulas não podem ser facilmente fracionadas, pode ser desejável entrar em contato com um farmacêutico
capaz de reformular esses produtos de modo a obter um conteúdo apropriado para um animal. Com todas as
preparações de vitamina D e protocolos de doses o desenvolvimento de hipercalcemia iatrogênica é uma
complicação comum do tratamento.

PÂNCREAS

A função endócrina do pâncreas é realizada por pequenos grupos de células, as ilhotas de Langerhans, que são
completamente circundadas por células acinares (exócrinas) que produzem enzimas digestivas. As porções
endócrina e exócrina do pâncreas estão intimamente relacionadas durante o desenvolvimento e evidências
sugerem que as células das ilhotas, de ácinos e de ductos surgem a partir de uma célula precursora multipotente
em comum.
As ilhotas pancreáticas contêm células a, β e d; cada uma delas sintetiza um único hormônio polipeptídio. As
células β compreendem 60 a 70% da população das células das ilhotas e secretam insulina, as células a secretam
glucagon e as células d secretam somatostatina.
As ilhotas pancreáticas funcionam como órgãos microendócrinos discretos. Estão distribuídas pelo pâncreas
em um padrão característico de inter­relação celular para garantir o equilíbrio apropriado dos hormônios. Vasos
e nervos aferentes entram na ilhota em uma região tricelular periférica. A íntima relação anatômica entre as
células a, β e d nesta região cortical heterogênea permite funcionar como um sensor local de glicose,
propiciando a liberação coordenada de insulina e glucagon, em resposta às flutuações da glicose sanguínea.
Junções íntimas especializadas entre as membranas das células endócrinas adjacentes tendem a dividir o espaço
intercelular e pode permitir que a somatostatina tenha efeito inibidor local direto (parácrino) na liberação de
insulina e glucagon.
A insulina é formada inicialmente por uma cadeia polipeptídica única de 81 a 86 resíduos de aminoácidos.
Este pró­hormônio (proinsulina) contém as cadeias A e B da molécula de insulina, além de um peptídio de
conexão. A proinsulina é convertida enzimaticamente à insulina, antes do armazenamento em grânulos
secretores limitados por uma membrana.
O principal estímulo fisiológico para liberação de insulina pelas células β é o aumento da concentração de
glicose no fluido extracelular. Na membrana plasmática das células β há glicorreceptores específicos que se
ligam à glicose. Uma concentração extracelular apropriada de cálcio é necessária para a secreção de insulina.
Em algumas condições hipocalcêmicas p. ex., hipocalcemia puerperal em vacas), a secreção de insulina pode ser
inibida pela baixa concentração de cálcio no fluido extracelular, resultando em hiperglicemia. Outros açúcares
(frutose, manose, ribose), aminoácidos (leucina, arginina), hormônios (glucagon, secretina), medicamentos
(sulfonilureia), ácidos graxos de cadeia curta e corpos cetônicos também podem estimular a secreção de
insulina, em certas condições. As células β pancreáticas são aptas a responder a estímulos fisiológicos
específicos com a liberação de hormônio esteroide, de forma modulada, em vez de liberar todo o hormônio
armazenado de uma vez.
A insulina influencia, direta ou indiretamente, a função de cada órgão do corpo. Tecidos especialmente
responsivos à insulina incluem músculo esquelético e cardíaco, tecido adiposo, fibroblastos, fígado, leucócitos,
glândula mamária, cartilagem, osso, pele, artéria aorta, hipófise e nervos periféricos. A principal função da
insulina é estimular as reações anabólicas que envolvem carboidratos, lipídios, proteínas e ácidos nucleicos.
Fígado, células adiposas e músculo são os três principais alvo da insulina. A insulina catalisa a formação de
macromoléculas utilizadas na estrutura celular e no armazenamento de energia e regula muitas funções
celulares. Em geral, a insulina aumenta a transferência de glicose e outros monossacarídios, alguns aminoácidos
e ácidos graxos e íons magnésio e potássio através da membrana das células­alvo. Também, reduz a taxa de
lipólise, proteólise, cetogênese e gliconeogênese.
O glucagon é secretado em resposta à redução da glicose sanguínea. Promove a mobilização dos estoques de
nutrientes energéticos, aumentando a glicogenólise, a gliconeogênese e a lipose. Em concentrações fisiológicas,
o glucagon aumenta tanto a glicogenólise quanto a gliconeogênese hepática, aumentando a glicose sanguínea.
A insulina e o glucagon atuam em conjunto para manter a concentração de glicose no fluido extracelular
dentro de limites relativamente estreitos. Um sensor de glicose nas ilhotas pancreáticas controla as quantidades
de insulina e glucagon secretadas. Glucagon controla a liberação de glicose do fígado para o espaço extracelular
e a insulina controla o transporte de glicose do espaço extracelular para os tecidos sensíveis à insulina, como
gordura, músculo e fígado.

DIABETES MELITO

Diabetes melito é uma anormalidade crônica do metabolismo de carboidratos causada por deficiência relativa ou
absoluta de insulina. A maioria dos casos de diabetes espontânea ocorre em cães de meia­idade e em gatos de
meia­idade ou idosos. Em cães, as fêmeas são duas vezes mais acometidas do que os machos e a incidência
parece maior em algumas raças pequenas, como Poodle miniatura, Dachshund, Schnauzer, Cairn Terrier e
Beagle, mas qualquer raça pode ser afetada. Em um estudo notou­se que gatos machos obesos foram mais
comumente acometidos do que as fêmeas; nenhuma predisposição racial foi observada em gatos.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Os mecanismos patogênicos responsáveis pela menor produção e secreção de
insulina são múltiplos, mas geralmente estão relacionados com a destruição das células das ilhotas,
secundariamente à destruição imune ou à pancreatite grave (cães) ou amiloidose (gatos). Pancreatite crônica
recidivante, com perda progressiva tanto das células endócrinas quanto das células exócrinas e sua substituição
por fibras de tecido conjuntivo, resulta em diabetes melito. O pâncreas se torna firme e multinodular e
frequentemente contém áreas dispersas de hemorragia e necrose. Mais tarde no curso da doença, uma camada
fina de tecido fibroso próximo ao duodeno e ao estômago podem ser o que resta do pâncreas. Infiltração seletiva
das ilhotas com amiloide, glicogênio e colágeno, com destruição de células das ilhotas, são causas menos
frequentes de diabetes melito em cães do que em gatos. Em outros casos, a quantidade de células β está
diminuída e as células se tornam vacuolizadas; nos casos crônicos, é difícil visualizar as ilhotas. Diabetes melito
resistente à insulina e secundário também são verificados em muitos cães com hiperadrenocorticismo
espontâneo e após a administração crônica contínua de glicocorticoides ou progestágenos. Prenhez e diestro
também podem predispor ao diabetes melito. Em cães, mas não em gatos, a progesterona ocasiona liberação do
hormônio do crescimento, resultando em hiperglicemia e resistência à insulina. Obesidade também predispõe à
resistência à insulina, tanto em cães como em gatos.
A expressão completa das alterações metabólicas complexas no diabetes melito parece resultado de uma
anormalidade bi–hormonal. Embora a deficiência relativa ou absoluta da ação da insulina em resposta ao
aumento da concentração de glicose extracelular tenha sido reconhecida como a principal anormalidade
hormonal, recentemente a importância do aumento relativo ou absoluto da secreção de glucagon está sendo
pesquisada. No diabetes, a hiperglucagonemia pode ser decorrência do aumento da secreção de glucagon
pancreático, de enteroglucagon ou de ambos. O aumento de glucagon parece contribuir para o desenvolvimento
de hiperglicemia grave devido à mobilização da reserva hepática de glicose e do desenvolvimento de
cetoacidose pelo aumento da oxidação dos ácidos graxos no fígado.
Gatos com diabetes melito geralmente apresentam lesões degenerativas específicas localizadas seletivamente
nas ilhotas de Langerhans, enquanto o restante do pâncreas parece normal. A deposição seletiva de amiloide nas
ilhotas, com alterações degenerativas das células β, é a lesão pancreática mais comum em muitos gatos com
diabetes. O amiloide parece oriundo do polipeptídio associado às ilhotas (IAPP), que é secretado juntamente
com a insulina pelas células β. Gatos parecem incapazes de processar o IAPP normalmente, o que ocasiona
acúmulo excessivo e conversão em amiloide. À medida que os gatos envelhecem, uma porcentagem maior de
suas ilhotas contém amiloide. Gatos com diabetes têm porcentagem maior de ilhotas afetadas, com grande
quantidade de amiloide, do que gatos da mesma idade, sem diabetes. O amiloide ou IAPP (ou ambos)
ocasionam alteração física das células β e resistência à insulina, resultando em diabetes.
Infecção humana por alguns vírus pode causar dano seletivo às ilhotas ou pancreatite e sugere­se que sejam
responsáveis por certos casos de desenvolvimento rápido de diabetes melito. Isto ainda não foi relatado em cães
e gatos. A degeneração seletiva e necrose de células β são acompanhadas de infiltração das ilhotas por linfócitos
e macrófagos. Estresse, obesidade e administração de corticosteroides ou progestágenos podem aumentar a
gravidade dos sinais clínicos.
ACHADOS CLÍNICOS: O início do diabetes melito é frequentemente insidioso e o curso clínico é crônico.
Sintomas comuns em cães incluem polidipsia, poliúria, polifagia com perda de peso, catarata bilateral e
fraqueza. As alterações no metabolismo hídrico se desenvolvem principalmente devido à diurese osmótica. O
limiar renal para glicose é cerca de 180 mg/dl, em cães, e cerca de 280 mg/dl, em gatos.
Animais diabéticos apresentam menor resistência a infecções bacterianas e fúngicas e frequentemente
desenvolvem infecções crônicas ou recidivantes, como cistite, prostatite, broncopneumonia e dermatite. Esta
maior suscetibilidade às infecções pode estar relacionada, em parte, à alteração das atividades quimiotáticas,
fagocitárias e antimicrobianas associadas à função reduzida dos neutrófilos. Evidência radiográfica de cistite
enfisematosa (rara) é sugestiva de diabetes melito, devido à infecção por microrganismos fermentadores de
glicose, como Proteus sp., Aerobacter aerogenes e Escherichia coli, que resulta na formação de gás na parede e
no lúmen da bexiga. Enfisema também pode se desenvolver na parede da vesícula biliar de cães diabéticos.
Hepatomegalia devido ao acúmulo lipídico é comum em cães e gatos diabéticos. O fígado gorduroso se deve
à maior mobilização de gordura do tecido adiposo. O tamanho das células hepáticas, individualmente, está
muito aumentado pelo acúmulo de múltiplas gotículas de lipídio neutro. Em gatos, pode ocorrer lipidose
hepática juntamente com diabetes melito.
Catarata se desenvolve frequentemente em cães (não em gatos) com diabetes melito mal controlado. A
opacidade do cristalino surge inicialmente ao longo de linhas de junção das fibras do cristalino e sua forma é
estrelada (“asteroide”). A formação de catarata em cães está relacionada com a via metabólica única do sorbitol
pela qual a glicose é metabolizada no cristalino, a qual ocasiona edema de cristalino e alteração na transmissão
normal de luz através dele. Embora a mesma via do sorbitol pareça presente em gatos, o desenvolvimento de
catarata é raro. Outras lesões extrapancreáticas associadas a diabetes melito em pessoas, como nefropatia,
retinopatia e angiopatia micro e macrovascular são raras em cães e gatos.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico de diabetes melito se baseia na constatação de hiperglicemia e glicosúria
persistentes, em jejum. A concentração sanguínea normal de glicose em jejum, em cães e gatos, varia de 75 a
120 mg/dl. Em gatos, hiperglicemia induzida por estresse é um problema frequente e várias amostras de sangue
e urina podem ser necessárias para confirmar o diagnóstico. A mensuração de hemoglobina glicosilada ou
frutosamina (ou ambas) podem auxiliar na diferenciação entre hiperglicemia induzida por estresse e por diabetes
melito. Nos casos de hiperglicemia induzida por estresse, as concentrações de frutosamina e hemoglobina
glicosilada estão normais. Em todos os casos, deve­se pesquisar a influência de medicamentos ou de doenças
que predispõem ao diabetes.
TRATAMENTO: O sucesso a longo prazo depende da compreensão e cooperação do proprietário. O tratamento
envolve a combinação da redução de peso, dieta, insulina e, possivelmente, hipoglicemiante oral. As fêmeas
devem ser castradas. Em gatos, evidência recente tem apoiado o uso de dietas com alto teor de proteína e baixo
teor de carboidratos (rações enlatadas para filhotes). Em cães, dietas ricas em fibras e carboidratos complexos
são preferidas. Dieta e redução de peso, exclusivamente, não controlam a doença; assim, é necessário
tratamento inicial com insulina. A maioria dos cães necessita de 2 doses de insulina por dia. Em geral, a insulina
NPH, ou lenta, é a insulina inicial de escolha, na dose de 0,5 U/kg, 2 vezes/dia. Com duas injeções diárias, são
fornecidas duas refeições de igual teor calórico no momento da administração de insulina. Dietas ricas em
açúcares simples (rações semiúmidas) devem ser evitadas. Sinais clínicos e dosagens seriadas de glicose no
sangue são os parâmetros utilizados para monitorar a terapia após estabilização inicial no domicílio, por 5 a 7
dias. Geralmente é preferível a mensuração de glicose sanguínea no domicílio, para evitar mudanças na rotina
do animal e o estresse do exame na clínica ou hospital. Em gatos, iniciam­se dietas ricas em proteínas
acompanhadas de insulinoterapia e o animal é reavaliado após 5 a 7 dias. Em gatos recentemente
diagnosticados, a insulina glargina é a insulina de escolha. A glargina é uma insulina de longa ação basal.
Utilizada juntamente com dieta rica em proteínas e com baixo teor de carboidrato, está associada à remissão de
diabetes melito e descontinuação da insulinoterapia em 80 a 90% dos casos, nos primeiros 3 a 4 meses de
tratamento. As insulinas NPH, lenta e PZI também podem ser utilizadas em gatos, com doses iniciais de 1 a 3
unidades, 2 vezes/dia. Entretanto, estas insulinas não estão associadas a alta taxa de remissão do diabetes.
O uso oral de agentes hipoglicemiantes (glipizida) foi avaliado em gatos diabéticos. Glipizida é uma
sulfonilureia que estimula a liberação de insulina pelas células β funcionais. Glipizida não deve ser utilizada em
gatos magros ou cetonúricos, quando é possível a deficiência absoluta de insulina e há necessidade de
administração exógena de insulina. Glipizida é administrada na dose inicial de 2,5 mg, 2 vezes/dia VO,
juntamente com manejo dietético. A resposta clínica é notada em 3 a 4 semanas. Sucesso a curto prazo é
observado em 50% dos gatos tratados, com taxa de sucesso a longo prazo (> 1 ano) de cerca de 15%. Como
alternativa, pode­se administrar glimepirida (outra sulfonilureia) para gatos, na dose de 2 mg, 1 vez/dia.
Arcabose, um inibidor de uso oral da alfa­glicosidade, também tem sido utilizado em gatos, na dose de 12,5 a
25 mg, 2 a 3 vezes/dia, juntamente com dieta e/ou insulina, para controlar a hiperglicemia.
Cetoacidose é uma séria complicação do diabetes melito e deve ser tratada como uma emergência médica. A
terapia inclui correção da desidratação mediante aplicação IV de fluidos, como solução de NaCl 0,9% ou
solução de lactato de Ringer; redução da hiperglicemia e da cetose pela administração de insulina de zinco
regular; manutenção das concentrações séricas de eletrólitos, especialmente de potássio, por meio da
administração suplementar de soluções apropriadas de eletrólitos; e identificação e tratamento de doenças
complicadoras concomitantes, como pancreatite aguda ou infecções.
Vários procedimentos no uso de insulina tem sido utilizados no tratamento de diabetes melito cetoacidótica.
No tratamento intermitente com insulina, utiliza­se insulina regular na dose inicial de 0,2 U/kg IM, seguida de
administrações a cada hora de 0,1 U/kg. Assim que a glicemia esteja < 250 mg/dl, a insulina é administrada por
via SC, na dose de 0,25 a 0,5 U/kg, a cada 4 a 6 h, com monitoramento cuidadosa da glicemia em intervalos de
1 a 2 h. Durante o tratamento agressivo com insulina, a concentração sanguínea de glicose pode diminuir
rapidamente e pode ser necessária a adição de dextrose 2,5 a 5% ao fluido IV.
Ao instituir insulinoterapia, a glicose sanguínea deve ser avaliada frequentemente, até que se obtenha a dose
de manutenção adequada. Assim que o animal inicia terapia de manutenção e a condição se estabiliza, o
paciente deve ser reavaliado a cada 4 a 6 meses.

TUMORES DE CÉLULAS DAS ILHOTAS FUNCIONAIS

O tumor de ilhotas pancreáticas mais frequente é o carcinoma de células das ilhotas derivados de células β
secretoras de insulina. Estas neoplasias frequentemente são ativas, em termos hormonais, e secretam quantidade
excessiva de insulina, que provoca hipoglicemia. O tecido pancreático endócrino parece derivado de células
epiteliais de ductos multipotentes, que se diferenciam em um dos vários tipos celulares presentes nas ilhotas.
Gastrina, somatostatina, polipeptídios pancreáticos e peptídio vasoativo intestinal também podem ser
produzidos em excesso por tumores das células das ilhotas. Neoplasias de células β das ilhotas pancreáticas
(insulinomas) são notadas mais frequentemente em cães com 5 a 12 anos de idade. Também, têm sido menos
frequentemente relatadas em gatos e em bovinos mais idosos.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos constatados nos insulinomas resultam do excesso de secreção de

insulina, que ocasiona maior taxa de transferência de glicose do fluido extracelular para os tecidos corporais e,
consequentemente, hipoglicemia grave. Os sinais clínicos são reflexos da hipoglicemia e não são específicos
para hiperinsulinismo associado à neoplasia de célula β. Os sintomas iniciais incluem fraqueza posterior, fadiga
após exercício, fraqueza e fasciculações musculares generalizadas, ataxia, confusão mental e alterações de
comportamento. Os cães se agitam facilmente e há períodos intermitentes de excitabilidade e inquietação.
Podem ocorrer convulsões periódicas e também são relatados episódios de colapso parecidos com síncope.
Os sinais clínicos são tipicamente episódicos e inicialmente ocorrem em intervalos prolongados e se tornam
mais frequentes e duradouros à medida que a doença progride. Crises hipoglicêmicas podem ser precipitadas
por exercício físico (maior uso de glicose) ou jejum (menor disponibilidade de glicose), bem como pela ingestão
de alimentos (estímulo da secreção de insulina). A administração de glicose rapidamente alivia os sintomas.
A predominância de sinais clínicos relacionados com o SNC mostra a dependência primária do cérebro no
metabolismo de glicose para energia. Quando o cérebro não é suprido por glicose, a oxidação cerebral diminui e
as manifestações de anoxia surgem. Como os sinais clínicos são compatíveis com doença primária do SNC, os
tumores funcionais de células das ilhotas podem ser diagnosticados erroneamente como epilepsia idiopática,
tumores cerebrais ou outras doenças neurológicas. Episódios repetidos de hipoglicemia grave e prolongada
podem resultar em degeneração neuronal irreversível por todo o cérebro. Distúrbios nervosos permanentes
provavelmente contribuem para o coma terminal, ausência de resposta à glicose e, por fim, morte de alguns
cães.
Lesões: Os insulinomas normalmente surgem como nódulos pequenos (1 a 3 cm) únicos, amarelos a preto­
avermelhados, esféricos e visíveis na superfície serosa. São nódulos únicos ou, ocasionalmente, múltiplos no
mesmo lobo do pâncreas ou em lobos diferentes. Apresentam consistência similar ou ligeiramente mais firmes
do que o parênquima pancreático circundante. Uma camada fina de tecido conjuntivo fibroso separa a neoplasia
do parênquima adjacente. Insulinomas frequentemente ocasionam metástase em linfonodos regionais ou no
fígado (ou ambos), antes do diagnóstico. Adenomas benignos verdadeiros das células da ilhota são raros.
DIAGNÓSTICO: Deve­se mensurar a glicose sanguínea em todos os cães idosos com histórico de fraqueza
periódica, colapso ou convulsões. Hipoglicemia em jejum (= 60 mg/dl) em um cão de meia­idade a idoso é um
forte indício de insulinoma. Em animais com insulinoma a concentração sérica de insulina mensurada no
momento da hipoglicemia encontra­se normal ou aumentada. Diagnósticos diferenciais para hipoglicemia
incluem hipoadrenocorticismo, insuficiência hepática, grandes neoplasias extrapancreáticas, sepse, policitemia,
dose excessiva de insulina e erro laboratorial.
TRATAMENTO: Embora os insulinomas sejam solitários em cães, todo o pâncreas deve ser examinado
cuidadosamente, verificando se há tumores múltiplos. A extirpação total do tumor melhora a hipoglicemia e os
sinais neurológicos associados, a menos que haja alterações irreversíveis no SNC. No caso de metástases não
visíveis, a hipoglicemia pode persistir após a cirurgia. Mesmo que o potencial de malignidade dos insulinomas
seja alto, muitos cães sobrevivem > 1 ano com qualidade de vida aceitável, se todos os tumores visíveis forem
removidos na cirurgia. Cães com tumores inoperáveis podem ser bem controlados com várias refeições no dia e
administração de glicocorticoides (0,5 a 1 mg/kg/dia). O diazóxido (20 a 80 mg/kg/dia, 3 vezes/dia) também
pode aliviar os sintomas em alguns cães, mas problemas com sua disponibilidade limita seu uso. Recentemente,
o quimioterápico estreptozocina tem sido pesquisado no tratamento de tumores de células das ilhotas em cães e
pode ser utilizado após a ressecção cirúrgica.

TUMORES DE CÉLULAS DAS ILHOTAS SECRETORAS DE GASTRINA

Gastrinomas pancreáticos são relatados em pessoas, cães e gatos. A hipersecreção de gastrina em pacientes
humanos resulta na síndrome de Zollinger­Ellison, que consiste na secreção excessiva de ácido gástrico e em
úlcera péptica recidivante no trato GI. Os tumores, derivados de célula de absorção e descarboxilação de
precursores de amina (célula APUD, do inglês amine precursor uptake and descarboxilation) ectópica do
pâncreas produzem excesso do hormônio gastrina, que normalmente é secretado por células da mucosa do antro
gástrico e duodeno.
ACHADOS CLÍNICOS: Estes tumores são raros; são menos frequentes do que as neoplasias de células β secretoras
de insulina. Nos poucos casos documentados relatam­se anorexia, hematêmese, diarreia intermitente
(geralmente com sangue escuro), perda de peso progressiva e desidratação. As alterações funcionais marcantes
parecem decorrências de várias úlceras na mucosa do trato GI, que se desenvolvem devido à hipersecreção de
gastrina.
Lesões: Relata­se que animais com a síndrome semelhante a de Zollinger­Ellison apresentavam tumores únicos
ou múltiplos, de diversos variados, no pâncreas. Os tumores eram firmes à palpação devido ao aumento de
tecido conjuntivo fibroso no estroma e todos tinham evidência de metástase antes do diagnóstico.
DIAGNÓSTICO: Concentrações séricas de gastrina foram avaliadas em um número limitado de cães com
gastrinoma. Em um cão com a síndrome semelhante a de Zollinger­Ellison apresentava concentrações de
gastrina que variaram de 155 a 2.780 pg/ml, enquanto o teor sérico médio de gastrina em cães clinicamente
normais (controle) era de 70,9 pg/ml. Úlceras gástricas ou duodenais recidivantes em cães sem causa definida
requerem cirurgia exploratória e inspeção cuidadosa do pâncreas.
TRATAMENTO: Pode­se tentar a extirpação do tumor secretor de gastrina do pâncreas. Entretanto, o estudo dessas
neoplasias em cães mostrou evidência de invasão local, ao parênquima adjacente, e metástase nos linfonodos
regionais e no fígado. Os cães apresentavam tanto ulcerações únicas quanto múltiplas na mucosa gástrica ou
duodenal, associadas a sangue livre no lúmen. O tratamento medicamentoso com antagonistas de receptores H2
(famotidina ou ranitidina) ou inibidores da bomba de prótons (omeprazol) podem aliviar temporariamente os
sinais clínicos em animais com doença inoperável.

TUMORES DE TECIDOS NEUROENDÓCRINOS

Tecidos neuroendócrinos derivados da crista neural embrionária são amplamente distribuídos pelo corpo. Nos
mamíferos, estão no centro das glândulas adrenais e são responsáveis pela síntese e secreção de catecolaminas
(epinefrina e norepinefrina). Células C da glândula tireoide dos mamíferos também são derivadas da crista
neural e, durante o desenvolvimento embrionário inicial, são incorporadas à última bolsa faringiana
(ultimobranquial) que, subsequentemente, se fundem com cada lobo tireoidiano. As células C estão envolvidas
na biossíntese de calcitonina, um hormônio envolvido na regulação da homeostasia do cálcio e do turn over
ósseo.
Os tumores se desenvolvem ocasionalmente nas células neuroendócrinas da medula adrenal, tireoide e corpos
carotídeos e aórticos. São clinicamente significantes devido à alteração física dos tecidos normais adjacentes
causada pela massa aumentada e, possivelmente, pela secreção autônoma de excesso de hormônio.

MEDULA ADRENAL

HIPERPLASIA MEDULAR ADRENAL: Hiperplasia medular adrenal nodular e difusa parece preceder o
desenvolvimento de feocromocitoma em touros com tumor de célula C da tireoide. Esta proliferação difusa das
células cromafins não é encapsulada e comprime o córtex adrenal circundante. Em touros com hiperplasia
medular difusa proeminente, com frequência há alguns pequenos focos de proliferação nodular de células
medulares.
FEOCROMOCITOMAS: Estes tumores de células cromafins são quase sempre localizados nas glândulas adrenais.
São os tumores mais comuns da medula adrenal de animais; se desenvolvem mais frequentemente em bovinos,
ratos de laboratório e cães, sendo infrequentes em outros animais domésticos. Em touros e ratos, os
feocromocitomas se desenvolvem concomitantemente a tumor de células C da glândula tireoide que secretam
calcitonina, possivelmente como uma transformação neoplásica de vários tipos de células endócrinas de origem
neuroectodérmica no mesmo indivíduo. O feocromocitoma maligno é considerado um tumor medular que
invade estruturas adjacentes através da cápsula adrenal (p. ex., veia cava posterior) ou ocasiona metástase em
pontos distantes (ex. fígado, linfonodos regionais ou pulmões), ou ambos. Feocromocitomas funcionais são
infrequentemente relatados em animais; entretanto, muitos cães e equinos com feocromocitoma manifestam
taquicardia, edema e hipertrofia cardíaca, atribuídas ao excesso de secreção de catecolaminas. Os sinais clínicos
em cães podem incluir poliúria e polidipsia. Parece que equinos apresentam síndrome semelhante à neoplasia
endócrina múltipla observada em pacientes humanos com doença adrenal e tireoidiana concomitantes.
Embora o tamanho seja consideravelmente variável, os feocromocitomas podem ser grandes (= 10 cm de
diâmetro) e incorporar a maior parte da adrenal afetada. Uma pequena parte remanescente da glândula adrenal
pode ser notada em um polo. Tumores menores são bem encapsulados por uma fina camada do córtex adrenal.
Feocromocitomas grandes são multilobulados e variados e podem pressionar e invadir tecidos adjacentes,
particularmente a veia cava e a artéria aorta. Em cães, cerca de 50% dos feocromocitomas ocasionam metástase
no fígado, nos linfonodos regionais, no baço e nos pulmões.
Devido à indisponibilidade de testes de rotina validados para dosagem de catecolaminas em cães e gatos, o
diagnóstico frequentemente se baseia nos sinais clínicos e na ultrassonografia. O tratamento envolve cirurgia (se
possível) e controle da hipertensão.

ÓRGÃOS QUIMIOCEPTORES

Órgãos quimioceptores são barômetros sensíveis às alterações nos teores de dióxido de carbono e de oxigênio e
no pH do sangue; auxiliam na regulação da respiração e da circulação. Embora o tecido quimioceptor pareça
amplamente distribuído pelo corpo, os tumores se desenvolvem principalmente nos corpos aórticos (mais
frequentes em animais) e carotídeos (mais frequentes em humanos). Estes tumores são notados principalmente
em cães e raramente em gatos e bovinos. Raças braquicefálicas de cães, como Boxer e Boston Terrier são
predispostas a tumores de corpo aórtico e carotídeo.
Os tumores do corpo aórtico surgem mais frequentemente como massas únicas ou como nódulos múltiplos
no interior do saco pericárdico, próximo à base do coração. Variam consideravelmente em tamanho (0,5 a 12,5
cm), sendo os carcinomas geralmente maiores do que os adenomas. Solitários, os pequenos adenomas tanto são
aderidos às camadas adventícias das artérias pulmonar e aorta ascendente, ou estão incluídos no tecido
conjuntivo adiposo presente entre estes dois troncos vasculares principais. Adenomas maiores podem se ajustar
ao átrio ou deslocar a traqueia, são multilobulares e circundam parcialmente os troncos arteriais principais, na
base do coração.
Em cães, tumores malignos no corpo aórtico ocorrem menos frequentemente do que os adenomas. Os
carcinomas podem se infiltrar na parede da artéria pulmonar e formar projeções papilares no lúmen ou invadir o
lúmen do átrio através da parede. Embora as células tumorais frequentemente invadam vasos sanguíneos,
metástases nos pulmões e no fígado são infrequentes em cães com carcinoma de corpo aórtico. Todavia, os
efeitos locais e fisiológicos são importantes, inclusive aqueles dos adenomas.
Tumores no corpo aórtico em animais não são funcionais, p. ex., não secretam excesso de hormônio na
circulação) mas, como uma lesão que ocupa espaço, pode resultar em várias alterações funcionais. Incluem­se
manifestações de descompensação cardíaca devido à pressão no átrio ou na veia cava (ou ambas) associada a
adenomas e carcinomas maiores no corpo aórtico. Tumores de corpo aórtico tendem a ser mais benignos do que
os tumores de corpo carotídeo. Expandem­se lentamente e comprimem a veia cava e o átrio. Os carcinomas de
corpo aórtico podem invadir localmente o átrio, pericárdio e vasos adjacentes maiores de parede fina.
Tumores de corpo carotídeo surgem próximo à bifurcação da artéria carótida comum, geralmente como uma
massa unilateral de crescimento lento. Adenomas geralmente apresentam 1 a 4 cm de diâmetro. A bifurcação da
artéria carótida é incorporada à massa e as células tumorais se aderem firmemente à túnica adventícia.
Geralmente é difícil excisão completa ou biópsia devido ao alto grau de vascularização e a íntima relação com
os troncos arteriais principais do pescoço.
Tumores de corpo carotídeo malignos são maiores e mais grosseiramente multinodulares do que os
adenomas. Embora os carcinomas pareçam encapsulados, as células tumorais invadem a cápsula e penetram nas
paredes dos vasos adjacentes e dos vasos linfáticos. A veia jugular externa e vários nervos cranianos podem ser
envolvidos pela neoplasia. Metástases dos tumores de corpo carotídeo ocorrem em cerca de 30% dos casos e
tem sido encontrados nos pulmões, linfonodos bronquiais e mediastínicos, fígado, pâncreas e rins.
Transformação neoplásica multicêntrica do tecido quimioceptor ocorre frequentemente em raças de cães
braquicefálicas.
As características histológicas dos tumores de quimioceptores (“quimiodectomas”) são essencialmente
semelhantes, independente se derivados do corpo aórtico ou carotídeo.
Embora a etiologia dos tumores de corpo aórtico e carotídeo seja desconhecida, sugere­se que uma
predisposição genética agravada por hipoxia crônica pode aumentar o risco em certas raças braquicefálicas.
Corpos carotídeos de diversas espécies mamíferas, inclusive cães, desenvolveram hiperplasia quando
submetidos à hipoxia crônica em ambiente de altitude elevada.

TUMORES DE CÉLULA C DA TIREOIDE

Tumores de célula C (células parafoliculares, ultimobranquiais) da tireoide são mais comuns em touros e
equinos adultos ou de mais idade e em certas linhagens de ratos de laboratório. Relata­se que alta porcentagem
de touros mais velhos desenvolvem tumor de célula C (= 30%) ou hiperplasia de célula C e derivados
ultimobranquiais (= 15 a 20%). Não têm sido observados em vacas que recebem a mesma dieta. Em touros, a
prevalência aumenta com o avançar da idade e está frequentemente associada ao desenvolvimento de aumento
da densidade vertebral. Tumores endócrinos múltiplos, especialmente feocromocitomas bilaterais e,
ocasionalmente, adenomas hipofisários, são detectados simultaneamente em touros com tumor de célula C. Há
relato de alta frequência de tumor de células C da tireoide e de feocromocitoma em uma família de touros da
raça Guernsey, o que sugere um padrão de herança autossômico dominante. Hiperplasia difusa ou nodular de
células secretoras da medula adrenal frequentemente precede o desenvolvimento de feocromocitoma.
ADENOMAS: Adenomas de células C surgem em um ou ambos os lobos da tireoide, como nódulos discretos,
únicos ou múltiplos, acinzentados a marrons. Os adenomas são menores (cerca de 1 a 3 cm de diâmetro) que os
carcinomas e são separados do parênquima tireoidiano por uma fina cápsula de tecido conjuntivo fibroso. A
tireoide adjacente é comprimida, mas não invadida pelo tumor. Em equinos, adenoma de célula C pode resultar
em aumento palpável na região cervical anterior. Adenomas de células C maiores incorporam a maior parte do
lobo tireoidiano, mas uma borda de tireoide marrom­vermelho escura frequentemente está presente em um lado.
CARCINOMAS: Carninomas de células C da tireoide causam grande aumento multinodular em um ou ambos os
lobos tireoidiamos e podem incorporar toda a glândula tireoide. Metástases múltiplas em linfonodos cervicais
anteriores geralmente são grandes e apresentam áreas de necrose e hemorragia. Metástases pulmonares são
infrequentes e surgem como discretos nódulos marrons em todos os lobos pulmonares.
A estimulação crônica das células C pela ingestão excessiva de cálcio na dieta por longo tempo pode estar
relacionada com a alta prevalência destes tumores em touros; touros adultos foram alimentados com dieta
contendo 3,5 a 6 vezes mais a quantidade de cálcio normalmente recomendada para manutenção e a ocorrência
destes tumores diminuiu significantemente quando a ingestão de cálcio foi reduzida.
Síndromes associadas a anormalidades na secreção de calcitonina são reconhecidas menos frequentemente do
que as anormalidades que envolvem o paratormônio (PTH). A hipersecreção de calcitonina é relatada em
pessoas, touros e ratos de laboratório, com neoplasias tireoidianas medulares (ultimobranquial) derivadas de
célula C. Alterações osteocleróticas são relatadas em touros com esta síndrome, mas a relação do excesso de
secreção de calcitonina por longo tempo na patogênese das lesões ósseas e sua ocorrência em outras espécies
não está clara.
Em cães, o estadiamento histológico do carcinoma de tireoide é importante para o prognóstico, embora o tipo
histológico não seja. O volume do tumor tem maior importância, bem como sua relação com a possibilidade de
metástase; também, quanto mais profunda a fixação do tumor às estruturas adjacentes, é menos provável que se
consiga ressecção cirúrgica completa. Cirurgia é o tratamento de escolha, mas algumas formas de terapia
adjuvante são razoáveis devido ao risco de metástase e de tecido residual não removido. Em teoria, uma
combinação de radioterapia e quimioterapia seria ideal e o interesse nesta terapia combinada está aumentando.
Para outros carcinomas de tireoide funcionais raros em cães, o tratamento com I131 é uma escolha razoável, mas
poucas são as instituições onde tal terapia pode ser realizada e são muitos os problemas técnicos (destinação de
toda urina e fezes de acordo com as normas de segurança de radiação).
INFECÇÕES GENERALIZADAS

MAIS DE UMA ESPÉCIE

Actinobacilose
Actinomicose
Amiloidose
Anomalias Congênitas e Hereditárias
Doença da Fronteira
Infecção pelo Vírus Akabane
Antraz
Besnoitiose
Borreliose
Clostridioses
Botulismo
Cabeça Grande
Carbúnculo Sintomático
Edema Maligno
Enterotoxemias
Clostridium perfringens Tipo A
Clostridium perfringens Tipos B e C
Enterotoxemia Tipo D
Hemoglobinúria Bacilar
Hepatite Necrosante Infecciosa
Infecções por Clostridium difficile e C. perfringens
Tétano
Vacinas contra Clostrídios
Doença exsudativa
Estomatite Vesicular
Febre Aftosa
Febre Q
Infecção por Erysipelothrix rhusiopathiae
Claudicação Pós­banho de Imersão em Ovinos
Erisipela Suína
Poliartrite Não Supurativa em Cordeiros
Infecções Fúngicas
Aspergilose
Blastomicose
Candidíase
Coccidioidomicose
Criptococose
Esporotricose
Feoifomicose
Geotricose
Hialoifomicose
Histoplasmose
Linfangite Epizoótica
Micetomas
Oomicose
Pecilomicose
Peniciliose
Rinosporidiose
Zigomicose
Leptospirose
Bovinos
Cães
Equinos
Suínos
Listeriose
Melioidose
Neosporose
Nocardiose
Peritonite
Peste
Raios e Eletrocussão
Toxoplasmose
Tuberculose e Outras infecções micobacterianas
Animais Exóticos com Cascos em Cativeiro
Bovinos
Cães
Cervos e Alces
Elefantes
Equinos
Gatos
Mamíferos Marinhos
Ovinos e Caprinos
Primatas Não Humanos
Suínos
Outras Infecções Micobacterianas, além de Tuberculose
Tularemia

EQUINOS

Anemia Infecciosa Equina


Arterite Viral Equina
Erliquiose Granulocítica Equina
Infecção pelo Vírus Hendra
Mormo
Peste Equina­Africana
Sepse em Potros

RUMINANTES

Colissepticemia
Caudriose
Doença de Wesselsbron
Doença dos Ovinos de Nairóbi
Febre Catarral Maligna
Febre do Vale Rift
Febre Efêmera
Febre Hemorrágica da Crimeia­congo
Febre Petequial Bovina
Febre transmitida por carrapatos
Histofilose
Leucose Bovina
Língua Azul
Paratuberculose
Pasteurelose em Ovinos e Caprinos
Peste Bovina
Peste dos Pequenos Ruminantes
Piemia por Carrapatos
Sepse Hemorrágica
Síndrome Artrite­Encefalite Caprina

SUÍNOS

Doença de Glässer
Doença do Edema
Doença Vesicular Suína
Doenças Causadas por Circovírus Suíno
Encefalomielite Hemaglutinante
Exantema Vesicular dos Suínos
infecção pelo vírus da encefalomiocardite
Infecção pelo Vírus Nipah
Infecções Estreptocócicas em Suínos
Infecção por Streptococcus dysgalactiae
Infecção por Streptococcus porcinus
Infecção por Streptococcus suis
Peste Suína Africana
Peste Suína Clássica
Síndrome Respiratória e Reprodutiva Suína
Triquinelose

PEQUENOS ANIMAIS

Cinomose Canina
Doenças Causadas por Riquétsias
Erliquiose e Infecções Relacionadas
Febre Maculosa das Montanhas Rochosas
Intoxicação por Salmão e Febre Elokomin
Tifo Murino
Hemoplasmose (Anemia Infecciosa Felina) (CIC)
Hepatite Infecciosa Canina
Herpesvirose Canina
Leishmaniose
Linfoma Maligno Canino (CIC)
Panleucopenia Felina
Peritonite Infecciosa Felina
Vírus da Leucemia Felina e Doenças Relacionadas

ACTINOBACILOSE

A actinobacilose é causada por um cocobacilo Gram­negativo pertencente ao gênero Actinobacillus. Apesar de


existir mais de 22 diferentes espécies neste gênero, apenas quatro (A. pleuropneumoniae, A. suis, A. equuli e A.
lignieresii) são frequentemente associadas a doenças nos animais.
A espécie A. pleuropneumoniae causa pleuropneumonia contagiosa suína (p. 1610) e pode manifestar­se de
diferentes formas desde aguda grave até infecção subaguda ou crônica com abscessos pleurais e pulmonares. Os
danos às células endoteliais ativam o complexo imune ocorrendo vasculite e trombose, com edema, necrose,
infarto e hemorragia. A infecção, geralmente, é restrita a suínos < 5 meses de idade. A. pleuropneumoniae ser
parte da flora normal das membranas mucosas de suínos, bovinos e ovinos. O diagnóstico é realizado por meio
do isolamento do microrganismo de amostras de suabe nasal ou tecido pulmonar obtido durante a necropsia.
Técnicas moleculares como PCR foram desenvolvidas para detectar a presença de A. pleuropneumoniae em
amostras de tecidos. O tratamento é baseado no uso de antibióticos, inclusive penicilina, tetraciclina,
estreptomicina, cefalosporinas ou fluorquinolonas. O controle dos focos é feito empregando manejo adequado,
combinado ao uso de vacinas ou erradicação da infecção do rebanho por meio de despovoamento.
A. suis faz parte da flora normal da cavidade oral de suínos. Esta afecção causa sepse em suínos jovens e
artrite, pneumonia e pericardite em animais idosos. Em potros neonatos e recém­nascidos também pode
acarretar sepse, artrite, pneumonia e nefrite purulenta. A doença é desencadeada por uma ruptura na integridade
da mucosa bucal ou pode ser associada à imunossupressão. O microrganismo geralmente é suscetível a
sulfonamidas e cefalosporinas.
O hospedeiro natural de Actinobacillus equuli é o equino; nestes animais são observadas infecções tanto em
jovens como em adultos. Nos potros, pode se manifestar como diarreia, acompanhada de meningite, pneumonia,
nefrite purulenta ou poliartrite séptica (doença do potro letárgico). A infecção pode ser desencadeada pela
contaminação do umbigo, inalação ou ingestão do agente. Portanto, a doença pode ser evitada com a adoção de
medidas como: manejo sanitário adequado no ambiente do potro e o fornecimento de colostro materno contendo
anticorpos contra o agente. Nos animais adultos a infecção por A. equuli pode ocasionar abortamento, sepse,
endocardite e nefrite. Tantos em potros como em equinos adultos, diversas doenças podem causar os mesmos
sinais clínicos, por isso o diagnóstico definitivo é baseado no isolamento do agente por meio de cultura.
Nesses casos, o tratamento é realizado com a administração de cloranfenicol, gentamicina ou cefalosporinas
de terceira geração, dependendo da natureza da infecção e da habilidade das concentrações terapêuticas do
fármaco em atingir o sítio de infecção. Os betalactâmicos e as sulfonamidas têm sido recomendados, porém a
ocorrência de resistência a estes antibióticos já foi relatada.
A. arthritidis, antigamente denominada Bisgaard táxon 9, foi isolada de equinos com artrite e sepse.
A. lignieresii causa abscessos tumorais na língua, condição geralmente denominada “língua de pau”. É
clássica em bovinos, mas também ocorre em ovinos, equinos, suínos e cães; nas aves, a frequência é baixa. O
microrganismo pode causar, ainda, lesões piogranulomatosas em tecidos moles de cabeça, pescoço e membros
e, ocasionalmente, atingir pulmões, pleura, úbere e tecido subcutâneo. O microrganismo faz parte da flora
normal do trato gastrintestinal e causa doença quando, por meio de feridas, atinge os tecidos moles adjacentes.
Com isso causa infecções localizadas que pode espalhar, pela via linfática, para outros tecidos. As lesões
primárias associadas a A. lignieresii em bovinos são firmes e com tumefação difusa, além de dores na língua.
Isso ocasiona salivação excessiva, incapacidade de preensão normal do alimento e, em alguns casos, nota­se
protrusão da língua devido ao seu aumento. Na palpação percebe­se uma língua excessivamente rígida. O
diagnóstico requer cultura e biopsia da lesão. O pus proveniente dos abscessos contém microcolônias cercadas
por espículas associadas ao fosfato de cálcio, dando a aparência de grânulos sulfurosos com < 1 mm de
diâmetro. Não há testes sorológicos disponíveis para a actinobacilose e os achados clínicos e hematológicos
geralmente são normais. A necropsia revela uma língua pálida e firme contendo nódulos multifocais. Estes
nódulos são frequentemente preenchidos com pus espesso com coloração branco–amarelada. Histologicamente,
a lesão primária é um abscesso granulomatoso.
Rim de um potro infectado por Actinobacillus equuli. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.

Essa forma da actinobacilose é cosmopolita, mas esporádica e, assim, de difícil prevenção. Os surtos que
ocorrem nos rebanhos, geralmente, estão associados ao consumo de capim grosseiro e abrasivo que ocasiona
lesões na boca. Iodeto de sódio é o tratamento de escolha para ruminantes com actinobacilose, aplicado por via
IV (70 mg/kg, solução 10 a 20%), repetindo­se 1 ou 2 vezes em intervalos de 7 a 10 dias. Caso ocorram sinais
clínicos relacionados com a toxicidade do iodeto (crostas, diarreia, anorexia, tosse e lacrimejamento excessivo)
a administração deve ser descontinuada. A melhora clínica é observada dentro de 48 h do início da terapia e o
tratamento geralmente é bem­sucedido quando há apenas o envolvimento da língua. Antibacterianos sistêmicos,
como ceftiofur, penicilina, ampicilina, florfenicol e tetraciclina, podem ser efetivos e são principalmente
recomendados para casos graves ou refratários ao tratamento com iodeto de sódio. O desbridamento cirúrgico,
especialmente se há comprometimento respiratório, pode ser utilizado no tratamento, principalmente na
presença de grande massa granulomatosa que não responde à terapia. A prevenção de actinobacilose em
ruminantes envolve principalmente a limitação do consumo de alimento grosseiro fibroso e de pastejo em
regiões que contêm pontas de capim duras e penetrantes (p. ex., capim rabo­de­raposa, cardo).
Actinobacillus ureae causa infecção de trato respiratório superior em pessoas e abortamento em suínos. Por
sua vez, A. actinoides está associado à pneumonia supurativa em bezerros e vesiculite seminal em touros.

ACTINOMICOSE
Os membros do gênero Actinomyces são Gram­positivos, anaeróbios, filamentosos ou ramificados e
circundados por uma roseta periférica. Os filamentos têm < 1 μm de diâmetro, diferentemente dos fungos
filamentosos que possuem tamanhos > 1 μm de diâmetro. Actinomyces spp pertence à flora normal das mucosas
bucal e nasofaringiana, porém, várias espécies estão relacionadas com doenças em animais.
A. bovis é o agente etiológico da actinomicose. Também, pode ser isolado de abscessos nodulares em pulmões
dos bovinos e de infecções raras em ovinos, suínos, cães e outros mamíferos, inclusive fístula de cernelha
crônica e inflamação da bursa supra–atlantal, em equinos. Actinomicose envolve um abscesso supurativo
crônico, progressivo, fibrótico e granulomatoso, que compromete, com mais frequência, mandíbula, maxila ou
outros tecidos ósseos da cabeça. A doença manifesta­se quando A. bovis é introduzido em tecidos moles
adjacentes, penetrando na mucosa bucal através de feridas provocadas por arame, feno grosseiro ou gravetos. O
envolvimento do osso adjacente quase sempre resulta em distorção facial, perda de dentes (dificultando a
mastigação) e dispneia devido ao inchaço da cavidade nasal. Partes da cabeça podem ser afetadas, entretanto, os
alvéolos dentários que circundam a raiz do dente e bochechas são frequentemente envolvidos. A lesão primária
apresenta­se com crescimento lento e massa firme que acomete parte da mandíbula. Em alguns casos formas
ulcerativas com ou sem fístulas de drenagem do exsudato purulento podem ocorrer. O diagnóstico presuntivo
baseia­se nos sinais clínicos. Este diagnóstico pode ser confirmado pela cultura do microrganismo de amostras
de lesões. Esta cultura requer condições anaeróbias sendo frequentemente negativa. A coloração de Gram revela
bastonetes Gram­positivos em “grânulos sulfurosos” e amarelados no aspirado purulento. O exame radiológico
da cabeça é útil, a lesão radiográfica primária consiste em regiões de osteomielite múltiplas, radioluscentes
centrais circundadas por ossificação periosteal e tecido fibroso. Como último recurso, uma amostra pode ser
obtida por biopsia utilizando a trefina e submetida ao histopatológico.

Vaca com actinomicose. Cortesia do Dr. Geoffrey Smith.

O objetivo do tratamento é eliminar a bactéria e cessar o avanço da lesão. Entretanto, dificilmente ocorre
regressão significativa da massa rígida. Iodeto de sódio é o tratamento de eleição para ruminantes com
actinomicose. O iodeto de sódio (70 mg/kg, em solução 10 a 20%, IV) é fornecido uma vez e repetido várias
vezes em intervalos de 7 a 10 dias. Caso sejam observados sinais de toxicidade ao iodeto (formação de crostas,
diarreia, anorexia, tosse e lacrimejamento excessivo), sua administração deve ser descontinuada ou deve ser
aumentado o intervalo entre aplicações. O iodeto de sódio tem se mostrado seguro para uso em vacas prenhes e
apresenta baixo risco de aborto. Recomenda­se administração de antimicrobianos, inclusive penicilina,
florfenicol ou oxitetraciclina. Como A. bovis faz parte da flora normal dos ruminantes, o controle da doença é
feito evitando o fornecimento de alimentos grosseiros e rígidos ou plantas com hastes que podem causar lesão à
mucosa bucal. Quando ocorrem vários casos no rebanho, isso não se deve à natureza contagiosa do patógeno,
mas sim à exposição a diversos fatores de risco (alimentos grosseiros).
A. actinoides é conhecido como invasor secundário na pneumonia enzoótica de bezerros e vasculite seminal
em touros.
A. israelii está principalmente associado a infecções granulomatosas crônicas em pessoas, mas
esporadicamente também tem sido isolado de lesões piogranulomatosas de suínos e bovinos. O tratamento
envolve desbridação cirúrgica e administração de penicilina.
A. naeslundii foi isolado de infecções supurativas em várias espécies animais e os casos mais frequentes são
de aborto em suínos.
A. suis provoca mastite piogranulomatosa em porcas, sendo caracterizado por pequenos abscessos com
vesículas, pus amarelado cercado por uma ampla zona de tecido conjuntivo denso. “Grânulos sulfurosos”
amarelados podem estar dispersos no pus, como acontece na infecção por A. bovis em bovinos. Os abscessos
profundos e crônicos podem fistular. Porcas também podem desenvolver lesões granulomatosas subcutâneas
ventrais e, ocasionalmente, infecções piogranulomatosas nos pulmões, baço, rins e outros órgãos. O diagnóstico
baseia­se nos sinais clínicos e no isolamento e identificação do agente etiológico. O tratamento raramente é
bem­sucedido, principalmente em razão da incapacidade do antimicrobiano em penetrar no tecido infectado. O
tecido comprometido quase sempre é removido cirurgicamente para salvar as porcas que serão enviadas ao
abate.
A. hordeovulneris provoca casos raros de actinomicose em cães, com abscessos localizados e infecções
sistêmicas, como pleurite, peritonite, abscessos viscerais e artrite séptica. Um fator predisponente comum é a
presença de gravetos de capim rabo­de­raposa (Hordeum spp) e a principal via de infecção é a inalação da
bactéria. Os sinais clínicos e o histórico podem contribuir para o diagnóstico, mas a demonstração do agente
causador por coloração de Gram e cultura bacteriológica é necessária para confirmar a etiologia. O tratamento
inclui desbridação cirúrgica, drenagem e tratamento prolongado com penicilina, cefalosporinas ou
sulfonamidas. Piotórax é frequentemente observado em cães com actinomicose e requer repetidas drenagens,
juntamente com terapia antimicrobiana.
A. viscosus causa actinomicose cutânea em cães, na forma de abscessos subcutâneos localizados. Geralmente
é secundária a lesões perfurantes causadas por feridas de mordedura ou corpo estranho. Os locais mais comuns
de abscesso são cabeça, pescoço, tórax e abdome. A. viscosus também causa pneumonia, piotórax e casos raros
de meningoencefalite piogranulomatosa. O diagnóstico se baseia no histórico e nos sinais clínicos, inclusive a
presença de grânulos macios e branco­acinzentados no pus ou no exsudato. A citologia é útil (pus e fluido
pleural) e pode revelar organismos filamentosos Gram­positivos. O diagnóstico definitivo é baseado no
isolamento e na identificação de A. viscosus. O tratamento de piotórax com penicilina, sulfonamidas ou
cefalosporinas pode ser efetivo quando realizado no início da doença. O sucesso terapêutico é maior nas
infecções cutâneas, que também devem ser tratadas com os mesmos antibacterianos.

AMILOIDOSE

Amiloidoses são doenças que se devem a erros no dobramento de proteínas. Quando novas proteínas são
produzidas, suas cadeias de peptídios normalmente se dobram automaticamente de forma correta. Às vezes, no
entanto, essas cadeias de peptídios se dobram erroneamente e formam lâminas β altamente estáveis, muito
insolúveis e resistentes à digestão proteolítica. Essa proteína insolúvel se deposita nos tecidos, onde é
denominada amiloide. O amiloide pode ser depositado em um local ou ser amplamente distribuído pelo corpo.
Isso causa lesões pela deslocação de células normais. Quando há envolvimento de órgãos críticos, como rins,
fígado ou coração, a doença pode ser fatal. A amiloidose pode acometer todos os mamíferos domésticos e a
deposição assintomática menor de amiloide é comum em animais idosos.
A forma mais comum de amiloide envolve o dobramento errôneo da proteína de fase aguda conhecida como
amiloide A sérica (SAA). Os teores de SAA no sangue se elevam significativamente nos animais com
inflamação grave. Isto propicia uma fonte de proteína com dobramento inadequado denominada amiloide AA.
Portanto, a amiloidose se desenvolve como uma sequela de doenças inflamatórias crônicas, infecções
bacterianas crônicas e tumores malignos. É causa comum de mortes em equinos agressivamente imunizados
para produção de antissoro. O amiloide AA comumente se deposita em órgãos parenquimatosos e pode não
causar sinais clínicos. O baço é quase sempre afetado. Se há comprometimento renal, a presença de amiloide
nos glomérulos pode ocasionar proteinúria, resultando, por fim, em insuficiência renal. Não há tratamento para
esta forma de amiloidose, embora a remoção da causa primária da inflamação possa minimizar a progressão da
doença.
O dobramento inadequado de imunoglobulinas de cadeia leve gera a segunda forma de amiloide, o amiloide
AL. Isso se deve à produção excessiva de cadeias leves monoclonais em animais com mieloma múltiplo. O
amiloide AL tende a se depositar em tecidos mesenquimais, especialmente no tecido nervoso e nas articulações.
É rara em animais domésticos.
Sabe­se que pelo menos outras 20 proteínas formam lâminas β inadequadamente dobradas, que se depositam
nos tecidos como amiloide. Portanto, há várias formas reconhecidas de amiloidose hereditária, como as
descritas em gatos Abissínios e cães da raça Chinese Shar­Pei. Alguns amiloides são formados em todos os
animais idosos (amiloidose sistêmica senil); por exemplo, em cães idosos, o amiloide é comumente depositado
na camada média das artérias meníngeas e corticais. Há relato de amiloide subcutâneo e nódulos de amiloide
semelhantes a tumor, em equinos.
Algumas formas de amiloides são transmissíveis, destacando­se encefalopatias espongiformes transmissíveis,
como encefalopatia espongiforme bovina (p. 1390) e o scrapie (p. 1392), que são causadas por príons. De fato,
há evidências de que o amiloide A seja relativamente transmissível, pois a administração experimental de
pequenas quantidades da proteína amiloide a um animal pode acelerar seu desenvolvimento. Os guepardos são
especialmente propensos a amiloidose e apresentam uma forma infecciosa de amiloide nas fezes.
Em razão de sua distribuição difusa e de início insidioso, o diagnóstico clínico da amiloidose é difícil. No
entanto, deve­se suspeitar dessa enfermidade em casos de insuficiência renal ou hepática em animais com
infecção ou inflamação crônica. Não há terapia específica que possa prevenir o desenvolvimento da amiloidose
ou promover a reabsorção de fibrilas. Os animais com abscessos crônicos ou mieloma múltiplo devem ser
tratados para reduzir a disponibilidade das proteínas precursoras de fibrilas. A amiloidose é rapidamente
identificada na necropsia e em cortes histológicos devido à afinidade pela coloração vermelho­congo.

ANOMALIAS CONGÊNITAS E HEREDITÁRIAS

O desenvolvimento embrionário e fetal é resultado de uma complexa série de eventos bem conduzidos. Quando
propriamente realizado, o resultado é um neonato normal. O desenvolvimento imperfeito também pode ser
expresso como perda embrionária, morte fetal, mumificação, aborto, nascimento de natimorto ou neonato
inviável. Quando o desenvolvimento é interrompido resulta em desvios da normalidade que está presente ou
aparente no nascimento, este defeito é dito congênito. Outros defeitos no desenvolvimento podem não se tornar
aparentes até certa idade, embora o evento seja revelado principalmente no nascimento, o defeito não é
estritamente classificado como congênito. Embora o evento ou o agente resultem na parada do
desenvolvimento, o diagnóstico pode permanecer indefinido por várias razões reconhecidas como condições
congênitas. Avanços tecnológicos na linha da teratologia foram identificados como um aumento no número de
especificidades genéticas, ambientais e agentes infecciosos como etiologia determinante de certos casos de
defeitos no desenvolvimento fetal.
Teratógenos são agentes ou fatores que causam o desenvolvimento de defeitos físicos no embrião ou no feto.
O tempo de exposição ao teratógeno influencia o eventual resultado. Enquanto zigotos, as células resultam da
união de gametas, são relativamente resistentes para os efeitos de vários teratógenos, eles podem ser afetados
por alterações cromossômicas ou aberrações que ocorrem durante o processo de gametogênese ou fertilização,
bem como mutações genéticas que podem passar de um ou ambos os pais. Assim que ocorre o desenvolvimento
do zigoto para embrião e a progressão da organogênese, ocorre a suscetibilidade a teratógenos ambientais e o
aumento de agentes infecciosos teratogênicos. Com a idade do concepto, o feto torna­se mais resistente aos
teratógenos ambientais. Estruturas que se diferenciam tardiamente como o palato, cerebelo e sistema urogenital
levam a riscos no período fetal.
Semelhantes e, talvez, indistinguíveis, os defeitos podem ser induzidos por mais de um agente. A exposição a
agentes tóxicos ou infecciosos na fase crítica do desenvolvimento embrionário ou fetal podem induzir a
anormalidades congênitas que se assemelham a condições hereditárias. Com o aumento da consciência sobre a
importância das anormalidades por parte dos criadores e das associações de criadores, os profissionais e clínicos
devem ser rigorosos na investigação dos casos, para evitar problemas de hereditabilidade e para evitar o
problema nas linhagens das raças.
Os defeitos estruturais e funcionais congênitos devem ser descritos em todas as espécies domésticas. Embora
os defeitos congênitos sejam geralmente classificados ou descritos pelo sistema do corpo ou parte principal
envolvida, tal sistema de classificação é complicado, devido ao envolvimento simultâneo frequente de vários
sistemas do corpo. Mesmo assim, a classificação descritiva é a base para a comparação e permite estimativas de
tempo do rompimento do relativo evento do desenvolvimento fetal e, às vezes, da etiologia (Tabela 1).

Etiologia
A identificação dos sinais moleculares que guiam o desenvolvimento sequencial dos órgãos e sistema de órgãos,
acoplados a ferramentas de diagnóstico molecular e testes genômicos permitem um maior detalhamento para
entender várias anomalias congênitas. É provável que com o avanço dessas tecnologias, a origem de outras
condições seja também entendida.
As anormalidades cromossômicas ocorrem durante a gametogênese ou a fertilização e podem resultar em
anormalidades embrionárias letais ou, ocasionalmente, anormais. Erros na oogênese podem estar associados ao
aumento da idade materna e em várias espécies resultam em falhas na fertilização, redução na viabilidade
embrionária ou em deficiências que são expressas durante o desenvolvimento fetal. Erros cromossômicos como
trissomia foram relatadas na medicina veterinária e tem aumentado a disponibilidade do cariótipo. As análises
cromossômicas auxiliares tem aumentado o reconhecimento destes defeitos.

Tabela 1 – Alguns defeitos congênitos comuns em animais domésticos

Amelia Ausência de membro(s)


Artrogripose Flexão persistente ou contratura de articulação(ões)
Atresia Ausência ou fechamento de uma abertura ou passagem corporal normal
Braquignatia Encurtamento anormal da mandíbula
Cifose Convexidade anormalmente aumentada da coluna torácica
Criptorquidismo Falha do testículo em descer ao escroto
Escoliose Desvio lateral do eixo da coluna vertebral
Gastrosquise Desenvolvimento anormal caracterizado por fissura da parede abdominal
Hemimelia Ausência de todo membro ou da parte distal
Hérnia Protrusão anormal de um órgão ou porção do órgão através de um defeito ou
abertura natural
Hidranencefalia Ausência de hemisférios cerebrais e substituição por fluido cerebrospinal
Hidrocefalia Fluido anormal na calota craniana acompanhado de aumento da cabeça
Microftalmia Olhos anormalmente pequenos
Palatosquise Fissura do palato (fenda palatina)
Perosomus Desenvolvimento anormal caracterizado por deformação no corpo ou tronco
Polidactilia Dedos supranumerários
Porencefalia Presença de cavidades no cérebro desenvolvidas durante a fase fetal
Prognatia Projeção acentuada da mandíbula
Queilosquise Divisão anormal dos lábios (lábio leporino)
Sindactilia Fusão de dígitos

O envelhecimento dos gametas seguido pelo tempo subnormal de inseminação representa outra fonte de
anormalidades cromossômicas levando a erros do desenvolvimento embrionário. Todas as células embrionárias
defeituosas podem ser aneuploides ou vários níveis de mosaicismo podem existir.
Anormalidades cromossômicos e epigenéticas podem ocorrer durante técnicas de reprodução assistida que
envolvam coleta de oocistos, cultura e fertilização. Vacas prenhes de células somáticas ou, em menor grau, de
fertilização in vitro aumentam o risco de desenvolvimento da síndrome anormal da prole devido a falhas no
mecanismo fisiológico necessário para o desenvolvimento fetal e placentário. Estes erros no desenvolvimento e
na fixação da placenta podem resultar em morte fetal, aborto, várias anormalidades ou baixo peso ao nascimento
e, geralmente, associados à distocia.

Defeitos Hereditários

As anomalias hereditárias resultantes de genes mutantes presentes nas linhagens ou nas famílias de animais são
observadas em todas as raças. Eles podem ser observados em padrões típicos de herança como padrão recessivo
autossômico simples tipificado por recentes descrições de anomalias artrogripose múltipla de bovinos Angus.
Os traços de defeitos dominantes são herdados e, às vezes, selecionados.
Alguns defeitos filogenéticos requerem a inclusão de mais de um gene na interação. A síndrome da cauda de
rato, uma forma congênita de hipotricose em bovinos, é controlada por genes que atuam em locus.
Como os animais heterozigotos para características recessivas indesejáveis ou letais muitas vezes não podem
ser detectados através de exame visual, e várias vezes exibe um fenótipo que parece ser indesejável,
inadvertidamente a seleção pode auxiliar na disseminação dos defeitos genéticos em algumas criações. Por
exemplo, bovinos heterozigotos para hemimelia tibial possuem conformação da parte traseira e características
de pelagem que são preferidas para algumas raças e a seleção do fenótipo de certos touros podem aumentar a
frequência de alelos na população. Da mesma forma, o padrão de cor Overo é atrativa para alguns criadores de
equinos, animais homozigotos para este padrão de pelagem são geralmente afetados com anomalias congênitas
letais devido a falhas na inervação secundária do trato intestinal para aganglionose ileocólica. É recomendada a
inclusão de apenas um padrão overo no acasalamento. A herança dominante da ausência de chifres em cabras
leiteiras está associada a um alelo recessivo que resulta na masculinização de fêmeas homozigotas (também
denominada cabra intersexo mocha). Programas de melhoramento restritivos que mantêm pelo menos um
reprodutor com chifre eliminam este defeito.
Os defeitos hereditários na função metabólica podem resultar em morte fetal ou embrionária, nascimento de
neonatos não viáveis ou nascimento de prole comprometida que sobrevive. Como os defeitos podem ser letais
no útero ou perto do período pós–natal, ou os animais podem sobreviver, mas com algum comprometimento. A
observação cuidadosa e a investigação diagnóstica são requeridas para identificação apropriada destas condições
e ligá­las a informação do pedigree.
A deficiência de monofosfato sintetase (DUMP) é uma característica autossômica recessiva letal antigamente
amplamente distribuída em bovinos da raça Holandesa. O acasalamento de dois animais com DUMP resulta em
embrião homozigoto, fertilização aparentemente normal e morte do feto no início da gestação. A seleção de
touros destinados à inseminação artificial tem reduzido com sucesso a prevalência de animais com DUMP.
A citrulinemia em bovinos resulta na interrupção do ciclo da ureia devido a deficiência de argininossuccinato
sintetase, sendo letal em animais homozigotos. Afeta bezerros aparentemente normais ao nascimento, mas que
desenvolvem elevadas concentrações de amônia e morte dentro de alguns dias.
Os defeitos encontrados no cromossomo X, como um dos fatores responsáveis pela distrofia muscular ligada
ao X em cães da raça Golden Retriever, são expressos em machos que carreiam apenas uma única cópia do alelo
defeituoso. Ambos os pais não são afetados, com a mãe carreando uma única cópia de um alelo defeituoso no
cromossomo X.
A Tabela 2 contém uma lista parcial de anormalidades com base molecular conhecida.
O uso de linhagens genéticas de elite em espécies domésticas aumenta com a rápida e ampla adoção de
tecnologias reprodutivas, particularmente inseminação artificial e a transferência de embriões e, mais
recentemente, a fertilização in vitro. A disseminação de genes recessivos indetectáveis em grande parte da
população domesticada, em todo o mundo, foi uma consequência acidental e não intencional.
À medida que aumenta a porcentagem de animais carreadores de características recessivas indesejáveis,
aumenta as chances de acasalamentos de indivíduos geneticamente relacionados, segue­se a expressão do
fenótipo indesejável. A malformação do complexo vertebral em bovinos leiteiros Holstein­Friesian foi
disseminada por todo o mundo devido principalmente a influência de um único touro da raça holandesa dos
EUA e de sua prole. Semelhante a isto, a artrogripose múltipla em bovinos Angus recebeu atenção internacional
devido à influência de um touro popular, sua prole e descendentes. Em ambos os casos, testes genéticos
realizados por associações de criadores após a descrição da condição permitiram acasalamento apropriados que
minimizaram os efeitos ou eliminaram estas ocorrências.
Enquanto há condições genéticas deletérias na população ou na raça, o alelo anormal geralmente se distribui
amplamente na população. O reconhecimento e a detecção precoce são importantes para minimizar esta
possibilidade. Todas as anormalidades congênitas devem ser investigadas e quando uma condição parece ter um
componente genético, técnicas apropriadas para obter a informação da linhagem e identificar o fenótipo
homozigoto mutante devem ser exploradas. Um sistema estruturado de notificação e registro inicia­se com
descrições clínicas e patológicas detalhadas, sendo necessárias para centralizar informações e focar atenção nas
alterações físicas e fisiológicas que podem ter origem genética. A análise da linhagem e o teste de acasalamento
de animais estreitamente relacionados, juntamente com exames de DNA recentemente desenvolvidos, permitem
identificar defeitos genéticos específicos e, em alguns casos, detecção relativamente rápida. Várias associações
de criadores de raças específicas relatam anomalias congênitas a patologistas, geneticistas e biólogos
moleculares para identificar defeitos genéticos emergentes.
Uma vez identificadas condições genéticas recessivas, há diversas opções para minimizar sua ocorrência.
Para malformação vertebral complexa, testam­se todos os touros da raça Holandesa utilizados em programas de
inseminação artificial. Touros foram identificados como carreadores ou sem defeitos. Os resultados diminuíram
o uso de sêmen de touros carreadores, com redução da ocorrência da condição e da frequência de alelo em
determinada raça. Outras condições genéticas recessivas na mesma raça, inclusive deficiência da adesão
leucocitária bovina e DUMP foram tratadas da mesma forma e recentemente foi identificada a Síndrome de
Brachyspina que, provavelmente, será estudada da mesma maneira. A ampla utilização de inseminação artificial
em bovinos leiteiros permite esta estratégia tenha um rápido impacto.
Em raças ou espécies nas quais pouco se utiliza a inseminação artificial, uma abordagem mais agressiva pode
ser necessária. Após a detecção de artrogripose múltipla, a Associação Americana de Criadores de Bovinos da
raça Angus obriga a realização de testes de identificação de todos os touros empregados em programas de
inseminação artificial. Também, são requeridos testes genéticos para determinar o estado de carreador em todos
os animais de linhagens suspeitas submetidos a registro. Nenhum certificado será entregue aos proprietários de
animais portadores nascidos após a data especificada. Requerimentos semelhantes para animais com linhagens
rastreadas e carreadores de hidrocefalia neurogênica foram colocados em prática por esta Associação de
Criadores. Testes extensivos e identificação de carreadores individuais são utilizados pela Associação de
Criadores de Cavalos Quarto­de­Milha para minimizar a prevalência de paralisia hiperpotassêmica periódica.
Uma nova anormalidade genética recessiva foi identificada e caracterizada por testes genéticos para
determinar possível estado de carreador. Associações de raças e criadores adotarão testes e estratégias de
identificação semelhantes às mencionadas anteriormente. Entretanto, a implementação de testes estratégicos é
mais complicada para defeitos não letais e para condições em que os heterozigotos possuem um fenótipo
considerado desejável.
Tabela 2 – Anomalias congênitas com base molecular conhecida

Espécies Anomalias

Bovinos Artrogripose múltipla (raça Angus e seus mestiços)


Síndrome Braquispina (raça Holandesa)
Síndrome Chediak­Higashi
Malformação vertebral complexa (raça Holandesa)
Citrulinemia
Deficiência de uridina monofosfato sintetase (raça Holandesa)
Síndrome Ehlers­Danlos
Doença do armazenamento de glicogênio
Bócio familiar (raça Holandesa)
Deficiência de adesão leucocitária
a­Manosidose
β­Manosidose
Doença da urina parecida com xarope de bordo
Hipertrofia muscular (raças Shorthorn, Maine­Anjou)
Hipoplasia muscular com anasarca (raça Shorthorn)
Mioencefalopatia degenerativa progressiva (raça Pardo­Suíça)
Protoporfiria
Atrofia muscular espinal (raça Pardo­Suíça)
Sindactilia (raças Holandesa, Angus)
Hemimelia tibial (raças Shorthorn, Maine­Anjou)
Cães Deficiência de C3
a­fucosidose
Doença do armazenamento de glicogênio (I, VII)
Hemofilia B
Doença de Krabbe
Deficiência de adesão leucocitária
Mucopolissacaridose (I, VII)
Distrofia muscular (Becker, Duchenne [ligada ao X])
Miotonia
Narcolepsia
Nefrite ligada ao cromossomo X
Deficiência de piruvato quinase em hemácias
Displasia do bastonete­cone
Imunodeficiência grave combinada
Tremor ligado ao cromossomo X
Doença de Von Willebrand III
Caprinos Bócio familiar
β­manosidose
Mucopolissacaridose III
Redução da concentração de caseína
Síndrome da reversão do sexo
Equinos Paralisia hipercalcêmica periódica (raça Quarto­de­Milha, outras)
Megacólon
Imunodeficiência combinada grave (raça Árabe)
Gatos Gangliosidose (GM1, GM2)
Mucopolissacaridose (I, VI, VII)
Distrofia muscular (Duchenne, Becker)
a­manosidose
Ovinos Lipofucscinose ceroide
Condrodisplasia
Doença do armazenamento de glicogênio IV
Suínos Hipercolesterolemia
Hipertermia maligna

Teratógenos Ambientais

Os teratógenos ambientais incluem plantas tóxicas, viroses, medicamentos, oligoelementos, deficiências


nutricionais e agentes físicos, tal como radiação, hipertermia, posição uterina e, às vezes, pressão durante a
palpação retal para detecção de prenhez. Embora os defeitos ocasionados ao neonato possam assemelhar ou
imitar defeitos hereditários, eles não seguem um padrão familiar. Causas específicas podem dificultar a
identificação, mas geralmente seguem um padrão associado a características de crescimento de plantas tóxicas
ou disponibilidade de vetores apropriados suscetíveis a vírus transmitidos por artrópodes. Embora as anomalias
congênitas podem ser decorrentes de doença materna devido à intoxicação por plantas ou por infecção viral, às
vezes os efeitos teratogênicos ocorrem na ausência de sinais clínicos na fêmea.
Produtos biológicos ativos produzidos por várias plantas são conhecidos por serem teratogênicos (ver plantas
tóxicas para animais, p. 3162). A ingestão pode resultar em aborto, nascimento de neonatos não viáveis ou
geração de neonatos anormais ao nascimento. A perda na produção pode ser significativa se o número de
animais que acessam as plantas afetadas em período crítico do desenvolvimento embrionário ou fetal for
considerável. Veratrucum califormicum (repolho­gambá) foi implicado como causa de gigantismo fetal,
gestação prolongada e deformidades craniofaciais em ovinos criados em pastagem contendo plantas. A
ciclopamina, um composto alcaloide esteroide produzido por algumas plantas é um agente teratogênico. Doses
experimentais desta toxina em ovelhas com 13 a 15 dias de gestação pode causar uma variedade de anomalias
congênitas. A ingestão no 14o dia, especificamente, induz à sinoftalmia ou defeito ciclopiano. Ovelhas expostas
na fase final da gestação podem parir cordeiros normais, mostrando a interação crítica entre o tempo de
exposição e o período de gestação.
Em bovinos, a ingestão de várias espécies de tremoço (Lupinus laxiflorus, L. caudatus, L. sericeus ou L.
nootkatensis) resulta em “doença do bezerro torto”, caracterizada por contraturas articulares, torcicolo, escoliose
ou cifose, fenda palatina, ou combinações destes defeitos. A anagirina, um alcaloide quinolizidina, foi
identificada como teratogênica e o período crítico de exposição é 40 a 70 dias de gestação. A ingestão de L.
formosus causa anomalias esqueléticas similares e fenda palatina em bovinos e caprinos; o teratógeno é o
alcaloide piperidina. O desenvolvimento fetal está exposto a risco máximo quando as vacas prenhes pastejam
tremoço em fase inicial de crescimento ou durante a formação de sementes. As perdas periódicas devido à
“doença do bezerro torto” no oeste dos EUA ocorrem após a ingestão da planta pelos bovinos em pastejo.
Conium maculatum (cicuta tóxica) causa anomalias tipo contratura e ocasionalmente fenda palatina em
bovinos, ovinos, caprinos e suínos. Tanto a planta como a semente são tóxicas e teratogênicas.
A ingestão de Nicotiana tabacum provoca anomalias esqueléticas em suínos, semelhantes àquelas induzidas
em bovinos e suínos por Lupinus e Conium maculatum. Notam­se amelia e hemimelia congênitas em leitões
quando a porca prenhe tem acesso ao caule do tabaco. Atualmente esta ocorrência é rara devido às mudanças
que ocorreram no manejo dos suínos. Nicotiana glauca (árvore do tabaco) também induz anomalias tipo
contratura e fenda palatina em bovinos, ovinos e caprinos.
Outras plantas suspeitas de causar anomalias similares em bovinos incluem Senecio, Cycadales, Blighia,
Papaveraceae, Colchicum, Vinca spp e Indigofera spicata e plantas relacionadas. O capim Sudão (Sorghum
vulgare) é incriminado como causa de contraturas congênitas em articulações de equinos e S. sudanese pode
ocasionar artrogripose em bezerros.
Éguas prenhes que se alimentam de pastagem de capim festuca ou de feno de festuca contaminado com o
fungo endófito Neotyphodium coenophialum apresentam risco de aborto, gestação prolongada, hipogalactia e
geração de potros fracos ou imaturos (ver intoxicação por festuca, p. 3076). A ergovalina e outros alcaloides do
ergot produzidos pelo endófito são causas da intoxicação por festuca. A festuca livre do endófito e a festuca
infectada por cepas atóxicas do endófito mencionado podem ser seguramente pastejadas por fêmeas prenhes.
No oeste do Canadá, o hipotireoidismo congênito em potros está relacionado com alta concentração de nitrato
na dieta das fêmeas prenhes e a exposição na fase final da gestação ao Neotyphodium coenophialum – presente
na festuca.
Pesticidas, herbicidas, medicamentos e outros produtos químicos foram incriminados como agentes
teratogênicos. Atualmente, drogas e produtos químicos não aprovados nos EUA, Canadá e outros países devem
ser testados previamente quanto ao potencial teratogênico, para obter a licença comercial. Os produtos podem
ser rotulados com instruções especificando a permissão do seu uso em animais que estão ou podem estar
prenhes. Outros produtos podem ser rotulados como seguros para animais gestantes dependendo do período de
gestação. Quando se utilizam alguns herbicidas, pode ser necessário manter os animais fora da pastagem em
períodos específicos após a aplicação. O uso extrabula de medicamentos em animais prenhes e a exposição
acidental a pesticidas e outras substâncias químicas é acompanhado de riscos inerentes, inclusive efeitos
adversos no desenvolvimento do feto. Técnicos e produtores devem saber do risco potencial de perda da
gestação ou de desenvolvimento de anomalias congênitas após a administração terapêutica ou a exposição a
pesticidas e produtos químicos e devem sempre ter cuidado quando utiliza estes produtos.

Agentes Infecciosos

Infecções virais pré­natais são teratogênicas em vacas, ovelhas, cabras, porcas, cadelas e gatas, mas raramente
são incriminadas como causas de anomalias congênitas em éguas. O estágio de desenvolvimento fetal ou
embrionário em relação ao tempo de exposição a determinados vírus determina o tipo e a extensão da anomalia
observada. A infecção viral no final da gestação pode resultar em infecção fetal e soroconversão, sem sinais
clínicos, enquanto a exposição durante os estágios iniciais da gestação podem ocasionar aborto ou defeitos
congênitos.
A gestação de neonatos com anomalias congênitas após infecção uterina pode se manifestar com sinais
clínicos na fêmea; entretanto, anomalias também são observadas em animais sem histórico da doença durante a
gestação. Em alguns casos, o uso de vacinas com vírus vivo modificado em fêmeas prenhes podem provocar
defeitos congênitos. Por isto tal uso é desaconselhado.
Infecções por pestivírus são teratogênicas em várias espécies. O vírus da diarreia bovina (BVD) está entre as
infecções mais relevantes do ponto de vista econômico, infectando bovinos em todo o mundo. Por outro lado, a
infecção prenatal pode causar vários defeitos congênitos nos sobreviventes, inclusive hipoplasia cerebelar,
braquignatia, alopecia, anomalias oculares, hidrocefalia e prejuízo à imunocompetência. A imunotolerância
persiste em animais infectados e pode resultar em infecção fetal com presença prévia de BVD não citopático no
120o dia de gestação. Estes animais são os principais reservatórios da infecção.
As infecções por pestivírus em outras espécies também resultam em defeitos congênitos. A infecção de
ovelhas prenhes pelo vírus da doença da fronteira (p. 640) pode se manifestar como morte embrionária ou fetal
ou defeitos congênitos envolvendo os sistemas tegumentar, nervoso, esquelético, endócrino e imune. Os defeitos
incluem tremores, ataxia, pelagem anormal, baixo peso ao nascimento, anormalidades faciais e oculares,
resposta imune deprimida e nascimento de neonatos pequenos, cordeiros fracos com deficiente crescimento e
viabilidade. A infecção de ovelhas prenhes por BVD provoca anomalias congênitas semelhantes.
A peste suína clássica (p. 815), uma infecção por pestivírus em suínos, antigamente era denominada cólera
suína. O vírus foi erradicado nos EUA, mas algumas regiões permanece como a principal causa de doença em
suínos. A infecção prenatal pode resultar em defeitos congênitos semelhantes aos observados em bovinos
infectados pelo BVD.
A infecção pelo vírus Cache Valley em ovelhas prenhes resulta em anomalias em seus cordeiros, incluindo
artrogripose, torcicolo, escoliose, lordose, hidranencefalia, microcefalia, porencefalia e hipoplasia cerebelar e
muscular. Este buniavírus dissemina–se por meio de mosquitos, sendo encontrado por todo EUA, Canadá e
México. Outras espécies de ruminantes podem ser afetadas e outras buniaviroses foram relatadas como causas
de defeitos congênitos similares.
O vírus da língua azul, é um orbivírus endêmico em várias regiões da América do Norte, América do Sul,
África e partes da Ásia e recentemente expandiu­se para a Europa. A infecção uterina pode induzir
hidranencefalia, porencefalia e artrogripose em ovinos; ademais, pode resultar em aborto, natimorto,
artrogripose, campilognatia, prognatismo, hidranencefalia e síndrome do “bezerro apático”, em bovinos. Outras
arboviroses, como a infecção pelo vírus de Chuzan e, possivelmente, doença hemorrágica epizoótica, podem
causar aborto, anomalias congênitas e perdas neonatais semelhantes àquelas provocadas pelo vírus da língua
azul.
O vírus Akabane (p. 642), um orbivírus presente em várias regiões tropicais e subtropicais, é disseminado
pelo Culicoides spp. A infecção de animais nascidos em cativeiro pode ser seguida de infecção transplacentária
do feto e pode provocar deformidades semelhantes àquelas observadas em animais com viroses, tais como
língua azul e infecção pelo vírus Cache Valley.
A hipoplasia cerebelar congênita em gatinhos foi considerada resultado da infecção de fêmeas prenhes pelo
vírus da panleucopenia felina. A infecção de fêmeas de furão prenhes pelo vírus da panleucopenia felina
também pode resultar em hipoplasia cerebelar congênita.

Fatores Nutricionais

A deficiência de um ou mais nutrientes durante a prenhez pode causar anomalias congênitas no recém­nascido.
Microminerais e vitaminas são implicados em vários defeitos de desenvolvimento. As deficiências graves
podem interromper a prenhez ou resultar em filhotes fracos ou inviáveis.
A deficiência de iodo causa ataxia enzoótica em cordeiros; a deficiência de manganês causa deformidades nos
membros de bezerros. A deficiência de vitamina D pode provocar raquitismo em neonatos e a deficiência de
vitamina A pode acarretar anomalias oculares ou lábio leporino. Experimentalmente, os efeitos teratogênicos
são induzidos por deficiências de colina, riboflavina, ácido pantotênico, cobalamina, ácido fólico e
hipervitaminose A.

Agentes Físicos

A contratura congênita articular seguida de nascimento de bezerros e potros relativamente grandes, ou


associados a casos de gestação gemelar nestas espécies é um resultado de movimento restrito, devido a lotação
uterina. Vários casos são brandos e podem regredir espontaneamente após o nascimento.
Torcicolo, escoliose e, frequentemente, uma ou mais anomalias nos membros dos potros são associados à
posição fetal intrauterina, em especial a apresentação caudal e transversa. O úraco pérvio nos potros tem sido
associado à torção do cordão umbilical.
Em bovinos, a palpação transretal agressiva da vesícula amniótica nos primeiros 42 dias de gestação (ex.
durante o diagnóstico de prenhez) pode romper o suprimento vascular para o trato intestinal e induzir a atresia
coli. Vacas holandesas somam os principais casos da malformação e a predisposição genética pode existir. Pelo
menos um relato sugere um padrão hereditário autossômico recessivo para atresia coli.

Acidentes Gestacionais de Etiologia Desconhecida

Em vários casos de anomalias congênitas a etiologia e os fatores predisponentes podem ser desconhecidos.
Algumas anomalias são específicas e de etiologia desconhecida ocorrem com frequência suficiente para ser
rapidamente reconhecida por médicos veterinários de campo.
Perosomus elumbis é uma anomalia congênita que ocorre principalmente em bovinos, mas também em
pequenos ruminantes e suínos. Bovinos afetados apresentam agenesia no segmento da medula lombossacra e
coluna vertebral e, secundariamente, hipoplasia, artrogripose e ancilose em membros pélvicos. Outras anomalias
associadas ao desenvolvimento dos sistemas GI e urogenital acompanham estas condições. A parte do corpo, os
membros e os órgãos craniais ao defeito de desenvolvimento de medula espinal parecem normais. A condição é
fatal, resultando em natimortos ou necessidade de eutanásia em condições humanitárias. Distocia é uma
complicação frequente. Embora existam indícios de herança genética, nenhuma causa foi definitivamente
reconhecida. As aberrações na família de genes homeobox, responsáveis por padrões craniais a caudais que
podem estar envolvidos.
Schistosomus reflexus é uma anomalia fatal observada em ruminantes, caracterizada por grave retroflexão da
coluna espinal, resultando em posicionamento dos membros pélvicos ao lado do crânio, ancilose das
articulações apendiculares e falha no fechamento da parede abdominal com consequente presença de vísceras
abdominais fora do corpo. Outras anomalias, como toracosquise, pode acompanhar esta condição. A presença
de um feto comprometido resulta em distocia, requerendo com frequência intervenção cirúrgica ou fetotomia.
Alguns relatos com base na análise da linhagem sugerem uma etiologia genética, mas nenhum defeito ou
herança foram verificados. Interessante é o caso relatado em bezerros gêmeos, sendo um afetado e outro normal.
Anasarca fetal é uma anomalia fetal letal observada em várias raças de cães. A causa permanece
desconhecida e pode ser variável entre as raças. Esta condição frequentemente resulta em distocia devido ao
tamanho desproporcionalmente grande do feto por ocasião do parto. Um ou múltiplos filhotes de uma ninhada
podem ser afetados.

DOENÇA DA FRONTEIRA

(Hairy shaker disease)

A doença da fronteira (Grã­Bretanha) ou hairy shaker disease (Austrália e Nova Zelândia) é um distúrbio
congênito dos cordeiros, caracterizado por baixo peso e baixa viabilidade ao nascimento, má conformação,
tremores e pelagem excessivamente espessa em raças de pelame normalmente uniforme. Os cabritos também
podem ser afetados de modo semelhante aos bezerros. A doença é reconhecida na maioria das regiões criadoras
de ovinos do mundo, inclusive no oeste dos EUA.
ETIOLOGIA, PATOGENIA E EPIDEMIOLOGIA: A doença da fronteira é causada pela infecção do feto no início da
prenhez por um pestivírus (Flaviviridae) intimamente relacionado com aquele da peste suína clássica (p. 815),
da diarreia viral bovina (BVD) e da doença das mucosas (p. 319). Os cordeiros sobreviventes são
persistentemente virêmicos e o vírus está presente em suas excreções e secreções, inclusive no sêmen. Os
ruminantes, e possivelmente os suínos, podem se infectar facilmente pelo contato com esses excretas
persistentes ou com ovinos agudamente infectados. As infecções agudas em animais imunocomprometidos são
geralmente transitórias e subclínicas e resultam em imunidade ao desafio com cepas homólogas, mas não
heterólogas do vírus.
O vírus adquirido no início da prenhez por animais não expostos anteriormente, atravessa a placenta e invade
o feto. Ocorre placentite 10 a 30 dias após a infecção e pode acarretar morte fetal com expulsão, reabsorção ou
mumificação. Pode ocorrer aborto em qualquer estágio da gestação e pode ser imperceptível já que há pouco
mal­estar materno.
Em gestações que se mantêm, o vírus se dissemina amplamente nos tecidos fetais, mas as lesões são mais
evidentes na pele, no esqueleto e no SNC. Cordeiros afetados podem nascer 2 a 3 dias antes da data prevista e
vários morrem antes ou durante o desmame. Em sobreviventes, os sinais clínicos regridem gradualmente, mas
esses animais permanecem infectados e excretam o vírus pelo resto de suas vidas, expondo sua progênie e seus
companheiros de rebanho. A morte proveniente de uma síndrome similar à doença das mucosas do bovino pode
suceder nesses ovinos de pelo arrepiado “recuperados” em qualquer momento.
Em rebanhos na primeira temporada de uma nova infecção, até 50% ou mais dos cordeiros nascidos podem
ser acometidos pela doença da fronteira. Depois disso, a prevalência diminui, embora a doença possa se tornar
endêmica quando se mantêm os animais “recuperados” para acasalamento. O vírus é mais comumente
introduzido nos rebanhos suscetíveis pelo acréscimo de animais persistentemente infectados. Entretanto, isto
não é incomum para ovelhas que adquirem a infecção de bovinos com infecção persistente. Para finalidades
práticas, deve­se assumir que ovinos e bovinos são igualmente suscetíveis a todas as cepas do vírus da doença
da fronteira e do vírus da BVD, mesmo sabendo que pelo menos três grupos antigênicos de pestivírus tenham
sido identificados em ruminantes.
ACHADOS CLÍNICOS: Os rebanhos afetados são provavelmente reconhecidos inicialmente no momento do parto
devido ao aumento do número de ovelhas estéreis e no nascimento de cordeiros anões com um pelame
excessivamente espesso e, às vezes, demasiadamente pigmentado. Alguns cordeiros exibem tremores
musculares involuntários, em particular no tronco e nos membros pélvicos. Os tremores diminuem durante o
repouso e se exacerbam no caso de movimento intencional. Em outros, podem predominar anomalias
esqueléticas, como quartelas caídas e braquignatia mandibular. Os cordeiros afetados tem sobrevida curta. Em
sobreviventes, os sinais nervosos desaparecem gradualmente dentro de 3 a 4 meses. Mesmo na ausência dos
cordeiros com pelos tipicamente arrepiados, os surtos de baixa fertilidade nas ovelhas e de fraca viabilidade e
mau rendimento nos cordeiros estão associados mais frequentemente com a infecção pelo vírus da doença da
fronteira.
Lesões: Em casos graves, pode­se observar, à necropsia, cavitação cerebral. Por outro lado, as lesões
características são microscópicas e envolvem a substância branca do SNC. Há deficiência de mielina e aumento
de células gliais interfasciculares, nas quais pode haver acúmulo de gotículas lipídicas semelhantes à mielina.
Essas alterações são mais óbvias no recém­nascido e regridem gradativamente.
DIAGNÓSTICO: Os achados clínicos geralmente permitem um diagnóstico, embora nas raças de ovinos com
pelagem áspera, o excesso de pelo anormal ao nascimento possa não ser aparente. O diagnóstico pode ser
confirmado pelo exame histológico das lesões patognomônicas do SNC, mediante coloração imunocitoquímica
do vírus. Em cordeiros com a doença típica, o vírus pode ser facilmente detectado no sangue e tecidos. O sangue
pré­colostral é ideal porque o anticorpo colostral pode mascarar a presença do vírus por até 2 meses. O vírus
pode ser isolado do soro ou de células da papa leucocitária de culturas celulares, mas há um teste ELISA para
detecção de antígeno viral utilizando amostra de sangue em heparina ou em ácido etilenodiaminotetracético
(EDTA). PCR com transcriptase reversa (RT) também pode ser utilizada para detecção do RNA viral em
amostras clínicas e para a tipagem de pestiviroses em ruminantes.
No diagnóstico diferencial, devem ser consideradas outras causas de aborto ovino (p. ex., Chlamydia,
Salmonella, Campylobacter, Rickettsia spp e Toxoplasma gondii). Em cordeiros nascidos vivos, devem­se
diferenciar doença da fronteira de curvatura espinal (ataxia enzoótica), meningoencefalite bacteriana,
encefalomalacia simétrica focal e doença do “cordeiro demente”.
CONTROLE: Não há tratamento efetivo. Sorologia deve ser realizada nas mães dos cordeiros afetados. A maioria
deve ter alto teor de anticorpos e ser imune à estimulação adicional com a mesma cepa do vírus nas gestações
subsequentes. Naquelas que não têm títulos de anticorpo deve­se realizar triagem quanto à presença de vírus
para identificar aquelas persistentemente infectadas. Os cordeiros recuperados não devem ser mantidos como
reprodutores, mas podem ser misturados ao lote de reposição imediatamente antes da estação de acasalamento
para maximizar as oportunidades do último lote se infectar e desenvolver imunidade antes dos acasalamentos
subsequentes. Não há vacina eficaz. A vacina contra o vírus da BVD, para bovinos, não pode ser recomendada
aos ovinos, pois o vírus da doença da fronteira mais comumente isolado de ovelhas é antigenicamente distinto
daquele da BVD mais comumente encontrado em bovinos.

INFECÇÃO PELO VÍRUS AKABANE

O vírus Akabane é vírus transmitido por insetos; causa anormalidades congênitas do SNC em ruminantes. A
doença decorrente do vírus Akabane foi reconhecida na Austrália, Israel, Japão e Coreia; têm­se encontrado
anticorpos em inúmeros países no Sudeste Asiático, no Oriente Médio e na África. A doença acomete fetos de
bovinos, ovinos e caprinos. A infecção assintomática é demonstrada sorologicamente em equinos, búfalos e
cervos (mas não em humanos ou suínos) nas regiões endêmicas.
ETIOLOGIA, EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: O agente causador, o vírus Akabane, é um membro do sorogrupo
Simbu da família Bunyaviridae. Dissemina­se pelo mosquito Culicoides spp na Austrália, Japão e Quênia.
O vírus Akabane é comum em várias regiões tropicais e subtropicais entre cerca de 35°N e 35°S. Nessas
regiões endêmicas, os herbívoros são picados pelos vetores, tornam­se infectados em idade precoce e
desenvolvem imunidade duradoura pelo tempo da reprodução; por conseguinte, raramente são observadas
anormalidades congênitas. No entanto, sob condições ambientais favoráveis como verão úmido e extenso, o
vetor (e, portanto, o vírus) pode se alastrar para novas regiões e surtos de infecção congênita podem ser
esperados. Esses surtos geralmente ocorrem nos limites norte ou sul da distribuição do vetor ou em regiões de
maior altitude. De modo semelhante, os ruminantes prenhes provenientes de regiões livres de vetores e vírus,
que foram transportados para regiões infectadas pelos vírus, estão em risco.
A prevalência da doença causada pelo vírus Akabane é influenciada pelo tempo de gestação em que a
infecção ocorre e também pela cepa do vírus. Infecções nos últimos 3 meses de gestação resultam em
prevalência relativamente baixa da doença (5 a 10% dos bezerros são infectados). Observa­se prevalência
máxima no 3o e 4o meses, condição em que até 40% dos bezerros podem nascer com anomalias. Algumas cepas
do vírus Akabane provocam prevalência de anormalidades muito baixa (< 20%), mesmo em estágios de
gestação mais suscetíveis, visto que as mais patogênicas podem causar doença em até 80% dos animais
infectados.
Em ovinos e caprinos, a doença é observada, mas a manifestação sequencial das diferentes anormalidades
vistas em bovinos não ocorre em razão do período de gestação mais curto e da suscetibilidade. Várias
anormalidades se desenvolvem após infecções entre o 28o e o 56o dias de gestação. Poucas anormalidades são
observadas quando a infecção ocorre em outros períodos. Contudo, não se sabe se a infecção em grandes ou
pequenos ruminantes, no início da gestação, resulta em infecção letal, com abortamento.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os achados patológicos e os sinais clínicos dependem da espécie animal e do
momento da infecção. Em um rebanho bovino com período de parição prolongado ou ao redor de 1 ano, todas
as anormalidades podem ser observadas. As anomalias mais graves são notadas após as vacas suscetíveis terem
sido infectadas entre cerca de 80 e 150 dias de gestação; no entanto, os bezerros podem ser infectados, na
maioria das vezes, após os primeiros 2 meses de gestação. Bezerros infectados no final da prenhez podem
nascer vivos, mas incapazes de ficar em pé e podem apresentar paralisia flácida dos membros, ou podem estar
incoordenados e à necropsia evidenciam encefalomielite disseminada. Os animais infectados precocemente
(durante o segundo trimestre de gestação) apresentam fixação rígida dos membros, quase sempre em flexão
(artrogripose) e às vezes torcicolo, cifose e escoliose com atrofia muscular neurogênica associada, devido à
perda dos neurônios motores espinais. Essas anormalidades geralmente causam distocia e podem resultar em
complicações obstétricas graves, resultando, às vezes, em infertilidade e até morte das vacas. Os primeiros
bezerros que nascem com artrogripose são afetados com menos gravidade do que aqueles que nascem nas
próximas 4 a 6 semanas. Inicialmente apenas 1 ou 2 articulações podem ser afetadas em um único membro, mas
casos tardios podem ter fixação grave de múltiplas articulações em vários ou todos os membros. Os bezerros
afetados no final do primeiro trimestre de gestação comumente nascem vivos e, se forem capazes de se levantar,
andam mal, e estão deprimidos e cegos. Esses bezerros apresentam graus variáveis de cavitação dos hemisférios
cerebrais, variando de porencefalia a hidranencefalia grave. A última é comum, especialmente entre os
infectados precocemente durante a gestação. Alguns bezerros podem ser afetados tanto com artrogripose quanto
com hidranencefalia.
Pode ocorrer aborto de bezerros com hidranencefalia grave no meio da gestação. Uma característica útil no
diagnóstico diferencial é a ausência virtual de lesões macroscópicas e histológicas no cerebelo, o que distingue a
infecção do vírus Akabane de outras viroses teratogênicas como aquela provocada pelo vírus da BVD.
Em pequenos ruminantes, as lesões de artrogripose e hidranencefalia são quase sempre observadas
simultaneamente e são comuns nos mesmos animais. Em carneiros e filhotes, uma variação de outras anomalias
pode ocorrer, inclusive hipoplasia pulmonar e da medula espinal. A maioria dos cordeiros ou filhotes infectados
com o vírus Akabane nasce ou morre logo após o nascimento. Os abortos também são observados.
Em equinos, suspeita­se de anormalidades congênitas induzidas pelo vírus Akabane (especialmente
artrogripose e hidranencefalia), mas a confirmação laboratorial é inconclusiva.
DIAGNÓSTICO: Pode­se realizar um diagnóstico presuntivo com base nas lesões macroscópicas do SNC, porém
deve­se diferenciar a doença de outras infecções e anomalias genéticas. Pode­se confirmar a infecção por meio
de exame do soro ou de fluidos corporais (p. ex., fluido pericárdico ou pleural) da cria infectada não lactente e
de suas mães mediante pesquisa de anticorpos soroneutralizantes contra o vírus Akabane. Embora a detecção do
anticorpo no soro materno não confirme o vírus Akabane como agente etiológico, sua ausência é definitiva para
sua exclusão como causa.
Outros vírus carreados por vetores (e também vírus não carreados, como o da BVD) podem causar anomalias
congênitas idênticas ao vírus Akabane. O vírus de Aino, um parente do Akabane, é encontrado na Austrália,
Japão e vários outros países onde há o vírus Akabane e tem sido causa infrequente de doença em bovinos. No
Japão, o vírus Chuzan, um reovírus, é transmitido por Culicoides oxystoma e ocasiona infecção congênita em
bezerros similar ao vírus Akabane. Nos EUA, o vírus Cache Valley, outro bunyavírus carreado por vetor não
relacionado com o vírus Akabane, tem sido associado a anomalias congênitas em ovinos e, às vezes, em
bovinos, em alguns estados americanos.
TRATAMENTO E CONTROLE: Não há tratamento específico para os animais infectados. Medidas devem ser
direcionadas à prevenção da infecção pelo vírus Akabane nos animais suscetíveis durante a prenhez. A
introdução de um rebanho oriundo de região não endêmica em regiões endêmicas deve ser feita bem antes do
primeiro acasalamento. Vacinas efetivas estão disponíveis no Japão.
ANTRAZ (Febre esplênica, Úlcera da Sibéria, Carbúnculo,

Pústula maligna)

O antraz é uma zoonose causada pela bactéria formadora de esporos denominada Bacillus anthracis. Essa
doença é mais comum em herbívoros domésticos e selvagens (p. ex., bovinos, ovinos, caprinos, camelos e
antílopes), mas também pode acometer pessoas expostos a tecidos de animais infectados, produtos de origem
animal contaminados ou diretamente a esporos de B. anthracis sob condições especiais. Dependendo da via de
infecção, do hospedeiro e dos fatores específicos de cada cepa, o carbúnculo pode ter diferentes apresentações
clínicas. Nos herbívoros, quase sempre se apresenta como sepse aguda com alta taxa de mortalidade,
frequentemente acompanhada de linfadenite hemorrágica. Já nos cães, pessoas, equinos e suínos, o quadro é, em
geral, menos agudo.
Os esporos de B. anthracis podem permanecer infectantes no solo por vários anos. Durante esse período, são
potenciais fontes de infecção para animais criados a pasto, mas geralmente não representam risco de infecção
direta aos pessoas. Os animais a pasto podem se infectar ao ingerirem quantidades suficientes desses esporos do
solo. Além da transmissão direta, moscas picadoras podem transmitir mecanicamente esporos de B. anthracis e
causar a doença. Além disso, pode ocorrer a transmissão direta de um animal a outro. A importância relativa
desse tipo de transmissão durante epizootias ou epidemias ainda precisa ser quantificada, mas é frequentemente
considerada. As rações contaminadas com ossos ou outros alimentos provenientes de animais infectados podem
atuar como fonte de infecção nas criações extensivas, assim como o feno altamente contaminado por meio do
solo. Carne contaminada crua ou mal cozida é uma fonte de infecção para carnívoros e onívoros; carbúnculo
resultante do consumo de carne contaminada foi em suínos, cães, gatos, visons, carnívoros selvagens e pessoas.
EPIDEMIOLOGIA: Subdiagnósticos e relatos incertos dificultam a estimativa da real prevalência da doença no
mundo. Entretanto, o carbúnculo foi relatado em quase todos os continentes, sendo mais frequente em regiões
agrícolas com solos do tipo calcário neutros ou alcalinos. Nessas regiões, a enfermidade aparece periodicamente
como epizootias em animais domésticos e selvagens suscetíveis. Essas epizootias estão associadas à seca,
inundações ou solos mal cuidados e vários anos podem se passar entre os surtos. Durante os períodos entre uma
epidemia e outra, casos esporádicos podem ajudar a manter a contaminação do solo.
Casos humanos podem resultar do contato com animais ou produtos de origem animal contaminados. O risco
da doença às pessoas é comparativamente pequeno em países desenvolvidos, em parte porque são relativamente
resistentes à infecção e porque é menos provável de serem expostos aos esporos patogênicos. No entanto, em
países em desenvolvimento cada vaca afetada pode resultar em até 10 casos humanos, por motivos culturais,
econômicas e epidemiológicas. Na transmissão natural, o paciente humano exibe principalmente doença cutânea
(> 95% dos casos). O carbúnculo gastrintestinal (inclusive o carbúnculo faríngeo) pode ser observado em
pessoas após consumo de carne contaminada crua ou mal cozida. Sob certas condições artificiais (p. ex.,
laboratórios, instalações para processamento de pelos de animal e exposição a produtos contendo esporos), os
pessoas podem desenvolver uma forma da doença altamente fatal conhecida como carbúnculo inalatório ou
doença dos selecionadores de lã. O carbúnculo inalatório é uma linfadenite hemorrágica aguda em linfonodos
mediastinais, geralmente acompanhada de efusões pleurais hemorrágicas, sepse grave, meningite e alta taxa de
mortalidade.
Nos EUA, a prevalência exata de antraz em animais não é conhecida. Nos últimos 100 anos, as infecções
animais têm ocorrido em quase todos os estados, com frequência mais elevada nas regiões meio­oeste e oeste.
Atualmente, o carbúnculo é enzoótico no oeste do Texas e no noroeste de Minnesota; é esporádico no sul do
Texas, Nevada, leste de Dakota do Sul e Dakota do Norte; apenas ocasionalmente é observado em outras
regiões. A prevalência anual de carbúnculo humano nos EUA diminuiu de cerca de 130 casos no começo do
século passado para nenhum caso em 2007.
Além de ocorrer infecção natural, tem­se produzido B. anthracis como agente de guerra biológica. Em 2001,
foi utilizado com sucesso como arma terrorista, matando 5 pessoas e causando doença em 22. Provavelmente
devido ao método que foi utilizado (via correspondência), não se sabe se houve doença animal resultante desse
ataque. Os esporos utilizados em guerra biológica representam ameaça tanto para populações humanas como
para animais. A Organização Mundial da Saúde estima que 50 kg de B. anthracis distribuídos a uma população
de 500.000 pessoas podem resultar em 95.000 mortes e 125.000 hospitalizações. O efeito em animais não foi
estimado, mas como os animais de criação são mais suscetíveis à infecção por B. anthracis do que os primatas,
o resultado de um ataque com esporos de B. anthracis contra esses animais resultaria em taxas de mortalidade e
morbidade mais altas e mais precoces em comparação à população humana.
PATOGENIA: Após inoculação em ferida, ingestão ou inalação, os esporos infectam os macrófagos, germinam e
se proliferam. Em infecções cutâneas e gastrintestinais, a proliferação pode ocorrer no local de infecção e nos
linfonodos que drenam esse local. Toxinas letais e toxinas causadoras de edema são produzidas por B. anthracis
e causam, respectivamente, necrose local e edema extenso, os quais são características frequentes da doença. À
medida que as bactérias se multiplicam nos linfonodos, a toxemia progride e pode ocorrer bacteriemia. Com o
aumento da produção de toxina, o potencial para destruição tecidual disseminada e falência dos órgãos aumenta.
Depois de os bacilos vegetativos serem liberados de um animal após sua morte (por inchaço da carcaça, animais
que se alimentam de carniça ou exame pós­morte), o oxigênio da atmosfera induz sua esporulação. Os esporos
são relativamente resistentes aos extremos de temperatura, à desinfecção química e ao ressecamento. A
necropsia não é recomendada em razão do risco de células vegetativas serem expostas ao ar, resultando em
produção de grande quantidade de esporos. Em razão da rápida mudança de pH após a morte e decomposição,
as células vegetativas em uma carcaça fechada morrem prontamente sem que ocorra esporulação.
ACHADOS CLÍNICOS: Em geral, o período de incubação é de 3 a 7 dias (com variação de 1 a 14 dias). O curso
clínico varia de hiperagudo a crônico. A forma hiperaguda, comum em bovinos e ovinos, é caracterizada por
início súbito e curso rápido e fatal. Cambaleio, dispneia, tremores, colapso, alguns movimentos convulsivos e
morte podem ocorrer em bovinos, ovinos ou caprinos com apenas uma leve evolução da doença.
Na fase aguda, bovinos e ovinos apresentam febre abrupta e um período de excitação seguido por depressão,
estupor, dificuldade respiratória ou cardíaca, cambaleio, convulsões e morte. Geralmente, o curso da doença é
tão rápido que não é percebido e os animais são encontrados mortos. A temperatura corporal pode atingir
41,5°C, a ruminação cessa, a produção de leite diminui significativamente; as fêmeas podem abortar. Podem
ocorrer sangramentos de aberturas corporais naturais. Algumas infecções caracterizam­se por inchaço
edematoso subcutâneo e localizado, que pode ser bastante extenso. As regiões mais envolvidas são a parte
ventral do pescoço, o tórax e a região das paletas.
Nos equinos, a doença pode ser aguda. Os animais podem apresentar febre, calafrios, cólica intensa, anorexia,
depressão, fraqueza, diarreia sanguinolenta e inchaço de pescoço, esterno, abdome inferior e genitália externa.
Quase sempre o animal morre em 2 a 3 dias após o início dos sintomas.
Embora relativamente resistentes, os suínos podem desenvolver sepse aguda após a ingestão de B. anthracis,
caracterizada por morte súbita, além de orofaringite ou, mais comumente, uma forma crônica branda. O
carbúnculo orofaríngeo manifesta­se por inchaço rápido e progressivo da garganta, que pode causar morte por
asfixia. Na forma crônica, os suínos apresentam sinais sistêmicos que regridem gradualmente com o tratamento.
Alguns, mais tarde, evidenciam infecção pelo carbúnculo nos linfonodos cervicais e tonsilas, quando abatidos
(como se aparentemente fossem animais saudáveis). O envolvimento intestinal é raramente diagnosticado, pois
apresenta sinais não específicos de anorexia, vômito, diarreia (às vezes, com sangue) ou constipação intestinal.
Em cães, gatos e carnívoros selvagens, a doença assemelha­se à observada em suínos. Em herbívoros
selvagens, o curso esperado da doença e as lesões variam de espécie para espécie, mas se assemelham, na
maioria das vezes, aos que ocorrem em bovinos.
Lesões: O rigor mortis é quase sempre ausente ou incompleto. Sangue escuro pode gotejar da boca, narinas e
ânus, com timpanismo acentuado e rápida decomposição corporal. Caso a carcaça seja aberta inadvertidamente,
lesões septicêmicas são observadas. O sangue é escuro, espesso e não coagula com facilidade. As hemorragias
de tamanhos variáveis são comuns nas superfícies serosas do abdome e tórax, bem como do epicárdio e do
endocárdio. Efusões edematosas e sanguinolentas são habitualmente encontradas abaixo da serosa de vários
órgãos, entre os músculos esqueléticos e sob a pele. Com frequência, ocorrem hemorragias na mucosa
gastrintestinal, e úlceras, principalmente nas placas de Peyer. É comum o baço se apresentar aumentado,
vermelho­escuro ou negro, amolecido e semifluido. Rins, fígado e linfonodos ficam congestos e aumentados.
Meningites podem ser observadas ao abrir o cérebro.
Em suínos com carbúnculo crônico, as lesões geralmente ficam restritas a tonsilas, linfonodos cervicais e
tecidos adjacentes. Os tecidos linfáticos da região apresentam­se aumentados e com pontos cor salmão a
vermelho­tijolo na superfície de corte. Pode haver membranas diftéricas ou úlceras sobre a superfície das
tonsilas. A região ao redor dos tecidos linfáticos quase sempre é gelatinosa e edematosa. A forma intestinal
crônica envolvendo os linfonodos mesentéricos também é descrita.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico com base apenas nos sinais clínicos é difícil. Deve­se obter exame laboratorial
confirmatório caso se suspeite de carbúnculo. Como a célula vegetativa não é resistente e não sobrevive 3 dias
no trânsito intestinal, a amostra ideal é um suabe mergulhado em sangue e submetido à secagem. Essa técnica
resulta em esporulação e morte de outras bactérias e contaminantes. Em razão de os suínos com lesões
localizadas raramente apresentarem bacteriemia, um pequeno pedaço de tecido linfático acometido, coletado
assepticamente, deve ser analisado. Antes do envio da amostra, deve­se contatar o laboratório para receber
informações precisas de como identificar, manusear e transportar esse tipo de material.
O diagnóstico específico inclui cultura bacteriana, teste de reação em cadeia de polimerase (PCR) e corantes
com anticorpos fluorescentes para mostrar a bactéria no sangue ou nos tecidos. Os testes Western blot e
imunoensaio (ELISA) estão disponíveis em alguns laboratórios de referência. Na indisponibilidade de outros
testes, esfregaços de sangue corados com corantes de Loeffler ou MacFadean, podem ser utilizados para
visualização da cápsula; no entanto, podem resultar em cerca de 20% de falso­positivos.
Em animais domésticos, o carbúnculo deve ser diferenciado de outras doenças que provocam morte súbita.
Em bovinos e ovinos, clostridiose, timpanismo e apoplexia por raios (ou qualquer outra causa de morte súbita)
podem ser confundidos com carbúnculo. Devem­se considerar, em bovinos, leptospirose aguda, hemoglobinúria
bacilar, anaplasmose e intoxicação grave por samambaia, trevo­doce e chumbo. Em equinos, anemia infecciosa
aguda, púrpura, cólicas, intoxicação por chumbo, apoplexia por raios e insolação podem assemelhar­se ao
carbúnculo. Em suínos, peste suína clássica aguda, peste suína africana e edema maligno faringiano são
considerações diagnósticas. Em cães, devem­se considerar infecções sistêmicas agudas e edema de faringe
decorrentes de outras causas.
TRATAMENTO, CONTROLE E PREVENÇÃO: O carbúnculo é controlado por meio de programas de vacinação,
detecção rápida e notificação, quarentena, tratamento de animais assintomáticos (profilaxia pós–exposição) e
incineração ou sepultamento dos casos suspeitos e confirmados. Nos animais de criação, o carbúnculo pode ser
amplamente controlado pela vacinação anual de todos os animais que pastam em regiões endêmicas e pela
implementação de medidas de controle durante epizootias. A vacina não encapsulada da cepa Sterne é utilizada
universalmente para imunização dos animais de criação. A vacinação deve ser feita 2 a 4 semanas antes da
estação em que os surtos podem ser esperados. Como essa é uma vacina viva, os antibióticos não devem ser
administrados no período de 1 semana da vacinação. Antes da vacinação do gado leiteiro durante um surto,
devem­se revisar e observar todos os procedimentos exigidos pelas leis locais. As vacinas utilizadas em pessoas,
atualmente liberadas e utilizadas nos EUA e na Europa, baseiam–se em filtrados de B. anthracis artificialmente
cultivados.
O tratamento precoce e a implementação rigorosa de um programa de prevenção são essenciais para reduzir
as perdas nos rebanhos. Os rebanhos em risco devem ser imediatamente tratados com antibióticos de longa
duração para cessar todas as infecções em incubação. Essas medidas devem ser seguidas de vacinação cerca de
7 a 10 dias após o tratamento com antibióticos. Os animais que adoecerem após o início do tratamento e/ou após
a vacinação devem ser novamente tratados e revacinados 1 mês depois. A administração simultânea de
antibióticos e vacina é inapropriada, pois a vacina Sterne é viva. Os animais devem ser removidos da pastagem
onde há animal doentes e de onde há possibilidade de solo contaminado. Deve­se retirar imediatamente o
alimento suspeito do local. Nos estágios iniciais da doença o rebanho responde bem ao tratamento com
penicilina. A oxitetraciclina administrada diariamente em doses fracionadas também é eficaz. Outros
antibacterianos, inclusive amoxicilina, cloranfenicol, ciprofloxacino, doxiciclina, eritromicina, gentamicina,
estreptomicina e sulfonamidas também podem ser utilizados, porém sua efetividade em comparação à penicilina
e às tetraciclinas não foi avaliada a campo.
Além de terapia e imunização, os procedimentos de controle específicos são necessários para conter a doença
e evitar que ela se dissemine. Esses procedimentos incluem: (1) notificação aos órgãos oficiais; (2)
cumprimento rigoroso do tempo de quarentena (após a vacinação, 2 semanas antes de sair da fazenda, 6
semanas antes de ser encaminhado ao abate); (3) imediata eliminação de animais mortos, esterco ou outro
material contaminado, por meio de incineração (preferível) ou enterrando em vala profunda; (4) isolamento dos
animais doentes e remoção dos animais sadios das regiões contaminadas; (5) limpeza e desinfecção de
estábulos, currais, salas de ordenha e fômites; (6) utilização de repelentes de insetos; (7) controle dos animais
que se alimentaram de animais que morreram em decorrência da doença; (8) observação dos procedimentos
sanitários gerais por pessoas que manipulam animais doentes, tanto para a própria segurança quanto para
prevenir que a moléstia se espalhe. Solos contaminados são muito difíceis de serem descontaminados
completamente, mas a utilização de formaldeído pode ser satisfatória se o nível de contaminação não for muito
alto. O processo geralmente envolve a remoção do solo.
A infecção humana é controlada por redução da infecção nos animais de criação, supervisão do médico
veterinário na produção animal e no abatedouro para reduzir o contato humano com animais de criação
potencialmente infectados ou produtos de origem animal e, em alguns casos, tanto pela profilaxia pré e pós­
exposição. A restrição do comércio de couro e lã proveniente de países que notoriamente têm carbúnculo reduz
o risco público. Nos países onde o carbúnculo é comum e a cobertura vacinal é baixa, as pessoas devem evitar o
contato com rebanhos e produtos de origem animal que não foram inspecionados antes e depois do abate. Em
geral, deve­se evitar o consumo de carne de animais que apresentaram morte súbita, carne obtida por abate em
situação crítica e carne de origem desconhecida. A vacinação de rotina contra o carbúnculo é indicada para
indivíduos comprometidos em trabalho que envolve grandes quantidades ou concentrações de culturas de B.
anthracis ou atividades com alto potencial de produção de aerossol. Os técnicos de laboratório que trabalham
com Práticas de Biossegurança nível 2 na rotina de processamento das amostras clínicas não estão sujeitos a
risco maior de exposição aos esporos de B. anthracis. O risco para trabalhadores que entram em contato com
couros, pele, ossos, lã ou pelos de animais importados tem sido reduzido devido a melhorias nos padrões da
indústria e restrições de importação. A vacinação pré­exposição é recomendada para pessoas nesse grupo apenas
quando esses padrões e restrições não forem suficientes para evitar a exposição aos esporos do carbúnculo. A
vacinação de rotina de veterinários nos EUA não é recomendada em razão da baixa prevalência de casos em
animais. No entanto, em regiões onde a prevalência da doença é alta, a vacinação pode ser indicada para
veterinários e outras pessoas em alto risco que manipulam animais potencialmente infectados.
O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) recomenda vacinação daqueles pacientes em risco de
exposições repetidas aos esporos de B. anthracis em resposta a ataque bioterrorista. Esses grupos incluem
profissionais que atuam inicialmente em ações emergenciais, ações das autoridades federais e funcionários de
laboratórios. A vacinação preventiva antes da suspeita de ataques terroristas não é recomendada para outras
populações.
Em humanos, recomenda­se profilaxia pós­exposição contra esporos de B. anthracis após exposição a
aerossol contendo esporos de B. anthracis. A profilaxia pode consistir apenas em terapia antibiótica ou na
associação de terapia antimicrobiana e vacinação, se a vacina estiver disponível, pois a maioria das vacinas
humanas não é viva. Mesmo não existindo uma norma aprovada, o CDC sugere que antibióticos podem ser
interrompidos após a administração de 3 doses da vacina, de acordo com o esquema padrão (0, 2 e 4 semanas).
Em decorrência da eficácia e da facilidade de administração, doxiciclina ou ciprofloxacino pode ser escolhida
inicialmente na quimioprofilaxia antimicrobiana, até que a suscetibilidade do microrganismo infectante seja
determinada. A penicilina e a doxiciclina foram aprovadas pela Food and Drug Administration (FDA) para o
tratamento humano e têm sido tradicionalmente as drogas de eleição. Tanto o ciprofloxacino quanto o
ofloxacino têm demonstrado atividade in vitro contra o B. anthracis. Embora a ocorrência natural de resistência
à penicilina seja rara, já foi relatada; observou­se resistência a outros antibióticos. Os antibióticos são efetivos
contra a forma germinada, mas não contra a forma esporulada. Os esporos podem sobreviver nos linfonodos
mediastinais e no pulmão durante meses sem germinar em primatas não humanos.
Não há atualmente esquemas de vacinação aprovados para a profilaxia pós­exposição ao B. anthracis. Apesar
de a quimioprofilaxia pós­exposição utilizando antibióticos isoladamente ter sido provada eficaz em modelos
animais, a duração definitiva do tratamento permanece incerta. A quimioprofilaxia antibiótica pode ser alterada
para penicilina VK ou amoxicilina em crianças ou mulheres grávidas, uma vez conhecida a sensibilidade ao
antibiótico e se o organismo for sensível à penicilina. A segurança e a eficácia da vacina contra o antraz em
crianças ou mulheres grávidas não foram estudadas; dessa forma, não se pode recomendar o uso da vacina para
esses grupos. Apesar de o esquema de vacinação reduzido ter se mostrado eficaz quando utilizado em esquema
pós–exposição que inclui antibióticos, não se sabe a duração da proteção da vacina. Evidências sugerem que a
proteção da vacina é eficaz por 12 meses. Se ocorrer exposição subsequente, vacinações adicionais podem ser
necessárias.
Há poucas publicações que possam orientar as recomendações para a profilaxia pós–exposição após contato
cutâneo ou gastrintestinal de pessoas ao B. anthracis. Entretanto, com base na progressão lenta da doença, baixa
taxa de mortalidade e fácil tratamento com antibióticos do carbúnculo cutâneo, além do baixo risco geral de
doenças cutâneas após exposição natural, a profilaxia pós­exposição não é recomendada após exposição cutânea
direta a animais contaminados ou produtos de origem animal. Contudo, a lavagem imediata da região exposta é
aconselhável. Aqueles que foram expostos devem ser avisados quanto aos possíveis sinais cutâneos de antraz (i.
e., uma região inflamada, mas não dolorosa, com ou sem pequenas vesículas circunferenciais e aumento dos
linfonodos regionais), e que devem procurar assistência médica se a doença se desenvolver. Devido à alta taxa
de mortalidade e a rápida progressão do carbúnculo gastrintestinal, deve­se considerar o início imediato da
profilaxia pós­exposição naqueles que consumiram carne crua ou mal cozida. Não há indicação atual para
vacinação após exposição cutânea ou ingestão.

BESNOITIOSE

É uma enfermidade transmitida por protozoários. O estágio cístico causa alterações clínicas na pele, tecido
subcutâneo, vasos sanguíneos, membranas mucosas e outros tecidos mais profundos.
ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO: O parasito é praticamente hospedeiro específico. O agente causador da doença
cutânea primária em bovinos é Besnoitia besnoiti; B. bennetti causa sintomas semelhantes em equinos e
asininos. B. besnoiti foi relatada no sul da Europa, África, Ásia e América do Sul. Já B. bennetti foi descrita na
África, sul da França, México e EUA. B. jellisoni e B. wallacei foram descritas em roedores; B. tarandi, em
renas ou caribus; B. darlingi, em lagartos, gambás e cobras; e B. sauriana, em lagartos. B. caprae foi relatada
em cabras, em diversos países, inclusive Irã, Nova Zelândia e Quênia. Os roedores e outros animais selvagens
na Austrália e os pequenos antílopes azul africano, impala e gnu azul na África foram afetados.
Estes microrganismos, que são semelhantes a Toxoplasma, multiplicam­se em macrófagos, células endoteliais
e outras, produzindo grandes cistos característicos, com parede espessa repletos de bradizoítos que se
desenvolvem e invadem os traquizoítos.
A transmissão cíclica experimental com estágios sexuais intestinais em hospedeiro definitivo (gato) foi
relatada para as espécies B. besnoiti, B. wallacei e B. darlingi. A transmissão de outras espécies como a B.
besnoiti em hospedeiros definitivos não está esclarecida. Moscas picadoras ou carrapatos podem transmitir a B.
besnoiti mecanicamente a partir de bovinos cronicamente infectados, mas este modo de transmissão não foi
provado para Besnoitia spp. As Besnoitia spp podem ser transmitidas artificialmente para hospedeiros
apropriados por meio de inoculação com agulha de tecidos que contenham cistos. Entretanto, a principal via de
transmissão para várias espécies ainda está indefinido. Isolados individuais parecem ser bastante específicos
para os hospedeiros intermediários.
ACHADOS CLÍNICOS: Os bovinos infectados, geralmente, não apresentam sinais clínicos além de alguns cistos na
conjuntiva escleral. A enfermidade inicia­se com febre seguida de inchaços quentes e dolorosos ventrais que
levam a esclerodermatite. Observam­se também tumefação de linfonodos, diarreia, inapetência, fotofobia, rinite
e orquite. A pele torna­se endurecida, espessa e enrugada com desenvolvimento de rachaduras que permitem
infecção bacteriana secundária e miíase. Há perda de pelos e da epiderme. Além das lesões cutâneas, pode haver
envolvimento do sistema musculoesquelético e, em alguns casos, drenagem de linfonodos e órgãos como os
testículos. As lesões císticas observadas em tecidos infectados estão geralmente associadas a alterações
vasculares. Os animais gravemente afetados tornam­se edemaciados. Em geral, uma apresentação semelhante
pode ser observada em equídeos infectados com B. bennetti.
Um achado diagnóstico útil é o aparecimento de cistos na conjuntiva escleral e na mucosa nasal em bovinos e
equinos, estas “pérolas” são facilmente observadas quando o animal levanta a cabeça. O diagnóstico também
pode ser realizado pelo achado de bradizoítos semilunares em raspados cutâneos, biopsias ou raspados de
conjuntiva.
Embora a mortalidade seja baixa, a recuperação é lenta nos casos graves. Os touros gravemente enfermos
podem tornar­se permanentemente estéreis. Os animais afetados continuam portadores por toda a vida.
A doença em caprinos é similar à dos bovinos. Em equinos, os sinais clínicos são semelhantes, mas tendem a
ser menos graves ou invasivos. As manifestações clínicas são mais comuns em animais mais jovens.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO: As infecções por B. besnoiti são economicamente importantes para criadores de
bovinos em regiões endêmicas em decorrência de mortalidade (embora quase sempre < 10%), esterilidade (que
pode ser temporária ou permanente), perda da condição e valor de mercado mais baixo, e defeitos no couro. O
tratamento é difícil, mas alguns obtêm sucesso utilizando oxitetraciclina em bovinos no início da infecção.
Entretanto, não se obteve sucesso com nenhum tratamento em equídeos. Os animais devem ser isolados e
submetidos a tratamento sintomático.
Em alguns países, os bovinos são imunizados com uma vacina viva adaptada de cultura de tecidos. A redução
de insetos picadores e de carrapatos também pode diminuir a transmissão.

BORRELIOSE (Doença de Lyme)

Borreliose, ou doença de Lyme, é uma enfermidade bacteriana transmitida por carrapatos, que acomete animais
(cães, equinos e provavelmente gatos) e pessoas. Muitos mamíferos e espécies de aves podem infectar­se, mas
não desenvolvem sinais clínicos. As áreas de maior prevalência nos EUA são as regiões do Nordeste
(particularmente no Estado de New England), Centro­Oeste superior e costa do Pacífico. A borreliose também
ocorre em regiões de clima temperado da Europa e da Ásia. A importância da borreliose como enfermidade
zoonótica está aumentando.
ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO: Atualmente, com base na análise de reassociação de DNA­DNA, 12 espécies
diferentes pertencem ao complexo Borrelia burgdorferi lato sensu. Neste complexo, as espécies de espiroquetas
mais importantes são B. burgdorferi stricto sensu (América do Norte, Europa), B. afzelii (Europa, Ásia) e B.
garinii (Europa, Ásia); todas são patogênicas às pessoas. Somente B. burgdorferi stricto sensu é patogênica aos
animais domésticos, em condições experimentais. Os carrapatos vetores de B. burgdorferi lato sensu são Ixodes
de revestimento duro. Nos EUA, são praticamente Ixodes pacificus, verificados na costa do Pacífico, e I.
scapularis, no Centro­Oeste e Nordeste. I. ricinus e I. persulcatus são vetores verificados principalmente na
Europa e na Ásia.
Os ovos dos ixóideos transformam­se em larvas não infectantes. Tanto as larvas como as ninfas podem
adquirir as espiroquetas da Borrelia carreada pelos hospedeiros. Os pequenos mamíferos, especialmente
roedores têm papel importante como hospedeiro reservatório. Aves e lagartos também podem abrigar certas
espécies de Borrelia e atuam como hospedeiros reservatórios. As taxas de infecção dos vetores variam de
acordo com a região e a estação do ano e pode ser superior a 50% em carrapatos adultos. Após a fixação do
carrapato, demora > 24 h antes da transmissão da primeira B. burgdorferi lato sensu à pele do hospedeiro. A
estabilização da infecção ocorre após > 53 h no sangue. Assim, quanto mais cedo faz­se a remoção do carrapato,
maior a chance de reduzir o risco de transmissão da espiroqueta. B. burgddorferi lato sensu não é transmitida
por insetos, fluidos corporais (urina, saliva, sêmen) ou ferimentos por mordedura. Estudos experimentais
mostram que fêmeas infectadas antes da gestação podem transmitir as espiroquetas ao feto, no útero.
ACHADOS CLÍNICOS: Várias síndromes clínicas em animais domésticos são atribuídas à borreliose, inclusive
alterações nos membros e articulações e enfermidades renais, neurológicas e cardíacas. Nos cães, claudicação
intermitente e recidivante, febre, anorexia, letargia e linfadenopatia com ou sem tumefação e dores articulares
são os sinais clínicos mais comumente observados. A segunda síndrome mais comum associada à borreliose é
representada por insuficiência renal, geralmente fatal. Este quadro é caracterizado por uremia, hiperfosfatemia e
nefropatia com perda grave de proteína, geralmente acompanhada de edema periférico. As raças de cães
Bernese e Labrador Retriever geralmente apresentam altos títulos de anticorpos específicos de Borrelia;
imunocomplexos nos rins acarretam inflamação grave. Na medicina humana, casos isolados foram relatados
com descrição de anormalidades como bradicardia, na forma cardíaca de borreliose, enquanto paralisia facial e
convulsões são sinais da forma neurológica.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico é baseado no histórico, sinais clínicos, exclusão de outras doenças, exames
laboratoriais, considerações epidemiológicas e resposta à terapia antibiótica. Painel de doença autoimune,
hemograma completo, bioquímica sanguínea, radiografia e outras informações laboratoriais geralmente são
normais, exceto resultados relacionados diretamente ao sistema acometido (p. ex., tecidos moles dos membros,
acúmulo de neutrófilos nos fluidos sinoviais ou articulações afetadas, uremia na doença renal).
Testes sorológicos para anticorpos específicos contra B. burgdorferi lato sensu auxiliam o diagnóstico clínico.
Os anticorpos podem ser detectados por ELISA (inclusive sistema de teste rápido) e imunoeletroforese proteica
(Western blot). Devido à baixa especificidade, não se recomendam teste de imunofluorescência indireta para
pesquisa de anticorpos. O procedimento padrão para detecção de anticorpos é uma dupla abordagem, utilizando
dois testes. As amostras são submetidas a triagem com um teste sensível, o ELISA, e somente amostras
positivas são testadas com um ensaio Western blot específico. O teste Western blot auxilia na diferenciação da
resposta imune ocasionada pela infecção daquela resposta induzida por vacinação.
Como alternativa, amostras de soro ou sangue podem ser testadas com o ensaio baseado em peptídio
(peptídio C6), o qual é específico para infecções induzidas por anticorpos. Entretanto, a demonstração de
anticorpos específicos indica apenas exposição ao antígeno bacteriano e não corresponde à doença clínica.
Cerca de 5 a 10% dos cães na Europa Central carreiam anticorpos contra Borrelia sem sinais clínicos. Além
disso, resultados falso­negativos podem ocorrer em testes com peptídio C6 logo após a infecção. Longos
períodos de incubação, persistência de anticorpos por meses a anos e dissociação entre resposta de anticorpos e
o estágio clínico da doença tornam difícil o diagnóstico pelo exame de sangue.
O isolamento de B. burgdorferi lato sensu em cultura ou a detecção específica de DNA por PCR de amostras
de articulações, de tecido cutâneo ou de outras fontes podem auxiliar no diagnóstico. Entretanto, a detecção
direta do microrganismo é difícil, é demorada (mais de 6 semanas para a cultura) e em muitos casos exibe
resultado negativo. Somente um resultado positivo é significativo. Amostras de sangue geralmente são
negativas, pois o microrganismo se instala nos tecidos e não na circulação.
Os sinais clínicos da borreliose são inespecíficos. Além de outras alterações ortopédicas (p. ex., trauma,
osteocondrite dissecante, doenças imunomediadas), outros agentes podem ser considerados. Anaplasma
phagocytophilum também pode ocasionar claudicação recidivante e intermitente. A. phagocytophilum é
transmitido por alguns carrapatos e estudos epidemiológicos têm revelado que mais de 30% de todos os cães da
Europa Central carreiam anticorpos específicos para este agente. Infecções mistas devem ser consideradas
quando os sinais clínicos são aparentes.
TRATAMENTO: A terapia antimicrobiana é indicada em todos os casos com sinais clínicos atribuídos à borreliose.
Antibióticos da classe das tetraciclinas (p. ex., 10 mg de doxiciclina/kg, VO, 2 vezes/dia) e das penicilinas (p.
ex., 20 mg de amoxicilina/kg, VO, 3 vezes/dia) são efetivos e a resposta rápida é observada em muitos casos de
doenças de membros e articulações, embora a cura incompleta ou transitória dos sintomas ocorra em um
número significativo de animais afetados. O uso de doxiciclina é melhor em relação às penicilinas, pois
infecções mistas com outros patógenos transmitidos por carrapatos geralmente são verificados em pacientes
com sinais clínicos. Dados clínicos e de pesquisa indicam que a infecção em animais, inclusive em pessoas,
podem persistir mesmo com terapia antimicrobiana. Em cães, a dose padrão de antibiótico para o tratamento por
4 semanas tem demonstrado eficácia. Devido à persistência de B. burgdorferi sensu lato, podem ocorrer
recidivas. Nestes casos, os antibióticos anteriormente mencionados podem ser utilizados novamente, pois a
infecção persistente não se deve à resistência ao antibiótico. A terapia antibiótica prolongada (> 4 semanas)
pode ser benéfica para pacientes com sinais continuados da doença.
A terapia sintomática direcionada ao órgão afetado e às anormalidades também é importante, especialmente
quando há envolvimento renal. Nos casos que envolvem membros e articulações, o uso de anti­inflamatórios
não esteroides, juntamente com terapia antimicrobiana, pode levar à confusão sobre a melhora clínica e dificulta
o diagnóstico com base na resposta terapêutica.
PREVENÇÃO E CONTROLE: O controle de carrapatos é uma importante estratégia de controle da doença. Embora
haja disponibilidade de produtos altamente efetivos (permetrina, amitraz e fipronil) para o uso em cães, poucos
proprietários preocupam­se em aplicar com a frequência necessária, de modo a propiciar uma barreira efetiva
para evitar carrapatos, a longo prazo.
Bacterinas mortas com todas as estruturas celulares têm sido utilizadas em cães desde os anos de 1990 na
prevenção de borreliose. As vacinas que contêm somente estruturas recombinantes como a proteína A da
superfície externa (rOspA) foram aprovadas para uso em cães. As vacinas estão disponíveis na Europa e contêm
diferentes espécies do complexo B. burgdorferi lato sensu. Todas as vacinas atuais induzem à intensa resposta
de anticorpos predominantemente para OspA (vacinas lisadas) ou apenas contra OspA (vacinas recombinantes).
Os anticorpos contra OspA previnem a transmissão da espiroqueta dos carrapatos para o hospedeiro. Mostrou­se
que quando um carrapato ataca um animal de sangue quente a B. burgdorferi lato sensu, naquele carrapato,
deixa de provocar OspA e inicia a produção de novas proteínas, a OspC e outras, antes da transmissão. Estão
sendo realizadas pesquisas para o desenvolvimento de vacinas que contêm múltiplos antígenos contra B.
burgdorferi, fato que pode contribuir para uma melhor proteção.
Em áreas endêmicas, cães jovens devem ser vacinados antes da exposição natural a carrapatos para atingir um
alto nível de proteção. Os cães que são expostos a carrapatos são testados sorologicamente para estabelecer
infecção prévia à vacinação. A vacinação após a infecção tem pouco ou nenhum efeito terapêutico em infecções
estabelecidas. Duas doses da vacina devem ser administradas por via subcutânea em cães com 9 a 12 semanas
de idade, em intervalo de 3 semanas, ou de acordo com as recomendações do fabricante. O teor de anticorpos
geralmente diminui rapidamente após as duas vacinações iniciais; duas doses de reforço no ano seguinte devem
ser administradas, preferencialmente em intervalo de 6 meses (como sugestão: primavera, outono, primavera),
seguidas de vacinações anuais.
RISCO ZOONÓTICO: A borreliose é considerada uma zoonose. Animais e pessoas são infectadas quando
carrapatos de revestimento duro (Ixodes spp) sugam o sangue. Os animais de estimação e pecuários não são a
fonte de infecção às pessoas. Os animais de estimação podem carrear carrapatos para a habitação e este vetor
pode passar de outros animais para as pessoas, durante o contato.

CLOSTRIDIOSE

Os clostrídios são organismos relativamente grandes, anaeróbios e formadores de esporos, em forma de


bastonetes Gram­positivos. São encontrados na forma viva (célula vegetativa) ou dormente como esporos. Os
habitats naturais desses microrganismos são o solo e o trato intestinal de animais, incluindo humanos. Os
esporos são encontrados em tecidos musculares de equinos e vacas. Os endosporos são ovais, às vezes esféricos
e situam­se em posição central, subterminal ou terminal. As formas vegetativas dos clostrídios nos fluidos
teciduais de animais infectados ocorrem isoladamente, em pares ou, raramente, em cadeias. A diferenciação das
várias espécies patogênicas relacionadas baseia­se em características culturais, forma e posição do esporo,
reações bioquímicas e especificidade antigênica de toxinas ou antígenos de superfície. O genoma de vários
clostrídios foi sequenciado e está disponível na internet. As cepas patogênicas podem ser adquiridas por animais
suscetíveis tanto por ferida contaminada quanto por ingestão. As doenças que podem ser produzidas são
constantes ameaças à produção bem­sucedida de animais de criação em várias partes do mundo.
As clostridioses podem ser agrupadas em 2 categorias: (1) aquelas nas quais os microrganismos invadem
ativamente e se reproduzem nos tecidos do hospedeiro, com a produção de toxinas que aumentam a
disseminação da infecção e são responsáveis pela morte (às vezes referidas como o grupo produtor de gangrena
gasosa); (2) aquelas caracterizadas por toxemia resultante da absorção das toxinas produzidas pelos
microrganismos dentro do sistema digestório (enterotoxemias), em tecido desvitalizado (tétano), ou no alimento
ou recipientes fora do organismo (botulismo). As clostridioses não são transmitidas de animal para animal.

BOTULISMO (LAMZIEKTE)
Esta enfermidade caracteriza­se por paralisia motora rapidamente fatal causada pela ingestão da toxina de
Clostridium botulinum tipo A­G. O microrganismo anaeróbio formador de esporos se prolifera em tecidos
animais em decomposição e às vezes em material vegetal.
ETIOLOGIA: O botulismo é uma intoxicação, e não uma infecção, e resulta da ingestão da toxina presente nos
alimentos. Há sete tipos de C. botulinum, que se diferenciam quanto à especificidade antigênica das toxinas: A,
B, C1, D, E, F e G. Os tipos A, B e E são mais importantes no botulismo humano; C1, na maioria dos animais,
especialmente em patos selvagens, faisões, galinhas, visons, bovinos e equinos; e o D, em bovinos. Apenas dois
surtos, ambos em humanos, foram identificados como provocados pelo tipo F. O tipo G, que foi isolado de solo
na Argentina, não foi envolvido em qualquer surto de botulismo tanto no homem quanto nos animais. As fontes
mais comuns da toxina são carcaças em decomposição ou materiais vegetais, como grãos, feno, capim em
decomposição ou silagem estragada. Toxinas de todos os tipos possuem a mesma ação farmacológica. Da
mesma forma que a toxina do tétano, a toxina botulínica é uma metaloprotease ligada ao zinco que cliva
proteínas específicas em vesículas sinápticas. Os receptores da superfície do neurônio motor variam de acordo
com as diferentes toxinas botulínicas. Este fato justifica a diferença na suscetibilidade das diversas espécies
animais a estas toxinas.
A prevalência de botulismo em animais não é conhecida com exatidão, mas é relativamente baixa em bovinos
e equinos, provavelmente mais frequente em galinhas e alta em aves aquáticas selvagens. Estima­se perda de
10.000 a 50.000 aves todos os anos, chegando a 1.000.000 ou mais durante grandes surtos no oeste dos EUA. A
maioria das aves afetadas é patos, embora mergulhões, mergansos, gansos e gaivotas também sejam suscetíveis
(ver botulismo em aves, p. 2486). Cães, gatos e suínos são comparativamente resistentes a todos os tipos de
toxina quando administrada por via oral.
A maior parte de casos de botulismo em bovinos ocorre na África do Sul, onde há uma combinação de
agricultura extensiva, deficiência de fósforo no solo e C. botulinum tipo D em animais criados em condições
propícias ao desenvolvimento da doença. Os bovinos deficientes em fósforo mastigam quaisquer ossos
acompanhados de boa quantidade de carne que encontram no pasto; quando esses ossos são provenientes de
animal carreador de cepa tipo D de C. botulinum, é provável que resulte em intoxicação. Qualquer animal que
ingerir essa substância também ingere esporos, os quais germinam no intestino e, após a morte do hospedeiro,
invadem a musculatura, a qual, por sua vez, torna­se tóxica para outros bovinos. As cepas tipo C também
causam botulismo de modo semelhante em bovinos. Esse tipo de botulismo em bovinos é raro nos EUA, apesar
de relatos de casos no Texas com o nome de loin disease e alguns casos no Estado de Montana, nos EUA. O
feno ou a silagem contaminados com carcaças de pássaros ou mamíferos contendo toxina e bovinos que se
alimentam de ração de aves domésticas também têm sido fontes de toxinas tipo C ou D (botulismo de
Forragem). Silagem e grandes fardos de feno parecem desencadear botulismo, pois ocorre falha na fermentação
e o pH se mantém < 4,5. Relatou­se botulismo em ovinos na Austrália, sem associação com a deficiência de
fósforo como nos bovinos, mas com deficiência de proteína e carboidrato, resultando em ovinos que ingerem
carcaças de coelhos e de outros pequenos animais encontrados no pasto. Em equinos, a doença quase sempre é
resultante de forragem contaminada com a toxina tipo C ou D.
Botulismo toxinfeccioso é o nome dado à enfermidade na qual C. botulinum se multiplica nos tecidos de um
animal vivo e produz toxinas. As toxinas são liberadas a partir de lesões e provocam o botulismo típico. Tem­se
sugerido que isso ocasiona a síndrome do potro trêmulo. Úlceras gástricas, focos de necrose no fígado,
abscessos no umbigo e nos pulmões, ferimentos de pele e músculos, bem como lesões necróticas do trato
gastrintestinal são locais predisponentes para o desenvolvimento do botulismo toxinfeccioso. Essa doença de
potros e equinos adultos parece assemelhar­se ao “botulismo de ferimento” em pessoas. A toxina tipo B está
comumente envolvida no botulismo de equinos e potros no leste dos EUA. A toxinfecção também é conhecida
como causa da disautonomia equina (p. 1332).
Em geral, o botulismo nos visons é causado por cepa tipo C, que produzem a toxina na carne ou no peixe cru
picado. As cepas dos tipos A e E estão ocasionalmente envolvidas. O botulismo não foi relatado em gatos, mas
ocorre esporadicamente em cães. A toxina tipo C é, com frequência, responsável, porém há relatos envolvendo
o tipo D.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sinais de botulismo são causados pela paralisia muscular e incluem paralisia
motora progressiva, distúrbios da visão, dificuldades na mastigação e na deglutição e fraqueza progressiva
generalizada. A morte muitas vezes decorre de paralisia respiratória ou cardíaca. A toxina impede a liberação de
acetilcolina nas placas motoras finais (junção neuromuscular). A passagem dos impulsos pelos nervos motores e
a contratilidade dos músculos não são muito impedidas; apenas a passagem de impulsos dos nervos para as
placas motoras finais é afetada. Não se observam lesões características e as alterações patológicas podem ser
designadas à ação paralítica geral da toxina, em especial nos músculos do sistema respiratório, em vez de ao
efeito específico da toxina em qualquer órgão em particular.
Ocorreram epidemias em rebanhos leiteiros nos quais até 65% das vacas adultas desenvolveram botulismo
clínico e morreram 6 a 72 h após o início do decúbito. Os principais achados clínicos incluíram salivação,
incapacidade de urinar, disfagia e decúbito esternal que progrediu para decúbito lateral imediatamente antes da
morte. A sensibilidade cutânea é geralmente normal e os reflexos de retirada dos membros estão fracos.
Inicialmente, os sinais clínicos assemelham­se ao segundo estágio da febre do leite (p. 1058), porém as vacas
não respondem à terapia com cálcio.
Na síndrome do potro trêmulo, os potros costumam ter < 4 semanas de idade. Eles podem ser encontrados
mortos sem sinais aparentes; quase sempre apresentam sinais de paralisia motora simétrica progressiva. A
manqueira, tremores musculares e dificuldade para suportar > 4 a 5 min parados são características marcantes.
Outros sinais clínicos incluem disfagia, constipação intestinal, midríase e micção frequente. À medida que a
doença progride, ocorrem dispneia com extensão da cabeça e pescoço, taquicardia e parada respiratória. Em
geral, ocorre morte em 24 a 72 h após o início dos sinais clínicos. Os achados mais consistentes à necropsia são
edema pulmonar, congestão e fluido pericárdico excessivo, o qual contém filamentos livres flutuantes de fibrina.
DIAGNÓSTICO: Embora em geral se suspeite de casos esporádicos de botulismo em razão da paralisia motora
característica, às vezes é difícil estabelecer o diagnóstico por demonstração da toxina em tecidos ou soros de
animais ou em alimentos suspeitos. Comumente, o diagnóstico é feito por eliminação das outras causas da
paralisia motora. Filtrados dos conteúdos estomacal e intestinal devem ser testados quanto à toxicidade em
camundongos, mas uma resposta negativa não é confiável. A primeira evidência comprobatória é obtida
alimentando­se animais suscetíveis com o material suspeito. Em casos hiperagudos, a toxina pode ser detectada
no sangue por meio de testes de inoculação em camundongos, mas geralmente não é detectada no campo em
animais de criação. A utilização da metodologia ELISA para detecção da toxina permite a avaliação de várias
amostras, aumentando as chances de confirmação do diagnóstico. No botulismo toxinfeccioso, pode­se cultivar
o microrganismo a partir de tecidos de animais afetados.
TRATAMENTO E CONTROLE: Quaisquer deficiências dietéticas devem ser corrigidas e as carcaças eliminadas. O
capim em decomposição ou a silagem estragada devem ser retirados da dieta. A imunização de bovinos com
toxoides tipos C e D obteve sucesso na África do Sul e na Austrália. O toxoide também é eficaz na imunização
dos visons e tem sido utilizado em faisões.
Tem­se utilizado antitoxina botulínica no tratamento com graus variáveis de sucesso, dependendo do tipo de
toxina envolvido e da espécie do hospedeiro. Com frequência, o tratamento de patos e visons com antitoxina
tipo C é bem­sucedido; no entanto, este é raramente utilizado em bovinos. A administração não tardia da
antitoxina (tipo B) específica ou polivalente aos potros antes da recorrência (30.000 UI; IV) foi relatada como
bem­sucedida. O tratamento de suporte em animais de valor é essencial; o prognóstico é pobre em pacientes
recorrentes. Em regiões endêmicas (p. ex., Kentucky), a vacinação com o toxoide tipo B parece ser efetivo.

CABEÇA GRANDE (Cabeça Inchada)


A doença denominada cabeça grande é uma infecção aguda causada por Clostridium novyi, C. sordellii ou,
raramente, C. chauvoei, caracterizada por tumefação não enfisematosa, não hemorrágica e edematosa de cabeça,
face e pescoço de carneiros jovens. Essa infecção é desencadeada pelas cabeçadas contínuas que os carneiros
jovens dão entre si. Os tecidos subcutâneos golpeados e machucados ficam feridos e propiciam condições
favoráveis ao crescimento de clostrídios patogênicos e as aberturas na pele oferecem oportunidade para a sua
entrada. O tratamento consiste na administração de penicilina ou antibióticos de amplo espectro.

CARBÚNCULO SINTOMÁTICO (Blackleg)


O carbúnculo sintomático é uma doença aguda febril que acomete bovinos e ovinos, causada por Clostridium
chauvoei e caracterizada por tumefação enfisematosa, geralmente em grandes massas musculares (miosite
clostridiana). Esta enfermidade é cosmopolita.
ETIOLOGIA: C. chauvoei é encontrado naturalmente no trato intestinal de animais. Os esporos permanecem
viáveis no solo por vários anos e são considerados como fonte de infecção. Os surtos de carbúnculo sintomático
ocorrem em bovinos nas fazendas em que foram realizadas escavações recentes, sugerindo que o revolvimento
do solo pode ativar esporos latentes. Os microrganismos provavelmente são ingeridos, passam através da parede
do trato gastrintestinal e, após acessarem a corrente sanguínea, são depositados nos músculos e em outros
tecidos (baço, fígado e trato alimentar) e podem permanecer dormentes.
Em bovinos, a infecção do carbúnculo sintomático é endógena, diferente do edema maligno (p. 656). As
lesões desenvolvem­se sem qualquer histórico de feridas, embora equimoses ou excesso de exercício precipitem
alguns casos. Comumente, os animais que contraem essa doença são das raças de corte, com excelente saúde,
ganho de peso e geralmente são os melhores animais do rebanho. Os surtos se dão com o aparecimento de
alguns novos casos a cada dia durante vários dias. A maioria dos casos é observada em bovinos com 6 a 24
meses de idade, mas pode afetar bezerros tão jovens quanto aqueles com 6 semanas de idade ou animais com 10
a 12 anos. A doença quase sempre ocorre no verão e no outono, sendo incomum durante o inverno. Em ovinos,
a doença não é restrita a animais jovens e na maioria dos casos sucede alguma forma de lesão como cortes na
tosquia, corte da cauda, descorna ou castração. A taxa de mortalidade é de aproximadamente 100%. Na Nova
Zelândia onde o carbúnculo sintomático é observado com mais frequência em ovinos do que em bovinos.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Geralmente, o início é súbito e alguns bovinos podem ser encontrados mortos,
sem sintomas premonitórios. Claudicação aguda e depressão acentuada são comuns. Inicialmente, há febre,
porém, quando os sinais clínicos se tornam evidentes, a temperatura pode estar normal ou subnormal. As
tumefações edematosas e crepitantes características se desenvolvem no quadril, ombro, tórax, dorso, pescoço ou
em outra parte. No início, a tumefação é pequena, quente e dolorida. À medida que a doença progride
rapidamente, a região de tumefação aumenta, nota­se crepitação à palpação e a pele torna­se fria e insensível,
pois o suprimento sanguíneo diminui neste local. Os sintomas gerais incluem prostração e tremores. O animal
morre em 12 a 48 h. Em alguns bovinos, as lesões se limitam ao miocárdio e ao diafragma.
DIAGNÓSTICO: Um quadro febril e rapidamente fatal em bovinos jovens, bem nutridos, em particular das raças
de corte, com tumefações crepitantes em músculos volumosos é sugestivo de carbúnculo sintomático. O
músculo afetado apresenta coloração vermelho­escura a negra, seco e esponjoso; possui odor adocicado e é
infiltrado com pequenas bolhas, mas com pouco edema. As lesões podem ser observadas em qualquer músculo,
até mesmo na língua ou no diafragma. Em ovinos, como as lesões de ocorrência espontânea são, muitas vezes,
pequenas e profundas, podem passar despercebidas. Ocasionalmente, as alterações teciduais provocadas por C.
septicum, C. novyi, C. sordellii e C. perfringens podem se assemelhar àquelas do carbúnculo sintomático. Às
vezes, tanto C. chauvoei quanto C. septicum podem ser isolados a partir das lesões do carbúnculo sintomático,
em particular, quando se examina a carcaça = 24 h após a morte, o que permite um tempo para invasão pós­
morte dos tecidos por C. septicum. O diagnóstico é confirmado pela constatação laboratorial de C. chauvoei nos
músculos afetados. As amostras de músculo devem ser obtidas o mais breve possível, após a morte do animal. O
teste de imunofluorescência para C. chauvoei é rápido e confiável.
CONTROLE: Uma vacina polivalente contendo C. chauvoei e C. septicum e, em regiões onde há necessidade,
antígenos de C. novyi, é segura e confiável tanto para bovinos quanto para ovinos. Os bezerros de 3 a 6 semanas
devem ser vacinados duas vezes, com intervalo de 4 semanas; em regiões de alto risco, a revacinação pode ser
necessária após 1 ano (geralmente na primavera ou no início do verão). Quando ocorrem surtos, todos os
bovinos suscetíveis devem ser vacinados e tratados profilaticamente com penicilina (10.000 UI/kg, IM) para
evitar novos casos, que podem ocorrer até 14 dias após o surto. Os bovinos devem ser transferidos para pastos
não contaminados. Falhas vacinais podem ser observadas em alguns locais e atribuídas a um espectro deficiente
de antígenos presentes na vacina. Nestes casos uma bacterina deve ser produzida com cepas de C. chauvoei do
próprio local.
As ovelhas não expostos previamente ao antígeno devem ser vacinadas 1 mês antes do parto e, em seguida,
anualmente. Em surtos nos rebanhos de ovelhas, o tratamento profilático com penicilina e a aplicação de
antissoro são recomendados. Os ovinos jovens devem ser vacinados antes do acesso à pastagem. A imunidade
dos ovinos jovens é relativamente baixa. As vacinas clostridianas são conhecidas por estimular uma fraca
resposta imune em ovinos e caprinos em relação aos bovinos. As carcaças devem ser cremadas ou enterradas em
valas profundas, em região fechada, a fim de limitar a contaminação do solo por esporos.

EDEMA MALIGNO

É uma toxemia aguda, geralmente fatal, que acomete bovinos, equinos, ovinos, caprinos e suínos quase sempre
causada por Clostridium septicum, muitas vezes acompanhada de outras espécies de clostrídios. Outros
clostrídios podem estar envolvidos em infecções mistas de feridas, inclusive C. chauvoei, C. perfringens, C.
novyi e C. sordellii. Essa doença é cosmopolita.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: C. septicum é encontrado no solo e no conteúdo intestinal de animais em todo o
mundo. A infecção geralmente ocorre por meio de contaminação de ferimentos que contenham tecido
desvitalizado, terra ou algum outro debilitante tecidual. Os ferimentos causados por acidente, castração, corte de
cauda, vacinação sem condições de higiene e parto podem tornar­se infectados. As potentes toxinas clostridiais
causam sinais locais e sistêmicos, geralmente resultando em morte. As exotoxinas locais causam inflamação
excessiva, resultando em edema grave, necrose e gangrena. Os fatores de risco incluem injeções IM em equinos,
cortes, parto em ovinos, partos traumáticos e castração em bovinos.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais gerais, como anorexia, intoxicação e febre alta, bem como lesões locais,

desenvolvem­se em 6 a 48 h após a lesão predisponente. As lesões locais são inchaços macios que deixam
marcas quando pressionadas e se expandem rapidamente em razão da formação de muita quantidade de
exsudatos que infiltram o tecido conjuntivo subcutâneo e intramuscular das regiões afetadas. Nessas regiões, os
músculos estão marrom­escuros a negros. Acúmulos de gases no tecido subcutâneo e ao longo das fáscias
musculares podem ou não estar presentes. Em carneiros, desenvolve­se edema grave da cabeça após a infecção
dos ferimentos infligidos por brigas. O edema maligno associado a lacerações da vulva no parto é caracterizado
por edema acentuado da vulva, toxemia grave e morte em 24 a 48 h.
DIAGNÓSTICO: A semelhança com o carbúnculo sintomático (p. 655) é marcante e a diferenciação feita durante
a necropsia não é confiável; a confirmação laboratorial é o único procedimento seguro. Equinos e suínos são
suscetíveis ao edema maligno, mas não ao carbúnculo sintomático. Um importante diagnóstico diferencial
nestas espécies é o antraz.
C. septicum também causa braxy em ovinos, uma infecção altamente fatal caracterizada por toxemia e
inflamação da parede do abomaso. Essa doença parece ser restrita principalmente a ovinos europeus
alimentados com pasto “congelado”.
O diagnóstico pode ser confirmado rapidamente com base em coloração com anticorpos fluorescentes de C.
septicum a partir de um esfregaço tecidual. Entretanto, C. septicum é um invasor pós­morte/post­mortem
extremamente ativo do intestino e sua presença em amostra coletada de um animal que esteja morto há = 24 h
não é significativa. Um teste PCR pode ser utilizado na identificação direta do clostrídio associado a edema
maligno. A presença de equinócitos tipo III e esferócitos no esfregaço sanguíneo pode ajudar no diagnóstico de
anemia hemolítica autoimune associada a infecções por clostrídios em equinos.
CONTROLE: As bacterinas são utilizadas para imunização. Na vacina contra edema maligno e carbúnculo
sintomático geralmente combinam­se C. septicum e C. chauvoei; está disponível na forma de vacinas com
multicomponentes. Em regiões endêmicas, os animais devem ser vacinados antes da castração, descorna ou
corte de cauda. Os bezerros devem ser vacinados com cerca de 2 meses de idade. Duas doses com intervalo de 2
a 3 semanas quase sempre propiciam proteção. Em regiões de alto risco, indica­se a vacinação anual, bem como
a revacinação após traumatismo grave.
O tratamento com altas doses de penicilina ou antibióticos de amplo espectro é indicado no início da doença.
Embora a injeção de penicilina diretamente na periferia da lesão possa minimizar seu alastramento, quase
sempre os tecidos afetados continuam a se desprender. A terapia de suporte com flumixina meglumina (AINE)
para bovinos e equinos é recomendada. O tratamento local inclui incisão cirúrgica da pele e fáscia para permitir
a drenagem.

ENTEROTOXEMIAS

(Infecção por Clostridium Perfringens)

Enterotoxemia Causada por Clostridium perfringens Tipo A

As cepas tipo A de C. perfringens são comumente encontradas como parte da flora intestinal normal de animais
e carecem de algumas das potentes toxinas produzidas pelas cepas de outros tipos para causar doença. C.
perfringens enterotoxigênico (CPE) é o principal patógeno envolvido em doenças de origem alimentar causadas
por C. perfringens e está relacionado com doenças diarreicas não associadas a alimentos, em diferentes animais.
Entretanto, produzem a toxina A, que é necrosante e letal, e são considerados agentes de enterite necrótica em
aves domésticas (p. 2909) e cães, colite em equinos e diarreia em suínos. C. perfringens tipo A está claramente
envolvido na diarreia hemorrágica de cães e está associado à diarreia nosocomial e diarreia aguda e crônica
adquirida em cães. A doença é caracterizada por enterite necrótica, na qual há destruição maciça das vilosidades
e necrose de coagulação do intestino delgado. Tipicamente, quantidades abundantes de grandes bacilos Gram­
positivos são visíveis em esfregaços de fezes e vários C. perfringens tipo A são isolados em cultura anaeróbica
de fezes de cães com diarreia aguda. Exames de fezes não são úteis na determinação da causa da diarreia devido
a um elevado número de resultados falso­positivos. Um teste de ELISA para a toxina de CPE em cães é muito
específico. Teste PCR, para detectar a expressão do gene CPE em cães, está em fase de avaliação. Cepas do
Tipo A oriundas de suínos com diarreia produziram enterotoxina in vitro; anticorpos antienterotoxina indicam
que esta enterotoxina é produzida in vivo. A enterotoxina também é encontrada em fezes de suínos com diarreia,
mas não em fezes de animais saudáveis. Embora estudos recentes tenham revelado que C. perfringens isolado
de suínos com diarreia não é enterotoxigênico e que produz a citotoxina β­2, a qual pode estar envolvida no
mecanismo da enfermidade. Doenças experimentais são produzidas em suínos mediante inoculação oral de C.
perfringens tipo A.

Enterotoxemia Causada por Clostridium perfringens Tipos B e C

A infecção por C. perfringens tipos B e C causa enterite grave, disenteria, toxemia e alta mortalidade em
cordeiros, bezerros, suínos e potros jovens (Tabela 3). Os tipos B e C produzem a toxina β letal e altamente
necrosante, que é responsável por graves danos ao intestino. Essa toxina é sensível a enzimas proteolíticas e as
doenças estão associadas à inibição de proteólise no intestino. Sugere­se que o colostro de porcas, o qual
contém um inibidor da tripsina, é um fator de aumento da suscetibilidade de suínos jovens. O tipo C também
provoca enterotoxemia em bovinos, ovinos e caprinos adultos.
ACHADOS CLÍNICOS: A disenteria dos cordeiros é uma doença aguda que afeta aqueles < 3 semanas de idade.
Vários animais podem morrer antes que se observem sinais, mas alguns recém­nascidos param de mamar, ficam
apáticos e permanecem deitados. É comum ocorrer diarreia fétida e tingida de sangue e a morte acontece, em
geral, dentro de poucos dias. Em bezerros, há diarreia aguda, disenteria, dor abdominal, convulsões e
opistótono. Morte pode ocorrer em algumas horas, mas casos menos graves sobrevivem por alguns dias, e a
recuperação no decurso de vários dias é possível. Os suínos ficam agudamente doentes poucos dias após o
nascimento e ocorrem diarreia, disenteria, hiperemia anal e alta taxa de mortalidade; a maioria dos leitões
afetados morre dentro de 12 h. Em potros, há disenteria aguda, toxemia e morte rápida. O ataque em ovinos
adultos caracteriza­se por morte sem sinais premonitórios.
Lesões: A enterite hemorrágica com ulceração da mucosa é a principal lesão em todas as espécies.
Macroscopicamente, a porção afetada do intestino é roxo­azulada e, à primeira vista, parece ser um infarto
associado à torção mesentérica. Esfregaços dos conteúdos intestinais podem ser examinados quanto à presença
de bastonetes Gram­positivos. Filtrados para detecção da toxina e subsequente identificação por meio da
neutralização com antissoro específico também são recomendados.
TRATAMENTO E CONTROLE: O tratamento geralmente é ineficaz em decorrência da gravidade da doença, mas se
disponível, indica­se soro hiperimune específico, e a administração oral de antibióticos pode ser útil. A doença é
mais bem controlada pela vacinação da fêmea prenhe durante o último trimestre de gestação: inicialmente, 2
vacinações com intervalo de 1 mês e, depois, anualmente. Nos casos de surtos em animais recém­nascidos de
fêmeas não vacinadas, deve­se administrar o antissoro imediatamente após o nascimento.

Tabela 3 – Enterotoxemia causada por Clostridium perfringens Tipos B e C

Doença C. perfringens Hospedeiro

Disenteria de cordeiros Tipo B Cordeiros = 3 semanas de idade


Enterotoxemia de bezerros Tipo B e C Bezerros bem alimentados = 1 mês de idade
Enterotoxemia de suínos Tipo C Leitões nos primeiros dias de vida
Enterotoxemia de potros Tipo B Potros nas primeiras semanas de vida
Struck (doença do Romney Marsh) Tipo C Ovinos adultos
Enterotoxemia de caprinos Tipo C Caprinos adultos

Enterotoxemia Tipo D (Doença do rim pulposo, Doença da superalimentação)

Essa enterotoxemia clássica de ovinos é observada com menos frequência em caprinos e raramente em bovinos.
A distribuição é mundial e pode acometer animais de todas as idades. É mais comum em cordeiros tanto < 2
semanas de idade quanto recém­desmamados em rebanhos de engorda com dieta rica em carboidratos ou,
menos frequente, com pastagem de capim viçoso. Há suspeitas da doença em bezerros de corte bem nutridos
que estejam mamando em vacas de alta produção, que se alimentam de boa pastagem e na síndrome da morte
súbita em bovinos de engorda; contudo, falta evidência laboratorial comprovando a última suspeita.
ETIOLOGIA: O agente causador é C. perfringens tipo D. No entanto, fatores predisponentes são essenciais; o
mais comum desses é a ingestão de quantidades excessivas de alimento ou leite em cordeiros muito jovens e de
grãos nos de rebanhos de engorda. Em cordeiros jovens, a doença quase sempre é restrita a cordeiros únicos,
pois raramente uma ovelha com gêmeos fornece leite suficiente para possibilitar o desenvolvimento de
enterotoxemia. No rebanho de engorda, a doença em geral é observada em cordeiros que mudaram rapidamente
para dietas ricas em grãos. À medida que o consumo de amido aumenta, propicia um meio adequado para o
crescimento da bactéria causadora, a qual produz a toxina β. O principal efeito da toxina é causar dano vascular,
particularmente de capilares no cérebro. Vários ovinos carreiam cepas de C. perfringens tipo D como parte da
flora normal do intestino e atuam como fonte de microrganismos para infectar recém­nascidos. A maioria dos
portadores tem títulos de antitoxina não vacinal.
ACHADOS CLÍNICOS: Geralmente, mortes súbitas em cordeiros em melhores condições físicas são as primeiras
indicações de enterotoxemia. Em alguns casos, excitação, incoordenação e convulsões ocorrem antes da morte.
Opistótono, andar em círculos e investir a cabeça contra objetos fixos são sinais comuns de envolvimento do
sistema nervoso central; observa­se quase sempre hiperglicemia ou glicosúria. A diarreia pode ou não se
desenvolver. Ocasionalmente, ovinos adultos são afetados; eles apresentam fraqueza, incoordenação, convulsões
e morrem dentro de 24 h. Em caprinos, o curso da doença varia de hiperagudo a crônico, com que vão de morte
súbita a diarreia aquosa com ou sem sangue. Os bezerros agudamente afetados, que não morreram, exibem
manias, convulsões, cegueira e morte em poucas horas. Os bezerros afetados de forma subaguda ficam
letárgicos por alguns dias e podem se recuperar. Em caprinos são observados diarreia e sinais nervosos,
ocorrendo morte em algumas semanas. Às vezes, a enterotoxemia tipo D é verificada em equinos jovens que
comem em demasia.
Lesões: A necropsia pode revelar apenas algumas regiões hiperêmicas no intestino e um saco pericárdico
preenchido com fluido. Esse é particularmente o caso dos cordeiros jovens. Em animais idosos, podem­se
encontrar regiões hemorrágicas no miocárdio, bem como petéquias e equimoses nos músculos abdominais e
serosa do intestino. Com frequência, ocorrem edema pulmonar bilateral e congestão, mas habitualmente não em
cordeiros jovens. O rúmen e o abomaso contêm abundância de alimento e nota­se no íleo, quase sempre,
alimento não digerido. Edema e malacia podem ser observados microscopicamente nos gânglios basais e no
cerebelo de cordeiros. A rápida autólise pós­morte dos rins resulta no nome popular de doença do rim pulposo;
contudo, não se nota rim pulposo em cordeiros jovens afetados e raramente é observado em caprinos ou bovinos
afetados. Enterocolite necrótica ou hemorragia pode ser verificada em caprinos.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico presuntivo de enterotoxemia baseia­se na constatação de convulsões e morte
súbita em cordeiros alimentados com alto teor de carboidratos. Os esfregaços do conteúdo intestinal revelam
vários bastonetes Gram­positivos grossos e curtos. A confirmação requer demonstração da toxina β no fluido do
intestino delgado. Algumas horas após a morte deve­se coletar, assepticamente, fluido e ingesta em um
recipiente e enviá–lo sob refrigeração a um laboratório para identificação da toxina. A adição de 1 gota de
clorofórmio para cada 10 ml de fluido intestinal estabiliza qualquer toxina presente. Embora se tenham
desenvolvido testes imunológicos para substituir o tradicional teste em camundongos para a detecção da toxina,
eles são menos sensíveis que este. O protocolo de PCR para detecção do gene da toxina β é eficaz na
identificação de isolados, como o tipo B ou D.
CONTROLE: O método de controle depende da idade dos cordeiros, da frequência com que a doença aparece em
uma propriedade e do manejo na criação. Caso a doença ocorra, de forma constante, em cordeiros jovens de
uma propriedade, a imunização das ovelhas provavelmente será o método de controle mais satisfatório. As
fêmeas reprodutoras devem receber duas injeções do toxoide tipo D em seu primeiro ano e 1 injeção 4 a 6
semanas antes do parto e a cada ano depois disso.
O controle da enterotoxemia nos cordeiros de engorda pode ser feito pela redução da quantidade de
concentrado na dieta. No entanto, isso pode não ser econômico, embora, nesse caso, a imunização de todos os
cordeiros com toxoide quando entram pela primeira vez no rebanho provavelmente reduzirá as perdas a um
nível aceitável. Duas injeções, com intervalo de 2 semanas, protegerão os cordeiros durante todo o período de
engorda. Quando se utilizam bacterinas ou toxoides precipitados em alumínio, a injeção deve ser administrada
em um local em que os abscessos frios, os quais comumente se desenvolvem no local da injeção, possam ser
removidos com facilidade durante o tratamento normal e não danifiquem a carcaça.

HEMOGLOBINÚRIA BACILAR (Red Water Disease)


A hemoglobinúria bacilar é uma doença toxêmica, aguda e infecciosa causada por Clostridium haemolyticum
(C. novyi tipo D). Afeta principalmente bovinos, mas também tem sido encontrada em ovinos e raramente em
cães. Ocorre na parte oriental dos EUA, ao longo do Golfo do México, na América do Sul, na Grã­Bretanha,
Oriente Médio, Índia e em outras partes do mundo.
ETIOLOGIA: C. haemolyticum é um microrganismo originário do solo que pode ser encontrado naturalmente no
trato gastrintestinal de alguns bovinos. Pode sobreviver por longos períodos no solo contaminado ou em ossos
oriundos de carcaças de animais infectados. Após a ingestão, os esporos latentes se alojam no fígado. O período
de incubação é extremamente variável e o início depende de um local de anaerobiose no fígado. O estímulo à
germinação geralmente é a infecção por trematódeo. Com menos frequência se deve ao elevado teor de nitrato
na dieta, perfuração acidental do fígado, biopsia hepática ou qualquer outra causa de necrose localizada. Quando
as condições de anaerobiose são favoráveis, os esporos germinam e resultam na multiplicação das células
vegetativas e produção de toxina (fosfolipase C), a qual provoca hemólise intravascular e suas sequelas,
inclusive anemia hemolítica e hemoglobinúria.
ACHADOS CLÍNICOS: Os bovinos podem ser encontrados mortos sem sinais aparentes. Em geral, há início súbito
de depressão grave, febre, dor abdominal, dispneia, disenteria e hemoglobinúria. Há anemia e icterícia em
vários graus. Edema de peito pode ocorrer. Os níveis de hemoglobina (Hb) e hemácias são muito baixos. A
duração dos sinais clínicos varia de cerca de 12 h em vacas prenhes a cerca de 3 a 4 dias nos demais bovinos. A
mortalidade em animais não tratados é de cerca de 95%. Alguns bovinos sofrem de ataques subclínicos da
doença e consequentemente desempenham o papel de portadores imunes.
Lesões: Manifestam­se desidratação, anemia e, às vezes, edema subcutâneo. Há fluido sanguinolento nas
cavidades torácica e abdominal. Os pulmões não são grosseiramente afetados e a traqueia contém espuma
sanguinolenta com hemorragias na mucosa. O intestino delgado e, ocasionalmente, o intestino grosso
apresentam­se hemorrágicos; seu conteúdo quase sempre possui sangue livre ou coagulado. Um infarto
isquêmico no fígado é característico, este órgão permanece ligeiramente elevado, com coloração mais clara do
que o tecido circundante, além de apresentar­se delimitado por uma zona de congestão vermelho­azulada. Os
rins tornam­se escuros, friáveis e, em geral, salpicados de petéquias. A bexiga contém urina vermelho­púrpura.
Após o óbito, o rigor mortis se inicia mais rapidamente do que o usual.
DIAGNÓSTICO: O quadro clínico geral e os achados pós­morte comumente possibilitam um diagnóstico. O sinal
mais notável é a coloração típica da urina, que lembra aquela de vinho do Porto, e a formação de espuma livre
durante a micção ou após agitação. O infarto hepático típico é suficiente para o diagnóstico presuntivo. O
tamanho e a consistência normais do baço atuam para excluir carbúnculo e anaplasmose. Intoxicação por
samambaia­de­metro e leptospirose também devem ser considerados. O diagnóstico pode ser confirmado pelo
isolamento de C. haemolyticum a partir do infarto hepático, mas a cultura do microrganismo é difícil. O
diagnóstico rápido e preciso pode ser realizado pela demonstração do microrganismo no tecido hepático por
meio de teste anticorpo fluorescente ou de imuno­histoquímica ou, ainda, pela detecção da toxina no fluido da
cavidade peritoneal ou em extrato de salina do órgão infartado.
CONTROLE: O tratamento inicial com penicilina ou tetraciclina em altas doses é essencial. Transfusões de
sangue total e fluidoterapia também são úteis. Bacterina de C. haemolyticum preparada a partir de culturas
completas confere imunidade por cerca de 6 meses. Nos locais em que a doença é sazonal, uma dose pré­
sazonal é geralmente suficiente; onde a doença ocorre ao longo do ano, é necessária a vacinação semianual. Os
bovinos que estiverem em contato com animais de regiões endêmicas devem ser vacinados, já que estes podem
ser portadores.

HEPATITE NECROSANTE INFECCIOSA (Infecção por Clostridium novyi, Doença Negra)


É uma doença infecciosa aguda que acomete ovinos e, às vezes, bovinos; raramente afeta suínos e equinos.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: O agente etiológico, Clostridium novyi tipo B, é proveniente do solo e quase sempre
presente nos intestinos e no fígado de herbívoros; pode estar presente nas superfícies da pele, sendo fonte
potente de infecções por ferimentos. A mais importante fonte de infecção é a contaminação do pasto por fezes
de animais portadores. O microrganismo se multiplica em regiões de necrose hepática, ocasionada pela
migração dos trematódeos hepáticos, e produz uma potente toxina necrosante (toxina a). A doença possui
distribuição mundial, onde quer que trematódeos hepáticos e ovinos sejam encontrados.
Suspeita­se que C. novy seja a causa da morte súbita em bovinos e suínos alimentados com dietas de alto teor
de grãos e nos quais lesões hepáticas preexistentes não foram detectadas. As toxinas letais e necrosantes
danificam o parênquima hepático, permitindo, assim, que a bactéria se multiplique e produza uma quantidade
letal de toxina.
ACHADOS CLÍNICOS: Frequentemente, ocorre morte súbita sem sinais bem definidos. Os animais afetados
geralmente possuem de 2 a 4 anos e tendem a ficar atrás do rebanho, assumem um decúbito esternal e morrem
em poucas horas. A maioria dos casos ocorre no verão e no início do outono quando há o pico da infecção por
trematódeos hepáticos. A doença é mais prevalente em ovinos adultos bem nutridos e limitada em animais
infectados com trematódeos hepáticos. A diferenciação da fasciolose aguda pode ser difícil, porém mortes
hiperagudas de animais que exibem lesões típicas à necropsia devem incitar suspeita de hepatite necrótica
infecciosa.
Lesões: As lesões macroscópicas mais características são focos necróticos amarelo–acinzentados no fígado que
quase sempre seguem as trilhas migratórias dos trematódeos jovens. Histologicamente, as lesões do fígado
incluem inflamação eosinofílica central (indução parasitária) circundada por necrose coagulativa com uma
borda externa de neutrófilos. A lesão apresenta microrganismos em forma de bastonete Gram­positivos. Outros
achados comuns incluem aumento do saco pericárdico preenchido com fluido cor de palha e excesso de fluido
nas cavidades peritoneal e torácica. Em geral, há ruptura extensa dos capilares no tecido subcutâneo, o que faz
com que a pele adjacente torne­se enegrecida (daí o nome comum de doença negra).
CONTROLE: Pode­se reduzir a prevalência da doença diminuindo­se a quantidade de caramujos, geralmente
Lymnaea spp, que atuam como hospedeiros intermediários dos trematódeos hepáticos ou reduzindo a infecção
de trematódeos nos ovinos. No entanto, esses procedimentos não são sempre praticados e a imunização ativa
com toxoide contra C. novyi é mais eficaz. A vacinação propicia imunidade de longa duração. Depois disso,
apenas novos animais introduzidos ao rebanho (cordeiros e ovinos trazidos de outras regiões) precisam ser
vacinados. Este procedimento é mais indicado antes do final do verão. A contaminação da pastagem pode ser
minimizada descartando adequadamente os cadáveres (incineração).

INFECÇÕES POR CLOSTRIDIUM DIFFICILE E C. PERFRINGENS


Clostridium difficile é um bastonete Gram­positivo grande, anaeróbio, formador de esporos e móvel, sendo a
principal causa de colite relacionada com o uso de antibióticos em pessoas. C. difficile está associado à diarreia
e doenças de desenvolvimento espontâneas em uma variedade de espécies, inclusive equinos, suínos, bovinos,
cães, gatos, hamsters, porquinhos­da­índia, ratos e coelhos. C. difficile produz toxinas A, B e/ou a toxina binária
CDT no intestino. A toxina A é uma enterotoxina que causa hipersecreção de fluido no lúmen intestinal;
também causa lesões teciduais. A toxina B é uma potente citotoxina que induz inflamação e necrose. O
mecanismo de ação da CDT não é conhecido. A alteração da flora do cólon, com a presença de cepas
toxigênicas de C. difficile que se multiplicam excessivamente no intestino, é pré­requisito para a enfermidade.
Os testes diagnósticos para toxina de C. difficile incluem teste de citotoxicidade e prova de ELISA em amostras
fezes, cultura em anaerobiose e PCR para diferenciar cepas toxigênicas daquelas não toxigênicas. C. perfringens
está amplamente distribuído no solo e no trato gastrintestinal dos animais, sendo caracterizado pela habilidade
de produzir potentes exotoxinas, algumas delas responsáveis por enterotoxemias específicas. Cinco tipos de
toxinas (A, B, C, D e E) foram identificadas e produzem uma ou mais das quatro toxinas (alfa, beta, epsilon e
iota). C. perfringens tipo A é o mais comum, possuindo a cepa mais variável em relação às propriedades
toxigênicas. A produção da toxina alfa está associada à gangrena gasosa, infecções traumáticas, enterite
necrótica canina e aviária, colite em equinos e diarreia em suínos. C. perfringens tipos B e C causam enterite
grave, disenteria, toxemia e alta taxa de mortalidade em cordeiros jovens, bezerros, suínos e potros (toxina
beta). Já o tipo C causa enterotoxemia em bovinos adultos, ovinos e caprinos. As enfermidades listadas a seguir
estão classificadas segundo a causa e o hospedeiro.

Clostridium difficile em Bezerros

Clostridium difficile foi identificado como causa potencial de diarreia em bezerros jovens. Não foi possível
reproduzir a doença em bezerros neonatos privados de colostro, com esporos ou células vegetativas.

Clostridium difficile em Cães

Clostridium difficile não foi considerado como patógeno primário em cães. Entretanto, cepas toxigênicas são
frequentemente isoladas de suabe retal de cães que visitam pacientes humanos em hospitais. O teste ELISA
humano para toxinas de C. difficile não é tão eficaz para cães com diarreia e possui pouca sensibilidade e
especificidade. Aproximadamente 10% dos cães assintomáticos liberam C. difficile toxigênico nas fezes.

Clostridium difficile em Suínos

Clostridium difficile surgiu recentemente como importante causa de diarreia em suínos neonatos. Em alguns
estudos, foi identificado como o segundo mais frequente causador de diarreia em suínos com 1 a 7 dias de
idade. O edema do mesocólon é um aspecto característico da doença observado em quase todos os suínos
afetados, porém essa lesão não é patognomônica. O diagnóstico depende da detecção das toxinas como foi
descrito para a doença em equinos. Suínos, equinos, bovinos e cães nos quais se isolou C. difficile podem
apresentar um perfil de sensibilidade antimicrobiana que se sobrepõe aquele de isolados de pacientes humanos,
aumentando a possibilidade de transmissão interespécies do patógeno. Esporos dormentes de C. difficile podem
ser encontrados na carne de suínos e bovinos. Alguns ribotipos isolados foram similares ou idênticos a cepas
patogênicas de humanos.

Clostridium perfringens em Bovinos Adultos

Nos últimos anos, hemorragia intestinal ou síndrome hemorrágica jejunal emergem esporadicamente e
individualmente em vacas leiteiras de alta produção em início de lactação. Enquanto nenhuma etiologia
específica for estabelecida, assume­se que o C. perfringens tipo A está envolvido, pois inúmeros clostrídios
podem ocorrer nestes casos. O curso clínico é hiperagudo e o paciente apresenta anorexia, cólica, redução na
produção do leite, hemorragia intestinal e morte súbita, apesar da terapia de apoio agressiva e do tratamento
cirúrgico. Achados macroscópicos pós­morte incluem hemorragia intensa e necrose intestinal. A prevenção
consiste em melhorar a dieta e evitar mudanças repentinas de alimentação. As vacinas autógenas em rebanhos
infectados foram testadas com pouco sucesso.

Enterocolites Associadas a Clostrídio em Equinos

C. difficile e C. perfringens têm sido implicados como causas de doenças agudas e esporádicas em equinos,
caracterizadas por diarreia e cólica. Como a etiologia é incerta, a condição também tem sido referida como
colite idiopática, mas atualmente há boas evidências de que esses microrganismos sejam os responsáveis pelas
enterocolites em equinos, em 20 a 30% dos casos de diarreia aguda (ver p. 305).
ETIOLOGIA: C. difficile e C. perfringens são observados em baixas concentrações nas fezes de equinos
saudáveis. Ambos os microrganismos podem estar no solo ou no ambiente e ser ingeridos pelos equinos. Os
fatores que desencadeiam a doença não estão bem esclarecidos, mas supõe­se que alguma alteração na flora
normal permita a multiplicação excessiva da bactéria, a qual produz toxinas capazes de causar danos intestinais
e efeitos sistêmicos.
Os fatores predisponentes sugeridos incluem mudança da dieta e terapia antimicrobiana. Outros fatores
relacionados com o hospedeiro que podem determinar se a doença se desenvolve são: idade, imunidade e
presença ou ausência de receptores intestinais para as toxinas do clostrídio. A terapia antimicrobiana recente é
uma característica comum do histórico de equinos com diarreia induzida por C. difficile. Alguns antibióticos,
particularmente os macrolídeos e especialmente eritromicina, betalactâmicos e trimetoprima­sulfonamida, são
mais prováveis que outros de estarem associados à colite por C. difficile. Éguas com potros que estão sendo
tratadas com etilsuccinato de eritromicina parecem ser de alto risco. A eliminação de forragem da dieta, antes da
cirurgia, também é relatada como predisponente à colite por C. difficile. Diarreia aguda foi reproduzida em
potros neonatos saudáveis, utilizando esporos e células vegetativas de C. difficile. Enterite aguda anterior
(jejunite duodenites, p. 305) também está associada a C. difficile em estudos de casos controle.
C. perfringens tipo A é causa de diarreia devido à produção de uma enterotoxina (enterotoxina do
Clostridium perfringens [CPE]), a qual é liberada durante a esporulação e estimula as células epiteliais do
intestino a secretar excesso de fluido no lúmen. Uma nova toxina necrosante, denominada β­2, produzida por
algumas cepas de C. perfringens, foi há pouco tempo associada estreitamente à colite em equinos.
ACHADOS CLÍNICOS: Potros e equinos adultos podem ser afetados. Caracteristicamente, há sinais de dor

abdominal e diarreia com ou sem sangue. Pode haver distensão abdominal, especialmente em casos de diarreia
induzida por C. difficile. Pode ocorrer desidratação, toxemia e choque; a taxa de mortalidade é variável. Um ou
vários animais de uma mesma fazenda podem ser afetados.
Lesões: A lesão característica é enterocolite necrosante. Há importante perda de células epiteliais da mucosa
cecal e do cólon, colite e tiflite hemorrágicas e trombose nos capilares da mucosa intestinal.
DIAGNÓSTICO: As características clínicas da doença são similares às da salmonelose aguda (p. 311), febre do
cavalo Potomac (p. 310) ou erliquiose monocítica. A identificação de C. perfringens como causa de diarreia em
equinos depende da detecção da enterotoxina ou do gene para CPE nas fezes ou no fluido intestinal, além da
ausência de outros agentes provavelmente etiológicos. A maioria das cepas de C. perfringens encontradas no
intestino de equinos não tem o gene para CPE. A demonstração de inúmeros esporos bacterianos ou a alta
concentração de C. perfringens nas fezes também ajuda no diagnóstico. Sugere­se o diagnóstico de diarreia por
C. difficile pelo histórico de tratamento recente com antibióticos, sendo confirmado pela presença de C. difficile
e toxinas A e/ou B em amostras de fezes frescas ou congeladas encaminhadas ao laboratório, utilizando teste
ELISA humano validado para equinos, com boa sensibilidade e especificidade. A toxina pode ser identificada
por ribotipagem em PCR.
CONTROLE: Medidas devem ser tomadas para reduzir o risco de infecções por C. difficile em equinos.
Procedimentos apropriados de isolamento e controle de doenças infecciosas devem ser aplicados em animais de
alto risco que recebem antibióticos. As fontes de esporos de C. difficile podem ser controladas mediante
desinfecção da superfície com produto esporicida e a disseminação pode ser reduzida lavando­se as mãos e
isolando­se potros e equinos infectados. Não há medidas de controle para prevenção de diarreia induzida por C.
perfringens. Recomenda­se metronidazol (15 mg/kg, VO, 3 vezes/dia) para o tratamento de quaisquer dessas
infecções por clostrídios. O metronidazol pode ser teratogênico, por isso não devem ser administrados às éguas
prenhes.

TÉTANO (Trismo Maxilar)


No tétano, a toxemia é causada por uma neurotoxina específica produzida por Clostridium tetani no tecido
necrótico. Quase todos os mamíferos são suscetíveis a essa doença, embora os cães sejam relativamente
resistentes e os gatos pareçam muito mais resistentes que qualquer outro mamífero doméstico ou de laboratório.
As aves são muito resistentes; a dose letal para pombos e galinhas é 10.000 a 300.000 vezes maior (com base no
peso corporal) do que para os equinos. Estes são os mais sensíveis de todas as espécies, com a possível exceção
do ser humano. Posto que o tétano é cosmopolita em sua distribuição, há algumas regiões, como a parte
setentrional das Montanhas Rochosas nos EUA, nas quais esse agente é raramente encontrado no solo e o tétano
é praticamente desconhecido. Em geral, a ocorrência de C. tetani no solo e a prevalência de tétano no homem e
nos equinos são mais altas nas regiões quentes dos vários continentes.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: C. tetani, um anaeróbio com esporos terminais e esféricos, encontrado no solo e no
trato intestinal. Na maioria dos casos, é introduzido nos tecidos através de ferimentos, particularmente nos
profundos por perfuração, que propiciam um ambiente anaeróbio adequado. Entretanto, em ovinos, e às vezes
em outras espécies, quase sempre ocorre após o corte da cauda ou a castração. Em alguns casos, não é possível
visualizar o ponto de entrada, já que o próprio ferimento pode ser pequeno ou estar cicatrizado.
Os esporos de C. tetani são incapazes de crescer em tecido normal ou mesmo em ferimentos se o tecido
permanecer no potencial de oxidorredução do sangue circulante. As condições adequadas para a multiplicação
se dão quando uma pequena quantidade de terra ou um corpo estranho causa necrose tecidual. A bactéria
permanece localizada no tecido necrótico no local original da infecção e se multiplica. À medida que as células
bacterianas sofrem autólise, a potente neurotoxina é liberada. A neurotoxina é uma protease que se liga ao
zinco, a qual cliva a transmissão sináptica, uma vesícula associada à membrana proteica. Geralmente, os nervos
motores absorvem a toxina na região e a deixam passar pelo trato nervoso da medula espinal, onde causa tétano
ascendente.
A toxina acarreta contrações tônicas e espasmódicas dos músculos voluntários por meio da interferência na
liberação de neurotransmissores provenientes das terminações do nervo pré­sináptico. Caso mais toxina seja
liberada no local da infecção do que os nervos circundantes possam absorver, a toxina é levada pela linfa para a
corrente sanguínea e consequentemente para o SNC, onde ocasiona tétano descendente. Mesmo uma pequena
estimulação do animal afetado pode provocar os espasmos musculares característicos. Os espasmos podem ser
tão graves a ponto de causar fraturas ósseas. Afetam a laringe, o diafragma e os músculos intercostais resultando
em insuficiência respiratória. O envolvimento do sistema nervoso autônomo resulta em arritmias cardíacas,
taquicardia e hipertensão.
ACHADOS CLÍNICOS: O período de incubação varia de uma a algumas semanas, mas a média, em geral, é de 10 a
14 dias. Observa­se inicialmente rigidez localizada, envolvendo os músculos masseter e do pescoço, os
membros posteriores e a região do ferimento infectado; a rigidez geral se torna pronunciada cerca de 1 dia
depois e espasmos tônicos e hiperestesia tornam­se evidentes. Devido a sua alta resistência à toxina tetânica,
cães e gatos muitas vezes possuem longo período de incubação e frequentemente desenvolvem tétano
localizado. Nessas espécies também ocorre tétano generalizado.
Os reflexos aumentam em intensidade e o animal se excita facilmente em espasmos gerais e mais violentos
por meio de um movimento súbito ou um ruído. Os espasmos dos músculos da cabeça causam dificuldade na
apreensão e na mastigação do alimento, daí a denominação comum de mandíbula travada. Em equinos, as
orelhas ficam eretas, a cauda rígida e estendida, as narinas dilatadas e a terceira pálpebra prolapsada. Andar,
fazer curvas e recuar são atitudes difíceis. Os espasmos dos músculos do pescoço e do dorso causam extensão
da cabeça e do pescoço, enquanto a rigidez dos músculos dos membros faz com que o animal assuma uma
postura em “cavalete”. Sudorese é comum. Os espasmos gerais alteram a circulação e a respiração, o que resulta
em aumento da frequência cardíaca, respiração rápida e congestão das membranas mucosas. Ovinos, caprinos e
suínos frequentemente caem no solo e apresentam opistótono quando assustados. A consciência não é afetada.
Em cães e gatos, o tétano localizado, habitualmente manifesta­se como rigidez em um membro com uma ferida.
A rigidez progride para envolver o membro oposto e pode avançar anteriormente. A aparência no tétano
generalizado é similar à descrita para equinos, exceto que a boca permanece parcialmente aberta com os lábios
retraídos (como é visto em humanos).
Em geral, a temperatura permanece ligeiramente acima do normal, mas pode chegar a 42 a 43°C, culminando
em uma crise fatal. Em episódios leves, o pulso e a temperatura continuam próximos do normal. A taxa de
mortalidade é cerca de 80%. Em animais que se recuperam, o período de convalescença é de 2 a 6 semanas; a
imunidade protetora comumente não se desenvolve após a recuperação.
DIAGNÓSTICO: Os sinais clínicos e o histórico de traumatismo recente são, em geral, adequados para um
diagnóstico de tétano. A confirmação do diagnóstico é possível pela comprovação da toxina tetânica no soro do
animal afetado. Nos casos em que a ferida é aparente, pode­se tentar a identificação da bactéria em esfregaços
corados pelo Gram e em cultura em meios anaeróbicos.
TRATAMENTO E CONTROLE: Quando administrados nos estágios iniciais da doença, agentes curariformes,

tranquilizantes ou sedativos barbitúricos, juntamente com 300.000 UI de antitoxina tetânica 2 vezes/dia, são
efetivos no tratamento de equinos. Têm­se obtido bons resultados em equinos com a injeção de 50.000 UI de
antitoxina tetânica diretamente no espaço subaracnóideo, através da cisterna magna. Tal terapia deve ser
mantida por drenagem e limpeza dos ferimentos e a administração de penicilina ou antibióticos de amplo
espectro. Boa assistência é inestimável durante o período agudo de espasmos. O equino deve ser colocado em
uma baia escura e sem barulho, com recipientes para alimento e água altos o suficiente para permitir seu uso
sem abaixar a cabeça. Cintas suspensoras podem ser úteis para equinos com dificuldade para ficar em pé ou se
levantar.
A mesma abordagem descrita para equinos é utilizada para cães e gatos, salvo que se deve ter cuidado na
administração por via intravenosa da antitoxina, pois a toxina equina pode induzir anafilaxia. Em um estudo, a
antitoxina foi fornecida a cães com tétano apenas após o teste intradérmico para detectar reações de
hipersensibilidade. Além disso, todos os cães receberam penicilina IV e alguns também receberam metronidazol
VO. A combinação de clorpromazina, fenobarbital ou diazepan pode ser utilizada para reduzir reações de
hiperestesia e convulsões.
A imunidade ativa pode ser ativada com o toxoide tetânico, quando administradas nos estágios iniciais da
doença. Caso ocorra um ferimento perigoso após a imunização, deve­se administrar outra injeção de toxoide
para elevar o anticorpo circulante. Em situações em que o animal não foi imunizado previamente, deve­se tratá­
lo com 1.500 a 3.000 UI ou mais de antitoxina tetânica, a qual geralmente propicia proteção passiva por até 2
semanas. A administração do toxoide deve ser feita simultaneamente com a antitoxina e repetida em 30 dias.
Injeções de reforço anual são recomendáveis, em humanos o toxoide é administrado a cada 10 anos. As éguas
devem ser vacinadas durante as últimas 6 semanas de gestação e os potros, nas 5 a 8 semanas de idade. Nas
regiões de alto risco, pode­se administrar a antitoxina tetânica em potros imediatamente após o nascimento e a
cada 2 a 3 semanas até estarem com 3 meses de idade, momento em que podem receber o toxoide. A decisão de
vacinar cordeiros ou bezerros depende da prevalência da doença na região.
Todos os procedimentos cirúrgicos devem ser conduzidos com as melhores técnicas possíveis. Após a
cirurgia, os animais devem ser transferidos para solo limpo, de preferência pastagens com grama. Apenas
desinfetantes oxidantes como iodo ou cloro eliminam seguramente os esporos.

VACINAS CONTRA CLOSTRÍDIOS

A vacinação é praticada com frequência para proteção de animais contra as clostridioses. Uma ampla variedade
de vacinas está disponível no mercado, individuais ou em combinações que consistem de bacterinas, toxoides
ou misturas de bacterinas e toxoides. A vacinação apenas com vários tipos de clostrídios não propicia adequado
grau de imunidade; deve­se aplicar dose de reforço após 3 a 6 semanas. A vacinação de animais jovens não
induz proteção imunológica adequada até pelo menos 1 a 2 meses de idade. Portanto, várias estratégias de
vacinação para fêmeas prenhes levam a imunidade máxima ao neonato pela transferência dos anticorpos pelo
colostro. Muitas vacinas comerciais são inativadas e geralmente contém 2, 4, 7 ou 8 combinações de
clostrídios/toxoides. As aplicações devem ser realizadas de forma que a proteção máxima ocorra na idade mais
suscetível.
O toxoide tetânico é comumente utilizado como única vacina em equinos, mas quase sempre em combinação
em ovinos, caprinos e bovinos. Em ovinos e caprinos, uma combinação comum é aquele de toxoide tetânico
com Clostridium perfringens tipos C e D. Em bovinos, uma combinação habitualmente utilizada nos rebanhos é
a vacina quádrupla, que consiste em culturas mortas de C. chouvoei, C. septicum, C. novyi e C. sordellii, para
proteger contra carbúnculo sintomático e edema maligno. Uma vacina contra clostrídios mais complexa que
contém C. perfringens tipos C e D, além dos componentes da vacina quadrupla, também pode ser utilizada para
proteger os bovinos contra enterotoxemias. A adição de C. haemolyticum aumenta a proteção, pois evita a
hepatite necrótica infecciosa. As vacinas clostridianas, em geral, causam reação e tumefação nos tecidos;
portanto, em bovinos devem ser administradas na região do pescoço, por via SC em vez de via IM.

DOENÇA EXSUDATIVA (Sweating Sickness)

A doença exsudativa é uma intoxicação aguda febril, veiculada por carrapatos, caracterizada principalmente por
eczema úmido e profuso e hiperemia da pele e das membranas mucosas visíveis. É essencialmente uma doença
de bezerros jovens, embora adultos também sejam suscetíveis. Foram infectados experimentalmente ovinos,
suínos, caprinos e um cão. Essa doença ocorre nas regiões oriental, central e meridional da África e,
provavelmente, no Sri Lanka e no sul da Índia.
ETIOLOGIA: A causa é uma toxina epiteliotrópica produzida por fêmeas de algumas linhagens de Hyalomma
truncatum. A toxina é produzida no carrapato, mas não no vertebrado hospedeiro. O potencial de produção de
toxina se limita a até 20 gerações do carrapato ou, possivelmente, mais. As tentativas de transmissão
experimental de animais afetados aos animais sadios, por contato ou inoculação de sangue, não obtiveram
sucesso.
Os períodos graduais de infestação de um hospedeiro suscetível por carrapatos “infectados” têm efeitos
diferentes no hospedeiro. Um período muito curto não tem qualquer efeito; o animal permanece suscetível. Um
período longo o suficiente para induzir uma reação pode conferir imunidade, mas se a exposição for > 5 dias
pode resultar em sinais clínicos graves e morte. A recuperação confere imunidade duradoura, que pode persistir
por = 4 anos. Também, foram descritas outras formas de intoxicação por H. truncatum estreitamente
relacionadas.
ACHADOS CLÍNICOS: Após um período de incubação de 4 a 11 dias, os sintomas surgem subitamente e incluem
hipertermia, anorexia, apatia, lacrimejamento e corrimento nasal, hiperemia de membranas mucosas visíveis,
salivação, necrose de mucosa bucal e hiperestesia. Mais tarde, as pálpebras se grudam. Nota­se a pele quente e
logo se desenvolve dermatite úmida, começando na base de orelhas, axilas, virilha e períneo, estendendo­se pelo
corpo inteiro. Os pelos ficam emaranhados e neles é possível notar gotas de umidade. A pele se torna
extremamente sensível e exala odor ácido. Posteriormente, é possível arrancar facilmente os pelos e a epiderme,
expondo ferimentos úmidos e cruentos. As pontas das orelhas e da cauda podem necrosar e se desprender. Por
fim, a pele se torna dura e rachada, predisposta a infecções secundárias ou infestações por larvas de
Cochliomyia hominivorax. O animal acometido fica sensível à manipulação, exibe dor quando se movimenta e
procura sombra.
Muitas vezes, o curso é rápido e o animal pode morrer em poucos dias. Nos casos menos agudos, o curso é
mais prolongado e pode ocorrer recuperação do paciente. A taxa de mortalidade em bezerros afetados é de 30 a
70%, em condições naturais. A taxa de morbidade nas áreas endêmicas é cerca de 10%. A gravidade da infecção
é influenciada pelo número de carrapatos e pelo período em que permanecem no hospedeiro.
Lesões: Além das lesões cutâneas descritas notam­se emaciação, desidratação, estomatite difteroide, faringite,
laringite, esofagite, vaginite ou postite, edema e hiperemia pulmonar, atrofia de baço e congestão de fígado, rins
e meninges.
DIAGNÓSTICO: Para o diagnóstico, é fundamental a constatação da presença do vetor. Ocorre, tipicamente,
hiperemia generalizada e consequente descamação das camadas superficiais das membranas mucosas dos tratos
respiratório superior, gastrintestinal e genital externo, bem como dermatite úmida profusa, seguida de
descamação superficial da pele.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO: O controle da infestação de carrapatos é a única medida profilática efetiva.
Indicam­se remoção dos carrapatos, tratamento sintomático e terapia de suporte adequada. Antibióticos não
nefrotóxicos e anti­inflamatórios são úteis na prevenção de infecção secundária. Soro imune pode ser um
tratamento específico efetivo.

ESTOMATITE VESICULAR

A estomatite vesicular é uma enfermidade viral causada por dois sorotipos distintos do vírus da estomatite
vesicular – Nova Jersey e Indiana. Nos casos clínicos, podem ser observadas vesículas, ulceração e erosão das
mucosas nasal e oral, bem como na superfície epitelial da língua, bandas coronárias e tetos; estas lesões são
tipicamente observadas nos casos clínicos, além de lesões crostosas no focinho, abdome ventral e prepúcio. A
doença clínica pode ser observada em bovinos, equinos e suínos e muito raramente é verificada em ovinos,
caprinos e lhamas. A evidência sorológica de exposição é notada em várias espécies de cervídeos, primatas não
humanos, roedores, pássaros, cães, antílopes e morcegos.
ETIOLOGIA: Esses vírus pertencem à família Rhabdoviridae e gênero Vesiculovirus. O vírus da estomatite
vesicular é o protótipo do gênero Vesiculovirus. Têm formato de um projétil e geralmente medem 180nm de
comprimento e 75nm de largura. A estrutura genômica é constituída RNA com filamento único de sentido
negativo composto por 5 genes (N, P, M, G e L, representando a proteína do nucleocapsídio, fosfoproteína,
proteína matricial, glicoproteína e proteína grande, que é um componente da RNA polimerase viral). Embora
existam muitos membros do gênero Vesiculovirus, os sorotipos Nova Jersey e Indiana são, particularmente, os
mais importantes no hemisfério oeste. Esses dois vírus têm tamanho e morfologia semelhantes, mas geralmente
distintos na neutralização de anticorpos dos animais infectados. Ambos foram isolados em surtos recentes nos
EUA.
EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: A estomatite vesicular é esporádica nos EUA. Historicamente, os surtos
ocorreram em todas as regiões do país, mas desde os anos de 1980 estão limitados aos Estados do sul. Surtos
ocorreram em 1995, 1997, 1998, 2004, 2005, 2006 e 2009. O maior surto ocorreu em 2005, em 9 estados. O
vírus da estomatite vesicular é endêmico nas Américas do Sul e Central e em regiões do México, não sendo
observado naturalmente fora do hemisfério oeste. O vírus pode ser transmitido por contato direto com animais
infectados e com sinais clínicos (com lesão) ou por picada de insetos hematófagos. Na região sudoeste dos
EUA, os mosquitos pretos (Simulidae) são os vetores biológicos mais prováveis. Nas áreas endêmicas, o
mosquito­pólvora (Lutzomyia) são os principais vetores biológicos. Outros insetos podem atuar como vetores
mecânicos. A prevalência de casos clínicos em um rebanho geralmente é baixa (10 a 20%), porém, a
soroprevalência no rebanho pode chegar a 100%. Não foi detectada viremia em animais pecuários com sinais
clínicos de estomatite vesicular. Várias espécies de vertebrados apresentam evidências sorológicas de exposição
e podem atuar como reservatórios da infecção. Não foi identificado qualquer hospedeiro como reservatório
definitivo ou amplificador do vírus da estomatite vesicular nos EUA.
ACHADOS CLÍNICOS: O período de incubação varia de 2 a 8 dias sendo, tipicamente, seguido de febre. Com o
passar do tempo, surgem outros sintomas e os animais examinados raramente se apresentam febris. Ptialismo é,
geralmente, o primeiro sinal da doença. Vesículas da cavidade bucal são raramente observadas nos casos de
ocorrência natural porque se rompem logo após a formação; portanto, as úlceras são as lesões mais comuns
verificadas no primeiro exame. Úlceras e erosões da mucosa bucal, desprendimento de epitélio da língua e
lesões nas junções mucocutâneas dos lábios são comumente observadas em bovinos e equinos. Úlceras e
erosões em tetos são comuns e podem resultar em mastite secundária em vacas leiteiras. Coronite com erosões
da banda coronária é observada em bovinos, equinos e suínos, com desenvolvimento subsequente de
claudicação. As lesões crostosas de focinho, úbere, abdome ventral e prepúcio de equinos foram achados típicos
em surtos no sudoeste dos EUA. A inapetência devido às lesões da cavidade bucal e a claudicação decorrente
das lesões de cascos normalmente são de curta duração, uma vez que a doença geralmente é autolimitante, com
completa resolução dentro de 10 a 14 dias. Os anticorpos neutralizantes dos dois sorotipos do vírus persistem
por = 5 anos, mas pode ocorrer reinfecção logo após uma segunda exposição.
DIAGNÓSTICO: Em muitas regiões, inclusive nos EUA, a estomatite vesicular é uma doença de notificação
obrigatória. As amostras para fins diagnóstico geralmente são obtidas por médicos veterinários oficiais e os
testes são realizados em laboratórios do governo. O diagnóstico é baseado na presença de sinais clínicos típicos
e na detecção de anticorpos com o uso de testes sorológicos, detecção viral por meio do isolamento, e/ou
detecção viral de material genético por meio de técnicas moleculares. As amostras para isolamento viral podem
ser fluido vesicular, fragmentos de epitélio ou suabes de lesões. O vírus da estomatite vesicular se propaga
facilmente em cultura de células. Os três testes sorológicos rotineiramente utilizados são ELISA de competição,
neutralização viral e fixação de complemento. O teste PCR pode ser utilizado para a identificação do vírus. De
importância fundamental no diagnóstico é a diferenciação entre as doenças virais, inclusive febre aftosa em
ruminantes e suínos, doença vesicular suína e exantema vesicular em suínos. Os equinos não são suscetíveis à
febre aftosa. Tanto as causas infecciosas quanto não infecciosas causam lesões bucais e devem ser consideradas.
TRATAMENTO, CONTROLE E PREVENÇÃO: Não há tratamento disponível ou seguro. A caquexia pode ser evitada
mediante o fornecimento de alimentos moles. A limpeza das lesões com antissépticos brandos ajuda a evitar
infecção bacteriana secundária. Fatores relacionados com o manejo podem reduzir a exposição ao vírus e
incluem tempo limitado na pastagem, abrigos para reduzir a picada de insetos e implementação de outros
procedimentos para reduzir o contato dos animais com os insetos, inclusive aplicação de inseticidas. Isto deve
incluir a aplicação na superfície interna do pavilhão auricular onde os borrachudos se alimentam. Quando os
animais infectados são identificados, devem ser isolados do rebanho, restringindo­se a movimentação de outros
animais das instalações afetadas. A estomatite vesicular é uma doença de notificação obrigatória em vários
países, inclusive nos EUA; assim, os agentes de saúde devem ser notificados quando há suspeita da doença.
Vacinas produzidas comercialmente não estão disponíveis nos EUA, ao contrário de alguns países da América
Latina onde há disponibilidade.
A vigilância do vírus da estomatite vesicular nos EUA é principalmente responsabilidade do Departamento de
Agricultura do Estado, que reporta os resultados ao USDA. Os veterinários atuam como parte da rede de
vigilância, examinando os animais envolvidos em feiras, exposições, corridas e transporte internacional e
interestadual, preenchendo o certificado de inspeção sanitária (mais comumente conhecido como certificado de
saúde). Suabes de membrana mucosa e amostras de soro dos animais suspeitos são enviados para exames em
laboratório de diagnóstico veterinário. Durante os anos de surto, as informações laboratoriais confirmam os
casos de estomatite vesicular, juntamente com o número de casos suspeitos e são postados na página:
http://www.aphis.usda.gov/vc/nahrs/equine/vsv/.
RISCO ZOONÓTICO: O vírus da estomatite vesicular causa doença zoonótica e pode provocar doença tipo
influenza autolimitante (cefaleia, febre, mialgia, e fraqueza), que dura 3 a 5 dias, em pessoas que trabalham
diretamente em contato com o vírus (p. ex., exposição laboratorial, contato direto com lesões de animais
infectados). Raramente, as pessoas podem desenvolver vesículas na mucosa bucal e faringiana, boca e narinas.
Sinais mais graves incluem encefalite, que é rara.

FEBRE AFTOSA

A febre aftosa (FA) é uma doença viral altamente contagiosa que acomete bovinos, suínos, ovinos, caprinos,
bubalinos e espécies selvagens que apresentam cascos fendidos. Caracteriza­se por febre e vesículas na boca e
no focinho, úbere e patas. Em uma população suscetível, a morbidade chega a 100%. A doença raramente é
fatal, exceto em animais jovens.
Os bovinos são mais suscetíveis. Os suínos domésticos são hospedeiros importantes, principalmente na
propagação da doença. Em ovinos e caprinos, a manifestação clínica da infecção geralmente é menos grave que
em bovinos e suínos. Todas as espécies de cervos, antílopes, elefantes e girafas são suscetíveis à febre aftosa,
mas os camelos do Velho Mundo são resistentes à infecção natural. Na África, a infecção em búfalos Cape é
assintomática. Na América do Sul, os camelídeos, como alpacas e lhamas, embora suscetíveis, provavelmente
não têm importância epidemiológica. Camundongos, cobaias e hamsters podem ser infectados
experimentalmente.
A febre aftosa é endêmica no Oriente Médio, Irã, nos países do sul da antiga União Soviética, Índia e
sudoeste da Ásia. Surtos esporádicos ocorreram no sul da Coreia, em 2000 e 2002, no Japão em 2000 e na
península da Malásia. Está restrita à ilha Luzon, nas Filipinas. Australásia e Indonésia são livres da doença, bem
como as Américas Central e do Norte. América do Sul, Chile, sudeste da Argentina, Guiana, Suriname e regiões
da Colômbia em divisa com Panamá são livres; grandes surtos de febre aftosa ocorreram no Uruguai e na região
central da Argentina em 2001, onde a doença está sob controle e essas regiões, juntamente com o Paraguai e
grande parte do Brasil, são agora consideradas regiões livres nas quais ainda se utiliza vacinação. A maioria da
região subsaariana da África é endêmica, bem como Egito, Etiópia e Eritreia. A febre aftosa retornou ao
Zimbábue associada a mudanças econômicas e sociais, e surtos esporádicos também têm acontecido em locais
no sul da África considerados livres, como Namíbia e Botsuana.
Na Europa, houve um surto na Grécia, na divisa com a Turquia, em 2000, que foi rapidamente controlado,
mas em 2001, a febre aftosa foi introduzida no Reino Unido, onde se espalhou para Irlanda, Países Baixos e
França. A cepa causadora do surto foi a mesma encontrada na Ásia e estava sob controle no Reino Unido, após
o abate de mais de 4 milhões de animais, sem o uso de vacina. A vacinação foi utilizada nos Países Baixos e
todos os animais vacinados foram subsequentemente abatidos.
ETIOLOGIA: A febre aftosa é causada por um aftovírus da família Picornaviridae. Há 7 sorotipos
imunologicamente distintos: A, O, C, Ásia 1 e territórios sul­africanos (TSA) 1, 2 e 3. Dentro de cada sorotipo,
há grande quantidade de cepas que exibem um espectro de características antigênicas; por essa razão, mais de 1
cepa vacinal para cada sorotipo, particularmente O e A, é requerida para cobrir a diversidade antigênica. As
cepas são caracterizadas por suas relações genômicas e suas similaridades antigênicas com cepas vacinais
estabelecidas (a classificação prévia em sorotipos torna­se insustentável à medida que o número de subtipos
aumenta com rapidez). O desenvolvimento da análise da sequência de nucleotídios permite a definição dos
topotipos, com base nos genes da proteína do capsídio. Por exemplo, o vírus da febre aftosa tipo O pode ser
dividido em 8 topotipos cada um contém diferentes sequencias virais do gene VP1 pelo menos 15% e são
geograficamente distintos.
O vírus é rapidamente inativado em pH 6 a 9 e por dessecação e temperaturas > 56°C, embora o vírus
residual possa sobreviver por tempo considerável quando associado a proteínas animais (p. ex., uma proporção
de vírus da febre aftosa em leite contaminado sobreviverá à pasteurização a 72°C por 15s). O vírus da febre
aftosa é resistente a solventes lipídicos como o éter e o clorofórmio. Devido à sensibilidade do vírus ao pH
ácido e alcalino, hidróxido de sódio, carbonato de sódio, ácido cítrico ou acético são desinfetantes eficazes.
TRANSMISSÃO, EPIDEMIOLOGIA E PATOGENIA: A transmissão da febre aftosa geralmente se dá por contato entre
animais suscetíveis e infectados. Os animais infectados possuem grande quantidade de vírus no ar que exalam,
na forma de aerossol, o qual pode infectar outros animais por via respiratória ou oral. Todas as excreções e
secreções do animal infectado contêm o vírus e este pode ainda estar no leite e no sêmen por até 4 dias antes dos
sinais clínicos aparecerem. O vírus da febre aftosa aerossolizado pode se espalhar por uma considerável
distância como uma pluma, dependendo das condições do tempo, particularmente quando a umidade relativa é >
60% e a topografia é favorável à dispersão do vírus. O leite contaminado tem transmitido febre aftosa para
bovinos e caminhões­tanque que carregam o leite contaminado estão envolvidos na disseminação da doença
entre as fazendas. A forragem pode se tornar contaminada após contato com animais infectados e há relatos de
disseminação iatrogênica de febre aftosa.
Embora equinos, cães e gatos não sejam acometidos por febre aftosa, eles podem atuar como vetores
mecânicos, assim como as pessoas. As aves também não são suscetíveis à infecção, mas podem carrear o vírus
em seus pés e penas e excretar o vírus após ingerir material infectado. Por conseguinte, os pássaros podem
carrear o vírus, apesar de seu papel na disseminação não estar claro.
Um cenário típico para a introdução da febre aftosa em região previamente livre ocorre com a importação de
alimentos derivados de animais infectados (como carne, vísceras ou leite) para alimentação de suínos; o vírus,
então, se espalha por meio de aerossol de suínos infectados para os bovinos, os quais representam a espécie
mais provavelmente infectada por via respiratória devido ao grande volume de ar inspirado. O vírus da febre
aftosa pode sobreviver em material fecal seco por 14 dias, no verão, em material pastoso por até 6 meses, no
inverno, na urina por 39 dias e no solo por 3 dias (no verão) a 28 dias (no inverno).
Os ruminantes que se recuperaram de infecção e os ruminantes vacinados que têm contato com o vírus vivo
da febre aftosa podem atuar como focos de infecção e carrear o vírus na região faringiana por até 3,5 anos, em
bovinos, 9 meses em ovinos e = 5 anos em búfalos africanos. Experimentalmente, não é possível comprovar a
transmissão de um animal carreador para um animal suscetível contactante, mas há evidências que sob
condições adversas esses animais carreadores iniciem novos surtos de doença. O vírus da febre aftosa pode ser
isolado de animais portadores por meio de cultura de amostras de células superficiais e muco da faringe
(coletadas utilizando­se uma sonda especial) em tecidos suscetíveis, como as células principais da tireoide de
bovinos. Contudo, a técnica é provavelmente apenas 50% confiável na identificação do portador, com a
utilização de uma única amostra, pois a quantidade de vírus encontrada na faringe é variável em diferentes
ocasiões.
O local primário de infecção e replicação geralmente é a mucosa da faringe, embora o vírus possa penetrar
através de lesões de pele ou no trato gastrintestinal. O vírus se dissemina pelo sistema linfático para locais de
replicação, como epitélio de boca, focinho, patas e úbere, além de áreas cutâneas lesionadas (p. ex., joelhos e
jarrete de suínos mantidos em piso de concreto). As vesículas se desenvolvem nesses locais e se rompem quase
sempre em 48 h. A viremia persiste por 4 a 5 dias.
A produção de anticorpos pode ser detectada 3 a 4 dias após os primeiros sinais clínicos e são suficientes para
eliminar o vírus.
ACHADOS CLÍNICOS: O período de incubação da febre aftosa varia de 2 a 14 dias, dependendo da dose
infectante, da suscetibilidade do hospedeiro e da cepa viral – em suínos, em algumas cepas de vírus da febre
aftosa pode ser tão curto quanto 18 h. Os sinais clínicos são mais graves em bovinos e em suínos submetidos à
criação intensiva do que em ovinos e caprinos. A febre aftosa tem sido ignorada ou subdiagnosticada em
pequenos ruminantes.
Em bovinos e suínos, após o período de incubação, podem se desenvolver anorexia e febre de até 41°C. Os
bovinos salivam e batem as patas à medida que se desenvolvem vesículas na língua, no coxim dental, na
gengiva, nos lábios e na banda coronária da fenda interdigital podal. As vesículas também podem surgir nos
tetos e úbere, particularmente em vacas e porcas lactantes, e nas áreas da pele submetidas à pressão e
traumatismo, como os membros das porcas. Bezerros, cordeiros e suínos jovens podem morrer antes de
apresentar qualquer vesícula, em decorrência da lesão de células em desenvolvimento do miocárdio induzida
pelo vírus. A produção de leite diminui drasticamente em fêmeas leiteiras e todos os animais exibem perda da
condição corporal e da taxa de crescimento. Ovinos e caprinos podem desenvolver apenas algumas vesículas na
banda coronária e na boca. As vesículas bucais, mesmo quando graves, cicatrizam­se, em geral, em 7 dias,
embora a recuperação das papilas da língua demore mais tempo. As lesões de glândula mamária e patas
frequentemente sofrem infecções secundárias, resultando em mastite, lesão de sola e claudicação crônica. Em
suínos, pode ocorrer perda de todo o estojo córneo dos dedos. Bovinos e cervos também podem perder 1 ou
ambos os estojos córneos das patas; ademais, em cervos pode ocorrer desprendimento dos chifres.
DIAGNÓSTICO: Em bovinos e suínos, os sinais clínicos da febre aftosa são indistinguíveis daqueles de estomatite
vesicular (p. 668) e nos suínos daqueles da doença vesicular suína (p. 797) e do exantema vesicular (p. 805). As
amostras de epitélio vesicular ou de fluido vesicular devem ser enviadas em solução salina tamponada com
fosfato (pH 7,4) ao laboratório nacional oficial responsável pelo diagnóstico de febre aftosa ou ao World
Reference Laboratory do Office International des Epizooties (OIE)/Food and Agricultural Organization (FAO),
em Pirbright, Reino Unido, por acordo prévio. As amostras devem ser mantidas hermeticamente fechadas o
máximo possível, em pH 7,4, para evitar a destruição do vírus da febre aftosa e do antígeno. Devem ser
seguramente acondicionadas em recipientes duplos à prova de vazamento, cumprindo o regulamento nacional e,
quando apropriado, as normas internacionais de envio de material biológico infectante.
As amostras são preparadas como uma suspensão 10%, inoculada em cultura de tecido suscetível e tipagem
direta por ELISA. O vírus isolado da febre aftosa é caracterizado por comparação antigênica com as cepas
vacinais de febre aftosa existentes e a sequência do nucleotídio de um segmento do gene 1D é determinado por
comparação com outras cepas do mesmo sorotipo para identificar a possível origem do surto. Há
disponibilidade de um teste ELISA para determinar a evidência sorológica de vacinação contra febre aftosa ou a
recuperação da infecção: bloqueio em fase líquida do ELISA ou pela competição de fase sólida do ELISA,
introduzida mais recentemente, a qual é igualmente sensível, porém mais específica.
Os testes de anticorpos contra proteínas não estruturais (NSP) do vírus podem ser utilizados para distinguir
um animal infectado daquele que foi vacinado, pois apenas o animal infectado sustenta a replicação do vírus da
febre aftosa vivo, o qual expressa NSP como parte de seu ciclo de replicação. O vírus vacinal é morto e,
consequentemente, não há expressão de NSP; dessa forma, no hospedeiro não há anticorpos contra essas
proteínas. Entretanto, em algumas vacinas pode haver contaminação por NSP suficiente para induzir a produção
de anticorpo, particularmente a proteína 3D, em alguns animais que receberam múltiplas vacinações. Por outro
lado, animais vacinados que tiveram contato com o vírus vivo da febre aftosa e se tornaram portadores podem
falhar em produzir anticorpo contra NSP, pois a imunidade propiciada pela vacinação suprime a replicação viral.
Os kits de diagnóstico rápido estão se tornando disponíveis para realização do exame na própria fazenda, mas
há necessidade de validação acurada. Um teste PCR também está sendo cada vez mais utilizado para
diagnóstico rápido; embora sua total validação seja difícil, esse teste será, provavelmente, o mais utilizado no
futuro.
TRATAMENTO E CONTROLE: A ocorrência da febre aftosa em países anteriormente livres da doença pode
acarretar importantes efeitos no comércio nacional e internacional. Em vários países livres da doença há uma
política de abater todos os animais infectados e os suscetíveis que tiveram contato com eles e de restrições
rigorosas na movimentação de animais e veículos perto de locais infectados. Após o abate, as carcaças são
incineradas ou enterradas nesses locais, ou perto deles, e as instalações são completamente lavadas e
desinfetadas com ácido fraco ou álcali e por fumigação. Faz­se rastreamento para identificar a fonte do surto e
os locais nos quais o vírus da febre aftosa já pode ter sido transmitido por animais infectados ou produtos de
origem animal, por veículos ou pessoas, ou por meio de aerossol.
Em regiões ou países livres da febre aftosa nos quais isso não é possível, o controle envolve restrição de
movimentação, quarentena nos locais infectados e vacinação ao redor desses locais (e possivelmente neles).
Essas medidas têm a desvantagem de que vários animais portadores podem sobreviver após o surto e a
quarentena pode não ser suficientemente longa para prevenir a movimentação subsequente deles.
Nos países em que a febre aftosa é endêmica, a proteção, particularmente de vacas leiteiras de alta produção,
é realizada pela combinação de vacinação e prevenção da entrada do vírus nas propriedades leiteiras. Isso pode
ser difícil, quando a prevalência da doença na população não vacinada é alta e as condições climáticas facilitam
a transmissão do vírus por meio de aerossol.
A vacina contra febre aftosa é produzida com vírus morto e, na melhor das hipóteses, propicia boa proteção
contra a doença por 4 a 6 meses. Contudo, a diversidade antigênica das cepas do vírus dentro de cada um dos
sorotipos é mais uma complicação; assim, é necessário assegurar que as vacinas contenham cepas
antigenicamente similares às cepas do surto potencial. Por outro lado, a duração da imunidade induzida pelas
vacinas que contêm diferentes cepas pode ser muito breve. As vacinas contra febre aftosa para suínos requerem
um óleo adjuvante, ao passo que as vacinas para ruminantes podem conter um óleo ou hidróxido de
alumínio/saponina, como adjuvante. Atualmente, não há alternativa recomendada à vacina com antígenos
oriundos de vírus total que cresce em cultura de tecidos e, então, quimicamente inativadas com uma azidirina,
geralmente um binário da etilenoimina.

FEBRE Q

Febre Q é uma infecção bacteriana zoonótica associada principalmente a vacas parturientes, embora animais
domésticos, como gatos e alguns animais selvagens, também sejam incriminados na ocorrência de infecções
humanas. A bactéria causadora de febre Q é considerada um agente potencial de bioterrorismo em razão de sua
alta taxa de contagiosidade, estabilidade no ambiente e risco de disseminação por aerossol.
ETIOLOGIA, EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: A febre Q é causada por um cocobacilo Gram­negativo, Coxiella
burnetii. Embora seja considerada classicamente uma riquétsia, análises filogenéticas recentes sugerem que C.
burnetii está mais relacionada com Legionella e Francisella do que ao gênero Rickettsia. É encontrada e
reproduz­se em fagolisossomos de monócitos e macrófagos dos hospedeiros. Há duas formas – a variante de
célula grande, que é uma forma vegetativa encontrada em células infectadas, e a variante de célula pequena, que
é a forma extracelular infecciosa excretada no leite, urina e fezes e encontrada em alta concentração (109ID50/g)
em tecidos placentários e fluido amniótico. A variante pequena é resistente ao calor, ressecamento e a muitos
desinfetantes comuns e permanece viável por semanas a meses no ambiente. Quando um ruminante doméstico é
infectado, C. burnetii pode localizar­se nas glândulas mamárias, nos linfonodos supramamários, na placenta e
no útero, dos quais pode se disseminar nos partos e lactações subsequentes.
A epidemiologia de C. burnetii é complexa, pois há dois padrões principais de transmissão: em um, o
microrganismo circula entre animais selvagens e seus ectoparasitas, principalmente carrapatos; o outro ocorre
em ruminantes domésticos independentemente do ciclo em animais selvagens. Os carrapatos ixodídeos e
argasídeos podem atuar como reservatórios desse microrganismo. A distribuição é mundial (exceto na Nova
Zelândia) e os hospedeiros incluem mamíferos selvagens e domésticos, artrópodes e aves. A doença é enzoótica
na maioria das áreas onde bovinos, ovinos e caprinos são mantidos. Nos EUA, estudos de soroprevalência
mostraram anticorpos contra C. burnetii em 41,6% dos ovinos, em 16,5% dos caprinos e em 3,4% dos bovinos.
O maior risco de transmissão ocorre no parto, por meio de inalação, ingestão ou contato direto com fluido de
parto ou com a placenta. O microrganismo também é excretado no leite, urina e fezes. A pasteurização em alta
temperatura mata eficientemente o agente. Os carrapatos podem transmitir a doença aos ruminantes domésticos,
mas não tem papel epidemiológico importante na transmissão da doença às pessoas.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: A infecção nos ruminantes geralmente é subclínica, mas pode causar
anorexia e aborto tardio. Relatos sugerem C. burnetii como causa de infertilidade e abortos esporádicos com
placentite necrosante em ruminantes. As infecções experimentais em gatos causam febre transitória e anorexia
com duração de vários dias.
Nos ruminantes domésticos, as lesões macroscópicas são inespecíficas e o diagnóstico diferencial deve incluir
agentes infecciosos e não infecciosos que causam aborto. Pode­se realizar teste de imunofluorescência em
amostras de soro pareadas, com intervalo de = 2 semanas, para detectar infecções recentes; todavia, pode
ocorrer excreção de C. burnetii na ausência de título de anticorpos mensuráveis no soro. Cultura,
imunoistoquímica e PCR podem ser utilizadas na identificação do microrganismo nos tecidos.
TRATAMENTO E CONTROLE: A febre Q humana é de notificação obrigatória nos EUA, principalmente por sua
condição de possível agente de bioterrorismo. A notificação dos animais geralmente não é exigida, a menos que
esteja associada à infecção humana. Foram desenvolvidas vacinas para pessoas e animais, mas não estão
comercialmente disponíveis nos EUA. A vacina preveniu a infecção quando administrada em bezerros não
infectados, melhorou a fertilidade e reduziu a excreção do microrganismo em animais anteriormente infectados.
Para o tratamento oral dos ruminantes, a dose terapêutica de tetraciclina deve ser administrada por 2 a 4
semanas. Nos rebanhos com infecção reconhecida, a separação de fêmeas prenhes, a cremação ou enterramento
dos restos placentários do parto ou a administração de tetraciclina (8 mg/kg/dia) na água de beber da parturiente
pode reduzir a propagação do microrganismo.
RISCO ZOONÓTICO: A febre Q ocorre com mais frequência em pessoas que têm contato ocupacional com as
espécies de alto risco. A doença tem uma apresentação clínica muito variável em pessoas, desde uma doença
autolimitante, como a gripe, até pneumonia, hepatite e endocardite. É altamente contagiosa e apenas um
microrganismo pode causar a infecção, por via respiratória, em pessoas.
A maioria dos surtos em pessoas está associada à disseminação pelo vento e por produtos secos oriundos da
reprodução, contaminados com C. burnetii em locais onde ovinos, caprinos ou bovinos são mantidos. Criadores
e veterinários estão em risco quando acompanham partos. Em abatedouros, os magarefes também correm risco
devido ao contato com carcaças, lã e pelos infectados. A transmissão também pode ocorrer pelo consumo de
leite não pasteurizado. A manipulação de tecidos infectados representa uma ameaça aos funcionários de
laboratório. Febre Q foi observada em pessoas e pacientes de hospitais onde ovinos com infecção latente são
utilizados em pesquisas. Instituições médicas que utilizam fêmeas ruminantes prenhes em pesquisas devem
adquirir os animais de propriedades livres de Febre Q, quando possível. Além disso, os trabalhadores devem
usar equipamentos protetores adequados contra exposição a gotículas e aerossóis durante procedimentos
médicos de alto risco.

INFECÇÃO POR ERYSIPELOTHRIX RHUSIOPATHIAE

(Erisipela, Poliartrite não supurativa, Claudicação pós-

imersão)

Erysipelothrix rhusiopathiae é um patógeno bacteriano relevante em suínos, perus e ovelhas. É cosmopolita e


pode ser isolado também em bovinos, equinos, cães, gatos, aves domésticas, animais selvagens e aves.
Erisipeloide, uma condição caracterizada por infecção localizada da pele, pode ser notada em pessoas que
trabalham diretamente com animais infectados, carcaças contaminadas ou produtos de origem animal
contaminados.
A bactéria pode sobreviver em solo por mais de 5 semanas, entretanto, o solo não é um adequado meio de
cultura e o organismo torna­se inapto a sobreviver por longos períodos no ambiente. O solo e a superfície da
água contaminada representam vias de exposição. Portadores assintomáticos são as fontes comuns de infecção
por este organismo, mas a bactéria também pode ser introduzida na criação animal pelo escoamento de águas
superficiais, mamíferos selvagens, aves selvagens, animais de estimação e insetos picadores. A E. rhusiopathiae
leva a implicações em segurança alimentar, pois pode sobreviver por vários meses no tecido animal como carne
suína congelada ou resfriada, pernil curado ou defumado e subprodutos como farinha de sangue.
E. rhusiopathiae é um bastonete anaeróbio facultativo imóvel Gram­positivo. É catalase negativa, coagulase
positiva, oxidase negativa, resistente a altas concentrações de sal e produz H2S no meio TSI (triple sugar iron).
A colônia produz bactérias pleomórficas, dependendo do estado crônico ou agudo da doença. Em infecções
agudas, forma colônias lisas em meio de cultura, enquanto colônias rugosas são isolados típicos de infecções
crônicas nos animais. Esfregaços preparados com colônias lisas apresentam cocos delgados, Gram­positivos e
esfregaços de colônias rugosas apresentam uma mistura de cocos e filamentos.
Este microrganismo é muito resistente e pode sobreviver e desenvolver em ampla margem de pH e
temperatura ambiental. E. rhusiopathiae tem mostrado habilidade para resistir a ação de várias classes de
desinfetantes utilizados na criação animal, inclusive álcool, aldeídos, agentes oxidantes e fenóis. Classes e/ou
compostos de desinfetantes considerados efetivos na destruição de E. rhusiopathiae incluem hipoclorito
(alvejante) e soda cáustica (detergente; NaOH). O organismo é sensível aos antibióticos betalactâmicos
(penicilina e ampicilina), cefalosporinas (ceftiofur) e tetraciclinas, sendo resistente às sulfonamidas.

CLAUDICAÇÃO PÓS-BANHO DE IMERSÃO EM OVINOS

A claudicação após banho de imersão é notada em cordeiros e ovinos adultos. É caracterizada por claudicação
intensa que resulta da infecção causada pela penetração de Erysipelothrix rhusiopathiae através de pequenas
abrasões cutâneas na região do casco. A claudicação após banho de imersão ocorre normalmente em surtos,
descritos em vários países onde há criações de ovinos.
ETIOLOGIA: Com o tempo e o uso repetido, as soluções de banho de imersão ou as suspensões de agentes
inseticidas, que têm pouca ou nenhuma atividade bacteriostática, são intensamente contaminadas com várias
espécies de bactérias. E. rhusiopathiae é um contaminante comum e sua presença no tanque, às vezes em altas
concentrações, provoca infecção dos ferimentos cutâneos durante o banho de imersão. As pequenas abrasões
cutâneas na região do casco e da articulação da quartela correspondem às portas comuns de entrada. As lesões
que se estendem desses ferimentos na perna para as lâminas do casco causam a claudicação pós­banho de
imersão aguda. Também podem ocorrer surtos quando os ovinos precisam caminhar por regiões lamacentas
altamente contaminadas com o microrganismo.
ACHADOS CLÍNICOS: 2 a 4 dias após o banho de imersão, quantidade variável (até 90%, geralmente 25%) de
ovinos no rebanho pode estar deficiente em 1 ou mais patas. As patas afetadas parecem normais, exceto pelas
regiões do casco e da quartela que ficam quentes e dolorosas. Mais tarde, há um grau variável de queda de
pelos, às vezes se estendendo até o carpo ou o tarso. A maioria dos ovinos se recupera espontaneamente em 2 a
4 semanas sem sinais mais sérios, além de leve perda de peso corporal. Em alguns surtos, entretanto, a
mortalidade pode atingir 5% e, particularmente em ovinos jovens, pode­se perder muito da condição corporal.
Artrite crônica e aguda são sequelas raras.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO: O descarte de soluções de banho de imersão muito contaminadas é o melhor
método de prevenção de infecções por E rhusiopathiae, que estão associadas à claudicação. A utilização de um
bacteriostático apropriado nas soluções de imersão reduz a prevalência desta condição.

ERISIPELA SUÍNA

É uma doença infecciosa causada por Erysipelothrix rhusiopathiae, considerada uma das enfermidades mais
antigas conhecidas que afetam o crescimento de suínos adultos. Mais de 50% dos suínos em regiões de
produção intensiva são considerados infectados por E. rhusiopathiae. O microrganismo habita o tecido tonsilar;
espécies não patogênicas (E. tonsillarum) são descritas como residentes do tecido tonsilar.
Os surtos da doença podem ser agudos ou crônicos; pode ocorrer infecção subclínica. Os surtos agudos são
caracterizados por morte inesperada súbita, episódios de febre, dor articular e lesões cutâneas que variam de
cianose generalizada até lesões de pele frequentemente descritas como “diamantes” (urticária romboide). A
erisipela crônica tende a seguir os surtos agudos e são caracterizadas por baixa mortalidade, aumento das
articulações, laminite e evidências post mortem de endocardites vegetativas. Suínos com lesões valvulares
podem exibir poucos sinais clínicos, entretanto, quando enxertados eles podem apresentar estresse respiratório e
possibilidade de sucumbir à infecção.
ETIOLOGIA: O crescimento de E. rhusiopathiae em meios neutros é notado como colônias cinzentas,
translúcidas e não hemolíticas, lisas ou rugosas, após 24 h de incubação. Depois de 48 h de incubação uma zona
de hemólise incompleta torna­se evidente ao redor das colônias. Há pelo menos 28 diferentes sorovariantes e os
suínos são considerados suscetíveis a cerca de 15 deles.
Nas propriedades onde o microrganismo é endêmico, os suínos são naturalmente expostos a E. rhusiopathiae
quando jovens; seus anticorpos maternos propiciam um grau de imunidade ativa sem desencadear a doença. Os
suínos mais velhos tendem a desenvolver imunidade ativa como resultado da exposição a sorovariantes que não
induzem a doença clínica. O microrganismo é eliminado por suínos infectados nas fezes e/ou secreções
oronasais e sobrevivem por curtos períodos no solo e na água, onde ocorre efetivamente a contaminação do
ambiente. O microrganismo pode sobreviver a passagem por ambientes hostis como o estômago e intestino e
mantém­se viável nas fezes por vários meses. Os suínos recuperados e os cronicamente infectados podem ser
portadores do microrganismo. Suínos sadios podem ser carreadores assintomáticos. As infecções ocorrem pela
ingestão de alimentos contaminados, água ou fezes e menos comum através de abrasões na pele. Após a
ingestão, o microrganismo provavelmente entra no corpo pelas tonsilas ou tecido linfoide do trato
gastrintestinal.
ACHADOS CLÍNICOS: As formas agudas e crônicas da erisipela suína podem ocorrer em sequência ou

separadamente. Os suínos com a forma septicêmica aguda podem morrer subitamente sem sinais prévios. Isso
acontece com mais frequência nos suínos em fase de terminação. Os suínos com infecção aguda apresentam
febre (40 a 42°C), andar rígido sobre os dedos, decúbito esternal, se separam do grupo, e não se amontoam a
outros animais e relutam em se movimentar. Emitem grunhidos de lamento quando manipulados e podem
transferir seu peso de um membro para o outro ao se levantarem. Anorexia e sede são comuns. As manchas de
pele podem variar desde eritema amplamente disseminado e coloração arroxeada de orelhas, focinho e abdome,
até lesões cutâneas em “forma de diamante” por quase todas as partes do corpo, particularmente nas regiões
laterais e dorsais. As lesões podem se manifestar como áreas róseas ou roxo­claras de tamanhos variáveis, que
se tornam elevadas e firmes ao toque após 2 ou 3 dias de doença. Podem desaparecer ou progredir para um tipo
mais crônico de lesão, como doença cutânea em forma de diamante. Caso não seja tratada, ocorre necrose e
desprendimento da pele em amplas regiões, porém mais comumente ocorre necrose e desprendimento das
pontas de orelhas e cauda.
A doença clínica geralmente é esporádica e afeta indivíduos ou pequenos grupos, mas, às vezes, surtos
maiores ocorrem. A mortalidade é de 0 a 100% e pode suceder morte até 6 dias após os primeiros sinais da
enfermidade. As porcas grávidas agudamente afetadas podem abortar, possivelmente devido à febre, e as fêmeas
em aleitamento podem apresentar agalactia. Os suínos não tratados podem desenvolver a forma crônica,
comumente caracterizada por artrite crônica, endocardite valvular vegetativa ou ambas; tais lesões também
podem ser observadas em suínos sem sinais prévios de sepse. A endocardite valvular é mais frequente em
suínos adultos ou jovens e se manifesta quase sempre por morte, geralmente em decorrência de embolismo ou
insuficiência cardíaca. Na artrite crônica, a forma mais comum da infecção crônica, provoca claudicação leve a
grave; as articulações afetadas podem ser de difícil detecção, mas tendem a se tornar quentes e doloridas ao
toque e, depois, visivelmente aumentadas e firmes, resultando em claudicação. Podem ser observadas lesões
cutâneas necróticas roxo­escuras, que costumam descamar. A mortalidade em casos crônicos é baixa, mas a
velocidade de crescimento fica retardada.
Lesões: Durante a necropsia, na infecção aguda, pode­se notar lesões cutâneas, linfonodos geralmente
aumentados e congestos, pulmões edematosos e congestos, além de esplenomegalia e hepatomegalia. Podem ser
verificadas petéquias nos rins e no coração.
Na erisipela crônica, a endocardite valvular é verificada como proliferativa, com crescimento granular nas
válvulas cardíacas e embolismo; infarto pode se desenvolver. A artrite pode acometer as articulações de uma ou
mais pernas ou as articulações intervertebrais; a ampliação da articulação é proliferativa, mas não supurativa e
são formados pontos de granulação no tecido provenientes da cavidade articular. Em casos crônicos, pode haver
proliferação e erosão da cartilagem articular; isso pode ser seguido por fibrose e ancilose da articulação.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico de erisipela é baseado nos sinais clínicos, nas lesões macroscópicas e na resposta à
terapia antimicrobiana. O diagnóstico de erisipela aguda é difícil em suínos, as quais apresentam apenas febre,
inapetência e apatia; no entanto, em surtos envolvendo vários animais, lesões de pele e claudicações são
provavelmente observadas em pelo menos alguns casos e confirma­se o diagnóstico clínico. Quando presente,
diagnostica­se urticária romboide ou lesões em forma de diamante. O isolamento de E. rhusiopathiae do sangue
de suínos afetados é possível em casos agudos e auxilia no diagnóstico. A erisipela responde extremamente bem
à penicilina, devido à sensibilidade deste microrganismo a este antimicrobiano. O teste PCR, se disponível,
auxilia no diagnóstico da erisipela aguda.
As erisipelas crônicas podem ser de difícil diagnóstico. No exame pós­morte, artrite e laminite, juntamente
com endocardite valvular vegetativa, podem auxiliar no diagnóstico presuntivo de erisipela crônica. Entretanto,
estas lesões podem ser causadas por outros agentes infecciosos. Uma cultura positiva de vegetação valvular
define o diagnóstico de erisipela crônica. Os testes sorológicos não são efetivos para o diagnóstico de erisipela.
O teste de fixação de complemento é considerado promissor para o diagnóstico da doença, pois apresentam
acurácia e confiança comparadas a outros testes.
Doenças que devem ser consideradas como parte do diagnóstico diferencial incluem condições que podem
desencadear lesões macroscópicas sugestivas de sepse aguda. Salmonelose septicêmica devido à infecção por
Salmonella Choleraesuis, peste suína clássica causada por pestivírus e sepse e endocardite por Streptococcus
suis devem ser consideradas devido à semelhança das lesões. A doença de Glasser, provocada por Haemophilus
parasuis, e a infecção por Mycoplasma hyosynoviae podem desencadear alterações semelhantes nos tecidos
sinoviais e nas articulações de suínos infectados.
Lesões cutâneas de erisipela. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.

TRATAMENTO: E. rhusiopathiae é sensível à penicilina. Deve ser administrada em intervalos de 12 h durante, no


mínimo, 3 dias; como alternativa, pode­se utilizar uma formulação de longa duração no tratamento de infecções
graves. No aspecto econômico, a penicilina é a melhor escolha de tratamento, mas a ampicilina e o ceftiofur
também apresentam resultados satisfatórios em casos agudos. As tetraciclinas adicionadas à ração ou à água
podem ser úteis quando há vários suínos infectados. A febre associada à infecção aguda pode ser controlada
pela administração de AINE, como a flumixina meglumina, ou mediante adição de ácido acetilsalicílico na
água. O antissoro para erisipela, quando disponível, é considerado um complemento efetivo ao tratamento
antimicrobiano em casos de surtos agudos. O tratamento de infecções crônicas geralmente não é efetivo e não é
economicamente viável. Os suínos com infecções crônicas devem ser abatidos, pois podem contaminar o
ambiente e atuam como fonte de infecção, desencadeando novos surtos.
PREVENÇÃO: A vacinação contra E. rhusiopathiae é efetiva no controle de surtos da doença em granjas de
suínos e devem ser incentivadas. A interrupção da vacinação em algumas granjas está ligada aos casos de
surtos. As bacterinas injetáveis e atenuadas, vacinas vivas aplicadas através da água estão disponíveis e
propiciam um aumento da duração da imunidade. A época ideal da vacinação pode variar de granja para granja.
Quando E. rhusiopathiae é endêmica no ambiente, a vacinação deve ser realizada antecipadamente aos surtos.
Os suínos suscetíveis podem ser vacinados prioritariamente à desmama, durante ou semanas após essa etapa.
Machos e fêmeas selecionados para entrar na criação devem ser vacinados, com reforço dentro de 3 a 5
semanas. Posteriormente, os reprodutores devem ser vacinados duas vezes ao ano. As vacinas não devem ser
administradas nos animais sob tratamento com antimicrobianos, pois os antibióticos podem interferir com a
resposta imune subsequente à vacina.
As falhas vacinais podem ocorrer em alguns rebanhos devido ao manejo estressante que afeta o sistema
imune dos suínos vacinados. Diferenças antigênicas entre os sorotipos vacinais e os circulantes nas granjas
também podem resultar em uma imunidade incompleta e surtos da doença.
Além disso, durante a vacinação, a atenção para a desinfecção e a higiene, bem como a eliminação de suínos
com sinais clínicos sugestivos de infecção por erisipela representam medidas viáveis que auxiliam no controle
da doença nas granjas de suínos.

POLIARTRITE NÃO SUPURATIVA EM CORDEIROS

A poliartrite não supurativa é uma infecção de cordeiros em crescimento mais velhos (6 semanas a 4 meses de
idade). É caracterizada por alta taxa de mortalidade e claudicação moderada a grave com aumento das
articulações infectadas.
ETIOLOGIA: O agente causador, Erysipelothrix rhusiopathiae, quase sempre penetra no organismo através de
ferimentos, às vezes através do umbigo, porém mais habitualmente após o corte da cauda e a castração.
Entretanto, surtos podem ocorrer após procedimentos cruentos, particularmente durante extensos períodos de
tempo úmido, que aumenta o nível de estresse e melhora a sobrevivência do microrganismo no ambiente. E.
rhusiopathiae localiza­se nas articulações após disseminação hematógena e infecta a membrana sinovial. A
progressão da infecção sinovial resulta em sinovite e lesões às cartilagens articulares e ao osso subcondral
adjacente.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Morte súbita e claudicação grave a moderada em inúmeros cordeiros em

crescimento é sugestivo da poliartrite não supurativa. A claudicação ocorre tipicamente em 2 ou mais membros
e nas articulações geralmente afeta o carpo e o jarrete. Os cordeiros afetados são relutantes a movimentação e
passam longos períodos em decúbito esternal. O crescimento geralmente é comprometido. A progressão das
condições leva a proliferação da membrana sinovial e espessamento da cápsula articular sem efusão articular
significativa e eventual erosão da cartilagem articular.
DIAGNÓSTICO: O início súbito da claudicação em inúmeros cordeiros em fase de desenvolvimento é sugestivo
de poliartrite por E. rhusiopathiae. Devido ao mínimo derrame articular, a tentativa de obtenção de uma amostra
de fluido da articulação afetada para cultura e outros exames diagnósticos pode ser infrutífera.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO: A vacinação deve ser considerada uma premissa onde a doença é um problema
recidivante. São recomendadas técnicas antissépticas rigorosas e manutenção de condições higiênicas durante o
corte de cauda e a castração, mas não se pode contar apenas com isso para a prevenção. O uso de métodos
denominados “incruentos” para ambas as operações pode reduzir o risco de contaminação do ferimento, mas
sabe–se que os surtos se seguem a todos os métodos comuns. Recomenda­se tratamento da poliartrite não
supurativa com penicilina, durante 5 dias. A administração de AINE melhora a claudicação.

INFECÇÕES FÚNGICAS (Micoses)

As micoses sistêmicas são infecções causadas por agentes fúngicos presentes no ambiente e que penetram no
hospedeiro por uma única porta de entrada e se disseminam para vários órgãos. O solo, considerado
reservatório, é a principal fonte da maioria das infecções, as quais podem ser adquiridas por inalação, ingestão
ou introdução traumática de fungos (ver dermatofilose, p. 913).
Os fungos patogênicos causam infecção em hospedeiros aparentemente normais; doenças como
histoplasmose, coccidioidomicose, blastomicose e criptococose são consideradas micoses sistêmicas primárias.
Os fungos oportunistas geralmente exigem um hospedeiro debilitado ou imunossuprimido (p. ex., submetido a
estresse em cativeiro ou com acidose metabólica, desnutrição, infecções virais ou neoplasia) para ocasionar
infecção. A administração prolongada de antimicrobianos ou agentes imunossupressores parece aumentar a
probabilidade de infecção por fungos oportunistas que causam doenças como aspergilose e candidíase, as quais
podem ser focais ou sistêmicas.
Os achados clínicos e as lesões macroscópicas não são diagnósticos definitivos de micoses sistêmicas; é
necessária identificação microscópica, cultura do microrganismo ou PCR. A identificação do fungo e a reação
tecidual por análise microscópica de exsudatos e o material da biopsia são adequados para o diagnóstico de
histoplasmose, criptococose, blastomicose, coccidioidomicose e rinosporidiose. Outras doenças, como
candidíase, aspergilose, zigomicose, feoifomicose, hialoifomicose e oomicose (pitiose e lagenidiose), exigem
mais do que avaliação microscópica para um diagnóstico definitivo. Alguns desses fungos também são
contaminantes comuns de culturas; dessa forma, a invasão tecidual e a reação devem ser demonstradas por
isolamento em cultura para ser considerado significativo. A sorologia pode ser útil para o diagnóstico (e
prognóstico) de algumas doenças micóticas, como criptococose, coccidioidomicose, pitiose e lagenidiose. A
titulação dos antígenos é útil para criptococose, histoplasmose e blastomicose. Um recente ensaio
imunoenzimático desenvolvido para este antígeno é utilizado tanto em amostras de urina como de soro para
detectar o antígeno galactomanana na parede celular que é imunologicamente indistinto na histoplasmose e
blastomicose. Enquanto o título geralmente não é útil na diferenciação entre as duas infecções, é útil no
diagnóstico da presença da micose sistêmica.
Para o tratamento, ver discussão sobre micoses sistêmicas específicas (a seguir) e farmacoterapia do sistema
tegumentar, p. 2620.

ASPERGILOSE

É causada por diversas espécies de Aspergillus, especialmente A. fumigatus e A. terreus. É encontrada


É causada por diversas espécies de Aspergillus, especialmente A. fumigatus e A. terreus. É encontrada
mundialmente e em quase todos os animais domésticos e aves, assim como em várias espécies selvagens. É
principalmente uma infecção respiratória que pode se tornar generalizada; no entanto, a predileção tecidual varia
entre as espécies. As formas mais comuns são infecções pulmonares em aves domésticas e outras aves, aborto
micótico em bovinos, micose da bolsa gutural em equinos e infecções dos tecidos nasais e paranasais, locais
intervertebrais e rins de cães. Em gatos domésticos, têm­se descrito formas pulmonares e intestinais.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Em aves, a aspergilose (p. 2939) é principalmente broncopulmonar, com

dispneia, respiração ofegante e polipneia, acompanhadas de sonolência, anorexia e emaciação. Também há


relato de traqueíte micótica. Notam­se torcicolo e distúrbios de equilíbrio quando a infecção se dissemina ao
cérebro. Nódulos amarelados de tamanho e consistência variáveis ou lesões em placa foram encontrados nas
vias respiratórias, pulmões, sacos aéreos ou membranas das cavidades corporais. Pode­se encontrar fungo de
crescimento semelhante à pelos nas paredes espessadas dos sacos aéreos. Outras espécies com aspergilose
broncopulmonar podem apresentar lesões nodulares nos pulmões, ou pneumonia aguda acompanhada de fluido
serossanguinolento na cavidade pleural e pleurite fibrinosa.
Em ruminantes, a aspergilose pode ser assintomática, ocorrer em uma forma broncopulmonar, causar
mastite, ou provocar placentite e aborto. A pneumonia micótica pode ser rapidamente fatal. Os sinais incluem
pirexia; respiração estertorosa, superficial e rápida; secreção nasal e tosse úmida. Os pulmões ficam firmes,
pesados e mosqueados, mas não colapsados. Na pneumonia micótica aguda a crônica, os pulmões contêm
múltiplos granulomas discretos e a doença macroscopicamente se assemelha à tuberculose (p. 726).
Na ausência de pneumonia, as vacas infectadas geralmente não apresentam sinais, exceto o aborto; o feto
morto é abortado entre o 6o e o 9o mês de gestação e as membranas fetais são retidas. As lesões são encontradas
no útero, nas membranas fetais e quase sempre na pele fetal. No útero, macroscopicamente as áreas
intercarunculares tornam­se espessadas, coriáceas e vermelho­escuras a castanhas, contendo focos elevados ou
com erosão recobertos por uma pseudomembrana aderente cinza­amarelada. As carúnculas maternas ficam
vermelho­escuras a castanhas, e os cotilédones fetais aderentes ficam acentuadamente espessados. As lesões
cutâneas nos fetos abortados consistem em focos discretos, macios, elevados e avermelhados a cinzentos, que
lembram lesões de tinha.
Em equinos, epistaxe e disfagia são complicações comuns de micose da bolsa gutural (ver p. 1227). A bolsa
gutural infectada caracteriza­se por inflamação necrosante e se torna espessada, hemorrágica e recoberta por
uma pseudomembrana friável. Rinite micótica caracterizada por dispneia e secreções nasais também foi
relatada. Aspergilose pode ser uma doença rapidamente fatal associada à invasão pulmonar difusa. Nesses
casos, a enterite aguda é geralmente um fator predisponente. Acredita­se que a colite é resultante de uma
neutropenia intensa que diminui a imunocompetência do hospedeiro, seguida de invasão de Aspergillus a partir
da ruptura da mucosa intestinal. Quando a infecção se espalha para o cérebro e o nervo óptico podem ocorrer
distúrbios locomotores e visuais, inclusive cegueira.
Em cães, a aspergilose localiza­se caracteristicamente nos seios paranasais ou na cavidade nasal e é causada
por infecção por A. fumigatus. A aspergilose nasal é observada principalmente em raças dolicocefálicas; inicia
na região posterior do maxiloturbinado ventral com sinais de letargia, dor nasal, ulceração de narinas, espirros,
secreção nasal hemorrágico­purulenta uni ou bilateral, osteomielite de seio frontal e epistaxe. As lesões
macroscópicas variam consideravelmente com o local de infecção, mas a mucosa dos seios nasais e paranasais
pode ser recoberta por uma camada de material necrótico preto–acinzentado e crescimento fúngico. A mucosa e
o osso subjacente podem estar necróticos com a perda da definição óssea nas radiografias.
Hifas de Aspergillus spp no exame citológico de raspado ocular de um equino com queratite micótica. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.

A doença disseminada em cães é verificada, com mais frequência, em cães da raça pastor alemão e quase
sempre envolve A. terreus e A. deflectus. Os sinais clínicos da aspergilose disseminada podem incluir letargia,
claudicação, anorexia, perda de peso, pirexia, hematúria, incontinência urinária, linfadenopatia generalizada e
déficits neurológicos. Em geral, as lesões são encontradas em rins, baço e vértebras. A discoespondilite é
comum.
DIAGNÓSTICO: Radiografias em cães com aspergilose nasal podem apresentar radioluscência generalizada das
câmaras nasais secundárias à destruição do tecido turbinado. Osteomielite dos seios frontais é observada em até
80% dos cães. Muitas vezes realiza­se um diagnóstico por visualização dos fungos nas placas por meio de
rinoscopia, juntamente com sorologia e evidência micológica ou radiográfica da doença. O diagnóstico com
base apenas na cultura não é apropriado, pois os aspergilos são onipresentes e podem ser isolados das cavidades
nasais de cães saudáveis. O resultado positivo da cultura deve ser confirmado pela demonstração de hifas
ramificadas, septadas, hialinas e estreitas em lesões pelos testes sorológicos. O teste de dupla difusão em ágar–
gel para os anticorpos séricos é uma técnica confiável para o diagnóstico; sensibilidade melhorada pode ser
possível com técnicas como ELISA. Os procedimentos de imunofluorescência podem ser utilizados para
identificar hifas nas secções teciduais.
TRATAMENTO: Em cães, o tratamento tópico é considerado o tratamento de escolha para a aspergilose nasal e
paranasal. Várias técnicas cirúrgicas e esquemas de medicamentos têm sido utilizados com sucesso variável. O
clotrimazol é geralmente considerado o tratamento de primeira escolha. Pode­se administrá­lo através de tubos
de demora com orifícios nos seios frontais ou via narinas na forma de infusão simples. Caso seja realizada a
infusão via narinas, utilizam­se cateteres de Foley para instilar 0,5 g em cada lado da cavidade nasal. A solução
infundida é mantida no local por 1 h, durante a qual a posição do cão é mudada periodicamente para maximizar
a penetração. Há taxa de sucesso de cerca de 80%, utilizando­se infusões locais dessa maneira. Doses de 10 mg
de enilconazol/kg, 2 vezes/dia, por 7 a 14 dias, instiladas através dos tubos implantados cirurgicamente nos
seios frontais, também tem sido utilizadas com taxa de sucesso similar. Os medicamentos administrados por via
sistêmática incluem cetoconazol, itraconazol, fluconazol, voriconazol e posaconazol. Cetoconazol (5 a 10
mg/kg, 2 vezes/dia, por 6 a 8 semanas) não é tão eficaz como o fluconazol (2,5 a 10 mg/kg, 2 vezes/dia) e o
itraconazol (5 a 10 mg/kg, 1 vez/dia). Voriconazol (3 a 6 mg/kg, 1 vez/dia), é, provavelmente, o mais efetivo dos
antifúngicos da classe azol para o tratamento de aspergilose, porém o custo é alto em comparação com as outras
drogas.
Em equinos, são realizadas exposição cirúrgica e curetagem para o tratamento da micose da bolsa gutural. O
uso tópico de natamicina e a administração oral de iodeto de potássio são eficazes nos casos de infecção por
Aspergillus. O itraconazol (3 mg/kg, 2 vezes/dia, durante 84 a 120 dias), foi relatado como eficaz no tratamento
de equinos com rinite por Aspergillus.
O tratamento de mastite bovina tem sido efetivo com a combinação de injeção intra­arterial e aplicação
intramamária de miconazol.

BLASTOMICOSE

A blastomicose, causada pelo fungo dimórfico Blastomyces dermatitidis, é caracterizada por lesões
piogranulomatosas em vários tecidos. É mais comum em pessoas, cães e gatos, mas também foi relatada em
diversas espécies, como equinos, furões, cervos, lobos e leões africanos, golfinhos nariz de garrafa e leões
marinhos. Parece que não acomete bovinos, ovinos e suínos. A blastomicose é limitada geralmente a América
do Norte, e vários casos têm ocorrido nos Estados de Mississippi, Missouri, Tennessee e na bacia do Rio Ohio e
ao longo dos Grandes Lagos e St. Lawrence Seaway. Mesmo nestas bacias, o microrganismo é encontrado em
regiões geograficamente restritas. Castores e outros habitantes de vegetação em solo úmido, ácido e rico em
vegetais em decomposição podem atuar como nicho ecológico para o microrganismo, mas geralmente é difícil
encontrá­lo no ambiente. O fungo também é isolado em fezes de pombos e morcegos. Orvalho, chuva ou
neblina pode ter um papel crítico na liberação de conídios do local infectado, os quais se apresentam na forma
de aerossol e são inalados. Quando as defesas do trato respiratório são imunossuprimidas, a doença é
disseminada por via hematógena para os pulmões. As lesões cutâneas podem resultar de penetração primária da
pele ou, mais comumente, pela disseminação do foco pulmonar. As lesões por espetada de agulha ao pessoal
veterinário, após aspiração de lesões cutâneas de animais infectados podem resultar em infecções cutâneas
primárias. As lesões oculares tendem a se desenvolver primeiro no segmento posterior, ocasionando
coriorretinite granulomatosa e descolamento de retina. Geralmente há envolvimento do segmento anterior,
resultando em uveíte e panoftalmia.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos variam de acordo com o órgão envolvido e não são específicos. Perda de
peso pode ser acompanhada de tosse, anorexia, linfadenopatia, dispneia, doença ocular, claudicação, lesões
cutâneas e febre. Sons pulmonares secos e ásperos são extremamente comuns em cães com blastomicose. Os
sinais pulmonares são observados em mais de 85% dos casos de cães afetados. O envolvimento pulmonar grave
resulta em hipoxemia, que indica um prognóstico reservado. O envolvimento dos linfonodos é observados em
metade dos cães afetados, cuja proporção de cães afetados é semelhante aquela de animais com envolvimento
cutâneo. As lesões cutâneas podem incluir granulomas proliferativos e abscessos subcutâneos que ulceram e
drenam uma descarga serossanguinolenta. As lesões de pele geralmente são muito pequenas e multifocais em
cães, mas amplos abscessos são ocasionalmente observados, especialmente em gatos. Plano nasal, face e unhas
geralmente são envolvidos. Os sinais de blastomicose ocular são notados em 30 a 50% dos cães afetados e
incluem cegueira, uveíte, glaucoma e descolamento de retina. A claudicação associada à osteomielite fúngica ou
paroníquia grave ocorre em aproximadamente um quarto dos cães afetados. Os sinais do SNC são raros,
ocorrendo em < de 5% dos cães, e podem ser mais comuns em gatos. O padrão de envolvimento sistêmico é
semelhante em gatos, mas esta espécie é menos afetada que os cães. Hematúria, noctúria e disúria com tenesmo
podem ser verificadas na blastomicose urogenital.
Lesões: As lesões macroscópicas consistem de áreas raras a numerosas de tamanhos variados, irregulares,
firmes, cinzas a amarelas no pulmão e nódulos pulmonares e nos linfonodos torácicos. A disseminação pode
resultar em lesões nodulares em vários órgãos, especificamente na pele, nos olhos e nos ossos. As lesões
cutâneas são representadas por pápulas únicas ou múltiplas, ou nódulos piogranulomatosos crônicos
supurativos.
DIAGNÓSTICO: A blastomicose pode ser diagnosticada em cães com nódulos cutâneos supurativos e sinais de
doença respiratória. Em gatos, o envolvimento do trato respiratório é observado com frequência, seguido de
envolvimento do SNC, linfonodos regionais, pele, olhos e tratos GI e urinário. Os achados radiográficos nos
pulmões incluem nódulos não calcificados ou consolidados e aumento dos linfonodos bronquiais e mediastinais.
O padrão predominante nas radiografias torácicas são os nódulos intersticiais difusos e densidade peribrônquica.
Comumente, os linfonodos bronquiais são muito aumentados e apresentam massas densas na radiografia. O
diagnóstico pode ser realizado por biopsia tecidual ou amostras aspiradas de lesões de pele ou de outros órgãos
envolvidos, pela presença de fungos de parede espessa que, frequentemente, têm células­filha oriundas por
brotamento com base ampla. Estes blastosporos redondos ou ovoides, rosa­pálidos (H&E) medem cerca de 8 a
25 μm, têm parede refrátil e parede dupla. Podem ser vazios ou conter material nuclear basofílico e ter um único
broto com base ampla. Geralmente ocorre uma resposta ao anticorpo, detectada em imunodifusão em ágar gel,
mas esta resposta não é sensível, tampouco específica, para o diagnóstico definitivo.
TRATAMENTO: O itraconazol (5 mg/kg/dia) é o tratamento de eleição para cães e gatos com blastomicose. Um
mínimo de 2 meses são necessários para o tratamento e este fármaco pode ser administrado até que a doença
ativa não seja mais aparente. A cura clínica é esperada em cerca de 70% dos cães, com recidiva em cerca de
20% dos cães tratados, meses ou anos após o tratamento. Vários cães respondem ao novo tratamento com
itraconazol. Outros antifungos azóis, como fluconazol e cetoconazol, não são tão efetivos como o itraconazol.
Em casos fulminantes de blastomicose, especialmente aqueles com evidência de hipoxemia, recomenda­se a
combinação de terapia com anfotericina B e itraconazol. Pequenos cursos de doses anti­inflamatórias de
glicocorticoides devem ser administrados nos primeiros dias de tratamento, mas o uso dos esteroides é
controverso e pode piorar o prognóstico. O prognóstico é melhor em cães sem o quadro pulmonar ou com o
comprometimento parcial dos pulmões. O prognóstico é reservado a moderado em doenças pulmonares e mais
grave quando há envolvimento do SNC.

CANDIDÍASE

É uma doença mucocutânea localizada, causada por espécies do fungo semelhante à levedura, Candida spp,
mais comumente C. albicans. Está distribuído em todo o mundo em vários animais. Este microrganismo é um
habitante normal de nasofaringe, trato gastrintestinal e genitália externa de várias espécies de animais e é
oportunista em causar doença. Os fatores associados à candidíase incluem dano à integridade da mucosa; uso de
cateter de demora intravenoso ou urinário; administração de antibióticos; e doenças ou fármacos
imunossupressores. O microrganismo afeta, com mais frequência, as aves (p. 2901), nas quais infecta mucosa
bucal, esôfago e papo. Em suínos e potros, têm­se descritas infecções superficiais limitadas à membrana mucosa
do trato intestinal. A candidíase sistêmica também foi descrita em bovinos, bezerros, ovinos e potros
secundariamente a terapia antimicrobiana ou corticoterapia prolongadas. Em gatos, a candidíase é rara, mas está
associada a doenças oral e respiratória superior, piotórax, lesões oculares, doença intestinal e urocistite. As
infecções são raras em cães e equinos. No entanto, considera­se Candida spp como causa de artrite em equinos
e mastite e abortos em vacas.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sinais clínicos são variáveis e inespecíficos e podem estar associados mais a
fatores primários ou predisponentes do que à própria candidíase. Os bezerros com candidíase de pré­estômago
apresentam diarreia aquosa, anorexia e desidratação, com progressão gradual para prostração e morte. Os
pintinhos infectados ficam apáticos e apresentam redução do consumo alimentar e da taxa de crescimento. A
candidíase suína afeta as mucosas bucal, esofágica e gástrica, sendo os sinais mais consistentes diarreia e
emaciação.
As lesões macroscópicas da pele e das mucosas incluem, geralmente, tumefações esbranquiçadas recobertas
por crostas, únicas ou múltiplas, elevadas e circulares. O microrganismo pode penetrar no epitélio ceratinizado e
ocasionar espessamento ceratinoso acentuado das mucosas de língua, esôfago e rúmen. Em aves, as lesões
esofágicas e do papo são úlceras circulares e brancas com crostas superficiais elevadas que produzem o
espessamento da mucosa; pseudomembrana facilmente removida é comum.
DIAGNÓSTICO: Microrganismos fúngicos se proliferam em grande quantidade no tecido epitelial e o diagnóstico
pode ser feito mediante exame de raspado ou de amostras de lesões mucocutâneas obtidas por biopsia. C.
albicans são células ovoides, leveduriformes (2 a 4 μm de diâmetro) com paredes finas ou ocorrem na forma de
cadeias que produzem pseudo­hifas quando os blastosporos permanecem unidos após a divisão por brotamento.
Hifas verdadeiras, regulares e filamentosas também podem ser visualizadas. As células fúngicas quase sempre
são limitadas ao tecido epitelial e raramente são profundas.
TRATAMENTO: A pomada de nistatina ou a aplicação tópica de anfotericina B ou de solução de iodo 1% pode ser
útil no tratamento de candidíase oral ou cutânea. Utiliza­se com sucesso 500 g de anfotericina B em 1 l de
solução de glicose 5%, administrada por via IV, a cada 48 h, durante 24 dias e, depois, a cada 72 h por 15 dias,
para tratamento de artrite causada por C. fumata em equinos. Também foi utilizado com êxito 5 mg de
fluconazol/kg, VO, 1 vez/dia, por 4 a 6 semanas, no tratamento de candidíase disseminada em potros.
Itraconazol e complexo lipídico de anfotericina B são considerados tratamento eletivos em cães, porém poucos
casos foram tratados.

COCCIDIOIDOMICOSE

É uma infecção não contagiosa oriunda de poeira causada pelo fungo dimórfico Coccidioides immitis. As
infecções limitam­se às regiões áridas e semiáridas do sudoeste dos EUA e às regiões semelhantes do México e
das Américas Central e do Sul. Embora várias espécies animais, inclusive as pessoas, sejam suscetíveis, apenas
os cães são significativamente afetados. Em equinos, relata­se infecção placentária induzindo aborto e
osteomielite. Ruminantes e suínos podem apresentar infecções subclínicas com lesões restritas aos focos nos
pulmões e aos linfonodos torácicos. A inalação de esporos fúngicos é o único modo de infecção estabelecido, e
os esporos podem ser transmitidos em partículas de pó. Epidemias podem ocorrer quando períodos chuvosos
são seguidos de estiagem, resultando em tempestades de poeira. A maioria das infecções bovinas é contraída
nos rebanhos de engorda onde há muita poeira.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A doença varia de inaparente (bovinos, ovinos, suínos, cães e gatos) a

progressiva, disseminada e fatal (cães, primatas não humanos, gatos e pessoas). A coccidioidomicose é
principalmente uma doença respiratória crônica, mas as infecções caninas se disseminam a vários tecidos, em
especial os olhos e os ossos. Os sinais clínicos podem variar muito, dependendo do envolvimento do órgão e da
gravidade da infecção. Os cães com doença disseminada podem apresentar tosse crônica, anorexia, caquexia,
claudicação, articulações dilatadas, febre e diarreia intermitente. Pode ocorrer disseminação para a pele com
ulceração drenante, mas a infecção primária através da pele é rara. Os gatos infectados por C. immitis
apresentam, com mais frequência, problemas dermatológicos (lesões cutâneas drenantes, massas
granulomatosas subcutâneas, abscessos), febre, inapetência e perda de peso. Em gatos, os sinais clínicos menos
comuns incluem anormalidades respiratórias (dispneia), musculoesqueléticas (claudicação), neurológicas e
oftalmológicas.
As lesões macroscópicas podem se limitar a pulmões, mediastino e linfonodos torácicos, ou ser disseminadas
para vários órgãos. As lesões são representadas por nódulos discretos e de tamanho variável, com uma
superfície de corte branco­acinzentada e firme, e se assemelham às da tuberculose (p. 726). Os nódulos são
piogranulomas compostos de células gigantes e epitelioides, e o centro de alguns focos pode conter exsudato
purulento e microrganismos fúngicos. Algumas lesões podem exibir focos mineralizados.

Coccidiomicose em um cão da raça Poodle com 7 anos de idade; imagem lateral. Cortesia do Dr. Ronald Green.

DIAGNÓSTICO: Em regiões endêmicas, deve­se considerar a coccidioidomicose em cães com doença


broncopulmonar crônica e quando nódulos pulmonares e linfonodos aumentados são encontrados nas
radiografias torácicas. As lesões representam piogranulomas que contêm C. immitis livre no exsudato e em
células gigantes multinucleadas e epitelioides. Os microrganismos variam em tamanho e aparecem como
esférulas relativamente grandes (20 a 80 μm, até 200 μm) com uma parede de contorno duplo. As esférulas
maduras (esporângios) contêm endósporos (esporangiósporos) de 2 a 5 μm de diâmetro. Estabelece­se o
diagnóstico pela demonstração de esférulas nos tecidos. O soro também pode ser testado por imunodifusão em
ágar­gel (AGID) para detecção de precipitina e anticorpos que fixam o complemento. Atualmente, a maioria dos
laboratórios comerciais realizam AGID para os anticorpos IgG e IgM; os resultados destes testes são
específicos, porém relativamente carente de sensibilidade. O diagnóstico presuntivo pode ser realizado quando a
sorologia é positiva em um animal com sinais clínicos consistentes. As tentativas de cultura do fungo devem se
restringir aos laboratórios equipados para manipular tais culturas, com alto risco de infecção.
TRATAMENTO: A doença é muitas vezes autolimitante, mas se há sintomas respiratórios crônicos ou doença
multissistêmica, é necessária terapia antifúngica por longo tempo. Na infecção disseminada, o tratamento de, ao
menos 6 a 12 meses, é típico. O fluconazol (2,5 a 10 mg/kg/dia) é o fármaco normalmente utilizado no
tratamento de infecções respiratórias crônicas. Cetoconazol (10 a 30 mg/kg/dia) ou itraconazol (10 mg/kg/dia) é
comumente utilizado no tratamento de cães com coccidioidomicose. Pode­se indicar anfotericina B para animais
que não melhoram ou não toleram os antifúngicos azóis, porém é altamente nefrotóxica.

CRIPTOCOCOSE

É uma doença fúngica sistêmica que pode afetar o trato respiratório (especialmente a cavidade nasal), o SNC, os
olhos e a pele (em particular, da face e do pescoço dos gatos). Os fungos causadores, Cryptococcus neoformans
e C. gatti, estão no ambiente e nos tecidos na forma de leveduras. A infecção é cosmopolita. O fungo é
encontrado no solo e no estrume de aves domésticas, especialmente em dejetos de pombos. A transmissão se dá
por inalação dos esporos ou contaminação de ferimentos. Nos dejetos aviários, pode ocorrer em uma forma não
encapsulada tão pequena quanto 1 μm, que pode ser inalada nas porções mais profundas dos pulmões. A
criptococose é mais comum em gatos, mas também é observada em cães, bovinos, equinos, ovinos, caprinos,
aves e animais selvagens. Em pessoas, vários casos são associados a uma resposta imunocelular deficiente.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A criptococose bovina está associada apenas com casos de mastite e muitas
vacas de um rebanho podem estar infectadas. As vacas acometidas manifestam anorexia, diminuição na
produção leiteira, tumefação e consistência firme nos quartos mamários infectados e aumento dos linfonodos
supramamários. O leite torna­se viscoso, mucoide e branco­acinzentado, ou pode se tornar aguado e com
grumos. A doença em equinos quase invariavelmente é uma enfermidade respiratória com crescimentos
teciduais obstrutivos nas cavidades nasais.

Cripotococose, caracterizada por neurorretinite e descolamento focal da retina, em gato. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.

Em gatos, os sintomas de trato respiratório superior secundários à infecção da cavidade nasal são mais
frequentes e incluem espirros; secreções nasais crônicas mucopurulentas, serosas ou hemorrágicas uni ou
bilateral; massa(s) semelhante(s) a pólipo na narina; e/ou inchaço subcutâneo sobre a ponte do nariz. As lesões
cutâneas também são comuns e se caracterizam por pápulas e nódulos flutuantes a firmes. As lesões mais
extensas tendem a ulcerar, deixando uma superfície exposta com exsudato seroso. Os sinais neurológicos
associados à criptococose do SNC podem incluir depressão, alterações no comportamento, convulsões,
movimento em círculo, paresia e cegueira. As anormalidades oculares também podem se desenvolver,
compreendendo pupilas dilatadas não responsivas e cegueira decorrente de descolamento de retina exsudativo,
coriorretinite granulomatosa, panoftalmia e neurite óptica.
Diferentemente dos gatos, os cães quase sempre apresentam doença disseminada, com envolvimento ocular
ou do SNC. Os sinais clínicos geralmente estão relacionados com meningoencefalite, neurite óptica e
coriorretinite granulomatosa. Foram relatadas lesões de cavidade nasal em vários cães, mas geralmente não são
os achados principais ou o motivo da consulta. Cerca de 50% dos cães exibem lesões no trato respiratório, em
geral nos pulmões, e vários apresentam granulomas em múltiplos sistemas. As estruturas comumente envolvidas
em ordem decrescente de frequência incluem rins, linfonodos, baço, fígado, tireoide, adrenais, pâncreas, ossos,
trato gastrintestinal, músculo, miocárdio, próstata, válvulas cardíacas e tonsilas.
As lesões associadas à criptococose variam desde uma massa gelatinosa, constituída por numerosos
microrganismos e com inflamação mínima, até lesão granulomatosa. A lesão geralmente é composta de
agregados de microrganismos encapsulados em tecido conjuntivo reticular. A resposta celular é principalmente
de macrófagos e células gigantes com algumas plasmócitos e linfócitos. As células gigantes epitelioides e as
áreas de necrose caseosa são menos comuns do que em outras micoses sistêmicas.
DIAGNÓSTICO: O método diagnóstico mais rápido é a avaliação citológica de exsudato nasal, exsudato da pele,
liquor ou amostras obtidas por paracentese das câmaras vítreas ou aquosas do olho ou por esfregaços por
impressão (imprints) das massas nasais ou cutâneas. A coloração de Gram é a mais útil; o microrganismo retém
o cristal violeta enquanto as colorações da cápsula ficam levemente avermelhadas com safranina. O corante da
Índia também é utilizado para visualizar o microrganismo, o qual se mostra claro e delineado contra um fundo
preto. Esta técnica não pode ser considerada definitiva como a coloração de Gram, a menos que seja observado
um broto, pois linfócitos, gotículas de gordura e partículas agregadas de corante da Índia podem ser confundidos
com o microrganismo. A coloração de Wright é utilizada com mais frequência no diagnóstico de casos em cães
e gatos, porém essa coloração pode encolher o microrganismo e a cápsula torna­se distorcida. Por esse motivo,
colorações com novo azul de metileno e ácido periódico de Schiff (PAS) são consideradas melhores que a
coloração de Wright. Em razão da rapidez da avaliação citológica, devem­se realizar imprints ou preparações de
hidróxido de potássio em lesões suspeitas de criptococose.
Se nenhum microrganismo é observado, pode­se realizar biopsia da lesão, com parte da amostra utilizada para
cultura e o resto processado para exame histológico de rotina. O microrganismo pode ser corado com
hematoxilina e eosina (H&E), mas a cápsula não se cora. Ele é mais facilmente visualizado nas colorações com
PAS e prata metenamina de Gomori, porém a cápsula não se cora com estas. O melhor corante de Cryptococcus
é a mucicarmina de Mayer, devido à capacidade de corar a cápsula. Corante imunofluorescente também pode
ser utilizado. A extensa cápsula e a fina parede celular de Cryptococcus o diferencia de Blastomyces.
Cryptococcus, por seu brotamento e falta de endosporos, pode ser diferenciado de Coccidioides immitis.
A detecção de antígeno capsular de criptococos em soro, urina ou liquor é um método rápido e útil de
diagnóstico nos casos suspeitos nos quais o microrganismo não é identificado. O teste de aglutinação em látex
está comercialmente disponível na forma de kits. A titulação do antígeno também pode ser utilizada para
auxiliar na determinação da resposta à terapia.
O microrganismo pode ser cultivado regularmente, com facilidade, a partir de exsudato, liquor, urina, fluido
articular e amostras de tecido, se há volume de amostra suficiente. Utiliza­se ágar Sabouraud com antibiótico
quando é provável a contaminação bacteriana.
TRATAMENTO: Considera­se como tratamento de escolha o fluconazol (2,5 a 10 mg/kg/dia) ou o itraconazol (10
mg/kg/dia). A anfotericina B pode ser administrada por via SC (0,5 a 0,8 mg/kg, diluída em solução salina
0,45% contendo glicose 2,5%; 400 ml para gatos, 500 ml para cães < 20 kg, 1.000 ml para cães > 20 kg) 2 a 3
vezes/semana. O complexo lipídico de anfotericina B também pode ser utilizado (1 a 2 mg/kg para gatos ou 2 a
3 mg/kg para cães), 3 vezes/semana, no total de 12 a 15 doses. A flucitosina pode ser utilizada sozinha; no
entanto, como pode desenvolver resistência ao medicamento, recomenda­se sua combinação com anfotericina.

ESPOROTRICOSE

É uma doença granulomatosa crônica e esporádica que acomete pessoas e vários animais domésticos e de
laboratório, sendo causada por Sporothrix schenckii. O microrganismo é dimórfico e forma micélios na
vegetação e em ágar Sabouraud­dextrose a 25 a 30°C, mas é semelhante à levedura no tecido e no meio de
cultura a 37°C. É onipresente em solo, vegetação e árvores; é cosmopolita. Nos EUA é mais comumente
encontrado nas regiões costeiras e nos vales dos rios. A infecção quase sempre resulta de inoculação direta do
microrganismo nos ferimentos cutâneos por contatos com plantas ou solos, ou penetração de corpos estranhos.
A doença disseminada causada por inalação de esporos é rara.
A esporotricose foi relatada em cães, gatos, equinos, vacas, camelos, golfinhos, cabras, mulas, pássaros,
suínos, ratos, tatus e pessoas. Infecções zoonóticas podem ocorrer. O gato pode ser a espécie com maior
potencial zoonótico e a transmissão deste aos humanos foi relatada, sem evidência de traumatismos. Por outro
lado, a transmissão de outras espécies infectadas parece necessitar da inoculação de pele previamente
traumatizada. Inúmeros microrganismos vertem dos ferimentos e nas fezes dos gatos infectados acredita­se que
sejam responsáveis pelo aumento do potencial zoonótico da esporotricose felina. Epidemias de esporotricose
foram recentemente relatadas no Brasil. Os dados destes estudos apontam para a importância do gato na
transmissão zoonótica deste microrganismo. Os tratadores de gatos infectados foram 4 vezes mais infectados
que outras pessoas que viviam no mesmo local.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A esporotricose pode ser agrupada em 3 formas: linfocutânea, cutânea e

disseminada. A forma linfocutânea é a mais comum. Há desenvolvimento no local da inoculação de nódulos


dérmicos a subcutâneos firmes e pequenos, com 1 a 3 cm de diâmetro. Como as infecções ascendem ao longo
dos vasos linfáticos, há desenvolvimento de cadeias e de nódulos novos. As lesões ulceram e descarregam
exsudato sero–hemorrágico. Apesar de a doença sistêmica não ser observada inicialmente, a doença crônica
pode resultar em febre, indiferença e depressão. A forma cutânea se restringe ao local da inoculação, embora as
lesões possam ser multicêntricas. A esporotricose disseminada é rara, mas potencialmente fatal e pode se
desenvolver com a negligência das formas cutâneas e linfocutâneas. O desenvolvimento da infecção ocorre por
disseminação hematógena ou tecidual do local inicial de inoculação para os ossos, pulmões, fígado, baço,
testículos, trato gastrintestinal ou SNC. Em pessoas, a prevalência de esporotricose sistêmica parece estar
aumentando, principalmente em decorrência da infecção de pessoas imunocomprometidas.
DIAGNÓSTICO: Pode ser obtido mediante cultura (amostras obtidas de lesões fechadas) ou exame microscópico
de exsudato ou amostras de biopsia. Em tecidos e exsudato, o microrganismo apresenta­se como poucas a
numerosas células únicas em forma de charuto, no interior de macrófagos. As células fúngicas são pleomórficas
e pequenas (2 a 10 × 1 a 3 μm); pode haver brotamentos com aparência de uma raquete de pingue­pongue. Tem­
se utilizado técnica de imunofluorescência para identificar as células semelhantes a leveduras nos tecidos. Nas
amostras, exceto em gatos, os microrganismos Sporothrix são quase sempre esparsos no exsudato e no tecido
infectado, de modo que o diagnóstico geralmente requer a cultura do fungo. Nas culturas, há produção de um
micélio verdadeiro, com hifas septadas, ramificadas e finas, que sustentam conídios piriformes em conidióforos
delgados.
TRATAMENTO: Itraconazol (10 mg/kg/dia) é considerado o tratamento de escolha. O tratamento é continuado 3 a
4 semanas além da cura clínica aparente. Como alternativa, utilizou­se com algum êxito uma solução saturada
de iodeto de potássio, administrada VO; a terapia é continuada 30 dias além da cura clínica aparente. Durante o
tratamento, o animal deve ser monitorado quanto aos sinais de toxicidade do iodeto – anorexia, vômitos,
depressão, contrações musculares, hipotermia, cardiomiopatia, colapso cardiovascular e morte. Os gatos são
especialmente sensíveis aos iodetos e o desenvolvimento de iodismo.
RISCO ZOONÓTICO: A esporotricose deve ser considerada zoonose, pois casos de transmissão animal­humano
são bem documentados. Higiene rigorosa deve ser adotada quando se manipulam animais com suspeita ou
diagnóstico de esporotricose. As pessoas em contato com animais infectados devem ser informadas da natureza
contagiosa da doença quando se discutem as opções terapêuticas.

FEOIFOMICOSE

Feoifomicose é uma designação clínico­patológica geral referente à infecçtão crônica cutânea, subcutânea ou da
mucosa causada por um dos vários gêneros e espécies de fungos pigmentados da família Dematiaceae. Vários
fungos desse gênero têm sido relatados por infectar pessoas e outros animais, incluindo Alternaria, Bipolaris,
Cladophialophora (Xylohypha, Cladosporium), Curvularia, Exophiala, Fonsecaea, Moniliella, Phialophora,
Ramichloridium e Scolecobasidium. Os fungos dessa categoria são saprófitas, amplamente distribuídos, sendo
encontrados em solo, água e material vegetal em decomposição. A infecção pode resultar da penetração fúngica
no tecido do local da lesão.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Feoifomicose foi relatada em vacas, gatos, equinos e cães. Os sinais clínicos
mais comuns incluem nódulos cutâneos ulcerados, sintomas de trato respiratório superior e tumefações
nasais/paranasais. Tumefações subcutâneas ou submucosas de aumento lento são notadas ao redor da cabeça,
mucosa nasal, membros e tórax. Os nódulos podem ulcerar e apresentar fístulas com secreção. Esses
piogranulomas contêm hifas septadas e pigmentadas, com dilatações irregulares e formas semelhantes à
ramificação de levedura, com parede espessada.
DIAGNÓSTICO: A feoifomicose pode ser diagnosticada por meio de exame microscópico de exsudatos e
amostras obtidas por biopsia, os quais revelam hifas filamentosas pigmentadas ou hialinas (2 a 6 μm de
diâmetro), com dilatações terminais intercaladas (6 a 12 μm) e esporos. Os diversos fungos causadores não
podem ser identificados por suas características histológicas no tecido; há necessidade de isolamento em cultura
e/ou PCR. O diagnóstico diferencial deve incluir neoplasia, outros granulomas e cistos epidermoides.
TRATAMENTO: Na maioria dos casos, a infecção se limita à pele e ao tecido subcutâneo. Em um local favorável,
a cura pode ser obtida mediante ampla extirpação da lesão. Quimioterapia com anfotericina B ou itraconazol
pode ser empregada nos casos em que não é possível a cirurgia.

GEOTRICOSE

É uma micose rara causada por Geotrichum candidum, um fungo saprófita onipresente de solo, matéria orgânica
É uma micose rara causada por Geotrichum candidum, um fungo saprófita onipresente de solo, matéria orgânica
em decomposição e alimento contaminado. G. candidum faz parte da microflora normal da boca e trato
intestinal em humanos. O microrganismo causa doença sistêmica em cães, aborto e mastite em bovinos e
nódulos caseosos nos linfonodos de suínos. Tem sido isolado de fezes de cães, jaguatirica e macacos com
enterite; lesões cutâneas em serpentes e flamingos; e sistema respiratório de equinos, pinguins, galinhas e
pessoas.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sinais clínicos variam dependendo do órgão envolvido; podem ser

inespecíficos. Em cães com geotricose disseminada, os sintomas podem incluir tosse induzida por palpação
traqueal, febre, anorexia, anorexia, polidipsia, dispneia progressiva, vômito e icterícia. Os achados radiográficos
incluem densidades nodulares com confluência em algumas regiões dos pulmões. A doença disseminada
progride rapidamente. As lesões, encontradas em vários órgãos, surgem como nódulos corpulentos, firmes,
múltiplos e amarelo­acinzentados, os quais, microscopicamente, são granulomas bem definidos.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico definitivo baseia­se nas características de cultura e exame microscópico. Os
elementos fúngicos podem ser abundantes, tanto livres como no interior dos macrófagos e das células gigantes
multinucleadas, na forma de células ovoides semelhantes a leveduras (3 a 7 μm de diâmetro) e como cadeias
curtas e unidas de células de leveduras redondas formando as pseudo­hifas. Nos cortes histológicos dos tecidos
corados com H&E, G. candidum se parece com Candida albicans e Histoplasma capsulatum.
TRATAMENTO: A nistatina administrada como suspensão oral foi eficaz no tratamento de gorilas com diarreia
aquosa associada ao isolamento de G. candidum em amostras de fezes úmidas. Não há relato de uso de
medicamentos antifúngicos para o tratamento de geotricose disseminada em animais.

HIALOIFOMICOSE

É a infecção causada por fungos não pigmentados (exceto o gênero Aspergillus ou Penicillium ou a classe dos
Zigomicetos) que formam hifas de paredes claras ou hialinas nos tecidos. Exemplos de gênero que causam
hialoifomicose em pessoas e outros animais incluem Acremonium, Fusarium, Geotrichum, Paecilomyces,
Pseudallescheria e Scedosporium. A hialoifomicose ocorre com menos frequência do que a feoifomicose.
ACHADOS CLÍNICOS: As lesões variam de dano cutâneo local, subcutâneo e corneal ou doença da mucosa nasal
até doença disseminada envolvendo os pulmões e vários outros sistemas orgânicos.
DIAGNÓSTICO: Os diversos fungos causadores da doença não podem ser identificados por suas características
histológicas nos tecidos; há necessidade de isolamento em cultura e/ou PCR.
TRATAMENTO: A remoção cirúrgica, com ou sem terapia antifúngica tópica, é o tratamento de escolha para a
doença local. O prognóstico da doença disseminada é tipicamente ruim. Pode­se tentar tratamento com novos
antifúngicos azóis e/ou complexo lipídico de anfotericina B.

HISTOPLASMOSE

É uma doença granulomatosa disseminada, não contagiosa e crônica, que acomete pessoas e outros animais,
causada pelo fungo dimórfico Histoplasma capsulatum. Esse microrganismo é comumente encontrado no solo
que contém fezes de aves e de morcegos. Ele produz crescimento de micélios no solo e em culturas à
temperatura ambiente; cresce em forma de levedura nos tecidos e nas culturas a 37°C.
A histoplasmose é cosmopolita. As regiões endêmicas nos EUA incluem os vales dos rios Mississippi e Ohio.
A infecção foi descrita em várias espécies animais, mas a doença é incomum a rara em quase todos os cães e
gatos. A infecção costuma ocorrer por contaminação, via aerossol, do trato respiratório; pulmões e linfonodos
torácicos são os locais de infecção primária, embora o trato gastrintestinal possa ser um local primário de
infecção, em especial em cães. Os microrganismos alcançam a circulação sanguínea a partir de um foco
primário e se disseminam por todo o organismo; podem se localizar na medula óssea ou nos olhos onde causam
coriorretinite ou endoftalmite.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos são variáveis e inespecíficos, refletindo o envolvimento de vários
órgãos. Muitos cães apresentam um curso prolongado, com perda de peso até emaciação, tosse crônica, diarreia
persistente, febre, anemia, hepatomegalia, esplenomegalia, linfadenopatia e ulceração gastrintestinal e
nasofaringiana. Também, em cães há relato de dificuldade respiratória obstrutiva decorrente de linfadenopatia
traqueobrônquica. A disseminação pode envolver a pele, na qual se desenvolvem lesões nodulares exsudativas e
ulceradas. Poliartropatia, coriorretinite e deslocamento de retina também foram relatados em um cão com
histoplasmose disseminada. A histoplasmose aguda pode ser fatal após 2 a 5 semanas. Em gatos, a infecção
disseminada é comum. Os sinais clínicos podem ser inespecíficos, mas frequentemente incluem dificuldade
respiratória, febre, depressão, anorexia e perda de peso. Linfadenopatia, hepatomegalia, doenças oculares
(conjuntivite, coriorretinite granulomatosa, descolamento da retina, neurite óptica), claudicação e nódulos
cutâneos ou ulcerados também podem ser observados.
Lesões: As lesões macroscópicas incluem aumento de fígado, baço e linfonodos mesentéricos; ascite; nódulos
amarelo­esbranquiçados de tamanhos variados nos pulmões; e aumento dos linfonodos brônquicos. O fígado
aumentado pode apresentar focos de inflamação granulomatosa dispersos, múltiplos, amarelo­claros e de forma
irregular. Os focos claros podem estar no miocárdio e o intestino delgado pode apresentar paredes acinzentadas,
espessadas e ulceração da mucosa.
DIAGNÓSTICO: A histoplasmose e outras infecções fúngicas devem ser consideradas quando os sinais clínicos
compreenderem desconforto respiratório, diarreia, aumento dos linfonodos brônquicos e nódulos pulmonares.
Os microrganismos Histoplasma geralmente são numerosos nos tecidos afetados e o diagnóstico definitivo pode
ser realizado, muitas vezes, com aspiração com agulha fina e citologia esfoliativa. A biopsia tecidual pode ser
solicitada caso a citologia não seja diagnóstica. Esses microrganismos são difíceis de detectar com a coloração
de rotina com H&E, mas coram bem com os corantes PAS, prata metenamina de Gomori e corante de Gridley.
As formas de levedura em macrófagos e células gigantes são estruturas redondas a ovoides (1 a 4 μm) com uma
fina parede celular e uma zona clara e fina entre a parede e o citoplasma celulares. Também se pode cultivar H.
capsulatum a partir de amostras teciduais, de aspirado com agulha fina e de fluidos corporais.
TRATAMENTO: Itraconazol (10 mg/kg/dia) é o tratamento de eleição para histoplasmose disseminada em cães e
gatos, embora o fluconazol também seja efetivo. Cetoconazol, na dose de 10 a 15 mg/kg, 2 vezes/dia, por 4 a 6
meses, pode ser efetivo no início ou nos casos brandos de histoplasmose em cães. Para os casos graves, sugere­
se o tratamento concomitante com anfotericina B ou complexo lipídico da anfotericina B.

LINFANGITE EPIZOÓTICA

A linfangite epizoótica é uma doença granulomatosa crônica de pele, vasos linfáticos e linfonodos dos membros
e pescoço dos equídeos, causada pelo fungo dimórfico Histoplasma farciminosum. Essa enfermidade é
observada em regiões da Ásia e Mediterrâneo, mas não nos EUA. O fungo forma micélios na natureza e
leveduras nos tecidos, com fase saprofítica no solo. A infecção provavelmente é adquirida por infecção do
ferimento ou transmissão por insetos hematófagos.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Clinicamente, a doença se caracteriza por nódulos cutâneos livremente móveis,
os quais são originados de vasos e nódulos linfáticos superficiais infectados e tendem a ulcerar e passar por
períodos alternados de descarga e fechamento. Os linfonodos afetados estão aumentados e endurecidos. A pele
que recobre os nódulos pode se tornar espessa, endurecida e fundida com os tecidos subjacentes. As lesões
também podem estar em pulmões, conjuntiva, córnea, mucosa nasal e outros órgãos. Os nódulos representam
piogranulomas que apresentam uma cápsula fibrosa e espessa e contêm exsudato cremoso e espesso, além dos
microrganismos causadores.
DIAGNÓSTICO: As características clínicas são altamente sugestivas. O diagnóstico pode ser confirmado por
exame microscópico dos exsudatos e das amostras obtidas por biopsia. As formas de levedura dos
microrganismos distendem o citoplasma dos macrófagos e aparecem nos cortes corados por H&E como
corpúsculos ovais ou globosos (3 a 4 μm), com um corpúsculo basofílico central circundado por uma zona não
corada. O microrganismo parece muito com H. capsulatum.
TRATAMENTO: Não se conhece tratamento completamente satisfatório. Pode­se realizar extirpação cirúrgica das
lesões combinada com medicamentos antifúngicos (anfotericina B).

MICETOMAS

São nódulos granulomatosos dos tecidos subcutâneos que contêm grãos ou grânulos teciduais. No interior os
grãos representam colônias densas do microrganismo. Quando tais lesões são causadas por fungos, são
conhecidas como micetomas eumicóticos. Os agentes causais dos micetomas eumicóticos incluem uma
variedade de fungos geofílicos saprofíticos. Os micetomas eumicóticos causados por fungos pigmentados como
Curvularia spp e Madurella spp são denominados micetomas de grão preto ou escuro. Os micetomas de grão
branco são causados por fungos não pigmentados como Acremonium spp e Scedosporium apiospermum (o
estágio assexuado de Pseudallescheria boydii).
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Vários micetomas eumicóticos são limitados ao tecido subcutâneo, mas os
micetomas de grão branco podem ser extensões de doença da cavidade abdominal. Peritonite ou massas
abdominais são tipicamente observadas em micetomas de grão branco. Os micetomas de grão preto são quase
sempre caracterizados por nódulos cutâneos relativamente mal circunscritos nas extremidades ou na face. As
lesões podem ulcerar ou formar fístulas. Quando pés ou membros estão envolvidos, a infecção pode se estender
aos ossos subjacentes.
Os micélios fúngicos se proliferam nas lesões e se organizam em agregados conhecidos como grânulos ou
grãos. Nesses grânulos, o micélio é compacto e frequentemente bizarro e com formas distorcidas. Os
clamidósporos são comuns, em especial na periferia, e o micélio pode ou não estar encaixado em uma
substância amorfa semelhante ao cimento. Histologicamente, os grânulos são, com frequência, envolvidos por
depósitos eosinofílicos. Os grânulos podem variar de cor e tamanho, dependendo da espécie de fungo envolvida.
DIAGNÓSTICO: Pode­se obter um diagnóstico presuntivo caso existam grãos no exsudato de fístulas. Na
citologia, os grãos devem ser examinados quanto aos elementos fúngicos. Se nenhum grão tecidual for
encontrado no exsudato, deve­se realizar biopsia da lesão para exame histopatológico. Culturas devem ser
realizadas para confirmar os achados citológicos e identificar o agente causal. Grãos encontrados no tecido ou
amostra obtida por biopsia devem ser submetidas à cultura.
TRATAMENTO: O prognóstico de micetomas abdominais é reservado, pois geralmente há extenso envolvimento
tecidual. Os micetomas cutâneos, embora não ameaçam a vida do animal, são muitas vezes difíceis de resolver.
Em alguns casos de micetomas cutâneos, a extirpação cirúrgica radical, inclusive amputação de membros, pode
ser eficaz. A efetividade da quimioterapia antifúngica foi relatada apenas em alguns casos. Em um relato
utilizou­se 50 mg de fluconazol/dia, durante 6 semanas, com sucesso, no tratamento de um cão com
maduromicose intra­abdominal. Em outro relato, o tratamento prolongado com 5 a 10 mg de itraconazol/kg/dia
não foi efetivo na cura de infecção disseminada por Acremonium em um cão.

OOMICOSE (PITIOSE, LAGENIDIOSE)

É causada por patógenos da classe Oomycetes. Esses microrganismos não são fungos verdadeiros, mas são
patógenos aquáticos do reino Stramenopila. Eles estão mais estreitamente relacionados com algas do que
fungos, porém causam doença que se assemelha à zigomicose (p. 695). Os microrganismos importantes em
medicina veterinária incluem várias espécies de Saprolegnia e Achyla (p. ex., S. diclina), que são causas comuns
de doença cutânea em peixes; Pythium insidiosum, que causa micose cutânea e subcutânea em equinos (bursatti,
câncer do pântano e sanguessuga); doença cutânea, subcutânea e gastrintestinal em cães, e doença cutânea e
paranasal em gatos; e Lagenidium spp, que provoca lesões cutâneas e sistêmicas e aneurismas de grandes vasos
em cães. A pitiose é uma doença comum que acomete animais domésticos em algumas regiões tropicais e
subtropicais do mundo. Em cães, a pitiose é mais frequentemente encontrada no Sudeste Asiático, costa oriental
da Austrália, América do Sul e nos EUA, especialmente ao longo da costa do Golfo. Nos EUA, a prevalência é
maior nos meses de outono e inverno.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Em equinos, as lesões incluem nódulos grandes, grosseiramente circulares,
granulomatosos, ulcerados e fistulados, ou tumefações subcutâneas com massas ou núcleos necróticos amarelo­
acinzentados. As lesões são mais comuns nos membros (em particular na parte inferior), abdome, tórax e
genitália. A distribuição das lesões é atribuível à natureza aquática do microrganismo. As lesões são
pruriginosas, liberam exsudato mucossanguíneo e geralmente induzem automutilação. Os granulomas contêm
massas firmes e colariformes amareladas de tecido necrótico, conhecidos como kunkers (popularmente
denominados pedras), que podem ser removidos intactos. Kunkers são focos de necrose coagulativa em vasos
que se isolaram do tecido circundante; contêm ramificação de hifas asseptadas extensas e possuem 1 a 10 μm de
diâmetro. O envolvimento ósseo pode ser característica de pitiose crônica. A pitiose entérica em equinos é
caracterizada por lesões gastrintestinais fibrosantes e estenóticas contendo focos intralesionais de material
caseoso e hifas.
As amostras removidas durante cirurgia ou necropsia consistem de tecido fibroso com áreas de necrose focal
firmes e irregularmente espaçadas que variam em tamanho e cor. Microscopicamente, as alterações variam de
focos de inflamação exsudativa aguda com eosinófilos numerosos até uma reação granulomatosa com áreas
isoladas de necrose e hifas com paredes espessas, ramificações e ligeiramente irregulares quanto à largura.
As formas cutâneas e gastrintestinais de pitiose são observadas e caracterizadas por inflamações
granulomatosas graves e eosinofílicas. A infecção por P. insidiosum é observada, com mais frequência, no trato
gastrintestinal de cães adultos jovens, especialmente da raça Labrador Retriever. Estômago, intestino delgado
proximal e junção ileocecal são mais comumente afetados, mas partes do intestino, esôfago e cólon podem ser
acometidas. Os sinais clínicos incluem vômito, perda de peso e anorexia. A perda de peso pode ser grave, porém
cães afetados quase sempre não aparentam a doença sistematicamente a não ser em etapas mais tardias da
evolução da doença. As lesões são tipicamente caracterizadas por grave espessamento transmural da parede
gástrica ou intestinal, com linfadenopatia mesentérica, na qual os linfonodos são incrustados em uma massa
granulomatosa firme e grande envolvendo o mesentério circundante. Isquemia intestinal, infarto ou hemorragia
abdominal aguda pode se desenvolver em decorrência da disseminação da doença nos vasos mesentéricos. Os
piogranulomas entéricos consistem tipicamente de focos necróticos, infiltrados e circundados por neutrófilos,
eosinófilos, macrófagos epitelioides, plasmócitos e células gigantes multinucleadas. Os agentes etiológicos
podem não ser notados em cortes teciduais corados com H&E. As amostras coradas com prata metenamina de
Gomori apresentam ramificações, raramente hifas septadas.
A pitiose cutânea é caracterizada por ferimentos que não cicatrizam, massas invasivas e nódulos ulcerados
com fístulas. Extremidades, base da cauda, região ventral do pescoço ou períneo são mais comumente
acometidos. A pitiose em gatos é rara e caracteriza­se por lesões cutâneas ou nasofaringianas.
A lagenidiose foi descrita recentemente como infecção oomicótica de cães, caracterizada por lesões cutâneas
multifocais e linfadenopatia regional. Em contraste com o curso clínico da pitiose cutânea, os cães com
lagenidiose geralmente envolvem locais distantes. A disseminação hematógena é provavelmente como a
infecção causa vasculite. Linfonodos, pulmões e especialmente grandes vasos podem ser afetados. Aneurismas
nos grandes vasos podem romper agudamente, resultando em morte súbita.
DIAGNÓSTICO: Em equinos, as lesões da pitiose são similares às da zigomicose (p. 695) e podem ser
confundidas com habronemose cutânea (p. 979), granulação tissular excessiva e algumas neoplasias de equinos.
Na pitiose, núcleos necróticos são separados do tecido circundante e há intensa secreção seropurulenta em
fístulas sinusais. As lesões contêm hifas raramente septadas, ramificadas (em ângulos retos) e irregulares, com 4
a 8 μm de diâmetro.
Em cães, o diagnóstico pode ser feito por isolamento de P. insidiosum de tecidos infectados. Tem­se utilizado
identificação do microrganismo em cultura ou PCR. ELISA para detecção de anticorpos contra P. insidiosum
está disponível e parece ser sensível e específico. As características histológicas da lagenidiose são semelhantes
às da pitiose e da zigomicose. No entanto, as hifas de Lagenidium são, em geral, muito maiores e visíveis nos
tecidos corados com H&E. A sorologia pode ser utilizada para diagnóstico presuntivo, mas o diagnóstico
definitivo da lagenidiose é mais bem realizado por cultura e PCR.
TRATAMENTO: Em cães com pitiose gastrintestinal, o prognóstico é ruim. A extirpação cirúrgica completa é o
tratamento de eleição, mas a doença quase sempre está muito extensa no momento do diagnóstico para
possibilitar ressecção completa. A terapia medicamentosa para pitiose deve incluir itraconazol (10 mg/kg/dia) e
terbinafina (5 a 10 mg/kg/dia). O tratamento com complexo lipídico de anfotericina B também pode ser tentado.
Cerca de 20% dos cães respondem a terapia prolongada. Não há relato de tratamento medicamentoso para
lagenidiose. Em equinos, o prognóstico é reservado e o diagnóstico e tratamento precoces são essenciais para
um controle bem­sucedido. Os fatores que influenciam o prognóstico incluem tamanho e local da lesão, bem
como duração da infecção. Lesões pequenas de curta duração que não comprometem estruturas importantes,
geralmente, respondem melhor ao tratamento. Extirpação cirúrgica, imunoterapia ou combinação de ambas pode
ser eficaz. A imunoterapia consiste em uma série de injeções intradérmicas ou SC de antígenos hifais de célula
total, sônicos e mortos ou antígenos solúveis precipitados do fungo causador. Os abscessos subcutâneos nos
locais de injeção, osteíte ou laminite de localização profunda podem ser complicações dessa terapia. A remoção
cirúrgica mais a administração local ou sistêmica de anfotericina B podem ser um tratamento satisfatório, caso a
doença seja localizada.

PECILOMICOSE

É uma micose sistêmica (principalmente pulmonar), causada por Paecilomyces spp e descrita em pessoas e em
vários animais, especialmente naqueles com temperatura corporal mais baixa. A infecção em répteis e anfíbios
de cativeiro é provável e razoavelmente comum; outros hospedeiros incluem cães, equinos, gatos (granuloma
nasal) e caprinos (mastite). Os fungos causadores mais importantes são P. lilacinus e P. variotii. Os fungos,
normalmente considerados não patogênicos, são amplamente distribuídos no solo e na matéria orgânica em
decomposição. A infecção quase sempre é secundária a debilidade, imunossupressão e/ou alteração da flora
microbiana normal pela administração prolongada de antibióticos.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sinais variam e são inespecíficos, mas podem refletir o envolvimento
tecidual ou de órgãos. Os órgãos envolvidos ficam aumentados, com nódulos branco­acinzentados
proeminentes. Em casos disseminados, as lesões granulomatosas (focos múltiplos e claros) que contêm pseudo­
hifas septadas (2 a 3 μm de diâmetro), conídios ovais e esporos de paredes finas, esféricos a ovais (3 a 6 μm) são
encontradas em vários tecidos (p. ex., pulmões), e estão intimamente associadas a arteríolas de tamanhos
pequeno e médio.
DIAGNÓSTICO: As lesões macroscópicas podem ser confundidas com as provocadas por outras micoses
sistêmicas. Entretanto, hifas septadas, conídios e esporos desse fungo diferem dos fungos patogênicos comuns,
como Aspergillus spp e os fungos da mucormicose. O diagnóstico pode ser realizado por isolamento em cultura
dos fungos de múltiplas amostras de lesões. Em relação à maioria das espécies, o crescimento pode estar
ausente ou restrito a 37°C, mas pode ser bom entre 5 e 30°C.
TRATAMENTO: Nenhum esquema de tratamento foi descrito. Paecilomyces spp varia muito quanto à
sensibilidade aos agentes antifúngicos; P. lilacinus apresenta alta resistência à anfotericina B e flucitosina, mas é
sensível ao cetoconazol, enquanto P. variotii é sensível aos 2 primeiros medicamentos.

PENICILIOSE

As infecções por Penicillium spp são raras em animais domésticos. Contudo, o fungo foi isolado de um caso de
dermatose felina; de celulite orbital e de sinusite com pneumonia em outro gato; de uma doença destrutiva
invasiva dos tecidos nasais em cães; e de lesões invasivas em pulmões, sacos aéreos, fígado e outros tecidos em
pequenos tucanos de cativeiro (P. griseofulvum); e de doença sistêmica nos ratos do bambu (P. marneffei) no
sudoeste da Ásia. Penicillium spp são amplamente distribuídos na natureza, sendo encontrados em solos, grãos e
vários alimentos e rações.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os cães com peniciliose nasal apresentam espirros crônicos e secreção nasal
aguda a crônica, que varia de hemorrágica intermitente a mucopurulenta ou mucoide intermitente ou contínua.
Os achados radiográficos incluem áreas de destruição dos ossos turbinados, com aumento da radiotransparência.
Macroscopicamente, a mucosa nasal apresenta focos de necrose e ulceração; microscopicamente, as hifas
podem formar um emaranhado espesso sobre uma mucosa intacta adjacente a esses focos.
DIAGNÓSTICO: Baseia­se na cultura fúngica, na caracterização das lesões e presença das hifas fúngicas e um
teste positivo de difusão dupla em ágar­gel. O isolamento em cultura de Penicillium sp deve ser acompanhado
da demonstração da invasão tecidual pelos fungos, para confirmação do diagnóstico. Nos tecidos, P. marneffei
se assemelha muito à fase de levedura de Histoplasma capsulatum.
TRATAMENTO: Turbinectomia cirúrgica com curetagem tem sido combinada com lavagem da cavidade nasal
com tintura de iodo 1% ou povidona­iodo (10:1) e tiabendazol oral. Fluconazol, na dose de 2,5 a 5 mg/kg/dia,
por 2 meses, foi efetivo no tratamento de alguns cães com peniciliose nasal.

RINOSPORIDIOSE

É uma infecção piogranulomatosa crônica, não fatal, principalmente de mucosa nasal e, às vezes, da pele de
equinos, bovinos, cães e aves aquáticas, causada pelo fungo Rhinosporidium seeberi. Na América do Norte é
incomum, sendo mais frequente na Índia, África e América do Sul. Tem­se realizado cultura no microrganismo
e seu habitat natural é desconhecido. Traumatismo pode predispor à infecção, a qual não é considerada
transmissível.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A infecção da mucosa nasal caracteriza­se por crescimentos polipoides que
podem ser macios, róseos, friáveis, lobulados com superfícies ásperas e grandes o suficiente para obstruir as
vias nasais. As lesões cutâneas podem ser únicas ou múltiplas, sésseis ou pedunculadas. Os pólipos nasais e as
lesões cutâneas têm um componente inflamatório fibromixoide granulomatoso e contêm o fungo.
DIAGNÓSTICO: Pode­se confundir a rinosporidiose com outras lesões granulomatosas da mucosa nasal e da pele,
inclusive aspergilose, entomoftoromicose, “granuloma nasal” e criptococose. A demonstração microscópica das
esférulas (esporângios) de R. seeberi nas amostras de biopsia confirma o diagnóstico. As esférulas podem ser
numerosas, variar em tamanho (até 300 μm), apresentar paredes espessas e ácido­periódicas positivas para a
coloração de Schiff e conter endósporos de 4 a 19 μm de diâmetro. Os estágios de desenvolvimento de tamanho
variável e sem esporos se distribuem por toda a lesão.
TRATAMENTO: A extirpação cirúrgica das lesões é considerada padrão, mas recidiva é comum. Anfotericina B e
itraconazol são relatados como tratamento, mas geralmente não são tão efetivos como a cirurgia.

ZIGOMICOSE (BASIDIOBOLOMICOSE, CONIDIOBOLOMICOSE, ENTOMOFTOROMICOSE)

Zigomicose é um termo empregado para descrever a infecção por fungos da classe Zygomycetes e os dois
gêneros da ordem Entomophthorales, Basidiobolus e Conidiobolus. Infecções por zigomicetos verdadeiros são
raras, porém conidiobolomicose e basidiobolomicose são mais comuns e causam lesões piogranulomatosas que
são macroscópica e histologicamente similares às da pitiose e da lagenidiose. Assim, é principalmente uma
infecção da mucosa nasal e do tecido subcutâneo de equinos e raramente de outros animais (lhamas e ovinos)
causada por Conidiobolus coronatus, C. incongruus, C. lamprauges ou B. ranarum. Esses fungos onipresentes
estão presentes no solo e na vegetação em decomposição e, no caso dos basidiobolos, acomete o trato
gastrintestinal de anfíbios, répteis e macrópodos. C. coronatus infecta quase exclusivamente a mucosa do nariz e
da boca. Basidiobolus infecta as faces laterais de cabeça, pescoço e corpo. C. coronatus também é um
importante patógeno de insetos.
ACHADOS CLÍNICOS: Os piogranulomas ulcerativos da membrana mucosa das narinas ou da boca, ou

crescimentos nodulares da mucosa nasal e dos lábios causados por C. coronatus podem provocar obstrução
mecânica, resultando em dispneia e secreção nasal. As lesões causadas por B. ranarum são nódulos da pele da
parte superior do corpo, pruriginosos, grandes, comumente únicos, circulares e ulcerativos. As fístulas das
lesões liberam fluido serossanguinolento, as quais frequentemente são traumatizadas. A extensão aos linfonodos
regionais resulta em tumefação dos nódulos e desenvolvimento de focos necróticos amarelados. As lesões
podem conter um núcleo central de tecido necrótico amarelo e cremoso. Basidiobolomicose disseminada é rara,
mas foi relatada em cães e em um mandril.
Lesões: Em amostras de tecidos extirpados ou de necropsia, a derme fibrosada espessada apresenta áreas
branco­cremosas ou vermelhas, espalhadas. As lesões, as quais contêm hifas, amplo infiltrado de eosinófilos e
áreas separadas de necrose, apresentam características histológicas de granulomas infecciosos.
DIAGNÓSTICO: Clinicamente, a zigomicose pode ser confundida com habronemose cutânea (p. 979) e oomicose
(p. 691), mas pode ser diferenciada pelo exame microscópico dos tecidos. Em cortes teciduais corados com
H&E, o fungo se apresenta como orifícios e canais alongados, e várias hifas possuem bainha eosinofílica. Nas
partes coradas por fungos, o microrganismo consiste em hifas de 4 a 20 μm, grandes, ramificadas e, às vezes,
septadas. Há necessidade de cultura para identificar o fungo causador.
TRATAMENTO: Extirpação cirúrgica ou imunoterapia, ou ambas, resultam cura. A imunoterapia consiste em
injeções intradérmicas de 0,02 a 0,1 ml de material fúngico particulado. Tem­se tratado a doença micótica
localizada com anfotericina B, administrada por via sistêmica ou local, ou ambas. O tratamento ideal inclui
remoção cirúrgica precoce da lesão, seguida de administração de anfotericina B.

LEPTOSPIROSE

É uma zoonose cosmopolita, tanto em animais domésticos como nos selvagens. É causada por uma bactéria
espiroqueta classificada como Leptospira, que possui diversos sorovariantes. A doença pode acometer
praticamente todos os mamíferos e possui ampla gama de efeitos clínicos, desde infecção branda subclínica até
falha múltipla de órgãos e morte.
ETIOLOGIA: Leptospira é espiroqueta Gram­negativa aeróbia, fastidiosa, de crescimento lento e com motilidade
característica semelhante a um saca­rolhas. A taxonomia do gênero é complexa e pode ser confusa.
Tradicionalmente, as leptospiras são divididas em dois grupos: as patogênicas, classificadas como membros de
L. interrogans e as saprófitas, classificadas como L. biflexa. Em cada uma destas espécies, há descrição de cerca
de 220 sorovariantes de leptospiras patogênicas identificadas (com base nos antígenos de superfície) em todo o
mundo. Com a difusão da informação genômica para a classificação das bactérias, o gênero Leptospira foi
reorganizado e, atualmente, possui 7 espécies de leptospiras patogênicas. Algumas das leptospiras patogênicas
aos animais domésticos, atualmente possuem diferentes nomes de espécies. Por exemplo, L. interrogans
sorovariante grippotyphosa, agora é L. kirschneri sorovariante Grippotyphosa. Os dois tipos de sorovariantes
Hardjo foram formalmente divididos em duas espécies: sorovariante Hardjo tipo hardjo­bovis (encontrado nos
EUA e várias outras partes do mundo) e atualmente L. borgpetersenii sorovariante Hardjo e a sorovariante
Hardjo tipo hardjo­prajitno (isolada inicialmente no Reino Unido) e atualmente L. interrogans sorovariante
Hardjo. A revisão da nomenclatura é oriunda da literatura científica, não sendo observada em medicamentos e
vacinas. Os nomes das sorovariantes continuam e são úteis na discussão sobre epidemiologia, características
clínicas, tratamento e prevenção de leptospirose.
HOSPEDEIROS SUSCETÍVEIS, EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: Praticamente todos os mamíferos são
suscetíveis às infecções por leptospiras, embora algumas espécies sejam mais resistentes à doença. Entre os
animais de companhia e de produção, a leptospirose é diagnosticada com mais frequência em bovinos, suínos,
cães e equinos. Os gatos parecem relativamente resistentes à doença. A leptospirose em animais selvagens é
comum, embora a doença seja mais relatada apenas quando os animais selvagens atuam como fonte de infecção
aos animais domésticos ou às pessoas.
A leptospirose é cosmopolita. A infecção e a doença são mais prevalentes em climas quentes e úmidos, sendo
endêmicas nos trópicos. Em climas temperados, a doença é mais sazonal, com alta prevalência nos períodos de
chuva.
Embora > 220 sorovariantes de leptospiras patogênicas sejam reconhecidas, um subconjunto é prevalente em
uma região ou ecossistema e são associadas a 1 ou mais hospedeiros, que atuam como reservatórios da infecção
(Tabela 4) Os hospedeiros são, geralmente, espécies selvagens e, às vezes, animais domésticos e de produção.
Cada sorovariante comporta­se de forma diferente nas espécies hospedeiras, em relação a outras espécies de
hospedeiros casuais. Nos hospedeiros, a leptospirose geralmente é caracterizada por uma alta prevalência de
infecção, com sinais discretos da forma clínica aguda e a infecção persiste nos rins e, às vezes, no trato genital.
O diagnóstico da infecção nos hospedeiros é difícil devido à baixa resposta humoral e à presença de poucos
microrganismos nos tecidos dos animais infectados. Exemplos deste tipo de infecção são sorovariante
Bratislava, em suínos, e sorovariante Hardjo, em bovinos. Em hospedeiros incidentais, a leptospirose é
caracterizada pela baixa prevalência da infecção, sinais clínicos graves e fase renal da infecção curta. O
diagnóstico de infecções dos hospedeiros casuais é menos problemático, pois a resposta de anticorpos é maior e
nota­se grande número de bactérias nos tecidos dos animais infectados. Exemplos deste tipo de infecção são
sorovariante Grippotyphosa, em cães, ou sorovariante Icterohaemorrhagiae, em bovinos e suínos.

Tabela 4 – Hospedeiros de manutenção mais comuns de leptospiras patogênicas associadas a doenças em animais domésticos,

nos EUA e no Canadá

Sorovariante de Leptospira Hospedeiro de manutenção

Canicola Cães
Pomona Suínos, bovinos, gambás
Grippotyphosa Guaxinim, rato­almiscarado
Hardjo Bovinos
Icterohaemorrhagiae Ratos
Bratislava Suínos, camundongo (?), equinos (?)

A caracterização de uma interação hospedeiro/sorovariante como um hospedeiro de manutenção da infecção


ou um hospedeiro casual não é absoluta. P. exemplo, suínos e bovinos infectados pela sorovariante Pomona
comportam­se como hospedeiro intermediário às duas formas, com a bactéria persistindo nos rins, mas o
hospedeiro apresenta resposta de anticorpos à infecção.
A transmissão entre hospedeiros de manutenção, geralmente, é direta e envolve contato com urina
contaminada, fluidos placentários ou leite. Além disso, a infecção pode ser transmitida por via venérea ou
transplacentária com algumas combinações hospedeiro/sorovariante. A infecção dos hospedeiros casuais
normalmente é indireta, por meio do contato com locais contaminados com urina dos hospedeiros de
manutenção assintomáticos que excretam a bactéria. As condições ambientais são importantes na determinação
da frequência da transmissão indireta. A sobrevivência das leptospiroses é favorecida por clima úmido e
moderadamente quente; a sobrevivência é breve em solos secos ou em temperatura < 10°C ou > 34°C.
PATOGENIA: Embora haja diversas sorovariantes de Leptospira e de espécies hospedeiras, as etapas­chave na
patogenia da doença são semelhantes em todas as combinações hospedeiro/sorovariante. As leptospiras invadem
o corpo após penetração de membrana mucosa ou pele lesionada. Após período de incubação variável (4 a 20
dias), as leptospiras circulantes no sangue replicam­se em vários tecidos, inclusive fígado, rins, pulmões, trato
genital e SNC, por 7 a 10 dias. Durante a bacteriemia e a colonização tecidual, os sinais clínicos da leptospirose
aguda podem variar dependendo da sorovariante e do hospedeiro. Os anticorpos aglutinantes podem ser
detectados em amostras de soro logo após a leptospiremia e coincidem com a passagem das lesptospiras do
sangue aos vários órgãos. À medida que os microrganismos se propagam, os sinais clínicos de leptospirose
aguda começam a regredir, embora as lesões dos órgãos possam retardar por algum tempo o restabelecimento da
função normal.
Neste ponto, a enfermidade nos hospedeiros de manutenção e nos hospedeiros casuais é diferente. As
leptospiras permanecem nos túbulos renais dos hospedeiros casuais por um curto período de tempo e são
excretadas na urina durante poucos dias a várias semanas. Em hospedeiros de manutenção, entretanto, as
leptospiras geralmente permanecem no túbulo renal, trato genital e, menos comumente, nos olhos, apesar da
presença de alto teor de anticorpos no soro. As leptospiras são liberadas na urina e secreções genitais de animais
persistentemente infectados durante meses a anos após o início da infecção e estes animais tornam­se um
importante reservatório da infecção.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos de leptospirose dependem da espécie hospedeira, da patogenicidade da
estirpe e da sorovariante de Leptospira, além da idade e do estado fisiológico do animal. As infecções
subclínicas são comuns, particularmente, nos hospedeiros de manutenção. Nos hospedeiros casuais a
leptospirose é uma doença aguda, sistêmica e, geralmente, febril, caracterizada por alteração na função renal
e/ou hepática. Além disso, pode acometer outros sistemas corporais, resultando em sinais clínicos (p. ex.,
vômito, uveíte, pancreatite, anemia hemolítica).
Tanto nos hospedeiros casuais como nos hospedeiros de manutenção gestantes por ocasião da infecção, a
localização e a persistência da bactéria no útero podem resultar em infecção fetal com subsequente aborto,
natimorto, fetos com anomalias ou o feto nasce saudável, porém infectado. Em geral, hospedeiros casuais
abortam de forma aguda; outros apresentam sequelas reprodutivas que podem se prolongar por várias semanas a
meses.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico de leptospirose depende do histórico clínico e vacinal e de testes laboratoriais. Os
exames diagnósticos incluem detecção de anticorpos contra a bactéria em amostras de tecidos e de fluidos
corporais. Recomenda­se teste sorológico, juntamente com uma ou mais técnicas de identificação do
microrganismo nos tecidos ou nos fluidos corporais.
Os testes sorológicos são as técnicas mais comumente utilizadas no diagnóstico de leptospirose em animais.
A aglutinação microscópica é o teste utilizado com mais frequência. Este método envolve a mistura de diluições
adequadas do soro com as sorovariantes de leptospiras mais prevalentes em cada região. A presença de
anticorpos é indicada para aglutinação de leptospiras. Ensaios imunoenzimáticos foram desenvolvidos
utilizando várias preparações antigênicas e diferentes protocolos. Um teste que mensura IgM é útil para detectar
infecção recente em animais de produção e em cães. O uso destes testes é complicado em regiões do mundo
onde a vacinação é comum; não estão comercialmente disponíveis na América do Norte.
A interpretação dos resultados dos testes sorológicos é complicado por vários fatores, incluindo reação
cruzada de anticorpos, título de anticorpos induzido por vacinação e falta de consenso sobre qual título de
anticorpos indica infecção. Os anticorpos produzidos pelo animal em resposta à infecção por determinada
sorovariante de Lesptospira geralmente exibem reação cruzada com anticorpos de outras sorovariantes. Em
alguns casos, este padrão de reação cruzada é preditivo, com base na relação antigênica das várias sorovariantes
de Leptospira, mas os padrões de reação cruzada dos anticorpos variam entre as espécies de hospedeiros.
Entretanto, em geral, a sorovariante infectante é considerada como a sorovariante a qual o animal desenvolve
título mais alto. Reações paradoxais podem ocorrer com o teste de aglutinação precoce durante a fase aguda da
infecção, com marcante resposta de anticorpos aglutinantes contra uma sorovariante diferente daquela
sorovariante infectante.
A ampla vacinação dos cães e animais de produção contra Leptospira também complica a interpretação da
sorologia para leptospirose. Em geral, animais vacinados desenvolvem título de anticorpos aglutinantes baixo
(1:100 a 1:400) em resposta à vacinação e este título persiste por 1 a 3 meses após a vacinação. Entretanto
alguns animais desenvolvem alto título após a vacinação, que persiste por 6 meses ou mais.
Não há consenso quanto qual título é diagnóstico para a infecção por leptospira. Um baixo título de
anticorpos não necessariamente exclui um diagnóstico de leptospirose, pois o título é, geralmente, baixo na
doença aguda e na infecção em hospedeiro de manutenção. Na leptospirose aguda, um aumento de 4 vezes pode
ser observado no título de anticorpos em amostras de soro pareadas colhidas em intervalos de 7 a 10 dias. O
diagnóstico de leptospirose baseado apenas em uma única amostra de soro deve ser realizado com cautela e
deve­se considerar o quadro clínico e o histórico de vacinação do animal. Em geral, com histórico clínico
compatível e vacinação há mais de 3 meses, um título 1:800 a 1:1.600 é uma boa evidência presuntiva de
infecção por leptospira. A consulta ao laboratório de diagnóstico auxilia na interpretação do título. O título de
anticorpos pode persistir por meses após a infecção e recuperação do paciente, embora geralmente ocorra um
declínio gradual com o tempo.
A imunofluorescência pode ser utilizada para identificar leptospiras nos tecidos, sangue ou sedimento
urinário. O teste é rápido e tem boa sensibilidade, mas a interpretação requer técnicos de laboratório
qualificados. Imunoistoquímica é útil na identificação de leptospiras em tecidos fixados com formol, mas
devido ao pequeno número de microrganismos nos tecidos, a sensibilidade da técnica é variável. Vários
protocolos de PCR estão disponíveis e cada laboratório deve selecionar um procedimento diferenciado. Estas
técnicas permitem a detecção de leptospiras, mas não determina a sorovariante infectante. A cultura de sangue,
urina ou tecido é o único método que identifica definitivamente a sorovariante infectante. O sangue pode ser
cultivado no início do curso clínico; a urina geralmente apresenta positividade após 7 a 10 dias após o
aparecimento dos sinais clínicos. A cultura raramente é positiva após o início da terapia antimicrobiana. A
cultura de leptospiras requer meios específicos e os laboratórios de diagnóstico raramente cultivam amostras
para isolamento de leptospiras.
PREVENÇÃO: Evitar a exposição a animais selvagens e domésticos que podem ser hospedeiros de manutenção
para Leptospira é difícil, pois roedores, guaxinins e gambás são frequentemente encontrados no ambiente rural e
urbano. O segredo para prevenção da leptospirose é a vacinação com vacinas polivalentes inativadas. A
imunidade contra leptospirose é específica para a sorovariante; ademais, as vacinas são formuladas com várias
sorovariantes presentes no ambiente do animal suscetível. No momento não há vacina contra leptospira para
equinos. As vacinas são, geralmente, designadas e avaliadas quanto à habilidade de prevenir sinais clínicos da
doença e não se deve esperar completa prevenção da infecção e excreção das bactérias.
RISCO ZOONÓTICO: As pessoas são suscetíveis à infecção por várias sorovariantes de leptospira, mas são
hospedeiros casuais e, ainda, não são reservatórios importantes da infecção. A exposição ocupacional é um fator
de risco e médicos veterinários, auxiliares de veterinários, criadores e vaqueiros são mais suscetíveis à infecção.
Além disso, a exposição recreacional a águas contaminadas com urina de animais domésticos ou selvagens
apresenta risco. Proprietários de animais podem contrair a doença pelo contato com seus animais de companhia
e de produção.
A principal via de infecção é o contato com fluidos corporais contaminados (sangue, em casos agudos, ou
urina) ou via membrana mucosa. Nas pessoas, a manifestação da doença varia de subclínica a grave e pode ser
fatal quando ocorre insuficiência renal ou hepática. Os sinais clínicos mais comuns são febre, cefaleia, erupção
cutânea, dor ocular, mialgia e indisposição. Há relato de infecção transplacentária, aborto e infecção de lactentes
pela amamentação, concluindo–se que a exposição de mulheres gestantes é um problema sério. Exames
laboratoriais são necessários para o diagnóstico definitivo, pois o diagnóstico de leptospirose em animais com
base nos sinais clínicos é difícil. Os médicos veterinários devem implantar um programa de controle de
infecções, onde os fluidos corporais dos animais devem ser manipulados com luvas e lavagem de mão,
rotineiramente.

Leptospirose em Bovinos

As sorovariantes de Leptospira mais importantes em bovinos são Hardjo e Pomona, na América do Norte; as
sorovariantes Grippotyphosa, Bratislava, Icterohaemorrhagiae e Canicola são, ocasionalmente, implicadas como
causas de leptospirose bovina. Os casos de leptospirose mais comuns em bovinos nos EUA e no mundo
envolvem a sorovariante Hardjo, para a qual os estes animais são considerados hospedeiros de manutenção.
Várias infecções por leptospira em bovinos são subclínicas, particularmente em vacas não prenhes e não
lactantes. A leptospirose aguda ou subaguda é comumente associada a infecções de hospedeiros casuais e
ocorrem durante a fase leptospirêmica da infecção. Os sinais clínicos associados a infecções crônicas
geralmente estão relacionados com a falha reprodutiva, aborto e natimortos. A colonização persistente de útero
e ovidutos com a sorovariante Hardjo pode estar associada à infertilidade, caracterizada por aumento do número
de acasalamento/inseminação para a concepção e do intervalo entre partos.
Raramente, a leptospirose aguda pode ser grave em bezerros. A sorovariante Pomona resulta em doença mais
grave, embora outras sorovariantes possam causar doença semelhante. Os bezerros podem apresentar febre alta,
anemia hemolítica, hemoglobinúria, icterícia, congestão pulmonar e, ocasionalmente, meningite e morte. Em
vacas lactantes, a infecção casual pode estar associada à agalactia e pequena quantidade de sangue no leite. Uma
forma menos grave desta “síndrome da redução da quantidade de leite” pode acometer vacas lactantes
infectadas com L. Hardjo, na ausência de outras evidências clínicas da infecção.
A forma crônica da doença está associada à infecção fetal em vacas prenhes que abortam ou parem
natimortos ou prematuros e bezerros fracos infectados. Também é possível o nascimento de bezerros saudáveis,
porém infectados. Abortos e natimortos comumente são os únicos sinais de manifestação da infecção, mas às
vezes podem estar relacionados com um episódio da doença de até 6 semanas (Pomona) ou 12 semanas
(Hardjo). Os abortos associados à infecção de hospedeiros casuais tendem a ocorrer ao final da gestação e em
grupos; são conhecidos como “surtos de abortos”. Por outro lado, os abortos que ocorrem após a infecção por
sorovariante Hardjo tendem a ser mais esporádicos e podem ocorrer na metade ou no final da gestação.
O diagnóstico de infecção de hospedeiros casuais em bovinos é relativamente simples. Em geral, animais
infectados desenvolvem altos títulos diante do sorovariante infectante; um título de anticorpos > 1:800 no
momento do aborto é considerado evidência de leptospirose. Em alguns casos, as leptospiras podem ser notadas
na placenta e no feto, por imunofluorescência, PCR e imunoistoquímica. O diagnóstico de infecção pela
sorovariante Hardjo é mais difícil e requer uma combinação de abordagens. Apenas a sorologia falha na
identificação de animais infectados com a sorovariante Hardjo, pois amostras soronegativas são comuns em
rebanhos bovinos infectados. O teste diagnóstico e a estratégia recomendada incluem, principalmente, o uso de
teste (imunofluorescência ou PCR) para detectar a bactéria na amostra de urina de um bovino do rebanho,
seguido de teste sorológico, para obter informações sobre a provável sorovariante de Leptospira infectante.
Os bovinos com leptospirose aguda podem ser tratados com tetraciclina, oxitetraciclina, ceftiofur, tilmicosina
ou tulatromicina. As leptospiras também são muito sensíveis à eritromicina, tiamulina e tilosina, embora estes
antibióticos não possam eliminar o estado de carreador renal. A oxitetraciclina injetável de longa ação (20
mg/kg) e o ceftiofur de liberação prolongada têm se mostrado efetivos em controlar a disseminação de bovinos
infectados pela sorovariante Hardjo. Em um surto de leptospirose a vacinação pode ser combinada com
tratamento antibiótico, pois apenas a vacinação não reduz a excreção da bactéria na urina. Devem ser
respeitados os períodos de carência, após a medicação.
As vacinas contra leptospirose bovina disponíveis nos EUA e no Canadá são pentavalentes e contêm as
sorovariantes Pomona, Grippotyphosa, Canicola, Icterohaemorrhagiae e Hardjo. Estas vacinas propiciam boa
proteção contra a doença causada por estas sorovariantes, com possível exceção à sorovariante Hardjo.
Pesquisas e evidências indicam que algumas vacinas tradicionais contra leptospirose, com cinco tipos, não
fornecem boa proteção contra a infecção pela sorovariante Hardjo. Novas vacinas vêm sendo introduzidas para
resolver este problema. Quando o principal objetivo do programa de vacinação é proteger os bovinos contra a
infecção por Hardjo, deve­se tomar cuidado na escolha da vacina. Em geral, a vacinação anual de todos os
bovinos do rebanho ou de uma pequena área de prevalência ou a vacinação duas vezes ao ano para rebanhos
abertos ou em área de alta prevalência é a forma mais efetiva de controle.

Leptospirose em Cães

Os cães são considerados hospedeiros reservatórios da sorovariante Canicola e antes da disseminação de


programas de vacinação, as sorovariantes Canicola e Icterohaemorrhagiae eram as mais prevalentes em cães,
nos EUA. A prevalência das sorovariantes em cães mudou significativamente nos últimos 15 anos. Atualmente,
as sorovariantes mais prevalentes são Grippotyphosa, Pomona e Bratislava – com diferenças relativas na
proporção destas sorovariantes em diferentes regiões geográficas. A sorovariante Canicola ainda circula na
população canina, particularmente em cães errantes. A sorovariante Icterohaemorrhagiae é a mais comumente
identificada em cães expostos a roedores, particularmente em áreas urbanas. A detecção de anticorpos reativos à
sorovariante Autumnalis no soro de cães, nos EUA e no Canadá, gerou especulações de que este microrganismo
seja causa da doença. Entretanto, a sorovariante Autumnalis não foi isolada em cães nos EUA ou no Canadá e
há evidência de que o uso de vacinas contendo as sorovariantes Grippotyphosa e Pomona pode induzir alto
título de anticorpos de reação cruzada contra a sorovariante Autumnalis. Por isso, a participação da sorovariante
Autumnalis na doença canina ainda depende de evidências microbiológicas.
O período de incubação varia de 4 a 12 dias. Há poucas diferenças clínicas entre a doença causada pelas
diversas sorovariantes. Há variações significativas na patogenicidade entre as sorovariantes. Por isso, cães com
leptospirose podem apresentar um amplo espectro de sinais clínicos que dificultam o diagnóstico clínico. Sinais
iniciais são inespecíficos e incluem febre, depressão, letargia, anorexia, artralgia ou mialgia. Horas ou dias após,
sintomas renais e/ou hepáticos são observados, com aumento discreto a moderado de nitrogênio ureico
sanguíneo (BUN), creatinina e bilirrubina, para icterícia intensa, insuficiência renal oligúrica, hiperfosfatemia,
trombocitopenia e morte. Com menor frequência nota­se uveíte, pancreatite, hemorragia pulmonar e hepatite
crônica.
A anormalidade hematológica mais comum é leucocitose com neutrofilia discreta a moderada, sem desvio à
esquerda, embora possa se constatar contagem de hemácias normal. Nota­se anemia discreta em 25 a 35% dos
casos, geralmente como resultado de hemólise subclínica. Trombocitopenia ocorre em apenas 10 a 20% dos
cães, mas raramente é grave o suficiente para causar hemorragia. Vasculite é a causa típica de hemorragia
associada à leptospirose. Azotemia é o achado mais comum no perfil bioquímico sérico. Quando há
anormalidade nos testes de função hepática, o aumento da atividade de fosfatase alcalina (ALP) é mais evidente
do que o de alanina aminotransferase (ALT) e de aspartato aminotransferase (AST). A concentração sérica de
bilirrubina encontra­se elevada em cerca de 20% dos casos. Na urinálise nota­se isostenúria e hipostenúria;
hematúria, proteinúria e cilindros granulares são verificados em cerca de 30% dos casos.
Os achados macroscópicos podem incluir hemorragias petequiais ou equimóticas em qualquer órgão ou na
superfície pleural ou peritoneal, hepatomegalia e aumento de volume dos rins. O fígado é quase sempre friável,
com acentuado padrão lobular; pode apresentar manchas marrom­amareladas. Os rins podem conter focos
esbranquiçados na superfície subcapsular. Os achados microscópicos no fígado podem incluir necrose
hepatocística, hepatite não supurativa e estase biliar intra­hepática, enquanto nos rins é possível notar edema de
células epiteliais tubulares, necrose tubular e reação inflamatória mista. Hepatite crônica e nefrite intersticial
crônica são descritas em casos menos graves.
Em cães, a sorologia é o teste diagnóstico mais prático e frequentemente utilizado. A obtenção de títulos na
fase aguda e no período de convalescença pode ser necessária para confirmar o diagnóstico. Outros testes
diagnósticos, como imunofluorescência, PCR e cultura, são úteis, mas a amostra deve ser obtida antes da
administração de antibióticos, a fim de obter máxima sensibilidade.
A insuficiência renal e a doença hepática são tratadas com fluidoterapia e outras medidas de suporte para
manter normal o equilíbrio de fluidos, eletrólitos e da condição ácido­base. A terapia antimicrobiana é indicada.
O tratamento sistêmico com penicilina ou seus derivados é particularmente útil na doença aguda, em cães. Estes
antibióticos são indicados para eliminar a leptospiremia. Em caso de doença branda e tolerância do cão à terapia
oral, pode­se utilizar doxiciclina ou fluoroquinilona. A terapia primária deve ser seguida de 2 a 4 semanas de
doxiciclina para eliminar os microrganismos presentes nos rins e para evitar a disseminação destas bactérias. As
cefalosporinas de primeira e de segunda geração não são recomendadas. Os cães que foram recentemente
expostos à leptospirose podem ser tratados profilaticamente com amoxicilina ou doxiciclina durante 7 a 10 dias,
com intuito de prevenir a infecção.
As bacterinas comerciais disponíveis para cães contêm as sorovariantes Canicola, Icterohaemorrhagiae,
Grippotyphosa e Pomona. A imunidade cruzada entre as sorovariantes parece não ser boa e cães vacinados
podem ainda ser suscetíveis à infecção por outras sorovariantes. Em geral, as vacinas propiciam proteção à
doença clínica, mas não protegem todos os cães de infecção renal ou disseminação renal.
Há preocupação quanto à reação de hipersensibilidade após a vacinação de cães. Esta reação raramente é fatal
e há tratamento clínico. A vacinação é recomendada em intervalos anuais e pode ser recomendada em intervalo
menor nas regiões enzoóticas.

Leptospirose em Equinos

Nos EUA e no Canadá, as sorovariantes Pomona e Grippotyphosa são as mais comumente envolvidas na
leptospirose equina. A prevalência de leptospirose em equinos é desconhecida, mas evidências sorológicas
indicam prevalência maior do que se apresenta clinicamente. Anticorpos contra a sorovariante Bratislava são
frequentemente relatados nos EUA; na Europa, os equinos são hospedeiros de manutenção deste
microrganismo. A leptospirose clínica em equinos está associada a aborto, doença sistêmica em potros e uveíte
recidivante.
A leptospirose é responsável pela ocorrência de 2 a 4% de todos os abortamentos de éguas, anualmente,
embora períodos de chuva e inundações possam resultar em surtos de abortamentos. Os abortos ocorrem
tipicamente 1 a 3 semanas após doença branda, com as fêmeas exibindo sinais clínicos inespecíficos
caracterizados por febre, anorexia, depressão e, em casos raros, icterícia. As lesões em potros abortados não são
específicas e muitas vezes é comprometida pela autólise. Leptospiras podem ser detectadas na placenta e nos
órgãos fetais por imunoistoquímica, imunofluorescência, PCR e cultura. As fêmeas que abortaram geralmente
possuem alto título de anticorpos contra leptospiras por ocasião do aborto.
Em potros, é típica leptospirose aguda grave, inclusive com hemólise e vasculite com hemorragias petequiais
nas superfícies mucosas, hemoglobinúria, anemia, icterícia, sufusão conjuntival, depressão e fraqueza. Há relato
de insuficiência renal em potros.
A real participação da leptospirose no desenvolvimento de uveíte recidivante (ver p. 553) parece controversa,
embora esta condição possa ser reproduzida experimentalmente em equinos infectados com a sorovariante
Pomona. A uveíte recidivante se desenvolve a qualquer momento a partir de 2 a 8 meses após o início da
infecção. As leptospiras foram identificadas no humor aquoso em mais de 50% dos equinos com uveíte
recidivante, em vários estudos, mas não foram detectadas em casos semelhantes por outros pesquisadores. Não
está claro se a uveíte se deve à persistência ou à infecção intraocular repetida ou imunomediada. A uveíte é
tratada sintomaticamente com intuito de reduzir a inflamação e prevenir sinéquias, embora em casos crônicos
graves, possam ser utilizados antibióticos intraoculares ou vitrectomia.
Equinos infectados com a sorovariante Pomona podem disseminar a bactéria pela urina por 3 a 4 meses após
a infecção. Os antibióticos não parecem diminuir significativamente o tempo de disseminação. Na doença
aguda, antibióticos sistêmicos são úteis e os antibióticos também são utilizados para prevenir aborto em éguas
que convivem ou são expostas às fêmeas infectadas. Não há vacina contra leptospira para equinos.

Leptospirose em Suínos

As sorovariantes de Leptospira Pomona e Bratislava são as comumente consideradas como causas de


leptospirose suína nos EUA; as sorovariantes Grippotyphosa, Icterohaemorrhagiae e Canicola são,
ocasionalmente, implicadas. Os suínos são hospedeiros de manutenção da sorovariante Bratislava. Esta
sorovariante pode infectar suínos, mas raramente induzem sinais típicos de leptospirose aguda –
preferencialmente, falhas reprodutivas na forma de infertilidade e abortos esporádicos são os sinais clínicos
mais comuns e pode ocorrer transmissão venérea. A sorovariante Pomona, ao contrário, tem patogenicidade
intermediária aos suínos, com sintomas agudos observados em suínos jovens e abortos (geralmente em grupos)
em fêmeas. Embora a infecção pela sorovariante Pomona esteja associada à doença aguda, às vezes com sinais
clínicos sugestivos de infecção de hospedeiro casual, os suínos permanecem infectados e disseminam a
sorovariante Pomona por semanas a alguns meses após a infecção. Esta característica da infecção por L.
Pomona pode estar associada à alta taxa de transmissão suíno­suíno, em animais criados sob confinamento.
Aborto 2 a 4 semanas antes da data prevista de parto é a manifestação mais comum de leptospirose em
suínos. Os leitões que completam o período gestacional podem nascer mortos ou fracos e morrer logo após o
nascimento. O diagnóstico diferencial inclui síndrome reprodutiva e respiratória suína (p. 818), embora
brucelose, parvovírus e NMMI (natimortos, mumificação, morte embrionária e infertilidade) tenham
características semelhantes à leptospirose. A leptospirose aguda, como descrita em bezerros, tem sido relatada
em leitões, mas é rara. O tratamento e o controle são similares aos mencionados para bovinos.

LISTERIOSE (Listerelose, Doença do andar em círculo)


Listeriose é uma doença bacteriana esporádica que acomete grande variedade de animais, inclusive pessoas e
aves. Sua distribuição é mundial, sendo mais frequente em climas temperados e frios. Há alta prevalência de
portadores intestinais. Encefalite ou meningoencefalite nos ruminantes adultos é a forma mais diagnosticada.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: Listeria monocytogenes é um pequeno cocobacilo, difteroide, móvel, Gram­
positivo, não formador de esporos e extremamente resistente, que cresce a temperaturas de 4 a 44°C. Sua
habilidade de crescer a 4°C é um importante auxílio diagnóstico (método de “enriquecimento pelo frio”) para
isolamento desse microrganismo do tecido cerebral, mas não de tecidos placentários ou fetais. O isolamento
primário é potencializado sob condições de microaerofilia. A Listeria é um saprófita comum que vive em
ambientes como solo e plantas, sendo isolada em cerca de 42 espécies de mamíferos domésticos e selvagens e
22 espécies de pássaros, assim como de peixes, crustáceos, insetos, dejetos de esgoto, água, silagem, mecônio,
fezes e solo e também em alimentos como leite e queijo.
Os reservatórios naturais de L. monocytogenes parecem ser o solo e o trato gastrintestinal de mamíferos, que
contaminam a vegetação. Animais a pasto ingerem o microrganismo e posteriormente contaminam a vegetação
e o solo. A transmissão de animal para animal ocorre pela via fezes­oral.
A listeriose é predominantemente uma doença de inverno­primavera, em ruminantes confinados ou em lotes
de engorda. O pH menos ácido da silagem leva à deterioração e multiplicação exagerada de L. monocytogenes.
Podem ocorrer surtos = 10 dias após a alimentação com silagem de má qualidade. A remoção ou substituição da
silagem frequentemente contém a disseminação da listeriose. A alimentação dos animais com a mesma silagem,
após alguns meses, poderá resultar no aparecimento de novos casos.
PATOGENIA: Listeria, ingerida ou inalada, pode causar sepse, aborto e infecção latente. Os microrganismos que
penetram nos tecidos têm predileção por parede intestinal, bulbo e placenta, ou causa encefalite através da
penetração em minúsculas feridas da mucosa bucal.
As várias manifestações da infecção ocorrem em todas as espécies suscetíveis e estão associadas a síndromes
clínicas características, como aborto e mortalidade perinatal, em todas as espécies, encefalite ou
meningoencefalite em ruminantes adultos, sepse em ruminantes neonatos e animais monogástricos e sepse com
necrose de miocárdio e/ou do fígado em aves domésticas (ver p. 2853).
A encefalite causada por Listeria acomete ovinos, bovinos, caprinos e ocasionalmente suínos. Ocorre
essencialmente uma infecção localizada no tronco cerebral que progride quando L. monocytogenes ascende ao
nervo trigêmeo. Os sinais clínicos variam de acordo com a função dos neurônios afetados, mas geralmente são
unilaterais e incluem depressão (sistema de ativação reticular ascendente), fraqueza ipsilateral (tratos longos),
paralisia do nervo facial e do trigêmeo e, esporadicamente, andar em círculos (núcleo vestibular). Os sinais
neurológicos indicam déficit bilateral do nervo cranial e são ocasionalmente observados em cordeiros com < 4
meses de idade.
A listeriose septicêmica ou visceral é mais comum em animais monogástricos, como suínos, cães, gatos,
coelhos domésticos e selvagens e outros pequenos mamíferos. Esses animais podem participar da transmissão
de L. monocytogenes. Essa forma também é encontrada em ruminantes jovens, antes que o rúmen se torne
funcional. Mesmo rara, a sepse já foi relatada em ruminantes domésticos idosos e em cervos. A forma
septicêmica afeta outros órgãos além do cérebro, sendo a principal lesão uma necrose hepática focal.
O útero de todas as fêmeas domésticas, especialmente ruminantes, é suscetível à infecção por L.
monocytogenes em todos os estágios da prenhez, podendo resultar em placentite, metrite, infecção e morte fetal,
abortos, natimortos, mortes neonatais e, possivelmente, portadores viáveis. A metrite tem pouco ou nenhum
efeito sobre a reprodução subsequente; contudo, a Listeria pode ser eliminada = 1 mês por via vaginal e pelo
leite.
As infecções adquiridas via ingestão tendem a se localizar na parede intestinal, resultando em infecção
inaparente e prolongada excreção fezes. Postula­se que a silagem contaminada resulte em numerosas infecções
latentes, muitas vezes chegando a 100% do rebanho ou lote exposto; no entanto, a listeriose clínica só ocorre em
alguns animais.
ACHADOS CLÍNICOS: A encefalite é a forma de listeriose identificada mais prontamente em ruminantes.

Acomete machos e fêmeas de todas as idades; às vezes tornam­se epidemias em bovinos ou ovinos em lotes de
engorda. O curso da doença em ovinos e caprinos é rápido e a morte pode ocorrer entre 24 e 48 h após o início
dos sinais clínicos. A taxa de recuperação pode ser de até 30% quando é instituída uma terapia imediata e
agressiva. Em bovinos, o curso da doença é menos agudo e a taxa de recuperação é de aproximadamente 50%.
As lesões são localizadas no tronco cerebral e os sinais indicam disfunções do terceiro ao sétimo pares de
nervos cranianos.
Inicialmente, os animais afetados ficam anoréxicos, deprimidos e desorientados. Tendem a se agrupar nos
cantos, se apoiar em objetos parados ou andar em círculos no sentido do lado afetado. Ocorre paralisia facial
com queda da orelha e desvio do focinho, lábios flácidos, ptose palpebral do lado afetado, assim como
diminuição da resposta à ameaça e uma profusa e quase contínua sialorreia; o alimento geralmente permanece
impactado antes da deglutição devido à paralisia dos músculos mastigatórios. Os animais em estado terminal
caem e não são capazes de se levantar, permanecem deitados do mesmo lado sendo comum realizarem
movimentação involuntária de corrida.
A encefalite por listeria pode ocorrer nas mesmas instalações nos anos seguintes. O número de animais
clinicamente envolvidos em um surto é geralmente < 2%, mas em circunstâncias excepcionais pode variar entre
10 e 30% em um rebanho de ovinos.
O aborto provocado por listeria geralmente ocorre no último trimestre de gestação, sem sinais premonitórios.
Os fetos geralmente morrem dentro do útero, podendo haver natimortos e mortes neonatais. A taxa de abortos é
variável e chega a 20% em rebanhos de ovinos. É rara a sepse fatal materna secundária à metrite. Encefalite e
aborto geralmente não ocorrem simultaneamente no mesmo rebanho. No entanto, no Reino Unido estão
ocorrendo alterações dos padrões clínicos em ovinos, ou seja, aumento no número de abortos, encefalites e
diarreias. Além disso, surtos de aborto e encefalite acontecem concomitantemente no mesmo rebanho.
A listeriose é rara em suínos, ocorrendo sepse em animais com < 1ano de idade, enquanto encefalite acomete
suínos idosos. A doença tem curso rápido e fatal, que dura 3 a 4 dias.
Lesões: Na encefalite por listeria há poucas lesões macroscópicas, exceto algum grau de congestão das
meninges. As lesões microscópicas se limitam principalmente na ponte, bulbo e medula espinal anterior.
Na listeriose septicêmica podem ser verificados pequenos focos necróticos em qualquer órgão, especialmente
no fígado. Nos bezerros que morrem com < 3 semanas de idade, além da necrose hepática focal, ocorrem
gastrenterites hemorrágicas focais.
Nos fetos abortados ocorrem sinais discretos a marcantes de autólise, fluido claro a sanguinolento nas
cavidades serosas e focos pequenos e numerosos de necrose no fígado, especialmente em sua porção direita.
Focos de necrose também podem ser verificados em outras vísceras, como pulmão e baço. Erosões rasas de 1 a
3 mm podem ser notadas na mucosa do abomaso. Alterações autolíticas podem mascarar essas lesões.
Esfregaços do conteúdo do abomaso, corados com Gram, revelam numerosos cocobacilos pleomórficos Gram­
positivos.
DIAGNÓSTICO: Amostras de fluido cerebroespinal (FCE) podem ser colhidas na região lombossacra, após
anestesia local. Na listeriose, verifica­se aumento da concentração de proteína no fluido cerebroespinal (FCE)
(0,6 a 2 g/l; [o normal é 0,3 g/l]) e discreta pleocitose com predomínio de células mononucleares.
A listeriose só é confirmada com isolamento e identificação de L. monocytogenes. As amostras de escolha
são: cérebro dos animais com comprometimento do SNC, placenta e fetos oriundos de abortos. Se há falhas na
tentativa de isolamento primário deve­se manter o tecido cerebral triturado a 4°C, por várias semanas, e fazer
nova cultura depois de 1 semana. Ocasionalmente, L. monocytogenes é isolada de fluido espinal, secreção nasal,
urina, fezes e leite de ruminantes clinicamente enfermos. A sorologia não é utilizada para diagnóstico de rotina,
pois muitos animais saudáveis apresentam altos títulos para Listeria. A imunofluorescência é efetiva na
identificação rápida de L. monocytogenes em esfregaços obtidos de animais mortos ou abortados em
decorrência de listeriose, e do leite, carne e outras fontes.
A listeriose pode ser diferenciada da toxemia da prenhez em ovelhas (p. 1093) ou da cetose bovina (p. 1075)
por meio de exame clínico cuidadoso, alterações no FCE e na concentração de 3­OH butirato bem abaixo de 3
mmol/l. Além disso, paralisias facial e auricular estão ausentes na toxemia da prenhez ou na cetose. Em
bovinos, os sinais unilaterais de paralisia dos nervos trigêmeo e facial auxiliam na diferenciação entre listeriose
e encefalopatia espongiforme (p. 1390), encefalite tromboembólica (p. 769), polioencefalomalacia (p. 1383),
encefalomielite bovina esporádica (p. 1386) e intoxicação por chumbo (p. 3114). A raiva (p. 1422) sempre deve
ser considerada no diagnóstico diferencial de listeriose. Os animais com abscessos cerebrais e cenurose (p.
1398) apresentam andar em círculos, cegueira contralateral e déficit proprioceptivo, mas não apresentam déficits
do nervo craniano. A doença vestibular é comum em ruminantes em crescimento; estes animais apresentam,
tipicamente, nistagmo ipsilateral espontâneo ou estrabismo e permanecem vivos e alertas sem disfunção do
nervo trigêmeo.
TRATAMENTO E CONTROLE: A recuperação depende do início e da agressividade do tratamento antibiótico. Caso
os sinais e a encefalite sejam graves, geralmente o animal morre, mesmo com o tratamento. A L. monocytogenes
é suscetível à penicilina (droga de escolha), ceftiofur, eritromicina e trimetoprima­sulfonamida. Altas doses são
necessárias em razão da dificuldade em obter concentrações bactericidas mínimas no cérebro.
Deve­se administrar 44.000 U de penicilina G/kg de peso corporal, IM, diariamente, durante 1 a 2 semanas; a
primeira injeção deve ser seguida de mesma dose IV. A terapia de suporte, inclusive fluidos e eletrólitos, é
necessária para animais com dificuldade de se alimentar e ingerir líquidos. Alta dose de dexametasona (1 mg/kg
IV) por ocasião da primeira consulta é considerada benéfica por alguns, mas há controvérsia.
Os resultados da vacinação são questionáveis e juntamente com a natureza esporádica da doença leva a
considerações sobre o custo­benefício da vacinação. Nos surtos, os animais infectados devem ser separados do
rebanho. Caso a silagem seja a alimentação oferecida, o fornecimento de um determinado tipo de silagem deve
ser interrompido com base em triagem. Silagem deteriorada deve ser evitada. A silagem de milho antes de
muito madura e a silagem de capim, que contêm aditivos, provavelmente têm pH mais ácido, o que inibe a
multiplicação de L. monocytogenes.
RISCO ZOONÓTICO: Pode­se questionar se os animais atuam como reservatórios da infecção para o homem, já
que Listeria foi isolada de fezes de várias pessoas aparentemente saudáveis, bem como de outros animais. No
entanto, apesar disso e do caráter invasivo aparentemente baixo de L. monocytogenes, deve­se manipular com
cuidado todo material suspeito. Os fetos abortados e a necropsia dos animais septicêmicos representam um
grande risco. Nos casos de encefalite, L. monocytogenes geralmente se limita ao cérebro e representa um risco
menor de transmissão, a menos que se remova o cérebro. Há relato de pessoas que desenvolveram meningite
fatal, sepse e exantema papular nos braços após a manipulação de material abortado. Devem­se proteger as
fêmeas prenhes (inclusive mulheres) contra a infecção, devido ao risco ao feto, com possibilidade de aborto,
natimortos e infecção de neonatos. Ainda que a listeriose seja rara em pessoas (estimativa anual de 12 casos/1
milhão de habitantes); a taxa de mortalidade pode chegar a 50%. A maioria dos casos envolve pacientes idosos,
mulheres grávidas e pessoas imunocomprometidas.
Pode­se isolar Listeria monocytogenes do leite de vacas com mastite, vacas que abortaram e daquelas
aparentemente normais. A excreção no leite geralmente é intermitente, mas pode persistir por vários meses. O
leite contaminado é um risco, pois o microrganismo sobrevive a algumas formas de pasteurização. Também se
tem isolado Listeria do leite de ovelhas, cabras e mulheres.

MELIOIDOSE (Pseudomormo, Doença de Whitmore)

É uma infecção bacteriana que acomete pessoas e animais. Está geralmente associada a lesões caseosas ou
supurativas, que compreende uma resposta mista purulenta e granulomatosa, capaz de afetar qualquer órgão do
corpo.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O agente etiológico é Burkholderia pseudomallei, um bacilo oval, móvel, Gram­
negativo, anaeróbio facultativo com coloração bipolar. Os microrganismos estão disseminados por todo o
Sudeste Asiático, norte da Austrália e sul do Pacífico. Sua distribuição é predominantemente tropical ou
subtropical com “hiperendemicidade” na extremidade superior do território norte da Austrália e nordeste da
Tailândia. Os limites reais de sua endemicidade são ambíguos, tendo em vista o movimento do microrganismo e
sua habilidade para se deslocar e existir em regiões temperadas (sudeste da Austrália e França), onde pode
causar doença esporádica e surtos. B. pseudomallei foi introduzida em um novo ambiente com a exportação de
animais e a remessa de solo e água contaminados tem potencial para provocar os mesmos resultados. Relatos de
possíveis casos autóctones de melioidiose vieram da Índia, Ilhas do Pacífico, Américas do Sul e Central, Caribe,
África e Oriente Médio.
B. pseudomallei é um saprófita disseminado e foi isolado de muitos tipos de solo e águas de superfície de
várias profundidades. Surtos de melioidose coincidem com períodos de chuva e inundações associados a alta
umidade ou temperatura. Grandes escavações bem como problemas em encanamentos que resultaram em
contaminação de suprimentos de água provocaram surtos.
A melioidose é diagnosticada mais comumente em ovinos, caprinos, suínos, bovinos, equinos, veados,
camelos, alpaca, cães, gatos, golfinhos, cangurus, coalas, primatas, pássaros, peixes tropicais, répteis e pessoas.
Os animais de laboratório afetados pela doença incluem hamsters, porquinhos­da–índia, coelhos, camundongos
e ratos. A suscetibilidade dos hospedeiros e as manifestações da doença são variáveis entre as espécies. A
introdução de animais sem imunidade nos rebanhos de regiões endêmicas os predispõe à doença, como se nota
em ovinos, caprinos, suínos e camelídeos. Outras espécies (p. ex., cães e gatos) podem sucumbir à infecção
devido às condições de imunossupressão.
TRANSMISSÃO: Acredita­se que a infecção seja oportunista e primária e resulta da transmissão do ambiente ao
animal e não de animal para animal. As vias mais comuns de infecção são inoculação percutânea, contaminação
de feridas, ingestão do solo, carcaças contaminadas ou inalação. A infecção transplacentária resultando em
aborto foi relatada em caprinos. A transmissão sexual e outros tipos de transmissão hospedeiro a hospedeiro são
possíveis, mas não foram descritas. Foram relatadas infecções laboratoriais e iatrogênicas por meio de
antissépticos, injeções ou outros equipamentos hospitalares ou cirúrgicos contaminados.
PATOGENIA: A virulência de B. pseudomallei parece apresentar muitas variações, mas os fatores de virulência
não são bem compreendidos. Clones originários de surtos são produzidos em diferentes graus de manifestações
clínicas, o que indica que os fatores do hospedeiro e a dose infectante podem ser igualmente importantes na
determinação da gravidade da doença. B. pseudomallei é um patógeno intracelular facultativo que pode
permanecer latente por muitos anos antes de emergir como infecção ativa.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais podem ser bastante diversificados entre as espécies, dependendo do local da
infecção e variação entre crônica e aguda. A infecção subclínica é comum. A infecção pode estar associada a
nódulos e abscessos isolados ou múltiplos, supurativos ou caseosos, que podem estar localizados em qualquer
tecido orgânico com efeitos variáveis. A doença provavelmente origina­se da inoculação percutânea que
geralmente se desenvolve em locais distantes sem evidências de infecção ativa no local da inoculação. Em sua
maioria, os órgãos comumente afetados são pulmões, baço, fígado e linfonodos associados.
As cabras geralmente desenvolvem mastite, sendo um achado comum o aneurisma de aorta. O sistema
respiratório é preferencialmente envolvido em ovinos; os sintomas podem incluir febre, tosse intensa, angústia
respiratória e secreção nasal mucopurulenta e ocular. A doença do SNC inclui andar em círculos,
incoordenação, cegueira, nistagmo e espasmos e pode ser observada em bovinos, equinos, ovinos e caprinos. Os
suínos são geralmente assintomáticos, ocorrendo lesões no baço, que são achados acidentais de abatedouro. A
claudicação por artrite séptica e osteomielite pode ocorrer. Em geral, ocorrem fatalidades em associação com
infecção aguda fulminante ou quando os órgãos vitais são afetados. Várias formas de meliodiose são relatadas
em equinos os sinais incluem fraqueza, edema e linfangite nos membros, cólica leve, diarreia, tosse ou secreção
nasal. Infecções de pele podem, inicialmente, se assemelhar a eczema fúngico, progredir e se tornar papular. Em
cães, a doença pode ser aguda, subaguda ou crônica. Em casos agudos, sepse com febre, diarreia intensa e
pneumonia fulminante são comuns. Casos subagudos podem estar presentes como lesões cutâneas com
linfangite e linfadenite, casos não tratados podem progredir para sepse. Casos crônicos podem ocorrer em
qualquer órgão com sinais clínicos que incluem anorexia, mialgia, edema de membros e abscesso de pele.
Lesões: Múltiplos abscessos com material denso, caseoso branco a amarelo são observados na necropsia. Os
órgãos comumente envolvidos são pulmões, baço, linfonodos, fígado e tecido subcutâneo. A broncopneumonia
exsudativa, consolidação e abscessos podem ser verificados nos pulmões dos animais com doença respiratória.
Nódulos e úlceras podem ser verificados na mucosa nasal e septo e nos cornetos, estes podem coalescer em
placas irregulares. Meningoencefalite, enterite grave, poliartrite supurativa e outras síndromes também foram
relatadas.
DIAGNÓSTICO: Os sinais clínicos de melioidose têm valor diagnosticado devido à natureza multiforme da
doença. Para o diagnóstico definitivo é necessário isolamento e identificação do microrganismo. O agente pode
ser isolado de lesões e secreções. É rapidamente cultivado nos meios diagnósticos de rotina e têm uma forma de
colônia e odor característicos (especialmente em meio Ashdown). Esfregaços de exsudatos ou pus corados pelo
Gram às vezes permitem identificar bastonetes Gram­negativos bipolares em forma de “alfinete”. Os testes
sorológicos, como fixação de complemento e hemaglutinação indireta, são efetivos como ferramentas de
vigilância do rebanho. Mais recentemente, sondas de ácido desoxirribonucleico (DNA) e testes de PCR foram
desenvolvidos.
TRATAMENTO E PREVENÇÃO: O tratamento pode ser caro, prolongado e geralmente não obtém sucesso, e com o
risco de recrudescência se descontinuado. A possibilidade de condições de imunossupressão subjacentes deve
ser investigada em espécies menos suscetíveis. Os regimes de tratamento que utilizam diretrizes para melioidose
humana incluem inicialmente uma terapia inicial intensiva com betalactâmicos (ceftazidima e carbapenens),
possivelmente em combinação com cotrimoxazol por até 2 meses. Isso pode ser seguido de erradicação
subsequente de terapia de no mínimo 3 meses com altas doses de cotrimoxazol ou combinação de terapia
convencional com cloranfenicol, cotrimoxazol e doxiciclina ou amoxicilina/clavulanato. As medidas de
prevenção são mais práticas e econômicas nas fazendas de criação intensiva e no ambiente, envolvendo
elevação dos animais acima do solo e provisão da água de bebida limpa por meio de cloração ou filtração. A
minimização da contaminação ambiental por parte de animais enfermos também é considerada uma importante
medida de controle. Não há vacina efetiva.
RISCO ZOONÓTICO: A melioidose tem potencial zoonótico. A mastite em cabras é uma manifestação comum e
B. pseudomallei foi isolada do leite, resultando na necessidade de pasteurização do leite de cabra
comercializado nos trópicos. A carcaça de animais infectados deve ser condenada no abatedouro.

NEOSPOROSE

Neospora caninum é um protozoário microscópico com distribuição cosmopolita. Muitos animais domésticos
(p. ex., cães, bovinos, ovinos, caprinos, equinos e aves) e selvagens (veado, roedores, coelhos, coiotes, lobos e
raposas) podem ser infectados. A neosporose é um dos casos mais comuns de aborto em bovinos, especialmente
em fazendas com criação intensiva. O aborto pode ocorrer também em ovinos, caprinos, búfalos da água e
camelídeos da América do Sul, embora eles sejam menos suscetíveis que os bovinos.
Uma outra espécie de Neospora, N. hughesi, causa mielite em equinos e compartilha características clínicas com
a mielite equina protozoária que, na América do Norte e do Sul, geralmente é causada por Sarcocystis neurona.
O ciclo biológico de N. hughesi é desconhecido. A discussão neste capítulo foca somente a infecção por N.
caninum.
EPIDEMIOLOGIA: A neosporose em rebanhos bovinos manifesta­se tanto como aborto endêmico quanto
epidêmico, mas é possível que um rebanho tenha alta prevalência da doença sem ocorrência de aborto. Tanto o
padrão de transmissão endêmico quanto o epidêmico em bovinos está associado à presença de cães na fazenda.
O aborto endêmico está relacionado principalmente com transmissão transplacentária endógena, embora a
transmissão ocasional de cães ou outros canídeos possa responder pelo problema. O aborto epidêmico é uma
possível consequência de uma transmissão súbita em larga escala em vacas prenhes, presumivelmente pela
ingestão de uma mistura de ração ou água contaminada com fezes de cães infectados. O uso de ração misturada
em rebanhos leiteiros provavelmente contribui para a maior prevalência de neosporose em bovinos leiteiros do
que em bovinos de corte criados extensivamente a pasto.
TRANSMISSÃO: Os cães são os hospedeiros definitivos de N. caninum e são capazes de excretar oocistos nas
fezes após ingerir tecidos de animais infectados. Os canídeos selvagens também são suspeitos e os coiotes são
confirmados como hospedeiros definitivos. Neospora oocysts tem uma camada impermeável que permite sua
sobrevivência no solo e na água por longos períodos após a decomposição das fezes dos caninos. Os
hospedeiros intermediários, como o gado, infectam­se pela ingestão de oocistos. Os bovinos não produzem
oocistos e, desta forma, não há transmissão horizontal da infecção horizontal para outros bovinos, mas a
infecção latente perdura permanentemente em seus tecidos e são transmitidos aos canídeos pela ingestão de
carne contaminada.
Nos bovinos, a transmissão de N. caninum pode ser transplacentária, de uma vaca infectada para o feto em
desenvolvimento, um evento que pode ocorrer em múltiplas gestações da mesma vaca. Como a maioria das
infecções congênitas é subclínica, bezerras com infecção congênita podem permanecer no plantel e causar
infecções transplacentárias para sua própria prole. Esta transmissão transplacentária endógena permite a
manutenção do parasito às próximas gerações mesmo que o rebanho não tenha contato frequente com cães.
Pode ocorrer transmissão transplacentária exógena quando uma vaca não infectada ingere oocistos de Neospora
durante a gestação e o feto torna­se infectado.
Os cães se infectam ao consumir produtos de bovinos infectados (inclusive placenta) e os veados são,
presumivelmente, infectados ao consumir dieta à base de carne crua, frangos criados perto do curral e uma
variedade de animais selvagens.
ACHADOS CLÍNICOS: O aborto pode ocorrer durante toda a gestação. A inflamação não supurativa é a principal
lesão em tecidos fetais abortados. Bezerros infectados congenitamente podem nascer fracos ou com déficit
neurológico. Entretanto, muitas infecções congênitas são subclínicas.
Nos cães normalmente ocorrem infecções subclínicas, embora existam várias exceções. Ninhadas ou filhotes
individuais podem desenvolver paresia progressiva de membros pélvicos associada à polirradiculoneurite,
miosite e atrofia muscular. Cães adultos podem apresentar encefalomielite, nódulos focais ou úlceras cutâneas,
pneumonia, peritonite ou miocardite.
DIAGNÓSTICO DE ABORTO BOVINO: Como a neosporose é apenas uma das muitas causas de aborto, o
diagnóstico deve focar as possíveis etiologias. O feto abortado deve ser enviado ao laboratório de diagnóstico
veterinário, juntamente com a placenta e uma amostra de soro da fêmea que abortou. A análise de múltiplos
fetos aumenta as chances de diagnóstico acurado. Se for impraticável o envio de todo o feto, remeta parte das
seguintes amostras para melhor definir a causa de aborto: coleta asséptica de pulmão, fígado, baço e fluido
abomasal; um globo ocular para o teste do nitrato, amostras de cérebro fixada em formalina (mesmo se mole),
pulmões, timo, rins, baço, glândula adrenal, músculo esquelético (p. ex., língua e diafragma) e cotilédones
placentários; soro da fêmea que abortou e fluido toracoabdominal do feto para sorologia.
O diagnóstico do aborto por neosporose pode ser feito com boa confiabilidade com base nos seguintes
achados: 1) Ausência de outros agentes etiológicos; 2) Inflamação não supurativa em múltiplos órgãos fetais,
especialmente cérebro, coração e músculo esquelético; 3) Imunoistoquímica ou detecção do Neospora em
tecidos fetais por meio de PCR; e 4) Soropositividade para Neospora da fêmea e do feto. Entretanto, tais
informações nem sempre estão disponíveis. Uma lesão muito específica de aborto por neosporose em vacas é a
necrose multifocal cerebral circundada por reação leucocitária não supurativa. A confiabilidade no diagnóstico
aumenta com a constatação de alto teor de anticorpos na fêmea que abortou; forte reação soropositiva no
momento do aborto tem bom valor preditivo em relação às reações de baixa soropositividade. Geralmente
exclui­se a possibilidade de neosporose em fêmeas soronegativas.
A toxoplasmose, comum em ovinos, mas rara ou inexistente em bovinos, causa aborto com lesões fetais
idênticas.
O teste sorológico de várias vacas ou novilhas pode ser utilizado como alternativa ou como método
complementar para diagnosticar neosporose na maioria dos rebanhos com problemas reprodutivos. Esta
estratégia pode auxiliar quando os rebanhos são investigados por problemas de aborto. Amostras de soro devem
ser colhidas de fêmeas que abortaram e de número igual de fêmeas com gestação normal (geralmente 10 ou
mais por grupo). O soro deve ser testado e classificado para anticorpos contra Neospora. Se muitas vacas no
grupo abortado são soropositivas e no grupo normal poucas são soropositivas, deve­se suspeitar de neosporose
como causa de aborto no rebanho; isto deve ser confirmado por comparação estatística. Se muitas vacas que
abortaram são soronegativas, então neosporose não é o principal problema.
DIAGNÓSTICO DA NEOSPOROSE CANINA: Cães afetados clinicamente, em geral têm teor de anticorpos contra
Neospora muito mais alto que aquele verificado em infecções subclínicas individuais. A biopsia de tecidos
clinicamente afetados mostra inflamação não supurativa e deve revelar a presença do protozoário, mas deve­se
realizar imunoistoquímica ou PCR para detectar o microrganismo ou para diferenciá­lo de outros protozoários.
Cães com neosporose sintomática geralmente não disseminam oocistos pelas fezes. Os cães disseminam
oocistos somente por períodos de dias ou semanas após ingestão de tecido de um animal infectado; por isso a
presença de Neospora no exame de fezes por flutuação é ocasional. Os pequenos oocistos são redondos ou
ligeiramente ovalados e têm 10 a 11 mícrons de diâmetro. Um contorno externo liso auxilia na diferenciação de
grãos de pólen de mesmo tamanho. Os oocistos de Neospora são praticamente idênticos aos oocistos de
Hammondia heydorni, um parasito intimamente relacionado e que não está associado a enfermidades sistêmicas
em cães ou com abortos em ruminantes. PCR pode ser necessária para distinguir entre os oocistos de Neospora
e de H. heydorni.
TRATAMENTO: Não há tratamento aprovado para neosporose em bovinos. A neosporose clínica em cães é tratada
mediante administração prolongada de clindamicina ou de sulfas. O prognóstico é negativamente associado à
gravidade da apresentação dos sinais clínicos e com a falha do tratamento. O prognóstico é reservado em
filhotes, se a doença é progressiva, com paresia de membros pélvicos, atrofia e membros rígidos.
CONTROLE: O grau de eficácia da eliminação de N. caninum pela vacina em bovinos, comercialmente
disponível nos EUA desde 1998, não é claro. Atualmente, não há outras vacinas disponíveis contra Neospora.
A maioria dos rebanhos de leite e de corte tem uma pequena porcentagem de bovinos infectados por
Neospora. Embora a redução do risco de transmissão de Neospora seja um objetivo apropriado, a completa
erradicação em um rebanho é impraticável. A contaminação dos alimentos misturados às rações por fezes
caninas deve ser evitada. Grandes laticínios podem considerar a colocação de cercas a prova de entrada de cães
ao redor da área onde os alimentos são estocados e portões automáticos podem ser instalados para facilitar o
tráfico cotidiano do maquinário pesado. Fazendas menores podem proteger os alimentos em construções
tradicionais como celeiros e silos.
Além da proteção dos alimentos, rebanhos com abortos por neosporose endêmica devem considerar não
manter novilhas que nasceram de vacas soropositivas, assim reduzem o número de infecções congênitas em
novilhas que entram no rebanho. Se esta técnica for utilizada em vacas soropositivas, estas podem ser criadas
por sêmen bovino. Para vacas soropositivas com genética apurada, o uso de transferência de embriões para
substitutas soronegativas, é uma técnica que bloqueia a transmissão endógena e deve ser considerada.
Animais mortos, miúdos de abatedouro e placentas devem ser descartados de forma a prevenir o acesso de
cães a este material para reduzir o risco de mais cães infectados e de disseminação de oocistos de Neospora nas
fazendas. Os cães soropositivos para Neospora têm pouca probabilidade de disseminação de oocistos,
comparados com cães soronegativos; portanto, os testes sorológicos em cães de fazenda raramente são úteis.
RISCO ZOONÓTICO: Apesar da semelhança com a infecção por Toxoplasma, a infecção por Neospora não está
claramente associada à doença em pessoas. Os profissionais de laboratório devem se proteger de inoculações, o
que causou lesões fatais em primatas inoculados por via parenteral.

NOCARDIOSE

A nocardiose é uma enfermidade crônica, não contagiosa, piogranulomatosa, não supurativa e refratária à
terapia antimicrobiana convencional. Nocardia ssp são bactérias pleomórficas, Gram­positivas, aeróbias estritas
e intracelulares facultativas. Estes microrganismos são parcialmente ácido­resistentes e na coloração de Gram
apresentam­se como bastonetes, cocos, cocobacilos ou forma longa característica ou filamentos ramificados e
hifas finas.
ETIOLOGIA, EPIDEMIOLOGIA E PATOGENIA: Recentemente, o gênero Nocardia foi reclassificado com base nas
propriedades bioquímicas, suscetibilidade antimicrobiana e métodos moleculares (sequência do gene RNA
16S). Mais de 70 espécies de Nocardia são atualmente identificadas. Destas, > 25 foram reconhecidas como
causa de infecção humana e > 30 são responsáveis por doenças em animais. A espécie patogênica mais
importante para pessoas e animais são as do complexo N. asteroides, N. brasiliensis, N. pseudobrasiliensis, N.
otitidiscaviarum e N. transvalesis. O complexo N. asteroides incluem tipos I­VI. O tipo III é denominado N.
nova e o tipo V é N. farcinica.
Embora a nocardiose seja considerada incomum nos animais e nas pessoas, a doença foi relatada em todo o
mundo. Nocardia são organismos onipresentes e saprófitas do solo. São comumente verificados no solo,
material orgânico, água, vegetais em decomposição e outras fontes ambientais.
Nocardia spp. é considerada um agente causador de mastite ambiental em vacas e fêmeas de pequenos
ruminantes. N. asteroides, N. nova, N. otitidiscaviarum e N. farcinica são as espécies mais comumente
identificadas nas infecções mamárias. A mastite por nocardia geralmente é observada em rebanhos leiteiros
submetidos a manejo inadequado e/ou a condições higiênicas inadequadas antes e depois da ordenha. As
infecções mamárias são predominantemente causadas por contaminação de tetos, úbere e equipamento de
ordenha por contato com o solo durante os procedimentos de lavagem e infusão intramamária. Os rebanhos
bovinos acometidos por mastite por nocardia geralmente têm histórico de uso de concentração inadequada de
antisséptico nos tetos.
Em animais de companhia as espécies comumente encontradas são N. asteroides, N. brasiliensis, N.
otitidiscaviarum e N. nova. A transmissão da doença em cães e gatos está relacionada com a inoculação do
microrganismo em feridas perfurantes ou corpos estranhos e secundariamente a mordidas ou arranhões de gatos
após brigas. Esporadicamente, a nocardiose canina está relacionada com a inalação da bactéria. A ocorrência da
doença em cães e gatos está associada a condições de imunossupressão, particularmente em cães infectados pelo
vírus da cinomose e gatos infectados pelo vírus da leucemia ou da imunodeficiência. A nocardiose canina afeta
igualmente machos e fêmeas e acomete principalmente animais de 1 a 2 anos de idade.
A patogenicidade de Nocardia em animais domésticos está relacionada com a virulência das cepas, estrutura
da parede celular, hospedeiro suscetível, via de transmissão, infecção concomitante à doença imunossupressora
e indução de lesões piogranulomatosas. A resposta imune contra infecções por nocardia é principalmente
mediada por células. Estes organismos intracelulares são capazes de inibir a fusão lisossomo­fagossomo em
neutrófilos e macrófagos devido à presença de ácidos micólicos na parede celular bacteriana e são resistentes ao
ácido, enzimas oxidativas (catalase e superoxidase) e outros mecanismos enzimáticos das células fagocitárias.
ACHADOS CLÍNICOS: Mastite bovina, abscessos subcutâneos­cutâneos e pneumonia em animais de companhia
são as manifestações clínicas mais comuns de nocardiose.
A mastite por nocardia geralmente é caracterizada por histórico de evolução crônica. Classicamente, os casos
clínicos de infecção mamária são observados em 1 ou 2 animais do rebanho durante a lactação ou no período
seco. O exame clínico do úbere mostra aumento, edema, fibrose e, ocasionalmente, drenagem de fluido. O teste
da caneca revela secreção láctea serosa a purulenta com partículas brancas a amareladas (“grânulos de
enxofre”). Animais infectados apresentam alta contagem de células somáticas. Ocasionalmente, o
microrganismo pode se disseminar da glândula mamária para outros órgãos, causando linfadenite regional e
lesões piogranulomatosas.
Em animais de companhia, a nocardiose pulmonar é caracterizada por secreção oculonasal mucopurulenta,
anorexia, hipertermia, perda de peso, tosse, dispneia e hemoptise. Os abscessos cutâneos­subcutâneos,
micetomas e linfadenite regional são frequentes nas nocardioses associadas a lesões de pele em cães,
particularmente em animais coinfectados por vírus da cinomose. Outras formas sistêmicas ou disseminadas da
doença em cães e gatos são representadas por desenvolvimento de abscessos nos rins, fígado, baço e linfonodos
abdominais, bem como peritonite, pleurite e piotorax. Infecções grastrointestinais podem ocasionar gengivite,
ulceração da cavidade bucal e halitose. O organismo é raramente observado no sistema nervoso central, trato
urinário, coração, ossos e articulações. Os sinais clínicos de nocardiose felina são semelhantes aos descritos para
os cães. Abscessos cutâneos­subcutâneos e micetomas são as formas clínicas mais comuns de nocardiose felina.
Infecções bucais secundárias, em bovinos e equinos, devido ao consumo de alimento fibroso podem levar ao
desenvolvimento de lesões piogranulomatosas na mandíbula. N. otitidiscaviarum foi identificada em equinos
com pleurite e pneumonia. Aborto por nocardia pode ser notado em suínos e equinos. Linfadenite
submandibular e mesentérica foi observada em suínos. O farcino bovino ocasionado pela N. farcinica é uma
causa incomum de linfangite crônica, linfadenite e nódulos cutâneos.
A nocardiose em animais selvagens e peixes é geralmente representada pelo desenvolvimento de abscessos
nos órgãos e pneumonia.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico de rotina se baseia nos achados clínicos e epidemiológicos e nos exames
microbiológicos. As amostras de abscessos, pele, lavado traqueobrônquico, leite, órgãos ou outros tecidos
devem ser cultivadas em ágar­sangue ou ágar Sabouraud e incubadas em aerobiose por 3 a 7 dias, em
temperatura de 37°C e 25°C, respectivamente. As colônias são circulares, convexas, lisas ou rugosas,
firmemente aderidas à superfície do ágar com vários pigmentos (creme, branco, alaranjado ou vermelho) e com
a presença de hifas finas, de pó característico e superfície seca, semelhante a fungos. A confirmação do
diagnóstico depende da caracterização bioquímica baseada na hidrólise de diferentes substratos (caseína,
xantina, hipoxantina, tirosina) e assimilação de carboidratos (glicose, glicerol, galactose, glicosamina, inositol,
adonitol, trealose). Mais recentemente, o diagnóstico é confirmado por identificação molecular por meio de
sequenciamento do gene RNA 16S.
Microscopicamente, os organismos são Gram­positivos e filamentosos, com tendência à fragmentação. A
coloração de Ziehl­Neelsen modificada mostra microrganismos parcialmente ácido­resistentes. A aspiração com
agulha fina é utilizada no diagnóstico de nocardiose cutânea em cães e gatos. As colorações de Gram, Giemsa e
Panótico mostram organismos filamentosos no material aspirado por biopsia. O leucograma geralmente indica
leucocitose com neutrofilia e monocitose; o eritrograma revela anemia moderada.
As imagens radiográficas das lesões nos cães e gatos com nocardiose pulmonar revelam inflamação difusa,
nódulos, abscessos e consolidação lobar. Os achados patológicos de nocardiose são caracterizados por lesões
piogranulomatosas, necrose supurativa e abscessos em vários órgãos e tecidos. No exame histológico notam­se
centros necróticos e supurativos com microrganismos envoltos por macrófagos, linfócitos e plasmócitos.
Microcolônias do organismo, denominadas “grânulos de enxofre”, podem ser observadas no exame histológico.
O diagnóstico diferencial em cães e gatos deve incluir a infecção pelo gênero Actinomyces devido à
similaridade da aparência microbiológica e dos sinais clínicos. O diagnóstico diferencial de aumento de face e
da mandíbula, em bovinos e equinos, causado por nocardiose bucal deve incluir infecção por Actinomyces bovis
(actinomicose), Actinobacillus lignieresii (actinobacilose) e Staphylococcus aureus (botriomicose).
TRATAMENTO: A nocardiose é, geralmente, refratária à terapia antimicrobiana convencional devido sua
localização intracelular, ao desenvolvimento de lesões piogranulomatosas e aos padrões de resistência.
Sulfonamida­trimetropin, amicacina, linezolida e betalactâmicos (cefotaxima, imipeném, ceftriaxona) são
consideradas drogas de escolha para tratamento de pessoas e animais. Entretanto, o sucesso da terapia
antimicrobiana ocorre em somente 30 a 50% dos casos de mastite em vacas e cabras e de infecções pulmonares
e extrapulmonares (disseminadas ou sistêmicas) em animais de companhia. A terapia de longa duração é
necessária (1 a 6 meses, em muitos animais; 6­12 meses, em pessoas). Recidivas podem ocorrer quando se
utiliza protocolo de curta duração. Infusões intramamárias de sulfonamida­trimetropin, cefalosporinas ou
aminoglicosídios podem ser utilizadas por 5 a 7 dias, no tratamento de mastite clínica, em vacas e cabras. Em
animais de companhia indicam­se procedimentos cirúrgicos (desbridação, drenagem, retirada de corpos
estranhos e lavagem de lesões com soluções antissépticas) nas lesões cutâneas­subcutâneas e na osteomielite.
CONTROLE E PREVENÇÃO: Não há medidas específicas ou efetivas no controle de nocardiose devido à ampla
distribuição do microrganismo no ambiente. Em animais de companhia, patógenos imunossupressores ou
condições debilitantes devem ser investigadas como fatores predispondentes ao desenvolvimento da nocardiose.
Controle e prevenção de mastite por nocardia se baseiam em medidas indicadas para microrganismos
ambientais. Assim, o diagnóstico precoce de mastite, a adoção de medidas higiênicas adequadas e limpeza
apropriada do ambiente durante a ordenha, a concentração correta de antisséptico, de solução de imersão de teto
utilizada antes e após a ordenha e procedimentos adequados de terapia intramamária são as melhores medidas
de controle e/ou prevenção de mastite por nocardia. Devido à baixa taxa de sucesso no tratamento de infecções
mamárias, recomenda­se cauterização química de quartos infectados ou abate de animais acometidos como
medidas de controle de mastite por nocardia em rebanhos leiteiros.
RISCO ZOONÓTICO: A nocardiose em pessoas é considerada uma doença oportunista. Relatos de nocardiose
humana tornam­se mais frequentes em todo o mundo. Esta doença é observada em pessoas imunocompetentes e
imunocomprometidas, com predomínio de manifestações pulmonares, lesões cutâneas­subcutâneas, micetomas
e sinais neurológicos. Os casos clínicos de nocardiose humana são frequentemente associados à doença
imunossupressora ou debilitante, como AIDS, transplante de órgãos, cirrose, diabetes, alcoolismo, doença
maligna (linfossarcoma, linfoma) ou uso prolongado de corticosteroides.
Muitos casos de transmissão humana ocorrem provavelmente por inalação de microrganismos em regiões de
clima seco e quente. Traumatismos com inoculação cutânea é outra forma de transmissão. Muitos casos de
nocardiose humana cutânea­subcutânea foram descritos como secundários a mordidas ou arranhaduras de cães e
gatos com doença clínica. Entretanto, a nocardiose humana provavelmente não é transmitida diretamente de
pessoa a pessoa ou adquirida em nosocômios. Estudos experimentais de resistência à temperatura utilizando N.
asteroides e N. brasiliensis isolados de leite de vaca em condições de tempo e temperatura empregadas na
pasteurização indicam um risco potencial de transmissão pelo leite.
Precauções devem ser tomadas por pessoas imunocomprometidas, com atenção especial ao contato com solo
ou material orgânico do ambiente contaminado por animais domésticos ou por contato direto ou indireto como
animais suspeitos de ter a nocardiose.

PERITONITE

Peritonite é a inflamação das membranas serosas da cavidade peritoneal. Pode ser uma doença primária ou
secundária, provocada por outras enfermidades. As manifestações clínicas (p. ex., aguda ou crônica, séptica ou
não séptica, local ou difusa, com aderência ou exsudativa), a progressão e os sintomas variam de acordo com a
etiologia.
ETIOLOGIA: A peritonite primária pode ser infecciosa ou idiopática. Na peritonite primária, agentes específicos
de infecção disseminam­se da corrente sanguínea para a cavidade peritoneal dos animais, geralmente
imunocomprometidos. A peritonite primária é menos comum que a secundária e pode ser ocasionada por
agentes infecciosos como o vírus da peritonite infecciosa felina, Nocardia spp ou Mycobacterium spp,
Haemophilus parasuis e outros microrganismos infecciosos. A progressão da peritonite primária tende a tornar­
se crônica.
A peritonite secundária pode ser resultado da exposição da cavidade peritoneal a infecções específicas ou
inespecíficas. Geralmente é uma doença aguda, abrupta, progressiva e sistêmica.
A peritonite séptica secundária comumente está associada à perfuração e extravasamento de trato
gastrintestinal (p. ex., úlcera gástrica ou abomasal perfurada; reticuloperitonite traumática em bovinos) ou do
útero em animais com laceração uterina resultante do parto. A peritonite também pode resultar de perfuração ou
migração transmural (p. ex., neoplasia, isquemia intestinal), ruptura ou extravasamento de outras vísceras
infectadas (p. ex., abscesso de fígado, baço ou omento; cistite, endometrite e piometra). Além disso, a migração
de parasitos pela cavidade abdominal também pode resultar em extravasamento de quimo e subsequente
peritonite séptica. Feridas que perfuram a parede abdominal (p. ex., mordidas de cães) ou deiscência de feridas
podem resultar em laceração de vísceras e penetração de material estranho e de microrganismos na cavidade
peritoneal.
Os microrganismos associados à peritonite séptica refletem a fonte de contaminação. Uma população mista
de bactérias é observada nas perfurações gastrintestinais (coliformes e anaeróbios), enquanto a perfuração de
vísceras não gástricas (p. ex., vesícula biliar, útero, próstata) pode esta associada a microrganismos aeróbios,
como Escherichia coli, Staphylococcus, Streptococcus zooepidemicus equi, Proteus, Rhodococcus,
Enterobacter, Pseudomonas e Corynebacterium.
Peritonite asséptica secundária ocorre após a contaminação da cavidade abdominal com irritantes químicos
(p. ex., bile, urina, medicamentos) ou isquemia intestinal. As condições comuns são urolitíase e ruptura da
bexiga ou vesícula biliar; estas condições nem sempre são assépticas. Uma inflamação peritoneal asséptica pode
se tornar séptica.
Em grandes animais, a peritonite é mais comumente observada em bovinos e menos frequente em equinos e
raramente em suínos, ovinos e caprinos. A peritonite é uma doença grave e fatal em gatos. Há na Tabela 5, um
resumo das causas mais comuns de peritonite nos animais.
PATOGENIA: A patogenia da peritonite é espécie­dependente (p. ex., resposta inflamatória peritoneal em bovinos
caracterizada por formação extensa de fibrina; equinos tendem a desenvolver peritonite exsudativa) e
influenciada principalmente pela etiologia (p. ex., primária e secundária, séptica ou não séptica). Devido à
liberação de mediadores inflamatórios após contato com agentes mecânicos, químicos ou infecciosos, a
permeabilidade dos capilares da serosa aumenta, resultando no extravasamento de solutos, água e proteínas do
plasma para a cavidade peritoneal. A exsudação do fluido proteico pode resultar em hipoproteinemia e favorecer
a proliferação bacteriana. O efeito combinado da grande perda de fluidos na cavidade peritoneal e os efeitos
vasodilatadores das toxinas absorvidas pode levar à hipotensão e hipovolemia.

Tabela 5 – Causas frequentes de peritonite em bovinos, equinos, pequenos ruminantes, suínos, cães e gatos

Espécie Causa

Bovinos Reticuloperitonite traumática, ruminite, úlcera de abomaso (perfuração), vólvulo de


abomaso, vólvulo cecocólico, distocia (torção uterina, cesariana), metrite ou
piometra, cirurgia abdominal, intestinal, retal ou ruptura de útero, ruptura de abscesso
hepático ou abdominal, onfalite (bezerros); necrose gordurosa, injeção intraperitoneal,
neoplasia (p. ex., mesotelioma)
Cães e Peritonite infecciosa felina, ingestão de corpo estranho, ruptura gástrica, intestinal,
gatos retal ou uterina, neoplasia abdominal, pancreatite, necrose gordurosa, vólvulo­
dilatação gástrica (cães), trauma penetrante na parede abdominal
Equinos Migração parasitária (larval), lesão intestinal ou isquemia (cólica), ruptura de
abscesso abdominal (Rhodocoddus, Streptococcus), cirurgia abdominal (cólica e
castração), ruptura gástrica, intestinal ou uterina, gastroduodenoenterite, colite,
onfalite, úraco persistente, ruptura de bexiga (potros), úlcera gástrica (perfuração),
injeção intraperitoneal, neoplasia (p. ex., carcinoma colangiocelular), traumatismo
penetrante na parede abdominal, iatrogênica (perfuração de reto)
Pequenos Peritonite primária (Mycoplasma spp), migração parasitária (larval), ruptura de
ruminantes abscesso abdominal, neoplasia (p. ex., mesotelioma)
Suínos Doença de Glasser (Haemophilus parasuis) perfuração intestinal (íleo), distocia,
sequela de infecção septicêmica (Salmonella Choleraesuis)

Ruptura ou perfuração de cavidade abdominal, estômago ou intestino, com liberação de grande volume de
conteúdo gástrico ou intestinal, e ruptura ou perfuração do útero causa peritonite séptica aguda. As toxinas
produzidas pelas bactérias e pela degradação dos tecidos são rapidamente absorvidas pelo peritônio e ocasiona
efeitos sistêmicos graves, como hipotensão, choque, síndrome da resposta inflamatória sistêmica e coagulação
intravascular disseminada (CID). Endotoxinas e anormalidades eletrolíticas e do equilíbrio ácido­base atuam
diretamente na função cardíaca levando a déficit cardíaco e insuficiência circulatória. A hipomotilidade
gastrintestinal ou do íleo é uma consequência frequente de peritonite aguda e pode causar obstrução funcional e
aumento da taxa de mortalidade. Grande quantidade de volume de exsudato inflamatório pode ser secretado na
cavidade peritoneal durante a peritonite; também, pode levar ao comprometimento respiratório por interferir no
diafragma.
Peritonite crônica geralmente é caracterizada por secreção extensa de fibrinogênio e subsequente formação
aderência fibrinosa ou fibrosa. As aderências auxiliam na limitação da inflamação (p. ex., reticuloperitonite
traumática em bovinos), mas pode causar obstrução mecânica ou funcional do trato GI. A peritonite crônica em
equinos geralmente resulta em cólica recidivante.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais não são específicos e variam dependendo do tipo de peritonite e da etiologia. Os
animais afetados podem desenvolver toxemia e sepse, choque, hemorragia, dor abdominal, íleo adinâmico,
acúmulo de fluidos e vários graus de aderências.
Choque, hipotensão, anormalidade ácido­base e colapso respiratório após peritonite séptica aguda associada à
ruptura de intestino ou útero causam morte súbita. Os animais afetados normalmente apresentam apenas sinais
clínicos limitados. Em casos menos graves, dor abdominal e febre são sinais comuns. Hipotermia também pode
ser observada como resultado de desidratação, hipovolemia e sepse. A dor abdominal pode ser contínua, intensa
e caracterizada por uma postura rígida de proteção do abdome ou o animal permanece em decúbito. Em todas as
espécies a resposta à dor é mais evidente nos estágios iniciais da doença. A distensão abdominal, que pode ser
inaparente, geralmente se deve ao acúmulo de exsudato peritoneal, hipomotilidade GI, inclusive do íleo, ou
aderência peritoneal. A produção de fezes geralmente diminui, embora um aumento da frequência da defecação
possa ser observado nos estágios iniciais. Os animais com peritonite secundária também podem apresentar
sinais clínicos associados à doença primária.
Palpação retal é uma técnica de diagnóstico útil para avaliação do peritônio e para ter acesso aos órgãos
abdominais, em grandes animais. Radiografia abdominal pode ser utilizada em pequenos animais. Geralmente, a
ultrassonografia é a forma mais efetiva de exame da cavidade abdominal e verificação de tamanho, extensão,
localização e característica do peritônio. Além disso, a ultrassonografia permite guiar a abdominocentese.
Abdominocentese deve ser realizada em grandes e pequenos animais, com intuito de obter fluido para citologia,
exames bioquímicos e cultura bacteriológica. A análise do lavado peritoneal pode ser útil se não é possível obter
o fluido por abdominocentese. Diagnóstico laparoscópico ou laparotomia pode ser empregada para definir o
diagnóstico. Estes procedimentos primários de diagnóstico podem ser combinados com medidas terapêuticas.
Bovinos: Os sinais clínicos de peritonite em bovinos geralmente são inespecíficos e caracterizados pela redução
no consumo da ração, redução súbita da produção de leite e diminuição da ruminação. Nos casos crônicos, a
contração ruminal pode estar presente com menos intensidade. A percussão abdominal pode revelar timpanismo
ruminal ou pneumoperitônio. Febre moderada é típica em bovinos com peritonite e uma temperatura subnormal
sugere peritonite difusa aguda terminal. Os sinais clínicos mais comuns em bovinos com peritonite são
incoordenação, andar rígido, dorso arqueado e berros ao caminhar ou defecar. A palpação profunda da parede
abdominal provoca dor. A peritonite crônica está associada ao desenvolvimento de aderências fibrosas.
Dependendo da localização, a palpação retal pode revelar aderências entre alças intestinais e peritônio. Os
bovinos podem desenvolver sintomas de indigestão vagal ou toxemia, com períodos de sinais agudos graves
causados por obstrução intestinal parcial. A maioria dos bovinos desenvolve peritonite localizada, com extensa
formação de fibrina; entretanto, em alguns casos a cavidade abdominal contém grande volume de fluido turvo
infectado.
Cães e Gatos: Em pequenos animais, anorexia e depressão são sinais inespecíficos de peritonite; geralmente
acompanhados de vômito e diminuição da defecação. O abdome pode se apresentar distendido. A palpação
abdominal pode ser dolorosa e uma massa abdominal pode ser detectada. É possível notar icterícia na peritonite
biliar generalizada, em pequenos animais. A radiografia pode revelar obstrução GI, dilatação intestinal, ar livre
no abdome, ascite ou material estranho radiodenso. A perda dos detalhes da serosa na radiografia indica fluido
abdominal.
Equinos: Os sinais incluem cólica, torção intestinal, distensão intestinal notada à palpação retal, refluxo gástrico
e, ocasionalmente, diarreia. A palpação retal pode revelar mucosa seca, pegajosa e, em alguns casos, aderência
de alças intestinais e outros órgãos abdominais por fibirna. Os ruídos de borborigmos intestinais estão
diminuídos. Taquicardia, pulso fraco, má perfusão periférica e febre são comuns. Perda de peso e dor abdominal
intermitente (cólica) podem ser observadas em equinos com peritonite crônica.
Geralmente, os sinais clínicos em pequenos ruminantes e suínos são semelhantes
Pequenos Ruminantes e Suínos:

aos verificados em outros animais; entretanto, peritonite raramente é diagnosticada em suínos, ovinos e
caprinos.
DIAGNÓSTICO: As análises laboratoriais para confirmar o diagnóstico clínico e a determinação da gravidade da
peritonite devem incluir contagem de leucócitos e hemácias e alguns parâmetros bioquímicos do sangue e do
fluido peritoneal.
A peritonite aguda e difusa, com toxemia, geralmente é acompanhada de leucopenia, neutropenia e aumento
de neutrófilos imaturos (desvio degenerativo à esquerda). Em casos menos graves de peritonite, a leucocitose
pode ser decorrência da maior produção de neutrófilos. A peritonite aguda e localizada revela uma contagem
normal de leucócitos com desvio regenerativo à esquerda. Na peritonite crônica a contagem total de leucócitos
pode ser normal, com aumento ocasional da população de linfócitos e monócitos. A anemia pode ser devido à
hemorragia na cavidade peritoneal, mas também é comumente associada à inflamação crônica. Anormalidades
nos parâmetros bioquímicos do soro (p. ex., proteína total, albumina, fibrinogênio, bilirrubina, lactato
desidrogenase [LDH], fosfatase alcalina [ALP], creatinoquinase [CK]) podem acompanhar a peritonite. Com
frequência, nota­se hipoalbuminemia, hiperglobulinemia e hiperbilirrubinemia. Geralmente, as alterações nos
parâmetros hematológicos e bioquímicos indicam inflamação e lesões teciduais, mas não são patognomônicos
de peritonite.
O fluido peritoneal é um plasma dialisado, com propriedades físicas e químicas específicas, que resultam da
permeabilidade da membrana, concentrações e cargas elétricas de íons e pressão osmótica. O fluido contém
células oriundas do mesotélio e dos vasos sanguíneos e linfáticos. Em condições fisiológicas o fluido peritoneal
é um transudato, enquanto a peritonite resulta em um fluido que pode ser normalmente caracterizado como
exsudato. Fluido peritoneal com características de transudato e exsudato é denominado transudato modificado.
A análise do fluido peritoneal é útil como método diagnóstico em gastrenterologia, pois o fluido geralmente
reflete enfermidades abdominais. O volume de fluido peritoneal está frequentemente aumentado quando há
peritonite. Em casos de peritonite séptica, amostras de fluido peritoneal devem ser utilizadas para cultura
microbiológica e caracterização do patógeno envolvido na infecção.
Os parâmetros clássicos para definição de transudato e exsudato são apresentados na Tabela 6. O emprego de
um sistema de escore permite a classificação de peritonite discreta, moderada ou grave. Na prática, entretanto, a
análise do fluido peritoneal pode ser inconsistente, levando a resultados inconclusivos. Portanto, o valor
diagnóstico com base neste conceito tradicional é limitado. Para aumentar a sensibilidade da diferenciação entre
exsudato e transudato de efusão pleural e peritoneal em medicina humana utilizam­se os critérios de Light
(proporção entre o teor de proteína no fluido e o teor sérico de proteínas > 0,5; proporção entre a LDH no fluido
e a LDH sérica > 0,6; ou atividade de LDH no fluido > 200U/l), em que os valores de corte para as proporções
entre fluido peritoneal e plasma ou soro de vários componentes (p. ex., lactato, glicose, enzimas) e o gradiente
de albumina sorofluido ascítico (SAAG) deve ser estabelecido. Estes conceitos devem ser aplicados para
algumas espécies animais (p. ex., equinos e pequenos animais).

Tabela 6 – Características de transudatos e exsudatos em bovinos, equinos, cães e gatos

Parâmetros Espécie Transudato Exsudato

Proteína total (g/dl) Todas < 2,5 >3


Densidade específica Todas < 1,020 > 1,025
Contagem celular (109/l) Bovinos 0,5 a 5 >8
Equinos 0,5 a 5 >8
Cães, gatos <3 >5
Cor Todas Incolor a amarelo Variável
Turbidez Todas Claro a moderado Moderado a opaco
Bactéria Todas Ausente Pode haver

Sob condições fisiológicas, a proporção linfócitos:neutrófilos é 1:1. Peritonite aguda geralmente resulta em
aumento do número de leucócitos e a porcentagem de neutrófilos situa­se em torno de 60 a 90%. Entretanto, em
casos de inflamação séptica hiperaguda o número de leucócitos pode diminuir devido à necrose e dano às
células. Histologicamente, pode­se notar alta taxa de leucócitos degenerados (citólise, cariorrexe ou cariólise).
Na inflamação peritoneal crônica, a quantidade de neutrófilos diminui e a de monócitos aumenta. A presença de
bactérias, intra ou extracelular, confirma o diagnóstico de peritonite séptica. A coloração pelo Gram permite a
diferenciação entre bactérias Gram–positivas e Gram­negativas e facilita o tratamento precoce com antibiótico.
A concentração de proteína total fisiológica no fluido peritoneal varia de 20 a 25 g/l. A proporção normal de
proteína no fluido peritoneal e no soro é inferior a 1:2. A SAAG é calculada pela subtração do teor de albumina
no fluido peritoneal da concentração de albumina no soro. O valor de corte de 11 g/l para pessoas parece
adequado para animais monogástricos. Entretanto, os valores de referência da relação entre o teor de proteína e
o SAAG não é aplicável a bovinos de leite, principalmente devido sua alta concentração de proteína e albumina
no soro, em comparação com animais monogástricos e pessoas.
Em animais saudáveis, a concentração de glicose é a mesma no soro e no fluido peritoneal. A infecção
bacteriana da cavidade peritoneal resulta em maior redução da concentração de glicose no fluido peritoneal.
Proporção entre glicose no fluido peritoneal e no plasma inferior a 0,5 é uma condição altamente sensível e
específica de peritonite séptica.
A isquemia intestinal resulta em aumento da concentração de L­lactato no plasma e no fluido peritoneal.
Embora exista uma associação entre a concentração de L­lactato no fluido peritoneal e no plasma, o L­lactato no
fluido peritoneal é considerado mais intimamente relacionado com a gravidade da isquemia intestinal.
Fisiologicamente, a concentração de L­lactato no fluido peritoneal é menor do que no plasma (em equinos
saudáveis é, aproximadamente, 1:2). Esta relação inverte­se em equinos com cólica e isquemia intestinal, em
vacas com vólvulo abomasal e em cães com dilatação gástrica. O lactato também é um metabólito bacteriano
(principalmente o D­lactato); portanto, o aumento da concentração de lactato no fluido peritoneal também pode
indicar peritonite séptica. A acurácia da concentração peritoneal de lactato na diferenciação de peritonite séptica
e não séptica varia entre as espécies (p. ex., 90 a 95% em cães e 65 a 70% em gatos).
A inflamação pode ser monitorada mediante dosagem de proteínas de fase aguda, como a proteína C reativa
ou a haptoglobina em bovinos, como marcadores. A concentração de proteína de fase aguda aumenta no sangue
periférico e no fluido peritoneal em animais com peritonite. Entretanto, estes parâmetros geralmente são
indicadores de inflamação e não são específicos para peritonite.
A concentração de fibrinogênio no fluido peritoneal pode aumentar em animais com peritonite. Entretanto, a
dosagem de fibrinogênio tem valor diagnóstico limitado devido à baixa relação entre as concentrações de
fibrinogênio no sangue e no fluido peritoneal. O aumento da concentração do produto da degradação de fibrina,
D­dímero, indica isquemia intestinal e inflamação, com alta sensibilidade e especificidade. O valor normal no
plasma pessoa é < 0,3 mg/l. Os valores de referência para animais não são completamente conhecidos, mas
parecem semelhantes aos de pessoas.
Inflamação, isquemia intestinal e reperfusão interferem na atividade de várias enzimas (ALP, AST, CK, LDH)
do fluido peritoneal e do sangue periférico. Na isquemia intestinal a atividade de CK aumenta principalmente no
soro e no fluido peritoneal. A origem da CK pode ser a camada muscular do intestino estrangulado e isquêmico.
Entretanto, outros tecidos (p. ex., músculo estriado após episódios de cólica, em equinos) podem ser a fonte de
alta atividade de CK. Entretanto, a sensibilidade e a especificidade de CK é baixa.
A atividade de LDH é um indicador de resposta inflamatória que tem sido utilizado para diferenciar exsudato
de transudato (proporção LDH no fluido peritoneal:LDH no soro é > 0,6; atividade de LDH no fluido peritoneal
é > 200U/l). Os valores de referência para animais monogástricos, mas não para bovinos, são semelhantes aos
de pessoas.
Aumento de ALP durante isquemia e reperfusão intestinal é notada no fluido peritoneal de equinos com
cólica e de vacas com deslocamento de abomaso. Entretanto a origem de ALP não é exclusiva de alterações de
estômago ou intestino. Outras fontes de aumento da atividade de ALP nestes casos incluem hepatócitos e
granulócitos. Normalmente, a atividade sérica de ALP não apresenta maiores alterações durante a isquemia
intestinal.
Aumentos das concentrações de proteínas, inclusive de globulinas, no soro e no fluido peritoneal geralmente
observados em gatos com peritonite infecciosa felina. Entretanto, nenhum parâmetro é acurado o suficiente para
o diagnóstico, especialmente no caso de mensuração no soro. O cálculo da proporção albumina:globulina pode
ter maior valor diagnóstico. O tradicional teste de Rivalta diferencia transudato de exsudato. Embora ocorra
resultado falso­positivo em gatos com peritonite bacteriana séptica, ainda assim é útil no diagnóstico de
peritonite infecciosa felina (PIF). Um parâmetro amplamente utilizado é a a1­glicoproteína ácida, um indicador
de inflamação, mas não é específica para PIF. O título de anticorpos anticoronavírus felino (FCoV) devem ser
interpretados criticamente, pois muitos gatos saudáveis são positivos ao teste de pesquisa de anticorpos anti­
FCoV. O valor diagnóstico de títulos de anticorpos anti­FCoV no fluido peritoneal ainda está em discussão.
Vários métodos avançados de diagnóstico (p. ex., coloração imunofluorescente do antígeno FCoV em
macrófagos peritoneais, ELISA para detecção de complexo antígeno­anticorpo no soro, transcriptase reversa­
PCR) são utilizados como técnicas de diagnóstico para melhorar a confiabilidade no diagnóstico de PIF.
Geralmente, os testes laboratoriais realizados no fluido peritoneal são superiores àqueles do soro.
PROGNÓSTICO: Geralmente, a peritonite é uma doença grave, com risco à vida, com prognóstico reservado.
Entretanto, o prognóstico depende muito das características e da gravidade da doença e deve ser determinado
individualmente. A taxa de sobrevivência relatada varia de 50 a 70%, com baixa probabilidade de retorno à
produtividade em animais pecuários. Apesar do desenvolvimento de novas terapias nos últimos anos, a PIF
ainda é uma doença letal, sem tratamento efetivo, e o prognóstico de PIF em gatos é reservado.
TRATAMENTO: A terapia adequada depende do diagnóstico e dos resultados do exame físico e das análises
laboratoriais. Em casos graves de peritonite séptica, o tratamento inicial deve ser direcionado para salvar a vida
e estabilizar a circulação e as funções dos órgãos. A terapia deve incluir tratamento da hipovolemia ou do
choque toxêmico, terapia anti­inflamatória agressiva e tratamento de alterações metabólicas e distúrbios
reológicos (p. ex., desequilíbrio ácido­base, coagulopatias). A reposição de fluidos, eletrólitos, plasma ou
sangue pode ser necessário para manter a função cardíaca e melhorar a circulação.
A terapia antimicrobiana apropriada deve ser iniciada assim que há suspeita ou confirmação de peritonite
séptica. Amostras de fluido peritoneal devem ser obtidas para cultura microbiológica e antibiograma.
Inicialmente deve­se instituir terapia antimicrobiana parenteral de amplo espectro. Aminoglicosídios ou
fluoroquinolonas são efetivos contra microrganismos Gram­negativos; penicilinas e cefalosporinas são efetivas
contra bactérias Gram­positivas. O antimicrobiano pode ser substituído com base nos resultados do exame
citológico, da cultura e antibiograma. O tratamento antimicrobiano e anti­inflamatório deve ser continuado após
a recuperação clínica.
Se possível, deve­se utilizar terapia específica para a causa da peritonite. Em animais com suspeita de ruptura
de órgãos, a cirurgia deve ser imediatamente realizada para explorar o abdome e reparar qualquer problema.
Após a cirurgia deve ser realizada lavagem peritoneal com solução isotônica isotérmica, com equilíbrio de
eletrólitos. Embora frequentemente realizados, não há prova clínica dos benefícios de se adicionar
antimicrobianos na solução de lavagem. Não há evidência de que as soluções que contêm antissépticos (p. ex.,
iodo­povidona) sejam benéficas; ademais, atuam como irritantes químicos que exacerbam a inflamação. O
tratamento com heparina pode ser empregado em casos de CID e pode prevenir a extensa formação de fibrina na
cavidade peritoneal.
A aplicação de drenos abdominais e subsequente lavagem, em pequenos e grandes animais, pode auxiliar no
tratamento de peritonite grave por remover o material infectado e proinflamatório da cavidade abdominal. A
decisão de drenagem peritoneal depende da gravidade da doença, da experiência do veterinário, de cuidados
intensivos e de material apropriado. A manutenção do dreno pode ser difícil, principalmente em bovinos, devido
à extensa formação de fibrina. Em animais submetidos à drenagem peritoneal, as concentrações séricas de
proteínas e de eletrólitos devem ser monitoradas periodicamente, porque há perda de ambos com a drenagem do
exsudato.
O suporte nutricional deve ser instituído, pois muitos animais com peritonite não se alimentam. A nutrição
enteral ajuda a manter a higidez da mucosa intestinal; entretanto, vômito (em cães e gatos) ou anorexia podem
requerer o emprego de outras alternativas. Em alguns pacientes, a nutrição parenteral ou total pode ser
necessária para fornecer as necessidades nutricionais até que a nutrição enteral é iniciada. Antioxidantes e
vitaminas devem ser administrados. O vômito é, às vezes, causado por peritonite em pequenos animais; o
tratamento antiemético é indicado em alguns casos.
A infecção por coronavírus felino pode causar peritonite infecciosa primária em gatos, que pode ser fatal. O
tratamento é paliativo (p. ex., interferona, glicocorticoides, cuidados de suporte) e objetiva reduzir a inflamação.
Não há terapia efetiva a longo prazo. Vacinas comerciais estão disponíveis para profilaxia, em alguns países;
entretanto, não há relato comprovando sua eficiência. As vacinas não são efetivas quando administradas em
animais que já foram expostos ao coronavírus felino, mas pode oferecer alguma proteção quando administrada
em animais soronegativos.
Na peritonite crônica com aderência deve–se realizar laparoscopia ou laparotomia para eliminar as aderências
que impedem a motilidade intestinal ou para remover ou drenar abscessos.

PESTE

A peste, enfermidade causada por Yersinia pestis, é uma zoonose bacteriana às vezes fatal, transmitida
principalmente por pulgas de ratos ou de outros roedores. Há relatos de focos enzoóticos no oeste dos EUA e
em todo o mundo, inclusive Eurásia, África e Américas do Norte e Sul. Além dos roedores, outras espécies de
mamíferos são naturalmente infectadas por Y. pestis, inclusive lagomorfos, felídeos, canídeos, mustelídeos e
alguns ungulados. Gatos e cães domésticos também desenvolvem peste pela exposição da mucosa bucal a
tecidos de roedores infectados quando esses animais perambulam e caçam em áreas enzoóticas. Aves e alguns
mamíferos vertebrados parecem resistentes à peste. Em média, 10 casos de peste são relatados em pessoas a
cada ano nos EUA, sendo em sua maioria no Novo México, Califórnia, Colorado e Arizona. Muitos casos
humanos resultam da picada de pulgas infectadas, embora o contato direto com coelhos selvagens infectados,
roedores e, ocasionalmente, outros animais selvagens e a gatos domésticos também possam ser fatores de risco.
ETIOLOGIA: Yersinia pestis é um microrganismo Gram­negativo, imóvel, cocobacilo, pertencente à família
Enterobacteriaceae. Essa bactéria exibe coloração bipolar, com aparência de um “alfinete”, quando corada com
Wright, Giemsa ou Wayson. Y. pestis cresce lentamente em temperatura ótima de 28°C e necessita = 48 h para
provocar colônias. Vários tipos de meios de cultura podem ser utilizados para seu crescimento, entre eles ágar–
sangue, caldo nutriente e ágar não enriquecido. As colônias são pequenas (1 a 2 mm), acinzentadas, não
mucoides e com aparência de “cobre martelado”. Diversos fatores de virulência são expressos pelo
microrganismo em diferentes temperaturas e ambientes, permitindo­lhe a sobrevivência em vetores, como
pulgas, sendo então transmitidos e multiplicados em mamíferos hospedeiros. Este patógeno não sobrevive muito
tempo em alta temperatura ou em ambiente seco.
EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: Y. pestis mantém seu ciclo natural no ambiente entre espécies de roedores
suscetíveis e suas pulgas. Em geral, as espécies de roedores afetadas incluem esquilos terrestres (Spermophilus
spp) e ratos­de­floresta (Neotoma spp). Cães e gatos geralmente são expostos a Y. pestis por contato de
membrana mucosa a secreções ou tecidos de um roedor ou coelho infectado, ou ainda pela picada de pulga
infectada. As pessoas geralmente são expostas a picadas de pulgas infectadas; às vezes, pelo contato com
animais infectados ou mediante transmissão por aerossol de via respiratória em casos de pneumonia. Os fatores
de risco para gatos são: caça e ingestão de roedores e coelhos, visita a áreas em que a peste é enzoótica e nas
quais se há roedores mortos pelos jardins ou áreas frequentadas pelo animal e exposição a pulgas infectadas. A
peste epizoótica causa quase 100% de mortalidade na população de roedores selvagens e coelhos. Depois da
morte de seu hospedeiro, a pulga de roedores e coelhos infectadas por Y. pestis sai à procura de outros
hospedeiros, inclusive cães e gatos, com risco potencial de transporte entre os domicílios. As espécies de pulgas
de roedores e coelhos são diferentes das encontradas em cães e gatos (Ctenocephalides spp), embora a maioria
dos veterinários e dos proprietários não é capaz de distinguir visualmente as diferentes espécies. As pulgas de
cães e gatos são raras na maioria das áreas enzoóticas do oeste dos EUA; portanto, nessa região é mais provável
que as pulgas de animais de estimação sejam oriundas de animais selvagens, entre eles os roedores ou coelhos.
PATOGENIA: As pulgas se infectam com Y. pestis quando se alimentam de mamíferos com bacteriemia. As
bactérias multiplicam­se e causam obstrução do trato digestivo das pulgas, impedindo­as de digerir o sangue.
Assim, elas regurgitam Y. pestis, inoculando­a no hospedeiro, no qual tentam se alimentar. Nos hospedeiros
mamíferos, a peste bubônica apresenta­se clinicamente em três formas: bubônica, septicêmica ou pneumônica.
Após a inoculação na pele mediante picada de pulga ou na membrana mucosa pelo contato com secreção
tecidual contaminada, a bactéria passa, via linfática, aos linfonodos regionais. Os linfonodos infectados são
denominados “ínguas”, sendo a lesão típica da peste bubônica.
A peste septicêmica secundária pode desenvolver­se quando o microrganismo dissemina­se dos linfonodos
secundários para a corrente sanguínea, mas pode também ocorrer sem linfadenopatia prévia (peste septicêmica
primária), que afeta vários órgãos, inclusive baço, fígado, coração e pulmões. A peste pneumônica pode
desenvolver­se a partir de um tratamento inadequado da peste séptica (peste pneumônica secundária) ou por
aerossol oriundo do trato respiratório (peste pneumônica primária), tipicamente por tosse de um paciente
infectado com a forma pneumônica.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A apresentação clínica da peste nos gatos geralmente é a peste bubônica. O
período de incubação é de 1 a 4 dias. Os gatos com peste bubônica apresentam febre, anorexia, letargia e
hiperplasia dos linfonodos, que podem apresentar abscesso ou supuração. Foram relatadas úlceras bucais e
linguais, abscessos de pele, secreção ocular, diarreia, vômito e celulite. Revisão retrospectiva de 119 gatos com
infecção natural indicou que 53% apresentavam peste bubônica e, destes, 75% tinham linfadenopatia
submandibular com aumento bilateral em ~1/3 dos casos. Os linfonodos afetados apresentam inflamação
necrossupurativa, edema e hemorragias e contêm numerosos microrganismos. Em gatos experimentalmente
infectados, notou­se febre tão alta quanto 41°C, com pico cerca de 3 dias após a infecção; a taxa de mortalidade
em gatos não tratados alcança 60%. Dez animais, de um grupo de 16 gatos (62,5%) expostos por VO,
desenvolveram hiperplasia de linfonodos nas regiões retrofaringiana medial, submandibular, sublingual e
tonsilar, palpáveis 4 a 6 dias após a exposição. Y. pestis foi isolada da garganta desses gatos após 15 dias. Nos
seis gatos expostos por via SC (simulando picada de pulga), nenhum linfonodo na região da cabeça e pescoço
apresentou hiperplasia, mas quatro abscessos subcutâneos foram notados no local da inoculação.
Gatos com peste septicêmica primária não apresentam linfadenopatia evidente, mas sim febre, letargia e
anorexia. Os sinais sistêmicos incluem diarreia, vômito, taquicardia, pulso fraco, tempo de preenchimento
capilar prolongado, coagulação intravascular disseminada e angústia respiratória. A peste pneumônica primária
não foi documentada em gatos. Os gatos com peste pneumônica secundária podem apresentar todos os sinais da
peste septicêmica, acompanhados de tosse e outros ruídos pulmonares anormais. Os achados característicos na
necropsia podem incluir fígado pálido com nódulos necróticos mais claros, esplenomegalia com nódulos
necróticos e pulmões com pneumonia intersticial difusa, congestão focal, hemorragia e focos necróticos.
Cães infectados têm menor probabilidade de desenvolver a doença clínica do que os gatos. A infecção da
peste sintomática foi documentada em três cães com infecção natural; os sinais clínicos incluem febre, letargia,
linfadenopatia submandibular e lesão intermandibular purulenta, lesões da cavidade bucal e tosse.
Em bovinos, equinos, ovinos e suínos não há relato de sintomas relacionados com essa enfermidade,
enquanto em caprinos, camelos, cervos, antílopes, primatas não humanos e uma lhama foram documentados
sinais clínicos. Leões­da­montanha e linces infectados apresentam sintomas e taxa de mortalidade semelhantes a
de gatos domésticos.
DIAGNÓSTICO: A peste deve ser diferenciada de outras infecções bacterianas, inclusive de tularemia (p. 731),
abscesso por feridas (mordida de gatos em brigas) e infecções estafilocócicas e estreptocócicas. Na doença
aguda, as amostras obtidas antes da morte mais adequadas para isolamento são sangue total, aspirados de
linfonodos, suabes de lesões supurativas e suabes orofaríngeos de gatos com lesões bucais ou pneumonia. As
amostras diagnósticas devem ser colhidas antes da administração de antibióticos. O crescimento das culturas de
Yersinia pestis pode ser visto em 48 h. Um esfregaço de aspirado de íngua, em lâmina de vidro seco ao ar, pode
ser utilizado no teste de imunofluorescência para pesquisa de antígeno F1 de Y. pestis. Esse teste pode ser
realizado dentro de horas em um laboratório especializado, sendo bastante sensível e específico.
Amostras obtidas após a morte podem ser fragmentos de fígado, baço e pulmão (nos casos pneumônicos),
bem como de linfonodos infectados. Os testes sorológicos para pesquisa de anticorpos podem ser
confirmatórios, mas requerem que as coletas de amostras da fase aguda e da fase convalescente sejam obtidas
com intervalo de 2 a 3 semanas, demonstrando elevação de 4 vezes no título de anticorpos. O soro apenas da
fase aguda geralmente é negativo ou pode ser problemático em uma região enzoótica, onde os animais podem
manter títulos de anticorpos decorrentes de infecções prévias.
TRATAMENTO: Devido à progressão rápida dessa doença, o tratamento de casos suspeitos de peste (e as práticas
de controle da infecção) deve ser iniciado antes mesmo de se definir o diagnóstico. Estreptomicina foi
considerada o medicamento de escolha em casos humanos, mas é difícil de ser obtida e atualmente seu uso para
tal fim é raro. A gentamicina é amplamente utilizada no tratamento de peste em pessoas e deve ser o
medicamento de escolha em medicina veterinária para pacientes com comprometimento sério, embora não seja
aprovada para este fim. Os animais com insuficiência renal necessitam ajuste de dose.
A doxiciclina é apropriada para tratamento de casos menos complicados e para completar o tratamento de
pacientes gravemente enfermos após a melhora clínica. Tetraciclina e cloranfenicol também são boas opções. As
penicilinas não são efetivas no tratamento de peste. Em estudos sobre tratamento de camundongos
experimentalmente infectados, a eficácia das fluoroquinolonas foi tão boa quanto da estreptomicina. Em
medicina veterinária, nenhum teste clínico foi realizado com fluoriquinolonas, mas há evidência crescente, com
base em seu uso em regiões enzooticas, que são efetivas no tratamento de peste em cães e gatos. A duração do
tratamento recomendada é de 10 a 21 dias, esperando­se melhora clínica (inclusive desaparecimento da febre)
alguns dias após o início da terapia.
Não se conhece ao certo a duração da infecciosidade em gatos tratados, mas acredita­se que os gatos não
sejam infectantes 72 h depois de terapia antimicrobiana apropriada. Durante esse período infectante, os gatos
devem permanecer internados, especialmente se apresentam sinais de pneumonia. Os casos humanos são
relatados em proprietários de gatos que tentam administrar medicamentos por VO no próprio domicílio,
expondo­se ao contato com a cavidade bucal e com secreção contaminada.
PREVENÇÃO E RISCO ZOONÓTICO: Juntamente com o tratamento e as considerações diagnósticas, a proteção das
pessoas e de outros animais, bem como o início das intervenções de saúde pública, é crítica quando um animal é
considerado suspeito de ter contraído peste. Os animais com sinais sugestivos de peste devem ser isolados,
implementando­se medidas de controle da infecção para proteção dos profissionais e outros animais, até o
diagnóstico definitivo. A utilização de luvas, máscaras cirúrgicas e óculos protetores (caso já estejam ocorrendo
espirros), isolamento dos pacientes e procedimentos padrão de higiene e desinfecção são fundamentais. De 23
pacientes que desenvolveram peste associada a gatos nos EUA, entre 1977 e 1998, seis eram profissionais da
área veterinária, sendo o resto proprietários ou outros manipuladores desses animais. Após descartar a
possibilidade de pneumonia e constatar evidência de melhora clínica após 72 h de terapia apropriada, os
procedimentos de isolamento podem ser abrandados, mas os procedimentos padrão de desinfecção e higiene
devem continuar.
Funcionários de saúde pública, locais ou estaduais, devem ser notificados rapidamente quando há suspeita de
peste, para auxiliar na condução apropriada de testes diagnósticos, dando início à investigação ambiental e
avaliação da necessidade de monitorar a febre ou o uso profilático de antibióticos em pessoas potencialmente
expostas. Para diminuir o risco aos animais de estimação e às pessoas em áreas enzoóticas os proprietários
devem impedir que seus animais perambulem e pratiquem caça, mantendo­os longe do contato com carcaças de
coelhos e ratos, além de realizar o controle apropriado das pulgas.

RAIOS E ELETROCUSSÃO

Lesões ou mortes de um animal provocadas por correntes elétricas de alta voltagem podem ser resultantes de
raios, queda de fios de transmissão, defeito no circuito elétrico ou mastigação dos fios de alta tensão. Os raios
são sazonais e tendem a ser geograficamente restritos. A investigação de possível eletrocussão deve sempre ser
cuidadosa, ainda pode haver, por exemplo, eletrificação resultante da quebra de fios de transmissão. Uma vez
indubitável que o local seja seguro, a investigação deve incluir localização dos animais mortos, exame de todos
os animais afetados e necropsia daqueles que morreram.
Certos tipos de árvores, especialmente árvores rijas como os carvalhos e aquelas altas, que expandem suas
raízes bem abaixo da superfície do solo, tendem a ser atingidas por raios com mais frequência do que outras. A
eletrificação dessas raízes carrega ampla região de superfície, em particular quando a terra já está úmida; a
passagem de raízes carregadas abaixo de um poço raso torna­o eletrificado. Calhas podem espalhar a carga
elétrica pelo seu curso. Fios de transmissão caídos ou pendentes também podem eletrificar um poço de água,
cercas ou construções, e um animal pode entrar em contato direto com esses fios. Há diferenças na
condutividade do solo; lama, areia, argila, mármore e giz são bons condutores (em ordem decrescente),
enquanto solos rochosos não o são.
A eletrocussão acidental de animais de fazenda, em estábulo ou cercado de confinamento adjacente
geralmente ocorre como resultado de fiação defeituosa. A eletrificação de um pilar com canos de água ou leite,
de um cocho ou de um corrimão metálicos pode resultar na distribuição disseminada de corrente elétrica por
todo o estábulo (ver voltagem de dispersão em abrigos de animais, p. 2209), o que pode ocasionar sinais de
privação da água ou recusa de alimentos.
A morte oriunda de choque elétrico geralmente resulta de parada cardíaca ou respiratória. A passagem da
corrente através do coração quase sempre acarreta fibrilação ventricular e o envolvimento do SNC pode afetar o
trato respiratório ou outros centros vitais.
ACHADOS CLÍNICOS: Pode haver variação no grau de choque elétrico. Em vários casos de raios, a morte é
instantânea e o animal cai sem reação. Ocasionalmente, o animal fica inconsciente, mas pode se recuperar em
poucos minutos a algumas horas; sinais nervosos residuais (p. ex., depressão, paraplegia e hiperestesia cutânea)
podem persistir por dias, semanas ou permanentemente. Marcas de chamuscamento ou danos na carcaça, danos
imediatos ao ambiente, ou ambos, ocorrem em cerca de 90% dos casos de raios, porém são menos prováveis de
serem encontrados se o animal foi eletrocutado por permanecer no solo eletrificado. As marcas de
chamuscamento tendem a ser lineares e mais comumente encontradas nos lados mediais das pernas, embora
raramente o muito do corpo possa ser afetado. Abaixo das marcas de chamuscamento, congestão capilar é
comum; a característica padrão arbórea do raio pode ser visualizada melhor a partir do lado dérmico da pele por
extravasamentos subcutâneos de sangue. As marcas de chamuscamento raramente são observadas em animais
recuperados. Animais menores, como suínos, que entram em contato com bacias de água eletrificadas podem
morrer instantaneamente ou ser arremessados a certa distância pela força do choque. Suínos eletrocutados várias
vezes estão deitados e sustentados por fraturas da espinha, pelve ou membros, resultando de contrações
musculares graves.
DIAGNÓSTICO: É quase sempre realizado com evidência circunstancial, isto é, localização do(s) cadáver(es) e
ausência de qualquer enfermidade durante a necropsia. Animais mortos embaixo de uma árvore, pendurados ou
próximos a uma cerca elétrica, ou aglomerados ao redor de um poste de luz é forte evidência de raios mesmo na
ausência de evidência física como queima recente de casca de árvore ou divisão de polos ou beiras em uma
cerca.
O rigor mortis se instala e rapidamente desaparece. Nota­se distensão do rúmen logo após a morte e deve ser
diferenciada de timpanismo ruminal antemorte (ver timpanismo, p. 301); em ambas as condições, o sangue
tende a coagular lentamente ou não coagula. As mucosas do trato respiratório superior, inclusive dos turbinados
e dos seios nasais, encontram­se congestionadas e hemorrágicas. Hemorragias lineares da traqueia são comuns e
grandes coágulos de sangue são ocasionalmente encontrados na traqueia, mas os pulmões não são comprimidos
como acontece no timpanismo. Todas as outras vísceras se mostram congestas e podem ser encontradas
petéquias e equimoses em vários órgãos. Devido à distensão ruminal pós­morte, o sangue pouco coagulável
alcança passivamente a periferia do corpo, resultando em extravasamento sanguíneo pós­morte em músculos e
linfonodos superficiais de cabeça, pescoço e membros torácicos e, em menor grau, aos membros pélvicos.
Provavelmente, a melhor indicação de morte instantânea é a presença de feno ou outro alimento na boca do
animal; evidência comprobatória inclui ingesta normal (especialmente no rúmen), ausência de ingesta espumosa
(timpanismo espumante), fezes normais no trato intestinal posterior e, ocasionalmente, na terra ao redor do
animal. Poucas situações que afetam animais de criação provocam morte hiperaguda de animais aglomerados
em uma pequena área.
Geralmente há seguro dos animais pecuários contra raios e a seguradora solicita ao representante ou ao
médico veterinário requisitado para assinar um formulário da seguradora que observe atentamente a situação
que ocasionou a reclamação. O investigador deve averiguar se o animal realmente morreu no local de alto risco,
e não foi transferido para este local após a morte. Isso pode ser feito meramente para limpeza ou para
deliberadamente confundir a investigação. A descrição bem documentada do local da morte do(s) animal(is) e o
resultado do exame à necropsia são aceitáveis para sustentar a solicitação de seguro por morte decorrente de
raios.
TRATAMENTO: Os animais que sobrevivem podem necessitar terapia de suporte e sintomática. A eutanásia é
indicada aos animais deitados com fraturas ou lesões musculares graves.
TOXOPLASMOSE

Toxoplasma gondii é um protozoário que infecta a maioria das espécies de animais de sangue quente, inclusive
as aves (ver p. 1979) e as pessoas, em todo o mundo, do Alasca à Austrália.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: Os felídeos, tanto os gatos selvagens quanto os domésticos, são os únicos hospedeiros
definitivos de T. gondii e atuam como importantes reservatórios da infecção. Há três estágios de T. gondii:
taquizoítos (forma que se multiplica rapidamente), bradizoítos (forma que permanece encistada no tecido) e
esporozoítos (em oocistos).
Toxoplasma gondii é transmitido por ingestão de oocistos presentes nas fezes de gatos, consumo de produtos
cárneos contendo cistos e por transferência transplacentária dos taquizoítos da mãe para o feto. T. gondii inicia
sua replicação enteroepitelial em gatos não expostos após a ingestão de carne mal cozida contendo cistos
teciduais. Os bradizoítos são liberados do cisto presente nos tecidos pela digestão no estômago e no intestino
delgado, invadindo o epitélio intestinal, resultando em replicação sexual e culminando na liberação dos oocistos
(10 μm de diâmetro) nas fezes. Os oocistos são primeiramente observados nas fezes 3 dias após a infecção,
podendo ser excretados por até 20 dias. Os oocistos esporulam (tornando­se infectantes) fora do gato, dentro de
1 a 5 dias, dependendo da aeração e temperatura, permanecendo viáveis no ambiente por vários meses. Os gatos
geralmente desenvolvem imunidade contra T. gondii após o início da infecção e, portanto, eliminam oocistos
apenas uma vez durante toda a sua vida.
Após o consumo de carne mal cozida contendo cistos (carnívoros), ou alimentos ou água contaminada com
fezes de gatos contendo oocistos (todos os animais de sangue quente), T. gondii inicia a replicação
extraintestinal. Bradizoítos e esporozoítos, respectivamente, são eliminados e infectam o epitélio intestinal.
Após vários ciclos de replicação epitelial, os taquizoítos emergem e se disseminam pelas correntes sanguínea e
linfática. Os taquizoítos infectam os tecidos de todo o corpo e replicam­se de forma intracelular até a ruptura
das células, causando necrose tecidual. Os taquizoítos medem 4 a 6 × 2 a 4 μm de diâmetro e coram­se com a
técnica de Giemsa. Os animais novos e imunocomprometidos podem sucumbir a uma toxoplasmose
generalizada nesse estágio. Os animais idosos criam uma poderosa resposta celular imunomediada (mediada por
citocinas) para os taquizoítos e controlam a infecção, impelindo os taquizoítos para dentro do tecido ou ao
estágio de bradizoíto. Os cistos teciduais são geralmente observados nos neurônios, mas também ocorrem em
outros tecidos. Os cistos individuais são microscópicos, com até 70 μm de diâmetro, e podem envolver os
bradizoítos em uma fina e elástica parede cística. Os tecidos com cistos no hospedeiro permanecem viáveis por
muitos anos e possivelmente durante toda a vida do hospedeiro.
ACHADOS CLÍNICOS: Os taquizoítos compreendem o estágio responsável por lesões teciduais; portanto, os sinais
clínicos dependem do número de taquizoítos envolvidos, da capacidade do sistema imune do hospedeiro de
limitar sua propagação e dos órgãos lesionados. Como os animais adultos imunocomprometidos controlam com
eficiência a disseminação dos taquizoítos, em geral a toxoplasmose é subclínica. Contudo, em animais jovens,
particularmente filhotes (de cães, gatos e suínos), os taquizoítos disseminam­se por via sistêmica, causando
pneumonia, miocardite, hepatite necrótica, meningoencefalite, coriorretinite, linfadenopatia e miosite. Os sinais
clínicos correspondentes incluem febre, diarreia, tosse, dispneia, icterícia, convulsões e morte. Toxoplasma
gondii também é uma importante causa de aborto e natimortos em ovelhas e cabras e, às vezes, porcas. Após a
infecção da ovelha prenhe, os taquizoítos propagam–se via corrente sanguínea até os cotilédones placentários,
causando necrose. Os taquizoítos podem atingir o feto e causar necrose em múltiplos órgãos. Por fim, os
animais adultos imunocomprometidos (p. ex., gatos infectados pelo vírus da imunodeficiência felina) são
extremamente suscetíveis ao desenvolvimento de toxoplasmose aguda generalizada.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico pode ser realizado com o uso de métodos biológicos, sorológicos ou histológicos,
ou por uma combinação desses. Os sinais clínicos da toxoplasmose são inespecíficos e não são suficientes para
chegar a um diagnóstico definitivo. O diagnóstico antemorte pode ser acompanhado de testes de
hemaglutinação indireta, imunofluorescência indireta, aglutinação em látex ou ELISA. Os anticorpos IgM
surgem mais cedo que os IgG, mas geralmente não persistem por mais de 3 meses após a infecção. O aumento
do título de IgM (> 1:256) é compatível com infecção recente. Por outro lado, os anticorpos IgG surgem por
volta da quarta semana após a infecção, podendo seu título continuar elevado por anos, durante a infecção
subclínica. Para que auxiliem no diagnóstico, os títulos de IgG devem ser mensurados em amostras de soro
pareadas, obtidas na fase aguda e no período de convalescência (em intervalo de 3 a 4 semanas) e devem
apresentar aumento de título de, no mínimo, 4 vezes. Além disso, o FCE e o humor aquoso podem ser
analisados quanto à presença de taquizoítos ou anticorpos anti­T. gondii. No exame pós­morte, os taquizoítos
podem ser observados em esfregaços por impressão de tecidos (imprints). Ademais, o exame microscópico de
cortes teciduais pode revelar a presença de taquizoítos ou bradizoítos. T. gondii é morfologicamente similar a
outros protozoários parasitos e devem ser diferenciados de Sarcocystis spp (nos bovinos), S. neurona (nos
equinos) e Neospora caninum (nos cães).
TRATAMENTO: Nos animais, raramente indica­se tratamento. Sulfadiazina (15 a 25 mg/kg) e a pirimetamina
(0,44 mg/kg) atuam sinergicamente são amplamente utilizadas no tratamento de toxoplasmose. Ainda que esses
fármacos sejam benéficos se administrados no estágio agudo da doença, durante a multiplicação ativa do
parasito geralmente não erradicam a infecção. Acredita­se que esses medicamentos tenham pouco efeito no
estágio de bradizoíto. Outros fármacos, como diaminodifenilsulfona, atovaquona e espiramicina também podem
ser utilizados no tratamento de casos mais complicados de toxoplasmose. A clindamicina é o tratamento de
escolha para cães e gatos, nas doses de 10 a 40 mg/kg e de 25 a 50 mg/kg, respectivamente, durante 14 a 21
dias.
PREVENÇÃO E RISCO ZOONÓTICO: T. gondii é um importante agente zoonótico. Em algumas partes do mundo,
até 60% da população humana tem títulos de IgG contra T. gondii e, provavelmente, há infecção persistente.
Toxoplasmose é a principal preocupação em pessoas com disfunção do sistema imune (p. ex., pessoas infectadas
pelo vírus da imunodeficiência humana). Nesses casos especiais, a toxoplasmose geralmente se apresenta como
meningoencefalite e resulta da emergência de T. gondii de cistos dos tecido localizados no cérebro, mais como
consequência de imunodeficiência do que de infecção primária. Toxoplasmose também é uma importante
preocupação para mulheres gestantes, pois os taquizoítos podem migrar via transplacentária e causar anomalias
fetais. A infecção de mulheres por T. gondii pode ocorrer após ingestão de carne mal cozida ou ingestão
acidental de oocistos presentes nas fezes de gatos. A prevenção da infecção deve ser realizada pela cuidadosa
lavagem das mãos de pessoas que manipulam a carne, com sabão e água, após o contato, além da higienização
dos utensílios utilizados, como tábuas de carne, pias e facas etc. Os estágios de T. gondii na carne são
eliminados pelo contato com sabão e água. Na carne, esse parasito pode ser eliminado pela exposição à
temperatura extremamente fria ou quente. Os cistos presentes nos tecidos são destruídos por cozimento a 67°C
ou congelamento a ­13°C. Toxoplasma encistado morre quando exposto a 0,5 quilorad de radiação gama. Toda
carne deve ser cozida a 67°C antes do consumo, evitando­se experimentações durante o cozimento ou o
tempero. Mulheres gestantes devem evitar contato com fezes de gatos, terra ou carne crua. Os filhotes de gatos
só devem ser alimentados com produtos secos, enlatados ou cozidos. Deve ser efetuada a limpeza diária da
caixa de excretas dos gatos, preferencialmente por uma mulher que não esteja grávida. Durante serviços de
jardinagem devem­se calçar luvas. Os vegetais devem ser bem lavados antes do consumo.
Até o momento não foram desenvolvidas vacinas para prevenção de toxoplasmose em pessoas.

TUBERCULOSE E OUTRAS INFECÇÕES MICOBACTERIANAS

A tuberculose (TB) é uma doença infecciosa granulomatosa, causada por bacilos ácido–resistentes do gênero
Micobacterium. Embora comumente definida como uma doença crônica e debilitante, a TB às vezes tem um
curso agudo e rapidamente progressivo. A doença afeta praticamente todas as espécies de vertebrados e antes de
se adotar medidas de controle, era uma doença importante de pessoas e animais domésticos. TB bovina é uma
zoonose importante em muitas partes do mundo. Os sinais e lesões geralmente são semelhantes nas várias
espécies.
ETIOLOGIA: Os principais tipos do complexo M. tuberculosis (bacilo tuberculoso de mamíferos) reconhecidos
são M. tuberculosis, M. bovis, M. caprae, M. pinnipedii, M. microti e M. africanum. O complexo M avium
incluem M. avium avium (bacilos aviários), M. avium hominisuis (isolado de pessoas e outros mamíferos) e M.
intracellulare. Os tipos diferem em suas características relativas à cultura e patogenicidade. Os tipos mamíferos
são mais estreitamente relacionados entre si do que o tipo aviário. Muitas sorovariantes do complexo M. avium
são reconhecidas; no entanto, apenas os sorotipos 1, 2 e 3 são patogênicos às aves. M. bovis pode sobreviver na
pastagem por 2 meses ou mais e M avium pode sobreviver no solo por = 4 anos.
Todos os tipos podem provocar infecção em espécies hospedeiras, além de sua própria. M. tuberculosis é a
espécie mais específica e raramente causa doença progressiva em outros animais, além de primatas não
humanos, ocasionalmente em cães e suínos e raramente em pássaros. M. bovis pode causar doença progressiva
em muitos vertebrados de sangue quente, inclusive em pessoas. M. caprae é isolado em bovinos e em várias
outras espécies, na Europa. M. avium avium é a única espécie de consequência nas aves, mas também é
patogênico para suínos, bovinos, ovinos, cervos, martas, cães, gatos e alguns animais exóticos de sangue frio.
M. intracellulare causa doença em animais de sangue frio. As outras micobactérias, além do bacilo da
tuberculose (p. 730), são raramente isoladas de animais domésticos e exóticos.
PATOGENIA: A inalação de gotículas contaminadas expelidas dos pulmões é a via comum de infecção, embora
também ocorra por ingestão, particularmente de leite contaminado. A via intrauterina e o coito são menos
comuns. Após a inalação, o bacilo é fagocitado por macrófagos alveolares, que podem eliminar a infecção ou
permitir a proliferação do agente. Neste último caso, ocorre a formação do foco primário de infecção, mediado
por citocinas associadas à reação de hipersensibilidade, que consiste em degeneração e morte dos macrófagos
envolvidos por células epitelioides, granulócitos, linfócitos e, mais tarde, por células gigantes. O centro
necrótico, purulento a caseoso, pode calcificar e a lesão pode ser envolvida por tecido de granulação e uma
cápsula fibrosa, formando o clássico “tubérculo”. O foco primário mais as lesões similares formadas pelos
linfonodos regionais são conhecidos como “complexo primário”. Na forma digestiva da doença, o foco primário
pode ser encontrado na faringe ou nos linfonodos mesentéricos ou, menos comumente, nas tonsilas ou no
intestino. A composição celular e a presença de bacilo ácido­resistente nas lesões tuberculosas diferem entre e
dentro das espécies hospedeiras.
Nos animais, o complexo primário raramente cicatriza, podendo progredir de forma lenta ou rápida. A
disseminação por canais vasculares e linfáticos pode ser generalizada e rapidamente fatal, como na TB miliar
aguda. As lesões nodulares podem ser encontradas em muitos órgãos, inclusive pleura, peritônio, fígado, rins,
ossos, glândula mamária, trato reprodutivo e SNC. É possível um curso prolongado e crônico, geralmente com
um padrão de lesões mais localizadas.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos refletem a extensão e a localização das lesões. Os sintomas

generalizados incluem emaciação progressiva, letargia, fraqueza, anorexia e febre flutuante de baixo grau. A
broncopneumonia, na forma respiratória da doença, causa tosse crônica, intermitente e úmida com sinais tardios
de dispneia e taquipneia. As lesões destrutivas da broncopneumonia granulomatosa podem ser detectadas por
auscultação e percussão. A hiperplasia dos linfonodos superficiais pode auxiliar no diagnóstico, quando
presente. Os linfonodos mais profundos afetados não podem ser palpados, mas podem causar obstrução de vias
respiratórias, faringe e intestinos, levando à dispneia e timpanismo ruminal.
Nos suínos, as lesões causadas por M. avium avium geralmente afetam os linfonodos associados ao trato
gastrintestinal e não ocorre doença generalizada.
DIAGNÓSTICO: O teste diagnóstico mais importante para TB é a prova da tuberculina intradérmica; podem ser
utilizados derivados de proteína purificada (PPD) preparados a partir de cultura filtrada de M. bovis ou M
avium. O diagnóstico baseado apenas nos sinais clínicos é muito difícil, mesmo nos casos avançados. A
radiografia auxilia no diagnóstico em primatas não humanos e pequenos animais. Às vezes, faz­se exame
microscópico do escarro e de outras secreções. O achado na necropsia dos clássicos granulomas dos
“tubérculos” é, com frequência, muito sugestivo da doença. A confirmação do diagnóstico é feita por
isolamento e identificação da bactéria na cultura, onde cresce em 4 a 8 semanas, ou por PCR, que requer apenas
alguns dias. As técnicas moleculares, como o polimorfismo dos comprimentos dos fragmentos de restrição e
espoligotipagem propiciam informações importantes na condução das investigações epidemiológicas.
A resposta de hipersensibilidade do hospedeiro, do tipo retardada, é responsável por várias lesões da TB,
sendo fundamental para a prova de tuberculina intradérmica, amplamente utilizada no diagnóstico da doença em
grandes animais. O teste intradérmico único (TIU) envolve a inoculação de PPD. No animal reagente, o
antígeno estimula o local infiltrado de células inflamatórias e causa tumefação cutânea, que pode ser detectada
por palpação e mensurada com paquímero. A leitura da reação é feita após 48 a 72 h, para a máxima
sensibilidade, e após 96 h, para a máxima especificidade. Os locais do teste variam em sensibilidade e entre os
países e incluem pescoço, região anal, dobra da base da cauda e lábio vulvar. Uma desvantagem do teste TIU
para M. bovis é que ocorre reação cruzada em animais infectados por M. avium avium, M. tuberculosis ou M.
avium paratuberculosis.
Nas áreas com alta prevalência de TB aviária, micobacteriose atípica ou paratuberculose, pode ser utilizado o
teste comparativo, com tuberculina DPP M. bovis e M. avium biologicamente equilibradas, inoculadas
simultaneamente, mas em locais diferentes do pescoço. O agente causador de sensibilização provoca a maior
reação cutânea. Outro teste diagnóstico utilizado para TB é o teste térmico, o qual pode detectar o pico de
pirexia (> 40°C) dentro de 6 a 8 h após a inoculação SC de tuberculina. O teste de Stormont envolve a
inoculação intradérmica de PPD seguida de uma segunda inoculação no mesmo local após 7 dias. A leitura do
teste quanto à tumefação deve ser realizada 24 h depois.
Resultado falso­negativo pode ser notado em animais com imunidade baixa, como acontece nos estágios
iniciais da infecção e nos casos avançados da doença em animais idosos. As vacas recém­paridas podem
apresentar resultado falso­negativo. Pesquisas atuais são focadas na identificação de antígenos, como as
proteínas secretórias e proteínas produzidas por meio de engenharia genética de M. bovis para melhorar os testes
diagnósticos. Testes sorológicos, como ELISA, parecem de uso diagnóstico limitado, consistente com o papel
menos importante do anticorpo, comparado com a resposta imune celular na TB. Testes celulares in vitro (ou
seja, teste com ?­interferona) estão sendo desenvolvidos utilizando leucócitos estimulados com antígeno de M.
bovis e se mostram promissores como alternativa ao teste intradérmico único, amplamente utilizado; no entanto,
seu uso não é amplamente difundido.
CONTROLE: Os principais reservatórios da infecção são as pessoas e os bovinos. No entanto, em alguns países
outros animais também são reservatórios, inclusive texugos e veados­vermelhos (Inglaterra, Irlanda), gambás e
furões (Nova Zelândia), veados de cauda branca, alces e bisões (América do Norte), búfalo (África do Sul);
búfalo da água (Austrália). A prevalência da doença em tais reservatórios influencia a doença em outras
espécies. Os carnívoros adquirem M. bovis pelo consumo de carcaça contaminada. Estas espécies incluem leões,
coiotes, lobos, hienas, leopardo, lince e leopardos. Também há relato de infecção por M. bovis em javalis,
furões, guaxinins, gambás e suínos selvagens.
Os três principais métodos de controle de TB são teste e abate, teste e segregação e quimioterapia. O teste e a
política de abate são os únicos a assegurar a erradicação da TB, pois envolvem o abate de animais reagentes ao
teste de tuberculina. Nos rebanhos infectados é recomendável o teste a cada 3 meses, de modo a eliminar do
rebanho os animais que estão disseminando a infecção. Também são úteis as medidas de higiene de rotina que
objetivam limpeza e desinfecção de alimentos contaminados, bebedouros etc. O procedimento de teste e abate
têm sido amplamente utilizado no Reino Unido, EUA, Canadá, Nova Zelândia e Austrália. Na maioria dos
países europeus, onde este procedimento é impraticável, as formas de teste e segregação são variáveis, sendo o
teste e abate utilizado somente nos estágios finais da erradicação.
Fez­se experiência, no tratamento de TB em elefantes e primatas não humanos, do uso de fármacos efetivos
em pessoas (p. ex., isoniazida, etambutol e rifampicina). A eficácia foi limitada e há argumentos contra a
terapia, com base na remoção de animais infectados, risco zoonótico e estímulo à resistência a drogas. O
tratamento é ilegal em alguns países. A vacina BCG (bacilo Calmette­Guérin), às vezes é utilizada para
controlar TB em pessoas, mas comprovou­se baixa proteção em muitas espécies animais e a inoculação
geralmente provoca reação granulomatosa local grave.

Animais Exóticos com Cascos em Cativeiro

Várias espécies, inclusive impala, gazela da África do Sul, elã, veado­áxis, gamo, pequeno cervo da Ásia e
Europa, cervo híbrido, cervo sika, alce, rinoceronte branco e preto e girafa são suscetíveis à infecção por M.
bovis. A consistência das lesões da tuberculose varia de purulentas a caseosas e geralmente envolvem pulmões e
linfonodos regionais; outros locais potenciais são fígado, baço e superfície serosa. Os testes cutâneos de
tuberculina auxiliam no diagnóstico.

Bovinos

Em sua maioria, as discussões sobre TB referem­se aos bovinos. A introdução da pasteurização do leite foi o
principal passo na luta contra a tuberculose humana e continua sendo um importante procedimento de controle
em muitos países.

Cães

Os cães podem ser infectados por M. tuberculosis, M. bovis e, ocasionalmente, M. avium ou M. fortuitum, em
geral de origem humana ou bovina. As lesões tuberculosas geralmente são encontradas nos pulmões, fígado,
rins, pleura e peritônio; têm aparência acinzentada, não calcificada e com centros necróticos. Em geral, as lesões
são exsudativas e podem provocar grande quantidade de fluido cor­de–palha no tórax. Teste de tuberculina
falso–negativo é comum nos cães. Radiografias e histórico auxiliam no diagnóstico. Os animais infectados
devem ser submetidos à eutanásia devido às preocupações relacionadas com a saúde pública.

Cervos e Alces

A tuberculose causada por M. bovis é um problema importante em várias espécies de cervídeos domésticos e
selvagens. Os cervos parecem ter suscetibilidade incomum à infecção micobacteriana; as infecções por M.
avium parecem provocar lesões semelhantes. A infecção por M. tuberculosis aparentemente é incomum. As
lesões da tuberculose podem ser confinadas a um único linfonodo ou ser encontradas amplamente em
linfonodos e órgãos após um curso rápido e fulminante da doença. Em cervos, abscessos podem ser in­dicativos
de TB. O diagnóstico pode ser auxiliado pela prova de tuberculina intradérmica, teste celular in vitro (ex. teste
de estimulação de linfócitos do sangue ou ensaio com ?­interferona), sorologia (ELISA) ou uma combinação
desses. A infecção deve ser confirmada por testes baseados no isolamento da bactéria.

Elefantes

A tuberculose provocada por M. tuberculosis foi relatada em elefantes em cativeiro. As lesões geralmente
envolvem os pulmões e os linfonodos associados. Respostas inespecíficas são observadas nos testes
imunológicos, embora o diagnóstico deva ser feito com base no isolamento do microrganismo em lavado da
tromba. Institui­se o protocolo com múltiplas drogas para impedir a disseminação de M. tuberculosis por meio
de secreções e para minimizar o desenvolvimento de cepas resistentes a drogas.

Equinos

Os equinos são relativamente resistentes à TB causada pelo complexo M. tuberculosis. Quando a doença se
desenvolve, tubérculos e lesões não calcificadas geralmente são verificados no fígado, linfonodos mesentéricos,
pulmões e outros locais. O teste de tuberculina auxilia na erradicação da doença.

Gatos

Os gatos são resistentes à infecção por M. tuberculosis, mas são suscetíveis a M. bovis, complexo M. avium ou
bacilo M. microti. Algumas formas bacilares não classificadas foram isoladas. Leite contaminado causa lesões
no trato gastrintestinal, tipicamente nos linfonodos mesentéricos, sendo esta a condição mais comum e
historicamente responsável pela alta porcentagem de gatos tuberculosos na Europa. Pode ocorrer rápida
disseminação hematógena para outros órgãos, entre eles os pulmões e os linfonodos regionais. Pele infectada ou
ferida mais profunda às vezes dá origem a seios tuberculosos. As lesões apresentam área de necrose central,
geralmente sem calcificação. O teste de tuberculina cutâneo não é considerado confiável em gatos. O
diagnóstico pode ser auxiliado por radiografia, ELISA ou cultura da bactéria. Os gatos infectados devem ser
submetidos à eutanásia devido à preocupação com a saúde pública.

Mamíferos Marinhos

M. pinnipedii (uma variante de M. bovis adaptada à foca) causa lesões tuberculosas em focas e leões marinhos.
Em vários países, a bactéria foi isolada em quatro espécies de focas e duas espécies de leões marinhos, bem
como de outros animais. Em focas, o microrganismo provoca lesões nos linfonodos peritoneais, baço, peritônio
e pulmões. A presença de bactérias ácido­resistentes varia nas lesões granulomatosas é variável. Aerossóis são
considerados a principal via de transmissão. Em razão do risco zoonótico, precauções devem ser tomadas
quando se manipula estes animais (ver p. 1973).

Ovinos e Caprinos

As lesões causadas por M. bovis nos pulmões e linfonodos de ovinos e caprinos são similares àquelas de
bovinos e o microrganismo pode, às vezes, disseminar­se para outros órgãos. Ovinos e caprinos são
completamente resistentes à infecção por M. tuberculosis. O teste intradérmico único é comumente utilizado no
diagnóstico.

Primatas Não Humanos

Os macacos e os grandes antropoides são suscetíveis a M. bovis, M. tuberculosis e M. avium, que causam
doenças graves nos pulmões e em outros órgãos. As epidemias em colônias de primatas podem ser ocasionadas
pelo contato com cuidadores humanos infectados. A transmissão geralmente ocorre por meio de aerossol, na
infecção respiratória, sendo também possível contaminação por VO. O bacilo também pode ser excretado na
urina. O teste cutâneo com tuberculina utilizando PPD preparado para animais é superior ao PPD preparado
para pessoas, no diagnóstico da doença.

Suínos

Os suínos são suscetíveis a M. tuberculosis, M. bovis e complexo M. avium. M. avium avium é o mais
frequentemente isolado e a identificação sorológica auxilia na investigação epidemiológica. As lesões
granulomatosas geralmente são encontradas nos linfonodos cervicais, submandibulares e mesentéricos, mas
também podem ser encontradas por toda parte. Tipicamente, ocorre hiperplasia dos linfonodos contendo focos
caseosos, brancos ou amarelados, geralmente sem evidência de mineralização. Os suínos com a doença
provocada por M. tuberculosis podem apresentar lesões semelhantes regionalizadas. Os suínos são
particularmente suscetíveis à infecção por M. bovis, geralmente adquirida em pastagens compartilhadas ou pela
ingestão de produtos lácteos. Isso pode causar rápida progressão da doença disseminada, com lesões caseosas e
liquefeitas. O teste intradérmico único, realizado na face dorsal das orelhas, auxilia no diagnóstico.

OUTRAS INFECÇÕES MICOBACTERIANAS, ALÉM DE TUBERCULOSE

Micobactérias encontradas no solo e na água foram isoladas em tecidos animais. M. fortuitum, um


microrganismo de crescimento rápido altamente resistente à penicilina G, estreptomicina, ampicilina,
sulfametoxazol e cloranfenicol foi associado à mastite em vacas, infecções pulmonares em cães, lesões de
linfonodos em suínos e em alguns animais exóticos, bem como com lesões cutâneas em gatos e cães. Os testes
de suscetibilidade a fármacos indicam que o microrganismo é inibido por capreomicina e etionamida. M.
chelonae, outra micobactéria de crescimento rápido e semelhante a M. fortuitum nas reações bioquímicas, foi
isolado de ferimentos e abscessos causados por injeção contaminada. Devem­se distinguir esses microrganismos
de M. phlei, M. smegmatis e M. vaccae que raramente, ou nunca, são patogênicos.
Peixes e outros animais de sangue frio podem ser infectados por M. avium intracellulare ou M. marinum,
reconhecidos como patógenos humanos. Um microrganismo fotocromogênico, M. kansasii, foi isolado em
suínos, bovinos e primatas não humanos. Podem­se diferenciar esses microrganismos por meio de testes
bioquímicos e soroaglutinação.
M. avium paratuberculosis, que causa a doença de Johne, foi isolado de ruminantes domésticos e selvagens
(ver paratuberculose, p. 778). É uma doença diarreica insidiosa e progressiva que resulta em perda de peso e
emaciação. As lesões são observadas com mais frequência na válvula ileocecal e são associadas aos linfonodos.
O diagnóstico deve se basear no isolamento da bactéria. Não há tratamento disponível.
Mycobacterium scrofulaceum, um escotocromógeno, também é isolado de lesões de linfonodos em suínos,
bovinos e alguns primatas não humanos. Isolou­se M. xenopi, um escotocromógeno de crescimento lento, em
suínos, anfíbios e aves aquáticas. Devem­se diferenciar esses microrganismos de M. gordonae e M. flavescens e
de outras micobactérias escotocromogênicas de crescimento lento, que são contaminantes comuns da água.
Podem ser isoladas da água e do solo várias micobactérias não fotocromogênicas e não patogênicas, que
lembram muito patógenos em potencial; M. nonchromogenicum, M. gastri, M. triviale e M. terrae podem ser
isolados e lembram estreitamente cepas do complexo M. avium, em exames laboratoriais in vitro, inclusive em
PCR.
Embora as micobactérias oportunistas geralmente não consigam provocar doença progressiva, podem ser
importantes na indução de sensibilidade cutânea transitória à tuberculina, em animais. A aplicação de testes
cutâneos comparativos utilizando tuberculinas PPD biologicamente balanceadas preparadas a partir de filtrados
de culturas de M. bovis e M. avium, propicia informações úteis acerca da possível causa de sensibilidade cutânea
à tuberculina. Devem ser utilizadas tuberculinas preparadas para uso veterinário, que contêm cerca de 5.000
unidades de tuberculina por dose, nos testes cutâneos em animais domésticos, selvagens e exóticos.
M. lepraemurium, um bacilo ácido­resistente de crescimento lento e não fotocromogênico, causa doença em
gatos e ratos semelhante em, alguns aspectos, à hanseníase humana. Pode crescer em meios contendo citocromo
C e a­cetoglutarato. M. lepra, a causa da hanseníase humana, foi isolado em doenças de ocorrência espontânea
em tatus. Esse microrganismo não cresce em meio de cultura artificial, entretanto o DNA do M. leprae pode ser
identificado por PCR.

TULAREMIA

A tularemia é uma sepse bacteriana que acomete > 250 espécies de mamíferos domésticos e selvagens, répteis,
pássaros, peixes e pessoas. É considerada agente de bioterrorismo categoria A devido seu potencial de
disseminação pelo ar.
ETIOLOGIA: O microrganismo causador, Francisella tularensis, é um cocobacilo Gram­negativo, não formador
de esporos, que se relaciona antigenicamente com Brucella spp. É um parasito intracelular facultativo que é
rapidamente destruído pelo calor e por desinfecção apropriada, mas sobrevive por semanas ou meses em
ambiente úmido. É de crescimento fastidioso, mas pode ser cultivado facilmente. Há dois tipos de
microrganismos, com base em sua bioquímica e virulência. Na América do Norte encontra­se
predominantemente o tipo A, que é mais virulento; no homem, a taxa de mortalidade pode ser de 5 a 7%, se a
doença não for tratada. O tipo A, adicionalmente, é subdividido em subpopulações distintas, A1 e A2, que se
diferem quanto à gravidade clínica. O tipo B é menos virulento e mais comumente isolado de animais aquáticos
e de infecções associadas à água, na América do Norte e Eurásia. Os dois tipos foram isolados de artrópodes
vetores.
EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: Em animais domésticos, os ovinos são os principais hospedeiros, mas a
infecção clínica foi relatada em cães, suínos e equinos. Os gatos estão em risco maior devido ao seu
comportamento de predador e parecem ter maior suscetibilidade, enquanto os bovinos parecem resistentes.
Pouco se sabe sobre a verdadeira prevalência e o espectro dos sinais clínicos nos animais domésticos. São
hospedeiros selvagens importantes: lebre, coelho­americano, castor, rato almiscarado, rato­da–campina e
ovinos, na América do Norte, e outros roedores, camundongos­do­campo e lemingues, na Europa e Ásia.
Há focos naturais da infecção na América do Norte e Eurásia, onde o micro­organismo circula entre os
artrópodes vetores e vários mamíferos, pássaros, répteis e peixes. Embora seja encontrado também em todos os
Estados, exceto no Havaí, a tularemia é geralmente reportada no centro­sul e no leste dos EUA (p. ex., Missouri,
Oklahoma, Dakota do Sul e Montana).
A tularemia é uma zoonose clássica, passível de ser transmitida por meio de aerossol, contato direto, ingestão
ou pelos artrópodes. A inalação de aerossóis infectantes (como no laboratório ou como agente aerógeno em atos
bioterroristas) pode provocar uma forma pulmonar da doença. O contato direto com carcaças infectadas de
animais selvagens (p. ex., lebre), ou sua ingestão, pode causar uma forma ulceroglandular, oculoglandular ou
orofaringiana (lesão local com linfadenite regional) ou uma forma tifoide da enfermidade. A imersão ou
ingestão de água contaminada pode provocar infecção nos animais aquáticos. Os carrapatos podem manter a
infecção pelas vias transestadial e transovariana, o que os torna reservatórios eficientes, bem como vetores. Os
vetores reconhecidos nos EUA incluem Dermacentor andersoni (carrapato­do­mato), Amblyomma americanum
(carrapato­estrela solitário), Dermacentor variabillis (carrapato­dos­cães) e Chysops discalis (mosca­dos­
veados).
A fonte de infecção mais comum para o homem e herbívoros é a picada de um carrapato infectado, mas as
pessoas que depenam caça e preparam ou consomem carne de caça mal cozida também estão em maior risco de
infecção. Cães, gatos e outros carnívoros podem adquirir a infecção pela ingestão de carcaça infectada. Há
poucos casos reportando gatos como fonte de infecção em pessoas.
ACHADOS CLÍNICOS: O período de incubação da tularemia é de 1 a 10 dias. Nos ovinos e na maioria dos
mamíferos, caracteriza­se por início súbito de febre alta, letargia, anorexia, rigidez, redução da mobilidade ou
outros sinais associados à doença septicêmica. As frequências respiratórias e de pulso aumentam e pode haver
tosse, diarreia e polaciúria. É possível prostração e morte em poucas horas ou dias. Em qualquer espécie, os
casos esporádicos são mais bem reconhecidos por meio dos sinais de sepse. A taxa de mortalidade pode ser de
até 15% nos surtos em cordeiros não tratados. Casos subclínicos são comuns.
Lesões: As lesões mais consistentes são focos de necrose miliar de coloração branca a branco­sujo no fígado e,
às vezes, no baço e linfonodos. É comum hiperplasia de fígado, baço e linfonodos. Podem­se isolar facilmente
os microrganismos em amostras obtidas durante a necropsia, em meios de cultura especiais. O risco de infecção
durante a necropsia ou para o pessoal de laboratório é significativo; tornam­se essenciais instalações e
procedimentos especiais.
DIAGNÓSTICO: A tularemia deve ser diferenciada de outras doenças septicêmicas (especialmente de peste
bubônica) ou de pneumonia aguda. Quando grande número de ovinos exibem os sinais típicos durante os
períodos de alta infestação de carrapatos deve­se suspeitar de tularemia ou de paralisia causada por carrapato (p.
1401). A tularemia deve ser considerada em gatos com sinais agudos de linfadenopatia, mal­estar, úlceras bucais
e história recente de ingestão de caças selvagens.
O diagnóstico de infecção aguda é confirmado por meio de cultura e identificação da bactéria, pelo teste de
imunofluorescência indireta ou indireta ou pelo aumento de 4 vezes no título de anticorpos, comparando­se a
amostra de soro obtida na fase aguda e com aquela do período de convalescência. Um único título = 1:80 no
teste de aglutinação em tubo é evidência presuntiva de infecção anterior. Quando se suspeita de tularemia, o
pessoal do laboratório deve ser alertado, de modo a minimizar o risco de infecção adquirida no laboratório.
TRATAMENTO E CONTROLE: Estreptomicina, gentamicina, cloranfenicol e tetraciclinas são eficazes nas doses
recomendadas. O tratamento com gentamicina deve se estender por 10 dias. Como a tetraciclina e o
cloranfenicol são bacteriostáticos, a terapia deve ser continuada por 14 dias, a fim de reduzir o risco de recidiva.
O tratamento precoce deve impedir o prejuízo por morte. O controle é difícil e se limita à redução da infestação
de carrapatos e ao diagnóstico e tratamento precoces. Pode ser necessário um tratamento prolongado, já que
muitos microrganismos são intracelulares. Atualmente empenha­se no desenvolvimento de vacina segura e
efetiva. A recuperação confere uma imunidade prolongada.

ANEMIA INFECCIOSA EQUINA

A anemia infecciosa equina (AIE) acomete equídeos; é causada por um lentivírus específico de equinos, da
família dos retrovírus, denominado vírus da anemia infecciosa equina (VAIE). Embora a maioria das infecções
persistentes tenha consequências clínicas mínimas, a forma epizoótica da doença apresenta altas taxas de
morbidade e de mortalidade. A infecção pode ser seguramente diagnosticada mediante testes laboratoriais. Em
vista da falta de vacinas seguras e eficazes, muitos países estabeleceram um programa de controle baseado em
testes sorológicos. As infecções pelo VAIE parece persistir por toda a vida do animal.
TRANSMISSÃO E PATOGENIA: AIE é uma infecção hematógena e o vírus pode estar livre no plasma ou associado
a células, principalmente monócitos, macrófagos e células endoteliais. Na natureza, os insetos hematófagos
iniciam a maioria das infecções por meio da transferência mecânica do sangue infectado entre equinos que
convivem na proximidade. Mutuca, mosca­amarela (deer fly) e, ocasionalmente, mosca­do­estábulo parecem ser
os vetores mais eficientes porque a dor de suas picadas inicia um comportamento de defesa do hospedeiro,
interrompendo a alimentação e resultando em comportamento de busca por hospedeiro. Como o VAIE não se
multiplica nos insetos, os equídeos infectados parecem ser seu único reservatório. A transmissão iatrogênica tem
alto potencial epizoótico, que pode ser evitado mediante medidas preventivas, como descarte ou
descontaminação dos equipamentos e não utilização de materiais contaminados de um animal para o outro. Um
surto recente de AIE na Irlanda provocou sérias preocupações quanto ao potencial de transmissão viral, direta
ou indireta, de equino para equino.
ACHADOS CLÍNICOS: Equídeos expostos geralmente sustentam a replicação viral por dias a semanas antes da
detecção de anticorpos contra VAIE. O período de incubação varia de 10 a = 45 dias; geralmente situa­se ao
redor de 21 a 42 dias após a transmissão natural. Em geral, o pico da viremia é notado durante o episódio febril,
antes que o equino torna­se positivo no teste laboratorial. Esses sinais agudos geralmente não são verificados
nos equinos que permanecem no pasto e podem ser acompanhados de discreta redução da contagem de
plaquetas, além de inapetência transitória. Geralmente, a infecção só é notada após o teste de rotina para
detecção de AIE ou quando o animal desenvolve sinais recidivantes de febre acompanhados de redução da
contagem de plaquetas, petéquias hemorrágicas, anemia, depressão, perda de peso, caquexia e edema
dependente (característica da forma crônica de AIE). A infecção pelo VAIE pode ser inaparente ou apresentar­se
na forma aguda ou crônica.
As manifestações clínicas são determinadas, em parte, pela cepa viral e pela quantidade de vírus, além da
linhagem genética e da condição imune dos equinos. Por exemplo, cepas de VAIE adaptadas por rápidas
passagens seriadas em equinos podem matar esses animais dentro de 14 dias após a infecção, porém não causam
sintomas em asininos. Por outro lado, cepas que produzem ou não sinais clínicos discretos nos adultos podem
matar os fetos imunologicamente imaturos ou os potros imunodeficientes. Frequentemente, o VAIE infecta
determinado grupo e se dissemina silenciosamente até que a forma crônica da doença seja notada. Assim, uma
alta porcentagem de animais do grupo pode estar infectada. No entanto, um surto recente na Irlanda foi
associado a altas taxas de morbidade e de mortalidade, inesperadas.
Lesões: Nos casos agudos, o baço e os linfonodos esplênicos ficam aumentados. Na doença crônica, a necropsia
revela emaciação, membranas mucosas pálidas, petéquias hemorrágicas, edema subcutâneo dependente,
esplenomegalia e aumento dos linfonodos abdominais.
Microscopicamente, nota­se proliferação de células reticuloendoteliais em vários órgãos, aglomerados de
células redondas no sistema periporta e perissinusoidal do fígado com acúmulo de hemossiderina nas células de
Kupffer. Acúmulos linfoides perivasculares podem ser observados também em outros órgãos. Em muitos
equinos, ocorre glomerulite proliferativa com deposição de IgG e complementos nos glomérulos.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico clínico deve ser confirmado por sorologia. O teste de imunodifusão em ágar gel
(AGID, Coggins) é internacionalmente aceito; as fontes antigênicas incluem cultura celular com propagação do
vírus e proteínas recombinantes. Uma variedade de testes ELISA para detecção de anticorpos contra VAIE são
aceitos em muitos países e ajuda no diagnóstico prático da infecção pelo VAIE. O teste ELISA pode ser
realizado em minutos (em comparação, a duração do teste AGID, cujo resultado demora 1 a 2 dias). Em todos
os casos, o resultado positivo no teste ELISA deve ser confirmado pelo teste AGID antes de se adotar ações
reguladoras, devido à alta taxa de resultados falso­positivos. Quando são utilizados os 2 testes combinados,
obtém­se alto nível de sensibilidade e especificidade.
TRATAMENTO E CONTROLE: Não há tratamento específico, tampouco vacina disponível. Os equinos infectados
pelo VAIE são a única fonte conhecida de infecção e os animais positivos ao teste de anticorpo devem ser
mantidos a uma distância segura (cerca de 200 m) dos outros equídeos. A única exceção conhecida a essa regra
é a cria de éguas soropositivas, que podem ter anticorpos maternos contra VAIE após ingerir colostro. Na
maioria dos casos, os anticorpos passivos contra VAIE diminuem até serem negativos no teste AGID, aos 6 a 8
meses de idade; no entanto, anticorpos detectáveis podem persistir por até 12 meses, especialmente quando se
utiliza o teste ELISA.
O risco associado à manutenção de grupo de reprodutores infectados é variável. Estudos a campo indicaram
grande sucesso no aumento da taxa de potros negativos ao teste AGID, oriundos de animais portadores de AIE
inaparente. O risco de infecção intrauterina aumenta drasticamente, se os sinais clínicos de AIE são verificados
na fêmea antes do parto. Infelizmente, não é possível determinar com segurança o risco em qualquer animal
infectado pelo VAIE. Equinos portadores inaparentes mantêm baixo teor de anticorpos e graus de viremia
variáveis, que podem aumentar em condições de estresse. Quando comparados com equinos soronegativos
saudáveis, os carreadores inaparentes exibem aumento da concentração sérica de globulinas e alteração na
população de linfócitos, que são compatíveis com estímulo imune ou inflamação crônica. Como os animais
positivos permanecem infectados a vida toda, muitas agências de controle consideram que todos os animais
positivos para AIE são de alto risco.
Nos EUA, equinos soropositivos devem ser mantidos em quarentena por até 24 h após o conhecimento do
resultado positivo ao teste. O local de quarentena deve permitir distância de pelo menos 180 metros dos outros
equinos. Após a confirmação do teste, os equinos soropositivos devem ser permanentemente identificados
utilizando o número do código oficial registrado no USDA para o estado no qual o animal foi testado seguido da
letra A. Esta identificação pode ser feita por meio de ferro quente, marca química, marca por congelamento ou
tatuagem de lábio e deve ser realizada por um representante do USDA. Equinos reagentes devem ser removidos
do lote e colocados em quarentena nas instalações de origem ou ser submetidos à eutanásia ou abate. Podem ser
transportados entre os Estados apenas sob permissão oficial, para abatedouro inspecionado pelo governo
federal, um centro de diagnóstico ou pesquisa federal credenciado ou para retornar ao local de origem. Após o
diagnóstico positivo do animal do lote, todos os equinos do local devem ser submetidos a teste de AIE, repetido
até que se constatem apenas equinos negativos. Os equinos devem ser novamente testados intervalos de 30 a 60
dias, até que nenhum caso positivo seja detectado. A quarentena das instalações é liberada quando os testes de
todo o lote são negativos pelo menos 60 dias após a remoção do equino positivo.
Todos os equinos que transitam nas divisas estaduais, nos EUA, devem ser testados para AIE e com resultado
negativo nos 12 meses que antecedem o transporte. Todos os equinos que participam de leilões ou são
negociados ou doados entre Estados devem ser negativos ao teste para AIE antes da venda ou o animal deve ser
mantido em quarentena dentro do Estado, até que o resultado do teste seja conhecido.
Também, recomenda­se que os donos de equinos implementem um plano de controle de AIE nas suas
propriedades. Todos os equinos devem ser testados pelo menos a cada 12 meses, como parte do programa de
controle. Testes mais frequentes são indicados em áreas com alta prevalência de AIE. Os proprietários de
equinos que participam de exposições ou competições devem comprovar teste negativo para AIE. Novos
equinos introduzidos no rebanho devem ter teste negativo para AIE antes de entrar na propriedade ou devem
ficar isolados enquanto se realiza o teste. O controle prático dos vetores inclui a aplicação de inseticidas e
repelentes e o controle no ambiente. Princípios de boa higiene e desinfecção devem ser mantidos para prevenir
infecções iatrogênicas dos equinos com agulhas, seringas ou equipamentos contaminados.

ARTERITE VIRAL EQUINA (Celulite-conjuntivite epizoótica,

Tifo equino, Rotlaufseuche)

A arterite viral equina (AVE) é uma doença viral aguda contagiosa de equídeos, causada pelo vírus da arterite
equina (VAE). A enfermidade é caracterizada por febre, depressão, anorexia, leucopenia, edema dependente
(especialmente na porção distal dos membros, escroto e prepúcio em garanhões), conjuntivite, edema supra ou
periorbital, secreção nasal, aborto e, raramente, doença e morte de potros jovens.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: O vírus da arterite equina é um RNA­vírus pequeno e envelopado; é o vírus protótipo
do gênero Arterivirus, família Arteriviridae, ordem Nidovirales. É um dos 3 mais importantes vírus patogênicos
do trato respiratório de equinos. O vírus não resistente no ambiente fora do corpo e a sobrevivência em
temperaturas = 37°C é breve. No entanto, o VAE pode manter a infectividade em amostras de tecidos e fluidos
por longo tempo, se armazenadas em temperatura igual ou abaixo da temperatura de congelamento. Pode
permanecer viável em sêmen congelado por vários anos.
Embora apenas um sorotipo do vírus tenha sido bem identificado, a cepa­protótipo Bucyrus, há evidências de
amplas variações genômicas e antigênicas, em razão de diferenças temporais e geográficas dos diversos
isolados. A variação na patogenicidade também ocorre entre as cepas virais, algumas sendo capaz de causar
sintomas graves da doença, enquanto outras só ocasionam febre.
Após a exposição ao aerossol, o vírus da arterite equina invade o epitélio respiratório e multiplica­se nos
macrófagos bronquiais e alveolares. Estas células transportam o vírus para os linfonodos regionais, onde ele
passa por novo ciclo de replicação antes de ser liberado na corrente sanguínea. A viremia associada a células,
assegura a disseminação do VAE por todo o corpo. Após 6 a 8 dias o vírus se instala no endotélio vascular e em
miócitos mediais de pequenos vasos sanguíneos, especialmente nas arteríolas, causando panvasculiste. Ele
também pode ser encontrado no epitélio de certos tecidos, particularmente adrenais, túbulos seminíferos,
tireoide e fígado. As lesões vasculares características incluem edema e degeneração endotelial, infiltração
neutrofílica e necrose da túnica média dos vasos infectados. As lesões vasculares causam edema e hemorragia
que, acredita­se ser resultado da ativação de citocinas proinflamatórias. A lesão vascular máxima ocorre até
cerca de 10 dias; após este período as lesões melhoram.
Infecções experimentais de éguas prenhes com cepas Bucyrus altamente virulenta resultaram em aborto
decorrente de miometra, redução da circulação placentária e morte do feto. No entanto, isto pode não
representar a patogenia do aborto nas infecções por VAE adquiridas, a qual ainda não está bem determinada.

Arterite viral equina; edema ocular. Cortesia do Dr. Peter J. Timoney.


Arterite viral equina; edema escrotal. Cortesia do Dr. Peter J. Timoney.

Exceto para alguns garanhões, a infecção viral não é mais detectável em vários tecidos ou fluidos corporais,
além de 28 dias após a infecção. Garanhões que permanecem persistentemente infectados, por sua vez, abrigam
o vírus nas glândulas sexuais acessórias, especialmente na ampola do canal deferente, onde podem permanecer
por muitos anos. Alguns garanhões carreadores podem disseminar o VAVE a partir do trato reprodutivo, mesmo
após um período prolongado.
EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: Embora a variação dos hospedeiros naturais e experimentais do vírus da AVE
permaneça restrita aos equídeos, há informações limitadas sugerindo que o vírus também pode infectar alpacas e
lhamas. Não há evidência de que o VAE possa ser transmitido às pessoas. Com base nos achados sorológicos de
pesquisas e nos relatos de surtos de AVE, o vírus está presente na população equina em muitos países em todo o
mundo, com exceção do Japão e Islândia. A prevalência das infecções varia severamente entre os países e
algumas raças no mesmo país. O vírus é altamente frequente em raças tradicionais e de sangue quente. Apesar
da ampla distribuição global do VAE surtos confirmados pelo laboratório de arterite viral equina são
relativamente incomuns. Esta situação parece ter mudado nos últimos anos com um aumento do número de
ocorrências da doença que está sendo relatado. O maior fator que tem contribuído para esta mudança é o
contínuo crescimento do volume internacional de negócios de equinos e sêmen desta espécie.
A epidemiologia de arterite viral equina (AVE) envolve fatores como vírus, hospedeiro e ambiente, inclusive
a variabilidade da patogenicidade entre as cepas de vírus, vias de transmissão, existência de garanhões
portadores e natureza da imunidade contra a infecção. Os surtos de AVE são geralmente ligados à transferência
de animais e da remessa de sêmen. Frequentemente, a transmissão viral é mínima se algum sinal clínico for
detectado em equídeos com infecção aguda.
A transmissão da infecção AVE pode ocorrer pela via respiratória, venérea, congênita ou indireta. A
transmissão por aerossol é o principal modo de propagação entre os equinos. A transmissão por aerossol é a
principal via de disseminação do vírus durante a fase aguda da infecção. Isto é principalmente responsável pela
transmissão do VAE entre equinos sem infecção prévia mantidos em contato próximo (p. ex., provas hipismo ou
de corrida, exposições, leilões, clínicas veterinárias e fazendas de criação). O vírus também pode ser transmitido
por via venérea, mediante infecção aguda das fêmeas ou infecção aguda ou crônica dos garanhões. As éguas
podem ser infectadas pela via venérea após monta natural ou inseminação artificial com sêmen infectado. Há
evidências de que o VAE pode ser disseminado através de transferência de embriões. O vírus também pode ser
transmitido indiretamente com o uso de fômites contaminados (p. ex., ferramentas, material de contenção) e
pelas mãos ou roupas dos tratadores.
A condição de portador pode ser confirmada em machos não castrados, especialmente em potros após a
puberdade e garanhões, mas não em éguas, animais castrados, potros ou potrancas sexualmente imaturas. O
estabelecimento e a persistência do VAE no trato reprodutivo de garanhões é dependente de testosterona. O
garanhão portador é um reservatório natural do VAE, sendo responsável por sua disseminação e persistência.
Frequentemente, a taxa de condição de portador pode ser < 10% até > 70%. Garanhões infectados podem
disseminar o VAE constantemente em frações ricas em esperma e no sêmen, mas não em outro tipo de secreção
ou excreção. A duração da condição de portador pode variar de semanas a vários anos. A porcentagem de cura
espontânea dos portadores é variável, quanto à persistência de garanhões infectados, sem evidência de
subsequente risco de disseminação do microrganismo. O estado de portador não parece prejudicar a fertilidade
dos garanhões infectados, tampouco sua condição clínica. Garanhões portadores também atuam como principal
meio de indução de diversificação genética do vírus.
Comparado com outros vírus respiratórios equinos, o VAE estimula fortemente e de forma duradoura a
imunidade, que protege contra o desenvolvimento da doença clínica e o estabelecimento da condição de
portadores em garanhões. Altos teores de anticorpos neutralizantes, que persistem pelo menos 2 a 3 anos,
podem ser estimulados pela exposição viral ou mediante vacinação.
ACHADOS CLÍNICOS: A exposição ao vírus da arterite equina pode resultar em infecção clínica ou inaparente,
dependendo da cepa de vírus envolvida, da carga viral, da idade e das condições físicas do animal, bem como de
vários fatores ambientais. Estudos revelam que muitos casos de infecção natural são subclínicos. O início dos
sinais clínicos é precedido por período de incubação de 3 a 14 dias, que varia principalmente com relação à via
de exposição. Os sinais clínicos variam amplamente em extensão e gravidade entre os surtos de AVE e entre os
casos de indivíduos infectados em um mesmo surto. Tipicamente pode ocorrer qualquer combinação dos
seguintes sintomas: febre com duração de 2 a 9 dias, leucopenia, depressão, anorexia, edema de membros
(especialmente de pélvicos) e edema de prepúcio e escroto. Sinais menos consistentes incluem conjuntivite,
lacrimejamento e fotofobia, edema periorbital ou supraorbital, rinite e secreção nasal, edema da parede ventral
do corpo (inclusive da glândula mamária, em fêmeas), reação cutânea de urticária, frequentemente localizada
nos lados do pescoço ou na cabeça (embora possa ser generalizada), andar rígido, dispneia, diarreia, icterícia e
ataxia.
Cepas de VAE podem causar aborto ao longo da gestação (dos 3 meses até mais 10 meses). O aborto pode
ocorrer tardiamente, na fase aguda ou na fase de convalescença da doença, com ou sem sinais clínicos prévios
de arterite viral equina. Nos surtos naturais, a taxa de aborto pode ser < 10% e chegar a mais de 60%. Não há
evidência comprobatória de que éguas inseminadas com sêmen infectado por VAE abortarão no final da
gestação. As fêmeas que abortam já estavam prenhes antes da exposição e a disseminação do vírus é rápida,
principalmente por via respiratória, pela proximidade com outro animal anteriormente infectado. O aborto
ocorre 1 a 4 semanas após o contato. As fêmeas infectadas no final da prenhez podem não abortar, mas os potros
nascem com infecção congênita. Não há prova de que éguas que abortam em razão do VAE são menos férteis.
Os garanhões infectados com VAE podem passar por um curto período de subfertilidade. Isso foi observado
em indivíduos que desenvolveram febre alta e prolongada e edema extenso de escroto. Garanhões afetados
podem apresentam redução da libido associado à diminuição da motilidade espermática e de percentual da
morfologia normal dos espermatozoides. As alterações qualitativas do sêmen se devem ao aumento da
temperatura intratesticular e não ao efeito direto do VAE na espermatogênese e na função testicular. As
alterações do sêmen podem durar 14 a 16 semanas, antes de retornar ao normal. Não é observado efeito adverso
duradouro na fertilidade de garanhões que apresentam cura completa.
A frequência e a gravidade dos sinais clínicos associados à infecção por AVE tendem a ser mais evidentes em
animais jovens, velhos ou debilitados. Independente da gravidade do quadro clínico, os equinos infectados
invariavelmente têm cura completa, mesmo quando não se faz tratamento sintomático. Morte de animais mais
velhos é muito rara em surtos naturais. No entanto, potros jovens com poucos meses de idade podem morrer em
decorrência de pneumoenterite ou pneumonia fulminante.
Lesões: As lesões macro e microscópicas em casos fatais refletem a extensa e considerável lesão vascular
causada pelo vírus. Estas descrições são principalmente baseadas em infecções experimentais com uma cepa
Bucyrus altamente patogênica do VAE. Os achados macroscópicos mais evidentes são edema, congestão e
hemorragia, especialmente no tecido subcutâneo dos membros e do abdome, bem como excesso de fluidos
peritoneal, pleural e pericárdico. Os linfonodos torácicos e intra­abdominais, bem como dos intestinos,
especialmente o ceco e o cólon, podem apresentar edema e hemorragia. Edema pulmonar, enfisema, pneumonia
intersticial, enterite e infarto no baço foram descritos em casos fatais da doença nos potros.
Com frequência, os fetos abortados encontram­se parcialmente autolisados. Em geral, não há lesões
macroscópicas; se presentes, podem se limitar a um excesso de fluidos em cavidades corporais e grau variável
de edema pulmonar interlobular. O dano vascular e as lesões imunomediadas em animais mais velhos raramente
são notadas em fetos infectados.
A lesão microscópica característica é vasculite, que envolve principalmente as arteríolas e as pequenas veias.
Histologicamente as alterações variam desde edema vascular e perivascular, com infiltração linfocítica
ocasional e hipertrofia das células endoteliais, nos casos brandos, até a necrose fibrinoide de túnica média,
infiltração linfocítica extensa, necrose e perda do endotélio, bem como formação de trombos, em casos graves.
As lesões microscópicas não são uma característica constante em abortos. A vasculite, se presente, é observada
na placenta, cérebro, fígado, baço e pulmões dos fetos.
Os casos fatais da infecção em potros novos são caracterizados por edema interlobular, congestão e infiltração
de células mononucleares nos pulmões, depleção linfoide e hemorragia no tecido linforreticular. Hemorragias
focais e necrose da mucosa intestinal foram descritas em associação com enterites.
DIAGNÓSTICO: Os sinais clínicos de arterite viral equina podem mimetizar sinais que ocorrem em outras
doenças respiratórias e não respiratórias da espécie equina. Portanto, a confirmação laboratorial é fundamental
para estabelecer o diagnóstico. Influenza equina, rinopneumonite equina, infecções pelos vírus da rinite equina
tipos A e B e adenovírus equino, bem como púrpura hemorrágica, são as doenças mais comuns que
clinicamente se assemelham a AVE. Esta última deve ser diferenciada de casos esporádicos de anemia
infecciosa equina (AIE), intoxicação por flor­de­mel branca (Berteroa incana) e urticária induzida por alergia.
Algumas doenças exóticas que devem ser consideradas no diagnóstico diferencial de AVE incluem infecção
pelo vírus Getah, tripanossomíase e peste equina africana (p. 746).
O aborto causado pelo vírus da arterite equina deve ser diferenciado daquele causado por herpesvírus equino
tipo 1 e 4. Esta diferenciação é útil, mas não é característica confirmatória de distinção, pois éguas que abortam
em decorrência de AVE podem manifestar evidência clínica prévia de arterite viral equina, enquanto éguas que
abortam devido à infecção por herpesvírus raramente exibem sinais premonitórios. Além disso, os fetos
infectados pelo VAVE geralmente apresentam autólise no momento da expulsão e frequentemente são
desprovidos de qualquer lesão macroscópica. Por outro lado, os fetos abortados em razão da infecção
herpesvírus são invariavelmente “frescos” e em geral exibem lesões macro e microscópicas.
Na suspeita de surto, a confirmação laboratorial de AVE deve ser realizada o mais rápido possível. O
diagnóstico pode se basear no isolamento viral, na detecção do ácido nucleico ou antígeno viral ou na
demonstração de resposta de anticorpo humoral recente em testes pareados (fases aguda e de convalescência),
sendo as amostras de soro obtidas em intervalo de 3 a 4 semanas.
As amostras apropriadas para o isolamento viral e/ou detecção de ácido nucleico por transcriptase reversa­
PCR incluem lavado ou suabe de nasofaringe e amostras de sangue com anticoagulante (EDTA ou citrato). Para
aumentar a chance de isolamento ou detecção, as amostras devem ser obtidas o mais rápido possível após a
constatação dos sinais clínicos. Após a coleta, os suabes devem ser transferidos diretamente para o meio de
transporte para vírus e enviados refrigerados ou congelados em recipiente hermeticamente fechado e
encaminhado por meio de um serviço de entrega rápida para um laboratório habilitado para realizar o exame. A
amostra de sangue com anticoagulante deve ser transportada refrigerada, mas não congelada.
Nos casos suspeitos de aborto por AVE, os fluidos e tecidos placentários, juntamente com tecido
linforreticular e outros tecidos fetais, além do fluido pleural ou peritoneal, podem ser fontes produtivas do vírus.
Quando ocorre morte de potros jovens ou de equinos idosos e há suspeita da infecção pelo vírus, amostras de
fluidos das cavidades abdominal e torácica e de órgãos relacionados devem ser colhidas e submetidas a exame
laboratorial, inclusive testes histológicos e imunoistoquímicos.
A detecção da condição de carreador em um garanhão é baseada na confirmação inicial do estado de
soropositivo do paciente. Na ausência de histórico vacinal certificado, os garanhões com título de anticorpos
neutralizantes = 1:4 devem ser considerados potenciais carreadores do vírus até prova ao contrário, com base na
ausência do vírus no sêmen. A confirmação do estado de carreador é baseada na demonstração do vírus na
amostra de sêmen contendo fração rica em esperma do ejaculado. Este material é utilizado tanto para o
isolamento viral quanto para a realização de transcriptase reversa–PCR. Também pode ser realizado pelo teste
de acasalamento de um garanhão possivelmente carreador com 2 éguas soronegativas, avaliando­as quando à
soroconversão 28 dias após a monta.
Dentre os testes sorológicos para detecção de anticorpos contra AVE, o teste de neutralização viral
intensificado pelo complemento continua sendo o mais utilizado na identificação de infecções agudas por AVE e
para estudos de soroprevalência. Alguns testes ELISA foram desenvolvidos e não apresentam sensibilidade e
especificidade equivalentes. Nenhum dos testes disponíveis pode diferenciar títulos de anticorpos resultantes de
infecção natural e de resposta vacinal.
TRATAMENTO, PREVENÇÃO E CONTROLE: Não há tratamento específico para o vírus da AVE. Praticamente todos
os animais recuperam­se completamente e indica­se tratamento sintomático (p. ex., antipiréticos, anti­
inflamatórios e diuréticos) somente nos casos graves, especialmente para garanhões com febre prolongada e
edema escrotal extenso, o que resulta em subfertilidade, a curto prazo. Bons cuidados de enfermagem e repouso
auxiliam no retorno normal do animal às atividades desejáveis. Não há tratamento efetivo para AVE
concomitante a pneumonia ou pneumoenterite, em potros. Embora haja alguma evidência de que a
infrarregulação temporária de testosterona circulante por imunização por GnRH ou pelo uso de um antagonista
de GnRH promova eliminação do vírus da AVE do trato reprodutivo dos garanhões carreadores, ainda não há
qualquer estratégia adequadamente validada.
Arterite viral equina é uma doença de fácil prevenção, que pode ser controlada com boas práticas de manejo e
com a adoção de um adequado programa de vacinação. Apenas uma vacina comercial, com vírus vivo
modificado, está disponível na América do Norte. A vacina protege contra AVE e induz estado de carreador do
garanhão. A vacina é segura e imunogênica para reprodutores e fêmeas não gestantes; não é recomendada para
gestantes, especialmente nos últimos 2 meses de gestação, ou em potros com < 6 semanas de idade, a menos que
haja alto risco de exposição natural à infecção. Minimizar ou eliminar o contato direto ou indireto de equinos
desprotegidos com aqueles animais infectados ou com sêmen contendo o vírus é o ponto crítico para o sucesso
de qualquer programa de prevenção.
O principal foco de programas de controle atuais é restringir a disseminação de AVE na população de
reprodutores e reduzir o risco de surtos de aborto devido ao vírus, morte de potros jovens e o estado de portador
em garanhões e potros na fase de pós­puberdade. Embora ocasionalmente a AVE tenha sido incriminada como
responsável por extensos surtos de doenças em animais de corrida, exposição, leilão e em hospitais veterinários,
atualmente a doença tem sido tão esporádica que programas de controles inespecíficos têm sido desenvolvidos
para prevenir novas ocorrências.
Os programas efetivos de controle envolvem adoção de práticas de manejo semelhantes às recomendadas
para outras infecções respiratórias. Neste manejo incluem a separação de fêmeas prenhes, identificação de
reprodutores carreadores, imunização anual dos reprodutores não carreadores e vacinação de potros com 6 a 12
meses de idade para minimizar o risco de se tornarem carreadores. Os garanhões carreadores devem ser
manejados separadamente e devem acasalar apenas fêmeas naturalmente soropositivas ou fêmeas vacinadas
contra arterite viral equina. Como o sêmen fresco resfriado ou congelado também é importante fonte da
infecção, ele deve ser testado por um laboratório bem conceituado para garantir sua segurança. No caso de
acasalamento artificial de uma fêmea com sêmen infectado pelo vírus, aplicam­se as mesmas medidas de
controle daquelas de acasalamento por cobertura natural por um garanhão carreador.
Em caso de eventos com suspeita de surto de AVE, as autoridades veterinárias devem ser rapidamente
notificadas e os animais infectados e não infectados devem ser isolados, com restrições imediatas quanto à
movimentação dos animais acometidos. A confirmação laboratorial do diagnóstico deve ser o mais rápido
possível. Atividades reprodutivas devem ser suspensas nas fazendas para minimizar a disseminação da infecção.
As instalações e equipamentos que entraram em contato com o animal infectado devem ser desinfetados. A
vacinação da população equina de alto risco deve ser realizada rigorosamente, a fim de restringir a transmissão
de AVE e evitar surto, o mais rápido possível. A restrição ao transporte dos animais deve ser mantida até pelo
menos 3 semanas após o último caso clínico de AVE ou depois da confirmação laboratorial da infecção pelo
vírus da AVE.

ERLIQUIOSE GRANULOCÍTICA EQUINA

A erliquiose granulocítica equina é uma infecção não contagiosa, sazonal, observada principalmente nos EUA,
no nordeste da Califórnia, mas também é relatada em vários outros Estados. Também ocorre na Europa e na
América do Sul (ver p. 310).
ETIOLOGIA, EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: O microrganismo causador foi inicialmente denominado

Ehrlichia equi, mas com base nas relações da sequência de DNA, atualmente é denominado Anaplasma
phagocytophilum. Ele tem uma ampla gama de hospedeiros e foram relatadas infecções naturais em equinos,
asininos, cães, lhamas e roedores. Uma riquetsia muito semelhante a A. phagocytophilum, o agente da erliquiose
granulocítica humana (EGH) foi recentemente incriminada como causa de doenças humanas nos Estados do
meio–oeste e no nordeste dos EUA.
A. phagocytophilum frequentemente infecta equinos nas montanhas do nordeste da Califórnia. Outros Estados
em que a infecção clínica foi confirmada incluem Connecticut, Illinois, Arkansas, Washington, Pensilvânia,
Colorado, Minnesota e Flórida. Também foi diagnosticada na Columbia Britânica, Suécia, Grã­Bretanha e
América do Sul.
A. phagocytophilum assemelha­se aos agentes etiológicos da febre transmitida por carrapatos, da febre
petequial bovina e da EGH quanto à morfologia, tropismo celular e sequência genética do 16S do ácido
ribonucleico ribossômico (RNAr). Está presente nos vacúolos citoplasmáticos dos neutrófilos e,
ocasionalmente, nos eosinófilos, durante a fase aguda. Esfregaços de sangue corados pelo Giemsa ou Wright­
Leishman revelam um ou mais agregados livres (mórula ou corpúsculos de inclusão, com 1,5 a 5 μm de
diâmetro) cocoides, cocobacilos ou microrganismos pleomórficos azul­acinzentados a azul­escuros no
citoplasma dos neutrófilos.
A infecção pode ser transmitida experimentalmente para equinos suscetíveis por meio de sangue contaminado
de animais infectados ou de pessoas com EGH. O período de incubação varia de 1 a 2 semanas. Ixodes pacificus
(carrapato­de­pernas­pretas do leste) pode transmitir A. phagocytophilum aos equinos.
Atualmente o risco zoonótico é desconhecido. No entanto, equinos e pessoas aparentemente saudáveis podem
ser infectadas por cepas do mesmo agente. Acredita­se que a exposição humana ocorra por picada de carrapato e
não por transmissão direta dos equinos para as pessoas.
ACHADOS CLÍNICOS: A gravidade dos sintomas varia em função da idade do animal e da duração da doença. Os
sinais clínicos podem ser discretos. Equinos < 1 ano de idade podem ter apenas febre; equinos com 1 a 3 anos
de idade desenvolvem febre, depressão, discreto edema de membros e ataxia. Os adultos exibem sinais
característicos, como febre, inapetência, depressão, relutância ao movimento, edema de membros, petéquias e
icterícia. A febre, que é mais intensa nos primeiros 1 a 3 dias da infecção (39,5 a 40°C), persiste em 39 a 40°C
por 6 a 12 dias. Os sintomas se agravam depois de alguns dias. Raramente, a vasculite miocárdica pode causar
arritmia ventricular transitória. Outras manifestações clínicas da infecção aguda incluem decúbito e miopatia
grave. Qualquer infecção recidivante (p. ex., ferida de membro ou infecção respiratória) pode ser exacerbada.
Os corpúsculos de inclusão citoplasmáticos são poucos nas primeiras 48 h e aumentam até 30 a 40% em
neutrófilos circulantes, após 3 a 5 dias de infecção. A doença é sazonal na Califórnia, ocorrendo no final do
outono, inverno e primavera.
Lesões: Petéquias macroscópicas, equimoses e edema se desenvolvem no tecido subcutâneo e fáscia. A
vasculite é regional, afetando predominantemente o subcutâneo e a fáscia dos membros.

Dois neutrófilos, cada um contendo uma mórula de Ehrlichia equi, em sangue de equino, Wright­Giemsa, 100X em óleo de imersão. Eritrócitos
exibindo formação rouleau, um achado normal nestas espécies. Cortesia do Dr. John W. Harvey.

DIAGNÓSTICO: A demonstração de corpúsculos de inclusão em esfregaços de sangue padrão é diagnóstica. O


teste PCR pode detectar o DNA de A. phagocytophilum em esfregações de sangue não coagulado ou de papa
leucocitária. O teste de imunofluorescência indireta pode detectar elevação do títulos de anticorpos contra A.
phagocytophilum. O diagnóstico diferencial inclui encefalite viral, doença hepática primária, anemia infecciosa
equina, púrpura hemorrágica e arterite viral.
TRATAMENTO E CONTROLE: A oxitetraciclina é extremamente efetiva contra A. phagocytophilum; dose de 7 mg
de tetraciclina/kg IV, 1 vez/dia, durante 8 dias, elimina a infecção. Penicilina, cloranfenicol e estreptomicina não
são efetivos. Os equinos com edema e ataxia grave podem ser beneficiados do tratamento a curto prazo com
corticosteroides (20 mg de dexametasona, 1 vez/dia, por 2 ou 3 dias). Equinos que se recuperam tornam­se
solidamente imunes por = 2 anos e, acredita–se, não portadores. Achados recentes sugerem infecção persistente
em algumas estirpes na Europa, mas há necessidade de estudos mais profundos. O controle dos carrapatos é
uma medida obrigatória para o controle da doença. Não há vacina.

INFECÇÃO PELO VÍRUS HENDRA

O vírus Hendra foi descrito pela primeira vez em 1994, após um surto de doença respiratória aguda em um
estábulo de treinamento de cavalos Puro­Sangue na Austrália, em que equinos e uma pessoa foram fatalmente
infectados. Casos esporádicos continuam a ocorrer na Austrália, tipicamente como uma febre aguda que
rapidamente progride para envolvimento de múltiplos órgãos, mas notavelmente desencadeia uma enfermidade
respiratória aguda e/ou neurológica. Os morcegos frutívoros (subordem Megachiroptera) são reservatórios
naturais do vírus. O vírus Hendra é classificado como um agente de biossegurança nível 4 (considerado agente
de alto risco de doença potencialmente fatal em pessoas). Portanto, o uso de práticas seguras e equipamentos de
proteção individual são essenciais no manejo de material que oferece risco da doença às pessoas.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: O vírus Hendra é um RNA­vírus envelopado, grande e pleomórfico. Embora

inicialmente tenha sido mais estreitamente relacionado com microrganismos do gênero Morbillivirus do que a
outros gêneros da família Paramyxoviridae, estudos subsequentes mostraram baixa homologia sequencial com
respirovírus, morbilivírus e rubulovírus e reações imunológicas cruzadas irrelevantes com outros paramixovírus.
O vírus Hendra é genética e antigenicamente relacionado com o vírus Nipah (p. 807), com o qual compartilha
cerca de 90% de homologia entre os aminoácidos. Ambos os vírus foram classificados em um novo gênero,
Henipavírus, subfamília Paramyxovirinae.
Há evidências crescentes de que ocorre variação mínima de estirpes do vírus Hendra e que a apresentação
clínica e as lesões mais provavelmente variam em função da via de infecção. Historicamente, pneumonia
intersticial de gravidade variável é o principal achado em casos naturais e experimentais da infecção de equinos
expostos. O vírus Hendra tem tropismo específico por tecidos vasculares, independentemente da via de
transmissão. Nas infecções recentes, as lesões se apresentam desde como edema e hemorragia nas paredes dos
vasos, degeneração fibrinoide com núcleos picnóticos nas células endoteliais e da túnica média até a presença
de várias células gigantes (sincício) no endotélio e, às vezes, na túnica média dos vasos afetados (tanto vênulas
quanto arteríolas). Há evidência de que o vírus se dissemina amplamente em vários tecidos corporais, em
consequência da viremia relacionada com leucócitos. O vírus é encontrado no endotélio vascular dos vasos
subaracnoides e cerebrais, além de infectar vasos dos glomérulos renais e pélvicos, lâmina própria do estômago,
baço, vários linfonodos e miocárdio. Quando há enfermidade respiratória ocorre destruição progressiva das
paredes alveolares, com a presença de macrófagos. Além do tropismo vascular, o vírus Hendra pode também ser
neurotrópico, causando necrose neuronal e glioide focal. Uma característica constatada em um surto na
Austrália, em 2008, foi uma doença neurológica grave e ausência de doença respiratória. Portanto, o vírus
Hendra não pode mais ser considerado como causador de doença predominantemente respiratória em equinos.
EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: A doença de ocorrência natural causada pelo vírus Hendra é relatada apenas
em equinos e pessoas. Experimentalmente, a doença é induzida em gatos, porquinhos­da­índia, hamsters,
furões, macacos e suínos, mas não em camundongos, roedores, coelhos, galinhas e cães. A resposta clínica e os
achados patológicos nos gatos são muito semelhantes aos observados nos equinos. As infecções pelo vírus
Hendra foram relatadas somente na Austrália, em eventos esporádicos, com 13 casos entre 1994 e 2009. A
maioria destes era ocorrência pontual em equinos. Portanto, o vírus Hendra apresenta infectividade limitada e
em condições de campo a transmissão entre equinos infectados e não infectados é esporádica.
Experimentalmente, a transmissão por aerossol de equinos infectados para equinos ou gatos não foi bem­
sucedida. Porém, a possibilidade da transmissão respiratória não pode ser completamente descartada. As
secreções nasais (originárias dos pulmões) são comumente observadas em equinos com infecção natural,
podendo ser uma fonte da transmissão potencial do vírus, por aerossol. O vírus Hendra é encontrado na urina,
sangue e secreção nasal e oral de equinos e gatos infectados naturalmente. Baseado nos conceitos de viabilidade
de campo e laboratório, a infecção humana ou animal necessita contato direto com secreção contaminada com o
vírus (exsudato pulmonar), excreções (urina), fluidos corporais ou tecidos. Embora o vírus Hendra apresenta
infectividade limitada, a taxa de casos fatais individuais é alta – 75% em equinos e 50% em pessoas.
As evidências epidemiológicas, sorológicas e virológicas sugerem que os morcegos frutívoros são os
reservatórios naturais do vírus Hendra. Pesquisas sorológicas revelaram alta prevalência de anticorpos
neutralizantes em morcegos frutívoros selvagens (Pteropus spp) na Austrália e na Papua­Nova Guiné. Infecções
em morcegos (tanto experimentais como naturais) causam doença assintomática. Há estudos experimentais e de
campo sobre transmissão vertical, com isolamento de vírus na urina e em tecidos fetais de morcego­de­cabeça­
cinzenta (Pteropus poliocephalus) e morcego­preto (P. alecto). A ocorrência rara e a natureza esporádica dos
surtos sugerem que a exposição dos equinos ao vírus Hendra seja um acontecimento eventual. O modo de
transmissão entre morcegos e de morcegos para equinos são incertos, pois há fatores que facilitam a
disseminação. O vírus Hendra foi identificado em fluidos oriundo de parto, placenta e fetos abortados, além da
urina de morcegos natural ou experimentalmente infectados. Vírus Nipah relacionado foi detectado em urina de
morcego e em fruta parcialmente consumida pelo morcego. Os equinos podem ser hipoteticamente infectados
pelo contato com alimento ou água contaminada com material de morcegos infectados, porém o mecanismo
definitivo não foi estabelecido.
ACHADOS CLÍNICOS: Devido à afinidade com as células endoteliais, o vírus Hendra pode ser a causa dos sinais
clínicos em equinos. A apresentação clínica predominante pode depender do órgão mais severamente
comprometido ou com lesão endotelial mais extensa.
Deve­se considerar infecção pelo vírus Hendra quando há febre inicial aguda e progressão rápida para morte,
possivelmente associada a sinais respiratórios graves ou sinais neurológicos. Entretanto, a ausência destes sinais
não exclui a possibilidade de infecção pelo vírus Hendra. A doença nem sempre é fatal; em cerca de 25% dos
casos é possível a recuperação clínica do animal.
Os sinais clínicos que prontamente fazem o veterinário considerar infecção por vírus Hendra incluem início
agudo da enfermidade, febre (40°C) e rápida perda da condição corporal. Os sintomas respiratórios incluem
edema e congestão, angústia respiratória (aumento da frequência respiratória) e secreção nasal terminal que,
inicialmente é clara e progride para um aspecto branco ou sanguinolento espumoso. Os sintomas neurológicos
incluem “andar cambaleante” que progride para ataxia e alteração da consciência (perda aparente da visão em
um ou ambos os olhos, andar sem rumo e confusão mental), inclinação e desvio da cabeça, andar em círculos,
espasmos musculares (espasmos mioclônicos foram observados em equinos com enfermidade aguda ou
recuperados da doença), incontinência urinária, decúbito com incapacidade de levantar, fraqueza terminal,
ataxia e colapso. Outros sinais clínicos incluem depressão, taquicardia, edema facial, tremor muscular, anorexia,
congestão de membrana mucosa bucal e sinais semelhantes à cólica (geralmente ruídos abdominais fracos à
auscultação do abdome, em casos pré­terminais). A proximidade de ambientes e alimentos de morcegos
frutívoros pode aumentar a suspeita.
Quando os equinos são mantidos em baias, é mais provável a ocorrência de infecção pelo vírus Hendra como
doença em um único paciente doente, ou morto, do que em vários animais. A maioria das infecções em animais
mantidos em baias envolve um único equino fatalmente infectado, sem transmissão aos equinos do recinto. No
entanto, em várias ocasiões, um ou mais equinos contactantes se infectaram após estreito contato com um
animal doente ou morto. Em locais onde os equinos são mantidos estabulados, parece que o vírus Hendra tem
potencial para se disseminar por meio de contato direto com fluidos corporais contaminados ou por transmissão
direta através de fômites contaminados e, inclusive, a transferência acidental do microrganismo pelas pessoas.
Até o momento, todos os surtos em estábulos resultaram na infecção de vários equinos. Estes eventos parecem
ter se originado a partir de um equino infectado em uma baia ou mantido em área externa e levado ao estábulo.
Lesões: A presença de grandes células sinciciais endoteliais no exame histopatológico é característica de
infecção pelo vírus Hendra. Embora mais evidentes em arteríolas e capilares pulmonares, estas células são
observadas em outros órgãos (linfonodos, baço, coração, estômago, rins e cérebro). A propagação da
degeneração fibrinoide dos pequenos vasos sanguíneos é constatada em vários órgãos, inclusive pulmões,
coração, rins, baço, linfonodos, meninges, trato alimentar, músculo esquelético e bexiga. O antígeno específico
para o vírus Hendra pode ser demonstrado a partir das lesões vasculares e de parede alveolar por coloração
imunoistoquímica. Corpúsculos de inclusão virais intracitoplasmáticos podem ser observados em células
endoteliais infectadas ao exame em microscópio eletrônico, mas não em microscopia comum. Quando a doença
respiratória é predominante, as principais lesões macroscópicas são edema intenso e congestão pulmonar e
aumento marcante dos linfonodos subpleurais. As vias respiratórias são preenchidas por espuma, geralmente
com traços de sangue. Lesões adicionais são observadas em alguns equinos e incluem aumento de fluidos
pleural e pericárdico, congestão de linfonodos, hemorragias em vários órgãos e discreta icterícia.
Microscopicamente, as principais lesões são decorrentes da pneumonia intersticial aguda. Lesões vasculares
graves, com edema alveolar serofibrinoso, hemorragia, trombose dos capilares, necrose das paredes alveolares e
macrófagos alveolares, são evidentes nos pulmões.
Se a doença neurológica é predominante, notam­se lesões de meningite não supurativa, inclusive manguito
perivascular, degeneração neuronal e gliose focal.
DIAGNÓSTICO: Deve­se considerar infecção pelo vírus Hendra quando há febre inicial aguda e progressão rápida
para morte, mas um caso não fatal não pode excluir a possibilidade da infecção pelo vírus Hendra. A
confirmação do diagnóstico é baseada na análise laboratorial de amostras apropriadas, para detecção do vírus,
de antígeno viral, de ácido nucleico viral ou de anticorpos específicos. O procedimento de coleta de amostras
deve considerar o sério risco zoonótico do vírus Hendra, sendo necessário a adoção de medidas apropriadas para
evitar a exposição humana. As amostras mínimas recomendadas incluem amostra de sangue (sem e/ou com
EDTA) e suabe nasal ou bucal (da superfície da língua). Podem ser obtidas de equinos vivos ou mortos.
Amostras colhidas durante a necropsia, tanto fresca quanto fixada em formol 10%, de pulmão, rins, urina, baço,
fígado, linfonodos e cérebro aumentam a probabilidade de definição do diagnóstico, mas aumentam também o
risco de exposição humana. A segurança durante a coleta das amostras deve seguir os cuidados de acordo com a
análise de risco e deve ser realizada pelo veterinário para evitar exposição humana. Caso exista preocupação
quanto à segurança pessoal, deve­se obter apenas um conjunto mínimo de amostras (sangue, suabes).
Procedimentos recomendados para necropsia segura em casos suspeitos do vírus Hendra estão disponíveis na
página da internet Biosecurity Queensland,
http://www.dpi.qld.gov.au/documents/Biossecurity_GeneralAnimalHealthPestsAndDiseases/Hendra­
WorkGuidelinesForVets.pdf.
O vírus pode ser isolado em inúmeras linhagens de células; as células Vero são as preferidas. O efeito
citopático viral, que se desenvolve em cerca de 3 dias, caracteriza­se por formações sinciciais nas células
infectadas. Isolamento do vírus e outros testes diagnósticos que envolvem vírus vivo somente devem ser
realizados sob condições de biossegurança nível 4. A confirmação sorológica da infecção é baseada em exames
de amostras de soro obtidas nas fases aguda e de convalescência, coletadas em intervalo de 3 a 4 semanas,
submetidas ao teste de neutralização. A presença das lesões vasculares características é altamente sugestiva da
infecção; a especificidade das lesões pode ser confirmada por testes imunoistoquímicos utilizando antissoro de
referência para o vírus Hendra.
A doença equina africana pode se parecer clinicamente com a infecção por vírus Hendra e deve ser incluída
no diagnóstico diferencial. A possibilidade de outros casos de morte súbita deve ser excluída, como antraz,
botulismo, algumas infecções bacterianas (p. ex., pasteurelose), influenza equina, infecção hiperaguda equina
por herpesvírus equino tipo 1, e plantas ou produtos químicos tóxicos.
TRATAMENTO, PREVENÇÃO E CONTROLE: Não há tratamento antiviral específico, tampouco vacina contra a
doença causada pelo vírus Hendra. Casos confirmados devem ser submetidos à eutanásia, limitando o risco de
exposição às pessoas. Na Austrália, também se recomenda a prática de eutanásia de equinos soropositivos
recuperados, pois atualmente há evidências de que não é possível excluir a possibilidade de recrudescência da
infecção nestes equinos.
Deve­se prevenir a instalação de focos, minimizando o contato entre equinos e fluidos e urina de morcegos.
Incluem­se práticas simples, como redução da população de morcegos nas árvores onde os equinos são
mantidos ou retirando os animais destes locais. O controle se baseia na eutanásia e enterramento profundo das
carcaças, monitoramento, isolamento e restrição de deslocamento de animais, além da desinfecção de
superfícies potencialmente contaminadas.
RISCO ZOONÓTICO: O vírus Hendra é transmissível às pessoas, com 50% de casos fatais. Todas as infecções
humanas estão relacionadas com a doença em equinos (tanto vivos quanto mortos, durante a necropsia), de
modo que as pessoas que entram em contato com casos suspeitos ou confirmados da infecção em equinos
devem ter cautela. Não há relato de transmissão da doença de morcego para pessoa, tampouco de pessoa para
pessoa.
Devem ser implementados protocolos para minimizar o risco de exposição humana em casos suspeitos de
infecção pelo vírus Hendra em equino, sob confirmação. Um sumário para abordagem, com intuito de
minimizar risco de contágio, foi elaborado pela Biosecurity Queensland e inclui os seguintes passos.
Primeiramente, deve­se preparar de modo antecipado um plano que resume como os riscos do vírus Hendra são
tratados na prática pelos clínicos e veterinários, individualmente. Isso inclui 1) ter cautela mesmo em casos
suspeitos de infecção pelo vírus Hendra, antes mesmo da confirmação da doença; 2) isolar os equinos doentes e
mortos de pessoas e outros animais, inclusive animais de estimação; 3) limitar, ao máximo, o contato de pessoas
com os equinos; 4) as pessoas que tiverem contato com os equinos devem realizar rigorosa higiene pessoal
(especialmente lavar as mãos e tomar banho); 5) identificação de riscos e tomada de medidas que reduzam estes
riscos (p. ex., se for descontaminar uma área, evite aerossóis formados por água sob alta pressão); 6) orientar as
pessoas com alto risco de exposição, como proprietários, tratadores e demais (inclusive outros veterinários e
assistentes) e 7) notificar os casos às autoridades de saúde animal.
A adequada proteção individual envolve: 1) evitar contato da pele, membranas mucosas e olhos com material
suspeito; 2) evitar inalação de partículas; 3) lavagem frequente das mãos e da pele exposta, com detergente 4)
cortes e abrasões devem ser recobertos com curativos resistentes à água, quando necessário.
Em particular, sangue e outros fluidos corporais (especialmente, secreções respiratórias, nasais e urina), bem
como tecidos devem ser considerados como materiais potencialmente infectantes e devem ser tomadas
precauções apropriadas para evitar contato direto com aerossóis ou inoculação acidental destes fluidos.
MORMO (Farcino)

Mormo é uma doença contagiosa, crônica ou aguda, geralmente fatal que acomete os equídeos. É causada por
Burkholderia mallei sendo caracterizada pelo desenvolvimento em série de úlceras nodulares geralmente no
trato respiratório superior, pulmões e pele. Os felídeos e outras espécies são suscetíveis e a infecção geralmente
é fatal. Este microrganismo infecta pessoas, sendo considerado um potencial agente de bioterrorismo. O mormo
é uma das mais antigas doenças conhecidas e já foi cosmopolita. Foi erradicada ou é efetivamente controlada
em muitos países, inclusive nos EUA. Recentemente, a doença foi relatada no Iraque, Paquistão, Índia,
Mongólia, China, Brasil e Emirados Árabes. Esta enfermidade é de notificação obrigatória, segundo a lista da
OIE.
ETIOLOGIA: Burkholderia mallei, um patógeno clonal, está presente em exsudatos nasais e ulcerações da pele
dos animais infectados. A doença é comumente contraída pela ingestão de alimentos ou água contaminada com
secreção nasal dos animais infectados. O microrganismo é suscetível ao calor, à luz e a desinfetantes; sobrevive
em locais contaminados por 1 a 2 meses. Ambientes úmidos e molhados oferecem condições de sobrevivência
ao agente. A presença de uma cápsula polissacarídica é um importante fator de virulência e aumenta a
sobrevivência da bactéria no ambiente.
ACHADOS CLÍNICOS: Após período de incubação de aproximadamente 2 semanas, os animais infectados

geralmente apresentam sepse e febre alta (41°C) e, subsequentemente, secreção nasal mucopurulenta espessa e
sintomas respiratórios. O animal morre em alguns dias. A doença crônica é comum nos equinos e se manifesta
como uma doença debilitante com lesões nasais e cutâneas, ulcerativas ou nodulares. Os animais infectados
podem viver anos disseminando o microrganismo. Em alguns casos a infecção pode ser latente e persistir por
longo tempo.
Reconhecem­se as formas nasal, pulmonar e cutânea do mormo, e um animal pode se infectar com mais de
uma forma ao mesmo tempo. Na forma nasal, desenvolvem–se nódulos na mucosa do septo nasal e partes
inferiores dos ossos turbinados. Os nódulos degeneram­se originando úlceras profundas com margens
irregulares e elevadas. As cicatrizes características em forma de estrela permanecem após a cicatrização das
úlceras. No estágio inicial, os linfonodos submaxilares ficam aumentados e edematosos; mais tarde aderem­se à
pele ou aos tecidos mais profundos.
Na forma pulmonar, pequenos nódulos semelhantes a tubérculos, com centros caseosos ou calcificados
circundados por zonas inflamatórias, são verificados nos pulmões. Se a lesão é extensa, é possível notar
consolidação do tecido pulmonar e pneumonia. Os nódulos tendem a se romper e podem drenar seu conteúdo
para os bronquíolos, resultando na extensão da infecção para o trato respiratório superior.
Na forma cutânea (“farcino”), os nódulos aparecem ao longo dos vasos linfáticos, particularmente nas
extremidades. Esses nódulos se degeneram e originam úlceras que drenam um pus pegajoso altamente
infeccioso. O fígado e o baço também podem exibir lesões nodulares típicas. No exame histológico é possível
verificar vasculite, trombose e infiltração de células inflamatórias em degeneração.
DIAGNÓSTICO: Nódulos típicos, úlceras, formação de escaras e condição debilitante podem ser evidências
suficientes para o diagnóstico clínico. No entanto, como esses sintomas geralmente só aparecem quando a
doença está em estágio bem avançado, é fundamental a realização de testes diagnósticos específicos o mais
breve possível. A cultura de B. mallei a partir de lesões confirma o diagnóstico. Recomenda­se um teste de
hipersensibilidade retardada mediante a inoculação intraperitoneal de maleína, uma glicoproteína secretada por
B. mallei, presente no sobrenadante da cultura. Equinos hipersensíveis infectados desenvolvem conjuntivite
purulenta dentro de 24 h, além de tumefação de pálpebras. O teste de fixação de complemento também é
utilizado no diagnóstico da infecção. O teste ELISA se mostra bem mais sensível do que a fixação de
complemento, mas não tem um uso amplo. A PCR é baseada nas sequências genéticas 16S e 23S do RNAr e
pode auxiliar em uma identificação mais específica.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO: Não há vacina disponível. A profilaxia e o controle dependem da detecção
precoce e da eliminação dos animais infectados, bem como de quarentena completa e desinfecção rigorosa da
área contaminada. O tratamento é administrado somente em áreas endêmicas, mas a cura bacteriológica não é
confiável. Doxiciclina, ceftazidima, gentamicina, estreptomicina e as combinações de sulfadiazina ou
sulfamonometoxina com trimetoprima parecem ser eficientes na prevenção e tratamento de mormo
experimental.
PESTE EQUINA AFRICANA

A peste equina africana (PEA) é uma virose aguda ou subaguda, carreada por insetos, que acomete os equídeos,
sendo endêmica na África. É caracterizada por sinais clínicos e lesões associadas a comprometimentos
respiratórios e circulatórios.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: A PEA é causada por um orbivírus, de 55 a 70nm de diâmetro, da família
Reoviridae. Há nove tipos imunologicamente distintos. O vírus é inativado em pH < 6 ou = 12, ou por
formalina, β­propiolactona, derivados do acetiletilenoimino ou radiação.
O aparecimento da PEA é precedido por estações de chuvas fortes, que se alternam com condições climáticas
quentes e secas, condições que favorecem a transmissão. Os surtos na África Central e Oriental se estenderam
ao Egito, Oriente Médio e sul da Arábia. De 1959 a 1961, uma epidemia importante causada pelo sorotipo 9 se
estendeu da África até o Oriente Próximo, Paquistão e Índia, causando a morte de cerca de 300.000 equídeos.
Uma epidemia causada pelo mesmo sorotipo em 1965­66 ocorreu no noroeste da África (Marrocos, Argélia e
Tunísia), mas também se estendeu rapidamente até o Sul da Espanha. Este surto na Espanha foi controlado por
meio de rigorosa campanha de vacinação e abate. Em julho de 1987, a PEA causada pelo sorotipo 4 foi relatada
no centro da Espanha, devido a importação de zebras infectadas da Namíbia. Os surtos duraram até o início do
clima frio, em outubro de 1987; entretanto, o vírus sobreviveu ao inverno e causou doença no sul da Espanha
em 1988. Novamente o surto cessou com a chegada do frio, mas retornou em 1989 e 1990. O vírus também
chegou a Portugal e ao Marrocos em 1989; embora rapidamente eliminado de Portugal, continuou no Marrocos
até 1991. Mais recentemente, surtos de PEA foram relatados em várias regiões da África Subsaariana, inclusive
oeste de Botswana (1999­2001), Namíbia (2000 e 2001), África do Sul (2006) e Suazilândia (2006). Em 2007,
pela primeira vez, o sorotipo 2 do vírus da PEA foi relatado no oeste da África (Nigéria e Senegal) e o sorotipo
7 no Senegal. O sorotipo 4 também foi isolado de equídeos no Quênia. Em 2008, um surto grave causado pelo
sorotipo 2 foi registrado no sudeste da Etiópia.
TRANSMISSÃO: Culicoides spp são os principais vetores na transmissão de todos os 9 sorotipos do vírus da PEA,
sendo C. imicola o mais importante. Consequentemente, a PEA é observada durante estações quentes e
chuvosas, que favorecem a propagação de vetores; clima frio faz a doença desaparecer e reduz
significativamente a atividade do vetor. O vírus também pode ser isolado de carrapatos de cães, Rhipicephalus
sanguineus sanguineus, e carrapatos de camelos, Hyalomma dromedarii, durante o inverno no sul do Egito,
onde a doença é endêmica. O vírus da PEA foi experimentalmente transmitido entre cães infectados por
mosquitos. Entretanto, estes estudos não foram confirmados e muitas autoridades acreditam que cães, carrapatos
e mosquitos podem ter uma pequena contribuição na epidemiologia da PEA.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A taxa de mortalidade depende da virulência do isolado e da suscetibilidade do
hospedeiro. A taxa de mortalidade nas populações de equinos sem contato prévio com o vírus, que são os
animais mais suscetíveis, pode atingir 90%, em epidemias. A forma respiratória aguda caracteriza­se por um
período de incubação de 3 a 5 dias, edema interlobular e hidropericárdio; o animal pode morrer em cerca de 1
semana. Febre de 40 a 40,5°C por 1 a 2 dias é seguida de dispneia, tosse espasmódica e dilatação das narinas; o
animal fica em pé com as pernas afastadas e a cabeça estendida. A conjuntiva fica congesta e a fossa
supraorbital pode inchar. A recuperação é rara e o animal morre de anoxia. À necropsia, nota­se edema
pulmonar, especialmente visível nos espaços intralobulares. Os pulmões se distendem e ficam pesados; é
possível encontrar um fluido espumoso na traqueia, brônquios e bronquíolos. Pode haver derrame pleural. Os
linfonodos torácicos podem ficar edematosos e o fundo gástrico pode estar congesto. São verificadas petéquias
no pericárdio e ocorre aumento do fluido pericárdico; entretanto, as lesões cardíacas geralmente não são
relevantes. As vísceras abdominais podem ficar congestas. Pode haver extravasamento de um exsudato
espumoso pelas narinas. A forma pulmonar é a mais comum em cães, que geralmente se infectam pela ingestão
de carne contaminada com o vírus.
A forma cardíaca é subaguda, com um período de incubação de 1 a 2 semanas. A reação febril que dura < 1
semana é seguida de inchaço da fossa supraorbital. O inchaço geralmente se estende para as pálpebras, tecidos
faciais, pescoço, tórax, peito e ombros. Geralmente o animal morre dentro de 1 semana, e pode ser precedida de
cólica. A taxa de mortalidade é cerca de 50%. As petéquias e equimoses de epicárdio e endocárdio tornam–se
proeminentes. Os pulmões geralmente se apresentam flácidos ou ligeiramente edematosos. Ocorrem infiltrações
amareladas e gelatinosas nos tecidos subcutâneo e intramuscular, especialmente ao longo das veias jugulares e
dos ligamentos da nuca. Outras lesões incluem hidropericárdio, miocardite, gastrite hemorrágica e petéquias na
superfície ventral da língua e no peritônio. Uma mistura das formas cardíaca e pulmonar é comumente
observada em surtos, com taxa de mortalidade de equinos de cerca de 80%.
DIAGNÓSTICO: Nas regiões endêmicas, os sinais clínicos e as lesões podem levar a um diagnóstico presuntivo.
Entretanto, a confirmação laboratorial é essencial para o diagnóstico definitivo e para a determinação do
sorotipo; o último item torna­se importante para adoção de medidas de controle. Amostras de sangue devem ser
obtidas no pico da febre, preservadas em solução OCG (glicerol 50%, oxalato de potássio 0,5%, fenol 0,5%) e
transportadas (a 4°C) ao laboratório. As amostras de baço coletadas de animais recentemente mortos devem ser
preservadas em glicerina tamponada 10%, a 4°C. Para o isolamento do vírus é melhor realizar inoculação
intracerebral de camundongos lactentes; também podem ser utilizadas culturas de células de insetos ou
mamíferos. Quanto maior o número de sistemas de isolamento empregados, maior a probabilidade de sucesso.
Os camundongos infectados podem desenvolver sinais nervosos ou paralisia e devem ser observados por 3
semanas; a cultura de tecidos de mamíferos devem mostrar efeito citopático dentro de 3 a 7 dias.
O vírus da PEA pode ser isolado no sangue, em outros tecidos e no sobrenadante de cultura de células
infectadas pelo emprego de sondas moleculares e transcriptase reversa­PCR com primers grupo­específico. O
ELISA sanduíche indireto também é útil para a rápida detecção do vírus da PEA em tecidos sólidos obtidos de
animais que morreram com a infecção. Além disso, o isolamento do vírus pode ser feito por testes específicos,
como fixação de complemento (FC) e imunofluorescência direta ou indireta.
A sorotipagem do vírus da PEA anteriormente envolvia teste de neutralização utilizando antissoros
específicos, que demorava mais de 5 dias. O recente desenvolvimento de um tipo específico de transcriptase
reversa­PCR tem funcionado como método confirmatório do sorotipo do vírus da PEA dentro de 24 h.
PREVENÇÃO E CONTROLE: Não há tratamento específico para animais com PEA, além de repouso e bom
manejo. As complicações e as infecções secundárias devem ser tratadas apropriadamente durante a recuperação.
O vírus da PEA não é contagioso e pode ser disseminado somente pela picada de Culicoides spp infectado.
Vários métodos de controle podem ser empregados, como a restrição da movimentação dos animais para evitar
início de surtos e a modificação do manejo para evitar ou reduzir o acesso de vetores aos animais suscetíveis ou
aos animais infectados (ex. estábulos a prova de entrada do vetor); em certas condições (p. ex., por motivo de
bem­estar ou no início de uma epidemia) o abate de animais virêmicos pode impedi­los de atuar como uma
fonte do vírus aos insetos. É muito difícil eliminar completamente as populações de Culicoides; entretanto pode
ser possível reduzir o número de insetos infectados que picam animais suscetíveis que mantêm um nível de
epidemia insustentável.
Vacinas de vírus vivos estão disponíveis para todos os 9 sorotipos. Geralmente são produzidas a partir de
cultura de vírus atenuados e aparentemente propicia boa proteção, embora a revacinação anual seja
recomendada. Entretanto, algumas autoridades podem relutar em utilizar vacinas com vírus vivo devido sua
possível reversão em vírus patogênico, à transmissão pelo vetor Culicoides e aos rearranjos com estirpes do
vírus de campo. Vacinas compostas de subunidades e inativadas sem este inconveniente estão em
desenvolvimento, mas ainda não estão disponíveis no mercado.
O transporte de equídeos de países onde há o vírus da PAE para áreas livres do patógeno é sujeito a rígidos
protocolos de exames e quarentena, embora os requisitos possam variar de país para país. A presença de
anticorpos, apenas, não deve impedir esta movimentação de animais contanto que o vírus infectante não esteja
presente.

SEPSE EM POTROS

A sepse é uma síndrome clínica definida pelo desenvolvimento de uma condição inflamatória sistêmica em
resposta à suspeita de infecção. Esta condição implica extenso comprometimento orgânico, seguido de invasão
bacteriana nos tecidos e fluidos ou cavidades corporais. A presença de bactérias viáveis no sangue é
denominada bacteriemia. A infecção bacteriana é responsável por aproximadamente um terço das mortes de
potros. A sepse é um dos problemas mais comuns de equinos neonatos, devido à inadequada transferência de
anticorpos maternos.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: Escherichia coli é a bactéria predominantemente isolada de potros com sepse ou
bacteriemia, independente da técnica de isolamento ou localização geográfica do paciente. Outros
microrganismos Gram­negativos comuns incluem Klebsiella spp, Enterobacter spp, Actinobacillus spp,
Salmonella spp e Pseudomonas spp. Cerca de 30 a 50% das infecções envolvem também bactérias Gram­
positivas, como Streptococcus spp, sendo estas geralmente as primeiras isoladas. Nos últimos anos foi
documentado um aumento do número de Gram­positivos em potros admitidos em instalações de cuidado
intensivo de neonatos, com redução de ocorrência de bactérias Gram­negativas intestinais (ou seja, 63% para
42% nos últimos 25 anos). Os patógenos anaeróbios, especialmente Clostridium spp, estão envolvidos em cerca
de 10% dos casos de infecções neonatais sistêmicas. As portas de entrada dessas bactérias incluem placenta,
umbigo, pulmão e tratos respiratório e gastrintestinal.
Todas as síndromes septicêmicas (p. ex., sepse, sepse grave, choque septicêmico, disfunção de múltiplos
órgãos) têm uma patogenia em comum que também inclui endotoxemia relacionada com infecções Gram­
negativas. As endotoxinas estimulam os macrófagos a liberarem várias citocinas (p. ex., IL­6, IL­1 e TNF­a) e
ativarem enzimas proinflamatórias (p. ex., fosfolipase A2). A atuação conjunta desses fatores ocasionam sinais
da inflamação (febre, vasodilatação, hipoglicemia, depressão do miocárdio, atividade procoagulante e, por fim,
coagulação intravascular disseminada [CID]). Várias outras moléculas derivadas do patógeno podem induzir
respostas semelhantes no hospedeiro. Assim, a síndrome do choque tóxico resultante de infecção estreptocócica
ou por Staphylococcus aureus é uma síndrome séptica hiperinflamatória muito parecida com doenças
caracterizadas por endotoxemia.
Uma variedade de fatores imunológicos e de manejo predispõe os potros à sepse. Embora possam responder
imunologicamente às infecções bacterianas e virais no útero, a habilidade dos potros é menor que dos adultos. A
deficiente resposta fisiológica dos neonatos aos agentes infecciosos está relacionada com a menor capacidade de
quimiotaxia e de destruição dos neutrófilos de neonatos, à presença de células T antigenicamente imaturas e à
menor população e à deficiente função dos monócitos. Entretanto, o principal fator de risco de sepse nos potros
é a falha quantitativa e qualitativa na transferência de anticorpos colostrais. Se a ingestão de colostro é
insuficiente, tem­se baixo teor de IgG, o potro não adquire proteção específica e a função dos neutrófilos é
seriamente prejudicada. Outros fatores que influenciam a prevalência da doença nos potros incluem condições
ambientais insatisfatórias, idade gestacional (prematuridade), saúde e condições adequadas da futura mãe, parto
distócico e presença de novos patógenos no ambiente, contra os quais a fêmea não tem anticorpos.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos dependem, em grande parte, do estágio da enfermidade, da integridade
do sistema imune do hospedeiro, dos sistemas corporais acometidos e da gravidade e via de infecção.
Geralmente, os sistemas orgânicos envolvidos são SNC, tratos respiratório, cardiovascular, musculoesquelético,
renal, oftálmico, hepatobiliar e gastrintestinal, bem como resquícios do cordão umbilical, No estágio inicial da
sepse os potros apresentam sinais vagos e inespecíficos, inclusive certo grau de depressão e letargia. Os
proprietários relatam que os animais parecem ficar deitados mais do que o normal. O úbere das fêmeas
geralmente apresenta­se distendido com leite, indicando que o potro não está mamando com a frequência
adequada.
Os sinais clínicos da doença progridem para uma completa perda do reflexo de sucção, hiperemia de
membranas mucosas com rápido tempo de preenchimento capilar devido à vasodilatação periférica, taquicardia
e petéquias relacionadas com extravasamento de capilares. No estágio avançado da doença, quando a infecção
deprime o sistema imune do hospedeiro e a resposta compensatória, pode ocorrer choque septicêmico. Os potros
permanecem gravemente deprimidos, deitados e com hipovolemia, manifestada como extremidades frias, pulso
filiforme e tempo de preenchimento capilar prolongado. Os potros podem apresentar hiper ou hipotermia,
taquicardia ou bradicardia. Na sepse, as bactérias se disseminam por via hematógena para vários órgãos,
ocasionando angústia respiratória, pneumonia, diarreia, uveíte, meningite, osteomielite ou artrite séptica. A
disfunção de dois ou mais órgãos leva a síndrome de disfunção de múltiplos órgãos.
DIAGNÓSTICO: Atualmente não há indicador ideal para diagnóstico precoce de sepse. Entretanto, foi
desenvolvido um sistema de escore para potros neonatos, a fim de estabelecer o risco de infecção neonatal e
auxiliar na identificação da sepse em um estágio tratável. Este “escore de sepse” inclui uma combinação de
histórico clínico e de parâmetros laboratoriais; podem também servir como indicador de comprometimento do
todo o organismo ou de múltiplos órgãos.
Os potros com sepse geralmente apresentam neutropenia com alta proporção neutrófilos bastonetes
(imaturos) em relação aos neutrófilos segmentados. Os neutrófilos podem exibir alterações tóxicas, altamente
sugestivas de sepse. Comumente hipoglicemia acompanha uma infecção sistêmica e está associada a consumo
de glicose pelas bactérias e diminuição da reserva de glicogênio. Teor de fibrinogênio > 600 mg/dl em um potro
com < 24 h de vida indica que houve infecção intrauterina. Outras anormalidades no perfil bioquímico evidentes
nesses casos são: azotemia, decorrente de perfusão renal inadequada ou asfixia perinatal e aumento secundária
da bilirrubina, devido a lesão hepática induzida por endotoxina. Na hemogasometria arterial é possível verificar
aumento do ânion gap (> 20 mEq/l), hiperlactatemia, hipoxemia, hipercapnia e acidose metabólica e respiratória
mista.
Dependendo dos sistemas orgânicos específicos envolvidos, indicam­se ultrassonografia umbilical,
abdominal e sinovial, hemogasometria arterial, artrocentese, centese cerebroespinal e radiografias de tórax,
abdome e de membros distais. Imagens de diagnóstico avançado (p. ex., tomografia computadorizada de
membros distais em potros com artrite séptica) podem auxiliar no prognóstico.
O teor sérico de IgG deve ser mensurado em todos os potros neonatos supostamente enfermo, a fim de excluir
a possibilidade de transferência inadequada de imunidade passiva como fator de risco para sepse. Concentração
de IgG < 200 mg/dl indica falha total na transferência passiva de anticorpos maternos. Teores de IgG > 800
mg/dl são considerados ótimos.
Hemocultura positiva também está relacionada com a sepse, porém cultura negativa não exclui a
possibilidade de infecção. Os diagnósticos diferenciais incluem encefalopatia neonatal (p. 1348), hipoglicemia,
hipotermia, isoeritrólise neonatal (p. 15), doença do músculo branco (p. 1170), prematuridade, pneumonia
neonatal e uroperitônio (p. 1640).
TRATAMENTO: Os potros com suspeita de sepse devem ser submetidos a tratamento com antibióticos de amplo
espectro contra bactérias Gram­negativas e Gram–positivas. Penicilina (22.000 UI/kg, IV, 4 vezes/dia) em
combinação com sulfato de amicacina (20 a 25 mg/kg, IV, 1 vez/dia) propicia boa cobertura inicial, até que o
resultado da cultura esteja disponível. Metronidazol (10 a 15 mg/kg, VO ou IV, 3 vezes/dia) pode ser necessário
em casos suspeitos de infecção anaeróbica (p. ex., Clostridium). Cefalosporinas de terceira geração (p. ex., 4,4 a
6 mg de ceftiofur/kg, IV, 2 a 4 vezes/dia) podem auxiliar como medicamento de amplo espectro em pacientes
com comprometimento da função renal. A cefpodoxima proxetila (10 mg/kg, 2 a 4 vezes/dia) é recomendada
como tratamento de infecções bacterianas em equinos neonatos. A cefepima (11 mg/kg, IV, 3 vezes/dia) é uma
nova cefalosporina de quarta geração com atividade antibacteriana melhorada.
Fluidoterapia intravenosa precoce é necessária para restabelecer a perfusão tecidual, atenuando a resposta das
citocinas e revertendo lesões celulares. A expansão do volume deve ser obtida com o emprego de soluções que
propiciam balanço eletrolítico (cristaloides) ou de plasma (coloide). O suporte imunológico na forma de
transfusão de plasma IV (1 a 2 l) é muito importante e aumenta o teor de IgG para > 800 mg/dl. Fluidoterapia
IV efetiva é necessária para normalizar os parâmetros cardiovasculares específicos (pressão venosa central,
pressão arterial, produção de urina e saturação do oxigênio venoso central), enquanto melhora os parâmetros
clínicos. O choque septicêmico grave pode requerer taxas iniciais de fluido de 40 a 80 ml/kg/h. Devido à
ocorrência de hipoglicemia em muitos potros, deve­se administrar infusão lenta e contínua de solução de
dextrose 2,5 a 5%, simultaneamente aos fluidos de reidratação.
O tratamento com soro hiperimune com antiendotoxina deve ser considerado em pacientes com endotoxemia.
Fármacos antiprostaglandina minimizam as alterações clínicas e hemodinâmicas associadas à endotoxemia e ao
choque séptico. Baixas doses de flunixino meglumina (0,25 mg/kg, IV, 3 vezes/dia) auxiliam na redução dos
sintomas de endotoxemia. Ademais, a administração de pequenas doses de polimixina B (6.000 UI/kg, diluída
em 300 a 500 ml de solução salina, por via IV lenta) é considerada um tratamento experimental para neutralizar
a endotoxemia sistêmica.
Como a sepse induz um estado catabólico no potro, o suporte nutricional é muito importante. Se o potro não
estiver sendo tratado adequadamente, ele pode ser alimentado com leite ou substituto de leite em volume de até
15 a 25% do seu peso corporal, a cada 24 h. Uma sonda nasogástrica permanente deve ser utilizada em potros
com deficiente reflexo de sucção. A nutrição parenteral também pode auxiliar no fornecimento dos nutrientes
adequados. A administração de protetores gástricos (p. ex., ranitidina, cimetidina, omeprazol) pode atuar como
adjuvante no tratamento dos neonatos enfermos.
A terapia sistêmica específica inclui lavagem das articulações com fluidos estéreis e administração de
oxigênio por via nasal (2 a 10 l/min) ou ventilação para potros com pneumonia septicêmica. Úlcera de córnea
pode ser tratada com baixas doses de atropina tópica (embora possa causar íleo adinâmico), AINEs e
antibacterianos de amplo espectro, mediante aplicação tópica. Entrópio geralmente necessita correção cirúrgica.
Em alguns casos pode ser indicada a remoção cirúrgica do umbigo infectado.
PROGNÓSTICO: A recuperação da sepse neonatal depende da gravidade e da manifestação da infecção. A taxa
de sobrevivência é de 50 a 81%, em centros de referência, dependendo da progressão da doença. Doença
pulmonar neonatal grave está associada à alta taxa de mortalidade (35 a 50%). O tempo em que os cuidados
intensivos devem ser aplicados é de, no mínimo, 1 a 4 semanas. Diagnóstico precoce e tratamento intensivo
favorecem a recuperação. Quando o potro sobrevive aos sintomas iniciais, há grande probabilidade de que se
torne um adulto saudável e útil. Um relato recente documentou que potros puro­sangue que sobreviveram à
bacteriemia iniciaram atividades de corridas em condições semelhantes aos seus irmãos, embora tenham
arrecadado menos dinheiro.

COLISSEPTICEMIA (Colibacilose septicêmica, Doença

septicêmica)

A sepse causada por Escherichia coli é uma doença comum de bezerros e, em menor extensão, de cordeiros
com < 1 semana de idade. Pode se apresentar com sinais de sepse aguda ou de bacteriemia crônica localizada.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: A doença é causada por sorotipos específicos de E. coli que possuem fatores de
virulência que lhes permitem atravessar a superfície da mucosa e produzir bacteriemia e sepse. Entretanto, o
principal determinante da doença é a deficiência de imunoglobulinas circulantes como resultados da falha na
transferência passiva das imunoglobulinas colostrais; a doença septicêmica devido à invasão de E. coli ocorre
apenas nos bezerros com deficiência de imunoglobulinas.
A colissepse é observada durante a primeira semana de vida, mais comumente dos 2 aos 5 dias de idade. A
doença crônica localizada pode ser observada até 2 semanas de idade. A doença geralmente é esporádica e mais
comum entre os bezerros leiteiros do que nos de corte.
TRANSMISSÃO E PATOGENIA: A invasão ocorre principalmente pela mucosa nasal e orofaringeana, mas também
pode ocorrer através da via intestinal ou umbilical e pelas veias umbilicais. Há um período de bacteriemia
subclínica que, com cepas virulentas, é seguido de rápido desenvolvimento de sepse e morte por choque
endotoxêmico. Um curso mais prolongado, com infecção localizada, poliartrite, meningite e, ocasionalmente,
uveíte e nefrite, é observado com as cepas menos virulentas. A doença crônica também se desenvolve em
bezerros que adquiriram níveis marginais de imunoglobulinas circulantes. O microrganismo é excretado na
secreção nasal e oral, urina e fezes; a excreção começa durante o estágio bacteriêmico pré­clínico. A infecção
inicial pode ser adquirida a partir de contaminantes ambientais. Em grupos de bezerros, a transmissão é direta
pelo contato nasonasal, aerossóis urinários e respiratórios ou como resultado do contato com o umbigo na
amamentação ou pelo contato fecal­oral.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Nos casos agudos, o curso clínico é curto (3 a 8 h) e os sinais estão
relacionados com o desenvolvimento de choque séptico. A febre não é proeminente e a temperatura retal pode
estar subnormal. Apatia e perda precoce do interesse de mamar são seguidas por depressão, pouca resposta a
estímulos externos, colapso, decúbito e coma. Taquicardia, pulso fraco e tempo de preenchimento capilar
prolongado são observados. As fezes são moles e mucoides, mas diarreia grave não é observada nos casos mais
simples. A mortalidade é de aproximadamente 100%. Em um curso clínico mais prolongado, a infecção pode
ser localizada. Poliartrite e meningite são comuns; tremor, hiperestesia, opistótono e convulsões são observados
ocasionalmente, porém, letargia e coma são mais frequentes.
Uma leucocitose moderada, mas significativa, e neutrofilia são observadas no início, mas a leucopenia é
marcante nos estágios terminais.
O fluido articular contém aumento de células inflamatórias e proteínas, e o FCE apresenta pleocitose e
aumento na concentração de proteínas; o microrganismo pode estar evidente ao exame microscópico. Menos
comumente, outras bactérias, inclusive Enterobacteriaceae, Streptococcus spp e Pasteurella spp, produzem
doença septicêmica em bezerros jovens. Esses microrganismos são mais comuns nos casos esporádicos do que
como causas de surtos. Eles produzem uma doença clínica semelhante, mas podem ser diferenciados por
cultura. Como acontece na colissepticemia, o determinante primário destas infecções é a falha na transferência
passiva de imunoglobulinas.
O diagnóstico é baseado no histórico e nos achados clínicos, na demonstração de uma grave deficiência de
IgG circulante e, por fim, na demonstração do microrganismo no sangue ou tecidos. O sulfato de zinco ou a
estimativa da proteína total podem ser utilizados para rápida estimativa da IgG (p. 2415).
TRATAMENTO: O tratamento requer o uso agressivo de antibióticos. Por não haver tempo para o antibiograma, a
escolha inicial deve ser de um medicamento bactericida que tenha alta probabilidade de eficácia contra
microrganismos Gram–negativos. A terapia antibacteriana deve ser acompanhada de fluido, fármacos e outras
terapias para choque endotóxico. A mortalidade é alta apesar do tratamento agressivo.
CONTROLE E PREVENÇÃO: Os bezerros que adquirem concentrações adequadas de imunoglobulinas do colostro
são resistentes à colissepticemia. Portanto, a prevenção depende primeiramente das práticas de manejo que
assegurem o fornecimento adequado e precoce de colostro. A adequação das práticas do fornecimento de
colostro deve ser monitorada e as estratégias corretivas devem ser aplicadas, quando necessárias. Nos rebanhos
leiteiros da raça Holandesa da América do Norte, a amamentação natural não garante concentrações adequadas
de imunoglobulinas circulantes e os bezerros devem ser alimentados com 2 a 4 l de colostro de primeira ordenha
(contendo uma massa mínima total de 100 g de IgG), usando­se uma mamadeira ou sonda esofágica, até 2 h
após o nascimento; este procedimento é seguido de uma segunda alimentação 12 h depois. Os testes enzimáticos
rápidos podem auxiliar na seleção do colostro com concentrações adequadas de imunoglobulinas. A
concentração de imunoglobulinas circulantes necessária para a proteção contra a colissepticemia é baixa;
entretanto, altas concentrações de imunoglobulinas circulantes são desejáveis porque elas diminuem a
suscetibilidade a outras doenças infecciosas neonatais.
Quando o colostro natural não estiver disponível para o bezerro recém­nascido, o substituto comercial do
colostro contendo 25 g de IgG irá fornecer imunoglobulina suficiente para a proteção contra a colissepticemia se
for administrado no início do período de absorção. A administração parenteral de plasma contendo pelo menos
4 g e preferencialmente 8 g de IgG irá proporcionar alguma proteção para os bezerros mais velhos que não
mamaram colostro e que são incapazes de absorver as imunoglobulinas a partir do intestino. Um pequeno
volume de soro hiperimune é benéfico apenas se ele tiver anticorpos específicos contra o sorotipo associado ao
surto. O risco de infecção precoce pode ser minimizado pela higiene da área dos bezerros e pela desinfecção do
umbigo ao nascimento. Para minimizar a transmissão, os bezerros criados em ambientes fechados devem ser
mantidos em baias separadas (sem contato) ou mantidos em abrigos individuais (casinhas).

CAUDRIOSE (Heartwater)

Caudriose é uma doença infecciosa e não contagiosa causada por riquétsia, que acomete ruminantes criados em
áreas infestadas por carrapatos do gênero Amblyomma. Estas incluem as regiões da África, sul do Saara e ilhas
Comores, Zanzibar, Madagascar, São Tomé, Réunion e Maurício. A caudriose foi introduzida no Caribe e, ela e
o seu vetor (A. variegatum), são endêmicos nas ilhas de Guadalupe e Antígua. A. variegatum, mas não a
riquétsia, espalhou­se para várias outras ilhas, apesar das tentativas de erradicação. A possível disseminação da
doença no continente ameaça a pecuária industrializada do norte da América do Sul à América Central e sul dos
EUA. Muitos ruminantes são suscetíveis, inclusive algumas espécies de antílopes. Nas áreas endêmicas alguns
animais podem tornar­se infectados subclinicamente e atuarem como reservatórios. As raças de bovinos de
origem africana (Bos indicus) aparentam ser mais resistentes do os bovinos das raças de B. taurus.
ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO: O agente etiológico é um parasito intracelular obrigatório, conhecido como

Cowdria ruminantium. Evidências moleculares levaram à reclassificação de muitos microrganismos da ordem


Rickettsiales e, atualmente, ele é classificado como Ehrlichia ruminantium.
Sob condições naturais, E. ruminantium é transmitida pelos carrapatos Amblyomma. Esses carrapatos de três
hospedeiros se tornam infectados durante a fase larval ou ninfal e transmitem a infecção durante um dos
estágios subsequentes (transmissão transestadial). A progênie de um carrapato fêmea infectado, muito
provavelmente, não é infectante (i. e., não há transmissão transovariana epidemiologicamente significativa).
Portanto, a taxa de infecção nas populações de carrapatos tende a ser baixa. A transmissão intraestadial pelos
carrapatos machos também pode ocorrer, assim como algum grau de transmissão vertical da vaca para o bezerro
(p. ex., via colostro), nas áreas onde a doença é endêmica.
E. ruminantium pode ser propagada experimentalmente por passagens seriadas, tanto pela inoculação de
sangue infectado nos animais suscetíveis quanto pelo repasto das ninfas e das formas adultas do carrapato vetor
infectado nos animais suscetíveis. O microrganismo também pode ser propagado em cultura de tecidos, de
forma mais confiável em células endoteliais, mas também em culturas primárias de neutrófilos e linhagens
celulares de macrófagos. À temperatura ambiente, o material infectante perde sua infectividade em poucas
horas, mas o microrganismo, juntamente com crioprotetores adequados, pode ser preservado, de forma viável,
em nitrogênio líquido durante anos.
A imunidade à caudriose parece ser principalmente, se não exclusivamente, mediada por células. Não há, ou
só parcialmente, proteção cruzada entre diferentes cepas de E. ruminantium. A maioria destas cepas é infecciosa
para camundongos, porém, não podem ser passadas seriadamente; entretanto, poucas são patogênicas para os
camundongos infectados pela via IV. Uma destas, a cepa Kümm, pode até mesmo ser transmitida pela via
intraperitoneal. As análises moleculares demonstraram que a cepa Kümm é constituída por dois genótipos
distintos do microrganismo.
ACHADOS CLÍNICOS, PATOGENIA E LESÕES: Os sinais são súbitos e evidentes nas formas hiperaguda e aguda.
Nos casos hiperagudos, os animais desenvolvem febre, que é seguida rapidamente por hiperestesia,
lacrimejamento e convulsões. Na forma aguda, os animais apresentam anorexia e sinais nervosos, como
depressão, hipermetria, blefaroespasmo e os movimentos exagerados de mastigação. Ambas as formas
culminam em prostração e convulsões. A diarreia é observada ocasionalmente. Nos casos subagudos, os sinais
são menos acentuados e o envolvimento do SNC é inconsistente.
Parece que E. ruminantium reproduz­se inicialmente nos macrófagos; em seguida o microrganismo invade e
multiplica­se no endotélio vascular. Durante o estágio febril, e por um curto período, o sangue dos animais
infectados é infectante para os animais suscetíveis se subinoculado. Os sinais e as lesões estão associados a
lesões funcionais do endotélio vascular, resultando em maior permeabilidade vascular, sem sinais de patologias
ultra estruturais ou histopatológicas. A concomitante efusão de fluido nos tecidos e cavidades corporais leva à
queda da pressão arterial e insuficiência circulatória geral. As lesões nos casos hiperagudos e agudos são
hidrotórax, hidropericárdio, edema e congestão dos pulmões e cérebro, esplenomegalia, petéquias e equimoses
nas superfícies de mucosas e serosas e, ocasionalmente, hemorragia no trato gastrintestinal, particularmente no
abomaso. As efusões tipicamente cor de palha são ricas em proteínas de alto peso molecular, inclusive
fibrinogênio, e o fluido rapidamente coagula ao ser exposto ao ar.
DIAGNÓSTICO: Os casos clínicos devem ser diferenciados de uma grande variedade de doenças infecciosas e não
infecciosas, especialmente das intoxicações por plantas, que se manifestam com sinais do SNC. Nos casos
clínicos agudos de áreas endêmicas, os sinais clínicos sozinhos podem sugerir a etiologia, porém, a
demonstração das colônias do microrganismo no citoplasma das células endoteliais capilares é necessária para o
diagnóstico definitivo. Tradicionalmente, isso é feito com esfregaços obtidos pelo esmagamento da substância
cinzenta cerebral ou cerebelar, corados com colorações do tipo Romanowsky. As colorações Diff­Quick ou
CAM­Quick são adequadas para diagnosticadores experientes, mas a utilização de Giemsa de baixa
concentração durante 30 min fornece a melhor diferenciação de cor e homogeneidade. Os microrganismos
presentes em material autolisado perdem a capacidade de se corar e o diagnóstico torna­se difícil.
Nos esfregaços de esmagamento da substância cinzenta cerebral, um fragmento de matéria cinzenta (de
aproximadamente 3 × 3 mm) é macerado entre duas lâminas de microscopia; o material amolecido é então
espalhado como em um esfregaço sanguíneo, afastando­se uma lâmina da outra em direções contrárias. A
ligeira elevação da lâmina extensora, aproximadamente a cada 5 a 10 mm, cria várias elevações espessas sobre a
lâmina, a partir da qual os capilares são dispostos em linha reta e paralela nas finas seções do esfregaço para
facilitar o exame. As células endoteliais de todos os capilares em um esfregaço devem ser cuidadosamente
examinadas quanto à presença de colônias roxas escuras de E. ruminantium. As colônias devem ser
identificadas baseando­se nas subestruturas identificáveis para diferenciá­las de qualquer outro material
fagocitado; elas são caracterizadas por agrupamentos constituídos por grânulos individuais. O tamanho dos
grânulos pode varia entre os pacientes, esfregaços do mesmo caso e colônias do mesmo esfregaço, mas
geralmente são uniformes em uma mesma colônia. Pequenas colônias geralmente apresentam poucos grânulos
grandes, enquanto colônias grandes são constituídas por vários microrganismos pequenos.
Com a utilização da coloração pelo método da imunoperoxidase, um diagnóstico definitivo pode ser realizado
em qualquer amostra de tecido fixado em formol, mesmo em carcaças autolisadas. As cores contrastantes
tornam a busca e a identificação das colônias riquetsiais muito mais rápida, embora as subestruturas das
colônias devam ser identificadas antes da confirmação do diagnóstico. Devido à natureza do teste, reações falso­
positivas podem ocorrer com alguns microrganismos correlacionados. Nos esfregaços de esmagamento do
cérebro, Chlamydophila pecorum pode ser confundida com E. ruminantium, mas as técnicas de histopatologia
ou imunoperoxidase permitem a diferenciação. O sorodiagnóstico dos animais previamente expostos à doença,
ou seja, recuperados da infecção subclínica ou clínica, ainda constitui um problema. Muitos testes estão
atualmente em uso, inclusive vários testes de imunofluorescência indireta e ELISAs. Todos os testes
sorológicos, inclusive o ELISA que utiliza antígeno recombinante, têm problemas com reações cruzadas com o
soro de animais infectados com um dos vários microrganismos de Ehrlichia ou Anaplasma (falso­positivo) e
com o fato de que os bovinos imunes expostos a infecções repetidas podem tornar­se soronegativos (falso­
negativo). Sondas de DNA, disponíveis nas instituições de pesquisa, podem ser utilizadas em conjunto com a
tecnologia de PCR. A combinação da sonda pCS20 com as sondas de RNA ribossômico 16S de várias cepas são
empregadas rotineiramente para examinar amostras de animais quando é necessária uma licença para
movimentar os animais de áreas endêmicas para áreas não endêmicas. Outra técnica que recentemente entrou
em uso foi a PCR em tempo real.
TRATAMENTO E CONTROLE: Embora uma vacina atenuada e eficaz baseada na cepa Welgevonden tenha sido
desenvolvida há vários anos, ela não está disponível comercialmente. Para fins práticos, não há vacina
amplamente efetiva e segura disponível para imunizar contra E. ruminantium. O controle da infestação de
carrapatos é uma medida preventiva útil em alguns casos, mas pode ser difícil e onerosa de se manter em outros.
A redução excessiva do número de carrapatos, entretanto, interfere na manutenção da imunidade adequada por
meio do desafio regular a campo nas áreas endêmicas, e periodicamente pode resultar em grandes perdas. Para a
imunização, o “método de infecção e tratamento” ainda está em uso no sul da África: sangue ovino infectado,
contendo microrganismos virulentos é utilizado para a infecção, seguido pelo monitoramento da temperatura
retal e antibioticoterapia após o desenvolvimento da febre. Em certas condições, a infecção “controlada” é
seguida pelo “tratamento de bloqueio” preventivo sem o registro da temperatura (bovinos no 14o dia [raças de
Bos taurus suscetíveis] ou no 16o dia [raças de B. indicus resistentes]; ovinos e caprinos no 11o dia). Na África
do Sul, um implante de doxiciclina está disponível para inserção SC na base da orelha no momento da infecção
IV. Bezerros jovens (< 6 a 8 semanas de idade), cordeiros e cabritos (< 1 semana de idade) são relativamente
resistentes e podem se recuperar espontaneamente de infecções naturais ou induzidas. Se forem imunizados
precocemente, o tratamento de bloqueio pode ser evitado.
Para o tratamento, oxitetraciclina a 10 mg/kg ou doxiciclina a 2 mg/kg geralmente são eficazes para a cura, se
administradas no início do curso da doença. Em ovinos, caprinos e nas raças de bovinos suscetíveis, uma dose
mais alta (10 a 20 mg/kg) de oxitetraciclina pode ser necessária, especialmente se o tratamento for tardio,
durante a reação febril ou após o aparecimento de outros sinais clínicos. Nestes casos, o primeiro tratamento
deve ser preferencialmente administrado por via intravenosa. Uma segunda e terceira dose podem ser
necessárias antes da redução da febre ou uma segunda injeção IM com uma formulação de tetraciclina de longa
ação. O período de carência para utilização do leite e da carne após o tratamento com a doxiciclina ou a
oxitetraciclina de curta ou longa ação deve ser observado com base nos regulamentos do país. Os
corticosteroides têm sido utilizados como terapia de suporte (prednisolona, 1 mg/kg), embora exista um debate
sobre a eficácia e a razões para o uso de drogas potencialmente imunossupressoras na doença infecciosa ativa.

DOENÇA DE WESSELSBRON

A doença de Wesselsbron é uma infecção aguda que acomete ovinos, bovinos e caprinos, provocada por um
flavivírus transmitido por artrópodes. A ocorrência da infecção é comum, mas a manifestação da doença clínica
é rara. As taxas de mortalidade nos animais recém­nascidos podem alcançar 27% em ovinos e 18% em caprinos.
A infecção nos animais adultos (ovinos, bovinos, caprinos, suínos e equinos) geralmente é subclínica, mas a
doença pode ser grave em ovelhas com patologia hepática preexistente. Podem ocorrer abortos ocasionais e
hidrâmnio em ovelhas, assim como malformações congênitas do SNC e artrogripose em fetos ovinos e bovinos.
Em humanos causa uma doença não fatal semelhante à influenza.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O vírus, com propriedades típicas de um flavivírus hemaglutinante, não está
muito bem caracterizado. Foi isolado de vertebrados e artrópodes em diversos países africanos e pesquisas
sorológicas fornecem evidências de sua ocorrência em outros países. Pela distribuição dos mosquitos do gênero
Aedes associados à doença de Wesselsbron, supõe­se que a incidência seja maior do que a geralmente percebida.
A alta prevalência de anticorpos em localidades mais quentes e úmidas sugere que os herbívoros domésticos
podem desempenhar um papel significativo na manutenção do vírus e a atividade viral parece ocorrer durante
todo o ano. Em áreas mais secas, no entanto, os surtos da doença são irregulares e tendem a ocorrer em conjunto
com a febre do Vale Rift (p. 760), quando chuvas anormalmente fortes favorecem o aparecimento dos mosquitos
que se reproduzem em águas paradas.
ACHADOS CLÍNICOS: Após um período de incubação de 1 a 3 dias em cordeiros recém­nascidos, tornam­se
evidentes sinais clínicos inespecíficos como febre, anorexia, apatia, fraqueza e aumento da frequência
respiratória. A doença de Wesselsbron e a febre do Vale Rift compartilham diversos sinais clínicos e
características patológicas. A doença de Wesselsbron, no entanto, geralmente é branda, ocasionando taxas de
mortalidade e aborto muito menores, além de lesões hepáticas menos destrutivas. O vírus parece ser mais
neurotrópico do que o da febre do Vale Rift, pois em infecções experimentais é observada teratologia fetal no
SNC.
Lesões: Nos animais jovens e recém­nascidos são observadas icterícia e hepatomegalia de moderadas a graves e
o fígado também adquire uma coloração de amarelada a marrom­alaranjado. Petéquias e equimoses são
comumente encontradas na mucosa do abomaso, cujo conteúdo apresenta­se com coloração marrom­chocolate.
A histopatologia revela necrose do parênquima que varia de leve a extensa e grupos menores ou maiores de
hepatócitos necróticos. As lesões nos animais adultos geralmente são muito mais suaves.
DIAGNÓSTICO: Os sinais clínicos e a epidemiologia, juntamente com a relativa alta mortalidade em cordeiros,
são indicativos da doença. O vírus pode ser isolado de quase todos os órgãos de cordeiros que morreram durante
o estágio clínico da doença. A inoculação intracerebral em camundongos recém­nascidos é o melhor método de
isolamento. A diferenciação entre o vírus da doença de Wesselsbron e o da febre do Vale Rift pode ser feita pela
inoculação intraperitoneal em camundongos desmamados, uma vez que o vírus da doença de Wesselsbron não
ocasiona a morte destes, enquanto o da febre do Vale Rift sim. A confirmação da identidade do vírus pode ser
realizada por neutralização viral.
O sorodiagnóstico vem sendo baseado na inibição da hemaglutinação, fixação de complemento e
neutralização viral. A reação cruzada com outros flavivírus é evidente nos testes de inibição da hemaglutinação,
mas nem tanto nos testes de fixação de complemento, específicos para o soro bovino. De qualquer maneira, os
títulos homólogos para a doença de Wesselsbron excedem os títulos de flavivírus heterólogos.
CONTROLE: A produção de vacinas atenuadas foi descontinuada pouco antes do ano 2000. A incidência da
doença é baixa em ovinos e a utilização imprudente da vacina em ovelhas prenhes resultou em grandes perdas
econômicas devido a abortos e malformações fetais. Tentativas de controle do mosquito vetor são de pequeno
valor como medida preventiva.

DOENÇA DOS OVINOS DE NAIRÓBI

A doença dos ovinos de Nairóbi (DON) é uma doença viral de ovinos e caprinos transmitida por carrapatos e
caracterizada por febre, gastrenterite hemorrágica, aborto e alta mortalidade. A doença foi identificada pela
primeira vez perto de Nairóbi, Quênia, em 1910 e o vírus da DON foi apresentado como o agente etiológico em
1917. A doença é endêmica no Quênia, Uganda, Tanzânia, Somália, Etiópia, Botswana, Moçambique e
República Democrática do Congo. As infecções em seres humanos são raras; entretanto, infecções acidentais
foram descritas em funcionários de laboratórios resultando em febre, dores articulares e mal­estar geral. O rato
de campo africano (Arvicathus abysinicus nubilans) é um potencial reservatório. A DON é uma doença de
notificação nos EUA e é uma das doenças listadas pela OIE.
ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO: O vírus da DON pertence ao gênero Nairovírus, família Bunyaviridae, e
possivelmente é o vírus conhecido mais patogênico para ovinos e caprinos. Ele é idêntico ou estreitamente
relacionado com o vírus Ganjam, uma infecção de ovinos, caprinos e humanos na Índia transmitida por
carrapatos. Dados genéticos e sorológicos demonstraram que o vírus Ganjam é uma variante asiática do vírus da
DON. Tanto o vírus Ganjan quanto o vírus da DON são filogeneticamente mais relacionados com o vírus
Hazara do que ao vírus Dugbe. Adicionalmente, o vírus da DON é sorologicamente relacionado com o vírus
Dugbe, outra infecção de bovinos transmitida por carrapatos, e ao vírus da febre hemorrágica da Crimeia­Congo
(p. 679). O vírus é transmitido pela via transovariana e transestadial pelo carrapato marrom da orelha,
Rhipicephalus appendiculatus, no qual pode sobreviver por até 800 dias. Carrapatos adultos em jejum podem
transmitir o vírus da DON por mais de 2 anos após a infecção. Outros carrapatos Rhipicephalus spp e
Amblyomma variegatum também podem transmitir a doença. O vírus é eliminado na urina e nas fezes, mas a
doença não é transmitida pelo contato.
ACHADOS CLÍNICOS: Em surtos naturais, a doença geralmente ocorre 5 a 6 dias após a movimentação dos
animais suscetíveis para áreas endêmicas infestadas com Rhipicephalus appendiculatus. Os sinais clínicos
começam com aumento acentuado da temperatura corporal (41°C a 42°C) que persiste por 1 a 7 dias.
Leucopenia e viremia geralmente coincidem com a fase febril. A diarreia geralmente aparece 1 a 3 dias após o
início da febre e piora à medida que a infecção progride. A doença se manifesta com depressão, anorexia,
secreção nasal mucopurulenta e sanguinolenta, conjuntivite ocasional e disenteria fétida que causa esforço
doloroso. Os animais prenhes frequentemente abortam. Nos casos hiperagudos e agudos o tempo decorrido
entre o aparecimento da doença e o óbito geralmente é de 2 a 7 dias, mas pode chegar a 11 dias nos casos menos
agudos. A infecção experimental demonstrou que a raça persa de cauda larga nativa e que as raças europeias de
ovinos são igualmente suscetíveis; entretanto, a taxa de mortalidade no campo é alta: 70 a 90% para nativas de
ovinos e 30% para exóticas e mestiças. Os sinais clínicos nos caprinos são semelhantes ao dos ovinos, porém,
menos graves, embora mortalidade de 80% tenha sido relatada. A presença da imunidade colostral, além de
proteger os cordeiros e cabritos da exposição precoce à infecção, também permite o desenvolvimento da
imunidade ativa, permitindo a sobrevivência nas áreas infestadas por carrapatos.
Lesões: As principais características no exame externo das carcaças são quartos traseiros sujos de fezes (ou com
uma mistura de sangue e fezes) e desidratação, especialmente nos animais com diarreia prolongada. Também
são comuns conjuntivite e crostas em torno das narinas, como resultado da secreção nasal. Os achados de
necropsia incluem linfonodos aumentados e edematosos, leve esplenomegalia e hemorragias no trato GI
(particularmente no abomaso), respiratório e genital feminino, vesícula biliar, baço e coração. Hemorragias
petequiais e equimóticas na mucosa do ceco e cólon são frequentemente aparecem como estrias longitudinais e,
às vezes, são as únicas lesões evidentes. Hemorragias na subserosa podem ser observadas no ceco, cólon,
vesícula biliar e rins. Conjuntivite e crostas secas ao redor das narinas são frequentemente observadas. Lesões
histopatológicas comuns são: hiperplasia dos tecidos linfoides, degeneração do miocárdio, nefrose e necrose
coagulativa da vesícula biliar.
DIAGNÓSTICO: A ocorrência da doença em ovinos e caprinos, com alta taxa de mortalidade, e acompanhada de
infestação de carrapatos, é sugestiva, especialmente após a transferência para áreas endêmicas ou alteração na
população de carrapatos ocasionada por chuvas intensas e prolongadas. A confirmação dos sinais sugestivos e
das lesões requer a detecção do vírus ou do antígeno viral e dos anticorpos. As amostras de escolha são o
plasma de animais febris, linfonodos mesentéricos, baço e soro. Equipamentos de proteção individual devem ser
utilizados na necropsia e no manuseio do agente no laboratório. A inoculação em camundongos e a cultura de
células podem ser utilizadas para o isolamento primário do vírus. Os ovinos são os animais mais sensíveis para
o isolamento, enquanto as linhagens de células renais de filhotes de hamster e de cordeiros ou de culturas de
celulares de rins de hamster são as células mais sensíveis. A imunodifusão em gel de ágar, fixação de
complemento e ELISA podem ser valiosos para a detecção do antígeno em tecidos infectados ou em cultura
tecidual. A detecção do ácido nucleico viral utilizando a PCR é o método mais rápido de diagnóstico. Os
anticorpos dos animais infectados ou recuperados podem ser detectados por imunodifusão, fixação de
complemento, teste de imunofluorescência indireta, hemaglutinação e ELISA.
O diagnóstico diferencial deve incluir a peste dos pequenos ruminantes, febre do Vale Rift, caudriose e
salmonelose.
TRATAMENTO E CONTROLE: Nenhum agente antiviral específico está disponível para o tratamento. Os animais
não afetados do rebanho devem ser tratados com acaricidas (p. ex., piretroides em óleo, produtos de
cipermetrina “pour­on”, várias preparações para banho de imersão). O controle de carrapatos a longo prazo não
é economicamente viável nas áreas endêmicas.
Nas áreas endêmicas, os sinais clínicos não são observados, a menos que sejam introduzidos animais
suscetíveis. Tais animais devem ser vacinados, assim como aqueles que forem expostos por longos períodos ao
carrapato vetor. Dois tipos de vacinas experimentais foram desenvolvidos – uma vacina com vírus vivo
modificado, atenuada em cérebro de camundongo, e uma vacina inativada com adjuvante oleoso. Uma única
dose da vacina viva modificada produz rápida imunidade; entretanto, a revacinação é necessária para a
manutenção da proteção total. Duas doses da vacina inativada são necessárias para uma boa proteção. Nenhuma
destas vacinas é produzida comercialmente.

FEBRE CATARRAL MALIGNA (Catarro maligno da cabeça,

Snotsiekte, Febre catarral, Coriza gangrenosa)

A febre catarral maligna (FCM) é uma doença sistêmica infecciosa que se apresenta como um complexo
variável de lesões que afeta principalmente os ruminantes e raramente os suínos. Ela é, principalmente, uma
doença de bovinos domésticos, búfalos, bateng, bisões americanos e cervos. Além destes animais de criação, a
FCM foi descrita em vários ruminantes em cativeiro de coleções mistas de zoológicos. Em algumas espécies,
como o bisão e alguns cervos, a FCM é aguda e altamente letal, capaz de afetar grande número de animais. Com
exceções ocasionais, a doença nos bovinos é observada esporadicamente e afeta os animais individualmente. A
FCM é tipicamente fatal; entretanto, há surtos em que muitos animais são afetados, com evidência de
recuperação e infecção leve ou inaparente em alguns casos. A FCM ocasionalmente se apresenta como alopecia
crônica e perda de peso. Sua distribuição é essencialmente mundial, refletindo a distribuição dos principais
portadores, os ovinos domésticos e gnus. A FCM é um dos principais problemas nas atividades de criação de
cervos e recentemente emergiu como um grave ameaça para a indústria comercial de bisões.
ETIOLOGIA: A FCM resulta da infecção de um ou mais membros de um grupo de ruminantes por gama­
herpesvírus do gênero Rhadinovírus. Enquanto o grupo de rhadinovírus de ruminantes atualmente inclui cerca
de 10 membros conhecidos, sabe­se que só alguns são patogênicos sob condições naturais. Os principais
portadores e seus vírus são: ovinos (herpesvírus­2 ovino), gnus (herpesvírus­1 alcelaphine) e caprinos
(herpesvírus­2 caprino). Outra cepa de origem não identificada causa FCM em cariacus. Praticamente todos os
casos clínicos são causados por vírus de ovinos ou gnus.
Os vírus são mantidos nas populações de ovinos e gnus em padrões semelhantes, mas não idênticos. Os
cordeiros geralmente são infectados com 1 a 2 meses de idade por aerossóis de outros indivíduos do rebanho e
começam a eliminar o vírus ativamente ao redor dos 6 meses de idade. A eliminação diminui por volta dos 10
meses, com adultos eliminando menores taxas do que os jovens. Em contrapartida, os filhotes de gnus são
afetados no período perinatal por transmissão horizontal e, ocasionalmente, intrauterina e eliminam ativamente
o vírus até 3 a 4 meses de idade. A transmissão ocorre pela transferência das secreções nasais cheias de vírus
pelo contato direto ou por via aerógena pouco definida. Na África, a maioria dos casos de FCM associada aos
gnus é observada na época de parição, entretanto, a FCM associada aos ovinos (FCM­AO) não segue o mesmo
padrão. As ovelhas não eliminam o vírus por meio dos tecidos e secreções placentárias não sendo observados
episódios frequentes de eliminação na época do parto. Os únicos fatores racionais e constantes que contribuem
para a sazonalidade da FCM­AO são as influências climáticas na sobrevivência do vírus e os padrões de
eliminação relacionados com a idade dos cordeiros. A epidemiologia do vírus da FCM caprina apresenta
similaridade com a dos ovinos.
A gravidade dos surtos de FCM­AO depende de fatores como número total, densidade populacional e
espécies de hospedeiros suscetíveis envolvidos; a proximidade de contato e a quantidade de vírus eliminado
disponível para transmissão. Os casos são observados esporadicamente nas raças europeias de bovinos (Bos
taurus), que são relativamente resistentes. Em contrapartida, os bateng, bisões e algumas, mas não todas, as
espécies de cervídeos (p. ex., cariacus, cervos–do­padre­david) são altamente suscetíveis. Com o
desenvolvimento dos sistemas agropecuários, envolvendo a criação de bisões e cervos, a FCM tornou­se mais
problemática. Ela é uma das principais causas de perdas relacionadas a doenças infecciosas nas fazendas de
cervos da Nova Zelândia. Nas criações de bisões expostas a um grande número de ovinos, as perdas podem ser
devastadoras. Cerca de 800 animais morreram em um surto nos EUA em 2003.
Entre os animais que sobrevivem, a infecção permanece por toda a vida; algumas espécies suscetíveis,
inclusive os bovinos e bisões, podem ficar latentemente infectados. A recrudescência de infecções latentes é
possível e deve ser considerada nos casos com histórico desconhecido de contato com portadores.
A FCM é transmitida apenas entre portadores e animais clinicamente suscetíveis. Os animais afetados não
transmitem a infecção para o seu grupo.
ACHADOS CLÍNICOS: Os casos agudos de FCM são provocados pelo herpesvírus­2 ovino e herpesvírus­1

alcelaphine e são semelhantes clinicamente e patologicamente. O curso da doença pode variar de hiperagudo a
crônico. Os casos da doença em cervos geralmente são hiperagudos com morte súbita. Os cervos que
sobrevivem durante alguns dias e os bisões desenvolvem diarreia hemorrágica, sangue na urina e opacidade de
córnea antes de morrer. Febre alta (41 a 41,5°C) e depressão são comuns. Outros sinais que podem estar
presentes são: inflamação catarral, erosões e exsudação mucopurulenta (afetando as mucosas do trato
respiratório superior, ocular e oral), inchaço nos linfonodos, claudicação e sinais nervosos (depressão, tremores,
hiporresponsividade, estupor, agressividade, convulsões). Historicamente, a FCM foi descrita como tendo várias
“formas” – branda, hiperaguda, cabeça e olhos, intestinal etc. Há pouca base para esta classificação e é de pouca
utilidade. Uma variação nos sistemas de órgãos envolvidos pode ser observada, às vezes, no mesmo surto e, em
parte, está relacionada com o tempo de sobrevivência após o início da doença. Em média, o tempo de morte nas
raças europeias de bovinos é um pouco mais longa do que nos cervos, bisões, búfalos e bateng. Em bovinos,
inchaço dos linfonodos e lesões oculares graves (panoftalmite, hipópio, erosões corneanas) são mais frequentes
e enterite hemorrágica e cistite são menos frequentes do que em cervos e bisões. As lesões cutâneas (eritema,
exsudação, rachaduras, formação de crostas) são comuns nos animais que não sucumbem rapidamente. As
alterações hematológicas são variáveis. Até 25% dos bovinos sofrem da doença crônica e às vezes a doença
aumenta e diminui. A taxa de mortalidade nos animais clinicamente afetados geralmente aproxima­se de 95%.
Entretanto, em circunstâncias limitadas, a sobrevivência nos bovinos pode ser alta.
Lesões: A doença é sistêmica e as lesões podem ser encontradas em qualquer órgão, embora a frequência e a
gravidade variem muito. As principais lesões são inflamação e necrose do epitélio da mucosa do trato
respiratório, digestório e urinário, infiltração subepitelial linfoide, proliferação linfoide generalizada, necrose e
vasculite disseminada. Ulcerações e hemorragia nas mucosas são comuns. As hemorragias podem estar
presentes em muitos órgãos parenquimatosos, particularmente nos linfonodos. A lesão histológica clássica, mas
não patognomônica, é a necrose fibrinoide de pequenas artérias musculares, mas os vasos de todos os tipos
podem estar inflamados, inclusive os do cérebro. Nódulos esbranquiçados proeminentes, representando
proliferação intramural e perivascular, podem estar aparentes, particularmente nos rins.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico da FCM é baseado nos sinais clínicos, lesões macroscópicas e histológicas e
confirmação laboratorial. O diagnóstico diferencial primário inclui a diarreia viral bovina, doença da mucosa,
peste bovina, rinotraqueíte infecciosa bovina e listeriose e febre da costa leste (theileriose). Quando o
envolvimento do SNC é proeminente, a FCM pode assemelhar­se a raiva e a encefalite por carrapatos. Um
histórico de contato com espécies portadoras (ovinos, caprinos ou gnus) pode ser útil, embora casos
recrudescentes sejam observados sem esse histórico. Testes laboratoriais confiáveis e específicos para
anticorpos e DNA viral estão disponíveis. O teste de escolha para o diagnóstico clínico é a PCR para detectar o
DNA viral. Os tecidos preferidos para o teste são: sangue anticoagulado, rins, parede intestinal, linfonodos e
cérebro.
A sorologia é utilizada para o levantamento dos animais sadios e é apenas indicativo de infecção – a infecção
latente entre os animais suscetíveis pode fazer com que a sorologia seja inconclusiva para a doença atual. Vários
testes com soro estão disponíveis, inclusive a neutralização viral, a imunoperoxidase, imunofluorescência e
ELISA. Os soroensaios policlonais são dificultados por reações cruzadas. O ELISA competitivo monoclonal
atualmente é o mais específico e detecta anticorpos contra todos os grupos de vírus conhecidos da FCM. Apenas
a PCR pode discriminar os diferentes grupos.
TRATAMENTO E CONTROLE: O prognóstico é ruim. Nenhum tratamento proporciona qualquer benefício

consistente. A redução do estresse dos animais afetados subclinicamente ou levemente é indicada. Não há
vacina disponível. Ovinos livres do vírus podem ser obtidos por meio do desmame precoce e isolamento. A
outra única estratégia efetiva é a separação dos animais portadores dos animais suscetíveis. Quando um grande
número de animais potencialmente eliminadores do vírus estão presentes, como em confinamentos de cordeiros,
distâncias > 1 km podem ser necessárias para proteger espécies altamente suscetíveis como os bisões.

FEBRE DO VALE RIFT

A febre do Vale Rift (FVR) é uma doença zoonótica aguda ou hiperaguda dos ruminantes domésticos da África,
Madagascar e da Península Arábica. Os sinais da doença tendem a não ser específicos, tornando difícil o
reconhecimento dos casos individuais. As infecções também podem ser inaparentes ou brandas. Durante as
epidemias, a ocorrência de numerosos abortos e de mortes entre os animais jovens, juntamente com uma doença
similar à influenza humana, tende a ser característica.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O vírus da FVR pertence ao gênero Phlebovírus e é um Bunyavírus típico. Ele
possui três segmentos, genoma de RNA de fita simples e sentido negativo, com peso molecular de 4 a 6 × 106 e
cada um dos segmentos, G (grande), M (médio) e P (pequeno), está contido em um nucleocapsídio distinto
dentro do vírion. Não foram demonstradas diferenças antigênicas significativas entre os vírus da FVR isolados
em muitos países e surtos, mas foram observadas diferenças na patogenicidade. A doença é endêmica nas
regiões tropicais, principalmente no leste e sul da África, embora a África ocidental e as áreas secas do norte da
África também sejam afetadas. Uma epidemia também foi relatada em 2000 na Arábia Saudita e no Iêmen. Os
ciclos epidêmicos têm ocorrido em intervalos de 5 a 20 anos nas áreas secas. Os ciclos normalmente estão
associados a períodos anormais de chuva pesada. Nos períodos entre as epidemias, acredita­se que o vírus
permanece dormente nos ovos do mosquito que se reproduz em águas de inundação, Aedes mcintoshi, presentes
no solo seco e depressões na pastagem (dambos). Embora a transmissão transovariana seja considerada a
estratégia mais importante de sobrevivência interepidêmica do vírus, o ciclo inaparente da doença pode ocorrer
em habitats nas margens das florestas. A FVR pode se espalhar por meio de mosquitos transportados pelo vento
ou pela movimentação de animais virêmicos. Com uma precipitação adequada, a infecção é mantida nos
mosquitos e é transmitida para os ruminantes, que amplificam o vírus. O vírus é disseminado por várias espécies
de mosquitos ou mecanicamente por outros insetos característicos de outras regiões. Os picos de incidência de
FVR ocorrem no final do verão. Após a primeira geada, tanto a doença como os vetores podem desaparecer. Em
climas amenos, onde os insetos vetores estão continuamente presentes, a sazonalidade não é observada.
Os seres humanos também são rapidamente infectados por meio de aerossóis de animais infectados em rituais
de abate e pela exposição a tecidos de animais infectados, fetos abortados, picadas de mosquitos e
procedimentos laboratoriais. Os seres humanos podem atuar como hospedeiros amplificadores e introduzir a
doença (via mosquitos) aos animais de áreas não infectadas.
ACHADOS CLÍNICOS: O período de incubação é de 12 a 36 h em cordeiros. Pode ocorrer uma febre bifásica de
até 41°C. Os animais afetados tornam­se apáticos e relutantes para se mover ou alimentar, podendo mostrar
sinais de dor abdominal. Os cordeiros geralmente morrem dentro de 2 dias. Os animais mais velhos podem
morrer de forma aguda ou desenvolver uma infecção inaparente. Os animais doentes podem regurgitar e
desenvolver diarreia fétida e icterícia, que é comum em bovinos. Às vezes, o aborto pode ser o único sinal da
desenvolver diarreia fétida e icterícia, que é comum em bovinos. Às vezes, o aborto pode ser o único sinal da
infecção. Nas ovelhas prenhes, a taxa de mortalidade e de aborto varia de 5 a quase 100% em diferentes surtos e
em diferentes fazendas. As taxas nos bovinos geralmente são < 10%.
Lesões: As lesões hepáticas são similares em todas as espécies e variam principalmente conforme a idade do
animal infectado. Nas lesões mais graves, observadas nos fetos abortados e cordeiros recém­nascidos, o fígado
encontra­se moderadamente ou muito aumentado, macio, friável e com áreas irregulares de congestão.
Numerosos focos necróticos branco­acinzentados estão invariavelmente presentes, mas eles podem não estar
claramente visíveis. Hemorragia e edema na parede da vesícula biliar e mucosa do abomaso são comuns. O
conteúdo intestinal é marrom­chocolate escuro. Em todos os animais, o baço e os linfonodos periféricos estão
aumentados e edematosos e podem apresentar petéquias. Nos humanos, a FVR geralmente é inaparente ou
associada à doença moderada a grave, não fatal, similar à influenza. Uma minoria pode desenvolver a doença
grave com lesões oculares, encefalites e lesões hepáticas graves com hemorragia.
DIAGNÓSTICO: Deve­se suspeitar de FVR quando chuvas fortes anormais e inundações são seguidas pelo
aumento da ocorrência de abortos e mortalidade entre animais recém­nascidos caracterizadas por hepatite
necrótica, acompanhada de hemorragias e doença similar à influenza em pessoas que trabalham com os animais
ou seus produtos. Histopatologicamente, as lesões hepáticas nos cordeiros são graves e extensas. O vírus pode
ser isolado rapidamente em tecidos de fetos abortados e no sangue dos animais infectados. O título viral nestes
tecidos geralmente é alto o suficiente para usar as suspensões dos órgãos como antígenos para um rápido
diagnóstico na neutralização, fixação de complemento, ELISA, teste de difusão em ágar­gel ou coloração de
esfregaços de impressão de órgãos; entretanto, estes testes devem ser complementados pelo isolamento em
camundongos lactentes e hamsters injetados intracerebralmente ou em culturas de células como as de rins de
filhotes de hamster (BHK­21), rins de macaco (Vero), CER, células de mosquito ou em culturas primárias de
células de rins e testículos de cordeiros. A detecção do ácido nucleico viral pela PCR é possível e testes de RT­
PCR já foram descritos.
Todos os testes sorológicos convencionais podem ser utilizados para detectar anticorpos contra o vírus da
FVR e são úteis nos estudos epidemiológicos. Em algumas áreas, entretanto, o levantamento sorológico pode
ser complicado devido às reações cruzadas entre o vírus da FVR e outros phlebovírus. Um ELISA para detecção
de IgM pode demonstrar uma infecção recente usando uma única amostra de soro.
CONTROLE E PREVENÇÃO: O controle dos vetores, o movimento dos animais para áreas de alta altitude e o
confinamento dos animais em estábulos à prova de insetos geralmente não são práticos, são instituídos
tardiamente e são de pouco valor. A imunização permanece como a única forma efetiva para proteger os animais
de criação. A estirpe Smithburn do vírus da FVR neuroadaptada em camundongos pode ser rapidamente
produzida em grandes quantidades, tem baixo custo e induz imunidade duradoura 6 a 7 dias após a inoculação.
A vacina não deve ser utilizada para a proteção de animais prenhes, pois ela pode causar abortos, defeitos
congênitos e hidrâmnio em ovinos; entretanto, o seu uso pode ser considerado durante um surto, quando os
possíveis efeitos adversos podem ser compensados pelos riscos de uma infecção natural. Embora não tenha sido
provado, teoricamente é possível que o vírus atenuado volte a ser virulento. Estirpes variantes de pequenas
placas e estirpes com mutação induzida têm sido investigadas como potenciais estirpes para vacinas, porém elas
não foram aceitas somo substitutas da estirpe Smithburn. Os surtos de FVR não podem ser previstos e
geralmente têm início súbito. Assim, é recomendável a imunização regular dos cordeiros, aos 6 meses de idade,
de forma a garantir uma proteção por toda a vida. As proles das ovelhas suscetíveis podem ser imunizadas em
qualquer idade. Não é aconselhável o uso de vacinas vivas e atenuadas em países não endêmicos; vacinas de
subunidades de DNA estão sendo desenvolvidas e podem oferecer uma melhor alternativa.
As ovelhas e as vacas prenhes devem ser vacinadas com a vacina inativada em formalina, que proporciona
uma melhor imunidade em bovinos e é segura na gestação. Recomenda­se a revacinação após 3 meses de idade
para induzir uma imunidade que irá durar cerca de 1 ano e conferirá imunidade colostral à prole.
RISCO ZOONÓTICO: As pessoas envolvidas nas atividades pecuárias devem ser alertadas sobre os potenciais
riscos da exposição aos animais e tecidos infectados com o vírus da FVR.

FEBRE EFÊMERA (Enfermidade dos três dias)

A febre efêmera é uma doença viral não contagiosa transmitida por insetos que acomete bovinos e bubalinos na
África, Oriente Médio, Australásia (exceto Papua Nova Guiné e Nova Zelândia) e sul asiático da antiga União
Soviética. As infecções inaparentes podem se desenvolver em búfalos africanos, búbalus, inhacosos, gnus,
cervídeos e, possivelmente, caprinos. Baixos níveis de anticorpos foram relatados em várias espécies de
antílopes e girafas, mas a especificidade não foi confirmada.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O vírus da febre efêmera é classificado como um membro do gênero
Ephemovírus da família Rhabdovidae (RNA de fita única em sentido negativo). O vírus é sensível ao éter e
rapidamente inativado em pH abaixo de 5 e acima de 10. Embora nenhuma evidência de diversidade
imunogênica tenha sido relatada, a variação antigênica foi demonstrada com a utilização de anticorpos
monoclonais e pelo mapeamento de epítopos.
O vírus pode ser transmitido dos bovinos infectados para os suscetíveis pela inoculação IV; quantidades tão
pequenas como 0,005 ml de sangue coletado durante o estágio febril é infectante. Embora o vírus tenha sido
recuperado de algumas espécies de Culicoides e de mosquitos anofelinos e culicíneos coletados a campo, a
identidade dos principais vetores não foi comprovada. Não ocorre transmissão por contato ou fômites. O vírus
aparentemente não persiste nos bovinos recuperados que, frequentemente, apresentam imunidade por toda a
vida.
A prevalência, a extensão geográfica e a gravidade da doença variam de ano para ano, e epidemias ocorrem
periodicamente. O início da epidemia é rápido; muitos animais são afetados dentro de dias ou em 2 a 3 semanas.
A febre efêmera é mais prevalente na estação das chuvas, nos trópicos, e no verão e início do outono, nos
subtrópicos ou regiões temperadas (quando as condições favorecem a multiplicação dos insetos picadores); a
doença desaparece abruptamente no inverno. A distribuição do vírus parece ser limitada pela latitude em vez da
topografia ou da disponibilidade de hospedeiros suscetíveis. A morbidade pode ser tão alta quanto 80%; a
mortalidade global geralmente é de 1 a 2%, embora possa ser maior nas vacas lactantes, touros em boas
condições e animais de engorda (10 a 30%).
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais, que ocorrem subitamente e com diferentes graus de gravidade, podem incluir
febre bifásica a polifásica (40 a 42°C), tremores, inapetência, lacrimejamento, secreção nasal serosa, salivação,
aumento da frequência cardíaca, taquipneia ou dispneia, atonia dos pré­estômagos, depressão, rigidez e
claudicação, bem como diminuição súbita na produção de leite. Os sinais clínicos geralmente são brandos nos
búfalos. Os bovinos afetados podem ficar em decúbito e paralisados por 8 h a > 1 semana. Após a recuperação,
a produção de leite geralmente não consegue retornar aos níveis normais até a próxima lactação. O aborto, com
a perda total do período de lactação, ocorre em aproximadamente 5% das vacas prenhes com 8 a 9 meses. O
vírus parece não atravessar a placenta ou afetar a fertilidade da vaca. Touros, bovinos pesados e vacas leiteiras
de alta produção são gravemente afetados, porém, a recuperação espontânea geralmente ocorre dentro de alguns
dias. Perdas mais insidiosas podem resultar em redução da massa muscular e baixa fertilidade de touros.
Lesões: A febre efêmera é uma doença inflamatória. As lesões mais comuns incluem poliserosite que afeta a
superfície pleural, pericárdica e peritoneal, polisinovite serofibrinosa, poliartrite, politendinite, celulite e necrose
focal dos músculos esqueléticos. Edema generalizado de linfonodos e pulmões e atelectasia também podem
estar presentes.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico baseia­se quase inteiramente nos sinais clínicos durante a epidemia. Todos os
casos clínicos apresentam neutrofilia com a presença de muitas formas imaturas, embora isto não seja
patognomônico. A inflamação serofibrinosa da bainha dos tendões, fáscias e articulações, juntamente com
lesões pulmonares, pode fundamentar um diagnóstico presuntivo.
A confirmação laboratorial é feita por sorologia, e raramente por isolamento viral. O sangue total deve ser
coletado dos bovinos doentes e dos aparentemente saudáveis em rebanhos afetados. As amostras devem ser
suficientes para dois esfregaços sanguíneos, 5 ml de sangue total em anticoagulante (não EDTA) e
aproximadamente 10 ml de soro. A contagem diferencial de leucócitos nos esfregaços sanguíneos pode
sustentar ou descartar o diagnóstico presuntivo.
O vírus foi melhor isolado por meio de inoculação em culturas celulares de mosquito (Aedes albopictus), com
sangue desfibrinado, seguida de transferência para culturas de células renais de filhotes de hamster (BHK­21)
ou de rim de macaco (Vero) após 15 dias. Camundongos lactentes também podem ser utilizados para o
isolamento primário por meio de inoculação intracerebral. Os vírus isolados são identificados pela PCR, testes
de neutralização com antissoro específico para o vírus da febre efêmera e ELISA com o uso de anticorpos
monoclonais específicos. O teste de neutralização e o ELISA de bloqueio são recomendados para a detecção de
anticorpos e apresentam resultados semelhantes. Um aumento de 4 vezes nos títulos de anticorpos das amostras
de soro pareadas coletadas em intervalos de 2 a 3 semanas confirmam a infecção.
TRATAMENTO E CONTROLE: O descanso completo é o tratamento mais efetivo e os animais em recuperação não
devem ser estressados ou utilizados em trabalhos devido ao risco de recidiva. Os medicamentos anti­
inflamatórios administrados no início e em doses repetidas por 2 a 3 dias são eficazes. A via de administração
oral deve ser evitada, a menos que o reflexo de deglutição esteja funcional. Os sinais de hipocalcemia são
tratados como na febre do leite (p. 1058). O tratamento com antibióticos para controlar a infecção secundária e a
reidratação com fluidos isotônicos pode ser justificável.
As vacinas com o vírus atenuado parecem ser eficazes, mas só devem ser utilizadas nas áreas endêmicas. As
vacinas com o vírus inativado não produzem proteção por longos períodos em desafios experimentais com o
vírus virulento e não podem garantir imunidade duradoura, mas estimulam a produção da imunidade produzida
pela vacina com vírus vivo. Embora tenha sido descrito que a vacina de subunidade protege contra o desafio a
campo e laboratorial, ela não está comercialmente disponível. A eficácia do controle dos vetores ainda é incerta,
pois os insetos vetores não estão totalmente identificados. Não há evidências de que os humanos possam ser
infectados.

FEBRE HEMORRÁGICA DA CRIMEIA-CONGO

A febre hemorrágica da Crimeia­Congo (FHCC) é uma grave doença viral hemorrágica dos seres humanos
adquirida a partir de carrapatos infectados, tecidos de animais silvestres ou domésticos infectados e pacientes
humanos com a doença.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O agente etiológico, o vírus da FHCC (gênero Nairovírus, família Bunyaviridae),
é envelopado e com RNA de fita simples de senso negativo. O vírus foi relatado em uma extensa área que vai da
África do Sul, sul da Europa, Eurásia até regiões do oeste da China. O vírus está principalmente associado aos
carrapatos do gênero Hyalomma, embora também já tenha sido isolado em outros gêneros de carrapatos
ixodídeos. A distribuição global do vírus aproxima­se da distribuição do carrapato Hyalomma spp. Análises
recentes do genoma do vírus sugerem a existência de uma diversidade genética significativa correlacionada com
a origem geográfica do vírus. Entretanto, as anormalidades desses padrões sugerem que a dispersão dos
carrapatos hospedeiros pelos animais silvestres migratórios, como pássaros, ou a movimentação dos animais de
produção pelos seres humanos, podem perturbar a distribuição geográfica “normal” das subpopulações do vírus
da FHCC.
TRANSMISSÃO E PATOGENIA: O vírus replica­se no carrapato hospedeiro quando este passa da fase larval para o
estágio adulto (transmissão transestadial) e também pode ser transmitido de uma geração para outra
(transmissão transovariana). Assim, o carrapato não apenas é um vetor, mas como também pode ser um
reservatório do vírus na transmissão vertical. Pequenos roedores, lagomorfos e pássaros foram incriminados
como fontes de infecção para os estágios imaturos dos carrapatos, enquanto a maior parte dos Hyalomma spp é
multi­hospedeiro e utiliza grandes vertebrados como hospedeiro para o estágio adulto de seu ciclo de vida.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Nas inoculações experimentais, os ovinos e os bovinos se tornam
infectados, mas desenvolvem apenas um aumento leve e transitório da temperatura corporal com pouca
evidência da doença clínica. Os níveis de viremia e sua duração são relativamente baixos e curtos, e os
anticorpos são detectáveis durante um breve período após o término da viremia. Alguns testes (principalmente o
ELISA para IgG) podem detectar anticorpos pelo resto da vida do animal, enquanto outros testes, como fixação
do complemento e reação de imunofluorescência indireta, podem detectar anticorpos por curtos períodos após a
infecção. A prevalência de anticorpos nas espécies adultas dos animais de produção nas regiões endêmicas pode
ser > 50%.
TRATAMENTO: O fármaco antiviral ribavirina tem sido utilizado no tratamento da doença em seres humanos na
África do Sul, embora o ensaio placebo­controlado não tenha sido concluído. A ausência significativa da doença
clínica nos animais de produção justifica o não tratamento.
CONTROLE E PREVENÇÃO: As estratégias para o controle da infecção humana inclui a prevenção da picada dos
carrapatos com a utilização de repelentes e proteção adequada durante o abate e manejo dos animais. O
movimento dos animais não infectados para as áreas endêmicas possibilita a amplificação d o vírus nos animais
vertebrados e aumenta os riscos de doença ocupacional em açougueiros e funcionários de curtume; o controle
dos carrapatos quando os animais não infectados e os animais endêmicos estão misturados é fundamental. Os
profissionais de saúde devem utilizar equipamentos de proteção individual e precauções básicas durante o
tratamento dos pacientes suspeitos.

FEBRE PETEQUIAL BOVINA (Doença de Ondiri)


A febre petequial bovina é uma riquetsiose bovina caracterizada por febre alta, hemorragias e edema. Sua
ocorrência foi confirmada apenas no Quênia e na Tanzânia, em altitudes > 1.500 m, embora também possa
ocorrer nos países vizinhos de topografia semelhante. A importância da febre petequial bovina está na ameaça
que representa para o desenvolvimento dos rebanhos de leite nas montanhas do leste da África, porém, nenhum
surto foi relatado por mais de uma década.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: A doença é causada por Ehrlichia ondiri, uma riquétsia intracelular que se aloja
nos vacúolos citoplasmáticos dos leucócitos circulantes. O microrganismo pode se multiplicar após a infecção
experimental em bovinos, ovinos, caprinos, antílopes, duikers, impalas, gazelas de Thomson e gnus e, portanto,
provavelmente na maioria dos ruminantes domésticos e silvestres. Acredita­se que E. ondiri seja endêmica nos
ruminantes selvagens, particularmente nos antílopes, e esporadicamente atinge os bovinos domésticos que
pastam em áreas marginais das florestas e arbustos.
A doença se restringe às áreas de arbustos ou margens de florestas, que apresentam muita sombra e com
camada espessa de matéria orgânica que proporciona alta umidade relativa, e com uma população remanescente
de antílopes e duikers, dois ruminantes selvagens que provavelmente são os principais reservatórios da doença.
A doença ocorre esporadicamente durante o ano todo em raças importadas de bovinos. A forma de transmissão
da doença é desconhecida. Como observado em outras riquetsioses, suspeita­se de um vetor artrópode, mas
extensas tentativas de incriminar carrapatos, insetos picadores e ácaros fracassaram.
PATOGENIA: A via de infecção não é conhecida, mas E. ondiri pode ser observada nos granulócitos circulantes
(neutrófilos e eosinófilos) e monócitos enquanto o bovino está enfermo e no baço na necropsia. Os estudos com
microscopia eletrônica mostraram que E. ondiri também pode infectar células endoteliais e células de Kupffer e
pode estar livre nos lúmens dos capilares cardíacos. Acredita­se que E. ondiri inicialmente se multiplica no
baço, com subsequente disseminação para outras áreas. Os danos no endotélio vascular poderiam explicam as
hemorragias e o edema, como ocorre em outras infecções por riquétsias.
ACHADOS CLÍNICOS: A doença é caracterizada por febre alta flutuante, apatia, baixa produção de leite e
petéquias disseminadas nas membranas mucosas. Após um período de incubação de 4 a 14 dias, os animais
desenvolvem febre alta, 2 a 3 dias depois, e a maioria dos animais apresenta­se apático e com petéquias na
membrana mucosa, particularmente na superfície inferior da língua e na mucosa vaginal. Essas hemorragias
aumentam durante vários dias e então regridem quando o animal começa a se recuperar. Edema conjuntival
acentuado e hemorragia (“olhos de ovo poché”) são característicos em alguns casos graves. Os sacos
conjuntivais estão inchados e evertidos ao redor do globo ocular tenso e protruso, podendo haver sangue no
humor aquoso. As vacas prenhes podem abortar, mais provavelmente devido à febre alta. Outros sinais clínicos
estão ausentes. A taxa de mortalidade nos casos não tratados pode ser alta, chegando a 50% nos animais
importados ou recém­introduzidos na área. As infecções latentes se desenvolvem após a recuperação de alguns
animais, especialmente do gado local e dos antílopes. Após a recuperação da doença, os bovinos afetados ficam
imunes ao desafio experimental por 2 anos.
Lesões: Tipicamente, a eosinopenia e a linfopenia são marcantes, seguidas por uma neutropenia igualmente
acentuada. A anemia é caracteristicamente uma sequela e os microrganismos podem ser observados em
esfregaços sanguíneos e do baço corados com Giemsa. À necropsia, as hemorragias disseminadas na mucosa e
serosa e o edema são acompanhados de hiperplasia linfoide. Os órgãos frequentemente afetados incluem
coração, trato gastrintestinal (dos pré­estômagos ao cólon), fígado, vesícula biliar, rins e bexiga urinária O
edema é caracterizado por um fluido gelatinoso no tecido conjuntivo intermuscular, linfonodos e abomaso. Não
foram descritas anormalidades histológicas características, porém, há proliferação vascular com edema
endotelial acentuado e infiltração mononuclear moderada.
DIAGNÓSTICO: Nas áreas onde a doença é endêmica, o histórico de transferência dos animais para áreas
marginais de florestas, acompanhado de sinais clínicos e de lesões pós­morte, permite um diagnóstico
presuntivo. O diagnóstico definitivo requer a demonstração do microrganismo causal em esfregaços de sangue
ou do baço corados com Giemsa, ou por microscopia eletrônica. E. ondiri cora­se de azul com o Giemsa e pode
ser observado como pequenos corpúsculos (0,4 μm), corpúsculos grandes (1 a 2 μm), grupos de corpúsculos
pequenos e grandes e grupos ou mórulas de pequenos corpúsculos. Eles são observados em vacúolos
citoplasmáticos e são frequentemente vistos em neutrófilos. Suspensões teciduais (baço) também podem ser
inoculadas em bovinos ou ovinos suscetíveis. Esfregaços sanguíneos do animal receptor devem ser feitos
diariamente por até 10 dias, período no qual E. ondiri deve ser detectado nos neutrófilos. É difícil diferenciar
esta doença de outras doenças hemorrágicas dos bovinos, como a febre do Vale Rift, tripanossomose aguda
(doença hemorrágica por Trypanosoma vivax), teileriose aguda, caudriose, sepse hemorrágica e intoxicação por
samambaia.
TRATAMENTO E CONTROLE: A ditiosemicarbazona e a tetraciclina tem sido utilizadas com sucesso no tratamento
inicial de casos experimentais, porém, são ineficazes nos casos avançados. A ditiosemicarbazona parece ser
mais eficaz. Nas áreas endêmicas, a doença pode ser prevenida evitando­se o acesso a áreas associadas a casos
anteriormente relatados. Entretanto, essa estratégia nem sempre é prática.

FEBRE TRANSMITIDA POR CARRAPATOS (Febre da

pastagem)

A febre transmitida por carrapatos é uma doença febril dos ruminantes domésticos e de vida livre de regiões
temperadas da Europa. Ela é prevalente em ovinos e bovinos no Reino Unido, Irlanda, Noruega, Finlândia,
Holanda, Áustria e Espanha. A doença é transmitida pelo carrapato duro Ixodes ricinus. Uma doença similar,
transmitida por outros carrapatos, foi descrita na Índia e África do Sul. Os principais hospedeiros são os ovinos
e bovinos, mas os caprinos e cervos também são suscetíveis.
ETIOLOGIA: O agente causal, Anaplasma phagocytophilum, é atualmente classificado como um membro da
ordem Rickettsiales, da família Anaplasmataceae, que inclui os agentes granulocíticos, formalmente conhecidos
como Erlichia phagocytophila, Erlichia equi e o agente da erliquiose granulocítica humana.
O microrganismo infecta eosinófilos, neutrófilos e monócitos, nessa ordem. As inclusões citoplasmáticas são
visíveis como corpúsculos azul­acinzentados em esfregaços de sangue corados com Giemsa e podem conter
uma ou mais partículas riquetsiais de tamanhos e formas variáveis. Os variados tipos morfológicos nas inclusões
citoplasmáticas não representam estágios de desenvolvimento, como nas clamídias, mas sim colônias riquetsiais
no interior dos vacúolos citoplasmáticos.
A doença é transmitida pelo carrapato duro I. ricinus. Os carrapatos adultos infectados na fase larval ou de
ninfa podem ser transmissores, assim como as ninfas infectadas na fase larval, mas aparentemente as infecções
não passam das fêmeas adultas para as larvas via ovo. As riquétsias podem sobreviver nos carrapatos infectados
por longos períodos e, como I. ricinus pode sobreviver > 1 ano sem se alimentar à espera de um novo
hospedeiro, os carrapatos infectados no estágio anterior podem permanecer infectados após longos períodos de
hibernação. A transmissão imediata da infecção pela injeção de sangue contaminado sugere que o
microrganismo possa ser transmitido mecanicamente por meio da picada de insetos. Além disso, se os
microrganismos relatados como causadores de uma doença similar nos ruminantes da Índia e África do Sul
forem de fato A. phagocytophilum, é provável que outros carrapatos, além de I. ricinus estejam envolvidos.
ACHADOS CLÍNICOS: Após a infestação com carrapatos infectados, o período de incubação pode ser de 5 a 14
dias, mas após a injeção com sangue infectado, o período de incubação é de 2 a 6 dias. Nos ovinos, o principal
sinal clínico é uma febre súbita (40,5°C a 42°C) durante 4 a 10 dias. Outros sinais podem estar ausentes ou
serem brandos, mas os animais geralmente apresentam apatia e podem perder peso. As frequências respiratória
e cardíaca geralmente estão aumentadas, com desenvolvimento frequente de tosse.
Nos bovinos, a doença é conhecida como febre da pastagem em muitas partes da Europa, inclusive Finlândia,
Noruega, Áustria, Espanha e Suíça. A doença ocorre como uma pequena epidemia anual, quando as novilhas e
vacas leiteiras são transferidas para as pastagens na primavera e no início do verão. Dentro de dias, as vacas
ficam apáticas e deprimidas, com acentuada perda de apetite e diminuição da produção de leite. As vacas
afetadas geralmente apresentam tosse e dificuldade respiratória. Os sinais clínicos são mais evidentes e mais
longos nos animais recém­adquiridos do que nos animais do rebanho local. Frequentemente, a recomendação
veterinária é a de manter o animal em observação após uma queda abrupta da produção de leite.
Ocorrem abortos em ovelhas suscetíveis e vacas recém­introduzidas em pastos infestados por carrapatos
durante os estágios finais da gestação, entre 2 e 8 dias após o início da febre. Com exceção das ovelhas que
abortam, a morte pela febre transmitida por carrapatos é rara. A qualidade do sêmen de carneiros e touros
infectados pode ser muito reduzida. A variação da gravidade dos efeitos clínicos pode estar relacionada com
diferenças entre cepas de A. phagocytophilum ou a suscetibilidade dos hospedeiros.
Talvez o efeito mais significativo da infecção seja o grave comprometimento dos mecanismos de defesas
humoral e celular, que resulta no aumento da suscetibilidade a infecções secundárias, como piemia por
carrapatos, pasteurelose pneumônica, encefalomielite ovina e listeriose.
Lesões: A febre transmitida por carrapatos é caracterizada por alterações hematológicas transitórias, mas
distintas. Uma neutrofilia moderada desenvolve­se 2 a 4 dias após a infecção natural ou experimental e é
seguida de grave leucopenia devido à linfocitopenia e neutropenia. A linfocitopenia dura de 4 a 6 dias, enquanto
a neutropenia desenvolve­se progressivamente e torna­se mais evidente cerca de 10 dias após a infecção.
Estudos com anticorpos monoclonais, que reconhecem os marcadores de superfície dos subgrupos de linfócitos,
mostraram que tanto os linfócitos T quanto os linfócitos B estavam reduzidos. O número de eosinófilos
circulantes também diminui por até 2 semanas. Após o período febril, o número de monócitos pode aumentar.
No pico da reação, > 90% dos neutrófilos e eosinófilos circulantes podem estar infectados. Os monócitos são
predominantemente infectados durante os estágios finais da bacteriemia, enquanto os granulócitos geralmente
são infectados durante todo o período de bacteriemia. Também há relatos de diminuição do número de
trombócitos circulantes durante o período febril e síndromes hemorrágicas ocasionais associadas à febre
transmitida por carrapatos provavelmente estão relacionadas com a redução de trombócitos circulantes.
DIAGNÓSTICO: Em ovinos, um início de febre alta durante a primavera e o verão, em áreas infestadas por
carrapatos, associado a mudanças hematológicas e à presença de inclusões no interior de granulócitos ou à
detecção de DNA específico pela PCR são diagnósticos. A PCR e outros métodos moleculares são úteis
principalmente durante os estágios finais da bacteriemia primária e durante a infecção persistente, quando é
difícil a detecção dos corpúsculos de inclusão nos esfregaços sanguíneos. A doença clínica geralmente é
observada apenas em cordeiros jovens nascidos em áreas infestadas por carrapatos ou em animais mais velhos
recém­introduzidos nessas áreas. A demonstração dos corpúsculos de inclusão típicos nos esfregaços
sanguíneos ou do DNA específico pela PCR deve indicar a associação da febre transmitida por carrapatos com
casos de piemia por carrapatos e abortos, principalmente quando os abortos ocorrem após a transferência dos
animais prenhes de áreas livres para pastos infestados por carrapatos. A infecção pode ser estabelecida
retrospectivamente pela demonstração do aumento dos títulos de anticorpos por imunofluorescência indireta ou
ELISA.
Nos bovinos leiteiros afetados, os principais sinais são abortos e súbita diminuição na produção de leite.
Outro sinal clínico comum nos bovinos infectados é a doença respiratória após a introdução do rebanho em
áreas de pastagem infestadas por carrapatos. A febre transmitida por carrapatos também deve ser considerada
quando ocorrem abortos e natimortos, principalmente em novilhas, logo após a introdução dos animais em
pastos infestados por carrapatos. Além disso, nas áreas onde a doença é enzoótica, os esfregaços sanguíneos
devem ser examinados quanto à presença do microrganismo em todos os casos de aborto em ovinos e bovinos e
quando a produção de leite é rapidamente reduzida após retorno dos animais ao pasto.
TRATAMENTO E CONTROLE: O tratamento com oxitetraciclinas de curta ação é considerado o mais eficiente,
uma vez que outros antibióticos como a penicilina, estreptomicina e ampicilina não previnem as recidivas. A
sulfametazina também é útil. Se os bovinos leiteiros forem tratados com oxitetraciclinas, a pirexia é reduzida
rapidamente e a produção de leite é restabelecida em poucos dias.
Há três aspectos importantes de controle: controle do vetor, quimioterapia e imunidade. O controle efetivo
pode ser obtido pela eliminação ou redução acentuada do contato com o carrapato vetor, mantendo ovinos e
bovinos em pastagens livres de carrapatos ou com a utilização de acaricidas. No manejo de ovinos, é comum
manter as ovelhas e os cordeiros em um cercado, em pastagens relativamente livres de carrapatos até o cordeiro
completar cerca de 6 semanas de idade. O cordeiro também é beneficiado com a melhor nutrição da ovelha. O
banho de imersão em cordeiros com 1 a 2 semanas de idade não é uma prática comum devido à dificuldade de
arrebanhamento dos cordeiros em fazendas montanhosas muito extensas, ao risco do cordeiro se perder de sua
mãe e à relativa curta duração da proteção proporcionada pelos acaricidas, possivelmente devido ao pelo curto e
à rápida taxa de crescimento dos cordeiros. Entretanto, dois banhos de imersão com intervalos de 2 a 3 semanas
ou o uso de preparações pour­on ou de outras aplicações tópicas em cordeiros, antes de serem levados dos
piquetes maternidade para as pastagens de montanhas, são referidos como efetivos no controle dos carrapatos.
Os animais prenhes não devem ser transferidos de pastos livres para pastos infestados de carrapatos.
Nas áreas enzoóticas, o tratamento com tetraciclinas de longa ação pode ser utilizado como uma medida
profilática. Quando os animais suscetíveis, particularmente ovelhas e vacas prenhes e cordeiros recém­nascidos,
são levados de áreas livres de carrapatos para áreas infestadas, pode ser necessário combinar o banho de imersão
com o uso profilático das tetraciclinas de longa duração. O tratamento dos cordeiros nas primeiras 2 a 3
semanas de vida pode ser protetor por até 3 semanas e auxilia na redução de infecções secundárias, como
piemia por carrapatos, pasteurelose e colibacilose. Ele também pode melhorar a taxa de crescimento dos
animais.
Vários aspectos da imunidade permanecem controversos, mas geralmente é aceito que os ovinos e bovinos
são imunes ao desafio após a recuperação de um ou dois episódios da doença clínica causada pela febre
transmitida por carrapatos. A imunidade pode durar vários meses, mas diminui rapidamente se os animais forem
removidos das áreas infestadas por carrapatos. As infecções secundárias geralmente são leves já que a
imunidade residual persiste. Há graus variáveis de proteção cruzada entre as cepas de A. phagocytophilum. Não
há vacinas efetivas disponíveis para proteger os ruminantes contra a forma clínica da febre transmitida por
carrapatos. Entretanto, se os animais suscetíveis forem levados para pastagens infestadas por carrapatos, pode­se
optar pela infecção intencional dos animais e realização de tratamento com oxitetraciclina antes ou
imediatamente após o início da febre. Isto permite a multiplicação do microrganismo e, portanto, a estimulação
das respostas imunes sem a ocorrência de uma doença clínica não controlada; uma duração mínima da
bacteriemia pode ser necessária para o desenvolvimento da imunidade protetora. Como nem todas as cepas de
A. phagocytophilum apresentam proteção cruzada, cepas específicas da área devem ser utilizadas.

HISTOFILOSE

A histofilose, ou doença associada ao Histophilus somni, é uma doença comum nos rebanhos bovinos da
América do Norte. Também foi relatado que a doença ocorre esporadicamente nos rebanhos de carne e leite em
todo o mundo. H. somni causa, predominantemente, uma doença septicêmica aguda, muitas vezes fatal, que
pode envolver os sistemas respiratório, cardiovascular, musculoesquelético ou nervoso, isoladamente ou em
conjunto, nos bovinos confinados. Enquanto o sistema reprodutivo geralmente é afetado sem nenhum sinal
clínico ou sem outro envolvimento sistêmico, há relatos de aumento nas ocorrências de infertilidade no rebanho.
ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO: H. somni é um cocobacilo pleomórfico, não encapsulado, não formador de

esporos, imóvel, Gram­negativo que necessita de um meio de enriquecimento e atmosfera microaerófila para a
cultura. A hemólise em ágar­sangue ocorre dentro de 48 h devido à endotoxina produzida pela maioria dos
isolados que causam a doença. As cepas patogênicas e não patogênicas devem ser bem diferenciadas. A
virulência do microrganismo pode variar de acordo com a região e o grupo etário.
H. somni é considerado um comensal das membranas mucosas de bovinos. As cepas patogênicas e não
patogênicas de H. somni são encontradas na bainha e no prepúcio dos machos, na vagina das fêmeas e na
passagem nasal de ambos os sexos. Acredita­se que as secreções nasal e urogenital são as fontes do
microrganismo. O microrganismo pode colonizar o trato respiratório, provavelmente após a inalação, e atingir a
corrente sanguínea por essa via. A colonização do trato reprodutivo de machos e fêmeas envolve a disseminação
venérea.
EPIDEMIOLOGIA: Os bezerros recentemente desmamados estão sob maior risco de infecção e morte pela
histofilose do que os bezerros desmamados mais velhos, animais de sobreano ou animais maduros. O risco de
infecção por H. somni é maior no início do período de alimentação, com alto risco para os bezerros em
confinamento e estabelecimento de picos de títulos para H. somni em cerca de 21 a 23 dias após a chegada.
Embora os bezerros sejam geralmente expostos ao H. somni no início do período de alimentação, foi relatado
que o tempo médio entre o início da alimentação até morte dos bezerros por histofilose foi de 30 a 60 dias. A
morte súbita decorrente de sepse hiperaguda geralmente ocorre dentro de 21 dias após a chegada, embora ela
possa ocorrer durante todo o período de alimentação. A manifestação da doença reprodutiva, inclusive
vulvovaginite granular, aborto e mastite, pode afetar um ou mais bovinos dos rebanhos de leite ou corte.
PATOGENIA: É provável que haja necessidade de sepse para a maioria das formas da histofilose. As cepas de H.
somni que causam a doença aderem ao endotélio dos vasos, resultando em contração, exposição do colágeno,
adesão plaquetária e formação de trombos. O mecanismo primário da doença provavelmente envolve um
trombo em vez de um tromboembolismo, como se acreditava. Algumas cepas bacterianas podem se aderir aos
vasos do endotélio da pleura, miocárdio, pericárdio, membrana sinovial e outros tecidos (p. ex., cérebro,
laringe). A interrupção do suprimento sanguíneo nestas áreas resulta na formação de um infarto, com destruição
do tecido e formação de sequestro necrótico. O desenvolvimento dos sinais clínicos está associado ao grau de
envolvimento dos sistemas de órgãos. A suscetibilidade individual dos animais e as variações na preferência das
cepas dos microrganismos pelos vasos de diferentes tecidos podem ser importantes no desenvolvimento de
diferentes formas da doença, porém, este assunto não tem sido muito estudado.
A aparente preferência do H. somni para diferentes sistemas de órgãos define a característica mutável da
histofilose. Inicialmente a doença apresenta­se como uma síndrome encefalítica que muda para as formas
pleurítica e miocárdica. Observações pontuais sugerem que o microrganismo pode mudar novamente (p. ex., de
miocardite focal para uma mais generalizada). Estudos microbiológicos recentes do microrganismo
identificaram uma variedade de mecanismos que contribuem para sua virulência diversa e capacidade de
resistência ao tratamento.
Os problemas reprodutivos não foram associados à infecção sistêmica; a inflamação aparenta ser mais
localizada, apesar da patogênese nestas situações não estar bem definida.
ACHADOS CLÍNICOS: A morte súbita geralmente é a primeira indicação de infecção por H. somni em um grupo
de animais confinados e frequentemente é confundida pelos funcionários como uma evidência de um distúrbio
do trato digestório, como timpanismo. Depressão profunda foi descrita como o sinal mais notável da histofilose
encefalítica. Outros achados são determinados pelo sistema(s) envolvido(s) e podem incluir respiração rápida,
rigidez, fraqueza muscular, ataxia, claudicação e graves alterações de comportamento. Os animais afetados pela
forma histofilose pleurítica geralmente são encontrados mortos, sem qualquer histórico de tratamento; se
sobreviverem, eles podem exibir dispneia extrema. Os animais com miocardite apresentam baixa tolerância ao
exercício e podem entrar em colapso e vir a óbito quando movimentados para o tronco de contenção. Os
animais com a forma encefalítica e depressão precoce rapidamente ficam em decúbito, com sinais ocasionais de
hiperestesia antes do óbito. Os animais encontrados mortos e confirmados com infecção por H. somni
geralmente possuem histórico de tratamento para febre indiferenciada ou depressão nos 14 dias precedentes.
Um exame individual mais detalhado geralmente revela um animal que está febril. Polipneia e/ou dispneia
podem estar evidentes e são facilmente confirmadas por meio de auscultação. Hipoxemia associada a um mau
funcionamento do sistema pulmonar ou cardiovascular podem ser facilmente confundidos com outros sinais
clínicos como depressão ou até mesmo cegueira. Uma amostra estéril de sangue obtida de um animal não
tratado neste momento testa positivo para H. somni em uma alta porcentagem dos casos.
Lesões: Bovinos confinados que morrem com suspeita de histofilose devem ser submetidos a exame
necroscópico. Estes animais podem exibir um conjunto de achados pós­morte, inclusive pleurite fibrinosa sem
broncopneumonia, lesão focal do miocárdio (frequentemente no músculo papilar do ventrículo esquerdo),
pericardite fibrinosa, broncopneumonia, poliartrite e laringite fibrinosa. As lesões macroscópicas pós­morte
menos comuns incluem poliserosite, gonite fibrinosa e meningite fibrinopurulenta.
Nos animais que sobrevivem tempo suficiente para permitir o progresso da patologia, a porção fibrinosa das
lesões torna­se necrótica e as áreas de infartos ou sequestros no coração ou na laringe se liquefazem e são
encapsuladas, formando um abscesso. As lesões no trato reprodutivo podem incluir vaginite supurativa,
cervicite e endometrite.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico definitivo é baseado na amostragem e no exame dos tecidos afetados coletados
durante a necropsia ou exame clínico. Historicamente, o isolamento do microrganismo do FCE, cérebro, sangue,
urina, fluido articular e outros órgãos ou fluidos internos, estéreis, é utilizado para confirmar o diagnóstico.
Como H. somni é um comensal das membranas mucosas dos bovinos, a bactéria deve ser isolada em cultura
predominante ou pura do trato respiratório ou urogenital, sendo considerado significativo agente etiológico. Isto
pode ser difícil uma vez que o tratamento com antimicrobianos frequentemente interfere na recuperação do
microrganismo. As lesões histológicas características são supurativas com denso infiltrado de neutrófilos em
todos os tecidos onde a bactéria está localizada. Atualmente o diagnóstico é confirmado por técnicas
moleculares, como a coloração imunoistoquímica dos tecidos corados com H&E ou um suabe de uma lesão
recente submetido a um teste de PCR específico.
TRATAMENTO E PREVENÇÃO: O maior obstáculo para o sucesso do tratamento dos casos individuais de

histofilose é a dificuldade para identificar os animais afetados no início do curso da doença devido a sua
natureza rápida e fatal. O tratamento com antimicrobianos é mais efetivo nos estágios iniciais da doença.
Florfenicol (20 mg/kg, IM, repetido em 48 h, ou dose única de 40 mg/kg, SC,) pode ser o antimicrobiano de
escolha se há suspeita de histofilose em um único animal.
As evidências que sustentam o uso de tratamento profilático ou metafilático com antimicrobianos ou com
suplemento antimicrobiano oral no alimento na chegada dos animais ao confinamento ou na ocorrência de
casos, para reduzir a mortalidade pela histofilose, são escassas. Isto contrasta com a evidência de que H. somni é
suscetível in vitro a uma ampla gama de antimicrobianos, inclusive florfenicol, tilmicosina, tulatromicina,
tetraciclinas, trimetoprima­sulfadoxina, fluorquinolonas e ceftiofur. O mecanismo exato pelo qual o
microrganismo é capaz de evitar os níveis sanguíneos não é bem conhecido.
Bacterinas contendo diferentes cepas do microrganismo têm sido utilizadas para imunizar os bovinos contra
H. somni. A resposta humoral favorável gerada por uma única dose de vacina comercial foi melhorada quando
reforçada com uma segunda dose. Bezerros inicialmente imunizados antes do turn out (idade estimada de 2
meses) responderão a uma segunda imunização anamnesticamente na chegada ao confinamento após o
desmame. Enquanto há relatos de proteção com a utilização das atuais bacterinas e imunógenos contra a
morbidade e mortalidade causada pela histofilose, a capacidade da imunização em proteger consistentemente os
bovinos da doença é comprometida quando a imunização e a mudança ocorrem ao mesmo tempo (ou seja, na
chegada ao confinamento).

LEUCOSE BOVINA (Linfossarcoma bovino, Leucemia,

Linfoma maligno)
O linfossarcoma bovino pode ser esporádico ou resultar da infecção pelo vírus da leucemia bovina (VLB); a
última frequentemente é referida como leucose enzoótica bovina. O linfossarcoma esporádico nos bovinos não
está relacionado com a infecção pelo VLB. Apesar da falta de associação, os animais com linfossarcoma
esporádico podem eventualmente ser infectados com o vírus. O linfossarcoma esporádico pode se manifestar de
3 formas principais: juvenil, tímica e cutânea. O linfossarcoma juvenil ocorre frequentemente nos animais com
menos de 6 meses de idade, o linfossarcoma tímico afeta os bovinos com 6 a 24 meses de idade e o
linfossarcoma cutâneo é mais comum nos bovinos com 1 a 3 anos de idade.
ETIOLOGIA, TRANSMISSÃO E EPIDEMIOLOGIA: A leucose enzoótica bovina é causada pelo VLB, um retrovírus
oncogênico exógeno do tipo C relacionado com o grupo dos vírus T­linfotrópicos humanos. O VLB tem um
genoma estável, não causa viremia crônica e não possui um local preferido para a integração proviral. Apesar da
ausência de locais preferidos para a integração proviral, os tumores gerados em um único indivíduo são
tipicamente monoclonais e possuem um único local de integração. Os vírus escapam da resposta imune devido
ao baixo nível de replicação viral. Aparentemente a replicação é bloqueada em nível transcripcional, mas o
mecanismo não está completamente esclarecido.
A prevalência da infecção pelo VLB varia de país para país. Muitos países europeus, Austrália e Nova
Zelândia têm programas de erradicação em andamento e que levaram a taxas insignificantes de infecção por
VLB. Embora os programas de controle voluntários estejam em andamento nos EUA, a prevalência é alta
quando comparada com grande parte do resto do mundo. As pesquisas mais recentes nos EUA estimam que
44% do gado leiteiro e 10% do gado de corte estão infectados pelo vírus. A prevalência tende a aumentar no
gado leiteiro com o aumento do tamanho do rebanho, enquanto o inverso ocorre no gado de corte. Em geral, a
prevalência da infecção viral aumenta com a idade.
Os bovinos são infectados pelo VLB por meio de transfusão sanguínea e produtos do sangue que contêm
linfócitos infectados. Uma vez infectado, o bovino desenvolve uma resposta de anticorpos por toda a vida,
primariamente à proteína gp51 do envelope e à proteína p24 do capsídio. Os linfócitos B abrigam o provírus
integrado, mas raramente expressam as proteínas virais na superfície de suas células. O local exato da replicação
e expressão viral e que induz a resposta imune permanece indefinido.
Sob condições experimentais, a maioria das vias de exposição viral pode transmitir a infecção com sucesso.
Entretanto, muitas destas vias são improváveis de serem encontradas naturalmente. Vários fluidos corporais,
inclusive urina, fezes secreções respiratórias, sêmen, fluidos uterinos e embrionários foram examinados em
relação a sua capacidade de transmissão do VLB e foram considerados não infecciosos. Apenas em raras
ocasiões o vírus foi encontrado nestes fluidos. O colostro de vacas positivas para o VLB contém o vírus e
mostrou­se infeccioso experimentalmente. Contudo, o colostro também contém grande quantidade de anticorpos
e acredita­se que os efeitos protetores dos anticorpos colostrais superam o potencial infeccioso quando o
colostro é administrado de forma normal.
A maioria das transmissões do VLB é horizontal. O contato físico próximo entre bovinos positivos e
negativos para o VLB é sabidamente um fator de risco. Muitas práticas de manejo foram implicadas na
transmissão viral, inclusive identificação, descorna, palpação retal, injeções e coleta de sangue. Os vetores como
os tabanídeos e outros insetos hematófagos também podem transmitir o vírus. A transmissão vertical pode
ocorrer pela via transplacentária (da fêmea infectada para o seu feto), intraparto (pelo contato com sangue
infectado) ou pós­parto (da fêmea para o bezerro) pela ingestão do colostro infectado. Qualquer material que
esteja contaminado com sangue ou rico em linfócitos tem potencial para infectar animais com o VLB.
PATOGENIA: Há três principais formas em um bovino infectado pelo VLB. A maioria dos animais permanece
persistentemente infectada e sem nenhum sinal clínico. Aproximadamente 29% dos bovinos infectados pelo
VLB desenvolvem linfocitose persistente, enquanto < 5% dos bovinos infectados com o VLB desenvolvem
linfossarcoma.
A linfocitose persistente é referida às vezes como síndrome pré­neoplásica, porém, não há qualquer
evidência convincente de que os bovinos infectados são mais sujeitos a desenvolver linfossarcoma. Os linfócitos
presentes na linfocitose persistente não são neoplásicos, embora possam ter pequenas alterações reativas
compatíveis com esfregaços normais de bovinos. A linfocitose persistente é considerada uma condição benigna
associada à infecção pelo VLB. Por este motivo esta forma frequentemente é negligenciada. Entretanto, as vacas
podem servir como reservatórios da infecção. O aumento da contagem de linfócitos é atribuído ao aumento de
45 vezes das células B CD5+ e de 99 vezes das células B CD5­. Foi sugerido que as vacas com linfocitose
persistente apresentam maior risco de passar a infecção do VLB para os seus bezerros no útero e podem
apresentar queda da produção de leite e alteração dos componentes do leite.
O linfossarcoma é raramente visto nos animais < 2 anos de idade e é mais comum no grupo de 4 a 8 anos de
idade. Menos de 5% dos bovinos infectados pelo VLB desenvolve linfossarcoma. O linfossarcoma, inclusive a
forma esporádica e enzoótica, é uma das principais causas de condenação no abate.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos associados ao desenvolvimento de lifossarcoma são muito variados, com
o órgão afetado ditando os sinais clínicos predominantes.
O linfossarcoma juvenil é frequentemente caracterizado pelo início súbito de hiperplasia linfoide difusa com
ou sem o envolvimento de órgãos viscerais. Perda de peso, febre, taquicardia, dispneia, timpanismo e paresia
posterior foram descritos nesta forma de linfossarcoma. Linfocitose intensa (> 50.000/μl) frequentemente
acompanha esta forma fatal de linfossarcoma. O linfossarcoma tímico pode envolver o lobo cervical ou
intratorácico, ou ambos. Os sinais clínicos associados a esta forma de linfossarcoma dependem da localização e
do tamanho do tumor. Um inchaço cervical pode ser evidente. Dispneia, timpanismo, distensão da jugular,
taquicardia, edema anterior e febre foram documentados. A população de células afetadas é a de linfócitos
imaturos e pouco diferenciados. O linfossarcoma cutâneo se apresenta como placas cutâneas de 1 a 5 cm de
diâmetro, na região do pescoço, dorso, traseiro e membro posterior. Os linfonodos regionais também podem
estar aumentados. Esta forma de linfossarcoma pode apresentar remissão espontânea; entretanto, podem ocorrer
recidivas.
Lesões: Os animais com linfossarcoma associado ao VLB geralmente apresentam lesões nos linfonodos centrais
e periféricos levando à linfadenopatia. As lesões no abomaso podem levar a sinais de dor abdominal cranial,
melena ou obstrução da saída do conteúdo abomasal. A paresia dos membros pélvicos pode progredir para
paralisia nos animais com lesões medulares extradurais. As lesões retrobulbares podem causar a protrusão do
globo, resultando em queratite de exposição e, eventualmente, proptose. As lesões no átrio direito podem ser
leves e clinicamente indetectáveis ou podem causar arritmias, murmúrios ou falência cardíaca. As lesões
uterinas podem levar a falhas reprodutivas e aborto. As lesões dos órgãos internos envolvem tipicamente o baço,
fígado ou rins e ureteres. As lesões do baço inicialmente são assintomáticas, mas podem resultar em ruptura do
baço e exsanguinação na cavidade peritoneal. O linfossarcoma do fígado frequentemente é assintomático, mas
pode levar à icterícia e falência hepática. A doença no rim e no ureter pode levar a dor abdominal e subsequente
desenvolvimento de hidroureter ou hidronefrose e sinais clínicos associados à falência renal.

Leucose enzoótica bovina. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.

O linfossarcoma pode surgir como massa nodular amarela acastanhada discreta ou um infiltrado tecidual
difuso. O último padrão resulta em órgãos aumentados e pálidos, podendo ser facilmente interpretados
erroneamente como uma alteração degenerativa em vez de neoplasia. Histologicamente, a massa tumoral é
composta por denso aglomerado de células linfocíticas monomórficas.
DIAGNÓSTICO: O linfossarcoma frequentemente é incluído na lista de diferencial de muitas doenças devido à
grande variedade de achados clínicos. O diagnóstico da infecção viral é feito por sorologia ou virologia, a
linfocitose persistente é identificada por hematologia e os tumores neoplásicos são identificados pelo exame
histológico das biopsias. Sorologia positiva ou virologia para o VLB confirmam a infecção viral, porém, não
confirmam a presença de linfossarcoma.
A sorologia é o método mais comum e confiável para o diagnóstico da infecção pelo VLB. A imunodifusão
em gel de ágar ainda é reconhecida pela maioria dos países como o teste oficial de importação/exportação, mas
o ELISA geralmente é mais utilizado no diagnóstico de rotina. A sorologia não é confiável para os bezerros que
ingeriram colostro de vacas positivas para o VLB devido à aquisição de anticorpos maternos que tipicamente
diminuem aos 4 a 6 meses de idade. A PCR é um teste sensível e específico para o diagnóstico da infecção do
VLB nos linfócitos do sangue periférico. Este teste pode identificar o DNA proviral do VLB nos linfócitos dos
animais infectados e diferencia os bezerros positivos e negativos na presença de anticorpos maternos.
O diagnóstico de linfossarcoma deve ser feito pela citologia ou histopatologia. O diagnóstico citológico às
vezes é difícil devido à frequente contaminação do aspirado com sangue.
TRATAMENTO E CONTROLE: Não há tratamento para a infecção viral ou para o linfossarcoma nos bovinos,
embora os corticoides parenterais possam diminuir transitoriamente a gravidade dos sinais clínicos. Programas
de erradicação foram desenvolvidos, porém com sucesso variado, devido principalmente ao custo e à alta
prevalência da infecção entre os bovinos dos EUA em relação ao custo econômico da doença. O protocolo de
erradicação mais recomendado é: (1) identificar os animais infectados utilizando um teste sorológico; (2)
descartar imediatamente os animais soropositivos; (3) testar novamente o rebanho 30 a 60 dias depois e (4) usar
a PCR para testar os bezerros jovens e como teste complementar para esclarecer os resultados de testes em
rebanhos com baixa prevalência da infecção. O teste e o descarte são repetidos até que todo o rebanho teste
negativo. O teste é então repetido a cada 6 meses. O rebanho é declarado livre quando não houver testes
positivos por 2 anos. Os animais que serão introduzidos no rebanho devem ter dois testes negativos aos 30 e 60
dias antes da sua chegada.
Quando o teste e o descarte são métodos economicamente inviáveis, os programas de testes e segregação têm
sido recomendados, mas raramente eles são implementados. Estes programas necessitam da execução de duas
operações completas de separação e requerem recursos adicionais, inclusive dinheiro, tempo e mão de obra.
PREVENÇÃO: A eliminação da circulação do sangue dos animais infectados para os animais sadios é o ponto
fundamental para os protocolos de prevenção. O fornecimento de colostro de vacas soronegativas para os
bezerros é defendido. Entretanto, a maioria das evidências epidemiológicas sugere que o efeito protetor dos
anticorpos colostrais supera o risco de infecções, especialmente nos rebanhos com alta prevalência. A
substituição do fornecimento de leite integral por sucedâneo de alta qualidade de boa qualidade também pode
ser considerada. Leite contendo sangue jamais deve ser fornecido aos bezerros.
O eletrocautério e outros métodos de descorna sem sangue devem ser utilizados. Os equipamentos
empregados para castração, marcação, colocação de brinco ou implante devem ser limpos e desinfetados antes e
após o uso em cada animal se a expectativa de vida deles for de pelo menos 2 anos.
A transmissão nos bovinos adultos pode ser reduzida usando uma nova luva de palpação retal sempre que
houver sangue visível na luva ou pelo uso luva de palpação retal de uso único. A inseminação artificial e a
transferência de embrião (com a utilização de receptoras negativas) podem limitar a transmissão. Nos rebanhos
de corte, o uso de um reprodutor negativo pode limitar a transmissão, mas a monta natural não é um método
comum de transmissão viral a menos que haja algum trauma durante o acasalamento.
As recomendações, independentemente da idade do animal, incluem a desinfecção dos equipamentos que
entraram em contato com sangue ou tecidos do corpo.? As agulhas descartáveis devem ser utilizadas uma única
vez para coleta de sangue e injeções IM. É preferível o uso de agulhas descartáveis para vacinação, mas o risco
de transmissão do VLB pela vacinação via SC é baixo. Os troncos de contenção contaminados com sangue
devem ser limpos entre os animais. O controle de moscas ajuda a minimizar a transmissão associada aos
tabanídeos. Transfusões sanguíneas e vacinas contendo sangue, como aquelas utilizadas para babesiose e
anaplasmose, são potentes meios de disseminação, assim, os doadores devem ser cuidadosamente selecionados.

LÍNGUA AZUL

A língua azul é uma doença viral, infecciosa, não contagiosa, transmitida por artrópodes, que acomete
principalmente ruminantes domésticos e selvagens. A infecção com o vírus da língua azul (VLA) é comum em
uma extensa faixa ao redor do mundo, que até recentemente se estendia desde a latitude 35° S até a latitude 40­
50° N. Desde a década de 1990, o VLA tem se expandido consideravelmente entre os paralelos 40° N e 50° N
(p. ex., Europa). A maioria das infecções com o VLA nos ruminantes selvagens e nos bovinos é subclínica. A
língua azul (a doença causada pelo VLA) geralmente é considerada uma doença de raças melhoradas de ovinos,
particularmente de raças produtoras de lã e carne, embora também tenha sido registrada em bovinos e em
algumas espécies de ruminantes selvagens, inclusive os veados­de–cauda­branca (Odocoileus virginianus),
antilocapras (Antilocapra americana) e carneiros selvagens (Ovis canadensis) na América do Norte, e os
bisões­europeus (Bison bonasus) e iaques criados em cativeiro (Bos grunniens grunniens) na Europa.
ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO: O vírus da língua azul é uma das espécies pertencentes ao gênero Orbivírus da
família Reoviridae. Há pelo menos 24 sorotipos em todo o mundo, embora nem todos os sorotipos estejam
presentes em todas as áreas geográficas; por exemplo, 13 sorotipos (1, 2, 3, 5, 6, 10, 11, 13, 14, 17, 19, 22 e 24)
tem sido relatados nos EUA e 8 sorotipos (1, 2, 4, 6, 9, 11 e 16) na Europa. A distribuição do VLA nos paralelos
está relacionada com a presença espacial e temporal das espécies de vetores de Culicoides hematófagos, os
quais são os únicos transmissores naturais significativos do vírus, e com as temperaturas em que vírus é capaz
de se replicar e de ser transmitido por esses vetores. Há mais de 1.400 espécies de Culicoides em todo o mundo
e menos que 30 espécies foram identificadas como vetores atuais ou potenciais do VLA. O ciclo contínuo do
vírus nos vetores competentes de Culicoides e nos ruminantes suscetíveis é crítico na epidemiologia viral. Nos
EUA, o principal vetor são C. sonorensis e C. insignis, cujo limite da distribuição do VLA está entre as regiões
sul e oeste. Na região norte e leste da Austrália o principal vetor é C. brevitarsis, enquanto na África, sul da
Europa e Oriente Médio é C. imicola. Na região norte da Europa os principais vetores são as espécies do
complexo C. obsoletus­dewulfi. Em cada região geográfica, as espécies secundárias de vetores também possuem
uma importância local.
Os vetores tornam­se infectados com o VLA pelo repasto sanguíneo dos vertebrados infectados; a
transmissão transovariana não tem sido relatada. A grande afinidade do vírus pelas células sanguíneas,
especialmente a persistência das partículas virais nas invaginações das membranas dos eritrócitos, contribui para
a viremia prolongada na presença de anticorpos neutralizantes. O longo período de viremia nos bovinos
(ocasionalmente até 11 semanas) e a preferência de muitos vetores da espécie Culicoides pelo hospedeiro
bovino proporciona um mecanismo de transmissão contínua da doença para os ruminantes domésticos nas
regiões onde o período livre do vetor (inverno) é relativamente curto. A transmissão mecânica por outros insetos
hematófagos tem pouca importância.
O VLA não é contagioso, a concentração nas secreções e excreções é mínima e a transmissão via mucosa oral
ou por aerossol é improvável. Entretanto, o sêmen dos touros virêmicos pode servir como uma fonte de infecção
para vacas submetidas à monta natural ou inseminação artificial. A transferência de embriões é considerada
segura com a utilização de doadoras não virêmicas e de procedimentos adequados de lavagem dos embriões. A
infecção transplacentária de estirpes de campo do VLA da vaca para o feto, levando ao nascimento de bezerros
virêmicos, é cada vez mais relatada nos bovinos da Europa, contudo, a importância epidemiológica deste
mecanismo não é conhecida. A infecção acidental em cães foi relatada nos EUA após a administração de uma
vacina com vírus vivo modificado contaminada com VLA. Evidência sorológica da infecção por VLA tem sido
verificada em grandes carnívoros da África, talvez como resultado da ingestão de vísceras contaminadas com o
vírus. Similarmente, linces­euroasiáticos criados em cativeiro morreram devido à língua azul após consumirem
fetos e natimortos de ruminantes infectados, e o vírus foi isolados destes animais, indicando a existência de uma
VO da infecção. A importância epidemiológica do mecanismo de infecção oral é incerta.
ACHADOS CLÍNICOS: O curso da doença em ovinos pode variar de hiperagudo a crônico, com taxa de
mortalidade de 2 a 90%. Nos casos hiperagudos, a morte ocorre entre 7 e 9 dias de infecção, principalmente
como resultado de edema pulmonar grave que ocasiona dispneia, secreção nasal espumosa e morte por asfixia.
Nos casos crônicos, os ovinos podem morrer entre 3 e 5 semanas após a infecção, como resultado de
complicações bacterianas, especialmente pasteurelose e exaustão. Nos casos leves geralmente ocorre
recuperação rápida e completa. As principais perdas na produção incluem mortes, atraso no crescimento durante
um período prolongado de convalescença, perda de lã e perdas reprodutivas.
Nas ovelhas, o VLA causa danos vasculares endoteliais, resultando em mudanças na permeabilidade capilar e
subsequente coagulação intravascular. Isto resulta em edema, congestão, hemorragia, inflamação e necrose. Os
sinais clínicos nas ovelhas são típicos. Após um período de incubação de 4 a 6 dias, ocorre febre de 40,5 a 42°C.
Os animais ficam apáticos e relutantes para se moverem. Os sinais clínicos nos cordeiros jovens são mais
aparentes e a taxa de mortalidade pode ser mais alta (até 30%). Dois dias após o início da febre, sinais
adicionais, como edema de lábios, nariz, face, região submandibular, pálpebras e, às vezes, orelhas; congestão
de boca, nariz, cavidades nasais, conjuntiva e coroa do casco; claudicação e depressão podem ser observadas.
Secreção nasal serosa é comum, podendo depois se tornar mucopurulenta. A congestão do nariz e das cavidades
nasais produz um efeito de “focinho ferido”, termo utilizado para descrever a doença nos ovinos nos EUA. Os
ovinos comem menos devido às feridas orais, uma vez que eles mantêm a comida na boca para amaciá­la antes
de mastigá­la. Eles também podem produzir também uma secreção oral espumosa no canto dos lábios. Em um
exame minucioso, pequenas hemorragias podem ser observadas nas membranas mucosas do nariz e da boca.
Ulceração se desenvolve quando os dentes entram em contato com os lábios e a língua, especialmente nas áreas
de maior atrito.
Algumas ovelhas afetadas apresentam edema intenso de língua, a qual pode se tornar cianótica (“língua
azul”) e até projetar–se da boca. Os animais andam com dificuldade devido à inflamação da coroa casco. Uma
coloração vermelha púrpura é facilmente observada como uma banda na junção entre a pele e o casco. Na fase
avançada da doença, ocorre claudicação ou torcicolo devido a danos no músculo esquelético. Na maioria dos
animais afetados, pode ser observado um crescimento anormal da lã como resultado da dermatite.
Os sinais clínicos nos bovinos são raros, mas podem ser similares aos observados nos ovinos. Eles geralmente
são limitados à febre, aumento da frequência respiratória, lacrimejamento, salivação, rigidez, vesículas e úlceras
orais, hiperestesia e dermatite ulcerativa e vesicular. Os bovinos e ovinos suscetíveis e infectados durante a
gestação podem abortar ou dar à luz a filhotes com malformações. As malformações incluem hidroanencefalia
ou porencefalia, as quais resultam em ataxia e cegueira ao nascimento. No veado­de–cauda­branca e no
antilocapra, desenvolvem uma doença hemorrágica grave levando a morte súbita. As cadelas gestantes abortam
ou dão luz a natimortos e depois morrem entre 3 e 7 dias.
DIAGNÓSTICO E LESÕES: Os sinais clínicos típicos da língua azul permitem um diagnóstico presuntivo,
especialmente nas áreas onde a doença é endêmica. A suspeita é confirmada pela presença de petéquias,
equimoses ou hemorragias na parede da base da artéria pulmonar e de necrose focal no músculo papilar do
ventrículo esquerdo. Estas lesões altamente características geralmente são evidentes nas infecções clínicas
graves, mas podem ser pouco observadas nos casos leves ou convalescentes. Estas lesões frequentemente são
descritas como patognomônicas para a língua azul, mas elas também têm sido observadas em outras doenças de
ovinos como pericardite exsudativa, doença do rim pulposo e febre do Vale Rift. Hemorragias e necroses
geralmente são encontradas onde a abrasão mecânica danifica os capilares frágeis, como na superfície oposta da
face vestibular dos dentes molares, no sulco do esôfago e nas dobras do omaso. Outros achados de necropsia
incluem edema e hemorragia subcutânea e intermuscular, mionecrose esquelética, hemorragias miocárdicas e
intestinais, hidrotórax, hidropericárdio, pericardite e pneumonia.
Em diversas áreas do mundo, a infecção do VLA em ovinos, e especialmente em outros ruminantes, é
subclínica. A confirmação laboratorial é baseada no isolamento viral em ovos embrionados de galinhas, culturas
celulares de mamíferos ou insetos ou na identificação do RNA viral pela PCR. A identidade dos isolados pode
ser confirmada pelos testes ELISA de antígeno de captura grupo­específico, PCR grupo­específico,
imunofluorescência, imunoperoxidase, teste de vírus neutralização sorotipo­específico, PCR sorotipo­específico
ou hibridização com uma sequência gênica complementar de genes grupo ou sorotipo específico. Para o
isolamento do vírus, amostra de sangue (10 a 20 ml) é coletada o mais rápido possível dos animais febris com
um anticoagulante como heparina, citrato de sódio ou EDTA e transportado a 4°C até o laboratório. Para
armazenamento a longo prazo, onde a refrigeração não é possível, o sangue é coletado em oxalato­fenol­glicina
(OFG). O sangue a ser congelado deve ser coletado em tampão peptona lactose e mantido a temperatura igual
ou inferior a ­70°C. O sangue coletado mais tardiamente, durante o período virêmico, não deve ser congelado,
pois a lise das hemácias no descongelamento libera os vírus associados às células, os quais podem ser
neutralizados rapidamente pelos anticorpos humorais. Os vírus não permanecem estáveis por longos períodos a
­20°C. Nos casos fatais, as amostras de baço, linfonodos ou medula óssea são coletadas e transportadas ao
laboratório a 4°C o mais rápido possível após o óbito.
A resposta sorológica nos ruminantes pode ser detectada 7 a 14 dias após a infecção e geralmente permanece
por toda a vida após uma infecção a campo. Atualmente, as técnicas sorológicas recomendadas para a detecção
de anticorpos contra o VLA incluem a imunodifusão em ágar gel e ELISA por competição. Este último é o teste
de eleição e que não detecta reação cruzada de anticorpos contra outros orbivírus, especialmente contra o vírus
da doença epizoótica hemorrágica (VDEH). Várias outras testes de soroneutralização, inclusive a redução em
placa, inibição em placa e a neutralização por microtitulação, podem ser utilizadas para detecção de anticorpos
específicos.
PREVENÇÃO E CONTROLE: Não há tratamento específico para os animais com língua azul, a não ser descanso,
fornecimento de alimentos macios e bom manejo. Complicações e infecções secundárias devem ser tratadas
adequadamente durante o período de recuperação.
A imunização profilática dos ovinos é a medida de controle mais eficaz contra a língua azul nas regiões
endêmicas. Três vacinas polivalentes, cada uma contendo cinco diferentes sorotipos do VLA atenuados por
passagens seriadas em ovos embrionados de galinha, seguido pelo crescimento e seleção em placas de cultura
celular, são amplamente utilizadas no sul da África e outros locais com epizootias de língua azul. Uma vacina
monovalente com vírus vivo modificado propagado em cultura celular está disponível para o uso em ovinos nos
EUA. Vacinas vivas atenuadas não devem ser utilizadas nas estações em que o vetor Culicoides está presente
em grande quantidade, pois eles podem transmitir o vírus dos animais vacinados para os animais não vacinados,
como por exemplo, para outras espécies de ruminantes. Isto pode resultar na recombinação de material genético
e levar ao aparecimento de novas estirpes virais. Abortamento ou malformações fetais, particularmente do SNC,
podem ocorrer após a vacinação de ovelhas e vacas com a vacina contendo o vírus vivo atenuado durante a
primeira metade e o primeiro trimestre da gestação, respectivamente. A imunidade passiva nos cordeiros
geralmente dura de 4 a 6 meses.
O controle da língua azul é diferente nas áreas onde a doença não é endêmica. Durante um surto, onde um ou
número limitado de sorotipos podem estar envolvidos, a estratégia de vacinação depende do(s) sorotipo(s) que
está(ão) causando a infecção. A utilização de estirpes vacinais diferentes daquela(s) que está(ão) causando a
doença leva a pouca ou nenhuma proteção e não é recomendada. O potencial risco de recombinação do vírus
vacinal com uma estirpe selvagem, da disseminação do vírus pelos vetores para outras espécies suscetíveis de
ruminantes e a reversão da virulência das estirpes do vírus vacinal ou a produção de uma nova estirpe do VLA
também devem ser consideradas. Devido às estas incertezas, vacinas inativadas que não apresentam estes
inconvenientes estão sendo desenvolvidas, sendo que algumas já chegaram ao mercado. O uso destas vacinas
inativadas em incursões recentes do VLA no norte da Europa tem desempenhado um papel importante no
controle da propagação do vírus nas regiões onde uma cobertura significativa (> 80%) foi alcançada.
O controle dos vetores com o uso de inseticidas ou a proteção contra os vetores pode reduzir o número de
picadas dos Culicoides e subsequente risco de exposição à infecção pelo VLA. Entretanto, apenas estas medidas
não são efetivas para interromper uma epidemia de língua azul e devem ser consideradas como medidas de
atenuação para serem utilizadas juntamente com um programa de vacinação abrangente e vigoroso.

PARATUBERCULOSE (Doença de Johne)

A paratuberculose é uma enterite granulomatosa crônica contagiosa caracterizada, em bovinos, por diarreia
persistente, perda de peso progressiva, debilidade e, eventualmente, morte. Ela é uma doença listada pela OIE, o
que significa que ela é uma doença prioritária para o comércio internacional. Acredita–se que o agente
etiológico, Mycobacterium paratuberculosis, é capaz de infectar e causar doença em todos os outros ruminantes
(p. ex., ovinos, caprinos, lhamas, cervos) e animais selvagens em cativeiro ou de vida livre. A infecção também
foi identificada em onívoros e carnívoros, como coelhos selvagens, raposas, doninhas e primatas não humanos.
A distribuição é cosmopolita. Os programas nacionais de controle incluem aqueles estabelecidos na Austrália,
Noruega, Islândia, Japão, Holanda e EUA. A maior prevalência é no gado leiteiro, com 20 a 80% dos rebanhos
infectados em muitos dos principais países produtores de leite. As informações sobre a prevalência em outras
espécies são limitadas. A doença é de importância econômica para a indústria de caprinos na Espanha e de
ovinos na Austrália.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: M. paratuberculosis é excretado em grande número nas fezes de animais infectados e
em menor número no seu colostro e leite. Ele é resistente aos fatores ambientais podendo sobreviver na
pastagem por mais de 1 ano; a sobrevivência na água é mais longa do que no solo. A infecção geralmente é
adquirida por meio da via fecal­oral; a dose necessária para infectar um animal não é conhecida. A infecção é
adquirida pela ingestão do microrganismo de tetos contaminados durante o aleitamento, pelo consumo de leite,
alimentos sólidos e água contaminados com o microrganismo ou pelo comportamento de lambedura e de
limpeza em ambientes contaminados. Posteriormente, podem ser observados estágios bacteriêmicos e infecção
intrauterina. Após a ingestão e absorção pelas placas de Peyers do intestino delgado, o patógeno intracelular
infecta os macrófagos do trato GI e os linfonodos associados. É possível que alguns animais possam eliminar a
infecção por meio da resposta imune mediada por células, que estimula a atividade microbicida dos macrófagos,
mas a frequência que ela ocorre é desconhecida. Na maioria dos casos, o microrganismo multiplica­se e,
eventualmente, provoca uma enterite granulomatosa crônica que interfere na absorção e o processamento dos
nutrientes, levando à caquexia típica de infecções avançadas. Isto pode levar meses a anos para se desenvolver e
geralmente é paralelo a um declínio na imunidade mediada por células, um aumento de anticorpos séricos e
bacteriemia com disseminação além do trato GI. A eliminação fecal começa antes do aparecimento dos sinais
clínicos e os animais nesta fase de “silêncio” da infecção são importantes fontes de transmissão.
ACHADOS CLÍNICOS: A doença nos bovinos é caracterizada por perda de peso e diarreia nas fases tardias da
infecção, mas os animais infectados podem parecer saudáveis por meses a anos. Nos bovinos, a diarreia pode
ser constante ou intermitente; em ovinos, caprinos e outros ruminantes, a diarreia pode não ser observada.
Tipicamente, a diarreia não contém sangue, muco ou debris epiteliais e ocorre sem tenesmo. Ao longo de
semanas ou meses, a diarreia torna­se mais grave, ocorre perda de peso, a coloração da pelagem pode
desaparecer e pode haver o desenvolvimento de edema intermandibular e ventral devido à perda de proteínas
decorrente da enteropatia. Isso leva a baixas concentrações de proteína total e albumina no plasma, embora os
níveis de gamaglobulina permaneçam normais. Em bovinos e caprinos leiteiros, pode haver queda na produção
do leite ou a produção pode não atingir os níveis esperados. Os animais permanecem em alerta e a temperatura e
o apetite geralmente estão normais, embora a sede possa estar aumentada. A doença é progressiva e termina em
emaciação e morte. Em rebanhos infectados, a taxa de mortalidade pode ser baixa por vários anos, porém até
50% dos animais podem estar infectados subclinicamente com perdas de produção associadas. A doença em
ovinos e caprinos é semelhante, mas a diarreia não é uma característica comum e, nos casos avançados, eles
podem perder facilmente a lã. Em cervídeos (cervos e alces), a evolução da doença pode ser mais rápida.
Lesões: Uma série de patologias pode ser observada nos animais infectados, variando de completa ausência de
lesões macroscópicas até o espessamento e enrugamento do intestino com aumento e edemaciação de
linfonodos próximos. Frequentemente, não há correlação entre os sinais clínicos e a gravidade das lesões. As
carcaças podem estar emaciadas com perda de gordura pericárdica e perirrenal nos casos caquéticos mais
avançados. As lesões intestinais podem ser leves, mas tipicamente a parede do intestino delgado distal
apresenta­se difusamente espessada com mucosa não ulcerada nas dobras transversais proeminentes. As lesões
podem estender­se proximal e distalmente ao jejuno e cólon. Linfangite serosa, aumento do linfonodo
mesentério e de outros linfonodos regionais geralmente são aparentes. Histologicamente, há enterite
granulomatosa difusa caracterizada por acúmulo progressivo de macrófagos epitelioides e células gigantes na
mucosa e submucosa intestinal. Poucos ou muitos microrganismos ácido­resistentes podem ser observados no
interior dos macrófagos. Geralmente, não há correlação entre os sinais clínicos e a gravidade das lesões. Os
ovinos, caprinos e cervos às vezes desenvolvem focos caseosos com calcificação na parede intestinal e
linfonodos.
DIAGNÓSTICO: Há muitos testes comercialmente disponíveis para a paratuberculose, com vantagens,
desvantagens e aplicação apropriada. Os testes objetivam a detecção do microrganismo nas fezes ou tecidos
(cultura, PCR), a busca de evidências de resposta imune celular à infecção (teste de pele, interferona­?) ou a
detecção de anticorpos para os antígenos de M. paratuberculosis (ELISA, imunodifusão em gel de ágar). A
utilização de diferentes testes em combinação pode aumentar a sensibilidade do diagnóstico. Devido à biologia
da infecção e a necessidade de manejá­la na base do rebanho, informações de diagnóstico devem ser reunidas
para um grupo de animais e não apenas para um caso individual. Um animal com sinais clínicos da doença tem
maior probabilidade de apresentar evidência para o diagnóstico da infecção (excreção, produção de anticorpos)
do que um animal no estágio pré­clínico da infecção. A necropsia com cultura e histopatologia de múltiplos
tecidos é o padrão­ouro para o diagnóstico definitivo. A coloração de Ziehl­Neelsen de amostras teciduais para
bactérias ácido­resistentes geralmente revela grande quantidade de micobactérias nas lesões; entretanto, em
alguns casos, uma pesquisa cuidadosa pode não revelar a presença dos microrganismos. A coloração ácido­
resistente de esfregaços de impressão do íleo de uma vaca com a patologia típica é um método rápido e de baixo
custo (embora de baixa sensibilidade) para chegar a um diagnóstico preliminar. A biopsia da espessura total das
seções do íleo e dos linfonodos regionais para cultura e histopatologia pode levar ao diagnóstico definitivo;
entretanto, essa abordagem geralmente é restrita aos animais particularmente valiosos. M. paratuberculosis tem
sido isolado em uma grande variedade de tecidos, mas os linfonodos mesentéricos e ileocecais, íleo e fígado
são, frequentemente, os mais recomendados para amostragem diagnóstica.
Os testes sorológicos são métodos rápidos e de baixo custo para a confirmação ante–mortem do diagnóstico
clínico; a sensibilidade é > 85% nos animais clinicamente afetados. Eles também auxiliam na detecção da
infecção em bovinos clinicamente normais nos estágios finais da infecção e que estão eliminando grande
quantidade de M. paratuberculosis; a sensibilidade é de cerca de 45%. Dentre os testes sorológicos, aqueles
baseados na tecnologia de ELISA oferecem maior especificidade e sensibilidade sendo os melhores métodos
para determinar a prevalência da infecção em um rebanho. O uso quantitativo do ELISA para identificar os
animais para o abate seletivo ou para o isolamento do rebanho pode ser uma estratégia com boa relação custo­
benefício para o controle da doença; valores elevados no ELISA estão associados a maior probabilidade de
infecção e altas taxas de eliminação fecal. A cultura fecal é mais sensível e mais específica que a sorologia, mas
os microrganismos crescem vagarosamente (2 a 4 meses) e os testes são mais caros que a sorologia. A mistura
de amostras fecais (p. ex., cinco amostras por mistura) ou a cultura do estrume dos locais da fazenda onde os
bovinos se encontram (amostras ambientais) podem estabelecer o estado infeccioso do rebanho a um baixo
custo, apesar de alguma redução na sensibilidade do teste. A capacidade de isolamento deste patógeno varia
significativamente entre os laboratórios. A utilização de um laboratório que passou por testes de qualidade é
recomendada. A maioria das cepas que infectam ovinos não cresce em meios sólidos, mas podem ser isoladas
com o uso de sistemas de meios de cultura líquidos. Sondas genéticas para um elemento específico do DNA de
M. paratuberculosis, como a IS900, podem ser utilizadas em conjunto com a cultura ou diretamente em
amostras fecais. Alguns laboratórios informam que a PCR pode ser tão sensível e específica quanto a cultura
fecal, além de ser muito mais rápida; outros laboratórios não acham que isso seja verdadeiro. O custo da análise
é a principal desvantagem. O desempenho de PCR, assim como os outros testes validados para o uso em
bovinos, pode ser diferente quando utilizada com amostras de outras espécies.
Os testes de imunidade mediada por células, como o teste intradérmico de Johnin, o teste de transformação
linfocitária e interferona­? são muito utilizados em bases de pesquisas e podem ser negativos nos casos clínicos
avançados. O genoma de M. paratuberculosis foi descrito e pode fornecer a base para novas abordagens
diagnósticas.
Os testes que caíram em desuso, devido aos relatos de baixa sensibilidade e/ou especificidade, são o exame
microscópico de amostras fecais com coloração de Ziehl–Neelsen e o teste de Johnin IV. O teste de fixação do
complemento (FC) também foi descrito como menos preciso em relação a outros testes sorológicos. O teste de
FC ainda é exigido em muitos países para a importação de animais, embora muitos reagentes utilizados neste
teste sejam feitos com diferentes especificações em diferentes países, resultando em perda de padronização.
CONTROLE: Nenhum tratamento satisfatório é conhecido. O controle requer boas práticas de higiene e de
manejo satisfatórias para limitar a exposição de animais jovens ao microrganismo. Bezerros, cabritos ou
cordeiros devem nascer em áreas livres de estrume, devem ser separados de suas mães logo após o nascimento
e, no caso de gado leiteiro, devem ser alimentados com mamadeira de colostro pasteurizado ou obtido de
fêmeas negativas, e criados segregados dos adultos e de seus estrumes até > 1 ano de idade. A utilização de
sucedâneos do leite é recomendada em vez do leite residual, a menos que o leite seja pasteurizado. Programas
de teste de rotina podem ajudar a concentrar os esforços no controle da doença. Os testes de baixo custo (p. ex.,
ELISA) tem o maior custo­benefício para os rebanhos leiteiros comerciais que foram confirmados infectados
pela cultura ou PCR. Os animais com resultados positivos, particularmente aqueles que são grandes
eliminadores do agente ou que apresentam resultados fortemente positivos no ELISA, devem ser encaminhados
ao matadouro logo que for economicamente viável. A realização de novos testes anuais deve ser contínua até
que o rebanho apresente resultados que indiquem baixa prevalência de infecção (< 5%). Como a infecção
intrauterina pode ocorrer, programas de controle mais agressivos incluem o abate dos bezerros de mães que
possuem a doença ou que desenvolveram os sinais da doença. Os animais de reposição devem ser obtidos de
rebanhos supostamente livres da doença e estes animais devem ser testados antes de serem introduzidos no novo
rebanho. Outros procedimentos gerais para minimizar a contaminação fecal na fazenda também podem auxiliar,
como por exemplo, elevar comedouros e bebedouros, fornecer água encanada em vez de água de lagoa e arar
frequentemente os pastos para dispersar as fezes. Os proprietários dos rebanhos devem ser avisados de que o
controle da paratuberculose leva pelo menos 5 anos.
A formulação de vacinas para M. paratuberculosis varia conforme o fabricante. Em muitos países, o seu uso
está sujeito à aprovação de agências reguladoras e pode ser restrito aos rebanhos altamente infectados. A
vacinação em bezerros < 1 mês de idade pode ser efetiva na redução da incidência da doença, mas não previne a
eliminação do microrganismo e o aparecimento de novos casos no rebanho. A vacinação, portanto, não elimina
a necessidade de um bom manejo e sanitização. Na indústria de caprinos da Espanha e da Austrália, a vacinação
tem aumentado a vida produtiva do rebanho. Bovinos inoculados com vacinas inativadas de células inteiras com
óleo mineral desenvolvem granulomas, de diâmetros variados, no local de inoculação (região da paleta) e
podem reagir positivamente em testes subsequentes de tuberculina. A inoculação acidental pode resultar em
reações agudas graves com necrose tecidual e sinovite e tendinite crônica.
RISCO ZOONÓTICO: Há dados conflitantes sobre o envolvimento do agente causal na doença de Crohn, uma
enterite crônica granulomatosa de etiologia desconhecida em humanos. Entretanto, M. paratuberculosis é
consistentemente detectado pela PCR nos humanos com a doença de Crohn. Este fato juntamente com a sua
ampla variedade de hospedeiros, inclusive primatas não humanos, indicam que a paratuberculose deve ser
considerada de risco zoonótico até que a situação seja esclarecida.

PASTEURELOSE EM OVINOS E CAPRINOS

Pasteurella e Mannheimia são cocobacilos beta­hemolíticos, Gram­negativos, aeróbios, imóveis, não


formadores de esporos da família Pasteurellaceae. Esta família tende a habitar a superfície mucosa do trato
alimentar, respiratório e genital dos mamíferos. Muitos são conhecidos como invasores secundários
oportunistas. Algumas espécies apresentam preferências para superfícies e hospedeiros específicos. A recente
atualização dos dados filogenéticos resultou em mudança de nomes com base na análise da sequência gênica.
Como resultado, Pasteurella haemolytica biotipo A e T foram reclassificadas como Mannheimia haemolytica
(biotipo A) e Pasteurella trehalosi (biotipo T). Cada isolado de M. haemolytica e de P. trehalosi é designada
com um biotipo e um sorotipo. M. haemolytica A2 é a cepa mais comum isolada em ovinos e caprinos com
pasteurelose respiratória, embora as cepas A6, A13 e Ant tenham sido descritas em ovinos e a cepa Ant, em
caprinos. M. haemolytica A2 é rotineiramente descrita em casos de mastites de ovinos. P. trehalosi T3, T4 e T10
têm sido frequentemente associadas à forma sistêmica ou septicêmica da pasteurelose que afeta cordeiros.
Pasteurella multocida foi relatada como a causa da pasteurelose pneumônica em ovinos e caprinos.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: M. haemolytica e P. trehalosi são cosmopolitas e as enfermidades provocadas por
estes microrganismos são comuns em ovinos e caprinos de todas as idades, embora a prevalência dos sorotipos
pode variar de acordo com a região e o rebanho. M. haemolytica, P. trehalosi e P. multocida são microrganismos
comensais comuns das tonsilas e da nasofaringe de ovinos e caprinos sadios. Para que estes microrganismos
causem uma infecção, uma combinação de fatores estressantes, inclusive calor, superlotação, exposição a
intempéries, má ventilação, manejo e transporte deixa os ovinos e caprinos suscetíveis às infecções respiratórias
virais. Parainfluenza 3, adenovírus tipo 6, vírus respiratório sincicial e, possivelmente, adenovírus bovino tipo 2,
adenovírus ovino tipo 1 e 5 e reovírus tipo 1 causam uma infecção respiratória primária, que raramente é fatal,
mas que predispõe a infecções secundárias por M. haemolytica. Infecções respiratórias com Mycoplasma
ovipneumoniae e Bordetella parapertussis também foram relatadas associadas a infecções secundárias por M.
haemolytica. Acredita­se que a combinação de fatores estressantes e infecções primárias quebra a integridade da
barreira mucosa do trato respiratório inferior permitindo a colonização, proliferação e indução de danos
teciduais significativos pela M. haemolytica.
A virulência de M. haemolytica e P. trehalosi é mediada pela ação de vários fatores, inclusive endotoxinas,
leucotoxinas e polissacarídios capsulares, que proporciona vantagens à bactéria sobre a imunidade do
hospedeiro. A leucotoxina é particularmente importante na patogênese, pois, ela é especificamente tóxica para
os leucócitos dos ruminantes, resultando na deposição de fibrina nos pulmões e nas superfícies pleurais. A
endotoxina lipossacarídica contribui para reações adversas nos pulmões e também leva a insuficiência
circulatória sistêmica e choque. O polissacarídio capsular previne a fagocitose da bactéria e auxilia a adesão na
superfície epitelial alveolar. A sobrevivência na fase aguda da pasteurelose pneumônica depende da extensão do
envolvimento pulmonar e dos danos no trato respiratório inferior. Os ovinos e caprinos que se recuperam podem
apresentar problemas respiratórios crônicos, inclusive diminuição da capacidade pulmonar e da eficiência de
ganho de peso de até 20% se o pulmão foi danificado.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: P. trehalosi causa principalmente sepse e pasteurelose sistêmica em ovinos
jovens < 2 meses de idade. A forma sistêmica da pasteurelose causada pela P. trehalosi é caracterizada por
febre, apatia, falta de apetite e morte súbita em ovinos jovens. Acredita­se que o microrganismo move­se das
tonsilas para os pulmões e passa para o sangue. Isto resulta em sepse e infecção localizada em um ou mais
tecidos como articulações, úbere, meninges ou pulmões.
DIAGNÓSTICO: A diferenciação da pasteurelose de outras causas de doença respiratória é baseada na alta
mortalidade e rápida progressão para a morte. O diagnóstico da forma pneumônica e septicêmica da
pasteurelose é baseado no exame à necropsia, achados macroscópicos e histopatológicos e isolamento do
microrganismo em vários tecidos. As lesões incluem hemorragia subcutânea; necrose epitelial da língua,
faringe, esôfago, ou, ocasionalmente, do abomaso e intestino; aumento das tonsilas e linfonodos
retrofaringeanos e lesões hiperagudas, multifocais, embólicas e necróticas no pulmão e fígado.
TRATAMENTO: Os padrões de suscetibilidade aos antimicrobianos de M. haemolytica e P. trehalosi são bons.
Amoxicilina­ácido clavulânico, ceftiofur e florfenicol têm boa eficácia, enquanto apenas 5% dos isolados
podem apresentar resistência à tetraciclina. O ciprofloxacino parecer ser muito eficaz, mas o seu uso veterinário
é proibido nos EUA. O tratamento é, com frequência, pouco compensador a menos que comece no início da
doença devido à rápida progressão dos danos pulmonares e a liberação de endotoxinas. Fluidoterapia e agentes
anti­inflamatórios são importantes complementos à antibioticoterapia. Embora a pasteurelose septicêmica tenha
uma suscetibilidade antimicrobiana favorável, a resposta à terapia frequentemente é decepcionante. O uso de
antibióticos profiláticos em cordeiros em risco pode ser benéfico.
PREVENÇÃO: A prevenção da pasteurelose é desejável devido aos custos econômicos com o tratamento, perdas
e redução do ganho de peso dos animais sobreviventes. Vacinas comerciais estão disponíveis para bovinos, mas
elas são específicas apenas para M. haemolytica A1, e, experimentalmente, há muito pouca ou nenhuma
proteção cruzada contra M. haemolytica A2. Vacinas comerciais para M. haemolytica A2 estão disponíveis no
Reino Unido e há relatos de que são benéficas na redução de perdas por morte e diminuição do ganho de peso
devido às formas septicêmica e pneumônica da pasteurelose. Como não há vacinas comerciais nos EUA, os
produtores são capazes de obter bacterinas autógenas de seus rebanhos. Com a prevenção das viroses
respiratórias com a utilização de um programa de vacinação espera­se uma redução da pasteurelose respiratória,
mas não há vacinas comerciais disponíveis para o uso em ovinos e caprinos. O uso de antibióticos profiláticos,
principalmente da tetraciclina, no alimento durante os meses do ano com maior incidência é uma prática comum
de manejo. O evitamento e a redução de fatores estressantes conhecidos, como calor, superlotação, exposição a
intempéries, má ventilação, manejo e transporte também devem ser considerados.

PESTE BOVINA (Rinderpest)

Historicamente, o vírus da peste bovina estava distribuído amplamente por toda a Europa, Ásia e África, mas ele
Historicamente, o vírus da peste bovina estava distribuído amplamente por toda a Europa, Ásia e África, mas ele
nunca se estabeleceu na América do Norte, América Central, ilhas do Caribe, América do Sul, Austrália e Nova
Zelândia. Até o final do século 20, a peste bovina era endêmica em vários países da África e da Ásia Menor,
mas agora parece ter sido globalmente erradicada. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e
Agricultura (FAO), juntamente com as principais autoridades veterinárias dos países afetados pela peste bovina
e especialistas internacionais, desenvolveram uma estratégia para a erradicação mundial que evoluiu para o
Programa Global de Erradicação da Peste Bovina (PGEPB). De acordo com o PGEPB, desde 2001 nenhum caso
da doença foi relatado.
A OIE também contribuiu com este objetivo mediante a divulgação de uma lista de estados membros livres
da peste bovina, por motivos históricos (parte de continente não afetado, sem casos e sem vacinação para a peste
bovina há 25 anos) ou, nos casos de países com histórico de endemia recente, pelo aceite de provas nacionais
baseadas na pesquisa da doença, relatos da doença e sorovigilância dos animais não vacinados. A maioria dos
países antigamente endêmicos já recebeu a condição de país livre da doença. O objetivo da FAO é declarar
formalmente que o mundo estará livre da doença em 2010. Neste contexto, são apresentados aqui a descrição da
doença e os métodos utilizados no seu controle.
A peste bovina é uma doença de animais com cascos fendidos, caracterizada por febre, estomatite necrótica,
gastrenterite, necrose linfoide e alta mortalidade. A forma endêmica constitui a praga mais letal conhecida entre
os bovinos. Todas as espécies da ordem Artiodactyla são variavelmente suscetíveis à peste bovina, embora, em
termos práticos, o vírus tem sido mantido pela transmissão entre bovinos domésticos, búfalos domésticos e
iaques. Entre os bovinos, as raças de Bos taurus apresentam complicações clínicas mais graves do que as raças
de Bos indicus. No sul da Ásia, onde a peste dos pequenos ruminantes e a peste dos bovinos há lado a lado, a
dificuldade frequente de se fazer um diagnóstico diferencial muitas fez com que ovinos e caprinos infectados
pela peste dos pequenos ruminantes fossem incorretamente diagnosticados com peste dos bovinos. Entretanto,
em alguns casos, os pequenos ruminantes estavam infectados com a peste bovina, possivelmente
subclinicamente, e tiveram alguma importância epidemiológica como transmissores do vírus. A peste bovina
também afeta algumas raças de suínos e uma grande variedade de espécies silvestres da ordem Artiodactyla por
meio do contato com os bovinos infectados.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: O agente infeccioso é um morbilivírus, estreitamente relacionado com o vírus da peste
dos pequenos ruminantes (p. 785), da cinomose (p. 821) e do sarampo. As estirpes do vírus da peste bovina
variam acentuadamente em virulência para os bovinos. Além da estirpe vacinal, 3 linhagens filogenéticas
distintas podem ser diferenciadas (1 asiática e 2 africanas), mas o soro de bovinos recuperados ou vacinados
apresenta reação cruzada com todas as estirpes nos testes de neutralização. O vírus é frágil e é rapidamente
inativado pelo calor e luz, mas permanece viável por longos períodos nos tecidos resfriados ou congelados.
O vírus da peste bovina está presente em pequenas quantidades na secreção nasal e ocular 1 a 2 dias antes do
aparecimento da febre; os níveis são altos nas secreções e excreções durante a primeira semana da doença
clínica e diminuem rapidamente, à medida que os animais desenvolvem anticorpos específicos e começam a se
recuperar. A transmissão necessita de contato direto ou indireto próximo; a infecção ocorre pela nasofaringe e
pulmão. Não há estado de portador; o vírus se mantém por meio da transmissão contínua entre os animais
suscetíveis. Em áreas endêmicas, os bovinos jovens se tornam infectados após o desaparecimento da imunidade
materna e antes do início da imunidade vacinal, com possíveis ciclos auxiliares em ungulados silvestres. Nas
áreas epidêmicas, o vírus infecta a maioria dos animais suscetíveis e tende a se limitar, a menos que a população
seja grande o suficiente para sustentar uma endemia.
Após o crescimento primário nos linfonodos associados à nasofaringe, o vírus prolifera por todo o tecido
linfoide e se espalha através do sangue para as mucosas dos tratos GI e respiratório superior. Os danos teciduais
são causados pela citopatologia viral. Os antígenos virais induzem uma potente resposta imune que controla a
infecção e permite a recuperação, se o dano tecidual não for muito grave.
ACHADOS CLÍNICOS: O período de incubação de 3 a 15 dias é seguido de febre, anorexia e depressão; secreção
oculonasal desenvolve­se 1 a 2 dias depois. Dentro de 2 a 3 dias, aparecem lesões necróticas puntiformes, que
aumentam rapidamente formando placas caseosas, aparecem na gengiva, mucosa bucal e língua. O palato duro e
mole frequentemente são afetados. A secreção oculonasal torna­se mucopurulenta e o focinho fica seco e
rachado. A diarreia, que é o último sinal clínico, pode ser aquosa e pode conter sangue, muco e membrana
mucosa. Os animais apresentam dor abdominal grave, sede e dispneia, podendo morrer de desidratação. O
período de convalescência é longo e pode ser complicado por infecções concomitantes devido à
imunossupressão. Nas áreas epidêmicas, a morbidade muitas vezes é de 100% e a mortalidade é de até 90%,
mas nas áreas endêmicas, a morbidade é baixa e os sinais clínicos geralmente são leves.
Lesões: As alterações patológicas macroscópicas são evidentes ao longo de todo o trato GI e trato respiratório
superior, assim como áreas de necrose e erosão, congestão e hemorragia. Esta última forma a clássica “estria de
zebra” no reto. Os linfonodos podem estar aumentados e edematosos, com focos necróticos esbranquiçados nas
placas de Peyer. O exame histológico revela necrose linfoide e epitelial com sincícios induzidos pelo vírus e
inclusões intracitoplasmáticas e intranucleares são frequentemente observadas.
DIAGNÓSTICO: Os achados clínicos e patológicos são suficientes para o diagnóstico nas áreas endêmicas e após
a confirmação laboratorial inicial de um surto. Nas áreas onde a peste dos bovinos é incomum ou inexistente,
devem ser utilizados testes laboratoriais para diferenciá­la especialmente da diarreia viral bovina, assim como
da febre da costa leste, febre aftosa, rinotraqueíte infecciosa bovina e febre catarral maligna. O isolamento do
vírus e a detecção de antígenos virais específicos em tecidos afetados utilizando o teste de imunodifusão eram o
padrão, mas testes mais simples, rápidos e discriminantes como o ELISA de captura e a RT­PCR foram
preferidos no final da campanha de erradicação. A técnica da RT­PCR permitiu a caracterização filogenética do
vírus e ajudou a traçar a origem dos vírus nos novos surtos. A utilização de um teste rápido (penside test) para
uso a campo também se mostrou útil nos estágios finais da campanha de erradicação.
Antes da declaração oficial de erradicação, todos os casos de estomatite erosiva nos animais suscetíveis
devem ser testados para a peste bovina. As amostras laboratoriais devem ser coletadas de vários animais durante
os estágios iniciais da doença clínica, preferencialmente antes do início da diarreia. Sangue total, tecido linfoide,
baço e lesões intestinais devem ser coletados assepticamente e transportados rapidamente a 4°C ou em gelo.
CONTROLE: Geralmente não se tenta o tratamento, mas cuidados de enfermagem com fluidoterapia de suporte e
antibioticoterapia ajudam na recuperação dos animais valiosos. A imunidade ativa é considerada vitalícia,
enquanto a imunidade materna geralmente dura de 6 a 11 meses. O controle nas áreas endêmicas é feito pela
imunização de todos os bovinos e bubalinos domésticos > 1 ano de idade com uma vacina de cultura celular
atenuada. Nestas áreas, os surtos são controlados por meio de quarentena e “vacinação em anel” e, às vezes, por
meio de abate. Nas epidemias, a doença pode ser eliminada pela imposição de quarentena e abate dos animais
afetados e expostos. O controle da movimentação dos animais é fundamental para o controle da peste bovina;
muitos surtos ocorrem devido à introdução de bovinos infectados em rebanhos não infectados.

PESTE DOS PEQUENOS RUMINANTES

A peste dos pequenos ruminantes (PPR) é uma doença viral aguda ou subaguda de caprinos e ovinos,
caracterizada por febre, estomatite necrótica, gastrenterite e pneumonia. Ela foi descrita pela primeira vez em
1942 na Costa do Marfim e, subsequentemente, no Senegal, Gana, Togo, Benin e Nigéria. Os ovinos e os
caprinos provavelmente são igualmente suscetíveis ao vírus, mas os ovinos podem ser mais resistentes aos seus
efeitos clínicos. Enquanto a sorovigilância dos rebanhos afetados frequentemente apresenta níveis mais
elevados de prevalência em ovinos, isto pode refletir o fato de que uma alta proporção dos caprinos afetados
morre. Os bovinos são apenas subclinicamente infectados. Os seres humanos não estão em risco.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O vírus causal, um morbilivírus da família Paramyxoviridae, possui uma

afinidade particular por tecidos linfoides e tecidos epiteliais dos trato GI e respiratório, onde ele produz as
lesões características.
A PPR está presente no oeste, centro, norte e leste da África, no Oriente Médio e no subcontinente indiano do
extremo oriente a Bangladesh. Em ambas as massas de terra o vírus ainda está se espalhando. Recentemente, o
vírus disseminou­se do Afeganistão para a Ásia central (Uzbequistão, Tajiquistão e Turcomenistão) e já se
espalhou para o Tibet. Na África, uma barreira pouco compreendida que impedia a movimentação do vírus em
direção ao sul do Sudão e da Etiópia, foi quebrada e Quênia e Uganda estão atualmente infectados. No norte do
continente a doença está presente no Marrocos.
Com a erradicação global da peste bovina e a compreensão de que a peste bovina nunca foi uma doença
comum de pequenos ruminantes, a verdadeira natureza da PPR como um vírus com o potencial de causar
epidemias graves, ou mesmo pandemias, em pequenos ruminantes torna­se cada vez mais real.
Em nível local, tais epidemias podem eliminar uma população inteira de caprinos ou de ovinos de uma área
afetada. Entre epidemias, a PPR pode assumir um perfil endêmico; suspeita­se que diferentes níveis de
virulência viral podem surgir dentro de um país infectado em função de diferentes cenários.
TRANSMISSÃO: A transmissão ocorre por contato e o confinamento parece favorecer os surtos. As secreções e
excreções dos animais doentes são fontes de infecção. Geralmente se aceita que não há o estado de portador;
entretanto, casos de PPR podem propagar a infecção durante o período de incubação. De acordo com o sistema
de criação, parece que os caprinos urbanos errantes podem contribuir para a manutenção do vírus. Também há
vários exemplos de comércio de animais associados à disseminação da infecção e a necessidade de animais para
festas religiosas geralmente aumenta o comércio de animais infectados.
Várias espécies de gazelas, oryx e cariacus são muito suscetíveis; estes animais e outros ruminantes selvagens
podem desempenhar um papel na epidemiologia da doença, mas pouco ou nenhum dado está disponível sobre a
infecção em pequenos ruminantes selvagens. Os suínos são hospedeiros acidentais e não transmitem a doença
para suínos ou caprinos suscetíveis e é improvável que eles desempenhem papel fundamental na epidemiologia
da PPR. Embora os bovinos e os búfalos domésticos sejam suscetíveis à infecção, não há evidências de que eles
exibam sinais clínicos após a infecção natural ou experimental e de que transmitam a doença para as espécies
suscetíveis.
ACHADOS CLÍNICOS: A forma aguda da PPR é acompanhada de uma elevação súbita da temperatura corporal
para 40 a 41,3°C. Os animais afetados parecem doentes e agitados e podem apresentar pelagem opaca, focinho
seco, membranas mucosas congestas e diminuição do apetite. No início, a secreção nasal é serosa, mais tarde,
torna­se mucopurulenta e produz odor pútrido à respiração. O período de incubação geralmente é de 4 a 5 dias.
Pequenas áreas de necrose podem ser observadas na membrana mucosa no assoalho da cavidade nasal. A
conjuntiva frequentemente está congesta e o canto medial pode exibir pequeno grau de crostas. Alguns animais
afetados desenvolvem conjuntivite catarral profusa com união das pálpebras. A estomatite necrótica afeta o
lábio e a gengiva inferior e a margem da gengiva que circunda os dentes incisivos; nos casos mais graves, pode
haver o envolvimento do coxim dentário, palato, bochechas e suas papilas e língua. A diarreia pode ser profusa
e é acompanhada de desidratação e emaciação; seguem­se hipotermia e morte, geralmente após 5 a 10 dias.
Pode haver o desenvolvimento de broncopneumonia, caracterizada por tosse, nos estágios finais da doença. Os
animais prenhes podem abortar. As taxas de morbidade e mortalidade são maiores nos animais jovens do que
nos adultos.
Lesões: Observam­se emaciação, conjuntivite e estomatite; as lesões necróticas são observadas na face interna
do lábio inferior e na gengiva adjacente, nas bochechas perto das comissuras e na superfície ventral da língua.
Nos casos graves, as lesões podem se estender para o palato duro e faringe. As erosões são superficiais, com
base sensível e avermelhada que, mais tarde, torna­se branco rosada; elas são delimitadas por um epitélio
normal com uma margem bem demarcada. Rúmen, retículo e omaso raramente estão envolvidos. O abomaso
exibe erosões regularmente delineadas que possuem base sensível e avermelhada e com sangramento.
As lesões graves são menos comuns no intestino delgado do que na boca, abomaso ou intestino grosso.
Estrias de sangue e, menos frequentemente, erosões podem estar presentes na primeira porção do duodeno e no
íleo terminal. As placas de Peyer são gravemente afetadas; placas inteiras de tecido linfoide podem se
desprender. Geralmente, o intestino grosso é afetado gravemente, com lesões ao redor da válvula ileocecal, na
junção cecocólica e reto. Este último exibe estrias de congestão ao longo das pregas da mucosa, resultando na
aparência de “listras de zebra” característica.
Podem aparecer petéquias nos cornetos nasais, laringe e traqueia. Placas de broncopneumonia podem estar
presentes.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico presuntivo é baseado nos achados clínicos, patológicos e epidemiológicos e pode
ser confirmado pelo isolamento e identificação do vírus. Em nível de campo, o teste de imunodifusão em gel de
ágar e o teste rápido para a pen­side test (PPR) fornecem uma confirmação adequada para efeitos de
informação. Entretanto, devido à dificuldade e o tempo necessário para o isolamento viral, técnicas como o
ELISA de captura e a reação em cadeia da polimerase via transcriptase reversa (RT­PCR) são as técnicas
preferidas pelos laboratórios de referência. As amostras necessárias são: sangue não coagulado, linfonodos,
tonsilas, baço e pulmão inteiro. A detecção de altos títulos de anticorpos neutralizantes nos animais
sobreviventes é diagnóstico. A PPR deve ser diferenciada de outras infecções gastrintestinais agudas (p. ex.,
peste bovina), de infecções respiratórias (p. ex., pleuropneumonia contagiosa caprina) e de outras doenças, tais
como ectima contagioso, caudriose, coccidiose e intoxicação mineral.
CONTROLE: As autoridades locais e federais devem ser notificadas quando houver suspeita de PPR. A
erradicação é recomendada quando a doença aparece nos países anteriormente livres da PPR. Não há um
tratamento específico, entretanto, o tratamento das complicações bacterianas e parasitárias diminui a
mortalidade nos rebanhos afetados. Uma vacina atenuada foi preparada em cultura de células Vero; ela propicia
proteção contra a doença natural por > 1 ano. A vacina de cultivo celular para a peste bovina também foi
utilizada com sucesso na imunização contra a PPR, mas, devido à erradicação global da peste bovina, o uso
desta vacina pode mascarar qualquer evidência do reaparecimento do vírus da peste bovina ou pode ser mal
interpretada como uma evidência do reaparecimento daquele vírus. Atualmente, as vacinas homólogas para a
PPR são amplamente utilizadas para o controle da doença.

PIEMIA CAUSADA POR CARRAPATOS


A piemia causada por carrapatos afeta os cordeiros de 2 a 12 semanas de idade e é caracterizada por debilidade,
claudicação incapacitante e paralisia. Os abscessos piêmicos são comuns nas articulações, mas podem ser
encontrados praticamente em qualquer órgão. A doença causa perdas econômicas significativas devido à
debilidade e morte de cordeiros. A doença é enzoótica em muitas regiões do Reino Unido e Irlanda, onde o
carrapato Ixodes ricinus é comum, e é provável que esteja presente em outras áreas da Europa onde o mesmo
carrapato é encontrado.
ETIOLOGIA: Staphylococcus aureus é considerado o principal agente causador do abscesso piêmico, pois, o
microrganismo tem sido isolado consistentemente de lesões superficiais e profundas, sendo raro encontrar outra
bactéria. Supõe–se que a bactéria, possa entrar na corrente sanguínea por meio da inoculação direta durante a
alimentação do carrapato em feridas superficiais locais ou através do umbigo infectado. Entretanto, há
evidências clínicas e experimentais de que I. ricinus não atua simplesmente como um vetor que injeta
diretamente o estafilococo na corrente sanguínea. O principal papel do I. ricinus é o de vetor do agente
riquetsial Anaplasma phagocytophilum, que causa a febre transmitida por carrapatos (p. 767), que por sua vez
cria fatores favoráveis ao desenvolvimento da piemia. Os cordeiros afetados pela febre transmitida por
carrapatos apresentam leucopenia grave e seus neutrófilos do sangue periférico são menos capazes de fagocitar
e matar S. aureus. Estudos experimentais demonstraram que os cordeiros com febre transmitida por carrapatos
são mais suscetíveis à infecção experimental com S. aureus durante o período de neutropenia e que até 30% dos
cordeiros com febre transmitida por carrapatos podem desenvolver infecções estafilocócicas.
A epidemiologia da doença está estreitamente relacionada com a biologia do I. ricinus. A doença está
limitada a áreas com populações de I. ricinus e às estações do ano climaticamente favoráveis à alta população e
atividade dos carrapatos.
ACHADOS CLÍNICOS: Os abscessos se formam em várias partes do corpo, principalmente em articulações,
bainhas dos tendões e músculos, resultando em claudicação – daí o uso do termo “doença dos cordeiros
aleijados”. Em alguns surtos, > 30% dos cordeiros podem ser afetados; geralmente eles ficam apáticos e
claudicantes e frequentemente apresentam perda de condição corporal. Abscessos internos sem lesões
articulares podem resultar em nenhum sinal clínico além da perda da condição corporal, porém, quando as
lesões estão presentes no SNC, pode haver ataxia, paraplegia e outros sinais nervosos. A doença incapacitante
tem a duração de dias ou semanas, mas a doença também pode aparecer como uma sepse aguda.
Ocasionalmente, podem ocorre mortes súbitas devido a múltiplos abscessos internos, sem outros sinais visíveis.
Até 50% dos cordeiros afetados podem morrer e os cordeiros sobreviventes recuperam­se lentamente.
Lesões: Com exceção das articulações e de outras estruturas superficiais, os abscessos geralmente são
encontrados no fígado, pulmões e rins. Eles também podem estar presentes nas meninges da medula espinal, no
pericárdio e no miocárdio. O diafragma, o timo e as glândulas adrenais geralmente são menos afetados. Os
carrapatos frequentemente são encontrados fixados nas áreas inflamadas.
DIAGNÓSTICO: O histórico e os sinais clínicos são indicadores valiosos. A restrição da doença a áreas infestadas
por carrapatos, sua ocorrência em estações de atividade dos carrapatos e a demonstração de A. phagocytophilum
ou do DNA específico pela PCR no sangue de cordeiros afetados ou de outros ovinos do rebanho são
características diagnósticas. O isolamento de S. aureus das lesões e a ausência de outras bactérias ajudam a
confirmar a piemia causada por carrapato. A perda da condição corporal e o atraso no crescimento, sem
claudicação, podem dificultar a identificação da doença causada por carrapato e a forma aguda pode ser
confundida com outras doenças septicêmicas. A piemia causada por carrapato também pode se assemelhar a
outras infecções supurativas de recém­nascidos, inclusive doenças umbilicais e articulares devido a infecções
por outras bactérias como os estreptococos e Arcanobacterium pyogenes.
TRATAMENTO E CONTROLE: O tratamento dos casos clínicos da piemia causada por carrapatos com penicilina ou
tetraciclina pode ser efetivo, desde que as lesões não estejam muito avançadas.
O controle da infestação por carrapatos é a medida preventiva mais eficaz. Isto pode ser alcançado mantendo
os cordeiros e ovelhas em terrenos planos, em pastagens livres de carrapatos durante as primeiras semanas de
vida, ou com banhos de imersão das ovelhas antes do parto e com a administração de acaricidas nos cordeiros
em banhos de imersão ou com outras formas de aplicação tópica. Nos cordeiros jovens, as preparações pour­on
de cipermetrina ou tópicas aplicadas antes levar os cordeiros da maternidade para as pastagens são relatadas
como efetivas no controle dos carrapatos.
A administração da oxitetraciclina de ação prolongada na época de risco pode ajudar a prevenir tanto a febre
transmitida por carrapatos quanto a piemia causada por carrapatos nas primeiras semanas de vida. Uma única
injeção com o dobro da dose recomendada na terceira semana de idade pode reduzir significativamente a
mortalidade e a morbidade de cordeiros novos em pastos infestados por carrapatos e a melhorar o ganho de peso
e a condição corporal dos demais. O tratamento profilático com um antibiótico de longa ação pode prevenir o
desenvolvimento da febre transmitida por carrapatos por até 3 semanas, sem pirexia e imunossupressão, de
forma que a incidência da piemia causada por carrapatos e outras infecções, como pasteurelose e colibacilose,
são reduzidas. Embora o tratamento com a oxitetraciclina possa inibir o desenvolvimento da imunidade, se os
cordeiros eventualmente desenvolverem a febre transmitida por carrapatos, eles estarão algumas semanas mais
velhos e, aparentemente, menos suscetíveis à piemia causada por carrapatos. A exposição deliberada dos
cordeiros a injeções, seguida de tratamento com oxitetraciclina, pode oferecer alguma imunidade antes que os
cordeiros entrem em áreas infestadas por carrapato; entretanto, as cepas específicas destas áreas devem ser
utilizadas, pois, algumas cepas de A. phagocytophilum não apresentam reação cruzada.

SEPSE HEMORRÁGICA

A sepse hemorrágica (SH) é uma doença aguda e altamente fatal causada por sorotipos específicos de
Pasteurella multocida. Acomete principalmente bovinos e bubalinos; acredita­se que estes últimos sejam mais
suscetíveis. A SH não é observada com frequência em suínos e é menos comum em ovinos e caprinos. A doença
já foi relatada em bisões, camelos, elefantes, equinos e asininos e há a evidência da sua ocorrência em iaques.
Uma pasteurelose aguda indistinguível da SH é raramente observada em cervos, alces e outros ruminantes
selvagens. Coelhos e camundongos de laboratório são altamente suscetíveis à infecção experimental.
A SH é a principal doença de bovinos e bubalinos na Ásia, África e alguns países do sul da Europa e Oriente
Médio. A doença causa grandes perdas econômicas devido à morbidade e mortalidade. Ela é classificada pelos
países do sul e do Sudeste Asiático como a doença contagiosa mais importante dos bovinos e bubalinos. Embora
a SH possa ser observada em qualquer época do ano, as piores epidemias ocorrem durante a estação das chuvas.
A SH é mais comum nos vales de rios e deltas do Sudeste Asiático entre os búfalos utilizados no cultivo de
arroz. Os únicos surtos verdadeiros na América do Norte ocorreram em bisões no Parque Nacional de
Yellowstone em 1965. A ocorrência na América Central e na América do Sul não foi confirmada.
ETIOLOGIA: A epidemia de SH é causada por um ou dois sorotipos de P. multocida, designadas de B:2 e E:2. O
sorotipo E:2 apenas foi isolado na África; o sorotipo B:2 provoca a doença em outros lugares e também foi
isolado de casos no Egito e no Sudão. Os sorotipos antigenicamente relacionados com o sorotipo B:2 têm sido
implicados em surtos da doença indistinguível da SH em cervos e alces. P. multocida é uma bactéria extracelular
e a imunidade é principalmente humoral.
TRANSMISSÃO, EPIDEMIOLOGIA E PATOGENIA: Os animais são infectados por meio do contato direto ou indireto.
Acredita­se que a fonte de infecção seja a saliva ou a secreção nasal de portadores assintomáticos ou de animais
clinicamente doentes. Cerca de 5% dos bovinos e bubalinos podem ser portadores do microrganismo nas regiões
endêmicas.
Aventa­se a possibilidade de que os animais tornam­se suscetíveis em decorrência de vários fatores de
estresse, como a inanição observada nos bovinos e bubalinos no início da estação chuvosa. A infecção natural é
adquirida pela ingestão ou inalação. O local inicial da proliferação é supostamente a região das tonsilas. A
endotoxina parece ser o principal fator de virulência responsável pelos sinais clínicos e óbito. Nos animais
suscetíveis, uma sepse desenvolve­se rapidamente e a morte se dá dentro de 8 a 24 h após o desenvolvimento
dos primeiros sinais. P. multocida do tipo B dos casos de SH produz hialuronidase, enquanto P. multocida do
tipo E não produz. A importância desta enzima no processo da doença não é conhecida. Exotoxinas não foram
demonstradas nas cepas B e E.
A taxa de mortalidade é alta quando o agente é introduzido em regiões não afetadas ou não endêmicas. As
perdas variam amplamente nas áreas endêmicas. As maiores perdas ocorrem durante as chuvas de monção no
Sudeste Asiático e acredita­se que os microrganismos, que podem sobreviver durante horas e provavelmente
dias em solos úmidos e água, são transmitidos extensamente neste período.
ACHADOS CLÍNICOS: Muitos casos são agudos ou hiperagudos, resultando em morte dentro de 8 a 24 h após o
início. Como o curso é muito curto, os sinais clínicos podem ser facilmente negligenciados. Os animais
inicialmente apresentam apatia, seguida de relutância em se movimentar, salivação profusa e secreção nasal
serosa. Inchaço edematoso é frequentemente observado, começando na região da traqueia e estendendo­se até a
região parotídea, pescoço, peito e períneo. As membranas mucosas apresentam­se congestas. Há angústia
respiratória e geralmente o animal se deita e morre dentro de horas. Alguns casos podem durar vários dias. A
recuperação é rara. Aparentemente não há forma crônica.
Lesões: As alterações mais evidentes nos animais afetados são edema, celulite, hemorragias difusas e hiperemia
geral. Acredita­se que a coagulopatia induzida pela endotoxina juntamente com os danos nas células endoteliais
são os responsáveis pelas hemorragias observadas nos casos a campo de SH. Na maioria dos casos há inchaço
edematoso na cabeça, pescoço e região do peito; uma incisão nestes inchaços revela um fluido seroso claro ou
cor de palha. O edema também é encontrado na musculatura e as hemorragias petequiais subserosas, que são
encontradas por todo o animal, são características específicas. O fluido sanguinolento geralmente é encontrado
no saco pericárdico e nas cavidades torácica e abdominal. As hemorragias petequiais são particularmente
proeminentes nos linfonodos faringianos e cervicais. As gastrenterites são observadas ocasionalmente e, ao
contrário da pasteurelose pneumônica, a pneumonia geralmente não é extensa.
DIAGNÓSTICO: Algumas características epidemiológicas e clínicas auxiliam no reconhecimento da SH.
Históricos de surtos anteriores e falhas vacinais recentes possuem significado particular. Os casos esporádicos
são mais difíceis de diagnosticar clinicamente. A estação do ano, o curso rápido e alta incidência no rebanho,
com febre e inchaço edematoso, indicam SH típica. As lesões de necropsia características ajudam no
diagnóstico. Embora não seja difícil reconhecer clinicamente surtos típicos, especialmente nas regiões
endêmicas, salmonelose aguda, antraz, pasteurelose pneumônica e peste bovina devem ser considerados.
O diagnóstico presuntivo é baseado no isolamento de P. multocida do sangue e dos órgãos vitais do animal
com sinais típicos. O diagnóstico definitivo depende da identificação do sorotipo B:2 (ou sorotipo estritamente
relacionado) ou E:2. Outros sorotipos causam várias infecções em bovinos e bubalinos, mas não a SH típica. O
teste de proteção passiva em camundongos, utilizando soro de coelho imune a B:2 e E:2, é utilizado na Ásia e
na África para identificar esses sorotipos. Testes mais precisos, como hemaglutinação indireta, coaglutinação,
contraimunoeletroforese e teste de imunodifusão, estão disponíveis em alguns laboratórios.
Se ocorrer decomposição pós­morte, o agente causal pode ser mascarado devido ao crescimento excessivo de
outras bactérias. Nestes casos, a inoculação subcutânea de pequena quantidade de sangue e suspensão de tecidos
em camundongos ou coelhos facilita a recuperação da pasteurela em cultura pura ou quase pura.
Os testes sorológicos não possuem valor no diagnóstico. Entretanto, o teste de hemaglutinação indireta e o
teste de proteção passiva em camundongos são válidos para a determinação do estado imune do animal.
TRATAMENTO E PREVENÇÃO: Várias sulfonamidas, tetraciclinas, penicilinas e cloranfenicol (onde o seu uso é
permitido) são efetivos, se administrados precocemente. Em razão do curso rápido da doença e frequente
dificuldade de acesso ao animal, a terapia antimicrobiana geralmente não é muito praticável. Entretanto, é
essencial que as concentrações bactericidas dos agentes antimicrobianos sejam alcançadas no sangue o mais
rápido possível. Assim, a administração inicial IV de medicamentos, seguida pela administração por via SC ou
IM é recomendada. Embora a resistência a múltiplos antibióticos tenha sido relatada para algumas cepas de P.
multocida, ela não foi descrita para os sorotipos da SH.
A principal forma de prevenção é por meio da vacinação. Três tipos de vacina são amplamente utilizadas:
bacterina simples, bacterina precipitada com alumínio e bacterina com adjuvante oleoso. A mais efetiva é a
bacterina com adjuvante oleoso – uma dose protege por um período de 9 a 12 meses; ela deve ser administrada
anualmente. A bacterina precipitada com alumínio é administrada em intervalos de 6 meses. Os anticorpos
maternos interferem na eficácia da vacina em bezerros. As vacinas com adjuvante oleoso não são populares
devido à dificuldade de administração e reações teciduais adversas ocasionais. Uma vacina viva intranasal
preparada com os sorotipos B:3,4 de cervos está sendo utilizada no Sudeste Asiático, com relatos de sucesso.
Tentativas para elucidar a imunidade de longa duração da vacina de P. multocida dependente de estreptomicina
apresentaram resultados variáveis em bovinos e bubalinos. Recentemente, uma vacina viva atenuada com P.
multocida do tipo B administrada pela via IM parece proporcionar proteção adequada aos bezerros contra o
desafio experimental. Os animais que sobrevivem à infecção natural geralmente desenvolvem forte resposta
imunológica à exposição futura de cepas homólogas e, frequentemente, heterólogas.
RISCO ZOONÓTICO: Os sorotipos de P. multocida que causam SH não foram isolados de infecções humanas.
Entretanto, como muitos sorotipos de P. multocida têm potencial para infectar os seres humanos, precauções
adequadas devem ser tomadas.

SÍNDROME ARTRITE-ENCEFALITE CAPRINA

A infecção pelo vírus da artrite­encefalite caprina (AEC) manifesta­se clinicamente como polisinovite­artrite em
caprinos adultos e, ocasionalmente, como paresia progressiva (leucoencefalomielite) nos animais jovens. A
pneumonia subclínica ou clínica intersticial, a mastite endurativa (“úbere duro”) e a fraqueza crônica também
são atribuídas à infecção por esse vírus. Entretanto, a maior parte das infecções pelo vírus da AEC é subclínica.
A infecção pelo vírus da AEC diminui a produtividade dos caprinos leiteiros e é uma barreira para a exportação
de caprinos da América do Norte.
A infecção pelo vírus da AEC está difundida entre os caprinos leiteiros na maioria dos países
industrializados, mas, raramente, é encontrada entre as raças de caprinos nativas dos países em
desenvolvimento, a menos que esses animais tenham tido contato com caprinos importados. Em países como
Canadá, Noruega, Suíça, França e EUA, a soroprevalência do vírus da AEC é > 65%.
ETIOLOGIA, EPIDEMIOLOGIA E PATOGENIA: O vírus da AEC é um lentivírus envelopado, constituído por RNA de
fita simples e pertencente à família Retroviridae. Há vários isolados geneticamente distintos do vírus que
diferem no grau de virulência.
Sob condições naturais, o vírus da AEC parece ser hospedeiro­específico, porém, a infecção experimental de
ovinos com este vírus é possível. O contato prolongado de ovinos saudáveis com caprinos infectados geralmente
não resulta em infecção ou soroconversão, mas, os cordeiros que mamam em cabras infectadas soroconvertem e
desenvolvem infecção persistente. A inoculação experimental do vírus da AEC nas articulações de cordeiros
produz artrite, soroconversão e articulações vírus­positivas.
A infecção por vírus da AEC está amplamente difundida nas raças de caprinos leiteiros, sendo incomum nos
caprinos produtores de carne e lã. Isto pode ser atribuído à genética, práticas de manejo, como o fornecimento
de colostro e leite de uma fêmea para múltiplos cabritos, e práticas de pecuária industrial (p. ex., frequente
introdução de novos animais no rebanho). A prevalência da infecção aumenta com a idade, mas não é
influenciada pelo sexo. A maioria dos caprinos é infectada em idade precoce, permanecendo soropositivos por
toda a vida e desenvolvendo a doença meses a anos depois.
O principal meio de transmissão da AEC é através da ingestão do colostro ou leite de cabras infectadas com o
vírus pelos cabritos. O fornecimento da mistura de leite ou colostro de várias fêmeas para os cabritos é uma
prática de risco, uma vez que poucos animais infectados disseminarão o vírus para um grande número de
cabritos. A transmissão horizontal também contribui para a propagação da doença dentro dos rebanhos e pode
ocorrer pelo contato direto, exposição a fômites em cochos e bebedouros, ingestão de leite contaminado nas
salas de ordenha ou uso seriado de agulhas e equipamentos contaminados com sangue. As formas incomuns de
transmissão, indicadas por estudos experimentais, incluem a transmissão intrauterina para o feto, a infecção do
filhote durante o parto e a infecção através de acasalamento ou transferência de embrião.
A patogênese da AEC não está totalmente esclarecida. Os macrófagos do leite e do colostro infectados com o
vírus são absorvidos intactos pela mucosa intestinal. A infecção é subsequentemente disseminada pelo corpo via
células mononucleares infectadas. A replicação viral periódica e a maturação dos macrófagos induzem a lesões
linfoproliferativas características nos tecidos alvos, como pulmões, membrana sinovial, plexo coroide e úbere.
A persistência do vírus da AEC no hospedeiro é facilitada pela sua capacidade de ser sequestrado como provírus
nas células do hospedeiro. A infecção induz uma forte resposta imune humoral e mediada por células, mas
nenhuma é protetora.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos são observados em aproximadamente 20% dos caprinos infectados pelo
vírus da CAE durante toda a sua vida. A manifestação mais comum da infecção é a polisinovite­artrite, que é
principalmente observada nos caprinos adultos, mas que também pode ocorrer em cabritos com 6 meses de
idade. Os sinais da polisinovite­artrite incluem distensão da cápsula articular e vários graus de claudicação. As
articulações do carpo são as mais frequentemente envolvidas. O início da artrite pode ser súbito ou lento, mas o
curso clínico sempre é progressivo. Os caprinos afetados perdem a condição corporal e geralmente têm poucos
pelos. A encefalomielite geralmente é observada nos cabritos com 2 a 4 meses de idade, mas já foi descrita em
cabritos mais velhos e em caprinos adultos. Os cabritos afetados geralmente exibem fraqueza, ataxia e déficit de
postura dos membros pélvicos. Hipertonia e hiper­reflexia também são comuns. Ao longo do tempo, os sinais
progridem para paraparesia ou tetraparesia e paralisia. Depressão, inclinação da cabeça, andar em círculo,
opistótono, torcicolo e movimentos de pedalagem também foram descritos. A pneumonia intersticial devido à
infecção pelo vírus da AEC raramente produz sinal clínico nos cabritos. Entretanto, em caprinos adultos com
evidência sorológica de infecção pelo vírus da AEC, a pneumonia intersticial crônica, que leva a dispneia
progressiva, foi documentada. A síndrome do “úbere duro”, atribuída à infecção pelo vírus da AEC, é
caracterizada por glândula mamária firme e inchada e agalactia no momento do parto. A qualidade do leite
geralmente não é afetada. Embora a glândula mamária possa amolecer e produzir de pouca até quantidades
normais de leite, a produção permanece baixa em muitas cabras que apresentam mastite endurativa.
Lesões: As lesões patológicas da infecção pelo vírus da AEC geralmente são descritas como linfoproliferativas
com infiltração degenerativa de células mononucleares. As lesões nas articulações são caracterizadas pelo
espessamento da cápsula articular e pela proliferação marcada das vilosidades sinoviais. Nos casos crônicos, a
calcificação dos tecidos moles, envolvendo cápsulas articulares, bainhas dos tendões e bursa, não é incomum.
Destruição grave da cartilagem, ruptura dos ligamentos e tendões e formação de osteófitos periarticulares,
também foram descritas em casos avançados. As características microscópicas das lesões articulares incluem
hiperplasia das células sinoviais, infiltração subsinovial de células mononucleares, hipertrofia de vilosidades,
edema e necrose sinoviais. As lesões macroscópicas associadas à forma neurológica da AEC incluem áreas
inchadas assimétricas e de coloração marrom avermelhada, principalmente nos segmentos de medula espinal
cervical e lombossacral. Histopatologicamente, essas lesões são caracterizadas por infiltrados inflamatórios
multifocais de células mononucleares e vários graus de desmielinização. No exame macroscópico, os pulmões
dos caprinos afetados são firmes e de coloração rósea acinzentada com múltiplos focos brancos pequenos e sem
colapso. Os linfonodos bronquiais estão invariavelmente aumentados. Os achados histológicos incluem
pneumonia intersticial crônica com infiltração de células mononucleares nos septos alveolares e nas regiões
perivasculares e peribronquiais. Nas fêmeas com enduração do úbere, a infiltração mononuclear no estroma
periductular destrói o tecido da glândula mamária normal.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico presuntivo pode ser baseado nos sinais clínicos e no histórico. Artrite infecciosa
causada por Mycoplasma spp e artrite traumática são diagnósticos diferenciais para artrite induzida pelo vírus da
AEC. O diagnóstico diferencial para a paresia progressiva e paralisia exibida pelos cabritos deve incluir ataxia
enzoótica, abscesso na medula espinal, nematodíase cerebrospinal, traumatismo de medula espinal e
anormalidades congênitas da medula e coluna espinal. Se o exame neurológico indicar envolvimento cerebral,
polioencefalomalacia, listeriose e raiva devem ser consideradas como possíveis causas. A forma pulmonar da
linfadenite caseosa pode ter apresentação clínica similar à da forma pulmonar da AEC em caprinos adultos.
Tanto o teste de imunodifusão em gel de ágar quanto o ELISA são considerados métodos confiáveis para o
uso em programas de controle. O teste de imunodifusão em gel de ágar é relatado como mais específico, porém
menos sensível do que o ELISA. Um resultado de teste positivo em um caprino adulto sugere infecção, mas não
confirma que os sinais clínicos sejam causados pelo vírus da AEC. Os cabritos infectados ao nascimento
desenvolvem uma resposta de anticorpos mensurável 4 a 10 semanas após a infecção. Entretanto, os testes
positivos nos cabritos < 90 dias de idade geralmente refletem a transferência de anticorpos colostrais. Os testes
negativos não descartam a infecção pelo vírus da AEC, pois, o tempo de soroconversão pós­infecção é variável
e, ocasionalmente, alguns caprinos possuem títulos muito baixos que podem não ser detectáveis. Baixos títulos
de anticorpos são comuns no final da gestação. Devido às limitações dos testes sorológicos, o diagnóstico
definitivo da AEC requer a demonstração das lesões características nas amostras de biopsia ou à necropsia. O
isolamento viral ou a PCR, para demonstrar a presença do antígeno viral nos tecidos, podem ser utilizados
posteriormente para comprovar o diagnóstico.
TRATAMENTO E CONTROLE: Não há tratamento específico para qualquer uma das síndromes clínicas associadas
à infecção pelo vírus da AEC. Entretanto, os tratamentos de suporte podem beneficiar alguns caprinos. A
condição dos caprinos com polisinovite­artrite pode ser melhorada com o casqueamento regular, uso de cama
adicional e administração de AINES, como a fenilbutazona ou o ácido acetilsalicílico. Os caprinos com
encefalomielite podem ser mantidos durante semanas com bons cuidados de enfermagem. A terapia
antimicrobiana é indicada para o tratamento de infecções bacterianas secundárias que podem complicar a
pneumonia intersticial ou a mastite endurativa devido à infecção pelo vírus da CAE. A provisão de alimentos de
alta qualidade e de rápida digestibilidade para os caprinos positivos para o vírus da AEC pode retardar o início
da síndrome de emaciação.
Nos rebanhos comerciais, um ou mais dos seguintes itens são recomendados para o controle da AEC: (1)
isolamento permanente dos recém­nascidos desde o nascimento; (2) fornecimento de colostro tratado
termicamente (45°C por 60 min) e leite pasteurizado; (3) testes sorológicos frequentes do rebanho
(semestralmente), com identificação e segregação dos caprinos soronegativos e soropositivos; e (4) eventual
descarte dos caprinos soropositivos. Se o programa de controle incluir a segregação do rebanho em grupos
soronegativos e soropositivos, os grupos devem ser separados por uma distância mínima de 1,8m e os
equipamentos compartilhados devem ser desinfetados com compostos fenólicos ou de amônia quaternária.

DOENÇA DE GLÄSSER (Polisserosite suína, Poliartrite

infecciosa)

Suínos podem ser infectados por diferentes microrganismos antes dos desmame, mas alguns destes
microrganismos são potencialmente patogênicos. Esse é o caso de Haemophilus parasuis, um microrganismo
comensal do trato respiratório superior de suínos que causa doença sistêmica grave caracterizada por
polisserosite fibrinosa, artrite e meningite. A doença causada por H. parasuis surge repentinamente, seu curso é
breve e ocasiona altas taxas de mortalidade e morbidade. Os animais jovens (4 a 8 semanas de idade) são os
mais suscetíveis, embora doença esporádica possa ser observada em adultos (p. ex., introdução de animais
adultos suscetíveis em um rebanho normal). Sobreviventes podem desenvolver fibrose grave nas cavidades
abdominal e torácica, que pode resultar em menor taxa de crescimento e condenação da carcaça no abatedouro.
A doença de Glässer é cosmopolita e sua incidência parece que aumentou a partir da introdução da síndrome
respiratória e reprodutiva, em suínos (ver p. 818).
ETIOLOGIA: O agente etiológico, H. parasuis, é uma pequena, bactéria Gram­negativa pleomórfica da família
Pasteurellaceae que requer a suplementação com fator V (NAD), mas não o fator X (hemina) para crescimento.
No laboratório, H. parasuis cresce no ágar chocolate enriquecido; pode também ser cultivada em ágar­sangue
com colônia satélite de Staphylococcus. Entretanto, H. parasuius é fastidioso e seu isolamento em cultura pura
de animais doentes normalmente é difícil e frequentemente complicada devido ao tratamento com antibióticos.
Foram relatados 15 sorovares de H. parasuis, porém alta porcentagem de isolados avaliados não foi tipificado.
Há relato de ampla diferença na virulência dos sorovares. Sorovares 1, 2, 4, 5, 12, 13, 14 e alguns isolados não
tipificados são normalmente isolados no caso de doença sistêmica, enquanto sorovar 3 e outros isolados não
tipificados são frequentemente isolados do trato respiratório superior. Os fatores envolvidos na invasão
sistêmica pelo H. parasuis são ainda desconhecidos. Além disso, a correlação entre sorovar e virulência não é
clara, e cepas pertencentes ao mesmo sorovar podem variar quanto à virulência. Sorotipagem tem sido também
utilizada como base para estabelecimento de critério de vacinação, mas a proteção cruzada entre os diferentes
sorovares é variável e difícil de prever. Portanto, métodos atuais de identificação e caracterização de H. parasuis
são principalmente a genotipagem (métodos de sequenciamento ou finger­print).
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos são observados principalmente em suínos com 4 a 8 semanas de idade,
embora a idade dos animais infectados possa variar, dependendo da imunidade materna adquirida.
A doença hiperaguda tem curso breve e pode ocasionar morte súbita sem lesões macroscópicas
características; nesses casos pode­se notar petéquia em alguns órgãos, indicando septicepmia.
Os sinais clínicos típicos de doença de Glässer aguda incluem febre alta (41,5°C), tosse intensa, respiração
abdominal, inchaços articulares e sinais do SNC como decúbito lateral, movimentos de pedalagem e tremores.
Esses sinais podem apresentar­se isolados ou em conjunto. Em animais com doença crônica pode haver redução
da taxa de crescimento em consequência de fibrose grave nas cavidades torácica e peritoneal.
Relata­se dispneia e tosse não normalmente associadas à doença de Glässer, juntamente com isolamento de
H. parasuis de pulmões de suínos com broncopneumonia catarral purulenta e mesmo pneumonia fibrino­
hemorrágica.
Lesões: Doença hiperaguda pode causar petéquias em alguns tecidos, não sendo observadas lesões
macroscópicas. Histologicamente, esses suínos apresentam lesões microscópicas semelhantes a sepse, como
CID e micro­hemorragias. Aumento do fluido nas cavidades torácica e abdominal, sem a presença de fibrina,
pode também ser notado em casos hiperagudo.
As infecções sistêmicas são caracterizadas pelo desenvolvimento de polisserosite fibrinosa, artrite e
meningite. O exsudato fibrinoso pode ser observado na pleura, pericárdio, peritônio, sinóvia e meninges, sendo
geralmente acompanhado de aumento da quantidade de fluido. A pleurite fibrinosa pode ser acompanhada de
consolidação anteroventral (broncopneumonia catarral purulenta). Ausência de lesões macroscópicas
características é também comum em suínos que apresentam sinais de SNC. Os animais com doença crônica
geralmente têm fibrose grave na pleura e pericárdio, que pode ou não ser notada na cavidade peritoneal.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico se baseia na constatação de lesões e sinais clínicos característicos, juntamente com
a detecção de H. parasuis em suínos infectados, mediante isolamento ou método molecular, como PCR.
Como os métodos de diagnóstico atuais não diferenciam isolados virulentos e não virulentos, é importante
obter amostra apenas de sítios sistêmicos, como pleura, pericárdio, peritônio, articulações e cérebro. O
isolamento de H. parasuis do trato respiratório superior não é relevante para o diagnóstico de infecção
sistêmica. A obtenção de amostras coletadas de animais clinicamente acometidos que foram submetidos à
eutanásia aumenta as chances de isolamento.
Os diagnósticos diferenciais de doença de Glässer incluem infecções por Streptococcus suis, Escherichia coli
septicêmica, Actinobacillus suis, Mycoplasma hyorhinis, Erysipselothrix rhusiopathiae e Salmonella
choleraesuis.
TRATAMENTO E CONTROLE: H. parasuis é um dos poucos microrganismos Gram–negativos que pode ser tratado
efetivamente com penicilina sintética. Outros antimicrobianos que são utilizados incluem ceftiofur, ampicilina,
enrofloxacino, eritromicina, tiamulina, tilmicosina, florfenicol e sulfonamidas potencializadas. Os tratamentos
individuais devem ser administrados por via parenteral para se obter efeito significativo, e todos os suínos do
grupo infectado (não apenas aqueles que apresentam sinais clínicos) devem ser tratados. O tratamento
preventivo pode ser fornecido por meio da água ou alimentos com a medicação. Tanto as vacinas comerciais
como as autógenas podem ser utilizadas no controle da infecção por H. parasuis, embora sua eficácia seja
variável. A ampla variação de sorovares e genótipos potencialmente patogênicos tem impedido o
desenvolvimento de uma vacina universal para H. parasuis. A proteção homóloga entre os isolados do mesmo
grupo de sorovar é relativamente satisfatória, enquanto a proteção heteróloga é restrita a alguns sorovares.
Em um futuro próximo, estudos de genotipagem e genômicos devem auxiliar a determinar a imunidade
cruzada entre cepas, identificar linhagens de clones e genes virulentos e auxiliar no desenvolvimento de
métodos de controle da doença mais confiáveis.

DOENÇA DO EDEMA (Enterotoxemia por Escherichia coli)

A doença do edema é uma toxemia hiperaguda causada por patógenos específicos de Escherichia coli, que
acomete principalmente suínos lactentes em fase de crescimento rápido. Outros termos utilizados para designar
a doença incluem “edema intestinal” ou “edema visceral”, em razão do edema marcante de submucosa do
estômago e do mesocólon.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: A doença do edema é causada por E. coli hemolítica, que produz pili F18 e a toxina
Shiga 2e (Stx2e, também conhecida como verotoxina 2e ou VT2e). O pili F18 possui duas variantes antigênicas,
F18ab e F18ac; F18ab possui características da doença do edema e o F18ac está associado principalmente E.
coli enterotoxigênica. E. coli produtora de toxina Shiga está associada à doença do edema e comumente
pertence a quatro sorotipos específicos: O138:K81:NM, O139:K12:H1, O141:K85a,b:H4 e O141:K85ac:H4.
Entretanto, outros sorotipos de E. coli podem ser implicados e cepas do soro–grupo O147 tem sido dominante
em partes dos EUA nos últimos anos. Essas cepas O147 tipicamente contêm flagelo H17, mas alguns têm H14
ou H19.
Os suínos se infectam inicialmente pelo ambiente contaminado ou por meio da porca. A disseminação da
infecção entre animais confinados é facilitada pela grande quantidade de E. coli patogênica excretada por suínos
infectados. Algumas cepas de E. coli que causam doença do edema também carreiam genes para enterotoxinas e
podem causar diarreia, além de doença do edema. A ingestão de cepas de E. coli causadoras da doença do
edema é seguida de colonização do intestino de suínos, onde as células do epitélio intestinal apresentam
receptores para o pili F18. A expressão dos receptores está relacionada com a idade; assim, suínos jovens são
menos suscetíveis à colonização do que os animais idosos. Alguns suínos transmitem uma mutação específica
em um gene necessário para a expressão dos receptores e, portanto, são resistentes à infecção.
A resistência/suscetibilidade é determinada por um único locus com o alelo de suscetibilidade dominante e
um alelo resistente recessivo; com isso é possível a seleção de animais resistentes, que podem ser identificados
por um simples teste PCR que identifica a presença ou ausência da mutação específica. Há certa preocupação
sobre a seleção para resistência a E. coli F18+ devido a associação muito alta entre a presença do marcador para
resistência a E. coli F18+ e a presença do marcador de suscetibilidade a estresse, verificada em suínos da raça
Landrace Suíço. Entretanto, essa associação não foi constatada em suínos da raça Belga.
A toxina Shiga 2e, produzida no intestino de suínos infectados é responsável pela maioria dos sinais clínicos
e lesões observadas. Essa citotoxina inibe a síntese proteica, ocasionando à morte celular. A toxina é absorvida
no intestino e alcança o endotélio vascular em locais específicos que supostamente possuem altas concentrações
do receptor da toxina globotetraosil ceramida. Estudo recente mostrou que as cepas de E. coli que causam
doença do edema podem colonizar os linfonodos mesentéricos e ai produzir Stx2e. este pode ser um sitio
adicional de absorção da toxina na corrente sanguínea. A toxina Stx2e liga­se prontamente as hemácias do
suíno, as quais podem transportar a toxina para vários locais do organismo. Locais que são altamente suscetíveis
à toxina incluem a submucosa do estômago, o mesentério do cólon, tecidos cutâneos da fronte e das pálpebras,
laringe e cérebro. As lesões no endotélio vascular resultam em edema, hemorragia, coagulação intravascular e
microtrombose.
Dietas com alto teor de proteínas aumentam a suscetibilidade dos suínos à doença. Os fatores associados ao
desmame, inclusive o estresse ao misturar suínos, mudanças na dieta e perda de anticorpos do leite a partir do
intestino, parecem ser elementos importantes na exacerbação da suscetibilidade de suínos desmamados à
doença.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos variam desde morte hiperaguda, com ausência de sintomas, até
envolvimento do SNC com ataxia, paralisia e decúbito. A doença do edema geralmente ocorre 1 a 2 semanas
após o desmame e tipicamente envolve os animais mais saudáveis no grupo. A doença é observada
ocasionalmente em leitões lactentes ou adultos. A taxa média de morbidade varia de 30 a 40% e a taxa de
mortalidade em animais infectados frequentemente é superior a 90%. É comum a ocorrência de edema
periocular, tumefação da fronte e da região submandibular, dispneia e anorexia.
Lesões:A doença do edema é principalmente uma enfermidade vascular e as lesões macroscópicas consistem de
edema subcutâneo e edema da submucosa do estômago, particularmente na região glandular da cárdia. O fluido
do edema geralmente é gelatinoso e pode se estender até o mesocólon. O edema pode ser acompanhado de
hemorragia. Filamentos de fibrina podem ser encontrados na cavidade peritoneal e é possível notar fluido seroso
em ambas as cavidades, pleural e peritoneal. Microscopicamente, nota­se angiopatia degenerativa em artérias e
arteríolas e necrose das células dos músculos lisos da túnica média. As lesões de encefalomalácia focal no
tronco cerebral são características e acredita­se que sejam decorrências da lesão vascular, ocasionando edema e
isquemia.
DIAGNÓSTICO: O histórico clínico de morte hiperaguda de animais saudáveis, bem­condicionados e recém­
desmamados, juntamente com a constatação de edema periocular e extenso edema do estômago e mesocólon
são úteis no diagnóstico. É possível notar um guincho característico devido do edema de laringe. Diarreia pode
preceder os sinais da doença do edema quando a E. coli responsável também contém genes para enterotoxinas.
Tipicamente, o estômago se apresenta repleto de alimentos secos. O diagnóstico é facilmente estabelecido no
caso de surto, no qual é possível notar ampla variação e sinais clínicos e lesões,. O diagnóstico é mais difícil
quando apenas alguns animais são infectados ou quando a doença se manifesta em um grupo etário atípico. O
isolamento e a caracterização da E. coli são necessários para o diagnóstico definitivo. A cultura de intestino
delgado e de cólon tipicamente mostra um grande crescimento de E. coli hemolítica, mas em alguns casos o
microrganismo pode já não estar presente no intestino no momento da morte. É possível demonstrar que E. coli
hemolítica isolada é causadora de doença do edema por meio de PCR com amplificação dos genes para pili F18
e Stx2e. A sorotipagem do isolado auxilia no rastreamento da persistência de um tipo específico de agente em
uma propriedade. No entanto, pili F18 não é rapidamente expresso in vitro e pode não ser detectado nos
microrganismos submetidos a culturas de rotina.
TRATAMENTO E CONTROLE: Em razão de início súbito e curso rápido da doença, o tratamento geralmente é
ineficaz. Pode­se adicionar medicamento na agua de beber para proteger suínos assintomáticos em um rebanho
no qual foram detectados casos da doença. Deve­se determinar a sensibilidade antimicrobiana da bactéria
isolada de um suíno doente; deve­se substituir a medicação caso não seja efetiva. O controle também é difícil.
Várias abordagens experimentais se mostraram efetivas, mas nenhuma até agora é econômica. Esses métodos
incluem alimentação com alto teor de fibras e dieta com baixo teor de proteína, redução da quantidade de
alimento fornecidos aos suínos desmamados, vacinação por via sistêmica com toxoide Stx2e, vacinação oral
com E. coli não toxigênica com F18+, imunização sistêmica passiva com antitoxina e imunização oral passiva
com anticorpos anti­F18. Imunização via mucosa com fímbrias de F18 purificadas tem sido pesquisado, mas
mostrou­se inefetiva, possivelmente porque a porção da fímbria de F18 que se liga ao intestino é uma fração
pequena da estrutura fimbrial total. Recentemente, proteção incompleta foi relatada após a vacinação de suínos
com a porção receptora da fímbria F18 conjugada com a fímbria F4.
DOENÇA VESICULAR SUÍNA

A doença vesicular suína (DVS) é tipicamente uma doença transitória dos suínos na qual aparecem lesões
vesiculares nos pés, focinho e boca. As lesões não causam graves perdas na produção e os surtos recentes da
infecção foram principalmente subclínicos. Entretanto, a infecção é de grande importância econômica, pois deve
ser diferenciada da febre aftosa. Além disso, sua erradicação é cara e embargos à exportação de suínos e
produtos de origem suína muitas vezes são impostas aos países não livres da DVS.
Embora já tenha ocorrido a infecção em trabalhadores de laboratório e o vírus possa estar presente em ovinos
e bovinos, supõe­se que os suínos sejam os únicos hospedeiros naturais. A doença foi identificada pela primeira
vez na Itália em 1966 e, subsequentemente, em Hong Kong, Japão, Tailândia e outros 16 países da Europa.
Embora o vírus da DVS tenha sido erradicado no Japão em meados da década de 1970 e na maioria dos países
europeus em meados da década de 1980, ele ainda manteve­se endêmico na Itália e causou surtos esporádicos
da doença em outros países europeus durante a década de 1990 e em Portugal nos anos de 2003, 2004 e 2007.
ETIOLOGIA: O agente causal é um enterovírus da família Picornaviridae. Ele pertence à espécie de enterovírus B
humano e acredita­se ter evoluído do vírus Coxsackie B5 humano, com o qual tem estreitas relações antigênica
e genética. Há apenas um sorotipo do vírus DVS, embora os isolados possam ser diferenciados pelo tipo
antigênico e genético e podem diferir na virulência. O vírus da DVS é transmitido pelo contato direto ou
indireto, ou pela ingestão de suínos e de produtos de origem suína infectados. A infecção ocorre pela via oral ou
por meio de abrasões na pele, podendo ocasionar viremia, eliminação viral pelas fezes e vesículas generalizadas
cuja ruptura libera grandes quantidades do vírus.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sinais primários são lesões vesiculares recentes ou cicatrizadas, nos pés,
especialmente na coroa do casco, e em outras áreas como boca, lábios e focinho. As lesões podem ser leves ou
inaparentes, especialmente quando os suínos são mantidos sobre pisos macios. As lesões são similares às da
febre aftosa (p. 670), do exantema vesicular em suínos (p. 805) e da estomatite vesicular (p. 668), contudo, os
suínos afetados não perdem a condição e as lesões cicatrizam­se rapidamente. Sinais nervosos têm sido
descritos, mas raramente observados a campo.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico é confirmado pelos testes laboratoriais de amostras de epitélio, de fezes ou de
soro. A detecção viral é feita pela pesquisa de antígenos por meio de ELISA, pelo isolamento viral ou pela RT­
PCR. A sorologia é feita pela detecção de anticorpos por ELISA ou pelo teste de vírus neutralização.
CONTROLE: Os países livres da doença podem permanecer assim pelo controle da importação de suínos e dos
produtos de origem suína ou assegurando que os produtos de origem suína sejam tratados (por calor ou outro
meio) para matar o vírus. A alimentação dos suínos com restos de alimentos deve ser proibida ou regulada para
assegurar um cozimento adequado. Qualquer suspeita de surto deve ser relatada às autoridades competentes.
Caso a doença apareça, o controle é feito por meio de medidas zoosanitárias, inclusive as restrições na
movimentação dos suínos. Não há vacina comercialmente disponível. Rigorosa vigilância sorológica é
necessária para detectar infecções subclínicas nos rebanhos e os rebanhos sororreagentes devem ser submetidos
à inspeção clínica e testes de eliminação viral. O vírus permanece infectante por longos períodos; por isso, a
desinfecção das instalações, dos caminhões e equipamentos deve ser completa. Os desinfetantes mais efetivos
são os álcalis fortes, embora os hipocloritos ou iodóforos contendo ácido possam ser utilizados quando não
houver a presença de material orgânico.

DOENÇAS CAUSADAS POR CIRCOVÍRUS SUÍNO (Síndrome

da caquexia multissistêmica pós-desmame, Síndrome

dermatológica e nefropática suína)

Um novo contaminante de célula de rim de suínos da linhagem PK­15 (ATCC­CCL33), não citopatogênico,
semelhante a picornavírus, foi descrito em 1974. Mais tarde, mostrou–se que esse microrganismo era um vírus
sem envelope pequeno, contendo DNA circular com filamento único; esse agente foi denominado circovírus
suíno (CVS). Relata­se que há ampla ocorrência de anticorpos contra CVS em suínos e que a infecção
experimental com esse vírus em suínos não resultaram em doença clínica, sugerindo que o CVS não é
patogênico.
Uma nova doença foi descrita no oeste do Canadá no início e a metade dos anos 1990. A etiologia era
desconhecida e a enfermidade foi denominada síndrome da caquexia multissistêmica pós­desmame (SCMPD).
Os suínos acometidos, principalmente aqueles recém­nascidos, apresentavam, em especial, baixa taxa de
crescimento, doença debilitante e/ou caquexia; o exame histopatológico era caracterizado por lesões
inflamatórias sistêmicas. No final dos anos 1990, foi isolado um vírus aparentemente novo semelhante ao CVS
de suínos com SCMPD. O novo vírus era antigenicamente e geneticamente distinto do contaminante CVS de
culturas de células PK­15. Subsequentemente, o CVS isolado de suínos doentes foram denominados circovírus
suíno tipo 2 (CVS2) e o CVS original de culturas de células PK­15 como circovírus suíno tipo 1.
O CVS2 foi posteriormente associado a várias síndromes em suínos. Portanto, a terminologia das doenças
causadas por circovírus suíno (DCVS) foi proposta coletivamente como SCMPD (também conhecida como
doenças associadas ao CVS [DACVS], na América do Norte), falha reprodutiva associada ao CVS2, síndrome
dermatológica e nefropática suína e pneumonia proliferativa e necrosante. Tremor congênito tipo AII foi
também considerado como uma potencial DCVS, mas a maioria dos dados disponíveis não sustenta essa
afirmação. Apenas SCMPD é considerada causa de impacto relevante na produção mundial de suínos, mas a
introdução de vacinas eficientes no mercado tem melhorado muito as consequências da doença.
SCMPD é considerada uma doença multifatorial em que o CVS2 é o principal microrganismo infeccioso. O
CVS2 deve, também, ser incluído na lista de diagnósticos diferenciais de agentes que causam problemas
reprodutivos. Embora a síndrome dermatológica e nefropática suína seja considerada uma DCVS, a
confirmação de CVS2 bem como o antígeno relacionado com essa doença imune é falha. O complexo doença
respiratória suína e pneumonia proliferativa e necrosante também são condições clínicas e patológicas
multifatoriais, respectivamente, e suas ocorrências podem ser concomitantes com infecções por CVS2 e/ou
SCMPD.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: Os circovírus são pequenos (17 a 22 nm em diâmetro), sem envelopes e com um
único filamento de DNA circular. Há dois tipos de circovírus suíno, embora apenas CVS2 seja considerado
patogênico. Recentemente, estudos filogenéticos mostraram que existem pelo menos três genótipos de CVS2
(CVS2a, b e c). Estudos recentes sugerem que uma alteração de genótipo (de a para b; CVS2c, foi detectado na
Dinamarca durante os anos de 1980), coincidindo com importantes surtos de SCMPD na América do Norte,
Japão e alguns países da Europa. Não está claro se há diferença na patogenecidade entre ou dentro dos
genótipos CVS2.
Pesquisas sorológicas mostram que o CVS2 está disseminado em suínos, independente da prevalência de
SCMPD na fazenda. Resultados de estudos sorológicos retrospectivos indicam que o CVS2 tem infectado
suínos por mais de 5 décadas.
Inicialmente, SCMPD foi identificada em grupos saudáveis que estavam livres da maioria dos patógenos
suínos comuns. Entretanto, em condições de campo, suínos que mostram sinais clínicos de SCMPD
normalmente são infectados com agentes múltiplos, inclusive parvovírus suíno, vírus da síndrome respiratória e
reprodutiva suína, Actinobacillus pleuropneumoniae, Pasteurella multocida, Haemophilus parasuis,
Staphylococcus spp e Streptococcus spp.
Várias tentativas de reprodução experimental de SCMPD foram publicadas. Algumas tentativas recentes
(utilizando tecidos homogeneizados de suínos com SCMPD ou isolado de CVS2) reproduziram lesões
histológicas semelhantes à SCMPD, mas não a condição de caquexia. Entretanto, estudos ocasionais
subsequentes reproduziram a doença clínica, bem como lesões compatíveis com SCMPD, utilizando
presumivelmente, apenas CVS2, como inóculo. Consequentemente, sugeriu­se que a infecção por CVS2, ligada
a outros cofatores, foi necessária para o desenvolvimento consistente completo da doença clínica. Atualmente,
parece que vários fatores, como idade e origem dos suínos, condições ambientais, genética, natureza do inóculo
de CVS2 utilizado e o estado imunológico do suíno no momento da infecção por CVS2 têm participação
relevante na reprodução experimental consistente da doença. Na verdade, o modelo mais consistente e de alta
repetibilidade de SCMPD tem sido obtido utilizando cofatores infecciosos e não infecciosos como
desencadeantes. O mecanismo pelos quais outros vírus ou a imunoestimulação pode desencadear caquexia em
suínos infectados com CVS2 ainda é desconhecido. Altas cargas de CVS2 no sangue, linfonodos e outros
tecidos e em vias de excreção potenciais são associadas à manifestação da doença.
Quando a doença multissistêmica e a caquexia são evidentes, a lesão ao sistema imune é a principal
característica, sugerindo que os suínos acometidos apresentam imunodeficiência adquirida. Depleção de
linfócitos em tecidos linfoides, alterações de subpopulações de células mononucleares no sangue periférico e o
padrão alterado da expressão de citocinas têm sido demonstrados em suínos com SCMPD natural e
experimental.
A identificação das células que sustentam a replicação do CVS2 é ainda controversa. A grande quantidade de
antígenos do vírus CVS2 presente em macrófagos e em células dendríticas de suínos acometidos parece ser
decorrência do acúmulo de partículas virais. Entretanto, as células epiteliais e endoteliais parecem ser o alvo
principal para replicação do CVS2, bem como um pequeno número de macrófagos e linfonodos.
Muito pouco é conhecido sobre a patogênese de outras doenças clínicas associadas à infecção por CVS2. O
CVS2 é capaz de replicar em fetos, bem como em embriões livre de zona pelúcida. Além disso, um experimento
com embriões expostos ao CVS2 e então transferidos a porcas receptoras sugeriu que a infecção pode ocasionar
morte embrionária. Transmissão transplacentária de CVS2 foi demonstrada. Entretanto, estudos utilizando
porcas prenhes inoculadas por via intranasal mostraram resultados variados.
A síndrome dermatológica e nefropática suína é considerada uma reação de hipersensibilidade tipo III, na
qual o antígeno presente no complexo imune é desconhecido. Tem­se aventado a possibilidade de que o CVS2
pode ser o antígeno, mas não há prova definitiva indicando que o CVS2 causa lesões da síndrome dermatológica
e nefropática suína. Há evidências indiretas, como título de anticorpos séricos contra CVS2 significativamente
alto nos suínos acometidos, em comparação com suínos saudáveis e com suínos com SCMPD.
EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: O CVS2 é considerado um vírus onipresente nos países que apresentam ou
não a doença causada por circovírus suíno (inclusive SCMPD). Infecção pelo CVS2 e SCMPD também foi
descrita em javalis. A doença é cosmopolita.
A transmissão pode ser por contato direto com suínos infectados. CVS2 tem sido detectado em quase todas as
vias de excreção potenciais, como secreções nasal, ocular e brônquico; saliva; urina; e fezes. O vírus pode ser
encontrado no sêmen, mas a relevância prática disso é desconhecida. Inseminação artificial de fêmeas com
sêmen infectado por CVS2 tem mostrado resultados contraditórios; alguns estudos sugerem a possibilidade de
problemas reprodutivos associados. Embora sem comprovação, considera­se que o contato com fômites
contaminados, a exposição a alimentos ou produtos biológicos contaminados, o uso múltiplo de agulhas
hipodérmicas ou a picada de insetos pode desempenhar um papel na transmissão.
O CVS2 pode persistir no suíno por vários meses, em condições experimentais e a campo. Suínos
convalescentes podem albergar o vírus por longo tempo, representando importante fator na transmissão da
doença. O CVS2 é razoavelmente resistente aos desinfetantes utilizados comumente e à radiação;
provavelmente, caso não se adotem medidas sanitárias rigorosas ocorre acúmulo do vírus no ambiente e
infecção de novos grupos de suínos suscetíveis. O declínio do título de anticorpo colostral em suínos está
associado a início de SCMPD em leitões novos ou em suínos em fase de terminação. Há relato de infecção
transplacentária por CVS2, mas isso não se sabe se porcas com infecção uterina são capazes de transmitir a
infecção ou se, alternativamente, desenvolvem SCMPD clínica subsequente.
Alguns relatos sugerem que outros animais, além de suínos, podem ser infectados com CVS2 ou com vírus
semelhante ao CVS. Entretanto, resultados de estudos sorológicos para pesquisa de anticorpos contra CVS em
bovinos e outros animais d e produção são contraditórios e a indução experimental da doença com CVS1 ou
CVS2 em animais pecuários, além de suínos, não têm mostrado sucesso.
ACHADOS CLÍNICOS: Com frequência, em unidades de engorda ocorre doença multissistêmica com perda de
peso, em suínos com 8 a 18 semanas de idade, embora a doença possa também acometer suínos mais velhos ou
mais jovens. Tipicamente, a taxa de morbidade varia de 5 a 20% entre grupos de leitões mais velhos ou em fase
de terminação. Ocasionalmente, a taxa de mortalidade em suínos com sintomas de SCMPD pode ser > 50%.
Além de perda por morte, a ocorrência de SCMPD em suínos em fase de terminação pode causar aumento
substancial no tempo necessário para atingir o peso de mercado, resultando em perda econômica ao produtor.
Retardo no crescimento, caquexia e dispneia são os sinais clínicos mais frequentemente verificados nos surtos.
Palidez, anemia, icterícia, diarreia e linfadenopatia inguinal palpável também são notadas em alguns suínos
afetados. É possível notar febre baixa (40 a 41°C) que dura vários dias. Superlotação, baixa qualidade do ar,
troca de ar insuficiente e mistura de grupos etários diferentes parecem exacerbar o curso da doença.
Normalmente, apenas alguns poucos suínos do grupo exibem caquexia. O início da doença pode ser agudo,
ocasionando morte dentro de poucos dias, em alguns suínos. Outros suínos manifestam uma doença mais
crônica e não ganham peso ou crescem.
Falhas reprodutivas caracterizadas por abortos tardios e natimortos, na ausência ou presença de outros
patógenos de trato reprodutivo bem conhecidos, parecem ser a característica da infecção clínica pelo CVS2, em
suínos. Muitas dessas anormalidades foram descritas na América do Norte e normalmente ocorrem em grupos
de suínos em fase de crescimento. Com base em dados experimentais, sugere­se que o retorno ao cio se deve à
morte embrionária decorrente de infecção intrauterina pelo CVS2. Entretanto, não há dados a campo sobre essa
ocorrência.
Síndrome dermatológica e nefropática suína pode afetar filhotes e suínos em crescimento e, esporadicamente,
animais adultos. A prevalência da síndrome em grupos acometidos é relativamente baixa (< 1%), embora haja
relato ocasional de alta prevalência (> 20%). Suínos com doença aguda grave morrem dentro de poucos dias
após o início de sinais clínicos, devido à insuficiência renal aguda, com aumento significante dos teores séricos
de creatinina e ureia. Suínos sobreviventes tendem a recuperar e ganhar peso em 7 a 10 dias após o início da
síndrome. Suínos acometidos manifestam anorexia, depressão, prostração, andar rígido e/ou relutância em se
movimentar, bem como temperatura normal ou febre discreta. Os sinais clínicos mais óbvios na fase aguda é a
presença de pápulas e máculas vermelhas a roxas irregulares na pele dos membros pélvicos e região perineal,
embora a distribuição pode ser generalizada em animais gravemente acometidos. Com o tempo, as lesões se
tornam recobertas por crostas escuras e gradualmente desaparecem (normalmente em 2 a 3 semanas), às vezes
deixando cicatrizes.
Lesões: SCMPD é diagnosticada com base nas características histopatológicas verificadas nos suínos
acometidos. Macroscopicamente, os linfonodos podem estar substancialmente aumentados e pálidos ao corte, o
timo apresenta atrofia e as tonsilas são mais delgadas que o normal. Infarto esplênico também pode ser notado
em pequeno número de suínos com SCMPD. Histopatologicamente, as lesões linfoides são características, com
depleção linfocítica e inflamação granulomatosa, às vezes com células gigantes multinucleadas e corpúsculos de
inclusão intracitoplasmáticos botrioides anfofílicos de diferentes tamanhos, causados por acúmulo de partículas
de CVS2.
Lesões no pulmão são comuns em suínos afetados; a gravidade é influenciada pela duração da doença e
presença de infecções concomitantes. Lesões pulmonares macroscópicas podem incluir desde insuficiência até
colapso, endurecimento, edema pulmonar difuso, mosqueamento e consolidação. Microscopicamente, pode ser
notado grau variável de pneumonia intersticial linfo­histiocítica à pneumonia brônquica granulomatosa com
bronquiólise e fibrose bronquiolar.
Macroscopicamente, o fígado pode parecer ictérico e/ou atrofiado em pequeno número de suínos afetados.
Tecido conectivo interlobular pode ser proeminente. As lesões microscópicas variam desde uma necrose celular
única (apoptose), com discreta infiltração linfocítica nas zonas portais, até extensa hepatite linfo­histiocítica
periporta com necrose difusa de hepatócitos. Os rins podem estar aumentados e mostram focos esbranquiçados
dispersos ou difusos na superfície cortical. As lesões microscópicas incluem infiltração linfo­histiocítica
intersticial. Outras lesões notadas nos suínos acometidos incluem úlcera gástrica (provavelmente devido, em
parte, ao período de fixação prolongado em suínos com doença crônica) e miocardite linfo­histiocítica
multifocal. Em suínos gravemente afetados, pode ser constatado infiltrado linfo­histiocítico praticamente em
todos os tecidos.
Há poucos relatos de lesões em tecidos reprodutivos causadas pela infecção por CVS2. Relatam­se que os
natimortos e os leitões recém­nascidos não viáveis apresentam congestão passiva crônica do fígado e hipertrofia
cardíaca com áreas multifocais de manchas no miocárdio. A característica histopatológica principal é fibrose
e/ou necrose do miocárdio em fetos.
A síndrome dermatológica e nefropática suína é fácil de detectar do ponto de vista clínico, em razão da
presença das pápulas e máculas vermelhas a pretas, as quais correspondem microscopicamente à necrose e
hemorragia secundária à necrose de capilares e arteríolas da derme e da hipoderme. Vasculite necrosante é uma
característica sistêmica, porém mais evidente na pele, na pelve renal, no mesentério e no baço (também pode
ocorrer infarto esplênico como decorrência de vasculite necrosante de artérias e arteríolas esplênicas). À parte
de lesões cutâneas, os suínos que morrem subitamente devido à síndrome dermatológica e nefropática suína têm
rins firmes e aumentados bilateralmente, com uma camada cortical granular fina e edema na pelve renal. O
córtex renal apresenta lesões pequenas múltiplas na forma de pontos avermelhados, similares a petéquias
hemorrágicas, os quais microscopicamente correspondem a glomérulos aumentados e inflamados
(glomerulopatia fibronecrosante). Histologicamente, também nota­se nefrite intersticial não purulenta moderada
a grave, com dilatação de túbulos renais. Normalmente, ambas as lesões, renais e cutâneas, são verificadas;
todavia, em alguns casos as lesões de pele e as lesões renais podem ocorrer sozinhas. Os linfonodos podem estar
aumentados e avermelhados devido à drenagem de sangue de áreas hemorrágicas (principalmente a pele). No
exame histopatológico normalmente constatam­se lesões semelhantes à SCMPD, como depleção de linfócitos e
infiltração de histiócitos e/ou de células gigantes multinucleadas (embora menos grave) em tecidos linfoides de
suínos acometidos.
DIAGNÓSTICO: A definição de SCMPD incluem três principais critérios diagnósticos: 1) sinais clínicos de
caquexia ou doença debilitante, 2) presença de lesões macro e microscópicas (moderadas a graves)
características da doença, e 3) presença de antígeno ou DNA viral (teor moderado a alto) nas lesões linfoides
microscópicas. Para a visualização de DNA e antígeno viral nas lesões normalmente se utiliza hibridação e
imunoistoquímica in situ, respectivamente. Recentemente, propôs­se a definição de caso de rebanho, incluindo
2 principais critérios: 1) aumento significativo da taxa de mortalidade e do número de suínos anões ou suínos
que falham em ganhar peso ou crescer, em comparação com os valores prévios comuns na fazenda, e 2)
obediência a 3 critérios individuais listados abaixo, em pelo menos 1 de cada 5 suínos examinados.
Diagnósticos diferenciais incluem condições que causam aumento da taxa de mortalidade e retardo do
crescimento, como síndrome reprodutiva e respiratória suína, doença respiratória crônica, doença de Glässer,
salmonelose e adenomatose intestinal suína.
Como o CVS2 é onipresente e o vírus replica em suínos, individualmente, por semanas a meses, o isolamento
do vírus, a detecção de DNA do CVS2 no soro ou em tecidos, ou a detecção de anticorpos contra CVS2 no soro
não é suficiente para estabelecer o diagnóstico de SCMPD. Anticorpos contra CVS2 podem ser detectado por
ELISA, imunofluorescência indireta ou coloração com imunoperoxidase de culturas de células infectadas. O
isolamento viral pode ser feito em várias linhagens de células de suínos (principalmente em células do rim),
utilizando soro, lavado broncoalveolar ou homogeneizado de tecidos. O DNA viral pode ser detectado
utilizando PCR, na maioria dos tecidos ou no soro de suínos infectados. Várias amostras de tecidos de múltiplos
suínos podem ser necessárias para detecção do vírus, no caso de doença crônica. A quantificação do vírus no
soro por meio de PCR quantitativa em tempo real tem sido sugerida como um método de diagnóstico potencial
em suínos vivos. Entretanto, infecção por CVS2 é extremamente comum em suínos clinicamente normais e a
interpretação do resultado positivo no teste PCR não é confiável.
O diagnóstico de problemas reprodutivos associados à infecção por CVS2 deve seguir os seguintes critérios:
1) abortos em gestação avançada e natimortos, às vezes com hipertrofia do coração fetal, 2) miocardite
necrosante e/ou fibrose extensa, e 3) grande quantidade de CVS2 nas lesões miocárdicas e em outros tecidos do
feto. Diagnósticos diferenciais para falha reprodutiva associada à infecção por CVS2 incluem síndrome
reprodutiva e respiratória suína, pavovirose suína, pseudorraiva (doença de Aujeszky), leptospirose e outras
doenças que causam aborto tardio, natimortos e leitões fracos.
O diagnóstico da síndrome dermatológica e nefropática suína é relativamente simples e inclui 2 principais
critérios: 1) presença de lesões hemorrágicas e necrosantes na pele, principalmente nos membros pélvicos e na
região perineal, e/ou rim pálido e edemaciado com petéquias generalizadas na cortical, e 2) presença de
vasculite necrosante sistêmica e gromerulonefrite necrosante e fibrinosa. Do ponto de vista de diagnóstico, a
detecção de CVS2 não é incluída nos critérios de diagnóstico.
Diagnósticos diferenciais da síndrome dermatológica e nefropática suína dependem das lesões mais
significantes. Manifestações cutâneas podem ser confundidas com peste suína clássica, peste suína africana,
erisipela suína, salmonelose séptica, infecção por Actinobacillus suis, síndrome do estresse suíno, eritema
transitório (pisos com urina, queimaduras químicas etc.) e outras sepses bacterianas. Diagnósticos diferenciais
de lesões renais incluem peste suína africana e peste suína clássica, erisipela suína e salmonelose séptica. A
análise do perfil bioquímico sérico pode auxiliar na diferenciação da síndrome dermatológica e nefropática
suína de outras doenças; os teores de ureia e creatinina encontram­se muito aumentados.
TRATAMENTO E CONTROLE: Como a SCMPD é uma doença multifatorial, medidas de controle efetivas antes do
advento das vacinas contra CVS2 visavam o controle e a erradicação dos fatores desencadeantes. As medidas de
controle mais amplamente utilizadas eram o uso de anticorpos para prevenir infecções bacterianas
concomitantes, melhoria das medidas de biossegurança e sanitárias, como isolamento dos suínos infectados e
desinfecção dos recintos após o seu uso, diminuição dos fatores estressantes (p. ex., alta densidade populacional
no grupo, ventilação inadequada, controle de temperatura inapropriado), e controle de infecções virais
concomitantes, especialmente síndrome reprodutiva e respiratória suína. Outra medidas de prevenção e controle
anteriormente utilizadas para suínos jovens eram antecipação do tempo de início de injeções de vitaminas,
injeção IP de soro obtido de suínos em fase de terminação e vacinação contra patógenos comuns.
Atualmente, o controle de SCMPD é baseado no uso de vacinas contra CVS2. Há 4 vacinas comercializadas
no mundo; a disponibilidade depende da aprovação em diferentes países. A primeira vacina comercial é
composta de CVS2 inativado e foi aprovada para uso em fêmeas e marrãs. Posteriormente, outras 3 vacinas
foram desenvolvidas, todas para uso em leitões com 2 a 3 semanas de idade, ou mais. Duas dessas vacinas são
compostas de subunidades (proteína do capsídio do CVS2 produzido em um sistema que emprega baculovírus)
e a terceira é composta de vírus inativado elaborada substituindo o gene do capsídio do CVS1 não patogênico
por aquele do CVS2. Além da significante redução da taxa de mortalidade e de nanismo, essas vacinas parecem
melhorar a uniformidade do lote e do peso ao abate, a taxa de conversão alimentar e a média de ganho de peso
diário.
Todas essas vacinas comerciais contra CVS2 são compostas de isolados de CVS2a, mas foi demonstrada
proteção cruzada contra CVS2b. Todas as vacinas contra CVS2 são capazes de induzir ambas as respostas
imunes, celular e humoral, as quais são as características fundamentais para o controle de infecção subsequente
por CVS2, que ocorre em condições de campo.
Nenhum tratamento é comprovadamente efetivo para a síndrome dermatológica e nefropática suína.
Hospitalização imediata e cuidados de suporte podem permitir a sobrevivência de alguns poucos suínos. Apenas
aqueles casos epizoóticos, com taxas de morbidade e mortalidade moderadas a altas, podem ser importantes em
termos de perda econômica. Tratamento com antimicrobianos de amplo espectro não tem sido efetivo. Como o
antígeno responsável pela síndrome dermatológica e nefropática suína não é conhecido, não são indicadas
medidas preventivas.
ENCEFALOMIELITE HEMAGLUTINANTE (Doença do vômito e

emaciação, Encefalomielite por coronavírus)

Essa doença viral de suínos jovens caracterizada por vômito, constipação intestinal e anorexia resulta tanto em
morte rápida como em emaciação crônica. Distúrbios motores devido à encefalomielite aguda (encefalomielite
hemaglutinante) também pode ser notado durante alguns surtos.
ETIOLOGIA, EPIDEMIOLOGIA E PATOGÊNESE: O coronavírus causador, o vírus da encefalomielite
hemaglutinante, é um tipo antigênico particular e cresce em vários tipos de culturas celulares suínas, nas quais
provoca sincícios. Aglutina hemácias de várias espécies animais. Os suínos são os únicos hospedeiros naturais.
O vírus é disseminado por meio de aerossol.
A infecção parece estar disseminada na América do Norte, Europa Ocidental e Austrália. Em geral,
permanece subclínica. O vírus é endêmico na maioria dos rebanhos reprodutores e em rebanho imune. As
porcas imunes transferem os anticorpos maternos para seus leitões, que ficam protegidos até que atinjam idade
de resistência; desse modo, os surtos clínicos são raros. No entanto, se o vírus infectar um rebanho suscetível
com leitões neonatais, as taxas de morbidade e mortalidade podem ser altas.
O vírus se replica primeiramente na mucosa nasal, tonsilas, pulmões e, em extensão muito limitada, no
intestino delgado. Desses locais de entrada, o vírus invade o núcleo definido do bulbo via sistema nervoso
periférico e, subsequentemente, alcança o tronco cerebral e, possivelmente, cérebro e cerebelo. Supostamente, o
vômito é provocado pela replicação viral no gânglio sensorial vagal. A emaciação se deve ao vômito e ao
retardo de esvaziamento do estômago, resultante de lesões induzidas pelo vírus no plexo intramural. A infecção
de neurônios cerebrais e cerebelares podem raramente causar distúrbios motores.
ACHADOS CLÍNICOS: Ambas as síndromes clínicas, vômito e doença debilitante (VDD) e encefalite, se limitam
quase que exclusivamente aos suínos < 4 semanas de idade. A forma de VDD tem período de incubação de 4 a 7
dias. Notam­se ânsia e vômitos repetidos. Os suínos começam a mamar, mas logo param, afastam­se da porca e
vomitam o leite que ingeriram. Eles mergulham suas bocas nas tigelas de água, mas bebem pouco, o que
possivelmente é indicativo de paralisia faringiana. O vômito persistente resulta em rápido declínio da condição
corporal. Os suínos neonatos ficam desidratados, cianóticos, comatosos e morrem. Os suínos idosos continuam
a vomitar, embora com menor frequência que no estágio inicial da doença. Eles perdem o apetite e se tornam
emaciados. Uma grande distensão do abdome cranial pode se desenvolver. Esse estado de “emaciação” pode
persistir durante 1 a 6 semanas até morrerem de inanição. A taxa de mortalidade aproxima­se de 100% na
ninhada e os sobreviventes tornam­se permanentemente subdesenvolvidos.
A forma de encefalomielite também se inicia com vômito, geralmente 4 a 7 dias após o nascimento. O vômito
continua intermitentemente por 1 a 2 dias, mas raramente é grave e não resulta em desidratação. Depois de 1 a 3
dias, observam­se tremores musculares generalizados e hiperestesia. Os suínos tendem a andar para trás,
geralmente terminando na posição de “cão sentado”. Eles logo se tornam fracos e incapazes de se levantarem e
“apresentam movimentos de pedalagem” dos membros. Também, nota­se cegueira, opistótono e nistagmo. Após
poucos dias, apresentam dispneia, coma e morrem.
Do início ao desaparecimento, um surto em uma fazenda dura de 2 a 3 semanas. O desaparecimento da
doença coincide com o desenvolvimento da imunidade em porcas em fase final de gestação, o que
subsequentemente protege a ninhada via anticorpos maternos.
Lesões: Nota­se caquexia e distensão abdominal em suínos com infecção crônica. Apresentam estômago
dilatado e preenchido com gás. Microscopicamente, verifica­se manguito perivascular, gliose e degeneração
neuronal na medula em 70 a 100% dos suínos com sinais nervosos e em 20 a 60% dos suínos que apresentam
VDD. Neurite de gânglios sensoriais periféricos, particularmente do gânglio trigêmeo, é uma ocorrência
comum. Degeneração do gânglio da parede estomacal e manguito perivascular são notados em 15 a 85% dos
suínos com VDD. As lesões são mais evidentes na região pilórica glandular.
DIAGNÓSTICO: Na rotina, o diagnóstico laboratorial pode ser realizado mediante isolamento viral no tronco
cerebral, caso os suínos sejam submetidos à eutanásia dentro de 2 dias após o aparecimento dos sintomas. É
difícil isolar o vírus de suínos infectados há mais de 2 dias.
Um aumento significante do título de anticorpos pode ser constatado em amostras do soro pareadas. A
amostra de soro da fase aguda deve ser obtida imediatamente após o início da doença, pois os suínos podem já
ter estabelecido um baixo título de anticorpos quando surgem os primeiros sinais clínicos.
O diagnóstico diferencial inclui pseudorraiva (p. 1419) e encefalomielite causada por teschovírus (p. 1409).
Sintomas respiratórios em suínos idosos e abortamento em porcas são parte de um surto de pseudorraiva. Na
encefalomielite por teschovírus, normalmente são envolvidos os suínos idosos.
CONTROLE: Não há tratamento. Uma vez que os sinais clínicos tornam­se evidentes, a doença segue seu curso.
Recuperação espontânea é rara. Os leitões nascidos de porcas não imunes durante um surto podem ser
protegidos por meio da injeção, ao nascimento, tanto de soro hiperimune como de soro proveniente de porcas
selecionadas aleatoriamente por ocasião do abate. Entretanto, o lapso de tempo entre o diagnóstico e o fim da
doença geralmente é muito curto para que esse procedimento seja efetivo. A manutenção do vírus na fazenda (e,
assim, de persistência de imunidade induzida natural nos suínos) evita surtos em leitões.

EXANTEMA VESICULAR DOS SUÍNOS (Virose dos leões-

marinhos de San Miguel)

O exantema vesicular dos suínos (EVS) é uma doença aguda altamente infecciosa, caracterizada por febre e
formação de vesículas no focinho, mucosa oral, sola dos pés, coroa do casco e entre os dedos.
Desde 1972, um vírus indistinguível do vírus do EVS (VEVS), designado como vírus dos leões­marinhos de
San Miguel (VLMSM), tem sido isolado a partir de suabes retais e da orofaringe de filhotes de leões­marinhos
da Califórnia prematuros e com 4 meses de idade, filhotes de otária desmamados e mortos e filhotes lactentes de
elefantes­marinhos. O vírus também foi isolado de lesões vesiculares de mamíferos marinhos, da carne
comercial de foca produzida no Alasca e de peixes do tipo perca, coletados de piscinas de maré na costa sul da
Califórnia. Os VLMSM isolados tanto de peixes como de mamíferos marinhos são capazes de produzir o EVS
nos suínos. Além disso, os calicivírus isolados a partir de suabes retais e da orofaringe de bezerros leiteiros
também causam exantema vesicular clínico nos suínos expostos. Um sorotipo de calicivírus, VLMSM­5, foi
recuperado de lesões vesiculares nas palmas e plantas do pé de um pesquisador que trabalhava com o vírus.
EVS, VLMSM e outros vírus relacionados são membros do gênero Vesivírus, família Caliciviridae. Vários
sorotipos imunologicamente distintos têm sido demonstrados (13 tipos do VEVS de suínos e pelo menos 16
tipos de VLMSM de fontes marinhas). Além disso, vários sorotipos têm sido nomeados de acordo com a
espécie hospedeira na qual foram isolados: bovina, primata, cetácea, morsa, gambá, vison, coelho e calicivírus
de répteis. Em alguns casos, os sorotipos inicialmente isolados em animais terrestres (p. ex., calicivírus de
répteis) foram encontrados posteriormente em mamíferos marinhos. Todos estes vírus (exceto VLMSM­8,
VLMSM­12 e calicivírus de vison) constituem uma única espécie, o vírus do exantema vesicular dos suínos.
Nos suínos, a doença clínica é indistinguível da febre aftosa (p. 670), da estomatite vesicular (p. 668) e da
doença vesicular suína (p. 797). Originalmente restrita à Califórnia, o EVS tornou­se muito difundido nos EUA,
durante a década de 1950, mas uma campanha vigorosa para a erradicação da doença obteve sucesso. Em 1959,
os EUA foram declarados livres do EVS e a doença foi classificada como uma doença exótica; ela nunca foi
descrita como uma infecção natural dos suínos em nenhuma outra parte do mundo.
O diagnóstico presuntivo nos suínos baseia­se na ocorrência de febre e na presença de vesículas típicas, que
se rompem entre 24 e 48 h para formar erosões. O diagnóstico pode ser confirmado pelo ELISA, RT­PCR
(inclusive RT­PCR em tempo real) e microscopia eletrônica do tecido epitelial ou após a passagem em culturas
de tecido suíno. Os testes de soroneutralização e microscopia imunoeletrônica também são utilizados.
Os casos suspeitos de exantema vesicular suíno devem ser notificados imediatamente às autoridades
competentes. Os restos alimentares e os peixes devem ser cozidos antes de oferecidos aos suínos.

INFECÇÃO PELO VÍRUS DA ENCEFALOMIOCARDITE

A encefalomiocardite (EMC) é uma infecção viral importante de suínos e de mamíferos de zoológico. É causada
por membros do gênero Cardiovírus, da família Picornaviridae, conhecido em várias partes do mundo. Embora
todos os vírus causadores de EMC se apresentem como um único sorotipo, vírus isolados em várias regiões e
países podem diferir quanto a patogenicidade e virulência.
O suíno pode morrer subitamente em qualquer idade devido a insuficiência miocárdica associada ou pode
ocorrer abortos próximo ao parto, mumificação fetal e insuficiência reprodutiva evidente. Cepas do tipo A
causam problemas reprodutivos em suínos, enquanto cepas do tipo B causam insuficiência cardíaca. A maioria
dos surtos de infecção pelo vírus da EMC tem sido associada a animais mantidos em cativeiro em unidades de
produção de suínos, primatas de centros de pesquisa e em animais de zoológicos. Morte súbita frequentemente é
a primeira indicação de infecção. Uma variedade de mamíferos exóticos tem sido afetada fatalmente com EMC
em parques zoológicos nos EUA, Austrália e outras partes do mundo, inclusive elefante africano, rinoceronte,
hipopótamo, bicho­preguiça, lhama, várias espécies de antílope e vários tipos de primatas não humanos
(chimpanzé, orangotango, babuíno, macaco, lêmure etc.). Um episódio que levou à morte de leões em um
zoológico nos EUA estava associado ao consumo de carcaça de elefante africano que havia morrido devido a
EMC, e um surto espontâneo de EMC fatal foi relatado em elefantes africanos de vida livre no Parque Nacional
de Kruger, na África do Sul em 1995.
Vírus da EMC raramente são considerados causa de doença em pessoas; em humanos, não há relato de
miocardite grave e infecção fatal aguda verificadas em várias outras espécies. Todavia, pesquisas sorológicas
revelaram que a infecção por vírus da EMC em humanos é comum em várias partes do mundo; na maioria dos
casos é assintomática ou não detectada.
EPIDEMIOLOGIA: Os cardiovírus são vírus pequenos, sem envelopes e quase sempre associados a roedores e a
doença em outras espécies mamíferas tem sido frequentemente atribuídas ao aumento das populações de
camundongos e ratos. Essas, e provavelmente outras espécies de roedores, excretam o vírus nas fezes e urina,
que podem contaminar alimentos e fontes de água de grandes mamíferos. A ingestão de roedores mortos ou que
portadores de EMC pode ser outro modo de infecção. Os suínos excretam vírus na secreção nasal e nas fezes
durante os 3 primeiros dias de infecção experimental. Nesse breve período, o vírus pode ser transmitido a outros
suínos, por contato. Os cardiovírus são resistentes às condições adversas do ambiente e podem permanecer não
infectantes por semanas a meses, sob condições favoráveis.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A doença é denominada encefalomiocardite pela predileção pelo SNC e sistema
cardiovascular em camundongos experimentais, em que tanto cepas encefalotrópicas quanto cardiotrópicas
foram identificadas. Entretanto, em suínos e animais de zoológico a ocorrência de mortes agudas e subagudas
são quase sempre atribuídas aos efeitos destrutivos do vírus no miocárdio, resultando em insuficiência cardíaca,
edema pulmonar e transudação espumosa no trato respiratório. Os animais infectados frequentemente parecem
asfixiados pelo fluido contido em seu próprio trato respiratório. Outros sinais clínicos podem incluir: febre,
anorexia, apatia, tremores, cambaleio, dispneia e paralisia. Há relato de taxa de mortalidade de
aproximadamente 100% em leitões lactentes, mas é muito menor em animais mais velhos. Foram identificadas
cepas do vírus da EMC com tropismo ao pâncreas e diabetogênicas em camundongos experimentais, porém a
importância desse achado em outros mamíferos foi estabelecida.
Sabe­se que o vírus da EMC atravessa a placenta de porcas e foi isolado de crias em casos de falhas
reprodutivas devido à ocorrência de aborto próximo ao parto (107 a 111 dias de gestação), natimortos e
mumificações. Os problemas reprodutivos frequentemente persistem nos grupos afetados por 2 a 3 meses e
podem acometer fêmeas com qualquer número de partos.
DIAGNÓSTICO: Como as lesões necrosantes pálidas do músculo cardíaco, que podem ser observadas na EMC
fatal, também são constatadas no infarto séptico ou na deficiência de vitamina E/selênio, o diagnóstico
definitivo requer o isolamento e a identificação do vírus. Coração, fígado, rim e baço, coletados de animais com
morte aguda ou de material de aborto, são as amostras de escolha para isolamento do vírus. Como o vírus da
EMC é muito estável, ele pode ser recuperado em tecidos congelados.
É possível o diagnóstico sorológico mediante neutralização viral, inibição da hemaglutinação ou ELISA,
desde que se obtenham amostras de soro na fases aguda e na fase de convalescência, mas a frequência de EMC
subclínica torna as determinações séricas isoladas pouco válidas em fêmeas que abortaram. Entretanto a
detecção de anticorpo contra vírus da EMC em natimortos ou em fetos mumificados grandes é relevante na
infecção fetal, porque as imunoglobulinas maternas não atravessam a placenta de porcas.
TRATAMENTO E CONTROLE: Não há tratamento específico para EMC, mas a mortalidade pode ser minimizada
evitando­se estresse ou excitação em animais em risco. Parece que o vírus da EMC apresenta um ciclo em
roedores e mais provavelmente infecta suínos e animais de zoológicos quando há alta população de roedores.
Desse modo, é fundamental o controle de roedores para minimizar a exposição de espécies suscetíveis.
Também, recomenda­se o descarte imediato e apropriado dos animais mortos em decorrência da doença. O vírus
da EMC é inativado pelo uso criterioso de vários desinfetantes indicados para animais de produção.
Foram patenteadas vacinas mortas para prevenção de miocardite em leitões desmamando, porém não estão
disponíveis comercialmente nos EUA, exceto como produtos autógenos. O ímpeto atual para o desenvolvimento
de vacinas se deve largamente aos zoológicos e parques de diversão, onde a ocorrência de EMC é um problema.
Há relato de sucesso com o uso de vacina de vírus atenuado por meio de engenharia genética em primatas,
suínos e várias espécies de animais de zoológicos que apresentam casco. Produção comercial de vacina contra
vírus da EMC é limitada porque, aparentemente, não é necessária na maioria dos animais de produção
domésticos.
INFECÇÃO POR VÍRUS NIPAH (Síndrome respiratória e

neurológica suína, Síndrome da tosse suína)

A infecção pelo vírus Nipah é uma doença recentemente diagnosticada em suínos e pessoas, associada a um
novo paramixovírus denominado vírus Nipah. Essa doença surgiu na Malásia, em 1998/1999. Estava associada
à encefalite grave entre pessoas expostas, ocupacionalmente, a suínos infectados na Malásia e em Cingapura. A
enfermidade foi erradicada da população nacional de suínos comerciais após adoção de medidas de controle.
Morcegos frugívoros do gênero Pteropus parecem ser reservatórios do vírus.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O agente etiológico, o vírus Nipah (gênero Henipavírus, família
Paramyxoviridae), é um vírus com envelope em sentido negativo e um único filamento de RNA. Esse vírus está
intimamente relacionado com o vírus Hendra (p. 741), o único outro membro do gênero. Os surtos em humanos
na Malásia e em Cingapura foram seguidos de contato com suínos infectados e resultaram em encefalite, com
taxa de mortalidade cerca de 40%. Considera­se que o vírus foi introduzido na população suína a partir de 1 das
2 espécies de Pteropus, nas quais foram detectados anticorpos durante a investigação de um surto. Pteropus spp
é encontrado desde o Pacífico ocidental até o Sudeste Asiático, e do sul da Ásia até as ilhas da costa africana,
inclusive Madagascar. Em várias espécies de Pteropus foram encontrados anticorpos, sugerindo que o vírus ou
os vírus estreitamente relacionados ocorrem em outras áreas dentro do alcance desse gênero de morcego. Na
Malásia, a análise genética do vírus obtido de casos clínicos de humanos e suínos sustentou fortemente que uma
única introdução do vírus se espalhou pela população de suínos comerciais. Há evidências de infecção em várias
outras espécies de animais domésticos, inclusive cães, gatos e equinos. A encefalite humana causada pelo vírus
Nipah, no sul da Ásia, tem sido uma ocorrência regular desde 2001 em Bangladesh e, mais recentemente, em
áreas vizinhas da Índia. Nessas áreas, a epidemiologia não incriminou espécies domésticas intermediárias, mas
muito mais a transmissão direta a partir da raposa, o reservatório do vírus.
TRANSMISSÃO E PATOGÊNESE: Acredita–se que a infecção em suínos foi transmitida de espécies de morcegos
reservatórios para suínos. Uma vez o vírus introduzido na instalação de criação intensiva de suínos, a infecção
dos animais do local foi rápida e testes sorológicos sugeriram que quase todos os suínos de uma criação
infectada foram contaminados. Acredita–se que a transmissão entre recintos se deva a procedimentos de
biossegurança inapropriados e à movimentação de animais infectados. Infecção experimental de suínos por
vírus Nipah em uma instalação com alta biossegurança, em Geelong, sustenta que pode ocorrer prontamente
transmissão entre suínos criados em contato próximo.
ACHADOS CLÍNICOS: Devido ao perigo de infecção humana e por se tratar de uma emergência, durante uma
epidemia natural as observações clínicas não foram detalhadas em condição de campo. Muitos suínos
desenvolveram doença respiratória febril com tosse grave, que originou nomes locais para a doença, como
“síndrome da tosse suína” e “tosse de uma milha”. Encefalite também foi notada em instalações infectadas,
particularmente em porcas e varrões. A proporção de animais com cada forma da doença é incerta, embora a
forma respiratória seja predominante. A mortalidade total nos recintos infectados também não foi bem
documentada, mas provavelmente não é > 5% em todos os grupos etários.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico laboratorial pode ser obtido mediante isolamento viral, identificação do RNA pelo
uso de PCR­transcriptase reversa, detecção de antígenos em tecidos por coloração imunoistoquímica com
anticorpos específicos, ou testes sorológicos, como ELISA indireto e testes de neutralização viral. Em termos de
biossegurança, o vírus é considerado como nível 4 nos EUA e na Austrália, e restrição laboratorial rigorosa nos
laboratórios é de fundamental importância.
TRATAMENTO: O tratamento dos suínos infectados não foi tentada durante os casos de emergência constatados
na Malásia. Pessoas requerem cuidados intensivos, com ventilação mecânica para o controle da encefalite; não
há tratamento específico disponível. A ribavirina foi administrada a alguns pacientes e os estudos subsequentes
em animais de laboratório sugerem que não é efetiva.
CONTROLE E PREVENÇÃO: O controle epidêmico/epizoótico na Malásia envolveu procedimentos rigorosos de
quarentena e abate de todos os suínos de instalações infectadas. A adesão a procedimentos apropriados de
quarentena e biossegurança nas instalações, como no caso de outras doenças contagiosas, é de fundamental
importância na prevenção da disseminação da infecção. Vigilância ativa e programas de abate foram efetivos na
eliminação do vírus da população nacional de suínos comerciais e esse país permanece livre da doença. A
presença do vírus em espécies de morcegos reservatórios em amplas áreas geográficas enfatiza a importância de
um bom programa de vigilância e de práticas de biossegurança, de modo a detectar precocemente a infecção e
controlar a doença ao recinto onde surgiu, antes que ocorra reintrodução do vírus.
RISCO ZOONÓTICO: A transmissão do vírus de suínos infectados às pessoas foi extensa em um recinto; um
estudo sobre fatores de risco associados à infecção humana sugere que o contato próximo com suínos vivos
infectados é o meio de infecção de quase todas as infecções humanas pelo vírus Nipah.
Episódios esporádicos continuados em cavalos e subsequentes casos graves da doença em humanos, em
alguns desses, enfatiza a importância de equipamento de proteção pessoal apropriado durante exame clínico
veterinário ou procedimento pós­morte, quando há suspeita de infecção pelo vírus Hendra ou Nipah.

INFECÇÕES ESTREPTOCÓCICAS EM SUÍNOS

O grupo das bactérias estreptocócicas é composto pelos gêneros Streptococcus, Enterococcus e


Peptostreptococcus. As bactérias estreptocócicas são as mais patogênicas e constituem um importante agente
infeccioso dos suínos. As bactérias estreptocócicas estão associadas a condições infecciosas em seres humanos,
bovinos, ovinos, caprinos e equinos. Com relação aos suínos, S. dysgalactiae e S. zoopidemicus estão associados
a condições supurativas esporádicas. S. suis é um patógeno de suínos jovens e é o principal agente infeccioso de
leitões recém­nascidos e recentemente desmamados. Sepse, meningite, poliserosite, poliartrite e
broncopneumonia estão associadas às infecções por S. suis. S. porcinus está associado a condições supurativas,
especificamente a condição conhecida como abscesso de mandíbula. Os enterococos habitam o trato intestinal e
causam doenças em múltiplas espécies. Nos suíno, E. durans, E. faecium e E. hirae estão associados a enterites
e diarreia.

INFECÇÃO POR STREPTOCOCCUS DYSGALACTIAE

Nos suínos, S. dysgalactiae do grupo C são sorovares beta­hemolíticos e são frequentemente encontrados na nas
secreções nasal e traqueal, tonsilas e nas secreções vaginal e prepucial. Eles são os estreptococos beta­
hemolíticos mais importantes envolvidos em lesões em suínos. As secreções vaginais e o leite das porcas recém­
paridas são as principais fontes de infecção para os leitões. Os estreptococos entram na corrente sanguínea via
feridas na pele, umbigo e tonsilas. Ocorre então bacteriemia ou sepse e os microrganismos colonizam um ou
mais tecidos provocando artrite, endocardite ou meningite.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A infecção geralmente é observada inicialmente nos leitões com 1 a 3 semanas
de idade. O inchaço das articulações e a claudicação são os sinais clínicos mais evidentes e persistentes.
Elevação da temperatura, prostração, pelos ásperos e inapetência também podem ser notados. As primeiras
lesões consistem em edema periarticular, inchaço, membranas sinoviais hiperêmicas e fluidos sinoviais turvos.
A necrose da cartilagem articular pode ser observada 15 a 30 dias após o início da infecção, podendo se agravar.
Fibrose e abscessos multifocais do tecido periarticular e hipertrofia dos vilos sinoviais também ocorrem. Ocorre
endocardite, mas o diagnóstico ante mortem é difícil. As lesões consistem em vegetações amareladas ou brancas
de diferentes tamanhos, e que geralmente cobrem toda a superfície da válvula cardíaca afetada.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico da sepse, artrite ou endocardite estreptocócica é realizado por meio de necropsia e
exame bacteriológico dos suínos afetados. Apenas um pequeno número de microrganismos ou nenhum
microrganismo pode ser isolado das articulações infectadas, especialmente quando a inflamação está avançada.
TRATAMENTO E PREVENÇÃO: Os estreptococos beta­hemolíticos são sensíveis aos antibióticos betalactâmicos.
Os agentes antibacterianos de longa ação podem ser benéficos e o tratamento deve ser realizado antes do avanço
da inflamação. Não há relato recente sobre a vacinação contra estes estreptococos. Bacterinas autógenas têm
sido utilizadas e há relatos de redução na incidência de artrite quando as porcas são vacinadas antes da parição.
A ingestão adequada do colostro pode garantir que os leitões recebam anticorpos protetores. Lesões
traumáticas nos pés e nos membros devem ser minimizadas pela redução da abrasividade da superfície do chão
da maternidade.
S. dysgalactiae não é reconhecido como um patógeno zoonótico.

INFECÇÃO POR STREPTOCOCCUS PORCINUS

Streptococcus porcinus foi associado nos EUA com a enfermidade contagiosa de suínos em crescimento
conhecida como linfadenite estreptocócica, abscesso mandibular ou abscesso cervical. A importância desta
doença vem declinando consideravelmente, não sendo reconhecida como uma entidade de importância
econômica em outros países. A transmissão é possível pelo contato ou pela ingestão de alimentos e água
contaminada por material purulento de abscessos rompidos ou fezes infectadas pelo microrganismo. Os
microrganismos infectam os suínos através da mucosa da faringe ou superfície das tonsilas e são carreadas para
os linfonodos, primeiramente na região da cabeça e pescoço, onde os abscessos são formados. Os abscessos
podem ser observados no momento de abate e o aumento dos linfonodos na região da traqueia é evidente. S.
porcinus também é ocasionalmente encontrado no muco vaginal das porcas e no sêmen e no prepúcio dos
cachaços. Estes casos são geralmente considerados como invasões secundárias.
S. porcinus é sensível às penicilinas e a terapia com antibióticos geralmente resolve as infecções agudas
detectadas. Contudo, o tratamento com antibióticos geralmente não é bem­sucedido nos casos de suínos com
abscessos estabelecidos ou na eliminação dos portadores. A resistência à tetraciclina tem sido relatada, contudo,
pulsos de tetraciclina na ração em níveis terapêuticos de 400 g/ton são frequentemente utilizados em uma
tentativa de controlar esta condição. A vacinação (autógena) é possível, mas não tem sido utilizada largamente
porque os abscessos cervicais não são um problema muito difundido.
Não há evidência de que S. porcinus possua potencial zoonótico, mas ele tem sido implicado em infecções
geniturinárias e complicações na gravidez em mulheres.

INFECÇÃO POR STREPTOCOCCUS SUIS

Streptococcus suis é um importante patógeno para os suínos. Assim como vários outros patógenos dos suínos, a
bactéria pode ser facilmente encontrada no tecido das tonsilas e nas fezes de suínos clinicamente sadios.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: S. suis é um estreptococo pertencente ao grupo D de Lancefield e é caracterizado
como uma bactéria anaeróbica facultativa, gram­positiva e imóvel, agrupada em cadeias de diferentes
comprimentos. S. suis produz a­hemólise (hemólise incompleta) em ágar­sangue e é uma bactéria catalase
negativa. Tem distribuição mundial e 35 sorotipos são descritos. O número de sorotipos que expressam
virulência é pequeno e dependente da localização geográfica. Os sorotipos 1 a 9 representam 70% dos isolados
de S. suis nos laboratórios; o sorotipo 2 é o mais prevalente mundialmente. Embora a maioria dos leitões
desmamados sejam portadores de S. suis, poucos possuem os sorotipos capazes de induzir a doença após o
desmame.
S. suis é encontrado no trato respiratório superior, particularmente nas tonsilas e cavidades nasais, mas o
microrganismo também pode ser encontrado no trato genital e no trato digestório dos suínos. As infecções
clínicas são observadas principalmente nos leitões desmamados (2 a 5 semanas pós­desmame), suínos na fase de
crescimento e, em menor frequência, nos leitões lactentes.
Portadores assintomáticos podem atuar como uma fonte de infecção para seus companheiros depois que eles
são misturados e colocados na creche. A maioria dos estudos sobre fatores de virulência têm sido realizados
com o sorotipo tipo 2. O sorotipo 2 possui cepas virulentas e avirulentas, mas a caracterização dos fatores de
virulência é incompleta. O polissacarídio capsular é a única prova da presença do fator de virulência (substância
C). A proteína liberadora de muramidase (PLM) e o fator extracelular (FE) constituem as proteínas relacionadas
com a virulência e que podem estar ativas nas infecções do tipo 2, contudo, não há um componente único da
patogenicidade.
EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: S. suis está presente em todas as partes do mundo em áreas de criação
intensiva de suínos. O tipo 2 é responsável pela maioria (90%) das infecções em suínos doentes em muitos
países. A maioria dos suínos clinicamente sadios são portadores de múltiplos sorotipos de S. suis. Os leitões
tornam­se colonizados com S. suis no momento do parto, pelo contato com as secreções vaginais, ou na
amamentação. A transmissão entre os rebanhos ocorre pela movimentação e mistura de suínos portadores. A
introdução destes em rebanho não infectado geralmente resulta no início subsequente da doença nos leitões
desmamados e/ou nos suínos em crescimento. No entanto, alguns rebanhos infectados que não apresentam a
doença podem desenvolver a doença clínica na presença de outros fatores predisponentes como estresse e
coinfecções com outros patógenos. Surtos de infecções por S. suis também tem sido frequentemente relatados
com coinfecções com o vírus da síndrome reprodutiva e respiratória suína. S. suis também pode ser transmitido
via fômites e moscas. A importância de outras espécies animais ou pássaros como reservatórios ou vetores da
infecção é desconhecida.
ACHADOS CLÍNICOS: O primeiro sinal apresentado geralmente é a febre, a qual pode ocorrer inicialmente sem
outros sinais evidentes. Isso é acompanhado de bacteriemia acentuada que pode persistir por vários dias se não
for tratada. Durante este período, geralmente ocorre febre oscilante e graus variados de inapetência, depressão e
claudicação. Em casos hiperagudos, os suínos podem ser encontrados mortos sem sinais premonitórios. A
meningite é a principal característica que fundamenta o diagnóstico presuntivo. Os sinais nervosos iniciais
incluem depressão, incoordenação e adoção de posições não usuais, que podem rapidamente progredir para
incapacidade de permanência em estação, movimentos de pedalagem, opistótono, convulsões e nistagmo. A
endocardite também é um achado frequente em leitões mais velhos. Os suínos afetados podem morrer
subitamente ou apresentar sinais de dispneia, cianose e emaciação. Inchaço das articulações e claudicação,
indicativos de poliartrite, e sinais de doença respiratória podem ser observados em alguns surtos.
Lesões: As lesões são observadas principalmente no desmame e na fase de crescimento dos suínos e estão
associadas à linfadenopatia, meningite, artrite, serosite e endocardites. As lesões podem incluir exsudatos
fibrinopurulentos no cérebro, inchaço das articulações, serosite fibrinosa e vegetações cardíacas.
Esplenomegalia e hemorragias petequiais, indicando septcemia, também podem ser observados. As lesões de
sepse, meningite ou poliartrite também podem ser observadas em leitões lactentes.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico presuntivo geralmente é baseado no histórico, nos sinais clínicos, na idade dos
animais e nas lesões macroscópicas. O isolamento e a sorotipagem dos agentes infecciosos e a avaliação das
lesões microscópicas dos tecidos afetados confirmam o diagnóstico. A sorologia não está disponível nos testes
de rotina. A caracterização genética é realizada em alguns laboratórios, e é particularmente útil para os estudos
epidemiológicos.
O diagnóstico diferencial inclui poliserosite causada por Haemophilus parasuis ou Mycoplasma hyorhinis;
meningite por H. parasuis; endocardite por Erysipelothrix rhusiopathiae; sepse por H. parasuis, Actinobacillus
suis, Escherichia coli, E. rhusiopathiae ou Salmonella Choleraesuis; e poliartrite causada por outros
estreptococos, estafilococos, E. coli ou A. suis.
TRATAMENTO, CONTROLE E PREVENÇÃO: O rápido reconhecimento dos primeiros sinais clínicos da meningite
estreptocócica, seguido pelo imediato tratamento parenteral dos suínos afetados com antibiótico apropriado, é
considerado atualmente o melhor método para aumentar o número de animais sobreviventes. Os estágios
iniciais da meningite podem ser de difícil detecção, assim grupos de suínos devem ser observados
frequentemente após o desmame nas granjas onde as infecções por S. suis são um problema. A resistência dos
isolados à penicilina tem sido relatada, contudo a ação de amplo espectro dos antibióticos betalactâmicos como
a ampicilina e a amoxicilina parecem manter alguma eficácia no tratamento de suínos afetados. Em adição aos
betalactâmicos, outros antibióticos aprovados nos EUA para o tratamento das infecções por E. suis incluem o
ceftiofur e as fluorquinolonas. A medicação na água de bebida pode ser realizada com o florfenicol, que é
indicado para o tratamento das infecções por E. suis nos suínos. A amoxicilina também é frequentemente
administrada na água de bebida como uma medida profilática. A administração de uma preparação anti­
inflamatória é recomendada para redução da inflamação dos tecidos afetados e melhora da condição geral de
suínos com meningite por E. suis. O tratamento das porcas com antibióticos antes da parição para redução da
transmissão do patógeno para os leitões tem sido investigado, porém apresentou resultados variados.
As vacinas se mostraram ineficazes na prevenção de surtos. E. suis é um dos vários patógenos bacterianos
que tem conseguido derrotar os esforços para erradicá­lo usando o desmame precoce dos leitões lactentes.
Os estreptococos são suscetíveis à ação de desinfetantes a base de aldeído, biguanida, hipoclorito, iodo e
amônia quaternária.
RISCO ZOONÓTICO: As infecções em seres humanos por S. suis podem resultar em sepse, meningite, perda
permanente da audição, endocardite e artrite. A taxa de mortalidade pode chegar a 7% em alguns casos. A
maioria dos casos humanos tem sido atribuída ao S. suis do sorotipo 2. A transmissão para os humanos ocorre
pela contaminação de feridas na pele ou de membranas mucosas com o sangue ou secreções de suínos
infectados. Os produtores de suínos, os funcionários das granjas e os veterinários correm maior risco de
infecção. A doença é considerada subdiagnosticada e subestimada na maioria dos países.

PESTE SUÍNA AFRICANA

A peste suína africana (PSA) é considerada uma doença hemorrágica altamente contagiosa, em suínos. Essa
enfermidade provoca uma ampla variedade de sinais clínicos e lesões muito semelhantes à peste suína clássica
(p. 815). A PSA é uma doença de importância econômica, sendo enzoótica em muitos países da África, em ilhas
do Mediterrâneo e na Sardenha. Em junho de 2007, a PSA foi confirmada pela primeira vez na Georgia, região
do Caucaso, e tem se espalhado pelos países vizinhos.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O vírus da PSA é um DNA­vírus grande e com envelope que se replica
principalmente nas células do sistema fagocítico mononuclear. Geralmente é considerado como o único membro
da família de vírus semelhante ao da peste suína africana (Asfarviridae). O longo período em que a PSA foi uma
doença enzoótica na África levou à seleção de vírus com diferentes graus de virulência. Nenhum tipo antigênico
distinto foi identificado, mas genótipos diferentes foram notados por meio da utilização de enzimas de restrição
dos genomas dos vírus obtidos de diferentes áreas geográficas, durante um longo período. O vírus é altamente
resistente a uma ampla variação de pH e ao procedimento de congelamento/descongelamento e pode manter a
capacidade infectante por muitos meses à temperatura ambiente ou quando armazenado a 4°C. Nos fluidos
corporais, inclusive no soro, o vírus é inativado em 30 min a 60°C, mas em carne suína não processada pode se
manter viável por várias semanas; pode ser inativado apenas por aquecimento a 70°C durante 30 min. Embora o
vírus da PSA possa se adaptar e se multiplicar em diversos tipos de células, ele só se replica rapidamente na
espécie suína.
A doença limita­se a todas as linhagens e tipos de suínos domésticos e a javalis selvagens da Europa. Todas
as faixas etárias são igualmente suscetíveis. Na África, o vírus provoca infecção inaparente em 2 espécies de
suínos selvagens – javali africano (Phacochoerus aethiopicus) e porco–do­mato (Potamochoerus porcus) – e no
carrapato mole Ornithodoros moubata. Quando a doença era endêmica no sul da Espanha e Portugal, uma
espécie diferente de carrapato mole, Ornithodoros erraticus, foi infectado pelo vírus. Muitos outros
Ornithodoros spp, que não eram parasitos comuns de suínos domésticos e selvagens, foram infectados
experimentalmente. PSA foi relatada em vários países africanos no sul do Saara, sendo de ocorrência enzoótica
ou na forma de epidemias esporádicas em suínos domésticos. O primeiro caso de disseminação fora da África
ocorreu na Europa em 1957, sendo praticamente erradicada. A segunda introdução da PSA foi em 1960, quando
a doença tornou­se enzoótica na Espanha e em Portugal e, subsequentemente, em 1978 na Sardenha. Durante a
década de 1970, ocorreu importante propagação no Caribe e na América do Sul. Já na Europa ocorreram surtos
graves, porém limitados, na Bélgica (1985) e na Noruega (1986). Um programa rigoroso de erradicação teve
êxito em Portugal (1993) e na Espanha (1995).
A disseminação da PSA fora da África é um evento relativamente raro. Porém em junho de 2007, a PSA foi
confirmada em suínos da Georgia, na região do Caucaso, da antiga República Soviética. Análises genéticas
revelaram que o genótipo do vírus isolado na Georgia pode ser estreitamente relacionado com vírus circulantes
em Moçambique, Madagascar e Zâmbia. Portanto, é provável que os suínos tenham sido infectados pelo vírus
da PSA que foi transportado com carne suína por navios que partiram do sudeste da África. Em julho de 2007 o
surto se espalhou de 56 para 61 distritos da Georgia e, logo após, os surtos de PSA foram relatados em regiões
vizinhas, inclusive na república autônoma da Abkhazia, Armênia e Nagorno­Karabakh. Mais tarde, naquele ano,
foram confirmadas infecções de javalis na Rússia e na Chechênia. Em 2008 a disseminação da doença
continuou pelo Norte da Ossétia, chegando a mais de 1.000 km, em Orenburg, mostrando o potencial de rápida
disseminação por longas distâncias. Em outubro de 2008, foi oficialmente relatado o total de 21 surtos de PSA
nas cinco divisões administrativas da Rússia. O vírus continua se disseminando rapidamente para o leste, rumo a
regiões e países com ampla população de suínos.
TRANSMISSÃO E PATOGENIA: O vírus da PSA é mantido na África por meio de um ciclo de transmissão natural
entre javalis africanos e o carrapato vetor O. moubata, que habita as tocas desses animais e das quais sua
eliminação é improvável. A disseminação do vírus dos reservatórios selvagens para os suínos domésticos pode
ocorrer mediante a picada do carrapato infectado ou pela ingestão de tecidos de javali selvagem. Os vírus
altamente patogênicos causam doença aguda e todos os fluidos e tecidos corporais contêm grande quantidade de
vírus infectante, desde o início dos sintomas da doença até a morte. Os suínos infectados com isolados menos
virulentos podem transmitir o vírus a suínos suscetíveis até 1 mês depois da infecção; o sangue permanece
infectante por até 6 semanas, e pode ocorrer transmissão caso a paciente apresente sangramento. Os suínos, em
geral, se infectam por via oronasal, por contato direto com suínos infectados ou pela ingestão de restos
alimentares que contenham carne suína ou produtos derivados de carne suína não processados. A via de
infecção primária é o trato respiratório superior e o vírus se replica nas tonsilas e nos linfonodos que drenam a
cabeça e o pescoço; segue­se rapidamente uma infecção generalizada através da corrente sanguínea. Assim, há
grande quantidade de vírus em todos os tecidos. Os fatores que induzem lesões hemorrágicas ainda não estão
definidos, mas disfunções graves no mecanismo de coagulação sanguínea têm um papel importante. O vírus é
excretado predominantemente através do trato respiratório superior; também está presente em secreções e
excreções que contenham sangue.
Os suínos que sobrevivem à infecção por isolados menos virulentos tornam­se, às vezes, permanentemente
infectados por toda a vida e apresentam anticorpos circulantes, embora não excretem ou transmitam o vírus aos
seus descendentes, no interior do útero. Ainda não se sabe o seu papel na epidemiologia da doença, mas tornam­
se resistentes à doença quando desafiados com genótipos virais relacionados. Esses vírus de desafio podem se
replicar e serem transmitidos, tanto direta quanto indiretamente, para outros suínos.
O principal fator na persistência da doença nos suínos domésticos na África é a presença de um grande
número de animais errantes nas vilas e, em algumas regiões, dos carrapatos vetores em seus cercados.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Podem ocorrer as formas hiperaguda, aguda, subaguda e crônica e a taxa de
mortalidade varia de 0 a 100%, dependendo da virulência da cepa que infectou o suíno. A doença aguda é
caracterizada por curto período de incubação, que varia de 5 e 7 dias, seguido de febre alta (até 42°C) e morte
em 7 a 10 dias. Os sinais clínicos variam pouco e os animais apresentam perda de apetite, depressão e decúbito.
Os sinais clínicos secundários incluem hiperemia de orelhas e pele, abdome e membros, angústia respiratória,
vômito, sangramentos nasal e retal e, às vezes, diarreia. Nos casos de surtos, o aborto é o primeiro evento
observado. A gravidade e a distribuição das lesões variam de acordo com a virulência da cepa viral.
Hemorragias ocorrem predominantemente nos linfonodos, rins (sobretudo como petéquias) e coração;
prevalência e distribuição de hemorragias em outros órgãos são variáveis. Na infecção por alguns vírus nota­se
baço aumentado e friável, aumento de fluido de coloração pálida ou sanguinolenta nas cavidades pleural,
pericárdica e peritoneal ou edema e congestão pulmonar. Alguns vírus isolados na Europa causam sinais
clínicos e lesões inespecíficas. A doença crônica é caracterizada por emaciação, tumefação articular e sintomas
respiratórios. Essa forma da doença é raramente observada nos surtos.
DIAGNÓSTICO: PSA não pode ser diferenciada de peste suína clássica com base nos sinais clínicos e no exame
pós­morte. As amostras de sangue, soro, baço, tonsilas e linfonodos gastro­hepáticos de casos suspeitos devem
ser submetidas à confirmação laboratorial. O vírus pode ser isolado por inoculação de culturas primárias de
monócitos de suínos, nos quais produz hemadsorção de hemácias de suínos à superfície das células infectadas.
O vírus da peste suína clássica não se replica nessas células. Há isolados que não induzem a hemadsorção viral e
alguns destes ocasionam doença letal. Esses isolados induzem apenas um efeito citopático em leucócitos de
suínos. Nesses casos, a confirmação de PSA deve ser feita por PCR ou ELISA para detecção de antígeno. O
antígeno viral pode ser constatado em esfregaços de tecidos infectados ou em cortes histológicos corados com
anticorpo marcado (estão disponíveis vários testes com enzimas marcadas, por exemplo, imunofluorescência) e
DNA viral por PCR ou sonda de hibridação de ácidos nucleicos nos cortes histológicos. Os testes mais
apropriados para detecção de anticorpos no soro e nos fluidos teciduais são ELISA, imunofluorescência indireta
e contraimunoeletroforese. Além desses, há inúmeros outros testes disponíveis.

Febre suína africana. Hiperemia generalizada em abdome e membros. Cortesia do Dr. C.A.L. Oura.

Outros diagnósticos diferenciais incluem infecção bacteriana hemorrágica e alguns tipos de produtos tóxicos.
CONTROLE: Não há tratamento e todas as tentativas de desenvolvimento de vacinas não obtiveram sucesso. A
prevenção, portanto, depende da proibição da entrada de suínos vivos, bem como de produtos cárneos, em áreas
livres da PSA. O sucesso dos programas de erradicação envolve um diagnóstico rápido, abate e descarte de
todos os animais infectados. Devem ser aplicadas medidas sanitárias e estas incluem controle da movimentação
dos animais e tratamento de resíduos alimentares. Subsequentemente, deve ser realizada pesquisa sorológica dos
animais em todas as fazendas, bem como o controle específico por zonas para que todos os animais infectados
sejam identificados.

PESTE SUÍNA CLÁSSICA (Cólera suína, Febre suína)


A peste suína clássica (PSC) é uma doença contagiosa febril de suínos. Foi descrita pela primeira vez no início
do século XIX, nos EUA. Mais tarde, uma enfermidade descrita na Europa denominada febre suína foi
reconhecida como sendo a mesma doença. Ambos os nomes continuam em uso, embora na Europa seja
utilizado peste suína clássica para diferenciar da peste suína africana (p. 812). As duas enfermidades são
clinicamente indistinguíveis, mas são provocadas por vírus não relacionados. Devido ao grave impacto
econômico, surtos de PSC são notificados à OIE.
A peste suína clássica pode causar epidemias devastadoras, particularmente nos países livres da doença.
Nestes países, geralmente a vacinação é permitida apenas em casos de emergência. No caso de um novo surto
há necessidade de implementação de rigorosas medidas de controle, de modo a evitar a disseminação da doença
como, por exemplo, descarte de suínos infectados ou com suspeita da infecção e restrição à movimentação de
animais. Isso pode ter graves consequências à indústria suína, especialmente em áreas de criação com alta
densidade populacional. Por exemplo, durante a epidemia da doença na Holanda em 1997­1998 ocorreu
infecção em 429 criações e cerca de 700.000 suínos foram descartados. Mais de 12 milhões de suínos foram
mortos para estabelecer o controle da disseminação da doença. A conscientização e a vigilância são essenciais
para a detecção precoce de surtos e para o diagnóstico, sendo rapidamente instituídas medidas de controle para
evitar a propagação do vírus. O “período de alto risco”, ou seja, o tempo entre a introdução do vírus e a detecção
do surto, deve ser mantido o menor possível.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: A peste suína clássica é causada por um RNA­vírus pequeno com envelope,
pertencente ao grupo Pestivirus, da família Flaviviridae. O vírus da PSC é antigenicamente relacionado com
outros pestivírus, denominados vírus da diarreia viral bovina (p. 319) e vírus da doença da fronteira de ovinos
(p. 640), os quais estão disseminados nas populações de ruminantes e ocasionalmente podem infectar suínos.
Embora não causem doença em suínos e sejam eliminados depois de alguns dias, devem ser realizados testes de
diferenciação de anticorpos, a fim de distinguir peste suína clássica daquela infecção causada por pestivírus em
ruminantes.
O vírus da peste suína clássica infecta somente membros da família Suidae, como suínos e javalis, embora
infecções experimentais possam induzir a doença em outras espécies. O vírus se multiplica em culturas de
células de suínos, notadamente na linhagem PK15, mas geralmente não causam efeito citopático visível na
cultura. O vírus tem apenas um sorotipo, embora possa ser detectada variabilidade antigênica entre cepas. A
tipificação da cepa para o mapeamento epidemiológico pode ser realizada por sequenciamento genético do
vírus, combinado com análise filogenética.
O vírus é moderadamente frágil e não sobrevive no ambiente, dificultando a disseminação a longas
distâncias, pelo ar. Sobrevive por longo período em ambientes úmidos; em meios de cultura rico em proteína,
como carne, outros tecidos e fluidos corporais, particularmente mantidos sob refrigeração ou congelamento.
Relata­se que o vírus sobrevive durante anos em carne suína congelada, ou meses, em carne curada.
A peste suína clássica é cosmopolita. É endêmica em países da América Latina, algumas ilhas do Caribe e em
países asiáticos produtores de suínos. Em 2005, foi relatada a primeira ocorrência de peste suína clássica na
África do Sul, desde 1918. Austrália, Nova Zelândia, Canadá e EUA são livres de peste suína clássica, como a
maioria dos países da Europa Oriental e Central, embora ocorram surtos esporádicos em alguns países europeus.
A doença é endêmica em vários países do Leste Europeu.
A principal fonte de infecção é o suíno – vivo ou carne suína mal cozida. Nas áreas endêmicas, a maior
preocupação é a disseminação da doença pela movimentação de suínos infectados, os quais podem causar surtos
remotos em locais onde há ampla escala de transporte para terminação. Em partes da Europa, a população de
javalis pode atuar como portadora.
Outro importante risco é a introdução acidental do vírus por meio de carne suína ilegalmente importada e
derivados de carne oriundos da cadeia de produção de alimentos suínos, de animais alimentados com restos de
alimentos (“lavagem”). O vírus é rapidamente inativado pelo cozimento, fato que enfatiza a importância da
regulamentação do tratamento térmico de restos de alimentos (“lavagem”). Em muitos países, a prática de
fornecer restos de alimentos foi banida.
A transmissão mecânica por meio de veículos e equipamentos, bem como por pessoas (principalmente
veterinários) que visitam várias fazendas, é muito relevante para a disseminação entre áreas infectadas.
Se as fêmeas forem infectadas com cepas de virulência baixa a moderada durante a gestação, recuperando­se
em seguida, o risco de que seus filhotes se tornem portadores é alto. Nem todos estes portadores
persistentemente infectados manifestam sinais clínicos da doença, mas podem excretar vírus permanentemente.
Portanto, é particularmente importante o exame de rebanhos com altas taxas de falha reprodutiva, tremor
congênito ou outras anomalias congênitas inexplicáveis.
A provável via de transmissão aos javalis selvagens inclui “restos” ou lixo contaminados de suínos
domésticos infectados. A consequência destas infecções depende principalmente do tamanho e da densidade das
populações de javalis selvagens infectados. Surtos em pequenas populações que vivem em confinamentos
naturais, como vales, tendem a ser autolimitantes. Por outro lado, infecções que causam surtos em grandes áreas
e com alta densidade populacional frequentemente tornam­se endêmicas.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A doença se manifesta nas formas aguda e crônica e a virulência pode ser grave,
com alta taxa de mortalidade, ou discreta ou até mesmo subclínica. Cepas de baixa virulência representam um
problema especial no diagnóstico; a única manifestação pode ser baixo desempenho reprodutivo e nascimento
de leitões com anomalias neurológicas (p. ex., tremor congênito, p. 1345).
A forma aguda grave é caracterizada por febre, inapetência e depressão. O período de incubação tipicamente
varia de 3 a 7 dias, com morte entre o décimo e o vigésimo dia após a infecção. A febre (> 41°C) persiste até o
estágio terminal da enfermidade, quando a temperatura corporal pode ser subnormal. Constipação intestinal é
comum, seguida de diarreia. A principal lesão é vasculite generalizada, verificada em suínos vivos na forma de
hemorragia e cianose cutânea, notadamente nas extremidades. Também, pode haver eritema generalizado. A
vasculite de SNC pode causar incoordenação ou mesmo convulsões. Na necropsia os principais achados
incluem petéquias disseminadas e hemorragias equimóticas, especialmente nos linfonodos, rins, baço, bexiga e
laringe. O infarto pode ser observado principalmente no baço. A maioria dos suínos apresenta encefalite não
supurativa, com manguito vascular.
Na doença crônica, os suínos geralmente sobrevivem por até 3 meses. Após o início da fase febril aguda,
esses animais apresentam recuperação aparente, seguida de recidiva, com anorexia, depressão, febre e perda
progressiva da condição corporal. Histologicamente nota­se atrofia do timo e depleção linfoide. Úlceras em
forma de botão podem se desenvolver no intestino, particularmente próximo da junção ileocecal.
DIAGNÓSTICO: A primeira linha de diagnóstico é realizada pelo veterinário a campo. Como os sinais clínicos
não são necessariamente típicos, geralmente deve­se realizar diagnóstico laboratorial e diferencial. O
diagnóstico diferencial inclui outras doenças hemorrágicas febris dos suínos, como peste suína africana,
septicemias bacterianas (p. ex., salmonelose, erisipela etc.), intoxicação por anticoagulantes (derivados
cumarínicos) e doença hemolítica do recém­nascido. As lesões hemorrágicas devem ser diferenciadas daquelas
observadas na dermatite suína e na síndrome nefropática e das lesões provocadas pela síndrome debilitante
multissistêmica no pós­desmame (p. 798), que está disseminada em muitos países produtores de suínos. No caso
de cepas de baixa virulência do vírus da peste suína clássica, deve–se considerar várias outras causas de baixo
desempenho reprodutivo e de tremor congênito, inclusive pseudorraiva, parvovirose, diarreia viral bovina e
doença da fronteira, bem como causas não infecciosas.
Os testes virológicos são essenciais para a confirmação do diagnóstico. Recomenda­se consulta ao laboratório
antes do envio das amostras. Os tecidos apropriados incluem tonsilas, linfonodos maxilar ou submandibular,
linfonodos mesentéricos, baço, íleo e rins. Amostras de sangue total, colhidas com anticoagulante EDTA,
podem ser utilizadas para isolamento viral de um animal vivo com doença aguda ou para detecção de antígeno
ou de ácido nucleico. Amostras de sangue sem uso de anticoagulante são obtidas quando há necessidade de
testes sorológicos para pesquisa de anticorpo. Sorologia é o método de escolha para exame de porcas que
pariram leitões com anomalias congênitas e triagem para identificação viral, em particular em javalis e
populações de suínos selvagens.
A detecção de antígeno pode ser realizada por meio de imunofluorescência direta em cortes teciduais
congelados, especialmente das tonsilas. A leitura desses preparados requer profissional experiente e altamente
capacitado. Sua principal vantagem é o rápido resultado. A detecção de antígeno também pode ser realizada por
meio de ELISA. Entretanto, este teste tem baixa sensibilidade, sendo útil apenas para triagem de rebanhos
suínos. Mais comumente, faz­se a detecção de ácido nucleico viral utilizando a RT­PCR. Além disso, com o uso
de primers apropriados, o teste RT­PCR permite diferenciar este vírus daqueles vírus da diarreia viral bovina e
da doença da fronteira. Métodos padronizados foram descritos e permitem fazer a triagem de grande número de
amostras de sangue (pool), fornecendo rápido resultado, com alta sensibilidade. Isto é particularmente útil para
triagem de rebanhos durante um surto.
Para o isolamento viral, culturas de células são inoculadas com suspensões teciduais ou com leucócitos,
fixadas após 2 a 3 dias, e o vírus é detectado após teste com marcador imunológicos (utilizando marcadores
fluorescentes ou enzimas marcadas). Os resultados podem demorar 4 a 7 dias. Este método é trabalhoso e
demorado. Entretanto, devido sua sensibilidade e especificidade é um método de referência no caso de um novo
surto.
A caracterização do vírus com o uso de anticorpos monoclonais específicos ao vírus ou RT­PCR é realizada
para diferenciar o vírus da peste suína clássica de outros pestesvírus. Nos testes de detecção de antígeno ou de
isolamento viral não devem ser confirmados até que se realize a caracterização do vírus.
Para o exame sorológico há disponibilidade de teste de neutralização viral e de ELISA. Como o vírus não é
citopatogênico em cultura, o teste de neutralização requer um estágio de marcação imunológica adicional.
ELISA é o teste sorológico mais adequado para uso em larga escala, ou seja, como teste de vigilância
epidemiológica. Alguns kits comerciais disponíveis para ELISA podem diferenciar anticorpos do vírus da peste
suína clássica daquele da diarreia viral bovina, embora seja recomendado teste confirmatório quando há ambas
as doenças. Teste ELISA pode detectar anticorpos contra uma proteína viral específica e que não fazem parte
daqueles denominados “marcadores de vacinas”. Tal como para a diferenciação de indivíduos infectados
daqueles vacinados, foi desenvolvido um teste DIVA­ELISA para identificação de suínos infectados com vírus
de campo daqueles de uma população vacinada com uma vacina de subunidade disponível no mercado. Este
procedimento ainda não é muito aceito para uso no campo e o ELISA para diferenciação de indivíduos
infectados daqueles vacinados é menos sensível.
CONTROLE: Na maioria dos países, a peste suína clássica é uma doença de notificação obrigatória. O controle é
rigidamente regulamentado por leis e medidas sanitárias. Não há tratamento possível. Os suínos infectados
devem ser abatidos e as carcaças enterradas ou incineradas. Os casos confirmados e os animais contactantes
devem ser abatidos, implementando­se medidas de prevenção da doença em outros suínos. Essas medidas
podem envolver o abate de animais, restrições de transporte de suínos ou vacinação, dependendo das
regulamentações de controle da doença no local.
Em países onde o vírus é endêmico, os animais infectados são destruídos e a vacinação é utilizada para
prevenir a disseminação adicional do vírus. Países livres de peste suína clássica geralmente implementam
medidas rígidas para impedir surtos da doença. Na União Europeia, onde o uso profilático de vacina é proibido,
a vacinação de emergência pode ser utilizada para controlar surtos graves com o uso de vacina viva modificada
convencional ou um marcador de vacina. As vacinas com vírus vivo modificado são derivadas da cepa C
lapinizada ou cepas adaptadas de culturas de células. Elas são efetivas e inócuas. Há alguns anos, uma vacina
com subunidade contendo apenas glicoproteína da superfície viral principal foi aprovada. Como os suínos com
infecção natural produzem anticorpos contra essa proteína, teoricamente a combinação de marcador de vacina e
teste diagnóstico específico (DIVA­ELISA), permite a diferenciação de suínos vacinados daqueles infectados. A
vacina composta de subunidade é utilizada desde 2006,? na Romênia, para vacinação de emergência. Em surtos
envolvendo javalis selvagens, a vacinação de emergência utilizando iscas com vacina viva modificada foi
utilizada com sucesso na Alemanha e em outros países da Europa.

SÍNDROME RESPIRATÓRIA E REPRODUTIVA SUÍNA

A síndrome respiratória e reprodutiva suína (SRRS) foi relatada pela primeira vez nos EUA em 1987. Desde
então, os surtos de SRRS e o sucesso no isolamento do vírus tem confirmado a presença da doença na América
do Norte e na Europa.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O agente etiológico é um vírus da família Arteriviridae. O vírus é envelopado e o
tamanho varia entre 45 e 80 nm. A inativação é possível após o tratamento com éter ou clorofórmio, contudo, o
vírus é muito estável sob congelamento, mantendo sua infectividade por até 4 meses a ­70°C. Quando a
temperatura aumenta, a infectividade é reduzida (15 a 20 min a 56°C).
Após a infecção de um plantel saudável, a exposição de todos os membros da população reprodutora é
inconsistente, encontrando­se subpopulações de porcas sadias, expostas e persistente mente infectadas. Esta
situação é agravada ao longo do tempo com a introdução de marrãs de reposição não adaptadas, o que provoca a
disseminação do vírus dos animais portadores para aqueles que não foram previamente expostos.
O vetor primário responsável pela transmissão do vírus é o suíno infectado. A transmissão por contato foi
demonstrada experimentalmente e a disseminação do vírus oriundo de uma única fonte de um grupo de
reprodutores infectados já foi descrita. A aquisição de animais infectados pode levar à introdução e coexistência
de diversos isolados geneticamente diferentes do vírus SRRS em uma mesma granja. Estudos controlados
indicaram que um suíno infectado pode ser portador por longos períodos e os adultos são capazes de disseminar
o vírus da SRRS por até 86 dias após a infecção, enquanto os leitões desmamados podem abrigar o vírus por até
157 dias. Experimentalmente, os varrões podem eliminar o vírus no sêmen por até 93 dias após a infecção.
A transmissão do vírus por aerossol foi confirmada como uma via de transmissão indireta e dependente da
patogenicidade do isolado. Isolados altamente virulentos, que produzem de altos títulos de vírus na corrente
sanguínea e nos tecidos, apresentaram frequência de disseminação via aerossóis significativamente maior do
que a de isolados menos patogênicos. Fatores ambientais, como a direção e velocidade do vento também
exercem um impacto significante sob esta via de disseminação. O vírus da SRRS também pode ser transmitido
por fômites, tais como agulhas contaminadas, botas, uniformes, veículos de transporte e contêineres. Os
empregados da granja não representam um risco, a menos que suas mãos estejam contaminadas com o sangue
de suínos virêmicos. Finalmente, a transmissão por certas espécies de insetos (mosquitos [Aedes vexans] e
moscas domésticas [Musca domestica]) foi relatada.
ACHADOS CLÍNICOS: A SRRS apresenta duas fases clínicas distintas: falha reprodutiva e doenças respiratórias
pós­desmame. A fase reprodutiva da doença inclui o aumento do número de leitões natimortos, fetos
mumificados, partos prematuros e recém­nascidos fracos. A ocorrência de natimortos e de fetos mumificados
pode aumentar até 25 a 35% e os abortos podem ser > 10%. A anorexia e a agalaxia são evidentes em porcas
lactantes e resultam em aumento (30 a 50%) da mortalidade pré­desmame. Os leitões lactentes apresentam uma
respiração laboriosa característica e o exame histopatológico dos tecidos pulmonares revela pneumonia
intersticial necrosante grave. O vírus da SRRS é capaz de ultrapassar a placenta no terceiro e possivelmente no
segundo trimestre da gestação. Os leitões também podem nascer virêmicos e transmitir o vírus por 112 dias após
a infecção. O desempenho após o desmame também é afetado. A infecção pelo vírus da SRRS resulta na
destruição dos macrófagos alveolares maduros, o que leva à hipótese de que a infecção resulte na supressão do
sistema imune, embora estudos controlados indiquem que o vírus pode induzir o aumento de parâmetros
específicos da resposta imune.
Os surtos da forma reprodutiva da SRRS têm sido relatados nos últimos 1 a 4 meses da gestação, dependendo
do tipo de instalação e do estado de saúde inicial das porcas. Em contraste, a fase pneumônica no pós­desmame
pode tornar­se crônica, reduzindo o ganho de peso diário em cerca de 85% e aumentando a mortalidade em 10 a
25%. Outros patógenos também são frequentemente isolados com o vírus da SRRS em leitões de creche ou em
adultos em terminação. Diversas bactérias, como Streptococcus suis, Escherichia coli, Salmonella Choleraesuis,
Haemophilus parasuis e Mycoplasma hyopneumoniae, e outros tipos de vírus, como o coronavírus respiratório
suíno e o vírus da influenza suína, foram relatadas. Finalmente, diferenças na resposta clínica ao vírus da SRRS
também podem ser decorrentes de variações entre as estirpes. Estudos demonstraram a capacidade de diferentes
isolados em induzir diferentes graus de pneumonia intersticial em leitões originados de cesariana e privados de
colostro após a inoculação intranasal.
DIAGNÓSTICO: Os testes mais utilizados são o ELISA e a RIFI. Estes testes determinam os anticorpos IgG
antivírus da SRRS. Estes testes não mensuram o nível de imunidade do animal e nem identificam se o animal é
um portador. Os títulos são detectados entre 7 e 10 dias após a infecção e podem persistir por até 144 dias. Altos
títulos podem indicar infecção recente e a disseminação do vírus pode ocorrer na população estudada. Os testes
para identificação do vírus da SRRS incluem a PCR, isolamento viral e imunoistoquímica. Recentemente, o
sequenciamento do ácido nucleic o de determinadas regiões do vírus está comercialmente disponível e
demonstrou ser uma excelente ferramenta para investigações epidemiológicas a campo para confirmar a
similaridade dos isolados obtidos em diferentes locais.
TRATAMENTO E CONTROLE: Atualmente, não há tratamento efetivo para SRRS aguda. Tentativas para a redução
da febre com a utilização de AINE (ácido acetilsalicílico) ou estimulantes do apetite (vitamina B) parece
promover benefícios mínimos. O uso de antibióticos ou de bacterinas autógenas para reduzir os efeitos dos
patógenos bacterianos oportunistas também foram relatados, porém, os resultados são inconclusivos.
A prevenção da infecção parece ser o principal meio de controle da doença. O conhecimento da prevalência
da SRRS em marrãs e varrões de reposição, bem como o isolamento e a aclimatação adequada dos animais
recém­chegados, são medidas críticas na prevenção da introdução do vírus. Os suínos devem ser testados
novamente na chegada à instalação de isolamento e 45 a 60 dias depois, antes da entrada no plantel. A
eliminação da infecção existente com múltiplos sítios de produção e desmame precoce segregado também foi
relatada. Embora estas estratégias tenham obtido algum sucesso, os riscos de reinfecção a longo prazo parecem
altos. A prevenção da disseminação viral por meio da redução da população de leitões na creche também foi
relatada. Esta prática é bem­sucedida quando a transmissão viral não está ocorrendo na população de porcas
(geralmente 12 a 18 meses após o surto inicial), mas os leitões de creche e os suínos em crescimento/terminação
ainda continuam infectados. Todos os leitões da creche são removidos da granja para terminação em outro local.
As instalações da creche são rigorosamente lavadas, desinfetadas e esvaziadas por 7 a 14 dias, para então serem
utilizadas normalmente. A técnica eliminou com sucesso o vírus de muitos plantéis, e os suínos permaneceram
soronegativos (por > 1 ano) na idade de abate. A produtividade na creche melhorou em relação às taxas de
crescimento e de mortalidade.
As vacinas comerciais, com vírus vivo modificado e inativado, foram licenciadas e tem sido eficazes no
controle de surtos e na prevenção de perdas econômicas.
Recentemente, demonstrou­se a possibilidade de erradicação da SRRS na granja. Métodos como
despopulação/repopulação, teste e remoção, bem como a produção em plantéis fechados têm sido documentados
como métodos eficazes para eliminação do vírus plantéis endemicamente infectados. Infelizmente, inúmeras
tentativas de erradicação têm falhado devido à introdução de novos isolados por vias não identificadas. Isto tem
resultado no aumento do nível de biossegurança das granjas. Quarentena rigorosa, programas de testes,
aquisição de animais de reposição e de sêmen livre do vírus da SRRS, utilização de sistemas de filtração de ar,
higienização dos veículos de transporte e protocolos rigorosos de deslocamento de fômites e dos funcionários
entre as granjas são componentes críticos para um programa de controle eficiente.
TRIQUINELOSE (Triquinose)

A triquinelose é uma doença parasitária de importância em saúde pública, causada pelo nematoide Trichinella
spiralis. As infecções humanas se estabelecem pelo consumo de carne infectada mal cozida, geralmente suína
ou de urso, embora outras espécies também tenham sido implicadas. As infecções naturais ocorrem nos
carnívoros selvagens; a triquinelose também é encontrada em equinos, ratos, castores, gambás, morsas, baleias e
aves que consomem carne. A maioria dos mamíferos é suscetível.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: Trichinella spp é considerada um complexo de 8 espécies, com 11 genótipos (T1
a T11), identificadas pela análise de DNA. Há poucas diferenças morfológicas e a identificação das espécies é
baseada em características como isolamento reprodutivo, infectividade em determinados hospedeiros e
resistência ao congelamento. T. spiralis (T1) é a espécie mais comum que afeta os seres humanos e animais
domésticos na maioria das regiões temperadas; ela possui alta infectividade para suínos e roedores, baixa
resistência ao congelamento e forma cistos musculares. Outras espécies formadoras de cistos incluem a T. nativa
(T2), encontrada nos carnívoros árticos; T. britova (T3), encontrada principalmente na região sul da Europa; T.
murrelli (T5), restrita à América do Norte, T. nelsoni (T7), restrita à África Oriental; e outros 3 genótipos de T.
nelsoni: T6 (carnívoros da América do Norte), T8 (carnívoros da África) e T9 (animais selvagens japoneses).
Há 3 outras espécies: T. pseudospiralis (T4), T. papuae (T10) e T. zimbabwensis (T11) – que não formam cistos
musculares.
A infecção geralmente ocorre pela ingestão de larvas encistadas no músculo. A parede cística é digerida no
estômago e as larvas liberadas penetram nas mucosas duodenal e jejunal. Dentro de aproximadamente 4 dias, as
larvas se desenvolvem em adultos sexualmente maduros. Após o acasalamento, as fêmeas (3 a 4 mm) penetram
profundamente na mucosa e liberam larvas vivas (até 1.500) durante 4 a 16 semanas. Após a reprodução, as
formas adultas morrem e geralmente são digeridas. As larvas jovens (0,1 mm) migram para os vasos linfáticos,
são transportadas via sistema portal até a circulação periférica, e alcançam os músculos estriados, penetrando
nas células musculares individuais. As larvas crescem rapidamente (para 1 mm) e começam a espiralar no
interior da célula, geralmente uma por célula. A formação da cápsula inicia­se em aproximadamente 15 dias
após a infecção, e é completada entre 4 e 8 semanas, momento em que as larvas são infectantes. As células se
degeneram à medida que a larva cresce e ocorre a calcificação (em diferentes proporções nos vários
hospedeiros). As larvas podem permanecer viáveis nos cistos durante anos e o seu desenvolvimento apenas
continua se forem ingeridas por outro hospedeiro adequado. O diafragma, a língua, o masseter e os músculos
intercostais estão entre os músculos com alta carga parasitária nos suínos.
Se as larvas passarem pelo intestino e forem eliminadas juntamente com as fezes antes da maturação, elas são
infectantes para outros animais.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: A maioria das infecções nos animais domésticos e selvagens não são
diagnosticadas. No ser humano, as infecções com alta carga parasitária produzem enfermidade séria com três
fases clínicas (intestinal, invasão muscular e convalescente) e mortes ocasionais.
Embora o diagnóstico ante mortem nos animais, exceto em humanos, seja raro, pode­se suspeitar de
triquinelose se houver um histórico de ingestão de roedores, carcaças de animais selvagens ou de carne crua
infectada. O exame microscópico de uma amostra de biopsia muscular (geralmente língua) pode ser
confirmatório, mas não exclui necessariamente a triquinelose. O ELISA é um teste confiável para a detecção de
anticorpos anti­Trichinella. A soroconversão pode não ocorrer durante várias semanas após a infecção, embora
quantidades muito pequenas como 0,01 larvas por grama de carne possa ser detectada.
CONTROLE: Geralmente os animais não são tratados. O objetivo é prevenir a ingestão dos cistos musculares
viáveis de Trichinella (triquinas) por qualquer animal, inclusive pessoas. Nos suínos, isto pode ser obtido com
um bom manejo que inclui o controle de roedores, cozimento dos restos de alimentos fornecidos aos suínos
durante 30 min a 100°C (212°F), e prevenção do canibalismo (i. e., mordedura de cauda) e acesso a carcaças de
animais selvagens.
A inspeção da carne para triquinas viáveis no momento do abate (por triconoscopia ou métodos de digestão) é
efetiva na prevenção da infecção humana em muitos países. Na América do Norte, supõe­se que a carne suína
possa estar infectada; assim, os produtos do tipo “pronto para comer” devem ser processados por aquecimento,
congelamento ou cura adequados para matar as triquinas antes da comercialização. Outros produtos de carne
suína devem ser cozidos para assegurar que todo o tecido tenha sido aquecido a uma temperatura interna =
58°C. O congelamento da carne suína a uma temperatura apropriada por um período adequado também é efetivo
(­15°C por 20 dias, ­23°C por 10 dias ou ­30°C por 6 dias). O congelamento pode não ser um método confiável
para matar as triquinas presentes em outros tipos de carne que não a suína.
Trichinella spiralis em amostra obtida por biopsia muscular; 100x. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.

CINOMOSE CANINA (Paraqueratose de coxim plantar,

Hardpad disease)

A cinomose canina é uma doença viral sistêmica, altamente contagiosa, que acomete cães em todo o mundo.
Clinicamente é caracterizada por febre difásica, leucopenia, formação de catarro nos sistemas respiratório e
gastrintestinal e, frequentemente, complicações neurológicas e pneumônicas. A doença afeta canídeos (cães,
raposas, lobos), mustelídeos (p. ex., furão, vison­americano, cangambá, carcaju, marta, texugo), a maioria dos
procionídeos (p. ex., guaxinim, quati), alguns viverídeos (binturong), ailurídeos (panda vermelho), elefantídeos
(elefante asiático), primatas (macaco japonês) e grandes felídeos.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: A cinomose canina é causada por um paramixovírus estreitamente relacionado com o
vírus do sarampo e ao da peste bovina. O vírus envelopado é frágil, sendo sensível a solventes lipídicos como o
éter e à maioria dos desinfetantes, inclusive fenóis e compostos quaternários de amônio, sendo relativamente
instável fora do hospedeiro. A principal via de infecção é por meio de gotículas de aerossol de animais
infectados. Alguns cães infectados podem eliminar o vírus por vários meses.
A replicação viral ocorre inicialmente no tecido linfático do trato respiratório. A viremia associada a células
resulta na infecção de todos os tecidos linfáticos, seguida de infecção dos epitélios respiratório, gastrintestinal e
urogenital, bem como do SNC e nervo óptico. A doença ocorre após a replicação do vírus nesses tecidos. O grau
de viremia e a extensão da disseminação viral aos vários tecidos são moderados pelo nível de imunidade
humoral específica no hospedeiro durante o período virêmico.
ACHADOS CLÍNICOS: Nota­se febre passageira geralmente entre 3 e 6 dias após a infecção, podendo também
ocorrer leucopenia (especialmente linfopenia) durante este período; estes sinais podem passar despercebidos ou
serem acompanhados de anorexia. A febre cessa por vários dias antes de ocorrer uma segunda onda febril, que
dura mais de 1 semana. Esta pode ser acompanhada de secreção nasal serosa, secreção ocular mucopurulenta,
letargia e anorexia. Podem seguir­se sinais respiratórios e gastrintestinais geralmente complicados por infecções
bacterianas secundárias. Raramente é observada dermatite pustular. Pode ocorrer encefalomielite associada a
outros sinais, após a doença sistêmica ou até mesmo na ausência de manifestações sistêmicas. Os cães que
sobrevivem à fase aguda podem apresentar hiperqueratose dos coxins plantares (doença dos coxins ásperos) e
do epitélio do plano nasal, assim como hipoplasia do esmalte dos dentes com erupção incompleta.
Em geral, o curso prolongado da doença está associado à presença de sinais neurológicos; entretanto, não há
uma maneira de prever se um cão infectado irá ou não apresentar as manifestações neurológicas. Os sinais
neurológicos incluem andar em círculos, inclinação persistente da cabeça, nistagmo, paresia a paralisia e
convulsões focais ou generalizadas. São considerados sinais neurológicos clássicos contrações musculares
involuntárias de um músculo ou de um grupo muscular (mioclonia, coreia, espasmos e hipercinesia) e
convulsões caracterizadas por salivação e movimentos mandibulares de mastigação (mascar chiclete).
Um cão pode exibir qualquer um ou todos estes sinais multissistêmicos durante o curso enfermidade. A
infecção pode ser leve ou inaparente ou levar a uma doença grave com manifestação da maioria dos sinais
anteriores. O curso da doença sistêmica pode ser curto, de apenas 10 dias, mas o surgimento dos sinais
neurológicos pode ser atrasado por várias semanas ou meses, como resultado da desmielinização crônica do
SNC.
Os sinais clinicopatológicos são inespecíficos e incluem linfopenia, com possível achado de corpúsculos de
inclusão viral em linfócitos circulantes já no início da doença. A radiografia torácica pode revelar padrão
intersticial típico de pneumonia viral.
A encefalite da cinomose crônica (encefalite do cão idoso [ECI]), uma afecção muitas vezes marcada por
ataxia, movimentos compulsivos, tais como pressionar a cabeça ou andar continuamente, bem como hipermetria
descoordenada, pode ocorrer em cães adultos vacinados e sem histórico sugestivo de cinomose canina sistêmica.
Embora o antígeno da cinomose canina tenha sido detectado no cérebro de alguns cães com ECI por métodos de
imunofluorescência ou métodos genéticos, animais com ECI não são fontes de infecção e o vírus com
capacidade de replicação não foi isolado. Esta encefalite é causada pela reação inflamatória associada à infecção
persistente do vírus da cinomose canina no SNC, mas os mecanismos que deflagram esta síndrome ainda são
desconhecidos.
Lesões: A atrofia do timo é um achado pós­morte compatível em filhotes infectados. Hiperqueratose do nariz e
coxins plantares é encontrada com frequência em cães com manifestações neurológicas. Dependendo do grau de
infecção bacteriana secundária, também podem estar presentes broncopneumonia, enterite e pústulas cutâneas.
Em casos de morte na fase aguda ou hiperaguda, são encontradas anormalidades apenas no sistema respiratório.
Histologicamente, o vírus da cinomose canina produz necrose dos tecidos linfáticos, pneumonia intersticial e
corpúsculos de inclusão intranucleares e citoplasmáticos nos epitélios respiratório, urinário e gastrintestinal. As
lesões encontradas no cérebro dos cães com complicações neurológicas incluem degeneração neuronal, gliose,
desmielinização não inflamatória, infiltrado inflamatório perivascular, leptomeningite não supurativa e
corpúsculos de inclusão intranucleares (encontrados predominantemente em células gliais).
DIAGNÓSTICO: A cinomose deve ser considerada no diagnóstico de qualquer afecção febril em filhotes de cães
com manifestações em múltiplos sistemas. Os sinais característicos por vezes surgem apenas tardiamente no
curso da doença e o quadro clínico pode ser modificado por toxoplasmose, neosporose, coccidiose, parasitoses e
numerosas infecções virais e bacterianas concomitantes. A cinomose às vezes é confundida com outras
infecções sistêmicas, como leptospirose, hepatite infecciosa canina ou febre maculosa. Intoxicantes como
chumbo ou organofosforados podem provocar sequelas no trato gastrintestinal ou neurológicas
simultaneamente. Um estado febril, com presença de catarro e com sequelas neurológicas justifica um
diagnóstico clínico de cinomose.
Em cães com sinais multissistêmicos, esfregaços de conjuntiva, traqueia, vagina e outros tipos de epitélio,
camada leucoplaquetária, sedimento urinário ou aspirado de medula óssea podem ser examinados por meio de
imunofluorescência ou PCR via transcriptase reversa (RT­PCR). A sorologia de IgM específica para o vírus
também é útil nos estágios iniciais da doença. Títulos de anticorpos ou ELISA podem ser realizados no fluido
cerebrospinal (FCE) e comparados com os valores obtidos no sangue periférico; um valor relativamente maior
no FCE é típico de infecção natural versus vacinação. Testes de imunofluorescência para o antígeno viral (IFA)
ou hibridização fluorescente in situ do DNA viral podem ser realizados em biopsias de coxins plantares ou da
pele da face dorsal do pescoço.
À necropsia, o diagnóstico geralmente é confirmado pelas lesões histológicas, IFA ou ambas. Essas amostras
frequentemente são negativas quando o cão só exibe manifestações neurológicas ou na presença de anticorpos
circulantes (ou ambos), devendo o diagnóstico ser realizado pela avaliação do FCE ou pela sorologia de IgM
específica para o vírus.
TRATAMENTO: Os tratamentos são sintomáticos e de suporte, direcionados à limitação da invasão bacteriana
secundária, suporte ao equilíbrio de fluidos e controle das manifestações nervosas. Antibióticos de amplo
espectro, soluções eletrolíticas balanceadas, nutrição parenteral, antipiréticos, analgésicos e anticonvulsivantes
são utilizados no tratamento e bons cuidados de enfermagem são essenciais. Nenhum tratamento isolado é
específico ou alcança êxito uniforme. Trabalhos experimentais in vitro com agentes antivirais são promissores,
mas nenhum está disponível comercialmente.
Infelizmente, o tratamento das manifestações neurológicas agudas da cinomose canina é frequentemente
insatisfatório. Se os sinais neurológicos forem progressivos ou graves, o proprietário deve ser aconselhado
apropriadamente. Com a instituição de tratamento agressivo logo no início, os cães podem recuperar­se
completamente das manifestações multissistêmicas, mas em outros casos os sinais neurológicos podem persistir
após o desaparecimento dos sinais respiratórios e gastrintestinais. Os cães com alguma forma da doença
neurológica crônica progressiva ou induzida por vacinas podem responder à terapia imunossupressora com anti­
inflamatórios ou dosagens maiores de glicocorticoides.
PREVENÇÃO: A imunização bem­sucedida dos filhotes com vacinas de vírus vivo modificado (VVM) da
cinomose canina depende da ausência de interferência dos anticorpos maternos. Para superar essa barreira, os
filhotes são vacinados com vacinas de VVM na sexta semana de idade em intervalos de 3 a 4 semanas até a 16a
semana de idade. Alternativamente, vacinas para o vírus do sarampo induzem imunidade ao vírus da cinomose
canina na presença de níveis relativamente maiores de anticorpos maternos contra cinomose. As vacinas contra
sarampo devem ser administradas por via intramuscular a filhotes com 6 a 7 semanas de idade e seguidas por
pelo menos mais duas doses da vacina de VVM contra cinomose quando estes completarem 12 a 16 semanas.
Diversas vacinas atenuadas contra cinomose estão disponíveis e devem ser utilizadas de acordo com as
instruções dos fabricantes. As vacinas de VVM não devem ser aplicadas em cadelas em fase avançada de
prenhez ou em início de lactação. As vacinas de VVM podem produzir doença pós­vacinal em alguns cães
imunossuprimidos. Uma vacina de vetor recombinante de varíola aviária que expressa proteínas do vírus da
cinomose está disponível e tem se mostrado segura e eficiente. Historicamente, a revacinação anual é
padronizada, devido a possíveis quedas na proteção que podem ocorrer em situações de estresse, doença ou
imunossupressão do cão, sendo muitas vacinas recomendadas como para aplicação anual. Achados recentes
indicam que a imunidade induzida pelas vacinas de VVM pode durar 3 anos ou mais. Entretanto, na maioria dos
casos este é considerado um uso não recomendado da vacina; assim, a decisão de revacinação em intervalos
maiores do que 1 ano deve ser cuidadosamente avaliada, levando em consideração a prevalência local da
doença, fatores de risco e as recomendações dos fabricantes e das organizações de classe.

DOENÇAS CAUSADAS POR RIQUÉTSIAS

ERLIQUIOSE E INFECÇÕES RELACIONADAS

No passado, vários microrganismos intracelulares obrigatórios que infectavam células eucarióticas eram
classificados como pertencentes ao gênero Ehrlichia, com base nas diferenças morfológicas e ecológicas. Com
as novas técnicas de análise genética, esses agentes foram reclassificados como pertencentes ao gênero
Ehrlichia, Anaplasma e Neorickettsia, todos da família Anaplasmataceae. No entanto, ainda é comum o uso do
termo “erliquiose” para descrever a infecção causada por estes agentes.
ETIOLOGIA: A erliquiose canina é causada principalmente por Ehrlichia canis, que infecta predominantemente
os monócitos e, embora não seja considerada uma zoonose primária, ocasionalmente relata­se infecção humana
por este agente. Outro agente patogênico comum em cães é E. chaffeensis, que provoca uma forma monocítica
da doença; é a principal espécie causadora da erliquiose humana nos EUA. Vários relatos publicados de
erliquiose monocítica em gatos sugerem que a infecção felina pode ocorrer, embora raramente. E. ewingii, que
infecta principalmente os granulócitos dos hospedeiros suscetíveis, foi isolada de cães e seres humanos no sul,
oeste e centro­oeste dos EUA.
A. phagocytophilum, antigamente denominado E. equi e como agente causador da erliquiose granulocítica
humana, tem sido relatado como causa da doença em cães. É conhecido por causar doença humana nos EUA,
principalmente nos estados do nordeste, centro­oeste e oeste. A infecção com este agente é mais
apropriadamente referida como anaplasmose e o agente patogênico é encontrado predominantemente nos
granulócitos.
A. platys, que infecta as plaquetas, é o agente causador da trombocitopenia infecciosa cíclica em cães.
EPIDEMIOLOGIA: E. canis é transmitida pelo carrapato marrom do cão, Rhipicephalus sanguineus, que é
encontrado em todo o mundo; consequentemente, a erliquiose monocítica canina também possui uma
distribuição enzoótica mundial. Carrapatos Rhipicephalus infectam­se com E. canis ao alimentar­se em cães
infectados e transmitem a infecção para outros cães durante os repastos sanguíneos nos sucessivos estágios de
vida. As transfusões de sangue, ou outros meios pelos quais as células da série branca infectadas podem ser
transferidas, também podem transmitir o patógeno. E. chaffeensis e E. ewingii têm ciclos silvestres no ambiente
envolvendo espécies de carrapatos e animais selvagens reservatórios. Nos EUA, E. chaffeensis e E. ewingii são
transmitidas pelo Amblyomma americanum, o carrapato estrela, e acredita­se que o cariacu tem papel importante
como hospedeiro reservatório. Os cães também são considerados possíveis reservatórios de E. ewingii.
A. phagocytophilum é transmitido pelas espécies de carrapatos Ixodes; no nordeste dos EUA, a infecção é
transmitida pelo I. scapularis, o carrapato de patas negras, ao passo que a infecção nos estados do oeste está
principalmente associada a I. pacificus, o carrapato de patas negras ocidental. Na natureza, o ciclo enzoótico
provavelmente está mais associado aos pequenos roedores. Os seres humanos e os animais domésticos são os
hospedeiros acidentais destes patógenos. A transmissão entre humanos por meio de transfusão sanguínea foi
relatada; o risco de infecções após transfusões de sangue em cães é desconhecido.
A. platys é transmitido por R. sanguineus (o carrapato marrom do cão) e é enzoótico em muitas partes dos
EUA e do mundo. A infecção concomitante com E. canis pode ocorrer, pois o mesmo carrapato vetor é o
responsável pela transmissão de ambos os agentes patogênicos.
ACHADOS CLÍNICOS: Em cães, E. canis causa uma manifestação clínica potencialmente mais grave do que
Ehrlichia spp. Os sinais surgem a partir do envolvimento do sistema hematológico e linforreticular, sendo
geralmente a progressão de aguda a crônica, dependendo da cepa do microrganismo e do estado imunológico do
hospedeiro. Nos casos agudos há hiperplasia reticuloendotelial, febre, linfadenopatia generalizada,
esplenomegalia e trombocitopenia. Sinais variáveis de anorexia, depressão, debilidade, rigidez de membros e
relutância em andar, edema de membros ou escroto, tosse e dispneia podem ocorrer. A maioria dos casos agudos
é observada nos meses mais quentes, coincidindo com a maior atividade do carrapato vetor. Casos crônicos
podem se apresentar em qualquer época do ano.
Durante a fase aguda da infecção por E. canis em cães, o hemograma geralmente é normal, mas pode refletir
uma anemia normocítica normocrômica leve, leucopenia ou leucocitose leve. Trombocitopenia é comum, mas
petéquias podem não ser evidentes e a diminuição das plaquetas pode ser leve em alguns animais. Vasculite e
mecanismos imunomediados induzem à trombocitopenia e a tendências hemorrágicas. A aspiração do linfonodo
revela hiperplasia. A morte é rara durante esta fase; pode ocorrer recuperação espontânea e o cão pode
permanecer assintomático ou desenvolver a doença crônica.
A erliquiose crônica causada por E. canis pode se desenvolver em qualquer raça, mas algumas raças como
pastor alemão podem ser predispostas. A sazonalidade não é uma característica específica da infecção crônica,
uma vez que o aparecimento dos sinais crônicos pode ser variavelmente adiado após a infecção aguda. Nos
casos crônicos, a medula óssea torna­se hipoplásica e linfócitos e plasmócitos se infiltram em vários órgãos. Os
achados clínicos variam de acordo com os órgãos predominantes afetados e podem incluir esplenomegalia
evidente, glomerulonefrite, insuficiência renal, pneumonite intersticial, uveíte anterior, meningite com ataxia
cerebelar associada, depressão, paralisia e hiperestesia. Perda de peso grave é um achado proeminente.
De modo geral, o hemograma está claramente anormal nos casos crônicos. Trombocitopenia grave pode
causar epistaxe, hematúria, melena, petéquias e equimoses na pele. Pode ocorrer pancitopenia grave variável
(leucopenia madura, anemia não regenerativa, trombocitopenia ou qualquer combinação destas). A citologia
aspirativa revela linfonodos reativos e, geralmente, plasmocitose acentuada. Frequentemente ocorre
hipergamaglobulinemia policlonal e, ocasionalmente, monoclonal.
Outras infecções causadas por E. chaffeensis, E. ewingii ou A. phagocytophilum parecem clinicamente
semelhantes à infecção aguda por E. canis, mas o curso clínico geralmente é mais autolimitante. Claudicações
variáveis entre os membros e febre de origem desconhecida podem estar presentes. Trombocitopenia e
leucopenia ou leucocitose leve podem ocorrer durante o curso da infecção aguda, que é clinicamente mais
discreta. Manifestação crônica em cães, como verificado na infecção por E. canis, normalmente não é vista em
outras infecções.
Os cães infectados com A. platys geralmente apresentam sinais mínimos de infecção ou nenhum, apesar da
presença do microrganismo nas plaquetas. O principal achado é a trombocitopenia cíclica, recorrente em
intervalos de 10 dias. Geralmente, a natureza cíclica diminui e a trombocitopenia torna­se leve e resolve­se
lentamente.
Lesões: Durante a fase aguda ou autolimitante das infecções por E. canis, as lesões geralmente são
inespecíficas, mas a esplenomegalia é comum. Histologicamente há hiperplasia linforreticular e infiltrados
perivasculares linfocitários e plasmocitários. Nos casos crônicos, estas lesões podem ser acompanhadas de
hemorragia generalizada e aumento da infiltração de células mononucleares nas regiões perivasculares de
muitos órgãos.
DIAGNÓSTICO: Como a trombocitopenia é um achado relativamente consistente com estas infecções, a contagem
de plaquetas é um importante teste de triagem. O diagnóstico clínico pode ser confirmado pela visualização dos
microrganismos dentro das células brancas ou plaquetas, vistos como corpúsculos de inclusão
intracitoplasmáticos chamados de mórulas. Este método de diagnóstico carece de sensibilidade, pois um baixo
número de microrganismos torna o achado difícil. Mais comumente, o diagnóstico é feito pela combinação de
sinais clínicos, títulos de anticorpos séricos positivos no teste de imunofuorescência indireta e resposta ao
tratamento. Testes “in­house” para E. canis e A. phagocytophilum baseados em métodos de ensaios
imunoenzimáticos também estão disponíveis. Como a resposta imune pode ser retardada por várias semanas, o
teste sorológico pode não ser uma ferramenta de diagnóstico confiável no início do curso da doença, e teste de
soros emparelhados e demonstração do aumento dos títulos de anticorpos são recomendados para confirmar a
infecção. A reatividade sorológica cruzada é forte entre E. canis, E. chaffensis e E. ewingii. Alguma reatividade
cruzada com A. phagocytophilum também é observada. Essas reações devem ser consideradas em certas áreas
geográficas. Em alguns locais, cerca de 50% dos cães infectados com E. canis também têm um título para A.
platys, o que provavelmente reflete uma infecção concomitante (a reatividade cruzada entre estes agentes não é
observada).
A PCR vem sendo utilizada para detectar e identificar as espécies específicas de Ehrlichia e Anaplasma em
pessoas e animais infectados. As amostras apropriadas para a PCR incluem sangue, aspirados de tecidos e
biopsias de órgãos do sistema reticuloendotelial, como linfonodos, baço, fígado ou medula óssea. A PCR
também pode ser utilizada para detectar a eficácia do tratamento em eliminar a infecção. A PCR não está
rotineiramente disponível nos laboratórios comerciais, apesar de algumas escolas de veterinária e instituições de
pesquisa oferecem o teste.
Durante a fase aguda, os diagnósticos diferenciais incluem outras causas de febre e linfoadenomegalia (p. ex.,
febre macular das Montanhas Rochosas, brucelose, blastomicose e endocardite), doenças imunomediadas (p.
ex., lúpus eritematoso sistêmico) e linfossarcoma. Na fase crônica da infecção por E. canis, os diagnósticos
diferenciais incluem toxicidade de estrogênio, mieloptise, pancitopenia imunomediada e outras doenças
multissistêmicas associadas a disfunção orgânica específica (p. ex., glomerulonefrite).
TRATAMENTO: A droga de eleição para o tratamento da infecção por Ehrlichia ou Anaplasma spp é a
doxiciclina, devido sua maior penetração no meio intracelular e suas propriedades bacteriostáticas contra as
riquétsias. A dose recomendada para cães é 5 a 10 mg/kg, VO ou IV, 1 vez/dia, durante 10 a 21 dias.
Tetraciclina (22 mg/kg, VO, 3 vezes/dia) também pode ser utilizada por = 2 semanas, nos casos agudos, e
durante 1 a 2 meses, nos casos crônicos. Duas doses de dipropionato de imidocarbe (5 a 7 mg/kg, IM), com
intervalo de 2 semanas, são de eficácia variável contra erliquiose e frente a algumas cepas de Babesia. Nos
casos agudos tratados com terapia antimicrobiana adequada, espera­se que a temperatura corporal retorne ao
normal dentro de 24 a 48 h após o início do tratamento. Nos casos crônicos associados à infecção por E. canis,
as anormalidades hematológicas podem persistir por 3 a 6 meses, embora uma resposta clínica ao tratamento
muitas vezes ocorra muito mais cedo. A terapia de suporte pode ser necessária para combater o prejuízo e a
disfunção de órgãos específicos; transfusões de plaquetas ou de sangue podem ser necessárias se a hemorragia
for extensa. Administração simultânea de antibióticos de amplo espectro pode ser necessária se o cão apresentar
leucopenia grave. O título de anticorpos contra E. canis deve ser mensurado novamente 6 meses depois da
doença, a fim de confirmar a queda no título ou a soronegatividade, indicativa do sucesso da terapia. Títulos
séricos que persistem em níveis baixos, mas positivos, devem ser avaliados após outro intervalo de 6 meses para
assegurar que não há elevação.
PREVENÇÃO: A prevenção é reforçada pelo controle dos carrapatos nos cães. A prevenção da transmissão
associada à transfusão de sangue pode ser realizada pela triagem de doadores soronegativos, embora novos
doadores com resultados negativos não possam ser presumidos como livres da infecção durante várias semanas,
pois podem estar incubando a infecção. A administração profilática de tetraciclina em dose baixa (6,6 mg/kg,
VO, 1 vez/dia) é eficaz na prevenção da infecção por E. canis nos canis onde a doença é endêmica. O
tratamento deve ser estendido por muitos meses (pelo menos por uma estação de carrapatos) para que o ciclo
endêmico seja eliminado com sucesso.
RISCO ZOONÓTICO: E. chaffeensis, E. ewingii e A. phagocytophilum são consideradas zoonoses. Apesar da
ocorrência da doença nos animais e seres humanos, o envolvimento necessário de um carrapato vetor para a
transmissão faz com que os cães e outros animais infectados não representem um risco de transmissão direta em
circunstâncias normais. A infecção nos cães pode indicar um risco aumentado de infecções humanas
relacionadas com a exposição a carrapatos em uma determinada área.

FEBRE MACULOSA DAS MONTANHAS ROCHOSAS (Infecção por Rickettsia Rickettsii)


ETIOLOGIA: A febre maculosa das Montanhas Rochosas (FMMR) é uma doença que acomete pessoas e cães,
causada por Rickettsia rickettsii. Esta e outras riquétsias estreitamente relacionadas com o grupo da febre
maculosa são consideradas endêmicas na maior parte da América do Norte, do Sul e Central. Estes agentes são
transmitidos principalmente através da picada de carrapatos infectados. A capacidade das riquétsias
geneticamente semelhantes, como R. parkerii, de causar a doença clinicamente semelhante em cães é
desconhecida. Devido à sua suscetibilidade à R. rickettsii e à taxa relativamente maior de exposição a
carrapatos, os cães podem atuar como boas sentinelas para o risco de infecção por R. rickettsii em pessoas.
Vários casos da doença são frequentemente relatados em áreas geográficas definidas e infecções concomitantes
podem ser vistas tanto nos cães como em seus proprietários.
EPIDEMIOLOGIA: Nos EUA, Dermacentor variabilis (carrapato do cão americano) e o D. andersoni (carrapato
de madeira das Montanhas Rochosas) são considerados os principais vetores de R. rickettsii. O microrganismo
também tem sido isolado de carrapatos Rhipicephalus sanguineus, que parece ser o principal vetor em algumas
áreas localizadas do Arizona e também pode desempenhar um papel ainda pouco reconhecido em surtos em
outros lugares nos EUA. Os carrapatos R. sanguineus estão associados à transmissão de R. rickettsii na América
Central. O patógeno é adquirido pelos carrapatos ainda nos estágios de larva e ninfa, durante a alimentação em
hospedeiros vertebrados infectados e também é transmitido pelas fêmeas dos carrapatos aos descendentes
através da transmissão transovariana. Estima­se que 1 a 3% dos carrapatos Dermacentor spp são portadores de
R. rickettsii, mesmo nas áreas consideradas de alta endemicidade.
A soroprevalência nos cães de áreas endêmicas varia de 4,3 a 77%, mas esses valores não refletem
precisamente as taxas de infecção devido à reação cruzada com anticorpos para outras riquétsias geneticamente
semelhantes. A transmissão da FMMR por meio de transfusão sanguínea foi documentada em um único caso
humano e deve ser considerada na seleção de cães doadores de sangue. A transmissão direta de cães para
humanos ainda não foi relatada, embora a infecção humana possa ocorrer pelo contato da pele lesionada ou
conjuntiva com a hemolinfa ou excreções do carrapato durante a remoção de carrapatos ingurgitados dos
animais de estimação.
ACHADOS CLÍNICOS: Os cães são altamente suscetíveis à infecção clínica por R. rickettsii; em contraste, a
FMMR raramente é diagnosticada em gatos. Os primeiros sinais nos cães podem incluir febre (até 40,5°C),
anorexia, linfadenopatia, poliartrite, tosse, dispneia, dor abdominal, vômitos, diarreia, edema de face e edema de
extremidades. Petéquias podem ser observadas na conjuntiva e mucosa oral nos casos graves. A hemorragia
focal na retina pode ser constatada no período inicial da doença. As manifestações neurológicas, tais como
alteração do estado mental, disfunção vestibular e hiperestesia paraespinal podem ocorrer.
Trombocitopenia é comum. A leucopenia se desenvolve durante as fases iniciais da infecção e, em casos não
tratados, é seguida de leucocitose progressiva. As anormalidades na bioquímica sérica podem incluir
hipoproteinemia, hipoalbuminemia, azotemia, hiponatremia, hipocalcemia e aumento da atividade das enzimas
hepáticas. São esperadas taxas de letalidade entre 1 e 10%.
Lesões: Dano endotelial vascular ocorre devido aos efeitos citopáticos diretos das riquétsias. A gravidade da
vasculite necrosante pode estar diretamente relacionada com a dose infectante. O dano endotelial vascular e a
trombocitopenia contribuem para o desenvolvimento de petéquias e equimoses. Os cães gravemente afetados
podem desenvolver necrose das extremidades (necrose acral) ou coagulação intravascular disseminada.
DIAGNÓSTICO: O teste sorológico preferencial é a titulação por imunofluorescência indireta. No entanto, devido
à elevada incidência de reação cruzada de anticorpos para uma variedade de riquétsias não patogênicas do grupo
da febre maculosa, bem como a persistência a longo prazo de anticorpos após a infecção aguda da FMMR, o
diagnóstico só é confirmado com a constatação de um aumento de quatro vezes no título, combinado com uma
síndrome clínica compatível. Os diagnósticos diferenciais incluem outras causas de febre de origem
desconhecida. A resposta terapêutica geralmente é muito clara, como em outros riquetsioses caninas. Os
animais com disfunção neurológica podem ter manifestações residuais. A imunidade parece ser persistente após
a infecção natural, portanto episódios recorrentes não devem ser atribuídos a FMMR.
TRATAMENTO: O tratamento com antibiótico deve ser administrado com base na suspeita clínica sem esperar os
resultados dos testes sorológicos, porque a administração tardia pode piorar muito o prognóstico. Doxiciclina
deve ser administrada em uma dosagem de 5 a 10 mg/kg, VO ou IV, 1 vez/dia, durante 10 a 21 dias. Dose de 22
mg de tetraciclina/kg, VO, 3 vezes/dia, durante 2 semanas também é eficaz. Pode ser necessário tratamento de
suporte para desidratação e diátese hemorrágica (hemorragia espontânea). Devido a alterações na integridade
vascular, são aconselhadas taxas conservadoras de administração de fluidos. Precauções devem ser tomadas
para o controle e remoção segura dos carrapatos.

INTOXICAÇÃO POR SALMÃO E FEBRE DA FASCÍOLA DE ELOKOMIN (Infecção por Neorickettsia


spp)
A intoxicação por salmão (SPD) é uma doença aguda e infecciosa de canídeos, em que o agente infeccioso é
transmitido pelas diversas fases de uma fascíola em um ciclo de vida gastrópode­peixe­cão. O nome da doença é
incorreto, uma vez que nenhuma toxina está envolvida. A febre da fascíola de Elokomin (EFF) é uma doença
infecciosa aguda de canídeos, furões, ursos e guaxinins que é semelhante à SPD, mas que tem uma gama mais
ampla de hospedeiros. Nos seres humanos, Neorickettsia sennetsu provoca uma doença conhecida como febre
Sennetsu, que não foi relatada como uma causa da doença em cães.
ETIOLOGIA: A SPD é causada por N. helminthoeca e, às vezes, é complicada por um segundo agente, N.
elokominica, causadora da EFF. O vetor destes agentes riquetsiais é uma pequena fascíola, Nanophyetus
salmincola. Os cães e outros animais são infectados pela ingestão de truta, salmão ou salamandras gigantes do
Pacífico que contêm metacercárias encistadas da fascíola infectada pela riquétsia. No intestino do cão, a forma
larval da fascíola excista e penetra na mucosa duodenal, introduzindo as riquétsias. A fascíola em si produz
pouca ou nenhuma manifestação clínica. Um relato recente de SPD em 2 ursos malaios de cativeiro ressalta a
necessidade de considerar esta etiologia em espécies exóticas com exposição e história clínica compatível.
EPIDEMIOLOGIA: O ciclo de vida prossegue com a eliminação dos ovos infectados da fascíola nas fezes do
hospedeiro. Os miracídios se desenvolvem a partir destes ovos e infectam o caramujo Oxytrema plicifer para
formar as rédias. As rédias se desenvolvem em cercárias que são liberadas a partir do caramujo e penetram no
salmão ou truta, tornando­se metacercárias encistadas infectantes. O ciclo se completa quando um cão ingere o
peixe, infectando­se com as riquétsias. A transmissão por contato gaiola a gaiola, termômetros retais ou
aerossóis é rara.
Não há predileção por idade, sexo ou raça; entretanto, a prevalência da doença é mais alta quando a
disponibilidade de peixe é maior. Os peixes infectados são encontrados no Oceano Pacífico, de São Francisco
até a costa do Alasca, mas a SPD é mais prevalente entre o norte da Califórnia e o estuário de Puget, no estado
de Washington. Eles também são encontrados no continente ao longo de rios de migração de peixes.
Aparentemente, o fator de limitação geográfica é a ocorrência do caramujo.
ACHADOS CLÍNICOS: Na SPD, os sinais aparecem subitamente, geralmente entre 5 e 7 dias após a ingestão do
peixe infectado, podendo ser retardados por até 33 dias e persistirem por 7 a 10 dias antes de culminar com a
morte de até 90% dos animais não tratados. A temperatura corporal chega a um pico de 40 a 42°C, 1 a 2 dias
depois do surgimento dos sinais, diminuindo gradualmente por 4 a 8 dias até retornar ao normal.
Frequentemente, os animais apresentam­se hipotérmicos antes da morte. A febre é acompanhada de depressão e
anorexia completa em praticamente todos os casos. Vômitos persistentes geralmente ocorrem entre os dias 4 ou
5. A diarreia ocorre entre 5 e 7 dias; ela frequentemente contém sangue e pode ser grave. Há desidratação e
perda de peso extrema. Quando grave, os sinais GI são clinicamente indistinguíveis daqueles da infecção por
parvovírus canino. Linfadenopatia generalizada desenvolve­se em aproximadamente 60% dos casos. Exsudato
nasal ou conjuntival, semelhantes aos de cinomose, podem estar presentes. Neutrofilia é comum, mas pode
ocorrer uma leucopenia evidente com desvio degenerativo à esquerda. Trombocitopenia é relatada em 94% dos
casos. Os valores da bioquímica sérica são normais.
Clinicamente, a EFF é uma infecção mais branda do que a SPD. Sinais GI graves são menos comuns nas
infecções por EFF, e linfadenopatia pode ser um achado mais pronunciado. As taxas de letalidade da EFF são
mais baixas, ocorrendo em 10% dos casos não tratados.
Lesões: A infecção parece afetar principalmente os tecidos linfoides e intestinos. Há aumento dos folículos
linfáticos GI, linfonodos, tonsilas, timo e, em alguma extensão, o baço, com necrose microscópica, hemorragia e
hiperplasia. Uma enterite variável, muitas vezes hemorrágica e grave, que parece surgir a partir dos folículos
linfáticos danificados, pode ocorrer em todo o intestino na SPD, sendo menos observada na EFF. Focos
microscópicos de necrose também aparecem fora dos folículos linfáticos. A presença das fascíolas nas paredes
do duodeno causa um pequeno dano tecidual. Meningite não supurativa ou meningoencefalite foi identificada
em alguns cães.
DIAGNÓSTICO: Ovos da fascíola são encontrados no exame de fezes em aproximadamente 92% dos casos,
confirmando o diagnóstico. Os ovos são ovais, marrom amarelados, de superfície áspera, medindo cerca de 87 a
97 × 5 a 55 μm, com um opérculo indistinto e uma pequena ponta romba na extremidade oposta. Durante o
primeiro dia ou dois, poucos ovos são eliminados. Microrganismos intracelulares foram constatados por meio da
aspiração de linfonodos em cerca de 70% dos casos. Os diagnósticos diferenciais são: outras causas de febre de
origem desconhecida, linfadenopatia generalizada, vômitos e diarreia. Quando ocorrer diarreia e conjuntivite
exsudativa, a cinomose deve ser considerada.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO: Atualmente, o único meio de prevenção é evitar o fornecimento de salmão, truta e
peixes de água doce similares crus. Nos animais que se recuperam, uma resposta humoral imune profunda
persiste, mas não há resistência cruzada entre N. helminthoeca e N. elokominica. Várias sulfonamidas
administradas por via oral ou parenteral são eficazes, assim como clortetraciclina, oxitetraciclina e
cloranfenicol. Os animais geralmente vêm a óbito devido à desidratação, desequilíbrios ácido­básicos e
eletrolíticos e anemia. Assim, uma terapia de suporte muitas vezes é essencial para a manutenção da hidratação
e do equilíbrio ácido­básico, para o suprimento das necessidades nutricionais e para o controle da diarreia. O
uso criterioso de transfusão sanguínea pode ser útil.

TIFO MURINO (Infecção por Rickettsia typhi, infecção por R. felis)


Rickettsia typhi, agente causador do tifo murino, e R. felis, são patógenos zoonóticos mantidos principalmente
em roedores reservatórios (ratos, camundongos), que também podem estar associados a ciclos enzoóticos
envolvendo gambás e gatos domésticos. A infecção é transmitida aos seres humanos e outros animais pelo
contato com pulgas infectadas.
EPIDEMIOLOGIA: Acredita­se que a infecção em humanos ocorra essencialmente através da exposição da pele
lesionada às fezes infecciosas de pulgas. De maneira limitada, também pode ocorrer a infecção por meio da
aerossóis de materiais infectantes. Presumivelmente, cães e gatos são expostos de maneira similar. Embora de
ocorrência mundial, atualmente menos de algumas centenas de casos humanos de tifo murino são relatados
anualmente nos EUA. A infecção zoonótica é principalmente relatada no Texas, Califórnia e Havaí, embora
acredita­se haver subnotificação da doença.
ACHADOS CLÍNICOS: A doença clínica associada à infecção canina e felina por R. typhi e R. felis não está bem
documentada, mas a evidência de exposição, baseada na presença de anticorpos antirrickettsiais, foi observada,
particularmente em associação com surtos da doença em humanos. Enquanto o papel do possível reservatório
para a infecção foi sugerido, particularmente para os gatos, a importância dos animais domésticos na
manutenção dos ciclos enzoóticos ainda não foi bem elucidada. No entanto, cães e gatos podem ao menos servir
como uma fonte de pulgas que pode constituir um risco de transmissão para os seres humanos. O controle
regular das pulgas é recomendado para reduzir o risco de transmissão associado às pulgas para os seres
humanos.
DIAGNÓSTICO: O teste sorológico preferencial é a titulação de anticorpos por imunofluorescência indireta em
soros pareados, sendo comumente utilizado em conjunto com as avaliações do ambiente próximo ao local do
surto em humanos. Há certo grau de reatividade cruzada com os anticorpos de outras infecções riquétsiais,
inclusive R. rickettsii, de modo que as avaliações devem ser feitas com soros pareados. A PCR do sangue total
também pode ser utilizada, mas a sua utilidade na avaliação da infecção canina e felina é desconhecida uma vez
que os animais podem não apresentar os sinais clínicos durante os períodos de riquetsemia, o que torna difícil a
determinação do melhor momento para a avaliação.
TRATAMENTO: Na ausência de sinais clínicos não é recomendado o tratamento específico. Se houver a suspeita
da doença clínica associada à infecção por R. typhi ou R. felis em um cão ou gato, pode­se administrar
doxiciclina na dosagem de 5 a 10 mg/kg, VO ou IV, 1 vez/dia, durante 10 a 21 dias. Os animais devem passar
por tratamento preventivo de rotina para o controle das pulgas. Programas de controle da infecção que envolva a
remoção dos animais de uma área de atividade enzoótica devem ser acompanhados de tratamento ambiental
com inseticidas para evitar que as pulgas se alimentem em humanos após a remoção dos hospedeiros
preferenciais.

HEPATITE INFECCIOSA CANINA

A hepatite infecciosa canina (HIC) é uma doença canina contagiosa e cosmopolita, com sinais que variam de
ligeira febre e congestão das membranas mucosas à depressão grave, leucopenia acentuada e tempo de
sangramento prolongado. Também pode ocorrer em raposas, lobos, coiotes, ursos, linces e alguns pinípedes;
outros carnívoros também podem ser infectados, mas sem desenvolver a doença clínica. Recentemente, a
enfermidade tornou­se incomum nas áreas onde a imunização é utilizada rotineiramente, mas surtos periódicos,
que podem refletir uma manutenção da doença em animais silvestres ou de vida livre, reforçam a necessidade da
continuidade da vacinação.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: A HIC é causada por um DNA­vírus não envelopado, o adenovírus canino tipo 1
(CAV­1), que antigenicamente é relacionado apenas ao CAV­2 (uma das causas da traqueobronquite infecciosa
canina, p. 1598). O CAV­1 é resistente aos solventes lipídicos (como o éter), ácidos e formalina. Pode
sobreviver fora do hospedeiro por semanas ou meses, mas uma solução de hipoclorito de sódio (alvejante
doméstico) a 1 a 3% constitui um desinfetante efetivo.
A ingestão de urina, fezes ou saliva provenientes de cães infectados é a principal forma de infecção. Os cães
que se recuperam eliminam o vírus na urina por = 6 meses. A infecção inicial ocorre nas criptas das tonsilas e
nas placas de Peyer, evoluindo para a viremia e infecção disseminada. As células endoteliais vasculares são o
alvo primário, seguido pela infecção do parênquima hepático e renal, baço e pulmões. As lesões renais crônicas
e turvação corneana (“olho azul”) resultam das reações de complexos imunes que ocorrem após a recuperação
da doença aguda ou subclínica.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais variam de uma ligeira febre até o óbito. A taxa de mortalidade varia entre 10 e
30% sendo tipicamente mais alta nos cães muito jovens. Infecções concomitantes com parvovírus ou cinomose
pioram o prognóstico. O período de incubação é de 4 a 9 dias. O primeiro sinal é uma febre > 40°C, que dura
entre 1 e 6 dias e geralmente é bifásica. Se a febre for de curta duração, a leucopenia pode ser o único sinal, mas
se persistir por mais de 1 dia, ocorre desenvolvimento da doença aguda.
Os sinais incluem apatia, anorexia, sede, conjuntivite, secreção serosa de olhos e nariz e ocasionalmente dor
abdominal e vômito. Hiperemia intensa ou petéquias na mucosa oral, bem como aumento das tonsilas podem ser
observados. Pode ocorrer taquicardia desproporcional à febre. Pode haver edema subcutâneo na cabeça, pescoço
e tronco. Apesar do envolvimento hepático, há uma notável ausência de icterícia na maioria dos casos clínicos.
O tempo de coagulação está diretamente correlacionado com a gravidade da enfermidade, como resultado da
coagulação intravascular disseminada induzida pelo dano ao endotélio vascular, combinada com a falha do
fígado em repor rapidamente os fatores de coagulação consumidos. Pode ser difícil controlar a hemorragia, que
se manifesta por sangramento ao redor dos dentes decíduos e por hematomas espontâneos. O envolvimento do
SNC é incomum e tipicamente é resultado de lesões vasculares. Os cães gravemente infectados podem
desenvolver convulsões devido aos danos no córtex frontal do cérebro. Hemorragias do tronco cerebral podem
resultar em paresia, sendo também descrito ataxia e cegueira cortical. As raposas apresentam consistentemente
sinais do SNC e convulsões intermitentes durante o curso da doença e uma paralisia pode envolver um ou mais
membros ou o corpo inteiro. Sinais respiratórios geralmente não são observados nos cães com HIC, porém tem­
se isolado o CAV­1 de cães com sinais de traqueobronquite infecciosa, mesmo com elevados títulos sorológicos
contra a doença parenteral.
Os achados clínico­patológicos refletem uma coagulopatia (tempo de protombina elevado, trombocitopenia e
acúmulo de produtos da degradação da fibrina). Os cães gravemente afetados apresentam lesões hepatocelulares
agudas (ALT e AST aumentadas). A proteinúria é comum. Uma leucopenia persiste por todo o período febril. O
grau de leucopenia varia e parece estar correlacionado com a gravidade da enfermidade
Na recuperação, os cães se alimentam bem, mas recuperam o peso lentamente. A atividade da transaminase
hepática apresenta um pico por volta do 14° dia da infecção, diminuindo gradualmente após. Aproximadamente
25% dos cães recuperados desenvolvem opacidade bilateral da córnea entre 7 e 10 dias após o desaparecimento
dos sinais agudos, e que geralmente é resolvida espontaneamente. Nos casos leves, a opacidade corneana
transitória pode ser o único sinal da doença.
Por muito tempo acreditou­se que a hepatite crônica podia se desenvolver em cães com baixos níveis de
anticorpos passivos quando expostos, mas estudos recentes baseados em PCR não confirmaram esta teoria.
Lesões: Os danos endoteliais resultam em hemorragias petequiais na serosa gástrica, linfonodos, timo, pâncreas
e tecidos subcutâneos. A necrose das células hepáticas produz alterações de coloração variada no fígado, cujo
tamanho pode estar normal ou aumentado. Histologicamente, há necrose centrolobular com infiltrados
neutrofílicos e monocíticos e inclusões intracelulares nas células hepáticas. A parede da vesícula biliar pode
ficar edematosa e espessada. Podem ser encontrados edema do timo e focos branco­acinzentados no córtex
renal.
DIAGNÓSTICO: Geralmente, o início abrupto da enfermidade e o sangramento são sugestivos de HIC, contudo a
evidência clínica nem sempre é suficiente para diferenciar a HIC da cinomose (p. 704). O diagnóstico ante
mortem definitivo não é necessário para a instituição da terapia de suporte, mas pode ser obtido com testes
comerciais de ELISA, testes sorológicos e PCR. Se clinicamente necessária, a distinção entre o CAV­1 e o CAV­
2 é possível apenas por meio de PCR ou polimorfismos de comprimento de fragmentos de restrição (RFLP). As
alterações macroscópicas pós­morte no fígado e na vesícula biliar são mais conclusivas e o diagnóstico é
confirmado pelo isolamento do vírus, imunofluorescência, corpúsculos de inclusão intranucleares característicos
no fígado, PCR ou por estudos de hibridização in situ por fluorescência do tecido infectado.
TRATAMENTO: O tratamento é sintomático e de suporte. O objetivo da terapia é limitar as infecções bacterianas
secundárias, manter o equilíbrio dos fluidos e controlar as hemorragias. A administração de antibióticos de
amplo espectro e a suplementação com soluções eletrolíticas balanceadas com dextrose 5% (IV) são indicadas.
As transfusões de plasma ou de sangue total podem ser necessárias em cães gravemente doentes.
Embora a opacidade corneana transitória (que pode ser observada durante o curso da HIC ou estar associada à
vacinação com vacinas de CAV­1 atenuado) geralmente não requer nenhum tratamento, uma pomada oftálmica
de atropina pode aliviar o doloroso espasmo ciliar que às vezes pode estar associado. Os cães com opacidade da
córnea devem ser protegidos de luzes intensas. Os corticosteroides sistêmicos são contraindicados para o
tratamento da opacidade corneana associada à HIC.
PROFILAXIA: Encontram­se disponíveis vacinas de vírus vivo modificado (VVVM), frequentemente combinadas
com outras vacinas. Recomenda­se a imunização contra a HIC na época das vacinações contra a cinomose
canina. Os anticorpos maternos das cadelas imunes interferem na imunização ativa dos filhotes até que estes
tenham entre 9 e 12 semanas de idade. As vacinas atenuadas do CAV­1 têm produzido opacidade bilateral ou
unilateral transitória da córnea e o vírus pode ser eliminado na urina. Por estas razões, estirpes vivas atenuadas
do CAV­2, que proporciona proteção cruzada contra o CAV­1, são preferencialmente utilizadas uma vez que elas
apresentam baixa tendência de produzir opacidade corneana ou uveíte e o vírus não é eliminado na urina.
Historicamente, recomenda­se a revacinação anual contra a HIC. Evidências recentes indicam que a imunidade
induzida pela VVVM do CAV­1 dura 3 anos ou mais, embora este seja um uso não recomendado pelos
fabricantes das vacinas disponíveis comercialmente.

HERPESVIROSE CANINA

A herpesvirose canina é uma grave infecção viral de filhotes de cães em todo o mundo, frequentemente com
uma taxa de mortalidade de 100% nas ninhadas atingidas. Também pode estar associada à infecção do trato
respiratório superior, vaginite vesicular ou postite em cães adultos. Como é típica nas herpesviroses, a
recuperação da doença clínica está associada à infecção latente pelo resto da vida. Apenas os canídeos (cães,
lobos e coiotes) são suscetíveis conhecidos.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: A doença é causada por um DNA­vírus envelopado, o herpesvírus canino (HVC),
sensível aos solventes lipídicos (como éter e clorofórmio) e à maioria dos desinfetantes. O HVC é relativamente
instável fora do hospedeiro.
Os filhotes são mais suscetíveis durante a primeira semana de vida, quando a temperatura corpórea
permanece abaixo de 37°C, devido ao fato desta temperatura favorecer a replicação viral. A transmissão
geralmente ocorre pelo contato entre os filhotes suscetíveis e as secreções vaginais ou oronasais infectadas de
sua mãe ou de outros cães com os quais os filhotes tenham contato durante as primeiras 3 semanas de vida.
Após este período, a resistência natural à infecção aumenta conforme os filhotes tornam­se capazes de manter
uma temperatura corpórea mais elevada. A transmissão intrauterina também pode ocorrer.
A infecção dos animais suscetíveis resulta na replicação do HVC nas células da superfície da mucosa nasal,
faringe e tonsilas. Caso os filhotes suscetíveis fiquem hipotérmicos, pode ocorrer viremia e invasão viral dos
órgãos viscerais.
ACHADOS CLÍNICOS: As mortes devido à infecção pelo HVC geralmente ocorrem em filhotes com 1 a 3
semanas de idade, ocasionalmente em filhotes de até 1 mês de idade e raramente em filhotes de até 6 meses.
Tipicamente, o início é súbito e a morte ocorre em menos de 24 h após a manifestação da enfermidade. Se os
sinais clínicos forem observados, estes podem incluir letargia, diminuição da mamada, diarreia, secreção nasal e
exantema eritematoso. Mais raramente é possível notar vesículas bucais ou genitais. Cama atenção a ausência
de febre. As radiografias torácicas mostram um padrão intersticial difuso e desestruturado típico de pneumonias
virais, mas, em contraste com outras doenças virais de filhotes, pode ser constatada leucocitose.
Cães mais idosos expostos ou experimentalmente inoculados com o HVC podem desenvolver rinite leve,
podendo esta ser parte da síndrome da tosse dos canis (traqueobronquite infecciosa, p. 1376), vaginite vesicular
ou postite. Também há relatos de ulcerações na córnea na ausência de outros sinais no sistema respiratório
superior. As infecções intrauterinas podem estar associadas a abortos, natimortos e infertilidade.
Lesões: As lesões macroscópicas características consistem em necrose focal disseminada e hemorragias. As
lesões mais acentuadas são observadas nos pulmões, porção cortical dos rins, glândulas adrenais, fígado e trato
gastrintestinal. Todos os linfonodos estão aumentados, hiperêmicos e há dilatação do baço. Também podem ser
encontradas lesões no SNC. A lesão histológica básica é a necrose com hemorragia no parênquima adjacente.
Na maioria das vezes não há reação inflamatória. Corpúsculos de inclusão intranucleares, basofílicos, pequenos
e isolados são os mais comuns em áreas de necrose nos pulmões, fígado e rins, podendo ocasionalmente ocorrer
como corpúsculos levemente acidofílicos localizados no interior do espaço nuclear.
DIAGNÓSTICO: A infecção pelo HVC pode ser confundida com a hepatite infecciosa canina (p. 831), mas não é
acompanhada pelo espessamento e edemaciação da vesícula biliar, frequentemente associados a esta última. As
áreas focais de necrose e hemorragia, especialmente as que ocorrem nos rins, a distingue da hepatite e da
neosporose (p. 708). O HVC causa doença grave apenas em filhotes muito jovens. A morte rápida e as lesões
características a diferenciam da cinomose canina (p. 821).
Estão disponíveis testes de detecção de anticorpos por hemaglutinação, ELISA e imunofluorescência. O DNA
viral pode ser identificado em amostras de tecido fresco e de fluidos pela PCR. O diagnóstico, entretanto, é
tipicamente feito pós­morte com o isolamento do vírus em amostras frescas de pulmão, fígado, rins e baço por
meio de técnicas de cultura de células e subsequentemente identificação por PCR, sequenciamento, microscopia
eletrônica de transmissão, imunofluorescência ou hibridização in situ por fluorescência. Os tecidos devem ser
encaminhados refrigerados, mas não congelados, ao laboratório.
TRATAMENTO: A utilização de métodos terapêuticos tipicamente é pouco gratificante em filhotes afetados
sistemicamente e o prognóstico para os filhotes que venham a sobreviver é reservado devido aos danos aos
órgãos linfoides, cérebro, rins e fígado, que podem ser irreparáveis.
Antes do aparecimento de sinais clínicos em outros filhotes da mesma ninhada, ou de ninhadas próximas, a
criação em incubadoras com temperatura elevada (35°C, umidade relativa de 50%) e/ou imunização passiva
com soro intraperitoneal pode reduzir as perdas nas ninhadas expostas. Estudos limitados com agentes antivirais
como vidarabina são inconclusivos, mas seriam necessários o reconhecimento e o tratamento imediato para se
obter sucesso.
CONTROLE: Não há vacina disponível. As cadelas infectadas desenvolvem anticorpos e as ninhadas
subsequentes à primeira ninhada infectada recebem anticorpos maternos pelo colostro. Os filhotes que recebem
os anticorpos maternos podem ser infectados pelo vírus, mas não ocorre a doença.
A remoção dos filhotes das cadelas afetadas por meio de cirurgia cesariana e a criação destes em isolamento
preveniram mortes sob condições experimentais. No entanto, as infecções foram observadas mesmo em filhotes
nascidos por cesariana, provavelmente devido à transmissão intrauterina. Em situações naturais, as ninhadas
subsequentes de cadelas infectadas provavelmente estarão protegidas pelos anticorpos maternos, assim, a
realização de cesariana em uma cadela com histórico de herpesvirose na ninhada anterior não é necessária.

LEISHMANIOSE (Leishmaniose visceral)

A leishmaniose é uma doença causada por protozoários parasitos do gênero Leishmania, transmitidos através da
picada de fêmeas de flebótomos. Mais de 20 espécies de Leishmania foram descritas, a maioria das quais
zoonóticas. O parasito mais importante do gênero que afeta os animais domésticos é L. infantum, conhecido
como L. chagasi na América Latina. Os cães são o reservatório principal para a leishmaniose visceral humana,
causada por L. infantum, sendo uma doença potencialmente fatal em cães e pessoas. Como os órgãos internos e
a pele do cão são afetados, a doença canina é denominada leishmaniose viscerocutânea ou leishmaniose canina.
Os gatos, cavalos e outros mamíferos podem ser infectados pela L. infantum ou outras espécies de Leishmania.
A doença nos gatos é mais rara do que nos cães, podendo ser de manifestação cutânea ou visceral. L.
braziliensis, causadora da leishmaniose tegumentar canina, é bastante difundida em algumas regiões da América
do Sul, podendo sobrepor­se geograficamente à L. chagasi.
A leishmaniose canina é a principal zoonose endêmica em mais de 70 países. É prevalente no sul da Europa,
África, Ásia, América do Sul e Central, e esporadicamente nos EUA. A leishmaniose também é de interesse nos
países não endêmicos, onde a doença importada constitui um problema veterinário e de saúde pública.
TRANSMISSÃO: Leishmania é um parasito bifásico que completa seu ciclo biológico em 2 hospedeiros, um
flebótomo que pode abrigar a forma extracelular promastigota flagelada e um mamífero onde se desenvolve a
forma amastigota intracelular do parasito.
A transmissão é um processo complexo que exige uma adaptação especial entre o hospedeiro flebótomo e a
espécie de Leishmania transmitida. Há numerosas espécies de flebótomos e apenas uma minoria destes são
vetores competentes de Leishmania. Cães com ou sem sinais clínicos são infecciosos para os flebótomos,
podendo transmitir a leishmaniose. A transmissão vertical congênita da leishmaniose canina de uma fêmea
infectada para os seus filhotes foi relatada, mas parece ser incomum. A transmissão por meio da transfusão de
produtos derivados do sangue de cães infectados demonstrou causar infecção em receptores. A transmissão
direta por meio do contato entre cães tem sido sugerida como um meio de transmissão da doença na tentativa
explicar a disseminação da infecção entre cães Foxhound mantidos em canis nos EUA, na ausência de vetores
comprovados. Atualmente, a validade da transmissão direta é desconhecida.
ACHADOS CLÍNICOS: Os cães são infectados pelas formas promastigotas de L. infantum depositados na pele
através da picada de flebótomos infectados. As formas promastigotas invadem os macrófagos do hospedeiro e
se replicam como amastigotas intracelulares. A resposta imune iniciada no momento da infecção parece ser o
fator mais importante para determinar se uma infecção persistente irá se desenvolver e progredir de subclínica
para doença clínica. O período de incubação pode durar meses ou anos, durante o qual o parasito se dissemina a
partir da pele para o resto do corpo do hospedeiro (principalmente para os órgãos do sistema hemolinfático). A
idade, raça, características genéticas do hospedeiro, nutrição, doenças concomitantes e outros fatores também
podem influenciar a progressão da infecção para a doença clínica.
A leishmaniose canina é uma doença multissistêmica com um espectro altamente variável de respostas
imunes e manifestações clínicas. Nas áreas endêmicas, a prevalência de cães portadores da infecção é muito
maior do que a de cães que demonstram a doença clínica. A manifestação clínica está associada a uma
acentuada resposta de anticorpos que não confere proteção. Na verdade, os mecanismos imunomediados são
responsáveis por grande parte da patologia da leishmaniose canina.
O histórico típico relatado pelos proprietários de cães com a doença clínica causada por L. infantum inclui o
aparecimento de lesões cutâneas, alterações oculares e epistaxe. Estas são frequentemente acompanhadas de
perda de peso, intolerância ao exercício e letargia. Os principais achados ao exame físico são lesões
dermatológicas em 80 a 90% dos cães, linfadenomegalia em 62 a 90%, doença ocular em 16 a 81%,
esplenomegalia em 10 a 53% e crescimento anormal da unha (onicogrifose) em 20 a 31%. Outros achados
clínicos podem incluir poliúria e polidipsia devido à doença renal, vômitos, colite, melena e claudicação devido
a lesões articulares, musculares ou ósseas. Por vezes, os únicos sinais presentes podem ser epistaxe, alterações
oculares ou manifestações de doença renal sem alterações dermatológicas. As lesões dermatológicas associadas
à leishmaniose canina incluem dermatite esfoliativa, que pode ser generalizada ou localizada na face, orelhas e
membros. Também são verificadas dermatite ulcerativa, nodular ou mucocutânea. Úlceras cutâneas sobre as
orelhas ou outros locais podem estar associadas à hemorragia considerável. Uma forma leve de dermatite
papular foi relatada em cães sem outros sinais da doença. As lesões oculares ou perioculares incluem
ceratoconjuntivite e uveíte.
Os achados laboratoriais incluem anemia não regenerativa ou, mais raramente, regenerativa leve a moderada
em 60 a 73% dos cães; a trombocitopenia é menos comum. Os achados mais consistentes na bioquímica sérica
de cães com leishmaniose clínica são hiperproteinemia com hiperglobulinemia e hipoalbuminemia,
frequentemente expressos por uma diminuição da razão albumina/globulina. Uma hiperglobulinemia evidente
sem causa aparente em cães de regiões endêmicas para Leishmania pode ser sugestiva de leishmaniose canina.
Atividade muito elevada de enzimas hepáticas ou azotemia é encontrada em apenas uma minoria de cães
infectados. Algum grau de patologia renal está presente na maioria dos cães com leishmaniose canina.
Insuficiência renal devido à glomerulonefrite pela ação dos imunocomplexos pode eventualmente ser
desenvolvida e acredita­se ser a principal causa natural de morte. A presença de proteinúria deve ser verificada e
o estágio da doença renal deve ser avaliado pela determinação da razão proteína/creatinina na urina.
Lesões:O achado histopatológico típico da leishmaniose canina é a inflamação granulomatosa associada a um
número variável de formas amastigotas de Leishmania nos macrófagos. A imunidade protetora contra os
parasitos da Leishmania é mediada através das células CD4+TH e a ativação de uma complexa cascata de
mediadores de citocinas. Imunocomplexos circulantes e anticorpos antinucleares podem ser detectados nos
animais com leishmaniose canina e, conforme a infecção progride, ocorre a deposição dos complexos imunes
nos rins, vasos sanguíneos e articulações. A glomerulonefrite associada aos complexos imunes renais é uma
característica marcante da doença. Lesão renal, inclusive glomerulonefrite e nefrite intersticial, é evidente na
histopatologia da maioria dos cães infectados com L. infantum, mesmo se não manifestada clinicamente.

Cão com sinais cutâneos de leishmaniose. Cortesia do Dr. Gad Baneth.

DIAGNÓSTICO: Os testes diagnósticos incluem o hemograma, perfil bioquímico, urinálise e um ou mais testes
específicos para confirmar a infecção. A sorologia quantitativa é útil, especialmente quando os sinais clínicos
compatíveis estão presentes. Títulos elevados de anticorpos são encontrados em 80 a 100% dos cães com a
doença clínica e podem ser conclusivos para um diagnóstico. Vários métodos quantitativos sorológicos para a
detecção de anticorpos anti­Leishmania foram desenvolvidos, inclusive ensaios de imunofluorescência indireta,
ELISA e ensaios de aglutinação direta. Antígenos recombinantes purificados, tais como rK39, também são
utilizados para a detecção da leishmaniose em cães e seres humanos. Reatividade sorológica cruzada com
tripanosomas pode ser encontrada nas regiões onde a infecção por Trypanosoma é prevalente, particularmente
com T. cruzi na América Latina.
A detecção do DNA específico do parasito por PCR permite o diagnóstico sensível e específico da infecção.
Vários ensaios diferentes, com diferentes sequências alvo usando o DNA genômico ou cinetoplástico (kDNA),
têm sido desenvolvidos. A PCR pode ser realizada com DNA extraído de tecidos, sangue ou mesmo a partir de
amostras histopatológicas. Os ensaios baseados no kDNA são os mais sensíveis para a detecção direta nos
tecidos infectados. As amostras de medula óssea, linfonodo ou baço são superiores às amostras de sangue na
maioria das técnicas atuais de PCR.
As formas amastigotas da Leishmania podem ser detectadas por meio de citologia de linfonodos, baço,
impressões de pele ou medula óssea corados com Giemsa ou um corante comercial rápido. A detecção de
amastigotas por citologia por vezes é pouco gratificante devido ao baixo número de parasitos detectáveis
mesmo em cães com doença clínica evidente. Os parasitos de Leishmania também podem ser observados em
cortes histopatológicos de biopsias de pele ou de outros órgãos infectados fixados em formol e emblocados em
parafina. A identificação dos parasitos no interior dos macrófagos de tecidos pode ser difícil; a imunomarcação
com coloração imunoistoquímica pode verificar a presença de Leishmania no tecido.
A detecção da infecção em cães sem a doença clínica, com a finalidade de importação para países não
endêmicos ou de utilização como doadores de sangue, deve ser feita pela PCR, que é a técnica mais sensível de
diagnóstico. Estudos transversais de populações de cães de áreas endêmicas têm mostrado que as taxas de
infecção podem chegar a 65 a 80%. Normalmente, apenas cerca de 10 a 13% manifestam os sinais clínicos da
doença, 26% são soropositivos e incluem cães doentes e subclinicamente infectados e aproximadamente 40 a
60% são portadores positivos identificados apenas pela PCR de tecidos.
TRATAMENTO: O principal protocolo utilizado para o tratamento da leishmaniose canina inclui o antimoniato de
N­metilglucamina (não aprovado para a utilização em cães nos EUA) a 75 a 100 mg/kg, SC, por 4 a 8 semanas
combinado com o alopurinol (10 mg/kg, VO, 2 vezes/dia, por 6 a 12 meses). O alopurinol também pode ser
utilizado como o único agente terapêutico na mesma dose. A miltefosina (não aprovado para a utilização em
cães nos EUA) a 2 mg/kg, VO, 1 vez/dia, durante 4 semanas também pode ser combinada com o alopurinol (10
mg/kg, VO, 2 vezes/dia) como uma alternativa para o antimoniato de N­metilglucamina. A anfotericina B é uma
potente droga leishmanicida que deve ser utilizada com cautela devido ao potencial de nefrotoxicidade. É
administrada a 0,5 a 0,8 mg/kg, IV, diluída em 10 a 60 ml de dextrose 5% durante 45 min, 2 vezes/semana,
durante 1 a 2 meses, até alcançar uma dose cumulativa de 15 mg/kg. Frequentemente, o tratamento apenas
propicia melhora clínica temporária nos cães e muitas vezes não elimina os parasitos. Os cães tratados podem
permanecer portadores da infecção e pode ocorrer recidiva. Eles permanecem infecciosos para os flebótomos.
Inseticidas repelentes tópicos específicos são eficazes na redução das picadas dos flebótomos e na
transmissão da doença. Uma coleira impregnada com deltametrina e formulações spot­on de permetrina e
imidacloprid demonstraram conferir proteção contra as picadas de flebótomos. A aplicação de inseticidas
protetores é recomendada para cães em áreas endêmicas para Leishmania, cães que viajam para locais de
infecção e cães infectados (para reduzir o potencial de transmissão). Uma vacina de fração purificada contra a
leishmaniose canina é comercializada no Brasil e outras vacinas estão em desenvolvimento.
RISCO ZOONÓTICO: A leishmaniose visceral humana causada por L. infantum é um grave problema de saúde
pública nas áreas onde a leishmaniose canina é endêmica e os cães são os reservatórios da infecção. É
principalmente uma doença de crianças. A desnutrição tem sido reconhecida como um fator de risco e pode
explicar por que essa doença é mais prevalente entre as crianças de países pobres do que entre aquelas de países
ricos, apesar das altas taxas de prevalência nas populações de cães. A doença humana também é prevalente em
indivíduos imunodeprimidos; os pacientes HIV­positivos são agora o grupo de risco predominante para a
leishmaniose humana no sul da Europa. A coinfecção de HIV e leishmaniose foi relatada em mais de 33 países
em todo o mundo e não responde bem ao tratamento. Os esforços para controlar a leishmaniose canina e a
doença humana nas áreas endêmicas baseiam­se na interrupção da transmissão da infecção e na prevenção da
infecção da população canina.

PANLEUCOPENIA FELINA (Enterite infecciosa felina,

Parvovirose felina)

A panleucopenia felina é uma doença viral altamente contagiosa e às vezes fatal observada em gatos em todo o
mundo. Os filhotes são afetados de forma mais grave. O parvovírus causador da doença é muito resistente,
capaz de persistir por até 1 ano no ambiente se protegido por matéria orgânica. A observação de casos de
panleucopenia por médicos veterinários atualmente é incomum, supostamente em função do uso disseminado da
vacina. Entretanto, a taxa de infecção permanece alta em populações de gatos não vacinados e a doença
ocasionalmente é observada em filhotes de raça vacinados expostos a altas concentrações de vírus.
ETIOLOGIA, TRANSMISSÃO E PATOGENIA: O vírus da panleucopenia felina (FPV) é estreitamente relacionado
com o vírus da enterite dos visons e ao parvovírus canino tipo 2 (CPV), causador da enterite canina parvoviral.
O FPV pode causar a doença em todos os felídeos e alguns membros de famílias relacionadas (p. ex., guaxinim
e vison), mas não prejudicam canídeos. Por outro lado, foi demonstrado que estirpes de CPV circulantes
atualmente causam doenças semelhantes à panleucopenia felina em gatos domésticos e grandes felídeos. Em
algumas partes do mundo, o CPV está tornando­se uma causa de panleucopenia felina tão importante quanto o
FPV. Acredita­se que a vacinação contra o FPV proteja os gatos também contra a infecção por estas estirpes de
CPV, mas não de maneira ideal.
As partículas virais são abundantes em todas as secreções e excreções durante a fase aguda da doença,
podendo ser disseminadas nas fezes dos sobreviventes por até 6 semanas após a recuperação. Altamente
resistentes à inativação, os parvovírus podem ser transportados por grandes distâncias via fômites (como sapatos
e roupas). Os parvovírus podem, no entanto, ser destruídos pela exposição por 10 min à temperatura ambiente a
soluções de alvejante doméstico (hipoclorito de sódio aquoso 6%), formaldeído 4% ou glutaraldeído 1%.
Desinfetantes peroxigenados também são altamente efetivos.
Os gatos são infectados pela via oronasal quando expostos a animais infectados, suas fezes, secreções ou
fômites contaminados. A maioria dos gatos andarilhos é exposta ao vírus durante o seu primeiro ano de vida. Os
animais que desenvolvem a infecção subclínica ou que sobrevivem à doença aguda apresentam uma vigorosa
resposta imune, protetora e prolongada.
O FPV infecta e destroi ativamente as células em divisão na medula óssea, tecidos linfoides, epitélio
intestinal, e, em animais muito jovens, cerebelo e retina. Em fêmeas prenhes o vírus pode se disseminar por via
transplacentária, causando reabsorção embrionária, mumificação fetal, aborto ou natimortos. A infecção de
filhotes no período perinatal pode destruir o epitélio germinal do cerebelo, levando a hipoplasia cerebelar,
incoordenação e tremores. A ataxia cerebelar induzida pelo FPV é um diagnóstico relativamente raro, pois
muitas fêmeas transferem passivamente anticorpos suficientes para seus filhotes para protegê­los durante o
período de suscetibilidade.
ACHADOS CLÍNICOS: A maioria das infecções são subclínicas, devido à alta soroprevalência de anticorpos anti­
FPV em gatos saudáveis não vacinados. Os animais que adoecem geralmente têm menos de 1 ano de idade. Em
casos hiperagudos a morte pode ocorrer subitamente com pouco ou nenhum sinal (“filhotes fracos”). Nos casos
agudos há febre (40 a 41,7°C), depressão e anorexia após o período de incubação de 2 a 7 dias. Geralmente
ocorre vômito entre 1 e 2 dias após o início da febre, tipicamente bilioso e sem relação com a alimentação. A
diarreia pode iniciar pouco depois, mas nem sempre ocorre. A desidratação extrema desenvolve­se rapidamente.
Os gatos afetados podem permanecer sentados por horas diante de sua tigela de água, embora não bebam muito.
Em casos terminais apresentam hipotermia, podendo desenvolver choque séptico e coagulação intravascular
disseminada.
Ao exame físico normalmente apresentam depressão profunda, desidratação e, por vezes, dor abdominal. A
palpação abdominal, que pode induzir vômito imediato, pode revelar espessamento de alças intestinais e
aumento dos linfonodos mesentéricos. Nos casos de hipoplasia cerebelar, ataxia e tremores são observados, com
nível de consciência normal. Lesões na retina, quando presentes, apresentam­se como focos acinzentados
isolados.
A duração dessa doença autolimitante é raramente maior do que 5 ou 7 dias. A maior taxa de mortalidade é
em filhotes jovens com menos de 5 meses de idade.
Lesões: Há tipicamente poucas lesões macroscópicas, embora a desidratação geralmente seja acentuada. As
alças intestinais em geral estão dilatadas e podem estar com as paredes espessadas e hiperêmicas. Podem
ocorrer petéquias ou equimoses na superfície serosa do intestino. A infecção perinatal dos filhotes pode ser
notada por um cerebelo notadamente pequeno. Histologicamente, as criptas intestinais geralmente estão
dilatadas e contêm restos de células epiteliais necróticas. Vilosidades fundidas e sem extremidades podem ser
notadas. Corpúsculos de inclusão intranuclear eosinofílicos são ocasionalmente observados em amostras fixadas
em formalina.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico presuntivo geralmente baseia­se em sinais clínicos compatíveis em animais
inadequadamente vacinados e na presença de leucopenia (50 a 3.000 leucócitos/μl). A neutropenia é um achado
mais consistente do que a linfopenia. Uma contagem total de leucócitos maior que 2.000/μl está associada a um
prognóstico reservado. Durante a recuperação da infecção, ocorre uma neutrofilia típica de rebote com
acentuado desvio à esquerda. O diagnóstico pode ser, às vezes, confirmado utilizando­se kits de teste
imunocromatográfico para a detecção fecal do antígeno do CPV na própria clínica. Contudo, o antígeno fecal
apenas é detectável durante um curto período após a infecção. Resultados falso­negativos são comuns.
O diagnóstico diferencial inclui outras causas de depressão profunda, leucopenia e sinais gastrintestinais.
Salmoneloses, infecções pelo vírus da leucemia felina (FeLV) e pelo vírus da imunodeficiência felina devem ser
considerados. Infecções concomitantes do FeLV e do FPV podem causar uma síndrome parecida com a
panleucopenia em gatos adultos.
TRATAMENTO E PREVENÇÃO: O sucesso do tratamento de casos agudos requer fluidoterapia intensa e cuidados
de enfermagem em unidade de isolamento. Gatos gravemente afetados por vezes desenvolvem distúrbios
eletrolíticos (p. ex., hipopotassemia), hipoglicemia, hipoproteinemia, anemia e infecções oportunistas
secundárias. A antecipação destas possibilidades, o monitoramento intenso e a pronta intervenção podem
melhorar o prognóstico. A base da terapia é fluidoterapia IV de reposição e manutenção com solução cristaloide
isotônica (p. ex., solução de lactato de Ringer com suplementação calculada de potássio). Vitaminas do
complexo B podem ser adicionadas à infusão, juntamente com glicose a 5% se houver comprovação ou suspeita
de hipoglicemia. Além da infusão de cristaloide, a transfusão de plasma fresco congelado auxilia na manutenção
da pressão oncótica e fornece fatores de coagulação para filhotes hipoproteinêmicos gravemente enfermos. A
transfusão de sangue total é preferível para pacientes com anemia grave. A antibioticoterapia parenteral de
amplo espectro é indicada, mas medicamentos nefrotóxicos (p. ex., gentamicina e amicacina) devem ser
evitados até que a desidratação seja corrigida. A medicação antiemética (p. ex., metoclopramida, maropitant)
pode promover algum conforto e permitir o fornecimento de comida leve e de fácil digestão. A nutrição
parenteral é indicada para os casos graves.
Excelentes vacinas inativadas e de vírus vivo modificado, que fornecem uma imunidade sólida e duradoura,
estão disponíveis para a prevenção da panleucopenia felina. As vacinas vivas não devem ser administradas em
gatos imunossuprimidos, doentes, fêmeas gestantes ou filhotes com menos de 4 semanas de idade. Muitas
autoridades recomendam que os filhotes devem receber 2 ou 3 doses subcutâneas de vacina de vírus vivo
modificado, em intervalos de 3 a 4 semanas. A primeira vacinação geralmente é aplicada entre 6 e 9 semanas de
idade. A última dose da série inicial de vacinação não deve ser administrada antes que os filhotes completem 16
semanas de idade para assegurar que os anticorpos maternos não inativem o vírus vivo modificado. A exposição
ao vírus não deve ser permitida até a primeira semana após o término da série inicial de vacinação. Os gatos
devem ser revacinados após 1 ano e depois a cada 3 anos ou mais, embora alguns fabricantes continuem a
recomendar vacinação anual de reforço.

PERITONITE INFECCIOSA FELINA

A peritonite infecciosa felina (PIF) é uma doença imunomediada desencadeada pela infecção por um
coronavírus felino (FCoV). O FCoV pertence à família Coronoviridae, um grupo de vírus RNA simples de
sentido positivo, envelopado, que frequentemente é encontrado em gatos. Anticorpos específicos contra o
coronavírus estão presentes em até 90% dos animais de gatis e em até 50% dos gatos que vivem sozinhos em
ambientes domésticos. Contudo, apenas cerca de 5% dos gatos infectados pelo FCoV desenvolvem PIF.
DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA: A PIF e as infecções pelo FCoV ocorrem com uma prevalência similar em todo o
mundo, sendo encontradas em animais domésticos e selvagens. As estirpes do FCoV podem ser classificadas
em sorotipos I e II dependendo de sua correlação antigênica com o coronavírus canino (CCV), e as proporções
destes sorotipos variam entre diferentes países. Nos EUA e Europa, de 70 a 90% das estirpes isoladas são do
sorotipo I, e no Japão predomina o sorotipo II. A maior parte dos gatos que desenvolve PIF está infectada com o
sorotipo I, mas os dois sorotipos podem causar PIF e causar infecções clinicamente inaparentes.
O FCoV pertence ao mesmo grupo taxonômico que o vírus da gastrenterite, coronavírus respiratório suíno,
CCV e alguns coronavírus humanos. Em muitas espécies, os coronavírus possuem um tropismo relativamente
restrito a órgãos específicos, infectando essencialmente as células dos sistemas respiratório e gastrintestinal.
Porém, em gatos e camundongos, as infecções por coronavírus podem, em determinadas circunstâncias,
envolver diversos órgãos. Os coronavírus possuem uma especificidade relativamente baixa por espécies, o CCV,
por exemplo, também pode infectar gatos. A PIF, no entanto, apenas ocorre em felídeos.
Além de gatos, outras espécies de felídeos podem ser suscetíveis, sendo o FCoV um patógeno importante
também em felídeos não domesticados. Foram localizados indícios de infecção em 195 de 342 felídeos
silvestres no sul da África, inclusive animais em cativeiro e de vida livre. Também há uma alta incidência de
PIF nos felídeos selvagens mantidos em cativeiro nos EUA e na Europa. Guepardos em cativeiro são muito
propensos em desenvolver PIF, e acredita­se que a predisposição destes à doença deve­se a uma deficiência na
imunidade celular de origem genética.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: A PIF é causada por um coronavírus chamado vírus da peritonite infecciosa felina
(PIFV). A maioria das mortes por doenças infecciosas em gatos é causada pela PIF. Uma possível explicação
para o aumento da prevalência da PIF são as mudanças no manejo e as condições de alojamento dos gatos
domésticos. Com a introdução do uso de “caixas de areia”, mais gatos são mantidos permanentemente em
ambientes internos, expondo­os a doses maiores de FCoV, presentes nas fezes que anteriormente eram
enterradas no exterior. Ambientes de aglomeração como abrigos e criatórios também podem aumentar o estresse
dos animais e ampliar a exposição ao vírus.
Originalmente acreditava­se que estirpes do FCoV que causavam a PIF eram diferentes daquelas que causava
a forma entérica, avirulenta. Por este motivo, foram subdividas em dois biotipos distintos, o coronavírus
entérico felino e o vírus da peritonite infecciosa felina. Atualmente sabe­se que estes biotipos não são espécies
diferentes, mas sim representam variações de virulência de um mesmo vírus. Assim, a designação FCoV deve
ser utilizada para a descrição de todas as coronaviroses felinas.
Após o animal infectar­se com o FCoV por meio de ingestão (ou mais raramente, inalação), o epitélio
intestinal é o principal local de replicação viral. Esta replicação citoplasmática do FCoV pode ocasionar a
destruição das células atingidas, levando à diarreia em alguns indivíduos. Em alguns gatos, a infecção
permanece por um grande período sem causar nenhum sinal clínico, podendo neste caso ocorrer eliminação do
vírus tanto de forma contínua ou intermitente, tornando o indivíduo uma fonte de infecção para outros gatos.
Antigamente acreditava­se que a forma avirulenta do FCoV permanecia confinada ao trato digestório, não
atravessando a mucosa e não se alastrando além do epitélio intestinal e dos linfonodos locais. Entretanto, foi
possível detectar com a PCR a presença do vírus no sangue de animais saudáveis criados em domicílios
endêmicos para o FCoV, indicando que a forma avirulenta pode sim causar viremia. É provável que esta viremia
em gatos que não desenvolvem PIF seja apenas de curta duração e de baixa intensidade.
A PIF é uma doença esporádica causada por variantes virais que se desenvolvem no organismo de um animal
específico. Aonde quer que exista infecção pelo FCoV, há potencial para a ocorrência da PIF. A patogênese da
PIF não é clara, mas há duas hipóteses principais. A “teoria da mutação interna” é baseada no fato de que uma
mutação que favoreça a replicação viral em macrófagos seja necessária e que os gatos são infectados com a
forma avirulenta primária que se replica em eritrócitos. Em algumas situações, entretanto, ocorre uma mutação
em uma região do genoma viral que cria um novo fenótipo com capacidade de se replicar nos macrófagos. A
existência de estirpes altamente virulentas de FCoV capazes de consistentemente induzir a PIF apoia esta teoria
em situações experimentais, mas nenhuma mutação coerente foi identificada até o momento.
A segunda hipótese é que qualquer estirpe do FCoV pode causar o desenvolvimento da PIF, sendo a carga
viral e a resposta imune do indivíduo determinantes para o desenvolvimento ou não desta. É provável que tanto
a genética viral quanto a imunidade do hospedeiro desempenhem um papel. Em ambas as hipóteses, o evento
patogênico fundamental para a manifestação da PIF é a replicação maciça do vírus nos macrófagos. Se o animal
falha em eliminar os macrófagos infectados com vírus capazes de replicação logo no início da infecção, a
presença do vírus no interior dos macrófagos inicia uma reação imunomediada tipo Arthus fatal, a qual define a
PIF.
Entre os fatores que facilitam a replicação do FCoV no intestino (ampliando a probabilidade de mutação)
estão: pouca idade, predisposição racial, estado imune, estresse, tratamento com corticosteroides, cirurgia,
dosagem viral, virulência e taxa de reinfecção quando em ambientes com muitos gatos. Os filhotes que
desenvolvem PIF provavelmente foram expostos a uma dose viral alta em um momento de suas vidas em que
seus sistemas imunes imaturos estavam enfrentando outras infecções, assim como o estresse da vacinação,
relocação e castração.
A PIF é uma doença de imunocomplexo, envolvendo antígeno viral, anticorpos antivirais e complemento.
Semanas após a ocorrência da mutação, os vírus mutantes podem ser encontrados no ceco, colón, linfonodos
intestinais, baço e fígado, após a distribuição pelos macrófagos circulantes por todo o organismo, incluído o
SNC. Há duas possíveis explicações para os eventos que se seguem após a disseminação viral a partir dos
intestinos. O primeiro mecanismo proposto é a de que os macrófagos infectados saem da corrente sanguínea
permitindo a entrada do vírus nos tecidos. O vírus atrai os anticorpos, há a fixação do sistema complemento e
mais neutrófilos e macrófagos são atraídos para a lesão; em consequência, ocorrem as alterações
granulomatosas típicas. A explicação alternativa é a de que a PIF ocorre como resultado de imunocomplexos
circulantes no sangue que acabam por infiltrar­se nas paredes dos vasos sanguíneos, fixando então o
complemento e levando ao desenvolvimento das alterações granulomatosas. Presume­se que os complexos
antígeno­anticorpo são reconhecidos pelos macrófagos, mas que não são apresentados, como seria esperado, às
células exterminadoras naturais (NK), e assim não são destruídos.
As consequências da formação de imunocomplexos em gatos dependem do tamanho destes complexos, da
concentração de anticorpos e do conteúdo antigênico. A deposição de imunocomplexos provavelmente ocorre
nos pontos de maior pressão sanguínea e maior turbulência, condições presentes em bifurcações de vasos. As
lesões por PIF são comuns no peritônio, rins e úvea.
Além dos vírus, os macrófagos liberam substâncias quimiotáticas conforme morrem, inclusive o
complemento e os mediadores inflamatórios. A fixação do complemento leva a liberação de aminas vasoativas,
causando a retração das células endoteliais e consequente aumento da permeabilidade vascular. A retração das
células endoteliais dos capilares permite assim a exsudação de proteínas plasmáticas, daí a formação dos
característicos exsudatos ricos em proteínas. Os mediadores inflamatórios ativam as enzimas proteolíticas que
causam dano tecidual. A vasculite imunomediada leva à ativação do sistema coagulatório e à coagulação
intravascular disseminada (CID). Desequilíbrios em várias citocinas (como o aumento de TNF­a e a diminuição
de interferona­?) aparecem precocemente nas infecções experimentais.
EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: O FCoV e a PIF são um grande problema em casas com vários gatos. O vírus
é endêmico em ambientes limitados e com vários indivíduos, como gatis, abrigos e lojas de animais. O FCoV é
raro em gatos não domiciliados, em geral, solitários e sem contato próximo com outros. Mais importante ainda é
o fato de que os gatos não domiciliados não compartilham os mesmos locais para enterrar suas fezes, que
representam a principal fonte de infecção em ambientes fechados.
Apesar da prevalência do FCoV ser muito alta em ambientes com muitos gatos, apenas cerca de 5% dos
animais nesta situação desenvolvem PIF, sendo a taxa menor ainda em casas com apenas um animal. O risco de
desenvolver PIF é mais elevado em gatos jovens e imunossuprimidos, pois a replicação viral é menos
controlada, facilitando a ocorrência de uma mutação crítica. Mais da metade de gatos que apresentam PIF
possuem menos de 12 meses de idade.
O vírus é eliminado principalmente pelas fezes. A via de infecção geralmente é a oronasal. Pouco após a
infecção, o FCoV já pode ser encontrado na saliva, secreções do sistema respiratório e na urina. Quando gatos
não infectados de domicílios com múltiplos gatos entram em contato com o vírus pela primeira vez, é provável
que todos os gatos se tornem infectados (e desenvolvam anticorpos); a maioria destes eliminará o vírus
intermitentemente por semanas ou meses. Alguns indivíduos irão desenvolver a forma crônica, tornando­se
fontes contínuas de reinfecção para outros gatos. Os animais anticorpo­negativos muito provavelmente não
eliminarão o FCoV, enquanto aproximadamente um terço dos gatos anticorpo­positivos para o FCoV eliminará
o vírus. Já foi demonstrado que gatos com altos títulos de anticorpos têm maior probabilidade de eliminar o
vírus, sendo também a eliminação mais constante e com maior quantidade de vírus. A maioria dos gatos com
PIF elimina o FCoV sem mutação. A carga viral nas fezes parece diminuir após o desenvolvimento de PIF.
A principal fonte de FCoV para os gatos não infectados são as “caixas de areia” compartilhadas com os gatos
que eliminam o vírus. A contínua reinfecção de um gato já infectado através destas caixas contaminadas parece
ter um papel importante na sobrevivência endêmica do vírus. Mais raramente, o vírus pode ser transmitido
através da saliva, lambedura mútua, compartilhamento de vasilhas e por outras formas de contato próximo. A
transmissão por gotículas oriundas de espirro é rara, porém possível. É incerto se a transmissão do FCoV ocorre
em grau significativo nas exposições felinas. A transmissão por piolhos ou pulgas é considerada improvável. A
transmissão transplacentária pode ocorrer, mas isto é muito incomum em circunstâncias naturais. A maioria dos
filhotes removidos do contato com adultos liberando vírus até 5 a 6 semanas de idade não são infectados. É mais
comum a infecção de gatinhos com idade entre 6 e 8 semanas, no momento em que seus anticorpos maternos
diminuem, principalmente pelo contato com as fezes de suas mães ou de outros gatos que estejam excretando o
vírus.
O FCoV é um vírus relativamente frágil, inativado à temperatura ambiente entre 24 e 48 h. É destruído pela
maioria dos desinfetantes e detergentes de uso doméstico. Pode, no entanto sobreviver em condições secas (p.
ex., em carro para transporte de animais) por até 7 semanas. A transmissão indireta por fômites é, portanto,
possível e o vírus pode ser transmitido através de roupas, brinquedos, e utensílios.
ACHADOS CLÍNICOS
Infecção por FCoV:Pode causar uma diarreia transitória e clinicamente leve e/ou vômitos devido à replicação do
FCoV nos enterócitos. Filhotes infectados com o FCoV podem ter um histórico de crescimento retardado ou,
mais raramente, sinais no trato respiratório superior. Ocasionalmente o vírus pode causar diarreia grave e perda
de peso, podendo esta não ser responsiva ao tratamento e continuar por meses. A maioria dos gatos infectados
não apresentam sinais clínicos.
PIF: Os sinais clínicos variam de acordo com os órgãos envolvidos. Vários deles, inclusive o fígado, rins,
pâncreas, sistema nervoso central e olhos podem ser afetados. Os sinais clínicos e os achados patológicos são
uma consequência da vasculite e da falência de órgãos, como resultado de danos aos vasos sanguíneos que os
irrigam. Em todos os casos de gatos com sinais clínicos inespecíficos, como perda de peso crônica ou febre
resistente ao tratamento com antibióticos de origem desconhecida e/ou recorrente, deve­se considerar a PIF
entre os diagnósticos diferenciais.
O período entre a mutação e o desenvolvimento dos sinais clínicos é desconhecido e depende do sistema
imunológico do indivíduo. A doença geralmente torna­se aparente após um período entre algumas semanas a 2
anos após a ocorrência da mutação. O tempo entre a infecção pelo FCoV e o desenvolvimento da PIF é ainda
mais imprevisível, dependendo da ocorrência da mutação espontânea. Os gatos correm mais risco de
desenvolver PIF entre 6 e 18 meses após a infecção, diminuindo o risco para cerca de 4% 36 meses após a
infecção.
Antigamente, distinguiam­se três formas diferentes de PIF: 1) forma efusiva, exsudativa e úmida; 2) forma
não efusiva, não exsudativa, seca, granulomatosa e parenquimatosa; e 3) forma mista. A primeira forma era
caracterizada por formas efusivas de peritonite fibrinosa, pleurite e ou pericardite. A segunda forma era
caracterizada por mudanças granulomatosas em diferentes órgãos inclusive olhos e SNC. Hoje em dia entende­
se a que diferenciação entre estas formas não é útil na prática (sendo valiosa apenas em uma abordagem
diagnóstica), uma vez que sempre há efusão ou alterações granulomatosas em maior ou menor grau.
Adicionalmente, as formas podem transformar­se uma na outra. Desta maneira, a PIF pode apenas ser mais ou
menos exsudativa ou produtiva em certos animais e em certas ocasiões.
Muitos gatos com PIF desenvolvem efusões, comumente representadas por efusões torácicas ou ascite. Mais
raramente são encontradas efusões em outras regiões, inclusive o pericárdio e saco escrotal. Não obstante,
menos de 50% de todos os gatos que apresentam efusões realmente possuem PIF.
Em gatos com ascite frequentemente nota­se tumefação do abdome, podendo­se perceber onda de fluido
abdominal. Em casos menos graves pode ser percebido, por palpação, fluido entre as alças intestinais. Por
vezes, pode ser possível localizar na palpação do abdome massas anormais, representativas de adesões omentais
e viscerais ou linfonodos mesentéricos aumentados. Efusões torácicas podem causar dispneia, taquipneia,
respiração pela boca e mucosas cianóticas. Os sons cardíacos apresentam­se abafados. Em casos com efusão
pericárdica, além do ruído cardíaco abafado, podem ser constatadas mudanças típicas no ECG e ecocardiografia.
Os animais podem permanecer tanto alertas quanto deprimidos. Alguns apresentam anorexia, enquanto outros
possuem apetite normal ou até mesmo aumentado. Podem ainda apresentar febre, perda de peso e icterícia. As
efusões podem ser visualizadas por métodos diagnósticos por imagem (radiografia e ultrassonografia) e
comprovadas por punção.
Em gatos sem efusão evidente, onde basicamente estão presentes alterações granulomatosas, os sinais são por
vezes vagos, inclusive febre, perda de peso, letargia e perda de apetite. Pode ocorrer icterícia. Se os pulmões
forem envolvidos, os gatos podem tornar­se dispneicos e as radiografias torácicas podem revelar densidades
irregulares nos pulmões. A palpação abdominal pode revelar linfonodos mesentéricos aumentados e
irregularidades nos rins e outras vísceras. Os sinais clínicos presentes às vezes podem ser incomuns. Em alguns
casos suspeita­se de tumores abdominais, sendo a PIF diagnosticada apenas na necropsia.
Frequentemente são encontradas lesões oculares, sendo mais comuns as alterações na retina. O exame de
retina deve ser realizado em todos os gatos com suspeita de PIF. Pode estar presente na vasculatura retinal uma
bainha de transudato, que aparece como linhas acinzentadas irregulares em ambos os lados dos vasos
sanguíneos. Ocasionalmente podem ser localizadas na retina lesões granulomatosas, hemorragia ou
descolamento. Estas alterações, no entanto, não são pato gnomônicas, sendo semelhantes às verificadas em
outras doenças infecciosas sistêmicas como toxoplasmose, infecções fúngicas, FIV ou FeLV.
Outra manifestação comum é a uveíte, que em casos brandos aparece como uma mudança na coloração da
íris. Na maior parte dos casos a íris torna­se parcial ou totalmente marrom, embora no caso de olhos azuis estes
possam por vezes parecer esverdeados. A uveíte também pode causar turvamento da câmara anterior, sendo
detectada por iluminação focal realizada em quarto escuro. Um grande número de células inflamatórias
deposita­se na porção anterior da córnea e causam precipitados que podem ser ocultos pela membrana nictante.
Pode ocorrer ainda hemorragia na câmara anterior. Punção do humor aquoso revela pleocitose e proteína
elevada.
Sinais neurológicos são comuns em gatos com PIF, sendo variáveis e refletindo a área afetada do SNC.
Normalmente as lesões são multifocais. Os sinais clínicos mais comuns depois da ataxia são nistagmo e
convulsões. Adicionalmente, podem ser constatados incoordenação, tremor intencional, hiperestesia, mudanças
de comportamento e manifestações de anormalidades de nervos craniais. No caso do envolvimento dos nervos
cranianos, sinais neurológicos como deficiências visuais e ausência de reflexo de ameaça, podem estar
presentes. Quando as lesões estão localizadas em nervos periféricos ou na coluna pode ser observada
claudicação, ataxia ou paresia progressiva. A presença de hidrocefalia verificada em tomografia
computadorizada é sugestiva da ocorrência de PIF neurológica. Em um estudo com 24 gatos com PIF com
envolvimento neurológico, o exame pós­morte identificou hidrocefalia em 75% dos animais.
Há uma rara forma entérica nodular de PIF verificada em gatos jovens com diarreias e vômitos, associada a
lesões intestinais granulomatosas. O único ou principal órgão afetado nestes casos é o intestino. As lesões são
encontradas normalmente apenas na junção ileocecocólica, mas podem estar presentes em outras áreas como
colón e intestino delgado. Os gatos podem apresentar uma diversidade de sinais como resultado destas lesões,
sendo a mais comum a diarreia crônica. Vômitos e constipação intestinal podem ocorrer, e alguns gatos
apresentam apenas obstrução gastrintestinal. A palpação do abdome por vezes revela uma área intestinal
espessada. A hematologia pode mostrar números aumentados de corpos de Heinz como resultado da absorção
diminuída de vitamina B12.
A síndrome da pele frágil foi descrita em um animal com PIF, e outras lesões de pele, como lesões nodulares,
papulares e pododermatite, também estar presentes. Doenças reprodutivas, morte neonatal e filhotes que
definham não são costumeiramente associados à PIF.
Lesões: A histologia das lesões geralmente é patognomônica. Amostras coradas com hematoxilina e eosina
tipicamente apresentam inflamação perivascular mista com macrófagos, neutrófilos, linfócitos e células
plasmáticas. Os piogranulomas podem ser grandes e firmes, por vezes com necrose tecidual focal ou numerosas
lesões menores. Os tecidos linfoides ocasionalmente apresentam depleção linfoide causada por apoptose.
DIAGNÓSTICO: Um diagnóstico rápido e seguro da PIF é importante, mas pode ser difícil. As dificuldades
surgem da falta de testes confirmatórios não invasivos em gatos que não apresentam efusões óbvias. A obtenção
e a análise das efusões são minimamente invasivas e muito mais sensíveis do que os testes hematológicos. Em
gatos que não apresentam efusões, diversos parâmetros devem ser considerados para a determinação de quando
serão realizados os testes confirmatórios invasivos, inclusive o histórico, sinais clínicos, alterações constatadas
laboratorialmente e títulos de anticorpos.
Hematologia e Bioquímica Sérica: Os leucócitos podem estar aumentados ou diminuídos. A linfopenia é comum,
causada principalmente por apoptose de células T não infectadas (primariamente células CD8+ T) como
resultado da alta concentração de TNF­a produzido pelos macrófagos infectados. Entretanto, linfopenia
combinada com neutrofilia pode ocorrer em diversas doenças felinas graves. Uma anemia não regenerativa de
leve a moderada é outro achado inespecífico que pode ocorrer em praticamente todas as doenças crônicas de
gatos.
O achado laboratorial mais comum em gatos com PIF é o aumento da concentração sérica de proteína total
causada pelo aumento de globulinas, sobretudo gamaglobulina. A proteína total pode alcançar concentrações
muito altas, de até 120 g/l (12 g/dl) ou mais. A relação albumina:globulina tem importância diagnóstica
significativamente maior no diagnóstico diferencial do que a concentração de gamaglobulina ou de proteína
total sérica, porque também pode ocorrer diminuição do teor sérico de albumina pela diminuição da produção
devido à perda de proteína ou insuficiência hepática. A perda de proteína em gatos com PIF também pode ser
causada por glomerulonefrite secundária à deposição de imunocomplexos, por enteropatia exsudativa (em caso
de alterações granulomatosas nos intestinos) ou por extravasamento de fluidos ricos em proteínas por vasculite.
Um valor de corte de 0,8 foi definido como o melhor para a razão entre albumina e globulina. A eletroforese de
proteínas séricas pode ser realizada em gatos suspeitos para distinguir uma hipergamaglobulinemia monoclonal
de uma policlonal, de modo a diferenciar PIF (assim como outras infecções crônicas) de tumores como
mielomas múltiplos ou tumores de células plasmáticas. O valor do achado é, no entanto, limitado.
Outros parâmetros laboratoriais, inclusive enzimas hepáticas, bilirrubina, ureia (ou BUN) e creatinina, podem
estar elevados de forma variável, dependendo do grau e da localização das lesões aos órgãos, mas não são úteis
no estabelecimento do diagnóstico. Icterícia e hiperbilirrubinemia por vezes são observadas e frequentemente
refletem necrose hepática. Às vezes, a concentração de bilirrubina está aumentada em gatos com PIF, sem
evidência de hemólise, doença hepática ou colestase; este achado incomum é observado apenas em animais com
sepse. O metabolismo da bilirrubina e a excreção biliar estão comprometidos, provavelmente, pelo alto teor de
TNF­a, que inibe o transporte através de me mbrana. Assim, bilirrubina elevada na ausência de hemólise e
aumento da atividade de enzimas hepáticas fazem suspeitar de PIF.
Alta concentração sérica de a1­glicoproteína ácida (AGP) (> 3 mg/ml), uma proteína de fase aguda
normalmente elevada em gatos com PIF, pode sustentar o diagnóstico, embora outras condições inflamatórias
também a eleva, se ndo assim inespecífica. Adicionalmente, a AGP também pode estar elevada em gatos
assintomáticos infectados por FCoV, especialmente nos domicílios onde o vírus é endêmico.
Algoritmo para obter o diagnóstico definitivo em um gato com suspeita de PIF.

EFUSÃO FLUIDA: Os testes realizados em efusões possuem uma importância diagnóstica muito maior do que os
testes realizados no sangue. O fluido pode ser obtido através de aspiração com agulha fina guiada por
ultrassonografia, ou no caso de ascite, usando a “técnica do gato voador”. Apesar das efusões de coloração
amarela clara e de consistência pegajosa serem consideradas típicas, apenas a presença de fluido com estas
características nas cavidades não é definitiva para o diagnóstico. O fluido pode ainda apresentar uma aparência
diferente, sendo descritos alguns casos de efusão quilosa. Normalmente contém grande quantidade de proteínas
(> 3,5 g/dl), compatível com exsudato, enquanto o conteúdo celular é baixo (< 5.000 células nucleadas/ml),
assemelhando­se a um transudato puro ou modificado. Os principais diagnósticos diferenciais para estas efusões
incluem doença inflamatória hepática, linfoma, insuficiência cardíaca e peritonite ou pleurite bacteriana.
Tipicamente, a atividade da lactato desidrogenase (LDH) está elevada (> 300 UI/l). A citologia é variável, mas
muitas vezes consiste predominantemente de macrófagos e neutrófilos, de maneira similar à citologia verificada
em gatos com serosite bacteriana ou linfoma, e a diferenciação geralmente pode ser feita pela presença de
células neoplásicas (na citologia) ou pela presença de bactérias intracelulares (com o crescimento destas em
cultura).
O teste de Rivalta é um método simples e econômico, não necessitando de equipamento laboratorial especial
e pode ser realizado facilmente em clínicas particulares. É muito útil para diferenciar as efusões causadas por
PIF daquelas causadas por outras doenças. A alta concentração de proteínas e as altas concentrações de fibrina e
de mediadores inflamatórios definem o resultado positivo da reação. Para realizar o teste, um tubo de ensaio
transparente (10 ml) é preenchido com aproximadamente 8 ml de água destilada e uma gota de ácido acético
(vinagre altamente concentrado, 98%). Coloca­se cuidadosamente uma gota da efusão na superfície da solução.
O resultado é negativo caso a gota dissolva­se e a solução permaneça límpida. Se a gota mantiver sua forma,
permanecer na superfície ou afundar vagarosamente, o resultado é positivo. O teste de Rivalta apresenta valor
preditivo positivo alto (86%) e valor preditivo negativo muito alto (96%) para a PIF. Resultados positivos
podem ocorrer em casos de peritonite bacteriana ou linfoma. Estas efusões, no entanto são geralmente fáceis de
diferenciar através de exame macroscópico, citologia ou cultura bacteriana.
Fluido Cerebrospinal: A análise do fluido cerebrospinal (FCE) de gatos com sinais neurológicos de PIF pode
revelar valores elevados de proteína (50 a 350 mg/dl, quando os valores normais são < 25 mg/dl) e pleocitose
(100 a 10.000 células nucleadas/ml) constituída principalmente por neutrófilos, linfócitos e macrófagos (achado
relativamente inespecífico). Muitos gatos com sinais neurológicos de PIF apresentam FCE normal.
Mensuração de Anticorpos: Não há nenhum teste de pesquisa de anticorpos para a PIF; apenas os anticorpos anti­
FCoV podem ser mesurados. A titulação de anticorpos no soro é amplamente utilizada como método
diagnóstico. Entretanto, a maioria dos animais positivos para anticorpos anti­FCoV nunca desenvolverão PIF.
Assim, os títulos de anticorp os devem ser interpretados com extrema cautela. Os testes de anticorpos possuem
ainda certo papel no diagnóstico, de maneira mais importante, no manejo em ambientes com múltiplos gatos,
desde que sejam utilizadas metodologias apropriadas e que os resultados sejam corretamente interpretados.
Entretanto, estes testes apenas podem ser úteis quando o laboratório é confiável. Títulos baixos ou médios não
possuem valor diagnóstico. Valores muito altos, desde que cuidadosamente interpretados, podem ter certo valor
diagnóstico. Gatos com altos títulos de anticorpos são mais predispostos a eliminar o vírus e em maior
quantidade. Assim, o título está diretamente correlacionado com a taxa de replicação viral e a quantidade de
vírus nos intestinos. A mensuração de anticorpos pode ser útil na prática, por exemplo, para determinar o
prognóstico de um gato exposto ou se o animal exposto está eliminando o FCoV. A triagem em gatis, ou a
triagem de um gato antes da introdução em um gatil livre do vírus são indicações adicionais.

Teste de Rivalta positivo em amostra obtida de um gato com PIF. Cortesia do Dr. Katrin Hartmann.

A mensuração de anticorpos em outros fluidos além do sangue (p. ex., efusões e FCE) vem sendo
investigada. A presença de anticorpos nas efusões está correlacionada com a presença de anticorpos no sangue;
assim, os títulos de anticorpos nas efusões não são muito úteis. Um estudo investigando o valor diagnóstico da
detecção de anticorpos no FCE relatou uma correlação muito boa para a presença de PIF quando comparado
com a histopatologia, mas outros 2 estudos mais recentes com um número grande de gatos consultados em
hospitais veterinários de instituições de ensino não revelou nenhuma diferença significativa nos níveis de
anticorpos no FCE de gatos com sinais neurológicos devido à PIF em comparação com os gatos com outras
doenças neurológicas confirmados por exame histopatológico.
PCR via Transcriptase Reversa (RT-PCR): A RT­PCR para detecção do FCoV no sangue vem sendo utilizada com
maior frequência como uma ferramenta de diagnóstico para a PIF. Até agora, no entanto, não foi desenvolvida
uma PCR que possa diagnosticar definitivamente a PIF. Além disso, os resultados da PCR não são fáceis de
interpretar, podendo ser falso negativo (p. ex., porque o ensaio requer a transcrição reversa do RNA viral para
DNA antes da amplificação do DNA, e a degradação do RNA pode ser um problema potencial porque as
RNAases são virtualmente onipresentes) ou falso positivo (p. ex., o ensaio não faz distinção entre as estirpes
virulentas e avirulentas do FCoV, nem diferencia o FCoV dos coronavírus de outras espécies). A viremia parece
ainda ocorrer não só em gatos com PIF, mas também em portadores saudáveis. O RNA do FCoV foi detectado
no sangue de gatos com PIF, mas também em gatos saudáveis ??que não desenvolveram manifestação por um
período de até 70 meses. Deste modo, os resultados dos testes de PCR devem ser interpretados cuidadosamente,
e não podem ser utilizados como uma ferramenta para o diagnóstico definitivo.
PCR foi utilizada para detectar o FCoV em amostras fecais, sendo sensível e útil para documentar se um gato
está eliminando FCoV nas fezes. A intensidade do resultado da PCR nas fezes correlaciona­se com a quantidade
de vírus presente nos intestinos. Estes resultados podem ser úteis na detecção de gatos que cronicamente
eliminam grandes cargas de vírus e que representam um risco elevado em ambientes com muitos gatos.
Detecção do Complexo Antígeno-Anticorpo: Como a PIF é uma doença imunomediada e os complexos antígeno­
anticorpo desempenham um papel importante na patogênese, tem se sugerido que a procura de imunocomplexos
específicos circulantes no soro e nas efusões possa ser útil. A detecção de complexos antígeno­anticorpo
específicos para coronavírus pode ser realizada utilizando­se um ELISA competitivo. A utilidade, no entanto, é
limitada e o valor preditivo positivo deste teste não é muito elevado (67%).
Imunocoloração do Antígeno do FCoV: Outros métodos para detectar o vírus incluem a detecção de antígeno do
FCoV em macrófagos utilizando imunofluorescência (em efusões) ou imunoistoquímica (em tecidos). A
imunomarcação não diferencia o FCoV inofensivo do FCoV causador da PIF, mas apenas o vírus causador da
PIF é capaz de se replicar em quantidades suficientemente grandes nos macrófagos para produzir uma coloração
positiva. Em um estudo recente no qual um grande número de gatos com PIF confirmada e de controles com
outras doenças (também confirmadas) foram investigados, a coloração imunofluorescente positiva do antígeno
intracelular do FCoV nos macrófagos de efusões foi 100% preditiva para a PIF. Infelizmente, o valor preditivo
negativo do teste não é muito elevado (57%), e isto pode ser explicado pelo baixo número de macrófagos nos
esfregaços de efusões, resultando em coloração negativa. A imunoistoquímica pode ser utilizada para detectar a
expressão de antígeno do FCoV no tecido e também possui valor preditivo positivo de 100%. No entanto, os
métodos invasivos (p. ex., laparotomia ou laparoscopia) são geralmente necessários para se obter amostras de
tecidos apropriadas. Tanto a histologia (que por si só é confirmatória) quanto a coloração imunoistoquímica do
antígeno nos macrófagos dos tecidos podem ser utilizadas para diagnosticar a PIF.
TRATAMENTO, CONTROLE E PREVENÇÃO: O tratamento dos gatos com PIF é frustrante e limitado aos casos que
respondem favoravelmente nos primeiros dias. O prognóstico de um gato com PIF é muito pobre. Em um
estudo prospectivo inclusive 43 gatos com PIF confirmada, a sobrevida média após o diagnóstico definitivo foi
de 9 dias. Alguns gatos, no entanto, podem sobreviver durante vários meses. Fatores que indicam um
prognóstico pobre e um tempo de sobrevivência curto são: baixo índice de Karnofsky (índice de qualidade de
vida), baixa contagem de plaquetas, baixa contagem de linfócitos, elevada concentração de bilirrubina e uma
grande quantidade de efusão. As convulsões devem ser consideradas um sinal prognóstico desfavorável, pois
são significativamente mais frequentes nos animais com lesões inflamatórias no córtex frontal. Os gatos que não
apresentam nenhuma melhora no prazo de 3 dias após o início do tratamento provavelmente não obterão
nenhum benefício da terapia e a eutanásia deve ser considerada.
O tratamento de suporte visa a supressão da reação imune exagerada, geralmente com a utilização de
corticosteroides. No entanto, não há estudos controlados que indiquem que os corticosteroides tenham qualquer
efeito benéfico. Ocasionalmente há relatos de gatos tratados com corticosteroides que apresentaram melhora
clínica por vários meses. As drogas imunossupressoras, tais como prednisona (2 a 4 mg/kg, VO, 1 vez/dia), têm
sido sugeridas. Alguns gatos com efusões são beneficiados com a remoção do líquido e com uma injeção de
dexametasona na cavidade abdominal ou torácica (1 mg/kg até não se constatar mais nenhuma efusão).
Gatos com PIF devem ainda ser tratados com antibióticos de amplo espectro e com terapia de suporte (p. ex.,
fluidos SC). Um inibidor de tromboxano sintetase (cloridrato de ozagrel), que inibe a agregação plaquetária, tem
sido utilizado em alguns gatos e conduziu a alguma melhoria dos sinais clínicos. Há relatos de que a
pentoxifilina, um medicamento que diminui a vasculite e inibe várias citocinas (tais como as interleucinas e o
TNF­a), pode ser benéfica em alguns animais.
Moduladores imunitários (p. ex., Propionibacterium acnes, acemanana) têm sido utilizados no tratamento de
gatos com PIF sem evidência documentada de eficácia. Tem sido sugerido que estes agentes podem beneficiar
os animais infectados através da restauração da função imunológica comprometida. No entanto, uma
estimulação não específica do sistema imune parece ser contraindicada nos casos de PIF, porque os sinais
clínicos se desenvolvem e progridem como resultado de uma resposta imunomediada. Alguns relatos mais
antigos sugerem que a tilosina, que tem efeitos imunomoduladores, pode ser benéfica no tratamento de alguns
gatos. Remissões de duração variável foram relatadas em casos individuais, mas a PIF não foi confirmada em
muitos destes casos. O modulador imunológico promodulin foi utilizado em 52 gatos com suspeita de PIF, que
responderam favoravelmente ao tratamento; uma remissão rápida dos sinais clínicos (anorexia, febre e efusão)
foi verificada. No entanto, a PIF novamente não foi confirmada, e não havia um grupo de controle ou de
acompanhamento a longo prazo no estudo.
Em um estudo, 29 gatos suspeitos de apresentarem PIF foram tratados em 5 grupos por mais de 6 semanas.
Os grupos receberam: a) ampicilina (100 mg/kg/dia), prednisolona (4 mg/kg/dia) e ciclofosfamida (4
mg/kg/dia); b) dexametasona (2 mg/kg no dia 1 e no dia 5) e ampicilina (20 mg/kg, 3 vezes/dia, durante 10
dias); c) interferona­a humano (6 × 105 UI/gato, 5 dias por semana, durante 3 semanas); d) indutor de
paraimunidade (0,5 ml/gato/semana, durante 6 semanas); e) nenhum tratamento (controle). Entre 29% e 80%
dos gatos vieram a óbito em um período de 3 anos (dependendo do grupo). Entretanto, a PIF também não foi
confirmada nestes gatos e os critérios de inclusão permanecem obscuros.
Vários estudos investigaram a eficácia de diversos medicamentos antivirais em gatos com PIF. Até o
momento, nenhum deles provou ser efetivo. Um gato tratado com o melfalana, um agente alquilante do grupo
mostarda de nitrogênio que interage irreversivelmente com o DNA, respondeu bem ao tratamento por 9 meses,
mas, após este período, desenvolveu enfermidade mieloproliferativa e morreu. O diagnóstico da PIF também
não foi confirmado neste caso.
Os interferons têm sido utilizados frequentemente em gatos com PIF. A interferona­a humana tem um efeito
antiviral direto, sendo comprovada a eficácia antiviral in vitro contra uma estirpe de FCoV causadora de PIF.
Em um estudo controlado, gatos com PIF confirmada e tratados com 106 UI/kg de interferona­a em combinação
com Propionibacterium acnes apresentaram tempo de sobrevivência significativamente mais prolongado (cerca
de 3 semanas). A interferona­? felina foi licenciada para o uso veterinário em alguns países europeus e no Japão.
Os gatos podem ser tratados parenteralmente com a interferona­? felina por longos períodos sem desenvolverem
anticorpos. A replicação do FCoV é inibida in vitro pela interferona­? felina, mas os resultados do tratamento
são variáveis. Em um tratamento recentemente realizado, randomizado, duplo­cego com uso de placebo, não
houve diferença estatística significativa entre o tempo de sobrevivência média dos gatos tratados com a
interferona­? ou com o placebo. Os gatos sobreviveram durante um período de 3 a 200 dias.
Manejo de Gatos Expostos: Quando um gato de um domicílio desenvolve PIF, todos os gatos que convivem no
mesmo ambiente já terão sido expostos ao mesmo FCoV. Sob circunstâncias naturais, parece que o vírus
causador da PIF não é excretado em tais casos e que a PIF não é transmitida de gato para gato. Após o
desenvolvimento da PIF, um gato eliminará menos FCoV “inofensivo” do que antes do desenvolvimento da
doença. No entanto, em condições experimentais, é possível transmitir o vírus causador a partir de um gato com
PIF para outros gatos em contato. Ainda assim, parece ser relativamente seguro trazer de volta um gato com PIF
para a mesma casa que tenha gatos que já entraram em contato com a estirpe do FCoV, uma vez que estes gatos
terão certa imunidade para esta estirpe específica. Não é recomendado permitir o contato entre um gato com PIF
com qualquer novo gato que ainda não tenha sido exposto ao vírus.
Se um gato foi eutanasiado ou morreu devido à PIF, o proprietário deve esperar pelo menos 3 meses antes de
adquirir outro gato. O FCoV pode permanecer infectante por pelo menos 7 semanas no ambiente, especialmente
quando as caixas de areia estão em uso. Outros gatos presentes na casa provavelmente estarão infectados e
eliminando o FCoV. Os gatos são normalmente levados ao veterinário para uma avaliação após o contato com
um gato com PIF ou com um gato suspeito ou que sabidamente esteja excretando o vírus. O proprietário pode
querer saber o prognóstico para o gato exposto ou se este está eliminando o vírus. Estes gatos provavelmente
serão anticorpo­positivos, uma vez que 95 a 100% dos gatos expostos ao FCoV são infectados e desenvolvem
anticorpos entre 2 e 3 semanas após a exposição. Poucos gatos podem ser resistentes à infecção pelo FCoV. Tem
sido demonstrado que alguns gatos de ambientes endêmicos para o FCoV, e com múltiplos gatos, permanecem
continuamente anticorpo­negativos. O mecanismo de ação para essa resistência é desconhecido.
Embora os gatos expostos provavelmente tenham anticorpos, isso não está necessariamente associado a um
prognóstico desfavorável. A maioria dos gatos infectados com o FCoV não irá desenvolver a PIF e muitos gatos
em casas com apenas um ou dois gatos eliminarão a infecção e irão tornar­se anticorpo­negativos dentro de
alguns meses a anos (geralmente cerca de 6 meses.). Os proprietários devem ser aconselhados a esperar até que
os testes de anticorpos de todos os gatos sejam negativos ou até que a PCR das amostras fecais (4 amostras
fecais testadas durante um período 2 semanas) sejam negativas antes de adquirir um novo gato. Se o teste de
anticorpos é utilizado, os gatos devem ser testados novamente (usando o mesmo laboratório) a cada 6 a 12
meses até que o resultado seja negativo. Alguns gatos permanecerão anticorpo­positivos por anos.
Manejo de Ambientes Domésticos com Vários Gatos: Na maioria dos ambientes domésticos com vários gatos, o
FCoV é endêmico e a PIF praticamente inevitável. Casas com menos de 5 gatos podem tornar­se espontânea e
naturalmente livres de FCoV, mas em casas com mais de 10 gatos isto é quase impossível porque o vírus passa
de um gato para outro, mantendo a infecção. Nestes ambientes endêmicos para o FCoV, como gatis, abrigos e
lares adotivos, não há praticamente nada a ser feito para evitar a PIF.
Várias táticas têm sido utilizadas para eliminar o FCoV de um gatil endêmico. A redução do número de gatos
(especialmente de gatinhos com < 12 meses) e a manutenção da limpeza de superfícies suspeitas de
contaminação pelo FCoV podem minimizar a carga da população viral. Testes de anticorpos ou PCR fecal e
segregação podem ser realizados para impedir a exposição. Cerca de um terço dos gatos anticorpo­positivos
excretam o vírus e, assim, cada gato anticorpo­positivo deve ser considerado infeccioso. Após 3 a 6 meses, os
títulos de anticorpos podem ser testados novamente. Alternativamente, pode ser realizada a PCR de amostras
fecais (várias) para detectar portadores crônicos do FCoV, e estes gatos podem ser removidos. Em ambientes
como muitos gatos, 40 a 60% dos animais eliminaram o vírus em suas fezes em um determinado momento.
Cerca de 20% eliminarão o vírus persistentemente. Se um gato permanece persistentemente positivo na PCR por
mais de 6 semanas, este deve ser isolado.
Os filhotes de fêmeas que estejam eliminando o FCoV podem permanecer protegidos da infecção pelos
anticorpos maternos até 5 a 6 semanas de idade. Um protocolo de desmame precoce para a prevenção da
infecção tem sido proposto e consiste no isolamento das fêmeas por 2 semanas antes do parto, quarentena estrita
de mães e filhotes e desmame precoce com 5 semanas de idade. A remoção precoce dos gatinhos e a prevenção
do contato com outros gatos podem ajudar a manter os filhotes livres da infecção. Os gatinhos devem ser
levados para uma nova casa (sem gatos infectados pelo FCoV) com 5 semanas de idade. Embora pareça
simples, o protocolo exige salas de quarentena e procedimentos para garantir que o vírus não seja introduzido.
Cuidados especiais devem ser tomados durante este período para socializar os filhotes. O sucesso do desmame
precoce e do isolamento depende de quarentena eficiente e de pequeno número de gatos no domicílio (menos de
5).
Outra abordagem possível é maximizar a resistência hereditária à PIF em gatis de criação. A predisposição
genética desempenha um papel no desenvolvimento da doença, mas não está completamente compreendida.
Irmãos de ninhada de gatinhos que tenham PIF têm uma maior probabilidade de desenvolver PIF do que outros
gatos no mesmo ambiente. Um gato que teve 2 ou mais ninhadas em que os filhotes desenvolveram PIF não
deve se reproduzir novamente. Uma atenção especial deve ser dada aos pedigrees de machos onde a ocorrência
de PIF apresenta­se maior do que a média. A reprodução de uma linhagem frequentemente usa extensivamente
gatos valiosos e a eliminação desses animais pode ter um efeito na melhoria da resistência geral da raça.
Em abrigos, a prevenção da PIF é praticamente impossível a menos que os gatos sejam rigorosamente
separados e tratados apenas por meio de dispositivos de manipulação estéreis (comparável a de unidades de
isolamento). O isolamento muitas vezes não é eficaz porque o FCoV é facilmente transportado em roupas,
sapatos, poeira e gatos. Parece haver correlação significativa entre o número de eventos de manipulação fora das
gaiolas e a porcentagem de gatos anticorpo­positivos. Os abrigos devem ter fichas de informação ou contratos
por escrito, informando as pessoas sobre o FCoV e a PIF. Os envolvidos devem compreender que o FCoV é
inevitável em ambientes com muitos gatos e que a PIF é uma consequência inevitável da FCoV endêmica. Boas
práticas de criação e instalações que podem ser limpas facilmente podem minimizar a propagação do vírus.
Vacinação: Tentativas de desenvolver vacinas eficazes apresentaram pouco sucesso. No entanto, foi licenciada
uma vacina que incorpora um mutante da estirpe DF2­PIFV do FCoV sensível à temperatura, que pode replicar­
se no revestimento do trato respiratório superior em temperatura mais baixa, mas não à temperatura interna
maior. Esta vacina é administrada pela via intranasal e produz uma imunidade local (anticorpos IgA) no local
onde o FCoV inicialmente penetra no corpo (orofaringe), assim como uma imunidade mediada por células. Esta
vacina está disponível nos EUA e em muitos países europeus. Há questionamentos quanto à eficácia da vacina.
A vacinação em um ambiente endêmico para o FCoV ou em uma casa com casos conhecidos de PIF não é
eficaz. Os testes de anticorpos podem ser benéficos antes da vacinação, uma vez que a vacina não será eficaz em
gatos com contato prévio com FCoV. A maioria dos gatos desenvolvem anticorpos após a vacinação,
dificultando o estabelecimento e o controle de um ambiente livre de FCoV.
Tabela 7 – Medicamentos sugeridos para uso em casos de PIF*

Medicamento Comentário Recomendações da ABCD (nível


MBE**)

Antivirais

Ribavirina Ativo in vitro, tóxico para gatos Não é recomendado (2)


Vidarabina Ativo in vitro, tóxico para gatos Provavelmente ineficiente (4)
Interferona­a humana SC, Embora seja eficaz in vitro, o Ineficiente (2)
alta dose tratamento com aplicação SC
não foi efetivo em testes
experimentais
Interferona­a humana SC, Não há pesquisa Contraindicado (4)
baixa dose Apenas atua como
imunoestimulante se
administrado por via oral;
imunoestimulantes devem ser
evitados em casos de PIF
Interferona­? felina Um único estudo controlado Nenhum benefício foi observado
(com uso de placebo, em (estudo de nível 1); pode requerer
infecções naturais) e um estudo mais estudos em vista de
não controlado evidências clínicas empíricas (4)
Poliprenil imunoestimulante Regulação da biossíntese de Pode haver algum efeito benéfico
(medicamento experimental) mRNA de citocina TH1. Estudo em casos de PIF não efusiva (3);
sem controle com 3 gatos sem necessita estudo controlado
efusão; sobrevida prolongada.
Imunossupressores

Prednisolona/dexametasona Sem estudo controlado; alguns Atualmente é o tratamento de


(dose imunossupressora) animais apresentaram melhora e eleição (3); se há efusão, pode
sobrevida de vários meses; não ser útil a administração IP ou IT
cura PIF de dexametasona
Pentoxifilina Tratamento da vasculite Ineficiente em um estudo com
um gato (4)
Cloridato de ozagrel Inibidor da síntese de Necessita estudos controlados
tromboxano; controle da (3)
resposta inflamatória; utilizado
com efeitos benéficos em 2
casos
Ciclosporina A Imunossupressor; não há estudo Não recomendado; mais
publicado direcionada contra imunidade
celular do que humoral (carência
de dados) (4)
Ciclofosfamida Imunossupressor; não há estudo Deve ser considerado o uso
publicado combinado com glicocorticoides
(4)
Clorambucila Imunossupressor; não há estudo Deve ser considerado o uso
publicado combinado com glicocorticoides
(4)
Azatioprina Tóxico para gatos; Não recomendado (4)
imunossupressor, sem estudo
publicado
Ácido acetilsalicílico (dose Tratamento da resposta Pode ter algum efeito benéfico,
inibidora de plaquetas) inflamatória e da vasculite; sem mas pode ter efeitos adversos se
estudo publicado utilizado em combinação com
altas doses de glicocorticoides
* Muitos dos tratamentos listados são considerados extrabula para tratamento de PIF.
** Medicina Baseada em Evidências (MBE): nível 1 = confirmado por ensaios clínicos aleatórios
controlados na espécie­alvo; nível 2 = confirmado por estudos experimentais aleatórios
controlados na espécie­alvo; nível 3 = sustentado por uma série de casos, outros estudos
experimentais e ensaios clínicos não aleatórios; nível 4 = baseado na opinião de especialistas,
relato de casos e estudos em outras espécies. Modificado com autorização de Feline Infectious
Peritonitis. Guidelines of the European Advisory Board on Cat Diseases, © 2010 Advisory Board
on Cat Diseases.
RISCO ZOONÓTICO: Em razão da estreita relação antigênica entre os coronavírus de diferentes espécies de
animais domésticos, e por ter sido um coronavírus derivado de animais em contato estreito com os seres
humanos o causador do surto em 2003 da chamada síndrome respiratória aguda grave (SARS), que ameaçou a
saúde de milhares de seres humanos, surgiram preocupações sobre o possível risco do FCoV para as pessoas.
No entanto, não há nenhuma indicação de que o FCoV seja infeccioso para os humanos.

VÍRUS DA LEUCEMIA FELINA E DOENÇAS

RELACIONADAS (Linfoma e leucemia felinos, Linfossarcoma)

Apesar da ampla utilização de vacinas, o vírus da leucemia felina (FeLV) continua sendo uma das principais
causas de morbidade e mortalidade em gatos. Provoca uma variedade de neoplasias, e a infecção persistente
também pode causar grave imunossupressão e anemia intensa. O vírus é cosmopolita. Na natureza, o FeLV
infecta gatos domésticos e alguns outros Felidae. Em ambiente laboratorial, células de uma variedade muito
maior de espécies podem ser infectadas por algumas estirpes do vírus.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O FeLV é um retrovírus da família Oncovirinae. Outros oncovírus são: vírus do
sarcoma felino, vírus da leucemia dos camundongos e dois tipos de vírus T­linfotrópicos humanos. Embora a
oncogênese seja um de seus efeitos mais graves, as oncoviroses causam muitas outras doenças, inclusive
distúrbios degenerativos, proliferativos e imunológicos.
Há quatro principais subgrupos de FeLV de importância clínica. O vírus do subgrupo A (FeLV­A) é
encontrado em todos os gatos infectados naturalmente. O FeLV­A é a forma viral original, arquetípica, sendo
eficientemente transmitida entre os gatos. As infecções pelo FeLV­A tendem a ser menos patogênicas do que a
de outros subgrupos. Quase todos os gatos com infecção natural foram originalmente infectados pelo FeLV­A.
Já no organismo de gatos infectados, o FeLV­A às vezes modifica­se produzindo as formas mutantes FeLV­B,
FeLV­C ou FeLV­T. O FeLV­B aumenta a frequência de doenças neoplásicas, o FeLV­C está fortemente
associado ao desenvolvimento de hipoplasia eritroide e da consequente a anemia grave, enquanto o FeLV­T
possui propensão para infectar e destruir os linfócitos T, levando à depleção linfocitária e imunodeficiência. As
viroses dos quatro subgrupos são detectadas (mas não são diferenciadas) com o uso de kits de testes
diagnósticos comumente utilizados para o FeLV.
A prevalência da infecção por FeLV está diretamente relacionada com a densidade populacional de gatos. As
taxas de infecção são altas em gatis e instituições com múltiplos gatos, especialmente quando os animais têm
acesso ao exterior. Nos EUA, 2,6% dos gatos retirados da área atingida pelo furação de 2005 (costa do golfo)
testados para o FeLV eram positivos.
Gatos saudáveis com infecção persistente são os principais reservatórios do FeLV. Os portadores excretam
grande quantidade de vírus na saliva, e menores quantidades do vírus são excretadas no fluido lacrimal, urina e
fezes. O contato oronasal com saliva ou urina infectada é o meio mais provável de transmissão. O contato
nasonasal, lambedura mútua, caixas de areia e pratos compartilhados facilitam a transmissão. A mordida por
gatos infectados é um modo eficiente de transmissão, mas relativamente incomum em gatos mantidos em
ambientes internos 100% do tempo. A mordida pode ser o meio mais importante de infecção em gatos com
acesso ao exterior.
A variação da resistência em função da idade é significativa e os filhotes novos são muito mais suscetíveis do
que os adultos. O vírus pode ser transmitido verticalmente (in utero ou pelo leite) ou horizontalmente (por meio
de secreções e excreções). Por ser um vírus envelopado e frágil, e devido à resistência com o avanço da idade, a
transmissão horizontal do FeLV entre adultos geralmente requer contato íntimo prolongado. Além disso, a dose
necessária para a transmissão oronasal do vírus é relativamente alta.
PATOGENIA: Após a inoculação oronasal, o vírus replica­se primeiro nos tecidos linfoides da orofaringe, de onde
são carreados pelo sangue nas células mononucleares até alcançar o baço, linfonodos, células epiteliais do
intestino e bexiga, glândulas salivares e medula óssea. Após esse período, o vírus aparece nas secreções e nas
excreções destes tecidos e em plaquetas e leucócitos do sangue periférico. A viremia geralmente é evidente após
2 a 4 semanas de infecção. O estágio agudo da infecção pelo FeLV (2 a 6 semanas após a infecção) raramente é
detectado. É tipicamente caracterizada por febre leve, indisposição, linfadenopatia e citopenia do sangue.
Em cerca de 70% dos gatos adultos a viremia e a eliminação do vírus são transitórias, com duração de apenas
1 a 16 semanas. Alguns gatos continuam eliminando o vírus em secreções por algumas semanas a meses após
cessar a viremia. O vírus pode persistir na medula óssea por longos períodos, mas mesmo latente (sequestrado),
a infecção geralmente desaparece dentro de 6 meses. Alguns gatos expostos ao FeLV (cerca de 30%) não
produzem resposta imune adequada e tornam­se persistentemente (permanentemente) virêmicos. A viremia
persistente dos gatos desenvolve doença fatal após um período variável.
ANORMALIDADES CAUSADAS PELO FELV: As anormalidades relacionadas com a infecção pelo vírus são
inúmeras, inclusive imunossupressão, neoplasia, anemia, doenças imunomediadas, problemas reprodutivos e
enterite.
A imunossupressão causada pelo FeLV é semelhante à causada pelo vírus da imunodeficiência felina (p.
867). Há maior suscetibilidade a infecções por bactérias, fungos, protozoários e outros vírus. Pode haver
redução do número de neutrófilos e linfócitos no sangue periférico dos gatos afetados, e as células ainda
presentes podem estar disfuncionais. Muitos gatos positivos para o FeLV possuem baixas concentrações de
fatores do sistema complemento no sangue, contribuindo para a imunodeficiência e oncogenicidade associadas
ao FeLV, pois o sistema complemento é vital para algumas formas mediadas por anticorpos de lise de células
tumorais. Acredita­se que grande parte da imunodeficiência causada pelo FeLV é devido ao alto nível de
antigenemia viral.
Tumores linfoides ou mieloides (p. ex., linfoma, leucemia linfoide, mielose eritrêmica) desenvolvem­se em
até 30% dos gatos com infecção persistente pelo FeLV. Embora os gatos negativos para o FeLV (ou seja, não
virêmicos) também possam desenvolver estes tumores, é possível que eles ainda sejam induzidos pelo FeLV,
visto que muitos gatos negativos e com linfoma apresentam sequências virais passíveis de detecção por
imunoistoquímica e PCR. Tais gatos podem ter sido previamente infectados pelo FeLV, apesar de apresentarem
resultados negativos nos testes para o vírus. A presença transitória do FeLV pode ter desencadeado o linfoma.
Entretanto, a persistência do antígeno do FeLV aumenta em 60 vezes o risco de linfoma em comparação a gatos
FeLV negativos. O linfoma é a neoplasia mais frequentemente diagnosticada em gatos. Nos EUA, a maioria dos
gatos com a forma mediastinal multicêntrica ou espinal de linfoma são FeLV positivos. Entretanto, em algumas
partes do mundo, estas formas de linfoma estão se tornando muito menos comuns, e a proporção com que
ocorrem em gatos FeLV positivos vem diminuindo. Isso pode estar relacionado com o controle efetivo do FeLV.
As formas renais e gastrintestinais do linfoma são mais provavelmente encontradas em gatos FeLV negativos.
A leucemia é uma proliferação neoplásica de células hematopoéticas originárias da medula óssea. As
linhagens celulares que se tornam neoplásicas são os basófilos, neutrófilos, eosinófilos, monócitos, linfócitos,
megacariócitos e eritrócitos. Nos gatos, as leucemias são fortemente associadas à infecção por FeLV e, às vezes
(mas não sempre), associadas a células neoplásicas circulantes no sangue. As leucemias linfoides são
subdivididas em aguda e crônica. A leucemia linfocítica aguda é caracterizada por linfoblastos circulantes no
sangue. Na leucemia linfocítica crônica há um aumento do número de linfócitos circulantes que possuem
morfologia normal.
A anemia causada pelo FeLV geralmente é normocrômica não regenerativa. Frequentemente ocorre
macrocitose idiossincrática. Aproximadamente 10% das anemias relacionadas com o FeLV são hemolíticas
regenerativas. Esta forma de anemia pode estar associada à hemobartonelose, hemólise imunomediada, ou
ambas.
Imunocomplexos formados na presença de um moderado excesso de antígenos podem causar vasculite
sistêmica, glomerulonefrite, poliartrite e vários outros distúrbios imunes. Nos gatos infectados pelo FeLV, o
complexo imune forma­se em condições onde há excesso de antígeno, pois os antígenos do FeLV são
abundantes e os anticorpos IgG anti­FeLV são escassos. Estas condições são ideais para o desenvolvimento da
doença imunomediada.
Problemas reprodutivos são comuns e há relatos de que 68 a 73% das fêmeas inférteis e 60% das que
abortam são FeLV positivas (embora o aborto seja uma causa relativamente incomum de infertilidade em
felinos). Morte fetal, reabsorção e involução placentária podem ocorrer no segundo trimestre de gestação,
presumivelmente como resultado da infecção uterina dos fetos pelo vírus transportado nos leucócitos maternos
através da placenta. Ocasionalmente, as fêmeas infectadas dão à luz a filhotes vivos virêmicos. As fêmeas com
infecção latente (ou seja, não virêmicas) podem transmitir o vírus para seus filhotes pelo leite.
Enterite pode ser verificada, assemelhando­se tanto clinicamente como histopatologicamente à
panleucopenia felina. Os sinais clínicos incluem anorexia, depressão, vômito e diarreia (que pode conter
sangue). Em razão da imunossupressão concomitante associada ao FeLV, pode ocorrer sepse. As evidências
sugerem que o FeLV e o vírus da panleucopenia felina atuem sinergicamente para produzir essa síndrome.
Outros distúrbios podem também se desenvolver. Ocasionalmente, o FeLV causa neuropatia que induz a
anisocoria, incontinência urinária ou paralisia de membros pélvicos. Certos linfomas induzidos pelo FeLV
podem produzir sinais clínicos idênticos. Caso a terapia antineoplásica seja planejada, é importante distinguir
neoplasia de neuropatia. O FeLV também pode causar distúrbios quase neoplásicos, como exostose cartilaginosa
múltipla (osteocondromatose).
DIAGNÓSTICO: Dois tipos de testes estão prontamente disponíveis para o uso clínico. O ensaio de
imunofluorescência pesquisa a presença de antígenos estruturais do FeLV (p. ex., p27 ou outros antígenos
fundamentais) no citoplasma das células suspeitas de infecção. Na prática clínica, os esfregaços de sangue
periférico geralmente são utilizados para a imunofluorescência, mas podem ser utilizadas preparações
citológicas da medula óssea ou de outros tecidos. A imunofluorescência é considerada a metodologia mais
confiável, mas requer o envio a laboratórios comerciais, atrasando a obtenção do resultado. Os gatos positivos
na imunofluorescência são considerados como persistentemente virêmicos e têm prognóstico desfavorável a
longo prazo.
O ELISA verifica a presença da p27 solúvel do FeLV, sendo um teste mais prático que pode ser realizado na
clínica veterinária. O antígeno pode estar presente na ausência de partículas infecciosas virais intactas, pois os
antígenos do FeLV em excesso são liberados pelas células infectadas livres de partículas virais. O ELISA
detecta mais a antigenemia do que a viremia. Diferentes kits de teste estão disponíveis, muitos possuindo
sensibilidade e especificidade de 98%. A acurácia pode ampliada utilizando­se tanto o ELISA quanto a
imunofluorescência, no mesmo gato.
O diagnóstico das neoplasias induzidas pelo FeLV é similar ao de outros tumores. O exame citológico dos
aspirados por agulha fina de massas tumorais, linfonodos, fluidos da cavidade corporal (p. ex., efusão pleural) e
órgãos afetados pode revelar linfócitos neoplásicos. O exame da medula óssea pode revelar envolvimento
leucêmico, mesmo quando o sangue periférico apresenta­se normal. Biopsia e exame histopatológico dos
tecidos anormais geralmente são necessários para a confirmação do diagnóstico.
TRATAMENTO: O ideal é que o gato com FeLV seja identificado rapidamente e tratado para erradicar a infecção
pelo retrovírus antes de ocorrer o desenvolvimento das doenças relacionadas. Infelizmente, a erradicação de
infecções retrovirais em qualquer estágio da doença é extremamente difícil. A maior parte dos gatos infectados
são persistentemente virêmicos no momento do diagnóstico da infecção.
Muitos tratamentos são administrados como tentativas de reverter a viremia ou diminuir os sinais clínicos
associados à infecção pelo FeLV. São abundantes os relatos de uso de agentes antivirais e agentes
imunoterápicos que revertem a viremia, atenuando os sinais clínicos e prolongando a sobrevivência. Estudos
controlados usando gatos naturalmente infectados são incapazes de demonstrar efeitos benéficos com estas
terapias.
Os gatos positivos para FeLV podem viver sem enfermidades importantes por muitos anos. Devem ser
evitados estresse e fontes de infecção secundária. O gato deve permanecer dentro de casa 100% do tempo para
reduzir o risco de exposição a agentes infecciosos e evitar a transmissão do vírus para outros gatos. Cuidados
profiláticos de rotina para gatos positivos são mais importantes que para os não infectados. As vacinações de
rotina devem ser administradas com base no risco para o gato, e as vacinações contra a raiva devem seguir a
legislação local. A vacinação contra o FeLV não deve ser administrada, pois não há evidência sugerindo
benefícios. Exames físicos para detecção de parasitos externos, infecções cutâneas, afecções dentárias, tamanho
dos linfonodos e verificação do peso corporal devem ser realizados a cada 6 meses. É recomendada a
administração de anti­helmínticos nestas visitas. Todos os gatos infectados devem ser castrados. Os
proprietários devem ser avisados e alertados a observar os sinais clínicos de doenças relacionada com o FeLV,
particularmente infecções secundárias. O tratamento de tais infecções e outras enfermidades deve ser mais
agressivo e de maior duração, pois o comprometimento da imunidade deixa o gato menos apto a combater
doenças naturalmente.
Tratamento do Linfoma: O linfoma felino pode ser tratado com drogas citotóxicas. Essas drogas podem causar
toxicidade significativa se não forem dosadas e administradas corretamente (ver agentes antineoplásicos, p.
2779). A maioria das drogas citotóxicas também é carcinogênica, devendo ser manipulada adequadamente.
Antes de iniciar o tratamento com essas drogas, os médicos veterinários devem se familiarizar com a sua
adequada dosagem e administração, monitoramento apropriado do paciente, efeitos de toxicidade e
complicações, além de cuidados de manipulação segura, prevenindo a exposição de funcionários e de
proprietários aos agentes e seus metabólitos. Tratados adequadamente, a maioria dos gatos não apresenta efeitos
tóxicos significativos e desfrutam de boa qualidade de vida.
Cerca de 50% dos gatos com linfoma que são tratados obterão a remissão completa (sem evidência clínica da
doença). Gatos FeLV negativos que consigam a completa remissão vivem em média 9 meses, enquanto os FeLV
positivos vivem em média 6 meses. Gatos não tratados sobrevivem cerca de 6 semanas.
Muitos protocolos de tratamento do linfoma felino foram publicados, a maioria usando drogas similares com
diferentes protocolos de administração. Um protocolo muito utilizado consiste em uma fase intensiva de
indução (vincristina 0,75 mg/m2, IV, semanalmente por 4 semanas; ciclofosfamida 300 mg/m2, VO a cada 3
semanas no mesmo dia da vincristina; prednisona 10 mg/gato, VO, 1 vez/dia, ao longo do protocolo), seguida
de uma fase de manutenção menos intensiva (vincristina e ciclofosfamida administradas a cada 3 semanas no
mesmo dia, prednisona é continuada diariamente). O tratamento é contínuo por 1 ano ou até uma recaída. Com
esse protocolo, 79% dos gatos obtêm remissão e sobrevivem 150 dias, em média. A mudança no protocolo de
manutenção para 25 mg de doxorrubicina/m2, IV, a cada 3 semanas, propiciou remissão em 281 dias. Quando
ocorrem recidivas, as drogas utilizadas podem ser trocadas e pode ser obtida uma segunda remissão, que, no
entanto, raramente prolonga­se tanto quanto a primeira.
Outro protocolo muito utilizado envolve uma dose inicial de L­asparginase (400 U/kg, IM) juntamente com
vincristina (0,5 mg/m2). Inicia­se administração diária de prednisolona com dose inicial de 2 mg/kg,
diminuindo­se para 1 mg/kg ao longo de 4 semanas. Na segunda semana (uma semana após o início com L­
asparginase e vincristina) é administrada ciclofosfamida, 200 mg/m2. Na terceira semana administra­se
novamente a vincristina, seguida de doxorrubicina na quarta semana (25 mg/m2, IV). Nenhum tipo de
quimioterapia é administrado na quinta semana e então o tratamento é repetido, com exceção da L­asparginase.
Na décima primeira semana, o regime quimioterápico é repetido novamente, mas administrado em semanas
alternadas por dois ciclos. Se o gato estiver em remissão completa, o tratamento é descontinuado. Quando
ocorrer recaída, o protocolo é reiniciado desde a primeira semana. Há relatos de sobrevivência média de 210
dias utilizando­se este protocolo.
Os protocolos quimioterápicos citados aplicam­se a todos os graus histopatológicos. A maioria dos linfomas é
de grau intermediário ou elevado e clinicamente agressivo. Um subgrupo de linfoma de menor agressividade,
identificado como linfoma de células pequenas ou linfoma linfocítico, normalmente ocorre na cavidade
abdominal (intestinos e rins) e pode ser tratado com sucesso com uma quimioterapia menos agressiva. Nestes
casos, vem sendo utilizada a administração oral de predinisolona (10 mg, 1 vez/dia) e clorambucila (15 mg/m2)
por 4 dias consecutivos a cada 3 semanas. A utilização destas drogas no tratamento do linfoma de células
pequenas envolvendo o trato gastrintestinal tem produzindo uma sobrevivência média de 963 dias. Quando
outros sistemas estão afetados obtém­se uma sobrevida média de 636 dias, existindo ou não enfermidade
gastrintestinal.
Além do linfoma de células pequenas, o linfoma de grandes linfócitos granulares também pode afetar o trato
gastrintestinal. Esta é uma enfermidade extremamente agressiva que responde à quimioterapia apenas em cerca
de 30% dos casos, apresentando uma sobrevida média de 57 dias. O linfoma de grandes linfócitos granulares
normalmente apresenta formação de massas no intestino, enquanto no linfoma de células pequenas é encontrado
um infiltrado mais difuso de linfócitos malignizados nos órgãos afetados.
A leucemia linfocítica aguda é tratada com o mesmo protocolo do linfoma, mas em apenas cerca de 25% dos
gatos é obtida remissão dos sintomas. Para esses, a média da remissão é de 7 meses. A leucemia linfocítica
crônica é mais bem tratada com clorambucila (2 mg/gato, VO) e prednisonolona (40 mg/m2, VO), administrados
em dias alternados. Outras leucemias além das linfocíticas são raramente tratadas pois os gatos encontram­se
extremamente doentes e muito poucos acabam respondendo à terapia.
PREVENÇÃO E CONTROLE: A realização de testes é imperativa nas seguintes situações: (1) em todos os filhotes
na primeira consulta ao médico veterinário, possibilitando que os proprietários possam ser aconselhados sobre
os gatos com resultados positivos (como rotineiramente feito em casos de anormalidades congênitas); (2) em
todos os gatos, antes da entrada em uma casa onde existam gatos não infectados; (3) em todos os gatos
existentes em uma casa antes da entrada de um novo gato não infectado; (4) em todos os gatos antes de sua
primeira vacinação contra o FeLV.
As vacinas contra o FeLV destinam­se à proteção contra infecção pelo FeLV, ou ao menos à prevenção de
viremia persistente. Os tipos de vacina incluem vírus morto inteiro, subunidade e criada por engenharia
genética. As vacinas podem ter efeito protetor variável e por isso as afirmações dos fabricantes e os estudos
comparativos independentes devem ser levados em consideração cautelosamente. As vacinas são indicadas
apenas para gatos não infectados, pois não há benefício em vacinar animais FeLV positivos. Deve­se avaliar o
risco de o gato ser exposto a animais FeLV positivos e usar as vacinas apenas nestes casos. Embora seja baixo o
risco do desenvolvimento de tumor, a vacina vem sendo associada ao desenvolvimento de sarcomas no local de
vacinação. Os gatos não infectados em uma casa com gatos infectados devem ser vacinados, mas devem
também ser utilizados outros métodos de proteção (p. ex., separação física). É provável que a exposição
constante a gatos infectados com o FeLV resulte em transmissão viral independentemente do estado vacinal.
RISCO ZOONÓTICO: Algumas estirpes do FeLV podem se multiplicar em culturas de tecidos humanos. Esse fato
leva à possibilidade de transmissão para os seres humanos. Vários estudos abordaram este conceito, e nenhum
demonstrou evidências da existência de qualquer risco zoonótico.
SISTEMA IMUNOLÓGICO

Biologia do Sistema imunológico


Barreiras Físicas
Imunidade Adquirida
Resposta de Anticorpos (Imunidade Humoral)
Imunidade Mediada por Células
Memória Imunológica
Citocinas
Células Reguladoras
Imunidade Inata
Células de Imunidade Inata
Complemento
Doenças Imunológicas
Doenças Causadas por Imunodeficiência
Imunodeficiências Primárias
Defeitos da Imunidade Inata
Deficiências da Imunidade Adquirida
Imunodeficiências Secundárias
Imunodeficiências Induzidas por Vírus
Função Imune Excessiva
Gamopatias
Neoplasias do Sistema imunológico
Resposta Imune Adquirida Excessiva
Reação Tipo I
Reação Tipo II
Reação Tipo III
Reação Tipo IV
Resposta Inata Excessiva
Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (Sepse)

BIOLOGIA DO SISTEMA IMUNOLÓGICO

Animais estão sobre constante ameaça de invasão por uma gama diversa de microrganismos que procuram
invadir o corpo e explorar os seus recursos para se hospedar e se multiplicar. Para garantir sobrevivência e
prevenir tal exploração, o corpo combate esses invasores por meio de um conjunto complexo de mecanismos de
defesa que podem atuar como uma série de barreiras. As defesas iniciais incluem as barreiras físicas contra
invasores, como uma pele resistente e espessa ou a habilidade de tossir e espirrar. A segunda linha de defesa é
um sistema imunológico inato “hard wired” que depende da rápida resposta estereotipada para parar e matar
bactérias e vírus invasores. Isto e tipificado pelo processo de inflamação aguda e pela resposta clássica à
enfermidade, como a febre. A terceira linha de defesa é o sistema imunológico adquirido, altamente complexo,
adaptável, e incrivelmente efetivo.
As respostas imunes inatas são muito efetivas contra microrganismos oportunistas ou aqueles de baixa
virulência, mas pela sua própria natureza não podem fazer mais do que retardar os invasores microbianos
altamente patogênicos. A longo prazo, a resistência e sobrevivência depende da imunidade adquirida. O sistema
imunológico adquirido é efetivo contra uma variedade de patógenos. Sua efetividade melhora a cada vez que é
ativado, em resposta a invasores microbianos. Como o corpo acumula células imunes de memória à medida que
envelhece, a imunidade adquirida propicia uma barreira quase instransponível à maioria dos invasores
potenciais. Na sua ausência, os animais morrem.
O sistema imunológico adquirido enfrenta desafios complexos. Muitos microrganismos diferentes, incluindo
bactérias, vírus, protozoários e helmintos, podem tentar invadir o corpo. A ótima resposta imune a esta
diversidade de invasores deve também ser muito diversa. Por exemplo, invasores como bactérias que se
instalam fora dos corpos celulares são melhores atacados pela resposta imune mediada por anticorpos (ou
humoral), ao passo que os vírus como hospedeiros das células são melhores destruídos pela morte das células
infectadas por meio de mecanismos mediados por células.
Quando o corpo é invadido, decisões devem ser tomadas para que ocorra ótima resposta imune – imunidade
inata, imunidade adquirida, ou ambas? Se uma resposta imune é necessária, deve­se necessária imunidade
mediada por anticorpos ou imunidade mediada por células? Uma vez ativado, como pode ser controlado? Uma
vez ativada, pode ser “desligada”?

BARREIRAS FÍSICAS

As barreiras físicas da superfície corporal têm importante papel na diminuição ou impedimento da invasão
microbiana. Muitos poucos microrganismos podem penetrar na pele intacta; por outro lado, os invasores
comumente penetram através de feridas ou por inoculações, como acontece nas picadas de mosquitos. Uma vez
curadas as feridas, rapidamente a barreira protetora é restabelecida. Uma população complexa de bactérias da
pele normal tende eliminar novos invasores, enquanto moléculas antimicrobianas do suor podem matar muitos
pretensos invasores. Nas vias respiratórias, a estrutura do trato respiratório superior atua como um filtro efetivo
de pequenas partículas. As próprias vias respiratórias superiores são revestidas por uma camada de muco
aderente que pode aprisionar os micróbios. O muco contém várias proteínas antimicrobianas, como as
defensivas e as lisozimas, e surfactantes. O muco “sujo” é constantemente substituído por material limpo pela a
ação dos cílios que o leva até a faringe, onde é deglutido. A tosse e o espirro removem irritantes maiores das
vias respiratórias e dos condutos nasais, sendo reações de defesa essenciais. A defesa do intestino depende
muito da presença da ampla e complexa flora comensal normal. Invasores potenciais podem ser aptos a
colonizar o intestino na presença de população de micróbios comensais bem adaptados. Se tudo mais falhar, os
invasores podem ser rapidamente removidos do trato GI por meio de vômito e diarreia.

IMUNIDADE ADQUIRIDA

Imunidade inata, embora seja crítica para a defesa orgânica, é insuficiente para garantir proteção. Ela perde a
flexibilidade para responder otimamente a vários microrganismos. Por sua própria natureza, pode resultar em
importante lesão tecidual. Um terceiro mecanismo de defesa é necessário e pode atuar automaticamente em
resposta à invasão microbiana, gerando resistência proporcional à ameaça, e melhora com novos desafios. Essas
são as principais características do sistema imunológico adquirido. A resposta imune adquirida envolve dois
tipos principais: imunidade por anticorpos (humoral), direcionada contra invasores extracelulares, e imunidade
contra invasores intracelulares, mediada por células.
Respostas imunes adquiridas são complexas e devem ser rigorosamente controladas. As defesas imunes do
corpo representam um potente sistema, cujo uso deve ser cuidadosamente controlado para minimizar os danos
ao tecido normal. Como resultado, uma parte importante do sistema imunológico é direcionada à produção de
células reguladoras, cuja função é assegurar que ocorra resposta imune adquirida apenas em situações
apropriadas. A falha dessas vias reguladoras pode resultar em doença ou morte.
O sistema imunológico adquirido atua por meio de uma série de etapas que devem ocorrer sequencialmente,
para uma resposta imune mediada por anticorpos ou para uma resposta imune mediada por células. A primeira
etapa envolve captura e processamento de antígenos. Uma vez processados, esses antígenos se alojam na
superfície celular onde estão disponíveis para reconhecimento por linfócitos que contêm receptores para
antígenos específicos. Cada receptor de antígeno é altamente específico e cada linfócito expressa somente uma
forma simples de receptor antigênico. Desta forma, milhões de células apresentam potencial para reconhecer
milhões de antígenos. Para assegurar que apenas antígenos estranhos desencadeiem imunidade adquirida,
células com receptores que se ligam e respondem a antígenos normais são seletivamente eliminadas no início do
desenvolvimento. As células sobreviventes se localizam nos órgãos linfoides em locais onde podem mais
eficientemente detectar antígenos dos microrganismos invasores, desencadeando resposta a eles por meio de
uma resposta imune. Há 3 principais populações de linfócitos. Células B, responsáveis pela produção de
anticorpos; células T efetoras, responsáveis pela resposta imune mediada por células; e células T reguladoras,
que controlam essas respostas e minimizam respostas inapropriadas.

Resposta de Anticorpos (Imunidade Humoral)


Anticorpos são receptores de antígenos de células B produzidos em grande quantidade e secretados pelas células
e enviados à corrente sanguínea, onde circulam como imunoglobulinas. São produzidos pelas células B e por
plasmócitos derivados de células B. Os anticorpos se ligam a moléculas estranhas, marcando­as para destruição
por fagócitos ou por lise mediada por complemento. Plasmócitos são linfócitos B diferenciados otimizados para
produzir e secretar grande quantidade de anticorpos. Anticorpos são fundamentais para a defesa do hospedeiro
contra invasores extracelulares, como a maioria das bactérias, alguns hemoparasitas e vírus que se instalam
entre as células.
Células B oriundas da medula óssea e residentes em tecidos linfoides, como linfonodos, medula óssea, placas
de Peyer e baço. Cada célula B é recoberta por várias centenas de receptores de antígenos idênticos e podem se
ligar e responder somente uma única molécula antigênica. Quando um micróbio penetra no organismo,
inevitavelmente encontra células B que podem se ligar a alguns antígenos de sua superfície. Como resultado da
ligação antigênica, e em condições apropriadas, essas células B se multiplicam repetidamente e se diferenciam
em duas subpopulações. Uma subpopulação, plasmócitos produtores de anticorpos, é capaz de aumentar
consideravelmente a produção de anticorpos e representa a principal fonte de anticorpos. A outra subpopulação
de células B tornam­se células B de memória, que persistem nos tecidos linfoides por meses ou anos. Quando
um animal tem contato com um antígeno pela segunda vez, essas células B de memória respondem rapidamente,
produzindo grande quantidade de plasmócitos (e mais células de memória). Como resultado, os animais
aumentam a vasta resposta de anticorpos e o invasor é rapidamente eliminado. Por sua vez, a exposição
subsequente aos microrganismos induz um acúmulo de mais células de memória, resultando em melhor
proteção, praticamente impedindo que o microrganismo cause doença naquele indivíduo. Esta resposta é a base
de todos os programas de vacinação.
Embora simples no conceito, a resposta das células B e a produção de anticorpos implicam em um
mecanismo mais complexo devido à necessidade de assegurar seu rigoroso controle. Desta forma, geralmente
um linfócito B não é capaz de responder a um antígeno estranho, a menos que também receba “permissão” na
forma de um segundo sinal das células denominadas células T auxiliares (células TH ). Essas células TH h, por
sua vez, apenas podem ser ativadas na presença de antígenos, em condições rigorosamente controladas.
ANTICORPOS: Os mamíferos utilizam 5 diferentes classes de anticorpos: imunoglobulina G (IgG), IgM, IgA,
IgE e IgD. A classe de imunoglobulinas secretadas por células B e plasmócitos depende principalmente de sua
localização. Células localizadas nos órgãos linfoides secretam IgM e IgG, enquanto as células presentes nas
superfícies corpóreas secretam IgM, IgA e IgE.
IgG é a imunoglobulina mais abundante na corrente sanguínea e desempenha importante função na ligação e
eliminação de microrganismos que conseguem penetrar profundamente no corpo. IgM atua como um “back­up”
para IgG, sendo comumente confinada a corrente sanguínea. IgM é produzida no início da resposta de
anticorpos, quando sua alta eficácia compensa sua baixa quantidade.
IgA é produzida por células B e plasmócitos presentes na superfície das mucosas. IgA é produzida e secretada
em grande quantidade no trato respiratório superior, trato GI, lágrima, saliva etc. Complementa as barreiras
físicas do corpo e impede a invasão microbiana. IgE atua como “back­up” para IgA, sendo também produzida
principalmente nas superfícies corpóreas. IgE é otimizada para impedir a invasão por parasitos, como helmintos
ou artrópodes. Contudo, também responde pela mediação da rápida inflamação aguda em estados alérgicos e
deve mediar anafilaxia acompanhada de risco à vida. Acredita­se que a IgD tenha mínima importância
funcional.
CÉLULAS T AUXILIARES: A maioria das respostas de anticorpos é controlada pela necessidade de receber
“aprovação” prévia das células TH . As células TH , por sua vez, são ativadas somente se estiverem ligadas a
fragmentos antigênicos disponibilizados por células apresentadoras de antígenos especializadas, denominadas
células dendríticas.
Células dendríticas são células semelhantes ao macrófago, cuja função é sequestrar e processar antígenos
estranhos. O seu nome se deve a muitos processos finos e filamentosos longos, ou dendritos, que se estendem ao
longo dos tecidos para formar uma rede de captura de antígenos efetiva. Por exemplo, na derme há uma
subpopulação de células dendríticas (células de Langerhans), onde essa rede de dendritos enlaça
microrganismos que tentam entrar no corpo através da pele lesionada. Células dendríticas sequestram e
fagocitam microrganismos invasores. Contudo, grandes fragmentos de antígenos estranhos persistem nas células
dendríticas. Esses fragmentos antigênicos se ligam ao receptor de moléculas (moléculas do MHC) nas células
dendríticas. Uma vez formados, esses complexos antígeno­MHC se direcionam à superfície celular onde podem
ser reconhecidos pelas células TH .
Os receptores de células dendríticas que se ligam e apresentam os fragmentos de antígenos são proteínas
especializadas codificadas por genes agrupados juntos com complexo principal de histocompatibilidade (MHC;
inicialmente identificados como antígenos que provocam rejeição de enxertos, por isso seu nome incomum). Há
vários milhares dessas moléculas de MHC expressas em uma população animal, mas há relativamente poucas (3
a 6) expressas em determinado animal. Como apresentam importante função na ligação de fragmentos do
antígeno e na ativação de células TH , as moléculas do MHC efetivamente determinam se o individuo pode ou
não responder a um antígeno estranho. Um animal, individualmente, apresenta moléculas do MHC que podem
se ligar a muitos, talvez à maioria, dos antígenos estranhos, mas não todos. Se um animal tem deficiência da
molécula do MHC que pode se ligar a um antígeno, ele é incapaz de responder àquele antígeno específico. O
conjunto de antígenos aos quais um indivíduo pode responder (e contra os quais está protegido) é determinado
pelo seu haplótipo do MHC. Todas as espécies de animais domésticos possuem seu próprio MHC,
exclusivamente. Os receptores codificados por esse genes são designados em termos de espécie­especificidade;
desta forma, BoLA é o nome dessas moléculas em bovinos, ELA em equinos, SLA em suínos etc.
À semelhança das células B, as células T possuem receptores de antígenos específicos em sua superfície, os
quais são gerados aleatoriamente quando as células são formadas. Assim que essas células T maturam no timo,
aqueles receptores que se ligam aos componentes corpóreos normais são eliminados. As células T sobreviventes
podem responder apenas aos antígenos estranhos. Os receptores antigênicos das células T, assim como nas
células B, são idênticos em uma única célula, individualmente. Contudo, diferente das células B, os receptores
podem reconhecer antígenos somente quando ligados às moléculas do MHC. Desta forma, quando as células
dendríticas apresentam antígenos associados ao MHC para as células T, somente aquelas células T com
receptores apropriados se ligam às células dendríticas. Uma vez em contato, as células alteram os sinais que
confirmam que as células T estão respondendo a antígenos proteicos processados corretamente. Isto deve
demorar algumas horas. Depois que as células T recebem todos os sinais necessários, elas começam a secretar
uma mistura de citocinas que permitem que as células B ligadas respondam aos antígenos, permitindo uma
resposta de anticorpos.
Anticorpos são produzidos em resposta, e direcionados, a bactérias extracelulares. Por outro lado, a resposta
mediada por células é direcionada contra vírus e bactérias intracelulares. A decisão sobre a forma apropriada de
resposta imune é definida nos estágios iniciais da resposta imune. Desta forma, há duas populações de células
dendríticas que podem sequestrar e processar os antígenos. Uma população (células DC1) desencadeia
imunidade mediada por células, enquanto outras (células DC2) estimulam a produção de anticorpos. Essas
populações de células dendríticas enviam diferentes mensagens às células TH porque utilizam diferentes
citocinas para sinalização: células DC1 secretam IL­12, enquanto células DC2 secretam IL­1. Por sua vez, essas
diferentes citocinas estimulam duas populações de células TH : TH 1, que propicia imunidade mediada por
células, e TH 2, que promovem resposta de linfócitos B e produção de anticorpos. Células TH 1 secretam uma
mistura de citocinas tipificadas por interferona­? (IFN­?). Células TH 2 secretam uma mistura de citocinas
tipificadas por IL­4. Células B comumente respondem otimamente a antígenos estranhos somente quando
estimuladas pela presença de IL­4 oriundo de células TH 2.

Imunidade Mediada por Células

Como descrito anteriormente, a resposta imune mediada por células é necessária para combater invasores
intracelulares, como os vírus e algumas bactérias. O sistema imunológico impede as infecções virais por
eliminar as células infectadas. As células responsáveis são denominadas células T efetoras (citotóxicas). Assim
como as células TH , as células T efetoras se desenvolvem e são selecionadas no timo, de maneira que qualquer
célula T capaz de matar células saudáveis normais são eliminadas. As células T sobreviventes são liberadas para
o organismo, onde circulam continuamente pelos tecidos à procura de células anormais.
Todas as células nucleadas produzem diversas proteínas quando sua função é normal. Contudo, células
infectadas por vírus são forçadas pelos vírus a produzirem proteínas virais. O organismo requer que todas as
células nucleadas enviem uma amostra de suas proteínas recém­sintetizadas para a superfície da célula. Desta
forma, uma pequena amostra de proteínas recém­formadas é reservada e fragmentada em um sistema enzimático
complexo denominado proteasomo. Esses fragmentos de proteínas são, então, encaixados às moléculas do MHC
e direcionados à superfície celular, onde ficam disponíveis para “inspeção” pelas células efetoras. Se esses
receptores celulares não se ligam a um antígeno nada acontece. Contudo, se esses receptores antigênicos se
ligam a antígenos estranhos no complexo proteína­MHC, a célula T será sinalizada para matar as células
ofensoras. Como as células B, as células T efetoras somente atuam se recebem permissão das células TH ,
especificamente das células TH 1. As citocinas oriundas das células TH 1, especialmente IFN­?, devem ser
apresentadas se uma célula T efetora está apta a matar o seu alvo.
As células T efetoras ligam­se firmemente às células­alvo e então sinalizam para cometer “suicídio” por meio
de apoptose. A célula T injeta seu alvo com enzimas denominadas granzimas, que desencadeiam este processo.
Como resultado, as células T efetoras eliminam células infectadas por vírus, mas não as células saudáveis
normais. A maioria das células T efetoras morre em poucos dias, uma vez que não são mais necessárias; no
entanto, poucas sobrevivem e se tornam células de memória que respondem rapidamente se o animal tem novo
contato com o vírus.
Células efetoras T são especialmente efetivas para matar células­alvo produtoras de antígenos estranhos.
Contudo, alguns microrganismos intracelulares, especialmente bactérias, são melhor destruídas por outros
mecanismos mediados por células. Nestes casos, o IFN­? oriundo de células TH 1 ativam macrófagos. Como
resultado, as bactérias que podem sobreviver aos macrófagos não ativados são rapidamente destruídas pelos
macrófagos ativados.

Memória Imunológica

O efeito da imunidade adquirida é, em grande parte, resultado da capacidade de reconhecer antígenos


previamente reconhecidos, que permite elaboração de uma rápida resposta contra eles. Quanto mais um animal
tem contato com um antígeno, maior é a resposta imune. A memória imunológica depende da presença de
populações persistentes de células de memória, que se acumulam à medida que o animal envelhece. Essas
células de memória são duradouras ou, mais provavelmente, se alteram muito lentamente. Em consequência, os
animais devem produzir pequena quantidade de anticorpos contra antígenos vacinais, muitos anos após a
vacinação. A memória mediada por células é também resultado da presença de populações de células T de
memória antigas. A eficiência da vacina na indução de imunidade duradoura depende, em grande parte, da
habilidade de induzir populações de células de memória.

Citocinas

As células do sistema imunológico adquirido se comunicam de várias maneiras. Elas podem manter um contato
físico e alterar os sinais através de receptores na área de contato ou sinapse imunológica. Exemplos incluem o
contato entre células TH e células dendríticas ou entre células T efetoras e seus alvos. Células imunes podem
também emitir sinais às células vizinhas por meio de secreção de pequenas proteínas sinalizadoras denominadas
citocinas. Várias centenas de diferentes citocinas foram identificadas. A sinalização celular induz secreção de
uma mistura de citocinas que, então, se ligam a receptores ou a células vizinhas. As células­alvo recebem
múltiplos sinais que devem se integrar para uma resposta apropriada. Citocinas atuam por meio de seus
receptores específicos e podem ou não desencadear a síntese de proteínas específicas. Podem promover a
divisão e diferenciação da célula­alvo e induzir apoptose. Com centenas de diferentes citocinas atuando em uma
mistura complexa, às vezes é difícil predizer exatamente como uma célula­alvo específico irá responder. As
principais famílias de citocinas incluem interleucinas, que mediam a sinalização entre leucócitos; interferons,
que mediam interações entre células e têm importante atividade antiviral; fatores de crescimento, que regulam o
crescimento e diferenciação de vários tipos celulares; e fator de necrose tumoral, que modula a reposta
inflamatória local.

Células Reguladoras

O sistema imunológico adquirido é rigorosamente regulado por várias populações diferentes de células. As mais
importantes são as células Treg, as quais secretam uma mistura de citocinas que inibem a reposta imune
convencional. Atuam desativando a resposta imune, assim que se completa e os microrganismos forem
eliminados. Células Treg também tem papel fundamental na prevenção do desenvolvimento da autoimunidade.
Outra importante população de células T reguladoras é denominada células TH 17. Essas células são assim
denominadas porque secretam IL­17; regulam a resposta imune inata e o desenvolvimento da inflamação.

IMUNIDADE INATA

Micróbios que conseguem penetrar as barreiras físicas do corpo são rapidamente detectados e as defesas inatas
são ativadas. Inflamação aguda é a característica principal da imunidade inata. A primeira etapa da resposta
inflamatória é a detecção precoce de microrganismos invasores ou da lesão tecidual. A maior parte dos
invasores é identificada por receptores padrões de reconhecimento que se ligam e reconhecem moléculas
presentes nas superfícies dos micróbios. Há diversos receptores padrões de reconhecimento, sendo os mais
importantes os receptores do tipo toll (TLR). TLR é uma família de, pelo menos, 10 receptores diferentes
encontrados na superfície ou no citoplasma de células, como macrófagos, células epiteliais intestinais e
mastócitos. Os TLR das superfícies das células ligam­se a moléculas comumente expressas por bactérias
extracelulares, como lipopolissacarídios ou lipoproteínas. Por outro lado, os TLR citoplasmáticos ligam­se a
ácidos nucleicos de vírus intracelulares. Uma vez ligados a estas estruturas, os TLR desencadeiam produção de
proteínas, como interleucina­1 (IL­1) ou interferona a (IFN­a).
A IL­1 e outras citocinas, produzidas em resposta à estimulação via TLR, desencadeiam eventos e induzem
inflamação aguda. Eles iniciam a aderência de leucócitos circulantes à parede dos vasos próximos ao sítio da
invasão. Em seguida, esses leucócitos, especialmente neutrófilos, saem dos vasos sanguíneos e migram para os
locais de invasão, atraídos por produtos microbianos, pequenas proteínas denominadas quimiocinas e moléculas
de células lesionadas. Uma vez no sítio de invasão, os neutrófilos ligam­se às bactérias invasoras, ingerindo­as
por meio de fagocitose, matando os microrganismos invasores. Esta morte é largamente mediada por uma via
metabólica denominada explosão respiratória, que gera potentes oxidantes, como peróxido de hidrogênio e íons
hipocloretos. Contudo, os neutrófilos têm reserva energética mínima e podem participar de alguns eventos
fagocíticos antes de sua depleção.
Mesmo que a resposta inflamatória inicial seja efetiva na eliminação de invasores, o organismo deve ainda
remover restos celulares, eliminar qualquer micróbio sobrevivente e neutrófilos mortos e reparar a lesão. Esta é
tarefa para os macrófagos. Macrófagos teciduais originam­se de monócitos sanguíneos. Eles, como os
neutrófilos, são atraídos aos sítios de invasão microbiana e da lesão tecidual por quimiocinas e tecidos
lesionados, onde eliminam qualquer invasor sobrevivente. Também fagocitam e destroem qualquer neutrófilo
remanescente, assegurando desta forma que os neutrófilos oxidantes sejam removidos sem extravasamento de
produtos tóxicos os tecidos. Finalmente, uma subpopulação desses macrófagos inicia o processo de reparação
tecidual. Macrófagos que completam o processo destrutivo são otimizados para destruição microbiana e são
denominados células M1. Macrófagos otimizados para reparação e remoção de tecidos lesionados são
denominados células M2.
Várias das moléculas produzidas como resultado de inflamação e destruição tecidual, como IL­1 e fator de
necrose tumoral, podem alcançar a corrente sanguínea, onde circulam. Alcançam o cérebro e desencadeiam um
conjunto de respostas comportamentais; por exemplo, alteram o centro termorregulador e induzem febre, atuam
no centro de controle de apetite para suprimir a fome, e agem no centro do sono para induzir sono e depressão.
Também, mobilizam reservas de energia do tecido adiposo e dos músculos. Acredita­se que essas mudanças de
comportamento melhoram a defesa do organismo pelo redirecionamento de energia para a luta contra os
invasores.
Citocinas circulantes oriundas do sítio inflamatório também atuam nas células hepáticas, fazendo com que
secretem uma variedade de proteínas de fase aguda, assim denominadas porque seus teores sanguíneos se
elevam acentuadamente quando se instala inflamação aguda. Diferentes espécies apresentam diferentes
proteínas de fase aguda, incluindo amiloide A sérica, proteína C reativa e diversas proteínas ligadoras de ferro.
Proteínas de fase aguda atuam principalmente promovendo a defesa inata.

Complemento

Embora a inflamação aguda seja fundamental para o processo de imunidade inata, o organismo possui outros
mecanismos de defesa inata. Tecidos contêm peptídios antimicrobianos que podem se ligar a bactérias invasoras
e mata­las. Esses incluem moléculas semelhantes a detergente, como defensinas e catelicidinas, que podem
causar lise da parede celular de bactérias; enzimas, como as lisozimas, que eliminam várias bactérias Gram­
positivas; proteínas ligadoras de ferro, como hepcidina e haptoglobina, que inibem o crescimento bacteriano ao
privar as bactérias de sua indispensável fonte de ferro. Talvez a mais importante dessas defesas inatas seja o
sistema complemento, que consiste em um grupo complexo de quase 30 proteínas que atuam coletivamente para
matar microrganismos invasores. A principal função do sistema complemento é ligar irreversivelmente certas
proteínas denominadas C3 e C4 à superfície microbiana. Uma vez ligados, esses componentes do sistema
complemento podem matar micróbios por meio de ruptura, utilizando outras proteínas denominadas C9, ou
simplesmente revestindo­os de forma que sejam rapidamente e efetivamente fagocitados.
O sistema complemento pode ser ativado por três vias. Uma via, denominada via alternativa, é desencadeada
pela presença de superfície bacteriana que contém basicamente carboidratos que podem se ligar à proteína do
complemento C3. Uma vez ligado, C3 atua como uma enzima para ativar e ligar mais moléculas de C3. Estas
bactérias revestidas de C3 são rapidamente e efetivamente fagocitadas e destruídas. Alternativamente, o C3
ligado à superfície pode ativar componentes do complemento adicionais que, por fim, fazem com que a proteína
denominada C9 se insira na parede celular bacteriana, causando ruptura da bactéria. A segunda via de ativação
do complemento é desencadeada quando moléculas de manose de carboidratos da superfície bacteriana se ligam
a proteínas ligadoras de manose, no soro. Essa ligação ativa uma via enzimática que induz ativação de C3 ou
C9. A terceira via, ou via clássica de ativação do complemento, é estimulada quando anticorpos se ligam à
superfície microbiana. Assim, é desencadeada por respostas imunes adquiridas. À semelhança da via da manose,
essa via, por fim, ativa C3 e C9. Devido sua habilidade potencial de causar lesão tecidual grave, o sistema
complemento é cuidadosamente controlado por vias reguladoras múltiplas e complexas.

Células da Imunidade Inata

A chave para uma resposta imune inata efetiva é o reconhecimento imediato do invasor e a rápida resposta
celular. Vários tipos de células atuam como células sentinelas; três das mais importantes são macrófagos,
células dendríticas e mastócitos. Esses tipos celulares têm receptores de reconhecimento padrões, como
receptores semelhantes ao receptor toll, e podem perceber a presença de microrganismos invasores. Também,
apresentam vários outros receptores que podem detectar microrganismos e lesão tecidual. Quando esses
receptores são acionados eles sinalizam para as moléculas NF­?B produzirem citocinas, como IL­1, IFN­a e
TNF­a. Também, liberam moléculas vasoativas e de dor, como histamina, leucotrienos, prostaglandinas e
peptídios especializados, que iniciam os eventos vasculares na inflamação.
A finalidade da inflamação é assegurar que células fagocíticas sejam ativadas prontamente no sítio de invasão
microbiana. Isto envolve atração das células da circulação e estímulo para sua migração aos tecidos do sítio de
invasão, onde fagocitam e matam os invasores. Há 3 principais populações de células fagocíticas. Granulócitos
são especialmente efetivos na fagocitose das bactérias invasoras. Fagocitam as bactérias invasoras, ativam uma
via metabólica denominada explosão respiratória e geram moléculas oxidantes letais, como peróxido de
hidrogênio e íons hipocloreto, que matam a maior parte das bactérias fagocitadas. Outras células fagocíticas,
como os eosinófilos, eliminam especificamente parasitos invasores. Elas contêm enzimas que são otimizadas
para matar larvas de helmintos migrantes. A terceira principal população de células matadoras são os
macrófagos M1. Essas células migram para as áreas de invasão microbiana mais vagarosamente do que os
granulócitos. Contudo, são capazes de fagocitose sustentável e efetiva. Eles contêm um fator antimicrobiano
altamente letal, o óxido nítrico, e assim podem matar microrganismos resistentes à ação dos neutrófilos.
Embora os fagócitos sejam otimizados para matar bactérias invasoras, o organismo também é infectado por
vírus. Células matadoras naturais (NK, natural killer) representam uma população de células otimizadas para
matar células infectadas por vírus. As células NK, uma forma de linfócitos, podem matar células infectadas por
vírus ou outras células anormais que não expressam moléculas MHC (complexo principal de
histocompatibilidade; em inglês, major histocompatibility complex) de classe I. Moléculas MHC de classe I
ligam­se a receptores de células NK e bloqueia sua capacidade de matar. Na ausência desse sinal, as células NK
ligam­se às células–alvo, injetam proteínas indutoras de apoptose e as matam.
Quando a inflamação induz a ativação de macrófagos, eles secretam uma citocina denominada IL­23. Esta,
por sua vez, atua em uma população de células T (denominadas células TH 17), fazendo com que secretem IL­
17. A IL­17 recruta granulócitos aos sítios de inflamação, infecção e lesão tecidual.

DOENÇAS IMUNOLÓGICAS

A principal função do sistema imunológico é a detecção e destruição de microrganismos invasores. Devido à


grande diversidade de micróbios invasores, o sistema imunológico tem desenvolvido vários mecanismos de
proteção igualmente complexos. Isso pode ser classificado simplesmente como imunidade inata e imunidade
adquirida (ver p. 864). A proteção da invasão microbiana dentro de poucos dias é de responsabilidade do
sistema imunológico inato “hard wired”. A proteção a longo prazo é responsabilidade do sistema imunológico
adquirido.
Em geral, doenças associadas ao sistema imunológico podem se apresentar de duas formas: função imune
insuficiente que causa imunodeficiência, manifestada pelo aumento da suscetibilidade a infecções, e doença
resultante de função imune excessiva, resultando em hipersensibilidades e autoimunidade.
Em determinadas condições, normalmente respostas imunes protetoras podem causar importante lesão
tecidual. Em geral, a resposta imune inata excessiva se deve a estímulo inflamatório inapropriado que ocasiona,
como efeito colateral, lesão aos tecidos vizinhos, ou à produção de quantidade excessiva de citocinas
inflamatórias. Por outro lado, a resposta imune adquirida excessiva pode causar lesão tecidual por múltiplos
mecanismos. Uma classificação simples categoriza a doença decorrente de resposta imune adquirida excessiva
em 4 tipos distintos. Três desses tipos são mediados por anticorpos (Tipos I, II e III) enquanto o tipo IV é
mediado por célula T.
Inflamação e destruição tecidual limitada são características normais das respostas imunes inata e adquirida.
A doença clinica se manifesta quando esta inflamação é excessiva ou se instala em local inapropriado. Isto pode
ser decorrência de fatores ambientais externos, como a composição da microflora intestinal, juntamente com
influências hormonais e genéticas.

DOENÇAS CAUSADAS POR IMUNODEFICIÊNCIA

Doenças causadas por imunodeficiências manifestam­se clinicamente como predisposição a infecções.


Geralmente são diagnosticadas quando um animal é levado várias vezes ao veterinário com infecções que
seriam normalmente e relativamente fáceis de tratar. Há dois principais grupos de doenças ocasionadas por
imunodeficiência. Um grupo de doenças hereditárias decorrentes de mutações ou outras doenças genéticas.
Essas enfermidades por imunodeficiência congênita ou primária comumente se manifestam em animais muitos
jovens (< 6 meses de idade). O segundo grupo é representado por doenças devido à imunodeficiência
secundárias a alguns outros estímulos, como infecções virais ou neoplasias. Essas doenças secundárias ou
adquiridas tendem a ocorrer em animais adultos. Outra regra geral para diagnóstico de imunodeficiências é que
defeitos nos sistemas imunes inato e mediado por anticorpos tendem a resultar em infecções bacterianas
descontroladas, em que defeitos do sistema imunológico mediado por células tendem a causar excessivas
infecções virais e fúngicas.

IMUNODEFICIÊNCIAS PRIMÁRIAS

Defeitos da Imunidade Inata

Fagocitose é a principal característica da imunidade inata. Fagócitos mononucleares estão presentes nas
membranas mucosas e pele e na corrente sanguínea, baço, linfonodos, meninges, membrana sinovial, medula
óssea e ao redor de vasos sanguíneos, por todo o corpo. Fagócitos são encontrados nos tecidos (histiócitos,
macrófagos sinoviais, células de Kupffer etc.) ou no sangue (leucócitos polimorfonucleares e monócitos).
Fagócitos contêm receptores de imunoglobulinas e complemento em sua superfície, o que facilita o
englobamento (opsonização) de material estranho revestido com anticorpos específicos (opsoninas) ou
complemento, ou ambos. A fagocitose envolve quimiotaxia de fagócitos a tecidos estranhos, nocivos ou
lesionados; aderência de microrganismos à membrana plasmática de fagócitos; incorporação de organismos ao
fagossomo; e ativação da explosão respiratória e enzimas lisossomais no fagossomo ocasionando morte e
destruição dos microrganismos.
DEFICIÊNCIAS NA FAGOCITOSE: Deficiências na atividade fagocítica podem envolver defeitos adquiridos ou
congênitos, em qualquer uma dessas fases, ou simplesmente ser decorrência de deficiência de células
fagocíticas. Frequentemente se manifestam como aumento de suscetibilidade às infecções bacterianas de pele,
sistema respiratório e trato gastrintestinal. Essas infecções respondem pobremente aos antibióticos. As
deficiências fagocíticas secundárias incluem distúrbios que ocasionam redução intensa crônica de leucócitos.
Infecção por vírus da leucemia felina, vírus da panleucopenia felina, vírus da imunodeficiência felina e
pancitopenia canina tropical, bem como granulocitopenias idiopáticas, granulocitopenias induzidas por
medicamentos (anticancerígenos, estrógenos, anticonvulsivantes, sulfonamidas etc.) e distúrbios
mieloproliferativos, são algumas das condições nas quais infecções secundárias podem desencadear
complicações como risco à vida do paciente.
No sangue periférico ocorre diminuição cíclica de todos os elementos celulares, notadamente de neutrófilos, e
isso reduz a resistência às infecções em algumas linhagens da raça Colly cinza e seus mestiços.
Em pessoas, as anormalidades congênitas que induzem deficiência da fagocitose são bem documentadas.
Deficiências de opsoninas, fatores de complemento, capacidade quimiotática, mieloperoxidase e da ativação de
enzimas lisossomais são bem conhecidas em pessoas, mas não em outros animais. Em alguns cães da raça Setter
Irlandês, a doença granulomatosa crônica (síndrome granulocitopática canina) é reconhecida como um defeito
ligado ao cromossomo X. Algumas linhagens de cães da raça Weimaraner, quando filhotes, desenvolvem sepse
bacteriana (quase sempre manifestada como infecções ósseas e articulares). Desconhece­se a causa primária
dessa enfermidade; alguns cães acometidos apresentam teores de IgM e IgG menores do que o normal, e os seus
leucócitos possuem defeito na atividade bactericida.
DEFICIÊNCIA NA ADESÃO DE LEUCÓCITOS: A deficiência na adesão de leucócitos é uma imunodeficiência
primária, herdada como uma característica autossômica recessiva. Foi descrita em pessoas, em cães da raça
Setter Irlandês e em bovinos da raça Holstein. Essa deficiência se deve à ausência de integrina, uma
glicoproteína essencial presente na superfície dos leucócitos. Clinicamente, é caracterizada por infecções
bacterianas graves e recidivantes, dificuldade na formação de pus e retardo da cicatrização de ferimentos. Os
animais infectados geralmente apresentam febre intensa, anorexia e perda de peso. A resposta à
antibioticoterapia comumente é baixa. Pode ocorrer leucocitose extrema persistente (> 100.000 leucócitos/ml),
devido à presença de, principalmente, neutrófilos maduros. A deficiência de integrina impede a saída de
leucócitos dos vasos sanguíneos e sua entrada nos tecidos; desta forma esta alta leucocitose não pode contribuir
para a defesa dos tecidos contra infecções.
DEFICIÊNCIAS DE COMPLEMENTO: Em uma linhagem endogâmica de cães da raça Spaniel britânico foi descrita
deficiência congênita de C3. Esses cães manifestam infecções bacterianas recidivantes, especialmente
dermatopatias e pneumonias. Embora o complemento seja necessário para opsonização e quimiotaxia de
neutrófilos, nem sempre se desenvolvem infecções bacterianas em pessoas ou animais de laboratório com essas
deficiências devido à existência de múltiplas vias do complemento, o que propicia a ativação do sistema, mesmo
que uma via esteja bloqueada. O diagnóstico baseia­se em testes sanguíneos, nos quais nota­se teor de C3 <
30% do valor normal.
A deficiência congênita do inibidor de C1 foi relatada em pessoas e, raramente, em cães. Isto pode induzir à
ativação descontrolada do complemento e inflamação. Os animais acometidos apresentam episódios
recidivantes de edema facial.
Não há tratamento específico para as deficiências de complemento. Vacinação e antibióticos geralmente são
utilizados para prevenir e tratar infecções. Como em todas as doenças hereditárias, os programas de
acasalamento subsequentes devem ser cuidadosamente avaliados, de modo a prevenir a ocorrência da doença
em futuras gerações.

Deficiências Na Imunidade Adquirida

IMUNODEFICIÊNCIAS DA RESPOSTA HUMORAL: Essas deficiências podem ser adquiridas ou congênitas.

Deficiências adquiridas são notadas em neonatos que não recebem, adequadamente, anticorpos maternos (falha
de transferência de imunidade passiva) ou em animais idosos, em decorrência de afecções que diminuem a
síntese de imunoglobulinas ativas. A falha na transferência passiva de imunoglobulinas ocorre nas espécies que
utilizam o colostro como principal fonte de anticorpos maternos. Essa falha é comumente associada a problemas
clínicos em bezerros, cordeiros e potros. A falha de transferência passiva pode ocorrer quando o animal jovem
não mama apropriadamente nos primeiros dias de vida ou quando o colostro da mãe contém baixos teores de
anticorpos específicos. Também, podem ocorrer problemas na absorção intestinal de imunoglobulinas do leite.
Nos potros, concentração de imunoglobulina < 400 mg/dl em uma amostra de soro sanguíneo obtida após a
amamentação indica falha de transferência passiva. A separação demasiadamente precoce dos bezerros de suas
mães é um problema frequente nos rebanhos leiteiros e representa a principal causa de falha de transferência
passiva em bezerros de rebanhos leiteiros. Os animais recém­nascidos que não obtêm anticorpos maternos
adequadamente, com frequência, sucumbem a infecções bacterianas ou virais fatais dos tratos gastrintestinal e
respiratório.
Hipogamaglobulinemia clinicamente significante pode estar associada a qualquer distúrbio que interfira na
síntese de imunoglobulinas. Neoplasias como mieloma plasmocitário ou linfossarcoma, que secretam grande
quantidade de anticorpos monoclonais, podem estar associadas a deficiência marcante de imunoglobulinas. Isto
pode acontecer porque as células tumorais competem com as células produtoras de imunoglobulinas normais,
ou porque vias reguladoras inibem a produção de imunoglobulinas. Animais com tumores que produzem
anticorpos monoclonais podem apresentar infecções secundárias graves. Algumas infecções virais, por exemplo,
cinomose e parvovirose canina, podem matar destruir quantidade suficiente de linfócitos e danificar o sistema
imunológico tão gravemente que a produção de anticorpos é praticamente interrompida.
Hipogamaglobulinemia congênita é reconhecida tanto sozinha quanto em combinação com deficiências na
imunidade mediada por células. Deficiências nas subclasses de IgG são observadas em algumas raças de
bovinos; a deficiência de IgM foi descrita em equinos e deficiências de IgA foram relatadas em cães das raças
Beagle, Pastor Alemão e Shar­Pei chinês. Bovinos com deficiência da subclasse IgG geralmente são
assintomáticos. Os potros mais velhos com deficiência de IgM apresentam infecções respiratórias. Cães com
deficiência de IgA, assim como pessoas, manifestam principalmente infecções cutâneas e respiratórias crônicas
e, possivelmente, alergias. A deficiência de IgA em cães da raça Beagle parece decorrência de um defeito na
secreção de IgA, pois há quantidade normal de células IgA­positivas. Alguns cães da raça Pastor Alemão podem
apresentar teor de IgA mais baixo do que cães de outras raças, bem como maior prevalência de infecções
intestinais. A deficiência de IgA em cães da raça Shar­pei é altamente variável; alguns apresentam teores séricos
e secretórios insignificantes, outros possuem concentrações séricas normais e teores secretórios baixos ou
insignificantes. Assim como ocorre em Pastor Alemão, os cães Shar­Pei acometidos apresentam mais problemas
de alergia do que o esperado. Pacientes com essas síndromes de imunodeficiência podem ter uma prevalência
maior de doenças autoimunes e autoanticorpos do que o normal, como anemia hemolítica autoimune,
trombocitopenia e lúpus eritematoso sistêmico. É necessário tratamento prolongado com antibióticos de amplo
espectro, que frequentemente não é efetivo.
Hipogamaglobulinemia transitória é relatada mais frequentemente em potros e filhotes de pequenos
animais. Pode ser mais comum em filhotes de cães do tipo Spitz do que naqueles de outras raças. Isto se de à
falha na produção de imunoglobulinas em recém­nascidos, associada a um defeito na função de células Th e na
resposta de linfócitos B a antígenos estranhos. Nessas condições, os filhotes de cães desenvolvem infecções
respiratórias recidivantes com 1 a 6 meses de idade, mas se recuperam ao redor de 8 meses de idade. Os potros
acometidos frequentemente desenvolvem sinais clínicos de hipogamaglobulinemia (quase sempre infecções
respiratórias) com cerca de 6 meses de idade, quando seus anticorpos maternos atingem uma concentração
bastante baixa. Depois de 3 a 5 meses eles começam a produzir imunoglobulinas. O tratamento adequado com
antibióticos e terapia de suporte geralmente ser suficiente.
DEFICIÊNCIAS NA IMUNIDADE MEDIADA POR CÉLULA: As deficiências na resposta imune mediada por células
estão associadas a aplasia de timo, com timo ausente ou muito pequeno. Isso é observado em algumas linhagens
endogâmicas de cães e bovinos; esses animais apresentam deficiências nas funções imunológicas mediadas por
células, como blastogênese linfocitária, bem como desenvolvem disfunção hipofisária.
DOENÇA POR IMUNODEFICIÊNCIA COMBINADA: Se ambas as respostas imunes, humoral e celular, são deficientes
tem­se imunodeficiência combinada (IC). Ela se deve a lesões nos progenitores linfocitários iniciais. IC
recessiva foi identificada em potros da raça Árabe e em cães Basset Hound. Isto resulta de um defeito nas
enzimas de reparação do DNA e impede a produção de receptores antigênicos funcionais. Casos esporádicos de
IC foram relatados em cães das raças Poodle toy, Rottweiler e em filhotes de raças mestiças. Cães acometidos
são frequentemente assintomáticos nos primeiros meses de vida mais tornam­se progressivamente mais
suscetíveis a infecções microbianas à medida que diminui o teor de anticorpos. Filhotes com IC geralmente são
normais até 6 a 12 meses de idade. A causa mais comum de morte por essa anormalidade é a cinomose, uma
consequência da imunização de rotina com vacina de vírus vivo modificado contra a doença. Potros da raça
Árabe com o distúrbio frequentemente são acometidos por pneumonia causada por adenovírus ou outras
infecções aos cerca de 2 meses de idade. Os potros permanecem persistentemente linfopênicos. Amostras de
soro antes da mamada do colostro não apresentam anticorpo IgM. Os teores de imunoglobulinas são normais
após a amamentação, mas diminuem progressivamente depois desse período, em comparação com os teores de
potros normais. Na necropsia, é difícil identificar o timo, que possui arquitetura anormal Nos linofonodos,
placas de Peyer e baço nota­se depleção intensa dos elementos linfoides. Um teste de PCR está disponível para
confirmar IC em potros, bem como a presença de gene em animais heterozigotos. Como resultado do uso desses
testes a prevalência de IC em equinos tem diminuído significativamente.
IMUNODEFICIÊNCIAS SELETIVAS: Grande número de doenças causadas por imunodeficiências ainda precisam ser
bem estudadas, pois os mecanismos fisiopatogênicos exatos ainda são desconhecidos. Por exemplo, há
predisposição racial em filhotes de cães Rottweiler por infecções graves por parvovírus canino, frequentemente
fatais (ver p. 423). A resistência desses animais a outras doenças permanece essencialmente normal, e não se
conhece a causa dessa imunodeficiência seletiva.
Gatos da raça Persa são predispostos a dermatofitoses graves, às vezes, crônicas (ver p. 923). Em alguns
desses gatos, infecções fúngicas se instalam na derme e causam doença granulomatosa (micetoma).
Visons, ou martas, com mutação da cor de pelame Aleutiana são suscetíveis à parvovirose crônica e
desenvolvem um distúrbio denominado doença aleutiana (ver p. 2153). Outras linhagens de visons são
suscetíveis à infecção por esse vírus, mas não desenvolvem doença clínica.
Aspergilose focal e sistêmica (ver p. 680) e micoses causadas por fungos aparentados acometem algumas
raças de cães. Raças de nariz longo, particularmente Pastor Alemão e seus mestiços, são predispostas à
aspergilose focal nas vias nasais. Aspergilose sistêmica é observada quase que exclusivamente em cães Pastor
Alemão, sendo mais frequente na Austrália Ocidental do que em outras regiões. É caracterizada por pielonefrite,
osteomielite e discoespondilite fúngicas. O microrganismo causador pode ser facilmente isolado no sangue e na
urina.

IMUNODEFICIÊNCIAS SECUNDÁRIAS

Em animais adultos, imunodeficiências frequentemente ocorrem como consequência de infecções virais,


desnutrição, estresse ou toxinas. São denominadas imunodeficiências secundárias. Imunodeficiências
secundárias induzidas por vírus são as mais importantes delas.

Imunodeficiências Induzidas por Vírus

Uma das maneiras em que os vírus sobrevivem em animais infectados é por meio de imunossupressão. Por
exemplo, vírus da cinomose canina infecta e destrói linfócitos, causando importante imunodeficiência
combinada em filhotes de cães acometidos. A infecção está associada a diminuição progressiva dos teores de
imunoglobulinas e aumento da suscetibilidade a microrganismos controlados pela imunidade muscular celular,
como Pneumocistis e Toxoplasma. A infecção pelo vírus da parvovirose, tanto canina quanto felina, também
causa diminuição significativa da resistência a infecções fúngicas, como aspergilose, mucormicose e candidíase,
no período pós­recuperação imediato.
VÍRUS DA LEUCEMIA FELINA (FELV):Esta infecção está associada a imunodeficiência adquirida e maior
prevalência de infecções secundárias oportunistas. Na infecção por FeLV, a imunodeficiência adquirida é
multifatorial. Os gatos infectados podem apresentar deficiência de neutrófilos, menor produção de anticorpos
(especialmente contra antígenos bacterianos), redução da imunidade celular e concentrações variáveis de
complemento. As respostas imunológicas contra a infecção por FeLV também parecem suprimir a imunidade ao
coronavírus que causa peritonite infecciosa felina (FIP), modo a induzir reativação de uma FIP quiescente (ver
p. 852).
RETROVÍRUS SÍMIO TIPO D: Esta infecção viral de macacos tem patogênese semelhante àquela da infecção por
FeLV em gatos, mas pode induzir imunodeficiência ainda mais grave. Retrovírus tipo D dos macacos pode
causar doença grave em animais jovens criados em zoológicos e em centros de primatas com grande grupo de
reprodutores. Embora a taxa de infecção no ambiente silvestre possa ser alta, esse vírus causa síndrome menos
grave nas populações silvestres do que nas cativas. Os macacos infectados morrem dentro de alguns meses, com
febre, linfadenopatia e infecções oportunistas de SNC, trato respiratório e intestinos; tornam­se portadores
assintomáticos vitalícios ou se recuperam completamente.
VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA DE SÍMIOS (VIS): Este lentivírus está relacionado com o vírus da imunodeficiência
humana. Na natureza há várias cepas de SIS. Hospedeiros comuns são primatas africanos, como o macaco­verde
africano, macaco mangabei escuro, mandril, babuíno e macaco guenon. A transmissão entre macacos infectados
e não infectados provavelmente acontece por meio de picadas e exposição intrauterina. Não se encontra VIS nas
populações nativas de primatas asiáticos. VIS raramente provoca doença em espécies hospedeiras africanas. Se
os animais se encontram sob alto estresse, como ocorre em cativeiros, alguns animais infectados podem
desenvolver doença semelhante à AIDS. VIS, especialmente aquele oriundo de macaco mangabey escuro, causa
doença grave em macacos asiáticos (macacos rhesus, macaco­de­rabo­curto, macaco­rabo­de­porco, macaco
Bonnet etc.). A imunossupressão associada a VIS pode durar semanas ou anos. Encefalite (geralmente
assintomática, exceto quanto debilitante) e linfomas são sequelas frequentes de infecções por VIS em macacos.
VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA FELINA (FIV): Foi identificado em gatos domésticos e guepardos. A infecção é
endêmica em gatos, em todo o mundo. O vírus é excretado principalmente pela saliva e o principal modo de
transmissão é a mordedura. Gatos livremente errantes (silvestres e de estimação), machos e idosos, representam
o maior risco de infecção. A infecção por VIS é incomum em gatos de raça pura que vivem em gatis. Após a
infecção, há um período transitório de febre, linfadenopatia e neutropenia. Grande parte dos gatos se recupera a
partir desse estágio e parece normal por meses ou anos antes de surgir imunodeficiência progressiva. Os gatos
com imunodeficiência adquirida induzida por FIV manifestam infecções secundárias oportunistas crônicas nos
tratos respiratório, gastrintestinal (inclusive boca) e urinário, bem como na pele. Em gatos infectados por FIV a
prevalência de linfoma FeLV­negativo, geralmente de linfócitos B, e de doenças mieloproliferativas (neoplasias
e displasias), é maior do que a esperada.
VÍRUS SEMELHANTE AO DA IMUNODEFICIÊNCIA BOVINA: Estes lentivírus isolados originalmente de bovinos com
linfocitose permanente e hemolinfadenopatia. Também já foi isolado de bovinos com linfossarcoma VLB­
negativo. A prevalência total em bovinos parece ser cerca de 1%, embora, em alguns rebanhos, possa ser =
15%. Evidências preliminares indicam que o vírus não é patogênico.

FUNÇÃO IMUNE EXCESSIVA

Há diversos modos pelos quais a função imune excessiva pode causar doença ou morte. Essas incluem resposta
inata excessiva, resposta adquirida excessiva e neoplasia de sistema imunológico.

GAMOPATIAS

Gamopatias são condições nas quais nota­se aumento marcante dos teores séricos de imunoglobulinas. Podem
ser classificadas em policlonais (aumento em das principais classes de imunoglobulinas) ou monoclonais
(aumento em uma única imunoglobulina homogênea).
Gamopatias policlonais envolve condições que causam estimulação prolongada do sistema imunológico.
Essas incluem piodermatite crônica; infecções virais, bacterianas ou fúngicas crônicas; doenças granulomatosas;
abscessos; infecções parasitárias crônicas; riquetsioses crônicas, como pancitopenia canina tropical; doenças
imunes crônicas, como lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide e miosite ou neoplasias. Essas
gamopatias também podem ser idiopáticas. Em alguns animais, inicialmente pode parecer monoclonal em razão
da predominância de uma classe de imunoglobulinas (geralmente IgG). Tem sido relatada em gatos com
peritonite infecciosa felina não efusiva e em cães com pancitopenia canina tropical crônica.
Gamopatias monoclonais são caracterizadas pela produção de grande quantidade de um tipo de
imunoglobulina. As gamopatias monoclonais são benignas (i. e., não associadas a doença primária) ou
associadas a tumores secretores de imunoglobulinas.
Os tumores que produzem anticorpos monoclonais se originam de plasmócitos (mieloma) ou de linfoblastos
(linfossarcoma). Os mielomas plasmocitários podem secretar proteínas íntegras de qualquer classe de
imunoglobulina ou subunidades de imunoglobulinas (cadeias leves ou pesadas). Em cães, as proteínas de
mieloma são comumente dos tipos IgG ou IgA e, em menor quantidade, IgM. Os mielomas tipo IgA são
particularmente comuns em cães da raça Doberman Pinscher. As imunoglobulinas monoclonais produzidas por
um linfossarcoma geralmente são da classe IgM, independente da espécie. Em gatos e equinos, as proteínas de
mieloma quase sempre são IgG e, raramente, IgM, IgG3 (equinos) ou IgA.
Os sinais clínicos dependem da localização e da gravidade da neoplasia primária e da quantidade e do tipo da
imunoglobulina secretada. Mielomas plasmocitários frequentemente se desenvolvem nas cavidades medulares
dos ossos chatos cranianos, costais e pélvicos, bem como nas vértebras. Fraturas patológicas dos ossos
acometidos podem causar enfermidades de coluna vertebral, dor e claudicação.
A doença clinicamente evidente pode resultar da presença da proteína monoclonal propriamente dita. Por
exemplo, algumas formas de amiloidose (ver p. 631) podem ser decorrência do deposito de imunoglobulinas de
cadeia leve nos tecidos (amiloide A sérica). A síndrome da hiperviscosidade acomete 20% dos cães com
proteínas monoclonais IgM e IgA e pode ser notada quando o teor sanguíneo de proteínas é alto. Nessa
síndrome, a viscosidade plasmática pode estar aumentada, muitas vezes o valor normal, resultando em
distúrbios vasculares graves, trombose e diátese hemorrágica. Depressão, cegueira e manifestações neurológicas
podem ser causadas por hemorragia no sistema nervoso e na retina. Algumas proteínas monoclonais tipo IgM
atuam como crioglobulinas e se agregam in vitro e in vivo, quando o plasma é resfriado. Animais com
crioglobulinemia desenvolvem gangrenosa com desprendimento das extremidades das orelhas, pálpebras, dedos
e cauda, especialmente durante clima com baixa temperatura. Animais com gamopatias monoclonais podem
apresentar baixo teor de imunoglobulinas normais e, portanto, podem desenvolver infecções secundárias graves.
As neoplasias secretoras de imunoglobulinas comumente são tratadas com quimioterápicos apropriados. Pode
ser necessário plasmaférese com intuito de diminuir a viscosidade sérica em animais com sinais clínicos de
síndrome da hiperviscosidade.

NEOPLASIAS DO SISTEMA IMUNOLÓGICO

As células do sistema imunológico podem tornar­se neoplásicas. Isto resulta na produção de células tumorais
que podem ser totalmente ineficientes e, por isso, devem causar imunodeficiências. Alternativamente, podem
ser funcionais e produzir grande quantidade de imunoglobulinas contra antígenos desconhecidos.
Em pacientes com câncer, as células tumorais escapam do ataque imunológico, em razão da imunossupressão
e de modificações das células tumorais. A demonstração de que, mesmo volumoso, o tumor invasivo pode
regredir completamente sob estimulação apropriada (p. ex., IL­2), indica que realmente é possível obter sucesso
com tratamento de câncer por meio de manipulação imunológica.
Linfomas são um dos tumores mais prevalentes em cães e gatos. A resposta imunológica normal requer uma
proliferação intensa rápida de linfócitos. No entanto, essa proliferação às vezes pode ser descontrolada,
resultando em neoplasias linfoides. Pelo fato de os linfócitos estarem presentes em todos os órgãos, o
desenvolvimento do tumor pode ocorrer em qualquer órgão. As neoplasias podem ser multicêntricas,
mediastinais, gastrintestinais, renais, nervosas ou leucêmicas. É pouco comum nos olhos, pele ou nariz. Para
determinar o estágio da doença são úteis contagens de células sanguíneas, perfil químico sérico, ultrassonografia
abdominal, radiografia abdominal e exame de medula óssea. Para caracterizar os linfomas de cães e gatos pode­
se realizar corante fluorescente. Estes podem se originar tanto em linfócitos T quanto em linfócitos B.
A maioria dos casos de linfossarcoma canino, doença de Marek, leucose de bezerros e leucemia felina tem
origem nos linfócitos T, como os timomas. Muitos linfomas de linfócitos T estão associados a imunossupressão
simultânea manifestada por meio de predisposição à infecções recidivantes.
Leucose em bovinos e ovinos adultos, leucemia felina alimentar e leucose aviária geralmente se originam de
linfócitos B. Em certas condições, os linfócitos B neoplásicos podem se desenvolver em plasmócitos. Os
tumores plasmocitários são denominados mielomas. Como os plasmócitos neoplásicos podem secretar
imunoglobulinas, eles dão origem às gamopatias.

RESPOSTA IMUNE ADQUIRIDA EXCESSIVA

Atividade excessiva do sistema imunológico adquirido pode induzir inflamação e lesão tecidual, autoimunidade
ou amiloidose. Por muitos anos tem se classificado as resposta imune adquirida excessiva em 4 tipos, com base
nos mecanismos envolvidos.

Reação Tipo I (Doença Atópica, Reação Anafilática)

Hipersensibilidade imediata ou Tipo I acompanha estas reações mediadas por IgE a outros antígenos não
parasitários. Esta inflamação pode ser mínima ou localizada ou grave e generalizada. Nesta forma mais extrema
pode causar uma síndrome de choque letal denominada anafilaxia. A anafilaxia é uma manifestação sistêmica
aguda da interação de um antígeno (alergênio) com anticorpos IgE, presentes em mastócitos e basófilos. Essa
ligação do antígeno com anticorpos IgE ligados às células desencadeia a liberação de mediadores inflamatórios
biologicamente ativos, inclusive histamina, leucotrienos, fatores quimiotáticos de eosinófilos, fator ativador de
plaquetas, cininas, serotoninas e enzimas proteolíticas. Essas moléculas afetam diretamente o sistema vascular,
causando vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular, e os músculos lisos, causando contração. Além
disso, estimulam a migração de eosinófilos para o sítio de origem da reação.
A intensidade da reação depende do tipo de antígeno, da quantidade de anticorpos IgE e de antígenos e da via
de exposição. Se o animal é previamente sensibilizado pela exposição ao alergênio (antígeno) e produz
anticorpos IgE, então a injeção desses antígenos sensibilizantes diretamente na corrente sanguínea pode resultar
em choque anafilático e reações relacionadas (erupções, urticária, edema conjuntival­facial. Se os alergênios
sensibilizadores entram em contato com membranas mucosas ou pele, as reações alérgicas tendem a ser mais
localizadas. Há vários agentes que podem causar reações anafiláticas e alérgicas, inclusive o veneno da picada e
do ferrão de insetos, vacinas, medicamentos, alimentos e derivados de sangue.
ANAFILAXIA SISTÊMICA (REAÇÕES ANAFILÁTICAS GENERALIZADAS): Choque anafilático se instala em animais
sensibilizados, após exposição a vacinas ou medicamentos, ingestão de alimentos ou picada de insetos. Os sinais
clínicos surgem segundos a minutos depois da exposição ao alergênio. Na maioria dos animais domésticos, o
pulmão é o órgão­alvo primário e os vasos porto­mesentéricos representam o alvo secundário; isso é reversível
em cães. A degranulação de mastócitos nos vasos pulmonares causa constrição das vias respiratórias bronquiais
ou das veias pulmonares e congestão sanguínea e edema no leito vascular pulmonar, o que resulta em angústia
respiratória grave. A degranulação de mastócitos nos vasos portossistêmicos causa dilatação venosa e congestão
sanguínea nos intestinal e no fígado.
Os sintomas podem ser localizados ou generalizados e incluem inquietação e excitação, prurido ao redor da
cabeça ou no local de exposição, edema facial, salivação, lacrimejamento, vômito, dor abdominal, diarreia,
dispneia, cianose, choque, incoordenação, colapso, convulsões e morte. Nos cães, o principal órgão acometido
por choque anafilático é o fígado e os sintomas estão associados à constrição nas veias hepáticas, o que resulta
em hipertensão portal e acúmulo de sangue na víscera. Em cães, os sintomas gastrintestinais são mais evidentes
do que os sinais respiratórios. A terapia de suporte, além do tratamento da angústia respiratória, consiste na
administração de epinefrina (tanto local quanto sistêmica, quando necessário). Se necessário, pode­se utilizar
fluido intravenoso para tratamento do choque, anti–histamínicos (por via sistêmica, para tratar anafilaxia aguda
grave, ou VO, para controlar os sintomas crônicos de alergia ou sinais alérgicos mais discretos) e
corticosteroides.
O choque anafilático é tratado com injeção intravenosa de epinefrina para inibir a constrição brônquico e a
vasodilatação portomesentérica. Pode ser necessário terapia de suporte para controlar a pressão arterial e a
função respiratória. Em razão do início hiperagudo dos sintomas, os anti­histamínicos propiciam poucos
benefícios terapêuticos
Reações urticarianas (placas angioedematosas ou urticárias) na pele e no subcutâneo e edema agudo de
lábios, conjuntiva e pele facial (angioedema face­conjuntival), são formas menos graves de hipersensibilidade
tipo I. Erupção cutânea é a reação menos grave e não deve ocasionar outras anormalidades clínicas. O edema
face­conjuntival é mais grave e pode estar associado a anafilaxia sistêmica branda a moderadamente grave.
Essas reações geralmente seguem à administração de vacinas ou medicamentos, ingestão de certos alimentos ou
picada de insetos. As reações urticarianas e o edema face­conjuntival ocorrem na maioria das espécies e se
resolvem espontaneamente dentro de 24 h. Nem todas as reações deste tipo são mediadas por hipersensibilidade
tipo I (ver p. 912).
Alergia ao leite ocorre ocasionalmente em vacas e, com menor frequência, em éguas. Pode surgir quando as
vacas produzem autoanticorpos IgE contra os componentes de seu próprio leite, notadamente contra a caseína.
Quando há aumento da pressão intramamária, essas proteínas lácteas entram na circulação e induzem
hipersensibilidade do tipo I. A reação pode ser localizada ou sistêmica. A recuperação ocorre quando o animal é
ordenhado.
REAÇÕES ANAFILÁTICAS LOCALIZADAS:
Rinite alérgica se manifestada por meio de secreção nasal serosa e espirros, sendo menos comum nos animais
do que em pessoas. Frequentemente é sazonal e relaciona­se à exposição ao pólen. Rinite não sazonal pode estar
associada à exposição a alergênios presentes no ambiente, como bolores, descamações ou material de cama e
alimentos. Nos equinos, a obstrução recorrente das vias respiratórias (ver p. 1570) provavelmente é uma reação
à exposição crônica a bolores presentes no feno mofado e em estábulos pouco ventilados. Coriza de verão é uma
rinite alérgica sazonal que ocorre em bovinos das raças Guernsei ou Jersei mantidos em alguns tipos de
pastagens em floração, no final do verão e início do outono. A rinite alérgica pode ser diagnosticada por
tentativa com base: (1) constatação de eosinófilos no exsudato nasal; (2) demonstração de uma resposta
favorável a anti­histamínicos; (3) desaparecimento dos sintomas quando se remove o alergênio causador ou,
ocasionalmente; (4) quando a natureza deste é sazonal. O teste cutâneo não é um método confiável para
diagnosticar alergias nasais em animais.
Bronquite alérgica crônica foi mais bem caracterizada em cães. Tosse seca estridente, curta e repetida,
facilmente precipitada por esforço ou pressão na traqueia, é um sinal clínico característico. Essa doença pode ser
sazonal ou ocorrer o ano todo. Geralmente não está associada a outros sinais de doença. O exsudato brônquico é
rico em eosinófilos e livre de bactérias. As radiografias torácicas são normais e pode ocorrer, ou não, eosinofilia
periférica de baixo grau. A afecção é tratada com dilatadores bronquiais e expectorantes (aminofilina e iodeto de
potássio ou guaifenesina). Os glicocorticoides aliviam muito os sintomas, especialmente quando seu uso pode
ser limitado a determinadas estações ou à terapia com baixa dose em dias alternados. Geralmente não é possível
evitar o(s) alergênio(s) causador(es).
Bronquiolite alérgica é mais comum em gatos. Manifesta­se por meio de tosse de baixo grau, chiado,
discreta dispneia e aumento da densidade peribronquiolar nas radiografias, podendo ser confundida com outras
enfermidades (asma alérgica ou dictiocaulose pulmonar). No início da doença os sinais clínicos melhoram com
o uso terapia anti­histamínica, mas se a doença se agravar podem ser necessárias doses moderadas a altas de
corticosteroides. Quase sempre não se identifica o alergênio causador.
Infiltrado pulmonar eosinofílico é mais frequente em cães, mas foi detectado em todas as espécies. Está
associado a infiltrado inflamatório difuso nos pulmões e eosinofilia periférica acentuada; as concentrações
séricas de globulinas geralmente estão aumentadas. Diferente do que acontece na bronquite alérgica, os animais
acometidos manifestam dispneia ou se cansam facilmente durante o exercício. O exsudato brônquico difuso
contém muitos eosinófilos. Geralmente não se identifica o alergênio causador específico. Glicocorticoides
representam o tratamento de escolha. Uma síndrome semelhante está associada a infecções parasitárias
residentes ou migratórias nos pulmões de animais jovens.
Asma alérgica é mais frequente em gatos, nos quais os sintomas são semelhantes àqueles verificados em
pessoas. Ocorre mais frequentemente no verão e surge após a saída do animal ao ar livre; os episódios
individuais podem ser transitórios e leves, ou prolongados e graves (estado asmático). As crises brandas
manifestam­se por chiado e tosse; nos episódios graves podem ocorrer dispneia expiratória, hiperextensão
pulmonar, aerofagia, cianose e dificuldade marcante à inspiração.
Alergias intestinais (alergias alimentares) são frequentemente verificadas em cães e gatos, principalmente
em gatinhos (ver p. 907 e 2450). Gastrite alérgica se manifesta na forma de vômitos que ocorrem 1 a > 12
vezes/semana, 1 a 2 h após a alimentação. O vômito pode apresentar manchas de bile. Nos gatos, os vômitos
podem ser o único sintoma; os cães também podem apresentar fezes intermitentemente líquidas. Cães e gatos
com gastrite alérgica geralmente são saudáveis, exceto pelos episódios de vômito, embora possa ocorrer perda
de peso e da condição do pelame, em casos graves. Enterite alérgica está associada a inflamação moderada do
intestino delgado, havendo grau discreto, ou nenhum, de eosinofilia. O volume e a frequência de defecações
geralmente são normais, mas a consistência das fezes varia de semiformadas a aquosas. As fezes podem ser
muito fétidas, especialmente as de gatos. Os animais acometidos podem emagrecer muito, apesar do bom
apetite. Lesões cutâneas e má condição do pelame são mais associadas às alergias alimentares em gatos do que
em cães. A alergia frequentemente se instala após surto de enterite viral, bacteriana ou por protozoário
(condição conhecida como “ruptura” alérgica). A enterite eosinofílica é a forma mais grave de doença intestinal
alérgica; manifesta­se como inflamação intestinal moderada a grave e acentuada eosinofilia Diarreia e perdas de
peso e pelame são evidentes. A prevalência de colite alérgica é maior em gatos do que nos cães, embora
geralmente não seja comum. Nos cães, comumente está associada a defecações frequentes e fezes moles, com
muco e, às vezes, sanguinolentas; nos gatos, se manifesta como fezes mais normais, recobertas ou com manchas
de sangue fresco (Para diagnóstico e tratamento de alergia alimentar, ver p. 907).
Bronquiolite alérgica; imagem lateral. Cortesia do Dr. Ronald Green.

Dermatite atópica (ver p. 909) é uma dermatopatia crônica pruriginosa que acomete várias espécies, porém é
mais estudada em cães. Os animais com dermatite atópica têm uma predisposição genética que induz produção
excessiva de anticorpos reagentes (IgE). Estima­se que cerca de 10% da população de cães apresentam atopia,
com predisposição em animais das raças Terrier, Dálmata e Retriever. A dermatite atópica canina
frequentemente se deve a alergênios inalados como, por exemplo, poeira domiciliar, pólen, bolores e
descamações. Os cães com atopia várias vezes mordem os pés e as axilas. Nas áreas sem pelos, evidencia­se
especialmente sudorese excessiva. As lesões cutâneas se agravam em razão de lambedura, coceira, infestação
por pulga e infecção bacteriana ou fúngica secundária. Nos gatos, as lesões cutâneas atópicas são miliares
(crostas pequenas) e disseminadas, ou maiores e mais localizadas. As lesões localizadas frequentemente são
pruriginosas.
Em gatos, os alergênios alimentares provavelmente são causas mais comuns de lesões cutâneas do que os
alergênios inalados. A “itch sweet” (ver p. 987) é uma dermatite alérgica sazonal de equinos, associada a
picadas de alguns insetos, especialmente Culicoides, que se alimentam à noite. Surgem lesões intensamente
pruriginosas ao longo do dorso, desde as orelhas até a base da cauda e a área perianal. Podem­se observar
reações alérgicas cutâneas semelhantes a picadas de insetos ao redor das orelhas e da face de cães e gatos (Para
diagnóstico e tratamento, ver p. 909).

Reação Tipo II (Reação Citotóxica Mediada por Anticorpo)

A reação tipo II ocorre quando um anticorpo se liga a um antígeno na superfície da célula. Esse anticorpo ligado
pode, então, ativar a via clássica do complemento, resultando em lise celular, fagocitose ou citotoxicidade
celular dependente de anticorpo. Diversos antígenos podem desencadear essa destruição celular, mas na
infecção em animais geneticamente predispostos parece ser a principal via desencadeadora. Anticorpos de
reatividade cruzada podem se desenvolver durante as infecções. Esses anticorpos de reatividade cruzada
direcionados ao agente infeccioso se ligam ao tecido normal e resultam em citotoxicidade mediada por
anticorpo. Por exemplo, em equinos com infecção estreptocócica pode ocorrer reação cruzada entre os antígenos
de Streptococcus equi e as membranas basais vasculares, provocando púrpura hemorrágica. Patógenos como,
por exemplo, Babesia ou Haemobartonella, que parasitam células desencadeiam uma resposta imunológica que
destrói essas células, como parte de um mecanismo protetor. As manifestações mais comuns de
hipersensibilidade tipo II envolvem células sanguíneas. Essas incluem anemia hemolítica, se há envolvimento
de hemácias, leucopenia, quando envolve leucócitos, ou trombocitopenia, envolvendo plaquetas. Anemia e
trombocitopenia são mais comuns. Em determinadas circunstâncias o episódio citotóxico nas células epiteliais
vasculares podem causar vasculite, com extravasamento vascular.
ANEMIA HEMOLÍTICA AUTOIMUNE E TROMBOCITOPENIA: A produção de autoanticorpos contra eritrócitos ou
antígenos plaquetários induz anemia e trombocitopenia, as reações tipo II mais comuns. Anticorpos e
complemento se fixam às hemácias, direta ou indiretamente, por meio de um antígeno absorvido e, então,
ocasiona a destruição dessas células, resultando em anemia grave com risco de vida ao animal. Nota­se
trombocitopenia concomitante em 60% dos casos. AHAI pode estar associada a lúpus eritematoso sistêmico ou
com câncer linforreticula. Medicamentos, vacinas ou infecções também podem precipitar crises de anemia
hemolítica ou trombocitopenia na maioria das espécies. No entanto, causa a desencadeadora é desconhecida.
Há quatro formas básicas de AHAI: hiperaguda, aguda ou subaguda, crônica, doença da crioaglutinina fria e
aplasia eritrocitária. A maioria dessas formas da doença é tratável e recidivas são comuns (ver p. 14).
AHAI hiperaguda é observada principalmente nas raças de cães maiores, de meia­idade. Os cães acometidos
manifestam depressão aguda e, dentro de 24 a 48 h, ocorre diminuição marcante do volume globular (VG), com
hiperbilirrubinemia e icterícia de graus variáveis e, às vezes, hemoglobinúria. No início, a anemia não é
responsiva, mas torna­se responsiva em 3 a 5 dias. Pode­se notar trombocitopenia. Geralmente, teste de
antiglobulina é negativo; esferócitos podem ou não ser encontrados, porém a aglutinação de hemácias em tubo
ou em lâmina é evidente. A autoaglutinação não desaparece pela diluição com solução salina, daí o termo
anemia hemolítica com aglutininas em salina. O soro sanguíneo geralmente contém autoanticorpos que causam
aglutinação da maior parte das hemácias do doador. O prognóstico de AHAI hiperaguda é ruim, mesmo no caso
de terapia intensiva imediata. O procedimento mais efetivo é a imediata administração de altas doses de
glicocorticoides, mais ciclofosfamida, juntamente com transfusão de sangue compatível. Caso seja necessário o
uso de sangue incompatível, o animal inicialmente deve ser submetido à heparinização e mantido com heparina
nos primeiros 10 dias. Mesmo sem transfusão, a heparinização pode ser benéfica nas primeiras duas semanas ou
mais. Substituto de hemoglobina bovina e imunoglobulina humana podem ser utilizados para dar suporte ao
paciente até que o tratamento imunossupressivo reduza a destruição de hemácias.
AHAI aguda representa a forma mais comum da doença; cães da raça Cocker Spaniel são predispostos à
doença. Os sinais iniciais, em geral, são palidez e fadiga e, menos comumente, icterícia. Hepatoesplenomegalia
é um sintoma evidente. A contagem de leucócitos quase sempre aumenta em razão da hiperplasia da medula
óssea. Autoaglutinação de hemácias é incomum e o teste de Coombs geralmente é positivo. Esses animais,
várias vezes, respondem bem à terapia com glicocorticoides. Caso não seja obtida uma resposta favorável
dentro de 7 a 10 dias, devem­se adicionar medicamentos citotóxicos (ciclofosfamida ou azatioprina) ao
protocolo terapêutico.
AHAI crônica difere da forma aguda; o VG diminui para um valor constante e assim permanece por semanas
a meses. A medula óssea mostra­se normal ou torna­se hiper­responsiva e o teste de Coombs frequentemente é
negativo. AHAI crônica é relativamente mais comum em gatos do que nos cães. A anemia geralmente é
responsiva no início da doença, mas responde minimamente ou não responde quando se torna grave. O
tratamento inicial é feito com glicocorticoides; caso não ocorra resposta dentro de 2 semanas, adicionam­se
medicamentos citotóxicos ao tratamento.
Doença da crioaglutinina é uma anemia hemolítica autoimune que acomete cães e equinos. Em geral, a
causa desencadeante é incomum e pode ser secundária a infecções, outras doenças autoimunes ou neoplasias.
Os autoanticorpos IgM podem ser aglutinantes ou não. Não ocorre aglutinação completa à temperatura do
corpo, mas é possível que ocorra em temperatura um pouco mais baixa; desta forma é mais frequente em climas
e estações mais frias. Os sintomas iniciais são aqueles de uma doença hemolítica; no tipo aglutinante, também
pode ocorrer obstrução vascular e consequente necrose de nariz, pontas das orelhas e cauda, dedos, escroto e
prepúcio. O diagnóstico se baseia na autoaglutinação reversível notada somente a 4°C. Em geral, o teste de
Coombs direto é negativo para IgG e, com frequência, positivo para C3 e geralmente positivo para IgM, se o
teste for realizado em baixa temperatura. A taxa de mortalidade é alta. Na ausência de infecção ou neoplasia
desencadeante, a doença é melhor controlada com altas doses de glicocorticoide, combinadas com
ciclofosfamida.
Aplasia eritrocitária (ver p. 12) é uma variante dos distúrbios anteriores, sendo mais comum em cães.
Apresenta­se em duas formas: uma acomete filhotes de cães pós–desmame a adolescentes; a outra se instala em
adultos. Diferentemente do que ocorre na AHAI, a medula óssea exibe depressão seletiva dos elementos
eritroides; granulócitos e plaquetas não são influenciados. Portanto, a anemia periférica não é responsiva.
Aparentemente, a crise imune é direcionada contra as células­tronco eritroides e, geralmente, o teste de Coombs
é negativo. O tratamento é o mesmo mencionado para AHAI crônica.
Trombocitopenia autoimune é comum, especialmente em cães. Ocorre mais em fêmeas do que em machos.
Os sinais clínicos frequentes incluem hemorragias cutâneas e nas membranas mucosas. Melena, epistaxe e
hematúria podem ser sintomas associados e podem causar anemia grave. Às vezes, anemia hemolítica e
trombocitopenia ocorrem simultaneamente. Trombocitopenia autoimune comumente é diagnosticada com base
na baixa contagem de plaquetas no sangue periférico, apesar de megacariocitose marcante na medula. Às vezes,
pode haver ausência seletiva de megacariócitos na medula – uma condição semelhante à aplasia pura de

hemácias. É difícil realizar testes para pesquisa de anticorpos antiplaquetários e geralmente o diagnóstico
hemácias. É difícil realizar testes para pesquisa de anticorpos antiplaquetários e geralmente o diagnóstico
baseia­se no quadro clínico e na resposta à terapia (ver p. 24).
Animais com trombocitopenia autoimune que exibem apenas hemorragias petequiais e equimóticas, sem
perda de sangue significativa e megacariócitos na medula, inicialmente são tratados com glicocorticoides. Os
sinais clínicos melhoram e a contagem de plaquetas começa a aumentar depois de 5 a 7 dias. Se a contagem
plaquetária não aumenta significativamente após 7 a 10 pode­se acrescentar ciclofosfamida, azatioprina ou
vincristina ao tratamento com glicocorticoides. Em animais com megacariócitos na medula e com perda
sanguínea grave é desejável uma resposta mais rápida à terapia. Tais animais são tratados com injeção única de
vincristina, combinada com uso diário de glicocorticoide; uma resposta favorável ocorre depois de 3 a 5 dias. Se
a perda de sangue representa risco à vida deve­se administrar sangue total rico em plaquetas. Se a contagem
plaquetária aumentar no 7o dia, mantém­se apenas glicocorticoides. Se não ocorrer qualquer resposta após 7
dias, deve–se administrar uma segunda dose de vincristina. Se a contagem de plaquetas ainda se encontra baixa
depois de 2 semanas, a vincristina deve ser interrompida e deve­se administrar ciclofosfamida ou azatioprina.
Animais com trombocitopenia e sem megacariócitos respondem muito mais lentamente aos glicocorticoides ou
à combinação de glicocorticoides e vincristina. O tratamento preferido para esses animais é prednisolona e
ciclofosfamida; não se deve esperar uma resposta muito antes de 1 a 2 semanas após o início da terapia. Esse
tratamento pode ser descontinuado na maioria dos animais com trombocitopenia autoimune depois de 1 a 3
meses da normalização da contagem de plaquetas. Alguns animais apresentam trombocitopenia persistente,
apesar da terapia com medicamentos, ou podem ser mantidos em remissão apenas com tratamento prolongado
com alta dose. Como alternativas pode–se permitir que o animal viva com trombocitopenia, se os sintomas
forem mínimos, ou realizar terapia medicamentosa combinada prolongado com glicocorticoides e vincristina,
azatioprina ou ciclofosfamida. Esplenectomia pode ser útil; raramente é curativa quando utilizada como
procedimento único, mas pode permitir o uso de doses mais baixas e mais seguras de medicamentos
imunossupressores.
DERMATOPATIAS AUTOIMUNES: Nessas doenças, os animais produzem autoanticorpos contra proteínas
cimentantes intracelulares da epiderme. Isto promove proteólise local ocasionando a separação das células
epidérmicas (acantólise) e o desenvolvimento de vesículas na pele. Embora não seja estritamente uma reação
Tipo II, é melhor considera­la aqui.
Pênfigo foliáceo é a forma mais comumente encontrada desta doença. É mais comum em cães do que em
gatos e equinos, mas é ainda uma doença rara. É caracterizada clinicamente por erosões, ulcerações e
incrustações espessas na pele e junções mucocutâneas. A ausência de lesões na boca e a característica crostosa e
espessa disseminada das lesões cutâneas permite diferenciar pênfigo foliáceo do pênfigo vulgar, muito mais
raro. Autoanticorpos estão presentes na pele e reagem com a substância cimentante intracelular. Esses
autoanticorpos causam separação das camadas celulares cornificadas e não cornificadas. Inicialmente, utilizam­
se altas doses de glicocorticoides, mas quando a doença está controlada administra­se terapia com baixa dose,
em dias alternados. Nos casos que não respondem a esteroides utiliza­se um medicamento imunossupressor
mais potente, como ciclofosfamida ou azatioprina, juntamente com glicocorticoides. Em animais que
respondem mal à terapia inicial ou necessitam doses altas do medicamento para controlar as lesões, o
prognóstico a longo prazo é ruim.
Pênfigo vulgar é muito menos comum do que o pênfigo foliáceo. Caracteriza­se por formações vesiculares
ao longo das junções mucocutâneas da boca, ânus, prepúcio e vulva, bem como na cavidade bucal. Há pouco
envolvimento de outras áreas da pele. Como a epiderme dos animais é relativamente fina (em comparação com
a pele humana), as bolhas se rompem rapidamente e formam erosões; em consequência, raras vezes se observam
bolhas características. As vesículas se desenvolvem como resultado da acantólise suprabasilar. Uma infecção
bacteriana secundária frequentemente complica as lesões e, se não for tratada, vários casos podem ser fatais. A
doença é tratada com altas doses de glicocorticoides, sozinhos ou combinados com outras drogas como, por
exemplo, ciclofosfamida, azatioprina ou sais de ouro. É difícil manter a doença em remissão e o prognóstico a
longo prazo é reservado a ruim.
Penfigoide bolhoso é uma doença de pele rara que acomete cães, sendo mais frequente em animais das raças
Collie e Doberman Pinscher. As lesões são disseminadas, mas tendem a se concentrar na virilha. A pele
envolvida assemelha­se a uma queimadura grave. Também se observam bolhas subepidérmicas e podem estar
repletas de eosinófilos. Nos cortes teciduais para exame imunoistopatológico observam­se autoanticorpos contra
as proteínas da camada basal. O tratamento de escolha é a combinação de prednisolona e azatioprina; a remissão
é frequente, mas pode ser necessária terapia contínua com medicamentos, em doses relativamente altas, para
manter a doença sob controle. O prognóstico a longo prazo é ruim.
MIASTENIA GRAVIS: Miastenia gravis uma doença autoimune, na qual são produzidos autoanticorpos contra
receptores de acetilcolina das células musculares, causando degradação do receptor ou bloqueio da transmissão
neuromuscular. As manifestações clínicas caracterizam­se por fraqueza muscular extrema generalizada,
exacerbadas por exercícios leves. Em cães, megaesôfago devido à paralisia dos músculos esofágicos é uma
queixa primária ou associada comum. Em pessoas, timomas frequentemente estão associados a miastenia gravis,
mas são incomuns em espécies domésticas. A administração de anticolinesterásico de curta ação (cloreto de
edrofônio) provoca aumento drástico da força muscular. O tratamento deve ser feito com anticolinesterásico de
ação prolongada. Terapia prolongada da doença com medicamentos imunossupressores é uma alternativa
coerente. Podem ser detectados autoanticorpos contra receptores de acetilcolina no soro dos animais
acometidos, por meio de exame imunoistopatológico indireto, para o qual se utiliza músculo normal como
substrato.

Reação Tipo III (Doença por Imunocomplexos)


Os complexos antígenos­anticorpos são depositados nos tecidos, causando inflamação aguda. Mediante a
ativação da via clássica do complemento, os complexos produzem potentes substâncias indutoras de
quimiotaxia, que ativam grande número de neutrófilos. Essas células, especialmente quando liberam suas
enzimas e produtos oxidantes, causam inflamação aguda e, possivelmente, grave lesão tecidual. As doenças por
imunocomplexos são as mais comuns das doenças imunológicas. Os locais mais acometidos são articulações,
pele, rins, pulmão e cérebro.
O prerrequisito para o desenvolvimento da doença é a presença contínua de antígeno e anticorpos solúveis.
Essas formas de imunocomplexos solúveis se depositam na membrana basal de pequenos vasos. Os
imunocomplexos depositados ativam a via clássica do complemento. Os fragmentos de complemento atraem
neutrófilos, tendo também ação vasoativa direta, que causam vasculite. Há várias razões para a persistência
contínua de antígenos, incluindo infecções crônicas e algumas neoplasias, particularmente tumores
linforreticulares. É possível a exposição prolongada aos antígenos quando há sua inalação. Por fim, alguns
animais respondem aos seus próprios antígenos e isso representa uma fonte de antígenos persistente. Em muitos
casos não se consegue determinar a origem dos antígenos envolvidos nesses imunocomplexos. A localização
dos imunocomplexos pode ser determinada pela via na qual o antígeno penetra no corpo. Antígenos inalados
provocam pneumonite; antígenos que entram através da pele causam lesões cutâneas locais; e antígenos que
atingem a corrente sanguínea formam imunocomplexos que são depositados nos glomérulos renais ou
articulações.
Os sinais clínicos são variáveis, mas incluem febre, sintomas cutâneos (como eritema multiforme) e
poliartrite (evidenciada por claudicação com desvio de membro ou tumefação e dor articular). Outros sinais são
ataxia, alteração de comportamento, proteinúria, isostenúria, polidipsia, poliúria ou sintomas vagos como, por
exemplo, vômito, diarreia e dor abdominal. O diagnóstico baseia­se na exclusão das causas mais comuns dos
sinais clínicos. As evidências consistentes para confirmar o diagnóstico incluem estabelecimento de uma relação
temporal, caso a suspeita seja um medicamento, identificação de doenças infecciosas crônicas ou de neoplasias
malignas e exames histopatológicos e imunoistoquímicos em amostras obtidas por biopsia para identificar
vasculite ou nefrite imunomediada. A terapia deve incluir tratamento de suporte, remoção do agente causador
ou tratamento da doença primária (p. ex., terapia antimicrobiana apropriada para tratar infecção bacteriana,
drenagem cirúrgica de abscessos ou tecidos infectados, terapia de dirofilariose, suspensão de medicamentos
etc.). Pode ser necessário tratamento imunossupressivo para interromper a formação contínua de
imunocomplexos.
GLOMERULONEFRITE MEMBRANOPROLIFERATIVA: Esta doença é causada por imunocomplexos que se formam
na corrente sanguínea e são filtrados pelos glomérulos (ver p. 1654). Na verdade, os complexos insolúveis se
instalam na membrana basal do glomérulo. Dependendo do tamanho, eles podem ser depositados na superfície
subepitelial ou subendotelial da membrana. Secundariamente, instala­se glomerulonefrite como consequência de
doenças infecciosas crônicas, neoplásicas ou enfermidades imunológicas. Os animais com glomerulonefrite
idiopática (> 50% dos casos) geralmente apresentam sintomas de nefropatias; glomerulonefrite secundária é
uma parte relativamente menor de uma doença mais grave.
Pneumonite por hipersensibilidade:
Quando os antígenos inalados encontram anticorpos na circulação das paredes dos alvéolos, formam­se
imunocomplexos nas paredes alveolares, que desencadeiam inflamação aguda. Pneumonite por
hipersensibilidade é mais comum em grandes animais expostos a poeiras antigênicas. Os antígenos mais
potentes são aqueles contidos em esporos de actinomicetos termofílicos oriundos de feno embolorado. A
inalação desses esporos causa pneumopatia dos fazendeiros, em pessoas, e uma condição semelhante em
bovinos (ver p. 1550). Pneumonite por hipersensibilidade é caracterizada por desconforto respiratório que surge
4 a 6 h depois da exposição ao feno embolorado. O tratamento mais efetivo é a remoção da fonte do antígeno;
todavia, uma terapia com corticoesteroides pode ser útil.
LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO (LES):
Esta doença autoimune complexa acomete cães; é rara em gatos e já foi descrita em grandes animais. Tem duas
características imunológicas consistentes: doença por imunocomplexo e tendência a produzir diversos
autoanticorpos. Clinicamente, reflete a combinação de mecanismos das reações Tipos II e III. Anticorpo contra
ácidos nucleicos é a característica do diagnóstico de LES, mas, em muitos indivíduos, também são encontrados
anticorpos contra hemácias, plaquetas, linfócitos, fatores de coagulação, imunoglobulinas (fatores reumatoides)
e tireoglobulina. Autoanticorpos contra os ácidos nucleicos, anticorpos antinucleares (ANA), não são
significativamente patogênicos, mas são marcadores­diagnóstico da doença. Imunocomplexos ou autoanticorpos
da doença geralmente predominam em determinado animal. A deposição de imunocomplexos ao redor de
pequenos vasos sanguíneos causa sinovite, reações dérmicas, erosões e úlceras bucais, miosite, neurite,
meningite, arterite, mielopatia, glomerulonefrite e pleurite. Glomerulonefrite é uma das principais complicações
do LES, com risco à vida, em gatos, mas não em cães. Nos animais com LES também se verifica psicose,
principal sinal de LES em pessoas. Nos animais, anemia hemolítica autoimune ou trombocitopenia, ou ambas,
constituem as manifestações de autoanticorpos mais comuns do LES em animais.
O LES se caracteriza por anticorpos antinucleares (ANA) e os testes para pesquisa desses anticorpos ou das
células LE associadas podem auxiliar no diagnóstico. No entanto, alguns animais saudáveis podem apresentar
ANA e nem todos os animais com LES apresentam teor de ANA detectável no sangue. O diagnóstico de LES
deve ser fundamentado na síndrome clínica geral (e não somente na presença ou ausência de ANA).
Geralmente, LES é tratado com glicocorticoides. No início, eles devem ser utilizados em altas doses diárias e
quando nota­se remissão deve­se utilizar uma terapia com baixa dose, em dias alternados. O tratamento
medicamentoso deve continuar por um período = 2 a 3 meses, após o desaparecimento de todos os sinais
clínicos. Ciclofosfamida ou azatioprina, ou ambas, devem ser utilizadas em combinação com glicocorticoides
nos animais com LES de difícil controle apenas com glicocorticoides.
VASCULITE: Vasculite mediada por imunocomplexos é verificada nos animais, sobretudo em cães e equinos. As
lesões são mais prevalentes na derme da parte distal dos membros e na membrana mucosa bucal,
particularmente no palato e na língua (cães) e nos lábios (equinos). Os envolvimentos nasal, auricular, palpebral,
corneano e anal são incomuns. As lesões iniciais se manifestam como áreas avermelhadas que rapidamente
originam erosões superficiais. Forma­se, de imediato, uma crosta sobre as erosões dérmicas. Edema de
membros é comum em equinos, sendo menos frequente, mas igualmente relevante, em cães. Em alguns animais,
vasculite é uma característica do LES, no entanto geralmente é idiopática. Nos cães, também é bem relatada
vasculite induzida por medicamentos. A vasculite é detectada em exame histopatológico e imuno­
histopatológico de amostras de materiais das bordas das lesões, obtidas por biopsias superficiais e profundas.
A vasculite é tratada mediante a interrupção do uso de medicamentos desencadeantes da doença e, se
necessário, com drogas imunossupressoras. Para tratar os casos não induzidos por medicamentos empregam­se
glicocorticoides, sozinhos ou combinados com outras drogas, como azatioprina ou ciclofosfamida.
PERIARTRITE NODOSA (POLIARTERITE NODOSA, POLIARTERITE NECROSANTE):
Esta rara doença de animais domésticos é causada pela deposição de imunocomplexos e inflamação da parede
de artérias de pequeno e médio calibres. Entre os animais pecuários, é mais comum em suínos, e geralmente
está associada a erisipela e infecções estreptocócicas, sendo atribuídas as reações do Tipo III a esta bactéria ou a
suas vacinas. Tem sido relatada em gatos, embora várias vezes seja confundida com a forma não efusiva de
peritonite infecciosa felina.
OUTROS TIPOS DE REAÇÕES TIPO III: Púrpura hemorrágica dos equinos é uma forma de púrpura não

trombocitopênica (ver p. 24) que frequentemente é secundária à infecção respiratória por Streptococcus equi; é
mediada por imunocomplexos de anticorpos e antígenos estreptocócicos depositados nas membranas basais
vasculares.
Uveíte anterior (ver p. 551) pode envolver, frequentemente, reações mediadas por imunocomplexos; várias
vezes se instala no período de recuperação de hepatite infecciosa canina (ver p. 831), em razão da reação de
anticorpos séricos com as células endoteliais uveais que contêm o adenovírus canino Tipo 1. De modo
semelhante, a uveíte equina recidivante (ver p. 553) está associada a reações imunológicas à infecção por
Leptospira ou Onchocerca spp. Esta oftalmia periódica se deve a uma crise autoimune. Anticorpos contra
alguns sorovariantes de Leptospira podem apresentar reação com antígenos de retina e desencadear oftalmia
grave. A uveíte causada por Toxoplasma e pelo vírus da peritonite infecciosa felina também tem uma base
imunológica.

Reação Tipo IV (Reações Imunológicas Mediadas por Células)

As reações imunológicas mediadas por células ocorrem quando antígenos desencadeiam uma resposta do tipo
TH 1. Diversas citocinas são produzidas por macrófagos ativados ou por células T citotóxicas. A infiltração de
células mononucleares e a produção de várias moléculas inflamatórias por essas células nos tecidos resultam em
doenças por reações imunes mediadas por células. Os antígenos geralmente responsáveis pelo desenvolvimento
das reações tipo IV são bactérias ou parasitos intercelulares, alguns vírus, substâncias químicas e (em algumas
situações) antígenos celulares. Essas lesões comumente ocorrem na pele (dermatite alérgica de contato) quando
o antígeno entra em contato com o tecido tegumentar. Reações granulomatosas também podem ocorrer em
locais de infecções persistentes. O diagnóstico baseia­se na exclusão de outras causas de doenças e no exame
histológico. O tratamento objetiva identificar e eliminar a fonte do antígeno responsável pela reação, além de
terapia anti­inflamatória ou imunossupressora, se necessária.

Púrpura hemorrágica. Cortesia do Dr. Asmeeh M. Abutarbush.

Doenças específicas, em que reações imunes excessivas ou inapropriadas são as causas primárias, são
relatadas em todas as espécies de animais domésticos. Contudo, foram melhor caracterizadas em animais de
companhia e de laboratório. As manifestações clínicas e o tratamento são semelhantes nas diferentes espécies.
REAÇÕES GRANULOMATOSAS: Essas reações a microrganismos como micobactérias, Coccidioides, Blastomyces
e Histoplasma spp e, possivelmente, vírus da peritonite infecciosa felina, se devem a reações imunológicas
crônicas mediadas por células. Embora a imunidade mediada por célula controle efetivamente esses tipos de
infecção, na maioria dos indivíduos, por motivos pouco compreendidas, esses mesmos mecanismos são
parcialmente efetivos em outros pacientes. A reação granulomatosa se instala ao redor do local onde há antígeno
persistente. É caracterizada por estroma fibroso infiltrado por macrófagos, células gigantes e linfócitos.
CORIOMENINGITE LINFOCITÁRIA: Nesta infecção viral de camundongos (ver p. 2135) ocorre destruição de
células infectadas por vírus pelas células T, ocasionando lesão de sistema nervoso central (SNC).
ENCEFALITE EM CÃO GERIÁTRICO: Esta doença (ver p. 821) pode também resultar de mecanismos imunes
mediados por células, direcionados contra células persistentemente infectadas pelo vírus da cinomose. Em geral,
o início da infecção por este vírus é clinicamente inaparente e pode preceder a encefalite por muitos anos.
HIPERSENSIBILIDADE ALÉRGICA POR CONTATO: Esta hipersensibilidade resulta da reação de substâncias

químicas com proteínas dérmicas, as quais modificam as próprias proteínas. Essas proteínas modificadas
desencadeiam uma resposta imune mediada por célula, que causa inflamação e lesão cutânea (p. ex., reações
pelas toxinas do carvalho e da hera, em pessoas). Essa reação foi bem descrita tanto em cães quanto em equinos
e geralmente se deve ao contato com produtos químicos sensibilizantes contidos em comedouros plásticos,
coleiras plásticas e medicamentos aplicados na pele.
TIREOIDITE AUTOIMUNE: Esta doença de cães é caracterizada pela destruição da glândula tireoide por um
mecanismo autoimune que envolve componentes humorais (Tipo II) e mediados por células (Tipo IV). É
particularmente prevalente em animais das raças Doberman Pinscher, Beagle, Golden Retriever e Akita.
Hipotireoidismo (ver p. 593) pode ser a única manifestação da doença ou pode ter um componente clínico ou
subclínico de um distúrbio autoimune mais amplo, como lúpus eritematoso sistêmico ou panendocrinopatia.
ADRENALITE AUTOIMUNE: Esta síndrome foi descrita em cães. As glândulas adrenais são destruídas lentamente
por um infiltrado linfocítico­plasmocítico. Quando há destruição suficiente do tecido glandular, os cães
desenvolvem síndrome de Addison (ver p. 599). Às vezes, a enfermidade está associada a tireoidite autoimune.
CERATITE SECA: Esta síndrome acomete cães, havendo predisposição genética em cães da raça Cocker Spaniel.
Pode ser primária ou secundária ao uso prolongado de sulfonamidas. Está associada à destruição imunomediada
das glândulas lacrimais; é semelhante à síndrome de Sjögren em pessoas. Os cães acometidos devem responder
favoravelmente ao uso de colírio com ciclosporina.

RESPOSTA INATA EXCESSIVA

Embora a inflamação aguda seja um mecanismo de defesa fundamental na imunidade inata, ela pode ocorrer em
grau inapropriado e em locais onde causa inflamação indesejada, lesão tecidual ou doença sistêmica. Isso causa
importante lesão tecidual, com inabilidade de resposta.
ARTRITE REUMATOIDE CANINA: Esta doença é consequência direta de inflamação excessiva descontrolada ao
redor das articulações. Se manifesta inicialmente como claudicação inconstante, com tumefação dos tecidos
moles ao redor das articulações envolvidas. Dentro de semanas a meses, a doença se instala em articulações
individuais e desenvolvem­se alterações radiográficas características. As alterações radiográficas iniciais
consistem em tumefação de tecidos moles e perda da densidade óssea trabecular na região articular. No osso
subcondral observam­se áreas radiotransparentes semelhantes a cistos. A lesão proeminente é uma erosão
progressiva na cartilagem e no osso subcondral, na área das ligações sinoviais, e resulta em perda de cartilagem
articular e colabamento do espaço articular. Ocorrem deformidades angulares e a luxação articular é uma
sequela frequente. As deformidades são mais comuns nas articulações carpianas, tarsais e falangianas, e menos
frequentes no cotovelo e no joelho. As alterações no fluido sinovial indicam sinovite inflamatória estéril, com
aumento da contagem celular total e alta proporção de neutrófilos na população de células do fluido sinovial.
Acredita­se que a inflamação excessiva se deve à deposição de imunocomplexos na sinóvia, com subsequente
ativação do complemento.
Há relato de artrite erosiva em gatos. Tende a acometer gatos machos mais velhos e frequentemente está
associada a infecção pelo vírus formador de sincício felino. O desenvolvimento da doença em gatos é muito
mais insidioso do que em cães.
A artrite reumatoide canina não responde bem ao tratamento sistêmico exclusivo com glicocorticoides.
Medicamentos imunossupressores com atividade anti­inflamatória, como ciclofosfamida e azatioprina, são
utilizados com glicocorticoides para tratar essas enfermidades; o uso de AINE (por ex: ácido acetilsalicílico,
carprofeno, etodolac, meloxicam) pode propiciar alívio dos sintomas.
SINOVITE PLASMOCÍTICA-LINFOCITÁRIA: Possivelmente uma variante da artrite reumatoide, esta sinovite

acomete cães de raças médias e grandes. Embora envolva várias articulações, a doença é mais frequente nos
joelhos. A queixa mais comum é claudicação de membro pélvico e movimento de gaveta dos joelhos. No fluido
sinovial predominam linfócitos e neutrófilos polimorfonucleares, embora, em alguns casos, o fluido permaneça
normal. Na inspeção macroscópica da articulação nota­se proliferação amarelada na membrana sinovial e
estiramento ou ruptura dos ligamentos cruzados. O tratamento utilizado é semelhante ao utilizado para artrite
reumatoide canina, mencionado anteriormente.
Poliartrite idiopática: Esta artrite é mais comum em cães grandes, particularmente naqueles das raças Pastor
Alemão, Doberman Pinscher, Retriever, Spaniel e Pointer. Nas raças toy, é mais frequente em Poodle, Yorkshire
Terrier, Chihuahua ou em seus mestiços. Não há evidência de doença infecciosa crônica primária ou de lúpus
eritematoso sistêmico. Artropatia frequentemente é o único sintoma.
O diagnóstico se baseia no histórico de febre cíclica que não responde ao uso de antibióticos, mal­estar e
anorexia, com rigidez ou claudicação. Não se observa alteração óssea nas radiografias até que a doença esteja
bem estabelecida. Mesmo assim, as alterações radiográficas são discretas e podem mimetizar artropatia
degenerativa. O fluido sinovial é de natureza inflamatória, porém estéril.
A doença pode ser controlada com uso diário de altas doses de glicocorticoides, seguido de terapia com baixa
dose em dias alternados. Geralmente, pode­se interromper o tratamento depois de 3 a 5 meses. Os cães que não
respondem bem a este tratamento (> 50%) devem ser tratados com medicamentos imunossupressoras mais
potentes, como azatioprina ou ciclofosfamida, além de glicocorticoides. Em alguns animais, sais de ouro podem
ser úteis para exacerbar o efeito da terapia com glicocorticoides.
MENINGITE IMUNOMEDIADA: Acomete cães jovens ou jovens adultos das raças Beagle, Boxer, Pointer alemão de
pelo curto e Akita; contudo, é muito rara em outras raças puras ou em cães mestiços. Os sinais clínicos
consistem de episódios cíclicos de febre, dor e rigidez marcante do pescoço, relutância em se movimentar e
depressão. Cada episódio dura 5 a 10 dias, com períodos intercalados de normalidade completa ou parcial, com
duração = 1 semana. Durante as crises, aumenta a concentração de proteínas e a quantidade de neutrófilos no
fluido cerebroespinal (FCE). A lesão é uma arterite, que atinge principalmente vasos das meninges e, às vezes,
de outros órgãos. Em geral, a doença é autolimitante depois de vários meses; os episódios tornam­se mais
graves e menos frequentes. A terapia com glicocorticoide reduz a gravidade das crises. Em alguns animais a
doença se torna crônica e responde parcialmente ao tratamento.
Uma forma mais grave desse tipo de meningite foi descrita em uma ninhada de cães Bernese Mountain.
Nessa raça, a doença foi um tanto cíclica, mas a resolução nos intervalos entre as crises foi menor do que em
outras espécies. As anormalidades do FCE lembram aquelas verificadas em outras raças. A enfermidade requer
tratamento prolongado altas doses de glicocorticoides para manter os animais confortáveis.
Em cães da raça Akita com apenas 12 semanas de idade notou­se uma síndrome caracterizada por meningite,
frequentemente associada a poliartrite. Os cães manifestaram episódios graves de febre (um tanto cíclicos),
depressão, dor e rigidez cervical e rigidez generalizada. Os cães acometidos tinham crescimento retardado e
pareciam definhados. Essa doença respondeu mal à terapia combinada de glicocorticoides e medicamentos
imunossupressores; a maioria dos cães foi submetida à eutanásia quando eram adultos jovens. Nos cães Akita
mais velhos, observa–se uma forma de doença mais branda e que responde melhor aos medicamentos, que pode
estar associada a pênfigo foliáceo, uveíte e tireoidite plasmocítica­linfocitária.

Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (Sepse)


Nas infecções graves ou na lesão tecidual extensa, grande quantidade de citocinas e oxidantes deixam a corrente
sanguínea e causa uma forma de choque conhecida como síndrome da resposta inflamatória sistêmica (sepse).
Várias doenças infecciosas se caracterizam pela ativação de grande número de células imunes e consequente
produção de grande quantidade de citocinas e mediadores inflamatórios, em curto período de tempo. As mais
importantes delas são TNF­a, IFN­? e IL­8, IL­6. Essas citocinas podem estimular a ativação de células T
adicionais e liberação de mais citocinas. Como várias citocinas são tóxicas, esta “tempestade de citocinas” pode
causar intoxicação grave, lesão tecidual, e até morte. Esta imensa liberação de citocinas que resultam de trauma
tecidual, infecções ou queimaduras, ocasionam choque séptico. Contudo, infecções por bactérias Gram­
negativas, alguns vírus e hemoparasitas podem causar liberação excessiva de citocinas e morte. Outra doença
que envolve toxicidade por citocina é a síndrome do enxerto versus hospedeiro. Um dos mais importantes
efeitos tóxicos é a ativação de células endoteliais, induzindo aumento da permeabilidade vascular e coagulação
intravascular.
CHOQUE SÉPTICO BACTERIANO: Choque séptico é o nome dado à síndrome da resposta inflamatória sistêmica
causada por infecções graves associadas a traumas, isquemia e lesão tecidual. Animais com infecções graves
geralmente produzem grande quantidade de citocinas, que induzem acidose grave, febre, liberação de lactato
nos tecidos, queda incontrolável da pressão sanguínea, aumento do teor plasmático de catecolaminas e, por fim,
lesão renal, hepática e pulmonar e morte. O equilíbrio procoagulante­anticoagulante é alterado, com elevação da
atividade procoagulante endotelial, enquanto várias vias anticoagulantes são inibidas, ocasionando coagulação
intravascular disseminada (CID) e trombose capilar.
Todos esses efeitos são mediados pela excessiva expressão de receptores semelhantes ao receptor toll (TLR),
induzindo liberação intensa e descontrolada de citocinas. O TLR desencadeia uma “tempestade de citocinas”
oriundas de macrófagos estimulados. As citocinas promovem danos às células do endotélio vascular, ativando­
as de forma que aumenta a atividade procoagulante, ocasionando coagulação do sangue. O óxido nítrico causa
vasodilatação e queda da pressão sanguínea.
A instalação da lesão no endotélio vascular, por fim, causa insuficiência dos órgãos. A síndrome da disfunção
múltipla dos órgãos é o estágio final do choque séptico grave. É caracterizada por hipotensão, perfusão tecidual
insuficiente, hemorragia incontrolável e insuficiência de órgãos causada por hipoxia, acidose tecidual, necrose
tecidual e anormalidade metabólica local grave. A hemorragia intensa se deve à CID. A suscetibilidade dos
animais ao choque séptico é muito variável. Espécies que apresentam macrófagos intravasculares pulmonares
(gatos, equinos, ovinos e suínos) tendem a ser mais suscetíveis do que os cães.
SISTEMA TEGUMENTAR

Introdução
Dermatites
Problemas Dermatológicos
Diagnóstico das Dermatopatias
Exame Físico
Histórico
Procedimentos Laboratoriais para Dermatopatias
Problemas Dermatológicos Comuns
Alopecia
Prurido
Princípios da Terapia Tópica
Anomalias Congênitas e Hereditárias do Sistema Tegumentar
Alopecia Hereditária e Hipotricose
Anomalias Congênitas Cutâneas
Anormalia Pigmentares
Defeitos na Integridade Estrutural
Manifestações Cutâneas de Defeitos Multissistêmicos e Metabólicos
Neoplasias Congênitas e Hereditárias e Hamartomas Múltiplos
Síndromes Hiperplásicas e Seborreicas

DERMATOPATIAS ALÉRGICAS

Alergia Alimentar
DERMATITE ALÉRGICA A PULGAS
Dermatite Atópica
Dermatite Atópica Canina
Dermatite Atópica Felina
Urticária

DERMATOPATIAS BACTERIANAS

Dermatofilose
Epidermite Exsudativa
Furunculose Interdigital
Piodermite

DERMATOPATIAS FÚNGICAS

Dermatofitose
Bovinos
Cães e Gatos
Equinos
Suínos, Ovinos e Caprinos

NEOPLASIAS CUTÂNEAS

Tumores Cutâneos e de Tecidos Moles


Sarcoide Equino
Sarcomas Anaplásicos e Indiferenciados
Tumores Cutâneos Linfocíticos, Histiocíticos e Relacionados
Mastocitomas Cutâneos
Tumores Linfoides Cutâneos
Tumores com Diferenciação Histiocítica
Tumor Venéreo Transmissível
Tumores de Origem Melanocítica
Tumores de Tecido Conjuntivo
Sarcomas de Tecidos Moles
Tumores da Bainha dos Nervos Periféricos
Tumores da Musculatura Lisa Cutânea
Tumores de Tecido Adiposo
Tumores Fibroblásticos Benignos
Tumores Fibro­histiocíticos
Tumores Vasculares
Tumores Epidérmicos e de Folículos Pilosos
Carcinomas de Célula Escamosa
Cistos Cutâneos Ceratinizados
Epiteliomas Cornificantes Intracutâneos
Lesões Papilomatosas Benignas Não Associadas a Vírus
Papilomas
Tumores de Folículo Piloso
Tumores de Glândulas Apócrinas Cutâneas
Tumores de Glândula Apócrina do Saco Anal
Tumores de Glândula Écrina
Tumores de Glândula Hepatoide
Tumores de Glândula Sebácea
Tumores e Carcinomas de Célula Basal
Tumores Neuroendócrinos Cutâneos Primários
Tumores Metastáticos

DERMATOPATIAS PARASITÁRIAS

Carrapatos
Carrapatos Ixodídeos Importantes
Amblyomma spp.
Anomalohimalaya spp.
Bothriocroton spp.
Cosmiomma sp.
Dermacentor spp.
Haemaphysalis spp.
Hyalomma spp.
Ixodes spp.
Margaropus spp.
Nosomma sp.
Rhipicentor spp.
Rhipicephalus spp.
Carrapatos Argasídeos Importantes
Argas spp.
Carios spp.
Ornithodoros spp.
Otobius spp.
Controle de Carrapatos
Helmintos Cutâneos
Dermatite por Pelodera
Elaeoforíase
Estefanofilariose
Habronemose Cutânea
Infecção por Parafilária
Parafilaria bovicola
Parafilaria multipapillosa
Infecções por Dracunculus
Oncocercose
Infestação por Moscas Cuterebra em Pequenos Animais
Larvas de Insetos em Bovinos
Dermatobia hominis 983
Lechiguana
Hypoderma spp.
Moscas
Dípteros com Peças Bucais Picadoras
Maruins Picadores
Mosquitos
Borrachudos
Moscas do Chifre
Moscas dos Búfalos
Moscas dos Equinos e dos Veados
Moscas dos Estábulos
Moscas Hipoboscídeas ou Moscas­piolho
Moscas­Piolho dos Ovinos
Mosquitos­pólvora
Moscas Tsé­tsé
Dípteros com Peças Bucais Não Picadoras
Borrachudos Oculares
Moscas da Cabeça
Moscas da Face
Moscas que se Reproduzem no Lixo
Dípteros que Produzem Miíases
Moscas Produtoras de Miíases Facultativas
Moscas Produtoras de Miíases Obrigatórias
Mosca Varejeira Cinza
Bernes em Pequenos Animais
Mosca Tumbu Africana
Chrysomyia bezziana
Cochliomyia hominivorax
Pseudomiíase
PIOLHOS
Pulgas e Dermatite Alérgica à Pulga
Sarna
Bovinos
Cães e Gatos
Equinos
Ovinos e Caprinos
Suínos

DERMATOPATIAS VIRAIS

Dermatose Ulcerativa dos Ovinos


Doenças do Tipo Varíola
Dermatopatia Nodular
Infecções por Orthopoxvirus em Gatos
Pseudovaríola Bovina
Varíola Bovina
Varíola Suína
Varíolas Ovina e Caprina
Ectima Contagioso

MISCELÂNEA DE DERMATOPATIAS

Acantose Nigricans
Complexo Granuloma Eosinofílico
Dermatose Nasal dos Cães
Dermatoses Sistêmicas Diversas
Feridas de Sela
Fotossensibilização
Fotossensibilização Congênita em Ovinos
HIGROMA
Paraqueratose
Pitiríase Rósea em Suínos
Seborreia

SISTEMA TEGUMENTAR – INTRODUÇÃO

A pele é o maior órgão do corpo e, dependendo da espécie e da idade, pode representar de 12 a 24% do peso
corporal do animal. A pele possui múltiplas funções, tais como: servir como uma barreira envolvente e
promover proteção ambiental, regular a temperatura, produzir pigmentos e vitamina D e percepção sensorial.
Anatomicamente, a pele consiste das seguintes estruturas: epiderme, zona da membrana basal, derme, sistema
apendicular e músculos e gordura subcutâneas.
EPIDERME: A epiderme é composta de múltiplas camadas de células, que consistem em ceratinócitos,
melanócitos e células de Langerhans e de Merkel.
A função dos ceratinócitos é produzir uma barreira protetora. Eles são produzidos por células colunares
basais aderidas à membrana basal. A taxa de mitose celular e a queratinização subsequente são controladas por
vários fatores como: nutrição, hormônios, fatores teciduais, células imunes da pele e genética. A derme também
pode exercer controle significativo sobre o crescimento da epiderme. Existe a hipótese de que o fotoperíodo e os
ciclos reprodutivos possam acometer a epiderme nos animais. Os glicocorticoides diminuem a atividade
mitótica; doenças e inflamação também alteram o crescimento epidérmico normal e a queratinização. Como os
ceratinócitos migram em sentido ascendente, eles são submetidos a um processo complexo de morte celular
programada e queratinização. O objetivo desse processo é produzir uma camada compacta de células mortas
denominada estrato córneo, que atua como barreira impermeabilizante contra perda de fluidos, eletrólitos,
minerais, nutrientes e água, enquanto previne a penetração de agentes infeciosos ou nocivos à pele. O arranjo
estrutural da queratina e do conteúdo lipídico da pele são críticos para esta função. O precursor da vitamina D, o
7­deidrocolesterol, é formado na epiderme. A epiderme é mais espessa nos grandes animais. O estrato córneo é
continuamente eliminado ou descamado.
Os melanócitos estão localizados na camada de células basais, na bainha radicular externa e nos ductos de
glândulas sebáceas e sudoríparas. Eles são responsáveis pela produção dos pigmentos da pele e dos pelos
(melanina). A produção do pigmento está sob controle hormonal e genético.
As células de Langerhans são células dendríticas mononucleares que estão intimamente envolvidas com a
regulação do sistema imunológico da pele. São danificadas por excessiva exposição à luz ultravioleta (UV) e
glicocorticoides. Os materiais antigênicos e alergênicos são processados por estas células e transportados para
os linfócitos T locais e linfonodais, para induzir reações de hipersensibilidade. Proteínas da epiderme também
podem se conjugar com haptenos exógenos e tornando­se antigênicas.
Células de Merkel são células sensoriais especializadas associadas a órgãos sensoriais da pele, como as
vibrissas (“bigodes”) e os coxins tilotríquios.
ZONA DA MEMBRANA BASAL: Esta área atua como local para adesão das células epidérmicas basais e como
barreira protetora entre a epiderme e a derme. Várias doenças de pele, inclusive diversas condições autoimunes,
podem danificar esta zona. As vesículas são exemplo de lesão à zona da membrana basal.

Pele com pelos. Ilustração por Dr. Georghe Constantinescu.

DERME: A derme é uma estrutura mesenquimatosa que suporta, nutre e, em certo grau, regula a epiderme e seus
apêndices. Consiste em uma substância basal, fibras dérmicas colágenas e células (fibroblastos, melanócitos,
mastócitos e, ocasionalmente, eosinófilos, neutrófilos, linfócitos, histiócitos e plasmócitos). Vasos sanguíneos
responsáveis pela termorregulação, plexos nervosos associados a sensações cutâneas e nervos mielinizados e
não mielinizados estão presentes na derme. Nervos motores são primariamente adrenérgicos e inervam vasos
sanguíneos e músculos piloeretores. Exceto em equinos, as glândulas apócrinas não parecem ser inervadas. Os
nervos sensoriais são distribuídos na derme, nos folículos pilosos e em estruturas táteis especializadas. A pele
responde às sensações de tato, dor, prurido, calor e frio.
SISTEMA APENDICULAR: Estas estruturas crescem para fora (e são contínuas com) a epiderme. Consistem de
folículos pilosos, glândulas sebáceas e sudoríparas e estruturas especializadas (p. ex., garras e cascos). Os
folículos pilosos dos equinos e bovinos são simples, isto é, os folículos possuem um pelo emergindo de cada
poro. Os folículos pilosos dos cães, gatos, ovinos e caprinos são compostos, ou seja, possuem um pelo central,
circundado por 3 a 15 pelos menores, todos saindo do mesmo poro. Animais com folículos pilosos compostos
nascem com folículos simples que se desenvolvem em compostos.
O crescimento do pelo é controlado por diversos fatores, como dieta, hormônios e fotoperíodo. O estágio de
crescimento do pelo é referido como anágeno e o seu período de repouso (pelo maturo) é referido como
telógeno. A fase de transição entre o anágeno e o telógeno é denominada catágeno. Animais, normalmente,
trocam seus pelos em resposta a mudanças de temperatura e fotoperíodo; o que geralmente ocorre no início da
primavera e do outono. O tamanho, a forma e o comprimento do pelo são controlados por fatores genéticos, mas
podem ser influenciados por doenças, medicamentos exógenas, deficiências nutricionais e fatores ambientais.
Os hormônios têm efeito significativo no crescimento dos pelos. A tiroxina inicia o crescimento do pelo,
enquanto glicocorticoides inibem seu crescimento. As funções primárias da cobertura pilosa são proporcionar
uma barreira mecânica para proteger o hospedeiro contra danos actínicos e oferecer termorregulação. Na
maioria das espécies, uma camada de ar entre os pelos secundários conserva o calor. Isso requer que os pelos
estejam secos e à prova d’água; o pelame de clima frio de muitos animais é, muitas vezes, mais longo e mais
fino, para facilitar a conservação do calor. O pelame também pode ajudar a resfriar a pele. O pelame de clima
quente (particularmente dos grandes animais) consiste em pelos mais grossos e curtos e menos pelos
secundários. Esta alteração anatômica permite que o ar se movimente facilmente através dos pelos, facilitando o
resfriamento. O pelame também ajuda a esconder ou camuflar o animal.
As glândulas sebáceas são simples ou alveolares ramificadas, holócrinas, que secretam sebo no interior dos
folículos pilosos e na superfície da epiderme. Estão presentes em grande número, próximas às junções
mucocutâneas, espaços interdigitais, região dorsal do pescoço, garupa, queixo e cauda; em algumas espécies,
fazem parte do sistema de demarcação odorífica. Por exemplo, em gatos, as glândulas sebáceas estão presentes
na face, no dorso e na cauda em altas concentrações; gatos marcam território esfregando sua face em objetos e
depositando uma camada de sebo juntamente com feromônios faciais felinos. Sebo é um material lipídico
complexo contendo colesterol, ésteres de colesterol, triglicerídios, ceras diésteres e ácidos graxos. O sebo é
importante para manter a pele macia, flexível e com hidratação adequada. Também confere brilho ao pelame e
tem propriedades antimicrobianas.
As glândulas sudoríparas (epitríquias [antigamente, apócrinas] e atríquias [antigamente, écrinas]) fazem parte
do sistema termorregulador. A evaporação do suor da pele é o principal mecanismo de resfriamento do corpo de
equinos e primatas e, em menor proporção, de suínos, caprinos e ovinos. Há algumas evidências clínicas que
sugerem haver uma sudorese limitada em caninos e felinos, havendo um papel menor de resfriamento corporal
nestas espécies. Cães e gatos fazem a termorregulação principalmente pelo arfar, salivar e espalhar esta saliva
pelo seu pelame (gatos). Entretanto, a sudorese dos gatos ocorre através de seus coxins especialmente quando
excitados, isso é mais comumente observado pelas marcas de pegadas úmidas em superfícies, por exemplo, na
mesa de exame.
MUSCULATURA E GORDURA SUBCUTÂNEAS: O “músculo crispador” (panículo carnoso) é o principal músculo
subcutâneo. A gordura subcutânea (panículo adiposo) tem muitas funções, como isolamento, reservatório para
fluidos, eletrólitos e energia e amortecimento de choques.

DERMATITES

A inflamação da pele pode ser produzida por vários agentes, como irritantes externos, queimaduras, alergênios,
traumatismos e infecções (bacterianas, virais, parasitárias ou fúngicas). Pode estar associada a doença interna ou
sistêmica intercorrente; fatores hereditários também podem estar envolvidos. As alergias formam um importante
grupo de fatores etiológicos, especialmente em pequenos animais.
A resposta da pele à agressão é genericamente denominada de dermatite e manifesta­se como a combinação
de prurido, descamação, eritema, espessamento ou liquenificação da pele, hiperpigmentação, seborreia oleosa,
odor e perda de pelos. A progressão da dermatopatia geralmente envolve um fator desencadeante (síndrome)
que causa lesões primárias como pápulas, pústulas e vesículas. Prurido é um sinal clínico comum em muitas
doenças e naquelas em que não há um prurido inerente, a dermatite geralmente ocorre por infecções secundárias
ou como resultado da produção de mediadores inflamatórios. Com o progresso das alterações inflamatórias,
começam a se desenvolver crostas e descamação da pele. Caso o processo envolva a derme mais profunda,
poderá ocorrer exsudação, dor e descamação cutânea. Comumente infecções bacterianas e leveduriformes
desenvolvem–se secundariamente, como resultado da inflamação cutânea. Com a cronificação da dermatite,
sinais agudos de inflamação (como, eritema) ficam menos evidentes e as lesões primárias tornam­se
obscurecidas pelos sinais de cronificação (espessamento da pele, hiperpigmentação, descamação, seborreia).
Geralmente a pele torna­se ressecada, e mesmo que o prurido não seja um fator desencadeante, ele se
frequentemente se desenvolverá nesta fase. A resolução da dermatite requer a identificação da etiologia e o
tratamento das infecções secundárias ou outras complicações.

PROBLEMAS DERMATOLÓGICOS

Dermatite é um termo inespecífico geralmente utilizado para problemas de pele até que o histórico, os sinais
clínicos e o exame físico possam definir o problema mais precisamente. Problemas dermatológicos descrevem a
principal categoria dos achados clínicos que podem ser causados por várias doenças de pele; muitas parecem
semelhantes e são diferenciadas por fluxogramas diagnósticos e processo de eliminação. Os problemas
dermatológicos mais comuns são: prurido, alopecia, crostas e descamação, otite, feridas não cicatrizantes,
nódulos e tumores e distúrbios ulcerativos. Em algumas espécies, como nos gatos, subcategorias de problemas
dermatológicos (p. ex., prurido na cabeça e no pescoço, alopecia simétrica, exsudação/dermatite eosinofílica
etc.) podem ser bem reconhecidas. A identificação do principal problema dermatológico do paciente ajudará a
criar uma lista de diagnósticos diferenciais específica ao paciente, bem como selecionar cuidadosamente os
testes diagnósticos apropriados. O problema dermatológico do paciente pode ou não ser a queixa principal do
cliente. É importante ser sensível às percepções dos problemas ou queixas do cliente, especialmente se odor ou
alterações estéticas estiverem envolvidos e direcionar a terapia a elas (p. ex., banhos para minimizar o odor
enquanto o problema­chave está sendo avaliado).

DIAGNÓSTICO DAS DERMATOPATIAS


O diagnóstico definitivo das causas das diversas doenças de pele requer histórico detalhado, exame físico e
testes diagnósticos apropriados. Muitas doenças cutâneas parecem semelhantes e o diagnóstico definitivo é
realizado com o tempo, descartando­se outras possíveis causas, avaliando­se as respostas às terapias e/ou por
processo de eliminação.

Histórico

O histórico dermatológico cuidadoso é essencial para interpretação dos achados do exame físico e escolha dos
testes diagnósticos apropriados. Deve­se obter o histórico geral completo, inclusive informações sobre doenças
anteriores, vacinas, criação (instalações, práticas alimentares etc.), mudanças de atitude e consumo alimentar,
práticas de eliminação, contato com outros animais e viagens nos últimos 6 a 12 meses. Isto deve ser seguido de
um detalhado histórico dermatológico. O uso de uma ficha dermatológica pré­empresta pode ser bastante útil
nos casos crônicos ou complicados. O bom histórico é importante porque muitas doenças de pele que parecem
semelhantes e são diferenciadas com base na interpretação dos sinais clínicos e do histórico.
Devem­se obter as seguintes condições: (1) a queixa principal; (2) o tempo de evolução do problema; (3) a
idade do animal quando a doença se manifestou inicialmente (predisposições distintas por idade são observadas
em muitas doenças, como: demodiciose e dermatofitose em animais pediátricos e sinais de atopia em animais de
1 a 3 anos); (4) a raça (predisposições raciais, como a predisposição dos cães da raça Cocker Spaniel aos
distúrbios primários de queratinização e dos Terriers à atopia); (5) a presença e gravidade de prurido (inclusive
se o animal se lambe, esfrega, coça ou se morde – os proprietários frequentemente não associam uma lambedura
com um sinal de prurido); (6) como a doença começou e sua progressão (doenças que se iniciam com prurido
podem levar a autotraumatismos e subsequente desenvolvimento de lesões secundárias [alopecia, seborreia] ou
infecções [piodermas bacterianos ou por leveduras]; (7) o tipo e progressão das lesões observadas pelo
proprietário; (8) evidência de sazonalidade (sugestivo de pulgas, doenças alérgicas ou relacionadas com o
clima); (9) a área do corpo onde a doença se iniciou (ou seja, há padrões regionais observados na dermatite
atópica [tipicamente face e patas], na queiletielose [principalmente o dorso], na escabiose [principalmente
ventrais] e nas endocrinopatias com perda de pelos [em geral envolve o tronco e poupa cabeça e membros]);
(10) quaisquer tratamentos prévios e o grau de resposta a eles (p. ex., doenças que respondem a antibióticos
sugerem etiologia bacteriana, prurido que responde a pequenas doses de glicocorticoides, anti­histamínicos ou
ácidos graxos essenciais sugere dermatite alérgica); (11) a frequência de banhos e data do último banho (banho
recente pode obscurecer ou modificar lesões clínicas importantes, excesso de banhos e umidade da pele podem
predispor a dermatopatias); (12) a presença de pulgas, carrapatos ou ácaros; (13) contato com outros animais
(evidência de doença contagiosa, sugerindo pulgas, escabiose, queiletielose ou dermatofitose); (14) ambiente
em que vive o animal (mudanças na casa podem influenciar o desenvolvimento de certas dermatopatias, por
exemplo, dermatite de contato e doenças contagiosas); e (15) sinais ou relatos de doenças sistêmicas (endócrinas
[ex. hipotireoidismo e hiperadrenocorticismo] e doenças metabólicas [ex. diabetes melito, doenças renais ou
hepáticas], já que a pele pode ser a primeira manifestação observada como sinal de doenças sistêmicas.

Exame Físico

O exame físico completo deve ser realizado sempre. Muitas doenças de pele são manifestações de doenças
sistêmicas, por exemplo, hipotireoidismo e lúpus eritematoso sistêmico (ver p. 1042). O bom exame
dermatológico requer inspeção bastante próxima de todo o pelame e pele, sob iluminação forte; pode ser
necessária lanterna para examinar a pele de grandes animais. É importante examinar o ventre dos animais, onde
muitas lesões primárias e parasitos cutâneos são notados.
Lesões clínicas são descritas de várias formas. As lesões podem ser descritas, de modo geral, como focal,
multifocal ou difusa, quanto à distribuição, seguidas pela descrição da região afetada (p. ex., mucocutânea ou
truncal). Em inspeção mais próxima, as lesões podem ser posteriormente descritas como primárias ou
secundárias. Lesões primárias são máculas ou manchas (áreas de descoloração não elevadas); pápulas ou placas
(lesões elevadas, as placas são coalescentes); pústulas, vesículas ou bolhas (lesões preenchidas por fluidos);
vergão (saliências sólidas de pele e com paredes exuberantes e partes superiores achatadas, que surgem a partir
da liberação de histamina); e nódulos ou tumores (grandes elevações sólidas na pele). Lesões secundárias
incluem colaretes epidérmicos (estágio avançado da pústula), cicatrizes, escoriações (áreas de autotraumatismo),
erosões ou úlceras (perda da epiderme), fissuras, liquenificação (aumento da espessura e hiperpigmentação da
pele) e calosidades. Algumas lesões podem ser tanto primárias como secundárias, dependendo da etiologia da
doença. Estas são: alopecia, escamas, crostas, cilindros foliculares (entupimento de folículos pilosos com
queratina visível), comedões (pontos pretos) e alterações pigmentares.

Procedimentos Laboratoriais para Dermatopatias


RASPADOS CUTÂNEOS: Os raspados cutâneos fazem parte do arquivo de dados básico de todas as
dermatopatias. Existem dois tipos de raspados cutâneos: superficiais e profundos. Os raspados superficiais não
causam sangramento capilar e proporcionam informações a partir da superfície epidérmica. Os raspados
cutâneos profundos coletam material de dentro do folículo piloso; o sangramento capilar indica que a amostra
foi suficientemente profunda. Os raspados cutâneos são utilizados, primariamente, para determinar presença ou
ausência de ácaros. O melhor modo de realizá­los é com o auxílio de uma espátula para raspado cutâneo, que é
uma espátula fina, com peso de metal, comumente notado em farmácias ou catálogos de produtos químicos.
Estas espátulas são reaproveitáveis e não provocam lesões nos pacientes.
ESCOVAÇÃO DO PELAME: Esta técnica, comumente referida como “escovação de pulgas”, é útil na coleta de
grande quantidade de restos celulares cutâneos e na captura de parasitos cutâneos. As escovações são
particularmente úteis para encontrar pulgas, carrapatos, piolhos e alguns ácaros. Escovas de limpeza limpas ou
escovas para animais podem ser utilizadas para coletar material em um recipiente plano (p. ex., prato de torta)
em grandes animais.
EXAME DOS PELOS: O exame microscópico das hastes pilosas pode servir para procurar evidências de

autotraumatismos, dermatofitoses (requer agentes clarificantes e uma coloração especial), pelos displásicos e, às
vezes, doenças genéticas no pelame.
CITOLOGIA: As citologias cutânea e auricular são úteis na identificação de dermatopatias bacterianas, fúngicas e,
possivelmente, neoplásicas. Deve­se fazer, ao menos, 4 a 6 imprints; devem­se guardar várias lâminas para
exame por um laboratório de referência, se for necessário. Quando se faz um imprint da pele, a lâmina deve ser
posta diretamente no local a ser amostrado. Um dedo indicador ou polegar deve ser colocado diretamente sobre
a lâmina, exercendo uma forte pressão. Alternativamente, pode­se usar fita de acetato limpa, para obter amostras
da pele. Amostras adequadas produzirão uma “impressão digital” da superfície. Pelo menos uma lâmina deve
ser fixada pelo calor, com um fósforo ou isqueiro, antes de ser corada. Na maioria dos casos, o corante Diff­
Quick é adequado. Em animais com prurido, o material deve ser raspado abaixo do leito ungueal e colocado na
lâmina para fixação com calor, coloração e exame citológico. As amostras devem ser examinadas em aumento
de 4× e 10× e em aumento maior, com óleo de imersão.
CULTURAS FÚNGICAS: As dermatofitoses são melhor identificadas com cultura fúngica tanto em meio de teste
dermatofítico como em ágar­Sabouraud simples. Preferem­se placas que são facilmente inoculadas; frascos de
vidro com rosca no topo são difíceis de inocular e obter amostras, sendo melhor evitá­los. As melhores amostras
dos gatos são obtidas usando­se escova dental nova, esfregando­a agressivamente sobre as lesões. As amostras
dos cães podem ser coletadas com auxílio de escova dental ou com a técnica de arrancar os pelos. Em grandes
animais, os pelos devem ser limpos suavemente, com álcool, antes da coleta, para minimizar o crescimento
contaminante. Os organismos fúngicos intermediários e profundos são melhor cultivados por laboratórios de
referência, utilizando biopsia cutânea (6 a 8 mm de tamanho).
CULTURAS BACTERIANAS: As pústulas intactas podem ser cultivadas por meio de rompimento com agulha
estéril e da coleta com swab na lesão, para cultura estéril. As lesões não devem ser limpas antes da amostragem.
As piodermites profundas são melhor cultivadas a partir de uma biopsia cutânea (6 a 8 mm). Um laboratório de
referência deve ser informado sobre os patógenos suspeitos, pois isso pode interferir na maneira como o
exsudato será cultivado. Tratamentos sistêmicos e tópicos devem ser suspensos por, no mínimo, 72 h antes da
coleta da amostra.
BIOPSIA: Biopsia cutânea é indicada em qualquer caso que pareça ser grave, incomum ou não responda à terapia
apropriada. As lesões não devem ser limpas antes da biopsia, pois a patologia superficial é importante no
diagnóstico de muitas dermatopatias. Várias amostras de diversas lesões devem ser submetidas ao exame.
Sempre que possível, deve­se biopsiar lesões primárias; por outro lado, frequentemente o relato não é muito útil
na elaboração do diagnóstico ou na restrição da lista de diagnósticos diferenciais. As amostras por biopsia
requerem exame por patologista familiarizado com dermatopatias de animais. Não é necessária a
imunofluorescência direta para diagnosticar dermatopatias autoimunes; a histopatologia rotineira constitui o
teste de escolha.
TESTES SANGUÍNEOS E URINÁRIOS DE ROTINA: Na maioria dos casos dermatológicos, esses testes não ajudam a
estabelecer o diagnóstico definitivo. Havendo sinais sistêmicos de enfermidade, hemograma completo, perfil
bioquímico sérico e urinálise podem ser úteis para a identificação da etiologia. Nos cães com infecções
recidivantes, esses testes podem identificar doença subclínica subjacente.
TESTE CUTÂNEO INTRADÉRMICO: Esse teste não é necessariamente exigido para determinar o diagnóstico de
atopia. A reação de teste cutâneo intradérmico positiva indica exposição anterior a um alergênio particular. As
alergias por agentes inalados são melhor diagnosticadas com base na anamnese e em achados compatíveis no
exame físico e o uso criterioso do teste cutâneo intradérmico ou de testes in vitro para alergias. Recomenda­se o
teste cutâneo intradérmico para animais que possuam indicação para imunoterapia em decorrência da gravidade
ou da duração dos sinais alérgicos. Devem­se considerar as interações entre fármacos potenciais que possam
interferir, antes de se realizar um teste cutâneo intradérmico.
TESTES DIAGNÓSTICOS IN VITRO: Os testes diagnósticos in vitro (testes ELISA ou RAST) constituem

alternativas ao teste cutâneo intradérmico. Embora os testes in vitro sejam considerados menos confiáveis em
razão do grande número de resultados falso­positivos, a maioria das complicações na sua interpretação resulta
da má seleção dos pacientes. Assim como nos testes cutâneos intradérmicos, os testes in vitro refletem a
exposição e devem ser interpretados com base no histórico e exame físico do paciente.

PROBLEMAS DERMATOLÓGICOS COMUNS

Os dois problemas dermatológicos mais comuns são alopecia e prurido.

ALOPECIA (Queda de pelos)


A alopecia corresponde à ausência parcial ou completa de pelos em áreas onde eles se encontram presentes
normalmente. Caso o paciente seja apresentado com o problema de queda de pelos e possua prurido,
primeiramente deve­se identificar o prurido (ver p. 896).
ETIOLOGIA: Há muitas causas de alopecia; qualquer doença que afete os folículos pilosos pode provocar queda
de pelos. Existem duas categorias etiológicas principais de alopecia: congênita ou hereditária e adquirida. A
alopecia adquirida é ainda dividida em duas categorias: inflamatória e não inflamatória.
A alopecia congênita ou hereditária (p. 899) é descrita em bovinos, equinos, cães, gatos e suínos. Foram
desenvolvidas raças de ratos, camundongos, gatos e cães sem pelos, para interesses pessoais e de pesquisa. A
alopecia congênita pode ou não ser hereditária; ela é causada por falta de desenvolvimento dos folículos pilosos
é aparente no nascimento ou após curto período do nascimento. Os animais com alopecias tardias nascem com
pelames normais e ocorre queda de pelos focais ou generalizadas, quando o animal troca o seu pelame juvenil
ou quando se torna adulto jovem. Os exemplos são a calvície padrão dos cães da raça Dachshund, a alopecia por
diluição da cor (mais comum em Doberman Pinschers) e determinados tipos de displasias foliculares.
Alopecia adquirida engloba todas as outras causas de queda de pelos. Nesse tipo de alopecia, o animal nasce
com pelame normal, apresenta ou já apresentou folículos pilosos normais em algum momento e é ou já foi
capaz de produzir pelos estruturalmente normais. A alopecia adquirida pode ser não inflamatória, como
observado em alopecias endócrinas ou em alguns tipos de alopecia imunemediadas, ou inflamatória. A alopecia
inflamatória adquirida é a forma mais comum. A alopecia adquirida desenvolve­se em decorrência de doença
que destrói o folículo ou a haste pilosa, interfere no crescimento dos pelos ou da lã ou causa desconforto (p. ex.,
dor e prurido) no animal, levando­o ao autotraumatismo e à queda de pelos.
As doenças que podem originar diretamente destruição ou danos na haste ou nos folículos pilosos são:
dermatopatias bacterianas, dermatofitose, demodiciose, dermopatias inflamatórias graves à derme (como,
celulite juvenil e piodermite profunda), episódios traumáticos (p. ex., queimaduras e radiação) e, raramente,
envenenamentos por mercúrio, tálio e iodo. Estas doenças tendem a ser inflamatórias.
As doenças que podem inibir ou retardar diretamente o crescimento do folículo piloso são: deficiências
nutricionais (particularmente deficiências de proteínas), hipotireoidismo, hiperadrenocorticismo e a produção ou
administração excessivas de estrógeno (hiperestrogenismo, tumor de células de Sertoli e injeções de estrógenos
para evitar acasalamentos). Nos equinos, ovinos e cães, pode haver alopecia temporária durante a gestação ou a
lactação ou várias semanas depois de uma grave enfermidade ou febre. A acentuada perda de pelos (eflúvio) é
comum em gatos com infecções respiratórias. Estes tipos de alopecia tendem a ser não inflamatórias, a menos
que ocorra infecção cutânea secundária.
O prurido ou a dor são causas comuns de alopecia inflamatória adquirida nos animais. As doenças que
costumam produzir prurido ou dor compreendem dermatopatias infecciosas (p. ex., piodermite bacteriana e
dermatofitose), ectoparasitas, dermatopatias alérgicas (p. ex., atopias, alergias alimentares, alergias por contato e
hipersensibilidade a insetos) e, mais raramente, dermatopatias neoplásicas. A fricção pode causar queda de
pelos local (p. ex., cabrestos ou coleiras mal ajustados). Raramente, a higiene pilosa excessiva pode ser a origem
de queda de pelos em alguns animais, particularmente nos gatos.
A alopecia endócrina felina não é mais reconhecida como uma síndrome genuína, seu novo nome é alopecia
simétrica adquirida felina. Até hoje, não existe evidência documentada de endocrinopatias nesses gatos e a
alopecia simétrica observada constitui sinal clínico de doença subjacente, mais comumente de doença
pruriginosa. A causa mais comum de alopecia simétrica felina é dermatite alérgica a pulgas. Nos gatos que não
possuam puliciose notória, recomenda­se hemograma com diferencial; muitos gatos com dermatite alérgica a
pulgas apresentam eosinofilia. Este achado pode auxiliar a convencer os clientes a obter o controle de pulgas
como primeiro passo no diagnóstico.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sinais clínicos de queda de pelos podem ser óbvios ou sutis, dependendo da
doença. A queda de pelos congênita ou hereditária é comumente simétrica e não é acompanhada por muitas
alterações inflamatórias; em alguns casos, as áreas de queda de pelos se localizam em uma região (p. ex., os
pavilhões auriculares) ou em áreas bem demarcadas.
Os sinais clínicos da queda de pelos adquirida são variados e frequentemente influenciados pela causa
subjacente(s); o padrão da queda de pelos pode ser focal, multifocal, simétrico ou generalizado. Alterações
inflamatórias, tais como hiperpigmentação, lignificação, eritema, descamação, queda de pelos excessiva e
prurido, são comuns. Algumas causas de alopecia adquirida podem predispor o animal ao desenvolvimento de
dermatopatias secundárias, como piodermite bacteriana ou seborreia. O prurido é variável, dependendo da causa
primária. Nas alopecias endócrinas, a queda de pelos geralmente desenvolve­se com padrão simétrico e
frequentemente inicia­se nas áreas de desgaste; o prurido é incomum, a menos que ocorra infecção secundária.
Ao contrário do que se imagina, geralmente a queda de pelos não é sinal clínico precoce de alopecia endócrina.
Muitos proprietários procuram assistência veterinária ao perceberem a queda de pelos excessiva. A queda
poderá ser anormal (excessiva) se resultar em perda notória do pelame e áreas de alopecia. Uma causa comum
de queda anormal é a piodermite bacteriana. No entanto, se a queda não for acompanhada por perda de pelos
irregular ou simétrica, ela provavelmente corresponderá somente a um estágio na reposição natural do pelame.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico preciso da causa de alopecia requer anamnese e exame físico cuidadosos. Os
pontos­chave da anamnese são: reconhecimento das predisposições raciais para alopecias congênitas ou
hereditárias; duração e progressão das lesões e presença ou ausência de prurido, evidências de contágio ou
problemas não dermatológicos, por exemplo, poliúria e polidipsia. No exame físico, deve­se observar a
distribuição das lesões (focal, multifocal, simétrica ou generalizada) e examinar os pelos para determinar se eles
estão caindo do folículo piloso ou estão se quebrando – o último sugere prurido. Devem–se observar sinais de
infecções cutâneas secundárias ou de ectoparasitas e realizar exame não dermatológico cuidadoso.
Os testes diagnósticos iniciais englobam raspados cutâneos para ectoparasitas (particularmente para os ácaros
Demodex), escovar os pelos à procura de pulgas, ácaros e piolhos, imprints da pele procurando evidências de
infecções bacterianas ou por leveduras, culturas fúngicas para identificação de uma dermatofitose e exame dos
pelos arrancados, procurando na haste e nas extremidades por evidências de dermatofitose ou de que os pelos
foram arrancados por mastigação. Em muitos casos de piodermite bacteriana, imprints da pele não mostram
neutrófilos e/ou cocos, mas grande número de ceratinócitos descamados. Neutrófilos e cocos são vistos em
amostras coletadas de pústulas íntegras ou recentemente rompidas.
Caso estes testes não identifiquem ou sugiram uma causa subjacente, pode­se indicar uma biopsia cutânea
para avaliar as estruturas foliculares pilosas, o número de folículos pilosos e a relação anágeno/telógeno, além
de procurar sinais de infecções cutâneas bacterianas, fúngicas ou parasitárias. Além disso, a biopsia cutânea é
frequentemente necessária para confirmar causas congênitas ou tardias de queda de pelos e identificar causas
inflamatórias ou neoplásicas. Deve­se enviar para avaliação, biopsia cutânea de áreas normais e anormais.
Hemograma, perfis bioquímicos séricos e urinálises geralmente são úteis quando se suspeita de uma
endocrinopatia. Testes de função endócrina específicos podem ser realizados com base nos achados de exames
laboratoriais rotineiros ou dos sinais clínicos.
TRATAMENTO: O sucesso da terapia depende da causa subjacente e do diagnóstico específico.

PRURIDO (Coceira)
O prurido é definido como uma sensação desagradável de irritação da pele que provoca o desejo de coçar.
FISIOPATOLOGIA: O prurido pode ser bem ou pobremente localizado. Ele pode se manifestar como sensação de
queimadura de forma localizada ou difusa. Embora a pele seja ricamente inervada, não se conhecem receptores
de prurido especializados. A sensação de prurido é transmitida via conjunto especializado de fibras aferentes.
Fibras mielinizadas que conduzem a sensação a 10 a 20 m/s transmitem uma sensação de picada do prurido,
bem localizada. Em contraste, a sensação de queimação do prurido é transmitida por fibras não mielinizadas que
conduzem a sensação a 2 m/s. Ambas as fibras entram pela raiz dorsal da medula espinal, ascendem em direção
à coluna dorsal e atravessam o trato espinotalâmico lateral. De lá, seguem para o tálamo e o córtex sensorial.
Os mediadores do prurido são controversos e podem variar dependendo da espécie. Esses mediadores
incluem histaminas (liberados pela degranulação de mastócitos), enzimas proteolíticas (proteases) e
leucotrienos. Proteases são liberadas por fungos, bactérias, degranulação de mastócitos e durante reações de
antígeno­anticorpo. Leucotrienos, prostaglandinas e tromboxanos A2, os quais são derivados da quebra do ácido
araquidônico, são proinflamatórios. Ácidos graxos essenciais, particularmente o ácido g­linolênico, tem sido
utilizados para controlar a inflamação mediada por leucotrienos e tromboxano A2. A sensação de prurido pode
ser afetada por uma variedade de fatores, como tédio, competição e ansiedade. Estresse pode potencializar o
prurido via liberação de peptídio opiode.
ETIOLOGIA: Prurido é sinal clínico e não diagnóstico ou doença específica. Em geral, as causas mais comuns de
prurido são parasitos, infecções, doenças alérgicas da pele e causas diversas (p. ex., neoplasia cutânea). Muitas
doenças que não são pruriginosas (p. ex., endocrinopatias) tornam­se pruriginosas quando o paciente desenvolve
infecção secundária por bactérias ou leveduras.
DIAGNÓSTICO: Devem­se realizar anamnese dermatológica e exame físico completos. As causas parasitárias de
prurido, como Demodex, pulgas e carrapatos, ácaros contagiosos e piolhos devem ser considerados, já que são
mais comuns. Raspados cutâneos podem ser decisivos para descartar ou não a presença de vários ácaros,
inclusive Demodex. Entretanto, algumas infestações por ácaros (p. ex., Sarcoptes, Cheyletiella, Psoroptes e
Chorioptes) podem não ser vistas no raspado cutâneo. Se há suspeita de infestação por ácaros, deve­se tentar
avaliar a resposta a ensaios terapêuticos. O medicamento mais comumente utilizado nesses casos é a
ivermectina. Pulgas podem ser consideradas ou não com base no histórico de controle de pulgas, na resposta
desse controle ou na evidência de infestação de pulgas pelo exame de escovação. A prática de controle de
pulgas também deverá excluir a infestação por piolhos.
O próximo grupo mais importante de doenças pruriginosas a serem descartadas é o das doenças infecciosas
da pele. Estas incluem infecções bacterianas (principalmente infecções estafilocócicas, crescimento excessivo
de Malassezia e dermatofitose). Deve­se realizar cultura fúngica em qualquer gato que apresente prurido. A
cultura fúngica também é bastante recomendada para cães recentemente adquiridos, qualquer animal com
possível histórico de exposição e/ou sinais clínicos compatíveis ou quando há histórico de humanos com
doenças de pele. Infecções bacterianas ou por leveduras concomitantes são cada vez mais reconhecidas como
causa comum de prurido em cães, gatos e grandes animais. A piodermite bacteriana é subdiagnosticada em
gatos e para descartá­la ou não, pode ser necessária avaliação da resposta ao ensaio terapêutico.
As causas infecciosas de prurido comumente induzem sinais clínicos de queda de pelos, descamação,
descamações permeando os pelos, odor e/ou seborreia oleosa. Prurido podal e facial acentuado é comum em
animais com infecções concomitantes por bacterianas e leveduras. Antes de afirmar que a causa do prurido é
alérgica ou realizar biopsias cutâneas ou outros testes diagnósticos mais caros e/ou invasivos, devem­se
descartar infecções bacterianas ou leveduriformes intercorrentes. Deve ser prescrita terapia de 21 a 30 dias com
um antibiótico efetivo contra Staphylococcus spp (p. ex., 30 mg de cefalexina/kg VO, 2 vezes/dia) e um
antifúngico sistêmico (p. ex., cetoconazol, itraconazol ou fluconazol 5 a 10 mg/kg VO, 1 vez/dia). Se o prurido
regredir, sua causa era infecção microbiana.
É possível que o ponto de partida inicial esteja muito longe ou seja sazonal. Entretanto, se o prurido do
animal não se alterar ou apresentar apenas pequena melhora, é mais provável que a causa primária seja alérgica
(assumindo que as causas parasitárias tenham sido descartadas). As causas mais comuns de prurido alérgico são:
hipersensibilidade por picada de inseto (p. ex., alergia à pulga, alergia à picada de mosquito, picada de moscas),
alergia alimentar e atopia. A dermatite alérgica a pulga e a hipersensibilidade à picada de inseto são descartadas
com base na resposta ao controle do inseto. Animais que não tenham hipersensibilidade à picada de inseto, mas
apresentem prurido sazonal, provavelmente possuem dermatite atópica. Os animais que apresentam prurido
alérgico o ano inteiro podem ter atopia e/ou alergia alimentar. Alergia alimentar é descartada com base na
resposta a ensaio dietético e desafio provocativo. O diagnóstico de dermatite atópica é clínico; testes cutâneos
intradérmicos e alérgicos in vitro mostram apenas um padrão de exposição antigênica. Esses testes são
utilizados para determinar o conteúdo da vacina na imunoterapia.
TRATAMENTO: O sucesso da terapia depende da identificação da causa primária. Pacientes com prurido
idiopático ou aqueles em que o tratamento da causa primária não elimina o prurido (p. ex., pacientes atópicos)
necessitarão de tratamento medicamentoso do prurido.
Anti-histamínicos: A eficácia dos anti–histamínicos no tratamento do prurido é tem como base relatos de casos
baseados em evidência. Os mais comumente utilizados são cloridrato de hidroxizina (2,2 mg/kg VO, 3
vezes/dia), difenidramina (2,2 mg/kg VO, 2 vezes/dia), cloridrato de amitriptilina (2,2 mg/kg VO, 2 vezes/dia),
cetirizina (5 mg/gato ou 5 a 10 mg/cão, 1 ou 2 vezes/dia) e fexofenadina (2 a 3 mg/kg VO, 1 ou 2 vezes/dia). O
ensaio terapêutico de 7 a 10 dias com qualquer anti–histamínico deve ser realizado para se observar o benefício
máximo.
Ácidos Graxos Essenciais: Ácidos graxos essenciais raramente são efetivos quando utilizados como agentes
antipruriginosos únicos; entretanto têm ação sinérgica com anti–histamínicos e/ou glicocorticoides. Eles podem
aumentar a eficácia dos anti­histamínicos ou diminuir a dose do glicocorticoide. A dose exata não é conhecida,
mas a recomendação atual é de 180 mg do ácido eicosapentaenoico/5 kg VO, 1 ou 2 vezes/dia.
Glicocorticoides: São os medicamentos mais efetivos no controle de prurido. Entretanto, não podem ser
seguramente utilizados por muito tempo devido seus efeitos adversos (ex. supressão da função da adrenal, risco
de desenvolvimento de diabetes melito e risco de infecções secundárias do trato urinário). Além disso,
proprietários raramente toleram seus outros efeitos (polidipsia, poliúria, polifagia e respiração ofegante) por
longo tempo. Inicia­se com doses anti­inflamatórias de 0,5 a 1 mg/kg VO, 1 vez/dia, por 5 a 10 dias e, depois,
em dias alternados. Formulações tópicas de acetato de triancinolona, em spray, são muito efetivas e boas
alternativas aos esteroides orais.
Outros Agentes Antipruriginosos Sistêmicos: Outros antipruriginosos eficazes são: ciclosporina (5 mg/kg, VO, 1
vez/dia), pentoxifilina (10 a 25 mg/kg VO, 2 a 3 vezes/dia) e misoprostol (3 a 6 μg/kg VO, 3 vezes/dia). Destes,
a ciclosporina A modificada é a mais eficaz e é utilizada para o tratamento de alergias em cães. Também foi
utilizada no tratamento de muitos gatos, com sucesso, porém não é aprovada pela FDA nesta espécie.
Geralmente é administrada uma ou mais vezes/dia, até que os sintomas alérgicos sejam controlados, após, a
dose pode ser reduzida. A melhora é evidente em aproximadamente 2 semanas e por 4 a 6 semanas para o efeito
máximo. Os efeitos adversos mais comuns são náuseas, anorexia, vômito, fezes amolecidas e diarreia. Estes
frequentemente resolvem­se após várias semanas.

PRINCÍPIOS DA TERAPIA TÓPICA

Ver p. 2620.
A terapia tópica é uma parte importante da dermatologia veterinária. Geralmente é benéfica na melhora da
aparência cosmética ou do odor do animal, até o diagnóstico final. Pode ser benéfica como terapia adjuvante à
terapia sistêmica. Por fim, pode constituir o método de tratamento preferido no caso de algumas doenças, como
as infestações por pulgas.
A seguir, há alguns parâmetros básicos que devem ser considerados ao prescrever terapia tópica: (1) o
máximo de pelagem possível deve ser removido para o tratamento da doença de pele. As boas práticas de
higiene podem ajudar significativamente a encurtar o curso da doença. Além disso, facilitam a terapia tópica;
(2) a cooperação do proprietário (e do animal) deve ser avaliada antes de prescrever qualquer terapia tópica; (3)
os animais tendem a se limpar e retirar os agentes tópicos e podem vomitar após a ingestão. O risco de
toxicidade é uma constante preocupação para os clientes. As pomadas, os géis e os sprays locais são melhor
utilizados com moderação, sob oclusão e para doenças específicas. Tais medicamentos costumam doer
agudamente quando aplicadas na pele, especialmente muitas das instiladas no interior das orelhas. Muitos
agentes também podem emaranhar os pelos; (4) a água tépida é a temperatura de escolha para banhar os
animais; (5) o velho provérbio “se está molhado, seque e se está seco, molhe” apresenta certa verdade; no
entanto, esse conselho não deve ser levado a extremos. As lesões exsudativas (p. ex., as áreas de dermatite
piotraumática) cicatrizarão mais rápido se forem mantidas limpas e cobertas com pomadas ou géis antibióticos;
as recomendações anteriores sugeriam o uso de adstringentes agressivos. A pele seca e lignificada geralmente
fica pruriginosa e o uso criterioso de emolientes pode ser benéfico; (6) deve­se monitorar o animal de perto
quanto ao possível desenvolvimento de dermatite de contato irritante ou alérgica, decorrente dos agentes
tópicos. Muitos desses possuem bases ou ingredientes bastante semelhantes e a mudança de um para outro pode
apenas exacerbar o problema; (7) os proprietários devem receber instruções cuidadosas e completas sobre como
administrar a terapia.
TERAPIA COM XAMPU: Os xampus são os tratamentos tópicos mais utilizados. Existem três classes amplas de
xampus: de limpeza, antiparasitários e medicamentosos. Os xampus de limpeza removem a sujeira e o excesso
de óleo do pelame. São os xampus higiênicos caninos de administração livre, os xampus antipulgas e muitos
produtos leves para seres humanos. Estes produtos espumam bem e devem ser enxaguados do pelame. Os
xampus antiparasitários são os “xampus antipulgas”. Na maioria dos casos, a quantidade de inseticida nesses
produtos não é adequada para matar todas as pulgas em uma infestação grave. No entanto, são excelentes
produtos de limpeza rotineira. Os xampus medicamentosos incluem os produtos antimicrobianos e
antisseborreicos. Os xampus antismicrobianos mais empregados contêm clorexidina ou peróxido de benzoíla.
Xampus de miconazol e cetoconazol são normalmente utilizados como terapia adjuvante para o tratamento de
infecções por Malassezia, mas não para dermatofitose. Há poucas evidências que sugerem que o uso desses
produtos diminui o curso da infecção por dermatófitos. Os xampus antisseborreicos contêm combinação de
alcatrão, enxofre e ácido salicílico – ingredientes ceratoplásticos e ceratolíticos. O alcatrão é recomendado para
seborreia oleosa e o enxofre e o ácido salicílico para o caso de seborreia descamativa. A maioria dos animais se
beneficia de produtos contendo os três agentes; entretanto os produtos de alcatrão são contraindicados para
gatos.
Quando um xampu medicamentoso é utilizado, o animal deve ser lavado com um xampu de limpeza antes do
medicamentoso e enxaguado bem. Xampus medicamentosos frequentemente não são bons agentes de limpeza,
não espumam bem ou não têm boa ação na presença de restos celulares orgânicos. Esses xampus devem ser
aplicados uniformemente sobre a pelagem depois de diluídos na água. Sua diluição facilita o enxágue do pelame
e minimiza o potencial de irritação e de dermatite alérgica de contato. Dependendo do xampu, a concentração
desse para a água poderá variar entre 1:3 e 1:4. Se possível, o xampu medicamentoso deve ser deixado em
contato com a pele por um período de 10 min, depois, deve­se enxaguá­lo completamente do pelame. O resíduo
desse constitui uma causa comum de reações irritantes. Por fim, deve­se utilizar o xampu medicamentoso, em
geral, 2 a 3 vezes/semana, durante os estágios iniciais da terapia.
O uso de terapia com xampus antimicrobianos é crescente, devido à preocupação com o desenvolvimento de
infecções estafilocócicas resistentes à meticilina.

ANOMALIAS CONGÊNITAS E HEREDITÁRIAS DO SISTEMA

TEGUMENTAR

As dermatoses congênitas podem ser genéticas ou surgirem durante a embriogênese, por causa de fatores não
genéticos. As mutações genéticas que causam anomalias cutâneas podem estar presentes no nascimento ou
tornarem­se aparentes após semanas a meses. Estas manifestações de início tardio são denominadas de defeitos
de desenvolvimento tardio. Tanto as dermatoses congênitas como as de desenvolvimento tardio são
razoavelmente comuns em animais domésticos de todas as espécies, com o maior número de defeitos bem
definidos, descritos em bovinos e cães.

ALOPECIA HEREDITÁRIA E HIPOTRICOSE

Alopecia é a ausência de pelos; a hipotricose, muito mais comum, corresponde à presença de pelos em
quantidade menor que a normal. Embora esses defeitos possam ser generalizados, eles se desenvolvem
comumente em padrões que poupam as extremidades ou se correlacionam com a coloração do pelame. Tais
defeitos ectodérmicos podem ser congênitos ou tardios e podem se associar com anexos anormais ou ausentes,
defeitos em outras estruturas ectodérmicas (tais como dentes, unhas e olhos) e outros defeitos do
desenvolvimento ou esqueléticos. Há vários modos de herança em casos nos quais se estudou a ocorrência
familiar. Displasia ectodérmica ligada ao cromossomo X foi recentemente relatada em cães Pastor Alemão. As
raças caninas sem pelos (p. ex., Pelado Mexicano, Cão Cristado Chinês e American Hairless Terrier) e felinas
(Sphinx) são criadas por causa desses defeitos ectodérmicos. Descrevem­se muitos casos esporádicos de
defeitos ectodérmicos nos cães, mais frequentemente nos machos. Muitos cães afetados, inclusive a maioria das
raças alopécicas, apresentam hipotricose macular ou padronizada, bem como anomalias dentárias associadas.
Todos os animais com desenvolvimento folicular anormal ficam propensos à formação de comedões, infecções
do folículo piloso e granulomas pilosos por corpo estranho.
Pelo menos 13 tipos de hipotricose já foram descritos em bovinos, acometendo as raças Angus, Ayrshire,
Brangus, Holstein–Friesian, Hereford, Hereford Mocho, Guernsei. Gelbvieh e Jérsei e nos mestiços de
Normando­Maine, Anjou­Charolês e cruzas de Simmental. A maior parte deles apresenta modos de herança
recessiva autossômica ou ligada ao sexo. Os defeitos associados incluem falha no desenvolvimento dos chifres,
hipoplasia hipofisária, macroglossia, anomalias dentárias, coloração de pelame anormal e morte (hipotricose
letal). Hipotricose viável, hipotricose com anodontia, semialopecia, alopecia riscada, displasia dos folículos
pilosos pretos (Holstein) e hipotricose relacionada com a mestiçagem (cauda de rato) são tipos específicos
descritos nos bovinos.
Nos ovinos, a hipotricose é raramente descrita, com a síndrome mais conhecida acometendo a raça Dorset
mocha. Esta síndrome envolve com maior gravidade os pelos faciais, mas a lã também fica com má qualidade.
Nos caprinos, a hipotricose se associa com bócio congênito. Nos suínos, conhecem­se 2 formas de hipotricose
(nas raças pelado mexicano e alemão), com uma delas se associando com bócio e morte no indivíduo
homozigoto.
Nos cães, há várias displasias foliculares tardias, inclusive alopecia por diluição da cor. Esta afecção é
notada em alguns cães que possuem o genótipo de coloração de pelame dd, que converte os genótipos pretos em
azuis e os genótipos cor de fígado em bege ou castanho­claro. Esta síndrome é mais bem conhecida na raça
Doberman pinscher, mas também é comumente observada a diluição de cor nos cães das raças Dachshund,
Greyhound Italiano, Greyhound, Whippet e Yorkshire Terrier e cães de caça com pelagens tricolor e também foi
descrita em um pastor alemão. Recentemente, “Labrador Retriever prateados” com alopecia por diluição da cor
foram relatados. Os cães afetados nascem com pelames normais, mas antes de 1 ano de idade começam a
desenvolver foliculite e hipotricose progressiva e restrita às áreas azuis ou castanho­claras. A displasia dos
folículos pilosos pretos, uma hipotricose semelhante, mas de desenvolvimento mais precoce e mais completo, é
vista nos cães malhados de branco e preto. A hipotricose se desenvolve imediatamente após o nascimento e
acomete somente as áreas de coloração preta. Esta síndrome é mais conhecida nos cães das raças Papillon e
Border Collie. Análises genéticas recentes em grande Munsterlanders indicam uma herança recessiva
autossômica na raça. Também se descreve uma displasia folicular semelhante em raças não malhadas. Os outros
tipos de displasia folicular de etiologia incerta são a alopecia sazonal do flanco dos cães das raças Boxer e
Airedale Terrier e várias síndromes lanosas e a alopecia pós­tosa nos cães Spitz. Hipotricose familiar na raça
Irish Water Spaniel ocorre em animais de 2 a 4 anos de idade, e sugere­se modo de herança dominante. A
condição anteriormente conhecida como alopecia responsiva ao hormônio de crescimento em pomerânios e
outras raças é agora conhecido como alopecia X, refletindo a complexidade de fatores, a hereditariedade e, de
outra maneira, influenciando estas síndromes.
Nos gatos, há displasia folicular na raça Devon Rex. Nos equinos, descrevem­se, ocasionalmente, alopecia
por diluição de cor e displasia dos folículos pilosos pretos, especialmente na raça Appaloosa. Hipotricose
progressiva congênita foi descrita em Percheron azul. As anormalidades estruturais nas hastes pilosas dos cães e
dos gatos incluem pelos tortos (raça felina pelo­de­arame americano), tricorrexe nodosa e espiculose (raça
canina Kerry Blue terrier).

ANOMALIAS CONGÊNITAS CUTÂNEAS

Epiteliogênese imperfeita (aplasia cutânea) é uma descontinuidade congênita do epitélio escamoso. Acomete
bovinos (característica autossômica recessiva), equinos, suínos, ovinos, gatos e cães, sendo rara nas últimas 3
espécies. Nos bovinos, as raças afetadas são: Holstein­Friesian, Hereford, Ayrshire, Jersey, Shorthorn, Angus,
Dutch Black Pied, Swedish Red Pied e German Yellow Pied. É comum em suínos, nos quais grandes lesões são
evidentes ao nascimento, como descontinuidades bem delimitadas, vermelhas e brilhantes na pele ou nas
membranas mucosas. Infecção e ulceração são as consequências iniciais. Um ou mais cascos ou garras podem
estar deformados ou ausentes; em alguns animais afetados, ocorrem outras anomalias congênitas associadas. A
afecção é fatal quando extensa, mas os pequenos defeitos podem ser corrigidos cirurgicamente. A avaliação
ultraestrutural desta condição em potros American Saddlebred demonstrou relação com a epidermólise bolhosa
juncional (p. 902).
Hipoplasia cutânea focal e hipoplasia subcutânea são defeitos hipoplásicos congênitos, circunscritos, de
múltiplas ou das camadas cutâneas mais profundas nos suínos. As lesões se manifestam como depressões
cutâneas nas quais todas as camadas cutâneas ou as camadas gordurosas subcutâneas não se desenvolvem
normalmente.
Nevo é um defeito de desenvolvimento cutâneo circunscrito, enquanto um hamartoma é uma massa
hiperplásica formada como resultado de um defeito de desenvolvimento em qualquer órgão. Tanto os nevos
quanto os hamartomas são descritos como defeitos cutâneos congênitos, mas podem não ser óbvios no início da
vida. Nos cães, é conhecida a ocorrência de nevos sebáceos, nevos epidérmicos pigmentados, nevos
epidérmicos verrucosos lineares inflamatórios, nevos comedônicos, nevos organoides lineares e hamartomas
foliculares. Em equinos, há relatos de queratose de metatarso e nevo epidérmico linear. Indubitavelmente,
ocorrem defeitos semelhantes em todas as espécies. Os nevos mistos ou organoides consistem em coleções
circunscritas de estruturas anexas densamente cheias (nevos pilossebáceos e pilossebáceosudoríferos). Os nevos
colagenosos são nódulos compostos de hiperplasia colagenosa focal, que deslocam as estruturas cutâneas
normais. A maioria das lesões é alopécica, com superfícies irregulares e pigmentadas. Quando não são extensos,
podem ser excisados; por outro lado, não existe nenhum outro tratamento efetivo conhecido.
Seios ou cistos dermoides surgem em equinos Puro Sangue Inglês e nos cães da raça Rhodesian Ridgeback
(nos quais são hereditários) e, ocasionalmente, em outras raças caninas. Tratam­se de estruturas císticas
revestidas de pele e em cujo interior se acumulam pele descamada, pelos e resíduos glandulares. São causados
por falha na separação completa do tubo neural da epiderme, durante a embriogênese; ocorrem na linha média
dorsal e raramente se associam com déficits neurológicos da medula espinal. Podem ser removidos por excisão
cirúrgica.
Cistos foliculares se desenvolvem por uma morfogênese folicular pilosa anormal e pela retenção de produtos
foliculares ou glandulares. Eles podem ser congênitos, quando causados por falha no desenvolvimento normal
do orifício folicular. Os cistos congênitos são mais comumente identificados nos ovinos das raças Merino e
Suffolk. Os cistos periauriculares (dentígeros) ocorrem nos equinos e, embora já se encontrem presentes no
nascimento, podem não ser reconhecidos até a idade adulta. Os cistos de barbela surgem nos caprinos da raça
Núbia a partir da fenda brônquico. Os cistos de barbela suínos ocorrem, com razoável frequência, em todas as
raças. São crescimentos semelhantes a mamilos no maxilar inferior.

ANOMALIAS PIGMENTARES

Há vários relatos de associação entre a coloração da pele e do pelame e anormalidades do desenvolvimento nos
animais domésticos. Algumas associações com hipotricose são discutidas no item sobre alopecia hereditária (p.
899).
Albinismo parece ser raro nos animais domésticos. O albinismo verdadeiro está sempre associado às íris
róseas ou pálidas e com defeitos visuais e aumento no risco de neoplasias cutâneas induzidas por radiação solar.
Ele é notado nos ovinos islandeses e nos bovinos das raças Guernsey, Murboden Austríaco, Shorthorn, Suíço
Marrom e Charolês. O albinismo deve ser diferenciado das manchas brancas extremas ou do piebaldismo ou do
pelo branco dominante. Alguns animais com piebaldismo extremo ou branco dominante apresentam associação
com anomalias neurológicas, surdez ou morte intrauterina. A síndrome letal dos potros brancos é uma afecção
que resulta do cruzamento de 2 equinos da Paint­Horse, padrão Overo. Tanto nos cães quanto nos gatos de pelos
brancos dominantes ou piebaldismo extremo pode haver associação com surdez uni ou bilateral e às vezes, com
íris azuis ou heterocromia de íris. Os gatos brancos com olhos azuis bilaterais têm uma chance de 75% de
surdez. Nos cães, a surdez pode estar associada a pelagens da coloração merle, notada nos cães das raças
Dálmata, Sealyham Terrier, Dogue Alemão arlequim, Collie e Bull Terrier branco. Pode­se encontrar uma
neutropenia cíclica (p. 31) nos cães da raça Collie cinza ou merle­pálido. Nos cães da raça Rhodesian
Ridgeback, uma coloração de pelame clara se vincula com uma degeneração cerebelar. Na síndrome de
Chédiak­Higashi (p. 27) dos gatos e dos bovinos (Hereford, Preto Japonês e Brangus), diluição na coloração do
pelame (coloração azul­fumaça nos gatos) se associa com anormalidades neutrofílicas e plaquetárias e
diminuição da expectativa de vida. Isso é herdado como uma característica autossômica recessiva. Os gatos
tricolores machos (de pelagens cálico e casco de tartaruga) são estéreis, pois o gene da coloração laranja é
ligado ao cromossomo X e recessivo e os machos apresentam o genótipo XXY anormal.
As anormalidades pigmentares podem ser adquiridas e algumas delas podem ser hereditárias ou familiares,
como o vitiligo. Como uma doença familiar, o vitiligo é mais reconhecido nos equinos da raça árabe (síndrome
do desbotamento dos equinos da raça árabe ou síndrome rósea); ele também pode ser familiar nos bovinos (da
raça Holstein–Friesian) e nos gatos siameses e em algumas raças caninas (Tervuren Belga e Rottweiler). Os
animais afetados desenvolvem uma despigmentação macular cutânea um pouco simétrica que, ocasionalmente,
também acomete o pelame, as unhas ou os cascos. O início ocorre em adultos jovens. A maioria das lesões
aparece na face, especialmente no focinho ou no plano nasal ou ainda, ao redor dos olhos. A despigmentação
pode ser intermitente. Pode haver remissão completa, mas é rara. Não há nenhuma doença sistêmica ou cutânea
associada. Não se encontra disponível nenhum tratamento; os tratamentos destinados a pessoas com vitiligo não
proporcionam resultados cosméticos significativos nos animais.
Lentigem dos gatos machos laranja ou de face laranja é marcada pelo desenvolvimento de máculas
pigmentadas e assintomáticas. As lesões são observadas primeiramente nos lábios e nas pálpebras, em animais
com < 1 ano de idade. Outros locais acometidos são o plano nasal e a gengiva. As lentigens não são pré­
cancerígenas e não possuem consequência clínica.
Aurotriquia adquirida dos cães Schnauzer miniatura constitui uma síndrome familiar, na qual os pelos ao
longo da linha média dorsal mudam para dourado, a partir do preto ou cinza normais desta raça. O início ocorre
geralmente no início da idade adulta. A alteração pode­se associar com um adelgaçamento no pelame, mas com
nenhum outro sinal cutâneo ou sistêmico. Na maioria dos cães, a coloração do pelame reverte para o normal
dentro de 1 a 2 anos.

DEFEITOS NA INTEGRIDADE ESTRUTURAL

Esta categoria inclui defeitos genéticos nos elementos estruturais responsáveis pela integridade da epiderme e da
junção dermoepidérmica, bem como algumas anomalias estruturais dérmicas.
Astenia cutânea (dermatosparaxe ou síndrome de Ehlers­Danlos) corresponde a um grupo de síndromes
caracterizado por defeitos na produção de colágeno. Isso resulta em vários sinais clínicos, como pele frágil,
hiperextensível e frágil; frouxidão articular e outras disfunções teciduais conjuntivas. Esses defeitos do colágeno
já foram descritos nos bovinos (raças Belga Azul e Branco, Charolês, Hereford, Holstein­Friesian e Simmental),
em um caprino, em ovinos (das raças Dala Norueguês, Border Leicester–Southdown, Finnish Merino, Romney,
Dorper branco), nos suínos (mestiços de Large White­Essex), equinos (da raça quarto­de­milha e dos mestiços
de árabes), coelhos (da raça branco da Nova Zelândia), gatos (das raças himalaia e pelo curto doméstico), visons
e cães (uma ninhada de Garafiano Shepherds, esporadicamente em várias raças). O modo de herança já foi
mostrado nos gatos das raças himalaia (recessivo) e pelo curto doméstico (dominante).
As características clínicas são: pele frágil desde o momento do nascimento, ferimentos que curam com
cicatrizes finas, retardo na cicatrização de ferimentos, pele pendular e formação de hematomas e higromas. Nos
cordeiros, são característicos ruptura no trato gastrintestinal e aneurismas arteriais e a doença é fatal nos
cordeiros e nos bezerros. Nos equinos, o início é mais tardio e as lesões são bem circunscritas, consistindo em
pele hiperextensível e um pouco frágil. Nos cães e gatos, a doença não é fatal e os animais idosos desenvolvem
dobras de pele penduradas e exibem uma forma extensa de cicatriz; alguns apresentam frouxidão articular e
outros, anomalias oculares.
O diagnóstico baseia­se nos sinais clínicos e nos estudos histopatológicos da estrutura do colágeno, que
requer amostras de controle das idades e das raças compatíveis. Para diagnóstico nos gatos e nos cães,
desenvolveu–se um índice de extensibilidade cutânea. Há relatos anedóticos da melhora dos cães afetados com
suplementação de vitamina C. Nos gatos adultos, o principal diagnóstico diferencial é o hiperadrenocorticismo
felino com fragilidade cutânea adquirida.
As síndromes de epidermólise bolhosa constituem um grupo de doenças congênitas e hereditárias que
resultam de defeitos nas estruturas de fixação dermoepidérmicas. Estas doenças são conhecidas como doenças
mecanobolhosas, pois um pequeno traumatismo cutâneo resulta em separação dermoepidérmica com formação
de bolhas flácidas que logo se rompem, deixando erosões niveladas e brilhantes. As síndromes são classificadas
de acordo com a localização ultraestrutural do defeito dermoepidérmico: simples, na camada de células basais
epidérmicas; juncional, na membrana basal; e distrófica, abaixo da membrana basal nas fibrilas ancoradas na
subepiderme. Em grandes animais, as lesões ocorrem mais comumente em gengiva, palato, lábios, língua e
patas. Algumas formas de epidermólise bolhosa formam cicatrizes e a maior parte delas é fatal. Nos grandes
animais, as síndromes de epidermólise bolhosa são conhecidas em bezerros (das raças Simmental e Brangus),
búfalos domésticos, cordeiros (das raças Suffolk, South Dorset Down, Blackface Escocês, Weisses Alpenschaf e
Montanhês Galês) e potros da raça belga. Todas as 3 formas da epidermólise bolhosa são bem caracterizadas em
cães e gatos: a simples é descrita em cães Collie e pastor de Shetland; a juncional já foi descrita em um cão da
raça Poodle toy, nos cães da raça German Shorthair Pointer, nos cães mestiços e nos gatos Siameses e já foi
identificada, por tentativa, na raça canina Beauceron. Epidermiólise bolhosa distrófica já foi descrita em gato de
pelo curto doméstico, em Persa, além de Golden Retrievers e Akitas. As lesões podem estar presentes no
nascimento ou se desenvolver dentro das primeiras semanas de vida. As lesões mais graves ocorrem nas patas,
com descolamento de cascos, unhas ou coxins podais, na membrana mucosa oral e na pele facial e perigenital
(erosões). Exceto pela epidermólise bolhosa simples, estas doenças são fatais.
Pênfigo crônico familiar benigno canino é um distúrbio mecanobolhoso causado por um defeito na
aderência intercelular na epiderme. Esse distúrbio já foi descrito em uma família de cães da raça Setter inglês.
Ele se desenvolve em poucas semanas após o nascimento e causa lesões alopécicas formadoras de crostas nos
pontos de pressão da pele, que aumentam de volume, lentamente, à medida que os filhotes crescem. A doença é
benigna e ainda não se descreveu nenhum tratamento. Acantólise familiar, descrita em bezerros da raça angus
da Nova Zelândia, é uma síndrome semelhante. Esta síndrome fatal é descrita como uma característica
autossômica recessiva. Os bezerros afetados desenvolvem erosões, com colaretes e crostas, em áreas sujeitas
aos traumatismos. Alguns bezerros exibem uma separação parcial dos cascos. O diagnóstico, tanto nos filhotes
de cães como nos bezerros, é estabelecido por biopsia cutânea das lesões recém–formadas.
Mucinose cutânea é provavelmente um problema familiar observado em algumas linhagens de cães da raça
Shar­peis chineses. Os Shar­peis normais apresentam mais mucina cutânea que os outros cães, mas em alguns
cães jovens, a formação de mucina cutânea na derme é tão excessiva que a pele exibe acentuada formação de
pregas e de vesículas mucinosas. O diagnóstico é feito por meio de punção cutânea das vesículas e observação
dos fios de muco originários destas, que possuem a mesma aparência do fluido articular normal ou,
alternativamente, por biopsia cutânea. A síndrome é parcialmente responsiva a corticosteroides, mas esse
tratamento é contraindicado, devido à idade jovem dos cães afetados. À medida que os cães tornam­se adultos, a
gravidade da síndrome pode diminuir, mas ela pode ser exagerada com o desenvolvimento de dermatopatia
alérgica, comum na raça. O principal diagnóstico diferencial é o hipotireoidismo.

MANIFESTAÇÕES CUTÂNEAS DE DEFEITOS MULTISSISTÊMICOS E METABÓLICOS

Síndrome do bezerro alopécico em fêmeas da raça Holstein, como o nome implica, se associa com hipotricose.
Esta característica autossômica recessiva é letal para os fetos machos. Os bezerros comprometidos parecem
normais no nascimento, mas começam a perder a força e placas de pelos 1 a 2 meses mais tarde. A pele, então,
fica espetada e enrugada e as pontas das orelhas podem se enrolar. Os bezerros salivam abundantemente e
emagrecem e as fêmeas morrem com 6 a 8 meses de idade. Desconhece­se o defeito metabólico subjacente.
Uma síndrome de aparência similar, conhecida como anemia congênita, disqueratose e alopecia progressiva,
é descrita em bezerros da raça Hereford mocho de qualquer sexo. Apresentam anemia e tamanho pequeno ao
nascimento e torna­se progressivamente mais grave. Alopecia, pelos enrolados anormais e hiperqueratose ao
redor do focinho e das margens auriculares, tornando­se mais extensos à medida que os bezerros amadurecem.
Depois, a pele se enruga acentuadamente e desenvolvem anormalidades neurológicas. Os bezerros apresentam
diarreia e morrem antes dos 6 meses de idade.
Vasculopatia familiar foi descrita em cães das raças Pastor Alemão e Parson Russell Terrier. Nesses cães, as
lesões cutâneas se desenvolvem logo após a primeira vacinação do filhote e se exacerbam após as subsequentes
vacinações. Os principais sinais cutâneos são inchaço e despigmentação nos coxins plantares, que podem
progredir para ulceração; afetam, tipicamente, todos os coxins podais. Também são características a formação
de crostas e ulceração nas pontas das orelhas e da cauda e a despigmentação no plano nasal. À medida que o cão
torna­se adulto, a doença pode se resolver, mas as lesões nos coxins podem ser tão graves que justifiquem a
eutanásia. Nenhum tratamento conhecido é uniformemente efetivo, embora alguns cães pareçam responder a
altas doses de corticosteroides. Uma forma grave de vasculite neutrofílica recentemente descrita em Shar­peis
jovens pode ser de origem familiar.
Dermatomiosite familiar é uma doença inflamatória idiopática da pele e dos músculos dos cães jovens das
raças Collie e Shetland Sheepdog. O modo de herança é descrito como autossômico dominante nos Collies, mas
há algumas evidências de um agente infeccioso não identificado na patogênese. Uma vasculopatia se associa
com os estágios inflamatórios iniciais da doença na pele e na musculatura e em ambos os tecidos, a sequela final
é atrofia. O início ocorre, tipicamente, < 6 meses de idade, embora já se tenha registrado um episódio na idade
adulta. A progressão das lesões é variável, podendo­se acometer os filhotes de cães individualmente dentro de
uma ninhada, nas formas brandas a graves. As lesões cutâneas aparecem em áreas de maior traumatismo e são
observadas na face, nas pontas das orelhas, na ponta da cauda e nas superfícies laterais das extremidades. As
lesões cutâneas, que consistem em erosões, formações de crostas e alopecias, exacerbam­se com o calor e a
exposição solar. Os músculos atingidos com maior gravidade são da cabeça e das extremidades. O diagnóstico é
estabelecido pela avaliação dos companheiros de ninhada e da história familiar, por biopsia cutânea,
eletromiografia e biopsia muscular, que deve ser realizada no início do curso da doença. Há relatos de melhora
com altas doses de corticosteroides, vitamina E e ácidos graxos ômega­3, mas os cães gravemente afetados
respondem pouco ao tratamento. Pentoxifilina (10 mg/kg, VO, 2 vezes/semana) foi benéfica em muitos cães.
Dermatose lupoide hereditária dos cães da raça pointer de pelo curto alemão é observada, pela primeira
vez, quando o cão tem aproximadamente 6 meses de idade. Inicia com descamação e formação de crostas na
cabeça e no dorso e progride rapidamente para uma descamação generalizada, com eritema. A dermatopatia
parece ser dolorosa ou pruriginosa. Os cães doentes ficam piréticos e desenvolvem linfadenopatia. Alguns deles
desenvolvem uma enteropatia pouco caracterizada; a maioria perde condição corporal. Como o nome indica, as
amostras por biopsia cutânea revelam as particularidades de uma dermatite semelhante ao lúpus. A doença é
progressiva e, por fim, fatal. Ainda não há relato de tratamento efetivo.
Síndromes de deficiência de zinco hereditárias são mais conhecidas nos bovinos e já foram descritas nos
cães. Nos bovinos, estas síndromes incluem paraqueratose hereditária, característica letal A46, doença
edematosa e hipoplasia tímica hereditária. As raças afetadas são Friesian, Shorthorn, Angus e Malhado preto.
Estas síndromes tornam­se aparentes dias a semanas após o nascimento e se caracterizam por hiperqueratose
simétrica e preferencialmente acral; formação de crostas e definhamento; suscetibilidade a infecções e morte
precoce. Os bezerros exibem conjuntivite, ptialismo, rinite, diarreia e frequentemente morrem por pneumonia.
Na maioria das raças bovinas, a característica parece ser autossômica recessiva e associar­se à má absorção
intestinal de zinco dietético, que é mais ou menos responsiva à suplementação dietética com zinco. Em algumas
raças, o defeito na absorção é absoluto, exigindo uma administração parenteral de zinco para atingir a remissão.
Como tais manipulações raramente se tornam possíveis nos animais de produção de alimentos, estas
características tornam­se letais. O diagnóstico é estabelecido pela exclusão de dermatofilose (p. 913) e biopsia
cutânea (predominantemente uma paraqueratose), pela mensuração dos teores séricos de zinco e por achados de
necropsia que incluem hipoplasias de timo e linfonodos.
Nos cães, há relatos de duas síndromes de deficiência de zinco familiar. Em Bull Terriers brancos, a
acrodermatite letal se caracteriza por retardo no crescimento, dermatite hiperqueratótica acral e progressiva e
dermatite pustular ao redor das junções mucocutâneas. Esses sinais ficam aparentes com 10 semanas de idade e
são posteriormente acompanhados de diarreia, pneumonia e morte antes dos 2 anos de idade. Nos cães idosos,
hiperqueratose nos coxins podais e paroníquia contribuem significativamente para a morbidade. Pode­se
melhorar um pouco a gravidade da dermatopatia por meio do controle das infecções bacterianas e por
Malassezia secundárias, podendo­se prolongar a vida dos cães com tratamento clínico agressivo. Esses cães não
respondem a uma terapia com zinco oral. A dermatopatia responsiva a zinco familiar, que se manifesta
predominantemente por lesões cutâneas e é responsiva à suplementação oral com zinco, é observada nos cães
das raças Malamute do Alasca, Husky siberiano e Pointer de pelo curto alemão. Os sintomas surgem no
desmame ou mais tarde e consistem em formação de crostas e hiperqueratose nas extremidades e nas junções
mucocutâneas. Frequentemente, as cadelas desenvolvem sinais associados a cio ou parto e lactação. As
infecções secundárias por Malassezia são comuns. O diagnóstico é estabelecido por uma biopsia cutânea e
resposta à suplementação com zinco oral.
Tirosinemia já foi descrita em um filhote da raça Pastor Alemão. Foi comparada a um tipo de tirosinemia no
homem e consequentemente, acredita­se que seja hereditária. As manifestações clínicas englobam erosões e
ulcerações nos coxins podais e no nariz e lesões bolhosas e despigmentação cutânea, queda de unhas e lesões
oculares. Ela deve ser diferenciada da vasculopatia familiar dos cães da raça pastor alemão, descrita
anteriormente. No filhote, os teores séricos de tirosina estavam 20 a 30 vezes acima dos níveis normais e as
amostras urinárias continham concentrações altas semelhantes.
Porfiria é um defeito hereditário no metabolismo da hemoglobina e dos seus subprodutos. Nos bovinos, o
acúmulo de porfirinas aberrantes na pele aumenta a sensibilidade aos raios UV (A porfiria também é descrita
em gatos e suínos, mas não resulta em fotossensibilização). Nos bovinos, há 2 tipos de porfirias hereditárias. A
protoporfiria bovina é descrita nos bovinos mestiços de Limousin e é hereditária como uma característica
autossômica recessiva. Os sintomas são fotodermatite e fotofobia. Bezerros comprometidos podem morrer, mas
os animais adultos podem ser afetados menos gravemente. A porfiria eritropoética bovina (p. 1098) é mais
comum e mais grave. É descrita em várias raças (Shorthorn, Holstein­Friesian e Hereford) como uma
comum e mais grave. É descrita em várias raças (Shorthorn, Holstein­Friesian e Hereford) como uma
característica autossômica recessiva. Além da fotossensibilização grave, os sinais são manchas marrom­
avermelhadas nos dentes, ossos e urina; anemia regenerativa e interrupção no crescimento. Os dentes e a urina
dos animais afetados exibem fluorescência alaranjada sob iluminação com lâmpada de Wood. A biopsia cutânea
também é útil no diagnóstico.
Deficiência na aderência leucocitária (p. 31) nos bovinos da raça Holstein é uma doença hereditária
(autossômica recessiva) com muitas manifestações. É fatal antes da idade adulta. Nos bezerros, observam­se
frequentemente lesões cutâneas de dermatite e vasculite. A doença pode ser diagnosticada por métodos
moleculares, como reação em cadeia de polimerase (PCR) de um tecido fresco ou fixado, propiciando a
identificação dos bovinos afetados, portadores e normais.

NEOPLASIAS CONGÊNITAS E HEREDITÁRIAS E HAMARTOMAS MÚLTIPLOS

Neoplasias congênitas são comuns em grandes animais. Mastocitose, melanocitose, linfossarcomas cutâneos
e hamartomas vasculares são notados em bezerros. Melanocitomas podem também surgir logo após o
nascimento dos bezerros, como doença hereditária. Esses são considerados benignos.
Melanomas são observados em suínos das raças Duroc­Jersey e Sinclair miniatura, como característica
familiar. Estes tumores podem sofrer remissão espontânea ou se comportar como tumores malignos.
Hamartomas vasculares e fibropapilomatose congênita também foram descritos em leitões e são doenças
semelhantes.
Tumores congênitos são raros em cães e gatos. Um cão com um nevo pigmentado congênito gigante teve
melanoma maligno que desenvolveu­se no interior da lesão. Em gatos, mastocitose benigna familiar é descrita
em jovens siameses.
Observa­se síndrome de nevos colagenosos múltiplos em algumas famílias de cães da raça pastor alemão e
denominada dermatofibrose nodular. Os cães acometidos são adultos. Podem apresentar dúzias destas lesões
cutâneas e as lesões nas patas frequentemente ulceram ou causam deformidades podais e claudicação. Tal
síndrome é um marcador cutâneo quanto à ocorrência de cistadenocarcinoma renal e liomioma uterino. A
colagenose dérmica progressiva é uma doença semelhante dos suínos miniatura machos pós­púberes. Pode ser
hereditária e caracteriza­se por placas firmes e simétricas no tronco, consistindo de feixes espessos de colágeno
que substituem a derme e o panículo normais. A conexão com malignidade interna não foi relatada.
Urticária pigmentosa é causada por hiperplasia dos mastócitos e foi descrita em gatos. Os gatos afetados
apresentam erupção papular, crostosa, com máculas coalescentes na cabeça, pescoço e membros. O diagnóstico
é realizado por biopsia cutânea. Há evidências de histórico familiar.

SÍNDROMES HIPERPLÁSICAS E SEBORREICAS

Há muitas anomalias que afetam a queratinização; algumas se associam com hipotricoses hereditárias (ver
anteriormente), enquanto outras se vinculam a desarranjos metabólicos sistêmicos. As anomalias às quais ainda
não se fez nenhuma destas associações constituem um grupo diverso de síndromes que podem implicar partes
localizadas do epitélio ou podem ser generalizadas. Entre as últimas afecções, incluem­se síndromes congênitas
ou seborreicas familiares pouco caracterizadas, entre elas a mais conhecida é a seborreia oleosa idiopática dos
cães de raças Spaniels e dos gatos da raça Persa. Paraqueratose folicular congênita hereditária é uma
síndrome recentemente reconhecida nas fêmeas de rottweilers e huskies siberianos. É um grave defeito de
queratinização associado a várias anormalidades não cutâneas.
Ictioses cutâneas se caracterizam por uma proliferação epitelial anormal e hipertrófica, com extenso acúmulo
de escamas e hiperqueratose na superfície cutânea. Os casos são descritos predominantemente nos bovinos e nos
cães, mas também se conhecem exemplos de galinhas e vários modelos de camundongos e há relato em uma
lhama. Nos bovinos, a gravidade varia; algumas formas são letais e ocorrem imediatamente após o nascimento.
As raças bovinas comprometidas são mocho vermelho, Friesian, Holstein, suíço marrom, Pinzgauer e Chianina.
As dermatoses ictiosiformes caninas também são heterogêneas e ocorrem esporadicamente em várias raças:
Doberman Pinschers, Rottweiler, Setter Irlandês, Collie, Springer Spaniel Inglês, Cavalier King Charles Spaniel,
Golden Retriever, Labrador Retriever e Terriers (inclusive Parson Russell Terrier). Há algumas evidências de
padrão de herança familiar no Parson Russell Terrier e Golden Retriever. Nos cães, o corpo fica recoberto de
grandes descamações aderentes, que podem descamar em lâminas grandes. O plano nasal e os coxins digitais
costumam ficar bastante espetados em algumas formas e os últimos geralmente se associam com um
desconforto aparente. O tratamento clínico é difícil, mas os sinais podem melhorar com xampus ou soluções
ceratinolíticos (como, dissulfetos de selênio, ácido láctico e peróxido de benzoíla) e com umectantes (p. ex.,
ácido láctico, ureia, propilenoglicol e preparações de ácidos graxos essenciais). O uso experimental de
retinoides sintéticos tem sido útil. Exige­se, frequentemente, controle da piodermite secundária.
Dermatose psoriasiforme­liquenoide acomete os cães jovens da raça Springer Spaniel Inglês e presume­se
que tenha origem genética. As lesões eritematosas e simétricas, as quais consistem de pápulas e placas nos
pavilhões auriculares e na região inguinal, ficam cobertas de escamas, tornando­se crescentemente
hiperqueratóticas, se não forem tratadas. Em alguns cães afetados, as lesões podem eventualmente se espalhar e
lembrar uma seborreia oleosa grave. Registram–se remissões espontâneas e curso intermitente. Alguns cães
respondem ao tratamento com antibióticos ou a retinoides sintéticos, mas a maior parte deles é refratária à
terapia.
Ptiríase rósea dos suínos é uma doença familiar, da qual ainda não se conhece o modo de herança (ver p.
1048 para achados clínicos, diagnóstico e tratamento). Dermatose vegetante dos suínos da raça Landrace é um
distúrbio hereditário, possivelmente congênito, com herança autossômica recessiva. Nos estágios iniciais, deve
ser diferenciada da ptiríase rosa. Trata­se de uma doença mais grave, que acomete tanto os cascos como a pele.
As lesões começam como máculas e pápulas e são escamosas, como na ptiríase rosa. Depois ficam cobertas de
crostas preto­amarronzadas e se associam a coronites e deformidade do casco. Os leitões falham em se
desenvolver e eventualmente, desenvolvem pneumonia; a doença não é uniformemente fatal, mas os
sobreviventes afetados ficam subdesenvolvidos. Não existe nenhum tratamento efetivo.
Hiperqueratose dos coxins plantares familiar é descrita nos cães das raças Irish Terrier e Dogue de
Bordeaux. Todos os coxins de todas as patas ficam comprometidos desde filhotes, embora a doença não seja
geralmente congênita. Quando a hiperqueratose é grave, os calos, as fissuras e as infecções secundárias causam
dor e claudicação. Não existe nenhuma outra lesão cutânea. O tratamento é sintomático, com imersão de
ceratolíticos e emolientes e da tratamento da piodermite bacteriana. Não há disponível nenhum relato do uso de
retinoides sintéticos. Os principais diagnósticos diferenciais para hiperqueratose dos coxins plantares são
síndrome hepatocutânea, distúrbios de queratinização e pênfigo.
Adenite sebácea granulomatosa é uma doença idiopática que destrói as glândulas sebáceas e em algumas
raças caninas, associa­se com dermatose seborreica e alopécica grave. É hereditária nos cães da raça Poodle
padrão e suspeita­se que seja familiar nos Akitas. Se manifesta primeiramente nos adultos jovens, mas são
conhecidos portadores inaparentes dentre os cães da raça Poodle. A hiperqueratose acentuada precede o
desenvolvimento das anormalidades no pelame, que começam como perda da capacidade de enrolamento dos
pelos normais e progridem para alopecia macular. Os cães da raça Akita tendem a apresentar mais seborreia
oleosa e menos alopecia que em Poodle. A resposta ao tratamento é inconsistente e incompleta. Os cães
levemente afetados devem ser cuidados com xampus antiseborreicos e tratamento da piodermite, conforme
necessário. Os cães gravemente atingidos se beneficiam do uso de tratamentos com propilenoglicol ou óleo
aquecido. Alguns cães respondem a uma suplementação oral com ácidos graxos ômega­3, outros, aos retinoides
sintéticos. Já se registraram casos de remissão espontânea. Recentemente, a ciclosporina A modificada (5
mg/kg, VO, 1 vez/dia) foi eficaz no tratamento de muitos cães.

ALERGIA ALIMENTAR (Reações adversas ao alimento)

As reações adversas ao alimento compreendem as reações alérgicas denominadas alergias alimentares, bem
como as reações não alérgicas denominadas intolerância alimentar. Em um nível prático, estes termos são
frequentemente trocados, uma vez que os processos imunológicos precisos da maioria das reações adversas ao
alimento geralmente são desconhecidas. As etiologias mais prováveis envolvem as reações imunológicas dos
tipos I, III e IV, porém isto é conjetural na maioria dos casos em pequenos animais. Alergias alimentares são
muito raras em herbívoros. Neste capítulo, o termo alergia alimentar será utilizado para todas as reações
adversas ao alimento.
Nota­se alergia alimentar em cerca de 10% dos casos de dermatite atópica dos cães e é quase equivalente à
DA nos gatos. O histórico de prurido não sazonal, com pouca variação na sua intensidade de uma estação para a
outra, na maioria dos casos. A maioria dos relatos não sugere predileção racial; no entanto, um relato indicou
aumento no risco relativo nos cães das raças Labrador Retriever, West Highland White Terrier e Cocker Spaniel.
Hipersensibilidade alimentar foi relatada em Soft Coated Wheaten Terrier em associação com enteropatia e
nefropatia com perda proteica. A idade de início é variável, sendo de 2 meses aos 14 anos de idade. Um relato
indicou que a maioria das alergias alimentares começa com < 12 meses de idade. Na alergia alimentar de
aparecimento nos adultos, a maioria dos cães foi alimentada com o alergênio por mais de 2 anos.
A distribuição do prurido e das lesões varia acentuadamente entre os animais. Uma doença no canal auditivo,
que se manifesta como prurido e infecção bacteriana secundária (geralmente por Staphylococcus intermedius,
Pseudomonas spp, Proteus spp ou Escherichia coli) ou por leveduras (Malassezia pachydermatis), é comum e
pode constituir a única queixa. Os outros padrões observados incluem blefarite, prurido generalizado, seborreia
generalizada, erupção papular ou padrão de distribuição que pode mimetizar atopia (patas, face e ventre) ou da
dermatite alérgica a pulgas (região lombossacral dorsal e membros pélvicos). As áreas de envolvimento mais
comuns são orelhas, patas, região inguinal, área axilar, regiões proximais anteriores dos membros torácicos,
região periorbitária e focinho. O grau de prurido geralmente ser moderado a grave. A resposta a
glicocorticosteroides varia de ruim a excelente.
Não existe outro teste diagnóstico seguro além da dieta de eliminação alimentar rigorosa. Os testes
sorológicos e intradérmicos para alergênios alimentares se mostraram não confiáveis. A dieta de eliminação
alimentar ideal deve ser equilibrada e nutricionalmente completa e não deve conter nenhum ingrediente que
tenha sido oferecido anteriormente ao animal. Muitas dietas contêm novas fontes de proteínas ou carboidratos
(p. ex., carne de veado e arroz). No entanto, o ensaio dietético pode falhar se algum ingrediente anteriormente
oferecido estiver presente na dieta de eliminação e o animal poderá ser alérgico a este item. O ponto­chave em
qualquer ensaio com dieta de eliminação alimentar é que só é possível oferecer ingredientes alimentares novos.
Outra opção é o uso de dietas com proteínas hidrolisadas para moléculas com peso molecular pequeno, que não
são alergênicas.
A dieta experimental deve ser oferecida por até 3 meses. Havendo resolução acentuada ou completa no
prurido e nos sinais clínicos durante o ensaio com dieta de eliminação, pode­se suspeitar de alergia alimentar.
Para confirmar a existência de alergia alimentar e que a melhora clínica não foi apenas coincidência, o animal
deverá ser provocado com os ingredientes alimentares oferecidos anteriormente, devendo ocorrer recidiva dos
sinais clínicos. O retorno dos sinais clínicos depois de uma provocação geralmente se dá entre 1 h e 14 dias.
Uma vez confirmada a alergia alimentar, deve­se reinstituir a dieta de eliminação até que os sinais clínicos se
resolvam, o que leva < 14 dias. Nesse ponto, devem­se acrescentar os ingredientes individuais antes oferecidos
na dieta de eliminação pelo período de até 14 dias. Se o prurido voltar, o ingrediente individual será considerado
positivo na causa da alergia alimentar. Se o prurido não voltar, o ingrediente individual não será considerado
importante causador dos sinais clínicos.
O número de alergênios alimentares ofensores varia de 1 a 5 ingredientes. Os alergênios causadores
frequentemente identificados na alergia alimentar canina são carne bovina, carne de frango, ovos, milho, trigo,
soja e leite. Uma vez identificados os alergênios ofensores, o controle da alergia alimentar deve ser feito por
abstenção rigorosa desses alergênios. Doenças intercorrentes (tais como dermatite atópica ou alergia a pulgas)
podem complicar a identificação das alergias alimentares subjacentes. Infrequentemente, um cão irá reagir a
novos alergênios alimentares com o tempo.
As apresentações clínicas da alergia alimentar nos gatos são: dermatite miliar, alopecia simétrica felina,
complexo granulomatoso eosinofílico (primariamente a placa eosinofílica) e um prurido intenso na cabeça e no
pescoço. Não se observa nenhuma predileção racial, sexual ou etária. A idade de início varia de 3 meses a 11
anos. Em um estudo, entretanto, 46% dos gatos afetados ficaram sintomáticos com idade = 2 anos e os gatos
siameses representaram 30% dos casos.
A resposta aos glicocorticoides é variável, mas cerca de 2/3 dos gatos exibem, inicialmente, uma resposta
excelente. Muitos gatos desenvolvem resposta deficiente aos glicocorticoides com a repetição do tratamento.
Assim como na alergia alimentar canina, deve­se oferecer uma dieta de eliminação por até 3 meses. Esta não
deve conter nenhum ingrediente oferecido anteriormente. As dietas de eliminação alimentar podem ser difíceis
para os gatos, pois muitos deles quase sempre relutam em mudar suas dietas. Os gatos não devem passar fome
ou serem forçados a ingerir uma dieta de eliminação nova por causa da natureza séria da lipidose hepática, que
pode ser induzida pela anorexia prolongada.
O tempo de resposta às dietas de eliminação varia de 1 a 12 semanas. O tempo até a recidiva do prurido
depois de um desafio com o alimento ofensor varia de 15 min a 10 dias. Nos gatos, os alergênios alimentares
mais frequentemente identificados são: carnes de peixe, bovina, frango e leite. Evitando­se os alergênios
ofensores, os sinais clínicos associados à alergia alimentar serão controlados.

DERMATITE ATÓPICA (Dermatite por alergênio inalatório)

A dermatite atópica (DA) é uma doença de pele alérgica pruriginosa comum em cães e gatos. Geralmente
classificada como hipersensibilidade tipo I (IgE ou IgG) e acredita–se acometer cerca de 10% da população
canina. A incidência em gatos não é relatada.
Em alguns cães, anticorpos IgE contra alergênios ambientais não podem ser mostrados. A dermatite
semelhante à atopia (DSA) foi recentemente definida como uma dermatopatia pruriginosa em cães, com
características de DA, porém com testes negativos para anticorpos IgE.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Acredita­se que animais com DA são geneticamente predispostos à sensibilidade
aos alergênios ambientais. Os alergênios são proteínas que, quando inaladas ou absorvidas na pele, no trato
respiratório ou no trato gastrintestinal deflagram a produção de IgE alergênio­específica. Esta IgE alergênio­
específica se fixa aos mastócitos teciduais ou basófilos. Quando estas células entram em contato com o
alergênio específico novamente, a degranulação mastocitária resultará na liberação de enzimas proteolíticas,
histamina, bradicininas e outras aminas vasoativas, levando à inflamação (eritema, edema e prurido). A pele é o
principal órgão­alvo em cães e gatos, mas rinite e asma podem também ocorrer em cerca de 15% dos animais
afetados.

Dermatite Atópica Canina

ACHADOS CLÍNICOS: Não há predileção sexual na DA canina. Há predileções raciais, porém a prevalência em
uma raça depende amplamente da variabilidade genética e da região. Raças predispostas a desenvolver DA são:
Shar­Pei, Fox Terrier com pelo­de­arame, Golden Retriever, Dálmata, Boxer, Boston Terrier, Labrador
Retriever, Lhasa Apso, Scottish Terrier, Shih Tzu e West Highland White Terrier. A idade de início é,
geralmente, entre 6 meses e 3 anos. Os sinais clínicos costumam ser sazonais, mas podem se tornar perenes com
o tempo. O prurido é o sinal característico da atopia e da dermatite semelhante à atopia e pode ser a única
queixa. Pés, face, orelhas, superfície flexural das pernas dianteiras, axilas e abdome são as áreas frequentemente
mais atingidas. As lesões se desenvolvem secundariamente a autotraumatismo e incluem alopecia, eritema,
descamação, tingimento salivar, crostas hemorrágicas, escoriações, liquenificação e hiperpigmentação.
Piodermite estafilocócica superficial, dermatite por Malassezia, otite externa alérgica com infecções secundárias
são complicações comuns. Otite crônica ou recidivante é a única queixa em um pequeno número de animais.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico é baseado nos sintomas, histórico completo, achados do exame físico e exclusão
de outras causas de prurido. Os diagnósticos diferenciais compreendem alergia alimentar (não sazonal), alergia a
pulgas (sazonal), alergias de contato e escabiose. Testes alérgicos (intradérmicos ou sorológicos) são medidas
diagnósticas que mensuram altos teores de IgE circulante ou ligadas aos tecidos; isoladamente, não são
suficientes para o diagnóstico. A principal razão para se realizar testes alérgicos intradérmicos e sorológicos é
conhecer os alergênios ofensores e formular uma imunoterapia específica. Os resultados dos testes são
significativos somente se os alergênios ofensores identificados forem compatíveis com o histórico ou
sazonalidade do prurido. Os animais com sinais clínicos clássicos, porém testes alérgicos negativos são
diagnosticados como dermatite alérgica semelhante à atopia. A imunoterapia pode ser difícil ou impossível
nestes animais.
TRATAMENTO E CONTROLE: Dermatite atópica (DA) e dermatite semelhante à atopia (DAS) são enfermidades
que cursam por toda a vida, que não têm cura. Há 3 opções de terapia disponíveis para o controle de DA: evitar
o(s) alergênio(s) ofensor(es), terapia sintomática para o controle do prurido e imunoterapia (i. e.,
hipossensibilização, dessensibilização, vacina alérgica). Um bom plano de controle para dermatite atópica
requer o uso de diferentes tratamentos. Educação clara e frequente do cliente assegura que o proprietário tenha
expectativas razoáveis da resposta. Avaliações progressivas e frequentes são necessárias para que o plano possa
ser ajustado, quando necessário.
Evitar os alergênios é a melhor opção, porém geralmente é difícil, especialmente quando os alergênios são
pólens, mofo e poeira. A redução da exposição pode ser alcançada ao manter os animais dentro de casa durante
o pico das estações, utilizando um filtro altamente eficaz nos sistemas de calefação e ar condicionado, cobrindo
e mantendo limpa a cama semanalmente, substituindo a cama anualmente e utilizando xampus hipoalergênicos e
rinses com água fria para remover os alergênios acumulados na pele e pelame. Ademais, remover e controlar
outros alergênios como pulgas e alimentos ajudará no controle do prurido.
A terapia sintomática é direcionada ao controle dos sintomas primários e secundários que acompanham a DA.
Todas as piodermites superficiais e dermatites por Malassezia devem ser tratadas agressivamente com
antibiótico ou antifúngicos apropriados, até a cura clínica completa. A maioria requer duração mínima de 3
semanas e o tratamento deve se estender por 2 semanas após a cura clínica.
Ácidos graxos essenciais ômega­3 e ômega­6 podem ter algum benefício. Ácidos graxos ômega­6 (ácido
linoleico) ajuda a diminuir a perda de água transepidérmica por reforçar a barreira lipídica epidérmica. Ácidos
graxos ômega­3 (ácido eicosapentaenoico) interrompe a cascata do ácido araquidônico e a produção de
mediadores inflamatórios. Os ácidos graxos essenciais atuam sinergicamente com anti­histamínicos na redução
do prurido; anti­histamínicos isolados possuem benefício modesto. A melhor resposta pode ser obtida quando
anti­histamínicos e ácidos graxos essenciais são administrados em conjunto, porém é difícil avaliar se a melhora
resulta dos efeitos sedativos dos anti­histamínicos ou pelos efeitos anti­histamínicos verdadeiros do
medicamento.
Os inibidores da calcineurina, como ciclosporina e tacrolimo, mostraram boa redução do prurido e melhora
geral das lesões em cães e gatos com DA. Há relato de redução de 50% do prurido em 70% dos cães com DA
que recebem ciclosporina A, paralelamente à resposta observada com glicocorticoides, porém com menos
efeitos colaterais. Alguns animais podem ser mantidos confortavelmente com este medicamento isolado.
Pomada de tacrolimo é benéfica em animais com lesões mais localizadas. Entretanto, os medicamentos desta
categoria tendem a ser mais caros que outros utilizados no tratamento sintomático.
A pentoxifilina, um inibidor da fosfodiesterase, possui propriedades imunomoduladoras e foi mostrada
redução do eritema e prurido em alguns cães.
Imunoterapia: A imunoterapia é indiscutivelmente a melhor opção terapêutica para DA, porque é a única terapia
que potencialmente provoca a remissão dos sinais sem necessidade de outros medicamentos. Permanece o
tratamento de escolha da maioria dos dermatologistas e alergologistas. A hipossensibilização ou imunoterapia
tenta aumentar a capacidade do animal de tolerar uma exposição a alergênios do ambiente (subjetivamente
medida quando um indivíduo é exposto a um alergênio identificado sem desenvolver sinais clínicos). Embora
não se compreenda completamente o modo de ação da imunoterapia, a principal teoria afirma que os níveis de
IgG aumentam durante os primeiros meses de hipossensibilização e exercem efeito de bloqueio nos alergênios
circulantes ao ligarem­se a eles e previnem a degranulação de mastócitos. Outra teoria afirma que a
imunoterapia causa um desvio do TH2 em direção ao TH1, por aumentar a expressão de interferona­?. Depois da
injeção, entretanto, níveis de IgE alergênio–específicos também podem aumentar quando se inicia a
imunoterapia, por causa da resposta à carga alergênica adicional decorrente das injeções imunoterápicas. Isso
pode resultar em um aumento de prurido em alguns animais. Reduzindo a quantia de alergênio dado,
frequentemente alivia­se esta reação e, com o tempo, os níveis de IgE alergênio­específica diminuem. No
entanto, o decréscimo nos níveis de IgE e a melhora clínica nem sempre correlacionam­se diretamente.
A imunoterapia é melhor considerada para animais que apresentam sinais clínicos problemáticos em vários
meses durante o ano. O animal deve também ser bastante cooperativo para receber injeções alérgicas. Os
critérios para a hipossensibilização bem–sucedida são: interpretação apropriada dos resultados dos testes,
seleção cuidadosa dos alergênios, controle adequado de infecções secundárias, controle de outras alergias
(alimentar ou pulgas), administração sistemática das injeções de imunoterapia e comunicações periódicas entre
o proprietário e o veterinário. O compromisso a longo prazo necessário entre o veterinário e o proprietário para
o sucesso da imunoterapia não pode ser superestimado. O proprietário deve estar disposto a seguir precisamente
as instruções, ser paciente e ser capaz de se comunicar efetivamente com o veterinário. O veterinário deve ser
capaz de reconhecer e tratar outras causas primárias ou secundárias de prurido (p. ex., otite, piodermite,
dermatite por Malassezia, hipersensibildade à picada de insetos) que podem ocorrer. A terapia sintomática é
necessária em quase todos os casos durante o período de indução e várias vezes no ano. A terapia sintomática é
composta não somente de medicamentos antipruriginosas (i. e., glicocorticoides, ácidos graxos essenciais, anti­
histamínicos, ciclosporina oral, xampus e soluções de enxágue de uso tópico), mas também terapia
antimicrobiana específica.
A preparação da vacina envolve a seleção de alergênios individuais para cada animal em particular. A escolha
do alergênio deve ser determinada pela correlação entre os alergênios positivos nos resultados dos testes e os
alergênios proeminentes durante o período do ano em que o animal apresenta o prurido. Se os resultados dos
testes alérgicos forem positivos para pólens que não apresentam relevância clínica (i. e., grande quantidade de
pólen presentes em um período do ano em que o animal não apresenta o prurido, reação positiva para um
alergênio que não existe em determinada área geográfica), então estas reações alérgicas são brandas
(subliminares) ou são falso­positivas. De qualquer maneira, esse alergênio não deverá ser incluído na vacina.
Muitas vacinas veterinárias são extratos aquosos. O desenvolvimento e a manufatura dos extratos alergênios não
estão padronizados; assim, o pólen de ambrósia americana de uma manufatura não é necessariamente
equivalente ao de outra. Exige­se que as companhias de suprimento de alergênios cultivem cada alergênio ou
vacina para assegurar a sua esterilidade antes da liberação para um veterinário. Para manter a esterilidade, as
vacinas devem ser preservadas com fenol ou glicerina e são mantidas refrigeradas. As vacinas preservadas em
fenol perdem sua potência mais rápido que as vacinas glicerinadas, mas as preservadas em glicerina podem
causar reações locais nos animais. Atualmente, a maioria das vacinas e antígenos é conservada com fenol. As
concentrações das vacinas são medidas em unidades de nitrogênio proteico (UNP) por mL ou relação
peso/volume (p/v). Nenhum desses métodos constitui uma mensuração precisa da potência biológica, mas a
medida por UNP é geralmente preferida. Extratos de alergênios devem ser refrigerados para preservar sua vida
de prateleira. Devem ser feitas vacinas suficientes para durarem até 6 meses. A potência da maioria das vacinas
é considerada inadequada após 1 ano.
As principais variáveis implicadas na imunoterapia com hipossensibilização, além da escolha dos alergênios,
são a frequência das injeções e a dose dos alergênios administrados. Os alergênios devem ser administrados por
injeção subcutânea (SC). O número de alergênios em uma vacina individual deve­se limitar de 10 a 12, porque
muitos alergênios em uma vacina podem diluir a concentração de cada alergênio individual, produzindo uma
resposta inadequada.
Os protocolos de vacinação variam, mas geralmente possuem períodos de indução e de manutenção. Durante
o período de indução, a dose do alergênio aumenta gradativamente até uma dose de manutenção arbitrária ser
alcançada. Depois de se administrar a dose máxima, deve­se prosseguir com o nível de manutenção. O intervalo
entre as doses de manutenção pode variar de 3 a 4 dias até 3 semanas. O ajuste desses intervalos deve ser
baseado na resposta do animal. Proprietários devem ser avisados para não esperarem muita resposta por 6 meses
e devem se comprometer a fazer, no mínimo, 1 ano de terapia, antes de decidir sobre a utilidade da
imunoterapia. A melhor taxa de resposta é comparar a diminuição da doença ou desconforto entre as estações
semelhantes. A maioria dos proprietários aprende a administrar as injeções alérgicas muito bem, enquanto
outros precisam de ajuda de um amigo capacitado ou um auxiliar de veterinário.

Dermatite Atópica Felina

DA felina é semelhante à DA canina. É uma doença pruriginosa na qual os gatos afetados apresentam reação de
hipersensibilidade a alergênios ambientais inalados ou de contato. A idade de início é variável, mas geralmente
começa antes dos 5 anos. Os sinais podem ser sazonais ou não sazonais. Gatos de raça pura têm risco maior de
apresentar o problema quando comparados a gatos de pelo curto doméstico. Como nos cães, o prurido nos gatos
pode ter várias apresentações clínicas (p. ex., dermatite miliar, alopecia simétrica, complexo granuloma
eosinofílico e prurido intenso na cabeça e no pescoço), que são consistentes com o diagnóstico de DA, mas
devem ser diferenciados de outras doenças com sinais clínicos semelhantes. Diagnósticos diferenciais são:
dermatofitose, alergia à pulga, várias infestações por ácaros (p. ex., Cheyletiella, Demodex, Notoedres,
Sarcoptes, Otodectes), hipersensibilidade a picada de mosquito, alergia alimentar, doença autoimune (p. ex.,
pênfigo foliáceo) e neoplasia cutânea. Revisão completa da anamnese e exames dermatológico e físico,
juntamente com escovação das pulgas, raspados cutâneos e culturas fúngicas são os primeiros passos
obrigatórios. O diagnóstico de DA é definido quando outros diagnósticos diferenciais foram excluídos. Há uma
excelente resposta a glicocorticoides inicialmente, porém diminui com o tempo.
Os testes alérgicos intradérmicos e os procedimentos de hipossensibilização são semelhantes aos utilizados
nos cães, mas os resultados intradérmicos são mais difíceis de interpretar, pois as reações são menos drásticas e
se dissipam mais rapidamente nos gatos. As mesmas recomendações para evitar alergênios feita para cães,
aplica­se aos gatos. A terapia sintomática envolve o controle de infecções secundárias e qualquer combinação
de anti­histamínicos, ácidos graxos essenciais, ciclosporina e glicocorticoides. A resposta à imunoterapia é
semelhante à observada nos cães (ver anteriormente); proprietários são aconselhados a fazer a terapia por 1 ano
antes de decidir sobre sua utilidade.

URTICÁRIA (Erupção urticariforme)

A urticária é caracterizada por erupções semelhantes a placas, múltiplas, formadas por edema localizado na
derme e que costumam se desenvolver e desaparecer subitamente. Ocorre em todos os animais domésticos, mas
com maior frequência nos equinos. A urticária alérgica pode ser exógena ou endógena. A urticária exógena
pode ser decorrência de produtos irritantes tóxicos da urtiga, de ferrões ou picadas de insetos, de medicamentos
ou de produtos químicos (p. ex., ácido carbólico, terebintina, dissulfeto de carbono ou óleo cru). Fatores não
imunológicos, como pressão, luz solar, calor, exercícios, estresse psicológico e anormalidades genéticas, podem
precipitar ou intensificar uma urticária. O prurido não está sempre presente.
Os animais sensíveis, particularmente os cães de pelo curto e os equinos de raças puras, também podem
exibir dermografismo, fenômeno no qual a pressão aplicada à pele produz lesões urticariformes lineares. A
importância clínica é desconhecida.
A urticária endógena ou “sintomática” pode­se desenvolver depois da inalação ou absorção de alergênios
ingeridos ou administrações de medicamentos; é observada predominantemente nos equinos e nos cães. Nos
equinos, é percebida no curso de afecções gastrintestinais, em particular constipação intestinal grave ou
inflamação da mucosa intestinal. A única forma de urticária em bovinos foi descrita em ralas das Ilhas do Canal
(Jersei e Guernsey), que ficaram sensibilizadas à caseína do seu próprio leite (“alergia ao leite”); ocorre nos
casos de retenção láctea ou de ingurgitamento incomum do úbere com leite. A urticária foi também observada
nas cadelas durante o estro. Nos equinos jovens, cães e suínos, pode se associar com parasitos intestinais. O
edema angioneurótico é uma variante de risco de morte da urticária, na qual há edema subcutâneo difuso, em
geral localizado na cabeça, nos membros ou no períneo. Em equinos, dermatofitose (tinha) e pênfigo foliáceo
podem parecer urticárias no início da doença.
ACHADOS CLÍNICOS: Os vergões ou placas aparecem em poucos minutos a horas após uma exposição ao agente
causador. Nos casos graves, as erupções cutâneas são precedidas por febre, anorexia ou embotamento.
Frequentemente, os equinos ficam excitados e inquietos. As lesões cutâneas são salientes e redondas, têm a
parte superior achatada e possuem 1 a 20 cm de diâmetro; podem ficar ligeiramente deprimidas no centro. Elas
podem se desenvolver em qualquer parte do corpo, mas principalmente no dorso, flanco, pescoço, pálpebras e
pernas. Nos casos avançados, podem ser notadas nas membranas mucosas orais, nasais, conjuntivas, reto e
vagina. Em geral, as lesões desaparecem tão rapidamente quanto surgem, em poucas horas.
Nos ovinos, as lesões são observadas apenas no úbere e nas partes glabras do abdome. Nos suínos, as
erupções são vistas ao redor dos olhos, entre os membros pélvicos, no focinho, abdome e no dorso.
Em geral, o prognóstico é favorável. As fatalidades são raras e provavelmente devam–se à anafilaxia ou ao
angioedema associados, envolvendo as vias respiratórias.
A urticária crônica é um desafio diagnóstico. Todos os alergênios ambientais devem ser considerados como
causas potenciais e deve­se instituir a eliminação da exposição, se for possível.
TRATAMENTO: A urticária aguda geralmente desaparecer espontaneamente. Os glicocorticosteroides de ação
rápida, como o succinato sódico de hidrocortisona ou succinato ou hemissuccinato sódico de prednisolona, são
descritos como úteis. A dexametasona (0,1 mg/kg) tem sido utilizada em cães, gatos e equinos. Os anti­
histamínicos possuem valor questionável e podem induzir urticária se forem administrados por via intravenosa
(IV). Pode­se administrar epinefrina nas situações de risco de morte. As lesões desaparecem imediatamente,
mas retornarão rapidamente se o alergênio não for eliminado. Geralmente, não há necessidade de tratamento
local das lesões. Em equinos com urticária crônica, podem ser utilizados o anti­histamínico hidroxizina, na dose
de 0,4 a 0,8 mg/kg, 2 vezes/dia ou o antidepressivo tricíclico doxepina (que possui propriedades anti­
histamínicas), na dose de 3 mg/5 kg.

DERMATOFILOSE (Infecção por Dermatophilus,

Estreptotricose cutânea, Encaroçamento de lã, Strawberry

footrot)

Esta infecção da epiderme é cosmopolita, porém é mais prevalente nos trópicos, erroneamente é denominada
dermatite micótica. As lesões são caracterizadas por uma dermatite exsudativa com formação de crostas.
Dermatophilus congolensis possui ampla variação de hospedeiros. Entre os animais domésticos, os mais
afetados são os bovinos, ovinos, caprinos e equinos e, raramente, os suínos, cães e gatos. Ela é comumente
denominada de estreptotricose cutânea em bovinos, caprinos e equinos; nos ovinos, é denominada de
encaroçamento de lã, quando as áreas lanosas do corpo estão afetadas. Nos rebanhos de camelos, a infecção se
relaciona com secas e pobreza. Os isolados recentes de quelônios podem representar uma espécie nova de
Dermatophilus. Também é uma doença comum em crocodilos de fazenda (D. crododyli nov). Os poucos casos
humanos descritos costumam se associar com a manipulação de animais doentes.
ETIOLOGIA, TRANSMISSÃO E EPIDEMIOLOGIA: D. congolensis é um actinomiceto gram­positivo, anaeróbico
facultativo e não ácido­resistente. É a única espécie atualmente aceita neste gênero, mas podem se encontrar
presentes várias cepas dentro de um grupo de animais durante um surto. Possui 2 formas morfológicas
características – hifas filamentosas e zoósporos móveis. As hifas se caracterizam por filamentos ramificados (1
a 5 μm de diâmetro) que se fragmentam fundamentalmente por septações transversais ou longitudinais, em
conjuntos de células cocoides. As células cocoides amadurecem nos zoósporos ovoides flagelados (0,6 a 1 μm
de diâmetro).
Desconhece­se o habitat natural do D. congolensis. As tentativas de isolá­lo do solo não foram bem­
sucedidas, embora seja provavelmente um saprófita no solo. Acredita­se que seja disseminado por contato direto
entre os animais, por meio de ambientes contaminados ou possivelmente, por picadas de insetos. Foi isolado
somente do tegumento de vários animais e se restringe às camadas vivas da epiderme. Os animais
assintomáticos cronicamente infectados são considerados reservatórios primários.
Fatores como tempo prolongado de exposição à chuva, umidade e temperatura altas e ectoparasitas variados,
que reduzem ou permeiam as barreiras naturais do tegumento, influenciam o desenvolvimento, a prevalência, a
incidência sazonal e a transmissão da dermatofilose. Carrapatos e piolhos são os principais fatores
predisponentes em bovinos e ovinos, respectivamente.
O microrganismo pode permanecer na forma quiescente dentro da epiderme até que a infecção seja
exacerbada por condições climáticas. As epidemias geralmente ocorrem durante a estação chuvosa. A umidade
facilita a liberação de zoósporos das lesões preexistentes e a penetração subsequente na epiderme, estabelece um
novo foco de infecção. A umidade alta também contribui indiretamente para a disseminação das lesões pelo
aumento do número de insetos picadores, particularmente moscas e carrapatos, que atuam como vetores
mecânicos. A infecção pode­se espalhar por meio de tosquia, banho de imersão ou introdução de um animal
infectado em um rebanho ou lote.

Dermatofilose em equino. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.

A dermatofilose é contagiosa somente porque qualquer redução na resistência cutânea sistêmica ou local
favorece o estabelecimento da infecção e da doença subsequente.
PATOGÊNESE: Para estabelecer a infecção, os zoósporos infecciosos devem alcançar um local da pele onde as
barreiras protetoras normais se encontram reduzidas ou deficientes. O efluxo respiratório de baixas
concentrações de dióxido de carbono da pele atrai os zoósporos móveis para as áreas suscetíveis da superfície
cutânea. Os zoósporos germinam para produzir hifas, que penetram na epiderme viva e subsequentemente
alastram­se em todas as direções a partir do foco inicial. A penetração das hifas causa reação inflamatória
aguda. A resistência natural à infecção aguda se deve à fagocitose dos zoósporos infecciosos, mas quando a
infecção se estabelece, há pouca ou nenhuma imunidade. Na maioria das infecções agudas, a invasão
filamentosa da epiderme interrompe­se em 2 a 3 semanas e as lesões cicatrizam espontaneamente. Nas infecções
crônicas, os folículos pilosos infectados e as crostas constituem locais a partir dos quais ocorrem invasões
intermitentes dos folículos pilosos não infectados e da epiderme. O epitélio invadido se cornifica e se separa em
forma de crosta. Nas crostas úmidas, a umidade potencializa a proliferação e a liberação de zoósporos das hifas.
A alta concentração de dióxido de carbono produzida pela densa população de zoósporos acelera o seu escape
para a superfície cutânea, completando, portanto um ciclo de vida exclusivo.
ACHADOS CLÍNICOS: A dermatofilose ocorre em animais de todas as idades, sendo mais prevalente nos animais
jovens, cronicamente expostos à umidade e hospedeiros imunossuprimidos. As lesões no hospedeiro podem
variar de agudas a crônicas. Idade, sexo e raça parecem não acometer a suscetibilidade do hospedeiro. O prurido
é variável. A maioria dos animais afetados recupera­se espontaneamente em até 3 semanas da infecção inicial
(desde que uma maceração crônica da pele não tenha ocorrido). Em geral, o início do tempo seco acelera a
cicatrização. A resolução das lesões cutâneas não complicadas ocorre sem formação de cicatrizes. Estas
infecções, em geral, possuem pequeno efeito na saúde geral. Animais com graves infecções generalizadas,
muitas vezes, perdem condição e há dificuldade na movimentação e preensão das patas, lábios e focinho; estes
animais são frequentemente enviados para o abate como incuráveis. Ocasionalmente. há mortes, em particular
de bezerros e cordeiros, por causa de doença generalizada com ou sem infecção bacteriana secundária e
infestação secundária por moscas ou miíase. As principais consequências econômicas incluem danos no couro
dos bovinos, perda de lã nos ovinos e claudicação e queda do desempenho nos equinos que são gravemente
afetados na região próxima à área da quartela. Os bovinos com lesões que envolvem > 50% da superfície
corporal são propensos à doença grave.
Lesões: Nos bovinos, ovinos e equinos, a distribuição das lesões macroscópicas geralmente se correlaciona com
os fatores predisponentes que reduzem ou permeiam as barreiras naturais tegumentares. Nos bovinos, podem­se
observar as lesões em 3 estágios: (1) pelos emaranhados juntos, como lesões em “pincel”; (2) formação de
crostas, à medida que as lesões iniciais coalescem; (3) acúmulos de material ceratinizado cutâneo, formando
lesões verrucosas, com 0,5 a 2 cm de diâmetro. As lesões típicas consistem em tufos em relevo e emaranhados
de pelos. A maioria das lesões associadas a umedecimento prolongado da pele se distribui sobre a cabeça,
superfícies dorsais do pescoço e do corpo e superfícies laterais superiores do pescoço e do peito. Os bovinos que
ficam em pé por longos períodos em água e lama profundas desenvolvem lesões em áreas como dobras cutâneas
das superfícies flexoras articulares. Bovinos de leite podem apresentar lesões crostosas papulares no úbere. As
lesões iniciadas por moscas picadoras (vetores mecânicos) são notadas primariamente no dorso, enquanto as
induzidas por carrapatos ocorrem primariamente em cabeça, orelhas, axilas, virilha e escroto.
As infecções crônicas de encaroçamento de lã se caracterizam por massas em forma de pirâmides, com
material crostoso preso nas fibras de lã. As crostas ocorrem primariamente nas áreas dorsais corporais e
impedem a tosquia do ovino; as plantas espinhosas geralmente predispõem às lesões em lábios, pernas e patas.
A strawberry footrot é uma dermatite proliferativa que acomete a pele da coroa do casco até o carpo ou o
jarrete.
As lesões nos equinos com pelame de inverno longo são semelhantes às observadas nos bovinos,
desenvolvendo­se como pelos emaranhados ou lesões em “pincel”, que levam à formação de crostas, com pus
amarelo­esverdeado sob as crostas maiores. No caso do pelame estival curto, o emaranhamento de pelos e a
formação de crostas são incomuns; a perda de pelos, com efeito em “pincel” fino, pode ser extensa. O
umedecimento persistente das quartelas em currais, estábulos ou pastos úmidos leva à infecção no membro
inferior; os membros brancos e as áreas de pele branca dos lábios e nariz são mais gravemente afetados. A
doença generalizada também se associa com clima úmido prolongado. Ocorrem surtos em haras com equinos
previamente afetados.
O exame histopatológico das lesões revela as hifas ramificadas características com septações
multidimensionais, células cocoides e zoósporos na epiderme. Os microrganismos costumam ser abundantes nas
lesões ativas, mas podem ficar esparsos ou ausentes nas lesões crônicas.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico presuntivo depende amplamente da aparência das lesões nos animais clinicamente
doentes e da demonstração do D. congolensis em esfregaços corados ou cortes histológicos das crostas. O
diagnóstico definitivo é realizado pela demonstração do microrganismos em preparações citológicas, isolamento
por cultura e ou por biopsia de pele. Uma técnica de anticorpos fluorescentes indireta e um teste ELISA por
diluição simples foram desenvolvidos para grandes pesquisas sorológicas e epidemiológicas. O teste diagnóstico
mais prático é o exame citológico de crostas frescas e/ou imprints sob lesões recentemente avulsionadas.
Crostas frescas são colocadas sobre uma lâmina de microscópio com auxílio de uma lâmina de bisturi estéril
junto a várias gotas de salina estéril. A lâmina é deixada secar ao ar e posteriormente corada com corante rápido
de Giemsa ou Diff­Quik®. Os microrganismos são vistos sob a imersão em óleo como 2 a 6 fileiras paralelas de
cocos Gram­positivos que parecem pistas de ferrovia. Os diagnósticos diferenciais são: dermatomicoses na
maioria das espécies, dermatopatias verrucosas ou com encaroçamento nos bovinos; ectima contagioso e
dermatose ulcerativa nos ovinos e dermatofitose e doenças descamativas imunomediadas nos equinos (p. ex.,
pênfigo foliáceo).
TRATAMENTO E CONTROLE: Antigamente pensava­se que, como os animais agudamente infectados melhoravam
rápida e espontaneamente, o tratamento era indicado apenas por motivos cosméticas nos animais de produção­
abate. Entretanto, em algumas partes do mundo, a doença associa­se a mortalidade e morbidade significativas,
perda de condição corporal, diminuição da produção de leite e aumento das contagens de células somáticas do
leite. O tratamento é recomendado para equinos porque estas lesões interferem no seu uso e são dolorosas. Os
microrganismos são suscetíveis a uma ampla variedade de antibióticos: eritromicina, espiramicina, penicilina G,
ampicilina, cloranfenicol, estreptomicina, amoxicilina, tetraciclinas e novobiocina. Duas doses de oxitetraciclina
de longa ação (20 mg/kg) com intervalo de um dia, demonstrou ser eficaz na cura de 85% dos bovinos e 100%
dos ovinos, comparados com a cura de 71% (bovinos) e 80% (ovinos) que recebiam dose única. Nos animais de
produção­abate, aplicações tópicas de calda sulfocáustica são adjuvantes à terapia antibiótica com custo­
benefício. Inseticidas aplicados externamente são utilizados frequentemente para controlar os insetos
mordedores.
Em equinos, as lesões devem ser gentilmente umedecidas e removidas. A terapia tópica com xampus
antibacterianos é efetiva como adjuvante terapêutico. Recomendam­se clorexidina e peróxido de benzoíla. O
tratamento tópico com iodo­povidona é superior ao tratamento único com oxitetracicilina parenteral (100 a 66%
de eficácia, respectivamente).
O isolamento dos animais clinicamente afetados, o descarte dos animais afetados e o controle dos
ectoparasitas constituem métodos utilizados para interromper o ciclo infeccioso. É importante evitar a
maceração crônica da pelo e manter os animais secos. Os níveis de zinco devem ser avaliados na alimentação
dos bovinos, uma vez que deficiências de zinco foram associadas a surtos.
RISCO ZOONÓTICO: A dermatofilose pode ser transmitida aos humanos. O contato direto com animal infectado
pode provocar infecções nas mãos e braços. Animais afetados devem ser manipulados com luvas e recomenda­
se a higiene das mãos com sabonetes antibacterianos após o contato com animais infectados.

EPIDERMITE EXSUDATIVA (Doença do suíno gorduroso)

A epidermite exsudativa é uma dermatite generalizada que ocorre em suínos com 5 a 60 dias de vida e é
caracterizada por início súbito, com morbidade de 10 a 90% e mortalidade de 5 a 90%. A forma aguda
geralmente acomete leitões lactentes, enquanto a forma crônica é mais comumente observada em leitões
desmamados. Ela é descrita na maioria das áreas criadoras de suínos do mundo.
As lesões são causadas por Staphylococcus hyicus, que pode produzir uma toxina esfoliativa, porém parece
incapaz de penetrar na pele intacta. Existem cepas virulentas e avirulentas. Abrasões nas patas e pernas ou
lacerações no corpo precedem a infecção. Tais lesões costumam ser provocadas por brigas ou superfícies
abrasivas, como concreto novo. Os outros fatores predisponentes que podem acometer a gravidade e o progresso
da doença incluem imunidade, higiene, nutrição e a presença de ácaros da sarna ou qualquer dano à pele. Porcas
adultas, que adquiriram alto nível de imunidade oriunda de exposição prévia, providenciarão proteção aos
filhotes via colostro. A incidência geralmente é maior em leitegadas ninhadas e em suínos livre de patógenos
(SPF) recentemente introduzidos em rebanhos nos quais a maioria das reprodutoras é de primeira cria.
Os suínos desenvolvem resistência com a idade, mas é possível isolar S. hyicus da pele dos suínos idosos, da
vagina das porcas e do divertículo prepucial dos cachaços. Esses portadores inaparentes servem como fonte de
contaminação para os rebanhos suscetíveis. Os suínos lactentes geralmente são infectados por suas mães, em
alguns casos durante o nascimento, pelas porcas com infecção vaginal ou pelos locais de parição contaminados.
Leitões lactentes são mais comumente e gravemente afetados, mas ocorre infecção cruzada depois da mistura
com outros leitões no desmame, com taxa de morbidade de até 80%. Entretanto, a mortalidade é normalmente
baixa nesta faixa de idade. A incidência parece aumentar com o aumento das densidades nas unidades de
produção e possivelmente com o desmame precoce.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os primeiros sinais incluem apatia e eritema cutâneo em 1 ou mais leitões da
leitegada. Os suínos afetados ficam rapidamente deprimidos e recusam a se alimentar. A temperatura corporal
pode aumentar no início da doença, mas depois permanece quase normal. A pele torna­se espessa e com
manchas marrom­avermelhadas (máculas) ao redor de olhos, nariz, lábios e orelhas, das quais exsuda soro e
sebo. As lesões aumentam de tamanho e desenvolvem aparência vesicular ou pustular.

Epidermite exsudativa subaguda em face, membros e abdome ventral, em leitões lactentes. Cortesia do Dr. Ranald D. A. Cameron.

O corpo é rapidamente coberto com exsudato gorduroso e úmido de sebo e soro, que se torna crostoso. O
acúmulo de sujeira confere uma coloração preta à área afetada. Também se desenvolvem vesículas e úlceras no
disco nasal e na língua. As patas quase sempre estão envolvidas, com erosões na faixa coronal e no talão; pode­
se perder o casco, em casos raros. Na doença aguda, ocorre morte dentro de 3 a 5 dias. Nos animais idosos, a
forma crônica da doença é observada como lesões espetas e crostosas no corpo todo ou lesões discretas
circunscritas, que não coalescem. A mortalidade é baixa, exceto quando os suínos comprometidos são bastante
jovens e lactentes. Entretanto, a recuperação é lenta e o crescimento é retardado e frequentemente associado à
diarreia, emaciação e desidratação.
A necropsia dos suínos gravemente afetados revela desidratação acentuada, congestão pulmonar e inflamação
nos linfonodos periféricos. Distensão dos rins e ureteres, com muco, cilindros e restos celulares celulares é
comum nas formas superaguda e aguda da doença. O diagnóstico diferencial deve ser feito com: sarna
sarcóptica, deficiências nutricionais inclusive zinco (paraqueratose), dermatofitose e pitiríase rosa.
TRATAMENTO: Muitos antibióticos inibem o microrganismo causador, como: amoxicilina, ampicilina,
eritromicina, lincomicina, penicilina, tilosina, trimetoprima­sulfonamida, aminoglicosídios e cefalosporinas. O
tratamento bem­sucedido requer que o antimicrobiano seja administrado em altas doses no início da doença e
pelo período de 7 a 10 dias. O êxito é maior quando se combina a terapia antimicrobiana com aplicações diárias
de antissépticos em toda a superfície corporal. O tratamento é menos eficaz nos suínos muito jovens e é ineficaz
nos casos avançados. Nos surtos graves, os suínos contactantes também devem receber antibióticos por vários
dias. As porcas parturientes e as suas instalações devem ser desinfetadas completamente para evitar surtos.
Higiene nas instalações de desmame e uso estratégico de medicamento na água ou no alimento por 3 a 5 dias
ajudam a controlar surtos depois do desmame. Outros procedimentos que podem diminuir a gravidade do surto
são: corte dos dentes pontiagudos dos suínos recém­nascidos, fornecimento de cama macia, isolamento dos
animais infectados e evitar a mistura de animais para diminuir o risco de lesões cutâneas por brigas. Bacterinas
autógenas foram utilizadas com algum êxito na redução da incidência da doença nos rebanhos cronicamente
infectados.

FURUNCULOSE INTERDIGITAL

Os furúnculos interdigitais, frequentemente e incorretamente denominados “cistos interdigitais”, são lesões


nodulares dolorosas localizadas nas membranas interdigitais dos cães. Histologicamente, estas lesões
representam áreas de inflamação piogranulomatosa nodular, que quase nunca são císticas. A síndrome dos cistos
foliculares e comedões plantar ou palmar interdigital canina, recentemente reconhecida, pode ser um subtipo de
furúnculos interdigitais ou uma doença isolada.
ETIOLOGIA: A causa mais comum é infecção bacteriana profunda. Muitas raças caninas (p. ex., shar­pei chinês,
labrador retriever e buldogue inglês) são predispostas à furunculose interdigital bacteriana devido aos pelos
eriçados e curtos localizados na membrana entre os dedos ou à membrana interdigital proeminente ou a ambos.
As hastes curtas dos pelos são facilmente forçadas para trás, no interior dos folículos pilosos, durante a
locomoção (implantação traumática). O pelo, ou seja, a queratina, facilita muito a inflamação da pele, sendo
comuns infecções bacterianas secundárias. Menos comumente, corpos estranhos se encravam na pele.
Demodiciose (p. 1022) pode ser uma causa primária de furunculose interdigital. Dermatite atópica canina (p.
909) também constitui uma causa comum de furunculose interdigital recidivante.
A etiologia dos comedões e cistos plantares e palmares interdigital canino é indeterminada, porém
provavelmente relaciona­se a traumas, resultando em hiperqueratose infundibular folicular e epidérmico,
acantose, obstrução ou estreitamento da abertura folicular e retenção do conteúdo folicular.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: As lesões iniciais da furunculose interdigital podem aparecer como áreas focais
ou generalizadas de eritema e pápulas na membrana das patas que, se forem deixadas sem tratamento, se
desenvolverão rapidamente em nódulos únicos ou múltiplos. Os últimos costumam ter 1 a 2 cm de diâmetro e
são roxo­avemelhados, brilhantes e flutuantes; podem se romper quando palpados e exsudar um material
sanguinolento. Furunculose interdigital é mais comumente notada no aspecto dorsal da pata, mas também pode
ser notada ventralmente. As lesões costumam ser dolorosas e o cão obviamente pode claudicar com a(s) pata(s)
afetada(s), lamber e morder as lesões. As lesões causadas por corpo estranho (p. ex., barba de capim) são em
geral solitárias e ocorrem frequentemente na pata dianteira; a recorrência não é comum nesses casos. Se a
furunculose interdigital for causada por bactérias, poderá haver vários nódulos, com lesões novas se
desenvolvendo a medida que as outras se resolvem. Uma causa comum de recorrência é a reação granulomatosa
à presença de queratina livre nos tecidos.
Os cães com comedões e cistos foliculares interdigitais tipicamente apresentam caudicação e tratos drenantes.
As lesões de pele não são frequentemente observadas, a menos que o pelame seja aparado. Áreas de alopecia e
pele semelhante a calos, firme e espessa, com comedões múltiplos são característicos.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico da furunculose é realizado somente com base nos sinais clínicos. Os principais
diagnósticos diferenciais são lesões traumáticas, corpos estranhos, cistos e comedões foliculares e neoplasias,
embora as últimas sejam raras. Os testes diagnósticos mais úteis incluem raspados cutâneos para ácaros
Demodex, imprints ou aspirados com agulha fina para confirmar a presença de infiltrado inflamatório. As lesões
incomuns ou recidivantes devem ser excisadas para exame histopatológico. As lesões solitárias podem exigir
uma exploração cirúrgica para encontrar e remover os corpos estranhos, como barbas de capim.
O diagnóstico definitivo dos cistos foliculares plantares ou palmares requer biopsia cutânea. Entretanto,
suspeita­se quando o exame clínico revela tratos drenantes associados às lesões semelhantes a calos ou
formação óbvia de comedões. São notados hiperqueratose compacta moderada a extensa e acantose da epiderme
e infundíbulo folicular. Cistos foliculares constituídos por queratina são comuns. Frequentemente as lesões são
complicadas infecção secundária e furunculose bacteriana concomitante.
TRATAMENTO: Os furúnculos interdigitais respondem melhor à combinação de terapias tópica e sistêmica.
Recomenda­se a cefalexina (20 mg/kg VO, 3 vezes/dia ou 30 mg/kg VO, 2 vezes/dia) por 4 a 6 semanas na
terapia inicial. Caso o cão tenha recebido múltiplas terapias antimicrobianas, recomenda­se cultura bacteriana e
antibiograma. Como as lesões são piogranulomatosas, a penetração do antibiótico pode ser difícil; portanto,
podem ser necessárias > 8 semanas de terapia antimicrobiana sistêmica para que as lesões se curem
completamente. Com frequência, tais lesões são complicadas por infecções concomitantes por Malassezia spp.
Cetoconazol, itraconazol ou fluconazol oral (5 a 10 mg/kg) por 30 dias pode ser indicado. A presença de
Malassezia pode ser comprovada por exames citológicos de restos celulares do leito ungueal e/ou imprints da
pele. Recomendam­se imersão das patas em água morna, com ou sem solução antibiótica (p. ex., clorexidina) e
aplicação de pomada de mupirocina. Alguns cães podem se beneficiar de faixas e bandagens com antibióticos.
Anti­histamínicos administrados nas primeiras semanas de tratamento pode aliviar parcialmente o prurido, se
houver. Glicocorticoides são contraindicados.
A furunculose interdigital recidivante crônica geralmente ser causada por terapia antimicrobiana inapropriada
(demasiadamente curta, dose ou medicamento incorretos), administração concomitante de corticosteroides,
demodiciose, predisposição anatômica ou reação de corpo estranho à queratina. As lesões que recidivam apesar
da terapia também podem constituir um sinal de doença subjacente, por exemplo, atopia, hipotireoidismo ou
infecção intercorrente de Malassezia. As lesões nos cães confinados provavelmente recidivarão, a menos que se
remova o animal das superfícies de arame ou de concreto. Em alguns casos crônicos, pode ser necessária
excisão ou correção cirúrgica da membrana interdigital, com podoplastia de fusão. Alternativamente,
pulsoterapia antibiótica (terapia com a dose completa, 2 a 3 vezes/semana) ou terapia antibiótica crônica com
dose baixa (p. ex., 500 mg/cão VO, 1 vez/dia) pode ajudar a manter a remissão dos sinais e causar alívio da dor
nos cães com lesões crônicas. Esta terapia é recomendada somente quando a causa incitante não é identificada
(p. ex., piodermite idiopática), tratada (p. ex., predisposição anatômica) ou resolvida (p. ex., infecções crônicas
causadas por corpo estranho ou queratina).
O tratamento dos comedões ou cistos foliculares plantares ou palmares interdigitais pode ser efetuado
efetivamente com terapia a laser. Os cuidados pós­operatórios são intensivos com hidroterapia e trocas de
bandagens 1 a 2 vezes/dia.

PIODERMITE

Piodermite literalmente significa “pus na pele” e pode ser causada por lesões infecciosas, inflamatórias e/ou
neoplásicas; qualquer condição que resulte em um acúmulo de exsudato neutrofílico pode ser denominada
piodermite. Entretanto, piodermite refere­se mais comumente a infecções bacterianas da pele. As piodermites
são comuns nos cães e menos comuns em gatos.
Piodermites bacterianas são classificadas de acordo com a profundidade da infecção, a etiologia e se são
primárias ou secundárias. Piodermites bacterianas, limitadas a epiderme e folículos pilosos, são classificadas
como superficiais, enquanto as que envolvem a derme profunda ou causam furunculose são classificadas como
profundas. A classificação etiológica refere­se ao organismo patogênico envolvido na infecção (p. ex.,
estafilococos, estreptococos etc.). A maior parte das infecções cutâneas é superficial e secundária a qualquer
uma de várias outras afecções, mais notadamente alergias (alergia a pulgas, dermatite atópica ou alergias
alimentares), doenças internas (particularmente endocrinopatias, como hipotireoidismo ou
hiperadrenocorticismo), afecções seborreicas (como doenças foliculares ou das glândulas sebáceas), doenças
parasitárias (p. ex., Demodex canis) ou predisposições anatômicas (p. ex., dobras de pele). Por outro lado, a
piodermite primária ocorre em animais saudáveis, sem causa predisponente identificável; cura­se
completamente com antibióticos apropriados e em geral se deve a Staphylococcus intermedius ou outros
estafilococos.
ETIOLOGIA: Piodermite bacteriana é normalmente desencadeada pelo supercrescimento/supercolonização da
flora normal residente ou transitória. S. intermedius é o agente etiológico mais comumente isolado das infecções
clínicas. Entretanto, a classificação está mudando e testes fenotípicos recentes encontraram que S.
pseudointermedius é o patógeno mais comum dos cães.
Também são bactérias residentes normais na pele canina: estafilococos coagulase­negativos, estreptococos,
Micrococcus sp e Acinetobacter sp. Bactérias transitórias na pele canina são: Bacillus sp, Corynebacterium sp,
Escherichia coli, Proteus mirabilis e Pseudomonas sp. Esses microrganismos podem exercer um papel como
patógenos secundários, mas frequentemente o S. intermedius é requerido para assegurar o processo patológico.
As bactérias residentes normais na pele felina são: Acinetobacter sp, Micrococcus sp, estafilococos coagulase­
negativos e estreptococos a­hemolíticos. As bactérias transitórias na pele felina são: Alcaligenes sp, Bacillus sp,
Escherichia coli, Proteus mirabilis, Pseudomonas sp, estafilococos coagulase­positivos e coagulase­negativos e
estreptococos a­hemolíticos.
O fator mais importante nas piodermites superficiais, que permite que uma bactéria colonize a pele, é a
aderência ou “viscosidade” bacteriana aos ceratinócitos. As áreas úmidas e quentes na pele, como as dobras de
pele, dobras faciais, dobras do pescoço, áreas axilares, áreas interdigitais dorsais ou plantares, dobras vulvares e
dobras da cauda frequentemente apresentam contagens bacterianas mais altas que as outras áreas da pele, com
maior risco de infecção. Os pontos de pressão, como cotovelos e jarretes, são propensos a infecções, talvez por
irritação e ruptura foliculares devido à pressão repetida crônica. Qualquer doença de pele que mude o ambiente
normalmente seco semelhante a um deserto para um ambiente mais úmido pode predispor o hospedeiro a uma
supercolonização da pele com bactérias residentes ou transitórias.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: O sinal clínico mais comum de piodermite bacteriana em cães e gatos é a
descamação excessiva; escamas estão sempre permeadas por pelos. O prurido é variável. Em cães, a piodermite
superficial comumente aparece como áreas multifocais de alopecia, pápulas ou pústulas foliculares, colaretes
epidérmicos e crostas serosas. O tronco, a cabeça e as extremidades proximais são as áreas mais afetadas. As
raças de pelo curto frequentemente apresentam pápulas superficiais múltiplas que parecem semelhantes a uma
urticária, pois a inflamação nos folículos e regiões adjacentes faz com que os pelos fiquem mais eretos.
Geralmente os pelos possuem epilação facilitada, característica importante que ajuda a distinguir a piodermite
superficial da urticária verdadeira, na qual os pelos não epilam. Na piodermite bacteriana, os pelos afetados
caem e progridem para áreas de alopecia focais de 0,5 a 2 cm de diâmetro. Nas margens destas áreas de perda de
pelo, a formação suave de colaretes epidérmicos pode estar presente, mas pústulas foliculares e eritema são
sempre ausentes em raças de pelo curto, dificultando o diagnóstico. Collies e pastores de Shetland
frequentemente apresentam áreas difusas de alopecia generalizada, com eritema suave e formação de colaretes
epidérmicos na borda da área expandida, mimetizando frequentemente uma endocrinopatia. Raramente se
encontram pústulas e crostas.
Os sinais de dermatite profunda em cães são dor, crostas, odor e exsudação de sangue e pus. Eritema,
inchaço, ulcerações, crostas hemorrágicas e bolhas, alopecia e tratos drenantes com exsudato serohemorrágico
ou purulento também podem estar presentes. Pode haver envolvimento de qualquer área, porém regiões como
ponta do focinho, queixo, cotovelos, jarretes, áreas interdigitais e as soldras laterais são mais propensos a
infecções profundas. Granulomas acrais por lambedura e áreas de dermatite piotraumática também são
manifestações clínicas de piodermite profunda. Furunculose interdigital (p. 918) é outra manifestação de
piodermite profunda. Arestas de vegetais, queratina descamada das hastes pilosas ou de folículos pilosos
rompidos e outros corpos estranhos tem importante papel na reação inflamatória associada às piodermites
profundas.
A piodermite superficial em gatos geralmente é causada por Staphylococcus intermedius e quase sempre é
negligenciada e pouco diagnosticada. O sinal clínico mais comum é descamação, particularmente sobre toda a
área lombossacral; escamas permeadas nos pelos são sinais comuns. Raramente encontram­se pústulas intactas.
Pioderma felino é uma condição comum em alergopatias cutâneas, doenças parasitárias e acne mentoniana
felina.
Dermatite miliar pode ser uma manifestação clínica de piodermite superficial. Gatos com piodermites
profundas se apresentam frequentemente com alopecia, ulcerações, crostas hemorrágicas e tratos drenantes.
Placas eosinofílicas são apresentações clínicas comuns de piodermite profunda secundária a doenças alérgicas.
Piodermites profundas recidivantes não curáveis em gatos podem estar associadas a doenças sistêmicas, como
infecções por vírus da imunodeficiência felina ou leucemia viral felina ou micobacteriose atípica.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico de piodermite superficial geralmente é realizado pelos sinais clínicos – perda de
pelo, escamas, eritema, pápulas, pústulas e colaretes epidérmicos. Os diagnósticos diferenciais da piodermite
superficial são: demodiciose, dermatite por Malassezia, dermatofitose e outras causas de foliculite, bem como
doenças incomuns formadoras de crostas, como o pênfigo foliáceo. O diagnóstico da piodermite também deve
incluir passos para identificar quaisquer causas predisponentes.
A identificação das lesões dermatológicas descritas anteriormente permite um diagnóstico presuntivo de
piodermite superficial. Os imprints diretos das pústulas intactas, das áreas subjacentes às crostas ou aos
colaretes epidérmicos ou das áreas eritematosas úmidas podem identificar cocos, bastonetes ou infiltrados de
células inflamatórias. Os imprints das áreas de perda de pelos e escamas podem somente revelar grande número
de ceratinócitos descamativos. Umas das razões mais importantes de se fazer o decalque é determinar se há
infecção intercorrente por Malassezia ou se há colonização excessiva; há uma relação simbiótica entre
Staphylococcus e Malassezia, e ambos são notados em cerca de 50% dos casos. A infecção não se resolverá sem
terapia antimicrobiana sistêmica. São necessários vários raspados cutâneos profundos para descartar as
infecções parasitárias, em particular Demodex canis. Deve ser feita cultura fúngica para descartar dermatofitose.
Obrigatoriamente devem­se realizar testes de cultura bacteriana e antibiogramas nos casos de piodermite
profunda e piodermite superficial recidivantes.
Resultados mais precisos dos testes são obtidos diante pústulas intactas ou da ruptura induzida de lesões
profundas. É necessário cuidado na interpretação dos resultados de cultura das amostras de lesões com crostas,
pápulas, colaretes epidérmicos e tratos fistulosos porque a contaminação é mais provável do que a de amostras
obtidas de lesão fechada. Terapia antimicrobiana empírica é apropriada nas piodermites superficiais leves e de
primeira infecção, sem nenhum fator complicador.
As condições subjacentes desencadeadoras mais comuns para a piodermite superficial são pulgas, dermatite
alérgica a pulga, atopia, alergia alimentar, hipotireoidismo, hiperadrenocorticismo e maus cuidados. Testes
diagnósticos apropriados e tratamento destas condições predisponentes são obrigatórios. As causas mais comuns
de piodermite bacteriana recidivante são falha na identificação destas condições predisponentes, terapia
antimicrobiana não apropriada (dose muito baixa ou duração muito curta da terapia), uso concomitante de
glicocorticoides, antibiótico inapropriado ou dose incorreta.
TRATAMENTO: O tratamento primário da piodermite superficial deve ser realizado com antibióticos apropriados
por = 21 dias e preferencialmente, por 30 dias. Todas as lesões clínicas (exceto o recrescimento completo das
áreas alopécicas e a resolução das áreas hiperpigmentadas) devem estar resolvidas pelo menos 7 dias antes da
interrupção dos antibióticos. As piodermites profundas, crônicas e recidivantes normalmente exigem 8 a 12
semanas ou mais para a resolução completa.
Piodermites bacterianas que aparecem pela primeira vez podem ser tratadas com terapia antibiótica empírica,
com lincomicina, clindamicina, eritromicina, sulfametoxazol­trimetoprima, trimetoprima­sulfadiazina,
cloranfenicol, cefalosporinas, amoxicilina com ácido clavulânico triidratado ou sulfadimetoxina­ormetoprima.
Amoxicilina, penicilina e tetraciclina são escolhas inapropriadas para o tratamento da piodermite superficial
ou profunda porque não são efetivas em 90% dos casos. Fluorquinolonas não devem ser utilizadas como terapia
empírica. Piodermite profunda grave, piodermite recidivante ou piodermites bacterianas de primeira infecção
que não respondem a terapia devem ser tratadas com base nas culturas e antibiogramas.
Os antibióticos tópicos podem ser úteis na piodermite superficial focal. Pomada de mupirocina a 2% penetra
bem na pele e é útil na piodermite profunda, não é sistemicamente absorvida, não apresenta nenhuma
sensibilização por contato e não é utilizada como um antibiótico sistêmico, o que aumentaria a probabilidade de
resistência cruzada. Não é muito eficaz contra bactérias Gram­negativas. A pomada não deve ser utilizada em
gatos com algum histórico ou suspeita de doença renal porque a preparação contém propilenoglicol. A
neomicina provavelmente causa mais alergia por contato que as outras substâncias tópicas e possui uma eficácia
variável contra as bactérias Gram­negativas. A bacitracina e a polimixina B são mais eficazes contra as bactérias
Gram­negativas que os outros antibióticos tópicos, mas são inativadas nos exsudatos purulentos.
A atenção com a higiene com frequência é negligenciada no tratamento da piodermite superficial e profunda.
O pelo deve ser cortado em pacientes com piodermite profunda e cuidados profissionais de higiene são
recomendados para cães de pelagem média a longa com piodermite superficial generalizada. Isso removerá o
excesso de pelos, que acumulam resíduos e bactérias e facilitará a higiene. Gatos de pelo longo também se
beneficiaram do corte dos pelos.
Cães com piodermite superficial devem ser banhados 2 a 3 vezes/semana durante as primeiras 2 semanas de
terapia e depois 1 a 2 vezes até a infecção ser resolvida. Cães com piodermite profunda podem precisar de
hidroterapia diária. Xampus medicamentosos podem ser pré­diluídos na proporção 1:2 até 1:4 antes da
aplicação para facilitar ensaboar, espalhar e enxaguar. Xampus antibacterianos apropriados são: peróxido de
benzoíla, clorexidina, clorexidina­cetoconazol, lactato de etila e triclosana. A terapia com xampu ajudará a
remover bactérias, crostas e escamas, bem como a reduzir prurido, odor e oleosidade associados à piodermite. A
melhora clínica na piodermite superficial pode não ser evidente antes de 14 a 21 dias e a recuperação pode não
ser tão rápida como esperada.
Há preocupação crescente no desenvolvimento de estafilococos resistentes à meticilina (MRS). Para
minimizar o desenvolvimento de MRS, devem­se utilizar antibióticos de menor espectro no tratamento das
piodermites. Piodermite bacteriana recidivante, pioderma profundo e/ou pacientes com histórico de uso
extensivo de antibióticos são tratados da melhor forma, baseados nos resultados da cultura e antibiograma.
Terapia antimicrobiana tópica agressiva concomitante é útil. Evitar o uso de fluorquinolonas e cefalosporinas de
segunda e terceira geração como terapia empírica é importante para minimizar o desenvolvimento de
estafilococos multirresistentes.

DERMATOFITOSE (Tinha)

Dermatofitose é uma infecção de tecidos ceratinizados (pele, pelos e unhas) por 1 dos 3 gêneros de fungos
coletivamente denominados de dermatófitos – Epidermophyton, Microsporum e Trichophyton (ver infecções
fúngicas, p. 679). Estes fungos patogênicos são notados mundialmente e todos os animais domésticos são
suscetíveis. Nos países desenvolvidos, as maiores consequências econômicas e de saúde pública provêm da
dermatofitose dos gatos domésticos e dos bovinos. Umas poucas espécies de dermatófitos são habitantes do solo
(geofílicos), por exemplo, M. gypseum e T. terrestre e causam doença nos animais expostos ao solo, por cavar
ou revirar o solo. Outras espécies são adaptadas ao hospedeiro humano (antropofílicas), por exemplo, M.
audouinii e T. rubrum e raramente infectam outros animais. Os patógenos animais mais importantes
mundialmente são M. canis, M. gypseum, T. mentagrophytes, T. equinum, T. verrucosum e M. nanum. Estas
espécies são zoonóticas, especialmente as infecções por M. canis nos gatos domésticos e por T. verrucosum nos
bovinos e cordeiros. As espécies zoofílicas são transmitidas primariamente pelo contato com indivíduos
infectados e fômites contaminadas, como móveis, ferramentas de higiene ou cravos de ferradura. A exposição
ao dermatófito nem sempre resulta em infecção. O estabelecimento da infecção dependerá de vários fatores,
como a espécie fúngica, idade do hospedeiro, imunocompetência, condição das superfícies cutâneas expostas,
comportamento de higiene do hospedeiro e estado nutricional. A infecção deflagra a imunidade específica, tanto
humoral como celular, que confere uma resistência incompleta e de curta duração à infecção ou doença
subsequente.
Na maioria das circunstâncias, os dermatófitos crescem somente nos tecidos ceratinizados e a infecção em
avanço para quanto atinge as células vivas ou um tecido inflamado. A infecção começa em um pelo em
crescimento ou no estrato córneo, onde se desenvolvem hifas cordoniformes dos artrósporos infectantes ou dos
elementos hifais fúngicos. As hifas podem penetrar na haste pilosa e a enfraquecer, o que, acrescido de
inflamação folicular, leva ao sinal clínico comum de queda macular de pelos. À medida que a infecção
amadurece, desenvolvem–se grupos de artrosporos na superfície externa das hastes pilosas infectadas. Os pelos
quebrados com esporos associados constituem fontes importantes para a propagação da doença. Conforme se
desenvolvem a inflamação e a imunidade do hospedeiro, a disseminação da infecção é inibida, embora esse
processo possa durar várias semanas. Portanto, para a maioria dos hospedeiros adultos saudáveis, as
dermatofitoses são autolimitantes. Nos animais jovens ou debilitados e em alguma extensão nos Yorkshire
terriers e nas raças de pelo longo de gatos domésticos, a infecção pode ser persistente e disseminada.
A dermatofitose é diagnosticada por meio de cultura fúngica, exame com lâmpada de Wood e exame
microscópico direto dos pelos ou das escamas cutâneas. A cultura fúngica constitui o meio diagnóstico mais
preciso. Pode­se utilizar o meio de teste dermatofítico (MTD) no contexto clínico. As lesões escolhidas devem
ter o pelo depilado no comprimento de cerca de 0,3 cm. A área deve ser gentilmente atingida com uma esponja
umedecida com álcool e depois deve ser seca, para reduzir a contaminação com fungos saprófitas. Devem­se
coletar restos de pelos e escamas cutâneas para colocação no ágar, que deve ser depois folgadamente coberto
para evitar o ressecamento. A incubação em temperatura ambiente é suficiente, exceto quando se cultiva T.
verrucosum dos alimentos dos animais de produção ou de lã, em casos nos quais se torna necessária incubação a
37°C. T. equinum requer ácido nicotínico se a cultura for de crescimento primário e alguns isolamentos de T.
verrucosum requerem tiamina ou tiamina e inositol.
O crescimento dermatofítico geralmente ficar aparente em 3 a 7 dias, mas pode exigir até 3 semanas em
qualquer tipo de MTD. Os dermatófitos que crescem no MTD fazem com que o meio mude para vermelho no
momento da primeira formação de colônia visível. Os fungos dermatofíticos possuem micélios felpudos a
granulares, com coloração branca a amarelada. As colônias contaminantes saprófitas são brancas ou
pigmentadas e quase nunca produzem mudança de coloração inicial no MTD. O diagnóstico definitivo e a
identificação da espécie requerem a remoção das hifas e dos macroconídeos da superfície da colônia com uma
fita de acetato e exame microscópico com coloração com azul de algodão lactofenólico.
A lâmpada de Wood é útil nos exames de triagem para infecções por M. canis nos gatos e cães. Os pelos
infectados fluorescem em verde­amarelado; no entanto, somente = 50% das infecções por M. canis fluorescem e
as outras espécies fúngicas nos animais não o fazem. Portanto, os exames com lâmpada de Wood negativos não
são significativos. Podem ocorrer exames falso­positivos, especialmente nas dermatopatias seborreicas oleosas.
Devem­se sempre cultivar os pelos fluorescentes para confirmar o diagnóstico.
O exame microscópico direto dos pelos ou dos raspados cutâneos pode permitir um diagnóstico precoce pela
demonstração das hifas ou dos artrósporos característicos na amostra. Esta técnica é mais útil no diagnóstico da
dermatofitose nos grandes animais do que nos pequenos. Devem­se examinar os pelos (preferivelmente os
brancos) e os raspados provenientes da periferia das lesões, quanto a elementos fúngicos, em uma preparação
úmida de hidróxido de potássio a 20% que tenha sido aquecida suavemente ou incubada em uma câmara de
umidade durante a noite.
Há um teste sorológico de ELISA, para o diagnóstico da dermatofitose canina, desenvolvido para pesquisa,
no entanto ainda não está disponível comercialmente. A sensibilidade e especificidade são altas e semelhantes à
obtida por cultura em MTD, porém resultados positivos podem ser observados após a eliminação da infecção
por dermatófitos. A reação cruzada com outros dermatófitos não permite a identificação das espécies, o que é
importante para a identificação da fonte de infecção.
Bovinos

Trichophyton verrucosum é causa frequente de dermatofitose nos bovinos, porém também foram isolados T.
mentagrophytes, T. equinum, Microsporum gypseum, M. nanum, M. canis e outros. A dermatofitose é mais
comumente reconhecida nos bezerros, nos quais as lesões perioculares não pruriginosas são mais características,
embora geralmente possa se desenvolver uma dermatopatia generalizada. Relata­se que vacas e novilhas
desenvolvem lesões com maior frequência no peito e nos membros e os touros, na barbela e na pele
intermaxilar. As lesões são características e discretas, constituídas por placas descamativas de queda de pelos,
com formação de crostas branco­acinzentadas, mas algumas apresentam­se com crostas espetas supurativas. A
tinha, como um problema de saúde de rebanho, é mais comum no inverno e mais comumente reconhecida nos
climas temperados e nas raças bovinas inglesas do que nas zebuínas.
Muitos tratamentos tópicos são realizados com êxito nos bovinos, mas como a recuperação espontânea é
comum, é difícil comprovar a eficácia. Os animais valiosos ainda devem ser tratados individualmente, pois isso
pode limitar a progressão das lesões existentes e a propagação para outros no rebanho. As crostas espetas devem
ser removidas gentilmente com uma escova e o material deve ser queimado ou desinfetado com solução de
hipoclorito. As opções de tratamento dependem das limitações no uso de alguns agentes nos animais destinados
para abate. Os agentes descritos como úteis são: os lavados ou sprays de cal de enxofre 4%, de hipoclorito de
sódio 0,5% (alvejante doméstico em 1:10), clorexidina 0,5%, povidona–iodo 1%, natamicina e enilconazol. As
lesões individuais podem ser tratadas com loções de miconazol ou clotrimazol. Encontra­se em uso uma vacina
fúngica atenuada em alguns países exceto nos EUA; a vacina tem sido utilizada nos programas de controle e
erradicação, com diminuição do número de novos rebanhos infectados. A duração da imunidade é longa; A
vacina previde o desenvolvimento das lesões clínicas, transmissão a outros animais e contaminação ambiental.
O programa de vacinação combinado com um protocolo de limpeza e desinfecção pode ajudar a eliminar os
sinais de dermatofitose e erradica­la do rebanho. A vacinação auxilia amplamente na redução da incidência da
doença zoonótica nos tratadores de animais e família, veterinários e pessoas que trabalham em abatedouros e
curtumes. Não se encontra disponível nenhuma vacina viva atenuada na América do Norte.

Cães e Gatos

Nos cães, cerca de 70% dos casos são causados por Microsporum canis, 20% por M. gypseum e 10% por
Trichophyton mentagrophytes; nos gatos, 98% dos casos advêm de M. canis. A lâmpada de Wood é útil no
estabelecimento do diagnóstico presuntivo da dermatofitose nos cães e nos gatos, mas não pode ser utilizada
para descartar esta infecção. O diagnóstico definitivo deve ser estabelecido por uma cultura em MTD (ver
anteriormente). A detecção da infecção nos animais portadores assintomáticos é facilitada pela escovação do
pelame com uma escova de dente nova e, então, pela sua inoculação em uma placa de cultura, por pressão das
cerdas na superfície do meio.
A aparência clínica da tinha nos gatos é bastante variável. Os filhotes são mais comumente afetados. As
lesões típicas consistem em alopecia focal, descamação e formação de crostas; a maior parte destas áreas se
situa ao redor das orelhas, na face e nas extremidades. Os gatos com infecções clinicamente inaparentes ainda
podem servir como fonte de infecção para outros gatos ou pessoas. Ocasionalmente, a dermatofitose nos gatos
causa dermatite miliar felina e é pruriginosa. Os gatos com dermatofitose generalizada desenvolvem, às vezes,
nódulos ulcerados cutâneos, conhecidos como granulomas dermatofíticos ou pseudomicetomas.
As lesões nos cães são classicamente alopécicas, com placas escamosas e com pelos quebrados. Os cães
também podem desenvolver foliculite e furunculose regional ou generalizada, com pápulas e pústulas. Uma
forma nodular focal de dermatofitose nos cães é a reação de quérion. Nos cães adultos, a tinha generalizada é
incomum, geralmente sendo acompanhada por imunodeficiência, sobretudo por hiperadrenocorticismo
endógeno ou iatrogênico. Nos cães, os diagnósticos diferenciais das lesões clássicas de tinha são: demodiciose,
foliculite bacteriana e dermatite seborreica.
Em cães e gatos de pelo curto, a dermatofitose geralmente ser autolimitante, mas a resolução pode ser
acelerada pelo tratamento. O outro objetivo primário de terapia é evitar a contaminação ambiental e a
propagação da infecção para outros animais e pessoas. No entanto, não há estudos controlados que provam que
o corte da pelagem diminui a duração da infecção, estudos clínicos suportam esta afirmação, pelo menos para os
gatos com pelo longo e/ou dermatofitose generalizada, mesmo se as lesões piorarem inicialmente ou se
disseminarem. A descontaminação ambiental com alvejante (diluição de 1:10) ou solução de enilconazol (0,2%)
é efetiva.
A terapia tópica no corpo inteiro pode acelerar a cura clínica (e não a cura micológica) e diminuir a
contaminação ambiental. Estudos in vitro e in vivo demonstraram poder antifúngico de imersões de calda
sulfocálcica (1:16), condicionadores com enilconazol (0,2%), miconazol 2% e a combinação de xampu com
miconazol 2% e clorexidina. Estes podem ser apropriados como terapia adjuvante. O condicionador de
enilconazol ainda não está disponível rotineiramente nos EUA em formulação aprovada para cães e gatos. O uso
tópico de condicionador de enilconazol demonstrou em um estudo, potencial para causar hipersalivação,
fraqueza muscular idiopática e leve aumento da atividade sérica de ALT. As lesões locais podem ser tratadas
efetivamente com miconazol ou clotrimazol tópicos.
Nos casos crônicos ou graves e na tinha em raças felinas de pelo longo e nos Yorkshire terriers, indica­se
terapia sistêmica. Foram utilizadas com sucesso: itraconazol, fluconazol, terbinafina, cetoconazol e
griseofulvina. A formulação micronizada de griseofulvina pode ser utilizada em cães (25 a 100 mg/kg, 1 vez/dia
ou em doses divididas) e em gatos (25 a 50 mg/kg, diariamente, em doses fracionadas), sendo melhor absorvida
quando administrada junto com refeições gordurosas. As formulações ultramicronizadas utilizadas em medicina
humana podem ser utilizadas em baixas doses (10 a 15 mg/kg). Não há preparação de griseofulvina veterinária
atualmente aprovada para uso em cães e gatos nos EUA. Os gatos podem desenvolver supressão de medula
óssea, especialmente neutropenia, nas doses mais altas como reações idiossincrásicas. Este efeito é mais comum
em gatos FIV­positivos. Tanto em cães como nos gatos, uma sequela bastante comum da administração de
griseofulvina são sinais gastrintestinais.
Outros tratamentos eficazes são: itraconazol (5 a 10 mg/kg, 1 vez/dia, ou pulsoterapia 5 a 10, 1 vez/dia, por
28 dias, seguida de administração em semanas alternadas – semana sim, outra não), cetoconazol (5 a 10 mg/kg,
1 vez/dia), fluconazol (5 a 10 mg/kg, 1 vez/dia) e terbinafina (30 a 40 mg/kg, 1 vez/dia). Constatou­se
concentração de terbinafina maior do que a concentração inibitória mínima nos pelos dos animais tratados
durante 5,3 semanas, após 2 semanas de tratamento diário. Isto pode indicar o seu uso potencial como
medicamento em pulsoterapia após 2 semanas de tratamento diário. Nenhum destes medicamentos é aprovado
para uso em animais domésticos nos EUA. Ainda, o cetoconazol geralmente causa anorexia em gatos e não é
utilizado tão frequentemente nesta espécie. Os tratamentos sistêmicos e tópicos da dermatofitose devem
continuar por 2 a 4 semanas depois da cura clínica ou até que se obtenha uma cultura de escova negativa.
Geralmente, a cultura é submetida após o mínimo de 1 mês de terapia ou quando as lesões clínicas forem
mínimas ou ausentes. Nas doenças crônicas e/ou em ambientes desafiadores, a interrupção do tratamento é mais
apropriada após 2 a 3 culturas fúngicas negativas consecutivas, obtidas com intervalos semanais ou a cada 2
semanas. A eficácia do lufenuron tanto no tratamento quanto na prevenção não foi comprovada.

Equinos

Trichophyton equinum e T. mentagrophytes são as principais causas de tinha em equinos, embora Microsporum
gypseum, M. canis e T. verrucosum também foram isolados de alguns casos. Os sinais clínicos consistem em
uma ou mais placas de alopecia e eritema, descamação e formação de crostas, que se encontram presentes em
graus variáveis. As lesões iniciais podem lembrar uma urticária papular, mas progridem para a formação de
crostas e queda de pelos em poucos dias. O diagnóstico é confirmado por cultura. Os diagnósticos diferenciais
são: dermatofilose, pênfigo foliáceo e foliculite bacteriana. A transmissão ocorre por contato direto ou
implementos de higiene e cravos de ferradura. A maior parte das lesões é observada nas áreas da sela e da
cintura (“coceira da cintura”).
O tratamento em geral é tópico, pois a terapia sistêmica é cara e não tem eficácia comprovada. Podem­se
recomendar loções de corpo inteiro, como as descritas anteriormente para os bovinos e as lesões individuais são
tratadas com preparações de clotrimazol ou miconazol. Os implementos de higiene e os cravos de ferradura
devem ser desinfetados e os equinos afetados devem ser isolados.

Suínos, Ovinos e Caprinos

Nos suínos, a dermatofitose geralmente é provocada por Microsporum nanum. As lesões correspondem a anéis
de inflamação ou de manchas marrons, que se alastram centrifugamente até um diâmetro de 6 cm. As lesões são
praticamente assintomáticas em adultos e a tinha nos suínos geralmente tem pouca consequência econômica.
Infecções zoonóticas em funcionários de fazenda não são comuns.
A tinha é um problema incômodo e comum nos cordeiros de exposição, mas é incomum nos rebanhos ovinos
e caprinos de produção. As espécies infectantes são: M. canis, M. gypseum e T. verrucosum. Nos cordeiros, as
lesões são mais observadas na cabeça, mas as lesões disseminadas podem ficar aparentes sob a lã nos cordeiros
tosquiados para exposição. Os cordeiros infectados não devem receber certificados de transporte para exposição
até que haja resolução da infecção. Como existem poucas evidências de que os cordeiros com rúmen funcional
absorvam a griseofulvina em níveis eficazes, o tratamento é mais bem executado com soluções de hipoclorito de
sódio ou condicionadores de enilconazol (quando disponível). Nos cordeiros saudáveis, como nas outras
espécies, estas infecções são autolimitantes, mas muitas vezes a resolução não fica evidente a tempo de salvar o
uso do animal no circuito de exposições.

TUMORES CUTÂNEOS E DE TECIDOS MOLES


Os tumores cutâneos são as neoplasias diagnosticadas com maior frequência nos animais domésticos, em parte
porque podem ser identificados facilmente e em parte pela exposição constante da pele ao ambiente externo,
que predispõe o tegumento à transformação neoplásica. Produtos químicos carcinogênicos, radiação ionizante e
viroses foram implicados, mas fatores hormonais e genéticos também podem ter papel no desenvolvimento das
neoplasias cutâneas.
A pele é uma estrutura complexa, composta por vários tecidos epiteliais (epiderme e anexos), mesenquimais
(tecido conjuntivo fibroso, vasos sanguíneos, tecido adiposo) e neurais e neuroectodérmicos (nervos periféricos,
células de Merkel, melanócitos), todos com potencial para o desenvolvimento de tumores distintos. Em razão da
diversidade dos tumores cutâneos, sua classificação é difícil e muitas vezes controversa. Também há
controvérsia quanto ao critério utilizado para definir se uma lesão que surge na pele ou em tecidos moles é
neoplásica e, se for, se ela é benigna ou maligna. Para evitar confusão, os seguintes termos serão utilizados
nessa discussão: Hamartoma (nevo) é um defeito de desenvolvimento localizado, associado ao aumento de um
ou mais elementos da pele. Um hamartoma sebáceo, por exemplo, se refere a uma região localizada da pele
onde as glândulas sebáceas são extremamente proeminentes e, às vezes, mal formadas. Embora por definição
rigorosa os hamartomas estejam presentes ao nascimento, eles podem, ocasionalmente, demorar longo tempo
para alcançar um tamanho clinicamente aparente e podem não ser diagnosticados antes que o animal se torne
adulto. Para confundir ainda mais, algumas lesões com aspectos clínicos e histológicos de um hamartoma
congênito podem se desenvolver em animais adultos. É difícil diferenciar tais hamartomas “adquiridos” de
neoplasias epiteliais e mesenquimais benignas. Na literatura médica humana e em alguns textos veterinários, o
termo “nevo” é utilizado como sinônimo de hamartoma. Uma neoplasia benigna é localizada, não infiltrativa e,
em razão da presença de uma cápsula que a envolve, é facilmente excisada. Neoplasia de malignidade
intermediária é localmente infiltrativa e sua extirpação é difícil, porém não há metástase. Neoplasia maligna é
infiltrativa e com potencial metastático.
Embora as neoplasias cutâneas sejam caracteristicamente nodulares ou papulares, elas também podem se
apresentar como placas alopécicas generalizadas ou localizadas, placas e manchas eritematosas e pigmentadas,
vergões ou úlceras que não cicatrizam. A variabilidade de apresentações clínicas das neoplasias torna difícil
diferenciar uma neoplasia de uma doença inflamatória; além disso, distinguir um tumor benigno de um maligno
é ainda mais subjetivo, uma vez que sarcomas ou carcinomas, no início do seu desenvolvimento, podem se
apresentar como massas palpáveis encapsuladas discretas. Para estabelecer um diagnóstico definitivo, em geral,
é necessário exame histopatológico. A exame citológico também pode ser útil e, para algumas neoplasias (p.
ex., tumor de célula redonda), o seu valor pode ser igual ou maior que o exame histopatológico.
A terapia depende muito do tipo de tumor, de sua localização e do tamanho, bem como das manifestações
clínicas do animal. Para neoplasias benignas não associadas à ulceração ou disfunção clínica, não realizar
tratamento pode ser a alternativa mais prudente, em especial em cães idosos.
Para doenças neoplásicas mais agressivas ou tumores benignos que inibem a função normal ou são
cosmeticamente inaceitáveis, há várias opções terapêuticas. Para a maioria, a intervenção cirúrgica com
extirpação completa implica maior chance de cura, com o menor custo e, em geral, com menos reações
adversas. A lumpectomia é adequada para lesões benignas, porém, se há suspeita de malignidade, a lesão deve
ser removida com margem cirúrgica ampla (3 cm). Para os tumores que não podem ser completamente
extirpados, a remoção parcial ou a diminuição de volume pode prolongar a vida do animal e aumentar a eficácia
da radiação ou da quimioterapia. A criocirurgia também é uma opção, embora seja mais efetiva em lesões
superficiais benignas do que em neoplasias cutâneas malignas. A radioterapia possui maior valor para
neoplasias infiltrativas que não são extirpáveis cirurgicamente ou quando a intervenção cirúrgica pode causar
comprometimento físico inaceitável. A quimioterapia pode ser utilizada como método primário para o
tratamento de neoplasias malignas ou como terapia auxiliar à cirurgia ou radioterapia. Na pele, ela é mais
comumente utilizada para tratar tumores de células redondas (p. ex., linfossarcomas, mastocitomas, tumores
venéreos transmissíveis etc.) ou tumores sólidos que não podem ser excisados completamente. Embora, em
geral, sejam paliativas, remissões longas podem ser obtidas às vezes. Outras formas de terapia incluem
hipertermia, terapia a laser, terapia fotodinâmica, terapia antiangiogênica, terapia genética e imunoterapia.
Diagrama que mostra estrutura semelhante a um polvo, comum a várias neoplasias cutâneas malignas, razão pela qual alguns tumores não são
completamente ou adequadamente extirpados na cirurgia. As margens completas, com frequência, não são “adequadas” ou amplas o suficiente
para evitar recidiva, devido às células residuais deixadas no leito tumoral e ao seu redor. Cortesia da Dra. Alice Villalobos.

SARCOIDE EQUINO

Sarcoide equino é o tumor mais frequentemente diagnosticado nessa espécie, representando 20% de todas as
neoplasias de equinos e 36% de todos os tumores de pele nesta espécie. Estudos recentes sugerem que não há
predisposição significativa quanto ao sexo ou idade.
O sarcoide equino raramente representa risco à vida do animal, mas pode comprometer o uso do animal, o
que pode acarretar preocupação quanto ao seu impacto econômico. Eles também apresentam implicações
importantes ao bem­estar do animal, em particular em países em desenvolvimento, nos quais os equídeos,
principalmente burros, são amplamente utilizados como animais de trabalho.
Sarcoides podem ocorrer como lesões únicas ou múltiplas, em formas diferentes, variando de pequenas lesões
semelhantes a verrugas a grandes crescimentos ulcerados e fibrosos. Seis quadros clínicos são reconhecidas: 1)
Oculto – lesões achatadas, acinzentadas, alopécicas e persistentes; com frequência circulares ou quase
circulares; 2) Verrucoso – acinzentado, de aparência escamosa ou verrucosa, que pode conter nódulos pequenos
e sólidos; possível ulceração da superfície; bem delimitados ou grandes, com áreas pouco definidas; 3) Nodular
– nódulos sólidos múltiplos, discretos, de tamanho variável; podem ulcerar e sangrar; 4) Fibroblástico – massas
de tecido, com pedúnculo estreito ou base ampla e achatada, que sangra com facilidade; podem apresentar
superfície úmida e hemorrágica; 5) Misto – misturas variadas de dois ou mais tipos; 6) Malevolente – um tumor
raro e extremamente agressivo que se espalha extensivamente por toda a pele; cordões de tecido tumoral
dispersos como nódulos e lesões fibroblásticas ulceradas.
As lesões podem ocorrer em qualquer local do corpo, mas são mais comuns na região paragenital, partes
ventrais do tórax e abdome e na cabeça. Com frequência, se instalam em locais de lesão e cicatriz prévias. O
sarcoide equino pode se assemelhar a outros tumores de pele, como fibropapilomas benignos e, também, outras
condições cutâneas como tecido de granulação exuberante (carne esponjosa). Uma lesão individual em um
equino pode ser difícil de diagnosticar, mas vários tumores (com frequência de mais de um tipo) com aspectos
característicos em um equino tornam o diagnóstico clínico razoavelmente fácil. O diagnóstico definitivo pode
ser obtido por meio de biopsia, no entanto, a coleta de uma amostra representa risco de estimular a expansão
considerável e incontrolável da lesão.
O papilomavírus bovino (PVB), principalmente dos tipos 1 e 2, atualmente é considerado o principal agente
etiológico do sarcoide equino. Em equinos, pode haver predisposição genética associada a antígenos
leucocitários; raças e linhagens particulares parecem ser mais suscetíveis à doença.
A forma de transmissão ainda não foi confirmada. O PVB­1 foi detectado recentemente em várias espécies de
moscas comuns (p. ex., mosca doméstica, mosca dos estábulos) e, em razão da aparente predileção do
desenvolvimento de sarcoide em locais de feridas, propôs­se que as moscas podem atuar como vetores, uma vez
que pousam em feridas de diversos animais. Alternativamente, a infecção pelo PVB pode ser transmitida por
meio de práticas de manejo, como compartilhamento de fômites contaminados, ou pode ser transmitida a feridas
existentes a partir do pasto contaminado.
Não há terapia universalmente efetiva para sarcoide, e muitos tumores podem apresentar recidiva. Os
sarcoide pedunculados com colo discernível podem ser removidos pela ligadura da sua base com fitas de
borracha ou material de sutura elástico, normalmente em combinação com preparações tópicas, assim que o
tumor se desprende. Outros tratamentos empregados comumente incluem crioterapia, extirpação cirúrgica ou a
laser ou modulação imune local (terapia com bacilo Calmotte­Guérin). A radioterapia, mais comumente
envolvendo implantes com 192Ir, é altamente efetiva no tratamento de tumores menos suscetíveis à terapia
tradicional (p. ex., aqueles nos membros ou ao redor dos olhos). No entanto, implantes de 192Ir têm alto custo e
não estão amplamente disponíveis. Os sarcoides, com frequência, recidivam se tratados por extirpação cirúrgica,
o que pode decorrer da ativação de PVB latente em tecidos aparentemente normais vizinhos à lesão. Tumores
maiores podem requerer a combinação de terapias (p. ex., desbridamento cirúrgico seguido de quimioterapia
tópica).
Recentemente, vários tratamentos novos e promissores foram disponibilizados ou estão na fase final de testes
clínicos. Esses incluem o uso de implantes intratumorais de cisplatina/emulsões e aplicação tópica de
imiquimod. Também, há relatos de sucesso na aplicação de cremes de aciclovir para uso único no tratamento de
sarcoides achatados e ocultos ou a aplicação no leito da ferida de tumores maiores removidos por extirpação
cirúrgica. O modo de ação do aciclovir não é conhecido, mas ele tem custo relativamente baixo e tem uma
ampla margem de segurança. O desenvolvimento de vacinas preventivas e/ou terapêuticas pode ter um papel
importante nas estratégias de controle da doença no futuro, mas estudos realizados até o momento mostraram
sucesso limitado.
Um novo procedimento terapêutico usando pequenas moléculas de RNA que interferem na expressão do gene
viral­alvo está sendo investigada atualmente. Essa técnica tem mostrado destruição seletiva de células de pele de
equinos infectada com PVB­1, in vitro.

SARCOMAS ANAPLÁSICOS E INDIFERENCIADOS

É difícil caracterizar microscopicamente esses tumores mesenquimais malignos. Sarcomas indiferenciados não
possuem características distintas (p. ex., padrões de arquitetura, características citoplasmáticas e nucleares,
produtos celulares). Sarcomas anaplásicos possuem a maioria das seguintes características: variações no
tamanho e forma do núcleo, hipercromasia nuclear, irregularidade notável da cromatina, figuras mitóticas
anormais e grande número de figuras mitóticas. Dessa forma, sarcomas anaplásicos, em geral, são
indiferenciados, mas os sarcomas indiferenciados não são necessariamente anaplásicos. Em ambos os casos,
indica­se extirpação ampla; entretanto, o prognóstico geralmente é pior para sarcomas anaplásicos do que para
sarcomas indiferenciados.

TUMORES CUTÂNEOS LINFOCÍTICOS, HISTIOCÍTICOS E RELACIONADOS

Cutâneos Mastocitomas (Mastocitomas, Sarcomas de mastócitos)

Esses tumores são as neoplasias malignas ou potencialmente malignas mais frequentemente detectadas em cães.
Adicionalmente, formas viscerais e leucêmicas podem ser notadas. Aventou­se a possibilidade de etiologia viral,
mas há controvérsia. Os tumores podem ser observados em cães de qualquer idade (média de 8 a 10 anos).
Podem se desenvolver em qualquer local da superfície corporal, bem como em órgãos internos, mas os
membros (em especial as regiões posteriores e superiores das coxas), o abdome ventral e o tórax são os locais
mais comuns; aproximadamente 10% são multicêntricos. A localização dos tumores nas junções mucocutâneas
ou na superfície ventral do corpo está associada a um comportamento biológico mais agressivo. Muitas raças
parecem predispostas, em especial Boxer e Pug (nos quais as neoplasias com frequência são múltiplas),
Rhodesian Ridgeback e Boston Terrier. Os tumores variam acentuadamente em tamanho e apenas a aparência
clínica não permite o diagnóstico. Mais comumente, surgem como massas elevadas nodulares que podem ser
macias a sólidas à palpação. Embora com frequência pareçam encapsulados, os mastocitomas em cães
raramente são discretos. Consistem de um denso agregado celular circundado perifericamente por um halo de
menor número de mastócitos, que é palpado como pele normal. Os cães também podem desenvolver sinais
clínicos associados à liberação de produtos vasoativos dos mastócitos malignos. O sintoma mais comum é
ulceração gastroduodenal, que pode ser notada em até 25% dos casos. O exame citológico de aspirados com
agulha fina corados pelo Wright ou de imprints podem ser utilizados para definir o diagnóstico de mastocitoma
em cães. Todos os tumores cutâneos devem ser submetidos ao exame citológico de aspirado com agulha fina
antes da extirpação, para excluir o diagnóstico de tumor de mastócito. Se o cirurgião está ciente de que o tumor
é um mastocitoma, um plano cirúrgico de extirpação ampla e profunda propicia melhor resultado. Todos os
mastocitomas devem ser submetidos à biopsia para determinar as margens e o estadiamento, uma vez que a
citologia não substitui a histopatologia – apenas o exame histopatológico permite o prognóstico. Dois sistemas
de estadiamento histopatológico foram definidos – o sistema Bostock, de 1973, e o sistema Patnaik et al., de
1984. Para evitar confusão, é essencial saber qual o sistema utilizado.
Embora se acredite que haja uma variante benigna do tumor de mastócito canino, não há meios clínicos ou
microscópicos para identificá­la. Além disso, mastocitomas pequenos podem permanecer quiescentes por longo
tempo antes de se tornarem agressivos. Em um estudo, verificou­se uma variante subcutânea do mastocitoma
canino, sem envolvimento infiltrativo dérmico primário, em aproximadamente 10% das amostras de tecidos
obtidas por biopsia. Essa variante apareceu com maior frequência nos membros pélvicos; 66% dos casos foram
submetidos à extirpação completa com margens profundas. Esses tumores apresentam estadiamento histológico
intermediário, menor taxa de recidiva (apenas 9%) e tempo de sobrevida maior, com taxa de metástases de
apenas 6%.

Mastocitoma na pata traseira esquerda em um cão da raça Basset Hound. Cortesia da Dra. Alice Villalobos.

Não se constata recidiva em até 65% dos mastocitomas que não foram completamente extirpados. Isso sugere
que seu comportamento biológico nem sempre é agressivo e que o tratamento agressivo nem sempre é
necessário. Colorações especiais podem ser utilizadas para distinguir mais adequadamente os estadiamentos
tumorais. A expressão de marcadores de proliferação pode ajudar na determinação da probabilidade do
mastocitoma não removido completamente ocasionar recidiva ou metástase. Em um estudo com 30
mastocitomas, em 28 cães, a combinação de Ki­67 e escores de antígenos de núcleos celulares em proliferação
foi indicador prognóstico para recidivas locais. A correlação entre os resultados dos testes e o tempo de
sobrevivência pode ser útil, mas nem sempre é confiável para predizer o prognóstico. Em razão da dificuldade
de subclassificar os mastocitomas caninos, todos devem ser tratados como, ao menos, potencialmente malignos,
utilizando testes especializados para determinar se é necessário tratamento adicional.
O tratamento depende do estágio clínico da doença e do comportamento biológico agressivo previsto. Para
tumores em estágio I (tumor solitário limitado à derme, sem envolvimento nodal), o tratamento de preferência é
a extirpação cirúrgica completa com margens amplas; devem ser removidos, no mínimo, 3 cm de tecido
saudável ao redor das bordas palpáveis, na tentativa de retirar o nódulo e o halo de células neoplásicas ao seu
redor. A citologia intraoperatória (exame dos imprints das margens do tecido extirpado) pode guiar o cirurgião,
que deve continuar removendo o tecido até que as margens estejam livres de mastócitos. Se o exame histológico
sugere que o tumor se estende além das margens cirúrgicas, nova excisão deve ser realizada. Como alternativa,
uma vez que os mastócitos são sensíveis à radiação, a radioterapia intraoperatória ou a radioterapia externa,
após a cirurgia, pode ser curativa se o tumor remanescente é pequeno ou pode ser observado apenas
microscopicamente. Radiação combinada com hipertermia pode ser mais efetiva do que apenas radiação, para
controlar mastocitomas biologicamente agressivos e locais.
Até o momento, não há consenso quanto ao tipo de terapia para mastocitomas em estágios II a IV. Para
tumores em estágio II (tumor solitário com envolvimento de linfonodos regionais), as opções terapêuticas
incluem extirpação da neoplasia e do linfonodo regional acometido (se possível), prednisolona e radioterapia,
sozinhos ou combinados. Triancinolona ou fosfato sódico de dexametasona, misturado com soro do paciente e
injetado de maneira uniforme nos tecidos do leito tumoral no momento da cirurgia ou no pós­operatório também
pode ser útil, em especial quando se combinada radioterapia intraoperatória e radioterapia externa após a
cirurgia. Há discussão sobre injeções no leito tumoral de água hipotônica, deionizada ou destilada, após
extirpação incompleta. O tratamento do tumor em estágio III (múltiplos tumores dérmicos com ou sem
envolvimento de linfonodos) ou em estágio IV (qualquer tumor com metástase distante e recidiva com
metástase), em geral, é paliativo. Uma terapia recomendada é prednisolona (2 mg/kg VO, por 5 dias, seguida de
dose de manutenção de 0,5 mg/kg, 1 vez/dia) ou injeções intralesionais de triancinolona (1 mg/cm do diâmetro
do tumor, a cada 2 semanas). Tratamento com antagonistas de receptores H1 e H2 para controlar os efeitos
periféricos e gástricos da histamina, respectivamente, pode ser indicado aos animais com doença sistêmica ou
sinais clínicos relacionados com a liberação de histamina. Quimioterapia com alcaloides da vinca (vincristina,
vimblastina), L­asparaginase e ciclofosfamida foi utilizada com alguma eficácia. Prednisona e vimblastina,
utilizadas como quimioterapia auxiliar à ressecção cirúrgica incompleta, aparentemente conferiram maior
sobrevida, em comparação com cirurgia, exclusivamente, propiciando 1 a 2 anos livre da doença, em 57% dos
cães, e sobrevida de 1 a 2 anos para 45% dos animais com tumores em estágio III. Em 19 cães que receberam
alta dose de lomustina, em intervalos de 21 dias, 42% dos mastocitomas mostraram respostas mensuráveis,
variando de estável a parcial, com uma resposta completa. Neutropenia surge sete dias após o tratamento, com
contagens de 1.500 neutrófilos/μl.
Verificou­se que novos fármacos com pequenas moléculas inibidoras de multiquinase inibem o proto­
oncogene ativado ou modificado do receptor de tirosinoquinase c­KIT, que está associado ao desenvolvimento
de mastocitomas. Recomenda­se coletar amostras de tecido para determinar a agressividade biológica dos
mastocitomas e para pesquisar a presença do receptor da tirosinoquinase c­KIT modificado, antes de iniciar o
tratamento. Em um estudo com 202 cães, com ou sem tratamento prévio, com mastocitomas cutâneos
mensuráveis em estágio II ou III, sem metástase em linfonodos ou em víscera, verificou­se que o uso de
mastinib (12,5 mg/kg, 1 vez/dia) foi uma opção de tratamento relativamente segura e benéfica. Outro teste
clínico concluiu que o uso do inibidor do receptor de tirosinoquinase toceranib (3,25 mg/kg VO, a cada 48 h)
resultou em inibição da fosforilação da tirosinoquinase (KIT) em mastocitomas caninos e obteve–se benefício
clínico com o uso contínuo. Os oncologistas veterinários são as melhores fontes de informação quanto à
aplicação clínica desses novos medicamentos inibidores da tirosinoquinase, no tratamento de mastocitomas e
vários outros tumores malignos.
Em gatos, os mastocitomas cutâneos são o segundo tipo de tumor de pele mais comum; no entanto, na prática
a doença é verificada apenas ocasionalmente. Além dos tumores cutâneos, formas primárias esplênicas,
sistêmicas, leucêmicas e gastrintestinais foram reconhecidas. Há duas variantes distintas da forma cutânea – um
tipo mastocitário análogo, mas não idêntico, aos mastocitomas cutâneos dos cães e um tipo histiocítico, único de
gatos. Os mastocitomas cutâneos felinos podem ser solitários ou múltiplos. Os tumores primários esplênicos,
sistêmicos, recidivantes e múltiplos (5 ou mais) estão associados a um prognóstico reservado.
O tipo mastocitário é o mais comum. É encontrado principalmente em gatos com mais de 4 anos de idade e
pode se desenvolver em qualquer local do corpo, sendo mais comum na cabeça e no pescoço. Os tumores são
nódulos simples, alopécicos, em geral com 2 a 3 cm de diâmetro, que ocasionalmente se estendem para a
gordura subcutânea. Nódulos linfoides são comuns; eosinófilos são raros. Ao contrário dos mastocitomas em
cães, os tumores em gatos geralmente são benignos e a atipia e o comportamento biológico são pouco
relacionados. A extirpação cirúrgica é o tratamento de escolha; 30% dos tumores apresentam recidiva após a
cirurgia; alguns ocasionam metástase. Crioterapia pode ser uma boa opção para tratar lesões pequenas múltiplas
recidivantes, já que não requer anestesia. Tumores recidivantes podem responder à quimioterapia, radioterapia e
uma nova terapia com pequenas moléculas­alvo (ver texto anterior).
O tipo histiocítico dos mastocitomas cutâneos em gatos é detectado principalmente em gatos Siameses com
menos de 4 anos de idade. As lesões podem se desenvolver em qualquer local do corpo e aparecem como
papulonódulos subcutâneos múltiplos (miliares), pequenos (em geral 0,5 a 1 cm de diâmetro) e firmes.
Normalmente, quanto mais velhos os gatos, menor o número de lesões. Pode ser difícil distinguir
morfologicamente essa variante de uma resposta inflamatória granulomatosa. Como há alguns relatos de cura
espontânea desses tumores, pode não ser necessário tratamento.
Em equinos, os mastocitomas são tumores incomuns, em geral, benignos, embora metástases tenham sido
relatadas e devam ser consideradas. Há dúvidas se eles são realmente uma neoplasia ou uma resposta
inflamatória incomum; no entanto, atualmente são considerados tumores causados por mutação funcional do
proto­oncogene KIT. As lesões podem se desenvolver em qualquer parte do corpo, mas são mais comuns na
cabeça e nas pernas. Tipicamente, há uma massa solitária na derme ou na gordura subcutânea que pode se
expandir e envolver os músculos adjacentes. Eritema e formação de pápula (sinal de Darrier) não são
características clínicas do mastocitoma equino. A maioria dos equinos acometidos é macho, com idade média de
7 anos, variando de 1 a 18 anos. O tumor surge como um nódulo composto por uma proliferação quase sempre
monomórfica de mastócitos. À medida que a lesão progride, os mastócitos são limitados a agregados em um
estroma fibroso que circunda um grande foco de necrose liquefativa, que contém grande número de eosinófilos.
Em estágios tardios, o foco necrótico passa por mineralização distrófica, e pode ser muito difícil identificar os
mastócitos. Uma vez instalada a mineralização, nota­se uma lesão arenosa ao corte. O sistema de estadiamento
utilizado para graduar mastocitomas em cães não é confiável para uso em equinos em razão da variabilidade de
aparência histológica dos tumores nessa espécie. Alopecia e ulceração são características variáveis.
Uma variante de mastocitoma cutâneo é observada em potros recém­nascidos, nos quais as lesões podem se
generalizar, porém, regridem com o tempo, o que sugere uma doença equina equivalente à urticária pigmentosa
em pessoas.
A terapia convencional para mastocitoma equino metastático não é satisfatória. A extirpação é o tratamento
de escolha; no entanto, há relatos de que as lesões ocasionalmente ocasionam metástases. Pesquisas estão
prestes a desenvolver inibidores da proteína tirosinoquinase e fármacos de “pequenas moléculas” a preços
acessíveis, como o mesilato de mastinib e o fosfato de toracenib, que têm como alvos seletivos as formas
mutantes dos receptores da tirosinoquinase c­KIT.
Mastocitomas são raros em suínos e bovinos. Em suínos, a maioria aparece como nódulos cutâneos discretos
e solitários. A maior parte é benigna, porém, variantes disseminadas e leucêmicas podem ocorrer. Em bovinos, a
maioria é maligna e caracterizada por nódulos cutâneos múltiplos, com frequência, acompanhados de
envolvimento sistêmico; ocasionalmente, foram reconhecidas formas puramente cutâneas.

Tumores com Diferenciação Histiocítica

Esses tumores compreendem um grupo de doenças cutâneas pouco definidas, caracterizadas pela proliferação de
histiócitos (macrófagos teciduais), na ausência de qualquer estímulo conhecido.
Histiocitomas cutâneos são comuns em cães e raros em caprinos e bovinos; é questionável se as lesões
podem ser encontradas em gatos. Fortes evidências imunoistoquímicas sugerem que, em cães, são derivados das
células de Langerhans (processamento intraepidérmico de antígenos). Esses tumores normalmente são
observados em cães com menos de 3,5 anos, mas podem ocorrer em qualquer idade. As raças com maior risco
são Buldogue Inglês, Scottish Terrier, Greyhound, Boxer e Boston Terrier. A cabeça (inclusive o pavilhão
auricular) e os membros são os locais de envolvimento mais comuns, onde os tumores surgem como nódulos
solitários, proeminentes e, em geral, ulcerados e livremente móveis. Apesar de serem neoplasias comuns, os
histiocitomas nem sempre são fáceis de diagnosticar histologicamente e podem ser confundidos com inflamação
granulomatosa, mastocitomas, plasmocitomas e linfossarcomas cutâneos. Os histiocitomas caninos devem ser
considerados benignos e a maioria deles se cura espontaneamente em 2 a 3 meses, sem tratamento. Uma vez
estabelecido o diagnóstico, com frequência em exame citológico, a extirpação cirúrgica é a opção.
Em caprinos e bovinos, os histiocitomas são extremamente raros e se comportam da mesma maneira descrita
em cães. Os histiocitomas também foram relatados em gatos jovens; no entanto, representam mais
provavelmente uma forma histiocítica de mastocitoma em gatos.
Histiocitose cutânea está associada ao desenvolvimento de numerosas placas e nódulos envolvendo a derme
ou a gordura subcutânea. É rara em cães e pode se desenvolver em animais de qualquer idade, sendo mais
comum em adultos jovens. Cães das raças Shar­Pei e Pastor Alemão podem ser predispostos. Os nódulos e as
placas tendem a aumentar e diminuir, e as extremidades e o tronco são os locais mais envolvidos. As lesões não
são pruriginosas e as de maior tamanho podem ulcerar. A histiocitose cutânea raramente envolve órgãos
internos, mas a natureza difusa e a aparência desagradável, em geral, forçam o proprietário a solicitar eutanásia.
Várias formas de terapia foram tentadas, inclusive glicocorticoides sistêmicos e uma combinação desses com
quimioterapia. A resposta é variável; as lesões em alguns cães respondem de modo rápido e permanente,
enquanto em outros há melhora transitória ou não há melhora alguma.
A histiocitose de cães da raça Bernese Mountain é uma doença sistêmica, familiar e de etiologia
desconhecida, com duas manifestações – uma forma mais indolente e, em geral, cutânea, conhecida como
histiocitose sistêmica e outra mais agressiva na qual as lesões de pele são raras, conhecida como histiocitose
maligna. A histiocitose maligna raramente tem sido detectada em outras raças caninas. Na histiocitose
sistêmica, os machos (idade média de início dos sintomas de 4 anos) são acometidos com maior frequência do
que as fêmeas. Há múltiplos nódulos cutâneos, pápulas e placas que envolvem a pele (em especial do escroto),
mucosa nasal e pálpebras. As lesões são mal delimitadas e variavelmente alopécicas e podem ser ulceradas; se
desenvolvem em surtos e regridem lentamente, recidivando apenas meses mais tarde. A doença clínica tende a
ser mais grave a cada nova ocorrência de erupções. Embora a pele seja o órgão­alvo primário, as lesões também
podem se desenvolver em outros órgãos, inclusive linfonodos, baço e medula óssea. A doença pode ser
manifestar como episódio clínico, mas é progressiva e, por fim, fatal.
Histiocitose maligna é observada em cães machos da raça Bernese Mountain (idade média de início dos
sintomas de 7 anos) e, com menor frequência, em outras raças caninas. Pulmões, linfonodos e fígado são os
órgãos mais comumente acometidos e a doença tende a poupar a pele. Macroscopicamente, as lesões são massas
firmes, solitárias e grandes, que podem ocupar grandes partes dos órgãos internos acometidos. A doença é
rapidamente progressiva e não aumenta e diminui como acontece na histiocitose sistêmica. Poucos cães
sobrevivem por mais de seis meses.
Vários protocolos quimioterápicos foram utilizados para tratar ambas as formas. A fração 5 da timosina
bovina pode ser benéfica na remissão dos sintomas, em especial na forma sistêmica. No entanto, ambas as
formas da doença são essencialmente fatais.

Tumores Linfoides Cutâneos

Plasmocitomas extramedulares caninos (histiocitomas atípicos, tumores neuroendócrinos cutâneos (p. 956),
sarcomas de células reticulares, amiloidose nodular cutânea) são tumores cutâneos relativamente comuns.
Apesar de sua origem controversa, as células neoplásicas expressam caracteristicamente imunoglobulinas
citoplasmáticas e podem provocar amiloide primário, deixando pouca dúvida quanto sua origem
linfoplasmocitária. Esses tumores de cães e, raramente, de gatos são vistos com maior frequência na cabeça
(inclusive orelhas, lábios e cavidade bucal) e extremidades de animais adultos ou idosos. As raças maio
suscetíveis são Cocker Spaniel, Airedale, Scottish Terrier e Poodle padrão. Os tumores geralmente são pequenos
(< 5 cm) e, às vezes, pedunculados. A maior parte dessas lesões está confinada localmente e a extirpação
cirúrgica completa, porém conservadora, é o tratamento de escolha. Raramente, os plasmocitomas extracutâneos
podem ser invasivos localmente ou múltiplos (ou ambos), em especial quando se desenvolvem na cavidade
bucal. A recidiva também pode estar relacionada com a presença de amiloide (p. 631). O tratamento desses
tumores permanece pouco definido. Para tumores recidivantes e invasivos, podem ser necessárias medidas mais
agressivas durante a extirpação. Quando os tumores são múltiplos ou a extirpação cirúrgica não é possível, a
radioterapia parece ser o melhor tratamento. Para tumores resistentes à radiação, recomendam­se
quimioterápicos, como melfalana, clorambucila e ciclofosfamida, bem como glicocorticoides.
O linfossarcoma cutâneo pode surgir como uma doença na qual a pele é o local de envolvimento inicial e
primário ou pode ser secundário a uma doença sistêmica interna (ver p. 72, p. 772 e p. 852). Os linfossarcomas
cutâneos não são comuns, mas foram identificados em todas as espécies domésticas. Em geral, duas formas
distintas são reconhecidas – uma forma epiteliotrópica (na qual há infiltração de linfócitos malignos na
epiderme e anexos) e uma forma nodular não epiteliotrópica. Ambas normalmente expressam antígenos de
superfície e citoplasmáticos característicos de linfócitos T; isso, juntamente com a detecção frequente de, no
mínimo, um pequeno foco de epiteliotropismo em muitos casos das formas “não epiteliotrópicas” em cães e
gatos sugerem que podem ser variantes diferentes de um mesmo tumor.
Linfossarcoma cutâneo epiteliotrópico (LCE, micose fungoide) é a forma mais frequentemente constatada
de linfossarcoma cutâneo em cães e, indiscutivelmente, em gatos. É uma doença de cães de meia­idade ou
idosos, com possível predisposição em Poodle e Cocker Spaniel. Classicamente, as lesões progridem de
manchas irregulares a placas e tumores; entretanto, uma ou qualquer combinação dessas três lesões primárias
pode estar presente. Por exemplo, em uma forma de LCE conhecida como reticulose pagetoide há envolvimento
mínimo, ou nenhum, da derme e as lesões cutâneas sempre surgem como manchas eritematosas irregulares.
Outra característica comum da doença em cães é a presença de áreas de alopecia secundárias à atrofia folicular
causada por infiltração de células neoplásicas na bainha externa e no lúmen dos folículos pilosos. Apesar de na
maioria dos casos haver envolvimento cutâneo difuso, foram identificadas formas limitadas principalmente às
membranas mucosas ou aos coxins plantares. Em razão da aparência clínica variável desse tumor, o diagnóstico
baseado em características clínicas pode ser muito difícil e estágios precoces podem ser confundidos com
doenças alérgicas, autoimunes, endócrinas, infecciosas ou seborreicas. Na maioria dos casos, a lesão está
limitada à pele até uma fase mais tardia da doença. LCE com leucemia concomitante é conhecida como
síndrome de Sézary.
Em cães, LCE é uma doença de progressão lenta à moderada, para a qual foram propostos muitos
tratamentos. Até o momento, todos parecem ser mais efetivos na melhora dos sintomas do que no
prolongamento da vida dos cães acometidos. A metocloretamina (mostarda nitrogenada) foi utilizada no
passado como terapia tópica, mas como grandes áreas do corpo do cão podem ser afetadas (inclusive
membranas mucosas) e em razão do seu potencial sensibilizante em pessoas ela não é utilizada com frequência.
A doença, com frequência, responde de maneira transitória aos esteroides. Fármacos quimioterápicos, como
combinações de adriamicina, clorambucila, ciclofosfamida, doxorrubicina e vincristina, têm efetividade
variável. A lomustina e os retinoides, com e sem glicocorticoides e altas doses de ácido linoleico,
ocasionalmente propiciam remissão parcial ou completa.
Em gatos, LCE tende a se desenvolver em animais mais velhos. As lesões com frequência seguem uma
progressão definida, aparecendo inicialmente como placas crostosas com prurido variável. Nas biopsias de
lesões iniciais com frequência tem­se diagnóstico de foliculite linfocítica mural. Em muitos casos em que se
obtém esse diagnóstico, as lesões progridem para linfossarcomas cutâneos inequívocos. Ao contrário do LCE
em cães, o epiteliotropismo, com frequência, é extremamente discreto em gatos. Pouco se sabe a respeito da
terapia ou se a terapia utilizada em cães pode ser eficiente em gatos.
O linfossarcoma cutâneo não epiteliotrópico (LCNE) é a forma mais conhecida de linfossarcoma cutâneo
em todos os animais domésticos, exceto em cães e gatos. Em cães, o LCNE é mais comum em animais de meia–
idade ou idosos. As lesões são nódulos ou placas que se desenvolvem mais comumente no tronco. Em geral, os
tumores são múltiplos, embora lesões solitárias possam ser notadas, em especial em gatos. Em muitos casos, o
LCNE é macroscopicamente indistinguível do estágio tumoral de LCE. Uma vez que o LCNE em cães, em
geral, é mais agressivo do que LCE e o envolvimento sistêmico ocorre comumente na fase precoce da doença, o
diagnóstico definitivo é importante. Várias terapias, incluindo extirpação, quimioterapia e, com menor
frequência, radioterapia foram utilizadas sozinhas ou em combinação. A extirpação é o tratamento de eleição
quando a doença é limitada a um tumor solitário e a cura completa ocasionalmente é obtida. Extirpação ou
criocirurgia mais difusa raramente acarretam remissão dos sintomas por longo período. Quimioterapia ou
protocolos quimioimunológicos utilizados para outras formas de linfossarcoma canino devem ser considerados
tratamentos paliativos. A remissão média é de, aproximadamente, 8 meses.
Em gatos, LCNE é uma doença de animais de meia­idade a idosos. A participação do vírus da leucemia felina
permanece indefinido. As lesões são em forma de placas ou nódulos que podem ser solitários ou múltiplos,
alopécicos ou com pelos e ulcerados ou cobertos por uma epiderme intacta. LCNE felino é agressivo; mesmo
quando se realiza extirpação completa de um nódulo solitário, a recidiva é comum. Até o momento, nenhuma
terapia definitiva é conhecida, no entanto, o uso da combinação de lomustina, esteroides e ácido linoleico pode
ser útil.
Em equinos, LCNE (linfossarcoma nodular, linfossarcoma subcutâneo, linfossarcoma linfoistiocítico) pode
ser visto em animais de qualquer idade, porém, é mais comum em animais jovens e de meia­idade. Nódulos
firmes e não ulcerados são mais comuns na gordura subcutânea da superfície ventral do corpo.
Microscopicamente, dois tipos de linfossarcoma nodular foram detectados em equinos. O mais comum consiste
em uma mistura de histiócitos e linfócitos pequenos e bem diferenciados, ocasionalmente com características
plasmocitoides; o segundo consiste em uma população monomórfica de grandes linfócitos atípicos, apenas com
histiócitos ocasionais. A diferenciação entre essas duas formas é importante, uma vez que a maioria dos casos
de linfossarcomas cutâneos em equinos com células de características monomórficas tem envolvimento interno
e a doença progride rapidamente. Ao contrário, a forma linfoistiocítica raramente está associada a envolvimento
interno e os equinos acometidos podem viver por anos. Com a progressão da forma linfoistiocítica, os nódulos
tendem a se tornar mais frequentes na região cervical ventral. Em muitos casos, a eutanásia pode ser justificada
quando o envolvimento da faringe induz dispneia. Em razão do alto custo dos fármacos citotóxicos, em geral, a
terapia é limitada à administração de glicocorticoides VO ou intralesional; a remissão, se ocorre, geralmente é
por um período curto.
Em bovinos, o linfossarcoma cutâneo é uma doença de animais jovens (em geral < 4 anos de idade). É um
dos quadros da leucose bovina esporádica que não é transmissível. O termo leucose bovina esporádica
normalmente é reservado para as formas cutânea e tímica do linfoma em bezerros, que são definidas pela idade
jovem de acometimento e pela distribuição dos tumores. A causa ou causas não são conhecidas. Apenas
linfomas causados por infecção pelo vírus da leucemia bovina devem ser denominadas leucose ou leucose
bovina enzoótica. Pode também haver doenças linfossarcomatosas que não são classificadas nem como leucose
bovina esporádica nem como leucose enzoótica, isto é, linfoma multicêntrico de ocorrência esporádica de
etiologia desconhecida. Presume­se que o linfossarcoma cutâneo de bovinos jovens não está associado à
infecção pelo vírus da leucemia bovina (p. 772) e atualmente essa enfermidade não tem causa conhecida. As
lesões são tipicamente nodulares, envolvem a derme ou a gordura subcutânea e, com frequência, são ulceradas.
Não há tratamento conhecido.

Tumor Venéreo Transmissível

Veja p. 1522. Esses tumores também podem se desenvolver inicialmente na pele que contém pelos, devido à
inoculação através de lesões cutâneas.

TUMORES DE ORIGEM MELANOCÍTICA

Esses tumores são mais comuns em cães, equinos tordilhos e suínos miniatura; são incomuns em bovinos e
caprinos e raros em gatos e ovinos. A terminologia utilizada para descrever lesões melanocíticas em medicina
veterinária é diferente da utilizada em dermatologia humana. Em animais, os termos melanocitoma e melanoma
maligno são utilizados para descrever proliferações melanocíticas benignas e malignas, respectivamente. Em
pessoas, uma proliferação melanocítica benigna (congênita ou adquirida) é denominada nevo e o termo
melanoma, por definição, se refere à malignidade (i. e., em pessoas não há melanoma benigno). Além disso,
embora a lesão por exposição solar seja causa comum de tumores melanocíticos em pessoas, a lesão actínica
raramente está associada ao desenvolvimento de tumores similares em animais domésticos.
Bovinos: Neoplasias melanocíticas em bovinos se desenvolvem com pouca frequência em qualquer local do
corpo. Podem ser encontradas em animais de qualquer idade, mas costumam ser mais comuns em animais
jovens; formas congênitas foram reconhecidas. Bovinos da raça Angus parecem predispostos. Mais comumente,
esses tumores são massas nodulares grandes benignas, densamente pigmentadas na superfície de corte. A
extirpação é curativa na maioria dos casos; entretanto, variantes malignas raras foram reconhecidas, com
metástases distantes.
Cães: Melanocitomas cutâneos são diagnosticados com muito mais frequência do que os melanomas malignos.
Eles desenvolvem­se mais comumente na cabeça e nos membros torácicos de cães de meia­idade ou idosos.
Pode haver predileção por machos. Cães das raças Schnauzer miniatura e padrão, Doberman Pinscher, Golden
Retriever, Setter Irlandes e Vizsla são as mais suscetíveis à neoplasia. Podem surgir como máculas ou manchas,
como pápulas ou placas ou como massas elevadas e, ocasionalmente, pedunculadas. A maioria possui superfície
pigmentada. Apesar de, em geral, serem solitárias, as lesões podem ser múltiplas, sobretudo nas raças de risco.
Esses tumores são benignos e a extirpação completa é curativa.
Melanomas malignos se desenvolvem mais comumente em cães de mais idade do que aquele de animais que
desenvolvem melanocitomas. Schnauzer miniatura e padrão e Scottish Terrier são as raças de maior risco. As
junções mucocutâneas de lábios e cavidade bucal (p. 339) e os leitos ungueais são os locais mais comuns de seu
desenvolvimento. Melanomas malignos em pele que contém pelos são raros e a maioria surge no abdome
ventral e no escroto. Os machos são acometidos mais comumente do que as fêmeas. A maioria dos melanomas
malignos surge como nódulos proeminentes, geralmente ulcerados e com pigmentação variável. Quando
presentes nas regiões mucocutâneas dos lábios, os tumores podem ser pedunculados com uma superfície
papilar; quando se instalam no leito ungueal surgem como tumefação do dígito, normalmente com perda da
unha e destruição do osso adjacente, lembrando osteomielite. Quando há infecção de unha em um cão idoso,
radiografias e biopsia profunda, com punch, são indicadas para o diagnóstico. Melanomas malignos caninos são
agressivos e possuem considerável potencial metastático.
O tratamento, em geral, consiste em extirpação completa; no entanto, a natureza infiltrativa do tumor pode
torná­la difícil. Quando presente nos dígitos, a amputação é indicada; quando na mandíbula, uma
hemimandibulectomia pode permitir uma extirpação completa, além de aparência cosmética pós­cirúrgica e
sobrevida aceitáveis. Em um estudo notou­se que lesões rostrais na maxila ou mandíbula estavam associadas a
sobrevida mais longa, de 10,9 meses. Melanomas, em geral, são considerados insensíveis à radioterapia e não há
protocolo quimioterápico altamente efetivo. A sobrevida varia de 1 a 36 meses, indicando que as variações
individuais dos mecanismos de defesa do hospedeiro e a agressividade do tumor influenciam o prognóstico. Em
um estudo com 117 cães com tumores digitais, constatou­se que 24 eram melanomas e sobrevida média foi de
12 meses; 42% desses sobreviveram por 1 ano e 13% por 2 anos.
Uma série de novas terapias gênicas com vacinas xenogenéticas usando plasmídio de DNA que codifica a
tirosinase humana podem induzir os cães a produzir anticorpos e respostas citotóxicas de células T, que podem
reduzir os melanomas. Em testes clínicos, a vacina contra melanoma canino mostrou potencial terapêutico para
cães com melanoma avançado e foi aprovada para uso nos EUA.
Caprinos: Tumores melanocíticos em caprinos são raros. São mais comuns em animais de meia­idade ou idosos
e, possivelmente, na raça Angorá. Pode haver predileção por localização na faixa coronária e no úbere. As
lesões são observadas como massas múltiplas ou solitárias com pigmentação variável na superfície de corte. A
maioria tende a crescer rapidamente; metástases são comuns.
Equinos: A maioria das neoplasias melanocíticas ocorre em equinos tordilhos, nos quais a pelagem se torna
cinza (ou branca) com a idade. São especialmente comuns nas raças Lipizzaner, Árabe e Percheron; 80% dos
equinos cinza ou brancos, dessas raças, podem ser acometidos. Em geral são notadas em equinos mais velhos,
mas normalmente começam a desenvolver em animais com 3 a 4 anos de idade; o períneo e a base da cauda são
os locais de desenvolvimento mais comuns, mas esses tumores podem se instalar em qualquer local, inclusive
na região parotídea. Os tumores, com frequência, são múltiplos e podem aparecer como nódulos coalescentes,
pedunculados, que costumam se estender em um arranjo linear até a base da cauda. Aumentam em tamanho e
número com o tempo. Embora a maioria seja benigna, variantes invasivas, algumas com potencial metastático,
podem se desenvolver. A maioria das lesões é preta ao corte. Muitos equinos tordilhos têm evidência de
envolvimento de linfonodos; entretanto, há dúvida se o envolvimento é decorrente de metástase ou se
melanócitos intranodais e melanófagos representam um estímulo dos melanócitos extracutâneos normalmente
presentes nos linfonodos. O tratamento consiste em remoção cirúrgica ou criocirurgia; entretanto, animais
acometidos são predispostos ao desenvolvimento de tumores adicionais com o tempo. Pouco se sabe a respeito
da utilização de radioterapia ou de quimioterapia no tratamento de melanocitoma equino ou melanoma maligno.
Relatos iniciais sugeriram que a cimetidina poderia ser útil no controle de recidiva, mas não foram apoiados por
estudos posteriores. Quimioterapia intralesional com cisplatina ou carboplatina, após a redução cirúrgica do
volume, pode ser benéfica no tratamento de neoplasias grandes ou inoperáveis. A recidiva de tumores não induz
resistência à cisplatina e eles podem ser tratados uma segunda vez, às vezes, com bons resultados.
Neoplasias melanocíticas em equinos de outra cor são raras e geralmente encontradas no tronco e nas
extremidades de equinos jovens (geralmente < 2 anos de idade). Podem representar expansão de uma lesão
congênita. Tipicamente, os tumores surgem como nódulos solitários. A maioria é benigna; entretanto,
melanomas congênitos malignos podem se desenvolver com pouca frequência. Esses tumores são invasivos e
com baixo potencial metastático. A extirpação cirúrgica ou a criocirurgia é o tratamento de escolha. Se os
tumores forem benignos e extirpados cirurgicamente, o prognóstico é excelente. Para tumores invasivos, o
prognóstico é reservado.
Gatos: Neoplasias melanocíticas cutâneas não são comuns e a maioria é notada na cabeça (em especial no
pavilhão auricular), pescoço e extremidades distais de animais de meia­idade ou idosos. Uma associação com a
cavidade bucal e as regiões subungueais é bem menos definida do que em cães, e uma alta porcentagem é
maligna. A extirpação é o tratamento de escolha.
Ovinos: Neoplasias melanocíticas em ovinos são mais comuns em animais de meia­idade ou idosos, mas foram
diagnosticadas em neonatos. São mais comuns nas raças Suffolk e Angorá, nas quais surgem como massas
múltiplas, densamente pigmentadas, na derme ou no subcutâneo. Devem ser consideradas malignas; metástases
são comuns.
Suínos: Neoplasias melanocíticas dos suínos são observadas como lesões congênitas e, esporadicamente, em
animais adultos das raças Sinclair (Hormel) miniatura, Duroc e seus mestiços. O acasalamento selecionado
nessas raças aumentou a prevalência dos tumores. Essas neoplasias se desenvolvem antes e após o nascimento,
em qualquer local do corpo. Em geral, são múltiplos e podem aparecer como máculas ou manchas pigmentadas,
com bordas lisas; como lesões frequentemente ulceradas, proeminentes e pigmentadas; ou como tumefações
azuladas, profundas e levemente elevadas. Melanomas profundamente invasivos, com frequência, estão
associados a metástases. Linfonodos e pulmões são os locais mais comuns de metástases. Nem todos os tumores
se tornam invasivos, e muitos podem apresentar regressão espontânea associada a um infiltrado linfocítico
intenso. Lesões melanocíticas em suínos não são tratadas; em razão da natureza hereditária dessa doença, a
prevenção por meio de acasalamento selecionado é recomendada se as lesões se tornam frequentemente na
criação.

TUMORES DE TECIDO CONJUNTIVO

Sarcomas de Tecidos Moles

Esse grupo de neoplasias malignas inclui sarcoides equinos, fibromatoses, fibrossarcomas, histiocitomas
fibrosos malignos, neurofibrossarcomas, liomiossarcomas, rabdomiossarcomas e variantes de lipossarcomas,
angiossarcomas, sarcomas de células sinoviais, mesoteliomas e meningiomas. Como um grupo, os sarcomas são
amplamente reconhecidos, mesmo sendo neoplasias pouco caracterizadas. A confusão advém, em parte, do fato
de que os sarcomas das células fusiformes mostram uma heterogeneidade morfológica muito maior do que os
carcinomas; frequentemente, os padrões de um sarcoma misturam–se com os padrões de outro. Como
consequência, é amplamente aceito que a célula de origem de todos os sarcomas de tecidos moles é uma célula
mesenquimal primitiva que pode se diferenciar em muitas outras. Isso torna difícil definir o critério
histopatológico necessário para determinar um diagnóstico inequívoco de um sarcoma de células fusiformes
específico. Além disso, comparando as células neoplásicas mesenquimais com as células normais, elas são
muito semelhantes, o que, no entanto, não traz implicações quanto à sua origem.
Uma segunda causa de confusão advém da dificuldade de determinar se os tumores são malignos ou benignos
ou qual será o seu comportamento biológico em determinadas localizações ou raças. A maioria dos sarcomas
das células fusiformes dos animais domésticos é localmente infiltrativo e sua extirpação é difícil, mas raramente
ocasiona metástase. Uma vez que, por definição, apenas os tumores malignos possuem potencial metastático,
esses tumores devem ser considerados benignos; no entanto, também por definição, as neoplasias benignas não
são infiltrativas, e esses tumores devem ser considerados malignos e tratados agressivamente desde o início. Em
patologia humana, os tumores de células fusiformes mesenquimais infiltrativos e que não originam metástases
foram definidos como sarcomas de malignidade intermediária, conceito utilizado a seguir.
Clinicamente, quatro princípios gerais relacionam os sarcomas de células fusiformes e os sarcomas de tecidos
moles: quanto mais superficial a localização, maior a probabilidade de o tumor ser benigno (tumores profundos
tendem a ser malignos). Quanto maior o tumor, maior a chance de ser maligno. Um tumor de crescimento
rápido tem maior chance de ser maligno do que o que se desenvolve lentamente. Tumores benignos são
relativamente avasculares enquanto os malignos tendem a ser hipervasculares.
A remoção é o tratamento de escolha; a extirpação ampla ou a amputação deve ser realizada quando for
anatomicamente viável, uma vez que os sarcomas de células fusiformes geralmente se infiltram ao longo dos
planos fasciais, tornando difícil a determinação das margens periféricas do tumor pelo exame macroscópico. A
melhor, se não a única, oportunidade de se remover por completo um sarcoma de célula fusiforme é durante a
primeira abordagem cirúrgica. Uma biopsia pré­cirúrgica deve ser realizada e um plano cirúrgico claro deve ser
definido, incluindo a intenção da remoção completa com amostras para biopsia para determinar as margens.
Esses sarcomas que recidivam têm maior potencial para metástases e o período de recidiva geralmente diminui
em cada extirpação subsequente. Além disso, muitos tumores de tecidos moles possuem uma pseudocápsula
que, ao exame macroscópico, dá a impressão de um encapsulamento completo; esses tumores não devem ser
“desencapsulados”, uma vez que as células neoplásicas quase sempre estão presentes nos tecidos conjuntivos
pericapsulares. Muitos sarcomas podem ter a forma de polvo, com tentáculos que se estendem profundamente
no leito tumoral. Exceto para os sarcoides equinos, a criocirurgia não costuma ser utilizada para esses tumores
uma vez que alguns tipos, mais notavelmente os fibrossarcomas, são resistentes ao congelamento. Os sarcomas
de células fusiformes, em geral, não respondem bem às doses convencionais de radiação; entretanto, há relatos
de controle por 1 ano com dose de, aproximadamente, 50% mais altas. A redução cirúrgica do volume seguida
de radiação também é uma opção para o controle local.
Alguns protocolos quimioterápicos para sarcomas se tornaram mais aceitáveis como métodos de tratamento.
A maioria envolve o uso de adriamicina, geralmente em combinação com outros agentes, incluindo
ciclofosfamida, vincristina, dacarbazina e metotrexato. Alguns clínicos usam carboplatina intercalada com
adriamicina. Apesar de a quimioterapia poder melhorar a qualidade e prolongar a vida dos animais acometidos,
ela raramente é curativa.
Fibromatose (fibromatose agressiva, desmoides extrabdominais, tumores desmoides, fibrossarcomas de
baixo grau, fasciite nodular) é uma proliferação esclerosante e infiltrativa de fibroblastos bem diferenciados
derivados das aponeuroses e das bainhas tendíneas. Em geral, é notada na cabeça de cães, em especial em
Doberman Pinscher e Golden Retriever, nos quais são comumente diagnosticados como fasciite nodular. Em
medicina veterinária, o termo fasciite nodular é aplicado a duas doenças diferentes – uma que se manifesta
como fibromatose e outra que acomete comumente tecidos perioculares (conhecida como histiocitoma fibroso
canino [veja a seguir]). As fibromatoses não são frequentemente diagnosticadas em gatos e em equinos.
Macroscopicamente, as fibromatoses costumam ser indistinguíveis dos fibrossarcomas infiltrativos; no entanto,
podem ser diferenciadas no exame histológico. Nódulos linfoides focais estão espalhados por todos os tecidos.
As fibromatoses são localmente infiltrativas e não apresentam potencial metastático. Se possível, a extirpação é
o tratamento de escolha. Recidiva é comum e radioterapia pode ser benéfica para o controle local.
Fibrossarcomas são tumores mesenquimais agressivos nos quais os fibroblastos são o tipo celular
predominante. São os tumores de tecidos moles mais comuns em gatos; também são comuns em cães, mas raros
em outros animais domésticos. Em cães, esses tumores são mais comuns no tronco e nas extremidades. Gordon
Setter, Irish Wolfhound, Brittany Spaniel, Golden Retriever e Doberman Pinscher são raças que apresentam
predisposição à lesão. Os fibrossarcomas variam acentuadamente em tamanho e aparência. Neoplasias de
origem dérmica podem parecer nodulares. Aquelas de origem na gordura subcutânea ou em tecidos moles
subjacentes podem requerer palpação para identificá­las. Se apresentam como lesões firmes e carnudas
envolvendo a derme e a gordura subcutânea e, com frequência, invadem a musculatura junta aos planos fasciais.
Quando os tumores são múltiplos, normalmente situam­se na mesma região anatômica. Os fibrossarcomas com
proteoglicanos intersticiais abundantes (mucina do tecido conjuntivo) são denominados mixossarcomas ou
mixofibrossarcomas. Os mixossarcomas ainda são pouco definidos em medicina veterinária e muitos deles
podem ser caracterizados como variantes de lipossarcomas ou histiocitomas fibrosos malignos. Em cães, os
fibrossarcomas são tumores invasivos e aproximadamente 10% ocasionam metástase. Os fatores que definem se
o fibrossarcoma pode ser completamente extirpado incluem habilidade do cirurgião, taxa de crescimento
(definido pelo índice mitótico e extensão da necrose), grau de atipia celular e tamanho, localização e natureza
infiltrativa do tumor (que podem requerer diagnóstico por imagem para definição adequada).
Três formas de fibrossarcoma são reconhecidas em gatos: uma forma multicêntrica em animais jovens (em
geral < 4 anos de idade) causada pelo vírus do sarcoma felino (VSF); uma forma solitária em animais jovens ou
idosos, na qual o VSF não tem participação; e um fibrossarcoma que se desenvolve nos tecidos moles onde os
gatos são comumente vacinados (ver p. 2258). Uma associação com vacinas contra vírus da raiva e vírus da
leucemia felina é mais bem definida do que com vacinação contra outras doenças virais e bacterianas. O
alumínio (um adjuvante comum em vacinas) foi detectado em fibrossarcomas induzidos por vacinas; uma
proliferação prolongada de fibroblastos em resposta ao adjuvante pode predispor à transformação neoplásica.
Esses tumores parecem nódulos ou placas situados entre as escápulas, nos tecidos moles dos membros torácicos
proximais ou, menos comumente, na região lombar. Apesar de serem comumente classificados como
fibrossarcomas, os sarcomas vacinais são extremamente heterogêneos e podem ser denominados de modo
apropriado como histiocitomas fibrosos malignos (tumores de células gigantes), lipossarcomas, osteossarcomas
ou condrossarcomas.
O tratamento de escolha para fibrossarcomas é a extirpação cirúrgica ampla e profunda, mas uma vez que a
maioria dos clínicos subestima a necessidade da remoção das margens de segurança, a recidiva é comum (>
70% em 1 ano após a cirurgia inicial). A taxa de recidiva é > 90% para sarcomas vacinais. Mesmo quando a
extirpação cirúrgica é clínica e histologicamente completa, ainda pode ocorrer recidiva. A quimioterapia com
carboplatina, doxorrubicina e ciclofosfamida, ou dacarbazina foi recomendada para tumores que não podem ser
removidos cirurgicamente. Os resultados iniciais de modificadores da resposta biológica (utilizados por via
intratumoral antes da extirpação e após radioterapia) parecem promissores. Outros trabalhos sugerem que sua
efetividade como auxiliar à cirurgia e à radioterapia pode aumentar os intervalos livres de tumores em até 20%,
quando comparados com controles históricos.

Tumores de Bainha dos Nervos Periféricos

Neuromas por amputação (neuromas traumáticos) são proliferações desorganizadas não neoplásicas do
parênquima e do estroma dos nervos periféricos, que se formam em resposta à amputação ou à lesão traumática.
São mais comumente identificados após amputação da cauda em cães ou neurectomia nas extremidades distais
dos equinos. A apresentação clínica mais comum é um cão jovem que apresenta traumatismos constantes na
ponta da cauda. Em equinos, as lesões surgem como aumentos de volume firmes, com frequência doloridos, no
local da cirurgia para neurectomia. A extirpação é curativa.
Neurofibromas e neurofibrossarcomas (perineuromas, neurilemomas, tumores da bainha nervosa,
hemangiopericitomas, neurotecomas, schwanomas) são tumores de células fusiformes que se originam de
componentes de tecido conjuntivo dos nervos periféricos. Acredita­se que eles se originam das células de
Schwann, mas também podem ser oriundos de células mesenquimais, que produzem tecido conjuntivo não
mielinizado que circunda as fibras nervosas mielinizadas. Em cães, as formas desses tumores podem ser
praticamente indistinguíveis dos hemangiopericitomas; podem ser o mesmo tumor.
Em cães e gatos, os tumores da bainha dos nervos periféricos da pele são diagnosticados em animais mais
velhos. Em bovinos, suspeita­se de uma base genética, as lesões podem ser múltiplas e se desenvolver em
animais jovens e velhos e, em geral, são achados acidentais no matadouro; eles se originam dos nervos
profundos da parede torácica e vísceras; o envolvimento cutâneo é raro. Independente da espécie, esses tumores
parecem nódulos esbranquiçados e firmes. Ocasionalmente, pode ser notada aderência aos nervos periféricos e
são detectadas variações benignas e de malignidade intermediária. Os tumores benignos são mais comuns em
bovinos, nos quais, em razão da sua natureza indolente, o tratamento é opcional; além disso, tumores adicionais
frequentemente se desenvolvem espontaneamente em outros locais, com o decorrer do tempo. Em cães, gatos e
equinos, a maioria dos tumores é invasiva localmente, mas não origina metástase. A extirpação completa é o
tratamento de escolha. Quando as margens são estreitas ou insuficientes, a radioterapia pode aumentar o tempo
livre de tumor.

Tumores da Musculatura Lisa Cutânea

Como os tumores de músculos lisos cutâneos (liomiomas e liomiossarcomas) não são detectados ou não
ocorrem com frequência em animais domésticos, raramente são diagnosticados. Os casos relatados, em geral,
são malignos e envolvem cães e gatos. Normalmente, tratam­se de massas cutâneas firmes. Os liomiomas são
pequenos e tendem a ser limitados à derme, enquanto os liomiossarcomas são maiores e a maioria surge ou
estende­se à gordura subcutânea. O comportamento maligno dos tumores de músculo liso permanece pouco
definido. A extirpação completa é o tratamento de escolha para liomiomas e liomiossarcomas.
Tumores de Tecido Adiposo

Lipomas são tumores benignos do tecido adiposo, talvez mais exatamente caracterizados como hamartomas.
São comuns em cães, identificados ocasionalmente em gatos e equinos e raramente em outras espécies
domésticas. Em cães, costumam acometer animais mais velhos, fêmeas obesas, mais comumente no tronco e na
região proximal dos membros. As raças em maior risco são Doberman Pinscher, Labrador Retriever, Schnauzer
miniatura e cães mestiços. Gatos Siameses mais velhos e castrados são predispostos e as lesões são vistas mais
comumente no abdome ventral. A obesidade não parece ser um fator para desenvolvimento de lipomas, em
gatos. Os equinos acometidos, em geral, têm < 2 anos de idade. Os lipomas tipicamente surgem como massas
macias, às vezes pedunculadas, discretas e nodulares e a maioria se move livremente. Em cães e gatos, > 5% são
múltiplos. Em geral, esses tumores flutuam quando colocados em formalina.
Uma variante rara desse tumor, a lipomatose difusa, foi identificada em cães da raça Dachshund, nos quais
praticamente toda a pele é acometida, o que resulta em dobras proeminentes da pele no pescoço e no tronco.
Muitos lipomas unem­se imperceptivelmente ao tecido adiposo não neoplásico adjacente, tornando difícil saber
se toda a lesão foi removida. Lipomas com estroma de tecido conjuntivo abundante (fibrolipomas), estroma
cartilaginoso (condrolipomas) ou um componente vascular proeminente (angiolipomas) também são relatados.
Apesar de sua natureza benigna, os lipomas não devem ser ignorados devido sua tendência de crescimento com
o tempo e porque sua apresentação macroscópica pode ser indistinguível de lipomas infiltrativos ou de
lipossarcomas (ver adiante). A extirpação é curativa. Em cães, a restrição dietética várias semanas antes da
cirurgia pode permitir melhor definição das margens cirúrgicas do tumor.
Lipomas infiltrativos (lipomas intra e intermuscular) são raros nos cães e ainda menos comuns em gatos e
equinos. Em cães, são mais comuns em fêmeas de meia­idade, em geral no tórax e nos membros. As raças
(cães) em maior risco são as mesmas mencionadas para lipomas. Esses tumores se apresentam como aumentos
de volume pouco delimitados, macios e nodulares a difusos que, tipicamente, envolvem gordura subcutânea,
musculatura subjacente e estroma de tecido conjuntivo. Os lipomas infiltrativos, que atravessam os planos
fasciais e passam entre os feixes do fuso musculoesquelético são considerados sarcomas de malignidade
intermediária. Raramente ocasionam metástase. Recomenda­se extirpação radical; pode ser necessária
amputação.
Lipossarcomas são neoplasias raras que acomete todos os animais domésticos. A maioria é detectada em
cães machos mais velhos, nos quais os tumores normalmente se desenvolvem no tronco e nas extremidades;
cães Shetland Sheepdog e Beagle parecem predispostos. Em gatos, a infecção pelo vírus da leucemia felina tem
sido associada de maneira infrequente com o seu desenvolvimento, no entanto, ainda não há definição se é
apenas uma coincidência ou se essa infecção realmente desempenha papel importante no desenvolvimento da
doença. Os lipossarcomas são nodulares e macios a firmes. Podem haver exsudação de fluido mucinoide,
quando seccionados. Muitos apresentam áreas parcialmente encapsuladas palpáveis, mas não devem ser
consideradas evidências de tumor benigno. Os lipossarcomas são neoplasias malignas de baixo potencial
metastático, porém, com frequência são pseudoencapsulados. Extirpação ampla é recomendada e recidiva é
comum; portanto, deve–se realizar radioterapia pós­cirúrgica nos casos em que as margens foram insuficientes.

Tumores Fibroblásticos Benignos

Nevos colagenosos são defeitos de desenvolvimento benignos focais associados a aumento da deposição de
colágeno na derme. São comuns em cães, incomuns em gatos e raros em grandes animais. Em geral, são
encontrados em animais de meia­idade ou idosos, com maior frequência nas extremidades distais e proximais,
na cabeça, no pescoço e em áreas sujeitas a traumatismos. São nódulos dérmicos sésseis a proeminentes, com
frequência com uma superfície papilar. Duas formas são observadas; uma desenvolve­se na derme interfolicular
ou na gordura subcutânea, que não é acompanhada de envolvimento dos anexos; a outra forma inclui anexos e
ocasiona aumento de folículos, geralmente malformados, glândulas sebáceas e glândulas apócrinas. Essa última
forma é denominada displasia focal dos anexos. A extirpação de ambas as formas, em geral, é curativa; embora
de maneira infrequente, formas expansivas foram identificadas e podem crescer tanto que se tornam muito
grandes para serem removidas cirurgicamente.
Dermatofibrose nodular generalizada (dermatofibromas), raramente diagnosticada em cães da raça Pastor
Alemão (acredita–se que seja uma característica autossômica dominante herdada) e ainda menos comumente em
outras raças caninas, é uma síndrome na qual múltiplos nevos colagenosos estão associados a
cistadenocarcinomas renais e, em fêmeas, múltiplos liomiomas uterinos. As lesões de pele, inicialmente notadas
em animais com 3 a 5 anos de idade, são caracterizadas pelo desenvolvimento de múltiplos nevos colagenosos,
variando de pouco palpáveis a grandes e nodulares, localizados geralmente nos membros, patas, cabeça e
tronco. Podem apresentar distribuição simétrica. A doença renal se desenvolve, aproximadamente, 3 a 5 anos
após o surgimento das lesões de pele. Não há terapia conhecida para prevenir o desenvolvimento das neoplasias
renais e uterinas.
Acrocórdons (apêndices cutâneos, fibromas moles, papilomas fibrovasculares) são lesões cutâneas distintas e
benignas notadas em cães idosos. Essas lesões comuns podem ser solitárias ou múltiplas e podem se
desenvolver em qualquer raça, apesar de as raças de grande porte serem mais suscetíveis. Mais comumente,
surgem como crescimentos exofíticos pedunculados, com frequência cobertos por uma superfície epidérmica
verrucosa. O tratamento é opcional, mas recomenda­se biopsia para confirmar o diagnóstico. Os acrocórdons
são passíveis de extirpação cirúrgica, eletrocirurgia e criocirurgia, mas os cães que os manifestam são propensos
ao desenvolvimento de outras lesões posteriormente.
Fibromas são proliferações celulares discretas, em geral de fibroblastos da derme. Histologicamente, podem
se assemelhar aos nevos colagenosos ou aos apêndices cutâneos. Os fibromas ocorrem em todas as espécies
domésticas, mas acometem principalmente cães mais velhos. As raças mais propensas são Doberman Pinscher,
Boxer (predispostos ao desenvolvimento de tumores múltiplos) e Golden Retriever. A cabeça e as extremidades
são os locais mais acometidos. Clinicamente, as lesões são discretas, em geral elevadas, com frequência
alopécicas, originadas na derme ou na gordura subcutânea. À palpação, são firmes e flexíveis (fibroma duro)
ou macias e flutuantes (fibroma mole). Essas lesões são benignas e o tratamento é opcional; entretanto, a
extirpação completa é recomendada, pois as lesões podem crescer bastante.

Tumores Fibro-histiocíticos

Esses tumores mesenquimais pleomórficos compostos de fibroblastos e células histiocíticas (geralmente


presentes como células gigantes multinucleadas) permanecem pouco definidos em medicina veterinária. Uma
lesão denominada histiocitoma fibroso canino (episcleroqueratite granulomatosa nodular, fasciite nodular,
ceratoconjuntivite proliferativa, granuloma conjuntival, granuloma do Collie) é notada na junção episcleral e na
córnea, principalmente em cães da raça Colly jovens ou com meia­idade (2 a 4 anos), mas os padrões
histológicos são mais sugestivos de uma resposta inflamatória granulomatosa do que de uma neoplasia. Como
era de se esperar em processos inflamatórios não infecciosos, essas lesões, em geral, respondem às injeções
sublesionais de 10 a 40 mg de metilprednisolona.
Histiocitomas fibrosos malignos (tumores de células gigantes extraósseas, tumores de células gigantes de
tecidos moles, dermatofibrossarcomas) são encontrados com maior frequência na pele e em tecidos moles de
gatos; ocasionalmente são verificados em equinos e mulas e raramente na pele de outros animais domésticos,
inclusive cães. Em gatos, os histiocitomas fibrosos malignos são mais comuns nas extremidades distais da
região cervical ventral de animais mais velhos, mas também podem ser diagnosticados nos locais de vacinações.
Em equinos e mulas, essas lesões foram descritas como tumores de células gigantes de tecidos moles.
Acometem equídeos adultos jovens ou com meia­idade; são aumentos de volume firmes, nodulares a difusos,
superfície de corte esbranquiçada, com hemorragia variável. Histiocitomas fibrosos malignos são sarcomas de
malignidade intermediária. São invasivos localmente e tendem à recidiva após tentativa de extirpação completa,
porém raramente causam metástase. Recomenda­se extirpação radical.

Tumores Vasculares

Hemangiomas da pele e de tecidos moles são proliferações benignas que se assemelham muito com vasos
sanguíneos. Ainda não está definido se esses aumentos de volume são neoplasias, hamartomas ou malformações
vasculares, e não há critério que permita sua diferenciação. São detectados com maior frequência em cães,
ocasionalmente em gatos e equinos e, raramente, em bovinos e suínos; são achados excepcionais em outros
animais domésticos. Em cães, são tumores de animais adultos e se desenvolvem mais comumente no tronco e
nas extremidades. Muitas raças caninas (incluindo Gordon Setter, Boxer e Airedale, Scottish e Kerry Blue
Terrier) são consideradas mais suscetíveis. Os gatos normalmente desenvolvem hemangiomas apenas quando
adultos e as lesões são mais comuns na cabeça, extremidades e abdome. Em equinos, são mais comuns nas
extremidades distais de animais jovens (< 1 ano de idade). Nos bovinos, podem ser lesões congênitas ou podem
acometer animais mais velhos. Bovinos leiteiros são predispostos ao desenvolvimento de hemangiomas
disseminados (angiomatose) na pele e em órgãos internos. Em suínos, essas lesões, em geral, se desenvolvem na
pele do escroto ou da região perineal de animais das raças Yorkshire, Berkshire e, menos comumente, em
Chester White. Nas duas primeiras raças, acredita­se que a doença possa ser transmitida geneticamente. Os
hemangiomas são nódulos únicos ou múltiplos, circunscritos, com frequência comprimíveis e de coloração
vermelha a preta. A epiderme de revestimento pode não ser afetada ou pode estar ulcerada ou papilar.
Hemangiomas superficiais pequenos que geralmente surgem como “bolhas de sangue” são conhecidos como
angioceratomas. Quando os eritrócitos são esparsos ou ausentes no lúmen vascular, aplica­se o termo
linfangioma. Os hemangiomas são benignos, mas sua tendência a ulcerar e crescer bastante, associada à
importância de confirmar o diagnóstico para estabelecer o prognóstico, indica a remoção. A extirpação é o
tratamento de escolha, entretanto, em grandes animais nos quais as lesões podem ser grandes e envolver as
extremidades distais, a remoção pode ser difícil. Nesses casos, pode ser necessária criocirurgia ou radioterapia.
Exceto em bovinos leiteiros com angiomatose, o desenvolvimento de tumores adicionais em novos locais após a
extirpação completa não é comum.
Hemangiopericitomas (sarcoma canino de células fusiformes, histiocitoma fibroso maligno canino,
neurofibrossarcoma canino, perineuroma canino) são comuns em cães e raros (ou ausentes) em gatos. Esse
tumor foi denominado inicialmente em razão da presença de células fibroblásticas que circundam os pequenos
vasos, no entanto, o nome apropriado continua controverso. Esses tumores se desenvolvem mais comumente
nas extremidades distais e no tórax de cães idosos. As fêmeas parecem mais predispostas, além de cães das
raças Husky Siberiano, cães mestiços, Setter Irlandes e Pastor Alemão. Os hemangiopericitomas tipicamente se
apresentam como lesões firmes, multilobuladas e solitárias, com bordas irregulares, mais comuns na gordura
subcutânea e, às vezes, na derme. Apresentam malignidade intermediária e potencial metastático limitado. A
extirpação completa é o tratamento de escolha, mas em razão de sua natureza infiltrativa, aproximadamente
30% apresentam recidiva. Se a primeira extirpação de qualquer sarcoma não for adequada, deve­se repetir a
cirurgia para retirar por completo o leito tumoral. Na cirurgia, quimioterapia intralesional com carboplatina e
radiação intraoperatória podem aumentar o tempo livre de tumor. Também pode­se empregar radioterapia
externa como uma opção para o controle local de recidivas, após extirpação incompleta ou com margens
estreitas.
Angiossarcomas, indiscutivelmente os tumores de tecidos moles mais agressivos, são compostos de células
que possuem muitas características funcionais e morfológicas do endotélio normal. Embora esses tumores
geralmente sejam classificados como hemangiossarcomas (com origem em vasos sanguíneos) e
linfangiossarcomas (com origem em vasos linfáticos), essa distinção é arbitrária. O termo angioendotelioma
também é utilizado. Esses tumores costumam surgir espontaneamente, mas em cães com pelagem curta e, com
frequência, branca, a lesão solar crônica ocasiona alteração no plexo vascular superficial, que inicialmente surge
como hemangioma e progride para um tumor vascular maligno. As raças propensas ao desenvolvimento de
angiossarcomas induzidos por actina são Whippet, Greyhound Italiano, White Boxer e Pit Bull. Os patologistas,
com frequência, diagnosticam essas lesões como hemangiossarcomas cutâneos.
Os angiossarcomas da pele e de tecidos moles acometem todos os animais domésticos, mas são mais comuns
nos cães, geralmente em adultos ou animais mais velhos. Em cães, eles se desenvolvem com maior frequência
no tronco, quadril, coxas e extremidades distais. Além das raças propensas ao desenvolvimento dos
angiossarcomas induzidos por actina, também são sujeitos cães das raças Irish Wolfhoun, Vizsla, Golden
Retriever e Pastor Alemão. Em gatos, esse tumor é observado mais comumente em animais mais velhos e
machos castrados, nas extremidades e no tronco. Gatos com envolvimento cutâneo, subcutâneo ou visceral
desenvolvem metástases distantes. A aparência dos angiossarcomas pode variar acentuadamente. Mais
comumente, aparecem como nódulos eritematosos únicos ou múltiplos, presentes em qualquer local da pele ou
de tecidos moles subjacentes. Com menor frequência, surgem como equimoses pouco delimitadas. Todos os
tumores crescem rapidamente, com frequência associados a grandes áreas de necrose e trombose, e são
tipicamente vermelhos ou pretos, ao corte. Muitas vezes as neoplasias diagnosticadas como linfangiossarcomas
podem ter uma quantidade muito menor de sangue no lúmem e os espaços vasculares são preenchidos por soro.
Tipicamente, os angiossarcomas criam seu próprio espaço vascular infiltrando­se através dos tecidos moles.
Metástases distantes, em especial nos pulmões e no fígado, são comuns. Em outros animais domésticos, esses
tumores não parecem se comportar de modo agressivo, sendo mais comum recidiva pós­secção do que
metástases.
Para todas as espécies, a extirpação ampla é o tratamento de escolha. Hemangiossarcomas cutâneos caninos
induzidos por luz solar, em geral, não possuem comportamento biológico agressivo, embora várias lesões
possam continuar a surgir ao longo de muitos anos. Lesões superficiais são facilmente controladas com
crioterapia tópica, se necessário. Evitar a exposição à luz solar pode reduzir o desenvolvimento de novas lesões.
Recentemente, relatou­se redução de angiossarcomas com uso de quimioterapia auxiliar à base de vincristina,
doxorrubicina e ciclofosfamida; entretanto, os efeitos da quimioterapia para controle sistêmico e da radioterapia
para controle local e a sobrevida dos animais ainda não foram definidos. O papel dos anti­inflamatórios não
esteroides (AINE), como talidomida e piroxicam, ainda não é totalmente compreendido e pode variar de
medicamento para medicamento. Pesquisadores têm a esperança de utilizar compostos antiangiogênicos ou
angiostáticos, como a canstatina canina, que interferem no suprimento sanguíneo aos tumores, controlando e
prevenindo metástases; entretanto, ainda há pendência nos resultados de testes clínicos.

TUMORES EPIDÉRMICOS E DE FOLÍCULOS PILOSOS

Os tumores de glândula ceruminosa são discutidos em tumores do canal auricular (p. 571).

Carcinomas de Célula Escamosa (Carcinomas epidermoides, carcinomas de célula espinhosa)


Acredita­se que se originam da epiderme ou do epitélio das regiões superficiais (infundibulares) da bainha da
raiz externa do folículo piloso e são relatados em todas as espécies de animais domésticos. Embora a maioria
dos tumores surja sem causa antecedente, em muitas espécies, sobretudo em gatos brancos, a exposição
prolongada à luz do sol é o principal fator predisponente. Os hábitos higiênicos dos gatos também os expõem a
partículas carcinogênicas, como fumaça de cigarro e coleiras antipulga. Além disso, uma forma única de
carcinoma de célula escamosa felino associado à infecção por papilomavírus foi descrita (ver adiante).
Em cães, esses são os carcinomas com origem cutânea diagnosticados com maior frequência. Duas formas
são reconhecidas – cutânea e subungueal. Os carcinomas de célula escamosa cutâneo são tumores de cães
idosos, com maior prevalência em Bloodhound, Basset Hound e Poodle padrão. As lesões comumente se
desenvolvem na cabeça, extremidades distais, abdome ventral e períneo. A maioria dos carcinomas de célula
escamosa cutâneo surge como nódulos e placas firmes, elevadas e frequentemente ulceradas; às vezes podem
ser extremamente exofíticos e possuir superfície parecida com a de uma verruga. A etiologia da maioria desses
tumores não foi definida; no entanto, alguns são induzidos por exposição prolongada ao sol. Esses normalmente
se desenvolvem no abdome ventral, prepúcio, escroto e região inguinal em raças de pele branca e pelos curtos,
como Dálmatas, Bull Terrier e Beagle. As lesões se desenvolvem em regiões ventrais, pois a pele com poucos
pelos oferece proteção mínima contra a radiação ultravioleta e, muitos animais deitam–se ao sol de costas ou,
talvez, a radiação solar se reflita no chão. Antes do desenvolvimento do carcinoma, os animais exibem zonas
focais de lignificação, hiperqueratose e eritema, conhecidas como queratose solar (dermatose solar, queratose
actínica e queratose senil).
Carcinomas de célula escamosa subungueal são mais comumente encontrados em cães Schnauzer gigante e
padrão, Gordon Setter, Briard, Kerry Blue Terrier e Poodle padrão. Em geral, todas são raças de pelos negros e
pelagem escura, associadas ao desenvolvimento de carcinomas de célula escamosa subungueal em vários
dígitos, com frequência em extremidades diferentes. As fêmeas possuem uma ligeira predisposição e não há
predileção pelos membros torácicos ou pélvicos.
Em gatos, os carcinomas de célula escamosa cutâneos se desenvolvem mais comumente em razão de lesão
solar crônica. Como consequência, normalmente se desenvolvem nos pavilhões auriculares, cristas frontais,
pálpebras, nariz e lábios de gatos que apresentam pele branca nessas áreas. Não há predileção racial ou por sexo.
Assim como em cães, a queratose solar ou o carcinoma in situ (estágio superficial inicial), geralmente precedem
o desenvolvimento do tumor maligno. Recentemente, carcinógenos particulados associados aos pelos de
animais expostos à fumaça de cigarro e coleiras antipulgas foram identificados como fatores de risco para gatos
com carcinoma de célula escamosa oral. As lesões que não são causadas pela exposição ao sol se desenvolvem
mais comumente nos dígitos, mas as formas subungueais são incomuns.
Carcinoma de célula escamosa induzido pelo sol, em um cão de pele branca. Cortesia da Dra. Alice Villalobos.

Carcinomas de célula escamosa cutâneos são as neoplasias malignas mais comuns em equinos. Em geral, se
desenvolvem em animais adultos ou idosos com pelagem branca ou com partes brancas; as raças em risco
incluem Appaloosa, Belga, Paint Americano e Pinto. Embora possam surgir em qualquer parte do corpo, esses
tumores se originam mais comumente de áreas não pigmentadas, com poucos pelos e próximas às membranas
mucosas. Portanto, as regiões periorbitais, lábios, nariz, ânus e genitália externa (em especial a bainha peniana)
são os locais mais acometidos.
Em bovinos, esses tumores são mais comuns em raças com pelos brancos e pele pouco pigmentada (em
especial Holandeses e Ayrshires) e, assim como em equinos, se desenvolvem ao redor das membranas mucosas,
normalmente nas junções mucocutâneas, em particular na região periocular e vulvar. Na Índia, os carcinomas de
célula escamosa nos centros dos chifres são comuns em touros mais velhos. A causa mais comum é a lesão
actínica. As queratoses solares, em geral, precedem o desenvolvimento de um tumor invasivo; fatores genéticos,
imunodeficiência e viroses também podem participar da fisiopatogenia.
Em ovinos, os carcinomas de célula escamosa têm importância econômica relevante em algumas partes do
mundo. Em um estudo na Austrália, relata­se foram responsáveis por mais de um terço de todas as condenações
antes do abate. A raça Merino é mais predisposta, com maior prevalência nas fêmeas que nos machos. As lesões
são mais comuns em áreas com poucos pelos, como orelhas, lábios, focinho e lábios vulvares, após terem sido
externalizados pela técnica de Mules para evitar o ataque de moscas. Tumores nesses locais desenvolvem–se em
conjunto com a lesão solar, acentuando­se quando os animais ingerem plantas fotossensibilizantes. Tumores nas
orelhas também podem ocorrer com maior frequência após um procedimento de manejo, como a colocação de
brincos. Os carcinomas de célula escamosa podem se desenvolver a partir de cistos foliculares em locais
normalmente não expostos à luz solar.
Em caprinos, os carcinomas de célula escamosa se desenvolvem com maior frequência em fêmeas, nas quais
as lesões se desenvolvem nas regiões perineal e vulvar e na pele dos tetos e do úbere. Machos e fêmeas podem
desenvolver tumores induzidos pelo sol, nas orelhas. Embora a raça Angorá seja mais predisposta, caprinos da
raça Saanen, ocasionalmente desenvolvem essa neoplasia no úbere, em associação com papilomas. A
participação de papilomavírus na progressão do tumor ainda não foi esclarecida.
Os carcinomas de célula escamosa são extremamente incomuns em suínos.
Os carcinomas de célula escamosa, em sua maioria, são lesões solitárias; no entanto, tumores múltiplos
podem se desenvolver em associação à lesão solar. Eles aparecem como lesões endofíticas ou exoendofíticas,
sendo as primeiras, massas dérmicas irregulares e elevadas cobertas com uma superfície ulcerada e as últimas
como massas dérmicas irregulares e salientes cobertas por uma epiderme com papilas. Os gatos inicialmente
desenvolvem crostas pequenas e feridas na face que não cicatrizam. As lesões, em geral, persistem por meses
antes de um defeito surgir nas pontas das orelhas, narinas e pálpebras. Os carcinomas de célula escamosa
subungueais nos cães são identificados primeiramente por claudicação ou malformação e infecção que mimetiza
osteomielite crônica ou, ainda, perda dos coxins do dígito acometido. Em bovinos com envolvimento dos
cornos, o primeiro sinal é o crescimento distorcido dos mesmos.

Carcinoma de célula escamosa em vaca. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.

Os carcinomas de célula escamosa são caracteristicamente invasivos aos tecidos moles e ósseos adjacentes. A
remissão espontânea é rara em bovinos. Em pequenos animais, a sobrevida e o risco de metástase está
relacionado com a diferenciação histológica. Tumores bem diferenciados apresentam progressão lenta ou
permanecem localizados; tumores indiferenciados têm maior probabilidade de desenvolver metástases ou
recidiva 20 semanas após a extirpação. Em geral, a falha no tratamento decorre do diagnóstico tardio e da falta
de controle de uma doença local antes da metástase.
Para cães e gatos, a extirpação cirúrgica, tal como a amputação do dígito envolvido, do pavilhão auricular ou
do focinho é o tratamento de escolha, recomendando­se no mínimo uma margem de 2 cm. Uma revisão de 117
tumores digitais em cães mostrou que 25% das lesões eram carcinomas de célula escamosa e 66% eram lesões
subungueais; 95% tiveram sobrevida de um ano após a amputação; no entanto, se a lesão se originava em outras
partes do dígito, a sobrevida de um ano era de 60%. A extirpação pode ser associada à radioterapia ou
quimioterapia. Os carcinomas de célula escamosa felinos são mais radiossensíveis do que os tumores em cães. E
ainda, a sobrevida de um ano nas neoplasias invasivas foi < 10%. A criocirurgia e a hipertermia podem ser úteis
na terapia local, em especial na fase inicial das lesões (carcinoma in situ), porém, estudos controlados ainda não
foram feitos para determinar a eficácia dessas terapias. O implante intralesional de quimioterápicos à base de 5­
fluoruracila, cisplatina ou carboplatina com retinoides e a terapia fotodinâmica foram utilizados com sucesso
variável. A injeção intratumoral em carcinomas de célula escamosa nasais em gatos com carboplatina em uma
emulsão oleosa com semente de gergelim resultou em uma resposta total de 70%, com taxa de sobrevivência de
um ano, sem progressão da lesão, em, aproximadamente, 50% dos animais. Em cães com queratose actínica
ventral múltipla, a terapia tópica com dinitroclorobenzeno ou 5­fluoruracila (5%) pode ser benéfica. Gatos não
devem receber tratamento com 5­fluoroacil. Limitar a exposição à radiação ultravioleta pode ajudar a prevenir
carcinomas de célula escamosa induzidos por sol, em cães e gatos. Isso pode ser obtido com uso de filme com
filtro UV nas janelas, protetor solar e manutenção dos animais no interior da residência nas horas de luz solar
máxima. Tatuagens, marcadores mágicos e protetores solares são utilizados com sucesso variável.
Em equinos, a radioterapia utilizando braquiterapia intersticial ou superficial é o tratamento de escolha para
carcinomas de célula escamosa. Outras opções incluem implantes de 90Sr ou 192Ir, extirpação cirúrgica ampla
(em especial de neoplasias de terceira pálpebra, pênis e prepúcio) e criocirurgia. A imunoterapia, com vacina
autógena feita de tecido tumoral suspenso em adjuvante de Freund ou com imunomoduladores inespecíficos
utilizando Corynebacterium parvum, mostrou alguma eficácia no tratamento de carcinoma de célula escamosa
ocular ou de núcleo dos cornos em bovinos.
Carcinoma de célula escamosa multicêntrico felino in situ (doença de Bowen felina) é uma doença de
gatos velhos (> 10 anos) que pode estar associada à imunossupressão. Não há predisposição definida por raça ou
sexo. Clinicamente, as lesões parecem pápulas ou placas múltiplas, discretas, eritematosas, pretas ou marrons e
hiperceratóticas. As lesões não são pruriginosas e ulceração é incomum. O seu desenvolvimento está associado
à presença de papilomavírus. O termo in situ se refere a uma proliferação maligna de células epidérmicas e da
bainha externa folicular que não invade a derme subjacente. Infelizmente, as lesões podem progredir com o
passar do tempo para um carcinoma invasivo. Metástases são extremamente incomuns. Essas lesões, em geral,
se desenvolvem em gatos com doença sistêmica ou imunodeprimidos e acredita­se que sejam induzidas por
vírus. Não respondem à terapia.

Cistos Cutâneos Ceratinizados

A maioria desses cistos representa malformações do folículo piloso. São comuns em cães, ocasionais em gatos,
equinos, caprinos e ovinos e, raramente, em bovinos e suínos. O tratamento de escolha é a extirpação.
Compressão vigorosa das lesões é contraindicada, pois em geral, desencadeia uma grave resposta inflamatória
semelhante a corpo estranho.
Cistos foliculares infundibulares (cistos epidermoides, cistos de inclusão epidérmica, erroneamente
denominados cistos sebáceos) são os mais comuns. São dilatações císticas da porção superior da bainha externa
do folículo piloso (o infundíbulo) cercadas por uma camada de células epiteliais estratificadas cornificadas que
são indistinguíveis da epiderme. O tamanho dos cistos varia de 2 mm a > 5 cm (lesões < 5 mm de diâmetro
normalmente são denominadas milia). Ovinos da raça Merino são os únicos animais domésticos em risco, nos
quais esses cistos, com frequência, são múltiplos e podem evoluir para carcinoma de célula escamosa. Assim
como todos os cistos foliculares, em geral, esses são solitários, com lesões papulares a nodulares livremente
móveis, parcialmente compressíveis à palpação e, ocasionalmente, possuem pequena abertura através da
epiderme, por onde o conteúdo cístico pode ser drenado. Ao corte nota­se que são preenchidos por um material
cinza, marrom ou amarelado, granular e caseoso que constitui a queratina luminal.
Cistos do istmo catagênico (cisto tricolemal, cisto pilar, epitelioma cornificante intracutâneo cístico) são
cistos foliculares que possuem um padrão de queratinização da porção inferior da bainha externa da raiz. Foram
identificados definitivamente apenas em cães e, raramente, em gatos.
Cistos de matriz são cistos foliculares nos quais a parede assemelha­se ao epitélio do bulbo piloso (a matriz
do folículo piloso) e à bainha interna da raiz. Ocorrem predominantemente em cães e gatos. Muitos progridem
para pilomatricomas (ver adiante).
Cistos híbridos (cistos panfoliculares) são cistos foliculares que têm uma combinação das características
dos cistos de inclusão epidérmica, tricolemais e cistos da matriz e são encontrados predominantemente em cães
e gatos. Muitos progridem para tricoepiteliomas (ver adiante).
Cistos dermoides são malformações congênitas encontradas mais comumente na linha média dorsal da
cabeça ou ao longo da coluna vertebral. São identificados comumente em cães das raças Boxer, Kerry Blue
Terrier e Rhodesian Ridgeback e em equinos Puro Sangue e, possivelmente, em ovinos Suffolk. Tipicamente
múltiplos, eles diferem dos outros cistos foliculares, pois na superfície de corte apresentam eixos pilosos
totalmente formados. São considerados os únicos cistos de inclusão epidérmica verdadeiros, pois representam
uma invaginação embrionária da epiderme com os anexos associados. Esses anexos são responsáveis pelos
eixos pilosos vistos no lúmen dos cistos.
Ceratomas são lesões císticas na parede do casco ou, com menos frequência, na quartela ou talões de
animais com cascos simples ou duplos. Com frequência, são secundários a lesões traumáticas. Apesar de
normalmente assintomáticos, costumam induzir claudicação e deformidades da parede ou da sola do casco,
podendo estar associados à lise da falange distal. Ceratomas raramente têm > 5 cm de diâmetro e contêm
queratina laminada de coloração branca a marrom, com frequência com um centro necrótico associado à
inflamação secundária. Quando há claudicação, o tratamento de escolha é extirpação cirúrgica e curetagem do
osso adjacente, caso esteja acometido.
Dilatação de poros de Winer são neoplasias raras de folículos pilosos, notadas apenas em gatos mais velhos.
Os machos podem ser predispostos e as lesões, em geral, se desenvolvem na cabeça. Clinicamente caracterizam­
se por lesões solitárias, em forma de cúpula, com a aparência de um comedão gigante. A queratina compactada
pode protruir para a superfície (acima), conferindo à lesão uma aparência de corno cutâneo. Essas lesões são
benignas e a extirpação completa é curativa.

Epiteliomas Cornificantes Intracutâneos (Ceratoacantoma, Acantoma ceratinizante infundibular)


Epiteliomas cornificantes intracutâneos são neoplasias benignas de cães e, possivelmente, de gatos. Assim como
os ceratoacantomas em pessoas, essas lesões têm origem mais provavelmente nos folículos pilosos e não na
epiderme interfolicular. Podem se desenvolver em qualquer parte do corpo, sendo o dorso, a cauda e as
extremidades os locais mais comuns. Os epiteliomas cornificantes intracutâneos são tumores de cães de meia­
idade. As raças mais predispostas são Elkhound Norueguês, Pastor Belga, Lhasa Apso e Bearded Collie, sendo
que Elkhound Norueguês e Lhasa Apso apresentam risco de desenvolvimento de lesões generalizadas. A
apresentação clínica mais característica é uma pápula ou nódulo com um poro central cornificado que pode
protruir acima da superfície epidérmica, com aparência de corno; no entanto, muitos desses tumores não têm
continuidade com a epiderme e podem se apresentar unicamente como cistos cornificados. Esses tumores são
benignos e o tratamento é opcional, desde que o diagnóstico definitivo tenha sido estabelecido e não haja
autotraumatismo, ulceração ou infecção secundária. A extirpação é curativa, no entanto, os cães estão
predispostos ao desenvolvimento de outros tumores com o decorrer do tempo. Para animais com a forma
generalizada da doença, retinoides orais (p. ex., isotretinoína ou etretinato) podem propiciar benefícios
terapêuticos.

Lesões Papilomatosas Benignas Não Associadas a Vírus

Para uma discussão sobre papilomas (verrugas virais), a mais comum das neoplasias cutâneas provocadas por
vírus, ver p. 956. Lesões benignas proliferativas não associadas a infecção por papilomavírus podem apresentar
morfologia macroscópica semelhante àquela dos papilomas.
Hamartomas epidérmicos (nevos) são proliferações raras identificadas apenas em cães, com maior
frequência em animais jovens. Em cães da raça Cocker Spaniel, a doença pode ser hereditária.
Macroscopicamente, os nevos epidérmicos surgem como pápulas e placas pigmentadas, hiperceratóticas ou
pápulas vagamente papilomatosas, que, ocasionalmente, são arranjadas em um padrão linear. Algumas formas
são associadas a pústulas e células acantolíticas. Eles são benignos, mas a sua aparência é desagradável e a
extensa hiperqueratose predispõe à infecção bacteriana secundária. Lesões localizadas podem ser excisadas;
cães com múltiplas lesões ou lesões muito grandes para serem removidas cirurgicamente podem ser responsivos
à terapia com isotretinoína ou etretinato. A hiperqueratose pode ser controlada transitoriamente com a utilização
de xampus ceratolíticos e emolientes tópicos.
Papilomas congênitos dos potros são raros e, provavelmente, são defeitos de desenvolvimento e não
resultado de infecção por papilomavírus. Eles são encontrados em qualquer área do corpo, porém são mais
comuns na cabeça. Animais Puro Sangue podem ser predispostos. As lesões, presentes ao nascimento,
apresentam vários centímetros de diâmetro, alopecia e são pedunculadas e exofíticas, com uma superfície
papilar assemelhando­se a uma couve­flor. São benignos e a extirpação é curativa.
Disceratomas verrucosos caninos são neoplasias benignas raras de origem não conhecida, mas com
aspectos histológicos de neoplasia folicular ou apócrina (ou ambas). Macroscopicamente, apresentam­se como
pápulas verrucosas ou nódulos com centro ceratótico umbilicado. A extirpação é curativa.

Papilomas (Verrugas)
Papilomavírus são vírus pequenos, com ácido desoxirribonucleico (DNA) de filamento duplo e pertencem à
família Papovaviridae. Alguns mamíferos possuem vários papilomavírus distintos – humanos têm > 20;
bovinos, 6; cães, 3; e coelhos, 2. Os diferentes papilomavirus, em geral, apresentam especificidade considerável
quanto à espécie, local e histologia. Os vírus são transmitidos por contato direto, fômites e, possivelmente, por
insetos. Os papilomas foram descritos em todos os animais domésticos, aves e peixes. Papilomas múltiplos
(papilomatose) na pele ou superfície mucosa geralmente são observados em animais mais jovens e
normalmente são causados por vírus. Papilomatose é mais comum em bovinos, equinos e cães. Papilomas
solitários são mais frequentes em animais mais velhos e nem sempre são causados por infecção viral.
Quando as lesões são múltiplas, podem ser suficientemente características para confirmar o diagnóstico; no
entanto, há muitas lesões semelhantes a verrugas e um diagnóstico definitivo requer a identificação do vírus ou
de seu efeito citopático nas células individuais – uma alteração conhecida como atipia coilocítica ou coilocitose.
Em bovinos, os papilomas são encontrados comumente na cabeça, pescoço e escápula e, ocasionalmente, no
dorso e abdome. A extensão e a duração das lesões dependem do tipo de vírus, da área afetada e do grau de
suscetibilidade. As verrugas surgem aproximadamente dois meses após a exposição e podem durar = 1 ano. A
papilomatose se torna um problema de rebanho quando um grupo grande de bovinos jovens suscetíveis se torna
infectado. A imunidade, em geral, se desenvolve 3 a 4 semanas após a infecção inicial, mas ocasionalmente há
recidiva de papilomatose, provavelmente em razão da perda de imunidade.
Embora a maioria dos papilomas apareça como proliferações epidérmicas com superfície ceratótica
semelhante à couve­flor (verruca vulgaris), alguns papilomavírus bovinos (papilomavírus bovino tipos 1 e 2)
envolvem fibroblastos e ceratinócitos da derme e parecem papulonódulos com superfície verrucosa. Tais
fibropapilomas podem envolver órgãos sexuais, onde causam dor, desfiguração, infecção do pênis de touros
jovens e distocia quando a mucosa vaginal de novilhas é acometida.
Uma forma persistente de papilomatose cutânea com menor número de papilomas pode ser observada em
rebanhos de bovinos mais velhos. Um papilomavírus bovino foi isolado de tumores de bexiga associados à
ingestão de samambaia (p. 3159) e em papilomas de trato GI superior de bovinos, na Escócia. Acredita­se que o
papilomavírus atue como cocarcinógeno. Quando um papilomavírus tipo 1 ou 2 é injetado na pele de equinos,
desenvolve­se um tumor dérmico semelhante ao sarcoide equino.
Em equinos, papilomas pequenos e disseminados ocorrem no nariz, lábios, pálpebras, região distal dos
membros, pênis, vulva, glândulas mamárias e na superfície interna do pavilhão auricular, em geral, secundários
a abrasões brandas. Podem ser um problema de plantel, em especial quando equinos jovens são mantidos juntos,
mas há regressão em poucos meses, assim que ocorre desenvolvimento da imunidade do potro. Em geral, as
verrugas persistem por mais de 1 ano quando se desenvolvem em equinos mais velhos. Acredita­se que as
chamadas placas auriculares também sejam uma forma plana de papiloma (verruca planum). Os papilomas
equinos causam desfiguração, porém são benignos. Devem ser distinguidos de sarcoide verrucoso equino (ver
adiante).
Em cães, foram descritas três manifestações clínicas de infecção por papilomavírus canino. A primeira é
papilomatose das membranas mucosas, que acomete principalmente cães jovens. Caracteriza­se pela presença
de verrugas múltiplas na membrana mucosa bucal, dos lábios ao esôfago (ocasionalmente) e na membrana
mucosa conjuntival e da pele adjacente, que contém pelos. Quando a cavidade bucal é gravemente afetada, há
interferência na mastigação e na deglutição. Uma etiologia viral foi claramente estabelecida para essas lesões. A
segunda apresentação clínica, os papilomas cutâneos, é indistinguível das verrugas que se desenvolvem nas
membranas mucosas ou ao redor delas. No entanto, são mais frequentemente solitárias e acometem cães mais
velhos. Cocker Spaniel e Kerry Blue Terrier podem ser as raças mais predispostas. Não foi estabelecida uma
etiologia viral definitiva e as lesões podem ser confundidas com apêndices cutâneos. Uma síndrome
caracterizada por papilomatose em um ou mais coxins também foi descrita. Clinicamente, as lesões aparecem
como cornos ceratinizados múltiplos e elevados. Uma etiologia viral foi sugerida, porém não foi comprovada. A
terceira apresentação são papilomas cutâneos invertidos, que parecem ter mais em comum clinicamente com
os epiteliomas intracutâneos cornificantes. Nessa doença de cães jovens e adultos, as lesões comumente se
desenvolvem no abdome ventral, onde parecem papulonódulos elevados com um centro ceratótico. Raramente,
papilomas virais em cães podem progredir para carcinomas de célula escamosa invasivo.
Em gatos, a infecção por papilomavírus aparece mais comumente como carcinoma de célula escamosa
multicêntrico (p. 944). As lesões tipicamente verrucosas associadas à infecção por papilomavírus na maioria das
espécies não estão presentes. Os papilomas podem afetar a pele de caprinos e a infecção dos tetos foi relatada
por induzir uma transformação maligna. Em ovinos, os papilomas são raros e sua apresentação mais comum é
como fibropapilomas. Em suínos, essas lesões são muito raras e, quando presentes, são identificadas como
lesões solitárias ou múltiplas na face ou na genitália (para discussão sobre papilomatose em coelhos, ver p.
1948).
Um fibroma cutâneo acomete veados de cauda branca, veados de cauda preta, veados orelhudos e antílopes,
alces e caribus. É causado por um papilomavírus que lembra o papilomavírus bovino, encontrado apenas no
epitélio que recobre os tumores.
A papilomatose infecciosa é uma doença autolimitante, embora a duração das verrugas varie
consideravelmente. Uma série de tratamentos foi proposta, no entanto ainda não há concordância quanto à
eficácia dos mesmos. A remoção cirúrgica é recomendada se as verrugas forem suficientemente nocivas. No
entanto, se a cirurgia for realizada no estágio inicial de crescimento das verrugas pode haver recidiva e estímulo
ao crescimento; dessa forma, devem ser removidas quando próximas ao seu tamanho máximo ou quando
estiverem em regressão. Os animais acometidos devem ser isolados dos suscetíveis, porém, como o período de
incubação é longo, é provável que muitos animais tenham sido expostos antes que o problema seja detectado.
As vacinas possuem algum valor como prevenção, mas têm pouco valor no tratamento de bovinos que já
apresentam as lesões. Uma vez que os papilomavírus são muito espécie­específicos, não se justifica o uso de
vacina de uma espécie, em outra.
Quando a doença se torna um problema de rebanho, pode ser controlada por meio da vacinação com uma
suspensão de tecido da lesão no qual o vírus foi morto em formalina. Vacinas autógenas podem ser mais efetivas
do que as disponíveis comercialmente. Pode ser necessário iniciar a vacinação em bezerros com 4 a 6 semanas
de idade, na dose de, aproximadamente, 0,4 ml, por via intradérmica, em dois locais. A vacinação deve ser
repetida em 4 a 6 semanas e com 1 ano de idade. A imunidade se desenvolve em poucas semanas, mas não está
relacionada com nenhum mecanismo envolvido na regressão espontânea. Se o animal foi exposto ao vírus antes
da vacinação, a imunidade necessária para prevenir as verrugas pode ocorrer tardiamente. Um programa de
vacinação deve ter sido implantado por, aproximadamente, 3 a 6 meses antes que seu valor preventivo seja
evidente. A vacinação deve ser mantida por = 1 ano após a última verruga desaparecer, pois as instalações ainda
podem estar contaminadas. Baias, balaústres e outros materiais inertes podem ser desinfetados pela fumigação
com formaldeído.

Tumores de Folículo Piloso

O folículo piloso é uma estrutura complexa, composta por 8 camadas epiteliais. Os tumores dessa estrutura são
complexos e há necessidade de muitos trabalhos para caracterizá­los melhor. São mais comuns em cães, menos
frequentes em gatos e raros em outros animais domésticos.
Tricolemomas são neoplasias dos folículos pilosos de cães, raras e benignas, encontrados mais comumente
na cabeça. Os cães da raça Poodle podem ser predispostos. Esses tumores derivam da porção inferior da bainha
externa da raiz e, normalmente têm áreas de transição para tumores de célula basal. Possuem pouco em comum
com um tumor de mesmo nome em pessoas, que representa uma verruga antiga. Caracterizam–se como massas
ovoides e firmes, com 1 a 7 cm de diâmetro, que são encapsuladas, mas se expandem com o tempo. A
extirpação é curativa.
Tricofoliculomas são tumores foliculares de cães, extremamente raros, compostos pela região inferior e do
istmo de muitos folículos de abortação, em que seu conteúdo luminal é extruído para um infundíbulo cístico
dilatado anormal. Pouco se sabe se há predileção por idade, raça ou sexo. Considerado por alguns como
hamartoma, em vez de uma neoplasia verdadeira, esses tumores são benignos e a extirpação cirúrgica completa
é curativa.
Tricoepiteliomas são neoplasias císticas do folículo piloso de cães e, menos comumente, de gatos, nas quais
todos os elementos do folículo piloso (infundíbulo, istmo e porções inferiores) e os padrões de cornificação que
eles produzem estão representados. O epitélio e a cornificação das porções infundibular e do istmo são
predominantes. Foram detectadas formas benignas e malignas. Em cães, essas lesões podem ocorrer em
qualquer idade, porém são mais comuns em animais de meia­idade. Muitas raças são predispostas, incluindo
Basset Hound, Bull Mastiff, Setter Irlandês, Poodle padrão, Springer Spaniel Inglês e Golden Retriever. Não há
predileção sexual definida. Os tumores podem se desenvolver em qualquer local do corpo, principalmente no
tronco de cães ou na cabeça, cauda e extremidades de gatos. As formas benignas parecem nódulos císticos
encapsulados palpáveis (1 a 5 cm de diâmetro) na derme e na gordura subcutânea. A expansão dos cistos ou
autotraumatismo pode induzir ulceração associada a extravasamento da queratina luminal, um material de
aparência caseosa, condensada, granular e amarelada. A extirpação é curativa, no entanto, animais que
desenvolvem um tumor são propensos ao desenvolvimento de lesões adicionais em outros locais. Isso é
especialmente verdadeiro em cães das raças Basset Hound e Springer Spaniel Inglês.
Tricoepiteliomas malignos são muito menos comuns do que tricoepiteliomas benignos e se diferem pela
capacidade de invasão local, continuidade com a epiderme e associação com inflamação intensa, necrose e
fibrose. Metástases não são comuns. A extirpação cirúrgica ampla é o tratamento de escolha e, em geral, é
curativa naqueles tumores invasivos, mas com potencial metastático mínimo.
Pilomatricomas (tumores de matriz pilosa, epiteliomas calcificantes [de Malherbe]) são neoplasias císticas
de folículos pilosos verificadas quase que exclusivamente em cães. Diferentemente dos tricoepiteliomas, nos
quais todos os elementos do folículo piloso estão representados, nos pilomatricomas apenas as células da região
da matriz da parte inferior do folículo piloso e o padrão de cornificação que eles produzem (eixo piloso e porção
interna da raiz) estão presentes. Formas benignas e malignas são notadas. Tumores benignos são mais comuns
no tronco de cães de meia­idade; as raças de maior risco são Kerry Blue, Wheaten Terrier, Bouviers des
Flandres, Bichon Frise e Poodle padrão. Macroscopicamente, esses tumores são indistinguíveis dos
tricoepiteliomas, porém seu conteúdo cístico quase sempre é granular em razão da mineralização. A extirpação é
o tratamento de escolha. Assim como com os tricoepiteliomas, os cães que desenvolvem essa lesão quase
sempre desenvolvem outras, posteriormente.
Pilomatricomas malignos (tumor maligno de matriz, carcinoma matricial) são raros e foram identificados
com maior frequência em cães. São tumores de cães idosos caracterizados macroscopicamente por lesões
solitárias ou multinodulares, variavelmente císticas, com frequência aderidas firmemente aos tecidos moles
subjacentes. Como são invasivos, são de difícil extirpação e a recidiva é comum após tentativas de remoção
cirúrgica. Em geral, ocorrem metástases nos linfonodos que drenam a região e em órgãos internos, em especial
nos pulmões. Recomenda­se cirurgia radical. A resposta à radioterapia ou à quimioterapia ainda não é
conhecida.

Tumores de Glândulas Apócrinas Cutâneas

Existem dois tipos de glândulas sudoríparas: apócrinas e écrinas. As glândulas apócrinas são tubulares, com
uma porção secretora em espiral e um ducto reto longo que desemboca no infundíbulo folicular. Nos animais
domésticos, todos os folículos pilosos possuem glândulas apócrinas. Em cães e gatos, essas glândulas também
estão associadas ao saco anal e glândulas apócrinas modificadas, conhecidas como glândulas ceruminosas, estão
presentes no meato acústico externo. Na maioria dos mamíferos, elas produzem uma substância odorífera
oleosa, com função de atração sexual, marcação territorial e sinalização de ameaça. Em equinos e bovinos, essas
glândulas participação da termorregulação por produzirem suor.
Tumores e malformações das glândulas apócrinas são mais comuns em cães e gatos. Foram caracterizadas
três doenças das glândulas apócrinas da pele que contém pelos.
A dilatação cística de glândula apócrina (cisto de glândula apócrina, hiperplasia cística de glândula
apócrina, cistomatose apócrina) é mais bem caracterizada como um hamartoma. Há duas formas: uma forma
cística, na qual um ou mais cistos se desenvolvem na derme média a superior, com pouca associação com
folículos pilosos, e outra forma mais difusa, caracterizada por glândula apócrina dilatada por cisto, associada a
múltiplos folículos pilosos em uma pele não lesionada. As duas formas acometem cães de meia­idade ou idosos
e, mais raramente, gatos. Os locais mais comuns de desenvolvimento das lesões são cabeça e pescoço. Em
ambas as espécies, as lesões surgem como cistos dérmicos flutuantes ou como bolhas translúcidas. A extirpação
completa é curativa, no entanto, a cura da forma difusa pode ser difícil.
Adenomas de glândula apócrina são diagnosticados quase que exclusivamente em cães e gatos e,
raramente, em equinos. Dois tipos são reconhecidos com base na aparência histológica, que lembra
principalmente a porção secretora ou ductal da glândula apócrina. Os adenomas apócrinos se assemelham à
região secretora da glândula apócrina e são notados em cães e gatos mais velhos. As raças mais comumente
afetadas são Chow Chow, Malamute do Alasca e Great Pirineus. Os locais mais frequentes de desenvolvimento
das lesões são cabeça, pescoço e extremidades. Em gatos, o adenoma de glândula apócrina ocorre mais em
machos e não parece haver predileção racial. A grande maioria das lesões surge na cabeça, sobretudo no
pavilhão auricular. Em equinos, não há associação conhecida com idade, sexo ou raça e o pavilhão auricular e a
vulva são as regiões mais acometidas por esses tumores. Em todas as espécies, essas neoplasias aparecem como
cistos firmes a flutuantes, raramente > 4 cm de diâmetro. Contêm quantidade variável de fluido límpido a
amarronzado. Em gatos, o fluido luminal tem uma pigmentação escura e os cistos apócrinos podem ser
confundidos clinicamente com melanocitomas, em especial quando presentes na parte interna das orelhas. Os
adenomas apócrinos ductulares são menos comuns. São encontrados em cães e gatos mais velhos e derivam
ou mostram diferenciação em ductos apócrinos. Em cães, esses tumores são mais prevalentes nas raças
Peekapoo, Old English Sheepdog e Springer Spaniel Inglês. Em geral, são menores, mais firmes e menos
císticos do que os adenomas apócrinos. Como, com frequência, consistem de uma grande população de células
basais e como a diferenciação ductular poder ser muito discreta, esses tumores geralmente são diagnosticados
histologicamente como tumor de célula basal (ver p. 926). Os adenomas apócrinos e os adenomas apócrinos
ductulares são benignos e a extirpação cirúrgica completa é curativa.
Os adenocarcinomas de glândula apócrina da pele que contém pelos são raros em todas as espécies
domésticas, porém são identificados com maior frequência em cães e gatos mais velhos. Cães das raças Treeing
Walker Coonhound, Elkhound Norueguês, Pastor Alemão e cães mestiços apresentam maior risco de
desenvolvimento desse tipo de tumor. Gatos da raça Siamesa podem ser predispostos. Em ambas as espécies,
esse tumor ocorre com maior frequência nas regiões axilar e inguinal – locais nos quais podem ser facilmente
confundido clinica e histologicamente com adenocarcinoma de ducto de glândula mamária. Os
adenocarcinomas das glândulas apócrinas, em geral, são maiores que os adenomas e têm aparência clínica
variável, podendo se apresentar como nódulos dérmicos fibrosados até placas ulceradas. São localmente
invasivos e com frequência causam metástase aos linfonodos satélites. Menos comumente, há metástase na pele
e nos pulmões. A extirpação cirúrgica completa é o tratamento de eleição. Pouco se sabe a respeito da resposta
ao tratamento auxiliar com quimioterápicos.

Tumores de Glândula Apócrina do Saco Anal

Esses tumores foram identificados de maneira definitiva apenas em cães; no entanto, alguns relatos anedóticos
sugerem que também podem acometer gatos. As raças com maior risco são Cocker Inglês e Springer Spaniel
mais velhos, Dachshund, Malamute do Alasca, Pastor Alemão e cães mestiços. Diferentemente dos tumores das
glândulas hepatoides (ver adiante), não há predileção por sexo. Normalmente, as lesões aparecem como massas
profundas, firmes e nodulares próximas ao saco anal. Com o crescimento das lesões, pode haver compressão do
reto, induzindo à constipação intestinal. Alguns desses tumores estão associados a uma síndrome paraneoplásica
caracterizada por hipercalcemia e resultam em anorexia, perda de peso, poliúria e polidipsia. Com frequência
são altamente infiltrativos no canal pélvico e comumente (90%) causam metástase nos linfonodos sublombares
ou em órgãos internos distantes (40%). O tratamento de eleição é a extirpação cirúrgica ampla, incluindo os
linfonodos envolvidos. Mesmo que o tumor não possa ser totalmente retirado, a cirurgia pode ser de grande
valor em cães com pseudo­hiperparatireoidismo, pois a hipercalcemia está relacionada com a massa tumoral
total. A quimioterapia auxiliar e a radioterapia também podem ser benéficas, porém poucos cães vivem mais de
um ano após o diagnóstico do tumor.

Tumores de Glândula Écrina


As glândulas écrinas, que são glândulas sudoríparas espirais e tubulares, estão presentes nos coxins plantares de
carnívoros, na ranilha de animais ungulados, no carpo de suínos e na região nasolabial dos ruminantes. Os
tumores oriundos dessas glândulas são extremamente raros e foram identificados apenas nos coxins de cães e
gatos. A maioria deles é maligna e invasiva; foi relatado alto risco de metástases desses tumores aos linfonodos
satélites.

Tumores de Glândula Hepatoide (Tumores de glândula perianal, Tumores de glândula circumanal)


Essas neoplasias comuns se desenvolvem a partir de glândulas sebáceas modificadas que são mais abundantes
no tecido cutâneo ao redor do ânus, mas podem também estar presentes ao longo da linha média ventral, do
períneo até a base do crânio, nas regiões ventral e dorsal da cauda e na pele das regiões lombar e sacra. Uma vez
que os andrógenos estimulam o desenvolvimento das glândulas hepatoides, a incidência de lesões proliferativas
dessas glândulas em machos não castrados é três vezes maior do que em fêmeas.
Os tumores benignos das glândulas hepatoides são classificados em hiperplasias e adenomas; no entanto,
assim como nos tumores benignos das glândulas sebáceas, há uma progressão de hiperplasia para adenoma.
Neste texto, serão considerados como uma entidade única. Os adenomas das glândulas hepatoides são mais
comuns em cães mais velhos. As raças mais afetadas são Husky Siberiano, Samoyed, Pequinês e Cocker
Spaniel. Os tumores podem se desenvolver em qualquer local onde há glândula, mas 90% se instalam na região
perianal. Macroscopicamente, surgem como um ou (mais comumente) múltiplos nódulos intradérmicos de 0,5 a
10 cm de diâmetro. As lesões maiores, comumente ulceradas e hemorrágicas, secretam um material ceratinoso
quando se aplica pressão local. Tumores grandes podem comprimir o canal anal e dificultar a defecação. Até
95% dos cães machos respondem completamente à castração; aqueles que não respondem devem ter o eixo
hipófise­adrenal avaliado e, se não há anormalidade, o cão deve ser reavaliado quanto à presença de
adenocarcinoma da glândula hepatoide de baixo grau. A extirpação pode ser utilizada rotineiramente para
remover tumores extremamente grandes ou ulcerados que apresentam infecção secundária. Cirurgia é o
tratamento de eleição para fêmeas com adenoma de glândula hepatoide e pode ser necessária repeti­la, uma vez
que a recidiva é comum. Radioterapia também é uma opção e a taxa de cura é de 69%, para um período de 2
anos, no caso de tumor benigno. Criocirurgia é uma alternativa terapêutica, mas em razão de complicações
como incontinência fecal, deve ser utilizada apenas quando os tumores não são passíveis de intervenção
cirúrgica. O dietilestilbestrol foi utilizado no passado como alternativa à castração, mas deve ser usado com
extrema cautela em razão da possibilidade de reações adversas graves, como anemia aplásica e hiperplasia
cística prostática, se utilizado.
Adenocarcinomas de glândula hepatoide são neoplasias incomuns em cães; em geral, surgem como lesões
nodulares na região perianal. Esses tumores são notados em cães machos 10 vezes mais do que em fêmeas. As
raças mais propensas ao desenvolvimento dos tumores são Husky Siberiano, Malamute do Alasca e Buldogue.
O exame histológico é o melhor método diagnóstico; no entanto, há controvérsia quanto à diferenciação de
tumores malignos de baixo grau e de adenomas hepatoides, uma vez que as formas bem diferenciadas podem
ser confundidas com adenomas e as formas anaplásicas podem ser confundidas com adenocarcinomas de
glândula apócrina com origem no saco anal. Esses tumores têm potencial metastático e, com frequência, se
disseminam aos linfonodos regionais. O tratamento consiste na extirpação cirúrgica ampla, incluindo os
linfonodos envolvidos e, se possível, radioterapia subsequente. Esses tumores, em geral, não respondem à
castração ou à terapia com estrógenos e não se sabe se há benefícios da quimioterapia nos casos de doença
metastática. O prognóstico é reservado.

Tumores de Glândula Sebácea

Os tumores e as formações semelhantes a tumores em glândulas sebáceas são comuns em cães, infrequentes em
gatos e raros em outros animais domésticos. Com base na morfologia, mais do que nas características do
comportamento, foram descritas quatro categorias de proliferações benignas das glândulas sebáceas. Em
pessoas, nas quais um esquema de classificação aproximadamente similar costuma ser utilizado
tradicionalmente, foi proposto que todos os tumores benignos das glândulas sebáceas são denominados
sebaceomas.
Hamartomas de glândula sebácea são lesões solitárias relatadas apenas em cães. Essas lesões diferem dos
adenomas e hiperplasias de glândula sebácea porque são lineares ou circunscritas, têm vários centímetros de
comprimento ou diâmetro e normalmente são identificadas logo após o nascimento.
Hiperplasia de glândula sebácea (hiperplasia sebácea senil) representa uma alteração senil de cães e gatos.
Em cães, as raças mais suscetíveis são Manchester, Wheaten e Welsh Terrier. Em gatos, não há predileção
racial, mas as fêmeas desenvolvem essas lesões com maior frequência que os machos. Em ambas as espécies, a
cabeça e o abdome são mais acometidos. Hiperplasia sebácea normalmente surge como massa papilar,
raramente com mais de 1 cm de diâmetro, frequentemente com uma superfície brilhante e ceratótica.
Adenomas de glândula sebácea são observados em todos os animais domésticos, mas são tão comuns em
cães e gatos idosos que podem ser considerados como neoplasias principalmente de pequenos animais. As raças
de cães mais predispostas são Coonhound, Cocker Spaniel Inglês, Cocker Spaniel, Husky, Samoyed e Malamute
do Alasca; a raça felina mais propensa é a Persa. Com frequência, esses tumores não são clinicamente
distinguíveis das hiperplasias sebáceas em cães, mas tendem a ser maiores (tipicamente > 1 cm). Em geral, essas
lesões são múltiplas e podem ocorrer em qualquer parte do corpo, mas são comumente verificadas na cabeça.
Os adenomas sebáceos podem estar cobertos por uma crosta serocelular e exibem inflamação pleocelular e
piodermite superficial. Epiteliomas de glândula sebácea são uma variante dos adenomas sebáceos e
apresentam lóbulos compostos principalmente por células basais progenitoras e não por sebócitos maduros.
Uma vez que, com frequência, apresentam lóbulos irregulares que se estendem para a derme profunda,
ocasionalmente essas lesões podem ser confundidas com carcinoma sebáceo. Esses tumores são encontrados em
cães mais velhos e, raramente, em gatos. Caracterizam­se por serem nódulos ulcerados que podem ter vários
centímetros de diâmetro; superfície epidérmica papilar e pigmentação são achados clínicos variáveis.
Adenocarcinomas de glândula sebácea são raros em animais domésticos. São notados quase que
exclusivamente em cães e gatos e, em geral, em animais de meia­idade ou idosos. Cães das raças Cavalier King
Charles Spaniel, Cocker Spaniel, Scottish, Cairn e West Highland White Terrier apresentam maior risco. Pode
haver predisposição em cães machos e em gatas. Essas lesões, com frequência, são ulceradas e podem ser
indistinguíveis do epitelioma sebáceo ou de outros carcinomas cutâneos. São localmente infiltrativos e podem
originar metástase nos linfonodos regionais, em uma fase tardia da doença.
Uma vez estabelecido o diagnóstico, o tratamento de tumores benignos da glândula sebácea é opcional, a
menos que apresentem infecção e inflamação secundárias. Para os adenocarcinomas malignos, a extirpação é o
tratamento de escolha, mas a remoção completa pode ser difícil em razão da natureza infiltrativa desse tumor;
pode ser necessária radioterapia auxiliar. Mesmo os crescimentos benignos da glândula sebácea são recidivantes
se não forem completamente extirpados mediante cirurgia. Além disso, os animais que desenvolvem adenoma
ou hiperplasia de glândula sebácea, em geral, desenvolvem novas lesões em outros locais com o passar do
tempo. Não há protocolo quimioterápico estabelecido essas lesões. Retinoides orais podem prevenir a recidiva
de hiperplasia sebácea, mas seu uso ainda permanece pouco definido e a consulta a um oncologista veterinário
ou dermatologista é fortemente recomendada.

Tumores e Carcinomas de Célula Basal (Epiteliomas de célula basal, basaliomas, Tricoblastomas, Carcinomas
de célula basoescamosa)
Tumores de célula basal representam um grupo heterogêneo de neoplasias epiteliais cutâneas verificados
comumente em cães e gatos, ocasionalmente em equinos e raramente em outros animais domésticos. Essas
neoplasias são compostas por uma proliferação de pequenas células basofílicas que exibem morfologia
remanescente das células progenitoras da epiderme e anexos. Com o exame mais minucioso desses tumores,
foram descobertas evidências de diferenciação (folicular, sebácea etc.), justificando uma reclassificação. Por
exemplo, em cães, o que era conhecido no passado como tumor de célula basal é mais bem caracterizado como
tricoblastoma, um tumor do bulbo do pelo (o local do folículo que produz a haste pilosa).
Alguns esquemas de reclassificação sugeriram que o uso do termo tumor de célula basal seja restrito à
neoplasia benigna em gatos (cuja derivação ainda deve ser definida). Uma vez que essa terminologia revisada
está sendo adotada lentamente, a terminologia tradicional será utilizada nesse texto. Isso significa que uma
proliferação benigna de célula basal será denominada tumor de célula basal e uma proliferação maligna será
denominada como carcinoma de célula basal. Em animais domésticos, a maioria dos tumores de célula basal é
benigna e se origina na derme média a profunda, indicando origem provável nos anexos cutâneos. Esses
aspectos distinguem tumores de célula basal em animais domésticos dos tumores em pessoas, cujas lesões são
invasivas localmente (i. e., são carcinomas verdadeiros) e se originam na epiderme. Além disso, a exposição ao
sol é uma causa comum de neoplasias derivadas das célula basal em pessoas, porém seu papel na indução de
tumores de célula basal nos outros animais ainda não está bem definido.
Tumores de célula basal em cães se desenvolvem mais comumente em animais de meia­idade a idosos.
Muitas raças são predispostas, como o Griffon Apontador de pelo duro, Kerry Blue Terrier e Wheaten Terrier.
Esses tumores são encontrados com maior frequência na cabeça (em especial nas orelhas), pescoço e membros
torácicos. Em gatos, os tumores de célula basal também ocorrem em animais idosos. As raças em maior risco
são pelo longo doméstico, Himalaio e Persa e os tumores podem se desenvolver em qualquer local do corpo. Em
cães e gatos, esses tumores, em geral, surgem como massas firmes, solitárias, encapsuladas e, com frequência,
alopécicas ou com nódulos ulcerados que podem ser pedunculados; o tamanho varia de < 1 cm a > 10 cm de
diâmetro. Em gatos, com maior frequência do que em cães, esses tumores são densamente pigmentados e ao
corte pode ser difícil distingui­los de melanocitomas dérmicos. Variantes císticos também são mais comuns em
gatos. Embora os tumores de célula basal sejam benignos, são neoplasias expansivas e podem estar associadas à
ulceração e inflamação secundárias. A extirpação completa é curativa.
Carcinoma de célula basal em um gato. Cortesia da Dra. Alice Villalobos.

Carcinoma de célula basal é encontrado com maior frequência em gatos do que em cães. Em gatos, ele se
desenvolve com maior frequência em animais mais velhos e há predisposição em animais da raça Persa. Em
geral, possuem aparência de placas ulceradas na cabeça, extremidades ou pescoço. Diferentemente de tumores
de célula basal benignos, esses carcinomas costumam possuir continuidade com a epiderme, são invasivos
localmente e podem ser multicêntricos. Embora evidências de invasão vascular sejam verificadas em cortes
histológicos, metástases locais ou sistêmicas raramente ocorrem. Consequentemente, a extirpação cirúrgica é o
tratamento de eleição.
Em cães, a maioria dos carcinomas de célula basal apresenta evidências histológicas de cornificação, um
aspecto em comum ao carcinoma de célula escamosa, por isso também são chamados de carcinomas de célula
basoescamosa. Esses tumores, em geral, são observados em cães velhos; as raças São Bernardo, Scottish Terrier
e Elkhound Norueguês apresentam maior risco. Ao contrário do que acontece no tumor de célula basal canino,
não há tendência de desenvolvimento de carcinoma de célula basoescamosa na cabeça, e essa lesão pode ser
encontrada em qualquer parte do corpo, onde há continuidade com a epiderme, com aparência de placas e
nódulos exoendofíticos. Essas neoplasias invadem os tecidos locais, mas raramente causam metástase. O
tratamento de escolha é a extirpação cirúrgica.

Tumores Neuroendócrinos Cutâneos Primários (Tumor da célula de Merkel, Histiocitoma atípico, Carcinoma
trabecular, Plasmocitoma extramedular)
Em medicina veterinária, o diagnóstico de tumor oriundo de célula de Merkel (célula tátil neurossecretora de
origem epitelial, presente na camada de células basais da epiderme) foi desacreditado e a maioria dos
patologistas considera esse tumor como um plasmocitoma extramedular. A ocorrência de tumor de célula de
Merkel é mais provável em animais, porém não é reconhecido como tal.

TUMORES METASTÁTICOS

A disseminação de uma neoplasia primária para a pele é incomum em animais domésticos. Ocasionalmente é
notada em cães, menos comumente em gatos e raramente em equinos, bovinos, ovinos, caprinos e suínos.
Embora todas as neoplasias malignas sejam capazes de causar envolvimento cutâneo secundário, o potencial
metastático é maior nos adenocarcinomas da glândula mamária, carcinomas de célula escamosa, carcinomas de
células de transição, tumor venéreo transmissível, adenocarcinomas pulmonares e angiossarcomas. Embora a
aparência seja variável, as lesões comumente são papulonódulos múltiplos e ulcerados. Metástases cutâneas
iniciais são caracterizadas por agregados de células neoplásicas em vasos dérmicos superficiais e profundos.
Com a progressão, essas lesões se estendem para a derme e são associadas à destruição de estruturas anexas. Em
geral, é difícil distinguir a neoplasia primária com base nas características morfológicas de um sítio metastático.
Isso ocorre porque apenas uma pequena população de células do tumor primário apresenta potencial para
desenvolver metástase e essas células podem ter características microscópicas diferentes. Em gatos,
adenocarcinomas pulmonares parecem ocasionar metástases preferencialmente nas extremidades distais, e
quando os carcinomas são diagnosticados em vários membros, deve­se realizar exame para excluir a
possibilidade de tumor no pulmão. As metástases cutâneas normalmente são características de tumores
agressivos e estão associadas a um prognóstico reservado.

Carcinoma de glândula mamária inflamatório em um cão. Essa neoplasia maligna envolve os vasos linfáticos cutâneos. Cortesia da Dra. Alice
Villalobos.

CARRAPATOS

Os carrapatos são ectoparasitas obrigatórios da maioria dos vertebrados terrestres, virtualmente em qualquer
lugar em que esses animais são encontrados. Os carrapatos são ácaros grandes, portanto, aracnídeos, membros
da subclasse Acari. Eles são mais intimamente relacionados com as aranhas do que aos insetos. As
aproximadamente 850 espécies descritas são exclusivamente hematófagas em todos os estágios de
desenvolvimento. Os carrapatos transmitem uma maior variedade de agentes infecciosos que qualquer outro
grupo de artrópodes e em todo o mundo, são o segundo grupo em importância, apenas os mosquitos têm maior
impacto na Saúde Pública e Veterinária. Alguns desses agentes são pouco patogênicos aos animais de produção,
mas podem causar doença em pessoas; outros causam doenças nos animais de produção, apresentando grande
importância econômica. Além disso, os carrapatos podem causar lesões diretamente em seus hospedeiros ao
induzirem toxicoses (p. ex., enfermidade da transpiração (p. 724) e paralisia por carrapatos (p. 401), causadas
por fluidos salivares que contêm toxinas), lesões na pele suscetíveis a infecções bacterianas secundárias e
infestações por miíases, anemia e morte. A movimentação internacional de animais infectados com os parasitos
sanguíneos transmitidos por carrapatos, Theileria, Babesia, Anaplasma spp. e Ehrlichia (Cowdria)
ruminantium, é amplamente restrita.
A movimentação de animais de produção infestados por carrapatos por grandes distâncias, a introdução de
espécies exóticas de carrapatos no ambiente de animais de produção e os agentes carreados pelos carrapatos aos
quais os animais não têm imunidade ou resistência inata são fatores importantes na distribuição extensa e
prevalência de muitas espécies de carrapatos e de agentes transmitidos por eles. Muitas espécies introduzidas de
carrapatos prosperaram nas pastagens vastas e nos ambientes e se estabeleceram nos últimos séculos durante as
explosões populacionais humanas e de animais de produção.
Duas das três famílias de carrapatos parasitam animais de produção: a Argasidae (argasídeos, “carrapatos
moles”) e a Ixodidae (ixodídeos, “carrapatos duros”). Embora eles partilhem de algumas propriedades básicas,
os argasídeos e os ixodídeos diferem em muitos padrões estruturais, comportamentais, fisiológicos, ecológicos,
alimentares e reprodutivos. Espécies tropicais e subtropicais podem completar 1, 2 ou, raramente, três ciclos de
vida anualmente. Em zonas temperadas, em geral, há um ciclo anual; em regiões mais ao norte e em altas
altitudes em regiões temperadas, são necessários 2 a 4 anos para a maioria das espécies. Há quatro estágios de
desenvolvimento: ovo, larva, ninfa e adulto. Todas as larvas possuem três pares de pernas; todas as ninfas e
adultos têm quatro pares. Os adultos têm áreas genital e anal distintas na superfície ventral do corpo. O tarso dos
membros anteriores de todos os carrapatos tem um aparelho sensorial único – o órgão de Haller – para sentir o
dióxido de carbono, estímulos químicos (odor), temperatura, umidade etc. Os feromônios estimulam o encontro,
o reconhecimento de espécies, o acasalamento e a seleção do hospedeiro.
Certas espécies de carrapatos que parasitam animais de produção podem sobreviver durante vários meses e,
ocasionalmente, alguns poucos anos sem alimento, se as condições ambientais permitirem. As preferências dos
carrapatos por determinados hospedeiros, em geral, são limitadas a determinados gêneros, famílias ou ordens de
vertebrados; entretanto, alguns carrapatos estão excepcionalmente adaptados a uma variedade de hospedeiros,
dessa forma, cada espécie deve ser avaliada separadamente. As larvas e ninfas da maioria dos ixodídeos que
parasitam animais de produção se alimentam em pequenos animais silvestres, como pássaros, roedores,
pequenos carnívoros ou até mesmo lagartos.
Nos Argasidae, a superfície dorsal coriácea não apresenta uma placa dura (escudo). Os machos e as fêmeas de
argasídeos parecem ser muito semelhantes, exceto pelo grande tamanho da fêmea e das diferenças da genitália
externa. O capítulo dos argasídeos (aparelho bucal) surge da parte anterior do corpo na larva, porém, da
superfície ventral do corpo em ninfas e adultos.
Nos Ixodidae, a superfície dorsal do macho é coberta por um escudo. O escudo das fêmeas, ninfas e larvas
cobre apenas a metade anterior da superfície dorsal. O capítulo dos ixodídeos surge da extremidade anterior do
corpo em todas as fases de desenvolvimento.

Parasitismo por Argasídeos

A fauna de argasídeos por todo o mundo compreende 185 espécies em quatro gêneros, conhecidos como Argas,
Carios, Ornithodoros e Octobius na família Argasidae. Os Argasidae são altamente especializados em se abrigar
em nichos e fendas em madeiras ou pedras, em ninhos de hospedeiros ou em poleiros, tocas e grutas. Algumas
espécies de argasídeos são conhecidas por sobreviverem sem alimentação por vários anos. A maioria desses
parasitos coriáceos habita ambientes tropicais ou temperados quentes com estações secas longas. Os
hospedeiros são aqueles que descansam em grande número próximos ao micro­habitat dos argasídeos ou voltam
de tempos em tempos para descansar ou se reproduzir nessa área.
Uma população de argasídeos tipicamente parasito apenas um único tipo de vertebrado e habita sua área de
abrigo. Os argasídeos usam vários hospedeiros, por exemplo, as larvas se alimentam em um hospedeiro e caem
no substrato para fazer a muda; os vários estágios larvais se alimentam separadamente, caem e passam pela
muda, os adultos se alimentam muitas vezes (mas não fazem muda). As ninfas e os adultos dos argasídeos se
alimentam rapidamente (normalmente em 30 a 60 min). As larvas de alguns argasídeos também se alimentam
rapidamente; outras requerem vários dias para ingurgitar completamente. Os argasídeos adultos se reproduzem
fora dos hospedeiros por várias vezes; depois, as fêmeas depositam algumas centenas de ovos em vários lotes e
se alimentam entre as oviposições.
A maioria das 57 espécies descritas de Argas spp. parasito pássaros que se reproduzem em colônias em
árvores ou em áreas rochosas; outros parasitam morcegos que moram em grutas. Poucos se alimentam em
répteis ou mamíferos silvestres e nenhum em animais de produção. Várias espécies se tornaram pestes
importantes de aves domésticas e pombos; entre essas, estão vetores de Borrelia anserina (espiroquetose
aviária) e a riquétsia Anaplasma (Aegyptianella) pullorum (egiptianelose). Argas spp. também causa paralisia
por carrapato e muitos são vetores de uma variedade de arbovírus, alguns dos quais também infectam pessoas.
O gênero Carios inclui 88 espécies, a maioria das quais parasito mamíferos, em especial morcegos e
roedores. Dependendo da espécie, eles habitam o covil ou poleiros de morcegos localizados em cavernas e
buracos em árvores, ou tocas de roedores. Várias espécies parasitam pássaros que nidificam em colônias e
habitam o substrato ou sob pedras e debris ao nível do chão das colônias das aves. Muitas dessas espécies
parasitam apenas uma única espécie de hospedeiro ou um grupo de hospedeiros intimamente relacionados. No
entanto, alguns Carios se alimentam em pessoas e animais domésticos, caso o hospedeiro primário não esteja
disponível. C. kelleyi, um carrapato associado a morcegos e habitats de morcegos, foi relatado como carreador
de um novo grupo de Rickettsia causadora de febre maculosa e uma espiroqueta causadora de febre recidivante,
intimamente relacionada com a Borrelia turicatae. Mostrou­se que o carrapato de aves marinhas C. capensis
transmite vírus do Nilo Ocidental para patinhos. C. puertoricensis e C. talaje americanos são vetores potenciais
do vírus da peste suína africana.
A maioria das quase 37 espécies pertencentes ao gênero Ornithodoros se abriga em grutas, tocas e covas de
animais em locais de clima quente e árido, e se alimentam em quase qualquer hospedeiro potencial que entre em
seu habitat. As larvas desse gênero nidícola, não se alimentam, o que pode estar relacionado com o fato de esses
carrapatos habitarem tocas que podem abrigar hospedeiros de maneira irregular. Poucas espécies se adaptaram à
vida em fendas nas paredes onde animais de produção estão confinados e também são parasitos de pessoas.
Determinadas espécies são vetores da espiroqueta da febre recidivante (Borrelia spp.) e do vírus da peste suína
africana; algumas espécies causam toxicose e uma espécie (O. coriaceus) transmite uma espiroqueta que causa
aborto epizoótico bovino no oeste dos EUA. Várias toxinas salivares ou arbovírus transmitidos por
Ornithodorus causam irritação ou doença febril em pessoas.
O único argasídeo do gênero Otobius (p. 958) apresenta três espécies, que não se alimentam no estágio
adulto. O. megnini (ácaro espinhoso da orelha) é excessivamente especializado, tanto biologicamente quanto
estruturalmente. Ele infesta os canais auditivos de antílopes, carneiro montanhês e cervos da Virginia em
biótopos de baixa pluviosidade no oeste dos EUA, México e oeste do Canadá. Bovinos, equinos, caprinos,
ovinos, cães, vários animais de zoológico e pessoas são infestados de maneira similar. O parasito, oculto, já foi
transportado com animais de produção para o oeste da América do Sul, Galápagos, Cuba, Havaí, Índia,
Madagascar e sudeste da África. Notavelmente, os adultos apresentam aparelho bucal afuncional e permanecem
sem se alimentar no solo, mas podem sobreviver por quase dois anos. As fêmeas podem depositar até 1.500
ovos em um período de 2 semanas. As larvas e dois estágios de ninfa se alimentam por 2 a 4 meses,
principalmente no inverno e primavera. Pode haver duas ou mais gerações por ano. Pessoas e outros animais
podem apresentar irritação grave por infestações do canal auditivo, e animais de produção pesadamente
infestados perdem condição corporal durante o inverno. Paralisia de hospedeiros pelo carrapato e infecções
secundárias por larvas de miíases foram relatadas. O. megnini é infectado pelos agentes da febre Q, tularemia,
febre do carrapato do Colorado e febre maculosa das Montanhas Rochosas. Outra espécie, O. lagophilus, se
alimenta na cabeça de lebres e coelhos do oeste dos EUA.

Parasitismo por Ixodídeos

Os ixodídeos compreendem mais de 600 espécies e ocupam muito mais habitats e nichos do que os argasídeos,
e parasitam um maior número de vertebrados em uma variedade mais ampla de ambientes. A maioria das
espécies de ixodídeos tem ciclo biológico em três hospedeiros; outras têm ciclo em dois hospedeiros e poucos
têm ciclo biológico em um hospedeiro. Cada estágio de desenvolvimento pós­embrionário dos ixodídeos (larva,
ninfa, adulto) se alimenta apenas uma vez, mas durante um período de vários dias. Os machos e as fêmeas da
maioria das espécies que parasitam animais de produção se reproduzem enquanto estão no hospedeiro, embora
alguns se reproduzam fora desse, no chão ou em tocas. Os machos se alimentam menos do que as fêmeas, mas
permanecem por mais tempo no hospedeiro e podem se reproduzir com várias fêmeas. Durante estações
inativas, pouca ou nenhuma fêmea é encontrada se alimentando, ainda que os machos possam permanecer
aderidos aos hospedeiros. Tais machos podem contribuir para a transmissão de patógenos a novos animais
suscetíveis por meio de transferências seriadas entre hospedeiros. Em geral, o pico de atividade das populações
de larvas e ninfas ocorre durante os intervalos das estações de adultos (“estações de repouso”), embora em
algumas espécies haja sobreposição das dinâmicas sazonais das formas imaturas e adultas.
Os machos ixodídeos, exceto aqueles do gênero Ixodes, apresentam maturidade sexual apenas após
começarem a se alimentar, após a qual se reproduzem com uma fêmea que está se alimentando. Apenas depois
da reprodução as fêmeas se tornam repletas e continuam o desenvolvimento dos ovos. Depois, elas se
desprendem e se afastam do hospedeiro e, durante vários dias, depositam uma simples leva de muitos ovos
sobre ou próximo ao chão, normalmente em fendas, ou abaixo de pedras, folhas mortas ou debris. Dependendo
da qualidade e da quantidade da nutrição da fêmea, pode conter 1.000 a 4.000 ovos, mas podem ter > 12.000. A
fêmea morre após a postura dos ovos. Notavelmente, os ixodídeos (exceto os de um e dois hospedeiros, os quais
usam hospedeiros vertebrados como habitat por grande parte de suas vidas) passam > 90% de sua vida fora do
hospedeiro, um fato de extrema importância no planejamento de medidas de controle. O processo de
alimentação de vários dias progride lentamente; a forma baloniforme, característica de larvas ingurgitadas,
ninfas e fêmeas, se desenvolve apenas durante a metade final do dia de alimentação e é seguida de
desprendimento do carrapato. O tempo de queda, a certas horas do dia ou da noite, é regido por um ritmo
circadiano muito associado ao ciclo de atividade do hospedeiro principal.
Também é importante, em especial para o entendimento da epidemiologia de doenças transmitidas por
carrapatos, saber se as formas imaturas das espécies de ixodídeos se alimentam na mesma espécie de hospedeiro
do que os adultos ou em pequenos vertebrados. Nos locais onde os pequenos hospedeiros são escassos, as
formas imaturas de algumas espécies de ixodídeos podem se alimentar nos mesmos animais que os adultos; as
formas imaturas de outras espécies raramente ou nunca o fazem.
A proximidade de hospedeiros aceitáveis, gradientes de temperatura do ar e umidade atmosférica durante o
descanso e o período de busca estão entre os fatores que regulam o desenvolvimento de cada estágio e, em
fêmeas, a oviposição.
IXODÍDEOS DE TRÊS HOSPEDEIROS: A maioria dos ixodídeos apresenta ciclo de três hospedeiros. A larva
eclodida recentemente busca um hospedeiro adequado, em geral na vegetação, se alimenta por vários dias, cai e
sofre muda até ninfa, que repete essas atividades até a muda para adulto. Das espécies de três hospedeiros que
parasitam animais de produção ou cães, poucas têm formas imaturas e adultas que parasitam o mesmo tipo de
hospedeiro; essas, em geral, desenvolvem uma densidade populacional enorme. O sucesso das espécies de
ixodídeos cujas formas imaturas requerem hospedeiros de tamanho pequeno depende da disponibilidade desses
hospedeiros no chão e na pastagem. Os danos naturais inerentes às espécies de três hospedeiros foram
compensados pelos benefícios proporcionados pelas práticas de criação animal para as espécies adaptáveis aos
carrapatos. Apenas certas espécies de ixodídeos específicas de herbívoros se adaptaram a coexistir com animais
de produção, aí se encontra a resposta a vários problemas de carrapatos em fazendas na África, onde
hospedeiros para adultos e formas imaturas são abundantes.
IXODÍDEOS DE DOIS HOSPEDEIROS: Alguns ixodídeos, em especial aqueles que parasitam mamíferos errantes (e
também pássaros em alguns casos) nos ambientes inclementes do Velho Mundo, desenvolveram um ciclo de
dois hospedeiros, no qual as larvas e ninfas se alimentam em um hospedeiro e os adultos em outro. Assim como
nas espécies de três hospedeiros, os hospedeiros podem ser diferentes ou da mesma espécie. Parasitos de dois
hospedeiros dos animas de produção desenvolvem­se tanto em ambientes inclementes quanto brandos e são de
difícil controle. Isso é especialmente verdadeiro para espécies de dois hospedeiros que se alimentam nas orelhas
e na área perianal de animais de produção.
IXODÍDEOS DE UM HOSPEDEIRO: Dentre os carrapatos de maior importância econômica estão várias espécies de
um hospedeiro. Esses parasitos evoluíram junto a herbívoros que circulam em áreas extensas nos trópicos
(Rhipicephalus [Boophilus] spp., Dermacentor nitens etc.) ou em zonas temperadas (D. albipictus, Hyalomma
scupense). Larvas, ninfas e adultos se alimentam em um único animal até a reprodução; depois as fêmeas
ingurgitadas caem no solo, onde depositam os ovos.
LOCAIS DE ALIMENTAÇÃO: Cada espécie possui um ou mais locais de alimentação preferenciais no hospedeiro,
embora em infestações densas, outras áreas possam ser utilizadas. Alguns se alimentam principalmente na
cabeça, pescoço, ombros e anca; outros nas orelhas; outros, ao redor do ânus e abaixo da cauda; e alguns nas
vias nasais. Outros locais de alimentação comuns são axila, úbere, genitália masculina e vassoura da cauda. As
formas imaturas e os adultos, em geral, têm preferências diferentes. Agregações do Amblyomma spp., um
ixodídeo grande e irritante, são reguladas por um feromônio de agregação­fixação produzido pelos machos, o
que assegura que os carrapatos se instalem nos locais menos vulneráveis à lambedura ou limpeza dos animais.

Carrapatos IxodÍdeos Importantes

AMBLYOMMA SPP.

Mais da metade das, aproximadamente, 140 espécies conhecidas de Amblyomma são endêmicas do Novo
Mundo. Os carrapatos Amblyomma são parasitos grandes de três hospedeiros. Eles possuem olhos e aparelho
bucal longo e robusto, são mais ou menos ornamentados e, em geral, são confinados às regiões tropicais e
subtropicais. Os adultos e estágios imaturos de 37 espécies desse gênero parasitam répteis que, juntamente com
pássaros que se alimentam no chão, com frequência são hospedeiros da forma imatura de carrapatos
Amblyomma que se adaptaram, no estágio adulto, a parasitarem mamíferos. Seu aparelho bucal longo torna os
carrapatos Amblyomma especialmente difíceis de serem removidos de forma manual e, com frequência, causam
ferimentos graves na pele que podem ser infectados secundariamente por bactérias ou miíases.
Várias espécies africanas de Amblyomma spp. que parasitam animais de produção são vetores de Ehrlichia
(Cowdria) ruminantium, uma riquétsia que causa caudriose (p. 753), enquanto espécies de Amblyomma do
Novo Mundo carreiam agentes de erliquiose monocítica e granulocítica, bem como várias Rickettsia spp.
A. americanum, o carrapato estrela, é abundante no sul dos EUA, do Texas e Missouri até a Costa do
Atlântico, e se estende ao norte até o Maine. Ao sul, sua distribuição se estende até o norte do México. Em
razão das mudanças climáticas, o alcance geográfico dessa espécie continua a se expandir.
O escudo é distinto em razão da ornamentação pálida em machos e uma evidente mancha prateada (“estrela”)
próxima à margem posterior nas fêmeas. As larvas, ninfas e adultos não discriminam quanto à escolha do
hospedeiro e parasitam uma variedade de animais de produção, de companhia, silvestres, bem como pessoas. A
atividade nos EUA é continua desde o início da primavera até o final do outono. Os locais de alimentação nos
mamíferos domésticos e selvagens, em geral, são áreas da pele com pelos escassos; as feridas nesses locais
predispõem os animais de produção ao ataque da mosca Cochliomyia hominivorax.
Amblyomma americanum é vetor de Francisella tularensis, o agente etiológico da tularemia; Ehrlichia
chaffeensis, causa erliquiose monocítica em pessoas; E. ewingii, causa erliquiose granulocítica em cães e
pessoas; e Ehrlichia da montanha Panola, descrita recentemente, intimamente relacionada com a caudriose, que
é patogênica ao menos para caprinos e pessoas. Esse carrapato também transmite Rickettsia amblyommii, R.
parkeri, Borrelia lonestari e Coxiella sp., intimamente relacionada ao agente da febre Q. Pode causar paralisia
por carrapato em pessoas e cães. Adicionalmente, o vírus estrela (Bunyaviridae) foi isolado de um único
carrapato A. americanum em estágio de linfa que foi removido de uma marmota da madeira (Marmota monax)
no Kentucky.
Amblyomma cajennense, o carrapato Caiena, apresenta distribuição desde a América do Sul até o sul do
Texas. Essa espécie é mais comumente encontrada em habitats tropicais secos e em elevações baixas dos
planaltos subtropicais. Como com o A. americanum, cada estágio ativo é indiscriminado quanto à escolha do
hospedeiro: animais de produção e uma ampla variedade de aves e mamíferos silvestres servem como
hospedeiros. Pessoas sofrem irritações graves por agrupamentos de larvas de A. cajenense (micuins) em áreas
de bosques e de capim alto. A maioria dos adultos se liga a superfície ventral do corpo, em especial entre as
pernas; alguns se alimentam em outros locais do corpo. A atividade é contínua durante todo o ano. A.
cajennense é um vetor de R. parkeri e foi mostrado como transmissor de Ehrlichia ruminantium
experimentalmente. O vírus de Wad Medani (um Orbivirus, Reoviridae), vírus africano transportado para as
ilhas do Caribe por bovinos oriundos do Senegal infestados por A. variegatum, foi isolado de A. cajennense na
Jamaica.
A. maculatum, o carrapato da Costa do Golfo, é uma peste importante em animais de produção, em particular
bovinos, da América do Sul ao sul dos EUA. Os habitats ótimos são áreas quentes, com alta pluviosidade,
próximas ao litoral. As formas imaturas, em geral, parasitam pássaros e pequenos mamíferos; os adultos
parasitam cervos, bovinos, equinos, ovinos, suínos e cães. A atividade de alimentação do adulto ocorre
principalmente no final do verão e início do outono, mas pode começar tardiamente após um verão seco. A
maioria dos adultos infesta as orelhas, onde as feridas são infestadas posteriormente por bicheira. Adultos
aglomerados se alimentando também podem causar irritação intensa nas partes superiores do pescoço dos
bovinos e no cupim dos bovinos Brahman.
A. imitator parasito animais de produção da América Central ao sul do Texas. Ocasionalmente pestes de
animais de produção na América tropical são A. neumanni (Argentina), A. ovale e A. parvum (Argentina ao
México), A. tigrinum (grande parte da América do Sul) e A. tapirellum (Colômbia ao México).
A. testudinarium habita áreas florestais tropicais da Ásia, do Sri Lanka e Índia a Malásia e Vietnã, Indonésia,
Bornéu, Filipinas, Taiwan e sul do Japão. Os adultos são particularmente abundantes em suínos silvestres e
domésticos e também infestam cervos, bovinos e outros animais de produção e pessoas. As formas imaturas
parasitam pássaros e pequenos mamíferos, bem como pessoas. Na Índia e no Sri Lanka, os adultos de A.
integrum e A. mudlairi também parasitam animais de produção, ungulados silvestres e pessoas.
A. hebraeum, o carrapato malhado do sul da África, habita savanas quentes e moderadamente úmidas da
África do Sul, Namíbia, Botsuana, Zimbábue, Malaui, Moçambique e Angola. Os estágios imaturos alimentam­
se em vários pequenos mamíferos, pássaros que se alimentam no chão e em répteis. Os adultos infestam animais
de produção, antílopes e outros animais selvagens. Os adultos se aderem ao corpo principalmente em áreas com
relativamente poucos pelos e causam ferimentos sérios, que se tornam infectados secundariamente por bactérias
e larvas Chrysomyia bezziana. Como os outros carrapatos africanos (carrapatos malhados) do gênero
Amblyomma que parasitam animais de produção, A. hebraeum é um vetor importante de Ehrlichia ruminantium,
e o principal vetor de Rickettsia africae, o agente da febre da picada do carrapato africano, no sul da África.
A. variegatum, o carrapato malhado africano tropical, é um parasito facilmente visualizado, com cores
brilhantes, encontrado por todas as savanas subsaarianas ao sul, até a extensão do A. hebraeum e também ao sul
da Arábia, em várias ilhas nos oceanos Índico e Atlântico e no Caribe. Um programa de erradicação em
da Arábia, em várias ilhas nos oceanos Índico e Atlântico e no Caribe. Um programa de erradicação em
andamento no Caribe, St. Kitts, St. Lucia, Montserrat, Anguilla, Barbados e Dominica certificou esses locais
como provisoriamente livres em 2002, embora St. Kitts tenha sido reinfestada em 2004. As preferências quanto
ao hospedeiro são similares às do A. hebraeum, mas também incluem camelos. As picadas dos carrapatos
adultos são graves, e podem resultar em feridas sépticas e abscessos, inflamação dos tetos de vacas e lesão
considerável à pele. Os adultos se alimentam principalmente durante estações chuvosas e as formas imaturas
durante estações secas. A maioria dos adultos se adere à parte inferior do corpo dos hospedeiros, na genitália e
abaixo da cauda.
As lesões causadas por A. variegatum ao hospedeiro e a transmissão de E. ruminantium são similares àquelas
provocadas por A. hebraeum, mas também incluem a disseminação da dermatofilose bovina aguda (p. 913).
Esse carrapato não é considerado um vetor efetivo do vírus da doença ovina de Nairobi, mas é um vetor
secundário do vírus da febre hemorrágica da Crimeia­Congo. O vírus de Dugbe foi isolado de A. variegatum em
seis países ao norte da linha do Equador; as viroses de Thogoto e Bhanja também estão associadas a esse
carrapato em várias áreas ao norte da linha do Equador. Notavelmente, o vírus da febre amarela foi isolado de A.
variegatum coletado de bovinos na República da África Central e foi mostrada a transmissão transovariana para
a progênie de fêmeas infectadas. O vírus de Jos infecta A. variegatum da Etiópia ao Senegal e foi transportado
nesse carrapato para a Jamaica.
A. lepidum, o carrapato malhado do leste da África, habita ambientes de savanas com xerófitas do norte da
Tanzânia ao Sudão central. A. gemma, o carrapato malhado semelhante a joia, ocorre em ambientes similares da
Tanzânia, Somália, Quênia e Etiópia. Uma pequena variedade de carrapatos malhados dos búfalos, A.
cohaerens, é abundante em bovinos das áreas montanhosas da Etiópia, mas da República Democrática do
Congo à Tanzânia a maior parte das variedades de A. cohaerens parasito principalmente búfalos Cape. Outros
carrapatos Amblyomma africanos de búfalos Cape e vários outros grandes mamíferos, incluindo animais de
produção, são A. pomposum de florestas úmidas e montanhosas na Angola, República Democrática do Congo,
Uganda, sul do Sudão, Quênia e Zimbábue, e A. astrion no oeste da África e na República Democrática do
Congo.
Nas Américas do Sul e Central, várias espécies de Amblyomma parasitam animais de produção e cães, com
frequência em grandes números. Entre eles, adultos de A. aureolatum e A. ovale se alimentam principalmente
em carnívoros e A. parvum em carnívoros e tatus. A. auricularium foi encontrado em hospedeiros silvestres das
famílias Myrmecophagide e, ocasionalmente, Didelphidae, Caviidae, Chinchilidae, Hydrochaeridae, Muridae,
Canidae, Mustelidae e Procyonidae. A. pseudoconcolor, ocasionalmente, foi encontrado em hospedeiros
silvestres da família Didelphidae. A. naponense é comum em porcos do mato e A. oblongoguttatum foi
encontrado em uma variedade de hospedeiros em vários países das Américas Central e do Sul. A anta sul
americana (Tapirus terrestris) parece ser o principal hospedeiro do estágio adulto de A. latepunctatum, A.
scalpturatum e A. incisum. A. dissimile é um parasito comum de répteis e sapos verdadeiros do gênero Bufo, do
norte da Argentina ao sul do México, nas ilhas do Caribe e sul da Flórida.
ANOMALOHIMALAYA SPP.

Os três Anomalohimalaya spp. são encontrados nas montanhas da Ásia Central – Pamir, Tian Shan, Tibete e
Himalaia. Todos os estágios desses carrapatos de três hospedeiros parasitam roedores, musaranhos e, com
menor frequência, lebres.

BOTHRIOCROTON SPP.

O gênero Bothriocroton (antes conhecido como Aponomma) inclui sete espécies de carrapatos indígenas da
Austrália e Pápua Nova Guiné (B. oudemansi). O Bothriocroton spp. assemelha­se ao Amblyomma spp., mas
não possui olhos. Nesse grupo, B. aruginans é o parasito de fascólomos; B. concolor e B. oudemansi são
ectoparasitas de equidnas na Austrália e Pápua Nova Guiné, respectivamente. As outras quatro espécies desse
gênero parasitam quase exclusivamente répteis. B. hydrosauri, o carrapato do lagarto de língua azul, é o
reservatório de Rickettsia honei na ilha de Flinders, Austrália.

COSMIOMMA SP.

O gênero Cosmiomma possui uma única espécie, C. hippopotamensis, encontrado no sudoeste e leste da África.
Ele se alimenta principalmente em rinocerontes brancos e negros e, com menor frequência, em antílopes.

DERMACENTOR SPP.

Das 36 espécies de Dermacentor spp., 19 habitam zonas temperadas. Das espécies tropicais, D. nitens é o de
maior importância veterinária, embora outros possam transmitir infecções zoonóticas, e os adultos podem ser
comuns em animais silvestres como porcos, cervos e antílopes. Os estágios imaturos infestam principalmente
roedores e lagomorfos. Dermacentor spp. em áreas frias e D. (Anocentor) nitens na América tropical, possuem
ciclos biológicos especializados e dinâmica de atividade sazonal, cada uma das quais deve ser considerada
separadamente. À exceção de D. nitens, D. albipictus e D. dissimilis, o ciclo biológico do Dermacentor é típico
do padrão de três hospedeiros.
D. nitens, o carrapato tropical de um hospedeiro dos equinos, previamente classificado como gênero
Anocentor, é de importância veterinária considerável. Originalmente, ele parasitava cervos (Mazama) em
florestas do norte da América do Sul. Com a introdução dos Equidae e outros animais de produção no seu
habitat, ele se adaptou a esses animais. Passando toda a sua vida parasitária profundamente nas orelhas dos
hospedeiros, esse parasito foi facilmente disseminado por atividades humanas para outras áreas das Américas,
incluindo Flórida e Texas. Além das orelhas, cada estágio ativo pode infestar as passagens nasais e a crina, o
abdome ventral e a área perianal. D. nitens transmite Babesia caballi por via transovariana para as gerações
sucessivas e é importante na indústria de equinos de corrida. Ele também é um vetor experimental de
Anaplasma marginale para os bovinos.
Outra espécie americana de um hospedeiro, D. albipictus, o carrapato do inverno ou dos alces, se estende do
Canadá e norte dos EUA até o oeste dos EUA e o México. Uma forma castanha, esporadicamente denominada
D. nigrolineatus, se distribui do Novo México ao sul e leste dos EUA e pode ser classificado como uma
subespécie, se não for classificado como espécie. O período de alimentação de larva­ninfa­adulto em um único
hospedeiro (alces, cervos ou bovinos e equinos domésticos) se estende do outono até a primavera. Hospedeiros
com infestações maciças podem morrer. D. albipictus causa a “doença do alce fantasma” do Canadá,
frequentemente fatal, é um vetor secundário do vírus da febre do carrapato do Colorado, vetor experimental de
B. caballi e um vetor natural de A. marginale em Oklahoma.
No México e América Central, D. dissimilis parasito uma variedade de hospedeiros equídeos e ruminantes, e
pode ser um carrapato de um hospedeiro em equinos.
O carrapato da madeira das Montanhas Rochosas, D. andersoni, é encontrado do oeste do Nebraska às
montanhas do oeste (Cascades e Sierra Nevada) no norte do Novo México e Arizona, e no oeste do Canadá.
O carrapato americano do cão, D. variabilis, é encontrado a oeste de Cascades e Sierra Nevadas, no México,
de Montana ao Texas, ao leste até o Atlântico e no leste do Canadá. Ambas as espécies podem causar a paralisia
por carrapato em animais de produção, silvestres e pessoas. Eles são os principais vetores de Rickettsia
rickettsii, o agente da febre maculosa das Montanhas Rochosas (p. 827). D. andersoni também é o principal
vetor do vírus da febre do Colorado por carrapatos e transmite o vírus de Powassan, A. marginale, A. ovis e os
agentes da tularemia e da febre Q. D. variabilis é um vetor experimental de A. marginale, Babesia caballi e B.
equi. Adicionalmente, vírus sawgrass, E. chaffeensis e E. ewingii foram detectados em D. variabilis adultos. Os
adultos de ambas as espécies parasitam animais de produção e silvestres, incluindo cervos, bisão e alces, mas
aqueles de D. variabilis preferem cangambás, guaxinins, pumas etc. e cães domésticos. As formas imaturas se
alimentam em roedores e outros pequenos mamíferos silvestres. Uma espécie relacionada, biologicamente
similar, D. occidentalis, é restrita às terras baixas do Pacífico e aos pés de serra do Oregon até a baixa Califórnia
e é um vetor natural de A. marginale.
No oeste dos EUA e México, D. parumapterus, D. hunteri e D. halli parasitam várias espécies de lebres e
coelhos, ovinos da montanha e queixadas, respectivamente. Esses carrapatos raramente entram em contato com
animais de produção. D. hunteri é um vetor experimental de A. marginale e A. ovis. Na Costa Rica e no
Panamá; o D. latus infesta antas.
Nas estepes, florestas e montanhas da Eurásia, D. marginatus, D. reticulatus e D. silvarum, coletivamente,
são vetores de várias viroses e Babesia bovis, B. caballi, B. equi, B. canis, Theileria ovis e A. ovis, juntamente
com os agentes da tularemia e da febre Q e encefalite da primavera­verão russa. D. marginatus é encontrado em
florestas, pântanos, semidesertos e zonas dos Alpes da França até o sudoeste da Sibéria, Cazaquistão, Região
Autônoma da China de Xinjiang Uygur, Irã e norte do Afeganistão. D. reticulatus se estende da Irlanda e Grã­
Bretanha ao noroeste da Sibéria e Xinjiang, China, em prados, planícies de inundação e florestas decíduas e de
coníferas decíduas. D. silvarum se estende da região central da Sibéria e nordeste da China ao Japão em
pântanos, prados, florestas de arbustos e secundárias, lavouras e áreas de florestas de taigas. Alguns machos nas
populações de cada uma dessas três espécies permanecem grudados no hospedeiro durante o inverno. Os adultos
e os estágios imaturos podem permanecer no solo durante o inverno. A maior atividade dos adultos ocorre do
início da primavera ao verão com uma diminuição do pico no outono. As larvas e ninfas são ativas da primavera
até o outono. O ciclo biológico pode se completar em um ano ou se estender por uma ou mais diapausas de
verão ou inverno até 2 a 4 anos.
Aproximadamente, outras 12 espécies de Dermacentor spp. habitam certas baixadas, estepes em montanhas e
áreas de semidesertos da Ásia temperada. Seus adultos comumente são observados em camelos, bovinos,
equinos, ovinos e caprinos. Na Ásia tropical, as várias espécies de Dermacentor, subgênero Indocentor, são
parasitos de porcos silvestres; eles também infestam animais silvestres maiores, porém raramente, se presente,
se alimenta em animais de produção.

HAEMAPHYSALIS SPP.

Poucas das 166 espécies de Haemaphysalis parasitam animais de produção, porém, aquelas que parasitam, são
importantes economicamente na Eurásia, África, Austrália e Nova Zelândia. Alguns desses carrapatos parasitos
de cervos selvagens, antílopes e bovinos se adaptaram aos bovinos domésticos e, em menor extensão, a ovinos e
caprinos. Outras, originalmente específicas de vários ovinos e caprinos silvestres, se adaptaram principalmente
às raças domésticas desses animais. Algumas espécies africanas que evoluíram com carnívoros atualmente
parasitam cães domésticos. Formas imaturas de espécies que parasitam animais de produção, em geral, se
alimentam em pequenos vertebrados, mas há poucas exceções notáveis. Todos Haemaphysalis spp. possuem
ciclo biológico de três hospedeiros. Eles são pequenos (adultos não alimentados medem < 4,5 mm de
comprimento), castanhos ou avermelhados e sem olhos. A maioria tem aparelho bucal muito curto. Espécies
diferentes causam paralisia por carrapato e são vetores de agentes que causam febre Q, tularemia e brucelose, e
de Theileria orientalis, T. ovis, Babesia major, B. motasi, B. canis, Anaplasma mesaeterum etc.
H. punctata é amplamente distribuído em locais onde ovinos, caprinos e bovinos se alimentam em certas
florestas abertas e pastagens com arbustos do sudoeste da Ásia (Irã e antiga União Soviética) a boa parte da
Europa, inclusive sul da Escandinávia e Grã­Bretanha. Os estágios imaturos infestam pássaros, ouriços,
roedores e répteis. Além da transmissão de Anaplasma e Babesia spp., populações diferentes de H. punctata
estão infectadas por vírus da encefalite da primavera­verão russa, vírus Tribec, vírus Bhanja e vírus da febre
hemorrágica da Crimeia­Congo.
Adultos de H. sulcata parasitam animais de produção (principalmente ovinos e caprinos) do noroeste da Índia
e sul da antiga União Soviética até Arábia, Sinai e sul da Europa. Adultos de H. parva parasitam esses
hospedeiros do sudoeste da antiga União Soviética e Oriente Próximo até áreas do Mediterrâneo (exceto o
Egito). As formas imaturas de H. sulcata são especialmente comuns em lagartos, mas a variedade de
hospedeiros das larvas e das ninfas de ambas as espécies são semelhantes aos do H. punctata.
H. longicornis é um parasito de cervos e animais de produção no Japão e nordeste da Ásia; há uma forma
(raça) bissexuada em áreas ao sul e uma raça com reprodução partenogênica em áreas ao norte. A última foi
introduzida na Austrália, Nova Zelândia e nas ilhas do Pacífico, onde ela preserva sua habilidade reprodutiva
não habitual. As formas imaturas normalmente parasitam pequenos mamíferos e pássaros, mas também podem
se alimentar em animais de produção; as grandes densidades populacionais podem se tornar pragas sérias em
cervos e em animais de produção. Esse carrapato é o principal vetor de Theileria orientalis e também transmite
Babesia ovata, B. gibsoni e os agentes de febre Q, encefalite de Powassan e encefalite da primavera­verão russa.
Durante a alimentação das larvas pode ocorrer dermatite aguda em pessoas.
Outros carrapatos Haemaphysalis em animais de produção da Eurásia são H. inermi (das terras baixas do
norte do Irã e sudoeste da antiga União Soviética até a região central e sudoeste da Europa até a Itália), H.
pospelovashtromae (montanhas do sul da antiga União Soviética e Mongólia), H. kopetdaghicus (áreas do Mar
Cáspio e montanhas dos países da antiga União Soviética e do Irã) e H. tibetensis, H. xinjiangensis e H.
moschisuga (China).
Das várias espécies de Haemaphysalis que parasitam animais de produção no Sudeste Asiático, três são
especialmente notáveis: H. bispinosa, encontrado no Paquistão, Bangladesh, Nepal, Butão, Sri Lanka e Malásia
e transmissor de Babesia spp. a bovinos, ovinos e cães; H. spinigera, o principal vetor do vírus da doença da
floresta de Kyasanur a pessoas no estado de Karnataka na Índia; e H. anomala que se estende das terras baixas
do Nepal ao Sri Lanka e as montanhas do noroeste da Tailândia.
Na Ásia temperada, outras 18 espécies de Haemaphysalis parasitam animais de produção: 9 no alto do
Himalaia e montanhas limítrofes e 9 no nordeste da antiga União Soviética, Coreia e Japão. Iaques e híbridos de
iaques estão entre os animais de produção hospedeiros dos Haemaphysalis himalaios. Várias espécies himalaias
parecem preferir ovinos e caprinos.
Na África Subsaariana, quatro espécies de Haemaphysalis infestam animais de produção nas florestas altas e
baixas, úmidas, secundárias ou mata ciliar. Essas são H. parmata (Etiópia e Quênia, centro e oeste da África até
Angola), H. aciculifer (Etiópia a Camarões e Zimbábue, introduzidas na África do Sul), H. rugosa (sul do
Sudão e Uganda até Gana e Senegal) e H. silacea (Zululândia e leste do sul da África).

HYALOMMA SPP.

Os carrapatos Hyalomma, com frequência, são os carrapatos que mais parasitam animais de produção, incluindo
camelos, em áreas quentes, áridas e semiáridas, em geral em baixadas e biotas de altitude intermediária, e em
locais com estações secas longas do centro e sudoeste da Ásia ao sul da Europa e sul da África. Das 25 espécies
conhecidas de Hyalomma spp., aproximadamente 15 são vetores importantes de agentes infecciosos aos animais
de produção e pessoas. O ciclo biológico com três hospedeiros predomina nesse gênero, mas algumas espécies
possuem também ciclos de um ou dois hospedeiros. Algumas espécies de três hospedeiros podem desenvolver
ciclo com um ou dois hospedeiros, uma capacidade facultativa única a esse gênero de ixodídeos. Hyalomma são
carrapatos moderadamente grandes a grandes, com aparelho bucal longo.
No subgênero Hyalommasta, os estágios imaturos da espécie H. aegyptium parasitam jabutis, pequenos
animais silvestres e animais de produção do Paquistão até ambos os lados da bacia do Mediterrâneo. Os adultos
são parasitos específicos de jabutis.
O subgênero Hyalommina é encontrado no subcontinente indiano e Somália. Cada uma das seis espécies
possui ciclo biológico de três hospedeiros. As formas imaturas parasitam pequenos mamíferos, em especial
roedores. As preferências dos adultos para seus hospedeiros entre os animais de produção refletem o grupo de
gazelas selvagens, bovinos, caprinos ou ovinos com o qual cada espécie está envolvida. Duas espécies infestam
principalmente bovinos e bubalinos domésticos – H. brevipunctata (Índia e Paquistão) e H. kumari (Índia,
Paquistão, Afeganistão, noroeste do Irã e Tadjiquistão). Três espécies normalmente parasitam ovinos e caprinos
– H. hussaini (Índia, Paquistão e União de Myanmar), H. rhipicephaloides (áreas do Mar Morto e do Mar
Vermelho) e H. arabica (Iêmen e Arábia Saudita). H. punt (Somália e Etiópia) se alimentam em antílopes,
camelos, bovinos, ovinos e caprinos.
O subgênero Hyalomma contém 15 espécies de importância veterinária e de saúde pública. Três das 15
espécies possuem 2, 3 e 4 subespécies, respectivamente. Dentre essas, a principal é H. anatolicum anatolicum,
de dois hospedeiros, considerados um dos carrapatos mais nocivos no mundo, amplamente distribuído em
camelos, bovinos e equinos em ambientes de estepes e semidesertos da Ásia Central até Bangladesh, Oriente
Médio e Próximo, Arábia, sudeste da Europa e África, ao norte da linha do Equador. As formas imaturas e
adultas, em geral, infestam os mesmos tipos de hospedeiros. As ninfas e adultos que não se alimentaram passam
a estação seca e o inverno em fendas em paredes de pedra, estábulos e campos de ervas e sem cultivo. Quando
as formas imaturas infestam pequenos mamíferos, pássaros ou répteis, o ciclo biológico se passa em três
hospedeiros. H. anatolicum anatolicum transmite Theileria annulata, Babesia equi, B. caballi, Anaplasma
marginale, Trypanosoma theileri e, no mínimo, cinco arboviroses; é um vetor do vírus da febre hemorrágica da
Crimeia­Congo, em pessoas.
As numerosas formas imaturas e a forma adulta de H. anatolicum anatolicum, que normalmente parasitam
animais de produção, causam emaciação. Os estágios imaturos das subespécies H. anatolicum excavatum (um
parasito de três hospedeiros) infestam principalmente roedores que vivem em tocas em alguns biotas um pouco
diferentes, no mesmo ambiente de H. anatolicum anatolicum. Os adultos de ambas as subespécies podem
infestar o mesmo animal. A distribuição de H. anatolicum excavatum é, de alguma forma, mais limitada do que
a de H. anatolicum anatolicum, porém sua densidade populacional no inverno, em geral, é maior. Uma espécie
intimamente relacionada, H. lusitanicum, substitui H. anatolicum anatolicum da região central da Itália a
Portugal, Marrocos e Ilhas Canárias; ela está associada à babesiose equina e bovina. Além dos animais de
produção, cervos e coelhos atuam como hospedeiros.
O complexo H. marginatum consiste em quatro subespécies, cada uma delas invariavelmente com ciclo de
dois hospedeiros. Os adultos parasitam animais de produção e herbívoros silvestres. As formas imaturas
parasitam principalmente pássaros. Os roedores raramente são parasitados, se o forem. Lebres e ouriços são os
hospedeiros secundários. As subespécies são H. marginatum marginatum (áreas do Mar Cáspio do Irã e antiga
União Soviética até Portugal e noroeste da África), H. marginatum rufipes (sul do Saara até a África do Sul e
também o vale do Nilo e o sul da Arábia), H. marginatum turanicum (Paquistão, Irã, sul da antiga União
Soviética, Arábia, parte do nordeste da África – introduzido com ovelhas do Irã ao planalto sul africano de
Karoo) e H. marginatum isaaci (Sri Lanka ao sul do Nepal, Paquistão e norte do Afeganistão). As subespécies
de H. marginatum são vetores importantes do vírus da febre hemorrágica da Crimeia­Congo e também
transmitem agentes infecciosos aos animais de produção e outras viroses que infectam animais silvestres,
animais de produção e pessoas.
O complexo H. asiaticum consiste em três subespécies com ciclo de três hospedeiros e habitam desertos,
semidesertos e estepes do sudoeste da China, Mongólia e sul da antiga União Soviética, até o Oriente Médio e o
Iraque. Os roedores são os principais hospedeiros dos estágios imaturos; lebres também podem ser infestadas.
Os adultos parasitam animais de produção, em particular camelos. As subespécies do leste ao oeste, H.
asiaticum kozlovi, H. asiaticum asiaticum e H. asiaticum caucasicum, são de importância médica e veterinária.
Três espécies adicionais de Hyalomma spp. que parasitam camelos e outros animais de produção, com ciclo
biológico de três hospedeiros, são H. dromedarii (Índia até a África, ao norte da linha do Equador), H. schulzei
(leste do Irã até a Arábia e norte do Egito) e H. franchinii (Síria até a Tunísia). Os estágios imaturos parasitam
roedores e outros pequenos mamíferos, pássaros e répteis; as formas imaturas do H. dromedarii também
infestam animais de produção. H. dromedarii tem importância médica e veterinária; as outras duas espécies
foram pouco estudadas.
H. detritum, um vetor importante de Theileria annulata, possui ciclo biológico com três espécies de
hospedeiros; tanto os adultos quanto as formas imaturas parasitam animais de produção. Seus biótopos são áreas
úmidas em estepes, desertos e semidesertos do sul da China, Mongólia e terras baixas do Nepal até o sul da
Europa e norte da África. H. impeltatum se estende do Irã e Arábia até o norte da Tanzânia e Chade. Os adultos
parasitam animais de produção: as formas imaturas se alimentam em roedores e outros pequenos mamíferos,
pássaros e répteis.
H. scupense, um parasito de bovinos e equinos no sudoeste da antiga União Soviética e sudeste da Europa,
tem ciclo biológico em um hospedeiro, não é comum (assim como as cepas canadenses de Dermacentor
albipictus) e inverna nos hospedeiros, que sofrem intensamente pelo longo período de alimentação das
numerosas larvas (final do outono), ninfas (inverno), e adultos (primavera). H. scupense é um vetor de Theileria
annulata e Babesia equi.
Além das várias espécies já mencionadas, as savanas africanas abrigam outras cinco espécies de Hyalomma
spp. de animais de produção e silvestres: H. truncatum (sudeste do Egito ao sul da África), H. albiparmatum
(sul do Quênia, norte da Tanzânia), H. erythraeum (leste da Somália e Etiópia e Iêmen), H. impressum (oeste do
Sudão e África Ocidental) e H. nitidum (República Centro­africana e África Ocidental). Os estágios imaturos
dessas espécies de ciclo biológico com três hospedeiros, em geral, infestam pequenos mamíferos e, com menor
frequência, pássaros e répteis. H. truncatum, que causa sudorese e claudicação em bovinos, bem como paralisia
do carrapato em pessoas e ovinos, é vetor do vírus da febre hemorrágica da Crimeia­Congo, Coxiella burnetii
(febre Q) e Rickettsia conorii (tifo por carrapato africano, febre de Boutoneuse).

IXODES SPP.

Estes carrapatos, que representam o maior gênero da família Ixodidae, contém 249 espécies e é altamente
especializado tanto estrutural quanto biologicamente. Até o momento, todas as espécies de Ixodes spp. possuem
ciclo biológico de três hospedeiros. Quase todos habitam zonas de florestas tropicais ou temperadas ou com
bosques e arbustos; poucos são adaptados a áreas úmidas em semidesertos ou em ninhos de colônias de aves
marinhas do ártico ou subantárticos. Os hospedeiros são uma ampla variedade de aves e mamíferos e poucos
répteis. A maioria das espécies parasito os hospedeiros nas tocas ou aqueles que retornam regularmente até as
grutas e cavernas ou colônias de nidificação terrestre ou em árvores. As poucas espécies de Ixodes spp. que
parasitam artiodáctilos e perissodáctilos errantes são excepcionalmente adaptáveis; elas também parasitam
animais de produção e são pestes importantes ou vetores de agentes que infectam animais de produção e
pessoas.
É especialmente importante I. ricinus da Eurásia, noroeste da África, América do Norte e América do Sul. I.
ricinus é conhecido como carrapato de ovinos e o protótipo desse grupo habita pastagens relativamente úmidas,
viçosas, com arbustos e florestas, além de jardins, arvoredos, planícies inundadas e florestas de boa parte da
Europa até o Mar Cáspio e norte do Irã, bem como noroeste da África. Seu ciclo biológico é de 2 a 4 anos,
dependendo da temperatura ambiente (Em biotas mais secos e quentes ao leste do Mediterrâneo, I. ricinus é
substituído por I. gibbosus, que completa o ciclo biológico em um ano). As larvas de I. ricinus se alimentam em
pequenos répteis, pássaros e mamíferos. As ninfas se alimentam em vertebrados de porte pequeno a médio, e os
adultos se alimentam principalmente em herbívoros e animais de produção. Todos os estágios, em especial as
ninfas e os adultos, parasitam pessoas. Os machos de I. ricinus se alimentam pouco ou não se alimentam e
podem se reproduzir sobre o hospedeiro ou fora dele. Os adultos não alimentados, com frequência, se
reproduzem na vegetação. O pico de atividade dos adultos ocorre na primavera; em algumas populações, há um
pico menor de atividade de adultos no outono. As principais dentre as numerosas doenças arbovirais
transmitidas por I. ricinus são encefalomielite ovina, encefalite originária de carrapatos e febre hemorrágica da
Crimeia–Congo. Outros agentes transmitidos aos animais de produção são Coxiella burnetii, Anaplasma
marginale, Babesia divergens e Anaplasma phagocytophilum, várias cepas causam anaplasmose granulocítica
bovina, ovina e em pessoas.
I. persulcatus, o carrapato da taiga, está intimamente relacionado com o I. ricinus e possui preferência similar
de hospedeiros. Ele se estende das montanhas do centro e leste da Europa, através das florestas de terras baixas
do Mar Báltico e da república autônoma russa da Carélia, para o leste em direção à taiga da Sibéria, aos mares
do Japão e Okhotsk e às ilhas ao norte do Japão. O ciclo biológico pode se completar em 3 a 4 anos, mas pode
durar até 7 anos em regiões com verão curto. É um dos principais vetores do vírus da encefalite primavera­verão
russa e de Borrelia burgdorferi. Adicionalmente, ele transmite Babesia spp., Ehrlichia muris e os agentes da
anaplasmose e tularemia humana e ovina.
Outros representantes asiáticos do grupo do I. ricinus incluem I. sinensis (da China), I. kashmiricus (do norte
montanhoso da Índia, Paquistão e Quirguistão), I. pavlovskyi (do sul das montanhas siberianas da Rússia) e I.
kazakstani (da taiga de montanha e da floresta de decíduas do Cazaquistão, Quirguistão e Turcomenistão).
Nas Américas, representantes do grupo I. ricinus incluem I. scapularis, I. pacificus, I. affinus, I. jellisoni, I.
minor e I. muris. O I. scapularis se distribui por todo o leste e centro­norte dos EUA e sul do Canadá, e é vetor
de Borrelia burgdorferi, o agente da doença de Lyme, e Anaplasma phagocytophilum, que causa anaplasmose
granulocítica em pessoas, equinos e cães. Ele também transmite Babesia microti, o agente da babesiose humana,
nas áreas costeiras de Nova York a Massachusetts. O principal hospedeiro do I. scapularis adulto é o cervo;
animais de produção raramente pastam nas zonas arbóreas habitadas por esses carrapatos. Os adultos de I.
pacificus parasitam animais de produção da baixa Califórnia à Columbia Britânica e no interior de Idaho,
Nevada e Oregon. I. pacificus e I. neotomae transmitem os agentes da doença de Lyme, tularemia e a riquétsias
da febre maculosa das Montanhas Rochosas; I. pacificus também transmite Anaplasma phagocytophilum. A
picada do carrapato causa úlceras de cicatrização lenta. Uma espécie relacionada, I. affinis, se distribui do sul da
Carolina do Sul e Flórida à Argentina. Ela é encontrada principalmente em animais silvestres e seu papel como
vetor não foi provado.
Na África, apenas quatro espécies do gênero Ixodes se adaptaram a animais de produção. A principal espécie
dentre essas é o carrapato sul­africano da paralisia (I. rubicundus) da vegetação úmida das colinas e montanhas
do planalto sul­africano de Karoo. As suas toxinas salivares causam tetraplegia flácida nos animais de produção,
pessoas, cães e chacais. Os estágios imaturos parasitam a lebre das rochas, outras lebres e musaranhos­elefante.
Os outros parasitos dos animais de produção nas terras altas africanas são I. drakenbergensis (Natal), I. lewisi
(Quênia) e I. cavipalpus (sul do Sudão até o Zimbábue e Angola).

MARGAROPUS SPP.

Carrapatos do gênero Margaropus assemelham­se aos carrapatos Rhipicephalus (Boophilus), mas não
apresentam festões ou ornamentações. Eles são caracterizados por membros posteriores muito grandes e placa
mediana alongada. As três espécies altamente especializadas, com pernas lustrosas do gênero Margaropus de
um hospedeiro se restringem a áreas limitadas da África. M. reidi e M. wileyi são registrados nas girafas em
Sudão, Quênia e Tanzânia, respectivamente. M. wileyi também é conhecido por parasitar zebras e gnus. M.
winthemi, um parasito de zebras, equinos e, com menor frequência, outros animais de produção e antílopes que
se alimenta no inverno, se restringe às montanhas da África do Sul e pode contribuir para uma perda de
condição corporal durante o inverno.

NOSOMMA SP.

Os adultos da única espécie desse gênero, N. monstrosum, parasitam particularmente os búfalos silvestres e
domésticos, e também pessoas, animais de produção e animais silvestres em grande parte da Índia, terras baixas
do Nepal, Bangladesh, Tailândia e Laos. Os estágios imaturos parasitam principalmente roedores murídeos.

RHIPICENTOR SPP.

O gênero Rhipicenthor é composto por duas espécies, R. bicornis e R. nuttalli, e ambos ocorrem apenas na
África Subsaariana. R. bicornis se alimenta em caprinos, bovinos, equinos, cães e carnívoros nas regiões central
e sul da África. R. nuttalli tem uma distribuição ampla na África do Sul. Os estágios imaturos se alimentam em
musaranhos­elefante. Os hospedeiros preferenciais dos adultos são cães domésticos, leopardos e ouriços sul
africanos. É provável que seja necessário um ano para completar o ciclo biológico desses carrapatos a campo.
RHIPICEPHALUS SPP.

Aproximadamente 60 das 81 espécies de Rhipicephalus ocorrem na África Subsaariana. As outras espécies têm
sua origem na Eurásia e norte da África. O R. sanguineus e o R. (Boophilus) microplus foram disseminados por
atividades humanas para a Ásia, Austrália e para as Américas. Os adultos da maioria das espécies parasitam
artiodáctilos, perissodáctilos ou carnívoros silvestres e domésticos. Os estágios imaturos se alimentam
predominantemente em mamíferos pequenos; no entanto, dentre as espécies que parasitam roedores ou híraxes e
artiodáctilos, poucas apresentam formas imaturas que se alimentam no mesmo hospedeiro dos adultos. O ciclo
biológico de Rhipicephalus spp. é tipicamente de três hospedeiros, mas na zona de clima mediterrânea (verão
quente e longo com baixa pluviosidade), R. bursa tem um ciclo de dois hospedeiros. Na África Subsaariana,
com estações secas, R. evertsi e R. glabroscutatum também possuem ciclos com dois hospedeiros. Por outro
lado, cada uma das cinco espécies do subgênero Boophilus tem ciclo biológico de um hospedeiro, que pode se
completar em 3 a 4 semanas (ver a seguir).
Vários Rhipicephalus spp. são, há muito tempo, difíceis de identificar ou foram identificados de maneira
incorreta. Os conceitos atuais de filogenética, taxonomia e nomenclatura de carrapatos se baseiam em análises
moleculares.

Subgênero Boophilus spp.

Cada uma das cinco espécies de Rhipicephalus (Boophilus) spp. tem ciclo de um hospedeiro que pode se
completar em 3 a 4 semanas e resulta em uma infestação maciça por carrapatos. Sob essas condições, a
resistência aos acaricidas se torna um problema importante para as medidas de controle. Bovinos zebuínos, que
serviram por séculos como hospedeiros de R. (B.) microplus na Índia, desenvolveu resistência à infestação por
grande número de carrapatos são utilizados (raça pura e cruzamento) em programas integrados de controle. R.
(B.) microplus, considerado o carrapato parasito de animais de produção mais importante do mundo, foi levado
de florestas habitadas por bovinos e cervídeos na Índia, para muitas áreas da Ásia tropical e subtropical,
nordeste da Austrália, Madagascar, terras baixas costeiras do sudeste da África à linha do Equador, e boa parte
da América do Sul, América Central, México e Caribe. R. (B.) microplus e R. (B.) annulatus foram erradicados
dos EUA após um programa de controle longo e de custo alto, e é necessário manter vigilância constante para
evitar a sua reintrodução. R. (B.) annulatus do sul da antiga União Soviética, Oriente Médio e Mar Mediterrâneo
foi introduzido junto a animais de produção de colônias espanholas no nordeste do México, porém não se
disseminou na América Central. Na África, ao sul do Saara e norte da linha do Equador, o trânsito de bovinos
provavelmente contribuiu para muitas das populações de R. (B.) annulatus.
R. (B.) decoloratus, que está presente do sul da África ao Saara, está sendo substituído na parte sudeste dessa
área por R. (B.) microplus. Em zonas mais úmidas do oeste da África, R. (B.) annulatus se mistura com ou é
totalmente substituído por R. (B.) geigyi. Populações dispersas de R. (B.) geigyi são encontradas nas regiões
leste, sul e central do Sudão. O único Boophilus restrito a ovinos e caprinos (e, ocasionalmente, equinos) é R.
(B.) kohlsi da Síria, Iraque, Israel, Jordânia, oeste da Arábia Saudita e Iêmen. R. (B.) microplus é um vetor
experimental de Babesia equi e foi coletado da passagem nasal de equídeos no Panamá. Esse carrapato e o R.
(B.) annulatus são os principais vetores de Babesia bigemina, Babesia bovis e Anaplasma marginale. R. (B.)
decoloratus é um vetor eficiente de B. bigemina e A. marginale, mas não transmite B. bovis ou B. equi.

Subgênero Rhipicephalus spp.

A Ásia tropical é o habitat de cinco espécies do gênero Rhipicephalus (Rhipicephalus) spp.; os adultos de duas
espécies parasitam animais domésticos. R. haemaphysaloides infesta todos os tipos de animais de produção e
também antílopes selvagens, cervos, carnívoros e lebres no Sudeste Asiático continental (e também em Taiwan
e Filipinas), em direção ao oeste até Índia, Sri Lanka, Nepal, Paquistão e oeste do Afeganistão. R. pilans infesta
os animais de produção e animais silvestres na Indonésia e Bornéu. Os estágios imaturos de ambas as espécies
se alimentam principalmente em roedores, mas também em musaranhos, lebres e pequenos carnívoros.
R. rossicus, R. schulzei e R. pumilio são espécies de importância médica e veterinária desde a Europa central
até o Cazaquistão. No sudoeste da Europa, R. pusillus infesta cães e coelhos europeus, raposas e porcos
selvagens. R. turanicus, como atualmente reconhecido, se distribui da China, sul da antiga União Soviética e
Índia até o sul da Europa e África até a África do Sul. Um membro do grupo R. sanguineus taxonomicamente
difícil, “R. turanicus“ e suas várias populações, que podem representar espécies separadas, requer estudos
adicionais quanto à sua capacidade como vetor.
Uma espécie de dois hospedeiros reconhecida facilmente, R. bursa, se distribui do oeste da área europeia do
mar Mediterrâneo até Irã e Cazaquistão. Os adultos e os estágios imaturos parasitam animais de produção,
lebres, cervos, ovinos e caprinos silvestres e pessoas. Ele causa a paralisia ovina e transmite o vírus da febre
hemorrágica da Crimeia–Congo e outros vírus para pessoas e Babesia, Theileria e Anaplasma spp. para os
animais de produção.
O carrapato africano do gênero Rhipicephalus mais bem conhecido, R. sanguineus, o carrapato dos canis ou
carrapato marrom dos cães, se distribui mundialmente junto com os cães domésticos. Ele se estabeleceu em
construções tão ao norte quanto o Canadá e a Escandinávia e tão ao sul quanto a Austrália. Na África, Oriente
Próximo e em partes do sul da Europa, os adultos parasitam carnívoros silvestres e domésticos, ovinos,
caprinos, camelos, outros animais de produção e vários mamíferos silvestres, em especial lebres e ouriços. Os
estágios imaturos na natureza, nessa área, se alimentam em pequenos mamíferos. No entanto, nas situações
urbanas, em qualquer lugar, os cães constituem virtualmente os únicos hospedeiros de estágios imaturos e de
adultos. Pessoas raramente são atacadas, com maior frequência, em situações nas quais crianças brincam e
dormem em contato próximo a cães maciçamente infestados. Foi relatada a existência de cepas de adultos de R.
sanguineus que se alimentam em bovinos em partes do México e no Taiti. Esse carrapato é ativo o ano inteiro
nos trópicos e subtrópicos, mas é ativo apenas da primavera até o outono nas zonas temperadas. Observam–se,
com frequência, adultos e ninfas recém–ativos subindo em paredes pelas rachaduras do terreno. R. sanguineus é
um vetor de Babesia canis, Ehrlichia canis, Rickettsia rickettsii, R. rhipicephali, Rickettsia conorii, vírus da
febre hemorrágica da Crimeia–Congo e vírus de Thogoto. No centro­sul dos EUA, R. sanguineus está associado
à disseminação de focos de Leishmania mexicana. Algumas populações americanas tornaram­se resistentes aos
inseticidas. O parasito himenóptera de carrapatos (calcídeo), Hunterellus hookeri, infesta com frequência as
ninfas de R. sanguineus no leste da África.
R. appendiculatus, o carrapato marrom das orelhas, constitui uma praga importante nas savanas frescas,
sombreadas, florestadas e com arbustos do sul do Sudão e leste da República Democrática do Congo até o
Quênia e a África do Sul. Os adultos e os estágios imaturos se alimentam nas orelhas de bovinos, outros animais
de produção e antílopes, mas também em outras áreas, quando a infestação é maciça. Os estágios imaturos
podem infestar antílopes pequenos e carnívoros e, ocasionalmente, roedores. A atividade sazonal é intimamente
associada à temperatura e com períodos chuvosos. R. appendiculatus constitui o principal vetor do grupo de
doenças causado por Theileria parva (febre da Costa Oeste, doença de Corridor e teileriose maligna do
Zimbábue) e do vírus da doença ovina de Nairobi; também é um vetor de Theileria taurotragi, Ehrlichia bovis,
Rickettsia conorii e vírus de Thogoto. Infestações maciças nos bovinos Bos taurus suscetíveis, às vezes, causam
toxemia fatal, perda de resistência a várias infecções e lesões graves nas orelhas do hospedeiro.
O carrapato intimamente relacionado R. zambeziensis, com preferência de hospedeiros semelhantes, é
encontrado nas savanas de terras baixas mais secas na Tanzânia, Zimbábue, Zâmbia, Botsuana e na região sul­
africana do Transvaal; ele também é um vetor da febre da Costa Oeste. Outras espécies aparentadas com R.
appendiculatus incluem R. nitens na Província do Cabo, na África do Sul e R. duttoni em Angola e na República
Democrática do Congo.
R. pulchellus, um parasito de zebras de cor marfim, também infesta animais de produção e animais de caça
nas savanas ao leste do vale do Rift, desde o sul da Etiópia até a Somália e o nordeste da Tanzânia. Os adultos e
as formas imaturas, em geral, infestam o mesmo hospedeiro; entretanto, as formas imaturas também se
alimentam em lebres, e as larvas (“carrapatos­semente”) são parasitos que causam muita irritação em pessoas.
R. pulchellus se alimenta nas orelhas e no abdome ventra, principalmente nas estações úmidas. Esse carrapato é
vetor de Babesia equi (entre as zebras), Theileria spp., Trypanosoma theileri, Rickettsia conorii, vários
Bunyaviridae (vírus da febre hemorrágica da Crimeia­Congo, vírus da doença ovina de Nairobi, vírus de
Kajiado, vírus de Kismayo e vírus de Dugbe) e do vírus de Barur.
Os carrapatos africanos do gênero Rhipicephalus de dois hospedeiros são subespécies de R. evertsi e R.
glabroscutatum. R. evertsi evertsi (um carrapato de pernas grandes e vermelhas, olhos em forma de contas e
parasito das zebras do leste da África) parasito todos os tipos de animais silvestres e animais herbívoros de
produção (mas raramente suínos). Os estágios imaturos e os adultos infestam os mesmos hospedeiros; os
imaturos também são relatados em lebres. Ele se distribui desde a África do Sul pelo leste da África, ao leste do
rio Nilo, até o sul do Sudão e também se estabeleceu nas montanhas do Iêmen. Ocorrem focos disseminados,
introduzidos por animais domésticos, a oeste do rio Nilo. Os estágios imaturos se alimentam no canal auditivo;
os adultos se alimentam predominantemente ao redor do ânus e sob a cauda, mas também nas axilas, virilha e
esterno. É comum a ocorrência de um grande número de carrapatos em um único hospedeiro, sendo de difícil
controle em razão de sua concentração em locais de alimentação difíceis de atingir. O ciclo biológico é
contínuo, por todo o ano, mas é mais lento nas estações mais frescas. R. evertsi evertsi transmite Babesia equi,
Theileria parva (vetor secundário), Borrelia theileri, Rickettsia conorii e vírus de Kerai, Wad Medani e
Thogoto. A subespécie ocidental com pernas listradas (semelhante ao Hyalomma), R. evertsi mimeticus,
encontrada desde o oeste de Botsuana até Namíbia, Angola e República Democrática do Congo, é semelhante às
subespécies quanto às preferências de hospedeiro e locais de alimentação e ao ciclo biológico.
O pequenino R. glabroscutatum se tornou um parasito comum de ovinos, caprinos e outros animais de
produção nas savanas áridas e com arbustos pequenos do sudeste da Província do Cabo, na África do Sul.
Também, infestam os kudus e outros antílopes pequenos. Há poucos registros de estágios imaturos, sempre em
roedores.
O grupo R. pravus, atualmente sob estudo taxonômico, consiste em quatro ou mais espécies nas quais os
adultos se alimentam de animais de produção e animais silvestres herbívoros (incluindo as lebres); os estágios
imaturos se alimentam em musaranhos­elefante (insetívoros), lebres e outros mamíferos pequenos. R. pravus,
um carrapato marrom de olhos convexos, ocorre nas savanas com arbustos e florestas do leste da África. Ele é
infectado pelo vírus de Kadam. O parente próximo R. occulatus, um parasito das lebres, e um outro parasito
aparentado dos animais de produção ainda sem nome são encontrados no sul da África.
O grupo R. punctatus de parasitos dos animais de produção e de artiodáctilos silvestres, difícil de classificar,
compreende o R. punctatus (Angola, Moçambique e Tanzânia), R. kochi (neavi – Botsuana até o Quênia e
República Democrática do Congo) e uma espécie ainda não nomeada do Zimbábue e África do Sul.
O grupo R. capensis também se encontra sob estudo. Originalmente parasito do búfalo cafre, essa espécie
atualmente parasito animais de produção e silvestres na Namíbia e África do Sul (R. capensis e R. gertrudae),
no leste da África (R. compositus e R. longus) e oeste da África até o sudoeste do Sudão (R. pseudolongus).
Acima de 1.800 m de altitude, nas regiões de florestas e arbustos do leste da África, R. hurti e R. jeanelli
infestam animais de produção, búfalos cafres e outros grandes animais de caça. R. hurti também habita as
montanhas na República Democrática do Congo. Ambas as espécies se alimentam principalmente nas orelhas
dos hospedeiros; R. jeanelli também se alimenta na vassoura da cauda.
R. simus, o protótipo do grupo R. simus e há muito tempo considerado uma espécie bem estabelecida,
atualmente é classificado em várias espécies. Na nova classificação, R. simus propriamente dito é encontrado no
centro e no sul da África, principalmente ao sul da latitude 8°S, onde é um vetor experimental competente de
Anaplasma marginale e A. centrale. No leste e norte da África, R. simus é substituído por uma espécie menos
pontilhada, R. praetextatus, que se distribui do centro da Tanzânia até o Egito. Os adultos de ambas as espécies
parasitam animais de produção, cães, carnívoros silvestres, animais de tiro de tamanhos grande e médio e o
homem. Sua ocorrência e densidade em animais de produção são inexplicavelmente erráticas. Os estágios
imaturos se alimentam em roedores escavadores comuns nas savanas. Ambas as espécies causam paralisia por
carrapatos em pessoas e transmitem Rickettsia conorii e Coxiella burnetii. No Quênia, R. praetextatus é um
vetor do vírus de Thogoto e pode ser um vetor secundário do vírus da doença ovina de Nairobi. A oeste do rio
Nilo, essas espécies são substituídas por R. senegalensis e R. muhsamae.
Boa parte da literatura sobre R. tricuspis (Tanzânia à África do Sul) e R. lunulatus (oeste da África até a
Etiópia e a Tanzânia) está incorreta. O principal local de alimentação, tanto nos animais de produção como nos
silvestres, é a vassoura da cauda, mas outras partes do hospedeiro também podem ser utilizadas.
R. sanguineus e R. turanicus do grupo R. sanguineus já foram descritos anteriormente. As espécies
relacionadas incluem R. camicasi e R. bergeoni, no nordeste da África, R. guilhoni e R. moucheti, no oeste da
África, e as duas “formas” amplamente distribuídas de R. sulcatus, que estão sob estudo.
Duas espécies bastante distintas e, com frequência, confundidas com R. appendiculatus são R. supertritus (da
província sul–africana de Natal até o sul do Sudão) e R. muhlensi (Quênia e do sul do Sudão até o centro da
África). Os adultos de ambas as espécies parasitam bovinos, búfalos cafres, antílopes e grandes animais de caça;
R. supertritus também é encontrado em carnívoros.

CARRAPATOS ARGASÍDEOS IMPORTANTES

ARGAS SPP.

A maioria das 57 espécies conhecidas de Argas spp. é específica de pássaros e morcegos; algumas espécies
parasitam mamíferos terrestres silvestres ou jabutis gigantes de Galápagos. As espécies de importância na
transmissão de Aegyptianella pullorum e Borrelia anserina às aves domésticas são Argas persicus (em muitas
áreas tropicais e subtropicais do mundo), A. arboreus (boa parte da África, incluindo o Egito), A. africolumbae
(África tropical), A. walkerae (sul da África) e A. miniatus (América do Sul e América Central). Outras espécies
que infestam aves domésticas parecem transmitir tanto A. pullorum quanto B. anserina (ver p. 2957). A paralisia
por carrapato é causada pelo repasto de A. persicus, A. arboreus, A. walkerae, A. miniatus, A. radiatus e A.
sanchezi (EUA). Essas e outras espécies de Argas spp. podem causar grande irritação quando se alimentam em
pessoas.

CARIOS SPP.

A maioria das 88 espécies de Carios é parasito espécie­específica de morcegos e roedores. Várias espécies
infestam ninhos de aves em rochas e cavernas. Esses carrapatos normalmente vivem próximos aos seus
hospedeiros em cavernas, árvores ocas e superfícies rochosas e, dessa forma, raramente entram em contato com
animais domésticos. No entanto, em locais nos quais morcegos ocupam telhados e forros de casas, os parasitos
podem representar um problema para pessoas e seus animais de estimação. O carrapato C. kelleyi na América
do Norte e C. vespertilionis na Europa, que na natureza se alimentam quase que exclusivamente em morcegos
que habitam cavernas e árvores ocas, são encontrados em números maciços em casas em associação a colônias
de morcegos, sendo relatados ataques dos carrapatos a pessoas. Parasitos de ninhos de aves que vivem em
colônias, como C. amblus, C. capensis e C. denmarki podem representar uma ameaça a colônias de reprodução
e são conhecidos como causa de morte em pintinhos.

ORNITHODOROS SPP.

A maioria das 37 espécies de Ornithodoros habita locais protegidos, como tocas, grutas, buracos, rochedos e
colônias de pássaros. Dentre as poucas espécies que parasitam animais de produção, O. savignyi e O. coriaceus
são excepcionais em razão da presença de olhos e por habitarem imediatamente abaixo ou acima do solo, sob a
sombra de árvores e pedras, onde os animais de produção e animais de caça descansam e dormem. O. savignyi,
o carrapato da areia, vive em áreas semiáridas da Namíbia à Índia e Sri Lanka e, com frequência, é muito
abundante. Pessoas e animais de produção amarrados sofrem irritação grave e toxicose por picadas de carrapato
da areia; também foram relatadas paralisia e morte de animais. O. coriaceus, o “pajaroello” dos habitats de
cerrado de carvalhos em encostas do norte da Califórnia e Nevada até Chiapias, México, ocupa camas de cervos
embaixo de árvores e próximo a rochas grandes. Ele é bem conhecido por provocar irritação em cervos e
bovinos e sua picada produz uma reação cutânea grave em pessoas. O aborto epizoótico bovino, causado por
Borrelia crocidurae, parece ser transmitido apenas por O. coriaceus. O. guerneyi abriga­se em solos
sombreados por árvores em zonas áridas da Austrália, onde cangurus e pessoas descansam; animais de produção
raramente ou nunca ocupam essas áreas.
Dentre as numerosas espécies de Ornithodoros que habitam tocas, várias são naturalmente infectadas com o
vírus da peste suína africana (PSA) na África ou possuem a capacidade, confirmada por laboratório, de albergar
e transmitir o agente na Europa e nas Américas. O reservatório natural e o vetor do vírus da PSA é O. porcinus,
que é abundante em tocas de suínos africanos tropicais e também porcos­da­terra e porcos–espinho. Eles se
adaptaram secundariamente a habitações de pessoas e abrigos de animais domésticos, onde vivem em
rachaduras nas paredes e no chão. As populações de porcos domésticos nas vizinhanças de porcos silvestres
infectados podem ser dizimadas pela peste suína africana (PSA). Suínos silvestres e domésticos não estão
envolvidos na epidemiologia de Borrelia duttoni, o agente da febre recidivante africana humana, que é
transmitido pelo O. moubata. O vírus da PSA foi transportado em carnes infectadas para a Espanha onde O.
marocanus, que habita tocas de ratos e estábulos de porcos, é um vetor eficiente. O. marocanus também é um
reservatório e vetor de Borrelia hispanica, o agente da febre recidivante africana humana no noroeste da
Espanha. A PSA foi igualmente introduzida no Brasil, Haiti, República Dominicana e Cuba. Os carrapatos
americanos O. turicata, O. dugesi e O. coriaceus são vetores potenciais do vírus da PSA.
O. tholozani (O. papillipes, também O. crossi) infesta tocas, grutas, estábulos, cercas de barro e pedras e
casas de pessoas em meios semidesérticos, estepes e em ambientes com estação seca longa da China, sul da
antiga União Soviética, noroeste da Índia e Afeganistão até Grécia, nordeste da Líbia e leste das ilhas do
Mediterrâneo. Vários roedores, ouriços, porcos­espinho e animais domésticos carreiam populações de O.
tholozani. As pessoas desenvolvem febre recidivante persa grave, às vezes fatal, quando picados por O.
tholozani infectado com Borrelia persicus.
O. lahorensis, originalmente um parasito de ovinos silvestres que descansam em abrigos de rochedos, é uma
peste importante de animais de produção estabulados em terras baixas e montanhas do Tibete, Caxemira e sul da
antiga União Soviética até Arábia Saudita e Turquia, Grécia, Bulgária e Iugoslávia. O ciclo biológico de dois
hospedeiros e a longa fixação de O. lahorensis no inverno é biologicamente notável. Ele é deletério para os
animais de fazenda mantidos por um longo período em estábulos altamente infestados durante o inverno; isso
pode causar paralisia, anemia e intoxicação e transmitir os agentes da piroplasmose, brucelose, febre Q,
tularemia e, possivelmente, Borrelia persica, o agente da febre recidivante da Pérsia.
O. turicata parasito roedores que vivem em tocas, fendas ou grutas, corujas, cobras, jabutis e também porcos
domésticos e outros animais de produção no sul dos EUA e México. Ao contrário do padrão alimentar da
maioria dos Ornithodoros, as formas imaturas de O. turicata ingurgitam em menos de 30 min, mas os adultos
podem permanecer fixados no hospedeiro por até dois dias. O. turicata foi associado a doenças em suínos e
reações tóxicas graves e infecções secundárias podem ocorrer se pessoas forem picadas.
O. furucosus parasito pessoas e animais de produção em casas e estábulos no noroeste da América do Sul.
Outras pestes de animais de produção e pessoas da América do Sul, provavelmente parasitos originários de
queixadas, são O. braziliensis e O. rostratus.

OTOBIUS SPP.

Otobius megnini, que é altamente especializado biologicamente e estruturalmente, infesta os canais auditivos de
antílopes, ovinos montanheses, cervos da Virgínia e cervos orelhudos em biotas com baixo índice pluviométrico
do oeste dos EUA e no México e oeste do Canadá. Bovinos, equinos, caprinos, ovinos, cães e pessoas são
similarmente infestados. Esse parasito, oculto, foi transportado com animais de produção para o oeste da
América do Sul, Galápagos, Cuba, Havaí, Índia, Madagascar e sudeste da África. Notavelmente, os adultos
possuem aparelho bucal afuncional e permanecem no solo sem se alimentar, mas podem sobreviver por quase
dois anos. As fêmeas podem depositar até 1.500 ovos em um período de duas semanas. As larvas e os dois
instares de ninfa se alimentam por 2 a 4 meses, principalmente no inverno e primavera. Pode haver duas ou
mais gerações por ano. As pessoas e outros animais podem sofrer irritação grave pelas infestações dos canais
auditivos e os animais de produção infestados maciçamente perdem condição corporal durante o inverno. São
relatadas paralisia por carrapato e infecções secundárias por miíases. O. megnini é infectado por agentes da
febre Q, tularemia, febre do carrapato do Colorado e febre maculosa das Montanhas Rochosas. A segunda
espécie de Otobius sp., O. lagophilus, se alimenta nas cabeças de lebres e coelhos no oeste dos EUA.

CONTROLE DE CARRAPATOS

As principais razões para o controle de carrapatos são: proteger os hospedeiros da irritação provocada pela
picada e de perdas de produção, formação de lesões que podem se tornar secundariamente infectadas, danos ao
couro e ao úbere, toxicoses, paralisia e, sobretudo, infecção por uma ampla variedade de microrganismos
patogênicos. O controle também evita a disseminação de espécies de carrapatos e de doenças por eles
transmitidas para áreas, regiões ou continentes livres destas enfermidades.

Controle Biológico e Cultural

Essas medidas podem ser direcionadas contra os estágios de vida livre e parasitário dos carrapatos. Os estágios
de vida livre da maioria das espécies de carrapatos, tanto argasídeos quanto ixodídeos, possuem necessidades
específicas quanto ao microclima e estão restritos a um microhabitat particular, dentro de ecossistemas
habitados por seus hospedeiros. A destruição desses microhabitats reduz a abundância de carrapatos. A
alteração do ambiente pela remoção de determinados tipos de vegetação foi utilizada para o controle do
Amblyomma americanum em áreas de recreação do sudeste dos EUA e no controle de Ixodes rubicundus na
África do Sul. O controle de carrapatos argasídeos, como Argas persicus e A. walkerae em aves domésticas,
pode ser realizado por meio da eliminação de fendas em paredes e poleiros, que fornecem abrigo para os
estágios de vida livre.
É possível também reduzir a abundância de espécies de carrapatos pela remoção de hospedeiros alternativos
ou hospedeiros de um estágio particular do ciclo biológico. Esse procedimento foi adotado algumas vezes no
controle de carrapatos ixodídeos com três hospedeiros, como Rhipicephalus appendiculatus, Amblyomma
hebraeum e Ixodes rubicundus, na África, e Hyalomma spp., no sudeste da Europa e da Ásia.
Rotação de pastagens ou revezamento de pastos foi utilizada para o controle do carrapato ixodídeo de um
hospedeiro Rhipicephalus (Boophilus) microplus, na Austrália. Esse método também pode ser aplicado a outros
carrapatos de um hospedeiro, nos quais a duração do período de revezamento é determinada pelo tempo de vida
relativamente curto da larva de vida livre do parasito. No entanto. isso possui pouca aplicação para carrapatos
ixodídeos de múltiplos hospedeiros ou carrapatos argasídeos, em razão dos longos períodos de sobrevivência de
ninfas e adultos não alimentados.
Predadores, incluindo pássaros, roedores, musaranhos, formigas e aranhas, desempenham papel importante na
redução do número de carrapatos de vida livre em algumas áreas. No Novo Mundo, as formigas de fogo
(Pheidole megacephala) são predadoras notáveis de carrapatos. Os carrapatos ingurgitados também podem ser
parasitados por larvas de algumas vespas (Hymenoptera), mas isso não promoveu uma redução relevante da
população de carrapatos.
Bovinos zebuínos (Bos indicus) e Sanga (cruzamento de B. taurus com B. indicus), que são as raças indígenas
da Ásia e da África, em geral, se tornam muito resistentes aos carrapatos ixodídeos após uma exposição inicial.
Em contraste, as raças europeias (B. taurus) normalmente se mantêm bastante suscetíveis. A resistência das
raças zebuínas e seus cruzamentos ao carrapato é cada vez mais explorada como meio de controle dos estágios
parasitários. A introdução de bovinos zebuínos na Austrália revolucionou o controle de R. (B.) microplus
naquele país. O uso de bovinos resistentes como meio de controle dos carrapatos também está se tornando
importante na África e nas Américas. Na África, as infestações por carrapatos ixodídeos nos animais de
produção e em ungulados silvestres também podem ser reduzidas pelos pica­bois (Buphagus spp.), que são
pássaros que se alimentam de carrapatos fixados ao hospedeiro.

Controle Químico

Ver p. 2696.
O controle de carrapatos com acaricidas pode ser direcionado contra os estágios de vida livre no ambiente ou
contra os estágios parasitos nos hospedeiros. O controle dos carrapatos ixodídeos por tratamento da vegetação
com acaricidas foi feito em locais específicos (p. ex., ao longo de trilhos) em áreas de recreação dos EUA e em
outros locais, para reduzir o risco de parasitarem os humanos. Esse método não é recomendado para uso mais
amplo, em razão da poluição ambiental e do custo do tratamento de grandes áreas. Canis, celeiros e residências
também podem requerer tratamento periódico com acaricidas para o controle dos estágios de vida livre dos
carrapatos ixodídeos, tais como o carrapato de canil, Rhipicephalus sanguineus.
Os estágios de vida livre dos carrapatos argasídeos, que infestam focos específicos como galinheiros,
pombais, chiqueiros e residências, são tratados com maior frequência e mais efetivamente com acaricidas.
O tratamento dos hospedeiros com acaricidas para matar larvas, ninfas e adultos de carrapatos ixodídeos
fixados e larvas de carrapatos argasídeos tem sido o método de controle mais amplamente utilizado. Na primeira
metade do século, o principal acaricida era o trióxido de arsênio. Subsequentemente, organoclorados,
organofosforados, carbamatos, amidinas, piretroides e avermectinas foram utilizados em diferentes partes do
mundo. A introdução de novos compostos, tais como os fenilpirazóis, tem sido necessária em razão do
desenvolvimento de resistência nas populações de carrapatos.
Os acaricidas são mais comumente aplicados nos animais de produção nas formas de banhos de imersão e
sprays; os banhos de imersão são considerados mais efetivos. Nos últimos anos, vários outros métodos de
aplicação de acaricidas foram desenvolvidos, incluindo a liberação lenta de medicamentos sistêmicos a partir de
implantes e bolus, brincos impregnados com acaricidas convencionais de liberação lenta, pour­on (que são
aplicados no dorso do animal e difundem­se rapidamente por toda a superfície corpórea) e spot­on (que são
similares ao pour­on, porém com menor capacidade de difusão). Em aves, os acaricidas normalmente são
aplicados na forma de pó; em gatos, na forma de banhos ou pó; e em cães na forma de pó.
Por muitos anos, os piretroides e organofosforados formulados como pós, banhos ou coleiras foram utilizados
para o controle de carrapatos em cães e gatos. Com o advento dos fenilpirazóis, foram introduzidos sprays de
longa ação e formulações spot­on convenientes. Recentemente, os piretroides foram introduzidos como
produtos spot­on altamente concentrados, que são indicados apenas para cães, em razão da sua toxicidade para
gatos. O uso desses piretroides concentrados não é aconselhável em cães que convivem com gatos na mesma
casa.

Estratégias de Controle

Inicialmente, as principais indicações de uso dos acaricidas eram a erradicação de carrapatos, prevenção da
disseminação de carrapatos e das doenças transmitidas por eles (quarentena) e o controle e a erradicação de
doenças transmitidas por carrapatos. Os programas de erradicação foram efetivos em algumas regiões
subtropicais ecologicamente marginais, como o sul dos EUA e a região central da Argentina, onde
Rhipicephalus (Boophilus) spp. e babesiose foram erradicados, e no sul da África, onde se erradicou a febre da
Costa Leste (causada por Theileria parva parva). Os programas foram menos eficientes em áreas tropicais mais
favoráveis ecologicamente, como o nordeste da Austrália, América Central, ilhas do Caribe e leste da África.
Nas áreas nas quais a erradicação não foi possível, o custo da manutenção de programas de controle
intensivos, com frequência, tem tornado esses programas proibitivos. Por essa razão, foram adotadas estratégias
de controle biológico e químico integrados. A efetividade dessas estratégias de contenção de custos requer um
melhor conhecimento da dinâmica das associações entre os agentes patológicos, seus hospedeiros vertebrados,
os carrapatos vetores e o ambiente. Medidas de quarentena rigorosa para prevenir reintroduções são obrigatórias
em países onde os carrapatos e as doenças transmitidas por eles foram erradicadas. Modelos climáticos,
sistemas de informação geográfica e sistemas inteligentes (modelos baseados no conhecimento de especialistas
e na inteligência artificial) estão sendo utilizados para identificar áreas não afetadas, nas quais as pragas podem
se instalar se os carrapatos forem introduzidos.
O controle dessas doenças requer a utilização dos princípios de estabilidade endêmica e o desenvolvimento
de vacinas recombinantes melhoradas. Uma estratégia atual e promissora é a identificação dos sítios receptores
no intestino intermediário dos carrapatos vetores e o desenvolvimento de anticorpos que se ligam a esses sítios,
evitando assim que os patógenos ingeridos pelo carrapato o infectem. Os bovinos que receberem os antígenos
de sítios receptores podem produzir anticorpos que serão ingeridos pelos carrapatos durante a alimentação.

Vacinas

Um avanço recente de muita importância foi a produção de uma vacina promissora contra R. (B.) microplus,
utilizando biotecnologia. O agente imunizante é um antígeno do carrapato, que normalmente não é encontrado
no hospedeiro. O mecanismo imune que a vacina estimula é diferente daquele envolvido na exposição aos
carrapatos (i. e. carrapatos se alimentando). O antígeno é derivado de um extrato bruto das fêmeas adultas
parcialmente ingurgitadas. Ele estimula a produção de um anticorpo que danifica as células intestinais dos
carrapatos e os mata ou reduz drasticamente seu potencial reprodutivo.
As perspectivas de desenvolvimento de vacinas similares contra outros ixodídeos vetores de doenças de
grande importância em bovinos ainda não está clara. Os carrapatos Rhipicephalus (Boophilus) são bons
candidatos a essas vacinas por possuírem ciclo biológico de um hospedeiro e mostrarem acentuada preferência
por bovinos que, provavelmente, atuam como principal reservatório do mais importante patógeno transmitido
pelo carrapato (Babesia spp.). Por outro lado, a maioria das outras espécies de carrapatos vetores de doenças
importantes aos bovinos (p. ex., anaplasmose, caudriose e teileriose) apresenta ciclo de três hospedeiros, e não
infestam apenas bovinos, mas também espécies de ungulados silvestres, para os quais a utilização das vacinas
não é viável. Além disso, muitos ungulados silvestres hospedeiros de carrapatos vetores servem como
reservatórios desses agentes patológicos. Por essas razões, as vacinas contra carrapatos não boofilídeos vetores
pode não ser capaz de erradicar os carrapatos ou eliminar fontes importantes de doenças que eles podem
transmitir.

HELMINTOS CUTÂNEOS

DERMATITE POR PELODERA (DERMATITE RABDÍTICA)

Esta é uma dermatite rara, não sazonal, aguda, que resulta da invasão da pele por uma larva de nematódeo
saprófita, de vida livre, Pelodera strongyloides. A larva é ubíqua em matérias orgânicas em decomposição e
próximas à superfície do solo úmido, porém apenas ocasionalmente são parasitos. A exposição da larva ocorre
com o contato direto com material infestado, como cama úmida e suja. As larvas podem não estar aptas a
invadir a pele saudável; dermatoses preexistentes ou condições ambientais que favorecem a maceração da pele,
como exposição constante à lama ou a cama úmida podem facilitar a invasão. Dermatites por Pelodera foram
descritas em cães, bovinos, equinos, ovinos, cobaias e pessoas.
Tipicamente, as lesões limitam­se às áreas do corpo em contato com o material infestado, como extremidades,
abdome e tórax ventral e períneo. A pele afetada é eritematosa e parcial a completamente alopécica, com
pápulas, pústulas, crostas, erosões ou ulcerações. O prurido é em geral intenso, mas pode ser moderado e até
ausente. O diagnóstico diferencial inclui demodiciose, sarna sarcóptica canina, dermatofitoses, piodermites e
outras doenças cutâneas raras, causadas por infestações larvais como dermatite por ancilostoma, dirofilariose,
dipetalonemíase e estrongiloidíase.
O diagnóstico é facilmente confirmado pelo achado de larvas vivas e móveis de P. strongyloides nos raspados
cutâneos das áreas afetadas. As larvas são cilíndricas, com cerca de 600 × 38 μm. O exame histopatológico das
biopsias de pele revela larvas nos folículos pilosos e na derme superficial e geralmente um infiltrado
inflamatório na derme. As larvas são facilmente cultivadas em placas de ágar­sangue a 25°C.
O tratamento efetivo consiste primariamente na remoção e destruição do material úmido e infectado da cama
e a transferência do animal para um local limpo e seco. A recuperação espontânea ocorre usualmente. Pode ser
desejável banhar ou aspergir os animais afetados com uma preparação inseticida ao menos duas vezes em
intervalos semanais. Se o prurido for grave, pode­se indicar o uso de corticosteroides, a curto prazo.

ELAEOFORÍASE (Dermatose filariana, Cegueira com “olhos claros”, Ferida na cabeça)


Elaeophora schneideri é um parasito de veados orelhudos e veados de cauda preta encontrados nas montanhas
do oeste e do sudoeste dos EUA e em Nebraska; também pode infectar veados de cauda branca nas regiões sul e
sudeste. Os parasitos adultos medem 60 a 120 mm de comprimento e geralmente são notados nas artérias
carótida comum e maxilar interna. As microfilárias, cerca de 275 μm de comprimento e 15 a 17 μm de
espessura, normalmente são notadas nos capilares cutâneos da testa e da face. O desenvolvimento nos
hospedeiros intermediários, moscas do gênero Tabanus e Hybomitra, requer cerca de 2 semanas. A larva
infectante invade o hospedeiro quando a mosca dos equinos se alimenta, migrando para artérias
leptomeningeanas e se desenvolve até a forma adulta imatura em cerca de 3 semanas. Estas jovens adultas
migram contra o fluxo sanguíneo e se estabelecem na artéria carótida comum, local onde continuam a crescer.
Os parasitos alcançam a maturidade sexual cerca de 6 meses mais tarde e começam a produzir microfilárias. A
vida dos adultos é de 3 a 4 anos.
ACHADOS CLÍNICOS: A doença clínica não foi relatada em veados orelhudos e veados de cauda preta; portanto
são considerados hospedeiros definitivos. Quando as moscas dos equinos transmitem a larva infectante aos
alces, renas, ovinos e caprinos domésticos, veados sika e possivelmente, ao veado de cauda branca, a larva se
desenvolve nas artérias leptomeningeanas e causa necrose isquêmica do tecido cerebral, resultando em cegueira,
dano cerebral e morte súbita. A cegueira nesses animais é caracterizada por ausência de opacidades nos meios
refratários oculares (cegueira com “olhos claros”).
Os ovinos e caprinos domésticos, especialmente cordeiros, cabritos e sobreanos podem morrer subitamente
em 3 a 5 semanas após a infecção. O óbito geralmente ser precedido por incoordenação, andar em círculos e
geralmente convulsões e opistótono. Vários trombos ocorrem no cérebro e nas artérias leptomeningeanas. Uma
ou mais E. schneideri jovens adultas acompanham cada trombo. Se os ovinos e os caprinos sobreviverem à
infecção inicial, uma dermatite profunda e sanguinolenta se desenvolverá na parte superior da cabeça, testa ou
face (“ferida na cabeça”) em 6 a 10 meses mais tarde. Outras lesões ocasionalmente ocorrem nos membros
pélvicos, abdome e patas. As lesões correspondem a dermatites alérgicas em resposta às microfilárias alojadas
nos capilares. As lesões persistem com períodos de cicatrização intermitente e incompleta por cerca de 3 anos,
seguidas por recuperação espontânea. Hiperplasia e hiperqueratose se desenvolvem na epiderme das áreas
parasitadas.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico diferencial inclui cenurose (Taenia, p. 1398), necrose cerebrocortical (p. 1383) e
enterotoxemia (p. 657). Elaeoforose não deve ser considerada a menos que os ovinos ficaram em áreas
endêmicas durante o verão. O diagnóstico em cordeiros, cabritos, filhotes de alce ou bezerros geralmente é
realizado na necropsia; numerosos trombos e parasitos são notados nas artérias carótida comum, maxilar
interna, cerebrais e leptomeningeanas. O diagnóstico presuntivo em ovinos adultos baseia­se no histórico,
localização e tipo de lesão. A lesão cutânea deve ser diferenciada das dermatoses ulcerativas (p. 1030). A
confirmação ocorre quando se encontram microfilárias nas lesões ou pela recuperação de parasitos adultos
postmortem. Deve­se macerar uma biopsia cutânea da lesão em solução salina isotônica e deixar descansar = 6 h
em temperatura ambiente. A pele é coada e o líquido é examinado para a pesquisa de microfilárias.
TRATAMENTO: Sais de piperazina (220 mg/kg, VO) são efetivos. A recuperação completa ocorre em 18 a 20
dias. Não há tratamento disponível para a forma cerebral da doença.

ESTEFANOFILARIOSE (DERMATITE FILARIANA DOS BOVINOS)

Stephanofilaria stilesi é uma pequena filária parasito que causa dermatite circunscrita ao longo da linha média
ventral dos bovinos. Foi relatado em todo EUA, mas é mais comum no oeste e sudoeste. Os vermes adultos
apresentam 3 a 6 mm de comprimento e em geral são notados na derme, logo abaixo da camada epidérmica. As
microfilárias apresentam 50 μm de comprimento e estão encapsuladas por uma membrana vitelina esférica e
semirrígida. O hospedeiro intermediário da S. stilesi é a fêmea da mosca do chifre, Haematobia irritans (p.
991). As moscas do chifre alimentam­se na lesão contendo microfilárias, estas desenvolvem o terceiro estágio
infectante em 2 a 3 semanas. As larvas infectantes são introduzidas na pele quando a mosca do chifre se
alimenta.
A dermatite se desenvolve ao longo da linha média ventral, geralmente entre a musculatura do peito e o
umbigo. Com a exposição repetida, a lesão dissemina­se e geralmente envolve a pele posterior ao umbigo. As
lesões ativas são cobertas por sangue ou exsudato seroso, enquanto lesões crônicas são lisas, secas e desprovidas
de pelos. Hiperqueratose e paraqueratose ocorrem na epiderme das áreas parasitadas.
Os raspados cutâneos profundos são macerados em solução salina isotônica e examinados ao microscópio
para a pesquisa de adultos ou microfilárias. As microfilárias devem ser diferenciadas das microfilárias de
Onchocerca lienalis, O. gutturosa e Setaria spp, que são maiores (200 a 250 μm), e Pelodera strongyloides (ver
anteriormente), um pequeno nematódeo de vida livre que ocasionalmente é responsável por uma dermatite
úmida superficial. O esôfago rabditiforme da P. strongyloides não é notado nos nematódeos filariais.
Estefanofilariose cutânea. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.

Não há tratamento aprovado disponível para S. stilesi, mas aplicações tópicas de organofosforados (triclorfon
6 a 10%, 1 vez/dia ou em dias alternados, por 7 dias) mostraram­se efetivas contra outras espécies de
Stephanofilaria. A ivermectina foi efetiva contra microfilárias de S. zaheeri.

HABRONEMOSE CUTÂNEA (FERIDA DE VERÃO, FERIDA DE JACK, BURSATTI)

Habronemose cutânea é uma doença de pele dos equídeos causada em parte por larvas de vermes estomacais
espirurídeos (p. 362). Quando as larvas emergem das moscas que se alimentaram em ferimentos preexistentes
ou da umidade das genitais ou dos olhos, elas migram para o interior dos tecidos, provocando irritação tecidual,
que desencadeia uma reação granulomatosa. A lesão torna­se crônica e retarda a cicatrização. O diagnóstico é
baseado nos achados de granulomas cutâneos gordurosos, não cicatrizantes, de coloração marrom­avermelhada
que contêm um material amarelo calcificado do tamanho de grãos de arroz. As larvas, reconhecidas por uma
protuberância espinhosa na cauda, são notadas em raspados das lesões em algumas ocasiões. Muitos tratamentos
diferentes foram utilizados, porém a maioria apresenta resultados não satisfatórios. O tratamento sintomático
com repelentes de insetos possui certo benefício e os organofosforados aplicados topicamente na superfície
erodida podem matar as larvas. A remoção cirúrgica ou a cauterização do tecido de granulação excessivo pode
ser necessária. O tratamento com ivermectina (200 μg/kg) tem sido efetivo e, embora possa ocorrer uma
exacerbação temporária das lesões (provavelmente em reação às larvas mortas), a cura espontânea pode ser
esperada. Moxidectina na dose de 400 μg/kg também parece ser ativa contra Habronema spp no estômago. O
controle das moscas hospedeiras e a coleta regular e o empilhamento do esterco associados à terapia anti–
helmíntica podem reduzir a incidência.

INFECÇÃO POR PARAFILÁRIA

Parafilaria bovicola

Essa filária parasito de bovinos causa lesões subcutâneas que lembram equimoses. Também foi relatada em
bubalinos (Bubalus bubalis). O verme é esbranquiçado; as fêmeas adultas possuem comprimento de 50 a 65 mm
e os machos, de 30 a 35 mm. É notado na Ásia (Filipinas, Japão, Rússia, Paquistão, Índia), na Europa (Bulgária,
Romênia, França, Suécia) e na África (Marrocos, Tunísia, Ruanda, Burundi, África do Sul, Namíbia, Botsuana,
Zimbábue). Uma espécie foi descoberta no Canadá de um touro importado da França, porém a P. bovicola não
parece ter se estabelecido nos continentes americanos e não foi relatada na Austrália.
A infecção por Parafilaria foi identificada como causa de perda econômica considerável nas indústrias de
carne bovina da África do Sul e da Suécia, apesar das diferenças climáticas. A doença acomete principalmente
bovinos de corte criados em áreas de savana do sul da África; na Suécia, emergiu como um problema de
bovinos em pastagens de primavera, após o confinamento de inverno.
SINAIS CLÍNICOS: Os únicos sinais externos de infecção nos gados são hemorragias cutâneas focais (“manchas
hemorrágicas”) que podem verter por algumas horas antes de coagular e secar na pelagem. As manchas
hemorrágicas são induzidas pela fêmea do parasito, que causa a formação de um pequeno nódulo, perfura a pele
e faz a ovoposição no sangue que sai do ferimento central. Os ovos minúsculos contêm o primeiro estágio larval
do parasito (microfilária). Em ambos os hemisférios norte e sul, as manchas hemorrágicas são acentuadamente
sazonais, sendo mais comuns na primavera e no início do verão. A maioria das manchas ocorre ao longo do
dorso do animal, particularmente nos quartos dianteiros.
Os hospedeiros invertebrados são as moscas da face do gênero Musca (subgênero Eumusca), as quais
ingerem os ovos quando se alimentam nos pontos hemorrágicos. M. autumnalis foi identificada como
hospedeiro na Suécia, M. lusoria e M. xanthomelas na África do Sul e M. vitripennis na Ásia. O
desenvolvimento até as larvas infectantes de terceiro estágio nas moscas leva 10 a 12 dias. A transmissão para
aos bovinos provavelmente ocorre quando as moscas se alimentam nos ferimentos, pontos hemorrágicos
parafilariais e secreções oculares.
Por causa do sangramento sazonal e dos nódulos cutâneos, infecções graves por P. bovinicola foram relatadas
como causa de prejuízo da produtividade dos novilhos de tração na Índia; entretanto a principal importância da
Parafilaria ocorre nos países produtores de carne, pelos danos aos tecidos subcutâneos. As carcaças dos animais
infectados apresentam lesões irregulares, edematosas, amarelo­esverdeadas que lembram equimoses. Estas
costumam ser superficiais, mas ocasionalmente músculos adjacentes são extensamente envolvidos. As lesões
são mais graves durante a primavera e verão.
Frequentemente as carcaças aparadas são seriamente desfiguradas e consequentemente desvalorizadas. Nos
casos graves, as carcaças podem ser condenadas. As lesões são mais comuns e graves em touros do que em
novilhos que, por sua vez, são menos gravemente afetados que as fêmeas.
DIAGNÓSTICO: As manchas hemorrágicas sazonais são esporadicamente confundidas com aquelas causadas por
espinhos, arame, carrapatos ou picadas de outros insetos. Para a diferenciação, deve­se misturar sangue fresco
ou seco em água em um tubo de ensaio e centrifugar. Os ovos característicos são notados no exame
microscópico do sedimento.
As lesões da carcaça podem ser diferenciadas de hematomas pela presença de numerosos eosinófilos no
imprint corado com Giensa, feito a partir das lesões. Ademais, os tecidos afetados possuem um odor
característico, desagradável e metálico.
Geralmente, apenas um pequeno número de vermes está presente nas carcaças infectadas e com frequência é
difícil encontrá­los por causa da sua coloração e da reação inflamatória que acompanha. Os tecidos afetados
podem ser incubados com solução salina morna para facilitar a descoberta dos parasitos. Foi desenvolvido um
teste ELISA para pesquisa de anticorpos contra P. bovicola.
TRATAMENTO E PREVENÇÃO: Ivermectina (200 μg/kg) ou nitroxinila (20 mg/kg), administradas por via SC,
reduz o número e a extensão das lesões provocadas por Parafilaria. Os animais devem ser tratados no mínimo
70 a 90 dias antes do abate, permitindo tempo suficiente para cura das lesões. O intervalo entre o tratamento e o
abate não deve ser > 120 dias porque as formas larvais não afetadas do parasito podem induzir novas lesões
quando se tornam maduras.
Em ensaios na Suécia, o uso de um brinco impregnado de piretroide promoveu bom controle das moscas e
reduziu em 75% as lesões por Parafilaria no abate. A colocação de brincos em todo o rebanho resultou no total
controle do parasito. A utilização de banhos de imersão com piretroides sintéticos com poder residual ativo
também foi efetiva na redução da transmissão.
Pode ser possível triar minuciosamente os animais importados com teste ELISA para prevenir a disseminação
da doença para países não afetados até o momento ou, em conjunto com inseticidas residuais e anti–helmínticos
efetivos, erradicar um novo foco de infecção.

Parafilaria multipapillosa

P. multipapillosa é encontrada no tecido subcutâneo de equinos em várias partes do mundo; é especialmente


comum nas estepes da Rússia e no leste da Europa. É similar em tamanho, aparência, ciclo biológico e
desenvolvimento a P. bovicola. As moscas hematófagas Haematobia spp são os prováveis hospedeiros
invertebrados.
Na primavera e no verão, o parasito causa nódulos cutâneos, particularmente na cabeça e na parte superior
dos quartos anteriores. O sangramento é transitório, mas geralmente é profuso (“sangramento de verão”) e
posteriormente se resolve; outros nódulos hemorrágicos se desenvolvem com a movimentação do parasito para
um local diferente. Ocasionalmente os nódulos podem supurar. Os nódulos e o sangramento não são
significativos e interferem com o arreio de equinos de trabalho, porém geralmente é de baixa consequência. Os
sinais clínicos são patognomônicos.
Não há um tratamento satisfatório disponível, porém o controle das moscas pode reduzir a incidência.
INFECÇÕES POR DRACUNCULUS

Dracunculus insignis é encontrado principalmente no tecido conjuntivo subcutâneo dos membros de guaxinins,
visons e outros animais, inclusive cães, na América do Norte e possivelmente outras partes do mundo. As
fêmeas (= 300 mm de comprimento) são muito maiores os machos (cerca de 20 mm). Eles provocam úlceras na
pele dos seus hospedeiros através das quais projetam sua extremidade anterior, no contato com água. As fêmeas
produzem larvas características com caudas longas e finas. As pulgas d’água (Cyclops sp) são hospedeiros
intermediários nas quais as larvas infectantes se desenvolvem. Os cães se infectam por meio da ingestão de água
contaminada ou de hospedeiros paratênicos (rãs).
Observam­se tratos inflamatórios subcutâneos serpentiformes e úlceras cutâneas edemaciadas, não
cicatrizantes e semelhantes a crateras. Infecções são raras, porém são ocasionalmente notadas nos animais que
se encontram ao redor de lagos pequenos ou corpos de água rasa e parada. O tratamento é feito pela remoção
lenta e cuidadosa das larvas do parasito. A administração de compostos miridazóis ou benzimidazólicos pode
ser útil.
D. medinensis, o verme da Guiné encontrado em parte da África, Ásia e do Oriente Médio, apesar de ser
primariamente um parasito de pessoas, também é encontrado em cães e em outros animais.

ONCOCERCOSE

A classificação taxonômica das 3 espécies de Onchocerca atualmente reconhecidas nos EUA e outras espécies
previamente reconhecidas está em debate. O. cervicalis é encontrado no ligamento nucal e possivelmente em
outros locais, em equídeos. Nos bovinos, O. gutturosa localiza­se no ligamento nucal e O. lienalis no ligamento
gastresplênico. Os adultos estão associados aos tecidos conjuntivos e são muito finos e com 3 a 60 cm de
comprimento. As microfilárias são vistas na derme e, em raras ocasiões, no sangue periférico. As microfilárias
não possuem bainha e apresentam 200 a 250 μm de comprimento com cauda curta, afiada e pontuda. Culicoides
spp (ver p. 987) é o hospedeiro intermediário de O. cervicalis, enquanto Simulium spp é hospedeiro de O.
gutturosa e O. lienalis.
ACHADOS CLÍNICOS: O. cervicalis foi associado à formação de fístula na cernelha, mal da cabeça, dermatite e
uveíte, em equinos. Entretanto, devido ao grande número de parasitos em equinos sem estas doenças, há
controvérsia quanto o papel das larvas na patogênese destas condições.
No ligamento nucal, os parasitos adultos induzem reações inflamatórias, variando de necrose edematosa
aguda a alterações granulomatosas crônicas, resultando em fibrose acentuada e mineralização. Nódulos
mineralizados são mais comuns em equinos idosos. Embora as lesões sejam notadas nestas áreas, presume­se
que estejam associadas a parasitos mortos; geralmente acredita­se que tratos fistulosos nas cernelhas e mal da
cabeça não sejam causados por infecções por O. cervicalis.
As microfilárias concentram­se na pele da linha média ventral. Muitas podem ser notadas em equinos sem
dermatites bem como em equinos com dermatites de face, pescoço, peito, cernelhas, membros torácicos e
abdome. Estas lesões geralmente são caracterizadas por áreas de descamações, crostas, ulceração, alopecia e
despigmentação; podendo ser pruriginosas. A dermatite pode estar associada a reações imunológicas à morte
das microfilárias. Embora a patogênese destas lesões não esteja bem definida, o tratamento com drogas
microfilaricidas pode resultar em melhora drástica. As reações alérgicas à picada de moscas pequenas podem
produzir lesões similares ou exacerbar a dermatite causada pelas microfilárias. Portanto, o diagnóstico de
dermatite associada à Onchocerca pode ser baseado na resposta ao tratamento microfilaricida.
As microfilárias também se alojam nos olhos dos equinos, porém não é consenso de que as microfilárias
estejam associadas às uveítes equinas (p. 553) ou outras lesões oculares em equinos.
DIAGNÓSTICO: O método de diagnóstico mais efetivo é a biopsia cutânea, preferivelmente com obetnção de
fragmento com espessura total = 6 mm. O tecido deve ser picado e macerado em solução salina isotônica por
várias horas. As microfilárias são concentradas e coradas com novo azul de metileno depois da remoção dos
pedaços cutâneos. Podem ser diferenciadas microscopicamente de Setaria spp, que é encontrada no sangue de
bovinos e equídeos, pela presença de uma bainha ao redor da Setaria.
TRATAMENTO: Nenhum tratamento é efetivo contra a filária adulta. Ivermectina (200 μg/kg) e moxidectina (400
μg/kg) são eficazes (> 99%) contra microfilárias e propiciam melhora clínica evidente em equinos com
dermatite por Onchocerca spp. Uma pequena parte dos equinos infectados por O. cervicalis reage ao tratamento
com edema acentuado na linha média ventral 1 a 3 dias depois da terapia. Também já se descreveram lesões
oculares. Estas reações geralmente se resolvem espontaneamente, mas pode ser necessário tratamento
sintomático.
INFESTAÇÃO POR MOSCAS CUTEREBRA EM PEQUENOS

ANIMAIS

Esta infestação parasitária oportunista de cães, gatos e furões é causada pela mosca–do­berne dos roedores ou
dos coelhos, Cuterebra spp (ordem Diptera, família Cuterebridae). As moscas são geralmente hospedeiro e
local­específicas em relação ao ciclo de vida. No entanto, a Cuterebra spp dos coelhos é menos hospedeiro­
específica e se associa com infestações em cães e gatos. Raramente, os gatos e os cães podem estar infestados
por Hypoderma spp ou Dermatobia hominis. Furões que vivem em ambiente externo ao domicílio podem ser
infestados por Hypoderma ou Cuterebra spp.
ETIOLOGIA: As moscas adultas do gênero Cuterebra são grandes e semelhantes a abelhas e não se alimentam ou
picam. As fêmeas depositam seus ovos ao redor das aberturas de ninhos e tocas de animais, ao longo dos
caminhos percorridos pelos hospedeiros normais ou em pedras e vegetações nestas áreas. Uma mosca fêmea
pode depositar 5 a 15 ovos por local e > 2.000 ovos em toda a sua vida. Os animais se infestam quando passam
pelas áreas contaminadas; os ovos eclodem em resposta ao calor de um hospedeiro vizinho. No hospedeiro­alvo,
as larvas entram no corpo pela boca ou pelas narinas durante a higiene ou, menos comumente, por ferimentos
abertos. Depois da penetração, as larvas migram para várias localizações subcutâneas espécie­específicas no
corpo, onde se desenvolvem e se comunicam com o ar através de um poro respiratório. Depois de cerca de 30
dias, as larvas saem da pele, caem no solo e se transformam em pupas. A duração do estágio de pupa varia,
dependendo de fatores ambientais e da diapausa invernal.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Lesões por Cuterebra são mais comuns no verão e no outono, quando as
larvas aumentam de tamanho e produzem um inchaço fistulante de cerca de 1 cm de diâmetro. Os cães, gatos e
furões são hospedeiros anormais do parasito; migrações aberrantes podem envolver cabeça, cérebro, vias nasais,
faringe e pálpebras. Na pele, observam­se lesões típicas ao redor da cabeça, do pescoço e tronco.
Frequentemente, o pelo fica emaranhado e há inchaço subcutâneo sob as lesões. Os gatos costumam limpar
agressivamente a área. A dor local é variável e geralmente se associa com infecções secundárias. Pode exsudar
um material purulento da lesão; os diagnósticos diferenciais mais comuns são abscesso ou corpo estranho.
Gatos de vida livre são mais propensos ao desenvolvimento das lesões em relação aos gatos domiciliados. Os
sinais clínicos geralmente associam­se ao SNC e ocorrem, tipicamente, entre julho e setembro. Os gatos podem
apresentar depressão, letargia ou convulsões; infecções de vias respiratórias superiores ou temperaturas
corporais anormais (tanto hipertermia como hipotermia). Achados neurológicos comuns são cegueira, estado
mental anormal e sinais de doença prosencefálica unilateral. Os sinais vestibulares idiopáticos podem decorrer
da migração aberrante do parasito.
O diagnóstico definitivo é feito pelo achado e identificação da larva. Em gatos, TC pode ajudar a identificar
as larvas. O segundo estágio larval tem 5 a 10 mm de comprimento e é de coloração cinza a creme. O terceiro
estágio larval é escuro, grosso, com espinhos e é o estágio mais notado pelos veterinários.
TRATAMENTO: As lesões suspeitas devem ser exploradas cuidadosamente pela abertura e sondagem cuidadosas
do poro respiratório ou fístula com pinça mosquito. Não se deve apertar a lesão, pois isso pode romper a larva e
provocar reação crônica de corpo estranho e infecção secundária. Existem relatos de anafilaxia associada à
ruptura larval cause anafilaxia. Caso seja possível, deve­se remover a larva inteira; abscessos recidivantes no
local prévio de infestação de larva de Cuterebra sugerem infecção residual ou pedaços de larva remanescentes.
A área deve ser lavada completamente com um jato com solução salina estéril, debridada (se necessário) e
permitir cicatrizar por granulação. A cura pode ser lenta. Gatos com cuterebríase no SNC podem ser tratados
com ivermectina. Uma a duas horas antes da aplicação da ivermectina (400 μg/kg, SC), devem­se aplicar
difenidramina (4 mg/kg, IM) e dexametasona (0,1 mg/kg, IV). A ivermectina não está aprovada para uso em
gatos.

LARVAS DE INSETOS EM BOVINOS

A hipodermose dos bovinos, no hemisfério norte, é causada por larvas (berne de bovinos) de moscas do gênero
Hypoderma (ordem Diptera, família Oestridae). Hypoderma tarandi parasito cervídeos nativos do hemisfério
norte e renas das regiões árticas. Nas Américas Central e do Sul, as larvas (bernes tropicais) de Dermatobia
hominis (ordem Diptera, família Cuterebridae) são parasitos importantes dos bovinos.
DERMATOBIA HOMINIS

A mosca do berne tropical ou torsalo, um dos parasitos mais importantes dos bovinos na América Latina, está
distribuída entre o sul do México e o norte da Argentina. Os estágios larvais são notados em muitos
hospedeiros, como bovinos, ovinos, caprinos, suínos, búfalos, cães, gatos, coelhos e o homem. Os bovinos e os
cães são mais comumente afetados. Acredita­se que D. hominis inicia a lesão que dá origem à lechiguana, uma
doença de bovinos (ver a seguir).
CICLO BIOLÓGICO: A mosca adulta tem 12 a 15 mm de comprimento e possui expectativa de vida curta (1 a 9
dias). A mosca adulta deposita seus ovos em tipos diferentes de insetos (49 foram descritos como vetores de D.
hominis na América Latina; predominantemente mosquitos e moscas muscoides), que os transportam para os
hospedeiros homeotérmicos, nos quais eclodem à medida que os insetos se alimentam. As larvas penetram na
pele do animal em poucos minutos após eclodirem, e permanecem no tecido subcutâneo por 4 a 18 semanas.
Durante esse período, as larvas crescem dentro dos bernes com orifícios respiratórios. Quando maduras, saem
do hospedeiro, caem no solo, se entocam e tornam pupas. Depois do período de pupa, que dura 4 a 11 semanas,
as moscas emergem como adultas. O ciclo de vida completo leva 11 a 17 semanas.
A penetração da larva na pele é acompanhada de dor, inflamação local e formação gradual de pus. Os couros
são condenados no abate e a produção de leite e carne diminui.
TRATAMENTO E CONTROLE: Várias formulações de diferentes inseticidas de contato e sistêmicos estão

disponíveis para o tratamento. Geralmente, torsalos são suscetíveis a organofosforados sistêmicos e


endectocidas lactonas macrocíclicas, os quais podem ser aprovados e disponíveis na região.

Lechiguana

Lechiguana é uma doença esporádica e crônica dos bovinos e até o momento foi relatada somente no sul e
sudeste do Brasil, em áreas onde a infecção por D. hominis é comum. É caracterizada por tumefações
subcutâneas grandes e firmes, que se desenvolvem rapidamente, principalmente na área escapular e adjacências
(tórax, pescoço, ombros e costelas). A maioria dos bovinos afetados tem somente uma tumefação, mas
ocasionalmente observam­se 2 áreas tumefatas. Os linfonodos regionais estão aumentados e sem tratamento,
torna­se enormes.
Mannheimia granulomatis foi isolada das lesões e considerada o agente causal. A lesão que dá origem à
lechiguana é iniciada pela larva de D. hominis. Consistentemente isola–se M. granulomatis das lesões da doença
clínica e acredita­se que seja a principal responsável pelas alterações teciduais características. O aumento da
deposição de colágeno parece estar associado ao envolvimento de uma população de células semelhantes aos
fibroblastos, que expressam mRNA para o colágeno tipo I. Demonstrou­se que macrófagos ativados pela M.
granulomatis induzem a proliferação de fibroblastos. O habitat ou fonte da M. granulomatis são desconhecidos.
Não foram recuperadas de gados que não apresentavam lechiguana.
Histologicamente, as lesões consistem de proliferação focal de tecidos fibrosos com infiltração de
plasmócitos, eosinófilos, linfócitos e alguns neutrófilos. A lesão primária é uma linfangite eosinofílica, que
resulta em abscessos eosinofílicos, com rosetas ocasionais contendo bactérias no seu centro. Massas tumorais
produzidas no subcutâneo podem atingir o tamanho tão grande quanto 40 × 50 cm em 2 meses. Sem tratamento,
a morte ocorre após 3 a 11 meses, provavelmente devido à inanição resultante das tumefações enormes.
Quando bem estabelecida, a doença é clinicamente óbvia. O diagnóstico é confirmado pelo isolamento de M.
granulomatis e pela observação das lesões histopatológicas características.
Tratamento com cloranfenicol (3 g, 1 vez/dia, por 5 dias) ou mesilato de danofloxacino (1,25 mg/kg, 1
vez/dia, por 3 dias) resulta em rápida resolução das tumefações, com regressão quase completa em 30 dias. A
realização de antibiograma é aconselhável antes do uso de outros antimicrobianos.

HYPODERMA SPP

Duas espécies de Hypoderma, H. bovis e H. lineatum, são parasitos importantes dos bovinos. São notadas entre
25 e 60° de latitude no hemisfério norte, em > 50 países da América do Norte, Europa, África e Ásia. Na
América do Norte, H. lineatum, a larva de insetos de bovinos comum, é notada no Canadá, nos EUA e no norte
do México; H. bovis, a larva de insetos de bovinos do norte, é verificada geralmente ao norte do paralelo 35°. A
ocorrência em bovinos e no bisão americano é comum. As larvas de Hypoderma spp também foram encontradas
em equinos, ovinos, caprinos e pessoas. A prevalência de ambas as espécies do gênero Hypoderma diminuiu
drasticamente na América do Norte.
CICLO DE VIDA: Hypoderma spp adulta, também conhecida como mosca do calcanhar, possui cerca de 15 mm de
comprimento, é peluda e possui aparência semelhante à de abelha. No final da primavera ou no início do verão,
ela prende os seus ovos nos pelos dos bovinos, particularmente nos membros pélvicos e nas regiões corporais
inferiores. Os ovos eclodem em 3 a 7 dias e as larvas de primeiro estágio descem através dos pelos e penetram
na pele. Normalmente, as larvas de primeiro estágio andam pelos planos fasciais entre os músculos, ao longo do
tecido conjuntivo ou dos trajetos nervosos. Elas secretam enzimas proteolíticas que facilitam os seus
movimentos. Durante o outono e o inverno, elas migram em direção a 2 regiões diferentes, dependendo da
espécie. As larvas de H. lineatum migram para o tecido conjuntivo submucoso da parede esofágica, onde se
acumulam por 2 a 4 meses. As larvas de H. bovis migram para a região do canal espinal, onde são notadas na
gordura epidural, entre a dura­máter e o periósteo, por um período semelhante.

Bernes recobertos em uma vaca infestada por Hypoderma bovis. Cortesia do Dr. Jack Lloyd.

No início do inverno, as larvas chegam ao tecido subdérmico no dorso do hospedeiro, onde fazem orifícios
por onde respiram, na pele. Formam­se cistos ou tumefações ao redor das mesmas e estas sofrem 2 mudanças
(segundo e terceiro estágios). O estágio de berne dura 4 a 8 semanas. Finalmente, as larvas de terceiro estágio
emergem dos orifícios de respiração, caem no solo e se tornam pupas. As moscas emergem das pupas em 1 a 3
meses, dependendo das condições climáticas. As moscas adultas, que não se alimentam, vivem < 1 semana. O
ciclo de vida se completa em 1 ano.
Para as 2 espécies, os eventos sazonais são semelhantes, exceto que o ciclo de H. lineatum ocorre cerca de 6 a
8 semanas mais cedo que os de H. bovis. Esses eventos variam de 1 ano para o outro, mas se correlacionam com
as condições climáticas locais e regionais. As larvas aparecem pela primeira vez no dorso de bovinos em
meados de setembro, no sul dos EUA, mas não até o final de janeiro ou mais tarde, no norte dos EUA. As larvas
aparecem pela primeira vez no dorso durante a última metade de novembro no Texas e durante a primeira
metade de março em Montana. Quando se encontram presentes ambas as espécies, as larvas podem aparecer no
dorso por cerca de 5 a 6 meses; quando só existe 1 espécie, elas podem aparecer por cerca de 3 a 4 meses. A
oviposição (das moscas fêmeas) encontra­se em seu pico em janeiro a março no sul dos EUA, e em maio a
julho, no norte dos EUA.
ACHADOS CLÍNICOS E PATOGÊNESE: Durante os períodos de iluminação solar nos dias quentes, os bovinos
podem correr, agitando as caudas, quando são perseguidos por moscas do calcanhar, fêmeas, particularmente H.
bovis. Nem todos os estouros de rebanho desse tipo resultam de ataques de moscas do calcanhar, pois esta
atividade também é observada na ausência das mesmas.
Por outro lado, nos bovinos normais, as larvas de H. bovis e as suas secreções na gordura epidural do canal
espinal se associam ao tecido conjuntivo dissolvido, necrose gordurosa e inflamação. Às vezes, a inflamação se
estende para o periósteo e os ossos, produzindo uma área localizada de periostite e osteomielite.
Ocasionalmente, o epineuro e o perineuro também podem estar envolvidos. Nos raros casos graves, podem
ocorrer paralisia ou outras neuropatias. Semelhantemente, H. lineatum na submucosa esofágica pode causar
inflamação e edema nos tecidos circundantes prejudicando a deglutição ou a eructação. No entanto, é incomum
que os sinais clínicos do parasitismo fiquem evidentes durante a fase migratória.
A penetração da pele por larvas recém–eclodidas pode produzir exantema hipodérmico, com maior
frequência nos bovinos idosos e anteriormente infestados. Os pontos de penetração ficam doloridos e
inflamados e geralmente exsudam um soro amarelado. Podem ocorrer bernes no dorso, desde a base da cauda
até os ombros e da linha superior até aproximadamente um terço da distância nas laterais. Em geral, os cistos
são firmes e consideravelmente salientes acima do contorno normal da pele. Em cada cisto, existe um orifício de
respiração que varia em tamanho, de uma fenda pequena até um orifício redondo (3 a 4 mm de diâmetro) para
larvas mais maduras. Geralmente, há supressão da infecção secundária; no entanto, os cistos podem
ocasionalmente se desenvolver em grandes abscessos supurativos. O aparecimento da larva, a sua expulsão
forçada ou a sua morte dentro do cisto costumam resultar na cicatrização da lesão sem complicações. As
carcaças e os couros dos bovinos infestados com larvas de insetos apresentam evidências acentuadas da
infestação e têm seu valor reduzido.
Um animal infestado pode ter de 1 a = 300 bernes, mas geralmente tem < 100; os rebanhos infestados
frequentemente apresentam animais sem bernes. Os animais mais jovens infestam­se mais intensamente.
Se as larvas migrantes de Hypoderma morrem no tecido esofágico (H. lineatum) ou próximo à medula espinal
(H. bovis), podem causar graves reações, às vezes fatais. Estas reações parecem se relacionar com o número de
larvas de inseto, mas são raras.
A morte de larvas de primeiro estágio de H. bovis no canal espinal de bovinos depois do tratamento com
inseticida sistêmico resulta em rigidez, ataxia, fraqueza muscular e paralisia nos membros pélvicos. A
recuperação geralmente ser rápida e completa, mas ocasionalmente, a paralisia pode ser permanente.
A morte de larvas de primeiro estágio de H. lineatum no tecido conjuntivo submucoso esofágico causa
inflamação na parede esofágica, disfagia, salivação e timpanismo. Da mesma forma, a recuperação geralmente
ser rápida e completa (48 a 72 h após o tratamento), mas nos casos graves, o timpanismo pode ser fatal. Pode
haver rompimento esofágico na tentativa de passar a sonda gástrica em um animal afetado.
DIAGNÓSTICO: As larvas de terceiro estágio podem ser diferenciadas facilmente. Em geral, as de H. bovis são
maiores, não possuem nenhum espinho no décimo segmento e a sua placa espiracular tem a forma de funil; as
de H. lineatum são menores, possuem espinhos no décimo segmento e a sua placa espiracular é achatada. Nos
casos de timpanismo ou paralisia, a presença de larvas de inseto em desintegração, hemorragia e danos teciduais
associados distinguem os animais parasitados dos não parasitados.
TRATAMENTO E CONTROLE: Inseticidas sistêmicos em várias formulações estão disponíveis para o tratamento.
Produtos de aplicação pour­on contendo lactonas macrocíclicas (doramectina, eprinomectina, ivermectina ou
moxidectina) são aplicados uniformemente ao longo da linha média do dorso. Alguns produtos não podem ser
aplicados quando a pele ou pelame estiverem úmidos ou houver possibilidade de molhar os animais com chuva
nas próximas 6 h. O local de aplicação deve estar livre de lesões, lama ou esterco.
Nos EUA, o registro da maioria, se não todos os inseticidas organofosforados sistêmicos para bovinos foram
cancelados e a prática de banhos de imersão ou aspersão para controle das larvas de insetos bovinas foi
substituída pelos tratamentos pour­on e/ou injetáveis.
Doramectina e ivermectina são sistemicamente efetivas contra as larvas de moscas bovinas, quando
administradas por via SC. A ivermectina também está disponível em pasta oral. Os tratamentos sistêmicos
injetáveis e pour­on são aprovados para o controle da Hypoderma e outras miíases causadas por moscas, em
muitos países.
Formulações pour­on de eprinomectina e moxidectina são aprovadas para o tratamento de bovinos de corte e
leite. Por outro lado, o uso de medicamentos para controle das larvas é proibido em bovinos leiteiro em idade
reprodutiva. Como os resíduos se encontram presentes nos bovinos por períodos variáveis após o tratamento,
devem­se observar estritamente os períodos de suspensão de todos os tratamentos.
Nas áreas onde o número de bernes é elevado, os bovinos, especialmente os bezerros, devem ser tratados o
mais cedo possível, após o final da estação das moscas do calcanhar. Não devem ser tratados até 8 a 12 semanas
antes do primeiro aparecimento das larvas no dorso dos animais, pois podem ocorrer reações adversas quando
há morte das larvas em migração.
Diante da impossibilidade da utilização de inseticidas sistêmicos, as larvas de moscas bovinas podem ser
controladas pela aplicação de tetraclorvinfós em pó nos bernes no dorso. Esse pó deve ser aplicado no dorso do
animal e deve ser colocado no interior dos orifícios larvais. Como novas larvas continuam a aparecer no dorso,
o tratamento deve ser repetido a cada 30 a 45 dias durante a estação do berne.
Nos pequenos grupos de animais tratáveis, a extração por instrumentos ou por expulsão manual (apertando­
os) das larvas individuais é eficaz. Raramente, quando se realiza esse procedimento sem cuidados, a larva é
esmagada dentro do cisto e resultando em reação anafilática.
MOSCAS

As moscas pertencem à ordem Diptera, uma ordem complexa e grande de insetos. A maioria dos membros desta
ordem possui 2 asas (1 par) como adultos. No entanto, há uns poucos dípteros sem asas. Os dípteros variam
muito em tamanho, preferência de fonte alimentar e estágio de desenvolvimento em que parasitam o animal ou
produzem uma patologia. Como adultos, os dípteros podem­se alimentar intermitentemente do sangue de
vertebrados ou da saliva, lágrimas ou muco. Estes dípteros são denominados de parasitasparasitos periódicos e
podem servir como hospedeiros intermediários para parasitos helmintos ou protozoários. Também podem servir
como vetores de bactérias, vírus, espiroquetas, clamídias etc. Como larvas, os dípteros podem se desenvolver no
tecido subcutâneo, das vias respiratórias ou do trato gastrintestinal de hospedeiros vertebrados e produzir uma
condição conhecida como miíase.

DÍPTEROS COM PEÇAS BUCAIS PICADORAS

Os dípteros hematófagos podem ser classificados de várias maneiras, com base nos sexos que se alimentam do
sangue de vertebrados e na sua preferência alimentar. Em determinadas espécies de dípteros, só as fêmeas se
alimentam de sangue de vertebrados, o que é necessário para a postura de ovos; estas espécies incluem
borrachudos, mosquitos–pólvora, maruins picadores, mosquitos, moscas dos equinos e moscas dos veados. Em
outras espécies de dípteros hematófagos, tanto o macho como a fêmea se alimentam de sangue de vertebrados;
estas espécies incluem as moscas dos estábulos, moscas dos chifres, moscas dos búfalos, moscas tsé­tsé,
moscas­piolho dos ovinos e moscas hipoboscídeas ou moscas­piolho.

MARUINS PICADORES

Os “maruins picadores” pertencem à família Ceratopogondiae. Os maruins picadores são os Culicoides spp mais
comuns. Associam­se aos habitats aquáticos ou semiaquáticos, por exemplo, lama ou terra úmida ao redor de
correntes, açudes e brejos. Tratam­se de maruins pequenos (1 a 3 mm de comprimento) e que, semelhantemente
aos borrachudos, produzem picadas doloridas e sugam o sangue de seus hospedeiros, tanto o homem como os
animais de produção.
PATOLOGIA: Culicoides spp são picadores nocivos que podem causar irritação e perturbação intensas. Em
grande número, podem deixar os animais de produção nervosos e interrompem o seu padrão alimentar. Esses
maruins tendem a se alimentar nas áreas dorsal ou ventral do hospedeiro; a preferência de local de alimentação
depende da espécie do maruim picador. Eles voam somente nos meses quentes do ano e são mais ativos antes e
durante o anoitecer. Se alimentam frequentemente na crina, cauda e barriga dos equinos. Os equinos tornam­se
alérgicos às picadas, coçando e esfregando estas áreas, provocando alopecia, escoriações e espessamento
cutâneo. Esta afecção possui vários nomes, como “hipersensibilidade por culicoides” no Canadá, “prurido de
Queensland” na Austrália, “Kasen” no Japão, “prurido do suor” e “sarna doce”. Como é observada
frequentemente durante os meses mais quentes do ano, ela ainda é denominada “dermatite de verão”. Esses
mosquitos também servem como hospedeiros intermediários de Onchocerca cervicalis; as microfilárias desse
nematódeo são notadas na pele dos equinos. A oncocercíase (p. 981) é uma dermatose não sazonal, semelhante
à sarna doce, mas geralmente menos pruriginosa e acomete a cabeça, pescoço e barriga. Esses mosquitos
também transmitem o vírus da língua azul (p. 805) para ovinos e bovinos.
DIAGNÓSTICO: À semelhança dos borrachudos e dos mosquitos­pólvora, os maruins picadores são coletados
preferencialmente no campo e não são notados nos animais. Diferentemente das asas claras e cheias de vênulas
dos borrachudos, as asas de Culicoides spp são mosqueadas. A identificação de Culicoides spp é melhor
realizada por um entomologista.
TRATAMENTO E CONTROLE: As larvas podem ser atacadas nos solos onde reproduzem. Devem­se contactar
entomologistas de serviços de apoio a respeito das últimas recomendações aprovadas.
Bio Kill Stable SprayTM, uma permetrina modificada, é aprovada para pulverização de estábulos e baias para
ajudar no controle desses maruins picadores. Equipamentos de aspersão costais ou manuais, pulverizadores
pressurizados tipo turbo ou aspersores podem ser utilizados. Uma fina pulverização deve ser produzida sob
pressão, na quantidade de 500 a 750 ml por estábulo (tamanho do estábulo: 3 × 3,5 m até 4 × 4 m). Todas as
superfícies do estábulo devem ser pulverizadas. É necessária reaplicação após 7 a 10 dias. Após, aplicações a
cada 3 a 4 semanas devem providenciar amplo acúmulo de produtos nas paredes.
Um ventilador pode ser utilizado no estábulo para criar um movimento de ar em volta dos equinos porque os
Culicoides spp não são bons voadores. Também, podem ser utilizados, com eficácia variável, brincos com
repelentes de mosquitos presos na crina e na cauda dos equinos (procedimento não aprovado nos EUA);
piretroide sinergizado com butóxido de piperonila, aplicado semanalmente; butoxipolipropilenoglicol 800,
aplicado diariamente; cobertores de estábulo; e telas finas nas portas e nas janelas dos estábulos. Ainda, podem­
se usar inseticidas tópicos como piretrinas (cipermetrina ou ciflutrin), especialmente em formulações pour on
para controle das pestes adultas nos grandes animais.

MOSQUITOS

Os mosquitos são membros da família Culicidae. Os gêneros importantes incluem Aedes, Anopheles, Culex,
Culiseta e Psorophora. Embora sejam dípteros pequeninos e frágeis, os mosquitos são talvez os mais vorazes
dos artrópodes hematófagos. Já se descreveram cerca de 300 espécies mundialmente, com cerca de 150 delas
relatadas nas regiões temperadas da América do Norte. Os mosquitos são notados em áreas diversas, como
brejos salgados das planícies costeiras até poços nevados acima de 4.300 m e minas de ouro na Índia, a 1.100 m
abaixo do nível do mar. O volume de água no qual os mosquitos se reproduzem varia desde aquele de uma lata
ou de um buraco de árvore até poços rasos e grandes superfícies de água parada, acumulada.
Os mosquitos depositam seus ovos na superfície da água parada (p. ex., Aedes spp e Psorophora spp) ou em
um substrato (como terra úmida), onde os ovos eclodirão depois da inundação decorrente de uma precipitação
chuvosa, irrigação, derretimento de neve etc. As larvas dos mosquitos são conhecidas como “retorcedoras”,
enquanto as suas pupas também são conhecidas como “acrobatas”. Esses estágios são sempre aquáticos e
ocorrem em uma ampla variedade de habitat. Pode­se produzir um grande número de mosquitos a partir dos
ovos depositados em volumes de água relativamente pequenos. Algumas espécies têm várias gerações por ano.
Os hábitos de voo dos mosquitos adultos variam conforme a espécie; algumas espécies do gênero Aedes
migrarão muitos quilômetros para o seu habitat larval aquático. Com ventos fortes, os mosquitos podem ser
carregados por grandes distâncias. Algumas espécies invernam como ovos, enquanto outras invernam como
adultos.
PATOLOGIA: Somente as fêmeas dos mosquitos consomem ativamente sangue para realizarem a postura de ovos.
Os machos se alimentam de néctar, sucos de plantas e outros líquidos. Os mosquitos incomodam os animais de
produção, causam perda de sangue e transmitem várias doenças. Além disso, as toxinas injetadas no momento
da picada podem causar efeitos sistêmicos. A alimentação de um grande número de mosquitos em enxame pode
causar anemia significativa nos animais domésticos. Embora sejam conhecidos por disseminar malária, febre
amarela, dengue e elefantíase no homem, os mosquitos talvez sejam mais bem conhecidos na medicina
veterinária como os hospedeiros intermediários do verme do coração de cães, Dirofilaria immitis, e como
vetores de encefalites virais equinas, inclusive o vírus do Oeste do Nilo.
Anopheles quadrimaculatus é o hospedeiro intermediário da malária (causada pelo Plasmodium spp) no
homem e outros primatas. Aedes aegypti é o mosquito da “febre amarela”, que transmite o vírus desta
enfermidade para as pessoas. Psorophora columbiae é uma grave praga para os animais de produção e para o
homem nos arrozais da Louisiana e do Arkansas. Culex tarsalis é um vetor importante da encefalite equina
ocidental e é notado no oeste, centro e sul dos EUA. Aedes vexans é uma espécie incômoda importante notada
no meio­oeste dos EUA. Aedes albopictus é uma espécie asiática recém­introduzida, que também propaga a
febre amarela, dengue e encefalites equinas. Determinadas espécies do gênero Mansonia são pragas graves nos
animais de produção da Flórida. Nas Américas Central e do Sul, a mosca­do­berne fêmea adulta (Dermatobia
hominis) prende seus ovos em uma espécie de mosquito do gênero Psorophora, que depois os transmite para o
hospedeiro mamífero durante sua alimentação.
DIAGNÓSTICO: Os mosquitos adultos são mais coletados no campo e não são notados nos animais. Possuem 3 a
6 mm de comprimento e são delgados, com cabeças esféricas e pequenas e pernas longas. As veias alares, o
corpo, a cabeça e as pernas são cobertos com escamas pequeninas, semelhantes a folhas. As antenas longas e
filamentosas possuem 14 a 15 segmentos e são plumosas nos machos da maioria das espécies. Também
possuem probóscides destinadas a lacerar os vasos sanguíneos pequeninos e sugar o sangue acumulado. A
identificação da pletora das espécies de mosquitos (estágios adulto, de larva e de pupa) é melhor realizada por
um entomologista.
TRATAMENTO E CONTROLE: O controle de área dos mosquitos geralmente envolve a cooperação de muitos
indivíduos e pode ser realizado com êxito por funcionários especializados, com equipamentos apropriados. As
áreas que podem servir como locais de reprodução para as larvas de mosquitos devem ser eliminadas ou
reduzidas. Além disso, os programas de área costumam incluir extenso uso de larvicidas; no entanto, os
larvicidas de mosquito podem destruir o equilíbrio ecológico normal dentro de um ecossistema. Recentemente,
o uso de várias espécies de peixes como controles biológicos, foi bem­sucedido. No caso de aparecimento
maciço de mosquitos adultos, particularmente quando a transmissão de doenças constitui uma preocupação, a
aplicação de um inseticida ativo contra o adulto pode ser necessária.
Aconselha­se cuidado com os programas de tratamento de área, pois muitos organismos não alvo (p. ex.,
peixes, camarões e abelhas) podem ficar expostos a inseticidas. Deve­se consultar um entomologista de serviço
de apoio local sobre os materiais apropriados para emprego nos animais ou dentro das propriedades. Esses
programas em larga escala geralmente são coordenados por uma agência distrital de eliminação de mosquitos ou
outras agências governamentais.
É difícil para o pecuarista individual proteger seus animais; os sprays residuais não evitam o contato com os
mosquitos e os repelentes disponíveis não conferem proteção adequada durante um ataque maciço. A proteção
contra mosquitos adultos pode ser proporcionada por aplicação no solo e, em alguns casos, no ar, de um
inseticida no momento da ocorrência. Dependendo das condições locais, esta proteção pode ter curta duração.
Os animais valiosos devem ser abrigados em construções fechadas ou teladas e os mosquitos em seu interior
devem ser mortos com uma formulação de nebulização ou de aerossol de um inseticida aprovado. Pode­se
proporcionar um alívio temporário por meio de aspersão ou de pastas comercialmente disponíveis.
Devem­se evitar as caminhadas com animais de estimação no início da manhã ou da noite, quando os
mosquitos estão mais abundantes, para reduzir a exposição às picadas. Imidacloprid tem sido utilizada como
prevenção e tratamento tópico para carrapatos, pulgas e mosquitos em cães adultos e filhotes com 7 ou mais
semanas de idade, pesando > 0,91 kg. O composto parece repelir fêmeas adultas de mosquitos por até 4
semanas. Infelizmente, não pode ser utilizado em gatos. Os mosquitos não são atraídos pela luz; logo, os
dispositivos de eletrocussão não são úteis para o controle de mosquitos e podem, na verdade, ser prejudiciais, ao
poder destruir insetos benéficos que frequentemente predam os mosquitos.
A combinação de dois compostos, imidacloprid e permetrina, atua conjuntamente para repelir e eliminar a
maioria das espécies de mosquitos hematófagos, que frequentemente alimentam­se nos cães. Aplicação mensal
deste produto irá repelir e matar os mosquitos, prevenindo, portanto, a atividade de alimentação sanguínea e
auxiliando ostensivamente na prevenção da transmissão de doenças como Dirofilaria immitis de cão para cão.
Entretanto, este produto não deve ser utilizado em gatos.

BORRACHUDOS

Os borrachudos são membros da família Simulidae. Os membros desta família também são comumente
denominados de “mosquitos pretos” (embora a sua coloração possa variar de preto a cinza, amarelo e cor de
oliva) ou “maruins­búfalo” (porque o seu tórax faz uma corcova sobre a cabeça, conferindo­lhe a aparência de
uma corcova bubalina). Os borrachudos são os menores dípteros hematófagos, com 1 a 6 mm de comprimento.
Eles possuem asas largas e sem manchas, com veias proeminentes ao longo das margens anteriores. Os
borrachudos possuem olhos compostos; os olhos das fêmeas são distintamente separados, enquanto os dos
machos são contíguos, acima das antenas. Os palpos possuem 5 segmentos. As fêmeas dos borrachudos
possuem peças bucais semelhantes a tesouras, com bordas serrilhadas. As fêmeas necessitam de uma refeição
sanguínea para fazerem a ovoposição. Os machos se alimentam de néctar das flores.
Embora existam > 1.000 espécies de borrachudos, somente algumas são consideradas importantes como
pragas. Os borrachudos se alimentam de todos os tipos de animais de produção, animais silvestres, aves e do
homem.
Os borrachudos se distribuem mundialmente, em áreas onde as condições permitem o desenvolvimento das
formas imaturas. Larvas quase sempre são notadas em correntes de fluxo rápido, com água bem arejada;
torrentes montanhosas rasas são locais favoráveis para reprodução. Algumas espécies se reproduzem em rios
maiores; outras vivem em correntes temporárias ou semipermanentes. Os borrachudos são particularmente
abundantes nas zonas temperadas e subárticas do hemisfério norte, mas muitas espécies são notadas nos
subtrópicos e nos trópicos, onde outros fatores, além das temperaturas sazonais, afetam os seus padrões de
desenvolvimento e de abundância.
As larvas dos borrachudos são cilíndricas e se prendem por meio de uma grande ventosa posterior. Na sua
extremidade anterior, encontram­se as peças bucais e um par de órgãos semelhantes a escovas. As larvas são
carnívoras. Imediatamente abaixo das peças bucais, encontra­se um apêndice comparável a um braço, chamado
de pró­perna. As larvas se prendem nas rochas ou em outros objetos sólidos em rios, às vezes se prendem à
vegetação aquática ou emergente. A larva madura tece um casulo triangular no solo dos rios. A pupa alongada
possui um tubo respiratório dorsal e um ventral, cujos ramos flutuam para fora do casulo.
Os borrachudos produzem de 1 a 6 gerações por ano, dependendo da espécie e das condições climáticas. A
atividade alimentar da fêmea adulta pode durar 2 a 3 semanas a 3 meses. Os borrachudos adultos podem voar de
12 a 18 km (8 a 11 milhas) a partir de fluxo rápido dos rios; também se sabe que enxames migratórios viajam
pelo vento por mais de 250 km.
PATOLOGIA: Por causa das suas peças bucais pequenas e serrilhadas, os borrachudos fêmeas promovem picadas
doloridas. Orelhas, pescoço, cabeça e abdome dos bovinos constituem os locais de alimentação favoritos. Além
das reações locais (vermelhidão, prurido e vergões), podem ocorrer afecções gerais que variam em intensidade
conforme a sensibilidade do animal e o número de picadas. Os ataques de um grande número de borrachudos
podem causar danos intensos e alta mortalidade nos animais de produção. O homem também pode ser atacado.
A morte pelo ataque de borrachudos aparentemente resulta de uma toxina na saliva, que aumenta a
permeabilidade dos capilares e permite que o fluido do sistema circulatório extravase para a cavidade corporal e
dos espaços teciduais. O animal sucumbe rapidamente a um ataque em massa, mas pode se recuperar
rapidamente se for protegido de ataques posteriores. A redução nas produções láctea, de carne e de ovos pode
resultar de ataques menos extensos. Determinadas espécies de borrachudos podem, às vezes, causar perdas de
aves domésticas, tanto por um ataque direto como pela transmissão de Leukocytozoon spp. Na África, Simulium
damnosum e S. neavei são vetores importantes de Onchocerca spp. S. neavei é um vetor importante de O.
volvulus. Na América Central, S. ochraceum, S. metallicum, S. callidum e S. exiguum são vetores importantes de
Onchocerca spp. S. ochraceum e S. metallicum também constituem maus picadores.
DIAGNÓSTICO: Os borrachudos são notados mais frequentemente no campo e não nos animais. Os adultos
podem ser identificados por seu tamanho pequeno, dorso com corcova, proeminente formação de vênulas na
região anterior das asas, além de peças bucais pequenas e serrilhadas. A identificação dos borrachudos em
gênero e espécie deve ser melhor realizada por um entomologista.
TRATAMENTO E CONTROLE: Havendo fundos públicos e pessoas treinadas para supervisão, o controle em larga
escala dos borrachudos será possível com o tratamento das correntes de reprodução com um larvicida aprovado.
Entretanto, o controle dos borrachudos é difícil pelo grande número de locais com água corrente apropriados
para reprodução. As correntes podem ser tratadas usando produtos naturais, como Bacillus thuringiensis var
israeliensis, um produto atóxico para mamíferos.
O tratamento das correntes e rios envolve técnicas semelhantes àquelas utilizadas em programas para reduzir
pernilongos. Como regra, não devem ser utilizados pesticidas devido seus efeitos potencialmente negativos no
ambiente. Os tratamentos com pesticidas que envolvem as superfícies de água ou grandes áreas de terra
encontram­se sujeitos à regulação governamental e devem ser feitos com a devida preocupação quanto aos
efeitos ambientais prejudiciais e resíduos nos produtos alimentares.
Os borrachudos adultos são pequenos o bastante para passar direto pelas telas de janelas ou podem entrar nas
casas ou na pelagem dos animais de estimação. Frequentemente, as fêmeas adultas de moscas preferem se
alimentar fora das casas e durante as horas de luz do dia. Como os borrachudos se alimentam durante as horas
de luz do dia, é prudente limitar a exposição dos animais de estimação às correntes de fluxo rápido.
Proprietários de animais de estimação preocupados com os borrachudos podem usar repelentes de insetos
livremente. Aerossóis com piretrinas apenas providenciam alívio temporário.
Em decorrência do controle amplo da área dos borrachudos ser difícil e caro, os criadores de animais de
produção frequentemente recorrem ao uso diário de repelentes para proteger seus animais. Devem­se contactar
entomologistas como serviços de apoio para as últimas recomendações aprovadas e tempos de retirada.

MOSCAS DO CHIFRE

O nome comum da Haematobia irritans se deve ao fato de que estas moscas frequentemente formam grupos de
centenas ao redor da base dos chifres dos bovinos. Trata­se de uma infestação importante em bovinos, notada na
maioria dos países onde se criam bovinos. As populações são comuns na Europa, norte da África, Ásia Menor e
Américas. Por toda a América do Norte, a mosca do chifre é notada quase exclusivamente nos bovinos, mas elas
também podem se alimentar nos equinos, ovinos, caprinos e animais silvestres. A mosca do chifre é notada em
um número muito maior e por tempo mais longo no sul e sudoeste dos EUA.
A mosca do chifre adulta passa a vida inteira em seu hospedeiro e as fêmeas só o abandonam para realizar a
ovoposição nas fezes frescas de bovinos, onde ocorre o desenvolvimento de larvas e de pupas. No sul dos EUA,
o ciclo de vida pode ser de 1 semana, mas nos climas mais frescos e na primavera ou no outono, o
desenvolvimento pode levar 2 a 3 semanas. Em algumas áreas mais quentes (sul da Flórida e extremo sul do
Texas), a mosca do chifre se reproduz ativamente por todo o ano.
Quando a temperatura do ar for < 21°C, a mosca do chifre forma grupos ao redor da base dos chifres dos
bovinos. Nos climas mais quentes, estas moscas formam muitos grupos nos ombros, dorso e região lateral; estas
áreas são menos perturbadas pelo movimento da cauda. Nos dias ensolarados e quentes, a mosca do chifre se
acumula no abdome ventral.
As moscas recém­emergidas do estágio de pupa e que procuram por seu hospedeiro podem viajar 11 a 15 km,
mas geralmente o encontram em distâncias muito mais curtas. A migração raramente ocorre em qualquer grande
distância. No sul dos EUA, as populações de moscas nos animais individuais podem ser de milhares,
especialmente nos touros que não receberem um tratamento químico; no norte dos EUA, elas podem não
exceder a 100, embora os danos infligidos sejam semelhantes.
PATOLOGIA: A mosca do chifre se alimenta frequentemente (até 20 vezes/dia), sugando sangue e outros fluidos;
as moscas fêmeas são mais agressivas que os machos. Esta atividade de alimentação causa dor, irritação e perda
sanguínea nos bovinos. Os animais irritados também perdem peso, por causa da alimentação deficiente. As
infestações intensas causam lesões ao longo da linha média ventral do animal. A mosca do chifre provoca
grandes perdas econômicas anuais nos EUA; a redução de 14% no ganho de peso nos bovinos em pastagens e
perda de 5 a 6 kg/animal, em bezerros desmamados, são comuns. Nos bovinos leiteiros, pode reduzir a produção
láctea em 10 a 20%. Estas moscas também atuam como hospedeiros intermediários de Stephanofilaria stilesi,
uma filária parasito que provoca lesões semelhantes a placas na parte ventral do abdome de bovinos.
DIAGNÓSTICO: A mosca do chifre pode ser facilmente identificada por sua coloração escura, tamanho (cerca de
3 a 6 mm de comprimento, cerca de metade do tamanho de uma mosca dos estábulos) e da sua probóscide
semelhante a uma baioneta, que se projeta para a frente da cabeça.
TRATAMENTO E CONTROLE: A mosca do chifre é relativamente fácil de controlar com sprays químicos no
animal inteiro e com dispositivos de autotratamento (p. ex., sacos de pó ou esfregadores de costas) em situação
de uso forçado. Sacos de pó são mais efetivos quando os bovinos são obrigados a passar por baixo deles
diariamente para receber água ou suplementos minerais. Esses sacos depositam inseticidas ao longo do dorso
dos animais, áreas onde a mosca do chifre passa a maior parte do tempo. Esfregadores de costas permitem que
os animais se tratem quando se coçam. O inseticida deve ser diluído em óleo mineral de boa qualidade de
acordo com as instruções da bula. Aditivos alimentares são eliminados pelo animal para matar os estágios
larvais que se desenvolvem nas fezes frescas dos bovinos. Todos os animais devem receber a dose mínima de
aditivo alimentar regularmente. Reguladores de crescimento de insetos também podem prevenir o
desenvolvimento de larvas nas fezes dos bovinos. Quando utilizados de acordo com a indicação de bula, brincos
bovinos impregnados com inseticidas (p. ex., piretroides) liberam pequenas quantidades de inseticidas que são
distribuídos por todo o animal durante a higiene ou quando o animal se esfrega. Os animais também devem
receber os brincos próximo ou no início da estação das moscas e esses devem ser retirados próximo ou no final
desta, devendo­se utilizar métodos alternativos com inseticidas não piretroides próximo do final desta estação.
Formulações de inseticidas pour­on também são efetivas contra moscas do chifre. Esses componentes são
aplicados nos bovinos com as suas doses calculadas pelo peso corporal do animal. A maioria desses inseticidas
pour–on funciona como inseticida de contato.

MOSCAS DOS BÚFALOS

As moscas dos búfalos, Haematobia irritans exigua, são semelhantes à mosca do chifre em tamanho, aparência
e nos hábitos alimentares e reprodutivos. A mosca é uma praga primária dos bovinos e dos búfalos, mas que
também se alimenta ocasionalmente em equinos, ovinos ou animais silvestres. Ela se distribui por todo o norte
da Austrália e Nova Guiné, sendo também notada em partes do sul, sudeste e leste da Ásia, bem como na
Oceania; ela não é notada na Nova Zelândia. O seu ciclo de vida é semelhante ao da mosca do chifre; o adulto
sai do hospedeiro por um período suficiente para a ovoposição em esterco fresco, onde ocorre o
desenvolvimento. O ciclo de vida pode levar 7 a 10 dias, dependendo das condições climáticas.
PATOLOGIA: As moscas dos búfalos irritam e incomodam os animais, geralmente picando ao redor dos ombros e
da cernelha. Os ferimentos das picadas são locais de instalação de miíases (Chrysomyia bezziana). Em clima
quente, as moscas infestam as partes sombreadas do corpo. Os animais afetados sofrem perda sanguínea e ficam
irritados pelas moscas; a eficiência alimentar e a produção podem ser afetadas adversamente.
DIAGNÓSTICO: A mosca dos búfalos pode ser identificada por sua coloração escura, seu tamanho (cerca de
metade do tamanho de uma mosca dos estábulos) e sua probóscide semelhante a uma baioneta, que se projeta
para frente da cabeça.
TRATAMENTO E CONTROLE: Inseticidas devem ser evitados no tratamento das populações das moscas do búfalo.
Muitos dos produtos químicos utilizados no tratamento destas moscas resultam em resíduos na carne. As
moscas do búfalo desenvolveram resistência aos piretroides sintéticos e a alguns organofosforados. Armadilhas
para a mosca do búfalo foram desenvolvidas na Austrália. A armadilha consiste em uma tenda circular de
plástico claro, na qual os bovinos caminham. As moscas são eliminadas dos bovinos ao serem capturadas na
tenda, dentro da qual elas morrem de dissecação. A armadilha remove cerca de 80% das moscas cada vez que o
bovinos passa. Geralmente o controle suficiente das moscas é realizado quando o bovinos passa pela armadilha
todos os dias ou a cada 2 dias.

MOSCAS DOS EQUINOS E DOS VEADOS

Tabanus spp (mosca dos equinos) e Chrysops spp (mosca dos veados) são dípteros robustos, grandes (até 3,5 cm
de comprimento) e de corpo pesado, com asas poderosas e olhos bastante grandes. São voadores rápidos. Estas
moscas são as maiores no grupo dos dípteros, no qual somente as fêmeas se alimentam de sangue de
vertebrados. As moscas dos equinos são maiores que as dos veados; e muitas são intensamente coloridas. As
moscas dos veados são de tamanho médio; possuem uma faixa escura passando da margem anterior para a
posterior das asas e abdome amarelo a marrom, com manchas pretas e faixas longitudinais.
As moscas adultas dos equinos e dos veados depositam seus ovos em áreas próximas às coleções de água
expostas. Os estágios larvais são notados em ambientes aquáticos a semiaquáticos, quase sempre enterrados
profundamente na lama, no fundo dos lagos e açudes. Os adultos são observados no verão, particularmente em
exposição à luz solar.
PATOLOGIA: As fêmeas adultas de ambas as espécies se alimentam na vizinhança de coleções de água exposta e
possuem peças bucais semelhantes a tesouras, que utilizam para lacerar os tecidos e absorver o sangue que
escorre. Elas consomem 0,1 a 0,3 ml de sangue em uma única alimentação. As picadas são doloridas e irritantes.
Estas moscas se alimentam primariamente em grandes animais, como bovinos e equinos, que ficam inquietos
quando elas se encontram presentes. As preferências de locais incluem o lado inferior do abdome ao redor do
umbigo, pernas, pescoço e cernelha. As moscas dos equinos e dos veados se alimentam, muitas vezes, quase
sempre em vários locais antes de se saciarem. Quando perturbadas pelas pancadas da cauda ou pelo reflexo
panicular do animal, elas saem do hospedeiro e o sangue continua a escorrer do ferimento aberto. Estas moscas
podem atuar como transmissores mecânicos do antraz, anaplasmose, tularemia e anemia infecciosa equina.
DIAGNÓSTICO: Estas moscas podem ser identificadas por seu tamanho grande, asas poderosas, olhos compostos
e peças bucais semelhantes a tesouras dilacerantes. A identificação de espécie das moscas adultas e larvais
intactas dos equinos e dos veados é melhor realizada pelo entomologista.
TRATAMENTO E CONTROLE: As moscas dos equinos e dos veados são as mais difíceis de controlar de todas as
moscas sugadoras de sangue. Muitos dos compostos adulticidas utilizados em outras moscas matarão as moscas
dos equinos e as moscas dos veados. No entanto, por serem consumidoras intermitentes, pois pousam no
hospedeiro por pouco tempo, podem não ficar expostas por um período suficientemente longo para serem
afetadas. Logo, exigem­se doses maiores desses compostos.
Armadilhas para as moscas dos equinos são efetivas quando utilizadas ao redor das áreas de controle de
confinamento de bovinos. Para animais de produção, piretroides pour­on funcionam com repelentes limitados.
Técnicas de autoaplicação normalmente não são efetivas para moscas dos equinos e veados.

Tabannus spp (mosca do cavalo). Cortesia do Dr. Dietrich Barth.

Tentou­se manipular o habitat aquático destas moscas para remover plantas da mata desnecessárias de áreas
residenciais ou áreas úmidas de drenagem. A aplicação dos inseticidas na água pode ter efeitos ambientais
prejudiciais.
MOSCAS DOS ESTÁBULOS

A mosca dos estábulos, Stomoxys calcitrans, é frequentemente denominada “mosca doméstica picadora”. Ela
tem quase o mesmo tamanho e aparência geral da Musca domestica, a mosca doméstica. Ela é cinza­
amarronzada, com a mais externa das 4 listras torácicas sendo interrompida e o abdome com aparência
enxadrezada. Ela possui uma probóscide afiada como agulha e semelhante a uma baioneta que, quando em
repouso, protrai para frente, da cabeça. As asas, quando em repouso, ficam amplamente abertas nas pontas.
Estas moscas são notadas mundialmente e nos EUA, são notadas nos estados do meio­oeste e do sudeste.
As formas de larva e pupa se desenvolvem em material orgânico em decomposição, como cortes de capim e
algas ao longo das praias. No meio­oeste dos EUA, as larvas podem ser notadas em áreas úmidas ao redor das
bordas de pilhas de feno e de poços de silagem. Nos locais onde os bovinos são alimentados com feno, a
reprodução pode ocorrer na borda da área de alimentação, onde o feno se mistura com urina e fezes. O ciclo de
vida no campo pode se completar em 2 a 3 semanas e os adultos podem viver = 3 a 4 semanas.
PATOLOGIA: Tanto o macho como a fêmea da mosca dos estábulos são ávidos consumidores de sangue,
alimentando­se em qualquer animal homeotérmico. As moscas dos estábulos permanecem no hospedeiro por
curtos períodos de tempo, durante os quais elas obtêm suas refeições sanguíneas. Trata­se de uma mosca de
ambiente externo; no entanto, no final do outono e durante um clima chuvoso, ela pode entrar nos estábulos.
Os equinos são os hospedeiros preferidos. A mosca geralmente pousar no hospedeiro com a sua cabeça
pontiaguda para cima e inflige picadas doloridas, que perfuram a pele e a sangram livremente. Trata­se de uma
mosca sedentária, que não se movimenta no hospedeiro. As moscas dos estábulos geralmente atacam as pernas e
o abdome ventral e também podem picar as orelhas. Podem constituir um problema nos lotes de engorda do
meio­oeste dos EUA. Os danos infligidos nos bovinos são causados pela picada dolorida e pela perda sanguínea
e a irritação resulta em redução na eficiência em converter alimentos em carne ou leite. Nos animais de
estimação, as moscas dos estábulos preferem se alimentar nas pontas das orelhas dos cães com orelhas
pontudas, especialmente os cães da raça pastor alemão.
As moscas dos estábulos são vetores mecânicos do antraz, da surra e da anemia infecciosa equina. Também
são hospedeiros intermediários de Habronema muscae, um nematódeo de estômago de equinos.
DIAGNÓSTICO: A mosca dos estábulos é facilmente identificada pelo tamanho (aproximadamente o mesmo da
mosca doméstica), coloração e probóscide semelhante a uma baioneta, que se projeta para frente da cabeça.
TRATAMENTO E CONTROLE: A principal consideração nos estábulos para o controle das moscas dos estábulos é a
sanidade, que pode ter um controle efetivo de até 90%. Deve­se manter limpa a área ao longo das cercas, sob os
depósitos de alimentos ou onde quer que possam se acumular esterco e palha ou material em decomposição,
pois esses proporcionam o meio para as larvas das moscas se desenvolverem. Havendo bons procedimentos de
higiene, o controle químico provavelmente será menos necessário. Vários inseticidas podem ser borrifados nos
locais onde as moscas podem estar repousando nos estábulos ou nas cercas.
As moscas dos estábulos se alimentam nas partes inferiores dos bovinos, ao redor das pernas e no abdome,
inclusive o úbere. Elas, geralmente se alimentam 1 ou 2 vezes/dia, por pequenos períodos, minimizando assim,
sua exposição aos produtos aplicados nesta área. Frequentemente, inseticidas aplicados nesta parte do corpo são
friccionados contra vegetação densa ou lama ou enxaguados quando o bovino é lavado diariamente antes da
ordenha. Em determinadas condições pode­se fazer a aplicação direta de spray e de produto na forma de pó,
para proteger grandes animais. Os inseticidas utilizados para aplicação direta no animal geralmente possuem
pouca ação residual. Este tipo de aplicação é bastante trabalhoso. A combinação de dois compostos,
imidacloprid e permetrina, atua em conjunto para repelir Stomoxyx calcitrans. Aplicação mensal deste produto
repele estas moscas e evita que suguem sangue dos cães, porém o produto não elimina estas moscas.

MOSCAS HIPOBOSCÍDEAS OU MOSCAS-PIOLHO

As moscas hipoboscídeas ou moscas­piolho, Pseudolynchia e Lynchia spp, são versões aladas das moscas­
piolho. Elas infestam muitos pássaros cantores, aves de rapina e pombos. A mosca dos pombos, P. canariensis,
é um parasito importante dos pombos domésticos em todas as regiões tropicais e subtropicais do mundo. São
notadas por todo o sul dos EUA e em direção ao norte, ao longo da costa atlântica, até a região da Nova
Inglaterra. Estas moscas marrom­escuras possuem asas longas (6,5 a 7,5 mm) e são capazes de voar
rapidamente do hospedeiro.
PATOLOGIA: As moscas hipoboscídeas se movem rapidamente nas aves hospedeiras, picam e sugam sangue das
partes que não são bem emplumadas. Podem servir como hospedeiros intermediários para muitos protozoários
sanguíneos aviários do gênero Haemoproteus. As moscas dos pombos podem atacar facilmente as pessoas que
manipulam aves adultas; a picada parece ser tão dolorida quanto uma ferroada de abelha e os seus efeitos podem
persistir por = 5 dias.
DIAGNÓSTICO: A inspeção minuciosa das penas eriçadas e da pele subjacente revela a infestação pela aparência
exclusiva destas moscas aladas e de voo rápido.
TRATAMENTO E CONTROLE: A morte de qualquer mosca nos pássaros pode ser obtida pela pulverização das aves
com permetrina. A limpeza total do local e a destruição dos resíduos são essenciais para o controle. A
pulverização das instalações com permetrina, realizada junto com a limpeza, aliviará a infestação.

MOSCAS-PIOLHO DOS OVINOS

A mosca­piolho dos ovinos, Melophagus ovinus, é um dos parasitos externos mais importantes e amplamente
disseminados em ovinos. Também existem moscas­piolho que parasitam veados na América do Norte
(Lipoptena depressa e Neolipoptena ferrisi).
As moscas­piolho são dípteros sem asas. O adulto tem cerca de 7 mm de comprimento e coloração marrom
ou avermelhada; é coberto com pelos cerdosos e curtos. A cabeça é curta e larga e as pernas são fortes e
armadas com garras robustas.
A fêmea origina uma única larva, completamente desenvolvida, que é cimentada na lã e se transforma em
pupa em 12 h. A mosca­piolho jovem sai da pupa depois de cerca de 22 dias. As fêmeas vivem 100 a 120 dias e
produzem aproximadamente 10 larvas durante esse período; os machos vivem cerca de 80 dias. O ciclo de vida
inteiro se passa no hospedeiro. As moscas­piolho que caem do hospedeiro geralmente sobrevivem < 1 semana e
representam baixo risco de infestação em um rebanho. A população de moscas­piolho aumenta durante o
inverno e o início da primavera, quando elas se propagam rapidamente pelo rebanho, particularmente quando os
ovinos estão reunidos em galpões fechados para se alimentar ou se abrigar.

Melophagus ovinus em ovino. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.

PATOLOGIA: Para se alimentar, as moscas–piolho dos ovinos perfuram a pele com suas peças bucais e sugam
sangue. Geralmente se alimentam no pescoço, peito, ombros, flancos e na garupa, mas não no dorso, onde há
poeira e outros resíduos acumulados na lã. As suas picadas causam prurido sobre boa parte do corpo do
hospedeiro; os ovinos se morderão, coçarão e esfregarão, danificando a lã. O velo torna–se fino, rasgado e sujo.
Os excrementos das moscas­piolho causam descoloração permanente, que provavelmente reduz o valor da lã.
As moscas­piolho também causam defeito no couro, chamado de “ruga”, que acomete o grau e o valor da pele
ovina. Os ovinos infestados, particularmente os cordeiros e as ovelhas prenhes, podem perder a vitalidade e
definhar. As infestações intensas podem reduzir consideravelmente a condição do hospedeiro e até causar
anemia. As moscas­piolho também transmitem Trypanosoma melophagium, um protozoário parasito não
patogênico aos ovinos.
DIAGNÓSTICO: Uma inspeção rigorosa da lã suja e danificada e da pele subjacente revela a infestação, pela
aparência exclusiva destas moscas peludas e sem asas.
TRATAMENTO E CONTROLE: A tosquia remove muitas pupas e adultos. Consequentemente, a tosquia antes do
parto ovino e o tratamento subsequente das ovelhas com inseticidas para controlar as moscas­piolho
remanescentes podem reduzir muito a possibilidade dos cordeiros se infestarem intensamente. Os ovinos
costumam ser tratados depois da tosquia e os melhores resultados são obtidos com uso de inseticida que tenha
atividade residual de = 3 a 4 semanas. Desta forma, as moscas que saem das pupas também são eliminadas. Os
tratamentos modernos de controle de piolhos também controlam as moscas­piolho.
O banho de imersão é um método de tratamento eficaz. A submersão completa dos ovinos nos tanques
assegura a destruição de todas as moscas­piolho, mas na maioria dos casos, não mata as larvas em pupa; é
necessário um inseticida de longa ação para matar as moscas­piolho recém­emergidas das pupas. Os grandes
rebanhos de ovinos de pastagem devem ser tratados em um tanque de banho de imersão construído
permanentemente. Os rebanhos menores e os de fazenda podem ser tratados, com êxito, em tanques portáteis de
aço galvanizado ou em tanques menores, banheiras ou sacos de banhos de imersão de lona.
A pulverização também pode ser tão eficaz como o banho de imersão, sendo mais conveniente em algumas
áreas. Utilizam­se comumente pressões de 7 a 14 kg/cm2, para lã curta, e de 21 a 28 kg/cm2, para lã longa.
Às vezes, também se utilizam banhos de imersão com ducha; os ovinos são mantidos em um cercado especial
e recebem a ducha de cima e de baixo até que o velo se encontre saturado. O escoamento deve retornar para um
sistema de recirculação e a concentração de inseticida utilizada é a mesma que a do banho de imersão normal. A
concentração do inseticida poderá cair rapidamente e tornar­se ineficaz caso as instruções de reposição não
sejam explicitamente seguidas.
O banho com jato envolve a aplicação forçada do inseticida por meio de um pente manual de jatos múltiplos,
passado pelo velo curto. Embora ele seja um pouco mais lento e menos eficaz que os banhos de imersão ou
sprays, pode ser vantajoso em rebanhos menores, pois é econômico e não requer uma instalação permanente.
As formulações spot­on ou pour­on dos piretroides mais recentes são fáceis de aplicar e bastante eficazes.
A pulverização dos inseticidas se ajusta bem nas práticas de controle no momento da tosquia. É rápida e
econômica e evita molhar os animais. Encontram­se comercialmente disponíveis vários tipos de equipamento de
pulverização.

MOSQUITOS-PÓLVORA

Os mosquitos­pólvora flebotomíneos, Phlebotomus spp (mosquitos­pólvora do Velho Mundo) e Lutzomyia spp


(mosquitos­pólvora do Novo Mundo), são membros da família Psychodidae. Esses mosquitos se restringem
primariamente às regiões tropicais e subtropicais do mundo. Os membros desses gêneros são mosquitos
pequenos e semelhantes a mariposas, com cerca de 1,5 a 4 mm de comprimento. As patas são tão compridas
quanto às antenas, compreendendo 16 segmentos que apresentam aparência peluda e de contas. Eles também
são comumente conhecidos como “mosquitos da areia”, “mosquitos­mariposa” ou “maruins­coruja”. A
característica morfológica­chave utilizada na sua identificação é a de que o corpo do mosquito­pólvora é coberto
com pelos finos. As fêmeas possuem peças bucais perfurantes e se alimentam de sangue de vários animais
homeotérmicos, inclusive o homem. Muitas espécies se alimentam em répteis. Os mosquitos­pólvora machos
sugam a umidade de qualquer fonte disponível e parecem sugar a transpiração de pessoas. Eles tendem a ser
ativos somente à noite e, contrariamente aos borrachudos, são voadores fracos; o seu voo é detido por correntes
aéreas, mesmo as mais leves. Durante o dia, os mosquitos­pólvora procuram proteção nas fendas e cavernas,
entre a vegetação e dentro construções escuras. Frequentemente procuram proteção dentro de tocas de roedores
e tatus; esses mamíferos servem como hospedeiros reservatórios para Leishmania spp. Os mosquitos–pólvora se
reproduzem em ambientes escuros e úmidos, com um suprimento de material orgânico que sirva como alimento
para as larvas. Eles não se reproduzem em ambientes aquáticos.
PATOLOGIA: Esses mosquitos pequenos servem como hospedeiros intermediários de Leishmania spp, um
protozoário que infecta as células reticuloendoteliais dos capilares, baço e outros órgãos, podendo também ser
observada em monócitos, leucócitos polimorfonucleares e macrófagos de pessoas, cães, gatos, equinos e ovinos
(ver p. 834).
DIAGNÓSTICO: À semelhança dos borrachudos, os mosquitos­pólvora podem ser coletados com maior
frequência no campo e não são notados nos animais. Eles podem ser identificados por causa de seu tamanho
pequeno e asas e corpos peludos. A identificação do gênero e da espécie é melhor realizada por entomologista.
TRATAMENTO E CONTROLE: A pulverização de inseticidas sobre o habitat das larvas normalmente não é possível
pela dificuldade de acesso aos seus locais de reprodução. A remoção da vegetação densa desestimula a
reprodução dos mosquitos–pólvora. A pulverização de inseticidas residuais ao redor das casas é a principal
maneira de controlar estas moscas; entretanto, é ineficaz para espécies que picam longe das casas. De maneira
geral, populações de mosquito­pólvora foram reduzidas como resultado de intensos programas de controle de
mosquitos. Coleiras impregnadas com deltametrina podem ser recomendadas aos proprietários de cães para
protegerem seus animais das picadas destas moscas.
MOSCAS TSÉ-TSÉ

As moscas tsé­tsé, Glossina spp, são moscas hematófagas importantes na África (latitudes 5°N a 20°S).
Possuem corpo estreito, são amarelas a marrom­escuras e possuem 6 a 13,5 mm de comprimento. Quando em
repouso, mantêm suas asas sobre o dorso, em configuração semelhante a uma tesoura. O tórax possui coloração
esverdeada opaca, com manchas ou listras indistinguíveis. O abdome é marrom claro a escuro.
Moscas de ambos os sexos são ávidas consumidoras de sangue. Uma cópula deixa uma mosca fêmea fértil
por toda a vida, durante a qual ela pode produzir até 12 larvas. Ela produz 1 larva por vez, retendo­a no útero;
depois de cerca de 10 dias, a larva é depositada em solo solto e arenoso, que escava e em 60 a 90 min, começa a
transformação em pupa. O período pupal dura em média cerca de 35 dias e após, o adulto emerge. As moscas
adultas se alimentam avidamente de sangue de vertebrados aproximadamente a cada 3 dias.
PATOLOGIA: As moscas tsé­tsé servem como hospedeiros intermediários para várias espécies de tripanossomas
que causam doenças fatais nos animais domésticos (nagana) e humanos (doença do sono africana).
Tripanossomas invadem o sangue, linfa, fluido cerebroespinal (FCE) e vários órgãos do corpo, como o fígado e
o baço. A nagana, um complexo relatado nos bovinos causado pelo Trypanosoma brucei, já ocorreu em amplas
áreas, tão grande como 1/4 do continente africano. A doença é fatal para equinos, muares, camelos e cães.
Bovinos, ovinos e caprinos geralmente sobrevivem, exceto quando parasitados por algumas cepas do
protozoário. Vários animais selvagens ungulados nativos da África não exibem qualquer evidência de lesão. Ver
tripanossomíase, p. 35.
DIAGNÓSTICO: As moscas tsé­tsé podem ser identificadas pela sua aparência semelhante à da abelha melífera,
da sua probóscide longa com o bulbo em forma de cebola na base e da sua venulação alar exclusiva, com a
célula em forma de cutelo ou de machadinha característica, no centro da asa.
TRATAMENTO E CONTROLE: A mosca tsé–tsé pode ser controlada por atração e captura (armadilhas de tsé­tsé),
limpeza do mato, telas de mosca, repelentes, inseticidas e técnicas de liberação de machos estéreis.

DÍPTEROS COM PEÇAS BUCAIS NÃO PICADORAS

BORRACHUDOS OCULARES

Os borrachudos ou mosquitos oculares (Hippelates spp) são mosquitos bastante pequenos (1,5 a 2,5 mm de
comprimento), que se reunem frequentemente ao redor dos olhos, bem como em secreções mucosas e sebáceas,
pus e sangue.
Nas regiões desérticas e nos contrafortes montanhosos do sul do estado norte­americano da Califórnia, os
mosquitos Hippelates adultos estão presentes o ano inteiro; são perturbadores de abril até novembro. Durante os
meses de pico, ficam notáveis no início da manhã e no final da tarde. Reúnem–se em sombras profundas, com
entre arbustos densos ou em uma habitação. Os ovos têm cerca de 0,5 mm de comprimento, são estriados e
distintamente curvados. São depositados na superfície do solo ou abaixo dela. As larvas eclodem e se alimentam
de material orgânico em decomposição, inclusive de excrementos. O estágio larval dura 7 a 11 dias. Durante os
meses invernais, os estágios larvais e de pupa podem persistir por muitas semanas. O período de pupa ocorre
próximo da superfície e dura cerca de 6 dias. O ciclo biológico completo demora cerca de 21 dias. Os adultos
geralmente são voadores resistentes, tanto a favor como contra o vento.
PATOLOGIA: Algumas espécies são atraídas para os órgãos genitais dos mamíferos; por exemplo, H. pallipes se
agrupam ao redor do pênis dos cães. Esses borrachudos abordam calmamente seus hospedeiros mamíferos.
Costumam pousar a uma certa distância do local de alimentação e depois rastejar sobre a pele, ou voam e
pousam intermitentemente, evitando o incômodo ao hospedeiro. São persistentes e, se forem espantados,
retornarão rapidamente para continuar a se ingurgitar.
Tratam­se de moscas não picadoras; no entanto, as suas labelas possuem espinhos que escarificam o tecido do
hospedeiro e permitem a entrada de microrganismos patogênicos. Os mosquitos Hippelates quase sempre
pairam ao redor dos orifícios corporais dos bezerros, dos bovinos sobreanos, das novilhas prenhes e das vacas
lactantes. Alimentam­se de fluido lacrimal, secreções corporais gordurosas, gotículas de leite e secreções nas
pontas dos tetos dos animais. Os mosquitos Hippelates também servem como vetores de Arcanobacterium
pyogenes (mastite estival) e da Moraxella bovis (olho cor­de­rosa).
DIAGNÓSTICO: Esses mosquitos pequenos possuem peças bucais do tipo absorvente. O mosquito lembra a
mosca doméstica em forma e estrutura e tem antenas arestadas e curtas.
TRATAMENTO E CONTROLE: Repelentes, como os recomendados para mosquitos, proporcionam alívio
temporário dos borrachudos oculares. Aplicações de inseticidas em uma grande base comunitária (como
aconteceria com o mata­mosquito) podem providenciar o controle temporário para os adultos, porém mais
adultos invadem a área tratada após a dissipação do inseticida.
MOSCAS DA CABEÇA (Moscas de plantações)
As moscas da cabeça ou moscas de plantações, Hydrotaea irritans, são moscas não picadoras, notadas em
grande número nos países do norte da Europa, especialmente na Dinamarca e na Grã­Bretanha, onde são pragas
em bovinos, ovinos e outros animais de produção. Esta mosca lembra a mosca doméstica e possui cerca de 4 a 7
mm de comprimento. Seu tórax é preto com manchas cinza, o abdome é verde­oliva e as bases das asas são
amarelo­alaranjadas.
As moscas da cabeça são um incômodo para os animais domésticos e o homem, pois são atraídas para boca,
nariz, orelhas, olhos e ferimentos para se alimentarem das secreções. Diferentemente das outras espécies do
gênero Hydrotaea, H. irritans produz uma geração por ano, com 3 estágios larvais. Os ovos depositados no final
do verão eclodem larvas dentro de poucos dias. O estágio saprófago é breve, antes do desenvolvimento para o
estágio que preda outras larvas de insetos. A invernação ocorre como larvas de estágio final. Os adultos são
mais ativos do início de junho até o final de setembro e são comuns na vizinhança de moitas ou arvoredos, nos
quais se abrigam entre os períodos de alimentação.
PATOLOGIA: Na Grã­Bretanha, os ovinos são predominantemente afetados. Os grandes enxames de moscas,
atraídos pelo movimento dos animais, se reúnem para se alimentar das secreções oculares e nasais e dos
resíduos celulares na base de crescimento dos chifres. Para aliviar a irritação persistente, os ovinos se coçam e
esfregam as cabeças, que resulta na formação de ferimentos escarificados ou “cabeças quebradas”,
especialmente na cabeça. As moscas, atraídas pelo sangue, se instalam nestas lesões autoinfligidas e estendem
nas margens destas por meio de sua atividade alimentar. Ovinos de todas as idades são comprometidos, mas
com maior gravidade as raças com chifres e desprovidas de lã na cabeça.
As moscas da cabeça também atacam pessoas, veados, equinos, bovinos e coelhos. Embora não existam
lesões de cabeça correspondentes em bovinos, a ocorrência de mastite de verão (causada por Corynebacterium
pyogenes) e a atividade sazonal das moscas da cabeça estão estreitamente relacionadas, especialmente na
Dinamarca. As moscas da cabeça também podem estar envolvidas na disseminação de mixomatose nos coelhos.
TRATAMENTO E CONTROLE: O desenvolvimento, a eclosão e a reunião das moscas da cabeça distantes das áreas
de fazenda impedem os métodos tradicionais de aspersão de inseticidas nos locais de reprodução e nos habitat
de repouso. O controle do local de contato entre os insetos adultos em alimentação e os mamíferos hospedeiros
também tem valor limitado. Nos ovinos, a aplicação de compostos organofosforados ou de derivados
piretrínicos nas áreas suscetíveis da cabeça possuem curta duração, o que exige reaplicações não práticas em
animais de criação extensiva. O uso de brincos impregnados com inseticidas nos bovinos diminui a incidência
da mastite estival, presumivelmente pela redução na transmissão das moscas da cabeça.
A remoção dos animais de produção das localizações infestadas durante a estação das moscas constitui a
única maneira completamente efetiva de evitar danos. Quando ocorrem “cabeças quebradas”, o abrigo dos
ovinos constitui o único método bem­sucedido de interromper danos por moscas adicionais.

MOSCAS DA FACE

As moscas da face, Musca autumnalis, são assim conhecidas porque se acumulam ao redor dos olhos e do
focinho dos animais de produção, particularmente bovinos. Também podem ser notadas na cernelha, no
pescoço, no peito e nas áreas laterais do corpo. As suas peças bucais são adaptadas para absorver saliva, lágrima
e muco. As moscas da face geralmente não são consideradas consumidoras de sangue, pois as suas peças bucais
não são perfuradoras ou semelhantes a baionetas. No entanto, elas acompanham as moscas hematófagas,
perturbam­nas durante o seu processo alimentar e depois lambem o sangue e os fluidos corporais que se
acumulam na pele do hospedeiro. As moscas da face são notadas em animais em ambientes externos e, em
geral, não os acompanham para dentro dos estábulos.
As moscas da face são vistas nos bovinos em pastagens por todo o sul do Canadá e a maior parte dos EUA.
As suas peças bucais consistem em labelas absorventes e existem 4 faixas longitudinais no abdome. Embora
sejam semelhantes em aparência à mosca doméstica comum, as moscas da face podem ser diferenciadas por
aproximação, pelos ângulos das margens interiores dos olhos e pela coloração distinta da face e do abdome. A
diferenciação das espécies requer a habilidade de um entomologista treinado.
Os bovinos são os principais hospedeiros das moscas da face nos EUA, mas estas também se alimentarão em
equinos e, provavelmente, em ovinos e caprinos. A mosca da face é uma praga nos bovinos em pastagens; ela
não se desenvolve em situações de lote de engorda e por isso, não é um parasito de bovinos confinados. A
ovoposição é realizada nas fezes frescas de bovinos em pastagem e eclodem em cerca de 1 dia. As larvas
amareladas se desenvolvem em 2 a 4 dias e, quando maduras, deixam o esterco para se tornarem pupa no solo
circundante. O seu ciclo de vida completo, do ovo ao adulto, requer 12 a 20 dias, dependendo das condições
climáticas. O adulto em diapausa inverna dentro de construções e de outros locais protetores.
PATOLOGIA: As moscas da face perturbam o hospedeiro e interferem na sua produtividade. As fêmeas se
alimentam de secreções faciais, como lágrima, muco nasal e saliva, para obter proteína para o desenvolvimento
dos ovos. A irritação ao redor dos olhos do hospedeiro estimula o fluxo de lágrimas, que atrai mais moscas.
As moscas da face também se alimentam de outras fontes de fluido, como sangue proveniente de ferimentos e
o leite nas faces dos bezerros. Como elas possuem espinhos ásperos e pequenos (dentes pré­estomais) em suas
peças bucais absorventes, podem causar irritação e danos mecânicos no tecido ocular do hospedeiro. A
atividade alimentar das moscas da face potencializa a transmissão da Moraxella bovis (ver p. 524). As moscas
da face também podem atuar como hospedeiros intermediários de Thelazia spp e Parafilaria bovicola.
DIAGNÓSTICO: As moscas da face adultas são morfologicamente semelhantes às moscas domésticas. Estas 2
espécies podem ser distinguidas apenas pelas pequenas diferenças na posição dos olhos e na coloração do
abdome. A identificação das espécies requer as habilidades de um entomologista treinado. Em geral,
encontrando­se uma mosca de tamanho médio se alimentando ao redor dos olhos e das narinas de um bovino ou
equino, provavelmente será uma mosca da face.
TRATAMENTO E CONTROLE: O controle das moscas da face é difícil. Tem­se feito muito esforço utilizando­se
vários inseticidas e técnicas de aplicação, como sacos de pó, sprays de nebulização e formulações de secagem.
Também se utilizam inseticidas e reguladores de crescimento de insetos como aditivos alimentares. No entanto,
os resultados costumam ser menos que satisfatórios. A introdução de brincos impregnados com inseticidas
proporciona um controle pouco melhor, mas geralmente, só se consegue a redução sazonal de 70 a 80% nas
moscas da face, mesmo com a utilização de 2 brincos (1 em cada orelha) por animal.

MOSCAS QUE SE REPRODUZEM NO LIXO

Os seguintes dípteros adultos costumam ser denominados de moscas que se reproduzem no lixo: Musca
domestica (mosca doméstica); Calliphora, Phaenicia, Lucilia e Phormia spp (moscas varejeiras ou das
garrafas); Sarcophaga spp (moscas da carne); Fannia spp (moscas domésticas pequenas); Muscina spp (falsas
moscas dos estábulos); e Hermetia illucens (moscas­soldado pretas). Encontram­se com frequência, grandes
populações destas moscas adultas ao redor das instalações onde há fezes de animais. Os estágios larvais podem
estar presentes em ferimentos cutâneos contaminados por bactérias ou em pelos emaranhados contaminados por
fezes (ver p. 1002). O ciclo de vida da Musca domestica é utilizado como exemplo representativo de todas as
moscas que se reproduzem no lixo.
A mosca doméstica é comumente notada junto às criações de animais de produção e aves domésticas, onde se
reproduz facilmente em fontes de esterco acumulado. Trata­se de uma mosca de tamanho médio (até 9 mm),
acinzentada, com 4 faixas torácicas escuras e peças bucais não picadoras e absorventes, destinadas a sugar
alimentos semilíquidos (não existe nenhuma mandíbula ou maxilar). O lábio é expandido em 2 labelas, que
podem transportar fluidos e semifluidos.
Depois da oviposição, o ovo branco opalescente em forma de banana (com cerca de 1 mm de comprimento)
eclode em 6 a 12 h sob condições ideais. Os ovos não são resistentes ao ressecamento e poucos parecem
sobreviver a temperaturas > 40°C ou < 15°C. As larvas podem se desenvolver em poucos dias até 3 semanas,
dependendo da temperatura e da disponibilidade de alimentos. Quando a temperatura para o desenvolvimento
larval se encontra ideal (cerca de 36°C), as larvas se transformam em pupas em cerca de 6 h. As pupas persistem
4 a 5 dias em clima quente. Depois que os adultos saem do estágio de pupa, as moscas procuram alimentos e
copulam em poucos dias. O ciclo de vida geralmente termina em cerca de 3 semanas, embora, sob condições
favoráveis, ele possa se completar em 10 a 14 dias. Nos climas temperados, acredita­se que a mosca doméstica
inverne como uma pupa.
PATOLOGIA: Mesmo que estas moscas não se alimentem de sangue, o incômodo para os animais causado pelo
seu movimento pode provocar redução no desempenho. Ademais, estão implicadas na transmissão de muitos
patógenos (helmintos, protozoários, bactérias e vírus) tanto para o homem quanto aos animais. Frequentemente,
ocorrem grandes populações destas moscas adultas ao redor das instalações de animais de produção ou aves
domésticas mal conservadas e estas se tornam um incômodo público. São moscas sinantrópicas, isto é, que se
associam às habitações humanas. As moscas são consumidoras de “gotas de vômito” e voam das fezes para os
alimentos, espalhando bactérias de suas patas e do conteúdo gástrico regurgitado.
DIAGNÓSTICO: Todas as moscas adultas que se reproduzem no lixo possuem peças bucais não picadoras e
absorventes semelhantes, destinadas a sugar alimentos semilíquidos. A identificação das moscas adultas deve
ser deixada para um especialista. As moscas domésticas são acinzentadas e de tamanho médio, com 4 faixas
torácicas escuras. A identificação preliminar das moscas varejeiras ou das garrafas pode ser feita com base na
coloração metálica dos adultos. A mosca da carne é de tamanho médio e acinzentada, com um padrão
abdominal enxadrezado.
TRATAMENTO E CONTROLE: É necessário um programa completo de higienização para controlar as populações
de moscas próximas e no interior das instalações dos animais de produção e aves domésticas. Todos os
acúmulos de esterco devem ser removidos pelo menos 2 vezes/semana ou manipulados apropriadamente, se
forem guardados nas propriedades, para minimizar a reprodução de moscas. Aplicando­se práticas de controle
de esterco sólido, devem­se realizar esforços para reduzir a umidade no esterco. Utilizando­se um poço de
esterco líquido, não se deve permitir que o esterco se acumule acima da linha d’água, flutuando ou grudando nas
laterais, pois isso constitui um local ideal para a produção de moscas. Inseticidas devem ser considerados como
suplementares a medidas de higienização e controle destinadas a evitar a reprodução de moscas. Sprays
residuais proporcionam o controle de 2 a 4 semanas com tratamento que deve ser aplicado nas superfícies de
descanso de moscas. Podem­se utilizar sprays de espaço, nebulizações ou nevoeiro, com “nocaute” rápido, mas
sem ação residual, para redução imediata de alto número de moscas adultas. Outras medidas para o controle de
moscas adultas é o uso de fitas de resina com inseticidas ou de várias iscas de moscas. Estas medidas também
podem ser aplicadas diretamente nas fontes de reprodução de moscas; no entanto, isso só deve ser considerado
no caso de pontos de reprodução que não possam ser eliminados pelas práticas normais de higienização.

DÍPTEROS QUE PRODUZEM MIÍASES

As larvas dos dípteros podem­se desenvolver no tecido subcutâneo ou nos órgãos de muitos animais
domésticos, produzindo uma afecção conhecida como miíase. Existem 2 tipos de miíases, com base no grau de
dependência do hospedeiro. Nas miíases facultativas, as larvas das moscas geralmente possuem vida livre; no
entanto, sob determinadas circunstâncias, estas larvas podem se adaptar à dependência parasitária em um
hospedeiro. Nas miíases obrigatórias, as larvas das moscas são completamente parasitárias, isto é, dependem
de um hospedeiro para completar o ciclo de vida. Sem hospedeiros, os parasitos obrigatórios morrerão.

MOSCAS PRODUTORAS DE MIÍASES FACULTATIVAS

As larvas dos seguintes dípteros costumam ser denominadas de produtoras de miíase facultativas: Musca
domestica (mosca doméstica); Calliphora, Phaenicia, Lucilia e Phormia spp (moscas varejeiras ou das
garrafas); e Sarcophaga spp (moscas da carne). São moscas sinantrópicas nos estágios adultos, isto é, associadas
a habitações humanas e voam facilmente das fezes para alimentos. Os estágios larvais geralmente estão
associados aos ferimentos cutâneos em qualquer animal doméstico, onde haja contaminação por bactérias ou
pelos emaranhados contaminados por fezes. Nos estágios larvais, as características distintas das placas
espiraculares posteriores e do esqueleto cefalofaringeano são exclusivas de cada espécie e utilizadas para a
identificação.
O ciclo biológico da Musca domestica é utilizado como exemplo representativo das moscas que se
reproduzem no lixo (ver p. 1000). Várias espécies de moscas varejeiras causam miíases nos ovinos. Nos EUA e
no Canadá, as moscas primárias são Phormia regina e Protophormia terraenovae (moscas varejeiras pretas),
Lucilia sericata (mosca verde das garrafas). L. illustris, Cochliomyia macellaria (bicheira secundária) e algumas
outras geralmente são invasoras secundárias. L. cuprina é a mosca primária mais importante na Austrália e na
África do Sul; a L. sericata na Grã­Bretanha; e L. cuprina, L. sericata e Calliphora stygia na Nova Zelândia.
PATOLOGIA: Sob condições normais, as moscas adultas desses gêneros depositam seus ovos nas fezes ou nas
carcaças de animais em decomposição. Na miíase facultativa, as moscas adultas são atraídas por ferimento
úmido, lesão cutânea ou pelame emplastrado. Um local comum é o traseiro, onde as moscas podem ser atraídas
pela lã emplastrada com urina ou fezes. À medida que as moscas fêmeas adultas se alimentam nesses locais,
elas põem ovos que eclodem em 24 h em condições de umidade. As larvas (larvas de moscas) se movem
independentemente pela superfície do ferimento, ingerindo células mortas, exsudato, secreções e resíduos, mas
não tecidos vivos. Esta condição é conhecida como “ataque de moscas” ou ataque. As larvas irritam, lesam e
matam as camadas cutâneas sucessivas e produzem exsudatos. Podem fazer túneis através da epiderme afinada,
até o tecido subcutâneo. Esse processo produz cavidades teciduais na pele, que medem até vários centímetros de
diâmetro. Uma vez estabelecido, o ataque pode disseminar rapidamente e atrair mais moscas varejeiras, tanto
secundárias quanto primárias. Os ataques leves podem causar perda rápida de condição e os ataques maléficos
podem ser fatais. A menos que o processo seja detido por terapia apropriada, o animal infestado pode morrer
por causa de a choque, intoxicação, histólise ou infecção. Um odor penetrante, distinto e peculiar permeia o
tecido infestado e o animal afetado. As lesões avançadas podem conter milhares de larvas.
O corpo dos ovinos também pode ser atacado por moscas. Isso geralmente se associa com chuvas fortes, que
causam o desenvolvimento da podridão do velo, quase sempre caracterizada por descoloração causada por
infecções por Pseudomonas spp ou dermatofilose. Outros locais incluem os chifres dos carneiros machos, a lã
ao redor do seu prepúcio, o local que as patas com podridão do casco entram em contato com o velo e os
ferimentos.
As moscas adultas podem ser pragas nas clínicas veterinárias, fazendas ou granjas aviárias. As moscas são
consumidoras de “gotas de vômito” próprias e voam das fezes para os alimentos, espalhando bactérias em suas
patas e no conteúdo gástrico regurgitado.
Estas larvas de moscas também foram associadas a efeitos tóxicos nas galinhas. O botulismo (p. 2925), também
conhecido como “pescoço flexível” nas galinhas, foi associado à ingestão de um grande número de larvas de
Lucilia caesar, Phaenicia sericata e outras espécies de moscas. Clostridium botulinum se multiplica na carniça,
onde pode ser adquirido pelas larvas de moscas que se reproduzem neste meio e após, é transmitido para as
galinhas que ingerem estas larvas. Os animais mortos devem ser descartados rápida e seguramente, de
preferência serem submetidos à incineração.
DIAGNÓSTICO: A infestação pode ser identificada precocemente; o comportamento das ovelhas pode ser um
bom indicador da miíase. Os animais afetados tornam­se deprimidos, ficam com as cabeças para baixo, não se
alimentam e tentam morder as áreas infestadas. Suspeita­se de bernes nos casos em que as larvas são associadas
a perfurações.
As espécies de moscas produtoras de miíase podem ser definitivamente identificadas pelo exame rigoroso das
larvas. A porção caudal das várias larvas de terceiro estágio que infestam um ferimento deve ser incisada com
uma lâmina de bisturi. Coloca­se as extremidades caudais cortadas com a superfície de corte para baixo sobre
uma lâmina de vidro, cobertas por lamínula e ao examiná­las em microscópio composto, pode­se utilizar uma
chave dicotômica para identificar o(s) gênero(s) das moscas dentro do ferimento. As placas espiraculares
exclusivas são distintas para cada gênero em particular. Devem­se examinar várias amostras, pois pode haver
mais de um gênero dentro da lesão. As primeiras larvas a eclodir na lesão frequentemente criam um meio
favorável e atraente para as moscas de outros gêneros. Também se deve considerar a possibilidade de uma
miíase obrigatória causada por Cochliomyia hominivorax (ver p. 1004) ou Chrysomyia bezziana (ver p. 1005).
TRATAMENTO E CONTROLE: A infestação de moscas varejeiras pode ser efetivamente controlada por cerca de 6 a
8 semanas por um “arremate” ou “aparamento” (i. e., tosquia­se a lã entre as pernas e ao redor da cauda). Uma
tosquia completa controla os surtos que envolvem outras partes do corpo. A lã removida do redor da cabeça e do
prepúcio pode evitar um ataque nestas áreas. Pode­se eliminar virtualmente o tingimento por urina da virilha de
ovelhas da raça merino pela remoção das pregas das nádegas (cirurgia de Mules) e reduzir bastante a
contaminação fecal com o corte de caudas na terceira articulação. Deve­se controlar a diarreia. Os odores e a
umidade associada atraem moscas e estimulam a oviposição, particularmente em um tempo quente e úmido.
A quimioprofilaxia consiste no umedecimento até uma saturação completa das áreas suscetíveis com
preparações inseticidas e larvicidas adequadas, como os inseticidas organofosforados ou a ciromazina, um
larvicida específico de banhos de imersão e sprays. O banho com jato é o procedimento mais eficaz – o
inseticida é forçado para o interior do velo, em geral nas nádegas, ao longo do dorso e na cabeça, sob alta
pressão. A proteção pode durar 6 a 8 semanas, mas quando a mosca primária for resistente (p. ex., L. cuprina na
Austrália), pode durar somente 2 a 3 semanas. As aplicações semanais de agentes como ronnel (a 2,5%) sob
pressão em ferimentos até estes cicatrizarem pode ser altamente benéfica, em particular no caso dos bernes.
Antes de aplicar agentes adequados, deve­se remover toda a lã da área atacada e ao redor dela.
A queima ou o enterro profundo de uma carcaça pode ser uma valiosa medida higiênica geral, mas pode ter
pequeno efeito nos ataques primários. A fonte principal de moscas primárias são os ovinos atacados por elas. Na
Austrália, tem­se utilizado uma abordagem de manipulação genética para controlar uma linhagem de mosca
varejeira; as moscas machos ficam parcialmente estéreis, mas transmitem um gene que causa cegueira nos
descendentes femininos.
O tratamento e as medidas de controle de miíases nos cães e nos gatos são limitados. Se estas larvas forem
detectadas em pequenos animais, será necessária uma terapia imediata. Deve­se depilar o pelame para
determinar a extensão da lesão e remover muitas das larvas. A remoção das larvas de bolsões teciduais
profundos pode ser difícil e pode exigir sedação ou, mesmo, anestesia do animal. Deve­se examinar a lesão em
dias sucessivos; as moscas adultas põem ovos no ferimento em momentos diferentes e a eclosão das larvas pode
não ser sincronizada.
Os animais deprimidos, febris e prostrados devem ser tratados de acordo com os sinais clínicos. O ideal é a
realização de cultura e antibiogramas nas amostras ou raspados dos ferimentos. Encontrando­se infecções
bacterianas ou fúngicas secundárias, aconselha­se a administração de antibióticos de largo espectro.
Com relação à prevenção, os proprietários devem ser instruídos sobre a efetividade do tratamento de todos os
ferimentos cutâneos. Os animais com ferimentos cutâneos devem ser confinados em áreas livres de moscas. O
pelame deve ser mantido limpo de urina e fezes e não se deve permitir que se emaranhe. Os ferimentos
contaminados e os pelos emaranhados emplastados com urina e fezes atraem rapidamente moscas adultas
produtoras de miíase. O controle das moscas adultas no campo e a destruição dos seus locais de reprodução
constituem medidas preventivas excelentes. Todas as áreas não devem conter latas de lixo abertas e carcaças em
decomposição ou carniça.

MOSCAS PRODUTORAS DE MIÍASES OBRIGATÓRIAS

Várias moscas dípteras produzem larvas que dão origem a um parasito e resultam em miíases obrigatórias.
Apenas uma mosca da América do Norte, Cochliomyia hominivorax, é invasora primária de ferimentos cutâneos
recentes não contaminados, em animais domésticos. Outra espécie de mosca de berne, Chrysomyia bezziana, é
encontrada na África e no sul da Ásia, inclusive Papua Nova Guiné.

Bernes em Pequenos Animais


As larvas das moscas do gênero Cuterebra são frequentemente denominadas de lobos, bernes, bernes dos
coelhos ou bernes dos roedores. Estas larvas de mosca infestam a pele de coelhos, esquilos, camundongos,
ratos, esquilos e, ocasionalmente, cães e gatos (Ver infestação por moscas cuterebra em pequenos animais, p.
982, para informações sobre sintomas, diagnóstico e tratamento).

Mosca Varejeira Cinza

A mosca varejeira cinza, Wohlfahrtia vigil, é responsável pela miíase cutânea, na América do Norte,
particularmente no sul do Canadá e no norte dos EUA. As moscas adultas foram registradas desde os estados
norte­americanos da Nova Inglaterra até o Alasca, mas a maioria dos relatos provém das seções orientais do
Canadá e das vizinhanças do nordeste dos EUA. Todos os relatos de infestações ocorrem na pele de animais
saudáveis, particularmente na pele intacta dos jovens.
Todos os três estágios larvais possuem aparência de “larva de inseto” e espiráculos posteriores exclusivos da
espécie. O primeiro estágio larval tem 1,5 mm ao eclodir e cresce até 3,5 mm no momento da sua muda para o
segundo estágio. O terceiro estágio tem 7 a 18,5 mm de comprimento. Sua extremidade posterior é estreita e é
coberta por muitas fileiras irregulares de espinhos pequenos que possuem pontas escuras e se orientam
posteriormente. Esta larva é mais bem adaptada para manter a fixação em tecidos vivos. Os ganchos orais são
fortemente desenvolvidos. A extremidade posterior da larva tem sua placa espiracular localizada em um buraco
profundo, formado pelas margens do segmento. Os espiráculos posteriores têm fendas largas e peritremo forte.
A mosca varejeira cinza é larvípara – ela deposita as larvas em vez de ovos na pele saudável e não lesada dos
hospedeiros adequados, particularmente dos hospedeiros suscetíveis, particularmente animais jovens. A larva
penetra na pele intacta e forma um inchaço semelhante a um furúnculo (furuncular). O desenvolvimento até o
terceiro estágio larval infeccioso geralmente se completa em 9 a 14 dias. Os parasitos em seguida caem no chão,
se tornando pupas, cerca de 11 a 18 dias, variando com a estação do ano e a temperatura. Quando o clima frio se
aproxima, o período de pupa se prolonga muito. Sob condições laboratoriais, já demorou 7 meses. O parasito
sobrevive no inverno na forma pupal. Os adultos saem da pupa e se acasalam depois de cerca de 3 a 4 dias. As
moscas fêmeas começam sua larviposição cerca de 1 semana mais tarde, depositando 6 a 16 larvas por vez. As
moscas fêmeas vivem por 35 a 40 dias; os machos raramente sobrevivem > 3 semanas.
PATOLOGIA: As fêmeas de W. vigil depositam larvas ativas próximas ou diretamente no hospedeiro. Embora as
larvas geralmente penetrem na pele intacta, nos pequenos animais, a penetração pode ser mais profunda do que
no tecido dérmico, até na cavidade celômica.
A primeira indicação de que um animal se encontra infestado é a exsudação de soro e o emaranhamento do
pelame sobre o local de penetração. Nos animais de pele clara, uma área inflamatória pequena torna­se visível
no centro ou na lateral, onde nota­se um pequeno orifício. Estas lesões podem ser palpadas à medida que se
desenvolvem. No terceiro ou quarto dia, as larvas têm 1,5 a 2 cm de comprimento e produzem lesões
semelhantes a abscessos, que lembram as lesões Hypoderma spp nos bovinos. Estas lesões variam em tamanho,
forma, posição e número de larvas que podem conter. O pelame fica frequentemente repartido sobre a parte
superior das lesões e revela uma abertura de 2 a 3 mm de diâmetro. A face posterior da larva fica visível por
estas aberturas, através das quais ela respira. Estas aberturas são geralmente circulares e bem definidas; no
entanto, existindo várias larvas em 1 única lesão, a forma da abertura será bastante variável. Os pequenos
animais infestados por = 5 larvas, por vários dias, podem ficar emaciados e a pele pode ficar seca e perder o
brilho.
A penetração das larvas na pele, o desenvolvimento no tecido subcutâneo e a infecção bacteriana secundária
produzem irritação e inflamação intensas nos tecidos. As tentativas por parte do animal de remover as larvas ou
aliviar a irritação tendem a agravar a afecção. Os animais jovens podem morrer de exaustão. Também já se
sugeriu que as larvas podem produzir secreções tóxicas. A W. vigil já foi isolada da pele de crianças jovens,
particularmente de bebês.
DIAGNÓSTICO: As moscas varejeiras cinzas adultas não são parasitos e, como resultado, provavelmente não
serão observadas pelo proprietário ou pelo veterinário. Elas são moscas acinzentadas grandes (cerca de 13 mm
de comprimento), com cerca de 2 vezes o tamanho da mosca doméstica. A superfície dorsal do tórax é marcada
com 3 faixas longitudinais, enquanto a superfície dorsal do abdome tem 3 fileiras bem definidas de manchas
pretas ovais, que confluem entre si.
A identificação das moscas adultas e de seus estágios larvais associados deve ser realizada por um
entomologista. A presença de inchaço dérmico com abertura central pode induzir ao diagnóstico presuntivo de
miíase por W. vigil. Só se pode fazer um diagnóstico definitivo depois da extração e identificação da larva típica.
Encontram­se disponíveis descrições e chaves dicotômicas extensas para os 3 estágios larvais. Frequentemente
o diagnóstico é feito por tentativa pelo histórico de residência ou viagem para uma área geográfica endêmica de
W. vigil.
TRATAMENTO E CONTROLE: A larva deve ser extraída da pele. A aplicação de óleo cru, parafina líquida ou gel
de vaselina na abertura das lesões ocluirá as vias respiratórias das larvas. A aplicação de uma pequena
quantidade de clorofórmio ou éter na abertura pode ser útil, antes da remoção da larva com uma pinça. Também
se pode injetar cloridrato de lidocaína no interior da lesão furuncular para facilitar a extração da larva. Deve­se
tomar grande cuidado durante o processo de extração para evitar ruptura da larva no local, embora ainda não se
tenha descrito uma anafilaxia. Devem­se prescrever antibióticos.
Esse parasito geralmente infecta os visons jovens. Pode­se colocar 1 colher de chá de ronel na cama da caixa­
ninho como medida de controle; no entanto, não se deve utilizar esta substância na cama de filhotes com < 3
dias de idade. Pode­se proporcionar proteção das gaiolas com o uso de uma tela aramada para manter as moscas
para fora.

Chrysomyia bezziana (Bicheira do Velho Mundo, Mosca oriental, Mosca varejeira de Bezzi)

Chrysomyia bezziana é encontrada na África, no subcontinente indiano e Sudeste Asiático, no norte de Taiwan,
até o sul de Papua­Nova Guiné. Esta mosca não é autóctone na Austrália. Por causa da sua distribuição
geográfica, a porta de entrada mais provável para C. bezziana nos EUA é pelo Havaí.
As moscas de bicheira adultas geralmente não são observadas no campo. A mosca adulta possui um corpo
verde­metálico­escuro, com segmentos abdominais com faixas estreitas ao longo das margens posteriores. As
pernas são pretas ou parcialmente marrons. A face é amarelo­alaranjada. O primeiro estágio larval
provavelmente passa desapercebido por causa de seu tamanho pequeno, até 3 mm no momento da sua muda
para o segundo estágio. O segundo estágio é bastante semelhante ao terceiro, mas tem 4 a 9 mm de
comprimento. A larva de terceiro estágio é grande, com até 18 mm de comprimento. O corpo é composto de 12
segmentos, que possuem faixas envolventes e largas de espinhos pequenos. Todos os 3 estágios têm uma
aparência de “larva de inseto” e possuem espiráculos posteriores exclusivos da espécie. A extremidade posterior
da larva tem a sua placa espiracular localizada em uma fenda profunda na extremidade do oitavo segmento
abdominal. As placas espiraculares são grandes e bem­separadas. O peritremo e as 3 fendas respiratórias são
amplos.
C. bezziana produz uma miíase particularmente terrível. As moscas fêmeas são atraídas pelos ferimentos
abertos no homem e em animais domésticos e silvestres. Elas põem seus ovos em massas de 150 a 500 na borda
dos ferimentos ou próximo de orifícios corporais. As larvas se desenvolvem até o terceiro estágio em cerca de 2
dias depois da sua eclosão. Elas escavam profundamente no interior do ferimento, de forma que só as suas
extremidades posteriores ficam visíveis. O estágio larval inteiro dura 5 a 6 dias. O estágio de pupa dura 7 a 9
dias em condições tropicais e mais tempo em condições mais frias. As moscas adultas saem das pupas
posteriormente para se acasalar, localizar um novo hospedeiro e continuar o ciclo. As moscas fêmeas se
acasalam somente 1 vez durante a sua vida – um fato preponderante na prevenção e no controle. Sob condições
favoráveis, podem ocorrer = 8 gerações por ano.
PATOLOGIA: As larvas de C. bezziana são parasitos obrigatórios de ferimentos, e nunca se desenvolvem em
carcaças ou material orgânico em decomposição. Embora as moscas fêmeas sejam atraídas por ferimentos
abertos, ocasionalmente põem ovos na pele macia e intacta de várias partes do corpo, especialmente se esta
estiver contaminada com sangue ou secreção mucosa. Quando as larvas eclodem, elas escavam o hospedeiro,
utilizando suas peças bucais com ganchos para retirar os tecidos e lacerar os vasos sanguíneos finos. As larvas
são hematófagas vorazes. Durante a fase hematófaga, só as extremidades caudais das larvas, com seus
peritremos enegrecidos, permanecem visíveis na superfície da lesão, permitindo que as larvas respirem. Em
alguns ferimentos, observam­se até 300 larvas. Nos ferimentos não tratados, a atividade destrutiva das larvas
pode levar à morte do animal em período bastante curto. Uma infestação secundária com moscas produtoras de
miíases facultativas (ver p. 1002) pode complicar o tratamento e o controle.
DIAGNÓSTICO: Raramente a identificação das moscas adultas são observadas e a sua associação com os estágios
larvais é melhor realizada por um entomologista. Só se consegue fazer um diagnóstico definitivo depois da
observação, extração e identificação das larvas típicas. Geralmente, o diagnóstico pode ser realizado com base
em um histórico de viagem a uma área endêmica para C. bezziana. Presumindo­se que um ferimento se encontre
infestado por larvas de C. bezziana, devem–se coletar amostras e enviá­las para funcionários apropriados de
erradicação.
TRATAMENTO E CONTROLE: O tratamento da bicheira envolve a morte das larvas nas lesões, promoção da
cicatrização e evitar reinfestação secundária com larvas das moscas produtoras de miíases facultativas. A
extensão das lesões é determinada pela depilação da área e remoção de tantas larvas quanto possível. As larvas
removidas devem ser mortas para evitar que pupem e se desenvolvam em moscas adultas. As larvas localizadas
profundamente dentro dos tecidos devem ser extraídas.
A ivermectina, em doses de 50, 100 e 300 μg/kg, administrada nos bovinos infestados, resultou em
mortalidade de 100% das larvas por, pelo menos, 6, 12 e 14 dias, respectivamente. Dependendo da idade, as
larvas sobreviveram em ataques estabelecidos depois do tratamento com 200 μg/kg. A mortalidade foi de 100%
nas larvas com até 2 dias de idade, porém foi menor nas larvas mais velhas. No entanto, muitas das larvas que
sobreviveram à terapia com ivermectina falharam em se desenvolver para o estágio adulto. Depois de um
tratamento com 200 μg/kg, a proteção residual durou 16 a 20 dias, 2 a 3 vezes a da maioria dos emplastros com
inseticidas.
Devem­se realizar curativos apropriados em todos os ferimentos dos animais domésticos e também evitar
todos os procedimentos cirúrgicos eletivos durante a estação das moscas.
É importante considerar o fato de que as moscas fêmeas só se acasalam 1 vez durante sua vida para o controle
de C. bezziana. As pupas das moscas expostas à irradiação originam adultos estéreis, que podem ser liberados
para acasalar com moscas machos e fêmeas silvestres. Como resultado disso, não se produz nenhum
descendente viável no ambiente silvestre.

Cochliomyia hominivorax (Bicheira primária, Bicheira do Novo Mundo)

A Cochliomyia hominivorax se distribui por todas as regiões neoárticas e neotropicais do hemisfério ocidental.
Como resultado de intensos programas de erradicação estaduais, federais e internacionais, não se encontram
mais populações sobreviventes de C. hominivorax nos EUA ou no México; os relatos isolados com frequência
são rastreados até uma importação de animais infestados de locais onde a mosca ainda é prevalente. Encontram­
se populações sobreviventes nas Américas Central e do Sul e em determinadas ilhas do Caribe.
As moscas fêmeas adultas põem 200 a 400 ovos em fileiras que se sobrepõem como telhas em uma massa na
borda de um ferimento fresco. Depois de 12 a 21 h, as larvas eclodem, rastejam para o interior do ferimento e
escavam a musculatura. As larvas se alimentam dos fluidos dos ferimentos e de tecidos vivos. Após 5 a 7 dias,
as larvas crescem e saem dos ferimentos, caem no solo e se enterram para se tornarem pupas. O período de pupa
varia de 7 dias a 2 meses, dependendo da temperatura. O congelamento ou a manutenção das temperaturas do
solo < 8°C matam as pupas. Os adultos só se reproduzem 1 vez durante a vida, um fato que é utilizado no
controle biológico. Eles geralmente se acasalam quando têm 3 a 4 dias de idade e as fêmeas grávidas ficam
prontas para ovipor com cerca de 6 dias de idade. Em um tempo quente, o ciclo de vida pode­se completar em
21 dias. Só as moscas fêmeas se alimentam e ovipõem nos ferimentos; os machos e as fêmeas virgens mais
jovens se reúnem para acasalar na vegetação, especialmente em florescimento.
PATOLOGIA: Os ferimentos recém­infectados contêm larvas de mosca de bicheira de uma única idade; os
ferimentos maiores e mais velhos podem conter larvas de várias idades e de espécies de moscas diferentes. O
fluido marrom­avermelhado e fétido produzido no ferimento geralmente drena e pode corar os pelos ou a lã ao
redor ou abaixo do ferimento. À medida que o incômodo aumenta, o animal infestado procura proteção,
retirando­se para a sombra mais densa disponível. Mesmo um ferimento pequeno e relativamente insignificante
infestado por larvas de mosca de bicheira atrai não somente mais destas moscas como também moscas
produtoras de miíases facultativas. Os tecidos necrosados atraem ainda mais moscas. O ferimento pode
aumentar gradualmente por causa de uma infestação múltipla e, a menos que seja tratado, geralmente resulta na
morte do animal.
DIAGNÓSTICO: As larvas parasitárias são afiladas e possuem ganchos orais na extremidade estreita e espiráculos
respiratórios na extremidade larga. Os segmentos corporais são anelados com espinhos. As larvas com
crescimento completo podem alcançar 1,5 cm. Elas são frequentemente identificadas pela forma e aparência de
“parafuso de madeira” e podem ser distinguidas das larvas das moscas produtoras de miíases facultativas pelos
tubos traqueais pigmentados de escuro na face dorsal da extremidade posterior da larva de terceiro estágio.
Esses tubos podem ser visualizados facilmente através da cutícula larval.
As moscas de bicheira adultas são semelhantes em aparência a outras moscas varejeiras. Elas são azuladas a
verde­azuladas, possuem cabeça e olhos laranja­avermelhados e são ligeiramente maiores que a mosca
doméstica. São difíceis de distinguir das outras moscas varejeiras ou das garrafas. A identificação das moscas de
bicheira adultas provavelmente é melhor realizada por um entomologista.
TRATAMENTO E CONTROLE: Uma infestação de bicheira deve ser relatada às autoridades estaduais e federais. C.
hominivorax foi erradicada dos EUA, mas, às vezes, entra no país de modo sub­reptício em animais importados.
Nos EUA, suspeitando­se de um ferimento estar infestado por larvas de bicheira, deve­se contactar o USDA no
http://www.aphis.usda.gov/index.shml.
As bicheiras nos ferimentos podem ser mortas com a aplicação direta de um curativo de ferimento chamado
“emplastro”. Tais emplastros, que contêm lindano ou ronel, podem ser difíceis de encontrar nos EUA, por causa
do programa de erradicação. Os emplastros são mais bem aplicados com um pincel de 2,5 cm e devem atingir
todos os muitos bolsões formados pelas larvas escavadoras nos ferimentos profundos. Também se deve aplicar
uma camada fina na pele circundante, para protegê­la de uma reinfestação. Os ferimentos também podem ser
tratados com formulações em aerossol, pó ou espuma de cumafós, lindano ou ronnel. Como medida preventiva
para proteger os animais de uma infestação e também matar as larvas nos pequenos ferimentos difíceis de
detectar, os animais podem ser borrifados completamente com ronnel ou com cumafós, ou imersos neste último.
PROGRAMA DE ERRADICAÇÃO COM LIBERAÇÃO DE MACHOS ESTÉREIS: Em 1958, o USDA iniciou um
programa nos estados do sudeste para eliminar a bicheira pela técnica de liberação de machos estéreis. Quando
criadas artificialmente e expostas à irradiação pouco antes de saírem das pupas, as moscas machos ficam
estéreis, mas permanecem capazes de acasalar. As fêmeas se acasalam somente 1 vez e, quando acasaladas com
um macho estéril, põem ovos que não eclodem. Portanto, a liberação de um número suficiente de machos
estéreis em uma área por um período leva à erradicação. Em 1959, a bicheira já tinha sido erradicada do estado
da Flórida.
Este programa foi expandido para cobrir o restante da área envolvida nos EUA e depois, por um acordo
conjunto México/EUA, para incluir a maior parte do México. Isso, junto com o uso de agentes atraentes de
moscas de bicheira e de um sistema de inseticidas que atraíam e matavam os adultos, estabeleceu a erradicação
da bicheira no México. Há interesse na expansão desta área por toda a América Central e o Caribe. No entanto,
até que se atinja tal objetivo, torna–se necessária uma vigilância constante por parte de todas as pessoas que
lidam com animais no sul dos EUA e no México, para detectar rapidamente uma infestação e erradicá­la antes
das moscas se reproduzirem e se disseminarem.

Mosca Tumbu Africana (Mosca das mangas, Mosca das larvas cutâneas, Verme de Cayor)

A mosca tumbu africana, Cordylobia anthropophaga, é responsável por outra miíase semelhante a furúnculos
(furuncular) tanto no homem como nos animais na África, particularmente na região subsaariana.
As moscas adultas não são parasitos, portanto não são observadas pelo proprietário ou pelo veterinário.
Tratam­se de moscas compactas e robustas, que possuem 6 a 12 mm de comprimento. Elas são marron­claras,
com manchas cinza­azuladas difusas no tórax e coloração cinza­escura na parte posterior do abdome. Possuem
face e pernas amarelas. As larvas de segundo e terceiro estágios são os estágios geralmente observados na pele
do animal.
A larva de segundo estágio tem uma forma parecida com um bastão e exibe espinhos cuticulares pretos e
grandes, orientados posteriormente e distribuídos de modo irregular pelos segmentos 3 a 8. Os segmentos 9 a 11
são quase nus em comparação com os segmentos precedentes. Os segmentos têm algumas fileiras de espinhos
pálidos e pequenos, posteriormente. O segmento 12 é densamente coberto por esses espinhos. O segmento 13 é
indistintamente demarcado, não possuindo espinhos, porém 2 pares de processos curtos. Cada tubo traqueal se
abre através de 2 fendas ligeiramente encurvadas. A larva de segundo estágio possui 2,5 a 4 mm de
comprimento. O tamanho da larva de segundo estágio avançada varia muito, assim como o da larva de terceiro
estágio. A larva completamente madura tem 1,3 a 1,5 cm de comprimento. O corpo é cilíndrico, com 12
segmentos identificáveis. Os espinhos curvos direcionados posteriormente se dispõem densamente pelo menos
até o segmento 7; os últimos 5 segmentos podem ser cobertos parcial ou densamente com espinhos.
Depois da fertilização, a mosca­fêmea produz 100 a 500 ovos em forma de banana, geralmente depositando­
os em solo arenoso, sombreado e seco, frequentemente contaminado com urina ou fezes. Os ovos nunca são
depositados na pele do hospedeiro. Eles eclodem após 1 a 3 dias, e as larvas têm inicialmente 0,5 a 1 mm de
comprimento. As larvas conseguem sobreviver por até 15 dias enquanto esperam pelo hospedeiro e podem
penetrar em apenas 25 segundos. Depois da penetração, a larva reside em uma cavidade na derme e hipoderme.
Esta cavidade se comunica com o ambiente externo por meio de um poro respiratório central, que corresponde à
extremidade caudal da larva com seus espiráculos. Há 1 larva única em cada cavidade, dentro da qual ela se
desenvolve até o segundo e o terceiro estágios. As larvas requerem 7 a 15 dias para amadurecer e depois saem
através do poro respiratório e caem no solo, onde se tornam pupas. As moscas adultas saem das pupas 10 a 20
dias depois e o ciclo começa novamente.
Os ratos e os cães constituem os hospedeiros definitivos comuns; no entanto, podem ser infestados humanos,
camundongos, macacos, mangustos, esquilos, leopardos, javalis, antílopes, gatos, caprinos, suínos, coelhos,
cobaias e galinhas.
PATOLOGIA: Clinicamente, a infestação se caracteriza por uma pápula eritematosa pequena, que aparece 2 a 3
dias depois da penetração larval. Dentro de dias, a pápula aumenta até que se torna um nódulo que se assemelha
a um furúnculo; justificando a descrição de miíase furunculoide. No centro do nódulo, encontra­se um poro
através do qual escoa fluido seroso. Esse fluido pode ser hemorrágico ou purulento e contém fezes larvais.
Os cães com pele macia e fina parecem ser hospedeiros mais adequados para o desenvolvimento larval que os
de pele espessa. Nos animais, os locais de infestação preferenciais são patas, genitais, cauda e região axilar. Nas
áreas endêmicas, as infestações leves em cães não produzem um desconforto clínico. A infestação maciça pode
promover inchaço e edema acentuados, especialmente se as larvas se encontrarem bem próximas entre si. As
larvas podem penetrar profundamente nos tecidos e causar danos consideráveis e mesmo morte.
DIAGNÓSTICO: A presença de inchaço dérmico com uma abertura central pode levar ao diagnóstico por tentativa
de miíase causada por C. anthropophaga. Só se pode fazer o diagnóstico definitivo depois da extração e
identificação da larva característica. A identificação das moscas adultas e de seus estágios larvais associados
deve ser deixada para um entomologista.
Pode­se, com frequência, fazer um diagnóstico por tentativa pelo histórico de residência ou viagem para uma
área geográfica endêmica para C. anthropophaga. No entanto, o parasito já foi diagnosticado em viajantes e em
seus animais de estimação acompanhantes provenientes de áreas geográficas nas quais o parasito não existe.
TRATAMENTO E CONTROLE: Podem­se remover as larvas cobrindo­se o poro respiratório com um composto
viscoso e espesso, como óleo cru, parafina líquida, esparadrapo ou vaselina. Tampando­se o poro, a larva fica
hipóxica e deixa a cavidade à procura de oxigênio. Uma leve pressão na borda da lesão também auxilia na
remoção da larva.
Pode­se injetar cloridrato de lidocaína, no interior da lesão furuncular, para facilitar a extração da larva com
uma pinça­mosquito. A excisão cirúrgica geralmente é desnecessária e não se justifica enquanto as larvas se
encontrarem vivas, mas deverá ser utilizada para remover as larvas mortas ou em decomposição. Deve­se ter
grande cuidado durante o processo de extração para evitar ruptura da larva no local, embora ainda não se tenha
descrito uma anafilaxia. Devem­se prescrever antibióticos.
As moscas adultas devem ser mortas se forem observadas dentro de casa. Deve­se remover e destruir as
larvas dos animais que entram na casa. Todos os ratos devem ser mortos e queimados. A prevenção de uma
infestação depende da limpeza e desinfecção regular dos locais de dormir do animal. No caso de animais
valiosos (p. ex., coelhos da Angorá), pode­se proporcionar proteção por meio da manutenção das moscas fora
dos cercados de coelhos, utilizando uma tela aramada.
Como a mosca­fêmea adulta deposita seus ovos em solo arenoso, contaminado com fezes ou urina, o parasito
pode ser controlado no ambiente do animal de estimação por meio da remoção imediata de suas fezes e
cobertura dos locais de micção nas instalações com uma camada de cascalho.

PSEUDOMIÍASE

Na pseudomiíase, as larvas dos dípteros são ingeridas acidentalmente e se encontram no trato gastrintestinal de
um animal, onde não são capazes de continuar seu desenvolvimento. Os cães ou gatos infestados por larvas de
moscas produtoras de miíases facultativas em ferimentos ou em seu pelame geralmente ingerem as larvas
durante os processos de lambedura ou higiene. Estas larvas passam através do trato gastrintestinal e aparecem
não digeridas nas fezes. Também pode ocorrer eliminação de larvas de dípteros nas fezes, quando um cão ou
gato errante ingere carniça que contém larvas de insetos; estas larvas passam para o meio ambiente externo não
digeridas.
Pseudomiíase também pode ocorrer se as fezes submetidas ao exame coproparasitológico não estiverem
frescas. Moscas adultas produtoras de miíases facultativas podem depositar seus ovos nas fezes e o
desenvolvimento larval se inicia.
Pode­se observar Eristalis tenax, a “larva de inseto de cauda­de­rato”, em calhas atrás de vacas em um
estábulo leiteiro. Estas larvas estão associadas a fezes líquidas e fezes que não foram removidas do ambiente.
As larvas são assim conhecidas por causa de seus poros respiratórios notados na ponta de um longo tubo
respiratório semelhante a um sifão, na porção final dos seus corpos. Muitos fazendeiros erroneamente supõem
que as vacas defecam estas larvas. As adultas são moscas de vida livre e não são parasitos.

PIOLHOS (Pediculose)

Várias espécies de piolhos mastigadores ou mordedores (ordem Mallophaga) e piolhos sugadores (ordem
Anoplura) são ectoparasitas obrigatórios dos animais domésticos. Muitos autores incluem os piolhos
mastigadores e sugadores na ordem Phthiraptera. Os piolhos vivem em um microambiente provido pela pele e
seus pelos ou penas, e são transmitidos principalmente por contato entre hospedeiros. Em regiões temperadas,
os piolhos são mais abundantes durante os meses mais frios e, em geral, dificilmente são encontrados no verão.
Os piolhos são amplamente hospedeiro­específicos, vivendo em uma espécie ou em várias espécies intimamente
relacionadas. Anoplura parasitam apenas mamíferos, no entanto, Mallophaga infestam tanto mamíferos quanto
aves (ver p. 2954).
ETIOLOGIA: Os piolhos são insetos sem asas, achatados, e, em geral, com 2 a 4 mm de comprimento. As garras
das patas são adaptadas para agarrarem e se moverem entre os pelos ou penas. Os Mallophaga têm mandíbulas
mastigadoras ventrais e se alimentam de debris da epiderme, principalmente caspa, secreções e descamações
cutâneas. O aparelho bucal também ajuda na fixação ao hospedeiro. A cabeça dos Mallophaga é mais larga que
o protórax. Anoplura são hematófagos e, quando seu aparelho bucal não está em uso, os estiletes bucais ficam
retraídos na cabeça.
Os ovos dos piolhos ou lêndeas são colados nos pelos dos hospedeiros mamíferos, próximos à superfície da
pele, e são pálidos, translúcidos e subovais. Os três estágios de ninfa, de tamanho crescente, são menores que os
adultos, porém assemelham­se a eles quanto aos hábitos e a aparência. São necessárias, aproximadamente, 3 a 4
semanas para completar uma geração, porém, isso varia com a espécie.
Em climas temperados, os bovinos podem ser infestados com uma espécie de Mallophaga, o piolho mordedor
dos bovinos, Damalinia bovis, e por três espécies de Anoplura: o piolho de nariz longo dos bovinos,
Linognathus vituli; o piolho azul pequeno dos bovinos, Solenopotes capillatus; e o piolho de nariz curto dos
bovinos, o Haematopinus eurysternus. A infestação por múltiplas espécies não é incomum em bovinos, em
especial em animais jovens. O piolho mordedor de bovinos pode ser encontrado na linha dorsal, em especial na
região da cernelha, estendendo­se para a cabeça e base da cauda. O piolho azul pequeno dos bovinos é
encontrado em locais distintos, principalmente na cabeça e face, estendendo­se para a região da barbela em
infestações pesadas. O piolho de nariz curto dos bovinos é encontrado na metade anterior do hospedeiro, das
orelhas à barbela e, em períodos de clima quente, tende à maior infestação nas porções anteriores do corpo,
incluindo as orelhas. O piolho de nariz longo dos bovinos é encontrado amplamente no corpo do animal, com
frequência entre as outras espécies. No início da infestação, eles podem ser encontrados em agrupamentos. Em
infestações pesadas, essa espécie pode ser encontrada em quase todo o corpo.
Haematopinus quadripertusus, o piolho da cauda dos bovinos, é um piolho tropical, sugador, que possui
ampla distribuição em áreas subtropicais (Califórnia, Flórida e Costa do Golfo nos EUA). Os adultos e os ovos
são encontrados na vassoura da cauda; as ninfas podem ser encontradas em outras partes do corpo, incluindo o
períneo e a vulva. O piolho da cauda dos bovinos é conhecido por parasitar tanto raças europeias quanto
zebuínas.
Haematopinus tuberculatus, o piolho dos búfalos aquáticos asiáticos, parece ter sido transferido aos bovinos
em várias partes do mundo, e é capaz de se manter em bovinos em clima tropical. Esses piolhos, normalmente,
são encontrados na região posterior e nos membros pélvicos, embora os ovos, em geral, sejam depositados no
pescoço, ombros e membros torácicos do hospedeiro.
Equinos e burros podem ser infestados por duas espécies de piolhos, Haematopinus asini, o piolho sugador
do equino, e Damalinia equi, o piolho mordedor do equino. Ambas as espécies possuem distribuição mundial.
Normalmente, o H. asini é encontrado nas raízes dos pelos do topete e da crina, ao redor da base da cauda e nos
pelos logo acima dos cascos. D. equi prefere fazer a oviposição nos pelos mais finos do corpo e é encontrado na
lateral do pescoço, no flanco e na base da cauda.
Os suínos domésticos são infestados por apenas uma espécie de piolho, Haematopinus suis, o piolho do
porco. Esse piolho sugador muito grande (5 a 6 mm) é comum em porcos domésticos em todo o mundo. As
ninfas dos piolhos, normalmente, são encontradas no interior das orelhas – com frequência profundamente, na
pele atrás das orelhas, nas pregas do pescoço, na parte interna das pernas e na parte interna dos flancos. Todos
os estágios podem ser encontrados abaixo da descamação da pele, em qualquer parte do corpo.
Os ovinos podem ser infestados com o piolho mordedor dos ovinos, Damalinia ovis, e três espécies de
piolhos sugadores: o piolho sugador do pé, Linognathus pedalis; o piolho da face e do corpo, L. ovillus; e o
piolho azul africano, L. africanus. Fora dos EUA, o D. ovis também é conhecido como piolho do corpo dos
ovinos. O piolho do pé dos ovinos é assim denominado, pois exceto em infestações muito pesadas, fica restrito
às partes das patas que têm pelos. O piolho da face, em geral, é encontrado em partes da pele dos ovinos com
muitos pelos e, com o aumento da população, os piolhos se espalham para outras partes do corpo. O L.
africanus, em geral, forma agrupamentos, com frequência no flanco de ovelhas. A queda da lã é comum. O L.
africanus também tem sido relatado em uma variedade de hospedeiros, incluindo cabras e várias espécies de
veados.
Linognathus stenopsis, o piolho sugador dos caprinos, é encontrado tanto em raças de pelos curtos quanto em
Angorás. Em várias partes do mundo, também foi relatado em ovinos. É encontrado com maior frequência nas
áreas dos membros pélvicos e dorso que apresentam pelos longos. Infestações pesadas são raras. Damalinia
caprae, o piolho mordedor dos caprinos, é encontrado com maior frequência em caprinos de pelos curtos. Tanto
o D. crassipes quanto D. limbata (o piolho mordedor do Angorá) são sérios parasitos da raça Angorá.
Piolho picador dos bovinos, Damalinia bovis, na pele. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.

Piolho sugador dos equinos, Haematopinus asini. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.

Os cães ocasionalmente são infestados com Linognathus setosus (piolho sugador dos cães), Trichodectes
canis (piolho mordedor de cães) e, raramente, com Heterodoxus spiniger, outra espécie de piolho mastigador. L.
setosus e T. canis também parasitam uma variedade de canídeos selvagens. Os cães que são negligenciados ou
que não estão saudáveis apresentam infestações mais pesadas por L. setosus, que tende a preferir raças de pelos
longos. T. canis prefere a cabeça, pescoço e cauda do hospedeiro, e é encontrado principalmente ao redor de
feridas e aberturas corporais. As infestações do piolho mordedor dos cães podem ser pesadas em animais muito
jovens ou muito idosos. Os animais infestados se coçam, mordem e arranham a área afetada e têm pelame
grosso e emaranhado. T. canis atua como hospedeiro intermediário do cestódeo Dipylidium caninum, um
parasito de cães, gatos, raposas e, ocasionalmente, pessoas. H. spiniger, originalmente um parasito de
marsupiais que foi transferido ao dingo e então ao cão doméstico, é considerado raro na América do Norte.
Embora de distribuição mundial, ele parece ser mais comum em ambientes mais quentes e promove infestações
mais pesadas em animais com condição física ruim. H. spiniger também é um hospedeiro intermediário de D.
caninum e da filária Dipetalonema reconditum.
O piolho Felicola subrostrata é um piolho mastigador que, ocasionalmente, parasito gatos. Os piolhos podem
ser vistos com maior frequência em gatos mais velhos, de pelos longos, que não são capazes de se higienizar
adequadamente.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: A pediculose manifesta­se por prurido e irritação dérmica que resulta em
prurido, fricção e mordedura das áreas infestadas. Comumente verifica­se aparência definhada, pelame áspero e
menor produtividade em animais de fazenda. Em infestações graves, pode haver perda de pelos e escarificação
local. Infestações extremas por piolhos sugadores podem causar anemia. Em ovelhas e cabras, o prurido e a
fricção, com frequência, resultam em quebra das fibras dos pelos, o que confere à lã uma aparência de
“arrancada”. Em cães, a pelagem torna­se áspera e seca e, se a infestação for grande, os pelos podem estar
emaranhados. Os piolhos sugadores causam feridas pequenas que podem se tornar infectadas. O rastejar e as
perfurações ou picadas constantes da pele causam nervosismo no hospedeiro.
O diagnóstico baseia­se na presença do piolho. O pelo deve ser repartido e a pele e a porção proximal da
pelagem devem ser examinadas cuidadosamente com uma luz, se o exame for conduzido em um espaço
fechado. Os pelos dos grandes animais devem ser repartidos na face, pescoço, orelhas, linha dorsal, barbela,
anca, base da cauda e vassoura da cauda. Cabeça, pernas, patas e escroto não devem ser negligenciados, em
particular em ovinos. Em pequenos animais, os ovos são observados prontamente. Ocasionalmente, quando a
pelagem está emaranhada, os piolhos podem ser vistos ao separar a massa conjunta. Os piolhos mordedores são
ativos e podem ser observados se movimentando através dos pelos. Os piolhos sugadores, em geral, se movem
mais lentamente e, com frequência, seu aparelho bucal está inserido na pele.
Piolho sugador de cães, Linognathus setosus. Fêmea, acima, e macho, abaixo. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.

A pediculose em animais de produção é mais prevalente durante o inverno; a gravidade é amplamente


reduzida com a chegada do verão. As infestações, tanto por piolhos mastigadores quanto por sugadores, podem
ser graves. Em rebanhos leiteiros, os bovinos jovens, as vacas secas e os touros podem escapar do diagnóstico
precoce e sofrer mais gravemente. Os bezerros jovens podem morrer e as vacas gestantes podem abortar. O
tratamento efetivo resulta em melhora imediata.
A transmissão, em geral, ocorre pelo contato com o hospedeiro. O piolho que cai ou é retirado do hospedeiro
morre em poucos dias, porém as lêndeas retiradas podem continuar a eclodir por 2 a 3 semanas se o clima for
quente. Além disso, instalações desocupadas recentemente que continham bovinos infestado devem ser
desinfetadas antes do uso por bovinos livre da infestação.
TRATAMENTO: O controle de piolhos requer tratamento com inseticidas ou medicamentos efetivos (ver p. 2696 e
p. 2657). Os produtos que podem ser utilizados são regulamentados pelo governo e quem utilizá­los deve ler e
seguir os rótulos. O registro de vários produtos que foram listados no passado, em especial algumas formulações
de organofosforados, foi cancelado e esses produtos não estão mais disponíveis legalmente para venda nos
EUA. É possível que alguns produtos que ainda estão disponíveis não estejam inclusos na discussão a seguir. É
responsabilidade do usuário assegurar que um tratamento particular não tenha sido cancelado. As formulações
classificadas como de uso restrito, podem ser compradas e utilizadas apenas por aplicadores certificados ou por
pessoas sob supervisão direta. Precauções presentes nos rótulos a respeito da idade e raça do animal e
frequência de tratamento devem ser observadas. Alguns rótulos de produtos indicam a reaplicação em duas
semanas para controlar uma infestação particularmente refratária.
Poucos compostos podem ser aplicados como spray em todo o corpo para controle dos piolhos. A aplicação
leve e fina de algumas formulações pode ser efetiva, enquanto outras podem requerer o embebimento dos pelos
e da pele.
A tolerância nula a muito baixa de resíduos de pesticidas no leite limita a utilização de inseticidas em vacas e
cabras leiteiras. O spray de permetrina pode ser aplicado nesses animais para controle dos piolhos. Além disso,
os bovinos leiteiros podem ser submetidos à aspersão de permetrina potencializada com butóxido de piperonila
(PBO), cumafós, tetraclorvinfós, tetraclorvinfós mais diclorvós e amitraz. Alguns produtos aprovados para
bovinos de corte podem ser utilizados em bovinos de leite que ainda não chegou à idade reprodutiva. O período
de carência apropriado para o leite deve ser observado nesses animais. Bovinos de corte, ovinos e suínos podem
ser aspergidos com cumafós ou permetrina. Sprays de amitraz, fosmet e tetraclorvinfós podem ser utilizados em
bovinos de corte e suínos. A permetrina potencializada com PBO, spinosad, tetraclorvinfós e tetraclorvinfós
com diclorvós podem ser aplicados tanto em bovinos de corte quanto de leite. O spray de permetrina com PBO
é aprovado para controle de piolhos em ovinos. Equinos podem ser tratados com spray de permetrina ou de
piretrina.
Em razão da facilidade de aplicação e do menor estresse ao animal tratado, o método pour­on se tornou um
meio de aplicação popular para uma variedade de inseticidas para o controle de piolhos, tanto sistêmicos quanto
locais. Bovinos de corte, vacas lactantes ou não, ovinos, suínos e cabras não lactantes podem ser tratados com
formulações pour­on de permetrina para controle de piolhos. Com frequência, a permetrina é potencializada
com PBO. Formulações tópicas de permetrina, permetrina com diflubenzuron e piretrinas estão disponíveis para
controle de piolhos em equinos. Uma vez que o percentual de ingrediente ativo nas formulações pour­on
comerciais varia de 1 a 10%, é importante que a formulação seja aprovada para os animais tratados. Um pour­on
de permetrina com PBO também está disponível para controle de piolhos em bovinos de corte, vacas lactantes e
não lactantes e ovinos. Ciflutrina pour­on, permetrina com diflubenzuron e spinosad pour­on são aprovados
para bovinos de corte e bovinos de leite lactante ou não, mas a ?­cialotrina é aprovada apenas para bovinos de
corte. O amitraz pour­on é aprovado para uso em suínos.
Vários compostos antiparasitários sistêmicos, as lactonas macrocíclicas, estão disponíveis como formulações
pour­on para o controle dos piolhos nos bovinos, bem como uma variedade de outros parasitos internos e
externos. Uma vez que esses produtos também controlam bernes de bovinos, precauções devem ser tomadas
para evitar reação parasito­hospedeiro (ver p. 983). Formulações pour­on de doramectina, eprinomectina,
ivermectina e moxidectina são efetivas contra os piolhos mastigadores e sugadores de bovinos de corte. As
vacas leiteiras em lactação podem ser tratadas com eprinomectina e moxidectina pour­on. Fora isso, o uso de
medicamentos sistêmicos para o controle de piolhos é proibido em animais produtores de leite em idade
reprodutiva. Doramectina e ivermectina também estão disponíveis em formulações injetáveis, e a ivermectina
está disponível como pasta oral; no entanto elas são menos efetivas contra piolhos mastigadores do que as
formas pour­on típicas. A doramectina injetável e a ivermectina injetável e premix são efetivas contra o piolho
sugador dos suínos.
Os piolhos dos bovinos de corte podem ser controlados ou suprimidos pela utilização de dispositivos de
autotratamento durante o inverno, como por exemplo, brincos inseticidas, borrachas para coçar as costas e sacos
de pó. Os brincos inseticidas que contêm uma variedade de ingredientes ativos (p. ex., clorpirifós, diazinon,
endosulfan, ?­cialotrina, permetrina, zeta­cipermetrina, com frequência com PBO) controlam e auxiliam no
controle de piolhos mastigadores e sugadores de bovinos. Alguns brincos contêm apenas um princípio ativo,
enquanto outros possuem uma mistura desses. Embora muitos dos brincos sejam aprovados para controle de
piolhos em bovinos de corte, eles podem não ser aprovados para bovinos leiteiros lactantes. As populações de
piolhos podem ser controladas em bovinos de corte e leiteiros, lactantes ou não lactantes, cabras leiteiras
lactantes ou não, ovinos e equinos com sacos de pó que contêm zeta­cipermetrina. As populações de piolhos
também podem ser reduzidas pelo uso de polvilhamento com cumafós, ciflutrin, tetraclorvinfós ou permetrina
em bovinos de corte ou de leite e cumafós, permetrina ou tetraclorvinfós em suínos. Equinos também podem ser
polvilhados com cumafós. Para infestações graves, formulações em pó podem ser utilizadas para tratar a cama
dos suínos.
Muitos produtos, como shampoos, sprays e pós, estão disponíveis para controle de insetos em animais de
estimação; no entanto, piolhos raramente são mencionados nos rótulos. Os cães podem ser tratados com
permetrina ou piretrina com PBO. Gatos também podem ser tratados com piretrinas potencializadas. Doses de
ivermectina altas o suficiente para serem efetivas contra piolhos não são recomendadas em cães. Alguns
tratamentos tópicos spot­on para o controle de pulgas em cães e gatos também são indicados para o controle de
piolhos. Esses tratamentos, em geral, são aplicados em um ou mais pontos entre as escápulas. A imidacloprida,
imidacloprida com permetrina e imidacloprida com moxidectina são aprovados para o controle de piolhos em
cães. O tratamento com fipronil mais (S)­metoprene é aprovado para controle de piolhos mastigadores tanto em
cães quanto em gatos. A imidacloprida e imidacloprida com moxidectina são aprovados para uso em gatos.
Na maioria dos países, agências regulamentadoras especificam os limites de resíduos de inseticidas nos
tecidos e regulam o uso de inseticidas em animais de produção. Todas essas regulamentações estão sujeitas a
mudanças; leis locais pertinentes e requerimentos devem ser determinados. O tratamento de animais de corte e
de leite deve ser restrito ao uso especificado no rótulo do produto, e todas as precauções devem ser observadas
cuidadosamente.

PULGAS E DERMATITE ALÉRGICA À PULGA

Há > 2.200 espécies de pulgas reconhecidas mundialmente. Na América do Norte, apenas poucas espécies
infestam comumente cães e gatos: Ctenocephalides felis (pulga dos gatos), C. canis (pulga dos cães), Pulex
simulans (pulga de pequenos mamíferos) e Echidnophaga gallinacea (pulga de aves domésticas). No entanto,
de longe, a pulga mais prevalente em cães e gatos é C. felis. A pulga dos gatos causa uma grave irritação nos
animais e no homem e é responsável pela dermatite alérgica a pulgas. Ela também serve como vetor de
riquétsias semelhantes ao tifo e de Bartonella sp e é hospedeira intermediária de parasitos filarídeos e cestódeos.
Pulgas dos gatos já foram notadas em infestando > 50 diferentes hospedeiros mamíferos e aves por todo o
mundo. Na América do Norte, os hospedeiros mais comuns são os canídeos domésticos e silvestres, felinos
domésticos e silvestres, guaxinins, gambás, furões e coelhos domésticos.
TRANSMISSÃO, EPIDEMIOLOGIA E PATOGÊNESE: As pulgas dos gatos depositam seus ovos na pelagem do seu
hospedeiro. Esses ovos são branco­perolados e ovais com extremidades arredondadas e têm 0,5 mm de
comprimento. Da pelagem, caem facilmente para cama, tapetes ou solo, onde a eclosão ocorre em cerca de 1 a 6
dias. As larvas de pulgas recém­eclodidas têm 1 a 5 mm de comprimento, são delgadas, brancas, segmentadas e
esparsamente recobertas com pelos curtos. As larvas têm vida livre, alimentam­se dos resíduos orgânicos
notados no ambiente e das fezes das pulgas adultas, que são essenciais para o desenvolvimento bem­sucedido.
Estas larvas evitam a luz direta e se movimentam ativa e profundamente nas fibras dos tapetes ou sob resíduos
orgânicos (capins, ramos, folhas ou terra).
As larvas são suscetíveis ao ressecamento, sendo letais em exposições prolongadas em umidade relativa <
50%. As áreas domiciliares com a umidade necessária são limitadas e os locais externos adequados são ainda
mais raros. O desenvolvimento das pulgas no ambiente externo só ocorre onde o solo for sombreado e úmido
(umidade do solo de 1 a 20% é suficiente) e onde o animal de estimação infestado por pulgas passa uma
quantidade de tempo significativa, de forma que se depositem fezes de pulgas adultas no ambiente larval. No
ambiente de dentro de casa, as larvas de pulga provavelmente sobrevivem somente no microambiente protegido
sob um tapete ou nas rachaduras entre pisos de taco, nos climas úmidos e em pisos de concreto não terminados
em porão úmido. O estágio larval dura, em geral, 5 a 11 dias, mas pode se prolongar por 2 a 3 semanas,
dependendo da disponibilidade de alimentos e das condições climáticas.
Após completar o seu desenvolvimento, a larva madura produz um casulo semelhante à seda, no qual se torna
pupa. Esse casulo é ovoide, possui cerca de 0,5 cm de comprimento, é esbranquiçado e vagamente fiado. Os
casulos de pulga podem ser notados no solo, na vegetação, nos tapetes, sob os móveis e nas camas de animais.
Quando a pupa se encontra totalmente desenvolvida (1 a 2 semanas), a pulga adulta sai do casulo quando
apropriadamente estimulada por pressão física, dióxido de carbono, movimento no substrato ou calor.
O adulto pré­emergido (que já é uma pulga adulta completamente formada) residente no casulo é o estágio
que pode estender a longevidade da pulga. Se o adulto pré­emergido não receber o estímulo apropriado para sair
do casulo, pode permanecer quiescente no interior do casulo por várias semanas até a chegada de um hospedeiro
adequado. A saída do casulo pode ser adiada por até 350 dias, se as pulgas adultas pré–emergidas estiverem
protegidas do ressecamento. As pulgas recém­saídas se movem para a parte superior das fibras do tapete ou da
vegetação, onde encontrarão, com maior probabilidade, um hospedeiro passante. Sob condições ideais de
temperatura (27°C) e umidade relativa (90%), a pulga dos gatos recém emergida pode sobreviver por
aproximadamente 12 dias antes da necessidade de alimentação sanguínea; em umidades relativas de 50%, este
intervalo cai para cerca de 3 dias. As pulgas recém­emergidas não alimentadas que infestam os animais de
estimação e picam as pessoas. Geralmente há pouca movimentação inter­hospedeiro das pulgas dos gatos. As
pulgas dos gatos que encontram um hospedeiro preferido (p. ex., cão, gato, gambá etc.) não sairão de seu
hospedeiro a menos que sejam forçadas por meio de uma atividade de higiene ou de inseticidas.
Dependendo da temperatura e da umidade, o ciclo de vida inteiro da pulga dos gatos pode se completar em
até 12 a 14 dias ou pode se prolongar por até 350 dias. No entanto, sob a maioria das condições domésticas, as
pulgas dos gatos completam o seu ciclo de vida em 3 a 6 semanas.
As pulgas dos gatos adultas começam a se alimentar quase imediatamente quando encontram um hospedeiro.
As pulgas dos gatos fêmeas podem consumir 13,6 μl de sangue por dia, que corresponde a 15 × o seu peso
corporal. Depois de um trânsito rápido através da pulga, o sangue excretado se seca dentro de minutos em pelets
ou molas fecais tubulares longas preto­avermelhadas (“fezes de pulga”). As pulgas se acasalam depois de se
alimentar e a produção de ovos começa em 24 a 48 h após as fêmeas consumirem a sua primeira refeição
sanguínea. As pulgas fêmeas dos gatos podem produzir até 40 a 50 ovos ao dia durante uma produção máxima
de ovos, em média a 27 ovos ao dia, durante 50 dias. As fêmeas individuais podem continuar a produzir ovos
por > 100 dias.
A pulga dos gatos é suscetível ao frio. Nenhum estágio do ciclo de vida (ovo, larva, pupa ou adulto) pode
sobreviver a < 3°C por vários dias. Portanto, as pulgas dos gatos sobrevivem aos invernos nos climas
temperados do norte, como adultas, em cães e gatos não tratados ou em pequenos mamíferos silvestres (p. ex.,
guaxinins e gambás) no ambiente urbano. À medida que esses animais passam por quintais na primavera ou
constroem locais de ninho em espaços apertados nas casas ou em sótãos, os ovos depositados por parte das
pulgas fêmeas sobreviventes desenvolvem­se subsequentemente em adultos. As pulgas dos gatos também
podem sobreviver ao inverno como adultos pré­emergidos em microambientes protegidos do frio.
Nas infestações maciças, as pulgas podem causar anemia por deficiência de ferro, particularmente nos
animais jovens. Já se descreveram que as pulgas do gênero Ctenocephalides provocam anemia em aves
domésticas, cães, gatos, caprinos, bovinos e ovinos.

Ctenocephalides felis, a pulga comum de gatos. Cortesia da Merial Limited.

A pulga dos gatos também se envolve na transmissão de doenças. O tifo murino, causado por Rickettsia typhi
e R. felis, é uma doença febril leve a grave do homem, caracterizada por dores de cabeça, calafrios e exantemas
cutâneos, com raro envolvimento dos rins e sistema nervoso central (SNC). A doença acomete pessoas e vários
pequenos mamíferos ao longo das costas sudeste, sudoeste e do Golfo. Nos EUA, o principal ciclo de
transmissão envolve gambás e pulgas dos gatos. As pulgas dos gatos também atuam como hospedeiros
intermediários do nematódeo filarídeo subcutâneo não patogênico de cães, Dipetalonema reconditum.
Dipylidium caninum, o cestódeo intestinal comum de cães e gatos (e, raramente, de crianças) se desenvolve
como um cisticercoide em C. felis, C. canis e Trichodectes canis. As larvas das pulgas ingerem os ovos deste
cestódeo, que se desenvolvem em cisticercoide na pulga. Quando limpam a si mesmos, os cães e os gatos
podem ingerir as pulgas infectadas liberando os cisticercoides.

Dermatite alérgica a pulgas

A dermatite alérgica a pulgas (DAP) ou hipersensibilidade à picada de pulgas é a doença dermatológica mais
comum de cães domésticos nos EUA. Os gatos também são acometidos por DAP, que é uma das causas
principais de dermatite miliar felina. A DAP é mais prevalente no verão, no entanto, nos climas quentes, as
infestações de pulgas podem persistir por todo o ano. Nas regiões temperadas do norte da América do Norte, a
proximidade dos animais de estimação e das suas pulgas com residências humanas cria condições que permitem
um problema anual. Os extremos de temperatura e a umidade baixa tendem a inibir o desenvolvimento das
pulgas.
Quando se alimentam, as pulgas injetam saliva contendo uma variedade de componentes semelhantes à
histamina, enzimas, polipeptídios e aminoácidos que variam de tamanho (40 a 60kD) induzem
hipersensibilidade dos tipos I, IV e basofílica. Os cães sem pulgas, expostos intermitentemente a picadas de
pulga, desenvolvem reações imediatas (15 min), tardias (24 a 48 h) ou ambas e teores detectáveis de anticorpos
IgE e IgG circulantes. Os cães expostos continuamente a picadas de pulga apresentam baixas concentrações
desses anticorpos circulantes e não desenvolvem reações cutâneas ou as desenvolvem posteriormente e em um
grau bastante reduzido. Isso poderia indicar que é possível desenvolver naturalmente uma tolerância
imunológica nos cães continuamente expostos às picadas de pulga. Embora a fisiopatologia da DAP nos gatos
seja pouco compreendida, podem existir mecanismos semelhantes.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos associados à DAP são variáveis e dependem da frequência da exposição
a pulgas, da duração da doença, da presença de dermatopatia secundária ou intercorrente, do grau da
hipersensibilidade e dos efeitos de um tratamento anterior ou atual. O animal não alérgico pode apresentar
poucos sinais clínicos, além do prurido ocasional em decorrência da irritação pelas picadas de pulga. Os animais
alérgicos apresentarão, tipicamente, uma dermatite caracterizada por prurido.
Nos cães, o prurido associado à DAP pode ser intenso e se manifestar no corpo inteiro. Os sinais clínicos
clássicos são lesões papulocrostosas distribuídas na parte inferior do dorso, na base da cauda e nas áreas
posteriores e internas das coxas. Os cães podem ser particularmente sensíveis nos flancos, regiões caudais e
mediais das coxas, abdome ventral, parte inferior do dorso, pescoço e orelhas. Os cães afetados provavelmente
ficarão inquietos e desconfortáveis, passando muito tempo coçando, lambendo, esfregando e até mordiscando
sua pele. O pelo pode apresentar machas marrons devido à lambedura e frequentemente é quebradiço. Lesões
secundárias comuns incluem áreas de alopecia, eritema, hiperpigmentação cutânea, descamação, pápulas e
pápulas recobertas por crostas marrom­avermelhadas. Tipicamente, as áreas mais afetadas e mais evidentes são
o flanco e da base da cauda. Se a DAP progredir e tornar­se crônica, as áreas se tornarão alopécicas,
liquenificadas e hiperpigmentadas e os cães desenvolvem infecções secundárias bacterianas ou leveduriformes.
Nos cães extremamente hipersensíveis, extensas áreas de alopecia, eritema e de autotraumatismo são
evidentes. Também pode ocorrer dermatite úmida traumática. À medida que a doença se torna crônica, o cão
pode desenvolver alopecia generalizada, grave seborreia, hiperqueratose e hiperpigmentação.
Nos gatos, os sinais clínicos variam de mínimos a intensos, dependendo do grau de sensibilidade. A dermatite
primária é uma pápula, quase sempre se torna crostosa. Esta dermatite “miliar” é notada tipicamente no dorso,
pescoço e face. As lesões miliares não são picadas de pulga verdadeiras, mas a manifestação de uma reação
alérgica sistêmica que desencadeia prurido generalizado e erupção cutânea eczematosa. O prurido pode ser
intenso, evidenciado por lambeduras repetidas, coceira e mordeduras. Os gatos com DAP podem apresentar
alopecia, dermatite facial, dermatite esfoliativa e dermatite na forma de “faixa de estrada” ou dorsal.
Dermatite alérgica à pulga, com descamação e eritema, em cão. Cortesia da Merial Limited.

DIAGNÓSTICO: Vários fatores devem ser considerados no diagnóstico de DAP como: anamnese, sinais clínicos,
presença de pulgas ou de excrementos de pulga, resultados de testes intradérmicos e descarte de outras causas
de doenças dermatológicas.
A maioria dos casos ocorre no final do verão, correspondendo ao pico das populações de pulgas. Nesses
casos, a anamnese pode ser altamente sugestiva. A idade de início também é importante, pois a DAP não ocorre
normalmente antes de 1 ano. Em geral, o diagnóstico é feito por observação visual de pulgas no animal de
estimação infestado. A demonstração para o proprietário da presença de pulgas ou de excrementos de pulga é
útil. Uma repartição lenta dos pelos contra o sentido normal frequentemente revela excrementos de pulga ou
pulgas em movimentos rápidos. Os excrementos de pulga são preto­avermelhados, cilíndricos e em forma de
pelets ou de vírgulas. Colocados em água ou sobre uma toalha de papel úmida e esmagados, se dissolvem e
produzem uma coloração marrom­avermelhada.
É provável que o animal hipersensível ao extremo fique virtualmente livre de pulgas pelo comportamento de
auto higiene excessivo. Nesses casos, é difícil encontrar evidências de pulgas, dificultando o convencimento do
proprietário acerca do problema. O uso de um pente fino de pulgas (aproximadamente 12 dentes/cm) facilita o
encontro das pulgas e dos seus excrementos. O exame da cama do animal doméstico quanto a ovos, larvas e
excrementos também é útil.
O diagnóstico presuntivo de DAP pode ser confirmado com teste cutâneo intradérmico. As reações positivas
imediatas se caracterizam por um vergão de 3 a 5 mm maior em diâmetro que o controle negativo.
Alternativamente, a medida de um vergão positivo pode ser definida como uma resposta que é menor ou igual
ao ponto médio entre o tamanho da reação do controle positivo e do negativo. Recomendam­se observações de
reação imediata (15 a 20 min) e, se estas forem negativas, de uma reação tardia em 24 h. A reação tardia pode
não ocorrer como um vergão discreto, mas como uma reação eritematosa difusa. Uma reação positiva não indica
conclusivamente que a afecção clínica seja DAP – indica apenas que o animal é alérgico ao antígeno da pulga,
originário de uma exposição atual ou anterior. A confiabilidade do teste cutâneo intradérmico nos gatos para
diagnosticar uma DAP é variável.
Testes sorológicos diretos para IgE contra antígenos salivares pulga­específicos podem ser utilizados como
auxiliares no diagnóstico de DAP.
Deve­se diferenciar a DAP de outras causas de doenças dermatológicas. A presença de pulgas ou da reação
positiva ao teste intradérmico não descarta outra dermatopatia responsável pelos sinais clínicos. Nos cães, os
diagnósticos diferenciais são: dermatite por alergênio inalatório (atopia), dermatite alérgica alimentar, sarnas
sarcóptica ou demodécica, outros ectoparasitas e foliculite bacteriana. Nos gatos, outras afecções que podem
resultar em dermatite miliar são: parasitos externos (queiletielose, trombiculose, sarna notoédrica e pediculose),
dermatofitose, hipersensibilidade a medicamentos, alergia alimentar, atopia, foliculite bacteriana e dermatite
miliar idiopática.
TRATAMENTO E CONTROLE: Ver também p. 2703.
As medidas de controle das pulgas têm mudado drasticamente nos últimos anos. O desenvolvimento de
inseticidas e do antipulga IGR, com formulações em doses práticas e atividade residual prolongada melhorou
muito a complacência do proprietário e ajudou a eliminar as infestações recidivantes. Os objetivos do controle
das pulgas são: eliminar as pulgas do animal, eliminar a infestação no ambiental e prevenir reinfestações
subsequentes. O primeiro passo ainda é a eliminação das pulgas do animal. Isso é necessário para aliviar o
desconforto dos animais. Um termo bastante empregado quando discutimos o controle da pulga é a taxa ou
velocidade de morte dos parasitos. Entretanto, é importante diferenciar a velocidade da eliminação de
infestações já estabelecidas e a velocidade da eliminação de pulgas recentemente adquiridas após a aplicação do
produto. Um produto aplicado topicamente em cães e gatos pode levar várias horas (12 a 36 h) até que seus
componentes se espalhem suficientemente ou alcancem concentrações sistêmicas suficientes para eliminar todas
as pulgas existentes. Se for necessária uma taxa de morte mais rápida, um spray para pulgas ou nitempiram
pode ser desejável.
Vários inseticidas disponíveis atualmente providenciam excelente eliminação da infestação de pulgas
estabelecida nos cães e gatos, tais como: dinotefuran, fipronil, imidacloprid, metaflumizona, nitempiram,
selamectina, spinosad e piretroides. O nitempiram ou spinosad administrados oralmente eliminarão as pulgas
dentro de 3 a 4 h, enquanto formulações tópicas na forma spot­on com efeito residual, contendo fipronil,
imidacloprida ou selamectina demoram 12 a 42 h.
O segundo objetivo é eliminar as pulgas do ambiente onde vive o animal. Isso pode ser conseguido de várias
maneiras: (1) aplicação tópica de inseticidas residuais que matem pulgas recém­adquiridas (dentro de 24 h)
antes de iniciarem a reprodução; (2) administração tópica, injetável ou oral de IGR para interromper a
reprodução das pulgas; (3) aplicações repetidas de inseticidas e/ou IGR no ambiente; (4) combinações das
anteriores.
Administrações de inseticidas residuais sistêmicos ou tópicos e a administração tópica, injetável ou oral de
IGR são os métodos de preferência de eliminação das pulgas. Vários desses novos inseticidas e IGR mostraram­
se extremamente eficazes no controle das pulgas de animais que vivem em ambientes infestados. Estudos de
campo mostraram que o fipronil (com ou sem adição de (S)­metopreno), imidacloprida, lufenuron (com
piretroide spray ou comprimidos de nitempiram), selamectina e spinosad podem ser eficazes no controle das
infestações de pulga, sem necessitar de tratamento ambiental. Infestações de pulgas podem ser eliminadas com
o uso regular, mensal de produtos tópicos e sistêmicos porque a maior parte das pulgas morre antes da
reprodução e/ou são diretamente inibidas de reproduzirem. Entretanto, mesmo que o inseticida utilizado por via
sistêmica ou tópica seja 100% efetivo, o controle da infestação comumente demora 2 a 3 meses, devido aos
diferentes estágios das pulgas no ambiente.
Caso os produtos residuais sejam aplicados em dose e intervalos apropriados, é possível adequar a atividade
residual entre as aplicações para matar muitas pulgas recém–adquiridas antes do início da produção de ovos.
Entretanto, é possível notar pulgas que sobrevivem e se reproduzem antes da próxima aplicação, por várias
razões: (1) atividade residual < 100% do tempo indicado na bula; (2) a taxa de morte das pulgas diminui durante
a terceira ou quarta semana; (3) reaplicações do produto atrasadas ou infrequentes; (4) subdose simples; (5)
remoção mecânica de inseticidas solúveis em água durante o banho ou natação. Esses problemas podem resultar
em atraso no controle ou completa falha do tratamento.
Nenhum dos produtos residuais para pulgas recentemente disponíveis tem eficácia de 100% contra todas as
cepas de pulgas dos gatos, entre os períodos de reaplicação prescritos na bula, por causa da variabilidade
genética das diferentes populações de pulgas. Muitos dos fatores que permitem a persistência da infestação
podem possivelmente levar à seleção genética de pulgas resistentes. Pulgas resistentes devem ser capazes de
produzirem ovos viáveis. A reprodução deve ser interrompida para prevenir infestações de pulgas persistentes e
seleção das resistentes. A reprodução pode ser prevenida pela administração tópica ou sistêmica de IGR, que
possui atividade ovicida residual prolongada, interrompendo o desenvolvimento posterior de pulgas, que mesmo
após a redução da atividade residual dos inseticidas. A aplicação de metopreno ou piriproxifeno no pelame dos
cães e gatos rapidamente mata os ovos de pulgas em desenvolvimento além da atividade ovicida residual. A
combinação de fipronil/(S)­metopreno ou outros produtos adulticidas/larvicidas mostrou atividade contra pulgas
adultas e propiciou prolongada atividade ovicida residual, reduzindo desta forma, o potencial de seleção
genética. Não apenas a aplicação tópica de IGR mostrou atividade ovicida, mas a administração oral ou
injetável (somente em gatos) de lufenuron também mostrou atividade ovicida. Embora não seja um IGR, a
selamectina também demonstrou atividade ovicida em gatos.
Muitos proprietários de animais pensam erroneamente que os produtos para pulgas eliminam as todas as
pulgas recentemente adquiridas em segundos a minutos e as repelem. Entretanto, às vezes pode não haver
repelência e os produtos residuais não eliminam a maioria das pulgas em minutos. Geralmente as pulgas podem
sobreviver por 6 a 24 h e consumir o sangue antes de serem eliminadas. Portanto, o exame minucioso dos
animais tratados em um ambiente infestado ocasionalmente resulta em observações de poucas pulgas nos
animais por até 8 semanas e ocasionalmente por mais tempo, até que a infestação seja eliminada.
Outra complicação adicional para os proprietários de animais é a contaminação do quintal por animais
silvestres, cães e gatos selvagens ou outros animais infestados. Geralmente os proprietários tratam seus próprios
animais porém não realizam o tratamento ambiental frequentado pelos animais, que pode estar constantemente
infestado por pulgas de animais silvestres ou selvagens (especialmente gatos). Mesmo os animais que saem por
pequenos períodos estão suscetíveis à infestação. Ademais, as pessoas podem atuar como carreadores, trazendo
as pulgas para o domicílio e infestando os animais não protegidos.
Nos casos de infecções maciças ou alergia grave em humanos ou animais, pode ser necessário tratamento do
ambiente com adulticidas e IGR. O controle pode ser alcançado pelo uso de inseticidas com atividade residual
(ou por aplicações repetidas de inseticidas de curta ação) em combinação com IGR para prevenir o
desenvolvimento de ovos e larvas de pulgas. Metopreno e piriproxifeno são dois IGR atualmente disponíveis
para aplicação no ambiente. Inseticidas e IGR podem ser aplicados por difusão (aspersão manual ou aerossóis
pressurizados) ou pela liberação total por meiod e aerossóis ou nebulização. Durante a aplicação, a superfície de
todos os tapetes e carpetes deve ser tratada adequadamente. Esforços devem ser direcionados para áreas onde se
acumulam ovos e larvas de pulgas, como carpetes, rachaduras, ranhuras em chão de madeira, atrás de rodapés,
debaixo de tapetes, embaixo de móveis (camas, mesas e sofás) e dentro de armários. Em infecções graves, uma
segunda aplicação pode ser necessária em 7 a 10 dias para matar os adultos recém–emergidos de casulos
escondidos profundamente dentro dos carpetes.
A eliminação das pulgas do quintal também pode ser um aspecto importante no controle dos pulicídeos. O
tratamento do ambiente externo (p. ex., ciflutrina, fenvalerato) deve ser concentrado nos principais locais de
desenvolvimento de pulgas, inclusive microhabitats protegidos, como casas dos cães, interior de garagens, sob
varandas e áreas de descanso de animais, por baixo de arbustos ou outras áreas sombreadas. O borrifamento de
produtos de controle de pulgas sobre uma grande extensão de gramado, sem sombra, geralmente não é benéfico.
Proprietários devem também fazer o controle mecânico. Os procedimentos auxiliares são: lavagem de
cobertores de animais, descarte de tapetes e transportadores de animais; além disso, as áreas onde o animal
dorme ou descansa devem ser limpas totalmente com aspirador de pó para ajudar a remover ovos e larvas de
pulgas. Travesseiros e almofadas de sofás e cadeiras devem ser removidos e aspirados, com atenção especial
para fissuras dos sofás e cadeiras e para as áreas debaixo dos sofás ou camas, onde ovos e fezes podem cair dos
animais e se acumular.
Apesar dos esforços dos proprietários dos animais de estimação, a eliminação total das pulgas pode não ser
possível ou pode não ocorrer em tempo suficiente para controlar suficientemente os sinais clínicos da DAP.
Deve­se instituir uma terapia médica de suporte para controlar o prurido e a dermatopatia secundária nos
animais hipersensíveis. Frequentemente, exige­se terapia com glicocorticosteroides sistêmicos para controlar a
inflamação e o prurido associados. Pode­se administrar prednisona ou a prednisolona de curta ação, inicialmente
na dose de 0,5 a 1 mg/kg, 1 vez/dia, diminuindo a dose e utilizando a terapia em dias alternados até que se
administre a dose mais baixa possível que ainda controle o prurido. Tão logo se obtenha o controle de pulgas,
pode­se interromper a terapia com glicocorticosteroides. Nunca se deve utilizar a terapia anti­inflamatória em
substituição ao controle de pulgas.
Infecção bacteriana secundária da pele pode estar associada à DAP. Comumente, utilizam­se antibióticos
sistêmicos para controlar esta piodermite e, por consequência, reduzir a inflamação e o prurido. A escolha do
antibiótico apropriado deve se basear nas culturas bacterianas e nos resultados dos antibiogramas.
A hipossensibilização consiste na administração de alergênios a um animal hipersensível, regularmente, na
tentativa de obter o estado de não reatividade clínica à picada de pulgas. A eficácia dos extratos de pulga
atualmente disponíveis é controversa.

SARNA (Acaríase cutânea, Infestação por ácaros)

SARNA EM BOVINOS

SARNA SARCÓPTICA (ESCABIOSE): Essa doença muito contagiosa dissemina­se por contato direto ou
indiretamente, por fômites. O agente causal, Sarcoptes scabiei var bovis, pode ser transmitido a pessoas e trata­
se de uma doença de notificação obrigatória. As lesões iniciais ocorrem na cabeça, pescoço e ombros, e podem
se disseminar para outras partes do corpo; o prurido é intenso. Pápulas progridem em crostas e a pele torna­se
espessa e forma grandes pregas. Pode ocorrer o acometimento de todo o corpo em seis semanas. O diagnóstico é
feito por raspados de pele profundos, biopsia de pele ou pela resposta à terapia. O tratamento é semelhante ao da
sarna psoróptica (ver a seguir).

É uma doença de notificação obrigatória, causada por Psoroptes ovis, não transmissível a
SARNA PSORÓPTICA: É uma doença de notificação obrigatória, causada por Psoroptes ovis, não transmissível a
pessoas. É observada em bovinos de corte confinado ou a pasto, nas regiões central e oeste dos EUA, com maior
número de notificações vindas do Texas, Novo México, Oklahoma, Kansas, Colorado e Nebraska. O prurido
intenso normalmente começa nos ombros e garupa; pápulas, crostas, escoriações e lignificação são comuns. As
lesões podem cobrir quase todo o corpo; infecções bacterianas secundárias são comuns nos casos graves. Pode
ocorrer morte em bezerros não tratados, perda de peso, diminuição da produção de leite e aumento da
suscetibilidade a outras doenças.
O tratamento pode ser realizado com banhos de spray ou imersão em tanque, aplicações tópicas de acaricidas
locais e formulações orais, tópicas ou injetáveis de medicamentos sistêmicos. A aspersão consome tempo, mas é
útil em rebanhos pequenos, enquanto os banhos de imersão em tanque são eficientes, porém de custo alto e de
manejo difícil (uso de volumes grandes de água, descarte da solução empregada). Nos EUA, spray de toxafeno
0,5 a 0,6% (período de carência de 28 dias), 2 banhos de imersão com cumafós 0,3% (sem período de carência),
2 banhos de imersão com fosmet 0,20 a 0,25% (período de carência de 21 dias); ou 3 imersões em cal sulfurada
quente 2% (sem período de carência) podem ser utilizados. Fora dos EUA, outros tratamentos estão disponíveis,
como foxima 0,1%, diazinon 0,075% e amitraz 0,025 a 0,050%. As imersões devem ser repetidas em intervalos
de 10 a 14 dias. Apenas a cal sulfurada quente está registrada para uso em bovinos de leite em lactação. A
aplicação tópica de flumetrina (2 mg/kg, 2 vezes, com intervalo de 10 dias) também está disponível em outros
países além dos EUA. Formulações injetáveis de avermectinas (ivermectina e doramectina) e milbemicinas
(moxidectina) são aprovadas para controle das sarnas psoróptica e sarcóptica na dose de 200 μg/kg (exceto em
bovinos de leite lactante). Apesar de o tratamento ser efetivo, os bovinos devem ser isolados por 2 semanas após
o tratamento. A eprinomectina está disponível em uma formulação pour­on na dose de 500 μg/kg, e é aprovada
para o controle da sarna sarcóptica (sem período de carência). Mais recentemente, uma formulação de
moxidectina de longa ação foi introduzida. O medicamento é administrado na dose de 1 mg/kg na base da
orelha, mas não é indicado para uso em vacas lactantes. Essa formulação também é aprovada para o controle de
sarna sarcóptica e ajuda a controlar a sarna corióptica.

Sarcoptes scabiei var bovis, fêmea. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.

SARNA CORIÓPTICA (SARNA DA PERNA): Essa doença de notificação obrigatória, causada por Chorioptes bovis,
não acomete pessoas. Ela é o tipo mais comum de sarna de bovinos nos EUA; é mais prevalente durante o
inverno e, com frequência, regride espontaneamente no verão. A área da quartela é o local predileto dos ácaros.
Uma alta proporção de bovinos pode estar infestada, sem exibir sinais clínicos. As lesões começam como
pápulas, crostas e ulcerações nas pernas e podem se disseminar para o úbere, escroto, cauda e área do períneo.
Os bovinos podem ser tratados com crotoxifos spray 0,25% em alta pressão para deixar o animal
completamente úmido; outras imersões utilizadas para a sarna psoróptica bovina também são efetivas contra
Chorioptes. As imersões devem ser realizadas duas vezes, com intervalos de 10 a 14 dias. Imersões de cal
sulfurada semanalmente por 4 a 6 vezes também são efetivas. Ivermectina, doramectina, eprinomectina e
moxidectina aplicadas por via tópica como pour­on a 500 μg/kg são efetivas contra sarna corióptica. As
formulações injetáveis desses medicamentos a 200 μg/kg são consideradas auxiliares no controle de Chorioptes.
Com exceção da eprinomectina, esses medicamentos não são aprovados para vacas leiteiras lactantes.
SARNA DEMODÉCICA: Demodex bovis é transferido da vaca ao bezerro durante a amamentação e pode causar
lesões consideráveis no couro. Não há prurido, e as lesões consistem em pápulas foliculares e nódulos, em
especial acima de cernelha, pescoço, costas e flancos. Ulceração, abscessos e fístulas podem se desenvolver em
razão da ruptura folicular ou infecção secundária. O diagnóstico é definido pelo exame de raspado de pele
profundo. A demodicose bovina normalmente é benigna, embora seu curso possa se estender por muitos meses.
A recuperação, em geral, é espontânea; como consequência, o tratamento raramente é feito. Imersão de
triclorfon (2%) em dias alternados, por 3 tratamentos, foi relatado como curativo.
SARNA PSORERGÁTICA (PRURIDO POR ÁCARO): Psorergates bos foi relatada em bovinos nos EUA, Canadá e
África do Sul. Os animais acometidos apresentam alopecia macular e prurido discretos. A doença não causa
perda econômica relevante, portanto, os animais normalmente não são tratados. Vários banhos e injeções de
ivermectina e milbemicina são efetivos no controle da infestação.

SARNA EM CÃES E GATOS

SARNA SARCÓPTICA (ESCABIOSE CANINA): A infestação por Sarcoptes scabiei var canis é uma doença

altamente contagiosa de cães, encontrada em todo o mundo. Os ácaros são hospedeiro­específicos, porém
animais (inclusive pessoas) que entram em contato com cães infestados também podem ser acometidos. Os
ácaros adultos têm 0,3 a 0,5 mm de comprimento, forma grosseiramente circular, sem uma cabeça distinta e
com 4 pares de pernas curtas. As fêmeas são quase duas vezes maiores que os machos. Todo o ciclo biológico
(17 a 21 dias) é passado no cão. As fêmeas cavam túneis no estrato córneo para depositar os ovos. A sarna
sarcóptica é transmitida imediatamente entre cães por contato direto; a infestação por contato indireto é menos
frequente, mas pode ocorrer. O período de incubação é variável (10 dias a 8 semanas) e depende do nível de
exposição, local do corpo, número de ácaros transmitidos e do indivíduo. Pode haver portadores assintomáticos.
O prurido intenso é característico e, provavelmente, decorre da hipersensibilidade aos produtos do ácaro. As
lesões primárias consistem em erupções papulares que, em razão do auto traumatismo, dão origem a crostas
espessas. Podem ocorrer infecções secundárias bacterianas e por leveduras. Tipicamente, as lesões se iniciam no
abdome ventral, peito, orelhas, cotovelos e pernas e, se não tratadas, tornam­se generalizadas. Cães com a
doença crônica generalizada desenvolvem seborreia, espessamento grave da pele com formação de pregas e
crostas, linfadenopatia periférica e emaciação; cães acometidos podem mesmo morrer. “Escabiose incógnita” foi
descrita em cães bem cuidados; esses cães, infestados com ácaros de escabiose, apresentam prurido, porém a
demonstração dos ácaros nos raspados de pele é difícil, pois as crostas e descamações são removidas por banhos
regulares. Formas clínicas atípicas, incluindo as formas localizadas, que provavelmente estão relacionadas com
o uso intenso de inseticidas ou acaricidas, são cada vez mais observadas.
O diagnóstico baseia­se no histórico de prurido grave de início súbito, possível exposição e envolvimento de
outros animais, inclusive pessoas. Determinar o diagnóstico definitivo, às vezes, pode ser difícil, em razão do
raspado de pele negativo. A concentração e a flotação de vários raspados podem aumentar a chance de encontrar
ácaros, ovos e fezes. Vários raspados superficiais extensos devem ser feitos nas orelhas, cotovelos e jarretes;
devem­se escolher áreas não escoriadas. Flotação fecal pode revelar ovos ou ácaros. Recentemente, um teste de
ELISA específico e sensível para a detecção de anticorpos específicos tornou­se disponível comercialmente, e
pode ser útil. Se os ácaros não forem encontrados, mas o histórico e a apresentação clínica forem altamente
sugestivos de escabiose, é necessária a utilização de diagnóstico terapêutico.
Sarna sarcóptica (escabiose) em cão. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.

O tratamento pode ser tópico ou sistêmico e deve incluir todos os cães contactantes. Para o tratamento tópico,
os pelos devem ser tosados, as crostas e sujidades removidas com banhos com um bom xampu antisseborreico e
um banho acaricida devem ser realizados. Cal sulfurada é altamente efetiva e segura para o uso em animais
jovens; são recomendados vários banhos de imersão, com sete dias de intervalo. O amitraz é um escabicida
efetivo, embora não seja aprovado em todos os locais com essa indicação e haja alguns relatos de falta de
eficácia. Ele deve ser aplicado como solução 0,025% com 1 a 2 semanas de intervalo, por 2 a 6 semanas, e não
deve ser utilizado em Chihuahuas, cadelas prenhes ou amamentando ou filhotes com menos de 3 a 4 meses de
idade. Adicionalmente, o proprietário deve observar determinadas precauções para evitar a autocontaminação. O
spray de fipronil mostrou ser efetivo, porém deve ser considerado como auxiliar no controle, e não como terapia
primária.
Tratamentos sistêmicos de escabiose são baseados na administração de lactonas macrocíclicas, algumas das
quais são licenciadas com essa indicação. Dentre elas, a selamectina é administrada como formulação spot­on a
6 mg/kg, uma ou duas vezes, com intervalo de 1 mês. Esse medicamento parece ser seguro, mesmo em cães da
raça Colly sensíveis à ivermectina, e pode ser utilizado em cães com 6 semanas de idade ou mais velhos. Em
alguns países (mas não nos EUA), a moxidectina é registrada para o tratamento de escabiose. Ela está
disponível como formulação spot­on em combinação com um produto antipulgas (imidacloprida), e deve ser
administrada em duas doses de 2,5 mg/kg, com 4 semanas de intervalo. Cães com mais de sete semanas de
idade e/ou que pesam < 1 kg não devem ser tratados com essa formulação spot­on; adicionalmente, a absorção
oral deve ser evitada em raças sensíveis. Outros endectocidas, como a milbemicina oxima e a ivermectina, que
não são registradas para o tratamento de sarna sarcóptica em cães, foram consideradas bastante efetivas,
dependendo da dose e via de administração. A dose recomendada de milbemicina oxima é de 2 mg/kg VO, 2
vezes/semana por 3 a 4 semanas; toxicidade potencial deve ser considerada em cães com mutação no gene
MDR­1. A ivermectina (200 μg/kg, VO ou SC, duas doses, com intervalo de 2 semanas) é muito efetiva e,
normalmente, é curativa. A ivermectina nessa dose é contraindicada em cães da raça Colly e seus mestiços.
Reações de idiossincrasia em outras raças também podem ocorrer. Além disso, o animal deve ser avaliado para
dirofilariose antes de ser tratado com qualquer lactona macrocíclica.
SARNA NOTOÉDRICA (ESCABIOSE FELINA): Essa doença rara e altamente contagiosa de gatos adultos e filhotes é
causada por Notoedres cati, que pode infestar de forma oportunista outros animais, inclusive pessoas. O ácaro e
seu ciclo biológico são similares àqueles da escabiose canina. O prurido é grave e são observadas crostas e
alopecia, em particular nas orelhas, cabeça e pescoço, que podem se tornar generalizadas. Os ácaros podem ser
encontrados facilmente em raspados de pele. O tratamento consiste em banhos com cal sulfurada em intervalos
de 7 dias. O uso extrabula do amitraz não é recomendado em gatos. Tratamentos não aprovados, mas eficientes,
incluem selamectina (6 mg/kg, spot­on), moxidectina (2,5 mg/kg, spot­on) e ivermectina (200 μg/kg, SC). Há
relatos de morte súbita em filhotes de gato após a aplicação de ivermectina.
SARNA OTODÉCICA: Otodectes cynotis é causa comum de otite externa (p. 561), em especial em gatos, mas
também em cães. Este ácaro, que pertence à família Psoroptidae, normalmente é encontrado tanto no canal
auditivo vertical quanto no horizontal, mas, ocasionalmente, são observados no corpo. Os sinais clínicos
incluem balanços de cabeça, prurido auricular contínuo e cabeça pendente. O prurido é variável. Acúmulo de
cerume marrom­escuro na orelha e otite externa supurativa, com possível perfuração da membrana timpânica,
podem ser verificados em casos graves. Os animais acometidos e contactantes devem receber tratamento
parasiticida apropriado nas orelhas e em todo o corpo durante 2 a 4 semanas. Outros tratamentos efetivos
incluem lactonas macrocíclicas sistêmicas. Apenas a selamectina e a moxidectina (em alguns países que não os
EUA) são aprovadas para o tratamento de sarna otodécica; elas são administradas como formulação spot­on (ver
anteriormente). Como regra geral, a limpeza das orelhas com ceruminolítico apropriado é indicada com terapia
tópica e, em especial, com terapia sistêmica.
QUEILETIELOSE (CASPAS ANDANTES): Cheyletiella blakei infecta gatos, C. yasguri infecta cães e C.
parasitovorax infecta coelhos, embora infestações cruzadas sejam possíveis. Essa doença é muito contagiosa,
em especial em animais que vivem em comunidades. A infestação em pessoas é frequente. Não são comuns
infestações por ácaros em áreas endêmicas para pulgas, provavelmente em razão do uso regular de inseticidas.
Esses ácaros têm 4 pares de patas e o aparelho bucal proeminente em forma de ganchos. Eles vivem na
superfície da epiderme e permanecem no hospedeiro durante todo o seu ciclo biológico (3 semanas). As fêmeas
do ácaro podem, no entanto, sobreviver por tanto tempo quanto 10 dias fora do hospedeiro. A doença clínica é
caracterizada por descamação, distribuição dorsal e prurido, que varia de ausente a grave. Os gatos podem
desenvolver crostas dorsais ou dermatite miliar generalizada. Podem existir carreadores assintomáticos. Os
ácaros e os ovos podem não ser facilmente encontrados, em especial em animais que tomam banhos com
frequência. Impressões em fita de acetato, raspados de pele superficiais e o uso de pente para pulgas podem
confirmar o diagnóstico.
Acaricidas tanto tópicos quanto sistêmicos são efetivos contra queiletielose, embora nenhum medicamento
seja licenciado atualmente com essa indicação. É necessário tratar todos os animais contactantes e o ambiente,
incluindo a cama contaminada e o material de cuidado individual. Medicamentos tópicos incluem cal sulfurada,
fipronil spot­on e spray, piretrinas e amitraz (os dois últimos produtos são contraindicados em gatos). O uso de
medicamentos sistêmicos fora das indicações da bula inclui selamectina spot­on, moxidectina spot­on,
milbemicina oxima (VO) e ivermectina (SC). Deve­se ter cuidado para evitar ou minimizar os riscos de reações
adversas, como descrito anteriormente (p.1022). O período de tratamento depende do medicamento selecionado
e deve ser longo o suficiente para erradicar os ácaros do animal e do seu ambiente, o que pode ser difícil em
comunidades de animais (colônias de reprodução, canis). Na prática, o tratamento dura 6 a 8 semanas e deve
continuar por algumas semanas além da cura clínica, até que a se consiga a cura parasitológica.
DEMODICOSE CANINA: Essa doença de pele em cães ocorre quando um grande número de ácaros Demodex canis
habita seus folículos pilosos e glândulas sebáceas. Em pequeno número, esses ácaros fazem parte da flora
normal da pele de cães e não causam doença clínica. Os ácaros são transmitidos da mãe para o filhote durante a
amamentação, nas primeiras 72 h após o nascimento. Os ácaros passam todo o ciclo biológico no hospedeiro e a
doença não é considerada contagiosa. A patogênese da demodicose é complexa e não é completamente
compreendida; as evidências de predisposição hereditária para a doença generalizada são fortes. A
imunossupressão, natural ou iatrogênica, pode precipitar a doença em alguns casos. Foliculite profunda
bacteriana secundária, furunculose ou celulite podem ocorrer, levando ao prognóstico reservado.
Existem duas formas clínicas da doença (localizada e generalizada). A demodicose localizada ocorre em cães
com < 2 anos de idade e, na maioria dos casos, em especial as formas localizadas, parece se resolver
espontaneamente. As lesões consistem em áreas de alopecia focal, eritema e/ou hiperpigmentação e comedões.
Normalmente não há prurido, ou ele é leve. Uma porcentagem desses casos, sobretudo das formas difusas de
demodicose localizada, evolui para a forma generalizada. A demodicose generalizada é uma doença grave, com
lesões generalizadas, normalmente agravadas por infecções bacterianas secundárias (piodemodicose).
Comumente são acompanhadas por pododermatites. Quando há piodermas profundos, furunculoses ou celulite,
os cães podem apresentar manifestações sistêmicas com linfadenopatia generalizada, letargia e febre. O
diagnóstico não é difícil, uma vez que raspados de pele profundos ou pelos arrancados revelam ovos dos ácaros
e um grande número de formas larvais. Sempre que a demodicose generalizada for diagnosticada em um cão
adulto, deve­se realizar avaliação clínica para identificar a doença sistêmica subjacente.
A demodicose localizada pode não ser tratada. O prognóstico para essa forma normalmente é bom e a
recuperação espontânea é frequente. Em contraste, casos de demodicose localizada difusa (que pode se
generalizar), demodicose generalizada, piodemodicose e pododemodicose, para a qual o prognóstico é
reservado, devem ser tratadas. A tosa dos pelos e a limpeza do corpo, em especial com xampu de peróxido de
benzoíla, utilizado por sua atividade de limpeza folicular, podem ser necessárias. A imersão de todo o corpo em
solução de amitraz (0,025%) a cada 2 semanas permanece o único tratamento aprovado para a demodicose
generalizada nos EUA. Concentrações maiores (0,05%) e intervalos de aplicação mais curtos (1 semana) podem
ser mais eficientes.
Outros protocolos experimentais utilizando imersões diárias da metade do corpo em amitraz foram propostos
para demodicose generalizada refratária. Entre as lactonas macrocíclicas, apenas a milbemicina oxima (0,5 a 1
mg/kg, VO, 1 vez/dia) é aprovada para demodicose generalizada em alguns países. A moxidectina também é
registrada para o tratamento de demodicose canina em alguns países fora dos EUA; ela está disponível como
formulação spot­on em combinação com produtos antipulgas (imidacloprida) e deve ser administrada a 2,5
mg/kg, 2 a 4 vezes, com 4 semanas de intervalo. Na prática, as falhas no tratamento com esse protocolo
aprovado são relatadas com frequência. Outros tratamentos sistêmicos de sucesso relatados incluem a
moxidectina (400 μg/kg, VO, 1 vez/dia) e ivermectina (300 a 600 μg/kg, VO, 1 vez/dia). Para a última,
diferentes protocolos terapêuticos foram propostos com aumento gradual da dose e amplo monitoramento do
paciente para detectar qualquer sinal de toxicidade. A ivermectina é contraindicada aos cães da raça Colly e seus
mestiços. No entanto, toxicidade idiossincrática pode ocorrer em qualquer raça. O teste para a mutação do alelo
MDR1 pode ser necessário antes do início do tratamento. Corticosteroides locais e sistêmicos são
contraindicados em qualquer animal com diagnóstico de demodicose. Infecções bacterianas secundárias devem
ser tratadas com terapia antimicrobiana apropriada. A terapia antiparasitária deve ser mantida não apenas até a
resolução dos sinais clínicos, mas até, no mínimo, dois raspados de pele negativos consecutivos obtidos a
intervalos de um mês. Apenas como medida profilática, cães demodécicos não devem ser utilizados para a
reprodução.
DEMODICOSE FELINA: A demodicose felina é uma doença de pele incomum a rara, causada por, ao menos, duas
espécies de ácaros demodécicos. Acredita­se que o Demodex cati seja um habitante normal da pele do gato. É
um ácaro folicular, similar ao ácaro canino, porém mais estreito, que pode causar demodicose localizada ou
generalizada. A outra espécie de Demodex (em geral, denominada D. gatoi) é mais curta, com abdome largo, e é
encontrada apenas no estrato córneo. Ela causa uma demodicose superficial transmissível e contagiosa, que,
com frequência, causa prurido, e pode ser generalizada. Na demodicose folicular localizada, há uma ou várias
áreas de alopecia focal, normalmente na cabeça e no pescoço. Na doença generalizada crostas, alopecia e
pioderma secundário potencial de todo o corpo são observados. A forma generalizada, com frequência, é
associada a outras doenças imunossupressoras ou metabólicas subjacentes, como infecção pelo vírus da
leucemia felina, infecção pelo vírus da imunodeficiência felina, diabetes melito ou neoplasias. Em alguns casos,
otite externa ceruminosa é o único sinal clínico.
O diagnóstico é realizado por meio de raspados de pele superficiais (D. gatoi) e profundos (D. cati), embora o
número de ácaros, com frequência, seja pequeno, em especial com D. gatoi. Avaliação médica é indicada em
gatos com doença generalizada. Cultura para dermatófitos é essencial, uma vez que a dermatofitose e a
demodicose podem ser condições concomitantes. O prognóstico da demodicose generalizada não pode ser
previsto, em razão da sua relação potencial com doenças sistêmicas. Em alguns casos, há remissão espontânea.
Imersões em cal sulfurada (2%) semanais são seguras e normalmente efetivas; amitraz (0,0125 a 0,025%) foi
utilizado, porém não é aprovado para uso em gatos e pode causar anorexia, depressão e diarreia. O uso de
antiparasitários a base de lactonas macrocíclicas foi relatado, mas a eficácia ainda não é conhecida.
TROMBICULOSE: Essa acaríase comum, sazonal e não contagiosa é causada por um estágio larval parasito de
ácaros de vida livre da família Trombiculidae. Ela pode afetar carnívoros domésticos, outros mamíferos
domésticos e silvestres, pássaros, répteis e pessoas. Duas espécies comuns encontradas em cães e gatos,
Neotrombicula autumnalis e Eutrombicula alfreddugesi, são relatadas na Europa e na América respectivamente.
Adultos (ácaros da colheita) e ninfas se assemelham a pequenas aranhas e vivem em detritos em putrefação. Em
áreas temperadas, entre o verão e o outono, os cães e gatos podem adquirir das larvas parasitos ao descansarem
no chão ou andarem em habitats adequados. Em regiões mais quentes, a infestação ocorre durante todo o ano.
As larvas (0,25 mm de comprimento) se aderem ao hospedeiro, se alimentam por alguns dias e o deixam após
terem ingurgitado. Nesse momento, elas são facilmente identificadas como pontos imóveis, ovoides, com 0,7
mm de comprimento, alaranjados a vermelhos, normalmente encontrados em aglomerações na cabeça, orelhas,
patas e região ventral. A patogenicidade ocorre por meio de atividades traumática e proteolítica. Suspeita­se de
reações de hipersensibilidade em alguns animais, uma vez que o prurido pode variar de ausente a grave. As
lesões incluem eritema, pápulas, escoriações, queda de pelos e crostas. Quando presente, o prurido intenso pode
persistir, mesmo após a larva deixar o animal.
O diagnóstico baseia­se no histórico e nos sinais clínicos. A infestação é uma ameaça sazonal a cães e gatos
de vida livre. O diagnóstico diferencial inclui outras dermatites pruriginosas, principalmente a atopia. O
diagnóstico é confirmado por meio de exame cuidadoso das áreas afetadas. A avaliação microscópica de
raspados de pele pode ajudar a identificar as larvas, que possuem corpo de forma ovalada, que é densamente
coberto por cerdas (pelos táteis), 6 pernas longas e pedipalpos curvos que terminam em garras.
O manejo é difícil. A abordagem mais útil, se viável, consiste em manter os animais longe de áreas
conhecidas por abrigar um grande numero de ácaros, para evitar reinfestações durante o período de risco. A
aplicação de repelentes para prevenir infestações promoveu resultados variáveis. No entanto, amitraz, fipronil
spray e piretroides (apenas em cães) podem ser utilizados tanto para prevenção quanto para o tratamento de
animais infestados. O tratamento sintomático pode ser necessário em animais com prurido intenso.
ESTRAELENSIOSE: A estraelensiose canina é uma dermatite parasitária potencialmente emergente, rara, não
contagiosa e esporádica, causada pelo encistamento temporário do estágio larval parasito de Straelensia cynotis
na epiderme. Esse ácaro pertence a uma família próxima à família Trombiculidae. Até o momento, o seu ciclo
biológico é amplamente desconhecido, e a doença foi relatada apenas na França, Portugal, Espanha e Itália. A
transmissão ocorre principalmente em cães rurais e cães de caça de pequeno porte, provavelmente por meio de
contato com solo contaminado, lixo e outros habitats terrestres de raposas. Não foi relatado contágio a
congêneres ou a pessoas. S. cynotis apresenta diferenças distintas de outros ácaros trombiculídeos, em especial
na apresentação clínica, aspectos histopatológicos e resposta ao tratamento.
A estraelensiose apresenta surgimento súbito e pode ser acompanhada por sinais sistêmicos, como anorexia e
prostração. As lesões são indolores, variavelmente pruriginosas e podem ser generalizadas ou multifocais,
afetando com maior frequência a região dorsal da cabeça e tronco. As pápulas eritematosas características e os
nódulos lembram pequenas crateras. Descamação, pústulas e crostas podem ser observadas. Os diagnósticos
diferenciais incluem foliculite bacteriana, sarna sarcóptica e lesão à bala. O exame microscópico das amostras
obtidas de raspados profundos pode auxiliar na identificação das larvas (0,7 mm de comprimento, 0,45 mm de
largura), cada uma em um cisto de parede espessa. As larvas, que lembram o Neotrombicula, são visualizadas
com maior facilidade por histopatologia.
O prognóstico é favorável; a autocura, em geral, ocorre após vários meses, se a reinfestação for evitada. No
entanto, o tratamento dos sinais clínicos é difícil. Amitraz pode ser efetivo.
LINXACARÍASE: A linxacaríase felina é bastante comum, mas, até o momento, é uma dermatite parasitária
restrita geograficamente (Austrália, Havaí, Flórida, Texas, Brasil), causada pelo ácaro da pelagem Lynxacarus
radovskyi, que pertence à família Listophoridae. O ciclo biológico permanece pouco descrito, e essa espécie
ainda não foi relatada em outros hospedeiros, além de gatos. A infestação tipicamente ocorre por contato direto,
mas fômites podem ser importantes para a transmissão. Os sinais clínicos incluem aparência de sal e pimenta do
pelame, prurido variável e alopecia. O diagnóstico se baseia na visualização dos ácaros (0,5 mm de
comprimento), usando uma lupa ou o isolamento de um estágio parasitário em raspados de pele ou fitas de
acetato. O tratamento com sprays acaricidas, imersões em cal sulfurada semanais e ivermectina (300 μg/kg, SC)
é efetivo. O único caso de contágio de pessoas foi um relato que envolveu uma erupção cutânea transitória em
um proprietário de um gato com infestação maciça.

SARNA EM EQUINOS

SARNA SARCÓPTICA: Sarcoptes scabiei var equi é rara nos EUA, mas é o tipo de sarna mais grave em equinos.
O primeiro sinal é um prurido intenso em razão de hipersensibilidade aos produtos dos ácaros. As lesões iniciais
aparecem na cabeça, pescoço e ombros. As regiões protegidas por pelos longos e as partes mais inferiores das
extremidades normalmente não estão envolvidas. As lesões iniciam como pápulas e vesículas pequenas que
posteriormente evoluem para crostas. A alopecia e as crostas disseminam­se e a pele torna­se lignificada,
formando pregas cutâneas. Se não forem tratadas, as lesões podem se estender por todo o corpo, levando a
emaciação, fraqueza generalizada e anorexia. Raspado de pele negativo não descarta a possibilidade da doença;
a biopsia pode estabelecer o diagnóstico. Se há suspeita de sarna sarcóptica, os animais devem ser tratados.
Inseticidas organofosforados e solução de cal sulfurada podem ser utilizados em spray, imersão ou aplicação
com esponjas. O tratamento deve ser repetido em intervalos de 12 a 14 dias por, no mínimo, 3 a 4 vezes. Como
alternativa, pode–se tentar a administração oral de ivermectina ou moxidectina na dose de 200 μg/kg. Vários
tratamentos são necessários, com intervalos de 2 a 3 semanas. É importante tratar todos os animais contactantes.
SARNA PSORÓPTICA: Psoroptes equi é rara em equinos; provoca lesões em regiões do corpo com muitos pelos,
como topete e crina, base da cauda, abaixo do queixo, entre os membros pélvicos e nas axilas. P. cuniculi pode,
em algumas ocasiões, causar otite externa em equinos e pode desencadear meneios cefálicos. O prurido é
característico. As lesões iniciam como pápulas e alopecia e evoluem para espessamento e crostas hemorrágicas.
Os ácaros são mais facilmente recuperados em raspados de pele, quando comparados à sarna sarcóptica. O
tratamento é semelhante ao da sarna sarcóptica.
SARNA CORIÓPTICA (SARNA DAS PERNAS): A sarna corióptica é comum em raças pesadas de equinos. As lesões
causadas por Chorioptes equi iniciam como dermatite pruriginosa que acomete a parte distal dos membros ao
redor do casco e boletos. As pápulas são as primeiras a serem observadas, seguidas por alopecia, crostas e
espessamento da pele. Em casos crônicos, ocorre uma dermatite úmida do boleto. Trata­se de um diagnóstico
diferencial para dermatofilose (lã grumosa) em equinos de tração. Os sinais diminuem no verão, porém
reaparecem com a volta do clima frio. O curso da doença, em geral, é crônico sem tratamento, mas o
prognóstico é favorável quando tratada. Tratamentos tópicos recomendados para outras sarnas são efetivos.

Sarna corióptica em equino. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.

SARNA DEMODÉCICA: Demodex equi é rara em equinos. Os ácaros se alojam nos folículos pilosos e nas
glândulas sebáceas; D. equi se instala no corpo e D. caballi nas pálpebras e no focinho. A demodicose em
equinos pode se manifestar como alopecia e descamação macular ou como nódulos. As lesões surgem na face,
pescoço, ombros e membros torácicos. Não há prurido. Essa doença foi relatada em associação ao tratamento
crônico com corticosteroides. Não foram desenvolvidos regimes terapêuticos efetivos. O amitraz, utilizado em
outras espécies, é contraindicado em equinos pois pode causar cólicas graves e morte.
TROMBICULIDÍASE (INFESTAÇÃO POR MICUIM, INFESTAÇÃO POR ÁCAROS DA Os ácaros
COLHEITA):

trombiculídeos podem parasitar a pele de equinos, em especial no final do verão e no outono. Os ácaros adultos
vivem em invertebrados e plantas; as larvas, normalmente, se alimentam em pequenos roedores, mas podem ser
oportunistas e se alimentar em pessoas e animais domésticos, inclusive em equinos. As lesões consistem em
pápulas e vergões gravemente pruriginosos. Não é necessário tratamento específico, o prurido pode ser
controlado com glicocorticoides. Repelentes podem ajudar a prevenir a infestação.
PRURIDO POR ÁCAROS DA PALHA (ÁCARO DA FORRAGEM): Esses ácaros, em geral, se alimentam de matéria
orgânica em palhas e grãos e podem infestar a pele de equinos de forma oportunista. Pápulas e vergões surgem
na face e no pescoço se os equinos forem alimentados em um comedouro de feno e no focinho e pernas, se
forem alimentados no chão. O prurido é variável e pode ser controlado com glicocorticoides.

SARNA EM OVINOS E CAPRINOS

SARNA SARCÓPTICA: Sarcoptes scabiei var ovis é rara em ovinos; é uma enfermidade de notificação obrigatória
nos EUA. Infecta a pele desprovida de lã, inicialmente na cabeça e face. Em cabras, S. scabiei var caprae é
responsável por uma anormalidade de pele generalizada, caracterizada por hiperqueratose acentuada. As lesões,
em geral, começam na cabeça e pescoço. Em ambas as espécies, formulações injetáveis de ivermectina,
doramectina ou moxidectina a 200 μg/kg são tratamentos eficientes.
SARNA CORIÓPTICA: Chorioptes bovis é comum na Europa, Nova Zelândia e Austrália, durante o inverno. Foi
erradicada em ovelhas nos EUA, onde é uma doença de notificação obrigatória. A distribuição das lesões é
semelhante a que ocorre em bovinos. C. caprae é bastante comum em cabras. Observam­se pápulas e crostas
nas pernas e nas patas. Se necessário, os animais podem ser tratados utilizando imersões ou sprays que contêm
organofosforados (diazinon, metrifonato, propentanfós) ou piretroides (deltametrina, flumetrina) conforme
permitido.
SARNA PSORÓPTICA (SARNA OVINA): Infestações por Psoroptes ovis são de notificação obrigatória. Não há
casos relatados nos EUA desde 1970, porém a sarna ovina ainda está presente em muitos países, inclusive
alguns do oeste europeu. Lesões extensas, descamativas e crostosas se desenvolvem em quase todas as áreas
lanosas do corpo. O prurido intenso manifesta­se por mordidas e prurido. Os ovinos não tratados, com
frequência, tornam­se emaciados e anêmicos. Os ácaros, às vezes, são encontrados nas orelhas. Ivermectina e
moxidectina (200 μg/kg), administradas 2 vezes, em intervalos de 7 ou 10 dias, respectivamente, são efetivas.
Doramectina (300 μg/kg) em aplicação única também é efetiva. A imersão é mais efetiva se realizada duas
semanas após a tosquia e deve ser repetida após 14 dias. Tratamentos aprovados para sarna em ovelhas são
cumafós 0,3%, fosmet 0,15 a 0,25%, diazinon 0,03 a 0,1% e cal sulfurada aquecida 2%. Fora dos EUA, outros
sprays ou imersões, tais como propentanfós, foxin, amitraz ou flumetrin, estão disponíveis.
A sarna psoróptica (sarna de orelha) em caprinos, causada por Psoroptes cuniculi, em geral, acomete as
orelhas, mas pode se espalhar para a cabeça, o pescoço e o corpo e causar irritação grave. Ela acomete
particularmente cabras Angorá, nas quais a pelagem é consideravelmente danificada. A doença em cabras
Angorá foi relatada no Texas. Apesar de o curso da doença ser crônico, o prognóstico é bom. Qualquer acaricida
aprovado para uso em ovinos elimina P. cuniculi em caprinos. As cabras de leite em lactação devem ser tratadas
apenas com solução de cal sulfurada.
SARNA DEMODÉCICA: Essa sarna foi relatada em ovinos (Demodex ovis) e caprinos (D. caprae), nos quais causa
lesões similares às dos bovinos. Em caprinos, pápulas não pruriginosas e nódulos se desenvolvem, em especial
sobre a face, pescoço, ombros e laterais. Os nódulos contêm um material espesso, acinzentado e gorduroso que
pode ser facilmente espremido; os ácaros podem ser encontrados nesse exsudato. A doença pode se tornar
crônica. As lesões localizadas em cabras podem ser incisadas, espremidas e infundidas com solução de Lugol
iodado ou rotenona em álcool (1:3). Para casos generalizados em cabras, os tratamentos incluem ronel em
propilenoglicol (180 ml de ronel 33% em 1L de propilenoglicol), aplicado em um terço do corpo, diariamente,
até a cura, e rotenona em álcool (1:3) aplicada em um quarto do corpo, diariamente. Triclorfon (2%) foi relatado
como efetivo para demodicose em ovelhas.
SARNA PSORERGÁTICA (PRURIDO POR ÁCARO, PRURIDO AUSTRALIANO): Psorergates ovis é um ácaro comum
da pele de ovinos em muitas partes do mundo; foi erradicado nos EUA, onde é uma doença de notificação
obrigatória. Essa enfermidade é caracterizada por prurido intenso generalizado e descamação, com
emaranhamento e perda de lã. Em razão do seu pequeno tamanho, é difícil encontrar os ácaros em raspados de
pele. Essa doença pode causar perdas econômicas relevantes pela perda de peso e dano à lã. Imersão ou
aspersão com cal sulfurada 2 a 3%, malation 0,2% ou cumafós 0,3% é efetiva no controle da doença; dois
tratamentos com intervalos de 14 dias são necessários. Ivermectina e outras avermectinas/milbemicinas
administradas por via SC foram relatadas como curativas.

SARNA EM SUÍNOS

A sarna sarcóptica (Sarcoptes scabiei var suis) é a única forma com alguma importância em suínos. Os ácaros
são tipicamente introduzidos no rebanho após a compra de reprodutores infestados, e a disseminação após o
contato direto é rápida. A não ser que oriundos de criatórios livres ou após o uso de programas de erradicação
da sarna, todos os rebanhos suínos devem ser considerados potencialmente infestados, mesmo que acaricidas
sejam utilizados rotineiramente em alguns grupos de animais. A sobrevivência dos ovos dos ácaros longe dos
hospedeiros é limitada; no entanto, a exposição por períodos tão curtos quanto 24 h em áreas que acabaram de
ser esvaziadas e que, previamente, eram ocupadas por suínos infestados resultou em infestação. Experimentos
em laboratório indicaram que os ácaros não sobrevivem > 96 h a temperaturas < 25°C ou > 24 h a 20 a 30°C. A
sobrevivência foi < 1 h em temperaturas > 30°C.
Infestações por S. scabiei suis são correlacionadas negativamente com ganho de peso diário e conversão
alimentar em suínos. As lesões normalmente se iniciam na cabeça, em especial nas orelhas, e então se
disseminam por todo o corpo, cauda e pernas. Em geral, o prurido é intenso e associado a reações de
hipersensibilidade aos ácaros. Com a diminuição da hipersensibilidade, normalmente após vários meses, a pele
espessa, áspera e seca é coberta por crostas acinzentadas e grandes pregas cutâneas.
O diagnóstico é realizado pela combinação de diferentes abordagens: escore da dermatite avaliado ao abate,
índice de prurido, observação dos sinais clínicos de sarna, raspados de orelha ou pele para avaliação
microscópica e ELISA para detecção de anticorpos específicos. A utilidade de cada critério varia de acordo com
a idade do grupo. Essa abo rdagem global é particularmente útil durante uma campanha de erradicação.
A aspersão com lindano (0,05 a 0,1%) ou malation (0,05%) é efetiva; solução de clordano (0,25%) também
pode ser utilizada (o uso de alguns ou de todos esses produtos em animais de produção é proibido em alguns
países). Ivermectina e doramectina (300 μg/kg, SC) também são efetivas. Em razão do impacto econômico
importante da sarna sarcóptica na indústria suína, programas de erradicação locais, regionais e nacionais foram
desenvolvidos. Eles apresentam uma boa relação custo­benefício e, em geral, incluem duas administrações de
ivermectina ou doramectina (300 μg/kg, SC) em todos os suínos no rebanho nos dias 0 e 14. No dia 7, os leitões
nascidos no decorrer da semana anterior também são tratados. De maneira alternativa, a medicação no alimento
(premix de ivermectina, 100 μg/kg) pode ser administrada por duas semanas. Nesse caso, os leitões lactentes ou
os suínos doentes recebem duas doses, com intervalo de 14 dias, no início e no final da alimentação medicada
(ivermectina ou doramectina, 300 μg/kg). A aplicação local de acaricida, normalmente, não é necessária. Após o
tratamento, emprega­se um protocolo de certificação, que se baseia na combinação de avaliação clínica (grau de
prurido e dermatite), parasitológica (raspados de orelha e pele) e dados sorológicos de um número
representativo de animais que pertencem a grupos de diferentes idades.
A sarna demodécica também é observada em suínos e causa lesões cutâneas similares àquelas verificadas em
outros grandes animais. Não há tratamento confiável.

DERMATOSE ULCERATIVA DOS OVINOS (Ulceração de lábios

e membros, Balanopostite e Vulvite venérea)

A dermatose ulcerativa é uma doença infecciosa dos ovinos causada por um vírus semelhante ao ectima vírus.
Manifesta­se de 2 formas pouco distintas: uma caracterizada pela formação de úlceras ao redor da boca e do
nariz ou nas pernas (ulceração dos lábios e da perna) e a outra, por ulceração prepucial e peniana ou vulvar,
venereamente transmitida.
ACHADOS CLÍNICOS: A lesão, independentemente da localização, é uma úlcera com superfície escarificada, que
sangra facilmente, varia em profundidade e extensão e contém material purulento cremoso e inodoro; é
recoberta, desde o início, com uma crosta.
As lesões faciais ocorrem no lábio superior, entre a borda labial e o orifício nasal, no queixo ou no nariz. Nos
casos graves, o processo ulcerativo pode perfurar o lábio. As lesões podais ocorrem em qualquer lugar entre a
coroa do casco e o carpo ou tarso.
As lesões venéreas circundam parcial ou completamente o orifício prepucial e podem ficar tão graves a ponto
de produzirem fimose. Raramente, o processo ulcerativo pode se estender até a glande peniana, de forma que o
carneiro torna­se inabilitado para a reprodução natural. Nas ovelhas, o edema, a ulceração e a forma de crostas
nos lábios vulvares têm consequências menos sérias.
Não ocorre nenhuma reação sistêmica inicial discernível. A taxa de morbidade é de geralmente 15 a 20%,
embora até 60% do rebanho possa ser infectado. Com frequência, a doença permanece não reconhecida até que
as lesões fiquem tão avançadas que os sinais de claudicação ou distúrbios na micção tornem­se aparentes.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico depende completamente do reconhecimento da lesão ulcerativa característica. A
diferenciação entre esta lesão e a do ectima contagioso (p. 1037), que possui característica essencialmente
proliferativa, é fundamental. Na maioria dos casos, com a remoção das crostas, as lesões da dermatose
ulcerativa são crateriformes ou ulcerativas, enquanto as do ectima contagioso são proliferativas. A questão da
semelhança dos agentes destas 2 afecções ainda não se encontra claramente definida, mas a inoculação de
ovinos anteriormente imunizados contra o ectima contagioso ajuda na elaboração do diagnóstico. Também é
difícil, e em alguns casos, impossível, diferenciar postite e vulvite ulcerativas (p. 1506) de dermatose ulcerativa
sem recorrer à inoculação em ovinos.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO: Os animais infectados devem ser isolados e aqueles com lesões genitais não
devem ser acasalados. A recuperação leva 2 a 8 semanas e não é amplamente influenciada pelo tratamento.
Geralmente não a terapia não é instituída, a menos que os animais tenham que se reproduzir logo, que as lesões
labiais interfiram na ingestão de alimentos, que as lesões podais promovam claudicação ao ponto dos animais
perderem condição ou que as infecções bacterianas secundárias se tornem graves.
O tratamento consiste na remoção das crostas e de todo o tecido necrosado das úlceras e na aplicação de
qualquer uma das seguintes preparações: nitrato de prata (lápis estíptico), tintura de iodo forte, solução de
sulfato de cobre 30%, formaldeído 4%, cresol 5% (banho de imersão para ovinos) ou sulfa­ureia em pó. As
lesões podais e na região inferior dos membros pélvicos podem ser tratadas com soluções de sulfato de cobre ou
de formaldeído em bandejas de pedilúvio.
DOENÇAS DO TIPO VARÍOLA

As doenças do tipo varíola são doenças virais agudas que afetam muitos animais, inclusive o homem e as aves,
mas não os cães. Algumas doenças variolares também são zoonoses. Tipicamente, as lesões cutâneas e mucosas
são disseminadas e progridem de máculas para pápulas, vesículas e pústulas antes de formarem crostas e
cicatrizarem. A maioria das lesões contém muitos corpúsculos de inclusão intracitoplasmáticos, que
representam locais de replicação viral nas células infectadas. Em algumas poxviroses, a vesiculação não é
clinicamente evidente, mas se podem observar microvesículas no exame histológico e, em algumas, as lesões
proliferativas são características.
A infecção é adquirida tanto por inalação quanto pela pele (p. ex., a varíola ovina). Em determinados casos
(p. ex., as varíolas aviária e suína), o vírus é transmitido mecanicamente por artrópodes picadores. A infecção
pode ser seguida por lesões generalizadas (p. ex., a varíola ovina) ou permanecer localizada (p. ex., a
pseudovaríola bovina). Utilizam­se cepas poxvirais com redução na virulência para imunizar contra algumas
infecções, sendo o exemplo clássico a erradicação global da varíola no homem pela imunização muscular com
cepas vivas do vírus da vaccínia.
Os poxvírus podem ser classificados de acordo com as suas propriedades psicoquímicas e biológicas.
Imunologicamente, os vírus das varíolas humana, bovina, dos macacos etc., são proximamente relacionados
com o vírus da vaccínia e classificados dentro do gênero Orthopox. Os poxvírus aviários, os vírus do mixoma e
alguns dos outros poxvírus (p. ex., da varíola suína) são espécie­específicos. Os vírus do orf, da pseudovaríola
bovina e da estomatite papular bovina são parapoxvírus.
Na Europa, descrevem­se infecções cutâneas localizadas e, em alguns casos, uma doença generalizada fatal,
nos guepardos, leões e gatos domésticos infectados pelo vírus da varíola bovina (ver a seguir).

DERMATOPATIA NODULAR

A dermatopatia nodular é uma doença infecciosa, eruptiva e, às vezes, fatal dos bovinos, caracterizada por
nódulos na pele e em outras partes do corpo. Uma infecção secundária quase sempre agrava a afecção.
Tradicionalmente, ocorre no sul e no leste da África, mas a partir dos anos de 1970, estendeu­se para noroeste,
pelo continente, até a África ocidental subsaariana. Também foi relatada em Israel.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O vírus causador se relaciona com o da varíola ovina. A cepa prototípica é
conhecida como o poxvírus de Neethling. A dermatopatia nodular surge na forma de epidemia ou
esporadicamente. Frequentemente, aparecem novos focos de infecção em áreas distantes não envolvidas no
surto inicial. A incidência é mais alta em clima de verão úmido, mas também pode ocorrer no inverno. É mais
prevalente ao longo de cursos d’água e em terras baixas. Como as restrições de quarentena projetadas para
limitar a disseminação da infecção falharam, suspeita­se que insetos picadores tenham sido vetores; no entanto,
ocorreram surtos sob condições nas quais os insetos poderiam ser praticamente excluídos. Como a doença pode
ser transmitida por meio de saliva infectada, deve­se aceitar a infecção por contato como um método de
propagação. Suspeita­se que os búfalos africanos sejam portadores no Quênia.
Pode­se produzir uma infecção artificial por inoculação de suspensões de nódulos cutâneos ou do sangue
coletado durante o estágio febril inicial ou, ainda, por água ou alimento contaminado com a saliva de animais
infectados.
ACHADOS CLÍNICOS: Uma injeção subcutânea de material infectado produz inchaço doloroso e depois febre,
lacrimejamento, secreção nasal e hipersalivação, seguidos pelas erupções características na pele e em outras
partes do corpo em cerca de 50% dos bovinos suscetíveis. O período de incubação é de 4 a 14 dias.
Os nódulos são bem circunscritos, redondos, ligeiramente salientes, firmes e dolorosos e envolvem a pele
inteira e a mucosa dos tratos gastrintestinal, respiratório e genital. Os nódulos podem se desenvolver no focinho
e nas membranas mucosas nasal e oral. Os nódulos cutâneos contêm uma massa tecidual amarela ou cinza
cremosa e firme. Os linfonodos regionais aumentam e desenvolve–se edema no úbere, na musculatura do peito e
nos membros. Às vezes, ocorre infecção secundária e causa supuração e descolamento cutâneo extensos; como
resultado, o animal pode ficar extremamente emaciado e pode se justificar a eutanásia. Os nódulos regridem
com o tempo, ou a necrose cutânea resulta em áreas firmes e salientes claramente separadas da pele circundante.
Estas áreas escarificadas tornam­se ulceradas, se curam e cicatrizam.
A morbidade é de 5 a 50% e a mortalidade é geralmente baixa. A perda maior se deve à diminuição na
produção láctea, à perda de condição e à rejeição ou à redução no valor do couro.
DIAGNÓSTICO: A doença pode ser confundida com a pseudodermatopatia nodular, causada por um herpesvírus
(herpesvírus bovino tipo 2). Estas doenças podem ser semelhantes clinicamente, embora em algumas partes do
mundo as lesões por herpesvírus pareçam se restringir aos tetos e ao úbere das vacas, sendo a doença
denominada de mamite herpética (p. 1470).
A pseudodermatopatia nodular é uma doença mais branda que a dermatopatia nodular verdadeira, mas a
diferenciação depende essencialmente de isolamento e identificação do vírus. Um exame histológico e
ultraestrutural dos nódulos pode ser útil. Nos nódulos, podem­se observar corpúsculos de inclusão
intracitoplasmáticos semelhantes aos da varíola ou corpúsculos de inclusão herpesvirais intranucleares
eosinofílicos.
Dermatophilus congolensis também causa nódulos cutâneos nos bovinos (ver p. 913).
PREVENÇÃO E TRATAMENTO: As restrições por meio de quarentena são de uso limitado. A vacinação com o
vírus atenuado proporciona o método de controle mais promissor. Também foram utilizados os poxvírus caprino
e ovino passados em cultura tecidual.
Recomenda­se administração de antibióticos para controlar a infecção secundária, além de bons cuidados de
enfermagem.

INFECÇÕES POR ORTHOPOXVIRUS EM GATOS

Infecções por orthopoxvirus em gatos domésticos ocorrem de forma esporádica no Reino Unido e na Europa
ocidental. Um caso único de infecção por racoonpox vírus foi descrita em um gato no Canadá; o animal afetado
apresentou uma infecção localizada na pata. Os gatos afetados costumam apresentar lesões cutâneas múltiplas,
embora também possam se observar sinais respiratórios e outros.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: Até o momento, com exceção de todos os casos de infecção por racoonpox vírus,
todos os otrhopox vírus isolados dos gatos domésticos foram indistinguíveis do vírus da varíola bovina (ver p.
1035). A varíola bovina ou infecção por outros vírus intimamente relacionados também foi descrita em Felidae
capturados e em outras espécies (p. ex., elefantes, rinocerontes e tamanduás) em vários zoológicos europeus. No
entanto, a relação de alguns desses vírus com a espécie estabelecida dentro do gênero ainda não está clara. A
varíola bovina aparentemente não ocorre nos EUA, embora já se tenha isolado um outro ortopoxvírus de
guaxinins. É possível que esse vírus também possa infectar outros hospedeiros. O vírus da varíola bovina
também é infeccioso para o homem e já se registrou uma transmissão do gato para homem. Os proprietários
devem ser alertados adequadamente.
Embora seja tradicionalmente descrita como uma doença dos bovinos, na realidade a varíola bovina é rara e,
em geral, aceita­se que os hospedeiros reservatórios do vírus são pequenos mamíferos silvestres. Acredita­se
que os gatos, atualmente os hospedeiros mais reconhecidos do vírus da varíola bovina, infectam­se quando
caçam. A maioria dos gatos afetados provém de ambientes rurais e sabidamente caçam roedores; a lesão inicial
geralmente ser descrita como originária de um ferimento pequeno e semelhante a uma mordedura. Nos gatos, a
infecção tem uma incidência sazonal acentuada, com a maioria dos casos ocorrendo entre setembro e novembro.
A transmissão entre gatos também pode ocorrer, mas geralmente resulta apenas em infecção subclínica. Os
casos bovinos raros provavelmente resultam do contato direto ou indireto com o hospedeiro reservatório, assim
como alguns casos em humanos. No entanto, também são possíveis transmissões do gato para o homem e do
bovino para o homem.
A importância da doença e o seu reconhecimento relativamente recente no gato constituem um enigma. Ela
pode ter sempre estado presente na população felina, sem reconhecimento. Alternativamente, a doença pode
estar aumentando em importância, como resultado de uma alteração na epidemiologia da doença no hospedeiro
reservatório ou (talvez menos provável) na natureza do biotipo dominante do próprio vírus.
PATOGÊNESE: A porta de entrada mais comum parece ser a pele, mas a infecção oronasal também é possível.
Depois da replicação local e do desenvolvimento de uma lesão cutânea primária, o vírus se dissemina para os
linfonodos locais e desenvolve­se a viremia associada a leucócitos. A fase virêmica pode­se associar com
pirexia e depressão e, durante esse período, pode­se isolar o vírus de vários tecidos, como pele, ossos turbinados
(e, às vezes, os pulmões) e órgãos linfoides. As lesões cutâneas secundárias disseminadas aparecem alguns dias
depois do início da viremia e continuam a aparecer lesões novas por 2 a 3 dias, quando a viremia diminui.
ACHADOS CLÍNICOS: A maioria dos gatos afetados apresenta histórico de lesão cutânea primária única,
geralmente na cabeça, pescoço ou membro torácico. A lesão primária pode variar de ferimento pequeno e
crostoso a um grande abscesso. Aproximadamente em 7 a 10 dias após o aparecimento da lesão primária,
começam a aparecer lesões secundárias generalizadas. No decorrer de 2 a 4 dias, elas se desenvolvem em
pápulas ulceradas, circulares e discretas, com cerca de 0,5 a 1 cm de diâmetro. As úlceras logo ficam recobertas
por crostas e a cicatrização geralmente se completa com cerca de 6 semanas. Muitos gatos não exibem nenhum
sinal além das lesões cutâneas, mas cerca de 20% deles podem desenvolver coriza discreta ou conjuntivite.
Alguns gatos também podem apresentar pirexia, depressão e inapetência durante a fase virêmica, imediatamente
antes e durante o desenvolvimento inicial das lesões secundárias. Uma infecção bacteriana intercorrente,
particularmente nas lesões primárias, pode dar origem a sinais sistêmicos. No entanto, a maioria dos gatos
domésticos se recupera sem intercorrências. A doença pulmonar mais grave é incomum nos gatos domésticos,
mas ocorre com frequência nos guepardos e é fatal em ambas as espécies. Uma doença mais grave nos gatos
domésticos com frequência associa­se à imunossupressão, tanto pelo tratamento com corticosteroides ou
associada às infecções por leucemia ou imunodeficiência viral felina.
Lesões: Como a maioria dos gatos sobrevive, biopsias cutâneas geralmente são as únicas amostras teciduais
disponíveis para exame histológico. As lesões iniciais consistem em áreas de hiperplasia e hipertrofia
epidérmicas, com vesiculações na camada de células espinhosas. Muitas das células epidérmicas limítrofes com
tais vesículas contêm corpúsculos de inclusão citoplasmáticos eosinofílicos característicos. Posteriormente,
ocorrem ulceração e necrose epidérmicas e substituição por um coágulo eosinofílico de células necróticas e
fibrina. Há, na derme, um forte exsudato com células inflamatórias mistas, circundando a lesão. À medida que a
cicatrização prossegue, uma fina camada de epiderme recobre a pele por baixo das crostas, aparece um tecido
cicatricial inicial e ocorre infiltrado moderado de células predominantemente mononucleares.
Em raros casos, nos quais a doença se generaliza, também pode haver lesões em fígado, pulmões, traqueia,
brônquios, mucosa oral e intestino delgado.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico presuntivo pode ser realizado com base nos sinais clínicos de lesões cutâneas
múltiplas e bem circunscritas e, especialmente, se houver história de caça ou exposição a ambiente rural. Ainda,
deve­se suspeitar de varíola bovina quando as lesões cutâneas não respondem aos antibióticos. Os diagnósticos
diferenciais são: dermatite miliar, herpesvirose ou calicivirose felinas, granuloma eosinofílico, ferimentos por
mordedura, dermatofitose e outras afecções bacterianas ou fúngicas crônicas.
Na maioria dos casos, pode­se fazer o diagnóstico presuntivo rapidamente a partir das crostas não fixadas,
exsudatos ou material de biopsia, examinados quanto aos característicos vírions do orthopox em forma de tijolo,
por microscopia eletrônica. Um método de diagnóstico mais preciso e sensível é o isolamento do vírus em
cultura celular ou no corioalantoide de pintinhos. Caso não haja isolamento viral, também se poderá enviar o
material de biopsia fixado para exame histológico e o soro para a determinação de anticorpos para laboratórios.
TRATAMENTO E CONTROLE: Tanto nos gatos domésticos como nos guepardos, é importante que a varíola bovina
seja diagnosticada imediatamente, pois o tratamento com esteroides, que é sempre utilizado na terapia de outras
dermatopatias, é contraindicado. Embora nos guepardos a doença seja frequentemente grave, nos gatos
domésticos, o tratamento de suporte (antibióticos de largo espectro e fluidoterapia) geralmente ser bem­
sucedido, com baixa a mortalidade.
Como parece que a infecção nos gatos domésticos é predominantemente esporádica e adquirida por contato
fortuito com um animal silvestre reservatório infectado, é provável que não se indiquem medidas de controle.
Nos parques de animais silvestres, onde os grandes felinos encontram em risco de contato com pequenos
roedores silvestres, e especialmente onde a doença já tiver ocorrido, a vacinação poderá ser útil. O vírus da
vaccínia parece ter baixa patogenicidade nos gatos domésticos e os guepardos parecem ser refratários ao
mesmo; ainda não se realizou nenhum experimento com vacinas com outros orthopoxvírus. Atualmente, o
controle dos surtos entre os grandes felinos depende do diagnóstico imediato e do isolamento dos animais
afetados para reduzir a possibilidade de disseminação entre os gatos. As propriedades podem ser desinfetadas
com alvejantes de hipoclorito ou detergentes. Em temperatura ambiente, os poxvírus são relativamente
resistentes e podem permanecer infecciosos nas crostas ressecadas por meses.

PSEUDOVARÍOLA BOVINA (Nódulos dos ordenhadores, Paravacínia)


Esta infecção leve e comum no úbere e nos tetos das vacas é causada por um parapoxvírus e encontra­se
mundialmente disseminada. O vírus da pseudovaríola bovina se relaciona com o do ectima contagioso (p. 1037)
e com o da estomatite papilar bovina (p. 194). Estes parapoxvírus diferem morfologicamente do vírus da
vaccínia e dos outros poxvírus. Possuem uma amplitude limitada de hospedeiros, não podem ser propagados em
ovos férteis de galinha e crescerão em algumas culturas celulares, embora com relativa deficiência.
As lesões começam como pápulas pequenas e vermelhas nos tetos ou no úbere. Estas pápulas podem ser
seguidas rapidamente por formação de crostas, ou poderão se desenvolver vesículas ou pústulas pequenas antes
de as crostas se formarem. As crostas podem ser abundantes, mas é possível removê­las sem causar dor. Ocorre
uma granulação sob as mesmas, resultando em lesão saliente que cicatriza a partir do centro e deixa uma
ferradura ou um anel circular característicos de crostas pequenas. Esse estágio é alcançado em cerca de 7 a 12
dias. Algumas lesões persistem por vários meses, conferindo aos tetos afetados uma sensação áspera e aparência
grosseira, podendo formar mais crostas. A infecção se dissemina lentamente pelos rebanhos leiteiros e uma
porcentagem variável dos bovinos exibe lesões em qualquer momento. Os bovinos podem se reinfectar nas
lactações subsequentes.
As lesões com crostas podem ser confundidas com leves lesões traumáticas nos tetos e no úbere. As crostas
examinadas com microscópio eletrônico costumam exibir partículas virais características.
O controle da infecção dentro de um rebanho é difícil e depende essencialmente das medidas de higiene,
como banho por imersão dos tetos para destruir os vírus e prevenir a transmissão. Uma pequena imunidade
parece se desenvolver.
Pessoas podem tornar­se infectados com nódulos vermelho­arroxeados pruriginosos, mas indolores,
geralmente presentes nos dedos ou mãos. Estas lesões causam alterações pequenas e desaparecem depois de
várias semanas.

Parapoxvírus da pseudovaríola bovina (microscopia eletrônica, pequeno aumento). Cortesia do Dr. Paul Gibbs.

VARÍOLA BOVINA

Nesta doença eruptiva leve das vacas leiteiras, as lesões ocorrem no úbere e nos tetos. Embora já tenha sido
comum, atualmente a varíola bovina é considerada extremamente rara e é descrita somente na Europa ocidental
(ver p. 1032).
O vírus da varíola bovina está intimamente relacionado, em termos antigênicos, com os vírus da vaccínia e da
varíola humana. Realmente, os dois primeiros só podem ser diferenciados por meio de técnicas laboratoriais
sofisticadas. Antes da vacinação contra a varíola humana ter sido interrompida, alguns surtos nos bovinos da
América do Norte e Europa se deviam à infecção com vaccínia originária de pessoas recém­vacinadas. As
viroses relacionadas com a vaccínia continuam a causar surtos ocasionais de infecções nos tetos dos gados de
leite da América do Sul e nos búfalos do subcontinente Indiano. O vírus dissemina­se para os humanos,
frequentemente pelo contato com o bovinos. A epidemiologia destas viroses é desconhecida, porém foi sugerida
que são endêmicas e sobrevivem em hospedeiros reservatórios, exceto humanos.
A doença se dissemina por contato durante a ordenha. Depois de um período de incubação de 3 a 7 dias,
durante o qual os bovinos podem ficar levemente febris, aparecem pápulas nos tetos e no úbere. As vesículas
podem não ficar evidentes ou podem se romper facilmente, deixando áreas ulceradas e escarificadas que
formam crostas. As lesões cicatrizam dentro de 1 mês. A maioria das vacas de um rebanho de ordenha pode ser
atingida. Os ordenhadores poderão desenvolver febre e apresentar lesões nas mãos, nos braços ou na face.
Ocasionalmente a varíola bovina pode causar doença generalizada e foram reconhecidas fatalidades.
A varíola bovina ou infecção por vaccínia podem ser confundidas com a mamite herpética bovina (p. 1470);
como as lesões são superficialmente semelhantes, exige­se confirmação laboratorial. Os vírus da varíola bovina
e vaccínia podem ser facilmente visualizados por microscopia eletrônica. Enquanto não podem ser distinguidos
entre si, amas as morfologias diferem do notado na microscopia eletrônica dos vírus da pseudovaríola bovina e
mamite herpética viral. Os vírus da varíola bovina e vaccínia crescem facilmente em culturas celulares.
As medidas para evitar a disseminação da varíola bovina dentro de um rebanho devem se basear em
isolamento e higiene. Varíola bovina e vaccínia são causas importantes de zoonoses.
VARÍOLA SUÍNA

A varíola suína é uma doença infecciosa aguda e frequentemente branda, caracterizada por erupções cutâneas e
que acomete somente os suínos. É relatada nos EUA, particularmente no meio­oeste e já foi descrita em todos
os continentes, embora a incidência geral seja baixa.
Historicamente, o vírus da vaccínia esteve envolvido em alguns surtos, mas atualmente o vírus da varíola
suína parece ser a única causa. A doença aqui descrita é a provocada pelo vírus da varíola suína. Este é distinto
dos outros poxvírus e não protege contra infecção pelo vírus da vaccínia. Cresce em culturas de células suínas,
mas não em ovos embrionados. É relativamente termoestável e sobrevive por cerca de 10 dias a 37°C.
A doença é mais frequentemente observada em suínos jovens, com 3 a 6 semanas de idade, mas todas as
idades podem ser afetadas. Após o período de incubação de cerca de 1 semana, podem­se observar áreas
vermelhas e pequenas, frequentemente, na face, nas orelhas, face interna dos membros pélvicos e abdome. Estas
se desenvolvem em pápulas e, em poucos dias, surgem pústulas ou vesículas pequenas. Os centros das pústulas
se ressecam, formam crostas e ficam circundados por uma zona inflamada e saliente, de forma que as lesões
parecem ser umbilicadas. Posteriormente, formam­se crostas escuras (com 1 a 2 cm de diâmetro), que conferem
aos leitões afetados uma aparência manchada. Estas crostas eventualmente caem ou são retiradas com fricção,
sem deixar cicatriz. Podem ocorrer sucessivas lesões, de forma que nem todas se encontram no mesmo estágio.
O estágio inicial da doença pode ser acompanhado de ligeira febre, inapetência e embotamento. Poucos suínos
morrem devido à varíola suína não complicada.
O vírus é abundante nas lesões e pode ser transferido de um suíno para o outro pelo piolho picador
(Haematopinus suis). A doença também pode ser transmitida, possivelmente entre fazendas, por outros insetos
que atuam como transportadores mecânicos.
Os suínos recuperados ficam imunes. Não existe nenhum tratamento específico. A erradicação dos piolhos é
importante.

VARÍOLAS OVINA E CAPRINA

As varíolas ovina e caprina são doenças graves e quase sempre fatais, caracterizadas por erupção cutânea
disseminada. Ambas as doenças encontram­se restritas a partes do sudeste da Europa, da África e da Ásia. Os
poxvírus dos ovinos e caprinos (capripoxvírus) são proximamente aparentados, tanto antigênica como físico­
quimicamente. Também são relacionados com o vírus da dermatopatia de encaroçamento (ver anteriormente).
Os relatos sobre a suscetibilidade natural dos ovinos ao poxvírus caprino e vice­versa são conflitantes; pelo
menos algumas cepas parecem ser capazes de infectar ambas as espécies.
O período de incubação da varíola ovina é de 4 a 8 dias e o da varíola caprina é de 5 a 14 dias. O quadro
clínico é semelhante nas 2 doenças, mas geralmente ser menos grave nos caprinos. Desenvolvem­se febre e um
grau variável de distúrbio sistêmico. As pálpebras tornam­se inchadas e há formação de secreção mucopurulenta
e crostas nas narinas. Desenvolvem­se lesões cutâneas disseminadas, mais facilmente observadas no focinho,
nas orelhas e áreas desprovidas de lã ou pelos longos. A palpação pode detectar lesões não facilmente
observadas. As lesões começam como áreas eritematosas na pele e progridem rapidamente para placas
circulares e salientes com bordas congestas, causadas por inflamação local, edema e hiperplasia epitelial.
Embora histologicamente se encontrem presentes microvesículas, as vesículas e pústulas não são clinicamente
evidentes. O vírus é abundante nas lesões cutâneas nesse estágio. À medida que as lesões começam a regredir,
ocorre necrose dérmica e formam–se crostas duras e escuras, que são precisamente separadas da pele
circundante. A regeneração do epitélio sob as crostas leva várias semanas. Quando se removem as crostas,
permanece uma cicatriz com forma de estrela, sem pelos ou lã. Nos casos graves, podem ocorrer lesões nos
pulmões. Em alguns ovinos e em determinadas raças, a doença pode ser leve ou inaparente.
Leitão com lesões discretas de varíola suína. Cortesia do Dr. Paul Gibbs.

Já se sugeriu que a transmissão pudesse ser aerógena ou por contato direto com as lesões ou, ainda, mecânico,
por meio de insetos picadores.
A doença em qualquer espécie deve ser diferenciada da infecção mais leve, ectima contagioso (Orf, p. 1037),
que causa predominantemente lesões proliferativas e crostosas ao redor da boca.
A infecção resulta em imunidade sólida e duradoura. As vacinas de vírus vivos atenuados conferem uma
imunidade mais longa que as de vírus inativados. Também se podem utilizar os vírus vivos e atenuados da
dermatopatia de encaroçamento para vacina contra as varíolas ovina e caprina.

ECTIMA CONTAGIOSO (Orf, Dermatite pustular contagiosa,

Ferida bucal)

O ectima contagioso é uma dermatite infecciosa dos ovinos e caprinos que acomete principalmente os lábios de
animais jovens. A doença geralmente ser mais grave em caprinos do que nos ovinos. O homem é
ocasionalmente infectado por contato direto.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O poxvírus causador (um parapoxvírus) se relaciona com os vírus da

pseudovaríola bovina (p. 1035) e da estomatite papilar bovina (p. 194). A infecção ocorre por contato. O vírus é
altamente resistente ao ressecamento ambiental e já foi recuperado de crostas secas após 12 anos. Também é
resistente ao glicerol e ao éter.
O ectima contagioso é cosmopolita, sendo comum em cordeiros jovens, no final do verão, outono e inverno,
em pastejo e nos lotes de engorda.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: A lesão primária se desenvolve nas junções mucocutâneas dos lábios e ao
redor do dente incisivo em erupção, mas também pode se estender para a mucosa da cavidade bucal.
Ocasionalmente, notam­se lesões nas patas e ao redor da coroa, locais em que a infecção por Dermatophilus
congolensis comumente causa “strawberry footrot”. As ovelhas que amamentam cordeiros infectados podem
desenvolver lesões nos tetos, estendendo para a pele do úbere. As lesões se desenvolvem como pápulas e
progridem pelos estágios vesiculares e pustulares, antes de formar crostas. A coalescência de muitas lesões
discretas geralmente levar à formação de crostas grandes e a proliferação do tecido dérmico produz uma massa
verrucosa sob as mesmas. Quando a lesão se estende para a mucosa oral, desenvolve­se frequentemente uma
necrobacilose secundária (p. 1545).
Durante o curso da doença (1 a 4 semanas), as crostas caem e os tecidos curam sem formar cicatriz. Durante
os estágios ativos da infecção, os cordeiros mais intensamente afetados não comem normalmente e perdem
condição. As lesões extensas nas patas provocam claudicação. Mastites, às vezes gangrenosas, podem ocorrer
nas ovelhas com lesões nos tetos.
A lesão é característica. A doença deve ser diferenciada da dermatose ulcerativa (p. 1030), que produz uma
destruição tecidual e úlceras crateriformes. O ectima geralmente acomete animais mais jovens que a dermatose
ulcerativa, embora esse critério só possa ser utilizado presuntivamente. Febre aftosa e língua azul devem ser
consideradas caso a morbidade seja alta e os sinais clínicos são: salivação, claudicação e febre. Foliculite por
Staphylococcus acomete a pele do focinho e na região periocular. A demonstração direta do vírus em material
de crosta, por microscopia eletrônica foi substituída pelo PCR, como método de escolha para diagnóstico de
ectima. Historicamente, a diferenciação positiva poderia ser obtida pela inoculação em ovinos suscetíveis e
imunizados contra ectima.
TRATAMENTO E CONTROLE: Antibióticos tópicos e parenterais podem auxiliar no combate da infecção

bacteriana secundária das lesões cutâneas. Nas áreas endêmicas, devem­se aplicar repelentes e larvicidas
apropriados nas lesões para prevenir miíase. O vírus é transmissível ao homem e geralmente as lesões são
restritas às mãos e à face, são mais proliferativas, por vezes, bastante desconfortáveis. Os veterinários e os
tratadores de ovinos devem tomar precauções protetoras razoáveis e usar luvas descartáveis. No homem, o
diagnóstico é estabelecido pela transmissão do vírus para ovinos; um teste de fixação de complemento pode ser
útil.
Os ovinos recuperados de uma infecção natural ficam altamente resistentes à reinfecção. Apesar da
multiplicidade das cepas virais imunogênicas, as vacinas comerciais contra uma cepa única atualmente
utilizadas produzem uma imunidade razoável em todas as partes dos EUA (com uma exceção ocasional). As
falhas vacinais parecem ser decorrentes da virulência da cepa infecciosa em maior grau do que a diferenças na
antigenicidade vacinal. Os ovinos imunizados contra o ectima contagioso permanecem suscetíveis à dermatose
ulcerativa.
As vacinas vivas devem ser utilizadas com cuidado para evitar a contaminação de propriedades não
infectadas e os animais vacinados devem ser isolados do lote não protegido até que a queda das crostas. Uma
pequena quantidade da vacina é passada sobre as escarificações cutâneas leves, geralmente na face interna da
coxa, atrás dos cotovelos e na prega caudal. Os cordeiros devem ser vacinados com cerca de 1 mês de idade.
Para melhores resultados, sugere­se uma segunda vacinação cerca de 2 a 3 meses mais tarde. Os cordeiros não
imunizados deverão ser vacinados antes de entrarem em lotes de engorda infectados.

ACANTOSE NIGRICANS

Acantose nigricans é uma condição clínica notada em cães, caracterizada por hiperpigmentação axilar e
inguinal, lignificação e alopecia.
ETIOLOGIA E ACHADOS CLÍNICOS: Acantose nigricans é um distúrbio de hiperpigmentação, sem predisposição
por sexo. Acantose nigricans primária é uma genodermatose que acomete várias raças, mas em particular
Dachshund. Os sinais clínicos normalmente surgem com 1 ano de idade, nessa raça. Acantose nigricans
secundária pode ocorrer em qualquer raça de cão, em qualquer idade; é mais comum em raças predispostas a
doenças que resultam em inflamação das regiões axilar e inguinal, em razão de anormalidades de conformação,
obesidade, endocrinopatias (p. ex., hipotireoidismo, hiperadrenocorticismo, disfunção de hormônios sexuais),
prurido axilar e inguinal associados à dermatite atópica, alergia alimentar, dermatite de contato, distúrbios
primários de queratinização e infecções de pele (p. ex., piodermite estafilocócica, dermatite por Malassezia).
Os sinais clínicos começam com aumento da pigmentação nas regiões axilar e/ou inguinal. Na acantose
nigricans primária, a hiperpigmentação inicialmente é difusa e não inflamatória; tende a se desenvolver de
maneira uniforme nas áreas afetadas. Na acantose nigricans secundária, a distribuição é na forma de pápulas e,
com frequência, começa com aparência de renda. Pode não ocorrer em todas as áreas ao mesmo tempo. A
inflamação é branda, mas se torna mais grave com o tempo. As lesões na acantose nigricans secundária não
estão necessariamente presentes em ambas as regiões, axilar e inguinal, tampouco são necessariamente
simétricas. Na acantose nigricans primária, o desenvolvimento de lesões inflamatórias secundárias (i. e.,
lignificação) ocorre mais comumente como resultado da fricção devido à conformação. Acantose nigricans
secundária é iniciada por inflamação e/ou fricção. As lesões podem se desenvolver em áreas de
hiperpigmentação grave, com lignificação marcante, perda de pelos e seborreia. Com frequência, essas áreas são
odoríferas e podem estar doloridas. As bordas dessas lesões, em geral, são eritematosas; esse é um sinal de
piodermite bacteriana secundária ou por levedura. Com o tempo, as lesões podem progredir e disseminar para a
região ventral do pescoço, virilha, abdome, períneo, jarretes, área periocular e pavilhão auricular. O prurido é
variável e normalmente é resultado de crescimento microbiano secundário excessivo (dermatite por
estafilococos ou Malassezia) ou prurido resultante de uma doença primária.
DIAGNÓSTICO: Os achados físicos compatíveis com o diagnóstico clínico de acantose nigricans não são difíceis
de reconhecer. Acantose nigricans primária é um diagnóstico de exclusão; acantose nigricans em um cão
Dachshund jovem nem sempre é causada por genodermatose. Anamnese minuciosa e exame físico são
necessários para identificar uma causa primária. Raspados de pele devem ser feitos para excluir demodicose, em
especial em cães jovens. Imprints são úteis para confirmar infecções bacterianas e por Malassezia. Dependendo
dos sinais não dermatológicos, podem ser úteis os testes de função de tireoide e adrenal; doenças endócrinas da
pele não são pruriginosas, a menos que sejam acompanhadas de infecções secundárias na pele. Testes cutâneos
intradérmicos, teste alimentar, ou ambos, podem ser necessários. Biopsia cutânea normalmente não é necessária
para confirmar a doença primária e geralmente não facilitam a identificação da doença primária associada à
doença secundária, com possível exceção da seborreia primária. Em alguns casos, as biopsias de pele podem
identificar infecções bacterianas secundárias que não haviam sido reconhecidas previamente. A presença de tais
infecções é comum; neste caso, as infecções secundárias têm pouco valor diagnóstico. Na maioria dos casos, é
útil tratar a infecção secundária bacteriana e/ou por Malassezia antes de realizar outros testes diagnósticos.
TRATAMENTO: A acantose nigricans primária em cão Dachshund não é curável. Em alguns cães, as lesões não
progridem além de um problema cosmético. Se há inflamação, os casos iniciais podem responder a xampu
antimicrobiano e ao tratamento tópico local com glicocorticoides, por exemplo, spray de acetato de
triancinolona ou pomada de valerato de betametasona. Com a progressão das lesões, terapias sistêmicas mais
agressivas podem ser úteis. As seguintes terapias sistêmicas foram utilizadas, sozinhas ou em combinação, com
graus variáveis de sucesso: 200 UI de vitamina E VO, 2 vezes/dia, por 2 a 3 meses; 1 mg de glicocorticoides/kg,
VO, 1 vez/dia, durante 7 a 10 dias e, em seguida, em dias alternados; 2 mg de melatonina/cão, SC, 1 vez/dia,
por 3 a 5 dias e, em seguida, semanalmente ou mensalmente, conforme a necessidade. O tratamento
concomitante das infecções bacterianas secundárias ou por Malassezia é útil e deve ser realizado antes da
terapia sistêmica com glicocorticoides; a terapia antimicrobiana é compatível com outras terapias. Xampus
antisseborreicos, em geral, são benéficos para remoção do excesso de oleosidade e do odor, e devem ser
utilizados com frequência (i. e., 2 a 3 vezes/semana).
Na acantose nigricans secundária, a maioria das lesões se cura após a identificação e correção da causa
primária. Alguma hiperpigmentação residual pode permanecer. O tratamento de crescimento secundário
excessivo de bactérias e leveduras é crítico. Se o cão não foi tratado previamente para infecção estafilocócica
secundária da pele, indica­se terapia empírica com fármacos de espectro estreito, como trimetoprima­
sulfonamida oral (15 a 30 mg/kg, 2 vezes/dia), eritromicina (10 a 20 mg/kg, 3 vezes/dia) ou lincomicina (15 a
30 mg/kg, 2 vezes/dia). Cefalexina (30 mg/kg, 2 vezes/dia) pode ser o medicamento de melhor custo­benefício
em cães de grande porte. Cães que recebem terapia prolongada ou tratamentos com vários medicamentos devem
ser tratados com base nos resultados de cultura e antibiograma; estafilococos resistentes à meticilina estão se
tornando mais comuns. A infecção por leveduras pode ser tratada com sucesso com itraconazol, cetoconazol ou
fluconazol (5 a 10 mg/kg VO), concomitantemente. Os cães acometidos se beneficiam bastante da terapia com o
uso de antimicrobiano apropriado e de xampu antiseborreico (2 a 3 vezes/semana). Se as lesões forem causadas
por fricção, emolientes podem ser benéficos.
Os sinais clínicos se regridem lentamente, possivelmente no decorrer de meses.

COMPLEXO GRANULOMA EOSINOFÍLICO

A etiologia desse grupo de doenças que acomete gatos, cães e equinos é relacionada principalmente a uma
reação de hipersensibilidade primária. Isso é particularmente verdadeiro em gatos e equinos.
Hipersensibilidades a insetos, ambiente e dieta foram documentadas em gatos, enquanto hipersensibilidade a
insetos foi observada em alguns equinos e em pequeno número de cães. Predisposição genética e infecções
bacterianas também foram observadas em gatos. Em todas as espécies há casos idiopáticos.

Cães
Em cães, as lesões relatadas como granulomas eosinofílicos se assemelham histologicamente aos granulomas
eosinofílicos de gatos, com acentuada degeneração do colágeno circundado por um infiltrado granulomatoso e
eosinofílico. Essas lesões podem ser observadas como massas vegetativas ou ulceradas na cavidade bucal ou,
menos comumente, como placas, nódulos ou pápulas nos lábios e outras áreas do corpo. Qualquer raça pode ser
afetada, mas Husky Siberiano e Cavalier King Charles Spaniel parecem mais suscetíveis.
A maioria das lesões responde aos corticosteroides e a terapia normalmente implica no uso de prednisona ou
prednisolona oral (0,5 a 2 mg/kg/dia, inicialmente, reduzindo a dose no decorrer de 20 a 30 dias). Há recidiva
das lesões em alguns cães, nos quais a terapia com dose baixa de corticosteroides, em dias alternados, é
indicada.

Equinos

Em equinos, a doença foi denominada granuloma eosinofílico equino, com degeneração do colágeno,
necrobiose nodular do colágeno e granuloma colagenolítico. As lesões são nodulares, não ulcerativas e não
pruriginosas. Elas geralmente são encontradas nas áreas em que é colocada a sela, centro do tronco e área
cervical lateral e podem ter uma área central cinza­esbranquiçada. Lesões antigas podem se tornar
mineralizadas. Picadas de insetos e traumatismos foram etiologias sugeridas, embora o início ocasional durante
o inverno em regiões de clima frio e em áreas que não estão em contato com a sela ou em áreas de cravo de
ferradura sugiram causas multifatoriais. A histologia revela áreas multifocais de fibras de colágeno circundadas
por inflamação granulomatosa que contém eosinófilos. Assim, histologicamente, essa lesão é similar ao
granuloma eosinofílico de gatos e cães.
Lesões solitárias podem ser tratadas com extirpação cirúrgica ou injeções sublesionais de corticosteroides. As
lesões mineralizadas, com frequência, requerem extirpação. Acetonida de triancinolona (3 a 5 mg/lesão) ou
acetato de metilprednisolona (5 a 10 mg/lesão) é efetivo. Não deve ser administrado mais que o total de 20 mg
de acetonida de triancinolona sublesional, ao mesmo tempo, em razão do risco de laminite. Equinos com lesões
múltiplas devem ser tratados com prednisona ou prednisolona oral, na dose de 1,1 mg/kg, 1 vez/dia, por 2 a 3
semanas. Em equinos com lesões recidivantes, testes intradérmicos de alergia, em particular com antígenos de
insetos, são recomendados. A hipossensibilização e o controle de insetos podem ser paliativos, em alguns casos.

Gatos

Em gatos, há três enfermidades que foram agrupadas no complexo.


ÚLCERA EOSINOFÍLICA: Essa lesão bem circunscrita, eritematosa e ulcerativa, indolor e sem prurido,
normalmente é notada no lábio superior. Algumas são associadas à hipersensibilidade à picada de pulgas. A
progressão para carcinoma de célula escamosa é extremamente rara, embora sua ocorrência seja relatada. A
histologia mostra dermatite ulcerativa com infiltrado de neutrófilos, plasmócitos e predominância de células
mononucleares. Fibroplasia discreta a moderada é comum. Eosinofilia tecidual ou periférica não é tão comum
quanto nas placas eosinofílicas e no granuloma linear.
PLACAS EOSINOFÍLICAS: Essas lesões proeminentes, bem delimitadas e eritematosas são encontradas mais
comumente na face interna da coxa e no abdome; essa doença é extremamente pruriginosa. Pode ser verificada
linfadenopatia regional. A histologia mostra dermatite eosinofílica difusa, com edema epidérmico inter e
intracelular marcante e vesículas que contêm eosinófilos. Mastócitos podem estar presentes na derme.
Eosinofilia periférica é comum.
GRANULOMA EOSINOFÍLICO: Essas lesões tipicamente proeminentes, bem delimitadas, amareladas a róseas,
podem ser encontradas em qualquer parte do corpo, sendo mais comuns na parte posterior das coxas e na
cavidade bucal. Quando essa lesão ocorre na cabeça, face, pontes nasais, pavilhão auricular ou coxins plantares,
a causa indutora pode ser picada de mosquito. As lesões na parte posterior da coxa normalmente são
distintamente lineares. Histologicamente, uma resposta inflamatória granulomatosa circunda as fibras
colágenas. Eosinofilia tecidual e periférica são marcantes quando as lesões situam­se na cavidade bucal, mas
variam quando as lesões estão na pele.
TRATAMENTO: Distúrbios de hipersensibilidade (alergia a pulgas, alimentos ou inalantes) devem ser investigados
por meio da instituição de um controle rigoroso de pulgas, testes alérgicos (intradérmico ou in vitro) e testes de
exclusão de alimentos. Hipossensibilização, controle contínuo de insetos e manejo dietético devem ser
empregados, quando apropriados. Terapia antimicrobiana (amoxicilina­clavulanato, cefalosporinas ou
fluoroquinolonas) deve ser tentada empiricamente, em especial nos casos refratários. Se nenhuma causa
primária pode ser determinada e a doença é refratária, pode­se tentar corticosteroides, como acetato de
metilprednisolona (4 mg/kg IM, uma vez a cada 2 semanas, no total de 2 ou 3 injeções), prednisolona oral (2 a 4
mg/kg/dia) ou triancinolona oral (0,8 mg/kg/dia). A administração oral de corticosteroide deve ser reduzida para
dias alternados (ou a cada 3 dias, no caso da triancinolona) e as doses devem ser reduzidas quando utilizadas em
tratamento prolongado. O acetato de metilprednisolona injetável de longa ação não deve ser utilizado com mais
frequência do que a cada 8 a 12 semanas, em razão do risco de hiperadrenocorticismo e/ou diabetes melito.
Dose de 0,2 mg de clorambucila/kg, 3 vezes/semana, tem sido utilizada em casos refratários; requer
monitoramento sanguíneo mais intensivo, em razão do seu potencial para supressão de medula óssea; podem ser
necessárias 6 a 12 semanas antes que a resposta seja verificada; caso se note resposta deve ser reduzir a dose e a
frequência. Ciclosporina (5 mg/kg/dia) tem sido utilizada em casos refratários. Isso pode requerer
monitoramento laboratorial mensal quanto a alterações metabólicas (p. ex., renal), embora a disfunção de órgãos
internos seja relativamente rara. Progestágenos, como acetato de megestrol ou acetato de medroxiprogesterona,
são efetivos; no entanto, não são recomendados em razão de suas reações adversas potenciais.

DERMATOSE NASAL DOS CÃES (Nariz do Colly, Dermatite

solar nasal)

Dermatoses nasais dos cães podem ser causadas por várias doenças. As lesões podem acometer a ponte nasal, o
plano nasal, ou ambos. As porções pilosas do nariz são afetadas em casos de piodermite, dermatofitose e
demodicose. No lúpus eritematoso sistêmico ou no pênfigo, com frequência, todo o focinho se apresenta com
crostas (com exsudação sérica ocasional) ou úlceras. No lúpus sistêmico e discoide e, ocasionalmente, no
pênfigo e no linfoma cutâneo, o plano nasal apresenta despigmentação, eritema e, por fim, pode ulcerar. A
aparência normal do plano nasal se perde.
Dermatose nasal secundária à radiação solar provavelmente é uma doença rara e pode, com frequência, ser
diagnosticada erroneamente como uma variante de lúpus. Na dermatite solar nasal verdadeira, as áreas
despigmentadas do plano nasal são afetadas primeiramente e, ocasionalmente, a ponte nasal pode se tornar
inflamada e, às vezes, ulcerada. As lesões são mais graves no verão, embora o lúpus e o pênfigo também
possam apresentar essa variação sazonal.
Qualquer uma das doenças citadas anteriormente pode afetar a área periocular (ver também p. 880 e p. 878).
O surgimento súbito de tumefação, eritema e exsudação nasal com frequência se deve à furunculose
eosinofílica; acredita­se que essa seja causada por ferroada ou picada de insetos. Leishmaniose, uma doença
causada por protozoário, pode ocasionar despigmentação do plano nasal.
O tratamento depende da etiologia. Testes diagnósticos devem incluir raspados de pele, culturas fúngica e
bacteriana, biopsias para histopatologia e testes imunológicos. No entanto, os testes imunológicos não são mais
utilizados com tanta frequência quanto antigamente, em razão do maior número de dermatopatologistas
veterinários, que são capazes de definir o diagnóstico com base apenas no exame histopatológico. Na suspeita
de lúpus eritematoso sistêmico deve­se coletar sangue para pesquisa de anticorpos antinucleares.
Se o diagnóstico é dermatite solar nasal, uma loção de corticosteroides tópica (valerato de betametasona
0,1%) pode auxiliar no alívio da inflamação. A exposição à luz solar deve ser rigorosamente restringida.
Protetores solares tópicos podem ser efetivos, mas devem ser aplicados, no mínimo, 2 vezes/dia. O tratamento
para furunculose eosinofílica implica no uso de corticosteroides sistêmicos, prednisona ou prednisolona a 1
mg/kg, 2 vezes/dia, por 1 semana; em seguida a dose deve ser reduzida gradualmente.

DERMATOSES SISTÊMICAS DIVERSAS

Várias doenças sistêmicas causam lesões variadas na pele. Normalmente, as lesões não são inflamatórias e
alopecia é um achado comum. Em alguns casos, as alterações cutâneas são características de uma doença em
particular; no entanto, com frequência as dermatoses não estão notadamente associadas a uma causa primária e
devem ser cuidadosamente diferenciadas de dermatopatias primárias. Algumas dessas dermatoses secundárias
são mencionadas a seguir; ademais, são descritas nos capítulos sobre as enfermidades específicas.
As dermatoses podem estar associadas a deficiências nutricionais, em especial de proteínas, gorduras,
minerais, algumas vitaminas e microelementos. No entanto, são incomuns em cães e gatos alimentados com
dietas modernas e balanceadas. Cães da raça Husky Siberiano e, ocasionalmente, de outras raças, podem
desenvolver uma doença similar à paraqueratose suína e requerem zinco adicional em sua dieta (2 a 3 mg de
zinco/kg/dia). Dermatoses responsivas à administração de zinco suplementar também foram relatadas em
bovinos, ovinos, caprinos e lhamas e estão associadas à necessidade individual maior, e não à deficiência
dietética.
Às vezes, dermatite é observada em associação com distúrbios de órgãos internos, como fígado, rins ou
pâncreas. Disfunção do parênquima hepático foi associada à dermatite necrótica superficial (síndrome
hepatocutânea, dermatose diabética), relacionada com a hipoaminoacidemia em cães idosos e, raramente, em
gatos. As lesões cutâneas incluem eritema, crostas, exsudação e alopecia na face, genitália e extremidades
distais, bem como hiperqueratose e ulceração de coxins plantares. A doença de pele pode preceder o
aparecimento dos sinais de doença interna. Os a chados histopatológicos são diagnósticos e incluem dermatite
superficial perivascular a liquenoide, com hiperqueratose paraceratótica difusa acentuada e notável edema inter
e intracelular limitado à metade superior da epiderme. Hiperglucagonemia também foi documentada em cães
com essa síndrome; no entanto, os cães tendem a apresentar disfunção do parênquima hepático mais comumente
do que glucagonomas. Em cães, a terapia baseia­se em infusão IV de aminoácidos ou remoção cirúrgica do
glucagonoma. A síndrome da fragilidade cutânea em gatos (pele excessivamente friável) foi observada em
associação com neoplasia pancreática, lipidose hepática ou disfunção da adrenal. Neoplasias pancreáticas
também foram associadas a crostas em coxins e alopecia em gatos. Há relato de uma síndrome de
dermatofibrose nodular generalizada em cães da raça Pastor Alemão e, ocasionalmente, em outras raças,
associada à cistadenomas renais, cistadenocarcinomas ou cistos epiteliais renais. A avaliação histopatológica
dos nódulos cutâneos revela fibrose densa do colágeno.
Intoxicações por sulfato de tálio (veneno de rato, p. 2740), ergot (p. 2599), mercúrio (p. 2661) e iodo podem
causar várias alterações cutâneas. Hiperqueratose pode ser causada por intoxicação por naftalenos clorados, em
bovinos.
Em cães, as dermatoses podem se desenvolver como resultado de disfunção endócrina (ver p. 574 e
seguintes). Em machos com tumor de célula de Sertoli, pode­se notar alopecia bilateral e prurido ocasional, com
erupção papular. Cadelas não castradas com desequilíbrios hormonais, em geral, apresentam prurido e erupção
papular, aumento de volume do tecido mamário e ciclos estrais frequentes. As lesões de pele decorrentes de
ambos os distúrbios podem começar na região inguinal ou no flanco e progredir em sentido cranial. As
dermatoses sƒecundárias à castração não são comuns em cães e gatos; quando ocorrem, em geral, não são
pruriginosas e há alopecia discreta na região perineal ou inguinal.
Há relato de dermatose associada a hipotireoidismo (p. 593), com lesões de pele caracterizadas por
diminuição do crescimento piloso e alopecia bilateral simétrica. A pele torna­se seca, descamada, espessada e,
às vezes, fria ao toque. Piodermite e seborreia podem ser notadas e as bordas do pavilhão auricular podem
apresentar descamação excessiva. Em casos raros, pode haver mixedema cutâneo.
A produção deficiente de hormônios hipofisários raramente causa dermatose. Hipopituitarismo é
caracterizado por alopecia, em especial nas regiões da axila e na lateral do tórax e abdome.
Hiperadrenocorticismo também se manifesta com alterações cutâneas, como hiperpigmentação, alopecia,
seborreia, calcinose cutânea e piodermite secundária. Em gatos, a pele se torna extremamente friável. Na
diabetes melito, às vezes ocorrem prurido e infecção secundária, em especial em gatos com infecção
generalizada por Malassezia sp.
O ácaro nasal canino (Pneumonyssoides caninum, p. 1586) é um parasito encontrado na cavidade nasal e nos
seios nasais dos cães. A infecção por P. caninum em cães causa sinais clínicos inespecíficos do trato respiratório
superior, como espirros, espirros reversos, rinite, prejuízo à capacidade de farejamento, bem como prurido no
focinho.
Raramente, distúrbios neurológicos primários, em especial em cães, podem se manifestar como lesões
cutâneas. Esses distúrbios incluem neuropatias sensoriais em cães das raças Pointer Inglês e Dachshund de pelo
longo, síndrome da cauda equina, pseudorraiva, neoplasia de nervo periférico e siringomielia de cães da raça
Cavalier King Charles Spaniel. Os sinais clínicos, em geral, incluem prurido e/ou arranhadura, mas também se
manifestam como dor na síndrome da cauda equina e automutilação nas neuropatias sensoriais.
O tratamento dessas enfermidades depende do diagnóstico etiológico específico. Uma vez estabelecidas e
controladas, as lesões de pele, em geral, precisam apenas de tratamento sintomático (p. ex., controle do prurido),
até que elas desapareçam com a cura da doença primária.

FERIDAS DE SELA (Assadura pelo arreio)

A área situada abaixo da sela em equinos de montaria ou a região da cernelha daqueles animais montados com
arreio é, com frequência, um local de lesões cutâneas e dos tecidos moles e ósseos mais profundos. Os sinais
clínicos variam de acordo com a profundidade da lesão e as complicações causadas por infecção secundária. Os
ferimentos que afetam apenas a pele são caracterizados por alterações inflamatórias que variam de eritemas a
pápulas, vesículas, pústulas e, por fim, necrose. Com frequência, a lesão tem início como uma inflamação aguda
dos folículos pilosos e progride para foliculite purulenta. Os locais acometidos apresentam alopecia e
tumefação, hipertermia e dor. O exsudato seroso ou purulento seca e forma crostas. Lesões avançadas são
denominadas assaduras. Quando a pele e os tecidos subjacentes são lesionados mais seriamente, podem se
desenvolver abscessos. São caracterizados por tumefações quentes, flutuantes, doloridas e das quais pode ser
aspirado um fluido purulento ou sero­hemorrágico. As lesões graves na pele e no tecido subcutâneo ou em
tecidos mais profundos resultam em necrose seca ou úmida. As lesões de sela crônicas são caracterizadas por
foliculite/furunculose profundas (furúnculo), com fibrose, ou dermatite localizada, endurecida e proliferativa.
As lesões, em geral, são causadas pela colocação inadequada do arreio.
A identificação e eliminação da parte do arreio que está incomodando são mais importantes do que qualquer
outro tratamento. Escoriações e inflamação da pele nas regiões sob a sela e arreios são tratadas como qualquer
outra dermatose. É necessário repouso absoluto das partes afetadas. No estágio inicial ou agudo, são indicadas
soluções adstringentes (solução de Burow). Lesões crônicas e as que estão infectadas superficialmente podem
ser tratadas com aplicações de compressas mornas e antibióticos tópicos ou sistêmicos. Os hematomas devem
ser aspirados ou drenados. O tecido necrosado deve ser removido cirurgicamente. Nas foliculites e furunculoses
graves, a escolha dos antibióticos com base nos resultados de cultura e antibiograma é sempre indicada. A
recidiva de hematomas, seromas e/ou o desprendimento da pele ao início do uso de sela em um equino Quarto­
de­Milha jovem ou Paint Horse devem levantar suspeitas de uma doença genética hereditária, a astenia dérmica
equina. Um teste de DNA simples, realizado em bulbo piloso da cauda, confirma o diagnóstico.

FOTOSSENSIBILIZAÇÃO

Fotossensibilização ocorre quando a pele (em especial as áreas expostas à luz solar e que não apresentam uma
camada significativa de pelos protetores, lã ou pigmentação) se torna mais suscetível à luz ultravioleta em razão
da presença de agentes fotodinâmicos. A fotossensibilização difere de queimadura solar e de fotodermatite, pois
ambas resultam em lesões de pele, sem a presença de agentes fotodinâmicos.
Na fotossensibilização, moléculas instáveis de alta energia são formadas quando fótons reagem com agentes
fotodinâmicos. Essas moléculas de alta energia iniciam reações com moléculas da pele que são substratos, o que
causa a liberação de radicais livres que, por sua vez, resultam no aumento da permeabilidade da membrana
celular externa e da membrana lisossomal. A lesão à membrana celular externa permite o extravasamento de
potássio intracelular e extrusão citoplasmática. A lesão da membrana lisossomal libera enzimas líticas dentro
das células, o que leva à ulceração, necrose e edema da pele. O tempo entre a exposição ao agente fotodinâmico
e o início dos sinais clínicos depende do tipo de agente, de sua dose e da exposição à luz solar.
A fotossensibilização, em geral, é classificada de acordo com a fonte do pigmento fotodinâmico. Inclui
fotossensibilização primária (tipo I), síntese aberrante de pigmentos endógenos (tipo II) e fotossensibilização
hepatógena (secundária ou tipo III). Uma quarta categoria, chamada fotossensibilização idiopática (tipo IV) foi
descrita.
Uma ampla variedade de produtos químicos, inclusive alguns oriundos de bactérias e fungos, podem atuar
como agentes fotossensibilizantes. No entanto, a maioria dos compostos considerados causas importantes de
fotossensibilização em medicina veterinária são derivados de plantas. Fotossensibilização ocorre em todo o
mundo e pode acometer qualquer espécie, mas é observada com maior frequência em bovinos, ovinos, caprinos
e equinos.
FOTOSSENSIBILIZAÇÃO PRIMÁRIA: Fotossensibilização primária ocorre quando o agente fotodinâmico é

ingerido, injetado ou absorvido pela pele. Esta agente alcança a circulação sistêmica em sua forma original,
onde resulta lesão da membrana das células da pele, após exposição do animal à luz ultravioleta. Exemplos de
agentes fotossensibilizantes primários incluem hipericina (do Hypericum perforatum [erva de São João]) e
fagopirina (do Fagopyrum esculentum [trigo sarraceno]). Plantas das famílias Umbelliferae e Rutaceae contêm
furocumarinas fotoativas (psoralenos), que causam fotossensibilização em animais pecuários e aves domésticas.
Ammi majus (erva do bispo) e Cymopterus watsonii (salsa da primavera) provocam fotossensibilização em
bovinos e ovinos, respectivamente. A ingestão de sementes de A. majus e A. visnaga causa fotossensibilização
grave em aves domésticas. Espécies de Trifolium, Medicago (trevos e alfafa), Erodium, Polygonum e Brassica
foram incriminadas como agentes fotossensibilizantes primários. Muitas outras plantas são suspeitas, mas as
toxinas responsáveis ainda não foram identificadas (p. ex., Cynodon dactylon [grama bermuda]).
Adicionalmente, derivados de alcatrão, como hidrocarbonetos tricíclicos aromáticos, e algumas sulfonamidas
foram relatados como causa de fotossensibilização primária. Anti­helmínticos fenotiazinas foram considerados
causas de fotossensibilização primária em bovinos, ovinos, caprinos e suínos.
METABOLISMO ABERRANTE DE PIGMENTO: Sabe­se que a fotossensibilização tipo II secundária ao metabolismo
aberrante de pigmento ocorre tanto em bovinos quanto em gatos. Nessa síndrome, os agentes
fotossensibilizantes porfirínicos são pigmentos endógenos oriundos de disfunções, hereditárias ou adquiridas, de
enzimas envolvidas na síntese do radical heme. Porfiria eritropoética congênita bovina (p. 1098) e protoporfiria
eritropoética bovina (p. 909) são as doenças mais comumente relatadas nessa categoria.

Fotossensibilização em vaca. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.

FOTOSSENSIBILIZAÇÃO SECUNDÁRIA (HEPATÓGENA): A fotossensibilização secundária ou tipo III é, de longe, o


tipo de fotossensibilização observado com maior frequência em animais pecuários. O agente fotossensibilizante
filoeritrina (uma porfirina) se acumula no plasma em razão do prejuízo à excreção hepatobiliar. A filoeritrina é
derivada da quebra da clorofila por microrganismos presentes no trato GI. A filoeritrina, mas não a clorofila,
normalmente é absorvida na circulação e excretada efetivamente pelo fígado, junto com a bile. A falha na
excreção de filoeritrina devido à disfunção hepática ou a lesão de ductos biliares aumenta sua concentração na
circulação sanguínea. Dessa forma, quando chega à pele pode absorver e liberar a energia da luz, dando início a
uma reação fototóxica.
A filoeritrina foi incriminada como o agente fototóxico nas seguintes condições: oclusão do ducto biliar
comum, eczema facial (p. 2602); lupinose (p. 2605); fotossensibilização congênita dos ovinos Southdown e
Corriedale (ver a seguir) e intoxicação por várias plantas, inclusive Tribulis terrestris (trepadeira), Lippia
rehmanni, Lantana camara, vários cultivares de Panicum spp. (Kleingrass, vassoura­grão, sorgo), Cynodon
dactylon, Myoporum laetum (ngaio) e Narthecium ossifragum (asfódelo dos charcos).
A fotossensibilização também foi relatada em animais que apresentavam lesão hepática associada a várias
intoxicações: alcaloides pirrolizidínicos (p. ex., Senecio spp., Cynoglossum spp., Heliotropium spp., Echium
spp.; p. 2726), cianobactérias (Microcystis spp., Oscillatoria spp.), Nolina spp. (grama em maço), Agave
lechuguilla (lechuguilla), Holocalyx glaziovii, Kochia scoparia, Tetradymia spp. (escova de equinos ou escova
dos coelhos), Brachiaria brizantha, Brassica napus, Trifolium pratense e T. hybridum (trevo alsike e trevo
vermelho), Medicago sativa, Ranunculus spp., fósforo e tetracloreto de carbono. É provável que a filoeritrina
seja o agente fototóxico na maioria dessas intoxicações.
FOTOSSENSIBILIZAÇÃO TIPO IV: A fotossensibilização em que a patogênese é desconhecida ou em que o agente
fotodinâmico não é identificado, é classificada como tipo IV. Exemplos incluem casos de fotossensibilização
primária em bovinos, possivelmente causados por Thlaspi arvense (erva fedida do campo), ainda que este
vegetal não tenha sido relatada como causa de fotossensibilização. Surtos de fotossensibilização foram relatados
em bovinos expostos ao feno de alfafa estragado por contato com água, palha mofada e feno de grama rabo de
raposa. Suspeita–se que esses casos sejam de origem hepatógena. Ranunculus bulbosus (copo de manteiga),
presumivelmente, foi causa de fotossensibilização hepatógena. Outras plantas associadas à fotossensibilização
incluem trigo do inverno (bovinos), Medicago spp. (alfafa), Brassica spp. (mostradas) e Kochia scoparia (erva
de fogo). Acredita­se que muitas dessas plantas sejam fotossensibilizantes do tipo I. Forragens como aveia, trigo
e trevo vermelho são suspeitas de casos de fotossensibilização e podem estar associadas a condições ambientais
específicas, como precipitação pluviométrica intensa.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sintomas dermatológicos associados à fotossensibilização são similares,
independentemente da causa. Animais com fotossensibilização apresentam fotofobia e parecem agitados e
desconfortáveis logo após a exposição à luz do sol. Eles raspam ou esfregam as áreas pouco pigmentadas da
pele exposta (p. ex., orelhas, pálpebras e focinho). As lesões inicialmente aparecem em áreas de pelos brancos,
não pigmentadas ou alopécicas, como nariz e úbere. No entanto, filoeritrinemia grave e luz solar intensa podem
causar lesões cutâneas típicas, mesmo em animais de pelagem preta. O eritema se desenvolve rapidamente e
logo é seguido por edema. Se a exposição à luz cessar nesse estágio, as lesões se curam em pouco tempo.
Quando a exposição é prolongada, as lesões podem progredir para formação de vesículas e bolhas, exsudação
serosa, ulceração, formação de crostas e necrose de pele. O estágio final envolve o desprendimento da pele. Em
bovinos e, em especial, em cervos, a exposição da língua durante lambeduras pode resultar em glossite,
caracterizada por ulceração e necrose profundas. Independente da cor da pelagem, os bovinos podem
desenvolver epífora, edema de córnea e cegueira.
Dependendo da causa inicial do acúmulo do agente fotossensibilizante, outros sinais clínicos podem ser
observados. Por exemplo, se a fotossensibilização for hepatógena, pode haver icterícia. Na porfiria eritropoética
congênita bovina, a alteração da coloração da dentina, dos ossos (e outros tecidos) e da urina, em geral,
acompanham as lesões cutâneas. Fotodermatite é a única manifestação observada na protoporfiria eritropoética
bovina.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico de fotossensibilização se baseia nos sinais clínicos, nas evidências ou no histórico
de exposição a agentes fotossensibilizantes ou hepatotóxicos e nas lesões características. A fotofobia combinada
a eritema e edema das áreas sem pelos e despigmentadas da pele é fortemente sugestiva da doença. O período de
exposição aos agentes fotodinâmicos ou hepatotóxicos até o início dos sinais clínicos pode variar de várias
horas a 10 dias. Os sinais clínicos, o aumento das atividades séricas de enzimas, como sorbitol desidrogenase,
gamaglutamiltransferase e fosfatase alcalina, bem como do teor de bilirrubina direta e sinais macroscópicos ou
histológicos de doença hepática sustentam o diagnóstico de fotossensibilização hepatógena. O diagnóstico
presuntivo de porfiria se baseia no histórico (sexo, idade, raça) combinado aos sinais clínicos e o diagnóstico
definitivo pode ser obtido por meio da mensuração dos teores de porfirina no sangue, fezes e urina.
TRATAMENTO: O prognóstico para animais com fotossensibilização hepatógena e porfiria é reservado, no
entanto, o prognóstico para animais com fotossensibilização primária, em geral, é bom. O tratamento envolve
principalmente medidas paliativas. Enquanto há fotossensibilidade, os animais devem ser mantidos
completamente à sombra ou, de preferência, fechados e soltos para pastar apenas durante a noite. O estresse
grave da fotossensibilização e a necrose cutânea extensa podem se revelar muito debilitantes e aumentar a taxa
de mortalidade. Corticosteroides administrados por via parenteral nos estágios iniciais podem ser úteis.
Infecções cutâneas secundárias e supurações devem ser tratadas com técnicas básicas de manejo de feridas e o
ataque de moscas deve ser evitado. As lesões de pele cicatrizam muito bem, mesmo após necrose extensa.

Fotossensibilização Congênita em Ovinos

Ovinos das raças Southdown e Corriedale podem herdar uma incompetência hepatobiliar que resulta em
fotossensibilização.
Em ovinos Southdown mutantes, o defeito herdado envolve a absorção hepática de bilirrubina não conjugada
e de ânions orgânicos. Os teores plasmáticos de bilirrubina não conjugada se apresentam consistentemente
elevados e, uma vez que a bilirrubina é parcialmente excretada, a icterícia não é uma característica clínica. A
filoeritrina é excretada de forma menos efetiva e os cordeiros acometidos manifestam fotossensibilização
quando começam a consumir plantas verdes. A menos que a clorofila seja excluída da dieta ou que a exposição
à luz do sol seja evitada, as lesões e o estresse da fotossensibilização resultam em morte dentro de semanas.
Ovinos mutantes assim protegidos desenvolvem lesões renais progressivas, nas quais bandas radiais fibrosas se
formam na medula, com aumento do número de túbulos císticos. As alterações resultam em insuficiência renal e
morte. O fígado é pequeno, com depósitos pericanaliculares de lipofucsina. Essa característica semiletal parece
ser herdada como um gene recessivo simples. A eliminação dos portadores é o único controle viável.
Em ovinos Corriedale mutantes, a incompetência hepatocelular envolve a excreção da bilirrubina conjugada e
de outros metabólitos conjugados. Não há icterícia evidente, mas a excreção da filoeritrina está suficientemente
prejudicada para causar fotossensibilização. A pigmentação hepática é uma característica macroscópica óbvia.
Pigmento marrom­enegrecido, semelhante à melanina, está presente nas células do parênquima centrolobular. A
característica é transmitida por um gene autossômico recessivo. O controle é feito por meio de detecção e
remoção dos portadores.

HIGROMA

Higroma é uma bolsa falsa que se desenvolve sobre proeminências ósseas e pontos de pressão, em especial em
cães de raças grandes. O traumatismo repetido em razão de o cão deitar em superfícies duras produz uma
reposta inflamatória, que resulta em uma cavidade de parede densa, preenchida por líquido. Um aumento de
volume mole, flutuante, preenchido por fluido e indolor desenvolve­se sobre os pontos de pressão, em especial
no olécrano. Se permanecer por muito tempo, pode ocorrer inflamação grave, ulceração, infecção, abscesso,
granuloma e fístula. A bolsa contém um líquido claro, amarelo a avermelhado.
Se diagnosticado precocemente e se ainda for pequeno, o higroma pode ser controlado clinicamente, por meio
de aspiração asséptica com agulha, seguida da correção do alojamento do cão. Camas macias ou acolchoados
sobre os pontos de pressão são fundamentais para prevenir traumatismos futuros. Drenagem cirúrgica, lavagem
e colocação de drenos de Penrose são indicadas para higromas crônicos. Lesões pequenas podem ser tratadas
com terapia a laser. Áreas com ulceração grave podem requerer drenagem intensiva, extirpação ou enxerto
cutâneo. A aplicação de corticosteroides no interior do higroma não é recomendada. Lesões graves podem
evoluir para escaras de decúbito.
Os higromas podem ser complicados por comedões e furunculose. Além disso, alguns cães desenvolvem
cistos foliculares ou calcinose cutânea circunscrita nesses locais. Recomenda­se a realização de biopsia de pele
em lesões atípicas ou de lesões que não respondem ao tratamento médico conservador.

PARAQUERATOSE

Paraqueratose é uma doença causada por deficiência nutricional que acomete leitões com 6 a 16 semanas de
idade, caracterizada por lesões das camadas superficiais da epiderme. É uma doença metabólica que resulta da
deficiência de zinco (ver p. 2501) ou da absorção inadequada de zinco secundária ao excesso de cálcio, fitatos
ou outros agentes quelantes na dieta. Fatores predisponentes incluem crescimento rápido, deficiência de ácidos
graxos essenciais ou má absorção secundária a doenças gastrintestinais. A doença é comum em pequenas
criações que não seguem a orientação de nutricionistas.
Os sintomas se limitam à pele, embora seja possível notar letargia discreta, anorexia e menor taxa de
crescimento, em casos graves. Se há prurido, esse é discreto. As lesões mais marcantes consistem em áreas com
queratinização excessiva e anormal da epiderme, com descamação da camada córnea e fissuras, de distribuição
simétrica. Pontos ou pápulas marrons são vistos primeiramente nas áreas ventrolaterais do abdome e na parte
interna das coxas, quartela, boleto, jarrete e cauda. Essas lesões coalescem e envolvem áreas maiores até que
todo o corpo seja acometido. As descamações são córneas, secas e, normalmente, de fácil remoção.
Ocasionalmente, infecção secundária das rachaduras e fissuras leva ao preenchimento com exsudato escuro e
mucoso e restos celulares, que podem se assemelhar a epidermite exsudativa (p. 916); no entanto, isso
geralmente ocorre em leitões mais jovens. Sarna sarcóptica crônica e deficiência de vitaminas do complexo B
ou de iodo também devem ser consideradas como diagnósticos diferenciais. Sinais clínicos, biopsias cutâneas e
baixos teores séricos de zinco e fosfatase alcalina (ALP) auxiliam na confirmação do diagnóstico.
Resultados altamente satisfatórios podem ser obtidos por meio do ajuste da ingestão de cálcio, zinco, ou
ambos. A dieta dos suínos na fase inicial deve conter 0,9% de cálcio e 125 ppm de zinco. Dietas de suínos em
crescimento devem conter 0,6 a 0,65% de cálcio e 75 ppm de zinco, enquanto dietas de animais em fase de
terminação devem conter 0,45 a 0,5% de cálcio e 50 ppm de zinco. Rações de porcas e cachaços devem conter
0,9% de cálcio e 150 ppm de zinco. A correção da deficiência propicia rápida recuperação.

Lesões de paraqueratose, tipicamente limitadas à parte baixa ventral do abdome, tórax, membros e patas. Cortesia do Dr. Ranald D. A.
Cameron.

PITIRÍASE RÓSEA EM SUÍNOS (Dermatite psoriforme

pustular juvenil suína)

Pitiríase rósea é uma doença esporádica de suínos, de etiologia desconhecida, que, em geral, acomete animais
com 8 a 14 semanas de idade, mas ocasionalmente acomete leitões com 2 semanas e, muito raramente, suínos
com até 10 meses. Um ou mais leitões de uma ninhada podem ser acometidos. A doença em geral é branda, mas
anorexia transitória e diarreia foram relatadas. As lesões cutâneas iniciais são caracterizadas por pequenas
pápulas eritematosas, que se expandem rapidamente para formar um anel (colarinho), com bordas elevadas
distintas e avermelhadas. As lesões são maiores na periferia; lesões adjacentes podem se unir. O centro da lesão
é plano e coberto por crostas semelhantes a farelos, que recobrem a pele normal. As lesões são encontradas
predominantemente no abdome ventral e na parte interna das coxas, mas, ocasionalmente, podem ser
observadas sobre o dorso, no pescoço e nos membros. Tipicamente, não há prurido e nota­se cura espontânea
em 6 a 8 semanas. Em geral, não há necessidade de tratamento. O diagnóstico normalmente pode ser obtido a
partir da constatação de lesões características, mas testes laboratoriais, cultura e biopsia podem ser utilizados
para diagnóstico diferencial de dermatomicose, epidermite exsudativa, dermatose vegetante e varíola suína.
A doença é considerada, em parte, hereditária, pois suínos da raça Landrace são acometidos mais comumente,
mas o tipo de herança genética é desconhecido.
A doença não se assemelha clinica ou patologicamente à pitiríase rósea humana.
As lesões parecem ser mais extensas em suínos criados em lotes com alta densidade populacional, em
ambiente com temperatura alta e muita umidade. Nessas condições, a infecção bacteriana secundária (p. ex.,
Staphylococcus hyicus) é comum. O tratamento é pouco efetivo e não interfere no curso da doença; no entanto,
pode ser necessário tratamento para o controle das infecções secundárias.
Lesões de pitiríase rósea na parte ventral do abdome e nos membros pélvicos de um jovem leitão lactente. Note as lesões avermelhadas
proeminentes, semelhantes a anéis, com escamas secas no centro da cicatrização; as lesões em forma de anéis se espalham. Cortesia do Dr.
Ranald D. A. Cameron.

SEBORREIA

Seborreia primária idiopática é uma doença de pele verificada em cães e, raramente, em gatos. É caracterizada
por um defeito na queratinização ou cornificação, que resulta em maior formação de escamas, ocasionalmente
oleosidade excessiva da pele e pelame e, com frequência, inflamação e infecção secundárias. A seborreia
secundária, na qual a doença primária causa sinais clínicos similares, é mais comum do que a seborreia
primária.
ETIOLOGIA, ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: A seborreia primária é um distúrbio cutâneo hereditário,
caracterizado por defeito da queratinização ou da cornificação da epiderme, do epitélio do folículo piloso ou das
garras. É observada com maior frequência em cães das raças American Cocker Spaniel, Springer Spaniel Ingles,
Basset Hound, West Highland White Terrier, Dachshund, Labrador Retriever, Golden Retriever e Pastor
Alemão. Em geral, há histórico familiar de seborreia, que sugere envolvimento de fatores genéticos. A doença
surge em idade jovem (normalmente < 18 a 24 meses) e progride por toda a vida do animal. O diagnóstico de
seborreia idiopática primária generalizada deve ser reservado aos casos nos quais todas as possibilidades de
causas primárias de seborreia foram descartadas.
A maioria dos cães com seborreia apresenta a forma secundária da enfermidade, na qual uma doença primária
predispõe à descamação excessiva, formação de crostas ou oleosidade, com frequência acompanhada de
piodermite superficial, infecção por Malassezia (levedura) e alopecia. As causas primárias mais comuns são
endocrinopatias e alergias. O objetivo é identificar e tratar qualquer causa primária de seborreia. Terapias
paliativas que não comprometam a avaliação diagnóstica devem ser instituídas concomitantemente para
promover alívio ao cão, o mais rápido possível.
Doenças primárias podem cursar com seborreia, como principal problema clínico. A resenha (idade, raça,
sexo) e o histórico podem fornecer informações para o diagnóstico da causa primária. Alergias são a causa
primária mais provável se a idade de aparecimento for inferior a 5 anos, enquanto endocrinopatias ou neoplasias
(em especial linfoma cutâneo) são mais prováveis se a seborreia surge em cães de meia­idade ou idosos.
O grau de prurido também deve ser avaliado. Se o prurido é mínimo, devem­se descartar endocrinopatias,
outras doenças internas, neoplasia ou algumas doenças limitadas à pele (p. ex., demodicose ou adenite sebácea).
Se o prurido é relevante, deve­se considerar a possibilidade de alergias e doenças pruriginosas causadas por
ectoparasitas (p. ex., escabiose, pulgas). A presença de prurido não descarta uma doença não pruriginosa como
causa primária, uma vez que instalação de piodermite, infecção por Malassezia ou inflamação devido ao
excesso de descamação podem causar prurido significante. No entanto, a ausência de prurido auxilia na
exclusão de alergias, escabiose e outras doenças pruriginosas como causa primária.
Outras considerações importantes incluem presença de poliúria, polidipsia ou polifagia; comportamento de
busca por ambiente quente; ciclos estrais anormais; piodermite; influência de sazonalidade; dieta; resposta a
tratamento prévio (inclusive com corticosteroides, antibióticos, antifúngicos, anti­histamínicos ou outros
medicamentos tópicos); zoonoses ou contágio; e o ambiente. A duração e a gravidade da doença, bem como o
grau de frustração do proprietário, são fatores importantes na determinação da agressividade do plano
diagnóstico.
Um exame físico minucioso, incluindo os sistemas e órgãos internos e um exame dermatológico amplo, é o
primeiro passo para identificação da causa primária. O exame dermatológico deve documentar o tipo e a
distribuição das lesões, a presença de alopecia, o grau de odor, escaras, oleosidade e a textura da pele e do
pelame. A presença de pápulas foliculares, pústulas, crostas e colaretes epidérmicos normalmente indica
existência de piodermite superficial. Hiperpigmentação indica irritação cutânea crônica (como prurido, infecção
ou inflamação) e a lignificação indica prurido crônico. Infecções por leveduras (Malassezia spp.) devem sempre
ser consideradas na avaliação de um cão com seborreia.
A infecção secundária tem papel relevante na maioria dos casos de seborreia. Anormalidades da produção
sebácea e da queratinização, comuns em cães com seborreia, frequentemente propiciam condições ideais para
infecções por bactérias e leveduras. O autotraumatismo que ocorre em animais com prurido aumenta o risco de
infecção secundária. Com frequência, Staphylococcus spp. coagulase positivo ou Malassezia spp. estão
presentes. As infecções exacerbam o prurido e normalmente são responsáveis por parte relevante de inflamação,
pápulas, crostas, alopecia e descamação.
Uma das primeiras etapas do diagnóstico é o exame citológico superficial das áreas afetadas para identificar a
quantidade e o tipo de bactérias ou leveduras presentes. Se muitos cocos e neutrófilos estão presentes, há
possibilidade de ser piodermite. Além da terapia sistêmica, xampus tópicos auxiliam no tratamento de infecções
secundárias. Em um cão seborreico com prurido, a infecção pode ser responsável por todo ou pela maior parte
do prurido. Nesses cães, em vez de considerar alergia como a causa primária, doenças não pruriginosas (p. ex.,
endocrinopatias) podem ser reveladas após o tratamento da infecção concomitante.
Outros testes diagnósticos que devem ser realizados após o tratamento das infecções incluem vários raspados
de pele profundos, cultura para dermatófitos, imprints, tricogramas e escovação para pesquisa de pulgas. Caso
esses testes sejam negativos ou normais, hemograma, perfil bioquímico sérico e urinálise completam o registro
de dados mínimos. Exemplos de evidências diagnósticas incluem aumento da atividade sérica de ALP (que pode
ser sugestivo de hiperadrenocorticismo ou terapia prévia com esteroides), do teor de colesterol (que pode sugerir
hipotireoidismo), da concentração sanguínea de glicose (que sugere diabetes melito) e nitrogênio ureico
sanguíneo ou teor sérico de creatinina (que pode sugerir doença renal).
TRATAMENTO: Terapia paliativa é necessária para manter o cão confortável, enquanto se identifica a causa
primária e se trata a dermatopatia secundária. Para tratamento de piodermite, um antibiótico com sensibilidade
conhecida para Staphylococcus pseudintermedius deve ser empregado. Malassezia pode ser tratada com
cetoconazol ou fluconazol, por via sistêmica. Além do tratamento de qualquer infecção secundária, em geral, há
necessidade de terapia antipruriginosa e uso de xampu para controlar a seborreia e acelerar o retorno da pele ao
estado normal. A terapia com xampu pode reduzir o número de bactérias e leveduras na superfície cutânea, o
grau de descamação e a quantidade de material sebáceo e o grau de prurido; também, ajuda a normalizar a taxa
de renovação epidérmica.
No passado, a seborreia era classificada como seborreia seca, seborreia oleosa ou dermatite seborreica
(seborreia inflamatória). Essa classificação ainda pode ser utilizada para determinar o tipo de xampu necessário;
no entanto, a maioria dos animais seborreicos apresenta graus variados dessas três formas de seborreia.
A maioria dos produtos presentes em xampus pode ser classificada com base nos seus efeitos em
ceratolíticos, ceratoplásticos, emolientes, antipruriginosos ou antimicrobianos. Os produtos ceratolíticos
incluem enxofre, ácido salicílico, alcatrão, sulfeto de selênio, propilenoglicol, ácidos graxos e peróxido de
benzoíla. Removem as células do estrato córneo por meio de lesão celular, o que resulta em aumento de volume
e desprendimento dos ceratinócitos superficiais. Isso reduz a formação de caspas e torna a pele mais macia. Os
xampus que contêm produtos ceratolíticos, com frequência, exacerbam a descamação nos primeiros 14 dias de
tratamento porque ocorre desprendimento das escamas que estavam presas no pelame. As escamas são
removidas com banhos contínuos, mas deve­se avisar ao proprietário que a descamação, quase sempre, se
agrava no início do tratamento. Os produtos ceratoplásticos ajudam a normalizar a queratinização e reduzir a
formação de caspas por meio do retardo da mitose de células basais epidérmicas. Alcatrão, enxofre, ácido
salicílico e sulfeto de selênio são exemplos de agentes ceratoplásticos. Os emolientes (p. ex., ácido láctico,
lactato de sódio, lanolina e muitos óleos, como de milho, coco, amendoim e caroço de algodão) são indicados
no caso de qualquer dermatose descamativa, pois reduzem a perda hídrica transepidérmica. Atuam melhor
depois de a pele ser reidratada e são excelentes produtos adjuvantes, depois da aplicação de xampus. Os agentes
antibacterianos incluem peróxido de benzoíla, clorexidina, iodo, lactato de etila e triclosana. Os ingredientes
antifúngicos incluem clorexidina, enxofre, cetoconazol e miconazol. Ácido bórico e ácido acético também são
utilizados como antimicrobianos tópicos.
É importante saber como os ingredientes individuais de um xampu atuam, bem como quaisquer efeitos
aditivos ou sinérgicos que eles tenham, pois a maioria deles contém uma combinação de produtos. A escolha de
um xampu antisseborreico apropriado baseia–se no grau de descamação e oleosidade do pelame e da pele, que
pode se manifestar em quatro apresentações gerais: (1) descamação leve, sem oleosidade; (2) descamação
moderada a acentuada e oleosidade leve (a mais comum); (3) descamação moderada a acentuada e oleosidade
moderada; (4) descamação leve e oleosidade acentuada. Essa classificação geral serve para nortear o tipo de
terapia com xampu necessária; entretanto, todos os fatores de cada cão, individualmente, devem ser
considerados.
Animais com descamação leve, sem oleosidade, necessitam xampus fracos, que sejam suaves, que permitam
a limpeza e sejam hipoalergênicos ou hidratantes. Esses xampus são indicados para animais que apresentam
alterações seborreicas leves ou que manifestam sinais de irritação com o uso de xampus medicamentosos ou,
ainda, quando o proprietário tende a dar banhos, exageradamente, em seu cão. Esses produtos, com frequência,
contêm óleos emolientes, lanolina, ácido láctico, ureia, glicerina ou ácidos graxos. Sprays emolientes ou
condicionadores são utilizados juntamente com esses xampus.
Animais com descamação moderada a acentuada e discreta oleosidade devem ser banhados com xampus que
contêm enxofre e ácido salicílico. Ambos os agentes são ceratolíticos, ceratoplásticos, antibacterianos e
antipruriginosos. Além disso, o enxofre é antiparasitário e antifúngico. Alguns desses xampus também contêm
ingredientes antibacterianos, antifúngicos e hidratantes, que também podem auxiliar no controle de piodermite
secundária, infecção por Malassezia spp. e descamação excessiva. Os xampus que contêm lactato de etila
reduzem o pH cutâneo (o que propicia ação bacteriostática ou bactericida por meio da inibição das lipases
bacterianas), normalizam a queratinização, solubilizam gorduras e diminuem as secreções sebáceas. Essas ações
também resultam em atividade antibacteriana potente.
Animais com descamação moderada a grave e oleosidade moderada, em geral, se beneficiam principalmente
dos xampus que contêm alcatrão. O alcatrão tem efeitos ceratoplásticos potentes por meio do retardo da síntese
de DNA pelas células epidérmicas basais. Com frequência, é combinado com enxofre e ácido salicílico.
Destilam­se madeira e carvão para produzir uma imensa variedade de produtos denominados alcatrões de
carvão brutos. Em razão da variação entre os produtos e das técnicas utilizadas, é difícil uma comparação
acurada entre os xampus. Alcatrões mais refinados, em geral, são menos irritantes e mais estáveis, porém seu
custo de produção é mais alto. Maior quantidade de alcatrão não necessariamente é mais efetiva. Devem ser
utilizados apenas os produtos à base de alcatrão provenientes de laboratórios conceituados. Os xampus com
alcatrão normalmente apresentam um odor característico desagradável, que diminui à medida que o pelame
seca. Com frequência, a adesão do proprietário ao tratamento é menor quando os produtos têm odor mais
acentuado.
Animais com oleosidade grave e descamação mínima, com frequência apresentam odor forte, eritema,
inflamação e piodermite generalizada secundária ou dermatite por Malassezia. Esse grupo de pacientes requer
terapia tópica mais agressiva. Os xampus que contêm peróxido de benzoíla propiciam forte ação
desengordurante, com atividade antibacteriana e lavagem folicular potente. Como os xampus com peróxido de
benzoíla são desengordurantes muito potentes, eles podem ser irritantes e causar ressecamento. Outros xampus
antibacterianos são mais apropriados em animais que apresentam piodermite superficial, sem oleosidade
relevante. Como o alcatrão, o peróxido de benzoíla apresenta necessidades críticas de produção e apenas
produtos refinados, provenientes de laboratórios conceituados, devem ser utilizados. A maioria dos produtos
para uso humano contém peróxido de benzoíla 5% a 10% e não devem ser utilizados porque podem causar
irritação. A ação de lavagem folicular do peróxido de benzoíla o torna ideal aos cães com vários comedões ou
com demodicose. O gel de peróxido de benzoíla (5%) é uma boa opção quando são desejáveis ação
antibacteriana, desengordurante ou de lavagem folicular em áreas focais, como na demodicose localizada, acne
canina ou na síndrome do comedão de Schnauzer. No entanto, esse gel também pode ser irritante.
DOENÇAS METABÓLICAS

Introdução
Doenças de Armazenamento Metabólico e Anormalidades Metabólicas Congênitas
Doenças Metabólicas Relacionadas com a Produção
Anormalidades do Metabolismo de Cálcio
Anormalidades Hipocalcêmicas em Equinos
Hipercalcemia em Cães e Gatos
Hipercalcemia em Equinos
Hipocalcemia em Cães e Gatos
Hipocalcemia Puerperal em Pequenos Animais
Paresia da Vaca Parturiente
Paresia de Ovelhas e Cabras Parturientes
Tetania Hipocalcêmica em Equinos
Anormalidades do Metabolismo de Fósforo
Hemoglobinúria Pós­parto
Hiperfosfatemia
Hipofosfatemia
Anormalidades do Metabolismo de Magnésio
Hipermagnesemia
Hipomagnesemia Subclínica em Animais Gravemente Enfermos
Tetania Hipomagnesêmica em Ovinos e Bovinos
Anormalidades do Metabolismo de Potássio
Hipopotassemia em Bovinos Adultos
Hiperpotassemia
Cetose Bovina
Fadiga e Exercício
Fadiga durante Exercício de Alta Intensidade
Fadiga durante Exercício Prolongado
Prevenção de Fadiga
Febre de Origem Desconhecida
Hipertermia Maligna
Lipidose Hepática
Hiperlipemia e Lipidose Hepática em Equinos, Asininos e Camelos (DIG)
Lipidose Hepática Idiopática Felina (DIG)
Síndrome do Fígado Gorduroso em Vacas
Toxemia da Prenhez em Ovelhas
Toxemia da Prenhez em Vacas
Manifestações Cutâneas de Defeitos Multissistêmicos e Metabólicos
Neuropatias periféricas e doenças da junção neuromuscular
Osteodistrofias Metabólicas
Porfiria Eritropoética Congênita
Síndrome Metabólica Equina
Tetania do Transporte em Ruminantes

DOENÇAS METABÓLICAS – INTRODUÇÃO


As doenças metabólicas podem ser hereditárias ou adquiridas, sendo as últimas as mais comuns e importantes.
As doenças metabólicas têm importância clínica porque interferem na produção de energia ou causam lesões de
tecidos fundamentais para a sobrevivência.

Doenças de Armazenamento Metabólico e Anormalidades Metabólicas Congênitas

As doenças de armazenamento e as anormalidades congênitas do metabolismo são classificadas em genéticas ou


adquiridas. Essas afecções se caracterizam por acúmulo ou armazenamento de substratos de enzimas
lisossômicas específicas ou de subprodutos nas células, em razão de deficiência parcial ou total dessas enzimas.
Embora a doença de armazenamento lisossômico frequentemente se dissemine por todo o corpo, a maior parte
dos sintomas decorre de efeitos no sistema nervoso central (SNC).
As doenças de armazenamento de origem genética são denominadas em função do subproduto metabólico
específico que se acumula nos lisossomos. Tipicamente, os animais são normais ao nascimento e manifestam
sintomas nas primeiras semanas ou primeiros meses de vida. Essas doenças são progressivas e geralmente
fatais, visto que não há tratamento específico. Em pequenos animais, as gangliosidoses (GM1 e GM2) acometem
gatos domésticos e das raças Siamês e Korat, bem como cães mestiços da raça Beagle e das raças Pointer
alemão de pelos curtos e Japanese Spaniel. Constata­se esfingomielinose em cães das raças Pastor Alemão e
Poodle, em gatos domésticos de pelos curtos e gatos da raça Siamês. Glicocerebrosidose é diagnosticada em
cães das raças Australian Silky Terrier e Dálmata. Lipofuscinose ceroide acomete cães das raças English Setter,
Cocker Spaniel, Dachshund, Chihuahua, Saluki, Border Collie e gatos domésticos. Manosidose é diagnosticada
em gatos domésticos e da raça Persa. Glicogenose é constatada em cães da raça Silky Terrier e em gatos
domésticos de pelos curtos e Norwegian Forest. Leucodistrofia de células globoides (doença de Krabbe)
acomete cães das raças Cairn Terrier, West Highland White Terrier, Beagle, Bluetick Hound, Poodle e gatos
domésticos de pelos curtos. Mucopolissacaridose tipo I é diagnosticada em gatos domésticos de pelos curtos,
das raças Siamês e Korat; a mucopolissacaridose tipo IV acomete gatos da raça Siamês. A mucopolissacaridose
é verificada em cães das raças Pinscher miniatura, Plott Hound e mestiços, sendo acompanhada de claudicação.
As doenças associadas à diminuição da meia­vida das hemácias e com anemia são deficiência de piruvato
quinase, em animais das raças Basenji, Beagle, West Highland White Terrier e Cairn Terrier; deficiência de
fosfofrutoquinase, em Springer Spaniel inglês e American Cocker Spaniel; e porfiria, em gatos domésticos de
pelos curtos e da raça Siamês.
Em grandes animais, a alfa­manosidose acomete bovinos das raças Angus, Murray Grey, Simental, Galloway
e Holandesa. A beta­manosidose é diagnosticada em bovinos da raça Saler e em caprinos da raça Nubiana e
seus mestiços. A glicogenose generalizada (GM1) é diagnosticada em bovinos da raça Holandesa e em ovinos da
raça Suffolk. Glicogenose generalizada (GM2) acomete bovinos das raças Shorthorn e Brahman, além de suínos.
Leucodistrofia de célula globoide pode ser notada em ovinos da raça Dorset mochos. Outras doenças
diagnosticadas, possivelmente hereditárias, e que se manifestam com sintomas nervosos são lipodistrofia
neuronal, em bovinos das raças Angus e Beefmaster; síndrome do bezerro trêmulo, em bovinos da raça
Hereford com chifre; doença “da urina semelhante ao xarope de bordo”, em bovinos das raças Hereford e
Shorthorn mochos; e edema neuraxial hereditário, em bovinos da raça Hereford mochos e com chifre e de
mestiços Hereford­Frísio. Não há relato de doença de armazenamento lisossômico em equinos; no entanto,
doenças hereditárias que se manifestam com sintomas nervosos são mioclonia hereditária de potros da raça Paso
Peruvian e encefalomielopatia congênita em equinos Quarto­de­Milha.
Outras doenças hereditárias que envolvem anormalidades metabólicas básicas em vários tecidos são: bócio,
em ovinos e caprinos; paraqueratose hereditária (doença edematosa), em bovinos; osteogênese imperfeita, em
ovinos e bovinos; e, possivelmente, cardiomiopatia em bovinos; hipotricose; displasia epidérmica hereditária de
bezerros; fotossensibilização, em ovinos (p. 1047); dermatose vegetante e síndrome do estresse, em suínos (p.
1088); dermatosparaxia e síndrome de Ehlers­Danlos, em bovinos; hemocromatose, em bovinos (p. 269); e
síndrome de Marfan, em bovinos. Há relato de várias outras anomalias hereditárias, especialmente aquelas que
envolvem crescimento anormal de colágeno, cartilagens e ossos, as quais provavelmente também estão
relacionadas com anormalidades metabólicas básicas em tecidos de sustentação. Há relato de várias outras
anormalidades metabólicas envolvendo disfunções do sistema imune.
Doenças de armazenamento adquiridas são provocadas por ingestão de plantas que contêm inibidores de
enzimas catabólicas lisossomais específicas. O consumo prolongado de astrágalos (Astragalus ou Oxytropis
spp) causa doença de armazenamento neurológica adquirida. Vários componentes tóxicos, inclusive locoína,
swainsonina n­oxide e alcaloides indolizidinos, interferem na atividade de alfamanosidase. Os equinos são mais
suscetíveis à intoxicação; no entanto, bovinos, ovinos e caprinos também podem ser acometidos (ver p. 3162).

Doenças Metabólicas Relacionadas com a Produção


Embora o desenvolvimento das doenças relacionadas adiante tenha estreita relação com fatores de produção ou
de manejo, a patogênese de cada doença está principalmente relacionada com alterações metabólicas. Na
maioria dos casos, a etiologia da doença não está associada a anormalidades congênitas ou hereditárias do
metabolismo, mas com maior demanda por um nutriente específico que, em determinadas condições, torna­se
deficiente. Nota­se aumento da prevalência de doenças, como hipocalcemia, hipomagnesemia e hipoglicemia,
em decorrência de práticas de manejo destinadas a aumentar a produção. Portanto, são mais corretamente
consideradas doenças relacionadas com a produção. No entanto, também são doenças metabólicas porque o
manejo do animal demanda um rendimento de produção que, em seu máximo, encontra­se além de sua
capacidade de reserva metabólica para manter a concentração fisiológica do nutriente específico. Por exemplo, a
paresia de vacas parturientes (p. 1058) se instala quando a concentração de cálcio na secreção mamária é maior
do que aquela propiciada pela dieta fornecida à vaca ou por sua reserva óssea. Situação semelhante ocorre com
os metabolismos de magnésio e glicose e com o metabolismo de fósforo em relação à hemoglobinúria pós­parto
(p. 1065).
A maioria das doenças metabólicas associadas à produção deve­se a um balanço negativo de determinado
nutriente. Em alguns casos, o consumo dietético do nutriente se reduz subitamente em razão da alta e contínua
demanda metabólica por esse nutriente. Alguns exemplos são toxemia da prenhez em ovelhas (p. 1093),
subnutrição proteico­calórica de bovinos de corte (p. 2372), síndrome da vaca leiteira gorda (p. 1090) e
hiperlipemia em pôneis (p. 264). Ademais, algumas doenças podem ser induzidas quando os produtores,
principalmente por motivo econômico, são impedidos de suplementar os animais que já haviam sido submetidos
a um manejo nutricional abaixo do padrão recomendado.
Em equinos, a rabdomiólise de esforço (p. 1267) é outra doença metabólica relacionada com a produção.
Nesse caso, a atividade produtiva (trabalho ou corrida) é mantida e equilibrada pelo consumo de determinado
teor calórico. A decisão de não submeter o equino ao trabalho ou à corrida, sem diminuição simultânea da
ingestão calórica, pode resultar em acúmulo de glicogênio nos músculos até um teor perigoso. A doença se
instala quando o trabalho é retomado e a produção de lactato excede a capacidade que o animal tem de
metabolizá­lo.
A diferença entre doenças metabólicas relacionadas com a produção e deficiências nutricionais é sutil. As
deficiências nutricionais são típicas condições de longa duração que podem ser corrigidas pela simples
suplementação dietética. As doenças metabólicas costumam ser agudas e respondem prontamente à
administração sistêmica do nutriente ou do metabólito deficiente, embora os animais acometidos possam
necessitar suplementação dietética subsequente para evitar recidiva. Um aspecto importante no que se refere às
doenças metabólicas induzidas pela produção é o diagnóstico rápido e acurado. Preferencialmente, os testes de
diagnóstico devem ser realizados para prever a ocorrência da doença, antes do início dos sintomas.

ANORMALIDADES DO METABOLISMO DE CÁLCIO

HIPOCALCEMIA PUERPERAL EM PEQUENOS ANIMAIS (Hipocalcemia pós-parto, Hipocalcemia


de periparto, Tetania puerperal, Eclâmpsia)

A hipocalcemia puerperal é um distúrbio agudo com risco de morte do animal; geralmente ocorre no pico da
lactação, 2 a 3 semanas após o parto. As cadelas de raças pequenas com ninhada numerosa são mais suscetíveis
a essa enfermidade. Além disso, pode ocorrer hipocalcemia durante o parto, predispondo o animal à distocia.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Mais provavelmente, a hipocalcemia decorre da transferência de cálcio para o leite e
do consumo inadequado de cálcio na dieta. Esse desequilíbrio no metabolismo do cálcio surge quando a
mobilização do mineral dos ossos para o soro é insuficiente para suprir a demanda da glândula mamária.
Costuma­se notar alto consumo de leite por neonatos grandes ou por uma ninhada numerosa. A prevalência é
maior em cães de raça pequena, embora possa ocorrer hipocalcemia puerperal em qualquer raça, qualquer
tamanho de ninhada e em qualquer fase da lactação. Em fêmeas caninas essa doença raramente ocorre no final
da gestação. Embora seja incomum em gatas, pode se manifestar no início da lactação.
A produção insuficiente de paratormônio (PTH) durante a crise hipocalcêmica não é a causa de eclâmpsia.
Em vacas leiteiras com distúrbio semelhante (ver p. 1058) a síntese de PTH permanece normal, mas a
quantidade de osteoclastos receptíveis ao estímulo do PTH é insuficiente. A pequena reserva de osteoclastos
deve­se ao alto teor de cálcio contido na dieta fornecida durante o período seco, condição que suprime a
secreção de paratormônio e estimula a síntese de calcitonina pelas células C. Em cadelas, a suplementação oral
de cálcio durante a prenhez pode predispor à eclâmpsia no pico de lactação porque o consumo excessivo de
cálcio durante a gestação prejudica a ação do sistema regulador de cálcio e, consequentemente, instala­se
hipocalcemia clínica quando aumenta a demanda por cálcio.
Em cães com hipocalcemia mantêm­se a ligação excitação­secreção na junção neuromuscular. A baixa
concentração de cálcio no fluido extracelular tem efeito excitatório nas células nervosas e musculares porque
reduz o limiar do potencial (voltagem em que os canais de cálcio são ativados), de modo que fica mais próximo
do potencial de repouso da membrana. Quando há déficit de íons cálcio, os canais de sódio são ativados
(abertos) por aumento muito discreto do potencial da membrana, a partir de seu nível negativo normal. Portanto,
a fibra nervosa se torna altamente excitável, às vezes descarregando repetidamente sem estímulo maior que
aquele remanescente em estado de repouso. O modo provável em que os íons cálcio interferem nos canais de
sódio é aquele em que os íons cálcio se ligam à superfície externa das moléculas de proteínas dos canais de
sódio. As cargas positivas dos íons cálcio, por sua vez, podem alterar a carga elétrica da própria proteína do
canal, alterando assim o nível de voltagem necessário para abrir a “porta” do sódio. Como resultado da perda da
estabilização do cálcio ligado à membrana, as membranas nervosas tornam­se mais permeáveis aos íons sódio e
necessitam um estímulo de menor magnitude para se despolarizarem. A tetania decorre de estímulos repetitivos
espontâneos nas fibras nervosas motoras. Simultaneamente, pode ocorrer hipoglicemia.
ACHADOS CLÍNICOS: Respiração ofegante e inquietação são os sintomas iniciais. Tremores, contrações,

espasmos musculares discretos e alterações de marcha (rigidez e ataxia) devem­se ao aumento da excitabilidade
neuromuscular. Ocorrem alterações de comportamento, como agressão, ganidos, salivação, andar anormal,
hipersensibilidade aos estímulos e desorientação. Podem­se constatar crises graves de tremores, tetania,
convulsão generalizada e, por fim, coma e morte. Nos casos graves pode haver hipertermia. Atividades
convulsivas prolongadas podem causar edema cerebral. Às vezes há taquicardia, hipertermia, poliúria,
polidipsia e vômito. De modo geral, a fêmea canina é saudável e os neonatos se desenvolvem a contento.
Embora geralmente ocorra hipocalcemia no pós­parto, podem­se notar sinais do distúrbio no pré­parto ou
durante a parição. Hipocalcemia > 7 mg/dl, mas inferior ao teor de cálcio normal, pode prejudicar as contrações
do miométrio e tornar o parto mais demorado, sem causar qualquer outro sintoma.
Respiração ofegante e intensa pode ocasionar alcalose respiratória. O cálcio ionizado é a fração
biologicamente disponível; é influenciada pelo teor de proteínas, pela condição ácido­base (a alcalose favorece a
ligação do cálcio à proteína do sangue e diminui o teor sanguíneo de cálcio ionizado biologicamente ativo,
exacerbando a hipocalcemia) e por outros desequilíbrios eletrolíticos. Portanto, a gravidade do quadro clínico
pode não estar relacionada com o teor de cálcio total.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico geralmente baseia­se na resenha, na anamnese, nos sintomas e na resposta ao
tratamento. Antes do início do tratamento, uma concentração sérica de cálcio < 7 mg/dl (< 6 mg/dl em gatos)
confirma o diagnóstico. (No entanto, normalmente inicia­se a terapia IV com cálcio antes de avaliar a calcemia).
O perfil bioquímico sérico é útil para excluir a possibilidade de hipoglicemia e de outras anormalidades
eletrolíticas concomitantes. No eletrocardiograma (ECG) pode­se notar prolongamento do intervalo QT e
contrações ventriculares prematuras.
O diagnóstico diferencial inclui outras causas de convulsão, como hipoglicemia ou intoxicação, além de
anormalidades neurológicas primárias, como epilepsia idiopática ou meningoencefalite. Também, devem ser
excluídas outras causas de irritabilidade e hipertermia, como metrite e mastite.
TRATAMENTO E PREVENÇÃO: Deve­se fazer infusão IV lenta de solução de gliconato de cálcio 10%, até que se
obtenha o efeito desejado (0,5 a 1,5 ml/kg, ao longo de 10 a 30 min; a dose usual é de 5 a 20 ml). Isso
geralmente resulta em melhora clínica rápida, dentro de 15 min. O relaxamento muscular deve ser imediato.
Durante a administração de cálcio é necessário monitorar cuidadosamente a frequência cardíaca por meio de
auscultação ou eletrocardiograma, a fim de se verificar a ocorrência de bradicardia ou arritmia. Os sinais de
intoxicação decorrente de administração demasiadamente rápida de cálcio são bradicardia, encurtamento do
intervalo QT e complexos ventriculares prematuros. Caso se desenvolva arritmia deve­se interromper a
aplicação de cálcio até que a frequência e o ritmo cardíacos se normalizem; em seguida, reinicia­se a aplicação,
mas dessa vez reduz­se à metade a taxa de infusão inicialmente calculada.
É importante calcular a dose de cálcio com base no cálcio elementar (disponível), pois a quantidade
disponível desse elemento nos diferentes produtos é variável. No caso de hipocalcemia, a dose de cálcio
elementar é de 5 a 15 mg/kg/h. O gliconato de cálcio 10% contém 9,3 mg de cálcio elementar/ml. O cloreto de
cálcio 27% contém 27,2 mg de cálcio elementar/ml. Consequentemente, no caso do gliconato de cálcio 10% a
dose é de 0,5 a 1,5 ml/kg/h IV; a dose de cloreto de cálcio 27% é de 0,22 a 0,66 ml/kg/h IV. Recomenda­se
solução de gliconato de cálcio 10% porque, diferentemente do cloreto de cálcio, o extravasamento perivascular
de gliconato não causa lesão cáustica.
Após a estabilização do quadro clínico pode­se diluir a dose de gliconato de cálcio indicada para o controle
inicial de tetania em um volume equivalente de solução salina normal (0,9%), administrando­a por via SC, 3
vezes/dia, para controlar os sintomas. (O cloreto de cálcio não pode ser aplicado por via SC). Como alternativa
pode­se continuar o tratamento IV com 5 a 15 mg de cálcio elementar/kg/h. Esse protocolo terapêutico mantém
efetivamente a concentração sérica de cálcio enquanto se aguarda o efeito da administração oral de vitamina D e
cálcio. Deve­se manter o teor sérico de cálcio > 8 mg/dl. Concentração sérica de cálcio < 8 mg/dl indica
necessidade de aumentar a dose parenteral deste mineral; calcemia > 9 mg/dl indica que a dose deve ser
diminuída. O objetivo do tratamento de longa duração é manter a concentração sérica de cálcio ligeiramente
menor ou no limite inferior de normalidade (8 a 9,5 mg/dl).
Caso ocorra edema cerebral, a cadela pode não responder após a correção da hipocalcemia. Deve­se tratar o
edema cerebral, a hipertemia e a hipoglicemia, quando presentes. A febre costuma regredir rapidamente após o
controle da tetania; o tratamento com antitérmicos pode causar hipotermia.
Recomenda­se que os neonatos caninos e felinos não mamem por 12 a 24 h. Durante esse período eles devem
ser alimentados com substituto de leite ou outra dieta apropriada; caso sejam suficientemente desenvolvidos
devem ser desmamados. Quando ocorre recidiva de tetania na mesma lactação os filhotes devem ser retirados da
mãe e alimentados com mamadeira (< 4 semanas de idade) ou desmamados (> 4 semanas de idade).
Depois da crise aguda administram­se 25 a 50 mg de cálcio elementar/kg/dia, VO, fracionada em 3 ou 4
doses, durante o restante da lactação. Novamente, a dose de cálcio baseia­se na quantidade de cálcio elementar
contida no produto (i. e., comprimidos de 1 g de carbonato de cálcio contêm 295 mg de cálcio elementar). Em
geral, a dose indicada para cães é 1 a 4 g/dia, fracionada em subdoses. A dose de cálcio para gatos é de 0,5 a 1
g/dia, administrada em doses fracionadas. O tratamento oral de manutenção com vitamina D e a suplementação
oral de cálcio geralmente requerem 24 a 96 h para propiciar o efeito desejado. Portanto, os animais com
hipocalcemia devem receber terapia de suporte com cálcio parenteral durante o período pós­tetania inicial. O
carbonato de cálcio é uma boa escolha devido seu alto teor de cálcio elementar, da facilidade de aquisição em
farmácias na forma de antiácidos, do baixo custo e do fato de não provocar irritação gástrica. A dose de cálcio
pode ser gradualmente diminuída, evitando­se tratamento desnecessário. Há teor suficiente de cálcio nas rações
comerciais destinadas aos cães e gatos. Entretanto, deve–se manter a suplementação oral de cálcio durante toda
a lactação, a fim de evitar tetania hipocalcêmica aguda.
Utiliza­se um suplemento com vitamina D para aumentar a absorção intestinal de cálcio. A calcemia deve ser
monitorada semanalmente. A dose de 1,25­di­hidroxivitamina D3 (calcitriol) é 0,03 a 0,06 μg/kg/dia. O início do
efeito do calcitriol é rápido (1 a 4 dias) e sua meia­vida é breve (< 1 dia). Hipercalcemia iatrogênica é uma
complicação comum dessa terapia. Caso seja decorrente de dose excessiva, a hipercalcemia pode ser
rapidamente corrigida mediante a interrupção da aplicação de calcitriol. Os efeitos tóxicos regridem dentro de 1
a 14 dias. Esse tempo é muito mais curto do que aquele constatado com o uso de di­hidrotaquisterol (1 a 3
semanas) ou de ergocalciferol (vitamina D2; 1 a 18 semanas).
Os corticosteroides reduzem o teor sérico de cálcio e, portanto, são contraindicados. Podem interferir no
transporte intestinal de cálcio e aumentar sua perda urinária.
Os proprietários de animais devem ser alertados sobre a possibilidade de nova ocorrência da doença em
outras gestações. Os procedimentos para evitar hipocalcemia puerperal em cadelas incluem fornecimento de
dieta de boa qualidade, nutricionalmente balanceada e apropriada para prenhez e lactação; fornecimento de
alimento e água à vontade durante a lactação e suplementação alimentar dos filhotes com substituto de leite no
início da lactação e com alimentos sólidos após 3 a 4 semanas de idade. Não se indica suplementação oral com
cálcio durante a gestação, pois tal procedimento pode causar hipocalcemia no pós­parto em vez de preveni­la. A
administração de cálcio durante o pico de produção de leite pode ser útil para tratar cadelas que já apresentaram
crises de hipocalcemia puerperal.

PARESIA DA VACA PARTURIENTE (Febre do leite, Hipocalcemia)

A paresia da vaca parturiente é uma doença aguda ou hiperaguda, sem febre, que provoca paralisia flácida em
vacas leiteiras; a prevalência é maior no dia do parto ou imediatamente após. Caracteriza­se por anormalidades
mentais, paresia generalizada e colapso circulatório.
ETIOLOGIA: No dia do parto ou próximo a ele, o início da lactação resulta em súbita transferência de cálcio para
o leite. O teor sérico de cálcio, do valor normal de 8,5 a 10 mg/dl, diminui para 2 a 7 mg/dl. Comumente, a
concentração sérica de fósforo diminui e as vacas desenvolvem hiperglicemia. A doença pode acometer vacas
de qualquer idade, sendo mais comum em vacas leiteiras de alta produção, a partir da terceira lactação. A
ocorrência é maior em vacas da raça Jersey.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: A paresia da vaca parturiente geralmente surge dentro de 72 h após o
parto. A doença pode predispor à distocia, prolapso uterino, retenção de membranas fetais, metrite,
deslocamento de abomaso e mastite.
Há 3 estágios de desenvolvimento distintos de paresia da vaca parturiente. No estágio 1 as vacas são capazes
de ficar em pé, mas exibem sinais de hipersensibilidade e excitabilidade. As vacas podem apresentar discreta
ataxia, tremores finos nos flancos e nos músculos tríceps, contração de orelhas e sacudidelas de cabeça. Pode
manifestar inquietação, arrastamento das patas traseiras e vocalização. Quando não se faz tratamento com
solução de cálcio é provável que a doença progrida para o segundo estágio, mais grave.
No estágio 2, as vacas são incapazes de permanecer em pé, mas conseguem se manter em decúbito esternal.
Notam­se depressão, anorexia, focinho seco, diminuição da temperatura corporal e extremidades frias. A
auscultação revela taquicardia e diminuição da intensidade das bulhas cardíacas. O pulso periférico torna­se
fraco. A paralisia de músculo liso ocasiona estase gastrintestinal, a qual pode se manifestar sob a forma de
timpanismo, ausência de defecação e perda de tônus do esfíncter anal. Pode­se verificar também ausência de
micção. A vaca acometida costuma apoiar a cabeça no flanco; quando a cabeça permanece estendida pode–se
notar o pescoço em forma de S.
No estágio 3, ocorre perda progressiva da consciência, até a instalação do coma. A vaca é incapaz de se
manter em decúbito esternal, apresenta flacidez muscular generalizada, não responde aos estímulos e pode
desenvolver timpanismo grave. Com o agravamento do débito cardíaco, a frequência cardíaca pode alcançar 120
bpm e o pulso periférico pode ser imperceptível. Vacas em estágio 3 podem sobreviver apenas algumas horas.
O diagnóstico diferencial inclui mastite tóxica, metrite tóxica, outras doenças tóxicas sistêmicas, lesão
traumática (p. ex., lesão de joelho, luxação coxofemoral, fratura de pelve, compressão de medula), síndrome
paralítica pós­parto (lesão nas raízes lombares L6 dos nervos ciático e obturador) ou síndrome compartimental.
Além de pneumonia por aspiração, algumas dessas doenças podem ocorrer simultaneamente à paresia da vaca
parturiente ou em consequência das complicações (ver p. 1255).
TRATAMENTO: O objetivo do tratamento é restabelecer o teor sérico de cálcio normal o mais rapidamente
possível, a fim de evitar lesões musculares e nervosas, além de decúbito. Como tratamento, recomenda–se a
administração de solução de sais de gliconato de cálcio por via IV, embora também possa ser aplicada pelas vias
subcutânea (SC) e intraperitoneal (IP). Como regra geral, a dose recomendada é 1 g de cálcio/45 kg de peso
corporal. A maioria das soluções está disponível em frascos de 500 ml, como dose única, que contêm 8 a 11 g
de cálcio. Em vacas de grande porte com alta produção de leite pode ser útil um segundo frasco, administrado
por via subcutânea, pois se acredita que isso propicie liberação mais prolongada de cálcio na circulação. O
cálcio aplicado SC, isoladamente, pode não ser bem absorvido em razão da deficiente perfusão periférica; sendo
assim, tal procedimento não deve ser o método terapêutico de escolha. Independente da via utilizada, devem­se
empregar métodos de assepsia adequados para minimizar o risco de infecção no local da injeção. As soluções
que contêm formaldeído ou > 25 g de glicose/500 ml são irritantes quando administradas por via SC. Várias
soluções contêm fósforo e magnésio, além de cálcio. Ainda que não seja necessária a administração de fósforo e
magnésio nos casos não complicados de paresia da vaca parturiente, não há relato de efeitos prejudiciais ao seu
uso. O magnésio pode proteger da irritação miocárdica causada pela administração de cálcio. O magnésio
também é necessário para secreção e atividade apropriadas do paratormônio (PTH) em resposta à hipocalcemia.
A maioria dos produtos disponíveis para uso veterinário contém sais de fosfito como fonte de fósforo. No
entanto, o fósforo presente no sangue e nos tecidos de bovinos encontra­se principalmente sob a forma de ânion
fosfato. Como não há via metabólica para conversão de fosfito em fosfato biologicamente disponível, é
improvável que essas soluções propiciem algum benefício no tratamento de hipofosfatemia.
O cálcio é cardiotóxico; portanto, as soluções que o contêm devem ser administradas lentamente (durante 10
a 20 min), ao mesmo tempo em que se realiza auscultação cardíaca. Caso ocorra disritmia ou bradicardia grave
deve­se interromper o tratamento até que o ritmo cardíaco retorne ao normal. Os animais com endotoxemia são
muito suscetíveis à disritmia causada pela injeção intravenosa de cálcio.
A administração oral de cálcio evita o risco de efeitos colaterais cardiotóxicos e pode ser útil nos casos
brandos de paresia da vaca parturiente; no entanto não é recomendada como procedimento terapêutico único nos
casos de febre do leite. Os produtos que contêm cloreto de cálcio são eficazes, porém são cáusticos aos tecidos
da faringe e à membrana mucosa bucal, especialmente quando utilizados repetidas vezes. O propionato de
cálcio, na forma de gel de propilenoglicol ou de pó (0,5 kg dissolvido em 8 a 16 l de água, com administração
na forma de beberagem), é eficaz, é menos prejudicial aos tecidos, previne acidose metabólica induzida pelo
cloreto de cálcio e fornece propionato, um precursor gliconeogênico. A administração oral de 50 g de cálcio
solúvel resulta na absorção de cerca de 4 g de cálcio na circulação.
Independente da fonte do cálcio oral é importante lembrar que as vacas com hipocalcemia frequentemente
apresentam déficit dos reflexos de deglutição e da faringe. Deve–se ter cuidado durante a administração de
soluções que contêm cálcio, de modo a evitar pneumonia por aspiração. Não deve se administrar gel que contém
cloreto de cálcio para vacas com dificuldade de deglutição.
Tipicamente, as vacas com hipocalcemia respondem de imediato à terapia IV com cálcio. Notam­se tremores
à medida que a função neuromuscular retorna ao normal. A melhora do débito cardíaco resulta em bulhas
cardíacas mais fortes e diminuição da frequência cardíaca. O retorno da função dos músculos lisos é indicado
por eructação, defecação e micção logo que a vaca se levanta. Cerca de 75% das vacas ficam de pé dentro de 2 h
após o tratamento. Devem­se reavaliar as vacas que não se recuperam em 4 a 8 h e, se necessário, repetir o
tratamento. Dentre as vacas que respondem inicialmente à terapia, 25 a 30% apresentam recidiva em 24 a 48 h e
necessitam uma dose adicional. Recomenda­se ordenha incompleta, a fim de reduzir a ocorrência de recidiva.
Há tempo tem­se utilizado inflação do úbere para reduzir a secreção láctea e a perda de cálcio; no entanto, o
risco de introdução de bactérias na glândula mamária é alto.
PREVENÇÃO: Historicamente, a prevenção de paresia da vaca parturiente envolve o fornecimento de dieta com
baixo teor de cálcio durante o período seco. O balanço negativo de cálcio resulta em mínima diminuição da
concentração de cálcio no sangue. Isto estimula a secreção de PTH que, por sua vez, estimula a reabsorção
óssea e a síntese renal de 1,25­di­hidroxivitamina D. A elevação do teor de 1,25­di–hidroxivitamina D aumenta
a liberação de cálcio ósseo e a absorção intestinal de cálcio. Embora tal procedimento ocasione certo aumento
na mobilização de cálcio, hoje sabe­se que uma dieta com baixo teor de cálcio não é tão efetiva como se
acreditava inicialmente. Ademais, atualmente na maioria das propriedades, é difícil formular dietas com teor de
cálcio suficientemente baixo (< 20 g de cálcio absorvido/vaca/dia), embora o uso de palha dietética e
substâncias ligadoras de cálcio, como zeolito ou óleo vegetal, possam tornar este procedimento mais útil.
Dentre os métodos alternativos para prevenção de hipocalcemia inclui­se maior intervalo entre ordenhas ou
ordenhas incompletas após a parição, com intuito de manter certa pressão no interior do úbere e reduzir a
produção de leite. Essa prática pode agravar infecções mamárias latentes e aumentar a prevalência de mastite. O
tratamento profilático de vacas suscetíveis no momento do parto pode minimizar o risco de ocorrência de
paresia da vaca parturiente. A essas vacas deve­se administrar solução de cálcio por via SC no dia do parto ou
gel de cálcio VO no dia da parição e 12 h depois.
Mais recentemente, a prevenção da paresia da vaca parturiente foi revolucionada pelo uso de dieta aniônica
(DA), que diminui o pH sanguíneo das vacas no final do pré­parto e no pós­parto imediato. Esse método é mais
efetivo e mais prático do que aquele que envolve a diminuição do teor de cálcio da dieta no pré­parto. A dieta
aniônica se baseia no fato de que a maioria das vacas leiteiras apresenta alcalose metabólica devido ao alto teor
de potássio na dieta. Esta condição de alcalose metabólica predispõe as vacas à hipocalcemia por alterar da
conformação do receptor de PTH, resultando em tecidos que são menos sensíveis à ação do PTH. A deficiente
resposta ao PTH impede o uso efetivo do cálcio ósseo, prejudica a ativação da reabsorção óssea osteoclástica,
reduz a reabsorção renal de cálcio nos glomérulos e inibe a conversão renal para sua forma ativa.
Uma estratégia importante para reduzir o pH sanguíneo de vacas no periparto é a redução do conteúdo de
potássio da dieta. A inclusão de silagem de milho como principal componente da dieta de vaca seca é
fundamental, visto que esse alimento tende a apresentar o menor teor de potássio entre as forrageiras
disponíveis. Alfafa é outra forrageira que pode ser benéfica na manutenção de pH sanguíneo adequado. No
passado não se considerava ideal incluir alfafa na ração de vaca seca, em razão de seu alto teor de cálcio. No
entanto, tem­se mostrado que o cálcio pouco influencia na alcalinidade do sangue de vacas. Evitar o uso de
fertilizantes que contenham potássio nas áreas de cultivo de forrageiras destinadas às vacas secas é outro recurso
que visa reduzir o teor de potássio no feno fornecido a elas. Como alternativa, podem­se adicionar sais
aniônicos para neutralizar os efeitos do alto teor de cátions (potássio e sódio) na dieta. Os sais aniônicos
sugeridos são cloreto de cálcio, cloreto de magnésio, sulfato de magnésio, sulfato de cálcio, sulfato de amônio e
cloreto de amônio. Pesquisa recente avaliou a atividade acidificante dos diferentes sais aniônicos e propôs uma
equação que permite o cálculo do equilíbrio de íons nas rações:

DA – Equilíbrio iônico (mEq/kg) = (0,2 Ca2+ + 0,16 Mg2+ + Na+ + K+) – (Cl– + 0,6 S­ + 0,64 P­)

Essa equação sugere que os principais íons envolvidos no valor do pH sanguíneo são sódio, potássio e
cloreto. O valor ideal para rações destinadas às vacas secas é de +200 a +300 mEq/kg. Sódio e potássio devem
ser fornecidos em quantidade o mais próximo possível dos teores necessários (0,1% de sódio e 1% de potássio
na matéria seca da dieta). Deve­se adicionar cloreto à ração para compensar o efeito do baixo teor de potássio na
alcalinidade do sangue. Em geral, o fornecimento de cerca de 0,5% a menos de cloreto na dieta do que a
concentração de potássio fornecido resulta em acidificação apropriada.
Uma desvantagem considerável do fornecimento de sais aniônicos é a baixa palatabilidade, que pode ser
contornada pela sua mistura a uma ração úmida palatável, como silagem de milho, resíduo de cereais
fermentados (resíduo de cervejaria), resíduo de fermentação para produção de álcool ou melaço. Embora sejam
mais palatáveis do que os cloretos, os sulfatos são menos efetivos na acidificação do sangue. O conteúdo de
enxofre da dieta deve ser > 0,22% da matéria seca, a fim de sustentar a síntese de aminoácido microbiano no
rúmen, porém < 0,4% para evitar sintomas nervosos associados à intoxicação por enxofre.
A administração de vitamina D3 e de seus metabólitos é eficaz na prevenção de paresia da vaca parturiente.
Altas doses de vitamina D (20 a 30 milhões de UI, 1 vez/dia) administradas junto ao alimento durante 5 a 7 dias
antes do parto reduz a ocorrência da doença. No entanto, caso a medicação seja interrompida por mais de 4 dias
antes do parto, a vaca torna­se mais suscetível. Deve–se evitar esse tratamento por períodos mais longos do que
o recomendado, em razão do risco de intoxicação. Injeção única (IV ou SC) de 10 milhões de UI de vitamina D
cristalina, administrada 8 dias antes do parto, é um método preventivo eficaz. Caso a parição não ocorra na data
prevista, deve–se repetir a dose. Os compostos mais utilizados (já disponíveis e aprovados) em substituição à
vitamina D, cujos riscos de causar hipervitaminose é menor, incluem 25­hidroxicolecalciferol, 1,25­di­
hidroxicolecalciferol e 1­alfa­hidroxicolecalciferol. Após a parição há necessidade de dieta com alto teor de
cálcio. A administração de altas doses de cálcio na forma de gel (VO) é uma prática comum. Devem­se
administrar 150 g de gel de cálcio 1 dia antes do parto, no dia do parto e no primeiro dia após a parição.
O uso de paratormônio (PTH) bovino sintético pode ser mais efetivo do que a administração de metabólitos
de vitamina D. Esses metabólitos potencializam a absorção gastrintestinal de cálcio, ao passo que o PTH
exacerba a absorção gastrintestinal do mineral e estimula a reabsorção óssea desse nutriente. O PTH deve ser
administrado por via IV 60 h antes do parto ou por via IM 6 dias antes da parição. Algumas desvantagens do
uso de PTH são aumento das exigências de mão de obra para seu uso e pouca disponibilidade desse produto.

PARESIA DE OVELHAS E CABRAS PARTURIENTES (Febre do leite, Hipocalcemia)

A paresia da parturiente em ovelhas e cabras prenhes e lactantes é um distúrbio de metabolismo caracterizado


por hipocalcemia aguda e rápido desenvolvimento de hiperexcitabilidade e tremores musculares que, em
seguida, progridem para paresia, depressão, decúbito, coma e morte. Diferentemente da paresia da parturiente
em vacas leiteiras, que ocorre principalmente no dia da parição, a doença em ovelhas e cabras surge antes ou
após o parto, com poucos casos no dia do parto.
ETIOLOGIA: A causa é uma súbita diminuição na ingestão de cálcio em condição em que há maior demanda
deste mineral. Constata­se baixa concentração sérica de cálcio em fêmeas, particularmente naquelas com
gestação múltipla ou em fase de alta produção de leite. Alguns casos são agravados por hipofosfatemia e hiper
ou hipomagnesemia concomitante. A doença surge a qualquer momento, no período de 6 semanas antes do
parto até 10 semanas depois. Em razão da calcificação dos ossos dos fetos, a maior demanda por cálcio em
ovelhas e cabras ocorre 1 a 3 semanas antes do parto, especialmente quando há gestação de 2 fetos ou mais.
Sempre que ocorre súbita demanda por cálcio o organismo requer 24 a 72 h para ativar o mecanismo metabólico
que mobiliza o cálcio armazenado. Em ovelhas e cabras e em animais com deficiência de cálcio crônica, a
mobilização de cálcio da reserva corporal pode ser insuficiente para suprir as necessidades do animal, como
acontece em animais alimentados por longo tempo com grãos, durante o período de estiagem.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: A doença se manifesta tipicamente como surtos, com maior prevalência
no final da gestação. Em geral, a taxa de prevalência é < 5%, porém, nos surtos graves, pode acometer 30% do
rebanho. O início é abrupto e a doença invariavelmente está associada a repentina alteração da dieta, súbita
mudança climática ou breve período de jejum imposto pelo manejo, como tosquia, contenção para marcação ou
transporte (ver p. 1102) nas últimas 24 h. No início da hipocalcemia nota­se andar rígido ou ataxia, tremores,
tetania, constipação intestinal ou menor motilidade ruminal. À medida que a doença progride, ocorre aumento
da frequência cardíaca (porém com diminuição da intensidade das bulhas cardíacas) timpanismo, depressão,
decúbito e, por fim, se a doença não for tratada, morte.
O diagnóstico baseia­se na anamnese e nos sintomas, especialmente fraqueza, depressão, hipomotilidade ou
atonia ruminal e diminuição da intensidade das bulhas cardíacas durante a auscultação torácica. Nos surtos que
ocorrem antes da parição, a toxemia da prenhez (p. 1093) é o principal diagnóstico diferencial. Essas doenças
podem se manifestar simultaneamente. O diagnóstico de hipocalcemia aguda pode ser facilmente confirmado
pela resposta altamente efetiva e, em geral, duradoura ao tratamento por meio da administração de cálcio, por
via IV lenta.
TRATAMENTO E PREVENÇÃO: Deve­se iniciar o tratamento o mais breve possível, normalmente com aplicação
IV de borogliconato de cálcio (50 a 150 ml de uma solução 23%). A administração oral de gel que contém
cálcio ou a aplicação SC de solução de cálcio é útil na prevenção de recidiva. Durante o tratamento deve­se
monitorar a função cardíaca, reduzindo ou interrompendo a medicação caso ocorra arritmia. Um tratamento
alternativo é a adição de 50 a 150 ml de solução de gliconato ou de borogliconato de cálcio 23% em 1 l de
solução de glicose 5%. A modificação da dieta, como se faz para prevenir febre vitular em vacas, pode ser
benéfica para ovelhas e cabras leiteiras. Portanto, no final do período seco, a redução ou remoção da dieta rica
em cátions (alfafa), trevo, cálcio e fósforo pode auxiliar na prevenção da doença. Imediatamente após o parto
deve­se aumentar o teor de cálcio da dieta. Fatores como transporte, consumo inadequado de alimentos, alta
carga parasitária ou outras formas de estresse devem ser evitados em ovelhas nas últimas 8 semanas de
gestação.

TETANIA HIPOCALCÊMICA EM EQUINOS (Tetania do transporte, Tetania da lactação, Eclâmpsia)

A tetania hipocalcêmica de equinos é uma afecção rara associada à depleção aguda do cálcio ionizado do sangue
e, às vezes, com alterações nas concentrações séricas de magnésio e fosfato. Ocorre após esforço físico ou
transporte prolongados (tetania do transporte) ou em éguas lactantes (tetania da lactação). Os sintomas são
variáveis e estão relacionados com a hiperirritabilidade neuromuscular.
ETIOLOGIA: Os fatores envolvidos na ocorrência de hipocalcemia são menor absorção intestinal; maior perda de
cálcio pelos rins, no suor ou no leite; ou inibição de osteólise em razão de anormalidades nas funções do
paratormônio, calcitonina ou vitamina D. As éguas lactantes que produzem grande quantidade de leite e aquelas
criadas em pastagens viçosas parecem mais predispostas. A hipocalcemia que ocorre após atividade física
prolongada (p. ex., enduro) deve­se à perda de cálcio no suor, ao maior grau de ligação do cálcio em razão da
alcalose hipoclorêmica e à maior concentração de corticosteroides induzida por estresse. Os corticosteroides
inibem a atividade da vitamina D, diminuindo a absorção intestinal e a mobilização de cálcio dos ossos. Estresse
e consumo deficiente de cálcio têm sido associados à tetania de transporte. Ocasionalmente, a tetania
hipocalcêmica pode ser induzida por hipocalcemia decorrente de ingestão de besouro (ver p. 3136).
ACHADOS CLÍNICOS: A gravidade dos sintomas está relacionada com a concentração sérica de cálcio ionizado.
O aumento da excitabilidade pode ser o único sintoma verificado nos casos moderados. Os equinos gravemente
acometidos podem apresentar flúter diafragmático sincrônico (p. 114), ansiedade e sinais de tetania, inclusive
aumento do tônus muscular, andar rígido, tremores musculares, prolapso de terceira pálpebra, incapacidade para
mastigar, trismo, salivação, decúbito, convulsões e arritmias cardíacas. Em éguas lactantes, quando não tratadas,
a doença pode assumir um curso progressivo, às vezes fatal, dentro de 24 a 48 h.
O diagnóstico diferencial inclui tétano, endotoxemia, cólica, rabdomiólise por esforço ou outras disfunções
musculares, convulsões, laminite e botulismo.
DIAGNÓSTICO: Baseia­se na anamnese, nos sintomas e na resposta ao tratamento. O diagnóstico definitivo
requer a constatação de baixo teor sérico de cálcio ionizado. A maioria dos laboratórios mensura apenas o cálcio
sérico total (soma dos teores de cálcio ligado à proteína e de cálcio livre), que é um teste diagnóstico aceitável
na maioria dos casos. No entanto, pode haver discrepância desse valor em equinos com hipoalbuminemia e
alcalose. A alcalose facilita a ligação do cálcio à albumina, ocasionando diminuição no teor de cálcio ionizado.
Portanto, os equinos com alcalose podem apresentar concentração sérica de cálcio total normal, embora exibam
sintomas de hipocalcemia. Equinos com hipoalbuminemia ou acidose podem apresentar menor teor sérico de
cálcio total, sem sintomas de hipocalcemia. A concentração sérica de cálcio total pode ser ajustada a partir do
teor de albumina, utilizando­se a fórmula:

Ca2+ ajustado = Ca2+ obtido – albumina sérica + 3,5

TRATAMENTO: A administração intravenosa (IV) de soluções de cálcio, como borogliconato de cálcio 20%, ou
de soluções recomendadas para o tratamento da paresia de vaca (que ocorre no periparto) geralmente resulta em
completa recuperação. Essas soluções devem ser administradas lentamente (por mais de 20 min), na dose de 250
a 500 ml/500 kg, e diluídas em solução salina ou solução glicosada, no mínimo, na proporção 1:4; a função
cardiovascular deve ser monitorada cuidadosamente. Espera­se aumento da intensidade das bulhas cardíacas.
Caso ocorra arritmia ou bradicardia, o tratamento IV deve ser interrompido imediatamente. Após a frequência
cardíaca retornar ao normal, pode­se retomar a infusão, porém em fluxo menor. Em equinos, se o animal não
melhora dentro de 1 a 2 h após a infusão inicial pode­se administrar uma segunda dose, embora se recomende a
confirmação laboratorial de hipocalcemia. Alguns equinos necessitam tratamentos repetidos por vários dias para
a recuperação de tetania hipocalcêmica. Os equinos discretamente acometidos podem se recuperar sem
tratamento específico. Quando a tetania está associada a esforço físico recomenda­se adição de magnésio à
solução.
PREVENÇÃO: Uma dieta balanceada deve propiciar quantidade e proporção adequada de cálcio e fósforo durante
a prenhez. Em épocas de maior demanda de cálcio, como na lactação, deve­se fornecer forragem de boa
qualidade, como alfafa, e mistura mineral que contenha cálcio, além de se evitar o jejum. Deve­se minimizar o
efeito de estresse e jejum durante o transporte. No caso de equinos de enduro é necessário evitar o déficit
hidreletrolítico, que decorre de sudorese e exercícios prolongados, mediante o fornecimento adequado de
fluidos e eletrólitos.

ANORMALIDADES DO METABOLISMO DE FÓSFORO

O fósforo tem funções biologicamente importantes, sendo um componente celular essencial de qualquer célula
viva. Nos organismos vivos, o fósforo está presente como sal de fosfato inorgânico estável (PO4), como éster
fosfato orgânico ou como fosfolipídio. A maior fração de fósforo é encontrada na forma de fósforo inorgânico
insolúvel (Pi) nos ossos e dentes (85% da reserva corporal total). Praticamente todo o fosforo restante (14%)
encontra­se no fluido intracelular, enquanto 1% do total de fósforo corporal está presente no fluido extracelular
como Pi ou fosfolipídios. A maior parte do Pi extracelular (85%) é ionizado (H2PO4­ ou HPO42­), cerca de 10%
está ligado às proteínas e 5% formam complexos com outros minerais, como cálcio e magnésio.
Além de essencial para a estabilidade estrutural dos ossos e dentes (di­hidroxopatia), de membranas celulares
(fosfolipídios) e de moléculas de ácidos nucleicos, o fósforo desempenha função importante no metabolismo de
carboidratos e energia que, inerentemente, depende da capacidade de fosforilação de metabólitos intermediários
e de armazenar a energia liberada durante a oxidação em ligações de alta energia, como ATP ou fosfocreatina. O
fósforo é um componente integrante do 2,3­difosfoglicerato (2,3­DPG), que regula a liberação de oxigênio da
hemoglobina e, portanto, é fundamental para a liberação de oxigênio aos tecidos. O fósforo inorgânico é um
importante tampão do fluido extracelular e da urina.
A concentração de Pi extracelular não é uma boa estimativa do conteúdo de fósforo corporal total ou
extracelular porque o fósforo é um eletrólito predominantemente extracelular e, desse modo, uma molécula
carregada não passa livremente através das membranas celulares. Todavia, na prática diária a concentração
sérica ou plasmática de Pi é o parâmetro mais comumente utilizado para determinar anormalidade na
homeostase do fósforo. A concentração de Pi no fluido extracelular e, portanto, no soro ou no plasma é definida
pelo equilíbrio entre a absorção de fósforo no trato gastrintestinal, a excreção de fósforo na urina (em
monogástricos), na saliva (ruminantes) e no leite, a absorção e liberação de fósforo dos ossos e a grande
quantidade de fósforo que se transfere entre os espaços intra e extracelular. Portanto, hiperfosfatemia pode ser
decorrente de menor ingestão, maior perda, maior absorção celular ou uma combinação destes fatores. Apenas
maior perda e menor absorção são coerentes com a depleção de fósforo no organismo, enquanto a absorção
celular de fósforo é um processo altamente dinâmico intensamente influenciado pela homeostase ácido­base e
pelo metabolismo de carboidratos.

HEMOGLOBINÚRIA PÓS-PARTO

Esta doença esporádica que comumente acomete apenas vacas leiteiras de alta produção, individualmente, no
início da lactação é caracterizada por hemólise intravascular aguda e anemia, com consequência potencialmente
fatal. Bovinos de corte e vacas não lactantes raramente são acometidos. A doença é cosmopolita. Sua etiologia
exata é desconhecida, mas acredita­se que os fatores predisponentes mais prováveis incluem deficiência de
fósforo ou hipofosfatemia. Sabe­se que grave depleção de fósforo nas hemácias aumenta a fragilidade destas
células e, portanto, o risco de lise celular. Uma condição semelhante relatada na Nova Zelândia foi associada a
deficiência de cobre, condição que torna as hemácias mais suscetíveis à oxidação. Toxinas vegetais hemolíticas
ou oxidantes (em geral, oriundas de Brassica spp., beterraba­açucareira ou de forragens verdes) são outras
causas potenciais. A doença clínica é rara; contudo, quando ocorre provoca alta taxa de mortalidade (10 a 30%).
No caso de doença clínica, a hemólise intravascular aguda causa anemia grave, taquicardia, fraqueza,
hemoglobinúria com urina amarronzada ou avermelhada e palidez, ao longo de vários dias. Nota­se redução
imediata da produção de leite nas ordenhas sequenciais. As vacas enfermas também podem apresentar febre,
diarreia e taquipneia. Pode demorar vários meses para que as vacas sobreviventes à crise hemolítica se
recuperem completamente. As vacas convalescentes e aquelas com doença subclínica desenvolvem icterícia e
mostram evidências de aumento da eritrogênese.
Em geral, o diagnóstico baseia­se nos sinais clínicos, especialmente na constatação de urina escura e anemia.
A hemoglobinúria pode ser mais bem definida notando­se a impossibilidade de clarear a urina por meio de
centrifugação (excluindo a possibilidade de hematúria) e a presença simultânea de anemia grave. Pode­se
excluir a possibilidade de hemólise intravascular causada por Babesia (p. 46) ou Theileria (p. 60) mediante o
exame de esfregaço sanguíneo; pode­se empregar teste laboratorial padrão para descartar a possibilidade de
leptospirose (p. 695) ou hemoglobinúria bacilar (p. 660). Podem­se realizar testes de diagnóstico ou análises de
alimentos, inclusive pastagens, para identificar plantas tóxicas e deficiência de fósforo, cobre e outras
substâncias antioxidantes.
A transfusão de grande volume de sangue total é o melhor procedimento terapêutico para vacas gravemente
enfermas. Fluidos cristaloides podem ser benéficos quando não há disponibilidade de sangue, protegendo os rins
de produtos tóxicos e de lesão por anoxia; porém, o monitoramento do volume globular (VG) e do teor de
proteína total é necessário para prevenir a síndrome do terceiro espaço, devido à menor pressão oncótica
intravascular. Tem­se utilizado tratamento com fosfato de sódio (60 g em 300 ml de água estéril IV, seguido de
aplicação SC, em intervalos de 12 h) ou com glicinato de cobre (120 mg de cobre disponível), mas com
frequência não é efetivo na prevenção de hemólise. Atualmente não há disponibilidade de solução de fosfato de
sódio e de glicinato de cobre aprovada pela FDA para administração parenteral em ruminantes. Portanto, o uso
desses produtos em vacas lactantes é extrabula. A correção das deficiências minerais e a eliminação das toxinas
vegetais da dieta também podem auxiliar na prevenção de recidiva.
HIPERFOSFATEMIA

Em animais jovens e em fase de crescimento os teores séricos e plasmáticos de Pi encontram­se


fisiologicamente elevados devido à maior absorção intestinal de fósforo e à diminuição da excreção renal deste
elemento, possivelmente para facilitar a mineralização óssea. Aumento patológico da concentração extracelular
de fósforo pode ser decorrente de hemoconcentração, menor excreção renal, diminuição da absorção intracelular
ou liberação celular de fósforo após a lise da célula. Em várias espécies de monogástricos, exceto em equinos, a
diminuição da excreção urinária de fósforo associada a insuficiência renal crônica é a causa mais comum de
hiperfosfatemia. Em ruminantes, a hiperfosfatemia é comumente notada em animais desidratados e se deve mais
provavelmente à hemoconcentração e redução concomitante da produção de saliva. Na rabdomiólise, a extensa
lesão tecidual resulta em perda da integridade da membrana celular, condição que ocasiona liberação de fósforo
juntamente com outros componentes predominantemente intracelulares, como o potássio, no espaço
extracelular. Hipoparatireoidismo pode resultar em hiperfosfatemia devido à maior reabsorção renal de fósforo
na ausência de PTH. Há relato de casos acidentais de hiperfosfatemia aguda grave após repetidas aplicações de
enemas com solução hipertônica de fosfato de sódio, em pessoas e em ruminantes de pequeno porte.
Ocorrência de hemólise durante ou após a coleta de amostra de sangue resulta na liberação de fósforo
intracelular pelas hemácias e, portanto, tem­se concentração sérica de Pi falsamente elevada. Portanto, amostras
de sangue hemolisado não devem ser utilizadas para a determinação do teor sérico ou plasmático de Pi.
É improvável que a hiperfosfatemia notada nos casos de hemoconcentração ou de diminuição da filtração
glomerular tenha alguma importância clínica. Em casos mais graves, a hipocalcemia concomitante pode ser
decorrência da precipitação de fósforo em excesso, juntamente com cálcio, provocando fasciculação muscular e
contrações musculares tetânicas. Nos casos persistentes, a precipitação de sais de cálcio­fosfato resulta em
mineralização tecidual extraesquelética, com consequência potencialmente fatal.

HIPOFOSFATEMIA (Deficiência de fósforo)


A deficiência de fósforo comumente é causada por consumo inadequado de alimento ou pelo conteúdo
insuficiente de fósforo na dieta durante um tempo prolongado. Pode ser notada em animais que pastejam em
regiões áridas, cujos solos contêm baixo teor de fósforo. A depleção de fósforo também pode ser decorrência de
doença tubular renal crônica, em razão do prejuízo crônico da reabsorção renal de fósforo (p. ex., síndrome de
Fanconi) ou de hiperparatireoidismo primário, que provoca maior excreção renal deste mineral. Hipofosfatemia
é um achado comum em equinos com insuficiência renal crônica.
Perdas agudas de fósforo associadas a hipofosfatemia é um problema bem conhecido em vacas leiteiras de
alta produção, no início da lactação. A perda súbita de grande quantidade de fósforo via glândula mamária na
época em que há o menor consumo de matéria seca parece sobrepor, transitoriamente, o mecanismo de
contrarregulação, resultando em hipofosfatemia e depleção de fósforo.
Pode haver hipofosfatemia sem depleção de fósforo após administração oral ou parenteral de carboidratos e
depois da aplicação parenteral de insulina, devido à maior absorção de fósforo pelas células, juntamente com
glicose. Alcalemia e alcalose respiratória exacerbam a absorção celular de fósforo e, portanto, também têm
efeito hipofosfatêmico.
Os sinais de depleção crônica de fósforo são mais comumente notados em bovinos alimentados com dieta
deficiente em fósforo durante vários meses. Animais jovens com crescimento lento desenvolvem raquitismo e
tendem a apresentar pelos ásperos, enquanto animais adultos, nos estágios iniciais, podem exibir letargia,
anorexia e perda de peso. Diminuição na produção de leite e baixo desempenho reprodutivo erroneamente são
atribuídos à depleção de fósforo. Estes sintomas parecem ser decorrentes da diminuição de energia e do
consumo de proteínas por animais que manifestam anorexia devido à depleção de fósforo. Nos estágios
posteriores, os animais podem manifestar pica, bem como osteomalacia, andar anormal, claudicação e, por fim,
decúbito.
Hipofosfatemia aguda tem sido associada a anorexia, fraqueza muscular, dor muscular e óssea, rabdomiólise,
maior fragilidade de hemácias, seguida de hemólise intravascular. Outras consequências potenciais da
hipofosfatemia são sinais neurológicos possivelmente associados a anormalidade no metabolismo energético,
prejuízo às funções respiratória e cardíaca (redução da contratilidade de músculo estriado e cardíaco) e
disfunção de leucócitos e plaquetas que, acredita­se, seja ocasionada pela depleção de ATP.
Em bovinos, considera­se que a hipofosfatemia ocorra no início da lactação e está amplamente associada a
decúbito da vaca no periparto e com a síndrome da vaca caída (ver p. 1255). Esta associação se baseia na
observação empírica e, portanto, não sustentada por evidência inequívoca. A hemoglobinúria após o parto é
outra condição rara constatada em vacas de alta produção leiteira nos primeiros dias de lactação; caracteriza­se
por hemólise intravascular e hemoglobinúria, frequentemente com consequência fatal.
Não se sabe bem se os sinais clínicos e as condições anteriormente mencionados são causados por
hipofosfatemia ou se há necessidade de depleção concomitante de fósforo do animal.
Nos casos de depleção crônica de fósforo os achados à necropsia são específicos de raquitismo e
osteomalacia. As carcaças parecem emaciadas, com pelame opaco. São comuns fraturas de costelas, pelve ou
corpos vertebrais, bem como alargamento das placas de crescimento e deformidades de junções costocondrais,
deformidades angulares de membros e encurtamento de ossos longos.
A depleção de fósforo não é facilmente diagnosticada em animais vivos. Como os animais com depleção
crônica de fósforo podem manter a concentração sérica do mineral na faixa de variação normal mediante a
mobilização óssea de fósforo e porque a concentração sérica pode estar diminuída mesmo na ausência de
depleção de fósforo, a determinação do teor de fósforo no soro ou no plasma não é um método confiável para
avaliar a homeostase do fósforo. A considerável variação diurna complica ainda mais a interpretação da
concentração sérica de fósforo. A administração parenteral de dextrose antes da obtenção da amostra pode
ocasionar redução do teor sérico de fósforo em > 30%; 4 a 6 h deve ser o tempo entre o final da aplicação de
dextrose e a obtenção da amostra, suficiente para permitir que a concentração sérica de fósforo retorne ao valor
basal.
Obtém­se avaliação mais apropriada da homeostase do fósforo mediante a mensuração do conteúdo de cálcio
no osso e de fósforo em amostra obtida de costela por meio de biopsia. A reabsorção óssea pode ser avaliada
dosando­se o teor sérico de hidroxiprolina, um aminoácido liberado pelo colágeno à medida que osso se
desmineraliza. O exame radiográfico do osso revela menor radiopacidade em animais com depleção crônica de
fósforo.
Amostras de alimentos podem ser enviadas com intuito de determinar o conteúdo de fósforo na ração,
possibilitando o cálculo do consumo de fósforo, caso a ingestão diária do alimento seja conhecida. Nos animais
mantidos em pastagens pode­se determinar a concentração de fósforo em amostra de solo ou de fezes e utilizar
como um parâmetro indireto bruto para adequar o conteúdo de fósforo da dieta.
Depleção crônica de fósforo e hipofosfatemia são efetivamente tratadas por meio do fornecimento de
quantidade suficiente de alimento com teor adequado de fósforo; no entanto, a abordagem terapêutica mais
apropriada para depleção aguda de fósforo e hipofosfatemia é controversa. A administração IV de solução
contendo fósforo frequentemente é recomendada como o procedimento mais apropriado para corrigir depleção
aguda ou hipofosfatemia. Em pequenos animais isto é conseguido mediante infusão intravenosa lenta de solução
de sal de fosfato sódico ou, no caso de hipopotassemia concomitante, de solução de fosfato de potássio. Em
bovinos, recomenda­se a administração rápida de solução de sal de fosfato de sódio. Ao contrário, sais de
fosfato monobásico ou dibásico (Na2HPO4 ou NaH2PO4), quando infundidos rapidamente por via IV, aumenta a
concentração sérica de fósforo. Fosfato tribásico (Na3PO4) é um detergente cáustico que não deve ser utilizado
em qualquer circunstância como suplementação de fósforo VO ou intravenosa. Um problema com a infusão de
solução de sal de fósforo por via IV é que o fósforo livre no plasma alcança os rins, é filtrado pelos glomérulos
e, em seguida, deve ser reabsorvido nos túbulos renais. Como a reabsorção tubular é um processo saturável, a
administração de fósforo em uma taxa que eleva a concentração plasmática acima do limiar renal, aumenta
desproporcionalmente a excreção renal e aumenta apenas transitoriamente a fosfatemia (Pi). Isto explica o efeito
efêmero de < 2 h da solução de fosfato de sódio quando administrada na forma de bolus IV, quando como se
recomenda para bovinos. A rápida administração de sais de fosfato sódico provoca hiperfosfatemia transitória,
porém grave; portanto, pode provocar hipocalcemia devido à precipitação de sais de fosfato de cálcio. O risco
de precipitação de fosfato de cálcio também impede a administração de sais de fosfato por via parenteral em
associação com infusão de cálcio por via parenteral. A infusão lenta de sais de fosfato, ao longo de várias horas,
resulta em ação mais sustentável e reduz o risco de hipocalcemia. Atualmente não há disponibilidade de solução
contendo sais de fosfato de sódio aprovada pela FDA para uso em bovinos; portanto, qualquer administração IV
efetiva de fosfato não é indicada na bula.
Em bovinos, as soluções que não contêm fosfato, mas sim fosfito (PO3), hipofosfito ou compostos de fósforo
orgânico como butafosfana ou toldinfos, frequentemente são utilizadas para administração IV de fósforo
suplementar. Estas frequentemente são utilizadas em associação com cálcio, magnésio e outros minerais. Estes
compostos parecem inadequados como fontes de fósforo em mamíferos, os quais são incapazes de transformar
fosfito ou os compostos orgânicos anteriormente mencionados em fosfato (PO4) e, portanto, não contribuem
biologicamente com a reserva plasmática de fosfato ativo.
Depleção discreta a moderada de fósforo pode ser efetivamente tratada mediante suplementação oral de
fósforo, pela adição de produtos lácteos à dieta (monogástricos) ou pelo fornecimento oral de solução de sais de
fosfato de sódio. A administração oral propicia rápido aumento da concentração plasmática de fósforo, de modo
seguro e eficaz, mas pode não ser apropriada para animais com vômito e, possivelmente, diarreia. Em bovinos, a
administração oral de sais de fosfato de sódio aumenta o teor de Pi em < 2 h, com efeito que dura > 12 h,
mesmo em vacas em inicio de lactação, com motilidade ruminal possivelmente reduzida.
Previne­se a depleção de fósforo em animais sadios que pastejam assegurando consumo suficiente de
alimento com teor adequado de fósforo. Nos animais mantidos em pastagens em solos com deficiência de
fósforo pode­se prevenir a depleção por meio de adubação dos solos com fósforo ou pelo fornecimento de água
e alimentos com suplementação de sais de fosfato. Na indústria leiteira, o fornecimento excessivo é mais
comum devido à hipótese amplamente difundida, porém incorreta, de que o fornecimento de fósforo além das
necessidades diárias melhora a fertilidade e a produção de leite. Pesquisa atual confirma de modo consistente
que teor de fósforo correspondente a 0,42% na matéria seca é suficiente para vacas leiteiras de alta produção.
Atualmente, não se conhece um procedimento efetivo para prevenir hipofosfatemia e depleção de fósforo no
início da lactação. O fornecimento de alta quantidade de fósforo na dieta nas últimas semanas de gestação é
contraindicado porque diminui a taxa de absorção intestinal do fósforo e aumenta o risco de hipocalcemia no
periparto. A proporção Ca:P na dieta, que parece ser essencial em equinos e em outras espécies, para prevenção
de hipo ou hiperparatireoidismo secundário não é importante em ruminantes. Os bovinos toleram proporção
Ca:P de 1:1 a 8:1, desde que a ração supra as necessidades mínimas de ambos os minerais. Esta peculiaridade
em ruminantes pode ser explicada pela alta concentração de fósforo na saliva (5 a 10 vezes a concentração no
soro) e pela grande quantidade de saliva produzida, que altera consideravelmente a proporção Ca:P no conteúdo
ruminal.

ANORMALIDADES DO METABOLISMO DE MAGNÉSIO

A homeostasia do magnésio (Mg) não é controlada diretamente por hormônios, mas é regulada principalmente
por mecanismo de absorção intestinal do mineral, por excreção renal e pelas necessidades variáveis do
organismo durante prenhez, lactação e crescimento. O magnésio é o segundo cátion intracelular mais comum,
depois do potássio; 50 a 60% do Mg total do corpo encontra­se nos ossos, 40 a 50% nos tecidos moles e < 1%
no fluido extracelular. Portanto, o teor plasmático de magnésio não fornece indicação segura do conteúdo
intracelular ou ósseo. O magnésio intracelular é necessário para a ativação de enzimas que envolvem compostos
fosfatados, como adenosinatrifosfatases (ATPases), quinases e fosfatases e para a síntese dos ácidos
ribonucleico (RNA) e desoxirribonucleico (DNA) ou de proteínas. O magnésio é um cofator para mais de 300
reações enzimáticas que envolve o ATP, inclusive glicólise e fosforilação oxidativa. Também, é importante na
função da bomba Na+/K+­ATPase, na estabilização das membranas, na condução nervosa, no transporte de íons
e na atividade do canal de cálcio. Ademais, o magnésio regula a movimentação de cálcio nas células do músculo
liso, sendo fundamental na força de contração cardíaca e no tônus vascular periférico. Baixo teor de Mg iônico
exacerba a transmissão de impulsos nervosos. As manifestações clínicas de hipomagnesemia grave incluem
fraqueza muscular, fasciculação muscular, arritmia ventricular, convulsões, ataxia e coma.
A concentração sérica de magnésio total (tMg), à semelhança do teor de cálcio, pode se apresentar em 3
formas. A fração biologicamente ativa (livre) é o magnésio ionizado (iMg2+), enquanto a fração quelada e
aquela ligada à proteína são indisponíveis para as reações bioquímicas. Não se pode calcular corretamente o teor
de iMg2+ a partir da concentração sérica de tMg e albumina; portanto, o teor sérico de iMg2+ deve ser
determinado por mensuração direta. Como a concentração de iMg2+ representa os íons de Mg sérico funcionais,
a determinação de iMg2+ pode propiciar melhor avaliação fisiológica da condição de magnésio do que o tMg.
Um aparelho com eletrodo de Mg, que utiliza o método do íon­seletivo, disponível no mercado, possibilita a
mensuração da concentração de iMg2+.
O magnésio é excretado por meio de filtração glomerular; na ausência de doença renal os mecanismos
homeostáticos tentam manter o equilíbrio de Mg. Quando a dieta contém excesso de Mg a reabsorção tubular
renal diminui, mantendo a concentração sérica de Mg na extrema faixa fisiológica. Pode­se utilizar a excreção
renal de Mg para avaliar o equilíbrio de Mg.
A administração IV de altas doses é segura para a obtenção do diagnóstico e para o tratamento de
hipomagnesemia, simultaneamente. O teste de retenção de Mg IV, que envolve a determinação da retenção
urinária de Mg, tornou­se o exame padrão ouro para determinação da condição de Mg em medicina humana e
foi validado para equinos, cães e bovinos. Os animais que apresentam deficiência de Mg retêm grande
quantidade do Mg administrado, enquanto aqueles com teor adequado de Mg excretam a maior parte dele.
Excreção fracionada refere­se à quantidade de substância excretada em relação à quantidade filtrada pelos
glomérulos, sem necessidade de obter o volume de urina. Pode­se calcular a excreção fracionada mediante
coleta simultânea de pequenas amostras de urina e de soro e mensuração das concentrações de creatinina e do
eletrólito de interesse. Isto permite avaliar a excreção urinária do eletrólito, sem necessidade de coletas
periódicas de urina e leva em conta a variabilidade na concentração de urina devido ao estado de hidratação.
Os ruminantes são mais suscetíveis à hipomagnesemia do que os animais monogástricos. A diferença no
metabolismo do Mg entre as espécies deve­se principalmente às diferenças anatômicas e fisiológicas dos
respectivos sistemas digestórios. Os ruminantes têm menor capacidade de absorção de Mg do que os
monogástricos (35% versus 70% da quantidade ingerida). O rúmen é o principal sítio de absorção e envolve
mecanismos de transporte ativo. Quando há alto consumo de magnésio ocorre absorção deste mineral no
intestino delgado. Em monogástricos, o principal local de absorção é o intestino delgado. As diferenças no
metabolismo de Mg em algumas espécies são atribuídas à variação na eficiência de absorção do Mg pelo
intestino e à capacidade de reabsorção de Mg pelos túbulos renais.

HIPERMAGNESEMIA

A hipermagnesemia (teor plasmático de Mg > 2 mg/dl [1,1 mmol/l]) é um distúrbio raro, relatado apenas em
monogástricos. Os equinos apresentam sudorese e fraqueza muscular dentro de 4 h após a ingestão de altas
doses de sulfato de magnésio, utilizado como catártico para tratamento de constipação intestinal. Isso é seguido
de decúbito, taquicardia (120 bpm) e taquipneia (60 movimentos respiratórios/min). Os sintomas melhoram
após infusão IV lenta de solução de gliconato de cálcio 23%. Hipermagnesemia foi diagnosticada em gatos com
insuficiência renal submetidos à fluidoterapia IV. Quando a concentração plasmática de magnésio excede a 2,5
mmol/l ocorrem alterações no ECG, inclusive prolongamento do intervalo PR; teor de 5 mmol/l causa
desaparecimento dos reflexos profundos, seguido de hipotensão e depressão respiratória. Quando a
concentração sanguínea de magnésio ultrapassa 6 a 7,5 mmol/l pode ocorrer parada cardíaca.

HIPOMAGNESEMIA SUBCLÍNICA EM ANIMAIS GRAVEMENTE ENFERMOS

Hipomagnesemia subclínica é comum em equinos gravemente enfermos e em pequenos animais e pode


exacerbar a gravidade da síndrome da resposta inflamatória sistêmica, agravar a resposta sistêmica à endotoxina
e ocasionar íleo adinâmico, arritmia cardíaca, hipopotassemia refratária e hipocalcemia.
Há relato de baixa concentração sérica de Mg em 65% dos pacientes humanos gravemente enfermos, em 39 a
46% dos cães e gatos em unidade de terapia intensiva (UTI), em 49% dos equinos hospitalizados, em 54% dos
equinos com cólica submetidos à cirurgia e em 78% dos equinos com enterocolite. Nas populações de pessoas e
cães em UTI, os pacientes com hipomagnesemia apresentaram maior prevalência de hipopotassemia e
hiponatremia concomitantes e maior tempo de internação. Em outro estudo notou­se que 54% dos equinos com
cólica submetidos à cirurgia apresentavam baixo teor de iMg e que nestes animais a prevalência de íleo
adinâmico pós­operatório foi significativamente maior.
Embora a dieta de equinos e de pequenos animais raramente seja deficiente em Mg, a ocorrência de
hipomagnesemia aguda subclínica é muito comum em pacientes gravemente enfermos. A concentração sérica
de Mg pode ser baixa devido à alteração da homeostase do Mg, à redistribuição celular ou de terceiro espaço, à
perda gastrintestinal de Mg ou à diurese secundária à fluidoterapia IV agressiva com fluido não suplementado
com Mg.
Também, com frequência nota­se hipocalcemia em equinos em UTI. Embora o mecanismo de ação seja
desconhecido, o teor sérico de Mg pode influenciar na concentração sérica de cálcio; pacientes humanos com
hipocalcemia e hipomagnesemia simultânea frequentemente são refratários à terapia com cálcio, a menos que se
identifique e corrija o baixo teor de Mg. O magnésio não tem um mecanismo endócrino complexo de regulação
da homeostase, apesar do controle acurado da concentração sérica de Mg pelos rins. Esta é a diferença em
relação ao cálcio, que é fortemente regulado por paratormônio (PTH), calcitonina e calcitriol. No entanto, as
concentrações de PTH, vitamina D, calcitonina, arginina vasopressina, glucagon e cálcio também influenciam,
em parte, a absorção e excreção de Mg.
Hipocalcemia e hipomagnesemia discretas estimulam a liberação de PTH, porém grave depleção de Mg e
hipermagnesemia aguda reduzem a liberação de PTH. Consequentemente, é importante a determinação
concomitante das concentrações de cálcio e PTH na avaliação da homeostase do Mg.
Quando ha necessidade de fluidoterapia de longa duração como tratamento de suporte para um animal na
UTI, deve­se adicionar magnésio. Infusão contínua IV de 50 a 150 mg de sulfato de magnésio/kg/dia (0,1 a 0,3
ml/dia de solução 50%) supre todas as necessidades diárias.

TETANIA HIPOMAGNESÊMICA EM OVINOS E BOVINOS (Tetania da pastagem, Tetania da lactação)


A tetania hipomagnesêmica é um distúrbio metabólico complexo caracterizado por hipomagnesemia (teor
plasmático de magnésio total/tMg < 1,5 mg/dl [< 0,65 mmol/l]) e redução na concentração de magnésio total no
fluido cerebroespinal (FCE) (< 1 mg/dl [0,4 mmol/l]), que causam hiperexcitabilidade, espasmos musculares,
convulsões, angústia respiratória, colapso e morte. As fêmeas lactantes são mais suscetíveis em razão da
transferência de magnésio ao leite. A tetania hipomagnesêmica ocorre principalmente quando os animais são
mantidos em pastagens viçosas ou são alimentados com cereais verdes; contudo, pode acometer vacas de corte
lactantes confinadas e alimentadas com silagem. É uma doença rara em vacas não lactantes, mas também ocorre
quando se introduzem cereais verdes na dieta de bovinos subnutridos.
ETIOLOGIA: Essa anormalidade se manifesta após a diminuição na concentração plasmática de magnésio,
quando a absorção de magnésio dietético é insuficiente de suprir as necessidades de manutenção (3 mg/kg de
peso corporal) e de lactação (120 mg/kg de leite). Isso pode ocorrer depois da redução no consumo alimentar
durante condições climáticas adversas, no transporte ou quando as vacas são mantidas em pastagens com
predomínio de capim baixo que contém < 0,2% de magnésio na matéria seca. Baixa disponibilidade de
forrageira (< 1.000 kg de matéria seca/hectare) resulta em perda de peso durante a lactação; o teor plasmático de
magnésio diminui, pois há quantidade insuficiente do elemento nos tecidos corporais, que é mobilizado durante
a perda de peso com intuito de sustentar a lactação.
Quando o consumo de potássio e nitrogênio é alto e o de sódio e fósforo é baixo, a absorção de magnésio no
rúmen pode diminuir. Os solos naturalmente ricos em potássio e aqueles adubados com carbonato de potássio e
nitrogênio são áreas de alto risco de tetania hipomagnesêmica. Interações minerais mais complexas
provavelmente estão envolvidas na ocorrência de tetania hipomagnesêmica em vacas de primeira e segunda cria,
bem como em vacas mais velhas.
Geralmente as vacas não manifestam sintomas de tetania hipomagnesêmica até que a concentração sanguínea
de cálcio seja < 8 mg/dl (0,35 mmol/l), ocorrência comum em bovinos que pastejam cereais verdes. A
hipocalcemia surge em decorrência da redução do consumo e/ou da absorção de cálcio. Pastagens viçosas e
cereais verdes podem predispor os bovinos à alcalose metabólica (pH urinário > 8,5), com redução da reserva
disponível de cálcio ionizado e magnésio; com isso, o risco de hipocalcemia e hipomagnesemia aumenta. A
concentração urinária de Mg é um parâmetro útil na avaliação do conteúdo orgânico deste mineral, sendo
indetectável em vacas com hipomagnesemia.
ACHADOS CLÍNICOS: Quando acometidas pela forma mais aguda da doença, as vacas que parecem pastar
normalmente, de repente posicionam suas cabeças para cima, berram, correm sem rumo, caem e exibem graves
crises convulsivas. Esses episódios convulsivos podem se repetir em intervalos curtos e o animal geralmente
morre dentro de algumas horas. Em muitos casos, encontram­se animais mortos na pastagem sem que se tenha
notado qualquer sintoma; entretanto, verificam­se sinais no solo que indicam que o animal apresentou
convulsões antes da morte. Nos casos menos graves as vacas manifestam sinais óbvios de doença, como
micções frequentes, andar rígido e hipersensibilidade ao toque e aos ruídos, que podem progredir para o estágio
convulsivo agudo após 2 a 3 dias. Esse período pode ser mais curto caso o animal seja transportado ou
transferido para uma pastagem com capim fresco. Quando os animais apresentam hipocalcemia e
hipomagnesemia o predomínio dos sintomas depende de qual dessas anormalidades se sobressai. Na
hipomagnesemia os sintomas característicos incluem taquicardia e aumento de intensidade das bulhas cardíacas.
Os ovinos manifestam sintomas de tetania hipomagnesêmica quando ocorrem simultaneamente
hipomagnesemia (tMg plasmático < 0,5 mg/dl [0,2 mmol/l]) e hipocalcemia (tCa plasmático < 8 mg/dl [2
mmol/l]). Em ovelhas lactantes a doença ocorre essencialmente sob as mesmas condições e provoca os mesmos
sinais clínicos constatados em bovinos.
DIAGNÓSTICO: Em geral, o diagnóstico é confirmado pela resposta ao tratamento, seguido da confirmação de
hipomagnesemia em amostras de sangue obtidas antes do tratamento. Nota­se tetania quando o teor plasmático
de magnésio total (tMg) é < 1,2 mg/dl (0,5 mmol/l), em bovinos, e < 0,5 mg/dl (0,2 mmol/l), em ovinos. O teor
de magnésio na urina não é detectável em vacas com tetania hipomagnesêmica. Teor de magnésio < 1,8 mg/dl
(0,75 mmol/l) no humor vítreo removido dentro de 24 h após a morte do animal indica tetania
hipomagnesêmica.
TRATAMENTO: Os animais com sinais clínicos necessitam tratamento imediato com soluções combinadas de
cálcio e magnésio, preferencialmente administradas por via intravenosa, de modo lento, com monitoramento da
função cardíaca (ver p. 1058). A resposta ao tratamento é menos evidente em animais com tetania
hipomagnesêmica do que naqueles que apresentam apenas hipocalcemia, em razão do tempo necessário para o
restabelecimento do teor de Mg no fluido cerebroespinal. O animal não deve ser estimulado durante o
tratamento, pois tal estímulo pode ocasionar convulsões fatais. Pode­se administrar uma dose SC adicional de
sulfato de magnésio (200 ml de solução 50% por vaca). Após o tratamento, as vacas devem reagir sem
estimulação e, se possível, devem ser retiradas da pastagem que predispõe à tetania. Os animais devem receber
feno tratado diariamente com 60 g de óxido de magnésio; caso isso não seja possível, há risco de recidiva dentro
de 36 h após o tratamento.
PREVENÇÃO: Os animais em risco devem receber magnésio diariamente, pois não há reserva corporal
facilmente disponível. No período de risco deve­se fornecer suplemento de óxido de magnésio (60 g/bovino e
10g/ovino) VO, diariamente. A maioria dos sais de magnésio não tem boa palatabilidade e esses compostos
devem ser associados a outros ingredientes palatáveis, como melaço, concentrado ou feno. O consumo
exclusivo de feno pode ser suficiente para evitar tetania hipomagnesêmica nos rebanhos em que a doença
acomete apenas vacas velhas (> 6 anos). Caso se administre dispositivo de magnésio intrarruminal de liberação
lenta recomenda­se, também, o fornecimento de feno. Os fertilizantes que contêm magnésio aumentam
efetivamente o conteúdo desse mineral na forrageira apenas em alguns tipos de solo. A pastagem pode ser
pulverizada com óxido de magnésio (500 g/vaca) ou com solução de sulfato de magnésio 2%, em intervalos de
1 a 2 semanas. Se a precipitação pluviométrica exceder a 40 a 50 mm3 dentro de 2 a 3 dias após a aplicação de
óxido de magnésio, em pó, deve­se realizar nova aplicação.
Os animais criados em regime extensivo devem ser protegidos do vento e do frio e receber alimentos
suplementares. Ovinos e bovinos devem ter acesso ao feno, particularmente quando se alimentam de cereais
verdes ou pastagens adubadas com potássio ou nitrogênio (ou com ambos).
TETANIA HIPOMAGNESÊMICA EM BEZERROS: Em bezerros alimentados com leite a eficiência da absorção de
magnésio diminui de 87%, com 2 a 3 semanas de vida, para 32% na 7° a 8° semana após o nascimento. A
tetania hipomagnesêmica acomete bezerros com 2 a 4 meses de idade, alimentados exclusivamente com leite,
ou bezerros mais jovens com diarreia crônica decorrente do fornecimento de substituto de leite.
Os sintomas são semelhantes aos da tetania hipomagnesêmica de bovinos adultos (ver texto anterior) e inclui
hiperexcitabilidade, espasmos musculares, convulsões e morte.
A tetania hipomagnesêmica de bezerros deve ser diferenciada de intoxicação aguda por chumbo (p. 3114),
tétano (p. 664), intoxicação por estricnina (p. 3234), polioencefalomalacia (p. 1383) e enterotoxemia causada
pela toxina do Clostridium perfringens (p. 657). A análise dos ossos auxilia no diagnóstico – a proporção
cálcio:magnésio de um osso normal é 70:1; nos bezerros com hipomagnesemia essa proporção pode ser = 90:1.
Os bezerros acometidos necessitam tratamento imediato com infusão de solução de sulfato de magnésio 10%
(100 ml SC), seguida da administração de 10 g de óxido de magnésio, VO, 1 vez/dia. O fornecimento de feno de
leguminosa de boa qualidade e de ração destinada a bezerros a partir de 2 semanas de idade evita a doença.

ANORMALIDADES DO METABOLISMO DE POTÁSSIO

A homeostase do potássio é determinada principalmente pelo equilíbrio entre absorção gastrintestinal de


potássio e subsequente excreção pelos rins (em todos os animais) e na saliva (em ruminantes adultos). O
transporte de potássio é passivo, no intestino delgado, e ativo, no cólon, sob influência da aldosterona. O
hormônio mais importante que influencia a excreção renal e salivar de potássio é a aldosterona, liberada da zona
glomerulosa da glândula adrenal em resposta à hiperpotassemia e a outros fatores. Uma das principais funções é
aumentar a secreção de íons potássio nos túbulos renais distais e nos ductos coletores. Pelo menos, 95% do total
de potássio do organismo encontram­se no compartimento intracelular; o músculo esquelético contém 60 a 75%
do potássio intracelular. Alteração marcante na concentração sérica e plasmática de potássio altera o potencial
de repouso da membrana porque o gradiente de potássio gerado pela Na+/K+­ATPase é a principal causa de
potencial elétrico negativo nas membranas celulares. Portanto, hipopotassemia ou hiperpotassemia altera o
potencial de repouso da membrana, resultando em alterações clinicamente importantes na função celular e
orgânica. Em geral, hipopotassemia indica depleção de potássio no corpo todo, enquanto na hiperpotassemia o
conteúdo total de potássio no organismo não pode ser inferida, pois muitos animais com hiperpotassemia
apresentam acidemia concomitante e depleção de potássio por todo o corpo.
Hipopotassemia pode acometer todo animal que recebe grande volume de fluido IV ou aquele submetido à
redução acentuada e sustentada da ingestão de alimentos. Os sinais clínicos na maioria dos animais com
hipopotassemia discreta a moderada são discretos e inespecíficos. Hipopotassemia grave está associada a
ventroflexão da cabeça ou decúbito, devido à fraqueza muscular generalizada, e arritmias cardíacas, inclusive
complexos ventriculares prematuros atriais e ventriculares que podem causar arritmias cardíacas mais
complexas. Hipopotassemia prolongada e marcante pode resultar em miopatia, cujo tratamento é difícil. Os
gatos podem desenvolver polimiopatia hipopotassêmica (p. 1291); gatos da raça Burmese apresentam uma
anormalidade autossômica recessiva que causa miopatia hipopotassêmica (p. 1330).
Geralmente a hiperpotassemia se deve à excreção urinária inapropriada do potássio ingerido; é comum em
animais monogástricos com obstrução do trato urinário e ruptura de bexiga. Em equinos e ruminantes a
hiperpotassemia também pode ser decorrência de rabdomiólise por esforço, pois o músculo esquelético contém
grande parte do potássio total do organismo. Também, se constata hiperpotassemia em cavalos com grande
massa muscular da raça Quarto­de–Milha e seus mestiços, devido a um distúrbio genético (paralisia
hiperpotassêmica periódica, p. 1117). Cães com hipoadrenocorticismo (p. 600) frequentemente manifestam
hiperpotassemia. Hiperpotassemia grave está associada à fraqueza muscular generalizada, depressão e
anormalidades na condução cardíaca que podem ocasionar arritmia cardíaca letal. É possível verificar pseudo­
hiperpotassemia em amostras de soro de animais com trombocitose em decorrência da liberação excessiva da
reserva de potássio intracelular das plaquetas durante a coagulação. No caso de hemólise intensa nota­se
pseudo­hiperpotassemia na amostra de soro ou de plasma hemolisada devido ao alto teor de potássio nas
hemácias.
HIPOPOTASSEMIA EM BOVINOS ADULTOS

Hipopotassemia é uma ocorrência comum em bovinos adultos com inapetência, especialmente em vacas
leiteiras lactantes, devido à perda adicional de potássio no leite.
ETIOLOGIA: Hipopotassemia é comum em bovinos adultos com inapetência prolongada (> 2 dias) ou naqueles
tratados com mais de uma injeção de corticosteroide com atividade mineralocorticoide, por exemplo, acetato de
isoflupredona. Isto acontece porque a atividade mineralocorticoide exacerba as perdas renal e gastrintestinal de
potássio. Hipopotassemia é extremamente rara em ruminantes adultos que consomem quantidade adequada de
matéria seca.
ACHADOS CLÍNICOS: Os animais acometidos apresentam fraqueza muscular generalizada, depressão e
fasciculação muscular. Os animais gravemente enfermos são incapazes de permanecer em pé ou de levantar a
cabeça do chão.
DIAGNÓSTICO: Na suspeita de hipopotassemia é necessário obter o perfil bioquímico sérico para confirmar o
diagnóstico. Concentração sérica de potássio < 2,5 mEq/l reflete hipopotassemia grave e a maioria dos animais
permanece em decúbito. Teor sérico de potássio de 2,5 a 3,5 mEq/l indica hipopotassemia moderada e alguns
bovinos permanecem em decúbito ou parecem fracos, com diminuição da motilidade gastrintestinal. Assim
como a mensuração da concentração sérica de potássio, a determinação dos teores séricos de sódio, cloreto,
cálcio e fósforo e as atividades séricas de CK e AST podem ser muito úteis para orientar o tratamento. Pode
haver acidúria em resposta à diminuição marcante na concentração de potássio na urina.
TRATAMENTO: A administração oral de potássio é o procedimento terapêutico de escolha. Os bovinos adultos
inapetentes devem ser tratados com duas doses de 30 a 60 g de KCl no alimento contendo, em intervalo de 12 h,
na forma de bolus de gelatina ou administrado por meio de intubação ororuminal. Bovinos adultos com
hipopotassemia grave (< 2,5 mEq/l) inicialmente devem ser tratados com 120 g de KCl VO, seguida de duas
doses de 60 g de KCl VO, com intervalo de 8 h, até dose total de 240 g de KCl em 24 h. Não se recomenda o
uso de dose oral maior porque pode causar diarreia, salivação excessiva, tremores musculares em membros
pélvicos e excitabilidade.
Raramente o potássio é administrado por via IV; a IV é utilizada apenas no tratamento inicial de ruminantes
em decúbito, com hipopotassemia grave e atonia ruminal, pois é muito mais perigoso e oneroso do que o
tratamento oral. O protocolo de tratamento IV mais agressivo compreende uma solução isotônica de KCl
(1,15%), que deve ser administrada em taxa < 3,2 ml/kg/h, equivalente a uma taxa de liberação máxima de 0,5
mEq de K+/kg/h. Infusão de potássio mais rápida aumenta o risco de ocorrência de arritmias
hemodinamicamente importantes, inclusive complexos ventriculares prematuros que podem ocasionar fibrilação
ventricular e morte.
PREVENÇÃO: A administração oral de potássio é um componente obrigatório da terapia hidreletrolítica de
bovinos com inapetência. O fornecimento de quantidade adequada de matéria seca é o melhor método de
prevenção de hipopotassemia em bovinos adultos.

HIPERPOTASSEMIA

ETIOLOGIA: Hiperpotassemia é comum em ruminantes neonatos com diarreia, desidratação, acidemia e acidose
por íon forte (metabólica). Com frequência, a hiperpotassemia acompanha a acidemia porque baixo pH
sanguíneo resulta em acidose intracelular e menor atividade da Na+/K+–ATPase, resultando em extravasamento
de potássio do compartimento intracelular para o espaço extracelular. Hiperpotassemia é comum em potros
neonatos com uroabdome decorrente de ruptura de bexiga associada à parição e em gatos machos com
uroabdome devido à urolitíase obstrutiva e ruptura de bexiga. É rara a ocorrência de hiperpotassemia em
novilhas, carneiros castrados e machos com utolitíase obstrutiva e ruptura de bexiga ou uretra porque um
excesso de potássio é secretado na saliva de ruminantes adultos, mas os animais acometidos consumem menos
potássio devido à doença. Hiperpotassemia pode se instalar em equinos e ruminantes com rabdomiólise por
esforço devido à lesão de células de músculos esqueléticos.
ACHADOS CLÍNICOS: Em geral, hiperpotassemia grave está associada a depressão, fraqueza, letargia, arritmias
cardíacas e anormalidades no ECG, especialmente quando a concentração sérica de potássio é > 7 mEq/l.
Graves efeitos cardiotóxicos são evidentes quando a concentração sérica de potássio situa­se entre 8 e 11 mEq/l.
DIAGNÓSTICO: Na suspeita de hiperpotassemia é necessário obter o perfil bioquímico sérico para confirmar o
diagnóstico. Assim como a mensuração do teor sérico de potássio, a determinação das concentrações séricas de
sódio, cálcio, fósforo, ureia e creatinina, as atividades séricas de CK e AST e a hemogasometria podem ser úteis
na orientação do tratamento. O ECG pode revelar bradiarritmia, ausência ou diminuição da amplitude da onda P,
alargamento do complexo QRS e onda T simétrica (aspecto de “tenda” ou estreitamento da onda T). Os efeitos
da hiperpotassemia no ECG são exacerbados por hiponatremia, acidemia e hipocalcemia. A proporção
sódio:potássio no soro sanguíneo é importante na ocorrência de arritmias cardíacas; hiperpotassemia na
presença de hiponatremia (proporção sódio:potássio < 25:1) comumente está associada a arritmias cardíacas e
anormalidades no ECG.
TRATAMENTO: No início, a hiperpotassemia deve ser tratada mediante administração intravenosa de solução de
NaCl 0,9% para aumentar a produção de urina em animais desidratados e sem obstrução do trato urinário. Em
casos selecionados indica­se administração por via IV de bicarbonato de sódio, glicose, insulina e, às vezes,
cálcio. Em animais com urolitíase obstrutiva e ruptura de bexiga deve­se remover a urina da cavidade
abdominal e restabelecer o fluxo uretral. Administra­se bicarbonato de sódio para corrigir a acidose sistêmica e
intracelular e melhorar a atividade da Na+/K+­ATPase. A base lógica para administração intravenosa de glicose
e insulina é que a penetração de glicose na célula mediada pela insulina é acompanhada de transferência de
potássio do espaço extracelular para o compartimento intracelular. O cálcio inibe vários dos efeitos
arritmogênicos nocivos da hiperpotassemia e, portanto, a aplicação IV de cálcio, pode melhorar o débito
cardíaco. Todavia, a solução salina hipertônica (2.400 mOsm/l) é tão efetiva quanto a solução hipertônica de
bicarbonato de sódio na redução da hiperpotassemia e da bradiarritmia associada à hiperpotassemia,
provavelmente devido à transferência de potássio intracelular mediada pela hipernatremia, pela expansão do
volume extracelular e pelo aumento da produção de urina. Portanto, o objetivo do tratamento de
hiperpotassemia é identificar e corrigir a acidemia, expandir o volume plasmático para auxiliar na excreção
renal de potássio e aumentar a concentração sérica de sódio. Glicose e insulina não parecem ser rotineiramente
necessárias para a correção de hiperpotassemia.
PREVENÇÃO: Pode­se prevenir hiperpotassemia mediante o diagnóstico precoce e o tratamento de suas causas
mais comuns. Pode­se evitar a ocorrência de paralisia hiperpotassêmica periódica em equinos fornecendo uma
dieta com baixo teor de potássio ou pela administração oral de acetazolamida.

CETOSE BOVINA (ACETONEMIA, CETONEMIA)

Cetose é uma doença comum de bovinos adultos. Acomete vacas leiteiras no início da lactação e caracteriza­se
principalmente por inapetência e depressão. Raramente, acomete vacas em final de gestação, assemelhando–se à
toxemia da prenhez de ovelhas. Além de inapetência, às vezes notam­se sintomas de disfunção nervosa, como
pica, lambedura anormal, incoordenação e anormalidade da marcha, vocalização e agressividade. A doença é
cosmopolita, sendo mais diagnosticada nas regiões onde as vacas leiteiras são acasaladas e manejadas com
intuito de obter alta produção.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: A patogênese da cetose bovina não foi completamente esclarecida, mas sabe­se que
há necessidade da combinação de mobilização intensa de gordura e de alta demanda de glicose para sua
manifestação. Essas duas condições ocorrem no início da lactação, período no qual o balanço energético
negativo propicia mobilização de gordura e a produção de leite requer alta demanda de glicose. A mobilização
de gordura é acompanhada de alto teor sérico de ácidos graxos não esterificados (AGNE). Em períodos de
glicogênese intensa, grande quantidade de AGNE sérico é utilizada na produção de corpos cetônicos pelo
fígado. Portanto, entre as características clinicopatológicas da cetose incluem­se altas concentrações séricas de
AGNE e de corpos cetônicos e baixo teor de glicose. Diferentemente de várias outras espécies, os bovinos com
hipercetonemia não apresentam acidemia concomitante. Os corpos cetônicos presentes no soro sanguíneo são
acetona, acetoacetato e beta­hidroxibutirato (BHB).
Aventa­se a hipótese de que a patogênese da cetose verificada no pós­parto imediato é discretamente diferente
da doença que se manifesta na época próxima da produção máxima de leite. Nesta época, às vezes a acetonemia
é denominada cetose tipo II. A cetose que ocorre bem no início da lactação geralmente está associada a lipidose
hepática. Provavelmente, a síndrome do fígado gorduroso e a cetose fazem parte de um espectro de
anormalidades associadas a intensa mobilização de gordura, em bovinos. Os casos de cetose que ocorrem
próximo à época de produção máxima de leite, geralmente entre 4 e 6 semanas após o parto, podem estar mais
relacionados com animais subnutridos que apresentam deficiência metabólica de precursores gliconeogênicos
do que com a excessiva mobilização de gordura. À vezes, nesta época é denominada cetose tipo I.
A patogênese exata dos sintomas é desconhecida. Parece não estar diretamente relacionada com o teor
sanguíneo de glicose ou de corpos cetônicos. Aventa­se a possibilidade do envolvimento de metabólitos dos
corpos cetônicos.
EPIDEMIOLOGIA: Todas as vacas leiteiras em início de lactação (primeiras 6 semanas) são predispostas à cetose.
Estima­se que taxa de prevalência em vacas nos primeiros 60 dias de lactação varia de 7 a 14%, porém a
prevalência em um rebanho é muito variável e pode exceder a 14%. O pico de prevalência de cetose é verificado
nas 2 primeiras semanas de lactação. A taxa de prevalência na lactação é muito variável entre os rebanhos e
podem ser aproximar de 100%. A cetose se manifesta em todas as parições (embora pareça menos comum em
fêmeas primíparas) e parece não haver predisposição genética, a não ser aquelas associadas aos rebanhos
leiteiros. Vacas com excessiva reserva de gordura (escore corporal = 3,75 a 5) na época do parto são mais
sujeitas à cetose, em comparação com aquelas de escore corporal mais baixo. Vacas lactantes com cetose
subclínica (p. 1078) apresentam maior risco de desenvolvimento de cetose clínica, em comparação com vacas
com baixo teor sérico de BHB.
ACHADOS CLÍNICOS: Geralmente, em vacas criadas em regime de confinamento, o primeiro sinal de cetose é
diminuição do consumo de alimentos. Caso a dieta seja fornecida na forma de vários componentes, as vacas
com acetonemia frequentemente recusam os grãos, antes de recusarem a forrageira. Em rebanhos alimentados
em grupos, os primeiros sintomas de cetose são diminuição da produção de leite, letargia e abdome com aspecto
“vazio”. Ao exame físico as vacas se apresentam sem febre e podem estar ligeiramente desidratadas. A
motilidade ruminal é variável, sendo hiperativa em alguns casos e hipoativa em outros. Em vários casos não há
outra anormalidade física. Em alguns animais notam­se disfunções do SNC. Tais distúrbios incluem lambedura
e mastigação anormal e, às vezes, as vacas mastigam incessantemente tubos e outros objetos presentes no
ambiente. Ocasionalmente nota­se incoordenação e andar anormal, bem como agressividade e berros. Esses
sintomas são constatados em uma minoria dos casos, mas como a doença é muito comum, não é raro encontrar
animais com tais sinais.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico clínico de cetose baseia­se na constatação de fatores de risco (início de lactação),
sintomas e presença de corpos cetônicos na urina ou no leite. Ao se diagnosticar cetose deve­se realizar um
exame físico minucioso porque esse distúrbio frequentemente se manifesta junto com outras doenças de
periparto. As doenças concomitantes especialmente comuns são deslocamento de abomaso, retenção de
membranas fetais e metrite. Raiva e outras doenças do SNC são importantes no diagnóstico diferencial.
Testes de campo para detecção de corpos cetônicos na urina ou no leite são fundamentais para o diagnóstico.
A maioria dos kits disponíveis no comércio baseia­se na presença de acetoacetato ou de acetona no leite ou na
urina. Tiras reagentes são apropriadas, porém aquelas destinadas a detectar acetoacetato ou acetona na urina não
são adequadas ao teste em amostra de leite. A leitura dos resultados desses testes baseia­se em uma variação
particular da cor. Deve­se permitir tempo adequado para a definição da cor, como especificado pelo fabricante
do teste. Há disponibilidade de instrumentos manuais destinados ao monitoramento de corpos cetônicos no
sangue de pacientes humanos com diabetes. Estes aparelhos mensuram quantitativamente o teor de BHB no
sangue, urina ou leite e pode ser utilizado no diagnóstico clínico de cetose.
Em alguns animais a concentração urinária de corpos cetônicos é maior do que aquela do leite. Resultados
discretamente positivos ou traços de presença de corpos cetônicos na urina não indicam cetose clínica. Na
ausência de sintomas, como inapetência, esses resultados indicam cetose subclínica. O exame do leite para
pesquisa de acetona e acetoacetato é mais específico do que o exame de urina. Resultados positivos para
acetoacetato e/ou acetona no leite geralmente indicam cetose clínica. O teor de BHB no leite pode ser
mensurado por meio de tira­reagente, disponível em alguns países, ou pelo aparelho eletrônico anteriormente
mencionado. A concentração de BHB no leite é sempre maior do que a concentração de acetoacetato ou
acetona, tornando este teste mais sensível do que aqueles mais recentes baseados nos corpos cetônicos.
TRATAMENTO: O objetivo do tratamento é restabelecer a glicemia normal e reduzir a concentração sérica de
corpos cetônicos. A administração de bolus IV de 500 ml de solução de dextrose 50% é um procedimento
terapêutico comum. Essa solução é altamente hiperosmótica e, se aplicada na região perivascular, causa grave
irritação e edema tecidual; portanto, é necessário assegurar que a aplicação seja feita IV. A terapia com bolus de
glicose costuma propiciar rápida recuperação, especialmente quando a doença se manifesta próximo ao pico da
lactação (cetose tipo I). Contudo, o efeito é passageiro, sendo comum a ocorrência de recidiva. A administração
por via intramuscular de glicocorticoides, inclusive dexametasona ou acetato de isoflupredona, na dose de 5 a
20 mg, induz resposta terapêutica de maior duração. O tratamento com glicose e glicocorticoide pode ser
repetido diariamente, se necessário. O propilenoglicol (250 a 400 g/dose VO) atua como precursor de glicose e
pode ser efetivo no tratamento de cetose, especialmente em casos brandos, ou em combinação com outros
medicamentos. Essa dose pode ser administrada 2 vezes/dia. Dose excessiva de propilenoglicol causa depressão
do SNC.
A cetose que ocorre 1 a 2 semanas após o parto (cetose tipo II) é mais refratária ao tratamento do que aquela
que se instala próximo ao pico da lactação. Nesse caso pode ser benéfica a aplicação IM de insulina de longa
duração, na dose de 150 a 200 UI/dia. A insulina inibe a mobilização de gordura e a cetogênese, mas deve ser
administrada em associação com glicose ou glicocorticoide, para evitar hipoglicemia. O uso de insulina
mencionado não está aprovado, sendo considerado extrabula. Outras terapias que podem ser benéficas nos casos
refratários de cetose incluem infusão IV contínua de glicose e alimentação com auxílio de tubo estomacal (ver
p. 1090).
PREVENÇÃO E CONTROLE: A prevenção de cetose envolve o manejo nutricional. A condição corporal deve ser
monitorada no final da lactação, época em que as vacas engordam. O período seco geralmente é muito tarde
para reduzir o escore corporal. A diminuição da condição corporal no período seco pode ser contraproducente,
causando excessiva mobilização de gordura na fase pré­parto. Um fator crítico na prevenção de cetose é manter
e estimular o consumo de alimentos. As vacas tendem a diminuir o consumo de alimentos nas últimas 3
semanas de prenhez. O objetivo do manejo nutricional é minimizar essa redução. Há controvérsia a respeito da
estratégia nutricional ótima para esse período. É provável que o melhor teor de energia e fibras na ração de
vacas nas últimas 3 semanas de gestação é variável, dependendo da propriedade. O consumo de alimentos deve
ser monitorado e a ração deve ser ajustada, a fim de maximizar o consumo de energia e matéria seca no final da
gestação. Após o parto, a dieta deve propiciar aumento rápido e prolongado no consumo de energia e de
alimentos. A ração deve conter teor relativamente alto de carboidratos não fibrosos, mas deve apresentar
quantidade de fibra suficiente para manter a função ruminal e o consumo de alimentos. O teor de fibra
detergente­neutro varia de 28 a 30%; o teor de carboidratos não fibrosos varia de 38 a 41%. O tamanho das
partículas do alimento influencia a proporção ótima de frações de carboidratos. Alguns aditivos alimentares,
incluindo niacina, propionato de cálcio, propionato de sódio, propilenoglicol e colina, podem ser benéficos na
prevenção e controle de cetose. Para serem eficazes, esses suplementos devem ser fornecidos nas 2 ou 3 últimas
semanas de gestação, bem como durante o período de maior suscetibilidade à doença. Em alguns países, foi
aprovado o uso de monesima de sódio na prevenção de cetose subclínica e das doenças associadas. Onde
aprovada, recomenda­se dose de 200 a 300 mg/animal/dia.

Cetose Subclínica

A cetose subclínica é definida como alta concentração sérica de corpos cetônicos sem constatação de sinais
clínicos. As vacas com acetonemia subclínica são mais sujeitas à cetose clínica e deslocamento de abomaso;
além disso, são fêmeas menos férteis do que aquelas com teor sérico de corpos cetônicos normal. Ademais, sua
produção de leite parece diminuir. A determinação da concentração sérica de BHB é a melhor maneira de
detectar e monitorar cetose subclínica, pois os teste de campo anteriormente mencionados não são
suficientemente sensíveis e específicos para detectar aumento da concentração sérica de BHB nos casos
subclínicos. Pode­se determinar a concentração sérica por meio de espectrofometria, utilizando testes
laboratoriais convencionais. Os teores de BHB em amostras de soro ou de sangue são razoavelmente estáveis;
desse modo, não são necessários cuidados rigorosos no manejo que envolve o transporte das amostras ao
laboratório. O teste é influenciado pela hemólise; portanto, deve­se evitar hemólise durante a coleta da amostra
e o soro deve ser separado do coágulo antes do envio ao laboratório.
Além da mensuração laboratorial por meio de espectrofometria, os aparelhos manuais fabricados para
monitoramento da concentração sanguínea de corpos cetônicos em pacientes humanos foi avaliado para uso no
monitoramento de cetose subclínica em vacas. Estes aparelhos utilizam mais o sangue total do que o soro para a
dosagem de BHB, sendo seu uso na propriedade particularmente prático. A concentração de BHB no sangue
total é muito próxima à concentração sérica, de modo que a interpretação destes resultados, obtidos por
aparelhos manuais ou mediante análise laboratorial, é semelhante.
O diagnóstico de cetose subclínica requer a definição de uma concentração acima da qual considera­se que a
vaca tenha cetose subclínica. Utilizam­se as concentrações entre 1.000 μM (10,4 mg/dl) e 1.400 μM (14,6
mg/dl); parece que o valor de 1.400 μM é o mais comumente utilizado. A estratégia recomendada para teste de
rebanho envolve o exame de, pelo menos, 12 vacas nos primeiros 60 dias de lactação. Caso > 10% apresentem
cetose subclínica deve­se considerar evidência de um problema de rebanho e rever imediatamente o manejo
nutricional.

FADIGA E EXERCÍCIO

A fadiga muscular que ocorre durante o exercício causa diminuição na capacidade do músculo em gerar força.
Pode­se notar fadiga em exercícios de intensidade máxima e submáxima. Os mecanismos envolvidos na
ocorrência de fadiga em eventos atléticos de intensidade e duração diferentes são objetos de várias pesquisas,
porém nenhuma causa individual de fadiga foi identificada; desse modo, a fadiga geralmente é considerada
multifatorial. A fadiga que ocorre durante exercício é uma queixa comum na rotina veterinária. Pode ser
causada por várias doenças e disfunções de diversos sistemas orgânicos, discutidos em outros capítulos. Esse
capítulo enfoca a fadiga que ocorre em animais saudáveis durante o exercício.
Fadiga é uma consequência normal de um exercício que se mantém em alta intensidade ou por tempo
prolongado. A menor geração de força pode ser considerada um mecanismo de defesa. Caso não ocorra fadiga,
ou se ela demora a se manifestar, desenvolvem­se lesões estruturais nas células musculares e nos tecidos de
sustentação durante um exercício intenso. Os principais conhecimentos sobre fadiga em animais referem­se aos
equinos, em razão da facilidade de estudos em laboratórios que possuem esteira rolante de alta velocidade, um
aparelho que permite avaliação das respostas metabólicas, cardiovasculares e respiratórias durante o exercício,
bem como a coleta de fragmento muscular por biopsia, antes e após a atividade física. Nesses estudos a fadiga é
definida como a incapacidade ou falta de disposição do equino em manter o mesmo desempenho durante o teste
da esteira rolante, no qual a velocidade é aumentada a cada 1 a 2 min. A fadiga verificada durante exercício
intenso na esteira rolante está associada a alteração na marcha, inclusive maior extensão dos passos e
diminuição de sua frequência.
Biomecanicamente, a fadiga está associada a redução no controle (neuro)muscular das articulações,
especialmente no movimento elevado de articulações distais dos membros, como a articulação do boleto.
Estudos eletromiográficos de músculos fadigados mostram latência reduzida para a contração muscular e
redução da força produzida, deixando as articulações com alta carga vulneráveis à lesão. Como a marcha e as
alterações biomecânicas podem ser importantes fatores predisponentes de lesão ao sistema locomotor de
equinos, o treinamento de cavalos deve­se evitar intensidade e duração de exercícios que resultem em alterações
locomotoras em razão da fadiga.
A fadiga é classificada em dois tipos – periférica e central. A primeira é descrita como a fadiga decorrente de
alteração na função muscular. Estudos do metabolismo muscular após exercício fundamentam­se principalmente
em resultados da biopsia de fragmentos musculares e na determinação das concentrações de glicogênio
muscular e de fosfato de creatina, trifosfato de adenosina (ATP), difosfato de adenosina (ADP), monofosfato de
inosina (IMP), fosfato inorgânico, produtos glicolíticos intermediários, prótons e outros metabólitos. A
deficiência fundamental na fadiga muscular é a falha na nova síntese de ATP e o acúmulo de ADP e de íons de
fosfato inorgânico. A fadiga central é atribuída aos sintomas que se originam no SNC, que ocasionam menor
desempenho em decorrência da alteração na frequência de potenciais de ação nos neurônios motores. Pode ser
secundária à dor, dispneia, percepções de esforço, hipoglicemia, hipertermia e alteração metabólica (acúmulo de
amônia e anormalidade no metabolismo de aminoácidos) e/ou do meio iônico extracelular. Portanto, a fadiga
central, em resposta a esses estímulos, pode ser muito variável. Por exemplo, alguns equinos continuam o
exercício de resistência apesar de desenvolverem grave hipertermia, desidratação e desequilíbrios de eletrólitos
plasmáticos.

FADIGA DURANTE EXERCÍCIO DE ALTA INTENSIDADE

MECANISMOS ENERGÉTICOS NO EXERCÍCIO E NA FADIGA: Catabolismo de ATP, fosfato de creatina e glicogênio


são fontes anaeróbicas de energia durante exercício de alta intensidade. Tal exercício, em velocidade máxima
atingível por um animal, não pode ser mantido > 30 a 40 s. Depois disso, ocorre fadiga e o animal diminui o
ritmo.
Em geral, quando a energia é oriunda de fontes anaeróbicas, o início da fadiga é retardado devido à limitada
produção de ácido láctico e o uso eficiente de substratos disponíveis (glicose e ácidos graxos). A contribuição
relativa das vias de energia aeróbica e anaeróbica durante o exercício depende muito da duração e da demanda
energética do evento. Todo exercício tem alguma contribuição de fontes de energia aeróbicas e anaeróbicas.
Exercício breve intenso que dura 20 a 30 s (p. ex., competição de cavalos da raça Quarto­de­Milha e algumas
competições de cães Greyhound) pode utilizar > 90% de energia oriunda de fontes anaeróbicas; outros eventos
duram várias horas (p. ex., provas de enduro para cavalos, camelos e cães), com demanda de energia aeróbica >
90%. Durante exercício intenso em velocidade máxima, com duração de 1 a 3 min, como acontece nas
competições de equinos das raças Standardbred e Puro­Sangue Inglês, estima­se que o suprimento de energia
aeróbico seja > 60%. A reserva intramuscular de ATP diminui 20 a 50% em cavalos de corridas, após tal
exercício. A perda de conteúdo de ATP pode variar consideravelmente; em algumas fibras musculares pode ser
insignificante, mas em outras, especialmente nas fibras Tipo II, pode ser relevante. De modo semelhante, após
exercício intenso, a concentração de glicogênio no músculo diminui até 30% após um ciclo de exercício.
Novamente, a depleção varia de acordo com as fibras, com maior depleção em fibras musculares tipo IIB. Em
corridas, desempenho superior de animais das raças Standardbred americana e Puro­Sangue Inglês foi atribuído
à alta taxa de transporte de oxigênio e ao menor acúmulo de lactato no sangue durante exercício de intensidade
submáxima. Isto indica uma elevada capacidade de utilização de vias de energia aeróbica durante o exercício,
preservando a fonte limitada de energia anaeróbica.
FADIGA MUSCULAR: A fadiga normalmente verificada durante exercício intenso é atribuída à depleção da
reserva de fosfato de creatina e ao acúmulo de ADP, fosfato inorgânico, ânions lactato e prótons nas células
musculares ativas.
Desequilíbrios iônicos, inclusive alteração na proporção potássio intracelular: potássio extracelular no
sarcolema, modificam o potencial de repouso da membrana e contribuem para redução da excitabilidade do
sarcolema e da capacidade de produzir o potencial de ação. Esta diminuição da excitabilidade contribui para a
menor liberação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático (um mecanismo que requer ATP) e, consequente,
diminuição da força da contração muscular. Durante atividade física intensa a água se desloca para as células
musculares e a concentração intracelular de potássio diminui. Tem­se sugerido que o acúmulo de cálcio e a
depleção de ATP nas células musculares durante o exercício induzem efluxo mais rápido de potássio das células
musculares e íons potássio se acumulam no fluido extracelular. Isso pode inativar as membranas do sarcolema e
do túbulo T e impedir o desenvolvimento de tensão.
Acidose intracelular decorrente do acúmulo de lactato tem sido responsabilizada pela diminuição na
eficiência ou força da contração muscular. No entanto, pesquisa in vitro mostra efeito protetor da acidose láctica
e de íons hidrogênio na manutenção da função do sarcolema e na geração de força muscular diante de desvio de
potássio associado a exercício intenso.
A diminuição do teor intramuscular de ATP está relacionada com o acúmulo de lactato e de amônia nos
músculos. Aventa­se a possibilidade de que um acúmulo de amônia no plasma também pode contribuir na
instalação de fadiga. O aumento da concentração de ADP também resulta em acúmulo de AMP, inosina
monofosfato, alantoína, amônia e ácido úrico, em equinos. Em pesquisas realizadas em esteiras rolantes notou­
se, 30 min após o exercício, relação entre a diminuição do conteúdo muscular de ATP durante exercício intenso
e o aumento da concentração plasmática de ácido úrico. Durante os testes em esteira rolante verificou­se relação
entre o tempo da corrida e a concentração de ácido úrico, após o exercício. Correlações significativas, porém de
baixa magnitude, também foram constatadas entre o desempenho na competição e o teor de ácido úrico, após a
corrida, em equino da raça Standardbred. A infusão de acetato de amônia durante o exercício em esteira rolante,
com intuito de induzir fadiga, não influenciou significativamente o tempo de manifestação de fadiga, sugerindo
que o teor plasmático de amônia não influencia a ocorrência de fadiga durante exercício intenso.
TERMORREGULAÇÃO E FADIGA: A fadiga que se manifesta durante exercício intenso é influenciada pelas
condições ambientais. Exercício intenso em alta temperatura está associado a início mais precoce de fadiga
devido ao aumento do fluxo sanguíneo à pele, como mecanismo de termorregulaçao à custa do débito cardíaco
e, consequentemente, liberação de oxigênio ao músculo em exercício. Também, há um efeito central induzido
por alta temperatura, devido à elevada temperatura no cérebro. O início mais precoce de fadiga em alta
temperatura pode ser um mecanismo de defesa para evitar termoplegia.
Ao contrário, fadiga termorreguladora durante exercício prolongado de baixa intensidade se origina
principalmente de fatores centrais, pois a redução do débito cardíaco é compensada pela maior dissociação de
oxigênio. A perfusão cerebral é reduzida, mas a liberação de oxigênio ao cérebro não parece ser criticamente
baixa em testes laboratoriais. Mais propriamente, a alta temperatura no cérebro, por si só, parece ser o principal
fator que influencia a ativação motora.

FADIGA DURANTE EXERCÍCIO PROLONGADO

Durante exercício prolongado de várias horas, o calor gerado durante uma nova síntese de ATP,
predominantemente aeróbica, requer um mecanismo de termorregulação do animal. As respostas incluem
transpiração e/ou respiração ofegante para remover o calor do corpo. Isso resulta em desidratação e
anormalidades ácido­base e eletrolíticas. Esses fatores geralmente estão associados a fadiga, exaustão e até
mesmo possibilidade de morte de equinos após tais exercícios. A fadiga que se manifesta durante exercício
prolongado também está associada a depleção da reserva de glicogênio nos músculos e no fígado, bem como
hipoglicemia. Em equinos, é difícil o estudo da fadiga durante exercício prolongado porque eles continuam a se
exercitar na esteira rolante mesmo que apresentem desidratação e hipertermia grave, com risco à vida.
SÍNDROME DO EQUINO EXAUSTO: Ocasionalmente, os equinos desenvolvem graves sinais de fadiga em eventos
de resistência, apesar das práticas atuais de avaliação de recuperação nas paradas de repouso. Equinos que
competem em eventos de 3 dias ou em enduros podem manifestar exaustão, com risco à vida. Durante
exercícios prolongados os equinos podem perder 10 a 15 l de fluido/h pela transpiração; pode ser necessário
tratamento imediato do déficit de fluido e de eletrólitos e da hipertermia (temperatura retal > 40,5°C). Os
equinos acometidos podem perder =10 a 20 l de água corporal; vários animais apresentam déficit de fluido
corporal de 40 l. Os déficits de sódio e potássio podem ser de 4.000 e 1.600 mmol, respectivamente. Os equinos
acometidos exibem sinais de depressão, fadiga, desidratação, taquicardia, taquipneia e hipertermia. Equinos
com hipertermia devem ser continuamente molhados com água fria, permanecer em áreas sombreadas e, quando
possível, colocados em uma brisa refrescante. Tem­se utilizado ventiladores com aspersão de névoa em eventos
equestres de alto nível, em regiões de clima quente. O banho com água muito fria (“quase congelada”) é uma
forma mais agressiva e efetiva de refrescar os equinos com hipertermia. No caso de desidratação, as soluções
eletrolíticas isotônicas balanceadas podem ser administradas VO ou IV. Aos equinos podem­se administrar 8 l,
VO, inicialmente, seguidos de 4 a 8 l em intervalos de 1 a 2 h, se necessário. Há disponibilidade de várias
misturas de eletrólitos comerciais para administração oral. Soluções hipertônicas, hipotônicas e alcalinas não
devem ser utilizadas. Nos casos graves recomenda­se tratamento intravenoso. Podem ser necessários até 50 l de
fluido, volume que pode ser administrado na dose de 5 a 10 l/h. Há necessidade de, cerca de, 30 l de solução de
Ringer para compensar um déficit de sódio de 4.000 mmol.
Umidade e temperatura ambientes têm um impacto importante no grau da anormalidade dos fluidos corporais
durante exercício prolongado. É particularmente importante assegurar hidratação adequada antes da competição
e propiciar acesso à agua durante e após o evento, de modo a minimizar o risco de exaustão. A administração de
água, eletrólitos e glicose suplementar aos equinos, antes e durante a competição, pode reduzir a prevalência da
síndrome de equinos exaustos.
SÍNDROME DE TREINAMENTO EXCESSIVO: Treinamento com exercícios altamente intensivos durante várias
semanas pode resultar em uma forma crônica de fadiga denominada síndrome do treinamento excessivo. Os
treinadores de cavalos de corrida há muito utilizam os termos “treinamento excessivo”, “deterioração” ou
“irritação” para descrever uma síndrome de baixo desempenho, falha em se recuperar do exercício e fadiga
prolongada que não se resolve durante semanas ou meses. Por definição, os sintomas da síndrome do
treinamento excessivo persistem após = 2 semanas de repouso ou redução de atividade. Uma forma menos
grave da síndrome do treinamento excessivo é denominada “exercício exagerado”, que também é uma síndrome
caracterizada por baixo desempenho e fadiga, mas nota­se recuperação dentro de 1 a 2 semanas após a redução
da carga de trabalho.
A síndrome do treinamento excessivo foi inicialmente relatada em equinos da raça Standardbred suecos, com
base na constatação de animais com sintomas de fadiga e baixo desempenho combinados com perda de peso,
inapetência e sinais de estresses psíquico, inclusive taquicardia, nervosismo, tremores musculares, sudorese e
diarreia. Os cavalos parecem desenvolver uma forma extrema de treinamento excessivo associada a
hipervolemia e exaustão adrenal que pode ser semelhante à síndrome do treinamento excessivo parassimpático
relatada em pessoas.
Em estudos experimentais de indução foi reproduzida uma forma mais branda da síndrome de treinamento
excessivo, sem qualquer evidência de hipervolemia ou exaustão de glândula adrenal. No entanto, esta síndrome
estava associada a menor resposta do cortisol plasmático a exercícios intensos, sugerindo que o treinamento
excessivo está associado a disfunção do eixo hipotálamo­pituitária–adrenal. Pesquisa recente mostra que
equinos submetidos a treinamento excessivo manifestaram alteração das funções do hormônio de crescimento,
com aumento da atividade pulsátil normal do hormônio de crescimento durante a noite, além de alteração do
metabolismo de glicose.
Deve­se suspeitar da síndrome do treinamento excessivo em equinos com evidência de baixo desempenho
persistente, juntamente com um ou mais sinais fisiológicos ou mais psicológicos (comportamentais). Embora
nenhum marcador fisiológico específico permita diagnosticar a síndrome, em equinos os sintomas podem incluir
redução do peso corporal, aumento da frequência cardíaca durante o exercício, diminuição da resposta do
cortisol plasmático ao exercício e aumento das atividades das enzimas musculares ou da gama­
glutamiltransferase. Os sinais comportamentais representam um indicador consistente e precoce da síndrome do
treinamento excessivo e justifica­se o estabelecimento de escores corporais para auxiliar na detecção precoce da
síndrome do treinamento excessivo em equinos.

PREVENÇÃO DE FADIGA

TREINAMENTO FÍSICO: O treinamento físico é a maneira mais efetiva para reduzir o risco de fadiga e aumentar a
resistência ao exercício. Há várias respostas fisiológicas ao treinamento que contribuem para aumentar a
resistência à atividade física. Aumenta a taxa máxima de transporte de oxigênio. Há aumento do volume de
ejeção cardíaca, da densidade capilar no músculo, do volume sanguíneo e do conteúdo de hemoglobina no
sangue. Ocorre hipertrofia das células musculares, juntamente com aumento de mitocôndrias, glicogênio e
enzimas relacionadas com a produção de energia.
O treinamento específico para esportes pode resultar em adaptações específicas. Por exemplo, o treinamento
para corrida de curta distância pode resultar em diminuição na quantidade de fibras de contração lenta; o
treinamento de resistência pode resultar em aumento da capacidade oxidativa das fibras de contração rápida. O
treinamento de curta distância também regula as alterações iônicas associadas ao exercício intenso, inclusive
abranda o aumento do teor plasmático de potássio e retarda o início da fadiga. O treinamento também modula a
menor taxa de absorção de cálcio e da atividade de Ca2+–ATPase associada à fadiga.
A adaptação do músculo esquelético à atividade física depende da intensidade do treinamento. Equinos
treinados em intensidade > 80% de sua capacidade de absorção máxima de oxigênio (VO2max) apresentaram
aumento no percentual de fibras de contração rápida e de fibras de alta oxidação e aumento de 8% na
capacidade de tamponamento do músculo exercitado; no entanto, essas respostas não ocorreram em equinos
treinados em 40% da VO2max. A avaliação da frequência cardíaca pode ser útil na orientação sobre a intensidade
do treinamento. Frequências cardíacas que resultam em 80% da VO2max correspondem cerca de 90% da
frequência cardíaca máxima. A frequência cardíaca máxima de equinos varia de cerca de 210 a 240 bpm. A fim
de propiciar maior adaptação muscular ao treinamento é apropriado utilizar a frequência cardíaca para
determinar a frequência cardíaca de um equino durante exercícios lento e rápido e para calcular qual a
velocidade do exercício que resulta em frequência cardíaca correspondente a 90% da frequência cardíaca
máxima. O teor de lactato no sangue após exercício também pode ser útil na avaliação da intensidade do
treinamento. Em uma intensidade de exercício que corresponde a 80% da VO2max, a concentração plasmática de
lactato durante a atividade física em esteira rolante varia de 4 a 10 mmol/l.
AQUECIMENTO: O aquecimento antes do início do exercício aumenta significativamente o tempo necessário ao
aparecimento de fadiga durante atividade física intensa em cavalos de corrida. O aquecimento eleva a
temperatura dos músculos antes do exercício, bem como aumenta a taxa em que há maior absorção de oxigênio
(cinética de absorção do oxigênio) e o pico de absorção de oxigênio durante o exercício. O déficit de oxigênio
no início de exercício intenso e a taxa do metabolismo de glicogênio durante a atividade física também são
menores após o aquecimento prévio. Em um estudo não se constatou diferença entre os efeitos do aquecimento
de baixa intensidade (5 ou 10 min em 50% da VO2max), de intensidade moderada (1 min em 70% da VO2max) e
de alta intensidade (1 min em 115% da VO2max), ou na combinação de baixa e alta intensidades. A importância
prática desse achado é que o aquecimento antes de uma competição que envolve exercício intenso
provavelmente reduz a fadiga de equinos Quarto­de­Milha, Puro­Sangue Inglês e Standardbred americano.
MANEJO DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE, DA DIETA E DA HIDRATAÇÃO: Sugere­se que a fadiga manifestada durante
exercício intenso seja retardada pelo manejo da condição ácido­base antes do exercício. Embora alguns
treinadores administrem bicarbonato de sódio antes da corrida, esta é uma prática atualmente proibida por vários
organizadores de corridas. O tratamento altera o pH sanguíneo e a concentração de lactato durante o exercício.
No entanto, o efeito de soluções alcalinizantes no desempenho de equinos é questionável; estudo recente em
esteira rolante mostrou que uma dose de 0,6 g de bicarbonato de sódio/kg não influenciou o tempo de
aparecimento da fadiga. Além disso, a administração de bicarbonato de sódio antes de exercício intenso em
esteira rolante não alterou significativamente a resposta metabólica muscular ao exercício. Em cães Greyhound,
uma dose de 0,4 g de bicarbonato de sódio/kg não influenciou significativamente o tempo de manifestação de
fadiga em corridas com > 400 m de distância. No entanto, pode haver um efeito ergogênico quando se utiliza
alta dose de bicarbonato de sódio. O bicarbonato de sódio, na dose de 1 g/kg (administrada por meio de sonda
nasogástrica), aumentou o tempo de aparecimento de fadiga em equinos; concluiu­se que o tratamento
influenciou o desempenho.
Manipulação de suplementos energéticos e hidratantes é um procedimento frequentemente utilizado em
atletas humanos, com intuito de limitar a fadiga durante um exercício de resistência. Nos equinos, a
desidratação antes do exercício resulta em maior temperatura central durante a atividade física. Não é
recomendável que o animal inicie um exercício de resistência com hidratação inadequada ou baixa concentração
de glicogênio no fígado e nos músculos. Os equinos são mais suscetíveis do que as pessoas à hipertermia
durante exercício prolongado, em razão da alta proporção de massa corporal em relação à superfície do corpo.
Nos equinos, a termorregulação resulta em anormalidades extremas na condição de hidratação corporal; há
interesse crescente em meios que minimizem essas respostas aos exercícios mediante administração de fluidos
antes do exercício. Hidratação excessiva mediante administração oral de solução salina antes do exercício
resulta na expansão do volume sanguíneo durante o exercício. Estudos recentes sugerem que hidratação
excessiva antes de exercício prolongado auxilia na manutenção do volume plasmático durante a atividade física,
mas não resulta em diminuição da temperatura corporal. Os equinos devem ser aclimatados ao ambiente de alta
temperatura antes da competição. Pode­se esperar que os equinos não aclimatados apresentem temperatura
corporal mais elevada durante o exercício, bem como manifestação mais precoce de fadiga.
Os equinos não devem receber quantidade excessiva de alimento 1 a 2 h antes da competição, pois o volume
plasmático encontra­se diminuído durante, no mínimo, 1 h após a ingestão de grande volume de alimento. O
fornecimento de pequenas porções de alimento em intervalos de 4 h não altera o volume plasmático. Um menor
volume de água no trato gastrintestinal pode diminuir a fadiga durante exercício intenso porque pode reduzir o
oxigênio necessário à locomoção. Menor ingestão de fibras antes de competições é uma estratégia para reduzir o
volume de água na porção posterior do intestino. No caso de exercício prolongado, é provável que o
fornecimento antes do exercício, especialmente com alimentos ricos em fibras, seja benéfico, pois o aumento de
água no trato GI pode ser um importante reservatório de água e eletrólitos, para substituir as perdas pelo suor. O
fornecimento de alimentos ricos em fibras também aumenta a ingestão voluntária de água.
Pode ser importante a suplementação de glicose para limitar a fadiga durante exercício de resistência, em
equinos. O tempo de resistência durante corrida em esteira rolante foi prolongado pela infusão IV de solução de
glicose durante o exercício. O teor plasmático de glicose foi maior durante exercício em equinos que receberam
glicose; a concentração plasmática de lactato e a temperatura corporal foram menores por ocasião da fadiga. O
volume plasmático diminuiu mais lentamente em equinos tratados. Estes resultados sugerem que a glicose
suplementar durante o exercício prolonga o tempo de desempenho dos equinos. Esse aumento pode ser
decorrente de maior disponibilidade de glicose, menor dependência de produção anaeróbica de energia, menor
temperatura corporal e maior capacidade de manutenção do volume plasmático.
A concentração de glicogênio no músculo esquelético antes da competição é um fator relevante na ocorrência
de fadiga durante ambos, exercício de curta duração/intenso e exercício prolongado. A depleção de glicogênio
muscular provoca menor geração de energia anaeróbica e menor capacidade para exercício de alta intensidade.
A reserva de glicogênio de equinos não deve estar exaurida antes de eventos de curta duração ou de resistência.
Exercício intenso ou prolongado ocasiona depleção da reserva de glicogênio muscular, sendo sensato reservar
pelo menos 48 h para nova síntese de glicogênio adequada, após exercícios, em equinos. Não há relato de
método de suprimento de glicogênio por meio de ajuste da dieta normal de equinos. O uso de glicose ou de
outras soluções de carboidratos antes de competições com intuito de favorecer o desempenho em animais de
corridas das raças Standardbred americana e Puro Sangue Inglês não tem base científica.
O fornecimento de gordura pode aumentar o desempenho durante exercício prolongado. O aumento da
concentração sanguínea de ácidos graxos livres antes de exercício de resistência resulta em maior utilização de
gordura como fonte energética durante exercício de baixa intensidade e aumento da glicemia durante o
exercício. O desvio metabólico para maior uso de gordura como fonte de energia resulta em menor demanda
respiratória para o exercício, porque menor volume de dióxido de carbono deve ser expirado quando se utiliza
mais gordura como fonte de energia. A adaptação à gordura parece facilitar o controle metabólico da glicólise
ao poupar glicose e glicogênio em trabalho de baixa intensidade e ao promover glicólise quando há necessidade
de energia para exercício de alta intensidade. A adição de gordura à dieta influencia a termorregulação e a
resposta metabólica ao exercício. Com frequência, recomenda­se o fornecimento de 10 a 12% de óleo vegetal na
dieta total.
Tem­se utilizado creatina como um tipo de auxílio ergogênico em equinos, mas não há evidência de sua
eficácia. Equinos que receberam 25 g de creatina monoidratada, 2 vezes/dia, durante 6,5 dias, não apresentaram
tempo de corrida significativamente diferente daquele dos animais do grupo controle. A suplementação também
influenciou muito as concentrações de creatina no músculo e no sangue, em repouso ou após o exercício.
Há relato de relação entre a concentração de vitamina E e o desempenho de cães de trenó. O índice de
desistência foi menor em cães com maior teor de vitamina E antes da corrida, provavelmente porque não
abandonaram a corrida em razão de problemas de saúde, fadiga ou outras razões. Esse resultado deve ser
avaliado em outros estudos no sentido de investigar se a menor ocorrência de fadiga é decorrente da maior
concentração de vitamina E no sangue.
RECUPERAÇÃO: A recuperação dos equinos após provas de enduro é influenciada pela estratégia de reidratação.
Após exercício prolongado em esteira rolante e desidratação induzida por furosemida, os equinos que receberam
solução salina (NaCl 0,9%) como fluido de reidratação inicial mantiveram alta concentração plasmática de
sódio; a recuperação do peso corporal desses animais foi mais rápida do que daqueles que receberam água. Os
equinos necessitam treinamento para ingerir solução salina. O uso de solução salina deve ser estimulado
especialmente em equinos que competem em eventos realizados em dias consecutivos, como enduro e
competições de 3 dias.

FEBRE DE ORIGEM DESCONHECIDA

Em pacientes veterinários e humanos a febre pode indicar doenças infecciosas, inflamatórias, imunomediadas
ou neoplásicas. Na maioria dos casos a anamnese e o exame físico revela a causa da febre, ou a febre se cura
espontaneamente ou após terapia antimicrobiana. No entanto, em pequena porcentagem de pacientes a causa da
febre não é facilmente identificada e o problema se torna persistente ou recorrente. Diz­se que estes pacientes
apresentam febre de origem desconhecida (FOD).
Em medicina humana, define­se a FOD clássica como vários episódios de febre > 38,3°C durante > 2 a 3
semanas, sem a definição do diagnóstico após 3 visitas ao ambulatório ou 3 dias de internação. Em medicina
veterinária não se estabeleceu um critério de diagnóstico para essa síndrome, tornando difícil o estabelecimento
de sua real prevalência. Atualmente, é provável que a prevalência de FOD seja menor do que há 20 anos, em
razão do avanço das técnicas de diagnóstico (p. ex., imagens de alta definição, exames de laboratório).
CONTROLE DA TEMPERATURA CORPORAL: A temperatura corporal é controlada pelo hipotálamo. Essa região do
cérebro atua como um termostato, mantendo a temperatura o mais próximo possível do valor normal. O
hipotálamo recebe estímulo dos termorreceptores externos e internos, ativando funções fisiológicas e atitudes
comportamentais que influenciam a produção, a perda ou o ganho de calor.
Hipertermia refere­se a qualquer aumento da temperatura corporal além do valor normal. Febre é uma forma
particular de hipertermia na qual os mecanismos de perda e ganho de calor são ajustados de modo a manter a
temperatura corporal acima do valor normal controlado pelo hipotálamo; portanto, a febre é fundamentalmente
uma hipertermia controlada. Nos casos afebris de hipertermia (p. ex., termoplegia, hipertermia induzida por
exercício, hipertermia maligna, convulsões) ocorre aumento da temperatura corporal em razão da perda, ganho
ou produção de calor anormal e descontrolada, não sendo alterado o valor normal controlado pelo hipotálamo.
Dependendo da gravidade, essas condições podem resultar em temperatura corporal = 41,1°C. Em comparação,
a temperatura da maioria dos pacientes com febre verdadeira varia de 39,5 a 41,1°C.
O aumento da temperatura normal controlada pelo hipotálamo pode ser induzido por pirógenos exógenos,
inclusive medicamentos, toxinas e produtos virais ou bacterianos (p. ex., endotoxinas). Estes estímulos
pirogênicos ocasionam liberação de citocinas, denominadas pirógenos endógenos, a partir de células
inflamatórias. Por fim, a prostaglandina E2, sintetizada no próprio hipotálamo, é responsável pela elevação da
temperatura, o que resulta em febre.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Pode­se definir FOD como um estado febril que não se cura espontaneamente no
período esperado para uma infecção autolimitante, no qual não se constata uma etiologia, apesar de
consideráveis esforços para o diagnóstico. Isso exclui pacientes que respondem à terapia antimicrobiana (sem
recidiva), pacientes cuja causa de febre é definida pelo histórico inicial, exame físico ou exames de laboratório e
pacientes nos quais a febre regride espontaneamente.
Doenças infecciosas, neoplásicas e imunomediadas são as causas mais comuns de FOD em cães. Em um
estudo que envolveu 101 cães com febre, notou­se que 22% deles apresentavam doença imunomediada, 22%
tinham doença primária da medula óssea, 16% eram portadores de doença infecciosa, 9,5% apresentavam
neoplasia, 11,5% estavam acometidos por afecções mistas e 19% tinham realmente FOD. Em gatos, a causa
mais provável é doença infecciosa, mas há menos informações publicadas sobre a doença em comparação aos
cães. Em uma pesquisa que envolveu equinos com FOD, notou­se que 43% dos animais tinham doença
infecciosa, 22% apresentavam neoplasia, 6,5% eram portadores de doença imunomediada, 19% apresentavam
anormalidades mistas e em 9,5% deles a etiologia não foi esclarecida. Em animais pecuários, as causas mais
prováveis de FOD são doenças inflamatórias ou infecciosas, como pneumonia, peritonite, abscesso, endocardite,
metrite, mastite, poliartrite e pielonefrite.
DIAGNÓSTICO: A chave do diagnóstico de FOD é a elaboração e aplicação de um plano sistemático que permita
a identificação das causas comuns e incomuns de febre. Os proprietários devem ser informados que o
diagnóstico de FOD pode requerer tempo e paciência consideráveis, podendo ser necessários testes diagnósticos
mais caros ou mais específicos. Todavia, os exames simples e baratos também podem revelar indícios que
permitem definir a origem da febre. Em um estudo retrospectivo em cães febris constatou­se que radiografias,
citologia e culturas de amostras de fluido ou de tecidos para pesquisa de fungos ou bactérias são os testes
diagnósticos mais úteis.
Um plano diagnóstico organizado pode auxiliar na escolha dos exames apropriados. A primeira fase deve
incluir anamnese, exame físico, exames oftálmico e neurológico, hemograma, fibrinogênio, perfil bioquímico
sérico, urinálise e urocultura, sorologia para vírus da leucemia felina e para vírus da imunodeficiência felina
(gatos) e, geralmente, radiografias de tórax e abdome em pequenos animais. Na segunda etapa podem­se repetir
alguns testes da primeira fase (particularmente o exame físico), adicionando­se testes específicos. Estes podem
ser definidos a partir dos achados anormais constatados na primeira etapa ou podem ser escolhidos
considerando­se as causas mais comuns de FOD. Nessa fase podem­se incluir hemocultura, artrocentese,
ultrassonografia abdominal, aspiração de linfonodos, aspiração de outros órgãos ou tumefações, exame de
fluidos corporais (p. ex., fluido de cavidades corporais, amostra de leite, secreção do sistema reprodutivo),
coprocultura, ecocardiografia (quando há sopro), radiografias de articulações e ossos longos, radiografias
contrastadas e sorologia. Na terceira etapa podem­se repetir os exames iniciais, bem como os exames
específicos. A escolha de tais procedimentos baseia­se principalmente nos achados anteriores, mas também
podem ser realizados quando os resultados dos exames anteriores são poucos esclarecedores. Entre os exemplos
incluem­se ecocardiografia (na ausência de sopro), radiografias dentárias, aspiração de medula óssea,
broncoscopia e lavado broncoalveolar, exame do fluido cerebroespinal (FCE), tomografia computadorizada
(TC), ressonância magnética (RM), laparoscopia, toracoscopia, biopsia, cirurgia exploratória ou terapia
experimental.
Anamnese e Exame Físico: As características epidemiológicas, como vacinação, controle de parasitos e histórico
de transporte, sempre devem ser questionadas. A resposta ao uso prévio de medicamentos deve ser verificada,
bem como a ocorrência de doença em outros animais ou pessoas. Os proprietários devem ser arguidos
minuciosamente em relação aos sintomas específicos, visto que podem auxiliar na definição da origem da febre.
O exame físico deve ser minucioso e repetido com frequência.
Hemograma e Perfil Bioquímico Sérico: As alterações no hemograma e no perfil bioquímico sérico em pacientes
com FOD frequentemente são inespecíficas, mas podem indicar a necessidade de testes diagnósticos adicionais.
O hemograma deve ser sempre acompanhado da avaliação do esfregaço sanguíneo, com a finalidade de
identificar parasitos ou alterações morfológicas das células do sangue.
Urocultura:É sempre indicada para investigar a ocorrência de FOD em pequenos animais, independente do
aspecto do sedimento urinário.
Radiografias de abdome e tórax são métodos de triagem úteis para
Radiografia e Imagens de Alta Definição:

localizar a origem da febre. Em seguida, podem­se obter radiografias ósseas e radiografias contrastadas,
dependendo dos achados iniciais. Por exemplo, mielografia pode ser útil na investigação de dor na região
dorsal. O emprego de técnicas de imagem de alta definição, como TC e RM, é definido pelos resultados dos
exames iniciais ou em função do sistema orgânico de interesse; por exemplo, RM é particularmente útil na
avaliação do SNC.
Ultrassonografia e Ecocardiografia: Ultrassonografia do abdome pode revelar a causa abdominal de febre, como
neoplasia, peritonite, pancreatite ou abscesso. Cavidade torácica, membros e região retrobulbar também podem
ser examinadas por meio de ultrassonografia. Indica­se ecocardiografia na etapa inicial do exame de pacientes
apresentam FOD, com sopro. Isso pode auxiliar na detecção de endocardite, embora esse diagnóstico também
deva se basear na resenha, no início do sopro cardíaco e nos resultados da hemocultura.
Exame da Medula Óssea: Citologia e histologia de medula óssea devem ser avaliadas em qualquer paciente com
alterações inexplicáveis no hemograma. Doença de medula óssea é uma causa comum de FOD em pequenos
animais; portanto, aspiração de medula óssea também deve ser incluída na segunda etapa do plano diagnóstico
desses pacientes.
Artrocentese:Como a poliartrite imunomediada é uma causa comum de FOD em cães, inclui­se artrocentese na
segunda fase do plano diagnóstico desses animais, mesmo quando as articulações estão normais à palpação.
Alguns cães com arterite­meningite responsiva aos esteroides também apresentam simultaneamente poliartrite
imunomediada; assim sendo, deve­se realizar artrocentese em cães com dor espinal. Poliartrite infecciosa é mais
comumente diagnosticada em grandes animais; nesse caso a artrocentese representa importante teste
diagnóstico.
Exame do fluido cerebroespinal (FCE): Recomenda­se a obtenção de amostra de FCE em cães com FOD quando
testes menos invasivos não revelam a causa da febre. O FCE deve ser enviado para exame citológico, dosagem
de proteína e cultura microbiológica.
Hemocultura: Recomenda­se hemocultura para todos os pacientes com febre de origem desconhecida. As
técnicas utilizadas devem possibilitar a coleta asséptica de volume suficientemente grande de sangue. Caso o
tamanho do paciente permita a coleta de um volume superior ao necessário à hemocultura, possibilitando o uso
de frascos aeróbicos e anaeróbicos, aumenta­se a sensibilidade e a especificidade do exame.
Sorologia: Há disponibilidade de testes sorológicos para diagnóstico de várias doenças infecciosas e de algumas
enfermidades imunomediadas. A escolha deve basear­se na resenha, nos sintomas e nas características
epidemiológicas do paciente. A interpretação dos resultados requer o conhecimento da prevalência da doença,
do histórico de vacinação e da sensibilidade e da especificidade do teste. O uso de perfis imunológicos ou de
testes de triagem de autoanticorpos em pequenos animais com FOD é desaconselhável. A detecção de títulos de
anticorpos antinucleares e de fator reumatoide, isoladamente, é um teste sensível ou específico o suficiente para
diagnosticar lúpus eritematoso sistêmico e artrite reumatoide, respectivamente.
Aspirados com agulha fina são seguros e simples na obtenção de amostras
Microbiologia, Citologia e Histologia:

de efusões, tumefações, nódulos, órgãos, tecidos e fluidos corporais. Os fluidos devem ser submetidos aos
exames citológico e microbiológico. Em geral, obtêm­se fragmentos de tecidos por biopsia na segunda ou na
terceira etapa do plano diagnóstico, depois que os sintomas ou os resultados dos exames laboratoriais iniciais
evidenciarem a origem da febre. Quando a biopsia permite a obtenção de amostras em quantidade suficiente,
estas devem ser enviadas para exame histopatológico, cultura (aeróbica e anaeróbica; para fungos, micoplasmas,
micobactérias etc.) e coloração especial. Caso se faça cirurgia exploratória deve­se realizar biopsia para
obtenção de fragmentos de tecidos em vários locais.
TRATAMENTO: Em alguns casos de FOD não se consegue um diagnóstico específico, ou o plano diagnóstico é
interrompido, sendo realizado o tratamento sem a definição do diagnóstico. As opções terapêuticas incluem
antibióticos, antifúngicos e terapia anti­inflamatória ou imunossupressora (comumente com corticosteroides). A
tentativa terapêutica pode curar os sintomas ou pode confirmar um diagnóstico presuntivo, mas está associada a
risco significativo. Antes de adotar um tratamento o cliente deve ser informado sobre os riscos potenciais e deve
se comprometer a monitorar cuidadosamente o paciente por um período adequado. A tentativa terapêutica deve
fundamentar­se em uma suspeita clínica, definindo­se os parâmetros a ser verificados e os critérios utilizados na
avaliação da eficácia do tratamento. No caso de pacientes que serão encaminhados para investigação minuciosa
de FOD não se deve instituir terapia experimental porque pode influenciar os resultados de testes adicionais.
Na febre verdadeira, a elevação da temperatura corporal é regulada; portanto, métodos de resfriamento, como
banhos, atuam contra os mecanismos reguladores do próprio corpo. Também, é provável que a própria febre
tenha alguns efeitos benéficos, particularmente nas doenças infecciosas. No entanto, a febre pode causar
anorexia, letargia e desidratação. Desse modo, pacientes com FOD podem se beneficiar de fluidoterapia IV ou
do uso de medicamentos antitérmicos. Alguns exemplos desses medicamentos são os anti­inflamatórios não
esteroides (AINE), como ácido acetilsalicílico, carprofeno, cetoprofeno e meloxicam (pequenos animais) e
flunixino meglumina ou fenilbutazona (grandes animais).

HIPERTERMIA MALIGNA (Síndrome do estresse suíno)

A hipertermia maligna (HM) é uma síndrome hipermetabólica que envolve os músculos esqueléticos e
caracteriza­se por hipertermia, taquicardia, taquipneia, aumento do consumo de oxigênio, cianose, disritmias
cardíacas, acidose metabólica, acidose respiratória, rigidez muscular, instabilidade da pressão arterial sanguínea
e morte. Também pode haver alterações eletrolíticas, mioglobinúria, elevação da atividade da creatinoquinase
(CK), prejuízo à coagulação sanguínea, insuficiência renal e edema pulmonar. Inicialmente a HM foi
reconhecida como uma síndrome fatal em pessoas; em suínos é denominada síndrome do estresse suíno. A
HM é mais prevalente em suínos, porém há relatos desta síndrome em cães (especialmente Greyhound), gatos e
equinos.
Em pessoas, a HM é uma doença hereditária. Perguntas quanto à ocorrência de morte inexplicável durante a
anestesia fazem parte de um questionário sobre o histórico familiar preenchido por pacientes humanos e
também devem ser incluídas na ficha clínica de pacientes veterinários. Além disso, sempre que há um caso
suspeito de HM é prudente que o veterinário notifique o proprietário da leitegada e dos reprodutores. No
entanto, pode­se notar ocorrência esporádica de HM sem qualquer histórico familiar. Muitas vezes, a HM ocorre
após um procedimento anestésico; no entanto, como os sinais são discretos e podem não ser detectáveis, a
síndrome não é diagnosticada, tampouco se suspeita dela.
Há relato de hipertermia maligna na maioria das raças de suínos. A prevalência é variável, com índices > 90%
em algumas linhagens. A prevalência é maior em raças magras e de forte massa muscular, por exemplo,
Pietrain, Poland China, Landrace, Duroc e Large White. Relata­se taxa de mortalidade de 3,2% em suínos em
fase de terminação; contudo, este valor pode ser consideravelmente maior em rebanhos suscetíveis.
ETIOLOGIA: A suscetibilidade à HM é determinada por um gene autossômico recessivo de penetrância variável.
A mutação causadora localiza­se na transição de C para T no gene que controla o canal que libera Ca2+ (receptor
de rianodina) do retículo sarcoplasmático do músculo esquelético. Acredita­se que a perda da regulação do Ca2+
da célula muscular seja a principal causa de HM. Ela é consistentemente estimulada em animais geneticamente
suscetíveis em casos de excitação, apreensão, exercício ou estresse ambiental. Isso é particularmente verdadeiro
em suínos. Todavia, a HM induzida por exercício também foi relatada em cães, sugerindo haver síndrome do
estresse canina. A exposição a anestésicos voláteis ou bloqueadores neuromusculares despolarizantes induz HM
em animais suscetíveis. Na verdade, pode­se utilizar o teste do halotano como um método de triagem.
Após o desafio ou estresse inicial, o receptor de rianodina hipersensível “inunda” o mioplasma do músculo
esquelético com Ca2+. Rapidamente instala­se hipermetabolismo e contração muscular como resultado direto
desse aumento descontrolado e prolongado no conteúdo de Ca2+ mioplasmático. A depleção de ATP no músculo
esquelético ocorre à medida que a demanda energética para contração muscular excede o suprimento de energia.
O aumento dos metabolismos aeróbico e anaeróbico resulta em produção excessiva de CO2 e ácido láctico; a
termogênese e a vasoconstrição periférica aumentam a temperatura corporal. À medida que o episódio de HM
progride, a combinação de aumento da temperatura, acidose e depleção de ATP ocasiona rabdomiólise. As
células liberam enzimas mioplasmáticas e eletrólitos e há absorção do excesso de Ca2+ no mioplasma. A
contração muscular e sua demanda energética subsequente são adicionalmente potencializadas e, por fim, em
razão das alterações de temperatura e pH, a contração continua, independente dos teores mioplasmáticos de
Ca2+. O animal morre em decorrência do aumento da concentração sérica de K+, que causa disritmia e parada
cardíaca.
ACHADOS CLÍNICOS: O tempo de desenvolvimento dos sinais clínicos é variável. Os sintomas incluem rigidez
ou fasciculações musculares que progridem para rigidez muscular. No início nota­se taquicardia ventricular que
se mantém até que o teor sérico de K+ atinja concentração cardiotóxica. Em animais não anestesiados nota­se
respiração com a boca aberta, taquipneia e hiperventilação que progride para apneia. Nos animais de pele clara
constata­se palidez e eritema, seguidos de manchas cianóticas. A temperatura corporal aumenta rapidamente e
pode atingir 45°C, antes da morte do animal. Em animais anestesiados ocorre rápida depleção do absorvente de
CO2 e o canister do circuito respiratório torna­se quente à palpação. Como a hipotermia é uma consequência
esperada durante anestesia geral, a detecção de hipertermia é um sinal­chave, juntamente com taquicardia e
taquipneia. A doença quase sempre é fatal. Nota­se a instalação de rigor mortis dentro de minutos e há aumento
significativo da temperatura muscular. Em animais que morreram subitamente, os músculos acometidos
apresentam­se pálidos, moles e parecem úmidos ou com exsudação. Essa síndrome suína com palidez e
exsudação é frequentemente associada a HM.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico clínico baseia–se no desenvolvimento de sinais clínicos em um animal exposto a
anestésico volátil e/ou a algum evento estressante. A natureza aguda da doença e sua relação com um fator
estressante permitem a diferenciação de HM de outras enfermidades fatais. Vários exames de laboratório foram
desenvolvidos com intuito de detectar animais suscetíveis à HM, mas nenhum deles permite um diagnóstico
rápido de HM aguda. A maioria dos testes de triagem não tem sensibilidade e especificidade para identificar
animais suscetíveis ou portadores de HM. O teste de contração muscular pela cafeína envolve a exposição in
vitro de tecido muscular à cafeína e ao halotano. O músculo de um indivíduo suscetível à HM se contrai quando
exposto à menor concentração de cafeína e halotano, em comparação com o músculo normal. Esse teste tem
aplicação limitada em animais em razão da necessidade de condições laboratoriais especiais; além disso, o
exame deve ser realizado poucos minutos após a obtenção da amostra de músculo. O teste genético molecular é
especifico para o gene da HM. Esse exame de DNA é realizado com uma pequena amostra de sangue obtida
com anticoagulante, a fim de se detectar mutação no gene do receptor de rianodina; ele permite identificar
animais homozigotos resistentes e suscetíveis à HM, bem como portadores heterozigotos. A confiabilidade
desse teste na identificação de animais homozigotos e heterozigotos é maior do que a do teste de desafio ao
halotano.
TRATAMENTO: Normalmente os episódios de HM não são detectados antes que seja tarde demais. O diagnóstico
precoce durante a anestesia é fundamental para o sucesso na recuperação do animal. Deve–se interromper o
fornecimento de anestésico volátil. Canister de CO2 e tubos de respiração devem ser trocados e deve­se aplicar
uma dose de 4 a 5 mg de dantroleno sódico/kg IV. É essencial que o dantroleno seja administrado no início da
doença porque há diminuição significativa do fluxo sanguíneo muscular à medida que a doença progride.
Podem­se administrar doses adicionais de dantroleno, quando necessário. O tratamento de suporte inclui
fluidoterapia e controle da acidose por meio de suporte ventilatório e administração de bicarbonato de sódio. O
aumento da temperatura corporal pode ser controlado mediante o resfriamento da superfície do animal e/ou por
meio de banhos com solução salina resfriada. Caso ocorra HM após anestesia, em clima frio, a transferência do
animal para um ambiente externo e a colocação do mesmo em um “monte” de neve pode ser um procedimento
que salva a vida do paciente. Outras medidas de suporte incluem enriquecimento dos gases inspirados com
oxigênio e tratamento das disritmias cardíacas.
CONTROLE: A redução da prevalência de HM na população suína requer a seleção genética de animais
resistentes à doença. Com o advento do teste de DNA é possível descartar os animais suscetíveis e portadores de
HM. A prevenção dos episódios individuais de HM requer a adoção de boas práticas de manejo para minimizar
o estresse.
Caso um animal sobrevivente à HM ou suscetível à doença necessite anestesia para cirurgia devem­se
administrar 3 a 5 mg de dantroleno/kg VO, 1 a 2 dias antes da anestesia. Pode­se aplicar uma associação de
tranquilizante­opioide como medicação pré­anestésica, utilizando­se o propofol como indutor da anestesia. A
acepromazina inibe o desenvolvimento de HM; não há relato de indução de HM pelo propofol. Deve­se evitar o
uso de anestésicos voláteis. O canister de CO2 do aparelho deve ser limpo, utilizando­se novo absorvente
juntamente com novo circuito respiratório e tubo endotraqueal. Uma alternativa é o uso de um sistema
semiaberto para liberação de oxigênio. Por fim, os anestésicos locais da classe amida são seguros em animais
suscetíveis à HM. O procedimento anestésico deve ser o mais breve possível porque a ocorrência de HM é mais
frequente quando o tempo de anestesia é > 1 h. Todos esses procedimentos minimizam o risco de HM, porém
não impedem que ela ocorra.

LIPIDOSE HEPÁTICA
SÍNDROME DO FÍGADO GORDUROSO EM VACAS

A ocorrência de fígado gorduroso é mais comum em vacas no periparto. Embora seja considerado um distúrbio
pós­parto, manifesta­se geralmente antes e durante a parição. As alterações endócrinas associadas ao parto e à
lactogênese contribuem para o desenvolvimento de fígado gorduroso; no entanto, a inapetência quase sempre
acompanha os casos graves. As vacas alimentadas em excesso na época da parição são mais suscetíveis à
lipidose hepática. A doença pode se instalar sempre que há diminuição no consumo alimentar; ademais, pode
ser secundária a outra doença. As vacas que desenvolvem lipidose hepática na época do parto são mais sujeitas
à cetose.
ETIOLOGIA: A síndrome do fígado gorduroso se instala durante período em que há aumento da concentração
sanguínea de ácidos graxos não esterificados (AGNE). O aumento mais marcante ocorre durante a parição,
quando o teor plasmático frequentemente é > 1.000 μEq/l. A concentração pode atingir tal valor quando a vaca
diminua o consumo de alimentos. A absorção de AGNE pelo fígado é proporcional ao teor de AGNE no sangue.
Os AGNE absorvidos no fígado podem ser oxidados ou esterificados. O produto da esterificação primária é o
triglicerídio, que pode ser parcialmente liberado sob a forma de lipoproteínas de densidade muito baixa ou pode
ser armazenado. Nos ruminantes, a liberação ocorre em taxa muito lenta, em comparação com várias outras
espécies. Portanto, quando há aumento de absorção e esterificação hepática de AGNE ocorre acúmulo de
triglicerídios. A oxidação de AGNE induz à formação de CO2 e cetonas, principalmente de acetoacetato e beta­
hidroxibutirato. A formação de cetonas é favorecida pela hipoglicemia. Anormalidades que ocasionam
diminuição dos teores sanguíneos de glicose e de insulina também contribuem para a ocorrência de fígado
gorduroso, pois a insulina impede a mobilização de gordura do tecido adiposo.
Tipicamente, o teor hepático máximo de triglicerídios ocorre na época do parto. O nível de redução do
consumo de alimento antes e depois da parição ou durante uma doença regula o grau de infiltração de
triglicerídios. A síndrome do fígado gorduroso pode se desenvolver dentro de 24 h após o jejum. Em razão da
lenta taxa de liberação de triglicerídios na forma de lipoproteínas, uma vez instalada a lipidose hepática, ela
persiste por um tempo prolongado. A depleção geralmente inicia quando a vaca atinge um equilíbrio energético
positivo e pode demorar várias semanas para uma depleção total.
A síndrome do fígado gorduroso é consequência de um balanço energético negativo, não de um balanço
positivo. O consumo energético acima das necessidades de manutenção e produção não resulta diretamente em
deposição de triglicerídios no tecido hepático. Essa deposição de triglicerídios ocorre apenas quando a vaca
encontra­se superalimentada e, consequentemente, reduz o consumo de alimentos.
ACHADOS CLÍNICOS: Não há sintomas característicos de lipidose hepática em vacas. A síndrome do fígado
gorduroso está associada a baixa produção leite, maior prevalência de mastite clínica e baixo desempenho
reprodutivo. No entanto, ainda não se estabeleceu uma relação entre causa e efeito. As consequências
metabólicas do acúmulo de triglicerídios no fígado incluem diminuição da gliconeogênese, ureagênese,
excreção hormonal e receptividade hormonal. Sendo assim podem ocorrer hipoglicemia, hiperamonemia e
alterações no perfil endócrino, simultaneamente, à lipidose hepática.
É provável que a lipidose hepática seja concomitante a outras doenças, tipicamente anormalidades que
ocorrem na época do parto ou logo após a parição. Entre elas incluem­se metrite, mastite, deslocamento de
abomaso, acidose e hipocalcemia. Observações de campo indicam que a resposta ao tratamento de doenças
concomitantes é ineficaz quando a vaca apresenta extensa infiltração hepática de triglicerídios. As vacas que
demoram em aumentar a produção de leite e o consumo de alimentos após o parto são mais suscetíveis à
síndrome do fígado gorduroso. Portanto, é provável que a lipidose hepática seja mais o resultado do que a causa
do baixo consumo de alimentos. Vacas com fígado gorduroso são mais predispostas à cetose. A ocorrência de
fígado gorduroso é quase sempre em vacas obesas e vacas caídas (p. 1255). O consumo de alimentos por vacas
superalimentadas é baixo antes e após o parto, tornando­as suscetíveis à síndrome do fígado gorduroso. Embora
essas vacas sejam mais sujeitas à doença, a enfermidade não se restringe às vacas obesas. Vacas obesas não
necessariamente manifestam fígado gorduroso. É improvável que o acúmulo de triglicerídios no fígado seja a
causa direta da síndrome da vaca caída.
DIAGNÓSTICO: Os testes para diagnóstico de síndrome de fígado gorduroso têm valor limitado. O diagnóstico é
definido depois que a vaca deixa de se alimentar ou morre em razão de outra complicação. Um diagnóstico
positivo não significa que os sinais clínicos da doença são decorrentes de fígado gorduroso, sendo comum a
interpretação incorreta de um diagnóstico positivo.
A biopsia hepática é o único método confiável para a determinação da gravidade da lipidose hepática em
vacas leiteiras. Para avaliação quantitativa há necessidade de dosagem do conteúdo de lipídio total ou de
triglicerídios por meio de um método gravimétrico ou químico, após extração tecidual com solventes orgânicos;
no entanto, esses exames não são realizados rotineiramente nos laboratórios comerciais. A estimativa do teor de
triglicerídios por meio de flotação do tecido em soluções de sulfato de cobre de densidades específicas variáveis
é um procedimento rápido, fácil e acessível em condições de campo.
Metabólitos sanguíneos e urinários ou atividade enzimática sanguínea têm sido propostos como testes
diagnósticos. Quando as condições favorecem o desenvolvimento de lipidose hepática o teor sanguíneo de
glicose é baixo e as concentrações de AGNE e de beta­hidroxibutirato são altas. A concentração sanguínea de
colesterol costuma ser baixa quando há hepatopatia gordurosa e isso pode indicar a deficiência do fígado em
sintetizar lipoproteínas. Aspartato aminotransferase, ornitina descarboxilase e sorbitol desidrogenase são
enzimas hepáticas que se correlacionam positivamente com o teor hepático de triglicerídios e com a ocorrência
de lesão hepática. Metabólitos ou enzimas do sangue não são testes confiáveis para o diagnóstico de síndrome
do fígado gorduroso, pois seus valores basais (normais) são muito variáveis entre os animais. Problema
semelhante ocorre quando se tenta avaliar a função hepática mediante a mensuração da excreção sanguínea de
sulfobromoftaleína.
A determinação do teor plasmático de AGNE é um teste comum para identificação de rebanhos com alto
risco de lipidose hepática. Além da ampla variação da concentração plasmática de AGNE entre os animais há
grande variação em um mesmo animal, pois ocorre marcante elevação do teor desses ácidos graxos
imediatamente antes e após o parto. Portanto, devem­se obter amostras de sangue de vários animais na fase de
periparto. É necessário cuidado para não deixar os animais agitados antes da coleta de sangue porque ocorre
rápida elevação do teor de AGNE em resposta ao estresse; as amostras devem ser obtidas em tempo pré­
estabelecido e utilizando­se procedimento padrão. O teor plasmático de AGNE no qual ocorre acúmulo de
triglicerídios no fígado não foi estabelecido, mas provavelmente é cerca de 600 μEq/l, ou mais. Esses valores
são comuns 24 a 48 h após o parto. Desse modo, a exposição prolongada do fígado à concentração > 600 μEq/l
provavelmente ocasiona síndrome do fígado gorduroso. As vacas primíparas são menos suscetíveis à doença em
períodos de alta concentração plasmática de AGNE. Portanto, devem­se obter amostras de sangue de vacas mais
velhas quando se utiliza a dosagem plasmática de AGNE para prever a ocorrência de fígado gorduroso. Como
teste de triagem de um rebanho para avaliar a prevalência e gravidade da lipidose hepática recomenda­se a
determinação do teor plasmático de AGNE não antes de 1 semana antes do parto. Ainda que o teor plasmático
de AGNE seja um indicador direto da mobilização de lipídios e, assim, do acúmulo de lipídios no fígado,
constatou­se que após o parto a concentração plasmática de beta­hidroxibutirato é uma estimativa mais correta
da prevalência e da gravidade da lipido–se hepática.
Pode­se fazer exame microscópico para estimar o volume de tecido hepático infiltrado por gordura. Os
valores obtidos nesse exame concordam razoavelmente bem com a determinação bioquímica de triglicerídios,
quando expressos na forma de porcentagem na matéria seca do tecido examinado. Define­se doença hepática
discreta, moderada e grave quando há < 20%, 20 a 40% e > 40% de gordura (porcentagem do volume celular),
respectivamente; contudo, esses valores têm pouca relevância quanto ao impacto nas funções fisiológicas ou no
quadro clínico do animal. No entanto, raramente notam­se sintomas fortemente associados à doença do fígado
gorduroso em animais com < 10% de gordura no tecido hepático. O emprego de ultrassonografia como exame
alternativo não invasivo vem sendo estudado com intuito de determinar a gravidade da doença.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO: A redução da gravidade e duração do balanço energético negativo é fundamental
na prevenção da síndrome do fígado gorduroso. Isso pode ser conseguido evitando­se superalimentação das
vacas, modificação brusca da dieta, alimentos não palatáveis, doenças de periparto e estresse ambiental. As
vacas devem entrar no período seco com escore corporal (EC) 3 a 3,5 (escore 1: magra; escore 5: obesa). As
vacas magras (escore corporal = 2,5) podem receber alimento energético adicional durante o período seco para
melhorar sua condição, sem risco de síndrome do fígado gorduroso. As vacas superalimentadas (escore corporal
= 4) não devem ser submetidas à restrição alimentar, pois tal procedimento induz à mobilização de gordura do
tecido adiposo e aumento do teor sanguíneo de AGNE e da concentração hepática de triglicerídios.
A época crítica para a prevenção de fígado gorduroso é cerca de 1 semana antes a 1 semana depois do parto,
período em que as vacas são mais suscetíveis à doença. As vacas consideradas candidatas ao programa de
prevenção são aquelas superalimentadas ou aquelas no início de um programa de restrição alimentar. Pode­se
aplicar IV, glicose ou compostos que se transformam em glicose no fígado. A administração oral de 300 a 900
ml de propilenoglicol, 1 vez/dia, na última semana pré­parto é efetiva na redução do teor plasmático de AGNE e
da gravidade do fígado gorduroso na época do parto. Pode­se fornecer propilenoglicol junto ao alimento, mas tal
medida pode não ser tão efetiva quando a vaca não consume a dose total em um curto período. A administração
de glicerina pode ser uma alternativa mais econômica ao uso de propilenoglicol. O propionato de sódio também
é um precursor da glicose, mas seu fornecimento no alimento pode causar diminuição do consumo de alimentos,
reduzindo sua eficácia.
A glicose ou seus precursores são efetivos porque estimulam a liberação de insulina. A insulina tem efeito
antilipolítico, ou seja, diminui a mobilização de gordura do tecido adiposo. Há disponibilidade de insulina de
liberação lenta. Uma única dose IM de 100 UI de insulina de liberação lenta dentro de 24 h após o parto pode
ser uma medida preventiva. Doses maiores podem causar hipoglicemia grave e não devem ser utilizadas sem
administração simultânea de glicose. O glucagon estimula a glicogenólise, a gliconeogênese e a produção de
insulina. Diferentemente do que acontece em não ruminantes, o glucagon tem discreto efeito lipolítico em
ruminantes. O glucagon (10 mg/dia IV, durante 14 dias) é efetivo na redução do conteúdo hepático de
triglicerídios. Não se estabeleceu um protocolo mais prático para o emprego de glucagon como medida
preventiva de síndrome do fígado gorduroso. A niacina é uma substância antilipolítica que pode prevenir a
ocorrência de lipidose hepática, mas não há disponibilidade de evidência inequívoca que justifica o emprego de
niacina suplementar em animais sob risco da doença.
A redução do estresse é importante para controlar a ocorrência da síndrome do fígado gorduroso. Devem­se
evitar mudanças súbitas no ambiente. Por exemplo, alterações de ração, instalações, temperatura, companheiros
de rebanho, entre outros, podem causar redução no consumo de alimentos e promover maior mobilização de
gordura mediada por catecolaminas.
Além da infusão IV de glucagon de longa duração, não há tratamento comprovado para a doença. Em
rebanhos de vacas leiteiras comumente se utilizam repetidas injeções IV de 500 ml de solução de dextrose 50%,
na forma de bolus, que podem ser associada a administração de 250 ml de propilenoglicol VO, 2 vezes/dia. Em
condições ambulatoriais, a administração IV de dextrose em taxa de infusão contínua de até 40 g/h é apropriada
para aumentar a concentração plasmática de glicose para 100 a 150 mg/dl, sem ultrapassar seu limiar renal.
Embora este tratamento suprima efetivamente a lipólise e cetogênese, a hiperglicemia induzida pelo tratamento
provavelmente é um efeito para influenciar negativamente o consumo de alimentos. Portanto, recomenda­se
reduzir continuamente a taxa de infusão após 2 a 3 dias e determinar se o animal é capaz de manter a
normoglicemia à medida que diminui o fornecimento de glicose parenteral.
O uso de glicocorticoides em vacas com síndrome do fígado gorduroso é controverso devido ao potencial
efeito lipolítico. A literatura recente sugere que tratamento de curto–prazo com dexametasona não induz à
lipólise em vacas leiteiras. Além do seu efeito gliconeogênico bem documentado e do efeito potencialmente
positivo no consumo de alimentos, os glicocorticoides reduz a absorção de glicose pela glândula mamária e,
assim, reduz a energia transferida ao leite. Teoricamente, os tratamentos efetivos são aqueles que exacerbam a
liberação de lipoproteínas ricas em triglicerídios pelo fígado. No entanto, em ruminantes, ainda não se
comprovou a eficácia dos compostos conhecidos como agentes lipotrópicos, os quais são utilizados no
tratamento de não ruminantes. Como tratamento, recomenda­se aplicação intravenosa de colina, inositol,
metionina e vitamina B12, mas não há dados científicos suficientes para sustentar tal uso. A administração oral
desses compostos não é efetiva, pois são degradados no rúmen. As medidas terapêuticas são praticamente as
mesmas mencionadas para prevenção; deve­se evitar balanço energético negativo e minimizar a mobilização de
ácidos graxos do tecido adiposo. Uma vez obtido um balanço energético positivo, o teor hepático de
triglicerídios pode se reduzir significativamente dentro de 7 a 10 dias.

TOXEMIA DA PRENHEZ EM OVELHAS

(Doença dos cordeiros gêmeos, Cetose da prenhez, Doença da ovelha adormecida)

A toxemia da prenhez acomete ovelhas no final da prenhez e caracteriza­se pela recusa de alimentos e disfunção
neurológica que progride para decúbito e morte. A prevalência é maior em ovelhas mais velhas e naquelas
gestantes de fetos múltiplos. A doença quase não é diagnosticada em fêmeas jovens de reposição ou em ovelhas
primíparas.
EPIDEMIOLOGIA E PATOGÊNESE: O principal fator predisponente à toxemia da prenhez é dieta inadequada no
final da gestação, geralmente devido ao baixo teor energético da ração e da menor capacidade funcional do
rúmen como resultado do crescimento dos fetos. Nas últimas 4 semanas de gestação a demanda por energia
metabolizável aumenta intensamente. Por exemplo, ovelhas gestantes de gêmeos requerem cerca de 1,8 a 1,9
mais vezes energia e proteína do que aquela necessária a sua manutenção.
No final da gestação o fígado aumenta a gliconeogênese para facilitar a disponibilidade de glicose aos fetos.
Cada feto necessita 30 a 40 g de glicose/dia, que representa uma porcentagem significativa da produção de
glicose pela ovelha, que é destinada mais para a manutenção dos fetos do que para a ovelha. No final da
gestação aumenta a mobilização da gordura armazenada, como mecanismo de assegurar teor adequado de
energia diante do aumento da demanda para o desenvolvimento do(s) feto(s) e para a lactação iminente.
Portanto, quando há balanço energético negativo o aumento da mobilização de gordura pode exceder a
capacidade do fígado, resultando em lipidose hepática e consequente prejuízo à função do órgão.
Adicionalmente, ovelhas com gêmeos parecem ter mais dificuldade em produzir a glicose e excretar corpos
cetônicos aumentando, assim, a suscetibilidade à toxemia da prenhez.
Ovelhas com baixo escore corporal (= 2) ou aquelas superalimentadas (escore = 4) e gestantes de mais de um
feto são as mais predispostas à toxemia da prenhez, embora a doença também possa acometer ovelhas com
escore corporal normal submetidas à dieta adequada. Ovelhas magras suscetíveis desenvolvem cetose devido à
ingestão de dieta inadequada por longo período; em razão do déficit crescente de energia necessária para suprir
a necessidade do feto, a ovelha mobiliza maior quantidade de gordura corporal, causando produção de corpos
cetônicos e lipidose hepática. Ovelhas superalimentadas podem manifestar redução do apetite e a quantidade de
gordura rapidamente mobilizada excede a capacidade de metabolização do fígado provocando, novamente,
lipidose hepática. Além disso, pode haver uma população de ovelhas menos responsiva à produção de insulina
quando submetida à dieta inadequada. Essas ovelhas podem apresentar cetose subclínica que rapidamente
progridem para toxemia da prenhez clínica, caso ocorra redução súbita do consumo de alimentos em razão de
fatores como condição climática adversa, transporte, manejo para tosquia ou aplicação de medicamentos
preventivos ou outras doenças concomitantes (podridão de casco, pneumonia etc.). Essas formas variantes de
toxemia da prenhez são denominadas toxemia da prenhez primária (ovelhas magras e submetidas à dieta
inadequada), cetose (ovelhas gordas) e toxemia da prenhez secundária (ovelhas com doença concomitante).
ACHADOS CLÍNICOS: Os sintomas iniciais podem ser detectados por um criador de ovelhas atento. A maioria dos
casos se instala 1 a 3 semanas após o parto. Início mais precoce do que 140 dias de gestação está associado a
quadro clínico mais grave e alto risco à vida. Pouca disposição para se alimentar, especialmente com grãos,
indica anormalidade. As ovelhas também podem exibir sinais de apatia, caminhar sem rumo, contração
muscular ou tremores musculares finos, opistótono, ranger de dentes e, à medida que a doença progride
(geralmente 2 a 4 dias), se constata cegueira, ataxia e, por fim, decúbito esternal, coma e morte. Hipoglicemia
cerebral, juntamente com cetose, cetoacidose e insuficiências hepática e renal, provocam sinais clínicos e morte
fetal. A glicemia pode retornar ao normal ou se elevar na fase final da doença, indicando possível morte do(s)
feto(s). Após a morte fetal a ovelha desenvolve sepse.
Lesões: As alterações pós­morte mostram graus variáveis de lipidose hepática, aumento das glândulas adrenais
e observam­se vários fetos em decomposição, indicando morte das crias antes do óbito materno. Ovelhas muito
magras podem parecer emaciadas (p. ex., atrofia serosa do rim e coração gorduroso). No entanto, esses sinais
isoladamente não são patognomônicos de morte decorrente de toxemia da prenhez. É possível determinar o teor
de beta­hidroxibutirato (BHB) em amostras de humor aquoso e de FCE obtidas após a morte. Concentrações >
2,5 e 0,5 mmol/l, respectivamente, são compatíveis com diagnóstico de toxemia da prenhez.
DIAGNÓSTICO: Em ovelhas enfermas os achados laboratoriais podem incluir hipoglicemia (quase sempre < 2
mmol/l), aumento do teor urinário de cetona (estimado por teste qualitativo utilizando­se tabletes comerciais),
aumento do teor de BHB (normal é < 0,8 mmol/l; cetose subclínica > 0,8 mmol/l, e doença clínica > 3 mmol/l)
e, ocasionalmente, hipocalcemia. Hipoglicemia não é um achado consistente, pois em até 40% dos casos o teor
de glicose é normal e em até 20% há hiperglicemia. Caso a definição do diagnóstico necessite confirmação
adicional, a dosagem de glicose no FCE pode ser mais acurada do que a do sangue; o teor de glicose no FCE
permanece baixo mesmo quando há aumento da glicemia em estágios avançados, após a morte fetal. A
concentração de BHB é um indicador mais confiável da gravidade da doença do que a concentração sanguínea
de glicose. Também, nota­se a elevação do teor de ácidos graxos não esterificados, com valor acima de 0,4
mmol/l, indicando provável lipidose hepática e consequente insuficiência hepática.
Como quase sempre há hipocalcemia em casos de toxemia da prenhez, isso deve ser considerado ao se
formular hipóteses a respeito do decúbito de ovelhas no final da prenhez. Tal situação também é verdadeira para
hipomagnesemia, um achado comum na toxemia da prenhez, mas deve ser incluída no diagnóstico diferencial
de doença do SNC que ocorre no periparto. Outras doenças do SNC que devem ser consideradas são
polioencefalomalacia, doença do rim polposo, raiva, intoxicação por chumbo, intoxicação crônica por cobre e
listeriose. Essas enfermidades podem ser diferenciadas com base nos achados clínicos e laboratoriais.
TRATAMENTO: Nos casos avançados, o tratamento geralmente não é compensador. Caso a ovelha já manifeste
sinais de coma, o tratamento deve ser instituído aos demais animais do rebanho. Contudo, se a ovelha ou os
cordeiros são valiosos deve­se instituir tratamento agressivo para controle da cetoacidose e da hipoglicemia.
Antes de iniciar esse tratamento é necessário verificar se há fetos vivos (p. ex., por ultrassonografia Doppler ou
de tempo real). Havendo fetos vivos dentro de 3 dias da data prevista para o parto (período de gestação de 147
dias) pode­se indicar cesariana de emergência, porém tal procedimento é economicamente inviável. Caso os
fetos estejam mortos ou muito prematuros para sobreviver à cesariana é menos estressante para a ovelha a
indução do parto com dexametasona (15 a 20 mg, IV ou IM). O uso profilático de antibióticos (geralmente
20.000 UI de penicilina G procaína/kg, 1 vez/dia) é apropriado quando há suspeita de morte fetal.
A hipoglicemia pode ser tratada com uma única injeção IV de 60 a 100 ml de dextrose 50%, seguida de
solução eletrolítica balanceada contendo dextrose 5%. A infusão por meio de gotejamento IV de solução com
menor teor de glicose induz baixo grau de diurese; contudo, tal procedimento é impraticável em condições de
campo. Repetidos bolus IV de glicose devem ser evitados porque podem resultar em animais refratários à ação
da insulina. Pode­se aplicar insulina (20 a 40 UI de insulina protamina­zinco, IM, em dias alternados). É seguro
administrar sais de cálcio (50 a 100 ml de solução de borogliconato ou de gliconato de cálcio comercial SC),
sem necessidade de avaliação da calcemia. Caso o perfil bioquímico sérico revele hipocalcemia podem­se
administrar cerca de 50 ml de uma solução de cálcio comercial IV lenta, monitorando a função cardíaca.
Também, pode­se administrar cloreto de potássio (KCl) porque o teor sérico deste mineral frequentemente pode
estar diminuído. Em estudo envolvendo o uso de somatotropina bovina recombinante notou­se que as ovelhas
tratadas se recuperaram mais rapidamente da doença clínica do que aquelas não tratadas (6,5 vs 7,8 dias).
Embora a terapia agressiva e os cuidados de enfermagem intensivos possam ser efetivos, não é rara a ocorrência
de taxas de mortalidade > 40%. Em razão do custo, é prudente informar o proprietário sobre o prognóstico
reservado, antes de iniciar o tratamento.
Pode­se obter êxito ao se tratar as ovelhas em estágio inicial da doença com propilenoglicol (60 ml, 2
vezes/dia, durante 3 dias). O fornecimento adicional de cálcio oral (12,5 g de lactato de cálcio), potássio oral
(7,5 g de KCl) e de insulina (0,4 UI/kg SC, 1 vez/dia) aumenta a taxa de sobrevivência. Soluções eletrolíticas
comerciais de uso oral que contêm glicose, destinadas a bezerros, também podem ser administradas com auxílio
de tubo estomacal, na dose de 3 a 4 l, 4 vezes/dia, ou por meio de beberagem de uma solução concentrada.
Devem­se controlar os fatores predisponentes (p. ex., dieta, alojamento e outros fatores estressantes), bem como
avaliar o manejo nutricional (p. ex., espaço adequado no comedouro, intervalos entre o fornecimento de
alimentos, proteção contra condição climática adversa).
Deve­se obter uma amostra de sangue de ovelhas em final de gestação para determinar o teor de BHB, com
intuito de avaliar o grau de risco para o restante do rebanho. Geralmente são examinadas 10 a 20 ovelhas (3 a
20% do lote de fêmeas prenhes). O risco de doença no rebanho pode ser determinado com base no valor médio
desses resultados – normal (baixo risco): 0 a 0,7 mmol/l; subnutrição moderada (risco moderado): 0,8 a 1,6
mmol/l; e subnutrição grave (alto risco): 1,7 a 3 mmol/l. Devem­se tratar outras doenças (p. ex., podridão de
casco contagiosa). As ovelhas submetidas à restrição alimentar devem ser separadas do grupo e alimentadas à
parte, tendo­se em mente que elas devem visualizar o restante do grupo para se sentirem confortáveis.
PREVENÇÃO: As ovelhas não devem entrar nas últimas 6 semanas de prenhez com escore corporal < 2,5; isso
pode ser evitado com bom manejo alimentar e dieta bem formulada. Nas últimas 6 semanas de gestação há
necessidade de adição de grãos à ração como fonte de carboidratos, a fim de manter a saúde das ovelhas
gestantes de fetos múltiplos. A quantidade a ser adicionada é variável, dependendo da qualidade da forrageira,
do peso e escore corporal e do número de fetos; contudo, o teor de proteína também deve estar equilibrado de
modo que os microrganismos do rúmen utilizem adequadamente os carboidratos disponíveis.
Os criadores devem avaliar o escore corporal preferencialmente na época do acasalamento e no meio da
gestação, alimentando as ovelhas magras em separado. Caso seja possível verificar a quantidade de fetos por
meio de ultrassonografia em tempo real, o manejo das ovelhas também deve considerar o número de fetos. Os
criadores acham conveniente alimentar as ovelhas jovens prenhes juntamente com as ovelhas gestantes de
gêmeos e com as ovelhas magras com gestação de feto único (em razão da necessidade de energia suplementar
para o crescimento das ovelhas jovens). No caso de raças prolíficas, as ovelhas gestantes de trigêmeos podem
ser alimentadas juntamente com as ovelhas magras gestantes de gêmeos. Ovelhas superalimentadas são
incomuns, mas podem ser vistas em pequenos rebanhos de estimação. As ovelhas gordas são muito menos
responsivas ao tratamento e os proprietários devem ser informados sobre como proceder para evitar o problema
mediante a adoção de manejo nutricional adequado. Portanto, o estágio final da gestação não é a época
adequada para reduzir o escore corporal de ovelhas gordas. Pode­se determinar o teor sérico de BHB como teste
de triagem do rebanho para detectar os lotes com risco de toxemia da prenhez. Nos rebanhos cujos valores
variam de > 0,8 a 3 mmol/l deve­se corrigir rapidamente o manejo nutricional para evitar a ocorrência de
doença clínica.
Recentemente, um volume considerável de dados indica o uso de ionóforos, particularmente de monensina,
em vacas leiteiras em fase de transição como medida preventiva de cetose subclínica e de outras doenças que
ocorrem no pós­parto imediato. Os ionóforos aumentam a eficiência alimentar por alterar a população da flora
ruminal, resultando em maior eficiência alimentar e maior produção de ácido propiônico, seguida de aumento
da gliconeogênese. Há evidência de efeito benéfico da monensina administrada em ovelhas em final de prenhez.
Ela melhora a eficiência alimentar por reduzir o consumo de alimento. As ovelhas tratadas também apresentam
menor teor sérico de BHB no final da gestação, sem influenciar negativamente o peso do cordeiro ao
nascimento. A lasalocida também tem sido estudada. Nesse caso o consumo de alimento diminuiu e a taxa de
sobrevivência de cordeiros foi maior no grupo tratado. Há necessidade de mais estudos com essas duas drogas
para avaliar sua eficácia na prevenção de toxemia da prenhez em ovelhas prolíficas.

TOXEMIA DA PRENHEZ EM VACAS

A manifestação de toxemia da prenhez em vacas é semelhante àquela verificada em fêmeas de pequenos


ruminantes e deve­se à exigência de carboidratos ou de energia pelo(s) feto(s), que excede o suprimento
materno durante o último trimestre de prenhez. Instala­se quando há feto grande ou fetos múltiplos e a vaca
recebe alimentos com baixo teor de energia ou de proteínas, sendo submetida a condições sanitárias que
aumentam a demanda de energia ou prejudica o consumo de alimentos (p. ex., claudicação e doenças da
cavidade bucal). A unidade fetoplacentária utiliza carboidratos como fonte de energia e obtém esses compostos
do sangue por um mecanismo que independe da insulina. Quando essa demanda excede o suprimento materno,
o tecido adiposo é mobilizado como fonte de energia sob a forma de acetato ou corpos cetônicos, poupando o
consumo de carboidratos por outros tecidos maternos. No entanto, apenas pequena quantidade de carboidratos é
gerada a partir do metabolismo da gordura (a partir do glicerol). Esse distúrbio é mais grave do que a cetose (p.
1075), pois a demanda fetal aumenta ao longo da gestação, enquanto a demanda pelo leite pode diminuir em
resposta ao balanço energético negativo.
Embora não se conheça seu mecanismo fisiopatogênico, a doença clínica se manifesta em algumas vacas com
balanço energético ou de carboidratos negativo. Os mediadores propostos para a doença clínica incluem
deficiência de glicose com hipoglicemia intermitente, acúmulo de corpos cetônicos com acidose metabólica ou
anorexia, e morte do feto por infecção e toxemia secundária. Vacas de qualquer raça podem ser acometidas, mas
os problemas de rebanho são mais comuns em vacas de corte, que são frequentemente manejadas para que o
final da gestação coincida com o período de menor disponibilidade de alimentos. A doença pode acometer vacas
magras e gordas, mas a primeira anormalidade observada é a perda da condição corporal ao longo de 1 a 2
semanas. Diminuição do apetite, dos movimentos ruminais e da produção de fezes, além de lambeduras de
nariz, são sintomas gerais da doença. Com o passar do tempo, as vacas manifestam depressão intensa, fraqueza,
ataxia e decúbito. Na fase terminal é possível notar opistótono, convulsões e coma. Constata­se cetonúria desde
o estágio inicial da doença e esta corresponde ao achado mais específico; em vacas prenhes normais nem
mesmo cetonúria discreta deve ser observada, até poucos dias antes do parto. Hipoglicemia também é comum,
mas as vacas excitadas ou em convulsão podem apresentar hiperglicemia. Na doença mais avançada pode
ocorrer aumento variável das atividades séricas das enzimas musculares ou hepáticas, bem como evidências
clinicopatológicas de infecção, acidose metabólica, disfunção ou insuficiência de um órgão interno e colapso
circulatório. Lipidose hepática e feto grande ou fetos múltiplos representam um achado de necropsia comum;
ademais, pode­se notar necrose por compressão muscular e toxemia.
O tratamento efetivo requer diagnóstico precoce da doença. Há poucas doenças a serem incluídas no
diagnóstico diferencial e a possibilidade de toxemia da prenhez deve ser considerada em qualquer enfermidade
que acomete vacas em final de gestação. Às vacas que apresentam perda de peso, mas ainda continuam se
alimentando, pode­se fornecer concentrado ou propilenoglicol (0,5 a 1 g/kg/dia). Os animais com anorexia
devem ser submetidos a tratamento agressivo porque a diminuição no consumo de alimentos energéticos faz
com que a doença progrida rapidamente. Pode­se fornecer propilenoglicol mediante alimentação forçada ou
administrar glicose IV (0,5 g/kg). Animais com desidratação, disfunção orgânica ou acidose metabólica devem
ser tratados com grande volume de fluido contendo eletrólitos (20 a 60 l/dia VO ou IV); caso a administração
por via intravenosa de fluidos seja possível, recomenda­se infusão contínua de dextrose (5%). Pode­se
administrar suspensão de insulina protamina­zinco (200U, SC, em intervalos de 48 h) após a administração de
glicose, a fim de inibir a cetogênese. Contudo, o uso de insulina não foi aprovado para bovinos, nos EUA. Vacas
em decúbito podem se beneficiar de bons cuidados de enfermagem (ver p. 1255), mas raramente respondem ao
tratamento. Para minimizar o consumo de energia de qualquer vaca com toxemia da prenhez recomenda­se a
indução do parto ou a remoção do feto por meio de cesariana.
Em relação ao rebanho, pode­se evitar a doença mediante adequada atenção à nutrição e aos cuidados
sanitários das vacas no final da gestação. Em relação à vaca propriamente dita, o reconhecimento de equilíbrio
energético ou de carboidrato inadequado no final da gestação requer monitoramento cuidadoso do consumo de
energia, da atitude e da mobilização de gorduras, especialmente durante períodos de doenças ou de outros tipos
de estresse.

PORFIRIA ERITROPOÉTICA CONGÊNITA (Porfirinúria, Dentes

róseos, Osteoemocromatose)

A porfiria eritropoética congênita é uma rara doença hereditária de bovinos, suínos, gatos e pessoas, na qual
uma anormalidade na síntese de hemoglobina resulta em produção excessiva de porfirina Tipo I nos núcleos dos
normoblastos em desenvolvimento. Nos bovinos, a disfunção é hereditária, possui característica autossômica
recessiva simples e quase sempre se limita aos rebanhos consanguíneos ou submetidos ao acasalamento entre
parentes. A enfermidade foi diagnosticada nos EUA, no Canadá, na Dinamarca, na Jamaica, na Inglaterra, na
África do Sul, na Austrália e na Argentina. Essa ampla distribuição geográfica sugere que a doença é de
ocorrência cosmopolita e que acomete, possivelmente, todos os animais produtores de carne, sobretudo bovinos,
suínos e ovinos.
Os animais heterozigotos parecem normais; os homozigotos recessivos são acometidos ao nascimento e
apresentam dentes, ossos e urina de coloração marrom­avermelhada, que assim se mantém por toda a vida. O
distúrbio enzimático hereditário causa deficiência na atividade de uroporfirinogênio III sintase – uma etapa
fundamental da biossíntese do complexo heme­porfirina. A enzima deficiente é a uroporfirinogênio III
cossintetase. A urina contém excesso de coproporfirina I e uroporfirina I; nos animais acometidos, a cor da
urina é âmbar ou marrom­avermelhada. Ossos, urina e dentes (especialmente os decíduos) emitem fluorescência
rósea quando irradiados com luz de comprimento de onda próximo à faixa ultravioleta. A exposição prolongada
à luz solar causa lesões típicas de fotossensibilização, com hiperemia, formação de vesículas e necrose
superficial de áreas cutâneas não pigmentadas. A gravidade da dermatite depende da intensidade da radiação
solar e do grau de pigmentação cutânea de famílias específicas de animais. Nota­se anemia hemolítica
normocrômica, com macrócitos, micrócitos e intenso pontilhado basofílico. Em consequência disso,
desenvolve­se esplenomegalia. A textura óssea não se altera, exceto nos casos em que há fragilidade dos ossos
por diminuição de sua porção cortical. Os animais acometidos apresentam escore corporal moderado a bom, a
menos que tenham manifestado fotossensibilização. Alguns animais definham progressivamente quando não são
protegidos da luz solar. A protoporfiria bovina (p. 909), uma doença semelhante, causa fotossensibilização
apenas em bovinos da raça Limousin e em pessoas.
Em pacientes humanos, há relato de uma série de porfirias decorrentes de disfunções de enzimas envolvidas
na biossíntese do complexo heme­porfirina, as quais foram agrupadas de acordo com o quadro clínico. Os
sintomas variam amplamente e podem incluir lesões cutâneas graves nas áreas corporais expostas,
fotossensibilização aguda, lesões hepáticas graves e sinais de disfunção neurológica aguda. Nos animais, essa
doença é denominada porfiria eritropoética congênita, protoporfiria eritropoética congênita ou porfiria. É
possível que todas as síndromes descritas em pessoas também ocorram em animais; portanto, essa classificação
poderia ser mais abrangente.
Essa anomalia é extremamente rara em suínos e gatos e difere da doença que ocorre em bovinos porque não
há fotossensibilização. Em suínos e gatos, a ocorrência da enfermidade deve­se a uma característica
autossômica dominante. Nos suínos, mesmo com teores elevados de porfirinas no sangue, não há dermatite por
fotossensibilização. Há relato da doença apenas na Dinamarca e na Nova Zelândia; nos gatos foi diagnosticada
apenas nos EUA.
O diagnóstico deve se basear na constatação de excreção de uroporfirinas anormais, coloração amarronzada
anormal dos dentes (que emitem fluorescência quando irradiados com luz de comprimento de onda próximo à
ultravioleta), alteração da cor da urina e anemia hemolítica.
A característica genética recessiva encontra­se amplamente disseminada entre os bovinos, mas a doença
clínica é comparativamente mais rara. Heterozigotos clinicamente normais apresentam menor atividade de
uroporfirinogênio III cossintetase do que os animais normais, mas a identificação do portador mediante exame
laboratorial é impraticável por conta da prevalência relativamente baixa da doença e pelo fato de o exame não
ser muito utilizado. É possível controlar a doença mantendo os animais enfermos em ambiente interno livre de
luz solar direta.

SÍNDROME METABÓLICA EQUINA (Síndrome X equina,

Doença de Cushing periférica)

Síndrome metabólica equina (SME) representa um conjunto característico de sinais clínicos e alterações
clinicopatológicas, em equídeos. É constatada em equinos e pôneis; também, é verificada em asnos.
Tipicamente, os animais acometidos são obesos com aumento máximo do escore corporal e maior deposição de
tecido adiposo nas regiões do pescoço e da base da cauda. É comum a ocorrência de laminite crônica e aguda.
Hiperinsulinemia, com teor sanguíneo de glicose normal (resistência à insulina), é o principal achado
clinicopatológico. Outros sinais associados incluem infertilidade, alteração da atividade ovariana e aumento do
apetite. Outros achados laboratoriais incluem hipertrigliceridemia, aumento da concentração sérica de leptina,
aumento dos teores de marcadores de inflamação sistêmicos e hipertensão arterial. Antigamente, este conjunto
de sinais clínicos em equinos era denominado hipotireoidismo, doença de Cushing periférica, síndrome pré­
laminite ou síndrome X. A denominação síndrome metabólica equina (SME) substituiu estes termos.
Inicialmente, a SME se desenvolve em equinos com 5 a 16 anos de idade. As raças mais comumente
acometidas são Saddlebred, Tennessee Walking, Paso Fino, Morgan, Mustang e Quarto­de­Milha, além de
pôneis. Animais das raças Puro Sangue Inglês e Standarbred raramente manifestam SME. Não há relato de
predisposição sexual.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Não se conhece a razão pela qual alguns equinos desenvolvem SME e outros não.
Parece ser uma predisposição genética, nas raças e entre as raças. Os animais acometidos podem possuir um
gene economizador ou poupador de energia (gene thrifty) que possibilita a seus ascendentes sobreviver em
ambiente inóspito. Esta maior eficiência do metabolismo energético tornou­se uma adaptação inadequada nos
ambientes atuais, como suplementos alimentares abundantes e ricos em nutrientes.
Os denominadores comuns atrás de muitos destes sintomas associados à SME parecem ser: aumento do
tecido adiposo, resistência à insulina e hiperinsulinemia. Quando se desenvolve adiposidade, os tecidos adiposos
elaboram leptina e outras adipocinas, bem como fator de necrose tumoral e outros mediadores inflamatórios.
Isto pode causar um ciclo vicioso com aumento da inflamação de adipócitos quanto mais células inflamatórias
são atraídas à gordura, em decorrência deste aumento das concentrações de mediadores inflamatórios.
Também, o aumento da reserva hepática de gordura pode predispor à resistência à insulina devido à
suprarregulação dos receptores de insulina.
A insulina tem ação vasorreguladora. A resistência à insulina pode diminuir a produção de óxido nítrico e
favorecer a vasoconstrição. Os teores de glicose e insulina alterados também podem ocasionar alteração da
função das células da epiderme e a absorção de glicose pelas células da epiderme da lâmina do caso. Estes
efeitos favorecem o desenvolvimento de laminite em equinos com SME.
Equinos com SME respondem às refeições com alto teor de carboidrato com aumento exagerado no teor de
insulina e retorno muito lento aos valores basais. Isto indica uma resistência aos efeitos periféricos da insulina e
incapacidade em metabolizar normalmente os carboidratos.
SME pode ser um fator predisponente à disfunção da parte intermediária da pituitária (DPIP); também é
denominada doença de Cushing equina. Ambas as anormalidades endócrinas podem ocorrer simultaneamente
em equinos de meia­idade ou mais velhos. Portanto, deve­se monitorar o equino com SME a fim de detectar o
início de DPIP.
ACHADOS CLÍNICOS: Não há quadro clínico patognômico para resistência à insulina. Os equinos podem

manifestar todas as características fenotípicas de SME, com resposta normal ao teste de estimulação. Na maioria
dos casos, os animais acometidos são obesos, mais pela ingestão excessiva de calorias do que por qualquer
alteração metabólica primária.
Tipicamente, os equinos são obesos com escore corporal > 6 a 9. Mesmo se o escore corporal não seja
extremamente alto, há maior depósito de gordura na região do pescoço, dando uma aparência de “cume”.
Também, é comum notar acúmulo de gordura sobre as costelas e na linha dorsal, da cabeça à cauda. Animais
castrados podem apresentar maior deposição de gordura no prepúcio, enquanto as éguas podem exibir acúmulo
de gordura ao redor da glândula mamária. Laminite é um achado comum. Os equinos levados à consulta sem
histórico prévio de laminite frequentemente apresentam sinais de episódios prévios, como crescimento anormal
de anéis nos cascos e evidência radiográfica de rotação da terceira falange. Pode ocorrer laminite devido ao
consumo de alimentos ricos em carboidratos solúveis ou de pastagem viçosa ou feno, bem como de suplementos
com alto teor de carboidrato. Isto pode ocasionar surtos de laminite na primavera, quando há crescimento de
novas pastagens, e no outono, quando a temperatura noturna situa­se abaixo de 0°C.
Equinos com SME podem não perder peso sem que se institua restrição alimentar extrema; os proprietários
comumente relatam que os animais acometidos permanecem obesos mesmo quando recebem quantidade
mínima de alimento. A obesidade pode ser exacerbada pela laminite, que pode limitar o exercício. Os equinos
exibem aumento do apetite e frequentemente se alimentam continuamente, se há alimento disponível.
Infertilidade e ciclos reprodutivos anormais são notados em éguas com SME.
Lesões: Comumente relatam­se aumento generalizado do tecido adiposo e laminite. A glândula pituitária é
normal em equinos mais jovens com SME, porém podem­se constatar lesões compatíveis com DPIP em equinos
mais velhos com SME, que simultaneamente acometidos por EMS e DPIP.
DIAGNÓSTICO: Os testes para diagnóstico de SME devem se basear na comprovação de resistência à insulina,
enquanto se exclui a possibilidade de DPIP. A presença de fenótipo de obesidade e o “cume” adiposo na região
do pescoço não são suficientes para definição do diagnóstico. Histórico minucioso sobre a dieta e exame físico
são fundamentais. A definição dos valores basais do escore corporal e da circunferência do pescoço permite que
os proprietários e os clínicos avaliem a resposta dos equinos ao tratamento. Mesmo quando não há histórico de
laminite, indica­se exame minucioso das patas, inclusive a obtenção de imagens laterais da terceira falange.
Como várias condições, inclusive dieta, dor e estresse, podem influenciar os teores sanguíneos de glicose e
insulina deve­se realizar os testes de diagnóstico de modo controlado, em ambiente tranquilo, com pouco
estresse. Se o equino tem laminite o teste deve ser postergado até que ocorra a estabilização da pata e o paciente
torna­se relativamente livre de dor.
Em equinos com SME o teor sanguíneo de glicose encontra­se na faixa de variação normal ou apenas
ligeiramente elevado. No caso de hiperglicemia persistente comprovada deve­se suspeitar fortemente de DPIP
concomitante. Como vários fatores influenciam as concentrações sanguíneas de glicose e insulina, a mensuração
do teor de insulina basal deve ser utilizada apenas como teste de triagem para resistência à insulina. O teor de
insulina do paciente deve ser obtido após jejum de 6 a 8 h. Isso pode ser conseguido fornecendo apenas uma
porção de feno ao cavalo às 22 h da noite anterior e, então, coletar a amostra de sangue na manhã seguinte.
Quando se procede deste modo, uma concentração sanguínea de insulina > 20 μU/ml é sugestiva de resistência à
insulina.

Excesso de tecido adiposo na região do pescoço, causando aparência de “cume”. Cortesia de Dr. Janice Sojka.

Para comprovar a resistência à insulina deve­se avaliar a capacidade do equino em controlar um aumento do
teor de glicose. Esta avaliação pode ser realizada por meio do teste de tolerância à glicose VO ou IV, ou um
teste combinado de resposta à glicose­insulina. O teste de tolerância à glicose VO, pode sofrer influência do
retardo no esvaziamento gástrico ou pela baixa absorção GI, sendo menos indicado. O teste combinado de
glicose­insulina propicia mais informação em de tempo mais curto, sendo o teste diagnóstico de escolha. Em
razão da grande quantidade de amostras de sangue necessárias e do fato de ocorrer alterações dos valores basais
– não dos valores absolutos de glicose – pode­se utilizar um glicosímetro manual para os testes.
Em equinos com SME os testes para DPIP são normais, à semelhança dos testes de supressão da
dexametasona, de resposta à domperidona e de resposta de liberação de hormônio da tireoide. Resultados
positivos indicam que o equino apresenta, simultaneamente, SME e DPIP, que podem acometer equinos mais
velhos. É importante a detecção de DPIP, pois acredita­se que esta anormalidade exacerba a resistência à
insulina em equinos anteriormente acometidos por SME.
TRATAMENTO E PREVENÇÃO: O tratamento de SME envolve controle alimentar e terapia medicamentosa,
quando a dieta e os exercícios não são suficientes para o controle desta condição. A correção alimentar pode ser
tudo aquilo necessário para o animal retornar ao peso corporal normal. É essencial a restrição de carboidratos na
dieta com intuito de reduzir a resposta glicêmica e insulinêmica; a ingestão calórica total é restrita, a fim de
reduzir o peso corporal. O acesso à pastagem deve ser impedido ou rigorosamente limitado. O uso de focinheira
durante o pastejo auxilia a reduzir o consumo de pastagem.
Deve­se analisar a pastagem para determinar o conteúdo de carboidrato não estrutural (CNE) na forrageira.
Isto pode ser calculado somando as porcentagens de amido e de carboidratos hidrossolúveis. Preferencialmente,
o CNE deve compreender < 10% da matéria seca do feno. Recomenda­se embeber o feno em água durante 60
min para reduzir a concentração de carboidrato hidrossolúvel, porém a real quantidade reduzida é extremamente
variável e este não é um método de obtenção de forragem com baixo teor de CNE. Devem ser fornecidos
suplementos com as vitaminas e os minerais necessários, porém não calorias adicionais. Podem ser utilizados
alimentos completos formulados de modo a conter baixo teor de energia digestível e de carboidratos,
especificamente destinados aos equinos com resistência à insulina, em vez de forragens e suplementos. Sugere­
se que vários suplementos alimentares aumentam a sensibilidade à insulina, inclusive canela, cromo e magnésio.
Em equinos submetidos a condições experimentais nenhum deles melhorou a sensibilidade à insulina.
Inicialmente, os equinos devem receber o correspondente a 1,5% de seu peso corporal, em forragem, por dia.
Esta quantidade por ser reduzida para 1% do peso corporal ideal após 30 dias, se necessário. Deve–se evitar
restrição súbita de alimento, pois isso pode causar hiperlipedemia e, adicionalmente, exacerbar a resistência à
insulina. O aumento da quantidade e da intensidade de exercício aumenta a perda de peso. Não se estabeleceu a
quantidade de exercício necessária para propiciar benefícios máximos, porém 5 sessões por semana, incluindo
pelo menos 30 min de trote e estocadas, é um objetivo realista. Em cavalos com laminite a caminhada pode ser
benéfica, quando a dor permite.
Deve­se documentar a redução de peso com o uso de escala ou fitas de peso. Ademais, pode­se monitorar a
espessura e o diâmetro do pescoço, com o tempo. Quando o aumento do exercício e a modificação da dieta não
é suficiente para reduzir o peso corporal, a terapia medicamentosa pode ser benéfica.
O hormônio da tireoide tiroxina, na forma de levotiroxina sódica, acelera a perda de peso, melhorando a
sensibilidade à insulina, quando combinada com mudança na dieta do equino. Pode­se administrar 48 mg/dia
VO a equinos com > 350 kg; equinos menores e pôneis devem receber 24 mg/dia VO. Frequentemente, é
necessário período de tratamento de 3 a 6 meses para obter a perda de peso desejável. Nesta ocasião, o
tratamento do equino pode ser cessado ao longo de 3 a 4 semanas. Quando não se restringe o consumo de
alimento, concomitantemente, é improvável que o tratamento com levotiroxina resolva os sinais clínicos.
A metformina aumenta a sensibilidade à insulina por atuar em vias sinalizadoras de insulina e reduzir do teor
sanguíneo de glicose por meio da inibição da gliconeogênese e da glicogenólise. Relata­se que na dose de 15
mg/kg VO, 2 vezes/dia ocasiona melhora em equinos com hiperinsulinemia. Contudo, a eficácia e a segurança
para uso prolongado da metformina não foram estabelecidas para equinos. Quando se utiliza tal medicamento, a
glicemia deve ser cuidadosamente monitorada. O uso de metformina deve ser interrompido caso se note
hipoglicemia.
A prevenção de SME deve visar a manutenção do peso normal dos equinos, especialmente de animais de
raças que se encontram em alto risco. Como estes pacientes podem aproveitar mais eficientemente as calorias
ingeridas do que outros é importante que se forneça alimento para manter um escore corporal ideal e não
orientações alimentares arbitrárias. Deve­se ter cuidado especial quando os animais retornam à pastagem
durante os períodos de alto teor de carboidrato solúvel, por exemplo, na primavera e no outono.

TETANIA DO TRANSPORTE EM RUMINANTES (Doença do

transporte, Cambaleio)

A tetania do transporte se instala após estresse decorrente de transporte prolongado; acomete vacas e ovelhas no
final da gestação, embora também possa se manifestar em cordeiros transferidos para confinamento e bovinos e
ovinos transportados ao abatedouro. Veículos de transporte pouco ventilados, quentes e superlotados (vagões de
trem ou caminhões), com mínimo ou nenhum acesso a alimento ou água, parecem predispor à doença; no
entanto, viagem prolongada em pé também é um fator de risco. A doença é caracterizada por decúbito, estase
gastrintestinal e coma; geralmente é fatal.
Embora as vacas em final de gestação sejam mais acometidas, essa doença também é constatada em vacas
recém­paridas, bem como em touros, novilhas e vacas secas. Os fatores de risco incluem fornecimento de
grande quantidade de alimentos antes do transporte, privação de alimento e água por > 24 h durante o transporte
e acesso irrestrito a água e exercício logo após a chegada ao destino. A exposição do animal à alta temperatura
ambiente também está associada a maior prevalência da doença. Embora a causa específica de tetania seja
desconhecida, a doença pode ser uma forma de hipocalcemia aguda que ocorre no final da prenhez e no início
da lactação ou após jejum antes ou durante o transporte. Sem dúvida, o estresse físico está associado à
ocorrência da enfermidade. Hipomagnesemia pode ser a causa desencadeadora em bovinos e pode ser um fator
contribuinte em ovinos.
Os bovinos podem manifestar sintomas durante o transporte ou até 48 h após a chegada ao destino. Os sinais
clínicos iniciais incluem inquietação e excitação, trismo e ranger de dentes. Observa­se também andar
cambaleante e, posteriormente, se em decúbito, os bovinos frequentemente apresentam movimentos de
pedalagem com os membros pélvicos. Nota­se motilidade ruminal, estase gastrintestinal e anorexia. É possível
haver taquicardia e taquipneia com respiração laboriosa. Uma das complicações pode ser abortamento. Os
bovinos que não se recuperam tornam­se gradativamente mais deprimidos até se instalar o coma, seguido de
morte em 3 a 4 dias. Em bovinos é possível constatar hipofosfatemia e hipocalcemia moderadas. Alguns ovinos
apresentam hipocalcemia e hipomagnesemia; entretanto, parte deles não apresenta alteração no perfil
bioquímico. Durante a necropsia não se constata lesão específica, além daquelas associadas ao decúbito
prolongado. Dentre estas, a mais comum é necrose muscular isquêmica. Em cordeiros os sintomas iniciais
incluem agitação, cambaleio e paralisia parcial de membros pélvicos, seguidos de decúbito lateral. A morte
pode ser súbita ou ocorrer após 2 a 3 dias de decúbito. Os cordeiros podem apresentar discreta hipocalcemia. A
taxa de recuperação é baixa, mesmo em animais tratados. A relação entre a manifestação clínica e o transporte
ou exercício forçado prolongado é um indicador de diagnóstico.
Alguns animais respondem ao tratamento com solução parenteral contendo cálcio, magnésio e glicose. Pode­
se administrar injeção IV lenta de borogliconato de cálcio (400 a 800 ml/vaca ou 100 ml/ovelha; solução 25%)
ou de borogliconato de cálcio com sulfato de magnésio (mesmos volumes de uma solução 5%). Uma dose de 50
ml, 1 vez/dia, pode ser administrada por via SC em cordeiros acometidos, em confinamento. Outras doses
podem ser aplicadas, mas é comum a falha no tratamento (50%), provavelmente em razão da necrose muscular.
Como tratamento adicional indica­se administração intravenosa de grande volume de fluido poliônico, como
solução de Lactato de Ringer. Deve­se fornecer alimento de boa qualidade (p. ex., feno de alfafa), água fresca e
cama macia, com piso adequado. Quando o animal apresenta hiperexcitabilidade e convulsão, pode ser
necessária a sedação.
Caso seja inevitável o transporte por tempo prolongado de vacas e ovelhas em estágio avançado de gestação,
esses animais devem ser submetidos a uma dieta com restrição alimentar vários dias antes do transporte; além
disso, deve­se fornecer alimentação adequada, água e períodos de descanso durante o transporte. Antes do
embarque recomenda–se a administração de tranquilizante (a menos que o transporte seja para o abate), como
cloridrato de promazina, especialmente para animais agitados. Após o desembarque no local de destino deve­se
permitir acesso limitado à água nas primeiras 24 h após a chegada e exercício mínimo durante 2 ou 3 dias.
SISTEMA MUSCULOESQUELÉTICO

Introdução
Anomalias Congênitas e Hereditárias
Bovinos
Artrogripose
Atrofia de Brown
Defeitos da Coluna
Musculação Dupla
Paresia ou Paralisia Flácida
Perosomus Elumbis
Equinos
Defeitos da Coluna
Deficiência de Enzima Ramificadora de Glicogênio
Deformidades Angulares dos Membros
Miopatia por Acúmulo de Polissacarídios
Paralisia Periódica Hiperpotassêmica
Ovinos
Condrodisplasia Hereditária
Suínos
Síndrome dos Membros Abertos
Várias Espécies 1118
Contração de Tendões Flexores
Discondroplasia
Doença do Armazenamento de Glicogênio
Esteatose Muscular
Hipertermia Maligna (MET)
Miopatias do Tipo Distrófico
Miopatia Associada à Rigidez Articular Congênita
Osteocondrose
Osteogênese Imperfeita
Osteopetrose
Sindactilia e Polidactilia
Distrofias Associadas ao Cálcio, Fósforo e Vitamina D
Osteodistrofias Metabólicas
Hipoparatireoidismo
Osteodistrofia Fibrosa
Hiperparatireoidismo Primário
Hiperparatireoidismo Secundário Renal
Osteodistrofias Nutricionais
Calcinose Enzoótica
Intoxicação por Vitamina D3
Osteomalacia
Raquitismo

GRANDES ANIMAIS

Artropatias
Artrite
Artrite Séptica
Artrite Traumática
Lesões Císticas Subcondrais
Osteoartrite
Osteocondrite Dissecante
Bursite
Fístula de Cernelha e Mal da Nuca
Recobrimentos de Cotovelo e Jarrete
Poliartrite­serosite Causada por Clamídia
Tenossinovite
CLAUDICAçãO EM BOVINOS
Procedimentos Diagnósticos
Procedimentos Preventivos
Distúrbios Causadores de Claudicação
Anormalidades de Ossos e Articulações
Artrite Séptica da Articulação Interfalangiana Distal
Artropatia Degenerativa
Espondilose Ancilosante
Fraturas
Luxações
Tarsite Serosa
Anormalidades de Tecidos Moles que Causam Claudicação
Celulite Társica
Hematoma
Higroma Cárpico
Ruptura do Músculo Fibular Terceiro
Ruptura do Músculo ou do Tendão Gastrocnêmio
Ulceração por Frio
Anormalidades do Espaço Interdigital
Dermatite Digital
Dermatite Interdigital
Erosão da Parte Córnea do Talão
Hiperplasia Interdigital
Podridão de Casco
Anormalidades do Estojo do Casco
Achinelamento Podal
Casco em Saca­rolha
Corpos Estranhos na Sola
Doença da Linha Branca
Dupla Sola
Fissuras Horizontais
Fissuras Verticais
Úlcera de Sola
Úlcera Digital
Distúrbios Neurológicos Associados à Claudicação ou Anormalidades de Marcha
Paralisia do Obturador
Paralisia Femoral
Paralisia Fibular
Paralisia Isquiática
Paralisia Radial
Paralisia Supraescapular
Paralisia Tibial
Síndrome Espástica
Paresia Espástica
Laminite
Claudicação em Caprinos
Artropatia
Contração Tendínea em Cabritos
Curvatura Lateral de Membros
Deficiência de Cobre
Doença do Músculo Branco
Laminite
Micoplasmose
Podridão de Casco e Queimadura Podal
Síndrome Artrite­Encefalite Caprina
Traumatismo
Claudicação em Equinos
Exame de Claudicação
Analgesia Regional
Artroscopia
Técnicas de Imagem
Anormalidades da Pata
Cancro
Ceratoma
Dermatite Verrucosa
Desnivelamento dos Talões
Doença da Linha Branca
Doença Navicular
Doença Piramidal
Ferimentos Perfurantes na Pata
Fratura da Falange Distal
Fratura do Osso Navicular
Gavarro
Hematoma de Sola e Calos
Laminite
Lesões Semelhantes a Cisto Ósseo na Falange Distal
Ossificação das Cartilagens Colaterais
Osteíte Podal
Podridão da Ranilha
Rachaduras na Quartela
Anormalidades de Boleto e Quartela
Doença Osteocondral Palmar/Plantar
Fratura das Falanges e Sesamoides Proximais
Osteoartrite
Sesamoidite
Sinovite Proliferativa Crônica
Tenossinovite da Bainha Digital
Anormalidades de Carpo e Metacarpo
Cistos Subcondrais e Artrite Séptica
Desmite do Ligamento Suspensor
Desmite ou Distensão do Ligamento Frenador Inferior
Dor na Canela
Exostose
Fratura do Terceiro Osso Metacárpico
Fratura dos Ossos Cárpicos
Fratura dos Pequenos Ossos Metacárpicos e Metatársicos
Hérnias, Gânglios e Fístulas Sinoviais
Higroma
Lesões Subcondrais dos Ossos do Carpo
Osteoartrite
Osteocondrite Dissecante
Osteocondroma da Porção Distal do Rádio
Ruptura do Ligamento Intercárpico Palmar Medial
Ruptura do Tendão Extensor Digital Comum
Sinovite Traumática e Capsulite
Tenossinovite das Bainhas Tendíneas Associadas ao Carpo
Anormalidades de Ombro e Cotovelo
Anormalidades do Cotovelo
Doenças Ortopédicas do Desenvolvimento
Fraturas
Lesão do Ligamento Colateral
Osteoartrite
Anormalidades do Ombro
Doenças do Desenvolvimento
Fraturas
Bursite Bicipital
Infecção
Neuropatia Supraescapular
Osteoartrite
Anormalidades de Tarso e Metatarso
Deslocamento do Tendão Flexor Superficial da Extremidade do Jarrete
Esparavão do Charco
Esparavão Ósseo
Espessamento do Ligamento Tarsal Plantar
Feridas Grandes na Região Metatársica Proximal
Fratura do Tarso
Fratura do Terceiro Osso Metatársico
Harpejamento
Luxação do Jarrete
Rupturas de Tendão de Membros Pélvicos
Ruptura do Músculo Fibular Terceiro
Tenossinovite da Bainha Társica
Anormalidades do Joelho
Fixação Dorsal Intermitente da Patela e Retardo na Liberação da Patela
Fragmentação da Patela
Fraturas
Gonite e Osteoartrite
Lesões Císticas Subcondrais
Lesões de Menisco e de seus Ligamentos
Lesões do Ligamento Patelar
Lesões dos Ligamentos Colaterais
Lesões dos Ligamentos Cruzados Cranial e Caudal
Luxação Patelar
Osteocondrose
Anormalidades Coxofemorais
Fratura Pélvica
Luxação da Articulação Coxofemoral
Osteoartrite e Outras Doenças da Articulação Coxofemoral
Anormalidades de Coluna e Pelve 1224
Anormalidades da Junção Lombossacral
Anormalidades da Articulação Sacroilíaca
Complexo Processo Articular­Articulação Intervertebral Sinovial
Processos Espinhais e Ligamentos Associados
Desmopatias
Fraturas
Sobreposição dos Processos Espinhais
Tendinite
Tensão e Dor Muscular
Doenças Ortopédicas do Desenvolvimento
Deformidades Flexoras
Fisite
Osteocondrose
Claudicação em Ovinos
Abscesso Podal
Compactação ou Infecção da Glândula Sebácea
Dermatite Interdigital
Fibroma Interdigital
Laminite Séptica
Podridão de Casco Contagiosa
Podridão de Casco Benigna
Podridão de Casco Virulenta
Poliartrite­serosite Causada por Clamídia
Claudicação em Suínos
Marrãs, Porcas e Cachaços
Suínos em Áreas de Crescimento e Terminação
Suínos em Baias de Parição
Suínos em Creches
Decúbito Secundário em Bovinos
Miopatias em Equinos
Anormalidades Miotônicas
Cãibras Musculares
Miopatias Congênitas e Hereditárias
Miopatias Imunomediadas
Miopatias Infecciosas
Miopatias Nutricionais
Miopatias por Esforço
Miopatias Tóxicas
Miopatias Traumáticas e Anestésicas
Plantas
Miopatias em Ruminantes e Suínos
Miopatias Genéticas
Deficiência de Fosforilase em Bovinos da Raça Charolês
Doença do Armazenamento de Glicogênio Suíno RN (­)
Hipertermia Maligna Suína
Miotonia Caprina
Miopatias Infecciosas
Mionecrose Clostridiana
Sarcocistose
Miopatias Nutricionais
Miodegeneração Nutricional
Miopatia Hipopotassêmica
Miopatia Nutricional de Suínos
Miopatias Tóxicas
Ionóforos
Toxinas Vegetais
Miopatias Traumáticas
Síndrome do Esmagamento Muscular de Bovinos

PEQUENOS ANIMAIS
Artropatias e Distúrbios Relacionados
Artrite Degenerativa
Artrite Imunomediada
Artrite Neoplásica
Artrite Séptica
Displasia Coxofemoral
Displasia de Cotovelo
Luxação de Patela
Necrose Asséptica da Cabeça do Fêmur
Osteocondrose
Traumatismo Articular
Deterioração Cárpica Palmar
Fraturas Articulares
Luxação Coxofemoral
Ruptura do Ligamento Cruzado Cranial
CLAUDICAçãO
Avaliação da Claudicação
Controle da Dor
Miopatias
Doença Lipídica Amarela
Hipertermia Maligna
Miopatia do Cão Dogue Alemão
Miopatia do Cão Labrador Retriever
Miopatia Fibrosante
Miopatia por Esforço
Miosite Ossificante
Miosite de Músculo da Mastigação
Polimiopatia Hipopotassêmica Felina
Polimiosite
Tenossinovite do Tendão Bicipital Braquial
Traumatismo Muscular
Tumores Musculares
OSTEOPATIAS
Osteomielite
Osteopatias do Desenvolvimento
Deformidade Angular do Membro Torácico
Osteodistrofia dos Gatos da Raça Scottish Fold
Osteodistrofia Hipertrófica
Exostoses Cartilaginosas Múltiplas
Osteopatia Craniomandibular
Panosteíte
Retenção dos Núcleos Cartilaginosos Ulnares
Osteopatia Hipertrófica
Osteopatias Nutricionais
Traumatismo Ósseo
Tumores Ósseos

MISCELÂNEA

Sarcocistose

SISTEMA MUSCULOESQUELÉTICO – INTRODUÇÃO


O sistema musculoesquelético consiste em ossos, cartilagens, músculos, ligamentos e tendões. As funções
primárias do sistema musculoesquelético incluem sustentação para o corpo, realização dos movimentos e
proteção de órgãos vitais. O sistema esquelético funciona como o principal sistema de armazenamento de cálcio
e fósforo e contém componentes críticos do sistema hematopoético. Como muitos outros sistemas corporais
(incluindo os sistemas nervoso, vascular e tegumentar) se inter­relacionam, distúrbios em um deles também
podem afetar o sistema musculoesquelético e complicar o diagnóstico.
As doenças do sistema musculoesquelético envolvem mais frequentemente déficits de movimento, distúrbios
funcionais e claudicação. O grau de prejuízo depende do problema específico e da sua gravidade. Os distúrbios
esqueléticos e articulares são, de longe, os mais comuns e tem os maiores impactos econômicos. Em equinos e
cães, lesões musculoesqueléticas são a maior fonte de dor debilitante, perdas econômicas e perda da condição
atlética. Doença articular degenerativa é muito mais comum e tem maior importância econômica do que lesões
traumáticas agudas ou doença respiratória em cavalos de competição. Muitos estudos estimam que problemas
no boleto e articulações carpais atingem 25 a 28% dos cavalos que faltam aos treinos. Além disso, lesões de
tendões são lesões debilitantes comuns em cavalos de competição. O tempo de recuperação é prolongado e o
tecido de reparação resultante, geralmente tem menor resistência mecânica. Consequentemente, o prognóstico
de retorno aos teores anteriores de performance é pobre. Em cães, lesão no ligamento cruzado cranial com
resultante osteoartrite é a mais comum lesão musculoesquelética que produz claudicação. Embora talvez menos
comuns, também são diagnosticados, doença muscular primária, alterações neurológicas, toxinas, aberrações
endócrinas, distúrbios metabólicos, doenças infecciosas, distúrbios sanguíneos e vasculares, desequilíbrios ou
déficits nutricionais e ocasionalmente defeitos congênitos.

Anormalidades de Articulações

As articulações são classificadas comi sinartroses e diartroses. Sinartroses são componentes ósseos unidos por
tecido fibroso ou cartilagem. As sinartroses são praticamente imóveis e se associam, em raras vezes, com
artropatias que não sejam fraturas. As diartroses são móveis; os ossos em contato são cobertos por cartilagem
articular hialina e são separados por uma cápsula articular preenchida com fluido sinovial. Cartilagem articular
serve para distribuir as forças de apoio do peso e para minimizar a fricção entre os componentes esqueléticos
adjacentes durante o movimento. Fluido sinovial normal e cartilagem articular contêm uma glicoproteína que
produz lubrificação da cartilagem articular e membrana sinovial durante apoio do peso. O fluido sinovial
também nutre a cartilagem articular.
As diartroses estão mais frequentemente envolvidas em alterações patológicas. Essas alterações podem
envolver a cápsula articular, membrana sinovial, cartilagem articular hialina e osso subcondral. Lesões aos
ligamentos intra­articulares e aos meniscos, na articulação do joelho, podem afetar a estabilidade da articulação
e propagar os danos para a articulação. As artropatias podem ser causadas por traumatismos, inflamações
crônicas, fatores de desenvolvimento ou infecções. Os traumatismos graves frequentemente resultam em
luxação, subluxação, fratura ou instabilidade de uma articulação. Penetração direta da cápsula articular também
pode causar à artrite séptica, caracterizada por aumento dos leucócitos na sinóvia, resultando em aumento da
concentração de enzimas proteolíticas no fluido sinovial. A intensa resposta inflamatória na articulação pode
levar rapidamente à destruição da cartilagem articular hialina. Infecções bacterianas e fúngicas envolvendo
estruturas sinoviais são tipicamente reconhecidas pelo extremo calor, inchaço e dor localizada na articulação.
Todos os casos de sepse sinovial requerem imediato e agressivo tratamento para preservar a articulação.
Os defeitos de desenvolvimento incluem osteocondrite dissecante, ataxia equina, deformidades angulares dos
membros e síndrome do disco lombar, em algumas raças de cães. A extensão de uma fisite para a articulação
adjacente e os danos causados pela sustentação de peso anormal contínua em animais que apresentam
deformidades angulares de membros são outras causas de artropatia.
Inflamação crônica de articulações e das estruturas circundantes é mais comum nas articulações associadas à
locomoção. A homeostase da articulação envolve síntese e degradação simultânea de componentes de matriz
extracelular da cartilagem. As respostas da membrana sinovial e cartilagem articular são críticas para acomodar
a demanda mecânica e química sobre a articulação. Em condições patológicas, a atividade de biossíntese das
células não compensa a perda de componentes de matriz que ocorre pela degradação mecânica e enzimática.
Isso resulta em perda de cartilagem e comprometimento da função articular.
Osteoartrite é uma doença degenerativa, progressiva de articulações diartrodiais. Tem etiologia multifatorial;
idade, trauma, forças mecânicas, conformação, fatores hormonais e genéticos contribuem em diferentes graus. É
a principal causa de dor musculoesquelética, morbidade e diminuição da performance, em todas as espécies.
Embora ocorram alterações patológicas em múltiplos tecidos articulares, a perda da cartilagem articular é a
característica da doença.
Dano à cartilagem é reconhecido clinicamente quando ocorre suficiente lesão articular para causar sinovite ou
claudicação. Quando o dano se agrava, pode ocorre fibrilação ou completa eburnação da cartilagem em áreas de
alto estresse. Histologicamente ocorre perda de proteoglicanos, diminuição da viabilidade celular e avanço da
marca deixada pela cartilagem calcificada. A perda de proteoglicanos é acompanhada de aumento do conteúdo
de água da matriz cartilaginosa e redução na rigidez. A cartilagem comprometida biomecanicamente é mais
suscetível a danos subsequentes.
Corticosteroides e anti­inflamatórios não esteroides (AINE) têm sido amplamente utilizados para o
tratamento sintomático de osteoartrite. O benefício dessas drogas é minimizado quando há perda extensiva de
cartilagem, em que a reposição de condrócitos é uma saída, e seu uso inapropriado pode exacerbar a progressão
das alterações degenerativas. Várias medicações recentemente desenvolvidas propiciam específicas ações
condroprotetoras para o tratamento de lesão à cartilagem articular. Medicamentos que modificam a estrutura da
osteoartrite p. ex., glicosaminoglicanos, pentosana polissulfatado, ácido hialurônico) diminuem a progressão da
osteoartrite por diminuir a taxa de degradação da cartilagem e aumentar a síntese de matriz. A administração de
ácido hialurônico intra­articular reduz a reação inflamatório sinovial e pode também restabelecer a lubrificação
da cavidade articular.
Os procedimentos diagnósticos incluem inspeção, palpação manual, imagens diagnósticas (tais como
radiografia, ultrassonografia ou termografia, com incremento do uso de cintigrafia, tomografia computadorizada
[TC] ou ressonância magnética [RM]) e anestesia diagnóstica para determinar a estrutura anatômica específica
ou região envolvida.

Anormalidades de Tendões

Os tendões atuam como estruturas de ligação e fixação para os músculos; alguns deles ligam intervalos longos
entre os ventres musculares e o osso­alvo e, portanto, são propensos a lesões, especialmente porque são com
frequência sobrecarregados ao extremo e apenas minimamente capazes de alongamento elástico. Um exemplo
fundamental corresponde ao tendão flexor superficial dos equinos, que é com frequência lesionado por um rasgo
parcial que leva a uma tendinite. Uma outra lesão tendínea adquirida envolve destruições traumáticas. Devido
do suprimento sanguíneo relativamente insuficiente dos tendões e ligamentos, sua cicatrização é sempre
demorada com tecido cicatricial inelástico e o tendão lesionado nunca retorna à sua resistência original. O
tratamento das lesões ligamentares e tendíneas requer paciência com reabilitação conservativa de longa duração.
Recidiva é comum.

Anormalidades Ósseas

As osteopatias geralmente são congênitas ou hereditárias, nutricionais ou traumáticas. Os distúrbios congênitos


incluem as malformações e os atavismos intrauterinos, tais como a polidactilia ou a persistência ulnar ou fibular
nos potros; os exemplos dos defeitos genéticos incluem as malformações atlanto–occipitais em cavalos árabes
ou determinados casos de ataxia espinal (ver p. 1322), a displasia coxofemoral canina e as formações ósseas
anormais, tais como as causadas por hipoplasia paratireoideana.
Os defeitos ósseos em razão da nutrição são causados, primariamente, por desequilíbrios ou deficiências em
minerais, em particular, minerais vestigiais, tais como cobre, zinco e magnésio. As concentrações de cálcio e de
fósforo também se devem encontrar presentes na proporção correta. A osteomalacia representa o exemplo
clássico de um consumo desequilibrado ou deficiente de cálcio e fósforo. Outros distúrbios nutricionais são
causados por um consumo proteico excessivo em animais em crescimento. Tanto a deficiência como o consumo
excessivo de determinadas vitaminas, particularmente das vitaminas A e D, podem influenciar o crescimento e o
desenvolvimento dos ossos. Uma fisite asséptica ou afecções osteocondróticas fisárias especiais podem ser
causadas por intoxicação por zinco ou deficiência de cobre.
As causas traumáticas de osteopatias são a grande maioria dos casos e incluem as fraturas, as fissuras, as
reações periosteais resultantes de traumatismos, as formações de sequestros e as desmopatias de inserção ou
tendinopatias. Deficiência de sustentação de peso, redução de movimentos, instabilidade, dor, sensação de calor
ou inchaço geralmente acompanham esses distúrbios.

Diagnóstico e Tratamento de Distúrbios Musculoesqueléticos

Em todos os casos de dor musculoesquelética e claudicação, devem ser realizados procedimentos diagnósticos
para determinar a natureza, extensão e localização exata da lesão. Avaliação da origem da dor e claudicação
sempre começa com a estória completa e exame físico visando localizar regiões quentes, inchadas e doloridas à
palpação manual. Em seguida é avaliada a locomoção e o andar do animal. Em uma claudicação de apoio, o
membro doente sempre apoia menos peso e, frequentemente, tem duração de apoio do membro mais curta. Na
claudicação intermitente, o membro doente abduz ou aduz para evitar a flexão de uma articulação dolorida.
Esses achados podem ser medidos objetivamente usando um sistema de placas de força ou de análise da
andadura. Após a determinação de qual membro está doente, analgesia diagnóstica (intra­articular ou perineural)
pode ser utilizada para localizar um andar dolorido em uma região exata do membro afetado. Após a
localização, técnicas de diagnóstico por imagem podem ser realizadas para avaliar tecidos moles e ossos. Esses
procedimentos diagnósticos incluem radiografia, ultrassonografia, ressonância magnética, tomografia
computadorizada e, se necessário, análise do líquido sinovial. Após esses procedimentos, poderá ser feito um
diagnóstico e instituído um tratamento. Finalmente, um prognóstico pode ser feito baseado no diagnóstico,
extensão da doença e sobre a expectativa da resposta à terapia.
As opções diagnósticas e terapêuticas para o manejo de distúrbios musculoesqueléticos tiveram grande
expansão nos últimos anos o que permite o retorno à vida útil da maioria dos animais se realizadas
precocemente no processo da doença.

Distúrbios Musculares

A unidade estrutural e funcional do músculo esquelético é a unidade motora. Ela consiste em um neurônio
motor ventral com seu corpo celular no corno central da medula espinal e seu axônio periférico, a junção
neuromuscular e as fibras musculares inervadas pelo neurônio. Cada um desses componentes deve se encontrar
funcionalmente intacto para que o músculo se contraia de modo apropriado. O neurônio motor ventral constitui
a via comum final que transporta os impulsos nervosos do sistema nervoso central (SNC) para a musculatura.
A transmissão de um impulso nervoso na junção neuromuscular envolve uma liberação maciça de acetilcolina
de vasos sinápticos pequenos, onde é armazenada. A acetilcolina preenche a fenda sináptica entre o nervo
terminal e a membrana da fibra muscular, onde a sua maior parte é destruída pela colinesterase dentro de uma
fração de segundo. Esse curto período de atividade é suficiente para excitar a membrana da fibra muscular, o
que resulta em um aumento significativo na permeabilidade da membrana a íons de sódio e permite uma entrada
rápida de sódio no interior da fibra muscular. O íon de sódio aumenta o potencial da placa final, que dispara
correntes elétricas que se espalham para o interior das fibras, onde causam uma liberação de íons de cálcio do
retículo sarcoplasmático. Os íons de cálcio iniciam, por sua vez, os eventos químicos do processo contrátil.
Quando isso ocorre em todas as fibras musculares inervadas por cada neurônio motor (possivelmente milhares),
ocorre uma contração muscular.
Um músculo normal, que compreende muitas unidades motoras, é dinâmico e suas função e estrutura podem
ser influenciadas por muitas doenças. Paralisia completa, paresia ou ataxia podem ser causadas por disfunções
musculares primárias de origem infecciosa, tóxica ou congênita. Entretanto, e, muitas instâncias o distúrbio
primário pode ser atribuído ao sistema nervoso (p. ex., tétano, rinopneumonite, cinomose, mielite protozoária)
com o sistema muscular simplesmente representando o órgão efetor. Os distúrbios que afetam a junção
neuromuscular (p. ex., miastenia gravis, hipocalcemia e hipermagnesemia) podem resultar em fadiga muscular,
fraqueza e paralisia. A junção neuromuscular também pode ser afetada por drogas relaxantes musculares (p. ex.,
o curare, a succinilcolina e o M99), determinados antibióticos e toxinas (p. ex., a botulínica, a tetânica e os
venenos).
Os distúrbios primariamente da membrana muscular e, em alguma extensão, das fibras musculares
verdadeiras, são chamados de miopatias. Eles podem ser hereditários (p. ex., a miotonia congênita nos caprinos)
ou adquiridos (p. ex., as deficiências de vitamina E e selênio, o hipotireoidismo e a hipopotassemia). As
miopatias que envolvem os componentes da fibra muscular verdadeira incluem as distrofias musculares, as
polimiosites, a miosite eosinofílica, a miopatia branca e a rabdomiólise por esforço. Vários testes laboratoriais
(p. ex., os exames histopatológicos, a determinação dos teores séricos enzimáticos, os estudos
eletromiográficos, a termografia e as determinações da velocidade de condução) são muito úteis na confirmação
de um diagnóstico específico.

ANOMALIAS CONGÊNITAS E HEREDITÁRIAS DO SISTEMA

MUSCULOESQUELÉTICO

As anomalias congênitas e hereditárias podem resultar em neonatos doentes ou deformados. Os distúrbios


congênitos podem ser causados por infecções virais do feto ou ingestão de plantas tóxicas, pela mãe, em
determinados estágios da gestação. Certos distúrbios neurológicos congênitos também podem afetar o sistema
musculoesquelético.

BOVINOS

Artrogripose

É a ancilose dos membros, em geral combinada com fenda palatina e outras deformidades do crescimento. É
observada em todas as raças de bovinos, particularmente em Charolês. Ao nascimento, bezerros afetados
exibem articulações fixadas em posições anormais e com frequência têm escoliose e cifose. Geralmente são
inaptos para levantar ou mamar. Alterações musculares, principalmente atrofia também foram observadas. Na
medula espinal, pode ser observada necrose de neurônios e lesões da substância branca. A artrogripose tem mais
de 1 etiologia e entidade patológica. A síndrome artrogripose em Charolês é causada por um gene autossômico
recessivo de penetrância completa, no estado homozigoto. Teratógenos identificados como causa de artrogripose
incluem plantas, tais como Lupinus sp (anagirina, como agente tóxico), que são ingeridas por vacas prenhes
entre 40 e 70 dias de prenhez. Infecções virais pré­natais pelo vírus Akabane (p. 642) ou vírus da língua azul (p.
805) também podem causar artrogripose.

Atrofia de Brown (Xantose, Lipofuscinose)


Em bovinos leiteiros com atrofia de Brown, os músculos esqueléticos e o miocárdio apresentam­se de cor
amarelo­amarronzada a bronze. Os músculos masseter e o diafragma são os mais frequentemente afetados. Essa
não resulta em doença clínica. Certas raças (p. ex., Ayrshire) são mais predispostas do que outras.
Microscopicamente, grânulos de pigmento de lipofuscina marrons acumulam­se sob o sarcolema ou
centralmente nas fibras musculares. A condição hereditária do aparecimento de um afetado e três normais
sugere que essa condição possa resultar de um único gene recessivo.

Defeitos da Coluna

Há vários defeitos da coluna espinal que incluem espinha cura letal, fusão atlanto–occipital, cifose
(arqueamento dorsal da coluna), lordose (arqueamento ventral), escoliose (arqueamento lateral), e torcicolo
(torcido). Esses defeitos podem ocorre isolados combinados ou associados a defeitos de outros sistemas
corpóreos, particularmente do sistema nervoso central.

Musculatura Dupla

A musculatura dupla é o desenvolvimento exagerado da musculatura do ombro, do dorso, do tronco e dos


membros posteriores, separados por vincos profundos, particularmente entre os músculos semitendinoso e o
bíceps femoral e entre os longos dorsais de cada lado. Os pescoços dos bovinos com musculação dupla são mais
curtos e mais grossos e suas cabeças parecem menores. Distúrbios associados incluem hipoplasia nos tratos
reprodutivos, retardamento na idade de maturidade reprodutiva, prolongamento gestacional e aumento nos
pesos, no nascimento, combinado com distocia. A doença é verificada em várias raças, incluindo Charolês,
Santa Gertrudes, South Devon, Angus, Belgian Blue, Belgian White e Piedmontese. A musculação dupla é
causada por um par de genes recessivos incompletos, que resulta na inibição da atividade da miostatina em
graus variados. Nos bezerros afetados, a atividade da succinodesidrogenase diminui significativamente.

Paresia ou Paralisia Flácida

A paresia ou paralisia flácida é uma afecção hereditária dos bovinos da raça Jersei, aparentemente controlada
por um gene autossômico recessivo letal simples. Alguns bezerros afetados nascem mortos. Os bezerros vivos
parecem normais ao nascimento, mas são incapazes de ficar em pé devido aos músculos, ligamentos, tendões e
articulações não completamente formados. As articulações escapulares e coxofemorais podem girar em
qualquer direção, sem desconforto aparente. O diagnóstico se baseia nos sinais, nos achados de necropsia e na
identificação dos animais portadores.

Perosomus Elumbis

É uma anomalia congênita rara de etiologia desconhecida. É caracterizada por falha parcial ou completa do
desenvolvimento da medula espinal e vértebra caudal à área torácica acompanhada por atrogripose bimélica
posterior caracterizada por ancilose de articulações com malformações associadas da musculatura. Bezerros
afetados não podem usar seus membros traseiros e devem ser sacrificados. Suspeita­se que o defeito seja
hereditário. Um reduzido número de vértebras foi descrito e também citado como defeito genético. A doença
também foi descrita em ovinos e suínos.

EQUINOS

Defeitos da Coluna

Os defeitos espinais incluem escoliose, sinostose e lordose. Embora todas essas afecções sejam incomuns nos
potros, encontra­se mais frequentemente a escoliose congênita. No exame clínico, muitas vezes, é difícil avaliar
a gravidade. Pode­se conseguir uma melhor apreciação da situação por meio de exame radiográfico. Nos casos
leves, a melhora é espontânea e pode ser completa. Mesmo nos casos mais graves, raramente, ocorre qualquer
anormalidade óbvia na marcha ou na manobrabilidade. No entanto, esses potros frequentemente não são
criados, porque parece ser improvável que sejam capazes de suportar montaria ou trabalho.
Outra deformidade congênita ocasional é a sinostose (fusão vertebral), que pode associar­se com uma
escoliose secundária. É necessária uma radiografia para a confirmação.
A lordose congênita (afundamento da coluna) se associa com uma hipoplasia dos processos intervertebrais
articulares. Nos equinos adultos, ocasionalmente observam­se graus variados de lordose e cifose (encurvamento
dorsal da coluna) adquiridas, o que contribui para uma fraqueza nas costas. O diagnóstico se baseia na aparência
clínica e pode ser confirmado por meio de radiografia, que revela uma curvatura indevida na coluna vertebral,
geralmente na região torácica cranial (T5 a T10), no caso de lordose, e na região lombar cranial (L1 a L3), no
caso de cifose.

Deficiência de Enzima Ramificadora de Glicogênio

A deficiência de enzima ramificadora de glicogênio (EDG) pode ser uma causa comum de mortalidade neonatal
em equinos Quarto–de­Milha e em raças correlatas; é confundida com uma variedade de sinais clínicos que
lembram outras doenças neonatais de equinos. Outros animais afetados apresentam deficiência da enzima
necessária para armazenar glicogênio na sua forma ramificada e, portanto, não podem armazenar moléculas de
açúcar. A doença é letal; músculo cardíaco, cérebro e músculos esqueléticos se apresentam afuncionais. Sinais
clínicos de deficiência de EDG podem incluir deformidades flexurais de membros transitórias, abortos,
convulsões, insuficiência respiratória ou cardíaca e decúbito persistente. Leucopenia e elevação das atividades
séricas de creatinoquinase (CK), aspartato aminotransferase (AST) e gamaglutamiltransferase estão presentes na
maioria dos potros afetados. Lesões macroscópicas pós­morte são inconclusivas. Amostras de músculo, coração
ou fígado contêm inclusões intracelulares cristalinas ou globulares anormais com coloração de ácido periódico
de Schiff positiva, em quantidade proporcional à idade do potro ao óbito. Acúmulo de um polissacarídio não
derivado em tecidos é sugerido por uma mudança no espectro de absorção de iodo de polissacarídio isolado do
fígado e do músculo de potros afetados. As concentrações de polissacarídios totais de músculo esquelético estão
reduzidas, mas as concentrações de glicogênio, do músculo cardíaco e do fígado estão normais. Muitas
atividades de enzimas glicolíticas estão normais, enquanto a atividade da EDG é praticamente ausente nos
músculos cardíaco e esquelético, assim como no fígado e nas células do sangue periférico. Atividades da EDG
em células sanguíneas periféricas de éguas de potros afetados e vários dos seus meio­irmãos ou irmãos
completos representam valores cerca de 50% daquele dos animais controles. Proteína EDG no fígado encontra–
se muito reduzida ou ausente em potros afetados. Análises da árvore genealógica sustentam o modo de herança
autossômica recessiva.

Deformidades Angulares dos Membros

Nesses defeitos esqueléticos congênitos ou adquiridos, a porção distal de um membro se desvia lateral ou
medialmente no início da vida neonatal. Implicam­se mau posicionamento intrauterino, hipotireoidismo,
traumatismo, má conformação, frouxidão articular excessiva e ossificação endocondral defeituosa nos ossos
cárpicos ou társicos e longos. Pode ser afetado 1 a 4 membros, dependendo da gravidade da afecção.
O carpo é afetado com maior frequência, mas, ocasionalmente, envolvem­se os társicos e os boletos. O desvio
fica óbvio, mas varia em gravidade. Um desvio lateral (valgo) de até 6° da porção distal de um membro pode ser
considerado normal. A maioria dos potros permanece assintomática, mas claudicação e inchaço de tecido mole
podem acompanhar os desvios graves. A rotação dos boletos para fora acompanha, invariavelmente, um valgo
cárpico. Os potros nos quais ocorre uma ossificação defeituosa dos ossos cuboides cárpicos ou uma frouxidão
articular excessiva, em geral, ficam mancos à medida que as pernas se desviam progressivamente. Devem­se
palpar cuidadosamente os membros afetados para detectar frouxidão de ligamento e áreas específicas que
podem ficar doloridas.
O diagnóstico deve incluir a determinação precisa do local e da causa do desvio. O local do desvio pode ser a
metáfise, a fise ou a epífise radial distal ou os ossos cuboides. A radiografia é útil na detecção do tufo fisário,
compressão epifisária e deformação dos ossos cárpicos. Os potros pouco afetados frequentemente melhoram
sem tratamento.
O tratamento depende da gravidade da afecção e dos tecidos afetados. A frouxidão articular excessiva, com
ou sem envolvimento ósseo cárpico cuboidal, requer pensos tubulares ou talas. Não se devem incluir o boleto e
a região falangiana nos pensos, que devem proteger a articulação fraca de traumatismos, mas devem também
permitir um exercício restrito para manter os tônus tendíneo e ligamentar. Pode­se exigir tal sustentação de
membro por até 6 semanas.
Os distúrbios de crescimento fisários e epifisários também são tratáveis por meio de correção cirúrgica, de
transecção semicircular e de elevação periosteal do rádio distal, no lado côncavo do defeito, ou de ligação
transfisária da fise no lado convexo. Essas cirurgias devem ser realizadas antes de as placas de crescimento
fisário se fecham (com 2 a 4 meses de idade) e seu sucesso depende do crescimento e do desenvolvimento
contínuos dos ossos. Tornam­se necessários exames e radiografias sequenciais para acompanhar a melhora
espontânea ou determinar a necessidade de uma cirurgia.
Sem tratamento, o prognóstico de um valgo cárpico grave é ruim. A anomalia conformacional leva a uma
artropatia degenerativa precoce. Da mesma maneira, a deformidade nos ossos cárpicos cuboidais contribui para
um mau prognóstico. No entanto, no caso de uma detecção precoce, de uma avaliação cuidadosa e de um
tratamento cirúrgico apropriado, a maioria dos potros responde favoravelmente.

Miopatia por Acúmulo de Polissacarídios

Ver p. 1268.

Paralisia Periódica Hiperpotassêmica

A paralisia periódica hiperpotassêmica (PPH) é uma afecção hereditária dos equinos da raça Quarto­de­Milha
que resulta de mutação genética no gene do canal de sódio do músculo esquelético. É herdada como uma
característica autossômica dominante. A maioria dos equinos acometidos é heterozigoto (ver p. 1117).

OVINOS

Condrodisplasia Hereditária (Síndrome Lamb Spider)

Condrodisplasia hereditária ou síndrome lamb spider é uma doença musculoesquelética hereditária, semiletal,
que acomete principalmente cordeiros das raças Suffolk ou Hampshire. O modo de herança é autossômico
recessivo, sendo difícil a identificação e descarte dos animais portadores devido ao fenótipo normal. A local da
causa desta síndrome é a extremidade final distal do cromossomo ovino 6. Essa mutação causa inativação do
receptor 3 do fator de crescimento de fibroblastos normal, que produz crescimento exagerado do esqueleto em
genes homozigotos. Os cordeiros apresentam um desvio medial acentuado do carpo e jarrete e ficam incapazes
de se levantar sem desconforto. As alterações patológicas no crânio revelam um arredondamento da silhueta
dorsal, produzindo uma aparência de “nariz romano” e um alongamento estreitado dos côndilos occipitais. As
vértebras torácicas e lombares apresentam cifose moderada, o que causa arredondamento dorsal da linha das
costas. As esternébras se desviam dorsalmente, levando a um achatamento do esterno. Os membros dianteiros
apresentam um desvio medial das articulações cárpicas, com um arqueamento radial e ulnar e um espessamento
irregular da cartilagem da placa de crescimento. Os membros traseiros apresentam desvios mediais nos jarretes
e tíbias arqueadas, com placas de crescimento irregulares e espessadas. Atrofia muscular também é
predominante. A regulação do fator de crescimento semelhante à insulina (FCI) hepático e das proteínas
conjugadoras de FCI pode estar envolvida nas manifestações físicas desse distúrbio. Sugere­se que a afecção
seja hereditária em um padrão autossômico recessivo simples.

SUÍNOS

Síndrome dos Membros Abertos (Pernas abertas, Hipoplasia miofibrilar)

Nessa doença neonatal de suínos, os membros pélvicos ficam separados ou estendidos para frente devido à
fraqueza dos músculos adutores em relação aos abdutores. A prevalência desta síndrome é maior na raça
Landrace do que em outras raças de suínos. A seleção para ninhadas maiores indiretamente aumenta o potencial
genético para as porcas criarem um ambiente uterino mais propício à produção de ninhadas com esta síndrome e
deve ser considerada mais uma característica da porca do que dos porcos individualmente. Suínos afetados
facilmente se amontoam e passam fome e frio em razão da pouca mobilidade. A mortalidade pode alcançar 50%
dos animais. Há relatos de influência genética. Ocorrem diferenças significantes na incidência entre as ninhadas
de diferentes reprodutores e raças. É observada mais frequentemente em machos do que em fêmeas e em suínos
com baixo peso ao nascimento. A síndrome também pode ser produzida se é administrado glicocorticoide
durante a prenhez, e parece possível que a sensibilidade ao estresse dos pais muito musculosos possa ser um
fator contribuinte. No entanto, qualquer causa de estiramento de músculos adutores aumenta a incidência.
Estiramento pode resultar de deslizamentos ou pisos escorregadios, esforço quando as pernas ficam presas em
vãos do piso ou como resultado de dano ao trajeto nervoso originário de infecções virais intrauterinas. Foi
sugerido que micotoxinas desempenham um papel em alguns casos. A dieta geral da porca (teores de colina,
metionina e vitamina E) pode influenciar a ocorrência da enfermidade, mas o benefício da suplementação
alimentar às porcas é questionável.
Os sinais clínicos são distintos. Infecções uterinas pelo vírus da encefalite hemaglutinante, enteroviroses e
outros vírus, bem como infecção bacteriana de meninge após o parto, além de traumatismo, devem ser
considerados. Os músculos afetados geralmente se apresentam hipoplásicos e as pequenas fibras musculares
contêm poucas miofibrilas, como seria encontrado em músculos de fetos normais próximo ao parto. Os
músculos frequentemente afetados são o semitendinoso, o longuíssimo dorsal e o tríceps.
Deve ser providenciado piso seco não escorregadio, sem vãos, nos quais as pernas possam ser enroscadas,
especialmente nos primeiros 2 dias. Leitões devem ser protegidos de lesões pela porca e deve ser assegurada
amamentação adequada. Nos leitões afetados, os membros pélvicos devem ser mantidos juntos por meio de fita
adesiva em forma de “8” não apertada, acima do jarrete, por 2 a 4 dias. Leitões tratados apropriadamente
costumam recuperar­se dentro de 1 semana, embora poucos se recuperem se os membros dianteiros também
estiverem afetados. Glicocorticoide não deve ser administrado no final da gestação. Linhas de sangue altamente
suscetíveis devem ser eliminadas.

VÁRIAS ESPÉCIES

Contração de Tendões Flexores

A contração de tendões flexores constitui, provavelmente, a anormalidade mais prevalente no sistema


musculoesquelético dos potros e dos bezerros recém­nascidos. Essa afecção é causada por um gene autossômico
recessivo. O posicionamento intrauterino também pode afetar o grau de incapacitação.
No nascimento, as quartelas e os boletos dos membros torácicos e, algumas vezes, as articulações cárpicas
podem se encontrar flexionados em graus variáveis devido de um encurtamento dos tendões flexores digitais
profundos e superficiais e da musculatura associada. Em algumas raças, uma fenda palatina pode acompanhar
essa afecção. Os animais ligeiramente afetados sustentam seu peso nas solas das patas e caminham sobre seus
dígitos. Os afetados mais gravemente caminham sobre a superfície dorsal das quartelas e das articulações dos
boletos. Se não forem tratadas, as superfícies dorsais dessas articulações ficarão danificadas e desenvolver­se­á
artrite supurativa. Poderá ocorre uma ruptura do tendão extensor digital comum como sequela. Deve­se
diferenciar essa afecção de uma artrogripose.

Bezerro com contração de tendão flexor. Cortesia de Dr. Sameeh M. Abutrabush.

Os animais afetados levemente se recuperam sem tratamento. Nos casos moderados, pode­se aplicar uma tala
para forçar o animal a sustentar o peso sobre seus dígitos. A pressão da tala não deve comprometer a circulação
ou a pata pode sofrer uma necrose isquêmica. A extensão manual frequente das articulações, em uma tentativa
de esticar os ligamentos, os tendões e os músculos, auxilia no tratamento desses casos intermediários. Os casos
graves requerem tenotomia de um ou ambos os tendões flexores. Em alguns casos, também se pode indicar um
penso de gesso. Os casos extremos podem não responder a nenhum tratamento.
Deficiência de miofosforilase (glicogenose tipo V) é um distúrbio recessivo autossômico em bovinos da raça
Charolês. Animais afetados apresentam intolerância ao exercício e podem ter as atividades séricas das enzimas
de origem musculoesquelética aumentadas.

Discondroplasia

A discondroplasia de origem genética ocorre na maioria das raças bovinas. As formas variam da chamada
discondroplasia “buldogue” de Dexter letal, na qual o bezerro está invariavelmente natimorto, até os animais
pouco afetados.
Os anões braquicefálicos que eram comuns nos bovinos da raça Hereford, nos anos 1950, foram eliminados,
em grande parte, mediante seleção genética. Eles se caracterizavam por faces pequenas, testas proeminentes,
prognatismo, fenda palatina, abdomes grandes e pernas curtas. Tinham aproximadamente metade do tamanho
dos animais normais. O anão dolicocefálico, observado mais comumente nos bovinos da raça angus, possui a
mesma conformação corporal geral do anão braquicefálico, exceto por possuir uma cabeça longa e não
apresentar testa proeminente e nem prognatismo. Os bezerros de face pequena são frequentemente chamados de
anões “ofegantes”, devido da respiração trabalhosa e audível. Ambos os tipos possuem viabilidade baixa e são
suscetíveis a timpanismo. As suas carcaças são indesejáveis e raramente são mantidos, exceto para propósitos
de pesquisa.
Nos cães, também ocorre discondroplasia dos esqueletos apendicular e axial. A primeira forma é descrita nas
raças Poodle e Scottish Terrier e, a última, nas raças Malamute do Alasca, Basset Hound, Dachshund, Poodle e
Scottish Terrier. Em algumas raças caninas (Basset, Dachshund e Pequinês), as características discondroplásicas
apendiculares constituem uma característica importante do tipo racial. Nos cães da raça Malamute, a afecção é
acompanhada por anemia.

Doença do Armazenamento de Glicogênio (Glicogenose)


Fraqueza muscular progressiva e incapacidade para levantar de modo adequado podem ser observadas em
animais com doenças do acúmulo do glicogênio. Atualmente 5 dos 8 tipos de doenças do acúmulo de glicogênio
caracterizadas em humanos foram identificadas em animais (tipos I, II, III, VII e VIII). As espécies afetadas são
os bovinos, ovinos, cães, gatos, cavalos, codorna japonesa, ratos e camundongos. Glicogenose tipo II em
bovinos Shorthorn e Brahman foi bem documentada e é herdada como um distúrbio recessivo autossômico.
Bovinos afetados desenvolvem fraqueza muscular e morrem aos 9 a 16 meses de idade, frequentemente, com
progressão da cardiomegalia e insuficiência cardíaca congestiva. Estudos morfológicos e bioquímicos revelam
extensivos depósitos de glicogênio intralissossomal e citoplasmático. Ovinos Corriedale e cães Lapland também
desenvolvem glicogenose tipo II.

Esteatose Muscular

Na esteatose muscular, observada ocasionalmente em bovinos, ovinos e suínos ao abate, a gordura substitui
fibras musculares. Algumas vezes, a ocorrência de esteatose muscular é indicada, antes do abate, por andadura
anormal, mas a condição não é identificada até que a carcaça seja manipulada. A identificação da enfermidade
pode ser difícil e frequentemente se restringe apenas à esteatose em determinado grupo muscular de uma
carcaça pouco marmorizada o que torna a ocorrência notável. Em suínos, há evidência de que o início da
esteatose muscular é acompanhado de acúmulo de lipídios em fibras musculares. Não resulta em doença clínica
e a causa é desconhecida. As lesões macroscópicas são áreas pálidas simétricas nos músculos afetados,
especialmente do dorso, pescoço e parte proximal dos membros. Microscopicamente, muitas fibras musculares
são substituídas por células adiposas.

Miopatias do Tipo Distrófico

Numerosos exemplos de miopatias progressivas foram descritos em animais; muitos são hereditários e diversos
se parecem com vários tipos de distrofia muscular em humanos. Músculos afetados apresentam variações
degenerativas e atróficas. Foi descrita em bovinos da raça Meuse­Rhine­Yssel, na Holanda, uma miopatia
progressiva fatal do diafragma e músculos intercostais. Outra distrofia em bovinos é a síndrome de Weaver, em
bovinos da raça Pardo Suíço. Hiperplasia, comumente denominada musculatura dupla (ver p. 1115), é uma
miopatia congênita constatada em algumas raças de bovinos europeias. Miopatias progressivas foram descritas
em ovinos da raça Merino, na Austrália (uma doença recessiva autossômica hereditária), em suínos Pietrain
(síndrome do Pietrain rastejador) e em cães, gatos, galinhas, perus e visons. A distrofia muscular hereditária de
camundongos e hamsters foi extensivamente estudada; os hamsters têm graves lesões miocárdicas e têm sido
utilizados como modelos para estudos de cardiomiopatias.
Vários tipos de distrofia muscular são observados em cães. Uma distrofia muscular ligada ao cromossomo X
do tipo Duchenne foi descrita em animais da raça Golden Retriever, nos EUA, e em Irish Terrier, na Europa.
Cães afetados, geralmente machos, desenvolvem fraqueza muscular progressiva, disfagia, rigidez ao andar e
atrofia muscular. Microscopicamente, a alteração característica é a deficiência de uma proteína concentrada no
sarcolema, essencial para a função normal da membrana. Alguns cães morrem com a progressão da
cardiomiopatia. Uma distrofia similar ligada ao cromossomo X foi descrita em gatos. Um segundo tipo de
distrofia envolve Retriever do Labrador, na América do Norte, Europa e Austrália. Sinais clínicos que incluem
rigidez, intolerância ao exercício e atrofia muscular desenvolvem­se aos 6 meses de idade. Herança recessiva
autossômica é implicada. Outra distrofia foi descrita em Bouviers disfágicos na Europa.

Miopatia Associada à Rigidez Articular Congênita (Artrogripose)


Essa síndrome, um dos defeitos congênitos mais comuns em bezerros, é caracterizada por fixação rígida dos
membros em posturas anormais; ela com frequência produz distocia. A fraqueza muscular e desequilíbrio da
força muscular ao redor das articulações esclarece a resposta colagênica compensatória fisiológica, a qual
substitui fibras musculares atrofiadas por tecido conjuntivo e produz espessamento da cápsula articular
suficiente para resultar em fixação pré­natal de seguimentos do membro na articulação. Animais afetados
podem ter outras anomalias, incluindo hidrocefalia, fenda palatina e disrafismo espinal. A condição pode ser
letal, porém alguns animais levemente afetados recuperam–se por completo. As lesões musculares podem ser
primárias em alguns tipos de doenças, porém as lesões neurais geralmente são primárias e as alterações
musculares representam atrofia por denervação. Rigidez articular congênita é observada em bovinos, ovinos,
equinos e suínos. Foram reconhecidos vários fatores etiológicos. Nos bovinos, as causas podem ser vírus (vírus
Akabane [p. 642], vírus da língua azul [p. 805]), plantas teratogênicas (Lupinus sp [p. 3081]) ou uma
característica hereditária recessiva em bovinos Charolês (ver artrogripose, a seguir). Em ovinos, plantas
(astrágalo), vírus (Akabane, teratógenos de Wesselsbron [p. 755], febre Rift Valley [p. 760]), exposição a
parbendazol e miopatias autossômicas recessivas hereditárias primárias de cordeiros das raças Merino e Welsh
Mountain podem causar rigidez articular congênita. Em suínos, a doença pode ser herdada como recessiva
autossômica ou resultar de deficiência de vitamina A ou manganês ou de exposição de porcas prenhes a toxinas
vegetais (p. ex., tabaco, estramônio, cicuta e cereja preta).

Osteocondrose

É um distúrbio na ossificação endocondral que algumas vezes é classificada como discondroplasia. A


cartilagem articular imatura pode se separar do osso epifisário subjacente que, algumas vezes, torna­se
completamente livre e flutua solta na cavidade sinovial, resultando em sinovite concomitante ou retenção de
núcleos piramidais de cartilagem fiseal projetando­se para o interior da metáfise. Com frequência essas 2 lesões
são observadas simultaneamente no mesmo osso. A doença desenvolve­se durante o crescimento máximo
quando os estresses biomecânicos são maiores no esqueleto imaturo (4 a 8 meses em cães, 36 a 54 kg [80 a
120lb] em suínos). É mais comum em raças grandes e gigantes de cães (ver p. 1283), bem como em suínos de
crescimento rápido, equinos (ver p. 1229), perus e frangos.

Osteogênese Imperfeita

É um defeito ósseo hereditário generalizado em bovinos, caninos e felinos caracterizado por fragilidade extrema
de ossos e frouxidão articular atribuível a qualquer de um grande número de possíveis mutações de colágeno
tipo I As propriedades mecânicas (da parte mole) do colágeno/composto mineral dos ossos, parecem estar
alteradas. Os ossos longos são delgados e têm corticais finas. Calos e fraturas recentes podem estar presentes. A
esclera ocular pode estar azulada. A herança, em geral, é poligênica.

Osteopetrose

A osteopetrose é uma doença metabólica caracterizada por aumento sistêmico na massa do esqueleto. É uma
doença rara que parece ser hereditária com uma característica autossômica recessiva simples nos bovinos das
raças Angus, Simmental, Holstein­Freisian e Hereford, e também é observada nos cães e potros. Ela se
caracteriza por natimortalidade prematura, 10 dias a 1 mês antes do termo, braquignatia inferior, impactação de
dentes molares e fraturas fáceis nos ossos longos. As cavidades medulares ósseas encontram­se ausentes e são
substituídas por uma camada esponjosa primária. O osso intramedular anormal semelhante ao osso fetal consiste
em um tecido condrósseo. Os forames cranianos e dos ossos longos ficam hipo ou aplásicos. O crânio se espessa
e comprime o cérebro. Há mineralização extensa nas paredes vasculares e nos neurônios cerebrais. O
diagnóstico é confirmado por meio de uma bissecção longitudinal dos ossos longos, revelando as diáfises
preenchidas com um tampão ósseo, em vez da medula.
Sindactilia e Polidactilia

A sindactilia ou “pé de mula” corresponde a uma fusão parcial ou completa dos dígitos de 1 ou mais patas.
Descrita em muitas raças de bovinos, é mais prevalente em Holsteins e é hereditária como uma afecção
autossômica recessiva simples. Afetam­se mais frequentemente as patas dianteiras, mas pode ser afetada 1 ou as
4 patas. Os animais caminham lentamente, apresentam, em geral, uma marcha com passadas altas e ficam mais
propensos a hipertermia.
A polidactilia é um defeito genético dos bovinos, ovinos, suínos e, ocasionalmente, equinos. Na sua forma
mais comum, o segundo dígito se desenvolve, mas deficiência o dígito­de­lobo medial. Os dígitos podem
fundir­se para dar origem a uma polissindactilia. Raramente 1 ou todos os 4 membros apresentam a afecção.
Nos bovinos, a polidactilia parece ser poligênica, com um gene dominante, em um locus, e um recessivo
homozigoto, no outro.

DISTROFIAS ASSOCIADAS AO CÁLCIO, FÓSFORO E

VITAMINA D

As principais causas de osteodistrofias estão relacionadas com deficiências ou desequilíbrios de cálcio, fósforo e
vitamina D na dieta. As suas inter­relações não são facilmente definidas e também se deve considerar sua inter–
relação com a glândula paratireoide. As deficiências de qualquer uma dessas três substâncias podem ser
absolutas ou relativas e devem ser avaliadas com relação à disponibilidade e à taxa de crescimento.
A fonte primária de cálcio e fósforo é a dieta. Esses elementos são absorvidos em uma quantidade que
depende da fonte de minerais, do pH intestinal e dos teores dietéticos de vitamina D, cálcio, fósforo, ferro e
gorduras. Se ocorre uma diminuição na vitamina D ou na sua atividade, reduzir­se­á a absorção de cálcio e
fósforo. A vitamina D é obtida por meio da dieta ou pela produção, quando a pele é exposta à luz solar (radiação
ultravioleta). Antes da vitamina D poder ser utilizada, ela deve ser processada em sua forma metabolicamente
ativa pelo fígado e pelos rins. A vitamina D3 (colecalciferol) atua, primariamente, no trato gastrintestinal para
aumentar a absorção, mas também afeta os ossos, com isso aumentando a disponibilidade de cálcio elementar.
Por um feedback negativo ele inibe a secreção do paratormônio.
O paratormônio (PTH) é secretado em resposta à baixa concentração de íon cálcio circulante. Em geral, tem
papel no aumento da disponibilidade de cálcio. Os 3 órgãos–alvo do PTH são os rins, os ossos e o intestino. Nos
rins, o PTH promove a absorção tubular renal de cálcio, enquanto potencializa a excreção renal de fósforo, bem
como a atividade da a1­hidroxilase, enzima responsável pela ativação da vitamina D3 nos rins. No intestino, o
PTH promove absorção de cálcio. O PTH também facilita a mobilização de cálcio e fósforo dos ossos,
permitindo a utilização de cálcio da matriz osteoide. Em ruminantes, PTH aumenta a secreção salivar de fósforo
na troca por bicarbonato.
Lesões ósseas específicas se associam com anormalidades nas quantidades absoluta ou relativa de vitamina
D, cálcio, fósforo e PTH. Frequentemente, além da deficiência ou do excesso em um elemento, isso também
causa uma doença secundária devido de mecanismos de feedback, alterações nas proporções ou deficiências
metabólicas concomitantes. As síndromes patológicas específicas podem ser classificadas como de natureza
nutricional ou metabólica.
Teores anormais de cálcio e fósforo também podem causar doença secundária. Em geral, doenças às quais os
cães são geneticamente predispostos podem ter sua incidência aumentada pelo excesso de suplementação de
cálcio e fósforo. Especificamente, osteocondrite dissecante e osteodistrofia hipertrófica são mais frequentes em
raças de cães gigantes alimentados com excesso de cálcio.

OSTEODISTROFIAS METABÓLICAS

HIPOPARATIREOIDISMO

No hipoparatireoidismo (ver p. 613), secreta­se uma quantidade subnormal de PTH ou o hormônio secretado
fica incapaz de interagir normalmente com as células­alvo. Foi reconhecido, primariamente, nos cães, em
particular, nas raças menores, como Schnauzer miniatura, mas também pode acometer outras raças.
Vários mecanismos patogênicos podem resultar em secreção inadequada de PTH. As glândulas paratireoides
podem ser danificadas ou inadvertidamente removidas durante a cirurgia tireoidiana. Depois dos danos nas
glândulas ou em seu suprimento vascular, o parênquima funcional adequado, com frequência, se regenera e os
sinais clínicos desaparecem subsequentemente.
Hipoparatireoidismo idiopático, nos cães adultos, geralmente resulta de uma paratireoidite linfocitária
difusa, que causa degeneração extensa das células principais e substituição dessas por tecido conjuntivo fibroso.
As outras causas possíveis de hipoparatireoidismo incluem destruição das paratireoides por neoplasias primárias
ou metastáticas na área cervical anterior e atrofia das paratireoides, associada a hipercalcemia crônica. A
presença de muitas partículas do vírus da cinomose nas células principais da glândula paratireoide pode
contribuir para o cálcio sérico baixo em determinados cães com essa doença. A agenesia paratireoideana é uma
causa rara de hipoparatireoidismo congênito em filhotes. Alguns casos de hipoparatireoidismo idiopático em
animais (incluindo o homem) com paratireoides histologicamente normais podem se decorrências de deficiência
da enzima específica nas células principais, que converte a molécula pró­PTH em PTH biologicamente ativo
secretado pela glândula. Em outros casos, pode­se envolver um mecanismo imunomediado, pois já se produziu,
experimentalmente, destruição semelhante de parênquima secretor e infiltração linfocitária em cães por meio de
injeções repetidas de emulsões de tecido paratireoideano.
Pseudo­hipoparatireoidismo é uma variante que ocorre no homem, mas é incerto se ocorre em animais. As
células­alvo nos rins e nos ossos ficam incapazes de responder a uma quantidade normal ou aumentada de PTH
e desenvolve­se hipocalcemia grave, mesmo que as glândulas paratireoides estejam hiperplásicas.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os distúrbios funcionais e as manifestações clínicas do hipoparatireoidismo
resultam, primariamente, de aumento na excitabilidade neuromuscular e de tetania. A reabsorção óssea diminui
em razão da deficiência de PTH e os teores sanguíneos de cálcio se reduzem progressivamente (4 a 6 mg/dl). Os
cães afetados ficam inquietos, nervosos e atáxicos, com fraqueza e tremores intermitentes de grupos musculares
individuais, que progride para tetania generalizada e convulsões. Os teores sanguíneos de fósforo aumentam
substancialmente devido ao aumento na reabsorção tubular renal. Calcificação da microvasculatura, calcificação
intracerebral, diminuição na função mental, catarata, osteopenia e ossificação ligamentar se associam com
hipoparatireoidismo crônico.
Nos cães, nos estágios iniciais da paratireoidite linfocitária imunomediada, ocorre infiltração da glândula com
linfócitos e plasmócitos e hiperplasia regenerativa nodular das células principais remanescentes. Posteriormente,
a glândula paratireoide é substituída por linfócitos, fibroblastos e capilares, com somente uma célula principal
viável ocasional.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico se baseia nos sinais clínicos de aumento na excitabilidade neuromuscular,
hipocalcemia grave e, frequentemente, hiperfosfatemia moderada em animal não parturiente, bem como na
resposta à terapia. Alguns dos sinais (p. ex., a tetania) e dados laboratoriais (p. ex., a hipocalcemia) são
semelhantes aos da hipocalcemia puerperal (ver p. 1056). No entanto, a hipocalcemia puerperal é, geralmente,
acompanhada por hipofosfatemia e concentração sanguínea de glicose normal baixa ou subnormal, como
resultado da atividade muscular intensa associada.
TRATAMENTO: A tetania neuromuscular deve ser tratada, inicialmente, por meio de restauração dos teores
sanguíneos de cálcio a quase normal pela administração por via intravenosa de gliconato de cálcio. Um
protocolo terapêutico recomendado é de 10 ml de gliconato de cálcio a 10% em 250 ml de solução salina a
0,9%, administrados a 2,5 ml/kg/h, por 8 a 12 h. Deve­se ter cuidado em não administrar o cálcio muito
rapidamente devido das suas propriedades cardiotóxicas. Deve­se tentar uma manutenção a longo prazo de
teores sanguíneos de cálcio na ausência de uma secreção de PTH normal por meio da oferta de rações ricas em
cálcio e pobres em fósforo e suplementadas com cálcio (gliconato ou lactato) e vitamina D3.
Podem ser necessárias, inicialmente, doses altas de vitamina D3 (= 25.000 a 50.000U/dia, dependendo do
tamanho do cão) para aumentar o teor sanguíneo de cálcio nos animais com hipoparatireoidismo, pois a
deficiência de PTH diminui a taxa de formação do metabólito de vitamina D biologicamente ativo nos rins. Para
evitar hipercalcemia e mineralização extensa de tecidos moles, dever­se­á ajustar cuidadosamente a dosagem de
vitamina D depois de uma determinação frequente do teor sérico de cálcio. Depois de ajustar a dose de vitamina
D, um intervalo de 4 a 5 dias deve preceder à determinação de cálcio sanguíneo seguinte. Quando o cálcio
sanguíneo retorna ao normal, indicam­se doses substancialmente mais baixas de vitamina D para manutenção de
longa duração; em alguns cães, exige­se somente suplementação dietética com cálcio para estabilização a longo
prazo.

OSTEODISTROFIA FIBROSA

(Síndrome da Mandíbula de Borracha)

Hiperparatireoidismo Primário

No hiperparatireoidismo primário (ver p. 606), ocorre um excesso na produção de PTH por lesão funcional
autônoma na glândula paratireoide. Perdem­se os mecanismos de controle normais da secreção de PTH por
meio da concentração sanguínea de cálcio e a paratireoide produz um excesso de PTH, apesar de um aumento
nos teores sanguíneos de cálcio. A doença é encontrada raramente nos cães idosos e não parece ser uma sequela
de hiperparatireoidismo secundário renal (ver p. 1125).
O PTH atua nas células dos túbulos renais, inicialmente, para promover a excreção de fósforo e a retenção de
cálcio. Um aumento prolongado na secreção de PTH resulta em uma aceleração na reabsorção óssea osteocitária
e osteoclástica. Removem­se os minerais do esqueleto e esses são substituídos por tecido conjuntivo fibroso
imaturo. A osteodistrofia fibrosa se generaliza por todo o esqueleto, mas fica acentuada em áreas localizadas,
tais como nos ossos esponjosos do crânio. O aumento nos teores de PTH também inibe a reabsorção tubular
renal de fósforo.
Nos cães, a lesão na glândula paratireoide é, em geral, um adenoma, ocasionalmente, um carcinoma, e é
composta de células principais ativas. Geralmente, os adenomas são únicos, vermelho­amarronzados claros e se
localizam na região cervical, próximos à glândula tireoide.
ACHADOS CLÍNICOS: A claudicação acompanha a reabsorção óssea osteoclástica grave e ocorrem fraturas nos
ossos longos depois de traumatismos físicos menores. Fraturas por compressão de corpos vertebrais
enfraquecidos podem exercer pressão na medula espinal e nos nervos, resultando em disfunções motoras e
sensoriais.
Nos cães, observam­se hiperostose facial com obliteração parcial da cavidade nasal (por ossos trabeculares
pouco mineralizados e tecido conjuntivo fibroso altamente vascularizado) e perda ou afrouxamento de dentes.
Isso pode resultar em incapacidade de fechar a boca apropriadamente e desenvolvimento de úlceras gengivais.
As maxilas e os ramos mandibulares ficam grosseiramente espessados pelo excesso de ossos trabeculares. Os
ossos cranianos afinam acentuadamente por meio do aumento na reabsorção e apresentam uma aparência
radiográfica característica de “roedura por traças”. Nos casos avançados, pode­se torcer, levemente, a mandíbula
devido da perda de osteoide e da osteodistrofia fibrosa grave (daí o nome de síndrome do “maxilar de
borracha”).
Lesões: Demonstração histológica da borda de tecido normal e da cápsula fibrosa parcial a completa, em uma
paratireoide aumentada de volume, sugere um adenoma, em vez de hiperplasia focal. Os carcinomas de células
principais tendem a ser maiores que os adenomas e fixos nos tecidos subjacentes devido da infiltração local de
células neoplásicas.
DIAGNÓSTICO: Embora os outros achados laboratoriais possam ser variáveis, a hipercalcemia é consistente e
resulta de uma aceleração na liberação de cálcio dos ossos. O teor sanguíneo de cálcio em cães normais é cerca
de 10 ± 1 mg/dl, dependendo da idade e da dieta (e do método de ensaio). Valores séricos de cálcio
consistentemente = 12 mg/dl indicam hipercalcemia. Os cães com hiperparatireoidismo primário geralmente
apresentam cálcio sérico = 12 a 20 mg/dl. O fósforo sanguíneo se apresenta diminuído ou no menor valor da
faixa de normalidade (= 4 mg/dl). A excreção urinária de fósforo e, frequentemente, de cálcio aumenta e pode
resultar em nefrocalcinose e urolitíase. A aceleração no metabolismo da matriz óssea se reflete por meio do
aumento na excreção urinária de hidroxiprolina. A atividade sérica de fosfatase alcalina (ALP) pode aumentar
nos animais com osteopatias claras. A demonstração de aumento nos teores de PTH por meio de um ensaio
espécie­específico em um cão adulto a idoso, com hipercalcemia, hipofosfatemia e evidências de osteopatia
generalizada, propicia evidências conclusivas de hiperparatireoidismo primário. Pode­se mensurar o PTH por
meio de radioimunoensaio ou ensaio imunorradiométrico sensível.
O teste de PTH intacto ou o ensaio de duplo local podem ser realizados utilizando–se soro (de preferência) ou
plasma, que tenham sido separados e congelados (a ­70°C em tubos de vidro ou de plástico), logo depois da
coleta. Utilizando­se esse método, os teores circulantes de PTH, na maioria dos animais, ficam próximos de
20pg/ml (cães, 20 ± 5pg/ml; gatos, 17 ± 2pg/ml), com teores em primatas não humanos ligeiramente mais
baixos (os valores normais também variam entre os laboratórios). Os ensaios de PTH que utilizam anticorpos
gerados contra a extremidade terminal carbóxi da molécula de PTH humano geralmente conferem resultados
menos confiáveis em animais.
Os diagnósticos diferenciais incluem outras causas de hipercalcemia, como intoxicação por vitamina D
(sobredose), calcinose enzoótica (ver p. 1126), neoplasias malignas com metástases ósseas e hipercalcemia
humoral de malignidade (ver p. 604). Na hipervitaminose D, a hipercalcemia pode ser tão elevada quanto no
caso de hiperparatireoidismo primário, mas é acompanhada de graus variáveis de hiperfosfatemia e por
atividade sérica da fosfatase alcalina normal. Geralmente, não se constata doença esquelética, pois o aumento
das concentrações sanguíneas de cálcio e fósforo se deve, principalmente, ao aumento da absorção intestinal
desses elementos e não à maior reabsorção óssea desses minerais.
As neoplasias malignas com metástases ósseas podem causar hipercalcemia moderada e hipercalciúria, mas a
atividade da fosfatase alcalina e os teores séricos de fósforo geralmente permanecem normais ou só aumentam
ligeiramente. Acredita­se que essas alterações se devam à liberação de cálcio e de fósforo no sangue, de áreas de
destruição óssea, em taxas maiores às que os rins e o intestino conseguem depurar. O envolvimento ósseo fica
mais precisamente demarcado e localizado na área de metástase. A osteólise associada a metástases tumorais
não resulta somente de uma destruição física óssea por meio de células neoplásicas em proliferação, mas
também de uma produção local de substâncias humorais que estimulam a reabsorção óssea, tais como as
prostaglandinas e a interleucina­1.
A hiperplasia paratireoideana primária foi descrita em filhotes da raça pastor alemão. A afecção se associa
com hipercalcemia, hipofosfatemia, aumento no PTH imunorreativo e aumento na depuração fracionada de
fósforo inorgânico na urina. Os sinais clínicos incluem atraso no crescimento, fraqueza, poliúria, polidipsia e
redução difusa na densidade óssea. Uma infusão intravenosa (IV) de cálcio não suprime a secreção autônoma de
PTH pela hiperplasia difusa de células principais em todas as paratireoides. As lesões incluem hiperplasia
nodular de células C tireoideanas e mineralização disseminada pulmonar, renal e da mucosa gástrica. A doença
é hereditária com característica autossômica recessiva.
A hipercalcemia também pode estar associada a lesões osteolíticas multifocais relacionadas com êmbolos
sépticos, imobilização completa, osteossarcoma, hipoadrenocorticismo (enfermidades semelhante à doença de
Addison), hipocalcitoninismo causado por lesão tireoidiana destrutiva, nefropatia crônica, hemoconcentração ou
hiperproteinemia. Ocasionalmente, detecta­se hipercalcemia em animais desidratados, mas essa geralmente é
leve. É atribuída à concentração do volume hídrico que resulta em hiperproteinemia e aumento das
concentrações de cálcio ionizado e não ionizado; resolve­se rapidamente após fluidoterapia.
TRATAMENTO: O objetivo é eliminar a fonte de produção excessiva de PTH. Deve­se fazer uma tentativa para
identificar todas as 4 glândulas paratireoides antes da excisão de qualquer tecido. Deve­se remover totalmente
os adenomas únicos ou múltiplos. Se todas as paratireoides identificáveis na região cervical parecerem ter um
tamanho normal ou menor e o diagnóstico é razoavelmente certo, poderá tornar­se necessária uma exploração
cirúrgica do tórax, próximo da base cardíaca, para localizar a neoplasia paratireoideana.
A remoção da lesão paratireoideana funcional resulta em diminuição rápida nos teores circulantes de PTH,
pois a meia­vida do PTH no plasma é < 15 min. Como os teores plasmáticos de cálcio, nos animais com
osteopatias claras, podem diminuir rapidamente e ficar subnormais 12 a 24 h após uma cirurgia, eles devem ser
monitorados frequentemente. A hipocalcemia pós­operatória (= 6 mg/dl) pode ser consequência de: (1)
depressão na atividade secretória das células principais devido da supressão por uma hipercalcemia crônica ou
de uma lesão no tecido paratireoideano remanescente durante a cirurgia; (2) diminuição abrupta na reabsorção
óssea devido da diminuição nos teores de PTH; (3) aceleração na mineralização da matriz óssea formada por
osteoblastos hiperplásicos que era anteriormente evitada pelos teores de PTH aumentados (conhecida como
“síndrome do osso esfomeado”). Infusões de gliconato de cálcio para manter o cálcio sérico entre 7,5 e 9 mg/dl,
mais o oferecimento de dietas ricas em cálcio e de terapia suplementar com vitamina D, corrigem essa
complicação pós­operatória séria. Se a hipercalcemia persistir = 1 semana depois de uma cirurgia ou recidivar
depois de uma melhora inicial, deve­se suspeitar de um segundo adenoma ou de metástase de carcinoma.

Hiperparatireoidismo Secundário Renal

O hiperparatireoidismo secundário renal é uma complicação de insuficiência renal crônica caracterizada por
aumento nos teores endógenos de PTH. É mais comum que o hiperparatireoidismo primário; diferentemente
desse, o hiperparatireoidismo secundário renal tende a não ser autônomo. Ocorre, com frequência, nos cães,
algumas vezes, nos gatos e, raramente, nas outras espécies.
No caso de nefropatia progressiva, ocorre hiperfosfatemia à medida que a taxa de filtração glomerular
diminui. A hiperfosfatemia leva a concentrações séricas baixas de cálcio ionizado. Também, reduz a síntese
renal de calcitriol. O calcitriol normalmente atua no intestino e nos rins para manter teores normais de cálcio. A
diminuição nas concentrações de cálcio ionizado e calcitriol causa aumento nas concentrações séricas de PTH.
À medida que a taxa de filtração glomerular diminui com o avanço da nefropatia, as concentrações de PTH
aumentam progressivamente, levando a manifestações clínicas de hiperparatireoidismo secundário renal.
ACHADOS CLÍNICOS: Geralmente se encontram presentes os sinais predominantes de insuficiência renal (p. ex.,
vômitos, desidratação, polidipsia, poliúria e depressão). As lesões esqueléticas variam de alterações menores
com nefropatia precoce (ou leve) a osteodistrofia fibrosa grave de insuficiência renal avançada. O volume dos
ossos afetados geralmente permanece normal (isostótico), em particular, nos cães idosos, devido do início lento
de insuficiência renal e da atividade metabólica inferior dos ossos. Podem­se observar lesões ósseas
hiperostóticas, tais como inchaço facial, nos cães mais jovens nos quais a deposição de osteoide não
mineralizado, por parte de osteoblastos hiperplásicos, e a produção de tecido conjuntivo fibroso excedem a
velocidade de reabsorção óssea.
O envolvimento esquelético é generalizado, mas não uniforme. As lesões tornam­se aparentes mais cedo e
atingem um estágio mais avançado em determinadas áreas, tais como os ossos esponjosos do crânio. A
reabsorção do osso alveolar ocorre cedo e resulta em dentes frouxos, que podem ser desalojados facilmente e
interferir na mastigação. Como resultado de uma reabsorção acelerada de osso esponjoso da maxila e
mandíbula, os ossos amolecem e ficam maleáveis (síndrome do “maxilar de borracha”) e os maxilares não
ocluem apropriadamente. Isso resulta, frequentemente, em salivação e protrusão lingual. As mandíbulas
gravemente desmineralizadas ficam predispostas a fraturas e a deslocamento de dentes dos alvéolos. Afetam­se
menos drasticamente os ossos longos. O aumento na reabsorção óssea resulta em claudicação, andar rígido e
fraturas, depois de traumatismos pequenos.
Lesões: Todas as glândulas paratireoides aumentam de volume, inicialmente devido de hipertrofia das células
principais e, subsequentemente, por meio de hiperplasia compensatória. Embora as paratireoides não sejam
autônomas, a concentração de PTH no sangue periférico frequentemente excede a de um hiperparatireoidismo
primário. Histologicamente, podem ser observadas alterações como osteoclastose, fibrose medular e
concentração mais alta de trabeculado osteoide. Hipercalcemia grave, hiperfosfatemia e concentrações altas de
PTH presentes em doença avançada podem causar osteosclerose.
DIAGNÓSTICO: O hiperparatireoidismo secundário renal é diagnosticado por meio de anormalidades
laboratoriais compatíveis com insuficiências renais, acompanhadas por aumento de PTH sérico. Pode­se realizar
radioimunoensaio de PTH em vários laboratórios diagnósticos. Não se devem utilizar ensaios que medem
fragmentos da molécula de PTH, pois a concentração dos metabólitos do PTH biologicamente inativos aumenta
no caso de insuficiência renal.
TRATAMENTO: As opções de tratamento incluem modificação da dieta, suplementação com calcitriol (o
metabólito bioativo da vitamina D3) e suplementação oral de agentes conjugadores de fosfato, bem como
tratamento da nefropatia subjacente. Encontram­se disponíveis rações de prescrição com restrição dietética de
fósforo. O calcitriol oral (1,5 a 3,5 ng/kg/dia) reverteu o hiperparatireoidismo de uma insuficiência renal
crônica, mas é contraindicada a terapia com calcitriol no caso de hiperfosfatemia ou de hipercalcemia. (É
necessária composição especial de calcitriol, pois as dosagens, disponíveis comercialmente hoje, são muito
maiores que as exigidas clinicamente.) Utilizam­se agentes conjugadores dietéticos de fósforo para diminuir a
sua quantidade absorvida nos intestinos e esses devem ser administrados com as refeições. Essa terapia é
especialmente importante durante a suplementação com calcitriol, pois esse aumentará a absorção de fósforo,
bem como a de cálcio.
PROGNÓSTICO: Quando não tratado, o hiperparatireoidismo secundário resulta em hipertrofia irreversível das
glândulas paratireoides, afecção também conhecida como hiperparatireoidismo terciário. Nesse estágio, o
hiperparatireoidismo não responde ao tratamento e requer extirpação cirúrgica das glândulas paratireoides
hipertrofiadas.

OSTEODISTROFIAS NUTRICIONAIS

CALCINOSE ENZOÓTICA

(Enteque seca, Enteque ossificante, Espichamento, Espichação, Doença debilitante de Manchester, Doença de Naalehu,
Weidekrankheit)
Calcinose enzoótica é um complexo patológico dos ruminantes e dos equinos causada por intoxicação vegetal
ou desequilíbrios minerais, sendo caracterizada por calcificação extensa de tecidos moles. A prevalência da
doença nos bovinos varia amplamente (10 a 50%) em regiões da Argentina, Brasil, Papua Nova Guiné, Jamaica,
Havaí e na região da Bavária, na Alemanha. Relata­se até 60% de mortalidade e acomete 17% dos ovinos no sul
do Brasil e na região de Mattewara, na Índia, respectivamente. A incidência em outros locais (Austrália, Israel,
África do Sul e sul dos EUA) é bem menos documentada e, em muitas áreas, a enfermidade é rara ou
inexistente.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: As causas conhecidas enquadram­se em 2 categorias: intoxicações vegetais e

desequilíbrios minerais no solo, com a primeira provavelmente mais importante. Cestrum diurnum (jasmim
selvagem, jasmim de florescimento diurno, rei do dia), Trisetum flavescens (aveia dourada ou capim­aveia
amarelo), Nierembergia veitchii, Solanum esuriale, S. torvum e S. malacoxylon contêm o glicosídio 1,25­di­
hidroxicolecalciferol (calcitriol) ou uma substância que mimetiza sua ação calcinogênica. Estudos indicam que
S. malacoxylon possui os sistemas enzimáticos necessários à síntese de calcitriol da vitamina D3.
O desequilíbrio de minerais em certos tipos de solos, bem como alta altitude (mais de 1.500 metros acima do
teor do mar) foram considerados os principais fatores etiológicos; considera­se alta altitude como fator que
favorece o crescimento de plantas como aveia dourada na competição com outras menos adequadas a essa
região.
A osteodistrofia notada em touros depois de consumo prolongado de cálcio em excesso é uma afecção
semelhante; a calcificação do sistema cardiovascular associada ao envelhecimento e às doenças caquéticas,
como tuberculose, não é idêntica. O excesso de vitamina D3 e o consumo de cálcio normal ou excessivo
induzem calcificação aórtica e aterosclerose em ruminantes.
Normalmente, a conversão de 25­hidroxicolecalciferol (calcifediol) em calcitriol nos rins é controlada por um
mecanismo de feedback. O fator semelhante ao calcitriol nas folhas das plantas altera esse mecanismo, com
absorção de cálcio em quantidade maior do que aquela possível de se acomodar fisiologicamente. A
hipercalcemia promove a produção de calcitonina, calcinose e osteoporose.
As alterações nas concentrações plasmáticas de cálcio, fósforo e magnésio são diferentes nas diversas
espécies. Os equinos desenvolvem hiperfosfatemia; o teor plasmático de cálcio permanece normal, mas aumenta
no caso de doses excessivas de calcitriol. Nos bovinos e pequenos ruminantes o aumento dos teores séricos de
cálcio e fósforo inorgânico foi descrito em animais com calcinose enzoótica.
ACHADOS CLÍNICOS: A doença é progressiva e crônica, estendendo­se por semanas ou meses. Os primeiros
sinais incluem andar enrijecido e dolorido, que fica mais acentuado quando o animal se levanta depois de um
repouso prolongado. Afetam­se particularmente os membros torácicos e alguns animais até caminham ou
pastejam de joelhos. As articulações distais tornam­se anormalmente estendidas. Quando se força os animais
afetados a caminhar, sua marcha fica desajeitada, rígida e lenta e seus passos curtos. Depois de caminhar
somente distâncias curtas, a respiração torna­se superficial e diafragmática, as narinas se dilatam e a cabeça e
pescoço se estendem. Taquicardia é um achado comum, e murmúrios cardíacos podem ser audíveis à
auscultação. Pulso venoso jugular é proeminente em alguns casos.
À medida que a doença progride, o animal perde peso e fica fraco e apático, relutante para levantar ou mesmo
em decúbito. O pelame fica eriçado, opaco e esmaecido, particularmente nos bovinos. Ocorrem definhamento
muscular, esqueleto proeminente, abdome amplo, cifose e elevação da base da cauda. Geralmente não se
prejudica o apetite, mas esse fica, algumas vezes, depravado. A calcificação de vasos torna­se palpável no
exame retal.
Observa­se a osteodistrofia no caso de calcinose causada por intoxicações com T. flavescens e C. diurnum nos
bovinos da região alemã da Bavária e nos equinos da Flórida (EUA), respectivamente. Os equinos gravemente
afetados ficam em pé com os membros torácicos um pouco abduzidos e luxados caudalmente nas articulações
dos ombros. Os tendões flexores, em particular, os ligamentos suspensores, ficam doloridos. As articulações do
boleto ficam exageradamente estendidas em graus variáveis.
Lesões: Ocorrem degeneração e calcificação de tecidos moles, com emaciação e uma quantidade variável de
fluido excessivo nas cavidades torácica e abdominal e no saco pericárdico. O sistema cardiovascular é o
primeiro a ser envolvido, seguido pelos pulmões, rins e tendões. O coração e a aorta exibem os efeitos mais
acentuados. Afeta­se mais o lado esquerdo do coração. Calcificação das válvulas bicúspides resulta em
insuficiência valvular e murmúrios cardíacos sistólicos. Na superfície luminal, observam­se placas salientes e
brancas, com tamanho e forma irregulares; nos casos avançados, essas placas ocorrem por toda a extensão da
aorta e dos seus ramos principais. Ocorrem depósitos de minerais na pleura, na superfície e nas bordas dos lobos
pulmonares diafragmático e apical, na artéria renal e nas pelves renais, nos ligamentos e nos tendões
(particularmente dos membros torácicos). Ocorrem espessamento capsular e erosões irregulares na superfície
articular das cartilagens e das articulações, especialmente no carpo e jarrete.
As evidências histológicas básicas incluem necrose e calcificação de tecido conjuntivo, seguida por
proliferação celular na área afetada.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico baseia­se, geralmente, na anamnese, nos sinais e nas lesões, mas pode ser difícil
nos estágios iniciais. Radiografia e eletrocardiografia podem ser úteis.
TRATAMENTO E CONTROLE: Não existe atualmente tratamento que reverta calcificação de tecidos moles. A
remoção do(s) fator(es) causador(es) é essencial, mas quando a doença se associa com o teor mineral do solo, o
controle pode se tornar difícil. A troca de pasto, de forragem e de ambiente pode efetuar uma melhora clínica.
Manejo cuidadoso da pastagem para limitar a densidade de plantas calcinogênicas pode efetivamente reduzir a
prevalência da doença. O fornecimento de feno de aveia cortado após o florescimento em vez de deixar os
animais pastando em campos de aveia pode reduzir o problema porque a calcinogenicidade da planta diminui
com a maturidade e secagem. Experimentalmente, a administração diária de 15 g de hidróxido de alumínio, por
via oral (VO), já evitou o desenvolvimento de calcinose em ovinos alimentados com T. flavescens.

INTOXICAÇÃO POR VITAMINA D3

É uma doença ocasionalmente descrita em bovinos, muito parecida com calcinose enzoótica; é uma calcinose
induzida iatrogenicamente ou pela intoxicação por vitamina D3. A administração parenteral de vitamina D3, 10 a
14 dias antes da data prevista para o é considerada uma estratégia efetiva para prevenir hipocalcemia periparto
(febre do leite) em vacas leiteiras. Devido à margem estreita entre as doses terapêutica e tóxica, toxicidade por
vitamina D3 pode ocorre mesmo após uma superdosagem única ou após doses terapêuticas repetidas injetadas
em intervalos curtos. Geralmente, a toxicidade é devida a injeções repetidas de doses terapêuticas em vacas que
não parem dentro de 2 semanas do tratamento inicial e assim são consideradas como de risco aumentado de se
desenvolver hipocalcemia periparto.
ACHADOS CLÍNICOS: Animais intoxicados por vitamina D3 tornam­se anoréticos, perdem peso e desenvolvem
acetonemia dentro de 2 a 3 semanas após a superdosagem. Taquicardia, respiração superficial e claudicação
acompanhada de fraqueza, decúbito e mesmo morte podem ser observadas em animais com toxicose por
vitamina D3.
Lesões: São compatíveis com calcificação de tecido moles descrita em calcinose enzoótica (ver anteriormente).
DIAGNÓSTICO: Em geral se baseia no histórico de injeções repetidas de vitamina D3, juntamente com os sinais
clínicos mencionados.
TRATAMENTO E CONTROLE: Atualmente não há tratamento prático disponível. A conscientização de criadores
quanto aos riscos e às doses tóxicas de vitamina D3 administradas por via parenteral ajuda a evitar sobredose
acidental.

OSTEOMALACIA

(Raquitismo Adulto)
A osteomalacia tem patogênese semelhante àquela do raquitismo, mas ocorre em ossos maduros. Como os ossos
amadurecem em velocidades diferentes, pode­se observar tanto raquitismo como osteomalacia no mesmo
animal. A osteomalacia se caracteriza por um acúmulo excessivo de osteoide não mineralizado nas superfícies
trabeculares.
ACHADOS CLÍNICOS: Os animais afetados definham e podem apresentar apetite pervertido. A claudicação
desviante inespecífica é comum. Podem ser observadas fraturas, especialmente em costelas, pelve e ossos
longos. E também, uma deformação espinal, como lordose ou cifose.
Nos equinos, a osteodistrofia nutricional é conhecida como doença do farelo de trigo, doença dos moleiros
e cara inchada. A dieta de equinos “mimados” é, com frequência, demasiadamente rica em grãos e pobre em
forragem; uma dieta dessas é rica em fósforo e pobre em cálcio. Muitas das claudicações obscuras de equinos
foram atribuídas à osteodistrofia nutricional. As alterações patológicas são semelhantes às que ocorrem nas
outras espécies, com a condição de que os ossos da cabeça são particularmente afetados nos casos graves e de
que fraturas microscópicas no osso subcondral (com consequente degeneração da cartilagem articular e ruptura
de ligamentos nas inserções periosteais) constituem os sinais clínicos dominantes. Deformidade facial unilateral
causada por hipoparatireoidismo secundário (nutricional) foi descrita recentemente em 1 potra de 1 ano de
idade.
A osteodistrofia nutricional pode ocorre em bovinos em pastoreio em solos áridos, inférteis, deficientes em
fósforo, se não forem suplementados adequadamente com minerais. Animais afetados definham e apresentam
pelame sem brilho. Perda de peso, claudicação com membros rígidos, deformidades em membros e fraturas
espontâneas são os achados clínicos mais comuns. Apetite pervertido pode predispor os animais afetados à
obstrução esofágica, reticuloperitonite, botulismo ou outras intoxicações.
DIAGNÓSTICO: Para estabelecer um diagnóstico definitivo, deve­se avaliar a dieta quanto aos teores de cálcio,
fósforo e vitamina D. Há evidências radiográficas de desmineralização esquelética generalizada, perda da
lâmina dura dentária, reabsorção óssea cortical subperiosteal, deformidades de arqueamento e fraturas múltiplas
por dobramento nos ossos longos, devido de proliferação intensa osteoclástica localizada. Teor de
hidroxiprolina, um aminoácido liberado no sangue durante a mineralização óssea, pode ser determinado para
estabelecer a extensão da mobilização óssea. Se o conteúdo dietético de cálcio e fósforo não pode ser
prontamente determinado (p. ex., em animais de pastoreio) amostras de solo ou fecal podem ser analisadas
como amostras cruas para a ingestão dietética desses minerais.
Nos animais com osteodistrofia nutricional, os valores laboratoriais utilizados para avaliar a função renal
devem estar dentro dos limites normais.
TRATAMENTO: Os animais afetados devem ser confinados por várias semanas depois da iniciação com a dieta
suplementar. A resposta à terapia é rápida; dentro de 1 semana, os animais ficam mais ativos e sua atitude
melhora. Deve­se evitar saltos ou trepar em objetos, pois o esqueleto ainda se encontra suscetível a fraturas.
Pode­se diminuir as restrições depois de 3 semanas, mas indica­se um confinamento com movimentos limitados
até que o esqueleto retorne ao normal (monitorar, radiograficamente a resposta ao tratamento). Recuperação
completa pode ser obtida após meses em animais com deformidades em membros ou articulações ausentes ou
pequenas.

RAQUITISMO
O raquitismo é uma doença de animais jovens em crescimento. As causas mais comuns são insuficiências
dietéticas de fósforo ou vitamina D. As deficiências de cálcio também podem causar raquitismo e, embora isto
raras vezes ocorra naturalmente, diz­se que dietas mal balanceadas, deficientes em cálcio, causam a doença.
Como na maior parte das dietas que causam osteodistrofias, a causa mais provável é a proporção anormal de
cálcio:fósforo.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: As lesões características do raquitismo incluem falha de invasão vascular e de
mineralização na área de calcificação provisória fisária. Essa doença fica mais óbvia nas metáfises dos ossos
longos. Pode ocorre uma variedade ampla de sinais clínicos, incluindo dor óssea, andadura rígida, tumefação na
área metafisária, dificuldade em se levantar, arqueamento de membros e fraturas patológicas. No exame
radiográfico, há aumento da largura fisária e a área fisária não mineralizada está distorcida e ossos podem
mostrar radiopacidade diminuída. Nos casos avançados, pode­se observar uma deformidade de membro angular
devido de crescimento ósseo não sincronizado.
Animais alimentados com dietas exclusivamente a base de carnes são mais comumente acometidos. Os
gatinhos alimentados apenas com coração bovino desenvolvem distúrbios locomotores dentro de 4 semanas,
mesmo que os teores altos de proteínas digeríveis (> 50% em uma base de peso) e de gorduras promovam um
crescimento rápido, que os animais pareçam bem­nutridos e que o seu pelame mantenha­se brilhante. Os sinais
clínicos predominantes incluem relutância em se mover, claudicação traseira e ataxia. Os gatinhos,
frequentemente, ficam em pé com um desvio característico nas patas. A doença esquelética torna­se
progressivamente mais grave depois de 5 a 14 semanas. Os gatinhos ficam apáticos e relutam em brincar;
mantêm­se em posição sentada ou em decúbito esternal com os membros pélvicos abduzidos. As atividades
normais podem resultar em um início súbito de claudicação grave devido de fraturas incompletas ou com
dobramento em 1 ou mais ossos. Nos cães em crescimento, a claudicação constitui o distúrbio funcional inicial
e pode variar de claudicação ligeira a incapacidade de caminhar. Os ossos ficam doloridos à palpação e fraturas
com dobramento em ossos longos e vértebras tornam­se comuns.
O raquitismo e outras patologias ósseas foram descritos em suínos jovens confinados e alimentados com
rações processadas. O processamento do alimento remove a vitamina D e outras vitaminas lipossolúveis
naturais. Sem uma suplementação vitamínica, pode ocorre osteodistrofia nutricional.
As rações com uma quantidade excessiva de cálcio (3 vezes a concentração normal) causaram sinais
semelhantes aos de raquitismo em cães da raça dogue alemão em crescimento. Também se observam, nesses
cães, várias outras patologias ósseas, tais como a retenção de núcleos cartilaginosos, a osteocondrose e o retardo
do crescimento.
TRATAMENTO: A correção da dieta constitui o tratamento primário. O prognóstico é bom, na ausência de fraturas
patológicas ou danos irreversíveis nas fises. Se os animais forem confinados, uma exposição à luz solar
(radiação ultravioleta) também aumentará a produção de precursores da vitamina D3.
Estudos recentes mostram que muitas dietas caseiras para cães são deficientes em minerais e têm as relações
cálcio:fósforo alteradas. Portanto, é recomendada uma ração comercial de alta qualidade ou designada por
nutricionista veterinário credenciado.

ARTROPATIAS EM GRANDES ANIMAIS

Ver páginas 1138, 1167, 1172, 1231 e 1237.

ARTRITE

Artrite é um termo inespecífico que denota inflamação em uma articulação. Todas as artropatias dos grandes
animais possuem um componente inflamatório em graus variáveis. As entidades artríticas de importância
incluem a artrite traumática, a osteocondrite dissecante, as lesões císticas subcondrais, a artrite séptica (ou
infectante) e a osteoartrite (também chamada de doença articular degenerativa).

Artrite Séptica (Artrite infecciosa)


ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: A artrite séptica ou infecciosa resulta de sequestro de infecção bacteriana em uma
articulação. A infecção da articulação se desenvolve de 3 maneiras principais: (1) infecção hematogênica, que é
comum nos potros, nos bezerros e cordeiros (sendo comumente chamada de onfalopatia); (2) lesão traumática
com introdução local de infecção; (3) infecção iatrogênica associada a injeção ou cirurgia articulares
(geralmente nos equinos). A onfalopatia constitui somente um exemplo de via de infecção hematogênica, que
também pode ocorre por fontes gastrintestinais ou pulmonares.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: A artrite séptica se caracteriza, geralmente, por claudicação grave e
distensão da articulação, com fluido sinovial turvo, que contém > 30.000 leucócitos/mm3 teor de proteína total >
4 g/dl.
Nos potros, a osteomielite hematogênica acompanha, frequentemente, uma artrite séptica. A artrite séptica
nos potros foi classificada nos tipos S (somente uma articulação séptica), tipo P (que envolve também
osteomielite na placa de crescimento adjacente) ou tipo E (que envolve osteomielite nos ossos epifisário e
subcondral). Vários microrganismos podem estar envolvidos.

Artrite séptica em bezerro. Cortesia de Dr. Sameeh M. Abutarbush.

Nos cordeiros jovens, Actinobacillus seminis causa poliartrite, assim como Chlamydophila (Chlamydia)
psittaci e Erysipelothrix insidiosa. O último microrganismo pode se instalar depois de corte de cauda, castração
ou infecção umbilical. Os vírus e os micoplasmas também podem ser agentes etiológicos em animais de
produção.
Nos caprinos adultos, o vírus da síndrome artrite­encefalite caprina (p. 791) é uma causa importante de artrite
infecciosa. Nos caprinos jovens, C. psittaci e Mycoplasma mycoides são causas frequentes.
Nos suínos jovens, nota­se artrite bacteriana (inclusive por Mycoplasma). Nos suínos recém­nascidos, a
artrite séptica geralmente se deve à infecção intrauterina ou umbilical por Escherichia coli, Corynebacterium,
Streptococcus ou Staphylococcus spp. O controle é mais bem­sucedido com a redução do risco de infecção por
microrganismos do ambiente. Os suínos idosos desenvolvem, algumas vezes, artrite como sequela de infecção
por Haemophilus, Erysipelothrix ou Mycoplasma spp. Embora o diagnóstico nos estágios iniciais não seja
difícil, os estágios mais crônicos podem ser confundidos com lesões articulares produzidas por excesso de
vitamina A na dieta.
Lesão traumática de articulações com contaminação e progressão para infecção é comum em equinos e várias
espécies de bactérias estão envolvidas. Infecção associada a injeção intra­articular ou cirurgia ocorre em equinos
e geralmente está associada a Staphylococcus aureus ou S. epidermidis.
TRATAMENTO: A artrite séptica requer tratamento imediato para evitar danos irreparáveis. Indicam­se
antibióticos sistêmicos de largo espectro; a escolha inicial se baseia no patógeno mais provável, mas está sujeita
a mudanças com base na cultura e no antibiograma. O tratamento com antibióticos sistêmicos é frequentemente
combinado com antibióticos intra­articulares (para se alcançar uma esterilização articular mais efetiva) e com
outra terapia local, incluindo lavagem articular (inicialmente) e desbridação artroscópica e drenagem. Também
se realiza tratamento adjuvante com AINE (p. ex., fenilbutazona). Deve­se monitorar cuidadosamente a
efetividade do tratamento, por meio dos sinais clínicos, e repetir as análises de fluido sinovial.

Artrite Traumática

A artrite traumática inclui sinovite e capsulite traumática, fraturas com lascas intra­articulares, rupturas (torções)
ligamentares que envolvem os ligamentos peri e intra­articulares, rupturas de meniscos e osteoartrite. A artrite
traumática acomete todas as raças de equinos, em todo o mundo.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Sinovite e capsulite traumáticas são inflamações da membrana sinovial e
da cápsula articular fibrosa associadas a um traumatismo. Tipicamente, o equino é um atleta e apresenta derrame
sinovial no estágio agudo, com espessamento e fibrose gerais no estágio mais crônico. A claudicação variará de
uma alteração de marcha leve a claudicação grave. A sinovite e a capsulite traumática devem ser diferenciadas
de outras entidades traumáticas mediante uso da radiografia para descartar fraturas ou doenças osteocondrais. A
ruptura de ligamentos ou meniscos (nas articulações femorotibiais) pode ser frequentemente descartada apenas
por meio de artroscopia diagnóstica. As fraturas osteocondrais são diagnosticadas com radiografias. A
osteoartrite é diagnosticada com radiografias quando as alterações são suficientemente graves para demonstrar
perda de espaço articular (associada a perda de cartilagem articular), esclerose subcondral e formação de
osteófitos ou entesófitos. Os graus menores de osteoartrite podem ser definidos somente com artroscopia
diagnóstica. Os sinais clínicos de fraturas osteocondrais são semelhantes aos de sinovite e capsulite, bem como
aos de osteoartrite; o diagnóstico diferencial dessas entidades se baseia em radiografias e, em alguns casos,
artroscopia.
Em geral, a artrite resulta em dor e alteração na função articular. Se o processo é ativo ou agudo, ocorrerá,
geralmente, um derrame sinovial, e os tecidos circundantes incham e ficam quentes. Nos casos mais graves, a
manipulação da articulação causa dor. Nos casos mais sutis, testes de flexão são necessários para elucidar a
claudicação. À medida que o processo patológico se cronifica, reduz­se a variação de movimentos com um
espessamento fibroso da cápsula articular. É necessária uma avaliação radiográfica para a confirmação positiva
de várias entidades patológicas. Utiliza­se a artroscopia para avaliar precisamente a quantidade de danos na
cartilagem articular e estabelecer um prognóstico.
TRATAMENTO: O tratamento da sinovite e capsulite traumática aguda inclui repouso e regimes fisioterápicos, tais
como tratamento com água fria, gelo, flexão passiva e natação. Utilizam­se, rotineiramente, anti­inflamatórios
não esteroides (AINE), em geral fenilbutazona). Nos casos mais graves, realiza­se uma lavagem articular para
remover os produtos inflamatórios produzidos pela membrana sinovial, bem como os resíduos cartilaginosos
articulares que exacerbam a sinovite. A drenagem articular, sem lavagem ou injeção de medicação, propicia
somente um alívio de curta duração.
Utilizam­se vários medicamentos intra–articulares. Corticosteroides são os anti­inflamatórios mais potentes e
efetivos na artrite traumática aguda. No entanto, há diferenças nos efeitos colaterais entre os vários
corticosteroides e as várias dosagens. Os produtos betametasona e o acetato de triancinolona são efetivos, sem
nenhum efeito prejudicial. O acetato de metilprednisolona é mais potente e possui uma duração mais longa que
as 2 últimas drogas, mas o seu uso excessivo pode provocar alterações degenerativas na cartilagem articular. O
hialuronato de sódio intra­articular foi utilizado efetivamente na sinovite leve a moderada, mas teve um efeito
mínimo nos danos cartilaginosos articulares ou quando há fraturas intra­articulares. O uso de uma formulação
IV de ácido hialurônico (dose sistêmica de 40 mg), nos casos clínicos, sugere efetividade e isso foi sustentado
por resultados de pesquisas em um modelo controlado de artrite em equinos. Também se utilizam,
frequentemente, glicosaminoglicanos polissulfatados (GAGPS) para artrites traumáticas. Os GAGPS são
efetivos na sinovite e podem auxiliar a evitar degeneração contínua da cartilagem articular. Embora sua
efetividade, quando utilizados por via intra­articular (250 mg), tenha forte sustentação científica, sua eficácia
quando utilizados por via intramuscular (IM) (500 mg) é menos certa.
Os equinos com fragmentação com lasca osteocondral (mais comumente observada nas articulações cárpicas
e dos boletos) devem ser tratados com cirurgia artroscópica para minimizar o desenvolvimento contínuo de uma
osteoartrite. Deve­se remover as lascas e debridar os ossos e as cartilagens defeituosas. Devem­se seguir
períodos de repouso de 2 a 4 meses e, no período convalescente, instituir regimes fisioterápicos. A taxa de êxito
dos equinos que retornam ao seu teor de desempenho anterior é alta quando se encontram presentes alterações
osteoartríticas secundárias mínimas no momento da cirurgia. Os fragmentos de lascas osteocondrais tratáveis
com cirurgia artroscópica com resultados bem­sucedidos incluem os associados aos ossos radiodistais ou
cárpicos, as primeiras falanges dorsoproximais, as primeiras falanges palmares/plantares proximais, os
fragmentos apicais, abaxiais e basilares dos ossos sesamoides proximais, a fragmentação das patelas distais e
das articulações femoropatelares, os fragmentos de lasca das articulações tibiotársicas e os fragmentos dos
processos extensores das terceiras falanges (articulação das patas).

Lesões Císticas Subcondrais

As lesões císticas subcondrais ocorrem nas articulações femorotibiais e nos boletos, nas quartelas, nos
cotovelos, nos ombros e nas falanges distais. O diagnóstico é feito, geralmente, com base na localização da
claudicação com analgesia intra­articular (a efusão sinovial é variável) e é confirmado com radiografias.
As lesões císticas subcondrais são mais frequentes nas articulações femorotibiais, seguidas pela articulação
dos boletos. Recomenda­se, atualmente, uma cirurgia (artroscópica) nas articulações femorotibiais sempre que
se encontrar presente uma lesão cística completa. As lesões em forma de cúpula ou achatadas menores devem
ser tratadas de modo conservador no período inicial. Atinge–se uma sanidade atlética em 65 a 70% dos equinos.
Injeção intralesional de corticosteroide sob controle artroscópico, no lugar do desbridação, quando feita
previamente, propicia resultados superiores. Recomenda–se geralmente a cirurgia no caso de lesões císticas
subcondrais dos metacarpianos distais nos boletos, mas não tão consistentemente como na articulação
femorotibial. As lesões únicas, associadas a articulações de quartelas e cotovelos, devem ser tratadas de modo
conservador e têm um prognóstico razoável. Se é possível, recomenda­se cirurgia, no caso das lesões císticas
nas falanges distais (os resultados com tratamento conservador são muito ruins).

Osteoartrite (Doença articular degenerativa)


ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: A osteoartrite é uma degradação progressiva da cartilagem articular e representa
o estágio final da maioria das outras doenças discutidas anteriormente, se o tratamento não é eficaz ou se o
problema inicial é muito grave. Por essa razão, o imediato diagnóstico e o correto tratamento de sinovite e
capsulite traumática, fraturas intra­articulares ou danos cartilaginosos traumáticos, osteocondrite dissecante,
lesões císticas subcondrais e artrite séptica são críticos.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: A claudicação pode ser localizada com analgesia na articulação afetada.
Ocorrem graus variáveis de efusão sinovial, fibrose na cápsula articular e restrição de movimentos (diminuição
da flexão). Os sinais radiográficos de osteoartrite incluem diminuição no espaço articular, osteofitose, entesite e
esclerose subcondral. Nos casos menos graves, a degradação articular requer uma definição com artroscopia.
TRATAMENTO: O tratamento da osteoartrite é mais comumente paliativo e inclui o uso de AINE,
glicosaminoglicanos polissulfatados, corticosteroides intra­articulares e ácido hialurônico IV. Mais
recentemente, o uso de soro condicionado autólogo intra­articular foi validado. Os regimes fisioterápicos podem
provar serem de ajuda. Nos casos avançados, pode­se realizar fusão cirúrgica (artrodese) em articulações
selecionadas. A fusão cirúrgica das articulações interfalangianas proximais (quartelas) ou társicas distais podem
produzir cura atlética. A artrodese dos boletos também é feita em animais valiosos e os deixará muito
confortáveis e capazes de se reproduzir. O tratamento geralmente não é bem­sucedido, nos casos crônicos, nos
touros e nas vacas, mas restrição de exercícios, alimentação cuidadosa e cuidados de enfermagem prolongam
suas vidas e podem ser válidas aos animais reprodutores valiosos.

Osteocondrite Dissecante

Para a discussão completa de osteocondrose equina, ver p. 1229.


Na osteocondrite dissecante (OCD) permanece uma área focal de cartilagem articular imatura e a matriz na
área basal dessa região torna­se condromalática e acelular. A cartilagem articular imatura separa­se do osso
trabecular subjacente. A fratura condral estende­se horizontal e verticalmente até se formar um flap. O líquido
sinovial penetra no espaço medular subjacente, podendo se formar cistos subcondrais (em geral, apenas em
grandes animais). O flap de cartilagem articular imatura pode romper­se por completo (corpo livre articular) ou
fixar­se de novo pela ossificação endocondral ao osso subjacente, especialmente em suínos, e resultar em uma
superfície articular irregular. A última ocorre somente se a articulação é protegida ou submetida a repouso, o
que permite o restabelecimento da circulação necessária para a ossificação endocondral. Se o flap permanece
livre pela movimentação articular, pode se romper em fragmentos menores durante a locomoção e desaparecer,
enquanto as placas maiores podem permanecer aderidas à membrana sinovial, tornando­se vascularizadas e
ossificadas. O defeito articular resultante é preenchido com fibrocartilagem, com o passar do tempo.
ETIOLOGIA: A causa exata é desconhecida, porém acredita­se que seja multifatorial. Fatores incluem
predisposição genética, crescimento rápido, ingestão calórica elevada, baixos teores de cobre e altos de zinco e
fatores endócrinos.
ACHADOS CLÍNICOS: Os locais mais comuns de OCD, que geralmente é observada em animais jovens, são as
articulações do joelho, tibiotársica, metacarpofalangiana e metatarsofalangiana e do ombro.
Animais com OCD do ombro geralmente apresentam­se < 1 ano de idade, com claudicação grave de membro
torácico e possivelmente alguma atrofia muscular. Animais com OCD em outras articulações geralmente
apresentam­se com efusão sinovial e graus variados de claudicação. O diagnóstico é confirmado com
radiografias.
DIAGNÓSTICO: Histórico, idade, raça, sexo e sinais clínicos propiciam informação importante; entretanto,
radiografias são necessárias para comprovar o diagnóstico.
TRATAMENTO: O tratamento de OCD depende da localização e do grau de envolvimento. Lesões articulares
femoropatelares estão associadas a crista troclear lateral ou medial do fêmur ou patela distal. Elas são acessíveis
para cirurgia artroscópica, que é recomendada em todos os casos, exceto em lesões precoces caracterizadas por
achatamento (sem fragmentação) < 2 cm de comprimento sobre a crista troclear lateral. Na articulação
tarsocrural, lesões de OCD são observadas em menor frequência sobre a crista intermediária (sagital) da tíbia,
crista troclear lateral ou medial do talo e maléolo medial da tíbia. Todas as lesões são acessíveis para cirurgia
artroscópica e o prognóstico, geralmente, é bom. Cirurgia é recomendada quando está presente efusão sinovial.
Lesões sem fragmentação nas articulações metacarpofalangiana ou metatarsofalangiana podem ser tratadas de
modo conservador e a maioria dos animais afetados se recupera bem. Se um fragmento estiver presente, é
recomendada a cirurgia artroscópica. No ombro, a cirurgia é sempre recomendada, mas o prognóstico é menos
favorável do que em outras articulações.

BURSITE

Bursite é uma reação inflamatória em uma bursa, que pode variar de inflamação leve a sepse. É mais comum e
importante nos equinos; e pode ser classificada como verdadeira ou adquirida. A bursite verdadeira é uma
inflamação na bursa congênita ou natural (mais profunda que a fáscia profunda), por exemplo, a bursite
trocantérica e a bursite supraespinhosa (fístula na cernelha, ver adiante). A bursite adquirida é um
desenvolvimento de bursa subcutânea onde não havia nenhuma anteriormente ou a inflamação dessa bursa, por
exemplo, o recobrimento cotovelar sobre o processo olecraniano, joanete na ponta do cotovelo e recobrimento
de jarrete na tuberosidade calcânea.
A bursite pode se manifestar como uma inflamação aguda ou crônica. Os exemplos de bursite aguda incluem
a bursite bicipital e a trocantérica, nos estágios iniciais. Ela se caracteriza, geralmente, por inchaço, sensação de
calor local e dor. A bursite crônica geralmente se desenvolve em associação com traumatismo repetido, fibrose e
outras alterações crônicas (p. ex., o recobrimento cotovelar, o recobrimento de jarrete e o higroma cárpico).
Acumula­se um excesso de fluido bursal e a parede da bursa se espessa devido de um tecido fibroso. Podem­se
formar faixas ou septos fibrosos dentro da cavidade bursal e, geralmente, desenvolve­se um espessamento
subcutâneo generalizado. Esses aumentos de volume da bursa se desenvolvem como inchaços indolores e frios
e, a menos que aumentem muito de volume, não interferem gravemente na função. A bursite séptica é mais
grave e se associa com dor e claudicação. A infecção bursal pode ser hematogênica ou se seguir a uma
penetração direta.
A dor em uma bursite aguda pode ser aliviada por meio de aplicação de compressas frias, aspiração do
conteúdo e medicação intrabursal. Injeções repetidas podem resultar em infecção. O tratamento da bursite
crônica é cirúrgico. Na bursite infectada, exigem­se antibióticos sistêmicos, bem como drenagem local.

Fístula de Cernelha e Mal da Nuca

A fístula de cernelha e o mal da nuca são afecções inflamatórias raras dos equinos que diferem entre si,
essencialmente, em sua localização, nas respectivas bursas supraespinhosa e supra­atlantal. Essa discussão se
refere à fístula na cernelha, mas, exceto quanto aos detalhes anatômicos, também se aplica ao mal da nuca. No
estágio inicial da doença, não se encontra presente uma fístula. Quando o saco bursal se rompe ou é aberto por
drenagem cirúrgica e ocorre infecção secundária com bactérias piogênicas, a afecção geralmente assume caráter
fistuloso verdadeiro.
ETIOLOGIA: A afecção pode ter origem traumática ou infecciosa. Os títulos de aglutinação sustentam uma
etiologia infecciosa. Pode­se isolar Brucella abortus e, ocasionalmente, B. suis do fluido aspirado da bursa não
aberta, e surtos de brucelose nos bovinos (ver p. 1459) se seguem a um contato com equinos com bursite aberta.
Nesses casos, deve­se avaliar sempre o título de Brucella; se é significativo, deve­se alertar os proprietários
quanto à importância em saúde pública.
ACHADOS CLÍNICOS: A inflamação ocasiona espessamento considerável da parede bursal. Os sacos bursais se
distendem e podem se romper quando possuem pouco suporte de cobertura. Nos casos avançados mais crônicos,
afetam­se o ligamento e as espinhas vertebrais dorsais e essas estruturas, ocasionalmente, necrosam.
No estágio inicial, a bursa supraespinhosa se distende com um exsudato viscoso, cor de palha clara. Esse
inchaço pode ser dorsal, uni ou bilateral, dependendo do arranjo dos sacos bursais entre as camadas teciduais.
Trata­se de um processo exsudativo desde o início, mas não ocorre nenhuma supuração ou infecção secundária
verdadeira, até que a bursa se rompa ou seja aberta.
TRATAMENTO E PREVENÇÃO: Quanto mais cedo se institui o tratamento, melhor é o prognóstico. O tratamento
mais bem­sucedido é a dissecção completa e a remoção da bursa infectada. O gasto do tratamento prolongado
necessário nos casos crônicos frequentemente excede o valor do animal e deve­se considerar, com cuidado, os
aspectos de saúde pública (nos casos em que se envolve Brucella spp). As vacinas contra a Brucella não se
mostram úteis. A terapia com iodeto de sódio possui importância limitada. É razoável manter os equinos
separados de bovinos infectados com Brucella e, também, separar os bovinos de equinos com fístulas na
cernelha com secreções.

Recobrimentos de Cotovelo e Jarrete

Os recobrimentos cotovelar e de jarrete são inchaços inflamatórios de bursas subcutâneas (bursites adquiridas)
localizados sobre os processos olecranianos e tuberosidades calcâneas, respectivamente, dos equinos. As causas
frequentemente incluem traumatismos decorrentes de deitar em pisos duros e com camas deficientes, coices,
quedas, montas em tampas traseiras de trailers, ferraduras que projetam além dos talões e decúbitos
prolongados.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Desenvolve­se um inchaço edematoso circunscrito sobre a bursa afetada e
ao redor dela. A claudicação é rara em qualquer caso. A bursa afetada pode ficar primeiramente flutuante e
mole, mas, em um período curto, forma­se uma cápsula fibrosa firme, especialmente se ocorre recorrência de
lesão antiga. Os inchaços iniciais da bursa podem ser quase não notáveis ou bastante grandes. Os casos crônicos
podem progredir para uma abscedação.
TRATAMENTO: Os casos iniciais agudos podem responder bem a aplicações de água fria, seguidas em poucos
dias por aspiração asséptica e injeção de corticosteroide. Também se pode reduzir o tamanho da bursa mediante
aplicação de agente contrairritante, terapia ultrassônica ou radioterapia. As bursas encapsuladas mais velhas são
mais refratárias. Recomenda­se tratamento cirúrgico (geralmente curetagem e drenagem) nos casos crônicos
avançados ou nos que se infectarem. Deve­se utilizar emplastro de joanete para evitar recorrência de
recobrimento cotovelar se essa afecção tiver sido causada pelo talão ou pela ferradura. No caso de recobrimento
de jarrete, a modificação comportamental, de forma que o equino não dê coices na baia, propicia a única
esperança de resolução permanente do problema.

POLIARTRITE-SEROSITE CAUSADA POR CLAMÍDIA (Serosite transmissível)


Essa doença infecciosa acomete ovinos, bezerros, caprinos e suínos. A poliartrite causada por clamídia em
ovinos foi descrita, primeiramente, em Wisconsin (EUA) e foi registrada, desde então, no oeste dos EUA, na
Austrália e na Nova Zelândia. A doença também foi identificada em bezerros nos EUA, na Austrália e na
Áustria e, em suínos, na Áustria, na Bulgária e nos EUA.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: As cepas do agente causador, Chlamydophila psittaci, isoladas de articulações
infectadas de ovinos e bezerros são idênticas, mas os antígenos cepa­específicos de suas paredes celulares as
distinguem das outras cepas que causam abortamentos em ovelhas e vacas (ver p. 1441).
O trato gastrintestinal possui importância primária na patogênese da poliartrite por clamídia (ver clamidioses
intestinais, p. 200). A doença já foi reproduzida experimentalmente por inoculação oral. Como as clamídias
podem ser recuperadas das fezes de bezerros e cordeiros clinicamente normais, é mais provável que o trato
gastrintestinal do hospedeiro e os parasitos fiquem frequentemente em equilíbrio. Se ocorre um desvio em favor
das clamídias, então, seguir­se­ão infecção sistêmica e clamidemia; o local de replicação definitivo é a
membrana sinovial. Também se infectou o trato gastrintestinal depois de inoculações intra­articulares
experimentais. As clamídias são excretadas nas fezes e na urina e são transmitidas por meio de ingestão ou, em
alguns casos, de inalação.
ACHADOS CLÍNICOS: A poliartrite por clamídia é observada em cordeiros nas pastagens, em fazendas e em lotes
de engorda. A morbidade pode ser de 5 a 75%. A temperatura retal situa­se entre 39 e 41,5°C. Podem ocorre
graus variáveis de rigidez, de claudicação e de anorexia e uma conjuntivite intercorrente (ver p. 526). Os ovinos
afetados ficam deprimidos, relutam em se mover e, frequentemente, hesitam em ficar em pé e sustentar seu peso
em 1 ou mais membros, mas podem melhorar da rigidez e claudicação depois de exercício forçado. A maior
ocorrência da doença em ovinos em pastagens é notada entre o final do verão e o início do inverno.
A doença acomete bovinos de todas as idades, mas atinge mais gravemente os bezerros com 4 a 30 dias. Os
bezerros podem apresentar febre, ficam moderadamente alertas e, em geral, mamam se forem levados para a
mãe e sustentados. Também apresentam invariavelmente diarreia, que pode ser grave. Os bezerros afetados
assumem uma posição corcunda enquanto ficam em pé; suas articulações geralmente incham e a palpação causa
dor. Não se observam envolvimento umbilical e sinais nervosos.
A poliartrite por clamídia foi detectada em suínos idosos, bem como em leitões jovens. Os leitões enfermos
apresentam febre e anorexia e podem exibir catarro nasal, dificuldade respiratória e conjuntivite. Essa afecção
ainda não foi claramente diferenciada das outras infecções que acarretam polisserosite e artrite, nos suínos.
Lesões: As alterações teciduais que mais chamam a atenção ocorrem nas articulações. Nos cordeiros, não se
observa frequentemente aumento de volume nas articulações, mas nos casos avançados crônicos, os joelhos,
jarretes e cotovelos podem aumentar um pouco de volume. Nos bezerros, o edema subcutâneo periarticular ao
longo das bainhas tendíneas e os sacos sinoviais flutuantes preenchidos com fluido contribuem para o aumento
de volume das articulações. A maioria das articulações afetadas, nos cordeiros ou nos bezerros, contém um
fluido sinovial turvo, amarelo–acinzentado e excessivo. Flocos e placas de fibrina nos recessos das articulações
afetadas podem aderir firmemente às membranas sinoviais. As cápsulas articulares se espessam. A cartilagem
articular fica lisa, e não se encontram presentes erosões ou evidências de alterações compensatórias marginais.
As bainhas tendíneas dos cordeiros e bezerros gravemente afetados podem se distender e contêm um exsudato
amarelo­acinzentado e cremoso. A musculatura circundante fica hiperêmica e edematosa, com petéquias nos
seus planos fasciais associados.
DIAGNÓSTICO: Anamnese e exame cuidadoso das alterações patológicas nas articulações e em outros órgãos
podem ter valor diagnóstico. O exame citológico dos fluidos ou tecidos sinoviais pode revelar corpos
elementares ou corpúsculos de inclusão citoplasmáticos causados por clamídias. O isolamento e a identificação
do agente causador das articulações afetadas confirmam o diagnóstico. As culturas bacteriológicas das
articulações afetadas, em geral, são negativas, mas pode­se isolar, ocasionalmente, Escherichia coli ou
estreptococos. Se os bezerros jovens apresentam artrite e não há lesões umbilicais, deve–se considerar poliartrite
causada por clamídia.
As características clínicas e patológicas distinguem a poliartrite por clamídia da maioria das outras afecções
que causam rigidez e claudicação nos cordeiros. Os cordeiros com deficiência mineral ou osteomalacia
geralmente não manifestam febre. A osteogênese anormal nessas duas afecções e as lesões distintas da doença
do músculo branco são praticamente patognomônicas. Na artrite causada por Erysipelothrix rhusiopathiae
ocorrem depósitos nas superfícies articulares e também sua perfuração, fibrose periarticular e formação
osteofítica. Pode­se diferenciar clínica e etiologicamente a laminite causada por infecção por vírus da língua
azul. Há necessidade de exames microbiológicos detalhados para diferenciar artrite por clamídia e artrite por
micoplasma.
TRATAMENTO E PREVENÇÃO: Se iniciada precocemente, a terapia com penicilina de longa ação, tetraciclina ou
tilosina parece ser benéfica. As lesões mais avançadas não respondem satisfatoriamente. Um alimento com 150
a 200 mg/dia de clortetraciclina para os cordeiros afetados em lotes de engorda reduz a incidência da poliartrite
por clamídia. Não há disponibilidade de qualquer vacina aprovada.

TENOSSINOVITE

A tenossinovite é uma inflamação da membrana sinovial e, geralmente, também da camada fibrosa da bainha
tendínea. Ela se caracteriza por distensão da bainha tendínea causada por efusão sinovial. Possui várias causas e
apresenta manifestações clínicas variáveis. Os vários tipos de tenossinovite incluem idiopática, aguda, crônica e
séptica (infecciosa). O termo sinovite idiopática se refere a uma distensão sinovial de bainhas tendíneas em
animais jovens, nos quais a causa é incerta. As tenossinovites aguda e crônica se devem a traumatismos. A
tenossinovite séptica pode se associar com ferimentos penetrantes, extensão local de infecção ou infecção
hematogênica.
Bainhas dos tendões tarsal e digital do tendão flexor digital profundo de equino. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Há graus variáveis de distensão sinovial da bainha tendínea e claudicação,
dependendo da gravidade. Em uma tenossinovite séptica, os equinos claudicam acentuadamente. Nos equinos, a
tenossinovite crônica é comum nas bainhas dos tarsos e dos jarretes (distensão da bainha társica) e nas bainhas
digitais (ovas tendíneas). Devem­se diferenciar essas duas entidades do esparavão dos charcos e da efusão
sinovial no boleto.
TRATAMENTO: Nos casos idiopáticos, não se recomenda, inicialmente, nenhum tratamento. Os casos agudos com
sinais clínicos podem ser tratados sintomaticamente com compressas frias, AINE e repouso. Nos casos mais
crônicos, utiliza­se uma aplicação de drogas contrairritantes e bandagens. A tenossinovite séptica requer
antibiótico sistêmico e drenagem. Caso se desenvolvam aderências entre a bainha tendínea e o tendão, nota­se,
como regra, efusão persistente e claudicação.

CLAUDICAÇÃO EM BOVINOS

Claudicação é considerada por muitos como a mais dolorida das situações que afetam os bovinos. Devido a sua
prevalência, a claudicação é provavelmente o principal problema que afeta as espécies animais. Em algumas
criações, 60% das vacas podem ser encontradas claudicando em pelo menos uma ocasião em cada ano. A mais
elevada incidência de claudicação é observada em bovinos leiteiros de alta produção, intensivamente
manejados. Tem provavelmente a mesma importância da ineficiência reprodutiva e atualmente é considerada
como proximamente relacionada.
Claudicação causa perdas econômicas. Uma estimativa recente sugere que em média um caso individual de
claudicação custa à criação cerca de 400 dólares americanos. Essa estimativa inclui o custo de serviços
veterinários e medicação, bem como o tempo empregado para tratar uma vaca claudicante. Além disso, deve ser
considerada a perda de leite (devido à dor ou à terapia antimicrobiana). Pelo menos 10% das vacas são
descartadas por motivos relacionadas com a claudicação. A reposição de novilhas é cara e o animal substituto
não é tão produtivo quanto uma vaca madura. Claudicação em bovinos é um sinal clínico com muitas etiologias
possíveis. Os protocolos para investigar as causas de claudicação em plantéis não são tão avançados quanto aos
relacionados com a disfunção reprodutiva e mastite; assim, o controle do problema é também muito mais difícil.

PROCEDIMENTOS DIAGNÓSTICOS
Analgesia Regional

No caso de analgesia digital distal (utilizada para procedimentos cirúrgicos ou de diagnóstico), o local dorsal se
localiza no eixo dorsal, proximamente ao espaço digital, próximo às articulações metacarpo ou
metatarsofalangianas. A agulha deve ser posicionada com cuidado (pois pode se encontrar a artéria digital
propriamente dita no local dorsal) e devem­se injetar 10 ml de lidocaína 2%. Se a agulha é inserida
profundamente no espaço interdigital, podem­se atingir os nervos da superfície flexora. Isso evita a necessidade
de um bloqueio local flexor para procedimentos simples. A distribuição do suprimento nervoso para a face axial
dos dígitos do membro torácico não é constante, o que torna essa técnica não confiável para uma analgesia
digital do membro torácico.
O local flexor preferido é um pouco mais inferior que o local dorsal, pois é difícil introduzir uma agulha
através do ligamento palmar/plantar parcialmente cartilaginoso. Os lados medial e lateral se localizam na altura
dos dígitos­de­lobo e a agulha deve ser introduzida dorsalmente (horizontalmente, com o animal em pé) a partir
de um ponto 2,5 cm ligeiramente proximal aos dígitos­de­lobo. No caso do local flexor e dos locais medial e
lateral, injetam­se cerca de 5 a 8 ml de lidocaína 2%. No caso de cirurgia de dígito (p. ex., amputação),
utilizam–se os locais dorsal, palmar/plantar e medial ou lateral, dependendo do casco. No caso de cirurgia
interdigital (p. ex., remoção de calos), usam­se os locais dorsal e palmar/plantar.

Locais para anestesia regional intravenosa do membro pélvico de bovino. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

Artroscopia e Artrocentese
A artroscopia permite visualização de superfícies interiores de uma articulação para propósitos diagnósticos ou
cirúrgicos. A artrocentese é um procedimento pelo qual se pode remover fluido sinovial de uma articulação para
exame. Pode­se introduzir anestésico local para verificar se lesões doloridas estiverem presentes na articulação.
A terapia intra–articular permite que se deposite medicação no interior de uma articulação. Como esse
procedimento pode ser dolorido, é recomendado bloqueio nervoso em teor mais elevado.

Locais de entrada articular para artroscopia e artrocentese da articulação do joelho de bovino. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

Para a articulação interfalangeana distal, deve­se inserir a agulha lateralmente ao tendão extensor comum ou
longo, que se insere no interior do processo extensor da falange distal. O ponto de entrada é exatamente
proximal à banda coronária. No caso da articulação da quartela (articulação interfalangiana proximal), deve­se
inserir a agulha lateralmente ao tendão extensor.
No caso da articulação do boleto (articulação metacarpofalângica ou metatarsofalangiana), deve­se orientar a
agulha em sentido descendente, próxima ao osso e entre esse e o ligamento interósseo (suspensor). Também é
possível penetrar a articulação da superfície dorsal de maneira semelhante à das articulações distais; no entanto,
a bolsa flexora é mais espaçosa que a dorsal. No caso da bainha sinovial digital (bainha do tendão flexor
profundo), deve­se orientar a agulha descendentemente, atrás do ligamento interósseo.
No caso da articulação do joelho, é aconselhável utilizar 2 locais, pois, em alguns animais, o compartimento
femorotibial lateral pode não se comunicar com o resto da articulação. O primeiro local é atrás do ligamento
patelar lateral (compartimento femorotibial lateral) e deve­se orientar a agulha caudalmente. Deve­se inserir a
agulha no segundo local, entre os ligamentos patelares medial e médio, e orientá­la, descendentemente, ao
grande lábio medial da tróclea (compartimentos femoropatelar e femorotibial medial).
No caso da articulação coxofemoral, deve­se orientar a agulha caudal e medialmente, na frente do trocanter
maior, e exatamente na frente da inserção do músculo glúteo médio.

Exame Físico
INSPEÇÃO DO ANIMAL EM PÉ: Abrasões ou tumefações sugerem um evento traumático anterior. As lesões de
decúbito podem indicar períodos de decúbito prolongados ou dificuldade do animal em se levantar. A atrofia
muscular, particularmente notável na região glútea, pode estar associada a afecção dolorida, como artrite.
Animais que apresentam dor extrema podem perder a condição corporal rapidamente.
POSTURA OU POSIÇÃO DAS PATAS: Em uma postura normal, a ponta do jarrete (tuberosidade calcânea) fica
diretamente abaixo da tíbia quando vista de lado ou por trás. Aproximadamente 60% do peso corporal são
suportados pelos membros torácicos se comparados com os pélvicos. Um animal claudicante ajusta a sua
postura de forma a aliviar a dor. Por exemplo, um abscesso dolorido em um casco traseiro lateral fará com que o
animal abduza esse membro. Dor no talão do membro traseiro força o animal a manter sua pata para trás,
postura conhecida como “pau de barraca” ou retração. Depois que uma vaca gastou muito tempo caminhando
no concreto, a parte lateral do casco traseiro pode tornar–se excessivamente desgastado. Isso força o jarrete a
rotacionar­se internamente; isso é conhecido como postura de “jarrete em foice”. Dor no dígito, que ocorre na
laminite, faz com que o animal mantenha seus membros traseiros mais à frente do que normalmente, uma
postura conhecida como “posição de espichamento” ou protração. Essa postura pode ser confundida com o
defeito de conformação conhecido como “jarrete em foice”, no qual o ângulo do jarrete é < 160°. Quando o
ângulo do jarrete é < 180°, a postura é referida como “perna de poste”, característica conformacional indesejável
associada a artrite. Quando as patas traseiras são mantidas mais juntas do que o normal (aduzidas) é indício de
dor na parte medial do casco e diz­se que o animal está em “posição em pé estreita”. Essa postura é
frequentemente confundida com a conformação denominada “arqueamento de perna”.
CARACTERÍSTICAS DA CLAUDICAÇÃO: Claudicação é melhor observada quando os animais caminham em uma
superfície limpa e dura. Inicialmente a vaca deve ser observada em progressão de lado. Se a vaca não está
mancando, o dorso deve estar plano; se está levemente claudicante, o dorso fica levemente arqueado. Se a vaca
está mancando moderadamente, seu dorso encontra­se arqueado quando está em pé ou caminhando. A vaca com
claudicação verdadeira apoia algum peso na pata afetada. Se estiver com claudicação aguda, evita o apoio do
membro. Nota­se algum balanço de cabeça quando o animal tenta apoiar o peso na pata dolorida.
A detecção da região da pata em que se localiza a claudicação depende dos princípios descritos anteriormente
em postura anormal. Por exemplo, quando dói o dígito, a fase de retração do passo (quando a pata passa do lado
oposto da fase de apoio de peso vertical) é reduzida consideravelmente. Ao contrário, quando a dor é no talão, a
fase de protração do passo é reduzida ou a pata não é levada tão à frente como normalmente acontece. Em geral
a marcha de um membro pode ser comparada com o membro contralateral quando visto de lado. No entanto, a
claudicação simultaneamente presente nos membros contralaterais tenderá a parecer menos grave do que
realmente é. Nos casos de laminite subaguda, não é incomum que se afetem todos os membros mais ou menos
igualmente. Nesses casos, não se observa nenhuma alteração específica na marcha, mas os animais tendem a
colocar suas patas em cada passo com cuidado; diz­se que eles “arrastam o passo” ou apresentam andadura de
“perna­de­pau”.
EXAME DO CASCO: As superfícies axiais dos cascos devem ser igualmente côncavas. Concavidade excessiva da
superfície axial do casco lateral é uma indicação ruim em bovinos jovens, particularmente machos. Essa
característica está associada a “casco em saca­rolha”, no futuro. Se o animal tiver sido exposto a superfícies de
concreto, por período prolongado, a sola do casco lateral, provavelmente, se encontra desgastada e aplanada e
muito mais larga do que o casco medial.
Para facilitar o exame de um casco completamente plano, deve­se lavar a superfície da sola para facilitar o
exame e examiná­la cuidadosamente para verificar a presença de marcas pretas, que devem ser exploradas com
a lâmina de uma faca. Se a sola se encontrar fortemente emplastrada com barro e esterco (p. ex., os animais em
pastejo ou confinados em currais ou depósitos de palha), é mais rápido e mais fácil retirar uma camada de tecido
córneo superficial, com o material emplastrado, para expor o tecido córneo fresco por baixo dele. Deve­se
dedicar atenção particular para a área da linha branca abaxial. Contraindica­se a remoção de grande quantidade
de tecido córneo da sola na fase de diagnóstico do exame. O espaço interdigital deve ser avaliado quanto à
separação dos cascos e examinado, cuidadosamente, quanto à evidência de um corpo estranho, fibroma,
podridão do casco, dermatite interdigital ou dermatite digital.
O diagnóstico diferencial pode ser auxiliado por meio de anestesia seletiva dos nervos dos dígitos.

Radiografia

RADIOGRAFIA DA REGIÃO DIGITAL: Radiografia pode auxiliar na identificação do local da claudicação e


propiciar informação a respeito do estágio de desenvolvimento da doença. Isso ajuda a determinar o melhor
tratamento. Quando ocorrem alterações patológicas na região da articulação interfalangiana distal, as lesões
teciduais são, frequentemente, agudas e graves.
Antes de se fazer uma radiografia, deve–se limpar por completo o espaço interdigital de ambos os cascos e
apará­los ligeiramente. Se não se fizer isso, imagens ou sombras falsas podem mascarar anormalidades
presentes nos cascos. Os dígitos podem ser vistos, radiograficamente, utilizando­se 4 ângulos ou projeções.
Na projeção dorsopalmar/plantar, a imagem produzida exibe todos os ossos e articulações principais sem
sobreposição. A partir dessa vista se podem diagnosticar muitas doenças da pata bovina.
A projeção oblíqua é realizada por meio do posicionamento da placa por baixo do casco e da colocação da
ampola do aparelho dorsalmente aos dígitos e do seu giro para trás, em um ângulo de 45°. Como os bovinos
possuem 2 dígitos que se sobrepõem entre si quando vistos radiograficamente de lado, pode­se obscurecer a
clareza de uma anormalidade. A vista oblíqua permite que o dígito seja visto de um ângulo no qual 1 casco
parece se encontrar atrás do outro, o que propicia um quadro muito mais claro que o que pode ser obtido quando
se sobrepõem os dígitos. Como cada dígito é projetado diferentemente em uma visão oblíqua, é melhor
comparar 2 radiografias de vistas oblíquas tiradas em ângulos comparáveis, porém opostos.
A projeção lateromedial ou mediolateral tem, geralmente, muito menos valor que a vista oblíqua. No
entanto, como seu posicionamento é relativamente fácil, essa vista é útil na avaliação de fraturas, de reparos de
fraturas e de luxações.
Na projeção axial, realiza­se uma vista lateromedial ou mediolateral de um casco único por meio da
colocação de filme não telado (p. ex., um “cassete” de papel) entre os dígitos. Essa vista produz uma imagem
boa da falange distal afetada e, se o inchaço de tecido mole interdigital não é demasiadamente grande, também
da articulação interfalangiana distal.

Cascos (estojos do casco) e cascos rudimentares de grandes ruminantes. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

Análise e Interpretação Devem­se considerar vários fatores na análise e interpretação


Radiográficas:

radiográficas. As diferenças etárias podem ser vistas radiograficamente como diferenças no desenvolvimento
esquelético. Nos bezerros, as fises encontrar­se­ão presentes nos metacárpicos e metatársicos distais e nas
extremidades proximais das falanges proximais e médias. Em um bezerro bastante jovem, as falanges distais
podem ser ossificadas incompletamente, de maneira que os ossos pareçam pequenos e suas extremidades distais
fiquem arredondadas e indistintas. O osso subcondral pode parecer indistinto e finamente irregular; isso não
deve ser confundido com a lise óssea subcondral, que ocorre na artropatia séptica.
Nos bovinos, as doenças que estimulam o osso novo periosteal (tais como “casco em saca­rolha” e artrite
séptica pós­recuperação) podem causar alterações acentuadas no contorno ósseo e aumento na opacidade óssea.
Nas radiografias dos bovinos idosos, observam­se comumente pequenas alterações ósseas nas margens
articulares e inserções musculotendíneas. A aspereza da superfície distal do dígito distal é um sinal normal de
envelhecimento. Alterações que fazem parte de um processo de envelhecimento normal não devem ser
confundidas com alterações ósseas ativas.
O osso novo reativo (osteófito, entesiófito ou exostose) presente há algum tempo possui borda distinta e
contorno grosseiro e sua opacidade permanece normalmente uniforme. O osso novo ativo possui borda
indistinta e contorno grosseiro e a opacidade fica irregular.
A perda difusa de opacidade óssea ocorre em laminite subaguda, doença óssea nutricional e depois de uma
imobilização de membro. Há perda focal ou localizada de opacidade óssea nas infecções (osteomielites) ou
inflamações (osteítes) ósseas, nas áreas de cicatrização de fraturas iniciais e nos defeitos na ossificação
endocondral (osteocondrose).
O aumento na largura articular é causado pela presença de um aumento na quantidade de fluido na
articulação. No entanto, essa característica ficará menos evidente se o animal estiver sustentando seu peso no
momento em que se tirou a radiografia. Para confirmar que a articulação se encontra realmente mais larga que o
normal, pode­se compará­la com a articulação contralateral.
A indistinção e a perda de opacidade no osso subcondral se associam, com frequência, com infecções
articulares. A perda de opacidade é frequentemente irregular. Por essa razão, é improvável que 1 única
radiografia detecte essa doença; portanto, geralmente se aconselham várias radiografias tiradas de ângulos
diferentes. Recomenda­se uma comparação entre articulações suspeitas e conhecidamente normais. O osso
subcondral pode ficar indistinto em um animal jovem.
A radiografia é importante na avaliação do progresso de um reparo de fratura. A radiografia tirada
imediatamente após uma fratura ter sido realinhada constitui a base de avaliação futura, e radiografias
subsequentes tornam­se essenciais, caso se suspeite de não união ou infecção ósseas.
A perda de opacidade óssea é difícil de reconhecer com certeza nas doenças metabólicas e nutricionais. Como
se podem afetar, igualmente, todos os ossos do corpo, não é útil comparar um osso com outro. Em um animal
adulto, as regiões esponjosas nas extremidades ósseas podem ficar mais grosseiras ou “granulares” em
aparência à medida que as trabéculas ósseas menores são reabsorvidas. Na diáfise de um osso normal, tanto nos
animais imaturos como nos adultos, o córtex fica mais espesso no meio da diáfise e se torna mais fino em ambas
as extremidades. Se o córtex no meio da diáfise se aproximar da finura das diáfises proximais e distais, deve­se
suspeitar de osteopenia generalizada.
Só se consegue demonstrar tumefação de tecido mole em radiografias nos estágios iniciais de uma doença
séptica. As características de tumefação de tecido mole podem indicar a localização da lesão e dos tecidos
envolvidos, de miopatia ou tenopatia, celulite ou edema ou sombras gasosas escuras (p. ex., a fístula ou a
cápsula de um abscesso).

PROCEDIMENTOS PREVENTIVOS

Controle da Dor

Cirurgias, lesões teciduais e tumefações causadas por infecção resultam em dor. A resposta ao estresse dolorido
aumenta as necessidades nutricionais do animal (particularmente, ingestão de zinco) e, se prolongada, pode
causar debilidade. Estresse relacionado com a dor também pode aumentar a suscetibilidade a doenças. Medidas
para controle da dor (p. ex., uso de analgésicos) promovem cura e recuperação. Drogas analgésicas devem ser
administradas até obter o efeito desejado; as dosagens seguintes podem ser utilizadas como referências: 0,2 a
0,4 mg de morfina/kg IM; 1 a 2 mg de meperidina/kg IM; 0,05 a 0,1 mg de oximorfona/kg IM; 1 a 2 mg de
pentazocina/kg IM; 0,1 a 0,2 mg de butorfanol/kg IM ou IV; 0,005 a 0,008 mg de buprenorfina/kg IM ou IV.
O uso de corticosteroides e AINE é controverso, porém o último é útil na inibição de substâncias como as
prostaglandinas, originadas em tecidos lesionados e inflamados. AINE são úteis no tratamento de dor decorrente
de reações inflamatórias ou doenças articulares, mas seu uso por períodos prolongados deve ser evitado devido
aos efeitos colaterais. Por exemplo, a fenilbutazona não deve ser administrada com frequência maior do que 36
a 48 h e nem repetida mais do que 2 a 3 vezes. Os AINE a seguir são comumente utilizados: 100 mg de ácido
acetilsalicílico/kg VO, 2 vezes/dia; 1,1 a 2,2 mg de flunixino meglumina/kg IV ou IM; 10 mg de
fenilbutazona/kg IV ou VO, a cada 48 h; 20 mg de dipirona/kg IV IM ou SC, 2 ou 3 vezes/dia. Dimetilsulfóxido
é um anti–inflamatório de uso tópico que pode ser aplicado a área afetada.

Corte Funcional de Casco


Com o tempo, os cascos das vacas desgastam–se mudando o formato das solas, o que torna os pés instáveis. Os
dois dígitos tornam­se desequilibrados tanto longitudinalmente como lateralmente. Quando as alterações
ocorrem no dígito lateral, ele fica sobrecarregado, o talão córneo pode tornar­se mais espesso e a postura é
comprometida. O objetivo da apara do casco, portanto, é restabelecer a distribuição normal do apoio do peso na
pata.
Em condições normais, o crescimento do tecido córneo é controlado pelo desgaste. A taxa de
crescimento/desgaste do talão é maior do que do dígito. O tecido córneo seco tende a ser extremamente
resistente ao desgaste e pode crescer mais que o normal. Os cascos de bovinos mantidos em currais com palha
tendem a crescer exageradamente. De modo oposto, os cascos dos bovinos mantidos em condições
extremamente úmidas são mais moles que o normal e mais propensos ao desgaste e lesões. Se os animais forem
criados sobre superfícies de concreto, a parte lateral do casco posterior tende a desgastar menos do que a medial.
Foi relatado que quando se aparam corretamente os cascos, pelo menos 1 vez por ano, pode­se estender a
longevidade do rebanho em 1 ano. No entanto, o desbaste resultará em diminuição da produção leiteira por até
meio litro/dia durante 2 dias o que em parte é devido á interrupção rotineira da vaca e à manipulação. O
desbaste deve ser evitado em locais próximos da ordenha e os indivíduos que manipulam as vacas nunca devem
realizar o desbaste. O desbaste incorreto de cascos deve ser evitado porque possui efeito negativo na saúde dos
cascos de um rebanho. Em muitos países, o desbaste de cascos é realizado por um profissional especializado no
assunto e não por um veterinário. Aparadores de cascos geralmente mantêm registros pormenorizados de lesões
presentes em todos os cascos, que podem fornecer informações valiosas para o veterinário o que é muito
importante na investigação de claudicações como problema de rebanho.
Todos os cascos devem ser avaliados antes do desbaste. Em média, a parede frontal (superfície dorsal) de um
casco traseiro mede cerca de 7,5 cm de comprimento da ponta até a linha pilosa. Quando a parede dorsal
aumenta no comprimento, a superfície dorsal do casco tende a tornar­se côncava o dígito curva­se como o peito
do pé de um calçado humano. Isso causa mais pressão a ser exercida na região do talão. Aumenta a pressão no
processo flexor da falange distal, que corresponde ao ponto por baixo do qual se desenvolvem as úlceras da
sola. Além disso, quanto mais longo é o dígito, maior é o estresse no sistema flexor. Em todos os casos, o
ângulo entre a parede dorsal e a superfície do solo deve ser cerca de 45° no dígito. Quando os cascos são curtos
e a parede dorsal é > 7,5 cm, ocorre um risco considerável de que a espessura da sola, no ápice, seja < 7 mm
desejáveis. Deve­se evitar um afinamento do ápice da sola de animais de cascos curtos.
O padrão holandês de desbaste de cascos consiste em 5 etapas. Em todo caso de claudicação no qual ocorre
lesão na sola, deve­se realizar as 3 primeiras etapas antes de se atentar para a lesão propriamente dita.
Na etapa 1, deve­se cortar o comprimento da parede dorsal do casco medial para trás, até 7,5 cm. A espessura
da sola no ápice deve ser de cerca de 5 a 7 mm. Não se deve aparar o tecido córneo por baixo dos bulbos nesse
estágio.
Na etapa 2, deve­se encurtar tanto a sola como o talão do casco lateral, para igualá­los com o casco medial.
Isso poderá não ser possível, se o casco medial já estiver < 7,5 cm de comprimento. Quando o talão do casco
lateral se encontra significativamente mais espesso que o do casco medial, o excesso córneo deve ser removido
para se estabelecer a estabilidade lateral. Se pequena resistência na sola é detectável à pressão com um polegar,
não se deve remover mais tecido córneo. Deve­se nivelar o casco desde o ápice até o bulbo. A falta de atenção a
esses princípios pode resultar em permanência de muito mais sola no centro da região pré­bulbar, podendo
ocorre úlceras de sola. Um erro comum é reduzir a superfície de apoio da parede na altura do sulco axial – um
procedimento que pode transferir apoio do peso para o centro da sola.
Na etapa 3, o quadrante central da borda axial da sola é formatado com pequena inclinação da borda abaxial
para axial.
Na etapa 4, como > 90% das lesões que causam claudicação instalam­se na sola do casco posterior lateral, a
estratégia consiste em transferir peso para o casco medial, deixando­o intocado, enquanto se reduz a espessura
da sola do casco lateral tanto quanto é razoável nas regiões pré­bulbar e bulbar.
Na etapa 5, devem­se remover fragmentos ásperos de tecido córneo da sola. Se forem encontradas vacas com
problemas de cascos durante o casqueamento anual, os cascos devem ser aparados 2 vezes ao ano, a partir de
então. É preferível que o desbaste de casco seja feito em vacas no começo da prenhez ou em período de
lactação.

Pedilúvios

O uso de pedilúvio não constitui um substituto de boa higiene ou de bom desbaste de cascos. Pedilúvios de
concreto permanentes devem mensurar 3 m de comprimento e pelo menos 1 m de largura. Devem possuir
sistema de drenagem para permitir limpeza adequada. Os lados do pedilúvio devem deslizar para dentro a uma
profundidade máxima de 15 cm. Idealmente, devem ser construídos 2 pedilúvios em sequência. O primeiro pode
conter uma solução para limpeza e no segundo podem­se adicionar medicamentos. Pedilúvios portáteis
confeccionados em fibra de vidro podem ser encontrados. Um capacho, consistindo em uma camada de espuma
de borracha encaixada em uma cobertura de plástico perfurado, também pode ser encontrado. A espuma é
embebida na medicação que é liberada e envolve os cascos quando a vaca caminha sobre o capacho.
A formalina (3 a 5%) é a solução de pedilúvio mais barata para o controle da podridão do casco. A formalina
pode ser utilizada alternadamente com antibióticos no controle de dermatite digital. A solução deve ser trocada
após a passagem de cerca de 250 vacas, mais frequentemente se o pedilúvio estiver muito contaminado com
esterco. A formalina tem boa atividade bacteriostática, bem como um certo potencial de endurecimento da
epiderme. Ela também é ineficaz em temperaturas < 13°C. É considerada como um lixo perigoso e, em muitos
distritos, o descarte é controlado. O vapor originário da formalina irrita os pulmões dos ordenhadores e, em
determinadas condições, pode contaminar o leite. Nunca deve ser usada em pedilúvios próximos do local da
ordenha.
Quanto mais forte é a solução de formalina utilizada, mais efetiva ela é, mas o risco de uma queimadura
química na pele do bovino também é maior. Portanto, deve­se monitorar, com cuidado, o estado dos pelos ao
redor do casco. Se os pelos parecerem ficar com extremidades arrepiadas ou a pele rosa, deve­se suspender o
tratamento. Normalmente, as vacas conseguem tolerar pedilúvios 2 vezes/dia, durante 3 dias, utilizando­se uma
solução a 3%. Deve­se repetir o tratamento a cada 3 semanas e utilizar concentrações mais altas no caso das
afecções mais resistentes.
Pedilúvios com solução de sulfato de cobre e zinco 5% controlam a dermatite interdigital e têm algum valor
no controle da podridão do casco (fleimão interdigital). Os sulfatos são rapidamente desativados pela
combinação com as proteínas da matéria fecal. Pré­lavagem das patas dos bovinos é indicada e a solução deve
ser trocada após a passagem de 200 vacas. Sulfato de cobre, embora não seja reconhecido universalmente como
substância perigosa, é tóxico para peixes, de forma que não deve ser liberado para cursos d’água. Há alguma
evidência de que o cobre tende a fazer alguns elementos essenciais menos disponíveis para bovinos. Por essa
razão, não é recomendável que o resíduo de sulfato de cobre seja liberado para o lençol freático. Autoridades
locais devem ser consultadas antes desse elemento químico ser liberado para água de esgoto.
O uso de antibióticos em pedilúvios é uma estratégia popular de tratamento, controle e prevenção de
dermatite digital. Pode–se minimizar seu custo com o uso de um “pedilúvio com fluidos mínimos”. Não se deve
utilizar o mesmo tipo de antibiótico em intervalos cerca de 6 meses, para evitar o desenvolvimento de cepas
resistentes dos organismos causadores. No entanto, pode­se administrar o tratamento por 2 ou 3 dias e repeti­lo
1 vez depois de 7 dias. Se é necessário um tratamento mais agressivo, podem–se utilizar pedilúvios adicionais
com formalina. Antibióticos utilizados em um pedilúvio não resultam em teores detectáveis da droga na
corrente sanguínea.
Foi desenvolvida uma nova geração de agentes químicos para uso em pedilúvios, mas a comprovação desses
produtos ainda não foi adequadamente substanciada em experimentos controlados. Espumas também estão
disponíveis, mas requerem consideráveis custos para os equipamentos. A espuma mantém melhor o agente
químico em contato com as lesões que produtos líquidos.
DISTÚRBIOS CAUSADORES DE CLAUDICAÇÃO

ANORMALIDADES DE OSSOS E ARTICULAÇÕES

Artrite Séptica da Articulação Interfalangiana Distal

ETIOLOGIA: A infecção entra na articulação interfalangiana distal por meio de 3 locais principais: (1) a
comissura dorsal do espaço interdigital, por traumatismo penetrante ou de podridão de casco (fleimão
interdigital) complicado; (2) as fissuras verticais; (3) a doença da linha branca ou um abscesso retroarticular.
ACHADOS CLÍNICOS: Mais frequentemente, há 1 das lesões causadoras e a transição dessa para a infecção
articular fica facilmente aparente. No entanto, quando se trata um inchaço podal, antes de a causa ser
estabelecida, a infecção articular pode continuar por semanas antes de se diagnosticar a verdadeira natureza da
afecção. Se, depois de um tratamento agressivo de um caso de podridão de casco por 3 dias, ainda não ocorre
resolução, deve­se suspeitar de artrite séptica. Aumento da dor junto com inchaço na região anterior da banda
coronária, em casos de fissura vertical e de doença da linha branca, sugerem uma infecção articular. Utilizando
analgesia regional e técnica asséptica estrita, pode­se coletar um aspirado articular e examiná­lo para infecção.
A radiografia pode indicar separação anormal das superfícies articulares.
TRATAMENTO: Indica­se amputação digital nos animais que apresentam expectativa de vida limitada, por
exemplo, os idosos ou de baixa produção. O procedimento é simples, rápido pode ser realizado em animais em
pé, sob analgesia regional e, na maioria dos casos, produz alívio rápido. Deve­se realizar a amputação através da
pele, com um fio de aço de fetotomia colocado tão próximo da junção pele/tecido córneo quanto é possível.
Deve­se conter hemorragia por meio de uma faixa compressiva.
Uma artrodese funde as falanges distal e média e é utilizada para estender a vida funcional dos animais
valiosos. Recomenda–se anestesia geral. Deve­se perfurar um canal de 1 cm através da parede abaxial, para o
interior da articulação, e um segundo canal a partir da lesão causadora, para o interior da articulação. Aumenta­
se a cavidade articular mediante curetagem e enfia­se uma sonda de drenagem através dela. Deve­se realizar
lavagem contínua com solução salina estéril por 2 a 3 dias. Depois disso, aplica­se um bloco de madeira no
casco saudável e imobiliza­se o dígito afetado por meio da sua fixação nesse bloco com metilmetacrilato. Deve­
se facilitar, adicionalmente, a imobilização mediante acondicionamento da região digital em um penso. O penso
deve ser removido depois de 4 semanas.

Artropatia Degenerativa

Essa afecção inespecífica que afeta, principalmente, o quadril e o joelho caracteriza­se por degeneração da
cartilagem articular e eburnação do osso subcondral, efusão articular, fibrose com calcificação na cápsula
articular.
ETIOLOGIA: Muitas causas e fatores predisponentes influenciam o desenvolvimento das lesões articulares
degenerativas. Predisposição herdada para artropatia degenerativa é um fator. Incriminam­se determinadas
conformações, por exemplo, jarretes retos em touros de corte. Instabilidade articular depois de traumatismo
constitui uma causa comum. Os fatores nutricionais envolvidos em alguns casos incluem rações ricas em
fósforo e pobres em cálcio que, provavelmente, influenciam na resistência do osso subcondral. Deficiência de
cobre ou envenenamento com fluoreto também podem atuar de modo semelhante. A tração forçada de um
bezerro em apresentação de nádega pode impedir o suprimento sanguíneo para a articulação coxofemoral e
resultar em artrite. O papel da infecção é obscuro. Nos bezerros, a artrite infecciosa costuma produzir alterações
graves no jarrete, mas a artropatia degenerativa raramente envolve essa articulação.
Os touros para exposição alimentados com dietas ricas em grãos podem ficar mancos com 6 a 12 meses de
idade, mas a maioria dos casos é observada, pela primeira vez, com 1 a 2 anos de idade.
ACHADOS CLÍNICOS: O início é gradual (mais tarde nos touros) e afetam­se, geralmente, ambas as articulações
coxofemorais; o envolvimento do joelho é raro. Claudicação até o ponto de incapacitação com crepitação de
articulações degeneradas pode desenvolver­se em poucos meses; no entanto, a correlação entre alterações
patológicas e sinais clínicos é fraca. As primeiras alterações ocorrem no acetábulo e na superfície dorsomedial
da cabeça femoral.
No joelho, o côndilo medial femoral exibe as primeiras alterações. Como a artropatia degenerativa pode
resultar de qualquer um de vários fatores iniciadores, um diagnóstico específico pode ser difícil. Avaliações
radiográficas, citológicas e microbiológicas do fluido sinovial constituem auxílios diagnósticos úteis. A
artroscopia das superfícies articulares e dos ligamentos pode auxiliar a obter diagnóstico definitivo e
prognóstico.
TRATAMENTO: As alterações nas articulações são geralmente irreversíveis no momento do diagnóstico. Deve­se
empreender um tratamento paliativo nos animais reprodutores valiosos, sempre considerando que a afecção ou
os fatores predisponentes podem ser herdados. Deve­se analisar com cuidado a dieta e, se é necessário, corrigi­
la. Isso é especialmente importante nos animais em crescimento rápido, para os quais se indicam exercícios
adequados e deve­se evitar uma engorda final exagerada.

Espondilose Ancilosante

Na espondilose anquilosante, desenvolvem­se exostoses no ligamento da face ventral das vértebras lombares,
primariamente nos touros idosos. Uma fratura da exostose e das vértebras associadas causa pressão na medula
espinal, que resulta em ataxia grave ou paralisia. Não existe tratamento.

Fraturas

As fraturas ósseas ocorrem em bovinos de todas as idades, mas são mais comuns nos bovinos < 1 ano. Os
procedimentos corretivos podem ser justificados economicamente nesse grupo etário, contanto que não
envolvam articulações. Utilizam­se, com êxito, técnicas de fixação externa ou talas de Thomas. Em casos
selecionados, pode­se tentar transfixação percutânea ou fixação interna.
Nos bovinos adultos, geralmente não se tratam as fraturas dos ossos longos principais. Pode ocorre uma
fratura da tuberosidade coxal quando os bovinos são apressados para passar por porteiras estreitas. Nesses
casos, espículas ósseas podem penetrar na pele ou ocorre distorções invisíveis no flanco. Nos bovinos adultos
jovens tratáveis, pode­se considerar um tratamento das fraturas das falanges proximais e intermediárias.
A fratura da falange distal é relativamente comum nos bovinos adultos. O início da claudicação é rápido e a
dor é, geralmente, grave. Caso se envolva o dígito medial, o animal pode procurar alívio da dor mediante o
cruzamento das pernas. A recuperação natural é prolongada e, como a maior parte dessas fraturas se estende
para a articulação interfalangiana distal, pode­se desenvolver artrite debilitante no local. Caso se realize
tratamento, deve­se elevar o dígito sadio com um bloco de madeira e imobilizar o dígito afetado em uma
posição flexionada com relação ao bloco, utilizando o acrílico metilmetacrilato.

Luxações

LUXAÇÃO COXOFEMORAL: A luxação da articulação coxofemoral é, geralmente, dorsal. É observada em touros


que cobrem vacas confinadas em superfície escorregadia e em vacas que montam entre si. O membro afetado
ficará mais curto que o contralateral. O jarrete vira para dentro e, quando tenta caminhar, o animal parece estar
arrastando uma pata atrás da outra.
A resolução é possível, contanto que a cabeça femoral ou a borda acetabular não se encontrem fraturadas.
Deve­se sedar profundamente o animal até que assuma posição de decúbito. Uma corda deve ser passada ao
redor da virilha do membro afetado, em sua parte mais alta. As extremidades livres da corda devem ser
amarradas ao redor de uma árvore ou de algum outro objeto fixo e, então, deve­se aplicar tração para estender à
força o membro. Deve­se aplicar tração descendente no jarrete, que deve ser girado fortemente para fora
(ascendentemente) até que a cabeça do fêmur escorregue de volta para o interior do acetábulo. Tração deve ser
aplicada em ângulos variados até que a cabeça do fêmur encaixe­se de volta no acetábulo. Se a cabeça femoral
ou a borda acetabular estiver fraturada, nota­se crepitação considerável e o membro se desloca,
automaticamente, quando se interrompe a tração.
LUXAÇÃO DE PATELA: Uma fixação intermitente da patela na parte superior da tróclea femoral resulta em uma
ação abrupta característica de 1 ou de ambos os membros traseiros. O membro permanece em extensão caudal
por um período mais longo que o normal e pode ser até arrastado, por alguns passos, antes de ocorrer um
estalido para frente, para uma postura normal. Nos animais jovens, essa afecção pode se resolver
espontaneamente. No caso de luxações que não se resolvem, deve­se realizar desmotomia patelar medial.
DESLOCAMENTO DO BOLETO: Essa afecção ocorre frequentemente em bovinos jovens quando atravessam
proteções de rebanho (grades colocadas sobre um buraco como substituto de porteira, ou “mata­burro”).
Tranquilização ou anestesia leve facilitam o reposicionamento das estruturas deslocadas. Penso de fibra de vidro
acolchoado, mantido na posição, por 3 semanas, geralmente promove uma recuperação satisfatória.
DISPLASIA COXOFEMORAL: Essa malformação bilateral da articulação coxofemoral se associa frequentemente à
osteoartrite secundária. Ela pode estar presente no nascimento. No entanto, nos animais em crescimento rápido,
pode­se desenvolver uma marcha anormal. Quase sempre, é possível balançar o quarto traseiro para produzir
um estalido, à medida que a cabeça femoral se encaixa ou desencaixa. Nos animais jovens, uma radiografia
pode confirmar o diagnóstico. Não existe tratamento.

Tarsite Serosa (Esparavão dos charcos, Inchaço do jarrete)


A tarsite serosa se caracteriza por 3 inchaços flutuantes e macios entre os ligamentos da articulação
femorotársica. Em alguns casos essa condição é hereditária. Não causa dor ou claudicação. Na vida futura pode
ser predisposição à artrite. A afecção é diagnosticada pela depressão do edema da cápsula articular em uma
localização e pela palpação da flutuação que ocorre em outra. Não há tratamento efetivo.

ANORMALIDADES DE TECIDOS MOLES QUE CAUSAM CLAUDICAÇÃO

Celulite Társica

A celulite társica é uma falsa bursa, caracterizada por tumefação subcutânea firme na face lateral do jarrete, que
tem pequena influência na mobilidade articular. É causada por uma abrasão grave na pele e no tecido
subcutâneo sobrejacente a proeminências ósseas. A pele pode sofrer escoriação pelo contato com calhas de
concreto particularmente afiladas. Deve­se tomar cuidado extremo na drenagem de abscessos superficiais, pois
há risco considerável de alcançar a articulação. Deve­se aplicar, sempre, acolchoamento e ataduras. Os
emplastros reduzem rapidamente o edema agudo.

Hematoma

O hematoma é um acúmulo de sangue, frequentemente coagulado, por baixo da pele ou em massa muscular
profunda (com mais frequência na coxa). Os hematomas são causados por traumatismos, mais frequentemente
provocados por chifradas em baias de confinamento ou quando 2 animais tentam correr por uma porteira
estreita, ao mesmo tempo.
Em algumas locais, pode­se confundir o hematoma com hérnia abdominal ou abscesso grande. A aspiração
de fluido, utilizando técnica rigorosamente asséptica, deve preceder qualquer tentativa de lancetar uma
tumefação. Não se devem abrir os hematomas, pois é quase impossível localizar o vaso que causa hemorragia e
esse continua a sangrar até que a pressão do hematoma se iguale àquela do interior do vaso. O sangramento
abaixo de um coágulo raramente para espontaneamente até que a pressão sanguínea diminua ou o coágulo
comece a se organizar. Por fim, esse mecanismo ocorre e há reabsorção da maior parte do coágulo. No entanto,
é normal que permaneça uma tumefação irregular.

Higroma Cárpico

O higroma cárpico é uma tumefação tecidual localizada, que inclui a bursa pré­cárpica, dorsalmente à
articulação do carpo. É resultado de um traumatismo leve, intermitente, na área pré­cárpica, causado por
deficiência de cama ou comedouro mal projetado. Pode­se isolar Brucella abortus da falsa bursa de alguns
casos em países onde essa bactéria ainda não foi controlada. A lesão corresponde a uma tumefação firme,
possivelmente flutuante, com até vários centímetros de diâmetro, localizada na face dorsal do carpo. A cura do
higroma é lesão bastante difícil. O primeiro passo é avaliar, radiograficamente, se há mais de uma cavidade.
Deve­se drenar todas as cavidades e infiltrá­las com uma preparação de corticosteroide de longa ação. A
remoção cirúrgica é complicada, com pouca garantia de êxito. A introdução de materiais irritantes no interior
das cavidades induz resultados incertos. Se o animal estiver mamando e comendo bem, não se deve tratar o
higroma.

Ruptura do Músculo Fibular Terceiro

O músculo fibular terceiro pode ser avulsionado, à força, da sua inserção por acidentes associados à monta ou,
mais frequentemente, pelo do uso inadequado de cordas para conter um membro pélvico.
O jarrete se estende anormalmente, embora o joelho permaneça flexionado. Não se consegue avançar o
membro de modo normal, o tendão calcâneo fica flácido e pode­se arrastar os cascos. O local da avulsão pode
ficar dolorido ao toque. Uma característica diagnóstica específica é que se consegue puxar o membro para trás
sem nenhuma resistência do animal.
A afecção poderá melhorar, lentamente, confinando­se o animal em uma baia (conjugada) por vários meses.

Ruptura do Músculo ou do Tendão Gastrocnêmio

A ruptura do músculo gastrocnêmio é relativamente rara. Ela se associa, mais provavelmente, com deficiências
de cálcio, fósforo e vitamina D. Um decúbito prolongado, com a miosite e o esforço para se levantar resultantes,
precipita, às vezes, a ruptura de 1 ou de ambos os músculos. Às vezes, a afecção se associa com pielonefrite,
que tenha causado, presumivelmente, miosite, enfraquecendo em intensidade suficiente o músculo para permitir
uma ruptura. As injeções de medicamentos irritantes no músculo gastrocnêmio podem causar necrose e ruptura.
O jarrete permanece flexionado. Quando o músculo se rompe completamente, o animal em pé descansa o
jarrete e a porção distal do membro no solo ou na superfície de caminhada, o que é diagnóstico, embora uma
ruptura do tendão de Aquiles possa produzir andar idêntico.
Nos animais adultos pesados, um tratamento de sucesso é extremamente improvável. Penso ou tala na perna
que mantenha o jarrete em extensão, suprimento adequado de vitaminas e minerais e cuidados de enfermagem
apropriados podem obter êxito, mas se exige um período de recuperação longo.
A ruptura do tendão de Aquiles geralmente é traumática. Os sinais clínicos são similares àqueles de ruptura
do músculo.

Ulceração por Frio

Um bezerro nascido em ambiente com temperatura ao redor de ­18°C, com alto risco de resfriamento por vento,
encontra­se em risco de hipotermia. Um bezerro fraco nascido de uma vaca exausta, depois de um parto
demorado, em um ambiente frio e com vento (p. ex., temperatura de ­7°C e vento de 50 km/h) pode sofrer
ulceração por frio nas patas e em outras extremidades. Depois de vários dias, o bezerro reluta em seguir sua mãe
ou ficar em pé, mas apresenta apetite normal. Um bezerro gravemente afetado apresenta crostas no focinho,
desvitalização nas extremidades das orelhas e da cauda e patas traseiras frias (As patas dianteiras ficam,
geralmente, posicionadas sob o corpo quando o bezerro se deita e, portanto, protegidas do frio pelo calor
corporal). Vários dias a semanas mais tarde, o tecido desvitalizado (inclusive os cascos) começa a desprender e
o bezerro se recusa a ficar em pé.
O principal problema diagnóstico é a diferenciação da intoxicação por capim festuca. A idade do animal, a
temperatura e o resfriamento por vento no dia do nascimento ajudam a confirmar o diagnóstico. O tratamento
frequentemente não é bem–sucedido.

ANORMALIDADES DO ESPAÇO INTERDIGITAL

As lesões digitais da febre aftosa podem, em algumas situações, ser confundidas com outras doenças que
causam lesões no espaço interdigital (ver febre aftosa, p. 670; estomatite vesicular, p. 668).

Dermatite Digital (Verruga pilosa, Dermatite digital papilomatosa)

Dermatite digital é uma infecção altamente contagiosa, erosiva e proliferativa da epiderme, próxima à junção
pele/tecido córneo, na região flexora do espaço interdigital. A morbidade em um rebanho pode ser > 90%. Pode
afetar qualquer raça ou grupo etário, embora os animais jovens com resposta imune deficiente sejam mais
suscetíveis. Ela se espalha rapidamente de animais recém­adquiridos ou pode ser introduzida por qualquer vetor
mecânico, por exemplo, botas ou instrumentos de desbaste de cascos.
A afecção foi observada primeiramente na Itália em 1984, como um grande surto, embora tenha sido descrita
em animais isolados muitos anos atrás. Desde 1974 a doença tem se espalhado nas áreas de criação leiteira dos
EUA e Europa. Nos bovinos de corte, a incidência parece ser mínima. É mais alta nos rebanhos em
confinamento parcial em baias sujas. A prevalência é mais alta no outono e no inverno, sendo menor em
animais em pastagem.
São observados 2 tipos principais de lesão: um é erosivo/reativo e é observado mais comumente na Europa e
o outro é proliferativo ou verruciforme e mais prevalente na América do Norte. Ambas as formas podem ser
observadas no mesmo animal. As duas formas representam estágios diferentes do mesmo processo patológico.
Surtos explosivos podem ocorre quando vacas afetadas são introduzidas em rebanhos sadios. Em rebanhos
nos quais a doença se estabeleceu, os bovinos jovens ficam particularmente suscetíveis.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: A etiologia da dermatite digital é incerta, embora acredita­se que mais de uma
bactéria esteja envolvida. Tem sido postulado que onipresente Dichelobacter nodosus destrói primeiramente a
epiderme, permitindo que o Treponema spp., assim como a T phagedenis, T vincentii e T denticola penetrem nos
tecidos profundos. Em todos os eventos podem ser detectados 2 tipos de espiroquetas profundamente na
epiderme das lesões erosivas/reativas, utilizando­se corante de Warthin­Starry. Um desses tipos é um
microrganismo filamentar espiral e longo, com 12 × 0,3 μm, e o outro é um espiroqueta mais curta e mais
grossa, com 5­6 a 0,1μm. μm. Outras bactérias isoladas das lesões são Fusobacterium spp, Campylobacter spp e
Prevotella spp. Fortes evidências sugerem que um vírus tem algum papel na patogênese da doença, mas, até
hoje, ainda não se isolou esse agente.
ACHADOS CLÍNICOS: As lesões são mais comuns na região da comissura flexora do espaço interdigital. Menos
tipicamente, observam­se lesões na superfície dorsal da pata, bem como ao redor dos dígitos­de­lobo.
Envolvem­se mais comumente 1 ou ambas as patas traseiras, embora possa afetar as patas dianteiras.
As lesões variam consideravelmente em tamanho e aparência em um rebanho e em diferentes partes do
mundo. Um sistema “M” foi desenvolvido para classificar os estágios dessa doença: M0 = pele normal. M1 =
defeito epitelial pequeno, circunscrito, vermelho a cinza com < 2 cm de diâmetro precedendo o estágio agudo,
aparecendo entre os episódios agudos ou às margens de uma lesão crônica M4. M2 = lesões agudas ulcerativas
ativas (tipo morango) ou granulomatosas (vermelho/cinza) com > 2 cm de diâmetro e algumas vezes envolvidas
por tecidos do tipo halo branco, que pode ser levemente papilomatosas. M3 = o estágio de cicatrização que
ocorre dentro de 1 a 2 dias após terapia tópica. A lesão é coberta com um material firme do tipo cicatricial. M4
= o estágio crônico no qual o epitélio é espessado e/ou proliferado em vários cm de diâmetro. As proliferações
podem ser filamentosas ou do tipo cicatricial.
A dermatite digital é diferente em aparência da podridão de casco, pois normalmente não há inchaço e febre.
TRATAMENTO: Agudas são tratadas topicamente no início. A lesão deve ser rigorosamente limpa com uma
escova e sabão líquido, enxaguada e seca. Um antibiótico em pó como a oxitetraciclina é aplicado e a ferida
protegida com gaze ou um absorvente higiênico pequeno mantido no local com uma bandagem à prova de água
ou um dispositivo reforçado de náilon que pode ser fixado com velcro. Múltiplos tratamentos geralmente são
necessários. O tratamento com oxitetraciclina não resultou em teores residuais detectáveis do antibiótico no
sangue ou no leite. Já se descreveu que doses extremamente altas de antibióticos parenterais ajudam a resolver
as lesões graves.
Uma vez que a lesão começou a cicatrizar, a proteção tópica pode ser aplicada sobre a lesão na forma de
spray. Oxitetraciclina solúvel ou lincomicina­spectinomicina (66 g e 132 g/l de água, respectivamente)
propiciam os melhores resultados. Pode­se aplicar spray tópico quando as vacas estão em decúbito. Pode ser
utilizada uma unidade portátil com um pequeno tubo para aplicar o produto diretamente na lesão. Essa é uma
técnica de acompanhamento útil para pedilúvio ou aplicação direta do medicamento. Com extremo cuidado, a
formalina também pode ser utilizada para exacerbara a terapia com antibióticos.
CONTROLE: A chave para o controle da dermatite digital é um rebanho criado sob sistema de biossegurança. Ou
seja, se não há dermatite digital, não se deve incluir animais de reposição e o rebanho não deve ser exposto a
vetores, como instrumentos não esterilizados ou botas de visitantes sujas. Remoção de chorume e melhora nos
padrões de higiene são essenciais para o controle.
Pedilúvios contendo oxitetraciclina ou lincomicina­espectinomicina foram frequentemente utilizados no
passado. Para um efeito máximo os animais tinham que primeiramente caminhar em pedilúvio contendo água
limpa. Notou­se que pedilúvios contendo sulfato de cobre, sulfato de zinco ou formalina eram úteis em alguns
países e podiam ser benéficos em reduzir a prevalência de dermatite interdigital e, assim, diminuir a
suscetibilidade à doença.
Não há disponibilidade de vacinas efetivas.

Dermatite Interdigital (Podridão de casco do estábulo, Amolecimento de calcanhar, Escaldadura)


Atualmente, a dermatite interdigital é diagnosticada com frequência muito menor; antigamente a dermatite
digital atingia proporções epidêmicas. É a infecção de epiderme interdigital de baixo grau baixo que causa
erosão cutânea lenta, com desconforto, mas sem claudicação, a menos que a lesão se complique. É cosmopolita.
A morbidade em geral é alta em animais estabulados, particularmente próximo ao final do inverno. A doença é
mais comumente observada quando a umidade é alta, em climas temperados e sob precárias condições de
higiene, especialmente em vacas leiteiras estabuladas. Quando se examinam os animais em tais rebanhos, não é
incomum que 100% deles apresentem lesões com graus variáveis de gravidade.
Nos sistemas de confinamento, afetam mais frequentemente os membros pélvicos do que os membros
torácicos. Nos sistemas de confinamento parcial, a distribuição entre os membros torácicos e pélvicos é
aproximadamente equivalente. Os animais em pisos ripados são afetados com menos frequência do que aqueles
em pisos sólidos contínuos.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Dermatite interdigital é causada por uma infecção bacteriana mista, mas D. nodosus
é considerado o componente mais ativo. É um microrganismo anaeróbico e excepcionalmente proteolítico. A
origem da infecção é o próprio bovino e a infecção se dissemina dos animais infectados para os sadios por meio
da contaminação do ambiente. D. nodosus não sobrevive > 4 dias no solo, mas persiste na sujeira acumulada
nos cascos. As bactérias invadem a epiderme, mas não penetram nas camadas dérmicas. À medida que a afecção
progride, a borda entre a pele e o talão mole se desintegra, ocasionando lesões semelhantes a úlceras ou erosões.
Nesse estágio, as lesões causam desconforto.
ACHADOS CLÍNICOS: O primeiro estágio da afecção parece ser uma dermatite exsudativa. O exsudato escorre
para as comissuras do espaço interdigital e forma uma crosta que pode ser observada, ocasionalmente, na
superfície dorsal dos dígitos. À medida que a afecção progride, o animal exibe desconforto mediante
“movimentos de remo”, ou seja, uma movimentação constante de uma pata para outra. Se os talões das patas
traseiras ficarem especialmente doloridos, os membros serão mantidos mais para trás que o normal. Não ocorre
claudicação verdadeira até que se encontre presente uma lesão complicadora. Depois de um período prolongado,
durante o qual o animal evita sustentar seu peso no talão, o tecido córneo por baixo desse aumentará em
espessura e ocorrerão algumas aberrações na marcha. Nos bovinos leiteiros, a irritação crônica no espaço
interdigital pode causar hiperplasia interdigital (calos ou fibroma). Frequentemente, desenvolve­se fibroma em
um lado do espaço interdigital.
TRATAMENTO: Terapia sistêmica, incluindo antibióticos, não é economicamente efetiva. Nos casos graves,
devem­se limpar e secar as lesões, e depois aplicar um agente bacteriostático tópico, por exemplo, uma mistura
com 50% de pó de sulfametazina e de sulfato de cobre anidro. Como alternativa, pode­se manter o animal em
pedilúvio por 1 h, 2 vezes/dia, por 3 dias.
CONTROLE: Bons sistemas de manejo e criação para manter os cascos secos e limpos são muito importantes. O
desbaste de casco regular ajuda a evitar complicações. O pedilúvio, quando iniciado no final do outono, antes de
os casos clínicos serem detectados durante períodos de alto risco, é essencial nos rebanhos sabidamente
infectados. Um pedilúvio semanal pode ser suficiente no final do outono, mas pode ser necessário aumentar sua
frequência no final do inverno.

Erosão da Parte Córnea do Talão (Calcanhar Amolecido)

É observada como uma alteração na aparência da superfície do bulbo do talão (calcanhar). Como, por si só, a
erosão do talão não causa claudicação desconhece­se sua verdadeira prevalência. No entanto, observações
subjetivas sugerem que, quando as vacas ficam expostas a uma quantidade abundante de chorume, a incidência
de erosão do talão chega rapidamente a 100%. Em alguns animais, a afecção avança até um ponto no qual
ocorrem complicações, podendo ficar aparente a claudicação.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: A etiologia da erosão da parte córnea do talão não é conhecida. É talvez mais
frequentemente observada em rebanhos nos quais foi diagnosticada laminite subclínica e em rebanhos afetados
com dermatite digital. Também é mais observada durante o inverno, particularmente quando os cascos são
expostos a um ambiente úmido, não higiênico (p. ex., unidades leiteiras de manuseio intensivo).
ACHADOS CLÍNICOS: As primeiras lesões observadas são pequenas erosões circulares < 0,5 cm de diâmetro. À
medida que a doença progride, essas lesões desaparecem formando sulcos paralelamente à linha dos pelos sobre
a superfície axial do bulbo. Invariavelmente a cor da área erodida é preta. Nesse estágio o animal não manca.
Uma lesão comum é um “V” preto e profundo.
Na fase secundária, a aparência do talão pode ser bastante variável. Em alguns casos, há produção de tecido
córneo abaixo do talão. Simultaneamente, pode haver perda de tecido córneo sob a parte axial dos bulbos. O
acúmulo excessivo de tecido córneo é frequentemente mais pronunciado no casco lateral e faz o jarrete virar
para dentro (postura de “vaca jarretada”). Essa postura melhora após o aparamento terapêutico do casco.
Geralmente a condição é progressiva até ser corrigida. O distúrbio interfere na absorção de choque e o animal
joga mais e mais o peso para a frente. Uma lesão concomitante usual é a úlcera de sola. Em outros casos a
erosão desnuda completamente o talão de tecido córneo – um processo que também interfere na absorção de
choque e pode estar associado a uma úlcera de sola.
TRATAMENTO E CONTROLE: Devem­se reduzir ambos os talões para a mesma altura por meio de desbaste do
tecido córneo em excesso. Deve­se ter cuidadosa atenção para manter a função de sustentação da parede abaxial
e a inclinação da sola em direção à borda axial.
Atenção à higiene e redução no chorume são essenciais. Deve­se aparar regularmente os cascos das vacas
leiteiras duas vezes ao ano. Um pedilúvio semanal (com formalina 3 a 5%, onde é permitido), iniciando antes de
outubro, no hemisfério norte, deve ser providenciado.

Hiperplasia Interdigital (Calo)

A hiperplasia interdigital é uma massa firme e semelhante a um tumor, localizada no espaço interdigital. Não é
comum, exceto em algumas raças bovinas (p. ex., Hereford, na qual é considerada hereditária).
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Nas raças de corte pesadas, acredita­se que a afecção resulte de um estiramento das
inserções do ligamento interfalangiano distal. Os cascos se abrem e a pele interdigital se estica. Quando não
envolvidos na sustentação de peso, a pele se dobra para fora e desenvolve­se um tecido cicatricial subcutâneo.
Nesses casos, a massa tende a se desenvolver no eixo do espaço interdigital. Ela pode ficar tão grande que toca
o solo e pode necrosar. Nos bovinos leiteiros, nos quais as patas ficam continuamente expostas ao chorume,
ocorre irritação crônica ou dermatite na região interdigital, o que pode responder pelo desenvolvimento de
massas próximo à linha da pele sobre a comissura dorsal do espaço.
ACHADOS CLÍNICOS: Pode­se notar hiperplasia interdigital em 1 ou mais membros, embora as patas posteriores
tendam a ser mais acometidas do que as anteriores. Claudicação é o sinal mais frequente. À medida que a lesão
aumenta, sua superfície pode sofrer escoriação, se tornar ferida e infectada.
TRATAMENTO: Nos casos simples, o tratamento pode ser desnecessário. No caso de remoção cirúrgica, o animal
deve ser sedado e devem­se realizar bloqueios nervosos regionais dorsais e flexores. Pode­se realizar a cirurgia
com o animal em pé ou em decúbito lateral. Depois da preparação do local cirúrgico, deve­se aplicar um garrote
e separar, manualmente ou com afastadores, os cascos. A massa é removida, deixando tanto quanto é possível
da pele interdigital. Se qualquer gordura protrair quando se pressionarem os cascos juntos, essa deve ser
removida. Deve­se ter cuidado para evitar cortes de estruturas profundas, como o ligamento interfalangiano
distal. Depois de uma cirurgia, o ferimento deve receber curativo com pó antibiótico e deve ser aplicada uma
atadura nos cascos juntos. Alguns trabalhos de campo sugerem considerável sucesso com a fixação dos dígitos
com arame. Deve­se evitar a movimentação do ferimento ou a separação dos cascos até cerca de 10 dias após a
cirurgia. A criocirurgia também é uma opção.

Podridão de Casco

(Fleimão interdigital, Casco fétido)


A podridão de casco é uma infecção necrótica subaguda ou aguda, que se origina de uma lesão na pele
interdigital e ocasiona celulite na região digital. A podridão de casco tem distribuição mundial, geralmente é
esporádica, mas pode ser endêmica nas unidades de criação intensiva de bovinos de leite ou de corte em
pastoreio. A ocorrência varia de acordo com o clima, a estação do ano, os períodos de pastejo e o sistema de
criação. É menos comum hoje do que foi há décadas atrás, provavelmente porque as vacas leiteiras ficam muito
menos tempo em pastagem. Na média, a podridão de casco responde por cerca de 15% das doenças dos cascos.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: A lesão da pele interdigital propicia uma porta de entrada para infecções.

Maceração da pele com água, fezes e urina podem predispor a lesões.


Fusobacterium necrophorum é considerada a causa principal de podridão de casco. Pode ser isolado de fezes,
onde pode sobreviver como saprófita, fato que pode explicar a razão de seu difícil controle. Esse microrganismo
pode sobreviver em solo úmido.
F. necrophorum é uma bactéria Gram–negativa, anaeróbica, pleomórfica, não móvel, não flagelada e não
forma esporos. Tem uma endotoxina lipopolissacarídea com atividade necrosante. Há 3 subespécies e uma
variedade de genótipos, cada um com predileção por diferentes tecidos. Quando os testes de PCR se tornarem
mais largamente disponíveis, os genótipos serão mais facilmente identificáveis.
Também pode haver envolvimento de outros microrganismos, como Dichelobacter nodosus, Staphylococcus
aureus, Escherichia coli, Arcanobacterium (Actinomyces) pyogenes e, possivelmente, Bacteroides
melaninogenicus.
ACHADOS CLÍNICOS: Pesquisas sugerem que o período de incubação da podridão de casco pode ser de 1 semana.
Podem ser afetados os membros dianteiros ou, mais comumente, os membros traseiros, mas é raro que se afete
mais de 1 pata ao mesmo tempo nos bovinos adultos. No entanto, nos bezerros, a doença pode ocorrer,
ocasionalmente, em várias patas. Os primeiros sinais são inchaço e eritema em tecidos moles do espaço
interdigital e da banda coronária adjacente. A inflamação pode se estender até a quartela e o boleto.
Tipicamente, os cascos ficam muito separados e o edema inflamatório se distribui uniformemente entre os 2
dígitos. O início da doença é rápido e a dor extrema leva à claudicação crescente. Nos casos graves, o animal
reluta em sustentar o peso na pata afetada. A temperatura corporal aumenta e o apetite é reduzido. A pele do
espaço interdigital aparece primeiramente descolorida; posteriormente, fragmenta­se com produção de exsudato.
À medida que a necrose cutânea progride, provavelmente se seguirá um descolamento tecidual. Produz–se um
odor fétido característico.
Se a doença prosseguir de forma incontrolável, ocorre perda de peso grave e redução significativa na
produção láctea. A produção láctea pode não se recuperar durante a lactação atual. Invasores secundários podem
infectar as lesões abertas. Se a lesão necrótica se localizar na região anterior do espaço interdigital, pode­se
infectar a articulação interfalangiana distal devido sua proximidade.
Uma infecção hematogênica nos tecidos do espaço interdigital pode responder por casos hiperagudos de
podridão de casco, que são denominados “fedor oculto” ou “super­fedor”. Essa forma da doença caracteriza­se
por ausência inicial de lesão cutânea, dor extrema e tendência de progressão, apesar da terapia agressiva.
TRATAMENTO: A maioria dos animais tratados se recupera em poucos dias. Obtêm­se bons resultados com a
penicilina G, IM, por 3 dias. O tratamento deve ser administrado tão logo se observe os sinais clínicos. No
entanto, a dosagem da bula pode ser inadequada para efetuar uma resolução rápida; podem ser necessárias doses
maiores, com maior tempo de tratamento. O tratamento do caso hiperagudo deve ser particularmente agressivo.
Os casos iniciais respondem bem à dose única de oxitetraciclina de longa ação.
Também se pode utilizar solução IV de sulfadimidina sódica ou trimetoprima/sulfadoxina IV ou IM, 2
vezes/dia, por 3 dias. A administração oral única de um bolus de longa ação que contém
baquiloprima/sulfadimidina pode ser adequada para o tratamento de bovinos de corte.
Pode­se obter alta concentração de uma droga nos tecidos­alvo por meio de injeção IV regional. Foram
obtidos resultados positivos com penicilina ou oxitetraciclina.
O tratamento local é essencial para alguns casos de longa duração e em todos nos quais se compromete a
região anterior do espaço interdigital. Deve­se conter adequadamente o animal e limpar a lesão. É inadequado
curetar ou remover, de qualquer forma, o tecido necrótico cirurgicamente. A bolsa dorsal da articulação
falangiana distal é muito superficial nesse ponto. Deve­se aplicar agente bacteriostático não irritante (como a
nitrofurazona ou uma preparação de sulfa) como curativo tópico. É contraindicada a aplicação de gaze,
chumaços de algodão ou bandagens. No entanto, pode­se proteger a lesão e imobilizá­la, unindo os dígitos com
uma atadura. Pode­se proteger toda a região digital de uma contaminação envolvendo­a em um saco plástico
fixado nessa posição com esparadrapo. No entanto, não se recomenda uma proteção prolongada, pois
adicionalmente a lesão fechada tende a macerar. Se forem utilizadas ataduras, devem ser substituídas
diariamente.
PREVENÇÃO E CONTROLE: Os animais que excretam ativamente microrganismos infecciosos devem ser isolados
até que os sinais de claudicação desapareçam. Se isso não é possível, deve­se aplicar curativo à prova d’água ou
bota protetora; no entanto, deve–se monitorar cuidadosamente os animais que usam botas protetoras, para evitar
danos adicionais. Devem­se desinfetar essas botas entre os usos.
As áreas de tráfego intenso encontram­se, invariavelmente, muito contaminadas, portanto, devem­se
empreender medidas para se assegurar que as áreas ao redor dos bebedouros, das porteiras e das trilhas sejam
adequadamente drenadas. Os animais em pastejo podem ser transferidos para um local seco e limpo ou pode ser
possível abrigá­los durante períodos de chuva forte. Concreto contaminado deve ser limpo com frequência e
todo o esterco retirado.
O uso preventivo de pedilúvio com solução antisséptica e adstringente [por exemplo, sulfato de cobre ou de
zinco (7 a 10% em água)] confere resultados benéficos. Também, pode­se utilizar solução de formaldeído (3 a
5%, em água), mas, em algumas áreas, é considerada um perigo ambiental se eliminada nas coleções de águas
naturais.
Tem­se utilizado di­hidroiodeto de etilenodiamina como suplemento alimentar para prevenção, mas seus
resultados são extremamente incertos. As vacinas contra F. necrophorum falharam devido à baixa resposta
imune à bactéria. Alto teor de zinco oferecido como suplemento tem efeito benéfico por melhorar a resistência
da epiderme a bactérias invasoras.

ANORMALIDADES DO ESTOJO DO CASCO

Achinelamento Podal

O achinelamento podal tem esse nome porque a pata assemelha­se a um chinelo persa. O casco fica achatado e
enrolado para cima, para formar uma extremidade quadrada. O tecido córneo fica fortemente sulcado e perde
seu brilho, e a banda coronária fica mais áspera e escura que o normal. Embora não exista nenhuma evidência
objetiva que sustente essa teoria, o achinelamento é, provavelmente, um sinônimo de laminite crônica e pode ser
uma sequela de laminite aguda ou subclínica. O tratamento é sempre desanimador. Pode­se conformar o casco
para aproximá­lo do normal, mas ele, invariavelmente, entrará em colapso e se seguirão sequelas graves.
Animais com achinelamento podal devem ser abatidos tão logo seja economicamente apropriado.

Casco em Saca-rolha

O casco em saca­rolha é retorcido em toda a sua extensão, em uma configuração que desloca a parede abaxial
em 360°. Um ou ambos os cascos posteriores laterais podem ser afetados em vacas > 4 anos de idade. Embora
raramente sejam observados nos touros, muitos autores acreditam que constituam um componente herdado.
PATOGÊNESE: Ocorre remodelação óssea nas falanges distais, mas não se sabe se isso é um problema de causa
ou de efeito. Desenvolvem­se exostoses periarticulares ao redor da articulação interfalangiana distal,
possivelmente resultante de uma tensão do ligamento colateral abaxial distal. A pressão da exostose na derme
da parede pode responder pelo crescimento excessivo dessa.
TRATAMENTO: O desbaste correto de um casco em saca­rolha requer muita habilidade. A formação de tecido
córneo fica extremamente dura e difícil de cortar. A forma anormalmente estreita da falange distal dificulta o
desbaste do casco sem causar sangramento no dígito. A estratégia é encurtar o casco tanto quanto é possível,
sem fazer com que sangre. Em seguida, a parede de tecido córneo que é deslocada por baixo do casco é retirada.
Depois, conformar o tecido córneo, tanto quanto é possível, para ele se aproximar do normal. O desbaste
ajudará o animal a se movimentar por um momento, mas não “cura” a afecção, e os animais afetados devem ser,
finalmente, descartados.

Corpos Estranhos na Sola


Ocasionalmente, um corpo estranho, como pedra, lasca de vidro ou prego, incrusta­se na sola. Mesmo que o
material não penetre no córion, uma pressão localizada causa dor e claudicação. A remoção do corpo estranho
costuma resolver a claudicação sem incidentes.
Se o corpo estranho penetrar através do córion, infecção é introduzida no teor dermal e se desenvolverá um
abscesso. A rapidez do início e a gravidade da claudicação dependerão, até certo ponto, da localização da
penetração na sola.
Nas regiões apical e subapical, o abscesso se localiza entre a falange distal e a sola não elástica. À medida
que o abscesso se desenvolve, a pressão interdigital aumenta rapidamente. Como consequência, o início da
claudicação é agudo e a dor é muito intensa. A claudicação aguda pode fazer o animal ficar em pé, com a pata
elevada do solo ou com o dígito tocando­o ligeiramente. Um diagnóstico diferencial inclui fratura de falange
distal.
O tratamento consiste na remoção do corpo estranho e do rastro infectante do córion com uma faca de casco
com ponta fina. A criação de um orifício grande é inapropriada. Libera­se, com frequência, pus sob uma pressão
considerável. Deve­se espremer antibiótico no interior da cavidade, que se fechará rapidamente. Não se deve
tampar a abertura, mas recobri­la com material elástico à prova de água para evitar bloqueio com lama ou
esterco.
Na região sub­bulbar, o córion se localiza entre o coxim digital (uma estrutura flexível) e o tecido córneo
elástico e mole do bulbo.
O início da claudicação é relativamente lento e a dor gerada é significativa, mas não grave. O pus no abscesso
tende a se espalhar por uma área ampla, através do plano fascial, e causar separação da junção pele/tecido
córneo no talão. Uma secreção úmida dessa área pode ser a primeira indicação da lesão. Isso é referido como
deslizamento do talão, uma afecção que pode ser confundida com dupla sola.
O tratamento consiste em remoção do corpo estranho, se esse ainda se encontrar presente. Não se deve retirar
todo o tecido córneo descolado. Pode­se remover parte dele, mas a parede abaxial deve ser deixada intacta, para
apoio do peso e poupar a sola recém­formada exposta. Bandagem pode não ser requerida, mas o animal deve ser
estabulado em uma área com bastante palha por alguns dias.

Doença da Linha Branca

Tal qual a úlcera da sola, a doença da linha afeta comumente um ou ambos os cascos traseiros laterais,
predominantemente em vacas pesadas de alta produção, criadas sob condições de confinamento. A doença se
caracteriza por hemorragia ou separação (avulsão) da linha branca sobre a borda apical ou abaxial da sola, mais
comumente na junção sola/talão. O córion se infecta a partir dessa lesão.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: A linha branca é uma extensão da lamela, composta de tecido córneo mole que une
a sola à parede. Considera­se que a doença da linha branca esteja associada a laminite subclínica. Acredita­se
que a distensão das fibras colágenas combinada com a rotação ventral do osso podal contribua para a
hemorragia no interior da linha branca que é frequentemente observada.
A ruptura da linha branca é exacerbada pelo impacto da locomoção, particularmente entre os animais
abrigados sobre concreto. A região abaxial da parede do membro traseiro corresponde à área do casco que
absorve a concussão do primeiro impacto da locomoção.
Os corpos estranhos sólidos podem se alojar na zona amolecida e alargada. Eles podem empurrar o córion por
baixo e introduzir a infecção; no entanto, a presença de um corpo estranho não é essencial para que ocorra lesão.
Há 3 sequelas possíveis de uma infecção localizada: (1) pode­se desenvolver um abscesso localizado; (2) pode­
se forçar a infecção, proximalmente, ao longo dos espaços entre as lamelas, para formar uma fístula que pode se
abrir na banda coronária; (3) a fístula infectada pode, à medida que força seu caminho proximalmente, infectar
outras estruturas, dependendo do local da infecção inicial. A fístula anterior pode infectar de modo direto a
articulação interfalangiana distal. As fístulas mais próximas do talão, provavelmente, causarão infecção na bursa
do tendão flexor profundo. Invariavelmente, a bursa se romperá no interior do espaço retroarticular e
desenvolver­se­á um abscesso nesse local. Pode­se seguir uma infecção na articulação interfalangiana distal e na
bainha tendínea do tendão flexor profundo. A necrose e avulsão da inserção do tendão flexor profundo, na
falange distal, constituem complicações frequentes.
ACHADOS CLÍNICOS: Em geral se envolve o casco lateral da pata traseira (frequentemente de ambos). Se é
bilateral, a doença poderá permanecer despercebida até que a claudicação fique mais acentuada em um membro
que em outro. Como se afeta o casco traseiro externo, gira­se o membro para fora do corpo durante cada
passada. O animal pode ficar em pé com o casco medial sustentando o peso. No desbaste de casco, observa­se,
com frequência, uma separação de linha branca sem complicações. O grau da dor e da claudicação depende da
velocidade de desenvolvimento e da extensão do abscesso subsolar. Um exame rotineiro da sola deve incluir a
exploração completa da região da linha branca abaxial. Devem­se explorar as marcas pretas, com a ponta de
uma faca de casco, como locais potenciais para a formação de fístulas. Uma descarga de pus da junção
pele/tecido córneo, acima da parede abaxial, constitui sempre uma razão para se suspeitar de lesão na linha
branca. Nesses casos, sempre se deve examinar com muito cuidado a linha branca.
Um inchaço no bulbo do talão representa a forma mais avançada dessa afecção; ele é, frequentemente, mal
diagnosticado como “podridão de casco” (apresentado como um caso de podridão de casco resistente a
tratamento). A podridão de casco faz com que a pata inche, de modo uniforme, até o boleto; contrariamente, um
abscesso retroarticular leva a um aumento de volume de somente um bulbo do talão.
TRATAMENTO: Durante o exame do casco qualquer marca preta na linha branca deve ser removida até a
exposição de tecido córneo sadio. No caso de abscesso local, a remoção de um segmento elíptico da parede
adjacente à lesão auxilia em uma drenagem livre, ao propiciar uma abertura abaxial autolimpante. Pus da cor de
creme pode indicar uma resposta corporal a rupturas teciduais quando fibras colágenas se distendem e o osso
podal rotaciona. Ao contrário, se o pus é preto é provável que a infecção tenha penetrado do exterior.
A abscedação com formação de fístula na banda coronária requer a remoção de um segmento da parede
abaxial (cerca de 0,75 cm de largura), desde a linha branca até a banda coronária. Esse procedimento é melhor
realizado com o disco de corte de uma ferramenta de desbaste, sob anestesia local. Frequentemente, há um
tampão de resíduos necróticos no trajeto.
Abscessos retroarticulares são geralmente bastante grandes e circundados por massa de tecido fibroelástico
que inibe a drenagem. Obtém­se drenagem por meio da passagem de uma sonda através do abscesso da lesão na
parede abaxial, até que ela possa ser palpada sob a pele, na superfície axial do bulbo. É feita uma incisão guiada
pela sonda e é colocado um tubo de drenagem no abscesso. Indica­se lavagem contínua da lesão com solução
salina por vários dias. A aplicação de um salto no casco saudável é útil, bem como a imobilização completa do
dígito. A imobilização articular reduzirá o risco de desenvolvimento de uma deformidade permanente como
resultado de avulsão do tendão flexor profundo.

Dupla Sola

Neste caso, a sola superficial é separada por um espaço embaixo de uma segunda sola.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: A causa é desconhecida. Postula­se que um distúrbio súbito na microcirculação
dérmica provavelmente resulta em efusão de soro que separa a derme da epiderme. A afecção é observada em
animais que passam subitamente de uma dieta predominantemente de forragem para uma dieta rica em
concentrado e, também, em bovinos de corte que pastejam capim viçoso, na primavera, depois da ração de
forragem de inverno. Também, tem sido observada em rebanhos que forçados a caminhar em superfícies duras,
após o casqueamento. A sola dupla pode ser confundida com deslizamento do talão, que é uma sequela
frequente da doença da linha branca.
TRATAMENTO E CONTROLE: O tratamento é simples, a menos que seja mal conduzido. A parede abaxial deve
permanecer completamente intacta e só se deve retirar uma porção da sola que recobre o bulbo. A sola por baixo
dessa porção é extremamente mole e vulnerável a danos; portanto, deve­se confinar o animal a uma baia
conjugada, com bastante palha, até que o tecido córneo novo tenha endurecido, depois do que se pode remover
uma porção adicional da sola.
Alterações súbitas na qualidade da forragem devem ser evitadas. Sola dupla tem sido observada após
alimentação com feno mofado.

Fissuras Horizontais

As fissuras horizontais resultam de uma interrupção da produção de tecido córneo na derme por baixo da banda
coronária, resultando em um defeito na integridade da parede. Essas fissuras correm paralelamente a essa faixa.
O defeito varia, em gravidade, de um sulco raso (sulco de trabalho) a uma fratura completa (fissura) da parede.
Uma anomalia comparável é observada como uma faixa de tecido córneo diferente em aparência do restante do
casco. Uma forma de faixa é observada em animais estressados após o desmame (sulco de desmame) ou durante
um período de privação nutricional. A fissura se move em direção distal à medida que o casco cresce e a porção
distal fica progressivamente mais móvel (“dedal”), até que se fratura, deixando um “dígito quebrado”. Uma
série de sulcos pode desestabilizar a força vertical da parede dorsal, fazendo com que ela se curve (dígito
empenado).
ETIOLOGIA: Acredita­se que as fissuras sejam causadas por uma ampla variedade de agentes estressantes,
incluindo doença febril aguda ou alteração súbita e relativamente de curta duração, porém significativa, da dieta.
A fisiopatologia de sulco ou fissura parece envolver um evento do tipo laminite de curta duração, mas não
necessariamente indica o início de laminite subclínica (ver p. 1164). Uma faixa profunda pode indicar um
período de estresse tal qual o ocorrido após o desmame. Um sulco pode indicar um evento como crescimento
compensatório.
ACHADOS CLÍNICOS: O sulco ou fissura horizontal constitui um indicador importante de distúrbio metabólico. A
data na qual a lesão causadora ocorreu pode ser calculada pela medição da distância da linha do pelo até a
fissura e da divisão desse número pela taxa de crescimento do casco. Nos bovinos leiteiros adultos, a taxa de
crescimento da parede medida ao longo da flexura dorsal do casco é de cerca de 0,5 cm/mês. A taxa de
crescimento é mais rápida em animais jovens, em animais em regime intensivo e durante os meses do verão.
TRATAMENTO: A maioria dos casos não requer tratamento. As fissuras muito profundas podem, eventualmente,
resultar na formação de um “dedal”, que é extremamente dolorido. Nesses casos, deve­se remover o tecido
córneo solto com um alicate; pode­se precisar de uma anestesia regional.

Fissuras Verticais (Sandcracks)

As fissuras verticais são rachaduras da parede do casco. Respondem por cerca de 0,2% das lesões de cascos de
vacas leiteiras. No oeste do Canadá, a incidência média em bovinos de corte adultos é cerca de 20%. Nos
rebanhos individuais, a incidência pode ser de até 60%. Ainda não se registrou nenhuma diferença racial. A
lesão é extremamente imperceptível o que pode causar considerável perda na venda de bovinos de corte.
ACHADOS CLÍNICOS: Fissuras verticais ocorrem quase que exclusivamente no casco lateral dianteiro. Podem
começar na banda coronária e avançar em parte ou em todo o caminho da superfície de apoio. Em rebanhos com
a mais alta incidência desse problema, lesões são observadas começando de um sulco horizontal no meio do
casco.
ETIOLOGIA: A etiologia permanece incerta. A incidência é mais alta em vacas maduras e pesadas. A curvatura
ou dobradura do casco ao redor de um ou de vários sulcos horizontais provavelmente cria estresses mecânicos
que causam a ruptura da parede do casco.
TRATAMENTO: A maioria das fissuras verticais não é dolorida e não requer nenhum tratamento. No entanto, se é
possível rastrear a origem da claudicação até um casco no qual se encontra presente fissura vertical, tornar­se­á
apropriado o tratamento rotineiro dessa fissura.
Uma rachadura na banda coronária pode abrir e a infecção penetrar. A protrusão do tecido de granulação
através da lesão pode ser um incomodo importante. A bolsa dorsal da articulação interfalangiana distal é
superficial nesse ponto. A articulação é muito vulnerável e lesões nessa localização nunca devem ser ignoradas.
Tecido córneo superficial deve aparado e aplicada uma cobertura adstringente (mistura de 50% de pó de sulfa e
sulfato de cobre anidro). Pressão deve ser aplicada usando uma compressa de algodão firmemente aplicada no
local com bandagem elástica adesiva circundando toda a banda coronária.
As fissuras frequentemente têm bordas rugosas que podem estar torcidas e abertas. Algumas vezes as bordas
se movimentam e penetram corpos estranhos que podem causar incomodo. Pode ser requerido tratamento
cosmético no caso de animais de exposição. A parede axial da ponta do casco deve ser cortada de modo que só a
porção abaxial da parede sustente o peso.
As fissuras tipo I só serão perigosas se estiverem localizadas sobre a banda coronária abaxial ao processo
extensor da falange distal. Nessa localização, a bolsa dorsal da articulação interfalangiana distal situa­se
imediatamente abaixo. Se tal fissura se infectar, o risco de uma articulação séptica é considerável. Nesses casos,
deve­se dissecar um segmento pequeno de tecido córneo de cada lado da fissura e aplicar um curativo com pó
antibiótico. Deve­se aplicar atadura de gaze enrolada firmemente no ferimento e mantê­la nessa posição, com
esparadrapo de 2,5 cm (1 pol) aplicado ao redor da banda coronária. Também se devem aparar as bordas
esfarrapadas da fissura, de preferência, com um disco de corte encaixado em uma ferramenta de amolação. Em
casos selecionados, pode­se imobilizar a fissura com uma aplicação de metilmetacrilato, depois de se juntar as 2
bordas.

Úlcera de Sola (Pododermatite circunscrita)

Úlceras de sola comumente acometem um ou ambos os cascos posteriores, predominantemente em vacas


leiteiras pesadas de alta produção, criadas sob condições de confinamento. A úlcera da sola é uma lesão
localizada na região da junção sola/bulbo, geralmente mais próxima da margem axial que da abaxial. As lesões
da derme estão associadas a uma zona circunscrita de hemorragia e necrose localizada. Sua incidência é
variável, mas em alguns rebanhos até 50% das vacas adultas podem ser afetadas.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: A rotação ventral da falange (dígito) devido à ativação da matriz metaloproteinase,
que é uma característica da laminite subclínica, é o principal fator predisponente. À medida que o espaço entre o
processo flexor do osso podal se estreita, o córion é comprimido causando necrose isquêmica e comprometendo
a produção córnea. Isso resulta na formação de um orifício na sola. À medida que o córion danificado é
reparado, surgem tecidos vermelhos e salientes de granulação na sola. Tendo em vista que essa condição está
fortemente associada à laminite subclínica, ocorre certo grau de amolecimento da parte córnea da sola. Isso
aumenta a taxa de desgaste do tecido córneo. O amolecimento do tecido córneo da sola também pode ocorre
quando há precárias condições de higiene e o tecido córneo é exposto a componentes fluidos do esterco.
Formas iatrogênicas de lesão acontecem quando casqueadores inexperientes removem muito tecido córneo
debaixo do talão, resultando em pressão anormal sobre a derme. Desgaste excessivo do tecido córneo amolecido
da sola aplaina e afina a sola.
Erosão do talão é outra causa contribuinte potencial de úlcera de sola. Normalmente, o peso é sustentado pelo
bulbo do talão, mas, se nele ocorre uma erosão, a função de sustentação de peso é transferida para frente, para a
região abaixo do processo flexor. Algumas vezes, um casco deslocado desliza sobre a área vulnerável causando
pressão anormal sobre o processo flexor da falange distal.
ACHADOS CLÍNICOS: O progresso e a gravidade de uma claudicação são variáveis e, frequentemente,

mascarados nos casos bilaterais, dependendo do tamanho da lesão e da extensão da infecção secundária. Como
em geral há envolvimento do dígito lateral, com frequência o animal mantém o membro ligeiramente abduzido,
com o peso sustentado no dígito medial não afetado. Em baias conjugadas, o paciente pode descansar os dígitos
posteriores na borda de uma calha de alvenaria, na tentativa de aliviar a pressão na junção da sola com o talão.
Em superfícies planas, o animal afetado permanece em pé com os membros pélvicos posicionados para trás.
Algumas vacas podem agitar, com frequência, a pata afetada; nas com lesões bilaterais o animal pode desviar o
peso, continuamente, de um membro para outro e com frequência se deita.
Os estágios mais precoces da lesão podem ser notados durante o casqueamento de rotina. À medida que o
tecido córneo da sola é removido de determinado local pode­se notar uma lesão hemorrágica. A lesão clínica
varia desde uma área um pouco descolorida e mole, que pode ser dolorida sob pressão, até um botão vermelho,
brilhante e distinto de tecido de granulação. Este é muitas vezes o estágio no qual a claudicação se torna
suficientemente grave para ser notada. Com o córion exposto, a infecção pode invadir as estruturas mais
profundas do casco e se disseminar em direção proximal, para envolver a bursa navicular, resultando em necrose
do tendão flexor e de ligamentos do osso navicular. É possível o desenvolvimento de um abscesso retroarticular
que pode ser, posteriormente, complicado por infecção da articulação interfalangiana distal. A ruptura do tendão
flexor ocasiona rotação dorsal (ascendente) da falange (“dígito aprumado”). Nos casos complicados, a infecção
pode atingir a bainha tendínea flexora profunda.
TRATAMENTO: O tratamento deve se destinar a remover a pressão na área afetada. O desbaste terapêutico
adequado do casco é altamente efetivo. Esse procedimento rebaixa a superfície de sustentação inteira do casco
lateral, o que transfere a sustentação de peso para o casco medial sadio. A aplicação de um “salto” tornou­se o
tratamento preferido para essa afecção. A forma mais simples de salto é a fixação com cola ou pregos de um
bloco de madeira ou de borracha no casco medial não afetado, removendo toda a sustentação de peso da região
da úlcera. Recentemente foram desenvolvidos vários modelos de botinas de plástico, de fácil fixação. Deve–se
ter cuidado ao aplicar um bloco ou botina para evitar que bordas duras do dispositivo causem pressão sob a sola.
Os blocos devem ser removidos após cerca de 1 mês para evitar dano à sola.
Não se deve realizar excisão do tecido de granulação protraído ou tratá­lo com qualquer agente cáustico, pois
isto pode retardar sua cicatrização. Não se devem aplicar ataduras porque resulta em uma sustentação de peso
contínua no local da úlcera; além do mais, a cobertura da lesão faz com que ela permaneça úmida e propicie
maceração e infecção bacteriana.
Várias úlceras não se curam completamente e as vacas afetados podem apresentar claudicação crônica de
grau baixo e necessitar desbaste podal corretivo, 2 a 4 vezes por ano, por toda sua vida produtiva.
PREVENÇÃO E CONTROLE: Como a ocorrência de úlceras da sola está relacionada intimamente com laminite
subclínica (ver p. 1164), deve­se investigar a última e instituir medidas de controle apropriadas.

Úlcera Digital

Úlcera digital é o termo utilizado para descrever qualquer lesão hemorrágica da derme que ocorre na região
apical da sola e/ou na linha branca, mais frequentemente na parte lateral do casco traseiro.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Estudos recentes revelaram 3 distintas etiologias que podem ocasionar quadro
clínico similar: 1) À medida que a laminite subclínica progride, em alguns casos, a falange distal é rotacionada.
A distensão das fibras colágenas e o movimento do osso causa ruptura de tecidos, inclusive da artéria
circunferencial, resultando em hemorragia. Em situações extremas, a extremidade do osso se prolapsa através
do ápice da sola. Muitos animais com rotação de falange (dígito) também apresentam um sulco (sulco reacional)
circundando a parede. O sulco é similar, em localização, a uma ranhadura endurecida, sendo deslocado
distalmente em uma maneira semelhante. Em casos complicados pode­se observar osteomielite de falange
distal. 2) Muitos casos têm sido descritos (informalmente) nos quais a metade anterior da sola vira para baixo
como papel fino. Hemorragia em virtude da contusão é observada através da fina camada córnea no ápice. Tem
sido descrita ruptura do tecido córneo e formação de abscesso. A causa provável é uma lesão dolorida no talão,
que força o animal a lançar a maior parte de seu peso para a parte anterior da sola. 3) Necrose do ápice do osso
podal é extremamente comum em rebanhos de novilhas de corte, após o transporte por longas distâncias. A
doença é esporadicamente relatada em vacas maduras. Em qualquer caso, suspeita­se que a causa seja a
permanência em pé por longos períodos. O principal suprimento sanguíneo para o dígito é a artéria digital axial,
muito longa, que pode ser vulnerável à pressão. Essa artéria une­se ao arco terminal que penetra e cruza o osso.
Necropsia revela que a necrose distalmente a essa artéria e radiografias tendem a sugerir a mesma coisa. A
artéria terminal possivelmente marca a margem pela qual fraturas patológicas do dígito distal podem ser
observadas.
ACHADOS CLÍNICOS: Em muitos casos, a linha branca e sola na região do dígito pode se tingir com soro ou
sangue. Nos casos mais avançados, um prolapso da sola pode ocorre com infecção associada. A natureza exata
da lesão provavelmente não pode ser determinada sem radiografia.
TRATAMENTO E CONTROLE: Em bovinos adultos nos quais a lesão resultou em desgaste e não houve

complicações óbvias, a cavidade deve ser higienizada, seca, tratada com antibiótico em pó e recoberta com
metilmetacrilato. Se nesses animais a extremidade da lesão é preta, deve ser introduzida uma sonda; caso se
detecte tecido necrótico, deve­se remover 1 a 2 cm do ápice do dígito por meio da curetagem do casco. A
condição do osso podal deve ser avaliada. Se há confirmação de necrose do osso deve­se aplicar anestesia
regional e mais 1 a 2 cm do dígito deve ser removido. Se a ferida sangrar muito é provável que a necrose não
seja extensa. Se a hemorragia é mínima é provável que a necrose seja extensa ou que haja fratura fisiológica. Há
muitos trabalhos sobre amputação de dígito (não de casco) com recuperação satisfatória. Antibióticos sistêmicos
e aplicação de um salto no casco sadio são indicados. Se a ferida estiver claramente contaminada, a lesão deve
ser envolvida com uma solução higroscópica (50% de sulfato de magnésio e 50% de glicerina) e feita uma
bandagem por, no máximo, 24 h; depois disso a lesão deve ser rigorosamente secada, tratada com antibiótico em
pó e recoberta com metacrilato. Se a rotação do dígito é detectada radiograficamente o prognóstico quanto à
recuperação é desfavorável.
É provável que o controle de laminite subclínica reduza a ocorrência de úlcera digital.
A incidência de necrose apical pode ser muito alta em rebanhos bovinos jovens, após o transporte por longas
distâncias. Muitos desses animais ficam deitados e morrem de pneumonia. A lesão pode ser tratada da mesma
maneira mencionada para bovinos adultos, mas, provavelmente, o custo­benefício não é compensatório.

DISTÚRBIOS NEUROLÓGICOS ASSOCIADOS À CLAUDICAÇÃO OU ANORMALIDADES DE

MARCHA

Ver p. 1255 e 1378

Paralisia do Obturador

A passagem de um bezerro através da pelve exerce pressão no nervo obturador. A associação próxima do nervo
obturador com a origem do nervo ciático pode complicar a interpretação dos sinais clínicos.
ACHADOS CLÍNICOS: Como os músculos adutores são inervados pelo nervo obturador, um animal adotará uma
postura de base larga ou, em decúbito, uma posição sentada, com ambos os membros traseiros estendidos para a
frente. Há um risco considerável de que os músculos adutores sejam danificados e que ocorra um decúbito
permanente. Além da postura de base larga, pode­se encontrar presente apoio com o dorso do boleto. Isso indica
lesão no nervo ciático. Ambas as situações podem contribuir para a síndrome da vaca caída (ver p. 1255).
TRATAMENTO: Se é detectada uma paralisia de nervo obturador suficientemente cedo, devem­se adotar medidas
vigorosas para evitar complicações que envolvam os músculos adutores. O animal deve ser transferido
imediatamente para um local onde haja um bom piso (p. ex., uma base de esterco firme sobre a qual se espalhou
palha limpa), isso evitará escorregamento quando o animal tentar se levantar. Pode–se usar uma peia nos
membros pélvicos com uma tira macia de náilon fixada abaixo dos jarretes. Deve­se conter os membros para
evitar que se “abram” > 1 m.

Paralisia Femoral

Na paralisia femoral, são observadas a paralisia no músculo quadríceps, que se estende até o joelho, e a paralisia
parcial no músculo psoas maior, que flexiona o quadril.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: A paralisia do nervo femoral é observada em bezerros recém­nascidos
grandes (p. ex., das raças Charolês e Simental) depois do uso de força mecânica durante um parto distócico. A
redução na tonicidade quadricipital reduz a tensão na patela, podendo se desenvolver luxação patelar lateral. A
atrofia quadricipital logo fica óbvia e, embora a patela possa ser reposicionada facilmente, o animal apresenta
dificuldade extrema para caminhar. A afecção pode afetar 1 ou ambos os membros. O prognóstico se relaciona
com a gravidade dos sinais clínicos.
TRATAMENTO: Apesar de um prognóstico razoável ou bom, o animal pode ficar incapaz de mamar sem ajuda.
Deve­se mantê­lo em uma área com boa cama e administrar­lhe colostro tão logo seja possível após o
nascimento. Deve­se realizar um estudo radiográfico para descartar fraturas. A administração de drogas anti­
inflamatórias pode ser útil.

Paralisia Fibular

A paralisia fibular, ou peroneal, resulta em paralisia dos músculos que flexionam o jarrete e estendem os dígitos.
ACHADOS CLÍNICOS: O nervo fibular é a divisão cranial do nervo ciático. Ele passa superficialmente sobre o
côndilo femoral lateral e a cabeça fibular, o que o torna vulnerável a traumatismos externos ou à pressão
decorrente de decúbito. O animal afetado ficará em pé com o dígito apoiado sobre o dorso do dígito na
superfície dorsal da quartela e do boleto. O jarrete pode parecer ficar exageradamente estendido. Nos casos
leves, o boleto tende a se apoiar no dorso, intermitentemente, durante a ambulação; no entanto, isso também
pode ocorre se o animal estiver sofrendo dor nos talões.
Nos casos graves, pode­se arrastar a superfície dorsal do casco ao longo do solo e, frequentemente, há uma
diminuição na sensação no dorso do boleto. O teste dos reflexos pode demonstrar que se encontra ausente flexão
do jarrete, mas as flexões do joelho e do quadril permanecem normais. Não seria esse o caso se o nervo ciático
estivesse envolvido.
TRATAMENTO: A maior parte dos casos se resolve naturalmente. No entanto, se a afecção se associar com
períodos de decúbito longos, deve­se ter cuidado para evitar uma exacerbação da lesão inicial.

Paralisia Isquiática (Paralisia Ciática)

As lesões de nervo ciático e obturador, depois de traumatismo intrapélvico de parturiente, podem causar
decúbito pós­parto. Pode ser um componente da síndrome da vaca caída (ver p. 1255). Os nervos tibial e fibular
são ramos do nervo ciático, que podem ser lesionados em regiões extrapélvicas.

Paralisia Radial

A paralisia radial distal resulta em uma incapacidade de estender o carpo e os dígitos; a proximal evita que o
animal estenda o cotovelo, o carpo e o boleto para sustentar o peso.
ETIOLOGIA: Pode­se lesar o nervo radial proximal mediante avulsão próxima do plexo braquial, podendo
comprometer o músculo tríceps, bem como os músculos extensores carpianos e digitais. Os danos se associam,
frequentemente, ao derrubamento de um animal com cordas ou com qualquer situação na qual o membro
dianteiro é contido acidentalmente e o animal luta de forma violenta para se livrar. Nos animais pesados,
paralisia radial distal ou proximal pode resultar de decúbito prolongado.
O nervo radial distal é vulnerável a lesões no sulco musculoespiral umeral, tanto devido de fraturas como de
traumatismo de tecido mole profundo. Lesão nervosa proximal ao sulco do músculo braquial causa paralisia
radial proximal.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Na paralisia radial proximal, o cotovelo cai, o carpo e o boleto ficam em
flexão parcial e, geralmente, arrasta­se o membro. Na paralisia radial distal, como o músculo tríceps permanece
funcional, a queda do cotovelo é mínima. No entanto, há paresia que afeta o posicionamento do carpo e do
boleto.
TRATAMENTO: Na maioria dos casos, pode­se esperar uma melhora rápida. Os animais devem ser confinados em
uma baia com cama bem confortável. Anti­inflamatórios podem ser úteis, particularmente nas horas iniciais
após o traumatismo. Se é perdida completamente a sensação cutânea no membro torácico, o prognóstico é
reservado. Quando a afecção persiste por = 2 semanas, os danos provavelmente são permanentes e o
prognóstico é grave.

Paralisia Supraescapular

Essa rara condição resulta da paralisia dos músculos supra e infraespinhosos causada por lesão ao 6o e ao 7o
nervos cervicais. Traumatismo agudo na área pré­escapular (p. ex., debateção em viga de porteira) provoca
ataxia inespecífica imediatamente após a lesão. Vários dias depois da lesão, os músculos podem apresentar
sinais de definhamento, o que indica a possibilidade de dano permanente.
Lesão crônica nos nervos causa lesão muscular acentuada dentro de algumas semanas. Desenvolve­se uma
alteração de marcha específica. A passada fica mais curta que o normal; quando se sustenta o peso nesse
membro, ele tende a girar sobre si mesmo. Em alguns casos, a causa pode ser uma compressão nervosa nas
vértebras (p. ex., abscesso ou fratura), ou ao seu redor, que pode ser detectada em radiografias.
Se o traumatismo é complicado, o tratamento primário deve ser orientado para a resolução do problema
imediato. No entanto, se a apresentação clínica sugerir que a lesão se localiza no nervo, um tratamento imediato
com esteroides ou outros agentes anti­inflamatórios é apropriado.

Paralisia Tibial

Na paralisia tibial, ocorre uma paralisia nos extensores do jarrete e nos flexores digitais.
ETIOLOGIA: O nervo tibial é o ramo caudal no nervo ciático, que, em seu curso proximal, encontra­se bem
protegido pelos músculos glúteos. Distalmente, ele progride por baixo do tendão do músculo gastrocnêmio e
pode ser danificado quando se traumatiza o tendão.
ACHADOS CLÍNICOS: A articulação do jarrete fica exageradamente flexionada (síndrome do jarrete caído) e o
boleto fica parcialmente flexionado. O músculo gastrocnêmio parece ficar mais longo que o normal e dá a
impressão de que ele ou seu tendão possa ter se rompido. O boleto tende a entortar, mas o animal consegue
caminhar e sustentar seu peso, embora suas tentativas de fazer isso sejam desajeitadas. Comparado com o de
uma lesão no nervo fibular, o distúrbio na marcha é leve, mas o distúrbio postural pode ser permanente.
TRATAMENTO: O uso de anti­inflamatórios pode ter útil nos estágios iniciais. No entanto, os esforços primários
devem ser orientados para assegurar que o animal não se machuque, adicionalmente, por meio de sua
manutenção em superfícies com bons pisos.

Síndrome Espástica (Paralisia progressiva de membro posterior)

As contrações ou os espasmos musculares involuntários episódicos que envolvem os membros traseiros se


associam com distúrbios posturais e locomotores, bem como com espasticidade. A afecção pode progredir para
paresia posterior ou paralisia em membro pélvico. Ocorre mais frequentemente em bovinos das raças Holstein e
Guernsei com 3 a 7 anos de idade. A síndrome espástica é considerada uma doença genética, possivelmente
causada por um gene autossômico dominante com penetrância incompleta. A fisiopatologia permanece
desconhecida.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos podem variar em gravidade, duração e frequência. Geralmente, algum
estímulo provoca o início dos sinais clínicos, tal como o esforço associado a um levantamento ou qualquer fator
que induza uma reação emocional significativa. A dor, particularmente nas patas ou articulações, pode precipitar
um ataque. Durante o ataque, o animal pode ficar incapaz de se mover para frente, ficar em pé tremendo e
estender, caracteristicamente, seus membros traseiros para trás. Entre os episódios, pode ambular normalmente.
TRATAMENTO: A doença é progressiva e, devido à possibilidade de transmissão genética, é melhor sacrificar os
animais (particularmente os touros utilizados para inseminação artificial) tão logo se obtenha o diagnóstico. Um
tratamento paliativo, no caso de animais em pico de produção, pode ser útil. Pode­se administrar mefenesina (30
a 40 mg/kg VO, por 2 a 3 dias) durante um episódio. A fenilbutazona também pode ser útil.

Paresia Espástica (Calcanhar de Elso)

A paresia espástica é uma hiperextensão uni ou bilateral progressiva do(s) membro(s) torácico(s). Ocorre,
esporadicamente, na maioria das raças de bovinos. Afetam­se com mais frequência os bovinos que apresentam
pernas mais posteriores. Acredita­se que as tentativas de movimentação estimulem, simultaneamente,
contrações dos músculos extensores e flexores do membro. A paresia espástica é, atualmente, considerada
herdada por meio de 1 ou alguns genes recessivos com penetrância incompleta.
ACHADOS CLÍNICOS: Pode­se notar a doença nos primeiros 6 meses de vida. À medida que o animal envelhece,
os músculos gastrocnêmios se contraem gradualmente. O jarrete e o joelho se estendem de modo crescente. Por
um período de meses, os membros posteriores ficam tão rígidos que o animal caminha com passos pendulares
curtos. Se afetar somente 1 membro, o animal ficará em pé, com o membro afetado acomodado para trás e o
membro saudável mantido na direção da linha média, para manter o equilíbrio. Se afetar ambos os membros
traseiros, o animal pode tentar sustentar mais peso nos membros dianteiros, por meio de sua manutenção bem
atrás e de um arqueamento simultâneo de seu dorso.
TRATAMENTO: Não há tratamento medicamentoso efetivo. Como a paresia espástica é hereditária, deve­se
sacrificar os animais afetados (especialmente os touros reprodutores) do rebanho. Pode­se tentar um tratamento
cirúrgico paliativo, embora se devam considerar questões éticas quando se envolver o lote reprodutor. Os
procedimentos, geralmente realizados em bezerros, incluem tenotomia completa no tendão gastrocnêmio, que
resulta em queda do jarrete; neurectomia tibial completa, que produz alívio suficiente para permitir que se
termine um garrote para o abate; e tenectomia parcial das 2 inserções do músculo gastrocnêmio e da bainha do
tendão calcâneo, que supera o problema da queda de jarrete.

LAMINITE

Laminite é uma anormalidade fisiopatológica da microestrutura da derme ou do córion do casco. O uso do


termo laminite não é correto, uma vez que as alterações não se limitam à região laminar. Pode ser subclínica,
aguda ou crônica, dependendo da gravidade das diversas e variáveis causas.

Laminite Aguda ou Subaguda

A laminite aguda não é comum em bovinos e, geralmente, ocorre em um único animal ou em grupo que,
acidentalmente, ingeriram grande quantidade de grãos. A incidência de laminite aguda nos bovinos leiteiros
provavelmente varia de 0,6 a 1,2%. A laminite subaguda pode ocorre em touros de corte jovens, em
experimentos com alimentos e em bezerros de engorda que recebem dieta com alto teor de carboidratos.
ACHADOS CLÍNICOS: O início de laminite aguda e subaguda é agudo. Nos casos mais agudos, é possível notar
febre e aumento na frequência respiratória. Nas fases iniciais, os cascos podem ficar quentes ao toque e nota­se
pulso digital forte perceptível. Pode­se detectar dor nos cascos com a aplicação de pinça de teste de cascos. O
animal reluta em caminhar e se levanta de maneira anormal, com as patas sob o corpo. Frequentemente as veias
superficiais dos membros pélvicos tornam­se congestas.
TRATAMENTO: Se a causa é óbvia, como sobrecarga de grãos, deve ser corrigida. É importante movimentar o
animal e manter os cascos frios. Anti­histamínicos podem ser úteis se administrados nas primeiras 48 h após o
início da doença. Anti­inflamatórios podem ser úteis se administrados antes do início dos sinais agudos. No
entanto, deve­se ter cuidado com o uso de corticosteroides depois de 24 h do aparecimento dos sintomas.
CONTROLE: Como a laminite aguda geralmente se deve a uma ocorrência acidental, pouco pode ser feito para
evitar a afecção.

Laminite Crônica

Ver p. 1155.
A laminite crônica é reconhecida pela aparência do casco encurvado, plano, de dígito quadrado e fortemente
sulcado (achinelamento podal). Resulta de uma anormalidade crônica e supõe­se que seja causada por uma série
de episódios de laminite. É observada mais comumente em vacas leiteiras > 5 anos de idade.

Laminite Subclínica

Essa forma de laminite tem importância econômica considerável para a indústria leiteira porque predispõe vacas
adultas a úlceras da sola e de dígito e doença da linha branca. É observada nos bovinos leiteiros na maioria dos
países desenvolvidos e constitui uma grande preocupação nos rebanhos de alta produção criados
intensivamente.
ACHADOS CLÍNICOS: Não há sinais clínicos. No entanto, parece que em qualquer grupo de vacas a predisposição
genética a fatores de risco é variável. Portanto, expostas ao mesmo tipo de insultos, algumas vacas podem
mostrar sinais da forma subaguda da doença. Alguns animais parecem caminhar de maneira deliberada e
cuidadosa.
Hemorragias na sola e/ou linha branca são achados consistentes. Se a ocorrência de úlceras de sola e de
dígito, de doença da linha branca e de dupla sola é > 10% nas vacas multíparas de um rebanho, deve­se
considerar a existência de laminite subclínica.
Eritema e edema (talão inchado) da pele acima da banda coronária e ao redor dos dígitos rudimentares em
vacas recém­paridas podem indicar um dano transitório semelhante à laminite e que as vacas estão sendo
submetidas à dieta com concentrado muito rapidamente.
ETIOLOGIA: A etiologia de laminite subclínica não é completamente conhecida. A hipótese clássica da etiologia
da laminite nos bovinos sugere que a altos teores de carboidratos no rúmen estimulam o aumento da população
de Streptococcus bovis e Lactobacillus spp que, por sua vez, induzem um estado de acidose ruminal. Isso causa
a morte de microrganismos Gram­negativos e liberação de endotoxinas vasoativas. A ruminite frequentemente
está associada a acidose ruminal. Nos estágios iniciais da doença, nota­se alto teor de histamina no sangue. É
provável que a acidose ruminal subaguda (SARA) é fator–chave no desenvolvimento de laminite porque o
controle de SARA não ajuda a controlar a ocorrência de laminite subclínica (ver acidose ruminal subaguda, p.
285).
Atualmente, indícios indicam que quando aumenta a produção, as vacas tornam­se mais sensíveis aos fatores
de risco. Um fator de risco é qualquer insulto físico que causa estresse. Isso provavelmente ocasiona liberação
de mensageiros bioativos na corrente sanguínea. O trauma é um fator de risco importante; muitos clínicos estão
convencidos que o piso duro tem importância semelhante aos problemas nutricionais. Cuidados devem ser
tomados quando vacas secas e novilhas são introduzidas no concreto, após habituadas a pisos macios. Ficar em
pé por longos períodos na fila para beber água ou esperando mais de 3 h no curral, diariamente, são fatores
comumente negligenciados. Confrontação social também causa estresse. A recusa para deitar em virtude da
lembrança de desconforto é outra razão para permanecer em pé por muito tempo. Por outro lado, inabilidade ao
exercício reduz a quantidade de oxigênio e nutrição liberada para o casco.
PATOGÊNESE: Embora a liberação de mensageiros biológicos para a circulação seja conhecida, identificação dos
agentes que desempenham um papel na laminite está em estudo. Receptores do fator de crescimento epidermal
(EGF) estão presentes na membrana basal do córion do casco. EGF é liberado em grande quantidade do trato
gastrintestinal, quando traumatizado (p. ex., ruminite), e pode estar envolvido na patogênese da laminite. Além
de seus efeitos mitogênicos, o EGF pode inibir a diferenciação de ceratinócitos in vitro. Inibição da
diferenciação de ceratinócitos da matriz do casco é uma característica morfológica dominante nos estágios
iniciais de laminite. Isso sustenta a hipótese de que a histopatologia da laminite resulta de uma regulação
inadequada da atividade da gelatinase, resultando em degradação seletiva dos componentes da membrana basal
e laminite por falha na ligação epiderme­membrana basal.
Pesquisas mais recentes avaliam o papel da atividade da matriz metaloproteinase (MMP) na fisiopatologia da
laminite. Não se sabe quais endotoxinas estão envolvidas na etiologia da laminite. No entanto, informações
anedóticas de abatedouros revelaram que a incidência de abscessos hepáticos em vacas leiteiras pode ser maior
que aquela verificada em bovinos de corte. Fusobacterium necrophorum é regularmente isolado de abscessos
hepáticos e, com seus vários biotipos, pode produzir as endotoxinas suspeitas. Citocinas e prostaglandinas
podem ter participação e certamente a hipoxia exacerba a doença. Durante o período periparto são produzidos
hormônios como a relaxina. Manejo nutricional correto no periparto é crítico. Nas novilhas recém­paridas é
possível que o hormônio do crescimento tenha papel complicador.
Qualquer que sejam os mensageiros biológicos, parecem afetar dois diferentes tipos de tecidos: o papilar ou
dérmico da sola e as fibras colágenas da lâmina. Isso resulta em duas enfermidades distintas. A primeira é a
alteração da ceratogênese normal e a segunda é a atividade da MMP anormal, resulta em afundamento e/ou
rotação da falange (dígito).
O comprometimento dos mecanismos fisiopatológicos associados à produção córnea inicia quando toxinas
vasoativas ou outros agentes biológicos atingem o córion. Desvios arteriovenosos podem ser inativados, a
pressão no interior do casco aumenta e as paredes dos vasos se danificam. Sangue ou fluidos sanguíneos
extravasam e embebem o tecido córneo do casco, tornando­o de cor rosa ou amarela. O tingimento hemorrágico
dos túbulos córneos da sola lhes confere uma aparência de “marca de escova”. Formam­se trombos murais,
reduzindo o fluxo sanguíneo e causando privação de oxigênio e suprimento nutricional insuficiente para as
células produtoras de queratina. Formação de trombo é característica marcante da laminite. O tecido córneo
resultante é mole e propenso a danos, infecção e formação de cicatrizes.
O segundo mecanismo fisiopatológico envolve a liberação de MMP e a tensão das fibras colágenas do
aparelho suspensório do dígito. Esse é o sistema que transfere apoio de peso do osso podal para o interior da
parede do casco. Quando as fibras colágenas se distendem o osso podal é deslocado. Ocasionalmente, o osso
podal sofre rotação e a sua extremidade se prolapsa através do ápice da sola. Mais frequentemente, todo o osso
se “afunda” causando estreitamento do espaço entre o processo flexor e a sola do casco e aumentando o risco de
úlcera da sola.
Frequentemente, os animais jovens parecem se recuperar de laminite. Isso pode ocorre porque se
desenvolvem novos vasos sanguíneos que formam uma circulação colateral e assumem a função dos que foram
danificados. Entretanto, cada vez que um animal apresenta um episódio de laminite, forma­se mais tecido
cicatricial e o animal fica menos capaz de se recuperar da lesão seguinte.
TRATAMENTO E CONTROLE: O tratamento de laminite subclínica não é prático, pois o diagnóstico de um animal
individual não é possível no momento do(s) insulto(s) causador(es). O controle da laminite subclínica em um
rebanho de alta produção, com vacas leiteiras submetidas a manejo intensivo, requer estudo epidemiológico
sistemático. O primeiro passo é determinar se algum grupo etário em particular é mais afetado.
Parece haver muito mais problemas em animais de primeira lactação do que em qualquer outro grupo. Tem
sido postulado que o comprometimento da saúde das patas de novilhas reduz a produtividade da vida útil do
animal. Novilhas que parem pela primeira vez antes dos 28 meses de idade têm incidência muito mais elevada
de claudicação do que aquelas que parem mais velhas. Nos rebanhos com programação de parto de novilhas
com < 24 meses, os protocolos devem ser modificados. É contraindicado que o ganho de peso médio diário de
uma novilha exceda 750 g/dia antes do parto. Isso é particularmente muito estressante para um animal de porte
pequeno. A puberdade acelerada artificialmente é outro fator estressante.
Os fatores de risco nutricionais devem ser considerados. O manejo bem­sucedido de SARA depende da
quantidade e da digestibilidade dos carboidratos consumidos. Quanto mais rapidamente forem digeridos os
carboidratos, mais rapidamente se desenvolve acidose ruminal. Farelos ou grãos umedecidos são mais
digestíveis que grãos quebrados secos. Silagem de milho é frequentemente utilizada em produção leiteira.
Algumas vezes o conteúdo de energia da silagem é completamente subestimado, com resultados desastrosos.
Alimentação oferecida 1 vez/dia é contraindicada e quanto mais frequentemente os concentrados forem
oferecidos, melhor. Alterações súbitas na dieta ou na sua formulação são extremamente perigosas. Próximos ao
parto, as vacas devem receber até 7,5% do seu peso corporal em concentrados. Após o parto, é mais seguro se a
quantidade não é aumentada em > 0,25 kg/dia para vacas multíparas e em 0,20 kg/dia para vacas primíparas, até
a máximo de 14 a 16 kg.
A qualidade e a quantidade de fibras administradas são, provavelmente, mais importantes do que os
carboidratos da dieta. As fibras podem, dependendo de suas características físicas, estimular a ruminação. Se a
relação carboidrato:fibra é > 50% em carboidratos, o animal estará em maior risco de acidose ruminal. Se a
porcentagem de fibras detergentes ácidas na ração total é < 20%, o risco de acidose ruminal também aumenta.
Se o comprimento das partículas de silagem é muito curto (25% cortadas < 5 cm de comprimento), a
contribuição efetiva das fibras é menor. O esterco não deve conter partículas de fibra < 1 cm ou grãos não
digeridos. Fezes não devem conter aspecto de mucina/fibrina, ser espumosas ou conter bolhas de gás. As fezes
neste mesmo grupo não devem se transformar de firmes para diarreicas.
O índice de conforto da vaca (ICV) é medido 1 h antes da ordenha e calculado como a proporção de animais
em pé. Se o ICV é > 20%, fatores de risco afetando o conforto das vacas devem ser revisados. Esses incluem:
tamanho do estábulo, adequação da cama e do estrado, colocação de fontes de água e largura de corredor
suficiente para evitar congestionamento ou fila. O tempo destinado à ruminação deve ser normal; estase ruminal
e hipermotilidade não devem ser detectáveis.

CLAUDICAÇÃO EM CAPRINOS

A anormalidade na marcha é um sinal comum de muitas doenças e afecções. Um histórico completo é


importante para o diagnóstico e deve incluir a taxa de prevalência e a duração da enfermidade no rebanho, a
dieta, as alterações alimentares, o método de criação e as introduções recentes no rebanho (ver interação
manejo­saúde: caprinos, p. 2242).
Algumas causas de claudicação podem­se associar com doença sistêmica. Portanto, deve­se realizar sempre
exame físico completo, seguido por avaliação específica de marcha e mobilidade em uma tentativa de localizar
problemas locomotores e por exame detalhado dos membros. Nos caprinos, como em outras espécies, as
dificuldades locomotoras costumam envolver diretamente o sistema musculoesquelético, mas as afecções do
sistema nervoso podem mimetizar uma doença musculoesquelética e devem ser consideradas durante o exame
clínico.
Deve­se examinar o casco da(s) perna(s) afetada(s) e remover o excesso de material de tecido córneo para
deixar uma superfície de sustentação de peso nivelada. Se não se apararem as patas por um longo período ou se
os caprinos estiverem em solo ou cama macios, o tecido córneo em excesso comumente cresce de forma
excessiva nas paredes, nos dígitos e nos talões e forma dobras sobre a sola. No caso de grave negligência, os
cascos do tipo “chinelo turco” (dígitos alongados) ou “corredor de trenó” podem fazer com que o caprino
caminhe sobre seus talões. Devem­se observar os seguintes itens durante o desbaste do casco: qualquer porção
do tecido córneo que se encontra anormalmente espessa, qualquer deslizamento do talão ou da sola, qualquer
desgaste anormal de casco ou qualquer cheiro anormal ou necrose.
Depois do desbaste, devem­se limpar as patas mediante escarificação e inspecioná­las quanto a ferimentos
perfurantes, corpos estranhos (p. ex., pedras ou carrapichos de trevo presos na área interdigital) ou pus
originário de abscesso supurado (especialmente acima da banda coronária).
Deve­se palpar cuidadosamente o restante do membro, inclusive ossos, tendões e músculos, e observar
qualquer atrofia muscular ou restrição de movimento. Também, deve­se avaliar as articulações quanto à
hipertermia, edema ou dor. Devem­se comparar as estruturas de membros contralaterais quanto a sinais de
assimetria.
Se o exame clínico sugerir envolvimento articular, pode ser necessária a coleta, asséptica, de uma amostra de
fluido articular de uma articulação afetada (geralmente o carpo) para exame visual, citológico, coloração de
Gram, cultura e antibiograma. Se o fluido articular contém apenas pus ou bactérias Gram­positivas, isso indica
artropatia; fibrina e pus, juntos, sugerem Mycoplasma spp; fluido articular limpo ou turvo com muitas células
mononucleares sugere vírus da síndrome artrite­encefalite caprina (CAE, ver adiante).
Uma amostra de sangue ou soro também pode ser útil no estabelecimento da causa primária de claudicação.
Na artropatia, a contagem de leucócitos é alta, com neutrofilia. Os teores sanguíneos de cálcio, fósforo e
vitamina D podem auxiliar a determinar o diagnóstico de curvatura lateral de membros ou de raquitismo,
embora os teores sanguíneos frequentemente retornem ao normal antes de se examinar o caprino enfermo. Se há
suspeita de AEC, pode­se pesquisar a presença de anticorpos; no entanto, pode ocorrer resultado falso­negativo
durante condição de estresse intenso e o teste positivo pode ser coincidente com outra causa de claudicação se a
soroprevalência é alta no rebanho de origem.
A radiografia pode ser útil. Na “curvatura lateral de membros” devem­se verificar as placas de crescimento;
também ocorre desvio lateral nos ossos rádios e, ocasionalmente, seu afinamento. Na infecção pelo vírus da
CAE, a tumefação inicial do tecido mole que circunda a articulação afetada é seguido de depósitos de cálcio no
tecido periarticular inchado, na cápsula articular, nos ligamentos, nos tendões, nas bainhas tendíneas e, por fim,
nos ventres musculares. As alterações posteriores consistem em discreta formação de osteófitos periarticulares,
corpos livres articulares e extensões grosseiras do osso periarticular, em sentido proximal e distal.
Algumas das afecções mais importantes que causam claudicação nos caprinos são discutidas adiante, listadas
em ordem alfabética. O diagnóstico diferencial de qualquer caso de claudicação é influenciado pela localização
geográfica, histórico do rebanho, práticas de manejo e outros fatores relevantes.

ARTROPATIA

Várias articulações de cabritos podem estar envolvidas nessa infecção bacteriana inespecífica. As bactérias
incriminadas são predominantemente Gram­positivas e incluem estafilococos, estreptococos, Corynebacterium
spp., Actinomyces spp., bem como coliformes gram­negativos. Erysipelothrix rhusiopathiae é uma causa
incomum de artropatia nos caprinos, quando comparada sua ocorrência em ovinos, e, quando ocorre, acomete
principalmente cabritos com 3 a 4 meses de idade.
As bactérias ambientais alcançam a circulação do neonato, em geral pelo cordão umbilical. As outras portas
de entrada incluem contaminação de ferimentos cutâneos ou trato gastrintestinal (GI) ou respiratório. Os fatores
predisponentes incluem falta de imersão rotineira do cordão umbilical em soluções antissépticas, higiene
deficiente nos piquetes de parição ou cabras que parem em condições de superlotação e sujas. E. rhusiopathiae é
uma bactéria que vive no solo e que pode persistir em fazendas ou em piquetes utilizados por ovinos ou suínos.
As infecções por Mycoplasma também constituem um diagnóstico diferencial (ver a seguir).
ACHADOS CLÍNICOS: Nota­se mais de uma articulação quente, inchada e dolorida. Com frequência, o(s)

membro(s) acometido(s) não sustenta(m) o peso. Os cabritos com mais de um membro acometido podem ser
incapazes de ficar em pé. As articulações mais comumente acometidas são as cárpicas, escapulares, jarretes e
joelho. Em geral, ocorre febre, mas não há redução de apetite. Às vezes, a região umbilical se inflama, mas, com
frequência, não há qualquer anormalidade visível. Pode­se formar um abscesso no umbigo após a recuperação
do cabrito. É possível notar leucocitose com desvio à esquerda.
Se a afecção se torna crônica, os membros ficam rígidos, algumas articulações podem ancilosar e o
crescimento global é deficiente. Nesse estágio, a temperatura permanece normal.
TRATAMENTO: Para obter êxito, o tratamento deve ser administrado o quanto antes e, quando possível, a escolha
do antibiótico deve se basear na cultura e no antibiograma. A administração frequente de altas doses de
antibiótico parenteral, administradas por, aproximadamente, 1 semana, com frequência resultam em cura, se
combinadas com cuidados de enfermagem. A lavagem das articulações com solução salina e antibióticos pode
melhorar o resultado terapêutico, em alguns casos. Complicações devem ser evitadas propiciando cama macia,
virando com frequência qualquer cabrito incapaz de ficar em pé e massageando as articulações acometidas.
Caso inicie um quadro de ancilose deve­se sustentar o cabrito em uma tipoia, por períodos curtos, com a maior
frequência possível.
Nos grandes rebanhos comerciais, o tratamento de cabritos com a forma grave pode não se justificar
economicamente. Muitos dos cabritos que se recuperam não voltam a compensar os custos econômicos de sua
criação pelo resto de suas vidas.
CONTROLE: A higiene no parto é essencial. Deve­se propiciar uma cama profunda de serragem limpa,
maravalha ou palha; com frequência é melhor permitir o que parto ocorra em pastagens frescas, se o clima
estiver quente.
Deve­se fazer a imersão do cordão umbilical do cabrito recém­nascido várias vezes em um antisséptico forte,
por exemplo, tintura de iodo a 7% ou iodóforo, utilizada para imersão de tetos. O cordão umbilical deve ser
mergulhado em solução antisséptica toda vez que se manipula o cabrito nas primeiras 24 a 48 h. Os
proprietários devem limpar seus sapatos antes de entrarem nos cercados de parição. Os cabritos devem receber
colostro, adequadamente, ao nascimento.

CONTRAÇÃO TENDÍNEA EM CABRITOS


A contração tendínea em cabritos recém–nascidos ocorre, esporadicamente, em caprinos de todas as raças, em
todo o mundo; em geral, a causa é desconhecida. No entanto, existem 2 afecções herdadas específicas dos
caprinos que resultam em contração tendínea de recém­nascidos.
A afecção congênita, geralmente bilateral, que constitui um defeito genético, acomete caprinos da raça
Angorá na região da Australásia. Ela se deve a um alelo autossômico recessivo que deve atingir um determinado
nível de ocorrência antes de surgirem animais doentes; o período entre a aquisição de um bode portador e o
surgimento de cabritos infectados pode ser de 5 a 6 gerações. São acometidos tanto os membros torácicos
quanto os pélvicos. Em casos raros, nota­se retorcimento de apenas um membro torácico. Nos casos graves, o
cabrito é incapaz de ficar em pé ou caminhar sobre os boletos. Nos casos menos graves, pode se movimentar
relativamente com os boletos que, para sempre, ficam parcialmente flexionados. Nos casos leves, os membros
podem ser imobilizados, de maneira gradual, cada vez mais retos, até que o cabrito seja capaz de sustentar o
peso em suas patas.
Nos caprinos da raça Anglo­Nubiana, nos EUA, no Canadá, na Austrália e na Nova Zelândia, nota­se uma
doença genética denominada β­manosidose. No nascimento, os cabritos afetados apresentam graus variáveis de
flexão fixa dos membros torácicos e de extensão fixa dos membros pélvicos. Eles conseguem enxergar, balir e
mamar se forem mantidos no teto. Seus reflexos de retirada são normais ou diminuídos e nota­se tremor
intencional, especialmente na cabeça. Podem ocorrer nistagmo, surdez e anormalidades faciais. Na necropsia, o
corte dos tendões permite movimentos livres dos membros. A histologia revela lesões típicas de doença de
armazenamento lisossômico, caracterizada por vacuolização celular. Os cabritos afetados não apresentam
qualquer indício de β­manosidase no plasma e ambos os pais apresentam metade do teor plasmático da faixa de
variação normal.

CURVATURA LATERAL DE MEMBROS (EPIFISITE)

A curvatura lateral de membros se deve a um desequilíbrio na relação cálcio:fósforo. Acomete cabritos jovens e
aqueles em fase de crescimento rápido (mais frequentemente machos do que fêmeas) e cabras jovens, nos
estágios finais da primeira prenhez ou nos estágios iniciais da primeira lactação. Essas cabras são jovens (p. ex.,
12 meses), produtoras de leite, muito robustas ou pariram gêmeos ou trigêmeos. O encurvamento do membro é,
algumas vezes, provocado por raquitismo (ver p. 1121).
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: A curvatura lateral de membros inicia com arqueamento lateral ou medial
de 1 ou ambos os ossos rádios. As alterações posteriores podem consistir em desvio lateral dos dígitos das patas
dianteiras ou traseiras, claudicação e relutância em caminhar, arqueamento do dorso e tumefação macia e dor
nas articulações cárpica, metacarpofalangiana, társica e metatarsofalangiana. O diagnóstico de epifisite notada
na curvatura lateral de membros pode ser confirmado por radiografia.
As afecções incriminadas como causas desse problema incluem excesso de cálcio na dieta, com proporção
cálcio:fósforo > 1,4:1 (geralmente > 1,8:1), consumo excessivo de proteínas (que causa epifisite em outras
espécies), excesso de ferro na dieta (que reduz o teor sérico de fósforo em cordeiros, pela diminuição na
formação de metabólitos da vitamina D) e estabulação de filhotes ou deficiência de vitamina D causada por
tempo nublado prolongado e baixa concentração de vitamina D no alimento. O caroteno tem um efeito
antivitamina D. A vitamina D é pouco estável nos alimentos preparados, especialmente quando misturada a
minerais. A alfafa é rica em cálcio (1,4% de cálcio a 0,2% de fósforo) e proteínas. Os proprietários,
frequentemente, alimentam os cabritos com leite fresco por períodos prolongados, pois muitas vezes não há
demanda comercial para esse leite.
TRATAMENTO E CONTROLE: Identificada(s) a(s) causa(s) provável(is), deve­se corrigir a dieta e administrar um
suplemento apropriado, geralmente vitamina D e fósforo injetáveis ou suplementos de cálcio/fósforo (ou ambos)
balanceados VO.
Também se devem corrigir os fatores predisponentes. Deve­se modificar a dieta dos cabritos em crescimento
para retardar sua taxa de crescimento, bem como desestimular o acasalamento de cabras muito jovens. Deve­se
separar os cabritos machos das fêmeas quando estiverem com 3 a 4 meses de idade para evitar acasalamento não
planejado. As cabras jovens em produção láctea com deformidades de membro devem ser manejadas de
maneira que se desestimule a lactação total; por exemplo, não as ordenhar completamente e cessar a ordenha
(secá­las) o mais cedo possível.
O tratamento interrompe o agravamento da deformidade de membros e deve melhor muito o quadro clínico.
No entanto, o retorno à normalidade total dos membros é raro.

DEFICIÊNCIA DE COBRE

A deficiência de cobre pode causar dificuldades locomotoras nos caprinos de duas maneiras distintas.
Crescimento ósseo anormal com aumento da fragilidade óssea pode predispor a fraturas de ossos longos.
Independente disto, ocorre uma afecção neurológica conhecida como ataxia enzoótica ou “dorso enselado”, na
qual a deficiência de cobre em cabritos na vida intrauterina ou depois do nascimento, resulta em
desmielinização inapropriada da medula espinal, que leva à incoordenação progressiva e paralisia com falha de
mobilidade. Clinicamente, isso parece ser semelhante à forma neurológica de artrite­encefalite caprina viral (ver
anteriormente) em cabritos jovens. É necessário mensuração o teor de cobre da ração fornecida ao rebanho e
propiciar cobre suplementar conforme a necessidade.

DOENÇA DO MÚSCULO BRANCO

Ver p. 1275. A maioria dos cabritos acometidos encontra­se em boas condições e tem 2 a 3 meses de idade
(variação de 1 semana a 4 meses de idade). Comumente, a morte súbita se associa com lesões dos músculos
cardíacos. Outros cabritos ficam deprimidos, relutam em se mover e parecem rígidos, com uma postura de
“cavalete” ou permanecem em decúbito. Os músculos, em especial os dos membros pélvicos, ficam firmes e
doloridos ao toque. Nos casos agudos, o tratamento é feito com injeção de selênio e vitamina E.

LAMINITE (Aguamento)
Laminite em caprinos é observada em todo o mundo, mas a incidência é menor do que em bovinos leiteiros e
em equinos. As causas predisponentes incluem ingestão em excesso ou acesso súbito a concentrados, dietas
ricas em grãos e pobres em forragem ou ricas em proteínas. A laminite também pode ocorrer como uma
complicação de infecções agudas, tais como mastite, metrite ou pneumonia, em especial depois do parto.
Quando a laminite é grave, o caprino acometido fica com claudicação e reluta em se movimentar; ocorre
febre e os quatro membros ficam quentes ao toque. O toque na coroa do casco dispara uma reação dolorida
grave. Nos casos menos graves, apenas os membros torácicos são acometidos. A laminite pode se torna crônica
se a fase inicial não é diagnosticada ou tratada com êxito. Seu início é insidioso, mas, por fim, observa­se o
caprino caminhando de joelhos, com deformidades de “corredor de trenó” em seus cascos.
Na laminite aguda, deve­se corrigir imediatamente a afecção predisponente, se essa é identificável. A laminite
deve ser tratada com analgésicos (p. ex., 1,1 mg de flunixino meglumina/kg, por via parenteral, ou 100 mg de
ácido acetilsalicílico/kg VO) diariamente; banho com mangueira dos membros acometidos ou sua imersão
também são úteis. Embora os anti­histamínicos sejam utilizados com frequência, sua efetividade no tratamento
da laminite nos caprinos ainda não foi comprovada. De modo semelhante, o uso de corticosteroides é
controverso, pois podem contribuir para a laminite em equinos. Independente disso, não devem ser utilizados
em cabras prenhes, em razão do risco de aborto. A laminite crônica com cascos deformados deve ser tratada
com o aparamento vigoroso do caso rotineiro.

MICOPLASMOSE

Ver p. 1457 e 1581. Os cabritos infectados com Mycoplasma mycoides mycoides (variante de colônias grandes)
ou outros Mycoplasma spp. podem apresentar claudicação grave com múltiplas articulações inchadas e quentes,
perda de peso, pirexia e pelame em más condições. Alguns cabritos apresentam diarreia e alguns apresentam
aumento dos sons pulmonares e frequência respiratória. Os cabritos acometidos, geralmente, têm 2 a 4 semanas
de idade. Descrevem­se taxas de morbidade e mortalidade de 90 e 30%, respectivamente. Cabras adultas
infectadas por Mycoplasma podem apresentar mastite e poliartrite. O tratamento é feito com tetraciclina, tilosina
ou tiamulina, mas o prognóstico quanto à recuperação total é reservado.

PODRIDÃO DE CASCO E QUEIMADURA PODAL

Podridão de casco e queimadura podal são problemas sérios de ovinos e podem também ter impacto adverso
importante em caprinos criados sob certas condições de manejo (ver p. 1167).

SÍNDROME ARTRITE-ENCEFALITE CAPRINA

A síndrome artrite­encefalite caprina, uma doença viral, surgiu nos últimos 30 anos como causas importantes de
doença, principalmente nas raças de caprinos leiteiros europeias, criadas sob condições de manejo intensivo, na
Europa e na América do Norte. Observam–se 2 formas distintas de anormalidades locomotoras. Nos caprinos
jovens, geralmente com 2 a 4 meses de idade, mas com até 1 ano, ocorre uma forma neurológica da doença.
Nessa forma verifica­se paresia progressiva com incoordenação que leva à paralisia, em geral, envolvendo os
membros pélvicos, mas que algumas vezes também afeta os membros torácicos. Nos caprinos adultos mais
velhos, a infecção viral se manifesta como artrite progressiva crônica que envolve uma ou mais articulações e,
com frequência, as articulações cárpicas. O sinal clínico inicial costuma ser tumefação na(s) articulação(ões)
afetada(s), seguido de degeneração progressiva dos tecidos articulares e periarticulares com calcificação,
diminuindo a extensão de movimentos, ancilose e perda evidente da mobilidade.
Para uma discussão mais detalhada ver Artrite e Encefalite Caprina, p. 791.
TRAUMATISMO

Em geral, os caprinos são animais ágeis, mas, se assustados, podem tentar saltos impossíveis que resultam em
fraturas ou outras lesões. Os currais destinados a caprinos que são pouco manejados devem ter uma barreira
visual, bem como física. As cercas ligadas com correntes, com frequência, se associam com fraturas de
membros quando são utilizadas para recintos de caprinos. Felizmente, a maioria das fraturas dos membros
inferiores cicatriza rapidamente com pensos normais. A tosquia dos caprinos da raça Angorá é uma fonte
potencial de problemas, por exemplo, quando o pente da máquina de tosquia corta o tendão de Aquiles. Podem­
se utilizar procedimentos ortopédicos adequados para cães grandes. Se os caprinos são atacados por cães ou
canídeos silvestres e sobreviverem, com frequência apresentam múltiplas lesões traumáticas, inclusive fraturas.
Algumas injeções IM podem causar problemas. Por exemplo, vacinas anticlostridianas mistas podem causar
inchaço de tecidos moles e claudicação grave por = 48 h. Medicamentos irritantes podem lesionar nervos
adjacentes e causar claudicação, em particular quando são injetados nos músculos das coxas de caprinos magros
ou jovens, e o nervo ciático é acometido. Em alguns casos de mastite grave (em especial gangrenosa), ocorre
claudicação de membro pélvico no lado acometido, quando a cabra altera sua marcha em razão de inchaço e dor
no úbere.

CLAUDICAÇÃO EM EQUINOS

A claudicação é definida como um desvio da postura e da marcha normais causado por um distúrbio estrutural
ou funcional do sistema locomotor. O equino não quer ou não consegue se manter em pé ou se mover
normalmente. A claudicação é a causa mais comum de perda de uso em equinos. Pode ser causada por
traumatismo ou distúrbio adquirido, infecção, distúrbio metabólico e doença do sistema nervoso ou circulatório.
A claudicação não é uma doença, mas sim um sinal clínico. Trata­se de uma manifestação de dor, restrição
mecânica que causa alteração da postura ou marcha, ou doença neuromuscular. A dor é a causa mais comum de
claudicação em equinos. A claudicação mecânica é mais bem caracterizada pela fixação dorsal completa da
patela com anormalidade característica da marcha, mas também pode resultar de miopatia fibrosante do
músculo semitendinoso ou de restrições causadas pelos ligamentos anulares, aderências ou fibrose grave.
É importante determinar corretamente a causa de claudicação, uma vez que o tratamento varia grandemente,
dependendo da causa. Por exemplo, a claudicação mecânica causada pela fixação dorsal completa da patela não
responde a analgésicos, enquanto a claudicação causada por dor, com frequência, responde à administração
local ou sistêmica de analgésicos e anti­inflamatórios. Algumas causas de claudicação provocam marchas muito
clássicas e características. Na miopatia fibrosante, uma claudicação mecânica, o membro acometido é puxado
para trás e para baixo antes do final da fase de protração, resultando em uma fase de apoio de peso mais
prolongada e uma fase cranial encurtada. Os sinais são mais óbvios durante a marcha. No harpejamento, um
distúrbio neuromuscular, o membro acometido é hiperflexionado durante a fase cranial ou de suspensão da
marcha, enquanto o movimento caudal do membro antes de tocar o chão não ocorre. Infelizmente, muitas
causas de claudicação não provocam anormalidades características da marcha, o que torna o diagnóstico
desafiador.
A claudicação relacionada com a dor pode ser classificada em claudicação do membro de apoio (membro de
sustentação) e claudicação do membro em suspensão (membro suspenso). Embora a claudicação seja observada
com maior frequência como um déficit do membro de apoio, ela pode ser composta por ambos. Uma
claudicação do membro de apoio é verificada quando o equino reduz o tempo ou a força aplicada ao membro
que sustenta o peso. O sinal mais consistente e mais facilmente reconhecido de claudicação é o levantamento de
cabeça associado à claudicação dos membros torácicos e o levantamento sacral, também denominado
levantamento pélvico ou do quadril, associado à claudicação do membro pélvico. A claudicação do membro
pélvico deve ser avaliada em vista lateral, bem como por trás do animal, uma vez que ela dá a oportunidade de
avaliar o arco de voo do membro, a duração das fases de protração e retração, a extensão da fase de sustentação
do peso e a presença ou ausência do levantamento sacral. A claudicação do membro torácico e pélvico é
acentuada, em muitos equinos, quando o animal é trabalhado em círculo com o membro acometido para dentro.
Os fatores que predispõe os equinos à claudicação incluem imaturidade física, que pode ocorrer em potros
prematuros ou que ainda não estão totalmente desenvolvidos, e pelo treinamento com potros mais velhos antes
da maturidade. Outros fatores incluem doença ortopédica de desenvolvimento preexistente (p. ex.,
osteocondrose, deformidades flexurais e angulares de membros), conformação ruim, casco ou ferradura
desbalanceados, falha em condicionar de maneira apropriada animais de desempenho; estresse repetitivo sobre
ossos, tendões, ligamentos e articulações em animais de desempenho; superfícies duras, escorregadias ou com
pedras sobre as quais os equinos caminham e atividade atlética extrema. Fatores deflagradores de claudicação
incluem traumatismo direto ou indireto, fadiga resultando na incoordenação de músculos (que, com frequência
ocorrem em equinos de corrida ao final do percurso), inflamação, infecção e falha em reconhecer precocemente
as enfermidades antes que criem dor suficiente.
A claudicação em uma parte do membro, com frequência, resulta em dor secundária em outra área do mesmo
membro e pode resultar em claudicação do membro torácico contralateral ou membro pélvico por excesso de
uso por compensação. Todo o animal deve ser avaliado quanto à claudicação secundária, mesmo quando a causa
do problema primário é óbvia. Claudicações secundárias são muito comuns em equinos de desempenho, mas
podem ocorrer em todos os tipos de equinos. Um exemplo dramático de uma claudicação secundária ocorre
quando laminite biomecânica se desenvolve no membro contralateral normal de um equino com problema
ortopédico grave decorrente de apoio do peso do membro acometido no membro normal.

EXAME DE CLAUDICAÇÃO

A avaliação sistemática de um equino com claudicação pode demorar certo tempo quando a causa não é óbvia.
O exame também é facilitado por instalações padronizadas como um piso firme, nivelado, não derrapante para
avaliar o animal a passo e a trote e uma superfície macia que o animal seja conduzido e montado. O examinador
deve conhecer a anatomia equina, conformação e marcha normais, anestesia regional e técnicas de diagnóstico
por imagem e deve ser capaz de reconhecer claudicações de membro torácico e pélvico.
O exame começa com um histórico clínico detalhado; tipo de uso, idade e regime de treinamento podem
oferecer dados importantes, bem como o período desde o início da claudicação e o manejo nesse período. O
intervalo desde o último ferrageamento deve ser questionado, bem como sugestões de que a claudicação possa
melhorar com repouso ou exercício. A resposta às medicações anti­inflamatórias ou analgésicas podem oferecer
informações úteis. Resultados de análises hematológicas e bioquímicas podem dar ideia de outros problemas
que influenciam o desempenho em geral.
Embora interessantes, as técnicas modernas de diagnóstico por imagem não superam a inspeção visual
detalhada e a palpação manual completa dos membros tanto em posição de apoio quando de suspensão. A
conformação deve ser avaliada e o equino deve ser avaliado visualmente quanto à simetria, inchaços, perda de
massa muscular, apoio anormal e lesões óbvias. O tronco e os membros devem ser palpados à procura de dor,
inchaços e efusão articular. O alto grau de variação entre equinos deve ser lembrado, e a comparação com o
membro contralateral sempre deve ser realizada, embora essa última técnica não seja necessariamente um
controle útil. A reação do equino à palpação e a amplitude de flexão e extensão de todas as articulações devem
ser avaliadas. Os cascos devem ser avaliados completamente, inclusive compressão da parede e da sola com
pinça de casco. O padrão de colocação das ferraduras e do casco deve ser avaliado. Muitas anormalidades, como
eixo casco/quartela “alterado”, ângulos do casco incongruentes, talões contraídos ou desgastados, tamanho
desproporcional do casco são verificados com maior frequência em animais com claudicação que nos animais
normais. As ferraduras devem ser deixadas no lugar na fase inicial da avaliação, uma vez que a sua remoção
pode deixar o equino com a sola dolorida e interferir no restante da avaliação com o animal ao trote ou
montado. As ferraduras devem ser removidas para avaliação completa do casco quando a claudicação é
localizada no casco e qualquer exercício necessário para o diagnóstico já tiver sido realizado.
O dorso e o pescoço devem ser completamente avaliados com o equino contido e em pé, em piso nivelado. A
flexibilidade e a extensibilidade das costas podem ser avaliadas por meio de beliscamentos alternados da linha
média nas regiões torácica média e sacrococcígea, enquanto a flexão lateral pode ser avaliada com giros curtos
do animal ao redor do próprio eixo.
A avaliação durante o exercício, com frequência, é necessária para localizar a claudicação em um membro ou
local específicos e para avaliar a resposta à anestesia regional diagnóstica. Se a claudicação é muito grave e
aguda, e houver suspeita de fratura, não devem ser realizados exercícios, ou consequências catastróficas podem
ocorrer. De modo similar, a anestesia regional diagnóstica não deve ser realizada quando há suspeita de fratura.
É importante determinar se o equino pode receber medicações analgésicas antes do exame de claudicação.
O reconhecimento da claudicação é uma habilidade essencial para o sucesso do diagnóstico. O sinal mais
consistente de uma claudicação unilateral de membro torácico é o movimento de cabeça. A cabeça e o pescoço
do equino levantam quando o membro acometido toca o solo e sustenta o peso e descem quando o membro
sadio toca o solo. O levantamento sacral ou pélvico é o sinal mais consistente e facilmente observado de
claudicação do membro pélvico. Toda a pelve e sacro se levantam quando o membro acometido toca o solo e
sustenta o peso e descem quando o membro sadio toca o solo. Tanto o movimento de cabeça quanto o
levantamento sacral servem para reduzir a concussão no membro acometido.
O equino deve, inicialmente, ser examinado a passo e trote conduzido em cabresto com corda frouxa, de
maneira que o movimento do animal não seja restrito. Uma superfície firme e antiderrapante é ideal para trote
em linha reta e para virar sobre uma superfície firme. Também deve ser dada a oportunidade do examinador
ouvir o toque do casco no chão e considerar essa informação junto à avaliação visual. No entanto, cascos de
tamanhos e formatos diferentes e ferraduras diferentes podem ter impacto um pouco diferente nos sons, com
frequência dando origem a sons de pouco valor diagnóstico. Com frequência, a claudicação é mais pronunciada
quando o equino caminha em círculos. O andar em círculo pode ser feito com um cabresto com corda longa ou
em um picadeiro redondo. O trote no asfalto ou concreto predispõe o animal a escorregar e pode gerar lesões,
mas pode ser feito em alguns casos para acentuar claudicações muito sutis de casco ou parte baixa dos
membros. Tanto a claudicação de membro torácico quanto de membro pélvico podem se agravar quando o
equino é colocado para andar em círculos; a maior parte do tempo, a claudicação é acentuada quando o membro
acometido está na parte interna do círculo.
Os testes de flexão são dados diagnósticos úteis. Devem ser observadas a amplitude de movimento e a
resposta à flexão passiva juntamente com qualquer sugestão de aumento da claudicação ou início de claudicação
após uma flexão. As falanges distais em ambos os membros torácicos e pélvicos devem ser flexionadas,
independentemente do carpo e do tarso para se obter o máximo de informações. A aplicação de pressão deve ser
firme, mas não excessiva, o que pode criar respostas falso­positivas. Todos os testes devem ser realizados tanto
no membro com claudicação quanto no membro sadio para comparação. Constância e experiência individual
sempre devem ser aplicadas e utilizadas. Um único teste de flexão positivo sem claudicação associada pode não
ser relevante.
Para estabelecer constância, todo o exame deve envolver o mesmo examinador, os mesmos instrumentos
quando o cavalo está selado e a mesma superfície sob o membro. O cavalo deve ser controlado de maneira que
o trote seja útil e constante para avaliar a claudicação. Sedação muito leve de equinos nervosos ou rebeldes com
3 mg de romifidina ou 100 mg de xilazina podem resultar em um animal mais relaxado e permitir uma avaliação
melhor sem influenciar, aparentemente, o grau de claudicação. Reduzir a velocidade da marcha durante o trote
com frequência ilustra melhor uma claudicação sutil, uma vez que o equino perde seu ritmo e se esforça com a
suspensão no(s) membro(s) acometido(s).
A avaliação do cavalo montado pode ser necessária, particularmente com uma claudicação sutil que pode ser
observada apenas quando o animal é montado. A claudicação de vários membros sem uma claudicação óbvia
em um único membro também pode ocorrer. Os sinais clínicos podem ser discretos (p. ex., o animal se recusa a
fazer determinados movimentos ou atividades, pequenos movimentos de cabeça ou balançar de cauda). No
entanto, um bom cavaleiro pode, muitas vezes inadvertidamente, esconder o problema por sua própria
experiência e capacidade de “corrigir” as dificuldades do animal.
Ocasionalmente, um equino parece estar sadio quando conduzido e montado, mas o cavaleiro sente que o
desempenho do animal está prejudicado. Em tais casos, pode ser necessário trabalhar o animal com o uso
concomitante de medicamentos analgésicos ou anti­inflamatórios por um período apropriado (p. ex., 2 a 3 g de
fenilbutazona/dia, VO por 7 a 14 dias) para avaliar se há melhora. Alguns sinais clínicos apontados como
claudicação são, na realidade, problemas de treinamento. Se houver melhora com o uso de medicamentos, a
medicação deve ser retirada e anestesia diagnóstica deve ser utilizada em um membro qualquer, com maior
frequência um membro torácico. Dessa forma, a claudicação de vários membros (muitas vezes dos quatro), que
com frequência mimetiza sinais clínicos associados à dor nas costas, pode ser avaliada e tratada.
A anestesia regional diagnóstica (ver p. 1175) deve ser utilizada para localizar a dor em todos os equinos com
claudicação nos quais a claudicação pode ser localizada em um membro, mas não em uma região específica do
membro. Uma claudicação observada de maneira consistente deve estar presente para que o clínico avalie a
resposta à anestesia.
Uma vez que a claudicação pode ser causada por distúrbios neuromusculares, um exame neurológico
completo deve ser parte do exame de claudicação, sempre que nenhuma causa dolorida ou mecânica óbvia é
encontrada. O exame deve incluir a avaliação dos nervos cranianos e função dos neurônios motores inferior e
superior.
A observação do equino enquanto executa movimentos como virar, andar para trás, saltitar sobre o membro
torácico (com o outro membro torácico mantido elevado), contornar o meio­fio, virar em círculos estreitos e
subir e descer elevações devem ser realizados. Esses testes ajudam a determinar se a redução da propriocepção,
fraqueza ou espasticidade podem ser a causa da anormalidade de marcha.

ANALGESIA REGIONAL

A analgesia regional é um recurso diagnóstico valioso utilizado para localizar a claudicação quando, após um
exame clínico rigoroso, o local da dor permanece incerto. A localização da dor permite o uso de outros
procedimentos diagnósticos, como anestesia articular, radiografia, ultrassonografia, TC, cintigrafia ou RM de
maneira mais efetiva e econômica para identificar a causa da claudicação. Adicionalmente, o uso de anestesia
regional permite que alguns procedimentos cirúrgicos sejam realizados sem a necessidade de anestesia geral, e
podem ser utilizados para melhorar temporariamente a dor.
O cloridrato de lidocaína (2%) e cloridrato de mepivacaína (2%) são os fármacos anestésicos locais mais
comumente utilizados para induzir anestesia regional durante o exame de claudicação. O cloridrato de
mepivacaína é preferido pela maioria dos clínicos, uma vez que causa menor reação tecidual que o cloridrato de
lidocaína. O cloridrato de bupivacaína é utilizado para induzir anestesia regional para alívio humanitário da dor,
uma vez que propicia anestesia por um período de 4 a 6 h.
A escolha do anestésico pode depender da sua duração de ação. O efeito anestésico do cloridrato de
mepivacaína, que dura 90 a 120 min, torna esse fármaco interessante para avaliar equinos com claudicação em
múltiplos membros ou suspeita de múltiplos locais de dor em um mesmo membro. O cloridrato de lidocaína,
que tem um efeito analgésico de apenas 30 a 45 min, pode ser o fármaco anestésico local preferido quando é
provável o uso de diferentes técnicas de analgesia diagnóstica local durante o exame de claudicação.
A maioria dos nervos abaixo do carpo ou jarrete é anestesiada utilizando uma agulha de calibre 25, com 1,59
cm. Uma agulha mais grossa (calibre 22 ou 20), com 3,8 cm é utilizada para anestesiar nervos de localização
mais proximal no membro. Se o uso de uma agulha relativamente grossa é necessário, a deposição SC de uma
pequena quantidade de solução anestésica local, utilizando uma agulha de 25 calibre, pode evitar a reação do
equino quando a agulha mais grossa é inserida.
Para evitar que as agulhas quebrem ou entortem durante a administração perineural da solução de anestésico
local, a agulha sempre deve ser inserida desconectada da seringa. Seringas Luer­lock não devem ser utilizadas,
pois elas são difíceis de desconectar da agulha após a inserção, e esse tipo de seringa não pode ser desconectada
rapidamente da agulha para evitar que a agulha seja retirada, amassada ou quebrada se o animal se mover
durante o procedimento. A agulha deve ser direcionada distalmente durante a inserção quando anestesiando
nervos na porção distal do membro. O direcionamento proximal da agulha pode resultar em migração proximal
da solução anestésica e anestesia não intencional de ramos proximais do nervo, confundindo assim o resultado
do exame.
Quando o objetivo da anestesia regional é identificar o sítio de dor abaixo do carpo ou jarrete, apenas o menor
volume efetivo de solução anestésica deve ser administrado para evitar anestesia acidental dos nervos
adjacentes. Quando o nervo pode ser palpado SC, um volume muito pequeno de solução de anestésico local
pode ser utilizado, uma vez que a solução pode ser aplicada de maneira mais precisa.
Antes de realizar a anestesia regional, o equino deve ser consistentemente e suficientemente com claudicação,
de maneira que qualquer melhora na marcha possa ser detectada. Acasalar o equino pode exacerbar
claudicações sutis. A claudicação de alguns animais melhora ou se resolve durante o exercício; para esses
animais, pode haver uma resposta falso­positiva à anestesia regional se o animal não é suficientemente
exercitado antes do exame. Em um equino com claudicação sutil, observações independentes e graduação da
marcha antes e depois da anestesia regional por dois ou mais clínicos habilidosos no exame de claudicação
podem aumentar a precisão da interpretação.
O alívio da dor e a resolução da claudicação após a administração de uma solução anestésica próxima a um
nervo na porção distal do membro, normalmente, ocorre em 5 min, mas a anestesia de um nervo mais espesso
na porção proximal do membro pode levar 20 a 40 min. Os resultados de um bloqueio anestésico regional
podem ser interpretados de forma errônea se a marcha do equino é avaliada antes do início do alívio da dor.
Quando avaliando os efeitos da anestesia de nervos na porção distal do membro, deve­se ter em mente que a
solução anestésica pode migrar para a porção mais proximal do nervo, anestesiando estruturas, o que confunde
assim os resultados do exame. Para evitar essa complicação, a marcha deve ser avaliada 15 min após a
administração de um bloqueio anestésico regional na porção mais baixa do membro. Quando um bloqueio
anestésico regional é aplicado na porção proximal do membro, o equino pode desenvolver anormalidades de
marcha ou tropeçar em razão da alteração na propriocepção. Quando nervos acima do jarrete ou carpo são
anestesiados, pode ser prudente avaliar a marcha do equino em uma superfície macia ou após aplicar ataduras na
porção mais baixa do membro, de maneira que abrasão à pele sobre o dorso do boleto seja evitada se o animal
tropeçar.
Se a marcha não se alterar após anestesia regional, a efetividade do bloqueio nervoso deve ser determinada
avaliando a sensibilidade cutânea no dermatoma que se espera dessensibilizar. A sensibilidade cutânea é
avaliada pressionando a extremidade de uma caneta esferográfica, chave ou instrumento semelhante sobre a pele
que cobre a região que se pretende dessensibilizar. Para um equino rebelde, a sensibilidade cutânea é avaliada
com mais segurança com o membro elevado ou à distância, utilizando um instrumento rombo preso a uma haste
de 90 centímetros. Um animal bem comportado, estoico, pode não reagir à estimulação da pele mesmo quando a
anestesia regional não foi efetiva. Para tal animal, a reação à estimulação cutânea deve ser avaliada antes da
realização da anestesia regional, ou deve­se avaliar a reação à estimulação cutânea do membro contralateral.
Quando realizando uma anestesia regional, em especial na porção distal do membro, a solução de anestésico
local pode ser administrada inadvertidamente em um vaso sanguíneo, articulação, bainha tendínea ou bursa. A
aspiração antes da administração pode indicar que a agulha foi posicionada em um vaso sanguíneo. A
administração de uma solução anestésica à medida em que a agulha é retirada reduz o risco de depositar
inadvertidamente a solução em uma estrutura e resulta na deposição da solução em mais de um plano tecidual, o
que aumenta o risco da solução entrar em contato com o nervo.
Opiniões quanto à preparação da pele necessária antes da administração de anestesia regional variam. Para
equinos de pelagem curta, o local da administração, com frequência, é preparado limpando o local com bolas de
algodão ou gaze embebidos em álcool isopropílico 70% até que o algodão ou gaze pareçam limpos. Se o local
da administração estiver particularmente sujo, ele deve ser esfregado com sabão antisséptico. As consequências
de administração por via subcutânea não estéril, normalmente, são mínimas, mas a administração acidental de
uma injeção não estéril em uma bainha tendínea ou articulação pode resultar em sinovite.
A anestesia regional da porção distal do membro pode ser conseguida na maioria dos equinos utilizando
contenção mínima, mas os equinos mais rebeldes ou animais que foram submetidos anteriormente à anestesia
regional, o uso de um pito (cachimbo) de corda ou corrente é prudente. O pito funciona melhor quando aplicado
imediatamente antes da colocação da agulha. Se ele não propiciar contenção suficiente, pode­se administrar
xilazina (0,2 mg/kg) ou detomidina (10 μg/kg) por via IV. O grau no qual a sedação interfere na avaliação da
marcha depende da gravidade da claudicação e da habilidade do clínico em realizar o exame. Quando o equino
precisar ser sedado para administração da solução anestésica local, a antagonização da sedação com ioimbina
(0,1 a 0,2 mg/kg) ou tolazolina (0,5 a 1 mg/kg) reduzem a maioria dos efeitos de um a­agonista, como a xilazina
ou a detomidina.
A contenção de equinos em troncos para a administração de anestesia regional da porção distal do membro
aumenta o risco de acidente com o clínico. A anestesia regional da porção distal do membro, normalmente,
requer várias injeções, o que é realizado com maior segurança elevando e segurando o membro. Quando um
bloqueio nervoso é realizado com o membro do equino no chão, o membro contralateral pode ser levantado para
aumentar a segurança do procedimento para o clínico.
Ao anestesiar o casco de um membro torácico, a maioria dos clínicos prefere segurar o membro virado para a
direção oposta a do animal; no entanto, alguns clínicos preferem anestesiar o casco virados na mesma direção
que o equino. Quando virado para a mesma direção que o animal, o clínico pode segurar o membro entre os
joelhos para manter ambas as mãos livres para procedimento, mas o clínico está sob risco de se ferir se o equino
mover seu membro na direção caudal. Quando o clínico fica virado para a direção oposta à do animal, o
procedimento é realizado utilizando uma mão, uma vez que a outra mão deve segurar o membro.
Os bloqueios nervosos realizados abaixo do boleto do membro pélvico são realizados com maior segurança
com o membro pélvico esticado caudalmente e mantido sobre a coxa do clínico que está realizando o bloqueio.
Complicações de bloqueios anestésicos regionais são raras, mas incluem quebra da agulha sob a pele,
infecção SC a infecção de uma estrutura sinovial adjacente ao nervo que foi anestesiado. A solução anestésica
local é detectada sistemicamente, o que pode criar um problema se o equino participar de uma competição e se
seu soro é examinado quanto à presença de medicamentos.

Anestesia Regional do Membro Torácico

Uma vez que a analgesia perineural deve se iniciar distalmente e progredir em sentido proximal, o bloqueio do
nervo digital palmar (NDP), provavelmente, é o bloqueio realizado mais comumente no membro torácico. O
bloqueio do NDP é realizado segurando o membro; a agulha é inserida diretamente sobre a bainha nervosa
palpável, aproximadamente 1 cm acima da cartilagem do casco. A agulha é direcionada distalmente, e 1,5 ml de
solução anestésica local são depositados próximo à junção do nervo e da cartilagem do casco. O bloqueio do
NDP às vezes é denominado “bloqueio do talão”, mas essa terminologia é errônea, uma vez que esse bloqueio
anestesia todo o casco, inclusive a articulação interfalangiana distal. Para alguns equinos, o bloqueio do NDP
também pode causar, ao menos, anestesia parcial da articulação interfalangiana proximal (quartela), em especial
se um volume grande de solução anestésica local (p. ex., mais de 3 ml) é administrado.
Se a marcha do equino não melhorar após o bloqueio do NDP, alguns clínicos administram, em seguida, um
bloqueio em semianel na quartela para anestesiar os ramos dorsais do nervo digital que inervam o casco. No
entanto, uma vez que os ramos dorsais do nervo digital contribuem pouco para a sensibilidade do casco, é
improvável que um bloqueio em semianel na quartela melhore a marcha se o bloqueio do NDP falhar em fazê­
la.
A maioria dos clínicos segue com o bloqueio nervoso sesamoide abaxial se a claudicação do equino não é
reduzida pelo bloqueio do NDP. Com esse bloqueio anestésico regional, os nervos palmares são anestesiados no
nível dos ossos sesamoides proximais, antes do nervo se ramificar em ramos digitais palmar e dorsal. Ao
realizar um bloqueio nervoso sesamoide abaxial, 2,5 a 3 ml de solução anestésica local são depositados na base
dos ossos sesamoides na bainha neurovascular, que é facilmente palpada nessa localização. O depósito mais
proximal de solução anestésica pode anestesiar uma porção da articulação do boleto. Respostas positivas a um
bloqueio nervoso sesamoide abaxial, realizado após a falha do bloqueio do NDP em melhorar a claudicação,
localizam a sítio da dor que causa claudicação na quartela.
Locais de bloqueio nervoso no membro torácico de equino. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

O bloqueio nervoso palmar baixo ou bloqueio baixo em quatro pontos, é realizado após uma resposta
negativa ao bloqueio do nervo sesamoide abaxial. Esse bloqueio nervoso normalmente é realizado com o equino
apoiando o peso no membro, mas também pode ser realizado com o membro elevado. Os nervos palmares
medial e lateral são anestesiados utilizando uma agulha de calibre 25, 1,6 cm, depositando 2 ml de solução
anestésica local sobre cada nervo palmar, onde ele se passa sobre a região subcutânea, na borda dorsal do tendão
flexor digital profundo. Para completar o bloqueio, 1 a 2 ml de solução anestésica local são depositados SC na
porção final de cada carpo rudimentar, onde o nervo metacarpiano se localiza próximo ao periósteo do terceiro
osso metacarpiano. Uma resposta positiva a um bloqueio baixo em quatro pontos, realizado após uma resposta
negativa a um bloqueio sesamoide abaxial, localiza o sítio de dor que causa a claudicação no boleto, ou na
porção do tendão flexor superficial ou profundo ou ligamento suspensor, distal ao bloqueio.
O bloqueio nervoso palmar alto ou bloqueio alto em quatro pontos, pode ser realizado quando o bloqueio
baixo em quatro pontos falha em melhorar a claudicação. Com o membro apoiado no chão, os nervos palmares
medial e lateral e o nervo metacárpico palmar são anestesiados um pouco distal ao nível da articulação carpo­
metacárpica. Para anestesiar o nervo palmar, uma agulha de 25 calibre, 1,6 cm é inserida pela fáscia em direção
ao local onde o nervo passa próximo à borda dorsal do tendão flexor digital profundo, e 3 a 5 ml de solução
anestésica são depositados sobre o nervo.
A anestesia apenas dos nervos palmares medial e lateral dessensibiliza os tendões flexores e o ligamento
check inferior (ligamento anelar). Com o membro apoiado no chão, os nervos metacárpicos palmares são
anestesiados um pouco distal ao nível da articulação carpo­metacárpica inserindo uma agulha de calibre 20 a 22
e 3,8 cm no ângulo formado pela junção do terceiro osso metacarpiano e o segundo e quarto ossos
metacarpianos. A anestesia apenas dos nervos metacárpicos palmares medial e lateral dessensibiliza os ossos
metacárpicos rudimentares e seus ligamentos interósseos e o aspecto proximal do ligamento suspensor.
Uma alternativa mais fácil para o bloqueio nervoso palmar alto quando há suspeita de que o sítio de dor que
causa a claudicação seja na porção proximal do ligamento suspensor, é o bloqueio do nervo palmar lateral,
que é realizado com o membro apoiado no chão, introduzindo uma agulha calibre 25, 1,6 cm sobre o nervo
palmar lateral onde ele passa sobre a face medial do osso acessório do carpo. A agulha é introduzida do sentido
medial para lateral, no terço distal da bainha palpável, e são depositados 2 ml de solução de anestésico local.
Como os nervos metacarpianos medial e lateral têm origem no nervo palmar lateral, distal a esse local, as
estruturas que eles inervam, como a parte proximal do ligamento suspensor, são dessensibilizadas.
Se o sítio de dor que causa a claudicação não pode ser localizado utilizando os bloqueios nervosos mostrados
anteriormente, a maioria dos clínicos realiza bloqueios articulares do carpo, cotovelo e ombro. A ordem na qual
essas estruturas sinoviais são dessensibilizadas não é importante. Os nervos cutâneos mediano, ulnar e medial
do antebraço, às vezes, são anestesiados como parte da avaliação de claudicação, mas são mais comumente
anestesiados para permitir cirurgia do membro sem a necessidade de anestesia geral.

Anestesia Regional do Membro Pélvico

Técnicas de administração de anestesia regional da porção distal do membro pélvico são um pouco diferentes
das técnicas de administração de anestesia regional dos membros torácicos, uma vez que os ramos do nervo
peroneal profundo (fibular) dos membros pélvicos fornecem inervação adicional a essa região. Esses ramos, os
nervos metatársicos medial e lateral, cursam adjacentes ao tendão extensor e inervam o aspecto dorsal do córion
laminar. Após depositar solução anestésica local para um bloqueio baixo de quatro pontos no nível do aspecto
distal dos ossos metacarpianos rudimentares, a agulha é redirecionada dorsolateralmente ou dorsomedialmente,
paralelo à superfície de apoio do casco, e um volume adicional de 2 ml de solução anestésica local são
depositados por via SC para anestesiar os nervos metatarsianos dorsais medial ou lateral. No entanto, a maioria
das claudicações de membro pélvico pode ser avaliada com precisão sem anestesiar os nervos metatársicos
dorsais.

Locais de entrada articular para artroscopia e artrocentese no carpo; face lateral em equino. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

O bloqueio nervoso plantar alto é administrado empregando uma técnica similar àquela utilizada para
administrar o bloqueio nervoso palmar alto, aproximadamente 1 cm distal à articulação tarso­metatársica.
Quando há suspeita de que o aspecto proximal do ligamento suspensor seja o sítio de dor que causa a
claudicação, 3 a 4 ml de solução anestésica local podem ser depositados utilizando uma agulha calibre 20 a 22,
3,8 cm, axial ao osso metatarso rudimentar lateral e, aproximadamente, 1 cm distal à articulação tarso­
metatársica, entre o tendão flexor digital profundo e o ligamento suspensor. A solução se difunde para anestesiar
o ramo profundo do nervo plantar lateral, que se ramifica em nervos metatársicos plantares lateral e medial para
inervar o aspecto proximal do ligamento suspensor.
ARTROSCOPIA (Tenoscopia, Bursoscopia)

A artroscopia é a maneira aceita de realizar cirurgias articulares em equinos e é uma ferramenta valiosa para o
diagnóstico de doenças articulares. A cirurgia por artroscopia pode ser utilizada para remover fragmentos de
ossos e cartilagens, debris, ligamentos e meniscos lesionados, de avaliar a reparação de fraturas articulares com
fixação interna, desbridar ou injetar cistos ósseos subcondrais, reparar cartilagens e desbridar e lavar cavidades
sinoviais contaminadas ou sépticas. A artroscopia é um método valioso para a avaliação de estruturas
intrassinoviais e é particularmente útil para a avaliação de tecidos moles e estruturas como ligamentos,
cartilagens, meniscos e membranas sinoviais. Ela deve ser utilizada em conjunto com outros métodos
diagnósticos, inclusive radiografias de alta qualidade, ultrassonografia e RM, quando disponíveis. A artroscopia
diagnóstica é a ferramenta mais sensível e específica para avaliação intra­articular no equino. Os artroscópios de
2,5 a 5 mm de diâmetro podem ser posicionados em todas as articulações do membro equino; no entanto, nem
todas as áreas de cada articulação podem ser examinadas. O artroscópio também tem sido utilizado para avaliar,
diagnosticar e realizar cirurgia em estruturas nas bainhas tendíneas digital, cárpica e társica (tenoscopia) e nas
bursas navicular, calcânea e bicipital (bursoscopia).

Locais de bloqueio nervoso no membro pélvico de equino. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

As vantagens da artroscopia comparada a procedimentos cirúrgicos padrão incluem o uso de incisões


pequenas para a colocação do artroscópio e instrumentos, a capacidade de visualizar várias áreas da articulação,
cirurgias fáceis em mais de uma articulação durante o mesmo procedimento cirúrgico, menos trauma aos tecidos
moles periarticulares, menos dor, menor tempo de convalescência e menos complicações.
A artroscopia diagnóstica e cirúrgica é exigente tecnicamente, sendo necessária uma longa experiência para
se tornar proficiente. Um bom conhecimento da anatomia articular, uma boa coordenação visual­manual e boa
noção espacial são características essenciais dos cirurgiões bem­sucedidos.
A maioria dos procedimentos artroscópicos é realizada com o equino sob anestesia geral. Muitos cirurgiões
preferem o decúbito dorsal para permitir o acesso cirúrgico a todos os lados da articulação, para permitir
cirurgia em várias articulações e membros e para controlar hemorragia. A preparação cirúrgica asséptica e o uso
de ataduras são necessários. Os equipamentos básicos necessários incluem um artroscópio e camisa
artroscópica, fonte de luz e cabo, bomba de fluidos para distensão da articulação, cânula de egresso e várias de
instrumentos manuais para procedimentos intra­articulares. Uma câmera de vídeo e uma tela são altamente
recomendadas para reduzir o risco de contaminação e aumentar a visualização e percepção de profundidade, e
para permitir a captura de imagens e vídeos. Técnicas de triangulação são utilizadas para otimizar a
manipulação de instrumentos intra­articulares.
A artroscopia, bursoscopia e tenoscopia, com frequência, são utilizadas para avaliar e tratar cavidades
sinoviais contaminadas. As técnicas facilitam o desbridação de feridas, remoção de fibrina e debris estranhos e a
lavagem copiosa das cavidades sem induzir maiores traumas por uma incisão maior. O ambiente intrassinovial
normal pode se recuperar rapidamente. A bursoscopia da bursa navicular quase eliminou a necessidade de
procedimentos street­nail para o tratamento de perfurações dessa estrutura e tem reduzido a morbidade de
infecções calcâneas após lesão no jarrete. A tenoscopia melhorou a taxa de recuperação de tenossinovite séptica
em equinos.

TÉCNICAS DE IMAGEM

Técnicas de imagem fornecem informações patológicas e fisiológicas importantes, necessárias para o tratamento
de enfermidades específicas. As imagens podem ser divididas em métodos anatômicos e fisiológicos. Métodos
de imagem anatômicos incluem radiologia, ultrassonografia, tomografia computadorizada e imagem de
ressonância magnética. Métodos de imagem fisiológicos incluem cintigrafia e termografia. Quando a analgesia
diagnóstica falha na eliminação da claudicação, a claudicação é muito sutil para localização pela analgesia
diagnóstica ou o equino não é disciplinado para manuseio ou injeção, técnicas de imagens fisiológicas podem
ajudar a restringir o problema para uma região específica. Métodos de imagem anatômicos podem, então, ser
utilizados para avaliar essas áreas. Imagens também podem ajudar a evitar lesões. Isso requer detecção precoce
das alterações fisiológicas associadas à lesão. Embora o uso frequente de um método de imagem anatômica
possa detectar alterações em uma região, a imagem fisiológica permite verificar todo o equino de forma
rotineira.

Técnicas de Imagem Anatômicas

Técnicas radiológicas são os métodos mais comumente utilizados para avaliar a claudicação em equinos.
Radiografias comuns requerem múltiplas projeções para avaliar qualquer área, permitem verificar os tecidos
ósseos e evidenciam alterações crônicas. Ocasionalmente, são necessárias técnicas radiográficas que oferecem
mais informações. A radiografia contrastada oferece informações sobre as superfícies e cartilagens articulares e
tem valor particular para determinar se cistos subcondrais se comunicam com a articulação e no delineamento
de fístulas subcutâneas. Diagnósticos de enfermidades, em geral, são feitos pelo uso de radiografias em conjunto
com exame clínico. O futuro da radiografia reside em técnicas digitais tais como radiografia computadorizada
(RC) e radiografia digital (RD). A RC utiliza uma placa especial que é lida pelo computador. As vantagens da
RC incluem menos repetições, baixa radiação e técnicas de pós­processamento que eliminam problemas de
contraste. A RD também utiliza uma placa especial, porém o computador lê a radiação diretamente do chassi
para produzir a imagem. Ela tem as mesmas vantagens da RC, porém é mais rápida.
Independentemente do sistema empregado, o objetivo da radiologia é examinar a região o suficiente para uma
avaliação completa da estrutura anatômica. Os filmes diagnósticos requerem preparação, posicionamento e
produção. A preparação envolve deixar o objeto a ser examinado preparado para a radiografia. Na maioria dos
casos, é necessário que o objeto seja limpo e que todos os materiais estranhos sejam removidos (p. ex., qualquer
produto a base de iodo no membro causará artefatos na radiografia). Para radiografia do casco, a ferradura deve
ser removida e os sulcos devem ser limpos e preenchidos.
O posicionamento é importante; o objeto deve ser avaliado de um número suficiente de ângulos para
assegurar uma avaliação adequada. Isso significa, minimamente, duas radiografias a intervalos de 90°. Muitos
membros requerem mais posições para avaliação adequada. A avaliação dessas projeções pode revelar a
necessidade de mais posições para avaliar melhor qualquer área de interesse. Por exemplo, o casco, boleto e
carpo equinos requerem cinco projeções, enquanto a quartela e o jarrete requerem quatro. A parte superior dos
membros de equinos precisam de menos projeções. Isso não decorre do fato de serem áreas menos complexas;
mas sim porque o tamanho do paciente torna difícil conseguir mais projeções. Em geral, podem ser feitas duas
posições do ombro e joelho. Para a articulação do ombro, normalmente, é possível apenas uma posição. Para o
quadril, com frequência é necessário anestesiar o animal. No entanto, a radiografia digital tornou possível
radiografar projeções de quadril com o animal em pé, em equinos jovens e naqueles com menos massa
muscular.
A obtenção de boas radiografias requer a exposição correta do filme. Ajustes corretos do kVp e mA, bem
como distâncias focais do filme apropriadas são críticas. Infelizmente, esses fatores variam e dependem do
aparelho de raios X em particular e do filme ou sistema eletrônico utilizados. Para médicos veterinários que
fazem atendimento ambulatorial, outro fator que deve ser considerado é a saída elétrica na propriedade rural
onde as imagens serão adquiridas (i. e., propriedades rurais mais velhas podem não ter saída elétrica com
capacidade suficiente para o gerador de raios X fornecer a exposição desejada).
O exame ultrassonográfico pode ser utilizado para verificação de quaisquer tecidos moles. Assim como as
radiografias, a área a ser examinada deve ser avaliada em dois planos a intervalos de 90°. A seleção do
transdutor deve considerar a profundidade, contorno e localização do tecido a ser avaliado. Quanto mais
profundo estiver o tecido, mais baixo deverá ser o comprimento de onda do transdutor utilizado. Quanto maior o
comprimento de onda, mais detalhes podem ser obtidos. Para avaliação de tendões flexores superficiais e
profundos ou do ligamento suspensor, um transdutor linear de 7,5 a 10 MHz é melhor. A avaliação de áreas
anatômicas complexas, como a parte distal dos membros ou a região pélvica, requer um transdutor linear
convexo. A avaliação da parte interna da região pélvica requer um transdutor linear retal.
A ultrassonografia é mais útil na avaliação de tendões e ligamentos, mas também pode ser utilizada para
avaliar músculos e cartilagens. Em todos os casos, o alinhamento das fibras do tecido e a ecogenicidade são
fatores avaliados para determinar a lesão anatômica. Em geral, a perda de alinhamento de fibras e o aumento da
ecogenicidade são sinais de lesão aguda; o aumento da ecogenicidade, em geral, indica uma lesão crônica. No
entanto, se qualquer dúvida surgir durante a avaliação, a mesma área deve ser avaliada no membro oposto para
comparação das alterações encontradas. Para um novato na ultrassonografia, é uma boa ideia comparar dos
lados direito e esquerdo antes de realizar um diagnóstico ultrassonográfico.
A verificação de alterações anatômicas serve como base para qualquer diagnóstico patológico, bem como, é
importante na determinação do prognóstico. Por essas razões, radiografia e ultrassonografia são
complementares. A radiografia propicia informação a respeito de tecidos ósseos, enquanto a ultrassonografia
oferece informações sobre tecidos moles que se conectam aos ossos ou propiciam suporte.
Ressonância magnética (RM) e tomografia computadorizada (TC) são recursos de imagens anatômicas ricos
em detalhes. Seu uso está se tornando cada vez mais comum nas avaliações de claudicação em equinos. A RM,
em particular, tem se tornado bastante popular. Há dois tipos de RM disponíveis: magnetos de campo baixo e de
campo alto. Os escâneres de campo alto propiciam sinais mais fortes e imagens com maior resolução em um
período de tempo menor que os escâneres campo baixo. No entanto, alguns escâneres campo baixo podem ser
utilizados para avaliar equinos em pé sedados, enquanto os escâneres campo alto requerem que o equino seja
anestesiado. As unidades para animais em estação podem ser utilizadas para avaliar apenas distalmente ao carpo
e jarrete. A RM fornece imagens em fatias da região anatômica de interesse. As fatias normalmente são em três
planos diferentes: axial (transverso), sagital (longitudinal) e dorsal. A RM de doenças ortopédicas é realizada
em várias sequências de aquisição. Cada sequência mostra uma informação anatômica, fisiológica e patológica
diferente. As sequências mais comuns são a de densidade de prótons e as imagens T1 e T2. As imagens de
densidade de prótons fornecem mais detalhes anatômicos. As imagens T1 destacam as características estruturais
dos ossos e tecidos moles, enquanto as imagens T2 enfatizam as características dos fluidos dos tecidos e são
sensíveis para detecção de efusões sinoviais, cistos e edema. Sequências especiais podem ainda clarear ou
destacar a lesão. Por exemplo, sequências sem gordura são utilizadas para avaliar edema em áreas com alto sinal
de gordura como a medula óssea.
Comumente conhecidas como varreduras por TC, a tomografia computadorizada é uma tecnologia que usa
feixes de raios X muito pequenos de muitos ângulos diferentes ao redor do corpo (chamados de fatias) que são
reconstruídos por um computador para produzir a imagem. Uma vez que as imagens são feitas em fatias, há
menos interferência da anatomia adjacente. Dessa forma, as varreduras por TC fornecem a imagem mais clara
possível dos membros, articulações, passagens nasais, crânio, seios paranasais e pescoço. Essas imagens
melhoram capacidade do clínico de definir e identificar com precisão a extensão da anormalidade nessas
regiões.

Técnicas de Imagem Fisiológicas

Essas técnicas propiciam imagens que refletem processos fisiológicos. Diferentemente das imagens anatômicas,
que refletem estruturas, as técnicas de imagem fisiológicas avaliam o metabolismo ou a circulação. A
termografia e a cintigrafia permitem o exame de todo o equino. Quando combinadas com exame clínico
rigoroso, esses métodos são úteis na identificação de lesões que podem, de outro modo, não ser identificadas.
A termografia é a representação pictorial da temperatura da superfície de um objeto. É uma técnica não
invasiva que mede o calor emitido e é útil para a detecção de alterações inflamatórias que podem contribuir para
a claudicação. O fluxo sanguíneo relativo regula o padrão térmico; padrões térmicos normais podem ser
previstos com base na vascularidade e nos contornos da superfície. A pele recobrindo os músculos também é
sujeita a aumento de temperatura durante atividade muscular. A circulação é invariavelmente alterada em
tecidos lesionados ou doentes. Termograficamente, a “mancha quente” associada a inflamação localizada, em
geral, é observada na pele diretamente sobre a lesão. No entanto, tecidos doentes podem ter um suprimento
sanguíneo reduzido causado por edema, trombose em vasos ou infarto tecidual. Com tais lesões, a área de calor
diminuída geralmente é circundada por emissões térmicas aumentadas, provavelmente em razão do desvio de
sangue.
Durante a cintigrafia, polifosfonato radiofarmacêutico é aplicado por via IV. Em seguida, sua distribuição é
medida por meio de uma câmera gama. Os polifosfonatos ligam–se rapidamente aos cristais de hidroxiapatita
expostos, geralmente em áreas em que o osso é remodelado ativamente. Como a inflamação causa aumento no
fluxo sanguíneo, permeabilidade capilar e volume de fluido extracelular, tecidos inflamados acumulam altos
níveis de radiofármacos durante a fase de tecidos moles da cintigrafia, permitindo avaliação de lesões em
tecidos moles. Durante a fase óssea, o radiofármaco se acumula em áreas de remodelação ou vascularidade
aumentada. Como o osso lesionado é remodelado mais rapidamente, a cintigrafia é útil para a detecção de lesões
em ossos e ligamentos, em particular na identificação de entesopatia (lesão às inserções de tendões e ligamentos
no osso).

ANORMALIDADES DA PATA

CANCRO

O cancro é uma hipertrofia crônica e supuração aparente dos tecidos produtores de tecido córneo do casco, que
envolve a ranilha e a sola. Desconhece­se sua causa. Embora com frequência seja descrito como uma doença
vista em animais mantidos em ambientes úmidos e sujos, também é encontrado em animais bem tratados. A
enfermidade pode ser verificada tanto nos membros torácicos quanto pélvicos e começa, mais comumente, na
parte caudal da ranilha, onde a área acometida consiste em um tecido de granulação inflamado com epitélio
proliferativo. O tecido acometido normalmente está coberto por exsudato caseoso, que pode apresentar odor
fétido. A superfície da lesão é irregular, com crescimento vegetativo característico, semelhante à couve­flor. O
processo patológico pode se estender até a sola e mesmo para a parede do casco, sem apresentar tendência à
cicatrização.
O tratamento requer desbridação radical até o córion normal, utilizando um desbridador afiado ou um
eletrocautério. Todo o tecido cetarinizado solto deve ser removido. Se a desbridação com instrumento afiado é
utilizada, crioterapia pode ser aplicada subsequentemente para matar o tecido acometido que não foi removido
pelo processo de desbridação. Após esse procedimento, um antisséptico ou bandagem com antibiótico deve ser
aplicado diariamente. Bons resultados foram relatados utilizando uma solução de peróxido de benzoíla
dissolvido em acetona. O metronidazol é comumente aplicado topicamente. Um ambiente limpo e seco deve ser
mantido no curativo para permitir a cicatrização, que pode demorar semanas a meses. Materiais impermeáveis e
botas de plástico são utilizados com esse propósito.

CERATOMA (Cerafilocele)
O ceratoma é um tumor benigno composto de queratina, situado entre a parede do casco e a falange distal. Sua
causa não é conhecida. Essa enfermidade pode ser difícil de detectar até que o crescimento esteja bem avançado.
Pode haver um abaulamento tanto da banda coronária quanto da parede do casco sobre o ceratoma, dependendo
da sua posição no casco. A pressão causada pela lesão causa reabsorção óssea da falange distal na maioria dos
casos, o que pode ser visualizado em uma radiografia dorsopalmar a 65° da falange distal. Indica­se a remoção
cirúrgica do tumor. Se possível, é melhor localizar a neoplasia utilizando diferentes técnicas de obtenção de
imagens (i. e., radiografia, TC) e apenas ressecar a parede do casco imediatamente sobre a lesão.

DERMATITE VERRUCOSA (Talão gorduroso, Grapa)


Dermatite verrucosa é uma dermatite seborreica crônica, caracterizada por hipertrofia e exsudação na superfície
caudal da quartela e do boleto. Está associada, com frequência, à higiene deficiente no estábulo, mas sua causa
específica não é conhecida. Os equinos pesados são particularmente suscetíveis e os membros pélvicos são
acometidos mais comumente. Os equinos da raça Puro Sangue Inglês, com frequência, são acometidos na
primavera, quando as pistas de corrida se encontram úmidas.
A dermatite verrugosa pode passar despercebida, se for escondida pela pelagem excessiva na parte posterior
da quartela. A pele torna­se pruriginosa, sensível e inchada durante os estágios agudos; posteriormente, ela se
espessa e boa parte dos pelos cai. Só os pelos mais curtos permanecem e ficam eretos. A superfície da pele fica
macia e o exsudato acinzentado, normalmente, apresenta um odor fétido. A afecção pode ficar crônica, com
granulomas vegetativos. A claudicação pode ou não estar presente; ela pode ser grave e se associar com celulite
generalizada no membro. À medida que a afecção progride, ocorrem espessamento e endurecimento da pele nas
regiões acometidas, com uma hipertrofia rápida do tecido fibroso subcutâneo.
O tratamento persistente e agressivo, em geral, é efetivo. Esse tratamento consiste em remoção dos pelos,
lavagem e limpeza regular com água morna e sabão para remover todo o exsudato mole, secagem e aplicação de
um curativo adstringente. Se surgirem granulomas, eles devem ser cauterizados. A celulite requer
antibioticoterapia sistêmica e profilaxia antitetânica.

DESNIVELAMENTO DOS TALÕES

No desnivelamento dos talões, ocorre um desequilíbrio adquirido grave dos cascos, com assimetria na região
dos talões. Visto pela face caudal do casco, um talão é mais alto que o outro; o lado mais alto normalmente
apresenta uma parede de casco mais vertical. Quando visto de lado, a banda coronária não forma um ângulo
gradual em direção à superfície do chão em direção craniocaudal (a aparência normal) no lado mais alto. Alguns
equinos com desnivelamento dos talões apresentam claudicação. Rachaduras no casco, fissuras profundas entre
os bulbos dos talões e podridão de ranilha, com frequência, acompanham o problema. O desnivelamento dos
talões ocorre mais comumente em razão da colocação de forças anormais de um lado do casco e é verificada,
com frequência, em equinos com conformação anormal do(s) membro(s) acometido(s).
Casqueamento e ferrageamento corretivos, na tentativa de restaurar o alinhamento apropriado dos talões e o
equilíbrio do casco, são necessários. Uma ferradura fechada é utilizada para aumentar a área de superfície do
chão enquanto protege o quarto e o talão acometido. Vários ferrageamento podem ser necessários antes que a
melhora seja evidente. O prognóstico é bom em casos não complicados, se medidas corretivas forem aplicadas
de forma consistente até que o novo casco volte a crescer.

DOENÇA DA LINHA BRANCA (Parede Oca, Dígito Descorado, Onicomicose)

A doença da linha branca é uma afecção da parede do casco na qual ocorre separação entre a parede do casco e
as lâminas subjacentes (estrato interno) na altura do estrato médio (tecido córneo tubular). A separação,
provavelmente, inicia como resultado do estresse anormal na parede do casco em decorrência de conformação
ruim do casco ou casqueamento inapropriado (p. ex., pinça longa, talão baixo), e pode começar na pinça, quarto
ou talão. Bactérias e fungos oportunistas podem estar presentes nas fissuras da parede do casco, o que resulta, às
vezes, em drenagem de uma secreção purulenta. A superfície externa da parede do casco pode parecer saudável,
mas a avaliação da superfície palmar do casco, a superfície interna da parede está esfarinhando e pode haver
uma cavidade em razão da perda de substância córnea. Percussão na parte externa do casco resulta em um som
de oco sobre a região acometida. Em casos graves, nos quais ocorre perda de suporte da falange distal, pode
haver claudicação.
Os procedimentos diagnósticos incluem exame físico completo e radiografias dorsopalmares e laterais para
avaliar a extensão da separação da parede do casco. Para o tratamento, casqueamento corretivo é essencial para
remover estresses anormais na parede do casco, seguido pela remoção de toda a região do casco que está
separada até o ponto em que uma adesão firme, sadia da parede do casco ao estrato interno subjacente possa ser
observada. Essa desbridação da parede do casco é realizada com auxílio de material de casqueamento, como
rinetas e ferramentas rotatórias. Com desbridação apropriada, provavelmente não é necessário o uso de
antissépticos ou adstringentes. O ferrageamento corretivo é essencial para fornecer suporte adequado ao restante
do casco, ao remover o estresse das regiões acometidas; ferraduras com barra em coração ou ovais em
combinação com massa de vidraceiro flexível nos dois­terços caudais da sola (para dar suporte à falange distal)
é recomendado.

DOENÇA NAVICULAR (Dor palmar, Podotroclose, Podotroclite)


A doença navicular é uma das causas mais comuns de claudicação crônica dos membros torácicos em animais
atletas, mas é essencialmente desconhecida em pôneis e asininos. A doença navicular é uma afecção
degenerativa crônica do osso navicular que envolve: (1) perda da arquitetura medular (com invaginação sinovial
subsequente) (2) esclerose óssea combinada à lesão fibrocartilaginosa na superfície flexora do osso, (3)
fibrilação traumática do tendão flexor digital profundo pelo contato com a superfície flexora lesionada do osso,
com formação de aderências entre o tendão e o osso e (4) formação de entesófitos nas bordas proximal e distal
do osso.
ETIOLOGIA: Provavelmente, a síndrome decorre mais de uma patogênese complexa do que de uma entidade
mórbida, embora haja um consenso maior de que há um componente biomecânico (que causa aumento da
pressão medular óssea) e, possivelmente, um componente vascular. Parece haver predisposição hereditária,
indicada pela redução marcante da incidência de enfermidade em animais da raça Dutch Warmblood após a
suspensão da certificação para o uso de garanhões com alterações naviculares graves para reprodução. É
considerada uma doença de equinos de montaria mais maduros, comumente não se manifestando até os 8 a 10
anos de idade. A conformação da parte distal do membro provavelmente tem um papel importante no processo
patológico e grau de claudicação. A pressão excessiva no osso navicular ocorre quando o eixo casco­quartela é
“alterado” para trás, normalmente acompanhado de um talão baixo e pinça excessivamente longa. Essa
conformação, que leva à concussão excessiva entre o tendão flexor e o osso navicular, também pode causar
bursite navicular, com lesão direta à fibrocartilagem da superfície flexora e da superfície colágena do tendão
flexor propriamente dito.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Em geral, a enfermidade tem início insidioso. Há manifestação precoce de
claudicação intermitente no curso da doença. Uma vez que a enfermidade é bilateral, pode não haver
movimento de cabeça óbvio quando o animal é trotado em linha reta, com a presença apenas de passos curtos. A
claudicação normalmente é exacerbada trotando o animal em movimentos circulares, com o membro de dentro
manifestando a alteração mais marcante. Nos estágios iniciais da doença, a claudicação pode não ser notada
mesmo em círculos, até que o bloqueio nervoso seja realizado em um dos cascos (i. e., os dois membros
acometidos se “cancelam”). O teste de flexão do membro torácico distal pode produzir uma exacerbação
transitória da manifestação.
O diagnóstico clínico se baseia principalmente na apresentação do animal (idade, raças acometidas com
maior frequência) e, o mais importante, no exame de claudicação, inclusive a resposta característica ao bloqueio
do nervo digital palmar. Os equinos raramente são positivos com o uso da pinça de casco (11% foram positivos
em um estudo). A claudicação pode ser eliminada por meio do bloqueio do nervo digital palmar. No entanto,
como o bloqueio desse nervo anestesia toda a sola e articulação interfalangiana distal, além dos talões, a
resposta ao bloqueio propriamente dito não é diagnóstica. A transferência da claudicação para o membro
torácico contralateral, que também é eliminada pelo bloqueio no nervo digital palmar, é necessária para o
diagnóstico presuntivo de doença do navicular. Anestesia da bursa do navicular é muito mais específica, mas
não é realizada comumente durante o exame de claudicação em razão da dor envolvida e da complexidade da
administração (normalmente é realizada orientada por radiografias). Alterações radiográficas são variáveis e
nem sempre correspondem à gravidade da claudicação. Assim, não são tão importantes para o diagnóstico
quanto a avaliação da claudicação. As radiografias podem mostrar várias de alterações degenerativas que
envolvem o osso navicular: entesófitos marginais, aumento da fossa sinovial (denominada de canais vasculares)
e cistos em razão da perda de osso trabecular medular, alterações da superfície flexora (observadas na imagem
da silhueta), inclusive erosões e perda de definição do córtex.
TRATAMENTO: Uma vez que a afecção é tanto crônica quanto degenerativa, ela pode ser tratada em alguns
equinos, mas não curada. Os tratamentos mais efetivos incluem a administração de AINE e ferrageamento
corretivo. A fenilbutazona é o AINE utilizado mais comumente, mas deve ser utilizada com cuidado em razão
das reações adversas (lesão renal e GI). Se utilizada diariamente, é melhor suspender a administração do
medicamento 1 dia por semana, para permitir que o organismo do animal depure parte do fármaco acumulado; o
animal pode receber flunixino meglumina nesse dia. A opção mais segura é o uso de AINE seletivo para COX­
2, firocoxib, que é bastante efetivo para controle da dor ortopédica e articular. Recomenda–se repouso em casos
de claudicação grave.
Doença do osso navicular (podotrocleose, podotroclite). Cortesia do Dr. Ronald Green.

Os cuidados com o casco devem incluir desbastes e ferrageamento que restabeleça o alinhamento e o
equilíbrio interfalangiano normal; respostas ao ferrageamento corretivo comumente demoram,
aproximadamente, 2 semanas. O objetivo principal do ferrageamento é reduzir a pressão no osso navicular. A
técnica de ferrageamento que reduz a pressão sobre o osso navicular de forma mais efetiva é a elevação do talão
(normalmente realizada com palmilhas com elevação na parte posterior ou ferraduras com elevação posterior).
O rolamento da pinça alivia ainda mais a pressão no osso navicular. A ferradura oval com barra não reduz a
pressão no osso navicular em equinos sadios em superfície dura, mas há relatos de que ela reduz de maneira
efetiva as forças no osso navicular em alguns animais com doença do navicular e colapso de talões.
Adicionalmente, a ferradura oval com barra provavelmente é mais efetiva na redução das forças compressivas
no osso navicular em superfícies macias (nas quais os equinos normalmente são trabalhados); elas funcionam
como um sapato para neve, e não permitem que os talões afundem tão profundamente quanto o restante do
casco, como uma ferradura comum faria. Ferraduras de equilíbrio natural não são efetivas na redução da pressão
no navicular.
A infiltração da articulação interfalangiana distal com corticosteroides melhorará de forma marcante a
claudicação em, aproximadamente, um­terço dos equinos (por um período médio de 2 meses), enquanto há
relatos de que infiltrações de corticosteroides na bursa navicular resolvem a claudicação por uma média de 4
meses em 80% dos equinos que não respondem à tratamentos padrão (fenilbutazona, ferrageamento e injeções
na articulação interfalangiana distal). O aumento da incidência de ruptura do tendão flexor digital profundo foi
relatado com múltiplas administrações intrabursais. Cloridrato de isoxsuprine não é efetivo como vasodilatador
quando administrado por via oral, e apresenta pouco valor terapêutico.
Neurectomia digital palmar pode dar alívio e prolongar a vida útil do animal, mas não deve ser considerada
curativa. A neurectomia digital apresenta alta incidência de complicações graves, como formação de neuroma
dolorido e ruptura do tendão flexor digital profundo. Outros procedimentos cirúrgicos para doença navicular não
foram testados.
Embora o prognóstico seja reservado a desfavorável, um regime terapêutico delineado cuidadosamente pode
prolongar a vida útil da maioria dos animais, e a capacidade competitiva de muitos. No decorrer de meses a
anos, a maioria dos equinos acometidos chega a um estágio de não responsividade ao tratamento.
DOENÇA PIRAMIDAL (Fratura do Processo Extensor, Pé de Apoio)
Acredita­se que a fragmentação do processo extensor da falange seja decorrente de traumatismo, osteocondrose
ou, quando os fragmentos são grandes, da presença de um centro de ossificação separado. Os membros
torácicos são acometidos com maior frequência que os membros pélvicos. Os fragmentos da fratura
normalmente são intra­articulares, mas não de deslocam; eles podem estar aderidos ao tendão extensor. Os
fragmentos podem ser achados acidentais, mas também podem causar claudicação. A associação íntima do
processo extensor com a articulação interfalangiana distal resulta em artrite secundária se os fragmentos não
forem removidos. As fraturas podem ser removidas por artroscopia ou artrotomia; a remoção artroscópica de
pequenos fragmentos tem um prognóstico bom. No caso de fraturas grandes e não tratadas, normalmente
verifica­se um aumento de volume da região da pinça imediatamente acima da banda coronária, o que resulta
em um casco de aparência piramidal. Anti­inflamatórios sistêmicos podem ser benéficos.

FERIMENTOS PERFURANTES NA PATA (Abscesso subsolar, Bursite navicular séptica)


Os ferimentos perfurantes são comuns em equinos e constituem causas comuns de sepse subsolar. A maioria dos
ferimentos por perfuração resulta apenas em sepse dos tecidos moles da margem subsolar (i. e., abscesso
subsolar), mas podem ser catastróficos quando a perfuração ocorre na ranilha e chega profundamente às
estruturas sinoviais, como a bursa navicular, a articulação interfalangiana distal ou a bainha do tendão flexor
digital profundo.
Perfurações da sola por corpos estranhos são associadas à introdução de microrganismos patogênicos que
causam a formação de abscesso subsolar. A claudicação, normalmente, é grave; o grau de claudicação pode ser
similar ao de uma fratura. O equino pode ficar parado “apontando” o membro acometido. Comumente, há um
pulso digital marcante no membro acometido. Se o quadro progredir, o abscesso pode migrar em sentido
proximal e romper na banda coronária; normalmente há um exsudato edematoso proximal à banda coronária
antes da ruptura do abscesso. O diagnóstico é confirmado por meio da constatação do sítio da dor retirando a
ferradura, utilizando pinça de casco e limpando a área suspeita para localizar o corpo estranho ou seu trato de
coloração negra. Se um corpo estranho é encontrado na ranilha, é melhor obter uma radiografia lateral do casco
para avaliar as estruturas acometidas pela penetração, antes de remover o corpo estranho. Se um trato drenante é
encontrado na ranilha, deve­se introduzir uma sonda no local e radiografar com a sonda posicionada. Uma vez
que as lesões perfurantes na ou próximas à ranilha comumente penetram estruturas sinoviais, eles constituem
um problema grave que requer diagnóstico e terapia rápidos e agressivos. Se uma estrutura sinovial é penetrada,
o equino deve receber antibióticos de amplo espectro e deve ser transportado para uma instituição qualificada
para a realização de técnicas médicas e cirúrgicas avançadas; a estrutura sinovial acometida deve ser lavada com
solução poliônica estéril o mais rápido possível (dentro de horas).
Se uma lesão perfurante é notada na área da sola, permitir a drenagem adequada do local ajuda a evitar a
formação de abscessos. Se houver suspeita de um abscesso, mas nenhum trato é encontrado, pode­se aplicar um
cataplasma no casco como tentativa de promover a organização do abscesso para sua localização. Se o trato é
encontrado e indicar um abscesso subsolar, a drenagem adequada deve ser estabelecida com uma rineta; o
orifício de drenagem deve ser mantido o menor possível (aproximadamente, 0,5 a 1 cm de diâmetro) para evitar
prolapso do córion sensorial. Alguns ferradores e médicos veterinários preferem, se possível, drenar o abscesso
pela parede do casco e não pela sola. Deve­se então, aplicar uma sonda no abscesso para determinar a sua
extensão; o bloqueio digital palmar pode ser necessário antes do uso da sonda e da lavagem da área. Se o
abscesso afetar uma área grande do casco, ele pode ser lavado inserindo um cateter calibre 14 ou cânula
mamária no espaço subsolar acometido e lavando com solução salina de Epsom saturada (preparada
adicionando sal de Epsom à água fervente ou à solução salina até que alguns cristais do sal se depositem no
fundo do recipiente e não se solubilizem). Se um abscesso subsolar crônico se desenvolve, pode ser necessário
repetir o tratamento. O casco deve então ser mantido em uma bota de plástico ou borracha por vários dias, uma
compressa de algodão embebida em solução de sulfato de magnésio saturada ou outro cataplasma apropriado
pode ser aplicado ao casco por 12 h/dia, até que toda a drenagem cesse. Todos os equinos com feridas
penetrantes devem ser imunizados contra tétano. Antibioticoterapia local e sistêmica não são necessárias para
abscessos solares, mas devem ser utilizadas agressivamente se ocorrer sepse ou o acometimento de estruturas
sinoviais.

FRATURA DA FALANGE DISTAL (Fratura da terceira falange, do osso do casco ou do osso do pé)
A fratura da falange distal é uma lesão relativamente incomum, que normalmente ocorre em velocidades
moderadas a muito altas (i. e., durante exercícios ou corrida). Ela ocorre em decorrência de concussão e provoca
um início de claudicação súbito. A claudicação é grave se a fratura é intra­articular, mas pode ser menos grave
se apenas a asa (ou margem da sola da falange distal) estiver fraturada, sem nenhum componente articular.
Fraturas da falange distal ocorrem com maior frequência nos membros torácicos, mas também são comuns nos
membros pélvicos. Fraturas intra­articulares podem ser facilmente isoladas do casco; a claudicação
normalmente é associada à efusão articular. Fraturas não articulares podem requerer compressão do casco com
pinças de casco e, possivelmente, anestesia unilateral do nervo digital palmar para localização. A claudicação é
exacerbada girando o cavalo ou realizando movimentos de pivotamento no membro acometido. Se a fratura não
se estender à articulação, a claudicação pode melhorar consideravelmente após 48 h de repouso em baia.
Os sinais clínicos podem ser sugestivos, mas o diagnóstico é confirmado mediante bloqueio de nervo digital
palmar e radiografia. Com frequência, serão necessárias mais de duas projeções antes de a linha de fratura ficar
evidente. A confirmação radiográfica pode ser difícil imediatamente após a lesão, pois a fratura só tem a
espessura de um fio de cabelo nesse estágio. Pode ser necessária a repetição da radiografia vários dias ou
semanas após (para permitir a reabsorção óssea) e o uso de projeções oblíquas para confirmar a presença e o
local exato da fratura. Adicionalmente, se houver suspeita de fratura na asa da falange distal, anestesia unilateral
do nervo digital palmar pode ser realizada para localizar a claudicação naquele lado. A determinação se a fratura
se estende para a articulação interfalangiana distal é importante.
Um tratamento conservador de repouso de 6 a 9 meses, em geral, é tudo o que é exigido no caso das fraturas
que não envolvem a articulação. As fraturas, com frequência, cicatrizam com a união fibrosa, de forma que,
mesmo que o equino retorne à sanidade, as evidências radiográficas da fratura permanecerão. É normal se
encaixar uma ferradura de barra simples com grampo bem atrás de cada lado da pinça do casco para limitar a
expansão e a contração dos talões. Nos equinos jovens (com menos de 3 anos de idade), as fraturas no interior
da articulação podem cicatrizar de maneira satisfatória, contanto que se proporcione um período de repouso de
12 meses. Nos equinos mais velhos (com mais de 3 anos de idade), o prognóstico é muito menos favorável e
indica­se a inserção de um parafuso de osso cortical, utilizando a compressão interfragmentar através do local
de fratura. No entanto, a infecção é uma complicação frequente, uma vez que uma abordagem extracapsular é
necessária. Muitas fraturas cicatrizam na presença de infecção, mas deve­se remover o parafuso em uma
segunda cirurgia para restituir ao equino a sanidade de trabalho completa. Nos equinos de corrida com fraturas
alares, usa­se a neurectomia digital palmar unilateral para permitir o retorno a competições sem retardamento da
cicatrização completa.

FRATURA DO OSSO NAVICULAR

Fraturas do osso navicular normalmente resultam de traumatismo ou concussão excessiva no casco, mas a causa
nem sempre é conhecida. Ela é muito menos comum que a fratura da falange distal e é observada com maior
frequência no membro torácico. Embora a dor seja variável, a pinça de casco normalmente induz uma resposta
dolorida sobre a ranilha. A claudicação é grave em fraturas agudas, mas pode ser menor em fraturas crônicas,
nas quais a união fibrosa possivelmente falhou. A claudicação normalmente melhora de forma marcante com o
bloqueio do nervo digital palmar (que bloqueia tanto a região navicular quanto a articulação interfalangiana
distal). A radiografia confirmará o diagnóstico; no qual uma fratura sagital normalmente é encontrada medial ou
lateral à linha média; deve­se ter cuidado ao preencher o sulco da ranilha para evitar artefatos que parecem com
fraturas do osso navicular.
O tratamento conservador consiste em repouso prolongado e ferrageamento corretivo por meio da aplicação
de talões dramaticamente elevados (até 12°), mas a união óssea satisfatória no local de fratura raramente ocorre.
O prognóstico é reservado a desfavorável. A reparação cirúrgica utilizando um parafuso de pressão foi descrita
com um prognóstico melhor.

GAVARRO (Seio coronal)


Gavarro é uma inflamação séptica crônica das cartilagens colaterais da terceira falange, caracterizada por
necrose da cartilagem e um ou mais tratos sinusais que se estendem desde a cartilagem doente, através da pele,
até a região da coroa. É raro encontrá­lo atualmente, mas era comum nos equinos de tração em trabalho. O
gavarro normalmente segue uma lesão na região medial ou lateral da parte baixa da quartela (imediatamente
proximal à banda coronária, sobre a parte proximal da cartilagem), por onde a infecção é introduzida na
cartilagem colateral lesionada. Isso leva à sepse localizada ou abscedação da cartilagem. A cartilagem também
pode se tornar infectada por meio de fissuras na quartela (ver a seguir). O primeiro sinal é um edema
inflamatório sobre a região da cartilagem colateral, que é seguido pela formação de um seio e drenagem
intermitente. Durante o estágio agudo, ocorre claudicação.
A cirurgia para remover o tecido lesionado é necessária, mas deve­se ter cuidado para não penetrar na
articulação interfalangiana distal. Terapia local ou parenteral (ou ambas) sem cirurgia provavelmente não terá
sucesso. Na ausência de qualquer tratamento, drenagem insuficiente, necrose da cartilagem e abscedação
recorrente levarão à claudicação crônica e extensão a estruturas profundas. O prognóstico é desfavorável se a
enfermidade progredir e envolver a articulação interfalangiana distal.

HEMATOMA DE SOLA E CALOS


O hematoma da superfície da sola do casco, normalmente, é causado por uma lesão direta, por pedras, solo
irregular ou ferradura mal ajustada. Embora o hematoma possa ocorrer em qualquer lugar da superfície da sola,
quando localizado na parte caudal da sola, no bulbo do talão (no ângulo entre a parede e a barra), é denominado
calo. Equinos com o casco chato ou sola contraída são predispostos à hematomas, normalmente no dígito ou ao
redor da periferia da sola. A gravidade dos hematomas solares pode variar de algumas manchas avermelhadas
na parte interna da epiderme sola (decorrente de hemorragia mínima) à presença de soro entre a epiderme sola e
sua camada protetora. Se não é tratada, a área acometida pode se infectar (i. e., abscesso subsolar). A presença
de hematomas persistentes, não responsivos, dorsal ao ápice da ranilha sugere a possibilidade de deslocamento
da falange distal secundário à laminite.
Os calos ocorrem mais comumente nos membros torácicos na parte interna do ângulo entre a parede e a barra,
e podem ser causados por: 1) ferradura que não foi posicionada de maneira apropriada (ramo excessivamente
curvado sobre a ranilha); 2) ferradura que é deixada muito longa, o que causa pressão no bulbo do talão e 3)
ferradura que foi ajustada muito próxima aos quartos ou é muito pequena para o casco. Os calos são descritos
como secos (hemorragia apenas leve), úmidos (presença de exsudato seroso) ou supurativos (infectado ou
abscedado). Os hematomas podem ser associados à claudicação, dependendo da gravidade. Quando o casco é
levantado e a superfície sola limpa de sujidades, nota­se uma alteração da coloração, vermelha ou amarelo
avermelhada. A pressão da área acometida com pinça de casco, normalmente, causa graus variados de
desconforto, novamente dependendo da gravidade da lesão.
O tratamento é direcionado para a remoção da pressão e proteção da área com hematoma. Em equinos
predispostos a calos, o ferrageamento apropriado com ramos que se ajustem bem à parede do casco na pinça e
nos talões (e se estenda para o aspecto caudal do bulbo dos talões) reduzirá a incidência de lesões. Em animais
predispostos a hematomas em razão de solas contraídas, a aplicação de uma ferradura de ramos amplos que é
acomodada sobre a superfície da sola (feita relativamente côncava à superfície da sola) para evitar pressão
ajudará a proteger a sola. Adicionalmente, uma palmilha pode ser colocada para proteger a sola. Esse tipo de
ferrageamento, em geral, pode proteger o animal com hematoma de sola. Em animais com calos doloridos, o
talão acometido pode carregar menos peso, aparando a parede do casco e a parte insensível da sola para
minimizar o contato da sola com o chão até que ela se cure; uma ferradura com barra também pode ajudar a
dispersar a pressão para longe da área aparada.
Se o hematoma/calo está supurando, a drenagem da sola ventral normalmente com auxílio de uma rineta,
normalmente é adequada para permitir a cicatrização. Se a área subsolar acometida é grande, o abscesso
normalmente pode ser tratado estabelecendo uma pequena área de drenagem (com, aproximadamente, 1 cm de
diâmetro) no lado oposto à área acometida (estabelecida pelo exame), seguida de lavagem com solução de sal de
Epsom saturada com auxílio de um cateter calibre 14 ou cânula mamária conectada a uma seringa de 60 ml,
repetida diariamente ou em dias alternados, até a cicatrização. Isso, normalmente, é mais efetivo que a imersão
do casco e cataplasmas. A sola deve ser protegida até que a superfície da sola seja recoberta por um epitélio
queratinizado. A terapia antibacteriana parenteral é de valor questionável, a não ser que celulite esteja presente
proximal à banda coronária.

LAMINITE (Aguamento)
Laminite equina é uma enfermidade incapacitante que decorre da falha na ligação entre as lâminas epidérmicas,
conectadas à parede do casco, e as lâminas dérmicas, ligadas à falange distal. Uma vez que as lâminas são
responsáveis pela sustentação da falange distal dentro do estojo do casco, a falha nessa sustentação juntamente
com forças para baixo exercidas pelo peso do equino e forças de dispersão, como a tensão do tendão flexor
digital profundo, comumente ocasionam um deslocamento grave da falange distal, o que resulta em claudicação
grave. A laminite acomete todas as raças de equinos.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Acredita­se que existam três estados patológicos principais associados à laminite:
(1) doenças associadas à sepse e endotoxemia, (2) síndrome metabólica equina (laminite associada ao pasto, ver
p. 1099) e (3) laminite do membro de apoio. A patogênese da laminite ainda é controversa, sendo amplamente
variável entre essas três causas primárias. Uma quarta causa, menos comum, é a ingestão de maravalha (às
vezes utilizada inadvertidamente como cama) de nogueira preta. As causas mais comuns de laminite relacionada
com a sepse ou endotoxemia são enfermidades associadas a bactérias Gram­negativas (ou polimicrobianas) e
incluem ingestão de excesso de carboidratos (sobrecarga de grãos), metrite pós­parto (retenção de membranas
fetais), cólica (enterite anterior, vólvulo de cólon maior) e enterocolite. A laminite secundária à síndrome
metabólica equina ocorre mais comumente em equinos e pôneis com sobrepeso, e é comumente exacerbada
quando esses animais têm acesso a pastagens viçosas. A laminite do membro de apoio pode ocorrer a qualquer
momento, caso o animal coloque peso excessivo em um membro por um período de tempo prolongado em razão
da inabilidade em usar o outro membro (p. ex., pós­operatório de procedimentos ortopédicos, paralisia do nervo
radial).
A causa básica de falha laminar na laminite é a falha de adesão entre as células epiteliais da lâmina basal
(CELB) das lâminas epidérmicas e as lâminas dérmicas subjacentes. Embora se suponha que a causa dessa falha
seja principalmente decorrente da quebra da matriz molecular da membrana basal e derme (à qual a CELB está
aderida) por metaloproteinases de matriz, atualmente, acredita­se também ocorra perda de aderência entre as
CELB em decorrência de uma desregulação nos hemidesmossomos, as moléculas de adesão das CELB, que
ligam as células à matriz subjacente de moléculas. Há um aumento marcante nos mediadores inflamatórios e
enzimas (p. ex., citocinas pró­inflamatórias, ciclo­oxigenase­2) nas lâminas nos estágios precoces da laminite,
que pode prejudicar CELB. Também, é possível que a hipoxia e isquemia decorrentes do fluxo sanguíneo
aberrante tenham um papel na disfunção das CELB.

Córion do dígito de equino. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

A fisiopatogenia da laminite associada à síndrome metabólica equina não é tão bem estudada, mas propõe­se
que seja decorrente de um estado inflamatório similar àquele associado à resistência à insulina em pessoas
obesas com síndrome metabólica e que ocasione lesão vascular. A patogênese da laminite do membro de apoio
não é conhecida.
Após a perda de integridade das ligações laminares, a falange distal pode passar por três tipos de
deslocamento, dependendo das forças exercidas no casco e do padrão de lesão laminar. O deslocamento distal
de toda a falange (normalmente denominado de “afundamento”) ocorre quando há perda em forma de
circunferência das ligações laminares, mais comumente verificada em casos graves de sepse ou endotoxemia,
mas que também é observada em equinos com síndrome metabólica. A rotação palmar da margem distal da
falange distal (normalmente denominada de “rotação”) é a forma de deslocamento observada com maior
frequência, e ocorre mais comumente em razão da perda primária das conexões laminares dorsais, com a
manutenção de algum grau de integridade nos talões. Raramente, ocorre deslocamento unilateral distal da
terceira falange, com maior frequência para o lado medial; esse deslocamento pode ser visualizado apenas em
radiografias anteroposteriores do casco. Na laminite relacionada com a sepse e síndrome metabólica equina, os
membros torácicos são acometidos com maior frequência, embora os membros pélvicos também possam ser
acometidos em casos graves. Na laminite do membro de apoio, tanto os membros torácicos quanto pélvicos são
acometidos, dependendo de qual membro oposto apresenta problema para sustentar o peso do animal.
ACHADOS CLÍNICOS: Classicamente, a laminite é considerada aguda, subaguda ou crônica. Casos agudos têm
duração curta (normalmente menos de 3 dias) e ainda não há deslocamento da falange distal. Casos subagudos
se estendem por mais de 3 dias, mas ainda não há deslocamento da falange distal. Casos de laminite crônica
apresentam deslocamento da falange distal independente da duração da enfermidade. Inicialmente no curso da
laminite, o equino apresenta depressão e anorexia e reluta em permanecer em pé. Há resistência marcante a
qualquer exercício, e o apoio normal é alterado na tentativa de aliviar o peso apoiado sobre o membro
acometido. Se apenas os membros torácicos são acometidos, o equino irá permanecer com os membros
torácicos muito à frente do normal (para reduzir o peso nos dígitos frontais); os membros pélvicos também
serão apoiados mais à frente, para dar maior sustentação ao peso. Se forçado a caminhar, o equino apresenta um
andar lento, encurvado, com passos curtos. Se todos os quatro membros forem acometidos, o animal ficará em
posição de cavalete, com os membros torácicos localizados mais à frente que o habitual, e os membros pélvicos
em posição mais caudal que o normal. Cada pata, uma vez levantada, é recolocada tão rapidamente quanto
possível no chão.
No estágio agudo, toda a parede do casco pode estar quente. Um pulso cheio e exagerado pode ser palpado e
pode ser visível nas artérias digitais. A dor pode causar tremores musculares, e uma maciez uniforme pode ser
palpada quando pressão é aplicada ao casco. Comumente, há aumento do pulso (60 a 120/min) e frequência
respiratória (80 a 120/min). Em casos excepcionalmente graves, para os quais o prognóstico é desfavorável, um
exsudato manchado de sangue pode extravasar da banda coronária. Evidência radiográfica de deslocamento da
falange distal pode estar presente tão cedo quanto no terceiro dia após o início dos sinais clínicos da
enfermidade em equinos com sepse ou endotoxemia. No entanto, um estudo recente com imagens de RM
mostrou que, nos casos agudos, o animal pode apresentar radiografias de aparência normal da falange distal,
apesar da destruição de toda a ligação laminar dorsal, que é visível na RM.
Casos subagudos, comumente observados em animais com síndrome metabólica equina, podem apresentar
qualquer um ou todos os sinais clínicos acima, mas em menor grau. Com frequência, há apenas uma alteração
leve na postura, com relutância em andar e algum aumento de sensibilidade à concussão na sola do casco
acometido. Pode não haver calor detectável na banda coronária ou aumento do pulso digital. As formas aguda e
subaguda de laminite tendem a recidivar a intervalos variáveis, e podem evoluir para a forma crônica.
Ligamentos e tendões do dígito distal do equino. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.

Durante ou imediatamente após o deslocamento da falange distal, o equino normalmente está extremamente
com claudicação e pode passar muito tempo em decúbito. Em casos graves, a falange distal pode sofrer prolapso
pela sola, cranialmente à ranilha, ou a banda coronária pode se separar; ambas as ocorrências afetam de modo
muito negativo o prognóstico. Casos de longa duração de laminite crônica são caracterizados por alterações na
forma do casco e, normalmente, seguem um ou mais episódios da forma aguda. Bandas de crescimento irregular
do casco (anéis de laminite) podem ser verificadas no casco, sendo mais próximas entre si na pinça e divergindo
no talão. O casco propriamente dito torna­se fino e alongado, com a parede quase vertical no talão e horizontal
na pinça.
Com a progressão da enfermidade, a sola torna­se espessada, de perfil achatado ou convexo. A marcha é
similar àquela já descrita e, quando em pé, o peso do corpo é continuamente alternado de um membro a outro.
Radiografias revelam rotação e algum grau de osteoporose na falange distal. A coroa do osso é forçada para
baixo e pressionada contra a sola ceratinizada. Em casos graves, pode penetrar a sola imediatamente à frente do
ápice da ranilha.
DIAGNÓSTICO: Em casos agudos e graves de laminite, o diagnóstico normalmente é rápido e se baseia no
histórico (p. ex., sobrecarga de grãos) e postura do equino, aumento da temperatura dos cascos, pulso da artéria
digital forte e relutância em caminhar. Bloqueios sesamoides abaxiais do casco dos membros torácicos em
equinos com claudicação muito grave permitem a avaliação do possível envolvimento de um membro pélvico
(caminhando o animal por alguns passos) e permitem o acesso completo à sola de ambos os membros (quanto à
prolapso de sola etc.). Esses bloqueios nervosos também tornam possível obter radiografias laterais e
anteroposteriores de boa qualidade do casco. Lidocaína deve ser utilizada para o bloqueio nervoso, uma vez que
sua duração de ação é curta, isto é, não é longa o suficiente para o animal se mover excessivamente e prejudicar
ainda mais as lâminas. Observações macroscópicas e medidas particulares da radiografia permitem determinar
se houve deslocamento distal, rotação ou ambos, deslocamento e rotação, ou se ocorreu afundamento unilateral.
TRATAMENTO: A laminite aguda é uma emergência médica, uma vez que o deslocamento da falange pode
ocorrer rapidamente. Apesar da terapia imediata, o prognóstico é reservado até que ocorra recuperação completa
e haja evidências de que a arquitetura do casco não está alterada. A maioria dos animais recebe AINE; flunixino
meglumina é o medicamento de eleição para equinos que ainda apresentam doença sistêmica (i. e., enterocolite).
Fenilbutazona normalmente é utilizada no início da fase crônica, quando o equino apresenta claudicação, mas
sem sinais de doença sistêmica. Deve­se estar atento à toxicidade potencial por AINE, em particular por
fenilbutazona. Uma vez que esse fármaco se acumula no tecido (diferentemente do flunixino e da maioria dos
outros AINE), é melhor suspender 1 dia a cada 5 a 7 dias de tratamento para “limpar o sistema” (a flunixino
pode ser administrada nesse dia). AINE devem ser utilizados de acordo com as indicações da bula e, se
utilizados em combinação, a dose de cada um deles deve ser reduzida, de acordo. Outra opção recente para o
tratamento de laminite crônica é o firocoxib, que é um AINE específico de COX­2, disponível em uma
formulação para equinos; é mais seguro que a flunixino e a fenilbutazona em animais que apresentam risco de
complicações renais ou GI. Outras opções de analgesia incluem detomidina, butorfanol, morfina ou uma taxa de
infusão constante de um coquetel de sedativos e analgésicos.
Para o tratamento de possível isquemia, acepromazina é o único medicamento que aumenta efetivamente o
fluxo sanguíneo digital, mas apenas por um período curto de tempo. A acepromazina tem o benefício adicional
de fornecer algum grau de sedação para equinos estressados e com laminite. Em um equino sob risco ou em
estágios iniciais de laminite, o resfriamento do casco por meio da aplicação direta de gelo em água,
recentemente, foi popularizado novamente por vários estudos experimentais, que mostraram um efeito benéfico.
Durante as primeiras 2 a 3 semanas, é importante remover ferraduras padrão, uma vez que as ferraduras
direcionam a maior parte do estresse para a parede do casco e, portanto, para as lâminas. As solas devem ser
cobertas com um material macio e flexível, como placas de 2,5 a 5 cm de espessura de espuma de alta densidade
cortada no diâmetro da sola. Palmilhas também podem ser feitas de diferentes betumes disponíveis ao ferrador
para dar suporte à sola. A redução da palmilha (ou fazer chanfraduras na ferradura) na região dorsal ao ápice da
ranilha reduz o estresse nas lâminas dorsais. Pode­se usar isopor (com 5 cm de espessura) em equídeos de
pequeno porte, mas seu uso, normalmente, dá suporte mínimo a animais grandes. Outras ferraduras (p. ex.,
Redden Ultimate e Steward clog) que podem ser aplicadas sem concussão grave estão disponíveis para
aplicação no casco nas primeiras poucas semanas do curso da enfermidade.
O ferrageamento de equinos com laminite, normalmente não é uma boa opção até, aproximadamente, 3
semanas após o início do quadro clínico, quando a estrutura laminar pode estar se estabilizando. O tipo de
ferrageamento depende do tipo de deslocamento. Em um equino com rotação da falange distal, pode­se tentar
dar início ao realinhamento da superfície palmar da falange distal com a sola, mas sem permitir forças
excessivas nas lâminas. A extremidade da ferradura é movida o mais caudalmente possível, e a área caudal do
casco (do ápice da ranilha em sentido caudal) é removida para permitir o realinhamento da sola. Isso pode ser
realizado em combinação com a elevação do talão (com palmilhas com elevação), o que ainda permite o
alinhamento da falange distal à superfície da sola enquanto evita alterações excessivas em relação à superfície
do solo, evitando assim a tensão excessiva no tendão flexor digital profundo e lâminas dorsais. Normalmente, é
apropriado colocar algum tipo de cobertura flexível na superfície da sola para dar suporte à falange distal.
Vários tipos de ferradura podem ser utilizados, inclusive ferradura em coração com barra, ferradura oval com
barra e ferraduras de equilíbrio natural. A ferradura Steward clog é uma opção para o tratamento de equinos
com deslocamento da falange distal; permite que esses animais maximizem o conforto em várias direções (e,
assim, minimizem o estresse laminar).
Opções cirúrgicas incluem tenotomia flexora digital profunda, para neutralizar as forças de tração do tendão
flexor digital profundo e ressecções da parede do casco. A tenotomia flexora digital profunda é realizada mais
comumente em casos de rotação crônica que não responde às técnicas de ferrageamento descritas acima; ela
deve sempre ser acompanhada de retorno agressivo da rotação à posição normal por meio de ajustes da região
caudal do casco. O ferrador e o médico veterinário devem tratar a subluxação da articulação interfalangiana
distal após a cirurgia na maioria dos casos (normalmente aplicando uma elevação adequada dos talões para
neutralizar a subluxação). Em geral, realiza­se apenas uma ressecção parcial da parede do casco (normalmente
na região distal da parede do casco) em razão da grave instabilidade digital causada pela remoção de toda a
parede dorsal.

LESÕES SEMELHANTES A CISTO ÓSSEO NA FALANGE DISTAL

Um grande cisto na falange distal pode resultar em claudicação que varia de leve a grave e pode não ser
responsiva à medicação anti­inflamatória. Aparentemente, não há predisposição por idade, raça, ou sexo.
Acredita­se que os cistos sejam de origem traumática e não parte da síndrome ostreocondrose (ver p. 1229).
Eles são localizados, mais comumente, no osso subcondral, tanto no processo extensor quanto ao longo da
superfície articular próxima à linha média; os cistos podem se comunicar com a articulação interfalangiana
distal. A claudicação, normalmente, responde à anestesia intra–articular interfalangiana distal, e pode responder
à anestesia do nervo digital palmar. O diagnóstico é confirmado por radiografia e/ou TC. Os diagnósticos
diferenciais incluem ceratoma, doença do navicular e doença articular degenerativa da articulação
interfalangiana distal. O tratamento cirúrgico inclui desbridação artroscópico ou a administração por meio do
artroscópio de corticosteroide nas lesões císticas acessíveis, abordagens extracapsulares (pela parede do casco)
foram utilizadas em lesões menos acessíveis. Fraturas secundárias da falange distal (em especial do processo
extensor) podem ocorrer em decorrência do enfraquecimento progressivo do osso. Alguns equinos retornam ao
status de desempenho, enquanto outros são encaminhados para usos alternativos, como reprodução.

OSSIFICAÇÃO DAS CARTILAGENS COLATERAIS (Sidebone)


Sidebone é uma ossificação das cartilagens colaterais da falange distal; ocorre com maior frequência na
cartilagem lateral. Essa afecção é mais comum nos membros torácicos de equinos pesados, que trabalham em
superfícies duras. Sua causa provável é a concussão repetida nos quartos do casco. Alguns casos têm como
origem traumatismos diretos. A ossificação das cartilagens colaterais, normalmente, é um achado radiográfico
acidental e, raramente, causa claudicação. Caso ele seja causa de claudicação, essa manifestação deve
desaparecer completamente após bloqueio nervoso digital palmar unilateral no lado acometido.
Quando a claudicação está presente, o ferrageamento corretivo para promover a expansão dos quartos e
proteger o casco da concussão pode ser interessante. Há relatos de que a abertura da parede do casco no lado
acometido ajuda a reduzir a claudicação. Se a ossificação das cartilagens colaterais é documentada como causa
de claudicação, neurectomia digital palmar unilateral pode ser indicada, caso o animal não responda ao
casqueamento e ferrageamento corretivos.

OSTEÍTE PODAL

A osteíte podal é um achado radiográfico de desmineralização da margem as sola da falange distal, associada
comumente ao aumento dos canais vasculares próximos à margem da sola, que é melhor observado em
radiografias na posição proximal­distal dorso­palmar a 65°. Embora esse termo normalmente seja utilizado para
descrever alterações na margem da sola distal (pinça), ele pode ser utilizado para descrever a reabsorção óssea
em qualquer local da margem da sola da falange distal. A reabsorção óssea normalmente ocorre em razão da
pressão crônica ou repetida e/ou inflamação da região acometida. A reabsorção pode ser focal, decorrente de
uma lesão localizada, como ceratoma, ou pode ser mais difusa, em estados como hematoma crônico da pinça,
no qual toda a margem distal da pinça pode parecer “comida” em razão da absorção extensa da margem da sola.
A reabsorção da região da pinça ocorre comumente em casos de laminite crônica, nos quais o deslocamento da
falange distal resulta em distância inadequada entre a superfície do solo e a margem da sola da falange distal, o
que resulta em traumatismo crônico e inflamação dessa região e tecidos moles adjacentes (i. e., hematoma ou
sepse subsolar crônica). Uma vez que a reabsorção óssea normalmente é permanente, os achados radiográficos
não indicam a patologia atual e podem ser decorrentes de uma alteração que ocorreu há muitos anos. Dessa
forma, é essencial que uma avaliação completa seja realizada, inclusive a aplicação de pinça de casco em toda a
margem da sola e um exame de claudicação com bloqueios nervosos, caso haja claudicação. Toda a margem da
sola, inclusive a pinça, deve ser anestesiada com bloqueio do nervo digital palmar.
A doença navicular é um diagnóstico diferencial importante de osteíte podal associada ao hematoma da pinça,
uma vez que o hematoma da pinça, comumente, também é bilateral e ambas as condições respondem ao
bloqueio do nervo digital palmar. Radiografias são úteis no diagnóstico e na diferenciação da doença navicular.
A osteíte podal associada a abscessos subsolares crônicos normalmente é asséptica, com sepse restrita aos
tecidos moles. Sinais radiográficos de sequestro ou radioluscência focal marcante na mesma região que ocorre a
sepse subsolar podem indicar osteíte podal séptica, mas a radioluscência também pode ser um artefato causado
pela produção de gás subsolar, assim que o abscesso é drenado (um abscesso fechado, normalmente, apresenta
densidade de tecido). A curetagem da falange distal acometida deve ser evitada até que a sepse seja confirmada.
O tratamento é necessário apenas se houver um processo ativo associado às alterações radiográficas de osteíte
podal. O tratamento deve ser direcionado à doença primária que causou a reabsorção.

PODRIDÃO DA RANILHA

A podridão da ranilha é uma degeneração na ranilha, com infecção bacteriana secundária que começa nos sulcos
central e colateral. O sulco central é acometido mais comumente se o equino tem desnivelamento de talões; os
sulcos colaterais estão mais envolvidos na maioria dos casos de podridão de ranilha (sem desnivelamento de
talões). Os sulcos acometidos são úmidos e contêm uma secreção negra, espessa, com odor fétido característico;
as bordas da ranilha, normalmente, estão necróticas. Esses sinais, por si só, são suficientes para o diagnóstico.
Embora a etiologia primária seja descrita por muitos pesquisadores como um ambiente úmido e com pouca
higiene, essa afecção é causada mais provavelmente por conformação ou casqueamento ruins e falta de
exercício (acredita­se que o exercício ajuda a “limpar” os sulcos quando o peso do animal é empurrado para
baixo, sobre as ranilhas e estruturas adjacentes) do que pela falta de higiene no estábulo. No entanto, o ambiente
úmido deve ser evitado em animais com podridão de ranilha.
O tratamento deve começar mediante a oferta de instalações limpas e secas e de uma limpeza do casco, com a
retirada dos debris da ranilha e dos sulcos. Adicionalmente, o casco deve ser equilibrado e, os animais
acometidos, colocados em um esquema de exercícios regulares em locais secos. Uma solução adstringente (p.
ex., solução de sulfato de cobre) pode ser aplicada com limpeza diária dos cascos. Formulações comerciais para
o casco equino que contêm dióxido de cloro também podem ser utilizadas. Se há tecido de granulação ou o
tecido sensível é exposto, soluções adstringentes devem ser evitadas; uma pasta feita com comprimidos de
metronidazol pode ser aplicada no seu lugar nas áreas acometidas em combinação com bandagem do casco. O
prognóstico normalmente é favorável, desde que se façam alterações no ferrageamento e exercícios.
RACHADURAS NA QUARTELA (Rachadura digital, Rachadura no canto do casco)
Acredita­se que as rachaduras no casco ocorram principalmente em razão de forças excessivas sobre a parede do
casco e tecido germinativo da banda coronária. Propôs­se que o ferrageamento não permite que a parede do
casco se expanda normalmente com o apoio do peso e que as rachaduras dos quartos se formem comumente na
colocação do cravo caudal, em decorrência da deformação caudal ao cravo, mas não cranial a ele. Isso poderia
colocar forças anormais no tecido laminar e tecido germinativo da banda coronária nesse ponto, o que resultaria
no defeito do crescimento do casco que aparece como uma fissura. A mesma força excessiva no quarto pode
ocorrer com uma ferradura com o ramo muito curto (em razão do posicionamento da ferradura, que é muito
pequena ou decorrente de um intervalo inapropriado entre as trocas de ferradura), o que resultaria em pressão
excessiva no ponto onde a ferradura termina. Acredita­se que rachaduras na pinça também ocorram em razão da
expansão anormal da pinça entre os cravos cranial medial e o cravo lateral, o que leva à ruptura da formação de
túbulos na banda coronária.
A rachadura no tecido córneo do casco distalmente à banda coronária é o sinal mais marcante. Claudicação
pode estar presente, dependendo do grau de instabilidade da parede ou da presença de sepse submural. Se
houver uma infecção estabelecida, pode haver um exsudato purulento e sinais de inflamação e claudicação.
O tratamento envolve casqueamento apropriado do casco para remover forças anormais na banda coronária e
parede. Uma vez que o ferreiro e o médico veterinário estejam satisfeitos com a resposta do casco ao
casqueamento corretivo (inclusive a aplicação de ferradura com barra), a rachadura deve ser debridada
(normalmente com uma ferramenta rotatória), qualquer umidade ou sepse tratada com um antisséptico
apropriado e/ou adstringente (p. ex., iodo a 2%) até que a rachadura esteja seca. Vários fios são então aplicados
atravessando a rachadura para estabilizá­la. Os fios são posicionados ao redor de parafusos de metal colocados
na parede do casco em ambos os lados da rachadura ou através de pequenos furos feitos na parte córnea da
parede do casco, de cada lado e saindo pela rachadura. Essa lesão pode então ser preenchida com um acrílico
flexível ou massa, mas é essencial que não haja umidade ou sepse presentes. Tubos fenestrados podem ser
colocados entre o aspecto mais profundo da rachadura e o acrílico, para permitir a drenagem. O casco é então
enfaixado até que a formação de um novo casco seja evidente.

ANORMALIDADES DE BOLETO E QUARTELA

DOENÇA OSTEOCONDRAL PALMAR/PLANTAR

A enfermidade afeta o aspecto palmar do côndilo distal do metacarpo e é associada à esclerose (densificação) e,
em última instância, à fragmentação dos côndilos palmares. Acredita­se que decorra de uma resposta de
remodelamento por estresse em cavalos de corrida jovens com alto nível de atividade e seja associada à
claudicação com sede na região do boleto. Os sinais radiográficos podem ser mínimos e as alterações são
identificadas precocemente utilizando cintigrafia gama, TC ou RM. O tratamento, antes da fragmentação do
osso subcondral, consiste em repouso.

FRATURAS DAS FALANGES E SESAMOIDES PROXIMAIS

As fraturas da primeira falange não são incomuns em cavalos de corrida. Podem ser fraturas pequenas em
“lasca” ao longo da margem dorsal da superfície articular proximal, fraturas longitudinais (divisão de quartela)
ou fraturas cominutivas. Outra categoria envolve fragmentos na face palmar ou plantar proximal da primeira
falange, que podem estar associados à osteocondrose.
Os sinais de fraturas longitudinais envolvem claudicação aguda de apoio de peso após trabalho ou corrida.
Inicialmente, pode ocorrer pouco ou nenhum inchaço, mas ocorre dor intensa na palpação ou na flexão do
boleto. A claudicação pode ficar menos acentuada no caso das fraturas em lasca ou avulsão, mas a flexão
articular, normalmente, exacerba o problema.
O diagnóstico é confirmado por meio de radiografia ou por cintigrafia para fraturas pequenas que não são
visíveis radiograficamente. Muitas radiografias oblíquas podem ser necessárias para assegurar a visibilidade da
linha de fratura, que pode ser observada, inicialmente, como uma fissura fina que se estende da distalmente à
fossa sagital da falange proximal na projeção dorsopalmar/plantar.
As fraturas em lasca e avulsão podem ser removidas por meio de cirurgia artroscópica. As fraturas
longitudinais podem ser reparadas por meio de fixação interna, utilizando–se dois ou mais parafusos ósseos
corticais por meio da técnica de compressão interfragmentar. Deve­se ter cuidado com a configuração da fratura
para assegurar que todos os componentes foram incorporados na reparação. Em algumas condições, TC pode
auxiliar em um diagnóstico mais preciso. O tratamento conservador de fraturas gravemente cominutivas envolve
a imobilização com um penso de gesso ou de fibra de vidro por até 12 semanas, com ou sem o uso de pinos de
transfixação pelo terceiro metacarpo/tarso. No entanto, as complicações incluem alinhamento deficiente no local
da fratura, artrite secundária e laminite contralateral.

Fraturas da quartela podem se propagar em sentido sagital, da região proximal para a região distal do osso ou sair através do córtex medial ou
lateral. Ilustração cortesia do Dr. Andrew Crawford.

As fraturas da segunda falange são semelhantes às da primeira falange, mas são menos comuns. Seu
tratamento e prognóstico são similares, embora elas tendam a ser mais cominutivas; artrite secundária da
articulação interfalangiana proximal (AIP) ou articulação interfalangiana distal (AID) são comuns.
As fraturas dos ossos sesamoides proximais são relativamente comuns. Elas são causadas por uma extensão
exagerada e associam­se, com frequência, à lesão no ligamento suspensor, nos membros pélvicos ou torácicos
de equinos das raças Standardbred e Puro Sangue Inglês. O sesamoide proximal lateral do membro pélvico dos
equinos Standardbred pode se fraturar como resultado de forças de rotação induzidas pelo ferrageamento com
ferradura do tipo trailer. As fraturas podem ser apicais, médias, basais, abaxiais ou cominutivas, e podem
envolver um ou ambos os sesamoides. A maioria das fraturas, à exceção de algumas fraturas abaxiais, é
articular. Os sinais clínicos incluem sensação de calor, dor e claudicação aguda, que é exacerbada pela flexão do
boleto. Há hemartrose e efusão sinovial da articulação metacarpo­tarso falangiana. O diagnóstico é confirmado
por radiografia. O prognóstico é bastante favorável se fragmentos articulares pequenos forem removidos
imediatamente por artroscopia. Fraturas apicais em cavalos de corrida adultos (= 2 anos de idade) removidas
artroscopicamente apresentam um prognóstico favorável de 83% de chance de voltarem à correr se a lesão é em
membro pélvico e de 67% para membro torácico. Fraturas do meio do corpo do osso requerem fixação interna
utilizando 1 ou 2 parafusos. O prognóstico em grandes fraturas basais é desfavorável, independentemente da
abordagem cirúrgica. A ruptura completa do aparato suspensor, inclusive fraturas de ambos os ossos
sesamoides, é uma lesão catastrófica acompanhada de comprometimento vascular do casco; no entanto, alguns
equinos podem ser salvos para reprodução por meio de artrodese cirúrgica da articulação do boleto.

OSTEOARTRITE

A deterioração da cartilagem articular da articulação metacarpo/tarso falangiana é uma afecção comum em


cavalos de corrida e pode levar ao desenvolvimento de osteófitos periarticulares, enteseófitos e colapso do
espaço articular. Em equinos jovens em treinamento, a formação de osso periosteal pode ocorrer no aspecto
dorsal do metacarpo distal e no aspecto proximal da falange proximal, com frequência, com envolvimento das
cápsulas articulares (ossículos). A osteoartrite, com frequência, é secundária à anormalidade primária, tal como
fraturas em lascas ou osteocondrose (ver p. 1222). O tratamento pode ser limitado. O uso de esteroides intra­
articulares pode aliviar a dor, mas a deterioração da cartilagem articular é inevitável. Em casos graves e
avançados, artrodese da articulação é necessária para aliviar a dor.
A osteoartrite da articulação interfalangiana proximal (ringbone articular), com frequência, cria novas
formações ósseas e uma aparência semelhante à de um sino na região da quartela. Raramente essa condição
pode progredir para ancilose. O diagnóstico clínico se baseia na visualização e palpação de espessamento de
tecidos moles e novas proliferações ósseas na região da quartela. Normalmente, a amplitude de movimento é
restrita e há dor na flexão forçada das superfícies articulares envolvidas. Analgesia diagnóstica intra­articular e
regional identificam a quartela como sítio da dor. Radiografias confirmam o diagnóstico em casos estabelecidos.
Medicamentos anti­inflamatórios podem aliviar temporariamente os sinais de claudicação. A artrodese cirúrgica
da articulação da quartela, com frequência, é necessária para restaurar com sucesso o desempenho.

SESAMOIDITE

Os ossos sesamoides são mantidos em sua posição pelo ligamento suspensor proximalmente, e por muitos
ligamentos sesamóideos distalmente. Em decorrência do grande estresse sobre o boleto durante exercícios
rápidos, a inserção de alguns desses ligamentos pode se lacerar, o que resulta em inflamação e dor nessa região,
conhecida como sesamoidite.
Os sinais clínicos são semelhantes, mas menos graves, que os que resultam de uma fratura do sesamoide.
Dependendo da extensão das lesões, ocorrem graus variáveis de claudicação e edema. Dor e calor são evidentes
à palpação e flexão da articulação do boleto. As características radiográficas incluem proliferação periosteal de
tecido ósseo novo ou lesões osteolíticas (ou ambas), em particular na superfície abaxial do sesamoide acometido
(enteseófitos dos ramos de ligação do ligamento suspensor). Linhas radioluscentes podem ser vistas, mas devem
ser distinguidas de canais vasculares normais que passam pelo osso que são evidentes em cavalos de corrida
jovens, mas raramente estão associadas à enfermidade. Projeções radiográficas oblíquas são essenciais para um
diagnóstico e avaliação precisos.
O tratamento recomendado é administração de fenilbutazona por 2 a 3 semanas. Para sesamoidite leve, são
necessários, aproximadamente, 6 meses de repouso; para casos graves, 9 a 12 meses. A inserção do ligamento
suspensor deve ser avaliada cuidadosamente por ultrassonografia para lesões concomitantes.

SINOVITE PROLIFERATIVA CRÔNICA (Villonodular synovitis)


A causa dessa inflamação da membrana sinovial, na face dorsoproximal da articulação do boleto dos membros
torácicos, não é conhecida. Suspeita­se que seja causada por traumas repetidos à plica sinovial espessada na
região dorsal da articulação. Equinos de qualquer idade podem ser acometidos. Há relato de envolvimento
bilateral. As plicas dorsais, normalmente ligadas por uma banda ampla à porção dorsal da bolsa dorsal proximal
da articulação do boleto, são firmes e de coloração branco­acinzentada, e podem ser circunscritas ou lobuladas.
Lesões ósseas erosivas são tipicamente associadas à massa e, em alguns casos, podem se estender para erodir a
superfície articular. Microscopicamente, a lesão consiste em um estroma denso e com colágeno abundante,
circundado por células sinoviais. A vascularização é proeminente e alteração hialina no estroma e metaplasia
óssea são verificadas ocasionalmente.
Pode­se suspeitar desse diagnóstico por palpação. Radiografias podem ser utilizadas para identificar osteólise
associada ao osso condilar adjacente e o diagnóstico definitivo de espessamento dos tecidos moles dorsais é
feito por ultrassonografia e artroscopia. O tratamento envolve excisão cirúrgica artroscópica.

TENOSSINOVITE DA BAINHA DIGITAL

Tenossinovite crônica e efusão associada da bainha do tendão flexor digital são afecções relativamente comuns
que causam claudicação em equinos. O diagnóstico inicial é por meio de palpação, que revela calor, dor e
inchaço. Sepse deve ser descartada em casos agudos. Embora alguns casos de tenossinovite sejam primários e
respondam ao tratamento conservador com ou sem tratamento da bainha com corticosteroides, outros são
secundários a lesões de estruturas contidas na bainha. Lacerações marginais do tendão flexor digital profundo e
lacerações do aparato flexor são os diagnósticos tenoscópicos mais comuns em casos tratados cirurgicamente. O
tratamento da segunda afecção por meio da remoção do aparato flexor acometido dá chance de 80% de
recuperação após a cirurgia, enquanto o desbridação de lacerações do tendão flexor digital profundo tem um
prognóstico desfavorável.
Constrição do ligamento anular pode ser primária em decorrência de desmite do ligamento, ou secundária à
tenossinovite prolongada ou aumento dos tendões flexores contidos dentro do canal do boleto. Os sinais clínicos
são similares aos de outras causas de tenossinovite e incluem dor à palpação, inchaço e claudicação, em especial
após flexão forçada do membro distal. O exame ultrassonográfico cuidadoso é recomendado para avaliar
enfermidades concomitantes. O tratamento pode ser tanto conservador (i. e., esteroides) quanto cirúrgico
(transecção do ligamento anular constritor). A cirurgia é mais bem realizada por via tenoscópica, que permite a
visualização do restante da bainha quanto a enfermidades primárias e a avaliação do grau de constrição.
Outras causas menos comuns de patologia de tendões ou ligamentos distais ao boleto incluem desmite do
ligamento sesamóideo oblíquo distal e lesão do tendão flexor digital profundo na quartela. Ambos podem
resultar em tenossinovite da bainha digital e podem ser diagnosticados utilizando ultrassonografia ou RM.

ANORMALIDADES DE CARPO E METACARPO

O carpo envolve três articulações – a radiocárpica (cárpica antebraquial), a intercárpica (centro do carpo) e
carpometárpica. Os problemas são localizados na área do carpo com base no exame de claudicação (inclusive
andar característico), tumefações, efusão sinovial e dor à palpação, e respostas à flexão e analgesia diagnóstica.
A única evidência clínica de anormalidades cárpicas pode ser efusão sinovial e discretas alterações de marcha.
Inspeção e palpação são importantes para determinar o local da tumefação carpiana (p. ex., fluido sinovial na
articulação ou bainha tendínea ou tumefação no espaço subcutâneo). A palpação leve com os dígitos, com o
cavalo em pé, é útil no início da doença. Acúmulos de fluido sinovial tendem a ser mais difíceis de sentir
quando o membro é elevado. O conhecimento da anatomia normal das estruturas é importante. Os ossos
cárpicos individuais podem ser examinados com o carpo flexionado; a palpação direta de lesões, com
frequência, provoca dor e o grau máximo de flexão do carpo pode ser notado.
A analgesia diagnóstica das articulações do carpo, em geral, é feita por via intra­articular. Nas articulações
radio­cárpica e intercárpica a injeção é fácil. A articulação carpo­metacárpica comunica­se com a articulação
intercárpica; portanto, analgesia local na articulação intercárpica provoca analgesia na articulação carpo­
metacárpica. Há considerável difusão distal da articulação carpo­metacárpica e, com o tempo, analgesia irá se
difundir para a área proximal do ligamento suspensor.
A radiografia do carpo é crítica para diagnóstico específico de fraturas intra­articulares, osteocondrite
dissecante, lesões císticas subcondrais, osteoartrite, artrite séptica e osteocondroma do rádio distal.

CISTOS SUBCONDRAIS E ARTRITE SÉPTICA

Cistos subcondrais (ver p. 1133) podem ser observados tanto no rádio distal como no carpo. Muitos, em
particular quando bilaterais e no osso cárpico ulnar, são normais. No entanto, eles são comumente sintomáticos
no rádio distal. São diagnosticados por radiografia e se o tratamento conservador não resolve o problema,
realiza­se desbridação artroscópica.
Artrite infecciosa (séptica) das articulações do carpo é relativamente rara. A causa mais comum é iatrogênica,
relacionada com injeções intra­articulares. Equinos apresentam claudicação grave e efusão sinovial acentuada,
bem como edema mais periférico na articulação. Calor, dor e alterações no líquido sinovial são óbvios.
Contagem de leucócitos no fluido sinovial maior que 30.000 e, normalmente, 100.000 células/μl, teor proteico
de 4 a 6 g/dl, na presença de baixa viscosidade, e aparência serossanguinolenta são achados típicos. Para
tratamento, ver p. 1130.

DESMITE DO LIGAMENTO SUSPENSOR

As lesões do ligamento suspensor (ligamento sesamoide superior ou músculo interósseo) constituem lesões
comuns em ambos os membros, torácicos e pélvicos, dos equinos. As lesões, com frequência, se restringem ao
terço proximal do ligamento, ao corpo ou ao terço médio ou a um ou ambos os seus ramos.
DESMITE DE LIGAMENTO SUSPENSOR PROXIMAL: O termo desmite de ligamento suspensor proximal restringe­
se às lesões confinadas ao terço proximal do metacarpo (ou metatarso). É relativamente comum e afeta tanto os
membros torácicos como os pélvicos de equinos de todas as idades. Ao contrário das lesões que envolvem o
corpo ou os ramos (ou ambos) do ligamento suspensor, em geral, há claudicação, baixo desempenho ou
disfunção associada. A afecção pode ser unilateral ou, menos comumente, bilateral. Às vezes, ocorre em
associação com dor na região mais distal do membro (p. ex., doença do navicular); é observada, com frequência,
em equinos com equilíbrio podal mediolateral ou dorsopalmar deficiente. Conformação de jarrete reta ou
hiperextensão das articulações metatarsofalangianas podem predispor a esse tipo de lesão.
O grau de claudicação pode variar de leve a grave e, nos casos iniciais, em geral, é exacerbada pelo trabalho e
melhorada com repouso. A claudicação de membro torácico pode ser acentuada pela flexão do boleto e das
articulações interfalangianas, mas, em geral, não é acometida por uma flexão cárpica, enquanto a claudicação de
membro pélvico pode aumentar com a flexão do boleto e das articulações interfalangianas ou pela flexão das
articulações do jarrete e do joelho.
Nos casos agudos, pode ocorrer sensação de calor localizada na região metacárpica (ou metatársica)
proximal, com ou sem inchaço de tecido mole periligamentar. Nos casos mais crônicos, com frequência, não se
consegue detectar nenhuma anormalidade palpável.
O diagnóstico é feito com anestesia local e exame ultrassonográfico, que, em geral, mostra áreas hipoecoicas
difusas ou centrais, com focos hiperecogênicos nos casos crônicos. O tratamento no caso de acometimento de
membros torácicos, normalmente é conservativo (injeção intralesional de células tronco provenientes da medula
óssea e terapia com ondas de choque são utilizadas com maior frequência). Nos membros pélvicos, essas
técnicas são menos efetivas, embora a terapia com ondas de choque tenha aumentado a taxa geral de sucesso.
Mais recentemente, o uso de fasciotomia e neurectomia do ramo profundo do nervo ulnar tornou­se popular.
Tratamentos auxiliares incluem um programa de exercícios graduais combinado com a correção do equilíbrio do
casco.
DESMITE DO CORPO DO LIGAMENTO SUSPENSOR: Trata­se de uma lesão principalmente dos equinos de corrida.
As lesões, em geral, afetam o membro torácico dos equinos da raça Puro Sangue Inglês, enquanto, nos equinos
Standardbred, elas ocorrem tanto nos membros torácicos quanto nos pélvicos. Dor à palpação do ligamento
suspensor do membro torácico é bastante comum nos equinos com claudicação associada a problema da parte
mais distal do membro; no entanto, apenas raramente qualquer anormalidade estrutural ligamentar é
identificável por ultrassonografia. Os sinais clínicos variam e envolvem aumento de volume do ligamento e
sensação de calor, inchaço e dor locais. O diagnóstico, em geral, se baseia nos sinais clínicos e pode ser
confirmado por ultrassonografia. O tratamento se destina a reduzir a inflamação por meio do uso de
medicamentos AINE sistêmicos, hidroterapia e exercícios controlados. As terapias de ondas de choque e com
células tronco também têm sido utilizadas nessas lesões.
DESMITE DO RAMO MEDIAL OU LATERAL DO LIGAMENTO SUSPENSOR: Essa lesão relativamente comum ocorre
em todos os tipos de equinos, tanto nos membros torácicos quanto nos pélvicos. Em geral afeta apenas um único
ramo em um único membro, embora possa afetar ambos os ramos, em especial nos membros pélvicos. O
desequilíbrio podal, com frequência, é reconhecido nos equinos acometidos e isso pode ser um fator
predisponente.
Os sinais clínicos dependem do grau de lesão e da cronicidade da(s) lesão(ões) e incluem sensação de calor e
inchaço localizados. O inchaço, com frequência, se deve a um edema local no ramo acometido. A dor, em geral,
é incitada por pressão direta aplicada no ramo lesionado ou por flexão passiva do boleto. A claudicação é
variável e pode estar ausente.
O diagnóstico se baseia nos sinais clínicos e no exame ultrassonográfico. Técnicas analgésicas locais
raramente são necessárias. A ultrassonografia pode detectar várias anormalidades, inclusive aumentos de
volume e alterações na forma e na ecodensidade.
O tratamento depende da gravidade dos sinais, da raça e do uso do equino. Terapia com ondas de choque,
bem como com células­tronco, tem sido utilizadas. A atenção ao equilíbrio do casco é essencial para o
tratamento dessas lesões. A melhora dos sinais clínicos pode demorar meses (= 6). Pode ocorrer recidiva.

DESMITE OU DISTENSÃO DO LIGAMENTO FRENADOR INFERIOR

Desmite do ligamento frenador inferior é um diagnóstico comumente realizado e, com frequência, confundido
com desmite do ligamento suspensor proximal. Antes do uso da ultrassonografia diagnóstica, a diferenciação
entre essas duas condições era difícil. O sinal clínico principal é a claudicação aliviada pela infiltração de
anestésico por trás do aspecto proximal do metacarpo. O anestésico injetado nessa área, no entanto, pode se
difundir por bolsas externas da articulação carpo­metacárpica em mais de 30% dos equinos, levando a analgesia
das articulações carpo­metacárpica e intercárpica. Portanto, é preferível um bloqueio local do aspecto proximal
dos nervos metacárpicos palmares. Essa afecção foi tratada, no passado, de modo conservador, porém a secção
do ligamento, terapia por ondas de choque e injeção intralesional de células­tronco provenientes da medula
óssea são cada vez mais comuns e propiciam resultados relativamente bons.

DOR NA CANELA (Pinote com a canela, Fraturas em pires)


A dor nas canelas envolve uma periostite aguda e dolorida na superfície cranial dos grandes ossos metacárpicos
ou metatársicos. É observada, com maior frequência, nos membros torácicos de equinos da raça Puro Sangue
Inglês jovens (2 a 3 anos de idade), em treinamento e em corridas, sendo muito menos frequente em equinos
Standardbred e Quarto­de­Milha.
Essa lesão, em geral, é causada por contusão na região cortical dorsal, durante exercício de alta velocidade,
em equinos jovens, nos quais os ossos ainda não foram completamente condicionados. Acredita­se que há
envolvimento de microfraturas (i. e., fraturas por estresse). Pode progredir para fratura cortical em pires ou,
mesmo, fratura longitudinal incompleta. Nos casos leves, formação de hematoma subperiosteal e espessamento
da face superficial do córtex podem ser as únicas alterações clínicas aparentes. Ocorre uma tumefação dolorida
e quente na superfície cranial do osso acometido. No início, o equino geralmente manca; a passada fica curta e a
gravidade da claudicação aumenta com exercício.
Repouso do treinamento é importante, até que a dor e a inflamação se resolvam. A inflamação aguda pode ser
aliviada pela aplicação de analgésicos anti­inflamatórios e compressas frias. A fixação com parafusos é o
método de eleição para o tratamento de fraturas por estresse vistas em radiografias.

EXOSTOSE

(Exostose metacárpica)
As exostoses envolvem principalmente o ligamento interósseo entre o terceiro (grande) e segundo (pequeno)
ossos metacárpicos (com menor frequência os metatársicos). A reação é uma periostite com produção de osso
novo (exostose) ao longo do osso envolvido. Traumatismo de concussão ou lesão, distensão de treinamento
excessivo (em especial em equinos imaturos), conformação anormal, dieta desbalanceada ou excessiva ou
colocação de ferradura imprópria podem ser fatores contribuintes.
A exostose envolve mais comumente os ossos metacárpicos rudimentares mediais. A claudicação é observada
apenas quando as exostoses estão se formando; é observada com maior frequência em cavalos jovens. A
claudicação é mais acentuada após o cavalo ter sido trabalhado. Nos estágios iniciais, não há aumento de
volume visível, mas a palpação profunda pode revelar edema subperiosteal dolorido local. Nos estágios mais
tardios, aparece crescimento calcificado. Após a ossificação, a claudicação desaparece, exceto em casos raros
nos quais o crescimento invade o ligamento suspensor ou a articulação carpo­metacárpica. A radiografia é
necessária para se diferenciar exostoses de ossos fraturados.
São indicados repouso completo e terapia com anti­inflamatórios. Corticosteroide intralesional pode reduzir
inflamação e evitar o crescimento ósseo excessivo. Seu uso deve ser acompanhado de bandagem compressiva.
Em cavalos Puro Sangue Inglês, tem sido tradicional o tratamento com extremidade de fogo, com o objetivo de
acelerar a ossificação do ligamento interósseo; no entanto, na maioria dos casos, tratamentos irritantes são
contraindicados. Se as exostoses comprimem o ligamento suspensor, a remoção cirúrgica pode ser necessária.

FRATURA DO TERCEIRO OSSO METACÁRPICO (Canela)


Uma fratura transversal na região centro­metacárpica pode ser ocasionada por traumatismo direto, normalmente
decorrente de um coice. O estresse de uma corrida em superfície dura pode resultar em fratura oblíqua
longitudinal (i. e., condilar) que se estende desde o boleto até a diáfise metacárpica e, às vezes, envolve também
os sesamoides proximais. As fraturas incompletas do córtex dorsal da região centro­metacárpica podem ocorrer
como fraturas de estresse. O diagnóstico é confirmado por radiografia; as fissuras podem ser difíceis de mostrar
e várias projeções oblíquas podem ser necessárias.
As fraturas centro­metacárpicas podem cicatrizar apenas com um penso, embora a imobilização prolongada
possa ser necessária, pois, com frequência, há retardo na união. A má união e a invasão dos tendões e
ligamentos adjacentes pelo calo causam problemas adicionais. O tratamento de escolha é a fixação interna com
parafusos e placas de compressão dinâmica. As fraturas condilares laterais podem ser tratadas de modo
conservador com a aplicação de um gesso, mas tais lesões articulares são mais bem tratadas pela fixação com
parafusos de compressão interfragmentar se houver a intenção de minimizar ou evitar a osteoartrite. As fraturas
condilares mediais, com frequência, não se abrem e aumentam em espiral. Nesses casos, além da fixação com
parafuso distalmente, uma placa é colocada sobre o restante do metacarpo ou metatarso. As fraturas em fissura
também podem exibir um retardamento na união, a menos que se aplique um parafuso de osso cortical (ver p.
1203).

FRATURAS DOS OSSOS CÁRPICOS

Fragmentos Osteocondrais em Lasca Intra-articulares do Carpo

Essas são as fraturas mais comuns nas articulações cárpicas de cavalos de corrida. Ocorrem menos comumente
em equinos Quarto­de­Milha de trabalho e cavalos de esporte. O principal fator etiológico é traumatismo,
normalmente associado a exercício rápido. Os fragmentos em lasca podem ocorrer no aspecto dorsal de todos os
ossos do carpo. Na articulação intercárpica, o local mais frequente é a porção distal do osso carporradial,
seguido pela porção distal do osso cárpico intermediário e a porção proximal do terceiro osso cárpico. Na
articulação radio­cárpica, a localização mais comum é o osso cárpico intermediário proximal, seguido pelo osso
carporradial proximal, a parte medial distal do rádio e parte lateral distal do rádio. O diagnóstico é baseado nos
sinais clínicos de sinovite e capsulite e na demonstração radiográfica dos fragmentos osteocondrais em lasca. A
cirurgia artroscópica é o tratamento de escolha. O prognóstico geral é excelente, mas o risco de o cavalo
retornar aos níveis de desempenho prévios diminui com a cronicidade e a consequente perda excessiva de
cartilagem articular e osso subcondral.

Fraturas Cárpicas em Placa


Fraturas em placa (fraturas slab) se estendem de uma superfície articular até outra. No carpo, essas fraturas
ocorrem nos planos frontal e sagital. A fratura mais comum é um fragmento frontal da faceta radial do terceiro
osso cárpico, seguida de fraturas da faceta intermediária e de ambas as facetas desse osso. Uma fratura em placa
do terceiro osso cárpico, sem colapso da articulação, é considerada “de rotina”. O tratamento é a fixação com
parafuso de compressão (feita por artroscopia) e muitos desses cavalos retornam à completa atividade atlética.
Fraturas em placas colapsadas também ocorrem nos ossos cárpicos. A fratura tipicamente envolve o terceiro
osso cárpico, porém há deslocamento e cominuição até um ponto em que uma fileira de ossos cárpicos tende a
colapsar. Se não tratado, o membro progride para conformação vara do carpo e instala­se laminite no membro
torácico oposto. Fraturas em placa colapsadas requerem fixação interna associada à imobilização com gesso por
até 6 semanas, para minimizar o colapso adicional da articulação. Alguns casos requerem artrodese cárpica.

Fraturas do Osso Acessório do Carpo

São menos comuns que outras fraturas do carpo. A claudicação, em geral, é observada e pode haver efusão
sinovial no canal do carpo. Radiografias confirmam o diagnóstico. Essas fraturas são tratadas de modo
conservador. A união óssea ocorrerá em alguns casos. União fibrosa pode permitir que o equino retorne à
atividade atlética.

FRATURAS DOS PEQUENOS OSSOS METACÁRPICOS E METATÁRSICOS (RUDIMENTARES)

As fraturas do segundo e do quarto ossos metacárpicos e metatársicos não são incomuns. A causa pode ser um
traumatismo direto, como interferência do membro contralateral ou um coice, mas as fraturas desses ossos
acompanham, com maior frequência, uma desmite do ligamento suspensor (ver p. 1201), o acúmulo de tecido
fibroso resultante e o encapsulamento da extremidade livre distal do osso. O local comum dessas fraturas é na
extremidade distal a, aproximadamente, 5 cm da extremidade. Imediatamente após a fratura nota­se inflamação
aguda, normalmente envolvendo o ligamento suspensor. Observa–se claudicação no membro de apoio, que pode
ceder após um repouso de vários dias, com recidiva apenas após o trabalho.
As fraturas crônicas, de longa duração, causam claudicação do membro de apoio em velocidade. Ocorre
espessamento do ligamento suspensor no local da fratura e acima dele. A fratura pode exibir uma formação de
calo considerável no local, mas há pouca tendência de cicatrização.
O diagnóstico é confirmado por radiografia oblíqua. A remoção cirúrgica da extremidade fraturada e do calo
é o tratamento de escolha. O prognóstico se baseia na gravidade da desmite suspensora associada, que tem um
peso maior no desempenho futuro do que a própria fratura do osso. Fraturas mais proximais, normalmente, são
tratadas com remoção do excesso de calo ósseo.

HÉRNIAS, GÂNGLIOS E FÍSTULAS SINOVIAIS

Essas afecções são relativamente incomuns, mas são importantes no diagnóstico diferencial de tumefações
preenchidas com fluido na face dorsal do carpo. Hérnia sinovial é um cisto originado de herniação de membrana
sinovial através de um defeito na cápsula articular fibrosa ou bainha fibrosa de um tendão. O diagnóstico dessas
afecções é confirmado com radiografia contrastada; se possível, a hérnia ou fístula é reparada cirurgicamente.

HIGROMA

Higroma é inflamação de uma bursa adquirida (que se desenvolve como resultado de traumatismo onde
normalmente não há bursa) na face dorsal do carpo. Há acúmulo excessivo de fluido bursal e espessamento da
parede bursal por tecido fibroso. Em geral, não há claudicação. O diagnóstico é feito por meio de palpação e
inspeção. Nos estágios iniciais, os higromas podem ser tratados com drenagem, injeções de esteroides e
bandagens. Mais tarde, a implantação de um dreno é necessária.

LESÕES SUBCONDRAIS DOS OSSOS DO CARPO

Degeneração e necrose do osso subcondral é comum em cavalos de corrida e, com frequência, antecede fraturas.
A afecção foi identificada, inicialmente, na superfície articular proximal do terceiro osso metacárpico e é
considerada uma consequência de trauma cíclico. Provavelmente precede a maioria das fraturas intra­
articulares. Recentemente, a presença de doença óssea subcondral em outras localizações no carpo foi
reconhecida. Casos no terceiro osso cárpico podem ser diagnosticados radiograficamente com a incidência
skyline. Outras localizações, com frequência, não são verificadas até que a avaliação artroscópica seja feita. O
tratamento implica na desbridação cirúrgico e o prognóstico é relativamente bom.
Fratura do quarto metatarsiano. Cortesia do Dr. Ronald Green.

OSTEOARTRITE

(Doença articular degenerativa)


No carpo, a osteoartrite tipicamente aparece com espessamento crônico da articulação, em geral, associada a
fibrose capsular. Há diminuição na amplitude de movimentos e, às vezes, um histórico de tratamento de um
problema agudo. Alterações radiográficas desenvolvem­se lentamente e, em geral, o grau de comprometimento
da cartilagem articular é grave. Casos que podem, possivelmente, levar à osteoartrite devem ser tratados
corretamente e de modo agressivo. O tratamento de osteoartrite grave é altamente paliativo, mas desbridação e
lavagem, seguidas de terapia intra­articular e sistêmica, podem ser úteis (ver p. 1133).

OSTEOCONDRITE DISSECANTE

A osteocondrite dissecante (OCD) da articulação do carpo é rara. A apresentação típica é um potro de 1 ano de
idade com efusão sinovial. A claudicação, em geral, está presente e pode ser exacerbada por flexão cárpica.
Radiografias mostram a presença de radioluscência subcondral típica de OCD, comumente na porção distal do
rádio. O tratamento é a cirurgia artroscópica, mas têm sido observados refragmentação e desenvolvimento de
osteoartrite. O prognóstico é reservado a bom (ver p. 1229).

OSTEOCONDROMA DA PORÇÃO DISTAL DO RÁDIO (EXOSTOSE SUPRACÁRPICA)

Formação de osteocondroma na porção distal da diáfise e metáfise do rádio costuma ser observada em animais
jovens. O histórico clínico típico é de tumefação da bainha do canal do carpo cranial ao ulnar lateral após
exercício (o que, com frequência, se resolve em poucas horas); efusão hemorrágica também pode estar presente.
Ao exercício, esses equinos apresentam claudicação moderada. Palpação profunda pode revelar maciez e
resposta de retirada. A dor, em geral, é produzida por flexão rápida. O diagnóstico normalmente é feito por
radiografia, mas exame ultrassonográfico pode ser necessário para definir a presença do osteocondroma. A
afecção pode ser tratada com êxito por meio de cirurgia artroscópica. O osteocondroma protruído é removido e
qualquer lesão concomitante no tendão flexor profundo é desbridado. O prognóstico é bom.

RUPTURA DO LIGAMENTO INTERCÁRPICO PALMAR MEDIAL

Essa afecção, descrita primeiramente em 1990, em geral, envolve o ligamento intercárpico palmar medial, mas
pode envolver o ligamento intercárpico palmar lateral. Uma apresentação típica é sinovite e capsulite que não
respondem ao tratamento ou na forma de fragmentos cárpicos em lasca, com um grau de claudicação
desfavorável. O diagnóstico é feito por meio de artroscopia e o tratamento implica na desbridação artroscópica
das fibras rompidas. O prognóstico é excelente em animais com menos de 50% de ruptura.

RUPTURA DO TENDÃO EXTENSOR DIGITAL COMUM

Esse problema de desenvolvimento está presente ao nascimento ou é observado pouco tempo depois. Os potros
normalmente apresentam uma deformidade da flexura do carpo ou deformidade de flexura do boleto. Se a
afecção não é verificada imediatamente, desenvolve­se contratura secundária da unidade flexora músculo­
tendão. A enfermidade é confirmada por palpação das extremidades rompidas edemaciadas do tendão extensor
no interior da bainha tendínea sobre o carpo. O tratamento envolve a prevenção de contratura tendínea
secundária com o uso de talas de PVC para evitar emboletamento, se apropriado. Ocorre cicatrização.

SINOVITE TRAUMÁTICA E CAPSULITE

Sinovite traumática e capsulite são inflamações da membrana sinovial e da cápsula fibrosa sem envolvimento
radiográfico aparente de ossos ou de outras estruturas. Os tecidos moles envolvidos podem incluir membrana
sinovial, cápsula articular fibrosa e ligamentos intra­articulares. Sinovite e capsulite do carpo são afecções
clínicas primárias comuns, mas também podem ser acompanhadas de lesão osteocondral imperceptível
radiograficamente. Em geral, a causa considerada é o traumatismo cíclico.
Sinais clínicos incluem vários graus de claudicação com calor e tumefação local. Na sinovite e capsulite
crônicas, as radiografias podem mostrar enteseófitos ou osteófitos, mas, em muitos casos, não há alterações
radiográficas significativas. O tratamento é o mesmo descrito para osteoartrite (ver p. 1133). Os tratamentos
mais comuns são corticosteroides intra­articulares, exclusivamente, ou em combinação com hialuronato de
sódio, bem como AINE sistêmicos. O uso de glicosaminoglicanos polissulfatados intra­articulares também tem
seu valor. Recentemente, casos mais crônicos foram tratados com soro autólogo condicionado. Se a sinovite e
capsulite do carpo não respondem à terapia intra­articular, a artroscopia diagnóstica é indicada para eliminar a
possibilidade de ruptura do ligamento intercárpico palmar medial, fragmentação osteocondral não visível nas
radiografias ou doença óssea subcondral.

TENOSSINOVITE DAS BAINHAS TENDÍNEAS ASSOCIADAS AO CARPO

Há várias formas de tenossinovite, inclusive idiopática, traumática aguda, traumática crônica e séptica. Na
forma idiopática, não há claudicação e a efusão sinovial localizada na bainha do tendão é a única manifestação.
Pode ser observada na bainha carporradial; essas podem ser diferenciadas com base no conhecimento de
anatomia. Formas traumáticas de tenossinovite são notadas em animais mais velhos. Na fase aguda, há distensão
por fluidos; no estágio crônico, pode haver, também, fibrose. O tratamento consiste em terapia anti­inflamatória
sistêmica e local (p. ex., fenilbutazona por 5 a 7 dias). Dimetilsulfóxido pode ser aplicado topicamente na área
lesionada durante 7 a 10 dias. Nos casos crônicos de cavalos de salto, a desbridação cirúrgica pode ser benéfica.
A tenossinovite séptica do carpo é rara. Quando ocorre, há sinais agudos de claudicação, hiperemia e tumefação,
como observado na artrite séptica.

ANORMALIDADES DE OMBRO E COTOVELO

ANORMALIDADES DO COTOVELO

A claudicação ocasionada por anormalidades de cotovelo é rara, mas sempre deve ser considerada se a fonte de
dor não pode ser detectada no membro distal. Sinoviocentese é conseguida de abordagem lateral, próxima ao
ligamento colateral, ou por abordagem caudal. Radiografias são limitadas às projeções mediolateral (membro
estendido) e craniocaudal (apoiando o peso). A ultrassonografia permite a inspeção das margens articulares
laterais e dos ligamentos colaterais, bem como do ligamento colateral medial (membro flexionado e abduzido).
A claudicação com origem no cotovelo, em geral, não é considerada como produtora de alterações na marcha,
mas a atrofia muscular por desuso pode ser mais evidente que o esperado com lesões do membro inferior.
Ocasionalmente, perda da definição muscular e desconforto podem ser verificados durante a palpação
cuidadosa.

Doenças Ortopédicas do Desenvolvimento

Lesões semelhantes a cistos ocorrem na região proximal do rádio (normalmente medial) e, menos comumente,
no úmero distal. Assim como com o ombro, o acesso artroscópico é limitado. Abordagens extra­articulares do
radio proximal foram tentadas, mas apresentam as mesmas limitações daqueles do ombro, embora, na prática,
uma vez que a projeção radiográfica ortogonal pode ser obtida, há maior chance de obter uma imagem
tridimensional de seu tamanho e localização. As opções de tratamento são limitadas.
Outros tipos de doenças ortopédicas do desenvolvimento na articulação do cotovelo, vistas comumente em
outras espécies, são raras ou não diagnosticadas em equinos.

Fraturas

Traumatismo significativo pode resultar em fratura de qualquer tipo, mas a fratura que afeta o olécrano é
encontrada com maior frequência no cotovelo equino. Fraturas de estresse afetam a metáfise craniodistal do
úmero em cavalos de corrida.
Fraturas do olécrano em equinos adultos ocorrem como resultado de traumatismo externo e podem ser
incompletas (raras); completas, mas não deslocadas ou minimamente deslocadas; ou completas e com
deslocamento significativo. Várias fraturas também são abertas, como resultado do traumatismo que as
originou. Em casos de fraturas incompletas ou não deslocadas, o tratamento conservador pode ser
recompensador, embora, em alguns casos, ocorra deslocamento durante o período de convalescência. A maioria
dos clínicos recomenda amarrar o equino para evitar que se levante e deite durante as primeiras 6 a 8 semanas
de repouso em baia. O uso de talas e bandagens Robert­Jones é controverso – um “efeito de pêndulo” pode
resultar do aumento do peso no membro inferior, possivelmente causando mais prejuízo do que benefício.
Muitas fraturas do olécrano são deslocadas pela ação do músculo tríceps e requerem fixação interna para
reparação. O uso de uma banda de tensão é mais comum, com relatos de sucesso para retorno à atividade
atlética de, aproximadamente, 75% dos casos.
As fraturas da ulna em potros são menos suscetíveis a deslocamento e podem, dessa forma, ser tratadas, na
maioria das vezes, apenas com repouso. Se elas se deslocam, bandas de tensão podem ser aplicadas, mas seu
uso deve ser monitorado cuidadosamente, uma vez que interferem no crescimento do membro (a epífise radial
proximal se fusiona aos 11 a 24 meses de idade) e devem ser removidas tão logo se obtenha cicatrização
satisfatória. Uma lesão incomum, mas potencialmente difícil de diagnosticar e tratar, ocorre quando a epífise
proximal da ulna sofre avulsão em razão de uma lesão Salter Harris tipo 1 ou da epífise, a qual se fusiona aos 24
a 36 meses de idade. Em alguns casos, a epífise é retraída em sentido proximal para uma localização tão distante
que não aparece na radiografia mediolateral normal e pode não ser constatada. Lesões desse tipo menos graves
podem ser tratadas de modo conservador, mas o deslocamento relevante requer intervenção cirúrgica.
O tratamento e prognóstico podem ser influenciados caso a fratura afete ou não a articulação do cotovelo.
Para determinar isso, é necessária a avaliação cuidadosa de radiografias de alta qualidade.
As fraturas de estresse na metáfise craniodistal do úmero, imediatamente acima do cotovelo, ocorrem em
cavalos de corrida. O histórico, com frequência, é similar ao de fraturas do úmero proximal e outras fraturas de
estresse. Radiografias mediolaterais, com frequência, detectam reação periosteal e endosteal no local de
ocorrência. Isso também pode ser verificado com o uso de ultrassom. A cintigrafia é um método sensível para a
detecção de fraturas que não podem ser vistas radiograficamente. O tratamento tem o objetivo de dar conforto
ao animal e reduzir a gravidade da lesão inicial, mas progride como para outras lesões desse tipo, com retorno
cuidadoso ao exercício, equilibrando a integridade estrutural com necessidades biomecânicas para a
cicatrização.

Lesão do Ligamento Colateral

É verificada com maior frequência no ligamento lateral, provavelmente por questões de biomecâmica e
diagnóstico por imagem. Lesões com essa localização podem ser avaliadas com o uso de ultrassonografia. Os
ligamentos mediais colaterais são mais difíceis de avaliar por imagem, mas podem ser analisados. As
radiografias podem mostrar neoformação óssea (enteseófitos) associada à lesão. Muitas são encontradas na
cintigrafia, associadas a um “ponto de calor”, mesmo na ausência de alterações radiográficas. O prognóstico
depende da gravidade da lesão. Até o momento, não foi comprovada a eficácia de nenhum tratamento para
aumentar a cicatrização do ligamento. Vários tratamentos foram tentados, inclusive medicamentos, fármacos
modificadores de doença e terapia com ondas de choque extracorpórea.

Osteoartrite

A doença articular degenerativa da articulação do cotovelo, na ausência de uma lesão primária incitante, é
tratada como descrito para o ombro e outras articulações (ver anteriormente).

ANORMALIDADES DO OMBRO

A claudicação do ombro em equinos é menos comum do que muitas pessoas leigas esperam. Embora, com
frequência, esses casos sejam descritos como apresentação de uma marcha típica (protração/fase cranial
reduzida, arrastamento da pinça, claudicação em cambaleio), eles ainda são de difícil diagnóstico simplesmente
pela análise do andar ou do trote do animal. No entanto, a maioria dos casos apresenta atrofia dos músculos
proximais do membro (em especial supraespinhoso, infraespinhoso, músculos craniais do ombro e músculos do
antebraço cranial), além do que seria esperado normalmente para claudicação causada por doença do membro
distal. Isso não esta associado propriamente à afecção do ombro, mas é uma característica de claudicação do
membro proximal. Anestesia intra–articular, medicação e centese podem ser obtidas pela introdução de uma
agulha longa (preferencialmente uma agulha de raqui) entre as faces cranial e caudal da tuberosidade lateral do
úmero, com angulação caudodistal, a partir da parte superior. Radiografias são limitadas à projeção
mediolateral, com o membro em extensão e, em alguns casos, projeções oblíquas (normalmente caudolateral­
craniomedial ou proximocranial­proximodistal). Ultrassonografia pode ser útil em algumas situações.

Doenças do Desenvolvimento

Doenças ortopédicas do desenvolvimento se manifestam na articulação escapuloumeral (ombro), principalmente


como lesões semelhantes a cistos (cistos ósseos), que afetam a cavidade glenoide da escápula, ou como
osteocondrite dissecante da cabeça do úmero. Também, uma afecção quase exclusiva de pôneis miniatura,
causada por displasia da articulação e atribuível à hipoplasia das superfícies articulares, resulta em instabilidade
e artrite secundária.
LESÕES SUBCONDRAIS SEMELHANTES A CISTOS: Cistos ósseos podem se desenvolver na cavidade glenoide da
articulação do ombro. Podem ou não se comunicar com a articulação do ombro e respondem variavelmente à
anestesia intra­articular. Embora faça parte do complexo de doenças ortopédicas do desenvolvimento, os sinais
podem não ser aparentes até que o animal esteja mais velho. A claudicação, que é uma característica comum
com outras manifestações dessa síndrome, pode não se ocorrer até que o animal comece a trabalhar (tipicamente
no aquecimento ou no início do exercício montado). Ocasionalmente, cistos ósseos que permaneceram
quiescentes pela maior parte da vida do animal, podem ser a causa de claudicação em equinos mais velhos; a
razão para esse início tardio não foi esclarecida.
O diagnóstico é feito pela localização com anestesia intra­articular, por exclusão da doença da parte distal do
membro ou, ocasionalmente, por cintigrafia gama. Radiografias devem documentar a lesão, embora alguns
cistos sejam muito pequenos para serem vistos.
O tratamento em equinos jovens consiste em repouso, na esperança de que o cisto se remodele para se tornar
indolor; no entanto, isso acontece apenas raramente. Medicação intra­articular pode propiciar alívio da
claudicação, mas, normalmente, apenas de maneira transitória. Algumas preparações mais recentes que
modificadoras da doença são promissoras (p. ex., soro autólogo condicionado) e alguns clínicos são favoráveis
ao uso sistêmico de glicosaminoglicanos. A desbridação cirúrgica é muito difícil na maioria dos casos, em razão
da localização do cisto e da lesão à cartilagem articular, que causam osteoartrite secundária. Injeções de
corticosteroides diretamente no cisto, por meio de uma abordagem extra­articular, podem ser apropriadas, mas a
falta de imagens tridimensionais dessa região em equinos torna difícil o planejamento da abordagem.
OSTEOCONDRITE DISSECANTE: O desarranjo do desenvolvimento da cartilagem e do osso na cabeça do úmero
pode resultar em fraqueza da cartilagem articular, que pode levar à erosão ou formação de um flap livre de
cartilagem. Tipicamente, a parte caudal da cabeça é acometida, ou, ao menos, essa é a lesão mais aparente
radiograficamente. Nas outras articulações, a osteocondrite dissecante, com frequência, pode ser tratada com
sucesso com desbridação artroscópica. Infelizmente, o acesso à articulação do ombro é muito restrito e, na
maioria dos casos, nem toda a extensão da lesão pode ser visualizada e tratada. Em equinos jovens, a resolução
clínica é rara em todos, menos nos casos mais leves. Repouso e várias medicações foram tentadas com relato de
pouco sucesso.
DISPLASIA ESCAPULOUMERAL: Aparentemente restrita às raças miniatura, essa afecção surge de uma
incongruência entre o tamanho da cavidade glenoide e a cabeça do úmero. Isso causa instabilidade da
articulação e artrite secundária. Embora seja, indubitavelmente, um problema de desenvolvimento,
provavelmente com um grau relevante de herdabilidade, muitos casos não se manifestam até que o animal
chegue à idade adulta. O histórico, com frequência, é de início súbito de claudicação. Ao exame físico, a atrofia
dos músculos da parte proximal do membro com frequência é acentuada e a claudicação é considerável. Esses
fatores, juntamente com a predisposição racial e, com frequência, com a presença de sinais de dor à
manipulação da parte proximal do membro, tornam a localização direta. Radiografias mostram a presença de
osteoartrite e subluxação variável da articulação escapuloumeral. Incidências oblíquas podem mostrar erosão
profunda da cabeça do úmero em casos graves. A destruição generalizada da articulação causa um “ponto de
calor” na varredura ósseo, se realizada. Não há um tratamento simples. A maioria dos casos se apresenta em um
estágio tão avançado que mesmo cuidados paliativos são impossíveis; a eutanásia humanitária deve ser
considerada em tal situação. A artrodese cirúrgica foi descrita, mas raramente é realizada.

Fraturas

Traumatismos graves podem resultar em fratura de qualquer parte da região do ombro. No entanto, os principais
locais acometidos são tuberosidade supraglenoide da escápula (que é a origem do músculo bíceps braquial),
escápula média a distal, e metáfise proximal do úmero.
Se completas, as fraturas da tuberosidade supraglenoide invariavelmente se deslocam em direção craniodistal,
em razão da tração do bíceps. Fraturas grandes podem ser reparadas cirurgicamente. Isso, no entanto, não é
fácil, uma vez que os fragmentos, com frequência, são difíceis de reduzir e os implantes são difíceis de
posicionar e há predisposição à falha durante a recuperação da anestesia ou durante a convalescência.
Fragmentos menores podem ser removidos, mas o envolvimento da origem do tendão do bíceps deve ser
removido. Fragmentos muito grandes podem envolver a superfície articular. Os casos, normalmente,
manifestam­se por claudicação grave com histórico de traumatismo (p. ex., queda durante salto ou colisão com
um objeto fixo). Na manipulação, com frequência há a sensação de desarticulação entre o membro inferior e o
ombro, uma vez que há ruptura do bíceps. Crepitação pode ser sentida. Na maioria dos casos, em razão da causa
incitante ser um traumatismo relevante, há outros sintomas, como abrasão de tecidos moles ou edema que
apontam o ombro como sítio da dor. Radiografias revelarão a fratura e ultrassonografia pode ser muito útil para
avaliar o tendão do bíceps. O tratamento é variável, dependendo da intenção de uso, idade, tamanho dos
fragmentos, porte do animal etc. O prognóstico quanto ao restabelecimento da função normal é reservado. O
grau de ruptura do bíceps, juntamente com a gravidade da claudicação e a intenção de uso do animal, são
provavelmente os fatores prognósticos mais importantes.
Fraturas da região média a distal da escápula ocorrem por traumatismo ou, em cavalos de corrida, como
fraturas de estresse associadas à fadiga cíclica cumulativa. O traumatismo pode resultar em fratura completa ou
incompleta (possivelmente em decorrência da flexibilidade do osso, em especial em potros). Radiografias
raramente ajudam, uma vez que há dificuldade em obter imagens diagnósticas da área. Ultrassonografia pode
avaliar de forma precisa a integridade da superfície óssea, sendo a técnica de eleição. Cintigrafia também pode
ser utilizada para detectar lesões. Fraturas cominutivas podem ocorrer e o prognóstico piora com o aumento da
complexidade da fratura. Fraturas simples, não deslocadas ou minimamente deslocadas, normalmente,
cicatrizam bem apenas com repouso.
Ultrassonografia pode ser utilizada para monitorar a cicatrização. Fraturas de estresse quase sempre são
incompletas e cicatrizam muito bem, com prognóstico excelente para retorno ao treinamento. Muito raramente,
fraturas de escápula manifestam­se como lesões graves, instáveis, cominutivas, sendo necessária eutanásia
humanitária. A aparência clínica é a chave para tomar a decisão nessas condições – embora doloridas, as
fraturas de escápula com bom prognóstico não causam instabilidade notável no membro.
Raramente, as fraturas afetam as tuberosidades proximais do úmero e a tuberosidade deltoide. Os princípios
descritos acima podem ser extrapolados para essas lesões. A maioria cicatriza com tratamento conservador e
com prognóstico muito bom.
Fraturas por estresse também afetam o úmero proximal, quase exclusivamente na região caudal da metáfise.
Elas são uma causa incomum, mas importante, de claudicação em cavalos de corrida (a metáfise craniodistal do
úmero também é acometida, ver p. 1207). O histórico típico é de início súbito de claudicação, com frequência,
moderada a marcante e intimamente associada a exercício recente, em um animal normalmente, mas nem
sempre, de trabalho rápido. A claudicação normalmente é transitória, e o animal, em geral, torna­se são em um
curto período de tempo (dias a semanas). Com o reinício do exercício ocorre recidiva da claudicação. A
localização, normalmente é difícil; muitas são detectadas após a exclusão do membro inferior como sítio de dor
ou por cintigrafia. Radiografias podem identificar neoformação óssea periosteal e endosteal no local de lesão. A
recuperação, normalmente não é complicada e se completa com algumas semanas de repouso. O confinamento
prolongado pode ser contra produtivo, e exercícios leves (apenas caminhada) podem ser introduzidos
surpreendentemente rápido, uma vez que o período inicial de dor tenha terminado. A lesão permanece evidente
radiograficamente por muito tempo após o osso estar forte o suficiente para suportar exercícios, mas uma
atenuação e resolução do calo ósseo serão notadas com a evolução do remodelamento. Fraturas por estresse não
detectadas no úmero podem resultar de falha do osso durante exercícios e colapso completo, sendo necessária
eutanásia.

Bursite Bicipital

O tendão do bíceps braquial corre sobre o úmero cranioproximal, protegido pela bursa sinovial. A inflamação
dessa estrutura pode causar claudicação e, normalmente, é secundária a uma causa incitante mais grave. O
traumatismo no úmero proximal, lesões císticas no tecido subjacente e lesão no tendão propriamente dito podem
causar bursite secundária; é importante reconhecer a lesão primária e tratá­la apropriadamente. Ocasionalmente,
bursite idiopática primária surge e responde muito bem a medicações da bursa com corticosteroides. A
contaminação bacteriana e, raramente fúngica, pode causar bursite bicipital. Na maioria dos casos, uma ferida
na vizinhança da bursa alerta o clínico para essa possibilidade, mas, muito raramente, pode ocorrer sepse
fechada. O tratamento para bursite séptica segue o mesmo padrão de para outras estruturas sinoviais.
Radiografias e ultrassonografias complementam uma à outra no diagnóstico e tratamento da bursite primária e
secundária. Avaliações repetidas podem ser necessárias se a lesão primária não puder ser detectada, uma vez
que ela pode se tornar óbvia com o tempo. Cintigrafia é útil em casos nos quais a lesão primária permanece
obscura, uma vez que pequenas áreas de lesão óssea ou cavitação podem não ser detectadas radiograficamente.

Infecção

Sepse da articulação do ombro ocorre, normalmente, como resultado de uma ferida penetrante. O diagnóstico e
tratamento são feitos como para outras articulações. Em potros (e raramente em animais recém­desmamados ou
com cerca de 1 ano de idade), a infecção pode se disseminar por via hematógena e se estabelecer nas placas de
crescimento ou epífise dos ossos (infecção fisária ou epifisária). Essas infecções, contanto que não sejam
associadas à contaminação de estruturas sinoviais, podem ser tratadas com altas doses de antimicrobianos por
via sistêmica, antes de tentar a resolução cirúrgica. Há métodos de fornecimento de uma alta concentração de
antimicrobianos no local da infecção (p. ex., perfusão intraóssea).

Neuropatia Supraescapular

(Sweeney)
Essa síndrome descreve a aparência física do ombro do equino. Não é um diagnóstico, por si só, uma vez que
pode haver várias de causas potenciais. A causa mais comum é a lesão do nervo supraescapular.
Todos os casos apresentam atrofia dos músculos supraespinhoso e infraespinhoso que cobrem a escápula. Isso
resulta em proeminência da espinha da escápula – em casos graves, os músculos virtualmente desaparecem. A
atrofia tem um aspecto incomum, pois manifesta­se de maneira profunda e muito localizada, que é marcante
como indicativo de lesão a um único neurônio motor inferior. O nervo envolvido é o supraescapular. Embora o
local de lesão raramente seja documentado clinicamente, a maioria dos casos envolve traumatismo à região
cranial do ombro, no local onde o nervo está exposto à compressão potencial no seu trajeto sobre a face cranial
da escápula. A gravidade da lesão determina o grau de atrofia e a chance de recuperação. Se a função do nervo
estiver gravemente comprometida, a articulação do ombro torna­se instável (trata­se de uma sinartrose, uma vez
que os músculos adjacentes dão suporte à ela) e a articulação “salta” para os lados conforme o equino apoia o
peso. Essa subluxação é extremamente dolorida para o equino, mas não apresenta implicações relevantes para a
saúde da articulação e para a carreira atlética do animal a longo prazo.
O objetivo do tratamento é a manutenção da saúde do músculo durante o período de recuperação do nervo e a
maximização da neurogênese. Os equinos devem ser restritos ao repouso estabulado ou a um piquete muito
pequeno. A imobilização completa pode ter impacto negativo sobre o nervo e músculo, mas a atividade
provavelmente apressa a degeneração articular. Um procedimento cirúrgico para remoção de parte da escápula
sobre a qual o nervo passa foi descrita, cujo objetivo é fornecer condições ótimas para a recuperação nervosa.
Isso deve ser considerado, mas sua utilidade está aberta a debate. A estimulação muscular, sob orientação de um
fisioterapeuta treinado, ajudará a limitar a fibrose muscular e pode encorajar a regeneração nervosa. A grande
maioria dos casos parece ser resultado de neuropraxia ou axonotmese (com base nas observações clínicas e
taxas de recuperação) e recuperarão a função com o tempo. No entanto, esse processo pode levar muitos meses
e, com frequência, há alguma perda de massa muscular. O prognóstico parece ser mais acometido pela duração
da lesão antes do diagnóstico, grau de atrofia no diagnóstico e desejo do proprietário em realizar um tratamento
físico demorado por muitos meses.
Outras causas de neuropatia supraescapular incluem atrofia por desuso (que não surge de modo focal e
raramente é grave), lesão do plexo braquial (que normalmente lesiona vários nervos, a atrofia não é focal, mas é
observável em vários grupos musculares) e doença cervical caudal, que resulta de radiculopatia de nervos
espinais (na qual vários neurônios motores são acometidos, de forma que outros músculos atrofiarão). A
avaliação cuidadosa dos músculos envolvidos e radiografias do pescoço e ombro podem ajudar na
diferenciação. A cintigrafia é útil para uma varredura rápida do membro proximal e das vértebras torácicas e
cervicais para verificar se há lesões que podem influenciar negativamente o prognóstico.

Osteoartrite

A doença articular degenerativa que afeta o ombro envolve os mesmos problemas, nesse local, daqueles em
qualquer outro. Se nenhuma causa primária passível de correção é identificada e se há sinais radiográficos
(osteófitos periarticulares etc.), é seguro assumir que está ocorrendo destruição da cartilagem. Os sinais clínicos
podem ser melhorados, mas não curados, com o uso de anti­inflamatórios, analgésicos e terapias modificadoras
da doença.

ANORMALIDADES DE TARSO E METATARSO

Ver também p. 1201, 1203 e 1204.

DESLOCAMENTO DO TENDÃO FLEXOR SUPERFICIAL DA EXTREMIDADE DO JARRETE

As lesões na fixação medial do tendão flexor superficial à medida que esse passa sobre a tuberosidade calcânea
podem causar luxação lateral do tendão. A lesão ocorre como resultado de uma flexão súbita do jarrete, e o
tendão pode, ocasionalmente, escorregar para a face medial do jarrete. Inicialmente, ocorre claudicação no
membro, com sensação de calor e inchaço locais. O tratamento envolve repouso por, aproximadamente, 3
meses, possivelmente com aplicação de penso. A claudicação melhora, mas o equino pode ficar com
deslocamento permanente no tendão flexor e ação de jarrete mais abrupta. Em geral, não ocorre nenhuma
dificuldade durante exercício rápido ou salto, mas os movimentos de adestramento podem ser acometidos.
Descreveu­se tratamento cirúrgico (implantação de parafusos especiais nos quais suturas que reparam o
ligamento anular rompido podem ser ancoradas) em um número limitado de casos. Os resultados variam e,
provavelmente, não são favoráveis em equinos maiores.

ESPARAVÃO DO CHARCO (Hidrartrose társica)


O esparavão do charco é uma sinovite crônica da articulação tarsocrural, caracterizada por distensão da cápsula
articular. Uma deficiente conformação pode causar fraqueza na articulação do jarrete e maior produção de fluido
sinovial. Em tais casos, ambos os membros são acometidos. O acometimento unilateral é, mais provavelmente,
uma sequela de torção ou de algum problema subjacente dentro da articulação (p. ex., osteocondrose). A causa
mais frequente de distensão articular unilateral ou bilateral, ao menos em animais da raça Warmblood, é a
osteocondrose dissecante (OCD) da crista intermediária da tíbia distal. Radiografias da região são indicadas em
todos os casos. Em equinos com distensão articular unilateral, é aconselhável examinar o jarrete oposto, uma
vez que, em casos de OCD, com frequência, uma lesão idêntica pode ser verificada nele (ver p. 1206).
O equino, em geral, não apresenta claudicação, a não ser que a afecção seja complicada por envolvimento
cartilaginoso e ósseo adicional. A distensão primária de cápsula articular ocorre na superfície medial dorsal do
jarrete, enquanto ocorrem inchaços menores em cada lado da face caudal proximal. O esparavão do charco não
complicado raramente interfere no uso do equino, mas é um defeito e indica a necessidade de avaliação
radiográfica. A distensão pode aparecer e desaparecer espontaneamente nos equinos em desmame e naqueles
com cerca de 1 ano de idade.
O excesso de fluido dentro da cápsula articular pode ser aspirado, no entanto, o benefício é apenas
temporário, uma vez que a distensão do espaço articular é preenchida rapidamente por fluido sinovial. Seja por
meio do suporte com bandagens externas ou pela aplicação de uma bota comercial por várias semanas, a cápsula
articular distendida lentamente volta ao tamanho normal. A administração de corticosteroides intra­articulares
propicia alívio variável e transitório, e é mais bem aplicada em conjunto com repouso e suporte externo. Se
necessário, a administração pode ser repetida 3 semanas mais tarde. Quando se suspeita de envolvimento
osteocondral, deve­se realizar artroscopia. O esparavão dos charcos tende a recidivar, em especial se a má
conformação é um fator incitante.

ESPARAVÃO ÓSSEO

O esparavão ósseo é uma osteoartrite ou osteíte da articulação intertársica distal e tarso­metatársica e,


ocasionalmente, da articulação intertársica proximal. As lesões envolvem artropatia degenerativa, em particular
na face dorso­medial do jarrete, com proliferação de tecido ósseo novo periarticular, que, por fim, leva à
ancilose. Lesões líticas, que são parte do complexo da doença articular degenerativa podem, ocasionalmente, ser
vistas; animais com tais lesões são difíceis de tratar. Embora o esparavão ósseo, em geral, cause claudicação,
essa pode ser obscurecida se as lesões são bilaterais. Entre as diferentes teorias propostas para explicar essa
afecção, a falha na conformação de jarrete, concussão excessiva, eventos atléticos específicos (provas de
tambor, adestramento, salto) e desequilíbrio mineral são os citados com maior frequência. Todas as raças podem
ser acometidas, mas ela é mais prevalente nos equinos Standardbred e Quarto­de­Milha.
O cavalo com claudicação tende a arrastar a pinça. O arco para frente do casco se encurta, e a ação do jarrete
é diminuída. Com frequência, os equinos param de claudicar após alguns minutos de exercício mas, em alguns
casos, a claudicação persiste em razão do envolvimento das superfícies articulares pela lesão óssea. O talão
pode se tornar alongado. Os equinos Standardbred desenvolvem dor na musculatura glútea (denominada bursite
trocantérica) secundária ao esparavão. Nos casos avançados, a proliferação óssea pode ser visível na face
dorsomedial do jarrete (local do esparavão). Quando em pé, o equino pode descansar a pinça no solo, com o
talão ligeiramente elevado. A claudicação, com frequência, desaparece com exercício e retorna depois do
descanso. O teste de esparavão (i. e., trote após flexão de membro por, aproximadamente, 60 segundos) pode ser
um procedimento auxiliar útil ao diagnóstico, mas em razão do aparato recíproco do membro pélvico, esse teste
não é específico para essa afecção ou mesmo para essa articulação. No esparavão denominado oculto, não
ocorre qualquer lesão por exostose ou lise visível em radiografia. É necessária anestesia local nas articulações
társicas individuais para localizar o sítio de dor exato, responsável pela claudicação.
A doença é autolimitante, terminando com ancilose espontânea na(s) articulação(ões) acometida(s) e o
retorno à sanidade. Nos estágios iniciais, injeção intra­articular de corticosteroides ou de hialuronato de sódio
(ou de ambos) pode ser benéfica. AINE (p. ex., fenilbutazona) eliminam ou reduzem os sinais clínicos. Um
trabalho com o equino depois desse tratamento se destina a acelerar a ancilose e a resolução da claudicação. A
artrodese química com uso do monoiodoacetato ou álcool foi indicada como uma opção de tratamento menos
traumática. Esses fármacos induzem artrite grave e os AINE devem ser administrados por alguns dias.
Adicionalmente, deve­se assegurar que não há comunicação com a articulação talocrural, antes da administração
do medicamento. De outra forma, essa articulação também perde sua função. A artrodese cirúrgica é outro meio
de acelerar a ancilose da articulação acometida. A colocação de parafusos oblíquos que cruzam as articulações
tarsometatársica e intertársica distal facilita a resolução mais rápida da claudicação. Esses parafusos podem ser
introduzidos em uma placa cirúrgica ou próximo a ela. Se apenas a placa, e não os parafusos, unir a(s)
articulação(ões) envolvida(s), a reparação é mecanicamente menos estável. A preparação de orifícios com
formato de leque ao longo da superfície envolvida foi indicada, sozinha, ou juntamente com a placa. A broca da
furadeira não deve ter atrito com a superfície articular para remover o máximo possível de cartilagem; essa
técnica induz claudicação grave como resultado da instabilidade criada. A tenotomia cuneal é utilizada
comumente, mas esse procedimento, isolado, tem um valor questionável. Costumava­se defender o emprego de
cauterização profunda para acelerar a ancilose, mas há muita dúvida se isso tem algum efeito benéfico, além de
estimular o repouso. Apenas o ferrageamento corretivo por meio da elevação dos talões e do rolamento da pinça
pode ajudar, mas é improvável que elimine a claudicação.

ESPESSAMENTO DO LIGAMENTO TARSAL PLANTAR (Curb)


Este espessamento ou arqueamento do ligamento társico plantar é causado por estiramento. Após uma queda,
escorregão ou salto, pode ocorrer inflamação e espessamento desse ligamento. Essa afecção é mais comum em
equinos Standardbred, nos quais a má conformação do jarrete é fator predisponente. Ocorre aumento de volume
na superfície caudal do osso társico fibular, aproximadamente, 10 cm abaixo da extremidade do jarrete. É
facilmente observado quando se faz a inspeção lateral do equino. Uma lesão deste tipo formada recentemente
está associada a inflamação aguda e claudicação. O equino fica em pé e protege o membro com o talão elevado.
Em casos crônicos, raramente ocorre claudicação ou dor.
Se a doença se deve a uma inflamação aguda, são indicadas compressas frias e repouso. Pouco pode ser feito
para tratar um espessamento do ligamento secundário à má conformação. Felizmente, o problema parece ser
autolimitante, sem efeitos duradouros no desempenho.
Uma lesão semelhante a este tipo de espessamento de ligamento pode ser observada em potros com
ossificação incompleta, no momento do nascimento. Se essa afecção não é tratada de maneira apropriada com
gesso ou bandagens e o potro é confinado à baia, o precursor da cartilagem ainda presente nos pequenos ossos
tarsais pode se tornar fino e, por fim, se romper, o que resulta em colapso parcial do tarso e na aparência de um
contorno semelhante ao espessamento e encurvamento do ligamento tarsal plantar. Esses animais apresentam
claudicação, mas se há ancilose das pequenas articulações tarsais, o que pode demorar meses, a claudicação
desaparece.

FERIDAS GRANDES NA REGIÃO METATÁRSICA PROXIMAL

Traumatismo na região metatársica proximal e dorsal é relativamente frequente e pode resultar em lesão grave
de pele, tendão e ligamentos; o osso subjacente também pode ser acometido. O exame cuidadoso da ferida e
estruturas adjacentes é necessário para detectar o envolvimento de estruturas adicionais, como as articulações. A
reparação inicial de defeitos na pele deve ser tentada após ampla desbridação, e pode requerer uma técnica de
expansão de malha e facilitação da drenagem. A ferida deve ser recoberta com curativo e a região tarsal deve ser
imobilizada nas primeiras 2 semanas. A deiscência da ferida é comum, sendo necessária a remoção de todo o
material de sutura, além de desbridação adicional para aplicação de um curativo úmido. A ferida deve cicatrizar
por segunda intenção e sempre é reconhecida pela formação de tecido cicatricial. As cicatrizes podem limitar a
movimentação da articulação talocrural. O sequestro de osso é comum nos dois próximos meses. Para facilitar a
cicatrização, os fragmentos ósseos devem ser removidos cirurgicamente, uma vez que eles tenham se separado
do osso subjacente. A cicatrização completa leva meses e requer atenção médica prolongada.

FRATURA DO TARSO

As fraturas do tarso ou do jarrete ocorrem como resultado de traumatismo ou como complicação secundária da
artropatia degenerativa. O jarrete consiste em oito ossos, que formam várias articulações diferentes. Tal como
no carpo, pode ocorrer uma ampla variedade de localizações e tipos de fraturas. O diagnóstico específico
depende de exame radiográfico cuidadoso, inclusive várias projeções oblíquas ou, melhor, TC.
Algumas das fraturas mais comuns envolvem lascas do osso tibiotársico e dos maléolos tibiais medial ou
lateral. Essas lesões devem ser distinguidas do complexo osteocondrite dissecante. Também se observam
fraturas em placa dos ossos társicos central e terceiro, em particular nos equinos Standardbred. Como essas
fraturas, com frequência, são bastante pequenas e podem não causar claudicação, é importante utilizar anestesia
intra­articular para identificar positivamente o sítio da claudicação. Em muitos casos, um período de repouso (3
a 6 meses) é tudo o que é necessário para recuperação completa, embora no caso de fragmentos em lascas
grandes, a remoção cirúrgica possa ser melhor. A articulação talocrural é tratável por artroscopia e cirurgia, com
a maioria das áreas envolvidas sendo acessível. As fraturas em placa são tratáveis por meio de fixação com
parafuso de compressão.
As fraturas do calcâneo são óbvias e resultam em claudicação grave. Na maioria dos casos, essas fraturas
devem ser tratadas por meio de fixação interna; em casos graves, os equinos devem ser eutanasiados por
motivos humanitários.

FRATURA DO TERCEIRO OSSO METATÁRSICO

Em geral, o mesmo tipo de fratura pode ser adquirido que no terceiro osso metacárpico (ver p. 1203). Lesões
por coice ou outras influências externas, normalmente, são responsáveis pelo desenvolvimento de tipos
diferentes de fratura diafisária (transversa, oblíqua, espiral, fissura e multifragmentar). Fraturas condilares
laterais ocorrem com maior frequência em cavalos Standardbred e podem estar presentes bilateralmente, com
claudicação marginal; fraturas condilares mediais são raras. Fraturas não deslocadas e incompletas do terço
proximal do terceiro osso metatársico, que se estendem até a articulação tarso­metatársica, são verificadas
apenas nesse osso. Fraturas de estresse que ocorrem no membro torácico não ocorrem nos membros pélvicos.
Equinos com fraturas do terceiro osso metatársico, normalmente, apresentam claudicação grave (4­5/5). A
sustentação do peso e deformação axial durante o apoio do peso dependem do tipo de fratura presente. O
diagnóstico, normalmente, é confirmado por radiografias e/ou outras técnicas de diagnóstico por imagem.
Fraturas por fissura podem ser tratadas com repouso em baia, uso de bandagens e manutenção de uma tipoia
para evitar que o animal deite. Esse tipo de tratamento prolonga o tempo de recuperação, mas é uma opção.
Outras técnicas de tratamento conservador, como aplicação de gesso, são possíveis em algumas fraturas, mas
não são mais indicadas por uma série de razões. Elas evitam a movimentação ativa precoce e induzem à doença
da fratura e, com frequência, escaras de pressão em sítios de predileção (região de ergot, face dorsal proximal do
terceiro metatarsiano com gessos que cobrem apenas a metade do osso) e podem levar à ruptura do tendão
fibular terceiro se um gesso completo é aplicado. Adicionalmente, muitos equinos não toleram pensos que
evitam a flexão da articulação talocrural. A fixação interna é o tratamento de eleição. Placas de compressão
permitem uma fixação sólida e rígida de quase todas as fraturas. A placa permite a introdução de parafusos de
córtex regulares e, onde desejado, parafusos com cabeça de fixação. Fraturas condilares e fraturas proximais
incompletas do terceiro metatarsiano são mais bem tratadas por meio do uso de parafusos de córtex inseridos a
intervalos regulares por incisões penetrantes. Com esse tipo de tratamento, o fragmento pode ser comprimido
contra a porção maior do osso para facilitar a cicatrização óssea rápida, normalmente com a formação de calo.
Se o equino for retornar à atividade atlética, é indicada a remoção da placa 5 a 6 meses após a cirurgia. Se duas
placas foram aplicadas, a remoção escalonada é realizada com 3 meses de intervalo. Na maioria dos casos, as
fraturas reparadas apenas com parafusos corticais não exigem remoção do implante após a cicatrização.

HARPEJAMENTO

O harpejamento é uma doença mioclônica de um ou ambos os membros pélvicos, vista como hiperflexão
espasmódica das articulações. A etiologia é desconhecida, mas as lesões de neuropatia periférica foram
identificadas nos nervos ciático, fibular e tibial. Várias formas de afecção foram atribuídas ao latirismo
(intoxicação por ervilha­de­cheiro venenosa) nos EUA e, possivelmente, à intoxicação por ervas daninhas de
charco, na Austrália. Equinos de qualquer raça podem ser acometidos; é uma doença rara em potros.
Todos os graus de hiperflexão são vistos, desde o levantamento leve, espasmódico e recolocação do membro
no chão, até o caso extremo em que o membro é puxado de forma brusca até tocar o abdome, e depois bate
violentamente no solo. Nos casos graves, há atrofia do músculo lateral da coxa. No harpejamento e latirismo
australianos, a afecção pode ser progressiva e a anormalidade na marcha pode ser tão grave que se justifica a
eutanásia.
O harpejamento leve pode ser intermitente. Os sinais ficam mais evidentes quando o animal é virado ou
recuado. Em alguns casos, a afecção só é observada nos primeiros poucos passos depois de se mover o equino
para fora da baia. Os sinais, com frequência são menos intensos ou até ausentes durante períodos de clima mais
quente. Embora seja considerada uma doença, o harpejamento pode não atrapalhar a capacidade de trabalho do
equino, exceto nos casos graves, quando a concussão constante dá origem a complicações secundárias. A
afecção também pode tornar o equino inadequado para esportes equestres (p. ex., adestramento).
O diagnóstico se baseia nos sinais clínicos, mas pode ser confirmado mediante eletromiografia. Se houver
dúvida, deve­se observar o equino à medida que sai de ré da baia, depois de um trabalho árduo, por 1 a 2 dias.
Às vezes, surge um falso harpejamento como resultado de alguma irritação temporária na área da quartela
inferior ou mesmo lesão dolorida na pata. Ocasionalmente, o equino com fixação patelar dorsal momentânea
pode apresentar marcha semelhante à do harpejamento.
Quando se suspeita de intoxicação, a remoção para outro piquete pode ser o suficiente. Muitos desses casos,
aparentemente, se recuperam de modo espontâneo. Nos casos crônicos, a tenectomia no extensor digital lateral,
inclusive remoção de uma porção do músculo, confere os melhores resultados. A melhora pode não ficar
evidente até 2 a 3 semanas após a cirurgia. O prognóstico depois da cirurgia é reservado – nem todos os casos
respondem bem a ela. Isso não é surpreendente, pois a afecção é uma axonopatia distal. Os outros métodos de
tratamento incluem doses altas de tiamina e fenitoína.

LUXAÇÃO DO JARRETE

A luxação do jarrete pode se desenvolver após a remoção cirúrgica de todo o osso metatársico rudimentar. Tal
intervenção cirúrgica é indicada ocasionalmente em fraturas cominutivas da região proximal do osso
metatársico rudimentar. Durante a remoção, os ligamentos que dão ancoramento distal são seccionados, e a
articulação tarsometatársica é aberta. Uma recuperação anestésica atribulada pode causar luxação.
Ocasionalmente, pancadas ou coices graves na área também podem induzir luxação completa ou parcial da
região társica.
Subluxações podem ser tratadas com bandagens e imobilização prolongada. Luxações completas devem ser
tratadas por meio de fixação interna com placas aplicadas ao longo de todo o osso calcâneo e para baixo, na
porção média do terceiro osso metacárpico. Se a cirurgia não é uma opção, eutanásia é obrigatória.

RUPTURAS DE TENDÃO DE MEMBROS PÉLVICOS

A laceração total do tendão de Aquiles, envolvendo os tendões gastrocnêmio e flexor superficial, é rara. O
jarrete se arrasta ao solo, sendo incapaz de sustentar o peso. O prognóstico é ruim.
A ruptura do músculo gastrocnêmio é mais comum e pode resultar de estresse excessivo aplicado ao jarrete
(p. ex., uma parada súbita). Pode ser bilateral, sendo possível a sustentação do peso, mas ocorre flexão
excessiva do jarrete, que dificulta a marcha. Não há tratamento satisfatório. O uso de tala no membro e a
aplicação de tipoia têm sido tentados e resultaram em algum sucesso. Em geral, potros com essa afecção
apresentam prognóstico melhor.
As lesões nos tendões extensores lateral e longo, com frequência, acompanham lacerações em membros
pélvicos. Caso um tendão esteja envolvido, o prognóstico normalmente é bom. Se ambos os tendões extensores
se rompem, o equino apresenta déficit de marcha, com prejuízo ao desempenho atlético, mas pode ser útil para
montaria de lazer ou para reprodução. O tratamento conservador leva à cicatrização do ferimento, mas deve­se
considerar reparo cirúrgico e aplicação de penso, caso ambos os tendões se rompam ou caso se deseje estado de
desempenho atlético.
A ruptura dos tendões flexores superficial e profundo ocorre, às vezes, como lesão de corrida ou acompanha
lacerações. Essas lesões são graves, com claudicação acentuada e graus variáveis de extensão exagerada do
boleto e da quartela. O tratamento envolve reparo cirúrgico com talas e aplicação de penso no membro, mas o
prognóstico é precário em relação ao desempenho futuro.

RUPTURA DO MÚSCULO FIBULAR TERCEIRO

Lesão no músculo fibular terceiro afeta o aparelho de sustentação do membro pélvico e destrói a ação recíproca
das articulações do joelho e do jarrete. Essa afecção pode se desenvolver quando o equino é mantido em com
gesso em todo o membro por um período de tempo prolongado. A característica diagnóstica mais típica é a
capacidade de estender o jarrete e flexionar simultaneamente o joelho. O equino apresenta claudicação, mas, em
geral, ainda é capaz de sustentar o peso no membro. O membro pélvico acometido apresenta um movimento
súbito e brusco enquanto é trazido para frente. É indicado tratamento conservador que consiste em repouso
prolongado (normalmente 4 meses); o prognóstico e favorável.

TENOSSINOVITE DA BAINHA TÁRSICA

A tenossinovite da bainha társica é uma distensão da bainha társica do tendão flexor digital profundo, logo
acima do jarrete. Ela se caracteriza por inchaços preenchidos com fluido plantares visíveis em ambos os lados
medial e lateral, proximal à articulação tibiotársica, o que a distingue do esparavão do charco (ver p. 1213).
Normalmente é unilateral e varia em tamanho. A lesão é conhecida como uma tenossinovite de origem
traumática, mas pode não se associar com nenhuma inflamação, dor ou claudicação detectável. Ela é
essencialmente um defeito e, por isso, tem enorme importância clínica nos equinos de exposição. O tratamento é
feito por meio de solução de fluidos e administração de ácido hialurônico ou corticosteroides de longa duração,
que pode ser necessário até que não haja recidiva do edema.

ANORMALIDADES DO JOELHO

FIXAÇÃO DORSAL INTERMITENTE DA PATELA E RETARDO NA LIBERAÇÃO DA PATELA

A fixação dorsal intermitente da patela ocorre quando o ligamento patelar medial permanece preso na crista
troclear medial do fêmur e “trava” o aparato recíproco com o membro em extensão. O equino com fixação
dorsal de patela permanece em estação com o membro pélvico em extensão, e com o boleto flexionado. O
membro normalmente é “liberado” com um movimento rápido e súbito.
Alguns equinos apresentam uma forma mais leve dessa afecção. Nesses equinos, há um retardo na liberação
da patela durante a protração do membro, normalmente mais evidente conforme o equino realiza movimentos de
subida ou descida. Nessa condição, a manifestação é um movimento súbito da patela. Equinos com fixação
dorsal recorrente ou liberação retardada da patela podem desenvolver claudicação crônica, de baixo grau, em
razão da dor no joelho, e podem ficar relutantes em trabalhar em superfícies macias, profundas ou em subidas e
descidas.
A fixação dorsal ou liberação retardada da patela são verificadas com maior frequência em equinos jovens e
pôneis, em particular se eles apresentarem condição corpórea ruim e baixo desenvolvimento da musculatura. A
conformação com o membro reto pode predispor a essa afecção. Isso também pode ocorrer em equinos mais
velhos que apresentam traumatismo na região do joelho, em particular se o equino estiver estabulado ou se
estava inativo.
O diagnóstico se baseia no reconhecimento dos sinais clínicos típicos. Em alguns equinos, a fixação dorsal da
patela pode ser induzida ao se empurrar o animal para trás, ou pela tração manual da patela em sentido
proximal. Radiografias do joelho devem ser obtidas em equinos com efusão da articulação femoropatelar e
claudicação para estabelecer a doença concomitante ou secundária.
Para liberar uma patela com fixação dorsal, o equino deve ser empurrado para trás enquanto se empurra
simultaneamente a patela medial e distalmente. De maneira alternativa, puxar o membro para frente com uma
corda ao redor da quartela pode “destravar” a patela. Se a fixação dorsal da patela é intermitente e não causar
claudicação, um programa de condicionamento deve ser instituído. Isso envolve o trabalho conduzido ou por
monta diária do equino, apropriado à sua idade e tipo, bem como assegurar um plano de nutrição adequado,
bons cuidados odontológicos e administração de anti­helmínticos. O repouso em estábulo é contraindicado, e os
animais devem ser deixados soltos no pasto o máximo possível. O casqueamento para assegurar que o casco
esteja bem balanceado e o ferrageamento com inclinação, com ou sem elevação lateral nos talões, pode ser
benéfico. Uma proporção significativa de equinos melhorará com a maturidade e o tratamento conservador,
embora os sinais possam recidivar se o equino passar por estabulação prolongada.
A desmotomia do ligamento patelar medial é indicada em equinos que falham em responder ao tratamento
conservador ou em equinos com claudicação causada por fixação dorsal da patela. A desmotomia do ligamento
patelar medial é realizada com maior frequência em equinos sedados, sob anestesia local, embora alguns
cirurgiões prefiram anestesia geral. Após a cirurgia, o equino deve ser restrito ao repouso em baia ou em um
piquete pequeno por 2 meses para reduzir o risco de complicações. A fragmentação do ápice da patela é a
complicação mais comum após a cirurgia (ver a seguir); se ela resultar em claudicação, deve ser tratada por
artroscopia, com bons resultados. Outras complicações incluem claudicação, edema localizado ou mesmo
fratura de patela. O prognóstico após desmotomia do ligamento patelar medial, em geral, é considerado bom,
com raras recidivas do problema.

FRAGMENTAÇÃO DA PATELA

A fragmentação do ápice da patela, normalmente, ocorre secundariamente à desmotomia patear medial para o
tratamento da fixação dorsal da patela. Acredita­se que as lesões ocorram em razão da instabilidade patelar,
como resultado da cirurgia. A gravidade da claudicação varia de rigidez leve à claudicação moderada. Um teste
de flexão proximal do membro, normalmente, exacerbará a claudicação e a efusão da articulação femoropatelar
normalmente está presente. A claudicação é localizada pela anestesia diagnóstica da articulação femoropatelar e
o diagnóstico é confirmado por radiografia. O tratamento de eleição é a desbridação artroscópica do ápice da
patela e a remoção dos fragmentos osteocondrais. O prognóstico é razoável, mas depende da gravidade da
afecção.

FRATURAS

Fraturas da Tuberosidade da Tíbia

Fraturas da tuberosidade da tíbia não são incomuns. Há pouco tecido mole cobrindo essa área, e as fraturas
normalmente resultam de traumatismo direto. A configuração da fratura pode variar de fragmentos pequenos,
localizados fora da região proximal cranial da tuberosidade, à fraturas grandes de toda a tuberosidade,
estendendo­se para dentro da articulação femorotibial. Fraturas da tuberosidade tibial normalmente resultam em
claudicação marcante, inicialmente com aumento de volume localizado e edema. A claudicação, com
frequência, melhorará em alguns dias. O diagnóstico é confirmado por radiografia.
Fraturas pequenas e não deslocadas podem se curar com tratamento conservador. É aconselhável o repouso
em baia por 6 a 8 semanas. Durante as primeiras 2 a 3 semanas, deve­se evitar que os equinos deitem, utilizando
um cabresto ou então, pode­se evitar também o deslocamento do fragmento pelo uso de talas. Fraturas intra­
articulares, maiores devem ser reparadas por fixação interna. As fraturas, em geral, apresentam um bom
prognóstico para retorno à atividade atlética se tratadas de forma apropriada.

Fraturas de Côndilo Femoral e de Cristas Trocleares Femorais

Fraturas dos côndilos femorais, normalmente, são resultado de traumatismo direto. Fraturas grandes, intra­
articulares, deslocadas em equinos adultos são catastróficas e apresentam um prognóstico grave. No entanto, a
fragmentação traumática dos côndilos femoral ou da crista troclear também pode ocorrer. Tais lesões, com
frequência, resultam em início agudo, claudicação moderada a grave com efusão articular. O diagnóstico é
confirmado por radiografias. O tratamento envolve a remoção cirúrgica dos fragmentos da fratura para evitar o
desenvolvimento de osteoartrite. Normalmente há sucesso com o uso da artroscopia, mas pode ser necessária
artrotomia. O prognóstico normalmente é considerado bom após cirurgia, contanto que não haja ampla lesão de
tecidos moles concomitante.

Fraturas de Patela

As fraturas da patela normalmente resultam de traumatismo direto, com frequência, quando o equino recebe um
coice de outro animal ou atinge um obstáculo fixo enquanto salta. O prognóstico depende da conformação da
fratura. Fraturas sagitais do polo medial da patela são mais comuns. Essas fraturas normalmente são intra­
articulares e envolvem a inserção da fibrocartilagem parapatelar do ligamento patelar medial. Fraturas
horizontais completas são raras, mas são consideradas lesões graves em razão do deslocamento de fragmentos
decorrente da tração maciça dos músculos extensores. Fraturas sagitais completas podem ser mais passíveis de
fixação interna, em razão das suas menores forças dispersantes.
Fraturas da patela normalmente resultam em claudicação marcante inicialmente, com inchaço e edema sobre
a patela e efusão da articulação femoropatelar. Em caso de fraturas menos graves ou não articulares, a
claudicação pode melhorar em alguns dias. O diagnóstico é confirmado por radiografia. Projeções radiográficas
padrão do joelho, juntamente com a projeção oblíqua cranioproximal­craniodistal são utilizadas para determinar
a configuração da fratura.
As opções de tratamento dependem da configuração da fratura. Equinos com fraturas pequenas, não
deslocadas e não articulares podem ser tratados de modo conservador, com repouso em baia por 6 a 8 semanas e
apresentam um bom prognóstico para retorno à atividade atlética. Fraturas articulares do polo medial da patela
podem ser removidas com o uso de artroscopia ou por uma artrotomia e são consideradas de bom prognóstico.
Fraturas maiores, do meio do corpo da patela, sagitais ou horizontais requerem reparação por fixação interna.
Essa

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