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Os autores e a editora empenharamse para citar adequadamente e dar o devido crédito a todos os detentores dos direitos autorais de
qualquer material utilizado neste livro, dispondose a possíveis acertos caso, inadvertidamente, a identificação de algum deles tenha
sido omitida.
Não é responsabilidade da editora nem do autor a ocorrência de eventuais perdas ou danos a pessoas ou bens que tenham origem no
uso desta publicação.
Apesar dos melhores esforços do autor, das tradutoras, do editor e dos revisores, é inevitável que surjam erros no texto. Assim, são
bemvindas as comunicações de usuários sobre correções ou sugestões referentes ao conteúdo ou ao nível pedagógico que auxiliem
o aprimoramento de edições futuras. Os comentários dos leitores podem ser encaminhados à Editora Roca.
The Merck Veterinary Manual, tenth edition First published in the United States by Merck & CO., INC,.
Copyright 2010 by Merck & Co., Inc. All rights reserved.
Manual Merck de Veterinária – 10a Edição
ISBN 9788541201544
Direitos exclusivos para a língua portuguesa
Copyright © 2013 da 10a Edição pela Editora Roca Ltda.
Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial Nacional
Rua Dona Brígida, 701 – CEP: 04111081 – São Paulo – SP
Tel.: 55(11) 50800770
www.grupogen.com.br
Reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por
quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na internet ou outros), sem permissão expressa da editora.
Assistente Editorial: Sarita Borelli
Coordenador de Revisão: Queni Winters
Capa: Rosangela Bego
Imagens: Rosangela Bego
Produção: Freitas Bastos
CIPBRASIL. CATALOGAÇÃONAFONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.
M251
10 .ed.
Manual Merck de veterinária / [editor Cynthia M. Khan; editor associado Scott line]; [tradução José Jurandir … [et al.]. 10. ed. São
Paulo : Roca, 2013.
Tradução de : The Meck veterinary manual, 10th ed
Inclui bibliografia
ISBN 9788541203104
1. Medicina veterinária Manuais, guias, etc. 2. Patologia clínica veterinária. 3. Animais Doenças. I. Kahn, Cynthia M. II. Line,
Scott.
128936.
CDD: 636.089
CDU: 619:616
MANUAL MERCK DE VETERINÁRIA
Edições Anteriores
1a Edição – 1955
2a Edição – 1961
3a Edição – 1967
4a Edição – 1973
5a Edição – 1979
6a Edição – 1986
7a Edição – 1991
8a Edição – 1998
9a Edição – 2005
Edições em Outros Idiomas
Croata/Eslovaca – Komora Vetarinarnich Lekarov, Brno
Espanhol – Editorial Oceano, Barcelona
Francês – Editions d’Apres, Paris
Inglês – Merck & Co., Inc., New Jersey
Italiano – Cristiano Giraldi Editore, Bologne
Japonês – Gakusosha, Tokyo
OUTROS
LIVROS DA MERCK
The Merck Index
Primeira Edição, 1889
Manual Merck – Diagnóstico e Tratamento
Primeira Edição, 1899
The Merck Manual of Medical Information
Home Edition
Primeira Edição, 1997
The Merck Manual of Health and Aging
Primeira Edição, 2004
Manual Merck – Saúde Animal
Primeira Edição, 2007
Manual Merck de Diagnósticos Médicos
Primeira Edição, 2008
Os livros da Merck são publicados como um serviço para a comunidade científica e o público em geral.
PREFÁCIO
Vivemos em uma época de novidades e melhoria, onde a “novidade” é sempre o mais importante. Quase que
diariamente nos é disponibilizada ampla gama de mensagens que tenta nos convencer de que algum produto é
melhor, tem ação mais rápida ou é mais efetivo. Assim, é muito gratificante que o Manual Merck de
Veterinária, inicialmente publicado no ano de 1955 como um livro pequeno e relativamente compacto, continue
sendo a melhor referência veterinária disponível no mercado, em seu gênero. A cada edição que o sucede,
o Manual cresce – tanto na quantidade de páginas quanto no escopo –, mas o objetivo permanece o mesmo
declarado pelos editores da primeira edição: “…propiciar ao veterinário informação concisa, confiável e facilmente
disponível sobre o diagnóstico e tratamento das doenças dos animais criados pelo homem com intuito de consumo
ou como animal de estimação”.
Embora o objetivo continue o mesmo e a organização do livro seja muito familiar aos usuários prévios, esta
nova edição do Manual contém modificações significativas. As páginas estão totalmente reformatadas para tornar
mais fácil a leitura do texto e para auxiliar os leitores a localizarem a informação mais rapidamente na página. As
tabelas também foram reformuladas para facilitar o uso. Mais notadamente, pela primeira vez o Manual foi
impresso em cores, permitindo o acréscimo de imagens – inclusive ilustrações originais; imagens obtidas por
radiografia, ultrassonografia e endoscopia; microfotografias; e muito mais – para realçar o texto. Ao todo, o livro
contém cerca de 250 imagens, quantidade que esperamos aumentar na próxima edição.
Cada seção do livro foi cuidadosamente revisada e atualizada. Para atender a crescente popularidade – e o
conhecimento básico a respeito – de animais exóticos e de laboratório, a seção foi ampliada, inclusive com textos
mais abrangentes sobre aves de estimação, peixes, ratitas, répteis e roedores, bem como um novo capítulo sobre
ouriço africano. Nesta nova edição, o capítulo sobre animais de laboratório inclui discussão a respeito de normas
reguladoras. As seções sobre imunologia e comportamento foram amplamente revisadas, de modo a tornálas mais
úteis ao clínico. A seção sobre toxicologia foi reorganizada para facilitar a informação e nela foi incluído um novo
capítulo a respeito de cogumelos venenosos. A extensa tabela de referência de zoonoses também foi atualizada
com novo material introdutório, zoonoses recentes e cruzamento de referências, para uma discussão mais
completa. Além disso, o risco zoonótico de doenças veterinárias foi destacado em todo o Manual.
Foram adicionados novos capítulos para propiciar informações básicas sobre tópicos emergentes de importância
aos veterinários, inclusive clonagem de animais domésticos e medicina veterinária alternativa e complementar.
Foram acrescentados novos capítulos sobre doenças e anormalidades, como síndrome metabólica de equinos,
anormalidades do metabolismo de potássio, inflamação da vesícula seminal em touros e pseudoprenhez em cabras.
Vários outros capítulos foram consideravelmente revisados ou novamente escritos, como claudicação em equinos,
cardiopatia ou insuficiência cardíaca e doenças de estômago e intestinos em pequenos animais, dentre outros.
Para utilizar o Manual de forma mais eficientemente, os leitores são estimulados a se familiarizar com o Guia do
Leitor e a utilizar o Sumário de cada seção, indicado pela respectiva reentrância colorida no corpo do exemplar. A
ampla Lista de Capítulos pode ser um importante primeiro passo para a localização da informação de um tópico
específico. Para manter o tipo de manual, que é a característica deste livro, os editores solicitaram limitação do
espaço de nossos colaboradores e não há inclusão das referências.
A extensão e profundidade do conteúdo do Manual Merck de Veterinária se devem, em grande parte, aos quase
400 autores que participaram desta edição, incluídos na Lista de Colaboradores. Ademais, vários revisores
propiciaram comentários e sugestões relevantes que melhoraram adicionalmente o conteúdo. Sem o seu tempo e
habilidade, uma referência deste tipo não seria possível. O foco global do livro é evidenciado pela publicação
contínua de edições em línguas estrangeiras, bem como pelas contribuições oriundas de autores de 19 países, em
todo o mundo.
Também agradecemos os membros do corpo editorial que revisaram os capítulos das suas áreas de
especialização, fornecendo inestimáveis sugestões para novos conteúdos e autores. Seus conhecimentos coletivos
continuam a moldar o escopo deste livro. Nos bastidores, a equipe editorial da Merial e o grupo editorial do Merck
tornaram possível a conclusão desta tarefa gigantesca. Agradecimentos especiais a Odilia Achu, que praticamente
gerenciou todas as etapas do desenvolvimento deste trabalho, sem perder de vista um único detalhe; a Scott Line,
que revisou vários milhares de imagens, selecionou as mais úteis e coordenou suas inclusões, além de atuar como
editor associado; por fim a Susan Aiello, que continua a contribuir para a excelência editorial desta publicação.
Também os agradecimentos a Gary Zelko e Pamela BarnesPaul, da Merck, por propiciarem orientação
especializada e entusiasmo para a tarefa de produzir e promover cada edição.
A publicação de um novo livro é uma satisfação, ainda que saibamos que as informações nele contidas devam
ser disponibilizadas de outras formas, de modo a aumentar sua utilidade aos estudantes e clínicos. O Manual
Merck de Veterinária já se encontra disponível em vários formatos eletrônicos e continuamos a pesquisar novas
opções para disponibilizar informações durante o período desta edição. Como sempre, aguardamos feedback e
sugestões para melhorar cada vez mais este trabalho.
Cynthia M. Kahn
Editora
GUIA AOS LEITORES
O índice contém o título de cada seção do Manual e a correspondente reentrância no corpo do livro.
Cada seção tem seu próprio sumário, que contempla os títulos dos capítulos e subcapítulos da seção.
Há vários números de páginas com cruzamento de referências por todo o texto, permitindo que o leitor encontre
rapidamente discussão sobre o material relacionado em outras partes do livro.
Diversas abreviações utilizadas rotineiramente no texto estão listadas na página XIII. Outras abreviações
utilizadas são definidas quando citadas pela primeira vez.
Na maioria das vezes, são utilizados nomes genéricos (não comerciais) de medicamentos.
Os cabeçalhos das páginas pares correspondem ao título do capítulo do texto que aparece na parte superior dessa
página. Os cabeçalhos das páginas ímpares correspondem ao título do capítulo do texto que aparece na parte
inferior dessa página. Em outras palavras, os cabeçalhos são utilizados como em um dicionário padrão.
O índice é a melhor forma de localizar discussões específicas sobre determinada doença, condição ou síndrome
pelos nomes as quais são conhecidas.
A primeira metade deste Manual está organizada de acordo com os sistemas anatômicos e as doenças específicas
estão localizadas no principal sistema acometido. Enfermidades que podem afetar mais de um sistema são
descritas na seção sobre Infecções Generalizadas (INF). A segunda metade deste Manual abrange tópicos ou
disciplinas especiais.
Autores, revisores, redatores e o editor se esforçaram para assegurar que tratamentos, fármacos, dosagens e
períodos de carência dos medicamentos fossem confiáveis e de acordo com os padrões aceitos por ocasião desta
publicação. Entretanto, constantes alterações nas informações resultantes de pesquisas contínuas e
experiência clínica, diferenças de opiniões racionais entre as autoridades, aspectos particulares de
situações clínicas individuais e a possibilidade de erro humano na elaboração de um texto tão extenso
requerem que o leitor faça julgamento individual ao tomar uma decisão clínica e, caso necessário, consulte
e compare informações de outras fontes. Em particular, aconselhase que o leitor verifique a bula do produto,
fornecida pelo fabricante do medicamento, antes de prescrevêlo ou administrálo, especialmente se não lhe for
familiar ou se raramente utilizado. Várias doses de medicamentos administrados não são indicadas na bula
(uso extralabel), fato que requer uma relação veterinárioclientepaciente incontestável.
Dedicado aos veterinários de todo o mundo,
e aos seus colegas em ciência veterinária.
ÍNDICE
CIR Sistema Circulatório
DIG Sistema Digestório
OO Olho e Ouvido
END Sistema Endócrino
INF Infecções Generalizadas
IMU Sistema Imunológico
TEG Sistema Tegumentar
MET Doenças Metabólicas
MUS Sistema Musculoesquelético
NER Sistema Nervoso
REP Sistema Reprodutivo
RES Sistema Respiratório
URN Sistema Urinário
COM Comportamento
PAT Patologia Clínica e Procedimentos
EME Medicina Emergencial e Cuidados Críticos
EXL Animais Exóticos e de Laboratório
MAN Manejo e Nutrição
FAR Farmacologia
DOM Aves Domésticas
TOX Toxicologia
ZNS Zoonoses
REF Guias de Referência
IR Índice Remissivo
ABREVIAÇÕES
AA = amiloide A
AAALAC = Association for Assessment and Accreditation of Laboratory Animal Care International
AAFCO = Association of American Feed Control Officials
AAr = ácido araquidônico
ABTS = ácidos biliares totais
ACh = acetilcolina
AChE = acetilcolinesterase
AcM = anticorpos monoclonais
ACTH = hormônio adrenocorticotrófico
ADH = hormônio antidiurético
ADP = difosfato de adenosina
AEC = artriteencefalite caprina
AEH = aplasia específica de hemácia
AEO = abortamento enzoótico dos ovinos
AESP = atividade elétrica sem pulso
AG = anion gap
AGCC = ácidos graxos de cadeia curta
AGE = ácidos graxos essenciais
AGID = imunodifusão em ágargel
AGNE = ácidos graxos não esterificados
AGP = α1glicoproteína ácida
AGPI = ácidos graxos poliinsaturados
AGV = ácidos graxos voláteis
AHAI = anemia hemolítica autoimune
AHIM = anemia hemolítica imunomediada
AIE = anemia infecciosa equina
AINE = antiinflamatório não esteroide
ALP = fosfatase alcalina
ALT = alanina aminotransferase
AMDUCA = Animal Medicinal Drug Use Clarification Act
aMPV = metapneumovírus aviário
ANA = anticorpos antinucleares
ANTU = αnaftiltioureia
AP = alta patogenicidade
APDT = Association of Pet Dog Trainers
APHIS = Animal and Plant Health Inspection Service
APR = atrofia progressiva da retina
ASAR = acidose subaguda do rúmen
ASC = área sob a curva
ASR = arritmia sinusal respiratória
AST = aspartato aminotransferase
AT = alcalinidade total / antitrombina
ATP = trifosfato de adenosina
ATT = antitoxina tetânica
AV = atrioventricular
AVC = acidente vascular cerebral
AVE = arterite viral equina / vírus da arterite equina
AVIC = área veterinária
AVPS = anomalias vasculares portossistêmicas
AWA = Animal Welfare Act
AZT = azidotimidina
BCG = bacilo de CalmetteGuérin
BE = benzoato de estradiol
BER = necessidade de energia basal
BHB = betahidroxibutirato
BHC = hexacloreto de benzeno
BLV = vírus da leucemia bovina
BP = baixa patogenicidade
BPC = bifenilas policloradas
bpm = batimentos por minuto
BPV = papilomavírus bovino
BSP = sulfobromoftaleína
BUN = nitrogênio ureico sanguíneo
BVD = diarreia viral bovina / vírus da diarreia bovina
CADP = membrana de nitrocelulose revestida com colágeno e difosfato de adenosina
CAE = síndrome artriteencefalite caprina
CAM = concentração antibiótica mínima
cAMP = monofosfato de adenosina cíclico
CAR = ciliaassociated respiratory bacillus
CAV = adenovírus canino
CB = canabinoide
CCFT = capacidade de conjugação de ferro total
CCS = ceratoconjuntivite seca / contagem de células somáticas
CCV = doença do vírus do peixegatodocanal
CDC = Centers for Disease Control and Prevention
CDV = vírus da cinomose canina
CEA = controle de exposição automático
CEM = gasto energético mínimo
CEME = gasto energético mínimo específico
CEPI = membrana de nitrocelulose revestida com colágeno e epinefrina
CHCM = concentração de hemoglobina corpuscular média
CHOP = ciclofosfamida, hidroxidaunorrubicina, Oncovin e prednisona
CIB = ceratoconjuntivite infecciosa bovina
CID = coagulação intravascular disseminada
CIDR = dispositivos intravaginais de liberação controlada de drogas
CIF = cistite idiopática felina / coronavírus intestinal felino
CIM = concentração inibitória média / concentração inibitória mínima
CJD = doença de CreutzfeldtJakob
CJDv = variante da doença de CreutzfeldtJakob
CK = creatinoquinase
CL = corpos lúteos
CLLFe = complexo leucemialinfossarcoma felino
CLSI = Clinical and Laboratory Standards Institute
CMS = consumo de matéria seca
CMT = California Mastitis Test
CNE = carboidrato não estrutural
CNF = carboidratos não fibrosos
COP = doxorrubicina
COX = ciclooxigenase
CP = coronavírus dos perus
CPDA = adeninadextrosefosfatocitrato
CPE = C. perfringens enterotoxigênico
CVB = coronavírus bovino
CVF = calicivírus felino
CVS = circovírus suíno
DA = dermatite atópica
DAA = derivados aminoacetonitrílicos
DAD = deslocamento do abomaso à direita / doença articular degenerativa
DAE = deslocamento do abomaso à esquerda
DAG = diacilglicerol
DAP = dermatite alérgica a pulgas
DAS = diacetoxiscirpenol
DBPP = doença do bico e das penas dos psitacídeos
DCAD = diferença cátionânion dietética
DCI = doença do corpúsculo de inclusão
DCVS = doenças causadas por circovírus suíno
DDC = doença debilitante crônica
DDCA = dieta com diferença cátionânion
DDD = diclorodifeniletano
DDE = diclorodifenildicloroetano
DDP = doença da dilatação proventricular
DDPM = deslocamento dorsal do palato mole
DDT = diclorodifeniltricloroetano
DE = densidade específica
DEC = dietilcarbamazina
DEEM = doença epiteliotrópica eosinofílica multissistêmica
DEET = N,Ndietil3metilbenzamida
DEP = diferenças esperadas na progênie
DEPP = drenagem elevada ou postural do parênquima pulmonar
DERG = deficiência da enzima ramificadora do glicogênio
DES = dietilestilbestrol
DGR = diagnóstico de gestação do rebanho
DGV = dilatação gástricavólvulo
DHA = ácido docosahexaenoico
DHAI = doença hepática aguda idiopática
DIB = doença infecciosa da bursa de Fabricius
DICOM = Digital Imaging and Communication in Medicine
DII = doença intestinal inflamatória
DILC = dispositivos internos de liberação controlada de medicamento
DIVR = doença inflamatória das vias respiratórias
DLIP = dispositivos de liberação intravaginal de progesterona
DM = diabetes melito
DMAP = dimetilaminofenol
DMNA = dimetilnitrosamina
DMPS = 2,3dimercaptopropano1sulfonato
DMSA = ácido dimercaptossuccínico
DMSO = dimetilsulfóxido
DMV = displasias microvasculares
DNA = ácido desoxirribonucleico
DNVV = doença de Newcastle velogênica viscerotrópica
DOCP = pivalato de desoxicorticosterona
DON = doença dos ovinos de Nairóbi
DP = doença de Pacheco
DPE = difeniléter
DPIH = disfunção da parte intermediária da hipófise
DPIP = disfunção da parte intermediária da pituitária
DPR = doença proliferativa renal
DPS = desvio portossistêmico
DPSA = desvios portossistêmicos adquiridos
DRA = diarreia responsiva a antibióticos
DRAS = degeneração de retina adquirida súbita
DRB = doença respiratória bovina
DRC = doença respiratória crônica
DSA = dermatite semelhante à atopia
DSMA = metanoarsonato de dissódio
DSP = dualspecificity protein
DSS = sulfossuccinato sódico de dioctila
DT = dureza total
DTM = Dermatophyte Test Medium
DTUIF = doença do trato urinário inferior de felinos
DUCS = doença ulcerativa cutânea septicêmica
DUMP = deficiência de monofosfato sintetase
DVB = diarreia viral bovina
DVG = dilataçãovólvulo gástrico
DVS = doença vesicular suína
EBS = encefalomielite bovina esporádica
EC = escore corporal
ECC = escore de condição corporal
eCG = gonadotrofina coriônica equina
ECG = eletrocardiograma
ECI = encefalite do cão idoso
ED = energia digestível
EDG = enzima ramificadora de glicogênio
EDS = egg drop syndrome
EDTA = ácido etilenodiaminotetracético
EDTACa = etilenodiaminotetracético dissódico de cálcio
EEB = encefalopatia espongiforme bovina
EEFI = enterocolite eosinofílica focal idiopática
EEG = eletroencefalograma
EEL = encefalomielite equina do leste
EEO = encefalomielite equina do oeste
EEPAB = edema e enfisema pulmonar agudo em bovinos
EET = encefalopatia espongiforme transmissível
EEV = encefalomielite equina venezuelana
EG = enterite granulomatosa / etilenoglicol
EGF = fator de crescimento epidermal
EGH = erliquiose granulocítica humana
EH = encefalopatia hepática
EHHA = eixo hipotálamohipófiseadrenal
EHI = encefalopatia hipóxica isquêmica
EHV = herpesvírus equino
EL = energia líquida
ELISA = ensaio imunossorvente ligado à enzima
ELP = enterocolite linfocítica plasmocitária
EM = energia metabolizável
EMC = encefalomiocardite
EMG = eletromiograma
EMV = energia metabolizável verdadeira
ENO = encefalite do Nilo Ocidental
ENG = episcleroqueratite nodular granulomatosa
EODES = síndrome do ovo defeituoso e da oviposição errática
EPA = ácido eicosapentaenoico / Agência de Proteção Ambiental dos EUA
EPF = estomatite posterior felina
EPN = etil 4nitrofenil fenilfosforotioato
EPO = eritropoetina
EPS = edema pulmonar suíno
ERG = enzima ramificadora do glicogênio
EROD = etoxiresorufinaOdesetilase
ERP = eritropoetina humana
EUA = Estados Unidos da América
EVP = enterite viral dos patos
EVS = enterovírus suínos / exantema vesicular dos suínos
FA = febre aftosa
FAO = Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura
FARAD = Food Animal Residue Avoidance Databank
FAST = ultrassonografia abdominal focada para o trauma
FB = fumonisinas B
FC = fixação do complemento
FCE = fluido cerebroespinal
FCI = fator de crescimento semelhante à insulina
FCM = febre catarral maligna
FCoV = coronavírus felino
FDA = fibra em detergente ácido / Food and Drug Administration
FDN = fibra em detergente neutro
FE = fator extracelular
FeLV = vírus da leucemia felina
FEP = febre equina de Potomac
FHCC = febre hemorrágica da CrimeiaCongo
FHM = fathead minnow
FIP = peritonite infecciosa felina
FIV = vírus da imunodeficiência felina
FMMR = febre maculosa das Montanhas Rochosas
FOA = força oncótica da albumina
FOD = febre de origem desconhecida
FOS = frutooligossacarídios
FPA = fenilpropanolamina
FPV = vírus da panleucopenia felina
FSH = hormônio foliculoestimulante
FT = fator tecidual
FTP = falha na transferência passiva
FU = fluoruracila
FVR = febre do Vale Rift
g = grama
GAGPS = glicosaminoglicanos polissulfatados
GDH = glutamato desidrogenase
GEH = gastrenterite hemorrágica
GET = gastrenterite transmissível
GGT = gamaglutamiltransferase
GH = hormônio do crescimento
GI = gastrointestinal
GLC = globulina ligadora de corticosteroides
GM = glucomanan
GnRH = hormônio liberador de gonadotrofinas
GSDS = grãos secos de destilaria com solúveis
GT = glutamiltransferase
GUNA = gengivite ulcerativa necrosante aguda
H2S = sulfeto de hidrogênio
HACCP = Hazard Analysis and Critical Control Point
HaPV = poliomavírus do hamster
Hb = hemoglobina
HCA = hepatozoonose canina americana
hCG = gonadotrofina coriônica humana
HCH = hexaclorociclohexano
HCI = hepatite por corpúsculos de inclusão
HEA = hidroxietilamido
HEM = hormônio estimulante de melanócitos
HETE = hidroxieicosatetranoato
HHD = hiperadrenocorticismo hipófisedependente
HIC = hepatite infecciosa canina
HIV = vírus da imunodeficiência humana
HM = hipertermia maligna
HMP = hexose monofosfato
hMPV = metapneumovírus humano
HPB = hipertrofia prostática benigna
HPIE = hemorragia pulmonar induzida por exercício
HPLC = cromatografia líquida de alta performance
HSCAS = aluminiosilicato de cálcio e sódio hidratado
HTP = hidroxitriptofano
HVB = herpesvírus bovino
HVC = herpesvírus canino
HVF = herpesvírus felino
HVP = hepatite viral dos patos
IA = influenza aviária / inseminação artificial
IACUC = Institutional Animal Care and Use Committee
IAPP = polipeptídio associado às ilhotas
IATF = inseminação artificial em tempo fixo
IBR = rinotraqueíte bovina infecciosa
IC = imunodeficiência combinada
ICC = insuficiência cardíaca congestiva
ICV = índice de conforto da vaca
IDA = ingestão diária aceitável
IDAG = imunodifusão em ágargel
IDG = inaladores de dose graduada
IDH = iditol desidrogenase
IDR = imunodifusão radial
IFN = interferona
IFTA = inibidor da fibrinólise trombina ativável
Ig = imunoglobulina
IHC = imunoistoquímica
IHQ = teste imunoistoquímico
IL = interleucina
ILP = imunorreatividade da lipase pancreática
IM = intramuscular
iMg2+ = magnésio ionizado
IMP = monofosfato de inosina
IN = isoeritrólise neonatal
IO = intraósseos
IP = intraperitoneal
IPE = insuficiência pancreática exócrina
IPO = implante de pérolas de ouro
IRF = identificação por radiofrequência
ISCOMS = complexos estimulantes de imunidade
IST = imunorreatividade semelhante à tripsina
ITU = infecção do trato urinário
IV = intravenoso
IVD = insuficiência ventricular direita
KBr = brometo de potássio
Kcal = quilocalorias
KCl = cloreto de potássio
kDNA = DNA cinetoplástico
Kel = constante da taxa de eliminação
Kg = quilo
KHV = herpesvírus da carpa
KIT = tirosinoquinase
kV = quilovolts
kVp = potencial de quilovoltagem
ℓ = litro
LBA = lavado broncoalveolar
LC = linfadenite caseosa
LCE = linfossarcoma cutâneo epiteliotrópico
LCNE = linfossarcoma cutâneo não epiteliotrópico
LDH = lactato desidrogenase
LES = lúpus eritematoso sistêmico
LH = hormônio luteinizante / lipidose hepática
LLA = leucemia linfoblástica aguda
LMR = limite máximo de resíduos
loVDN = VDN de baixa virulência
LOX = lipooxigenase
LPS = lipopolissacarídio
LTB4 = leucotrieno B4
LTI = laringotraqueíte infecciosa
mA = miliampere
MAC = medicina alternativa e complementar
MAPS = miopatia por acúmulo de polissacarídios
mAs = miliamperesegundo
Mcal = megacalorias
MCE = metrite contagiosa equina
MDMA = 3,4metilenodioximetanfetamina
MDN = miodegeneração nutricional
ME = mercaptoetanol
MEDPB = mieloencefalopatia degenerativa progressiva bovina
MEG = meningoencefalomielite granulomatosa
mg = miligrama
MG = miastenia gravis
MGA = acetato de melengestrol
MGK264 = Noctil biciclohepteno dicarboximida
MHC = complexo principal de histocompatibilidade
MHz = megahertz
MI = metilimidazol
MIFT = fator tecidual do mecanismo inibidor
MIP = manejo integrado de pestes
MJ = megajoules
mℓ = mililitro
MMA = complexo mastitemetriteagalactia
MMCE = microrganismo da metrite contagiosa equina
MMM = mistura mineral contendo microelementos
MMP = matriz metaloproteinase
MNE = menor teor efetivo
MNTD = dose não tóxica máxima
MOS = mananoligossacarídios
MP = mercaptopurina
MPE = mieloencefalite protozoária equina
MRS = estafilococos resistentes à meticilina
MSMA = metanoarsonato de monossódio
MTC = medicina tradicional chinesa / menor temperatura crítica
MTD = dose tóxica mínima / meio de teste dermatofítico
MVAC = medicina veterinária alternativa e complementar
MVC = morbilivírus dos cetáceos
NAC = Nacetilcisteína
NADPH = fosfato de dinucleotídio de nicotinamidaadenina
NAT = nitrogênio amoníaco total
NC = nervo craniano
NDP = nervo digital palmar
NDT = nutrientes digeríveis totais
NEE = necrose eritropoiética epizoótica
NEM = necessidade de energia para manutenção
NER = necessidade energética em repouso
NK = células exterminadoras naturais
NK1 = neuroquinina 1
NMA = novo medicamento para uso em animais
NMDA = NmetilDaspartato
NMI = neurônios motores inferiores
NMS = neurônios motores superiores
NNP = nitrogênio não proteico
NO = óxido nítrico
NOEL = dose não tóxica
NPN = nitrogênio não proteico
NPP = nutrição parenteral parcial
NPT = nutrição parenteral total
NRC = National Research Council
NSP = proteínas não estruturais
NUS = nitrogênio ureico sanguíneo
OCD = osteocondrite dissecante
OCT = ornitina carbamoiltransferase
OD = oxigênio dissolvido
OEHDB = obstrução extrahepática aguda de ductos biliares
OF = organofosforados
OIE = Office International des Epizooties / World Organization for Animal Health
OMS = Organização Mundial da Saúde
OP = organofosforados
OPA = ortoftaldeído
OPG = ovos por grama
ORVR = obstrução recidivante das vias respiratórias
OVC = oficial veterinário chefe
PABA = ácido paraminobenzoico
PAF = fator ativador de plaquetas
PAFG = proteínas ácidas fibrilares gliais
PAFI = pesquisa de anticorpo por fluorescência indireta
PAM = pralidoxima
PAS = ácido periódico de Schiff
PAT = peptídio de ativação de tripsinogênio
PBB = difenil polibromado
PBDE = éteres de difenil polibromado
PBO = butóxido de piperonila
PC = peso corporal
PCB = difenil policlorado
PCDD = dibenzopdioxinas policloradas
PCDF = dibenzofuranos policlorados
PCMX = paraclorometaxilenol
PCP = parada cardiopulmonar
PCR = reação em cadeia de polimerase
PCV = circovírus suíno
PD = polidipsia
PDE = fosfodiesterase
PDF = produtos de degradação do fibrinogênio
PDR = proteína degradada no rúmen
PEM = polioencefalomalacia
PEOS = sistema opioide endógeno periférico
PET = tomografia por emissão de pósitron
PFK = deficiência de fosfofrutoquinase
PG = propilenoglicol / prostaglandina
PGEPB = Programa Global de Erradicação da Peste Bovina
PGF2α = prostaglandina F2α
PGI1 = prostaciclina
PHA = hidrocarbonetos halogenados persistentes / peróxido de hidrogênio acelerado
PhHV = herpesvírus focídeo
PHS = Public Health Service
Pi = fósforo inorgânico insolúvel
PI = parainfluenza
PIF = peritonite infecciosa felina
PIFV = vírus da peritonite infecciosa felina
PIO = pressão intraocular
PK/PD = farmacocinético/farmacodinâmico
PLA2 = fosfolipase A2
PLDO = opioides periféricos derivados de leucócitos
PLM = proteína liberadora de muramidase
PLP = proteínas ligadoras de penicilinas
PM = proteína metabolizável
PMMA = polimetilmetacrilato
PMSG = gonadotrofina sérica de égua gestante
PMT = proteína microssomal de transferência de triglicerídios
PNA = peptídio natriurético atrial
PNC = peptídio natriurético cerebral
PND = proteínas não degradadas
PNR = proteína não degradada no rúmen
PO4 = fosfato inorgânico estável
POC = pressão oncótica coloidal capilar
POR = receptores opioides periféricos
PPA = fenilpropanolamina
PPCB = pleuropneumonia contagiosa bovina
PPD = derivados de proteína purificada
PPH = paralisia periódica hiperpotassêmica
ppm = partes por milhão
PPR = peste dos pequenos ruminantes
PRRSV = vírus da síndrome reprodutiva e respiratória suína
PS = piretroides sintéticos
PSA = peste suína africana
PSC = peste suína clássica
PSGAG = glicosaminoglicanos polissulfatados
PSI = equinos puro sangue inglês
PT = proteína total / protrombina
PTH = paratormônio
PTHrP = peptídio relacionado com o paratormônio
PU = poliúria
PV = porcos vietnamitas
PVA = poliomavírus aviário
PVB = papilomavírus bovino
PVC = parvovírus canino / Program of Veterinary Care
RAL = lactonas ácidas resorcíclicas
RC = radiografia computadorizada
RCI = reguladores do crescimento de insetos
RCCP = reanimação cérebrocardiopulmonar
RCCU = relação creatina/cortisol urinário
rcGCSF = fatores estimuladores de colônia granulocítica recombinantes caninos
RD = radiografia digital
REATC = resposta evocada auditiva do tronco cerebral
RF = radiofrequência
RFLP = polimorfismos de comprimento de fragmentos de restrição
rhGCSF = fatores estimuladores de colônia granulocítica recombinantes humanos
RIB = rinotraqueíte infecciosa bovina
RJO = retrovírus jaagsiekte de ovinos
RM = ressonância magnética
RMT = ração de mistura total
RN = rendement Napole
RNA = ácido ribonucleico
RNAr = ácido ribonucleico ribossômico
RNAt = ácido ribonucleico de transferência
RNDR = ribonucleosídio difosfato redutase
RT = transcriptase reversa
RTM = rações totalmente misturadas
RTPCR = reação em cadeia de polimerase transcriptase reversa
RVF = rinotraqueíte viral felina
SA = sinoatrial
SAA = amiloide A sérica
SAAG = gradiente de albumina sorofluido ascítico
SADD = supressão com alta dose de dexametasona
SAMe = sadenosilmetionina
SARA = acidose ruminal subaguda
SC = subcutâneo
SCAV = suporte cardíaco avançado da vida
SCBID = supercrescimento bacteriano no intestino delgado
SCBV = suporte cardíaco básico da vida
SDC = síndrome de disfunção cognitiva
SDH = sorbitol desidrogenase
SDPP = síndrome da disgalactia pósparto
SDT = sólidos dissolvidos totais
SEB = soluções eletrolíticas balanceadas
SH = sepse hemorrágica
SHP = síndrome da hipertensão pulmonar / síndrome hemorrágica perirrenal
SIM = síndrome intermediária induzida pelos organofosforados
SIV = inspeção veterinária
SL = substituto de leite
SMD = síndrome mielodisplásica
SME = síndrome metabólica equina
SNC = sistema nervoso central
SNP = sistema nervoso periférico
SPECT = tomografia computadorizada por emissão de fótons isolados
SPF = estado livre de patógeno específico / suíno livre de patógenos
SPRE = síndrome da perda reprodutiva da égua
SPUC = síndrome paradentária ulcerativa crônica
SRIS = síndrome da resposta inflamatória sistêmica
SRRS = síndrome respiratória e reprodutiva suína
STD = sólidos totais dissolvidos
SUGE = síndrome da úlcera gástrica equina
TALB = teste do anel em leite para brucelose
TAMV = teste de aglutinação com muco vaginal
TB = tuberculose
TBA = acetato de trembolona
TBBPA = tetrabromobisfenolA
TC = tomografia computadorizada
TCA = tempo de coagulação ativada
TCVM = medicina veterinária tradicional chinesa
TE = tubo endotraqueal
TEG = tromboelastografia
TEP = tromboembolia pulmonar
TEPP = toxicidade do pirofosfato de tetraetil
TFG = taxa de filtração glomerular
TG = tioguanina
THC = delta9tetraidrocanabinol
TIC = taxa de infusão constante
TIU = teste intradérmico único
TLR = receptores do tipo toll
TMB = taxa metabólica basal
TMBNP = tumores malignos de bainha nervosa periférica
tMg = magnésio total
TNM = sistema tumornódulometástase
TOC = transtorno obsessivocompulsivo
ton = tonelada
TP = tempo de protrombina
TPA = ativador de plasminogênio tecidual
TPC = tempo de preenchimento capilar
TRAL = teste rápido de aglutinação em lâmina
TRH = hormônio liberador da tireotropina
TSH = hormônio estimulante da tireoide
TSI = triple sugar iron
TT = tempo de trombina
TTPA = tempo de tromboplastina parcial ativada
TUAT = técnica ultrassonográfica para avaliação do tórax
TVS = teschovírus suíno
TVT = tumor venéreo transmissível
UEA = ultrassonográfico específico do abdome
UFC = unidades formadoras de colônias
UGT = glucuronosiltransferase
UI = unidades internacionais
UNP = unidades de nitrogênio proteico
URE = uveíte recidivante equina
USDA = United States Department of Agriculture
UV = ultravioleta
VA = vólvulo do abomaso
VAE = vírus da arterite equina
VAG = vírus da anemia das galinhas
VAIE = vírus da anemia infecciosa equina
VBI = vírus da bronquite infecciosa
VCF = vírus da cinomose focina
VCM = volume corpuscular médio
Vd = volume aparente de distribuição
VDD = vômito e doença debilitante
VDEH = vírus da doença epizoótica hemorrágica
VDIB = vírus da doença infecciosa da bursa de Fabricius
VDN = vírus da doença de Newcastle
VDS = vírus da diarreia epidêmica suína
VDVB = vírus da diarreia viral bovina
VENO = vírus da encefalite do Nilo Ocidental
VEVS = vírus do exantema vesicular suíno
VFD = Veterinary Feed Directive
VG = volume globular
VGM = volume globular médio
VHP = vírus da hepatite dos patos
VIS = vírus da imunodeficiência de símios
VLA = vírus da língua azul
VLB = vírus da leucemia bovina
VLMSM = vírus dos leõesmarinhos de San Miguel
VNA = vírus da nefrite aviária
VO = via oral
VP = proteínas virais
VPC = viremia primaveril das carpas / vírus da parvovirose canina
VPI = vulvovaginite pustular infecciosa
VR = via retal
VSF = vírus do sarcoma felino
VSRB = vírus do sincício respiratório bovino
VSRH = vírus do sincício respiratório humano
vVDN = vírus da doença de Newcastle virulento
VVM = vírus vivo modificado
VVVM = vacinas de vírus vivo modificado
WNV = vírus do Oeste do Nilo
ZDQ = zona desencadeadora de quimiorreceptores
ZTOA = zona térmica ótima de atividade
ZTOP = zona térmica ótima preferida
CONSELHO EDITORIAL
Dana G. Allen, DVM, MSc, DACVIM
Professor and Chair, Department of Clinical Studies, Ontario Veterinary College, University of Guelph, Ontario,
Canada
Peter D. Constable, BVSc (Hons), MS, PhD, DACVIM
Professor and Head, Department of Veterinary Clinical Sciences, School of Veterinary Medicine, Purdue
University, West Lafayette, IN
Peter R. Davies, BVSc, PhD
Allen D. Leman Chair in Swine Health and Productivity, Department of Veterinary Population Medicine,
University of Minnesota, St. Paul, MN
Katherine E. Quesenberry, DVM, MPH, DABVP (Avian)
The Animal Medical Center, New York, NY
Philip T. Reeves, BVSc, PhD, FACVSc
Principal Scientist, Australian Pesticides and Veterinary Medicines Authority, Symonston, Australia
Jagdev M. Sharma, BVSc, MS, PhD
Research Professor, The Biodesign Institute, Visiting Professor, School of Life Sciences, Arizona State
University, Tempe, AZ; Professor and Endowed Chair in Avian Health Emeritus, University of Minnesota, St.
Paul, MN
Roger K. W. Smith, MA, VetMB, PhD, DEO, DECVS, MRCVS
Professor of Equine Orthopaedics, Department of Veterinary Clinical Sciences, The Royal Veterinary College,
Herts, UK
Tracee Treadwell, DVM, MPH, CAPT USPHS
Associate Director for Epidemiological Science, National Center for Emerging and Zoonotic Infectious
Diseases, Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, GA
COLABORADORES
Stephen B. Adams, DVM, MS, DACVS
Professor of Surgery, Department of Veterinary Clinical Sciences, School of Veterinary Medicine, Purdue
University, West Lafayette, IN
Claudicação em Equinos: Artroscopia, Introdução, Exame da Claudicação
Robin W. Allison, DVM, PhD, DACVP (Clinical Pathology)
Associate Professor, Clinical Pathology, Oklahoma State University, Oklahoma State University, Stillwater OK
Hemoparasitas: Micoplasmas Hemotrópicos
Gary C. Althouse, BS, DVM, MS, PhD, DACT
Professor and Chairman, Department of Clinical StudiesNew Bolton Center, School of Veterinary Medicine,
University of Pennsylvania, Kennett Square, PA
Manejo Reprodutivo: Suínos
Frank M. Andrews, DVM, MS, DACVIM
LVMA Equine Committee Professor and Director, Equine Health Studies Program, Department of Veterinary
Clinical Sciences, School of Veterinary Medicine, Louisiana State University, Baton Rouge, LA
Úlcera Gastrintestinal em Grandes Animais: Equinos
John A. Angelos, DVM, PhD, DACVIM
Associate Professor, Department of Medicine and Epidemiology, School of Veterinary Medicine, University of
California, Davis, CA
Ceratoconjuntivite Infecciosa
David A. Ashford, DVM, MPH, DSc
Assistant Area Director, International Services, APHIS, USDA, Amcogen Sao Paulo, APO, AA
Antraz
Rick Atwell, BVSc, PhD, FACVSc
Professor, Brisbane, Australia
Paralisia por Carrapato
Joerg A. Auer, DrMedVet, Dr h c, MS, DACVS, DECVS
Professor and Director, Equine Department, Vetsuisse Faculty, University of Zürich, Switzerland
Claudicação em Equinos: Anormalidades de Tarso e Metatarso
David G. Baker, DVM, MS, PhD, DACLAM
Director and Professor, Division of Laboratory Animal Medicine, School of Veterinary Medicine, Louisiana State
University, Baton Rouge, LA
Telazíase (Doença do Verme Ocular)
Alejandro Banda, DVM, MSc, PhD, DACPV, DACVM
Associate Clinical Professor of Avian Virology, Poultry Research and Diagnostic Laboratory, College of Veterinary
Medicine, Mississippi State University, Pearl, MS
Enterite Viral de Patos
Gad Baneth, DVM, PhD, DECVCP
Professor of Veterinary Medicine, School of Veterinary Medicine, Hebrew University, Rehovot, Israel
Leishmaniose
Lisa G. Barber, DVM, DACVIM (Oncology)
Assistant Professor, Cummings School of Veterinary Medicine, Tufts University, North Grafton, MA
Medicamentos Antineoplásicos
Thomas Barrett, MSc, PhD, Deceased
Professor, Institute for Animal Health, Pirbright Laboratory, Surrey, UK
Peste dos Pequenos Ruminantes, Peste Bovina
George M. Barrington, DVM, PhD, DACVIM
Associate Professor, Department of Veterinary Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Washington
State University, Pullman, WA
Introdução de Doenças Metabólicas, Paresia da Vaca Parturiente, Fotossensibilização, Tetania do Transporte em
Ruminantes
P.A. Barrow, PhD, DSc, FRCPath
Professor of Veterinary Infectious Diseases, School of Veterinary Medicine and Science, University of
Nottingham, Leicestershire, UK
Salmonelose
Joseph W. Bartges, DVM, PhD, DACVIM, DACVN
Professor of Medicine and Nutrition, The Acree Endowed Chair of Small Animal Research, Department of Small
Animal Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, University of Tennessee, Knoxville, TN
Procedimentos Diagnósticos para Laboratório Particular: Urinálise
Daniela Bedenice, DrVetMed, DACVIM, DACVECC
Assistant Professor, Cummings School of Veterinary Medicine, Tufts University, North Grafton, MA
Sepse em Potros
Sylvia J. BedfordGuaus, DVM, PhD, DACT
Assistant Professor in Theriogenology, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Cornell
University, Ithaca, NY
Exame da Sanidade Reprodutiva de Machos
James K. Belknap, DVM, PhD, DACVS
Professor of Equine Surgery, Department of Veterinary Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Ohio
State University, Columbus, OH
Claudicação em Equinos: Afecção da Pata
Joachim Berchtold, DrVetMed, DECBHM
Bad Endorf, Germany
Síndrome da Vaca Caída
Alex J. Bermudez, DVM, MS, DACPV
Associate Professor, Department of Veterinary Pathobiology, College of Veterinary Medicine, University of
Missouri, Columbia, MO
Práticas de Manejo e Alimentação (Aves Domésticas), Intoxicações (Aves Domésticas)
Simon Bewg, BVSc
Principal Veterinary Officer, Biosecurity Queensland, Primary Industries and Fisheries, Department of
Employment, Economic Development and Innovation, Brisbane, Australia
Infecção pelo Vírus Hendra
J. Dürr Bezuidenhout, DVSc
Sinoville, South Africa
Síndrome da Sudorese
William G. Bickert, BS, MS, PhD
Professor Emeritus, Biosystems and Agricultural Engineering, Michigan State University, East Lansing, MI
Ventilação
Rob Bildfell, DVM, MSc, DACVP
Associate Professor, Department of Biomedical Sciences, College of Veterinary Medicine, Oregon State
University, Corvallis, OR
Coleta e Envio de Amostras ao Laboratório, Alcaloidose Pirrolizidina
William D. Black, MSc, DVM, PhD
Professor, Department of Biomedical Sciences, Ontario Veterinary College, University of Guelph, Guelph,
Ontario, Canada
Intoxicação por Pentaclorofenol
Pat Blackall, BSc, PhD
Senior Principal Research Scientist, Department of Primary Industries and Fisheries, Animal Research Institute,
Yeerongpilly, Australia
Coriza Infecciosa
Barry R. Blakley, DVM, PhD
Professor, Department of Veterinary Biomedical Sciences, Western College of Veterinary Medicine, University of
Saskatchewan, Saskatoon, Canada
Intoxicação por Cobre, Chumbo, Quercus e Sorgo
Shauna L. Blois, DVM, DVSc, DACVIM
Assistant Professor, Ontario Veterinary College, University of Guelph, Ontario, Canada
Doenças do Estômago e dos Intestinos: Vólvulo e Dilatação Gástrica, Neoplasia Gastrintestinal, Obstrução
Gastrintestinal, e Úlcera Gastrintestinal em Pequenos Animais e Infecção por Helicobacter em Cães e Gatos
Herman J. Boermans, DVM, MSc, PhD
Professor of Toxicology, Director Toxicology Program, Ontario Veterinary College, University of Guelph, Ontario,
Canada
Intoxicação por Flúor, Mercúrio, Metaldeído e Molibdênio
Carole Bolin, DVM, PhD
Director, Diagnostic Center for Population and Animal Health, College of Veterinary Medicine, Michigan State
University, Lansing, MI
Leptospirose
Steven R. Bolin, DVM, MS, PhD
Professor, Diagnostic Center for Population and Animal Health, College of Veterinary Medicine, Michigan State
University, Lansing, MI
Diarreia Viral Bovina e Complexo Doença da Mucosa
Rosemary J. Booth, BVSc
Principal Conservation Officer, Department of Environment and Resource Management, Queensland Parks and
Wildlife Services, Queensland, Australia
Pentauro do Açúcar
Dawn Merton Boothe, DVM, PhD, DACVIM, DACVCP
Professor, Department of Anatomy, Physiology, and Pharmacology, College of Veterinary Medicine, Auburn
University, Auburn, AL
Davin J. Borde, DVM, DACVIM
(Cardiology)
Staff Cardiologist, Veterinary Heart Institute, Gainesville, FL
Anomalias Congênitas e Hereditárias do Sistema Cardiovascular
Jane C. Boswell, MA, VetMB, CertVA, CertES (Orth), DECVS, MRCVS
The Liphook Equine Hospital, Liphook, Hampshire, UK
Claudicação em Equinos: Anormalidades do Joelho
Joan S. Bowen, DVM
Bowen Mobile Veterinary Practice, Wellington, CO
Manejo da Reprodução: Cabras
R. Keith Bramwell, BS, MS, PhD
Associate Professor, Extension Breeder/Hatchery Management, Department of Poultry Science, University of
Arkansas, Fayetteville, AR
Inseminação Artificial
Joseph M. Bricker, MS, PhD
Associate Director, Vaccine Design Group, Pfizer Animal Health, Kalamazoo, MI
Erisipela (Aves Domésticas)
Steven P. Brinsko, DVM, MS, PhD, DACT
Associate Professor and Chief of Theriogenology, Department of Large Animal Clinical Sciences, College of
Veterinary Medicine and Biomedical Sciences, Texas A&M University, College Station, TX
Controle Hormonal do Estro
Scott A. Brown, VMD, PhD, DACVIM
Josiah Meigs Distinguished Professor and Head, Department of Small Animal Medicine and Surgery, College of
Veterinary Medicine, University of Georgia, Athens, GA
Doenças Não Infecciosas do Sistema Urinário de Pequenos Animais
Cecil F. Brownie, DVM, PhD, DABVT, DABT, DABFE, DABFM, FACFEI
Professor, Physiology and Pharmacology, School of Veterinary Medicine, St. George’s University; Director,
Veterinary Toxicology Laboratory, St. George’s University; Professor Emeritus, College of Veterinary Medicine,
North Carolina State University, Raleigh, NC
Plantas Tóxicas aos Animais, Cogumelos Tóxicos
David Bruyette, DVM, DACVIM
Medical Director, VCA West Los Angeles Animal Hospital, Los Angeles, CA
Glândulas Adrenais e Pâncreas
Marie S. Bulgin, DVM, MBA, DACVM
WI Program, Canine Veterinary Teaching Center, Department of Animal and Veterinary Science, University of
Idaho, Caldwell, ID
Claudicação em Ovinos, Scrapie
Kristine E. Burgess, MS, DVM, DACVIM (Oncology)
Assistant Professor, Cummings School of Veterinary Medicine, Tufts University, North Grafton, MA
Medicamentos Antineoplásicos
Ray Cahill, MS, DVM
Gloucester, MA
Intoxicação por Zinco
Robert J. Callan, DVM, MS, PhD, DACVIM
Professor, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine and Biomedical Sciences, Colorado
State University, Fort Collins, Co
Febre Catarral Maligna, Encefalomielite Bovina Esporádica
Ranald D. A. Cameron, BVSc, MVSc, PhD
Retired Associate Professor, School of Veterinary Sciences, University of Queensland, Brisbane, Australia
Epidermite Exsudativa, Paraqueratose, Pitiríase Rósea em Suínos
John Campbell, DVM, DVSc
Professor, Large Animal Clinical Sciences, Western College of Veterinary Medicine, University of Saskatchewan,
Saskatoon, Canada
Doenças Respiratórias de Bovinos
Wayne W. Carmichael, PhD
Professor Emeritus, Seaside, OR
Intoxicação por Algas
James W. Carpenter, MS, DVM, DACZM
Professor, Zoological Medicine, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Kansas State
University, Manhattan, KS
Peste Suína Africana
Christopher K. Cebra, VMD, MA, MS, DACVIM
Professor, Large Animal Medicine, College of Veterinary Medicine, Oregon State University, Corvallis, OR
Toxemia da Prenhez em Vacas
Sharon A. Center, DVM, DACVIM
Professor, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Cornell University, Ithaca, NY
Doença Hepática em Pequenos Animais
M. M. Chengappa, DVM, PhD, DACVM
Department Head, University Distinguished Professor, College of Veterinary Medicine, Kansas State University,
Manhattan, KS
Sepse Hemorrágica
Jens Peter Christensen, DVM, PhD
Associate Professor, Department of Veterinary Disease Biology, Faculty of Life Sciences, University of
Copenhagen, Frederiksberg, Denmark
Cólera Aviária, Riemerella Anatipestifer
Edwin Claerebout, DVM, PhD, DEVPC
Professor, Department of Virology, Parasitology and Immunology, Faculty of Veterinary Medicine, Ghent
University, Merelbeke, Belgium
Antihelmínticos, Giardíase
Keith A. Clark, DVM, PhD
Retired Director, Zoonosis Control Division, Texas Department of Health, Austin, TX
Intoxicação por Sapo
Peter Clegg, MA, VetMB, PhD, CertEO, DECVS, MRCVS
Professor of Equine Surgery, Veterinary Teaching Hospital, School of Veterinary Sciences, University of
Liverpool, Neston, UK
Claudicação em Equinos: Anormalidades Coxofemorais
Johann (Hans) Coetzee, BVSc, CertCHP, PhD, DACVCP
Assistant Professor, Veterinary Clinical Sciences, Kansas State University, Manhattan, KS
Farmacoterapia Sistêmica do Sistema Digestório de Ruminantes
Stephen R. Collett, BSc, BVSc, MMedVet
Assistant Professor, Poultry Diagnostic and Research Center, College of Veterinary Medicine, University of
Georgia, Athens, GA
Síndrome da Morte Súbita em Frangos
Michael T. Collins, DVM, PhD, DACVM
Professor of Microbiology, Department Pathobiological Sciences, School of Veterinary Medicine, University of
WisconsinMadison, Madison, WI
Paratuberculose
Peter D. Constable, BVSc (Hons), MS, PhD, DACVIM
Professor and Head, Department of Veterinary Clinical Sciences, Purdue University, West Lafayette, IN
Necrose da Gordura Abdominal, Obstrução Intestinal Aguda em Grandes Animais, Cistite e Pielonefrite Bovina,
Coccidiose, Criptosporidiose, Doenças do Abomaso, Anormalidades do Metabolismo de Potássio, Sobrecarga
Alimentar por Grãos, Paresia de Ovelhas e Cabras Parturientes, Indigestão Simples, Reticuloperitonite
Traumática, Indigestão Vagal
Robert W. Coppock, BS, DVM, MS, PhD, DABVT, DABT
President and CEO, Robert W. Coppock, DVM, Toxicologist and Associate Ltd., Vegreville, Alberta, Canada
Intoxicação Persistente por Aromáticos Halogenados
Susan M. Cotter, DVM, DACVIM (Small Animal, Oncology)
Distinguished Professor of Clinical Sciences Emerita, Cummings School of Veterinary Medicine, Tufts University,
North Grafton, MA
Grupos Sanguíneos e Transfusão de Sangue, Introdução do Sistema Hematopoético
Laurent M. Couetil, DVM, PhD, DACVIM (Large Animal)
Professor, Large Animal Medicine, School of Veterinary Medicine, Purdue University, West Lafayette, IN
Enfisema Pulmonar
Andrew L. Crawford, BVetMed, CertES (Orth), MRCVS
Equine Referral Hospital, Royal Veterinary College, Hawkshead Campus, Herts, UK
Claudicação em Equinos: Anormalidades de Boleto e Quartela
Kate E. Creevy, DVM, MS, DACVIM
Assistant Professor, Small Animal Internal Medicine, College of Veterinary Medicine, University of Georgia,
Athens, GA
Cinomose Canina, Infecção por Herpesvírus Canina, Hepatite Canina Infecciosa
Rocio Crespo, DVM, MSc, DVSc, DACPV
Associate Professor, Avian Health and Food Safety Laboratory, Washington Animal Disease Diagnostic
Laboratory, Washington State University, Puyallup, WA
Deposição de Urato (Gota)
Gary L. Cromwell, PhD
Professor, Department of Animal and Food Sciences, University of Kentucky, Lexington, KY
Intoxicação de Leitões Neonatos por Ferro, Nutrição: Suínos
Suzanne M. Cunningham, DVM, DACVIM (Cardiology)
Assistant Professor of Cardiology, Department of Clinical Sciences, Cummings School of Veterinary Medicine,
Tufts University, North Grafton, MA
Doença Cardíaca e Insuficiência Cardíaca
Autumn P. Davidson, DVM, MS, DACVIM
Clinical Professor, Department of Medicine and Epidemiology, VMTH Small Animal Clinic, School of Veterinary
Medicine, University of California, Davis, CA
Manejo da Reprodução: Pequenos Animais
Sherrill Davison, VMD, MS, MBA, DACPV
Associate Professor, Avian Medicine and Pathology, New Bolton Center, University of Pennsylvania, Kennett
Square, PA
Salmonelose (Aves Domésticas)
Scott A. Dee, DVM, MS, PhD, DACVM
Professor, College of Veterinary Medicine, University of Minnesota, St. Paul, MN
Interação ManejoSanidade: Suínos, Síndrome da Orelha Necrosada em Suínos, Complexo CistitePielonefrite
Suíno, Síndrome Respiratória e Reprodutiva Suína, Pseudorraiva, Doenças Respiratórias de Suínos
John Deen, DVM, MSc, PhD, DABVP
Associate Professor, College of Veterinary Medicine, University of Minnesota, St. Paul, MN
Úlceras Gastrintestinais em Grandes Animais: Suínos
Alice Defarges, DVM, MSc, DACVIM
Assistant Professor in Internal Medicine, Ontario Veterinary College, University of Guelph, Ontario, Canada
Doenças do Estômago e Intestinos: Colite, Constipação Intestinal e Obstipação, Doença Intestinal Inflamatória
Fabio Del Piero, DVM, DACVP, PhD
Associate Professor of Pathology, Department of Pathobiology and Department of Clinical Studies, School of
Veterinary Medicine, New Bolton Center, University of Pennsylvania, Kennett Square, PA
Anomalias Congênitas e Hereditárias do Sistema Respiratório
Sagi Denenberg, DVM
North Toronto Animal Clinic, Thornhill, Ontario, Canada
Comportamento Social Normal e Problemas de Comportamento em Animais Domésticos
JeanMarie Denoix, DVM, PhD, Agregé
CIRALEENVA, Goustranville, France
Claudicação em Equinos: Anormalidades do Dorso e da Pelve
R. Page Dinsmore, DVM, DABVP (Food Animal)
Associate Professor, College of Veterinary Medicine and Biomedical Sciences, Colorado State University, Fort
Collins, CO
Interação ManejoSanidade: Rebanhos Leiteiros
Stephen J. Divers, BVetMed, DZooMed, DACZM, DECZM (Herpetology), FRCVS
Professor of Zoological Medicine, Department of Small Animal Medicine and Surgery, College of Veterinary
Medicine, University of Georgia, Athens, GA
Répteis
Thomas J. Divers, DVM, DACVIM, DACVECC
Professor of Medicine, College of Veterinary Medicine, Cornell University, Ithaca, NY
Doenças Não Infecciosas do Sistema Urinário de Grandes Animais
John E. Dohms, PhD
Professor, Department of Animal and Food Sciences, University of Delaware, Newark, DE
Botulismo (Aves Domésticas)
Thomas M. Donnelly, BVSc, DACLAM
The Kenneth S. Warren Institute, Ossining, NY
Roedores
Patricia M. Dowling, DVM,MSc, DACVIM, DACVCP
Professor, Veterinary Clinical Pharmacology, Western College of Veterinary Medicine, University of
Saskatchewan, Saskatoon, Canada
Farmacoterapia Sistêmica do Sistema Digestório de Monogástricos, Farmacoterapia Sistêmica do Sistema
Muscular, Farmacoterapia Sistêmica do Sistema Respiratório, Farmacoterapia Sistêmica do Sistema Urinário
Michael W. Dryden, DVM, PhD
E. J. Frick Professor of Veterinary Medicine, Department of Diagnostic Medicine/Pathobiology, Kansas State
University, Manhattan, KS
Quimioterápicos para Ectoparasitas Utilizados em Pequenos Animais
J. P. Dubey, MVSc, PhD
Microbiologist, Animal Parasitic Diseases Laboratory, Animal and Natural Resources Institute, USDA, Beltsville,
MD
Toxoplasmose
Rebecca S. Duerr, DVM, MPVM
Staff Veterinarian, International Bird Rescue Research Center, Cordelia, CA
Manejo do Neonato: Cuidados com Mamíferos e Pássaros Nativos Órfãos
Gregg A. DuPont, DVM, Fellow AVD, DAVDC
Coowner, Shoreline Veterinary Dental Clinic, Seattle, WA
Odontologia em Pequenos Animais, Doenças da Boca em Pequenos Animais
Neil W. Dyer, DVM, MS, DACVP
Director and Pathologist, Veterinary Diagnostic Laboratory, North Dakota State University, Fargo, ND
Pneumonia por Aspiração, Pneumonia Micótica
Jack Easley, DVM, MS, DABVP (Equine)
Equine Veterinary Practice, LLC, Shelbyville KY
Odontologia em Grandes Animais
Mahmoud ElBegearmi, PhD
Extension Professor of Nutrition and Food Safety, Cooperative Extension, University of Maine, Orono, ME
Necessidades Nutricionais de Aves Domésticas
Steve Ensley, DVM, PhD
Veterinary Toxicologist, Iowa State University, Ames, IA
Introdução à Toxicologia
R. J. Erskine, DVM, PhD
Professor, Department of Large Animal Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Michigan State
University, East Lansing, MI
Mastite em Grandes Animais
Paul Ettestad, DVM, MS
State Public Health Veterinarian, Epidemiology and Response Division, New Mexico Department of Health, Santa
Fe, NM
Peste
S. A. Ewing, DVM, PhD
Wendell H. and Nellie G. Krull Professor Emeritus of Veterinary Parasitology, Department of Veterinary
Pathobiology, Oklahoma State University, Stillwater, OK
Hemoparasitas: Hepatozoonose e Hepatozoonose Canina Americana
Aly M. Fadly, DVM, PhD, DACPV
Research Leader and Laboratory Director, Avian Disease Oncology Laboratory, USDAARS, East Lansing, MI
Neoplasias (Aves Domésticas)
Timothy M. Fan, DVM, PhD, DACVIM
Assistant Professor, Department of Veterinary Clinical Medicine, University of Illinois, Urbana, IL
Linfoma Maligno Canino
Hume Field, BVSc, MSc, PhD, MACVS
Principal Veterinary Epidemiologist, Biosecurity Queensland, Department of Employment, Economic
Development and Innovation, Brisbane, Australia
Infecção Pelo Vírus Hendra
Margaret Finlay, BVMS, MRCVS
Faculty of Veterinary Medicine, Department of Veterinary Pathology, University of Glasgow, Scotland, UK
Tumores da Pele e de Tecido Mole: Sarcoide Equino
Scott D. Fitzgerald, DVM, PhD, DACVP, DACPV
Professor, Department of Pathobiology and Diagnostic Investigation, College of Veterinary Medicine, Michigan
State University, East Lansing, MI
Anomalias Congênitas e Hereditárias do Sistema Urinário, Infecção pelo Vírus do Oeste do Nilo em Aves
Domésticas
James A. Flanders, DVM, DACVS
Associate Professor, College of Veterinary Medicine, Cornell University, Ithaca, NY
Doenças de Próstata
Sherrill A. Fleming, DVM, DACVIM, DABVP
Associate Professor, Food and Animal Medicine, College of Veterinary Medicine, Mississippi State University,
Mississippi State, MS
Pasteurelose em Ovinos e Caprinos
Mark T. Fox, BVetMed, PhD, FHEA, DEVPC, MRCVS
Senior Lecturer in Veterinary Parasitology, Department of Pathology and Infectious Diseases, Royal Veterinary
College, University of London, UK
Parasitos Gastrintestinais de Ruminantes
Ruth FrancisFloyd, DVM, MS, DACZM
Professor, Department of Large Animal Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, University of Florida,
Gainesville, FL
Peixes
Don A. Franco, DVM, MPH, DACVPM
Retired President, Center for Biosecurity Food Safety and Public Health, Lake Worth, FL
Porfiria Eritropoética Congênita
Laurie J. Gage, DVM, DACZM
Large Cat Specialist, USDA APHIS Animal Care, Napa, CA
Manejo do Neonato: Cuidados com Mamíferos e Aves Nativas Órfãs
Maricarmen Garcia, BS, MS, PhD
Associate Professor, Poultry Diagnostic and Research Center, Department of Population and Health, College of
Veterinary Medicine, University of Georgia, Athens, GA
Laringotraqueíte Infecciosa
Tam Garland, DVM, PhD, DABVT
Garland, Bailey & Associates, College Station, TX
Intoxicação por Arsênio
Jack M. Gaskin, DVM, PhD, DACVM
Associate Professor Emeritus, Department of Infectious Disease and Pathology, College of Veterinary Medicine,
University of Florida, Gainesville, FL
Encefalomiocardite Viral
Clive C. Gay, DVM, MVSc, DVSc (Hons), FACVSc, DACIM (Hons)
Professor Emeritus, Department of Veterinary Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Washington State
University, Pullman, WA
Timpanismo em Ruminante, Colisepticemia, Doenças Intestinais em Ruminantes, Síndrome do Jejuno
Hemorrágico, Interação ManejoSanidade: Ovinos, Abscesso Hepático em Bovinos
Kirk N. Gelatt, VMD
Distinguished Professor, Department of Small Animal Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine,
University of Florida, Gainesville, FL
Neoplasia do Olho e Estruturas Associadas, Emergências Oftálmicas, Oftalmologia
Gertruida H. Gerdes, BVSc
Acting Head, Department of Virology, ARCOnderstepoort Veterinary Institute, Onderstepoort, South Africa
Febre do Vale Rift, Doença de Wesselsbron
Thomas Geurden, DVM, PhD, DEVPC
Department of Virology, Parasitology and Immunology, Faculty of Veterinary Medicine, Ghent University,
Merelbeke, Belgium
Giardíase
Paul Gibbs, BVSc, PhD, FRCVS
Professor of Virology, Department of Infectious Diseases and Pathology, College of Veterinary Medicine,
University of Florida, Gainesville, FL
Doenças Tipo Varíola
Thomas W. G. Gibson, BSc, BEd, DVM, DACVS
Assistant Professor, Department of Clinical Studies, Ontario Veterinary College, University of Guelph, Ontario
Canada
Doenças de Estômago e Intestino: Vólvulo e Dilatação Gástrica, Obstrução Gastrintestinal
Robert O. Gilbert, BVSc, MMedVet, DACT, MRCVS
Professor, Reproductive Medicine, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Cornell
University, Ithaca, NY
Metrite em Grandes Animais, Retenção de Membranas Fetais em Grandes Animais, Farmacoterapia Sistêmica do
Sistema Reprodutor, Vulvite e Postite Ulcerativa, Eversão e Prolapso Uterino, Prolapso Cervical e Vaginal, Vulvite
e Vaginite
Alan Glazer, DVM, DACVIM
New England Animal Medical Center, West Bridgewater, MA
Doenças do Esôfago de Pequenos Animais
Eric Gonder, DVM, MS, PhD, DACPV
Veterinarian, Goldsboro Milling Company, Goldsboro, NC
Papo Penduloso
John R. Gorham, DVM, PhD
Professor, College of Veterinary Medicine, Washington State University, Pullman, WA
Vison
Louis Norman Gotthelf, DVM
Animal Hospital of Montgomery, Montgomery Pet Skin and Ear Clinic, Montgomery, AL
Tumores do Canal Auricular
Richard E. Gough, FIMLS, CBiol, MIBiol
Consultant in Avian Virology, Central Veterinary Laboratory, New Haw, Weybridge, Surrey, UK
Parvovirose em Gansos
Daniel H. Gould, DVM, PhD, DACVP
Professor Emeritus of Pathology, Department of Microbiology, Immunology and Pathology, College of Veterinary
Medicine and Biomedical Sciences, Colorado State University, Fort Collins, CO
Polioencefalomalácia
Gregory F. Grauer, DVM, MS, DACVIM
Professor and Jarvis Chair of Medicine, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Kansas
State University, Manhattan, KS
Intoxicação por Etilenoglicol
Deborah S. Greco, DVM, PhD, DACVIM
Senior Research Scientist, Nestle Purina PetCare, New York, NY
Glândula Pituitária
Paul R. Greenough, FRCVS
Professor Emeritus of Veterinary Surgery, Western College of Veterinary Medicine, University of Saskatchewan,
Saskatoon, Canada
Claudicação em Bovinos
Irene GreiserWilke, Dr rer nat
Professor, Department of Infectious Diseases, EU Reference Laboratory for Clasical Swine Fever, Institute of
Virology, University of Veterinary Medicine, Hannover, Germany
Febre Suína Clássica
Walter Gruenberg, DrMedVet, MS, PhD, DECAR, DECBHM
Assistant Professor, Department of Farm Animal Health, Utrecht University, Utrecht, The Netherlands
Anormalidades do Metabolismo de Fósforo, Distrofias Associadas ao Cálcio, Fósforo e Vitamina D, Doença do
Fígado Gorduroso em Bovinos
Jorge Guerrero, DVM, PhD, DEVPC (Ret)
Adjunct Professor of Parasitology, Department of Pathobiology, School of Veterinary Medicine, University of
Pennsylvania, Philadelphia, PA
Dirofilariose
P. K. Gupta, BVSc, MSc, VM &AH (Gold Medalist), PhD, Post Doc, PGDCA, FNA, VS, FASc, AW, FST,
FAEB, FACVT
Director, Toxicology Consulting Services, Inc.; and Former Chief, Division of Pharmacology & Toxicology,
(IVRI) and Advisor to WHO, Bareilly, India
Intoxicação por Herbicida
Ramesh C. Gupta, DVM, MVSc, PhD, DABT, FACT, FATS
Professor and Head, Toxicology Department, Breathitt Veterinary Center, Murray State University, Kopkinsville,
KY
Intoxicação por Inseticida e Acaricida (Orgânico)
James S. Guy, DVM, PhD
Professor, Department of Population Health and Pathobiology, College of Veterinary Medicine, North Carolina
State University, Raleigh, NC
Enterite por Coronavírus em Perus, Encefalite Viral
Sharon M. GwaltneyBrant, DVM, PhD, DABVT, DABT
Vice President and Medical Director, A.S.P.C.A. Animal Poison Control Center, Urbana, IL
Riscos Alimentares, Riscos Domiciliares, Acidente Ofídico
Carlton L. Gyles, DVM, PhD, FCAHS
Professor Emeritus, Department of Pathobiology, Ontario Veterinary College, University of Guelph, Ontario,
Canada
Doença do Edema
Caroline N. Hahn, DVM, MSc, PhD, DECEIM, DECVN, MRCVS
Senior Lecturer in Veterinary Clinical Neuroscience, Royal (Dick) School of Veterinary Studies, University of
Edinburgh, Midlothian, UK
Disautonomia
Daniel J. Hall, VMD
Cardiology Resident, Tufts Cummings School of Veterinary Medicine, North Grafton, MA
Doença Cardíaca e Insuficiência Cardíaca
Edward J. Hall, MA, VetMB, PhD, DECVIMCA
Professor of Small Animal Internal Medicine, Department of Clinical Veterinary Science, University of Bristol,
Bristol, UK
Síndrome da Má Absorção em Pequenos Animais
Jean A. Hall, DVM, PhD, DACVIM
Professor, Department of Biomedical Sciences, College of Veterinary Medicine, Oregon State University,
Corvallis, OR
Hipocalcemia Puerperal em Pequenos Animais
Jeffery O. Hall, DVM, PhD, DABVT
Professor and Head of Diagnostic Toxicology, Utah State University, Logan, UT
Intoxicação por Selênio
Christopher Hamblin, CBiol, MSB
Hampshire, UK
Febre Efêmera
Reid Hanson, DVM, DACVS, DACVECC
Professor of Surgery, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Auburn University,
Auburn AL
Anomalias Congênitas e Hereditárias do Sistema Musculoesquelético
Joseph Harari, MS, DVM, DACVS
Staff Surgeon, Veterinary Surgical Specialists, Spokane, WA
Artropatias e Distúrbios Relacionados em Pequenos Animais, Claudicação em Pequenos Animais, Miopatias em
Pequenos Animais, Osteopatias em Pequenos Animais
Billy M. Hargis, DVM, PhD, DACPV
Professor and Director, JKS Poultry Health Research Laboratory, University of Arkansas; Tyson Sustainable
Poultry Health Chair, Department of Poultry Science, University of Arkansas, Fayetteville, AR
Síndrome Ascite, Doença do Coração Redondo em Perus
D. L. Hank Harris, DVM, PhD
Professor, Department of Animal Science, Department of Veterinary Diagnostics and Production Animal
Medicine, Iowa State University, Ames, IA
Doença Intestinal em Suínos
Lynette A. Hart, PhD
Professor, School of Veterinary Medicine, University of California, Davis, CA
Relação HomemAnimal
Katrin Hartmann, DECVIMCA, DrMedVet, DrMedVetHabil
Professor, Clinic of Small Animal Medicine, LMU University of Munich, Germany
Pleurite e Peritonite Infecciosa Felina
Joe Hauptman, DVM, MS, DACVS
Professor of Surgery, Veterinary Teaching Hospital, Michigan State University, East Lansing, MI
Hérnia Diafragmática
Jan F. Hawkins, DVM, DACVS
Associate Professor, Department of Veterinary Clinical Sciences, School of Veterinary Medicine, Purdue
University, West Lafayette, IN
Doenças do Esôfago em Grandes Animais, Doença da Boca em Grandes Animais, Paralisia de Faringe, Faringite
Marcus J. Head, BVetMed, MRCVS
Rossdales Diagnostic Centre, NewMarket, UK
Claudicação em Equinos: Anormalidades do Ombro e Cotovelo
Peter W. Hellyer, DVM, MS, DACVA
Associate Dean for the Professional Veterinary Medical Program, College of Veterinary Medicine & Biomedical
Sciences, Colorado State University, Fort Collins, CO
Controle da Dor
Charles M. Hendrix, DVM, PhD
Professor, Department of Pathobiology, College of Veterinary Medicine, Auburn University, Auburn, AL
Doenças do Sistema Nervoso Central Causadas por Helmintos e Artrópodes, Procedimentos Diagnósticos para
Laboratórios Particulares: Parasitologia, Pulgas, Artrópodes Venenosos
Thomas H. Herdt, DVM, MS, DACVN, DACVIM
Professor, Department of Large Animal Clinical Sciences and Diagnostic Center for Population and Animal
Health, Michigan State University, Lansing, MI
Cetose em Bovinos, Nutrição: Bovinos Leiteiros
Karen HicksAlldredge, DVM
Sweetwater Veterinary Hospital, Sweetwater, TX
Ratitas
Michael A. Hill, BVetMed, MS, PhD, MRCVS
Associate Professor of Swine Production Medicine, Veterinary Clinical Sciences, School of Veterinary Medicine,
Purdue University, West Lafayette, IN
Claudicação em Suínos
W. Mark Hilton, DVM, DABVP
Clinical Associate Professor, Veterinary Clinical Sciences, School of Veterinary Medicine, Purdue University, West
Lafayette, IN
Interação ManejoSanidade: Bovinos de Corte
Katrin Hinrichs, DVM, PhD, DACT
Professor and Patsy Link Chair in Mare Reproduction, Department of Veterinary Physiology and Pharmacology,
College of Veterinary Medicine and Biomedical Sciences, Texas A&M University, College Station, TX
Clonagem de Animais Domésticos
J. Christopher Hodgson, BSc, PhD, MBA
Principal Research Scientist, Moredun Research Institute, Penicuik, UK
Doença da Boca Úmida em Cordeiros
Frederic J. Hoerr, DVM, PhD, DACVP, DACPV
Laboratory Director, Thompson Bishop Sparks State Diagnostic Laboratory, Auburn, AL
Vesículas de Peito, Canibalismo (Aves Domésticas), Micotoxicose (Aves Domésticas)
Charles L. Hofacre, DVM, MAM, PhD, DACPV
Professor of Population Health, Director of Clinical Services, College of Veterinary Medicine, University of
Georgia, Athens, GA
Encefalomielite Aviária, Enterite Necrótica
Daniel F. Hogan, DVM, DACVIM (Cardiology)
Associate Professor, Chief, Comparative Cardiovascular Medicine and Interventional Cardiology, School of
Veterinary Medicine, Purdue University, West Lafayette, IN
Introdução do Sistema Cardiovascular, Doença Cardíaca e Insuficiência Cardíaca: Diagnóstico, Trombose,
Embolia e Aneurisma
Steven R. Hollingsworth, DVM, DACVO
Associate Professor of Clinical Ophthalmology, Department of Surgical and Radiological Sciences, School of
Veterinary Medicine, University of California, Davis, CA
Uveíte Recidivante Equina
Peter H. Holmes, BVMS, PhD, Dr HC, FRCVS, FRSE, OBE
Emeritus Professor and Former VicePrincipal, Faculty of Veterinary Medicine, University of Glasgow, Scotland,
UK
Tripanossomíase
Timothy N. Holt, DVM
Assistant Professor, Clinical Sciences, Food Animal Department, College of Veterinary Medicine and Biomedical
Sciences, Colorado State University, Fort Collins, CO
Doença de Altitude Elevada
Michael J. Huerkamp, DVM, DACLAM
Director, Division of Animal Resources, Emory University; Professor, Pathology and Laboratory Medicine, Emory
University, Atlanta, GA
Animais de Laboratório
Basil O. Ikede, BVetMed, DVM, PhD, FCVSN
Retired Professor and Chair, Department of Pathology and Microbiology, Atlantic Veterinary College, University
of Prince Edward Island, Prince Edward Island, Canada
Febre Petequial Bovina
Tadao Imada, DVM, PhD
Retired Research Manager, Kyusyu Research Station, National Institute of Animal Health, Chuzan Kagoshima,
Japan
Nefrite Viral Aviária
Walter Ingwersen, DVM, DVSc, DACVIM
Specialist, Companion Animals, Boehringer Ingelheim (Canada) Ltd, Vetmedica, Burlington, Ontario, Canada
Anomalias Congênitas e Hereditárias do Sistema Digestório
Evelyn S. Ivey, DVM, DABVP
Staff Veterinarian, Four Corners Veterinary Hospital, Concord, CA
Peste Suína Africana
Peter G. G. Jackson, MA, BVM&S, DVM&S, FRCVS
St. Edmund’s College, University of Cambridge, Cambridge, UK
Gestação Prolongada em Vacas e Ovelhas
Mark W. Jackwood, PhD
Professor, Department of Population Health, College of Veterinary Medicine, University of Georgia, Athens, GA
Bordetelose (Aves Domésticas)
Eugene D. Janzen, DVM, MVS
Assistant Dean, Clinical Practice, Community Partnerships, Faculty of Veterinary Medicine, University of Calgary,
Alberta, Canada
Histofilose, Eletrocussão e Choque por Raio, Tricomoníase
Cheri A. Johnson, DVM, MS, DACVIM (Small Animal)
Professor, Department of Small Animal Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Michigan State
University, East Lansing, MI
Tumor Venéreo Transmissível em Cães, Doenças Reprodutivas de Machos em Pequenos Animais
LaRue W. Johnson, DVM, PhD
Professor Emeritus, Colorado State University, Fort Collins, CO
Lhamas e Alpacas
Richard C. Jones, BSc, PhD, DSc, FRCPath
Emeritus Professor, School of Veterinary Science, University of Liverpool, Leahurst, Neston, Wirral, UK
Síndrome da Má Absorção (Aves Domésticas), Artrite Viral
Wayne K. Jorgensen, BSc, PhD
Senior Principal Research Scientist (Parasitology), Department of Primary Industries and Fisheries, Queensland,
Australia
Babesiose
Maureen H. Kemp, BVMS, MVM, PhD, DCHP, DECBHM, MRCVS
Upper Mulben, Mulben, Keith, Banffshire
Doenças da Laringe
Robert J. Kemppainen, DVM, PhD
Professor, Department of Anatomy, Physiology & Pharmacology, College of Veterinary Medicine, Auburn
University, Auburn, AL
Introdução do Sistema Endócrino
Morag G. Kerr, BVMS, BSc, PhD, Cbiol, FIBiol, MRCVS
SAC Veterinary Services, Midlothian, Scotland, UK
Procedimentos Diagnósticos Para Laboratório Particular: Hematologia e Bioquímica Clínica
Safdar A. Khan, DVM, MS, PhD, DABVT
Director of Toxicology Research, ASPCA Animal Poison Control Center, Urbana, IL
Intoxicação por Estricnina, Intoxicação por Drogas Ilícitas e que Provocam Dependência, Intoxicação por
Medicamentos Vendidos sem Prescrição, Intoxicação por Medicamentos com Prescrição
Daniel J. King, DVM, PhD
Veterinary Medical Officer (retired), USDAARS, Southeast Poultry Research Laboratory, Athens, GA
Doença de Newcastle
Rebecca Kirby, DVM, DACVIM,
DACVECC
Executive Director, Animal Emergency Center, Glendale, WI
Introdução de Medicina Emergencial, Avaliação e Tratamento Inicial do Paciente Emergencial, Fluidoterapia,
Procedimentos de Monitoramento Para Animal Gravemente Enfermo, Terapia e Diagnóstico Específico
Peter D. Kirkland, BVSc, PhD
Senior Principal Research Scientist, OIC, Virology Laboratory, Elizabeth Macarthur Agriculture Institute,
Menangle, NSW, Australia
Infecção Pelo Vírus Akabane
Mark D. Kittleson, DVM, PhD, DACVIM (Cardiology)
Professor, Department of Medicine and Epidemiology, School of Veterinary Medicine, University of California,
Davis, CA
Doença Cardíaca e Insuficiência Cardíaca: Doenças Específicas
Kirk C. Klasing, BS, MS, PhD
Professor of Animal Biology, Department of Animal Science, University of California, Davis, CA
Necessidades Nutricionais (Aves Domésticas)
Thomas R. Klei, PhD
Boyd Professor and Associate Dean for Research and Advanced Studies, School of Veterinary Medicine and
Louisiana Agriculture Experiment Station, Louisiana State University, Baton Rouge, LA
Parasitos Gastrintestinais de Equinos, Helmintos da Pele
Nick J. Knowles, MPhil
Institute for Animal Health, Pirbright Laboratory, Woking, Surrey, UK
Doença Vesicular Suína, Encefalomielite por Teschovírus, Exantema Vesicular em Suínos
Deborah T. Kochevar, DVM, PhD, DACVCP
Dean, Cummings School of Veterinary Medicine, Tufts University, North Grafton, MA
Medicamentos Antineoplásicos
Michelle Kopcha, DVM, MS
Associate Professor, Food Animal Medicine and Surgery, College of Veterinary Medicine, Michigan State
University, East Lansing, MI
Doenças Respiratórias de Ovinos e Caprinos
Sarah E. Kraiza, DVM, DACVIM
(Oncology)
Travelers Rest, SC
Anemia
Annemarie T. Kristensen, DVM, PhD, DACVIM (Small Animal), DECVIMCA & Oncology
Professor of Small Animal Clinical Oncology, Department of Small Animal Clinical Sciences, Faculty of Life
Sciences, University of Copenhagen, Frederiksberg, Denmark
Anormalidades Hemostáticas
T. G. Ksiazek, DVM, PhD
Professor, Galveston National Laboratory, Department of Pathology, and Department of Microbiology and
Immunology, University of Texas Medical Branch, Galveston, TX
Febre Hemorrágica de CrimeanCongo, Infecção Pelo Vírus Nipah
Ned F. Kuehn, DVM, MS, DACVIM
Section Chief, Internal Medicine, Michigan Veterinary Specialists, Southfield, MI
Introdução do Sistema Respiratório, Doenças Respiratórias de Pequenos Animais
Mahesh C. Kumar, BVSc, MS, PhD, DACPV
Consultant, Poultry Health & Food Safety, St. Cloud, MN
Aneurisma Dissecante
Nina YuHsin Kung, BVM, BVSc, MSc, PhD
Senior Veterinary Officer, Department of Employment, Economic Development and Innovation, Biosecurity
Queensland, Brisbane, Australia
Infecção pelo Vírus Hendra
Robert A. Kunkle, DVM, PhD
Veterinary Medical Officer, National Animal Disease Center, USDAARS, Ames, IA
Aspergilose (Aves Domésticas)
Gary Landsberg, BSc, DVM, MRCVS, DACVB, DECVBMCA
Veterinary Behaviorist, North Toronto Animal Clinic, Thornhill, Ontario, Canada
Introdução Sobre Comportamento, Comportamento Social Normal e Problemas de Comportamento em Animais
Domésticos
Jimmy C. Lattimer, DVM, MS, DACVR, DACVRO
Associate Professor, Veterinary Medicine and Surgery, Veterinary Medical Teaching Hospital, University of
Missouri, Columbia, MO
Diagnóstico por Imagem, Radioterapia
D. Bruce Lawhorn, DVM, MS
Visiting Professor, Swine Practice, Food Animal Section, Department of Veterinary Large Animal Clinical
Sciences, College of Veterinary Medicine and Biomedical Sciences, Texas A&M University, College Station, TX
Porco Vietnamita (Potbellied)
Dennis F. Lawler, DVM
O’Fallon, IL
Manejo do Neonato em Pequenos Animais
Margie D. Lee, DVM, PhD
Professor of Population Health, Poultry Diagnostic and Research Center, College of Veterinary Medicine,
University of Georgia, Athens, GA
Campilobacteriose Aviária, Colibacilose (Aves Domésticas)
Steven Leeson, PhD
Professor, Department of Animal and Poultry Science, University of Guelph, Ontario, Canada
Síndrome do Fígado Gorduroso, Deficiências Nutricionais (Aves Domésticas)
Nicholas W. Lerche, DVM, MPVM
Professor, Department of Medicine and Epidemiology, School of Veterinary Medicine, University of California;
Associate Director for Primate Services, California National Primate Research Center, University of California,
Davis, CA
Primatas Não Humanos
Michael L. Levin, PhD
Rickettsial Zoonoses Branch, Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, GA
Carrapatos
Alicja E. LewTabor, BSc (Hons), PhD
Principal Research Scientist (Molecular Biology), AgriScience QLD, Department of Employment, Economic
Development and Innovation, Brisbane, Queensland, Australia
Anaplasmose
David H. Ley, DVM, PhD, DACVM, DACPV
Professor, Department of Population Health and Pathobiology, College of Veterinary Medicine, North Carolina
State University, Raleigh, NC
Micoplasmose
Teresa L. Lightfoot, DVM, DABVP (Avian)
Chair, Avian and Exotics Department, Florida Veterinary Specialists, Tampa, FL
Pássaros de Estimação, Nutrição: Pássaros
Andrew Linklater, DVM, DACVECC
Clinical Instructor, Animal Emergency Center and Specialty Services, Milwaukee, WI
Introdução à Medicina Emergencial, Avaliação e Tratamento Inicial do Paciente em Emergência, Fluidoterapia,
Procedimentos de Monitoramento do Animal Gravemente Enfermo, Terapia e Diagnóstico Específico
John E. Lloyd, BS, PhD
Professor Emeritus of Entomology, University of Wyoming, Laramie, WY
Berne e Piolhos em Bovinos
Jeanne Lofstedt, BVSc, MS, DACVIM (Large Animal)
Professor of Large Animal Internal Medicine, Department of Health Management, Atlantic Veterinary College,
University of Prince Edward Island, Charlottetown, Prince Edward Island, Canda
Síndrome ArtriteEncefalite Caprina, Laringite Necrótica, Disenteria de Inverno
Maureen T. Long, DVM, PhD, DACVIM
Associate Professor, Department of Infectious Diseases and Pathology, College of Veterinary Medicine, University
of Florida, Gainesville, FL
Encefalomielite Equina, Meningite e Encefalite
Michael R. Loomis, DVM, MA, DACZM
Chief Veterinarian, North Carolina Zoological Park, Asheboro, NC
Animais de Zoológico
Ingrid Lorenz, DrMedVet, DrMedVetHabil, DECBHM
Lecturer in Bovine Medicine, School of Agriculture, Food Science and Veterinary Medicine, University College
Dublin, Ireland
Goteira Ruminal, Paracetose Ruminal
Bertrand J. Losson, DVM, PhD, DEVPC
Professor, Department of Parasitology and Parasitic Diseases, Faculty of Veterinary Medicine, University of Liege,
Belgium
Sarna em Grandes Animais
Jodie Low Choy, BVMS
Veterinary, Palmerston, Northern, Territory, Australia
Melioidose
Katharine F. Lunn, BVMS, MS, PhD, MRCVS, DACVIM
Assistant Professor, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine and Biomedical Sciences,
Colorado State University, Fort Collins, CO
Febre de Origem Desconhecida
Robert J. Mackay, BVSc, PhD
Professor, Large Animal Medicine, Department of Large Animal Clinical Sciences, College of Veterinary
Medicine, University of Florida, Gainesville, FL
Mieloencefalite Protozoária Equina
Charles Mackenzie, BVSc, BSc, PhD, FRCVS, FRCPath, DEd
Professor, Department of Pathobiology and Diagnostic Investigation, Michigan State University, East Listening,
MI
Besnoitiose
Kenneth S. Macklin, PhD
Associate Professor and Extension Specialist, Department of Poultry Science, Auburn University, Auburn, AL
Helmintíase
John E. Madigan, DVM, MS
Professor, Department of Medicine and Epidemiology, School of Veterinary Medicine, University of California,
Davis, CA
Erliquiose Granulocítica Equina, Febre do Cavalo Potomac
Brian W. J. Mahy, BSc, MA, PhD, ScD, DSc
Senior Scientific Advisor, National Center for Emerging and Zoonotic Infectious Diseases, Centers for Disease
Control and Prevention, Atlanta, GA
Febre Aftosa
Linda S. Mansfield, MS, VMD, PhD
Professor of Microbiology, Department of Microbiology and Molecular Genetics, Michigan State University, East
Lansing, MI
Campilobacteriose
Richard A. Mansmann, VMD, PhD
Equine Podiatry & Rehabilitation Mobile Practice, Chapel Hill, NC
Exame de Equinos para Compra
Steven L. Marks, BVSc, MS, MRCVS, DACVIM
Clinical Associate Professor, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, North Carolina
State University, Raleigh, NC
Ácaros Nasais em Cães, Interação Manejo–Sanidade: Pequenos Animais
Bret D. Marsh, DVM
Indiana State Veterinarian, Indiana State Board of Animal Health, Indianapolis, IN
Exame de Ruminantes e Suínos para Compra
GuyPierre Martineau, DVM, DECPHM
Professor in Swine Medicine, Department of Animal Health, Production and Economics, National Veterinary
School, Toulouse, France
Síndrome da Disgalaxia PósParto e Mastite em Porcas
Herris S. Maxwell, DVM, DACT
College of Veterinary Medicine, Auburn University, Auburn, AL
Anomalias Congênitas e Hereditárias de Condições Generalizadas
Milton McAllister, DVM, PhD, DACVP
School of Animal and Veterinary Sciences, University of Adelaide, Roseworthy, Australia
Neosporose
Dudley L. McCaw, DVM, DACVIM (Small Animal, Oncology)
Professor, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Kansas State University, Manhattan,
KS
Leucemia Viral Felina e Doenças Relacionadas
Diane McClure, DVM, PhD, DACLAM
Veterinarian, Animal Resource Center Veterinary Services, Goleta, CA
Coelhos
Larry R. McDougald, PhD
Professor, Department of Poultry Science, College of Agriculture and Environmental Sciences, University of
Georgia, Athens, GA
Espiroquetose Aviária, Coccidiose (Aves Domésticas), Criptosporidiose (Aves Domésticas), Infecção por
Cestódeos, Hexamitíase, Histomoníase, Tricomoníase (Aves Domésticas)
Catherine McGowan, BVSc, MACVSc, DEIM, DECEIM, PhD, FHEA, MRCVS
Faculty of Health and Life Sciences, School of Veterinary Science, University of Liverpool, Leahurst, UK
Fadiga e Exercício
C. Wayne McIlwraith, BVSc, PhD, DSc, FRCVS, DACVS
Professor of Surgery, College of Veterinary Medicine and Biomedical Sciences, Colorado State University;
Barbara Cox Anthony Endowed University Chair in Equine Orthopaedic Research, Colorado State University;
Director, Orthopaedic Research Center, Colorado State University, Fort Collins, CO
Artropatias em Grandes Animais, Claudicação em Equinos: Anormalidades de Carpo e Metacarpo
Erica C. McKenzie, BSc, BVMS, PhD, DACVIM
Assistant Professor, Large Animal Medicine, College of Veterinary Medicine, Oregon State University, Corvallis,
OR
Manejo do Neonato de Grandes Animais
Jennifer H. McQuiston, DVM, MS
Epidemiology Team Leader, Rickettsial Zoonoses Branch, Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta,
GA
Riquetsioses
Phillip S. Mellor, OBE, DSc, FRES, FHEA
Professor, Head of Vectorborne Diseases Programme, Pirbright Laboratory, Institute for Animal Health, Pirbright,
Woking, Surrey, UK
Doença do Cavalo Africano, Língua Azul
Mushtaq A. Memon, BVSc, MS, PhD, DACT
Theriogenologist, Department of Veterinary Clinical Sciences, Washington State University, Pullman, WA
Doenças Reprodutivas da Fêmea de Pequenos Animais
Paula I. Menzies, DVM, MPVM, DECSRHM
Associate Professor, Ruminant Health Management Group, Department of Population Medicine, Ontario
Veterinary College, University of Guelph, Ontario, Canada
Toxemia da Prenhez em Ovelhas, Manejo Reprodutivo: Ovinos
Sandra R. Merchant, DVM, DACVD
Professor of Dermatology, Department of Veterinary Clinical Sciences, School of Veterinary Medicine, Louisiana
State University, Baton Rouge, LA
Dermatofitose (Tinha)
Samia A. Metwally, DVM, PhD
Head, Diagnostic Services Section, Foreign Animal Disease Diagnostic Laboratory, USDA, APHIS, Greenport,
NY
Doença do Ovino de Nairóbi
Patrice M. Mich, DVM, MS, DABVP (Canine/Feline), DACVA
OrthoPets Center for Animal Pain Management and Mobility Solutions, Denver, CO
Controle da Dor
Bernard Mignon, DVM, PhD, DEVPC
Assistant Professor, Faculty of Veterinary Medicine, Department of Infectious and Parasitic Diseases, Parasitology
and Parasitic Diseases, University of Liège, Belgium
Sarna em Cães e Gatos
Kelly D. Mitchell, DVM, DVSc, DACVIM (SAIM)
Toronto Veterinary Emergency Clinic, Scarborough, Ontario, Canada
Doenças de Estômago e Intestino: Parvovirose Canina, Coronavirose Intestinal Felina, Gastrite, Gastrenterite
Hemorrágica
Harry Momont, DVM, PhD, DACT
Clinical Associate Professor, Department of Medical Sciences, School of Veterinary Medicine, University of
WisconsinMadison, Madison, WI
Introdução do Sistema Reprodutivo
Donald R. Monke, DVM, MBA
Vice President, Production Operations, Select Sires, Inc, Plain City, OH
Vesiculite Seminal em Touros
James N. Moore, DVM, PhD
Distinguished Research Professor, Department of Large Animal Medicine, College of Veterinary Medicine,
University of Georgia, Athens, GA
Cólica Equina
Gastón A. Moré, MV, DVM
Investigador asistente CONICET, Laboratorio de Inmunoparasitología, Cátedra de Parasitología y Enfermedades
Parasitarias, Facultad de Ciencias Veterinarias, Universidad Nacional de La Plata, Buenos Aires, Argentina
Sarcocistose
Karen A. Moriello, DVM, DACVD
Clinical Professor of Dermatology, School of Veterinary Medicine, University of WisconsinMadison, Madison,
WI
Acantose Nigricans, Anomalias Congênitas e Hereditárias do Sistema Tegumentar, Infestação por Cuterebra em
Pequenos Animais, Dermatofilose, Higroma, Introdução do Sistema Tegumentar, Furunculose Interdigital,
Piodermite
Dawn E. Morin, DVM, MS, DACVIM
Professor, Assistant Dean for Academic Affairs and Curriculum, College of Veterinary Medicine, University of
Illinois, Urbana, IL
Otite Média e Interna
Teresa Y. Morishita, DVM, MPVM, MS, PhD, DACPV
Associate Dean for Academic Affairs and Professor, Poultry Medicine and Food Safety, College of Veterinary
Medicine, Western University of Health Sciences, Pomona, CA
Enterococose, Dermatite Gangrenosa, Listeriose, Estafilococose, Estriptococose
James K. Morrisey, DVM, DABVP (Avian)
Service Chief, Companion Exotic Animal Medicine Service, Department of Clinical Sciences, College of
Veterinary Medicine, Cornell University, Ithaca, NY
Furões
W. Ivan Morrison, PhD, BVMS, FRSE
Professor, The Roslin Institute, Royal (Dick) School of Veterinary Studies, University of Edinburgh, Scotland, UK
Teileriose
Sofie Muylle, DVM, PhD
Faculty of Veterinary Medicine, Department of Morphology, Ghent University, Salisburylaan, Merelbeke, Belgium
Desenvolvimento Dentário
Dusty W. Nagy, DVM, MS, PhD, DACVIM
Assistant Teaching Professor, Food Animal Medicine & Surgery, College of Veterinary Medicine, University of
Missouri, Columbia, MO
Leucose Bovina
T. Mark Neer, DVM, DACVIM
Professor of Medicine and Director, Boren Veterinary Medical Teaching Hospital, Department of Clinical
Sciences, Center for Veterinary Health Sciences, Oklahoma State University, Stillwater, OK
Anormalidades Desmielinizantes, Indisposição durante Viagens
Peter Nettleton, BVMS, MSc, PhD, MRCVS
Moredun Research Institute, Scotland, UK
Doença da Fronteira
Robin A. J. Nicholas, MSc, PhD, FRCPath
Head of Mycoplasma Group, Veterinary Laboratories AgencyWeybridge, Addlestone, Surrey, UK
Agalaxia Contagiosa e Outras Infecções Mamárias por Micoplasmas em Pequenos Ruminantes
Paul Nicoletti, DVM, MS
Professor Emeritus, College of Veterinary Medicine, University of Florida, Gainesville, FL
Bruscelose em Grandes Animais, Brucelose em Cães
Jerome C. Nietfield, DVM, PhD, DACVP
Professor, Department of Diagnostic Medicine/Pathobiology, College of Veterinary Medicine, Kansas State
University, Manhattan, KS
Aborto em Grandes de Animais, Clamidiose Intestinal
Joeke Nijboer, PhD
Nutritionist, Rotterdam Zoo, Rotterdam, The Netherlands
Nutrição: Animais Exóticos e de Zoológico
Robert A. Norton, MS, PhD
Professor, Department of Poultry Science, Auburn University, Auburn, AL
Helmintíase (Aves Domésticas)
Mark J. Novotny, DVM, MS, PhD, DACVCP
Senior Principal Scientist, Metabolism and Safety, Veterinary Medicine Research and Development, Pfizer Animal
Health, Kalamazoo, MI
Farmacoterapia Sistêmica do Sistema Cardiovascular
Frederick W. Oehme, DVM, PhD
Professor of Toxicology, Pathobiology, Medicine and Physiology, Comparative Toxicology Laboratories, Kansas
State University, Manhattan, KS
Intoxicação por Rodenticidas
Garrett R. Oetzel, DVM, MS
Associate Professor, Department of Medical Sciences, School of Veterinary Medicine, University of Wisconsin
Madison, Madison, WI
Acidose Ruminal Subaguda em Vacas Leiteiras
Gary D. Osweiler, DVM, MS, PhD, DABVT
Professor, Veterinary Diagnostic and Production Animal Medicine, College of Veterinary Medicine, Iowa State
University, Ames, IA
Intoxicação por Alcatrão de Hulha, Micotoxicose, Intoxicação por Derivados de Petróleo
Raul E. Otalora, DVM
Production Manager/Veterinarian, Quail International, Inc., Greensboro, GA
Enterite Ulcerativa (Doença da Codorniz)
Chris Oura, MSc, PhD, MRCVS
Head of the NonVesicular Reference Laboratories, Pirbright Laboratory, Institute for Animal Health, Pirbright,
Woking, Surrey, UK
Peste Suína Africana
Rebecca A. Packer, MS, DVM, DACVIM (Neurology)
Assistant Professor, Neurology/Neurosurgery, Department of Veterinary Clinical Sciences, and Department of
Basic Medical Sciences, School of Veterinary Medicine, Purdue University, West Lafayette, IN
Anomalias Congênitas e Hereditárias do Sistema Nervoso
David J. Paton, MA, VetMB, PhD,
MRCVS
Director of Science, Pirbright Laboratory, Institute for Animal Health, Pirbright, Surrey, UK
Doença Vesicular Suína, Exantema Vesicular de Suíno
Sharon Patton, MS, PhD
Professor of Parasitology, Department of Comparative Medicine, College of Veterinary Medicine, University of
Tennessee, Knoxville, TN
Amebíase
Maurice B. Pensaert, DVM, MS, PhD
Emeritus Professor of Animal Virology, Faculty of Veterinary Medicine, Ghent University, Merelbeke, Belgium
Encefalomielite Hemaglutinante
Andrew S. Peregrine, BVMS, PhD, DVM, DEVPC
Associate Professor, Department of Pathobiology, Ontario Veterinary College, University of Guelph, Ontario,
Canada
Parasitos Gastrintestinais de Pequenos Animais
Tilden Wayne Perry, BEd, BS, MS, PhD
Emeritus Professor of Animal Nutrition, Purdue University, West Lafayette, IN
Nutrição: Bovinos de Corte
Donald Peter, DVM, MS, DACT
Veterinarian/Owner, Frontier Genetics, Frontier Genetics, Hermiston, OR
Campilobacteriose Genital Bovina, Exantema do Coito em Equinos
Mark E. Peterson, DVM, DACVIM
Director, Animal Endocrine Clinic, New York, NY
Glândulas Paratireoides e Anormalidades do Metabolismo de Cálcio, Glândula Tireoide
James R. Philips, PhD
Associate Professor of Science, Math/Science Division, Babson College, Babson Park, MA
Ácaro de Saco Aéreo, Ectoparasitas (Aves Domésticas)
Carlos R. F. Pinto, MedVet, PhD, DACT
Associate Professor, Theriogenology and Reproductive Medicine, Department of Veterinary Clinical Sciences,
College of Veterinary Medicine, Ohio State University, Columbus, OH
Transferência de Embrião em Animais Pecuários
Robert E. Porter, DVM, PhD, DACVP, DACPV
Clinical Professor, Veterinary Population Medicine, College of Veterinary Medicine, University of Minnesota, St.
Paul, MN
Síndrome da Hemorragia Perirrenal em Perus
Karen W. Post, DVM, MS, DACVM
Director of Laboratories, North Carolina Veterinary Diagnostic Laboratory System, Consumer Services, Rollins
Animal Disease, Diagnostic Laboratory, Raleigh, NC
Procedimentos Diagnósticos Para Laboratório Particular: Microbiologia Clínica
D. G. Pugh, DVM, MS, DACT, DACVN
Veterinarian, Waverly, AL
Nutrição: Caprinos, Nutrição: Ovinos
Darryl Ragland, DVM, PhD
Associate Professor, Veterinary Clinical Sciences, School of Veterinary Medicine, Purdue University, West
Lafayette, IN
Biossegurança, Erisipela, Infecções Estafilocócicas em Suínos, Linfadenite e Linfangite: Linfadenite em Suínos
Sarah L. Ralston, VMD, PhD, DACVN
Associate Professor, Department of Animal Sciences, School of Environmental and Biological Sciences, Rutgers
University, New Brunswick, NJ
Nutrição: Equinos
John F. Randolph, DVM, DACVIM
Professor of Veterinary Medicine, College of Veterinary Medicine, Cornell University, Ithaca, NY
Eritrocitose e Policitemia
Silke Rautenschlein, DVM, PhD
Professor, Clinic for Poultry, University of Veterinary MedicineHannover, Hannover, Germany
Metapneumovírus Aviário
Willie M. Reed, DVM, PhD
Dean, School of Veterinary Medicine, Purdue University, West Lafayette, IN
Bronquite de Codorniz, Hepatite Viral em Perus
Philip T. Reeves, BVSc, PhD, FACVSc
Principal Scientist, Residues and Veterinary Medicines, Australian Pesticides and Veterinary Medicines Authority,
Canberra, Australia
Resíduos Químicos em Alimentos e Fibras, Ação de Medicamento e Farmacodinâmica, Dosagens e Sistema de
Administração
Hugh W. Reid, MBE, BVM&S, DTVM, PhD, MRCVS
Moredun Research Institute, Pentlands, Science Park, Penicuik, UK
Encefalomielite Ovina
Douglas J. Reinemann, PhD
Professor, Department of Biological Systems Engineering, College of Agricultural & Life Sciences, University of
WisconsinMadison, Madison, WI
Stray Voltage em Animais Estabulados
Christopher D. Reinhardt, MS, PhD
Assistant Professor, Extension Feedlot Specialist, Animal Sciences and Industry, Kansas State University,
Manhattan, KS
Promotores de Crescimento e Estimulantes de Produção
Petra Reinhold, DVM, PhD
FriedrichLoefflerInstitute, Federal Research Institute for Animal Health, Jena, Germany
Pneumonia por Clamídia
Márcio Garcio Ribeiro, DVM, PhD
Associate Professor, Infectious Diseases of Domestic Animals, Department of Veterinary Hygiene and Public
Health, School of Veterinary Medicine and Animal Science, Sao Paulo State UniversityUNESP, Botucatu, SP,
Brazil
Nocardiose
Franklin RietCorrea, MSc, PhD
Professor, Veterinary Hospital, Federal University of Campina Grande, Patos, Paraíba, Brazil
Lechiguana
Carlos A. Risco, DVM, DACT
Professor, Large Animal Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, University of Florida, Gainesville, FL
Doença do Ovário Cístico, Manejo da Reprodução: Bovinos
Narda G. Robinson, DO, DVM, MS,
FAAMA
Director, Center for Comparative and Integrative Pain Medicine, Department of Clinical Sciences, Colorado State
University, Fort Collins, CO
Medicina Veterinária Alternativa e Complementar
Allan Roepstorff, DSc, PhD, MSc
Associate Professor, Department of Disease Biology, Danish Centre for Experimental Parasitology, Faculty of Life
Sciences, University of Copenhagen, Frederiksberg, Denmark
Parasitos Gastrintestinais de Suínos
Barton W. Rohrbach, VMD, MPH, DACVPM
Associate Professor, Department of Comparative Medicine, Veterinary Teaching Hospital, University of
Tennessee, Knoxville, TN
Febre Q, Tularemia
A. Gregorio Rosales, DVM, MS, PhD, DACPV
Vice President of Veterinary Services, Aviagen Inc., Huntsville, AL
Doenças do Sistema Reprodutor (Aves Domésticas)
Robert C. Rosenthal, DVM, PhD,
DACVIM (Small Animal, Oncology), DACVR (Radiation Oncology)
SouthPaws Veterinary Referral Center, Springfield, VA
Tumores Mamários, Neoplasias de Tecido Neuroendócrino
James A. Roth, DVM, PhD, DACVM
Distinguished Professor and Director, Center for Food Security and Public Health, College of Veterinary Medicine,
Iowa State University, Ames, IA
Zoonoses
Stanley I. Rubin, DVM, MS, DACVIM
Staff Internist, Southern Arizona Veterinary Specialty and Emergency Center, Tucson, AZ
Introdução do Sistema Digestório, Doenças do Reto e do Ânus
Pamela L. Ruegg, DVM, MPVM, DABVP (Dairy)
Professor, Department of Dairy Science, College of Agricultural and Life Sciences, University of Wisconsin
Madison, Madison, WI
Doenças da Glândula Mamária
Charles E. Rupprecht, VMD, MS, PhD
Chief, Rabies Program, Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, GA
Raiva
Bonnie R. Rush, DVM, MS, DACVIM
Professor, Equine Internal Medicine, College of Veterinary Medicine, Kansas State University, Manhattan, KS
Doenças Respiratórias de Equinos
Y. M. Saif, DVM, PhD
Professor and Head, Food Animal Health Research Program, Ohio Agricultural Research and Development Center,
Ohio State University, Wooster, OH
Doença Infecciosa da Bursa, Rotavirose em Frangos, Perus e Faisão
Jean E. Sander, DVM, MAM, DACPV
Associate Dean for Academic and Student Affairs, College of Veterinary Medicine, Ohio State University,
Columbus, OH
Candidíase (Aves Domésticas), Descarte de Carcaças e Desinfecção de Equipamentos, Onfalite
Sherry Lynn Sanderson, BS, DVM, PhD, DACVIM, DACVN
Associate Professor, Department of Physiology and Pharmacology, College of Veterinary Medicine, University of
Georgia, Athens, GA
Nutrição: Pequenos Animais, Introdução do Sistema Urinário
Donald C. Sawyer, DVM, PhD
Professor Emeritus, Michigan State University, Okemos, MI
Hipertermia Maligna
Charles M. Scanlan, DVM, PhD
Professor, Department of Veterinary Pathobiology, College of Veterinary Medicine and Biomedical Sciences,
Texas A&M University, College Station, TX
Inspeção de Carne
K. A. Schat, DVM, PHD
Professor, Department of Microbiology and Immunology, College of Veterinary Medicine, Cornell University,
Ithaca, NY
Anemia Viral em Frangos
David G. Schmitz, DVM, MS, DACVIM
Associate Professor, Department of Veterinary Large Animal Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine
and Biomedical Sciences, Texas A&M University, College Station, TX
Intoxicação por Cantaridina (Blister Beetle)
Norman R. Schneider, DVM, MSc,
DABVT
Veterinary Toxicologist, Ceresco, NE
Intoxicação por Cianeto, Gossipol, Nitrato, Nitrito e Nitrogênio Não Proteico
Thomas Schubert, DVM, DACVIM, DABVP
Clinical Professor and Chief of Neurology Service, Small Animal Clinical Sciences, College of Veterinary
Medicine, University of Florida, Gainesville, FL
Paralisia Facial e de Membros, Introdução do Sistema Nervoso
James Schumacher, DVM, MS, DACVS, MRCVS
Professor, Department of Large Animal Clinical Sciences, University of Tennessee, Knoxville, TN
Claudicação em Equinos: Anestesia Regional
John Schumacher, DVM, MS, DACVS, MRCVS
Professor, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine, Auburn University, AL
Claudicação em Equinos: Anestesia Regional
Philip R. Scott, BVM&S, MPhil, DVM&S, DSHP, DECBHM, FHEA, FRCVS
Royal School of Veterinary Studies, University of Edinburgh, Midlothian, UK
Ectima Contagioso (Orf), Listeriose, Dermatose Ulcerativa de Ovinos
Joaquim Segalés, DVM, PhD, DECVP, DECPHM
Facultat de Veterinària, Departament de Sanitat i d’ Anatomia Animals and Centre de Recerca en Sanitat Animals
(CReSA), Universitat Autònoma de Barcelona, Bellaterra, Barcelona, Spain
Doença de Gläcer, Circovirose Suína
Debra C. Sellon, DVM, PhD, DACVIM
Professor, Equine Medicine, Department of Veterinary Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine,
Washington State University, Pullman, WA
Anemia Infecciosa Equina
Susan D. Semrad, VMD, PhD, DACVIM
Associate Professor, Department of Medical Sciences, School of Veterinary Medicine, University of Wisconsin,
Madison, WI
Doença Hepática em Grandes Animais, Síndrome da Má Assimilação em Grandes Animais
Patricia L. Sertich, MS, VMD, DACT
Associate ProfessorClinical Educator, School of Veterinary Medicine, New Bolton Center, University of
Pennsylvania, Kennett Square, PA
Manejo da Reprodução: Equinos
Linda Shell, DVM, DACVIMNeurology
Pilot, VA
Farmacoterapia Sistêmica do Sistema Nervoso
David M. Sherman, DVM, MS, DACVIM
Clinical Associate Professor, Cummings School of Veterinary Medicine, Tufts University, North Grafton, MA
Interação ManejoSanidade: Caprinos, Claudicação em Caprinos
Michael Shipstone, BVSc, FACVSc, DACVD
Queensland Veterinary Specialists, Herston, Australia
Farmacoterapia Sistêmica do Sistema Tegumentar
H. L. Shivaprasad, BVSc, MS, PhD, DACPV
Professor, California Animal Health and Food Safety Laboratory SystemTulare, University of California, Davis,
CA
Enterite Hemorrágica de Perus e Doença do Baço Marmorizado de Faisão
Elizabeth A. Shull, DVM, DACVIM (Neurology), DACVB
Owner, Appalachian Veterinary Specialists, Knoxville, TN
Eutanásia
Wayne Simpson, MSc (Microbiology), Bhort Sc, Dhort
Research Associate, Endophyte Mycology, Forage Improvement Section, AgResearch Limited, Palmerston North,
New Zealand
Intoxicação por Azevém
Geof W. Smith, DVM, MS, PhD, DACVIM
Associate Professor of Ruminant Medicine, Department of Population Health and Pathobiology, College of
Veterinary Medicine, North Carolina State University, Raleigh, NC
Actinobacilose, Actinomicose
Roger K. W. Smith, MA, VetMB, PhD, DEO, DECVS, MRCVS
Professor of Equine Orthopaedics, Department of Veterinary Clinical Sciences, Royal Veterinary College, Hatfield,
Herts, UK
Claudicação em Equinos: Anormalidades do Boleto e da Quartela
Stephen A. Smith, DVM, PhD
Professor of Aquatic, Wildlife and Exotic Animal Medicine, Department of Biomedical Sciences and
Pathobiology, VirginiaMaryland Regional College of Veterinary Medicine, Virginia Tech, Blacksburg, VA
Interação ManejoSanidade: Sistemas de Aquicultura
Janice E. Sojka, VMD, MS, DACVIM
Professor, Department of Veterinary Clinical Sciences, School of Veterinary Medicine, Purdue University, West
Lafayette, IN
Síndrome Metabólica Equina, Glândula Pituitária: Hisurtismo Associado a Adenoma da Parte Intermediária,
Aumento da Glândula Tireoide Não Neoplásico
Anna Rovid Spickler, DVM, PhD
Veterinary Specialist, Center for Food Security and Public Health, College of Veterinary Medicine, Iowa State
University, Ames, IA
Zoonoses
Sharon J. Spier, DVM, PhD, DACVIM
Professor, Department of Medicine and Epidemiology, School of Veterinary Medicine, University of California,
Davis, CA
Tetania Hipocalcêmica em Equinos, Linfadenite e Linfagite: Infecção por Corynebacterium Pseudotuberculosis
Richard A. Squires, BVSc (Hons), PhD, DVR, DACVIM, DECVIMCA, MRCVS
Head of Veterinary Clinical Sciences, School of Veterinary and Biomedical Sciences, James Cook University,
Townsville, Australia
Panleucopenia Felina
Henry R. Stämpfli, DVM, DrMedVet, DACVIM
Professor, Large Animal Medicine, Department of Clinical Studies, Ontario Veterinary College, University of
Guelph, Ontario, Canada
Clostridioses
Bryan L. Stegelmeier, DVM, PhD, DACVP
Veterinary Pathologist, Poisonous Plant Research Laboratory, USDAARS, Logan, UT
Intoxicação por Samambaia, Intoxicação por Trevo Doce
Jörg M. Steiner, DrMedVet, PhD, DACVIM, DECVIMCA
Associate Professor and Director, Gastrointestinal Laboratory, Texas A&M University, College Station, TX
Testes para Doenças Pancreáticas, Pâncreas Exócrinos em Pequenos Animais
Allison A. Stewart, DVM, MS, DACVS
Assistant Professor of Equine Surgery, Department of Veterinary Clinical Medicine, College of Veterinary
Medicine, University of Illinois, Urbana, IL
Introdução do Sistema Musculoesquelético
Allison J. Stewart, BVSC (Hons), MS, DACVIMLA, DACVECC
Associate Professor of Equine Internal Medicine, Department of Clinical Sciences, John Thomas Vaughan Large
Animal Teaching Hospital, College of Veterinary Medicine, Auburn University, Auburn, AL
Anormalidades do Metabolismo do Magnésio, Doenças Intestinais em Equinos e Potros
Michael K. Stoskopf, DVM, PhD, DACZM
Professor of Wildlife and Aquatic Health, Director of the Environmental Medicine Consortium, College of
Veterinary Medicine, North Carolina State University, Raleigh, NC
Mamíferos Marinhos
George M. Strain, PhD
Professor of Neuroscience, Comparative Biomedical Sciences, School of Veterinary Medicine, Louisiana State
University, Baton Rouge, LA
Cegueira
Reinhard K. Straubinger, DrMedVetHabil, PhD
Professor and Head for Bacteriology and Mycology, Institute for Infectious Diseases and Zoonoses, Department of
Veterinary Sciences, Faculty of Veterinary Medicine, LMU Munich, Germany
Borreliose de Lyme
Bert E. Stromberg, PhD
Professor, Veterinary and Biomedical Sciences, College of Veterinary Medicine, University of Minnesota, St. Paul,
MN
Infecção Renal Parasitária de Suínos, Triquinelose
David E. Swayne, DVM, PhD, DACVP, DACPV
Laboratory Director, USDAARS, Southeast Poultry Research Laboratory, Athens, GA
Influenza Aviária, Infecção por Paramyxovirus Aviário
Thomas W. Swerczek, DVM, PhD
Professor, Department of Veterinary Science, University of Kentucky, Lexington, KY
Doença de Tyzzer
Jane E. Sykes, BVSc (Hons), PhD, DACVIM
Professor of Small Animal Medicine, Department of Medicine and Epidemiology, School of Veterinary Medicine,
University of California, Davis, CA
Conjuntivite por Clamídia, Hemoparasitas: Anemia Infecciosa Felina
Joseph Taboada, DVM, DACVIM
Professor and Associate Dean, Office of Student and Academic Affairs, School of Veterinary Medicine, Louisiana
State University, Baton Rouge, LA
Infecções Fúngicas
Jaime Tarigo, DVM, DACVP
Center for Comparative Medicine and Translational Research, College of Veterinary Medicine, North Carolina
State University, Raleigh, NC
Citauxzoonose
Marcel Taverne, PhD
Emeritus Professor of Fœtal and Perinatal Biology, Department of Farm Animal Health, Faculty of Veterinary
Medicine, Utrecht University, Utrecht, The Netherlands
Pseudoprenhez em Cabras
Mike A. Taylor, BVMS, PhD, MRCVS, DEVPC, DECSRHM, CBiol, MSB
Veterinary Consultant, Wildlife and Emerging Disease Programme, Food and Environment Research Agency, Sand
Hutton, York, UK
Quimioterápicos Ectoparasiticidas para Grandes Animais
Stuart M. Taylor, PhD, BVMS, MRCVS, DECVP
VetPar Services, Bangor, UK
Infecção de Ruminantes por Cestódeos, Infecção por Verme Pulmonar
William Taylor,
Consultant, Angmering, Littlehampton, UK
Peste de Pequenos Ruminantes, Peste Bovina
Brett TennentBrown, BVSc, MS, DACVIM, DACVECC
Assistant Professor, Large Animal Medicine, College of Veterinary Medicine, University of Georgia, Athens, GA
Encefalopatia Isquêmica Hipóxica
Charles O. Thoen, DVM, PhD
Professor, Veterinary Microbiology and Preventive Medicine, College of Veterinary Medicine, Iowa State
University, Ames, IA
Tuberculose (Aves Domésticas), Tuberculose e Outras Micobacterioses
William B. Thomas, DVM, MS, DACVIM (Neurology)
Professor, Neurology and Neurosurgery, Department of Small Animal Clinical Sciences, University of Tennessee,
Knoxville, TN
Doenças de Nervo Periférico e Junção Neuromuscular, Doenças da Coluna Vertebral e Medula Espinal
Larry J. Thompson, DVM, PhD, DABVT
Senior Research Scientist, Nestlé Purina PetCare Company, St. Louis, MO
Intoxicação por Sal
Barry H. Thorp, BVMS, PhD, MRCVS
Midlothian, UK
Anormalidades do Sistema Esquelético (Aves Domésticas)
John F. Timoney, MVB, PhD, Dsc,
MRCVS
Keeneland Chair of Infectious Diseases, Gluck Equine Research Center, Department of Veterinary Science,
University of Kentucky, Lexington, KY
Mormo
Peter J. Timoney, MVB, MS, PhD,
FRCVS
Frederick Van Lennep Chair in Equine Veterinary Science, Gluck Equine Research Center, Department of
Veterinary Science, College of Agriculture, University of Kentucky, Lexington, KY
Arterite Viral Equina
Ian Tizard, BVMS, PhD, DACVM
Professor of Immunology and Richard M. Schubot Professor of Exotic Bird Health, Department of Veterinary
Pathobiology, College of Veterinary Medicine and Biomedical Sciences, Texas A&M University, College Station,
TX
Amiloidose, Vacinação de Mamíferos Exóticos, Vacinas e Imunoterapia, Biologia do Sistema Imune, Doenças
Imunológicas
Susan J. Tornquist, DVM, PhD, DACVP
Professor and Associate Dean for Student and Academic Affairs, College of Veterinary Medicine, Oregon State
University, Corvallis, OR
Procedimentos Diagnósticos para Laboratório Particular: Sorologia
Sheila Torres, DVM, PhD, DACVD
Associate Professor, Dermatology, College of Veterinary Medicine, University of Minnesota, St. Paul, MN
Doenças do Pavilhão Auricular
PierreLouis Toutain, DVM, PhD,
DECVPT
Professor, Ecole Nationale Veterinaire de Toulouse, Toulouse, France
Antiinflamatórios
Josie L. TraubDargatz, DVM, MS,
DACVIM
Professor, Population Health, Department of Clinical Sciences, College of Veterinary Medicine and Biomedical
Sciences and the Animal Population Health Institute, Colorado State University, Fort Collins, CO
Estomatite Vesicular
Robert Tremblay, DVM, DVSc, DACVIM
Bovine/Equine Specialist, Boehringer Ingelheim (Canada) Ltd, Burlington, Ontario, Canada
Introdução de Manejo e Nutrição
Deoki N. Tripathy, DVM, MS, PhD, DACVM, DACPV
Professor Emeritus, Department of Veterinary Pathobiology, College of Veterinary Medicine, University of Illinois,
Urbana, IL
Varíola Aviária
Jeffrey W. Tyler, DVM, MPVM, PhD,
Deceased
Concentration Area Director, Veterinary Public Health, Department of Veterinary Medicine and Surgery,
University of Missouri, Columbia, MO
Encefalopatia Espongiforme Bovina, Doença do Definhamento Crônica
Wendy E. Vaala, VMD, DACVIM
Senior Equine Technical Service Veterinarian, Merck Animal Health, Alma, WI
Interação ManejoSanidade: Equinos
Stephanie J. Valberg, DVM, PhD, DACVIM
Professor, Department of Veterinary Population Medicine, College of Veterinary Medicine, University of
Minnesota, St. Paul, MN
Miopatias em Equinos, Miopatias em Ruminantes e Suínos
Arnaud J. Van Wettere, DVM, MS,
DACVP
Department of Population Health and Pathobiology, College of Veterinary Medicine, North Carolina State
University, Raleigh, NC
Clamidiose Aviária, Microrganismos Transmitidos pelo Sangue, Miopatias (Aves Domésticas)
Jozef Vercruysse, DVM, DEVPC
Professor, Faculty of Veterinary Medicine, Ghent University, Merelbeke, Belgium
Antihelmínticos, Esquistossomose
Alice Villalobos, DVM, DPNAP
Director, Animal Oncology Consultation Service; Director, Pawspice, Hermosa Beach, CA
Tumores de Pele e Tecidos Mole
Pedro Villegas, DVM, MS, PhD, DACVM, DACPV
Professor Emeritus, Department of Population Health, College of Veterinary Medicine, University of Georgia,
Athens, GA
Síndrome da Queda de Postura de Ovos, Síndrome Hepatite/Hidropericárdio por Corpúsculo de Inclusão,
Bronquite Infecciosa
Stephan W. Vogel, BVSc (Hons)
Ridge Animal Hospital, Pretoria, South Africa
Cowdriose
Melissa S. Wallace, DVM, DACVIM
Regional Medical Director (MN, WI, IL, MO), VCA Animal Hospitals, Los Angeles, CA
Doenças Infeciosas do Sistema Urinário de Pequenos Animais
Patricia Walters, VMD, DACVIM, DACVECC
New England Animal Medical Center, West Bridgewater, MA
Doenças do Esôfago de Pequenos Animais
Craig B. Webb, PhD, DVM, DACVIM
Associate Professor, Department of Clinical Sciences, Veterinary Teaching Hospital, Colorado State University,
Fort Collins, CO
Vômito
Glade Weiser, DVM, DACVP
Clinical Pathologist, Heska Corporation; Professor, Department of MIP, College of Veterinary Medicine and
Biomedical Sciences, Colorado State University, Fort Collins, CO
Distúrbios Leucocitários
Nick Whelan, BSc, BVSc, MVSc, MACVSc, DACVCP, DACVO
Associate Professor, Department of Clinical Studies, Ontario Veterinary College, University of Guelph, Ontario,
Canada
Farmacoterapia Sistêmica do Olho
Brent R. Whitaker, MS, DVM
Deputy Executive Director of Biological Programs, National Aquarium, Baltimore, MD
Anfíbios
Trevor J. Whitbread, BSc, BVSc, MRCVS, DECVP
Abbey Veterinary Services, Devon, UK
Procedimentos Diagnósticos para Laboratório Particular: Citologia
Patricia D. White, DVM, MS, DACVD
Atlanta Veterinary Skin & Allergy Clinic, Atlanta, GA
Dermatite Atópica, Otite Externa
Stephen D. White, DVM, DACVD
Professor, School of Veterinary Medicine, University of California, Davis, CA
Alergia Alimentar, Complexo Granuloma Eosinofílico, Dermatoses Sistêmicas Diversas, Dermatose Nasal de
Cães, Ferimentos de Cela, Seborreia, Urticária
Chris Whitton, BVSc, FACVSc, PhD
Associate Professor, Equine Centre, University of Melbourne, Victoria, Australia
Claudicação em Equinos: Desenvolvimento de Doença Ortopédica
Mark L. Wickstrom, DVM, MS, PhD
Associate Professor, Department of Veterinary Biomedical Sciences, Western College of Veterinary Medicine,
University of Saskatchewan, Saskatoon, Canada
Antissépticos e Desinfetantes
Bo Wiinberg, DVM, PhD
Assistant Professor, Internal Medicine, Department of Small Animal Clinical Sciences, Faculty of Life Sciences,
University of Copenhagen, Frederiksberg, Denmark
Distúrbios Hemostáticos
Pamela Anne Wilkins, DVM, MS, PhD, DACVIMLA, DACVECC
Professor of Equine Internal Medicine and Emergency/Critical Care, Section Head, Chief of Service Equine
Medicine and Surgery, Department of Veterinary Clinical Medicine, College of Veterinary Medicine, University of
Illinois, Urbana, IL
Medicina Emergencial Equina
Lisa H. Williamson, DVM, MS, DACVIM
Associate Professor of Large Animal Medicine, College of Veterinary Medicine, University of Georgia, Athens,
GA
Linfadenite e Linfangite: Linfadenite Caseosa
Kevin P. Winkler, DVM, DACVS
Surgeon, Georgia Veterinary Specialists, Atlanta, GA
Tratamento de Feridas
Thomas Wittek, PD DrMedVetHabil, DECBHM, MRCVS
Faculty of Veterinary Medicine, Scottish Centre for Production Animal Health and Food Safety, University of
Glasgow, Scotland, UK
Peritonite
Zerai Woldehiwet, DVM, PhD, DAgric, MRCVS
Reader in Infectious Diseases, Department of Veterinary Pathology, University of Liverpool, Wirral, UK
Febre Transmitida por Carrapato, Piemia do Carrapato
Peter R. Woolcock, BSc, MSc, PhD
Professor Clinical Diagnostic Virology, California Animal Health and Food Safety Laboratory System, School of
Veterinary Medicine, University of California, Davis, CA
Hepatite Viral de Pato
TRADUTORES
Adriana Érica Wilkes Burton Meirelles
Médica Veterinária. Aluna do Programa de PósGraduação da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da
Universidade Estadual Paulista (FCAVUNESP) – Campus de Jaboticabal.
Zoonoses
Carla de Freitas Campos
Médica Veterinária da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ).
Olho e Ouvido, Sistema Respiratório
Caroline Peters Pigatto De Nardi
Médica Veterinária. Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) –
Campus de Matão.
Infecções Generalizadas
Clarisse Simões Coelho
Médica Veterinária. Docente da Universidade Vila Velha (UVV).
Manejo e Nutrição, Sistema Reprodutivo
Daniel Guimarães Gerardi
Médico Veterinário. Docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Toxicologia
Daniela Gomes da Silva
Médica Veterinária. Jovem Pesquisadora da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade
Estadual Paulista (FCAVUNESP) – Campus de Jaboticabal.
Infecções Generalizadas
João Guilherme Padilha Filho
Médico Veterinário. Docente Aposentado da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade
Estadual Paulista (FCAVUNESP) – Campus de Jaboticabal.
Sistema Musculoesquelético
José Jurandir Fagliari
Médico Veterinário. Docente da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista
(FCAVUNESP) – Campus de Jaboticabal.
Abreviações, Lista de Colaboradores, Prefácio, Doenças Metabólicas, Guias de Referência, Manejo e Nutrição,
Patologia Clínica e Procedimentos, Sistema Circulatório, Sistema Urinário
Lucia Jamli Abel
Biomédica. Docente da Universidade Paulista (UNIP).
Comportamento, Sistema Imunológico
Marcio Antonio Brunetto
Médico Veterinário. Docente da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo
(FMVZ/USP) – Campus de Pirassununga.
Manejo e Nutrição
Marlos Gonçalves Sousa
Médico Veterinário. Docente da Universidade Federal do Tocantins (UFT) – Campus de Araguaína.
Medicina Emergencial e Cuidados Críticos, Toxicologia
Reinaldo Juan Garrido Palacios Junior
Médico Veterinário. Aluno do Programa de PósGraduação da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da
Universidade Estadual Paulista (FCAVUNESP) – Campus de Jaboticabal.
Sistema Endócrino
Sabrina dos Santos Costa
Médica Veterinária. Docente da União Pioneira de Integração Social (UPIS).
Sistema Digestivo
Tânia de Freitas Raso
Médica Veterinária. Docente da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo
(FMVZ/USP) – Campus de São Paulo.
Animais Exóticos e de Laboratório, Aves Domésticas
Tatiana Champion
Médica Veterinária. Docente da Universidade Vila Velha (UVV).
Sistema Tegumentar
Thais Gomes Rocha
Médica Veterinária. Aluna do Programa de PósGraduação da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da
Universidade Estadual Paulista (FCAVUNESP) – Campus de Jaboticabal.
Farmacologia, Sistema Musculoesquelético, Sistema Nervoso, Sistema Tegumentar
Thiago DeMarchi Munhoz
Médico Veterinário. Aluno do Programa de PósGraduação da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da
Universidade Estadual Paulista (FCAVUNESP) – Campus de Jaboticabal.
Sistema Digestivo
Vivian Lindmayer Ferreira
Médica Veterinária. Aluna do Programa de PósGraduação da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da
Universidade de São Paulo (FMVZ/USP).
Animais Exóticos e de Laboratório, Aves Domésticas
REVISÃO CIENTÍFICA
Prof. Dr. José Jurandir Fagliari
Professor Titular da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (FCAV
UNESP) – Campus de Jaboticabal. Membro da American Society for Veterinary Clinical Pathology e do National
Mastitis Council – USA.
SISTEMA CIRCULATÓRIO
SANGUE E LINFÁTICOS
SISTEMA HEMATOPOÉTICO – INTRODUÇÃO
Hemácias
Leucócitos
Plaquetas
ANEMIA
Anemias Não Regenerativas
Anemia Decorrente de Doença Crônica
Deficiências Nutricionais
Doenças Primárias da Medula Óssea
Doença Renal
Anemias Regenerativas
Anemia Hemolítica
Anemia por Perda de Sangue
ANEMIA INFECCIOSA EQUINA (GEN)
ANORMALIDADES HEMOSTÁTICAS
Diátese Hemorrágica
Anormalidades de Coagulação
Anormalidades de Proteínas de Coagulação
Anormalidades Plaquetárias
Anormalidades Vasculares
Trombose Patológica
ANORMALIDADES LEUCOCITÁRIAS
Fisiologia e Fisiopatologia
Sistema Vascular Sanguíneo
Granulócitos
Linfócitos
Monócitos
Anormalidades do Leucograma
Padrões de Interpretação do Leucograma
ERITROCITOSE E POLICITEMIA
GRUPOS SANGUÍNEOS E TRANSFUSÕES
Tipagem Sanguínea
Reação Cruzada
Transfusão Sanguínea
Substitutos do Sangue: Soluções Carreadoras de Oxigênio que Contêm Hemoglobina
HEMOPARASITOS
Anaplasmose
Babesiose
Outras Espécies de Babesia Importantes em Animais Domésticos
Citauxzoonose
Erliquiose Granulocítica Equina
Hepatozoonose do Velho Mundo e Hepatozoonose Canina Americana
Esquistossomose
Micoplasmas Hemotrópicos
Anemia Infeciosa Felina
Riquetsioses (GEN)
Teileriose
Febre da Costa Oriental
Teileriose Tropical
Outras Teilerioses de Bovinos
Teileriose em Ovinos e Caprinos
Tripanossomíase
Tripanossomíase Transmitida pela Mosca Tsétsé
Surra
Durina
Doença de Chagas
Tripanossomos Não Patogênicos
LEUCOSE BOVINA (GEN)
LINFADENITE E LINFANGITE
Garrotilho (RES)
Infecção de Equinos e Bovinos por Corynebacterium pseudotuberculosis
Linfadenite Caseosa
Linfadenite Estreptocócica de Suínos
Linfangite Epizoótica (GEN)
Melioidose (GEN)
LINFOMA MALIGNO CANINO
VÍRUS DA LEUCEMIA FELINA E DOENÇAS RELACIONADAS (GEN)
CORAÇÃO E VASOS SANGUÍNEOS
SISTEMA CARDIOVASCULAR – INTRODUÇÃO
Anormalidades do Sistema Cardiovascular
Características Comuns da Doença Cardíaca
Insuficiência Cardíaca, Insuficiência Cardíaca Congestiva e Fraqueza Cardíaca
Diagnóstico de Doença Cardiovascular
Princípios Terapêuticos
Medicamentos Comuns
ANOMALIAS CONGÊNITAS E HEREDITÁRIAS DO SISTEMA CARDIOVASCULAR
Anomalias de Ramificações dos Arcos Aórticos
Persistência de Ducto Arterioso
Persistência de Arco Aórtico Direito
Coração Ectópico
Septo
Defeito do Septo Atrial
Defeito do Septo Ventricular
Displasia da Tricúspide
Displasia da Valva Mitral
Estenose Mitral
Hérnia Diafragmática Peritoniopericárdica
Obstrução do Fluxo Sanguíneo
Estenose Aórtica
Estenose Pulmonar
Coarctação da Aorta
Tetralogia de Fallot
Miscelânea de Anormalidades Cardíacas Congênitas
DIROFILARIOSE
DOENÇA DE ALTITUDE ELEVADA EM BOVINOS
DOENÇA E INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
Diagnóstico
Cateterização Cardíaca
Ecocardiografia
Eletrocardiograma
Exame Físico
Histórico Clínico e Resenha
Radiografia
Doenças Específicas
Cardiomiopatias
Doença do Pericárdio
Doença Valvular Degenerativa
Hematomas ou Cistos Sanguíneos Valvulares
Hipertensão Sistêmica e Pulmonar
Miocardite
Outras Causas de Insuficiência do Miocárdio
Endocardite Infecciosa
Insuficiência Cardíaca
Biomarcadores Cardíacos
Insuficiência Cardíaca Sistólica
Insuficiência Diastólica
Manifestações Clínicas
Mecanismos de Compensação
Tratamento
TROMBOSE, EMBOLIA E ANEURISMA
SISTEMA HEMATOPOÉTICO – INTRODUÇÃO
O sangue supre as células com água, eletrólitos, nutrientes e hormônios e remove seus catabólitos. Os elementos celulares do sangue suprem o organismo com oxigênio (hemácias), protegem contra organismos estranhos e antígenos
(leucócitos) e iniciam a coagulação (plaquetas). Em razão da diversidade do sistema hematopoético, as doenças que o envolvem são mais bem discutidas a partir de uma perspectiva funcional. A função do sangue pode ser classificada como
resposta normal a situações anormais (p.ex., leucocitose e desvio à esquerda em resposta à inflamação) ou anormalidades primárias do sistema hematopoético (p. ex., pancitopenia decorrente de depleção de medula óssea). Além disso, as
anormalidades podem ser quantitativas (ou seja, contagem celular muito alta ou muito baixa) ou qualitativas (ou seja, alterações funcionais). (Ver Sistema Imunológico, p. 859).
HEMÁCIAS
A função das hemácias é transportar oxigênio aos tecidos com pressão suficiente para permitir sua rápida difusão. Esse transporte depende de uma molécula transportadora, a hemoglobina (Hb); um veículo (hemácia) capaz de levar a
hemoglobina intacta até a célula e um mecanismo que protege tanto a hemácia quanto a Hb de condições adversas. Qualquer interferência na síntese ou na liberação de Hb, na produção ou na sobrevida das hemácias ou no mecanismo
metabólico induz doenças.
A Hb é uma molécula complexa, formada por quatro radicais heme ligados a quatro globinas (duas aglobinas e duas βglobinas). O ferro é agregado no último estágio, pela ação da enzima ferroquelatase. Anormalidades na produção de
heme ou de globina ocasionam anemia. Dentre as anormalidades, incluemse deficiência de cobre ou de ferro e intoxicação por chumbo. As hemoglobinopatias, como talassemia e anemia falciforme, doenças genéticas importantes do
homem, ainda não foram diagnosticadas em animais. Nessas doenças, a produção de globinas (a ou β, ou ambas) não é proporcional à síntese de heme, de modo que há comprometimento da função da Hb. A única hemoglobinopatia
conhecida nos animais é a porfiria. Embora descrita em várias espécies, é mais importante como causa de fotossensibilização em bovinos (ver p. 1044).
No animal sadio, a massa eritrocitária e, consequentemente, a capacidade de transportar oxigênio permanecem constantes ao longo do tempo. A meiavida das hemácias maduras é limitada; suas taxas de produção e destruição devem ser
muito equilibradas, caso contrário há manifestação de doença.
A eritropoese é controlada pela eritropoetina, cujo teor aumenta na hipoxia, controlando a produção de hemácias. Na maioria das espécies, o rim atua como órgão sensor e como principal local de síntese de eritropoetina, de forma que a
insuficiência renal crônica está associada à ocorrência de anemia. A eritropoetina atua na medula, juntamente com outros mediadores humorais, aumentando a quantidade de célulastronco envolvidas na produção de hemácias, de modo a
reduzir o período de maturação e causar liberação precoce de reticulócitos. Outros fatores que influenciam a eritropoese incluem suprimento de nutrientes (como ferro, folato ou vitamina B12) e interação célulacélula entre precursores
eritroides, células linfoides e outros componentes do microambiente hematopoético. Os fatores que podem suprimir a eritropoese incluem doenças debilitantes crônicas e anormalidades endócrinas (p. ex., hipotireoidismo,
hiperestrogenismo).
Há dois mecanismos de remoção de hemácias senescentes; ambos conservam os principais constituintes da célula para reutilização. Normalmente a remoção das hemácias envelhecidas envolve fagocitose pelos macrófagos do baço. À
medida que a hemácia envelhece, pode ocorrer alteração de suas características antigênicas, adquirindo antígenos senescentes, e perda de sua flexibilidade decorrente do prejuízo na síntese de trifosfato de adenosina (ATP). Ambas as
alterações aumentam a possibilidade de sequestro celular no baço e de remoção por macrófagos. Após fagocitose e subsequente lesão da membrana celular, a Hb é desdobrada nas porções heme e globina. O ferro é liberado da porção heme,
sendo armazenado no macrófago, na forma de ferritina ou hemossiderina, ou liberado na circulação para transporte de volta à medula. O radical heme remanescente dá origem à bilirrubina, que é liberada pelos macrófagos na circulação
sistêmica, onde se liga à albumina para ser transportada aos hepatócitos; no fígado, é conjugada e excretada na bile. Nas anemias hemolíticas extravasculares, a meiavida das hemácias é mais curta; ocorrem os mesmos mecanismos, porém,
em maior intensidade.
Cerca de 1% das hemácias envelhecidas normalmente é hemolisada na circulação, liberando Hb livre. Esta é rapidamente transformada em dímeros de Hb que se ligam à haptoglobina e são transportados ao fígado, onde são
metabolizados da mesma maneira que os produtos oriundos de hemácias removidas por fagocitose. Na anemia hemolítica intravascular, ocorre maior destruição de hemácias na circulação (hemoglobinemia), superando a capacidade de
ligação à haptoglobina. O excesso de Hb e, portanto, de ferro, é excretado na urina (hemoglobinúria).
A principal via metabólica das hemácias é a glicólise, e a principal fonte de energia na maioria das espécies é a glicose. A glicose penetra nas hemácias por um mecanismo independente da insulina, sendo a maior parte metabolizada para
produzir ATP e a forma reduzida do dinucleotídio de nicotinamidaadenina (NADH). A energia oriunda do ATP é utilizada para manter as bombas da membrana da hemácia, a fim de preservar sua forma e flexibilidade. O potencial de
redução do NADH é utilizado na via da metemoglobina redutase para manter o ferro da Hb em sua forma reduzida (Fe2+).
A glicose não utilizada no processo de glicólise é metabolizada em uma via metabólica secundária, a da hexose monofosfato (HMP). Não há produção de energia nessa segunda via metabólica; sua principal função é manter o potencial
de redução na forma reduzida de fosfato de dinucleotídio de nicotinamidaadenina (NADPH). Juntamente com o sistema glutationa redutase/peroxidase, o NADPH mantém os grupos sulfidrilas da globina em seu estado reduzido.
Algumas anormalidades são consequências diretas da alteração do metabolismo eritrocitário e da interferência na glicólise. A deficiência hereditária de piruvato quinase, uma enzimachave na glicólise, causa carência de ATP e
consequente diminuição da meiavida da hemácia, bem como anemia hemolítica. O estresse oxidativo excessivo pode sobrecarregar as vias hexose monofosfato ou metemoglobina redutase, causando anemia hemolítica por corpúsculos de
Heinz ou formação de metemoglobina, respectivamente. A anemia hemolítica provocada por medicamentos, como o paracetamol em gatos, é um exemplo desse mecanismo (ver, p. 9).
Hematopoese normal. Cortesia de Teton NewMedia. BFUE = BFU de eritrócito. CFUBaso = UFC de basófilo; CFUE = UFC de hemácia; CFUEO = UFC de eosinófilo; CFUG = UFC de granulócito; CFUGEM M = UFC de granulócito, hemácia, monócito e megacariócito; CFUGM = UFC de granulócito,
hemácia e monócito; CFUL = UFC de linfócito; CFUM = UFC de monócito; CFUMK = UFC de megacariócito; CFUS = UFC de célula do baço.
A diminuição da massa eritrocitária (anemia) pode ser causada por perda de sangue, hemólise ou diminuição na produção de hemácias. Na anemia por hemorragia aguda, ocorre perda de hemácias, mas a morte geralmente está mais
relacionada com a hipovolemia do que com a perda eritrocitária. O ferro é o fator limitante na hemorragia crônica. A hemólise pode ser causada por toxinas, microrganismos infecciosos, anomalias congênitas ou anticorpos contra antígenos
eritrocitários de membrana. A diminuição na produção de hemácias pode ser decorrência de doenças primárias da medula (p. ex., anemia aplásica, neoplasia hematopoética maligna ou mielofibrose) ou de outras causas, como insuficiência
renal, medicamentos, toxinas ou anticorpos contra precursores eritrocitários. A malignidade que acomete hemácias ou seus precursores pode ser aguda (p. ex., eritroleucemia) ou crônica (p. ex., policitemia vera). Os animais com
eritroleucemia tornamse anêmicos, apesar de terem a medula preenchida com rubriblastos; os animais com policitemia vera apresentam eritrocitose.
LEUCÓCITOS
FAGÓCITOS: A principal função dos fagócitos é defender o organismo contra microrganismos invasores, por meio de fagocitose e destruição, consequentemente, contribuindo para a resposta inflamatória celular. Há dois tipos de fagócitos:
os fagócitos mononucleares e os granulócitos. Os fagócitos mononucleares originamse, principalmente, da medula e são liberados no sangue como monócitos. Podem circular por horas ou até alguns dias antes de alcançarem os tecidos e se
diferenciarem em macrófagos. Os granulócitos apresentam núcleo segmentado e são classificados como neutrófilos, eosinófilos ou basófilos, de acordo com suas características de coloração. Os neutrófilos permanecem na circulação apenas
algumas horas antes de alcançarem os tecidos.
No mecanismo de fagocitose, foram identificados cinco estágios distintos: (1) atração dos fagócitos (quimiotaxia) por microrganismos, complexos antígenoanticorpo e outros mediadores inflamatórios; (2) aderência ao microrganismo;
(3) ingestão; (4) fusão dos lisossomos celulares com os microrganismos fagocitados e morte bacteriana e (5) digestão. Além disso, vários fagócitos têm outras funções especializadas. Os monócitos participam de um sistema imune
específico, preparando o antígeno para apresentação aos linfócitos e sintetizando substâncias semelhantes à interleucina1, que induzem febre e ativação linfocitária, bem como estimulam os precursores hematopoéticos.
Os eosinófilos, embora possam atuar como fagócitos, também têm funções mais específicas que incluem defesa contra metazoários e modulação do processo inflamatório. Eles respondem quimiotaticamente à histamina, aos
imunocomplexos e ao fator quimiotático eosinofílico de anafilaxia, substância liberada durante a degranulação de mastócitos. Os basófilos não são fagócitos verdadeiros, mas contêm alto teor de histamina, bem como de outros mediadores
inflamatórios. Podemse constatar eosinofilia e basofilia em resposta às reações alérgicas sistêmicas e à invasão tecidual por parasitos.
À semelhança do que acontece com as hemácias, a produção e a população de fagócitos circulantes são rigorosamente controladas por vários fatores humorais, inclusive fatores estimulantes de colônia e interleucinas. Diferentemente das
hemácias, que permanecem na circulação sanguínea, os fagócitos utilizam o compartimento vascular como via de acesso aos tecidos. Consequentemente, a quantidade de fagócitos no sangue reflete anormalidades teciduais (p. ex.,
inflamação), bem como a função proliferativa da medula óssea. A intensidade com que os fagócitos refletem essas condições varia em função da espécie. Uma resposta anormal, como neutropenia decorrente de depleção medular, infecções,
medicamentos ou toxinas, provavelmente resulta em infecção bacteriana secundária. Alguns casos de neutropenia “idiopática” em cães podem ter causa imunomediada. Finalmente, os precursores fagocitários podem sofrer transformação
maligna, originando leucemia mielógena aguda ou crônica.
LINFÓCITOS: São responsáveis pelas imunidades humoral e celular. Não se consegue diferenciar morfologicamente os dois tipos de células do sistema imune, mas há diferença em sua dinâmica de produção e circulação. Nos mamíferos, os
linfócitos são produzidos na medula óssea. Alguns dos linfócitos envolvidos na imunidade celular migram para o timo e sofrem diferenciação por influência de hormônios tímicos. Esses linfócitos tornamse os linfócitos T e são
responsáveis por várias funções imunológicas auxiliares ou citotóxicas. A maior parte dos linfócitos circulantes é tipo T, porém muitos deles também estão presentes no baço e nos linfonodos. Os linfócitos B migram diretamente para os
órgãos, sem sofrer modificação no timo, e são responsáveis pela imunidade humoral (produção de anticorpos).
Portanto, os órgãos linfoides apresentam populações de linfócitos B e T. Nos linfonodos, os centros foliculares apresentam, principalmente, linfócitos B, ao passo que as zonas parafoliculares contêm, especialmente, linfócitos T. No baço,
a maior parte dos linfócitos da polpa vermelha é tipo B, ao passo que aqueles das bainhas linfoides periarteriolares são linfócitos T. Para a função imune efetiva, é fundamental uma estreita relação entre linfócitos T e B nos órgãos linfoides.
A função linfocitária no sistema imune celular envolve tanto componentes aferentes (receptores) quanto eferentes (efetores). Os linfócitos T, de vida longa no sangue periférico, são os receptores. Em resposta aos antígenos aos quais
foram previamente sensibilizados, eles saem da circulação e sofrem transformação blástica para originar linfócitos T ativados que, por sua vez, fazem que outros linfócitos T sofram transformação blástica, tanto local quanto sistemicamente.
Os linfócitos T estimulados produzem linfocinas que desempenham várias funções, como atração e ativação de neutrófilos, macrófagos e linfócitos.
O sistema imune humoral é representado por linfócitos B, que produzem várias classes de anticorpos. Quando os linfócitos B sensibilizados se encontram com o antígeno, eles se diferenciam em plasmócitos, que produzem anticorpos.
Por conseguinte, todo linfócito B inicialmente estimulado produz um clone de plasmócitos, os quais sintetizam um anticorpo específico.
As moléculas de anticorpos (imunoglobulinas [Ig]) são agrupadas em várias classes, com características funcionais próprias. Por exemplo, a IgA é o principal anticorpo das secreções respiratória e intestinal; a IgM é o anticorpo
inicialmente sintetizado em resposta a um antígeno recémreconhecido; a IgG é o principal anticorpo do sangue circulante e a IgE, o principal anticorpo envolvido nas reações alérgicas.
Os anticorpos desempenham sua função por se ligarem aos antígenos específicos que estimularam sua produção. Os complexos antígenoanticorpo podem ser quimiotáticos para fagócitos ou podem ativar o complemento, um mecanismo
que induz tanto lise celular quanto liberação de substâncias quimiotáticas para neutrófilos e macrófagos. Dessa maneira, o sistema imune humoral relacionase e interage com o sistema imune inespecífico.
O sistema imune humoral também está relacionado com o sistema imune inespecífico e com o sistema imune celular por meio de outros mecanismos. Os linfócitos T são denominados “auxiliares” (CD4) e “citotóxicos” (CD8). Os
linfócitos T auxiliares reconhecem o antígeno processado e ativam a resposta imune humoral. Os linfócitos T citotóxicos, após sensibilização pelo antígeno, tornamse células efetoras, especialmente importantes na atividade antiviral. Os
linfócitos matadores naturais, que representam uma classe de linfócitos distinta dos linfócitos T e B, destroem células estranhas (p. ex., células neoplásicas), mesmo sem sensibilização prévia. O processamento de antígenos pelos
macrófagos precede o reconhecimento de um antígeno pelos linfócitos. Esses processos complexos estão envolvidos na vigilância rotineira contra células neoplásicas e no reconhecimento do “próprio” organismo.
Em caso de doença, a resposta linfocitária pode ser apropriada (ativação do sistema imune) ou inapropriada (doença imunomediada e neoplasia maligna linfoproliferativa). (Ver Sistema Imunológico, p. 859) A doença imunomediada
resulta da falha do sistema imune em reconhecer os tecidos do hospedeiro como próprios. Por exemplo, na anemia hemolítica imunomediada são produzidos anticorpos contra as hemácias do próprio hospedeiro. A alergia é outra resposta
inapropriada do sistema imune. Nos indivíduos alérgicos, os anticorpos IgE, contra alergênios, ligamse à superfície de basófilos e mastócitos. Quando ocorre exposição ao alergênio, formamse complexos antígenoanticorpo e a
degranulação de mastócitos e basófilos induz a liberação de aminas vasoativas. A reação a essas aminas pode ser discreta (como na urticária ou na atopia) ou grave, com risco à vida (como na anafilaxia).
Em algumas espécies, particularmente em gatos, ocorre linfocitose como resposta à secreção de epinefrina. Notamse linfócitos atípicos no sangue em resposta à estimulação antigênica (p. ex., vacinação). A linfocitose persistente em
bovinos infectados por vírus da leucemia bovina representa o aumento policlonal benigno da população de linfócitos. Doenças linfoproliferativas malignas incluem linfomas, leucemia linfocítica crônica e leucemia linfoblástica aguda. Pode
ocorrer linfopenia, principalmente em resposta à secreção de glicocorticoide.
PLAQUETAS
Sempre que há hemorragia, as plaquetas formam o tampão hemostático inicial. Também representam a fonte de fosfolipídios necessários para a interação dos fatores de coagulação, a fim de formar o coágulo de fibrina. As plaquetas são
produzidas na medula óssea, a partir dos megacariócitos, sob a influência da trombopoetina. A produção de plaquetas iniciase com a invaginação da membrana celular do megacariócito e a formação de ilhas e canais citoplasmáticos. As
ilhas citoplasmáticas produzem plaquetas a partir da fragmentação do megacariócito.
As plaquetas circulantes maduras apresentam grânulos densos que contêm ATP, difosfato de adenosina (ADP) e cálcio, bem como serotonina, lisossomos, glicogênio, mitocôndria e um sistema canalicular intracelular. A mitocôndria e o
glicogênio estão envolvidos na produção de energia, e o sistema canalicular atua como meio de transporte para os componentes granulares e como fonte de fosfolipídios, por sua alta concentração na membrana do revestimento canalicular.
Quando há lesão das paredes do vaso, ocorre exposição de colágeno e de fator tecidual; as plaquetas circulantes aderemse ao local da lesão por meio do fator de von Willebrand e sua forma se altera, liberando ADP. A agregação
plaquetária local é estimulada pelo ADP, formandose o tampão plaquetário primário. O acúmulo local de fibrina e plaquetas é denominado tampão hemostático. O coágulo de fibrina que se forma é consolidado pela ação de
proteínas plaquetárias contráteis.
As anormalidades plaquetárias são quantitativas (trombocitopenia ou trombocitose) ou qualitativas (trombocitopatia). A trombocitopenia é um dos distúrbios hemorrágicos mais comuns em animais. Em geral, há risco de hemorragia
quando o número de plaquetas diminui para menos de 30.000/ μL. Consumo, destruição ou sequestro de plaquetas causam trombocitopenia, juntamente com aumento de sua produção na medula óssea. A trombocitopenia por consumo
excessivo está relacionada com hemorragia grave ou coagulação intravascular disseminada (CID), subsequente a várias doenças. Na trombocitopenia imunomediada, condição na qual as plaquetas são recobertas por anticorpos
antiplaquetários e removidas da circulação pelo sistema fagocitário, ocorre destruição plaquetária. Pode ocorrer sequestro excessivo de plaquetas pelo aumento de volume do baço (esplenomegalia) em decorrência de enfermidades, como as
doenças mieloproliferativas.
A diminuição da produção de plaquetas na medula óssea pode ser causada por medicamentos, toxinas ou anormalidades medulares primárias, como aplasia, fibrose ou doença hematopoética maligna. Com frequência, nas doenças
medulares primárias ocorre diminuição de mais de uma linhagem celular hematopoética, resultando em pancitopenia.
Trombocitose é um achado raro, quase sempre de origem idiopática. Pode estar associada a doença medular primária, como leucemia megacariocítica. Com frequência, a trombocitose está relacionada com deficiência de ferro e
hemorragia crônica, em razão da maior produção de plaquetas na medula em resposta ao consumo e à perda contínuos.
As trombocitopatias compreendem um grupo de doenças pouco definidas, nas quais o número de plaquetas permanece normal, mas sua função encontrase prejudicada. A doença de von Willebrand caracterizase, principalmente, por
distúrbio na aderência de plaquetas ao endotélio. As plaquetas são normais. Há relato de outros distúrbios hereditários da função plaquetária, mas de ocorrência relativamente rara. Provavelmente, a disfunção plaquetária mais comum é a
inibição irreversível do tromboxano (necessário para a agregação plaquetária), causada pela administração de ácido acetilsalicílico.
ANEMIA
É definida como a diminuição absoluta da população de hemácias, detectada por meio de contagem eritrocitária e da determinação da concentração de hemoglobina e do volume globular (VG) ou hematócrito. Podese instalar em razão de
perda, destruição ou falha na produção de hemácias. As anemias podem ser classificadas como regenerativas ou não regenerativas. Na anemia regenerativa, a medula óssea responde apropriadamente à diminuição da massa eritrocitária,
aumentando a produção de hemácias e liberando reticulócitos. Na anemia não regenerativa, a medula óssea responde inadequadamente à maior necessidade de hemácias. Em geral, a anemia decorrente de hemorragia ou hemólise é do tipo
regenerativo. Anemia causada por diminuição do teor de eritropoetina ou por anormalidade na medula óssea é do tipo não regenerativo.
ACHADOS CLÍNICOS: Em animais, os sintomas de anemia dependem da gravidade, da duração (aguda ou crônica) e da causa primária do distúrbio. A anemia aguda pode resultar em choque, com risco à vida, caso ocorra perda súbita
superior a 1/3 do volume de sangue, sem reposição. Na hemorragia aguda, geralmente o animal apresenta taquicardia, palidez de membranas mucosas, pulso fraco ou irregular e hipotensão. A causa da perda de sangue pode ser óbvia, por
exemplo, traumatismo. Caso não haja evidência de hemorragia externa, devese considerar a possibilidade de hemorragia oculta ou interna, por exemplo, ruptura de tumor esplênico, outras neoplasias, coagulopatia, úlcera gastrintestinal ou
parasitose. Quando há hemólise, o paciente pode manifestar icterícia. Animais com anemia crônica podem ter tempo suficiente para adaptação ao distúrbio, sendo o quadro clínico deles, em geral, mais indolente, com discretos sinais de
letargia, fraqueza e anorexia. Esses pacientes apresentam achados semelhantes ao exame físico, como palidez de membranas mucosas, taquicardia e, possivelmente, esplenomegalia e sopro cardíaco, ou ambos.
DIAGNÓSTICO: Anamnese minuciosa é uma parte importante da avaliação de um animal anêmico. Podemse questionar a duração dos sintomas, o histórico de exposição a toxinas (p. ex., rodenticidas, metais pesados, plantas tóxicas), o uso
de medicamentos e vacinas, bem como obter informação sobre viagem e qualquer doença anterior.
O hemograma, inclusive com contagem de plaquetas e de reticulócitos, fornece informação sobre a gravidade da anemia e o grau de resposta da medula óssea; ademais, possibilita a avaliação de outras linhagens celulares. Devese
examinar o esfregaço sanguíneo, verificandose alterações na morfologia ou no tamanho das hemácias, além da presença de hemoparasitos. Os índices hematimétricos (mensuração do tamanho das hemácias e da concentração de
hemoglobina) são calculados por aparelhos automáticos calibrados para a espécie em questão. O tamanho da hemácia é expresso pelo volume corpuscular médio (VCM), em fentolitros, e geralmente reflete o grau de regeneração.
Macrocitose (aumento do VCM) geralmente está associada a anemia regenerativa. Macrocitose pode ser um distúrbio hereditário em cães da raça Poodle, sem anemia, e pode ser notada em gatos anêmicos infectados por vírus da leucemia
felina (FeLV). Microcitose indica anemia por deficiência de ferro. A concentração de hemoglobina da hemácia, expressa em g/dL, é definida pela concentração de hemoglobina corpuscular média. Anormalidades morfológicas de hemácias,
como pontilhado basofílico, podem indicar intoxicação por chumbo. A presença de corpúsculos de Heinz indica lesão oxidativa da hemácia, secundária à exposição a toxinas (ver Tabela 1). Os gatos são mais suscetíveis à formação de
corpúsculos de Heinz do que outras espécies; mesmo os gatos sem anemia podem ter pequena quantidade desses corpúsculos.
Em geral, a contagem de reticulócitos é expressa como porcentagem da população de hemácias. Esse valor deve ser corrigido em função do grau de anemia, a fim de se avaliar o grau de regeneração. Contagem absoluta de ret iculócitos
(hemácias/μL × % de reticulócitos) inferior a 50.000/μL ou 60.000/μL, em gatos e cães, respectivamente, indica anemia regenerativa. Para corrigir o percentual de reticulócitos, podese aplicar a fórmula mostrada à frente. Em cães e gatos,
uma porcentagem de reticulócitos corrigida > 1% indica regeneração. Em geral, após crise hemolítica ou hemorragia aguda, a reticulocitose demora 3 a 4 dias para se tornar evidente.
O perfil bioquímico sérico e a urinálise permitem avaliar as funções orgânicas. Na suspeita de hemorragia gastrintestinal, pode ser útil o exame de fezes, com intuito de pesquisar sangue oculto e presença de parasitos. Radiografias podem
auxiliar na detecção de doenças ocultas, como a presença de uma moeda (intoxicação por zinco) no estômago de um filhote de cão com anemia hemolítica. Hematoma ou sangramento pode ser sinal de coagulopatia e indica a necessidade
de avaliar os parâmetros de coagulação. Na suspeita de doença hemolítica, podese avaliar autoaglutinação do sangue e indicar o teste de Coombs direto. Podese realizar o teste de autoaglutinação mediante a deposição de uma gota de
solução salina em uma lâmina, juntamente com uma gota de sangue fresco do paciente; para misturar as gotas, a lâmina deve ser movimentada cuidadosamente; em seguida, fazemse avaliações macro e microscópicas, investigandose
macro e microaglutinações. Sorologia para microrganismos infecciosos, como vírus da leucemia felina, Ehrlichia, vírus da anemia infecciosa equina e Babesia, também pode ser útil para definir a causa da anemia (ver Tabela 2).
Tabela 1 – Causas tóxicas de anemia
Indicase exame da medula óssea a partir de amostras obtidas por aspiração e/ou biopsia, em qualquer animal com anemia não regenerativa inexplicável. Caso o hemograma revele diminuição em mais de uma linhagem celular,
possivelmente há hipoplasia de medula, sendo indicada biopsia juntamente com o aspirado. Biopsias e aspirado completam–se: as biopsias são melhores para avaliar a arquitetura e o grau de celularidade da medula óssea, ao passo que o
aspirado permite melhor avaliação da morfologia celular. O aspirado também possibilita a avaliação da maturação das linhagens de hemácias e leucócitos, da proporção de precursores de hemácias e leucócitos (proporção M:E) e da
quantidade de precursores de plaquetas. Ademais, podese avaliar a reserva de ferro utilizandose o corante azul da Prússia. Proporção M:E < 1 indica que a produção de hemácias é superior à de leucócitos; no caso de proporção M:E > 1,
ocorre o oposto. A proporção M:E sempre deve ser interpretada juntamente com os resultados de um hemograma recente, pois as alterações nessa proporção também podem ser decorrentes da supressão de uma linhagem celular,
comparativamente a outra.
Tabela 2 – Causas infecciosas de anemia
Bactéria
Vírus
Riquétsia
Protozoários
b Espécies patogênicas de Theileria ocorrem na África, no Mediterrâneo, no Oriente Médio, na Ásia e na Europa. As espécies observadas na América do Norte não são patogênicas.
ANEMIAS NÃO REGENERATIVAS
ANEMIA DECORRENTE DE DOENÇA CRÔNICA
A anemia associada a doença crônica pode ser caracterizada como anemia normocítica normocrômica não regenerativa, discreta a moderada. É a forma mais comum de anemia em animais. A anemia pode ser secundária a infecção ou
inflamação crônica, neoplasia, hepatopatia, hiper ou hipoadrenocorticismo e hipotireoidismo. A anemia é mediada pelas citocinas produzidas por células inflamatórias, as quais reduzem a disponibilidade de ferro, o tempo de sobrevida das
hemácias e a capacidade de regeneração da medula. O tratamento da doença primária resulta na cura da anemia. A anemia pode ser minimizada com o tratamento com eritropoetina humana recombinante, mas o risco de formação de
anticorpos contra eritropoetina endógena provavelmente é maior do que qualquer possível benefício.
DEFICIÊNCIAS NUTRICIONAIS
As anemias causadas por deficiência nutricional instalamse quando não há quantidade adequada de micronutrientes para produção de hemácias. A anemia desenvolvese gradativamente e, no início, pode ser regenerativa; posteriormente,
tornase não regenerativa. A inanição causa anemia pela combinação de deficiências de vitaminas e minerais, bem como balanços proteico e energético negativos. As causas mais prováveis de anemia nutricional incluem deficiências de
ferro, cobre, cobalamina (vitamina B12), vitamina B6, riboflavina, niacina, vitamina E e vitamina C (importante apenas em primatas e porquinhosdaíndia).
A carência de ferro em cães e leitões é a deficiência mais comum; é menos frequente em equinos, gatos e ruminantes. A deficiência de ferro raramente é de origem nutricional – mais comumente, é secundária à perda de sangue (ver p.
16). Animais jovens têm reservas mínimas de ferro; ademais, o leite contém baixo teor de ferro. Isso pode ser especialmente importante para leitões em fase de rápido crescimento, criados em ambientes que não permitem acesso à fonte de
ferro. A suplementação oral desse mineral é indicada como tratamento desse estado carencial; qualquer perda de sangue deve ser controlada.
A deficiência de cobre pode se desenvolver em ruminantes alimentados com forragem cultivada em solo com carência desse mineral. O cobre é necessário para o metabolismo do ferro. Em bovinos, a deficiência de cobre pode ser
secundária à dieta com alto teor de molibdênio ou de sulfatos; também pode acometer suínos alimentados com dieta à base de soro lácteo. Baixas concentrações de cobre no sangue e baixo teor do mineral em amostras de fígado obtidas por
biopsia (mais confiável) são indicadores diagnósticos. O tratamento consiste na suplementação oral ou injetável de cobre.
Deficiências de vitamina B são raras. Alguns medicamentos (anticonvulsivantes, medicamentos que interferem no metabolismo de folato) são incriminados como causa de deficiência de folato ou de cobalamina, ocasionando anemia
normocítica normocrômica não regenerativa. Há relato de má absorção de cobalamina em cães da raça Giant Schnauzer (seus enterócitos não são capazes de absorver essa vitamina). Esses cães respondem à suplementação parenteral com
cobalamina. Os ruminantes também desenvolvem deficiência secundária de cobalamina quando mantidos em pastagens carentes de cobalto. Indicase o tratamento oral com cobalto ou terapia parenteral com cobalamina.
DOENÇAS PRIMÁRIAS DA MEDULA ÓSSEA
Doença primária ou insuficiência da medula óssea de qualquer natureza pode ocasionar anemia não regenerativa e pancitopenia. No caso de envolvimento difuso da medula, os granulócitos são primeiramente acometidos, seguidos das
plaquetas e, finalmente, das hemácias.
Há relato de anemia aplásica em cães, gatos, ruminantes, equinos e suínos com pancitopenia e medula hipoplásica substituída por tecido gorduroso. Na maioria dos casos, a doença é idiopática; porém, dentre as causas conhecidas,
incluemse infecções (FeLV, Ehrlichia), medicamentos, ingestão de toxinas e radiação corporal total (ver Tabelas 1 e 2). O tratamento consiste em eliminar a causa primária e propiciar medidas de suporte, como antibióticos de amplo
espectro (20 mg de amoxicilina/ácido clavulânico/kg, 2 vezes/dia) e transfusão de sangue. Podemse utilizar eritropoetina humana recombinante e fator estimulante de colônia de granulócitos (5 μg/kg, VO, 1 vez/dia) até que a medula se
recupere. Quando a doença é idiopática ou é improvável a recuperação da medula (p. ex., intoxicação de cães por fenilbutazona), o transplante de medula óssea é benéfico, caso haja disponibilidade de um doador apropriado.
Na aplasia específica de hemácia (AEH), apenas a linhagem eritroide é acometida. O distúrbio caracterizase por anemia não regenerativa com depleção grave dos precursores de hemácias na medula óssea. Há relato em cães e gatos;
pode ser primária ou secundária. Em geral, os casos primários são imunomediados e frequentemente respondem à terapia imunossupressora. Os gatos positivos à leucemia felina podem apresentar esse tipo de aplasia. Há relato de AEH
causada pelo uso de eritropoetina humana recombinante, em cães e equinos. Em alguns animais, a interrupção do tratamento pode, eventualmente, propiciar recuperação das hemácias.
A ocorrência de leucemias primárias é incomum ou rara nas espécies domésticas, porém há relato em cães, gatos, bovinos, caprinos, ovinos, suínos e equinos. Retrovírus é a causa em alguns bovinos, gatos, primatas e aves. As
leucemias podem acometer as linhagens de células mieloides e linfoides; adicionalmente são classificadas como agudas ou crônicas. A maior parte dos animais acometidos apresenta anemia não regenerativa, neutropenia e trombocitopenia,
geralmente com presença de bastonetes na circulação sanguínea. Leucemias agudas, caracterizadas por infiltração da medula com bastonetes, geralmente não respondem bem à quimioterapia. Em animais que respondem ao tratamento, o
tempo de remissão geralmente é curto. Na leucemia linfoblástica aguda (LLA), em cães, a taxa de resposta à quimioterapia é cerca de 30%, com sobrevida média de 4 meses. Leucemias mielobásticas agudas são menos comuns e menos
responsivas ao tratamento, em comparação com a LLA. Com frequência, nas leucemias agudas é difícil identificar morfologicamente a linhagem celular, de modo que pode ser necessário o uso de corantes citoquímicos ou de testes
imunológicos com marcadores de superfície celular para a definição do diagnóstico. Leucemias crônicas, caracterizadas pela produção excessiva de uma linhagem de célula hematopoética, são causas menos prováveis de anemia e
respondem melhor ao tratamento.
Mielodisplasia (síndrome mielodisplásica [SMD]) é considerada uma síndrome préleucêmica caracterizada por hematopoese inefetiva, resultando em anemia não regenerativa ou outras citopenias. Há relato de SMD em cães, gatos e
pessoas. A doença pode ser primária ou secundária e comumente é constatada em gatos com leucemia felina. As síndromes primárias provavelmente se originam de mutações em célulastronco. As síndromes secundárias são causadas por
outras neoplasias ou pelo uso de medicamentos. Alguns gatos e cães respondem ao tratamento com eritropoetina humana recombinante e prednisona. Terapia de suporte, com transfusão de sangue, pode ser útil. A sobrevida é variável
porque a SMD pode evoluir para leucemia; vários animais são submetidos à eutanásia ou morrem de sepse, hemorragia ou anemia.
A mielofibrose causa deficiência de medula óssea em razão da substituição de componentes normais da medula por tecido fibroso. Foi diagnosticada em cães, gatos, pessoas e caprinos. Pode ser um distúrbio primário ou secundário a
neoplasia maligna, anemia hemolítica imunomediada, radiação de todo o corpo e anemias congênitas (p. ex., deficiência de PK). O diagnóstico pode ser definido por meio de biopsia de medula óssea. O tratamento varia de acordo com a
causa primária, porém costuma consistir em terapia imunossupressora.
DOENÇA RENAL
Doença renal crônica é causa comum de anemia não regenerativa em animais. Normalmente a eritropoetina é produzida pelas células do endotélio peritubular do córtex renal. Animais com doença renal sintetizam menor quantidade de
eritropoetina, instalandose anemia. Como tratamento, temse utilizado eritropoetina humana recombinante (44 a 132 U/kg, 3 vezes/semana, iniciando, na maior parte dos animais, com 88 U/kg). O VG é monitorado semanalmente até que
se obtenha a melhora desejada (o que varia em função da gravidade da anemia); em seguida, reduzse a dose. Os animais que recebem eritropoetina humana recombinante necessitam de ferro suplementar para manter a produção de
hemácias. (Ver, p. 2560)
ANEMIAS REGENERATIVAS
ANEMIA HEMOLÍTICA
Tipicamente, as anemias hemolíticas são regenerativas e decorrentes da lise de hemácias nos compartimentos intra e extravascular. A hemólise intravascular resulta em hemoglobinemia e hemoglobinúria, ocorrências não verificadas na
hemólise extravascular. Ambos os tipos de hemólise podem ocasionar icterícia. Em cães, a causa mais comum de anemia hemolítica é doença imunomediada (60 a 75%), embora toxinas, dano eritrocitário, infecções e defeitos na membrana
de hemácias também possam causar hemólise.
ANEMIA HEMOLÍTICA IMUNOMEDIADA: A anemia hemolítica imunomediada (AHIM, ver p. 42) pode ser primária ou secundária a neoplasia, infecção, uso de medicamento ou vacinação. Na AHIM, o organismo não reconhece suas próprias
hemácias e desenvolve anticorpos contra as hemácias circulantes, que são destruídas por macrófagos e pelo sistema complemento. Em alguns casos, os anticorpos são direcionados contra precursores de hemácias na medula, resultando em
aplasia eritrocitária específica e anemia não regenerativa. Animais com AHIM geralmente apresentam icterícia; às vezes têm febre e podem desenvolver esplenomegalia. Como características hematológicas da AHIM, notamse
esferocitose, autoaglutinação e teste de Coombs positivo.
Um método mais recente para avaliação da presença de anticorpos antihemácias de cães é a citometria de fluxo. Essa técnica permite a detecção e a quantificação de IgG e IgM ligadas à superfície das hemácias. Constatouse que a
especificidade da citometria de fluxo no diagnóstico de cães com anticorpos antihemácias varia de 88 a 100%. Um artigo sugere o emprego de citometria de fluxo na avaliação da resposta dos cães ao tratamento, porque ocorre diminuição
do teor de anticorpos antihemácia antes de se constatar reticulocitose ou aumento da contagem de hemácias.
Os animais com AHIM podem manifestar sintomas discretos ou crise aguda. É importante instituir o tratamento com base nos sinais clínicos apresentados pelo animal. Toda infecção primária deve ser tratada de acordo com a gravidade
dos sintomas. Caso não haja disponibilidade de sangue compatível, podemse administrar soluções de hemoglobina bovina (Oxyglobin®). O objetivo da terapia é interromper a hemólise mediante a administração de medicamento
imunossupressor. Considerase tratamento de primeira escolha a administração de 2 mg de prednisona ou de prednisolona/kg, juntamente com 2 mg de azatioprina/kg/dia (o uso de azatioprina é contraindicado aos gatos). Estudo recente
relatou que baixa dose de ácido acetilsalicílico, 0,5 mg/kg, 1 vez/dia, aumentou a sobrevida de cães tratados com azatioprina e prednisona.
Na crise hemolítica aguda, a administração de ciclosporina (10 mg/kg, inicialmente 1 vez/dia) ou de imunoglobulina humana IV, na dose única de 0,5 a 1,5 g/kg, também pode ser benéfica. Para a administração intravenosa de
imunoglobulina humana, o medicamento deve ser diluído em solução salina estéril e administrado lentamente ao longo de 6 h. Durante a infusão, o cão deve ser monitorado quanto à ocorrência de reações alérgicas. A imunoglobulina
humana IV é utilizada apenas uma vez, por causa do risco de reações alérgicas quando se utilizam múltiplas aplicações. O composto é altamente osmótico e deve ser utilizado com cautela em cães com doença cardíaca. Atualmente não é
considerado o tratamento de primeira escolha para AHIM. Ainda não há relato de acompanhamento a longo prazo.
Em cães com AHIM, há risco de tromboembolia pulmonar. A causa primária é desconhecida, mas o risco pode ser minimizado com tratamento de suporte à base de fluidoterapia e transfusão de sangue. Os fluidos são importantes para
manter a perfusão renal e proteger os rins da alta concentração de bilirrubina circulante. Na suspeita de tromboembolia ou de seu risco iminente, podese utilizar heparina (100 a 200 UI/kg SC, 4 vezes/dia). No caso de aumento dos tempos
de protrombina (TP) e de tromboplastina parcial ativada (TTPA) ou de sinais de coagulação intravascular disseminada (CID), devem ser administrados 10 mL de plasma congelado fresco/kg 2 vezes/dia, até que os sinais clínicos ou os
parâmetros de coagulação melhorem.
As taxas de mortalidade da AHIM variam de 20 a 75%, dependendo da gravidade dos sintomas iniciais. Os indicadores de prognóstico negativo incluem diminuição brusca do VG, aumento da concentração de bilirrubina, leucocitose
moderada a marcante (28.000 a > 40.000 leucócitos/μL), elevação do BUN, petéquias, hemólise intravascular, autoaglutinação e complicações tromboembólicas. Relatase que a leucocitose moderada a intensa está associada a necrose
tecidual, provavelmente secundária a hipoxia tecidual ou doença tromboembólica. O encaminhamento do animal a um hospital de referência, para tratamento de suporte, pode aumentar a sobrevida.
HEMÓLISE ALOIMUNE: Isoeritrólise neonatal (IN) é uma doença hemolítica imunomediada que acomete equinos, mulas, bovinos, suínos, gatos e, raramente, cães recémnascidos. É causada pela ingestão de colostro materno que contém
anticorpos contra um dos antígenos do grupo sanguíneo do neonato. Formam–se anticorpos maternos contra antígenos de grupos sanguíneos estranhos específicos durante gestações anteriores, transfusões incompatíveis e vacinação de
bovinos contra Babesia e Anaplasma. No caso específico de gatos, os animais com sangue tipo B apresentam naturalmente anticorpos antiA, sem exposição prévia, e seus filhotes com sangue tipo A desenvolvem hemólise após a ingestão
do colostro. Em geral, os antígenos envolvidos em equinos são os tipos A, C e Q; IN é mais comumente constatada em equinos purosangue e em mulas. Recémnascidos com IN são normais ao nascimento, porém desenvolvem anemia
hemolítica grave dentro de 2 a 3 dias e tornamse fracos e ictéricos. O diagnóstico é confirmado pelo exame de soro, plasma ou colostro maternos perante as hemácias do pai ou do neonato. O tratamento consiste na interrupção do
fornecimento de colostro e no tratamento de suporte por meio de transfusão sanguínea. Caso necessário, os neonatos podem receber transfusão com hemácias maternas submetidas a tripla lavagem. A doença pode ser evitada impedindose a
ingestão de colostro materno e fornecendose colostro de uma mãe livre de anticorpos. As hemácias do recémnascido podem ser misturadas com o soro materno para verificar a ocorrência de aglutinação, antes que se permita ao recém
nascido ingerir o colostro materno.
HEMÓLISE MICROANGIOPÁTICA: É decorrente do dano de hemácias secundário ao fluxo turbulento em vasos sanguíneos anormais. Em cães, pode ser consequência de dirofilariose grave, tumores vasculares (hemangiossarcoma), torções
esplênicas e CID. Em outras espécies, relatamse como causas síndrome urêmica hemolítica em bezerros, anemia infecciosa equina, peste suína africana e peste suína clássica crônica. Nos esfregaços sanguíneos desses pacientes, é comum
notar esquistócitos. O tratamento envolve o controle da doença primária.
CAUSAS METABÓLICAS DE HEMÓLISE: Hipofosfatemia (p. 1066) ocasiona hemólise e hemoglobinúria pósparto em vacas, ovelhas e cabras. Pode ser constatada 2 a 6 semanas após a parição. Hipofosfatemia com hemólise secundária é
constatada em cães e gatos com diabetes melito, lipidose hepática e síndrome da realimentação. Indicase administração de fósforo VO ou IV, dependendo do grau de hipofosfatemia. Bovinos que ingerem quantidade exagerada de água
(intoxicação por água) apresentam risco de hemólise por conta da hipotonicidade do plasma. Tal ocorrência é constatada em bezerros com 2 a 10 meses de idade e causa angústia respiratória e hemoglobinúria. Os sinais clínicos podem
evoluir para convulsões e coma. Suspeitase de intoxicação por água quando o bezerro apresenta anemia hemolítica, hiponatremia, hipocloremia, diminuição da osmolalidade sérica e baixa densidade específica da urina. O tratamento
consiste na administração de fluido hipertônico (solução salina a 2,5%) e diurético (p. ex., manitol).
TOXINAS: Toxinas e medicamentos podem causar anemia por vários mecanismos. Os tipos de anemia mais comuns em animais e seus mecanismos fisiopatogênicos são mostrados na Tabela 1.
INFECÇÕES: Vários microrganismos infecciosos – bactérias, vírus, riquétsias e protozoários – podem provocar anemia por lesão direta às hemácias, ocasionando hemólise, ou por efeitos diretos em seus precursores na medula óssea
(ver Tabela 2).
DOENÇAS HEREDITÁRIAS: Vários distúrbios hereditários que afetam as hemácias causam anemia. As deficiências de piruvato quinase (PK) são constatadas em cães das raças Basenji, Beagle, West Highland White Terrier, Cairn Terrier, além
de outras, bem como em gatos das raças Abissínio e Somali. Deficiência de fosfofrutoquinase (PFK) é constatada em cães da raça English Springer Spaniel. As deficiências dessas enzimas reduzem a meiavida eritrocitária e causam anemia
regenerativa. Nos cães com deficiência de PFK, as crises hemolíticas são induzidas por alcalose secundária a excitação ou a exercício físico excessivo. Caso tais situações sejam minimizadas, esses cães podem ter vida normal. Não há
tratamento para deficiência de PK; as hemácias de cães acometidos têm meiavida menor em decorrência da mielofibrose e da osteosclerose da medula óssea. Os gatos acometidos apresentam anemia hemolítica crônica intermitente, que, às
vezes, é exacerbada por esplenectomia e uso de esteroides. Diferentemente dos cães, não há relato de osteosclerose em gatos. Porfiria (ver p. 1098), uma hemoglobinopatia hereditária, provoca acúmulo de porfirinas no organismo; há relato
da doença em bovinos, gatos e suínos. É mais prevalente em bovinos da raça Holandesa; pode causar crise hemolítica. Os bezerros acometidos não se desenvolvem adequadamente e manifestam fotossensibilização. O diagnóstico baseiase
na constatação de alto teor de porfirinas na medula óssea, na urina ou no plasma. Os dentes dos animais enfermos exibem fluorescência quando irradiados com luz ultravioleta.
ANEMIA POR PERDA DE SANGUE
A perda de sangue ou hemorragia aguda pode induzir ao choque, e até mesmo à morte, quando representa 30 a 40% do volume de sangue e quando a hipovolemia resultante não é tratada de modo agressivo com fluido intravenoso (IV) e/ou
com sangue compatível (ver p. 42). As causas de hemorragia aguda podem ser evidentes (p. ex., traumatismo, cirurgia) ou inaparentes. Devemse excluir causas como coagulopatias, tumores hemorrágicos, úlcera gástrica e parasitoses
internas ou externas. Parasitos gastrintestinais, como Haemonchus em ruminantes e ancilóstomo em cães, podem provocar grave perda de sangue, especialmente em animais jovens. Hemorragia crônica discreta às vezes resulta em anemia
com deficiência de ferro, embora possa persistir algum grau de reticulocitose, mesmo após a depleção da reserva de ferro. Tipicamente, a anemia por deficiência de ferro é do tipo microcítica hipocrômica. Em animais jovens, essa perda de
sangue crônica pode ser decorrente de parasitismo (pulgas, piolhos, parasitos intestinais); porém, em animais mais velhos, a causa mais comum é hemorragia oriunda de tumores ou úlceras gastrintestinais.
ANORMALIDADES HEMOSTÁTICAS
A hemostasia efetiva depende de quantidade adequada de plaquetas funcionais, de teor e atividade plasmática adequados de proteínas de coagulação e fibrinolíticas e de vasos sanguíneos normalmente responsivos. É difícil o diagnóstico, o
tratamento e o monitoramento de animais com hipo e hipercoagulação, considerando ambos, a progressão da doença e o monitoramento dos componentes sanguíneos e/ou da terapia anticoagulante. Em medicina veterinária, frequentemente
são utilizadas amostras de plasma com citrato para determinar a concentração de fibrinogênio, o tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA), o tempo de protrombina (TP) e a concentração de Ddímero ou de produtos de degradação
do fibrinogênio (PDF). A introdução do modelo de hemostasia dependente de fator tecidual (FT)/fator VII, com base celular, aumentou a compreensão do complexo bioquímico fisiológico da hemostasia, induzindo à reavaliação do
mecanismo convencional de hemostasia fisiológica, classificado em vias de coagulação intrínseca e extrínseca. Embora o plasma com citrato contenha vários fatores envolvidos na coagulação, o sangue total contém fatores solúveis e
células intravasculares que atuam na hemostasia fisiológica e patológica, incorporando FT e células que possuem fosfolipídios, como plaquetas e leucócitos.
Compreensão Fisiológica da Hemostasia
Introduziuse um modelo de hemostasia com base celular que explica a hemostasia fisiológica por meio de um mecanismo complexo em que a interação de tônus vascular, fluxo sanguíneo, células endoteliais, plaquetas, leucócitos, fatores
de coagulação e fatores fibrinolíticos e seus cofatores e inibidores resultam em hemostasia equilibrada e formação de coágulo no local da lesão. Esse modelo dinâmico envolve a regulação celular da coagulação em três fases: iniciação,
amplificação e propagação. Células que possuem FT iniciam a hemostasia. O FT é um receptor de glicoproteína transmembrana verificado em tecidos extravasculares, inclusive nas cápsulas de órgãos e na camada adventícia das paredes
dos vasos sanguíneos. É fundamentalmente expresso nos fibroblastos e, na ativação celular, nas células do músculo liso vascular, nos monócitos e nos neutrófilos. As células que contêm FT e as superfícies das plaquetas atuam como
principais superfícies celulares para agregação dos complexos procoagulantes. Qualquer lesão vascular ocasiona exposição do FT. A ligação do fator VII ao FT resulta em ativação do fator VIIa. O fator VIIa ligase ao FT na superfície da
célula e ativa o fator IX para o fator IXa e o fator X para o fator Xa. Inicialmente, o fator Xa formado é limitado à célula que contém FT, porque o fator Xa que se difunde para distante das células é rapidamente inibido pelo FT do
mecanismo inibidor (MIFT) ou pela antitrombina.
Juntamente com o fator Va formado, o fator Xa é agregado ao complexo protrombinase na superfície da célula que contém FT. Produzse uma pequena quantidade inicial de trombina próximo à célula independente da presença de
plaquetas, sendo responsável pela ativação de plaquetas, pela liberação do fator V de plaquetas, pela ativação dos fatores V e VIII e pela liberação do fator VIII pelo fator de von Willebrand e ativação do fator XI. As plaquetas também são
ativadas por outros mecanismos, inclusive por colágeno da parede vascular e fator de von Willebrand, promovendo aderência e agregação no local da lesão.
Como parte essencial do mecanismo de ativação plaquetária, o fosfolipídio procoagulante fosfatidilserina tornase disponível. O fator IXa inicialmente produzido ligase às superfícies das plaquetas ativadas, promovendo a formação do
complexo “tenase”; isso resulta na formação do fator Xa principal e na amplificação do mecanismo de coagulação. O fator IXa formado difundese para as plaquetas, pois não é inibido pelo MIFT, sendo inibido lentamente pela
antitrombina. Os complexos formados pelos fatores Xa e Va na superfície de plaquetas ativadas originam o complexo “protrombinase”, que induz a clivagem da protrombina e o principal estímulo subsequente da trombina responsável pela
clivagem do fibrinogênio, formando o tampão hemostático. O fator IXa adicional é fornecido pelo fator XIa da superfície da plaqueta. O fator XIa ativa as vias antifibrinolíticas.
A segunda elevação da trombina ativa a plasmina, iniciando a fibrinólise. Isso mantém o controle do coágulo no local da lesão. Para controlar a fibrinólise, a via antifibrinólitica é ativada pela ativação da trombina do inibidor da
fibrinólise trombina ativável (IFTA). O IFTA reduz o processo fibrinolítico mediante inibição da atividade da plasmina; isso impede a lise prematura do coágulo e permite a propagação do coágulo. O equilíbrio entre formação de fibrina e
fibrinólise regula o tamanho e a qualidade do tampão de fibrina e fixao no local da lesão. A qualidade do coágulo é extremamente importante na eficiência da hemostasia.
Abordagem Clínica da Hemostasia
Embora a classificação convencional de hemostasia primária e secundária não seja biologicamente exata, ainda é uma abordagem diagnóstica útil na hemostasia de animais com anormalidades hemostáticas hereditárias ou adquiridas. A
hemostasia primária envolve a interação de plaquetas com a superfície subendotelial exposta. Simultaneamente, as proteínas plasmáticas de coagulação são ativadas em cascata sequencial que depende do fosfolipídio oriundo das plaquetas
ativadas e de íons cálcio do plasma para formar um coágulo estável (hemostasia secundária). As circunstâncias que ativam as plaquetas e as proteínas de coagulação também ativam as proteínas fibrinolíticas plasmáticas, que asseguram a
fixação do coágulo e sua adequada dissolução.
As atividades hemostáticas são tradicionalmente avaliadas por meio de testes de hemostasia primária (contagem de plaquetas e tempo de sangramento da mucosa bucal) e de hemostasia secundária com o uso de testes em amostra de
plasma com o intuito de detectar anormalidades adicionais, como TTPA (vias comum e intrínseca) e TP (vias comum e extrínseca). O sistema fibrinolítico normalmente é avaliado mediante mensuração de produtos de degradação, como
PDF e Ddímero, e da capacidade anticoagulante endógena pela dosagem de antitrombina, proteínas C e S. Testes de fatores de coagulação individuais específicos adicionais podem auxiliar na detecção de defeitos congênitos. Desse modo,
testes de triagem de coagulação no plasma podem auxiliar na identificação de proteína de coagulação deficiente ou defeituosa. Embora essa abordagem tradicional possibilite a detecção efetiva e sistemática da causa do sangramento, pode
ser difícil a avaliação da capacidade hemostática geral a partir de uma perspectiva clínica para o prognóstico ou o monitoramento do efeito do tratamento com anticoagulante ou procoagulante. Isso pode ser, em parte, pelo fato de os testes
realizados no plasma para avaliação dos sistemas fibrinolítico e secundário visarem elementos específicosalvo do sistema hemostático, ignorando assim outros fatores que podem contribuir significativamente na avaliação da capacidade
hemostática geral em anormalidades adquiridas. Uma outra razão plausível é a baixa sensibilidade dos testes TTPA e TP; geralmente, a atividade de uma proteína de coagulação deve ser < 30% e, às vezes, < 10% do valor normal, antes de
se detectar uma anormalidade.
Os testes para avaliação de maior risco ou de tendência à trombose geralmente estão disponíveis apenas em alguns laboratórios de pesquisa. A determinação da atividade de antitrombina está sendo disponibilizada por um número
crescente de laboratórios. Testes para mensuração das atividades de plasminogênio, proteína C, a2antiplasmina, ativador de plasminogênio tecidual e inibidor do ativador de plasminogênio têm sido estabelecidos para alguns animais
domésticos.
Avaliação da Função Hemostática no Sangue Total
Como o sangue total contém todos os fatores intravasculares e as células envolvidas na hemostasia fisiológica e patológica, incorporando o FT e células que contêm fosfolipídios, os testes em sangue total podem propiciar uma reflexão mais
acurada de um teste de hemostasia in vivo, em comparação com os testes de hemostasia tradicionais realizados em amostras de plasma. No entanto, até o momento têmse realizado poucos testes em sangue total para avaliar hemostasias
primária e secundária em pesquisas veterinárias.
PFA100: O analisador de função plaquetária PFA100 é um aparelho relativamente novo que permite determinação quantitativa in vitro, simples e rápida, de hemostasia primária relacionada com a plaqueta em condição de alto stress shear*.
O teste exige pequeno volume (0,8 mL) de sangue total citratado, que é obtido sob vácuo em tubo capilar de aço inoxidável de 200 μm de diâmetro e abertura com orifício de 150 μm em uma membrana de nitrocelulose revestida com
colágeno e epinefrina (CEPI) ou colágeno e ADP (CADP). Em resposta à alta velocidade das plaquetas circulantes e aos agonistas, formase um agregado plaquetário que bloqueia o fluxo de sangue através do orifício; o tempo gasto para
obstruir o orifício é denominado tempo de fechamento. Verificase tempo de fechamento prolongado em apenas um cartucho CEPI em anormalidades discretas da função plaquetária hereditária (p. ex., alteração no estoque) e no caso de
ingestão de ácido acetilsalicílico, ao passo que tempo de fechamento prolongado em ambos os cartuchos, CEPI e CADP, é constatado na disfunção plaquetária hereditária mais grave e na doença de von Willebrand. O PFA100 também é
capaz de monitorar a resposta ao tratamento com ambos os antagonistas, DDAVP e GPIIb/IIIa. Podese avaliar a qualidade do concentrado de plaquetas do banco de sangue destinado à transfusão, bem como as respostas à transfusão de
plaquetas. O PFA100 permite um bom teste de triagem para detecção de anomalias da função plaquetária. Mais recentemente, o PFA100 foi avaliado em vários outros estudos por sua utilidade na determinação dos efeitos de
medicamentos ou para avaliação geral da hemostasia primária em várias condições clínicas ou durante procedimentos cirúrgicos.
TROMBOELASTOGRAFIA: A tromboelastografia (TEG) permite rápida avaliação da função hemostática em amostra de sangue total. Avalia todas as fases da hemostasia – início, amplificação e propagação –, bem como fibrinólise, inclusive
interação de plaquetas e leucócitos com as proteínas de cascata de coagulação. Assim, a TEG permite avaliação dos componentes de coagulação convencionais do plasma com os componentes celulares. A TEG é realizada em amostra de
sangue total fresco não estabilizado, dentro de 4 a 6 min após a obtenção da amostra. Isso geralmente não é uma prática de rotina na clínica. Temse proposto o uso de sangue total estabilizado citratado (com recalcificação imediatamente
antes da análise), com o intuito de aumentar o tempo de vida para análise da amostra. A TEG com FT ativado em amostra de sangue total citratado foi validada para cães e notouse baixa variação analítica e boa correlação com os sinais
clínicos de hemorragia, em comparação com vários testes de coagulação convencionais realizados em amostras de plasma.
Temse utilizado a TEG para avaliar a hipercoagulabilidade em cães portadores de coagulação intravascular disseminada (CID), neoplasia e parvovirose e naqueles com hipotermia, com o intuito de avaliar a disfunção plaquetária. A TEG
permite auxiliar o perfil diagnóstico de animais com anormalidade hemostática e de testes suplementares convencionais de coagulação, como TP, TTPA, Ddímero e fibrinogênio.
DIÁTESE HEMORRÁGICA
ANORMALIDADES DE COAGULAÇÃO
Diátese hemorrágica pode ser decorrência de defeitos congênitos ou adquiridos relacionados com as proteínas de coagulação, as plaquetas ou os vasos sanguíneos. Em geral, as deficiências de plaquetas, congênitas ou adquiridas,
manifestamse como hemorragias petequiais e equimoses superficiais (especialmente em membranas mucosas), epistaxe, melena ou sangramento prolongado nos locais de injeção e incisão, ao passo que as deficiências congênitas ou
adquiridas de proteínas de coagulação geralmente se manifestam clinicamente como formação de hematoma e hemorragia de tecido profundo tardia.
A trombose patológica pode ser decorrência de anormalidades de fatores de proteínas anticoagulantes primárias, ou hereditárias, e secundárias, ou adquiridas. Tais anormalidades frequentemente são denominadas estados de
hipercoagulação. Doenças sistêmicas como CID, que exacerbam a resposta das plaquetas aos agonistas, alteram o equilíbrio entre as proteínas anticoagulantes e procoagulantes ou aumentam a reatividade do endotélio, são mais comuns nos
animais do que as anormalidades hereditárias.
ANORMALIDADES DE PROTEÍNAS DE COAGULAÇÃO
Anormalidades de Proteínas de Coagulação Congênitas
Nas deficiências ou disfunções graves de proteínas de coagulação, os sinais clínicos surgem em idade precoce. Geralmente, as reduções acentuadas nas atividades das proteínas de coagulação essenciais à hemostasia são fatais. Os animais
podem nascer mortos quando há < 1% da atividade normal ou podem morrer logo depois do nascimento, em razão de hemorragia grave. Produção insuficiente de proteínas de coagulação ou quantidade limitada de vitamina K no fígado
imaturo do neonato pode exacerbar um distúrbio de coagulação. Caso a atividade de qualquer proteína de coagulação corresponda a 5 a 10% do valor normal, o recémnascido pode sobreviver, mas, em geral, os sintomas surgem antes dos 6
meses de idade. É durante esse período, quando se realizam vários procedimentos de rotina (p. ex., vacinação, corte de unhas, caudectomia, remoção de dígitos rudimentares, corte de orelhas e castração ou ovarioisterectomia), que a
tendência de sangramento pode tornarse aparente.
A maioria das anormalidades congênitas das proteínas de coagulação relatadas em animais domésticos envolve deficiências ou anormalidades de um único fator. Os defeitos duplos ou múltiplos são raros.
Afibrinogenemia congênita (deficiência do fator I) foi relatada em uma família de cabras leiteiras da raça Saanen, mas não em cães ou gatos. Hipofibrinogenemia, acompanhada de hemorragia grave, foi relatada em cães das raças São
Bernardo e Vizsla; notouse aumento de TCA, TTPA, TP e do tempo de trombina (TT). Há relato de disfibrinogenemia em uma família de cães da raça Russian Wolfhound (Borzoi). Constatou–se aumento de TCA, TTPA, TP e TT, mas,
em um teste quantitativo, notouse fibrinogênio. Os cães afetados apresentavam episódios hemorrágicos discretos, com epistaxe e claudicação, mas traumatismo ou cirurgia resultava em hemorragia com risco à vida do animal. A
administração IV de plasma fresco congelado ou de crioprecipitado é o melhor tratamento para conter a hemorragia.
Anormalidades do fator II (protrombina) são raras. Em cães da raça Boxer, há relato de disfunção da protrombina, porém com teor normal desse componente; o defeito é herdado como característica recessiva autossômica. Também,
há relato de distúrbio do fator II em cães da raça English Cocker Spaniel; os sinais clínicos nos filhotes acometidos (epistaxe e sangramento gengival) diminuem com o avançar da idade; adultos desenvolvem facilmente equimoses ou
apresentam dermatite. Nos filhotes afetados, o TT permanece normal, e notase aumento de TCA, TTPA e TP. O tratamento baseiase na transfusão de plasma fresco congelado ou sangue total fresco quando há necessidade de hemácias.
Deficiência do fator VII foi relatada em cães das raças Beagle, English Bulldog, Alaskan Malamute, Alaskan Klee Kai, Schnauzer miniatura e Boxer, bem como em mestiços. É uma doença hereditária autossômica com dominância
incompleta. Geralmente não está associada a hemorragia clínica espontânea, mas os cães afetados podem apresentar equimose ou sangramento prolongado após cirurgia. Há relato de hemorragia pósparto prolongada. A deficiência de fator
VII é mais frequentemente diagnosticada quando se realizam testes de coagulação de triagem; ocorre aumento do TP, mas os valores de TTPA e de outros testes permanecem normais.
Deficiência do fator VIII (hemofilia A) é o distúrbio hemorrágico hereditário mais comum em cães e gatos; também é relatada em várias raças de equinos, inclusive Árabe, Standardbred, QuartodeMilha e Puro–Sangue inglês. Há um
padrão de herança ligado ao cromossomo X, de forma que usualmente as fêmeas são portadoras assintomáticas e os machos são acometidos. Nas famílias altamente endogâmicas, raramente uma fêmea portadora acasalada com um macho
acometido origina fêmea com sintomas da doença.
Nos filhotes de cães comprometidos, notase sangramento prolongado em vasos umbilicais depois do nascimento; na gengiva, na época da erupção dentária; e depois de uma cirurgia como caudectomia, remoção de dígito rudimentar ou
corte de orelha. Hemartrose acompanhada de claudicação intermitente, formação espontânea de hematoma e derrame hemorrágico em cavidades corporais também são achados clínicos comuns nos cães com < 5% da atividade normal do
fator VIII. Com frequência, os animais com 5 a 10% de atividade normal não apresentam hemorragia espontânea, mas exibem sangramento prolongado depois de cirurgia ou traumatismo. Gatos afetados e, às vezes, cães pequenos podem
apresentar sangramento prolongado após cirurgia ou traumatismo, mas raramente ocorre hemorragia espontânea, provavelmente em razão de sua agilidade e menor peso. Os animais acometidos geralmente apresentam concentração muito
baixa do fator VIII (< 10%) e TCA e TTPA prolongados. A concentração do fator de von Willebrand (antígeno relacionado com o fator VIII) permanece normal ou maior que o normal. Os animais portadores apresentam concentração
intermediária de fator VIII (40 a 60%), e os resultados dos testes de coagulação de triagem, em geral, permanecem normais. Em animais < 6 meses de idade, devese ter cuidado no diagnóstico, por conta da possível baixa produção de
fatores de coagulação pelo fígado imaturo. Em geral, os resultados dos testes de coagulação de triagem permanecem normais em animais portadores.
O tratamento de diátese hemorrágica exige transfusões repetidas de crioprecipitado ou plasma fresco congelado (10 mL/kg), 2 a 3 vezes/dia, até que se controle o sangramento. Preferese plasma fresco congelado ou crioprecipitado a
sangue total, em razão da possível sensibilização do animal aos antígenos eritrocitários quando da realização de repetidas transfusões.
A deficiência do fator IX (hemofilia B) é menos frequentemente diagnosticada do que a deficiência do fator VIII. Ela foi relatada em várias raças de cães, em um cão mestiço, em gatos da raça Himalaia, em uma família de gatos
mestiços da raça Siamês e em uma família de gatos da raça British Shorthaired. O defeito é ligado ao cromossomo X; as fêmeas são portadoras e os machos, acometidos pela disfunção, embora as fêmeas também possam ser afetadas em
famílias com alto grau de endogamia. A manifestação clínica é semelhante àquela verificada em animais com deficiência do fator VIII. Os animais com atividade do fator IX extremamente baixa (< 1%) geralmente morrem ao nascimento
ou logo depois. Os animais com atividade do fator IX entre 5% e 10% do valor normal podem apresentar hematoma espontâneo, hemartrose, efusão hemorrágica em cavidades corporais ou hemorragia em órgãos. Pode ocorrer sangramento
gengival durante a erupção dentária ou hemorragia prolongada após caudectomia ou remoção de dígito rudimentar. Alguns animais são assintomáticos até que ocorra traumatismo ou cirurgia. TCA e TTPA estão prolongados. Os animais
portadores com 40 a 60% da atividade normal do fator IX geralmente são assintomáticos, e os resultados dos testes de coagulação de triagem permanecem normais. O tratamento exige transfusão com plasma fresco congelado (10 mL/kg),
em intervalos de 12 h, até que a hemorragia cesse. Frequentemente, notase hemorragia interna no abdome, no tórax, no SNC ou entre os planos fasciais musculares, o que pode não ser detectado até que ocorra uma crise.
A deficiência do fator X foi relatada em uma única família de cães da raça American Cocker Spaniel e em um cão mestiço. No primeiro caso, o padrão de herança era dominante autossômico, com penetrância variável. Os homozigotos
quase sempre morriam ao nascimento ou precocemente, em decorrência da hemorragia interna grave. Os heterozigotos apresentavam distúrbios hemorrágicos discretos a graves. Usualmente notou–se aumento de TCA, TTPA e TP quando
os animais apresentavam < 30% da atividade normal do fator X. Para controlar a hemorragia, foram necessárias transfusões com plasma fresco ou fresco congelado.
A deficiência do fator XI foi diagnosticada em cães da raça Kerry Blue Terrier, em uma cadela English Springer Spaniel, em um cão Great Pyrenee, em cães da raça Weimaraner e em bovinos da raça Holandesa. Em geral, as
deficiências discretas não são detectadas. Nas deficiências graves, nas quais a atividade do fator XI situase entre 30% e 40% do valor normal, ou menos, pode ocorrer discreto sangramento prolongado após traumatismo ou cirurgia. As
tendências hemorrágicas geralmente não são imediatas, podendo surgir após 3 a 4 dias. Em geral, notase aumento de TCA e TTPA. Transfusão com plasma fresco ou fresco congelado (10 mL/kg) é suficiente para interromper a hemorragia
por até 3 dias. A herança é autossômica, mas ainda não se determinou se o gene é dominante ou recessivo. Relatase um único caso em gato adulto que apresentava epistaxe e foi diagnosticado com lúpus eritematoso sistêmico, atribuído à
presença de um inibidor circulante do fator XI.
A deficiência do fator XII (Hageman) foi relatada em um cão da raça German Shorthaired Pointer, em um cão da raça Poodle padrão, em uma família de cães da raça Poodle miniatura e em gatos. Os animais afetados não apresentavam
manifestação clínica de hemorragia. Em geral, a deficiência é diagnosticada coincidentemente quando se realizam testes de coagulação de triagem e notase aumento de TTPA. As pessoas com deficiência do fator XII não apresentam
problemas hemorrágicos, mas são predispostas a trombose ou infecções, atribuídas à função normal do fator XII na fibrinólise e na ativação do complemento. Ainda não se relatou tendência de trombose ou infecção em animais. Descobriu
se que a deficiência do fator XII coexistia com a doença de von Willebrand, em um cão, e com deficiência do fator IX, em um gato, mas as tendências hemorrágicas não foram exacerbadas. O fator XII não está presente no plasma de aves,
mamíferos marinhos e répteis, sem qualquer efeito prejudicial.
A deficiência de precalicreína foi relatada em um cão da raça Poodle, em uma família de pôneis e em uma família de equinos da raça Belga. Geralmente não há manifestação clínica aparente de hemorragias. Um equino apresentou
sangramento excessivo depois da castração. O diagnóstico normalmente é definido durante a realização de testes de coagulação de triagem. Notase aumento de TCA e TTPA.
Anormalidades de Proteínas de Coagulação Adquiridas
DOENÇA HEPÁTICA: A maior parte das proteínas de coagulação é sintetizada principalmente no fígado. Portanto, uma hepatopatia caracterizada por necrose, inflamação, neoplasia ou cirrose está, com frequência, associada a menor
produção de proteínas de coagulação, fatores anticoagulantes e proteínas fibrinolíticas. Como as várias proteínas de coagulação apresentam meiavida relativamente curta (4 h a 2 dias), deficiências discretas a graves dessas proteínas podem
ser secundárias a doenças hepáticas graves. Constatamse aumentos de TTPA e/ou TP em 50 a 85% dos cães portadores de doença hepática grave, indicando que a atividade do fator corresponde a < 30% do normal. Todavia, < 2%
realmente desenvolvem hemorragia e, quando não ocorre sangramento, geralmente está associado a doença concomitante. Com frequência, realizamse, antes da biopsia hepática, testes de coagulação.
As hepatopatias graves também podem causar CID. Os teores de fibrinogênio, uma proteína de fase aguda, e do fator de von Willebrand, produzido em sítio extrahepático, podem aumentar na doença hepática.
DEFICIÊNCIA DE VITAMINA K: A vitamina K é solúvel em micelos mistos antes da difusão passiva através da borda em escova. Má absorção de gordura decorrente de quantidade inadequada de sais biliares (p. ex., obstrução biliar),
linfangiectasia ou grave atrofia de vilosidades podem resultar em deficiência da vitamina e coagulopatia decorrente da falha na síntese dos fatores II, VII, IX e X, que dependem da vitamina K.
INGESTÃO DE RODENTICIDAS ANTICOAGULANTES: A ingestão de certos rodenticidas por cães e gatos causa coagulopatia por produção insuficiente de fatores de coagulação dependentes de vitamina K (ver p. 3236). Precursores inativos dos
fatores de coagulação II, VII, IX e X também são sintetizados no fígado, porém não ocorre ?carboxilação desses precursores porque os rodenticidas inibem a enzima epóxidoredutase, necessária para a reciclagem da vitamina K ativa. Há
duas classes gerais de anticoagulantes rodenticidas: os compostos cumarínicos (varfarina, cumafuril, brodifacum e bromadiolona) e os compostos indanedionas (difacinona, pindona, valona e clorofacinona). Os rodenticidas anticoagulantes
são ainda classificados como de primeira e segunda gerações, com base na toxicidade e na meiavida. Em geral, a meiavida dos cumarínicos (até 55 h) é muito mais curta que a de compostos indanedionas (15 a 20 dias). Vários
medicamentos administrados simultaneamente e enfermidades concomitantes podem exacerbar a toxicidade do anticoagulante ingerido.
Os animais afetados podem desenvolver hematomas (especialmente em pontos de pressão) e equimoses em tecidos superficiais e profundos. Frequentemente, os animais não apresentam hemorragia nas primeiras 24 h após a ingestão da
toxina. Em geral, constatase aumento de TTPA, TP e TCA. O fator VII apresenta meiavida mais curta dentre as proteínas de coagulação dependentes de vitamina K; portanto, com frequência, o TP apresentase anormal antes de outros
testes e pode ser utilizado para monitorar a resposta ao tratamento. No caso de ingestão aguda, são utilizados eméticos, adsorventes e catárticos com o intuito de minimizar a absorção. Mesmo em animais assintomáticos, institui–se terapia
com vitamina K. Para o tratamento de intoxicação por cumarina, recomendam–se 2,5 a 5 mg de vitamina K1/kg SC, injetada em vários locais, seguida de 1,25 a 2,5 mg/kg VO, 2 vezes/dia, durante 4 a 6 dias, caso se acredite que a ingestão
seja mínima. Devese mensurar o TP 48 h após a cessação do tratamento; no caso de TP prolongado, continuase o tratamento por mais 14 dias. Se o TP inicial está normal, devese determinar novamente o TP depois de 48 h. Se o teste for
normal, podese interromper o tratamento. No tratamento de intoxicação por indanedionas, podem ser necessárias altas doses de vitamina K1, como 5 mg/kg VO, durante 3 a 6 semanas; contudo, essas altas doses devem ser administradas
cuidadosamente porque há relato de anemia por corpúsculos de Heinz em cães tratados com 4 mg/kg, durante 5 dias. Não se recomenda a administração por via intravenosa de vitamina K1 porque pode ocorrer reação anafilática. O uso de
vitamina K3 não é efetivo.
CID: Não é uma doença primária, mas sim uma disfunção secundária a várias anormalidades ativadoras de coagulação, como doenças causadas por bactérias, vírus, riquétsias, protozoários ou parasitos; choque térmico; queimaduras;
neoplasias ou traumatismos graves. A doença primária induz resposta inflamatória sistêmica incontrolável caracterizada por ativação e consumo maciços de proteínas de coagulação, inibidores endógenos, proteínas fibrinolíticas e plaquetas.
No estágio inicial da CID, o animal apresenta hipercoagulação decorrente dos mediadores inflamatórios circulantes, que provocam ativação da hemóstase pela maior exposição de FT e consumo de inibidor. Com o tempo, o consumo de
fatores de coagulação, se não compensado pelo aumento da produção, pode ocasionar a condição de hipercoagulação com sintomas evidentes. Em virtude da natureza progressiva da CID, os achados clínicos variam consideravelmente,
desde ausência de sintoma evidente da doença, sem alterações, ou às vezes alterações apenas discretas, nos testes convencionais de hemostasia (TTPA, TP, Ddímero, fibrinogênio e contagem de plaquetas), até sinais clínicos de falência
orgânica associada a trombose microvascular em órgãos vitais, culminando, por fim, em hemorragias evidentes. Acredita–se que as últimas manifestações sejam tradicionalmente características de pacientes com CID, nos quais há também
alterações marcantes nos testes de hemostasia e diminuição na contagem de plaquetas.
A TEG pode diferenciar o estágio de CID em cães. Os cães diagnosticados na fase de hipercoagulação apresentam chance muito maior de sobreviver do que aqueles diagnosticados na fase de hipocoagulação. Isso provavelmente se deve
à intervenção precoce e agressiva por meio de terapia de suporte e/ou antitrombótica, enquanto se trata a causa primária. O tratamento agressivo provavelmente minimiza as complicações tromboembólicas e retarda, ou mesmo impede, o
desenvolvimento de sintomas evidentes.
Em medicina veterinária, o diagnóstico laboratorial de CID não está padronizado e os testes de função hemostática utilizados não são compatíveis; todavia, frequentemente, o diagnóstico de CID baseiase em três parâmetros hemostáticos
anormais, ou mais, como TTPA, TP, fibrinogênio, Ddímero, contagem de plaquetas e morfologia das hemácias, juntamente com predisposição à doença, que é uma condição sensível, porém inespecífica. A fibrinólise pósmorte torna a
necropsia um procedimento diagnóstico insensível.
Com frequência, o tratamento é direcionado de modo empírico à correção do desequilíbrio do sistema hemostático, enquanto se trata a doença primária de modo intensivo. É fundamental a administração de soluções de eletrólitos
balanceadas e de expansores de plasma com o intuito de manter um volume circulante efetivo. A resposta ao tratamento com plasma fresco congelado e heparina é imprevisível, e seu uso é controverso.
ANORMALIDADES PLAQUETÁRIAS
Podem ser classificadas em trombocitopenias adquiridas ou congênitas ou disfunções funcionais congênitas (trombocitopatias)
Trombocitopenia Congênita
MACROTROMBOCITOPENIA HEREDITÁRIA EM CÃES DA RAÇA CAVALIER KING CHARLES SPANIEL: Esse distúrbio de plaquetas gigantes hereditário benigno acomete cerca de 50% dos cães dessa raça. Caracterizase por trombocitopenia com
macrotrombócitos em 30% dos casos e agregação plaquetária variável em resposta à adenosina difosfato, dependendo da quantidade de plaquetas. Não se constatou correlação entre a ocorrência de macrotrombocitopenia e idade, sexo,
castração ou não, cor da pelagem, peso ou presença de sopro cardíaco. Essa anormalidade é detectada no hemograma de rotina. Os animais acometidos apresentam atividade normal das proteínas de coagulação.
HEMATOPOESE CÍCLICA EM CÃES DA RAÇA GRAY COLLIE: Esse distúrbio autossômico recessivo (p. 31) caracterizase por ciclos de citopenia de 12 dias. Todas as célulastronco da medula são afetadas, mas os neutrófilos são mais
comprometidos em razão de sua meiavida curta (geralmente < 24 h). Podese constatar trombocitopenia discreta a grave; sangramento excessivo é uma complicação potencial. Esse distúrbio autossômico recessivo é fatal e, em geral, os
cães acometidos morrem em decorrência de infecções fulminantes antes dos 6 meses de idade. Mesmo os cães submetidos à terapia antimicrobiana intensiva morrem até os 3 anos de idade, em razão da amiloidose (p. 631) secundária ao
estímulo antigênico crônico induzido por infecções recorrentes. O tratamento com fator estimulante de colônia de granulócitos recombinante mostrou efeito temporário no alívio de ciclos neutropênicos, até que fossem produzidos
anticorpos contra proteínas não caninas.
TROMBOCITOPENIA ALOIMUNE FETAL E NEONATAL: Esse distúrbio ocorre quando anticorpos maternos são produzidos contra um antígeno paterno presente nas plaquetas do feto. Há relato da doença em um potro de equino QuartodeMilha
com 1 dia de idade. Imunoglobulinas ligadas às plaquetas de potros foram detectadas no plasma, no soro e no leite da égua, por meio de testes indiretos. Constatouse que as imunoglobulinas reconheceram as plaquetas do irmão do potro,
filho dos mesmos pais, nascido 1 ano antes. Esse diagnóstico deve ser considerado em potros com trombocitopenia grave, quando outras causas puderem ser excluídas.
Um grupo de cordeiros artificialmente criados e alimentados com colostro bovino apresentou sangramento prolongado após ferimentos por punção para colocação de brincos de identificação, bem como equimose subcutânea, fraqueza e
palidez de membranas mucosas. Todos os cordeiros acometidos morreram dentro de 48 h após o nascimento. Constataramse trombocitopenia em amostra de sangue total e diminuição nítida da contagem de plaquetas no esfregaço
sanguíneo. Suspeitouse da presença de anticorpos contra plaquetas porque as vacas doadoras de colostro foram utilizadas em um experimento anterior, no qual foram imunizadas contra sangue ovino.
Trombocitopenia Adquirida
As trombocitopenias adquiridas são relatadas com frequência em cães e gatos, menos comumente nos equinos e raramente nas outras espécies. Foram identificadas várias causas, a maioria delas envolvendo destruição plaquetária
imunológica ou direta.
TROMBOCITOPENIA IMUNOMEDIADA PRIMÁRIA: Essa condição (também denominada trombocitopenia idiopática ou púrpura trombocitopênica idiopática) é caracterizada por destruição imunomediada de plaquetas circulantes ou, menos
comumente, de megacariócitos da medula. Foi relatada em cães e equinos. Os sinais clínicos incluem petéquias na gengiva ou na pele, equimose, melena ou epistaxe. A contagem de ?plaqueta é, em geral, < 50.000/μL e frequentemente <
10.000 μL no momento do diagnóstico. O exame dos megacariócitos (por meio de aspiração de medula óssea) auxilia no esclarecimento sobre a ação de anticorpos em plaquetas circulantes ou em megacariócitos da medula. Um teste para
detectar o fator 3 plaquetário, liberado por plaquetas lesionadas, não é confiável ou não está facilmente disponível para compra. Temse utilizado um teste de imunofluorescência para megacariócito, a fim de detectar anticorpos nesse tipo
celular; contudo, deve–se obter uma amostra adequada por meio de aspiração da medula óssea. Relatase que um teste direto para detecção de anticorpos antiplaquetários – teste ELISA, que detecta anticorpos ligados a plaquetas – tem boa
sensibilidade (94%), mas não é muito específico para trombocitopenia imunomediada primária. Um resultado negativo provavelmente descarta esse tipo de trombocitopenia como causa de redução na quantidade de plaquetas; no entanto,
um resultado positivo pode indicar se a trombocitopenia imunomediada é primária ou secundária (p. ex., trombocitopenia associada a anemia hemolítica autoimune, doenças linfoproliferativas e lúpus eritematoso sistêmico).
Os animais acometidos devem ser mantidos em repouso. Além disso, recomendase a administração de corticosteroides, iniciandose com alta dose e, em seguida, diminuindoa (como no tratamento de anemia hemolítica imunomediada,
p. 14). Devese realizar transfusão de sangue total fresco em animais com VG < 15%; no entanto, transfusão de sangue total para suprir as plaquetas frequentemente é inútil para a normalização da hemostasia primária, porque as plaquetas
são removidas da circulação em poucas horas. A esplenectomia deve ser limitada ao tratamento de animais que apresentam episódios recorrentes de trombocitopenia. Temse utilizado vincristina para estimular a liberação de plaquetas pelos
megacariócitos da medula, mas sua eficácia é questionável no controle da destruição plaquetária imunomediada.
RIQUETSIOSES: Infecções por Anaplasma platys,A. phagocytophilum ou Ehrlichia canis provocam trombocitopenia discreta a grave em cães. A infecção por E. platys (ver p. 824) geralmente é caracterizada por discreta trombocitopenia e
geralmente cíclica nos estágios agudos da doença. Com frequência, as infecções crônicas são acompanhadas de trombocitopenia discreta a moderada, normalmente cíclicas. Às vezes, podemse identificar mórulas (inclusões basofílicas
arredondadas a ovais, únicas ou múltiplas) em plaquetas de cães infectados. A trombocitopenia raramente é grave o suficiente para causar hemorragia clinicamente evidente. Provavelmente os carrapatos são os vetores. As infecções
causadas por E. canis são caracterizadas por alterações variáveis no leucograma, no VG e na contagem de plaquetas. Nas infecções agudas, é comum trombocitopenia e, possivelmente, anemia ou leucopenia. Nas infecções crônicas, pode
ou não haver trombocitopenia ou anemia; no entanto, notase, com frequência, leucocitose e, às vezes, hiperglobulinemia (monoclonal ou policlonal). Os cães infectados podem apresentar epistaxe, melena, sangramento gengival,
hemorragia de retina, hematoma e sangramento prolongado após venopuntura ou cirurgia.
Infecção por A. phagocytophilum está documentada em ampla variedade de animais domésticos e silvestres. É caracterizada por febre, letargia e relutância para se movimentar. As alterações nos parâmetros sanguíneos incluem
trombocitopenia e linfopenia acompanhada de elevação da atividade sérica de fosfatase alcalina e hipoalbuminemia.
NEOPLASIA: Hemangiossarcoma, linfoma e adenocarcinoma podem estar associados a trombocitopenia por alto consumo decorrente da CID. Mecanismos inflamatórios e imunológicos ocasionam aumento do consumo de plaquetas e
diminuição da sobrevida da plaqueta. No entanto, ocasionalmente notase tendência de sangramento sem trombocitopenia. A alteração na função plaquetária, em razão de defeito de membrana adquirido, está associada a hiperglobulinemia.
Vasculite também pode contribuir na instalação de distúrbio hemostático.
TROMBOCITOPENIA INDUZIDA POR VACINA: Cães que recebem doses repetidas de vacinas vivas modificadas contra paramixovírus e adenovírus podem desenvolver trombocitopenia. Notouse trombocitopenia 3 a 10 dias após a repetição da
vacina, geralmente transitória e leve, não ocasionando tendência hemorrágica evidente, a menos que haja, simultaneamente, outro distúrbio de coagulação ou plaquetário. A trombocitopenia pode se instalar em consequência da produção de
anticorpos contra antígenos virais aderidos à superfície plaquetária ou a complexos antígenoanticorpo inespecíficos presentes nas superfícies das plaquetas.
TROMBOCITOPENIA INDUZIDA POR MEDICAMENTOS: Relatase trombocitopenia associada à administração de certos medicamentos em cães, gatos e equinos. Um mecanismo envolvido é a supressão medular que envolve megacariócitos ou
supressão generalizada de célulastronco da medula óssea (após administração de estrógeno, cloranfenicol, fenilbutazona, difenilhidantoína e sulfonamidas). Outro mecanismo envolve o aumento da destruição de plaquetas e (após uso de
sulfisoxazol, ácido acetilsalicílico, difenilhidantoína, paracetamol, ristocetina, levamisol, meticilina e penicilina). As reações medicamentosas são idiossincráticas e, portanto, imprevisíveis. Normalmente a contagem de plaquetas retorna ao
normal imediatamente após a interrupção do tratamento. A supressão de medula óssea induzida por medicamento pode ser prolongada.
OUTRAS: Há relato de anormalidades plaquetárias quantitativas em hepatopatias, com ou sem deficiência de proteínas de coagulação. Em dois estudos que envolveram gatos com trombocitopenia, 29 a 50% dos animais apresentavam
doença infecciosa, inclusive leucemia felina, peritonite infecciosa felina, panleucopenia ou toxoplasmose. O mecanismo de ocorrência da trombocitopenia não foi esclarecido em vários desses casos. O vírus da leucemia felina replica e se
acumula em megacariócitos e plaquetas; nesse caso, aplasia ou hipoplasia de célulastronco da medula, destruição imunomediada de plaquetas infectadas ou sequestro extravascular de plaquetas nos tecidos linfoides podem contribuir no
desenvolvimento de trombocitopenia.
Anormalidades da Função Plaquetária Congênitas
Influenciam a aderência, a agregação ou a produção de plaquetas. Tais anormalidades podem ser intrínsecas ou extrínsecas às plaquetas. A avaliação da função plaquetária intrínseca necessita de manipulação cuidadosa de amostras e
equipamento especializado, não disponível na rotina de laboratórios de diagnóstico; portanto, não se conhece precisamente a prevalência dos defeitos funcionais intrínsecos das plaquetas. Contudo, caso haja distúrbio hemorrágico
(especialmente sangramento de mucosa ou petéquias superficiais) em animal que não tenha recebido qualquer medicação e cujos resultados dos testes de coagulação de triagem, da contagem de plaquetas e da concentração do fator de von
Willebrand sejam normais, devese suspeitar de anormalidade plaquetária intrínseca.
Não há tratamento específico para qualquer distúrbio intrínseco da função plaquetária. Na hemorragia intensa, podese administrar plasma fresco rico em plaquetas. O sangue total pode ser utilizado se o animal acometido apresenta
anemia.
DOENÇA DE VON WILLEBRAND: Esse distúrbio, causado por um defeito ou deficiência do fator de von Willebrand (vWF, também denominado antígeno relacionado com o fator VIII), é a anormalidade hemorrágica hereditária mais comum
em cães (relatada em praticamente todas as raças e em animais mestiços). Também foi relatada em gatos, coelhos, bovinos, equinos e suínos. Em cães, a doença de von Willebrand é classificada em três subtipos, com base na gravidade dos
sintomas, na concentração plasmática de vWF e na composição do multímero do vWF. O tipo 1 é a forma mais comum, caracterizada por sinais clínicos discretos a moderados, baixa concentração de vWF e distribuição do multímero
normal. O tipo 2 é caracterizado por sintomas moderados a graves, baixa concentração de vWF e perda de multímeros de alto peso molecular. O tipo 3 é um distúrbio grave caracterizado pela ausência total de vWF. A doença é
relativamente frequente (taxa de prevalência de 10 a 70%) em várias raças de cães: Doberman Pinscher, Pastor Alemão, Golden Retriever, Schnauzer miniatura, Welsh Corgi Pembroke, Shetland Sheepdog, Basset Hound, Scottish Terrier,
Poodle padrão e Manchester Terrier padrão. São conhecidos dois modos de herança. No padrão de herança autossômica recessiva, menos comum, a homozigose geralmente é fatal, e a heterozigose resulta em portadores assintomáticos. No
padrão de herança de dominância autossômica com penetrância incompleta, mais comum, os homozigotos e os heterozigotos podem apresentar tendências hemorrágicas variáveis. Os animais acometidos podem manifestar sangramento
gengival, epistaxe e hematúria. Alguns filhotes de cães podem sangrar excessivamente apenas após injeção, venopunção ou cirurgia, como caudectomia, corte de orelha e remoção de dígito rudimentar.
O vWF circula como um complexo associado ao fator de coagulação VIII (também denominado fator coagulante VIII) e controla a adesão plaquetária à superfície subendotelial – a primeira fase da formação do coágulo. Defeito ou
deficiência do vWF mimetiza disfunções decorrentes de trombocitopenia ou de anormalidades plaquetárias intrínsecas. Devese suspeitar de doença de von Willebrand em animais com sinais clínicos de distúrbios hemorrágicos que
apresentam testes de coagulação de triagem normais (TTPA e TP) e contagem de plaquetas adequada, longo tempo de sangramento da mucosa bucal e tempo de fechamento de análise de função plaquetária prolongado. Os testes
quantitativos do vWF têm valor diagnóstico. O diagnóstico é confirmado pela detecção de baixa concentração plasmática de vWF ou mediante o teste de DNA. Ocasionalmente, os animais enfermos podem apresentar menor teor do fator de
coagulação VIII e, portanto, aumento de TTPA e do tempo de coagulação ativada (TCA). Em animais com suspeita da doença, devem ser evitados medicamentos que interfiram na função normal das plaquetas. A transfusão de
crioprecipitado, plasma fresco ou sangue total fresco é efetiva para amenizar um episódio hemorrágico. Animal com doença de von Willebrand tipo 1 pode responder ao tratamento com acetato de desmopressina, que provoca liberação de
multímeros de WeibelPalade (multímeros de alto peso molecular) do endotélio, por um mecanismo desconhecido.
Anormalidades hemostáticas concomitantes podem agravar a doença de von Willebrand. Antigamente acreditavase que o hipotireoidismo (p. 593) estava associado a doença de von Willebrand; ambas as enfermidades são prevalentes em
várias das mesmas raças de cães, como Doberman Pinscher e Golden Retriever. Em um estudo, notouse que a administração de hormônio tireoidiano suplementar a cães com hipotireoidismo, sem deficiência do vWF, não aumentou a
atividade desse fator; na verdade, na maioria dos cães testados a atividade do vWF diminuiu. Portanto, não se pode recomendar a administração de levotiroxina como tratamento de doença de von Willebrand, procedimento que pode,
inclusive, agravar a doença.
SÍNDROME DE CHÉDIAKHIGASHI: Essa anomalia autossômica recessiva é caracterizada por formação granular anormal em leucócitos, melanócitos e plaquetas (p. 30). O defeito parece surgir durante a formação do microtúbulo; portanto,
grânulos anormalmente grandes, mas em pequena quantidade, são evidentes em vários tipos de células. O defeito nos melanócitos resulta em clareamento da cor do pelame. Os leucócitos podem apresentar menor capacidade funcional de
fagocitose e destruição de microrganismos (um achado inconsistente em animais), e as plaquetas apresentam menor capacidade de agregação e liberação. As plaquetas quase não possuem grânulos densos e exibem diminuição acentuada no
armazenamento de difosfato de adenosina e serotonina. Nos gatos da raça Persa azulfumaça acometidos, notase sangramento prolongado após venopunção ou cirurgia. A síndrome já foi diagnosticada em martas, bovinos e camundongos
beges, com tendências hemorrágicas semelhantes.
TROMBOPATIA CANINA: Há relato de trombopatia em cães da raça Basset Hound. Os cães acometidos apresentam epistaxe, petéquias e sangramento gengival. Estudos sugerem que a herança é autossômica, com penetrância variável. As
plaquetas apresentam exposição inapropriada ao receptor de fibrinogênio e distúrbio na liberação de grânulos densos. Devese suspeitar de trombopatia quando cães da raça Basset Hound apresentam petéquias e hemorragia de membranas
mucosas, com contagem de plaquetas e concentração do vWF normais. O diagnóstico específico desse distúrbio exige testes especializados de avaliação da função plaquetária. Em geral, o resultado do teste de retração de coágulo é normal.
TROMBOPATIA BOVINA: Essa disfunção plaquetária hereditária autossômica acomete bovinos da raça Simmental. Os animais enfermos podem manifestar hemorragia discreta a moderada, exacerbada por traumatismo ou cirurgia. As
plaquetas apresentam menor capacidade de agregação. O agente da diarreia viral bovina (p. 319) pode provocar trombocitopenia em bovinos.
TROMBASTENIA DE GLANZMANN: É uma doença genética autossômica, antigamente denominada trombopatia trombastênica, diagnosticada em cães da raça Otterhound e Great Pyrenees, em equinos mestiços de PuroSangue, cavalos Quarto
deMilha e em potrancas da raça Oldenburg. Em animais acometidos, notamse aumento do tempo de sangramento e formação de hematomas no local de venopunção ou lesão. No esfregaço sanguíneo, constatamse várias plaquetas
gigantes bizarras (30 a 80% da população plaquetária). Em razão da menor síntese de glicoproteína IIb ou IIIa, notase diminuição, ou ausência, da glicoproteína receptora de membrana IIbIIIa na superfície das plaquetas. Até o momento,
todos os animais acometidos apresentavam anormalidade na síntese de IIb.
O sangue dos animais enfermos não mostra retração normal do coágulo, e as plaquetas não se agregam normalmente após estímulo com adenosina difosfato, colágeno ou trombina.
Disfunção Plaquetária Adquirida
Os cães com trombocitopenia imunomediada também podem apresentar disfunção plaquetária adquirida. Eles podem manifestar tendência hemorrágica excessiva, sem diminuição marcante na quantidade de plaquetas. Em cães com
trombocitopenia imunomediada, a disfunção plaquetária, juntamente com a menor quantidade de plaquetas, pode contribuir para a tendência hemorrágica.
Várias doenças estão associadas a disfunção plaquetária adquirida. Hiperglobulinemia associada a mieloma múltiplo induz alteração na membrana da plaqueta, resultando em prejuízo da função hemostática. Na uremia associada a
qualquer forma de doença renal, constatase menor capacidade de adesão e de agregação das plaquetas.
Vários medicamentos podem prejudicar a função das plaquetas. Dentre os medicamentos incriminados no bloqueio de receptores plaquetários ou na alteração da permeabilidade ou da carga da membrana das plaquetas, incluemse
furosemida, penicilina, carbenicilina, lidocaína, fentolamina e clorpromazina. Os medicamentos que inibem a transdução de mensagens recebidas na superfície das plaquetas incluem cafeína, teofilina, dipiridamol e papaverina. Os
medicamentos que inibem a resposta plaquetária (agregação, secreção ou síntese de tromboxano) são ácido acetilsalicílico, indometacina, paracetamol, fenilbutazona, ticlopidina, pentobarbital e sulfimpirazona. Hemorragias de relevância
clínica podem não ser causadas por prejuízo da função plaquetária induzido por medicamentos, a menos que, simultaneamente, haja outro distúrbio associado a disfunção hemostática.
ANORMALIDADES VASCULARES
Anomalia Vascular Congênita
Astenia cutânea (síndrome de EhlersDanlos, “doença do filhote de borracha”) é causada por um distúrbio na maturação do colágeno tipo 1. Isso causa enfraquecimento do suporte estrutural de vasos sanguíneos e pode resultar em
hematomas e equimoses. Essa anomalia foi diagnosticada em cães, gatos, martas, equinos, bovinos, ovinos e humanos, contudo é rara em animais domésticos. O sinal clínico mais evidente é pele solta e hiperextensível que se lacera
facilmente. Não há tratamento disponível.
Anormalidades Vasculares Adquiridas
Várias doenças provocam vasculite generalizada caracterizada por distúrbios hemorrágicos frequentemente graves.
Febre maculosa das montanhas rochosas (p. 827) é causada por Rickettsia rickettsii, transmitida pelos carrapatos Dermacentor variabilis e D. andersoni. As riquétsias invadem as células endoteliais e causam morte celular, resultando
em edema perivascular e hemorragia. Juntamente com trombocitopenia, podem ocorrer graus variáveis de ativação da cascata de coagulação. Os cães infectados podem apresentar epistaxe, hemorragias petequiais e equimoses, hematúria,
melena ou hemorragia de retina. Nos cães gravemente enfermos, pode ocorrer coagulação intravascular disseminada.
Herpesvírus canino geralmente acomete filhotes com 7 a 21 dias de idade. Vasculite necrosante generalizada é acompanhada de hemorragia perivascular. Em geral, a doença é rapidamente fatal e a maioria dos filhotes morre dentro de
24 h após o início dos sintomas.
TROMBOSE PATOLÓGICA
Anormalidades Anticoagulantes Primárias ou Hereditárias
Ainda não se identificou deficiência congênita de qualquer proteína anticoagulante em animais domésticos. Se tal condição existe, provavelmente é incompatível com a vida.
Anormalidades Procoagulantes Secundárias ou Adquiridas
É difícil avaliar a presença de hipercoagulabilidade antemorte em cães; ademais, a importância da hipercoagulabilidade e da doença tromboembólica não foi bem definida em medicina veterinária. Há necessidade de testes refinados para
avaliar as alterações hemostáticas, inclusive hipercoagulabilidade e condição hemostática geral dos cães. A TEG (p. 19) possibilita um exame global da função hemostática em amostra de sangue total. As vantagens da TEG incluem a
avaliação de propriedades viscoelásticas do desenvolvimento do coágulo sanguíneo (inclusive formação, cinética, resistência, estabilidade e resolução do coágulo) e a detecção imediata da condição de hiper ou hipocoagulabilidade.
Em animais, algumas doenças estão associadas a maior risco de trombose. Os gatos com cardiomiopatia, principalmente a forma dilatada, mas também a hipertrófica e a restritiva, podem formar grandes trombos e tromboembolia na
artéria aorta ou braquial. Temse constatado trombose em cães que apresentam nefropatia com perda de proteínas, hiperadrenocorticismo, neoplasia, hipotireoidismo crônico acompanhado de aterosclerose e, mais raramente, anemia
hemolítica autoimune. Há relato de trombos e tromboembolia em equinos com doenças inflamatórias sistêmicas (como cólica, laminite ou colite causada por erlíquia), bem como nos casos de uso prolongado de cateter na veia jugular e de
aplicação intravenosa de medicamentos irritantes aos vasos sanguíneos.
Neoplasia é um fator de risco de hipercoagulabilidade e possivelmente de complicações associadas, como doença tromboembólica. Várias células e proteínas envolvidas na manutenção da hemostasia também participam dos mecanismos
de angiogênese, metástase, invasão e desenvolvimento de câncer. Trombose venosa profunda é uma complicação clínica importante em pessoas com câncer, mas não se sabe se isso é verdadeiro para cães com câncer.
Nas nefropatias com perda de proteínas (p. ex., glomerulopatias, síndrome nefrótica e amiloidose renal), a deficiência de antitrombina III é bem documentada. O peso molecular da antitrombina III é 57.000 dáltons (D), semelhante ao da
albumina (60.000 D); portanto, as lesões glomerulares que resultam em perda de albumina também causam perda de antitrombina III. Outras anormalidades detectadas nas nefropatias incluem aumento da responsividade das plaquetas aos
agonistas, aumento da atividade procoagulante e diminuição da atividade da antiplasmina. Atualmente, considerase a trombose um distúrbio de etiologia multifatorial.
Temse associado hipercolesterolemia com maior risco de tromboembolia. Considerase que ocorre alteração no teor de fosfolipídio das membranas endoteliais e plaquetárias, a qual provoca lesão vascular e aumento da resposta das
plaquetas aos agonistas, respectivamente. Relatase aumento da síntese plaquetária de tromboxano pela via ciclooxigenase. As doenças caracterizadas por hipercolesterolemia incluem hiperadrenocorticismo, diabetes melito, síndrome
nefrótica, hipotireoidismo e pancreatite. Todas elas estão associadas a maior risco de formação de trombo, frequentemente trombose pulmonar.
Os gatos com cardiomiopatia apresentam maior risco de tromboembolia. Acreditase que as lesões endomiocárdicas e o fluxo sanguíneo turbulento nas câmaras e valvas cardíacas, secundários à alteração na função do miocárdio, iniciam
a formação de trombos. Ainda não se notou deficiência específica de proteínas anticoagulantes ou fibrinolíticas. É interessante que o teor de antitrombina III elevase acentuadamente, mas não propicia proteção. Gatos com doença cardíaca
secundária a hipertireoidismo frequentemente recebem medicamentos (p. ex., propranolol, atenolol ou diltiazem) que minimizam os sinais clínicos da disfunção cardíaca. Esses medicamentos parecem proteger contra risco maior de
trombose, por alterar a resposta plaquetária aos agonistas.
Os equinos com cólica associada à endotoxemia apresentam diminuição na atividade do plasminogênio e da concentração do antígeno da proteína C. Esses equinos são mais sujeitos à morte e à formação de trombos. Acreditase que a
laminite seja o resultado final de anormalidades sistêmicas diversas. Os microtrombos nos vasos da lâmina do casco já foram detectados nos estágios iniciais da laminite. Uma teoria é que a endotoxina atua diretamente nos vasos e ativa
fatores de contato da cascata de coagulação. Isquemia da lâmina secundária a edema, compressão vascular e possível desvio sanguíneo na altura da coroa do casco também lesionam o endotélio. Quando a circulação é restabelecida, ocorre
lesão por reperfusão e a exposição do colágeno subendotelial induz à trombose.
O manejo mais apropriado de um animal com trombose ou tromboembolia é o diagnóstico e o tratamento da doença primária, juntamente com terapia de suporte adequada. É fundamental a manutenção de uma perfusão tecidual
adequada. A dissolução de coágulos e a prevenção de recidiva pela administração de anticoagulantes (p. ex., heparina e cumarina) mostram eficiência variável. A heparina facilita a ação da antitrombina, mas, para ser efetiva, deve haver
teor adequado de antitrombina. Nos cães que apresentam nefropatias com perda de proteína e nos equinos com endotoxemia, pode ser necessária a transfusão de plasma antes da terapia com heparina. A cumarina é mais útil no controle ou
na prevenção do que no tratamento. Têmse administrado compostos fibrinolíticos para maximizar a dissolução de coágulos. O ativador de plasminogênio tecidual tem mais especificidade à fibrina do que a estreptoquinase ou a uroquinase
e, portanto, propicia efeitos fibrinolíticos mais localizados (embora não totalmente). O principal impedimento ao uso do ativador de plasminogênio tecidual é seu alto custo. A estreptoquinase está mais facilmente disponível e de menor
custo, mas é difícil determinar sua dose terapêutica. Vários animais naturalmente apresentam anticorpos contra estreptoquinase, em razão de infecções estreptocócicas anteriores. A dose de estreptoquinase deve ser suficiente para
neutralizar todos os anticorpos, porém não deve ocasionar fibrinólise sistêmica e, consequentemente, diátese hemorrágica.
ANORMALIDADES LEUCOCITÁRIAS
No sangue dos mamíferos normais, os leucócitos compreendem neutrófilos segmentados, neutrófilos bastonetes, linfócitos, monócitos, eosinófilos e basófilos. Leucócitos anormais incluem neutrófilos menos desenvolvidos do que o estágio
de bastonetes (p. ex., metamielócitos, mielócitos, progranulócitos), blastócitos de qualquer linhagem, mastócitos e células neoplásicas de origem tecidual. Os leucócitos são diferentes quanto a local de produção, tempo de permanência na
circulação e estímulos que influenciam sua liberação e migração para o leito vascular. As contagens diferenciais também variam entre as espécies. As diferenças na fisiologia dos leucócitos são responsáveis pelas diferentes contagens
normais no sangue e pelas respostas ante as doenças, nas espécies animais (ver Tabela 6, p. 3346).
O leucograma, um componente do hemograma, é uma tabulação organizada da contagem de leucócitos totais, juntamente com as contagens dos tipos específicos de leucócitos presentes na amostra, também conhecida como contagem
diferencial. O conhecimento da fisiologia de leucócitos e a influência nos mecanismos de doenças representam a base para a interpretação de anormalidades do leucograma, para fins de diagnóstico. A interpretação do leucograma varia em
função da especificidade diagnóstica. A maioria das interpretações define mais uma condição de doença do que um diagnóstico específico. A interpretação geralmente envolve quatro grupos de ocorrências: 1) respostas fisiológicas que
alteram a hemodinâmica vascular; 2) respostas inflamatórias, infecciosas e imunológicas; 3) respostas da medula à lesão e 4) neoplasias de célula hematopoética (ver p. 1780).
FISIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA
Sistema Vascular Sanguíneo
Em termos conceituais, o sistema vascular sanguíneo é dividido em dois compartimentos: o central e o marginal. O compartimento marginal compreende a microcirculação, ou seja, a interface capilartecido. O compartimento central
consiste em vasos maiores. As amostras de sangue obtidas por venopunção representam o compartimento central. A taxa de fluxo, o movimento de fluido para o espaço extravascular e a adesão seletiva dos leucócitos ao endotélio são
fatores que podem contribuir para diferenças marcantes na quantidade de células contidas nos dois compartimentos. Ademais, esses compartimentos estão em equilíbrio hemodinâmico mútuo e com o espaço extravascular. Portanto, a
quantidade de leucócitos pode se alterar apreciavelmente por conta do movimento de células e/ou fluido de um compartimento a outro, em decorrência de alteração no equilíbrio. Grosso modo, na maioria das espécies, os leucócitos são
distribuídos igualmente entre os dois compartimentos. Os gatos apresentam uma população maior de leucócitos no compartimento marginal. Pode ocorrer aumento da quantidade de leucócitos no compartimento circulante induzido por
alguns mecanismos: a epinefrina pode redistribuir os leucócitos do compartimento marginal para o compartimento circulante; os corticosteroides podem inibir a adesão de neutrófilos ao endotélio e a migração tecidual.
Granulócitos
Compreendem neutrófilos, eosinófilos e basófilos produzidos na medula óssea, a partir de um subsistema de célulatronco comum. Os elementos proliferativos (mitóticos) consistem em mieloblastos, prómielócitos e mielócitos.
Inicialmente os prómielócitos formam grânulos primários azurofílicos (lisossomos) que, posteriormente, desaparecem. O compartimento de armazenamento (maturação) compreende metamielócitos, neutrófilos bastonetes e neutrófilos
segmentados, que são funcionalmente maduros. Grânulos específicos, que definem os tipos celulares finais, são produzidos inicialmente no estágio de mielócito. Os tipos de células são identificados pela afinidade por corantes específicos;
por exemplo, grânulos basofílicos em basófilos, grânulos eosinofílicos em eosinófilos e grânulos não corados ou neutros no caso de neutrófilos.
NEUTRÓFILOS: No sangue, normalmente observamse neutrófilos maduros (segmentados), com raras formas de bastonetes imaturos. Os neutrófilos oriundos da medula óssea alcançam o sangue periférico e aí permanecem, em média, 8 h.
Eles tendem a se aderirem ao endotélio da microcirculação e, em seguida, migram aos tecidos de modo unidirecional, onde podem participar da defesa do hospedeiro. Em razão do rápido turnover dos neutrófilos no sangue, a manutenção
da quantidade dessas células no sangue depende da liberação estável e relativamente alta pela medula óssea. Esse equilíbrio pode se alterar drasticamente quando há aumento do consumo tecidual em razão de inflamação tecidual ou no caso
de dano à célulatronco que reduz a taxa de produção da medula. No início da reação inflamatória, fator(es) estimulante(s) de colônia liberados por células mononucleares locais estimula(m) rapidamente a medula óssea para liberar a
reserva de neutrófilos e acelerar a granulopoese. Quando a demanda é intensa, aceleramse a produção e a liberação da medula, resultando em desvio à esquerda e alteração tóxica.
Neutrofilia extrema, excedendo os valores máximos verificados na inflamação, pode estar associada a leucemia mielomonocítica, infecções por Hepatozoon canis e, raramente, neoplasias que produzem fatores estimulantes de colônia.
Deficiência de aderência de leucócitos em bovinos é um distúrbio autossômico recessivo letal notado em animais da raça Holandesa. Está associada a neutrofilia marcante, e os neutrófilos apresentam deficiência de glicoproteínas
(integrinas) fundamentais para adesão e emigração normais dos leucócitos. Infecções bacterianas recorrentes, neutrofilia persistente (frequentemente > 100.000/μL), linfocitose e morte (geralmente entre 2 semanas e 8 meses de idade) são
achados característicos. Com frequência, notase retardo no crescimento, e os bezerros manifestam pneumonia recidivante, estomatite ulcerativa, enterite e periodontite. No exame histológico, notase pequena quantidade de neutrófilos,
exceto no lúmen vascular, porque eles permanecem na circulação e são incapazes de migrar para os tecidos. Há disponibilidade de exames para detectar animais portadores.
Neutropenia pode ser decorrente de excessiva demanda tecidual por neutrófilos ou por granulopoese reduzida. Pode ser notada no caso de infecção bacteriana fulminante, especialmente sepse gramnegativa ou endotoxemia, em todas as
espécies. A destruição imunomediada de neutrófilos é diagnosticada pela exclusão de outras possíveis doenças que consumem essas células. Pode haver lesão de célulatronco de diversas causas, como certas infecções virais, lesão química
e reações idiossincráticas a medicamentos, por exemplo, sulfonamidas, penicilinas, cefalosporinas e cloranfenicol, em gatos. Essas reações tipicamente influenciam todas as linhagens celulares da medula, porém inicialmente detectase
neutropenia por conta do turnover relativamente alto dos neutrófilos.
Neutropenia é observada em uma condição rara e recente denominada síndrome da hematopoese cíclica de cães da raça Gray Collie, também conhecida como neutropenia cíclica canina. É uma anormalidade hereditária autossômica
recessiva caracterizada por neutropenia cíclica intensa, infecção bacteriana grave recorrente, hemorragia e despigmentação do pelame. Acreditase que sua base molecular seja um defeito cíclico na maturação das célulastronco
hematopoéticas pluripotentes na medula óssea. Cessase a maturação neutrofílica em ciclos regulares de 11 a 14 dias; a neutropenia periférica dura 3 a 4 dias, sendo seguida de neutrofilia. Todas as outras células hematopoéticas, inclusive
os linfócitos, também têm produção cíclica, que é minimamente evidente por causa do tempo de circulação relativamente longo dessas células. Os filhotes de cães afetados geralmente morrem ao nascimento ou nas primeiras semanas de
vida e raramente vivem > 1 ano. Os cães sobreviventes podem apresentar retardo no desenvolvimento e fraqueza e desenvolvem graves infecções bacterianas recorrentes durante os períodos de neutropenia.
EOSINÓFILOS: Os eosinófilos atuam matando parasitos e também contêm enzimas que modulam os produtos de mastócitos e basófilos liberados em resposta ao estímulo induzido pela destruição do receptor de mastócito para o complexo
antígenoIgE, na doença alérgica. Por exemplo, a histamina liberada por mastócitos é modulada pela histaminase dos eosinófilos. Eosinofilia é induzida principalmente por substâncias que provocam respostas inflamatórias alérgicas e por
infestações de parasitos que invadem tecidos. Há relato de síndrome hipereosinofílica em gatos. Essa síndrome pouco compreendida é caracterizada por eosinofilia marcante consistente e infiltração tecidual de eosinófilos com disfunção
orgânica associada. Menos comumente, neoplasia pode estar associada a indução paraneoplásica de eosinofilia. Lesões teciduais eosinofílicas localizadas não necessariamente ocasionam eosinofilia periférica, por exemplo, dermatopatias
com granuloma eosinofílico e lesões bucais em gatos. Eosinopenia é um componente de leucograma induzido por corticosteroides (estresse).
BASÓFILOS: São raros em todos os animais domésticos comuns. Os grânulos basofílicos contêm histamina, heparina e mucopolissacarídios sulfatados; a compreensão de sua função é limitada. Como resultado, não há interpretação clara para
basofilia. Basofilia é incomum, porém ocasionalmente acompanha eosinofilia, sendo o último parâmetro a ser interpretado. Diferentemente do que se alega a respeito de equipamentos utilizados em hematologia, não há dados ou
documentação que comprovem que esses aparelhos sejam capazes de identificar os basófilos de animais. Embora os basófilos no sangue e os mastócitos no tecido apresentem funções e conteúdos enzimáticos semelhantes, os basófilos não
se tornam mastócitos. Eles parecem se originar de diferentes sistemas da ramificação medular.
Linfócitos
Originamse de uma célulatronco da medula e amadurecem nos linfonodos, no baço e nos tecidos linfoides subepiteliais. Os linfócitos maduros compreendem duas importantes subpopulações: linfócitos B e linfócitos T. Os linfócitos B (B
de bone marrow ou bursa) são precursores potenciais dos plasmócitos e produzem anticorpos para a imunidade humoral. Os linfócitos T (T de timo) estão relacionados com a imunidade celular (p. ex., histocompatibilidade e
hipersensibilidade do tipo retardada). Os linfócitos no tecido podem retornar ao leito vascular e recircular. Alguns linfócitos têm vida longa quando comparados com outros tipos de leucócitos.
LINFOCITOSE: Causas comuns de linfocitose são resposta à excitação (epinefrina) e leucemia linfocítica. A estimulação imune (antigênica) associada a inflamação crônica não causa linfocitose, mas pode resultar em expansão de células
linfoides responsivas nos tecidos linfoides. A estimulação imune também pode resultar em linfócitos reativos (imunologicamente estimulados) notados no exame do esfregaço sanguíneo. Os linfócitos reativos podem ser verificados em
qualquer doença que causa estímulo imune sistêmico moderado a intenso. Grandes linfócitos reativos são normais em animais jovens. Pequena quantidade de linfócitos granulares grandes é normal. Há relato de contagens de linfócitos de
até 17.000/μL, com linfócitos granulares grandes frequentes, em cães com infecção crônica por Ehrlichia canis. Em bovinos, linfocitose persistente é definida pela contagem linfocitária consistentemente > 7.500 células/μL. Isso se deve à
proliferação de linfócitos B que acontece em um subconjunto de animais infectados por vírus da leucemia bovina (BLV). Em geral, os bovinos acometidos são assintomáticos. Linfocitose persistente é considerada indicação positiva de
infecção por BLV. Um subconjunto menor de bovinos infectados por BLV, com ou sem linfocitose, pode desenvolver linfoma ou leucemia linfocítica.
LINFOPENIA: É uma anormalidade comum no leucograma. Está mais comumente associada a ação de corticosteroides endógenos (estresse) ou exógenos. Possivelmente a causa mais comum seja apoptose de linfócitos induzida por esteroide.
Também, raramente notase linfopenia em decorrência de outras causas, como extravasamento de linfa (p. ex., linfangiectasia e efusão quilosa), algumas infecções virais com tropismo por células de rápida divisão e imunodeficiência
hereditária (p. ex., imunodeficiência combinada de potros da raça Árabe).
Monócitos
São produzidos na medula óssea e se desenvolvem a partir de monoblastos em prómonócitos e, em seguida, em monócitos. Os monócitos permanecem no sangue periférico por cerca de 24 a 36 h, migram para os tecidos e se transformam
em macrófagos teciduais fixos. Monócitos e macrófagos fagocitam microrganismos e restos celulares no sítio inflamatório ou na lesão tecidual. Podem originar células gigantes multinucleadas nos tecidos, particularmente em resposta a
corpos estranhos ou a microrganismos complexos que estimulam a formação de granuloma. Monócitos e macrófagos são as principais fontes de fatores estimulantes de colônia e citocinas que controlam a resposta inflamatória, bem como
atuam como células processadoras de antígenos. Monocitose pode estar associada a inflamação, particularmente crônica. Monocitose também é um componente da resposta aos esteroides, mais notadamente em cães.
ANORMALIDADES DO LEUCOGRAMA
Incluem alterações na contagem quantitativa ou numérica, bem como morfológicas de leucócitos.
ANORMALIDADES DA QUANTIDADE: As contagens de leucócitos são interpretadas por meio de comparação com valores de referência espécieespecífica. Para a interpretação adequada, devem ser considerados apenas os valores absolutos.
Ver Tabela 6 (p. 3346) para valores de referência das contagens de leucócitos totais e diferenciais em contagens absolutas dos animais domésticos comuns. Nos neonatos, a contagem total de leucócitos é mais variável e frequentemente
maior do que a de adultos. Para interpretação do hemograma de animais jovens, devemse utilizar valores de referência próprios para a idade, particularmente em espécies nas quais a população de linfócitos é maior (e a quantidade de
neutrófilos é menor) em adultos, tipicamente em ruminantes. Em geral, o padrão da contagem diferencial dos leucócitos de adultos é obtido aproximadamente na idade de maturidade sexual.
A alteração na contagem total de leucócitos é útil somente para alertar o clínico no sentido de pesquisar e interpretar anormalidades na contagem diferencial dos diferentes tipos celulares. Quando a contagem total de leucócitos é anormal,
é provável que haja uma ou mais anormalidades na contagem diferencial. Mesmo quando a contagem total de leucócitos é normal, é possível que haja uma ou mais anormalidades na contagem diferencial. Como consequência, a avaliação
dos dados da contagem diferencial é o componente mais importante do leucograma.
Leucocitose corresponde ao aumento da quantidade de leucócitos circulantes; leucopenia indica sua diminuição. Para fins de interpretação clínica, a alteração na contagem dos tipos específicos de leucócitos é mais importante.
Neutrofilia ou leucocitose neutrofílica é o aumento da contagem de neutrófilos. Linfocitose é o aumento da contagem de linfócitos. Monocitose é o aumento na contagem de monócitos. Eosinofilia e basofilia referem–se aos aumentos nas
contagens de eosinófilos e basófilos, respectivamente. Metarrubricitose é o aumento da quantidade de hemácias nucleadas (nHe) no sangue. Mastocitose é o aumento do número de mastócitos no sangue.
A diminuição na contagem de um tipo celular é indicada pelo sufixo “penia”. Isso se aplica apenas aos tipos celulares passíveis de diminuição, mas não àqueles de leucócitos cujas contagens possam ser 0, como monócitos, basófilos, nHe
e qualquer outro tipo de célula anormal. Assim, neutropenia é a diminuição na contagem de neutrófilos, linfopenia é a diminuição na contagem de linfócitos e eosinopenia é a diminuição na contagem de eosinófilos. Citopenia é um termo
inespecífico que indica diminuição na contagem celular, porém sem especificação do tipo celular. Pancitopenia referese à diminuição de todos os tipos de leucócitos, geralmente uma redução intensa.
Os termos utilizados para descrever ou qualificar as anormalidades mais comumente associadas a respostas inflamatórias incluem vários graus de desvio à esquerda e resposta leucemoide. Desvio à esquerda é o aumento na quantidade
de neutrófilos não segmentados imaturos, tipicamente bastonetes, mas também pode incluir metamielócitos ou até mesmo outras formas imaturas. Desvio à esquerda regenerativo corresponde à leucocitose caracterizada pela combinação de
neutrofilia e desvio à esquerda. Nessa situação, a contagem de neutrófilos segmentados é maior do que a de bastonetes e de outras células mais imaturas. Desvio à esquerda degenerativo compreende um padrão de neutrófilos caracterizado
por contagem total de neutrófilos normal ou diminuída, mas com desvio à esquerda no qual a contagem de bastonetes e de formas mais imaturas é maior do que o número de neutrófilos segmentados. Isso indica liberação máxima pela
medula óssea em resposta à inflamação. Resposta leucemoide corresponde à neutrofilia marcante de magnitude suficiente para indicar a cronicidade de uma resposta inflamatória. Essa magnitude é tal que a leucemia mieloide tornase uma
possibilidade diagnóstica. Referências para leucocitose neutrofílica consideram resposta leucemoide quando há > 70.000 leucócitos/μL, para cães, > 50.000/ μL para gatos, > 30.000/μL para equinos e > 20.000/μL para ruminantes.
ANORMALIDADES MORFOLÓGICAS: Podem estar associadas a doença hereditária ou adquirida. Várias destas são incomuns.
Alteração tóxica é identificada apenas em neutrófilos. O termo originase de observações históricas de que algumas características celulares geralmente estão associadas a condições tóxicas graves, como infecções bacterianas sistêmicas
e lesões inflamatórias agudas graves. É um erro considerar que isso implica dano ao neutrófilo. As células não são comprometidas e a função delas é normal. A alteração tóxica é mais bem definida como um conjunto de alterações
morfológicas verificadas no esfregaço sanguíneo, decorrentes da produção acelerada de neutrófilos na medula. A rápida produção é uma resposta à condição inflamatória relativamente grave que induz estímulo máximo à medula óssea. As
alterações morfológicas incluem (em ordem de frequência) basofilia citoplasmática difusa, corpúsculos de Döhle e vacuolização citoplasmática fina. Alterações mais raras incluem grânulos azurofílicos citoplasmáticos mais proeminentes,
gigantismo celular e binucleação. A alteração tóxica quase sempre está associada a desvio à esquerda concomitante. Ela é classificada como discreta, moderada ou grave, por meio de avaliação subjetiva das alterações mais comuns. Os
corpúsculos de Döhle apresentam–se como inclusões intracitoplasmáticas azulacinzentada, agregadas ao retículo endoplasmático. Eles são particulares, pois podem ser notados em gatos clinicamente sadios e, portanto, não são
considerados alteração tóxica, a menos que acompanhada de outras anormalidades.
Linfócitos reativos apresentam citoplasma basofílico distintamente maior e podem ter núcleo irregular ou fendido. Seu diâmetro pode variar consideravelmente. Apresentam cromatina condensada e, portanto, não são blastócitos. São
considerados linfócitos B imunologicamente estimulados.
Linfócitos granulares apresentam cromatina condensada e aumento do citoplasma azulacinzentado claro que contém vários grânulos pequenos róseos ou azurofílicos. O núcleo pode ser arredondado ou fendido. São grandes linfócitos
granulares e podem ser linfócitos matadores naturais (NK; natural killer), ou linfócitos T.
Blastócitos geralmente são indicativos de neoplasia de célula hematopoética, se reproduzíveis ou presentes em grande quantidade. Podese tentar a identificação de sua linhagem com base em critérios morfológicos, porem há
necessidade de exame citométrico para identificar a linhagem.
Um distúrbio autossômico recessivo em gatos da raça Birman resulta em finos grânulos eosinofílicos intracitoplasmáticos nos neutrófilos, os quais podem ser confundidos com granulação tóxica. Esses gatos apresentam função
neutrofílica normal, e considera–se que essa anomalia seja um achado casual.
Síndrome de ChédiakHigashi (p. 27) é uma anomalia autossômica recessiva que envolve grânulos lisossomais, descrita em gatos da raça Persa, pessoas, martas, raposas, bovinos das raças Hereford e Brangus, camundongos e orcas. Há
hiperfusão de grânulos, resultando em grandes inclusões citoplasmáticas eosinofílicas. Notamse maior suscetibilidade a infecções bacterianas e maior predisposição a hemorragia decorrente de defeitos na função dos neutrófilos e
das plaquetas e albinismo oculocutâneo parcial por conta da distribuição anormal de melanina. No entanto, os gatos podem manter saúde razoável.
Mucopolissacaridioses são um grupo de anormalidades de armazenamento lisossômico no qual há defeito na degradação de glicosaminoglicanos. Os neutrófilos e os linfócitos contêm acúmulo de mucopolissacarídio na forma de
grânulos intracitoplasmáticos de cor púrpura ou metacromáticos. Os linfócitos também podem apresentar vacúolos. Esses distúrbios estão associados a diversas anormalidades clínicas sistêmicas e são vistos em cães e gatos.
Outro grupo de anormalidades de armazenamento lisossômico detectado em cães e gatos pode resultar em vacúolos citoplasmáticos, predominantemente nos linfócitos e, ocasionalmente, nos neutrófilos. Essas anormalidades incluem
gangliosidoses, amanosidose, variantes da doença de NiemannPick, deficiência de lipase ácida e fucosidose. A maioria desses distúrbios ocasiona graves anormalidades neurológicas progressivas decorrentes do acúmulo de produtos no
tecido neuronal.
Em grandes animais, a intoxicação por astrágalo é considerada uma forma de defeito de armazenamento lisossômico adquirido. Ela devese ao princípio tóxico da planta que inibe uma ou mais enzimas que participam do metabolismo
de oligossacarídios. Isso pode resultar na vacuolização de linfócitos.
Anomalia de PelgerHuët é um defeito na hipossegmentação nuclear de granulócitos que acomete pessoas, gatos, coelhos e cães heterozigotos para a anomalia. Os neutrófilos apresentam função normal e quase não se nota segmentação
nuclear. A maioria ou todos os neutrófilos assemelhamse a bastonetes e metamielócitos. Assim, no leucograma normal, pode parecer que há marcante desvio à esquerda. Os animais heterozigotos acometidos são clinicamente normais; a
transmissão da característica de homozigoto é letal.
Hipersegmentação é um grau maior de segmentação nuclear, resultando em múltiplos lobos conectados por filamentos nucleares. É uma indicação inespecífica de maior permanência da célula no sangue; representa o envelhecimento
normal das células. Isso pode ser notado em leucogramas de animais tratados com esteroides.
A aglutinação leucocitária pode afetar neutrófilos ou linfócitos. No exame microscópico em baixo aumento, ela é visualizada como agregados de 5 a 15 leucócitos firmemente agrupados. Aglutinação marcante pode resultar em
diminuição acentuadamente falsa da contagem total de leucócitos em alguns citômetros. Isso possivelmente se deve à presença de uma aglutinina fria de ocorrência natural eficiente apenas in vitro, em temperatura de laboratório. Não há
relevância clínica conhecida.
Ocasionalmente, notamse inclusões de agentes infecciosos. Inclusões do vírus da cinomose canina podem ser verificadas em neutrófilos, monócitos e linfócitos, bem como em hemácias recentemente produzidas. Na erliquiose, em
várias espécies animais, e na hepatozoonose canina, é possível notar inclusões citoplasmáticas dos respectivos microrganismos causadores dessas enfermidades transmitidas por carrapatos.
Padrões de Interpretação do Leucograma
O leucograma anormal é tipicamente interpretado em um dos vários padrões, cada um dos quais podendo consistir em mais de uma anormalidade na contagem diferencial. Alguns padrões também podem estar associados a alterações
concomitantes nas hemácias e nas plaquetas. A seguir, são descritas importantes diferenças nas respostas leucocitárias das espécies.
RESPOSTA AO ESTRESSE OU INDUZIDA POR CORTICOSTEROIDES: Essa provavelmente seja a resposta leucocitária mais comum. O tratamento com corticosteroide exógeno ou sua liberação endógena resulta em leucograma com múltiplas
alterações. Linfopenia é a alteração mais consistente e geralmente é acompanhada de neutrofilia madura. Esperamse alterações como monocitose e eosinofilia, porém são mais variáveis. Neutrofilia devese à menor adesão da célula ao
endotélio vascular, fato que inibe sua marginação e prolonga o tempo de circulação. Como resultado, os neutrófilos podem se tornar hipersegmentados. Também, pode haver maior liberação de neutrófilos pela medula óssea. Com
frequência, essa resposta é erroneamente interpretada como inflamatória.
EXCITAÇÃO OU REAÇÃO À EPINEFRINA: Leucocitose pode ser decorrência de exercício ou de excitação; essa resposta é induzida pelo aumento do teor de epinefrina, que provoca a transferência de leucócitos marginais para o compartimento
circulante. O efeito da excitação pode duplicar a contagem de leucócitos em minutos. Além disso, a contração esplênica libera leucócitos e hemácias na circulação periférica. Em geral, a leucocitose devese à neutrofilia madura, sem desvio
à esquerda. Também, pode ocorrer linfocitose, especialmente em equinos e gatos jovens. O efeito em gatos é frequentemente detectado na forma de linfocitose evidente – tão elevada quanto o dobro do limite superior da faixa de
normalidade. A resposta à excitação é relativamente rara em cães.
REAÇÃO INFLAMATÓRIA: A resposta dos neutrófilos sanguíneos à doença inflamatória é altamente variável e dinâmica. É melhor considerada como um equilíbrio entre o consumo tecidual e a produção de neutrófilos na medula óssea, em
todas as fases da resposta. Entre as espécies, há importantes diferenças nesse equilíbrio, as quais estão relacionadas com a reserva orgânica de neutrófilos e com a capacidade proliferativa da medula.
No início da resposta inflamatória, a medula óssea reage mediante a liberação de sua reserva de neutrófilos em estágio final de maturação ao sangue, inclusive as células mais jovens que acompanham o desvio à esquerda. Se, na fase
aguda, o consumo de neutrófilos exceder a liberação da medula, ocorre neutropenia com marcante desvio à esquerda. Em cães e gatos, isso indica lesão inflamatória bastante intensa que, historicamente, é denominada desvio à esquerda
degenerativo. No entanto, classificação absoluta de “degenerativo” não deve ser enfatizada na interpretação. O mais importante é que a neutropenia com desvio à esquerda deve ser prontamente considerada uma grave doença inflamatória
em cães e gatos.
Subsequentemente, demora 2 a 4 dias para a medula acelerar a produção de neutrófilos mediante maior ingresso de células–tronco e expansão de estágios proliferativos que suprem os estágios de maturação e aumentam a liberação de
neutrófilos no sangue. Em cães, esperase neutrofilia discreta a moderada na fase aguda da resposta inflamatória, com desvio à esquerda proporcional à intensidade da demanda.
Após alguns dias, verificase produção acelerada de neutrófilos. A neutrofilia pode aumentar e ser acompanhada de desvio à esquerda e alteração tóxica. À medida que a inflamação se torna crônica, o equilíbrio entre maior produção
medular e consumo de células pode favorecer o desenvolvimento de neutrofilia de maior magnitude. A forma mais crônica, instalada há semanas ou meses, é considerada uma reação inflamatória de “cavidade fechada”. A lesão tornase um
tanto encapsulada e, assim, consome menos neutrófilos, ainda que estimule a produção máxima da medula. Bons exemplos de inflamação de cavidade fechada são piometra, em cadelas, e reticuloperitonite traumática (doença do corpo
estranho metálico), em vacas. Nesses casos, a magnitude da contagem total de leucócitos pode ser tão elevada quanto 100.00 células/μL de sangue, em cães, decorrente de neutrofilia.
Ao contrário da resposta inflamatória em cães, nos bovinos e na maioria dos outros ruminantes há uma reserva relativamente baixa de neutrófilos na medula e menor capacidade para acelerar a granulopoese. Isso se reflete em uma
contagem relativamente baixa de neutrófilos no sangue de ruminantes. Como resultado, a inflamação aguda em vacas caracterizase por neutropenia, que pode ser marcante. Portanto, em bovinos a neutropenia não revela o grau de
gravidade da inflamação. Após vários dias, a resposta da medula pode estabelecer o retorno de neutrófilos ao sangue, em quantidade moderada, caracterizada por marcante desvio à esquerda e alteração tóxica. Isso pode permitir a definição
de desvio à esquerda degenerativo, mas não é possível definir a gravidade da inflamação em bovinos. Lesões inflamatórias crônicas de cavidade fechada estão associadas a neutrofilia que raramente excede 25.000 neutrófilos/μL de sangue.
Gatos e equinos apresentam resposta intermediária; quanto à resposta inflamatória, os gatos parecemse mais aos cães, e os equinos parecemse mais com os bovinos. Os suínos manifestam resposta inflamatória semelhante àquela de
cães.
No padrão inflamatório, é possível haver monocitose em qualquer estágio de sua evolução. Monocitose é mais provável e de maior magnitude quando a doença se torna crônica.
PADRÕES INFLAMATÓRIO E ESTEROIDE COMBINADOS: Doenças inflamatórias comumente induzem uma resposta esteroide endógena concomitante, identificada pela presença de linfopenia associada a um padrão inflamatório neutrofílico.
A resposta neutrofílica à inflamação predomina e pode ser aditiva à influência dos esteroides nos neutrófilos.
LINFOCITOSE: Linfocitose moderada, na faixa de 7.000 a 20.000/μL, deve ser prontamente considerada possível resposta à excitação, particularmente em gatos. Caso tal condição seja excluída, devese considerar a possibilidade de distúrbio
linfoproliferativo. Se o exame morfológico dos linfócitos revelar prolinfócitos e/ou blastócitos, devese considerar leucemia linfocítica na interpretação. Quando as células se apresentam pequenas e com cromatina de aparência normal, a
possibilidade de leucemia linfocítica crônica deve ser considerada na lista de diagnósticos. A erliquiose crônica pode resultar em linfocitose de tal magnitude em cães. Em valor mais elevado, a linfocitose pode ser considerada como
evidência conclusiva de leucemia.
PADRÃO DE DANO À CÉLULATRONCO E PANCITOPENIA: Vários fatores podem provocar dano reversível ou irreversível à célulatronco. Essas anormalidades interferem na produção de células eritroides, plaquetas, linfócitos e granulócitos.
Neutropenia frequentemente é a primeira anormalidade observada em razão de seu breve tempo na circulação. Quando crônico ou irreversível, esse dano resulta na diminuição das três principais linhagens de células do sangue, e o
hemograma revela leucopenia, anemia não regenerativa e trombocitopenia. Os fatores etiológicos incluem: 1) sobredose de radiação e de medicamentos antineoplásicos; 2) intoxicação por medicamentos ou plantas (p. ex., intoxicação por
estrógenos em cães, intoxicação por broto de samambaia em bovinos, intoxicação por fenilbutazona, exceto em equinos); 3) neoplasia de célula hematopoética envolvendo a medula óssea (mieloftise) e 4) infecções virais que lesionam
células capazes de se multiplicar rapidamente e que podem causar neutropenia transitória (Tabela 3).
EOSINOFILIA E BASOFILIA: Eosinofilia ou a combinação de eosinofilia e basofilia prontamente faz pensar nas seguintes possibilidades, na abordagem e na interpretação do caso: inflamação secundária à reação alérgica, infestação parasitária,
inflamação subepitelial (pele, tratos respiratório e gastrintestinal), possivelmente de natureza alérgica e indução paraneoplásica, quando se excluem as causas comuns. A maioria dos cães com dirofilariose pode apresentar eosinofilia, bem
como cães e gatos infestados por pulgas.
METARRUBRICITOSE MARCANTE: Ocasionalmente, o metarrubrícito tornase componente importante na fração total de células nucleadas. A magnitude pode corresponder a 10 a 50% da população de células nucleadas, ou mais, com números
absolutos de 5.000 a 10.000/μL. Isso pode ocorrer raramente nas fases iniciais de uma resposta regenerativa intensa. Também, pode estar associada a lesão endotelial (p. ex., termoplegia), resultando em taxa de liberação anormal de nHe
pela medula. Nos hemocitômetros que fornecem contagem diferencial das células, a maior parte das hemácias é contada como se fossem linfócitos. Isso pode ocasionar um resultado preliminar de linfocitose, que é esclarecido apenas no
exame da população de linfócitos no esfregaço sanguíneo.
Tabela 3 – Infecções virais que podem causar neutropenia transitória
Espécie Infecção
Cães Parvovírus
Cinomose canina (fase aguda)
Gatos Parvovírus (panleucopenia do gato)
Vírus da leucemia felina
Equinos Influenza equina
Arterite viral equina (fase aguda)
Herpesvírus equino
Gado Diarreia viral bovina
Suínos Vírus dxa febre suína clássica
Vírus da febre suína africana
NEOPLASIA DE CÉLULA HEMATOPOÉTICA E LEUCEMIA: A maioria dos casos de neoplasia de célula hematopoética de origem linfoide ou da medula óssea é acompanhada de alguma quantidade de células anormais no sangue. Às vezes, notase
pequena quantidade de células neoplásicas detectadas somente no exame microscópico do esfregaço sanguíneo em pequeno aumento. Achados anormais de pequena quantidade de células hematopoéticas precursoras no sangue induzem ao
exame da medula e/ou de outros tecidos hematoipoéticos para avaliação de possível envolvimento de doença neoplásica.
O extremo oposto é leucocitose marcante com predominância de população celular anormal (neoplásica). Nessa situação, o exame de sangue tem valor diagnóstico para leucemia. Quando pouco diferenciadas, as células são classificadas
como blastócitos, com possível linhagem celular, com base nas suas características morfológicas. Quando bem diferenciadas, geralmente os aspectos morfológicos das linhagens celulares são mais definidos.
Temse obtido progresso considerável no uso de anticorpos monoclonais marcados e exame citométrico para melhor estabelecer a linhagem celular, particularmente quando a morfologia não é definida. Isso é especialmente útil nas
leucemias pouco diferenciadas, nas quais apenas a análise morfológica não é confiável. Pode ser difícil a distinção entre leucemia mielógena crônica ou bem diferenciada e leucocitose neutrofílica extrema.
ERITROCITOSE E POLICITEMIA
Eritrocitose é o aumento relativo ou absoluto da quantidade de hemácias circulantes, resultando em aumento do VG acima da faixa de variação normal. Policitemia é um termo frequentemente utilizado como sinônimo de eritrocitose;
contudo, policitemia pode implicar leucocitose e trombocitose, bem como eritrocitose.
ERITROCITOSE RELATIVA
É o aumento da quantidade de hemácias, sem aumento da massa eritrocitária total. Em geral, é decorrente da perda de volume plasmático e consequente hemoconcentração, como acontece na desidratação grave que ocorre em casos de
vômito e diarreia. Podese notar também uma forma transitória de eritrocitose relativa discreta não assintomática em cães quando reações ao medo ou excitação provocam contração esplênica com liberação de hemácias na circulação
sanguínea.
ERITROCITOSE ABSOLUTA
É definida como o aumento da quantidade de hemácias por conta do aumento da massa eritrocitária; a causa pode ser primária ou secundária. Eritrocitose primária (policitemia vera) é uma doença mieloproliferativa de causa
desconhecida relatada em cães, gatos, bovinos e equinos. A produção de hemácias aumenta acentuadamente, enquanto a atividade sérica de eritropoetina (EPO) tipicamente é baixa ou no menor valor da faixa de normalidade. Eritrocitose
secundária, ao contrário, devese, em geral, à produção excessiva de EPO. Quando a EPO é secretada por causa da hipoxia sistêmica, a eritrocitose resultante é uma resposta compensatória adequada. Isso pode ser notado no caso de doença
pulmonar grave ou anomalia cardíaca, resultando em desvio (shunt) de sangue do lado direito para o esquerdo, com passagem secundária aos pulmões (p. ex., persistência do ducto arterioso reverso, tetralogia de Fallot). Caso ocorra
aumento da produção de EPO sem hipoxia sistêmica, então a resposta é inadequada. Tumores secretores de EPO, nos rins ou em outros órgãos, ou lesões renais não neoplásicas que resultam em hipoxia local com produção de EPO podem
provocar eritrocitose inapropriada. Outro tipo de eritrocitose secundária, denominada eritrocitose associada à endocrinopatia, não é causada pela EPO, e sim por outros hormônios (p. ex., cortisol, andrógeno, tiroxina, hormônio do
crescimento) que estimulam a eritropoese. A discreta eritrocitose verificada em cães com hiperatividade adrenocortical ou em gatos com hipertireoidismo ou acromegalia não é suficiente para ocasionar sinais clínicos.
ACHADOS CLÍNICOS
Os sintomas de eritrocitose absoluta incluem membranas mucosas avermelhadas, tendências a sangramento, poliúria, polidipsia e anormalidades neurológicas (ataxia, fraqueza, convulsões, cegueira, alterações de comportamento). Podem
se visualizar, mediante exame de retina, vasos tortuosos dilatados. Esses achados clínicos são atribuídos à hiperviscosidade decorrente do aumento da massa eritrocitária.
DIAGNÓSTICO
Na eritrocitose relativa, a desidratação e a hemoconcentração podem ser detectadas com base nos achados clínicos (perda da umidade das membranas mucosas, ausência de turgor cutâneo), nos resultados de exames laboratoriais
(hiperproteinemia, azotemia prérenal) e na resposta à reidratação. Os cães indóceis com eritrocitose discreta atribuída à contração esplênica costumam apresentar VG normal nas amostras de sangue coletadas subsequentemente em situação
de menos estresse. Animais de raças Sighthound (p. ex., Greyhound) normalmente apresentam ligeira eritrocitose, com base na faixa de variação normal de referência para cães.
Na eritrocitose absoluta, recomendase a determinação da concentração sérica de EPO para verificar se a causa é primária ou secundária. Infelizmente, há considerável sobreposição dos valores de EPO em animais normais e naqueles
com eritrocitose primária e secundária. Ademais, atualmente há disponibilidade limitada de testes validados para EPO para animais de companhia. Exame de rotina de medula óssea não tem valor na diferenciação de eritrocitose primária de
secundária, pois ambas as condições são acompanhadas de hiperplasia eritroide. Em consequência disso, em geral a eritrocitose primária é diagnosticada mediante a exclusão de causas secundárias.
A determinação da oxigenação tecidual pode ser útil na pesquisa dos tipos de eritrocitose secundária. Valor de pO2 do sangue arterial < 80 mmHg e saturação de oxigênio verificada na oximetria de pulso < 90 a 95% são compatíveis com
hipoxemia e hipoxia tecidual decorrente de eritrocitose secundária apropriada. Exame de coração e pulmões por meio de auscultação, radiografias, eletrocardiografia e ecocardiografia pode revelar a causa primária. Pode ser necessário
angiografia seletiva ou ecoaortrografia contrastada a fim de confirmar desvio (shunt) cardíaco da direita para a esquerda. Não havendo hipoxia sistêmica, a localização da fonte potencial de produção inapropriada de EPO é facilitada por
exames físico e neurológico, ultrassonografia abdominal, urografia IV e tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM).
TRATAMENTO
Na eritrocitose relativa decorrente de desidratação, a terapia consiste em reidratação com fluidos IV e tratamento da causa primária.
O tratamento inicial para policitemia vera c?onsiste em flebotomia (5 a 20 mL/kg para reduzir o VG para cerca de 50 a 60%), com reposição de fluido simultânea. Temse recomendado flebotomia periódica, com ou sem administração de
hidroxiureia (30 mg/kg/dia VO, por 7 a 10 dias, seguida de ajuste para 15 mg/kg/dia VO), aos cães e aos gatos acometidos. Durante o tratamento com hidroxiureia, devem ser monitoradas as contagens de hemácias, leucócitos e plaquetas.
Na eritrocitose secundária inapropriada, os tumores secretores de EPO devem ser tratados por meio de cirurgia, quimioterapia ou radioterapia. A flebotomia, para normalizar o VG, ajuda a reduzir a hiperviscosidade.
Na eritrocitose secundária apropriada, a causa primária deve ser tratada. Caso o tratamento corretivo da enfermidade não seja exequível, podemse aliviar os sinais clínicos associados à hiperviscosidade mediante flebotomia criteriosa (5
a 10 μL/kg) e terapia com hidroxiureia. No entanto, como esse tipo de eritrocitose é uma resposta compensatória à hipoxia, o VG deve ser mantido em valor acima da faixa de variação normal.
GRUPOS SANGUÍNEOS E TRANSFUSÕES
Os grupos sanguíneos são determinados por componentes antigênicos polimórficos da membrana da hemácia, geneticamente controlados. Os produtos de alelos de um locus genético particular são classificados como sistemas de grupo
sanguíneo. Alguns desses sistemas são muito complexos, com vários alelos definidos em um locus; outros consistem em um único antígeno. Os sistemas de grupos sanguíneos, em geral, são independentes entre si, e sua herança considera a
dominância mendeliana. No caso dos sistemas de grupos sanguíneos polimórficos, geralmente o animal herda um alelo de cada pai e, consequentemente, expressa não mais que dois antígenos de grupos sanguíneos de um determinado
sistema. Uma exceção ocorre em bovinos, que herdam alelos múltiplos ou “fenogrupos”. Normalmente, um indivíduo não possui anticorpos contra qualquer um dos antígenos presentes em suas próprias hemácias ou contra outros antígenos
de grupo sanguíneo dos sistemas dessa espécie, a menos que tenham sido induzidos por transfusão, prenhez ou imunização. Em pessoas e em alguns animais (ovinos, vacas, suínos, equinos, gatos e cães), é possível verificar isoanticorpos
considerados “de ocorrência natural”, não induzidos por transfusão ou prenhez, com títulos variáveis, porém detectáveis. Por exemplo, gatos do grupo B com anticorpos antiA de ocorrência natural. Também, os anticorpos circulantes
contra antígenos de grupos sanguíneos de animais podem ser induzidos por transfusão. Nas transfusões sanguíneas aleatórias em cães, o risco de sensibilização do receptor é de 30 a 40%, principalmente ao grupo sanguíneo DEA 1. Nos
equinos, pode ocorrer imunização transplacentária da égua por um antígeno fetal incompatível herdado do pai. A imunização também pode ocorrer quando se utilizam alguns produtos sanguíneos homólogos, como vacinas (p. ex., contra
anaplasmose, em bovinos).
O número dos principais sistemas de grupos sanguíneos reconhecidos (Tabela 4) varia entre as espécies de animais domésticos, sendo os bovinos os mais complexos e os gatos os mais simples. Em animais, devese realizar a tipagem dos
grupos sanguíneos a fim de auxiliar na comparação de doadores e receptores e identificar os pares de reprodutores com risco potencial de transmitir doença hemolítica a suas crias. Como a expressão de antígenos de grupos sanguíneos é
geneticamente controlada e os modos de herança são conhecidos, esses sistemas também podem ser utilizados para comprovar a qualidade racial da prole de bovinos e equinos; no entanto, na maioria dos casos, o teste de ácido
desoxirribonucleico (DNA) substitui a tipagem sanguínea como teste de paternidade.
Tipagem Sanguínea
Os antissoros utilizados para identificar os grupos sanguíneos (reagentes de tipagem) geralmente são produzidos como soros isoimunes. Suas características sorológicas in vitro variam com a espécie. Muitos reagentes são hemaglutininas;
outros são hemolíticos e requerem um complemento para completar a reação sorológica, como no caso dos bovinos (porque as hemácias não se aglutinam facilmente) e equinos (nos quais o empilhamento de hemácias é um problema).
Outros reagentes de tipagem, não hemaglutinantes ou hemolíticos, combinamse com os antígenos das hemácias em uma reação “incompleta”, porque necessitam de sítios de combinação adicionais para aglutinar outras hemácias; é
necessária a adição de antiglobulinas espécieespecíficas para a aglutinação.
Tabela 4 – Principais grupos sanguíneos de interesse clínico
Espécies Grupo sanguíneo
Canina DEA 1.1 e 7
Felina A, B, mic
Equina A, C, Q
Bovina B, J
Ovina B, R
A diversidade de grupos sanguíneos nos animais e a falta de reagentes para tipagem sanguínea disponíveis no mercado dificultam a realização de testes completos de tipagem e de reação cruzada, mas não devem impedir o uso clínico das
transfusões. Em equinos e cães, os antígenos de grupos sanguíneos mais comumente envolvidos na ocorrência de incompatibilidade à transfusão são conhecidos. A seleção de animais doadores que não apresentam esses grupos ou que são
semelhantes àquele do receptor pode minimizar o risco de sensibilização do receptor aos principais antígenos.
Reação Cruzada
A possibilidade de identificação dos antígenos de grupos sanguíneos em um receptor potencial de transfusão é limitada pela disponibilidade de reagentes para cada antígeno, para cada espécie. Apenas há disponibilidade de reagentes para
alguns antígenos, geralmente aqueles que muito provavelmente sensibilizam um receptor, ou aqueles para os quais pode haver anticorpos de ocorrência natural. Por exemplo, os cães apresentam mais de 12 sistemas de grupos sanguíneos,
mas, em geral, fazse a tipagem apenas de um (DEA 1.1). Recentemente, descobriuse um antígeno de grupo sanguíneo adicional (dal) quando uma cão da raça Dálmata dalnegativo reagiu a vários doadores potenciais, sendo apenas alguns
animais da raça Dálmata compatíveis. É um antígeno comum à maioria dos cães, mas não observado em alguns cães da raça Dálmata. Como há múltiplos antígenos de grupos sanguíneos, é provável que um animal que receba transfusão
seja exposto a alguns antígenos não presentes em suas hemácias.
Receptores previamente sensibilizados podem ser identificados por meio do teste de reação cruzada, realizado com o intuito de evitar a administração de sangue incompatível. Nos EUA, mais de 99% dos gatos apresentam grupo
sanguíneo tipo A; assim, é baixo o risco de transfusão incompatível. No entanto, algumas raças, incluindo Abissínio, Birman, Bristish Shorthair, Devon Rex, Himalaia, Persa, Scottish Fold e Somali, apresentam maior frequência de grupo
sanguíneo tipo B. Qualquer transfusão incompatível em gatos ocasiona rápida destruição das células transfundidas; desse modo, antes de qualquer transfusão, devem ser realizadas tipagem e teste de reação cruzada. Um antígeno
recentemente identificado em gatos (mic) está presente em alguns deles; em gatos que não apresentam o antígeno mic, notamse anticorpos de ocorrência natural. Por essa razão, antes da primeira transfusão em gatos, devese realizar o teste
de reação cruzada, mesmo que recebam sangue compatível A ou B.
O teste de reação cruzada direta, com controle apropriado, é efetivo em todas as espécies. A reação cruzada principal ou maior detecta anticorpos já presentes no plasma do receptor que podem induzir reação hemolítica quando se faz
transfusão de hemácias do doador; não detecta o risco de ocorrência de sensibilização. Adicionase um anticoagulante (citrato ou edetato de cálcio dissódico) nas amostras de sangue do doador e do receptor; as hemácias do doador devem
ser lavadas com solução salina a 0,9%, por três vezes, obtendose uma suspensão de hemácias a 4% em solução salina, com as células lavadas. A reação cruzada principal consiste na combinação de iguais volumes (0,1 mL) de suspensão de
hemácias do doador e plasma do receptor. O tubocontrole contém hemácias e plasma do receptor. As amostras são incubadas, centrifugadas e avaliadas quanto à hemólise ou à aglutinação. A hemólise é avaliada comparandose a cor do
sobrenadante da amostrateste com aquela da amostracontrole. Em seguida, cada amostra é agitada cuidadosamente até que todas as células precipitadas misturemse novamente à suspensão. Novamente, devese comparar o grau de
aglutinação celular da amostrateste com aquele da amostracontrole. O teste é considerado negativo, ou compatível, quando o plasma apresentase claro e as hemácias são suspensas rapidamente. O teste positivo, ou incompatível, pode
mostrar hemólise e/ou hemaglutinação. Todos os testes considerados macroscopicamente negativos para hemaglutinação devem ser confirmados no exame microscópico, em pequeno aumento. Há disponibilidade de alguns sistemas de
reação cruzada mais modernos que utilizam técnica com gel. Isso é particularmente importante em equinos, pois suas hemácias tendem a se empilhar.
A reação cruzada menor é o inverso da reação cruzada principal, ou seja, as células do receptor combinamse com o plasma do doador. A reação cruzada menor é importante apenas nas espécies que apresentam isoanticorpos de
ocorrência natural ou quando o doador recebeu transfusão prévia ou em éguas com prenhez anterior.
Transfusões Sanguíneas
Com frequência, a necessidade de transfusão sanguínea é emergencial, como no caso de hemorragia ou hemólise aguda; as transfusões também são indicadas para o tratamento de anemias agudas ou crônicas. Geralmente os animais com
distúrbios hemostáticos necessitam de repetidas transfusões de sangue total, hemácias, plasma ou plaquetas. A transfusão sanguínea deve ser realizada com cuidado por conta do risco de reações adversas no receptor.
Com frequência, o sangue total não é o produto ideal a ser administrado. Quando há necessidade de restabelecer a capacidade de transporte de oxigênio do sangue, a transfusão de hemácias é mais apropriada; caso haja necessidade de
reposição da volemia, podem–se utilizar soluções cristaloides ou coloides, adicionandose solução de hemácias, quando indicado. A quantidade de plaquetas aumenta rapidamente após hemorragia, sendo raramente necessária sua reposição.
As concentrações de proteínas plasmáticas equilibramse com aquelas do espaço intersticial, não sendo necessário o uso de plasma, exceto no caso de hemorragia grave (> 1 volume do sangue em 24 h). Os animais que necessitam de fatores
de coagulação beneficiamse mais com a administração de plasma congelado fresco ou crioprecipitado, se a necessidade for especificamente do fator VIII, do fator de von Willebrand ou de fibrinogênio. Os concentrados de plaquetas ou o
plasma rico em plaquetas podem ser úteis no caso de trombocitopenia, embora a trombocitopenia imunomediada geralmente não responda à administração de plaquetas, porque essas células são rapidamente removidas pelo baço.
A decisão sobre a realização de transfusão de hemácias baseiase nos sinais clínicos manifestados pelo paciente, não pelo volume globular (VG) préestabelecido. Os animais com anemia aguda apresentam fraqueza, taquicardia e
taquipneia em VG mais elevado do que aquele de animais com anemia crônica. A quantidade de hemácias necessária para melhorar os sinais clínicos geralmente aumenta o VG em mais de 20%. O volume de sangue em animais domésticos
corresponde a 7 a 9% de seu peso corporal; em gatos, o volume é ligeiramente menor, ao redor de 6,5%. Podese calcular o volume de reposição de hemácias necessário por meio da determinação do volume sanguíneo do receptor e do
conhecimento do VG do animal. Por exemplo, o volume de sangue total de um cão de 25 kg é cerca de 2.000 ?mL; com VG de 15%, o volume de hemácias é 300 mL; caso o VG aumente em 20%, temse um volume de hemácias de 400
mL. Portanto, são necessários 100 mLde hemácias ou 200 mLde sangue total (com VG de 50%) para aumentar o VG do receptor para um percentual desejado. Esses cálculos não consideram nenhuma perda simultânea de hemácias por
hemorragia ou hemólise. Não se recomenda coletar mais que 25% do sangue de um animal doador, em cada vez.
Coleta, armazenamento e transfusão de sangue devem ser procedimentos assépticos. O anticoagulante de escolha é adeninadextrosefosfatocitrato (CPDA1). No mercado, há disponibilidade de bolsas de sangue que contêm quantidade
apropriada de anticoagulante para uma “unidade” (500 mL). Não se deve utilizar heparina como anticoagulante, pois sua meiavida é mais longa no receptor e causa ativação plaquetária; ademais, o sangue heparinizado não pode ser
armazenado.
O sangue coletado em CPDA1, com a solução de nutriente Adsol, pode ser armazenado seguramente em temperatura de 4°C, durante 4 semanas. Caso esse sangue não seja utilizado imediatamente, o plasma pode ser removido e
congelado para uso posterior como fonte de fatores de coagulação ou de albumina, nos casos de hipoalbuminemia aguda reversível. O plasma deve ser congelado a –20 a –30°C, dentro de 6 h após a coleta, a fim de assegurar que o teor do
fator de coagulação VIII permaneça adequado durante 1 ano. A hipoproteinemia crônica não melhora com a administração de plasma, pois o déficit corporal total de albumina é tão grande que pode não se alterar com a pequena quantidade
da proteína presente no plasma. Soluções coloides, como hetamilo, são mais efetivas no tratamento de hipoalbuminemia. Albumina humana foi utilizada em cães; no entanto, o risco de reação alérgica ou de sensibilização é significante.
RISCOS DA TRANSFUSÃO: O risco mais sério da transfusão é hemólise aguda. Felizmente, isso é raro em animais domésticos. Os cães raramente apresentam teor de anticorpos préformados clinicamente relevantes, de forma que somente os
que receberam repetidas transfusões apresentam risco. A reação hemolítica mais comum nos cães que receberam transfusões múltiplas é hemólise retardada, clinicamente notada como menor sobrevida das hemácias transfundidas e teste de
Coombs positivo. Mesmo as hemácias consideradas compatíveis no teste de reação cruzada, administradas a equinos ou bovinos, permanecem viáveis por apenas 2 a 4 dias. Transfusões repetidas podem causar hemólise aguda. Dentre as
causas não imunes de hemólise, incluemse coleta ou separação inapropriada do sangue, congelamento ou superaquecimento das hemácias e infusão sob pressão com agulha de pequeno calibre.
Outras complicações incluem sepse decorrente da transfusão de sangue contaminado, hipocalcemia causada por excesso de citrato e hipervolemia (especialmente em animais com doença cardíaca preexistente ou naqueles muito
pequenos). Ocasionalmente, notamse urticária, febre ou vômito. Por meio de transfusão, também se pode transmitir doença do doador para o receptor, como hemoparasitos (p. ex., Mycoplasma em gatos ou Babesia em cães) e vírus (p. ex.,
retrovírus em gatos, equinos ou bovinos). Outras doenças, como aquelas causadas por riquétsias ou outras bactérias, também podem ser transferidas quando o doador apresenta bacteriemia.
Substitutos do Sangue: Soluções Carreadoras de Oxigênio que Contêm Hemoglobina
Em razão dos problemas associados à dificuldade de encontrar doadores compatíveis e com a transmissão de doença durante a transfusão, continuamente têmse realizado pesquisas relacionadas com a obtenção de substituto de hemácias há
mais de 50 anos. Um substituto do sangue deve transportar e liberar oxigênio à semelhança das hemácias, ser facilmente produzido em grande quantidade, não ter efeito antigênico e permanecer na circulação por tempo suficiente para a
renovação.
Recentemente foi aprovado um carreador de oxigênio que contém hemoglobina de origem bovina para uso em cães (Oxyglobin®). A hemoglobina é coletada assepticamente, filtrada de modo a remover todos os elementos do estroma das
hemácias e polimerizada para possibilitar que o produto permaneça na circulação sanguínea por uma meiavida aproximada de 36 h. Esse produto mostrou–se eficiente no transporte e na liberação de oxigênio, pode ser utilizado
imediatamente sem necessidade de tipagem ou teste de reação cruzada e tem vida útil de 3 anos em temperatura ambiente. Como a estrutura da molécula da hemoglobina é similar entre as espécies, o efeito antigênico da hemoglobina
bovina é mínimo. Embora atualmente aprovado apenas para uso em cães, tem sido utilizado em gatos, equinos, lhamas, aves e pessoas. Seu efeito coloidal é especialmente útil na reanimação após traumatismo com hemorragia aguda.
Em animais sadios, a hemoglobina das hemácias capta oxigênio dos pulmões e o deposita nos tecidos por meio da microcirculação capilar. Apenas uma pequena quantidade de oxigênio pode ser transportada dissolvida no plasma. No
animal anêmico, a hemoglobina contida na hemácia tornase completamente saturada de oxigênio, mas a oxigenação tecidual é inadequada simplesmente porque há menor quantidade de hemácias. No caso de hipotensão, hipovolemia ou
isquemia tecidual localizada, a liberação de oxigênio pode ser adicionalmente prejudicada pela constrição ou diminuição da perfusão capilar. Caso se administre a solução de hemoglobina, o conteúdo de oxigênio do plasma melhora e a
distribuição de oxigênio é facilitada porque o oxigênio já está em contato com o endotélio e apenas tem que se difundir aos tecidos. Como a viscosidade do sangue é menor após a transfusão de hemoglobina, em comparação com o mesmo
volume de sangue, a perfusão nos pequenos capilares é melhor. Uma preocupação com as soluções de hemoglobina é que o óxido nítrico é sequestrado e removido pelo produto. Paradoxalmente, isso pode provocar vasoconstrição e
diminuir a liberação de oxigênio aos tecidos isquêmicos.
HEMOPARASITOS
ANAPLASMOSE
A anaplasmose, anteriormente conhecida como doença da bile, referese tradicionalmente a uma doença de ruminantes, causada por uma bactéria intraeritrocitária obrigatória da ordem Rickettsiales, família Anaplasmataceae,
gênero Anaplasma. Bovinos, ovinos, caprinos, búfalos e alguns ruminantes selvagens podem ser infectados por Anaplasma eritrocítico. A anaplasmose ocorre em regiões tropicais e subtropicais (cerca de 40°N a 32°S), incluindo Américas
do Sul e Central, EUA, Sul da Europa, África, Ásia e Austrália.
O gênero Anaplasma também inclui Anaplasma phagocytophilum (compilado de espécies anteriormente conhecidas como Ehrlichia phagocytophila,E. equi e agente da erliquiose granulocítica humana, ver p. 824), A.
bovis (anteriormente E. bovis) e A. platys (anteriormente E. platys), os quais invadem as células do sangue de seus respectivos hospedeiros mamíferos. A anaplasmose bovina é de importância econômica na criação industrial de bovinos.
ETIOLOGIA: A anaplasmose bovina clínica geralmente é causada por A. marginale. A. marginale com apêndice é denominado A. caudatum, mas não é considerada uma espécie diferente. Os bovinos também são infectados por A. centrale,
que geralmente resulta em uma doença discreta. A. ovis pode causar doença discreta a grave em ovinos, cervídeos e caprinos. Há relato recente de infecção de bovino por A. phagocytophilum; no entanto, a infecção natural é rara e não
provoca doença clínica.
TRANSMISSÃO E EPIDEMIOLOGIA: Relatase a existência de até 19 espécies de carrapatos (incluindo Boophilus, Dermacentor, Rhipicephalus, Ixodes, Hyalomma e Ornithodoros) que atuam como vetores na transmissão de Anaplasma spp.
Provavelmente, nem todas essas espécies são vetores importantes no campo; ademais, temse mostrado que cepas de A. marginale também se desenvolvem, em parte, em cepas específicas de carrapatos. As espécies de Boophilus são
vetores importantes na Austrália e na África. Já as de Dermacentor são consideradas vetores importantes nos EUA. Depois de se alimentar de um animal infectado, pode ocorrer transmissão intra ou transestadial. Também pode haver
transmissão transovariana, embora raramente, mesmo nas espécies de Boophilus de um único hospedeiro. Há um ciclo de replicação no carrapato infectado. Em algumas regiões, ocorre transmissão mecânica pela picada de dípteros. Há
relato de transmissão transplacentária, geralmente associada a infecção aguda da mãe no segundo ou no terceiro trimestre de prenhez. A anaplasmose também pode se disseminar mediante o uso de agulhas ou de material de descorna ou
outros instrumentos cirúrgicos contaminados.
Há uma forte relação entre a idade dos bovinos e a gravidade da doença. Os bezerros são muito mais resistentes à doença (embora não à infecção) do que os bovinos mais velhos. Essa resistência não se deve a anticorpos colostrais
provenientes de mães imunes. Em áreas endêmicas, onde os bovinos primeiramente se infectam com A. marginale no início da vida, as perdas ocasionadas por anaplasmose são mínimas. Depois da recuperação da fase aguda da infecção, os
bovinos permanecem cronicamente infectados e portadores do parasito, mas, em geral, ficam imunes a uma doença clínica posterior. No entanto, esses bovinos cronicamente infectados podem manifestar recidiva de anaplasmose quando
imunodeprimidos (p. ex., pelo uso de corticosteroides), quando infectados por outros parasitos ou após esplenectomia. Os portadores atuam como reservatórios para transmissão posterior. Ocorrem perdas sérias quando os bovinos adultos,
não expostos previamente, são transferidos para áreas endêmicas ou para regiões endêmicas instáveis, quando as taxas de transmissão são insuficientes para infectar todos os bovinos antes que alcancem a idade adulta mais suscetível.
ACHADOS CLÍNICOS: A anaplasmose geralmente é subclínica em animais < 1 ano de idade, sendo moderadamente grave naqueles com 1 a 2 anos de idade. Já em animais mais velhos, é grave e frequentemente fatal. A anaplasmose
caracterizase por anemia progressiva decorrente da destruição extravascular de hemácias infectadas ou não. O período prépatente de A. marginale está relacionado diretamente com a dose infectante e, tipicamente, varia de 15 a 36 dias
(embora possa ser tão longo quanto 100 dias). Após o período prépatente, pode ocorrer anaplasmose hiperaguda (mais grave, porém rara), aguda ou crônica. A riquetsemia duplicase em intervalos de cerca de 24 h durante a fase de
crescimento exponencial. Geralmente, 10 a 30% das hemácias estão infectadas no pico da parasitemia, embora esse valor possa chegar a 65% ou mais. Os valores da contagem de hemácias, do VG e dos teores de hemoglobina diminuem
acentuadamente. Podese instalar anemia macrocítica com reticulócitos circulantes no estágio final da doença.
Os animais com infecção hiperaguda sucumbem dentro de algumas horas após o início dos sinais clínicos. Animais com infecção aguda depauperamse rapidamente. A produção de leite diminui. Inapetência, incoordenação, insuficiência
respiratória quando submetidos a exercício e pulso rápido costumam tornarse evidentes nos estágios finais. A urina pode tornarse amarronzada; mas, diferentemente do que acontece na babesiose, não há hemoglobinúria. Próximo ao pico
de parasitemia, ocorre resposta febril transitória, com temperatura corporal que raramente excede 41°C. As membranas mucosas tornamse pálidas e depois amareladas. As vacas prenhes podem abortar. Os bovinos sobreviventes
convalescem por várias semanas, período no qual os parâmetros hematológicos retornam gradativamente ao normal.
As raças Bos indicus parecem mais resistentes à infecção por A. marginale do que as raças B. taurus, mas se nota variação da resistência entre indivíduos da mesma raça, nas duas espécies. Diferenças na virulência entre cepas
de Anaplasma e grau e duração da riquetsemia também estão envolvidos na gravidade das manifestações clínicas.
Lesões São típicas daquelas que ocorrem em animais com anemia causada por eritrofagocitose. As carcaças de bovinos que morrem em razão de anaplasmose geralmente apresentam icterícia e palidez acentuadas. O sangue perde a
viscosidade e tornase aquoso. Tipicamente, há aumento e amolecimento do baço, com folículos proeminentes. O fígado pode apresentar aparência mosqueada e amareloalaranjada. Com frequência, a vesícula biliar distendese e contém
bile espessa amarronzada ou verde. Os linfonodos hepáticos e mediastínicos tornamse amarronzados. Notamse efusões serosas nas cavidades corporais, edema pulmonar, hemorragias petequiais em epi e endocárdio e, com frequência,
evidência de estase gastrintestinal grave. No exame microscópico de órgãos reticuloendoteliais, notase fagocitose ampla e evidente de hemácias. Em geral, há uma quantidade significativa de hemácias parasitadas depois da morte causada
por infecção aguda.
DIAGNÓSTICO: A. marginale, juntamente com os hemoprotozoários Babesia bovis e B. bigemina, é o microrganismo causador da febre do carrapato em bovinos. Essas três espécies de parasitos apresentam distribuição geográfica semelhante,
exceto nos EUA, onde se verifica anaplasmose na ausência de babesiose. O exame microscópico de esfregaços sanguíneos finos e grossos corados pelo Giemsa é fundamental para diferenciar anaplasmose de babesiose (ver a seguir) e de
outras enfermidades que resultam em anemia e icterícia, como leptospirose (p. 695) e teileriose (p. 60). Devem ser obtidas também amostras de sangue com anticoagulante para exames hematológicos. Nos esfregaços sanguíneos finos
corados pelo Giemsa, Anaplasma spp aparece como corpúsculo de inclusão denso com 0,3 a 1μm de diâmetro, corado uniformemente de azulpúrpura. O corpúsculo de inclusão de A. marginale geralmente se localiza na margem da
hemácia infectada, ao passo que o corpúsculo de inclusão de A. centrale situase mais ao centro. Não é possível distinguir A. caudatum de A. marginale em esfregaços corados pelo Giemsa. Devem ser utilizadas técnicas de coloração
especiais para identificar essa espécie, com base na presença dos apêndices característicos do microrganismo. Há relato de A. caudatum apenas na América do Norte e, possivelmente, deve ser uma forma de A. marginale, e não uma outra
espécie. Os corpúsculos de inclusão contêm 1 a 8 corpúsculos iniciais, com 0,3 a 0,4μm de diâmetro, os quais correspondem às riquétsias individuais.
Os portadores de infecção crônica podem ser identificados com grau razoável de segurança por meio de testes sorológicos que utilizam ELISA msp5, fixação de complemento ou teste de aglutinação em placa. Relatase que os métodos
de detecção baseados no DNA são mais úteis como testes de diferenciação de espécies e cepas.
No momento da necropsia, devem ser preparados esfregaços sanguíneos de fígado, rins, baço, pulmões e sangue periférico para exame microscópico.
TRATAMENTO: Para o tratamento, atualmente utilizamse tetraciclinas e imidocarbe. Bovinos podem se tornar livres da infecção com esses medicamentos e permanecerem resistentes à anaplasmose grave durante, no mínimo, 8 meses.
A administração imediata de tetraciclinas (tetraciclina, clortetraciclina, oxitetraciclina, rolitetraciclina, doxiciclina, minociclina) nos estágios iniciais da doença aguda (p. ex., VG > 15%) geralmente assegura sobrevivência. Um
tratamento comumente utilizado consiste em uma única injeção intramuscular (IM) de oxitetraciclina de longa duração, na dose de 20 mg/kg. Transfusão de sangue com intuito de restabelecer parcialmente o VG aumenta muito a sobrevida
dos bovinos mais gravemente enfermos. O estado de portador pode ser eliminado pela administração de oxitetraciclina de longa duração (20 mg/kg IM, no mínimo 2 injeções com intervalo de 1 semana). Na maioria dos países, devese
obedecer a um período de carência para a tetraciclina. Preferese a aplicação da injeção no músculo do pescoço, em vez do músculo da região da garupa.
O imidocarbe também é muito efetivo contra A. marginale, com uma única injeção (como sal dihidrocloreto, na dose de 1,5 mg/kg, SC, ou de 3 mg de dipropionato de imidocarbe/kg). A eliminação do estado de portador exige o uso de
doses mais altas e repetidas de imidocarbe (p. ex., 5 mg/kg IM ou SC, em 2 aplicações do sal de dihidrocloreto, com intervalo de 2 semanas). Suspeitase que o imidocarbe é carcinogênico; ademais, exige longo período de carência e não
está aprovado para uso nos EUA ou na Europa.
PREVENÇÃO: Na África do Sul, Austrália, Israel e América do Sul, a indução de infecção com A. centrale vivo (oriundo da África do Sul) é utilizada como vacina, com intuito de propiciar aos bovinos proteção parcial contra a doença
causada por A. marginale. A vacina de A. centrale (dose única) ocasiona reações graves em alguns bovinos. Nos EUA, país onde não é permitido o uso de vacinas vivas, as vacinas purificadas que contêm A. marginale inativado, produzidas
a partir de hemácias de bovinos infectados associadas a adjuvante, foram utilizadas no passado, mas atualmente não estão disponíveis. A imunidade induzida pelo uso de várias doses de vacina inativada protege bovinos da doença grave,
mas esses animais ainda podem ser suscetíveis às cepas heterólogas de A. marginale. Ocorrem casos de isoeritrólise em bezerros lactentes por conta da vacinação prévia das mães com essa vacina preparada com material de hemácias de
bovinos. A imunidade de longa duração contra A. marginale é conferida pela pré–imunização com riquétsia viva, combinada com quimioterapia para controlar reações graves. Há relato de uso de cepas atenuadas de A. marginale como
vacina viva, com ocorrência, também, de reações graves. Como alternativa à vacina viva, têmse pesquisado cepas de A. marginale cultivadas em células de carrapato. Também, há pesquisa de vacina com subunidades para controlar
anaplasmose bovina. Em algumas áreas, a eliminação ou o controle rigoroso e prolongado de artrópodes vetores pode ser uma estratégia preventiva viável; contudo, em outras regiões, recomendase imunização.
BABESIOSE
É causada por protozoários intraeritrocitários do gênero Babesia. A doença, transmitida por carrapatos, acomete ampla variedade de animais domésticos e selvagens e, ocasionalmente, as pessoas. Embora o principal impacto econômico da
babesiose ocorra na indústria bovina, a infecção de outros animais domésticos, inclusive equinos, ovinos, caprinos, suínos e cães, assume grau variável de importância em todos os países.
Duas espécies importantes em bovinos – B. bigemina e B. bovis – estão disseminadas em países tropicais e subtropicais e constituem o foco desta discussão. No entanto, como há muitas características comuns às doenças causadas por
diferentes cepas de Babesia, várias dessas informações podem ser aplicadas às outras espécies.
TRANSMISSÃO E EPIDEMIOLOGIA: Os principais vetores de Babesia bigemina e de B. bovis são carrapatos Rhipicephalus (Boophilus) spp, hospedeiro 1, nos quais a transmissão ocorre por via transovariana. Embora os parasitos possam ser
facilmente transmitidos experimentalmente por meio de inoculação de sangue, na prática a transmissão mecânica por insetos ou durante procedimentos cirúrgicos não é relevante. Também, há relato de infecção intrauterina, mas a
ocorrência é rara.
Nos carrapatos Rhipicephalus spp, os estágios sanguíneos do parasito são ingeridos durante o repasto, com a ocorrência de multiplicação sexuada e assexuada na fêmea de carrapato ingurgitada, nos ovos infectados e nos subsequentes
estágios parasitários. A transmissão ao hospedeiro ocorre quando as larvas (no caso de B. bovis) ou as ninfas e os adultos (no caso de B. bigemina) se alimentam. A porcentagem de larvas infectadas pode variar de 0 a 50%, ou mais,
dependendo, principalmente, do grau de parasitemia do hospedeiro no momento do repasto das fêmeas. Em condições de campo, a taxa de transmissão de B. bigemina por carrapato geralmente é maior do que aquela de B. bovis.
Nas áreas endêmicas, três características são importantes na determinação do risco de doença clínica: (1) os bezerros apresentam grau de imunidade (relacionado com o teor de anticorpos colostrais e fatores específicos da idade) que
persiste por cerca de 6 meses; (2) os animais que se recuperam de infecção por Babesia geralmente se tornam imunes por toda a vida comercial (4 anos) e (3) algumas raças de bovinos, p. ex., Bos indicus, são inerentemente mais resistentes
aos carrapatos e aos efeitos clínicos da infecção por Babesia. Desse modo, em situação de alta taxa de transmissão por carrapatos, praticamente todos os bezerros recémnascidos infectamse com Babesia até os 6 meses de idade,
apresentando sintomas discretos, caso os tenham, e subsequentemente tornamse resistentes à infecção. Essa situação pode ser influenciada por redução natural (p. ex., climática) ou artificial (p. ex., tratamento com acaricidas ou mudança
da composição de raças do rebanho) na população de carrapatos para taxas nas quais a transmissão de Babesia por carrapatos aos bezerros é insuficiente para infectar todos eles durante esse período crítico inicial. As outras circunstâncias
que podem ocasionar surtos de infecção clínica incluem a introdução de bovinos suscetíveis em áreas endêmicas e a presença de carrapatos infectados com Babesia em áreas anteriormente livres desses vetores. Notouse variação do grau de
imunidade em função da cepa, mas provavelmente sem importância no campo.
ACHADOS CLÍNICOS E PATOGÊNESE: Em geral, a doença aguda dura cerca de 1 semana. O primeiro sinal é febre (com frequência, 41°C ou mais), que persiste por todo o curso da doença; posteriormente, notamse inapetência, taquipneia,
tremores musculares, anemia, icterícia e perda de peso. No estágio terminal, notamse hemoglobinemia e hemoglobinúria. Na infecção por B. bovis, pode haver envolvimento do sistema nervoso central (SNC) em razão da aderência de
hemácias parasitadas nos capilares cerebrais. Podese constatar constipação intestinal ou diarreia. As vacas em final de prenhez podem abortar, e os touros podem apresentar infertilidade temporária decorrente da febre transitória.
Na infecção por cepas virulentas de B. bovis, a síndrome de choque hipotensivo, combinada com inflamação inespecífica generalizada, coagulopatias e estase de hemácias nos capilares, contribui na patogênese. Na maioria das infecções
por cepas de B. bigemina, os efeitos patogênicos relacionam–se mais diretamente à hemólise.
Animais que se recuperam de doença aguda permanecem infectados por vários anos, no caso de B. bovis, e durante alguns meses, no caso de B. bigemina. Não há sintomas aparentes durante essa fase de portador.
A suscetibilidade das raças de bovinos à infecção por Babesia é variável; por exemplo, animais Bos indicus tendem a ser mais resistentes à infecção por B. bovis e B. bigemina do que aqueles de raças europeias.
Lesões Notamse baço volumoso e friável, fígado edemaciado com aumento da vesícula biliar que contém bile granular espessa, rins congestos e escurecidos e anemia e icterícia generalizadas. Com frequência, mas não invariavelmente, a
urina se apresenta avermelhada. Outros órgãos (inclusive cérebro e coração) podem apresentar congestão ou hemorragias petequiais.
DIAGNÓSTICO: Clinicamente, a babesiose pode ser confundida com outras doenças que causam febre, anemia, hemólise, icterícia ou urina avermelhada. Portanto, é fundamental a confirmação do diagnóstico por exame microscópico de
esfregaço sanguíneo ou de órgãos corado por Giemsa. Devem ser preparados esfregaços sanguíneos espessos e delgados do animal vivo, de preferência dos capilares auriculares ou da extremidade da cauda.
Durante a necropsia, devemse preparar esfregaços de músculo cardíaco, rins, fígado, pulmões, cérebro e de vaso sanguíneo de uma extremidade (p. ex., do membro inferior).
Microscopicamente, as espécies de Babesia envolvidas podem ser identificadas com base em sua morfologia, mas há necessidade de alguma experiência, especialmente nas infecções por B. bovis nas quais há poucos microrganismos. B.
bovis é pequena, e os parasitos apresentamse pareados, com ângulo obtuso entre si, e medem cerca de 1 a 1,5 × 0,5 a 1 mm. B. bigemina é maior (3 a 3,5 × 1 a 1,5 mm), estando os parasitos pareados em ângulo agudo entre si.
Há relatos de diversos testes sorológicos para detecção de anticorpos contra Babesia em animais portadores. Os mais comumente utilizados são pesquisa de anticorpos por fluorescência indireta e ELISA; no mercado, há disponibilidade
de ELISA para B. bovis e B. bigemina. Um procedimento que, às vezes, pode ser justificado para confirmar a infecção em animais portadores suspeitos é a inoculação de sangue (cerca de 500 mL) em um animal totalmente suscetível, de
preferência um bezerro esplenectomizado, e subsequente monitoramento do receptor quanto à infecção. Há disponibilidade, mas não para uso de rotina, de testes de reação em cadeia de polimerase (PCR) e PCR em tempo real, capazes de
detectar parasitemia extremamente baixa, como ocorre em animais portadores, e diferenciar os isolados.
Diagrama de várias formas de hemácias infectadas por Babesia bovis, coloradas por Giemsa. Cortesia de State of Queensland, Department of Primary Industries & Fisheries.
TRATAMENTO E CONTROLE: No passado, foram utilizados vários medicamentos no tratamento de babesiose, mas apenas o aceturato de diminazeno e o dipropionato de imidocarbe ainda continuam sendo utilizados. Esses medicamentos
não estão disponíveis em todos os países onde a doença é endêmica ou o seu uso pode ser controlado. Devem ser obedecidas as recomendações de uso indicadas pelo fabricante. Administramse 3 a 5 mg de diminazeno/kg IM. A dose
terapêutica de imidocarbe é 1,2 mg/kg SC. Na dose de 3 mg/kg, o imidocarbe confere proteção contra babesiose por cerca de 4 semanas; também, elimina B. bovis e B. bigemina de animais portadores. A tetraciclina de longa ação (20
mg/kg) pode minimizar a gravidade da babesiose quando se institui o tratamento antes ou logo após o início da infecção.
Recomendase tratamento de suporte, particularmente no caso de animais de alto valor, que pode incluir antiinflamatórios, antioxidantes e corticosteroides. A transfusão de sangue pode salvar a vida de animais que apresentam anemia
grave.
Diagrama de várias formas de hemácias infectadas por Babesia bigemina, coradas por Giemsa. Notar o grande tamanho dos parasitos, raramente visto nas infecções por B. bovis. Cortesia de State of Queensland, Department of Primary Industries & Fisheries.
Em vários países, temse utilizado, com sucesso, uma vacina que contém cepa viva atenuada do parasito, inclusive na Argentina, na Austrália, no Brasil, em Israel, na África do Sul e no Uruguai. A vacina está disponível na forma
resfriada ou congelada. Ela induz imunidade adequada por toda a vida comercial do animal; no entanto, há relato de acidente vacinal. Experimentalmente, vários antígenos recombinantes induzem imunidade, mas não há disponibilidade de
vacinas comerciais.
Embora o ciclo de transmissão possa ser interrompido pelo controle do carrapato vetor, esse procedimento (exceto a erradicação completa) raramente é possível a longo prazo e pode tornar suscetível grande população de animais em
áreas endêmicas, com consequente risco de ocorrência de surto da doença.
RISCO ZOONÓTICO: Há relato de alguns casos de babesiose humana, mas ainda não se identificou com certeza a espécie envolvida. Têmse incriminado Babesia divergens, B. canis e B. microti e uma espécie não nominada (WA1). Os
casos relatados em indivíduos esplenectomizados ou imunocomprometidos por outros fatores costumam ser fatais.
Vários casos, cuja gravidade da infecção varia de subclínica até doença aguda, são documentados tanto em pessoas esplenectomizadas como não esplenectomizadas, na América do Norte. Essas infecções foram causadas pelo parasito de
roedores B. microti ou pela espécie não nominada (WA1), cujos hospedeiros parecem ser ovinos da raça Bighorn. Em pessoas, a infecção por Babesia é transmitida por picada de carrapatos infectados ou por transfusão de sangue de um
doador infectado.
Outras Espécies de Babesia Importantes em Animais Domésticos
BOVINOS: Babesia divergens e B. major são duas espécies observadas em regiões temperadas, com características comparáveis àquelas de B. bovis e B. bigemina, respectivamente. B. divergens é uma babésia patogênica pequena, de
importância considerável nas ilhas Britânicas e no Noroeste da Europa, ao passo que a B. major é uma babésia grande de baixa patogenicidade. B. divergens é transmitida pelo Ixodes ricinus, já a B. major, por Haemaphysalis punctata.
EQUINOS: A babesiose equina é causada por Theileria (antigamente Babesia) equi ou B. caballi. T. equi é um pequeno parasito, mais patogênico que B. caballi. Em 1998, T. equi foi reclassificada como uma Theileria (ver p. 60). A
babesiose equina ocorre na África, na Europa, na Ásia, nas Américas do Sul e Central e no Sul dos EUA. É transmitida por carrapatos dos gêneros Rhipicephalus, Dermacentor e Hyalomma. A infecção intrauterina, particularmente por T.
equi, também é relativamente comum.
OVINOS E CAPRINOS: Embora os pequenos ruminantes possam ser infectados por várias cepas de Babesia, as duas espécies mais importantes são B. ovis e B. motasi. Destas, B. motasi é a mais patogênica. A infecção é comum no Oriente
Médio e no Sul da Europa e China, bem como em regiões tropicais e subtropicais. Os carrapatos dos gêneros Rhipicephalus, Haemaphysalis, Hyalomma, Dermacentor e Ixodes são considerados vetores.
SUÍNOS: Há relato de doença grave em suínos causada por Babesia trautmanni. Esse parasito foi identificado na Europa e na África. Outra espécie, B. perroncitoi, apresenta patogenicidade semelhante, mas, aparentemente, sua distribuição é
limitada nas regiões anteriormente mencionadas. Os vetores dessa babésia ainda não foram identificados, embora já se tenha demonstrado que Rhipicephalus spp transmite B. trautmanni.
CÃES E GATOS: Na maioria dos países, há relato de infecção de cães por Babesia canis, que compreende as subespécies B. canis canis, B. canis vogeli e B. canis rossi. B. canis canis é transmitida por Dermacentor reticularis, na Europa; B.
canis vogeli, pelo Rhipicephalus sanguineus, nos países tropicais e subtropicais; e B. canis rossi, pelo Haemaphysalis leachi, na África do Sul. Os sinais clínicos da infecção por B. canis variam desde discreta doença transitória até
doença aguda rapidamente fatal. Na Europa, há disponibilidade de uma vacina que contém um exoantígeno de B. canis canis, porém não protege contra as outras subespécies.
Outra babésia importante em cães é B. gibsoni, que é um parasito muito menor. Ela apresenta uma distribuição mais limitada e tipicamente causa doença crônica cujo principal sintoma é anemia progressiva grave não facilmente tratada
com os babesicidas convencionais.
Há relato de enfermidade de gravidade variável causada por B. felis em gatos domésticos na África e na Índia. Uma característica incomum é a não resposta aos babesicidas comumente utilizados. No entanto, já se constatou que o fosfato
de primaquina (duas doses de 0,5 mg/kg IM, com intervalo de 24 h) é efetivo.
CITAUXZOONOSE
Citauxzoonose, causada por Cytauxzoon felis, foi inicialmente relatada nos EUA, no ano de 1976; desde então, se tornou uma importante doença infecciosa emergente em gatos domésticos. As espécies de Cytauxzoon são protozoários
parasitos da família Theileriidae, juntamente com Theileria spp e Gonderia spp. A caracterização molecular mais recente desses microrganismos resultou em certa controvérsia quanto à taxonomia de Cytauxzoon spp, mas a multiplicação
desse parasito por esquizogonia em fagócitos mononucleares (macrófagos), em vez de linfócitos, como acontece com Theileria spp, é um forte argumento para sua classificação com um gênero à parte.
ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO: Há relato de infecção por Cytauxzoon felis em gatos domésticos nos estados americanos de Missouri, Arkansas, Flórida, Geórgia, Louisiana, Mississipi, Oklahoma, Kansas, Texas, Kentuchy, Tennessee,
Carolinas do Norte e do Sul e Virgínia. Considerase que o gato doméstico seja hospedeiro aberrante ou final em razão do curso agudo e mortal da doença; no entanto, há relatos de gatos domésticos que sobreviveram à infecção natural,
com ou sem tratamento. O lince (Lynx rufus) é o hospedeiro natural; apresenta tipicamente infecção subclínica e mantém parasitemia crônica. Relatase infecção por C. felis em vários outros felídeos selvagens, como suçuarana ou onça
parda, na ausência de doença evidente; no entanto, há relatos de que alguns leões e tigres sucumbem à doença.
Estudos recentes mostram que C. felis pode ser transmitido por um único carrapatoestrela, Amblyomma americanum. A distribuição desse carrapato assemelhase muito mais à distribuição da citauxzoonose em gatos domésticos do que a
de outro vetor admissível, o carrapato de cão americano, Dermacentor variabilis. Tipicamente, a citauxzoonose é diagnosticada nos meses de abril a setembro, condição relacionada com a atividade sazonal climadependente do carrapato.
Os gatos que vivem próximos a áreas intensamente arborizadas com poucas residências, especialmente aquelas mais próximas de habitats naturais ou mal cuidados, onde ambos, carrapatos e linces, podem ter contato muito estreito,
apresentam maior risco de infecção. Temse induzido infecção experimental mediante injeção parenteral (subcutânea, intraperitoneal ou intravenosa) de homogenato de tecido de gatos com infecção aguda. No entanto, não se constatou
infecção quando esse tecido foi administrado por via intragástrica ou quando gatos não infectados foram mantidos com gatos infectados, na ausência de artrópodes vetores.
Após a transmissão ao gato doméstico pelo carrapato, o parasito submetese a dois estágios importantes: esquizogonia (reprodução assexuada) e merogonia. Primeiramente, os esporozoitos infectam os leucócitos (fagócitos
mononucleares) e passam por esquizogonia para formar esquizontes. Detectaramse leucócitos infectados por esquizontes cerca de 12 dias após infecção experimental, com aumento do diâmetro de 15 μm para 250 μm. São mais comumente
detectados em linfonodos, baço, fígado, pulmão e medula óssea, mas foram documentados em vários órgãos e, ocasionalmente, são verificados em esfregaços sanguíneos. Leucócitos infectados por esquizontes são as principais causas de
doença e morte; são vistos predominantemente no revestimento vascular, com frequência ocluindo os vasos sanguíneos. Esses “trombos de parasitos” ocasionam isquemia e necrose tecidual.
Em seguida, os leucócitos infectados por esquizontes rompemse e liberam piroplasmas (merozoitos), que infectam as hemácias. Nas hemácias, os piroplasmas são relativamente inócuos, notandose taxa de parasitemia média de 1 a 4%;
no entanto, há relato de maior taxa de parasitemia (> 10%). Na infecção aguda, a detecção de hemácias infectadas por merozoitos é variável, sendo tal achado relacionado com aumento da temperatura corporal e diminuição do número de
leucócitos. Os animais sobreviventes tipicamente permanecem com parasitemia crônica, e pelo menos um gato mostrou experimentalmente ser solidamente imune a infecções subsequentes. Em gatos, obtevese parasitemia crônica mediante
a inoculação de hemácias infectadas por merozoitos. Esses gatos com parasitemia crônica não desenvolveram doença clínica evidente, mas não ficaram imunes à infecção em desafio subsequente com esporozoitos/esquizontes, sugerindo
que é necessária a fase tecidual de esquizontes para o estabelecimento de imunidade em gatos domésticos.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Em geral, notase início dos sinais clínicos em gatos infectados por C. felis 5 a 14 dias (em média, cerca de 10 dias) após a infecção transmitida por carrapatos. Sintomas inespecíficos incluem depressão,
letargia e anorexia. Febre e desidratação são os achados mais comuns ao exame físico; a temperatura corporal aumenta gradativamente e pode ser tão alta quanto 41°C. Outros achados incluem icterícia, linfadenomegalia e
hepatoesplenomegalia. No extremo, os gatos costumam apresentar hipotermia, dispneia e vocalização quando estão com dor. Sem tratamento, tipicamente o paciente morre 2 a 3 dias após o pico febril.
À necropsia, geralmente notamse esplenomegalia, hepatomegalia, aumento de linfonodos e edema renal. Os pulmões apresentam edema e congestão extensos, com hemorragias petequiais na superfície serosa e por todo o interstício.
Ocorre dilatação venosa progressiva, especialmente em veias mesentéricas e renais e na veia cava posterior. Com frequência, notamse hidropericárdio e hemorragias petequiais no epicárdio.
Quando inicialmente descrita, a taxa de mortalidade decorrente da infecção por C. felis era próxima a 100%. Um estudo com C. felis na região Noroeste de Arkansas e no Nordeste de Oklahoma menciona que 18 gatos sobreviveram à
infecção natural, com ou sem tratamento. No início, esses gatos pareciam menos doentes, não apresentavam temperatura acima de 41°C e jamais desenvolveram hipotermia. Há relatos esporádicos similares em outras regiões. Algumas
hipóteses para a sobrevivência desses gatos incluem via atípica de infecção, imunidade inata em alguns animais, maior detecção de portadores, diminuição da virulência com atenuação de cepas ou ocorrência de nova cepa, dose do inóculo
infeccioso e controle do tempo e do tipo de tratamento.
DIAGNÓSTICO: As anormalidades mais comumente constatadas no hemograma incluem leucopenia com neutrófilos tóxicos e trombocitopenia. Nos estágios posteriores, anemia normocítica normocrômica. As alterações bioquímicas mais
comuns são hiperbilirrubinemia e hipoalbuminemia, que podem variar, dependendo dos sistemas orgânicos acometidos por trombose parasitária e isquemia, com necrose tecidual. Outras anormalidades detectadas menos consistentes
incluem aumento de atividade de enzimas hepáticas e azotemia.
O diagnóstico precoce exige a detecção microscópica de piroplasmas ou esquizontes. A presença de piroplasmas nos esfregaços sanguíneos é variável; eles são notados com aumento da temperatura corporal e tipicamente são evidentes
cerca de 1 a 3 dias antes da morte. Há relatos casuais de que a sensibilidade do exame é maior quando o sangue para preparação de esfregaço é coletado de vasos pequenos (p. ex., punção de veia auricular). Quando há merozoitos em um
esfregaço sanguíneo bem preparado e adequadamente corado (p. ex., Wright’s Giemsa, Giemsa, DiffQuik) é possível notar taxa de 1 a 4%, em média; há relato de porcentagens extremamente altas (> 10%) de merozoitos. Essas estruturas
são pleomórficas e podem ser redondas, ovais, anaplasmoides, bipolares (binucleados) ou em forma de bastonetes; no entanto, as formas de piroplasmas arredondadas (1 a 2,2 μm de diâmetro) e as formas ovais (0,8 a 1 μm × 1,5 a 2 μm)
são mais comuns. Apresentamse descorados na região central e contêm um pequeno núcleo de cor magenta arredondado a um núcleo em formato de lua crescente em um lado. Quando a parasitemia é superior a 0,5%, notamse formas em
cruz de malta e piriformes pareadas. É necessário exame cuidadoso para excluir a possibilidade de Mycoplasma haemofelis, corpúsculos de HowellJolly, precipitados de corante e artefatos de água.
O estágio tecidual de esquizonte precede a fase eritrocitária. Ocasionalmente, é possível notar esquizontes em esfregaços de sangue periférico, especialmente em sua margem, e em menor aumento podem ser confundidos com grandes
aglomerados de plaquetas. Na ausência de piroplasmas ou esquizontes em hemácias do esfregaço sanguíneo, devese obter um rápido diagnóstico, obtendose aspirado com agulha fina de linfonodo periférico, baço ou fígado, a fim de
detectar esquizontes no exame citológico. Esses fagócitos apresentam 15 a 250 μm de diâmetro, contêm um núcleo ovoide com grande nucléolo escuro proeminente característico. O citoplasma costuma se encontrar muito distendido com
várias partículas basofílicas pequenas e profundas, que correspondem ao desenvolvimento de merozoitos.
Na ausência dessas estruturas, devese fazer o diagnóstico por meio de PCR, mais sensível e específico do que a microscopia, disponível no Vector Borne Disease Diagnostic Laboratory da North Carolina State University. Esse teste é
recomendado a casos suspeitos, nos quais não se detectaram parasitos, bem como para confirmação após a detecção de piroplasmas ou esquizontes.
TRATAMENTO E CONTROLE: Historicamente, as tentativas de tratamento dessa doença com vários antiparasitários (parvaquona, buparvaquona, trimetoprima/sulfadiazina, tiacetarsamida sódica) são pouco efetivas. Seis gatos de um grupo
de sete foram tratados com sucesso com aceturato de diminazeno (não aprovado nos EUA) ou com dipropionato de imidocarbe (duas doses de 2 mg/kg IM, com intervalo de 3 a 7 dias). Mais recentemente, em uma série de casos (n = 22),
relatouse a sobrevivência de 64% dos gatos tratados com a combinação de atovaquona (15 mg/kg VO, 3 vezes/dia, por 10 dias) e azitromicina (10 mg/kg VO, 1 vezes/dia, durante 10 dias), além de tratamento de suporte.
Em todos os casos, devese instituir tratamento de suporte com aplicação IV de fluido e heparina (100 a 200 U/kg SC, 3 vezes/dia). Recomendase suporte nutricional por meio de tubo para alimentação, esofágico ou nasoesofágico, o
qual também facilita a administração de medicamentos orais (atovaquona e azitromicina). Devemse propiciar oxigenoterapia e transfusão de sangue, quando necessário. No caso de febre incessante, justificase o uso de antiinflamatório;
no entanto, é contraindicado o uso de antiinflamatório não esteroide (AINE) a gatos com azotemia ou desidratação. Uma vez definido o diagnóstico e iniciado o tratamento, recomendase mínimo estresse e manuseio do paciente. A
recuperação, inclusive a resolução da febre, frequentemente é lenta e pode demorar até 5 a 7 dias. Os animais que sobrevivem apresentam recuperação clínica completa, inclusive das anormalidades hematológicas e bioquímicas, em 2 a 3
semanas. Alguns sobreviventes permanecem persistentemente infectados com piroplasmas e podem representar uma fonte de infecção.
Recomendase a aplicação rotineira de medicamento para controle de carrapatos; no entanto, gatos foram infectados mesmo com esse tratamento. A retirada dos gatos de áreas possivelmente infestadas por carrapatos vetores (ou seja,
mantêlos apenas em ambientes fechados) é considerada o melhor método de prevenção da enfermidade.
HEPATOZOONOSE DO VELHO MUNDO E HEPATOZOONOSE CANINA AMERICANA
ETIOLOGIA, EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: A hepatozoonose do Velho Mundo é uma doença que acomete animais carnívoros, selvagens e domésticos, transmitida por carrapatos e causada pelo protozoário Hepatozoon canis. Não se
sabe se a infecção de felídeos selvagens e domésticos é causada por H. canis ou por outras espécies de Hepatozoon. Esse microrganismo é transmitido pelo carrapato marrom de cães, Rhipicephalus sanguineus. No final da década de 1990,
as características clínicas particulares em cães da América do Norte sugeriam que alguma espécie ou cepa diferente de Hepatozoon poderia ser responsável pela doença na América do Norte, diferentemente de outros países; em 1997, essa
suspeita foi confirmada. Sabese atualmente que, na América do Norte, a doença é causada pelo protozoário H. americanum, transmitido pelo carrapato da Costa do Golfo, Amblyomma maculatum, e não pelo carrapato marrom de cães.
Assim, na América do Norte, a doença é denominada hepatozoonose canina americana (HCA), uma enfermidade diferente.
O modo de transmissão de hepatozoonose não é típico no sentido clássico de uma doença transmitida por carrapato; à semelhança de outras espécies do gênero, as infecções por H. canis e H. americanum ocorrem quando um carrapato
infectado, o hospedeiro definitivo, é ingerido pelo cão (ou outro hospedeiro intermediário vertebrado). Esporozoitos liberados de oocistos maduros na hemocele do carrapato penetram no hospedeiro vertebrado através do intestino. Os cães
também podem adquirir HCA pela ingestão de hospedeiros paratênicos (transporte) que contêm cistozoítos, um estágio latente de H. americanum encistados em seus tecidos. Experimentalmente, a infecção por cistozoíto resulta nas mesmas
manifestações de doença observadas em cães que ingerem oocistos esporulados. Até o momento não se sabe se há uma via de transmissão semelhante na infecção por H. canis.
Em várias partes do mundo (Índia, África, Sudeste Asiático, Oriente Médio, Sul da Europa e Ilhas dos Oceanos Pacífico e Índico), a maioria dos cães com hepatozoonose geralmente apresenta infecção subclínica ou apenas sintomas
discretos. Nessas regiões, a imunossupressão causada por doença concomitante ou por outros fatores parece ter papel importante na ocorrência de sinais clínicos mais graves. Nos EUA, parece não haver necessidade de imunossupressão ou
de doença concomitante para induzir sintomas mais graves do que aqueles normalmente constatados na HCA.
HCA é uma doença emergente inicialmente disseminada ao Norte e ao Leste da Costa do Golfo, no Texas, onde foi primeiramente detectada, em 1978. A distribuição desse parasito é semelhante àquela do carrapato da Costa do Golfo.
Nos EUA, a maior parte dos casos foi diagnosticada no Texas (principalmente ao longo da Costa do Golfo), Oklahoma e Louisiana; contudo, há relato de vários casos no Alabama e casos tão distantes, como no Leste do Tennessee, Geórgia
e Flórida. Há relato de casos esporádicos em locais geográficos díspares, como Califórnia, Washington e Vermont; supõese que esses cães tenham sido transferidos de áreas endêmicas, pois o carrapato da Costa do Golfo não se estabeleceu
em locais tão distantes. H. americanum, bem como A. maculatum, também pode ser observado nas Américas do Sul e Central. Identificouse Amblyomma ovale como vetor de H. canis na América do Sul. Evidências em testes de genética
molecular sugerem que a infecção por H. canis pode ser mais comum na América do Norte do que se acreditava anteriormente, mas a HCA continua sendo a forma mais grave e mais comum de hepatozoonose no Novo Mundo.
Experimentalmente, cães com > 4 a 6 meses de idade são resistentes à infecção por H. canis. No entanto, H. americanum provoca sinais clínicos graves, mesmo em cães adultos. Como a doença causada por H. americanum é
clinicamente muito mais importante do que aquela induzida por H. canis, as considerações que constam do restante deste capítulo referemse, principalmente, à HCA.
ACHADOS CLÍNICOS: As fases teciduais dos microrganismos causadores de hepatozoonose, especialmente aquelas de H. americanum, induzem inflamação piogranulomatosa, que resulta em sinais clínicos. Esses sintomas, que podem ser
intermitentes, incluem febre, depressão, perda de peso, baixo escore corporal, atrofia muscular, sintomas de dor, rigidez e fraqueza; secreção ocular mucopurulenta é comum e, ocasionalmente, notase diarreia sanguinolenta.
Surpreendentemente, vários cães manifestam apetite normal quando o alimento é colocado diretamente na frente deles, porém eles não se movem para consumilo, aparentemente por conta da dor intensa. Dor ou hiperestesia grave na região
paraespinal é um achado comum ao exame físico; constatase, também, dor cervical, articular ou generalizada. A hiperestesia manifestase como andar rígido e relutância para se movimentar, bem como rigidez cervical e/ou de tronco. A
febre pode oscilar em função da gravidade dos sintomas e variar de 39,3 a 41°C, não diminuindo com o uso de antibióticos. Dentre as sequelas de ocorrência retardada, incluemse glomerulonefrite e amiloidose.
DIAGNÓSTICO: A anormalidade laboratorial mais consistente é a leucocitose com neutrofilia, cuja contagem varia de 20.000 a 200.000 células/μL. Tipicamente, é uma neutrofilia madura marcante, embora possa haver desvio à esquerda.
Anemia normocítica normocrômica não regenerativa discreta a moderada é outro achado comum. Tipicamente, a contagem de plaquetas está normal ou elevada. Também, podese constatar leve aumento da atividade de fosfatase alcalina
(ALP), hipoalbuminemia e elevação da atividade de creatinoquinase (CK). Embora haja relato de hipoglicemia marcante, acreditase que tal achado seja um artefato in vitro decorrente do maior metabolismo de glicose, em razão do grande
número de leucócitos. Nas radiografias, reações periosteais podem ser visualizadas em qualquer osso (inclusive crânio e vértebras). Essas reações periosteais assemelham–se àquelas de osteoartropatia hipertrófica, exceto que, na HCA, as
lesões tendem a ser mais proximais do que distais, com frequência notadamente evidentes nos ossos longos. O mecanismo fisiopatológico das lesões ósseas não foi esclarecido.
O diagnóstico definitivo de hepatozoonose baseiase no achado de gamontes nos leucócitos do sangue periférico (utilizando–se corantes do tipo Romanowsky); identificação de cistos típicos, merontes ou piogranulomas em amostras de
músculos obtidas por biopsia ou detecção de anticorpos séricos contra esporozoítos de H. americanum. Em alguns cães, podem ser necessárias biopsias musculares múltiplas ou sequenciais, a fim de detectar os microrganismos. Embora
tenha sido desenvolvido um método de diagnóstico sorológico experimental (ELISA, que detecta anticorpos contra esporozoítos de H. americanum), ele não está disponível para diagnóstico de rotina. A Auburn University e a North
Carolina State University disponibilizam testes diagnósticos para hepatozoonose baseados em PCR. Esses testes mostraram que a hepatozoonose clássica causada por H. canis é mais comum na América do Norte do que se pensava
anteriormente. Ademais, a variação detectada na sequência do rDNA 18S de cães infectados originou novas questões sobre hepatozoonose canina. Ainda, pode ser que mais espécies (ou cepas) com padrão de patogenicidade e/ou com ciclo
biológico diferentes provoquem a doença em cães.
TRATAMENTO: A hepatozoonose é uma infecção que persiste no cão pelo resto da vida. Nenhum procedimento terapêutico elimina totalmente o microrganismo do animal. No passado, o tratamento era frustrante porque a maioria dos cães
apresentava apenas melhora temporária, com recidivas frequentes dentro de 3 a 6 meses, e morria dentro de 2 anos após o diagnóstico. Atualmente, em geral, é possível obter a remissão dos sinais clínicos mediante terapia combinada,
denominada TCP, que inclui: trimetoprimasulfadiazina (15 mg/kg VO, 2 vezes/dia), clindamicina (10 mg/kg VO, 3 vezes/dia) e pirimetamina (0,25 mg/kg VO, 1 vez/dia); essa medicação deve ser administrada durante 14 dias.
Infelizmente, a remissão clínica com essa terapia costuma ser de curta duração e, em geral, os cães manifestam recidiva dentro de 2 a 6 meses. No entanto, há relatos de um tratamento adjuvante relativamente recente que utiliza decoquinato
(um anticoccídio utilizado para grandes animais). O decoquinato não é efetivo na doença clínica ativa, mas pode prevenir recidivas clínicas; é administrado após a resolução dos sinais clínicos, como adjuvante ao tratamento TCP. A dose
recomendada é de 10 a 20 mg de decoquinato/kg VO, 2 vezes/dia, continuamente ao longo de 2 anos. Terapia TCP combinada com uso diário de decoquinato tem resultado em melhora acentuada no prognóstico de cães com hepatozoonose.
Outros tratamentos mais antigos incluem dipropionato de imidocarbe (dose única de 5 mg/kg SC); associação de dipropionato de imidocarbe (6 mg/kg, SC, em intervalos de 14 dias) com tetraciclina (22 mg/kg VO, 3 vezes/dia, durante
14 dias) ou o coccidiostático toltrazurila (5 a 10 mg/kg SC ou VO, 1 vez/dia, durante 3 a 5 dias, ou 5 mg/kg VO, 2 vezes/dia, por 4 dias). A eficácia do tratamento com imidocarbe tem sido inconsistente e pode depender da gravidade dos
sintomas e da região, os quais podem estar associados à cepa de microrganismo causador da doença. De modo semelhante, embora haja relato de resposta clínica inicial excelente à toltrazurila, ocorrem recidivas e não há evidência de
eliminação das formas císticas do tecido muscular.
O uso de AINE pode ser o melhor procedimento terapêutico para o controle de febre e dor, especialmente nos primeiros dias da terapia TCP. Devese evitar a administração de glicocorticoide, porque, embora os esteroides possam
propiciar alívio temporário, seu uso prolongado pode exacerbar a doença.
A prevenção de acesso a locais que contenham carrapatos e o desencorajamento de predação são as formas mais efetivas de controle de hepatozoonose. A predação implica risco duplo de HCA: a pelagem da presa capturada/ingerida
pelos cães pode ter carrapato infectado, o que pode ser uma fonte de esporozoítos; além disso, a presa pode conter cistozoítos (pelo menos no caso de H. americanum), que também causam infecção.
Não há risco zoonótico conhecido para hepatozoonose.
ESQUISTOSSOMOSE
É uma infecção parasitária comum em bovinos e, raramente, em outros animais domésticos na África e na Ásia. Embora os esquistossomos possam atuar como importantes patógenos em raras condições, favorecendo a transmissão
intensiva, a maioria das infecções em regiões endêmicas é subclínica. No entanto, altas taxas de prevalência de infecções subclínicas provocam perda significativa por conta dos efeitos a longo prazo no crescimento e na produtividade e da
maior suscetibilidade a outras doenças parasitárias ou bacterianas.
Esquistossomos são membros do gênero Schistosoma, família Schistosomatidae. Os vermes adultos são parasitos obrigatórios do sistema vascular de vertebrados. Os esquistossomos são dioicos. A fêmea adulta é mais delgada do que o
macho e normalmente é transportada em um sulco ventral, o canal ginecofórico, formado pelas protuberâncias laterais dobradas ventralmente no corpo do macho.
Das 19 espécies relatadas em animais com infecção natural, 7 – todas parasitos de ruminantes – recebem atenção especial, principalmente por causa de sua reconhecida importância veterinária: S. mattheei, S. bovis, S. curassoni, S.
spindale, S. indicum, S. nasale e S. japonicum. A espécie S. mattheei é verifcada no Sudeste da África, desde a Província do Cabo, na África do Sul, em direção ao Norte até a Tanzânia e Zâmbia. S. bovis é observado na região do
Mediterrâneo e no Oriente Médio, sendo comum nas regiões Norte, Oeste e Leste da África (exceto no Egito), estendendose do Sul ao centro de Angola, Sul do Congo e, possivelmente, Norte da Zâmbia. S. curassoni foi detectado em
ruminantes no Senegal, Mauritânia, Mali, Níger e Nigéria. Há relato de S. spindale na Índia, Sri Lanka, Indonésia, Malásia, Tailândia e Vietnã. A distribuição de S. indicum parece limitada ao subcontinente indiano. S. nasale é observado na
Índia, Sri Lanka, Bangladesh e Mianmar. S. incognitum foi relatado na Índia, Tailândia e Indonésia. S. japonicum é endêmico em vários países da Ásia Oriental.
A diferenciação das espécies de Schistosoma pode basearse na morfologia do ovo (tamanho, forma). As espécies também podem ser diferenciadas pelos aspectos taxonômicos e morfológicos (vermes adultos), ciclo biológico ou
características comportamentais; cromossomos; especificidade do hospedeiro ou estudos com enzima e DNA. Algumas dessas espécies são conhecidas por interagir em áreas onde coexistem, havendo relato de hibridização interespecífica.
O parasito bovino S. mattheei, por exemplo, ocasionalmente pode infectar pessoas, nas quais pode ocorrer hibridização com a espécie humana S. haematobium.
CICLO BIOLÓGICO, TRANSMISSÃO E EPIDEMIOLOGIA: Esquistossomos vivem nas veias mesentéricas e hepáticas do hospedeiro (exceto S. nasale, que se instala nas veias nasais), onde se alimentam de sangue e produzem ovos com uma
espinha lateral ou terminal característica. Os ovos eliminados nas fezes devem ser depositados na água, a fim de eclodirem e liberarem os miracídios, que invadem caramujos aquáticos específicos e se desenvolvem como esporocistos
primários e secundários e se tornam cercárias. Quando completamente maduras, as cercárias saem do caramujo e nadam livremente na água, onde permanecem viáveis por várias horas. Em geral, os ruminantes infectamse com cercárias
que penetram na pele, embora tenha sido mostrado que a infecção pode ser adquirida VO, quando os animais bebem água contaminada. Durante a penetração, as cercárias transformamse em esquistossômulas e são transportadas pela linfa
e pelo sangue aos locais de predileção. O período prépatente varia de acordo com as espécies, mas geralmente é de 45 a 70 dias.
A ocorrência de esquistossomose bovina é descontínua, dependendo da presença do hospedeiro intermediário, o caramujo, do grau de infecção e da frequência de contato com a água. Nas regiões onde as condições são favoráveis, a taxa
de prevalência de infecção em bovinos pode variar de 40 a 70%, sendo comumente maior que esse valor.
Há forte evidência de imunidade adquirida à infecção por esquistossomo em bovinos. Essa imunidade atua principalmente por meio da supressão da fecundidade dos parasitos. O exame de animais naturalmente infectados mostrou que
também há proteção parcial contra reinfecção, e a resistência adquirida aos esquistossomos é mais importante no controle da intensidade da infecção no campo.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES
Esquistossomose visceral: Na grande maioria dos casos, nas regiões endêmicas a esquistossomose visceral é subclínica e caracterizada por alta prevalência de carga parasitária baixa a moderada na população bovina. Embora, a curto prazo,
possam ser detectados poucos sinais clínicos evidentes ou nenhum, altas taxas de prevalência de infecções crônicas por esquistossomos provocam perda econômica significativa no rebanho. Essas perdas devemse aos efeitos menos
facilmente reconhecíveis no crescimento e na produtividade, bem como à maior suscetibilidade a outras doenças parasitárias e bacterianas.
Há relato de surtos ocasionais de esquistossomose intestinal clínica causados por S. mattheei, S. bovis ou S. spindale. Em geral, eles limitamse aos rebanhos jovens e animais adultos acometidos por infecção primária relativamente
intensa em condições de transmissão intensiva. A doença é caracterizada por diarreia, perda de peso, anemia, hipoalbuminemia, hiperglobulinemia e eosinofilia marcante que se desenvolve após o início da excreção de ovos. O quadro
clínico de animais gravemente enfermos piora rapidamente e, em geral, esses pacientes morrem dentro de alguns meses de infecção, embora aqueles menos intensamente infectados desenvolvam doença crônica, acompanhada de retardo de
crescimento.
Nas formas intestinal e hepática, observamse trematódeos adultos nas submucosas porta, mesentérica e intestinal e nas veias subserosas. No entanto, os principais efeitos patológicos devemse aos ovos. Na forma intestinal, a passagem
de ovos através da parede intestinal provoca lesão, ao passo que na forma hepática formamse granulomas ao redor dos ovos que são aprisionados nos tecidos. Outras alterações hepáticas incluem hiperplasia e hipertrofia medial das veias
porta, desenvolvimento de folículos e nódulos linfoides por todo o órgão e fibrose periporta nos casos mais crônicos. No intestino, notase também a formação de extenso granuloma. Nos casos graves, notamse várias áreas de petéquias e
hemorragias difusas na mucosa, podendo–se verificar grande quantidade de sangue descorado no lúmen intestinal. Frequentemente, os vasos sanguíneos parasitados estão dilatados e tortuosos. As lesões vasculares também são verificadas
nos pulmões, no pâncreas e na bexiga de animais seriamente infectados.
Esquistossomose Nasal: Essa enfermidade está associada a crescimentos teciduais de formato semelhante a couveflor na mucosa nasal, provocando obstrução parcial do orifício nasal e ruídos de ronco durante a respiração. Secreção nasal
hemorrágica e/ou mucopurulenta é um sintoma comum. Na esquistossomose nasal, observamse trematódeos adultos nos vasos sanguíneos da mucosa nasal, mas, novamente, os principais sintomas devemse aos ovos, que originam
abscessos na mucosa. Esses abscessos se rompem e liberam ovos e pus na cavidade nasal, culminando com extensa área de fibrose. Além disso, são comuns grandes protuberâncias granulomatosas na mucosa nasal, que ocasionam
obstrução das vias nasais e dispneia.
DIAGNÓSTICO: Como os sintomas e a história clínica, exclusivamente, não são suficientes para distinguir esquistossomose visceral de outras doenças debilitantes, o diagnóstico deve ser confirmado mediante a constatação e a identificação
de ovos nas fezes do animal infectado. À necropsia, o exame macroscópico das veias mesentéricas, verificandose a presença de vermes adultos, ou o exame microscópico de raspados de mucosa intestinal ou de tecido hepático esmagado
(ambos para pesquisa de ovos) pode comprovar o diagnóstico mais facilmente.
Os ovos de S. bovis e S. mattheei apresentam o formato fusiforme; aqueles de S. spindale são mais alongados e achatados em um dos lados e os ovos de S. nasale têm formato de bumerangue. Os ovos elípticos de S. japonicum são
relativamente pequenos, com uma espinha rudimentar.
Comumente notase excreção fecal de pequena quantidade de ovos nas infecções crônicas, de modo que pode ser preferível o emprego de técnicas quantitativas de eclosão de miracídio, as quais, além de mais sensíveis, também
propiciam informação sobre a viabilidade dos ovos excretados nas fezes.
TRATAMENTO E CONTROLE: O praziquantel (25 mg/kg) é muito efetivo, embora possam ser necessárias duas doses com intervalo de 3 a 5 semanas. No entanto, por motivos práticos e econômicos, a esquistossomose em criações
domésticas raramente é tratada. Somente na China, onde os animais pecuários infectados atuam como importantes fontes de infecção humana, temse praticado amplamente o tratamento em massa com praziquantel.
O modo mais efetivo de controle de esquistossomose bovina nas áreas endêmicas é a construção de cercas, o que impede o contato dos animais com o parasito, não permitindo acesso às áreas alagadiças contaminadas, e o fornecimento
de água de boa qualidade. Infelizmente, isso nem sempre é possível em regiões do globo onde prevalecem condições de manejo nômade. Outros métodos de controle incluem destruição da população de caramujos, os hospedeiros
intermediários, em áreas de transmissão, utilizando–se métodos químicos ou biológicos, ou a remoção deles mediante a colocação de barreiras mecânicas ou aprisionamento dos caramujos. Medidas ecológicas contra os caramujos, com
intuito de propiciar um habitat impróprio para sobrevivência, como drenagem, remoção de ervas daninhas aquáticas e aumento do fluxo de água, mostraram–se valiosas. Essas medidas auxiliam não apenas na redução da transmissão de
esquistossomose, mas também no controle de outros trematódeos parasíticos, como Fasciola gigantica e Paramphistomum spp, os quais têm os caramujos aquáticos como hospedeiros intermediários e quase sempre estão nas mesmas áreas
habitadas pelos esquistossomos.
MICOPLASMAS HEMOTRÓPICOS
(HEMOPLASMAS)
Parasitos eperitrocíticos, anteriormente denominados Haemobartonella e Eperythrozoon e antigamente classificados como riquétsias, foram reclassificados após a análise da sequência do gene RNA ribossômico 16S, a qual revelou que são
filogeneticamente mais relacionados com os membros do gênero Mycoplasma. Assim, foram renomeados com a designação Candidatus adicionada aos microrganismos descritos de modo incompleto. Esses hemoplasmas infectam diversos
vertebrados em todo o mundo e compartilham características e aspectos morfológicos similares. São bactérias gramnegativas pleomórficas sem parede celular que não foram submetidas a cultura microbiológica fora de seus hospedeiros.
Os hemoplasmas instalam–se na superfície das hemácias, mas não penetram nas células.
Há vários hemoplasmas de importância veterinária (Tabela 5). A capacidade desses microrganismos em provocar anemia hemolítica clinicamente relevante é variável, mas os animais infectados permanecem portadores mesmo após
terapia antimicrobiana. Caso o animal seja submetido a estresse ou apresente imunossupressão, a parasitemia pode reaparecer.
TRANSMISSÃO: Os hemoplasmas podem ser transmitidos por meio da transferência direta de sangue infectado (transfusão de sangue ou uso de agulhas, instrumentos cirúrgicos e material de lida do rebanho ou tropa contaminados) ou por
artrópodes vetores, como piolhos, moscas, carrapatos e mosquitos. Há relato de transmissão vertical da mãe para as crias em gatas, porcas e camelídeos. Em gatos, suspeitase de transmissão direta associada a brigas, sustentada por estudos
que relataram a presença de DNA de hemoplasma em saliva, gengiva e leito ungueal de gatos infectados.
ACHADOS CLÍNICOS: Os hemoplasmas são capazes de causar anemia hemolítica, porém a gravidade é muito variável. Em geral, tende a ocorrer infecção assintomática em animais adultos sadios; anemias agudas mais graves estão
associadas a esplenectomia, imunossupressão, doenças concomitantes (como vírus da leucemia felina ou vírus da imunodeficiência felina, em gatos) ou coinfecção com diversas espécies de hemoplasma. A principal exceção é M.
haemofelis, que provoca anemia hemolítica aguda em gatos hígidos. A anemia pode ser grave e, ocasionalmente, fatal. Os sinais clínicos típicos incluem letargia, anorexia e febre, com menor ocorrência de esplenomegalia e icterícia.
Tabela 5 – Hemoplasma de importância veterinária
Espécie Hemoplasma
Cães Mycoplasma haemocanis (antigamente Haemobartonella canis)
‘Candidatus Mycoplasma haematoparvum’
Gatos Mycoplasma haemofelis (antigamente Haemobartonella felis)
‘Candidatus Mycoplasma haemominutum’
‘Candidatus Mycoplasma turicensis’
Suínos Mycoplasma (Eperythrozoon) suis
Eperythrozoon parvum (ainda não renomeada)
Bovinos Mycoplasma (Eperythrozoon) wenyonii
Ovinos e caprinos Mycoplasma (Eperythrozoon) ovis
Lhamas e alpacas ‘Candidatus Mycoplasma haemolamae’
M. haemocanis provoca hemólise aguda em cães submetidos a esplenectomia, porém geralmente a infecção é assintomática em cães hígidos. M. suis provoca anemia hemolítica acompanhada de icterícia em leitões neonatos, porcos
suínos de engorda e porcas prenhes. A infecção crônica ocasiona baixa taxa de crescimento, diminuição da taxa de concepção, deficiência reprodutiva e menor produção de leite. A infecção por M. wenyonii em bovinos geralmente é
assintomática, porém é relatada a ocorrência de uma síndrome que envolve edema de glândula mamária e membros pélvicos, menor produção de leite, febre e linfadenopatia em novilhas primíparas, sem anemia. Em ovinos e caprinos, a
infecção por M. ovis costuma ser assintomática, mas a anemia hemolítica pode ocorrer em animais jovens, especialmente naqueles com alta carga de parasitos intestinais. A infecção crônica pode resultar em menor ganho de peso,
intolerância ao exercício, diminuição da produção de lã e anemia discreta. Em camelídeos, a infecção por hemoplasma pode provocar anemia hemolítica grave em animais jovens.
A hemólise provocada por infecções por hemoplasma é tipicamente extravascular e resulta em anemia regenerativa. Pode haver aglutinação de hemácias, e o resultado do teste de Coombs frequentemente é positivo em gatos infectados
por M. haemofelis. Cães esplenectomizados com hemólise aguda em razão da infecção por M. haemocanis podem apresentar aglutinação, esferocitose e teste de Coombs positivo. Há relato de hipoglicemia secundária ao consumo de glicose
pela bactéria em suínos, ovinos, lhamas e bezerros intensamente parasitados; no entanto, rápida glicólise bacteriana in vitro também pode ocasionar falsa diminuição da concentração sanguínea de glicose.
DIAGNÓSTICO: Historicamente, o diagnóstico é realizado com base na detecção de microrganismos em exames de rotina de esfregaços sanguíneos corados pela técnica de Wright. Neles, notamse bastonetes basofílicos arredondados muito
pequenos (0,5 a 3 μm) ou estruturas em forma de anel nas hemácias, individualmente ou em cadeias, ou, às vezes, livremente ao fundo da lâmina. No entanto, nas infecções crônicas a parasitemia pode ser cíclica, e os microrganismos
desaparecem da circulação tão rapidamente quanto em 2 h. Além disso, na presença de ácido etilenodiaminotetracético (EDTA), os hemoplasmas soltamse das hemácias e morrem após um período variável, dificultando a detecção de
microrganismos em amostras obtidas há algum tempo. O desenvolvimento recente de testes de PCR sensíveis, capazes de distinguir vários hemoplasmas, aumentou muito o diagnóstico de infecções por esses parasitos e propiciou a
identificação de várias novas espécies de Mycoplasma.
TRATAMENTO E CONTROLE: Nas infecções agudas, as tetraciclinas (doxiciclina, oxitetraciclina) são os principais medicamentos utilizados como tratamento; enrofloxacino e marbofloxacino também são efetivos contra M. haemofelis.
Glicocorticoides podem ser úteis para minimizar a eritrofagocitose nos casos de hemólise grave; alguns animais podem necessitar de transfusão sanguínea. Os animais tratados permanecem portadores e podem manifestar recidivas clínicas
periódicas. Doadores de sangue devem ser submetidos a teste de PCR baseado no DNA, a fim de prevenir a transmissão do microrganismo ao receptor durante a transfusão. Podese evitar a transmissão iatrogênica mediante o uso de
agulhas e equipamentos adequadamente esterilizados. Recomendase o controle de artrópodes vetores, bem como o evitamento de situações de estresse aos rebanhos e às tropas.
RISCO ZOONÓTICO: As infecções por hemoplasma geralmente são espécieespecíficas, com exceção de M. ovis, que infecta ovinos e caprinos, e de ‘Candidatus M. haemolamae’, que infecta lhamas e alpacas. Há relatos de eperitrozoonose
humana na Mongólia e na China, mas não há evidência clara para sustentar tal afirmação. No entanto, há raros relatos de infecções por hemoplasma em pessoas imunocomprometidas, as quais foram submetidas a exames moleculares para
confirmação. Um relato recente documenta um paciente humano HIVpositivo infectado simultaneamente por Bartonella henselae e um hemoplasma geneticamente semelhante a M. haemofelis. Esse indivíduo possuía cinco gatos e
apresentava várias lesões por arranhaduras e mordidas. Os cinco gatos apresentaram resultado positivo em PCR para Bartonella spp e dois eram positivos para M. haemofelis, sugerindo a possibilidade de transmissão zoonótica.
Anemia Infecciosa Felina (Hemoplasmose)
Em gatos, a micoplasmose hemotrópica pode causar uma doença denominada anemia infecciosa felina (AIF), antigamente denominada hemobartolenose. A maioria das infecções é verificada em gatos machos que vivem em ambiente
externo. M. haemofelis (antigamente conhecido cepa Ohio ou forma grande de Haemobartonella felis) é o agente etiológico de AIF mais patogênico; pode causar anemia hemolítica em gatos imunocompetentes. ‘Candidatus M.
haemominutum’ (antigamente conhecido como cepa Califórnia ou forma pequena de H. felis) é o hemoplasma mais comum na população mundial de gatos, porém não está claramente associado à doença em gatos imunocompetentes.
‘Candidatus M. turicensis’ nunca foi visto em esfregaço sanguíneo, e sua patogenicidade não é bem compreendida. Ambas as espécies podem causar anemia em gatos com doença imunossupressora primária, como acontece na infecção por
vírus da leucemia felina.
Esfregaço sanguíneo de um cão infectado por Mycoplasma haemocanis. Os microrganismos parecem pequenos cocos basofílicos individuais e em cadeias na superfície das hemácias. O aumento da policromasia indica anemia regenerativa (corante de Romanowsky em solução aquosa). Cortesia do Dr.
Robin Allison.
Esfregaço sanguíneo de uma cria de camelídeo infectada por ‘Candidatus Mycoplasma haemolamae’. Grande quantidade de microrganismos na forma de pequenos cocos basofílicos e de anéis aderese à superfície das hemácias, com poucos organismos livres ao fundo da lâmina (corante de Romanowsky
em solução aquosa). Cortesia do Dr. Robin Allison.
No caso de infecção por M. haemofelis, um período de incubação de 2 a 30 dias é seguido de anemia, e alguns gatos desenvolvem alterações cíclicas no VG que coincidem com o aparecimento de grande quantidade de microrganismos no
esfregaço sanguíneo. Em gatos não tratados, essa fase aguda dura 3 a 4 semanas, após a qual alguns animais podem permanecer cronicamente infectados, apesar do valor de VG normal ou quase normal. Sugerese que pode haver
agravamento da anemia quando esses gatos com infecção crônica apresentam doença debilitante ou são submetidos a estresse ou terapia imunossupressora.
Suspeitase que todo gato com anemia é portador de AIF. A gravidade dos sinais clínicos está relacionada com a rapidez de início da anemia. Os achados clínicos incluem fraqueza, palidez de membranas mucosas, taquipneia, taquicardia
e, ocasionalmente, colapso. Gatos com doença aguda podem manifestar febre, ao passo que os agonizantes podem apresentar hipotermia. Outras anormalidades ao exame físico podem incluir sopro cardíaco, esplenomegalia e icterícia. Nos
casos crônicos ou de progressão lenta, é possível constatar temperatura corporal normal ou subnormal, fraqueza, depressão e perda de peso ou emaciação.
As alterações laboratoriais esperadas incluem anemia regenerativa moderada a grave, aumento da quantidade de hemácias nucleadas, policromasia, anisocitose, corpúsculos de HowellJolly e reticulocitose. Os testes de Coombs podem
ser positivos 7 a 14 dias após o aparecimento do microrganismo no sangue e permanecem positivos durante toda a fase aguda, tornandose negativos em gatos portadores cronicamente infectados.
Tradicionalmente, a confirmação laboratorial da infecção baseiase na identificação do microrganismos em amostra de sangue periférico examinado em microscopia óptica, embora M. haemofelis seja visto em menos de 50% dos gatos
com infecção aguda. Alguns laboratórios disponibilizam testes PCR consideravelmente mais sensíveis e específicos do que o exame do esfregaço sanguíneo. A detecção de M. haemofelis pela técnica PCR é mais significante do que a
detecção de outras espécies de hemoplasma (‘Candidatus M. turicensis’ e ‘Candidatus M. haemominutum’), as quais não estão estreitamente relacionadas com a ocorrência de anemia.
Sem tratamento, 1/3 dos gatos com infecção aguda pode morrer. O tratamento envolve terapia de suporte, oxigenoterapia e transfusão sanguínea, bem como tratamento específico com doxiciclina (10 mg/kg VO, sid, durante, pelo menos,
2 semanas). Em razão do risco de esofagite e estenose de esôfago, a administração de hiclato de doxiciclina deve ser seguida de fornecimento de um bolus de vários mililitros de água. O enrofloxacino (5 mg/kg/dia VO) é uma alternativa
apropriada à doxiciclina. Atualmente não se recomenda o tratamento de gatos sadios com resultado positivo no teste PCR, pois ainda não se conhece um protocolo terapêutico que elimine completamente o microrganismo. O uso de doses
imunossupressoras de glicocorticoides para suprimir o dano imunomediado de hemácias é controverso, mas pode ser uma opção aos gatos que não respondem à terapia antimicrobiana, exclusivamente, ou quando a possível causa seja
anemia hemolítica imunomediada.
TEILERIOSE
Representa um grupo de doenças transmitidas por carrapatos e causadas por Theileria spp. Grande quantidade de Theileria spp é observada nos animais domésticos e selvagens em áreas infestadas por carrapatos do Velho Mundo. As
espécies mais importantes são T. parva e T. annulata, responsáveis por alta taxa de mortalidade em bovinos que vivem em regiões tropicais e subtropicais do Velho Mundo. T. lestoquardi, T. lowenshuni e T. uilenbergi são importantes
causas de morte em ovinos.
Tanto a Theileria quanto a Babesia são membros da subordem Piroplasmorina. Enquanto a Babesia são parasitos, principalmente, das hemácias, a Theileria utiliza sucessivamente leucócitos e hemácias para completar seu ciclo biológico
no mamífero hospedeiro. O estágio de esporozoíto infectante do parasito é transmitido pela saliva dos carrapatos infectados por ocasião do repasto. Os esporozoítos invadem os leucócitos e, dentro de poucos dias, se transformam em
esquizontes. Na maioria das espécies patogênicas de Theileria (p. ex., T. parva e T. annulata), ocorre multiplicação dos parasitos, principalmente nos leucócitos do hospedeiro, ao passo que espécies menos patogênicas se multiplicam
especialmente nas hemácias. O desenvolvimento do estágio de esquizonte da Theileria patogênica causa divisão de leucócitos do hospedeiro; em cada divisão celular, o parasito também se multiplica. Logo, a população de células
parasitadas aumenta e, por migração, se dissemina por todo o sistema linfoide. Posteriormente, parte dos esquizontes sofre merogonia; os merozoítos resultantes infectam as hemácias, dando origem aos piroplasmas. A ingestão das
hemácias infectadas com piroplasmas pelos carrapatos vetores representa o início de um ciclo biológico complexo, culminando na transmissão da infecção por carrapatos que se alimentam em seu próximo estágio (transmissão
transestadial). Não há transmissão transovariana, como acontece no caso de Babesia. A ocorrência da doença limitase à distribuição geográfica dos carrapatos vetores específicos. Em algumas áreas endêmicas, bovinos nativos apresentam
resistência inata. A mortalidade em tais rebanhos é relativamente baixa, mas bovinos nele introduzidos são particularmente vulneráveis.
Febre da Costa Oriental
É uma doença aguda de bovinos, geralmente caracterizada por febre alta, aumento de linfonodos, dispneia e alta taxa de mortalidade. Causada por Theileria parva, é um problema sério no Leste e no centro do continente africano.
ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO: Os esporozoítos de T. parva são inoculados nos bovinos pelo carrapato vetor infectado, Rhipicephalus appendiculatus, durante o repasto. Com base em parâmetros clínicos e epidemiológicos, são identificados
três subtipos de T. parva, mas provavelmente não são subespécies verdadeiras. T. parva parva e T. parva bovis são mantidas pela transmissão entre os bovinos. T. parva parva é altamente patogênica e pode causar alta taxa de mortalidade,
ao passo que T. parva bovis é menos patogênica. T. parva lawrencei é verificada em búfalos, sendo altamente patogênica quando transmitida aos bovinos, mas não desenvolve o estágio de piroplasma e não pode ser transmitida entre animais
infectados.
PATOGÊNESE, ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Ocorre uma fase oculta de 5 a 10 dias antes que os linfócitos infectados possam ser detectados em esfregaços de células aspiradas do linfonodo infectado, corados por Giemsa. Em
seguida, a quantidade de células parasitadas aumenta rapidamente por todo o sistema linfoide; aproximadamente a partir do 14o dia, são verificadas células em fase de merogonia. Tal ocorrência está associada a lise disseminada de
linfócitos, depleção linfoide acentuada e leucopenia. Nas hemácias infectadas pelos merozoítos resultantes, os piroplasmas assumem várias formas, mas tipicamente são pequenos e ovais ou em forma de bastonetes.
Os sinais clínicos variam de acordo com o grau de desafio, de inaparentes ou discretos a graves e fatais. Tipicamente, surge febre 7 a 10 dias após a inoculação dos parasitos pelos carrapatos infectados; a febre continua durante todo o
curso da infecção e pode ser superior a 42°C. O aumento de linfonodos tornase acentuado e generalizado. Nos esfregaços de amostras de linfonodos obtidas por biopsia e corados por Giemsa, notamse linfoblastos com esquizontes
multinucleares. O animal manifesta anorexia e rapidamente piora o seu escore corporal; pode haver lacrimejamento e secreção nasal. No estágio terminal, é frequente a ocorrência de dispneia. Imediatamente antes da morte, é comum a
queda acentuada na temperatura corporal e excreção de exsudato pulmonar pelas narinas. Geralmente o animal morre 18 a 24 dias após a infecção. As lesões mais notáveis constatadas à necropsia são aumento de volume de linfonodos e
edema e hiperemia pulmonar marcantes. É comum a ocorrência de hemorragia nas superfícies serosa e mucosa de vários órgãos, às vezes associada a áreas de necrose evidente nos linfonodos e no timo. A anemia não é um sinal diagnóstico
importante (como acontece na babesiose), pois há mínima multiplicação dos parasitos nas hemácias e, consequentemente, não há hemólise intensa.
Os animais que se recuperam ficam imunes à nova infecção pela mesma cepa, mas podem ser suscetíveis a algumas cepas heterólogas. A maior parte dos animais recuperados ou imunizados permanece como portador da infecção.
TRATAMENTO E CONTROLE: O tratamento com parvaquona e seu derivado buparvaquona é muito efetivo quando instituído no estágio inicial da doença clínica, porém sua eficácia é menor nas fases avançadas nas quais há extensa
destruição de tecidos linfoide e hematopoético. A imunização de bovino contra T. parva utilizando um procedimento de infecçãoetratamento é prática e está sendo aceita em algumas regiões. Para tal procedimento, utilizase um inóculo de
amostra de esporozoítos criopreservados da(s) cepa(s) apropriada(s) de Theileria oriunda de carrapatos infectados e, simultaneamente, uma única dose de oxitetraciclina de longa duração; embora a oxitetraciclina tenha pouco efeito
terapêutico quando aplicada após a instalação de uma infecção, ela impede o desenvolvimento do parasito quando administrada no início da infecção. Os bovinos devem ser imunizados 3 a 4 semanas antes de serem introduzidos em
pastagem infectada. As células de bovinos parasitadas contendo o estágio esquizonte de T. parva e T. annulata podem ser cultivadas in vitro como linhagens celulares de crescimento contínuo. No caso de T. annulata, os bovinos podem ser
infectados com alguns milhares de células cultivadas. As cepas atenuadas produzidas por passagens seriadas de culturas semelhantes representam a base da vacina viva em vários países, inclusive Israel, Irã, Índia e antiga União Soviética.
A ocorrência de febre da costa oriental pode ser minimizada por meio de rígido controle de carrapatos; porém não é possível em várias regiões, por conta do custo e da alta frequência necessária do tratamento com acaricida.
Teileriose Tropical
T. annulata, microrganismo causador de teileriose tropical, está amplamente distribuída na África do Norte, região costeira do Mediterrâneo, Oriente Médio, Índia, antiga União Soviética e Ásia. Ela é transmitida por várias espécies de
carrapatos do gênero Hyalomma. A T. annulata pode provocar taxa de mortalidade de até 90%, porém a patogenicidade das cepas é variável. A cinética da infecção e os principais achados clínicos são semelhantes àqueles ocasionados
por T. parva; porém, diferentemente da febre da costa leste, com frequência a anemia é uma característica da doença. Os sinais típicos incluem febre e aumento dos linfonodos superficiais. Se a doença progride, os bovinos emagrecem
rapidamente. Os esquizontes e piroplasmas são morfologicamente semelhantes àqueles de T. parva. Os animais que se recuperam da infecção ficam imunes a infecções subsequentes. O tratamento e o controle são semelhantes àqueles da
febre da costa leste (ver a seguir).
Outras Teilerioses de Bovinos
O grupo de T. orientalis, que consiste em parasitos estreitamente relacionados com T. orientalis, T. buffeli e T. sergenti, apresenta distribuição cosmopolita. Esses parasitos são transmitidos por carrapatos do gênero Haemaphysalis. Os
piroplasmas são maiores do que aqueles de T. parva e T. annulata e se multiplicam principalmente por divisão intraeritrocitária. A ocorrência de morte, particularmente em bovinos nativos, é rara, mas a infecção pode resultar em anemia
crônica progressiva.
T. mutans e T. velifera são verificadas na África, onde são transmitidas por carrapatos do gênero Amblyomma. Ocorre multiplicação, principalmente por divisão intraeritrocitária. Os piroplasmas são morfologicamente indistinguíveis
daqueles de T. orientalis e T. taurotragi (um parasito de elã [espécie de antílope africano] e de bovinos criados na África), porém os parasitos podem ser diferenciados por meio de testes sorológicos, como pesquisa de anticorpos por
fluorescência indireta e pela tipagem do DNA. Algumas cepas de T. mutans também são patogênicas. Além disso, uma infecção concomitante pode exacerbar a patogenicidade de T. parva.
Teileriose em Ovinos e Caprinos
T. lestoquardi (antigamente denominada T. hirci) causa doença em ovinos e caprinos semelhante àquela de bovinos ocasionada por T. annulata, com a qual é estreitamente relacionada. T. lestoquardi é transmitida por carrapatos do
gênero Hyalomma e apresenta distribuição geográfica semelhante àquela de T. annulata. A taxa de mortalidade pode se aproximar de 100%. Os esquizontes podem ser facilmente vistos em esfregaços de amostras de linfonodos superficiais
aumentados obtidas por biopsia e coradas por Giemsa.
Recentemente, foram identificadas duas espécies de Theileria, T. lewenshuni e T. uilenbergi, como causa de enfermidade grave em ovinos criados na China. Essas espécies são morfologicamente indistinguíveis e provocam doença
semelhante, porém podem ser diferenciadas por meio de tipificação do DNA. Elas são transmitidas por carrapatos do gênero Haemaphysalis. Esquizontes são detectados em diversos tecidos, porém mais tardiamente e em quantidade menor
do que em outras espécies patogênicas de Theileria. Piroplasmas são claramente vistos nas hemácias. Notaramse taxas de morbidade e de mortalidade de até 65% (T. lewenshuni) e 75% (T. uilenbergi) em animais suscetíveis, introduzidos
em áreas endêmicas. Os animais acometidos manifestaram febre e anemia.
Várias outras espécies de Theileria não patogênicas (p. ex., T. ovis) também estão amplamente distribuídas. Os piroplasmas dessas espécies são polimórficos.
Babesia equi foi reclassificada como T. equi no ano de 1998, com base na análise do DNA e de outros dados biológicos (ver p. 46).
TRIPANOSSOMÍASE
Tripanossomíase Transmitida pela Mosca Tsétsé
Esse grupo de doenças causadas por protozoários do gênero Trypanosoma acomete todos os animais domésticos. As principais espécies são T. congolense, T. vivax, T. brucei brucei e T. simiae. Na Tabela 6, estão listadas as espécies animais
mais suscetíveis à tripanossomíase transmitida pela mosca tsétsé e as regiões geográficas onde ocorre esse tipo de tripanossomíase.
Bovinos, ovinos e caprinos são infectados, em ordem de importância, por T. congolense, T. vivax e T. brucei brucei. Nos suínos, T. simiae é a espécie mais importante. Em cães e gatos, T. brucei é, provavelmente, o mais importante. É
difícil designar uma ordem de importância para equinos e camelídeos. T. vivax não se restringe à região subsaariana da África infestada com mosca tsétsé.
Os tripanossomos que causam a tripanossomíase transmitida pela mosca tsétsé (ou doença do sono) em pessoas, T. brucei rhodesiense e T. brucei gambiense são muito semelhantes a T. brucei brucei detectado em animais, devendose
adotar cuidados especiais ao se manusear tais isolados. Os animais domésticos podem atuar como fonte de infecção humana.
TRANSMISSÃO E EPIDEMIOLOGIA: A maior parte dos casos de transmissão pela mosca tsétsé é cíclica e se inicia quando o sangue de um animal infectado com tripanossomo é ingerido pela mosca. O tripanossomo perde o seu revestimento
superficial e se multiplica na mosca; em seguida, readquire um revestimento superficial e tornase infectante. T. brucei migra do intestino para o próventrículo, daí para a faringe e, por fim, para as glândulas salivares; o ciclo de T.
congolense cessa na hipofaringe, e as glândulas salivares não são invadidas; o ciclo completo do T. vivax ocorre na probóscida. A forma infectante presente na glândula salivar da mosca tsétsé é considerada como forma metacíclica. O ciclo
biológico dessa mosca pode ser inferior a 1 semana, como no caso de T. vivax, ou se estender até algumas semanas, como no caso de T. brucei spp.
Tabela 6 – Tripanossomos de animais transmitidos pela mosca TséTsé
O habitat da mosca tsétsé (gênero Glossina) restringese à África, na latitude 15°N a 29°S. As três principais espécies habitam ambientes relativamente distintos – G. morsitans quase sempre é observada em savanas; G. palpalis prefere
áreas ao redor de rios e lagos e G. fusca vive em florestas altas. As três espécies transmitem tripanossomos e se alimentam de vários mamíferos.
A transmissão mecânica pode ocorrer por picada da mosca tsétsé ou de outras moscas. No caso de T. vivax, parece que Tabanus spp e outras moscas picadoras são os principais vetores mecânicos em regiões onde não há mosca tsétsé,
como nas Américas Central e do Sul. A transmissão mecânica necessita apenas da transferência de sangue contaminado com tripanossomos infectantes de um animal para outro.
PATOGÊNESE: As moscas tsétsé infectadas inoculam os tripanossomos metacíclicos na pele dos animais, onde o protozoário cresce por alguns dias e causa tumefações localizadas (cancros). Os tripanossomos alcançam os linfonodos e, em
seguida, a corrente sanguínea, onde se multiplicam rapidamente por meio de fissão binária. Na infecção por T. congolense, os microrganismos se aderem às células endoteliais e se instalam em capilares e pequenos vasos sanguíneos. T.
brucei e T. vivax invadem os tecidos e provocam lesões teciduais em vários órgãos.
A resposta imune é vigorosa, e os imunocomplexos causam inflamação, que contribui na manifestação clínica e no desenvolvimento de lesões da doença. Os anticorpos contra as glicoproteínas de superfície destroem os tripanossomos.
No entanto, os tripanossomos possuem diversos genes que codificam diferentes glicoproteínas de superfície, as quais não são vulneráveis à resposta imune; essa variação antigênica resulta na persistência do protozoário. Não é conhecido o
total de tipos antigênicos de glicoproteínas que podem ser sintetizados, mas excede várias centenas. A variação antigênica tem impedido o desenvolvimento de uma vacina, permitindo reinfecções quando os animais são expostos a um novo
tipo antigênico.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A gravidade da doença varia em função da espécie e da idade do animal infectado, bem como da espécie de tripanossomo envolvida. O período de incubação geralmente varia de 1 a 4 semanas. Os principais
sintomas incluem febre intermitente, anemia e perda de peso. Os bovinos apresentam curso crônico com alta taxa de mortalidade, especialmente quando há deficiência nutricional ou influência de outros fatores estressantes. Os ruminantes
podem recuperarse gradativamente quando o número de moscas tsétsé infectadas é baixo; no entanto, o estresse resulta em recidiva.
Os achados de necropsia são variados e inespecíficos. Nos casos agudos e fatais, pode haver extensas áreas de petéquias nas membranas serosas, em especial na cavidade peritoneal. Também é frequente o aumento de linfonodos e do
baço. Nos casos crônicos, constatamse aumento de linfonodo, atrofia serosa da gordura e anemia.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico presuntivo baseiase na constatação de um animal anêmico com baixo escore corporal em uma área endêmica. A confirmação depende da identificação de tripanossomos em esfregaços sanguíneos corados ou
em preparações úmidas. O método rápido mais sensível consiste no exame de preparação úmida da camada leucocitária de um tubo de VG, após centrifugação. Outras infecções que causam anemia e perda de peso, como babesiose,
anaplasmose e teileriose, devem ser excluídas pelo exame de esfregaço sanguíneo corado.
Vários testes sorológicos detectam anticorpos contra tripanossomos, mas o seu uso é mais adequado para triagem de rebanho do que para diagnóstico individual; no entanto, os testes para pesquisa de antígenos espécie–específicos de
tripanossomos circulantes no sangue periférico estão se tornando disponíveis para diagnóstico tanto individual quanto de rebanho, embora sua eficiência ainda não tenha sido comprovada. Técnicas moleculares para detecção e diferenciação
de tripanossomos foram desenvolvidas, mas geralmente não estão disponíveis para uso de rotina.
TRATAMENTO E CONTROLE: Vários medicamentos podem ser utilizados (ver Tabela 7). A maioria deles tem um estreito índice terapêutico, o que torna importante a administração da dose correta. Ocorre resistência aos medicamentos, o
que deve ser considerado nos casos refratários.
Para o controle, podem ser empregados vários procedimentos, inclusive erradicação de moscas tsétsé e uso de medicação profilática. Essas moscas podem ser controladas parcialmente mediante aspersão e imersão frequentes de animais,
aspersão de inseticidas em áreas de procriação de moscas, uso de telas impregnadas com inseticidas e limpeza, além de outros métodos. Temse utilizado, com êxito, a SIT na região do Zanzibar e esperase utilizar em outras ações de
controle em amplas áreas, após a redução das populações de moscas tsétsé por inseticidas. Há renovado interesse internacional na erradicação da mosca tsétsé em grande escala por meio da PATTEC, sustentada pela União Africana. Nas
regiões com alta população de moscas tsétsé infectadas com tripanossomos, os animais podem receber medicação profilática. A resistência a medicamentos deve ser cuidadosamente monitorada por meio de exames de sangue frequentes
para pesquisa de tripanossomos nos animais tratados.
No Oeste da África, já foram identificadas várias raças de bovinos com resistência inata à tripanossomíase, e elas têm importante papel na redução do impacto da doença nessa região. No entanto, essa resistência pode se perder quando há
deficiência nutricional ou alta infestação de moscas tsétsé.
Tabela 7 – Medicamentos comumente utilizados no tratamento de tripanossomíase em animais domésticos
Equídeos vivax
Cloreto de homídio Como indicado para o brometo de homídio
O melhor procedimento de controle é a combinação de métodos que reduzem a infestação de moscas tsétsé e que aumentam a resistência do hospedeiro mediante o uso de medicação profilática.
Surra (Infecção por Trypanosoma evansi)
A surra é distinta das doenças transmitidas pela mosca tsétsé, porque geralmente é transmitida por picadas de outras moscas observadas dentro e fora das áreas infestadas por moscas tsétsé. Ela ocorre no Norte da África, no Oriente
Médio, na Ásia, no Extremo Oriente e nas Américas Central e do Sul. Na África, a distribuição de T. evansi estende–se para as áreas infestadas por moscas tsétsé, onde sua diferenciação do T. brucei tornase difícil. É, essencialmente, uma
doença de camelos e equinos, mas todos os animais domésticos são suscetíveis. A doença pode ser fatal, particularmente em camelos, equinos e cães. Em outros animais T. evansi parece não ser patogênico, e esses animais atuam como
reservatórios do microrganismo.
A transmissão ocorre, principalmente, por moscas que picam, provavelmente resultando de alimentações interrompidas. Alguns animais selvagens são suscetíveis à infecção e podem atuar como reservatórios.
Patogênese, achados clínicos, lesões, diagnóstico e tratamento são semelhantes àqueles descritos para a infecção de tripanossomos transmitidos pela mosca tsétsé (p. 63).
Durina
É uma doença venérea crônica frequentemente constatada em equinos, transmitida durante o coito e causada por T. equiperdum. A doença foi diagnosticada na costa mediterrânea da África, Oriente Médio, Sul da África e América do Sul; é
provável que sua distribuição seja mais ampla.
Os sintomas podem se desenvolver em semanas ou meses. Os sinais clínicos iniciais incluem secreção uretral mucopurulenta, em garanhões, e secreção vaginal, em éguas, seguida de edema evidente da genitália. Posteriormente, surgem
placas cutâneas características de 2 a 10 cm de diâmetro, e o equino emagrece progressivamente. A taxa de mortalidade de casos não tratados varia de 50 a 70%.
A identificação dos tripanossomos na secreção uretral ou vaginal, nas placas cutâneas ou no sangue periférico é difícil, a menos que o material seja centrifugado. Os equinos infectados podem ser identificados pelo teste de fixação de
complemento, mas somente nas áreas livres de T. evansi ou T. brucei, pois possuem antígenos comuns. Pode haver disponibilidade de um teste ELISA para o diagnóstico.
Nas áreas endêmicas, os equinos podem ser tratados (Tabela 7). Quando há necessidade de erradicação, o controle rigoroso do acasalamento e a eliminação de equinosproblema são procedimentos efetivos. Como alternativa, os equinos
infectados podem ser identificados pelo teste de fixação de complemento; a eutanásia dos animais positivos tornase obrigatória.
Doença de Chagas (Infecção por Trypanosoma cruzi)
O ciclo de transmissão comum da doença de Chagas envolve gambás, tatus, roedores e carnívoros selvagens; insetos da família Reduviidae atuam como vetores. Sua distribuição envolve Américas Central e do Sul e áreas situadas ao Sul
dos EUA. A doença de Chagas é importante na América do Sul. Os animais domésticos podem se infectar e introduzir o tripanossomo em ambientes onde vivem pessoas, nos quais há insetos vetores; o homem então se infecta por
contaminação de lesões oculares ou ingestão de alimentos contaminados com as fezes dos insetos que albergam tripanossomos. O tripanossomo é patogênico para o homem e, ocasionalmente, para cães e gatos jovens; os outros animais
domésticos atuam como reservatórios. Deve–se suspeitar de infecção por T. cruzi em áreas endêmicas nas quais os cães manifestam morte súbita ou miocardite.
Tripanossomos Não Patogênicos
Têmse isolado Trypanosoma theileri e outros tripanossomos muito semelhantes em culturas de sangue periférico de bovinos, em todos os continentes. Também já foram isolados tripanossomos semelhantes em bubalinos domésticos e
selvagens e em várias outras espécies de animais ungulados selvagens. Nas poucas regiões estudadas, a transmissão ocorreu por contaminação, depois de um ciclo de desenvolvimento em espécies de moscas tabanídeas. Embora a maior
parte das parasitemias seja subclínica, podese notar tripanossomo em esfregaço sanguíneo destinado ao exame de protozoários patogênicos ou em uma câmara de hemocitometria. Ainda não se comprovou, experimentalmente, sua
patogenicidade.
T. melophagium, que acomete ovinos, é cosmopolita e transmitido pelo ectoparasita Melophagus ovis. T. theodori, isolado em caprinos, pode ser um sinônimo desse tripanossomo.
LINFADENITE E LINFANGITE
INFECÇÃO DE EQUINOS E BOVINOS POR CORYNEBACTERIUM PSEUDOTUBERCULOSIS (Pigeon fever, linfangite ulcerativa ou garrotilho de região seca)
Em equinos, o C. pseudotuberculosis causa linfangite ulcerativa (infecção que se instala na parte baixa dos membros), abscessos na região peitoral e no abdome ventral, bem como abscessos internos. Na Califórnia, é uma das doenças
infecciosas mais comuns e economicamente importantes de equinos; sua prevalência está aumentando em outros estados do Oeste e do MeioOeste dos EUA. Há relatos de surtos esporádicos em bovinos criados no Oeste dos EUA. Nos
bovinos, a bactéria ocasiona, principalmente, granulomas cutâneos com escoriações. Amplas lesões cutâneas ulceradas semelhantes a tecido de granulação infectado e linfangite podem acometer 2 a 5% das vacas. No animal, sua
localização é variável, mas frequentemente está associada a traumatismo cutâneo. Com frequência, há cura sem tratamento ou apenas com tratamento tópico por 2 a 4 semanas. Também, podem ocorrer aborto e mastite. Nos bovinos, há
raros relatos de envolvimento visceral.
PATOGÊNESE E ACHADOS CLÍNICOS: Em equinos, o início da linfangite ulcerativa é variável e pode se manifestar na forma de inflamação dolorida, pústulas e úlceras, especialmente na parte inferior dos membros, ou claudicação e
tumefação edematosa que pode se estender por todo o membro. O exsudato é inodoro, espesso, marromclaro e manchado de sangue. Em geral, apenas um membro é acometido. Caso não sejam tratados de modo agressivo com
antimicrobianos, as lesões e o edema progridem e a infecção pode se tornar crônica, com recidivas.
No Sudoeste dos EUA, a infecção por C. pseudotuberculosis nos equinos é sazonal, com ocorrência máxima no final do verão e no outono. A infecção resulta em formação de abscesso na região peitoral ou na parede abdominal ventral,
com disseminação secundária aos órgãos internos. Os sinais clínicos incluem tumefações difusas ou localizadas, edema ventral com sinal do cacifo ou de Godet, dermatite na linha média ventral, claudicação, abscessos ou fístulas, febre,
perda de peso e depressão. Podemse constatar leucocitose e neutrofilia, hiperfibrinogenemia e hiperproteinemia. Febre alta ou prolongada, anorexia ou perda de peso indicam sequelas indesejáveis como abscessos profundos ou
recidivantes, abscesso interno ou infecção sistêmica, com aborto. Os abscessos podem aumentar de tamanho, alcançando até 20 cm de diâmetro, antes de se romperem; a cura pode demorar de semanas a meses. Perda de peso, cólica,
abdome com partes em depressão ou letargia podem ser indicativos de abscessos internos.
Provavelmente, as bactérias penetram no organismo através de feridas cutâneas por meio de artrópodes vetores, como moscas de estábulo, mosca do chifre e moscas domésticas, ou pelo contato com fômite ou solo contaminado.
DIAGNÓSTICO: Para confirmar a infecção, é necessário o isolamento de C. pseudotuberculosis das lesões. Em todas as formas de linfangite em equinos, as amostras para cultura incluem aspirados de abscessos, swabs com exsudato
purulento obtidos abaixo das crostas associado a foliculite e biopsia com perfurador (punch). No diagnóstico diferencial, devemse incluir piodermatite, abscessos, linfangite causada por outras bactérias (p. ex., Staphylococcus aureus,
Rhodococcus equi, Streptococcus spp ou Dermatophilus spp), dermatofitose, esporotricose, criptococose equina, blastomicose norteamericana e oncocercose.
Ultrassonografia de abdome é útil para detectar infecção interna de fígado, baço ou rins. Também, a ultrassonografia é importante para detecção e drenagem de abscessos profundos que provocam claudicação, especialmente no músculo
tríceps. É necessária a obtenção de aspirado transtraqueal para confirmar se a pneumonia é causada por C. pseudotuberculosis. O teste sorológico por meio do teste de inibição da hemólise sinérgica, que detecta IgG contra a exotoxina
fosfolipase D, é um exame auxiliar valioso no diagnóstico de infecção interna.
TRATAMENTO: Linfangite e infecções internas devem ser tratadas por longo tempo com antimicrobianos (durante 1 mês ou com base no exame ultrassonográfico de acompanhamento). O microrganismo é sensível aos antimicrobianos mais
comumente utilizados; no entanto, o tratamento antimicrobiano de abscessos externos não complicados pode prolongar a doença, por retardar a maturação dessas estruturas. O abscesso externo é tratado mediante aplicação de compressa
quente, cataplasma ou hidroterapia, até sua ruptura ou drenagem cirúrgica. Os abscessos são lancetados e lavados com solução antisséptica à base de iodo. Para colocação de dreno de demora em abscessos profundos da região do tríceps ou
do quadríceps, é necessário um procedimento guiado por ultrassonografia. A fenilbutazona alivia a dor e o edema. Indicamse terapia de suporte e cuidados gerais de enfermagem.
Caso o tratamento seja efetivo, a tumefação regride gradativamente ao longo de dias ou semanas. A infecção interna é responsável por taxa de mortalidade de 30 a 40%, mesmo com tratamento apropriado. Os casos graves ou não tratados
de linfangite frequentemente tornamse crônicos, ocorrendo fibrose e rigidez do membro. Para a prevenção da doença, recomendamse isolamento dos equinos infectados, controle de moscas e boas práticas sanitárias.
LINFADENITE CASEOSA
A linfadenite caseosa (LC) é uma doença contagiosa crônica causada pela bactéria Corynebacterium pseudotuberculosis. A LC é de ocorrência cosmopolita. É uma doença de maior preocupação para produtores de pequenos ruminantes, na
América do Norte. A enfermidade é caracterizada pela formação de abscessos em linfonodos, ou próximo a eles (forma externa), ou no tórax e no abdome (forma interna). A forma interna de LC pode provocar definhamento e
comprometimento respiratório, sendo importante para a exclusão da síndrome da “ovelha magra”. Com frequência, a doença tornase uma infecção endêmica nas propriedades, porque é difícil eliminar os animais acometidos; ademais, os
portadores subclínicos mantêm a contaminação do ambiente. As perdas econômicas devemse, principalmente, à condenação de carcaças infectadas, à desvalorização de couro e lã, ao descarte de animais infectados, à perda de vendas de
reprodutores e a mortes decorrentes da forma interna da doença. Embora seja, principalmente, uma infecção de ovinos e caprinos, esporadicamente pode acometer equinos, bovinos, camelídeos, suínos, búfalos, ruminantes selvagens, aves e
ouriços. Raramente ocorre LC em pessoas, de modo que se deve ter cuidado apropriado ao manipular animais infectados e exsudato purulento das lesões.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: C. pseudotuberculosis é um cocobacilo grampositivo intracelular facultativo. Foram identificados dois biotipos com base na capacidade da bactéria em reduzir o nitrato: grupo nitratonegativo, que infecta ovinos
e caprinos, e grupo nitratopositivo, que infecta equinos. Os isolados de bovinos representam um grupo heterogêneo. Todas as cepas produzem uma exotoxina denominada fosfolipase D, capaz de exacerbar a disseminação da bactéria pelas
células endoteliais e aumentar a permeabilidade vascular. A bactéria tem um segundo fator de virulência, um revestimento lipídico externo que propicia proteção ante as enzimas hidrolíticas dos fagócitos dos hospedeiros. A replicação da
bactéria ocorre nos fagócitos que, em seguida, se rompem e liberam as bactérias. O processo contínuo de replicação bacteriana, seguido de atração e morte subsequente de células inflamatórias, origina os abscessos característicos da LC.
A infecção instalase após a penetração de C. pseudotuberculosis na pele íntegra ou lesionada ou através das membranas mucosas. A maioria das infecções instalase a partir de feridas contaminadas com exsudato purulento e de
abscessos pulmonares ou externos que se rompem. As lesões de pele decorrentes de tosquia, brincos de identificação, caudectomia, castração e fatores ambientais (p. ex., lascas de madeira, extremidades de metais, pregos salientes, arame)
predispõem à instalação da infecção. Em ovinos, o uso de tanques para banho de imersão comuns pode disseminar a doença porque C. pseudotuberculosis pode sobreviver nas soluções de imersão por até 24 h. A realização de tosquia
imediatamente antes do banho de imersão aumenta o risco de infecção porque costuma causar escoriação cutânea. C. pseudotuberculosis não se multiplica no ambiente, mas pode sobreviver em feno, palha e madeira durante 2 meses e no
solo por 8 meses. Sombra e umidade prolongam a permanência do microrganismo no ambiente.
ACHADOS CLÍNICOS: A LC é uma doença recorrente crônica. Pode se desenvolver na forma de abscesso encapsulado de crescimento lento, 1 a 3 meses após inoculação da bactéria, no local de penetração cutânea ou no linfonodo regional. A
infecção pode se disseminar por via sanguínea ou linfática e causar abscessos em linfonodos ou órgãos internos, como pulmões, rins, fígado, útero e cérebro. Os locais de envolvimento menos comuns são glândula mamária, escroto e
articulações. Em alguns animais, a infecção inicial é subclínica, mas pode ser acompanhada de febre, anorexia e celulite no local da infecção. Os abscessos superficiais eventualmente se rompem e eliminam secreção purulenta contaminada
no ambiente. As feridas cutâneas se curam e deixam cicatrizes. Pode ocorrer recidiva de abscessos meses a anos depois.
Há diferença entre ovinos e caprinos quanto à distribuição dos abscessos, possivelmente como resultado de diferentes manejos. Em caprinos, os abscessos superficiais desenvolvemse, principalmente, nas regiões de cabeça e pescoço, ao
passo que a forma visceral é mais comum em ovinos. Os abscessos internos devem ser potencialmente considerados no diagnóstico da síndrome “da ovelha magra”, na qual um pequeno ruminante adulto perde sua condição corporal,
mesmo com dieta adequada. A transmissão aumenta quando o rebanho é reunido em grupos, como acontece na época da tosquia, principalmente por meio de secreção expelida durante a tosse de ovinos com infecções pulmonares.
Adicionalmente, lâminas de máquinas de tosquia contaminadas com material purulento podem infectar outros ovinos durante a tosquia.
A ocorrência de abscessos aumenta constantemente com o avanço da idade; a doença clínica é mais prevalente em adultos, e até 40% dos animais de um rebanho podem apresentar abscessos superficiais.
Lesões: Em ovinos, os abscessos costumam se apresentar classicamente como “anéis de cebola” laminados, em corte transversal, com camadas fibrosas concêntricas separadas por exsudato caseoso condensado. Em caprinos, os abscessos
são menos organizados, e normalmente o exsudato é mole e pastoso.
DIAGNÓSTICO: Em pequenos ruminantes, a constatação de um abscesso externo é altamente sugestiva de LC, especialmente em um rebanho no qual a doença é endêmica; porém, para um diagnóstico definitivo, deve–se enviar uma amostra
de aspirado de abscesso intacto para exame bacteriológico. Outros microrganismos piogênicos, como Arcanobacter pyogenes, Staphylococcus aureus, Pasteurella multocida, e anaeróbios, como Fusobacterium necrophorum, também
podem causar abscesso. Os pacientes infectados devem ser mantidos isolados até que se obtenha o resultado da cultura microbiológica. Em animais com abscessos viscerais, o diagnóstico é um desafio maior. Radiografia e ultrassonografia
podem ser úteis na detecção de lesões internas. A realização de cultura de aspirado transtraqueal obtido de um animal com pneumonia pode auxiliar a esclarecer se a causa é LC.
No Davis Diagnostic Laboratory, da Universidade da Califórnia, há disponibilidade do teste de inibição da hemolisina sinérgica. Esse teste detecta anticorpos contra a exotoxina fosfolipase D. Devemse avaliar os resultados da titulação,
considerando histórico do rebanho, presença ou ausência de doença clínica e histórico de vacinação contra LC. Considerase título 1:8 ou mais indicativo de infecção; título de 1:256 ou maior está relacionado com abscesso interno. No
entanto, os testes sorológicos não diferenciam um animal vacinado daquele naturalmente infectado. Pode haver resultado falsonegativo se o teste for realizado nas primeiras 2 semanas após a exposição, antes de ocorrer soroconversão.
Também, os animais com abscessos crônicos encapsulados podem apresentar resultado falsonegativo. Quando há dúvida quanto à condição de um animal com título positivo, devese repetir a titulação após 2 a 4 semanas. Caso o título
aumente e se constatem abscessos, podese considerar LC como a causa. Os títulos colostrais geralmente deixam de ser detectados com 3 a 6 meses de idade, de forma que o teste sorológico de cordeiros ou cabritos com menos de 6 meses
de idade deve ser interpretado com cuidado.
TRATAMENTO E CONTROLE: Uma vez definido o diagnóstico de LC, é necessário orientação do proprietário, enfatizando a natureza persistente e recidivante da doença. A abordagem mais prática para animais comerciais que apresentam
LC é o descarte deles do rebanho. No entanto, os pacientes com abscessos supurados não devem ser introduzidos em lotes de animais para venda, até que tenha cessado a secreção e a ferida, cicatrizado. Devese tentar o tratamento dos
animais, individualmente, estandose ciente de que a LC não é considerada uma doença “curável”. Os animais com valor afetivo ou econômico são tratados, principalmente, por motivo estético e para evitar a contaminação do resto do
rebanho. Sempre que possível, devese remover o abscesso intacto mediante excisão cirúrgica. Como alternativa, os abscessos externos podem ser lancetados e drenados, e a cavidade do abscesso lavada com solução de iodo. O material
purulento deve ser coletado em recipiente descartável e incinerado. O cirurgião deve utilizar luvas descartáveis a fim de evitar autoinoculação acidental. O animal tratado deve ser isolado de outros pequenos ruminantes até que o ferimento
tenha cicatrizado.
A eficácia da terapia antimicrobiana sistêmica é controversa. Como o uso da maioria dos medicamentos não é indicado na bula (uso extralabel), é necessária uma relação clientepacienteveterinário. Embora o C. pseudotuberculosis seja
sensível à penicilina in vitro, o tratamento nem sempre é efetivo in vivo, porque o antibiótico não consegue penetrar adequadamente nos abscessos. Como tratamento da forma interna de LC, temse empregado terapia de longa duração (4 a
6 semanas) com penicilina (22.000 UI/kg IM, 2 vezes/dia) e rifampicina (10 a 20 mg/kg VO, 1 vez/dia), com eficácia limitada. Não se recomenda a prática de injeção de formalina nos abscessos, pois a FDA tem tolerância zero ao
uso extralabel de um potente agente carcinogênico como este em animais destinados ao consumo humano.
Atualmente são aprovadas vacinas comerciais contra LC para uso em ovinos. A vacinação de animais jovens de reposição do rebanho reduz a ocorrência e a prevalência de LC no rebanho, mas não evita totalmente que ocorram novas
infecções, tampouco cura os animais já infectados. Atualmente, todas as vacinas contêm o toxoide fosfolipase D; algumas contêm, ainda, bactérias mortas. A vacina está disponível na forma de bacterina monovalente e como preparação
polivalente contendo Clostridium tetani e C. perfringens tipo D. A dose inicial é administrada por via SC na região axilar, após a diminuição da imunidade colostral (cerca de 3 meses de idade), e deve ser repetida após 4 semanas. Podese
melhorar a imunidade colostral pela administração de uma dose de reforço às ovelhas e às cabras prenhes 1 mês antes da parição. Recomendase reforço vacinal anualmente. Evidências sugerem que o aumento de frequência de vacinação,
em intervalos de 4 a 6 meses, pode ser benéfico a rebanhos sujeitos a alto risco de contaminação (p. ex., animais estabulados durante, ao menos, parte do ano). Essas vacinas devem ser utilizadas com cuidado em ovinos potencialmente
infectados, pois há relato de possíveis reações adversas (p. ex., claudicação, letargia).
O uso extralabel da vacina em caprinos está associado a menor eficácia e maior ocorrência de reações adversas (p. ex., redução da produção de leite, febre, indisposição, ataxia, edema ventral e, ocasionalmente, morte). No entanto,
relatase algum êxito no uso de vacina comercial contra LC em caprinos. Há relato casual de sucesso com o uso de vacinas autógenas contra LC em ovinos e caprinos.
Confirmada a presença de LC no rebanho, é necessário um programa de controle efetivo para reduzir a ocorrência da doença. Os animais infectados devem ser imediatamente excluídos do grupo ou, como alternativa, isolados dos animais
não infectados, em um local separado. A presença de animais infectados assintomáticos no rebanho “limpo” limita o sucesso desse procedimento, sendo um dos motivos da difícil erradicação de LC. Cordeiros e cabritos de mães infectadas
podem ser criados com leite e colostro pasteurizados, longe de animais infectados. Devemse vacinar os animais jovens de reposição do rebanho; os animais mais velhos devem ser gradativamente descartados à medida que a atividade
econômica permita. Quando a prevalência da doença é baixa, a vacinação deve ser interrompida e todos os animais soropositivos não vacinados descartados. Sempre que possível, devemse adquirir animais de reposição de criadores que
adotam programas com boas práticas de prevenção de LC. A compra de animais de criatórios com histórico desconhecido é fortemente desestimulada. Em um rebanho livre de LC, devese permitir somente a inclusão de animais
soronegativos e aqueles sem evidências ou cicatrizes ou abscessos próximos aos linfonodos.
Os criadores devem remover itens perigosos (arame farpado, pregos expostos, alimentadores grosseiros) do ambiente, a fim de diminuir o risco de lesão e a transmissão potencial de LC. Os criadores também devem comprar seu próprio
equipamento de tosquia e sua solução de imersão, não compartilhando esses itens com outros rebanhos. Animais adultos e aqueles com abscessos devem ser tosquiados no final, e o equipamento deve ser desinfetado, se contaminado com
exsudato. Os tosquiadores devem estar com as mãos limpas e vestir roupas e botas limpas. Todos os itens que entram em contato com os animais de diferentes rebanhos devem ser esterilizados, substituídos ou totalmente limpos antes do
uso em novo rebanho.
LINFADENITE ESTREPTOCÓCICA DE SUÍNOS (Abscesso de mandíbula, abscesso cervical)
A linfadenite estreptocócica é uma doença contagiosa caracterizada por formação de abscessos em linfonodos cervicais, mandibulares e cefálicos. Em geral, os suínos acometidos permanecem saudáveis e se desenvolvem bem. A doença
pode influenciar negativamente a eficiência do trabalho em abatedouros em razão da condenação das cabeças infectadas, da necessidade de maior tempo para limpeza do abatedouro quando ocorre ruptura acidental de um abscesso e do
exame das carcaças afetadas pelos fiscais, a fim de verificar se estão apropriadas para consumo.
Embora tenha sido um importante problema na indústria suína, atualmente a relevância de Streptococcus porcinus e da doença resultante é insignificante. Mais recentemente, aumentouse o interesse por S. porcinus por conta de sua
participação na ocorrência de infecção urogenital em pacientes humanos. A real importância de S. porcinus na saúde humana é incerta; relatase que, comumente, é mal identificado nos exames laboratoriais em decorrência das reações
cruzadas com S. agalactiae, indicado como causa de infecções urogenitais em pessoas. Há relato de pelo menos oito sorotipos, e identificaramse fatores antifagocitários e estreptoquinase como fatores potenciais de virulência.
TRANSMISSÃO, EPIDEMIOLOGIA E PATOGÊNESE: A linfadenite estreptocócica é endêmica; quando ocorre em uma propriedade, grupos sucessivos de suínos desenvolvem abscessos durante o período de crescimento e terminação. Os suínos
podem se infectar pela ingestão de S. porcinus presente na secreção de abscessos rompidos que contaminam alimento e água; no entanto, os suínos portadores que se recuperaram da doença representam a mais comum e importante fonte de
infecção. Esses animais albergam S. porcinus nas tonsilas e facilmente transmitem a bactéria aos animais suscetíveis por contato direto e pela contaminação da água e dos alimentos. Os suínos são resistentes à infecção nas primeiras 3 a 4
semanas de vida, provavelmente em decorrência da imunidade passiva.
Os abscessos miliares disseminados desenvolvemse nos linfonodos mandibulares, parotídeos ou retrofaringianos dentro de 7 dias após a infecção. Após cerca de 21 dias, é comum a constatação de abscessos com 5 a 8 cm de diâmetro;
essas lesões destroem a estrutura interna dos linfonodos acometidos e podem envolver os tecidos adjacentes. Os abscessos em desenvolvimento podem atingir a pele, com supuração, dentro de 7 a 10 semanas. As lesões drenadas cicatrizam
por meio de granulação, permanecendo uma fístula subcutânea fibrosa e densa que se cura após várias semanas. Os abscessos localizados profundamente podem não ser detectados até o abate; eles tendem a não drenar para o lúmen da
faringe. Em um lote de suínos comerciais, a taxa de prevalência pode variar de 50 a 100%.
ACHADOS CLÍNICOS, LESÕES E DIAGNÓSTICO: Geralmente, os abscessos são os únicos sinais da infecção. São mais comuns nos linfonodos mandibulares e retrofaringianos, sendo incomuns em outros linfonodos. Raramente, a doença pode
causar meningite, poliartrite ou sepse. O diagnóstico baseiase na cultura e no isolamento de S. porcinus na secreção do abscesso.
TRATAMENTO E CONTROLE: Nos rebanhos acometidos, os leitões devem ser desmamados com 21 dias de idade e criados em um ambiente onde não se pratica fluxo contínuo de animais nas instalações, a fim de reduzir a transferência de
bactérias de suínos mais velhos para aqueles mais jovens. Historicamente, reportase que o tratamento com penicilina era efetivo na cura de infecções detectadas antes da formação de abscessos. Relatase o uso de medicamento com
alimento, na dose de 400 g de tetraciclina/tonelada, como um método efetivo na redução da quantidade de abscessos. No entanto, o tratamento, após a instalação da infecção, não é efetivo na eliminação da bactéria. A vacinação (autógena)
é possível, mas não é amplamente utilizada porque os abscessos cervicais não são considerados um problema disseminado.
LINFOMA MALIGNO CANINO
É uma doença progressiva e fatal causada pela expansão clonal maligna de células linfoides de imunofenótipo de célula B ou T. Embora a transformação neoplásica de célula linfoide não se restrinja aos compartimentos anatômicos
específicos, o linfoma origina–se mais comumente de tecidos linfoides organizados, inclusive medula óssea, timo, linfonodos e baço. Além desses órgãos linfoides primários e secundários, incluemse sítios extranodais como pele, trato
intestinal, fígado, olho, SNC e osso. Relatase que o linfoma é a neoplasia hematopoética mais comum em cães, com taxa de incidência ao redor de 0,1% em cães mais velhos suscetíveis. Apesar da prevalência de linfoma maligno, sua
etiologia continua pouco caracterizada. Dentre as hipóteses etiológicas aventadas, incluemse infecção por retrovírus, contaminação ambiental com herbicidas à base de ácido fenoxiacético, exposição a campo magnético, anomalias
cromossômicas e disfunção imune. Com a determinação completa do genoma do cão, esperase que os genes específicos envolvidos na gênese e no desenvolvimento do linfoma sejam identificados e caracterizados.
ACHADOS CLÍNICOS: O linfoma canino é um câncer heterogêneo com sinais clínicos, resposta à terapia e tempo de sobrevida variados. A heterogeneidade associada ao linfoma canino é influenciada, em parte, por vários fatores tumorais e
do hospedeiro, inclusive envolvimento anatômico, extensão da doença, subtipo morfológico, constituição do hospedeiro e imunocompetência. Em cães, há relato de quatro formas anatômicas de linfomas bem definidas: multicêntrica,
alimentar, mediastinal e extranodal (renal, SNC, cutânea, ocular, óssea etc.). O linfoma multicêntrico é a forma anatômica mais comum, respondendo por cerca de 80 a 85% dos casos diagnosticados. A manifestação clínica inicial mais
comum e evidente de linfoma multicêntrico é o rápido desenvolvimento de linfadenopatia generalizada indolor. Além de linfadenopatia periférica, a maioria dos pacientes caninos apresentará linfócitos malignos detectáveis por meio de
testes diagnósticos sensíveis e que envolvem órgãos internos, inclusive baço, fígado, medula óssea e outros sítios extranodais. Ao final do curso da doença, quando há massa tumoral significativa, o paciente pode manifestar sintomas como
letargia, fraqueza, febre, anorexia e desidratação.
O linfoma alimentar responde por < 10% de todos os linfomas caninos. Os cães com lesões intestinais focais podem exibir sinais clínicos compatíveis com obstrução total ou parcial do lúmen intestinal (p. ex., vômito, constipação
intestinal, dor abdominal). No caso de envolvimento difuso do trato intestinal, os cães com linfoma alimentar podem manifestar sintomas gastrintestinais importantes e debilitantes, incluindo anorexia, vômito, diarreia e perda de peso
marcante secundária a má absorção e má digestão.
O envolvimento exclusivo do mediastino cranial pelo linfoma representa apenas uma pequena fração dos casos diagnosticados; no entanto, frequentemente notase aumento de linfonodo superficial em cães com doença multicêntrica.
Linfoma de mediastino é tipicamente caracterizado por aumento de linfonodos mediastinais craniais e/ou timo. Linfoma mediastinal oriundo do timo é predominantemente composto de linfócitos T malignos; no caso de doença avançada,
os sinais clínicos podem incluir angústia respiratória associada a acúmulo de fluido pleural, compressão direta de lobos pulmonares adjacentes ou síndrome da veia cava superior. Além dos sintomas respiratórios, alguns cães com linfoma
mediastinal podem manifestar poliúria e polidipsia secundárias ao desenvolvimento de hipercalcemia de malignidade, uma síndrome paraneoplásica constatada em 10 a 40% dos cães com linfoma.
Os achados clínicos associados a vários linfomas extranodais (que podem envolver pele, pulmões, rins, olhos, SNC etc.) podem ser muito variáveis e são induzidos pela lesão do órgão acometido. A forma de linfoma extranodal mais
comum envolve a pele, sendo denominada linfoma cutâneo. Os linfomas cutâneos (epiteliotróficos e não epiteliotróficos) podem se apresentar como nódulos ulcerativos aumentados solitários ou lesões escamosas difusas generalizadas. É
frequente o envolvimento de linfonodos periféricos e junções mucocutâneas. Os sinais clínicos de linfoma em outros sítios extranodais incluem angústia respiratória (pulmões), insuficiência renal (rins), cegueira (olhos), convulsões (SNC) e
dor musculoesquelética ou fratura patológica (ossos).
Lesões: Em geral, o tamanho de todos os linfonodos superficiais e vários linfonodos internos é 3 a 10 vezes maior do que o normal (forma multicêntrica). Os linfonodos acometidos apresentamse livremente móveis, firmes e de cor marrom
acinzentada; ocorre abaulamento da superfície de corte e não há demarcação corticalmedular. Com frequência, notamse hepatomegalia e esplenomegalia, com aumento de volume difuso, ou vários nódulos pálidos de tamanhos variáveis
distribuídos pelo parênquima. Na forma alimentar, qualquer parte do trato gastrintestinal ou do linfonodo mesentérico pode ser acometida. Podese constatar envolvimento de medula óssea, SNC, rins, coração, tonsilas, pâncreas e olhos,
porém isso é menos comum.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico definitivo de linfoma frequentemente não é complicado e pode ser obtido mediante exame citológico ou histopatológico dos órgãos envolvidos. Em geral, o aspirado de linfonodos periféricos aumentados ou
órgãos viscerais afetados, com agulha fina, propicia amostras de conteúdo celular adequado e detalhes suficientes para a definição do diagnóstico. Citologicamente, os aspirados de linfonodos ou tecidos podem permitir a identificação de
populações monomórficas de células linfoides grandes (linfoblásticas), intermediárias ou pequenas. Apesar da facilidade de diagnóstico, o exame citológico não permite diferenciar ou classificar a ampla variedade de linfomas quanto ao
padrão morfológico (difuso versus folicular, clivado versus não clivado) e grau histológico (alto versus baixo). O exame citológico especializado utilizando anticorpos de linhagem específica pode diferenciar linfomas de célula B daqueles
de células T e propiciar alguma informação quanto ao prognóstico com base no imunofenótipo. No entanto, em razão das limitações inerentes associadas à citologia, o exame histopatológico do tecido continua a ser o método padrão ouro
de diagnóstico de linfoma, fornecendo informação morfológica adicional necessária para a classificação definitiva, bem como orientações para a decisão terapêutica.
Em raras condições nas quais os exames citológico e histológico não permitirem a confirmação do diagnóstico de linfoma, há disponibilidade de técnicas moleculares mais avançadas para o diagnóstico definitivo. O uso de PCR permite a
amplificação de sequências de DNA que confirmam, ou não, a presença de linfócitos de origem clonal, oligoclonal ou policlonal. Como a maioria das protuberâncias neoplásicas originase de expansão clonal de uma célula malignamente
transformada, as técnicas PCR podem diferenciar expansão de linfócito como consequência de câncer (linfoma) versus inflamação (linfocitose reativa ou hiperplásica). Embora as técnicas de PCR sejam altamente sensíveis, a metodologia
deve ser reservada para os casos nos quais as técnicas citológicas e histológicas não permitirem o diagnóstico ou quando os resultados não forem compatíveis com os sinais clínicos e a progressão da doença.
TRATAMENTO: Com frequência, o tratamento de linfoma canino multicêntrico com protocolos quimioterápicos agressivos que utilizam uma combinação de medicamentos é benéfico: > 90% de todos os cães mostram redução da massa
tumoral em > 50%. Os quimioterápicos mais comumente utilizados em protocolos de combinação incluem vincristina, adriamicina, ciclofosfamida, asparaginase e prednisona. Os protocolos de tratamento individual variam quanto a dose,
frequência e duração do tratamento; vantagens e desvantagens de cada protocolo terapêutico podem ser vistas em livros sobre oncologia. No caso de combinação de quimioterápicos, a sobrevida esperada para cães com linfoma de linfócito
B é cerca de 12 meses, ao passo que, para cães com linfoma de linfócito T, a sobrevida costuma a se situar em torno de 6 meses. Embora o imunofenótipo (linfócito B versus linfócito T) forneça uma orientação geral para o prognóstico do
tratamento, múltiplos fatores (tumor e hospedeiro) contribuem para a duração da resposta geral e para a sobrevida de cães diagnosticados com linfoma. Para os cães que não respondem à combinação de quimioterápicos convencionais ou
que manifestam recidivas, é possível obter remissão da doença e/ou tempo de sobrevida adicional com emprego de vários protocolos de salvamento (p. ex., lomustina, MOPP, ADIC, DMAC).
Embora a quimioterapia sistêmica continue a ser a base para o tratamento de linfoma, atualmente o conceito de que fases de indução e manutenção de quimioterapia são necessárias para conseguir tempo de remissão duradouro tem se
modificado. Protocolos quimioterápicos curtos, mas com alta dose (p. ex., protocolo de Madison Wisconsin), sem manutenção, propiciam intervalos livres de doença e sobrevida equivalentes aos protocolos que incluem terapia de
manutenção prolongada. Além disso, o uso de radiação de metade do corpo, em substituição à quimioterapia de manutenção, mostra eficácia clínica e representa outra opção para manter períodos de remissão longos, sem necessidade de
quimioterapia prolongada.
Apesar dos resultados favoráveis esperados no tratamento de linfoma multicêntrico, a eficácia do tratamento de outras formas anatômicas de linfoma frequentemente é menor e a terapia, menos compensadora. O linfoma alimentar, se
focal, pode ser tratado efetivamente com ressecção cirúrgica e combinação de quimioterápicos. No entanto, quando há envolvimento difuso do trato intestinal, baixa reserva corporal, má absorção de nutrientes e perda de proteínas grave,
ocorrem resposta clínica discreta e sobrevida curta (ou seja, < 3 meses). A combinação de quimioterápicos, com ou sem radioterapia paliativa, pode proporcionar, aos cães com linfoma mediastinal, aumento considerável da sobrevida e
melhora na qualidade de vida. Os linfomas que envolvem outros sítios extranodais (como a pele) podem ser tratados com quimioterapia, somente com lomustina ou por meio de combinação sistêmica (p. ex., CHOP); no entanto, o
desenvolvimento de doença refratária e progressiva é comum e, por fim, limitante à vida.
SISTEMA CARDIOVASCULAR – INTRODUÇÃO
O sistema cardiovascular compreende coração, veias e artérias. As valvas atrioventriculares (mitral e tricúspide) e semilunares (aórtica e pulmonar) mantêm o fluxo sanguíneo em determinada direção, a partir do coração; as valvas das
grandes veias mantêm o fluxo sanguíneo por meio delas mesmas. A frequência e a força de contração cardíaca e o grau de vasoconstrição e vasodilatação são determinados pelo sistema nervoso autônomo e pelos hormônios sintetizados no
coração e nos vasos sanguíneos (ou seja, parácrinos ou autócrinos) ou fora dessas estruturas (i. e., endócrinos).
Pouco > 10% dos animais domésticos examinados por um veterinário apresentam alguma forma de doença cardiovascular. À semelhança de várias enfermidades crônicas de outros sistemas orgânicos, as doenças cardiovasculares
geralmente não regridem; quase sempre se tornam progressivamente limitantes e podem levar à morte. O exame do coração baseiase em verificação de ruídos e sopros cardíacos, pressão de pulso e batimentos apicais, eletrocardiograma
(ECG), radiografia e ecocardiograma.
Frequência Cardíaca e Eletrocardiograma
O batimento cardíaco devese a uma onda de despolarização que se origina no nodo sinoatrial (SA), localizado na junção da veia cava cranial e no átrio direito. Em repouso, o nodo SA descarrega cerca de 15 vezes/min, em equinos; > 120
vezes/min, em gatos, e 60 a 120 vezes/min, em cães. Em geral, quanto maior o tamanho da espécie animal, menor a frequência de descarga do nodo SA e menor a frequência cardíaca.
Quando a norepinefrina é liberada pelos nervos simpáticos e se liga aos β1adrenorreceptores do nodo SA, a frequência de descarga desse nodo aumenta. Essa aceleração cardíaca pode ser inibida por bloqueadores betaadrenérgicos (p.
ex., propranolol, atenolol, metoprolol, esmolol). A frequência de descarga do nodo SA diminui quando a acetilcolina, liberada no sistema nervoso parassimpático (vago), se liga aos receptores colinérgicos do nodo SA. Essa desaceleração
cardíaca mediada pelo nervo vago pode ser bloqueada por substâncias parassimpaticolíticas (vagolíticas) (p. ex., atropina e glicopirrolato). Quando a descarga do nodo SA e a onda de despolarização atravessam os átrios, originase a onda P
no ECG. Subsequentemente, os átrios se contraem, ejetando pequeno volume de sangue para os respectivos ventrículos.
Em cães, mesmo os saudáveis e tranquilos, a variação da frequência cardíaca com a respiração é denominada arritmia sinusal respiratória (ASR); ela devese à diminuição da atividade vagal durante a inspiração e seu aumento durante
a expiração. Portanto, as substâncias vagolíticas, bem como excitação, dor, febre e insuficiência cardíaca congestiva, normalmente inibem ou minimizam a ASR. Essa variação de frequência cardíaca em sincronismo com a respiração é um
bom indicador da saúde cardíaca. É raro observar um animal cardiopata com ASR.
A frequência cardíaca também é inversamente proporcional à pressão sanguínea arterial sistêmica. Quando a pressão sanguínea aumenta, a frequência cardíaca diminui; quando a pressão sanguínea diminui, a frequência cardíaca aumenta.
Essa relação é conhecida como reflexo de Marey e se deve aos mecanismos a seguir descritos. Quando os barorreceptores arteriais de alta pressão dos seios aórticos e carotídeos detectam aumento da pressão sanguínea, eles enviam
impulsos aferentes mais vigorosos para o bulbo, ocorrendo aumento do estímulo eferente vagal ao nodo SA e diminuição da frequência cardíaca. Na insuficiência cardíaca, os barorreceptores (com alta atividade da Na+/K+ATPase) entram
em fadiga, condição que reduz os sinais aferentes para o bulbo. Isso resulta em menor sinalização vagal eferente.
Quando a onda de despolarização atinge o nodo atrioventricular (AV) do átrio direito, ela atravessa lentamente esse nodo, propiciando tempo para que ocorra contração dos átrios e ejeção de pequeno volume de sangue aos ventrículos.
Em seguida, a despolarização atravessa rapidamente o subendocárdio dos ventrículos e o septo ventricular. A partir daí, passa lentamente pelo miocárdio ventricular, originando o complexo QRS do ECG, à medida que os ventrículos se
contraem. Em raras condições, pode ocorrer despolarização sem contração; a isso se denomina dissociação eletromecânica.
No ECG, o intervalo entre o início da onda P e o início do complexo QRS é denominado intervalo PQ ou PR. Tratase do tempo necessário para a onda elétrica de despolarização começar no nodo SA e atingir o ventrículo (e, finalmente,
alcançar o nodo AV). Tudo aquilo que acelera ou retarda a taxa de descarga do nodo SA (cronotropia) também acelera ou retarda a condução através do nodo AV (dromotropia). Consequentemente, quando há aumento da frequência
cardíaca, ocorre diminuição do intervalo PR; quando há diminuição da frequência cardíaca, notase aumento do intervalo PR.
A onda T do ECG corresponde à repolarização dos ventrículos. Ela é influenciada por desequilíbrio eletrolítico, lesão miocárdica e aumento de volume ventricular. Raramente notase a repolarização dos átrios (onda Ta), pois ocorre
simultaneamente a um complexo QRS muito maior. Ocasionalmente, é possível notar doença de nodo AV (bloqueio AV), manifestada como uma “rede para dormir” após a onda P.
Força de Contração Ventricular
É determinada por vários fatores, incluindo volume diastólico final (précarga), que corresponde ao volume de sangue no interior dos ventrículos imediatamente antes de sua contração, e a contratilidade do miocárdio (estado inotrópico),
que corresponde à taxa de ciclos das unidades contráteis microscópicas do miocárdio.
A précarga é determinada pela diferença da pressão diastólica final entre o ventrículo e o espaço pleural, dividida pela resistência do miocárdio ventricular. A pressão diastólica final do ventrículo é determinada pela proporção entre o
volume sanguíneo e a complacência do miocárdio. A précarga é regulada, predominantemente, por receptores de volume de baixa pressão do coração e das grandes veias. Quando esses receptores são estimulados pelo aumento do volume
sanguíneo ou pela distensão das estruturas que os contêm, o organismo responde com a produção de maior volume de urina e dilatação das veias – na tentativa de reduzir o volume sanguíneo e a pressão nas veias responsáveis pela dilatação
venosa. O estiramento de receptores dos átrios e ventrículos induz liberação de proteínas natriuréticas, peptídio natriurético cerebral (PNC), pelos ventrículos, e peptídio natriurético atrial (PNA), pelos átrios. Essas proteínas natriuréticas,
também denominadas atriopeptinas, relaxam os músculos lisos e geralmente se contrapõem aos efeitos da vasopressina e da angiotensina II.
Coração normal de bovino. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.
A contratilidade miocárdica é determinada pela disponibilidade de ATP e cálcio, que possibilita a formação da ponte cruzada miosinaactina. A taxa de liberação de energia pelo ATP é determinada, em parte, pela quantidade de
norepinefrina ligada aos receptores β1adrenérgicos do miocárdio. Um dos principais fatores envolvidos na insuficiência cardíaca é o baixo controle (quantidade reduzida) de β1receptores.
Oxigênio e Miocárdio
O oxigênio é essencial para a produção da energia necessária às funções orgânicas. A quantidade de oxigênio disponível para produção dessa energia é denominada teor de oxigênio tecidual. O conteúdo de oxigênio do miocárdio
corresponde ao equilíbrio entre a quantidade de oxigênio liberada no coração, subtraindose a quantidade de oxigênio consumida pelo órgão.
O volume de oxigênio liberado no coração depende da função pulmonar, do teor de Hb disponível e do fluxo sanguíneo no músculo cardíaco propiciado pelas artérias coronárias. Presumindose que os pulmões estejam funcionando bem
e que haja Hb suficiente, o fluxo sanguíneo coronariano determina o conteúdo de oxigênio liberado no miocárdio. O fluxo sanguíneo coronariano é determinado pela diferença da pressão entre a artéria aorta (normalmente 100 mmHg)* e o
átrio direito (em geral, 5 mmHg), o qual recebe a maior parte do sangue das artérias coronárias. Como o fluxo coronariano é maior durante a diástole, frequências cardíacas menores (as quais, preferencialmente, aumentam o tempo de
diástole) estão associadas a maior liberação de oxigênio no miocárdio.
A quantidade de oxigênio consumido pelo coração é denominada consumo de oxigênio miocárdico. É determinada, principalmente, pela tensão da parede e pela frequência cardíaca. A tensão da parede é expressa pela lei de LaPlace, na
qual a tensão aumenta com o aumento da pressão ou do diâmetro ventricular, e a tensão diminui com o aumento da espessura da parede do ventrículo. A tensão aumenta em condições que aumentam a pós–carga (pressão), como estenose
pulmonar, estenose subaórtica, hipertensão sistêmica ou pulmonar ou précarga (volume), incluindo insuficiência da valva mitral e cardiomiopatia dilatada. Na ausência de lesão estenótica, a précarga é determinada pela rigidez relativa das
artérias e pelo grau de constrição das arteríolas. O tônus do músculo liso vascular depende de vários fatores; alguns contraem o músculo (p. ex., agonistas adrenérgicos, angiotensina II, vasopressina e endotelina), outros relaxamno (p. ex.,
norepinefrina, atriopeptina, bradicinina, adenosina, óxido nítrico). Com frequência, há aumento da póscarga na insuficiência cardíaca, e comumente a terapia tende a diminuílo.
Aumento da frequência cardíaca resulta em maior consumo de oxigênio pelo miocárdio, ao passo que a duração da diástole diminui quando o fluxo sanguíneo coronariano é maior. A combinação pode induzir o estágio para um
desequilíbrio na demanda e no fornecimento de oxigênio ao miocárdio, ocasionando isquemia miocárdica. Insuficiência cardíaca é caracterizada por aumento do tônus simpático e aumento relativo na frequência cardíaca; o impacto final é
um miocárdio ineficiente que pode resultar em remodelação prejudicial.
O oxigênio é responsável pela produção da maior parte de ATP, que atua como combustível para contração e relaxamento do miocárdio. O cálcio deve ser rapidamente liberado das reservas intracelulares (retículo sarcoplasmático),
permitindo a contração, embora seja necessária a remoção igualmente rápida do cálcio de volta ao retículo sarcoplasmático para o relaxamento. Ambos os mecanismos envolvidos no ciclo do cálcio dependem de energia.
Na insuficiência cardíaca, o controle inapropriado do cálcio pode ser o principal fator de redução da força de contração e da taxa de relaxamento (ou seja, redução das funções sistólica e diastólica).
Resistência ao Fluxo Sanguíneo
O fluxo sanguíneo do coração, denominado débito cardíaco, é oriundo de ambos os ventrículos, esquerdo e direito. O sangue flui pelos ramos arteriais sistêmicos (ventrículo esquerdo) ou pelos ramos da artéria pulmonar (ventrículo
direito), sendo fundamental na manutenção de função cardíaca apropriada e, consequentemente, na perfusão dos órgãos com quantidade adequada de sangue e oxigênio. A maior parte (> 90%) da resistência ao fluxo sanguíneo devese ao
grau de constrição das arteríolas, denominado resistência vascular; no entanto, parte se deve à rigidez da porção das grandes artérias próxima aos ventrículos, denominada impedância. Os ventrículos ejetam o volume sistólico à porção
proximal das grandes artérias, que se expandem para acomodar esse volume de sangue; quando os ventrículos se relaxam, as grandes artérias distendidas se contraem e mantêm o fluxo de sangue, por meio das arteríolas, para capilares. As
valvas aórtica e pulmonar se fecham e impedem o retorno do volume sistólico aos ventrículos que o ejetam.
Um dos principais fatores relacionados com a insuficiência cardíaca que causa morbidade é o aumento da resistência dos músculos lisos de artérias, arteríolas e veias, em razão do aumento dos teores de angiotensina II, vasopressina e
endotelina. Se o ventrículo esquerdo é incapaz de ejetar um volume sistólico normal, ou débito cardíaco, é razoável que a função ventricular possa ser melhorada pela diminuição da resistência vascular. Diminuição da póscarga
(vasodilatação arterial) é um objetivo terapêutico no tratamento de insuficiência cardíaca.
ANORMALIDADES DO SISTEMA CARDIOVASCULAR
Os seguintes mecanismos podem resultar em anormalidades do sistema cardiovascular: (1) falha no fechamento ou abertura inadequada das valvas cardíacas (doença valvular); (2) baixa capacidade de bombeamento do músculo cardíaco ou
seu relaxamento inadequado (doença do miocárdio); (3) batimentos cardíacos muito lentos, muito rápidos ou muito irregulares (arritmias); (4) alta resistência dos vasos sistêmicos ao fluxo sanguíneo (doença vascular); (5) presença de
orifício entre as câmaras dos lados esquerdo e direito do coração (shunts cardíacos); (6) excesso ou escassez de sangue em comparação com a capacidade do compartimento vascular e (7) parasitismo no sistema cardiovascular (p. ex.,
dirofilariose). As doenças de maior importância, em razão da maior prevalência, incluem regurgitação mitral em cães, cardiomiopatia hipertrófica em gatos, cardiomiopatia dilatada em cães, cardiomiopatia arrítmica em cães da raça Boxer e
dirofilariose.
DOENÇA VALVULAR: O fechamento inadequado das valvas cardíacas ocasiona regurgitação, que ocorre mais comumente como regurgitação mitral ou como regurgitação tricúspide e mitral. Regurgitação de valva mitral e/ou tricúspide
representa > 75% de todas as doenças cardíacas de cães. À medida que o sangue regurgita pelas valvas AV, ouvese um sopro sistólico típico entre a primeira e a segunda bulhas cardíacas. Quando o sangue regurgita através da valva mitral
ou tricúspide, grande quantidade de sangue se movimenta para a frente e para trás entre o ventrículo e o átrio. Consequentemente, na regurgitação mitral é comum notar aumento de volume do átrio esquerdo e do ventrículo esquerdo. O
grau de dilatação do átrio esquerdo, documentado por radiografia ou ecocardiografia, pode indicar a gravidade da doença. A regurgitação mitral ou tricúspide é mais comum nos cães de raças pequenas e em equinos idosos, animais que
possuem cúspides valvulares espessadas e rugosas pela infiltração de glicosaminoglicanos. A regurgitação mitral é mais prevalente em cães da raça Cavalier King Charles Spaniel jovens do que em qualquer outra raça.
A regurgitação aórtica é mais frequente em cães de raças grandes e em equinos idosos, após infecção (cães) ou degeneração não inflamatória da valva aórtica. Ocorre dilatação do ventrículo esquerdo por conta da regurgitação da aorta,
proporcional ao grau de regurgitação. O sopro provocado pela regurgitação do sangue da valva aórtica para o ventrículo esquerdo é sempre do tipo diastólico, ouvido imediatamente após a segunda bulha cardíaca. Nos equinos, o ruído
decorrente de regurgitação aórtica pode ser descrito como “assopro”, por causa do fluxo de sangue regurgitante, ou como “zumbido”, por conta da vibração de folhetos aórticos à medida que passa o fluxo de sangue. O sopro na forma de
“zumbido” quase sempre está associado a quantidade relativamente pequena de fluxo regurgitante. Uma relação semelhante pode ser notada em cães com regurgitação mitral.
A abertura inadequada das valvas é denominada estenose. Estenose pulmonar é mais prevalente, ao passo que estenose de valva aórtica é incomum; estenose mitral ou tricúspide é rara. No entanto, a ocorrência de estenose subaórtica,
causada por uma faixa de tecido fibroso ou fibromuscular localizada logo abaixo da valva aórtica, é predominante, especialmente, em algumas raças de cães (p. ex., Newfoundland, Golden Retriever, Boxer, Rottweiler e Pastor Alemão).
Caso a valva se abra inadequadamente, maior pressão deve ser gerada para manter o volume normal de sangue que flui através dela. O ventrículo responsável pelo bombeamento de sangue através da valva estenosada sofre hipertrofia
(tornase espesso), proporcionalmente ao grau de estreitamento da estenose. O sopro sistólico provocado por estenose pulmonar ou subaórtica é ouvido entre a primeira e a segunda bulhas cardíacas; tipicamente, sua duração é mais breve do
que o sopro sistólico da regurgitação mitral, sendo mais audível na base da parte esquerda do coração. A gravidade da estenose geralmente pode ser estimada pela intensidade do sopro. Em geral, quanto mais intenso o ruído do sopro, maior
o grau de estenose. A velocidade do fluxo sanguíneo através da abertura estenosada está associada à gravidade da lesão e pode ser avaliada seguramente por meio de ecocardiografia Doppler espectral.
DOENÇA DO MIOCÁRDIO: O prejuízo à força de contração é denominado redução da função sistólica, ocorrendo mais comumente na cardiomiopatia dilatada (em gatos e cães de raças grandes que recebem tipicamente dieta com baixo teor
de taurina) e na regurgitação mitral de longa duração. Quando isso acontece, dizse que o músculo cardíaco está em estado inotrópico negativo ou apresenta redução da contratilidade. Geralmente, em cães de raças grandes, isso é
denominado cardiomiopatia dilatada idiopática, porque a origem é desconhecida.
O prejuízo ao relaxamento ventricular é denominado redução da função diastólica, condição que ocorre mais frequentemente quando há déficit de oxigênio no músculo cardíaco e consequente carência de energia para seu relaxamento. Os
músculos ventriculares também relaxam deficientemente no caso cardiomiopatia hipertrófica (ou seja, quando o músculo fica demasiadamente espesso) ou no caso de doença de pericárdio, quando o pericárdio espessado ou o fluido contido
no saco pericárdico interfere no relaxamento. A cardiomiopatia hipertrófica é mais comum em gatos. Provavelmente, > 85% dos gatos com doença cardíaca apresentam cardiomiopatia hipertrófica. Um menor número de gatos desenvolve
cardiomiopatia restritiva, na qual há preenchimento cardíaco deficiente porque as paredes são mais rígidas que o normal. A doença de pericárdio é mais prevalente em cães de raças grandes, idosos, com tumores que sangram no interior do
saco pericárdico.
ARRITMIAS: Todo ritmo cardíaco diferente do ritmo sinusal normal é denominado arritmia. Arritmia muito rápida, muito lenta ou muito irregular pode resultar em menor débito cardíaco, provocando sinais clínicos que podem incluir
intolerância ao exercício, síncope ou exacerbação de insuficiência cardíaca congestiva (ICC). As arritmias mais frequentes incluem fibrilação atrial (comumente notada em equinos e cães de raças grandes com dilatação de átrio esquerdo),
despolarizações ventriculares prematuras (mais comumente notadas em cães das raças Boxer e Doberman Pinscher), síndrome do seio doente (constatada, principalmente, em cães idosos da raça Schnauzer miniatura) e bloqueio AV de
terceiro grau.
Na fibrilação atrial, a despolarização atrial não é sincrônica, a estimulação do nódulo AV é frequente, porém aleatória, e a frequência cardíaca tornase rápida e irregular. As despolarizações ventriculares prematuras (também
denominadas batimentos ou complexos ventriculares prematuros) são oriundas de regiões ventriculares irritadas. Em geral, tais estímulos são decorrentes do estiramento crônico das fibras, bem como do déficit de oxigênio ou do efeito de
medicamentos. Um batimento prematuro único não causa problema, mas vários batimentos prematuros podem progredir para estímulos longos ou curtos que prejudicam a hemodinâmica e causam síncope, ou até mesmo espasmo
ventricular grave (fibrilação ventricular), que ocasiona morte súbita. Isso comumente ocorre em cães da raça Boxer que apresentam cardiomiopatia ventricular direita arritmogênica (anteriormente denominada cardiomiopatia do Boxer).
Tanto na síndrome do seio doente (ou seja, interrupção transitória da descarga do nodo SA) como no bloqueio cardíaco total (no qual nenhuma despolarização atrial se propaga aos ventrículos), a frequência ventricular tornase intensamente
baixa e pode ocasionar prejuízo à hemodinâmica, intolerância a exercício e síncope.
DOENÇA VASCULAR: O prejuízo ao fluxo sanguíneo através das arteríolas com frequência provoca hipertensão, especialmente em animais idosos, com insuficiência renal (cães e gatos), hiperadrenocorticismo (cães) ou hipertireoidismo
(gatos). A causa primária exata geralmente é desconhecida, mas se suspeita de outras etiologias, como retenção de sódio e expansão do volume plasmático, hiperaldosteronismo, aumento do tônus simpático e, possivelmente, angiotensina
II. Independentemente da causa, a perda da complacência arteriolar pode permanecer mesmo com tratamento adequado da condição clínica associada. Vasodilatadores arteriais representam o principal suporte no tratamento de hipertensão.
SHUNTS (DESVIOS) CARDÍACOS: As comunicações anormais entre as câmaras cardíacas dos lados esquerdo e direito são denominadas shunts intracardíacos. Eles se devem (em prevalência decrescente) à persistência do ducto arterioso (entre a
aorta e o tronco pulmonar), ao defeito de septo ventricular (entre os ventrículos esquerdo e direito) ou ao defeito do septo atrial (entre os átrios esquerdo e direito). Quando o sangue passa por esses defeitos, do lado esquerdo do coração para
o lado direito, que é a situação mais comum, denominase shunt esquerdodireito. Ele resulta em excessiva circulação pulmonar e dilatação das câmaras cardíacas, necessária para bombear ou transportar o sangue desviado. Por fim, a
dilatação crônica ocasiona insuficiência miocárdica.
Tetralogia de Fallot (p. 94) é uma anomalia congênita complexa que consiste em fluxo ventricular direito hipoplásico e/ou tronco pulmonar, uma artéria aorta que atravessa o septo interventricular (portanto, surge de ambos os
ventrículos), defeito de septo ventricular e hipertrofia ventricular direita. O sangue deficientemente oxigenado entra na circulação sistêmica e ocasiona membranas mucosas azuladas (cianose) e aumento na quantidade de hemácias
(policitemia). A tetralogia de Fallot é a forma mais comum de shunt direitoesquerdo.
DIROFILARIOSE: A dirofilariose (p.96) é outra importante doença cardíaca constatada, principalmente, em cães, mas também em gatos, transmitida por mosquitos. Na dirofilariose, os vermes adultos presentes nos vasos pulmonares
impedem o fluxo sanguíneo aos pulmões e o sangue se acumula no lado direito do coração e nas veias sistêmicas. Em cães, a progressão da doença é variável; em gatos, geralmente é < 2 anos. Tanto os cães quanto os gatos morrem por
conta da hipertensão pulmonar causada pela obstrução parcial do fluxo de sangue nos vasos pulmonares parasitados.
Características Comuns da Doença Cardíaca
Os sinais clínicos associados a qualquer das doenças anteriormente mencionadas devemse à perfusão inadequada do órgão (p. ex., intolerância a exercício, fraqueza e síncope) ou ao acúmulo de sangue em órgãos nos quais há drenagem
inapropriada de sangue venoso (p. ex., edema pulmonar, ascite, edema com sinal de cacifo, efusões). Um animal que apresenta sinais clínicos decorrentes de insuficiência relativa do sistema cardiovascular em propiciar volume suficiente de
sangue para manter as funções normais é considerado portador de insuficiência cardíaca. Um animal que manifesta sintomas causados por acúmulo de sangue em órgãos deficientemente drenados é considerado portador de ICC. Quando o
sangue arterial sistêmico apresenta teor inadequado de oxigênio, com grande quantidade de Hb não oxigenada, as membranas mucosas tornamse cianóticas e, com frequência, notase policitemia.
A condição orgânica dos animais com doença cardíaca pode se agravar gradativamente, em razão, principalmente, de edema pulmonar, ou eles podem morrer subitamente em decorrência de arritmias e ruptura de cordas tendíneas ou de
átrio esquerdo.
Insuficiência Cardíaca, Insuficiência Cardíaca Congestiva e Fraqueza Cardíaca
Insuficiência cardíaca é definida como menor contratilidade do miocárdio, a qual pode ser determinada por uma menor força de contração qualquer que seja a précarga. Mais objetivamente, podese considerar fraqueza cardíaca quando há
menor taxa de liberação de energia oriunda do metabolismo do ATP ou menor velocidade de encurtamento de fibras quando o coração se contrai, em uma situação imaginária de contração ante a ausência de carregamento. É difícil mensurar
diretamente a contratilidade do miocárdio e identificar insuficiência do miocárdio. Quase todos os animais com doença cardíaca que ocasionam dilatação de câmara cardíaca ou aumento da espessura de suas paredes apresentam fraqueza
cardíaca, mas, em geral, apresentamse compensados e não manifestam sintomas; portanto, eles apresentam insuficiência cardíaca ou ICC.
Insuficiência cardíaca e ICC (p. 108) são síndromes clínicas nas quais o animal manifesta sinais decorrentes de uma complexa interação entre fraqueza cardíaca e vasos sanguíneos. Na insuficiência cardíaca, o débito cardíaco é
insuficiente para a perfusão dos órgãos com volume de sangue oxigenado suficiente para a função orgânica apropriada durante repouso (denominada insuficiência cardíaca funcional classe IV), durante leve esforço (classe III), durante
exercício moderado (classe II) ou durante exercício extremo (classe I). Na ICC, o sangue acumulase nos órgãos – em geral, nos pulmões e, ocasionalmente, nos órgãos sistêmicos – e faz que os órgãos com congestão sanguínea funcionem
anormalmente e/ou se tornem edematosos. A classificação funcional da insuficiência cardíaca é expressa quando, durante exercícios graduados, o animal manifesta sinais clínicos de doença cardíaca (p. ex., dispneia, tosse, colapso).
DIAGNÓSTICO DE DOENÇA CARDIOVASCULAR
Os procedimentos mencionados a seguir são importantes no diagnóstico de doença cardiovascular: resenha, anamnese, exame físico (p. ex., inspeção, auscultação, palpação), radiografia, ECG e ecocardiografia. Devem–se obter imagens
radiográficas, eletrocardiográficas e ecocardiográficas de qualidade, caso contrário não é possível uma interpretação confiável. A maioria das doenças cardiovasculares (p. ex., regurgitação mitral, cardiomiopatia dilatada) pode ser
diagnosticada por meio de exame físico e radiografia. O ECG é específico para o diagnóstico de arritmias (p. ex., fibrilação atrial, síndrome do seio doente). A ecocardiografia é excelente para confirmação de diagnóstico, para
caracterização da forma de cardiomiopatia felina, para detecção de neoplasias cardíacas ou de doença do pericárdio e para determinar a gravidade das lesões estenóticas. O diagnóstico de dirofilariose é mais confiável pela detecção de
antígenos ou anticorpos contra fêmeas de Dirofilaria adultas no sangue (cães) ou por meio de radiografias do tórax (gatos).
Várias doenças cardíacas acometem especificamente determinadas raças. Qualquer cão da raça Cocker Spaniel macho e idoso, com tosse, respiração laboriosa e intolerância a exercício, ou qualquer cão da raça Cavalier King Charles
Spaniel é mais propenso a regurgitação mitral; no entanto, a doença pulmonar obstrutiva crônica com fibrose pode ocasionar sintomas bem parecidos. Qualquer cão da raça Doberman Pinscher de meia–idade, deprimido, com tosse,
intolerante a exercício e com frequência cardíaca rápida e irregular provavelmente apresenta cardiomiopatia dilatada. Qualquer fêmea canina da raça Schnauzer miniatura de meiaidade a idosa que tem crises de desmaio possivelmente
apresenta síndrome do seio doente. Qualquer cão da raça Boxer que manifesta episódios intermitentes de desmaio provavelmente é portador de cardiomiopatia ventricular direita arritmogênica ou cardiomiopatia dilatada. Um gato de meia
idade com respiração laboriosa e relutância em se deitar possivelmente apresenta doença de miocárdio (mais comumente cardiomiopatia hipertrófica). Um gato idoso provavelmente tem hipertireoidismo.
Devese considerar a possibilidade de doença cardíaca ao identificar qualquer dos seguintes achados no exame físico: (1) frequência cardíaca rápida, lenta ou irregular (não associada a arritmia sinusal respiratória); (2) ausência de
arritmia sinusal respiratória, mesmo com o animal em repouso (isso também ocorre em decorrência de dor, febre ou excitação); (3) auscultação de mais que duas bulhas cardíacas (p. ex., ritmo de “galope”) em qualquer animal, exceto em
equinos (mais comum em gatos com cardiomiopatia); (4) auscultação de sopro forte; (5) abafamento de bulhas cardíacas na ausência de obesidade (pode indicar efusão pericárdica ou pleural); (6) pulso arterial rápido, fraco ou irregular,
com maior frequência cardíaca do que pulsações arteriais (déficit de pulso); (7) desmaio ou menor tolerância do animal ao exercício, na ausência de doença musculoesquelética ou obesidade; (8) cianose de membranas mucosas aguda na
ausência de doença pulmonar primária.
A ecocardiografia é mais confiável do que a radiografia – que, por sua vez, é mais efetiva que o ECG – na detecção de aumento de volume das câmaras cardíacas e dos grandes vasos. Em geral, o grau de dilatação das câmaras cardíacas
está relacionado com a gravidade da doença. O grau de ingurgitamento das veias pulmonares, detectado radiograficamente, ou o grau de prejuízo à movimentação da parede do ventrículo esquerdo ou de estreitamento da parede livre do
ventrículo esquerdo pode estimar a gravidade da insuficiência cardíaca. Infelizmente, nem sempre há boa correlação entre as medições hemodinâmicas ou ecocardiográficas, assim como entre os sintomas ou a probabilidade de morte.
Parece haver melhor correlação entre o aumento das frequências cardíaca e respiratória e incapacidade ao exercício e a gravidade da doença cardíaca.
O diagnóstico de doenças cardiovasculares específicas é abordado em seus respectivos capítulos.
PRINCÍPIOS TERAPÊUTICOS
Ver farmacoterapia sistêmica do sistema cardiovascular, p. 2550.
Embora o tratamento seja específico da doença, há alguns objetivos gerais da terapia de doença cardíaca: (1) minimizar o estiramento crônico das fibras miocárdicas, pois isso lesiona e irrita as fibras, faz com que consumam quantidade
exagerada de oxigênio e as leva à morte e à substituição por tecido conjuntivo fibroso (remodelagem); (2) remover o fluido de edema, o que deixa os pulmões congestionados com fluidos, pesados e rígidos, causa desequilíbrio na
ventilaçãoperfusão e provoca fadiga dos músculos ventilatórios; (3) melhorar a circulação e diminuir o grau de regurgitação (mais frequentemente de regurgitação mitral). A melhora da circulação aumenta o fluxo sanguíneo aos órgãos
importantes, ao passo que a redução na regurgitação mitral minimiza o estiramento do átrio esquerdo e das veias pulmonares e diminui a pressão capilar pulmonar e a formação de edema; (4) controlar a frequência e o ritmo cardíacos.
Coração que bate demasiadamente lento não ejeta volume de sangue suficiente; por outro lado, coração que bate demasiadamente rápido não permite tempo de preenchimento adequado e consome muito mais oxigênio quando há fluxo
sanguíneo coronariano muito baixo. Quando o coração bate muito irregularmente, pode ocorrer fibrilação ventricular e morte súbita; (5) melhorar a oxigenação sanguínea. Oxigenação inadequada propicia energia insuficiente para contração
e relaxamento do miocárdio. Oxigenação miocárdica inadequada também pode ocasionar arritmia; (6) manter os receptores β1adrenérgicos bem ajustados. A função inadequada dos receptores β1adrenérgicos interfere na capacidade de
controlar doenças de outros sistemas orgânicos; (7) minimizar o risco de tromboembolia. Gatos com cardiomiopatia hipertrófica podem eliminar êmbolos do átrio esquerdo dilatado, com risco de bloqueio dos principais ramos arteriais e de
ocasionar isquemia e morte; (8) eliminar as dirofilárias adultas e as microfilárias. Esses parasitos adultos podem provocar graves alterações nas artérias pulmonares e, por fim, impedir o fluxo sanguíneo aos pulmões.
Os objetivos básicos do tratamento de doença cardiovascular são alcançados quando é possível considerar a doença do animal como classe funcional I após o tratamento, quando as frequências respiratória e cardíaca não aumentam em
repouso e quando há arritmia sinusal respiratória.
Medicamentos Comuns
A furosemida é um diurético de alça que diminui a reabsorção de sódio, cloreto e potássio na alça ascendente de Henle. Ela também atua como venodilatador quando utilizada por via IV. É o procedimento mais importante e efetivo para
remoção de fluido de edema em animais com doença cardíaca e, frequentemente, é um procedimento que impede a morte do animal em situação de emergência. A diurese com furosemida pode ser exacerbada pelo uso de diuréticos tiazidas
(p. ex., cloridrato de tiazida). As tiazidas impedem a reabsorção de sódio e água nos túbulos renais distais. Quando se utiliza diurético de alça associado a diurético que atua nos túbulos distais, reduzse intensamente a capacidade dos rins
em reter água, podendo ocorrer desidratação e hipocalemia. Isso pode ser indicado pelo agravamento da azotemia.
A espironolactona, um diurético que poupa potássio, inibe a aldosterona. À semelhança das tiazidas, exerce seu efeito diurético, principalmente, no túbulo contorcido distal. Embora a espironolactona mantenha efetivamente os teores de
potássio, dados recentes sugerem que não induz a um efeito diurético significativo. A espironolactona minimiza a remodelagem dos vasos sanguíneos e do coração; à semelhança dos inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA)
e dos betabloqueadores, melhora os sintomas e prolonga o tempo de vida de pessoas com insuficiência cardíaca. A amilorida e o triantereno também são diuréticos poupadores de potássio.
Os glicosídios digitálicos inibem a Na+/K+ATPase da membrana. Isso aumenta o teor intracelular de sódio, a qual ativa a bomba de sódiocálcio, que, por sua vez, aumenta a concentração intracelular de cálcio. A digoxina aumenta a
força de contração do miocárdio, diminui a frequência cardíaca e melhora a função do barorreceptor.
Enalapril, benazepril e ramipril são inibidores de ECA comumente utilizados no controle de insuficiência cardíaca em cães. São igualmente efetivos como bloqueadores da conversão de angiotensina I em angiotensina II. Minimizam a
remodelagem dos vasos sanguíneos e do miocárdio.
Anrinona e milrinona, análogos da teofilina que impedem a ação de outras formas de fosfodiesterase, são potentes inodilatadores IV; ou seja, têm efeitos vasodilatador e inotrópico positivos. Piomendan, que é um sensibilizante de cálcio
e inibidor da fosfodiesterase, também é um inodilatador que melhora a qualidade de vida e a sobrevida de cães com ICC.
Procainamida e quinidina, antiarrítmicos classe IA antigamente utilizados no tratamento de arritmias ventriculares, têm sido substituídas pelo betabloqueador sotalol e pelo antiarrítmico classe IB mexiletina. São mais frequentemente
utilizados para arritmias ventriculares que não representam risco à vida. Lidocaína, um antiarrítmico classe IB, é administrada nos casos de arritmias ventriculares emergenciais, apenas por via IV.
Atenolol, propranolol e metoprolol são betabloqueadores de uso oral, e o esmolol é um betabloqueador IV; reduzem a frequência cardíaca, suprimem arritmias e controlam os receptores adrenérgicos. Carvedilol é um bloqueador beta e
alfaadrenérgico que inativa radicais livres. Carvedilol, à semelhança dos inibidores da ECA e da espironolactona, prolonga a vida e minimiza os sintomas de insuficiência cardíaca.
Diltiazem é um bloqueador de canal de cálcio utilizado para diminuir a frequência ventricular em animais com fibrilação atrial. Também é utilizado para diminuir a rigidez miocárdica em gatos com cardiomiopatia hipertrófica.
Amiodarona é útil no controle de todas as formas de arritmia, mas há experiência clínica relativamente escassa a seu respeito. No entanto, durante o tratamento, os cães comumente apresentam aumento das atividades de enzimas hepáticas.
Atropina e glicopirrolato inibem a ação do nervo vago no nodo SA. Como o nervo vago reduz a descarga do nodo SA e a frequência cardíaca, esses compostos aumentam a frequência cardíaca e podem ser úteis quando há bradicardia
mais evidente. A nitroglicerina é um venodilatador geralmente aplicado em forma de pasta cutânea na parte interna do pavilhão auricular ou da coxa; o sangue se acumula nas veias periféricas dilatadas, diminuindo a précarga do ventrículo
esquerdo e reduzindo o edema pulmonar. Ácido acetilsalicílico, clopidogrel, dalteparina, enoxaparina e cumadina são anticoagulantes que podem evitar tromboembolia em gatos com cardiomiopatia. Taurina e Lcarnitina são aminoácidos
úteis na prevenção de cardiomiopatia dilatada em gatos e em alguns cães, respectivamente. A melarsomina é utilizada no tratamento de infecção por dirofilárias adultas; ivermectina, milbemicina e selamectina destroem microfilárias.
Pimobendana e os inibidores da ECA são comprovadamente seguros e efetivos no tratamento de cães com arritmias ou com insuficiência cardíaca. Furosemida e digoxina são aprovadas, porém não há dados que comprovem sua
segurança ou eficácia. O uso de outros medicamentos no tratamento de insuficiência cardíaca ou de arritmias baseia–se em dados não publicados ou em estudos não controlados.
ANOMALIAS CONGÊNITAS E HEREDITÁRIAS DO SISTEMA CARDIOVASCULAR
As anomalias congênitas do sistema cardiovascular estão presentes ao nascimento e podem ser induzidas por fatores genéticos, ambientais, infecciosos, tóxicos, medicamentosos, nutricionais ou outros fatores, ou pela associação de fatores.
Em várias anomalias suspeitase de etiologia hereditária baseada na predisposição racial e em estudos de acasalamento. As anomalias cardíacas congênitas são importantes não apenas devido suas consequências, mas também pelo potencial
de transmitir à prole e, consequentemente, acometer toda a ninhada. Além das doenças cardíacas congênitas, várias outras anomalias cardiovasculares têm origem genética ou, ao menos, se suspeita disso. Doenças como cardiomiopatia
hipertrófica, cardiomiopatia dilatada e doença valvular degenerativa de cães de raças pequenas podem ter importante componente hereditário.
Em um amplo estudo sobre doença cardíaca congênita em cães notouse taxa de prevalência de 0,68%; anomalias comuns incluíram persistência de ducto arterioso – PDA (28%), estenose pulmonar (20%), estenose subaórtica (14%),
persistência do arco aórtico direito (8%) e defeito de septo ventricular (7%). As doenças cardíacas congênitas menos comuns (< 5% dos casos) incluíam tetralogia de Fallot, defeito de septo atrial, persistência de veia cava cranial esquerda,
displasia mitral, displasia tricúspide e cor triatriatum dexter. Estudos mais recentes mostram aumento da prevalência de estenose subaórtica, que atualmente supera a de estenose pulmonar, e a considera o segundo defeito cardíaco
congênito mais comum em cães. No entanto, em razão das diferenças regionais as anomalias cardíacas congênitas mais comuns em cães criados nos EUA diferem daquelas relatadas no Reino Unido e, possivelmente, daquelas detectadas na
Europa e em outras regiões.
Nos gatos, estimase que a prevalência de doença cardíaca congênita seja 0,2 a 1% e inclui defeitos do septo atrioventricular (inclusive defeito do septo ventricular, defeito do septo atrial e defeito do coxim endocárdico), displasia da
valva atrioventricular, fibroelastose endocárdica, PDA, estenose aórtica e tetralogia de Fallot. Os defeitos mais comuns em outras espécies incluem: bovinos – defeito do septo ventricular, ectopia cardíaca e hipoplasia ventricular; ovinos –
defeito do septo ventricular; suínos – displasia da valva tricúspide, defeito do septo atrial e estenose subaórtica; equinos – defeito do septo ventricular, PDA, tetralogia de Fallot e atresia da tricúspide. Equinos da raça Árabe apresentam
incidência relativamente maior de anomalias congênitas do que aqueles de outras raças; várias anomalias foram relatadas nessa raça.
Detecção, Diagnóstico e Importância Clínica
A detecção precoce de anomalia cardíaca congênita é fundamental por várias razões. Algumas doenças cardíacas são corrigidas por meio de cirurgia e o tratamento deve ser realizado antes do início da ICC ou do desenvolvimento de lesão
cardíaca irreversível; os animais recémadquiridos podem ser devolvidos para evitar prejuízo econômico; o mais provável é que animais de estimação com doença cardíaca congênita morram prematuramente, causando estresse emocional;
animais adquiridos para trabalho apresentam desempenho limitado, talvez insatisfatório. A detecção precoce também evita a introdução de anomalias genéticas em seus ascendentes.
A avaliação da maior parte dos animais com doença cardíaca congênita geralmente consiste em exame físico, ECG, radiografia e ecocardiografia. Isso permite um diagnóstico definitivo e avaliação da gravidade da anomalia. A
ecocardiografia Doppler suplantou o uso invasivo da cateterização cardíaca na avaliação da maior parte dos defeitos cardíacos. Após a definição do diagnóstico e da gravidade da doença podese optar pelo tratamento e estabelecer o
prognóstico.
A importância clínica da doença cardíaca congênita depende do defeito em questão e de sua gravidade. Animais com anomalia discreta podem não exibir sintomas da doença e ter vida normal. Enfermidades que causam disfunção
circulatória significante provavelmente ocasionam morte neonatal. Tais anomalias, muitas delas incompatíveis com a vida, também causam morte fetal e ninhada de menor tamanho. É mais provável que o tratamento clínico ou cirúrgico
beneficie animais com doença cardíaca congênita de gravidade moderada. A PDA com shunt esquerdodireito é uma notável exceção; indicase correção cirúrgica na maioria dos animais acometidos tão logo se consiga controlar doenças ou
anormalidades concomitantes que possam apresentar risco à anestesia ou à cirurgia.
Fisiopatologia
Doenças cardíacas congênitas induzem sinais clínicos de insuficiência cardíaca por vários mecanismos fisiopatológicos. Anomalias como estenoses pulmonar e subaórtica causam obstrução do fluxo ventricular e podem resultar em
insuficiência dos lados direito e esquerdo do coração, respectivamente. A persistência de ducto arterioso (PDA) e os defeitos de septo são exemplos de comunicações anormais entre os sistemas circulatórios sistêmico e pulmonar e, na
maioria dos casos, resultam em shunt esquerdodireito. A recirculação do sangue na circulação pulmonar e no interior das câmaras do lado esquerdo frequentemente ocasiona sintomas de ICC esquerda (p. ex., edema pulmonar, tosse e
fadiga). Tipicamente, as anomalias mais graves resultam em maior volume de sangue circulante nas câmaras cardíacas esquerdas. A PDA é uma possível exceção, com anomalias muito extensas, às vezes contribuindo para hipertensão
pulmonar e shunt direitoesquerdo (ver a seguir), também denominada PDA reversa. Animais com shunt direitoesquerdo (tetralogia de Fallot, PDA reversa) podem desenvolver insuficiência cardíaca direita, porém mais frequentemente
manifestam sinais clínicos associados à policitemia (p. 38), que se instala subsequentemente à perfusão renal com sangue deficiente em oxigênio. Isso resulta em aumento da síntese renal de eritropoetina e, consequentemente, policitemia.
Sopros Inocentes
É importante lembrar que a constatação de sopro cardíaco em animal jovem não é patognomônica de doença cardíaca congênita. Vários animais jovens apresentam sopro sistólico de baixo grau, decorrente de leve turbulência não associada
a doença cardíaca congênita. Em cães e gatos, geralmente esses sopros desaparecem até os 6 meses de idade. Os sopros inocentes são constatados na ausência de qualquer outra evidência de doença cardiovascular. Os sopros sistólicos de
alto grau (grau IV/VI, ou mais) e os sopros diastólicos indicam doença cardíaca e devem suscitar investigação adicional.
ANOMALIAS DE RAMIFICAÇÕES DOS ARCOS AÓRTICOS
Os arcos aórticos embrionários originam artérias carótidas (terceiro par de arcos), arco aórtico (quarto arco esquerdo) e artérias pulmonares e ducto arterioso (sexto par de arcos). O restante dos arcos regride, embora os primeiros arcos
aórticos também se tornem parte das artérias maxilares. Caso haja interrupção do desenvolvimento ou da regressão dos arcos aórticos podem surgir defeitos congênitos.
Persistência de Ducto Arterioso
Durante a vida fetal, o sangue oxigenado da artéria pulmonar principal é desviado para a artéria aorta descendente através do ducto arterioso, desviando dos pulmões não funcionais. Ao nascimento, vários fatores controlam o fechamento do
ducto, havendo a separação dos sistemas circulatórios sistêmico e pulmonar. A expansão pulmonar permite que a circulação pulmonar funcione como um sistema de baixa pressão e o fechamento do ducto evita o desvio de sangue do
sistema circulatório sistêmico de alta pressão, para a artéria pulmonar.
FISIOPATOLOGIA: A persistência ou patência do ducto com sistemas circulatórios pulmonar e sistêmico normais resulta em importante desvio de sangue da câmara cardíaca esquerda para a direita, ou seja, da circulação sistêmica para a
pulmonar. Como a resistência vascular sistêmica é sempre maior do que a da circulação pulmonar, o desvio de sangue é contínuo. Como consequência, temse uma sobrecarga de volume nas artérias e veias pulmonares no átrio e no
ventrículo esquerdos. A dilatação dessas duas câmaras cardíacas pode ocasionar arritmias cardíacas. A sobrecarga de volume crônica e a dilatação das câmaras cardíacas do lado esquerdo geralmente originam sintomas de ICC do lado
esquerdo. Portanto, a maioria dos pacientes não tratados desenvolve ICC refratária. Animais com pequeno ducto podem se tornar adultos sem manifestar sinais de insuficiência cardíaca, porém são mais predispostos à endocardite
infecciosa. Em alguns animais com PDA grave o aumento do fluxo sanguíneo pulmonar pode induzir vasoconstrição e hipertensão pulmonares, com várias e importantes implicações: o desvio de sangue através do ducto se reduz e se
reverte, desaparecendo o sopro e a cianose caudal (cianose diferencial); o ventrículo direito se dilata e hipertrofia como resultado da hipertensão pulmonar; a perfusão renal com sangue deficiente em oxigênio causa liberação excessiva de
eritropoetina e subsequente policitemia. Portanto, caso ocorra shunt direitoesquerdo no ducto notase predomínio de sinais clínicos de policitemia.
ACHADOS CLÍNICOS E TRATAMENTO: Nos animais com PDA que apresentam shunt esquerdodireito notase sopro tipo maquinaria contínuo e evidente. Com frequência, o sopro é mais audível durante a segunda bulha cardíaca e na região
da valva aórtica, geralmente associado a frêmito precordial. O componente diastólico é mais brando e melhor ouvido na região da valva pulmonar e, ocasionalmente, ainda melhor na região axilar (em alguns casos, o ducto permanece
aberto vários dias após o nascimento; portanto, podese detectar um sopro contínuo durante o exame do neonato). Ocasionalmente, o componente diastólico pode não ser audível no final da diástole. Tipicamente, o pulso femoral tornase
evidente. A maioria dos animais jovens não apresenta sinais clínicos. Aqueles com grande shunt e animais mais velhos frequentemente apresentam sintomas de ICC esquerda. Com frequência, o ECG revela ondas R altas na derivação II,
indicando dilatação do ventrículo esquerdo. Também, pode ser notado um espectro de arritmias cardíacas, inclusive complexos atriais e ventriculares prematuros. As anormalidades radiográficas dependem do tamanho e do diâmetro do
ducto e da presença de PDA; na PDA com shunt esquerdodireito é possível constatar dilatação de ventrículo e átrio esquerdos, vasos pulmonares proeminentes, dilatações por aneurismas aórtico e pulmonar e vários graus de edema
pulmonar. A ecocardiografia é importante para a exclusão de doença cardíaca congênita concomitante, bem como para documentar a ocorrência de PDA. Turbulência contínua na artéria pulmonar principal é característica de PDA
com shunt esquerdodireito. Tipicamente, notase dilatação de átrio e ventrículos esquerdos, podendo ser constatada discreta regurgitação mitral.
Geralmente, a ligadura cirúrgica do ducto em pacientes portadores de PDA com shunt esquerdodireito é curativa e quase sempre indicada. Quando presente, a ICC deve ser tratada (com diuréticos, vasodilatadores etc.) antes da anestesia
e cirurgia. O fechamento do ducto é uma alternativa à ligadura cirúrgica. Isso pode ser feito por oclusão transcateter mediante a colocação de um dispositivo (p. ex., espiral de Gianturco, dispositivo de oclusão vascular GianturcoGrifka) no
local da PDA, o qual resulta na formação de coágulo ou oclusão física do ducto.
Na PDA com shunt direitoesquerdo geralmente há histórico de letargia, intolerância a exercício e colapso. O exame minucioso pode revelar cianose diferencial. Podem ser notados desdobramento da segunda bulha cardíaca e discreto
sopro diastólico secundário à insuficiência pulmonar. Não se constata sopro contínuo, tampouco o pulso femoral é evidente. A constatação de policitemia em um animal jovem com tais sinais clínicos implica avaliação diagnóstica adicional
imediata do coração. O ECG mostra grave dilatação do ventrículo direito e arritmias ocasionais. Na PDA reversa é possível constatar aumento do ventrículo direito e dilatação da artéria aorta descendente por aneurisma. Nesse caso indica
se ecocardiografia, que revela dilatação e hipertrofia do ventrículo direito. O fluxo do ventrículo direito apresentase aumentado. Podese realizar ecocardiografia contrastada para confirmar o diagnóstico. Após a injeção de solução salina
em veia periférica constatamse microbolhas na aorta abdominal, mas não no coração. A ligadura do ducto é contraindicada porque exacerba a hipertensão pulmonar (por causar aumento no fluxo, já com resistência vascular pulmonar alta)
e tipicamente causa morte. Nesses casos o tratamento envolve o controle da policitemia por meio de flebotomias periódicas. O prognóstico quanto à sobrevida a longo prazo é desfavorável.
Persistência de Arco Aórtico Direito
Nessa anomalia vascular anelar há persistência do arco aórtico direito, distúrbio que causa obstrução esofágica na altura da base cardíaca. O esôfago é envolvido pelo arco persistente à direita, pelo ligamento arterioso à esquerda e
dorsalmente e pela base do coração ventralmente.
Ducto arterioso patente; cão. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.
Há relato de persistência de arco aórtico direito (PAAD) em bovinos, equinos, gatos e cães (especialmente das raças Pastor Alemão e Irish Setter).
Outras anormalidades do anel vascular têm sido descritas; elas resultam em achados semelhantes àqueles da PAAD. Essas anomalias congênitas não causam qualquer sintoma relacionado com o sistema cardiovascular – predominam os
sinais de regurgitação e pneumonia por aspiração.
CORAÇÃO ECTÓPICO
Coração ectópico é uma anomalia na qual o órgão se localiza fora da cavidade torácica, geralmente na região cervical ventral. É mais comumente constatado em bovinos. O deslocamento por um esterno defeituoso ou pelas costelas costuma
resultar em morte neonatal, embora seja possível sobrevida por longo tempo no caso de outros tipos de deslocamento.
DEFEITOS DO SEPTO
Defeito do Septo Atrial
Uma comunicação entre os átrios pode ser o resultado de persistência de forame oval ou um verdadeiro defeito do septo atrial. Durante a vida fetal o forame oval, abertura oval do septo interatrial, permite o desvio de sangue do átrio direito
para o esquerdo, a fim de evitar a passagem pelos pulmões não funcionais. Esta abertura oval se desenvolve entre dois septos: o septum primum e o septum secundum, que compõem o septo interatrial. Ao nascimento, a queda na pressão do
átrio direito permite que o forame oval se feche, interrompendo o desvio do fluxo sanguíneo. O aumento da pressão no átrio direito pode reabrir o forame oval onde não houve vedação do septo, permitindo o retorno do desvio. Isso não
representa um defeito de septo atrial verdadeiro porque houve a formação normal do septo. Um verdadeiro defeito de septo atrial corresponde a uma abertura consistente do septo interatrial, a qual permite o desvio de sangue do átrio com
maior pressão. Os defeitos do septum secundum se desenvolvem na parte superior do septo interatrial, próximo ao forame oval, sendo o tipo mais comum. Os defeitos do septum primum situamse na porção mais inferior do septo interatrial,
próximo à junção atrioventricular.
FISIOPATOLOGIA: Na maioria dos casos, o sangue desvia do átrio esquerdo para o direito, ocasionando sobrecarga de volume nas câmaras cardíacas direitas. A magnitude do desvio depende do tamanho do defeito e do gradiente de pressão
através desse defeito. O fluxo sanguíneo excessivo através das câmaras cardíacas direitas resulta em sua dilatação e hipertrofia. Pode ocorrer vasoconstrição pulmonar em razão do excessivo fluxo sanguíneo pulmonar e isso pode predispor
à ICC direita. Em situações nas quais há aumento da pressão no átrio direito (p. ex., estenose pulmonar) pode haver desvio de sangue do lado direito para o esquerdo, através do forame oval ou do defeito de septo atrial, causando cianose e,
potencialmente, policitemia.
ACHADOS CLÍNICOS E TRATAMENTO: É possível constatar sintomas de ICC direita (p. ex., ascite, edema e cianose). Geralmente notase sopro sistólico de ejeção na região da valva pulmonar, refletindo aumento do fluxo sanguíneo através
da valva pulmonar. O sangue que flui pelo próprio defeito não produz sopro. O tempo de ejeção prolongado do ventrículo direito pode resultar em desdobramento da segunda bulha cardíaca. Eletrocardiografia pode revelar evidência de
aumento de átrio ou ventrículo direito (desvio do eixo direito, ondas S profundas, ondas P altas). Bloqueio do ramo do feixe direito e arritmias também podem ser constatadas. Radiograficamente, notamse vários graus de aumento de
ventrículo direito e vasos pulmonares mais evidentes, indicando excesso de fluxo sanguíneo pulmonar. Para esses animais indicase ecocardiografia, pois esse exame mostra graus variáveis de dilatação de ventrículo e átrio direitos, bem
como identifica o defeito como uma perda de ecogenicidade no septo interatrial. A perda normal da ecogenicidade da fossa oval não deve ser interpretada como um defeito de septo atrial. A ecocardiografia Doppler confirma o desvio do
fluxo sanguíneo através da lesão e a maior velocidade de ejeção na valva pulmonar. Podese tentar correção cirúrgica, mas tal procedimento está associado a alta taxa de mortalidade e alto custo. Animais com defeitos no septum
secundum podem tolerar bem tais anomalias e vários destes defeitos são achados acidentais em animais mais velhos. Os defeitos maiores, como constatados nas anomalias de septum primum ou em defeitos de coxim endocárdico,
predispõem mais à ICC direita; também, podese constatar hipertensão pulmonar em razão do maior fluxo sanguíneo no pulmão. Nesse caso o prognóstico é reservado a desfavorável.
Defeito do Septo Ventricular
Os defeitos do septo ventricular situamse mais comumente na porção perimembranosa do septo, na parte superior do septo ventricular logo abaixo das cúspides da valva aórtica não coronária e direita, à esquerda, e logo abaixo da
comissura craniosseptal da valva tricúspide, à direita. Apresentam tamanho e importância hemodinâmica variáveis. Também, podem ocorrer defeitos no septo muscular. Pode haver anomalia de septo ventricular juntamente com outras
cardiopatias congênitas. Esse defeito é hereditário em suínos miniaturas.
FISIOPATOLOGIA: Na maioria dos animais ocorre desvio de sangue do ventrículo esquerdo para o ventrículo direito e fluxo ventricular direito, em razão da maior pressão no ventrículo esquerdo. A magnitude do desvio depende do tamanho
do defeito e do gradiente de pressão entre os ventrículos. Ocorre recirculação do sangue desviado para o ventrículo direito através dos vasos pulmonares e das câmaras cardíacas esquerdas, ocasionando dilatação dessas estruturas.
O ventrículo direito também pode se dilatar, especialmente em animais com graves defeitos de septo ventricular não resistentes ou anomalias menores no septo ventricular (de ocorrência rara). Pequenos defeitos (anomalias de septo
ventricular altamente resistente) limitam o volume de sangue desviado e minimizam os efeitos hemodinâmicos, enquanto os grandes defeitos geralmente resultam em graves transtornos circulatórios e sinais clínicos. Um desvio de sangue
significativo através das artérias pulmonares pode induzir vasoconstrição desses vasos. À medida que a resistência aumenta, o desvio pode se reverter (ou seja, a resistência ao fluxo ventricular direito excede a resistência ao fluxo
ventricular esquerdo, com desvio de sangue da direita para a esquerda), resultando em cianose e policitemia. O desvio de sangue da direita para a esquerda através do defeito de septo, como consequência de hipertensão pulmonar, é
denominado complexo de Eisenmenger.
Defeito do septo ventricular (seta); suíno miniatura. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.
ACHADOS CLÍNICOS E TRATAMENTO: Os achados clínicos dependem da gravidade do defeito e da direção do desvio. Um pequeno defeito geralmente não ocasiona sintoma ou causa sinais clínicos mínimos. Os defeitos maiores podem
resultar em ICC esquerda aguda. Bovinos são predispostos aos sintomas de ICC direita. No desenvolvimento do complexo de Eisenmenger notase cianose, fadiga e intolerância a exercício. A maioria dos animais afetados apresenta sopro
sistólico alto que se irradia amplamente, com frêmito no lado esquerdo. Notase ausência ou discreto sinal de sopro quando há defeito muito grande ou quando ocorre shunt direitoesquerdo. Às vezes, desenvolvese secundariamente
insuficiência valvular aórtica, pois um defeito subaórtico pode interferir na justaposição da valva aórtica. Nesse caso, notase sopro diastólico concomitante e a combinação de sopro sistólico/diastólico (sopro de vaivém) pode ser
confundida com aquele verificado na PDA. A turbulência prolongada no local do defeito pode causar erosão do endotélio e predispor à endocardite infecciosa. Radiografias do tórax podem revelar cardiomegalia generalizada, com aumento
do fluxo sanguíneo nos vasos pulmonares. Em geral, o defeito pode ser visualizado no exame ecocardiográfico, embora pequenos defeitos possam passar despercebidos. A ecocardiografia Doppler ou os exames contrastados confirmam a
presença de desvio do fluxo sanguíneo.
A terapia depende do uso do animal, da gravidade dos sinais clínicos e da direção do desvio. Animais com pequenas anomalias de septo ventricular tipicamente não necessitam tratamento e o prognóstico é bom. Animais com anomalia
de septo ventricular moderada a grave mais comumente desenvolvem sinais clínicos, devendose instituir tratamento. Correção cirúrgica da anomalia; bandagem da artéria pulmonar para aumentar a resistência ao fluxo do ventrículo direito
e, consequentemente, minimizar o desvio de sangue da esquerda para a direita; ou uso de terapia para reduzir a resistência vascular sistêmica (p. ex., vasodilatador, como hidralazina) podem ser empregados no tratamento de animais com
grande defeito de septo ventricular e shunt esquerdodireito. No caso de shunt direitoesquerdo, geralmente o fechamento cirúrgico do defeito é contraindicado. Podese realizar flebotomia para aliviar os efeitos da policitemia ou utilizar
hidroxiureia para minimizar os sinais clínicos; no entanto, o prognóstico é reservado a desfavorável. Os animais diagnosticados com defeito de septo ventricular não devem ser acasalados; mostrouse que em pelo menos uma raça (English
Springer Spaniel) o defeito é hereditário.
DISPLASIA DA TRICÚSPIDE
Ocasionalmente, notase malformação congênita do complexo da valva tricúspide em cães e gatos. As raças predispostas são Labrador Retriever e Pastor Alemão. A displasia da tricúspide resulta em insuficiência valvular e regurgitação
sistólica do sangue para o interior do átrio direito. Mais raramente pode–se constatar estenose da valva tricúspide. As cordas tendíneas comumente encontramse encurtadas ou ausentes e as cúspides da valva tricúspide podem estar
espessadas ou aderidas à parede ventricular ou do septo intraventricular. Simultaneamente, é possível notar outras anomalias congênitas como displasia da valva mitral, defeitos de septo, estenose subaórtica e estenose pulmonar. Na
anomalia de Ebstein, uma variante da displasia de tricúspide, a valva é deslocada em direção ao ápice cardíaco.
Displasia da valva tricúspide; cão. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.
FISIOPATOLOGIA: A malformação da valva tricúspide resulta em importante insuficiência valvular. A regurgitação tricúspide prolongada ocasiona sobrecarga de volume no coração direito, causando dilatação de ventrículo e átrio direitos. O
fluxo sanguíneo pulmonar pode diminuir e ocasionar fadiga e taquipneia. À medida que a pressão no átrio direito aumenta ocorre prejuízo ao retorno venoso, resultando em ascite.
ACHADOS CLÍNICOS E TRATAMENTO: Os sinais clínicos estão relacionados com a gravidade do defeito. Os animais acometidos geralmente manifestam sintomas de ICC direita. Sopro holossistólico grave decorrente de regurgitação
tricúspide torna–se evidente no ápice cardíaco direito. Arritmias atriais, especialmente taquicardia atrial paroxística, são comuns e podem causar morte. Tipicamente, eletrocardiografia e radiografia revelam aumento de átrio e ventrículo
direitos. A veia cava caudal pode aumentar significativamente de volume. A ecocardiografia mostra malformação da valva tricúspide e, geralmente, dilatação grave de átrio e ventrículo direitos. A ecocardiografia Doppler revela grave
regurgitação na valva tricúspide.
Em animais com sinais clínicos o prognóstico é reservado. Pode ser necessária abdominocentese periódica para controlar a efusão peritoneal. Também, podese indicar o uso de diuréticos, vasodilatadores e digoxina.
DISPLASIA DA VALVA MITRAL
A malformação congênita do complexo da valva mitral (displasia da valva mitral) é um defeito cardíaco congênito comum em gatos.
As raças de cães predispostas são Bull Terrier, Pastor Alemão e Great Dane. A displasia da valva mitral resulta em insuficiência mitral e regurgitação sistólica de sangue ao átrio esquerdo. Qualquer componente do complexo da valva
mitral (cúspides valvulares, cordas tendíneas, músculos papilares) pode apresentar malformação e frequentemente há envolvimento de mais de um componente.
Displasia da valva mitral; cão. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.
FISIOPATOLOGIA: A malformação do complexo da valva mitral provoca insuficiência valvular significativa. A regurgitação mitral prolongada causa sobrecarga de volume no coração esquerdo que resulta em dilatação de ventrículo e átrio
esquerdos. Quando a regurgitação mitral é grave, o débito cardíaco diminui, acarretando sintomas de insuficiência cardíaca. A regurgitação mitral grave também pode causar congestão venosa pulmonar e ICC esquerda. A dilatação das
câmaras cardíacas esquerdas predispõe os animais acometidos a arritmias. Em alguns casos, a malformação do complexo da valva mitral causa certo grau de estenose valvular, bem como insuficiência (ver estenose mitral, a seguir).
ACHADOS CLÍNICOS E TRATAMENTO: Os sinais clínicos estão relacionados com a gravidade da lesão. Os animais acometidos geralmente manifestam sintomas de ICC esquerda. Sopro holossistólico de regurgitação mitral é proeminente no
ápice cardíaco esquerdo. Em alguns casos notase ruído cardíaco diastólico (ritmo de galope). Os animais enfermos podem apresentar frêmito precordial no ápice cardíaco esquerdo. As arritmias atriais (complexos atriais prematuros,
fibrilação atrial) podem ser notadas no eletrocardiograma, especialmente de animais gravemente afetados. Também, pode haver aumento de ventrículo e átrio (alargamento de ondas P) esquerdos. Nas radiografias torácicas é possível notar
aumento acentuado do átrio esquerdo. Ademais, podese constatar aumento do ventrículo esquerdo e congestão venosa pulmonar. A ecocardiografia revela malformação do complexo da valva mitral (fusão de cordas tendíneas e
espessamento e imobilidade das cúspides valvulares, aparência anormal dos músculos papilares) e dilatação de ventrículo e átrio esquerdos. A ecocardiografia Doppler mostra regurgitação mitral grave. Quando presente é possível
identificar estenose mitral (ver a seguir).
O prognóstico para os animais com sinais clínicos de doença grave é desfavorável. Pacientes discretamente acometidos podem permanecer assintomáticos por vários anos. Para tratamento de ICC esquerda progressiva ver p. 135.
ESTENOSE MITRAL
Estenose mitral corresponde ao estreitamento do orifício da valva mitral provocado por anormalidades na valva e resulta em obstrução do fluxo sanguíneo ao ventrículo esquerdo. Esse defeito congênito é raro em cães e gatos e pode ser
concomitante a outras anomalias congênitas, como estenose subaórtica, displasia da valva mitral e estenose pulmonar.
FISIOPATOLOGIA: A doença resulta em aumento da resistência ao fluxo atrial esquerdo, originando um gradiente de pressão entre o átrio e o ventrículo esquerdos. Isso ocasiona aumento do átrio esquerdo e da pressão venosa pulmonar e na
pressão em cunha nos capilares. Como consequência, pode ocorrer edema pulmonar e, em alguns casos, síncope.
ACHADOS CLÍNICOS E TRATAMENTO: A estenose mitral, por si só, pode resultar em sopro cardíaco diastólico tipicamente de baixo grau (III/VI). Caso haja displasia da valva mitral, simultaneamente, pode ser audível um sopro com
intensidade máxima no ápice cardíaco esquerdo. As radiografias mostram graus variáveis de aumento do átrio esquerdo e edema pulmonar em animais com ICC esquerda. A eletrocardiografia pode revelar alargamento das ondas P
(indicando aumento do átrio esquerdo) e arritmias supraventriculares. A ecocardiografia permite o diagnóstico definitivo. É possível notar abaulamento das cúspides da valva mitral em direção ao ventrículo esquerdo durante a diástole,
aumento do átrio esquerdo e espessamento das cúspides da valva mitral. A ecocardiografia Doppler revela fluxo diastólico turbulento através da valva mitral, iniciando nesta valva e se estendendo ao interior do ventrículo esquerdo. No
início da diástole é detectado gradiente de pressão entre o átrio e o ventrículo esquerdos.
O tratamento medicamentoso de animais com estenose da valva mitral envolve o uso de diurético e restrição de sódio na dieta. Devese evitar diurese excessiva porque pode ocorrer grave redução do débito cardíaco. Terapia cirúrgica ou
intervencional pode incluir comissurotomia fechada (correção da estenose, sem desvio), comissurotomia aberta, substituição da valva mitral ou valvuloplastia com balão (relatada em um animal com estenose de valva tricúspide). Esses
procedimentos raramente são realizados em cães e gatos e envolvem risco e custo consideráveis.
HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA PERITONIOPERICÁRDICA (HDPP)
A hérnia diafragmática peritoniopericárdica (HDPP) é a doença de pericárdio congênita mais comum em cães e gatos. Devese ao desenvolvimento anormal do septo dorsolateral transverso ou de falha na união das dobras pleuroperitoneal
lateral e porção ventromedial esternal. Isso resulta em herniação de víscera abdominal no saco pericárdico. O fígado é mais comumente herniado, seguido de intestino delgado, baço e estômago. Os sintomas são muito variáveis; diversos
pacientes permanecem assintomáticos e a anomalia é constatada durante a necropsia. As radiografias de tórax podem mostrar alças do intestino delgado ou fígado atravessando o diafragma, no sentido do saco pericárdico. Uma avaliação
com radiografia contrastada utilizando bário VO também pode identificar alças de intestino delgado ou estômago no saco pericárdico. Ainda, o diagnóstico pode ser definido pela constatação de víscera abdominal no saco pericárdico
durante o exame ecocardiográfico. Pacientes que apresentam vômito, sinais de encefalopatia hepática ou outras condições adversas resultantes de HDPP devem ser submetidos à correção cirúrgica da hérnia.
OBSTRUÇÃO DO FLUXO SANGUÍNEO
Neste grupo de doenças cardíacas congênitas incluemse estenose aórtica, estenose pulmonar e coarctação da aorta. Todas envolvem obstrução do fluxo (ou débito) sanguíneo do ventrículo direito ou esquerdo.
Estenose Aórtica
O esvaziamento do ventrículo esquerdo pode ser obstruído em três locais: (1) subvalvular, também denominado subaórtico, constituído de uma crista de tecido fibroso no percurso do fluxo sanguíneo do ventrículo esquerdo; (2) valvular; (3)
supravalvular ou obstrução distal à valva aórtica. A forma mais comum no cão é a estenose subaórtica. Há relato de predisposição em cães das raças Boxer, Golden Retriever, Rottweiler, Pastor Alemão e Newfoundland.
FISIOPATOLOGIA: A estenose aórtica provoca hipertrofia do ventrículo esquerdo, cujo grau depende da gravidade da estenose. Nos casos graves pode haver diminuição do fluxo do ventrículo esquerdo, especialmente durante exercício. A
principal ramificação da hipertrofia ventricular esquerda é a criação de áreas do miocárdio com perfusão deficiente. A isquemia miocárdica é um fator importante no desenvolvimento de arritmias ventriculares, com sério risco à vida.
ACHADOS CLÍNICOS E TRATAMENTO: Os sinais clínicos não são consistentemente relacionados com a gravidade da estenose. Pode haver história de síncope e intolerância a exercício. Os animais sem histórico de enfermidade podem morrer
subitamente e a anomalia é detectada apenas durante a necropsia. Constatase sopro sistólico do tipo ejeção, mais audível na região da valva aórtica. A intensidade do sopro está razoavelmente correlacionada com o grau de estenose e pode
aumentar à medida que o animal se torna adulto, refletindo uma estenose progressiva. Os filhotes de cães sem sopros detectáveis não devem ser considerados livres da doença até completarem 6 meses de idade, pois o sopro pode ser muito
discreto nos primeiros meses de vida. Em casos moderados a graves, a força do pulso femoral diminui. A eletrocardiografia pode revelar aumento do ventrículo esquerdo (ondas R altas na derivação II) e complexos ventriculares
prematuros, cuja frequência aumenta com a prática de exercício. Devese utilizar monitoramento com Holter em animais com síncope ou em pacientes com doença grave, a fim de comprovar a presença de quaisquer arritmias, avaliar a
gravidade da arritmia e evitar o risco de morte súbita. Podese proceder à reavaliação com Holter após o início de terapia antiarrítmica, de modo a verificar sua eficácia. Radiograficamente, notamse aumento variável de volume do
ventrículo esquerdo e dilatação pósestenose da artéria aorta. Recomenda–se ecocardiografia Doppler para confirmar o diagnóstico e excluir outras anormalidades cardíacas. O grau de hipertrofia do ventrículo esquerdo e a velocidade
máxima sistólica do fluxo através da anomalia podem auxiliar na determinação da gravidade da estenose.
Estenose aórtica (estenose subaórtica), cão. Ilustração de Dr. Gheoghe Constantinescu.
As opções terapêuticas incluem tratamento médico das arritmias a fim de minimizar a ocorrência de sinais clínicos de intolerância ao exercício ou síncope, valvuloplastia com balão (tipicamente não muito efetiva) e ressecção cirúrgica
(altas taxas de morbidade e mortalidade, alto custo, pouca redução do gradiente de pressão). Temse defendido o uso de betabloqueadores, como atenolol, para controlar arritmias ventriculares em pacientes com estenose subaórtica e,
possivelmente, reduzir o risco de morte súbita. Em geral, os animais levemente acometidos não necessitam tratamento e em vários pacientes o prognóstico pode ser reservado a bom. Os animais acometidos não devem ser utilizados para
procriação.
Estenose Pulmonar
Estenose pulmonar é um achado comum em cães e infrequente em gatos. Resulta em obstrução do fluxo do ventrículo direito principalmente em razão da displasia das cúspides da valva pulmonar. Também, pode–se constatar estenose no
infundíbulo, na região subvalvular ou na porção supravalvular.
FISIOPATOLOGIA: O ventrículo direito deve gerar aumento de pressão durante a sístole para superar a estenose, fato que nos casos moderados a graves pode ocasionar dilatação e hipertrofia marcantes do ventrículo direito. À medida que o
ventrículo direito hipertrofia a sua complacência diminui, acarretando aumento na pressão do átrio direito e congestão venosa. O aumento da velocidade do fluxo deforma a parede da artéria pulmonar principal, resultando em dilatação pós
estenose. Nos casos graves podese notar insuficiência congestiva direita. Estenose pulmonar supravalvular é incomum e pode ser mais comumente constatada em animais da raça Schnauzer gigante. Displasia da valva tricúspide simultânea
é, às vezes, verificada em animais com estenose pulmonar. Desenvolvimento anômalo da artéria coronária tem sido documentado em alguns animais com estenose pulmonar, como cães das raças Boxer e Bulldog Inglês. Tipicamente, a
artéria coronária principal esquerda se origina de uma única artéria coronária direita e circunda o trajeto de fluxo do ventrículo direito.
ACHADOS CLÍNICOS E TRATAMENTO: Os animais afetados podem ter histórico de subdesenvolvimento e de intolerância a exercício. Podese notar ICC direita, caracterizada por ascite ou edema periférico. Constatase sopro sistólico do tipo
ejeção evidente, melhor audível na região da valva pulmonar. Geralmente, notase um frêmito precordial correspondente. Também, pode haver dilatação e pulsação de veias jugulares. Em vários casos, a ecocardiografia mostra evidência de
aumento do ventrículo direito. As anormalidades radiográficas incluem aumento do ventrículo direito, dilatação da artéria pulmonar principal por aneurisma e diminuição da perfusão pulmonar. Nesses casos, indica–se ecocardiografia e este
exame pode mostrar dilatação e hipertrofia do ventrículo direito, aplanamento do septo interventricular e cúspides valvulares pulmonares espessadas e relativamente imóveis. Em alguns casos podese notar estenose subvalvular discreta ou
supravalvular. Às vezes, podese notar insuficiência pulmonar em cães com estenose pulmonar. A ecocardiografia Doppler é valiosa na determinação da gravidade da estenose. Com base na gravidade (descrita como o gradiente de pressão
na valva) podese avaliar a necessidade de intervenção. Os animais com estenose pulmonar moderada ou grave podem se beneficiar de valvuloplastia com balão ou de intervenção cirúrgica (valvulotomia, enxerto, valvulectomia parcial
ou stent). A escolha do procedimento cirúrgico depende, em parte, da presença e do grau de hipertrofia muscular subvalvular. Na presença de ICC direita devese iniciar terapia paliativa com medicamentos de uso oral, como diuréticos e
vasodilatadores. Tipicamente, o prognóstico é desfavorável quando há fibrilação atrial ou ICC direita. Caso se constate fibrilação atrial o uso de digitálico pode ser justificável.
Coarctação da Aorta
Esta anomalia rara em cães e gatos envolve o estreitamento da artéria aorta distal à artéria subclaviana, tipicamente na região do ducto arterioso. Outras anormalidades congênitas incomuns da aorta incluem hipoplasia tubular da aorta
ascendente e interrupção aórtica. Há relato de correção cirúrgica.
TETRALOGIA DE FALLOT
A tetralogia de Fallot é a principal anomalia causadora de cianose. Compreende uma combinação de estenose pulmonar, um típico defeito de septo ventricular grande na parte superior do septo, hipertrofia do ventrículo direito e graus
variáveis de dextroposição da artéria aorta. Acreditase que uma única malformação conotroncular (formação cranialmente deslocada da porção superior do septo interventricular) resulta em estreitamento ao fluxo sanguíneo do ventrículo
direito (estenose pulmonar), sobreposição da aorta e defeito de septo ventricular. A hipertrofia do ventrículo direito é simplesmente uma consequência dessas anormalidades. A estenose pulmonar pode ser valvular e/ou infundibular. As
raças de cães predispostas à tetralogia de Fallot são Keeshond, Bulldog Inglês, Poodle miniatura, Schnauzer miniatura e Wirehaired Fox Terrier. A doença é hereditária em animais da raça Keeshond e, possivelmente, em outras raças. Há
relato dessa anomalia em outras raças de cães e gatos.
FISIOPATOLOGIA: As consequências hemodinâmicas da tetralogia de Fallot dependem principalmente da gravidade da estenose pulmonar, da extensão do defeito de septo ventricular (tipicamente grande e não resistente) e da resistência
vascular sistêmica. A direção e a magnitude do desvio de sangue através do defeito de septo dependem, em grande parte, da resistência relativa ao fluxo entre a circulação pulmonar (obstruída pela estenose pulmonar) e a circulação
sistêmica. As consequências incluem menor fluxo sanguíneo pulmonar (resultando em fadiga, respiração superficial) e cianose generalizada (resultando em policitemia, fraqueza) causados pela mistura de sangue deficiente em oxigênio do
lado direito com o sangue oxigenado do ventrículo esquerdo no fluxo aórtico.
Em razão do desvio de sangue venoso para a aorta e da consequente hipoxia, os rins liberam eritropoetina, resultando em policitemia (p. 38). O aumento da viscosidade do sangue associado à policitemia pode causar efeitos
hemodinâmicos importantes, como prejuízo à circulação sanguínea e deficiente perfusão capilar. Os animais com policitemia grave frequentemente apresentam histórico de convulsões.
ACHADOS CLÍNICOS E TRATAMENTO: As informações típicas obtidas durante a anamnese incluem retardo do crescimento, intolerância a exercício, cianose, colapso e convulsões. Podese constatar um frêmito precordial na região da valva
pulmonar e, na maioria dos casos, notase sopro decorrente da estenose pulmonar. A intensidade do sopro é atenuada quando há policitemia grave e, em alguns animais acometidos, não há sopro cardíaco. No exame eletrocardiográfico
geralmente nota–se um padrão com aumento do ventrículo direito (ondas S profundas na derivação torácica esquerda, desvio do eixo direito), sendo infrequente a ocorrência de arritmia. As radiografias mostram aumento variável do
coração direito, bem como vasos pulmonares menores que o normal, frequentemente incluindo a artéria pulmonar principal. A ecocardiografia confirma o diagnóstico. Há evidência de sobreposição da raiz aórtica (deslocamento à direita),
hipertrofia do ventrículo direito e defeito de septo ventricular. As câmaras cardíacas esquerdas podem ser pequenas em razão do menor retorno venoso pulmonar. A ecocardiografia contrastada de rotina revela desvio do fluxo sanguíneo da
direita para a esquerda no local do defeito do septo ventricular. O fluxo sanguíneo através do defeito também pode ser detectado por ecocardiografia Doppler.
Tetralogia de Fallot; gato. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.
Temse utilizado bloqueadores beta–adrenérgicos para reduzir o componente dinâmico da obstrução do fluxo do ventrículo direito e atenuar a menor resistência vascular sistêmica mediada por betaadrenérgicos. O aumento da resistência
vascular sistêmica minimiza a magnitude do desvio. A policitemia deve ser controlada por meio de flebotomias periódicas quando o volume globular (VG) excede 65%. O prognóstico é reservado, mas os animais com desvio discreto a
moderado podem atingir a idade adulta.
As opções terapêuticas incluem tratamento cirúrgico e medicamentoso. Há relato de cirurgia corretiva em cães, porém, raramente é realizada. As técnicas cirúrgicas paliativas para aliviar os sinais clínicos associados à tetralogia de Fallot
também raramente são empregadas e incluem procedimentos que produzem anastomoses sistêmicopulmonares. Tais procedimentos podem minimizar os sintomas de hipoperfusão pulmonar e hipoxia sistêmica. Em alguns casos, a redução
da estenose pulmonar é paliativa. Outras opções para estenose pulmonar são valvuloplastia cirúrgica e valvuloplastia com balão.
MISCELÂNEA DE ANORMALIDADES CARDÍACAS CONGÊNITAS
Conexão de veia pulmonar anômala é um defeito congênito no qual quantidade variável de veias pulmonares (apenas uma ou até todas) se aderem ao átrio direito ou a uma veia sistêmica.
Defeitos do coxim endocárdico (defeito do canal atrioventricular [AV], persistência de óstio AV, defeito de septo AV) envolvem distúrbios de desenvolvimento do coxim endocárdico que podem ocasionar anormalidade do septum
primum, da valva AV e do septo ventricular.
Cor triatriatum esquerdo e direito se origina a partir de uma membrana fibrosa que divide o átrio esquerdo e direito, respectivamente. Há relato de cor triatriatum esquerdo em gatos e de cor triatriatum direito em cães. O átrio
envolvido é dividido em duas câmaras. Comumente há uma ou mais perfurações na membrana de separação, permitindo a comunicação entre as duas partes do átrio. Como tratamento dessa doença, há relato de valvuloplastia bemsucedida
com balão.
Dextrocardia, localização do coração no hemitórax direito, pode ser um defeito cardíaco congênito benigno. Também, pode estar associado a situs inversus (posicionamento anormal dos órgãos corporais). Tipicamente, notase uma
combinação desses defeitos em animais com outras anormalidades simultâneas, como sinusite, bronquite e bronquiectasia.
Além dessas anomalias, várias outras são relatadas, inclusive dupla abertura de ventrículo direito (toda parte de uma grande artéria e a maior parte de outra grande artéria que se origina no ventrículo direito), interrupção do arco aórtico,
persistência da veia cava cranial esquerda, atresia pulmonar e transposição de grandes artérias.
DIROFILARIOSE
A dirofilariose é causada pelo microrganismo Dirofilaria immitis, uma filária. No mínimo, 70 espécies de mosquitos podem atuar como hospedeiro intermediário; Aedes, Anopheles e Culex são os principais gêneros de vetores. É possível a
ocorrência de infecção persistente em várias espécies de animais selvagens e de companhia. Dentre os reservatórios selvagens incluemse lobos, coiotes, raposas, focascinza da Califórnia, leãomarinho e guaxinins. Em animais de
companhia a dirofilariose é diagnosticada principalmente em cães e menos comumente em gatos e furões, devido às diferenças de técnica diagnóstica e ao ciclo de vida do parasita nestes animais. Há relatos de dirofilariose na maioria dos
países de clima temperado, semitropical e tropical, inclusive EUA, Canadá, Austrália, América Latina e sul da Europa. Em animais de companhia, o risco de ocorrência de dirofilariose é maior em cães e gatos criados em ambiente externo.
Embora qualquer cão ou gato seja suscetível à dirofilariose, criado ou não em ambiente interno, a maioria dos casos é diagnosticada em animais de tamanho médio a grande, com 3 a 8 anos de idade.
Os mosquitos infectados podem transmitir dirofilariose às pessoas, porém, não há relato de infecção persistente. A maturação das larvas infectantes pode progredir a ponto de alcançarem os pulmões, se encapsularem e morrerem. A larva
morta estimula reações granulomatosas denominadas “lesões de moeda”, clinicamente importantes porque ao exame radiográfico são semelhantes às metástases de câncer pulmonar.
A taxa de prevalência de dirofilariose em outros animais de companhia, como furão e gato, tende a ser proporcional àquela de cães criados nesta mesma região. Não há relato de predileção por idade em furões e gatos; contudo, relatase
que gatos machos são mais suscetíveis do que as fêmeas. Furões e gatos criados em ambientes interno e externo podem se infectar. Em gatos, outras infecções, como aquela causada por FeLV ou pelo vírus da imunodeficiência felina, não
são fatores predisponentes.
CICLO BIOLÓGICO: As espécies de mosquitos vetores adquirem microfilárias (um estágio larvário neonatal) quando se alimentam no hospedeiro infectado. Uma vez ingeridas pelo mosquito, as microfilárias se desenvolvem em larvas de
primeiro estágio (L1). Em seguida, ativamente mudam para larvas de segundo estágio (L2) e, novamente, para larvas de terceiro estágio infectante (L3), no mosquito, em cerca de 1 a 4 semanas, dependendo da temperatura ambiente. Essa
fase de desenvolvimento é mais curta (10 a 14 dias) quando a temperatura ambiente é > 27°C e a umidade relativa do ar é de 80%. Quando maduras, as larvas infectantes migram para o lábio do mosquito. Quando o mosquito se alimenta as
larvas infectantes saem da extremidade labial juntamente com pequena hemolinfa e se deposita na pele do hospedeiro. A larva migra para o local da picada, iniciando a fase do ciclo biológico no mamífero. Um típico
mosquito Aedes somente é capaz de sobreviver à fase de desenvolvimento completa de pequena quantidade de larvas de dirofilária, geralmente menos de 10 larvas por mosquito.
Em canídeos e em outros hospedeiros suscetíveis, a larva infectante (L3) se transforma em larva de quarto estágio (L4) dentro de 3 a 12 dias. Após permanecer no tecido subcutâneo, abdome e tórax durante cerca de 2 meses, a larva L4 e
transforma em parasita adulto jovem e migra pelo tecido do hospedeiro e, após 50 a 70 dias, chega à artéria pulmonar cerca de 70 a 120 dias após a infecção inicial. Neste momento os parasitas medem 2,5 a 4 cm, crescem rapidamente no
vaso pulmonar e se torna verme adulto maduro (machos com cerca de 15 cm de comprimento; fêmeas com cerca de 25 cm). Quando os parasitas jovens inicialmente chegam aos pulmões, a pressão sanguínea os força para as pequenas
artérias pulmonares mais distais do lobo pulmonar caudal; à medida que crescem ocupam artérias pulmonares maiores, indo para o ventrículo direito e o átrio direito, quando a carga parasitária é alta. As microfilárias são produzidas pelas
fêmeas grávidas tão precocemente quanto 6 meses, porém mais tipicamente aos 7 a 9 meses, após a infecção.
As microfilárias são detectadas na maioria dos canídeos infectados (cerca de 80%) não submetidos à profilaxia com macrolídeos e, ocasionalmente, naqueles cães tratados com macrolídeos preventivos quando já havia infecção por
dirofilária. Portanto, o número de microfilárias circulantes não necessariamente está relacionado com a quantidade de fêmeas adultas de D. immitis. Tipicamente, os adultos vivem 3 a 5 anos; as microfilárias podem sobreviver por até 2
anos, enquanto aguardam um mosquito hospedeiro intermediário.
Microfilaria de Dirofilaria immitis; esfregaço sanguíneo de cão. Cortesia de Merial Limited.
A maior parte dos cães é muito sensível à infecção por D. immitis e a maioria (56%, em média) das larvas infectantes (L3) se transformam em adultos. Furões e gatos são hospedeiros suscetíveis; mas a taxa de desenvolvimento de larvas
infectantes em adultos é baixa (em média, 6% em gatos e 40% em furões). Em gatos, com frequência a carga parasitária é de 1 a 3 vermes. Parece que a morte precoce de vermes jovens na chegada ao sistema respiratório é basicamente
responsável pela doença respiratória associada à síndrome dirofilariose em gatos. A sobrevida do verme adulto em gatos tipicamente não é superior a 2 a 3 anos. Em todos os animais suscetíveis à infecção há relato de migração aberrante
em diferentes órgãos, resultando em lesões no cérebro, sistema vascular sistêmico e nas vísceras e tecido subcutâneo.
PATOGÊNESE: Em cães, a gravidade da lesão cardiopulmonar é determinada pela quantidade de parasitas, pela resposta imune do hospedeiro, pela duração da infecção e pelo grau de atividade do hospedeiro. A forma adulta viva de D.
immitis provoca irritação mecânica direta na camada íntima e na parede da artéria pulmonar, ocasionando um manguito perivascular com células inflamatórias, inclusive com infiltração de grande quantidade de eosinófilos. Os parasitas
vivos parecem ter um efeito imunossupressor; contudo, os parasitas mortos induzem reações imunes e subsequente lesão pulmonar em áreas não diretamente relacionada com a presença do parasita morto. Infecções de longa duração, em
razão dos fatores já mencionados (ou seja, irritação direta, morte do parasita e resposta imune), resultam em lesões crônicas e subsequentes cicatrizações. Cães ativos tendem a desenvolver mais lesões àqueles inativos, qualquer que seja a
carga parasitária. Esforços frequentes aumentam a lesão da artéria pulmonar e podem predispor a sinais clínicos evidentes, inclusive insuficiência cardíaca congestiva (ICC). Com frequência, a alta carga parasitária se deve às infecções
adquiridas durante exposição a vários mosquitos. Alta exposição de cães jovens ainda não infectados que vivem em clima temperado pode resultar em infecção grave, causando a síndrome da veia cava no ano seguinte à infecção. Em geral,
devido ao tamanho do parasita e da menor dimensão dos vasos pulmonares, os cães pequenos não toleram tanto a infecção e o tratamento, quanto os cães grandes.
A participação da bactéria endossimbiótica Wolbachia pipiens, presente nos vermes, ainda está sendo pesquisadas. No entanto, estas bactérias estão envolvidas na patogênese de filarioses, possivelmente pela ação de endotoxinas. Estudos
recentes mostraram que uma proteína de superfície primária de Wolbachia (WSP) induz uma resposta com IgG específica em hospedeiros infectados por D. immitis.
Os mediadores inflamatórios associados à infecção por D. immitis que induzem resposta imune no pulmão e nos rins (glomerulonefrite por deposição de complexo imune) causam vasoconstrição e, possivelmente, broncoconstrição. O
extravasamento de plasma e de mediadores inflamatórios de vasos de pequeno calibre e de capilares ocasiona inflamação e edema de parênquima pulmonar. A constrição da artéria pulmonar provoca aumento da velocidade do fluxo
sanguíneo, especialmente durante esforço, resultando em lesão adicional ao endotélio. A ocorrência de lesão endotelial, vasoconstrição, aumento da velocidade do fluxo sanguíneo e isquemia local é um ciclo vicioso. Inflamação com
isquemia pode causar fibrose intersticial irreversível.
Em gatos e furões, a lesão da artéria pulmonar é semelhante àquela de cães, embora as pequenas artérias desenvolvam hipertrofia muscular mais grave. Alguns gatos podem nunca manifestar sinais clínicos. Trombose arterial é causada
por coágulos sanguíneos e alojamento dos parasitas no estreito lúmen das arteríolas. Em gatos, as alterações do parênquima associadas ao parasita morto diferem daquelas constatadas em cães e furões. Além de lesão e edema celular tipo I,
como verificados em cães, os gatos apresentam hiperplasia celular tipo II, que é uma importante barreira à oxigenação. Furões e gatos são muito mais sujeitos à morte pela infecção por D. immitis, em razão da restrita capacidade vascular
pulmonar e das consequentes lesões.
ACHADOS CLÍNICOS: Em cães, a infecção deve ser detectada por teste sorológico antes do início dos sinais clínicos; contudo, é preciso ter em mente que a antigenemia e a microfilaremia, na dirofilariose, não surgem antes de cerca de 5 e
6,5 meses após a infecção, respectivamente. Cães não submetidos a tratamento preventivo e aos testes apropriados podem ser infectados. Os sinais clínicos de dirofilariose incluem tosse, intolerância ao exercício, depauperamento, dispneia,
cianose, hemoptise, síncope, epistaxe e ascite (ICC direita). A frequência e a gravidade dos sintomas estão relacionadas com o grau de lesão pulmonar e com o tipo de atividade do paciente. Com frequência, não se constata sintoma em cães
sedentários, mesmo quando se imagina que a carga parasitária possa ser relativamente alta. Os cães infectados submetidos a aumento marcante de atividade, como ocorre durante a estação de caça, podem manifestar sinais clínicos
evidentes.
Imagem radiográfica de discretas lesões de dirofilariose em um cão da raça German Shepherd, macho, de 5 anos de idade. Cortesia da University of Florida.
Dirofilariose felina, imagem lateral. Cortesia da Merial Limited.
Clinicamente, os cães podem ser considerados como pacientes de baixo ou de alto risco, com base na avaliação clínica da carga parasitária potencial, na saúde do animal e no seu estilo de vida. Isto substitui um sistema mais complexo no
qual os cães eram classificados de I a IV. Cães com 5 a 7 anos de idade são mais sujeitos à carga intensa de parasitas. Outras enfermidades concomitantes (p. ex., doença de sistemas orgânicos ou pulmonar) influenciam a avaliação do risco.
O grau de restrição de exercício durante o período de recuperação é outro fator importante a ser considerado.
Gatos infectados podem ser assintomáticos ou manifestarem tosse intermitente, dispneia, vômito, letargia, anorexia e perda de peso. Quando evidentes, geralmente os sintomas se desenvolvem durante dois estágios da infecção: 1) na
chegada dos parasitas jovens aos vasos pulmonares, cerca de 3 a 4 meses após a infecção, e 2) na morte dos parasitas adultos. Os sintomas iniciais estão associados a uma resposta vascular e inflamatória aguda do parênquima aos vermes
jovens recémchegados e à subsequente morte de vários destes parasitas jovens. Esta fase inicial frequentemente é diagnosticada erroneamente como asma ou bronquite alérgica. No entanto, atualmente esta condição é considerada como
parte de uma síndrome recentemente identificada e denominada doença respiratória associada à dirofilariose. Em gatos, o teste sorológico para pesquisa de antígeno é negativo no início da síndrome de pneumonite eosinofílica, embora o
teste de pesquisa de anticorpos possa ser positivo. Com frequência os sinais clínicos regridem e podem não reaparecer durante meses. Gatos que albergam parasitas adultos podem manifestar vômito intermitente, letargia, tosse e episódios
de dispneia. A morte, mesmo de um parasita adulto, pode ocasionar angústia respiratória aguda e choque, que pode ser fatal, e parece ser consequência de trombose pulmonar e/ou choque anafilático.
DIAGNÓSTICO: O teste para detecção de antígeno é o método de diagnóstico preferido para cães assintomáticos ou quando o objetivo é investigar a suspeita de infecção por D. immitis. O teste para detecção de antígeno é o método
diagnóstico mais sensível e específico disponível ao clínico veterinário. Mesmo em regiões onde a prevalência de dirofilariose é alta, cerca de 20% dos cães infectados podem não apresentar microfilaremia. Esta taxa é maior em cães
infectados por dirofilárias adultas consistentemente submetidos à profilaxia mensal com macrolídeos, pois tal procedimento induz estase embrionária em fêmeas adultas de dirofilária.
O momento do teste para pesquisa de antígeno é fundamental. Devese considerar um período de prédetecção (estes testes detectam apenas vermes adultos), considerando a data aproximada na qual a infecção tenha ocorrido. Um
intervalo de 7 meses é razoável. Geralmente não há necessidade do teste antigênico ou de pesquisa de microfilárias em cães antes de aproximadamente 7 meses de idade. Para assegurar que não há infecção previamente adquirida, cães
jovens ou cães que não receberam previamente tratamento profilático para dirofilariose devem ser submetidos ao teste 6 a 7 meses após o início da profilaxia para dirofilariose. Subsequentemente, recomendamse testes anuais de pesquisa
de antígeno.
O grau de antigenemia está diretamente relacionado com a quantidade de fêmeas adultas do parasita. No mínimo, 90% dos cães que albergam = 2 fêmeas adultas são positivos à maioria dos testes disponíveis. Na suspeita de baixa
infestação parasitária os testes laboratoriais comerciais com base na titulação em micropoços são os mais sensíveis.
Em cães, a importância da ecocardiografia é relativamente pequena como método diagnóstico. A constatação de parasitas no coração direito e na veia cava está associada à alta carga parasitária, com ou sem síndrome da veia cava.
Hipertensão pulmonar crônica grave ocasiona hipertrofia do ventrículo direito, achatamento do septo, subcarga do coração esquerdo e regurgitação de alta velocidade nas valvas pulmonar e tricúspide. Geralmente o ECG de cães infectados
é normal. Notase hipertrofia do ventrículo direito quando há hipertensão pulmonar crônica grave, que está associada a ICC direita iminente ou evidente (ascite). Em geral, arritmias cardíacas são discretas ou ausentes, porém, fibrilação
atrial é uma complicação ocasional em cães com dirofilariose.
O diagnóstico de dirofilariose em gatos baseiase nas informações obtidas na anamnese e nos achados clínicos, no grau de suspeita, em radiografias do tórax, na ecocardiografia e na sorologia. Os gatos podem apresentar teste antigênico
positivo 8 meses após a inoculação de L3. No entanto, os testes antigênicos são considerados muito pouco confiáveis como método de triagem inicial para gatos, pois nesta espécie são comuns infecções por parasitas machos e fêmeas.
Ademais, pode haver infecções brandas com quantidade de fêmeas adultas insuficiente para serem detectadas; alguns gatos podem adoecer e serem examinados antes que se desenvolva antigenemia detectável.
Anticorpos contra dirofilária, produzido por 90% dos gatos infectados, podem surgir 2 a 3 meses após a infecção por L3 e geralmente são constatados até 5 meses depois. No entanto, os anticorpos podem persistir durante vários meses
após a morte do parasita. Além disso, os anticorpos induzidos por larvas podem persistir após o uso profilático de macrolídeos, que são capazes de destruir as formas larvárias iniciais. Portanto, um teste de pesquisa de anticorpo positivo
indica infecção pelo parasita e sugere doença respiratória associada à dirofilariose, mas não necessariamente infecção persistente ou contínua. Em associação com outros achados, o teste sorológico para pesquisa de anticorpo positivo pode
ser útil no diagnóstico de dirofilariose felina. Não há relato de resultado falsopositivo decorrente de reação cruzada. O resultado negativo na pesquisa de anticorpo indica probabilidade de ausência de infecção = 90%. Microfilárias são
raramente detectadas pelo teste de Knott ou de filtração (< 10%). Recomendase triagem anual utilizandose testes de pesquisa de antígeno e de anticorpo em gatos criados em áreas nas quais a dirofilariose é endêmica.
Em gatos, os parasitas geralmente podem ser vistos no exame ecocardiográfico. Linhas hiperecoicas paralelas, que representam a imagem da cutícula da D. immitis, podem ser notadas no coração direito e na artéria pulmonar. Alta carga
parasitária pode estar associada a parasitas no coração direito. Quando realizada por profissional competente, a ecocardiografia é mais importante em gatos do que em cães, em razão da maior dificuldade de diagnóstico e da alta
sensibilidade do exame.
Além dos testes de diagnósticos específicos para cães e gatos indicamse hemograma, perfil bioquímico sérico, urinálise e, particularmente, radiografias do tórax. Com frequência, os resultados de exames laboratoriais são normais.
Eosinofilia e basofilia são achados comuns e, juntas, sugerem dirofilariose subclínica ou doença pulmonar alérgica. O grau de eosinofilia aumenta quando a L5 alcança a artéria pulmonar. Em seguida, a contagem de eosinófilos tornase
variável, mas geralmente alta, em cães com infecção subclínica imunomediada, especialmente quando há pneumonite eosinofílica (< 10% do total de infecções).
Em cães e gatos é possível constatar hiperglobulinemia decorrente do estímulo antigênico. Em cães, a hipoalbuminemia está associada a ICC direita ou glomerulonefrite por deposição de complexo imune grave. Ocasionalmente, notase
aumento de atividade sérica de ALT e fosfatase alcalina, mas não há boa correlação deste achado com disfunção hepática, eficácia do tratamento adulticida ou risco de intoxicação medicamentosa. A urinálise pode revelar proteinúria, a qual
pode ser determinada por método semiquantitativo calculandose a proporção proteína:creatinina da urina. Às vezes, amiloidose ou glomerulonefrite grave pode ocasionar hipoalbuminemia e síndrome nefrótica. Cães com hipoalbuminemia
secundária à doença glomerular também perdem antitrombina III e tornamse predispostos à doença tromboembólica. Hemoglobinúria está associada ao caso clínico de alto risco e ocorre quando as hemácias são lisadas na circulação porta
pela deposição de fibrina. Indicase tratamento com heparina (75100U/kg, SC, 3 vezes/dia). Hemoglobinúria também é um sintoma clássico da síndrome da veia cava.
Em cães, a radiografia do tórax propicia melhor informação sobre a gravidade da doença, sendo considerada bom teste de triagem para cães com sinais clínicos compatíveis com dirofilariose. Infecções de alto risco são caracterizadas por
grande segmento da artéria pulmonar principal e tortuosidade e dilatação das artérias pulmonares do lobo caudal. ?Caso estas últimas apresentem diâmetro = 1,5 vez àquele da nona costela, no ponto de superposição, podese considerar
lesão grave. Também, podese notar aumento do ventrículo direito. Ademais, na doença avançada frequentemente é possível constatar infiltrado parenquimal não delimitado, disperso e de extensão variável ao redor da artéria lobar caudal,
geralmente mais grave no lobo caudal direito. O infiltrado pode melhorar com o confinamento em gaiola, com ou sem o uso de dose antiinflamatória de corticosteroides.
Em gatos, as alterações cardíacas são menos comuns. Em geral, a artéria lobar caudal se apresenta relativamente maior, porém é ainda maior no caso de dirofilariose. Também, é possível constatar infiltrados parenquimais irregulares em
gatos com sintomas respiratórios. Geralmente o segmento da artéria pulmonar principal não é visível em razão de sua localização próxima à linha média.
TRATAMENTO EM CÃES: A avaliação do uso de medicamento préadulticida varia em função do estado clínico do paciente e da probabilidade de coexistência de doenças que podem influenciar na eficácia do tratamento. Devemse obter
informações laboratoriais, seletivamente, para complementar as informações obtidas na anamnese, no exame físico, na pesquisa de antígeno e, geralmente, na radiografia do tórax.
Duas importantes variáveis que sabidamente têm influência direta na ocorrência de complicações tromboembólicas após o uso de droga adulticida e na eficácia do tratamento são a extensão da doença vascular pulmonar concomitante e a
gravidade da infecção. A avaliação da função cardiopulmonar é indispensável para a definição do prognóstico. As complicações tromboembólicas pulmonares pósadulticida são mais prováveis em cães infectados com alta carga parasitária,
que já exibem sinais clínicos e radiográficos de obstrução da artéria pulmonar grave, especialmente na presença de ICC.
Antes de iniciar a terapia adulticida os cães com dirofilariose devem ser avaliados e devese calcular o risco de tromboembolia pósadulticida. Os pacientes podem ser classificados como se segue: 1) baixo risco de complicações
tromboembólicas, baixa carga parasitária e sem evidência de lesão de parênquima e/ou de vaso pulmonar; ou 2) alto risco de complicações tromboembólicas. Cães da primeira categoria devem satisfazer as seguintes condições: nenhum
sinal clínico, radiografia do tórax normal, baixa concentração de antígeno circulante ou teste de pesquisa de antígeno negativo com microfilárias circulantes, ausência de verme no exame ecocardiográfico, ausência de doença concomitante e
capacidade do proprietário de restringir totalmente o exercício do animal. Cães com risco de complicações tromboembólicas são aqueles com sintomas relacionados com a dirofilariose (p. ex., tosse, lipotimia, tumefação abdominal),
anormalidades em radiografias do tórax, alto teor de antígenos circulantes, visualização de parasita na ecocardiografia, doença concomitante e baixa ou nenhuma possibilidade de os proprietários limitarem o exercício.
O único medicamento adulticida disponível para tratamento de dirofilariose é o dihidrocloreto de melarsomina, efetivo contra parasitas maduros (adultos) e jovens, machos e fêmeas. Fazse administração de 2,5 mg de melarsomina/kg,
por via IM profunda, no músculo epaxial (lombar), na altura das vértebras L3L5, utilizandose uma agulha calibre 22 (1 polegada de comprimento, para cães < 10 kg, ou de 1,5 polegada para cães > 10 kg). Aplicase pressão durante a
injeção, mantendoa 1 min após a retirada da agulha, a fim de evitar extravasamento subcutâneo. Repetese o procedimento no lado oposto 24 h depois. Cerca de 1/3 dos cães apresenta, no local da injeção, dor, tumefação, sensibilidade
durante o movimento ou abscesso estéril. Não é incomum a ocorrência de fibrose no sítio de aplicação (sendo esta a razão para indicar a parte ventral da musculatura epaxial). Para reduzir o risco de tromboembolia é altamente
recomendado o tratamento em duas etapas (protocolo com doses alternadas). Neste protocolo, administrase uma única injeção de melarsomina, seguida de duas injeções em intervalo de 24 h, após um período de, pelo menos, 30 dias. Este
protocolo de doses alternadas é recomendado pela American Heartworm Society, independente do estágio da doença ou da categoria de risco.
Cães com alta carga parasitária são predispostos à tromboembolia pulmonar grave, vários dias a 6 semanas após a aplicação do medicamento adulticida. A administração de uma única dose inicial resulta em morte gradativa dos parasitas
(cerca de 50%) e menor risco de complicações pulmonares. Podese reduzir o risco cumulativo de êmbolos parasitários nos pulmões e artérias pulmonares gravemente lesionadas, induzindo inicialmente a morte de alguns parasitas e
completando o tratamento em duas etapas.
Outros protocolos de tratamento recomendam a administração de doses profiláticas de macrolídeos durante 3 meses, antes da aplicação de melarsomina. O objetivo dessa abordagem é eliminar as larvas de D. immitis migrantes
suscetíveis e permitir que larvas não suscetíveis de 2 a 4 meses de idade se desenvolvam até uma idade em que sejam mais suscetíveis à melarsomina.
Após a injeção de melarsomina devese restringir drasticamente a atividade física durante 4 a 6 semanas, com intuito de reduzir o risco de complicações tromboembólicas pulmonares. Devese manter baixo débito cardíaco, a fim de
reduzir a ocorrência de trombose e de lesão endotelial e de facilitar a cicatrização pulmonar. Os efeitos colaterais do uso de melarsomina se limitam à inflamação local, febre baixa transitória e salivação. Raramente se constata intoxicação
hepática e renal.
Pacientes com alto risco devem ter o quadro clínico estabilizado antes da administração de melarsomina. O tratamento de estabilização é variável e inclui confinamento em gaiola, fornecimento de oxigênio, corticosteroides e heparina
(75 a 100U/kg, SC, 3 vezes/dia), 1 semana antes do protocolo de tratamento com doses alternadas de melarsomina.
Pacientes com ICC direita devem ser tratados com furosemida (1 a 2 mg/kg, 2 vezes/dia), baixa dose de inibidor da enzima conversora da angiotensina (ECA), como enalapril (0,25 mg/kg, 2 vezes/dia), possivelmente aumentada para 0,5
mg/kg, 2 vezes/dia, após 1 semana, dependendo dos resultados do teste de função renal) e dieta com baixo teor de sódio. Digoxina, digitoxina e dilatadores arteriolares, como hidralazina e anlodipino, não devem ser administrados. A
digoxina não é efetiva no tratamento de cor pulmonale; dilatadores arteriolares e, ocasionalmente, inibidores da ECA podem causar hipotensão sistêmica.
É possível a ocorrência de complicações tromboembólicas 2 a 30 dias após o tratamento com droga adulticida, sendo mais provável a manifestação de sintomas 14 a 21 dias após a terapia. Dentre os sinais clínicos incluemse tosse,
hemoptise, dispneia, taquipneia, letargia, anorexia e febre. Os achados laboratoriais podem incluir leucograma indicativo de inflamação, trombocitopenia e aumento do tempo de coagulação ativada ou do tempo de protrombina ativada.
Após a injeção podese notar aumento da atividade sérica de CK. É possível a ocorrência de coagulação intravascular local ou disseminada quando a contagem de plaquetas é L < 100.000/μl. O tratamento para tromboembolia grave deve
incluir oxigênio, confinamento em gaiola, dose antiinflamatória de corticosteroide (p. ex., 1 mg de prednisona/kg VO, 1 vez/dia) e baixa dose de heparina (75 a 100U/kg SC, 3 vezes/dia), durante vários dias a 1 semana. A maior parte dos
cães responde ao tratamento dentro de 24 h. É provável que exista lesão pulmonar grave quando não se constata melhora e a pressão de oxigênio permaneça < 70 mmHg 24 h após a oxigenoterapia.
O protocolo terapêutico padrão com melarsomina e o protocolo de tratamento com esta droga em duas fases/alternado elimina a maioria dos parasitas adultos em 50 a 85% dos cães. Em estudo de eficácia controlado contra vermes mais
jovens (4 meses) a taxa foi menor, resultando em apenas 20% dos cães efetivamente livres da infecção. Realiza–se teste de pesquisa de antígeno 6 meses após as duas primeiras doses do protocolo padrão e 6 meses após a terceira dose do
protocolo com doses alternadas. No caso de resultado fortemente positivo ao teste devese realizar novo tratamento (duas injeções com intervalo de 24 h).
O uso prolongado de macrolídeos raramente é uma alternativa ao tratamento com melarsomina porque a morte lenta pode possibilitar que a lesão pulmonar progrida nesse ínterim.
Na síndrome da veia cava é necessária a remoção cirúrgica dos parasitas do átrio direito e do orifício da valva tricúspide, a fim de evitar a morte do cão. Isso pode ser realizado utilizandose anestesia local e sedação leve e uma pinça tipo
jacaré rígida ou flexível ou uma alça de recuperação intravascular introduzida preferencialmente na veia jugular externa direita. Quando há disponibilidade de um fluoroscópio como guia, o instrumento deve ser utilizado até que os parasitas
não possam mais ser recuperados. Imediatamente após um procedimento bemsucedido os sinais clínicos melhoram ou desaparecem. Nos casos críticos pode ser necessária fluidoterapia, permitindo que os cães hipovolêmicos restabeleçam
a hemodinâmica e a função renal. Algumas semanas após a recuperação da cirurgia recomendase quimioterapia adulticida para eliminar possíveis parasitas remanescentes. Devese ter cuidado quando vários deles ainda são vistos no exame
ecocardiográfico.
Tratamento com Microfilaricida: Em doses preventivas específicas os macrolídeos têm ação microfilaricida efetiva, embora não aprovados pela FDA (Food and Drug Administration) para tal propósito. Dependendo do tipo de macrolídeo
utilizado podem ocorrer reações adversas em cães com alta contagem de microfilárias (> 40.000/ml). No entanto, geralmente a contagem de microfilária é baixa e cerca de 10% dos cães manifestam reações adversas discretas. A maior parte
dos efeitos colaterais se limita à defecação e salivação transitória, que iniciam dentro de algumas horas e duram várias horas após a medicação. Cães, especialmente animais pequenos (< 10 kg), que apresentam alta contagem de
microfilárias (> 40.000/ml), podem manifestar taquicardia, taquipneia, palidez de membranas mucosas, letargia, ânsia de vômito, diarreia e até mesmo choque. O tratamento inclui o uso de um corticosteroide solúvel e de solução eletrolítica
balanceada IV. Geralmente a recuperação é rápida quando se institui tratamento imediato. A contagem de microfilárias não é um exame de rotina, sendo raramente esperadas reações graves. O tratamento visa especificamente as
microfilárias circulantes e pode ser iniciado 3 a 4 semanas após a administração do medicamento adulticida. Mais comumente, as microfilárias são eliminadas mesmo em cães não tratados com adulticida, após vários meses de tratamento
com dose profilática de lactonas macrocíclicas. Atualmente não há medicamento microfilaricida aprovado pela FDA; contudo, veterinários licenciados são autorizados a utilizar alguns medicamentos não indicados especificamente para
animais, caso haja uma relação apropriada entre veterinárioproprietáriopaciente. O uso mensal profilático de quimioterápicos para dirofilariose, como microfilaricidas, deve seguir esta regulamentação. As lactonas macrocíclicas são os
microfilaricidas mais seguros e efetivos atualmente disponíveis. Preparações dessas drogas destinadas aos animais pecuários não devem ser utilizadas para se obter doses maiores com o intuito de obter resultados mais rápidos. Recomenda
se um teste para microfilária por ocasião da realização do teste de pesquisa de antígeno (6 meses após o tratamento com medicamento adulticida).
TRATAMENTO EM GATOS: Atualmente não há tratamento satisfatório para infecção por D. immitis em gatos. Com frequência, a infecção é letal e ainda não há um protocolo efetivo e seguro com melarsomina. Desse modo, todos os gatos
criados em regiões endêmicas para dirofilariose canina devem receber medicamento profilático. Nessa espécie animal, provavelmente o ciclo biológico da dirofilária adulta é = 2 anos, sendo possível recuperação espontânea. Os gatos
podem permanecer assintomáticos, manifestar episódios de vômito e/ou crises de dispneia (que lembra asma), morrer subitamente por tromboembolia pulmonar ou, raramente, desenvolver ICC. Cada parasita que morre pode causar
complicações. Não parece haver associação entre presença, ausência ou gravidade de sinais clínicos e a probabilidade de complicações agudas.
Vários gatos são submetidos ao tratamento conservativo com restrição de atividade física e terapia com corticosteroides, como prednisolona (1 a 2 mg/kg VO, em intervalos de 24 a 48 h). Os esteroides reduzem a gravidade do vômito e
dos sinais respiratórios. A esperança é que episódios de complicações pulmonares não se tornem fatais com a morte dos parasitas. Não havendo superinfecção, 25 a 50% dos gatos podem sobreviver com este procedimento terapêutico.
Podem ser realizados testes de pesquisa de antígenos e de anticorpos seriados (com intervalos de 6 meses) com intuito de monitorar o quadro clínico.
Podese tentar a retirada cirúrgica de parasitas do átrio direito, do ventrículo direito e da veia cava, por meio de venotomia jugular, em pacientes com alta carga de parasitas detectada por ecocardiografia. O endoscópico pode ser
introduzido na veia jugular, guiado por fluoroscopia.
PREVENÇÃO: É perfeitamente possível prevenir a infecção por D. immitis mediante o uso profilático de macrolídeos. Aconselhase a prevenção durante o ano todo. Recomendase o início da terapia preventiva em cães com 6 a 8 semanas de
idade. Nessa idade não há necessidade de realização de testes de diagnóstico. Quando é iniciada após 7 meses de idade, recomendase teste de pesquisa de antígeno e teste de pesquisa de microfilaria, seguidos por novo teste para pesquisa
de antígeno 6 a 7 meses depois. Esta série de testes auxilia a evitar demora desnecessária na detecção de infecções subclínicas, bem como confusão potencial quanto à eficácia do programa de prevenção, uma vez que antes do segundo teste
não é possível determinar se a infecção existia antes de iniciar a quimioprofilaxia.
Os macrolídeos de uso preventivo, ivermectina, oxima milbemicina, moxidectina e selamectina, são seguros e efetivos em todas as raças de cães. Ivermectina/pamoato de pirantel (ancilóstomos e nematelmintos) e milbemicina
(ancilóstomos, nematelmintos e nematoides) também propiciam controle de nematoides intestinais. Na dose aprovada, a milbemicina mata rapidamente as microfilárias e caso haja alta população destas formas parasitárias pode ocorrer
choque. Portanto, não se deve administrar milbemicina como um método preventivo em cães infectados com grande quantidade de microfilárias, sem rigoroso monitoramento. A forma injetável da moxidectina é efetiva por, pelo menos, 6
meses após uma injeção; contudo, não é aconselhável o uso em cães com microfilaremia.
Indicase a adoção de medidas preventivas de dirofilariose a todos os gatos que vivem em regiões endêmicas, independente se criados em ambiente interno ou não, em razão do risco de consequências graves. A aplicação de uma dose
mensal de 24 μg de ivermectina/kg VO é segura e efetiva para gatos. Nessa dose, o medicamento também é eficaz contra Ancylostoma tubaeforme e A. braziliense. O tratamento preventivo deve ser iniciado em todos os filhotes com 6
semanas de idade e continuar por toda a vida.
As formulações de selamectina e uma combinação de imidacloprid/moxidectina são indicadas para ambos, cães e gatos. A aplicação de selamectina é tópica, com dose mensal de 6 mg/kg; também mata pulgas adultas e impede a eclosão
de ovos de pulgas por 1 mês. Ademais, é indicada no tratamento e controle de Otodectes cynotis em cães e gatos, sarna sarcóptica, infestações por Dermacentor variabilis, em cães, e por Ancylostoma tubaeforme e Toxocara cati, em gatos.
Uma formulação de uso tópico que combina imidacloprid e moxidectina, na dose de 10 mg de imidacloprid/kg e 1 mg de moxidectina/kg, também é efetiva contra vários ecto e endoparasitas.
Anualmente, recomendase o teste de pesquisa de antígeno, em todos os casos.
DOENÇA DE ALTITUDE ELEVADA EM BOVINOS (“Doença do peito inchado”, “Doença do peito grande”, Hidropisia, Hipertensão pulmonar,
Insuficiência cardíaca congestiva direita)
A doença de altitude elevada em bovinos (DAEB) é caracterizada por tumefação edematosa não contagiosa nos músculos ventral paraesternais (região do peito) em bovinos criados em regiões de altitude elevada (> 1.524 m), nos estados
americanos do Colorado, Wyoming, New Mexico e Utah. Também, acomete bovinos criados em regiões montanhosas em todos os países, mais comumente em altitudes > 1.981 m, no oeste do Canadá e na América do Sul. A DAEB
acomete bovinos de todas as idades e raças, mas não necessariamente de modo equitativo.
A DAEB se deve à hipertensão arterial pulmonar induzida pela hipoxia pulmonar que ocorre em altitudes elevadas. Vasoconstrição arterial pulmonar e hiperplasia pulmonar induzidas por hipoxia reduz o diâmetro das arteríolas
pulmonares, resultando em hipertensão pulmonar e subsequente hipertrofia do ventrículo direito (VD). Sem intervenção para reduzir a hipertensão pulmonar induzida por hipoxia a doença eventualmente progride para insuficiência cardíaca
congestiva direita. Raramente, relatase enfermidade semelhante em ovinos e veados submetidos a estresse intenso e acometidos por parasitismo grave. Etiologicamente, relatase semelhante insuficiência cardíaca associada à hipoxia em
aves domésticas criadas em regiões montanhosas dos Andes e em pessoas residentes em altitudes extremamente altas. A taxa de prevalência em bovinos criados em pastagens, em altitude elevada, é cerca de 3%, variando de 0,5 a 5%;
porém, há relato de taxa tão elevada quanto 65% em um grupo de bezerros geneticamente suscetíveis.
Embora a doença seja estreitamente relacionada com altitude elevada, outros fatores genéticos, fisiológicos, ambientais e tóxicos têm importante papel no desenvolvimento e na progressão da desta enfermidade. Toda doença pulmonar,
aguda ou crônica, que prejudica a função pulmonar pode resultar em hipoxia semelhante àquela verificada na DAEB.
ETIOLOGIA: Embora vários fatores possam contribuir na ocorrência de DAEB, a patogênese está diretamente relacionada com a hipoxia decorrente de altitude elevada. Desvio (shunt) vascular pulmonar é a resposta fisiológica à hipoxia,
sendo notado em todos os animais. Reações marcantes são notadas em bovinos, equinos e suínos; pessoas, cães, porquinhosdaíndia e lhamas respondem com menor intensidade. Tais achados, associados à alta incidência de doença em
bovinos, indicam que são particularmente suscetíveis. O mecanismo de vasoconstrição do shunt é um meio de desviar sangue não oxigenado para áreas dos pulmões ricas em oxigênio e distantes de regiões pouco oxigenadas. O desvio
exagerado em resposta à hipoxia, o padrão anatômico lobulado do pulmão de bovinos e a baixa proporção tamanho do pulmão:peso corporal contribuem para uma grave perda da capacidade funcional dos pulmões.
Inicialmente, o desvio vascular pulmonar é mediado pela constrição de arteríolas pulmonares, na fase aguda da hipoxia. Com exposição prolongada à hipoxia (> 3 semanas), notase hipertrofia e espessamento das camadas adventícia e
média (hipertrofia da camada média) das arteríolas pulmonares. A remodelagem vascular induz à perda de artérias pulmonares periféricas que também contribuem para aumento da resistência pulmonar. Esta combinação de eventos provoca
hipertensão pulmonar importante que ocasiona progressão da doença cardíaca: hipertrofia de ventrículo direito, seguida de sua dilatação e, por fim, ICC direita.
Esta patogênese de shunt vasoconstritivo exagerado, hipertrofia das camadas média e adventícia das artérias e obliteração vascular, resultando em hipertensão pulmonar parece ser característica de alguns bovinos, sendo altamente
hereditária. Alguns bovinos parecem naturalmente mais resistentes a esta enfermidade, dependendo da raça e do próprio indivíduo. Há marcante variação individual e entre espécies quanto ao aumento da resistência vascular pulmonar
induzida por hipoxia. A base genética implicada na ocorrência de DAEB é sustentada pela alta incidência familiar, com acentuada variação na suscetibilidade entre os animais, em relação à raça, espécie e ao próprio indivíduo. Há forte
evidência de que a suscetibilidade de bovinos à hipertensão pulmonar induzida por hipoxia é hereditária.
Além da predisposição genética primária, também pode haver alteração na atividade de quimioceptores ou no metabolismo miocárdico. Doença respiratória bacteriana ou viral aguda pode exacerbar a hipoxia pulmonar em altitudes
elevadas, resultando em início rápido de insuficiência do ventrículo direito.
Vários tipos de pastagens, com e sem brotos, foram associados a aumento da prevalência de DAEB, mas apenas o astrágalo foi experimentalmente comprovado como indutor da enfermidade. Quando consumido por bovinos criados em
altitude elevada, o astrágalo (algumas espécies de Oxytropis e de Astragalus spp que contêm o alcaloide swainsonina) aumenta drasticamente a prevalência e a gravidade da ICC, que se desenvolve de modo relativamente rápido (dentro de
1 ou 2 semanas), podendo a taxa de prevalência chegar a 100%. A swainsonina, a toxina do astrágalo, é excretada no leite, predispondo também os bezerros lactentes à ICC. Com frequência, as vacas intoxicadas por astrágalo abortam e
várias desenvolvem hidropisia de envoltórios fetais, além dos sintomas de DAEB. É provável que a intoxicação por astrágalo contribua diretamente no aumento da hipertensão e da resistência vascular pulmonar; estudos imunoistoquímicos
em microscopia eletrônica revelaram que a intoxicação causa grave edema e vacuolização citoplasmática de macrófagos pulmonares intravasculares e de células endoteliais. O miocárdio também é lesionado pelo astrágalo em razão da
extensa vacuolização das células intersticiais miocárdicas. Por fim, a swainsonina tem efeitos endócrinos e parácrinos sistêmicos devido à alteração do metabolismo de glicoproteína, condição que também podem contribuir na patogênese
da DAEB.
ACHADOS CLÍNICOS: Em geral, os sinais clínicos de ICC do VD relacionados com DAEB se desenvolvem lentamente, ao longo de várias semanas, comumente nas primeiras 3 a 4 semanas após a transferência de bovinos de altitude mais
baixa para altitude elevada. Nestas regiões da América do Norte, onde os bovinos passam o verão e o outono pastejando em altitude elevada e posteriormente retornam para altitude menor no outono, a doença geralmente se manifesta no
final do verão. Em regiões onde os bovinos vivem o ano todo em altitude elevada, a prevalência da doença é maior no final do outono, no inverno e no início da primavera. Períodos de frio intenso ou a influência de outros fatores
fisiológicos ou ambientais (p. ex., prenhez, mudança na alimentação) parecem precipitar o início dos sintomas. No princípio, os animais acometidos manifestam depressão e se mostram relutantes em caminhar. À medida que a doença
progride se desenvolve edema subagudo na região da ponta do peito e este se estende, cranialmente, até o espaço intermandibular e, caudalmente, à parede abdominal ventral. Efusão pleural e ascite geralmente são abundantes. Às vezes,
notamse evidentes dilatação e pulsação da veia jugular. Pode haver diminuição do apetite. É possível notar diarreia fluida profusa em decorrência de hipertensão venosa intestinal. A respiração é laboriosa e os animais podem manifestar
cianose. À medida que a doença avança, os bovinos acometidos tornamse mais relutantes em caminhar e podem adotar posição de decúbito. Quando submetidos a exercício forçado, os animais mais gravemente enfermos podem apresentar
colapso e morrer. Nos estágios terminais, o animal frequentemente apresenta anorexia e decúbito, sendo incapaz de se levantar.
Lesões: Geralmente notase edema generalizado grave, particularmente no tecido subcutâneo ventral, nos músculos esqueléticos, nos tecidos perirrenais, no mesentério e na parede do trato gastrintestinal. Ascite, hidrotórax e hidropericárdio
são achados consistentes. Os fluidos apresentam, como características, baixa celularidade e teor proteico baixo a normal, compatível com transudato secundário à insuficiência cardíaca. As lesões hepáticas, secundárias à congestão passiva
crônica, variam desde a aparência inicial de “nozmoscada” até fibrose vascular e lobular grave. Os pulmões podem apresentar graus variáveis de atelectasia, enfisema intersticial, edema e pneumonia. Notamse acentuadas dilatação e
hipertrofia do ventrículo direito; o deslocamento do ápice cardíaco para a esquerda confere ao coração um contorno aumentado e arredondado. É comum a ocorrência de trombose de artéria pulmonar. Microscopicamente, constatase
hipertrofia da camada média de pequenas artérias e de arteríolas pulmonares.
DIAGNÓSTICO: Não há teste diagnóstico definitivo para DAEB. O diagnóstico pode se basear nos achados clínicos relacionados com a ICC, em bovinos mantidos em altitude elevada. Em geral, a temperatura corporal e o hemograma são
normais, a menos que haja doença inflamatória primária concomitante. No caso de efusão pleural a auscultação torácica pode revelar diminuição da intensidade dos ruídos respiratórios na parte ventral do tórax e abafamento das bulhas
cardíacas. As frequências respiratória e cardíaca geralmente se apresentam aumentadas e podese auscultar um sopro cardíaco sistólico se o aumento do VD resultou em insuficiência de valva atrioventricular direita ou da valva pulmonar.
No estágio final da ICC, frequentemente se detecta ritmo de galope. Embora a dilatação da veia jugular seja um sinal clínico característico, pode ou não ser constatado pulso jugular anormal. As alterações comuns verificadas nos exames
laboratoriais incluem elevação das atividades das enzimas hepáticas, especialmente AST e liditol desidrogenase. Os animais clinicamente acometidos podem apresentar azotemia devido à diminuição da perfusão renal decorrente da
insuficiência cardíaca e à desidratação/hipovolemia.
Devese diferenciar a DAEB de outras causas de ICC, inclusive pericardite, reticulopericardite traumática, linfossarcoma cardíaco, endocardite valvular, miocardite viral ou bacteriana, cardiomiopatia (nutricional, hereditária ou
idiopática), obstrução da artéria pulmonar decorrente de embolia pulmonar, ou hipoxia crônica e cor pulmonale devido à doença pulmonar primária concomitante. Nem sempre se constata edema de peito nos animais com insuficiência
cardíaca congestiva do VD hiperaguda; isto pode resultar em DAEB em bezerros, confundida com pneumonia viral ou bacteriana aguda.
TRATAMENTO E CONTROLE: Os animais acometidos devem ser transferidos para um local de altitude mais baixa, com contenção, estresse e excitação mínimos. O tratamento de suporte, incluindo diuréticos, toracocentese, antibióticos e
estimulantes de apetite tal como vitaminas do complexo B, pode ser benéfico. Toracocentese é o único tratamento que melhora acentuadamente a chance de sobrevivência do animal. Em regiões de altitude elevada podese empregar
oxigenoterapia ou câmara hiperbárica aos pacientes de alto valor. Como pode ocorrer recidiva da doença, os animais enfermos não devem retornar à altitude elevada.
Os bovinos acometidos não devem ser mantidos como reprodutores devido à suscetibilidade hereditária. Devemse tratar as enfermidades concomitantes, incluindo doença respiratória/cardíaca, doença gastrintestinal, parasitose e
intoxicação por plantas. Como a intoxicação por astrágalo tem sido diretamente relacionada com o desenvolvimento de ICC em bovinos, devese minimizar a exposição dos animais suscetíveis a esta planta tóxica, assegurando aos bovinos
forrageiras de boa qualidade. Os animais devem ser transferidos para uma pastagem livre de astrágalo assim que se nota a intoxicação, de modo a prevenir lesão grave e irreversível.
O tratamento de DAEB pode ser oneroso e não compensador; assim, o melhor procedimento é a prevenção. A seleção genética mediante mensurações da pressão arterial pulmonar (PAP) com intuito de selecionar bovinos resistentes aos
efeitos da hipoxia é a maneira mais efetiva de controle de DAEB. Identificação de animais altamente suscetíveis aos efeitos da hipoxia decorrente da altitude (aqueles com mensurações de PAP altas) e a retirada destes bovinos do grupo de
reprodutores são procedimentos práticos para reduzir a prevalência de DAEB no rebanho. A mensuração de PAP envolve a introdução de um cateter de polietileno flexível (diâmetro interno de 1,19 mm e diâmetro externo de 1,7 mm)
através de uma agulha de grande calibre (calibre 12 ou 13, de 3,5 polegadas) introduzida na veia jugular. O cateter é avançado através da veia jugular até o átrio direito, ventrículo direito e, por fim, artéria pulmonar.
Em altitudes de 1.524 m a 2.133 m a PAP média normal deve ser 34 a 41 mmHg. Em bovinos que manifestam sintomas de hipertensão de artéria pulmonar a PAP pode variar de 48 a 213 mmHg. A PAP e a pressão no ventrículo direito
podem ser normais ou subnormais em bovinos em estágio terminal de ICC, em razão da insuficiência do miocárdio. Bovinos com defeito de septo ventricular ou de septo atrial frequentemente apresentam mensurações diastólicas e
sistólicas médias na casa das centenas. Todo animal com PAP > 48 mmHg é considerado suscetível ao desenvolvimento de DAEB e pode ser um carreador genético potencial e não deve ser mantido ou utilizado como reprodutor em regiões
de altitude elevada. Estes animais também devem ser auscultados para verificar se há sopro cardíaco e avaliados quanto à possibilidade de apresentarem defeitos cardíacos congênitos. Em geral, bovinos com mais de 1 ano de idade têm PAP
< 41 mmHg em altitude > 1.524 m e provavelmente mantêm uma PAP aceitável em altitude elevada, sendo bom candidato para ser incluído no grupo de reprodutores, em rebanhos criados nesta altitude. É difícil uma interpretação
consistente de valores de PAP situados entre 41 e 49 mmHg; estes animais devem ser utilizados com cuidado em regiões de altitude elevada.
Vários fatores contribuem para a variação da PAP em bovinos, incluindo raça, sexo, idade, condição corporal, doença concomitante, condições ambientais, altitude e característica genética. Com base em estudo com mais de 200.000
bovinos, parece que nenhum rebanho é resistente aos efeitos da hipoxia decorrente de altitude elevada, embora algumas raças, e linhagens dentro de uma raça, pareçam naturalmente mais resistentes. Não é comum verificar diferença entre
as mensurações de PAP de novilhas e touros em decorrência das práticas de manejo. Com frequência, os touros são estimulados nutricionalmente a crescimento e desenvolvimento muscular mais rápido, fato que pode influenciar a função
pulmonar e originar hipertensão pulmonar. Temse constatado que vacas prenhes apresentam PAP maior do que vacas não prenhes. Sempre deve ser considerada a idade do animal por ocasião da mensuração da PAP, pois há ampla variação
e menor previsibilidade em bovinos com = 1 ano de idade. O exame dos animais aos 16 meses de idade parece mais consistente e confiável na previsão de suscetibilidade à hipertensão pulmonar induzida por altitude elevada. Toda doença
concomitante, em especial enfermidade respiratória, ou qualquer causa de hipoxia pulmonar temporária ou permanente pode influenciar a PAP.
Alguns bovinos parecem mais propensos ao desenvolvimento de ICC direita, enquanto outros são criados em altitude elevada, com PAP elevada e nunca apresentam problema clínico. Embora estes animais não desenvolvam DAEB
clínica, eles podem transmitir a predisposição genética a sua prole. Esta manifestação variável de doença clínica, bem como a variável penetrância do gene, torna a mensuração de PAP um desafio em todas as altitudes e representa
um grande problema em altitudes acima 1.524 m, onde as condições de hipoxia necessárias para estimular uma resposta pulmonar não são suficientes. Não se deve empregar as mensurações de PAP em baixa altitude < 1.524 m como
procedimento de seleção positivo, mas apenas para identificar animais altamente suscetíveis a condições de hipoxia e que apresentam hipertensão mesmo em altitude < 1.524 m. Os bovinos transferidos de um local de baixa altitude para
uma área de altitude elevada deve permanecer nesta altitude por = 3 semanas, antes da mensuração da PAP.
DOENÇA E INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
Doença cardíaca é definida como qualquer anormalidade do coração. Envolve ampla variação de anormalidades, inclusive anomalias congênitas (ver p. 83), bem como alterações fisiológicas e anatômicas de etiologias variadas. Pode ser
classificada com base em vários parâmetros, inclusive constatação ou não da doença ao nascimento (p. ex., congênita ou adquirida), etiologia (p. ex., infecciosa, degenerativa), duração (p. ex., crônica, aguda), quadro clínico (p.
ex., insuficiência cardíaca esquerda, insuficiência cardíaca direita, insuficiência biventricular) e malformação anatômica (p. ex., defeito de septo ventricular).
Insuficiência cardíaca corresponde a qualquer anormalidade cardíaca que resulta na perda da capacidade do coração em bombear sangue em quantidade necessária ao metabolismo tecidual. É uma síndrome clínica na qual ocorre
congestão ou diminuição da perfusão periférica como consequência final da doença cardíaca grave. Pode haver doença do coração sem que haja insuficiência cardíaca. No entanto, notase insuficiência cardíaca apenas quando há doença
cardíaca, pois ela é uma consequência da doença do coração.
DIAGNÓSTICO
Tipicamente, o diagnóstico das doenças cardíacas envolve resenha, anamnese e achados ao exame físico, bem como resultados de exames auxiliares de diagnóstico, como radiografia, eletrocardiografia e ecocardiografia. Ocasionalmente,
são necessários testes mais especializados, como cateterização cardíaca ou estudos nucleares.
Cateterização Cardíaca
A cateterização cardíaca envolve a colocação de cateter especial no coração e nos grandes vasos sanguíneos vizinhos. As indicações para tal procedimento incluem avaliação diagnóstica, por exemplo, quando outros testes diagnósticos não
são capazes de identificar anormalidades cardíacas específicas ou a gravidade de uma lesão, bem como avaliação précirúrgica, intervenção terapêutica e pesquisa clínica. No entanto, a cateterização cardíaca précirúrgica e diagnóstica têm
sido amplamente substituída pela ecocardiografia.
Ecocardiografia
A ecocardiografia, na qual empregase ultrassonografia para avaliar o coração e os grandes vasos proximais, complementa outros procedimentos diagnósticos por quantificar os eventos dinâmicos do ciclo cardíaco. Podese determinar a
dimensão das câmaras cardíacas e das paredes; é possível visualizar a anatomia e a movimentação das valvas; podese calcular o gradiente de pressão, o volume do fluxo sanguíneo, bem como vários parâmetros da função cardíaca. A
ecocardiografia também pode revelar alterações na estrutura do tecido miocárdico indicativa de isquemia e fibrose, bem como delinear tumores, vegetações valvulares, efusão pericárdica e várias outras alterações antigamente vistas apenas
com cateterização cardíaca ou durante a necropsia.
Há três tipos principais de ecocardiografia: bidimensional, modo M e Doppler. A ecocardiografia bidimensional propicia imagens bidimensionais cuneiformes do coração em movimento, em tempo real. Têmse desenvolvido vários
padrões de imagens de eixo longo e de eixo curto, a partir de janelas de padrão de imagem do tórax de cães, gatos, equinos e vacas. A ecocardiografia modo M é obtida por um feixe de ultrassom monodimensional que penetra o coração,
propiciando uma imagem de “gelo picado”. As interfaces teciduais encontradas pelo feixe são registradas no monitor. Tipicamente, esse modo de avaliação é utilizado para determinar as dimensões das câmaras, o espessamento de paredes,
os movimentos valvulares e as dimensões de grandes vasos. Na ecocardiografia Doppler empregase uma técnica que altera a frequência do feixe de ultrassom assim que ele localiza uma hemácia em movimento, com intuito de medir a
velocidade do fluxo e, então, detectar turbulência ou alta velocidade do fluxo sanguíneo. Tal procedimento permite localizar sopros cardíacos.
Eletrocardiograma
Eletrocardiograma é o registro da atividade elétrica do coração a partir da superfície corporal. Pode ser utilizado não apenas para identificar arritmias cardíacas e anormalidades de condução, mas também para verificar aumento da câmara
cardíaca. No entanto, pequenos animais diferem de grandes animais, pois estes últimos têm um coração categoria B (em pequenos animais é categoria A), o qual tem uma população de células de Purkinje intensamente penetrantes. Isto
resulta na redução de complexos na superfície do ECG, prejudicando a capacidade do ECG em detectar com segurança alterações do tamanho do coração. Portanto, a forma de ECG mais comumente empregada em grandes animais é uma
análise do ritmo com base no ápice, na qual as deflexões registradas são muito maiores e o foco do exame é a avaliação do ritmo.
ANORMALIDADES DAS FORMAS DAS ONDAS: Podese detectar aumento da câmara cardíaca pela análise das alterações das formas das ondas. Em cães e gatos, na derivação II o alargamento ou a chanfradura da onda P sugere aumento do átrio
esquerdo, enquanto onda P alta sugere aumento do átrio direito. Ondas R altas nas derivações que tem eletrodo positivo no lado esquerdo do coração (derivações I, II, aVF, CV6LL e CV6LU) são evidências de aumento do ventrículo
esquerdo. Aumento de ventrículo direito é sugerido pela presença de onda S profunda nas mesmas derivações nas quais o eletrodo positivo encontrase posicionado no lado esquerdo do coração ou pela presença de um desvio do eixo à
direita. Alargamento do complexo QRS pode ser notado em pacientes com aumento de ventrículo direito ou esquerdo; no entanto, também pode ser decorrência de anormalidades de condução (ver a seguir). Embora o ECG possa sugerir
aumento da câmara cardíaca, a radiografia torácica e o exame ecocardiográfico são mais sensíveis.
RITMO SINUSAL: No animal normal o nodo sinusal inicia a contração cardíaca, controla a frequência e o ritmo normal do coração, sendo denominado marcapasso cardíaco. O ritmo sinusal normal é um ritmo regular e se origina no nodo
sinusal, indicado no ECG por uma onda P que precede cada complexo QRS normal. A bradicardia sinusal é um ritmo sinusal regular com menor frequência que a esperada para a espécie. Podese notar bradicardia sinusal em pacientes que
recebem dose excessiva de anestesia ou de medicamentos que resultam em aumento do tônus vagal ou redução do tônus simpático (p. ex., xilazina, digoxina), pacientes com hipotermia, hipotireoidismo, síndrome do seio doente ou aumento
do tônus vagal secundário à doença sistêmica, como acontece nas doenças respiratórias, neurológicas, oculares, gastrintestinais ou urinárias. Tipicamente, não é necessário tratamento para bradicardia sinusal, a menos que se constatem
sinais clínicos associados à bradicardia, como fraqueza e colapso. Em cães e gatos podese utilizar atropina (0,04 mg/kg, IV, IM ou SC) para tratamento de bradicardia. Também, devese tratar a causa primária. Taquicardia sinusal
corresponde a um ritmo sinusal regular, com aumento exagerado da frequência. Dentre as causas incluemse estresse (resultando em maior condução simpática), hipertireoidismo, febre, hipovolemia, tamponamento cardíaco, insuficiência
cardíaca ou administração de medicamentos que aumentam a frequência de descarga do nodo sinusal (p. ex., catecolaminas). O tratamento envolve o controle da causa primária.
Arritmia sinusal ocorre como resultado de uma descarga irregular do nodo sinusal associada ao ciclo respiratório. O sítio de formação do impulso continua sendo o nodo sinusal; no entanto, a frequência de estímulo é variável. Arritmia
sinusal é um achado normal em cães e equinos; é anormal em gatos em ambiente hospitalar, embora pareça comum em gatos em seu ambiente domiciliar. Arritmia sinusal é caracterizada por aumento da frequência cardíaca durante a
inspiração e diminuição durante a expiração. A variação no ritmo cardíaco está associada à oscilação da intensidade do tônus vagal. É inibida pela diminuição do tônus vagal resultante de excitação, exercício ou administração de
vagolíticos, como a atropina. Pode estar associada a marcapasso migratório que, no ECG, é caracterizado por ondas P mais altas durante frequências mais rápidas e ondas P mais curtas ou achatadas durante frequências mais lentas.
Ocorre bloqueio sinoatrial quando o impulso do nodo SA não é capaz de se propagar aos tecidos circunvizinhos aos átrios e aos ventrículos. Desse modo, no ECG não se constata onda P ou complexo QRS e o intervalo PP próximo ao
bloqueio do ritmo sinusal é um múltiplo exato do intervalo PP normal. Frequentemente o diagnóstico desta condição é difícil em cães porque nestes animais é comum notar arritmia sinusal, resultando em um intervalo PP variável.
Parada sinusal é provocada pelo retardo na descarga do nodo SA. Isto resulta em bloqueio do ritmo sinusal no qual o intervalo PP próximo ao bloqueio não é múltiplo exato do intervalo PP normal.
Parada sinusal é a ausência de ondas P no ECG por um curto período de tempo (tipicamente é aceito como um bloqueio que excede em duas vezes o intervalo PP normal). A parada sinusal pode ser provocada por pausa ou repouso
prolongado do nodo SA.
Parada atrial é caracterizada pela ausência total de ondas P no ECG e ocorre porque o átrio é incapaz de ser despolarizado pela descarga do nodo SA. Mesmo não tendo onda P, os complexos QRS são mais frequentemente estimulados
pela onda de despolarização que se origina do nodo SA, resultando em um ritmo sinoventricular. Em alguns casos, o ritmo ventricular pode ser variável devido à presença de uma arritmia sinusal concomitante. A frequência cardíaca é
tipicamente baixa (40 a 80 bpm) em cães acometidos, dependendo da causa específica. A etiologia inclui hiperpotassemia (parada atrial transitória), pois a elevação do teor de potássio impede a despolarização do miocárdio atrial;
miocardite; e formas específicas de cardiomiopatia (cardiomiopatia atrioventricular), nas quais o miocárdio atrial é substituído por tecido fibroso (parada atrial persistente). A resolução da hiperpotassemia reverte a parada atrial para um
ritmo sinusal normal.
A síndrome do seio doente é um conjunto de sinais clínicos, inclusive alterações no ECG (parada ou bloqueio sinusal, parada sinusal, complexos de escape juncional ou ventricular e, possivelmente, taquicardia supraventricular) e
fraqueza ou síncope decorrente de bradicardia (mais comum) ou taquicardia (menos comum). Nesta síndrome clínica, o principal problema envolve o nodo SA ou o tecido perinodal; no entanto, outras partes do tecido de condução
especializado do miocárdio, inclusive o nodo AV, podem ser acometidas. Portanto, também é possível notar evidência de bloqueio AV (ver a seguir). É comumente verificada em cães geriátricos, como aqueles das raças Schnauzer miniatura
e Cocker Spaniel. Em geral, para aumentar a frequência cardíaca podese tentar como tratamento inicial o uso de parassimpaticomiméticos (p. ex., 0,25 a 0,5 mg de brometo de propantelina/kg VO, 2 a 3 vezes/dia) ou simpatomiméticos (p.
ex., 10mg, 2 a 3 vezes/dia) ou simpaticomiméticos (p. ex., 10 mg de teofilina de liberação lenta/kg VO, 0,14mg, 2 vezes/dia; 0,14 mg de terbutalina/kg VO, 2 a 3 vezes/dia, em cães), mas frequentemente não são efetivos ou são eficazes
apenas por tempo relativamente curto ou ocasionam reações adversas inaceitáveis. Estes medicamentos também podem agravar as taquiarritmias supraventriculares que podem ser notas na síndrome do seio doente. O tratamento mais
efetivo para bradicardia continua sendo a implantação de marcapasso.
ANORMALIDADES DE CONDUÇÃO: Bloqueio atrioventricular (AV) referese à alteração da condução do impulso dos átrios aos ventrículos. No bloqueio AV de primeiro grau (condução prolongada), o tempo de condução encontrase
aumentado, sendo detectado no ECG como um aumento do intervalo PR. No bloqueio AV de segundo grau (condução intermitente), impulsos ocasionais falham na condução através da junção AV; é caracterizado por ondas P ocasionais não
acompanhadas de complexos QRS. Durante o bloqueio não se constata S1 ou S2, tampouco pulso arterial. Em equinos, a bulha cardíaca associada a contração atrial (S4) é comumente audível e a ocorrência de S4 não seguida de outros ruídos
cardíacos é indicador diagnóstico de bloqueio cardíaco de segundo ou terceiro grau. A bulha S4 também pode ser audível em cães com bloqueio AV de segundo grau, porém isto é muito menos comum. Quando os intervalos PR precedem a
diminuição do batimento progressivamente aumentado, denominase tal condição como bloqueio AV de segundo grau Mobitz tipo I ou fenômeno de Wenckbach. Caso os intervalos PR não se alterem, tal condição é denominada bloqueio
AV de segundo grau Mobitz tipo II.
No bloqueio AV de terceiro grau ou bloqueio cardíaco completo nenhum impulso é conduzido dos átrios para os ventrículos. O ritmo atrial (ondas P) ocorre mais rapidamente e independe do ritmo ventricular (complexos QRS), o qual se
origina em marcapassos auxiliares nos ventrículos. As frequências cardíaca e de pulso são regulares, mas há bradicardia acentuada relativamente irresponsiva aos fatores que normalmente ocasionam aumento da frequência cardíaca (p. ex.,
exercício, excitação, atropina). A diferença entre a duração das contrações atriais e ventriculares resulta em alteração no preenchimento ventricular e consequente alteração na intensidade de S1 (Bruit de Canon) e, possivelmente, na pressão
do pulso arterial. Periodicamente os átrios se contraem, quando o ventrículo encontrase em sístole, resultando em pulsações evidentes das veias jugular (ondas A em canhão).
A importância do bloqueio AV varia entre as espécies. Podese constatar bloqueio AV de primeiro e segundo graus, sem evidência marcante de doença cardíaca. O bloqueio AV de primeiro grau pode ser causado por tônus vagal
excessivo e, geralmente, não é considerado importante em cães e equinos, a menos que haja outras evidências de doença cardíaca ou uma causa patológica de aumento do tônus vagal (p. ex., doença pulmonar ou de SNC). Em todas as
espécies animais o bloqueio AV de segundo grau pode ser indicativo de cardiopatia. No entanto, em equinos o bloqueio Mobitz tipo I é comum, sendo uma resposta fisiológica normal resultante do aumento do tônus vagal. Bloqueio AV de
segundo e terceiro grau (completo) Mobitz tipo II sempre é anormal, em todas as espécies.
O bloqueio AV de segundo e terceiro grau pode ser causado por fibrose, neoplasia, outras lesões de nodo AV, hipoxia, substâncias que aumentam o tônus vagal ou anormalidades eletrolíticas. O principal objetivo do tratamento é corrigir a
causa primária, embora geralmente não seja possível. Com frequência, bloqueio AV de segundo grau de alto grau (várias ondas P não conduzidas) e bloqueio AV de terceiro grau estão associados à intolerância ao exercício ou síncope. O
tratamento com administração oral de teofilina de liberação lenta (10 mg/kg VO, 2 vezes/dia), terbutalina (0,14 mg/kg VO, 2 a 3 vezes/dia, em cães) ou brometo de propantelina (0,25 a 0,5 mg/kg VO, 2 a 3 vezes/dia) às vezes pode ser útil
em animais com bloqueio AV de segundo grau, porém em animais sintomáticos geralmente indicase terapia mais agressiva (implantação de marcapasso). Em geral, bloqueio cardíaco de terceiro grau está associado a lesões irreversíveis; o
único tratamento efetivo é a implantação de marcapasso.
ARRITMIAS: Arritmias podem ser classificadas em bradiarritmias, nas quais a frequência cardíaca é demasiadamente lenta, e taquiarritmias, nas quais a frequência cardíaca é excessivamente rápida. O primeiro tipo inclui bradicardia sinusal,
parada sinusal, bloqueio SA, bloqueio atrioventricular e parada atrial (ver texto anterior). As taquiarritmias podem ser classificadas em supraventriculares e ventriculares, com base no local de origem. Despolarizações supraventriculares
prematuras são despolarizações prematuras que se originam acima dos ventrículos. Também são denominadas despolarizações/complexos atriais prematuros. Os possíveis locais de despolarização ectópica incluem nodo SA, miocárdio atrial
e junção nodal AV supraventricular. No ECG as despolarizações supraventriculares prematuras incluem um complexo QRS que parece relativamente normal, mas que ocorre mais prematuramente do que o próximo complexo QRS normal
esperado. É possível notar onda P de morfologia variável antes ou depois da despolarização supraventricular prematura ou essa onda pode estar oculta no complexo sinusal precedente. Despolarizações supraventriculares prematuras são
mais comumente resultantes de aumento atrial, estresse ou outras causas de aumento da atividade simpática. Taquicardia supraventricular corresponde a uma série de despolarizações supraventriculares prematuras que ocorrem
consecutivamente em um período relativamente longo. Vias acessórias são anormalidades congênitas que permitem uma conexão elétrica entre os átrios e os ventrículos, diferentemente da conexão normal (nodo AV/feixe de His). Essas
vias ou desvios foram detectados em cães e gatos e podem resultar em taquiarritmias supraventriculares. O tratamento pode envolver ablação do desvio por meio de cateter de radiofrequência ou administração oral de medicamentos, como
procainamida, sotalol ou diltiazem.
Flúter atrial é uma arritmia de ocorrência rara, geralmente transitória, que se reverte ao ritmo sinusal ou progride para fibrilação atrial. É causada por uma grande alça circular reentrante no átrio e no ECG caracterizase por um traçado
“denteado” com complexos QRS relativamente normais, que podem aparecer em um ritmo regular ou irregular. A frequência de descarga atrial é tão rápida (geralmente > 400 bpm) que apenas impulsos intermitentes são conduzidos através
do nodo AV devido à capacidade de refração do nodo AV.
Fibrilação atrial corresponde a um ritmo irregular tipicamente rápido e provocado pela despolarização desordenada dos átrios. Como acontece no flúter atrial, o nodo AV é bombardeado por frequentes despolarizações que resultam em
prolongada capacidade refração do nodo AV e não condução da maioria destas despolarizações atriais. No ECG a fibrilação atrial se caracteriza pela ausência de ondas P, uma linha basal ondulosa que pode parecer quase plana (fina) ou
muito irregular (grosseira) e complexos QRS relativamente normais que ocorrem com padrão não identificável (irregularmente irregular). A irregularidade resulta em variação no tempo de preenchimento diastólico dos ventrículos.
Juntamente com a perda da contribuição atrial ao preenchimento, isto causa variação na intensidade das bulhas cardíacas e na amplitude do pulso arterial. Em cães e gatos, a fibrilação atrial quase sempre está associada a cardiopatia
primária. Há exceções notáveis em alguns cães de raças gigantes, como Irish Wolfhound, Scottish Deerhound, Great Dane e outras nas quais o ritmo pode ser notado sem anormalidade do coração (fibrilação atrial primária ou solitária).
O objetivo do tratamento da fibrilação atrial em cães e gatos é o controle da taxa de resposta ventricular (ou seja, a frequência em que os complexo QRS são produzidos pelas ondas de despolarização fibrilatórias) e não a conversão para
ritmo sinusal, pois este ritmo geralmente está associado a doença cardíaca primária. Isto geralmente é realizado com digoxina associada a diltiazem ou um betabloqueador, como o atenolol. Estes medicamentos reduzem a condução no nodo
AV, resultando em menor número de despolarizações atriais que atravessam o nodo AV a chegam ao ventrículo. Também, temse utilizado amiodarona para controlar a taxa de resposta ventricular, porém suas reações adversas (toxicidade
hepática e tireoidiana) limitam seu uso a um tratamento de segunda escolha em animais refratários ao protocolo com digoxina e diltiazem/atenolol. Podese tentar a conversão para ritmo sinusal em cães com fibrilação atrial primária ou
fibrilação atrial recente causada por doença cardíaca. Escolhas farmacológicas atuais incluem quinidina e amiodarona, embora em hospitais–escola a cardioversão de corrente direta tem obtido alguma popularidade.
Em ruminantes a fibrilação atrial é, às vezes, paroxística e em associação com distúrbios gastrintestinais (p. ex., indigestão vagal); também, pode ser persistente e surgir como sequela de cor pulmonale ou de doença cardíaca.
Em equinos, a fibrilação atrial pode ocorrer mais comumente na ausência de cardiopatia primária aparente (fibrilação atrial primária ou solitária) e está associada a alto tônus vagal, normalmente constatado em equinos que mais
provavelmente apresenta alguma predisposição à arritmia. No entanto, também pode ser decorrência de doença cardíaca, como insuficiência mitral, insuficiência aórtica, miocardite, pericardite ou anomalias cardíacas congênitas não
tratadas. Em geral, a frequência cardíaca em repouso situase na faixa normal de variação quando não há doença cardíaca primária, embora tipicamente seja elevada pela doença primária; isto pode auxiliar na identificação da causa da
arritmia durante o exame físico. A maioria dos equinos com fibrilação atrial primária não exibe sinais clínicos em repouso ou após exercício/trabalho moderado; no entanto, exercício ou trabalho mais vigoroso pode resultar em evidência de
débito cardíaco reduzido. Isto pode ser constatado em equinos de corrida que são submetidos à avaliação devido à redução súbita no desempenho durante a corrida. Nesta situação, os sintomas também podem ser decorrências da fibrilação
atrial paroxística, a qual pode ser detectada somente durante o período de exercício. Atualmente, em equinos com fibrilação atrial primária a conversão ao ritmo sinusal com 22 mg de quinidina/kg VO, a cada 2 h, é o tratamento de escolha.
A taxa de êxito para a conversão é maior em equinos com fibrilação atrial de duração mais curta. A chance de sucesso é excelente quando a duração é < 4 meses e relativamente boa se > 4 meses, embora a conversão possa demorar mais e a
ocorrência de intoxicação por quinidina seja mais provável. A maioria dos equinos pode retornar às corridas com êxito após a conversão. Não se indica a conversão para ritmo sinusal em equinos com doença cardíaca primária, em razão da
possibilidade de conversão ou manutenção de ritmo sinusal se a conversão é muito lenta.
Despolarizações ventriculares prematuras se originam de um sítio localizado no miocárdio ventricular ou sistema de condução especializado. No ECG, o complexo QRS geralmente tem aparência ampla e bizarra em comparação com os
complexos QRS normalmente oriundos do seio, ocorrem mais cedo do que o próximo complexo QRS oriundo do seio e não há onda P precedente associada. Mais comumente, estes complexos são decorrências de causas extracardíacas,
como distúrbio eletrolítico, intoxicação aguda, neoplasia (p. ex., hemangiossarcoma esplênico em cães), distensão gástrica (como a verificada na síndrome vólvulo/dilatação gástrica, em cães) ou traumatismo. Também, podem estar
associadas a doenças de miocárdio ventricular como cardiomiopatia dilatada, cardiomiopatia ventricular arritmogênica direita (cardiomiopatia de cães da raça Boxer) e miocardite.
Taquicardia ventricular é a ocorrência de despolarizações ventriculares prematuras sequenciais durante um período de tempo. Podem ser paroxísticas, não sustentadas (4 a 10) ou sustentadas. Fibrilação ventricular se deve à presença de
circuitos microreentrantes no miocárdio ventricular, resultando na ausência de contração ventricular efetiva e, portanto, em ritmo terminal. O ritmo idioventricular acelerado comumente é notado em cães em unidade de terapia intensiva,
secundário à enfermidade ou traumatismo. No ECG, é caracterizada pela presença de ritmo ventricular relativamente baixo (em geral < 120 bpm) associado a dissociação atrioventricular, enquanto o ritmo sinusal é notado quando a
frequência sinusal é mais rápida do que o ritmo ventricular. Na maioria dos animais é considerada uma arritmia benigna. Embora se deva tratar a causa primária, quando necessário, tipicamente a arritmia, por si só, não provoca sinais
clínicos, tampouco necessita terapia específica e se resolve assim que se trata a doença/traumatismo primário.
Exame Físico
Devese realizar exame físico minucioso em qualquer animal com suspeita de doença cardíaca ou que apresentam sintomas que podem ser atribuíveis à cardiopatia. Além da auscultação do tórax, devese realizar palpação para avaliar a
presença de frêmitos (vibrações de baixa frequência que podem ser percebidas com as pontas dos dedos), bem como alterações na intensidade ou localização dos batimentos cardíacos. Auscultação e palpação de pulso, simultaneamente,
também devem ser realizadas. Recomendase inspecionar a cor das membranas mucosas e verificar o tempo de preenchimento capilar, bem como dilatação excessiva e de pulso da veia jugular. Devese verificar se há edema de membros; do
mesmo modo devese pesquisar a presença de ascite. Como há várias causas de ascite, é fundamental o exame das veias jugular toda vez que se constata ascite. Se a causa de ascite é uma cardiopatia necessariamente há dilatação das veias
jugulares porque a efusão abdominal cardiogênica se deve ao aumento da pressão no lado direito do coração. Se há ascite sem dilatação das veias jugulares, devese pesquisar causas extracardíacas.
RUÍDOS CARDÍACOS: Os ruídos cardíacos se devem à rápida aceleração e desaceleração do sangue e das vibrações secundárias no sistema cardiovascular. Quatro ruídos cardíacos podem ser potencialmente auscultados. A primeira bulha
cardíaca (S1) está associada ao fechamento das valvas atrioventriculares (AV) e a segunda bulha (S2) está relacionada com o fechamento das valvas semilunares (aórtica e pulmonar). A terceira bulha (S3) ocorre na diástole e se deve ao
rápido preenchimento ventricular; a quarta bulha (S4) está associada à sístole atrial (contração atrial ou kick atrial). Em equinos, as quatro bulhas podem ser audíveis. Em bovinos, tipicamente apenas S1 e S2 são audíveis embora, às vezes,
seja possível ouvir S3 ou S4. A administração por via intravenosa de fluido em bovinos pode ocasionar reforço de terceira e/ou quarta bulha cardíaca. Em cães, gatos e furões, normalmente S1 e S2 são as únicas bulhas audíveis. Pouco se
conhece sobre isso em caprinos, ovinos e suínos; no entanto, acreditase que apenas S1 e S2 sejam audíveis nessas espécies.
Ritmo de Galope: Ritmo de galope caracterizase pela constatação de S1 e S2 seguidas de um ruído que corresponde à S3 e/ou S4. Este ruído é considerado protodiastólico (S3), présistólico (S4) ou a soma dos ruídos de galope (fusão de S3 e S4).
O ritmo de galope mais comum em cães devese ao reforço de S3 e tipicamente é secundário à dilatação ventricular por doença cardíaca, como cardiomiopatia dilatada, doença valvular degenerativa ou shunt esquerdodireito, como acontece
no caso de persistência de ducto arterioso. Um ruído de galope S4 (présistólico) é causado pela contração atrial empurrando o sangue para um ventrículo com pressão relativamente alta. É notado com mais frequência em gatos com
cardiomiopatia, especialmente cardiomiopatia hipertrófica. Como em gatos a frequência cardíaca comumente excede 160 a 180 batimentos por minuto (bpm), no exame físico é difícil determinar se o ritmo de galope se deve a um ruído de
S3 ou S4. No entanto, o ritmo de galope S3 em um gato é muito menos comum do que o ritmo de galope S4 devido às doenças cardíacas comuns nesta espécie. Estalido (click) sistólico é um ruído agudo curto, frequentemente transitório, que
pode ser notado desde a metade até o final da sístole. Esses estalidos são incomuns em cães e, provavelmente, em outros animais domésticos. No entanto, quando presentes, os estalidos sistólicos são mais comumente notados em cães no
estágio inicial de degeneração mixomatosa da valva mitral com prolapso de uma das cúspides da mitral. Geralmente são únicos, mas podem ser múltiplos e sua intensidade é variável (ou mesmo podem desaparecer completamente),
dependendo da carga cardíaca.
Desdobramento de S1 ou S2: O desdobramento de S1 é causado pelo fechamento desigual das valvas mitral e tricúspide, condição que pode ocorrer quando há contração assincrônica dos ventrículos, como acontece no bloqueio de um ramo do
feixe de His, esquerdo ou direito, no caso de marcapasso cardíaco e de alguns batimentos ventriculares ectópicos. O desdobramento de S1 também pode ser verificado em cães de raças de grande porte saudáveis. O fechamento retardado da
valva pulmonar (em relação à valva aórtica) resulta no desdobramento de S2. Isto pode ser notado em cães (especialmente de raças de grande porte) durante a inspiração; à medida que aumenta a pressão intratorácica negativa aumenta o
preenchimento do ventrículo direito. O desdobramento de S2 é um achado normal em equinos durante a inspiração ou a expiração. O desdobramento anormal de S2 está associado à hipertensão pulmonar, como acontece no enfisema
pulmonar de equinos e na dirofilariose canina. Outras possíveis causas em cães (e possivelmente em outras espécies) são defeito de septo atrial, estenose pulmonar, bloqueio do ramo direito ou esquerdo do feixe de His e batimentos
ventriculares ectópicos originados no ventrículo esquerdo. O fechamento retardado da valva aórtica (desdobramento paradoxal de S2) pode ser notado no bloqueio do ramo esquerdo do feixe de His ou no caso de batimentos ventriculares
ectópicos oriundos do ventrículo direito.
Flúter Diafragmático Sincrônico: O diafragma pode contrair sincronicamente com o coração, originando ruídos de “pancada” altos à auscultação, geralmente, acompanhados de contração evidente do flanco. Essa síndrome se deve ao estímulo do
nervo frênico decorrente de despolarização atrial, sendo notada principalmente quando há grave anormalidade eletrolítica ou ácidobase, em especial hipocalcemia. É mais comum em equinos e cães, sendo frequentemente notado durante
episódios de eclampsia. Nos cães, surge comumente em associação com anormalidades eletrolíticas induzidas por doenças gastrintestinais.
SOPROS: Sopros cardíacos são vibrações audíveis oriundas do coração ou dos grandes vasos sanguíneos, geralmente em decorrência de fluxo sanguíneo turbulento ou de vibrações das estruturas cardíacas como, por exemplo, parte de uma
cúspide valvular ou corda tendínea. Tipicamente, os sopros são classificados de acordo com sua duração, intensidade e localização, mas também podem ser classificados em função da frequência (tonalidade), qualidade (p. ex., musical) e
configuração (p. ex., crescendodecrescendo).
O sopro sistólico ocorre durante a sístole e tipicamente é de ejeção (crescendodecrescendo) ou regurgitante (holossistólico, em platô). O sopro sistólico de ejeção apresenta maior intensidade no meio da sístole e tem formato de diamante
na fonocardiografia. Pode ser decorrência de lesões estenóticas de valvas semilunares (p. ex., estenose pulmonar ou estenose subaórtica). Sopros sistólicos regurgitantes apresentam intensidade constante durante toda a sístole e podem ser
causados por regurgitação mitral ou tricúspide (p. ex., degeneração mixomatosa da valva mitral) ou defeito de septo ventricular. Sopros diastólicos são tipicamente do tipo decrescendo (sua intensidade diminui durante a diástole) e se deve à
insuficiência pulmonar ou aórtica (como aquela causada por endocardite infecciosa da valva aórtica, em cães, ou doença degenerativa, em equinos). Sopros contínuos são mais comumente notados no caso de persistência de ducto arterioso
(uma anomalia cardíaca congênita), sendo constatado durante a sístole e a diástole. Os sopros contínuos variam em intensidade ao longo do tempo, sendo mais intensos no final da ejeção ventricular, diminuindo de intensidade durante
diástole. Um sopro em vaivém é notado em pacientes que têm tanto sopro sistólico quanto sopro diastólico e pode ser constatado em animais com estenose subaórtica e insuficiência aórtica.
Em equinos sem doença cardíaca ou anemia é possível constatar sopro no início da sístole e da diástole. O ponto de intensidade máxima tipicamente situase na base esquerda do coração. Às vezes, equinos jovens saudáveis apresentam
sopro cardíaco curto alto e agudo no início da diástole. Ocasionalmente, notase sopro sistólico em alguns gatos em decorrência do aumento da velocidade do fluxo medioventricular direito, sem doença cardíaca estrutural importante. Sopro
cardíaco inocente também é notado comumente em cães e gatos jovens (< 6 meses de idade) devido ao maior volume de ejeção.
Os sopros cardíacos são classificados da seguinte maneira: grau I – sopro de menor intensidade que pode ser audível apenas durante a auscultação em ambiente silencioso; grau II – sopro débil, facilmente audível, restrito a um
determinado local; grau III – sopro imediatamente audível no início da auscultação; grau IV – sopro alto imediatamente audível no início da auscultação, mas não é acompanhado de frêmito; grau V – sopro muito alto com frêmito palpável;
ou grau VI – sopro extremamente alto que pode ser ouvido mesmo quando se afasta o estetoscópio da parede torácica.
ARRITMIAS: As arritmias são anormalidades de frequência, regularidade ou local de formação do impulso cardíaco e são audíveis durante a auscultação. Outros termos como disritmia e ritmo ectópico também são empregados para
descrever as arritmias. A presença de arritmia cardíaca não indica necessariamente que há doença cardíaca; várias arritmias cardíacas não têm importância clínica, tampouco necessitam tratamento específico. Contudo, algumas arritmias
podem causar sintomas graves, como síncope e morte súbita. Vários distúrbios sistêmicos podem estar associados a ritmo cardíaco anormal (ver p. 111).
PULSO: O pulso corresponde a uma expansão rítmica de uma artéria que pode ser palpada (ou visualizada) durante o exame físico. Fisiologicamente, a pressão do pulso é a diferença entre as pressões sistólica e diastólica sistêmicas. Em cães
e gatos, o pulso é tipicamente palpado na artéria femoral. Déficit de pulso significa ausência de pulso, embora na auscultação notese batimento cardíaco; é detectado durante auscultação e palpação de pulso, simultaneamente. Ocorrem em
decorrência de contrações ventriculares ectópicas (arritmias) que surgem tão prematuramente que não é possível o preenchimento suficiente dos ventrículos, resultando em menor ejeção de sangue e consequente pulso fraco ou ausência de
pulso. Pulso forte (aumento da pressão do pulso) geralmente está associado à diminuição da pressão do pulso e pode ser constatado em pacientes com insuficiência aórtica ou persistência de ducto arterioso. Pulso fraco (diminuição da
pressão do pulso) geralmente se deve à diminuição da pressão sistólica e pode ser detectado em caso de disfunção sistólica, tamponamento pericárdico ou estenose subaórtica.
Cães com estenose subaórtica grave podem ter aumento lento da pressão do pulso durante a sístole ventricular, com pressão máxima no final da sístole; a esta condição denominase pulsus parvus et tardus. Pulso paradoxo corresponde à
diminuição da pressão do pulso durante a inspiração e aumento durante a expiração. É um achado normal em animais, mas geralmente é muito sutil para ser constatado no exame físico. Contudo, em pacientes com efusão pericárdica e
tamponamento cardíaco essa ocorrência é mais evidente. Pulso alternante é um pulso que se alterna entre forte e fraco quando o paciente apresenta ritmo sinusal; pode ser notado (ainda que raramente) em pacientes com insuficiência
miocárdica ou taquiarritmias. Pulso bigeminal é um pulso que se alterna em forte e fraco, causado por uma arritmia, como bigeminia ventricular. Tipicamente, o pulso mais fraco (durante contração ventricular prematura) é mais breve do
que o pulso mais forte.
Podese notar pulso na veia jugular em animais normais. Normalmente, esse pulso não se estende além de um terço da distância até o pescoço, em um animal em pé.
RUÍDOS RESPIRATÓRIOS: Edema pulmonar pode ser secundário à ICC. No exame físico se manifesta na forma de crepitações ou estertores e sibilos respiratórios. Pacientes em tal situação também podem manifestar dispneia e taquipneia.
Comumente há diminuição no movimento de ar durante a auscultação torácica em pacientes que desenvolveram efusão pleural em decorrência de doença cardíaca. Isto resulta em diminuição dos ruídos respiratórios, em especial
ventralmente. No entanto, doenças respiratórias ou efusão pleural secundária a outra doença também pode induzir esses sinais clínicos.
ASCITE: A distensão abdominal pode ser decorrente da presença de gás, tecido mole ou acúmulo de fluido. Pacientes com doença cardíaca e insuficiência cardíaca direita (p. ex., aquela causada por dirofilariose, displasia da valva tricúspide,
tamponamento cardíaco) podem desenvolver ascite. Nestas circunstâncias, a ascite está associada à distensão da veia jugular.
Histórico Clínico e Resenha
Em pacientes com suspeita de doença cardíaca, a resenha (idade, raça, sexo) auxilia na elaboração de uma lista de diagnóstico diferencial. A resenha influencia a importância relativa de possíveis cardiopatias (p. ex., endocardite é rara em
gatos, mas é comum em vacas e equinos), bem como algumas anormalidades específicas (p. ex., predisposição racial a determinadas anomalias congênitas).
Os animais que apresentam doença cardíaca podem ser assintomáticos ou ter um histórico de intolerância a exercício, fraqueza, dispneia, taquipneia, distensão abdominal (devido à ascite), síncope (desmaio), cianose ou anorexia e perda
de peso. Outras informações do histórico clínico são mais espécieespecíficos, como edema periférico ou ventral (equinos e vacas). Gatos cardiopatas raramente apresentam tosse e, mais comumente, tem histórico de dispneia (que pode ser
discreta e passar despercebida pelo proprietário) e anorexia. Ao contrário, cães com ICC comumente manifestam tosse e dispneia como queixas no momento da consulta.
Radiografia
Radiografias do tórax frequentemente fornecem informações valiosas para avaliação de pacientes com suspeita de doença cardíaca. No entanto, raramente se realiza radiografia torácica em equinos e vacas devido ao seu grande tamanho e
conformação corporal, que prejudica a qualidade da imagem. A constatação de cardiomegalia generalizada ou aumento de câmara cardíaca específica torna mais provável o diagnóstico de doença cardíaca podendo fornecer, adicionalmente,
informações sobre a presença de uma doença específica. Edema pulmonar cardiogênico é um achado comum em pacientes com ICC e está associado à congestão venosa pulmonar; efusão pleural também pode ser notada, mas isto
tipicamente indica insuficiência biventricular, exceto em gatos, nos quais é possível notar ICC esquerda. A constatação de resolução dessas anormalidades na reavaliação de radiografias torácicas pode ser indicativa de eficácia do
tratamento. A presença de edema pulmonar não confirma definitivamente sua origem cardiogênica, tampouco exclui outra causa, como doença pulmonar. Ademais, o tamanho do coração pode ser avaliado utilizando a escala ou escore
vertebral. Isto é mais comumente feito utilizando a imagem lateral do tórax. O diâmetro máximo do contorno cardíaco é medido da posição cranial a caudal, bem como a distância da carina até o ápice do contorno cardíaco (dorsal a
ventral). Estas medidas são juntadas e mensuradas com base nos corpos vertebrais torácicos e, assim, são normalizados para o tamanho do animal. Os corpos vertebrais são mensurados a partir da quarta vértebra torácica, em sentido caudal.
A variação normal é de 8,5 a 10,5 corpos vertebrais, em cães, e 6,9 a 8,1 em gatos.
DOENÇAS ESPECÍFICAS
Cardiomiopatias
Cardiomiopatia é definida como qualquer doença que envolve primária e predominantemente o músculo cardíaco. A maioria das cardiomiopatias que acometem animais são doenças idiopáticas, não resultantes de qualquer doença cardíaca
sistêmica ou primária. Em animais (especialmente em cães e gatos) são classificadas como cardiomiopatia dilatada, hipertrófica, arritmogênica do ventrículo direito e restritiva, ou não classificada. Caso seja identificada uma doença como
causa de disfunção do miocárdio a enfermidade é mais corretamente denominada doença miocárdica secundária ou um termo descritivo acompanha a palavra cardiomiopatia (p. ex., cardiomiopatia dilatada responsiva à taurina).
CARDIOMIOPATIA DILATADA (CMD): Essa doença adquirida de causa desconhecida caracterizase por perda progressiva da contratilidade cardíaca; em medicina humana esta definição está sendo modificada, pois mutações genéticas estão
sendo identificadas como causa de CMD. Há várias formas de cardiomiopatia dilatada secundária (p. ex., deficiência de taurina, em gatos; induzida por doxorrubicina ou parvovírus, em cães). Em cães, a cardiomiopatia dilatada apresenta
uma fase subclínica prolongada, com sintomas evidentes por um período relativamente curto. Durante a fase subclínica os mecanismos de compensação, principalmente hipertrofia excêntrica ou sobrecarga de volume, mantêm a
hemodinâmica normal. Com a perda progressiva da função contrátil do coração, o débito cardíaco e, então, o fluxo sanguíneo renal diminui e novamente se normaliza quando a retenção renal de sódio e água aumenta o volume de sangue e
o retorno venoso e o ventrículo acometido é estimulado a aumentar. Após um benefício inicial, a maior ativação do sistema nervoso simpático e do SRAA causa efeitos prejudiciais no estágio final da doença (ver p. 134). O estímulo
excessivo do miocárdio pelo sistema nervoso simpático pode predispor a ocorrência de arritmias ventriculares e morte de miócitos, enquanto a ativação excessiva do SRAA ocasiona vasoconstrição excessiva e retenção de sódio e água.
A cardiomiopatia dilatada é uma das mais prevalentes doenças cardíacas adquiridas em cães, somente superada pela doença valvular degenerativa; em alguns países a dirofilariose é a principal causa cardiovascular de morbidade e
mortalidade. Os cães de raças grandes são mais comumente acometidos, sendo os de raças pequenas menos afetados (com raras exceções, como os cães das raças American Cocker Spaniel, Springer Spaniel e English Cocker Spaniel).
Dentre os cães de raças grandes os mais suscetíveis são Dobermann Pinscher, Boxer, Great Dane, Pastor Alemão, Irish Wolfhound, Scottish Deerhound, Newfoundland Retriever, São Bernardo e Labrador Retriever. Tipicamente, a doença
acomete cães de meiaidade ou mais velhos; os machos são mais suscetíveis ou mais gravemente acometidos do que as fêmeas. Em gatos, a prevalência diminuiu drasticamente a partir de 1987, quando se constatou que a deficiência de
taurina era responsável pela maioria dos casos (cardiomiopatia responsiva à taurina). Desde então, em todas as rações comerciais para gatos adicionase taurina. Atualmente, a maioria dos casos não é responsiva à taurina e envolve doença
primária (ou idiopática), embora ocasionalmente a doença seja notada em gatos alimentados com dietas não comerciais (p. ex., vegetariana, alimento infantil, alimento caseiro).
Cães da raça Dobermann Pinscher desenvolvem arritmias ventriculares progressivas e simultâneas, juntamente com disfunção sistólica. Pode ocorrer colapso e morte súbita em até 20% dos cães da raça Dobermann Pinscher e,
eventualmente, notamse sintomas de insuficiência cardíaca esquerda. A maioria dos cães Dobermann Pinscher apresenta evidência de insuficiência miocárdica por ocasião dos episódios de síncope. Em outras raças, como Great Dane e
Newfoundland, é menos provável a ocorrência de morte súbita e colapso. Os sintomas de insuficiência cardíaca esquerda, inclusive taquipneia e dispneia devido ao edema pulmonar, fraqueza e intolerância ao exercício, geralmente
predominam, mas com frequência também há sintomas de insuficiência cardíaca direita (ascite). É possível notar efusão pleural, mais comumente em cães com ambas, insuficiência cardíaca direita e esquerda. Em um estudo notouse ascite
em 35% dos cães da raça Newfoundland com cardiomiopatia dilatada. Gatos com cardiomiopatia dilatada tipicamente são levados à consulta com sintomas respiratórios graves devido ao edema pulmonar ou efusão pleural e os sinais
clínicos frequentemente são de rápida progressão e refratários ao tratamento.
Normalmente, notase sopro sistólico de baixo grau, melhor audível no ápice cardíaco esquerdo. Com frequência, notase também terceira bulha cardíaca ou ritmo de galope, especialmente em gatos. Este achado é discreto em cães, mas
frequentemente evidente em gatos. É possível constatar pulso femoral fraco e arritmia associada a déficit de pulso. A arritmia é mais comumente causada por ectopia ventricular, em animais da raça Dobermann Pinscher, e fibrilação atrial,
em cães de raças gigantes. Dependendo do tipo da insuficiência cardíaca podese notar ascite, dispneia ou tosse.
O perfil sanguíneo pode indicar azotemia prérenal (aumento dos valores de BUN, creatinina). As radiografias de tórax tipicamente revelam cardiomegalia moderada a marcante. Quando há insuficiência cardíaca notamse edema
pulmonar evidente e aumento moderado a evidente do átrio esquerdo. A ecocardiografia é o exame ideal para definição do diagnóstico de cardiomiopatia dilatada. Em cães com cardiomiopatia dilatada grave e insuficiência cardíaca ocorre
drástica diminuição da fração de encurtamento do ventrículo esquerdo provocada pelo aumento do diâmetro sistólico final do ventrículo esquerdo. As câmaras cardíacas, especialmente átrio e ventrículo esquerdos, apresentamse dilatados.
Tipicamente, instalase insuficiência da mitral, pois a progressiva dilatação da câmara cardíaca do ventrículo esquerdo resulta em separação das cúspides valvulares. Os achados anormais do ECG podem incluir complexos ventriculares
prematuros e taquicardia ventricular (especialmente em cães das raças Dobermann Pinscher e Boxer), fibrilação atrial (geralmente em raças gigantes). Pode haver evidência eletrocardiográfica de aumento de átrio esquerdo (alargamento de
ondas P e P mitral) e aumento de ventrículo esquerdo (ondas R altas e largas). A ocorrência de complexos ventriculares prematuros no ECG de rotina em cães das raças Dobermann Pinscher e Boxer aparentemente saudáveis é altamente
sugestiva de cardiomiopatia.
O tratamento objetiva controlar a insuficiência cardíaca congestiva (p. ex., com diuréticos), melhorar a contratilidade (p. ex., com pimobendana) e minimizar os efeitos colaterais da angiotensina II e outras alterações neurohormonais (p.
ex., inibidores da ECA). Insuficiência miocárdica responsiva à taurina acomete algumas raças de cães, particularmente American Cocker Spaniel, e há relato casual em alguns cães das raças Golden Retriever, Dálmata, Welsh Corgis,
Tibetan Terrier e em outras raças. Em várias dessas raças é possível detectar deficiência de taurina por meios da constatação de baixo teor plasmático ou sanguíneo dessa substância. A resposta à suplementação com taurina (que pode
demorar 2 a 4 meses) pode ser dramática, muitas vezes sendo desnecessário o uso de outros medicamentos para doença cardíaca. Cardiomiopatia responsiva à carnitina, embora relatada, é rara. A suplementação com coenzima Q10 é uma
tentativa não comprovada e alguns clínicos consideram tal procedimento irracional. Em pacientes com cardiomiopatia dilatada o fornecimento de óleo de peixe pode reduzir a gravidade da caquexia cardíaca.
A ICC, que pode ser grave, deve ser tratada conforme mencionado em insuficiência cardíaca, (ver p. 131). À medida que o edema pulmonar regride podese administrar furosemida VO, mantendose oxigênio até que ocorra estabilização
do quadro clínico. Deve–se iniciar o uso de pimobendana e de um inibidor da ECA (p. ex., enalapril, benazepril). Com frequência, indicase terapia antiarrítmica, especialmente para cães Dobermann Pinscher que apresentam arritmias
ventriculares graves. O monitoramento com Holter é o procedimento ideal para avaliar a gravidade das arritmias e a eficácia terapêutica. A mexiletina também é útil em pacientes com arritmias ventriculares simultâneas à insuficiência
cardíaca, pois seu efeito inotrópico negativo é menor do que aquele do sotalol (1 a 3 mg/kg, 2 vezes/dia). Amiodarona pode ser um medicamento mais efetivo do que a mexiletina na prevenção de morte súbita em cães da raça Dobermann
Pinscher, mas seu uso está associado a ocorrência relativamente alta de hepatotoxicidade nesta raça.
Em gatos com cardiomiopatia dilatada (não responsiva à taurina) o prognóstico é ruim, com sobrevida média de 2 semanas. Gatos que apresentam cardiomiopatia responsiva à taurina também apresentam alto risco de morte. Entretanto,
pacientes que se mantêm vivos em tempo suficiente para a ação da suplementação com taurina (2 a 3 semanas) têm prognóstico excelente. Cães que respondem à suplementação com taurina ou carnitina também têm prognóstico reservado a
bom, assim que os sintomas de ICC cessam. O prognóstico é desfavorável na maioria dos cães Dobermann Pinscher; cerca de 25% dos animais morrem dentro de 2 semanas após a manifestação clínica de insuficiência cardíaca; 65%
morrem dentro de 8 semanas. Aparentemente, o uso de pimobendana prolonga a sobrevida, às vezes, de modo significativo (meses). Em outras raças o prognóstico é melhor, mas continua sendo reservado; 75% morrem dentro de 6 meses
após o diagnóstico. Como esperado, em cães com insuficiência cardíaca grave, particularmente ICC esquerda, o prognóstico é pior do que naqueles que manifestam sintomas mais brandos ou sintomas de ICC direita, por ocasião da
consulta.
CARDIOMIOPATIA DO VENTRÍCULO DIREITO ARRITMOGÊNICA (CVDA): Este tipo de cardiomiopatia é verificada em cães da raça Boxer; também é denominada cardiomiopatia do Boxer. Raramente acomete gatos. A cardiomiopatia do
ventrículo direito arritmogênica é caracterizada por infiltrado gorduroso ou fibrogorduroso no miocárdio do ventrículo direito. Em cães da raça Boxer a manifestação mais comum da doença é síncope, ocasionada por taquicardia ventricular
muito rápida (> 400 bpm) não sustentada. Para o animal tornarse inconsciente deve haver 6 a 8 segundos sem fluxo sanguíneo ao cérebro; assim, a taquicardia deve durar este tempo para que ocorra síncope. O diagnóstico se baseia na
quantidade de complexos ventriculares prematuros (CVP) no monitoramento com Holter (valor > 100 CVP em 24 h geralmente é considerado diagnóstico para CVDA). Os complexos QRS do CVP geralmente são perpendiculares nas
derivações onde os complexos QRS geralmente também são perpendiculares, o que significa que se originam do ventrículo direito. A maioria dos cães da raça Boxer com CVDA parece ter coração normal, no ECG, embora alguns
desenvolvam uma verdadeira cardiomiopatia dilatada e manifestam insuficiência cardíaca. Cães da raça Boxer levados à consulta por apresentarem síncope sem cardiomiopatia dilatada são tratados com sotalol (1 a 3 mg/kg, 2 ou com a
combinação de mexiletina (5 a 10 mg/kg, 3 vezes/dia) e atenolol (12,5 a 25 mg/cães, 2 vezes/dia). Em cães refratários ao sotalol podese adicionar mexiletina ao tratamento. O prognóstico em cães com CVDA que não apresentam
cardiomiopatia dilatada frequentemente é bom; muitos deles vivem vários anos sob terapia antiarritmogênica. O prognóstico a longo prazo para cães com cardiomiopatia dilatada com insuficiência cardíaca congestiva é desfavorável. A
maioria deles vive apenas alguns meses.
Nos gatos a doença geralmente se manifesta como aumento do ventrículo e do átrio direito e insuficiência cardíaca direita, juntamente com taquiarritmias supraventricular e ventricular. Em gatos acometidos há relato de dispneia e
taquipneia, além de sintomas inespecíficos, como anorexia e letargia. O tratamento é semelhante àquele mencionado para cardiomiopatia dilatada. Em geral, o prognóstico é desfavorável.
CARDIOMIOPATIA HIPERTRÓFICA: A cardiomiopatia hipertrófica caracterizase por hipertrofia (ou seja, espessamento das paredes) concêntrica primária do ventrículo esquerdo causada mais por uma anormalidade inata do miocárdio do que
por sobrecarga de pressão (como aquela induzida por estenose aórtica), estímulo hormonal (como o causado por hipertireoidismo ou acromegalia) ou outras doenças extracardíacas. Aumento do músculo papilar é uma característica
consistente da doença em gatos. Nas pessoas, a cardiomiopatia hipertrófica é causada por mutações de vários genes sarcoméricos. Foram detectadas mutações em um gene sarcomérico, a miosina cardíaca ligada o gene C, em gatos das
raças Maine Coon e Ragdoll. Acreditase que estas mutações resultem na produção de sarcômeros anormais nos miócitos. O miocárdio, então, produz novos sarcômeros para auxiliar àqueles anormais, resultando em hipertrofia, que pode
ser discreta a grave. Hipertrofia grave frequentemente é acompanhada de necrose celular e resultante fibrose de reposição (cicatriz miocárdica).
O aumento da fibrose associada a grave espessamento da parede origina um ventrículo esquerdo com mais rigidez que o normal durante a diástole, o que aumenta a pressão diastólica em qualquer volume diastólico. O aumento da pressão
é transmitido de volta ao átrio esquerdo na diástole, resultando em aumento do átrio esquerdo e, se grave o suficiente, em insuficiência cardíaca esquerda. Em gatos, a insuficiência cardíaca esquerda se manifesta como edema pulmonar e
efusão pleural. A contratilidade miocárdica é normal, mas o diâmetro sistólico final do ventrículo esquerdo geralmente é menor do que o normal, às vezes, zero (obliteração da cavidade ao final da sístole) devido ao aumento do parede
espessada, resultando em diminuição da força sistólica da parede (ou seja, póscarga). Pode ocorrer grave aumento do átrio esquerdo, tornando o fluxo estagnado. Isto pode induzir à formação de trombo no átrio esquerdo, com risco de
tromboembolia sistêmica.
Deslocamento cranial da cúspide da valva mitral anterior durante a sístole ventricular, uma condição denominada movimento sistólico anterior da valva mitral é um achado comum em gatos com cardiomiopatia hipertrófica e se deve ao
aumento acentuado dos músculos papilares, que arrasta a cúspide da valva mitral no fluxo do ventrículo esquerdo, durante a sístole. Isso produz dois jatos turbulentos – um da estenose subaórtica dinâmica e outro da regurgitação da mitral.
Movimento sistólico anterior é a causa mais comum de sopro cardíaco em gato com cardiomiopatia hipertrófica. No exame patológico macroscópico notase aumento do peso do coração (> 20 g), maior espessamento da parede do
ventrículo esquerdo, hipertrofia do músculo papilar e, frequentemente, aumento do átrio esquerdo.
A cardiomiopatia hipertrófica é a doença cardíaca primária mais comumente diagnosticada em gatos; é rara em cães. É uma doença familiar em algumas raças de gatos, inclusive Persa, Sphynx, Norwegian Forest Cat, Bengal, Turkish
Van e American e British Shorthair. Acreditase que o modo de herança nas raças Maine Coon e Ragdoll é autossômico dominante. A doença acomete gatos com 3 meses a 17 anos de idade, com maior prevalência em animais de meia
idade. Não está presente ao nascimento, mas se desenvolve ao longo do tempo. Em geral, a penetrância é < 100%. Gatos machos e fêmeas são igualmente predispostos, mas os machos tendem a desenvolver doença mais grave em uma
idade mais precoce. Nas raças Maine Coon e Ragdoll, os gatos homozigotos para a mutação frequentemente desenvolvem cardiomiopatia hipertrófica mais cedo (comumente antes de 1 ano de idade) e com frequência manifestam uma
forma mais grave da doença.
Vários gatos acometidos podem ser assintomáticos, especialmente aqueles com doença discreta a moderada. Os gatos portadores de doença grave também podem não manifestar sinais clínicos, mas geralmente desenvolvem insuficiência
cardíaca esquerda, tromboembolia sistêmica ou morte súbita. Gatos com insuficiência cardíaca podem exibir taquipneia e dispneia secundária a edema pulmonar ou efusão pleural. Pacientes com tromboembolia sistêmica mais comumente
apresentam início agudo de paresia/paralisia de membros pélvicos associada à dor aguda, ausência de pulso e poiquilotermia. É incomum a ocorrência de tosse em gatos com insuficiência cardíaca.
Com frequência, o exame físico revela ruídos cardíacos anormais, inclusive sopros cardíacos sistólicos discretos a evidentes e ritmo de galope. Geralmente o sopro é dinâmico e sua intensidade aumenta com a excitação. Pelo menos um
terço dos gatos com cardiomiopatia hipertrófica não apresentam sopro. A exacerbação dos ruídos respiratórios pode sugerir edema pulmonar, enquanto sua diminuição pode indicar efusão pleural. Na tromboembolia aórtica distal o pulso
pode ser normal, fraco ou ausente. No exame radiográfico podese constatar aumento evidente do átrio esquerdo e aumento variável do ventrículo esquerdo. Com frequência, o contorno cardíaco parece relativamente normal, mesmo quando
há hipertrofia moderada do ventrículo esquerdo. A ecocardiografia permite confirmar o diagnóstico e avaliar a necessidade de tratamento adicional (p. ex., anticoagulantes são mais benéficos aos gatos com grave aumento de átrio
esquerdo). Notase espessamento (generalizado ou local) da parede do ventrículo esquerdo, juntamente com hipertrofia do músculo papilar. Podese constatar movimento sistólico anterior da valva mitral. Dentre as anormalidades do ECG
podemse incluir complexos supraventriculares prematuros, complexos ventriculares prematuros e taquicardia ventricular. No caso de aumento significativo do átrio pode ocorre fibrilação atrial. É possível notar desvio do eixo elétrico. No
entanto, vários gatos com cardiomiopatia hipertrófica apresentam ECG normal. Notase aumento da concentração plasmática de NTproBNP (um produto da clivagem da proteína precursora do peptídio natriurético tipo B, utilizado no
diagnóstico de insuficiência cardíaca) em gatos com doença grave e, especialmente, naqueles com insuficiência cardíaca, porém não naqueles com doença discreta a moderada (ver p. 132).
O tratamento objetiva controlar os sintomas de ICC, melhorar a função diastólica e minimizar o risco de tromboembolia sistêmica. Na ICC aguda devese administrar furosemida e oxigênio. Na insuficiência cardíaca crônica indicase
furosemida e um inibidor da ECA, por exemplo, enalapril (0,5 mg/kg VO, 1 vez/dia). Para gatos que não apresentam insuficiência cardíaca, nenhuma estratégia medicamentosa se mostrou capaz de modificar a progressão natural da doença.
Diltiazem (7,5 mg VO, 3 vezes/dia), um bloqueador de canal de cálcio, pode melhorar a função diastólica, mas seus efeitos geralmente são insignificantes e está em desuso. Também, podem ser utilizados betabloqueadores, como atenolol
(6,25 a 12,5 mg VO, 1 a 2 vezes/dia) ou propranolol. Em pacientes humanos com cardiomiopatia hipertrófica notase melhora nas crises de angina, na dispneia e na intolerância ao exercício, quando tratados com betabloqueadores. Os gatos
raramente se exercitam e, assim, estas indicações não se aplicam a eles. No entanto, o betabloqueador reduz o movimento sistólico anterior da valva mitral e deve ser empregado quando esta anormalidade é grave (gradiente de pressão
através da estenose subaórtica dinâmica é > 80 mmHg). Os inibidores da ECA não são benéficos antes do início da insuficiência cardíaca.
A prevenção de formação de trombos e de tromboembolia sistêmica comumente é o objetivo, porém a eficácia dos medicamento não foi bem documentada. O ácido acetilsalicílico (80 mg VO, em intervalos de 3 dias) não é efetiva.
Varfarina (0,2 a 0,5 mg VO, 1 vez/dia) provavelmente também não é efetiva e induz algum sangramento em gatos. Clopidogrel (18,75 mg/gato/dia) ainda está sendo pesquisada. Clopidogrel associado ao ácido acetilsalicílico é uma
estratégia terapêutica comum em pacientes humanos. Heparina de baixo peso molecular, como enoxaparina (1 mg/kg, 2 vezes/dia), pode ser efetiva, mas seu custo é alto e deve ser administrada por via parenteral.
O prognóstico de gatos com cardiomiopatia hipertrófica é muito variável. Vários gatos discretamente acometidos apresentam prognóstico bom. O prognóstico de gatos com ICC é desfavorável, com sobrevida média de 3 meses. No
entanto, até 20% dos animais que apresentam ICC sobrevivem por um período mais longo.
CARDIOMIOPATIA RESTRITIVA/NÃO CLASSIFICADA: Em gatos, é uma forma menos comum de cardiomiopatia, na qual notase ventrículo esquerdo com aparência relativamente normal e aumento do átrio esquerdo. Embora seja lógico
pensar que estes gatos apresentem disfunção diastólica, muitos deles não têm tal anormalidade. Aqueles que não apresentam disfunção diastólica têm alguma forma de cardiomiopatia restritiva. No entanto, como o diagnóstico não pode ser
realizado por meio de ecocardiografia bidimensional padrão é melhor denominar este tipo de doença como cardiomiopatia não classificada, a menos que seja possível documentar disfunção diastólica, geralmente na ecocardiografia Doppler
tecidual. A cardiomiopatia restritiva se caracteriza por um ventrículo esquerdo não complacente rígido, geralmente devido a maior formação de colágeno (ou seja, cicatriz) nesta câmara cardíaca. A maior rigidez aumenta a pressão
diastólica em qualquer volume diastólico. Assim como na cardiomiopatia hipertrófica, isto resulta em aumento do tamanho do átrio esquerdo e insuficiência cardíaca esquerda. Em alguns gatos com espessamento endomiocárdico ou
obliteração parcial da cavidade o diagnóstico de cardiomiopatia restritiva pode ser facilmente obtido por meio de ecocardiografia bidimensional. Pode ser evidente a presença de trombos no átrio esquerdo. Geralmente a função sistólica é
preservada. A ecocardiografia Doppler pode revelar regurgitação mitral.
Os sinais clínicos e o tratamento de insuficiência cardíaca são semelhantes àqueles recomendados para cardiomiopatia hipertrófica (ver texto anterior); contudo, o prognóstico parece menos favorável, especialmente em gatos com ICC.
As causas de cardiomiopatia restritiva e cardiomiopatia não classificada são desconhecidas.
Doença do Pericárdio
A doença do pericárdio provoca mais comumente acúmulo de fluido no saco pericárdico (ou seja, efusão pericárdica). Este acúmulo pode ser agudo ou crônico, porém o crônico é muito mais comum em medicina veterinária. Quando o
acúmulo de fluido é grave o suficiente para aumentar acentuadamente a pressão intrapericárdica ocorre tamponamento cardíaco. O tamponamento cardíaco agudo (p. ex., devido à ruptura do átrio esquerdo ou a traumatismo torácico) resulta
principalmente na diminuição do preenchimento cardíaco e na redução abrupta do débito cardíaco. O tamponamento cardíaco crônico aumenta principalmente a pressão intraventricular diastólica. Isto provoca sintomas de ICC. A pressão
diastólica do lado direito – e, assim, a pressão venosa sistêmica e capilar – necessita aumentar apenas de um valor normal de 5 mmHg para 10 a 15 mmHg para causar sintomas de insuficiência cardíaca direita, embora a pressão do lado
esquerdo deva aumentar de um valor normal de < 10 mmHg para > 20 mmHg para provocar insuficiência cardíaca esquerda. Assim, predominam os sintomas de insuficiência cardíaca direita.
A efusão pericárdica é uma forma relativamente comum de doença cardiovascular adquirida em cães, é incomum em bovinos e rara em equinos e gatos. Em cães, A maioria dos casos envolve animais de meiaidade, predominantemente
machos de raças grandes. Pericardite idiopática e neoplasia cardíaca é a principal causa de efusão pericárdica em cães. Hemangiossarcoma e tumores da base do coração são os tumores cardíacos mais prevalentes. Mesotelioma é uma forma
menos comum de neoplasia pericárdica. Em cães, por meio de ecocardiografia, mais frequentemente identificase hemangiossarcoma na aurícula direita, no sulco AV direito e na câmara do átrio direito. Os tumores da base do coração (mais
comumente quemodectoma ou carcinoma de tireoide ectópico) geralmente são detectados entre a artéria aorta e a artéria pulmonar principal. Em gatos, a neoplasia cardíaca mais comum é o linfoma, porém a causa mais comum de efusão
pericárdica é insuficiência cardíaca. Nesta espécie, a maioria dos casos de efusão pericárdica não é grave o suficiente para provocar tamponamento cardíaco. Em cães, causas menos frequentes de efusão pericárdica incluem infecções (p.
ex., coccidioidomicose), traumatismo, ruptura do átrio esquerdo e ICC. Em bovinos, é mais comum a ocorrência de efusão pericárdica secundária à reticulopericardite traumática (p. 291) ou neoplasia cardíaca (linfoma). Nessa espécie o
linfoma também resulta em insuficiência valvular. Em equinos, pericardite séptica e pericardite idiopática são as formas mais frequentemente relatadas.
A gravidade dos sintomas depende do volume de fluido pericárdico acumulado. Em cães, ascite é, de longe, a manifestação clínica mais comum. Em equinos, é frequente um histórico de infecção de trato respiratório, febre, anorexia e
depressão. Os achados ao exame físico, além da distensão abdominal, incluem fraqueza generalizada, distensão da veia jugular, abafamento de bulhas cardíacas e, ocasionalmente, ruídos de roçar pericárdico. Quando o acúmulo de fluido
pericárdico é gradativo o saco pericárdico é capaz de se distender ou aumentar e os sinais clínicos de ICC direita podem não ser notados até que haja efusão pericárdica grave.
Os resultados do hemograma, do perfil bioquímico sérico e da urinálise geralmente são normais. É possível constatar anemia discreta, leucocitose devido à neutrofilia, hiperfibrinogenemia e hiperproteinemia em equinos com efusão e
pericardite séptica. Devese realizar cultura e antibiograma de amostras de fluido obtidas de equinos com suspeita de pericardite séptica. Nessa forma de pericardite há grande quantidade de neutrófilos, alguns degenerados. O teor de
proteínas no fluido é alto e nele podem existir bactérias. Em equinos, notase variação nas características citológicas da efusão pericárdica idiopática, com quantidades variáveis de neutrófilos, eosinófilos e macrófagos. Geralmente, o exame
citológico do fluido pericárdico de cães não auxilia na definição da causa da efusão pericárdica, a menos que haja infecção, o que é raro.
O exame radiográfico frequentemente revela aumento de tamanho do contorno do coração, que assume uma forma arredondada (globoide). Quando a causa é um tumor cardíaco, especialmente de base do coração, o contorno cardíaco
pode se apresentar excentricamente aumentado, se não há efusão ou se está for discreta. No caso de tamponamento cardíaco a veia cava caudal pode estar dilatada. É possível haver efusão pleural, mais comumente quando a causa da efusão
pericárdica é um mesotelioma. Na maioria dos casos o ECG revela desde ritmo sinusal normal até taquicardia sinusal. Podem ser constatados complexos ventriculares e atriais prematuros ocasionais. Com frequência, notase diminuição da
altura das ondas R (< 1 mV, em cães) e pode haver um padrão de alternância de variação na amplitude das ondas R, denominado alternância elétrica, quando há grande quantidade de efusão. Isso se deve aos movimentos de oscilação do
coração no saco pericárdico preenchido com fluido. A ecocardiografia é o procedimento mais sensível e específico para detecção de efusão pericárdica. Em vários casos de efusão neoplásica podese visualizar um tumor. Quando há
tamponamento cardíaco as paredes de átrio e ventrículo direitos parecem se colapsar na sístole e diástole.
Os animais com tamponamento cardíaco necessitam drenagem mecânica do espaço pericárdico (pericardiocentese) com auxílio de um cateter. Tipicamente, a terapia medicamentosa não é efetiva na redução da efusão pericárdica. Em
geral, os diuréticos são contraindicados no caso de tamponamento cardíaco agudo porque reduzem o volume sanguíneo e provocam diminuição adicional do débito cardíaco. Devese realizar pericardiocentese, com introdução de um cateter
no lado direito da parede torácica, logo acima da junção costocondral, entre o quarto e o quinto espaço intercostal. Podese utilizar ecocardiografia para orientar a introdução do cateter no ponto onde o saco pericárdico encontrase mais
próximo da parede torácica e no local mais distendido por fluido, porém este procedimento não é imprescindível. Uma seringa ou um equipo com válvula reguladora e seringa (preferível) é acoplada ao cateter. O sistema deve estar livre de
ar durante a penetração da parede torácica, a fim de evitar a instalação de pneumotórax. À medida que o cateter é introduzido em direção ao coração fazse aspiração intermitente. Quando o saco pericárdico é perfurado o fluido (geralmente
muito sanguinolento) flui livremente para a seringa. O cateter deve ser introduzido cuidadosamente no saco pericárdico. O fluido retirado deve ser colocado em um tubo de vidro ou em um tubo contendo trombina para provocar coágulos
caso se aspire sangue do coração; se não coagula, o cateter deve ser removido da câmara cardíaca onde se encontra. Devese remover o maior volume possível de fluido do saco pericárdico; uma amostra deve ser submetida à análise. Em
equinos, a pericardiocentese deve ser realizada no quinto espaço intercostal esquerdo, a fim de evitar perfuração de átrios, artérias coronárias e ventrículo direito. Com frequência fazse a lavagem pericárdica, com ou sem antibiótico, após
pericardiocentese, em equinos. Esse procedimento é relativamente fácil e livre de complicações sérias. Contudo, recomendase a confirmação da presença de efusão pericárdica por meio de ecocardiografia antes da realização de
pericardiocentese.
Podem ser administrados antibióticos de amplo espectro e fluido, por via parenteral, imediatamente antes e após pericardiocentese. Não há relato de benefício do uso de corticosteroides na pericardite idiopática (efusão pericárdica
benigna), em cães, embora tenham sido utilizados com eficácia em equinos. A maioria dos tumores que causam efusão neoplásica não responde à quimioterapia.
Quando há suspeita de pericardite idiopática (ou seja, ausência de massa visível na ecocardiografia), o proprietário deve ser instruído a monitorar cuidadosamente o animal, verificando qualquer sinal de recidiva. Caso ocorra recidiva
indicase nova pericardiocentese. Em geral, recomendase pericardiectomia parcial após a terceira pericardiocentese. Em cães, os tumores de base do coração apenas raramente originam metástase, embora possam se tornar muito grandes e
comprometer a função das estruturas vizinhas. Caso seja diagnosticada efusão pericárdica recorrente secundária a um tumor de base cardíaca devese realizar pericardiectomia parcial. Os cães podem sobreviver até 2 anos após
pericardiectomia parcial bemsucedida. O prognóstico de hemangiossarcoma do átrio direito é desfavorável a grave. Vários cães apresentam metástase ou micrometástase (mais comumente nos pulmões e não vistas nas radiografias), por
ocasião do diagnóstico.
Doença Valvular Degenerativa (Doença de válvula AV degenerativa mixomatosa, Endocardiose)
Essa cardiopatia é caracterizada por espessamento nodular das cúspides das valvas cardíacas, mais marcante em suas extremidades. Degeneração mixomatosa comumente acomete as valvas mitral e tricúspide, em cães; também ocorre
prolapso ou hooding (protrusão do corpo da cúspide valvular no átrio) das cúspides. As cordas tendíneas também são afetadas pela degeneração, tornandose propensas à ruptura. A etiologia exata é desconhecida; contudo em cães das raças
Cavalier King Charles Spaniel e Dachshund é uma característica hereditária. A doença valvular degenerativa mixomatosa é a enfermidade cardíaca mais comum em cães, sendo responsável por cerca de 75% das doenças cardiovasculares
nessa espécie. Cerca de 60% dos cães acometidos apresentam apenas degeneração mixomatosa da valva mitral acometida, 30% apresentam lesões nas valvas tricúspide e mitral e 10% manifestam apenas doença de valva tricúspide. Em
cães, a enfermidade está relacionada com idade e raça do animal; a taxa de prevalência é maior em cães mais velhos e naqueles de raças pequenas. Equinos e gatos também são acometidos pela doença (envolvendo mais comumente as
cúspides da valva mitral); no entanto, é incomum nestas espécies. Em equinos, a doença valvular degenerativa frequentemente acomete a valva aórtica e consiste em nódulos valvulares ou faixas fibrosas nas margens livres da valva. Essa
enfermidade é mais comum em equinos de meiaidade e em animais mais velhos. Sinais clínicos (p. ex., insuficiência cardíaca) podem não ser notados porque é incomum regurgitação aórtica importante.
A insuficiência das valvas atrioventriculares (AV) resulta em fluxo sistólico (ou seja, fluxo durante a contração ventricular) turbulento na valva afetada. Essa regurgitação de sangue para o átrio resulta em aumento no volume no interior
do átrio e, desse modo, aumento do tamanho da câmara atrial. Quando a regurgitação é grave, também pode aumentar a pressão atrial. Caso haja acometimento da valva mitral o aumento da pressão no átrio esquerdo ocasiona aumento da
pressão dos capilares pulmonares e, se for alta o suficiente (ou seja, > 20 mmHg), ocasiona edema pulmonar cardiogênico (ou seja, insuficiência cardíaca esquerda). Caso a doença se instale na valva tricúspide, a regurgitação intensa pode
resultar em aumento da pressão venosa sistêmica e sinais de insuficiência cardíaca direita (mais comumente ascite, em cães). O fluxo de sangue regurgitado, constante e em alta velocidade, na valva mitral acometida, ocasiona lesão física
no endocárdio do átrio esquerdo, resultando em lesões decorrentes do fluxo. Na regurgitação grave, o aumento do tamanho e da pressão do átrio esquerdo por longo tempo também pode provocar ruptura desta câmara cardíaca e
tamponamento cardíaco agudo que, frequentemente, resulta em morte.
Em termos fisiopatológicos, o organismo compensa a regurgitação valvular principalmente pela retenção renal de sódio e água, provocando aumento do volume de sangue e no retorno venoso ao coração. Isto resulta em aumento do
tamanho da câmara ventricular. Há vários mecanismos de retenção de sódio e água, mas o sistema reninaangiotensinaaldosterona (SRAA, p. 134) é um dos mais ativos e melhor estudado. A liberação de renina pelo aparato
justaglomerular renal ocasiona a clivagem de angiotensina em angiotensina I e, em seguida, a enzima conversora de angiotensina transforma a angiotensina I em angiotensina II. Um das principais ações da angiotensina II é estimular a
liberação de aldosterona pelas glândulas adrenais. A aldosterona estimula as células dos túbulos renais distais a transferir o sódio de volta ao espaço vascular e a água acompanha o sódio. O aumento do volume sanguíneo e do retorno
venoso ao coração ocasiona estiramento crônico dos miócitos cardíacos, resultando na replicação do sarcômero nos miócitos e crescimento de miócitos mais longos. Isto permite o desenvolvimento de uma câmara maior no ventrículo
acometido (ou seja, hipertrofia excêntrica ou por sobrecarga de volume). Este é um mecanismo compensatório primário na regurgitação valvar. É altamente eficiente e possibilita ao coração compensar não apenas um vazamento valvular
por anos, mas também um alto volume de regurgitação. Por exemplo, um cão pequeno pode compensar totalmente a regurgitação na qual até 75% do fluxo de sangue do ventrículo esquerdo passa para o átrio esquerdo, embora apenas 25%
do volume sanguíneo alcance a artéria aorta.
A ativação do SRAA e de outros mecanismos de compensação é comumente vista como disfunção e elevação de vários neuro–hormônios prejudiciais porque elevações evidentes frequentemente são notadas em cães com insuficiência
cardíaca, quando os mecanismos de compensação são superados. No entanto, estes mecanismos somente são prejudiciais por alguns meses no estágio final da doença.
Em cães, os estágios inicial e intermediário da doença não são acompanhados de sinais clínicos, embora possa ser notado sopro sistólico (grau IV/VI), com intensidade máxima audível no ápice esquerdo. A intensidade do sopro cardíaco
nem sempre está relacionada com a gravidade da doença. À medida que a enfermidade progride e se agrava e torna marcante a insuficiência cardíaca, mais comumente é evidenciada por edema pulmonar que ocasiona aumento da
frequência respiratória e do esforço respiratório, além de tosse. Também, é possível notar episódios de síncope. Morte súbita é rara, mas pode ocorrer em decorrência da ruptura do átrio esquerdo. Nos pacientes com insuficiência cardíaca
esquerda os achados do exame físico incluem sibilos e crepitações ou estertores respiratórios; no entanto, estes sintomas são mais comuns e evidentes em cães com bronquite; vários cães com edema pulmonar não apresentam ruídos
pulmonares anormais audíveis. Podem ser notados sintomas de insuficiência cardíaca direita (p. ex., ascite, pulso jugular) quando a degeneração da valva tricúspide é significante.
Hemograma, perfil bioquímico sérico e urinálise geralmente evidenciam valores na faixa de normalidade. O aumento do átrio esquerdo é um achado característico em radiografias de tórax de um paciente com degeneração mixomatosa da
valva mitral; ademais, em cães pequenos o tamanho do átrio esquerdo está diretamente relacionado com a gravidade da regurgitação. Outras alterações incluem aumento do ventrículo esquerdo e das veias pulmonares. À medida que a
insuficiência cardíaca progride ocorre aumento da densidade intersticial do parênquima pulmonar e à medida que o quadro se agrava notase um padrão alveolar com surgimento de broncograma aéreo (ou seja, edema pulmonar grave).
A ecocardiografia revela cúspides valvulares aumentadas, espessas e irregulares, com ecogenicidade normal. Pode haver ruptura de cordas tendíneas, fazendo com que as cúspides AV tremulem (ou seja, protrusão das extremidades das
cúspides) no átrio durante a contração ventricular. Também, ocorre aumento da câmara do ventrículo esquerdo (ou seja, hipertrofia excêntrica ou por sobrecarga de volume) em relação direta com a gravidade da doença. Em cães pequenos,
a contratilidade ou função miocárdica do ventrículo esquerdo geralmente é normal, evidenciada pelo volume ou diâmetro sistólico final normal. O aumento no diâmetro diastólico final juntamente com diâmetro sistólico final normal resulta
no encurtamento fracional do ventrículo esquerdo (ou seja, o grau de aumento da contração [não da contratilidade]). Em alguns cães pequenos e em vários cães grandes notase diminuição da contratilidade miocárdica no início da
insuficiência cardíaca e pode estar diminuída em cães de pequeno porte durante o tratamento de insuficiência cardíaca.
No ECG de pacientes com doença valvular degenerativa discreta a moderada nota–se arritmia sinusal normal ou ritmo sinusal normal. Quando desenvolve ICC, o aumento no tônus simpático frequentemente resulta em aumento da
frequência cardíaca (ou seja, taquicardia sinusal). O aumento do átrio esquerdo favorece o desenvolvimento de arritmia atrial, como complexos prematuros atriais e fibrilação atrial. É rara a ocorrência de taquiarritmia ventricular. No ECG
pode haver evidência de aumento do átrio esquerdo (onda P mitral ou alargamento de onda P) e aumento do ventrículo esquerdo (onda R alta e distendida), porém estas alterações não são indicadores seguros de aumento de câmara cardíaca.
Estudo recente com cães portadores de doença degenerativa da valva mitral que ainda não desenvolveram insuficiência cardíaca revelou que não há redução do tempo de início de ICC com o emprego de inibidores da ECA. Portanto, em
cães de raças pequenas o tratamento deve ser reservado aos pacientes sintomáticos, isto é, àqueles cujas radiografias de tórax exibem edema pulmonar cardiogênico e que manifestam taquipneia em repouso, na ausência de outra doença
pulmonar grave. O tratamento de ICC inclui administração de diurético (geralmente furosemida) e de inibidor da ECA como adjuvante do diurético. O edema pulmonar cardiogênico não deve ser tratado exclusivamente com inibidor da
ECA. Indicase pimobendana (0,25 a 0,3 mg/kg, 2 vezes/dia) aos cães refratários à dose máxima de furosemida (4 mg/kg, 3 vezes/dia) e parece ser indicado mesmo no início da insuficiência cardíaca. Não é indicado a cães que ainda não
apresentam insuficiência cardíaca. Espironolactona pode propiciar benefícios por longo tempo em cães com insuficiência cardíaca decorrente de degeneração mixomatosa da valva mitral, porém não é capaz de induzir diurese clínica
relevante. Anlodipino e hidralazina reduzem a regurgitação e melhoram a perfusão, porém são mais comumente utilizados em cães refratários à terapia convencional. Um diurético tiazida associado a furosemida é outro procedimento
terapêutico efetivo no tratamento de cães com insuficiência cardíaca refratária.
Quando presentes, arritmias anormais como fibrilação atrial e/ou outras arritmias supraventriculares graves e persistentes devem ser tratadas ou controladas com digitálicos e diltiazem ou betabloqueador (p. ex., atenolol), com intuito de
prevenir taquicardia induzida pela insuficiência miocárdica. Terapia adequada deve ser planejada para cada estágio da doença. Na ICC aguda e grave justificase o fornecimento de oxigênio juntamente com terapia parenteral agressiva com
furosemida. O uso de nitroprussiato também pode ser benéfico.
Os cães enfermos podem viver mais de 1 ano, quando tratados adequadamente. No entanto, a sobrevida é muito variável e não é possível fornecer um período seguro.
Hematomas ou Cistos Sanguíneos Valvulares
Essas lesões valvulares benignas acometem até 75% dos bezerros com menos de 3 semanas de idade. Localizamse principalmente nas valvas atrioventriculares (AV).
Hipertensão Sistêmica e Pulmonar
Hipertensão sistêmica corresponde ao aumento da pressão sanguínea sistêmica. Há 2 tipos principais de hipertensão sistêmica. A hipertensão essencial, ou hipertensão idiopática (primária), é rara em cães e gatos, mas é comum em pacientes
humanos. A hipertensão secundária é decorrente de uma doença primária específica. Em cães, a principal causa de hipertensão é doença/insuficiência renal; em gatos as causas mais frequentes incluem doença/insuficiência renal e
hipertireoidismo. Hiperadrenocorticismo, diabetes melito e feocromocitoma são outras causas de hipertensão em cães.
O diagnóstico de hipertensão sistêmica baseiase na mensuração da pressão arterial sanguínea. O método de avaliação mais confiável é a aferição direta por meio de punção arterial, procedimento que é impraticável na maioria dos casos.
O segundo método mais confiável (embora ainda frequentemente não confiável) é a medida indireta da pressão com emprego de um transdutor Doppler, a fim de avaliar o fluxo sanguíneo em uma artéria (tipicamente o ramo da artéria
radial, na superfície plantar) distal ao local da colocação do manguito (normalmente no membro torácico). A largura do manguito deve corresponder a 30% da circunferência do membro, em gatos, e 40% da circunferência em cães. Devese
realizar tricotomia da região imediatamente proximal ao coxim metacarpiano palmar, para aplicação do transdutor Doppler, de modo a se obter um resultado mais confiável. O membro pélvico também pode ser utilizado; nesse caso
examinase o ramo da artéria tibial caudal na superfície plantar. A desvantagem da aferição da pressão sanguínea pela técnica Doppler é que apenas a pressão sanguínea sistólica é medida com segurança. Outros métodos de mensuração da
pressão sanguínea sistêmica, como método oscilométrico, são menos confiáveis do que o método Doppler, especialmente em cães de pequeno porte e em gatos. Embora a medição da pressão sanguínea indireta seja um método menos
confiável do que a mensuração direta, ela pode detectar indício de alteração aguda de pressão sanguínea durante anestesia. Os valores normais variam em função do estresse do paciente; valores maiores que os esperados para um animal
normal frequentemente são decorrentes de estresse decorrentes do exame. Salvo algumas exceções, pressão sistólica > 180 mmHg é considerada alta em um animal que aparenta calmo; valores > 200 mmHg devem ser considerados
seguramente como evidência de hipertensão sistêmica.
Cães e gatos com hipertensão sistêmica grave podem ser assintomáticos. Cegueira aguda é o sinal clínico mais comum. Em um estudo foram verificadas lesões de retina (p. ex., hemorragia, descolamento, tortuosidade arterial e edema
focal ou difuso) em 80% dos gatos hipertensos. O exame de sangue pode revelar anormalidades compatíveis com a causa da hipertensão (aumento do teor de T4 em gatos com hipertireoidismo, altas concentrações de nitrogênio ureico
sanguíneo (BUN) e de creatinina em pacientes com insuficiência renal). Devese instituir o tratamento em pacientes com hipertensão confiavelmente aferida e com histórico de doença primária, como insuficiência renal. Em gatos e cães a
hipertensão sistêmica parece ser decorrência da constrição de arteríolas sistêmicas, pois somente potentes dilatadores de arteríolas sistêmicas são razoavelmente efetivos na diminuição da pressão sanguínea sistêmica, até um valor
clinicamente relevante. Em gatos, o tratamento inclui anlodipino (0,625 a 1,25 mg VO, 1 vez/dia). Outros medicamentos, como enalapril, diltiazem, betabloqueadores como atenolol, e diuréticos como a furosemida, geralmente são
ineficazes. Em cães, os únicos medicamentos consistentemente efetivos são anlodipino (0,2 a 0,7 mg/kg VO, 1 vez/dia) e hidralazina (1 a 3 mg/kg VO, 2 vezes/dia).
Hipertensão pulmonar corresponde ao aumento da pressão sanguínea na circulação pulmonar. Dentre as possíveis etiologias incluemse aumento da viscosidade sanguínea (p. ex., policitemia), aumento do fluxo sanguíneo pulmonar (p.
ex., defeito de septo ventricular, persistência de ducto arterioso) e aumento da resistência vascular pulmonar devido à diminuição da área transversal total do leito vascular pulmonar (como acontece nos casos de hipertrofia de parede da
artéria pulmonar, tromboembolia pulmonar e vasoconstrição pulmonar). Hipertensão pulmonar primária é rara em toda espécies, exceto em pessoas. Em bovinos a principal causa é vasoconstrição pulmonar induzida por hipoxia em
decorrência de permanência em locais de altitude elevada (ver p. 104). Ingestão crônica de astrágalo (Oxytropis e Astragalus spp) ou doença pulmonar crônica causada por broncopneumonia ou pela infestação por vermes pulmonares
também pode resultar em hipertensão pulmonar grave o suficiente para causar insuficiência cardíaca direita. Em equinos, a hipertensão pulmonar pode ser secundária à ICC esquerda. Em cães, a hipertensão pulmonar mais comumente
ocorre em decorrência de dirofilariose, tromboembolia pulmonar, hipoxemia grave devido à doença pulmonar primária e insuficiência cardíaca esquerda. Tipicamente, os sinais clínicos são os mesmos verificados na ICC direita (ascite,
intolerância ao exercício, colapso) e síncope). Os achados do exame físico podem incluir evidência de ascite, em cães, e edema ventral em bovinos e equinos, juntamente com dilatação e pulso da veia jugular. O diagnóstico definitivo requer
a medição direta da pressão arterial pulmonar (raramente realizada) ou a estimativa da pressão pulmonar por meio de ecocardiografia Doppler. O exame ecocardiográfico pode mostrar achatamento de septo, hipertrofia concêntrica e/ou
dilatação do ventrículo direito e aumento do átrio direito. Dependendo da etiologia, normalmente não se justifica o tratamento e o prognóstico é desfavorável. Na dirofilariose, a eliminação efetiva dos vermes adultos da artéria pulmonar
frequentemente resulta em redução da pressão na artéria pulmonar e resolução da insuficiência cardíaca direita. Os cães com PDA e shunt direitoesquerda podem viver vários anos, apesar da hipertensão pulmonar grave, desde que a
policitemia seja adequadamente controlada. Sildenafila (1 mg/kg, 2 a 3 vezes/dia) provavelmente é o medicamento mais efetivo para reduzir a pressão na artéria pulmonar de cães. A melhor chance de sucesso para uma recuperação
prolongada é notada quando é possível identificar e tratar a causa primária da doença.
Miocardite
Miocardite é a inflamação focal ou difusa do miocárdio, com degeneração ou necrose de miócitos, que origina infiltrado inflamatório adjacente. Há várias causas, inclusive vírus e bactérias. Vírus da parvovirose canina (p. 423), vírus da
encefalomiocardite (p. 806) e vírus da anemia infecciosa equina (p. 732) tendem a causar miocardite. Notase degeneração miocárdica em cordeiros, bezerros e potros que apresentam doença do músculo branco e em suínos com doença do
coração “de amora” ou hepatose dietética. Streptococcus spp é a principal causa de miocardite bacteriana em equinos. Salmonella, Clostridium, vírus da influenza equina, Borrelia burgdorferi e estrôngilos são outras causas conhecidas.
Deficiências minerais (p. ex., ferro, selênio, cobre) podem resultar em degeneração miocárdica. Deficiência de vitamina E ou de selênio pode causar necrose do miocárdio. Toxinas cardíacas incluem antibióticos ionóforos, como monensina
e salinomicina, cantaridina (intoxicação pelo besouro Epicauta vittata, p. 3136), Cryptostegia grandiflora (bocadeleão) e Eupatorium rugusum (serpentária branca). Tais condições causam sintomas típicos de ICC. Em equinos, é comum a
ocorrência de sinais clínicos de insuficiência cardíaca direita, incluindo ascite, congestão venosa e pulso jugular. Geralmente à auscultação notase sopro de mitral ou regurgitação da tricúspide, bem como ritmo irregular. Fibrilação atrial é
um achado comum; também, podemse constatar complexos ventriculares ou atriais prematuros. A ecocardiografia revela dilatação da câmara cardíaca e menor contratilidade, com valvas normais. Leucocitose devido à neutrofilia e
hiperfibrinogenemia são achados laboratoriais comuns. Com frequência notase aumento da atividade de isoenzimas cardíacas (CK, troponina e lactato desidrogenase).
O tratamento objetiva melhorar a contratilidade cardíaca, aliviar a congestão e minimizar a vasoconstrição. Digoxina e dobutamina são utilizadas mais comumente com intuito de melhorar a contratilidade. A furosemida é indicada para
controlar o edema pulmonar. Com frequência, administramse corticosteroides ao se constatar aumento de atividade das enzimas cardíacas e quando é improvável uma infecção viral.
MIOCARDITE CHAGÁSICA: Trypanosoma cruzi, um protozoário, causa doença de Chagas (p. 66). Na doença aguda notam–se anormalidades no ECG, como bloqueio AV de primeiro, segundo ou terceiro grau, bloqueio do ramo direito do
feixe de His, taquicardia sinusal e menor amplitude da onda R. Geralmente não há alteração ecocardiográfica durante a fase aguda; contudo, o risco de morte súbita é um problema. Em seguida, instalase uma fase latente assintomática que
dura 27 a 120 dias, em cães, seguida de um estágio crônico no qual se constata disfunção sistólica indistinguível daquela da cardiomiopatia dilatada. Na fase crônica o tratamento é o mesmo daquele recomendado para cardiomiopatia
dilatada, mas tipicamente não é efetivo no controle dos sintomas de insuficiência miocárdica progressiva.
MIOCARDITE DE LYME: A doença de Lyme (p. 650) é causada pela espiroqueta Borrelia burgdorferi; a infecção induzida por este microrganismo raramente resulta em doença do miocárdio. Pacientes que desenvolvem miocardite secundária
à doença de Lyme podem apresentar anormalidades no ECG, como arritmias ventriculares ou anormalidades de condução com bloqueio AV de primeiro, segundo ou terceiro grau transitório. Também, pode ocorrer insuficiência miocárdica
semelhante àquela verificada na cardiomiopatia dilatada. Em pacientes com bloqueio AV total pode ser justificável a implantação de marcapasso cardíaco.
Outras Causas de Insuficiência do Miocárdio
Além das doenças listadas a seguir, a histofilose bovina (p. 769) pode resultar em abscessos e infarto do miocárdio.
PARADA ATRIAL: Uma forma de cardiomiopatia que resulta em destruição do miocárdio atrial (e, ocasionalmente, do miocárdio ventricular) foi relatada em cães, especialmente naqueles da raça English Springer Spaniel. Outras raças
acometidas são Old English Sheepdog, Shih Tzu, German Shorthaired Pointer, além de cães mestiços. A doença também foi diagnosticada em alguns gatos que apresentavam cardiomiopatia dilatada concomitante. No início, notase
destruição do miocárdio atrial, que causa parada SA e ritmo de escape em nodo AV. A regurgitação da mitral, que pode ser grave, frequentemente é notada neste estágio. Por fim, instalase insuficiência do miocárdio. Os sinais clínicos são
semelhantes àqueles da cardiomiopatia dilatada, sendo notada insuficiência cardíaca direita ou esquerda. A implantação de marcapasso pode melhorar a frequência cardíaca e o débito cardíaco. Tipicamente, o tratamento não é efetivo; é
semelhante aquele recomendado para outros tipos de insuficiência miocárdica.
INSUFICIÊNCIA DO MIOCÁRDIO INDUZIDA POR DOXORRUBICINA: A doxorrubicina é um quimioterápico comumente utilizado, sabidamente cardiotóxico. A cardiotoxicidade tende a ser dosedependente, mas alguns pacientes manifestam sinais
de intoxicação com doses mais baixas que outros. Dentre as anormalidades incluemse complexos ventriculares prematuros isolados (notados em 80% dos cães que receberam 80 mg/m2/dia, por 2 dias, ou 25 mg/m2/semana, durante 4 a 11
semanas) e períodos de taquicardia ventricular. Também, pode ocorrer insuficiência miocárdica, documentada em todos os cães que receberam tratamento experimental com 25 mg/m2/semana, durante 20 semanas (Morte súbita e
insuficiência cardíaca foram notadas em 65% dos cães, após cerca de 17 semanas de tratamento). Os efeitos cardiotóxicos são irreversíveis. Com os protocolos quimioterápicos atuais é rara a ocorrência de cardiotoxicidade grave.
FIBROELASTOSE ENDOCÁRDICA: Essa doença de etiologia desconhecida é caracterizada por espessamento focal de átrio esquerdo, ventrículo esquerdo e/ou endocárdio da valva mitral. É causa rara de insuficiência miocárdica em cães e gatos
jovens. Em geral, os animais acometidos têm < 6 meses de idade e manifestam sinais clínicos de insuficiência cardíaca esquerda. Dentre os animais suscetíveis incluemse cães das raças Labrador Retriever, Great Dane, Bulldog Inglês,
Springer Spaniel, Boxer, Pit Bull e gatos das raças Siamês e Burmesa (nos quais acreditase que a doença seja hereditária). Na ecocardiografia notase dilatação de ventrículo e átrio esquerdos, diminuição da fração de encurtamento do
ventrículo esquerdo e aumento do diâmetro sistólico final do ventrículo esquerdo; podese notar espessamento endocárdico difuso. Sinais clínicos, tratamento e prognóstico são semelhantes aqueles mencionados para cardiomiopatia
dilatada.
CARDIOMIOPATIA DE DUCHENNE: Esse distúrbio neuromuscular hereditário ligado ao cromossomo X foi relatado em cães, particularmente naqueles da raça Golden Retriever. Uma doença similar denominada distrofia muscular ligada ao
cromossomo X foi relatada em cães das raças Irish Terrier, Samoyed e Rottweiler. Estas enfermidades podem causar doença miocárdica e neuromuscular. As anormalidades do ECG incluem ondas Q estreitas e profundas, encurtamento dos
intervalos PR, parada sinusal e taquiarritmias ventriculares. O exame ecocardiográfico pode mostrar lesões hiperecoicas principalmente no miocárdio do ventrículo esquerdo e no músculo papilar. Geralmente se desenvolve aos 6 a 7 meses
de idade, com redução do tamanho das lesões ao longo dos próximos 2 anos. Essas lesões são decorrentes de calcificação e fibrose. Pacientes que sobrevivem à doença podem manifestar insuficiência do miocárdio.
Endocardite Infecciosa
Tipicamente, a infecção endocárdica envolve uma das valvas cardíacas, embora possa ocorrer endocardite mural. Lesão endotelial é um fator predisponente à instalação de endocardite infecciosa, embora em cães é mais comum o
desenvolvimento de endocardite em uma valva normal. Quando há erosão parcial do endotélio e o colágeno subjacente é exposto as plaquetas aí se aderem e originam um microtrombo. Bactérias transportadas pelo sangue podem se aderir a
esse trombo, resultando em infecção localizada, que causa destruição progressiva da valva e insuficiência valvular. As lesões vegetativas são os achados mais comuns nas valvas cardíacas e podem causar estenose e insuficiência valvular.
Em cães, equinos e gatos as valvas aórtica e mitral são as mais comumente infectadas. A valva tricúspide raramente é acometida e a endocardite infecciosa da valva pulmonar é muito rara. Por outro lado, a valva tricúspide é a mais
comumente infectada em bovinos. Endocardite infecciosa é rara em gatos e não há predileção por raças. Os cães de meiaidade de raças grandes são mais predispostos; < 10% dos cães com endocardite infecciosa pesam < 15 kg. A maioria
dos cães doentes tem > 4 anos de idade; os machos são mais suscetíveis do que as fêmeas. Cães com estenose subaórtica são mais sujeitos à endocardite infecciosa.
Trombos contaminados liberados da valva mitral ou aórtica infectada alcançam a circulação e podem colonizar outros órgãos; portanto, a endocardite infecciosa pode provocar um amplo espectro de sinais clínicos, inclusive sintomas
cardiovasculares primários ou sinais clínicos relacionados com os sistemas nervoso, gastrintestinal e urogenital, bem como às articulações. Geralmente constatase febre crônica intermitente ou contínua. Em alguns animais podese notar
claudicação com desvio de membro; em quase todos os pacientes notase perda de peso e letargia. Regurgitação da valva aórtica ou mitral aguda ou subaguda pode ocasionar insuficiência cardíaca esquerda (ou seja, edema pulmonar) e os
sinais clínicos incluem taquipneia, dispneia e tosse. Quando a valva tricúspide está acometida é possível verificar ascite e pulso jugular. Vacas infectadas podem apresentar mastite e diminuição na produção de leite. Hematúria e piúria
também podem ser notadas. Na maioria dos casos, constatase sopro cardíaco; o tipo de sopro depende da valva envolvida. Quando há acometimento da valva aórtica notase sopro diastólico de baixo grau, com intensidade máxima na base
cardíaca esquerda. Também, é possível auscultar um sopro sistólico causado pelo aumento do volume de ejeção. Nesse caso, o pulso arterial é cheio (ou seja, aumento da pressão de pulso) devido ao fluxo diastólico e aumento do volume de
ejeção. Endocardite da valva mitral resulta em sopro semelhante ao causado por doença valvular degenerativa – sopro sistólico de baixo a alto grau (a intensidade depende principalmente do grau de insuficiência mitral) – mais audível no
ápice cardíaco esquerdo.
As bactérias mais frequentemente isoladas de pequenos animais incluem Streptococcus, Staphylococcus, Klebsiella spp e Escherichia coli, embora um hospedeiro de outras espécies de bactérias também possa estar envolvido. Em
pessoas, 60 a 80% dos pacientes com endocardite infecciosa apresentam lesão cardíaca que facilitam a adesão das bactérias. No entanto, em cães a infecção parece se desenvolver comumente em pacientes sem evidência de anormalidades
valvulares. Streptococcus spp e Actinobacillus spp são as bactérias mais frequentemente isoladas em equinos, enquanto Arcanobacterium pyogenes é o mais comumente identificado em bovinos.
Com frequência, o hemograma indica leucocitose devido à neutrofilia. A infecção ativa pode estar associada à presença de neutrófilos bastonetes, enquanto a infecção crônica com monocitose (90% dos casos, em uma pesquisa). Com
frequência, notase anemia característica de doença crônica. As anormalidades do perfil bioquímico sérico refletem o envolvimento de órgãos secundário ao êmbolo infeccioso e podem incluir aumento de atividade das enzimas hepáticas,
BUN e creatinina. Em pacientes que desenvolvem glomerulonefrite imunomediada pode ocorrer importante perda urinária de proteínas e hipoalbuminemia. Os animais acometidos devem ser submetidos à hemocultura e antibiograma.
Recomendase a obtenção de 2 ou 3 amostras de sangue em intervalos de 1 a 2 h, durante um período de 24 h. Devem ser adotadas rigorosas técnicas de assepsia. No entanto, os resultados da hemocultura frequentemente são negativos (e
são positivos em outros tipos de sepse) e este teste não pode ser utilizado isoladamente no diagnóstico de endocardite.
Dependendo da localização e do grau de insuficiência da valva envolvida o exame radiográfico pode revelar aumento da câmara cardíaca. Se a valva mitral ou aórtica encontrase gravemente acometida ocorre dilatação de ventrículo e
átrio esquerdos. Evidências de insuficiência cardíaca esquerda podem ser notadas como aumento da densidade intersticial ou, na ICC grave, como um padrão alveolar no parênquima pulmonar. Esperase notar aumento de câmara direita
quando há infecção da valva tricúspide ou pulmonar. Ecocardiografia é o método de diagnóstico de escolha, pois os resultados da hemocultura são positivos apenas em 50 a 90% dos cães. A valva afetada é facilmente detectada: a área
envolvida apresentase hiperecoica (clara), espessada e, com frequência há vegetações (ou seja, aparência de couveflor). Em alguns animais, pode haver predomínio de lesões erosivas. O ECG pode mostrar complexos ventriculares e atriais
prematuros. Menos comumente, é possível notar outras arritmias, como fibrilação atrial ou distúrbio de condução. A altura da onda R pode estar aumentada (sugerindo aumento do ventrículo esquerdo); também, a largura da onda P pode
estar aumentada (sugerindo aumento do átrio esquerdo).
O tratamento objetiva controlar os sinais clínicos de ICC e qualquer arritmia relevante, eliminar a contaminação da lesão e impedir a disseminação da infecção. Caso haja envolvimento significativo da valva aórtica, a insuficiência
cardíaca pode ser extrema e intratável; nesses casos o prognóstico é desfavorável. O prognóstico é muito mais favorável quando a infecção é discreta e se limita a uma das valvas AV. O controle da insuficiência cardíaca requer o uso de
diuréticos, como furosemida, inibidores da ECA e, no caso de insuficiência miocárdica, pimobendana. Inicialmente, indicase aplicação parenteral de antibióticos durante 1 a 2 semanas (procedimento cujo custo pode ser proibitivo),
seguida da administração oral de antibióticos durante 6 a 8 semanas. No início devem ser utilizados antibióticos bactericidas de amplo espectro (ampicilina e gentamicina ou enrofloxacino, ou cefalotina e gentamicina) e, se necessário,
devem ser substituídos com base no resultado do antibiograma. Quando se utiliza gentamicina devese monitorar a função renal, pois este antimicrobiano é nefrotóxico. Na maioria dos cães o prognóstico é desfavorável. Os animais que
respondem ao tratamento provavelmente necessitam uso prolongado de medicamentos cardíacos (p. ex., diuréticos, vasodilatadores, pimobendana) e reavaliações frequentes. Em grandes animais, a rifampicina (5 mg/kg VO, 2 vezes/dia)
associada a outro antibiótico de amplo espectro aumenta a chance de cura a curto prazo. Ácido acetilsalicílico (100 mg/kg, 1 vez/dia, para ruminantes, e 17 mg/kg, em dias alternados, para equinos) ou heparina (30U/kg SC, 2 vezes/dia,
para ruminantes e equinos) pode prevenir a formação de trombos e crescimento bacteriano vegetativo em grandes animais.
Em cães com estenose subaórtica indicase profilaxia antibiótica quando qualquer procedimento realizado pode resultar em bacteriemia significante. A profilaxia dentária de rotina não se justifica em outros tipos de doença cardíaca e,
especialmente, em cães com degeneração mixomatosa da valva mitral, porque não há evidência de que estes cães apresentam maior risco de endocardite infecciosa.
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
Notase insuficiência cardíaca quando o sistema cardiovascular não é capaz de satisfazer as demandas metabólicas do corpo ou quando pode satisfazer estas demandas apenas em alta pressão de preenchimento e, em consequência, ocorre
descompensação induzida por um ou mais mecanismos. Assim, a insuficiência cardíaca não é uma doença específica, tampouco um diagnóstico. É uma condição progressiva iniciada pela diminuição do desempenho cardíaco que estimulam
mecanismos compensatórios destinados a preservar a perfusão tecidual e o metabolismo celular. Estes mecanismos ocasionam alterações de má adaptação que adicionalmente reduzem o desempenho cardíaco, iniciando um ciclo vicioso que
provoca falha do coração em funcionar como uma bomba. Em consequência, a perfusão periférica normal apenas pode ser mantida em alta pressão de preenchimento. Pode haver insuficiência cardíaca em decorrência de disfunção sistólica,
disfunção diastólica, ou de ambas. Comumente, há disfunção sistólica e diastólica, especialmente nas doenças em estágio avançado. Os sintomas que podem se desenvolver em decorrência destas condições podem ser considerados em
termos de baixo débito cardíaco (anterógrada) ou insuficiência cardíaca congestiva (retrógrada).
As alterações iniciais na dimensão da câmara cardíaca (volume) ou do espessamento da parede são melhor compreendidas em relação à précarga (tensão imposta pelo retorno venoso nas paredes ventriculares no final da diástole) e na
póscarga (tensão imposta nas paredes ventriculares no final da sístole). As alterações na précarga e na póscarga podem ser causadas por anormalidades cardíacas estruturais, mecanismos compensatórios sistêmicos, ou ambos. A
sobrecarga de volume, como acontece na doença valvular/insuficiência valvular crônica, persistência de ducto arterioso, defeito do septo atrial ou ventricular, shunts esquerdodireito periféricos e anemia ou hipertireoidismo, provoca
aumento da précarga que ocasiona possível aumento da câmara ventricular (dilatação) pela hipertrofia excêntrica dos miócitos. Sobrecarga de pressão, como aquela que ocorre na hipertensão pulmonar ou sistêmica, estenose pulmonar ou
aórtica e coarctação aórtica, provocam aumento na póscarga, o qual ocasiona espessamento da parede do ventrículo devido à hipertrofia concêntrica. Sobrecarga de volume, tampouco de pressão, não é sinônimo de insuficiência cardíaca;
estas condições podem causar insuficiência cardíaca, dependendo da gravidade da sobrecarga e do grau de compensação.
Biomarcadores Cardíacos
Biomarcador é um parâmetro objetivamente mensurado que pode servir como indicador de função normal do órgão, de doenças ou da resposta à intervenção médica. Os biomarcadores podem propiciar informação quanto à presença e
gravidade da doença, bem como quanto ao prognóstico. Estudos recentes em cães e gatos mostram que aumentos dos teores sanguíneos de PNB, PNA e endotelina 1 são indicadores sensíveis de cardiopatia, os quais se elevam
proporcionalmente com a progressão da doença cardíaca e da ICC. Troponina cardíaca I (cTnI), liberada após lesão de cardiomiócito, também foi avaliada como um biomarcador de ICC, mas constatou–se que é menos sensível do que os
três biomarcadores citados anteriormente. Também, PNA, PNB e cTnI foram avaliados como testes de triagem para CMD oculta (antes do início de ICC), em cães. Constatouse que os aumentos dos teores de PNB foram altamente
sensíveis para detecção de CDM oculta, enquanto PNA e cTnI foram relativamente menos sensíveis. O peptídio natriurético pró–tipo B N terminal (NTproBNP) é liberado proporcionalmente à liberação de PNB em resposta à alta pressão
de preenchimento cardíaco ou à disfunção de miocárdio e sua maior estabilidade e meiavida mais longa o tornam mais apropriado para uso como biomarcador diagnóstico. Vários estudos mostraram a importância do NTproBNP na
diferenciação entre as causas respiratórias primárias e cardíacas de dispneia em cães. Também o NTproBNP mostrouse útil no diagnóstico de ICC em gatos e pode ser útil como teste de triagem para identificação de gatos com possível
cardiomiopatia, que pode ser comprovada por ecocardiograma.
Insuficiência Cardíaca Sistólica
A insuficiência cardíaca sistólica ocorre quando o preenchimento ventricular normal é acompanhado de diminuição do volume sistólico anterógrado, refletindo inerente redução da capacidade de contração do miocárdio. Por fim, isto pode
ocasionar sinais de redução do débito cardíaco, como fraqueza, hipotensão e diminuição da perfusão orgânica. É possível detectar insuficiência miocárdica em exame ecocardiográfico, no qual se constata redução da fração de ejeção ou
porcentagem de encurtamento fracional, causada por aumento do diâmetro sistólico final, com diâmetro diastólico final normal ou aumentado. No entanto, estes índices de função sistólica são muito influenciados pela précarga ventricular e
podem ser necessárias opções de imagens mais avançadas (como strain cardíaco ou Doppler tissular) para caracterizar a função de contratilidade em virtude da précarga de volume concomitante. Adicionalmente, podese verificar
adelgaçamento da parede regional ou difuso e diminuição da movimentação da parede, que pode ser quantificada pelo emprego destas opções de imagens mais avançadas.
Insuficiência miocárdica primária ou cardiomiopatia dilatada idiopática (CMD) é um diagnóstico de exclusão. Esta doença pode ser notada em várias raças de cães, porém é mais comumente verificada em animais da raça Dobermann
Pinscher; atualmente há pesquisa que auxilia a definir uma base genética para esta condição. Também, CMD raramente é notada em gatos. Alguns clínicos consideram que a CMD idiopática pode ser decorrência de infecções virais não
identificadas crônica ou miocardite. Embora tradicionalmente acreditase em uma relação da CMD com disfunção sistólica, atualmente sabese que a disfunção diastólica também ocorre em um estágio relativamente precoce da doença.
Insuficiência miocárdica secundária frequentemente resulta de um ou mais insultos que induzem a lesão ao cardiomiócito com subsequente remodelação e fibrose cardíaca. As etiologias incluem taquicardia prolongada (taquicardia
supraventricular ou ventricular), doença infiltrativa (neoplasia), infarto do miocárdio, deficiência nutricional (taurina, carnitina, selênio [como notada na doença muscular]), miocardite (causada por vírus, riquétsias, espiroquetas, parasitos e
fungos), sepse, medicamentos (doxorrubicina), toxinas (chumbo, cobalto, gossipol) e, raramente, doença endócrina (hipotireoidismo grave). Adicionalmente, sobrecarga de volume ou de pressão crônica pode ocasionar remodelação e
subsequente insuficiência miocárdica.
Insuficiência Diastólica
Notase insuficiência diastólica quando há aumento da pressão de preenchimento ventricular acompanhada de função sistólica normal ou compensada. Elevações na pressão de preenchimento cardíaco se estendem à circulação pulmonar ou
sistêmica, resultando por fim em transudação de fluidos e sinais de congestão (edema ou efusão). Na ausência de doença pericárdica ou extracardíaca que causam compressão ou restrição ventricular, a disfunção diastólica reflete
anormalidade inerente do relaxamento ventricular, que pode ser detectada em estágio relativamente precoce da doença cardíaca por meio de ecocardiografia Doppler. Nas doenças, pode haver disfunção diastólica que resulta em compressão
cardíaca (efusão pericárdica, pericardite, neoplasia), rigidez ou falta de complacência ventricular (cardiomiopatia hipertrófica, cardiomiopatia restritiva), infiltração miocárdica (neoplasia) ou remodelação secundária à sobrecarga de pressão
e de volume crônica.
Também, é possível notar ICC funcional quando um tumor ou outra obstrução anatômica impede o retorno venoso para um ou ambos os átrios. Acreditase que doença ou efusão pericárdica que ocasiona diminuição do preenchimento
ventricular também pode ser causa extracardíaca de insuficiência cardíaca congestiva e subsequente redução do débito cardíaco. Sobrecarga de volume iatrogênica (ou seja, com diurese agressiva) pode ocasionar ICC na ausência de
disfunção miocárdica sistólica ou diastólica primária; no entanto, podese pensar nesta situação como “disfunção pseudodiastólica” porque o ventrículo não é capaz de aumentar sua complacência o suficiente para evitar aumento da pressão
de preenchimento.
Manifestações Clínicas
As alterações hemodinâmicas que ocorrem na insuficiência cardíaca são relativamente limitadas, pois são as síndromes clínicas resultantes destas alterações. Dependem muito do(s) local(is) da insuficiência da câmara cardíaca, bem como
das diferenças entre as espécies.
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA ESQUERDA: As veias pulmonares drenam o sangue para o átrio esquerdo. Com o tempo, pode haver aumento da pressão do átrio esquerdo em resposta à sobrecarga de volume (devido ao fluxo
sanguíneo regurgitante ou ao maior volume de sangue circulante), estenose de valva mitral ou aumento da pressão de preenchimento do ventrículo esquerdo. Elevação da pressão do átrio esquerdo se estende para as veias pulmonares e, por
fim, aos capilares pulmonares responsáveis pela perfusão alveolar. À medida que a pressão hidrostática no capilar pulmonar continua a aumentar, as forças de Starling favorecem a transudação de fluido e instalase edema pulmonar. Em
cães, tal condição pode se manifestar como intolerância ao exercício, dispneia geral ou noturna, tosse e taquipneia. Também, é possível notar sincope, especialmente em cães de raças de pequeno porte com doença valvular crônica. Pode
estar associada à tosse (síncope tussígena) ou a uma resposta do tipo vasovagal para estimulação de mecanorreceptores do ventrículo esquerdo. A tosse também pode ser estimulada na ausência de edema pulmonar, por compressão do
brônquio principal ocasionada pela dilatação do átrio esquerdo ou pela maior responsividade das vias respiratórias (denominada “asma cardíaca”).
Em gatos, o átrio esquerdo também recebe drenagem venosa parcial dos espaços pleural e pericárdico. Desse modo, os sinais clínicos adicionais de insuficiência cardíaca esquerda nestes animais podem incluir efusão pleural ou
pericárdica; contudo, isso parece mais frequente na insuficiência biventricular. Pequeno volume de efusão pericárdica é comum em gatos com insuficiência cardíaca e geralmente não influenciam a hemodinâmica (geralmente não há
necessidade de pericardiocentese). É menos provável que os gatos com insuficiência cardíaca manifestem tosse evidente do que os cães, sendo rara a ocorrência de síncope, a menos que associada à arritmia. Em gatos, pode ser difícil
estabelecer a intolerância ao exercício porque são sedentários. Os sinais clínicos mais comuns incluem inapetência, alteração de comportamento, dispneia e taquipneia, os quais não são detectados por muitos proprietários até que a
insuficiência cardíaca seja avançada.
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA DIREITA: O átrio direito recebe linfa e sangue venoso oriundos da veia cava caudal e do seio coronário. Com o tempo, a pressão do átrio direito pode aumentar devido à sobrecarga de volume (p. ex.,
insuficiência da valva tricúspide), estenose da tricúspide ou aumento da pressão de preenchimento do ventrículo direito. Manifestações clínicas de insuficiência cardíaca direita incluem dilatação das veias jugular, hepatomegalia, efusão
pleural, efusão pericárdica e ascite. É mais provável que os cães desenvolvam ascite, enquanto em gatos é mais comum efusões pleural e pericárdica. Embora as efusões resultantes da insuficiência geralmente sejam transudato modificado,
os gatos podem desenvolver efusão pleural quilosa.
ALTERAÇÕES HEMOSTÁTICAS NA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA: Estudos recentes em cães e gatos com insuficiência cardíaca congestiva mostraram alterações na função plaquetária, bem como de biomarcadores da hemóstase, como fibrinogênio,
ddímero, antitrombina, fator de von Willebrand e proteína C. Não se sabe se uma condição de hipercoagulação está associada a pior prognóstico em cães e gatos, embora tenha se constatado microêmbolo no miocárdio e em outros órgãos
de cães e gatos com cardiomiopatia, submetidos à necropsia. Tromboembolia arterial é uma grave complicação em gatos com cardiomiopatia, porém ainda não se sabe se o desenvolvimento de trombos nesta doença está relacionado com a
condição de hipercoagulação intracardíaca sistêmica ou apenas local.
A formação de trombo é notada com um aumento nos componentes da tríade de Virchow: alteração do fluxo sanguíneo, lesão endotelial e estado de hipercoagulação. Na ICC pode haver alteração do fluxo sanguíneo, com redução do
débito cardíaco, aumento do volume de plasma circulante, vasoconstrição e disfunção endotelial. Adicionalmente, relatase lesão de pequenos vasos (arteriosclerose) do miocárdio de gatos e cães com cardiopatia. Pode haver lesão
endotelial devido à dilatação ou cisão de câmara cardíaca (mais comumente do átrio esquerdo), forças de cisalhamento decorrente da alta velocidade do fluxo sanguíneo (como pode ocorrer ao redor da estenose) e efeitos de remodelação
vascular dos neurohormônios circulantes. Há relato de um estado de hipercoagulação que pode ser exacerbado pelo aumento dos teores de catecolaminas circulantes.
Mecanismos de Compensação
A distribuição do fluxo sanguíneo sistêmico e de oxigênio aos tecidos periféricos e aos órgãos é rigorosamente controlado por mecanismo neuroendócrino. Os mecanismos compensatórios atuam rapidamente para corrigir qualquer
diminuição do fluxo ou da pressão sanguínea. Estes mecanismos propiciam benefício imediato às células metabolicamente ativas; também, quando ativados por tempo prolongado pode ser benéfico na lesão crônica ao sistema
cardiovascular e, por fim, aos sistemas corporais. Independente do mecanismo da doença cardíaca, a cascata de eventos que induzem insuficiência cardíaca é iniciada por uma diminuição do débito cardíaco percebida pelos barorreceptores,
mecanorreceptores ou quimiorreceptores do sistema cardiovascular e de tecidos periféricos. Isto pode ocorrer no caso de doença valvular crônica, CMD ou qualquer distúrbio cardíaco primário ou secundário anteriormente mencionado.
Mesmo alto débito, como acontece na anemia ou no hipertireoidismo, pode preencher este modelo, pois os tecidos periféricos percebem um déficit metabólico e tentam corrigir aumentando o débito cardíaco.
Quando há redução do volume de ejeção secundária à disfunção cardíaca ocorre diminuição do débito cardíaco. A resposta aguda envolve aumento do tônus simpático induzindo vasoconstrição periférica, aumento da frequência cardíaca
e maior contratilidade cardíaca, que atuam restabelecendo o débito cardíaco e mantendo a pressão sanguínea sistêmica. Adicionalmente, o sistema reninaangiotensinaaldosterona (SRAA) é ativado por uma ou mais condições: diminuição
da perfusão renal, menor liberação de sódio para a mácula densa (no aparato justaglomerular) e aumento do tônus simpático. As células justaglomerulares liberam renina, que converte angiotensinogênio (sintetizado no fígado) em
angiotensina I. A enzima conversora de angiotensina (ECA) transforma angiotensina I em angiotensina II, principalmente nos pulmões. Há outro SRAA no cérebro, nos vasos sanguíneos e nos tecidos do miocárdio que podem originar
angiotensina II, independentemente do SRAA renal ou sistêmico.
A angiotensina II tem ampla variedade de ações, incluindo retenção de sódio e água por ação direta nos túbulos renais, bem como estímulo à síntese de aldosterona, aumento da sede mediante estimulação para liberação de hormônio
antidiurético (ADH), maior liberação de norepinefrina e endotelina e estímulo para remodelação e hipertrofia cardíaca. Estas ações podem provocar aumento do volume de sangue circulante (pré–carga) e da resistência periférica (póscarga)
e têm efeitos cardiotóxicos diretos. Adicionalmente, a ação circulante prolongada de angiotensina II, aldosterona, endotelina, ADH e catecolaminas ocasionam efeitos nocivos ao coração e aos vasos periféricos pelo efeito de remodelação
direta, bem como pela suprarregulação de citocinas inflamatórias, componentes da matriz extracelular e proto–oncogenes.
Em resposta aos mecanismos de compensação, atuam sistemas contrarreguladores, a saber, liberação de peptídio natriurético atrial (PNA), dos átrios, e peptídio natriurético tipo B (PNB), dos ventrículos. PNA e PNB são liberados em
resposta ao estiramento das câmaras atriais e ventriculares, respectivamente. Ambos os hormônios atuam aumentando a natriurese (com subsequente diurese) e diminuindo a resistência vascular sistêmica, neutralizando as ações do SRAA.
Infelizmente, os efeitos de PNA e PNB são muito mais potentes do que aqueles do SRAA, especialmente no estágio avançado de ICC. No entanto, há benefício clínico potencial na mensuração de PNA e PNB circulantes como parâmetros
de diagnóstico de cardiopatia (ver a seguir).
À medida o volume sanguíneo circulante aumenta devido à retenção de água e sódio, aumenta a précarga e o volume sistólico, auxiliando no restabelecimento do débito cardíaco. O volume de sangue circulante invariavelmente
encontrase aumentado em animais com insuficiência cardíaca e ativação prolongada do SRAA, frequentemente até 30% nos estados avançados. No entanto, isso ocorre à custa do aumento da pressão do preenchimento diastólico; por fim,
desenvolvemse sinais de congestão (edema e efusão). Adicionalmente, o aumento da póscarga devido à vasoconstrição periférica, como mencionado anteriormente, diminui o débito cardíaco e perpetua o ciclo.
Tratamento
O objetivo do tratamento de insuficiência cardíaca é controlar os sintomas relacionados com a congestão (edema pulmonar, efusão pleural ou pericárdica, ascite), à redução do débito cardíaco e às adaptações neurohormonais crônicas. Isto
é conseguido pela redução da précarga e/ou da póscarga (diuréticos e vasodilatadores), melhora da função miocárdica (inotropos positivos, lusitropos, simpaticomiméticos, antiarrítmicos) e emprego de moduladores neurohormonais
(inibidores da ECA e potencialmente betabloqueadores, antagonistas da aldosterona e bloqueadores da angiotensina II).
DIURÉTICOS: Os diuréticos de alça são os medicamentos disponíveis mais efetivos para diminuir o volume de sangue circulante e reduzir os sintomas de congestão. Os diuréticos de alça inibem o cotransportador Na+/K+/2Cl na alça de
Henle ascendente espessa. Isso induz a maior excreção renal de sódio e cloreto, com subsequente perda de água livre. A furosemida é o diurético de alça mais amplamente utilizado. Quando administrada por via IV também reduz
diretamente a pressão em cunha do capilar pulmonar (antes do início da diurese) mediante a síntese de prostaglandina, que tem efeito vasodilatador. Após administração por via intravenosa a ação inicia dentro de 5 min, com efeito máximo
aos 30 min e diminuição em cerca de 2 h. Após administração oral temse início da ação em 60 min, com efeito máximo em 1 a 2 h e duração de cerca de 6 h.
Terapia emergencial de edema pulmonar frequentemente requer altas doses de furosemida (2 a 8 mg/kg para cães; 2 a 4 mg/kg para gatos), em intervalos de 30 a 60 min, até que se controlem os sinais clínicos de congestão. Em razão da
preocupação quanto à ocorrência de hipotensão, azotemia e anormalidades eletrolíticas importantes com a administração de furosemida, assim que o quadro clínico do animal se estabiliza recomendase a redução da dose até a menor dose
capaz de controlar os sintomas de ICC. Azotemia discreta e anormalidades eletrolíticas e ácidobase (hiponatremia, hipopotassemia e alcalose metabólica hipoclorêmica) não são raras e geralmente são toleradas, desde que o animal se
alimente e beba água. A dose oral utilizada no tratamento de ICC crônica pode variar significativamente entre os animais; devese utilizar a menor dose possível. Com frequência, a ICC em cães é inicialmente controlada com dose de 1 a 2
mg/kg, 1 a 2 vezes/dia; os gatos são mais predispostos às reações adversas e geralmente requerem dose menor (0,5 a 2 mg/kg, a cada 12 a 48 h). O uso de furosemida ou de outro diurético como terapia exclusiva no tratamento de longa
duração de ICC aumenta a ativação do SRAA; desse modo, recomendase a combinação com um inibidor da ECA.
Na ICC avançada pode ocorrer resistência à furosemida, tipicamente verificada pelos sintomas persistentes de congestão, apesar da dose de 2 a 4 mg/kg VO, 3 vezes/dia. Há várias causas, inclusive menor liberação do medicamento no
néfron, ativação do SRAA (que neutraliza os efeitos de diurese) e hipertrofia das células dos túbulos contorcidos distais e consequente aumento no transporte de íons nesta região do néfron. O edema gastrintestinal secundário à ICC direita
pode prejudicar a absorção de diuréticos administrados por via oral e contribuir para a resistência ao diurético. Animais com resistência ao tratamento oral prolongado com altas doses de furosemida podem apresentar melhor resposta
diurética com a aplicação SC do medicamento ou pela adição de outros diuréticos (“carregamento diurético”).
Os efeitos colaterais decorrentes da administração de furosemida geralmente estão relacionados com a desidratação por depleção de volume e às anormalidades eletrolíticas e ácidobase. As reações adversas menos comuns incluem
vômito, pancreatite e surdez idiossincrática associadas à administração por via intravenosa rápida. Os animais com doença renal preexistente são mais predispostos às reações adversas e a terapia com furosemida pode ser reduzida ou
temporariamente suspensa. Ao iniciar a terapia diurética os indicadores de função renal devem ser monitorados frequentemente (no início e pelo menos 1 semana depois), com reavaliação a cada 3 a 6 meses quando se utiliza tratamento
prolongado. Alguns animais podem permanecer com azotemia discreta a moderada, geralmente tolerada desde que se alimentem e bebam água adequadamente.
Outros diuréticos de alça são torsemida e bumetanida. Embora haja menor experiência com estes medicamentos, podem ser úteis no tratamento de insuficiência cardíaca refratária em que se documentou resistência à furosemida ou
quando o paciente é tolerante à furosemida. A ação da torsemida é mais longa do que aquela da furosemida; ademais auxilia na inibição da aldosterona. Torsemida e bumetanida são significativamente mais potentes do que a furosemida
oral, mas não foram avaliadas em medicina veterinária. Há relatos casuais de que a dose inicial de ambos os medicamentos é, aproximadamente, um décimo daquela da furosemida.
Diuréticos tiazidas (p. ex., hidroclorotiazida, clorotiazida) diminuem a reabsorção de sódio pela inibição do cotransportador Na+/Cl no túbulo contorcido distal. Isto resulta em maior liberação de sódio e água nos ductos coletores e
subsequente aumento da excreção de hidrogênio e potássio. Embora as tiazidas sejam diuréticos relativamente fracos, têm efeito sinérgico quando administradas com diuréticos de alça e podem provocar importantes anormalidades
eletrolíticas (especialmente hipopotassemia) e desidratação, quando não utilizados criteriosamente. A hidroclorotiazida é mais comumente utilizada; a dose recomendada é 1 a 4 mg/kg VO, 1 a 2 vezes/dia. É associado a espironolactona, um
diurético que poupa potássio (ver a seguir), contido no produto aldactazida, que também pode ser administrado na dose de 1 a 4 mg/kg VO, 1 a 2 vezes/dia. Vários animais não toleram a maior dose da faixa desta variação; devese utilizar a
menor dose efetiva. Clorotiazida é administrada na dose de 20 a 40 mg/kg VO, 1 a 3 vezes/dia. Os diuréticos tiazidas geralmente são reservados àqueles casos nos quais ocorreu resistência à furosemida.
Diuréticos que poupam potássio representam a classe de diuréticos mais fracos, exibindo discreta ação diurética, às vezes indetectáveis na dose padrão, especialmente quando utilizados isoladamente. Esta classe de medicamentos
incluem aldosterona, inibidores da espironolactona e eplerenona e aqueles que inibem a reabsorção de sódio nos túbulos distais, triantereno e amilarida. Alguns cardiologistas recomendam dose subdiurética de 0,3 a 1 mg de
espirolactona/kg, 1 vez/dia, para cães com CMD subclínica ou insuficiência miocárdica em estágio inicial por seu teórico benefício na remodelação e fibrose do miocárdio e dos vasos sanguíneos mediadas por aldosterona. Um estudo de
triagem clínica em grande escala em pessoas com insuficiência cardíaca mostrou melhora significativa nas taxas de morbidade e de mortalidade em pacientes tratados com espironolactana, em comparação com aqueles que receberam
placebo, além da terapia de insuficiência cardíaca padrão. Eplerenona mostrou um efeito protetor no miocárdio de cães com insuficiência cardíaca experimentalmente induzida, embora não se tenha comprovado benefício clínico da inibição
da aldosterona em pacientes veterinários com cardiopatia de ocorrência natural. Um experimento clínico no qual utilizouse espironolactona em gatos com cardiomiopatia hipertrófica (CMH) mostrou que não houve redução da remodelação
cardíaca, tampouco melhora na função diastólica após 4 meses. Ademais, ocorreu grave dermatite ulcerativa facial em cerca de um terço dos gatos tratados com espironolactona. Consequentemente, não se recomenda o uso de
espironolactona como antirremodelação profilática em gatos.
Em geral, a espironolactona é reservada a cães e gatos refratários à dose diurética padrão, àqueles com ascite ou àqueles que desenvolveram hipopotassemia clínica importante. É administrada na dose de 1 a 3 mg/kg VO, 1 a 2 vezes/dia.
Estudos futuros podem validar seu uso em algumas cardiopatias. Eplenerona, triantereno e amilorida não são rotineiramente utilizados no tratamento de doença cardíaca em medicina veterinária.
INOTROPOS POSITIVOS: Pimobendana é um novo inodilator aprovado pela FDA em 2007 para uso em cães com ICC relacionada com a insuficiência da valva atrioventricular ou CMD. É considerado um inibidor da fosfodiesterase (PDE)
III, capaz de causar sensibilização ao cálcio. O aumento do efeito inotrópico se deve principalmente pela sensibilização do aparato cardiomiócito contrátil (principalmente troponina C) ao cálcio, com aumento mínimo do cálcio intracelular.
Isto é diferente do que acontece com outros inotropos positivos (ver a seguir) que atuam predominantemente no cálcio intracelular, podendo ocasionar arritmia, taquicardia e maior consumo de oxigênio pelo miocárdico. Ocorre
vasodilatação equilibrada por meio da inibição da PDE III, ocasionando relaxamento do músculo liso do endotélio e efluxo de cálcio. Benefícios adicionais podem incluir melhora do relaxamento miocárdico e da função diastólica, ação
antiinflamatória e anticitocinas e modulação neurohumoral.
A combinação de aumento da inotropia com redução da póscarga resulta em melhora significativa do débito cardíaco e redução marcante da pressão de preenchimento cardíaco. As melhoras clínicas notadas com o uso de pimobendana
podem ser marcantes e podem incluir melhora na qualidade de vida, melhora do quadro clínico e maior sobrevida. Até o momento não há pesquisa sobre os efeitos da combinação de pimobendana com um inibidor da ECA, porém a maioria
dos cardiologistas relata que esta combinação propicia benefícios clínicos adicionais. O efeito inotrópico do pimobendana é significativamente maior do que aquele verificado com o uso de digoxina; o pimobendana tem superado a digoxina
como droga de primeira escolha como suporte inotrópico de ICC em cães.
Há certa controvérsia quanto ao uso de pimobendana em gatos e até o momento não há estudo publicado sobre seu emprego nesta espécie. O uso de pimobendana não é aprovado em gatos e vários cardiologistas entendem que este
medicamento é contraindicado aos gatos com CMH sem disfunção sistólica documentada, especialmente quando há obstrução do fluxo do ventrículo esquerdo (como acontece na movimentação anterior sistólica da valva mitral ou na
hipertrofia de septo basal). Relatos casuais indicam que o pimobendana é bem tolerado por gatos com ICC refratária de qualquer origem e pode beneficiar especialmente os gatos com função sistólica reduzida, como pode acontecer na
cardiomiopatia dilatada restritiva não classificada ou em estágio final.
Em cães e gatos, administrase 0,2 a 0,3 mg de pimobendana/kg VO, 2 vezes/dia. À medida que a insuficiência cardíaca progride, vários cardiologistas aumentam a frequência de administração para 3 vezes/dia, em cães. É rara a
ocorrência de reações adversas e, em geral, ocorrem quando se administram altas doses; podem incluir distúrbio gastrintestinal (GI) ou, possivelmente, maior risco de arritmia. Não há evidência clínica que comprove risco
significativamente maior de arritmia em pacientes tratados com pimobendana; embora alguns estudos tenham revelado tal tendência, outros contestaram isto. O uso de pimobendana não é aprovado para uso antes do início de insuficiência
cardíaca; um estudo com animais da raça Beagle présintomáticos, com regurgitação da mitral experimentalmente induzida, revelou aumento de lesões valvulares em cães tratados com pimobendana, em comparação com cães submetidos
ao tratamento com benazepril.
As aminas simpaticomiméticas (dobutamina, dopamina) melhoram a contratilidade e o débito cardíaco pelos efeitos agonistas betaadrenérgicos e podem ser inestimáveis no tratamento imediato de choque cardiogênico ou ICC
secundária à insuficiência miocárdica. O estímulo de receptores β ligados à membrana ativa a adenilciclase, induzindo a produção de cAMP e subsequente fosforilação de canais de cálcio ligado à membrana em ambos, sarcolema
(membrana do miócito) e retículo sarcoplasmático. Estas ações celulares aumentam a contratilidade e o relaxamento do miocárdio, bem como o consumo de oxigênio. Os efeitos nos canais iônicos das células do marcapasso cardíaco e nas
fibras de condução induzem a menor limiar de despolarização, aumento da frequência cardíaca e maior velocidade de condução; todos eles predispõem à arritmia cardíaca. Nos vasos sanguíneos periféricos, a estimulação mista de β1 e
β2 tem efeito irrelevante na resistência vascular, embora o estímulo alfaadrenérgico (como ocorre com a dopamina em dose maior) pode ocasionar vasoconstrição.
A dobutamina é administrada por via IV, na forma de infusão de 2,5 a 20 μg/kg/min diluída em solução de dextrose 5%. Dose > 15 μg/kg/min raramente é necessária e pode estar associada a maior risco de taquiarritmia. Recomendase
iniciar com a menor dose, aumentando a cada 15 a 30 min, se necessário. Monitoramento concomitante com ECG é fortemente recomendado; indicase redução ou suspensão da dobutamina caso ocorra agravamento da arritmia. Como no
caso de fibrilação atrial a dobutamina aumenta a condução através do nodo AV, recomendase cuidado adicional. A dobutamina pode aumentar preferencialmente o fluxo ao miocárdio, quando comparada à dopamina, a qual tende a
aumentar o fluxo renal e mesentérico. Também, a dobutamina é menos propensa a induzir taquicardia do que a dopamina. A dopamina é administrada como infusão contínua na dose de 2 a 8 μg/kg/min; doses maiores (> 10 μg/kg/min)
estão associadas a ocorrência de hipertensão e taquicardia. Recomendase aumento gradativo da dose, como mencionado para dobutamina. Ambas, dopamina e dobutamina, podem provocar distúrbio gastrintestinal. Estes medicamentos são
menos comumente utilizados em gatos, embora possa seguir a mesma estratégia de tratamento geral, porém iniciando com dose de infusão mais conservadora (cerca de 1 μg/kg/min) para ambas, dobutamina e dopamina.
Os compostos bipiridina (milrinona, anrinona) são inibidores da PDE III. A inibição da PDE III reduz a degradação de cAMP, com efeitos subsequentes similares àqueles verificados com o uso de aminas simpaticomiméticas. Estes
medicamentos geralmente são reservados aos pacientes com insuficiência miocárdica refratária grave porque seu uso está associado a maior risco de morte do que aquele notado com o uso de aminas simpaticomiméticas. Em razão da não
dependência de estimulação do receptor β, os inibidores da PDE III não são influenciados pela infrarregulação ou separação do receptor β, que pode ocorrer na doença cardíaca progressiva; ademais, pode ser útil em situações clínicas em
que os benefícios da terapia simpaticomimética são menores do que os esperados. Adicionalmente, a inibição da PDE III vascular e a não dependência de estimulação alfaadrenérgica resulta em vasodilatação. As reações adversas notadas
com o uso de inibidores da PDE III incluem taquicardia, taquiarritmia, trombocitopenia, distúrbio GI e hipotensão em doses maiores. A anrinona é administrada na dose de 1 a 3 mg/kg IV ou como infusão contínua na dose de 10 a 80
μg/kg/min. A milrinona é significativamente mais potente do que a anrinona, mas seu uso em medicina veterinária é restrito devido ao custo e à experiência limitada.
GLICOSÍDIOS CARDÍACOS: Os glicosídios digitálicos (digoxina, digitoxina) são medicamentos inotrópicos relativamente fracos, apresentam estreita variação terapêutica e estão associados a ocorrência de reações adversas significativamente
maior, em comparação com o pimobendana. A digitoxina não está mais disponível no mercado. Embora cada vez menos utilizada por seus efeitos inotrópicos desde a introdução de pimobendana, a digoxina ainda tem importante função na
doença cardíaca, especialmente no caso de fibrilação atrial ou taquicardia supraventricular simultaneamente à ICC, pois é o único fármaco disponível que reduz a condução no nodo AV, sem efeito inotrópico negativo concomitante (ver
glicosídios cardíacos, p. 2550, para mais informações).
Rápida digitalização (IV) comumente resulta em intoxicação, não sendo recomendada. A digoxina pode ser administrada de modo conservador, iniciando com dose de 0,003 a 0,005 mg/kg, VO, 2 vezes/dia. Não se obtém teor sérico
adequado antes de 3 a 4 dias e a concentração de digoxina deve ser mensurada 5 a 7 dias após o início do tratamento, 8 h após a administração da última dose. Ajustes adicionais de doses devem ser conservadores e, por fim, com base no
teor sérico de digoxina e na resposta clínica do animal. Caso utilize digoxina em gatos, pode ser iniciada com um quarto de comprimido de 0,125 mg a cada 3 dias, para gatos com < 5 kg, e em dias alternados para gatos com > 5 kg. Alguns
gatos maiores podem tolerar dose tão alta quanto um quarto de comprimido de 0,125 mg, 1 vez/dia. Encontrase disponível na forma de elixir, mas os gatos geralmente não apreciam o paladar.
A ocorrência de reações adversas está aumentando, possivelmente quando o teor sérico é maior e, em geral, notamse distúrbios GI, cardíacos e de SNC. Em razão de sua capacidade de reduzir a condução elétrica, bem como aumentar o
cálcio intracelular, a digoxina pode provocar quase todos os tipos de arritmia cardíaca, sendo contraindicada no bloqueio AV, bradicardia relevante e taquicardia ventricular marcante. Caso ocorram reações adversas o medicamento deve ser
temporariamente suspenso (geralmente por 1 a 2 dias) e a dose subsequente reduzida em cerca de 30%.
INIBIDORES DA ENZIMA CONVERSORA DE ANGIOTENSINA (ECA): Os inibidores da ECA impedem competitivamente a atividade dessa enzima, que converte angiotensina I em angiotensina II. Isto atenua o aumento da resistência vascular
sistêmica, as reações adversas da hipertrofia e remodelação cardíaca e a liberação de aldosterona induzidos pela angiotensina II. Os inibidores da ECA são moderados vasodilatadores equilibrados. Podem reduzir a resistência vascular
sistêmica em até 25%, melhorando o débito cardíaco e reduzindo a fração regurgitante, no caso de regurgitação mitral. Além disso, os benefícios incluem diminuição da pressão de preenchimento do ventrículo esquerdo e, desse modo, a
congestão venosa pulmonar. Acreditase que os efeitos benéficos dos inibidores da ECA se devam principalmente à modulação neurohormonal, além dos benefícios hemodinâmicos. Estudos em cães com ICC mostraram melhora clínica
quando se adicionou um inibidor da ECA à terapia padrão (diurético com ou sem glicosídio digitálico), sendo verificada melhora mais evidente em cães com CMD do que naqueles com doença cardiovascular (DCV). Também, em alguns
estudos notouse tendência de prolongamento da sobrevida.
Em geral, os cardiologistas concordam que no caso de ICC é indicado um inibidor da ECA. O benefício da terapia com inibidor da ECA antes do início da ICC é mais controverso e o uso deve se basear no paciente, individualmente, e na
doença primária. Pode ser adequado iniciar o tratamento em qualquer cão com função sistólica claramente deprimida (isto é, CMD oculta) na esperança de retardar a remodelação, ou em cães com DCV e hipertensão documentada (pressão
sanguínea sistêmica > 160 mmHg), porém não há estudo bem controlado para sustentar esta afirmação. Em gatos, os estudos sobre a inibição da ECA são limitados e nenhum mostrou real benefício estatístico da inibição desta enzima, além
daquele obtido com a terapia diurética padrão em gatos com ICC. Ademais, não houve benefício algum no retardamento da progressão da CMH oculta. No entanto, estes estudos envolveram pequeno número de pacientes; a maioria dos
cardiologistas prescreve um inibidor da ECA, além do tratamento padrão, aos gatos com ICC.
As reações adversas à inibição da ECA geralmente estão relacionadas com a menor taxa de filtração glomerular (TFG) em caso de hipovolemia ou insuficiência renal preexistente, pois a angiotensina II favorece a constrição da arteríola
eferente renal em razão da menor perfusão sanguínea aos rins. Mais comumente, as reações adversas são constatadas em animais com azotemia relacionada com o deficiente débito cardíaco, à administração de diuréticos ou à insuficiência
renal preexistente. É possível notar anorexia, vômito e letargia. Não se constata tosse em cães e gatos, embora tal sintoma seja um efeito adverso comum em pessoas tratadas com inibidor da ECA. Alguns animais podem desenvolver
hiperpotassemia ou azotemia transitória após o início da terapia com inibidor da ECA. Por esta razão, recomendase a avaliação da função renal e a dosagem de eletrólitos antes de instituir o tratamento com inibidor da ECA e 5 a 7 dias
depois.
Nos EUA, o enalapril é o único inibidor da ECA aprovado para uso em cães com ICC. Em geral, a dose inicial é 0,5 mg/kg VO, 1 vez/dia, ou 0,25 mg/kg, 2 vezes/dia, em cães com insuficiência cardíaca discreta; em seguida a dose pode
ser aumentada para 0,5 mg/kg 2 vezes/dia, em cães com insuficiência cardíaca modera a grave. Em gatos, para tratamento de longa duração recomendase a dose de 0,5 mg/kg VO, 1 vez/dia. Em geral, os benefícios clínicos não são
constatados antes de 2 a 3 semanas. Durante o tratamento prolongado com inibidor da ECA os parâmetros da função renal devem ser periodicamente monitorados (pelo menos, a cada 6 meses).
Outros inibidores da ECA utilizados no tratamento de insuficiência cardíaca incluem benazepril (0,25 a 0,5 mg/kg VO, 1 a 2 vezes/dia), captopril (0,5 a 2 mg/kg VO, 2 a 3 vezes/dia) e lisinopril (0,5 mg/kg VO, 1 a 2 vezes/dia).
Diferentemente do enalapril e de outros inibidores da ECA excretados pelos rins, o benazepril passa por importante excreção hepatobiliar (até 50%, em cães, e 85% em gatos). Não se sabe se o benazepril é mais seguro ou mais efetivo em
pacientes com insuficiência renal.
VASODILATADORES: Os vasodilatadores têm efeito positivo na ICC devido à redução da précarga ou da póscarga. Os nitratos (nitroprussiato de sódio, unguento de nitroglicerina, dinitrato de isossorbida) atuam por meio de uma via final
comum, que produz maior quantidade de óxido nítrico, com subsequente ativação da monofosfato de guanosina cíclica (cGMP) e relaxamento do musculo liso do endotélio. O nitroprussiato de sódio é um potente vasodilatador que atua em
ambos os sistemas, arterial e venoso. A combinação de nitroprussiato de sódio com dobutamina pode ser especialmente útil nos casos de choque cardiogênico e edema pulmonar grave. Embora o nitroprussiato de sódio reduza a précarga e
a póscarga, de modo marcante e agudo, seu uso é limitado pela necessidade de rigoroso monitoramento e pela necessidade de administração na forma de infusão contínua. A principal reação adversa é hipotensão sistêmica (com ou sem
fraqueza, taquicardia ou vômito); desse modo, recomendase o monitoramento simultâneo da pressão sanguínea. O nitroprussiato de sódio é diluído em solução de dextrose 5% e a administração é iniciada com 1 μg/kg/min, com cuidado,
aumentando a dose a cada 5 a 10 min, até obter o efeito desejado. Em geral, a dose de 5 a 7 μg/kg/min é suficiente para controlar os sinais clínicos e, raramente, há necessidade de > 10 μg/kg/min. A administração prolongada (> 16 h)
aumenta o risco de intoxicação por cianeto.
Caso a terapia com nitroprussiato não está disponível ou não é desejável, o unguento de nitroglicerina e o dinitrato de isossorbida são redutores efetivos da précarga, embora os efeitos clínicos geralmente sejam menos previsíveis. As
reações adversas também são menos comuns, embora igualmente associadas à hipotensão. Podese notar depressão em alguns cães e gatos. A nitroglicerina é absorvida por via transcutânea; devem ser utilizadas luvas por ocasião da
administração. Aplicase aproximadamente 1/4 de polegada para cada 4,5 kg (cães e gatos), a cada 6 a 8 h, em um local sem pelos, como o pavilhão auricular ou a região inguinal. Este último local pode ser o preferível em animais com
deficiente perfusão periférica, em que o pavilhão auricular e as extremidades podem se apresentar frias ao toque. Devese limpar ou retirar o medicamento depois de 8 a 12 h ou antes de aplicar a dose seguinte. O dinitrato de isossorbida é
menos comumente utilizado. Em geral é indicado aos pacientes refratários à terapia com inibidores da ECA. É administrado na dose de 0,2 a 1,0 mg/kg VO, 3 vezes/dia. Em modelos experimentais com cães notouse tolerância aos nitratos.
Hidralazina é um potente vasodilatador arterial tipicamente reservado aos animais refratários à terapia com inibidores da ECA ou no caso de ICC aguda, quando não há disponibilidade de nitroprussiato. Seu suposto mecanismo de ação
envolve a produção de prostaglandinas vasodilatadoras. A hidralazina pode reduzir a resistência vascular sistêmica em até 40%. Frequentemente, recomendase monitoramento hospitalar no início da ação devido ao maior risco de reações
adversas relacionadas com a hipotensão (taquicardia, fraqueza, vômito, diarreia). A dose inicial recomendada é 0,5 mg/kg VO, 2 vezes/dia, com aumento gradativo, tão alta quanto 2,0 mg/kg, VO, 2 vezes/dia, até obter o efeito desejado. Em
gatos, podese administrar 2,5 mg/animal VO, 1 a 2 vezes/dia.
Anlodipino é um bloqueador de canal de cálcio com seletividade vascular periférica e efeito vasodilatador moderado. Ação cardíaca direta (redução de inotropia e condução) é incomum nas doses padrões. O anlodipino tem um início de
ação relativamente demorado e tipicamente é reservado aos animais refratários ou que não toleram a terapia com inibidor da ECA ou para aqueles com hipertensão sistêmica grave. As reações adversas geralmente estão relacionadas com a
hipotensão e são incomuns quando se realiza aumento gradativo da dose. Em cães, inicia–se o tratamento com 0,1 mg/kg VO, 2 vezes/dia, aumentando semanalmente até a dose almejada de 0,2 mg/kg, 1 a 2 vezes/dia. Em gatos, geralmente
iniciase com 0,625 mg (um quarto de comprimido de 2,5 mg), 1 vez/dia, aumentando gradativamente a dose até obter o efeito desejado, até 1,25 mg, 2 vezes/dia, em alguns casos.
Inibidores da fosfodiesterase tipo V (PDEV) (sildenafila, tadalafila) são vasodilatadores mistos com seletividade pulmonar. Seu mecanismo de ação é semelhante àquele dos nitratos, com aumento comum no segundo mensageiro
cGMP. Os inibidores PDEV são utilizados no tratamento de hipertensão arterial pulmonar moderada a grave. Estudos em cães revelaram moderada melhora clínica, com redução mínima da pressão da artéria pulmonar. Há relatos casuais
de que os inibidores PDEV parecem propiciar benefícios clínicos mais evidentes aos animais com síncope decorrente de hipertensão pulmonar. As reações adversas são incomuns, mas é possível notar distúrbio GI e sintomas relacionados
com a hipotensão (especialmente quando associados a outros nitratos, o que é contraindicado). O custo é uma limitação importante ao uso de inibidores PDEV, especialmente em pacientes maiores. Em cães e gatos, administrase 1 a 2 mg
de sildenafila/kg VO, 2 a 3 vezes/dia. A dose de tadalafila é 1 mg/kg VO, 1 a 2 vezes/dia.
ANTIARRÍTMICOS: Uma discussão detalhada do tratamento antiarrítmico encontrase em outra parte (ver p. 2556). Vários antiarrítmicos apresentam efeitos inotrópicos negativos, com risco de agravar a ICC ativa. No tratamento de
taquiarritmia supraventricular isto ocorre mais provavelmente com o uso de bloqueadores de canal de cálcio ou betabloqueadores. A decisão terapêutica pode ser um desafio quando se suspeita que uma taquiarritmia está agravando a ICC
em razão da redução do tempo de preenchimento ventricular durante a diástole. Adicionalmente, isto é confuso pelo fato de que os animais com insuficiência cardíaca geralmente apresentam aumento do tônus simpático, o que pode agravar
a taquiarritmia. Desse modo, há certa controvérsia quanto se a taquiarritmia discreta a moderada (frequência cardíaca de até 180 bpm) deve ser tratada ou simplesmente monitorada, enquanto se espera melhor controle terapêutico da
insuficiência cardíaca.
Há pouca discussão sobre se a taquiarritmia contínua grave (> 180 a 220 bpm) deve ser tratada. Como mencionado anteriormente, a digoxina é o tratamento de escolha da maioria dos pacientes com fibrilação atrial ou taquiarritmia
supraventricular, na ICC. No entanto, os efeitos da digoxina geralmente não são notados antes de 3 a 5 dias e, em vários casos, o medicamento é apenas moderadamente efetivo na redução da taxa da resposta ventricular à fibrilação atrial.
Diltiazen ou betabloqueadores, como atenolol, frequentemente são acrescentados ao uso de digoxina por favorecerem gradativa condução no nodo AV e reduzirem a taxa de resposta ventricular (betabloqueadores não devem ser utilizados
quando há ICC ativa). Se a adição de diltiazen ou de betabloqueadores resulta em piora dos sintomas de congestão, eles devem ser suspensos até que o animal se livre da ICC. Outras opções para o tratamento de fibrilação atrial ou
taquicardia supraventricular, na ICC, incluem procainamida ou amiodarona (ver p. 2556).
Geralmente tentase o tratamento de arritmia ventricular importante (batimentos ventriculares sucessivos revelando a condição RsobreT) ou taquicardia (> 160 a 180 bpm), na presença de ICC, com antiarrítmicos classe IB (lidocaína ou
mexilitina) ou amiodarona. Todas estas drogas apresentam mínimo a discreto efeito inotrópico negativo. Sotalol, uma classe de antiarrítmico III com propriedades betabloqueadoras, também pode ser útil, embora apresente mais efeitos
inotrópicos negativos e possa não ser tolerado quando há importante disfunção miocárdica ou ICC.
Bradiarritmia crônica, como aquela constatada no bloqueio AV (segundo grau alto ou terceiro grau) ou na síndrome do seio doente, também pode induzir à ICC e nestes animais o tratamento de escolha é implante de marcapasso. Caso
esta não seja uma opção viável podese administrar anticolinérgicos ou simpaticomiméticos. Propantelina é um anticolinérgico de uso oral administrado na dose de 0,25 a 0,5 mg/kg VO, 2 a 3 vezes/dia. As reações adversas incluem
taquicardia e distúrbio GI. Teofilina é um inibidor não seletivo da PDE, com moderado efeito cronotrópico, administrada na dose de 9 mg/kg VO, 3 a 4 vezes/dia, em cães, e de 4 mg/kg VO, 2 a 3 vezes/dia, em gatos. Também, está
disponível como preparação de liberação prolongada, administrada na dose de 10 a 15 mg/kg VO, 2 mg/kg VO, a cada 24 a 48 h, em gatos. As reações adversas podem incluir inquietação, excitabilidade, taquicardia ou distúrbio GI.
Terbutalina é um betaagonista que também possui moderado efeito cronotrópico e induz reações adversas similares àquelas notadas com o uso de teofilina. É administrada na dose de 1,25 a 5 mg VO, 3 vezes/dia, em cães, e de 0,625 mg, 2
vezes/dia em gatos. Tentativas para controlar bradiarritmias clinicamente importantes com terapia oral frequentemente são pouco compensadoras, embora em alguns pacientes o quadro clínico geral possa melhorar.
BLOQUEADORES BETAADRENÉRGICOS COMO CARDIOPROTETORES: Ainda não se sabe se os betabloqueadores melhoram as taxas de morbidade e mortalidade em animais cardiopatas, porém estudos em pessoas indicam que há base
teórica e experimental para sustentar sua eficácia. Testes clínicos em cães com CMD ou DCV não mostraram benefícios clínicos ou neurohormonais significantes com a administração de carvedilol, um bloqueador betaadrenérgico de
terceira geração. Os cães com insuficiência cardíaca experimentalmente induzida mostraram melhora mensurável no desempenho cardíaco após a administração de metropolol, porém estes eram modelos de cardiomiopatia isquêmica, que é
uma causa incomum de CMD nesta espécie.
Vários cardiologistas utilizam bloqueadores betaadrenérgicos em cães com disfunção sistólica ou diastólica confirmada e acreditase que é possível obter melhores resultados clínicos caso estes medicamentos sejam iniciados mais
precocemente, no início da doença, e com aumento gradativo da dose. Em animais com doença oculta ou insuficiência cardíaca compensada parecem ser bem tolerados quando se aumenta a dose cuidadosamente, cessando quando se atinge
a maior dose tolerada, que não provoca fraqueza, letargia ou outros sinais clínicos associados à hipotensão ou redução do débito cardíaco. Carvedilol e metoprolol são os medicamentos mais comumente utilizados nesta situação. Em geral,
iniciase a administração com dose de 0,2 a 0,4 mg de carvedilol/kg VO, 2 vezes/dia, em cães, aumentando gradativamente a cada 1 a 2 semanas, até dose máxima de 1,5 mg/kg, 2 vezes/dia. Metoprolol é iniciado com 0,5 mg/kg VO, 2 a 3
vezes/dia, em cães, aumentando até 1 mg/kg VO, 2 a 3 vezes/dia. Em gatos, a dose recomendada de metoprolol é 2 a 15 mg VO, 3 vezes/dia. Também, pode–se recomendar atenolol (6,25 a 12,5 mg/gato, 2 vezes/dia) para proteção
miocárdica, em gatos. Há alguns dados associando o uso de atenolol em gatos com CMH e ICC, com recuperação menos eficiente; caso desenvolva ICC devese propiciar reduzir a dose ou suspender o uso do medicamento.
CONSIDERAÇÕES NUTRICIONAIS: Podem ocorrer alterações metabólicas importantes nos animais com insuficiência cardíaca. A suprarregulação do SRAA ocasiona aumento do volume plasmático, basicamente mediado pela maior retenção
de sódio. Maior produção de citocinas inflamatórias, como fator de necrose tumoral e interleucina 1, pode favorecer o aumento da demanda metabólica e contribuir para anorexia, desse modo, agravando a condição de “caquexia cardíaca”.
Estudos em pessoas e um estudo recente em cães mostra que pacientes com ICC que perderam peso ao longo destes estudos apresentaram prognóstico ruim. Em alguns pacientes, deficiências nutricionais (de taurina, carnitina, coenzima
Q10) estão associadas a redução do desempenho miocárdico. Documentouse diminuição dos teores de ácidos graxos circulantes em pessoas e cães com insuficiência cardíaca. Portanto, o manejo nutricional geral no tratamento de animais
com insuficiência cardíaca inclui suplementação adequada de calorias, modulando a síntese de citocinas proinflamatórias, controlando o equilíbrio de sódio e propiciando nutrientes possivelmente deficientes.
O conceito de que a restrição de sódio reduz o volume plasmático circulante e, assim, a précarga, está bem estabelecida. No entanto, sabidamente a restrição de sódio ativa o SRAA, mas há certa controvérsia quanto à importância da
restrição de sódio em animais com doença cardíaca assintomática ou ICC discreta ou moderada. Por outro lado, há quase que unanimidade universal de que a restrição de sódio moderada a grave é indicada aos animais com ICC avançada.
Recomendase apenas discreta restrição de sódio (< 80 a 90 mg/100kcal) a pacientes com remodelação cardíaca moderada a intensa, ainda sem ICC (International Small Animal Cardiac Health Council [ISACHC] Classe IB). Também, é
importante orientar os proprietários no sentido de evitar o fornecimento de alimentos e guloseimas com alto teor de sódio, pois alta carga de sódio aguda (como pode acontecer em animais alimentados com sobras de alimentos ou petiscos
para pessoas) pode precipitar ICC em animais com doença cardíaca compensada. Para animais com insuficiência cardíaca discreta a moderada (ISACHC Classe II) recomendase restrição de sódio moderada (50 a 80 mg/kcal). Em alguns
animais que no momento apresentam caquexia cardíaca, pois alimentos com menor teor de sódio podem ser menos palatável, isto representa um desafio terapêutico.
A suplementação com ácidos graxos n3 mostrou vários benefícios em pacientes humanos com ICC e um estudo recente em cães sugeriu também benefícios antiarrítmicos. Estes ácidos graxos podem reduzir os teores de citocinas
inflamatórias circulantes e parece melhorar o apetite de alguns cães com caquexia cardíaca. Recomendamse doses diárias de 40 mg de ácido eicosapentaenoico (EPA)/kg e 25 mg de ácido docosahexaenoico (DHA)/kg.
Indicase suplementação com taurina aos animais com deficiência deste nutriente e CMD documentada. Em gatos, a ocorrência de CMD diminuiu muito assim que se identificou a deficiência de taurina como causa primária da doença
no final dos anos da década de 1980. A deficiência de taurina também foi documentada em alguns gatos com CMD alimentados com dieta não comercial. Em gatos, podese iniciar a suplementação com dose de 250 mg, 1 a 2 vezes/dia,
enquanto se aguarda os resultados dos teores de taurina no plasma e no sangue total. Os cães são capazes de sintetizar taurina endógena; assim, a deficiência é menos comum nesta espécie. No entanto, cães das raças American Cocker
Spaniel, Golden Retriever e Newfoundland são relativamente predispostas à deficiência de taurina, especialmente quando alimentados com carne de cordeiro e arroz ou com dieta rica em fibras e com baixo teor de proteína/taurina. Deve–se
obter os teores de taurina no sangue total e no plasma de todos os cães com suspeita de cardiomiopatia por deficiência de taurina e a suplementação pode ser iniciada na dose de 500 a 1.000 mg VO, 2 a 3 vezes/dia, enquanto se aguarda os
resultados dos exames laboratoriais.
lcarnitina tem importante função no metabolismo de ácidos graxos e produção de energia. Deficiência de carnitina foi documentada em uma família de cães da raça Boxer; há relato casual de que a suplementação de carnitina em cães
de outras raças com CMD mostrou alguma eficácia. Nestes cães, não se sabe se esta deficiência é a causa ou a consequência da cardiomiopatia. O diagnóstico de deficiência de carnitina é difícil e requer biopsia do endomiocárdio. Também,
o custo da suplementação é alto; não é recomendada rotineiramente em razão do conhecimento limitado sobre a participação da carnitina na cardiomiopatia, em cães. Todavia, podese propor suplementação com 50 a 100 mg/kg VO, 2 a 3
vezes/dia, aos cães com CMD, especialmente da raça Boxer.
A coenzima Q10 está envolvida na produção de energia mitocondrial e possui propriedades antioxidantes gerais. Há relatos casuais de benefícios da suplementação em pessoas e cães com CMD, porém estudos bem controlados são falhos
e alguns relatos são contraditórios. Atualmente a dose recomendada para cães é 30 a 90 mg VO, 2 vezes/dia.
OXIGENOTERAPIA: A presença de edema pulmonar em animais com ICC aumenta a distância de difusão alveolararterial do oxigênio aos capilares pulmonares. O fornecimento de oxigênio suplementar aumenta o gradiente de difusão
alveolararterial e, desse modo, aumenta o conteúdo de oxigênio arterial. O oxigênio pode ser administrado em uma cabine apropriada, bem como por meio de fluxo, cânula nasal ou colar de oxigênio (construído mediante o revestimento de
50 a 75% da parte ventral de um colar Elisabetano com plástico aderente e fixando o tubo de oxigênio ao longo da parte ventral do colar). A cabine de oxigênio pode ser menos estressante ao paciente, mas o custo é alto porque há
necessidade de alto fluxo de oxigênio para obter a concentração terapêutica (> 40% de oxigênio inspirado). O colar de oxigênio permite obter concentração muito alta de oxigênio inspirado (até 80%), mas pode necessitar ligeira sedação
para aumentar a complacência do paciente.
TORACOCENTESE: A efusão pleural reduz a área disponível para a ventilação alveolar e, consequentemente, a oxigenação arterial. Toracocentese é o tratamento mais efetivo em animais com volume significativo de efusão ou com angústia
respiratória. No entanto, devese ter cautela em pacientes particularmente estressados, os quais podem necessitar prétratamento com oxigênio, dose moderada de furosemida e ligeira sedação. A terapia diurética é relativamente ineficaz na
resolução de grande volume de efusão pleural aguda, sendo provável o desenvolvimento de hipovolemia com azotemia quando se utiliza esta estratégia de tratamento (ou seja, administração de doses de diurético altas o suficiente para
reduzir significativamente a efusão pleural).
ABDOMINOCENTESE: A ascite pode causar desconforto abdominal e agravar a dispneia devido à redução da capacidade pulmonar disponível. Nos animais com ascite continuada, nos quais o aumento da dose de diurético não é uma opção,
podese realizar abdominocentese a cada 2 a 4 semanas com intuito de melhorar o conforto e a qualidade de vida do paciente.
TERAPIAS AUXILIARES: Geralmente o tratamento com broncodilatadores (teofilina, terbutalina) é reservado aos pacientes com doença de vias respiratórias crônica, que não é incomum em cães de raças pequenas mais velhos. Devese ter
cuidado com animais com ICC, especialmente com taquiarritmia, devido aos efeitos simpaticomiméticos destes medicamentos. Temse utilizado teofilina com algum sucesso em cães com DCV e síncope, em razão de sua ação vagolítica.
As doses de teofilina e de terbutalina são aquelas indicadas no tratamento de bradiarritmias (ver texto anteriormente).
Supressores de tosse podem auxiliar no alívio da tosse relacionada com a compressão do brônquio principal pelo aumento do átrio esquerdo. Também, notase tosse associada à doença de vias respiratórias reativas (asma cardíaca). No
entanto, devese ter cuidado com pacientes portadores de ICC porque a supressão da tosse pode mascarar o agravamento de edema pulmonar. Terapia antitussígena comum utilizada em cães com cardiopatia inclui 0,05 a 0,3 mg de
butorfanol/kg VO, 3 a 4 vezes/dia, ou 0,22 mg de hidroclorona/kg VO, 2 a 3 vezes/dia.
Pode ser necessária terapia ansiolítica para animais com angústia respiratória grave decorrente de ICC. Tradicionalmente, tem se recomendado o uso de morfina para aliviar a ansiedade em cães e pessoas com ICC, em razão de suas
propriedades sedativas e venodilatadores concomitantes (e, assim, reduz a précarga). Recomendase 0,1 a 0,25 mg de morfina/kg SC. As reações adversas mais comuns incluem depressão respiratória e náuseas ou vômito. Em geral, evita
se o uso de morfina em gatos porque pode induzir agitação e disforia. Butorfanol é um agonista/antagonista opiáceo parcial, com efeitos cardiovasculares mínimos. Em cães e gatos podese utilizar uma dose sedativa de 0,2 a 0,5 mg/kg, por
via IM ou IV. O butorfanol também pode ser associado a uma benzodiazepina (midazolam ou diazepam), sendo a dose do último também de 0,2 a 0,5 mg/kg IM ou IV. Os tranquilizantes fenotiazínicos (p. ex., acepromazina) podem ser
utilizados para minimizar ansiedade grave; no entanto, induzem vasodilatação devido ao efeito bloqueador e deve ser utilizado com cautela, se realmente necessário, em animais com hipotensão sistêmica ou comprometimento
hemodinâmico grave. Quando há necessidade de ansiólise potente podese utilizar baixa dose, de 0,01 a 0,1 mg/kg IM ou IV.
TROMBOSE, EMBOLIA E ANEURISMA
Trombo é uma agregação de plaquetas e fibrina que se forma sob determinadas condições. Historicamente, estas condições incluem uma combinação de estase sanguínea (redução do fluxo), lesão endotelial e estado de hipercoagulação. O
trombo pode se desenvolver em uma câmara cardíaca e nela se aderir (mural) ou menos provavelmente pode permanecer livre (massa arredondada) ou no interior do vaso sanguíneo onde pode causar obstrução parcial ou total. O trombo
pode ser classificado com base em sua localização e na síndrome clínica que ocasiona (p. ex., trombose de veia jugular em grandes animais associada à cateterização venosa prolongada, trombose da artéria pulmonar associada à
dirofilariose, em cães).
O trombo pode se partir totalmente ou parte dele e ser transportado na corrente sanguínea na forma de um êmbolo que se instala distalmente em um ponto no qual o tamanho do êmbolo excede o diâmetro vascular. Técnicas de
cateterização e de injeção inadequadas e cateter de má qualidade podem resultar em trombose vascular. No entanto, com mais frequência notase trombose vascular clinicamente relevante em pacientes com doença primária que induz uma
condição de hipercoagulação, como acontece na inflamação sistêmica e endotoxemia ou deficiência de antitrombina. Caso não se institua tratamento ou controle, a condição trombótica sistêmica pode resultar em diátese hemorrágica ou
coagulação intravascular disseminada (CID), um distúrbio hemostático com risco à vida do animal associado à deposição de microtrombos e consumo de fatores de coagulação, que resultam em hemorragia concomitante.
O trombo pode ser formado em artérias e veias, tanto de pequeno quanto de grande calibre. Equinos e bovinos são mais suscetíveis à ocorrência de trombos venosos, enquanto em cães e gatos os trombos arteriais têm maior importância
clínica.
Embolização ou trombose arterial resulta em isquemia dos tecidos irrigados pelo vaso infartado. Os êmbolos decorrentes de doenças infecciosas, como endocardite, são classificados como sépticos (êmbolo com bactérias). Êmbolos
sépticos podem resultar em disseminação de bactérias e infecção aos leitos capilares distais. Embora a tromboembolia arterial seja clinicamente relevante em animais domésticos, a doença obstrutiva arterial primária (trombose arterial) é
uma rara exceção. Relatase trombose de artérias de membro, com claudicação e gangrena, em equinos adultos e potros. Esta ocorrência é secundária à hipercoagulação e inflamação sistêmica (p. ex., sepse em potros).
Aneurisma é uma dilatação vascular causada pelo enfraquecimento da túnica média dos vasos sanguíneos. Esse enfraquecimento pode ser primário ou secundário a alterações degenerativas ou inflamatórias progressivas a partir de uma
lesão na camada íntima. Falso aneurisma é causado por lesão das três camadas da parede arterial e resulta em acúmulo extravascular de sangue. A lesão endotelial associada ao aneurisma verdadeiro pode predispor à formação de um trombo
e, consequentemente, embolização; portanto, aneurisma, trombo e êmbolo podem ser detectados simultaneamente. No entanto, aneurismas são raros ou incomuns em animais dométicos.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Com frequência, a dispneia de início agudo está associada a trombose/embolia pulmonar, embora alguns pacientes possam manifestar hemoptise; este último achado é mais comumente associado a
doença arterial pulmonar, como dirofilariose (p. 96). Trombos cardíacos sépticos estão associados a endocardite; trombos cardíacos assépticos estão relacionados com doença do miocárdio, principalmente em gatos. Infarto no sistema
urogenital pode se manifestar na forma de hematúria, dor abdominal e rigidez. Infarto esplâncnico geralmente resulta em dor abdominal e, em pequenos animais, vômito.
Aneurismas não causam sinais clínicos, a menos que haja hemorragia ou desenvolvimento de trombo associado. Exceto nos casos de aneurisma dissecante em perus (p. 2890), ruptura aórtica ou do seio de Valsalva na morte súbita em
equinos, hemorragia associada a micose da bolsa gutural em equinos (p. 1556) ou com aneurisma de artéria pulmonar em bovinos, raramente nota–se hemorragia espontânea do aneurisma; geralmente os sinais clínicos são relacionados com
a trombose. Em grandes animais, o aneurisma da artéria aorta abdominal e de seus ramos pode ser palpado por VR, notandose uma tumefação firme fixa com superfície irregular e rugosa, que apresenta pulsos concomitantes aos
batimentos cardíacos. É possível notar frêmito. No caso de formação excessiva de trombos o pulso pode ser retardado distalmente e apresentar uma lenta taxa de aumento de pressão, ou pode estar ausente. Outros exames auxiliares de
diagnósticos úteis são ultrassonografia e angiografia.
Bovinos: Trombose da veia cava caudal é notada juntamente com abscesso hepático e erosão vascular do abscesso. Pneumonia embólica com abscedação pulmonar secundária, tromboembolia e aneurisma da artéria pulmonar são sequelas
comuns. Os animais acometidos podem apresentar tosse, taquipneia, dispneia e ruídos pulmonares anormais. Aneurisma de artéria pulmonar que contém êmbolo séptico pode se romper e causar hemorragia intrapulmonar ou o abscesso
pulmonar pode se romper para interior dos brônquios, resultando em hemorragia em vias respiratórias. Dentre as sequelas dessas anormalidades incluemse epistaxe, hemoptise e morte. Geralmente os resultados de exames laboratoriais
indicam síndrome da veia cava, porém são inespecíficos. Hiperfibrinogenemia, anemia e, em alguns casos, abscessos ativos podem aumentar a atividade de enzimas hepáticas. Embolia arterial pulmonar e pneumonia embólica também são
complicações frequentes de endocardite de valva pulmonar ou tricúspide em bovinos, mas raramente se desenvolve aneurisma. Com frequência nota–se febre intermitente e anorexia em razão da bacteriemia, quando há manifestação
embólica, e o animal tipicamente tem histórico de infecção crônica ativa (p. ex., abscesso de pata, abscesso reticular). A maioria dos casos de endocardite de câmara cardíaca direita em bovinos é de origem bacteriana e comumente está
associada a sopro cardíaco de intensidade máxima no sítio de auscultação da valva tricúspide. Ecocardiografia e hemocultura são úteis na identificação de lesões vegetativas do coração direito e da bactéria causadora, respectivamente. Em
bovinos, a trombose da veia cava cranial causa dilatação bilateral da jugular, edema de cabeça, submandibular e da região peitoral e hiperemia evidente de membrana mucosa oral. Entretanto, sintomas semelhantes são verificados na
insuficiência cardíaca congestiva direita, que pode ser uma sequela de endocardite da valva tricúspide. Pode haver importante edema de língua, de faringe ou de laringe, resultando em disfagia e dispneia.
Equinos: Trombose da veia cava cranial pode ser decorrente da extensão de um trombo jugular. Em equinos, trombose da veia jugular frequentemente está associada a flebite secundária à cateterização ou extravasamento da solução injetável,
causando edema, hipertermia e dor no local acometido. Trombose bilateral das veias jugular pode causar edema e tumefação de cabeça e pescoço, mimetizando sinais de trombose da veia cava cranial. O exame ultrassonográfico da veia
acometida pode determinar a extensão do trombo e o grau de oclusão. A ultrassonografia Doppler é um método mais sofisticado de determinação do fluxo sanguíneo e da patência vascular. Na suspeita de tromboflebite associada a uso de
cateter podemse realizar hemocultura e cultura microbiológica da extremidade do cateter. Equinos que apresentam colite e outras anormalidades gastrintestinais são mais predispostos à trombose jugular; ruminantes são muito menos
sujeitos à trombose jugular, em comparação com os equinos.
Larvas de Strongylus vulgaris migrantes (p. 360) podem causar arterite, com desenvolvimento de trombo e aneurisma verminótico na artéria aorta, mesentérica cranial ou ilíaca. Em alguns equinos os êmbolos ocluem parcial ou
totalmente os ramos terminais das artérias mesentéricas. Os segmentos intestinais afetados apresentam alterações que variam desde isquemia até infarto hemorrágico. Os sinais clínicos são os mesmos notados nos casos de cólica,
constipação intestinal ou diarreia. Com frequência, há recidiva de sintomas de cólica e os episódios podem ser graves e duradouros. A recente disponibilização de novos antihelmínticos e de melhores protocolos terapêuticos tem tornado a
arterite verminótica uma doença incomum.
Trombose, com ou sem aneurisma das artérias aorta terminal e ilíaca proximal, causam uma síndrome característica em equinos. Embora associada a parasitismo, é possível que haja outras causas envolvidas. Os equinos acometidos
parecem normais quando em repouso; entretanto, exercícios gradativos resultam no agravamento da fraqueza dos membros e em claudicação uni ou bilateral, tremor muscular e sudorese. Os animais gravemente afetados podem manifestar
sinais de intolerância a exercício, fraqueza e claudicação atípica, sinais que regridem após um curto período de descanso. Podese detectar temperatura subnormal nos membros afetados, juntamente com diminuição ou ausência de pulso
arterial e retardo e diminuição no tempo de preenchimento capilar. A palpação retal pode mostrar variação na amplitude do pulso da artéria ilíaca interna ou externa (ou de ambas) e vasos assimétricos. Nos casos graves os músculos dos
membros pélvicos se atrofiam, com possível claudicação quando o animal é submetido a exercício leve. Em equinos, a oclusão embólica ou trombótica completa da aorta distal pode causar paralisia bilateral aguda dos membros pélvicos,
bem como decúbito. Os animais afetados tornamse ansiosos, manifestam sinais de dor e rapidamente desenvolvem choque. Os membros pélvicos apresentamse frios e a palpação retal revela ausência de pulso na artéria ilíaca. A
ultrassonografia transrretal pode ser útil na avaliação do fluxo sanguíneo das artérias aorta e ilíaca.
Cães e Gatos: Em cães, e menos comumente em gatos, a dirofilariose pode causar trombose de artéria pulmonar que comumente resulta em dispneia e taquipenia. Os animais acometidos frequentemente apresentamse normais até que ocorra
início abrupto de tosse, angústia respiratória ou morte súbita. As radiografias do tórax podem ser normais ou indicar subperfusão do lobo pulmonar acometido, infiltrado alveolar intersticial ou efusão pleural. A hemogasometria tipicamente
indica hipoxemia com concentração sanguínea de CO2baixa ou normal. A avaliação por meio de varredura da ventilação/perfusão com gases e macroagregado de albumina marcada com radionuclídio ou a angiografia pulmonar pode
confirmar o diagnóstico. Em cães e gatos, outras doenças associadas a embolia pulmonar incluem glomerulopatia, hiperadrenocorticismo, anemia hemolítica imunomediada e neoplasia.
Em gatos, a embolia cardiogênica (tromboembolia arterial) é uma grave complicação de cardiomiopatias, inclusive das formas hipertrófica, dilatada, restritiva e aquela não classificada (p. 117). Trombos intracavitários geralmente se
formam no átrio esquerdo dilatado, onde há estase do fluxo, ou menos comumente, em áreas anormais do ventrículo esquerdo. Embora esta condição seja pouco compreendida, estes animais mais provavelmente apresentam algum
distúrbio de hipercoagulação primário porque os gatos com cardiomiopatia não desenvolvem embolia cardiogênica. Partes destes trombos intracavitários podem se desprender e originar êmbolos que ocasionam infarto de ramos arteriais,
mais comumente na bifurcação aórtica (êmbolo em sela). Os sinais clínicos incluem dor e paresia ou paralisia de membros pélvicos decorrente de lesão de neurônio motor inferior. O pulso arterial (ou femoral ou podal) encontrase
diminuído ou ausente nos membros acometidos, os quais apresentam temperatura abaixo do normal e tumefação firme na parte ventral do músculo. Esses sintomas podem ser unilaterais, bilaterais ou bilaterais, mas assimétricos. Os
êmbolos também podem causar infarto de outros leitos arteriais, inclusive do membro torácico direito, renal e esplâncnico, cerebral e miocárdico. A descompensação da doença miocárdica primária não é incomum e pode resultar em
insuficiência cardíaca congestiva (edema pulmonar ou efusão pleural). Isquemia e necrose de músculo de membro pélvico infartado resultam em elevação das atividades séricas de CK e AST. A ecocardiografia é a modalidade de obtenção
de imagem preferida para avaliar a função e as estruturas cardíacas, bem como a presença de um trombo intracardíaco. Estudos da perfusão nucleares, utilizando radioisótopo 99mTc, pode propiciar informação confiável a respeito do grau de
perfusão dos membros pélvicos e da área que pode necessitar amputação.
TRATAMENTO: O tratamento de endocardite inclui o uso prolongado de antibióticos (várias semanas) e, em alguns casos, administração intermitente de medicação antipirética e antiinflamatória. A escolha do antibiótico deve se basear nos
resultados da hemocultura e do antibiograma. O prognóstico quanto à recuperação, na melhor das hipóteses, é ruim a reservado; é comum doença cardíaca debilitante persistente mesmo quando a infecção ativa pode ser controlada.
Em equinos e bovinos, o tratamento de trombose venosa geralmente se limita à terapia de suporte, incluindo fluidoterapia, antiinflamatórios e antimicrobianos sistêmicos, a fim de controlar a sepse secundária. Em equinos, temse
realizado com sucesso a remoção cirúrgica da veia jugular acometida por trombose; contudo, a menos que ambas as veias estejam gravemente acometidas, a inflamação regride com o tratamento medicamentoso e a formação de vasos
colaterais geralmente resulta em circulação venosa suficiente. Trombose da veia cava caudal ou cranial resulta em sinais clínicos mais graves, os quais necessitam terapia mais agressiva, inclusive medicamentos trombolíticos ou remoção
intravascular/cirúrgica. A resposta à terapia oral prolongada geralmente é inadequada, resultando em prognóstico desfavorável.
Procedimentos que minimizam traumatismos à veia e contaminação bacteriana continuam sendo o melhor meio de prevenção de trombose venosa. Devese ter muito cuidado durante a introdução de cateter ou a aplicação de injeção IV. É
desconhecida a eficácia da terapia antiplaquetária (100 mg de ácido acetilsalicílico/kg, 1 vez/dia), terapia anticoagulante (40 a 80 UI de heparina não fracionada/kg, SC, 2 a 3 vezes/dia) e heparina de baixo peso molecular, com intuito de
facilitar a resolução intrínseca do trombo, mas pelo menos previne a formação adicional de trombo.
Em equinos, os aneurismas causados por Strongylus vulgaris raramente se rompem; a principal preocupação é a ocorrência de tromboembolia em vasos intestinais e, em consequência, cólica. Geralmente, a parede arterial encontrase
suficientemente envolvida, de forma que é inviável a remoção do trombo. O tratamento antibacteriano e antihelmíntico com intuito de destruir as larvas migrantes tem valor considerável. Nos equinos, a abordagem mais racional para
trombose mesentérica cranial e aórticoilíaca é a prevenção e o controle da estrongilose (p. 360).
Em gatos, o controle agudo de êmbolo aórtico pode ser obtido de várias maneiras. Mais de 50% dos gatos que sobrevivem ao evento cardioembólico recuperam parte da função dos membros pélvicos após 4 a 6 semanas, sem uso de
terapia específica. O tratamento mais agressivo direcionado à dissolução do trombo, com uso de droga tromboembólica ou intervenção reolítica, resulta em melhor recuperação funcional, porém a taxa de sobrevivência não é melhor do que
aquela obtida com terapia conservadora. Em geral, o tratamento conservador consiste em controle da dor (0,08 a 0,03 mg de hidromorfona/kg SC IM ou IV a cada 2 a 6 h; ou 0,005 a 0,01 mg de cloridrato de buprepernofina/kg SC, IM ou
IV, 2 a 4 vezes/dia) e terapia anticoagulante (250 a 375 UI de heparina/kg IV, seguida de 150 a 250 UI/kg, SC, 3 a 4 vezes/dia). O tempo de tromboplastina parcial ativada pode ser utilizado para monitorar a terapia com heparina, cujo
objetivo é obter o valor de 1,5 a 1,7× o valor prétratamento. Devese utilizar terapia antiplaquetária (75 mg de clopidogrel, VO, uma vez, seguida de 18,75 mg, VO, 1 vez/dia), com intuito de reduzir adicionalmente o risco de trombose;
além disso, pode ser benéfica na formação de circulação colateral. Na terapia trombolítica podese incluir estreptoquinase (90.000 UI/gato/IV, ao longo de 20 min, seguida de 45.000 UI na forma de infusão contínua, durante 2 a 24 h),
ativador de plasminogênio tipo tecidual recombinante (tPA, 0,25 a 1 mg/kg/h IV, até dose total de 1 a 10 mg/kg) ou uroquinase (4.400 UI/kg IV ao longo de 10 min, seguida de 4.400 UI/kg/h por 12 h). Esses medicamentos ocasionam
trombólise por transformarem o plasminogênio em plasmina que, subsequentemente, se quebra em bandas de fibrina. A estreptoquinase é considerada um ativador inespecífico do plasminogênio porque ela ativa a fibrina circulante, bem
como a fibrina contida no trombo/êmbolo, a qual pode induzir um estado proteolítico sistêmico, bem como hemorragia. Embora a uroquinase e o tPA sejam mais específicos para fibrina do que a estreptoquinase, também é possível notar
hemorragia com o uso destas drogas. Temse mostrado que o emprego de fármacos antiplaquetários, como clopidogrel, acelera a dissolução do trombo e reduz a instalação de nova trombose arterial aguda, em estudos experimentais e em
testes clínicos em pessoas, respectivamente. Todavia, em estudo in vitro com felinos não se constatou diferença significativa na taxa de trombólise. Não se sabe se estes resultados podem ser aplicados à doença clínica natural. Terapia
trombolítica parece dar melhor resultado em gatos com infarto incompleto ou unilateral. Entretanto, estes gatos podem responder bem à terapia conservadora, sem risco de lesão de reperfusão ou custo destes medicamentos. Embora seja
mais provável que um infarto total grave desenvolva lesão de reperfusão com a terapia trombolítica é muito improvável que estes gatos se recuperem apenas com tratamento conservador, de modo que esta pode ser a melhor opção para a
sobrevivência do animal.
A taxa de sobrevivência relatada para infarto aórtico inicial é semelhante quando se compara o uso de terapia conservadora (35 a 39%) e tratamento trombolítico (33%). Gatos com infarto de apenas um membro pélvico respondem muito
melhor (68 a 93%) do que aqueles com infarto bilateral destes membros (15 a 36%), independente do tratamento empregado.
Historicamente, o ácido acetilsalicílico (25 mg/kg, VO, em intervalos de 48 a 72 h, ou 5 mg/gatos, VO, cada 48 a 72 h) tem sido a terapia preventiva mais amplamente utilizada na prevenção de doença cardioembólica de gatos. Inibe de
modo irreversível a agregação plaquetária por meio do impedimento à produção de tromboxano A2. No entanto, atualmente não há evidência de que o ácido acetilsalicílico (ou qualquer droga antitrombótica) previne caso inicial, tampouco
recidiva de cardioembolia. O ácido acetilsalicílico parece relativamente segura em gatos (até 20% dos animais manifestam reações gastrintestinais adversas) e de baixo custo, a menos que manipulada.
O clopidogrel (18,75 mg/gato VO, 1 vez/dia) inibe ambas, a agregação primária e a secundária. Estes efeitos são mais potentes do que aqueles induzidos pelo ácido acetilsalicílico. Também, o clopidogrel prejudica o mecanismo de
liberação de plaquetas, diminuindo a liberação de agentes próagregação e vasoconstritores. Reações adversas são raras, mas pode incluir vômito em até 10% de gatos; isso parece ser melhorado administrando o medicamento junto com
alimento. Assim como acontece com o ácido acetilsalicílico, não há evidência clínica objetiva de que o clopidogrel previne eventos cardioembólicos primários ou secundários. Previamente foi utilizado um protocolo com a combinação de
ácido acetilsalicílico e clopidogrel. Embora este protocolo não tenha sido pesquisado objetivamente, parece bem tolerado, apesar do risco hipotético de hemorragia.
A varfarina (0,25 a 0,5 mg/gato, 1 vez/dia) também tem sido utilizada na prevenção de cardioembolia primária ou secundária. A dose é ajustada de modo a prolongar o tempo de protrombina em 1,5 a 1,7× o valor prétratamento. Como a
varfarina ocasiona diminuição das proteínas anticoagulantes C e S antes de reduzir os fatores II, VII, IX e X, recomendase o tratamento associado à heparina nos primeiros 5 a 7 dias de terapia com varfarina. Problemas relacionados com o
uso de varfarina incluem amplas variações inter e intraindividuais, dificuldade de dosagem devido ao tamanho do comprimido e sangramento, inclusive hemorragia fatal. Em razão destas limitações e da falta de dados clínicos objetivos que
demonstrem sua eficácia a varfarina geralmente é um antitrombótico de segunda escolha para prevenção de evento cardioembólico em gatos.
O tamanho das heparinas de baixo peso molecular (HBPM) é menor do que aquele da heparina não fracionada, mas elas mantêm a capacidade de inibir o fator Xa, com uma marcante redução do fator IIa. A reduzida atividade antiIIa
propicia efeito negligenciável no tempo de tromboplastina parcial ativada. De modo que é possível utilizar a mensuração da atividade antiXa. Em gatos, temse empregado a enoxaparina (1,0 a 1,5 mg/kg, SC, 1 a 2 vezes/dia) e a
dalteparina (100 UI/kg, SC, 1 a 2 vezes/dia). Estas drogas têm sido bem toleradas, ocorrendo apenas hemorragias raras, mas não foram realizados estudos clínicos objetivos para avaliar sua eficácia. Com pouca frequência esses
medicamentos têm sido combinados com ácido acetilsalicílico ou clopidogrel na tentativa de um efeito antitrombótico mais completo. Esse protocolo parece bem tolerado embora tenha se constatado algum sangramento mínimo.
A taxa de recidiva relatada para gatos submetidos a alguma forma de prevenção antitrombótica varia de 17 a 75%, com uma taxa de recidiva após 1 ano de 25 a 50%. O tempo de sobrevivência média de longa duração após um evento
cardioembólico inicial varia de 51 a 376 dias. Embora esses números possam parecer desanimadores vários destes gatos podem permanecer bem. Eutanásia durante a fase aguda do evento devese limitar àqueles animais com infarto grave e
somente após 48 a 72 h de tratamento na ausência de ICC grave ou lesão por reperfusão.
Em cães, a tromboembolia arterial é mais comumente associada a neoplasia e nefropatia com perda de proteínas. Há escassa experiência clínica com tromboembolia arterial em cães, mas há relato de terapia tromboembólica com
estreptoquinase, uroquinase e tPA em casos isolados, com sucesso variável. Não há testes clínicos avaliando a eficácia da terapia antitrombótica na prevenção de tromboembolia arterial em cães, mas há relato de protocolos de doses para
ácido acetilsalicílico (0,5 mg/kg, VO, 2 vezes/dia), clopidrogel (1 a 3 mg/kg, VO, 1 vez/dia), varfarina (0,22 mg/kg, VO, 1 vez/dia), dalteparina (100 UI/kg, SC, 1 a 2 vezes/dia) e enoxaparina (1,0 a 1,5 mg/kg, SC, 1 a 2 vezes/dia).
As recomendações terapêuticas para embolia pulmonar em cães são semelhantes àquelas mencionadas para doenças cardioembólicas em gatos. Todavia, não há relato de terapia trombolítica em cães. Relatase que a administração de
ácido acetilsalicílico (0,5 mg/kg, VO, 1 vez/dia) aumenta a sobrevida de cães com anemia hemolítica imunomediada, quando adicionada à terapia imunossupressora padrão.
* N. do T.: Representa a força de colisão das plaquetas entre si e da plaqueta com uma superfície.
* N. do T.: Vaso a partir do qual todo o sangue coronariano se origina.
SISTEMA DIGESTÓRIO
INTRODUÇÃO
Achados Clínicos na Doença Gastrintestinal
Exame do Trato Gastrintestinal
Fisiopatologia
Doenças Infecciosas
Controle das Doenças Infecciosas
Tratamento das Doenças Infecciosas
Visão Geral sobre Parasitismo Gastrintestinal
Doenças Não Infecciosas
Princípios Terapêuticos
ANOMALIAS CONGÊNITAS E HEREDITÁRIAS
Boca
Cistos e Seios de Cabeça e Pescoço
Dentes
Esôfago
Estômago
Fígado
Hérnias
Intestinos Delgado e Grosso
DESENVOLVIMENTO DOS DENTES
Estimativa da Idade pelo Exame dos Dentes
DOENÇAS DO RETO E DO ÂNUS
Doença do Saco Anal
Estenoses Retal e Anorretal
Fístula Perianal
Hérnia Perineal
Lacerações Retais
Neoplasias Retais
Pólipos Retais
Prolapso Retal
Tumores Perianais
ODONTOLOGIA
Grandes Animais
Anomalias Congênitas e de Desenvolvimento
Anormalidade na Erupção dos Dentes
Cáries Dentárias
Desgaste Irregular dos Dentes
Doença Periodontal
Pequenos Animais
Anormalidades do Desenvolvimento
Cáries Dentárias
Doença Endodôntica
Doença Periodontal
Reabsorção Dentária
Traumatismo Maxilofacial
PARALISIA DE FARINGE
DOENÇAS BACTERIANAS
CAMPILOBACTERIOSE INTESTINAL
CLAMIDIOSES INTESTINAIS
DOENÇA DE TYZZER
SALMONELOSE
DOENÇAS PROTOZOÁRIAS
AMEBÍASE
COCCIDIOSE
Bovinos
Cães e Gatos
Caprinos
Ovinos
Suínos
CRIPTOSPORIDIOSE
GIARDÍASE
GRANDES ANIMAIS
CÓLICA EM EQUINOS
Doenças Associadas à Cólica devido à Localização Anatômica
Estômago
Intestino Delgado
Intestino Grosso e Ceco
DOENÇAS HEPÁTICAS EM GRANDES ANIMAIS
Abscessos Hepáticos em Bovinos
Atresia Biliar
Atrofia do Lobo Hepático Direito em Equinos
Colangite
Fibrose Hepática Congênita
Hemocromatose
Hiperamonemia em Potros da Raça Morgan Desmamados
Hiperamonemia Primária em Equinos Adultos
Insuficiência Hepática em Potros
Shunt (Desvio) Portossistêmico
Torção de Lobo Hepático
Hepatite Aguda
Doença Hepática Aguda Idiopática
Necrose Hepática Aguda em Bovinos
Hepatite Infecciosa e Abscessos Hepáticos
Abscessos Hepáticos
Colangioepatite
Doença de Tyzzer
Hemoglobinúria Bacilar
Hepatite Necrótica Infecciosa
Rinopneumonite Equina
Hepatite Crônica Ativa
Hepatotoxinas
Causas Químicas e Medicamentosas de Hepatopatia Tóxica
Intoxicação por Algas Verdeazuladas
Micotoxicoses
Plantas Hepatotóxicas
Hiperlipemia e Lipidose Hepática
Neoplasia Hepática
Síndromes Hiperbilirrubinêmicas
Síndrome de DubinJohnson
Síndrome de Gilbert
DOENÇAS DA CAVIDADE BUCAL EM GRANDES ANIMAIS
DOENÇAS DO ABOMASO EM GRANDES ANIMAIS
Deslocamento do Abomaso à Esquerda ou à Direita e Vólvulo de Abomaso
Impactação Alimentar no Abomaso
Úlceras de Abomaso
DOENÇAS DO ESÔFAGO EM GRANDES ANIMAIS
Estenose Esofágica
Neoplasia Esofágica
Obstrução Esofágica
DOENÇAS DOS PRÉESTÔMAGOS DE RUMINANTES
Acidose Ruminal Subaguda
Fechamento Incompleto da Goteira Esofágica
Indigestão Simples
Paraqueratose Ruminal
Reticuloperitonite Traumática
Síndrome da Indigestão Vagal
Sobrecarga por Grãos
Timpanismo
DOENÇAS INTESTINAIS EM EQUINOS E POTROS
Doença Diarreica
Colite X
Colopatia Infiltrativa
Diarreia Recidivante
Enterocolite por Clostrídios
Enterocolopatia por Areia
Febre Equina de Potomac
Parasitismo
Salmonelose
Causas Variadas de Diarreia
Doença Diarreica em Potros
Diarreia Bacteriana em Potros
Diarreia do Cio em Potros
Diarreia Viral em Potros
Miscelânea de Causas de Diarreia em Potros
Perda de Peso e Hipoproteinemia
Doença Intestinal Inflamatória
Fibrose de Intestino Delgado
Neoplasia Gastrintestinal
Toxicidade de Antiinflamatórios Não Esterórides
DOENÇAS INTESTINAIS EM RUMINANTES
Bovinos
Diarreia Viral Bovina e Complexo da Doença das Mucosas
Disenteria de Inverno
Síndrome do Jejuno Hemorrágico
Outras Doenças Intestinais em Bovinos
Ovinos e Caprinos
Doença da Boca Úmida em Cordeiros
Diarreia em Ruminantes Neonatos
DOENÇAS INTESTINAIS EM SUÍNOS
Colibacilose Intestinal
Diarreia Epidêmica Suína
Disenteria Suína
Doença do Edema
Enterite por Clostridium difficile
Enterite por Clostridium perfringens Tipo A
Enterite por Clostridium perfringens Tipo C 338
Enterite por Rotavírus
Enterite por Streptococcus dispar
Enterite Proliferativa Suína
Espiroquetose Intestinal
Estenose Retal
Gastrenterite Transmissível
Parasitismo
Salmonelose Intestinal
Síndrome do Intestino Hemorrágico
Outras Viroses Intestinais em Suínos
INFECÇÕES POR TREMATÓDEOS EM RUMINANTES
Dicrocoelium dendriticum
Eurytrema spp
Fasciola hepatica
Fasciola gigantica
Fascioloides magna
Paranfístomos
NECROSE DE GORDURA ABDOMINAL
OBSTRUÇÕES INTESTINAIS AGUDAS EM GRANDES ANIMAIS
PARASITOS GASTRINTESTINAIS DE EQUINOS
Cestóideos
Gasterophilus
Grandes Estrôngilos
Habronema
Oxyuris
Parascaris sp
Pequenos Estrôngilos
Strongyloides sp
Trichostrongylus sp
PARASITOS GASTRINTESTINAIS DE RUMINANTES
Bovinos
Bunostomum sp
Cestóideos
Chabertia sp
Cooperia sp
Haemonchus, Ostertagia e Trichostrongylus spp
Nematodirus spp
Oesophagostomum sp
Strongyloides sp
Toxocara sp
Trichuris spp
Ovinos e Caprinos
Bunostomum e Gaigeria spp
Cestóideos
Chabertia sp
Haemonchus, Ostertagia e Trichostrongylus spp
Nematodirus spp
Oesophagostomum sp
Strongyloides sp
Trichuris spp
Tricostrongilose Intestinal
PARASITOS GASTRINTESTINAIS DE SUÍNOS
Ascaris sp
Macracanthorhynchus sp
Oesophagostomum spp
Strongyloides sp
Trichuris sp
Vermes de Estômago
SÍNDROMES DA MÁ ASSIMILAÇÃO
ÚLCERAS GASTRINTESTINAIS
Equinos
Suínos
PEQUENOS ANIMAIS
DOENÇAS DA CAVIDADE BUCAL
Distúrbios Salivares
Fístula Salivar
Hipersialose Responsiva ao Fenobarbital
Mucocele salivar
Necrose da Glândula Salivar em Cães
Ptialismo
Sialoadenite
Sialometaplasia Necrosante
Tumores de Glândulas Salivares
Xerostomia
Doenças Inflamatórias e Ulcerativas da Cavidade Bucal
Complexo Granuloma Eosinofílico
Dermatite da Dobra Labial e Queilite
Estomatite Micótica
Estomatite Posterior Felina
Estomatite Ulcerativa Crônica
Gengivite Ulcerativa Necrosante Aguda
Glossite
Traumatismo de Tecidos Moles
Verrugas Virais e Papilomas
Tumores Bucais
DOENÇAS DE ESTÔMAGO E INTESTINOS DE PEQUENOS
Colite
Constipação Intestinal e Obstipação
Coronavirose Intestinal Felina
Dilatação Gástrica e Vólvulo
Doença Intestinal Inflamatória
Gastrenterite Hemorrágica
Gastrite
Infecção por Helicobacter
Neoplasias Gastrintestinais
Obstrução Gastrintestinal
Parvovirose Canina
Síndromes de Má Absorção
Úlceras Gastrintestinais
DOENÇAS DO ESÔFAGO
Acalasia Cricofaringiana
Alteração da Motilidade Esofágica
Corpos Estranhos Esofágicos
Dilatação Esofágica
Divertículos Esofágicos
Esofagite
Estenose Esofágica
Fístula Broncoesofágica
DOENÇAS HEPÁTICAS
Colecistite
Colelitíase
Infecção Hepatobiliar por Fascíola
Mucocele da Vesícula Biliar em Cães
Obstrução do Ducto Biliar Extrahepático
Outras Anormalidades dos Ductos Biliares
Outros Distúrbios da Vesícula Biliar
Síndrome Colangioepatite/Colangite Felina
Ruptura de Trato Biliar e Peritonite Biliar
Doenças da Vesícula Biliar e do Sistema Biliar Extrahepático
Cirrose Biliar
Colangioepatite Canina
Desvios (Shunts)
Doenças Hepáticas Infecciosas
Doenças Hepáticas Variadas
Amiloidose Hepática
Doença do Armazenamento de Glicogênio
Doenças Metabólicas que Acometem o Fígado
Encefalopatia Hepática
Hepatite Crônica Canina
Hepatite Crônica Específica de Raça
Hepatite Crônica Idiopática
Hepatopatia Associada ao Cobre
Hepatite Dissecante Lobular
Hepatopatia Vacuolar Canina
Hepatotoxinas
Hiperplasia Nodular
Hipertensão Portal e Ascite
Insuficiência Hepática Fulminante
Lipidose Hepática Felina
Malformações Vasculares Portossistêmicas
Neoplasias Hepáticas
Outras Anomalias Vasculares Hepáticas
Fístula Arteriovenosa Hepática
Obstrução do Fluxo Venoso Hepático
Síndrome Hepatocutânea
Exames Laboratoriais e por Imagem
Alterações Patológicas na Bile
Atividade Enzimática
Biopsia Hepática
Citologia Hepática
Colecistocentese
Hematologia
Imagens
Outros Testes Bioquímicos Séricos
Testes de Coagulação
Testes de Função Hepática
PÂNCREAS EXÓCRINO
Abscessos Pancreáticos
Insuficiência Pancreática Exócrina
Neoplasias Pancreáticas
Pancreatite
Pseudocisto Pancreático
PARASITOS GASTRINTESTINAIS
Acantocéfalos
Macracanthorhynchus sp
Oncicola sp
Ancilóstomos
Fascíolas
Fascíolas Hepáticas
Fascíolas Intestinais
Nematoides
Ollulanus sp
Physaloptera spp
Spirocerca lupi
Strongyloides sp
Tênias
Vermes Redondos
VÔMITO
SISTEMA DIGESTÓRIO – INTRODUÇÃO
O trato digestório inclui a cavidade bucal e órgãos associados (lábios, dentes, língua e glândulas salivares), esôfago, préestômagos (retículo, rúmen, omaso) em ruminantes, estômago verdadeiro em todas as espécies, intestino delgado, fígado, pâncreas
exócrino, intestino grosso, reto e ânus. O tecido linfoide associado ao intestino (tonsilas, placas de Peyer, tecido linfoide difuso) está presente ao longo de todo trato GI. O peritônio recobre as vísceras abdominais e está envolvido em várias doenças GI.
Medidas fundamentais no manejo de doenças GI devem ser sempre direcionadas para localizar o segmento acometido e determinar a causa. Dessa forma, um protocolo terapêutico pode ser estabelecido.
Achados Clínicos na Doença Gastrintestinal
Os achados clínicos incluem salivação excessiva, diarreia, constipação intestinal ou fezes escassas, vômito, regurgitação, hemorragia de trato GI, distensão e dor abdominal, tenesmo, choque, desidratação e prejuízo ao desenvolvimento. A localização e a
origem das lesões que causam disfunção geralmente podem ser determinadas por meio do reconhecimento e da interpretação dos sintomas clínicos. Além disso, anormalidades de preensão, mastigação e deglutição na maioria das vezes estão associadas a
doenças de mucosa bucal, dentes, mandíbula ou outras estruturas ósseas da cabeça ou esôfago. O vômito é mais comum em animais monogástricos e comumente ocorre devido à gastrenterite ou doenças não alimentares (p. ex., uremia, piometra, doenças
endócrinas). A regurgitação pode ser indicativa de doença de orofaringe ou esôfago e não é acompanhada de náuseas, observada no vômito.
Diarreia aquosa em grande quantidade geralmente está associada à hipersecreção (colibacilose enterotoxigênica em bezerros recémnascidos) ou à má absorção (osmótica). A presença de sangue e fibrina nas fezes indica enterite hemorrágica
fibrinonecrótica do intestino delgado ou intestino grosso, por exemplo, diarreia viral bovina, coccidiose, salmonelose ou disenteria suína. Fezes escuras (melena) indicam hemorragia gástrica ou da parte inicial do intestino delgado. Tenesmo de origem
gastrintestinal geralmente está associado à doença inflamatória de reto ou ânus.
Fezes amolecidas e em pequena quantidade podem indicar obstrução intestinal parcial. Distensão abdominal pode resultar de acúmulo de gás, fluido ou ingesta, geralmente devido à hipomotilidade (obstrução funcional, íleo adinâmico) ou à obstrução
física (p. ex., corpo estranho ou intussuscepção). Ingestão excessiva também pode causar distensão. Um som de “ping” percebido durante a auscultação e percussão do abdome indica uma víscera preenchida por gás. O início súbito de distensão abdominal
grave em ruminantes adultos geralmente é decorrente de timpanismo ruminal. Balotamento e sucussão podem revelar ruídos que lembram “balanço de líquido” quando o rúmen ou intestino estão repletos de fluidos. Graus variáveis de desidratação e de
desequilíbrio eletrolítico e ácidobase, que podem levar ao choque, são observados quando há perda de grande quantidade de líquido (p. ex., diarreia ou sequestro em caso de obstrução intestinal) ou em vólvulo de abomaso ou estômago.
Dor abdominal é decorrente de estiramento ou inflamação da superfície serosa de vísceras abdominais ou do peritônio; pode ser aguda ou subaguda e sua manifestação varia de acordo com a espécie. Em equinos é comum dor abdominal aguda (ver p.
226). Dor subaguda é mais comum em bovinos e caracterizase por relutância ao movimento ou à palpação abdominal profunda, bem como ronco durante a respiração. Dor abdominal em cães e gatos pode ser aguda e subaguda e caracterizase por ganido,
miado e posturas anormais (membros torácicos esticados, esterno apoiado ao chão e membros pélvicos elevados).
Tabela 1 – Diferenciação entre diarreia de intestino delgado e diarreia de intestino grosso
Exame do Trato Gastrintestinal
Anamnese completa e acurada e exame clínico de rotina geralmente permitem definir o diagnóstico. Ao surgimento de doença do trato GI em animais de produção, a anamnese e os achados epidemiológicos são de suma importância. Se a anamnese e os
achados clínicos e epidemiológicos forem compatíveis com doença GI devese localizar a porção acometida e identificar o tipo de lesão e sua causa.
Por meio de anamnese, exame físico e características das fezes é possível determinar se a alteração se localiza no intestino grosso ou intestino delgado (Tabela 1). Esta distinção é importante, pois restringe a lista de diagnósticos diferenciais e norteia a
investigação adicional sobre a doença.
As técnicas de exame clínico e de exames laboratoriais e suas aplicações incluem: 1) inspeção visual da cavidade bucal e da conformação abdominal quanto à distensão e contração; 2) palpação da parede abdominal ou palpação retal para avaliar forma,
tamanho e posição de víscera abdominal; 3) percussão abdominal para detectar ruído de “ping”, que sugerem vísceras preenchidas por gás; 4) auscultação para determinar a intensidade, frequência e duração dos movimentos GI, bem como ruído que lembra
“balançar de fluido” associado a estômago e intestinos preenchidos por líquido e ruídos de acúmulo de líquido relacionado com doenças diarreicas; 5) sucussão para revelar ruído indicativo de presença de líquido; 6) balotamento para avaliar densidade e
tamanho de órgãos abdominais, mediante movimento de “ir e vir” aplicado à parede abdominal; e 7) avaliação macroscópica das fezes para estimar seu volume, consistência, cor e presença de muco, sangue ou partículas de alimento não digerido.
O exame microscópico inclui pesquisa de parasitos. Citologia de esfregaço da mucosa retal ou do cólon corada com novo azul de metileno ou com corante de Wright para leucócitos fecais é útil na detecção de doença intestinal inflamatória. Os seguintes
exames podem ser úteis (ou necessários): 1) cultura bacteriana e isolamento viral; 2) endoscopia para visualizar a superfície mucosa de esôfago, estômago, duodeno, cólon e reto; 3) abdominocentese, para coleta de fluido de uma víscera distendida ou da
cavidade peritoneal, para avaliação; 4) radiografia (contrastada) para diagnosticar doença obstrutiva; 5) ultrassonografia abdominal a fim de detectar massas abdominais, intussuscepção e linfadenopatia mesentérica em pequenos animais e para a pesquisa de
doenças abdominais em cavalos e vacas; 6) biopsia (endoscópica, laparoscópica, guiada por ultrassom, cirúrgica) para obtenção de amostras para exame microscópico (amostras de intestinos e fígado são úteis no diagnóstico de enterite crônica e
hepatopatia); e 7) testes das funções digestivas e de absorção para estimar e diferenciar má absorção e má digestão. Testes comuns de absorção incluem mensurações das concentrações séricas de cobalamina (vitamina B12) e folato. Além disso, em pequenos
animais, concentração sérica elevada de folato juntamente com redução do teor de cobalamina é compatível com supercrescimento bacteriano no intestino delgado. A função pancreática pode ser avaliada pela determinação da imunorreatividade semelhante
à tripsina sérica e da concentração sérica de lipase canina específica do pâncreas; laparotomia e biopsia podem ser indicadas quando o diagnóstico não foi elucidado ou quando pode ser necessária correção cirúrgica.
Fisiopatologia
A função motora anormal geralmente se manifesta como diminuição da motilidade. A resistência segmentar está normalmente reduzida e o trânsito gastrintestinal aumentado. A motilidade depende de estimulação pelo sistema nervoso simpático e sistema
nervoso parassimpático (e dessa forma das atividades central e periférica destes sistemas) e da musculatura GI e de seus plexos nervosos intrínsecos. A debilidade, acompanhada de fraqueza da musculatura, peritonite aguda e hipopotassemia, causam atonia
da parede intestinal (íleo adinâmico). O intestino distendese com fluido e gás e a evacuação fecal é reduzida. Além disso, a estase crônica do intestino delgado pode predispor à proliferação anormal da microflora. Este supercrescimento bacteriano pode
causar má absorção por lesão das células mucosas, por competição por nutrientes e por desconjugação de sais biliares e hidroxilação dos ácidos graxos.
O vômito (p. 519) é um ato reflexo neural que resulta na ejeção de alimento e fluido do estômago através da cavidade bucal. Está sempre associado a eventos antecedentes, como náuseas, salivação e tremores e é acompanhado de contrações repetidas dos
músculos abdominais.
Tabela 2 – Patógenos do trato gastrintestinal comuns
A regurgitação caracterizase por refluxo retrógrado e passivo de material previamente ingerido, proveniente do esôfago, estômago ou rúmen. Em doenças esofágicas, o material ingerido pode não atingir o estômago.
Uma das principais consequências da motilidade alterada é a distensão por fluido e gás. A maior parte do fluido acumulado constituise de saliva e sucos gástrico e intestinal secretados durante a digestão normal. Distensão causa dor e espasmo reflexo dos
segmentos intestinais adjacentes. Além disso, provoca secreção adicional de fluido no lúmen intestinal, o que exacerba a situação. Quando a distensão excede um ponto crítico, a habilidade de resposta da musculatura da parede é reduzida, a dor inicial
desaparece e se desenvolve íleo adinâmico, no qual se perde todo o tônus muscular GI.
Desidratação, desequilíbrio ácidobase e eletrolítico e insuficiência circulatória são as principais consequências da distensão GI. O acúmulo de fluidos intestinais estimula a secreção adicional de fluidos e eletrólitos no segmento anterior do intestino, o que
pode agravar as anormalidades e ocasionar choque.
Dor abdominal associada à doença GI normalmente é causada por distensão da parede intestinal. Contração intestinal causa dor por distensão reflexa e direta dos segmentos adjacentes. Espasmo, uma contração segmentar exagerada de uma porção do
intestino, resulta em distensão da região imediatamente anterior, quando surge uma onda peristáltica. Outros fatores que podem causar dor abdominal incluem edema e falha no suprimento sanguíneo local, como embolia local e torção mesentérica.
Doenças específicas causam diarreia por mecanismos característicos e variados, e o reconhecimento destes é útil na compreensão, no diagnóstico e no tratamento dos distúrbios GI. Os principais mecanismos de diarreia são aumento da permeabilidade,
hipersecreção e osmose. Os distúrbios de motilidade geralmente são secundários. Em animais saudáveis, água e eletrólitos são constantemente transportados através da mucosa intestinal. A secreção (do sangue para o intestino) e absorção (do intestino para o
sangue) ocorrem simultaneamente. Em animais clinicamente normais, a absorção excede a secreção, isto é, há maior absorção. A inflamação intestinal pode ser acompanhada de aumento do “tamanho do poro” da mucosa, o que permite maior fluxo através
da membrana (“vazamento”), abaixo do gradiente de pressão do sangue, para o lúmen intestinal. Ocorre diarreia se a quantidade de exsudato excede a capacidade de absorção do intestino. O tamanho da partícula que atravessa a mucosa varia de acordo com
a magnitude do aumento do tamanho do poro. Um aumento significativo no tamanho do poro permite exsudação de proteína plasmática, o que resulta em enteropatia com perda proteica (p. ex., linfangiectasia em cães, paratuberculose em bovinos, infestação
por nematódeos). Maiores aumentos da permeabilidade resultam em perda de hemácias, causando diarreia hemorrágica (p. ex., gastrenterite hemorrágica, infecção por parvovírus, intensa infestação de ancilóstomos).
A hipersecreção é uma perda intestinal final de fluidos e eletrólitos independente de alterações na permeabilidade, na capacidade de absorção, ou no gradiente osmótico induzido por fatores exógenos. Colibacilose enterotóxica é um exemplo de doença
diarreica devido à hipersecreção intestinal; Escherichia coli enterotoxigênica produz enterotoxina que estimula o epitélio das criptas intestinais a secretar fluido além da capacidade de absorção dos intestinos. As vilosidades intestinais, juntamente com suas
capacidades digestiva e de absorção, permanecem intactas. O fluido secretado é isotônico, alcalino e livre de exsudatos. A integridade das vilosidades intestinais é benéfica, pois ocorre absorção de um fluido (administrado por via oral) que contenha glicose,
aminoácidos e sódio, mesmo havendo hipersecreção.
Notase diarreia osmótica quando a absorção inadequada resulta em acúmulo de solutos no lúmen intestinal, o que causa retenção de água por sua atividade osmótica. Isto ocorre em qualquer condição que resulte em má digestão e má absorção de
nutrientes.
Má absorção (ver p. 379 e p. 426) é uma falha na digestão e absorção devido a algum defeito nas células digestivas e de absorção das vilosidades, as quais são células maduras que recobrem as estas vilosidades intestinais. Diversas viroses epiteliotrópicas,
por exemplo, coronavírus, vírus da gastrenterite transmissível suína e rotavírus em bezerros, atingem e destroem as células epiteliais de absorção das vilosidades ou seus precursores. O vírus da panleucopenia felina e o parvovírus canino destroem o epitélio
da cripta intestinal, o que resulta em falha da renovação das células de absorção das vilosidades e colapso destas vilosidades; a regeneração é um processo mais longo após infecção por parvovírus do que após a infecção viral das extremidades do epitélio das
vilosidades (p. ex., coronavírus, rotavírus). A má absorção intestinal também pode ser causada por qualquer evento que prejudique a capacidade de absorção, como doenças inflamatórias difusas (p. ex., enterite linfocíticaplasmocítica, enterite eosinofílica)
ou neoplasia (p. ex., linfossarcoma).
Outros exemplos de má absorção incluem alteração da secreção pancreática que resultam em má digestão. Raramente, devido à falha na digestão de lactose (a qual, em grande quantidade tem efeito hiperosmótico), crias neonatas de animais de produção
ou filhotes podem desenvolver diarreia quando alimentados com leite. Secreção reduzida de enzimas digestivas na superfície das células das vilosidades é característica de infecção viral epiteliotrópica observada em animais de produção.
A capacidade do trato GI em digerir o alimento depende de funções motoras e secretoras e, em herbívoros, da atividade da microflora dos préestômagos, em ruminantes, ou do ceco e cólon, em equinos e suínos. A flora dos ruminantes pode digerir
celulose, fermentar carboidratos em ácidos graxos voláteis e converter substâncias nitrogenadas em amônia, aminoácidos e proteínas. Em algumas circunstâncias, a atividade da flora pode ser suprimida ao ponto de alterar ou cessar a digestão. Dieta
inadequada, jejum prolongado ou inapetência e hiperacidez (como ocorre na ingestão aumentada de grãos) prejudicam a digestão microbiana. Bactérias, leveduras e protozoários também podem ser negativamente acometidos pela administração bucal de
drogas antimicrobianas ou que alteram significativamente o pH do conteúdo ruminal.
Função
As principais funções do trato GI incluem preensão de alimento e água, mastigação, salivação e deglutição do alimento; digestão do alimento e absorção de nutrientes; manutenção do equilíbrio hídrico e eletrolítico; e evacuação dos produtos residuais. Há
quatro funções principais – digestão, absorção, motilidade e defecação – e quatro modalidades principais de disfunções correspondentes.
A motilidade normal do trato GI envolve peristalse – atividade muscular que move a ingesta do esôfago ao reto; movimentos de segmentação que revolvem e misturam a ingesta; resistência segmentar e tônus do esfíncter, que retardam a progressão aboral
do conteúdo intestinal. Em ruminantes, esses movimentos são de grande importância no funcionamento normal dos préestômagos.
DOENÇAS INFECCIOSAS
O trato GI está sujeito a infecções por vários patógenos, que representam a principal causa de perda econômica devido a enfermidades, prejuízo ao desenvolvimento e óbito (ver Tabela 2). Estas infecções disseminamse por contato direto ou pela via fecal
bucal. Muitos dos patógenos são parte da flora intestinal normal e as doenças se instalam somente após um evento estressante, por exemplo, salmonelose em equinos após transporte, anestesia prolongada ou cirurgia. A flora intestinal se estabelece poucas
horas após o nascimento, o que enfatiza a importância da ingestão precoce de colostro para propiciar proteção contra sepse e infecção intestinal.
O diagnóstico etiológico definitivo de doença infecciosa do sistema digestório depende da identificação do microrganismo no trato GI ou nas fezes do animal doente. Nas epidemias de rebanho, como um surto de diarreia aguda de origem indeterminada
em bezerros recémnascidos ou em leitões, o melhor momento para estabelecer um diagnóstico é a fase inicial da doença mediante a escolha de animais não tratados e envio destes para necropsia e exame microbiológico detalhado da flora intestinal. Quando
a necropsia seletiva não é uma opção, uma série de amostras de fezes coletadas diariamente deve ser enviada para o laboratório de diagnóstico, com a requisição de técnicas especiais de cultura, de acordo com a doença infecciosa da qual se suspeita. Testes
ELISA foram desenvolvidos para demonstrar a presença de antígeno viral, bacteriano ou protozoário nas fezes, o que pode propiciar um diagnóstico definitivo (p. ex., parvovirose canino, salmonelose, criptosporidiose).
Controle das Doenças Infecciosas
O controle efetivo das doenças infecciosas comuns do trato GI depende da prática de boas medidas sanitárias e de higiene, assegurando o desenvolvimento e a manutenção da resistência inespecífica do animal e, em certos casos, propiciar imunidade
específica por meio de vacinação das fêmeas prenhes ou de animais suscetíveis.
Medidas sanitárias e de higiene efetivas são obtidas principalmente pela disponibilização de espaço adequado aos animais, limpeza regular de currais e remoção adequada do esterco do ambiente. O desenvolvimento e manutenção de resistência
inespecífica dependem de uma seleção genética de animais com grau razoável de resistência inerente, bem como de provisão de nutrientes e abrigos adequados, que minimizam o estresse e permitam que os animais cresçam e se comportem normalmente.
Animais infectados, mas clinicamente normais, que podem eliminar patógenos por semanas ou meses, é o maior problema relacionado com algumas doenças infecciosas do trato GI, como por exemplo, salmonelose. Preferivelmente, esses animais
portadores devem ser identificados por meio de testes microbiológicos e isolados do restante do rebanho, até ficarem livres da infecção, ou serem descartados.
Algumas doenças (p. ex., colibacilose enterotoxigênica em bezerros e leitões) podem ser controladas por vacinação das fêmeas prenhes algumas semanas antes do parto. Este método depende dos níveis de anticorpos protetores obtidos no colostro. Há
exceções, mas em muitos casos a imunidade sistêmica propicia baixa proteção contra enterites infecciosas; a imunidade efetiva contra doenças GI depende da estimulação da imunidade intestinal local no período neonatal. Durante esse período, a proteção
pode ser propiciada pela ação local de anticorpos de origem materna. Por exemplo, a secreção de IgA aumenta progressivamente no leite de porcas, desde o momento do parto até o desmame, propiciando ao leitão proteção diária durante o período de
aleitamento.
Tratamento das Doenças Infecciosas
Medicamentos antimicrobianos são utilizados no tratamento de doenças bacterianas e anti–helmínticos são empregados para doenças parasitárias. Não há terapia específica para infecções virais. Antimicrobianos são geralmente administrados diariamente
por VO, durante vários dias, até a recuperação aparente, porém, há poucas evidências relevantes de sua eficácia. Há relatos de que sobredose ou tratamento bucal prolongado pode ser prejudicial (supercrescimento bacteriano, atrofia de vilosidades). A
administração parenteral de antimicrobianos é indicada quando há risco de sepse ou essa já se instalou. A escolha do antimicrobiano depende da suspeita clínica, de resultados prévios e do custo. Nas epidemias em rebanhos os antimicrobianos podem ser
adicionados ao alimento ou água, em dose terapêutica, por vários dias, seguida de dose preventiva por um período longo, dependendo da pressão de infecção na população. O medicamento deve ser adicionado também ao alimento e à água fornecidos aos
animais que têm contato com os doentes, como tentativa de evitar a ocorrência de novos casos. (Ver p. 2565).
Visão Geral sobre Parasitismo Gastrintestinal
O trato GI pode ser habitado por várias espécies de parasitos. Seus ciclos podem ser diretos, nos quais ovos e larvas são eliminados nas fezes e os estágios de desenvolvimento ocorrem até a fase infectante, quando é ingerida pelo hospedeiro final. Por outro
lado, a forma imatura pode ser ingerida por um hospedeiro intermediário (geralmente um invertebrado), no qual posteriormente ocorre o desenvolvimento; adquirese a infecção quando o hospedeiro final ingere o hospedeiro intermediário ou a larva de vida
livre. Às vezes, não há desenvolvimento no hospedeiro intermediário e neste caso temse o hospedeiro paratênico ou de transporte, dependendo se as larvas encontramse encapsuladas ou nos tecidos. O parasitismo clínico depende do número e da
patogenicidade dos parasitos, que varia em função do potencial biótico destes agentes ou, em alguns casos, de seus hospedeiros intermediários, do clima e das práticas de manejo. No hospedeiro, resistência, idade, nutrição e doença concomitante também
influenciam o curso de uma infecção parasitária. A importância econômica do parasitismo subclínico em animais de produção é também determinada pelos fatores acima citados e sabese que animais levemente parasitados e que não mostram evidências
clínicas da doença têm menor desempenho nos lotes de engorda, ordenha e abate.
No parasitismo leve a moderado, a conversão alimentar é influenciada negativamente e em especial devido à redução do apetite e mau aproveitamento de fontes de proteínas e energia absorvidas. A qualidade e o tamanho da carcaça também são
acometidos, o que diminui o retorno financeiro. Endoparasitas em animais de companhia podem causar doença grave ou emagrecimento esteticamente indesejável. Além disso, alguns desses parasitos também infectam as pessoas.
Como as parasitoses são facilmente confundidas com outras condições debilitantes, o diagnóstico depende muito do caráter sazonal das infecções parasitárias, da anamnese prévia do rebanho e de exames de fezes para pesquisa de oocistos, de ovos de
vermes ou de larvas. Aumento do teor sérico de pepsinogênio pode sustentar o diagnóstico de infecção do abomaso, assim como a elevação das atividades séricas das enzimas hepáticas pode sugerir infecção por Fasciola hepatica. ELISA e outras técnicas
sorológicas (inclusive anticorpos monoclonais) estão sendo desenvolvidas. O sorodiagnóstico provavelmente será cada vez mais utilizado à medida que melhora a especificidade dos testes. Estes testes devem ser especialmente úteis em animais de
companhia que abrigam parasitos que causam zoonoses.
Os avanços na epidemiologia (particularmente em relação aos fatores que influenciam o desenvolvimento sazonal dos estágios parasitários de vida livre e sua sobrevivência), juntamente com a descoberta de antihelmínticos de amplo espectro altamente
eficientes, tornaram possível e prático o tratamento e o controle bemsucedidos dos parasitos GI. A resposta à terapia geralmente é rápida e os tratamentos em dose única costumam ser eficientes, a menos que ocorra reinfecção ou as lesões sejam graves. O
controle preventivo em grandes animais na maioria das vezes é obtido pela combinação de manejo da pastagem e uso de antihelmínticos. A melhora nos métodos de administração de antihelmínticos (p. ex., método pour on ou droga de longa ação ou de
liberação em pulso) também tem sido útil. As estratégias para evitar o parasitismo e as perdas de produção relacionadas fazem parte de qualquer programa moderno de saúde de rebanho, de plantel ou de haras. Programas preventivos semelhantes também
são importantes no controle de parasitoses em animais de estimação. O controle por meio de vacinação se limita aos vermes pulmonares; a vacina para bovinos encontrase disponível em diversos países europeus e vacinas para ovinos em partes da Europa
Oriental e Oriente Médio.
Para estimar a carga parasitária, ver p. 1785.
DOENÇAS NÃO INFECCIOSAS
As principais causas de doenças não infecciosas do trato GI incluem sobrecarga alimentar ou indigestão alimentar, agentes químicos ou físicos, obstrução de estômago e intestinos causada por ingestão de corpo estranho ou por qualquer deslocamento ou
lesão no trato GI que interfira no fluxo da ingesta, deficiências enzimáticas, anormalidades na mucosa que alteram a função normal (p. ex., úlcera gástrica, doença intestinal inflamatória, atrofia de vilosidades, neoplasias) e defeitos congênitos. Sintomas GI,
como vômito e diarreia, podem ser secundários a doenças sistêmicas ou metabólicas, como uremia, hepatopatia e hipoadrenocorticismo. Há desconhecimento das causas de diversas doenças, como úlcera de abomaso em bovinos, úlcera gástrica em suínos e
potros, torção gástrica em cães e obstrução intestinal aguda e deslocamento de abomaso em bovinos. Nas doenças não infecciosas do trato GI normalmente apenas um animal é acometido por vez; as exceções são doenças associadas à ingestão excessiva de
alimento ou intoxicação, e nestes casos, são comuns surtos no rebanho.
PRINCÍPIOS TERAPÊUTICOS
Ver farmacoterapia sistêmica do sistema digestório de monogástricos e ruminantes, p. 2565 e p. 2582.
Embora o objetivo principal seja eliminar a causa da doença, a maioria dos tratamentos é de suporte e sintomático, com intuito de aliviar a dor, corrigir anormalidades e propiciar a cura.
A eliminação da causa primária pode envolver o uso de antimicrobianos, coccidiostáticos, antifúngicos, antihelmínticos, antídotos contra substância tóxicas ou correção cirúrgica de deslocamentos.
A correção da motilidade, aumentada ou diminuída, parece racional, mas frequentemente a origem e o grau da alteração da motilidade são desconhecidos; além disso, os fármacos disponíveis podem não mostrar resultados consistentes. Há pouca
evidência clínica para recomendação de uso rotineiro de fármacos anticolinérgicos ou opiáceos para diminuir o trânsito intestinal. Esse, se reduzido, pode se contrapor ao mecanismo de defesa da diarreia, que promove eliminação de microrganismos
prejudiciais e de suas toxinas. Em geral, o uso de anticolinérgicos justificase apenas para alívio sintomático breve de dor e tenesmo associados a doenças inflamatórias de cólon e reto. Em alguns distúrbios da motilidade gástrica ou do cólon, os fármacos
procinéticos (p. ex., metoclopramida, eritromicina) podem ser úteis.
A reposição de fluido e eletrólitos é necessária quando há desidratação e desequilíbrio eletrolítico e ácidobase, como acontece na diarreia, no vômito persistente, na obstrução intestinal ou na torção de estômago(s), em que há sequestro de grande
quantidade de fluido e eletrólitos.
Pode ser necessário o alívio da distensão por meio de sonda gástrica (como no timpanismo, em ruminantes) ou de cirurgia (como na obstrução intestinal aguda, na torção de abomaso em ruminantes ou do estômago em animais monogástricos). O trato GI
pode se distender com gás, fluido ou ingesta, em qualquer parte, devido à obstrução física ou funcional do sistema digestório.
O alívio da dor abdominal mediante administração de analgésicos deve ser feito quando a dor causa consequências a outros sistemas corporais (p. ex., colapso cardiovascular) ou quando o animal se automutila por rolar, escoicear ou lançarse ao chão.
Animais tratados com analgésicos devem ser monitorados regularmente para assegurar que o alívio da dor não proporcione falsa sensação de segurança; a lesão pode piorar progressivamente enquanto o animal está sob influência do analgésico.
A reconstituição da flora ruminal deve ser feita em situações em que ela se apresenta seriamente esgotada (p. ex., na anorexia prolongada ou na indigestão aguda). A transfaunação (transferência de fluido ruminal; p. 2382) envolve a administração bucal
de conteúdo ruminal de um animal sadios que alberga bactérias e protozoários ruminais, além de ácidos graxos voláteis.
ANOMALIAS CONGÊNITAS E HEREDITÁRIAS DO SISTEMA DIGESTÓRIO
BOCA
COMPLEXO DO LÁBIO FENDIDO (LÁBIO LEPORINO) OU FENDA PALATINA: Isso se deve a uma anomalia na formação de maxila e face durante o desenvolvimento embrionário. Fenda de lábio inferior é rara e geralmente ocorre na linha média. Fenda no lábio
superior, comumente na junção entre prémaxila e maxila, pode ser uni ou bilateral, completa ou parcial e frequentemente está associada à fenda no processo alveolar e no palato. O defeito também pode envolver apenas o palato, afetando os componentes
moles e/ou duros do palato. Anomalias do desenvolvimento de outros órgãos são notadas em cerca de 8% dos cães e gatos com fenda palatina ou labial. Da mesma forma, em grandes animais, fenda palatina ou labial geralmente é verificada juntamente com
outros defeitos, como artrogripose, a qual tem herança autossômica recessiva simples em bovinos da raça Charolês. Em ovinos da raça Texel, a síndrome da fenda labial bilateral acompanhada de defeitos na maxila foi observada como uma herança
autossômica recessiva. Em pequenos animais, a prevalência é maior em cães das raças Beagle, Cocker Spaniel, Dachshund, Pastor Alemão, Labrador Retriever, Schnauzer, Shetland Sheepdog e em gatos Siameses. Em cães da raça Brittany Spaniel, acredita
se que tenha característica autossômica recessiva, enquanto em animais das raças Bulldog (Francês e Inglês), Shih Tzu e Pointer suspeitase de herança autossômica dominante com penetrância incompleta. Raças braquicefálicas apresentam risco até 30%
maior de manifestar a doença. Em animais de grande e médio porte, a fenda palatina/labial foi descrita em bovinos, ovinos, caprinos e equinos. A principal causa é hereditária, embora deficiência nutricional materna, exposição a substâncias químicas ou a
fármacos, interferência mecânica no feto e algumas infecções virais durante a prenhez também possam estar envolvidas. A ingestão de agentes tóxicos também pode ser incriminada na etiologia; por exemplo, consumo de tremoço (Lupinus
sericeus e L. caudatus) por vacas no segundo e terceiro mês de prenhez pode causar a “doença do bezerro arqueado”, na qual a fenda palatina/labial pode ser um componente.
Os sintomas iniciais refletem a extensão da malformação, mas podem incluir dificuldade de sucção, disfagia e evidência de gotejamento de leite nas narinas quando o recém–nascido tenta mamar. Infecção respiratória por aspiração de alimento é comum e
representa uma grave consequência da anomalia, com prognóstico ruim. Em geral, pelo exame da cavidade bucal se nota facilmente o defeito, exceto em potros que apresentem apenas fenda de palato mole, cuja visualização pode ser de difícil.
O manejo inicial requer cuidado intensivo durante a amamentação, inclusive com alimentação manual ou por meio de sonda, a fim de assegurar as necessidades nutricionais e calóricas diárias, bem como eventual necessidade de terapia antimicrobiana
apropriada para tratar infecções secundárias do trato respiratório inferior ou das narinas. A correção cirúrgica é efetiva somente quando o defeito é pequeno e geralmente é realizada em pequenos animais, ao redor de 8 a 12 semanas de idade, antes do
comprometimento de seu estado geral. Diversas técnicas cirúrgicas são utilizadas, desde um simples fechamento até enxertos móveis ou implantes de próteses, dependendo da gravidade e da localização do defeito. Casos mais graves podem necessitar várias
cirurgias para uma correção adequada. Historicamente, a correção cirúrgica é associada à alta taxa de insucesso, porém, novas técnicas, como o reparo com flap pediculado bilateral sobrepondo as membranas mucosas, para defeitos de palato mole, têm
aumentado a taxa de sucesso em cães. O envolvimento extenso do palato mole é considerado um sinal de prognóstico ruim. A reparação cirúrgica deve ser feita apenas após discussão de questões éticas; o animal acometido deve ser castrado ou não utilizado
como reprodutor, a fim de evitar a ocorrência da anomalia em suas crias.
ANOMALIAS DE OCLUSÃO: Notase braquignatia (retrognatia, maxilar inferior curto ou “boca de papagaio” em equinos) quando a mandíbula é mais curta que a maxila. Pode ser notada em todas as espécies animais, com prevalência e gravidade variáveis.
Em bovinos, é herdada como um fator poligenético e pode estar associada a outras anormalidades, como impactação de dentes molares e osteopetrose (p. 1120) em bezerros da raça Angus e bovinos da raça Simental, ou com aberrações cromossômicas,
como trissomia, que é letal. Em potros, a braquignatia pode ser um componente dos vários efeitos teratogênicos decorrentes do uso de griseofulvina em éguas prenhes. Em pequenos animais, formas leves podem não ter relevância clínica, porém formas mais
graves podem resultar em traumatismo ao palato duro ou restrição do crescimento normal da mandíbula secundária à erupção dos dentes caninos mandibulares em adultos. O diagnóstico é obtido por meio de exame cuidadoso da cavidade bucal. O
tratamento varia de diversos a nenhum procedimento endodôntico ou ortodôntico, dependendo da gravidade. Em pequenos animais, os dentes caninos são frequentemente removidos ou fazse a redução da coroa, com concomitante pulpotomia ou tratamento
do canal da raiz. Caso necessário, recomendase a colocação inicial de aparelhos ortodônticos que melhora ambos, o resultado a curto e a longo prazo. Nos ovinos, vários defeitos de oclusão, desde braquignatia a aplasia mandibular e agnatia, são
sabidamente herdados como uma característica autossômica recessiva simples. Displasia craniofacial em bovinos da raça Limousin caracterizase por contorno convexo do focinho, mandíbula curta, ossificação deficiente nas junções dos ossos frontais,
exoftalmia e língua grande; acreditase que seja decorrência de homozigose de um gene recessivo autossômico simples.
Prognatia (prognatismo, “boca de macaco” ou “boca de porca” em equinos) é constatada quando a mandíbula é mais longa do que a maxila. Esta alteração é detectada no exame da cavidade bucal devido à presença de dentes incisivos mandibulares em
contato com, ou rostrais, aos dentes incisivos maxilares. Nos gatos da raça Persa e em cães braquicefálicos é considerada uma característica racial normal. Apesar de ocorrer em graus variáveis, o prognatismo raramente requer tratamento específico. Se um
potro é muito acometido, a sucção pode ser impossível; o tratamento, se viável, consiste em lixamento ou cisalhamento das pontas e projeções dos dentes. Em ruminantes é frequentemente observado, em menor grau, ao nascimento e se corrige
espontaneamente à medida que o animal se desenvolve. Anomalias mais graves podem prejudicar a capacidade de pastar e mastigar; portanto, com repercussões mais sérias.
Nos bezerros da raça Angus, um defeito facial caracterizado por face ampla e curta é acompanhado por doença articular degenerativa e tem transmissão genética complexa.
ANOMALIAS DE LÍNGUA: Anquiloglossia ou microglossia referese ao desenvolvimento incompleto ou anormal da língua. Nos cães, é frequentemente denominada “língua de pássaro” e pode ser componente da síndrome da debilidade dos filhotes de cães. Os
filhotes acometidos apresentam dificuldade para mamar e o fazem de forma deficiente. O exame da cavidade bucal revela perda ou subdesenvolvimento das porções finas lateral e rostral da língua, o que resulta em distúrbios de preensão e de motilidade.
Geralmente é fatal. Macroglossia ou língua grande é observada em bovinos da raça Galloway, mas normaliza com a idade e raramente tem relevância clínica.
Epiteliogênese imperfeita ou “língua lisa” é uma condição de desenvolvimento incompleto das papilas filiformes da língua, transmitida como característica recessiva autossômica em bovinos das raças Holandesa, Friesian e Pardo Suíço. As
consequências são salivação excessiva e definhamento.
SÍNDROME DO LÁBIO APERTADO EM CÃES DA RAÇA SHARPEI: Alguns cães da raça SharPei apresentam o vestíbulo anterior do lábio inferior pequeno ou ausente. O lábio inferior recobre os dentes inferiores e envolve os incisivos inferiores até próximo à
língua. O contato entre a superfície do palato dos incisivos superiores e o lábio inferior compromete a posição do lábio e pode contribuir para o deslocamento dos dentes incisivos inferiores no sentido da língua. A correção cirúrgica requer a criação de um
vestíbulo mediante incisão de relaxamento horizontal, dissecção da mucosa livre e sutura desse enxerto de mucosa sobre o tecido conjuntivo exposto, a fim de evitar a cicatrização das bordas, o que implicaria em recidiva.
CISTOS E SEIOS DE CABEÇA E PESCOÇO
É importante diferenciar anomalias do desenvolvimento fetal e infecções, como abscesso. O cisto do ducto tiroglossal é consequência da persistência pósnatal do ducto tiroglossal embrionário prematuro. Este cisto raro é sempre único e situado no meio do
pescoço, geralmente na altura do osso hioide e laringe. É arredondado, de superfície lisa, com borda bem delimitada e ancorado no osso hioide e em tecidos profundos. A não ser que se instale infecção, raramente se adere à pele. Não é dolorido e contém
fluido.
Um cisto branquial (ou cervical lateral) desenvolvese a partir de malformação do aparato branquial, normalmente da segunda fenda branquial. Cistos branquiais, unilaterais ou bilaterais, ocupam uma posição lateral da parte superior do pescoço e, em
geral, são ligeiramente móveis. O tamanho é variado e um cisto, individual, pode mudar de tamanho periodicamente à medida que seu conteúdo se extravasa através de pequena abertura no pescoço ou de pequena fístula cutânea (fístula cervical lateral ou
branquial). Estudo retrospectivo recente em equinos identificou duas faixas etárias de manifestação: < 6 meses de idade, com sintomas clínicos relacionados, principalmente, à doença do trato respiratório superior e > 8 anos de idade, predominância de sinal
clínico de doença esofágica obstrutiva.
Em equinos, é possível constatar cisto esofágico intramural ou duplicação cística do esôfago, geralmente de manifestação precoce. O tratamento de escolha é remoção cirúrgica ou omentalização. Duplicações tubulares também foram descritas e
clinicamente se manifestam como disfagia recorrente ou falta de ar; geralmente a remoção cirúrgica é curativa.
Cistos dentígeros têm origem epitelial e surgem com o desenvolvimento anormal do dente. Frequentemente, contêm fragmentos de dente e envolvem a maxila e a mandíbula, em graus variáveis. Esses cistos são observados em equinos jovens (< 3 anos)
ou em ruminantes (principalmente ovinos). Em equinos jovens pode ser difícil diferenciálos de seios císticos (osteíte fibrosa cística) que também tipicamente resultam em distorção facial ou mandibular.
Há necessidade de remoção cirúrgica do(s) cisto(s) seguida de definição do diagnóstico com base em exame histopatológico subsequente.
DENTES
QUANTIDADE ANORMAL: Na maioria das espécies, um número reduzido de dentes (conhecido como anodontia) é raro, embora em cães é possível notar desenvolvimento ou erupção de dentes molares e prémolares. Em equinos, ocasionalmente, notamse
dentes supranumerários na região incisiva ou molar; nos cães, estes dentes geralmente são unilaterais e mais frequentes na maxila. Ainda nos cães, embora seja rara, uma germinação inadequada da arcada dentária permanente pode causar a ruptura do germe
dentário com a formação de dois dentes. O resultado pode ser aglomeração e rotação subsequente dos dentes, o que requer extração para evitar ou corrigir alterações de oclusão. Em equinos, os dentes supranumerários são removidos ou periodicamente
grosados, principalmente quando interferem na mastigação ou na colocação do freio.
ANORMALIDADES DE TROCA DE DENTES: Em ruminantes, nos dentes prémolares, a raiz do dente temporário pode ser absorvida, mas a coroa pode persistir como uma cobertura ou “tampa” para o dente permanente que irá surgir. Essas coberturas são
facilmente removidas com auxílio de pinça, caso não se desprendam espontaneamente. Nos cães, a demora na troca dos dentes decíduos é comum e se deve à falha na separação do ligamento periodontal do dente decíduo, com erupção rostral dos dentes
caninos permanentes. Isso pode causar deslocamento do dente permanente, em 2 a 3 semanas, e resultar em má oclusão ou preensão de alimento e posterior doença periodontal. Portanto, os dentes decíduos retidos devem ser removidos assim que possível,
com especial cuidado para não danificar o germe dental permanente primário.
ANORMALIDADES DE POSIÇÃO, FORMA E DIREÇÃO: Nos equinos, essas alterações podem acometer os dentes incisivos e resultar em rotação do eixo longitudinal ou sobreposição dos dentes adjacentes. Em cães braquicefálicos, o terceiro prémolar superior
e, ocasionalmente, outros dentes prémolares ou molares podem apresentar rotação. Geralmente, isso não tem relevância clínica, mas pode requerer extração de alguns dentes envolvidos, caso ocorra aglomeração ou anormalidades de oclusão. Alterações de
forma, inclusive dente invaginado, são observadas em várias espécies e raças. A importância clínica é variável e depende da gravidade, sendo na maioria dos casos um achado acidental.
LESÕES NO ESMALTE: Hipoplasia ou lesão na formação do esmalte pode ser constatado em animais de grande e de pequeno porte. As causas mais comuns incluem febre, traumatismo, desnutrição, intoxicação (p. ex., fluorose em bovinos) e infecções (p. ex.,
vírus da cinomose em cães). As lesões podem variar, de acordo com a gravidade e duração da agressão, de perfuração à ausência de esmalte com desenvolvimento incompleto do dente. Os dentes acometidos ficam propensos à formação de placa e ao
acúmulo de tártaro, com subsequente penetração bacteriana e formação de cáries. Em pequenos animais, temse utilizada restauração com resina para reparar os defeitos; mesmo assim, é fundamental higiene dentária cuidadosa e cuidados domiciliares com
a fim de reduzir a ocorrência de complicações. Também, é possível notar manchas no esmalte. Em pequenos animais, a administração de tetraciclinas a fêmeas prenhes ou a filhotes < 6 meses de idade pode causar mancha amareloamarronzada permanente
nos dentes. Em ruminantes, o esmalte de alguns dentes pode exibir manchas de várias colorações. Acreditase que essa alteração tenha etiologia genética, mas geralmente não tem relevância clínica; no entanto, alguns clínicos acreditam que os dentes
acometidos podem ficar predispostos a desgaste mais rápido.
ESÔFAGO
As anomalias esofágicas clinicamente importantes em geral se manifestam como distúrbios de deglutição e regurgitação, em especial com a introdução de alimento sólido. Essas afecções, notadas predominantemente em pequenos animais, podem ser
classificadas como megaesôfago congênito, anomalias com aprisionamento do anel vascular e acalasia. Megaesôfago congênito resulta de anomalias do desenvolvimento neuromuscular esofágico. A prevalência é maior em cães das raças SharPei Chinês,
Fox Terrier, Pastor Alemão, Dogue Alemão, Setter Irlandês, Labrador Retriever, Schnauzer miniatura e Newfoundland e nos gatos da raça Siamês. Nos cães Fox Terrier é uma característica autossômica recessiva, enquanto naqueles Schnauzer miniatura é
autossômica dominante. O megaesôfago pode também ser um componente de neuropatia difusa congênita. O complexo polineuropatiaparalisia de laringe, que comumente inclui megaesôfago, foi descrito em cães jovens da raça Dálmata. Além disso, cães
de raças predispostas a hipotireoidismo e hipoadrenocorticismo podem apresentar polineuropatia concomitante que se manifesta como megaesôfago. Esta afecção também pode ser detectada como síndrome paraneoplásica em cães jovens com timoma (p.
1347). Anomalias com persistência do anel vascular na maioria dos casos é consequência da persistência do quarto arco aórtico direito durante o desenvolvimento embrionário, resultando em estenose esofágica na altura da base cardíaca do quarto arco
aórtico direito, átrio esquerdo, artéria pulmonar e ligamento arterioso. Isto obstrui a passagem de alimento, causa retenção alimentar e subsequente dilatação esofágica anterior à anomalia. Há maior prevalência em cães das raças Boston Terrier, Pastor
Alemão e Setter Irlandês. Embora rara, esta afecção foi descrita em gatos e equinos. Acalasia cricofaringiana é uma falha ou assincronia no relaxamento do músculo cricofaríngeo durante a deglutição, o que prejudica a passagem normal do bolo alimentar
da porção caudal da faringe até o esôfago cranial. É identificada principalmente em cães de raças toy, Cocker Springer Spaniel e, raramente, em gatos. A acalasia de esfíncter esofágico inferior atualmente é considerada um componente de distúrbio motor
esofágico generalizado (p. ex., megaesôfago) e não mais como uma afecção.
Geralmente, o diagnóstico de uma doença esofágica baseiase em sintomas clínicos característicos (p. ex., regurgitação) e radiografia contrastada ou fluoroscopia do reflexo de deglutição. O diagnóstico da etiologia específica pode exigir exames
adicionais, como endoscopia, teste de função endócrina e exclusão da possibilidade de miastenia gravis. O tratamento deve ser direcionado à causa primária. Alguns cães discretamente acometidos melhoram com o tempo, o prognóstico a longo prazo não é
ruim. Pneumonia por aspiração é uma complicação comum, várias vezes fatal. Alimentações frequentes com o animal em posição elevada, com pequenas quantidades de alimentos altamente digestíveis, de consistência pastosa, podem ser úteis. O
comprometimento do proprietário é essencial para o sucesso do tratamento. A correção cirúrgica das anomalias de anel vascular, geralmente por transecção do ligamento arterioso (por meio de toracotomia ou via toracoscopia), é efetiva, se realizada
precocemente; caso contrário, o lesão esofágico secundário à dilatação do esôfago devido à retenção de alimento pode resultar em distúrbio permanente da motilidade esofágica.
Divertículos esofágicos podem envolver o esôfago cervical, imediatamente cranial à entrada torácica, ou serem epifrênicos (imediatamente craniais ao diafragma). Os sintomas clínicos dependem da gravidade da enfermidade e são verificados em apenas
10 a 15% dos casos, mas podem incluir impactação, esofagite e, raramente, ruptura ou formação de fístula traqueoesofágica. O tratamento (se necessário) implica remoção cirúrgica. A ocorrência periódica de divertículo esofágico imediatamente cranial à
entrada torácica pode ser um normal em cães da raça Bulldog Inglês.
ESTÔMAGO
Além de hérnia de hiato (anteriormente mencionada), a doença de estômago mais comum de etiologia possivelmente hereditária é estenose de piloro. Estenose ou hipertrofia pilórica se deve ao espessamento muscular do esfíncter pilórico, que obstrui a
drenagem do piloro. As raças de cães acometidas incluem aquelas braquicefálicas e pequenas, principalmente Boxer e Boston Terrier, bem como gatos Siameses. Os sintomas clínicos envolvem retardo no esvaziamento gástrico e geralmente se manifestam
como vômito várias horas após a refeição. O tratamento baseiase na modificação da dieta e uso de modificadores de motilidade, como metoclopramida ou cisaprida. Nos casos mais graves a piloromiotomia pode ser benéfica.
FÍGADO
A anomalia hepática congênita mais comum é desvio (ou shunt) portossistêmico (DPS). (Ver malformações vasculares portossistêmicas, p. 413, para informação completa). Embora essa anomalia possa acometer cães de qualquer raça, é mais prevalente nas
raças Yorkshire Terrier, Cairn Terrier, Maltês, Pug, Wolfhound Terrier, Labrador e Golden Retriever e Schnauzer miniatura. Há relato também em gatos da raça Himalaia e Persa. O DPS resulta no desvio de sangue portal do fígado com acesso direto à
circulação sistêmica. Os desvios podem ser únicos e intra–hepáticos (na maioria das vezes secundários à persistência de ducto venoso fetal), únicos e extrahepáticos (com várias vias vasculares possíveis entre as veias porta e póscava ou ázigos), ou
múltiplos e secundários a fístulas arterioportais intrahepáticas. Geralmente, os sintomas clínicos se manifestam como distúrbios neurológicos metabólicos (encefalopatia hepática) e são constatados em animais jovens, após dieta rica em proteínas. Em
estágios posteriores, podese desenvolver ascite secundariamente à hipertensão portal. Outros achados clínicos concomitantes incluem aumento de volume dos rins e cálculo de urato. Ultrassonografia abdominal é 100% sensível para DPS intrahepático
(embora um pouco menos sensível para DPS extrahepático), porém a sensibilidade depende da habilidade do profissional que realiza a ultrassonografia. O diagnóstico definitivo por meio de portografia com contraste positivo pode identificar tanto o local
do desvio, quanto se este é único ou múltiplo. Esse procedimento também permite avaliar a possibilidade de correção cirúrgica. Os desvios múltiplos tem prognóstico ruim, pois frequentemente são secundários à doença progressiva primária do parênquima
hepático (p. ex., cirrose).
Displasia microvascular hepatoportal é uma enfermidade circulatória intrahepática que resulta em desvio do sangue portal para a circulação sistêmica. A síndrome está bem estabelecida em cães das raças Cairn Terrier e Yorkshire Terrier, embora
também observada nas raças Maltês, Dachshund, Poodle toy e miniatura, Bichon Frisé, Pequinês, Shih Tzu, Norfolk e Norwich Terrier, Tibetan Spaniel, Havanês e Lhasa Apso. Esta doença geralmente é assintomática e sua importância clínica é que deve ser
diferenciada de DPS. Como a concentração de ácidos biliares encontrase alterada nos dois casos, a diferenciação pode ser feita apenas pela exclusão de desvio(s) vascular(es) macroscópico(s) delimitado(s). Cães que progridem para doença clínica são
submetidos ao tratamento medicamentoso, como descrito para DPS; na ausência de desvio vascular macroscópico delimitado, a cirurgia não é uma opção terapêutica.
Hepatopatia associada ao cobre é um distúrbio metabólico que envolve o armazenamento deste mineral no fígado, resultando em acúmulo hepatocelular progressivo de cobre e desenvolvimento subsequente de hepatite crônica e cirrose hepática. Esta
afecção é bem descrita em cães da raça Bedlington Terrier, nos quais são relatadas três variações clínicas: necrose hepática aguda em cães jovens (< 6 anos); insuficiência hepática progressiva crônica em animais idosos; e doença assintomática (portador).
Altos teores de cobre também foram detectados em casos de hepatopatia familiar em cães das raças Dálmata, West Highland White Terrier, Sky Terrier e Dobermann Pinscher, embora uma relação causal não tenha sido definida, como demonstrada em cães
Bedlington Terrier. Há aparentes variações raciais geográficas, com teores hepáticos de cobre mais graves nas raças Bedlington e West Highland White Terrier criados na América do Norte. O tratamento envolve o fornecimento de quelantes de cobre, dieta
com baixo teor de cobre e outras medidas de suporte direcionadas aos animais com hepatopatia clínica.
Anomalias de desenvolvimento hepático adicionais incluem cisto hepático, geralmente assintomático e importância clínica apenas quando devem ser diferenciados de abscesso hepático. Quando um cisto hepático é encontrado devese avaliar, também, a
arquitetura renal (especialmente em gatos), uma vez que pode haver doença renal policística concomitante.
Há relato de hiperlipidemia primária ou familiar tanto em cães quanto em gatos. Cães das raças Colly, Shetland Sheepdog e Briard são predispostos à hipercolesterolemia. Até 33% dos cães da raça Schnauzer miniatura apresentam hipertrigliceridemia,
com base em exames bioquímicos. Em geral, os sintomas clínicos em cães acometidos são vagos e incluem desconforto abdominal, alteração de comportamento, convulsões, afecções oculares associadas ao depósito de lipídios e aumento do risco de
pancreatite.
Hiperquilomicronemia é descrita em gatos domésticos na Nova Zelândia, cujos sintomas clínicos incluem neuropatias periféricas e xantomas cutâneos que, em geral, surgem antes de 9 meses de idade. O tratamento de hiperlipidemia primária baseiase
no uso de dieta com baixo teor de gordura; suplementação com ácidos graxos ômega 3, em casos mais graves; e fármacos que reduzem a concentração de lipídios, embora haja pouca informação quanto à segurança e eficácia destes medicamentos em
animais.
HÉRNIAS
Hérnias que comprometem o abdome ocorrem quando o conteúdo abdominal penetra uma abertura natural ou anormal na parede corporal. Podem ser congênitas ou adquiridas. Nas hérnias adquiridas geralmente há história de traumatismo. Hérnias
congênitas podem envolver diafragma ou parede abdominal. Pode haver 3 tipos principais de hérnias que envolvem o diafragma: peritôniopericárdica, na qual o conteúdo abdominal estendese para o interior do saco pericárdico; pleuroperitoneal, quando
o conteúdo abdominal encontrase no interior da cavidade pleural; e de hiato, na qual o esôfago abdominal, a junção gastresofágica e/ou porção gástrica penetram o hiato esofágico diafragmático, alcançando a cavidade torácica. Os sintomas clínicos variam
de assintomáticos a graves e dependem da quantidade de tecido herniado e de suas consequências ao órgão deslocado. As hérnias de hiato podem ser “deslizantes” e resultar em sintomas clínicos de esofagite por refluxo (anorexia, salivação e/ou vômito),
que podem ser intermitentes. Para a confirmação do diagnóstico há necessidade de exame radiográfico, frequentemente, com técnicas contrastadas. Fluoroscopia ou endoscopia é útil no diagnóstico de hérnia de hiato deslizante. A correção destas hérnias é
mais efetiva por meio de cirurgia. No caso de hérnia de hiato, o tratamento medicamentoso, com uso de antiácidos e alterações na dieta, pode controlar sintomas discretos.
As hérnias que envolvem a parede abdominal podem ser umbilicais, inguinais ou escrotais. As hérnias umbilicais são secundárias à falha no fechamento normal do anel umbilical e resultam em protrusão do conteúdo abdominal para o tecido subcutâneo.
O tamanho varia de acordo com a extensão do defeito umbilical e da quantidade de conteúdo abdominal presente. Em grandes e pequenos animais a etiologia tem provável componente genético; no entanto, tração excessiva do feto de tamanho exagerado ou
corte do cordão umbilical muito próximo à parede abdominal são outras possíveis causas. Geralmente, o diagnóstico é direto, principalmente quando é possível a redução manual da hérnia. Se não for possível a redução da hérnia, devese fazer diagnóstico
diferencial de abscesso umbilical, comum em crias de grandes animais. Hérnia umbilical e abscesso umbilical quase sempre são concomitantes, principalmente em bovinos e suínos. Para a confirmação pode ser necessária punção exploratória por meio de
biopsia com agulha fina, seguida de exame citopatológico. O tratamento é cirúrgico. Em pequenos animais, se a hérnia for pequena, realizase correção cirúrgica concomitante à castração. Em bezerros, há casos bemsucedidos com a aplicação de uma
bandagem adesiva larga (10 cm de largura), por 3 a 4 semanas. Em equinos, hérnias pequenas (< que 1 a 3 cm) podem regredir espontaneamente; entretanto, se persistem por mais de 6 meses, provavelmente é necessária correção cirúrgica. O proprietário
deve ser informado que essa doença pode ser hereditária.
Hérnia na parede abdominal de um potro. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.Estenose de piloro; local da piloromiotomia. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.
Hérnias inguinais são comuns em cachaços e geralmente se estendem para o interior do escroto. O diagnóstico pode ser confirmado pela suspensão dos membros torácicos do leitão seguida de movimentos de balançar, procedimento que permite que a
saliência herniária pequena seja visível. Em porcas, essa afecção sempre é acompanhada de prejuízo ao desenvolvimento genital; estes animais são estéreis e indicase cirurgia apenas se o tamanho da lesão representa risco ao crescimento do suíno até o peso
de abate. Geralmente, em potros as hérnias inguinais regridem espontaneamente no primeiro ano de vida, às vezes após repetidas vezes de redução manual. Por essa razão, não se indica cirurgia corretiva precoce, exceto se ocorre estrangulamento do
conteúdo da hérnia ou se for grave o bastante para interferir na marcha. Hérnia inguinal estrangulada é frequente em garanhões e se caracteriza por sintomas de dor abdominal intensa contínua. É facilmente detectada por meio de palpação retal e pode ser
reduzida, sob anestesia geral, por meio de manipulação retal. Caso este procedimento falhe há necessidade de cirurgia imediata. Hérnia inguinal em bovinos é rara, embora às vezes é notada em touros. Quando se realiza correção cirúrgica para preservar o
potencial reprodutivo do touro nem sempre se obtém sucesso.
INTESTINOS DELGADO E GROSSO
Os distúrbios de má digestão ou má absorção geralmente se manifestam como sintomas GI persistentes e crônicos e incluem vômito, perda de peso ou diarreia de intestino grosso e/ou delgado, ou uma combinação destes. Há várias possíveis etiologias,
hereditárias e adquiridas, e a maioria está associada à doença intestinal inflamatória (DII). As anomalias congênitas podem ter predileções raciais específicas.
Em cães da raça Wheaten Terrier de pelos macios há maior prevalência de nefropatia e enteropatia com perda de proteína concomitante. Tanto DII quanto alergia alimentar são consideradas componentes dessa síndrome. A constatação de alta
concentração do inibidor a1protease fecal pode auxiliar na confirmação de perda intestinal anormal de proteína, embora o diagnóstico definitivo se baseie na histopatologia renal e intestinal. Apesar do uso de dieta hipoalergênica e de terapia
imunossupressora direcionada tanto para DII quanto para glomerulonefrite, o prognóstico é ruim.
Há relatos de que cães da raça Setter Irlandês têm predisposição familiar para enteropatia sensível ao glúten, com início dos sintomas clínicos em torno de 6 meses de idade. A sensibilidade ao trigo é confirmada e tratada mediante o uso de dieta
semanas glúten.
Cães da raça Basenji são predispostos à enteropatia imunoproliferativa de causa hereditária desconhecida; a enterite linfocíticaplasmocítica grave é um componente e a afecção pode progredir para linfoma. O diagnóstico baseiase no exame
histopatológico de amostras de tecido obtidas por meio de biopsia GI, geralmente guiada por endoscopia. As tentativas de tratamento com fármacos imunossupressores e dieta hipoalergênica geralmente não são bemsucedidas, exceto se iniciadas de forma
agressiva nos estágios iniciais da doença.
A linfangiectasia é uma malformação do sistema linfático intestinal que causa enteropatia com perda de proteínas; pode ser congênita ou adquirida, com maior prevalência em cães das raças Norwegian Lundehund, Basenji, Wheaten Terrier de pelos
macios e Yorkshire Terrier. O prejuízo à drenagem linfática causa dilatação dos vasos quilíferos e linfáticos da parede intestinal. O diagnóstico baseiase na exclusão de outras doenças acompanhadas de perda proteica e pode ser confirmado por exame
histopatológico da parede do intestino delgado. A maioria dos animais acometidos responde à combinação de modificação da dieta e dose antiinflamatória de glicocorticoides. A dieta deve conter pouca gordura e alto teor de proteínas de alta qualidade e
pode ser suplementada com triglicerídios de cadeia média. Medidas terapêuticas adicionais incluem o uso de rutina, uma droga efetiva também no tratamento de quilotórax e linfedema. Alguns animais não respondem e não resistem à grave desnutrição
proteica e calórica.
A insuficiência pancreática exócrina (IPE) é mais prevalente em cães das raças Pastor Alemão, Colly e Setter Inglês e se deve à atrofia de ácinos pancreáticos; em felinos é uma doença adquirida (secundária à pancreatite). A ausência de enzimas
pancreáticas causa diarreia osmótica, na qual esteatorreia é um achado evidente. Os animais acometidos não ganham peso ou se a IPE é adquirida posteriormente apresentam perda de peso relevante. O diagnóstico baseiase na mensuração da
imunorreatividade semelhante à tripsina sérica (IST); Há testes validados tanto para cães quanto para gatos. Testes mais recentes incluem imunorreatividade à lipase pancreática canina, que pode ser mais sensível no diagnóstico de pancreatite, mas não tem
vantagem em relação ao IST. O tratamento compreende reposição exógena de enzimas pancreáticas e dieta facilmente digestível.
Colite ulcerativa histiocítica é uma doença inflamatória secundária a um distúrbio imunológico que acomete os histiócitos do cólon. A afecção é semelhante à doença de Crohn em pessoas. Cães das raças Boxer e Bulldog Francês são predispostos e o
início dos sintomas clínicos de diarreia de intestino grosso crônica acontece no primeiro ano de vida. O diagnóstico baseiase em análise de biopsia do cólon e resposta à terapia, que inclui modificação na dieta e uso de fármacos imunossupressores e/ou anti
inflamatórios.
Agangliose ileocolônica é descrita em potros brancos obtidos de acasalamentos entre equinos da raça Overo. Embora os potros pareçam normais ao nascimento, logo desenvolvem cólicas e morrem no segundo dia. Os equinos acometidos são brancos e
possuem íris azuis. O diagnóstico pode ser confirmado pela constatação de ausência de gânglios no cólon. Os defeitos congênitos de reto e ânus geralmente resultam de uma falha no desenvolvimento embrionário.
As atresias hereditárias do intestino grosso ou delgado são relativamente comuns em grandes animais. Há relato de atresia de cólon em equinos Percheron, envolvendo o cólon ascendente na flexura pélvica. Temse observado atresia ilíaca em bovinos
da raça Swedich Highland e atresia de intestino delgado em cordeiros. Estas afecções sempre são fatais. Palpação retal no início da gestação (< 45 dias) foi incriminada como causa, embora a recente redução na prevalência por meio de acasalamentos
seletivos também indique possível predisposição genética.
Atresia de cólon em bezerro. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.
Atresia anal é observada em ovinos, suínos e bovinos e ocorre quando a membrana dorsal que separa o reto e o ânus não se rompe. Os sintomas clínicos são evidentes ao nascimento e incluem tenesmo, dor e distensão abdominal, retenção de fezes e
ausência de orifício anal. Recomendase remoção cirúrgica dessa membrana. Essa afecção é rara em cães, mas foi descrita em diversas raças, como Poodle toy e Boston Terrier, com maior prevalência em fêmeas. Indicase cirurgia, mas pode ocorrer
complicação devido à incontinência fecal pósoperatória.
Aplasia segmentar (agenesia retal) ocorre quando o reto termina em um fundo cego, antes de atingir o ânus. A correção cirúrgica é difícil, pois a localização da porção final é variável e pode ocorrer lesão iatrogênico aos nervos da região.
Duplicações de cólon e reto são raras e os animais acometidos geralmente manifestam sintomas de doença de intestino grosso. O diagnóstico é definido por meio de colonografia contrastada. Obtémse a correção mediante remoção cirúrgica da
duplicação, embora alguns casos apresentem múltiplas anomalias de desenvolvimento abdominal concomitantes que impedem a correção cirúrgica completa.
Fístula retouretral foi descrita em cães da raça Bulldog Inglês, gatos e equinos; clinicamente é caracterizada por micção simultânea, tanto pelo orifício urogenital quanto pelo orifício, além de histórico de infecção crônica do trato urinário. O diagnóstico
baseiase na uretrografia excretora contrastada ou colonografia retrógrada contrastada. A correção cirúrgica é curativa.
Estenose de piloro; local da piloromiotomia. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.
Fístula retovaginal é um trato fistuloso que conecta a vagina e o reto; em geral, é observada em combinação com ausência de abertura anal. A eliminação de fezes pela vulva ou sinal de obstrução de cólon é sugestivo da anomalia. O diagnóstico pode ser
confirmado por enema com bário, o qual delimita a extensão do problema no interior da vagina. A identificação da fístula, sua correção cirúrgica e a restauração das estruturas anatômicas normais são procedimentos essenciais. Em geral, o prognóstico é
reservado. As complicações são comuns e incluem incontinência fecal e urinária. Estas alterações são frequentemente observadas em gatos da raça Manx como sequela de espinha bífida hereditária.
DESENVOLVIMENTO DOS DENTES
Todos os animais domésticos apresentam dentição difiodonte, ou seja, um conjunto de dentes decíduos e outro de dentes permanentes. Tanto a morfologia quanto a fórmula dentária (Tabela 3) são variáveis e intimamente relacionadas com a alimentação da
espécie. Antigamente, a identificação dos dentes baseavase em um sistema anatômico no qual os dentes incisivos eram identificados como I, caninos como C, prémolares como P e molares como M. Atualmente os dentistas veterinários empregam o
sistema Triadan modificado, que utiliza um número de três dígitos para um dente específico. A cabeça dos animais é dividida em quatro quadrantes, sendo o quadrante superior direito designado como “1” e os demais quadrantes numerados no sentido anti
horário. Os números 1 a 4 são usados para identificar o quadrante de dentes permanentes, e os números 5 a 8, para os dentes temporários. O segundo e o terceiro dígitos identificam o número do dente específico. Por exemplo, em equinos, o segundo pré
molar inferior esquerdo é o dente “306” e o último molar da mandíbula direita é o “411”.
Estimativa da Idade pelo Exame dos Dentes
Em equinos, que possuem dentição hipsodonte, a idade pode ser estimada pelo tempo de erupção e aparência geral dos dentes (incisivo inferior). Em outras espécies com incisivos braquidontes, como bovinos e cães, a determinação da idade é menos acurada
e se baseia principalmente no tempo de erupção dentária.
Tabela 3 – Fórmulas dentárias
BOVINOS: As idades de erupção dos incisivos representam o achado mais confiável para a determinação da idade em bovinos (Tabela 4). Embora esteja relacionado com a raça, o tempo de erupção é mais preciso para determinar a idade do que os sintomas
de desgaste, pois os achados dentários macroscópicos relacionados com a idade são escassos (estrelas dentárias) ou ausentes (depressões e marcas), além do fato da taxa de desgaste ser amplamente influenciada pela dieta.
Dentição de equino. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.
Tabela 4 – Erupção dos dentes a
b 2 anos, em caprinos.
c 2,5 a 3 anos, em caprinos.
d 3 a 4 meses, em ovinos.
Nascimento até 5 anos de idade: Ver Tabela 4.
5 anos de idade: Todos os incisivos apresentam desgaste. A superfície de oclusão dos incisivos centrais começa a ficar plana.
6 a 7 anos de idade: Os incisivos centrais se apresentam nivelados e o colo é visível.
8 anos de idade: Os incisivos médios se apresentam nivelados e o colo é visível.
9 anos de idade: Os incisivos laterais se apresentam nivelados e o colo é visível. C pode estar nivelado.
10 anos de idade: C está nivelado e o colo é visível.
À medida que os bovinos envelhecem, os dentes se tornam mais curtos e os seus colos mais visíveis; se afrouxam nos alvéolos dentários e, por fim, caem.
CÃES: Os dados a seguir foram considerados confiáveis em cerca de 90% dos cães de grande porte. Há mais variação em cães pequenos (especialmente nas raças toy) e nos cães com maxilar braquignata ou prognata. Mordeduras uniformes ou niveladas
geralmente resultam em desgaste excessivo.
1,5 ano de idade: Incisivos centrais inferiores com cúspides desgastadas.
1,5 a 2 anos e meio de idade: Incisivos médios inferiores com cúspides desgastadas.
3,5 anos de idade: Incisivos centrais superiores com cúspides desgastadas.
4,5 anos de idade: Incisivos médios superiores com cúspides desgastadas.
5 anos de idade: Incisivos laterais inferiores com cúspides pouco desgastadas. A superfície de oclusão dos incisivos inferiores centrais e médios é retangular. Desgaste discreto dos dentes caninos.
6 anos de idade: Incisivos laterais inferiores com cúspides desgastadas. Caninos desgastados e rombos. O canino inferior mostra impressão do incisivo lateral superior.
7 anos de idade: A superfície de oclusão do incisivo central inferior tornase elíptica, com eixo sagital longo.
8 anos de idade: A superfície de oclusão do incisivo central inferior se apresenta inclinada para a frente.
10 anos de idade: Os incisivos centrais superior e médio inferior apresentam superfícies de oclusão elípticas.
12 anos de idade: Os dentes incisivos começam a cair (exceto quando há cuidado para manterem saudáveis os tecidos periodontais e gengivais).
EQUINOS: Em equinos, os dentes incisivos (inferiores) são os mais adequados para estimar a idade. Entretanto, devese lembrar que as aparências dos dentes estão sujeitas a variações individuais e raciais e há diferenças relacionadas com as condições
ambientais. Os incisivos decíduos são menores que os dentes permanentes, a superfície de suas coroas são mais brancas e têm várias cristas e sulcos pequenos longitudinais. As idades de erupção estão listadas na Tabela 4. Os incisivos permanentes são
maiores e sua forma é mais retangular. As superfícies de suas coroas são amplamente cobertas por cemento e têm aparência amarelada. Os incisivos superiores apresentam dois sulcos longitudinais distintos na superfície labial, enquanto os incisivos
inferiores possuem apenas um.
Os dentes incisivos dos equinos desenvolvem características macroscópicas relacionadas com o desgaste dental, as quais tradicionalmente são utilizadas para estimar a idade. A estrela dentária consiste em uma dentina secundária amareloamarronzada
que preenche a cavidade pulpar e surge na superfície de oclusão como dente desgastado. Sua forma e posição, bem como o aparecimento de uma “mancha branca” no centro, estão relacionadas com a idade. A forma, o tamanho e o tempo de desaparecimento
tanto do infundíbulo ou “cálice” (semelhante a um funil envolvendo a superfície de oclusão) quanto das “marcas” (esmalte da superfície inferior infundibular) são características adicionais, porém, são indicadores mais variáveis da idade. O desgaste dentário
progressivo causa alteração na forma de oclusão dos incisivos. As superfícies de oclusão dos incisivos recémirrompidos são elípticas, mas com a idade tornamse trapezoides, arredondadas e, em seguida, triangulares, com o ápice em direção à face lingual.
A curvatura do arco dentário formada pelos incisivos inferiores também está relacionada com a idade. Em equinos jovens, este arco é semicircular, enquanto em animais mais velhos ele forma uma linha reta. Além disso, o arco formado pelos incisivos dos
maxilares opostos (quando se encontram) muda à medida que os dentes avançam de seus alvéolos e se desgastam. Em equinos jovens, os incisivos superiores e inferiores estão situados em linha reta. Com o avançar da idade, o ângulo entre os incisivos
inferiores e superiores tornase mais agudo. O sulco de Galvayne e o “arco dos sete anos”, tradicionalmente utilizados como indicadores da idade, são variáveis, inconsistentes e têm pouco valor para determinação da idade em equinos. Os sintomas mais
utilizados estão cronologicamente ordenados, a seguir:
Dentição do cão. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.
Figura esquerda: vista da oclusão dos incisivos inferiores de uma égua de 6 anos de idade. Estrelas dentárias são notadas em I1 e I2 (setas), “taças” dentárias são vistas como grandes depressões elípticas (pontas das setas). As superfícies de oclusão dos incisivos são ovais e a curvatura da arcada dentária é semicircular.
Figura direita: vista da oclusão dos incisivos inferiores de uma égua de 12 anos de idade. Uma mancha branca é muito nítida no centro das estrelas dentárias (setas). As “taças” são menores e mais rasas. As superfícies de oclusão são mais triangulares. Cortesia da Dra. Sofie Muylle.
Nascimento até 5 anos de idade: Ver Tabela 4.
5 anos de idade: Início de erupção dos incisivos laterais. Estrela dentária nos incisivos centrais.
6 anos de idade: Estrela dentária nos incisivos médios. Desaparecimento da depressão (“taças”) dos incisivos centrais.
7 anos de idade: Estrela dentária nos dentes laterais.
8 anos de idade: Os incisivos centrais se apresentam trapezoides e têm uma mancha branca na estrela dentária.
9 anos de idade: Os incisivos médios são trapezoides e têm uma mancha branca na estrela dentária.
10 anos de idade: Desaparecimento da depressão dos incisivos médios. As marcas dos incisivos centrais são ovaistriangulares.
11 anos de idade: Mancha branca na estrela dentária dos dentes laterais. Tanto os incisivos centrais quanto os médios têm ápice lingual. Os incisivos laterais são triangulares com um ápice labial.
12 anos de idade: Desaparecimento da depressão de todos os incisivos inferiores.
14 anos de idade: As marcas dos incisivos centrais e médios são pequenas e arredondadas
18 anos de idade: Desaparecimento das marcas dos incisivos centrais.
20 de idade: Desaparecimento das marcas dos incisivos médios e laterais.
DOENÇAS DO RETO E DO ÂNUS
DOENÇA DO SACO ANAL
A doença do saco anal é a afecção mais comum da região anal, em cães. As raças pequenas são predispostas; raramente as raças grandes ou gigantes são acometidas. Em gatos, a forma mais comum de doença do saco anal é a impactação.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Podem ocorrer impactação, infecção, abscesso ou neoplasia nos sacos anais. A deficiente compressão dos sacos anais durante a defecação, fraco tônus muscular em cães obesos e seborreia generalizada (na qual há hipersecreção
glandular) ocasionam retenção do conteúdo do saco anal. Esta retenção pode predispor ao supercrescimento bacteriano, infecção e inflamação.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sintomas estão relacionados com a dor e desconforto, associados ao ato de sentar. Podemse observar, também, corridas em disparada, lambeduras e mordeduras na região anal e dor à defecação, além de tenesmo. É comum
ocorrer endurecimento, abscesso e fistula na região. No caso de impactação, massas firmes são palpáveis e os sacos ficam preenchidos com uma secreção amarronzada, pastosa e espessa, que pode ser eliminada mediante compressão aplicandose forte
pressão com uma faixa fina. Quando há infecção ou abscesso é possível notar dor intensa e, com frequência, alteração da cor no local. A fístula cutânea se origina da abscedação do saco anal; esta deve ser diferenciada de fístula perianal. As neoplasias do
saco anal geralmente não causam dor e estão associadas a edema perineal, eritema, endurecimento ou formação de fístula. Os adenocarcinomas de glândulas apócrinas do saco anal são constatados principalmente em cadelas idosas. Estes animais são levados
à consulta devido aos sintomas secundários à hipercalcemia, como poliúria e polidipsia, ou aos problemas relacionados com o tumor perineal.
O diagnóstico de impactação, infecção ou abscesso é confirmado por meio de palpação retal digital, durante a qual podese comprimir o saco anoal. O exame microscópico do conteúdo dos sacos infectados revela grande quantidade de leucócitos
polimorfonucleares e bactérias. Devese suspeitar de tumor (adenocarcinoma apócrino do saco anal) quando se nota saco anal firme, aumentado de volume e não comprimível, mesmo após a drenagem. Nestes casos, devese confirmar o diagnóstico por
biopsia. Devese investigar a presença de metástases regionais e sistêmicas, além de mensurar a concentração sérica de cálcio.
TRATAMENTO: Devese realizar compressão manual cuidadosa do saco anal que se apresenta impactado. Se o conteúdo for muito ressecado de forma que não possa ser eliminado com a compressão podese infundir solução salina, agente ceruminolítico ou
amolecedor no seu interior. Os sacos infeccionados devem ser higienizados com antisséptico, seguido de terapia antimicrobiana local e sistêmica. Compressas quentes, aplicadas a cada 8 a 12 h por 15 a 20 min, são benéficas em casos de abscessos. Pode
se precisar de lavagens semanais frequentes associadas à infusão de pomada contendo esteroide e antibiótico. A adição de suplemento rico em fibra à dieta pode aumentar o bolo fecal, o que facilita a compressão e o esvaziamento do saco anal. Se o
tratamento medicamentoso for ineficaz, ou existir neoplasia, a excisão cirúrgica do saco é indicada. A técnica fechada para excisão é preconizada, pois há menor prevalência de complicação. No entanto, a incontinência fecal, que é uma complicação comum
da cirurgia de saco anal, pode resultar de lesões no ramo retal caudal do nervo pudendo e pode ser completa, se a lesão for bilateral. Quando a remoção do saco for incompleta ou há ruptura, podese observar formação de fístula crônica. Uma cicatriz no
esfíncter anal externo pode derivar de trauma cirúrgico e causar tenesmo (Ver p. 953).
Sacos perianais no cão. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.
ESTENOSES RETAL E ANORRETAL
As estenoses caracterizamse por estreitamento do lúmen devido à presença de tecido cicatricial. A lesão pode ser decorrência de corpos estranhos, traumas (p. ex., ferimentos por mordeduras e acidentes) ou de complicação de doença inflamatória (p. ex.,
fístula perianal, histoplasmose, doença intestinal inflamatória, saculite anal).
Neoplasias, aumento do volume prostático e tecido cicatricial oriundo de fístula perianal ou de abscessos de saco anal podem predispor à constrição extraluminal. Em pequenos animais, a estenose anorretal é mais comum que a estenose retal, mas
nenhuma delas é frequente. As estenoses são mais comuns nos cães das raças Pastor Alemão, Beagle e Poodle.
A estenose retal em bovino pode ser decorrência de trauma, neoplasia ou necrose gordurosa, que comprimem ou invadem o lúmen ou, ainda, de defeitos associados à estenose retal ou vaginal. Em suínos, a estenose retal é secundária à enterocolite,
correção de prolapso retal e como sequela de proctite ulcerativa induzida por salmonelas. Em pequenos animais, o tratamento inclui anestesia geral seguida de dilatação da estenose com auxílio de balão e aplicações intralesionais de esteroides de longa ação
(triancinolona). Em grandes animais, o tratamento pode implicar na ressecção da região estenosada ou em anoplastia.
FÍSTULA PERIANAL
A fístula perianal caracterizase por trato fistular crônico, purulento, fétido e ulcerado em tecido perianal. É mais comum nos cães da raça Pastor Alemão, mas também é observada em cães Setter e Retriever. Cães com > 7 anos de idade são mais
predispostos.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: A causa é desconhecida, embora existam várias teorias. A contaminação dos folículos pilosos e das glândulas da região anal por material fecal e secreções pode ocasionar necrose, ulceração e inflamação crônica nos tecidos e
pele perianais. Os animais acometidos podem ser predispostos a dermatopatia generalizada. Hipotireoidismo, defeito imunológico ou qualquer componente imunomediado pode contribuir para a suscetibilidade. O risco de contaminação é maior nos cães
com cauda de base larga e as dobras anais profundas podem causar retenção de fezes nas glândulas retais, o que pode ter um papel importante. Os tratos fistulares são revestidos por tecido inflamatório crônico e, frequentemente, se estendem até o lúmen do
reto e ânus. A infecção pode se disseminar para estruturas mais profundas envolvendo o esfíncter anal externo e, portanto, deve ser tratada imediatamente.
ACHADOS CLÍNICOS: Em cães, os sintomas são mudança de comportamento, tenesmo, disquezia, anorexia, letargia, diarreia e tentativas de morder e lamber a região anal. Os sintomas em gatos são semelhantes aos que ocorrem nos cães, mas podem incluir
pelame emaranhado e permanência do animal na caixa de areia.
TRATAMENTO: Até recentemente, o tratamento de fístula perianal era frustrante tanto para veterinários quanto para os proprietários. Tradicionalmente, o tratamento cirúrgico inclui saculectomia anal, além de eliminação dos tecidos acometidos. Esta técnica
implica excisão cirúrgica, desbridamento, fulguração e criocirurgia. A amputação da cauda em sua base pode ser realizada isoladamente, ou junto com outra modalidade terapêutica. A cirurgia, atualmente, é recomendada apenas para fístulas que não
respondem à terapia medicamentosa. As sequelas da cirurgia incluem incontinência fecal, estenose retal e recidiva.
A ciclosporina é considerada um tratamento efetivo; geralmente é administrada por 16 semanas e por período adicional de 4 semanas, após cicatrização completa da fístula. A administração concomitante de cetoconazol permite redução da dose e do custo
da terapia com ciclosporina. O tratamento imediato com ciclosporina associada ao cetoconazol é recomendado logo no início da doença para reduzir o risco de recidiva. Uma alternativa mais barata do que a ciclosporina é a administração de azatioprina e
metronidazol por aproximadamente 4 a 8 semanas, seguida de excisão cirúrgica da lesão residual e manutenção do tratamento medicamentoso por 3 a 6 semanas adicionais. O uso tópico de tacrolimo (pomada 0,1%, 1 ou 2 vezes/dia) também é efetivo em
alguns cães. Outros aspectos do tratamento medicamentoso incluem uso de enema para aliviar a disquezia. A limpeza perianal e o uso de antibióticos podem diminuir a inflamação.
HÉRNIA PERINEAL
A hérnia perineal é uma protrusão lateral de um saco herniário revestido pelo peritônio, entre o músculo elevador anal e o músculo do esfíncter anal externo ou o músculo coccígeo. A prevalência é desproporcionalmente maior nos cães machos de 6 a 8 anos
de idade, não castrados; animais das raças Welsh Corgi, Boston Terrier, Boxer, Collie, Kelpie e seus mestiços, Dachshund e seus mestiços, Old English Sheepdog e Pequinês são predispostos.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Muitos fatores estão envolvidos, dentre eles predisposição racial, desequilíbrios hormonais, doenças da próstata, constipação intestinal crônica e fraqueza no diafragma pélvico devido ao esforço crônico. A maior prevalência em
machos não castrados é uma evidência de que as influências hormonais, provavelmente, exerçam um papel fundamental. Acreditase que a hipertrofia prostática contribua para o desequilíbrio de hormônios sexuais. Tanto os estrógenos como os andrógenos
são citados como agentes causais.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Os sintomas clínicos comuns são constipação intestinal e obstipação, tenesmo e disquezia. Pode ocorrer estrangúria e obstrução urinária secundária à retroflexão da bexiga e da próstata. Pode ocorrer estrangulamento
visceral. Há evidente aumento do volume perineal ventrolateral ao ânus. A herniação pode ser bilateral, mas em 2/3 dos casos são unilaterais e > 80% destes são do lado direito.
A consistência do aumento de volume é macia, flutuante e ele pode ser reduzido manualmente. A tumefação dolorosa e firme pode ser compatível com retropulsão da bexiga e da próstata. Geralmente, a determinação do seu conteúdo é feita por meio de
exame retal e centese perineal (para determinar se há urina). Mais de 90% das hérnias perineais apresentam desvio retal, que é uma saculação retal no interior do saco herniário, onde as camadas da parede retal permanecem intactas.
TRATAMENTO: Raramente, a hérnia perineal é uma emergência, exceto quando a bexiga é estrangulada e o animal não consegue urinar. Se não for possível realizar cateterização, a urina deve ser removida por meio de cistocentese e devese tentar reduzir a
hérnia. Pode ser necessário um cateter urinário fixo para assegurar a patência uretral e evitar recidiva da obstrução.
A correção cirúrgica é sempre indicada e a castração concomitante é recomendada para reduzir o risco de recidiva. O prognóstico é reservado devido à alta prevalência de recidiva (10 a 46%) e às complicações pósoperatórias, como infecções, fístulas
retocutâneas, fístulas de saco anal, compressão dos nervos ciático e pudendo e prolapso retal.
LACERAÇÕES RETAIS
Separação, ruptura ou laceração da mucosa retal ou anal ocorre como resultado de laceração ocorrida no lúmen. Há envolvimento de corpos estranhos (p. ex., ossos afiados, agulhas e outros materiais grosseiros). Ferimentos por mordedura e, nos grandes
animais, trauma decorrente de palpação retal são causas comuns. A ruptura pode envolver somente as camadas superficiais do reto (ruptura parcial) ou atingir todas as camadas (ruptura completa).
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Constipação intestinal e relutância em defecar geralmente se devem à dor. O diagnóstico baseiase na constatação de tenesmo e hemorragia, alteração de coloração da região perineal, inspeção do reto e ânus; a presença
de sangue fresco na luva ou nas fezes, após exame retal, é sugestiva de laceração retal. Pode haver edema quando a lesão persiste. Devese avaliar cuidadosamente a integridade do esfíncter anal externo.
TRATAMENTO: Em todas as espécies, o tratamento deve ser realizado imediatamente. A região anorretal deve ser higienizada por completo e antibióticos sistêmicos de amplo espectro devem ser utilizados. Podem–se aplicar fluidos IV e flunixino meglumina
para evitar ou tratar choque séptico e endotóxico. Em pequenos animais, as lacerações devem ser desbridadas e suturadas através do orifício anal, por meio de laparotomia ou pela combinação de ambas, de acordo com a localização e extensão da ruptura.
Devemse administrar antibióticos e amolecedores fecais no pósoperatório.
Em bovinos e equinos, a perfuração acidental do reto durante o exame retal requer tratamento imediato para reduzir o risco de peritonite e morte. A exploração abdominal ampla deve ser lenta, cuidadosa e delicada. Devese evitar o uso das pontas dos
dedos excessivamente, bem como introduzir o braço em um local que oferece resistência. Em equinos, as rupturas de reto são classificadas de acordo com as camadas teciduais acometidas. A laceração grau I envolve a mucosa ou a submucosa. A laceração
grau II implica ruptura somente das camadas musculares. A laceração grau III compromete as camadas mucosa, submucosa e muscular, inclusive se estendem para o interior do mesorreto. Na laceração grau IV ocorre perfuração de todas as camadas do reto
e extensão para o interior da cavidade peritoneal.
Podese realizar tratamento conservativo da laceração grau I com antibióticos de amplo espectro e fluidos IV. O uso de flunixino meglumina é indicado para evitar ou tratar choque endotóxico. Devese administrar óleo mineral por meio de sonda gástrica
para amolecer as fezes e a dieta deve consistir de forragem de pastagem ou alfafa. As lacerações graus II e III requerem cirurgia imediata e mais ampla. O prognóstico da laceração grau IV é ruim; só deve ser corrigida se for pequena e se o tratamento é
iniciado antes que a cavidade peritoneal seja muito contaminada.
NEOPLASIAS RETAIS
Geralmente, as neoplasias retais malignas são adenocarcinomas, nos cães, e linfossarcomas, nos gatos. Os adenocarcinomas têm crescimento lento e são infiltrativos. Pode surgir metástase local ou sistêmica antes de se observar tenesmo, disquezia,
hematoquezia ou diarreia. Cirurgia é o tratamento de escolha no caso dos adenocarcinomas, mas pode não ser gratificante, pois em geral já há metástase previamente ao diagnóstico. Os gatos com linfossarcoma retal devem ser tratados clinicamente com
fármacos antineoplásicos.
PÓLIPOS RETAIS
Os pólipos adenomatosos retais são pouco frequentes e geralmente benignos, principalmente em pequenos animais. Quanto maior o pólipo, maior é o risco de malignidade. Os sintomas incluem tenesmo, hematoquezia e diarreia. Geralmente, o pólipo é
palpável pelo reto, sangra facilmente e há ulceração superficial. Periodicamente, o pólipo pode prolapsar através do orifício anal. A excisão cirúrgica com frequência é acompanhada de rápida recuperação clínica e um longo período de sobrevida. Podem
ocorrer novos pólipos após a cirurgia. Devese enviar, sempre, uma amostra de tecido obtida por biopsia para diagnóstico histopatológico.
PROLAPSO RETAL
No prolapso retal, ocorre protrusão de uma ou mais camadas do reto através do ânus, devido ao tenesmo persistente associado a doença intestinal, anorretal ou urogenital. O prolapso pode ser classificado como incompleto, no qual apenas a mucosa retal está
evertida ou completo, quando há protrusão de todas as camadas do reto.
ETIOLOGIA: O prolapso retal é comum em animais jovens com diarreia grave e tenesmo. Os fatores causais incluem enterite grave, endoparasitismo, anormalidades no reto (p. ex., corpos estranhos, lacerações, divertículos ou saculações), neoplasias retais
ou do cólon distal, urolitíase, obstrução uretral, cistite, distocia, colite e doença de próstata. Hérnia perineal ou outra causa de interrupção da inervação normal do esfíncter anal externo também pode causar prolapso.
Animais de qualquer idade, raça ou sexo podem ser acometidos. Provavelmente, o prolapso retal é a gastroenteropatia mais comum em suínos, devido à diarreia ou fraqueza do tecido de sustentação retal dentro da pelve. Em bovinos, pode estar associado
à coccidiose, raiva, prolapso vaginal ou uterino; ocasionalmente, acasalamentos excessivos e lesão traumática associada podem ser a causa em touros jovens. Prolapso retal é comum em ovinos com corte de cauda curto e, especialmente, em cordeiros de
lotes de engorda, nos quais rações ricas em concentrado podem ser os agentes causais. O uso de estrógenos como promotores de crescimento ou a exposição acidental á micotoxinas estrogênicas também podem predispor os grandes animais ao prolapso
retal.
ACHADOS CLÍNICOS, LESÕES E DIAGNÓSTICO: A presença de uma massa cilíndrica e alongada que protrai através do orifício anal geralmente define o diagnóstico. No entanto, ela deve ser diferenciada de intussuscepção ileocólica prolapsada por meio de
introdução de sonda, de instrumento rombo ou do dedo entre a massa prolapsada e a parede interna do reto. No prolapso retal não se consegue introduzir o instrumento devido à presença de um fórnix.
Ulceração, inflamação e congestão da mucosa retal são achados comuns. No início, há um segmento inflamado, não ulcerado e curto; posteriormente, a superfície mucosa escurece e pode tornarse congesta e necrosada.
TRATAMENTO: Em todos os animais, é muito importante identificar e eliminar a causa do prolapso.
Em pequenos animais, o tratamento inclui reposicionamento imediato do tecido prolapsado viável em sua localização anatômica apropriada, ou amputação se o segmento estiver necrosado. Os prolapsos pequenos ou incompletos podem ser reduzidos
manualmente, sob anestesia, com um dedo ou supositório. Lavagem com solução salina morna e lubrificação com gel solúvel em água do tecido prolapsado devem ser previamente realizadas. Como alternativa, uma solução de glicose hipertônica (glicose
50% ou manitol 70%) aplicada topicamente pode ser usada para aliviar o edema de mucosa. Indicase sutura em bolsadefumo anal, frouxa, por 5 a 7 dias. Podese evitar a tensão por meio da aplicação tópica de um anestésico (pomada de dibucaína 1%) ou
administração de narcótico por via epidural, antes ou após a redução ou correção. No pósoperatório, recomendase dieta úmida e amolecedor fecal (p. ex., o sulfossuccinato sódico de dioctila). A diarreia, após a cirurgia, pode necessitar tratamento.
Quando há dúvida quanto à viabilidade tecidual e esta impede a redução manual, há necessidade de ressecção e anastomose do reto. Quando o tecido retal estiver viável, mas não for tratável por meio de redução manual, indicase celiotomia seguida de
colopexia para evitar recidivas. Como indicado no tratamento medicamentoso, podese utilizar anestesia epidural para reduzir a tensão.
Em grandes animais sugerese anestesia epidural caudal para reduzir a tensão, facilitar o reposicionamento do prolapso e permitir manipulações cirúrgicas. Recomendase redução e retenção com sutura em bolsade–fumo. A sutura deve ser
suficientemente frouxa para deixar abertura de um dedo no interior do reto, em suínos e ovinos, e uma abertura ligeiramente maior em bovinos e equinos. O prolapso retal em éguas, se negligenciado, pode levar ao prolapso do cólon menor. O suprimento
sanguíneo para o cólon menor é facilmente interrompido. O reposicionamento de um prolapso retal com prolapso do cólon menor, seguido por sutura em bolsadefumo anal tem prognóstico desfavorável. Um tratamento mais agressivo do prolapso deve se
basear na condição do reto. Em geral, o prolapso pode ser resolvido com medidas conservadoras, exceto quando há necrose ou trauma profundo evidente no tecido, ou caso o tecido evertido se encontre firme, endurecido e irredutível. Neste caso devese
realizar ressecção ou amputação do tecido da submucosa. A amputação retal deve ser reservada aos casos graves. A amputação completa implica maior prevalência de estenose retal, especialmente em suínos. Podese utilizar anel de prolapso, êmbolo de
seringa ou tubo plástico, como alternativa à amputação cirúrgica, em suínos e ovinos. No pósoperatório, o animal deve receber antibióticos. Em equinos, podese utilizar amolecedores fecais. Em geral, a correção de prolapso retal em cordeiros em idade de
abate não é economicamente viável.
TUMORES PERIANAIS
Ver tumores de glândula hepatoide, p. 953 e tumores de glândula apócrina oriundos do saco anal, p. 953.
ODONTOLOGIA
GRANDES ANIMAIS
A maior parte dos grandes animais é herbívora e o funcionamento dentário eficiente é fundamental para o consumo alimentar e para a manutenção de condição corporal normal. Os dentes dos herbívoros evoluíram para se ajustar aos atritos entre os dentes
decorrentes do pastejo ou pela ruminação praticamente contínua.
As forças de desgaste são compensadas pelo desenvolvimento de dente hipsodonte (coroa alta) com erupção contínua da coroa de reserva. As arcadas dentárias (6 dentes na região malar, em equinos) possuem dentição regular que expõem bordas
esmaltadas afiadas, para cortar e prensar alimentos com alto teor de celulose. Ao mesmo tempo, a fragilidade do esmalte dentário é protegida pela dentina ao seu redor e ao cemento periférico.
Dentre os grandes animais domésticos comuns, geralmente os equinos exigem maior cuidado dentário. Na suinocultura, o corte ou amputação de dentes caninos decíduos nos leitões e a amputação de presas nos varrões podem ser parte do manejo destes
animais. Nos camelídeos do Novo Mundo (lhamas etc.), fazse o desgaste dos dentes de briga (ou seja, incisivos e caninos superiores e os caninos inferiores) para reduzir o risco e as consequências da briga. (Ver, lhamas e alpacas, p. 1954, para cuidados
dentários adicionais). As espécies exóticas também podem apresentar várias alterações dentárias, como compressão de presas em elefantes jovens ou periostite dental maxilar e actinomicose em cangurus e cangurusmirins.
Exame dos Dentes
Na maioria dos casos há correlação entre os achados de anamnese, a idade e os sintomas clínicos. Sempre, devese realizar exame físico completo, seguido de exame minucioso dos dentes e da cavidade bucal. Na maioria dos grandes animais, inclusive em
equinos, este procedimento pode exigir sedação; alguns animais podem necessitar anestesia geral. O exame completo da cavidade bucal pode ser facilitado quando a boca é lavada com água morna e o profissional utiliza um foco de luz, juntamente com um
espéculo bucal. O uso de um espelho dentário ou de câmara de endoscopia melhora muito a qualidade do exame.
Profilaxia e Extração Dentária de Rotina
A profilaxia dentária de rotina é importante nos cuidados da saúde dos equinos. As bordas do esmalte devem ser removidas duas vezes por ano, ao longo do período de erupção dos dentes permanentes e, posteriormente, conforme necessário, de acordo com
o manejo do animal. Os equinos com acesso livre à pastagem em geral requerem profilaxia dentária anualmente; equinos estabulados e alimentados apenas com feno e grãos podem necessitar profilaxia dentária e exame bucal duas vezes por ano.
O objetivo da profilaxia dentária é remover as bordas afiadas dos dentes da região malar, as quais podem causar lesão de tecido mole e alongamento da superfície de oclusão. Impedese o desenvolvimento de irregularidades de desgastes das
arcadas dentárias por meio da manutenção da superfície de oclusão normal. Geralmente, é possível realizar profilaxia dentária mediante contenção simples e/ou uso de sedativos e analgésicos. Atualmente são utilizados com maior frequência equipamentos
elétricos para limar, nivelar e realinhar as superfícies de oclusão dos dentes incisivos e da região malar. Estes instrumentos devem ser usados com cautela, de modo a evitar traumatismo térmico e de pressão na dentina e na polpa. Isso implica no emprego de
esmeril de baixa velocidade, com curto período de contato e pouca pressão, além da remoção de no máximo 3 a 5 mm da superfície de oclusão, a cada 3 a 6 meses.
A maioria dos procedimentos dentários pode ser realizada com o equino em pé, sob sedação com ou semanas anestesia regional; todavia, alguns procedimentos (p. ex., reparo de fratura e extração) geralmente requerem anestesia geral. Na maioria dos
casos há necessidade de exame radiográfico e proteção das vias respiratórias contra os restos teciduais. Alguns dentes deteriorados podem ser extraídos utilizandose afastador molar, pinça de extração e aparador. No entanto, em alguns casos é preferível
realizar exposição cirúrgica e remoção do dente. A preservação do dente por ressecção da extremidade da raiz e tratamento endodôntico tem mostrado que a extração não é necessária em todos os casos de deterioração de dentes em equinos.
Sintomas de Doença Dental
As doenças dentais (p. ex., fratura de dente e arcada dentária irregular) são causas primárias comuns de definhamento, perda da condição corpórea ou mau desempenho reprodutivo ou de aleitamento. Em equinos, os sintomas clássicos de doença dental
incluem dificuldade ou demora em se alimentar e relutância em beber água fria. Durante a mastigação o equino pode parar por alguns momentos e depois começar novamente. Às vezes, a cabeça é mantida para um lado, como se o animal sentisse dor.
Ocasionalmente, o equino pode “cuspir”, ou seja, preender o alimento, transformálo em um bolo, mas deixálo cair da boca após mastigação parcial. Em alguns casos, o conteúdo alimentar semimastigado pode se alojar entre os dentes e a bochecha. Para
evitar o uso do dente dolorido ou uma lesão de boca o equino pode engolir rapidamente o alimento e, em seguida, manifestar indigestão, obstrução ou cólica. Pode evitar a ingestão de grãos duros e, juntamente, notamse grãos não mastigados nas fezes.
Outros sintomas de doença dental em equinos incluem salivação excessiva e muco sanguinolento na boca, bem como hálito fétido decorrente de deterioração dental. Deterioração extensa de dentes acompanhada de periostite e abscesso radicular pode
provocar empiema em seios paranasais e secreção nasal unilateral intermitente. Pode haver tumefação facial ou mandibular e desenvolvimento de fístulas mandibulares por infecções apicais nos dentes da região malar.
Os equinos podem relutar durante a colocação do freio na boca, chacoalhar a cabeça quando montados ou resistir a técnicas de treinamento devido ao desgaste irregular dos dentes da região malar e às bordas afiadas nos dentes maxilares acompanhadas de
laceração da mucosa bucal. Nos equinos, a presença de dentesdelobo pode ou não estar associada à resistência à colocação do freio.
ANOMALIAS CONGÊNITAS E DE DESENVOLVIMENTO
Nos equinos, a deformidade bucal congênita mais comumente diagnosticada é a “boca de papagaio”, na qual a maxila é maior que a mandíbula. Em equídeos e bovinos, podem ocorrer várias anomalias de desenvolvimento dental em consequência da
exposição a toxinas teratogênicas. Entretanto, devese sempre considerar um fator genético como causa primária.
Em bovinos e ovinos, notamse irregularidades dentárias acompanhadas de fluorose sistêmica. Nas formas mais discretas de fluorose pode haver envolvimento apenas dos dentes. Em casos extremos de fluorose (p. ex., 40 ppm na dieta, por vários anos),
podem–se observar outras anormalidades esqueléticas (fraturas de falange) (Ver p. 3119).
Ocasionalmente, notamse dentes supranumerários (poliodontia). Tanto nos equinos quanto nos bovinos, é possível notar fileiras duplas de dentes incisivos ou dentes malares extras. O tratamento é determinado individualmente e pode exigir extração dos
dentes extras.
Ver dentes, p. 168.
ANORMALIDADE NA ERUPÇÃO DOS DENTES
A erupção anormal de dentes permanentes é uma sequela comum de trauma mandibular ou maxilar como, por exemplo, fratura por avulsão dos dentes incisivos em bovinos e equinos, nas quais há lesão da papila dental em desenvolvimento do dente
permanente pela própria fratura ou pelo mecanismo de reparação. Em equinos, o retardo na erupção ou a compactação dos dentes molares é causa comum de osteíte apical e subsequente deterioração do dente. Isso acomete particularmente o terceiro dente
molar (4o prémolar [108, 208, 308 e 408, do sistema de numeração Triadan]), tanto na arcada superior quanto na inferior, sendo uma sequela de discreta sobreposição dos dentes. O deslocamento medial do terceiro dente molar é outra forma de erupção
anormal devido à sobreposição de dentes.
CÁRIES DENTÁRIAS
A infecção pode ser introduzida na cavidade pulpar de diversas maneiras, como por exemplo, por via hematógena, periodontal ou por lesão direta à coroa dental. Nos equinos, a hipoplasia do cemento na camada de esmalte (infundíbulo) dos dentes malares
superiores pode predispor à cárie no infundíbulo, seguida de pulpite e osteíte apical. Dependendo da localização do dente acometido, podem ocorrer sintomas de sinusite maxilar, celulite local, periostite, periodontite alveolar e formação de fístulas. As
características patológicas da deterioração dentária são inespecíficas. Consequentemente, a etiologia da infecção apical no caso de fístula dentária mandibular com secreção em uma lhama ou em um equino pode ser indefinida. Muitos animais não são
examinados até que a infecção esteja avançada e, em vez de primárias, as fraturas de dentes podem ser também secundárias. Em algumas espécies (p. ex., equina) sugerese que o fator predisponente de osteíte apical e pulpite é a ocorrência de compactação
anormal dos dentes. A etiologia da osteíte apical em camelídeos do Novo Mundo e nos bovinos também pode igualmente influenciada.
Quando a deterioração dentária é grave, recomendase a extração do dente acometido. Em equinos, geralmente é feita mediante exposição cirúrgica do dente acometido e posterior extração. Dados recentes mostram que a extração bucal é possível, por
meio de técnicas cuidadosas, sedação e bloqueio nervoso; desta forma é possível evitar complicações graves associadas à extração, bem como o emprego de anestesia geral. O alvéolo dentário deve ser higienizado cuidadosamente a fim de remover todos os
fragmentos de osso e dente acometidos. Devemse utilizar acrílicos dentários, massas odontológicas e envoltórios para garantir que o alvéolo dentário cicatrize adequadamente, protegendoo de restos de alimentos. Após extrações dentárias, os dentes
adjacentes se movem gradualmente para preencher o espaço na arcada dentária. No entanto, esse processo nunca se completa e a arcada de oclusão formará um declive no lado oposto ao dente extraído, bem como encurvamento nas extremidades das arcadas
opostas (tanto rostral quanto caudal). Nos equinos estas irregularidades podem ser corrigidas por meio de polimento e realinhamento das arcadas a cada 6 a 12 meses.
Devido a estas complicações, especialmente em equinos, devemse empregar técnicas cirúrgicas que preservem os dentes. Em grandes animais, antes da ressecção da extremidade da raiz e do tratamento endodôntico devese considerar a idade e as
características específicas da doença local.
DESGASTE IRREGULAR DOS DENTES
Exceto no caso dos suínos, a maioria dos grandes animais possui um espaço intermandibular mais estreito que o espaço intermaxilar; ou seja, são anisognáticos. Em equinos, tal condição, juntamente com o movimento natural limitado da mandíbula, resulta
no desenvolvimento de pontos de esmalte nas bordas bucais da arcada superior e nas bordas linguais da arcada inferior. Em bovinos e ovinos, como a articulação temporomandibular propicia maior movimentação lateral da mandíbula, estas irregularidades
não ocorrem com tanta frequência. No entanto, formas mais graves da doença são observadas em todas as espécies e podem ser influenciadas por outras deformidades esqueléticas faciais ou infecções associadas (p. ex., Actinomyces sp). Boca com aspecto
de tesoura pode ser decorrência da obliquidade exagerada das superfícies molares. Pode acometer equinos idosos e geralmente o tratamento não é satisfatório. O cuidado com os dentes deve ser complementado por dietas especiais.
Nos equinos, os pontos de esmalte são melhor tratados por meio de profilaxia dentária regular (ou seja, polimento). Isso deve ser feito duas vezes ao ano, até que a dentição permanente esteja completa; ao mesmo tempo, devem ser removidos os
revestimentos dentais quando há ulceração ou desconforto bucal.
Mandíbula em onda, mandíbula em degrau e curvas rostral e caudal são irregularidades causadas pelo desgaste desigual dos dentes e são decorrências de dor local, mau alinhamento da mandíbula ou dos dentes ou dente ausente ou danificado.
Eventualmente, pode ocorrer doença gengival e alveolar secundária (i. e., periodontite). Estas afecções são prevenidas mediante profilaxia dentária regular de rotina. Quando as alterações decorrentes de desgaste dental são graves, o resultado final dos
procedimentos dentários geralmente não é completo. Embora as superfícies de oclusão possam ser realinhadas, os cuidados com os dentes devem ser complementados com o uso de dietas especiais.
DOENÇA PERIODONTAL
Em todos os animais, há certo grau de inflamação durante a erupção dos dentes, tanto decíduos quanto permanentes. No entanto, caso ocorra má oclusão, uma doença periodontal grave é inevitável. Em equinos, isso é uma sequela comum de formação de
diastema, lesão bucal, compactação e fratura de dente, geralmente acompanhada de desgaste irregular.
Em ovinos, a doença periodontal de dentes mandibulares rostrais (incisivos) geralmente é conhecida como “boca quebrada”. Em alguns casos, a capacidade do pastejo do ovino é gravemente acometida. Geralmente, a vida produtiva de muitos ovinos
alimentados em sistema de confinamento é dois anos mais longa do que a dos animais com acesso livre à pastagem. Poucas medidas podem ser empregadas para alterar a progressão da doença, embora se recomende profilaxia dentária e restauração da
regularidade de oclusão dos dentes incisivos. Isso pode ser feito com auxílio de esmeril dentário ou bastão dental com lâmina fina.
PEQUENOS ANIMAIS
ANORMALIDADES DO DESENVOLVIMENTO
Crescimento e desenvolvimento adequado da cavidade bucal dependem de uma série de eventos que devem acontecer em uma sequência correta. Alterações genéticas ou traumas que alteram o desenvolvimento dos tecidos ou o tempo de seu
desenvolvimento podem ocasionar anormalidades. Os defeitos que causam prejuízo ao bemestar, à saúde ou à atividade do paciente devem ser tratados, mas aqueles que envolvem apenas uma condição estética não devem. Problemas de desenvolvimento
comuns incluem persistência de dentes decíduos, retenção de dentes, malformação dentária, má oclusão e maxilas mal formadas.
Persistência de Dentes Decíduos
Em filhotes de cães e gatos, os dentes decíduos auxiliam na funcionalidade da cavidade bucal de pequeno tamanho (dentes em menor número e tamanho), por um determinado período de tempo. O trauma dentário durante a fase de exploração bucal ativa
geralmente é compensado pela esfoliação dos dentes lesionados à medida que os permanentes surgem. Os dentes permanentes são maiores em tamanho e número e irrompem à medida que as maxilas se desenvolvem para acomodálos.
A esfoliação dos dentes decíduos é um mecanismo complexo e envolve a pressão exercida pela coroa do dente permanente subjacente contra a raiz do dente decíduo. Se a erupção do dente permanente não ocorre na posição correta o dente decíduo pode
permanecer em sua posição. Isso pode ser devido à hipodontia acompanhada de ausência de dente permanente sucedâneo, leito do dente permanente geneticamente mal posicionado ou deslocamento traumático do leito dental. A persistência do dente
decíduo em local com muito espaço não causa problema. Entretanto, se há compactação com o dente permanente (geralmente, é o que ocorre com o dente canino), este local torna–se predisposto à periodontite. Além disso, o dente permanente deslocado
pode causar oclusão traumática, que deve ser tratada. O tempo de esfoliação do dente decíduo e a substituição deste pelo dente permanente são geneticamente determinados. Em casos raros, o trauma ocorrido durante o desenvolvimento dentário pode causar
deslocamento do leito dentário, o que interfere na esfoliação.
É comum notar dois dentes caninos ao mesmo tempo. A erupção do dente canino permanente superior é medial (“rostral”) ao dente decíduo, com aspecto de um dente canino mais largo e rombudo, rostral a um dente mais estreito e com cúspide afilada. A
erupção do dente canino permanente inferior é em direção lingual (medial) ao dente decíduo, com aspecto de um dente canino mais largo e rombudo em direção à língua, próximo a um dente mais estreito e cúspide afilada, localizado próximo ao lábio. Na
região dos dentes prémolares é comum verificar um dente decíduo semanas o dente permanente correspondente. Um dente prémolar menor do que o normal deve ser radiografado para que sua anatomia e estrutura radicular sejam avaliadas, o que
determina se este é um dente decíduo.
Devese realizar a extração de um dente decíduo que permanece fixo (semanas mobilidade) após a erupção do dente permanente que o sucede. Os dentes decíduos persistentes, semanas um dente permanente substituto, devem ser mantidos, desde que as
raízes estejam preservadas. Entretanto, deve–se realizar avaliação radiográfica para confirmar que não há dentes permanentes retidos e que as raízes não estão sendo reabsorvidas.
Sabendose que a maioria dos casos de persistência de dentes decíduos tem origem genética, os animais acometidos não devem ser utilizados como reprodutores, exceto se a causa for traumática.
Dentes Retidos
A erupção dentária é geneticamente programada. Algumas raças, especialmente as pequenas (p. ex., Maltês), são predispostas à erupção incompleta ou retardada. Algumas raças braquicefálicas são predispostas a alterações nos primeiros dentes prémolares,
que ficam retidos devido sua má posição. O trauma também pode mover o leito dentário para uma posição que impede a erupção devido ao contato contra outras estruturas.
Em algumas raças (principalmente Terrier), a ausência de alguns prémolares é considerada um achado normal. Entretanto, na maioria dos animais devese indicar o exame radiográfico quando se nota um local semanas dentes, onde deveria existir. O
dente retido é facilmente identificado.
Os dentes parcialmente retidos por uma porção de gengiva persistente podem ser tratados mediante gengivectomia, a fim de para moldar o tecido à arquitetura normal. Os dentes que completamente retidos, após o desenvolvimento, podem permanecer
imóveis e devem apenas ser monitorados. Entretanto, podem também originar cistos dentígeros que podem lesionar uma porção extensa das maxilas. Os primeiros prémolares são mais predispostos à formação de cistos, principalmente em cães de raças
braquicefálicas. Por este motivo, devese investigar radiograficamente a ausência do primeiro dente prémolar; se estiver exposto, deve ser extraído ou monitorado periodicamente com auxílio de radiografias. Outros dentes retidos associados a alterações
devem ser extraídos. A excisão cirúrgica de dentes caninos mandibulares fixados em pontos profundos é um desafio.
Animais com dentes retidos não devem ser utilizados como reprodutores, exceto se a causa for um trauma.
Dentes Malformados
Durante a formação dos dentes, qualquer interrupção neste processo pode originar um dente malformado. A causa pode ser traumática, metabólica, infecciosa ou, raramente, genética. As lesões à epiteliogênese (p. ex., causados por parvovírus, vírus da
cinomose e febre alta), que ocorrem durante a amelogênese, causam hipoplasia de esmalte ou hipomineralização. A ocorrência de lesão durante a formação da dentina pode ocasionar ausência ou malformação das raízes dentais.
As anormalidades no esmalte podem ser regionais, com linhas circulares delimitando uma região com ausência de esmalte (superfície irregular e manchada), ou generalizadas, com perda completa do esmalte. A disgenesia radicular pode resultar em coroa
de aparência relativamente normal, porém móveis. A ausência de raiz dental é facilmente identificada no exame radiográfico. A convergência das raízes dentárias do primeiro dente molar inferior é uma alteração individual interessante e possivelmente sua
origem é genética. Raramente, esta afecção é notada em outros dentes. A coroa pode parecer normal ou ter um pequeno sulco oriundo do desenvolvimento na superfície bucal que se estende até a margem da gengiva. A radiografia revela que as raízes
convergem em seu ápice, em vez de manter o posicionamento divergente normal. Em alguns casos, a coroa é bem maior do que a raiz. A convergência causa arqueamento dorsal da região ventral da câmara pulpar, para o interior de sua parte central, o que
resulta em imagem radiográfica de “densindente” ou “dens invaginatum”. Estes dentes comumente têm uma comunicação do ligamento periodontal à câmara da polpa, na região da bifurcação, o que resulta em alta prevalência de doenças endodônticas.
Geralmente, várias outras anormalidades dentárias podem ser constatadas, como dentes supranumerários, dentes duplicados (dente supranumerário ocupando o mesmo lugar de outro dente), dentes unidos parcialmente (dentes supranumerários fundidos),
raízes supranumerárias e dentes “em pino” (dentes cilíndricos e pequenos).
Hipoplasia de esmalte ou hipomineralização deve ser tratada por meio de selamento precoce da dentina para evitar a penetração de bactérias na polpa. O uso de verniz dental contendo resina também pode proteger a dentina mais delicada frente à abrasão e
mantém uma superfície lisa, na qual é menos provável a formação de placa; entretanto, pode ocorrer desgaste ou fragmentação. O prognóstico a longo prazo para disgenesia de raiz é ruim. Os dentes podem ser preservados durante anos mediante higiene
bucal cuidadosa e prevenção de uso excessivo ou trauma dental. Dentes anômalos devem ser investigados com o intuito de detectar uma doença associada; muitos não causam problemas e não requerem tratamento.
Dentes malformados podem ser consequências de traumas, infecções ou anormalidades genéticas. Em geral, a prevenção e os cuidados de rotina durante a fase de desenvolvimento dental evitam que isso ocorra.
Má Oclusão e Maxilas Malformadas
Na maioria dos casos a má oclusão é de origem genética; entretanto, trauma durante o desenvolvimento dental pode interferir no crescimento normal dos dentes. Por meio de manejo reprodutivo, é mais fácil manipular o comprimento maxilar do que o
mandibular. Logo, a seleção por cabeça e focinho mais longos acidentalmente origina animais para distoclusão mandibular (ou seja, mordida profunda, braquignatismo, boca de papagaio), enquanto a seleção de animais com cabeça “bloqueada” e focinho
menor resulta em mesioclusão mandibular (ou seja, braquicefalia, prognatismo). Os maxilares, inferior e superior, se desenvolvem em velocidades diferentes, fazendo com que o momento da erupção dos dentes seja muito importante. Se os maxilares têm
uma relação anormal entre si no momento que os dentes permanentes têm tamanho suficiente para a oclusão, a dentição se fecha de forma anormal. Se isso ocorre apenas em um lado pode ocorrer crescimento contínuo em um lado, não ocorrendo no outro
lado, resultando em desencontro da linha média dos incisivos centrais (ou seja, mordida “torta”).
A discrepância mandíbulamaxila mais comum é horizontal, resultando em mesioclusão ou distoclusão mandibular. Geralmente, a distoclusão ocasiona oclusão traumática quando os dentes caninos mandibulares tocam o palato. Esta afecção, na maioria
das vezes, é acompanhada de linguoversão dos dentes caninos mandibulares, pois à medida que irrompem os dentes podem ser direcionados ao palato. O mau posicionamento dental também pode ser de origem genética, como a mesioversão dos dentes
caninos (ou seja, “dente em lança”), em cães das raças Dachshund e Shetland Sheepdog.
Durante o período de dentição decídua podese realizar intervenção ortodôntica por meio da extração seletiva de dentes decíduos. Caso haja dentes entrelaçados, a extração destes pode permitir que a maxila e/ou mandíbula cresçam de acordo com o seu
potencial genético. A mordida cruzada rostral pode ser corrigida pela extração dos dentes incisivos maxilares decíduos. Além de aliviar o problema, isto permite que os incisivos permanentes surjam em um ângulo mais labial (geralmente, estes surgem na
face palatal dos incisivos decíduos), o que auxilia na correção da má oclusão. Da mesma forma, a distoclusão mandibular de dentes decíduos pode ser tratada pela extração dos dentes caninos inferiores decíduos. Conforme mencionado anteriormente, além
de aliviar o problema, isto permite que os caninos permanentes inferiores surjam em um ângulo mais labial (geralmente, estes surgem na porção lingual dos caninos decíduos), o que auxilia na correção da má oclusão. Sempre que se faz extração de dentes
decíduos devese evitar o contato com o germe do dente permanente subjacente em desenvolvimento, de modo a evitar lesão ao órgão formador de esmalte e ao próprio esmalte em desenvolvimento. Este lesão pode provocar manchas amarronzadas nos
dentes permanentes devido ao defeito de esmalte. Devese evitar o uso de instrumentos na porção palatal dos dentes incisivos superiores decíduos ou na porção lingual dos dentes caninos inferiores decíduos. Pode ocorrer lesão ao esmalte, mesmo com o uso
de técnicas adequadas, pois o epitélio do esmalte pode ser removido quando o dente decíduo é retirado do alvéolo.
A mesioclusão dos dentes permanentes pode ser um achado normal em várias raças braquicefálicas e não deve ser tratada, exceto se resultar em má oclusão. Se há atrito entre os dentes caninos inferiores e a face palatal do segundo e terceiro incisivos
superiores, a extração destes origina um amplo diastema, no qual o canino pode se encaixar, resolvendo o problema. A mordida cruzada rostral (ou seja, incisivos superiores localizados na face lingual dos incisivos inferiores) raramente causa desconforto ou
problemas de saúde. Por outro lado, a distoclusão mandibular geralmente requer intervenção ortodôntica ou cirúrgica. Os dentes caninos podem ser movidos para uma posição atraumática (nem sempre normal), confortável e funcional. Além disso, o dente
pode ser reduzido e a polpa tratada com um enxerto pulpar. Esta abordagem requer acompanhamento radiográfico ao longo da vida, a fim de monitorar a necessidade de tratamento endodôntico definitivo.
CÁRIES DENTÁRIAS
As cáries dentarias (“deterioração”) são infecções bacterianas dos dentes. São muito comuns em pessoas, mas pouco frequentes em cães e extremamente raras ou inexistentes em gatos. Isto pode estar relacionado com o fato da saliva de cães e gatos ser mais
alcalina do que a de pessoas; a lesão inicial da cárie é a desmineralização ácida do esmalte. Outros fatores também podem estar envolvidos, como alteração na flora bucal e na dieta que possui menor quantidade de carboidratos prontamente fermentáveis.
Em cães, geralmente a cárie se instala na superfície de oclusão dos dentes molares. A aparência é de uma lesão cavitária amarronzada, com superfície macia, na qual a extremidade de uma pinça de exame pode penetrar, cravandoa.
A parte do dente cariado deve ser removida com auxílio de pinças ou brocas dentais específicas. Devem ser realizadas radiografias para determinar se a infecção atingiu a polpa e, neste caso, o dente deve ser também submetido a tratamento de canal da
raiz. A estrutura dentária removida deve ser restaurada com amálgama ou resina sintética.
Cães que apresentam cáries dentais são predispostos a lesões adicionais; o tratamento com produto tópico à base de fluoreto de estanho, a cada duas semanas, pode ajudar na prevenção de cáries nestes animais. Como os cães não cospem, eles ingerem
qualquer medicamento utilizado. Logo, devese empregar apenas pequena quantidade do produto na superfície de oclusão dentária. O fluoreto pode causar gastrite, além de nefrotoxicidade, se ingerido em grande quantidade.
DOENÇA ENDODÔNTICA
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: A doença endodôntica se instala quando ocorre infecção ou inflamação da polpa dentária (tecido conectivo, vasos sanguíneos e nervos no centro do dente). A polpa é protegida das bactérias por um esmalte impenetrável que
recobre a dentina da coroa. O lesão ao esmalte, seja por trauma ou por anormalidades de desenvolvimento, resulta em pulpite e possível necrose pulpar. Trauma brusco também pode lesionar a polpa, além de sua capacidade de cicatrização. O dente com
exposição direta da polpa em um ponto de fratura requer tratamento endodôntico ou extração. Os dentes são fraturados por trauma externo (p. ex., pedras, acidente automobilístico, brincadeiras agressivas) ou por mordida em objetos inapropriados (ossos,
unhas, brinquedos duros, pedras, cercas ou gaiolas). A polpa inflamada ou necrosada libera mediadores inflamatórios nos tecidos perirradiculares, os quais saem do dente infectado através do delta apical, na extremidade da raiz ou através de canais laterais.
Nos tecidos envolvidos, surgem granulomas, cistos ou abscessos. As cáries são infecções bacterianas dos dentes (ver p. 186). Apesar de raras em cães, quando presentes, rapidamente infectam a polpa.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A alteração de coloração dos dentes indica trauma prévio e hemorragia oriunda da polpa à dentina. Após lesão discreta a polpa inflamada pode cicatrizar. Entretanto, traumatismo mais grave ocasiona pulpite irreversível e até
mesmo necrose. Em razão da ausência de circulação colateral da polpa dental, a cicatrização das lesões é mais demorada e o sangue extravasado permanece na dentina, onde se deteriora em vez de ser removido. O principal sinal de doença endodôntica é um
dente fraturado com exposição da câmara pulpar. A polpa sangra apenas por breve período. Após a lesão inicial, pode surgir uma mancha vermelha no local exposto, se a polpa estiver viva, ou um ponto preto, se ocorreu necrose. De qualquer forma, há
necessidade de tratamento. Mais frequentemente, ocorre drenagem no local da fratura. Entretanto, pode se formar um abscesso apical, quando o ponto de fratura é ocluído. A pele ventral ao canto do olho é um local comum de edema e drenagem purulenta
oriunda de uma fístula decorrente de infecção do quarto dente prémolar superior. Também, é possível notar parúlide intraoral, ou seja, uma fístula eritematosa que drena acima ou na junção mucocutânea adjacente ao dente. Em cães, abscesso do dente
canino superior pode causar tumefação ao longo da lateral do nariz; geralmente em gatos a tumefação é rostral ao olho. Os animais raramente manifestam desconforto, mesmo nas síndromes que causam dor odontofacial intensa em pessoas.
No exame radiográfico de um dente acometido por doença endodôntica o achado típico é um brilho periapical, ou seja, uma lesão circular irregular com redução da radiopacidade ao redor da extremidade da raiz. Ao longo da vida, a polpa produz dentina
no interior da cavidade pulpar, o que resulta em redução constante do tamanho da polpa. A polpa necrosada deixa de produzir normalmente a dentina e fica menos desenvolvida do que a polpa do dente adjacente ou contralateral. Por outro lado, uma polpa
inflamada produz dentina em maior quantidade. Caso haja pulpite generalizada o dente pode ter envelhecimento acelerado evidente, com câmara pulpar e espaço do canal radicular muito estreitos.
TRATAMENTO: Os dentes com pulpite irreversível ou necrose pulpar necessitam tratamento endodôntico (tratamento do canal da raiz) ou extração. Exceto em pacientes muito jovens, uma dessas opções deve ser indicada nos casos de fratura de dente com
exposição da câmara pulpar. Os dentes caninos, em cães e gatos, e o dente carniceiro (quarto prémolar superior e primeiro molar inferior), em cães, são considerados estratégicos. O tratamento do canal da raiz é mais confortável ao paciente do que a
extração, além de preservar a função do dente. Cães de trabalho, como aqueles militares, da polícia, ou de desempenho podem necessitar restauração completa da coroa. Em alguns casos, perdas extensas de dentes prémolares ou molares podem requerer
restauração da coroa para restabelecer a estrutura cervical e manter a higidez periodontal.
DOENÇA PERIODONTAL
Doença periodontal é um termo amplo que caracteriza infecção e/ou inflamação do tecido que sustenta e circunda os dentes. Gengivite é a inflamação da gengiva. É uma resposta normal aos antígenos da placa bacteriana que se desenvolve em grande parte
dos cães e gatos adultos. A periodontite é uma doença mais grave, que envolve a inflamação do ligamento periodontal e do osso alveolar. A periodontite é mais comum em algumas raças, mas pode acometer qualquer animal.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Geralmente a cavidade bucal contém uma microflora bacteriana abundante, a qual dá origem à placa na superfície dentária. A placa bacteriana expõe antígenos constantemente à gengiva adjacente, condição que estimula a reação
inflamatória e causa gengivite. As bactérias presentes na placa são principalmente aeróbicas grampositivas imóveis, como Staphylococcus spp e Streptococcus spp, mas também podem haver várias outras. Embora esta flora estimule a resposta imune, as
bactérias presentes na boca saudável mantêm relativa harmonia comensal com o hospedeiro, inclusive podendo ser benéficas por ajudarem a limitar o número de bactérias mais patogênicas. Se a placa é muito espessa devido à má higiene bucal, a população
bacteriana pode se tornar mais patogênica, com maior porcentagem de bacilos anaeróbicos imóveis. As bactérias encontradas quando há inflamação incluem Bacteroides fragilis, Peptostreptococcus, Porphyromonas gulae, Porphyromonas salivosa,
Porphyromonas denticanis, Prevotella intermedia, Treponema spp, Bacteroides splanchnicus, possivelmente Odoribacter denticanis e várias outras. Curiosamente, alguns dos principais patógenos periodontais verificados em pessoas,
como Aggregatibacter (Actinobacillus) actinomycetemcomitans não estão presentes em animais. A placa subgengival (placa na superfície da raiz abaixo da margem gengival) com frequência também é habitada por estas espécies de bactérias mais
patogênicas. A periodontite é causada pela resposta do hospedeiro à placa subgengival. Os mediadores inflamatórios produzidos pelo hospedeiro causam lesão ao tecido e osso, ao redor da raiz. As próprias bactérias e seus metabólicos também contribuem
com a lesão óssea. O desenvolvimento de periodontite também é influenciado por outros fatores intrínsecos (características genéticas, aglomerado de dentes, osso alveolar fino, idade) e extrínsecos (dieta, estresse, doença concomitante, higiene bucal).
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A gengivite discreta (grau 1) caracterizase por hiperemia decorrente dos vasos sanguíneos gengivais marginais. Na gengivite moderada (grau 2) notase edema da margem gengival que se caracteriza por bordas espessas, em
razão do espessamento dos tecidos adjacentes aos dentes. Na gengivite de grau 3 (grave) verificase ulceração na superfície epitelial. A gengivite não causa dor e os únicos sintomas mais evidentes são eritema e halitose. Uma forma de gengivite juvenil
acomete alguns felinos com 6 a 8 meses de idade. Geralmente, esses gatos apresentam gengivite moderada a grave, condição rara em animais jovens.
A periodontite discreta (grau 1) caracterizase pela formação precoce de bolsas periodontais, à medida que o tecido de sustentação é lesionado. Estas bolsas podem acometer até um terço do comprimento da raiz. Na periodontite moderada (grau 2), a
perda de aderência da raiz acomete um a dois terços do comprimento da raiz. A perda de aderência ao longo de dois terços da raiz é considerada grave (grau 3) e geralmente é acompanhada de movimentação dos dentes e desconforto. A periodontite não
causa desconforto, exceto quando há mobilidade dental ou abscesso periodontal. Também, pode ocorrer retração de gengiva, exposição da bifurcação da raiz e perda do osso alveolar. As radiografias da cavidade bucal fornecem informações valiosas quanto
à gravidade e padrão de perda do osso alveolar.
TRATAMENTO: A remoção da placa bacteriana que causa gengivite propicia resolução da inflamação e o tecido retorna à normalidade. Limpeza, raspagem e polimento dos dentes por profissionais são realizados sob anestesia geral. A limpeza dentária
realizada em paciente acordado melhora a aparência da coroa dos dentes, mas não a higidez periodontal. Caso não se obtenha cura da gengivite, devemse realizar exames adicionais para identificar outros fatores complicadores, como cálculo e placa
subgengival ou causa(s) predisponente(s). Outras causas menos frequentes de gengivite são as doenças sistêmicas (p. ex., estomatite urêmica), doenças autoimunes, gengivite juvenil, entre outras, que requerem outros procedimentos além da simples
remoção da placa.
A periodontite necessita tratamento mais agressivo. Devese realizar raspagem da raiz do dente (para remover o cálculo), polimento da raiz e remoção do cemento acometido. As bolsas periodontais não profundas são tratadas clinicamente, mas quando
sua profundidade é > 6 mm devese realizar cirurgia para expor a superfície da raiz, de modo a permitir tratamento adequado. A aplicação local de antibióticos, no interior das bolsas, pode ser útil. Geralmente, em casos de dentes com aumento da
mobilidade, cujo prognóstico é reservado a ruim, a extração é o melhor tratamento. A periodontite não é facilmente tratada como a gengivite, requerendo cirurgia óssea e colocação de implantes ósseos e membranas biológicas para regeneração tecidual e
óssea. Isto não é uma boa opção para bolsas periodontais em dentes caninos maxilares próximos ao palato, que tenham causado fístula oronasal; nestes casos o tratamento baseiase na extração do dente canino e correção cirúrgica da fístula. Os defeitos
ósseos profundos, caracterizados por perda óssea que enfraquecem a bifurcação radicular podem ocasionar infecção da polpa por meio de canal lateral ou pela bifurcação, o que resulta em doença endodôntica secundária. A preservação destes dentes também
requer tratamento endodôntico (ver a seguir); o prognóstico varia de acordo com a doença periodontal.
Os dentes que se tornaram móveis devido à perda de aderência de suporte ósseo devem ser extraídos. Em alguns casos eles podem ser preservados por meio de enxertos ósseos, cirurgia periodontal aberta e ligadura dentária, mas ocorre recidiva quando
não se adotam mudanças efetivas na higiene bucal, no domicílio. A extração permite que o tecido cicatrize. Um cão ou gato pode viver muito melhor e com mais conforto, semanas um dente do que com um dente infectado e móvel.
PREVENÇÃO: A prevenção de gengivite baseiase nas mesmas medidasmencionadas no tratamento: controle e remoção da placa. A placa é um biofilme típico composto por vários microrganismos que diferem quanto suas formas planctônicas. Em um
biofilme, os microrganismos são mais resistentes aos antibióticos, desinfetantes e outros antimicrobianos. Entretanto, os biofilmes são fácil e efetivamente removidos com auxílio de uma escova de dente; mesmo quando há grande quantidade de placa
supragengival. Os dentes devem ser escovados diariamente, evitandose acúmulo de cálculo (tártaro). Os gatos raramente aceitam escovação regular, logo a placa deve ser removida com auxílio de uma gaze, a cada dois ou três dias. Na maioria dos cães e
gatos, apenas a superfície externa (bucal/labial) dos dentes maxilares precisa ser escovada. A placa que permanece na superfície por > 3 dias se mineraliza para formar o cálculo, que não é removido com a escovação. O cálculo contribui pouco para a
ocorrência de doença periodontal, apesar de dar uma aparência de dentição não saudável.
Textura dos alimentos, brinquedos e petiscos podem interferir nos mecanismos de autodefesa dos dentes. Objetos fibrosos firmes que permitem a penetração do dente podem auxiliar na limpeza da placa presente na superfície dentária, durante a
mastigação. Além da textura, alguns alimentos são formulados com ingredientes que ajudam a reduzir a carga bacteriana bucal ou a retardar a mineralização da placa.
Os produtos que evitam a ligação das películas ou adesão da placa bacteriana precursora podem ser úteis.
A prevenção da periodontite é mais complicada. A higiene bucal regular a fim de remover as placas supragengivais propicia proteção, evitando o desenvolvimento de placa subgengival, além de reduzir o número de patógenos periodontais. É essencial que
os fatores predisponentes sejam identificados e eliminados. Os fatores que devem ser modificados incluem agregação grave, que pode ser corrigida por meio de extração dentária seletiva; predisposição anatômica, que podem ser modificadas; diabetes ou
insuficiência renal, que pode ser tratada e controlada; e comportamentos inapropriados ou hábitos parafuncionais, que lesionam os tecidos, possíveis de serem tratados.
REABSORÇÃO DENTÁRIA (Lesão por Reabsorção, Lesão Cervical, Lesão de Colo, Lesão por Reabsorção Odontoclástica Felina [LROF]).
A reabsorção de estruturas dentais se deve à ação de odontoclastos – células praticamente semelhantes aos osteoclastos. Isso pode ocorrer na superfície externa da raiz ou na superfície de revestimento interno da cavidade pulpar (câmara pulpar e canal
radicular). A atividade odontoclástica pode ser estimulada por inflamação e pela pressão de estruturas adjacentes, com resultado de mecanismos normais como a esfoliação de dentes decíduos, ou até mesmo na ausência destes mecanismos. A reabsorção
dentária idiopática pode ser esporádica em diversas espécies (inclusive humana), mas é a lesão dental mais frequente em felinos domésticos.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: A reabsorção dentária começa com lesão focal ao cemento que recobre a superfície da raiz. Em geral, áreas microscópicas de reabsorção radicular são reparadas rotineiramente, em felinos. A reabsorção dental de qualquer
etiologia se deve à ativação dos osteoclastos, que removem a estrutura dentária e criam uma lacuna de reabsorção. Em várias lesões, mas não em todas, a atividade concomitante dos osteoblastos propicia substituição do dente perdido por tecido ósseo. Além
disso, a reabsorção atinge a dentina e pode enfraquecer o esmalte dentário, fato que ocasiona defeito clínico evidente na superfície do dente. Sabese que a inflamação decorrente de periodontite causa reabsorção externa e é mais provavelmente responsável
pela reabsorção dentária em áreas de doença periodontal. Entretanto, a etiologia da reabsorção dentária idiopática ainda não foi comprovada. As principais teorias incluem abfração (ou seja, forças horizontais anormais no dente durante a mastigação, o que
causa microflexão e trauma na região cervical) e causas nutricionais (p. ex., dieta rica em vitamina D), entre outras.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: As características clínicas são variáveis. Em felinos, geralmente o terceiro prémolar inferior (o primeiro prémolar atrás do canino) é o primeiro dente acometido. Em cães, os dentes prémolares e molares são mais
frequentemente acometidos. Em geral, pequenas lesões de esmalte da coroa dental (lesões “intraorais”) iniciam na margem gengival e parecem inflamação da borda da gengiva ou crescimento excessivo da gengiva em direção à coroa dental. Lesões maiores
caracterizamse por defeitos dentários evidentes que são substituídos por tecido de granulação. A margem do defeito apresenta uma borda afilada de esmalte. Neste estágio, a lesão visível representa “a ponta de um iceberg” e a maioria das alterações
acomete as raízes ou os tecidos dentais mais profundos. A reabsorção dentária é caracterizada em termos de gravidade (estágio) e achados radiográficos (tipo). As lesões em estágio 1 acometem o cemento, mas não a dentina. As lesões em estágio 2 afetam a
dentina, mas não a polpa. As lesões em estágio 3 acometem a polpa. As lesões em estágio 4 mostram lesão evidente de coroa ou raiz, seguida de perda da integridade dental. Nas lesões em estágio 5 há perda total da coroa e a gengiva sobre o local acometido
encontra–se intacta.
As lesões são radiograficamente classificadas como tipo 1, quando a raiz do dente acometido mantém a radiopacidade normal em quase toda sua totalidade, exceto nos pontos da própria reabsorção focal; ou como tipo 2, quando há perda completa da
radiopacidade da raiz acometida quando comparada à raiz dos dentes adjacentes. Em casos graves, as raízes “desaparecem” radiograficamente, ou parecem “imagens fantasmas” da sua anatomia normal. Esta alteração é compatível com a substituição da raiz
por tecido ósseo ou semelhante à cemento.
As lesões por reabsorção expostas na cavidade bucal podem causar desconforto. As lesões restritas à superfície da raiz geralmente não causam incômodo ou outros sintomas clínicos. A reabsorção causada por inflamação decorrente de doença periodontal
ou endodôntica está associada a sintomas típicos desta afecção. Nos dois casos há inflamação e infecção e aqueles causados por doença endodôntica também podem causar dor.
DIAGNÓSTICO: Gengivite marginal de alguns dentes isolados, na ausência de periodontite, pode indicar lesão subgengival inicial. As lesões sob a borda gengival podem ser diagnosticadas por meio de exame cuidadoso dos dentes. Lesões maiores são
identificadas pela sua característica típica na superfície dentária. Lesões extraorais, que acometem a raiz ou a parte interna da coroa, são observadas apenas com auxílio de radiografia e notamse áreas com redução da radiopacidade.
TRATAMENTO E PREVENÇÃO: A maioria dos dentes que sofreu reabsorção deve ser extraída. A excisão cirúrgica da coroa pode ser realizada nos dentes cuja lesão é classificada radiograficamente como do tipo 2 e apenas nos pacientes que não apresentam
doença endodôntica, periodontite ou evidência de estomatite caudal (ver p. 389). A higiene bucal evita lesões inflamatórias causadas por periodontite marginal, enquanto o tratamento do canal da raiz ou a extração de dentes com lesões endodônticas evita a
reabsorção causada por periodontite apical. As lesões idiopáticas não podem ser prevenidas, pois sua etiologia é desconhecida. Caso haja envolvimento de abfração, é útil o fornecimento de uma dieta de consistência semelhante àquela oferecida a pássaros
ou a pequenos roedores, a fim de evitar essas lesões; mas a eficácia deste procedimento não foi comprovada.
TRAUMATISMO MAXILOFACIAL
Os dentes, a maxila e a mandíbula são resistentes e têm papel importante na interação entre o animal e seu ambiente. Isto faz com que estes sejam predispostos a lesões traumáticas, principalmente durante briga com outros animais, acidente automobilístico,
lesão em grades ou queda em superfície dura. A mandíbula também pode sofrer fratura patológica espontânea devido à periodontite grave na região dos primeiros molares inferiores ou em razão de neoplasia mandibular.
Um dente fraturado com mancha avermelhada ou enegrecida no centro do local fraturado indica exposição da polpa. A ausência de um dente após o trauma pode indicar que este caiu ou tenha sido fraturado, mas fragmentos radiculares podem estar
presentes. Isto pode ser detectado por meio de radiografias. A mandíbula fraturada causa má oclusão aguda e incapacidade de se alimentar. Geralmente, a linha média da mandíbula é deslocada para o lado fraturado. A boca pode permanecer aberta.
Os dentes fraturados são tratados conforme mencionado anteriormente (ver p. 190). Os dentes que sofrem avulsão podem ser reposicionados, se tratados imediatamente. O proprietário deve condicionar o dente o mais rápido possível em um meio de
transporte específico ou no leite, semanas tocar na raiz. O alvéolo e a superfície radicular devem ser lavados cuidadosamente com solução salina estéril para remover as sujidades; em seguida o dente é colocado no espaço alveolar e fixado com fio metálico
interdental, por um mês. A fixação rígida com acrílico ou prótese não é tão útil na reparação do ligamento periodontal (favorece a ancilose), mas pode ser uma boa opção para evitar o uso excessivo do dente recémimplantado. O tratamento do canal da raiz
é realizado por ocasião da remoção do fio.
O traumatismo a tecidos moles é tratado utilizandose sutura primária com fio absorvível. Os tecidos moles da cavidade bucal são vascularizados e cicatrizam rapidamente. A lavagem bucal com solução de clorexidina 0,12%, a cada 2 dias, auxilia na
redução da população de bactérias bucais durante a cicatrização.
As fraturas maxilares podem ser fixadas com auxílio de fios metálicos e suturas. As fraturas mandibulares podem ser mais complicadas; sempre que possível devem ser imobilizadas com uma combinação de fio interdental e revestimento com resina ou
acrílico, como um fixador externo, para sustentar os dentes. Posicionase o fixador no lado fraturado do osso, evitandose lesão às raízes dentais, comum em casos de estabilização com parafusos ou placas metálicas. É muito importante a preservação da
oclusão normal. Em geral, os cães submetidos à fixação rígida ingerem alimento pastoso facilmente, até que o implante é retirado depois de 6 a 8 semanas.
As fraturas caudais da mandíbula, atrás dos molares, são mais graves devido à ausência de dentes em ambos os lados da fratura e à fina espessura do osso caudal ao corpo da mandíbula. Podemse utilizar placas, mas o prognóstico é reservado. O uso de
aparelhos dentários (ou seja, fios que unem a arcada dentária superior à arcada inferior) pode propiciar bom resultado, mas há risco de aspiração durante o período de uso dos fios, caso o animal vomite. Devem–se utilizar tubos de alimentação até que os fios
sejam retirados.
PARALISIA DE FARINGE
A paralisia de faringe pode ser resultado de um distúrbio nervoso periférico ou central, ou ocorre secundariamente à doença local grave que causa colapso, obstrução ou mau funcionamento da faringe. Dentre os distúrbios do SNC, a raiva (p. 1422) é a causa
viral de encefalomielite mais importante, embora talvez não a mais frequente. Toxicidade ao SNC, intoxicação por chumbo, traumatismo craniano, abscesso intracraniano e neoplasia também podem causar paralisia de faringe em várias espécies.
As causas periféricas de paralisia de faringe incluem traumatismo faringiano e anormalidades dos anexos da faringe, especialmente aquelas que envolvem a bolsa gutural em equinos. As afecções da bolsa gutural que causam paralisia faringiana incluem
micose, empiema e neoplasia, além de osteoartropatia da articulação temporo–hioide. A mieloencefalite protozoária equina também pode causar paralisia de faringe em alguns equinos. O grau de paralisia varia de parcial a total, dependendo se a alteração é
uni ou bilateral, e central ou periférica. As lesões unilaterais provocam disfunção parcial da faringe. Por exemplo, equinos com doença de bolsa gutural podem deglutir, mas podem manifestar sintomas de disfagia (p. ex., secreção nasal contendo alimento ou
água, tosse).
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sintomas clínicos de paralisia de faringe incluem disfagia com refluxo nasal ou bucal contendo alimento, água ou saliva. Outros sintomas clínicos são tosse, dispneia, ptialismo e bruxismo. Os animais acometidos
apresentam risco de pneumonia por aspiração, desidratação e colapso cardiovascular e respiratório. Em geral, os animais enfermos manifestam um ou mais sintomas, como febre, tosse, náuseas e sintomas compatíveis com obstrução esofágica. Os animais
gravemente acometidos podem morrer ou são candidatos à eutanásia. Pacientes com dispneia podem necessitar traqueostomia emergencial antes de qualquer exame complementar.
DIAGNÓSTICO: As informações obtidas na anamnese e os sintomas clínicos geralmente sugerem paralisia de faringe. Deve–se realizar o hemograma e o perfil bioquímico. Os animais acometidos apresentam hemoconcentração, anormalidades eletrolíticas e
ácidobase e pode haver azotemia prérenal. Há procedimentos úteis para determinar se a etiologia é central ou periférica, como exame sorológico, radiografias de crânio, radiografias torácicas para investigar se há pneumonia por aspiração, endoscopia,
ultrassonografia, tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM), se disponível. O uso de TC e RM é particularmente útil na avaliação das causas neurológicas centrais de paralisia de faringe em pequenos animais. Animais com suspeita de
raiva devem ser manipulados adequadamente (ver p. 1422).
TRATAMENTO: Os protocolos de tratamento para paralisia de faringe variam de acordo com a causa primária. Em geral, o tratamento inclui administração de antiinflamatórios e antibióticos. Devese preferir a via IV, devido à incapacidade dos animais
deglutirem normalmente. Animais com hemoconcentração devem receber fluidoterapia IV. Devese realizar nutrição parenteral ou extrabucal em animais incapazes de se alimentar, evitandose aspiração de alimentos e água. A alimentação extrabucal, por
meio de faringostomia, esofagostomia, uso de tubo nasogástrico ou rumenostomia temporária em ruminantes, pode ser um método barato e efetivo de fornecimento de suporte nutricional. Além disso, devese fazer tratamento local de abscessos de faringe.
O prognóstico de paralisia de faringe varia de acordo com a causa. O prognóstico de abscesso faringiano é bom, entretanto, se há doença da bolsa gutural ele é reservado. Se os animais acometidos não melhoram após 4 a 6 semanas de tratamento
sintomático, o prognóstico é desfavorável e devese considerar a eutanásia.
CAMPILOBACTERIOSE INTESTINAL
Campylobacter spp é uma bactéria gramnegativa microaeróbica espiral que causa gastrenterite em pessoas e animais. Várias espécies de Campylobacter causam zoonoses. Diversos animais domésticos desenvolvem gastrenterite aguda após ingestão
de C. jejuni, como cães, gatos, bezerros, ovinos, suínos, furões, marta, primatas e várias espécies de animais de laboratório, bem como pessoas (Ver p. 1464). Em todo o mundo, a infecção por C. jejuni é uma das causas mais comuns de gastrenterite em
pessoas.
ETIOLOGIA: Campylobacter spp é um bacilo em forma de bastão curvo que exibe motilidade do tipo espiralada característica, provocada por um flagelo polar único. Tem crescimento lento, com tempo de multiplicação de aproximadamente 90 min; é uma
bactéria fastidiosa que requer meio enriquecido e condições microaeróbicas com alta concentração de CO2 (3 a 15% O2, 3 a 10% CO2, 85% N2) para o seu crescimento.
A família Campylobacteraceae envolve dois gêneros: Campylobacter e Arcobacter. Atualmente, o gênero Campylobacter possui 14 espécies. A maior prevalência e o maior impacto da doença são observados nos casos que envolvem Campylobacter spp
termofílico, C. jejuni ou C. coli. Entretanto, outras 12 espécies de Campylobacter também podem ser patogênicas para pessoas e animais: C. fetus fetus, C. fetus venerealis, C. hyointestinalis, C. lari, C. upsaliensis, C. helveticus, C. concisus, C. curvus, C.
showae, C. gracilis, C. sputorum, C. rectus e C. mucosalis. Ao menos duas dessas espécies, incluindo C. fetus fetus e C. upsaliensis, penetram pelo trato GI, mas em geral estão associadas a infecções extraintestinais. Além disso, várias espécies C. concisus,
C. curvus, C. showae, C. gracilis e C. rectus podem causar doença periodontal. Algumas espécies intimamente relacionadas foram excluídas deste gênero, como os microrganismos semelhantes ao Campylobacter (OSC) (Helicobacter cinaedi [OSCIA] e H.
fennelliae [OSC2]) e H. pilori. O simbionte do íleo, Heliobacter intracelulares, originalmente denominado “semelhante ao Campylobacter”, foram reclassificados como Arcobacter; C. nitrofragilis como A. nitrofragilis e C. cryaerophilus como A.
cryaerophilus. Finalmente, existem as subespécies de C. jejuni, C. jejuni jejuni e C. jejuni doylei.
TRANSMISSÃO E EPIDEMIOLOGIA: A transmissão ocorre por meio de alimento, água ou pela disseminação fecalbucal. Os animais atuam como hospedeiros reservatórios da infecção por Campylobacter spp tanto em animais, como em pessoas, em todo o
mundo. O habitat predominante do Campylobacter é o trato GI de vários vertebrados domésticos e selvagens e a transmissão zoonótica de animais para pessoas, por meio da ingestão de carne de animal, principalmente de frango, é um problema de
segurança alimentar. As espécies de Campylobacter também são comumente isoladas em pássaros de vida livre, inclusive aves migratórias e aquáticas, corvos, gaivotas e pombos domésticos, que podem contaminar o ambiente de animais em pastejo.
Roedores selvagens e insetos, como moscas, também abrigam e transmitem C. jejuni. A contaminação do ambiente por fezes implica ocorrência destes microrganismos por toda parte, em condições apropriadas para sua sobrevivência. Campylobacter spp
pode persistir por longo período nas fezes, leite, água e urina, principalmente em temperaturas próximas a 4°C. Em condições adversas, o C. jejuni se transforma em uma forma viável, mas não cultivável, que pode ser ativada quando ingerida.
Dentre os alimentos de consumo humano contaminados por Campylobacter podese incluir carne de frango, peru, bovina, suína, peixes e leite. O reservatório mais importante de C. jejuni para as pessoas são as aves domésticas, que causam 50 a 70% dos
casos de infecção em pessoas; a carne de frango é a principal fonte. Cães e gatos são infectados de forma semelhante aos seus proprietários ao ingerirem carne de frango crua.
PATOGÊNESE: Dentre os mecanismos envolvidos na virulência do C. jejuni incluemse motilidade bacteriana, colonização do muco, produção de toxinas, aderências, internalização e translocação. A infecção inicia com a contaminação de alimento ou água
por C. jejuni. O suco gástrico atua como uma barreira e, desta forma, a bactéria deve atingir o intestino delgado e o intestino grosso para se multiplicar; C. jejuni invade tanto as células epiteliais como as células da lâmina própria.
ACHADOS CLÍNICOS: A manifestação de dor abdominal, febre, diarreia e sangue vivo nas fezes, bem como a presença de células inflamatórias nas fezes mostram a origem inflamatória da infecção. Há relatos de infecção natural por C. jejuni causando
enterite em macacos jovens, furões, cães, gatos e suínos, em idade de desmame. Aves, roedores, furões, cães, primatas, coelhos e suínos foram inoculados experimentalmente com C. jejuni, por várias vias, e desenvolveram subsequente enterite. Os relatos
descrevem infecção primária com disseminação sistêmica, infecção acompanhada de lesão de mucosa, infecção semanas lesão, mas com persistência da bactéria por breve período e infecção com resistência semanas persistência da bactéria. Estes relatos
sustentam a possibilidade de C. jejuni produzir vários tipos de doença, de acordo com o estado imunológico do hospedeiro, a virulência bacteriana, a expressão gênica e outros fatores.
C.jejuni, C. coli, C. upsalienis e C. helveticus são as espécies associadas à doença intestinal em animais de companhia. C. jejuni causa diarreia em cães e gatos e estes são considerados importante fonte da bactéria para a população humana. Geralmente,
a diarreia é aguda, mas pode ser recorrente. A infecção de cães por C. jejuni causa diarreia moderada, seguida de bacteriemia. A infecção é mais comum em filhotes de cães e gatos, mas Campylobacter spp também pode ser isolado de cães e gatos adultos
clinicamente normais (até 30%). C. jejuni foi isolado de fezes de três, dentre 206 (1,5%), gatos em um estudo realizado na região oeste dos EUA com intuito de identificar microrganismos entéricos zoonóticos. A bactéria foi detectada em amostras de fezes
de gatos com ou semanas diarreia. Além disso, o C. jejuni foi isolado em cultura simples de secreção vaginal coletada de 3 cadelas da raça Pastor Alemão após aborto em gestação avançada; o principal sinal clínico era secreção vaginal hemorrágica, fétida e
profusa.
Geralmente, cães e gatos exibem sintomas após a infecção por C. jejuni. O sinal clínico mais frequente em cães com < 6 meses de idade é diarreia durante 5 a 15 dias. Esta pode ser líquida a hemorrágica, com muco e em alguns casos, com coloração de
bile. Ocasionalmente, a diarreia tornase crônica e pode ser acompanhada de febre e aumento na contagem de leucócitos. Gatos com < 6 meses de idade com frequência tem diarreia que, inclusive, pode ser hemorrágica. A maioria dos gatos alberga outros
agentes infecciosos, como por exemplo, Toxoplasma ou Giardia. Alguns gatos infectados são assintomáticos.
Em bovinos e ovinos, C. jejuni pode causar enterite e aborto. Entretanto, em estudos que compararam a prevalência de C. jejuni em bovinos saudáveis e em bovinos acometidos de diarreia não se constatou diferença significativa na frequência
de Campylobacter spp. Porém, em estudos sobre a taxa de aborto, 3,2% das vacas e 21,7% das ovelhas que abortaram devido à infecção por Campylobacter spp, tal ocorrência foi atribuída a C. jejuni. Tanto bovinos de leite quanto gado de corte podem ter
maior taxa de prevalência de Campylobacter, de 2,5 a 60%. Em vários estudos, bovinos confinados para abate apresentaram Campylobacter na bexiga, intestino grosso, delgado e fígado. A eliminação fecal em bovinos causa contaminação de leite e carne.
Em ovinos, C. jejuni foi associado a abortamento. Nos casos de aborto em ovelhas, a presença da bactéria foi investigada e esta foi classificada em função da diferenciação bioquímica, antigênica e genética; os resultados revelaram 15 casos
de Campylobacter spp. (14 C. jejuni e 1 C. fetus fetus) em uma única estação de monta.
As espécies de Campylobacter podem contribuir com a ocorrência de colite em leitões em idade de desmame. Geralmente, os suínos carreiam C. coli e C. jejuni como microrganismos intestinais comensais; estudos realizados nos EUA, Holanda, Grã–
Bretanha e Alemanha revelaram que mais da metade dos suínos criados para fins comercias excretam o microrganismo. A principal cepa isolada em suínos foi C. coli. Leitões gnotobióticos ou que não ingeriram colostro desenvolveram enterite aguda após
inoculação VO, de cepas patogênicas de C. jejuni. Os suínos apresentaram anorexia, febre e diarreia durante 1 a 5 dias, seguida de remissão dos sintomas, mas com eliminação persistente de C. jejuni nas fezes. Entretanto, suínos imunocompetentes com
carga completa de bactérias intestinais, quando expostos precocemente, foram resistentes à reinfecção por C. jejuni. A presença de infecções concomitantes causadas por vírus, bactérias e parasitos agrava a doença causada pelo C. jejuni em suínos.
As aves parecem ter maior taxa de infecção, além de carrearem Campylobacter spp, principalmente C. jejuni, do que outros animais. Em frangos, a bactéria pode colonizar o tecido linfoide palatino e o papo, o que provoca transmissão extremamente
rápida pela água de bebedouros e pela disseminação fecalbucal. Entretanto, o microrganismo foi isolado do intestino delgado de aves clinicamente doentes, principalmente psitacídeos (papagaio) e passariformes (tentilhão e canários) com hepatite, letargia,
perda de apetite, perda de peso e diarreia amarelhada. A taxa de mortalidade pode ser elevada. Campylobacter spp também foi isolado de aves de vida livre, inclusive aves migratórias e aquáticas, corvos, gaivotas e pombos domésticos. Em aves
naturalmente infectadas, a doença causada por C. jejuni é rara, apesar da alta taxa de colonização bacteriana.
A doença GI causada por Campylobacter foi descrita em animais exóticos (furões, martas, primatas, hamsters, cobaias, camundongos e ratos). Embora os sintomas variem de acordo com a espécie, em geral incluem diarreia aquosa, mucoide, com estrias
de bile (às vezes, com sangue), anorexia, vômito e febre. Apesar de rara, pode ocorrer infecção prolongada; a maior parte das infecções é autolimitante, com sintomas discretos. Os furões desenvolvem doença diarreica induzida
por Campylobacter semelhante a que ocorre em pessoas. Várias espécies de camundongos também manifestam a doença após ingestão oral de C. jejuni, com alterações específicas nos componentes do sistema imune, seguidas de diarreia aquosa ou
sanguinolenta e tiflocolite.
Lesões: C. jejuni pode colonizar o intestino delgado e o intestino grosso de forma estável, embora a maioria dos animais apresente lesões de cólon e ceco compatíveis com tiflocolite. Em suínos e camundongos, as lesões macroscópicas observadas em casos
de enterite por C. jejuni incluem ceco aumentado e preenchido por líquido, além de cólon proximal com paredes espessas. Há aumento de volume de linfonodos (ileocecocólico e mesentérico) que drenam os locais infectados. A infecção por cepas
específicas de C. jejuni produz exsudato sanguinolento com muco. Os achados histopatológicos incluem inflamação marcante da lâmina própria com predomínio de neutrófilos polimorfonucleares e células mononucleares que, em alguns casos, atingem a
submucosa. Células imunes, como plasmócitos, macrófagos e células mononucleares, são encontradas em pequenas quantidades na lâmina própria. Na maioria das espécies acometidas também foi observado edema, além de perda, descamação e ulceração
da superfície epitelial. Em suínos e camundongos, a lesão à superfície epitelial está associada à presença de C. jejuni na superfície basolateral do epitélio, nas junções paracelulares do epitélio e às lesões erosivas e ulcerativas do epitélio. Geralmente, há
exsudato neutrofílico mucopurulento com lise e desprendimento de células epiteliais e lesões erosivas ou ulcerativas quando C. jejuni infecta a porção basolateral das extremidades das células das vilosidades do cólon, que se desprendem. Abscessos e lesões
ao epitélio da cripta também são achados comuns.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico de C. jejuni baseiase no isolamento do microrganismo em meio seletivo, sob condição de microaerobiose. Devemse coletar amostras de fezes frescas; se há demora no envio ao laboratório, os meios de transporte e o
armazenamento a 4°C propiciam melhores resultados. Campylobacter spp é sensível a pH baixo (< 5); ressecamento, exceto sob refrigeração; concentração de NaCl > 2%; e período prolongado em temperatura de 10 a 30°C. Em condições desfavoráveis ao
crescimento, os bacilos em forma de espiral se transformam em forma cocoide. Campylobacter spp termofílico, C. jejuni, C. coli e C. lari crescem melhor a 42°C, embora sejam capazes de fazêlo a 37°C. O enriquecimento do meio é necessário para
maioria das amostras clínicas, exceto se o material é transportado imediatamente ao laboratório.
As técnicas de PCR são efetivas na identificação da infecção, especialmente, se o cultivo for difícil ou se a amostra foi mal manipulada. Entretanto, um teste positivo não é evidência suficiente para determinar a causa e o resultado deve ser interpretado
juntamente com o quadro clínico.
TRATAMENTO E CONTROLE: Clindamicina, gentamicina, tetraciclinas, eritromicina e fluoroquinolonas são efetivas contra Campylobacter spp. Geralmente, as penicilinas, as cefalosporinas e o trimetoprima não são efetivas. Há relatos de resistência
de Campylobacter spp às fluoroquinolonas, tetraciclinas, canamicina e outros antibióticos, decorrente tanto de mecanismos cromossômicos quanto de plasmídios. As amostras para diagnóstico com base na cultura microbiológica podem permitir a obtenção
do antibiograma. Porém, alguns animais continuam infectados e excretam a bactéria de forma persistente, apesar do tratamento antimicrobiano. Se o objetivo do tratamento é reduzir o risco de transmissão zoonótica para um membro da família suscetível, a
terapia apenas com antibiótico pode ser inadequada. O controle envolve tratamento, remoção do paciente para um ambiente higienizado e exames de fezes sequenciais para averiguar a situação de excreção da bactéria; ainda assim, o microrganismo
encontrase por toda a parte e dose infectante baixa representa um importante desafio.
CLAMIDIOSES INTESTINAIS
Clamídias foram isoladas de amostras de fezes de bovinos, caprinos, ovinos e suínos clinicamente normais em diversas partes do mundo. Os animais com infecções intestinais clinicamente inaparentes podem excretar clamídias nas fezes por meses e,
possivelmente, anos. Assim sendo, o trato GI atua como reservatório e importante fonte de transmissão desses organismos. Clamídia, que pode causar abortamento (p. 1225) e pneumonia (p. 1304), pode ser facilmente isolada de fezes de ovinos ou bovinos
normais. São encontradas também em amostras de intestino de animais com poliartrite (p. 967), encefalomielite (p. 1198) e conjuntivite (p. 464). A principal espécie isolada nas fezes de ruminantes é Chlamydophila (Chlamydia) pecorum,
mas Chlamydophila abortus também pode ser detectada. Chlamydia suis e Chlamydophila psittaci são as espécies mais comumente isoladas em fezes de suínos e aves, respectivamente. A infecção intestinal exerce papel importante como evento inicial na
patogênese de várias doenças graves induzidas por clamídias, inclusive a clamidiose aviária (p. 2411).
Embora a maior parte das clamidioses intestinais seja clinicamente quiescente, temse observado enterite primária induzida por clamídia em bezerros recémnascidos, em condições de campo. Estas infecções também podem causar alteração na população
de Escherichia coli no trato GI, com número acentuadamente elevado no abomaso e na porção superior do intestino delgado. Os sintomas são mais graves em bezerros que não ingeriram colostro ou naqueles que receberam apenas transferência parcial da
imunidade passiva. Os bezerros recémnascidos acometidos podem apresentar diarreia transitória aquosa a mucoide, com febre discreta e secreção nasal. Raros casos naturais de diarreia em leitões lactentes infectados por Chlamydia suis foram descritos e
reproduzidos experimentalmente em suínos livres de patógenos, mas tanto estudos experimentais quanto estudos a campo sugerem que a infecção em leitões em idade de desmame é tipicamente assintomática. Muitos laboratórios de diagnóstico veterinário
não realizam rotineiramente cultura de clamídia em amostras de fezes diarreicas; portanto, este exame deve ser especificamente solicitado. Os protocolos de tratamentos incluem altas doses de tetraciclinas, administradas por via parenteral, oral, ou por
ambas as vias.
DOENÇA DE TYZZER
A doença de Tyzzer é uma síndrome entero–hepática cosmopolita que acomete várias espécies animais (ver p. 1936). Uma infecção esporádica fatal em potros é comum; ocorre surto epidêmico agudo fatal em animais de laboratório. A doença é rara em
cães, gatos, bezerros e outros animais. Acomete principalmente animais estressados e jovens; no entanto, algumas espécies parecem resistentes, exceto quando há estresse ou imunossupressão, enquanto outras são suscetíveis mesmo semanas
imunossupressão. Fatores alimentares, inclusive dieta rica em nitrogênio, aparentemente tornam os potros mais suscetíveis à doença. O excesso de compostos nitrogenados pode causar imunossupressão. Fármacos imunossupressores e alguns antibióticos,
especialmente as sulfonamidas, predispõem os animais à doença.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: O agente etiológico é Clostridium piliforme, uma bactéria obrigatoriamente intracelular, móvel, filamentosa, flagelada e formadora de esporos. Não cresce em meio livre de células, mas pode ser cultivada no saco vitelino de
embriões de pintinho ou em células de culturas teciduais. A forma vegetativa é bastante lábil; os esporos podem sobreviver em camas sujas, em temperatura ambiente, por > 1 ano; também, podem sobreviver a cerca de 60°C, por 1 h. Os endósporos são
resistentes à exposição ao etanol 70%, cresol 3% ou clorexidina 4%; entretanto, são sensíveis ao ácido peracético 0,4%, hipoclorito de sódio 0,015%, iodofor 1% e fenol 5%.
A patogênese é pouco compreendida. A infecção resulta, provavelmente, da infecção oral, por exemplo, ingestão de esporos eliminados nas fezes de animais infectados. As possíveis fontes incluem esporos infectantes oriundos do ambiente, contato com
animais portadores e, em potros neonatos, ingestão de fezes da égua.
Algumas cepas de C. piliforme produzem toxinas, outras não. O papel destas toxinas na patogênese do C. piliforme é desconhecido, mas as cepas tóxicas geralmente são mais virulentas do que as não tóxicas. Há maior chance de as cepas mais toxigênicas
induzirem lesões hepáticas em camundongos do que as não toxigênicas.
A doença de Tizzer pode ser grave em diversas espécies animais, mas geralmente as infecções são subclínicas ou assintomáticas. Pode ocorrer diferença quanto à suscetibilidade entre as espécies animais. Os linfócitos B, os linfócitos T e as células natural
killer podem influenciar a suscetibilidade da cepa. A sorologia pelo método de ELISA de competição inibitória utilizando anticorpo monoclonal sugere que a doença de Tizzer é relativamente comum em equinos, os quais são suscetíveis a, no mínimo, duas
cepas distintas.
O local primário de infecção é o trato intestinal inferior, com disseminação subsequente pela circulação sanguínea ou linfática. A bactéria possui afinidade pelo intestino (células epiteliais e do músculo liso), hepatócitos e miócitos cardíacos. Fatores
estressantes, como captura, superpopulação, transporte e higiene deficiente, parecem ser predisponentes. A administração de sulfonamidas predispõe os coelhos à doença. A taxa de mortalidade é maior na idade de desmame, exceto em potros, nos quais a
doença ocorre com 1 a 6 semanas de idade, com a maioria dos casos entre 1 e 2 semanas. Em algumas espécies, a doença foi detectada com outras doenças concomitantes, por exemplo, peritonite infecciosa felina, em gatos, cinomose e pneumonia micótica,
em cães, e enterite por criptosporidiose e coronavírus, em bezerros.
Em geral, a doença acomete com maior frequência os animais bem nutridos, especialmente alimentados com dietas ricas em proteínas, durante períodos de estresse. Em condições laboratoriais, o estresse é induzido por fármacos imunossupressores ou
outros fatores que possam ser facilmente identificados. Em vários experimentos, o estresse é parte do protocolo e, quando a doença ocorre, esta é devastadora.
ACHADOS CLÍNICOS: Após infecção experimental, o período de incubação nos potros é de 3 a 7 dias; em condições naturais, desconhecese esse período. A maioria dos potros é encontrada em coma, ou mortos. Os sinais clínicos, se presentes, têm curta
duração (poucas horas a 2 dias). Os sintomas são variáveis, mas podem incluir depressão, anorexia, pirexia, icterícia, diarreia e decúbito. Em estágios terminais, ocorrem convulsões e coma. Os sintomas variam ligeiramente entre as espécies. Os animais de
laboratório podem mostrar depressão, pelos eriçados e graus variáveis de diarreia aquosa; no início de um surto, frequentemente são encontrados animais mortos.
Os testes clinicopatológicos têm pouco valor em animais de laboratório, pois estes morrem rapidamente. Em potros, notase aumento das enzimas séricas sorbitol desidrogenase, AST, fosfatase alcalina, lactato desidrogenase e ?glutamiltransferase. Nota
se, também, hiperbilirrubinemia, leucopenia, hemoconcentração e hipoglicemia grave.
Lesões: As lesões características são verificadas no fígado, miocárdio e trato intestinal. No fígado, há focos de necrose brancos, acinzentados ou amarelados, com 2 mm de diâmetro, em pequena quantidade ou disseminados. A necrose hepática é mais
acentuada e disseminada em potros, nos quais os focos necróticos múltiplos, com centros hemorrágicos e discreta depressão, parecem infectar quase todo o lóbulo hepático. Além disso, ocorre hepatomegalia acentuada e os linfonodos hepáticos apresentam
hiperplasia. Em coelhos, há lesões graves nos intestinos e no coração. O íleo terminal, o ceco e o cólon proximal ficam difusamente eritematosos. Com frequência, notase hemorragia difusa (“em pincel”) na serosa do ceco. Há áreas focais de necrose na
mucosa do ceco e cólon, além de edema intenso na parede do ceco. Os linfonodos mesentéricos podem estar aumentados e edemaciados. É possível constatar linhas brancas no miocárdio, principalmente próximo ao ápice. As lesões intestinais e cardíacas
geralmente são mais brandas, ou ausentes em outros animais.
Microscopicamente, os focos necróticos do fígado aleatoriamente distribuídos e coalescentes se associam a uma infiltração escassa a moderada de neutrófilos e macrófagos. As bactérias causadoras são encontradas em um padrão cruzado em hepatócitos
viáveis, na periferia dos focos de necrose. No ceco e no cólon de coelhos, as áreas focais de necrose se estendem tão profundamente como até a camada muscular externa, associados a infiltrados neutrofílicos na mucosa e submucosa. Os microrganismos
podem ser encontrados no epitélio, na camada muscular da mucosa e na camada muscular externa do intestino acometido. Quando há lesões cardíacas, estas consistem em focos de fragmentação de fibras, vacuolização, perda de estriações cruzadas e
infiltração celular inflamatória discreta.
DIAGNÓSTICO: Clinicamente, podese realizar sorologia e PCR para investigar a ocorrência da doença. Entretanto, os sintomas e os resultados dos testes diagnósticos comumente disponíveis devem ser juntamente interpretados para
estabelecer um diagnóstico clínico presuntivo. O diagnóstico clínico definitivo não é possível devido à ausência de testes específicos. O diagnóstico baseiase na constatação dos microrganismos em cortes de tecidos submetidos a
colorações especiais. O microrganismo corase pouco nas técnicas de hematoxilinaeosina (H&E) e de Gram. Com o corante de Giemsa, o bacilo se cora bem no fígado e no epitélio intestinal e em esfregaços de órgãos infectados, mas se
cora pouco nas células musculares lisas e cardíacas. As colorações de WarthinStarry ou de prata de Levaditi são preferíveis às outras, pois o bacilo se cora bem no citoplasma de todas as células infectadas.
TRATAMENTO E CONTROLE: Sabese pouco sobre a efetividade dos antimicrobianos no tratamento; alguns antibióticos agravam a doença. C. piliforme é sensível à tetraciclina e parcialmente sensível a estreptomicina, eritromicina,
penicilina e clortetraciclina; é resistente às sulfonamidas e ao cloranfenicol. Em potros neonatos, a doença parece fatal em quase 100% dos casos, embora seja possível a sobrevivência de alguns potros com quadros menos graves. Quando a
doença ocorre em uma propriedade, pode ser esporádica, ano após ano. Animais com suspeita de infecção podem ser tratados por via IV, inicialmente com solução de glicose 50%, seguida de glicose 10% (lentamente), outros fluidos e
antibióticos. A maioria dos potros responde à terapia com glicose, mas entram em coma e morrem dentro de poucas horas. Raramente, parece que um potro ocasional parece sobreviver à doença após tratamento prolongado com glicose, por
via IV lenta, com antibióticos.
Como a doença nos potros é esporádica e não é altamente contagiosa, em geral não se indicam medidas preventivas específicas. Em áreas com endosporos presentes no ambiente, muitos potros podem ser expostos; contudo, apenas os
poucos que apresentam imunossupressão manifestam um quadro agudo. Nas propriedades onde a doença é prevalente, a superalimentação de éguas, especialmente com dietas ricas em proteínas, parece aumentar a suscetibilidade de potros
neonatos. A redução de dieta nitrogenada capaz de induzir imunossupressão em potros neonatos pode reduzir a prevalência da doença. Em geral, devemse reduzir os fatores que causam estresse e imunossupressão. Quando a doença ocorre
em uma colônia de animais de laboratório, o tratamento não é recomendado, pois este prolonga a doença e, possivelmente, dá origem a animais portadores. É melhor eliminar todos os animais da colônia, descontaminar o ambiente e formar
um novo lote, com animais livres da doença.
SALMONELOSE
Salmonelose é causada por diversos sorotipos de Salmonella enterica enterica e caracteriza–se clinicamente por duas principais síndromes – sepse/febre tifoide sistêmica e enterite – embora, semanas dúvida, ocorra infecção assintomática.
Um pequeno número de sorotipos é caracterizado de acordo com a capacidade de causar febre tifoide em indivíduos adultos saudáveis, em uma pequena parcela de espécies de hospedeiros. Desta forma, Salmonella
enterica sorovariantes Typhi (S. Typhi) e S. Paratyphi causam febre tifoide em pessoas, S. Gallinarum causa doença semelhante em aves e S. Abortusovis, em ovinos, S. Choleraesuis, em suínos, e S. Dublin, em bovinos etc. Nesta infecção,
geralmente a transmissão é VO. A bactéria não coloniza amplamente o intestino, mas penetra na parede intestinal, sendo fagocitada pelas células da linhagem monocíticamacrofágica no baço e fígado, onde se multiplica. Em estágios mais
avançados da doença, as bactérias penetram novamente no intestino e são excretadas. Alguns sorotipos também estão presentes no trato reprodutivo.
Os demais sorotipos raramente provocam doença sistêmica em animais adultos saudáveis e que não estão prenhes. Entretanto, estes sorotipos colonizam o intestino de diversas espécies animais, contaminam a cadeia de alimentos de
consumo humano e causam gastrenterite em pessoas (intoxicação alimentar). S. Typhimurium e o S. Enteritidis são os principais agentes etiológicos de enterite em pessoas e, de maneira interessante, também são capazes de provocar febre
tifoide em camundongos, por um mecanismo fisiopatogênico desconhecido. As cepas deste último grupo também podem causar doença mais grave, com envolvimento sistêmico, semelhante à febre tifoide em animais muito jovens, casos
tenham recebido quantidade insuficiente de anticorpos protetores de sua mãe ou quando se encontram particularmente suscetíveis, como por exemplo, animais muito idosos ou prenhes. O fato de um sorotipo ser isolado com maior
frequência em determinada espécie não significa que esta seja a única capaz de atuar como hospedeiro; logo, os fatores epidemiológicos são importantes na determinação da prevalência.
Enterite é observada em todos os animais e ocorre mundialmente. A prevalência aumentou com a intensificação da produção de animais de criação. Bezerros, leitões, cordeiros e potros podem desenvolver tanto enterite quanto a forma
septicêmica (ver diarreia em ruminantes neonatos, p. 329, doença diarreica em potros, p. 314 e salmonelose intestinal, p. 319). Bovinos, ovinos e equinos adultos com frequência desenvolvem enterite aguda; enterite crônica pode ser
observada em suínos em crescimento e, ocasionalmente, em bovinos (ver capítulos sobre doenças intestinais nas principais espécies domésticas, p. 319 e outros). As fêmeas prenhes podem abortar. O animal portador clinicamente normal é
um problema sério em todas as espécies de hospedeiros. Salmonelose é rara em cães e gatos e caracterizase por diarreia aguda, com ou semanas sepse.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Embora outras várias Salmonella spp possam causar enteropatia, as mais comuns (em alguns casos há variação de acordo com a localização geográfica) nas diferentes espécies são: Bovinos
– S. Typhimurium, S. Dublin e S. Newport; Ovinos e Caprinos – S. Typhimurium, S. Dublin, S. Abortusovis, S. Anatum e S. Montevideo; Suínos – S. Typhimurium e S. Choleraesuis; Equinos
– S. Typhimurium, S. Anatum, S. Newport, S. Enteritidis e Salmonella sorovariante IIIa 18:z4z23; e Aves Domésticas – S. Enteritidis, S. Typhimurium, S. Gallinarum e S. Pullorum.
Embora o quadro clínico resultante não seja distinto, as diferentes espécies de salmonelas tendem a diferir em sua epidemiologia. O perfil de plasmídios e os padrões de resistência a fármacos em alguns casos são marcadores úteis para
estudos epidemiológicos. As fezes dos animais infectados podem contaminar alimentos e água, leite, carne fresca e processada oriunda de abatedouros, produtos vegetais e animais utilizados como fertilizantes ou ingredientes alimentares,
pastagens e piquetes e vários materiais inertes. Os microrganismos podem sobreviver por meses em locais úmidos e quentes, como estábulos de suínos de engorda, galinheiros ou bebedouro, mas sobrevivem < 1 semana em esterco bovino
composto. Os roedores e as aves silvestres também são fontes de infecção para os animais domésticos. A peletização dos alimentos reduz o nível de contaminação por salmonelas, principalmente devido ao tratamento térmico utilizado.
A prevalência da infecção varia entre as espécies de hospedeiros e os países, sendo muito maior do que a prevalência da doença clínica, que comumente é precedida por situações estressantes em animais de produção, como privação
súbita de alimentos, transporte, seca, superpopulação, parto, cirurgia e administração de alguns fármacos, como antibióticos VO com finalidade terapêutica, profilática ou como estimulante do crescimento.
Na enterite, a via de infecção normal é oral; após a infecção o microrganismo multiplicase no intestino e causa enterite. A suscetibilidade maior de animais jovens pode ser consequência do alto pH gástrico, ausência de flora intestinal
estável e imunidade limitada. A penetração de bactérias na lâmina própria contribui para as lesões intestinais e diarreia. O mecanismo complexo envolve adesão por meio de apêndices das fímbrias e introdução de proteínas
por Salmonella aderida às células epiteliais, o que induz alterações no citoesqueleto da actina, causando irritação da superfície celular. Isto aprisiona Salmonella e provoca secreção de fluido e sua ingestão pela célula. A infecção celular
resulta em ativação de um mecanismo de defesa do hospedeiro que envolve moléculas sinalizadoras, devido à detecção de proteínas da superfície da bactéria, que induzem reação inflamatória intensa geralmente capaz de confinar a bactéria
no intestino. Os sorotipos capazes de causar febre tifoide podem modular a resposta inicial do hospedeiro e suprimir a reação inflamatória. Ocorre destruição celular e a bactéria é fagocitada por células fagocíticas, como macrófagos e
neutrófilos. Embora os neutrófilos, em geral, sejam capazes de destruir Salmonella, a bactéria pode sobreviver e se proliferar no interior de macrófagos, que é o principal tipo celular do hospedeiro durante a infecção.
À medida que a infecção progride pode ocorrer sepse e subsequente instalação no cérebro e meninges, útero prenhe, porção distal dos membros e extremidades de orelhas e cauda, que pode resultar, respectivamente, em
meningoencefalite, aborto, osteíte e gangrena seca de patas, orelhas ou cauda. O microrganismo também se instala com frequência na vesícula biliar e nos linfonodos mesentéricos; os animais sobreviventes excretam a bactéria nas fezes, de
forma intermitente.
Os bezerros raramente tornamse portadores, mas praticamente todos os adultos o fazem por período variável – até 10 semanas, em ovinos e bovinos, e até 14 meses, em equinos. Bovinos adultos infectados por S. Dublin excretam o
microrganismo durante anos. A infecção também pode persistir nos linfonodos ou nas tonsilas, semanas nenhuma salmonela nas fezes. Os portadores latentes podem iniciar excreção do microrganismo ou, até mesmo, desenvolver doença
clínica quando submetido a estresse. Um portador passivo adquire a infecção do ambiente, mas não é infectado, de forma que se for removido do ambiente deixa de ser um portador.
EPIDEMIOLOGIA:
Bovinos e Ovinos: Em bezerros e cordeiros, S. Dublin geralmente é endêmica em determinada fazenda, enquanto S. Typhimurim frequentemente está associada à introdução de bezerros oriundos de fazendas contaminadas e pode causar surtos
explosivos esporádicos. Em bovinos adultos, pode ocorrer infecção subclínica com surtos ocasionais no rebanho. Os fatores estressantes que precipitam a doença clínica incluem privação de alimento e água, aporte nutricional mínimo,
longo período de transporte, parto, uso profilático de antibióticos e mistura e superpopulação em lotes de engorda.
Suínos: Os surtos de salmonelose septicêmica em suínos são raros e geralmente podem ser rastreados até um suíno adquirido infectado. A aquisição de suínos de engorda de rebanhos livres de Salmonella e adoção do sistema “todos
dentro/todos fora” nas unidades de terminação minimizam o risco de infecção. O aumento do sistema de criação extensiva ao ar livre eleva o risco de exposição a fontes de infecção ambientais.
Equinos: Nos adultos, a maioria dos casos ocorre após estresse decorrente de cirurgia, transporte para exposição e privação de alimento e água seguida de superalimentação no destino final. As éguas podem ser portadoras assintomáticas e
excretar a bactéria durante o parto, podendo infectar o potro recémnascido. Salmonelose septicêmica pode acometer potros; pode ser endêmica em algumas propriedades ou ocorrer em forma de surto (Ver p. 305).
Cães e Gatos: Muitos cães e gatos são portadores assintomáticos de salmonela. A doença clínica é rara, mas quando ocorre, geralmente está associada à hospitalização, outra infecção ou doença debilitante em adultos ou exposição a grande
número de bactérias presentes nos filhotes, nos quais enterite é uma ocorrência comum.
ACHADOS CLÍNICOS: Enterite com sepse é a síndrome mais comum em bezerros, cordeiros, potros, frangos e leitões recém–nascidos e pode ocorrer surto em suínos com até 6 meses de idade. Quando se instala doença sistêmica com
enterite, como resultado de imunidade comprometida, a enfermidade pode ser aguda, com depressão, febre (40,5 a 41,5°C) e óbito em 24 a 48 h. Em bezerros e suínos, podem ocorrer sintomas nervosos e pneumonia. A taxa de mortalidade
pode atingir 100%, dependendo da carga genética do hospedeiro e da virulência da cepa.
Enterite aguda semanas importante envolvimento sistêmico é a forma mais comum em adultos, bem como em animais jovens com = 1 semana de idade. Inicialmente, notase febre (40,5 a 41,5°C), seguida de diarreia aquosa grave, às
vezes disenteria e, frequentemente, tenesmo. Em um surto no rebanho podemse passar várias horas antes do início da diarreia, momento em que a febre pode desaparecer. As fezes, que variam consideravelmente quanto à consistência,
podem ter odor pútrido e conter muco, cilindros fibrinosos, estrias de membrana mucosa e, às vezes, sangue. O exame retal causa intenso desconforto e tenesmo. A produção de leite geralmente diminui acentuadamente em vacas leiteiras.
Dor abdominal é comum e pode ser grave (cólica) em equinos. A taxa de mortalidade é variável, mas pode atingir 100%, dependendo da virulência da cepa. Leucopenia e neutropenia acentuadas são características da doença aguda em
equinos. Em cães e gatos, a doença clínica assume a forma de diarreia aguda com sepse e acomete ocasionalmente filhotes ou adultos estressados por doença concomitante. Pneumonia pode ser evidente. Quando a enterite se torna crônica,
pode ocorrer abortamento em cadelas, gatas, vacas, éguas e ovelhas e as crias também podem apresentar enterite. Em alguns casos, notase conjuntivite em gatos acometidos.
Os carnívoros de zoológico e àqueles de peleteria podem ser acometidos. Geralmente, o alimento contaminado é a fonte de infecção. Várias espécies de roedores (p. ex., cobaias, hamsters, ratos e camundongos) e coelhos são suscetíveis.
Os roedores comumente atuam como fonte de infecção nas fazendas nas quais a doença é endêmica. Tartarugas de estimação eram fontes de infecção comuns para as pessoas, mas a redução do tráfico de tartarugas praticamente acabou com
este problema.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico se baseia nos sintomas e no isolamento do patógeno nas fezes ou nos tecidos de animais infectados. A presença do microrganismo também pode ser investigada em alimentos, fontes de água e em fezes de
roedores e aves silvestres que possam habitar as instalações.
As síndromes clínicas geralmente são características, mas devem ser diferenciadas de várias doenças semelhantes, nas diferentes espécies, como mencionado a seguir: Bovinos – diarreia por Escherichia coli enterotoxigênica, disenteria
por E. coli verotoxigênica, coccidiose, criptosporidiose, forma digestiva de rinotraqueíte infecciosa bovina, diarreia viral bovina, enterite hemorrágica por Clostridium perfringens tipos B e C, intoxicação por arsênico, deficiência secundária
de cobre (molibdenose), disenteria de inverno, paratuberculose, ostertagiose e diarreia alimentar; Ovinos – colibacilose intestinal, sepse por Haemophilus spp ou por Pasteurella e coccidiose; Suínos – colibacilose e infecção intestinal
por Clostridium difficile em suínos recémnascidos e em idade de desmame, disenteria suína (Brachyspira hyodysenteriae), campilobacteriose e sepse do suíno em fase de crescimento (que incluem erisipela, Lawsonia intracellulare, peste
suína clássica e pasteurelose); Equinos – sepse (por E. coli, Actinobacillus equuli ou estreptococos); Aves – enterite por coliformes e Yersinia pseudotuberculosis.
Lesões: As lesões são mais graves no íleo inferior e no intestino grosso e variam desde o encurtamento de vilosidades, com desprendimento do epitélio, até perda completa da arquitetura intestinal. Ocorre reação neutrofílica na lâmina
própria e podem ser observados trombos em vasos sanguíneos dessa região. Comumente, há hemorragia e estrias de fibrina. Geralmente, são necessárias técnicas de cultura que envolvem supressão de E. coli fecal e várias culturas de fezes
diárias para isolar o microrganismo. Pode ser necessário um meio de cultura não seletivo enriquecido para amostras nas quais as bactérias possam estar em menor número, como em gêneros alimentícios. Posteriormente, para melhorar o
cultivo podese utilizar caldo seletivo e semear as colônias em diversos tipos de ágar seletivo que suprimem o crescimento de outras bactérias entéricas que provavelmente estão presentes no intestino. Em animais com sepse a hemocultura
pode ser útil, mas são onerosas.
Geralmente, as bactérias são identificadas por meio de vários testes bioquímicos. Pode–se identificar o sorotipo, seguido de subdivisão adicional, com base na suscetibilidade a bacteriófagos específicos (tipificação de fagos).
É difícil interpretar o teste sorológico em animais. Utilizase amplamente a técnica ELISA para monitorar granjas avícolas quanto à presença de infecção por sorotipos como S. Enteritidis, S. Typhimurium e S. Gallinarum/S. Pullorum e
para detectar anticorpos no sangue de suínos em abatedouros.
TRATAMENTO: Na salmonelose septicêmica é essencial o tratamento precoce, mas há controvérsia quanto ao uso de antimicrobianos na salmonelose intestinal. Os antibióticos de uso oral podem não ser efetivos e alterar negativamente a
microflora intestinal, interferir no antagonismo competitivo e prolongar a excreção do microrganismo. Também, há preocupação quanto a cepas de salmonelas resistentes a antibióticos devido ao fornecimento oral de antimicrobianos que,
posteriormente, podem infectar as pessoas. Os antibióticos podem também promover a transferência de resistência a esses fármacos de cepas resistentes de E. coli para Salmonella, devido a redução da sensibilidade antibiótica dos
componentes da flora normal. Por esta razão, o uso de antibióticos com o objetivo de estimular o crescimento foi proibido em diversos países.
Os antibióticos de amplo espectro podem ser utilizados por via parenteral para tratamento de sepse. A terapia antimicrobiana inicial deve se basear no conhecimento do padrão de resistência a fármacos dos organismos previamente
encontrados na região. As infecções hospitalares envolvem organismos altamente resistentes a medicamentos. A combinação de trimetoprimasulfonamida pode ser eficaz. As alternativas são ampicilina, fluoroquinolonas ou cefalosporinas
de terceira geração. Geralmente, a resistência à ampicilina, trimetoprima, sulfonamidas, tetraciclinas e aminoglicosídios é mediada por plasmídios e transferida facilmente entre as diferentes bactérias. A resistência às quinolonas é
mutacional, mas mutações aleatórias podem ser selecionadas pelo uso de antibióticos e transferidas aos bacteriófagos. O tratamento deve ser feito diariamente, por até 6 dias.
O tratamento oral deve ser administrado na água, pois os animais acometidos apresentam sede devido à desidratação; ademais, geralmente há redução do apetite. Pode ser necessária fluidoterapia para corrigir os desequilíbrios ácidobase
e a desidratação. Bezerros, bovinos adultos e equinos precisam grande quantidade de fluidos. Antibióticos, como ampicilina ou cefalosporinas, causam lise das bactérias e liberação de endotoxina; podese utilizar antiinflamatório não
esteroide, como flunixino meglumina, para minimizar os efeitos da endotoxemia. Os animais podem apresentar acidose e hiponatremia e requerem tratamento adequado.
A forma intestinal é difícil de ser efetivamente tratada, em todas as espécies. Embora possa ser obtida cura clínica, é difícil conseguir cura bacteriológica, pois os organismos tornamse estáveis no sistema biliar e são eliminados de forma
intermitente no lúmen intestinal ou porque os animais são reinfectados no ambiente quando a flora intestinal está normal, o que causa inibição da colonização por patógeno e é eliminado pelo tratamento antimicrobiano. O ideal é que após a
terapia faça a administração oral de uma cultura de bactérias intestinais espécieespecíficas, livre de patógenos.
CONTROLE E PREVENÇÃO: Esses são os principais problemas porque envolvem animais portadores, ambiente e alimentos contaminados. Podese fazer a cultura de suabes de drenos ou de filtros de leite para monitorar a população de
salmonelas no rebanho. O princípio de controle é prevenir a introdução e limitar a disseminação da infecção no rebanho. Em diversos países, inclusive na União Europeia, programas governamentais foram instituídos para controlar e
reduzir o nível de infecção nos animais de produção, principalmente em aves e suínos.
Prevenção da Introdução: Todo esforço deve ser feito para evitar a introdução de um portador; os animais devem ser adquiridos somente de fazendas sabidamente livres da doença e devem ser isolados por = 1 semana, período no qual se
monitora o seu estado de saúde. A garantia de que os suprimentos alimentares se encontram livres de salmonelas depende da integridade da fonte. Além disso, alguns países testam a contaminação e regulam a importação e a produção
caseira de gêneros e componentes alimentícios.
Limitação da Disseminação no Rebanho: Em um surto, devem ser adotados os seguintes procedimentos: 1) Os animais portadores devem ser identificados e separados ou isolados e tratados de forma intensiva. Os pacientes tratados devem ser
reavaliados várias vezes antes de se assegurar que não são portadores; 2) Podese fazer uso profilático de antibióticos nos suprimentos alimentares ou na água (os riscos já foram mencionados anteriormente); 3) Deve–se restringir a
movimentação dos animais pela fazenda a fim de limitar a infecção a um grupo menor. Devese evitar mistura aleatória de animais; 4) Os suprimentos alimentares e a água devem ser protegidos de contaminação fecal; 5) As instalações
contaminadas devem ser rigorosamente higienizadas e desinfetadas; 6) O material contaminado deve ser descartado cuidadosamente; 7) Todas as pessoas devem estar cientes dos riscos de trabalhar com animais infectados e da importância
da higiene pessoal. Devese introduzir um programa de manejo rigoroso na fazenda; 8) Devese praticar vacinação, especialmente quando o surto envolve vacas e marrãs prenhes ou aves de postura. Podemse utilizar bacterinas mortas
comerciais ou autógenas. As vacinas vivas atenuadas são promissoras, mas poucas estão comercialmente disponíveis (ver a seguir); 9) Devese minimizar o estresse.
Vacinas contra Salmonella: As salmonelas são parasitos intracelulares; portanto, uma vacina viva é necessária para se obter máxima proteção imune contra a doença. Entretanto, há evidência de que bacterinas inativadas podem induzir baixo
nível de proteção. Diversos estudos com vacinas vivas atenuadas contra Salmonella em suínos, bovinos e aves mostraram estimulação significativa da resposta imune celular e proteção de animais contra doença sistêmica e colonização
intestinal. Uma vacina viva atenuada contra S. Choleraesuis aprovada para uso em suínos parece ser efetiva na redução da colonização de tecidos e na proteção contra a doença, após desafio com microrganismos virulentos, em condições de
campo. Esta vacina também protegeu bezerros em desafio experimental com S. Dublin e com salmonelas do sorogrupo C1, após administração por via subcutânea ou intranasal. A vacina viva contra S. Gallinarum mostrou ser efetiva não
apenas contra esta bactéria, mas também reduziu significativamente a infecção em aves de postura desafiadas com S.Enteritidis.
RISCO ZOONÓTICO: A prevalência de salmonelose entérica em pessoas aumentou nos últimos anos e os animais são considerados os principais reservatórios. A transmissão às pessoas ocorre pela contaminação de água, leite, carne,
alimentos processados e seus ingredientes; carne de frango e ovos (p. 2877) são fontes de infecção particularmente importantes. Além disso, o consumo de frutas e vegetais contaminados por água também pode ser uma fonte de infecção.
AMEBÍASE (Amebiose)
A amebíase é uma colite aguda ou crônica, caracterizada por diarreia ou disenteria persistente e prevalente nas áreas tropicais e subtropicais do mundo. Houve redução de sua prevalência nos EUA ao longo das décadas, mas a doença ainda
é importante em várias regiões tropicais, especialmente em situações de calamidade. É comum nas pessoas e demais primatas; às vezes, é observada em cães e gatos, sendo rara em outros mamíferos. Várias espécies de amebas são
encontradas em mamíferos, mas o único patógeno conhecido é Entamoeba histolytica. O homem é o hospedeiro natural dessa espécie e representa a fonte normal de infecção para os animais domésticos. Os mamíferos se infectam pela
ingestão de alimento ou água contaminada com fezes que contêm os cistos infectantes. E. dispar é uma ameba não patogênica, não invasiva com características moleculares distintas, mas morfologicamente indistinguível da espécie
patogênica E. histolytica. E. invadens de répteis é também morfologicamente idêntica a E. histolytica, mas não é transmitida aos mamíferos.
ACHADOS CLÍNICOS: E. histolytica é um patógeno de virulência variável. Habita o lúmen do intestino grosso, inclusive do ceco, e pode provocar sinais clínicos inespecíficos ou penetrar na mucosa intestinal e causar colite ulcerativa
hemorrágica moderada a grave. Na doença aguda, pode ocorrer disenteria fulminante, que pode ser fatal, progredir para cronicidade ou se curar espontaneamente. Nos casos crônicos, pode ocorrer perda de peso, anorexia, tenesmo e diarreia
ou disenteria crônica, contínua ou intermitente. Além do cólon e do ceco, amebas podem invadir a pele perianal, genitália, fígado, cérebro, pulmões, rins e outros órgãos. Os sintomas podem lembrar os de outras colonopatias (p. ex.,
tricuríase e balantidíase). A amebíase invasiva é exacerbada pela imunossupressão muscular.
Cisto de Entamoeba histolytica; hematoxilina; aumento de 1.000×, com óleo de imersão. Cortesia do Dr. Roger Klingenberg.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico definitivo depende da detecção de trofozoítos ou cistos de E. histolytica nas fezes. Trofozoítos são mais facilmente identificados em esfregaços diretos em solução salina ou em cortes de amostras do cólon
infectado coradas. É difícil encontrar os parasitos, pois muitos animais com amebíase extraintestinal não apresentam qualquer infecção intestinal concomitante. No diagnóstico de colite por ameba, a colonoscopia com biopsia ou raspado de
ulcerações é mais efetiva do que o exame de fezes. Nas infecções intestinais, podem ser necessários exames repetidos, pois os microrganismos podem ser eliminados periodicamente nas fezes.
O tamanho dos trofozoítos varia de 10 a 60 μm, mas geralmente seu diâmetro é > 20 μm, apresentam único núcleo vesicular (geralmente com um cariossomo central), são móveis e podem conter hemácias ingeridas. As fezes devem ser
examinadas imediatamente, pois os trofozoítos morrem rapidamente fora do corpo. Os leucócitos fecais podem ser confundidos com amebas, de forma que podem ser necessários esfregaços fecais fixados e corados (iodo, tricromo, ferro,
hematoxilina ou reação de ácido periódico de Schiff) para sua identificação.
Os cistos têm, em geral, 10 a 20 μm de diâmetro; sendo comum tamanho de 12 a 15 μm. Os cistos maduros têm quatro núcleos, enquanto os imaturos podem ter 1 ou 2. Em primatas, os cistos podem ser encontrados e identificados por
meio de exame de flotação em sulfato de zinco ou em preparações fixadas e coradas (iodo, tricromo ou hematoxilina férrica); no entanto, os cistos de E. histolytica raramente são excretados por cães ou gatos. Um teste ELISA baseado em
antígeno, disponível para diagnóstico em pessoas, também pode auxiliar no diagnóstico em outros mamíferos. A imunocoloração também pode ser útil.
TRATAMENTO: Há poucas informações disponíveis sobre o tratamento em animais. As opções incluem metronidazol (10 a 25 mg/kg VO, 2 vezes/dia, por 1 semana) ou a furazolidona (2 a 4 mg/kg VO, 3 vezes/dia, por 1 semana). Os cães
podem continuar a eliminar trofozoítos após a terapia.
COCCIDIOSE
Geralmente, a coccidiose caracterizase por invasão aguda e destruição da mucosa intestinal por protozoários dos gêneros Eimeria e Isospora. Os sintomas incluem diarreia, febre, inapetência, perda de peso, emaciação e, em casos graves,
morte. Entretanto, muitos casos são subclínicos. É uma doença economicamente importante em bovinos, ovinos, caprinos, suínos, aves domésticas (p. 2901) e, também, em coelhos, nos quais tanto o fígado quanto o intestino podem ser
infectados (p. 1944). Em cães, gatos e equinos a coccidiose geralmente é menos diagnosticada, mas pode resultar em enfermidade clínica. Outros gêneros, tanto de hospedeiros quanto de protozoários podem estar envolvidos (ver
criptosporidiose, p. 216; sarcocistose, p. 1296 e toxoplasmose, p. 724).
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: Eimeria e Isospora tipicamente necessitam apenas um hospedeiro, no qual completam seu ciclo biológico. Algumas espécies de Isospora possuem hospedeiros intermediários facultativos (paratênicos ou de
transferência). Foi proposto novo nome de gênero, Cystoisospora, para estas espécies de Isospora. Os coccídios são hospedeiros específicos e não há imunidade cruzada entre as espécies.
A coccidiose é cosmopolita, e infecta principalmente animais domésticos jovens ou confinados em pequeno espaço contaminado com oocistos. Os coccídios são patógenos oportunistas; se forem patogênicos, a sua virulência pode ser
influenciada por vários fatores estressantes. Portanto, coccidiose clínica é mais prevalente em condições de desnutrição, má higiene ou superpopulação, ou após estresse decorrente de desmame, transporte, modificações súbitas na dieta ou
de clima desfavorável.
Em geral, na maioria das espécies de animais pecuários, a taxa de infecção é alta e a de doença clínica é baixa (5 a 10%), embora até 80% dos animais de um grupo de alto risco possam manifestar sintomas. Muitos animais adquirem
infecção por Eimeria ou Isospora, com gravidade variável, entre 1 mês e 1 ano de idade. Geralmente, animais idosos são resistentes à doença clínica, mas podem ter infecções inaparentes esporádicas. Os animais mais velhos, clinicamente
saudáveis, podem ser fontes de infecção para animais jovens suscetíveis.
PATOGÊNESE: A infecção resulta da ingestão de oocistos infectantes. Os oocistos chegam ao ambiente junto com as fezes de um hospedeiro infectado, mas os oocistos de Eimeria e Isospora não são esporulados e, portanto, não são
infectantes quando eliminados nas fezes. Em condições favoráveis de oxigênio, umidade e temperatura, os oocistos esporulam e tornamse infectantes por vários dias. Durante a esporulação, o protoplasma amorfo se desenvolve em
pequenos corpos (esporozoítos), dentro de cistos secundários (esporocistos), no interior do oocisto. O oocisto esporulado de Eimeria spp possui 4 esporocistos, cada um contendo 2 esporozoítos; o oocisto esporulado de Isospora spp tem 2
esporocistos, cada um contendo 4 esporozoítos.
Quando um animal suscetível ingere o oocisto esporulado, os esporozoítos saem do oocisto, invadem a mucosa intestinal ou as células epiteliais em outros locais e se desenvolvem no meio intracelular em esquizontes multinucleados
(também denominados merontes). Cada núcleo se desenvolve em um corpo infectante, denominado merozoíto; os merozoítos entram em novas células e o processo se repete. Após número variável de gerações assexuadas, os merozoítos se
desenvolvem em macrogametócitos (feminino) ou microgametócitos (masculino). Esses gametócitos originam um único macrogameta ou vários microgametas na célula hospedeira. Após a fertilização pelo microgameta, o macrogameta se
desenvolve em um oocisto. Os oocistos possuem paredes resistentes e são eliminados na forma não esporulada nas fezes. Os oocistos não sobrevivem bem em temperaturas abaixo de cerca de 30°C ou acima de 40°C; dentro dessa variação,
podem sobreviver = 1 ano.
Dentre as várias espécies de Eimeria ou Isospora que podem infectar determinado hospedeiro, nem todas são patogênicas. Infecções concomitantes com duas ou mais espécies, algumas das quais não normalmente patogênicas, também
influenciam a doença clínica. A virulência das cepas de determinada espécie patogênica pode ser variável.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos de coccidiose são decorrentes da destruição do epitélio intestinal e, com frequência, do tecido conjuntivo subjacente da mucosa. Isso pode ser acompanhado de hemorragia no lúmen intestinal,
inflamação catarral e diarreia. Os sintomas podem incluir eliminação de sangue ou de restos de tecidos, tenesmo e desidratação. As concentrações séricas de proteínas e eletrólitos (tipicamente hiponatremia) podem estar notadamente
alteradas, mas só se constata alteração no teor de Hb ou no valor do VG em animais gravemente infectados.
DIAGNÓSTICO: Os oocistos podem ser identificados nas fezes por métodos de flotação em solução com sal ou açúcar. O achado de número apreciável de oocistos de espécies patogênicas nas fezes é diagnóstico (> 100.000 oocistos/g de
fezes, nos surtos graves); todavia, como a diarreia pode preceder a intensa eliminação de oocistos em 1 ou 2 dias, e pode persistir depois que a excreção de oocistos retorna a níveis baixos, nem sempre é possível encontrar oocistos em uma
única amostra de fezes; podem ser necessários vários exames de fezes de um animal ou uma única amostra de vários animais oriundos de um mesmo ambiente. O número de oocistos presentes nas fezes é influenciado pelo potencial
reprodutivo geneticamente determinado da espécie, pelo número de oocistos infectantes ingeridos, pelo estágio da infecção, pela idade e estado imunológico do animal, pela exposição prévia, pela consistência da amostra de fezes
(quantidade de água livre) e pelo método de exame. Portanto, os resultados dos exames de fezes devem estar relacionados com os sintomas e as lesões intestinais (macro e microscópicas). Além disso, as espécies devem ser patogênicas para
este hospedeiro. O achado de muitos oocistos de uma espécie não patogênica, com diarreia concomitante, não define o diagnóstico de coccidiose clínica.
TRATAMENTO: Os ciclos biológicos de Eimeria e Isospora são autolimitantes e terminam, espontaneamente, em poucas semanas, exceto se há reinfecção. O tratamento imediato pode retardar ou inibir o desenvolvimento dos estágios
resultantes de uma reinfecção e, consequentemente, abreviar a duração da enfermidade, reduzir a eliminação de oocistos, amenizar a hemorragia e a diarreia e diminuir o risco de infecções secundárias e óbito. Os animais doentes devem ser
isolados e tratados individualmente, sempre que possível, para garantir a administração de concentração terapêutica do fármaco e evitar a exposição de outros animais. Entretanto, a eficácia do tratamento para coccidiose clínica não foi
demonstrada com uso de nenhum fármaco, embora seja amplamente aceito que o tratamento é efetivo contra a reinfecção e, desta forma, auxilia na recuperação.
Oocistos de Eimeria zuernii em esfregaço de fezes de bezerro. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.
A maioria dos coccidiostáticos tem efeito depressor nos esquizontes de primeira geração e, assim, o seu uso é mais adequado para o controle do que para o tratamento. As sulfonamidas solúveis são comumente administradas por via oral
em bezerros com coccidiose clínica e são mais efetivas do que as formulações de sulfonamidas intestinais (bolus). O amprólio também é administrado por via oral em bezerros, ovinos e caprinos com coccidiose clínica. O tratamento
preventivo de animais saudáveis expostos como proteção contra morbidade adicional é um procedimento importante durante a terapia de animais com sinais clínicos.
PREVENÇÃO: A prevenção baseiase em limitar o consumo de oocistos esporulados por animais jovens, de forma a estabelecer uma infecção para induzir imunidade, mas não um quadro sintomático. As boas práticas de alimentação e
manejo, incluindo medidas sanitárias, contribuem para esse objetivo. Os neonatos devem receber colostro. Os animais jovens suscetíveis devem ser mantidos em alojamentos limpos e secos. Os comedouros e bebedouros devem ser limpos
e protegidos de contaminação fecal; geralmente, isso implica no fornecimento de alimentos em cochos acima do chão e posicionados de forma que seja difícil a contaminação do alimento por fezes. O estresse (p. ex., desmame, alterações
súbitas da dieta e transporte) deve ser minimizado.
Recomendase administração preventiva de coccidiostáticos, quando é possível prever que os animais em diversos sistemas de manejo desenvolverão coccidiose. Em todos os casos, Eimeria spp está envolvida. O decoquinato e os
ionóforos são amplamente utilizados com este objetivo, em ruminantes jovens. Há relato de que uma alimentação contínua com baixo teor de amprólio, decoquinato, lasalocida ou monensina no primeiro mês de confinamento de um lote de
engorda, tem valor preventivo. O amprólio e os ionóforos são efetivos em cabritos, assim como sulfas e amprólio são eficazes em suínos.
COCCIDIOSE EM BOVINOS
Foram identificadas 12 espécies de Eimeria spp nas fezes de bovinos, em todo o mundo, mas apenas três (E. zuernii, E. bovis e E. auburnensis) são mais frequentemente associadas à doença clínica. Experimentalmente, outras espécies
mostraram ser discreta ou moderadamente patogênicas, mas não são considerados patógenos importantes.
Geralmente, a coccidiose é uma doença de bovinos jovens (1 a 2 meses a 1 ano), sendo esporádica nas estações úmidas do ano. A “coccidiose de verão” e a “coccidiose de inverno” em bovinos submetidos à criação extensiva
provavelmente resultam de estresse térmico grave e de superpopulação ao redor de uma fonte limitada de água, o que concentra hospedeiros e parasitos em uma área restrita. Embora haja relato de epidemias particularmente graves em
bovinos de lote de engorda durante clima extremamente frio, os bovinos confinados em lotes de engorda são suscetíveis à coccidiose durante todo o ano. Geralmente, os surtos ocorrem no primeiro mês de confinamento. As vacas podem
contribuir para a contaminação do ambiente com oocistos de E. bovis devido ao maior número de oocistos fecais no periparto. O tempo para início da diarreia após a infecção é de 16 a 23 dias, para E. bovis e E. zeurnii e de 3 a 4 dias
para E. alabamensis; a infecção clínica causada por coccidiose geralmente não ocorre nas primeiras 3 semanas de vida. Desta forma, a coccidiose não é considerada parte do complexo diarreico em bezerros neonatos.
A síndrome mais típica é uma doença crônica ou subclínica em grupos de animais em crescimento. Os bezerros podem apresentar definhamento e região perineal sujas de fezes. Nas infecções brandas os bovinos parecem saudáveis e os
oocistos estão presentes em fezes normalmente formadas, mas a conversão alimentar está reduzida. O sinal mais característico de coccidiose clínica são fezes aquosas, com pouco ou nenhum sangue, e os animais mostram somente
desconforto discreto por poucos dias. Infecções graves são raras. Os bovinos gravemente acometidos desenvolvem diarreia líquida sanguinolenta, que pode persistir > 1 semana, ou fezes líquidas com estrias ou coágulos de sangue,
fragmentos de epitélio e muco. Pode se constatar febre, anorexia, depressão, desidratação e perda de peso. Tenesmo é comum, pois os casos mais graves de enterite acometem o intestino grosso, embora o coccídeo patogênico de bovinos
possa lesionar a mucosa da porção inferior do intestino delgado, ceco e cólon. Alguns bovinos morrem durante o período agudo; outros morrem posteriormente por complicações secundárias (p. ex., pneumonia). Os bezerros que
sobrevivem à enfermidade grave podem apresentar perda de peso significativa, que não é rapidamente recuperada, ou podem permanecer caquéticos. Os bezerros com infecção intestinal concomitante (p. ex., Giardia) podem apresentar
quadro clínico mais grave do que os bezerros apenas com coccidiose. Além disso, os fatores de manejo, como clima, abrigo, práticas alimentares e agrupamento dos animais são importantes na determinação da manifestação da coccidiose
clínica em bovinos.
Sintomas neurológicos (tremores musculares, hiperestesia, convulsões tônicoclônicas, com ventroflexão de cabeça e pescoço, nistagmo) e alta taxa de mortalidade (80 a 90%) são observados em alguns bezerros com coccidiose clínica
aguda. Os surtos dessa “forma nervosa” são notados com maior frequência durante ou após clima muito frio, no inverno do Canadá e do norte dos EUA; não há relato da “forma nervosa” fora desta região geográfica. Bezerros acometidos
podem morrer < 24 h após o início de disenteria ou de sintomas nervosos ou podem viver por muitos dias em posição de decúbito lateral, com leve grau de opistótono. Os sintomas neurológicos não foram observados em coccidiose clínica
experimental em bezerros, sugerindo que os sintomas nervosos podem não estar relacionados com a disenteria ou, na verdade, nem mesmo à coccidiose.
O diagnóstico é feito pelo achado dos oocistos em teste de flotação fecal, esfregaço direto ou técnica de McMaster. O exame quantitativo de oocistos em amostras de fezes da ampola retal de, no mínimo, 5 bezerros de um piquete são
úteis na confirmação da coccidiose como causa da doença clínica. Os diagnósticos diferenciais incluem salmonelose, diarreia viral bovina, desnutrição, toxinas ou outros parasitos intestinais.
Coccidiose é uma doença autolimitante e a recuperação espontânea semanas tratamento específico é comum quando o estágio de multiplicação dos coccídios se finda.
Os fármacos que podem ser utilizados na terapia de animais clinicamente acometidos são amprólio (10 mg/kg/dia, por 5 dias) e sulfaquinoxalina (13 mg/kg/dia, por 3 a 5 dias). A sulfaquinoxalina é particularmente útil para bezerros
desmamados que desenvolvem diarreia sanguinolenta após a chegada em lotes de engorda. Como prevenção, podese utilizar amprólio (5 mg/kg/dia, por 21 dias), decoquinato (22,7 mg/45 kg/dia, por 28 dias) e lasalocida (1 mg/kg/dia, até
o máximo de 360 mg/animal/dia) ou monensina (100 a 360 mg/animal/dia). O principal benefício dos coccidiostáticos é a melhora da conversão alimentar e da taxa de ganho de peso.
Em um surto, os animais com infecção clínica devem ser isolados e tratados com fluidoterapia de suporte parenteral ou oral, conforme necessário. Devese reduzir a densidade populacional nos criadouros infectados. O fornecimento de
alimento e água deve ser distante do solo, o bastante para evitar contaminação por fezes. A medicação em massa do alimento e da água pode ser indicada na tentativa de evitar novos casos e minimizar os efeitos de uma epidemia. Bovinos
com coccidiose e sintomas nervosos devem ser confinados em ambiente interno, mantidos bem aquecidos e acomodados, e receber fluidoterapia oral e parenteral. Porém, a taxa de casos fatais em bezerros com coccidiose e sintomas
nervosos é alta, apesar da terapia de suporte intensiva. O uso de sulfonamida parenteral pode ser indicado para controlar o desenvolvimento de enterite ou pneumonia bacteriana secundárias, possíveis em bezerros com coccidiose durante
clima muito frio. Os corticosteroides são contraindicados, pois aumentam a excreção de oocistos e há relato de que induzem doença clínica em bezerros com infecção subclínica.
O controle efetivo de coccidiose é difícil. Devese evitar aglomeração de animais enquanto desenvolvem imunidade às espécies de coccídios presentes no ambiente. O piso deve ser drenado adequadamente e mantido o mais seco
possível. Devese realizar tosquia regularmente, bem como adotar todas as medidas possíveis para minimizar a contaminação fecal dos pelos. O cocho de alimentos e o bebedouro devem ser altos o suficiente para evitar contaminação fecal
intensa. O controle da coccidiose bezerros introduzidos em um lote de engorda depende do manejo da densidade populacional, da disponibilidade de cocho apropriado ou do uso de quimioterápicos para controlar a quantidade de oocistos
ingeridos pelos animais enquanto se desenvolve a imunidade efetiva.
Os coccidiostáticos são utilizados para o controle de coccidiose de ocorrência natural. O coccidiostático ideal suprime todo o desenvolvimento do ciclo biológico do coccídio, permite o desenvolvimento de imunidade e não interfere no
desempenho produtivo. O uso de sulfonamidas no alimento, na dose de 25 a 35 mg/kg, por = 15 dias, é efetivo no controle de coccidiose em bezerros. Monensina é coccidiostático e promotor de crescimento eficiente em bezerros. A
coccidiose pósdesmame em bezerros de corte tem sido controlada com administração de monensina intraluminal de liberação contínua. A lasalocida é um composto relacionado com a monensina, sendo também um coccidiostático efetivo
para ruminantes. A lasalocida misturada ao sucedâneo do leite de bezerros aos 2 a 4 dias de idade é um método de controle de coccidiose efetivo. A lasalocida também é efetiva como coccidiostático, quando fornecido à vontade no sal, com
0,75% do total de sal da mistura. A dose de 1 mg/kg é a mais efetiva e de resultado mais rápido, sendo recomendada quando há iminência de surto de coccidiose. O decoquinato no alimento, na dose de 0,5 a 1 mg/kg, suprime a produção de
oocistos na coccidiose induzida experimentalmente em bezerros. O decoquinato é mais efetivo na prevenção de infecção por coccídios, quando fornecido continuamente em alimento seco, na dose de 0,5 mg/kg. Monensina, lasalocida e
decoquinato, nas doses recomendadas pelo fabricante, são igualmente efetivos. A administração oral de dose única de 15 mg de toltrazurila/kg, 14 dias após a introdução dos animais no pasto, é efetiva para evitar diarreia devido à
coccidiose. O diclazurila (5 mg/kg) está sendo pesquisado como anticoccídeo de uso oral em bezerros.
O controle da infecção deve incluir modificação nas condições de manejo que contribuem para o desenvolvimento da doença clínica. Devemse corrigir as deficiências de abrigo e ventilação, adotar práticas de alimentação que evitem
contaminação fecal dos alimentos, agrupar os bezerros por tamanho e adotar um método de “todos dentro todos fora” na transferência de bezerros de um piquete para outro.
COCCIDIOSE EM GATOS E CÃES
Várias espécies de coccídios infectam o trato intestinal de gatos e cães. Todas as espécies parecem ser hospedeiroespecíficas. Os gatos são infectados por espécies de Isospora, Besnoitia, Toxoplasma, Hammondia e Sarcocystis. Os cães são
infectados por espécies de Isospora, Hammondia e Sarcocystis. Cães e gatos não são infectados por Eimeria.
Hammondia tem um ciclo biológico obrigatório em dois hospedeiros; gatos e cães atuam como hospedeiros finais e os roedores e os ruminantes atuam como hospedeiros intermediários, respectivamente. Os oocistos de Hammondia são
indistinguíveis daqueles de Toxoplasma e de Besnoitia, mas não infectam nenhum hospedeiro (ver besnoitiose p. 547, sarcocistose, p. 1296 e toxoplasmose, p. 619).
Os coccídios mais comuns em gatos e cães são espécies de Isospora. Algumas espécies de Isospora de gatos e cães podem infectar facultativamente outros mamíferos e induzir uma forma encistada em vários órgãos, que é infectante para
gatos e cães. Duas espécies infectam os gatos: I. felis e I. rivolta; ambas podem ser identificadas facilmente pelo tamanho e forma do oocisto. Quase todos os gatos eventualmente são infectados por I. felis. Quatro espécies infectam os
cães: I. canis, I. ohioensis, I. burrowsi e I. neorivolta. Em cães, apenas I. canis pode ser identificada com base na estrutura do oocisto; as outras 3 espécies de Isospora se sobrepõem pelo tamanho e podem ser diferenciadas apenas pelas
características de desenvolvimento endógenas.
A coccidiose clínica, embora não seja comum, foi descrita em filhotes de cães e gatos. Nos filhotes de gatos, ocorre principalmente durante o estresse do desmame. Os sintomas mais comuns nos casos graves incluem diarreia (às vezes
sanguinolenta), perda de peso e desidratação. Geralmente, a coccidiose está associada a outros microrganismos infecciosos, imunossupressão ou estresse.
O tratamento pode ser desnecessário em gatos, pois em geral eles eliminam espontaneamente a infecção. Em gatos clinicamente infectados podese utilizar sulfonamidatrimetoprima (30 a 60 mg/kg/dia, durante 6 dias).
Em canis, quando podese prever a necessidade de profilaxia, acreditase que o amprólio seja eficaz, embora não seja aprovado para uso em cães. Em casos graves, além da fluidoterapia de suporte, podemse utilizar sulfonamidas, como
sulfadimetoxina (50 mg/kg, no primeiro dia, seguida de 25 mg/kg/dia, durante 2 a 3 semanas). As medidas sanitárias são importantes, especialmente nos gatis e canis, ou quando se abriga um grande número de animais. As fezes devem ser
removidas frequentemente. Devese evitar contaminação fecal dos alimentos e da água. Os cercados, as gaiolas e os utensílios devem ser desinfetados diariamente. Não se deve fornecer carne crua. Devese estabelecer um programa de
controle de insetos.
COCCIDIOSE EM CAPRINOS
Há várias espécies de Eimeria em caprinos na América do Norte e em outras regiões. Eimeria spp é hospedeiroespecífica e não é transmitida de ovinos para caprinos.
E. arloingi, E. christenseni e E. ovinoidalis são altamente patogênicas aos cabritos. Os sinais clínicos incluem diarreia com ou semanas muco ou sangue, desidratação, emaciação, fraqueza, anorexia e morte. Alguns caprinos apresentam
constipação intestinal e morrem subitamente semanas diarreia. Geralmente, os estágios e as lesões se restringem ao intestino delgado, que pode parecer congesto, hemorrágico ou ulcerado e apresentar placas macroscópicas amarelas ou
brancas, pálidas e disseminadas na mucosa. Histologicamente, o epitélio das vilosidades se desprende e notamse células inflamatórias na lâmina própria e na submucosa. Além disso, há vários relatos de coccidiose hepatobiliar com
insuficiência hepática em caprinos leiteiros. O diagnóstico de coccidiose intestinal baseiase no achado de oocistos de uma espécie patogênica em fezes diarreicas, geralmente dezenas de milhares a milhões por grama de fezes. Não é raro
encontrar contagem de 70.000 oocistos em cabritos semanas uma doença evidente, mas o ganho de peso pode estar prejudicado.
Caprinos da raça Angorá e leiteiros criados sob práticas de manejo diferentes podem apresentar padrão semelhante de exposição dos cabritos. Imediatamente após o parto, os piquetes de parição e as áreas circundantes podem estar
altamente contaminados com oocistos originários das cabras. A resistência à infecção diminui imediatamente após transporte, mudança de ração, introdução de animais novos ou mistura de animais jovens com idosos. Podese administrar
coccidiostático a um rebanho imediatamente após o diagnóstico ou como medida preventiva em situações previsíveis, como as mencionadas anteriormente.
Os procedimentos de diagnóstico e tratamento são semelhantes àqueles de bovinos e ovinos. A adição de 55 g de sulfadimidina/tonelada também é efetiva no controle de coccidiose em caprinos. A adição de monensina ao alimento (18
g/tonelada) é uma medida preventiva para caprinos não lactantes.
COCCIDIOSE EM OVINOS
A infecção por Eimeria é uma das doenças economicamente mais importantes em ovinos. Historicamente, acreditavase que algumas espécies de Eimeria eram infectantes e transmissíveis entre ovinos e caprinos, mas atualmente esses
parasitos são considerados hospedeiroespecíficos. Os nomes de algumas espécies de coccídios de caprinos ainda são aplicados erroneamente a espécies de aparência semelhante encontradas nos ovinos. E. crandallis e E.
ovinoidalis (ninakohlyakimovae) são patógenos de cordeiros, geralmente com 1 a 6 meses de idade; E. ovina parece ser um pouco menos patogênico. Os ovinos mais velhos atuam como fonte de infecção para os jovens. Todas as
demais Eimeria de ovinos essencialmente não são patogênicas, mesmo quando há grande número de oocistos nas fezes.
Os sintomas incluem diarreia (às vezes contendo sangue ou muco), desidratação, febre, inapetência, perda de peso, anemia, lã quebradiça e morte. O íleo, o ceco e o cólon superior são, em geral, os mais acometidos e podem se tornar
espessados, edemaciados e inflamados; às vezes, ocorre hemorragia de mucosa. Podemse desenvolver placas opacas brancas e espessas com grande número de oocistos de E. ovina no intestino delgado. Como os oocistos são frequentes nas
fezes de ovinos de todas as idades, a coccidiose não pode ser diagnosticada com base apenas no achado de oocistos. Temse descrito uma contagem de oocistos máxima > 100.000/g de fezes em cordeiros com 8 a 12 semanas de idade,
aparentemente saudáveis. No entanto, diarreia com contagem de oocistos de uma espécie patogênica > 20.000/g é característica de coccidiose em ovinos. A glomerulonefrite por deposição de imunocomplexos tem sido também atribuída à
coccidiose. Ataque de moscas e infecções intestinais bacterianas secundárias podem acompanhar a coccidiose em cordeiros.
Cordeiros com 1 a 6 meses de idade mantidos em piquete de parição, em áreas de pastejo intensivo e em áreas de confinamento encontramse em maior risco, quando submetidos à transporte, modificação da dieta, estresse por
superpopulação, clima desfavorável e contaminação ambiental com oocistos oriundos de ovelhas ou outros cordeiros. Como a ocorrência de coccidiose em animais submetidos a esses sistemas de manejo frequentemente é muito previsível
devemse administrar coccidiostáticos profilaticamente por 28 dias consecutivos, começando poucos dias depois dos cordeiros serem introduzidos no ambiente. Uma ração concentrada que contenha 15 g de monensina/tonelada pode ser
fornecida a ovelhas a partir de 4 semanas antes do parto até o desmame e a cordeiros com 4 a 20 semanas de idade. O teor tóxico de monensina para cordeiros é 4 mg/kg. A lasalocida (15 a 70 mg/animal/dia, de acordo com o peso corporal)
pode ser efetiva. A combinação de monensina e lasalocida, na dose de 22 e 100 mg/kg de alimento, respectivamente, é uma medida profilática efetiva contra coccidiose de ocorrência natural em cordeiros recémdesmamados em lotes de
engorda.
O tratamento dos ovinos acometidos, uma vez diagnosticada a coccidiose, não é efetivo, mas pode diminuir a gravidade da parasitose, se o tratamento começar cedo. A administração única de toltrazurila (20 mg/kg) pode reduzir
significativamente a produção de oocistos em ovinos infectados naturalmente cerca de 3 semanas após a administração. O diclazurila (1 mg/kg) é um anticoccídio de uso oral efetivo em cordeiros, sendo administrado uma vez por volta de 6
a 8 semanas de idade (mais comum) ou duas vezes com 3 a 4 semanas de idade e novamente depois de 3 semanas. Podese adicionar sulfaquinoxalina na água de beber, na concentração de 0,015%, por 3 a 5 dias, para tratamento dos
cordeiros acometidos. Em grupos de ovinos em pastejo, a frequente rotação de pastagem para o controle de parasitos também auxilia no controle de infecção por coccídios. Porém, quando os ovinos são expostos aos coccídios no início da
vida, como resultado de infecção oriunda da ovelha e do solo da maternidade contaminado, geralmente se estabelece uma imunidade sólida ocorrendo infecção apenas quando a densidade animal é extremamente alta.
COCCIDIOSE EM SUÍNOS
Oito espécies de Eimeria e uma de Isospora infectam suínos na América do Norte. Leitões com 5 a 15 dias de idade se infectam caracteristicamente apenas com I. suis, que causa enterite e diarreia. Esses agentes devem ser diferenciados de
vírus, bactérias e helmintos que também causam diarreia em suínos neonatos.
I. suis é prevalente em suínos neonatos. A infecção caracterizase por diarreia aquosa ou gordurosa, geralmente amarelada a branca e de odor fétido. Os leitões podem parecer fracos, desidratados e com tamanho reduzido, menor ganho
de peso e, às vezes, morrem. Um fator que contribui para a morte é a cobertura de leitões com fezes diarreicas, que permanecem úmidos. Os oocistos geralmente são eliminados nas fezes e podem ser identificados pelo tamanho, pela forma
e pelas características de esporulação; no entanto, nas infecções hiperagudas, o diagnóstico deve se basear na constatação de estágios do parasito em esfregaços por impressão ou cortes histológicos do intestino delgado, pois os suínos
podem morrer antes que os oocistos se formem. Nos leitões gravemente infectados, as lesões histológicas restritas ao jejuno e ao íleo se caracterizam por atrofia de vilosidades, úlcera focal e enterite fibronecrótica com estágios parasitários
nas células epiteliais.
Há relato de controle preventivo por meio do fornecimento de anticoccídios no alimento de porcas, desde duas semanas antes do parto até o final do período da lactação, ou de suínos neonatos, desde o nascimento até o desmame. No
entanto, ainda não se confirmou se tal procedimento é efetivo. Embora a porca seja uma fonte de infecção lógica para os suínos, isto ainda não foi comprovado. A remoção completa das fezes e a desinfecção dos locais de parição no período
entre as leitegadas diminuem muito a ocorrência de infecções. Os leitões que se recuperam de uma infecção ficam muito resistentes à reinfecção.
Embora menos comumente associada à coccidiose clínica, E. debliecki, E. neodebliecki, E. scabra e E. spinosa são encontradas em suínos cerca de 1 a 3 meses de idade, com diarreia. A enfermidade pode durar 7 a 10 dias, e os suínos
permanecem definhados.
O tratamento de coccidiose pode incluir o uso da sulfametazina na água de beber. O controle de coccidiose em leitões recém–nascidos infectados por I. suis não tem se mostrado efetivo. A adição de coccidiostáticos no alimento de porcas
por diversos dias ou poucas semanas antes e após o parto tem sido recomendada e utilizada no campo, mas os resultados são variáveis. Amprólio e monensina não foram eficazes na prevenção de coccidiose experimental em leitões.
Recomendase um programa de controle visando reduzir o número de oocistos, que consiste em limpeza apropriada, desinfecção e limpeza a vapor das instalações de parição. Recomendase amprólio (25% do teor de alimento) na dose de
10 kg/tonelada de alimento das porcas, iniciando 1 semana antes do parto e continuando até que os leitões tenham 3 semanas de idade; mas os resultados são insatisfatórios. Dose única de toltrazurila (20 mg/kg VO) reduziu a excreção de
oocistos, a ocorrência de diarreia e o prejuízo ao ganho de peso em leitões com coccidiose induzida experimentalmente. O diclazurila (5 mg/kg) está sendo pesquisado como anticoccídio de uso oral em leitões.
CRIPTOSPORIDIOSE
A criptosporidiose é cosmopolita, e acomete principalmente bezerros neonatos, mas também cordeiros, cabritos, potros e leitões. Criptosporídios causam graus variados de diarreia de ocorrência natural em animais pecuários neonatos.
Geralmente, os parasitos atuam em conjunto com outros enteropatógenos para provocar lesão intestinal e diarreia.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: A infecção por Cryptosporidium parvum é comum em ruminantes jovens e verificada em várias espécies de mamíferos, inclusive em pessoas. A infecção é comum em bezerros. Criptosporídios têm sido
encontrados em 70% dos bezerros leiteiros com 1 a 3 semanas de idade. A infecção pode ser notada aos 5 dias de idade, com a maior parte dos bezerros eliminando os microrganismos entre o 9° e 14° dia. Diversos relatos associam a
infecção em bezerros com diarreia que ocorre por volta de 5 a 15 dias de idade. C. parvum também causa infecção entérica comum em cordeiros e caprinos jovens. A diarreia pode decorrência de uma única infecção, porém está associada a
maior frequência de infecções mistas. A infecção pode estar relacionada com surtos graves de diarreia, com alta taxa de mortalidade em cordeiros de 4 a 10 dias de idade e em cabritos de 5 a 21 dias de idade. A infecção por criptosporídios
em suínos é constatada em uma faixa de idade mais ampla do que aquela de ruminantes e tem sido observada em suínos com 1 semana até a idade de abate. A maioria das infecções é assintomática e o microrganismo não parece ser um
patógeno intestinal importante em suínos, embora possa contribuir para ocorrência de diarreia por má absorção após o desmame. As infecções por criptosporídios em potros são menos prevalentes e ocorrem em idades mais avançadas que
em ruminantes, com taxa de eliminação máxima ao redor de 5 a 8 semanas de idade. Geralmente, a doença não é observada em animais de 1 ano de idade ou naqueles adultos. A maioria dos estudos indica que a criptosporidiose não é uma
doença comum em potros; em geral, em animais imunocompetentes as infecções são subclínicas. Infecções clínicas persistentes são verificadas em cavalos da raça Árabe com imunodeficiência herdada. Criptosporidiose é também notada
em cervídeos jovens e pode ser uma causa de diarreia em crias órfãs.
TRANSMISSÃO: As fontes de infecção são os oocistos, totalmente esporulados e infectantes quando eliminados nas fezes. Grande quantidade é eliminada durante o período patente, o que resulta em contaminação intensa do ambiente. A
transmissão pode ocorrer diretamente de bezerro para bezerro, indiretamente por meio de fômites ou de transmissão humana, a partir da contaminação ambiental ou por contaminação fecal de alimento e água. Pode ocorrer aumento da
excreção de oocistos no período periparto, em ovelhas. C. parvum não é hospedeiro específico e a infecção oriunda de outras espécies (roedores, gatos que vivem em fazendas), via contaminação alimentar, também é possível.
Os oocistos são resistentes à maioria dos desinfetantes e podem persistir por vários meses em ambiente frio e úmido. A infectividade do oocisto pode ser inibida por amônia, formalina, gelo seco e exposição à temperatura < 0°C ou >
65°C. Hidróxido de amônio, peróxido de hidrogênio, dióxido de cloro, formol 10% e amônia 5% são efetivos na eliminação de oocistos. A contagiosidade das fezes dos bezerros diminui 1 a 4 dias após o desmame.
Infecções concomitantes com outros patógenos entéricos, especialmente rotavírus e coronavírus, são comuns e estudos epidemiológicos sugerem que a diarreia é mais grave nas infecções mistas. Animais imunocomprometidos são mais
suscetíveis à doença clínica do que os imunocompetentes, mas a relação entre doença e falha na transferência passiva de imunoglobulinas colostrais não está clara. Em cordeiros, mas não em bezerros, notase resistência idadedependente
não relacionada com a exposição prévia. A infecção resulta em produção de anticorpos específicos contra o parasito, mas tanto a imunidade celular quanto a humoral são importantes na proteção, bem como os anticorpos presentes no
intestino do neonato.
Geralmente, a taxa de mortalidade decorrente de criptosporidiose é baixa, exceto quando há complicação por outros fatores (p. ex., infecções concomitantes, déficit energético por ingestão inadequada de colostro e leite e estresse por
condições climáticas adversas).
PATOGÊNESE: O ciclo biológico de Cryptosporidium baseiase em 6 principais eventos de desenvolvimento. Após a ingestão do oocisto ocorre rompimento da estrutura (liberação de esporozoítos infectantes), merogonia (reprodução
assexuada), gametogonia (formação de gametas), fertilização, formação da parede do oocisto e esporogonia (formação do esporozoíto). Os oocistos de Cryptosporidium spp podem esporular no interior das células do hospedeiro e são
infectantes quando eliminados nas fezes. A infecção persiste até que a resposta imune do hospedeiro elimine o parasito. Os criptosporídios são mais numerosos na porção inferior do intestino delgado e são menos frequentes no ceco e no
cólon, em casos naturais e experimentais em bezerros. O período prépatente é de 2 a 7 dias, em bezerros, e de 2 a 5 dias, em cordeiros. Geralmente, os oocistos são eliminados nas fezes de bezerros durante 3 a 12 dias.
ACHADOS CLÍNICOS: Geralmente os bezerros apresentam diarreia discreta a moderada que persiste por diversos dias, semanas tratamento. O início da doença é notado em idade avançada e a diarreia tende a durar alguns dias, período mais
longo do aquele da diarreia causada por rotavírus, coronavírus ou Escherichia coli enterotoxigênica. As fezes são amareladas ou pálidas, aquosas e contêm muco. A diarreia persistente pode resultar em perda de peso significativa e
emaciação. Na maioria dos casos, a diarreia é autolimitante, após vários dias. Notamse graus variáveis de apatia, anorexia e desidratação. Raramente há desidratação grave, fraqueza e colapso, ao contrário de outras causas de diarreia aguda
em bezerros neonatos. A taxa de mortalidade pode ser alta em rebanhos com criptosporidiose, quando o bezerro recusa leite e ingere apenas soluções eletrolíticas durante o episódio de diarreia. O padrão persistente de diarreia ocasiona
déficit energético significativo nestas condições e os bezerros morrem por inanição com 3 a 4 semanas de idade.
Lesões: Os bezerros com diarreia persistente apresentam atrofia de vilosidades do intestino delgado. Histologicamente, notase grande número de parasitos nas microvilosidades dos enterócitos de absorção. Em infecções de baixo grau,
apenas poucos parasitos estão presentes, semanas alteração histológica aparente no intestino. As vilosidades intestinais são menores que o normal, com hiperplasia de criptas e infiltrado celular inflamatório misto.
DIAGNÓSTICO: Baseiase na detecção de oocistos em esfregaços de fezes corados pela técnica ZiehlNeelson, em exame de flotação fecal ou por métodos imunológicos auxiliares. Sugerese que se a diarreia é causada por criptosporídios
devese encontrar 105 a 107oocistos/ml de fezes. Os oocistos são pequenos (5 a 6 mm de diâmetro) e relativamente não refrativos. Dificilmente são detectados por microscopia óptica normal, mas são facilmente vistos em microscopia de
contraste.
TRATAMENTO: Atualmente não há medicamento aprovado disponível nos EUA para tratamento de infecções por C. parvum em animais de produção. Relatos anedóticos de sucesso com uso extrabula de vários compostos não foram
confirmados em testes controlados. Tratamentos experimentais mostraram que a maioria destes fármacos é tóxica ou ineficaz. Relatase que a halofuginona reduz significativamente a produção de oocistos em cordeiros experimentalmente
infectados e em bezerros com infecção experimental e natural; também, foi indicada para evitar diarreia. O sulfato de paromomicina (100 mg/kg VO, 1 vez/dia, por 11 dias a partir do segundo dia de idade) mostrouse efetivo na prevenção
de doença natural em um teste clínico de campo controlado, em cabritos.
Os bezerros acometidos devem receber tratamento de suporte com fluidos e eletrólitos, tanto VO quanto por via parenteral, conforme necessário, até a recuperação. Leite integral de vacas deve ser fornecido em pequenas quantidades,
várias vezes ao dia (até completar a necessidade), para otimizar a digestão e minimizar a perda de peso. Vários dias de cuidados intensivos e alimentação podem ser necessários antes da recuperação evidente. Nutrição parenteral pode ser
instituída em bezerros de alto valor.
CONTROLE: O controle da doença é difícil. A redução da quantidade de oocistos ingeridos pode diminuir a gravidade da infecção e permitir que a imunidade se desenvolva. Os bezerros devem nascer em um ambiente limpo e ingerir
quantidade adequada de colostro logo após o nascimento. Os bezerros devem ser mantidos separados, semanas contato com outros animais, no mínimo nas duas primeiras semanas de vida, com alimentação rigorosamente higiênica.
Animais com diarreia devem ser isolados dos saudáveis durante o curso de diarreia e vários dias após a recuperação. Um cuidado maior deve haver para evitar a transmissão mecânica da infecção. Os bezerreiros devem ser desocupados e
higienizados seguindo um protocolo adequado; devese empregar o sistema de manejo “todos dentro todos fora”, com limpeza completa e várias semanas de “vazio sanitário” entre as acomodações dos grupos de bezerros. Ratos,
camundongos e moscas devem ser controladas, quando possível, e roedores e animais de estimação não devem ter acesso a áreas de armazenamento de grãos e leite.
O colostro bovino hiperimune reduziu a gravidade da diarreia e o período de eliminação de oocistos em bezerros experimentalmente infectados. A proteção não está relacionada com o teor circulante de anticorpo específico, mas requer
alto título de anticorpo contra C. parvum no lúmen intestinal por longo período. A vacina com C. parvum liofilizado, administrada por via oral logo após o nascimento, propiciou proteção parcial em bezerros desafiados experimentalmente
na primeira semana de vida. Não foi efetiva na proteção contra desafio natural em teste de campo, provavelmente porque a infecção natural ocorre muito cedo, antes do desenvolvimento de imunidade. No mesmo teste, probióticos
produtores de ácido láctico não tiveram efeito protetor.
RISCO ZOONÓTICO: Infecções em animais domésticos podem ser fonte de infecção para pessoas suscetíveis. Cryptosporidium é considerado causa não viral relativamente comum de diarreia autolimitante em pessoas imunocompetentes,
principalmente crianças. Nos pacientes imunocomprometidos, a doença clínica pode ser grave. A infecção é transmitida predominantemente de pessoa a pessoa, mas a infecção direta de animais e a infecção carreada pela água devido à
contaminação da água de beber por animais domésticos ou selvagens podem também ser importantes. Tratadores de animais de uma fazenda de criação de bezerros podem estar altamente sujeitos a desenvolver diarreia por criptosporidiose
transmitida por animais infectados. Pessoas imunocomprometidas devem ter acesso restrito a animais jovens e, provavelmente, também às fazendas.
GIARDÍASE (Giardose, Lamblíase, Lambliose)
Giardíase é uma infecção intestinal crônica cosmopolita causada por protozoários que acomete a maioria dos mamíferos domésticos e silvestres, diversas aves e pessoas. A infecção é comum em cães, gatos, ruminantes e suínos. Giardia spp
foi encontrada em 1 a 39% das amostras de fezes de cães e gatos, tanto de estimação quanto de abrigos, 1 a 53% de pequenos ruminantes, 9 a 73% de bovinos, 1 a 38% de suínos e 0,5 a 20% de equinos, com alta taxa de infecção em
animais jovens. A prevalência em animais de produção varia de 10 a 100%. A prevalência cumulativa em uma propriedade na qual se diagnosticou Giardia é de 100%, em bovinos e caprinos, e próxima a esse valor em ovinos.
Foram descritos três grupos distintos ou espécies de Giardia, incluindo G. duodenalis (sinonímia: G. intestinalis, G. lamblia), com ampla variedade de mamíferos hospedeiros. A caracterização molecular mostrou que, na verdade, G.
duodenalis é um complexo de espécies, que compreende 7 grupos (A a G), dos quais alguns tem preferência por hospedeiros distintos (p. ex., grupo C/D, em cães, grupo F, em gatos) ou um número limitado de hospedeiros (p. ex., grupo E,
em bovinos confinados), enquanto outros infectam vários animais, inclusive o homem (grupos A e B). Há maior evidência de que alguns grupos (A e B) que infectam animais domésticos também podem contaminar pessoas, embora o
mecanismo de transmissão seja mais complicado do que se pensa.
CICLO BIOLÓGICO E TRANSMISSÃO: Os protozoários flagelados (trofozoítos) do gênero Giardia habitam as superfícies mucosas do intestino delgado, onde infectam a borda em escova, absorvem nutrientes e se replicam por divisão binária.
Os trofozoítos encistam no intestino delgado ou grosso e os cistos recentemente formados são eliminados nas fezes. Geralmente, o período prépatente é de 3 a 10 dias. A eliminação de cistos pode ser contínua por vários dias e semanas,
mas com frequência é intermitente, principalmente na fase crônica da infecção. O cisto é o estágio infectante e pode sobreviver por várias semanas no ambiente, ao contrário dos trofozoítos.
A transmissão ocorre por via fecaloral, por contato direto com hospedeiro ou com ambiente contaminado. As características que facilitam a infecção incluem excreção de grande quantidade de cistos por animais infectados e baixa dose
necessária para que ocorra infecção. Além disso, os cistos de Giardia são infectantes imediatamente após a excreção e muito resistentes, o que resulta em aumento gradual da pressão de contaminação do ambiente. Alto teor de umidade
facilita a sobrevivência do cisto no ambiente e a superpopulação favorece a transmissão.
PATOGÊNESE: As infecções por Giardia causam aumento da permeabilidade epitelial, elevação do número de linfócitos intraepiteliais e ativação de linfócitos T. As toxinas dos trofozoítos e a ativação de linfócitos T iniciam um
encurtamento difuso da borda em escova das microvilosidades e redução da atividade das enzimas presentes na borda em escova do intestino delgado, principalmente lipase, algumas proteases e dissacaridases. O encurtamento difuso das
microvilosidades ocasiona redução generalizada da área de absorção do intestino delgado e prejudica a absorção de água, eletrólitos e nutrientes. O efeito combinado da redução de reabsorção e deficiências das enzimas da borda em escova
ocasiona diarreia por má absorção e diminuição do ganho de peso. A atividade reduzida da lipase e o aumento da produção de mucina pelas células caliciformes podem justificar a ocorrência de esteatorreia e diarreia mucosa, relatadas em
hospedeiros contaminados por Giardia.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: As infecções por Giardia em cães e gatos podem ser inaparentes ou causar perda de peso e diarreia crônica ou esteatorreia, que podem ser contínuas ou intermitentes, principalmente em filhotes. Geralmente,
as fezes moles, mal formadas, pálidas, fétidas, com muco e aparência gordurosa. Diarreia aquosa é incomum nos casos não complicados e, em geral, não há sangue nas fezes. Vômitos ocorrem ocasionalmente. Devese diferenciar giardíase
de outras causas de má absorção de nutrientes (p. ex., insuficiência pancreática exócrina [p. 493], má absorção intestinal [p. 426]). Os achados laboratoriais geralmente são normais.
Em bezerros, e em menor proporção em outros animais de produção, a giardíase pode causar diarreia não responsiva ao tratamento com antibióticos ou coccidiostáticos. A eliminação de fezes líquidas a pastosas, com aparência mucoide,
pode sugerir giardíase, principalmente quando a diarreia ocorre em animais jovens (1 a 6 meses). Além de diarreia, há prejuízo à produção devido à giardíase em animais pecuários. A infecção experimental em cabritos, cordeiros e bezerros
provoca redução da conversão alimentar e consequente diminuição do ganho de peso.
As lesões intestinais macroscópicas raramente são evidentes, embora possam ser detectadas lesões microscópicas, que consistem em atrofia de vilosidades e enterócitos cuboides.
DIAGNÓSTICO: Trofozoítos móveis e piriformes (12 a 15 × 6 a 10 μm) ocasionalmente são observados em esfregaços de fezes aquosas em solução salina. Não devem ser confundidos com tricomonas, que têm núcleos simples ou duplos,
membrana ondulada e sem concavidade na superfície ventral. Cistos ovais (9 a 15 × 7 a 10 μm) podem ser detectados em fezes concentradas pela técnica de centrifugação–flotação com sulfato de zinco (densidade específica de 1,180). Os
meios de flotação com cloreto de sódio, sacarose ou nitrato de sódio são muito hipertônicos e distorcem os cistos. A coloração dos cistos com iodo auxilia sua identificação. Como os cistos de Giardia são excretados de forma intermitente,
devemse realizar vários exames de fezes em caso de suspeita de giardíase; por exemplo, 3 amostras coletadas ao longo de 3 a 5 dias.
Técnicas de imunofluorescência e ELISA estão no mercado disponíveis para detecção do antígeno do parasito. Em bezerros, ambas as técnicas foram sensíveis e específicas para o diagnóstico da infecção, quando comparadas ao exame
microscópico. Atualmente há disponibilidade de técnicas de imunocromatografia qualitativa em fase sólida rápida, o que torna possível o diagnóstico de giardíase onsite. Um teste ELISA está disponível no mercado para uso em cães,
recentemente comprovouse que é um procedimento útil no diagnóstico clínico. A técnica dipstick também está disponível para o diagnóstico de giardíase em bezerros, mas o teste parece ter pouca sensibilidade. Em suma, os testes
laboratoriais baseados nas técnicas de imunofluorescência e ELISA foram considerados mais sensíveis para o diagnóstico clínico de Giardia quando comparados às técnicas imunocromatográficas.
Cistos de Giardia spp oriundos de cobra ratsnake asiática; aumento de 1.000×, em óleo de imersão. Cortesia do Dr. Roger Klingenberg.
TRATAMENTO: O fembendazol (50 mg/kg/dia, durante 3 dias) elimina efetivamente os cistos de Giardia das fezes dos cães; não há relato de efeito colateral e o medicamento é seguro em fêmeas prenhes e lactantes. Na Europa, essa
dosagem é aprovada para tratamento de infecções por Giardia em cães. O fembendazol não é aprovado para gatos, mas pode reduzir os sinais clínicos e a eliminação de cistos, na dose de 50 mg/kg/dia, durante 3 a 5 dias. O oxfendazol é
efetivo na dose de 11,3 mg/kg, por 3 dias, em cães, mas não é aprovado para tratamento de giardíase. O albendazol é efetivo na dose de 25 mg/kg, 2 vezes/dia, por 4 dias, em cães, e durante 5 dias em gatos, mas não deve ser usado nestes
animais, pois tem causado supressão da medula óssea e não é aprovado para essas espécies. A combinação de praziquantel (5,4 a 7 mg/kg), pirantel (26,8 a 35,2 mg/kg) e febantel (26,8 a 35,2 mg/kg) também reduz de forma efetiva a
eliminação de cistos em cães infectados. O efeito sinérgico entre pirantel e febantel foi demonstrado em animais de pesquisa, sugerindo que a combinação dos produtos é preferível em relação ao uso de febantel isoladamente.
O metronidazol (25 mg/kg, 2 vezes/dia, por 5 a 7 dias) é efetivo na eliminação da Giardia spp em cerca de 65% de cães infectados, mas pode induzir episódio agudo de anorexia e vômito; ocasionalmente, pode progredir para ataxia
generalizada e nistagmo posicional vertical acentuado. O metronidazol pode ser administrado aos gatos, na dose de 10 a 25 mg/kg, 2 vezes/dia, por 5 dias. A furazolidona, na dose de 4 mg/kg VO, 2 vezes/dia, por 7 dias, também é eficaz
em gatos e cães pequenos, embora diarreia e vômitos sejam efeitos colaterais possíveis; também, suspeitase que seja teratogênica. Uma vacina morta está disponível nos EUA para cães e gatos, mas a vacinação preventiva ou curativa
mostrou eficácia variável na redução dos sinais clínicos e do número e duração de cistos eliminados no ambiente.
Atualmente, não há fármacos aprovados para o tratamento de giardíase em ruminantes. Fembendazol e albendazol (5 a 20 mg/kg/dia, durante 3 dias) reduzem significativamente o pico e a duração da eliminação de cistos e resulta em
melhora clínica em bezerros. Relatase que a paromomicina (50 a 75 mg/kg, VO, por 5 dias) é muito efetiva em bezerros.
O uso oral de fembendazol pode ser uma opção de tratamento para alguns pássaros.
CONTROLE: Os cistos de Giardia são prontamente infectantes quando eliminados nas fezes e sobrevivem no ambiente. Os cistos representam uma fonte de infecção e reinfecção aos animais, especialmente àqueles criados em
superpopulação (p. ex., canis, gatis ou sistemas de criação intensiva para animais de produção). A remoção imediata e frequente das fezes limita a contaminação ambiental, bem como a consequente infecção. Os cistos são inativados pela
maioria dos compostos à base de amônio quaternário, vapor e água fervente.
Para aumentar a eficácia dos desinfetantes, as soluções devem ser deixadas em contato com os cistos por 5 a 20 min, antes de en xaguar as superfícies contaminadas. A desinfecção de jardins e corredores é impossível e essas áreas devem
ser consideradas contaminadas por, no mínimo, um mês após os cães infectados terem deixado o local. Os cistos são suscetíveis ao ressecamento e devese deixar que essas áreas sequem completamente após a limpeza.
CÓLICA EM EQUINOS
Em sua definição mais correta, o termo “cólica” significa dor abdominal. Com o passar dos anos tornouse um termo abrangente para várias enfermidades que são acompanhadas de sinais clínicos de dor abdominal. Consequentemente, é
utilizado para se referir a doenças de etiologia e gravidade amplamente variáveis. Para compreender essas etiologias, obter o diagnóstico e iniciar tratamentos apropriados, o veterinário deve inicialmente compreender os aspectos
clinicamente relevantes da anatomia gastrintestinal dos equinos, os mecanismos fisiológicos envolvidos na movimentação da ingesta e do líquido ao longo do trato GI e a sensibilidade extrema do equino aos efeitos deletérios das
endotoxinas bacterianas normalmente presentes no lúmen intestinal.
Anatomia do Trato Gastrintestinal
O equino é um animal monogástrico, com estômago relativamente pequeno (capacidade de 8 a 10 L), localizado no lado esquerdo do abdome, abaixo do gradil costal. A junção do esôfago distal com o cárdia representa uma válvula
funcional via única, que permite que gases e fluidos entrem no estômago, mas não saiam. Como consequência, as enfermidades que impedem o deslocamento aboral normal de gases e fluidos através do intestino delgado podem resultar em
grave dilatação e ruptura gástrica. Devido sua posição, é difícil visualizar o estômago em radiografia ou ultrassonografia, em equinos adultos grandes. No entanto, em potros, pelo tamanho menor do órgão, é possível avaliar o esvaziamento
gástrico por meio de radiografia contrastada.
O intestino delgado compreende duodeno, jejuno e íleo, com a última parte se juntando ao ceco, em uma junção ileocecal específica. O duodeno localizase principalmente na porção dorsal, no lado direito do animal, onde fica suspenso
na parede corporal dorsal por meio de um pequeno mesentério de 3 a 5 cm. Consequentemente, o duodeno não se envolve nos deslocamentos de intestino delgado que acometem o mesentério (vólvulo). Na base do ceco, na região da fossa
paralombar direita, o duodeno voltase para a linha média. É nesse ponto que é possível sentir o duodeno, quando distendido por gases ou líquido (p. ex., nos equinos com enterite proximal), na palpação retal.
À medida que o intestino delgado alcança a linha média dorsal, tornase jejuno. O mesentério longo característico possibilita que as alças jejunais apoiemse sobre o conteúdo da porção ventral abdominal. O jejuno tem cerca de 19,5 m de
comprimento; este comprimento, juntamente com seu longo mesentério, permite que ele se envolva em vólvulos e encarceramentos do intestino delgado. No final do jejuno a parede intestinal tornase mais muscular, o lúmen se estreita e a
ligação mesentérica adicional tornase aparente. Os últimos 45 cm do intestino delgado, o íleo, juntamse com o ceco em sua face medial dorsal. Essa junção é identificada pela ligação da prega ileocecal do íleo à faixa dorsal do ceco. A
prega ileocecal é utilizada como ponto de referência para localizar o íleo em uma cirurgia.
Intestino grosso de equino. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.
Vista medial esquerda do ceco e do cólon direito de equino. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.
Através do íleo, a ingesta alcança o ceco, um grande reservatório de fermentação de fundo cego, situado essencialmente no lado direito do equino e se estende da região da fossa paralombar até a cartilagem xifoide, na linha média
ventral. O ceco tem 1,2 a 1,5 m de comprimento e pode conter 27 a 30 L de alimento e fluido. Sob a influência do músculo cecal, no interior do ceco a ingesta é amolecida, misturada com microrganismos capazes de digerir celulose e,
finalmente, passa pela abertura cecocólica para o interior do cólon ventral direito. A ligação do ceco na parede corporal dorsal é larga, minimizando o risco de deslocamento ou rotação sobre seu próprio eixo.
O cólon ventral direito é dividido em saculações que ajudam a misturar e reter as fibras vegetais, até que sejam digeridas. Localizase na porção ventral do abdome, desde a região do flanco até o gradil costal. O cólon ventral, então, se
desvia para a esquerda, tornase a flexura esternal e, depois, o cólon ventral esquerdo. O cólon ventral esquerdo, que também é grande e apresenta saculações, passa caudalmente para a área do flanco esquerdo. Próximo da região pélvica, o
diâmetro do cólon diminui acentuadamente e ele se dobra sobre si mesmo. Essa região, denominada flexura pélvica, corresponde à porção inicial do cólon dorsal esquerdo não saculado. Possivelmente, pela diminuição abrupta do diâmetro,
a junção entre o cólon ventral esquerdo e a flexura pélvica é o local mais comum de impactação.
O diâmetro do cólon dorsal é máximo na sua flexura diafragmática ou no cólon dorsal direito. Não há saculação nas porções direita e esquerda do cólon dorsal. O cólon dorsal direito está intimamente ligado ao cólon ventral direito por
meio de uma pequena dobra intercólica e, à parede corporal, por uma resistente ligação mesentérica comum com a base do ceco. Contrariamente, nem o cólon ventral nem o cólon dorsal esquerdos se prendem diretamente à parede corporal,
o que permite que essas porções do cólon apresentem deslocamento ou rotação.
A ingesta se desloca do cólon dorsal direito maior para o cólon transverso menor, que possui diâmetro de cerca de 10 cm e está firmemente fixo na face mais dorsal da cavidade abdominal, por meio de um mesentério fibroso, curto e
forte. O cólon transverso situase cranialmente à artéria mesentérica cranial. Finalmente, a ingesta alcança o cólon descendente saculado, que tem 3 a 3,6 m de comprimento.
Suprimento Sanguíneo ao Trato Gastrintestinal
As artérias celíaca e mesentérica cranial (ramos da aorta abdominal) fornecem o suprimento sanguíneo ao trato gastrintestinal (GI). A artéria celíaca fornece sangue arterial ao estômago, pâncreas, fígado, baço e porção inicial do duodeno.
A artéria mesentérica cranial fornece sangue arterial para o restante do duodeno, para todo o jejuno, íleo, ceco, cólon maior e cólon transverso e porção inicial do cólon descendente. Como o cólon maior se prende à parede corporal apenas
na região próxima à artéria mesentérica cranial, o sangue que supre todas as partes do cólon deve atravessar toda sua extensão. A flexura pélvica recebe sangue de dois ramos da artéria mesentérica cranial; um ramo supre o cólon dorsal,
direito e esquerdo, antes de atingir a flexura pélvica, e o outro supre o cólon ventral direito e esquerdo, antes de atingir a flexura pélvica. Logo, um vólvulo no cólon maior, próximo à junção cólonceco, pode impedir o fluxo sanguíneo para
todo o cólon esquerdo.
Os principais ramos da artéria mesentérica cranial podem ser lesionados por formas migratórias do parasito Strongylus vulgaris (ver p. 358).
Aberturas Naturais no Abdome
Há várias aberturas ou espaços naturais na cavidade abdominal que podem ser importantes nas enfermidades que causam cólica. O canal inguinal é uma abertura pela qual o intestino pode passar e ficar retido. Embora as hérnias inguinais
sejam comuns em potros jovens, raramente causam problemas clínicos; a situação é consideravelmente diferente em garanhões. De modo semelhante, se a parede abdominal ventral não se fecha corretamente ao redor do umbigo, permanece
uma abertura, com risco de problemas intestinais secundários à hérnia umbilical. O forame epiploico, uma abertura natural entre a veia porta, a veia cava caudal e o lobo hepático caudato, pode ser um local de encarceramento intestinal.
Finalmente, há um espaço natural entre a face dorsal esplênica e o rim esquerdo. Esse espaço é limitado pelo ligamento nefroesplênico, uma faixa tecidual forte que liga a face dorsomedial esplênica à cápsula fibrosa do rim esquerdo. Esse
ligamento propicia uma “saliência” sobre a qual o cólon maior pode se deslocar.
Padrões de Motilidade do Cólon
O peristaltismo normal no cólon ventral esquerdo desloca a ingesta em direção ao cólon dorsal esquerdo e os músculos da parede do cólon dorsal esquerdo se contraem para movimentar a ingesta em direção à flexura diafragmática. No
entanto, há evidências de que os músculos do cólon ventral esquerdo se contraem de maneira retrógrada, da flexura pélvica em direção à flexura esternal. Além disso, essas contrações se originam de um marcapasso presente na flexura
pélvica. Há hipótese de que esse marcapasso percebe tanto o tamanho quanto a consistência das partículas de alimentos da ingesta e, então, inicia o padrão de motilidade apropriado. Se a ingesta for digerida o suficiente, ela será movida em
direção normal; se for necessária uma digestão adicional, a ingesta será direcionada em sentido retrógrado, sendo retida no cólon ventral. Esta teoria justifica a ocorrência clínica comum de obstrução na flexura pélvica, ou próxima a ela.
Achados Clínicos
Vários sinais clínicos estão associados à cólica. Os mais comuns incluem repetidas batidas de patas no solo com o membro torácico, olhar para a região do flanco, movimentação do lábio superior e arqueamento do pescoço, levantamentos
repetidos de membro pélvico ou coices no abdome, decúbito, rolamento de um lado para o outro, sudorese, posição de micção, esforço para defecar, distensão abdominal, perda de apetite, depressão e diminuição da motilidade intestinal. É
raro que um equino com cólica exiba todos esses sinais. Embora estes sejam indicadores confiáveis de dor abdominal, os sinais particulares não indicam qual parte do trato GI se encontra comprometida ou se será necessária cirurgia.
Diagnóstico
Obtémse o diagnóstico e instituise tratamento apropriado apenas após realização de um exame completo do equino, considerando o histórico de quaisquer problemas ou tratamentos anteriores, definindo a parte do trato intestinal envolvida
e identificando a causa do episódio específico de cólica. Na maioria das vezes, a cólica se deve uma das seguintes razões: 1) A parede intestinal encontrase excessivamente distendida por gás, líquido ou ingesta. Isso estimula as
terminações nervosas sensíveis a estiramentos da parede intestinal e os estímulos de dor são transmitidos ao cérebro. 2) Há dor devido tensão excessiva no mesentério. 3) Na maioria das vezes, ocorre isquemia, como resultado de
encarceramento ou grave torção intestinal. 4) Ocorre inflamação, que pode envolver toda a parede intestinal (enterite) ou o revestimento intestinal (peritonite). Nestes casos, os mediadores próinflamatórios da parede intestinal reduzem o
limiar para estímulos de dor.
A lista de possíveis enfermidades que causam cólica é longa, sendo razoável primeiramente determinar o tipo de doença mais provável e iniciar tratamento apropriado e, depois, obter o diagnóstico mais específico, se possível. Os tipos
gerais de doenças que causam cólica incluem excesso de gás no lúmen intestinal (cólica gasosa), obstrução simples do lúmen intestinal, obstrução do lúmen intestinal e do suprimento sanguíneo para o intestino (obstrução estrangulante),
interrupção do suprimento sanguíneo apenas para o intestino (infarto não estrangulante), inflamação intestinal (enterite), inflamação do revestimento da cavidade abdominal (peritonite), erosão da mucosa intestinal (úlcera) e “cólica de
causa inexplicável”. Em geral, equinos com obstruções estrangulantes e obstruções completas necessitam cirurgia abdominal de emergência, enquanto equinos com outros tipos de doença podem ser tratados clinicamente.
Devese investigar a história do episódio atual de cólica e dos episódios anteriores, se houver, para determinar se o equino apresenta problemas repetitivos ou semelhantes ou se o episódio é um evento isolado. Duração do evento, grau de
comprometimento cardiovascular, intensidade da dor, defecação e resposta ao tratamento são informações importantes. Também, é importante investigar o controle de parasitos intestinais em equinos (esquema, datas de tratamento e
fármacos utilizados), há quanto tempo fezse a limpeza dos dentes, as mudanças no fornecimento ou na quantidade de alimentos ou água e se o equino se encontrava em repouso ou se exercitando quando a cólica começou.
O exame físico deve incluir avaliação dos sistemas cardiopulmonar e GI. Devese examinar as membranas mucosas bucais quanto à coloração, umidade e tempo de preenchimento capilar. As membranas mucosas podem se apresentar
cianóticas ou pálidas quando há comprometimento cardiovascular agudo e, por fim, hiperêmicas ou congestas, à medida que se instala vasodilatação periférica posteriormente ao choque. O tempo de preenchimento capilar (o normal é cerca
de 1,5 segundos) pode estar diminuído no início, mas geralmente tornase prolongado à medida que ocorre estase vascular (congestão venosa). As membranas mucosas tornamse secas à medida que o equino se desidrata. A frequência
cardíaca aumenta devido à dor, hemoconcentração e hipotensão; portanto, a frequência cardíaca mais elevada está associada a problemas intestinais mais graves (obstrução estrangulante). No entanto, nem todas as enfermidades que
necessitam cirurgia são acompanhadas de alta frequência cardíaca.
Um aspecto importante no exame físico é a introdução de sonda nasogástrica. Como os equinos não podem regurgitar, tampouco vomitar, a ocorrência de íleo adinâmico, obstruções que envolvem o intestino delgado ou distensão gástrica
com gás ou líquido podem resultar em ruptura do estômago. Portanto, a introdução de uma sonda gástrica pode salvar a vida do equino e auxiliar no diagnóstico dessas enfermidades. Caso ocorra refluxo de líquido devemse avaliar o
volume e sua coloração.
Devemse auscultar o abdome e o tórax e percutir o abdome. Este deve ser auscultado em vários locais (ceco à direita, intestino delgado na porção esquerda superior e cólon na parte esquerda inferior). Os sons intestinais associados a
episódios de dor podem indicar obstrução intraluminal (p. ex., impactação e enterólito). Ruído de gás pode indicar íleo adinâmico ou distensão visceral. Ruído de líquido pode indicar diarreia iminente associada à colite. A ausência total de
ruídos geralmente está associada a íleo adinâmico ou isquemia. A percussão auxilia na identificação do segmento do intestino totalmente distendido (ceco à direita e cólon à esquerda), que pode necessitar esvaziamento. Podese notar
aumento da frequência respiratória devido à febre, dor, acidose ou doença respiratória primária. Hérnia diafragmática também é uma possível causa de cólica.
A parte mais importante do exame é a palpação retal. O veterinário deve desenvolver um método de palpação consistente das seguintes estruturas: artéria aorta, artéria mesentérica cranial, base do ceco e sua porção ventral, duodeno,
bexiga, superfície peritoneal, anel inguinal em garanhões e nos cavalos castrados, bem como ovários e útero em éguas, flexura pélvica, baço e rim esquerdo. Devese palpar o intestino, verificandose tamanho, consistência do conteúdo
(gasoso, líquido ou impactado), distensão, edema de parede e dor.
Com frequência, uma amostra de fluido peritoneal (coletada por meio de paracentese asséptica na linha média) reflete o grau de lesão intestinal. Devemse avaliar coloração, contagem celular total e diferencial e concentração de proteína
total. O líquido peritoneal normal apresentase claro a cordepalha, contém < 5.000 leucócitos/μl, sendo a maioria deles células mononucleares e < 2,5 g de proteína/dl.
A idade do equino é importante, pois várias enfermidades relacionadas com a idade causam cólica. As mais comuns são: potros – atresia de cólon, retenção de mecônio, uroperitônio e úlcera gastroduodenal; equinos com cerca de 1 ano
de idade – impactação por ascarídeos; equinos jovens – intussuscepção de intestino delgado, infarto não estrangulante e obstrução por corpo estranho; equinos de meiaidade – impactação de ceco, enterólitos e vólvulo de cólon maior; em
equinos idosos – lipoma pedunculado e ruptura mesocólica.
A avaliação ultrassonográfica do abdome pode auxiliar na diferenciação entre doenças que podem ser tratadas clinicamente e aquelas que necessitam cirurgia. Ultrassonografia transrretal também pode ser realizada para elucidar as
alterações notadas durante a palpação retal. Em potros, as imagens do cólon maior e do intestino delgado são comumente vistas através da parede abdominal ventral, enquanto apenas a imagem do cólon maior é frequentemente notada em
equinos adultos. O cólon maior pode ser visualizado por sua aparência sacular. O duodeno pode ser visto na altura do décimo espaço intercostal e delimitado ao redor da porção caudal do rim direito. O jejuno raramente é identificado no
exame ultrassonográfico transabdominal de um equino adulto normal, enquanto o íleo com parede espessada pode ser notado no exame transrretal.
As anormalidades mais comumente identificadas no exame ultrassonográfico incluem hérnia, encarceramento nefroesplênico do cólon maior, cólica com conteúdo arenoso, intussuscepção, enterocolite, colite dorsal direita e peritonite.
Garanhões com hérnia inguinal apresentam intestino encarcerado no lado acometido; é possível identificar o intestino e obter informações acerca da espessura de sua parede, assim como a presença ou ausência de peristaltismo. Em equinos
com encarceramento nefroesplênico do cólon maior, a extremidade do baço ou o rim esquerdo não podem ser observados, ou o cólon maior preenchido por gás está presente na porção caudodorsal do abdome, na região do espaço
nefroesplênico. Equinos com cólica por conteúdo arenoso apresentam uma imagem hiperecoica granular da porção acometida do cólon. O achado característico em equinos com intussuscepção é a aparência de “olho de touro” da porção do
intestino delgado envolvida. Frequentemente, a região do intestino proximal à intussuscepção encontrase distendida e há espessamento da região estrangulada. Equinos com enterocolite comumente exibem evidências de hiperperistaltismo,
parede intestinal com áreas espessadas e distensão do intestino por líquido. Entretanto, equinos com colite dorsal direita com frequência apresentam espessamento acentuado da parede do cólon dorsal direito. Em cavalos com peritonite, o
fluido peritoneal pode ser anecoico ou indicar evidência de material flocoso e fibrina entre as superfícies serosas das vísceras.
Tratamento
Os equinos com cólica podem necessitar tanto tratamento clínico quanto cirúrgico. Quase todos requerem alguma forma de tratamento clínico, mas apenas os equinos com algumas obstruções intestinais mecânicas necessitam cirurgia. O
tipo de tratamento clínico é definido em função da causa da cólica e da gravidade da doença. Em alguns casos, no início o equino pode ser submetido ao tratamento clínico e ter a resposta avaliada; isso é particularmente adequado quando
há dor leve e as funções do sistema cardiovascular estão normais. Ultrassonografia pode ser utilizada para avaliar a eficácia do tratamento medicamentoso. Se necessário, pode–se utilizar um procedimento cirúrgico como diagnóstico, bem
como para tratamento.
Havendo evidências de obstrução intestinal por ingesta seca, durante palpação retal, o objetivo principal do tratamento é hidratar e retirar o conteúdo intestinal. Se o equino apresenta dor intensa e sinais clínicos de hemoconcentração por
perda de água (frequência cardíaca elevada, tempo de preenchimento capilar prolongado e alteração da cor das membranas mucosas), os objetivos iniciais do tratamento são: aliviar a dor, restabelecer a perfusão tecidual e corrigir quaisquer
anormalidades na composição do sangue e dos fluidos corporais (ver Tabela 5). Na suspeita de lesão de parede intestinal (em decorrência de inflamação grave ou de deslocamento ou obstrução estrangulante), devem ser adotadas medidas
para evitar ou tratar os efeitos nocivos das endotoxinas bacterianas que saem do intestino e alcançam a corrente sanguínea. Finalmente, se há evidência de que o episódio de cólica foi causado por parasitos, o objetivo do tratamento é
eliminálos.
ALÍVIO DA DOR: Na maioria dos casos de cólica, a dor é leve, sendo suficiente a analgesia. Nesses casos, presumese que a causa da cólica seja espasmo do músculo intestinal ou excesso de gás em uma porção do intestino. No entanto, se a
dor se deve à torção ou deslocamento intestinal, alguns analgésicos mais potentes podem mascarar os sinais clínicos úteis para a definição do diagnóstico. Por isso, devese finalizar o exame físico completo antes de administrar qualquer
medicamento. No entanto, como os equinos com cólica ou com dor intensa podem se lesionar e se tornar agressivos às pessoas próximas, com frequência devese administrar analgésico previamente. Além disso, muitos animais com
problemas menos graves podem necessitar alívio da dor até que outros tratamentos tornemse efetivos. Devese escolher um analgésico que ocasione poucos efeitos colaterais e que cause alteração mínima no comportamento do equino.
Tabela 5 – Considerações gerais sobre a necessidade de fluido em equinos desidratados a
Perdas de fluido Refluxo estimado ou volume de fezes na diarreia
Taxa de administração 50% em 1 a 2 h; 50% no resto do dia 20 a 35 l nas primeiras 1 a 2 h; o restante distribuído nas outras 22 a 23 h
a Adaptado, com autorização, de: Zimmel D.N., Management of pain and dehydration in horses with colic. In Current Therapy in Equine Medicine, 5, 2003, Robinson N.E., (ed.), Elsevier.
Os medicamentos comumente utilizados no alívio de dor abdominal são AINE, que reduzem a produção de prostaglandinas. Quando esses fármacos são utilizados conforme recomendado, os seus efeitos tóxicos nos rins e no trato GI são
raros. Pesquisas clínicas mostraram que a flunixino meglumina pode mascarar os sintomas iniciais de enfermidades que requerem cirurgia; portanto, deve ser utilizado com critério em equinos com cólica.
O sedativo mais comumente usado para cólica é a xilazina, um a2agonista. Poucos minutos após sua administração, o equino permanece quieto e menos responsivo à dor. Infelizmente, os efeitos da xilazina têm curta duração e inibe os
músculos intestinais; também, diminui o débito cardíaco e, consequentemente, reduz o fluxo sanguíneo aos tecidos. A detomidina, um a2agonista mais potente e que possui ação muito mais longa, está sendo utilizada com sucesso, em
condições semelhantes.
Dentre os analgésicos narcóticos, o butorfanol é utilizado com maior frequência em equinos com cólica. Ocasiona poucas reações adversos no trato GI ou no coração. No entanto, quando administrado em altas doses, os narcóticos podem
causar excitação e o equino pode ficar inquieto. O butorfanol geralmente é combinado com um a2agonista, para induzir um período de analgesia mais prolongado.
Embora geralmente o alívio da dor é obtido com o uso de analgésicos, há outras maneiras importantes de reduzir a intensidade da dor. Por exemplo, a introdução de uma sonda nasogástrica (também parte importante na elaboração do
plano diagnóstico) pode remover qualquer líquido acumulado no estômago, em razão de uma obstrução de intestino delgado. A remoção desse líquido não só alivia a dor decorrente da distensão gástrica como também evita a ruptura do
estômago.
FLUIDOTERAPIA: Muitos equinos com cólica se beneficiam da fluidoterapia, que evita desidratação e mantém o suprimento sanguíneo aos rins e outros órgãos vitais. Os fluidos podem ser administrados por meio de sonda nasogástrica ou
por via IV, dependendo da doença intestinal específica (ver Tabela 5). Equinos com obstrução estrangulante ou enterite devem receber fluido IV, pois a absorção de fluido no intestino acometido fica reduzida e o fluido pode ser secretado no
interior do lúmen intestinal. Isso causa acúmulo de líquido no intestino, e no estômago, cuja remoção estomacal pode ser feita com auxílio de sonda nasogástrica. Essa transferência anormal de fluidos corporais ao intestino contribui para o
desenvolvimento de choque circulatório, que geralmente é a causa definitiva de morte.
A maior parte do fluido da ingesta é reabsorvida no ceco e no cólon. Na verdade, cerca de 95% do líquido que normalmente passa pelo intestino grosso retornam à corrente sanguínea. Portanto, equinos com obstrução intestinal próxima à
flexura pélvica, em geral, requerem quantidade relativamente pequena de fluido IV, enquanto equinos com obstrução do intestino delgado precisam de um volume extremamente grande.
O volume e o tipo de fluido a ser administrado são determinados pela gravidade e pela causa da enfermidade. Os testes laboratoriais para avaliar o grau de hemoconcentração e as anormalidades eletrolíticas são essenciais para o
tratamento apropriado do equino com cólica grave. O equilíbrio dos fluidos corporais pode ser restabelecido pela administração por via intravenosa de fluidos formulados para repor a(s) deficiência(s) de eletrólito(s). No entanto, na maioria
dos casos, a fluidoterapia deve começar antes que os resultados laboratoriais estejam disponíveis, particularmente quando o equino exibe sinais clínicos de choque circulatório.
Quando há necessidade de fluidoterapia IV, mas os sinais clínicos são discretos a moderados, o equino deve receber 8 a 10L de fluido de reposição estéril que contenha eletrólitos nas concentrações normalmente presentes no sangue. Esse
volume deve ser administrado ao longo de 1 a 2 h e o equino deve ser reavaliado para determinar a necessidade adicional de fluido. Os equinos em choque circulatório requerem volume muito maior de fluido IV, que deve ser
administrado o mais rapidamente possível; pode ser necessários até 20L em 1 h, para restabelecer a perfusão tecidual. Em casos graves, solução salina hipertônica (NaCl 7%) deve ser administrada para aumentar rapidamente o volume
plasmático. Dependendo da causa da cólica pode ser preciso fluido IV por vários dias, até que a função intestinal retorne ao normal, as concentrações de eletrólitos se equilibrem e o equino consiga manter as sua necessidade hídrica por
meio da ingestão de água. Nestas condições, a necessidade diária de fluido IV pode variar de 30 a 100L.
Em alguns casos, os fluidos são administrados por meio de sonda nasogástrica, como parte do tratamento de impactação de cólon. Muitos clínicos acreditam que o mesmo resultado pode ser obtido pela administração por via intravenosa
de grande volume de fluido. Se o equino não bebe espontaneamente e não há obstrução de intestino delgado, a hidratação mediante administração de fluidos por sonda pode ser mantida. Caso haja refluxo de fluido ao estômago, não se deve
administrar fluidos ou medicamentos por sonda nasogástrica, pois isso indica que tanto o esvaziamento do estômago quanto do intestino delgado não foi adequado.
PROTEÇÃO CONTRA ENDOTOXINAS BACTERIANAS: Endotoxina, uma parte da membrana externa de bactérias gram–negativas intestinais, é liberada quando a bactéria morre ou se multiplica rapidamente. Normalmente, as endotoxinas se
restringem ao lúmen intestinal, mas se a mucosa intestinal é lesionada devido à isquemia, elas passam para a cavidade peritoneal ou a corrente sanguínea. Em seguida, elas interagem com fagócitos mononucleares e induzem uma resposta
inflamatória que pode incluir febre, depressão, hipotensão, distúrbios de coagulação e, por fim, morte. A minimização das respostas inflamatórias à endotoxemia é parte fundamental no tratamento de cólica.
As prostaglandinas estão envolvidas em muitos dos efeitos patológicos iniciais das endotoxinas. O flunixino meglumina reduz a produção celular de prostaglandinas e pode ajudar a evitar alguns de seus efeitos. Como o flunixino pode
evitar alguns efeitos iniciais da endotoxemia em dose menor do que aquela recomendada (1,1 mg/kg), é possível administrar doses menores (0,25 mg/kg) sem mascarar os sintomas associados à enfermidade que requer cirurgia.
Há considerável controvérsia quanto à eficácia do uso de plasma ou soro que contém anticorpos neutralizantes de endotoxina. Esses anticorpos atuam contra os componentes das endotoxinas, que são semelhantes nas diferentes bactérias
gramnegativas. Resultados de estudos clínicos que utilizaram tais anticorpos são conflitantes, com evidência de proteção em alguns estudos e nenhum efeito positivo em outros. Como as endotoxinas estimulam, por si só, a geração de
ampla variedade de substâncias inflamatórias que produzem efeitos fisiopatológicos, devemse empregar os anticorpos neutralizantes o mais cedo possível, no curso da doença.
Como alternativa, a polimixina B é utilizada para evitar a interação da endotoxina com as células inflamatórias do animal. A polimixina B possui nefrotoxicidade bem descrita; entretanto, a dose de polimixina B para atuar nas
endotoxinas é menor que aquela que causa toxicidade. A polimixina B foi avaliada em vários estudos experimentais de endotoxemia e rotineiramente á utilizada na dose de 1.000 a 5.000U/kg, 2 a 3 vezes/dia. Esta forma de terapia deve ser
iniciada o mais cedo possível. Além disso, fluidoterapia de reposição deve ser administrada em animais hipovolêmicos e a concentração sérica de creatinina deve ser monitorada criteriosamente. Isto é especialmente relevante em potros
neonatos azotêmicos, pois eles parecem mais suscetíveis aos efeitos nefrotóxicos da polimixina B.
LUBRIFICANTES INTESTINAIS E LAXANTES: Uma causa comum de cólica em equinos é a obstrução simples do intestino grosso com ingesta seca, às vezes misturada com areia. Essas impactações do intestino grosso geralmente ocorrem
próximas à flexura pélvica ou no cólon dorsal direito, mas podem envolver qualquer porção do cólon maior, do cólon descendente ou do ceco. Na maioria dos casos, os lubrificantes ou agentes amolecedores de fezes administrados por
sonda nasogástrica amolecem a ingesta impactada, permitindo que seja eliminada. Essa forma de terapia pode ser auxiliada pela administração simultânea de fluido IV. Aconselhase manter o equino amordaçado para evitar impactação
adicional por alimento, enquanto se tenta amolecer o conteúdo da obstrução.
O óleo mineral é o medicamento mais utilizado no tratamento de impactação do cólon maior. Ele reveste a parte interno do intestino e auxilia no movimento normal da ingesta ao longo do trato GI. Deve ser administrado por sonda
nasogástrica, até 4L, 1 a 2 vezes/dia, até que se resolva a impactação. Embora o óleo mineral seja seguro, não é muito efetivo no tratamento de impactação grave ou por areia, pois pode simplesmente passar pela obstrução sem amolecêla.
O sulfosuccinato sódico de dioctila (SSD) é um composto semelhante à sabão que atua sequestrando água para o interior da ingesta seca. É mais efetivo que o óleo mineral no amolecimento de impactação. No entanto, pode interferir na
absorção normal de água no cólon e pode ser tóxico. Logo, o SSD só pode ser administrado, com segurança, em pequena quantidade, por 2 vezes, com intervalo de 48 h.
Um composto seguro e útil no tratamento de impactações, especialmente aquelas que contêm areia, é o muciloide hidrofílico psílio. Quando misturado à água, forma uma massa gelatinosa que provoca movimentação da ingesta ao longo
do trato GI. Embora geralmente administrado por sonda nasogástrica em equinos com impactação, o psílio também pode ser utilizado como preventivo, misturandoo, como pó seco, no alimento. Os equinos que vivem em ambiente arenoso
ou que persistentemente desenvolvem impactação podem receber psílio em pó, na dose de 400 g/500 kg, 1 vez/dia, junto com alimento, por 7 dias. Este tratamento é repetido 2 a 3 vezes ao ano, na tentativa de se evitar a ocorrência de
impactação por areia.
Os laxantes potentes que estimulam as contrações intestinais não são frequentemente utilizados no tratamento de impactação e, na verdade, podem agravar o problema. Ocasionalmente, os equinos com impactação dura são tratados com
sulfato de magnésio, que transferem fluidos corporais para o trato GI. Os efeitos colaterais incluem desidratação e maior risco de diarreia.
A fluidoterapia, com administração de fluidos por sonda nasogástrica ou por via IV, é uma parte importante e efetiva do tratamento dos equinos com impactação de cólon ou ceco. Se uma impactação não começa a se desfazer dentro de 3
a 5 dias, é necessária cirurgia para esvaziar o intestino e auxiliar no restabelecimento da motilidade normal.
VERMÍFUGOS LARVICIDAS: A migração normal das larvas dos grandes vermes hematófagos, particularmente Strongylus vulgaris, está envolvida em muitos casos de cólica. Em resposta à migração e à maturação das larvas na artéria
mesentérica cranial, a parede arterial tornase espessa e forma placas frouxas de tecido inflamatório. Tem se proposto que essas placas ativam a coagulação, o que resulta em tromboembolia. O suprimento sanguíneo ao intestino pode ser
reduzido, o que provoca alteração na motilidade intestinal e na absorção de nutrientes no intestino ou necrose intestinal. Logo, presumese que a tromboembolia seja uma causa de episódios recidivantes de cólica e perda de peso.
Vermífugos recentes, como ivermectina e moxidectina, atuam em larvas migratórias de S. vulgaris. O fembendazol elimina os estrôngilos migratórios se administrado o equivalente a 2 vezes a dose recomendada, diariamente, por 5 dias, ou
a 10 vezes a dose recomendada, diariamente, durante 3 dias. Como resultado do uso frequente destes antihelmínticos, os casos de cólica intermitente crônica, cujas causas acreditavam ser tromboembolia ou migração de larvas parasitárias,
diminuíram amplamente na prática equina.
Há considerável evidência de que a lesão causada por ciatostomos provoca cólica, diarreia e perda da condição corporal, particularmente em equinos jovens. Estes sintomas são sazonais e simultâneo ao surgimento de grande número de
larvas encistadas no lúmen do cólon maior. Em áreas temperadas do hemisfério norte, a larva permanece encistada nos meses de inverno e emergem no final do inverno e na primavera, causando úlcera, edema e inflamação da mucosa do
cólon maior. Isto pode resultar em diarreia, perda proteica, perda de peso, cólica e febre discreta intermitente. Equinos com ciatostomíase requerem tratamento com doses larvicidas de antihelmínticos, como ivermectina, moxidectina e
fembendazol. Alguns equinos necessitam analgésicos, tratamento suporte e manejo nutricional adequado.
Ver p. 356, para uma discussão detalhada sobre o tratamento de pequenos e grandes estrôngilos.
CIRURGIA: Geralmente há necessidade de cirurgia quando ocorre obstrução mecânica do fluxo de ingesta normal, que não pode ser corrigido clinicamente ou se a obstrução também interfere no suprimento sanguíneo intestinal. A última
situação causa a morte do equino, exceto se a cirurgia é realizada rapidamente. Em alguns casos indicase cirurgia como procedimento diagnóstico exploratório para equinos com cólica crônica que não respondem à terapia medicamentosa
de rotina.
Nestes casos, os equinos que exibem sinais de dor abdominal grave que não respondem à terapia analgésica necessitam cirurgia abdominal de emergência. Geralmente, o lúmen intestinal encontrase completamente obstruído, como
acontece na obstrução estrangulante ou no deslocamento grave. Da mesma forma, os equinos com intestino anormalmente distendido à palpação retal e com aumento da concentração de proteína total e do número de hemácias no fluido
peritoneal provavelmente apresentam lesão estrangulante que requer correção cirúrgica. Esses achados clássicos que caracterizam os equinos que necessitam cirurgia emergencial, em geral, são exceção, não a regra. Alguns equinos com dor
leve ou moderada também podem necessitar intervenção cirúrgica e a decisão deve se basear em no exame físico completo e em outros métodos de avaliação. Algumas indicações mais comumente utilizadas para decidir pela intervenção
cirúrgica em equinos com cólica são: dor incontrolável; > 4 L de refluxo de fluido estomacal; ausência de borborigmo à auscultação; aumento de proteína, eritrócitos e neutrófilos tóxicos no fluido peritoneal; intestino firmemente
distendido, cólon deslocado ou enterólito ou corpo estranho detectado mediante palpação retal.
A realização precoce de cirurgia (se indicada) é fundamental para o sucesso e melhora do prognóstico quanto à sobrevivência. Portanto, é mais importante decidir se o equino deve ser encaminhado para uma clínica onde a cirurgia poderá
ser realizada se necessária, do que tentar determinar se, definitivamente, há necessidade de cirurgia emergencial. Geralmente, é prudente encaminhar os seguintes casos: 1) equino que responde inicialmente ao analgésico, mas requer terapia
analgésica adicional poucas horas depois, 2) equino que continua a exibir sinais de dor, apesar da administração de analgésicos, 3) equino que permanece com dor, mas apresenta fluido peritoneal normal, 4) equino com distensão de
intestino delgado à palpação retal, mas que não apresenta refluxo, ou 5) equino com grande quantidade de líquido removido do estômago, mas que não apresenta distensão de intestino delgado palpável ao exame retal.
Quando há necessidade de cirurgia, na maioria das vezes, o equino é anestesiado e posicionado em decúbito dorsal e a incisão é feita na linha média ventral. Ao ter acesso à cavidade peritoneal devemse examinar as porções intestinais
para determinar a causa definitiva da cólica. A correção pode envolver reposicionamento da porção intestinal deslocada, remoção de obstrução ou ressecção de intestino desvitalizado. Quando os segmentos intestinais desvitalizados
precisam ser removidos ou quando se realiza enterotomia, os cuidados pósoperatórios devem incluir o uso de antibióticos, fluidos IV, polimixina B, anticorpos contra endotoxinas e AINE para evitar endotoxemia. Quando o segmento do
intestino deslocado é facilmente reposicionado em sua posição normal, os cuidados pósoperatórios são muito menos rígidos. Cada equino deve ser manejado individualmente; a necessidade de tratamento baseiase na resposta à cirurgia e
na ocorrência de complicações.
Prognóstico
Um amplo estudo retrospectivo, nos EUA, revelou taxa de sobrevivência total de 60%, em equinos com cólica, e de 50% em equinos submetidos à cirurgia abdominal, incluindo aqueles submetidos à eutanásia na mesa de cirurgia em razão
de doenças inoperáveis. As taxas de sobrevivência em equinos com obstrução estrangulante e naqueles com doença inflamatória foram de apenas 24 e 42%, respectivamente. Por outro lado, equinos com causa indefinida do episódio de
cólica apresentaram taxa de sobrevivência de 94%. Quando se considerou o segmento do trato GI, a taxa de sobrevivência de enfermidades de intestino delgado e estômago foram menores do que daquelas que acometem o cólon maior.
Além disso, as doenças que interferem na passagem da ingesta e no suprimento sanguíneo intestinal diminuíram drasticamente a chance de sobrevivência. Resultados de estudos mais recentes são muito mais promissores, com taxa de
sobrevivência de equinos submetidos à cirurgia abdominal de emergência > 80%. Além disso, há relatos de taxa de sobrevivência de 70% em equinos que necessitaram ressecção de intestino delgado estrangulado ou correção de vólvulo em
cólon maior. Em estudos retrospectivos iniciais, estas condições estavam associadas à taxa de sobrevivência = 30%. Embora a obtenção de dados quanto à sobrevivência a longo prazo (p. ex., equino que retorna ao seu uso pretendido) seja
mais difícil, achados recentes indicam que quando a maior parte dos cavalos morrem ou são submetidos à eutanásia devido à doença grave, isso ocorre dentro de 3 meses após a cirurgia.
Frequentemente, combinamse valores obtidos de diversas variáveis para prever a sobrevivência de equinos com cólica. Os indicadores de prognóstico envolvem avaliação da dor, distensão intestinal, cor das membranas mucosas e
função do sistema cardiovascular. As taxas de sobrevivência são mais altas em equinos com dor abdominal leve e são mais baixas em animais com dor intensa. Equinos com distensão intestinal palpável apresentam taxa de sobrevivência
menor do que aqueles que não manifestam evidência de distensão intestinal; a taxa de sobrevivência é ainda menor se nenhum som intestinal for audível na auscultação abdominal. Membranas mucosas congestas frequentemente estão
associadas a endotoxemia bacteriana, o que reduz a taxa de sobrevivência. A função do sistema cardiovascular reflete o grau de choque e, portanto, está relacionada com o prognóstico quanto à sobrevivência. Por exemplo, equinos com
pressão arterial sistólica baixa ou frequência cardíaca alta têm menor chance de sobreviverem.
Dentre as análises laboratoriais utilizadas para prever a sobrevivência, a concentração sanguínea de lactato e o valor de anion gap são utilizados com mais frequência. A dosagem de lactato sanguíneo é utilizada como indicador de
perfusão tecidual; aumento da concentração de ácido láctico indica perfusão tecidual deficiente. De modo semelhante, o anion gap (cálculo da diferença entre cátions e ânions mensuráveis) reflete a geração de ânions orgânicos,
principalmente de ácido láctico, decorrente de menor perfusão tecidual. A concentração de proteínas no fluido peritoneal também é utilizada para prever a sobrevivência; concentrações mais altas estão associadas a pior prognóstico.
DOENÇAS ASSOCIADAS À CÓLICA DEVIDO À LOCALIZAÇÃO ANATÔMICA
Estômago
DILATAÇÃO E RUPTURA DE ESTÔMAGO: A causa mais comum de dilatação gástrica em equinos é excesso de gás ou obstrução intestinal. A dilatação gástrica pode estar associada com ingestão exagerada de ingredientes alimentares
fermentáveis, como grãos, capim viçoso e polpa de beterraba. Possivelmente, o grande aumento na produção de ácidos graxos voláteis inibe o esvaziamento gástrico. Se não for tratada, a dilatação gástrica associada a este consumo
excessivo pode ocasionar brusca ruptura do estômago. Caso a causa seja obstrução intestinal, esta envolve mais frequentemente o intestino delgado. O líquido do intestino delgado obstruído acumulase no lúmen do estômago, causando
dilatação gástrica e recuperação do refluxo pela introdução de sonda nasogástrica. Dilatação gástrica também pode ocorrer em alguns equinos com alguns tipos de deslocamentos de cólon, principalmente com deslocamento do cólon dorsal
direito, ao redor do ceco (ver p. 239). Presumese que o cólon deslocado obstrua o fluxo duodenal. A dilatação gástrica por líquido também é característica de enteritejejunite proximal.
A ruptura de estômago é uma complicação fatal da dilatação gástrica. Geralmente é notada na curvatura maior do estômago. Cerca de 2/3 de todos os casos de ruptura gástrica são secundários à obstrução mecânica, íleo adinâmico e
traumatismo; o restante se deve à sobrecarga ou a causas idiopáticas.
Os sinais clínicos associados a dilatação gástrica incluem dor abdominal intensa, taquicardia e ânsia de vômito. As membranas mucosas podem ficar pálidas. Classicamente, esses sinais agudos são substituídos por alívio, depressão e
toxemia após a ruptura do estômago. O prognóstico quanto à sobrevivência pode ser excelente na maioria dos casos de dilatação, mas a ruptura gástrica é fatal.
IMPACTAÇÃO GÁSTRICA: A impactação gástrica é causa incomum de cólica. Embora possa estar associada à ingestão de determinados ingredientes alimentares (polpa de beterraba, alimentos peletizados, sementes de caqui, palha e cevada)
também devem ser considerados os fatores contribuintes (p. ex., lesões dentárias, consumo inadequado de água e ingestão rápida de alimentos). Como a incidência dessa enfermidade é baixa, é difícil determinar quais fatores podem ser
mais importantes. O sinal clínico mais evidente na impactação gástrica é dor abdominal intensa. Devido à ausência de outros achados característicos, mais frequentemente o diagnóstico é definido por meio de cirurgia; a decisão sobre a
realização de cirurgia para controlar o problema se baseia em dor incessante.
O tratamento envolve a administração intragástrica de solução salina ou de água, por meio de uma agulha introduzida na massa impactada. Depois da injeção devese massagear o estômago e desfazer a obstrução. Se uma sonda
nasogástrica está posicionada no momento da cirurgia podese bombear água para o interior do estômago e massagear a massa. Devese continuar a lavagem após a cirurgia, na tentativa de remover parte do material impactado. O
prognóstico é favorável se a decisão de realizar uma cirurgia exploratória é tomada precocemente e a impactação possa ser desfeita manualmente, durante a cirurgia.
Intestino Delgado
Os sinais clínicos de cólica podem surgir após obstrução, inflamação ou obstrução estrangulante no intestino delgado. O prognóstico das enfermidades que acometem o intestino delgado geralmente é reservado. Com isso, diagnóstico
precoce e tratamento adequado são fundamentais.
IMPACTAÇÃO DE ÍLEO: A enfermidade mais comum que provoca obstrução simples do intestino delgado é impactação de íleo. É mais comum na região sudeste dos EUA, na Alemanha e nos Países Baixos. Embora os fenos que contêm alto
teor de fibras possam ser importantes na patogênese, a relação causaefeito ainda não foi comprovada. Resultados de uma pesquisa clínica recente no Reino Unido indicaram que há estreita relação entre infecção pela tênia
intestinal Anoplocephala perfoliata e impactação de íleo. Em estudo similar realizado nos EUA, dois fatores de risco de impactação de íleo foram identificados – não administração de pamoato de pirantel, um antihelmíntico com alguma
eficácia contra A. perfoliata, por 3 meses; e alimentação com feno de capim Bermudas. Adicionalmente, temse sugerido que a impactação se desenvolve secundariamente a contrações espásticas do músculo íleo contra a direção da ingesta.
Os sinais clínicos incluem início com dor abdominal leve a intensa, seguida de redução nos ruídos intestinais, refluxo gástrico e taquicardia. Embora a palpação retal precoce possa permitir a detecção de impactação do íleo na parte
inferior do quadrante abdominal caudal direito, uma distensão de jejuno subsequente pode dificultar ou impossibilitar esse achado. O diagnóstico diferencial mais comum é jejunite proximal; a distinção entre as duas enfermidades pode ser,
com frequência, difícil. Como o quadro clínico do equino pode permanecer inicialmente estável e o grau de dor abdominal pode ser discreto, muitos equinos com esta enfermidade não são encaminhados para terapia intensiva ou cirurgia
antes de 18 h. A concentração de proteínas no fluido peritoneal pode aumentar se a impactação persiste por todo esse tempo.
O tratamento requer, com mais frequência, cirurgia, embora tenha sido relatado que a enfermidade responde ao tratamento com fluido e óleo mineral, se diagnosticada precocemente. Se indicada cirurgia, podese misturar a massa
impactada com solução salina ou carboximetilcelulose e massageála no interior do ceco ou realizar enterotomia no jejuno distal e remover a ingesta por essa incisão. Podese se instalar íleo adinâmico após a cirurgia. De acordo com o grau
de lesão na superfície serosa do intestino delgado no momento da cirurgia podem ocorrer complicações várias semanas após, devido às aderências intraabdominais (ver a seguir).
ADERÊNCIAS: As aderências intraabdominais acometem geralmente o intestino delgado e causam obstrução intestinal; também, podem causar obstrução estrangulante. Essas aderências se desenvolvem em resposta à lesão peritoneal e,
mais frequentemente, resultam de cirurgia prévia no intestino delgado, distensão crônica do intestino delgado, peritonite ou migração de larvas de parasitos. Resposta tecidual à isquemia, manipulação de tecido lesionado, corpos estranhos,
hemorragia ou desidratação resulta na formação de aderências fibrinosas (e, em seguida, fibrosas). Os sinais clínicos são notados quando a aderência causa torção, compressão ou estenose intestinal.
Devese considerar a possibilidade de aderência quando o equino foi submetido anteriormente à cirurgia abdominal e apresenta histórico recente de dor abdominal recidivante. Os sinais clínicos associados às aderências intraabdominais
podem variar desde uma cólica discreta recidivante até uma dor intensa incessante. Mais comumente, as aderências intraabdominais causam problemas clínicos dentro de 90 dias após a cirurgia, quando representam um problema
importante para o equino.
O tratamento cirúrgico envolve transecção da aderência, ressecção do intestino acometido e sua anastomose, de modo a propiciar um fluxo de ingesta normal. São utilizados agentes terapêuticos destinados a reduzir a formação
subsequente de novas aderências. Isso inclui a administração sistêmica de antimicrobianos e de AINE e da instilação de carboximetilcelulose estéril no interior do abdome, no momento da sutura. O proprietário deve ser informado de que as
aderências provavelmente são recidivantes e que o prognóstico quanto à sobrevivência de equinos com amplas aderências, a longo prazo, é desfavorável.
IMPACTAÇÃO POR ASCARÍDEOS: Equinos jovens, particularmente aqueles criados em haras que adota programa de controle parasitário inadequado, podem desenvolver impactação de intestino delgado por ascarídeos. Essas impactações
ocorrem após administração de antihelmíntico altamente efetivo contra Parascaris equorum. Os antihelmínticos mais comumente associados a essa enfermidade são ivermectina, piperazina e organofosforados. Esses fármacos paralisam
os ascarídeos, resultando em acúmulo de massa de vermes no lúmen do intestino delgado. Temse sugerido que a destruição da superfície do ascarídeo libera fluidos antigênicos que inibem a atividade do músculo intestinal e, assim,
aumenta o risco de obstrução intestinal.
Os sinais clínicos variam de dor abdominal discreta a intensa, evidências de toxemia e refluxo gástrico que pode conter ascarídeos. Devese suspeitar de impactação por ascarídeos se o equino acometido encontrase em fase de desmame
ou com cerca de 1 ano de idade, com condição corporal ruim e histórico de uso recente de vermífugo. O tratamento clínico com fluidos e lubrificantes intestinais pode ser bemsucedido em alguns casos. Outros equinos podem necessitar
intervenção cirúrgica e remoção dos ascarídeos por meio de várias enterotomias. O prognóstico é reservado, se há necessidade de cirurgia. O proprietário deve ser avisado de que outros equinos jovens da propriedade devem receber anti
helmínticos com eficácia mais baixa contra ascarídeos, como o fembendazol. Esse tratamento inicial pode ser seguido do uso de compostos mais eficazes.
ENTERITEJEJUNITE PROXIMAL: Essa doença pouco compreendida acomete a porção proximal do intestino delgado e tem vários nomes, inclusive enteritejejunite proximal, enterite anterior e duodenitejejunite. A enfermidade foi relatada
no sudeste e no nordeste dos EUA, na Inglaterra e na Europa. A causa é desconhecida. O intestino acometido contém lesões que variam de hiperemia à necrose e infiltração da submucosa por células inflamatórias. Comumente, notase
edema e hemorragia em diversas camadas da parede intestinal.
Graus variáveis de dor abdominal, de leve a intensa, são característicos. Quando a prevalência da enfermidade atingiu seu pico na década de 1980, foi caracterizada por grande quantidade de refluxo gástrico, progressão de dor para
depressão e distensão moderada a grave do intestino delgado, na palpação retal. Além disso, em muitos casos o duodeno distendido pode ser palpado à medida que percorre a base do ceco. Frequentemente o fluido peritoneal contém maior
concentração proteica (> 3 g/dl), com número normal de leucócitos, mas esse achado não distingue consistentemente a enfermidade de outras causas de doença de intestino delgado. Com base em relatos informais, a prevalência e a
gravidade clínica da enfermidade diminuíram na última década, ao menos em regiões do país onde a enfermidade teve um curso mais grave e foi acompanhada de alta prevalência de laminite.
O tratamento pode ser tanto clínico quanto cirúrgico. O tratamento clínico inclui descompressão gástrica contínua até que o refluxo gástrico diminua, fluido IV e analgésicos, conforme a necessidade. Muitos clínicos administram
penicilina e baixas doses de flunixino meglumina; alguns clínicos também administram neostigmina, lidocaína ou metoclopramida, para estimular a motilidade do intestino delgado. Alguns cirurgiões, particularmente no Reino Unido,
acreditam que a laparotomia exploratória com descompressão intestinal resulta em recuperação mais rápida. Na enteritejejunite proximal a taxa de sobrevivência é de 44%.
Os membros devem receber uma atenção particular, pois há relato de laminite aguda como uma complicação comum, com prevalência de cerca de 25%.
INTUSSUSCEPÇÃO: A maior parte das intussuscepções que ocorrem nos equinos é jejunojejunal, ileoileal ou ileocecal. A extensão do intestino que se invagina (o intussuscepto) no interior do segmento intestinal mais distal (o
intussuscepiente) pode variar de poucos centímetros a 1 m. Embora haja dúvida quanto à causa exata da maioria das intussuscepções, na melhor das hipóteses, têmse sugerido alterações do peristaltismo devido à enterite, traumatismos
cirúrgicos, lesão por parasitos, antihelmínticos e infecção por Anaplocephala perfoliata. Equinos com < 3 anos de idade são mais predispostos.
A dor abdominal pode ser aguda, quando há obstrução total do lúmen intestinal, ou crônica, na obstrução parcial do lúmen. Se a oclusão do lúmen intestinal for completa, o equino manifesta dor aguda e apresenta refluxo gástrico e as
alças do intestino delgado distendidas são palpáveis através do reto. Pode ser possível palpar a intussuscepção túrgida, especialmente se o íleo estiver comprometido. Como o intussuscepto estrangulado fica contido no intussuscepiente, a
contagem de leucócitos no líquido peritoneal pode não refletir o grau de lesão intestinal.
O tratamento requer cirurgia para redução da intussuscepção, se possível, seguida de ressecção e anastomose. Devido ao edema e à hemorragia na parede do intestino acometido pode ser difícil avaliar a viabilidade do tecido intestinal.
Além disso, as lesões no intussuscepto podem resultar no desenvolvimento de aderências. Se o jejuno estiver envolvido devese realizar anastomose jejunojenunal. Se a intussuscepção envolve apenas o íleo, devese resseccionar o intestino
acometido e realizar uma anastomose jejunocecal. Caso o íleo se invagine no interior do ceco devese transeccionar a porção terminal do íleo próxima ao ceco e realizar uma anastomose jejunocecal. O prognóstico quanto à sobrevivência
é favorável se a cirurgia for realizada antes que seja impossível a redução da intussuscepção. No último caso o prognóstico é reservado a desfavorável devido ao desenvolvimento de peritonite, íleo adinâmico, aderências e formação de
abscessos.
VÓLVULO: Vólvulo no intestino delgado se instala quando ele gira > 180° sobre seu eixo mesentérico. À medida que o grau de rotação aumenta, perdese o suprimento vascular ao intestino. Na maioria dos casos, a face distal do vólvulo é o
íleo, possivelmente pela sua ligação com o ceco.
Os equinos com vólvulo no intestino delgado apresentam dor aguda e aumento da frequência cardíaca, prolongamento do tempo de preenchimento capilar e refluxo gástrico. Devido à perda de líquido no interior do intestino e do
estômago, esses equinos se desidratam e apresentam aumento do VG e da concentração plasmática de proteínas. O quadro clínico pode se agravar rapidamente devido à hipovolemia e endotoxemia. A palpação retal geralmente revela alças
de intestino delgado distendidas e túrgidas e o líquido peritoneal contém maior número de leucócitos e aumento do teor de proteínas.
Anoplocephala perfoliata e impactação de íleo em equino. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.
O tratamento compreende correção cirúrgica do vólvulo mediante celiotomia na linha média ventral. Se o intestino se apresenta inviável deve ser resseccionado, realizando–se anastomose. O prognóstico quanto à sobrevivência depende
da duração da doença e da parte do intestino que foi removida. O prognóstico é favorável quando se estabelece diagnóstico precoce e cirurgia. Equinos com longo período de doença antes da cirurgia ou com íleo adinâmico e peritonite no
pósoperatório são mais sujeitos à formação de aderências. Temse sugerido que a eutanásia é justificável quando > 50% da extensão do intestino delgado necessita remoção. Entretanto, resultados de um estudo experimental em pôneis
indicou que a remoção de 70% do intestino delgado não resultou em má absorção, quando os animais foram alimentados com várias refeições (8) com ração com pequenos peletes, diariamente.
LIPOMAS PEDUNCULADOS: Cólica causada por lipomas pedunculados acomete equinos > 10 anos de idade. Os lipomas pedunculados ficam aderidos ao mesentério por uma base, ou pedículo, que se enrola ao redor de um segmento
intestinal, ocluindo o lúmen e interferindo com seu suprimento sanguíneo. Frequentemente o lipoma forma um nó com o pedículo.
Os sinais clínicos variam de depressão a dor abdominal intensa, refluxo gástrico e rápida deterioração da condição metabólica. As alças do intestino delgado distendidas são palpáveis ao exame retal; em casos especiais o lipoma também
pode ser notado através do reto. O número de leucócitos e de hemácias e a concentração de proteínas no fluido peritoneal encontramse aumentados.
O tratamento requer transecção do pedículo e, se necessário, ressecção do intestino desvitalizado. O prognóstico depende do tempo decorrido entre o início dos sinais clínicos e a cirurgia. Se esta for realizada precocemente, o prognóstico
é favorável; no entanto, se não for efetuada até se notem sinais de comprometimento cardiovascular o prognóstico quanto à sobrevivência é reservado a desfavorável.
ENCARCERAMENTO INTERNO: Os locais mais comuns de encarceramento interno são as fendas mesentéricas e o forame epiploico. As fendas mesentéricas são defeitos no mesentério do intestino delgado. O problema surge quando um
segmento do intestino delgado passa através do defeito mesentérico e o intestino fica encarcerado. Como o intestino se distende com fluido e sangue, com frequência instalase vólvulo no segmento acometido. As fendas mesentéricas são
verificadas em equinos de todas as idades.
O forame epiploico é uma abertura natural limitada pelo lobo caudal do fígado, pela veia porta e pela veia cava caudal. O jejuno distal e o íleo são as porções intestinais mais comumente encarceradas através do forame epiploico.
Embora geralmente o intestino passe da direita para a esquerda, para entrar na bursa do omento, ele pode passar em direção oposta, empurrando o omento para sua frente. Embora haja relato de que equinos com > 7 anos de idade sejam
acometidos com maior frequência, a enfermidade também se desenvolve em equinos com < 7 anos.
Os sinais clínicos podem ser vagos e semelhantes àqueles de equinos com enterite proximal ou lipoma pedunculado. O diagnóstico pode ser obtido durante a cirurgia. Além disso, em alguns casos, devido à posição do intestino acometido
dentro da bursa do omento, o líquido peritoneal disponível para análise pode permanecer normal.
O tratamento de equinos com fenda mesentérica ou encarceramento no forame epiploico é cirúrgico. Devese exteriorizar o segmento acometido, avaliar sua viabilidade e, se necessário, realizar ressecção e anastomose. O prognóstico
quanto à sobrevivência depende do tempo decorrido entre o início da enfermidade e a cirurgia. Se a cirurgia for realizada precocemente, o prognóstico é favorável. No entanto, como os sinais clínicos podem ser vagos, a decisão pela
cirurgia pode ser retardada, piorando o prognóstico.
HÉRNIA INGUINAL: Hérnias inguinais geralmente se desenvolvem em garanhões, após acasalamento, traumatismo ou exercício intenso. As hérnias parecem mais comuns em equinos das raças Marchador do Tennessee, Americano de sela e
Standardbred. Na maioria dos casos, a hérnia resulta em cólica aguda. Na maioria dos casos o intestino passa através do anel inguinal e se instala próximo ao testículo e epidídimo. O exame físico revela testículo edemaciado, firme e frio à
palpação. Se a hérnia se instalou há horas, o intestino pode ser palpado no canal inguinal. Nesse caso, podese tentar reduzir a hérnia tracionando o testículo para baixo para apertar as bordas do canal inguinal e, depois, forçar o intestino
para cima, em direção ao anel inguinal. Uma vez encarcerado, o intestino, frequentemente incluindo o íleo, tornase edemaciado e não é possível reduzir a hérnia manualmente. A palpação retal revela alças do intestino delgado distendidas,
uma delas seguindo para o anel inguinal, no lado acometido. Ocorre refluxo gástrico e a condição do equino se agrava rapidamente. O líquido peritoneal geralmente reflete o grau de isquemia.
A cirurgia envolve celiotomia na linha média ventral e acesso ao anel inguinal para reduzir a hérnia. Frequentemente, devese remover o testículo do lado acometido e seccionar o intestino comprometido. O prognóstico quanto à
sobrevivência parece depender da raça, sendo melhor em equinos Standardbred e reservado a desfavorável em cavalos Marchadores do Tennessee. Possivelmente, isso reflete o fato de que muitos garanhões Marchadores do Tennessee com
hérnia inguinal manifesta discretos sinais de dor.
Intestino Grosso e Ceco
IMPACTAÇÃO: Os locais mais comuns de impactação são flexura pélvica do cólon esquerdo, junção do cólon dorsal direito com o cólon transverso e base e corpo do ceco. A flexura pélvica e o cólon transverso são anatomicamente
predispostos à obstrução devido às diferenças marcantes de tamanho. Não se conhece a causa primária de impactação do ceco, mas aventase a possibilidade de que a atividade muscular do ceco é anormal nos equinos acometidos. Outros
fatores predisponentes incluem alimentos demasiadamente grosseiros, dentes lesionados ou mal cuidados e consumo insuficiente de água. Em uma pesquisa clínica, dentre os equinos com impactação de ceco, os animais das raças Apaloosa,
Árabe e Morgan apresentaram maior prevalência; ademais, temse proposto que a enfermidade se instala secundariamente à infestação pela tênia Anaplocephala perfoliata. As impactações também podem ser secundárias a outras
enteropatias e podem estar associadas a internação prolongada. Em consequência, devese avaliar a produção de fezes de equinos que estão sendo tratados para outras anormalidades, em protocolos de rotina. Isto é especialmente importante
em equinos tratados diariamente com AINE.
Equinos com impactação simples de ceco ou cólon maior exibem sinais de cólica intermitentes e discretos e há mínima evidência de comprometimento sistêmico, exceto quando a impactação tem um curso prolongado. Em geral, a
frequência cardíaca aumenta apenas ligeiramente. Os ruídos intestinais são comumente audíveis à auscultação abdominal e podem estar associados ao início da dor à medida que a porção acometida do intestino contrai devido à obstrução.
O diagnóstico se baseia na palpação retal. Embora se considere a flexura pélvica do cólon maior como o local mais comum de obstrução, a ingesta impactada, na verdade, preenche boa parte ou todo o cólon ventral esquerdo. A massa
impactada pode ser sentida estendendo a palpação cranialmente no abdome e o segmento intestinal acometido é notado pela palpação das faixas longitudinais na superfície do cólon ventral. A detecção de impactação de ceco é relativamente
fácil, pois a massa instalase na região paralombar direita. O ceco pode ser detectado definitivamente mediante palpação da faixa cecal ventral tensa e da gordura e dos vasos sanguíneos que recobrem a faixa cecal medial. A análise do
fluido peritoneal pode ser normal ou a concentração de proteína total pode aumentar à medida que o curso da doença se prolonga.
Impactação de ceco tende a ser a principal causa de cólica em equinos com > 8 anos de idade. Alternativamente, podese observar impactação em equinos internados por outras razões e nesses casos estas estão, com frequência,
associadas a ruptura abrupta do ceco. Consequentemente há certa controvérsia quanto ao melhor método de tratamento. Como em alguns estudos o tratamento medicamentoso não foi bemsucedido em 50% dos casos, recomendase,
principalmente, a remoção cirúrgica da massa da impactação, seguida de ileocolostomia. Outros veterinários relatam bons resultados com tratamento clínico agressivo, particularmente se a dor abdominal associada à impactação do ceco é a
principal razão que o equino foi levado à consulta veterinária.
Locais mais comuns de impactação em equinos: ceco e intestino grosso (os pontos maiores indicam os locais de impactação mais frequentes nesta região). Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.
O tratamento clínico de equinos com impactação de ceco ou de cólon maior envolve a administração de analgésicos, quando necessários, grande volume de fluido IV balanceado e administração intragástrica de óleo mineral ou de
sulfossuccinato sódico de dioctila e água. Devemse restringir os alimentos até que a impactação seja desfeita. Muitos veterinários consideram a fluidoterapia agressiva como principal parte do tratamento. São administradas soluções
eletrolíticas balanceadas para induzir a transferência de fluido do plasma para o lúmen intestinal. Essa forma de tratamento pode requerer > 50L de fluido/dia, para um equino de 450 kg, até que a impactação se resolva. Recentemente,
aumentouse o emprego de fluidoterapia enteral no tratamento de equinos com impactação, principalmente porque é significativamente mais barata do que a fluidoterapia IV. Os resultados clínicos com fluidoterapia enteral têm sido
benéficos e dados de trabalhos experimentais em equinos saudáveis têm mostrado que é mais efetiva do que a fluidoterapia IV em promover hidratação do conteúdo do cólon.
Se a impactação de cólon maior não se resolve com o tratamento clínico, podese realizar cirurgia. Geralmente, a impactação envolve celiotomia na linha média ventral, com a porção do cólon acometida suavemente exteriorizada e
posicionada em uma bandeja estéril. Devese, então, efetuar enterotomia na flexura pélvica e remover o conteúdo do cólon.
A cirurgia para tratamento de impactação de ceco requer anestesia geral, celiotomia na linha média ventral, isolamento do ceco no local da celiotomia e remoção do conteúdo cecal por meio de enterotomia. Como ocorre recidiva da
impactação após o simples esvaziamento, o ceco é desviado mediante ileocolostomia.
O prognóstico de impactação que envolve o cólon maior é excelente, com taxa de sobrevivência > 95%. Ao contrário, na impactação de ceco a taxa de sobrevivência situase ao redor de 50 a 55%, o que pode refletir o prognóstico
desfavorável das impactações de ceco que se desenvolvem em equinos hospitalizados.
Em algumas áreas geográficas, o material envolvido pode ser areia, especialmente quando há quantidade insuficiente de capim no pasto e os equinos ingerem solo. A areia se acumula no cólon dorsal direito e no cólon transverso. Podem
ocorrer sinais intermitentes de dor abdominal devido ao peso da areia no intestino. Há sinais de dor mais intensa quando a impactação oclui o cólon transverso. Neste caso, o cólon proximal à obstrução se distende com gás e o equino pode
sentir dor extrema. Pode não ser possível distinguir essa enfermidade de deslocamento ou vólvulo intestinal. A areia também pode ser notada nas fezes, misturando o material fecal com água em uma luva de borracha utilizada em palpação
retal.
O tratamento de impactação por areia pode ser tanto clínico quanto cirúrgico. O tratamento clínico geralmente envolve a administração intragástrica de psílio (400 g/500 kg de peso corporal, diariamente, por 7 dias) para eliminar a areia
do lúmen. Os flocos de psílio são adicionados a 7,5 L de água morna e bombeados rapidamente para o interior do estômago. Esse tratamento é acompanhado da administração de analgésicos, quando necessários, e fluido IV para estimular a
transferência do fluido para o interior do lúmen intestinal.
Se a areia causa obstrução completa do cólon transverso, é preciso cirurgia, mediante celiotomia na linha média ventral. O cólon esquerdo é exteriorizado em uma bandeja estéril e a areia é removida por enterotomia. Geralmente o
prognóstico é favorável. Às vezes, ocorrem problemas durante a cirurgia se o cólon foi lesionado devido ao peso da areia ou durante a remoção da areia do intestino ver p. 309).
ENTEROLITÍASE: Os enterólitos são concreções compostas por cristais de fosfato de amôniomagnésio ao redor de um núcleo (p. ex., arame, pedra ou prego). Os enterólitos podem ser individuais ou em grupos e são encontrados
comumente em equinos em algumas regiões dos EUA, incluindo o sudoeste e os estados da Califórnia, Indiana e Flórida. Enterolitíase afeta equinos da raça Árabe, mas o fato destes equinos serem extremamente populares nas áreas
mencionadas causa confusão quanto à predileção racial. A maioria dos equinos com enterólitos tem cerca de 10 anos de idade; a enterolitíase ocorre raramente em equinos < 4 anos de idade. Embora nem todos os fatores que contribuam
para a formação de enterólitos tenham sido identificados, resultados de estudos clínicos indicam que o conteúdo do cólon maior de equinos com enterólitos possui concentrações de minerais (magnésio, cálcio e fósforo) e pH mais elevados
do que o conteúdo em equinos com cólica não decorrente de enterólitos. O fator comum associado à enterolitíase é consumo de feno de alfafa, que resulta em pH mais elevado e aumento nas concentrações de cálcio, magnésio e enxofre no
cólon maior.
Muitos equinos com enterolitíase têm histórico de cólicas recidivantes, possivelmente indicando que o(s) enterólito(s) causou(aram) obstrução parcial ou temporária do lúmen do cólon. Se o enterólito se aloja no início do cólon
transverso, o cólon proximal à obstrução se distende com gás e a dor é intensa. A distensão abdominal pode ser acentuada. As frequências cardíaca e respiratória aumentam e as membranas mucosas podem se tornar pálidas ou róseas. Em
geral, é evidente a distensão de cólon e ceco à palpação retal, mas a massa raramente é palpável porque o cólon transverso é cranial à artéria mesentérica cranial. A análise do líquido peritoneal geralmente indica resultados dentro dos
limites normais, a menos que tenha havido isquemia de parede do cólon no local de alojamento do enterólito. Nas áreas onde o problema é endêmico podese utilizar radiografia para identificar os enterólitos.
O tratamento envolve cirurgia, mediante celiotomia na linha média ventral, para descomprimir o cólon e o ceco e, em seguida, para remover o(s) enterólito(s). Devese exteriorizar a porção esquerda do cólon maior e posicionála em uma
bandeja estéril; removese a ingesta por meio de enterotomia e depois fazse a remoção do(s) enterólito(s). Se o cálculo apresenta um lado achatado ou em forma poliédrica devese investigar o restante do cólon maior e do cólon menor
verificando se há outros cálculos. O prognóstico é excelente; clínicos que atuam em áreas endêmicas relatam taxa de sobrevivência de 95%.
DESLOCAMENTO DORSAL À ESQUERDA: O deslocamento dorsal esquerdo do cólon ocorre quando a flexura pélvica ou todo o cólon esquerdo se desloca sobre o ligamento nefroesplênico. Como esse ligamento é livre na face mais dorsal do
baço, há uma fenda natural entre o baço e o rim esquerdo. Embora equinos de todas as faixas etárias, machos ou fêmeas, sejam acometidos igualmente, resultados de um estudo clínico indicaram que o deslocamento é comum em equinos
jovens.
Deslocamento dorsal do cólon à esquerda (encarceramento nefroesplênico) em equino; vista dorsal. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.
Como o deslocamento dorsal esquerdo resulta em obstrução simples do cólon no local em que cruza o ligamento, a enfermidade geralmente está associada a dor abdominal moderada ou curso prolongado de episódios intermitentes de
dor. As membranas mucosas permanecem normais e a frequência cardíaca aumenta ligeiramente. Normalmente o diagnóstico se baseia no exame retal (palpação da flexura pélvica sobre o ligamento, palpação das faixas do cólon ventral
esquerdo que correm dorsocranialmente até o rim esquerdo e detecção de que o baço se encontra deslocado em direção ao meio do abdome). A enfermidade também pode ser detectada utilizandose ultrassonografia. Paracentese poderá
revelar sangue na amostra, se o baço se encontra deslocado para a linha média.
Utilizamse quatro formas de tratamento: 1) suspensão do alimento para determinar se o esvaziamento do conteúdo intestinal permite que o cólon retorne à posição normal, 2) rolamento do equino para desalojar o cólon do ligamento, 3)
administração de fenilefrina e/ou submeter o animal ao trote para induzir contração esplênica e correção do deslocamento, ou 4) realização de cirurgia para retornar o cólon à sua posição correta. O procedimento de rolamento envolve
anestesia de curta duração (geralmente xilazina ou detomidina e cetamina), elevação dos membros pélvicos e rolamento do equino em 360°. A intervenção cirúrgica deve envolver celiotomia na linha média ventral. A vantagem do
procedimento cirúrgico é que se consegue avaliar a viabilidade do cólon. Em geral, o prognóstico é favorável; a maioria dos estudos relata taxa de sobrevivência > 80%.
DESLOCAMENTO DORSAL À DIREITA: O cólon esquerdo se desloca lateralmente ao redor da base do ceco e situase entre o ceco e a parede corporal direita. Na forma mais comum desse deslocamento, a flexura pélvica termina posicionada
próxima ao diafragma. Em muitos casos, o deslocamento pode ser complicado pela torção do cólon próximo à base do ceco. Embora possa haver certa interferência na drenagem venosa do cólon acometido, geralmente o suprimento arterial
permanece normal.
A maioria dos equinos com deslocamento dorsal direito exibe graus moderados de dor e lento desenvolvimento de comprometimento sistêmico. No entanto, em alguns casos, a dor pode ser intensa. A palpação retal pode revelar que a
tênia do cólon passa transversalmente pela entrada pélvica. Pode não ser possível palpar a faixa do ceco ventral no exame retal. Alguns equinos com esta enfermidade apresentam refluxo gástrico, possivelmente devido à obstrução do
duodeno.
Deslocamento dorsal do cólon à direita, com flexão e torção, em equino; vista dorsal. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.
Alguns equinos acometidos parecem ser estáveis e podem manifestar sintomas intermitentes compatíveis com dor abdominal leve. O tratamento pode ser conservador, envolvendo atenção às necessidades de fluido e administração de
analgésicos leves. Entretanto, em equinos com dor devese realizada cirurgia para localizar a flexura pélvica, exteriorizar e descomprimir a porção esquerda do cólon, se possível, e depois reposicionar o cólon na sua posição normal por
meio da sua rotação ao redor da base do ceco. Devese identificar e corrigir a torção do cólon. O prognóstico quanto à sobrevivência é favorável, desde que não ocorra lesão da parede do órgão durante a cirurgia.
COLITE DORSAL DIREITA: A colite dorsal direita tem sido relatada com frequência cada vez maior nos últimos anos, particularmente, mas não restrita, em equinos que recebem altas doses AINE. Como a enfermidade tem sido diagnosticada
em equinos que recebem doses recomendadas destes fármacos, parece que alguns animais são particularmente sensíveis aos seus efeitos tóxicos. O fármaco mais comumente associado à colite dorsal direita é a fenilbutazona, mas isto pode
refletir o uso comum e muitas vezes prolongado deste fármaco. As lesões mais frequentemente observadas em equinos com colite dorsal direita são úlcera e espessamento e/ou fibrose da parede do cólon dorsal direito.
Equinos geralmente apresentam dor abdominal, anorexia e letargia. Em muitos casos os sinais são compatíveis com dor abdominal intensa, febre, endotoxemia e diarreia. Equinos com a forma mais crônica da doença apresentam dor
abdominal intermitente, perda de peso, letargia e anorexia. Em muitos casos, hipoproteinemia é um achado laboratorial comum e pode causar edema ventral em alguns animais com a forma crônica da doença. O diagnóstico geralmente
baseiase na anamnese, nos sinais clínicos e nos achados hematológicos. Em alguns casos a avaliação ultrassonográfica do cólon, entre o 12o e o 15o espaço intercostal, pode evidenciar espessamento marcante da parede do cólon.
O tratamento dos equinos acometidos envolve a suspensão do uso de AINE, repouso e mudança da dieta para uma ração completa peletizada que contenha = 30% de fibra. Alguns veterinários recomendam fornecimento de diversas
refeições, em pequenas quantidades, ao longo do dia; outros indicam o uso de psílio para promover a cicatrização da mucosa; alguns administram sucralfato ou metronidazol. Equinos com dor incontrolável podem necessitar cirurgia para
resseccionar ou deslocar a porção acometida do cólon dorsal direito. O prognóstico para equinos com colite dorsal direita é reservado.
VÓLVULO DO CÓLON MAIOR: Embora o termo “torção” seja utilizado há anos para indicar que o cólon torceu em si mesmo, o envolvimento do mesentério, entre os cólons ventral e dorsal, indica que a enfermidade tratase de vólvulo.
Quando se instala no local mais comum de ocorrência de vólvulo (a junção entre o cólon ventral direito e o ceco), o vólvulo se desenvolve mais frequentemente no sentido horário; o ceco pode ou não estar envolvido. Se o vólvulo
apresentar < 270° pode ocorrer obstrução intestinal, sem isquemia. Se for > 360°, ocorre obstrução estrangulante de todo o cólon esquerdo.
O início da cólica é súbito e o grau de dor pode ser leve a moderado, se o vólvulo resultar apenas em obstrução intestinal. Quando a torção é mais extensa, a dor é intensa e o equino pode não responder aos analgésicos. O cólon aumenta
de volume em demasia e o mesentério, entre os cólons dorsal e ventral, se mostra edemaciado ao exame retal. A frequência cardíaca aumenta, a condição clínica do equino se agrava rapidamente e instalase perfusão periférica deficiente. A
distensão abdominal é marcante. Geralmente há uma baixa relação entre os resultados da análise do líquido peritoneal e o grau de envolvimento do cólon.
Embora a causa do vólvulo de cólon permaneça desconhecida, presumese que está associado a uma quantidade desproporcional de gás no órgão. Em haras de éguas reprodutoras, a enfermidade está frequentemente associada a parição
recente (dentro de 90 dias) ou iminente e dieta com capim ou alimentos altamente fermentáveis. A presença de um potro ao lado da égua (história recente de parto) é um fator de risco adicional.
O tratamento de vólvulo de cólon requer cirurgia para sua correção e para a remoção do intestino acometido, se necessário. Embora a técnica de remoção de 90% do cólon tenha sido aperfeiçoada em equinos saudáveis, podese encontrar
dificuldade extrema se o cólon estiver edemaciado. Como em alguns estudos clínicos a taxa de recidiva foi estimada como sendo tão alta quanto 20%, têmse instituído procedimentos de colopexia para reduzir o risco de recidiva da
enfermidade em éguas reprodutoras. Embora os resultados de um estudo envolvendo vários hospitais universitários tenham mencionado taxa de sobrevivência de 27%, clínicas localizadas próximas a haras de éguas reprodutoras indicam
que é comum taxa de sobrevivência > 85%.
IMPACTAÇÃO E OBSTRUÇÃO POR CORPO ESTRANHO DO CÓLON DESCENDENTE: As anormalidades que comprometem o cólon descendente (menor) são raras e, em um estudo, representaram < 5% das enfermidades caracterizadas por cólica. As
causas mais comuns incluem retenção de mecônio, impactação e obstrução por corpo estranho. A retenção de mecônio é observada em potros machos recémnascidos, nas primeiras 24 h de vida. Os potros acometidos balançam a cauda
para os lados, se esforçam para defecar e rolam pelo chão. O diagnóstico é obtido por meio de toque retal cuidadoso. O tratamento envolve a administração lenta de enema com água morna e sabão. O prognóstico é excelente.
A impactação do cólon descendente acomete pôneis, equinos anões e equinos adultos com acesso restrito à água ou com outras causas de estase intestinal. Mais recentemente, a enfermidade foi associada a salmonelose, embora ainda não
se tenha comprovado uma relação de causa e efeito. A dor pode ser intensa na obstrução completa. Em tais casos ocorre, secundariamente, timpanismo do cólon, que resulta em íleo adinâmico. Nos equinos adultos, o diagnóstico se baseia
na palpação da massa obstrutiva na porção ventral do abdome, no exame retal. Devese considerar obstrução por corpo estranho no cólon descendente se o equino tiver < 3 anos de idade; o material da obstrução pode ser de cerca de
borracha ou fibras de náilon de cabrestos ou de rédeas, redes de feno ou sacos de alimentos. Os equinos com impactação podem ser tratados clinicamente com analgésicos, fluido IV e enemas leves. No entanto, frequentemente, há
necessidade de cirurgia para esvaziar o cólon devido à intensidade da dor e da distensão por gás. O prognóstico de impactação do cólon descendente é reservado, a menos que seja complicada por colite grave após remoção da obstrução. O
prognóstico de obstrução por corpo estranho é favorável.
DOENÇAS HEPÁTICAS EM GRANDES ANIMAIS
A doença hepática é comum em grandes animais. Os aumentos nas atividades séricas das enzimas hepáticas e da concentração total de ácidos biliares podem indicar disfunção, lesão, doença ou insuficiência hepáticas. Embora a doença
hepática seja especialmente comum em equinos e potros, sua progressão para insuficiência hepática é incomum.
As doenças que resultam, frequentemente, em insuficiência hepática nos equinos incluem doença de Theiler, doença de Tyzzer (nos potros), intoxicação por alcaloide pirrolizidínico, lipidose hepática, colangite supurativa ou
colangioepatite, colelitíase e hepatite ativa crônica. Doenças obstrutivas (cálculos biliares, deslocamento do cólon dorsal direito, neoplasia, úlcera e estenose duodenais, torsão hepática, trombose da veia porta), aflatoxicose,
leucoencefalomalacia, doença pancreática, intoxicação por capim macaricam ou trevo híbrido, shunt portocaval, abscesso hepático, neoplasia hepática e infecção perinatal por herpesvírus tipo I resultam, esporadicamente, em insuficiência
hepática. Menos frequentemente, a insuficiência hepática está associada à endotoxemia, administração de esteroides, anestesia inalante, doença granulomatosa sistêmica, amiloidose induzida por medicamento, hiperamonemia em potros
Morgan, lesão parasitária, intoxicação por ferro ou isoeritrólise neonatal.
Nos ruminantes, a doença hepatobiliar está associada à lipidose hepática, abscessos hepáticos, endotoxemia, alcaloide pirrolizidínico e outras plantas tóxicas, determinadas doenças clostridiais, fascíolas hepáticas, micotoxicose e
intoxicação por minerais (cobre, ferro e zinco) ou deficiência de minerais (cobalto). Deficiência de vitamina E ou de selênio (hepatose dietética), aflatoxicose, migração de ascarídeos, hepatite bacteriana e ingestão de substâncias tóxicas (p.
ex., alcatrão de hulha, cianamida, algas verdeazuladas, plantas e gossipol) estão associadas à lesão hepática em suínos.
Embora a exata prevalência de doença hepática em camelídeos (lhamas, alpacas) seja desconhecida, parece ser comum na América do Norte. Lipidose hepática (sendo a forma secundária mais frequente que a primária) é relatada como a
doença hepática mais comum em lhamas e alpacas, ocorrendo tanto em crias quanto em adultos. Colangioepatite bacteriana (Salmonella spp, Escherichia coli, Listeria ssp, Clostridium ssp), hepatite e pneumonia por adenovírus, hepatite
fúngica (coccidioidomicose), hepatopatia tóxica (cobre), necrose hepática induzida por halotano, neoplasia hepática (linfossarcoma, hemangiossarcoma, adenoma) e infestação por fascíola hepática também foram observadas em
camelídeos.
O fígado pode responder a um insulto apenas em número limitado de casos. A infiltração gordurosa no fígado pode ser uma alteração inicial e frequentemente reversível. A hiperplasia biliar também é reversível, se o insulto é logo
removido. A necrose de hepatócitos indica lesões mais recentes. As células mortas são removidas por um processo inflamatório e substituídas por hepatócitos novos ou fibrose. A menos que a disfunção seja aguda e a regeneração
hepatocelular tornese evidente, o prognóstico dos animais com insuficiência hepática é desfavorável. A fibrose hepática inicial pode ser reversível, se há reconhecimento e intervenção imediatos. A doença crônica com extensa perda de
parênquima hepático e fibrose, especialmente com desvios portais, justificam um pobre prognóstico.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos de doença hepática podem não se tornar evidentes até > 60 a 80% do parênquima hepático se encontrar afuncional ou quando a disfunção hepática é secundária a uma doença em outro sistema
orgânico. Os sinais clínicos podem variar com o curso da doença (agudo ou crônico), sítio primário da lesão (hepatocelular, biliar), e etiologia específica. O aparecimento dos sinais de encefalopatia hepática e insuficiência hepática é,
frequentemente, agudo independente de a doença hepática ser aguda ou crônica. Os sinais clínicos e a gravidade da enfermidade hepática refletem o grau de comprometimento de uma ou mais funções vitais do fígado, inclusive regulação da
glicemia, metabolismo de gorduras, produção de fatores de coagulação, de albumina, de fibrinogênio, de aminoácidos não essenciais e de proteínas plasmáticas, formação e excreção de bile, metabolismo da bilirrubina e de colesterol,
conversão de amônia em ureia, metabolismo de polipeptídios e de hormônios esteroides, síntese de 25hidroxicolecalciferol e metabolismo e/ou desintoxicação de várias drogas e toxinas.
Icterícia, perda de peso ou comportamento anormal são comuns em equinos com doença ou insuficiência hepática. Muitas vezes, os sinais neurológicos são iniciais e predominantes em equinos com insuficiência hepática aguda, enquanto
perda de peso é um sinal predominante em muitos, mas não em todos, equinos com doença ou insuficiência hepática crônica. Fotossensibilização, e menos comumente, paralisia bilateral da faringe causando estridor inspiratório, diarreia ou
constipação intestinal podem estar presentes. Os bovinos acometidos geralmente manifestam inapetência, diminuição na produção de leite e perda de peso. Tenesmo e ascite são observados em bovinos, mas não são comumente notados nos
equinos acometidos. Perda de peso pode ser o único sinal associado aos abscessos hepáticos. A icterícia, embora mais marcante quando o sistema biliar está doente, é também comum em equinos com insuficiência hepática aguda. Encontra
se mais variavelmente presente em equinos com insuficiência hepática crônica ou nos ruminantes. A hiperbilirrubinemia por jejum é a causa de icterícia mais comum nos equinos e não está associada à doença hepática. Ocasionalmente,
podese observar uma hiperbilirrubinemia persistente (principalmente bilirrubina indireta ou não conjugada) nos equinos saudáveis (especialmente em animais PuroSangue), sem evidência de hemólise ou hepatopatia. Nos ruminantes,
a icterícia ocorre mais comumente por hemólise e envolve, principalmente, aumentos na bilirrubina indireta. A hiperbilirrubinemia causada por afecções biliares obstrutivas é rara nos caprinos e ovinos.
A encefalopatia hepática está associada a alterações comportamentais em equinos, ruminantes e suínos. A gravidade da encefalopatia hepática frequentemente reflete o grau de insuficiência hepática, mas não diferencia a insuficiência
hepática aguda da crônica. Os sinais de encefalopatia hepática variam de depressão e letargia inespecíficas ao ato de pressionar a cabeça contra um obstáculo, andar em círculos, marcha errante, disfagia, ataxia, dismetria, bocejo persistente,
afabilidade aumentada, agressividade, estupor, convulsões e coma. Há colapso de faringe ou de laringe com estertores inspiratórios ruidosos e a dispneia ocorre em alguns casos de insuficiência hepática, especialmente nos pôneis.
Desconhecese a patogênese da encefalopatia hepática, mas as teorias propostas incluem a amônia como uma neurotoxina, alterações na neurotransmissão monoamínica (serotonina e triptofano) ou nos neurotransmissores catecolamínicos,
desequilíbrio entre os aminoácidos aromáticos e os de cadeia curta ramificada resultando no aumento de neurotransmissores inibitórios (ácido ?aminobutírico e Lglutamato), neuroinibição pelo aumento nos teores cerebrais de substâncias
semelhantes às benzodiazepinas endógenas, aumento da permeabilidade da barreira hematencefálica e prejuízos ao metabolismo energético do SNC. Embora os sinais possam ser dramáticos, a encefalopatia hepática é potencialmente
reversível se a doença hepática primária puder ser resolvida.
A fotossensibilização, que pode ocorrer na insuficiência hepática aguda ou crônica, deve ser diferenciada da fotossensibilização primária (p. 1044). A fotossensibilização hepatógena acontece quando a função hepática comprometida
resulta em acúmulo de filoeritrina, um metabólito fotodinâmico da clorofila, na pele. A filoeritrina na pele é ativada pela luz ultravioleta e libera energia, causando inflamação e lesão cutânea. Os sinais de fotossensibilização são variados,
mas incluem inquietação, dor, prurido, dermatite discreta a grave com eritema, edema subcutâneo extenso, úlcera e desprendimento cutâneo e oftalmia com lacrimejamento, fotofobia e opacidade de córnea. Dermatite e edema são
particularmente evidentes nas áreas corporais não pigmentadas, de coloração clara ou sem pelos e nos locais expostos ao sol. As áreas de junções mucocutâneas e de pelos brancos são os locais mais comuns de fotossensibilização em
bovinos. Ocasionalmente, a parte inferior da língua pode ser acometida. Cegueira, piodermatite, perda da condição corporal e, às vezes, morte são sequelas possíveis. O prurido pode resultar da fotossensibilização ou da deposição de sais
biliares na pele, secundária a alterações na excreção hepática.
Diarreia ou constipação intestinal podem ser observadas nos animais com doença hepática. A diarreia é mais observada em bovinos do que nos equinos com hepatopatia crônica ou em animais com fasciolose crônica e intoxicação por
plantas hepatotóxicas. Pôneis e equinos com hiperlipemia e insuficiência hepática podem desenvolver diarreia, laminite e edema ventral. Alguns animais com doença hepática apresentam diarreia e constipação intestinal intercaladas. Os
equinos com insuficiência hepática e encefalopatia hepática desenvolvem, frequentemente, impactação do cólon devido ao menor consumo de água. A constipação intestinal é característica da intoxicação por Lantana em caprinos e outros
ruminantes.
Cólica recidivante, febre intermitente, icterícia, perda de peso e encefalopatia hepática podem ser observadas nos equinos com colelitíases que obstruem o ducto biliar comum. As hepatopatias infecciosas ou inflamatórias ou a falha do
fígado em evitar que uma endotoxina entre na circulação sistêmica também podem resultar em febre intermitente e cólica. A dor abdominal pode advir de uma pressão na cápsula hepática decorrente de edema no parênquima, observada em
animais com hepatite difusa aguda ou traumatismo na própria cápsula. Os animais acometidos podem ficar com o dorso arqueado, relutar em se mover ou exibir sinais de cólica. Nos ruminantes, a dor pode ser localizada, no fígado, pela
palpação acima da face ventrolateral anterior do abdome ou nas últimas costelas no lado direito. Em alguns ruminantes com hepatopatia, observase tenesmo seguido de prolapso retal. Este pode estar associado à diarreia, encefalopatia
hepática ou edema intestinal decorrente de hipertensão portal.
A hipoalbuminemia não está frequentemente associada à hepatopatia, nos equinos, tal como se pensava anteriormente. Devido à longa meiavida (cerca de 19 a 20 dias nos equinos, cerca de 16 dias em bovinos) e reserva hepática de
albumina produzida, a hipoalbuminemia é, em geral, um evento muito tardio no processo da doença. Concentrações séricas de proteína total podem estar normais ou elevadas por um aumento nas βglobulinas em equinos com hepatopatia.
Hipoalbuminemia e hipoproteinemia ocorrem mais na hepatopatia crônica, e são achados comuns em lhamas com doença hepática. Podem acarretar ascite generalizada ou edemadependente. A ascite está relacionada com hipertensão
portal causada por um bloqueio venoso e aumento na pressão hidrostática e por derrame proteico na cavidade peritoneal. O fluido abdominal presente em hepatopatias é, geralmente, um transudato modificado. A hipoalbuminemia pode
agravar a ascite, mas se ocorre sozinha, provavelmente causa edema submandibular, na região peitoral ou na região ventral. A ascite é difícil de ser percebida em equinos e bovinos adultos, a menos que seja extensa. Ascite é um achado
comum em bezerros com cirrose hepática.
Anemia pode ser observada nos animais com disfunção hepática devido a doenças parasitárias, intoxicação crônica por cobre (em ruminantes), algumas intoxicações por plantas ou doença inflamatória crônica. A anemia na fasciolose
aguda provém de intensa hemorragia na cavidade peritoneal, à medida que as larvas penetram na cápsula hepática. O traumatismo e a atividade alimentar das fascíolas adultas dentro dos ductos biliares causam anemia e hipoproteinemia nos
animais com fasciolose crônica. Doença inflamatória crônica (p. ex., abscesso hepático e neoplasia) pode causar anemia sem hipoproteinemia concomitante.
Os sinais clínicos de insuficiência hepática grave ou terminal incluem coagulopatias e hemorragias por diminuição da produção dos fatores de coagulação, pelo fígado, e possivelmente maior demanda na sepse ou inflamação. Um tempo
de protrombina prolongado é, geralmente, observado inicialmente, pois o fator VII apresenta meiavida plasmática mais curta. Os equinos podem desenvolver uma crise hemolítica terminal causada por aumento na fragilidade eritrocitária.
Isso ainda não foi descrito nos ruminantes.
A coloração das fezes raramente se altera nos herbívoros adultos com hepatopatias. Nos ruminantes jovens e nos animais monogástricos, a colestase pode resultar em evacuação de fezes mais claras, em virtude da perda de estercobilina,
um metabólito da bilirrubina.
Doença hepática deve sempre ser considerada quando se encontram presentes sinais clínicos inespecíficos como depressão, perda de peso, febre intermitente e cólica recidivante, sem uma causa aparente. A diferenciação entre hepatite
aguda e crônica ou insuficiência hepática, baseada na duração dos sinais clínicos antes da sua apresentação, pode ser enganosa, pois o processo patológico geralmente está avançado antes mesmo dos sinais clínicos ficarem evidentes. Sinais
vagos iniciais de depressão e diminuição do apetite podem ser negligenciados. É necessária biopsia hepática para determinar o tipo de doença, o grau de fibrose hepática e a capacidade de regeneração do parênquima hepático, a fim de
estabelecer um plano terapêutico e definir um prognóstico acurado.
ANÁLISES LABORATORIAIS: Os testes laboratoriais frequentemente detectam doença ou disfunção hepática antes de se instalar a insuficiência hepática. Os testes bioquímicos rotineiros, como atividades séricas enzimas hepáticas, são
indicadores sensíveis de doença hepática, mas não avaliam a função hepática. Os testes bioquímicos dinâmicos que determinam a depuração hepática fornecem informações quantitativas sobre a função hepática. Os testes de função hepática
são úteis no diagnóstico e no prognóstico e como guia para a modificação do protocolo terapêutico.
Atividades Séricas de Enzimas Hepáticas: As atividades séricas de enzimas hepáticas específicas são, em geral, mais elevadas na hepatopatia aguda do que na doença hepática crônica. Podem estar dentro dos limites normais nos estágios tardios da
hepatopatia subaguda ou crônica. A magnitude dos aumentos das enzimas hepáticas (especialmente de gamaglutamiltransferase) não deve ser utilizada para determinar o prognóstico. As enzimas hepáticas são úteis para indicar a presença
da doença, mas não do grau de disfunção hepática. É fundamental uma interpretação cuidadosa dos valores laboratoriais, juntamente com os achados clínicos.
Mensurações séricas sequenciais de gamaglutamiltransferase (GGT), sorbitol desidrogenase (SDH; também conhecida como iditol desidrogenase, IDH), AST, bilirrubina e ácidos biliares são comumente utilizadas para avaliar disfunção
ou doença hepática em grandes animais. As concentrações séricas de GGT, bilirrubina e ácidos biliares totais e a depuração de sulfobromoftaleína (BSP®) não são indicadores sensíveis de hepatopatia em bezerros jovens. Embora a enzima
GGT esteja principalmente associada a membranas microssomais do epitélio biliar, também está presente nas superfícies dos canalículos dos hepatócitos, pâncreas, rins e úbere. Devido a excreção de GGT pela urina e pelo leite e pela rara
ocorrência de pancreatite em grandes animais, um aumento na atividade sérica de GGT indica, mais comumente, doença hepática ou de ducto biliar. Alguns clínicos consideram a GGT o único teste de maior sensibilidade para diagnóstico
de hepatopatia em grandes animais adultos. O aumento de GGT é mais evidente na doença biliar obstrutiva. Nos equinos com doença hepática aguda, a GGT pode continuar a aumentar por 7 a 14 dias, apesar da melhora clínica e do retorno
dos outros testes laboratoriais aos valores normais. Declaradamente, a atividade sérica de GGT se eleva poucos dias após a lesão hepática e permanece alta até a fase terminal. Fibrose hepática crônica é a única hepatopatia na qual um
aumento anormal de GGT pode não ser notado. Os potros neonatos e os equinos jovens, especialmente aqueles que estavam sob treinamento, podem exibir aumento inespecífico de GGT, não associado à hepatopatia, ou outros aumentos de
enzimas hepáticas ou da concentração sérica de ácidos biliares. GGT tem pouco valor no diagnóstico de doenças hepáticas em bezerros ou cordeiros neonatos, pois está presente no colostro e no leite. A atividade de GGT também pode
aumentar no caso de deslocamento do cólon ou administração de medicamentos (p. ex., corticosteroides, rifampicina, benzimidazóis e antihelmínticos). As atividades de algumas enzimas oriundas do fígado se elevam em bezerros (GGT,
fosfatase alcalina [ALP], glutamato desidrogenase, lactato desidrogenase) e em potros jovens (ALP, GGT, SDH, AST) porque estão transitoriamente elevadas ou provêm de outras fontes extrahepáticas. Em caprinos, as atividades séricas
das enzimas hepáticas também variam em função de idade, raça e sexo. Os valores de referência devem ser compatíveis com a espécie e a faixa etária em questão.
SDH, arginase, ornitina carbamoiltransferase (OCT), AST, isoenzima 5lactato–desidrogenase (LDH5), glutamatodesidrogenase (GLDH) e ALP também são utilizadas para avaliar disfunção e doenças do fígado. Arginase, SDH e OCT
são enzimas hepatoespecíficas em equinos, na maioria dos ruminantes e em suínos. SDH é mais utilizada na doença hepatocelular ativa, com aumentos marcantes na atividade enzimática após lesão hepatocelular. Discretos aumentos de
SDH também podem ocorrer nos casos de lesões gastrintestinais obstrutivas, endotoxemia, anoxia decorrente de choque, anemia aguda, hipertermia e anestesia. SDH e LDH5, devido à meiavida curta, são mais úteis para avaliação da
progressão ou da resolução de uma lesão hepática. Ambas as enzimas geralmente retornam a valores próximos ao normal 4 dias após a lesão hepática, e nenhuma delas aumenta nas doenças hepáticas crônicas. Raramente, nos casos graves
de insuficiência hepática, a SDH pode retornar ao normal, apesar da condição fatal. Arginase e GLDH são consideradas específicas para doença hepática aguda, pois ambas apresentam altas concentrações no tecido hepático e meiavida
curta no sangue. AST é altamente sensível para hepatopatias, mas carece de especificidade, pois altas concentrações provêm tanto do fígado quanto do músculo esquelético. Outras fontes de AST incluem músculo cardíaco, eritrócitos,
células intestinais e rins. Quando se mensura, simultaneamente, CK para descartar a possibilidade de miopatia e o soro não se encontra hemolisado, os aumentos de AST e LDH5 são decorrentes de doença hepatocelular. A AST pode
permanecer aumentada 10 a 14 dias, ou mais, após lesão hepático transitória aguda. Em geral, os valores de AST encontramse normais na hepatopatia crônica. SDH e AST podem aumentar acentuadamente na colestase intrahepática e
discretamente na colestase extrahepática. Os aumentos de ALP e GGT estão associados à irritação ou destruição do epitélio biliar e com obstrução biliar. A ALP provém da placenta, ossos, macrófagos, epitélio intestinal e fígado. Nos
bezerros e nos potros muito jovens, a ALP aumenta, provavelmente, devido à fonte placentária ou óssea. Nos bezerros jovens, atividades de ALP de até 1.000 UI/l, ao nascimento, e 500 UI/l, com várias semanas de idade, são consideradas
normais. Valores de ALP de 152 a 2.835 UI/l são descritos em potros (< 12 h de vida) e a atividade de ALP pode permanecer elevada por 1 a 2 meses, comparada com sua atividade em adultos. Em bezerros (< 6 semanas de idade), nenhum
dos testes de rotina (bilirrubina, GGT, GLDH, ALP, LDH, AST ou alanina aminotransaminase [ALP]) para diagnóstico de lesão hepática ou avaliação de função hepática são clinicamente úteis no diagnóstico de hepatopatia, quando
utilizados sozinhos. AST e GLDH são as enzimas mais sensíveis para lesão hepática, mas a AST também aumenta quando há lesão muscular. A atividade de AST em potros pode estar elevada, se comparada com seu valor em adultos, por
vários meses. Essa elevação é também observada durante o desenvolvimento muscular. Aumentos discretos e passageiros na atividade de SDH podem ser notados em alguns potros com < 2 meses de idade.
Concentração Sérica de Ácidos Biliares Totais: A concentração sérica de ácidos biliares é extremamente específica para disfunção hepática, mas não define o tipo de lesão ou doença presente. Aumenta na lesão hepatocelular, colestase
ou shunts (desvios) do sistema porta para a veia cava. Estas elevações são mais evidentes na obstrução biliar e no shunt portossistêmico. A concentração sérica de ácidos biliares aumenta precocemente na doença hepática e frequentemente
permanecem elevadas nos estágios posteriores.
A concentração de ácidos biliares totais permanece elevada em equinos com doença hepática crônica. Nesta espécie não há variação diurna, elevação pósprandial e variação significativa de hora em hora nas concentrações de ácidos
biliares. A concentração sérica de ácidos biliares totais na maioria dos equinos saudáveis é < 10 μmol/l. Teores séricos ou plasmáticos de ácidos biliares > 20 μmol/l apresentam alta sensibilidade e valor preditivo positivo para diagnóstico
de doenças hepáticas em equinos, mas não em ruminantes. Embora concentrações de ácidos biliares > 30 μmol/l possam ser indicadores precoces de insuficiência hepática, devese ter cautela na interpretação de elevações discretas porque
concentrações de ácidos biliares acima de 20 μmol/l podem ser constatadas em equinos com anorexia. Jejum prolongado (< 14 h), mas não de curta duração, pode causar aumento do teor sérico de ácidos biliares em equinos.
A interpretação da concentração de ácidos biliares totais é difícil em potros < 1 semana de idade. Comparada com aquela de equinos adultos saudáveis, a concentração séricas de ácidos biliares em potros saudáveis é consideravelmente
maior nas seis primeiras semanas de vida. Quando se mensura a concentração sérica de ácidos biliares em potros doentes é particularmente importante ter controles de animais sadios, pareados por idade, ou valores de testes laboratoriais de
referência para a idade.
Em bovinos leiteiros, a mensuração de ácidos biliares séricos é de pouco valor no diagnóstico de esteatose hepática e doença ou insuficiência hepática devido às variações significativas que ocorrem a cada hora. A concentração de ácidos
biliares totais em vacas recémparidas é significativamente maior do que em vacas na metade da lactação ou em bezerras com 6 meses de idade.
A concentração de ácidos biliares totais pode ser o melhor teste para diagnóstico de hepatopatia em bezerros jovens. Nos bezerros, concentrações > 35 μmol/l podem indicar doença hepática, obstrução biliar ou shunt portossistêmico.
Os intervalos de referência relatados para a concentração sérica de ácidos biliares são 1,1 a 22,9 μmol/l, para lhamas > 1 ano de idade, e 1,8 a 49,8 μmol/l, para as lhamas < 1 ano. As concentrações de ácidos biliares em lhamas,
individualmente, podem variar em função da alimentação ou do momento da coleta de amostra durante o dia, permanecendo no intervalo de referência.
Concentração Sérica de Pigmentos Biliares: A avaliação da concentração sérica de bilirrubina (direta e indireta) é útil no diagnóstico de disfunção hepática em equinos e ruminantes. Aumento do teor de bilirrubina se deve à hemólise, doença
hepatocelular, colestase ou causas fisiológicas. Nos equinos, a anorexia causa aumento fisiológico no teor sérico de bilirrubina total < 6 a 8 mg/dl e, raramente, tão alto quanto 10,5 a 12 mg/dl. A concentração de bilirrubina indireta aumenta
2 a 3 vezes, enquanto a bilirrubina direta permanece na faixa de normalidade. Nos potros, a bilirrubina indireta, mais que a direta, pode estar elevada em casos de prematuridade, isoeritrólise neonatal, sepse ou shunt portocaval. Enterite,
infecção umbilical, obstrução intestinal e alguns medicamentos (corticosteroides, heparina, halotano) também podem causar hiperbilirrubinemia. Hiperbilirrubinemia fisiológica transitória discreta e icterícia podem ser observadas em potros
e bezerros recémnascidos. Embora o(s) mecanismo(s) não seja(m) completamente conhecido(s), as causas propostas incluem “sobrecarga” prénatal dos hepatócitos, destruição naturalmente alta de eritrócitos ao nascimento ou próximo
dele, excreção ineficaz de bilirrubina ou baixa concentração de ligandina hepatocelular em potros neonatos, em comparação com equinos adultos. Nos bezerros normais < 72 h de idade, a bilirrubina total pode elevarse até 1,5 mg/dl e até
0,8 mg/dl nos bezerros com 1 semana de idade. A bilirrubina direta encontrase, geralmente, < 0,3 mg/dl nos bezerros jovens. Em potros saudáveis (< 2dias de idade) a concentração de bilirrubina total pode variar de 0,9 a 4,5 mg/dl, sendo
a maior parte bilirrubina não conjugada (0,8 a 3,8 mg/dl). Prematuridade ou enfermidade (sem doença hepática) pode aumentar a fração de bilirrubina não conjugada (indireta) em potros jovens. Em potros saudáveis a concentração de
bilirrubina deve situarse na faixa dos valores de referência para adultos, quando alcançam 2 semanas de idade. Os valores normais de bilirrubina total em caprinos variam de 0 a 0,1 mg/dl.
Equinos com doença ou insuficiência hepática apresentam, com mais frequência, aumentos significativos das bilirrubinas indireta e direta. Na lesão hepática, em equinos ou em ruminantes, a maior parte da bilirrubina retida é indireta
(não conjugada) e a proporção bilirrubina direta:bilirrubina total é, em geral, < 0,3. Insuficiência hepática aguda causada por necrose hepática resulta em aumento das bilirrubinas indireta e direta. Em equinos com insuficiência hepática
aguda, o aumento de bilirrubina se deve, principalmente, ao aumento na fração de bilirrubina indireta. Doença hepatocelular deve ser considerada quando o teor de bilirrubina indireta é > 25% do valor da bilirrubina total. A bilirrubina
direta raramente excede 25 a 35% da bilirrubina total, em equinos. Aumento desta magnitude sugere doença ou obstrução biliar. Na obstrução biliar ou colestase intrahepática, a proporção bilirrubina direta:bilirrubina total pode ser > 0,3,
em equinos, ou 0,5, em vacas. Elevação do teor de bilirrubina direta pode ser verificada em potros com sepse e íleo adinâmico, com evidência mínima de disfunção hepatocelular.
Nas hepatopatias crônicas, as concentrações de bilirrubina encontramse na faixa de valores normais. Bovinos adultos e bezerros podem apresentar doença hepática grave sem aumento do teor sérico de bilirrubina. Em bovinos, caprinos e
ovinos, os teores circulantes de bilirrubina podem aumentar apenas moderadamente na doença hepática grave generalizada. Os aumentos mais evidentes na concentração sérica ou plasmática de bilirrubina se deve à crise hemolítica, mais
do que disfunção hepática. Na ausência de hemólise, concentração sérica de bilirrubina total > 2 mg/dl indica prejuízo à função hepática em ruminantes.
Urobilinogênio: O urobilinogênio pode ser detectado por meio de fita reagente de imersão, em equinos normais. Teor elevado de urobilinogênio na urina, sem hemólise, é sugestivo de disfunção hepática, shunt portos–sistêmico ou maior
produção pelas bactérias intestinais. Urobilinogênio na urina indica patência de ducto biliar. Ausência de urobilinogênio pode indicar obstrução biliar completa, hepatopatia ou falha na excreção de bilirrubina para o intestino, conversão
ineficiente por bactérias intestinais ou baixa absorção no íleo. A correlação entre urobilinogênio e doença hepatocelular, nos animais, é baixa. O urobilinogênio é instável na urina; consequentemente, deve ser mensurado dentro de 1 a 2 h,
ou estará diminuído ou indetectável.
Concentração Sérica ou Plasmática de Proteínas: Em equinos e bovinos com doença hepática as concentrações séricas de albumina e de proteína são variáveis. A hipoproteinemia não é comum nos equinos com hepatopatia aguda. É mais provável
notar redução da albumina sérica na doença hepática crônica devido à redução do parênquima hepático funcional. Em um estudo com 84 equinos, notouse que 13% apresentavam hipoproteinemia. A concentração de albumina estava
abaixo do menor valor da faixa de normalidade em 18% dos animais com doença crônica do fígado e 6% com hepatopatia aguda. A concentração de globulina estava elevada em 64% dos animais. Hiperproteinemia por hiperglobulinemia
(gamopatia policlonal ou aumento de βglobulinas) pode ser verificada em equinos com doença hepática aguda ou crônica grave. A concentração plasmática de proteína total geralmente é normal, mas a proporção albumina:globulina pode
estar diminuída.
A concentração plasmática de fibrinogênio pode não ser um teste sensível em equinos com insuficiência hepática. Baixa concentração de fibrinogênio pode ser decorrência de parênquima insuficiente ou de coagulação intravascular
disseminada. Alta concentração de fibrinogênio está associada a resposta inflamatória em equinos com colangioepatite.
Tempo de Protrombina: Anormalidade no tempo de protrombina (TP) é a primeira alteração detectada porque o fator VII, um fator de coagulação dependente de vitamina K sintetizado no fígado, apresenta meiavida curta. O TP sérico pode ser
rapidamente prolongado no caso de insuficiência hepática, sendo um dos primeiros testes funcionais a retornar ao normal na recuperação de hepatopatia aguda. No entanto, a determinação do TP normal não exclui a possibilidade de
coagulopatia causada por deficiência de vitamina K. Tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) prolongado ou outros indicadores de coagulopatia podem ser verificados em animais com doença hepática grave. Como vários fatores
podem influenciar a mensuração dos valores de TP ou TTPA em equinos, a proporção entre o tempo de coagulação do animal com suspeita de hepatopatia e este valor em animais normais deve ser > 1,3 para que o teste seja interpretado
como anormal.
Ureia, Glicose, Amônia e Outras Alterações: A concentração sérica de ureia pode estar diminuída tanto na insuficiência hepática aguda quanto na crônica. Hipoglicemia é comum em potros com insuficiência hepática. A glicemia em equinos
adultos com disfunção hepática está, frequentemente, normal ou aumentada. Hipoglicemia, embora menos comum em equinos adultos e ruminantes com disfunção hepática, é mais provável na doença hepática crônica. A concentração
plasmática de triglicerídios aumenta acentuadamente em pôneis, em equinos miniatura, nos asininos e em equinos adultos com lipidose hepática. A magnitude do aumento pode estar relacionada com o prognóstico, em equinos. Alterações
nos teores de triglicerídios, lipoproteínas de densidade muito baixa e colesterol esterificado são mais comuns em ruminantes do que em equinos com insuficiência hepática. Potros neonatos apresentam concentrações de colesterol e
triglicerídios maiores do que os animais adultos.
A concentração plasmática de amônia pode se elevar em casos de insuficiência hepática, mas não há boa correlação com a gravidade de encefalopatia hepática, exceto quando há shunt portocaval. Alta concentração de amônia e sinais
clínicos de encefalopatia hepática, sem insuficiência hepática, foram relatados em equinos da raça Morgan desmamados que apresentam a síndrome hiperornitinemia, hiperamonemia e normocitrulinúria, e em equinos adultos com
hiperamonemia primária ou idiopática. A ingestão de ureia ou de sais de amônio mais provavelmente causa aumento da concentração sanguínea de amônia e encefalopatia em bovinos, do que em equinos.
O volume globular (VG), ou hematócrito, e o teor sérico de ferro se elevam em equinos com doença hepática grave. O hematócrito elevado pode persistir, apesar da fluidoterapia e hidratação normal, até que a doença hepática primária
seja resolvida. Eritrocitose secundária (com ou sem aumento da concentração de eritropoetina) foi observada em alguns equinos com neoplasia hepática. Alta concentração sérica de ferro é comumente observada em equinos com doença
hepática e/ou doença hemolítica.
Testes de Depuração e Excreção de Corante: Os corantes sulfobromoftaleína (BSP®) e verde de indocianina podem ser utilizados para avaliar o transporte hepatobiliar. A meiavida da BSP se prolonga quando > 50% da função hepática é perdida.
A meiavida normal de depuração da BSP nos equinos é < 3,7 min; nos caprinos é 2,13± 0,19 min e nos ovinos é = 4 min. A depuração de BSP é mais demorada nos bezerros (5 a 15 min) do que em bovinos adultos (= 5 min). Embora os
testes de excreção de corante fiquem, geralmente, prolongados no caso de disfunção hepática, eles ainda podem permanecer dentro da variação normal. Hiperbilirrubinemia, fluxo sanguíneo hepático reduzido e colestase significativa podem
prolongar falsamente a depuração de BSP; a hipoalbuminemia também pode encurtála falsamente. A depuração de BSP em caprinos é mais demorada na lipidose hepática generalizada secundária à toxemia da prenhez. A determinação do
tempo de depuração de BSP, em vez da meiavida, é mais utilizada na detecção de hepatopatia. O tempo de depuração de BSP em animais saudáveis alimentandose normalmente e em equinos com 3 dias de jejum é, respectivamente, 10
ml/min/kg e 6 ml/min/kg. Esses testes, no entanto, são de uso limitado na prática clínica devido à falta de produtos farmacêuticos no mercado disponíveis. Custo, limitações de procedimento e equipamentos necessários para quantificação
da depuração de verde de indocianina limitam seu uso como teste diagnóstico.
Cintigrafia: Função dos hepatócitos e patência biliar, estrutura e fluxo sanguíneo podem ser avaliados por cintigrafia hepatobiliar. Mapeamento de radionucleotídios hepáticos e mapeamento biliar podem detectar alterações no fluxo sanguíneo
ou massas hepáticas e obstrução biliar (atresia, colangite, colelitíase), respectivamente. A cintigrafia é utilizada em suínos, potros e cordeiros para diferenciar obstrução biliar de outras causas de hiperbilirrubinemia.
Ultrassonografia: A ultrassonografia pode ser utilizada para avaliar tamanho, aparência (forma, textura) e localização do fígado, em equinos e ruminantes, para o diagnóstico de hepatomegalia, hepatolitíase, dilatação biliar, colelitíase ou lesões
focais. Também podem–se observar tumores, cistos, abscessos e granulomas. Doenças difusas são mais difíceis de se detectar do que os processos focais, pois aquelas causam menor distorção da arquitetura hepática normal. O diagnóstico
de uma hepatopatia difusa deve ser comprovado por biopsia e histopatologia. O ultrassom pode ser utilizado para guiar a coleta de amostras hepáticas por biopsia e também a execução de colecistocentese e aspiração de abscessos, massas e
amostras de bile (ovos de fascíola, ácidos biliares, cultura). A ultrassonografia é um meio não invasivo e preciso para o monitoramento da progressão e resolução de uma doença. Nos equinos, imagens hepáticas devem ser obtidas tanto do
lado esquerdo quanto do lado direito do animal.
Biopsia Hepática: A biopsia hepática percutânea é o meio definitivo para o diagnóstico de hepatopatia. A avaliação histológica do fígado propicia informações valiosas com relação à etiologia e à gravidade do processo patológico. A maioria
das hepatopatias é difusa, de modo que a amostra é representativa para a doença. As amostras podem ser obtidas às cegas, mas a orientação por ultrassonografia diminui os riscos de complicações (peritonite por extravasamento de bile ou
perfuração intestinal, hemorragia ou pneumotórax). As biopsias hepáticas também podem ser obtidas durante uma laparoscopia, que oferece a vantagem adicional de se visualizar a superfície hepática e outros órgãos abdominais para
evidência de doenças.
As amostras devem ser colocadas em meios para cultura bacteriana e antibiograma e em formalina, para avaliação histológica. Antes de uma biopsia hepática, podemse efetuar perfis de coagulação (tempo de protrombina, tempo de
tromboplastina parcial, contagem plaquetária, fibrinogênio, produtos da degradação da fibrina e contagem de plaquetas opcional) para redução dos riscos de hemorragia. Não se aconselha uma biopsia hepática em um animal com evidência
clínica ou clinicopatológica de coagulopatia ou abscesso hepático, devido à hemorragia ou à contaminação da cavidade peritoneal.
Radiografia: A radiografia abdominal contrastada nos potros é útil no diagnóstico de obstruções gastroduodenais e de colangioepatite secundária. Os desvios portossistêmicos nos potros ou bezerros jovens podem ser identificados por
portovenografia mesentérica por meio de administração de solução de contraste radiopaco na veia mesentérica jejunal seguida de fluoroscopia ou pesquisas radiográficas sequenciais para monitorar o fluxo sanguíneo hepático.
TRATAMENTO E MANEJO: O tratamento inicial dos animais com sinais de doença ou insuficiência hepática é, geralmente, de suporte e costuma ser iniciado antes de se conhecer a causa primária e a extensão das lesões hepáticos. Anamnese,
sinais clínicos e dados laboratoriais podem fornecer algum indício quanto à natureza do processo de doença hepática, mas a biopsia hepática é geralmente necessária para elaborar o diagnóstico definitivo e determinar o grau da lesão
hepática. Terapias específicas para a doença hepática dependem da etiologia, presença de insuficiência hepática, cronicidade, grau de fibrose hepática ou obstrução biliar e espécies afetadas. Aumentos nas enzimas hepáticas sem doença
hepática podem não exigir uma terapia específica para o fígado, mas sim para a doença primária.
A terapia obtém mais sucesso quando a intervenção é precoce, a fibrose hepática é mínima e existem evidências de regeneração hepática. Equinos com fibrose grave ou difusa respondem pobremente, devido ao inadequado potencial de
regeneração hepática. Os objetivos do tratamento de grandes animais com doença ou insuficiência hepática são o controle da encefalopatia hepática, tratar o processo patológico primária, propiciar terapia de suporte que permita tempo para
regeneração do fígado, e, mais importante, evitar lesões no animal e nas pessoas que trabalham com ele. Os animais com encefalopatia hepática frequentemente exibem comportamento agressivo e imprevisível, o que pode acarretar lesão a
eles mesmos ou aos tratadores.
Encefalopatia Hepática e Insuficiência Hepática: Equinos com encefalopatia hepática podem ser agressivos ou demonstrar comportamentos repetitivos que dificultam a contenção. Para garantir a segurança dos animais e tratadores, exigese
sedação. Como a maioria dos sedativos e tranquilizantes é metabolizada pelo fígado, a sua meiavida de eliminação pode estar prolongada nos animais com insuficiência hepática; portanto, as dosagens devem ser minimizadas. Uma dose
reduzida da droga é inicialmente determinada para avaliar seu efeito. Xilazina ou detomidina administradas em pequenas doses podem ser utilizadas para controlar os equinos que exibem comportamento anormal. Devese evitar o diazepam
em animais com encefalopatia hepática, pois pode potencializar o efeito do ácido ?aminobutírico nos neurônios inibitórios e piorar os sinais neurológicos. Também se deve evitar a acepromazina, pois pode diminuir o limiar de convulsões.
Desidratação, desequilíbrio ácidobásico e eletrolítico e hipoglicemia devem ser corrigidos com fluidoterapia apropriada. Inicialmente, uma solução poliônica balanceada (preferencialmente sem lactato) é administrada para reidratação.
Caso o animal se apresente hipopotassêmico ou hipofágico, realizase suplementação com potássio (10 a 40 mEq/l, dependendo da velocidade de infusão). Se infusão IV não é possível em ruminantes, podese tentar a reidratação por meio
da administração oral de fluidos, se a motilidade ruminal está normal. Alguns equinos com doença hepática apresentam policitemia, dificultando a avaliação do estado de hidratação pelo VG. Acidose grave pode estar presente. Como uma
rápida correção da acidose pode exacerbar os sinais neurológicos, ela deverá ser corrigida, gradualmente, com a administração por via intravenosa de fluidos com uma alta concentração de eletrólitos. Se isso falhar ou se o pH sanguíneo
permanecer < 7,1 (bicarbonato < 14 mEq/l) o bicarbonato deverá ser administrado cautelosamente. A suplementação com vitaminas é opcional. Água fresca em quantidade adequada deve estar disponível se o animal conseguir deglutila
normalmente.
Os fatores que podem contribuir para a encefalopatia hepática devem ser eliminados. Solução de glicose a 5 a 10% é administrada para corrigir hipoglicemia, se presente. Adicionalmente, a suplementação de glicose ajuda a diminuir as
concentrações sanguíneas de amônia e reduz a gliconeogênese catabólica, o catabolismo proteico e a necessidade de gliconeogênese hepática. A menos que esteja hiperglicêmico, devese administrar, na forma de infusão contínua IV,
solução de glicose (2 ml de solução 5%/kg/h ou 1 ml de solução 10%/kg/h), até mesmo aos animais que não apresentam hipoglicemia. A velocidade deve ser ajustada de modo que a euglicemia seja mantida. Indução de hiperglicemia
moderada a grave, alteração brusca na concentração de glicose e glicosúria devem ser evitadas. A glicose IV deve ser utilizada em combinação com uma solução eletrolítica balanceada e não como fonte única de fluido.
As terapias direcionadas à diminuição na produção de amônia ou na sua absorção pelo intestino incluem administração de óleo mineral, neomicina, lactulose e metronidazol. A administração de óleo mineral diminui a absorção e facilita a
remoção de amônia. A passagem de sonda nasogástrica em um animal com encefalopatia hepática deve ser feita com cuidado, pois o sangramento nasal pode ser de difícil controle devido à diminuição nos fatores de coagulação. Além
disso, o sangue deglutido pode exacerbar os sinais neurológicos. A administração oral de neomicina (10 a 30 mg/kg, 2 a 4 vezes/dia, por 1 a 2 dias) é utilizada para diminuir a população de bactérias produtoras de amônia no intestino. A
lactulose (0,2 ml/kg, 2 vezes/dia; 0,3 ml/kg, VO, 4 vezes/dia; ou 90 a 120 ml/450 kg, 3 a 4 vezes/dia) é metabolizada em ácidos orgânicos por bactérias no íleo e no cólon. A redução do pH do cólon promove maior assimilação bacteriana
de amônia, menor produção de amônia, retenção de amônia no intestino, mudanças na microflora intestinal e catarse osmótica. Declaradamente, a administração oral de vinagre (ácido acético) tem o mesmo efeito no pH do cólon e na
concentração de amônia no intestino. O metronidazol (10 a 15 mg/kg VO, 2 a 4 vezes/dia) diminui a população de microrganismos produtores de amônia nos equinos, mas não é utilizado nos animais de corte. Se o animal conseguir
deglutir, drogas orais poderão ser misturadas ao xarope Karo ou melaço e administrálas por intermédio de uma seringa, para evitar traumatismos e riscos de se induzir hemorragia durante a passagem de uma sonda nasogástrica. Neomicina,
lactulose e metronidazol podem induzir, potencialmente, uma diarreia discreta a grave (salmonelose) devido à destruição da flora gastrintestinal. O uso de combinação de drogas é mais passível de induzir diarreia do que o uso isolado dos
fármacos. Pelo fato do metronidazol ser metabolizado no fígado, cautela deve ser tomada quando administrar o fármaco aos equinos com insuficiência hepática. Sinais neurológicos por intoxicação pelo metronidazol podem mimetizar uma
encefalopatia hepática.
Até que se conheça a natureza da hepatopatia primária, justificase tratamento com antimicrobianos de amplo espectro, caso se suspeite de hepatite infecciosa. A combinação de sulfatrimetoprima é uma boa escolha empírica, devido sua
atividade contra bactérias Gramnegativas e a alta concentração na bile. A penicilina, em combinação com um aminoglicosídio, possui amplo espectro de ação e pode ser benéfica ao se suspeitar de Streptococcus sp ou de um coliforme
anaeróbico ou Gramnegativo. Enrofloxacino também é recomendada. Têmse utilizado as cefalosporinas de primeira e segunda gerações nos potros e em outras espécies. O metronidazol pode ser administrado quando se suspeitar de
infecção anaeróbica nos equinos. Uma terapia antimicrobiana específica, com base na cultura e no antibiograma de uma biopsia hepática, é ideal.
A dor pode ser controlada com baixas doses de AINE (p. ex., 0,5 mg de flunixino meglumina/kg, IV ou IM, 2 a 3 vezes/dia). Nos potros, podese preferir o butorfanol (0,01 a 0,05 mg/kg, IV; 0,04 a 0,07 mg/kg, IM). Quando se
desenvolvem coagulopatias ou quando ocorrer hipoalbuminemia, podese administrar vitamina K1 (até 1 mg/kg, SC; 40 a 50 mg/450 kg, SC) e realizar transfusões de plasma (1 a 2 l/100 kg). Em alguns equinos com doença ou insuficiência
hepática aguda, tratamentos com antioxidantes (dimetil sulfóxido, acetilcisteína, vitamina E, Sadenosilmetionina [SAMe]) e antiinflamatórios (flunixino meglumina, pentoxifilina) podem ser úteis. O manitol é recomendado para o
tratamento de suspeita de edema cerebral na encefalopatia hepática fulminante. Equinos com doença hepática devem ser protegidos da luz solar.
Manejo Alimentar: O manejo alimentar é essencial para o tratamento de animais com encefalopatia hepática ou hepatopatias aguda ou crônica. Os animais acometidos devem ser alimentados com cuidado, pois a disfagia pode constituir um
problema. A dieta deve ser oferecida com frequência, em quantidades relativamente pequenas. Deve satisfazer as exigências energéticas com carboidratos facilmente digeríveis, propiciar proteína adequada, mas não excessiva, apresentar
alta proporção de aminoácidos de cadeia ramificada com relação a aminoácidos aromáticos e ser moderada a rica em amido, para diminuir a necessidade de síntese de glicose hepática. Não se deve acrescentar gordura e sal na dieta. Os
alimentos utilizados com sucesso para equinos incluem capim e feno de aveia, milho e sorgo. Uma quantidade pequena de melaço pode ser adicionada para melhorar a palatabilidade e acrescentar energia. Grandes quantidades de melaço
podem tornar o alimento menos palatável e induzir diarreia. O farelo de linhaça e o farelo de soja apresentam excelente proporção entre aminoácidos de cadeia ramificada e aminoácidos aromáticos e podem ser utilizados como suplemento
proteico, em pequenas quantidades. A polpa de beterraba pode ser substituída por feno de aveia ou de capim. A polpa de beterraba deve ser embebida, primeiramente, para permitir expansão total antes de ser oferecida. O engasgo pode ser
um problema em alguns animais que ingerem polpa de beterraba.
A alimentação com feno de alfafa, alimentos que contenham alfafa ou outros fenos de leguminosas para equinos com hepatopatias é controversa. Embora o feno de alfafa possua melhor proporção entre aminoácidos de cadeia ramificada
e aminoácidos aromáticos do que o feno de capim, o primeiro pode apresentar conteúdo proteico muito alto. Preferese alimentação com feno de capim, no caso dos animais com hiperamonemia ou sinais de encefalopatia hepática. Podese
oferecer uma mistura de feno de capim/alfafa aos equinos sem sinais neurológicos centrais, se a perda de peso constituir um problema e há tolerância a proteínas adicionadas. O acesso a pastagens de capim é permitido, contanto que os
sinais de encefalopatia hepática estejam controlados e se evite exposição à luz solar.
Outros alimentos ricos em aminoácidos de cadeia ramificada incluem sorgo, farelo ou milo. Suplemento parenteral ou enteral com aminoácidos de cadeia ramificada ajuda a restaurar a proporção normal entre aminoácidos de cadeia
ramificada e aminoácidos aromáticos. Podese indicar suplementação de vitaminas A, D, B1 e ácido fólico, possivelmente também com as vitaminas C e E. A vitamina K1 pode ser indicada para animais com coagulopatias. Grandes
quantidades de gordura não devem ser utilizadas para o fornecimento de energia; alimentos contendo este excesso podem levar à lipidose hepática.
Transfaunação (p. 2583) com fluido ruminal oriundo de uma vaca saudável pode auxiliar a restabelecer a flora ruminal normal e aumentar o apetite dos bovinos acometidos. Os animais que não comerem voluntariamente devem ser
alimentados à força. Podese administrar uma mistura com cereais, por sonda nasogástrica, aos equinos e aos suínos ou por sonda orogástrica ou por uma fístula ruminal, aos ruminantes. Nos ruminantes, recomendase uma alimentação
forçada com farelo de alfafa (15% de proteínas) e grãos de cervejaria ou polpa de beterraba secos, com cloreto de potássio e fluido ruminal normal. O feno de alfafa e os alimentos que contêm alfafa podem ser mais bem tolerados pelos
bovinos do que pelos equinos com hepatopatias. Também são necessários fluidos poliônicos IV com dextrose 5%, cloreto de potássio e vitaminas do complexo B nos animais que não estiverem consumindo uma quantidade adequada de
alimento.
ABSCESSOS HEPÁTICOS EM BOVINOS
Os abscessos hepáticos podem ocorrer em todas as idades e raças de bovinos, em qualquer lugar em que se criem bovinos. São mais comuns nos bovinos em engorda e leiteiros alimentados com rações que predispõem à ruminite. Os
bovinos com abscessos hepáticos apresentam redução na eficiência de produção. Os fígados comprometidos são condenados no abate e aderências em órgãos vizinhos ou no diafragma podem implicar em limpeza da carcaça. Os abscessos
hepáticos também podem ocasionar síndromes associadas a trombose de veia cava caudal.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Fusobacterium necrophorum, uma bactéria Gramnegativa e anaeróbica obrigatória componente da microflora ruminal normal, é o principal agente etiológico. A infecção hepática geralmente se origina a partir de
uma ruminite necrobacilar. Há relato de 2 biovares. O biovar A (F. necrophorum necrophorum), o mais virulento, é o biovar predominante na microflora ruminal e geralmente é isolado em cultura pura, em muitos casos de abscedação
hepática. O biovar B (F. necrophorum funduliforme) é comumente isolado de microabscessos na parede ruminal, sendo isolado menos comumente de abscessos hepáticos, onde é sempre encontrado em uma cultura mista com o biovar A ou
outras espécies de bactérias. Arcanobacterium pyogenes, estreptococos, estafilococos e Bacteroides spp são recuperados mais frequentemente em culturas mistas.
A ruminite geralmente resulta de fermentação intrarruminal rápida de carboidratos da dieta, com produção subsequente de ácido láctico e aumento na acidez do fluido ruminal. As rações com alto teor de carboidratos representam a causa
principal em bovinos leiteiros e em engorda, mas a textura do alimento e o método de alimentação podem ser agentes modificadores. A incidência de ruminite nos bovinos em confinamento torna–se significativamente maior quando são
transferidos diretamente de uma ração volumosa para uma ração de terminação e quando há pobre manejo alimentar. F. necrophorum, sozinho ou com outras bactérias, colonizase pela área de necrose superficial produzida pelo conteúdo
ruminal ácido. As leucotoxinas podem facilitar a resistência à fagocitose. Êmbolos bacterianos oriundos das lesões invadem o sistema venoso porta–hepático e são transportados para o fígado, onde podem estabelecer focos infecciosos de
necrobacilose que eventualmente se desenvolvam em abscessos.
As outras fontes de infecção nos abscessos hepáticos incluem penetração por corpo estranho a partir do retículo, extensão direta de uma infecção decorrente de onfaloflebite nos bezerros neonatos e doenças bacterianas.
ACHADOS CLÍNICOS, LESÕES E DIAGNÓSTICO: Os bovinos com abscessos hepáticos raramente exibem sinais clínicos. Um exame clínico detalhado pode evidenciar febre periódica, inapetência e evidências de dor quando se aplica uma
pressão no xifesterno e gradil costal posterior, no lado direito. Grunhido e outros sinais de dor podem ocorrer quando o animal se movimenta ou se deita. Uma queda transitória na produção de leite é notada em vacas leiteiras. Sinais
clínicos de onfaloflebite estão presentes quando há abscedação hepática resultante de extensão de onfaloflebite. As proteínas de fase aguda aumentam no início do curso da doença e a concentração sérica de ácido siálico tem sido utilizada
para o diagnóstico antemorte. Quando ocorrem vários abscessos ou um abscesso grande, pode ocorrer leucocitose com neutrofilia e aumento nos teores de fibrinogênio, podendo haver um aumento nas concentrações séricas de globulina. A
ultrassonografia serve como auxílio ao diagnóstico, mas os abscessos no lado esquerdo do fígado podem não ser visualizados. Os bovinos em confinamento, com abscessos hepáticos, apresentam redução na eficiência alimentar, e aqueles
com processo de maior gravidade perdem 5 a 15% do ganho diário em relação aos bovinos sem abscessos. A maioria dos abscessos corresponde a lesões ocultas que regridem para uma cicatriz estéril. As sequelas inconvenientes incluem
peritonite após ruptura do abscesso no interior da cavidade peritoneal e morte súbita decorrente de uma reação anafilática ou tóxica quando ocorre uma ruptura de um abscesso no interior dos vasos sanguíneos hepáticos. A ruptura nas veias
hepáticas também pode levar a tromboflebite da veia cava caudal com doença tromboembólica, endocardite, tromboembolia pulmonar, abscessos pulmonares múltiplos e pneumonia supurativa crônica. Os aneurismas da artéria pulmonar
consequentes ao tromboembolia pulmonar podem se romper no interior de vias respiratórias, resultando em hemoptise, epistaxe e morte. A trombose da veia cava caudal também pode levar à hipertensão portal com uma síndrome
caracterizada por hepatomegalia, ascite e diarreia.
As lesões ruminais caracterizamse por reação inflamatória acentuada e necrose. Ocasionalmente, encontramse abscessos nas camadas mais profundas da parede ruminal. As lesões de necrobacilose hepática de < 6 dias de duração são
amarelopálidas e esféricas, com contornos irregulares. Caracterizamse por necrose de coagulação dos hepatócitos com uma zona de hiperemia e inflamação intensa circundantes. Os abscessos mais velhos possuem um núcleo que é
progressivamente encapsulado por tecido conjuntivo fibroso. Os abscessos têm geralmente 4 a 6 cm de diâmetro. Os fígados acometidos geralmente apresentam de 3 a 10 abscessos, mas podem ter até 100 deles.
Há relato de taxa de condenação do fígado tão alta quanto 40%, em uma ampla pesquisa com bovinos abatidos nos EUA. Raramente se realiza cultura para confirmar o diagnóstico. Ocasionalmente, os abscessos hepáticos por F.
necrophorum devem ser distinguidos daqueles resultantes de reticuloperitonite traumática (p. 291).
TRATAMENTO E CONTROLE: Fosfato de tilosina fornecido na dose de 10 g/tonelada de alimento reduz significativamente o número de abscessos hepáticos e aumenta a eficiência alimentar e o ganho de peso, mas tem, se muito, pequeno
efeito na prevalência de lesões ruminais. Virginiamicina fornecida na dose de 16 g/tonelada de alimento ou fornecimento contínuo de clortetraciclina na dose de 70 mg/animal/dia, durante o período de terminação, também são utilizadas.
Em bovinos de leite, podese tentar drenagem percutânea e terapia por longo tempo com penicilina G procaína (22.000 UI/kg), mas o prognóstico é ruim. Uma vacina composta de leucotoxoide de F. necrophorum, combinado com uma
bacterina de A. pyogenes, administrada quando os bovinos são transferidos ao confinamento, reduz a prevalência e a gravidade dos abscessos.
A principal medida profilática é o controle da acidose ruminal por meio da alimentação, composição da dieta, manejo alimentar adequado e uso de tampões na dieta. Desenvolvemse bem menos lesões ruminais quando a proporção de
concentrado em relação ao volumoso diminui e quando o período de transição de volumoso para uma ração de terminação se prolonga. O aumento no volumoso na ração e as alimentações diárias múltiplas aumentam o período de
mastigação e o fluxo salivar; isso aumenta o tampão ruminal e propicia fermentação contínua e uniforme que reduz a acidez intrarruminal, que, por sua vez, abaixa o número de lesões ruminais e indiretamente o número de abscessos
hepáticos.
COLELITÍASE, COLEDOCOLITÍASE E HEPATOLITÍASE
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: A colelitíase nos equinos pode causar obstrução biliar e hepatopatia concomitante ou pode ser um achado acidental na necropsia. Afeta mais comumente equinos de meiaidade (6 a 15 anos), sem predileção
sexual ou racial. Cálculos solitários ou múltiplos podem estar presentes no ducto biliar comum (coledocolitíase), nos ductos biliares intrahepáticos (hepatolitíase) ou no ducto biliar ou na vesícula biliar, nos ruminantes (colelitíase). Em
grandes animais, a coledocolitíase é a causa mais comum de obstrução biliar, sendo os equinos mais frequentemente acometidos. Não se conhece a causa de formação dos cálculos biliares em equinos. Temse proposto infecção no trato
biliar ascendente (colangioepatite), infecção bacteriana intestinal resultando em estase biliar e alterações na composição biliar ou concentração de colesterol. Os cálculos biliares formados ao redor de um corpo estranho ou parasitos podem
ocluir o ducto biliar comum. Colelitíase e hepatolitíase, notadamente, não são reconhecidas como um problema clínico em ovinos e caprinos. A incidência em camelídeos é desconhecida.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos comumente observados nos equinos com cálculos biliares ou colangioepatite incluem perda de peso, dor abdominal, icterícia, depressão e febre intermitente. Sinais de insuficiência hepática, inclusive
encefalopatia, fotossensibilidade e coagulopatias ocorrem em menor frequência. Os sinais clínicos são, muitas vezes, intermitentes. Obstrução completa do ducto biliar comum é acompanhada de dor abdominal persistente. As
anormalidades laboratoriais incluem hiperbilirrubinemia com aumento na bilirrubina direta (conjugada), aumento acentuado na atividade sérica de GGT e aumento na concentração sérica de ácidos biliares totais. As atividades de SDH e
AST aumentam, mas em menor grau. As concentrações séricas de BUN, glicose e potássio podem diminuir. Os testes metabólicos indicam redução na função hepática. Tempo de tromboplastina parcial ativada e tempo de protrombina de
em um estágio podem ficar prolongados. Ocorrem, muitas vezes, leucocitose, anemia por doença crônica, hiperproteinemia, hiperglobulinemia e hiperfibrinogenemia, devido à inflamação. As alterações histológicas englobam fibroses
periporta e intralobular, moderadas dilatação e proliferação do ducto biliar e colestase. A cultura hepática pode revelar uma infecção bacteriana.
Lesões: À necropsia, o fígado pode estar aumentado ou reduzido quanto ao volume. O fígado fica vermelho a marromesverdeado e mais firme que o normal. Os ductos hepáticos e o ducto biliar comum ficam dilatados e podem conter um
ou mais cálculos.
DIAGNÓSTICO: Colelitíase deve ser considerada em equinos com histórico de febre, icterícia e dor abdominal recidivante. Outros sinais de insuficiência hepática (encefalopatia, fotodermatite, perda de peso) são menos consistentemente
observados na colelitíase. Um aumento marcante em GGT sérica com hiperbilirrubinemia (bilirrubina direta > 25%) é esperado. Elevações em SDH, AST e fosfatase alcalina também estão presentes, com frequência. Notase leucocitose
neutrofílica e elevação inconsistente das concentrações de globulina e de fibrinogênio. O exame ultrassonográfico pode revelar hepatomegalia com aumento na ecogenicidade do fígado, ductos biliares distendidos e espessos e regiões
hiperecoicas sugestivas de cálculos biliares. Estes, nos equinos, são mais visualizados na porção cranioventral do lobo hepático direito, especialmente do 6o ao 8o espaços intercostais. Os cálculos biliares podem ser hiperecoicos, projetando
uma sombra acústica ou sonolucentes. Os cálculos podem ser observados como cálculos discretos ou depósitos de sedimentos menos discretos, dentro do trato biliar. Os ductos biliares distendidos podem aparecer como canais dilatados
adjacentes à veia porta. Devido ao grande campo pulmonar dos equinos, os cálculos biliares podem não ser encontrados em um exame ultrassonográfico.
TRATAMENTO: Embora a obstrução biliar, nos equinos, muitas vezes seja fatal, a coledocolitotripsia e a coledocolitotomia são realizadas com sucesso. O prognóstico, nos casos que exigem coledocolitotomia, depende da gravidade da
colangioepatite concomitante e do tamanho do animal. O procedimento é difícil, em virtude da exposição limitada e da má visibilidade do ducto hepático comum. As complicações incluem contaminação biliar, peritonite biliar, deiscência,
estenose do ducto biliar, recidiva dos cálculos biliares e enterite (p. ex., induzida por estresse ou salmonelose). O prognóstico é melhor se a obstrução é corrigida por coledocolitotripsia.
Quando cálculos pequenos ou depósitos de sedimentos menos distintos estão presentes, a resolução clínica pode ser bemsucedida. Adicionalmente, a dissolução de cálculos de bilirrubina, que são comuns nos equinos, pode ser facilitada
pela administração simultânea de dimetil sulfóxido IV (solução < 20%, na dose de 0,5 a 1 mg/kg). O dimetil sulfóxido deve ser utilizado criteriosamente ou evitado em animais com coagulopatia ou sinais de hemólise. Agentes anti
inflamatórios são administrados para reduzirem a inflamação e promoverem analgesia. Como a colangioepatite está, muitas vezes, presente, a terapia antimicrobiana de amplo espectro é indicada. A escolha do antibiótico é melhor
sustentada por cultura e antibiograma de bactérias colhidas por biopsia hepática, aspirado do ducto biliar ou do cálculo biliar. Cuidados de suporte são necessários para orientar medidas no acompanhamento da insuficiência hepática.
HEPATITE AGUDA
Etiologias infecciosas, tóxicas e indefinidas podem causar hepatite aguda. Os sinais clínicos podem aparecer subitamente nos equinos apresentando letargia, anorexia e icterícia. Fotossensibilização, diarreia e anormalidades na coagulação
também podem ser observadas. Os sinais neurológicos resultantes de encefalopatia hepática e/ou hipoglicemia podem ser mais graves nos animais com hepatopatia fulminante aguda. Sinais de endotoxemia podem estar presentes,
dependendo da etiologia primária e da capacidade das células de Kupffer em remover endotoxinas da circulação sistêmica. Elevações nas atividades séricas de SDH e AST indicam uma lesão hepatocelular aguda. A GGT aumenta na
colestase secundária ao edema de hepatócitos. A colestase resulta em hiperbilirrubinemia, com a fração direta (conjugada) variando de 15 a 35% do total nos equinos. Aumento da concentração sérica de ácidos biliares totais, diminuição das
concentrações de glicose e de BUN e tempo de coagulação prolongado tornamse evidentes à medida que a função hepática se agrava progressivamente. Anorexia pode levar à hipopotassemia. Os resultados do hemograma é variável, pois
pode refletir resposta inflamatória com neutrofilia ou endotoxemia com neutropenia, aumento de neutrófilos bastonetes e alterações tóxicas.
Doença Hepática Aguda Idiopática (Doença de Theiler, Hepatite sérica, Hepatite pósvacinal)
A doença hepática aguda idiopática (DHAI) é a causa mais comum de hepatite aguda em equinos. É, principalmente, uma doença de equinos adultos.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: Frequentemente, equinos com DHAI exibem sinais clínicos de insuficiência hepática 4 a 10 semanas após receberem um produto biológico de origem equina, como a antitoxina tetânica (ATT). Em alguns
casos, o equino afetado pode não ter recebido a ATT, mas esteve em contato com outro equino que a recebeu. Declaradamente, DHAI pode ocorrer como uma complicação potencial da administração de qualquer produto de plasma ou soro
equino, inclusive de plasma equino comercial. Outros equinos acometidos não apresentam histórico anterior de exposição a tal produto. DHAI subclínica podese desenvolver após administração de ATT. Mais comumente, apenas um
equino da propriedade está acometido, embora possam ocorrer surtos ou outros equinos no haras possam apresentar evidências de hepatopatia (aumento das atividades enzimáticas), sem sinais clínicos. A ocorrência da doença em grupos de
equinos adultos, durante o final do verão ou no início do outono (agosto a novembro), sugere uma etiologia infecciosa (viral) ou espalhada por vetores, apesar de faltarem evidências. A ocorrência sazonal poderia refletir o fato de várias
éguas parturientes receberem ATT na primavera do mesmo ano, junto com seus potros recémnascidos. Éguas lactantes que recebem ATT ao parto parecem ser mais suscetíveis. Também já se propôs uma reação de hipersensibilidade tipo
III (mediada por imunocomplexos).
ACHADOS CLÍNICOS: O início dos sinais clínicos é agudo. A taxa de mortalidade da doença aguda pode ser 50 a 60%, podendo chegar a 88%. Os equinos com DHAI apresentamse tipicamente com anorexia, encefalopatia hepática e
icterícia. Os sinais clínicos de SNC são diversos, variando de letargia à agressão ou comportamento maníaco, cegueira central e ataxia. fotossensibilidade e urina corada por alta concentração de bilirrubina. Há febre em cerca de 50% dos
casos. Perda de peso (incomum), edema ventral, pulsos jugulares, íleo adinâmico e desconforto respiratório agudo foram observados em alguns equinos com DHAI. Esses achados sugerem há uma fase subclínica antes do desenvolvimento
da insuficiência hepática evidente. Hemólise intravascular com hemoglobinúria pode ser relatada em alguns casos terminais. Muitos casos são esporádicos, mas são reportados surtos envolvendo muitos animais. O reconhecimento da DHAI
em um animal sugere uma observação cuidadosa dos equinos da mesma propriedade, quanto a sinais clínicos ou bioquímicos séricos de hepatopatia.
As concentrações séricas de GGT, AST e SDH aumentam. A GGT encontrase frequentemente aumentada durante os primeiros dias de doença, apesar da melhora clínica e de eventual recuperação de um equino acometido. Animais com
valores de AST > 4.000 UI/l possuem pobre prognóstico. A AST diminui dentro de 3 a 5 dias nos equinos que melhoram e a SDH diminui ainda mais rapidamente. A concentração sérica de bilirrubina total costuma ficar mais alta nos
equinos com DHAI do que naqueles com anorexia. A hiperbilirrubinemia é comum, com a forma não conjugada correspondendo a > 70% do total. Concentrações séricas de ácidos biliares totais também estarão aumentadas. Acidose
moderada a grave, hipopotassemia, policitemia, aminoácidos aromáticos plasmáticos aumentados, e hiperamonemia podem estar presentes.
Lesões: Na necropsia, há icterícia e graus variáveis de ascite. O fígado geralmente apresenta tamanho reduzido a normal, mas pode estar aumentado (casos hiperagudos), com uma superfície com aspecto de nozmoscada e corada com bile.
Histologicamente, há necrose hepatocelular acentuada da zona centrolobular à zona média e infiltrado mononuclear discreta a moderado. Proliferação discreta a moderada de ductos biliares podem ser observados em alguns animais com
uma doença mais crônica.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico baseiase na anamnese, início abrupto dos sinais clínicos e alterações laboratoriais sugestivas de insuficiência hepática. Em alguns casos, o fígado fica reduzido e difícil de ser visualizado no exame
ultrassonográfico. Só se pode fazer um diagnóstico definitivo por biopsia hepática. Os diagnósticos diferenciais incluem intoxicação aguda por pirrolizidina, hepatotoxinas, hepatite infecciosa aguda, micotoxicose aguda, doença cerebral e
doença hemolítica.
TRATAMENTO E PROGNÓSTICO: Não há terapia específica para DHAI. A terapia de suporte (fluidos cristaloides IV com adição de glicose e potássio) e o tratamento da encefalopatia hepática podem ser bemsucedidos. Situações
estressantes tais como transporte do animal ou desmame do potro podem exacerbar os sinais clínicos de encefalopatia hepática e devem ser evitadas. Só se deve utilizar sedação para controlar o comportamento, para evitar uma lesão no
animal e permitir os procedimentos terapêuticos.
A recuperação depende do grau de necrose hepatocelular. Os equinos acometidos que permanecem estáveis por 3 a 5 dias e que continuam a se alimentar frequentemente se recuperam. Diminuições na SDH e no tempo de protrombina,
junto com melhora do apetite, são os melhores indicadores prognósticos positivos de recuperação. Animais com progressão rápida dos sinais clínicos, encefalopatia incontrolável ou hemólise possuem pobre prognóstico. No caso dos
equinos comprometidos que se recuperam, o prognóstico a longo prazo é excelente. Em alguns animais, perda de peso progressiva e morte podem ocorrer durante os meses após os primeiros sinais clínicos.
PREVENÇÃO: O uso de ATT não deixa de ter riscos. A administração rotineira de ATT em éguas parturientes é fortemente desestimulada. O uso da ATT deve ser restrito a situações que necessitam profilaxia para tétano e nas quais esteja
ausente ou se desconheça um histórico de imunização ativa com toxoide tetânico.
Necrose Hepática Aguda em Bovinos
EPIDEMIOLOGIA E PATOGÊNESE: Doença e insuficiência hepáticas agudas em bovinos resultam, mais comumente, de lesão tóxica. Necrose hepatocelular com evidências clínicas e laboratoriais de insuficiência hepática pode se desenvolver
nos bovinos após mastite ou metrite, com sinais clínicos de endotoxemia. A endotoxina induz à necrose hepatocelular por efeitos diretos ou indiretos no fígado. A endotoxina pode fazer com que as células de Kupffer liberem enzimas
lisossomais, prostaglandinas e colagenase que danificam os hepatócitos, ou pode interagir diretamente com os hepatócitos, causando lesões lisossomais, diminuição na função mitocondrial e necrose. A necrose hepatocelular relacionada
com endotoxinas pode ocorrer, em parte, à diminuição no fluxo sanguíneo hepático e hipoxia hepática.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sinais clínicos incluem perda de peso, anorexia e interrupção da produção de leite. Fotossensibilização e icterícia discreta são variáveis. As concentrações séricas de SDH, GGT e AST estão discreta a
gravemente aumentadas. Lipidose hepática ou cetose não são característicos. O fígado pode permanecer com tamanho normal ou aumentar levemente. Histologicamente, ocorre uma alteração hidrópica acentuada, junto com graus variáveis
de necrose hepática.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico baseiase no histórico de sinais relacionados com o fígado, que se desenvolvem simultaneamente ou após uma doença primária e endotoxemia. Os aumentos nas enzimas hepáticas e biliares e a ausência de
cetose sustentam o diagnóstico. O diagnóstico definitivo baseiase na biopsia hepática e no descarte de outras causas infecciosas, tóxicas e inflamatórias de disfunção hepática. Os diagnósticos diferenciais incluem outras causas de
hepatopatia subaguda ou crônica (p. ex., hepatotoxinas, lipidose hepática) e afecções que causam perda de peso e hipofagia.
TRATAMENTO: O fornecimento de suporte nutricional e de fluidos, muitas vezes são procedimentos bemsucedidos em vacas com necrose hepática aguda secundária a lesões transitórias. Recomendase alimentação forçada com farelo de
alfafa (15% de proteínas) e grãos de cervejaria ou polpa de beterraba secos com cloreto de potássio e fluido ruminal normal. Também são necessários fluidos poliônicos IV, com dextrose a 5%, cloreto de potássio e vitaminas do complexo
B. O controle da endotoxemia e o tratamento da afecção patológica primária tornamse essenciais.
HEPATITE INFECCIOSA E ABSCESSOS HEPÁTICOS
Abscessos Hepáticos
Os abscessos hepáticos são causados, geralmente, por infecções polimicrobianas; anaeróbios são comuns. O principal agente etiológico dos abscessos hepáticos nos bovinos é Fusobacterium necrophorum. Nos caprinos, a maioria dos
abscessos se deve ao Corynebacterium pseudotuberculosis, Arcanobacterium pyogenes e Escherichia coli. Os microrganismos isolados em menor frequência incluem Proteus sp, Mannheimia haemolytica, Staphylococcus epidermidis, S.
aureus, Rhodococcus equi, Erysipelothrix rhusiopathiae e a levedura Candida krusei. Nos equinos, os abscessos hepáticos muitas vezes contêm Streptococcus spp (S. equi equi, S. equi zooepidemicus), C. pseudotuberculosis ou
enterobactérias após colangioepatite ascendente ou enteropatia, e anaeróbios. Nos suínos, os abscessos hepáticos desenvolvemse após migração de ascarídeos para o interior dos ductos biliares.
O fígado é particularmente suscetível à formação de abscessos, pois recebe sangue da artéria hepática, do sistema portal e da veia umbilical no feto e no recémnascido. Os abscessos hepáticos são mais prevalentes nos ruminantes e
incomuns nos equinos. Os abscessos estão associados à ruminite (complexo ruminiteabscesso hepático), bacteriemia, trombose séptica da veia porta, migração parasitária ou uma extensão de doença intestinal. Também pode ocorrer como
uma sequela de cirurgia abdominal. Nos neonatos e nos animais jovens, os abscessos podem se desenvolver secundariamente à migração de ascarídeos, sepse bacteriana ou infecção ascendente da veia umbilical. Nos equinos e nos bovinos,
os sinais podem ser semelhantes aos observados em casos de abscessos abdominais e incluem cólica e febre intermitentes e perda de peso. Muitas vezes, os abscessos hepáticos são subclínicos nos bovinos. O prognóstico é, geralmente,
pobre pela falta de resposta à terapia antimicrobiana ou resolução incompleta. (Ver p. 252).
Colangioepatite
Colangioepatite é uma inflamação grave dos ductos biliares e do tecido hepático adjacente que esporadicamente causa insuficiência hepática em equinos e ruminantes. Ocasionalmente, ocorre secundariamente a colelitíase, duodenite,
obstrução intestinal, neoplasia, parasitismo e certas toxinas em equinos. A micotoxina esporodesmina, produzida por Pithomyces chartarum, pode causar colangioepatite em ovinos e bovinos.
ETIOLOGIA: Bacteremia devido a um organismo (p. ex., Salmonella spp) eliminado na bile, uma infecção ascendente no trato biliar após um distúrbio intestinal ou íleo adinâmico, relacionamse com o desenvolvimento de colangioepatite.
Nos potros, a úlcera duodenal e a duodenite podem resultar em estase biliar, obstrução no ducto hepático e colangioepatite. A migração de parasitos pelo fígado pode predispor à colangioepatite em alguns animais. Microrganismos Gram
negativos, inclusive Salmonella spp, Escherichia coli, Pseudomonas spp e Actinobacillus equuli, são frequentemente isolados no fígado. Clostridium spp, Pasteurella spp e Streptococcus spp são recuperados com menor frequência.
ACHADOS CLÍNICOS: Dependendo da gravidade da infecção e virulência do microrganismo, os sinais clínicos podem ser agudos com toxemia grave, subagudos ou crônicos. Tipicamente, a colangioepatite é uma doença subaguda ou crônica
que ocorre em animais comprometidos exibindo sinais de perda de peso, anorexia, febre intermitente ou persistente ou cólica. Icterícia, fotossensibilidade e sinais de encefalopatia hepática hiperamonêmica são variáveis. As concentrações
de SDH, AST, GGT, bilirrubina conjugada e ácidos biliares totais geralmente se elevam. A contagem leucocitária periférica tornase variável, dependendo do grau de inflamação e de endotoxemia presentes. A colangioepatite supurativa
aguda pode resultar, ocasionalmente, em sepse grave e morte.
Lesões: Nos casos agudos, o fígado fica edemaciado, macio e pálido. Focos supurativos podem ficar visíveis abaixo da cápsula ou na superfície de corte. As lesões nos outros sistemas podem refletir sepse e icterícia. Microscopicamente, nos
casos agudos, encontramse neutrófilos nas tríades portais e parênquima degenerado. Exsudato purulento tornase evidente nos ductos. Na colangioepatite subaguda ou crônica, a inflamação é mais proliferativa e a proliferação dos ductos
biliares é mais marcante. Podem ficar evidentes áreas de atrofia, hiperplasia regenerativa e fibrose periporta.
DIAGNÓSTICO: Devese realizar uma biopsia hepática para confirmar o diagnóstico e para se obter amostra para cultura aeróbica e anaeróbica e antibiograma. Os diagnósticos diferenciais incluem as outras causas de hepatopatias agudas a
crônicas, perda de peso, cólica ou sepse. Havendo sinais neurológicos, doenças cerebrais devem ser consideradas. Como a colangioepatite está associada, frequentemente, à colelitíase nos equinos, devese descartar a presença de um ou
mais cálculos.
TRATAMENTO: O tratamento baseado nos resultados de cultura e de antibiograma muitas vezes fornece resultados favoráveis. A terapia consiste na administração, a longo prazo, de antimicrobianos (= 4 a 6 semanas), terapia de suporte com
fluidoterapia IV e manejo da encefalopatia hepática, quando presente. Inicialmente, os antimicrobianos de amplo espectro efetivos contra organismos gramnegativos, gram–positivos e anaeróbicos devem ser administrados. Uma
combinação de penicilina com sulfatrimetoprima ou com um aminoglicosídio ou com enrofloxacino pode ser utilizada. Ampicilina ou uma cefalosporina podem ser utilizadas no lugar da penicilina. O metronidazol pode ser utilizado em
equinos para combater as bactérias anaeróbicas. A terapia antimicrobiana pode ser alterada, dependendo dos resultados de cultura do tecido obtido via biopsia hepática. O prognóstico é bom se a fibrose não é grave, mas é pobre nos casos
de fibrose periporta grave ou fibrose septal.
Doença de Tyzzer
A doença de Tyzzer, causada por Clostridium piliforme, ocasiona hepatite necrosante aguda, miocardite e colite em potros com 8 a 42 dias de idade (ver p. 200). Há relato em dois bezerros – um macho da raça Jersey com 1 semana de idade
com enterite e hepatite necrosante aguda e outro com criptosporidiose concomitante e enterite por coronavírus. No último animal, C. piliforme foi identificado em hepatócitos e epitélio e células de músculos lisa do íleo e do ceco. Os sinais
clínicos incluem hipofagia, fraqueza generalizada, apatia e diminuição da eliminação fecal.
Hemoglobinúria Bacilar (Doença da água vermelha, Icteroemoglobinúria)
Clostridium novyi tipo D (C. haemolyticum) é o microrganismo anaeróbico que causa a hemoglobinúria bacilar nos bovinos, nos outros ruminantes e, raramente, nos equinos. Ver p. 660 quanto a achados clínicos, diagnóstico e controle.
Hepatite Necrótica Infecciosa (Doença negra)
A hepatite necrótica infecciosa, causada pelo Clostridium novyi tipo B, afeta principalmente os ovinos, mas também bovinos, equinos e suínos. Ver p. 661 quanto a achados clínicos, lesões e controle.
Rinopneumonite Equina
A rinopneumonite equina causada pelo herpesvírus equino 1 é uma causa esporádica de pneumonia intersticial, hepatopatias e, habitualmente, morte nos potros recémnascidos. Ver p. 1574 quanto a achados clínicos, diagnóstico e
tratamento.
HEPATITE CRÔNICA ATIVA
O termo hepatite crônica ativa descreve qualquer processo inflamatório progressivo no fígado. Tratase de um diagnóstico histopatológico no qual há evidências de hepatopatia crônica, agressiva e prolongada. O diagnóstico histológico é,
geralmente, colangioepatite, pois a resposta inflamatória ocorre, principalmente, na área periporta.
ETIOLOGIA: A exata etiologia é desconhecida. Acreditase que se envolvam processos infecciosos, imunomediados ou tóxicos. Os estágios iniciais associamse com inflamação dos ductos biliares e de áreas portais hepáticas. A extensão de
uma infecção bacteriana via ductos biliares ou veias portais drenantes podem ser responsáveis pelas lesões nos animais com colangioepatite supurativa. Quando os linfócitos e os plasmócitos predominam no infiltrado celular, tornase mais
provável um processo imunomediado. Várias causas de insuficiência hepática aguda podem progredir para hepatite crônica ativa.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos predominantes são perda de peso, anorexia, depressão e letargia. Icterícia, alterações comportamentais, diarreia, fotossensibilização e hemorragia encontramse variavelmente presentes. A febre pode
ser persistente ou intermitente, dependendo do grau da colangioepatite e da fibrose existentes. Pode ocorrer dermatite na banda coronária do casco, com descolamento cutâneo regional. Doença abdominal recente ou concomitante é, muitas
vezes, relatada. A duração dos sinais clínicos varia, estendendose por dias a meses. Sinais neurológicos podem aparecem abruptamente embora haja evidências histológicas de doença crônica. A GGT e a AP ficam moderadamente
aumentadas, assim como a SDH e a glutamatodesidrogenase, o que indica lesões contínuos nos hepatócitos. Nos casos de fibrose hepática acentuada, a atividade enzimática pode permanecer normal e as concentrações de BUN e de
albumina podem diminuir. A proteína total sérica pode estar aumentada ou normal. As globulinas, em geral, elevam–se. A concentração sérica de ácidos biliares totais aumenta e a depuração de BSP® fica prolongada. A colestase pode
causar hiperbilirrubinemia, com > 25% da bilirrubina total sendo a direta. Com a diminuição da função hepática, a glicemia e os fatores de coagulação diminuem e os tempos de protrombina em um estágio e de tromboplastina parcial
ativado prolongamse. As concentrações de amônia podem estar elevadas. Pode haver uma neutrofilia ou neutropenia com desvio à esquerda se ocorrer endotoxemia. A anorexia pode levar à hipopotassemia. A ultrassonografia geralmente
revela aumento na ecogenicidade hepática, indicando fibrose hepática. O fígado pode estar menor que o normal.
Lesões: Macroscopicamente, o fígado tornase firme, com coloração marrompálida a verde e, com frequência, pequeno. Podemse observar marcações irregulares na superfície de corte. As lesões histológicas predominam nas áreas
periportais. A infiltração de células inflamatórias pode consistir, primariamente, de células mononucleares, neutrófilos com bactérias (muitas vezes coliformes) ou linfócitos e plasmócitos. O tipo do infiltrado pode indicar a natureza do
processo patológico primário. A hiperplasia biliar pode ser acentuada, na presença de colangioepatite. Há graus variados de necrose e fibrose.
DIAGNÓSTICO: Necessitase exame histológico de amostra obtida por biopsia hepática para o diagnóstico definitivo. O tecido também deve ser cultivado embora, em muitos casos, não se identifiquem isolados significativos.
TRATAMENTO: Devese propiciar terapia de suporte, inclusive fluidoterapia com cloreto de potássio, glicose e suplementação vitamínica; manejo alimentar (dieta pobre em proteínas, rica em aminoácidos de cadeia ramificada e em
carboidratos) e prevenção de exposição ao sol, estando presente uma fotodermatite.
Corticoterapia foi utilizada com sucesso em equinos com infiltrado linfoplasmocitário na amostra de biopsia hepática. Sabidamente, os esteroides agem aumentando o apetite, estabilizam as membranas celulares e reduzem a inflamação e
formação de tecido conjuntivo. Protocolos terapêuticos diferentes, que utilizam prednisolona e dexametasona, são recomendados. Um protocolo recomendado envolve a administração inicial de 0,04 a 0,08 mg de dexametasona/kg por 4 a 7
dias, seguida de redução gradual da dose em até 2 a 3 semanas, dependendo da resposta à terapia. A prednisolona (0,5 a 1 mg/kg, VO, 1 vez/dia) pode ser necessária por 2 a 4 semanas adicionais. O risco de se induzir laminite ou aborto em
animais prenhes, com os corticosteroides, deve ser discutido com o proprietário, antes de se iniciar a terapia. Alternativamente, recomendase um agente antifibrótico, a colchicina (0,03 mg/kg/dia, VO), mas ainda não se comprovou sua
eficácia em insuficiência hepática e segurança em animais prenhes. As reações adversas possíveis à colchicina, nos equinos, incluem laminite, diarreia e, raramente, supressão da medula óssea afetando todas as linhagens celulares. Mal
estar, vômitos, diarreia, dor abdominal, miopatia, alopecia e supressão de medula óssea já foram descritos em humanos e outras espécies. Outros fármacos recomendados para deter ou reduzir a fibrose são pentoxifilina (7,5 mg/kg, VO, 2
vezes/dia) e SAMe (5 g, VO, 1 vez/dia). Nos casos complicados, com colangioepatite séptica, antimicrobianos de amplo espectro são recomendados. Idealmente, uma terapia antimicrobiana devese basear em cultura bacteriana e
antibiograma da amostra coletada por biopsia.
PROGNÓSTICO: O prognóstico é variável e melhor baseado na biopsia hepática e na resposta à terapia. O prognóstico é reservado a bom nos animais com lesões menos graves, especialmente nos animais com infiltrado celular linfocítico
plasmocitário que respondam bem a uma terapia com corticosteroides; contudo, o prognóstico é ruim em equinos com insuficiência hepática, fibrose disseminada e perda do parênquima hepático normal.
HEPATOTOXINAS
As hepatotoxinas induzem toxicidade por um ou mais mecanismos: necrose periacinar (centrolobular), necrose na zona média, necrose periporta, colestase, hiperplasia biliar, alteração gordurosa ou hidrópica próxima de zonas necróticas ou
obstrução venosa. Insuficiência hepática fatal pode ocorrer se a lesão inicial é aguda e grave. Mais comumente, a lesão hepática por toxinas é subaguda ou crônica. Nos processos crônicos, o resultado a longo prazo poderá ser uma cirrose.
Várias hepatotoxinas, especialmente as vegetais, exercem efeitos tóxicos em vários órgãos, particularmente nos rins, nos pulmões e no trato gastrintestinal.
O diagnóstico definitivo pode ser difícil. Pode ser necessária anamnese cuidadosa, inspeção do ambiente, exames laboratoriais, biopsia hepática ou necropsia para determinar o agente ofensor. Em intoxicações agudas por plantas,
evidências de plantas hepatotóxicas no conteúdo gástrico ou no rúmen podem ser observadas.
Os antídotos específicos contra as hepatotoxinas são limitados. A remoção dos animais da fonte de hepatotoxinas tornase essencial para diminuir uma exposição adicional. A administração de absorbantes (p. ex., carvão ativado) ou
laxantes (p. ex., óleo mineral e sulfato de magnésio) ou uma ruminotomia podem diminuir a absorção de elementos tóxicos nas intoxicações agudas. Essas substâncias podem não ser úteis em intoxicações crônicas (ou seja, a intoxicação
pelo alcaloide pirrolizidínico), nas quais o agente tóxico é ingerido por semanas a meses antes dos sinais da doença se tornarem evidentes. A terapia de suporte inclui a correção dos distúrbios eletrolíticos, metabólicos e de glicose via
fluidoterapia e manejo alimentar. A encefalopatia hepática deve ser controlada. Se há fotossensibilização, a luz solar deve ser evitada. Podemse considerar antimicrobianos para evitar uma piodermite secundária. O prognóstico é reservado
e depende da hepatotoxina em particular.
Causas Químicas e Medicamentosas de Hepatopatia Tóxica
Quanto à intoxicação por alcatrão de hulha, ver p. 3118.
INTOXICAÇÃO POR FERRO: Os potros recém–nascidos (< 3 dias de idade) são especialmente sensíveis ao ferro, devido às elevadas concentrações séricas de ferro, ao aumento na capacidade de absorver ferro e à supersaturação de
transferrina ao nascimento. Nos equinos adultos, o ferro injetável aumenta a concentração de ferro corporal mais substancialmente que a maioria dos suplementos orais. A intoxicação por ferro foi relatada em bezerros e touros jovens
tratados com citrato de amônio férrico, sozinho ou em combinação com gliconato ferroso.
Os potros que recebem ferro ao nascimento, especialmente antes de ingerirem o colostro, podem desenvolver intoxicação aguda com sinais clínicos de encefalopatia hepática em 2 a 5 dias, e um desfecho fatal. As concentrações séricas
de bilirrubina e de amônia se elevam e o tempo de protrombina se prolonga. As alterações nas enzimas hepáticas séricas são variáveis. Nos equinos adultos, a intoxicação aguda, embora menos comum, pode causar irritação intestinal e
colapso cardiovascular com morte súbita. Sinais de insuficiência hepática mais crônica, inclusive perda de peso, icterícia e depressão podem ser observados com administrações orais repetidas de ferro. As fontes possíveis de excesso de
ferro incluem suplementação inapropriada, forragens ricas em ferro, ferro injetável e lixiviação de ferro na água ou nos alimentos. Os bezerros intoxicados por ferro apresentam tremores, vocalização, bruxismo, cólicas e convulsões.
As lesões hepáticas são variáveis. Muitos fígados tornamse friáveis e edemaciados ou contraídos. O fígado fica com uma coloração castanhopálida ou mosqueada de marrom–avermelhado. Podemse encontrar hemorragias no
estômago, intestinos e bexiga.
O diagnóstico baseiase no histórico de suplementação com ferro, nos sinais clínicos e nas lesões observadas durante a necropsia. As concentrações séricas e hepáticas de ferro podem permanecer normais ou elevadas. Nos equinos, as
concentrações normais de ferro no soro e no tecido hepático são 66 a 204 μg/dl e 100 a 300ppm, respectivamente. Como a concentração sérica de ferro tem pouca relação com o depósito de ferro total, as concentrações séricas de ferritina
são melhor utilizadas como estimativa do ferro total.
O tratamento é, geralmente, de suporte, com suplementações hídrica e nutricional. É improvável que uma terapia queladora com deferoxamina obtenha sucesso, tanto na intoxicação aguda por ferro como na hemocromatose crônica.
Flebotomias repetidas foram tentadas em casos de hemocromatose. O prognóstico é pobre.
INTOXICAÇÃO POR COBRE: A intoxicação por cobre aguda com necrose hepática grave e morte pode ser observada em bovinos 1 a 4 dias após a administração de sais de cobre. A intoxicação por cobre ocorre em ovinos e bezerros jovens,
após excessivo consumo dietético de cobre e nos cabritos jovens alimentados com sucedâneo lácteo de bezerro contendo cobre. A anormalidade primária associada à intoxicação por cobre é anemia hemolítica, bem como lesões hepáticas.
Nos camelídeos, a ingestão de concentrações inapropriadas de ferro na dieta resulta em morte aguda com poucos sinais antemorte e sem evidência de crise hemolítica (Ver p. 3116).
DIVERSOS PRODUTOS QUÍMICOS E MEDICAMENTOS ASSOCIADOS À HEPATOTOXICIDADE: A exposição a tetracloreto de carbono, hidrocarbonetos clorados, hexacloretano, dissulfeto de carbono, arsênico, monensina, pentaclorofenóis, fenol,
paraquat, halotano (caprinos, lhamas), isoflurano, fenobarbital, ácido tânico, edetato dissódico de cobre e altas doses de ivermectina podem causar necrose centrolobular e insuficiência hepática. O fósforo causa, principalmente, alterações
periportais. Nos grandes animais, pode surgir hepatite ativa tendendo a cirrose após o uso de isoniazida, nitrofurano, halotano, ácido acetilsalicílico ou dantroleno. Eritromicina, rifampicina, esteroides anabolizantes, tranquilizantes
fenotiazinas, alguns diuréticos, sulfato de quinidina e diazepam estão associados à colestase e icterícia.
Intoxicação por Algas Verdeazuladas
Hepatotoxicose aguda pode ser observada após ingestão de cianobactérias hepatotóxicas. (Ver p. 3002).
Micotoxicoses
As aflatoxinas e as fumonisinas podem causar lesão e insuficiência hepáticas em ruminantes, suínos e equinos. A intoxicação por Fusarium é a micotoxicose que mais comumente ocasiona insuficiência hepática nos equinos, enquanto as
aflatoxinas só provocam, esporadicamente, insuficiência hepática nessa espécie (Ver p. 3062).
Plantas Hepatotóxicas
INTOXICAÇÃO POR ALCALOIDE PIRROLIZIDÍNICO: A intoxicação por alcaloide pirrolizidínico é mais uma hepatopatia progressiva crônica, mas também pode ocorrer intoxicação aguda (Ver p. 3140).
INTOXICAÇÃO PELO CAPIM MACARICAM: O capim macaricam (Panicum coloratum) pode provocar intoxicação em equinos e ruminantes. Essa intoxicação é um problema no sudoeste dos EUA, desde o final da primavera até o início do
outono. As plantas jovens em crescimento são mais perigosas, devido ao seu teor mais elevado de sapogenina, acreditando ser este o princípio tóxico. Observase uma síndrome semelhante nos equinos do leste dos EUA, que pastejam ou
são alimentados com fenos contendo altas concentrações de capim do gênero Panicum.
Os sinais clínicos incluem icterícia, fotossensibilidade, cólica e febre intermitentes, perda de peso e encefalopatia hepática. A fotossensibilidade pode ocorrer ao redor da banda coronária do casco e causar claudicação. As lesões
compreendem fibrose hepática e portal e hiperplasia biliar. As concentrações de GGT, bilirrubina e amônia aumentam. Os ovinos com fotossensibilidade causada por ingestão de capim macaricam apresentam, comumente, um material
cristalino nos ductos e canalículos biliares e nos macrófagos.
O diagnóstico presuntivo de hepatopatia induzida por plantas baseiase no histórico de exposição a plantas e vários animais acometidos em uma fazenda ou em uma área. Os animais acometidos devem ser removidos da fonte de capim
macaricam, alimentados com feno de boa qualidade e protegidos da luz solar. Nos casos graves, podese precisar de um tratamento local da fotodermatite, com cremes antimicrobianos ou hidratantes.
INTOXICAÇÃO POR TREVO HÍBRIDO: O trevo híbrido (Trifolium hybridium) provoca duas síndromes em equinos criados nos EUA e Canadá: fotossensibilização (trifobíase) e intoxicação por trevo híbrido (“doença do fígado grande”). O
trevo híbrido cresce bem em solo argiloso e há relato de maior prevalência de intoxicação nas estações úmidas. A doença é mais observada quando se ingere o broto da planta e a forragem oferecida predominante é o trevo híbrido. O
princípio tóxico é uma fototoxina não identificada. A fotossensibilidade já foi descrita em equinos, ovinos, bovinos e suínos.
A fotossensibilidade pelo trevo também é conhecida como “envenenamento pelo orvalho”, pois ocorre, na maioria das vezes, quando as pastagens de trevo e a pele do equino se encontram úmidos. Caracterizase por uma pele
avermelhada após exposição ao sol, seguida de necrose seca da pele ou edema e secreção serosa. Muitas vezes, o focinho, a língua e os pés estão acometidos. Se a estomatite é grave, notase anorexia e perda de peso.
A intoxicação por trevo híbrido pode ser fatal, com perda progressiva da condição corporal e sinais de insuficiência hepática e distúrbios neurológicos. Observamse cólica, diarreia e outros sinais de distúrbios GI. Os equinos
comprometidos podem ficar acentuadamente deprimidos ou excitados. Em geral, há necessidade de exposição prolongada antes que os sinais de insuficiência hepática se tornem evidentes. As alterações no perfil bioquímico sérico incluem
aumento das atividades de GGT e AST e hiperbilirrubinemia; a bilirrubina direta, frequentemente, corresponde a = 25% da bilirrubina total.
O diagnóstico presuntivo de hepatopatia induzida por plantas baseiase no histórico de exposição a plantas e de vários animais acometidos em uma fazenda ou área. Os equinos nos quais a fotossensibilização é o achado principal, podem
se recuperar rapidamente, após transferidos para uma pastagem livre de trevo híbrido. Os equinos com estomatite ou dermatite grave necessitam terapia suporte e tratamento local das lesões, até que cicatrizem.
LUPINOSE MICOTÓXICA: A lupinose micotóxica é uma doença muito difundida em ovinos e bovinos que consomem tremoços contendo uma micotoxina hepatotóxica produzida pelo fungo Phomopsis leptostromiformis. Ver p. 3081 quanto
aos achados clínicos, diagnóstico e controle.
INTOXICAÇÃO POR XANTHIUM (CARDO): Os cardos, inclusive Xanthium strumarium, podem ser encontrados em todo o mundo. A intoxicação é mais frequente após ingestão do palatável estágio de sementeira com duas folhas ou de sementes
do chão. Os carrapichos são altamente tóxicos, mas raramente ingeridos. A planta adulta é menos tóxica e não palatável. O princípio tóxico é a carboxiatractilosida, que afeta diretamente o fígado.
Horas após a ingestão da toxina, suínos, bovinos e equinos desenvolvem sinais de depressão, náuseas, fraqueza, ataxia e temperatura abaixo do normal. Podem ocorrer espasmos nos músculos cervical, vômitos, dispneia e convulsões.
Pode ocorrer morte dentro de horas do início dos sinais. Os animais que sobrevivem ao envenenamento agudo inicial frequentemente desenvolvem hepatopatia crônica.
Os animais intoxicados requerem terapia de suporte intensiva. Podem ser administrados, por via VO, óleo mineral ou carvão ativado para retardar a absorção do princípio tóxico. Também se recomenda fisostigmina (5 a 30 mg IM).
HEPATOTOXICOSE CAUSADA POR DIVERSAS PLANTAS: As hepatotoxinas são encontradas em várias plantas, inclusive Nolina texana, Agave lecheguilla, Phyllanthus abnormis e Lantana camara. (Ver plantas de pastagem da América do
Norte temperada, p. 3162).
HIPERLIPEMIA E LIPIDOSE HEPÁTICA
EPIDEMIOLOGIA E PATOGÊNESE: A baixa qualidade dos alimentos ou a diminuição no consumo alimentar, particularmente durante um período de alta demanda energética (p. ex., prenhez e doença sistêmica), pode resultar em síndrome
hiperlipêmica. A hiperlipemia é mais comum em pôneis, equinos miniatura e asininos e menos frequente nos equinos adultos de tamanho padrão. A patogênese da hiperlipidemia é complexa, com o balanço energético negativo disparando
uma mobilização excessiva de ácidos graxos do tecido adiposo, acarretando aumento na síntese hepática de triglicerídios e na secreção de lipoproteínas de densidade muito baixa, hipertrigliceridemia concomitante e infiltração de gordura
no fígado. A etiologia bioquímica da hiperlipidemia baseiase na superprodução de triglicerídios, em vez de falha no catabolismo dos triglicerídios.
O início da doença está associado a estresse, diminuição no consumo alimentar, mobilização e deposição de gordura no fígado e superprodução de triglicerídios, que pode ser precipitada por resistência à insulina. Nos pôneis, a
hiperlipemia geralmente é um processo patológico primário associado à obesidade, prenhez, lactação, estresse ou transporte. A hiperlipemia pode ocorrer secundariamente a qualquer doença sistêmica que resulte em anorexia e balanço
energético negativo. A hiperlipemia secundária é mais comum que a primária, nas raças miniatura. A hiperlipemia secundária a uma doença sistêmica pode ser observada em equinos de qualquer idade e em qualquer condição. As mulas
estressadas e obesas encontramse em maior risco de desenvolvimento de hiperlipemia, independentemente do estado de prenhez. A hiperlipemia é observada mais no inverno e na primavera.
Alpacas e lhamas podem desenvolver hiperlipemia e cetonúria nos estágios finais da gestação ou secundariamente a processos patológicos. Os camelídeos adultos e mesmo as crias jovens são suscetíveis à lipidose hepática durante
estados de doença.
Esteatose hepática é uma doença metabólica complexa constatada principalmente em vacas leiteiras. Há ampla discussão do assunto em outra parte deste livro (ver p. 1090).
Nos caprinos, a lipidose hepática foi associada à deficiência de cobalto. As lesões histológicas são compatíveis com aquelas características de doença do fígado branco dos ovinos.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos são inespecíficos, variados e podem não indicar perda da função hepática. Incluem letargia, fraqueza, inapetência, diminuição no consumo hídrico e diarreia. Muitas vezes há histórico de anorexia
prolongada, perda de peso rápida e obesidade anterior. Emaciação, edema ventral, cólica e tremores podem ser observados. Os exames bioquímicos séricos e os testes de coagulação nos equinos miniatura e nos pôneis com hiperlipemia
indicam que o prejuízo na função hepática é comum. Os animais acometidos apresentam o sangue grosseiramente leitoso e plasma lipêmico. As concentrações sanguíneas de todos os lipídios estão aumentadas, especialmente os
triglicerídios, ácidos graxos não esterificados e lipoproteínas de densidade muito baixa. Os asininos apresentam concentrações plasmáticas de triglicerídios mais altas que os outros equídeos. A hipoglicemia é um achado comum nos pôneis,
mas não nos equinos miniatura com hiperlipemia. A concentração de ácidos biliares totais e a depuração de BSP® frequentemente permanecem normais, mas a depuração de BSP® pode ficar prolongada em alguns animais. O tempo de
tromboplastina parcial ativada e o tempo de protrombina em um estágio podem estar prolongados. AST e SDH podem permanecer normais ou ficarem aumentadas. Aumento na creatinina, isostenúria e acidose metabólica podem ocorrer
secundariamente a uma doença renal. Os valores de BUN e de creatinina tornamse variáveis. A anorexia pode levar à hipopotassemia. Os animais podem ficar neutropênicos, com aumento de neutrófilos bastonetes. Há relato de pancreatite
concomitante.
O aumento prolongado nas concentrações séricas de triglicerídios está associada ao acúmulo de lipídios no fígado, nos rins, no miocárdio e na músculos esquelética, prejudicando a função desses órgãos. O fígado e os rins tornamse
friáveis e morte pode resultar de uma ruptura hepática aguda.
Alpacas e lhamas podem desenvolver hiperlipemia e cetonúria nos estágios finais de gestação ou secundárias a estados patológicos. Os sinais clínicos inespecíficos incluem letargia, anorexia e decúbito. Hipertrigliceridemia,
hipercolesterolemia, aumento na atividade de SDH, acidose metabólica, azotemia e cetonúria podem ser observados. Podese desenvolver insuficiência renal secundária. Os camelídeos parecem ser semelhantes aos equinos (hiperlipemia) e
aos bovinos (cetose), em sua resposta a um desequilíbrio energético grave no final da gestação. Lipidose hepática é a doença hepática mais comum encontrada em lhamas e alpacas. Camelídeos de várias idades e necessidades energéticas
são suscetíveis, e a patogênese é multifatorial. Achados clínicos comuns incluem anorexia, perda de peso, altas concentrações de ácidos biliares, ácidos graxos não esterificados, e βhidroxibutirato, aumento de GGT e AST e
hipoproteinemia.
Lesões: O fígado e os rins se apresentam, muitas vezes, pálidos, edemaciados e friáveis, com textura gordurosa. Microscopicamente, ocorrem graus variados de deposição gordurosa dentro dos hepatócitos e do epitélio dos ductos biliares. Os
sinusoides hepáticos podem parecer comprimidos e anêmicos, com grave infiltração gordurosa. As lesões macro e microscópicas do processo patológico primário podem predominar nos pôneis e nos equinos.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico clínico baseia–se, muitas vezes, na anamnese, nos sinais clínicos e na observação macroscópica de uma coloração branca a amarelada do plasma, em equídeos. Concentração plasmática ou sérica de
triglicerídios > 500 mg/dl confirma o diagnóstico. O colesterol também pode estar elevado, indicando aumento de lipoproteínas. Ácidos graxos não esterificados, lipoproteínas de densidade muito baixa e βhidroxibutirato também podem
estar elevados. As evidências laboratoriais de disfunção hepática sustentam o diagnóstico.
TRATAMENTO: Correção da doença primária, fluidoterapia IV e suporte nutricional são fundamentais no tratamento de hiperlipemia. O suporte nutricional reverte o equilíbrio energético negativo, aumenta a concentração sérica de glicose,
promove a liberação de insulina endógena e inibe a mobilização do tecido adiposo periférico. Solução eletrolítica poliônica contendo glicose suplementar (50 g/h/450 kg) e potássio (20 a 40 mEq de cloreto de potássio/l) deve ser
administrada, por via intravenosa, aos animais hipoglicêmicos e hipopotassêmicos. A administração de glicose pode causar hiperglicemia refratária nos animais com resistência à insulina. As concentrações de glicose, a função renal, débito
urinário e as concentrações séricas eletrolíticas devem ser monitorados rigorosamente. Fluidoterapia IV e glicose devem ser administradas, cuidadosamente, em camelídeos com lipidose hepática, pois muitos já apresentam hipoproteinemia
e a regulação de glicose em camelídeos, muitas vezes, é desafiadora. Administração em bolus de fluidos IV em vez de infusão contínua pode ser mais efetiva para manutenção da hidratação sem exacerbar a hipoproteinemia existente.
Preferese dieta enteral voluntária se o animal consume quantidade adequada de alimentos nutricionalmente adequados; no entanto, muitos não o fazem. Preferemse refeições frequentes, com dieta rica em carboidratos e pobre em
gorduras. Nos animais com um consumo inadequado, tornase necessária a alimentação suplementar por sonda. As formulações enterais ricas em calorias, no mercado disponíveis, proporcionam um adequado suporte nutricional a curto
prazo. Também se encontram disponíveis receitas caseiras com líquidos para alimentação por sonda em equinos. Alimentações frequentes e em pequenas quantidades não necessárias para preencher as exigências calóricas sem sobrecarga
do trato gastrintestinal. Os animais devem ser observados após cada alimentação quanto a sinais de desconforto abdominal. Peso corporal, consumo hídrico total e consistência fecal devem ser monitorados, diariamente. Nos animais que
sobrevivem, a hiperlipemia geralmente se resolve em 5 a 10 dias, mas a alimentação enteral deve continuar até que o consumo alimentar voluntário seja adequado. A suplementação nutricional enteral e o tratamento da doença primária,
muitas vezes é bemsucedida na reversão da hiperlipemia em equinos miniatura e asininos, mas não nos pôneis.
Hiperlipemia, equino. Plasma lipêmico (direita). Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.
Para os equinos totalmente anoréticos, podese utilizar dieta parenteral. Devese preterir a porção lipídica da solução. A glicemia deve ser monitorada 2 vezes/dia, para se assegurar que a euglicemia seja mantida e se evitar uma
hiperglicemia substancial (= mg/dl).
Em camelídeos, a dieta parenteral parcial com suplementação enteral pode ser utilizada para manutenção de ingestão energética adequada e minimizar a mobilização adicional de gordura. Devido ao diferente metabolismo dos
camelídeos, os produtos da dieta parenteral devem conter quantidades de aminoácidos (relativos a calorias não proteicas) mais altas que as formulações tradicionais utilizadas em outras espécies. As concentrações de glicose devem ser
cuidadosamente monitoradas, como nos animais que não assimilam de maneira satisfatória a glicose exógena.
Recomendase administração de insulina exógena para o tratamento de hiperglicemia e hiperlipemia iatrogênicas. A insulina diminui a mobilização do tecido adiposo periférico por estimulação da atividade da lipoproteína lipase e pela
inibição da atividade da lipase hormôniosensível dos adipócitos. Ainda não se estabeleceu bem a dose apropriada de insulina a ser utilizada nos equinos. Quando se utiliza insulina, devese monitorar, com rigor, a resposta à terapia e ajustar
a dose de insulina de acordo com a necessidade. A administração de insulina pode falhar em abaixar os triglicerídios séricos ou as concentrações de glicose nos animais hiperlipêmicos, na presença de um estado resistente à insulina. A
insulinoterapia não está bem documentada em camelídeos, mas foi efetiva no tratamento de lhamas com lipidose hepática.
A heparina é utilizada no tratamento de hiperlipemia, porque promove a utilização periférica de triglicerídios e potencializa a lipogênese por intermédio da estimulação da atividade da lipoproteína lipase. A heparina pode ser
administrada por via intravenosa ou SC, com dosagens recomendadas de 40 a 100 UI/kg, 2 vezes/dia. O uso da heparina é questionável em animais comprometidos com aumento na produção hepática de triglicerídios e nenhum prejuízo na
sua remoção periférica. A administração de heparina pode potencializar as complicações hemorrágicas e é contraindicada para animais com coagulopatias decorrentes de disfunção hepática.
Indicase suplementação nutricional para evitar hiperlipemia nos equinos miniaturas e asininos, pôneis, equinos e camelídeos com doença sistêmica associada à hipofagia e altas demandas metabólicas.
PROGNÓSTICO: Os parâmetros bioquímicos clínicos não são indicadores prognósticos úteis de sobrevivência em pôneis com hiperlipemia. A morte decorrente de hiperlipemia é rara em raças miniaturas. Na maioria dos casos, a
sobrevivência depende da capacidade de se tratar a doença primária de forma bem sucedida. O prognóstico é, muitas vezes, pobre para pôneis, equinos de tamanho padrão e camelídeos.
NEOPLASIA HEPÁTICA
Os tumores hepáticos primários são incomuns em equinos e ruminantes. Incluem carcinoma hepatocelular, colangiocarcinoma e, raramente, linfoma, hepatoblastoma (potros, equinos jovens e crias de alpacas) e hamartoma misto. O
colangiocarcinoma é o mais comum e principalmente encontrado em equinos de meiaidade ou mais velhos. Os carcinomas hepáticos surgem a partir dos hepatócitos, ductos biliares ou de metástases. Os carcinomas hepatocelulares,
geralmente, são encontrados nos equinos de 1 ano até adultos jovens e também já foram descritos em lhamas e caprinos. Os adenomas ou os adenocarcinomas hepáticos foram descritos nos bovinos. O fibrossarcoma hepático e o carcinoma
de ducto biliar com metástase nos pulmões foram relatados nos caprinos. Eritrocitose, extensas áreas de hematopoese extramedular e metástases na cavidade torácica foram descritas em equinos com hepatoblastoma.
O linfossarcoma corresponde à neoplasia mais comum do sistema hematopoético dos equinos. Cerca de 37% dos equinos com linfossarcoma possuem envolvimento neoplásico esplênico, e 41%, envolvimento neoplásico hepático. Já se
descreveu metástase de linfossarcoma hepático em bovinos, lhamas, alpacas e caprinos.
Os achados clínicos predominantes em casos de carcinoma hepático são letargia e perda de peso. Também pode haver aumento progressivo do abdome, eritrocitose, hipoglicemia persistente, icterícia e insuficiência hepática. O
colangiocarcinoma causa perda de peso acentuada antes do início da insuficiência hepática. As enzimas hepatocelulares e biliares podem aumentar nos casos de carcinoma hepático ou de colangiocarcinoma. A atividade sérica de GGT, nos
equinos acometidos, costuma ficar bastante alta. Os carcinomas hepatocelulares são caracteristicamente uniformes em sua aparência, no exame ultrassonográfico.
As manifestações clínicas de linfossarcoma nos equinos são variáveis. No início da doença, observamse sinais inespecíficos, tais como perda de peso, anorexia e letargia. O linfoma pode, ocasionalmente, infiltrarse difusamente no
fígado e provocar sinais de insuficiência hepática, icterícia e depressão grave. Os achados laboratoriais incluem hipoglicemia, aumentos leves a moderados nas enzimas hepáticas, hiperbilirrubinemia e concentrações anormalmente baixas
de IgM. O exame ultrassonográfico ajuda a detectar neoplasias esplênicas e hepáticas. Nos ruminantes, os sinais decorrentes do crescimento tumoral em outros órgãos (linfonodos, abomaso, coração, útero, medula espinal) são, muitas
vezes, mais predominantes.
A presença e o tipo da neoplasia hepática podem ser confirmados por uma biopsia hepática e exame microscópico do tecido. Podemse observar linfócitos atípicos ou linfoblastos no fluido peritoneal e no sangue periférico de alguns
animais acometidos. Aumento na concentração sérica de afetoproteína pode sustentar o diagnóstico de hepatoblastoma; contudo, não é conclusivo, pois concentrações mais elevadas também podem ser observadas no carcinoma
hepatocelular.
SÍNDROMES HIPERBILIRRUBINÊMICAS
Síndrome de DubinJohnson
A síndrome de DubinJohnson é observada esporadicamente em pessoas e em ovinos da raça Corriedale. Tratase de uma falha da bilirrubina conjugada em adentrar os canalículos biliares. A excreção de bilirrubina e de outros ânions
orgânicos conjugados pode se tornar prejudicada. Os ovinos podem ficar ictéricos ou mostrar hiperbilirrubinemia. Nos ovinos corriedale acometidos, as concentrações séricas de bilirrubina conjugada e não conjugada aumentam, podendo a
depuração de BSP® e a excreção de ácidos biliares ficarem atrasadas. Histologicamente, os hepatócitos contêm um pigmento escuro semelhante à melanina.
Síndrome de Gilbert
A síndrome de Gilbert tratase de uma hiperbilirrubinemia congênita observada em humanos, herdada como um gene autossômico dominante, e em ovinos da raça Southdown. Compreende uma hiperbilirrubinemia não conjugada, com
meiavida eritrocitária normal. Suspeitase de um defeito nas proteínas transportadoras ou na enzima de conjugação. Ovinos da raça Southdown acometidos apresentam aumento das concentrações plasmáticas de bilirrubina conjugada e não
conjugada. A depuração hepática da bilirrubina é incompleta e os ovinos comprometidos não conseguem excretar a BSP® na bile. A icterícia é variável. Não há lesão histopatológica, exceto pigmento nos hepatócitos.
DOENÇAS HEPÁTICAS DIVERSAS
Amiloidose Hepática
A amiloidose referese a uma doença caracterizada pelo depósito extracelular de amiloide, uma substância fibrilar proteinácea, no tecido. O depósito de amiloide dentro de um órgão distorce a arquitetura normal do tecido e, possivelmente,
sua função. Nos equinos, o fígado e o baço são os órgãos mais comumente acometidos pela amiloidose sistêmica. Amiloidose sistêmica reativa ou secundária com deposição de fibrilas de amiloide A (AA) no fígado foi associada a
parasitismo grave e infecção ou inflamação crônicas em equinos.
Atresia Biliar
Atresia biliar (extrahepática) foi descrita em potros e em um cordeiro neonato. Com 1 mês de idade, os potros acometidos apresentaram anorexia, depressão, letargia, crescimento deficiente, cólica, polidipsia, poliúria, pirexia e icterícia.
GGT e bilirrubina séricas notadamente aumentadas e SDH levemente elevada sustentaram o diagnóstico de obstrução biliar. O diagnóstico de atresia biliar foi confirmado durante a necropsia.
Atrofia do Lobo Hepático Direito em Equinos
O lobo direito do fígado dos equinos corresponde ao maior lobo nos animais jovens, mas com frequência sofre atrofia nos animais idosos e se torna fibroso. A atrofia do lobo hepático direito era, antigamente, considerada um achado post
mortem acidental, mas alguns autores a consideram uma condição patológica.
Temse proposto que a atrofia do lobo hepático direito resulta de compressão crônica nessa porção hepática pelo cólon dorsal direito e base do ceco. Alimentar os equinos com dietas ricas em concentrado e pobres em fibras pode
contribuir para atonia do cólon dorsal direito, com consequente distensão; essa distensão comprime o lobo hepático direito contra a superfície visceral do diafragma. Embora não ocorra nenhuma evidência morfológica de prejuízo vascular
direto no lobo hepático direito, um comprometimento vascular pode se dar secundariamente à compressão. Em caso de cronicidade, prejudicase a circulação portal para o lobo direito, resultando em anoxia hepática, privação de nutrientes e
atrofia gradual do lobo direito hepático. Nenhuma evidência de doença do trato biliar foi notada. Cólica pode ser observada. Alguns equinos podem apresentar sinais não relacionados com o trato gastrintestinal.
Colangite
Doenças da vesícula biliar são raras em ruminantes. A obstrução pode estar associada à fasciolose hepática, corpos estranhos, abscessos, neoplasia, colecistite supurativa ou necrose da gordura abdominal. Ruptura da vesícula biliar foi
relatada em uma vaca. Colangite (inflamação do sistema biliar) foi descrita em equinos com hepatite crônica ativa. Alterações comportamentais discretas, perda de peso, cólica variada, icterícia e alterações nas enzimas hepáticas podem ser
observadas em equinos acometidos. O tratamento consiste no uso prolongado de antimicrobianos e terapia de suporte, quando indicada.
Fibrose Hepática Congênita
Um estudo retrospectivo de arquivos da Universidade de Berne, Instituto de Patologia Animal, identificou 30 potros freiberger suíços com lesões patológicas compatíveis com fibrose hepática congênita. Os potros acometidos apresentavam
de 1 a 12 meses de idade (média de 3,7 meses). A maioria mostrava sinais e alterações clinicopatológicas refletindo lesão hepático grave. Análises dos pedigrees demonstraram a afecção voltada a um garanhão. Os resultados sugeriram que
a fibrose hepática congênita em equinos freiberger suíços está recessivamente relacionada com um defeito genético autossômico. Uma condição semelhante foi relatada em um bezerro.
Hemocromatose
A hemocromatose é uma doença de armazenamento de ferro, na qual se deposita hemossiderina nas células parenquimais, causando lesões e disfunção ao fígado e em outros tecidos. A doença é tanto primária (idiopática) quanto secundária.
É descrita no homem, nos mainás, nos bovinos da raça Salers e nos equinos.
ETIOLOGIA: Nos bovinos da raça Saler, a afecção parece ser uma condição de homozigose recessiva com absorção intestinal de ferro inadequada, armazenamento hepático excessivo e perda eventual da função hepática. Nos equinos, não há
evidência de tendência familiar ou de excesso de ferro consumido na dieta. Preferivelmente, parece haver cirrose hepática com sobrecarga de ferro secundária. Em ambos, equinos e bovinos, o ferro em excesso depositase no fígado.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Nos equinos, os sinais clínicos principais englobam perda de peso, letargia e anorexia intermitente. Nos bovinos, os sinais são diminuição no ganho de peso, má condição corporal, pelame opaco e diarreia.
Em ambas as espécies, as enzimas hepáticas estão elevadas, inclusive GGT, fosfatase alcalina, AST e SDH. As concentrações séricas de ácidos biliares totais aumentam nos equinos e a concentração sérica de ferro, a capacidade de
conjugação de ferro total (CCFT) e a saturação porcentual da CCFT permanecem, em geral, normais. Em alguns casos, ferro e ferritina séricos podem estar aumentados, mas a CCFT não está saturada. Nos bovinos, o ferro sérico total, a
CCFT e a saturação de transferrina aumentam. O teor de ferro no tecido hepático aumenta demasiadamente nos equinos (normal de 100 a 300 ppm) e nos bovinos (normal de 84 a 100 ppm). Hepatomegalia e acúmulo de hemossiderina no
fígado, nos linfonodos, pâncreas, baço, tireoide, rins, cérebro e tecido glandular estão tipicamente presentes.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico baseiase na anamnese, sinais clínicos e achados laboratoriais. O achado de hemossiderina abundante nos hepatócitos, no exame histopatológico de uma biopsia hepática, sustenta o diagnóstico. Altas
concentrações de ferro no tecido hepático em animais sem histórico de excessivo consumo de ferro ajudam a confirmar o diagnóstico. Os diagnósticos diferenciais incluem intoxicação por ferro decorrente de fontes exógenas e doenças que
causam perda de peso crônica e disfunção ou doença hepática.
TRATAMENTO: As flebotomias para remover sangue e reduzir os depósitos de ferro são utilizadas no tratamento de pessoas com hemocromatose. Tratamento semelhante em equinos e bovinos não foi efetivo. A deferoxamina também é
empregada em pessoas para induzir equilíbrio iônico negativo e reduzir a velocidade na qual o ferro se acumula. Ainda não se avaliou o seu efeito em bovinos e equinos.
Hiperamonemia em Potros da Raça Morgan Desmamados
Uma síndrome de depressão, deficiência no desenvolvimento e de hiperamonemia, com grau variado de envolvimento hepático é descrita em potros da raça Morgan. Têmse descrito potros acometidos, mas a causa da síndrome é
indeterminada. Os sinais clínicos são, em geral, observados pela primeira vez próximo ao desmame. A encefalopatia pode melhorar, temporariamente, mas recidiva após a interrupção do tratamento. As enzimas hepáticas e as concentrações
de amônia aumentam. A concentração de bilirrubina permanece, habitualmente, normal. Lesões hepáticas incluem fibrose portal e septal, hiperplasia do ducto biliar, cardiomegalia e citomegalia. A doença é fatal.
Hiperamonemia Primária em Equinos Adultos
Nesta síndrome de hiperamonemia, notamse cegueira e sinais neurológicos graves em equinos adultos. A etiologia é desconhecida, mas suspeitase de um problema intestinal primário acompanhado de supercrescimento de bactérias
produtoras de urease no intestino.
A síndrome quase sempre está associada a enteropatia, diarreia ou cólica. Diarreia e, em alguns casos, enteropatia perdedora de proteína podem persistir por vários dias. Na maioria das vezes, diarreia ou cólica precedem os sinais
neurológicos em 24 a 48 h. As anormalidades laboratoriais incluem aumento nas concentrações sanguíneos de amônia (200 a 400 μm/l, acidose metabólica grave, baixa concentração plasmática de bicarbonato (= 12 mEq/l) e hiperglicemia
profunda (250 a 400 mg/dl). As concentrações séricas de enzimas hepáticas, de ácidos biliares totais e de bilirrubina permanecem normais.
Na maioria dos equinos, os sinais neurológicos resolvemse dentro de 2 a 3 dias com um tratamento de suporte (fluidoterapia IV, cloreto de potássio, glicose e bicarbonato de sódio) e administração de drogas para reduzir a absorção de
amônia (lactulose, neomicina).
Insuficiência Hepática em Potros
A insuficiência hepática em potros neonatos pode ser decorrente de sepse (especialmente causada por Actinobacillus equuli), endotoxemia, asfixia perinatal, infecção por Leptospira pomona, herpesvírus equino tipo 1, obstrução do ducto
hepático secundária a obstrução gastroduodenal, atresia biliar e intoxicação por ferro. Úlceras gástricas e duodenite em potros podem causar estenoses duodenais e subsequente colangioepatite por estase biliar. A isoeritrólise neonatal e
hemólise podem causar hepatopatia por hipoxia e por colestase. A administração de dieta parenteral total pode causar colestase e hepatopatia concomitante.
Shunt (Desvio) Portossistêmico
Shunt portossistêmico é observado em potros e bezerros. Hiperamonemia e sinais neurológicos resultam de disfunção hepática com poucas evidências laboratoriais ou microscópicas de hepatopatia.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sinais clínicos são vistos pela primeira vez quando os potros acometidos apresentam cerca de 2 meses de idade e começam a ingerir grandes quantidades de grãos e forragem. Os sinais neurológicos
incluem andar cambaleante e errante, cegueira, andar em círculos e convulsões. Crescimento deficiente e sinais neurológicos intermitentes (ataxia, fraqueza, depressão, bruxismo e tenesmo) foram relatados em bezerros com 2 a 3 meses de
idade. As concentrações séricas de enzimas hepáticas costumam permanecer normais. As concentrações de amônia e de ácidos biliares totais aumentam e a depuração de BSP® fica prolongada.
O fígado encontrase, muitas vezes, pequeno, com superfície lisa, coloração e consistência normais. Microscopicamente, os hepatócitos se apresentam pequenos. As veias portas nas tríades portais podem ser pequenas ou ausentes. As
artérias hepáticas se tornam proeminentes e múltiplas.
DIAGNÓSTICO: Devese suspeitar de shunt portossistêmico em potros ou bezerros que exibam episódios repetidos de sinais cerebrais sem razões óbvias. Os sinais clínicos podem ser mais acentuados e estão associados à alimentação.
Cateterização da veia mesentérica e realização de portograma ou de cintigrafia nuclear pode confirmar o local do shunt. Em alguns casos, o desvio pode ser notado durante o exame ultrassonográfico do fígado.
TRATAMENTO: A correção cirúrgica pode ser realizada em animais nos quais o local do shunt possa ser identificado, mas o prognóstico é reservado. Em alguns potros, os sinais clínicos podem ser controlados por meio de restrição do
consumo proteico e de cuidadoso manejo dietético. Pode–se administrar, oralmente, neomicina ou lactulose para diminuir a produção de amônia dentro do intestino. Terapia de suporte com fluidos poliônicos, potássio e dextrose pode ser
necessária para auxiliar a diminuir os sinais neurológicos.
Torção do Lobo Hepático
A torção do lobo hepático pode causar cólica nos equinos. As enzimas hepáticas e o fibrinogênio aumentam, mas a análise do fluido abdominal tornase variável. Bactérias, inclusive Clostridium spp, podem ser encontradas na porção
necrótica do fígado. Uma celiotomia exploratória pode ser necessária para o diagnóstico.
DOENÇAS DA CAVIDADE BUCAL EM GRANDES ANIMAIS
Estomatite
Estomatite é um sinal clínico de muitas doenças, em grandes animais. Traumatismo bucal ou contato com produtos químicos irritantes (p. ex., equinos que lambem os membros após contato com substâncias cáusticas) pode resultar em
estomatite transitória. Lesão traumática por ingestão de haste de cevada, capim raboderaposa, capim porcoespinho e capim lanciforme, bem como ingestão de plantas infestadas com taturanas, também provocam estomatite em equinos e
bovinos.
Geralmente, os sinais clínicos associados à estomatite ativa aguda incluem ptialismo, disfagia ou relutância à realização do exame bucal. O animal deve ser sedado para facilitar a inspeção da cavidade bucal, a qual deve ser examinada,
cuidadosamente, com um espéculo e uma fonte de luz. As úlceras devem ser inspecionadas e palpadas para verificar se há corpo estranho (p. ex., capim). Se a causa é a ingestão de material estranho, a alteração da qualidade e da quantidade
do feno ou a remoção do animal de um pasto com capim pode resultar em recuperação.
Os diagnósticos diferenciais incluem actinobacilose, febre aftosa, febre catarral maligna e diarreia viral bovina. As doenças epidêmicas, como doença da língua azul em ruminantes, doença vesicular suína e estomatite vesicular nos
equinos, precisam ser diferenciadas das outras formas agudas de estomatite não infecciosa ou contagiosa.
Estomatite Papilar
Papilomas virais são notados ao redor dos lábios e da boca em animais jovens, especialmente em bovinos com 1 mês a 2 anos de idade. Em alguns rebanhos, a taxa de prevalência pode ser de 100%. As lesões são tipicamente
esbranquiçadas ou róseas, elevadas e de aspecto proliferativo. A maioria dos papilomas se cura espontaneamente. No entanto, em alguns casos, as lesões podem se unir e formar massas esteticamente desagradáveis e os proprietários podem
requisitar seu tratamento.
A excisão cirúrgica de massas maiores pode ser cosmeticamente aceitável; ademais, reduz o tempo de recuperação. Lesões pequenas também podem ser desbridadas ou curetadas manualmente para estimular o sistema imune. Outras
modalidades terapêuticas, incluindo criocirurgia e uso de vacinas autógenas, podem ser efetivas. A maioria dos papilomas desaparece ao longo do tempo.
Glossoplegia (Paralisia da Língua)
A glossoplegia ou paralisia da língua é rara. Em equinos, as causas incluem posicionamento incorreto das pinças obstétricas em neonatos durante parto distócico, estrangulamento, infecções do trato respiratório inferior, meningite,
botulismo, encefalomielite, leucoencefalomalácia, encefalomielite protozoária equina e abscessos cerebrais. Qualquer enfermidade que lesione o nervo hipoglosso (XII nervo craniano), que é o principal nervo motor dos músculos da língua,
pode ocasionar glossoplegia. Os neonatos com glossoplegia precisam ser monitorados cuidadosamente para assegurar que sejam capazes de se alimentar. Caso necessário, em potros acometidos devese introduzir uma sonda nasogástrica
para administração de colostro ou aplicação IV de plasma para evitar falha na imunidade passiva. Os potros incapazes de manter a hidratação podem necessitar fluidoterapia IV e medicação antiinflamatória (p. ex., fenilbutazona, flunixino
meglumina ou dexametasona). A profilaxia contra úlcera gástrica também é indicada. Se a enfermidade persiste > 10 dias após o nascimento, o prognóstico quanto à recuperação da função normal é reservado. Doenças inflamatórias e
traumatismos também podem resultar em glossoplegia transitória. Ocasionalmente, os equinos submetidos a procedimentos dentários prolongados envolvendo tração excessiva da língua podem predispor à glossoplegia temporária. O
prognóstico de glossoplegia depende da resposta do animal ao tratamento da doença primária.
Estomatite papilar bovina. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.
Nos bovinos, a glossoplegia pode acompanhar actinobacilose grave (p. 628). Pode ocorrer paralisia total da língua acompanhada de necrose da ponta da língua. Tais enfermidades são ocasionalmente observadas em surtos em lotes de
bovinos de engorda e podem ser decorrências de estomatite viral primária.
Intoxicação por Eslaframina
Esta intoxicação é causada pela ingestão de forragens, principalmente de trevo, infectadas pelo fungo Rhizoctonia leguminicola, que produz o alcaloide tóxico eslaframina. Geralmente, o único sinal clínico é ptialismo abundante. Os
animais acometidos não manifestam evidência de úlcera ou de outras lesões bucais. Há resolução do ptialismo quando o animal é afastado das forragens envolvidas. Os diagnósticos diferenciais em grandes animais (em especial nos
ruminantes) incluem doença da língua azul, estomatite vesicular, exantema vesicular e febre aftosa.
Lacerações Labiais
Ferimentos nos lábios e nas bochechas são frequentes em equinos. As causas mais comuns são trauma externo ou secundário ao uso de freios ou dispositivos de contenção. As lacerações labiais podem ser acompanhadas de fraturas ósseas
na região dos dentes incisivos ou mandíbula, com ou sem fraturas e avulsões dentárias. Isso ocorre quando um equino apanha um objeto com a boca e puxa para trás quando se assustam. As lacerações labiais sem envolvimento ósseo ou
dentário podem ser suturadas e, geralmente, com bom resultado. Devido à vascularização da região, a cicatrização é rápida. As lacerações que cicatrizam por segunda intenção podem resultar em fístula orocutânea, que pode necessitar
ressecção ou sutura da ferida primária. Raramente, pode ser necessário enxerto cutâneo ou mucoso para tratar fístula orocutânea.
Neoplasias
Neoplasias bucais e labiais, além de papilomas virais, são incomuns e incluem melanomas, sarcoides e carcinoma de célula escamosa. Equino tordilho pode desenvolver melanoma, os quais podem se infiltrar nas comissuras bucais e
originar placas tumorais rígidas e espessas que podem não ser detectadas até se encontrem em estágio bem avançado. As formas verrucosas, fibroblásticas e sésseis ou planas do sarcoide equino podem acometer a cavidade bucal e os lábios.
Devese empregar laser com dióxido de carbono para remover melanomas de cavidade bucal e lábios. Não é necessária a remoção completa dos melanomas bucais ou labiais para uma recuperação bemsucedida. Além disso, alguns
equinos podem responder à terapia oral com cimetidina. A excisão cirúrgica de sarcoides pode ser realizada com sucesso utilizandose laser com dióxido de carbono. Além da ressecção com laser, pode–se administrar cisplatina
intratumoral para reduzir o risco de recidiva. Criocirurgia é outra modalidade terapêutica aceita. O carcinoma de célula escamosa pode ser de difícil tratamento devido ao seu caráter invasivo. A remoção cirúrgica com laser com dióxido de
carbono, seguida da aplicação intratumoral de cisplatina, pode ser efetiva em alguns casos. Independente do tratamento, o prognóstico quanto à resolução completa do carcinoma de célula escamosa bucal é de reservado a ruim (ver p. 926).
DOENÇAS DO ABOMASO EM GRANDES ANIMAIS
As doenças do abomaso incluem deslocamento do abomaso à esquerda (DAE), deslocamento do abomaso à direita (DAD), vólvulo do abomaso (VA), úlcera e impactação. Deslocamento e vólvulo ocorrem comumente em vacas leiteiras,
mas também em bezerros e touros de raças leiteiras. Ao contrário de VA, o deslocamento do abomaso é raro em bovinos de corte e praticamente não é diagnosticado em pequenos ruminantes. As úlceras são observadas em bovinos de leite e
de corte e em bezerros e cordeiros; raramente são notadas em pequenos ruminantes. A impactação pode ser primária, mais frequente em bovinos de corte, ou secundária, mais comum em vacas leiteiras, como forma de indigestão vagal. Em
alguns ovinos de cara preta, a causa da impactação pode ser hereditária.
DESLOCAMENTO DO ABOMASO À ESQUERDA OU À DIREITA E VÓLVULO DE ABOMASO
Como o abomaso é sustentado frouxamente pelos omentos maior e menor, ele pode se deslocar de sua posição normal, na parte ventral direita abdominal, para o lado esquerdo ou direito (DAE ou DAD) ou pode girar em seu eixo
mesentérico durante o deslocamento à direita ou lateralmente ao fígado (VA). O abomaso pode se desviar de sua posição normal, deslocandose para à esquerda ou à direita, em um período relativamente curto. O VA pode se desenvolver
rápida ou lentamente, a partir de um DAD não corrigido.
ETIOLOGIA: Embora DAE, DAD e VA (também denominado torção direita do abomaso) sejam frequentemente considerados separadamente, há evidência de etiologia comum; podem ser manifestações diferentes da mesma doença ou um
quadro clínico semelhante.
A etiologia é multifatorial, mas acredita–se que a hipomotilidade do abomaso e a disfunção do sistema nervoso intrínseco tenham participação importante no desenvolvimento de deslocamento ou vólvulo. Os fatores contribuintes
importantes incluem hipomotilidade do abomaso associada à hipocalcemia e doenças concomitantes (mastite, metrite) associadas à endotoxemia e redução do preenchimento ruminal, alterações na posição dos órgãos intraabdominais no
periparto e predisposição genética, particularmente em vacas robustas. A predisposição genética está relacionada com a produção de leite, indicando que as técnicas atuais de seleção para produção leiteira aumentam a prevalência de
deslocamento de abomaso. A hipomotilidade também está relacionada com o consumo de dieta com alto teor de concentrado e baixa quantidade de volumoso, que reduz a motilidade do abomaso por um mecanismo pouco conhecido, que
pode envolver hiperinsulinemia ou aumento da concentração de ácidos graxos voláteis. Além disso, dieta rica em concentrado provoca aumento linear da produção gasosa (predominantemente dióxido de carbono, metano e nitrogênio).
Dessa forma, cetose clínica e subclínica aumentam o risco de deslocamento do abomaso por um mecanismo não conhecido, que pode estar associado à redução do preenchimento ruminal.
Cerca de 80% dos casos de deslocamento ocorrem um mês após o parto; no entanto, podem ocorrer em qualquer momento. DAE é muito mais comum do que DAD (30:1); casos de VA são também mais comuns do que DAD (10 DAE
para 1 VA). VA é precedido de DAD.
PATOGÊNESE: No DAE, em razão da hipomotilidade do abomaso e da produção de gases, o abomaso parcialmente distendido com gás se desloca dorsalmente, ao longo da parede abdominal esquerda, lateral ao rúmen. O fundo e a curvatura
maior do abomaso se deslocam primeiramente que, por sua vez, causa deslocamento de piloro e duodeno. Omaso, retículo e fígado também giram em graus variáveis. A obstrução do abomaso é parcial e embora o segmento contenha gás ou
líquido, alguma quantidade de ingesta pode sair e a distensão raramente é grave. Pelo fato de haver interferência mínima no suprimento sanguíneo, exceto quando há distensão gasosa acentuada, os efeitos do deslocamento se devem apenas
à interferência na digestão e na passagem do alimento, o que causa diminuição do apetite e desidratação.
Alcalose metabólica discreta com hipocloremia e hipopotassemia é comum. Alcalose metabólica hipoclorêmica ocorre devido à hipomotilidade do abomaso, secreção contínua de ácido clorídrico no interior do abomaso e obstrução
parcial do fluxo do abomaso, com sequestro de cloreto no abomaso e refluxo ao rúmen. Ocorre hipopotassemia devido à ingestão diminuída de alimentos ricos em potássio, sequestro de potássio no abomaso e desidratação. Cetose
secundária é comum e pode ser complicada pelo desenvolvimento de esteatose hepática (lipidose hepática; p. 1090).
A) Topografia normal dos órgãos do abdome esquerdo, em vaca. B) Deslocamento do abomaso à esquerda. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu. Adaptado, com autorização, de DeLahunta e Habel, Anatomia Veterinária Aplicada, W.B. Saunders, 1986.
No DAD, notamse hipomotilidade, produção de gases e deslocamento do abomaso parcialmente preenchido com gás, como acontece no DAE. Também, instalase discreta alcalose metabólica hipoclorêmica e hipopotassêmica. Após
essa fase de dilatação, a rotação do abomaso em seu eixo mesentérico resulta em vólvulo, prejuízo à circulação e isquemia local (obstrução estrangulante hemorrágica). Geralmente, o vólvulo ocorre em sentido antihorário, quando o animal
é visto por trás e pelo lado direito. O omaso deslocase medialmente e pode estar envolvido no desenvolvimento de vólvulo, com obstrução do suprimento sanguíneo (denominado vólvulo omasoabomasal) e deslocamento de fígado e
retículo. Em casos raros, o retículo pode estar envolvido (denominase vólvulo retículoomasoabomasal). Há acúmulo de grande quantidade de líquido com alto teor de cloro (até 50 L) no abomaso e instalase alcalose metabólica
hipopotassêmica e hipoclorêmica. O suprimento sanguíneo ao abomaso é comprometido, assim como ao duodeno proximal e ao omaso; por fim, resulta em necrose isquêmica do abomaso, bem como desidratação e insuficiência
circulatória. À medida que a enfermidade progride, a acidose metabólica devido à elevada concentração sanguínea de Llactato e a azotemia se sobrepõem à alcalose metabólica preexistente.
ACHADOS CLÍNICOS: O histórico típico de deslocamento inclui anorexia (mais comum a falta de apetite por grãos com apetite diminuído ou até normal para volumoso) e diminuição na produção leite (em geral significativa, mas não tão
drástica quanto na reticuloperitonite traumática ou em outras causas de peritonite). No VA notase anorexia, redução progressiva marcante da produção de leite e rápido agravamento do quadro clínico. No deslocamento de abomaso,
geralmente a temperatura e as frequências cardíaca e respiratória são normais. A parte posterior do gradil costal, no lado do deslocamento, pode parecer “saltada”. No deslocamento a hidratação parece subjetivamente normal, exceto em
alguns casos crônicos. A motilidade ruminal pode permanecer normal, mas geralmente há redução na frequência e na força de contração. A quantidade de fezes diminui e são mais líquidas que o normal.
O achado físico diagnóstico mais importante é um som de “ping” na auscultação e percussão simultâneas do abdome, que devem ser realizadas na área delimitada por uma linha que une a tuberosidade isquiática ao cotovelo e deste em
direção ao joelho. O “ping” característico de DAE localizase com maior frequência na área entre a 9a e a 13a costela, no terço médio a superior abdominal esquerdo; no entanto, esse “ping” pode ser mais ventral ou mais caudal, ou ambos.
O “ping” associado a acúmulo de gás no rúmen geralmente é mais dorsal, menos ressonante e se estende mais caudalmente à fossa paralombar esquerda. A palpação retal pode confirmar a presença de rúmen preenchido por gás ou
extremamente vazio, que está relacionado com o “ping” ruminal, nesses casos. Os “pings” associados a pneumoperitônio são menos ressonantes, são notados em ambos os lados do abdome e sua localização é variável em repetidas
avaliações. Frequentemente, desenvolvese cetose secundária e notase cetona na urina e no leite. Cetose associada a deslocamento do abomaso responde apenas transitoriamente ao tratamento e ocorre recidiva (diferentemente da cetose
primária, que se desenvolve no início da lactação em vacas de alta produção e a resposta à terapia é permanente, se instituída precocemente) (ver cetose, p. 1075).
O “ping” associado a DAD também se localiza mais comumente na área entre a 10a e a 13a costela. Em alguns casos, a diferenciação entre as várias causas de “ping” no lado direito é difícil, embora um som de “ping” cranial à 10a costela
geralmente indica VA devido ao deslocamento do fígado medialmente pelo órgão distendido. Um “ping” discreto no lado direito subjacente à 12a ou 13a costela e que se estende para frente, até a 10a costela, é comum nas vacas com íleo
funcional, decorrente de várias causas. Este “ping” geralmente está mais associado à presença de gás no cólon ascendente e se resolve com a correção da doença primária. Dilatação e rotação de ceco caracterizamse por um “ping” no lado
direito. Este som estendese pela fossa paralombar dorsal, no caso de dilatação cecal e geralmente localizase mais caudalmente (exatamente na fossa paralombar), no caso de rotação do ceco, em comparação com o “ping” notado no DAD.
Palpação retal é útil na diferenciação entre DAD e dilatação ou rotação do ceco. Outros sons no lado direito são produzidos por pneumoperitônio ou gás no reto, cólon descendente, duodeno ou útero.
É possível ouvir ruídos de movimentação de líquidos ou ruído metálico de gases, espontâneos, à auscultação da área do “ping” ou com balotamento e auscultação simultâneos do abdome (sucussão). Na palpação retal, os achados
característicos de DAE incluem deslocamento medial do rúmen e do rim esquerdo. Raramente o abomaso é palpável no DAE e apenas ocasionalmente no DAD.
Os sinais clínicos associados a vólvulo do abomaso são mais graves do que os associados a deslocamento simples, em razão do comprometimento vascular. No entanto, pode ser difícil diferenciar vólvulo do abomaso inicial de um DAD,
exceto pela presença de um “ping” do lado direito, cranial à 10a costela (indicando deslocamento medial do fígado por vólvulo do abomaso) e posição anatômica verificada em uma cirurgia. Ao contrário dos casos de deslocamento, um
animal com VA apresenta taquicardia proporcional à gravidade da enfermidade. A área de “ping” geralmente é maior (estendese para frente, até a 8a costela) e a quantidade de líquido notado pela aplicação de sucussão é maior. O animal
fica mais deprimido e se desenvolvem sinais de fraqueza, toxemia e desidratação, à medida que a doença progride. A extensão caudal do abomaso geralmente encontrase palpável por VR. Sem terapia, o animal geralmente deita dentro de
48 a 72 h após o desenvolvimento do vólvulo. A morte ocorre por choque e desidratação, sendo súbita se o abomaso isquêmico se rompe.
DIAGNÓSTICO: No deslocamento ou vólvulo, o diagnóstico baseiase na constatação de “ping” característico à auscultação e percussão simultâneas e na exclusão de outras causas desses sons no lado esquerdo ou direito. Ultrassonografia
pode ser útil para confirmar o diagnóstico de DAE, DAD ou VA, mas não permite diferenciar seguramente DAD de VA. Parto recente, anorexia parcial e diminuição da produção de leite sugerem deslocamento. Cetose, que responde apenas
temporariamente ao tratamento, é compatível com deslocamento de abomaso, que pode ser intermitente. Os sintomas típicos notados no exame físico (além do “ping”), palpação retal e avaliação laboratorial também sustentam o
diagnóstico. Melena ou sinais de peritonite (p. ex., febre, taquicardia, dor abdominal localizada e pneumoperitônio) com DAE podem indicar sangramento ou úlcera de abomaso perfurada, respectivamente.
TRATAMENTO: Podemse utilizar técnicas fechadas (percutâneas) e abertas (cirúrgicas) para corrigir os deslocamentos. Rolar a vaca em um arco de 70° após deitála com o lado direito para baixo corrige a maioria dos DAE; no entanto,
recidiva é muito provável. DAE pode ser corrigido cirurgicamente utilizandose omentopexia pilórica no flanco direito, abomasopexia paramediana direita, abomasopexia paralombar esquerda, laparoscopia paramediana nos flancos
esquerdo e direito associadas (procedimento em dois momentos) ou laparoscopia no flanco esquerdo (procedimento em um momento). As técnicas de sutura às cegas (técnica de fixação toggle pin ou de “agulha comprida” [laço de fio
cego]) realizadas na região paramediana direita, são métodos percutâneos de correção de DAE; entretanto, não se sabe onde é a localização exata da sutura. Podem ocorrer complicações potencialmente fatais após a técnica de sutura às
cegas e a taxa de sucesso relatada é menor do que a da correção cirúrgica por omentopexia pilórica no flanco direito. No caso de fixação toggle pin podese mensurar o pH para confirmar se o pino encontrase dentro do abomaso, o que
reduz o risco de se fixar rúmen, intestino delgado ou omento à parede corporal, em vez do abomaso. DAD e VA são corrigidos cirurgicamente (utilizandose omentopexia na fossa paralombar direita), quando economicamente viável. A
abomasopexia paramediana direita deve ser usada apenas para correção de DAD e VA em bovinos incapazes de ficar em pé.
O tratamento auxiliar de animais com deslocamento inclui terapia de qualquer doença concomitante (p. ex., metrite, mastite e cetose). Em muitos casos, borogliconato de cálcio, por via SC, ou gel de cálcio VO, ajudam a restabelecer a
motilidade normal do abomaso. A administração de eritromicina (10 mg/kg, IM) no momento da cirurgia aumenta a taxa de esvaziamento abomasal e a produção de leite no pós–operatório imediato. Como a correção cirúrgica de
deslocamento ou vólvulo do abomaso frequentemente é realizada na fazenda, o efeito procinético da eritromicina sugere que seu uso seja preferível quando há necessidade de antibiótico para controlar infecção intraoperatória.
No deslocamento simples, as anormalidades hidreletrolíticas se corrigem espontaneamente com o acesso à água e a um bloco de sal mineral. O fornecimento de água com eletrólitos (60 g de cloreto de sódio e 30 g de cloreto de potássio
em 19L de água), via sonda gástrica, é útil nos casos crônicos. Os animais com desidratação e desequilíbrio metabólico significativos requerem terapia IV, sendo tipicamente administrada solução salina hipertônica (5 ml de NaCl 7,2%/kg
IV, ao longo de 5 min).
Ocasionalmente, os animais com deslocamento ou vólvulo do abomaso apresentam fibrilação atrial, que se acredita ter origem metabólica. A correção do deslocamento ou do vólvulo quase sempre resulta em melhora da fibrilação atrial
em 1 semana.
O tratamento agressivo de cetose tem importante papel no sucesso do tratamento do deslocamento do abomaso, uma vez que a maioria das mortes de bovinos após correção cirúrgica de DAD e DAE se deve às consequências metabólicas
da anorexia prolongada.
O prognóstico após correção de DAE ou DAD simples é favorável, com taxa de sobrevivência de 95%. O prognóstico de VA é variável e menos favorável (taxa de sobrevivência média de 70%); alta frequência cardíaca, desidratação
moderada a grave, período prolongado de doença, grande quantidade de líquido no abomaso e presença de vólvulo omasoabomasal ou retículoomasoabomasal, estão associados a prognóstico ruim.
PREVENÇÃO: A prevalência de deslocamento pode ser reduzida propiciando rápido aumento do volume ruminal após o parto; fornecendo ração mista completa, em vez de grãos, 2 vezes/dia (“dieta leve”); evitando alterações bruscas na
dieta; mantendo quantidade adequada de volumoso na dieta; evitando hipocalcemia pósparto; e minimizando e tratando imediatamente as doenças concomitantes, inclusive cetose.
IMPACTAÇÃO ALIMENTAR NO ABOMASO
Impactação do abomaso ocorre em vacas de corte prenhes, nos meses de inverno, quando o animal diminui a ingestão de água e recebe volumoso de baixa qualidade. Também acomete bovinos em lote de engorda alimentados com várias
rações mistas que contêm volumosos picados ou triturados (palha e feno) e grãos de cereais, bem como em vacas leiteiras em final de gestação alimentadas da mesma forma. A impactação do antro pilórico é uma enfermidade pouco
diagnosticada em vacas leiteiras, em início de gestação.
ETIOLOGIA: A causa não é conhecida, mas considerase ser o consumo excessivo de volumoso com baixo teor de proteínas digestíveis e de energia. Pode ocorrer impactação por areia, se os bovinos são alimentados com feno ou silagem em
solos arenosos, ou com cereais com raiz, arenosos ou sujos. Os surtos podem envolver até 15% das vacas prenhes da fazenda, quando a temperatura atinge 26°C, ou menos, por vários dias. Provavelmente, a causa em vacas após o parto
está relacionada com a hipomotilidade do abomaso.
PATOGÊNESE: A patogênese não é conhecida, mas está relacionada com a alimentação. Uma vez que ocorre impactação do abomaso, há obstrução subaguda do trato GI superior. Íons de hidrogênio e cloro são secretados continuamente no
interior do abomaso, apesar da impactação e, assim, instalase atonia e alcalose com hipocloremia. Ocorrem graus variáveis de desidratação, pois os líquidos não passam do abomaso para o duodeno, para a absorção. O sequestro de íons
potássio no abomaso resulta em hipopotassemia. Também ocorrem desidratação, alcalose, desequilíbrio eletrolítico e inanição progressiva. A impactação do abomaso pode ser suficientemente grave para causar atonia irreversível do
abomaso.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Anorexia, fezes escassas, distensão abdominal moderada, perda de peso e fraqueza geralmente são os sinais iniciais. A temperatura corporal em geral permanece normal, mas pode estar abaixo do normal em
clima frio. Uma secreção nasal mucoide tende a se acumular na parte externa das narinas e no focinho; geralmente, o focinho fica seco e com fissuras devido à impossibilidade do animal lamber suas narinas e ao efeito da desidratação. A
frequência cardíaca pode aumentar e discreta desidratação é comum.
Na maioria das vezes, o rúmen apresentase com atonia e distendido, com conteúdo seco, mas pode conter excesso de líquido se a vaca recebe alimentos finamente triturados. O pH do fluido ruminal geralmente permanece normal (6,5 a
7). A atividade e a quantidade de protozoários no rúmen variam de normais a acentuadamente reduzidas (no exame microscópico, em pequeno aumento). O abomaso impactado situase geralmente no quadrante inferior direito, no assoalho
abdominal. Palpação profunda e percussão forte no flanco direito podem indicar uma massa firme e extensa (abomaso impactado) e estimular um mugido (como acontece na reticuloperitonite traumática aguda), provavelmente devido à
distensão do abomaso e ao estiramento de sua serosa.
Os bovinos gravemente acometidos morrem 3 a 6 dias após o início dos sintomas. Em alguns casos, o abomaso se rompe e ocorre morte súbita devido à peritonite difusa aguda e ao choque, em poucas horas. Na impactação com areia,
notase perda de peso considerável, diarreia crônica com areia nas fezes, fraqueza, decúbito e morte em poucas semanas.
Alcalose metabólica, hipocloremia, hipopotassemia, hemoconcentração e contagens total e diferencial de leucócitos dentro da faixa de variação normal são comuns. À necropsia, o abomaso geralmente encontrase aumentado de volume
(até 8 vezes o tamanho normal) e impactado, com um conteúdo seco semelhante ao do rúmen. O omaso pode se encontrar da mesma forma, aumentado de volume e impactado. O rúmen geralmente encontrase muito aumentado de volume
e preenchido com conteúdo seco ou líquido. A parte do trato GI além do piloro está tipicamente vazia, com aparência ressecada. Também, há graus variáveis de desidratação e emaciação. No caso de ruptura de abomaso notamse lesões de
peritonite difusa aguda. Nas vacas leiteiras em início de lactação ocorre apenas impactação do antro pilórico.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico clínico baseia–se no histórico alimentar, nas evidências clínicas de impactação e nos resultados de exames laboratoriais. A doença deve ser diferenciada de impactação secundária do abomaso, como uma forma
de indigestão vagal.
A impactação do abomaso como complicação de reticuloperitonite traumática geralmente é notada no final da prenhez, sendo comum em apenas um animal. Podese constatar, ou não, febre discreta e mugido durante palpação profunda
da cartilagem xifoide. O rúmen apresenta aumento de volume, sendo possível verificar aumento de motilidade (no início) ou atonia (no final). Em muitos casos, é impossível distinguir as duas causas de impactação do abomaso, sendo
necessária laparotomia pelo flanco direito para explorar o abdome quanto à presença de lesões peritoneais.
TRATAMENTO: O desafio é identificar os casos que respondem ao tratamento e aqueles que não, ou seja, definir os animais que devem ser submetidos à eutanásia imediatamente. O prognóstico em vacas fracas, com abomaso gravemente
impactado e com taquicardia acentuada (100 a 120 bpm) é ruim. O tratamento medicamentoso geralmente requer a confirmação do diagnóstico por meio de laparotomia no lado direito. Nas vacas tratadas, devese corrigir alcalose
metabólica, hipocloremia, hipopotassemia e desidratação. Podemse utilizar lubrificantes na tentativa de movimentar o material impactado; é necessário esvaziar o abomaso cirurgicamente apenas em bovinos com impactação grave. Deve
se infundir continuamente, por via IV, solução eletrolítica balanceada por até 72 h, na dose diária de 80 a 120 ml/kg. Algumas vacas respondem bem a essa terapia e começam a ruminar e defecar em 48 h.
O óleo mineral deve ser administrado na dose de 4 L/dia, por 3 dias. Com alternativa, o sulfossuccinato sódico de dioctila (SSD) pode ser administrado no interior do abomaso durante a laparotomia pelo flanco direito, com o animal de
pé, na forma de 60 a 100 ml de solução 25%/450 kg de peso corporal. Esta dose não deve ser administrada por via oral, pois o SSD destrói os protozoários do rúmen. Não se pode esperar uma resposta benéfica em < 24 h; nos bovinos que
respondem, geralmente notase no final do terceiro dia de tratamento. Eritromicina (10 mg/kg, IM, 1 a 2 vezes/dia) pode ser administrada como procinético em bovinos que não melhoram após a cirurgia, sabendose que o óleo mineral foi
fornecido e que não há obstrução física detectada durante a cirurgia.
Podese realizar cirurgia, mas os resultados geralmente não são bons, provavelmente pela atonia do abomaso, que parece piorar após a cirurgia. A alternativa pode ser rumenotomia com intuito de esvaziar o rúmen e infundir óleo mineral
diretamente no abomaso, através do orifício retículoomasal, na tentativa de amolecer e estimular a evacuação do conteúdo do abomaso. Bovinos com impactação secundária que se desenvolve como sequela de reticuloperitonite traumática
ou VA geralmente manifestam sinais de indigestão vagal e a impactação do abomaso pode ser diagnosticada no momento da cirurgia exploratória.
A indução do parto com dexametasona (20 mg IM) pode ser indicada em vacas acometidas duas semanas antes do final da gestação, nas quais não se obteve sucesso com o tratamento por poucos dias. A parição pode auxiliar na
recuperação, devido à redução do volume intraabdominal. Na impactação com areia, os bovinos acometidos devem ser retirados da área de solo arenoso e receberem feno de boa qualidade e uma mistura de capim que contenha melaço e
minerais. Os bovinos gravemente acometidos devem ser tratados com óleo mineral (4 L/dia, por 3 dias).
PREVENÇÃO E CONTROLE: A prevenção é possível pelo fornecimento dos nutrientes necessários às vacas de corte prenhes durante o inverno. Quando um volumoso de baixa qualidade é utilizado, devese analisálo quanto ao teor de
proteína bruta e de energia digerível. Com base nessa análise, geralmente acrescentamse grãos à ração para suprir as necessidades calóricas e proteicas.
As necessidades nutricionais de bovinos de corte (p. 2266) são parâmetros médios; podem ser necessários teores de nutrientes mais altos do que os indicados, particularmente nos períodos de estresse grave decorrente do frio. Água fresca
adequada deve ser fornecida à vontade; é perigosa a prática de forçar as vacas criadas em pastagem durante o inverno a suprirem suas necessidades de água por ingestão de neve, enquanto se alimentam de volumoso de baixa qualidade.
ÚLCERAS DE ABOMASO
Notase úlcera de abomaso em bovinos adultos e em bezerros; induz vários tipos de manifestações.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Com exceção do linfossarcoma de abomaso e erosão da mucosa abomasal, que acompanham doenças virais como diarreia viral bovina, peste bovina e febre catarral maligna, as causas de ulcerações abomasais
não são bem compreendidas. Têmse sugerido várias causas. Embora as úlceras de abomaso possam ocorrer em qualquer momento durante a lactação, são comuns em vacas leiteiras adultas de alta produção, nas primeiras 6 semanas após o
parto. A causa mais provável é a inapetência prolongada que resulta em baixo pH no abomaso por longo tempo, o que dá origem à afirmação “sem ácido, sem úlcera”.
As úlceras do abomaso podem surgir em associação com linfossarcoma, enfermidades do abomaso (deslocamento ou vólvulo) ou pressão luminal elevada que causa isquemia da mucosa do abomaso; também podem surgir sem relação
com outras doenças.
As úlceras de abomaso são muito frequentes em bezerros após o consumo de leite ou de substituto de leite por 4 a 12 semanas. A maioria dessas úlceras é subclínica e não hemorrágica. Ocasionalmente, bezerros < 2 semanas de idade,
alimentados com leite, desenvolvem úlceras abomasais hemorrágicas agudas, que podem perfurar e causar morte súbita. Bezerros de corte lactentes, bem nutridos, com 2 a 4 meses de idade, podem apresentar úlcera de abomaso aguda.
Nesses bezerros são comuns tricobezoares no abomaso, mas não parecem aumentar o risco de úlcera.
ACHADOS CLÍNICOS: A síndrome varia, dependendo se a úlcera é complicada por hemorragia ou perfuração e da gravidade desta hemorragia ou peritonite.
Um sistema de classificação baseiase na profundidade da úlcera ou no grau da hemorragia ou de peritonite causada pela úlcera: o tipo I é uma erosão ou úlcera sem hemorragia; o tipo II é hemorrágico; o tipo III indica úlcera perfurada,
com peritonite aguda localizada, o tipo IV indica úlcera perfurada, com peritonite difusa aguda, e no tipo V há úlcera perfurada, com peritonite que se instala até o omento. Pode haver uma única úlcera ou várias úlceras agudas e crônicas.
Bovinos com úlcera de abomaso hemorrágica podem ser assintomáticos, apresentando apenas sangue oculto intermitente nas fezes, ou pode morrer de forma súbita devido à hemorragia intensa. Os sinais clínicos comuns incluem dor
abdominal leve, bruxismo, início súbito de anorexia, taquicardia (90 a 100 bpm) e sangue oculto nas fezes ou melena, que podem ser intermitentes. Ocorrem sinais de perda sanguínea junto com hemorragia importante e estes podem incluir
taquicardia (100 a 140 bpm), membranas mucosas pálidas, pulso fraco, extremidades frias, respiração superficial, taquipneia e melena. Os sintomas mais graves incluem estase ruminal aguda, dor abdominal generalizada com relutância em
se movimentar e ronco ou gemido audíveis em cada movimento respiratório, fraqueza e desidratação. Nos casos hiperagudos pode não haver melena, pois são necessárias, no mínimo, 8 h para que o sangue do abomaso seja detectado nas
fezes. À medida que a doença progride a temperatura corporal diminui e o animal se posiciona em decúbito e morre em 6 a 8 h.
Em geral, as úlceras hemorrágicas não perfuram e as úlceras perfurantes não sangram suficientemente no lúmen do trato GI a ponto de provocar melena. No entanto, às vezes observamse hemorragia e perfuração simultâneas, geralmente
em casos crônicos ou associados a deslocamento do abomaso.
Bezerros com úlcera de abomaso e tricobezoares podem apresentar o órgão preenchido com gás e líquido, palpável atrás do arco costal direito. Uma palpação profunda pode revelar dor abdominal associada a peritonite local devido à
úlcera perfurada. Nos bezerros, as úlceras perfurantes são mais comuns do que as úlceras hemorrágicas.
Lesões: A úlcera é mais comum na região fúndica, em bovinos adultos, e no antro pilórico, em bezerros lactentes. As úlceras únicas ou múltiplas medem desde alguns milímetros até 5 cm de diâmetro. A artéria acometida geralmente é
visível após remoção da ingesta e do tecido necrosado, em uma área ulcerada hemorrágica. A maioria das úlceras perfuradas é protegida pelo omento, originando uma cavidade de 12 a 15 cm de diâmetro, contendo sangue degenerado e
restos de material necrosado. O material oriundo dessa cavidade pode se infiltrar amplamente pela gordura do omento. Pode ocorrer aderência da úlcera com os órgãos circundantes ou com a parede abdominal.
DIAGNÓSTICO: Nos casos com apenas sangramento brando e sinais clínicos discretos, o diagnóstico é difícil e pode requerer exames de fezes seriados para pesquisa de sangue oculto. A possibilidade de haver outras enfermidades que
podem causar anorexia parcial e diminuição da produção de leite deve ser excluída por meio de exames físicos e laboratoriais, inclusive abdominocentese. Em casos de melena, o diagnóstico pode se basear apenas no exame físico. O
volume globular (VG) pode auxiliar na determinação do grau de hemorragia, embora sejam necessárias, no mínimo, 4 h após a hemorragia aguda para a verificação de redução do VG. A pesquisa de sangue oculto nas fezes pode confirmar
ocorrência de melena. As outras enfermidades que resultam em sangue nas fezes devem ser descartadas. No teste para pesquisa de sangue oculto nas fezes ocorre reação do sangue oriundo de porções do trato GI distais ao abomaso;
geralmente é vermelhobrilhante, se proveniente do intestino grosso, ou cor de framboesa, se oriundo do intestino delgado. Animais com linfossarcoma de abomaso podem manifestar uma síndrome hemorrágica semelhante àquela
associada a úlcera de abomaso, mas não respondem à terapia. Ocasionalmente, lesões orais, faringianas e laringianas sangram e o sangue ingerido surge nas fezes. Da mesma forma, abscessos pulmonares que se formam como sequela de
ruminite, por embolia pulmonar e hepática, podem causar erosão de vasos sanguíneos e resultar em hemoptise; se o sangue for deglutido, também pode resultar em melena. A presença de sangue oculto nas fezes também pode ser devido a
VA ou, raramente, a helmintos hematófagos.
O diagnóstico de úlcera de abomaso perfurada baseiase no exame físico e na exclusão de outras causas de peritonite. Úlcera de abomaso perfurada, com peritonite local, pode ser indistinguível de reticuloperitonite traumática crônica. A
introdução de um ímã no retículo (confirmado pelo uso de uma bússola) ou a informação confiável sobre a introdução de um ímã à vaca antes do início dos sintomas reduz a probabilidade de reticuloperitonite traumática. As radiografias de
retículo podem confirmar ou descartar a presença de corpos estranhos radiopacos. Em alguns casos, ocorre neutrofilia, possivelmente com desvio à esquerda. A avaliação do líquido peritoneal confirma a peritonite se há aumento no teor de
proteína total e na quantidade de células nucleadas. Raramente observamse bactérias intracelulares ou neutrófilos degenerados, pois na maioria dos casos a infecção é rapidamente isolada. O diagnóstico de peritonite difusa devido à
perfuração baseiase no exame físico e na exclusão de outras causas. Ruptura de uma víscera distendida, como pode ocorrer no VA ou na torção de ceco, provoca sintomas semelhantes. Na peritonite difusa, independente da causa o
prognóstico é desfavorável devido à infecção generalizada e ao comprometimento cardiovascular. Notase neutrofilia com desvio à esquerda acentuado e hemoconcentração. A coleta de grande quantidade de fluido abdominal é facilitada e
o teor de proteínas aumenta; a contagem de células nucleadas pode estar elevada ou permanecer normal devido à diluição ou seu uso no foco infeccioso.
Úlcera de abomaso. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.
TRATAMENTO: Muitos casos de úlceras de abomaso não são diagnosticados e, consequentemente, não são tratados. Ocasionalmente, fazse um diagnóstico presuntivo e instituise o tratamento clínico. O tratamento mais importante é a
reintrodução da alimentação, pois o alimento é um excelente tampão e o fluxo contínuo do conteúdo dos préestômagos (pH 6 a 7) para o abomaso ajuda a elevar o pH deste órgão. A terapia com antibióticos de amplo espectro
(administrados por = 5 dias ou até a temperatura retal permanecer normal por 48 h) é indicada para úlcera perfurada. Antiácidos são efetivos no aumento do pH do abomaso em bezerros lactentes, quando administrados em intervalos de 4 a
6 h, de modo a induzir o fechamento do sulco esofágico; entretanto, sua eficácia é muito questionável em ruminantes adultos, devido à diluição ruminal. Os antagonistas de receptores H2 são efetivos no aumento do pH do abomaso em
bezerros lactentes; no entanto, as doses orais necessárias para cimetidina (100 mg/kg, 3 vezes/dia) e ranitidina (50 mg/kg, 3 vezes/dia) são altas, o que torna o tratamento oneroso. Os inibidores da bomba de prótons, como o omeprazol (2
mg/kg, IV), são efetivos em aumentar o pH luminal, mas o tratamento também é caro. A eficácia do omeprazol oral (4 mg/kg) em ruminantes adultos é desconhecida, mas pode ser benéfico em bezerros lactentes. Como os AINE podem
favorecer a ocorrência de úlcera, seu uso é contraindicado. O prognóstico de peritonite localizada, associada à úlcera de abomaso perfurada, é favorável quando acompanhado de terapia medicamentosa e alteração da dieta. A recuperação
geralmente demora 1 a 2 semanas e os animais totalmente recuperados nesse período geralmente não apresentam recidiva. No caso de úlcera de abomaso perfurada, indicase cirurgia apenas quando há deslocamento do abomaso; entretanto,
pode ocorrer importante contaminação do abomaso quando há desprendimento das aderências e ressecção ou sutura da úlcera.
Os animais com peritonite difusa após perfuração da úlcera de abomaso raramente respondem à terapia e o prognóstico é desfavorável. O tratamento consiste em fluidoterapia IV rápida e continuada (com base na condição metabólica
atual) e uso de antibióticos de largo espectro IV. Os poucos animais que se recuperam de peritonite difusa geralmente apresentam extensas aderências abdominais.
No caso de úlceras hemorrágicas, podem ser necessárias transfusões sanguíneas e fluidoterapia, além de manejo alimentar, confinamento em baia e uso de antiácidos orais. Se a hemorragia é aguda, o VG pode não refletir a gravidade
devido ao equilíbrio entre os fluidos dos compartimentos intra e extravascular quando há perda de sangue de, no mínimo, 4 h. Geralmente, transfusão sanguínea é necessária quando há fraqueza e letargia; a decisão em se fazer transfusão
deve se basear nos sinais clínicos, além do valor do VG. Geralmente, não há necessidade de reação cruzada; é necessária apenas uma transfusão de 4 a 6L de sangue. Alguns bovinos necessitam mais de uma transfusão ao longo de vários
dias. Uma recuperação completa geralmente demora 1 a 2 semanas. O prognóstico é favorável, desde que não haja fraqueza e letargia antes do início do tratamento.
PREVENÇÃO: Os animais devem ser estimulados a se alimentar para evitar longo período de inapetência e baixo pH no abomaso.
DOENÇAS DO ESÔFAGO EM GRANDES ANIMAIS
ESTENOSE ESOFÁGICA
Podese notar estenose esofágica idiopática em potros. O diagnóstico inicial baseado nos sinais clínicos pode ser retardado devido a outras causas mais frequentes de disfagia, incluindo deslocamento dorsal idiopático do palato mole ou
refluxo nasal de leite, fenda palatina ou cisto faringiano. Em todos os casos de secreção nasal de leite em potros devese realizar exame endoscópico. A estenose esofágica em equinos ou ruminantes idosos tipicamente se deve à úlcera de
mucosa secundária à obstrução do esôfago. O tratamento adequado depende do tipo de estenose, se é de mucosa ou mural (envolvendo a parede muscular). A estenose de mucosa pode ser submetida a tratamento conservador mediante
manejo alimentar (ver obstrução esofágica, no texto anterior), dilatação com sonda endotraqueal com manguito ou cirurgia. A estenose mural é melhor tratada com miotomia esofágica. O tratamento cirúrgico da estenose de mucosa pode
envolver esofagotomia ao longo da área estenosada, com colocação de tubo nasogástrico, o que resulta em um divertículo de tração, ressecção e anastomose da mucosa ou ressecção esofágica e anastomose de toda a área espessada.
NEOPLASIA ESOFÁGICA
A neoplasia esofágica mais comum em equinos é o carcinoma de célula escamosa, cujo prognóstico é reservado. As neoplasias focais podem ser tratadas por meio de ressecção e anastomose esofágica. Infelizmente, na maioria dos casos de
carcinoma de célula escamosa não é possível tratamento cirúrgico e devese realizar eutanásia.
Em ruminantes, o papiloma viral bovino (ou seja, verruga), ocasionalmente se instala no esôfago cranial e na faringe e, na presença de outros agentes, pode resultar no desenvolvimento de carcinoma de esôfago. Em algumas áreas do
mundo (p. ex., Escócia e América do Sul) esta doença pode ser decorrência da ingestão de toxinas naturais de samambaia. Há, também, uma relação entre a ingestão de samambaia e a ocorrência de câncer de bexiga, em bovinos (ver p.
3159).
OBSTRUÇÃO ESOFÁGICA (ENGASGAMENTO)
A obstrução esofágica (engasgamento) ocorre quando o esôfago é obstruído por alimentos ou objetos estranhos. Esta é a doença esofágica mais comum em grandes animais. Em equinos é mais frequente a obstrução por grãos, polpa de
beterraba ou feno. A obstrução esofágica também pode ocorrer após recuperação de contenção química em estação ou de anestesia geral. Em bovinos a obstrução tende a ser causada por um único objeto sólido, por exemplo, maçã,
beterraba, batata, nabo, sabugo ou palha de milho.
ACHADOS CLÍNICOS: Em equinos, os sinais clínicos associados à obstrução esofágica incluem secreção nasal com alimento ou saliva, disfagia, tosse ou ptialismo. O equino pode parecer ansioso e com ânsia de vômito, esticando e arqueando
o pescoço. Os equinos acometidos podem continuar a se alimentar ou beber, o que agrava os sinais clínicos.
Em bovinos, os sintomas incluem timpanismo, ptialismo ou secreção nasal com alimento e água. Os ruminantes podem manifestar timpanismo e desconforto ou decúbito, ou pode exibir protrusão da língua, extensão da cabeça, bruxismo
e ptialismo. A obstrução esofágica aguda total é uma emergência, pois impede a eructação de gases ruminais, instalandose timpanismo. O timpanismo grave pode causar asfixia à medida que o rúmen expandido pressiona o diafragma e
diminui o retorno de sangue venoso ao coração.
DIAGNÓSTICO: Os sinais clínicos de obstrução esofágica geralmente são sugestivos. Achados de exame físico compatíveis com obstrução esofágica incluem secreção nasal com alimento e água, bruxismo, ptialismo e aumento palpável do
esôfago; em alguns casos, objetos estranhos alojados no esôfago cervical podem ser localizados por palpação. Enfisema subcutâneo, celulite cervical e febre podem estar associados a ruptura de esôfago. A impossibilidade de introdução de
sonda gástrica (ruminantes) ou nasogástrica (equinos) também pode confirmar o diagnóstico.
O exame endoscópico é útil para localizar o sítio da obstrução, o tipo de material que causa a obstrução e a extensão da úlcera esofágica. Devido ao risco de pneumonia por aspiração devese examinar cuidadosamente o trato respiratório,
incluindo auscultação cardíaca e pulmonar e radiografias torácicas. Em casos crônicos ou complicados devese obter hemograma e perfil bioquímico sérico. As alterações no hemograma incluem leucocitose, desvio à esquerda e neutrófilos
tóxicos; também, notase hiperfibrinogenemia. As alterações bioquímicas incluem hiponatremia, hipocloremia e hipopotassemia secundárias à perda excessiva de saliva.
TRATAMENTO:
Equinos: Vários casos de obstrução de esôfago podem se resolver espontaneamente, se há restrição de alimento e água. A cura espontânea pode ser auxiliada pela administração de sedativos (como xilazina e detomidina). A ocitocina (0,11 a
0,22 mg/kg, IV) mostrouse útil como relaxante do músculo liso do esôfago. Para garantir que a obstrução esofágica seja completamente resolvida, todos os equinos com suspeita de obstrução devem ser submetidos à introdução de sonda
nasogástrica até o estômago ou ao exame endoscópico.
Não se deve esperar > 4 a 6 h para introduzir a sonda nasogástrica devido ao risco de úlcera da mucosa esofágica e à pneumonia por aspiração. Os equinos que não respondem ao tratamento conservador (restrição de água e alimento,
sedação IV ou uso de ocitocina) devem ser inicialmente tratados mediante lavagem esofágica da seguinte maneira: após sedação IV, introduzse um tubo nasogástrico até o local da obstrução. Neste local, infundese água por meio de uma
sonda gástrica, o tubo é vagarosamente introduzido, com liberação de água para lavar o esôfago. A cabeça deve ficar mais baixa do que o tronco, de modo a minimizar o risco de aspiração de água aos pulmões. A lavagem via nasogástrica é
bemsucedida em, no mínimo, 90% dos casos.
Para equinos que não respondem à lavagem esofágica em estação, sob anestesia geral, deve se realizar o procedimento com o animal em decúbito lateral e com tubo orotraqueal. Novamente, a cabeça deve permanecer abaixo do tronco
para evitar a passagem de líquido aos pulmões. Uma sonda endotraqueal com manguito (18 a 22 mm) é introduzida no esôfago, o mais longe possível, ou na altura da obstrução, e o manguito é inflado. Introduzse uma sonda nasogástrica
dentro da sonda nasotraqueal e o esôfago é lavado, conforme descrito anteriormente. Novamente, devese confirmar se houve resolução da obstrução por meio de endoscopia ou pela introdução de sonda nasogástrica até o estômago.
Raramente há casos que requerem esofagotomia para a correção da obstrução do esôfago.
Imagem endoscópica de obstrução de esôfago pósfaringiana. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.
Todos os casos crônicos de obstrução esofágica devem ser avaliados por meio de endoscopia, após resolução bemsucedida. Estes equinos geralmente apresentam úlcera esofágica circular. Úlcera grave da mucosa pode ocasionar estenose
de esôfago e recidiva da obstrução. A endoscopia também é útil para excluir a possibilidade de divertículo esofágico, que pode predispor à obstrução do órgão. Os divertículos esofágicos também podem ser diagnosticados por meio de
esofagograma contrastado.
Os equinos sem úlcera de mucosa devem ser alimentados com ração peletizada úmida durante, no mínimo, 7 a 14 dias, para minimizar o risco de recidiva da obstrução esofágica. Equinos com úlcera de mucosa devem ser alimentados
com esta mesma dieta durante 60 dias e depois desse período devese repetir a endoscopia para verificar se houve cura da úlcera de mucosa e se há estenose de esôfago. Equinos com úlcera de mucosa crônica e estenose podem necessitar
tratamento cirúrgico.
A pneumonia por aspiração deve ser tratada com antimicrobiano e antiinflamatório VO ou IV. Os antimicrobianos comumente utilizados são penicilina G potássica ou procaína (22.000U/kg IV [potássica] ou IM [procaína], 2 a 4
vezes/dia), sulfametoxazoltrimetoprima (30 mg/kg, VO, 2 vezes/dia) e sulfato de gentamicina (6,6 mg/kg, IV ou IM, 1 vez/dia). Metronidazol (15 mg/kg, VO, 4 vezes/dia) é útil no tratamento de infecções por anaeróbios. Os anti
inflamatórios mais comumente utilizados são fenilbutazona (2,2 a 4,4 mg/kg VO ou IV, 2 vezes/dia) e flunexina meglumina (1,1 mg/kg IV, 2 vezes/dia).
Bovinos: A obstrução esofágica acompanhada de timpanismo ruminal é uma emergência; se os sinais clínicos indicam angústia devese aliviar o timpanismo (p. 301) com introdução de trocarte na fossa sublombar esquerda. Aliviado o
timpanismo, os objetos sólidos (p. ex., batata) geralmente podem ser massageados ou até desalojados espontaneamente à medida que sua superfície externa é amolecida pela saliva. Devese ter cuidado ao fazer qualquer tentativa de
empurrar um objeto traumatizante ao longo do esôfago por meio de sonda esofágica; pode ocorrer ruptura de esôfago e mediastinite séptica fatal.
A obstrução esofágica em ruminantes pode ser tratada mediante lavagem esofágica com o animal em estação, via sonda orogástrica, ou sob anestesia geral (ver texto anterior). Geralmente, um corpo estranho grande pode ser empurrado
para o rúmen sem complicações adicionais. Raramente, casos de obstrução esofágica por corpo estranho necessitar ser tratados com esofagostomia.
Complicações da Obstrução Esofágica
Em equinos e bovinos, pneumonia por aspiração (p. 1620) e pleuropneumonia séptica podem ser complicações de obstrução esofágica, principalmente em casos crônicos. Obstrução esofágica crônica (> 24 h) pode estar associar à necrose
por pressão na mucosa do esôfago devido ao contato prolongado com o corpo estranho. A lesão de mucosa em circunferência pode contribuir para o desenvolvimento de estenose esofágica.
Ruptura de esôfago é uma complicação geralmente fatal da obstrução crônica do órgão. A ruptura esofágica cervical pode ocasionar celulite cervical localizada, mediastinite ou pleuropneumonia séptica. A ruptura intratorácica
geralmente é fatal. A ruptura esofágica cervical pode ser tratada mediante drenagem local, lavagem da ferida e introdução de sonda nasogástrica no local da ruptura. Permitese a formação de um divertículo por tração e a sonda nasogástrica
é retirada. A ruptura esofágica tratada com alimentação extrabucal raramente resulta em estenose de esôfago. Em casos de mediastinite ou pleuropneumonia séptica deve se considerar a realização de eutanásia devido à dificuldade em
controlar a infecção bacteriana.
Obstrução Esofágica Secundária à Doença Extraesofágica
Traumatismo cervical e prétorácico podem resultar em fibrosamento periesofágico ou esofágico envolvendo a camada muscular. Isso pode causar estenose de esôfago e obstrução intermitente ou recidivante do órgão. Em alguns casos não
há evidência externa de trauma cervical ou prétorácico. Na suspeita de trauma extraesofágico, o exame endoscópico do esôfago e o esofagograma contrastado podem ser úteis na definição do diagnóstico. Uma vez identificado o local de
estenose esofágica, alguns casos de estenose muscular podem ser tratados por meio de miotomia esofágica ou remoção do tecido conectivo fibroso ao redor do esôfago.
DOENÇAS DOS PRÉESTÔMAGOS DE RUMINANTES
ACIDOSE RUMINAL SUBAGUDA (acidose ruminal crônica, acidose ruminal subclínica)
Os ruminantes são adaptados para digestão e metabolização predominantemente de dietas à base de forrageiras, porém, a taxa de crescimento e a produção de leite aumentam substancialmente quando consomem dietas ricas em grãos. Uma
consequência da dieta com quantidade excessiva de carboidratos facilmente fermentáveis, juntamente com fibras inadequadas para ruminantes, é a acidose ruminal subaguda, caracterizada por períodos de baixo pH ruminal, menor ingestão
de alimento e subsequentes problemas de saúde. Doenças crônicas secundárias à acidose ruminal subaguda podem anular o ganho na produção decorrente de dieta rica em grãos. Bovinos leiteiros e de corte e ovinos de engorda apresentam
alto risco de desenvolver esta enfermidade. Embora tipicamente os bovinos leiteiros sejam alimentados com dietas mais ricas em forragens e fibras, quando comparadas com animais de engorda, esta vantagem é compensada por sua
ingestão muito maior de matéria seca.
ETIOLOGIA: O pH ruminal varia consideravelmente no período de 24 h (tipicamente, 0,5 a 1 unidade de pH), sendo determinado pelo equilíbrio dinâmico entre a ingestão de carboidratos fermentáveis, a capacidade de tamponamento do
rúmen e a taxa de absorção de ácidos pelo rúmen. Se o pH ruminal se mantém abaixo de cerca de 5,5 (o menor pH fisiológico normal) por mais de algumas horas ao longo do dia considerase que há acidose ruminal subaguda. Por
convenção, a acidose ruminal é considerada subaguda quando o baixo pH do rúmen se deve ao acúmulo excessivo de ácidos graxos voláteis (AGV), sem excesso persistente de ácido láctico e quando o pH ruminal volta ao normal pela ação
das respostas fisiológicas do próprio animal.
A capacidade do rúmen em absorver rapidamente ácidos orgânicos contribui significativamente para a estabilidade do pH ruminal. É difícil e muito raro que os tecidos periféricos utilizem AGV prontamente absorvidos pelo rúmen;
entretanto, a absorção destes AGV no rúmen pode ter importante efeito tampão.
AGV ruminais são absorvidos passivamente através da parede ruminal. Essa absorção passiva é exacerbada pelas papilas das vilosidades, que se projetam para fora da parede do rúmen e atuam como área de superfície importante para a
absorção. As papilas ruminais aumentam de tamanho quando os bovinos são alimentados com dietas ricas em grãos; isto possivelmente aumenta a área de superfície ruminal e a capacidade de absorção, protegendo o animal de acúmulo de
ácido no rúmen. Se a capacidade de absorção destas células for prejudicada (p. ex., ruminite crônica com fibrose) tornase difícil o animal manter o pH estável após a alimentação.
Um mecanismo pelo qual os animais acometidos corrigem a acidose ruminal e restabelecem o pH ruminal normal é a escolha de partículas de forrageiras longas, quer seja pelo consumo preferencialmente de feno seco longo ou de rações
misturadas que contêm partículas de forragens maiores. Outro mecanismo é a redução do consumo de alimento. A menor ingestão de matéria seca é especialmente evidente quando o pH ruminal situase abaixo de cerca de 5,5. A redução
do consumo pode ser mediada por receptores de pH e/ou receptores de osmolalidade, no rúmen. Inflamação do epitélio ruminal (rumenite) pode causar dor e, também, contribuir para a menor ingestão durante acidose ruminal subaguda.
À medida que o pH ruminal diminui ocorre aumento inerente da absorção de AGV. Estes ácidos são absorvidos apenas na forma ionizada. A proporção de ácidos dissociados aumenta drasticamente à medida que há redução do pH
ruminal abaixo de 5,5, pois eles têm pKa em torno de 4,8. Em pH ruminal baixo, infelizmente há desvio da fermentação ruminal de carboidratos para a produção de lactato (principalmente devido à proliferação de Streptococcus bovis e
desvio para a produção de lactato, em vez de AVG), o que pode compensar o ganho na absorção de AGV. A produção ruminal de lactato é indesejável, uma vez que o lactato tem pKa muito mais baixo do que os AGV (3,9 versus 4,8). Por
exemplo, o lactato é 5,2 vezes menos dissociado do que os AGV em pH 5. Como resultado, o lactato permanece no rúmen por mais tempo e contribui para a redução do pH ruminal.
Ocorrem respostas de adaptação adicionais quando inicia a produção de lactato. Bactérias que utilizam lactato, como Megasphaera elsdenii e Selenomonas ruminantium, proliferamse. Estas bactérias benéficas convertem o lactato em
outros AGV que, então, são facilmente ionizados e absorvidos. Entretanto, o turnover de utilizadores de lactato é muito mais lento do que o de sintetizadores de lactato. Logo, este mecanismo pode não ser estimulado rápido o suficiente
para estabilizar completamente o pH ruminal. Períodos de pH ruminal muito alto, como acontece durante a privação de alimento, podem inibir a população de utilizadores de lactato (que são sensíveis a pH ruminal elevado) e tornálos mais
suscetíveis à acidose ruminal grave.
Além do desequilíbrio microbiano, a privação alimentar induz superalimentação quando o alimento é reintroduzido aos bovinos. Isto cria um duplo efeito na redução do pH ruminal. Ciclos de privação alimentar seguidos de
superalimentação aumentam significativamente o risco de acidose ruminal subaguda.
O pH ruminal baixo durante acidose ruminal subaguda também reduz o número de espécies de bactérias no rúmen, embora a atividade metabólica das bactérias que permanecem seja muito alta. As populações de protozoários são
particularmente limitadas em pH ruminal baixo; geralmente, notase ausência de protozoários flagelados no fluido ruminal nos episódios de acidose ruminal subaguda. Quando há poucas espécies de bactérias e protozoários a microflora
ruminal é menos estável e menos capaz de manter o pH do rúmen normal durante períodos de súbita mudança alimentar. Assim, períodos de acidose ruminal subaguda tornam os animais mais suscetíveis a episódios futuros desta
anormalidade.
PATOGÊNESE: O baixo pH ruminal pode ocasionar ruminite, erosão e úlcera do epitélio do rúmen. Uma vez instalada inflamação no epitélio ruminal, as bactérias podem colonizar as papilas e penetrar na circulação portal. Essas bactérias
podem ocasionar abscessos hepáticos, o que pode causar, por fim, peritonite na região próxima ao abscesso. Caso as bactérias ruminais passem pelo fígado (ou as bactérias de infecções hepáticas são liberadas para a circulação), elas podem
colonizar pulmões, válvulas cardíacas, rins ou articulações. Em geral, pneumonia, endocardite, pielonefrite e artrite resultantes dificilmente são diagnosticadas antes da morte. O exame pósmorte dessas enfermidades em animais que são
abatidos, que são refugos ou que morrem na fazenda pode ser muito útil.
A síndrome da veia cava caudal é causada pela liberação de um embolo séptico oriundo de abscessos hepáticos; este material séptico atinge os pulmões via veia cava caudal. Estas bactérias se proliferam no tecido pulmonar e podem
invadir vasos pulmonares, causando sua ruptura. Isto é observado clinicamente como hemoptise e morte súbita devido à hemorragia pulmonar intensa.
Acidose ruminal subaguda também está associada a laminite e consequente supercrescimento de casco e abscesso e úlcera de sola. A gravidade da laminite depende da duração e da frequência da anormalidade metabólica. Essas
enfermidades podais geralmente não surgem antes de semanas ou meses após o evento inicial. O mecanismo pelo qual a acidose ruminal subaguda aumenta o risco de laminite não é bem conhecido.
ACHADOS CLÍNICOS: A principal manifestação clínica de acidose ruminal subaguda é redução ou ingestão alimentar cíclica, ou ambos. Outros sinais associados incluem diminuição da produção de leite, redução do teste de gordura, baixo
escore de condição corporal apesar de adequada ingestão calórica, diarreia de causa desconhecida e episódios de laminite. Podem ocorrer altas taxas de animais–refugo ou de mortes não esclarecidas no rebanho. Sangramentos nasais
esporádicos devido à síndrome da veia cava caudal também podem ser observados. Os sinais clínicos são tardios e insidiosos. Episódios recentes de baixo pH ruminal não são detectados; na verdade, no momento em que o animal está em
jejum, seu pH ruminal provavelmente retorna ao normal. Pode ocorrer diarreia após períodos de pH ruminal baixo; no entanto, este achado é inconsistente e também pode estar relacionado com outros fatores alimentares.
DIAGNÓSTICO: Acidose ruminal subaguda é melhor diagnosticada em um grupo do que em um indivíduo. A avaliação do pH no fluido ruminal de um número representativo de animais aparentemente saudáveis em um grupo é um
procedimento utilizado para auxiliar no diagnóstico de acidose ruminal subaguda em rebanhos leiteiros. A seleção dos animais deve ser em grupos de alto risco: vacas com cerca de 15 a 30 dias de lactação, em rebanhos alimentados com
dieta à base de um componente, e vacas com cerca de 50 a 150 dias de lactação, em rebanhos alimentados com ração mista completa. O fluido ruminal é coletado por meio de punção do rúmen e seu pH é mensurado em aparelho medidor
de pH. Tipicamente, doze ou mais animais são avaliados cerca de 2 a 4 h após alimentação com grãos (ingredientebase da dieta do rebanho) ou 6 a 10 h após a primeira alimentação diária com ração total misturada. Caso > 25% dos
animais testados apresentem pH ruminal < 5,5 o grupo é considerado sob alto risco de acidose ruminal subaguda. Esse tipo de teste diagnóstico deve ser usado juntamente com outros fatores, como exame da ração, avaliação das práticas de
manejo e identificação de problemas de saúde no rebanho.
A redução do teor de gordura do leite é um indicador ruim e pouco sensível de acidose ruminal subaguda em rebanhos leiteiros. Vacas e rebanhos com acidose ruminal subaguda grave podem apresentar teor normal de gordura no leite.
Logo, é importante não excluir o diagnóstico de acidose ruminal subaguda em rebanhos leiteiros que tenham teste de gordura no leite normal.
TRATAMENTO: Pelo fato de a acidose ruminal subaguda não ser detectada no momento da diminuição do pH do rúmen, não há tratamento específico. As doenças secundárias podem ser tratadas conforme necessário.
PREVENÇÃO: O fator principal na prevenção é a redução da quantidade de carboidratos facilmente fermentáveis consumidos em cada refeição. Requer tanto boa formulação da dieta (balanço adequado entre carboidratos não fibrosos e
fibrosos) e excelente manejo do cocho de alimentos. Animais que consomem dietas bem formuladas permanecem sob alto risco desta enfermidade quando tendem a ingerir grande quantidade de alimento devido à excessiva competição por
espaço no cocho ou após período de privação alimentar.
As recomendações de campo para dieta à base de concentrado para bovinos leiteiros nas 3 primeiras semanas de lactação geralmente são excessivas. O consumo de volume exagerado de concentrado e insuficiente de forragem resulta em
dieta deficiente em fibra, com risco de causar acidose ruminal subaguda. A mesma situação pode ocorrer nos últimos dias que antecedem ao parto, se a dieta é fornecida em componentes separados; à medida que a ingestão de matéria seca
diminui antes do parto, as vacas secas consomem preferencialmente concentrado, em vez de forragem, e desenvolvem acidose.
Acidose ruminal subaguda pode ser causada também por erros na distribuição da ração ou pela formulação de ração que contém quantidade excessiva de carboidratos facilmente fermentáveis ou deficiência em fibras. Recomendações
quanto à exigência de fibras em rações de bovinos leiteiros estão disponíveis no relatório do National Research Council, Exigência Nutricional de Bovinos Leiteiros (ver p. 2390). Os erros no conteúdo de matéria seca em rações misturadas
completas geralmente estão associados à falha no ajuste do teor de umidade das forragens.
A inclusão de partículas de fibras longas na dieta reduz o risco de acidose ruminal subaguda por estimular a produção de saliva durante a mastigação e por aumentar a ruminação após a alimentação. O fornecimento de partículas de fibras
longas reduz o risco de acidose ruminal, mas não o elimina. Caso seja utilizada uma dieta mista completa, é importante que as partículas de fibras longas não sejam facilmente separadas do resto da dieta; isto pode retardar seu consumo até
o fim do dia ou causar sua total rejeição. A separação pode ser evitada pelo fornecimento de partículas de fibras longas < 5 cm de comprimento, por umidade adequada (50 a 55%) na ração mista e pela inclusão de ingredientes, como
melaço, que ajudam na aderência dos componentes da ração.
As dietas de ruminantes também devem ser formuladas para fornecer tamponamento adequado. Isto pode ser alcançado por meio da seleção da matériaprima e/ou pela adição de tampões alimentares, como bicarbonato de sódio ou
carbonato de potássio. Dieta com diferença cátionânion (DDCA) é usada para quantificar a capacidade de tamponamento do alimento; as rações para animais com alto risco de acidose ruminal devem ser formuladas de modo a fornecer
DDCA com > 250 mEq/kg de matéria seca, utilizandose a fórmula (Na + K) – (CI + S), para calcular a DDCA. A suplementação da dieta com microrganismos, que exacerbam os utilizadores de lactato no rúmen, pode reduzir o risco de
acidose ruminal subaguda. Têmse utilizado leveduras, propionobactérias, lactobacilos e enterococos com esse objetivo. A suplementação com ionóforos (p. ex., monensina sódica) também pode reduzir o risco por inibir seletivamente os
produtores de lactato ruminal e reduzir o tamanho do alimento.
FECHAMENTO INCOMPLETO DA GOTEIRA ESOFÁGICA
O fechamento incompleto da goteira esofágica se deve à falha no reflexo do esfíncter reticular e resulta em acidose ruminal, em bezerros lactentes. A enfermidade apresenta–se como uma doença primária crônica (síndrome do fechamento
incompleto da goteira esofágica) em vitelos, e na sua forma aguda, como complicação secundária de diversas doenças neonatais, principalmente diarreia do neonato. A enfermidade também foi relatada em ovinos alimentados
artificialmente.
O esfíncter reticular é uma estrutura muscular que se estende do cárdia ao orifício retículoomasal. O seu fechamento adequado é essencial para a passagem correta do leite ou de substituto de leite ingerido ao abomaso. Quando há falha
total ou parcial no fechamento do esfíncter reticular, o leite vai para o rúmen e retículo, onde é fermentado e origina ácidos graxos de cadeia curta e/ou ácido láctico. A subsequente diminuição do pH do conteúdo ruminal a valor às vezes
inferior a 4 causa graus variáveis de inflamação na mucosa dos préestômagos e do abomaso. Em casos crônicos, hiperqueratose ou paraqueratose da mucosa ruminal pode resultar em motilidade ruminal prejudicada, com timpanismo
crônico ou recidivante. Além disso, ocorre atrofia de vilosidades intestinais e redução da atividade das enzimas da borda em escova, com má digestão e má absorção.
A consequência sistêmica do fechamento incompleto da goteira esofágica que causa indigestão láctea aguda se deve principalmente à absorção de ácidos orgânicos do trato digestório. Especificamente, isômeros L e D do ácido láctico
podem causar acidose metabólica, com acúmulo de Dlactato, devido à deficiência de uma enzima específica para seu metabolismo, em mamíferos. Recentemente, o acúmulo de Dlactato foi incriminado como causa de sinais clínicos,
como depressão, ataxia e fraqueza generalizada.
A disfunção primária do esfíncter reticular se deve a condições de estresse (transporte por tempo prolongado, aglomeração, mudanças no manejo alimentar), principalmente em vitelos alimentados em balde. Geralmente, os sinais clínicos
surgem algumas semanas após a chegada de bezerros para a engorda e se caracterizam por inapetência, depressão, crescimento retardado, perda de pelos, timpanismo recidivante, distensão do abdome ventral e excreção de fezes pastosas.
Sons indicativos de movimentação de líquido podem ser audíveis ao se fazer balotamento do flanco esquerdo. A obtenção de conteúdo ruminal fermentado por meio de sonda gástrica esclarece o diagnóstico. O prognóstico é desfavorável
em casos crônicos e avançados. Se a doença for diagnosticada precocemente, o fornecimento de pequenas quantidades de leite com auxílio de mamadeira ou balde pode ser útil. Além disso, o fechamento do esfíncter esofágico pode ocorrer
quando o bezerro é estimulado a sugar um dedo antes o fornecimento de leite.
Acidose ruminal aguda secundária a outras enfermidades é observada em maior frequência em bezerros com diarreia neonatal, mas também quando há doenças que causam dor ou fraqueza. Nestes casos, geralmente o quadro clínico
predominante é o da doença primária. Na ruminite grave, os bezerros podem apresentar ranger de dentes, dorso arqueado e distensão abdominal discreta. A alimentação forçada dos bezerros inapetentes ou com anorexia também pode
causar acidose ruminal ou agravar a situação, por fornecer substrato para fermentação adicional.
O prognóstico de indigestão láctea secundária varia principalmente em função da resposta ao tratamento da doença primária. Bezerros com acidose metabólica e desidratação devido à diarreia neonatal geralmente apresentam melhora
espontânea da indigestão láctea após tratamento adequado e, em geral, a doença não é detectada. Em bezerros submetidos à alimentação forçada ou que não respondem ao tratamento como se esperava devese suspeitar de indigestão láctea
e devese realizar exame do fluido ruminal. A remoção do conteúdo e a lavagem com água morna com auxílio de sonda gástrica podem ser úteis, principalmente após alimentação forçada por longo tempo. A profilaxia consiste em
tratamento precoce dos bezerros doentes, manejo alimentar adequado e minimização do estresse em bezerros adquiridos.
INDIGESTÃO SIMPLES (INDIGESTÃO ALIMENTAR DISCRETA)
A indigestão simples é um distúrbio menor da função gastrintestinal de ruminantes, que ocorre com maior frequência em bovinos e, raramente, em ovinos e caprinos. A indigestão simples é diagnosticada por exclusão e tipicamente está
relacionada com alteração abrupta na qualidade ou quantidade da dieta.
ETIOLOGIA: Quase todos os fatores alimentares que podem alterar o ambiente intraruminal podem causar indigestão simples. A doença é comum em bovinos leiteiros e de corte alimentados manualmente, devido à variação na qualidade e
quantidade de seus alimentos. Os bovinos leiteiros podem ingerir subitamente uma quantidade excessiva de alimentos altamente palatáveis, como milho ou silagem de capim; os bovinos de corte podem consumir quantidade excessiva de
volumoso de má qualidade e relativamente indigerível durante o inverno. No decorrer da seca, bovinos e ovinos podem ser forçados a ingerir grande quantidade de palha, cama ou arbustos de má qualidade. A indigestão simples pode ser
decorrência de mudança alimentar súbita, uso de alimentos estragados ou congelados, introdução de ureia na ração, mudança dos bovinos para uma pastagem de cereais viçosa ou fornecimento de ração com alto teor de grãos para bovinos
de lote de engorda.
Geralmente, a indigestão simples está associada a mudança súbita do pH do conteúdo ruminal, como redução do pH ruminal devido à fermentação excessiva ou aumento do pH ruminal por putrefação de alimentos ingeridos. Isto também
pode ocorrer em consequência do acúmulo excessivo de alimentos relativamente indigeríveis que podem prejudicar fisicamente a função ruminal. Em geral, vários animais são acometidos simultaneamente devido à origem alimentar da
indigestão simples, embora a gravidade dos sinais clínicos possa variar entre eles.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos dependem do tipo de animal acometido e da causa da doença. A superalimentação com silagem provoca anorexia e diminuição moderada da produção de vacas leiteiras. Geralmente, o rúmen tornase
repleto, firme e distendido; as contrações primárias estão ausentes ou em menor frequência, mas as contrações secundárias podem estar presentes, embora, em geral, menos vigorosas. A temperatura, o pulso e a respiração permanecem
normais. As fezes apresentam consistência normal ou firme, mas em quantidade reduzida. Geralmente ocorre recuperação espontânea em 24 a 48 h.
A indigestão simples causada pela ingestão excessiva de grãos resulta em anorexia e hipomotilidade ou atonia (estase) ruminal. O rúmen não se apresenta necessariamente repleto e pode conter excesso de líquido. Geralmente, as fezes
são moles ou aquosas e fétidas. O animal acometido permanece alerta e com frequência volta a se alimentar em 24 h. Relatase um distúrbio digestivo mais grave devido à ingestão excessiva de grãos, quando ocorre sobrecarga de grãos (ver
a seguir).
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico de indigestão simples baseiase no histórico de mudança abrupta no tipo e na quantidade de alimento, com acometimento de vários animais, e na exclusão de outras causas de disfunção de préestômagos. O
diagnóstico é confirmado pela coleta e exame do fluido ruminal, que pode indicar pH normal (< 6 ou > 7), redução do número e do tamanho dos protozoários ou tempo de redução do azul de metileno prolongado (uma estimativa da
atividade bacteriana).
Não há sinais sistêmicos, tampouco respostas doloridas à palpação profunda da cartilagem xifoide, notadas na reticuloperitonite traumática. As informações obtidas na anamnese e a ausência de cetonúria auxiliam a excluir a possibilidade
de cetose. Geralmente, a ocorrência de deslocamento do abomaso à esquerda pode ser excluída mediante auscultação e percussão simultâneas.
Indigestão vagal, vólvulo abomasal e vólvulo cecocólico são mais facilmente detectados com a progressão da doença. Sobrecarga por grãos é diferenciada de indigestão simples por sua maior gravidade e diminuição acentuada do pH do
conteúdo ruminal para < 5,5.
TRATAMENTO: O tratamento visa corrigir os fatores alimentares suspeitos. Ocorre recuperação espontânea quando os animais são alimentados com alimentos típicos para ruminantes. A administração de cerca de 20 L de água ou de solução
salina morna com auxílio de sonda gástrica, seguida de massagem ruminal vigorosa, pode ajudar no restabelecimento da função ruminal em bovinos adultos. A administração oral de hidróxido de magnésio pode ser útil quando ocorre
ingestão excessiva de grãos, mas o hidróxido de magnésio deve ser administrado apenas aos bovinos com pH ruminal baixo (< 6); caso contrário, pode ocorrer alcalinização excessiva sistêmica e dos préestômagos. Fármacos rumenatóricos
(p. ex., nozvômica, gengibre, tártaro emético, parassimpaticomiméticos) não são recomendados como tratamentos auxiliares. Se ocorre consumo de quantidade demasiada de ureia (ver p. 3092) ou de proteínas podese administrar vinagre
(ácido acético) por via oral, para retornar o pH ruminal à faixa de normalidade. Se o número ou a atividade dos microrganismos ruminais estiverem reduzidos, é útil a administração de 4 a 8L de fluido ruminal oriundo de uma vaca saudável
(ver p. 2582). Podem ser necessárias soluções eletrolíticas por via oral ou intravenosa, para corrigir os desequilíbrios eletrolíticos e ácidobase, particularmente em bovinos desidratados.
PARAQUERATOSE RUMINAL
Paraqueratose ruminal é uma doença que acomete bovinos e ovinos, caracterizada por rigidez e aumento de volume das papilas ruminais. É mais comum em animais alimentados com ração rica em concentrado durante o período de
terminação. Também acomete bovinos alimentados com ração peletizada de alfafa submetida à tratamento térmico, bem como em bezerros com acidose ruminal crônica devido à indigestão láctea. Não parece estar relacionada com o
fornecimento de antibiótico ou concentrado proteico. A prevalência em um grupo pode ser tão alta quanto 40%. Acreditase que as lesões sejam causadas pela redução do pH e pelo aumento da concentração de ácidos graxos voláteis
(AGV) no fluido ruminal e geralmente não ocorre em bovinos alimentados com grãos inteiros não processados (em que os animais ganham peso rapidamente). Isto pode estar relacionado com o aumento do pH e da concentração de ácido
acético, em comparação com o teor de AGV de cadeia longa no fluido ruminal.
Várias papilas apresentam aumento de volume e rigidez e muitas delas podem se aderir formando agregados. Comumente, as papilas do saco ventral anterior são acometidas. Nos bovinos, o teto do saco dorsal pode exibir focos múltiplos
(cada um com 2 a 3 cm2) de paraqueratose. Nos ovinos, as papilas anormais podem ser visíveis e palpáveis na parede ruminal intacta. As papilas acometidas contêm camadas excessivas de células epiteliais ceratinizadas, partículas de
alimentos e bactérias. Durante a preparação do rúmen dos bovinos para o consumo humano, sua limpeza é difícil. O epitélio anormal, por interferir na absorção, pode reduzir a eficiência alimentar e o ganho de peso, embora existam poucas
evidências que sustentem essa teoria.
Paraqueratose ruminal pode ser evitada mediante a alimentação de animais de terminação com ração que contenha 1 parte de volumoso para 3 partes de concentrado. Não estão bem estabelecidos a necessidade e o impacto econômico da
prevenção.
RETICULOPERITONITE TRAUMÁTICA (Doença de metais, Gastrite traumática)
A reticuloperitonite traumática surge como consequência da perfuração do retículo. É importante incluila no diagnóstico diferencial de outras doenças caracterizadas por estase do trato GI, pois causa sintomas semelhantes.
Reticuloperitonite traumática é mais comum em bovinos leiteiros adultos, ocasionalmente é observada em bovinos de corte e raramente em outros ruminantes.
Os bovinos costumam ingerir objetos estranhos, pois não distinguem materiais metálicos nos alimentos e não mastigam completamente os alimentos antes de engolilos. A doença é comum quando se preparam forrageira, silagem e feno
de pastos que contêm cercas ou fios de arame farpado enferrujados e velhos, ou quando os pastos se encontram em áreas ou locais nos quais se tenham construído, queimado ou demolido prédios, recentemente. A ração de grãos também
pode ser uma fonte devido à adição acidental de metais.
ETIOLOGIA: Os objetos metálicos engolidos, como pregos ou pedaços de arame, vão diretamente ao retículo ou passam para o interior do rúmen e são, subsequentemente, transportados para a dobra ruminorreticular, na parte cranioventral
do retículo, pelas contrações ruminais. O orifício retículoomasal situase acima do assoalho deste préestômago, o que tende a reter objetos pesados no retículo, e a mucosa do retículo, semelhante a um favo de mel, aprisiona objetos
pontiagudos. As contrações do retículo fazem com que o objeto estranho penetre na parede. A compressão do rúmen e retículo, pelo útero, no final da prenhez e o esforço durante o parto aumentam a probabilidade de uma penetração inicial
no retículo; também, podem eliminar aderências causadas por uma penetração anterior.
A perfuração da parede do retículo permite extravasamento de ingesta e bactérias, que contaminam a cavidade peritoneal. A peritonite resultante geralmente é localizada e causa aderências. Menos comumente, desenvolvese peritonite
difusa mais grave. O objeto pode penetrar no diafragma e na cavidade torácica (causando pleurite e, às vezes, abscesso pulmonar) e no saco pericárdico (causando pericardite, às vezes seguida de miocardite). Ocasionalmente, o fígado ou o
baço podem ser perfurados e se tornarem infectados, o que causa abscesso ou pode ocasionar sepse.
Relação entre retículo, diafragma e coração/pericárdio em grandes ruminantes. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.
ACHADOS CLÍNICOS: A lesão inicial no retículo caracterizase por início agudo de atonia ruminorreticular e queda acentuada na produção de leite. A defecação diminui. Geralmente, a temperatura retal encontrase discretamente elevada. A
frequência cardíaca permanece normal ou ligeiramente aumentada e a respiração é superficial e rápida. Inicialmente, a vaca apresenta dorso arqueado, expressão ansiosa, relutância em se mover e marcha difícil e cuidadosa. Os movimentos
súbitos forçados, bem como defecação, micção, ato de deitar e de levantar e o pisar sobre barreiras, podem ser acompanhados de gemidos. Podese estimular a emissão de ronco por meio de pressão na cartilagem xifoide ou pelo
beliscamento firme da cernelha, que causa extensão do tórax e do abdome inferior. O ronco pode ser detectado por um estetoscópio colocado sobre a traqueia e aplicação de pressão ou beliscamento da cernelha ao final da inspiração.
Podemse observar tremores no músculo tríceps e abdução do cotovelo.
Nos casos crônicos, há redução do apetite e da defecação e a produção de leite é baixa. Os sinais de dor abdominal cranial tornamse menos aparentes e a temperatura retal geralmente retorna ao normal à medida que a inflamação aguda
diminui e a contaminação peritoneal é isolada. Alguns bovinos desenvolvem síndrome da indigestão vagal (ver a seguir), devido às aderências que se formam após perfuração por corpo estranho, particularmente uma perfuração no retículo
ventromedial.
As vacas com pleurite ou pericardite decorrente de perfuração por corpo estranho geralmente apresentam depressão, taquicardia (> 90 bpm) e febre (40°C). A pleurite manifestase por respiração rápida e superficial, abafamento dos sons
pulmonares e, possivelmente, atrito pleural. Toracocentese pode mostrar vários litros de fluido séptico. A pericardite traumática é caracterizada, com maior frequência, por abafamento das bulhas cardíacas; entretanto, na fase inicial da
doença, atrito pericárdico e sons de gases e fluidos (ruído de máquina de lavar roupa) podem ser notados à auscultação. Ocorre distensão da veia jugular e insuficiência cardíaca congestiva, com edema submandibular e peitoral acentuados
como sequelas frequentes de reticulopericardite traumática. O prognóstico é desfavorável quando há essas complicações. Uma penetração do pericárdio até o miocárdio geralmente causa extensa hemorragia no saco pericárdico ou arritmia
ventricular e morte súbita.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico pode se basear nas informações da anamnese (quando disponíveis) e nos achados clínicos, desde que a vaca seja examinada ao início dos sinais iniciais. Sem uma anamnese minuciosa e no caso de enfermidade
presente há vários dias o diagnóstico é mais difícil. Outras causas de peritonite, particularmente úlcera abomasal perfurada, podem ser difíceis de distinguir de reticuloperitonite traumática. Os diagnósticos diferenciais devem incluir
enfermidades que possam causar sintomas GI variáveis ou inespecíficos, por exemplo, indigestão, linfossarcoma ou obstrução intestinal. Devemse descartar deslocamento do abomaso ou vólvulo por meio de auscultação e percussão
simultâneas. Pleurite ou pericardite de origem não traumática causam sinais semelhantes àqueles associados a perfuração por corpo estranho.
Embora nem sempre sejam necessários, os exames laboratoriais podem ser úteis. Em vários casos, há neutrofilia com desvio à esquerda. As concentrações séricas de haptoglobina e de amiloide A, bem como de proteína total plasmática e
de fibrinogênio podem estar elevadas. Os animais acometidos podem apresentar distúrbios de coagulação, como tempo de protrombina, tempo de trombina e tempo de tromboplastina parcial ativada prolongados. O estado ácidobase e os
teores séricos de eletrólitos tipicamente são normais, pois a absorção no abomaso e no intestino delgado pode permanecer inalterada. No entanto, pode haver alcalose metabólica hipoclorêmica e hipopotassêmica marcante, possivelmente
devido ao íleo adinâmico decorrente de peritonite, podendo afetar a motilidade GI, inclusive do abomaso, e a reabsorção das secreções abomasais. A alcalose metabólica pode ser induzida ou exacerbada por tratamento com agentes
alcalinizantes, como hidróxido de magnésio, utilizados como laxantes. A análise do líquido peritoneal pode ser útil para avaliar se há peritonite, principalmente a mensuração da concentração de Ddímero e a porcentagem de neutrófilos no
líquido peritoneal. Entretanto, a peritonite geralmente é mascarada e, nesse caso, os valores dos exames do fluido peritoneal situamse na faixa de normalidade, exceto quando o material é coletado exatamente no local da lesão. A presença
de um imã no retículo pode ser detectada pelo movimento de uma bússola posicionada no abdome cranioventral; a presença de um imã no retículo faz com que seja pouco provável a existência de reticuloperitonite traumática, exceto se o
objeto perfurante não for magnético.
O método diagnóstico mais confiável para peritonite localizada próximo ao retículo e para caracterizar o número de contrações reticulares é a ultrassonografia do abdome ventral. Isso raramente detecta a presença de um objeto
penetrante. A ultrassonografia de coração e tórax é muito útil no diagnóstico de pleurite e pericardite como sequelas de reticulopericardite traumática.
As radiografias laterais do abdome cranioventral podem revelar um material metálico no retículo, mas devem ser realizadas apenas após a administração de um imã por VO. Para determinar se o retículo foi perfurado, o corpo estranho
deve ser visível além da borda do retículo, não aderido ao imã localizado neste ou posicionado fora do assoalho reticular. Uma depressão na face cranioventral do retículo ou a identificação de abscesso (por acúmulo de gás fora de uma
víscera), de massas de tecido mole ou de uma linha de fluido no abdome cranial também são achados radiográficos confiáveis sugestivos de material penetrante. Os aparelhos de radiografia portáteis não conseguem penetrar na área reticular
de bovinos adultos em pé e o animal pode precisar ser transportado para um local onde exista equipamento com capacidade suficiente para isso. Vaca não deve ser colocada em decúbito dorsal para obter as radiografias, pois esta
manipulação altera a aderência no foco da lesão e pode causar peritonite localizada, que se torna difusa devido à disseminação da infecção por gravidade.
Os detectores de metal eletrônicos podem identificar material metálico no retículo, mas não distinguem corpos estranhos perfurantes daqueles não perfurantes.
TRATAMENTO: O tratamento de um caso típico diagnosticado no início de seu curso pode ser cirúrgico ou clínico. Qualquer uma das abordagens melhora as chances de recuperação, de cerca de 60%, nos casos não tratados, para 80 a 90%.
A cirurgia envolve rumenotomia com remoção manual do(s) objeto(s) do retículo; se um abscesso se encontra aderido ao retículo, esse deve ser aspirado (para confirmar que se trata de um abscesso) e depois drenado no interior do retículo.
Devese administrar antimicrobiano no préoperatório. O tratamento clínico envolve a administração de antibacterianos, para controlar a peritonite, e de um ímã, para evitar recidiva. Devido à flora bacteriana mista na lesão devese utilizar
um antimicrobiano de amplo espectro, como oxitetraciclina (16 mg/kg IV, 1 vez/dia). A penicilina (22.000 UI/kg IM, 2 vezes/dia) é utilizada amplamente, sendo efetiva em muitos casos, apesar do seu espectro limitado. As vacas
acometidas devem ser confinadas por 1 a 2 semanas; acreditase que a colocação destes animais em aclive pode limitar a penetração adicional do objeto estranho, mas não há comprovação científica. Deve–se administrar terapia de suporte,
como fluido oral ou, ocasionalmente, IV e borogliconato de cálcio SC, conforme necessário. A inoculação ruminal é benéfica em alguns casos de estase ruminal prolongada e perda da flora normal.
Os casos mais graves, com complicações secundárias evidentes, ou aqueles que não respondem à terapia medicamentosa ou cirúrgica inicial devem ser avaliados sob uma perspectiva econômica; se a vaca tiver baixo valor, o abate deverá
ser considerado, desde que a carcaça passe por uma inspeção.
PREVENÇÃO: As medidas preventivas incluem evitar o uso de arame farpado, passar os alimentos sobre ímãs para remover objetos metálicos, não manter os bovinos em locais de construções novas e remover completamente construções e
cercas antigas. Além disso, podese administrar ímãs em barra, VO, preferivelmente depois de jejum de 18 a 24 h. Em geral, o ímã permanece no retículo e aprisiona quaisquer objetos ferromagnéticos em sua superfície. Há boas evidências
de que a administração de ímã a todas as novilhas e aos touros de reposição com cerca de 1 ano de idade minimiza a ocorrência de reticuloperitonite traumática.
SÍNDROME DA INDIGESTÃO VAGAL (Indigestão crônica)
A síndrome da indigestão vagal caracteriza–se por desenvolvimento gradual de distensão abdominal secundária à distensão de rúmen e retículo. Originalmente, acreditavase que a distensão resultava de lesões que afetavam o nervo vago
ventral. A síndrome da indigestão vagal ocorre com maior frequência em bovinos, mas já foi relatada em ovinos.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: As doenças que causam lesão, inflamação ou compressão do nervo vago podem resultar em sinais clínicos de síndrome da indigestão vagal. No entanto, na maioria dos casos de indigestão vagal não há lesão do
nervo vago e a causa mais comum é reticuloperitonite traumática (ver p. 291). As enfermidades que resultam em obstrução mecânica do cárdia ou do orifício retículoomasal (p. ex., papiloma ou ingestão de placenta) também podem causar
indigestão vagal se ocorre distensão de rúmen e retículo e se a doença for subaguda ou crônica.
Historicamente, há relato de 4 tipos de indigestão vagal com base no local da obstrução funcional. O tipo I envolve falha de eructação ou timpanismo com gás livre; o tipo II implica falha no transporte do omaso; o tipo III envolve
impactação secundária do abomaso e o tipo IV indigestão em gestação avançada. Os tipos I e IV são raros.
A indigestão vagal tipo I, ou falha na eructação, resulta em timpanismo com gás livre, e devese a lesão inflamatória próxima ao nervo vago, como peritonite localizada, aderências (geralmente após um episódio de reticuloperitonite
traumática), ou pneumonia crônica com mediastinite anterior. Outras possíveis causas de indigestão vagal tipo I incluem traumatismo faringiano, que afeta uma parte mais proximal do nervo vago, e compressão esofágica por abscessos ou
neoplasias, como linfossarcoma. A indigestão vagal pode se instalar em bovinos, após vólvulo de abomaso sem impactação. Estes casos devem ser incluídos na categoria de indigestão vagal tipo I com lesão do nervo vago próximo ao
retículo e omaso.
A indigestão vagal tipo II, melhor definida como falha no transporte do omaso, desenvolvese como resultado de qualquer enfermidade que impeça que a ingesta passe do canal do omaso ao abomaso. As aderências e os abscessos
(abscessos reticular ou hepático único) são as causas mais comuns de falha no transporte do omaso e, em geral, localizamse na parede reticular direita ou medial, próximo ao trajeto do nervo vago. Os abscessos e as aderências reticulares se
devem, quase que invariavelmente, à reticuloperitonite traumática. A obstrução mecânica do canal do omaso por material ingerido (p. ex., sacolas plásticas, cordas, placenta) ou por massas (p. ex., linfossarcoma, carcinoma de célula
escamosa, granulomas ou papilomas) também pode causar distensão ruminal e reticular crônica decorrente de falha no transporte do omaso.
A indigestão vagal tipo III envolve uma impactação secundária do abomaso. Impactação primária do abomaso se desenvolve em razão de alimentação com volumoso seco e grosseiro, como palha, picado ou triturado, com acesso restrito
à água e, em geral, durante temperaturas extremamente baixas (ver p. 277). A impactação secundária do abomaso ocorre com maior frequência após um episódio de reticuloperitonite traumática ou, ocasionalmente, como sequela de vólvulo
do abomaso. A fixação mecânica do retículo ao assoalho do abdome ventral em bovinos com reticuloperitonite altera a capacidade de filtração normal do retículo, com a passagem de fibras maiores (> 2 mm de comprimento) ao abomaso. O
abomaso tem dificuldade em eliminar partículas de alimentos maiores, devido ao aumento da viscosidade e, dessa forma, estas se acumulam no abomaso e resultam em impactação.
A indigestão vagal tipo IV, ou obstrução parcial dos préestômagos, é pouco definida. Tipicamente acomete vacas prenhes, sendo melhor relatada como indigestão em gestação avançada. Acreditase que esta enfermidade esteja
relacionada com o aumento do volume uterino, que desvia o abomaso para uma posição mais cranial, impedindo seu esvaziamento normal.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos variam de acordo com a localização da obstrução. Em todos os casos, ocorre desenvolvimento gradual (ao longo de dias a semanas) de distensão abdominal secundária à distensão de rúmen e retículo.
A distensão dos sacos dorsal e ventral do rúmen resulta em um rúmen “em forma de L”, ao exame retal. A distensão dorsal esquerda e ventral esquerda e direita do abdome estabelece uma forma de “peramaçã” quando o animal é
inspecionado por trás.
Os bovinos com síndrome da indigestão vagal apresentam diminuição do apetite que melhora, temporariamente, se a distensão for aliviada. A produção de leite diminui gradualmente, a defecação fica reduzida e o rúmen desenvolve uma
consistência de líquido com som de fluido. Tipicamente as fezes são bastante escassas e viscosas e podem conter partículas maiores do que o normal. A força das contrações ruminais diminui; no entanto, a motilidade do rúmen
frequentemente aumenta (3 a 4 contrações por minuto). Comumente é possível observar movimentos da parede abdominal esquerda que reflete os movimentos da hiperatividade ruminal. No entanto, os sons de contração do rúmen não são
audíveis, pois o conteúdo tornase espumoso devido às contrações prolongadas e à falha no esvaziamento do órgão.
Temperatura e frequência respiratória geralmente são normais; contudo, essas variáveis podem aumentar, dependendo da causa. Bradicardia está presente em 25 a 40% dos casos e ocorre devido à diminuição da ingestão de alimento e
não pela estimulação direta do nervo vago. Taquicardia desenvolvese à medida que a doença progride e o animal pode apresentar desidratação. Com o tempo, o bovino desenvolve pelame áspero, perde sua condição corporal, enfraquece
(em alguns casos, chega ao decúbito) e manifesta sinais clínicos evidentes de desidratação.
Na palpação retal, o rúmen se apresenta distendido por gás ou espuma, ocupando todo o abdome esquerdo e pressionando o rim esquerdo para a direita da linha média. O saco ventral ruminal aumenta de volume e tornase palpável
também à direita da linha média (o característico rúmen em “forma de L”). É importante saber que o diagnóstico de síndrome da indigestão vagal requer a constatação de aumento de volume marcante de rúmen e retículo. A palpação da
metade inferior do lado direito do abdome, abaixo da junção costocondral, pode detectar abomaso impactado que parece frouxo. Os achados hematológicos são variáveis. O VG pode estar aumentado devido à desidratação ou diminuído por
depressão da medula óssea (anemia por doença crônica). O número de leucócitos pode estar normal, aumentado ou diminuído. Se há enfermidade inflamatória, como peritonite, a proporção neutrófilos:linfócitos tipicamente se inverte e
pode ocorrer neutrofilia. Linfocitose pode ser um achado na indigestão vagal decorrente de linfossarcoma. Leucopenia pode ser notada em caso de peritonite difusa. Quando há abscesso pode ocorrer aumento das concentrações séricas de
globulinas e de proteína total.
O estado metabólico permanece normal ou pode ocorrer alcalose metabólica. A concentração sérica de cloro varia de acordo com o local da obstrução. Geralmente, permanece normal se a lesão for proximal ao abomaso. Baixo teor sérico
de cloro indica refluxo de cloreto do abomaso para o rúmen (vômito interno) e obstrução na altura do abomaso (tipo III). Se a concentração sérica de cloro está diminuída, tipicamente ocorre alcalose metabólica. A concentração de cloro no
rúmen aumenta na indigestão vagal tipo III, sendo uma maneira útil de diferenciar indigestão vagal tipo II daquela tipo III. A concentração sérica de potássio geralmente diminui devido à redução na ingestão de alimento. A concentração
sérica de cálcio encontrase, com frequência, moderadamente diminuída devido à produção contínua de leite; no entanto, pode estar baixa o bastante para causar decúbito. As concentrações séricas de ureia e creatinina aumentam com a
desidratação, em razão da azotemia prérenal.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico baseiase na constatação de distensão abdominal e de rúmen e retículo subaguda ou crônica. Como a indigestão vagal é, por definição, uma doença subaguda ou crônica, esse diagnóstico não deve ser feito em
bovinos que não estejam doentes durante, pelo menos, vários dias, o que exclui a possibilidade de timpanismo ruminal aguda e timpanismo espumoso agudo. Outras causas de distensão abdominal, como ascite e aumento de volume uterino,
incluem–se no diagnóstico diferencial e podem, quase que invariavelmente, ser excluídas por meio de palpação retal, devido à ausência de distensão de rúmen e retículo. Casos esporádicos de obstrução crônica de ceco ou intestino delgado
podem causar distensão abdominal e de rúmen e retículo grave; no entanto, uma distensão palpável no ceco ou no intestino delgado também é palpável por VR. Além disso, o rúmen fica distendido, mas não em “forma de L” e há um ruído
característico no caso de vólvulo cecocólico.
O diagnóstico da causa específica de indigestão vagal é mais difícil, mas é importante devido às diferenças no tratamento e no prognóstico. Exame físico, exame retal, hemograma, condição ácidobase do sangue e perfil bioquímico
sérico frequentemente são úteis. O exame do fluido peritoneal pode sustentar o diagnóstico de peritonite se há aumento da concentração de proteína total ou da quantidade de células nucleadas. Devem–se obter radiografias laterais do
retículo para detectar corpo estranho linear radiopaco (p. ex., um arame) ou abscesso reticular. A ultrassonografia do abdome cranioventral pode indicar peritonite focal e, também, a frequência de contração do retículo. Geralmente, o
diagnóstico definitivo requer cirurgia exploratória (laparotomia com incisão na fossa paralombar esquerda e rumenotomia).
TRATAMENTO E PROGNÓSTICO: Se o valor do animal justifica o tratamento, quase sempre é necessária cirurgia para identificar e corrigir adequadamente a causa primária. O tratamento medicamentoso isoladamente, geralmente é ineficaz.
A laparotomia na fossa paralombar esquerda e rumenotomia propiciam a oportunidade de um tratamento definitivo, em alguns casos. O esvaziamento do rúmen no momento da cirurgia pode ajudar no restabelecimento da motilidade
ruminal normal. Em condições normais, a estimulação dos receptores de tensão de baixo limiar do retículo causa contrações reticulorruminais reflexas. No entanto, uma distensão grave provoca estimulação de receptores de alto limiar, que
têm efeito oposto e inibem as contrações.
Em todos os casos, devese instituir terapia de suporte ou sintomática, que envolve tipicamente a correção da desidratação, bem como dos déficits de cálcio e de outros eletrólitos, comumente com uso de solução oral de fluidos e
eletrólitos. Os animais muito desidratados e aqueles com doença de longa duração requerem fluidoterapia IV. Água fresca e alimentação normal devem estar disponíveis. A transfaunação durante a cirurgia e/ou via sonda oroesofágica
podem ajudar no restabelecimento da flora ruminal normal em bovinos com anorexia prolongada. Antibióticos (penicilina procaína ou oxitetraciclina) devem ser administrados se a causa primária é uma infecção ou caso se forme uma
fístula ruminal.
O tratamento da indigestão vagal tipo I (falha na eructação) também envolve tipicamente a criação de uma fístula ruminal para permitir a saída do gás livre. Se a cirurgia não é economicamente viável e a causa primária da indigestão
vagal já tenha sido identificada e tratada, podese colocar, temporariamente, um trocarte ruminal. Este trocarte encontrase disponível no mercado e deve ser seguro e propiciar autorretenção, de modo a evitar possível extravasamento fatal
do conteúdo ruminal no interior da cavidade peritoneal. O trocarte não deve ser removido por pelo menos duas semanas, para permitir que se formem aderências firmes entre o rúmen e a parede corporal.
O prognóstico de animais com indigestão vagal tipo I geralmente é favorável. Após a criação de uma fístula ruminal, os sintomas de indigestão vagal se resolvem em quase todos os casos. No entanto, os animais com doença respiratória
crônica ou traumatismo faringiano podem não se recuperar da doença primária. O extravasamento da ingesta pela fístula pode causar produção de leite com sabor desagradável. Pode ocorrer peritonite a partir de vazamento ao redor da
fístula ou após rumenotomia; no entanto, isso não deve acontecer com uma boa técnica cirúrgica.
O tratamento de indigestão vagal tipo II (falha no transporte do omaso) raramente responde à terapia de suporte ou sintomática, sem uma intervenção cirúrgica. Podemse utilizar laparotomia na fossa paralombar esquerda e rumenotomia
para detectar aderências próximas ao retículo, abscessos reticulares ou hepáticos ou obstrução do canal do omaso. A remoção de corpos estranhos, fios de arame e alguns tumores durante a cirurgia e a drenagem de abscessos perirreticulares
no interior do retículo propicia prognóstico excelente. O diagnóstico de linfossarcoma durante a cirurgia implica prognóstico ruim. Os abscessos reticulares detectados na cirurgia devem ser drenados cuidadosamente no interior do retículo e
devese administrar antibióticos por 10 a 14 dias. Notadamente, 83% dos bovinos com abscessos reticulares respondem favoravelmente ao tratamento. A identificação de aderências próximas ao retículo justifica um prognóstico razoável ou
bom com emprego de cirurgia, terapia antimicrobiana e tratamento de suporte apropriados. Os abscessos hepáticos devem ser drenados em uma segunda cirurgia. As cânulas de grande calibre, colocadas através das aderências da parede
corporal e no interior do abscesso drenam o conteúdo purulento. No entanto, recidiva é um problema maior no caso de abscesso hepático do que de abscesso de retículo.
Animais com indigestão vagal tipo III (impactação secundária do abomaso) diagnosticados sem cirurgia geralmente não recebem tratamento adicional algum devido ao mau prognóstico, em particular quando há histórico de
reticuloperitonite traumática ou vólvulo do abomaso. Se o diagnóstico é obtido na cirurgia ou presumese que a impactação do abomaso seja de origem alimentar, podese infundir sulfossuccinato sódico de dioctila diretamente no abomaso,
pelo orifício retículoomasal, após esvaziamento do rúmen. Podese introduzir uma sonda nasogástrica no abomaso pelo orifício retículoomasal durante a cirurgia e deixála nessa posição para um tratamento contínuo (3,8 L de óleo
mineral/dia, por 3 a 5 dias). Se possível, devese remover manualmente o material impactado através do orifício retículoomasal. Outras lesões, como abscesso na parede medial do retículo, devem ser identificadas e drenadas. Como último
pode–se realizar abomasotomia e remoção do conteúdo do abomaso, utilizando acesso paracostal direito, com o animal em decúbito lateral esquerdo. No entanto, é comum ocorrer recidiva da impactação. A obstrução pilórica nos bovinos é
rara e se deve mais frequentemente a um corpo estranho que obstrua o lúmen. A piloromiotomia quase nunca é efetiva na resolução de impactação de abomaso.
O prognóstico da indigestão vagal tipo III é ruim, independente da causa ou do tratamento. No entanto, bovinos com impactação primária de abomaso respondem à terapia, o que não acontece com os animais gravemente acometidos (ver
p. 277). Bovinos com impactação secundária à reticuloperitonite traumática ou como sequela de vólvulo do abomaso raramente se recuperam. O prognóstico em animais com corpos estranhos (p. ex., tricobezoares) que obstruem o piloro é
favorável, se a obstrução é removida.
Recomendase aborto terapêutico como tratamento de vacas com indigestão vagal tipo IV (indigestão por gestação avançada) e algumas vacas melhoram com esse tratamento; no entanto, como a indigestão vagal tipo IV é uma
enfermidade pouco relatada, o prognóstico sempre é reservado. Um prognóstico mais específico baseiase na resposta à terapia e na identificação de uma lesão específica durante a celiotomia e rumenotomia exploratória.
PREVENÇÃO: A causa mais comum de síndrome da indigestão vagal é reticuloperitonite traumática, que causa aderências e abscessos que interferem na motilidade do retículo e na estratificação adequada das partículas alimentares que
passam pelo abomaso. Portanto, a prevenção de reticuloperitonite traumática é importante. As boas práticas de manejo podem evitar alguns casos de indigestão vagal associados à pneumonia crônica. O diagnóstico precoce de vólvulo de
abomaso e a correção cirúrgica no dia do diagnóstico podem evitar alguns casos.
SOBRECARGA POR GRÃOS (Acidose láctica, Ingestão excessiva de carboidratos, Rumenite)
A sobrecarga por grãos é uma doença aguda de ruminantes, caracterizada por hipomotilidade ou atonia ruminal, desidratação, acidose, diarreia, toxemia, incoordenação, colapso e, em casos graves, morte.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: A doença é mais comum em bovinos que acidentalmente teve acesso a grande quantidade de carboidratos facilmente digestíveis, especialmente grãos. A sobrecarga por grãos também é comum em bovinos de
lote de engorda, quando são submetidos bruscamente a dietas ricas em grãos. Trigo, cevada e milho são os grãos mais facilmente digestíveis; a digestão de aveia é mais demorada. As causas menos comuns incluem consumo excessivo de
maçãs, uvas, pães, massas de farinha, beterrabas açucareiras e forrageiras, batatas ou grãos de cervejaria molhados e azedos que não foram completamente fermentados na cervejaria. A quantidade de alimento necessária para induzir doença
aguda depende do tipo de grão, da ingestão prévia desses grãos pelo animal, do estado nutricional e da condição do animal e da natureza da microflora ruminal. Bovinos acostumados com dietas ricas em grãos podem consumir 15 a 20 kg
de grãos e desenvolver apenas uma enfermidade moderada, enquanto outros podem manifestar doença aguda e morrer após consumir 10 kg de grãos.
A ingestão de quantidade tóxica de carboidratos altamente fermentáveis é seguida de alteração da população microbiana do rúmen, após 2 a 6 h. O número de bactérias grampositivas (Streptococcus bovis) aumenta acentuadamente,
resultando em produção de grande quantidade de ácido láctico. O pH ruminal diminui para = 5, condição que destrói os protozoários, microrganismos celulolíticos e que utilizam lactato, além de prejudicar a motilidade ruminal. O pH baixo
permite que os lactobacilos utilizem os carboidratos e produzam quantidade excessiva de ácido láctico. A superposição de ácido láctico e de seus sais, Llactato e Dlactato, nos solutos existentes no fluido ruminal causam aumento
substancial da pressão osmótica, o que provoca transferência de quantidade excessiva de fluido ao rúmen, causando desidratação.
O pH ruminal baixo causa ruminite química e a absorção de lactato, particularmente Dlactato, resulta em acidose láctica e acidemia. Além de acidose metabólica (íons fortes) e desidratação, as consequências fisiopatológicas são
hemoconcentração, colapso cardiovascular, insuficiência renal, fraqueza muscular, choque e morte. Os animais que sobrevivem podem desenvolver ruminite micótica em alguns dias e abscessos hepáticos após várias semanas ou meses.
Pode haver evidência de lesão ao epitélio ruminal por ocasião do abate. A relação entre a sobrecarga por grãos e a ocorrência de laminite crônica em bovinos não está bem definida.
ACHADOS CLÍNICOS: A ingestão excessiva de carboidratos resulta em enfermidades que variam de indigestão simples (p. 289) à acidemia rapidamente fatal e acidose por íons fortes (metabólica). O período entre a ingestão excessiva e o
início dos sinais é menor quando o animal consome alimento triturado do que quando ingere grãos inteiros e a gravidade aumenta de acordo com a quantidade ingerida. Poucas horas após o ingurgitamento a única anormalidade detectável
pode ser aumento de volume ruminal e, possivelmente, dor abdominal (manifestada por coices no ventre ou ato de caminhar apoiandose nos membros pélvicos). Na forma discreta, os movimentos ruminais diminuem, mas não são
completamente ausentes; os bovinos apresentam anorexia, porém permanecem alertas; e diarreia é comum. Em geral, os animais voltam a se alimentar após 3 a 4 dias, sem qualquer tratamento específico.
Após 24 a 48 h do início da sobrecarga grave alguns animais permanecem em decúbito, alguns cambaleiam e outros se mantém de pé, quietos; todos os bovinos ficam distantes dos alimentos. Imediatamente após consumir grande
quantidade de grãos secos, os bovinos podem ingerir água em excesso, mas quando doentes geralmente não bebem de forma alguma.
Comumente, a temperatura corpórea encontrase abaixo do normal, 36,5 a 38,5°C; no entanto, nos animais expostos ao sol em clima quente ela pode aumentar para 41°C. A respiração tende a ser superficial e rápida, com 60 a 90
movimentos respiratórios/min. Geralmente, a frequência cardíaca aumenta de acordo com a gravidade da acidose; em bovinos com frequência > 120 bpm o prognóstico é ruim. Diarreia é comum, quase sempre abundante e fétida. As fezes
são moles ou líquidas, amarelas ou castanhas e apresentam odor agridoce evidente. As fezes frequentemente contêm grãos não digeridos do alimento que ocasionou a sobrecarga. Nos casos discretos, a desidratação equivale a 4 a 6% do
peso corporal; nos casos graves, é de até 10 a 12%.
Na sobrecarga por grãos grave, as contrações ruminais primárias desaparecem completamente, embora durante a auscultação sejam audíveis borborigmos do gás que sobe através do grande volume de fluido. Balotamento e auscultação
no flanco esquerdo podem estimular ruídos de fluido no rúmen. O conteúdo ruminal, palpado na fossa paralombar esquerda, pode estar firme e pastoso em bovinos que receberam previamente dieta de volumoso e consumiram grande
quantidade de grãos. Em bovinos que adoecem com menor quantidade de grãos não se nota necessariamente o rúmen repleto, mas como um tecido elástico, devido ao excesso de fluido. Os animais gravemente acometidos cambaleiam e
podem trombar com objetos; o reflexo palpebral tornase lento ou ausente e o reflexo da pupila à luz geralmente está presente, porém mais lento do que o normal. Os animais acometidos comumente deitamse quietos, em geral com a
cabeça virada para o flanco e sua resposta a qualquer estímulo encontrase muito diminuída, de forma que lembra um quadro de paresia da parturiente.
Podese constatar laminite aguda, sendo mais comum nos animais não gravemente acometidos; pode ocorrer laminite crônica semanas ou meses depois. Anúria é um achado comum nos casos agudos; diurese, após fluidoterapia, é um
sinal de bom prognóstico.
O paciente pode morrer em 24 a 72 h e o desenvolvimento rápido de sinais agudos, particularmente decúbito, indica necessidade de tratamento agressivo. Redução da frequência cardíaca, elevação da temperatura, retorno do movimento
ruminal e eliminação de grande quantidade de fezes amolecidas são sinais mais favoráveis. No entanto, alguns animais parecem melhorar temporariamente, mas adoecem com mais gravidade após 3 a 4 dias, provavelmente devido à grave
ruminite fúngica ou bacteriana; morte por peritonite difusa aguda geralmente ocorre em 2 a 3 dias. Vacas prenhes que sobrevivem à forma grave da doença podem abortar após 10 a 14 dias
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico geralmente é óbvio quando há disponibilidade de informações da anamnese e vários animais são acometidos. O diagnóstico pode ser confirmado pelos achados clínicos, com baixo pH ruminal (< 5 em bovinos
não acostumados à dieta rica em grãos) e exame da microflora ruminal para pesquisa de protozoários vivos. Quando apenas um animal está envolvido e não há histórico de ingestão excessiva, o diagnóstico é menos óbvio, mas os sinais
clínicos – estase ruminal com ruído de fluido, diarreia, ataxia e temperatura normal – são característicos. Nestes animais, é necessário exame do fluido ruminal para confirmar o diagnóstico de sobrecarga por grãos.
Embora a paresia parturiente (p. 1058) possa parecer com sobrecarga ruminal, não há diarreia e desidratação típicas, notase menor intensidade das bulhas cardíacas e a resposta a uma injeção de cálcio geralmente é eficiente. Mastite
coliforme hiperaguda e peritonite difusa aguda também podem lembrar sobrecarga por grãos, mas geralmente um exame cuidadoso revela a causa da toxemia.
Para evitar aumento do pH durante exposição ao ar, o pH do fluido ruminal obtido por sonda ororruminal ou paracentese deve ser mensurado imediatamente. Normalmente, o pH em bovinos que recebem dieta com volumoso varia de 6 a
7; em bovinos alimentados com dieta rica em grãos varia de 5,5 a 6. Valores abaixo de 5,5 sugerem fortemente sobrecarga por grãos e pH ruminal < 5 indica acidemia grave e acidose metabólica. Um papel indicador de pH de amplo
espectro (2 a 11) é adequado para uso a campo. O fluido ruminal também deve ser submetido ao exame microscópico, se há disponibilidade de um laboratório. Nos bovinos acometidos o fluido contém número reduzido de protozoários
(especialmente protozoários de tamanhos médio e grande). A coloração do fluido ruminal pela técnica de Gram revela alteração, de bactérias predominantemente gramnegativas (normal) para bactérias predominantemente grampositivas
na sobrecarga por grãos, com perda concomitante da diversidade bacteriana.
Também, notase aumento dos teores sanguíneos de Dlactato e Llactato e de fosfato inorgânico, hipocalcemia discreta e redução do pH urinário, mas raramente é necessário mensurar tais valores para definir o diagnóstico. O problema
do diagnóstico é avaliar adequadamente quais animais requerem terapia vigorosa (ou abate), quais necessitam terapia de suporte, quais manifestam apenas indigestão leve que se resolve com restrição ao consumo de água e de grãos e
fornecimento de dieta á base de feno e exercícios e quais não precisam de auxílio, além dos cuidados básicos e de ração de rotina. Em um surto de sobrecarga que envolve vários animais é necessário identificar os animais que requerem
terapia mais intensiva e aqueles que se recuperam com uma terapia medicamentosa simples.
Se os bovinos são encontrados ainda enquanto se alimentam, é possível que alguns animais do grupo se enquadrem em algumas dessas categorias, sendo necessário monitoramento rigoroso para minimizar as perdas. Bovinos flagrados se
alimentando em excesso ou imediatamente após esse evento, não devem receber mais concentrado ou água, mas sim bastante feno de boa qualidade por até 24 h e serem estimulados a caminhar periodicamente. Os bovinos que parecerem
normais no final do primeiro dia, provavelmente estão bem; entretanto, se um deles se apresenta doente, todos devem ser monitorados cuidadosamente por 48 h. A maioria dos animais que consomem concentrado suficiente para serem
gravemente acometidos manifestam sintomas em 6 a 8 h.
TRATAMENTO: Para todos os bovinos sob suspeita de terem ingerido grande quantidade de concentrado, acreditase que seja útil a restrição ao consumo de água nas primeiras 18 a 24 h, embora isso não tenha sido comprovado. Se a
sobrecarga é grave devese considerar o abate; para bovinos de engorda próximo ao final desse período, o abate poderá ser também a opção mais econômica. A taxa de mortalidade é alta em animais gravemente acometidos, exceto se
medidas terapêuticas vigorosas forem adotadas precocemente. Nestes animais, é necessária a remoção do conteúdo ruminal e sua substituição por ingesta coletada do rúmen de animais saudáveis. Em animais que ainda permanecem de pé a
rumenotomia é mais vantajosa do que a lavagem ruminal, pois os animais podem aspirar conteúdo durante o procedimento de lavagem e apenas a rumenotomia garante a remoção de todos os grãos ingeridos. A lavagem ruminal pode ser
realizada com uma sonda gástrica grande, se há água suficiente disponível. Pode ser usada uma sonda de grande calibre (2,5 cm de diâmetro interno e 3 m de comprimento) e devese introduzir água em volume suficiente para distender a
fossa paralombar esquerda; em seguida, devese permitir um fluxo por gravidade para esvaziar o que for possível. A repetição desse procedimento por 15 a 20 vezes, para esvaziar e lavar o rúmen com um sifão, propicia o mesmo resultado
(e requer aproximadamente o mesmo tempo) daquele obtido com rumenotomia.
O esvaziamento ruminal deve ser acompanhado de inoculação ruminal (p. 2582) e, se não for realizado antes do início dos sinais de intoxicação grave, deve ser seguido de fluidoterapia intensiva, de modo a corrigir a acidose metabólica e
a desidratação e a restabelecer a função renal. Inicialmente, devese administrar, por via IV, solução de bicarbonato de sódio 5% (5 L/450 kg) ao longo de cerca de 30 min. Durante as 6 a 12 h seguintes podese administrar, por via IV,
solução eletrolítica balanceada ou solução de bicarbonato de sódio 1,3%, em solução salina, até 60 L/450 kg de peso corporal. A micção deve recomeçar durante esse período. Geralmente, é desnecessária, e mesmo indesejável, também a
administração oral (ou intrarruminal) de antiácidos, principalmente se o bicarbonato de sódio é administrado por via IV. A penicilina G procaína deve ser aplicada por via IM em todos os animais acometidos durante, no mínimo, 5 dias, para
minimizar o risco de rumenite bacteriana e abscessos hepáticos. A tiamina deve ser administrada também por via IM para facilitar o metabolismo do Llactato, via piruvato e fosforilação oxidativa; os animais acometidos por sobrecarga de
grãos também apresentam menor concentração de tiamina no fluido ruminal, devido à maior produção de tiaminase pelas bactérias ruminais. Não há tratamento preventivo eficaz para rumenite micótica.
Nos casos menos graves, o esvaziamento ruminal não é necessário. Nestes bovinos, devese acrescentar hidróxido de magnésio (500 g/450 kg de peso corporal) à água morna que é bombeada ao rúmen e misturada por meio de massagem
no flanco. Isso pode ser necessário quando o pH ruminal é > 5 e se o animal ainda se encontra de pé e razoavelmente alerta várias horas após a ingestão excessiva de grãos. Frequência cardíaca de 70 a 85 bpm, contrações ruminais fracas,
temperatura corporal normal e, especialmente, vontade de se alimentar indicam, adicionalmente, que essa terapia será suficiente. Se há qualquer dúvida devese administrar fluido adicional. Durante o período de convalescença, que pode
durar 2 a 4 dias, devese fornecer feno de boa qualidade e não oferecer grãos, os quais devem ser reintroduzidos gradualmente. Se o apetite retornar dentro de 3 dias o prognóstico é bom. No entanto, se o tratamento não foi iniciado
precocemente, para evitar acidificação do conteúdo ruminal e infecção micótica da parede ruminal, provavelmente ocorre recidiva dentro de 3 a 5 dias e o prognóstico é desfavorável.
PREVENÇÃO: Devese evitar o acesso acidental a concentrados de interesse dos bovinos, em quantidade em que não estão acostumados. Bovinos de lote de engorda devem ser estimulados a consumir, gradualmente, ração à base de
concentrado ao longo de 2 a 3 semanas, iniciando com uma mistura com = 50% de concentrado em alimento moído contendo volumoso.
TIMPANISMO (Timpanismo Ruminal)
Timpanismo é a distensão exagerada do rúmen e do retículo por gases oriundos de fermentação, quer seja na forma de espuma persistente misturada ao conteúdo ruminal, denominado timpanismo primário ou espumoso, ou na forma de gás
livre separado da ingesta, conhecido como timpanismo secundário ou de gás livre. A enfermidade acomete predominantemente bovinos, mas também pode se instalar em ovinos. A suscetibilidade do bovino ao timpanismo é variável e
geneticamente determinada. Relatase taxa de mortalidade de 20% em bovinos mantidos em áreas de pastagem mais propensas ao timpanismo; a taxa de mortalidade anual decorrente de timpanismo em vacas leiteiras mantidas em pastagem
pode atingir 1%. Há, também, perda econômica devido à redução na produção de leite em casos não fatais e pelo menor uso de pastagens mais propensas à doença. Timpanismo pode ser causa importante de morte em bovinos em um lote
de engorda.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: No timpanismo ruminal primário ou timpanismo espumoso, a causa é a retenção de gases normais da fermentação em uma espuma estável. Inibese a coalescência das pequenas bolhas de gás e a pressão
intrarruminal aumenta, pois não ocorre eructação. Vários fatores, tanto animais como vegetais, influenciam a formação de uma espuma estável. Acreditase que proteínas, saponinas e hemicelulose solúvel das folhas sejam os agentes
espumantes principais e formem uma camada monomolecular ao redor das bolhas gasosas ruminais, que possuem maior estabilidade em pH de aproximadamente 6. A mucina salivar é antiespumante, mas a produção de saliva é reduzida
quando a forragem é suculenta. Pastagens que causam timpanismo são mais rapidamente digeridas e podem liberar maior quantidade de pequenas partículas de cloroplasto, que se aderem às bolhas gasosas e evitam sua coalescência. O
efeito imediato da alimentação é, provavelmente, o suprimento de nutrientes para a atividade da fermentação microbiana. No entanto, o principal fator que determina a instalação de timpanismo é o tipo do conteúdo ruminal. Conteúdo
proteico, taxa de digestão e fluxo ruminal refletem o potencial da forragem em provocar timpanismo. Por um período de 24 h, a forragem causadora de timpanismo e fatores individuais desconhecidos atuam em conjunto para manter uma
concentração elevada de pequenas partículas alimentares e exacerbar a suscetibilidade ao timpanismo.
O timpanismo é mais comum em animais que consomem pastagem de leguminosas, ou com predominância dessas, em particular alfafa, feijãoladino e trevos vermelho e branco, mas também ocorre em áreas de cultivo de cereais verdes
imaturos, uva, couve, cebola, legumes e verduras. As forragens de leguminosas, como alfafa e trevo, possuem porcentagem maior de proteínas e sua digestão é mais rápida. Outras leguminosas, como sanfeno, Securigera varia, Astragalus e
trevo pédeave, são ricas em proteínas, mas não causam timpanismo, provavelmente por conterem taninos condensados, que precipitam as proteínas e são digeridos mais lentamente do que a alfafa ou o trevo. O timpanismo por
leguminosas é mais comum quando os bovinos são colocados em pastagens suculentas, particularmente onde predominam leguminosas de crescimento rápido nos estágios vegetativo e germinativo, mas também pode ocorrer quando se
oferece feno de alta qualidade.
O timpanismo espumoso também acomete bovinos em lote de engorda e, menos comumente, bovinos leiteiros, que recebem dieta rica em grãos. A origem da espuma no timpanismo em lote de engorda é desconhecida, mas acreditase
que seja devido à produção de muco insolúvel por certas espécies de bactérias ruminais nos bovinos alimentados com dieta rica em carboidratos, ou à retenção de gases oriundos da fermentação de pequenas partículas de alimentos
triturados. Um material com partículas reduzidas, como grãos bem triturados, pode interferir acentuadamente na estabilidade da espuma, assim como um baixo consumo de volumoso. O timpanismo em lote de engorda é mais comum em
bovinos que recebem dieta com grãos por 1 a 2 meses. Esse período pode ser devido ao aumento do teor de grãos na dieta ou ao tempo em que as bactérias ruminais produtoras de muco demora para sua intensa proliferação.
No timpanismo ruminal secundário ou timpanismo com gás livre, a obstrução física da eructação é causada por obstrução esofágica devido a um corpo estranho (p. ex., batata, maçã, cebola, kiwi), estenose ou pressão devido a
aumento de volume externo ao esôfago (como linfadenopatia ou, esporadicamente, linfoma de timo juvenil). Interferência na função do sulco esofágico na indigestão vagal e hérnia diafragmática podem causar timpanismo ruminal crônico.
Isso também acontece no tétano. Tumores e outras lesões como aquelas causadas por infecção por Actinomyces bovis, do sulco esofágico ou da parede do retículo, são causas menos comuns de timpanismo obstrutivo. Também, pode haver
alteração nos trajetos nervosos envolvidos no reflexo de eructação. As lesões na parede do retículo (que contém receptores de tensão e receptores que distinguem gás, espuma e líquido) podem interromper o reflexo normal, essencial para a
saída de gás do rúmen.
O timpanismo ruminal também pode ser secundário ao início agudo de atonia ruminal que surge na anafilaxia e na sobrecarga com grãos; isso causa redução do pH ruminal e, possivelmente, esofagite e ruminite, que podem interferir na
eructação. Também, ocorre timpanismo ruminal na hipocalcemia. O timpanismo ruminal crônico é relativamente frequente em bezerros com até 6 meses de idade, sem causa aparente; essa forma costuma se resolver espontaneamente.
As posturas anormais, em particular o decúbito lateral, são comumente associadas a timpanismo secundário. Os ruminantes podem morrer de timpanismo quando se posicionam acidentalmente em decúbito dorsal ou outra posição
restritiva, em instalações, veículos de transporte lotados ou fossas de lavagem.
ACHADOS CLÍNICOS: O timpanismo é uma causa comum de morte súbita. Os bovinos não observados de perto, como os de pastejo e de lote de engorda e as vacas leiteiras secas, em geral são encontrados mortos. Nas vacas leiteiras
lactantes, que são observados regularmente, o timpanismo comumente surge dentro de 1 h após o animal sair de uma pastagem que causa timpanismo. O timpanismo pode ocorrer no primeiro dia depois que o bovino é colocado no pasto,
sendo mais frequente no segundo ou terceiro dia.
No timpanismo primário por pastejo, ocorre distensão ruminal evidente, súbita e o flanco esquerdo pode ficar tão distendido que o contorno da fossa paralombar protrai acima da coluna vertebral; todo o abdome aumenta de volume. À
medida que o timpanismo progride, a pele do flanco esquerdo fica progressivamente mais tensa e, nos casos graves, não é possível perfurála. Dispneia e ronco ficam acentuados e são acompanhados de respiração bucal, protrusão da língua,
estiramento da cabeça e micções frequentes. Ocasionalmente, ocorre vômito. A motilidade ruminal não diminui até que o timpanismo seja grave. Se o timpanismo se agravar, o animal entra em colapso e morre. A morte pode ocorrer dentro
de 1 h após o início do pastejo, sendo mais comum cerca de 3 a 4 h depois de surgirem os sinais clínicos. Em um grupo de bovinos acometidos, geralmente há vários deles com timpanismo clínico e alguns com distensão abdominal leve a
moderada.
No timpanismo secundário, o excesso de gás geralmente fica livre na parte superior do conteúdo ruminal sólido e fluido, embora o timpanismo espumoso possa surgir em uma indigestão vagal, quando há aumento na atividade ruminal. O
timpanismo secundário é observado esporadicamente. Ocorre uma ressonância timpânica no abdome dorsal à esquerda da linha média. O gás livre produz um som de “ping” mais alto, à percussão, do que o timpanismo espumoso. A
distensão ruminal pode ser detectada por palpação retal. No timpanismo com gás livre, a passagem de sonda gástrica ou o uso de trocarte liberam grande quantidade de gás e aliviam a distensão.
Lesões: Os achados de necropsia são característicos. Congestão e hemorragia em linfonodos de cabeça e pescoço, epicárdio e trato respiratório superior são marcantes. Os pulmões ficam comprimidos e podese notar hemorragia
intrabrônquica. O esôfago cervical encontrase congesto e hemorrágico, mas a porção torácica esofágica fica pálida – demarcação conhecida como “linha de timpanismo” esofágica. O rúmen distendese, mas o seu conteúdo geralmente é
muito menos espumoso do que antes da morte. O fígado tornase pálido devido à saída de sangue do órgão.
DIAGNÓSTICO: Geralmente, o diagnóstico clínico de timpanismo espumoso é fácil. As causas de timpanismo secundário devem ser investigadas, por exame clínico, para determinar a origem da falha de eructação.
TRATAMENTO: Em casos de risco à vida pode ser necessária rumenotomia emergencial, seguida de retirada de grande quantidade de conteúdo ruminal e, consequentemente, de alívio acentuado ao animal. A recuperação geralmente é
tranquila, com complicações ocasionais mínimas.
Podemse utilizar trocarte e cânula para alívio emergencial, embora o instrumento de tamanho padrão não seja grande o suficiente para permitir que a espuma estável e viscosa, nos casos agudos, saia com rapidez suficiente. É necessário
um instrumento de calibre maior (2,5 cm de diâmetro), mas devese fazer uma incisão na pele antes de introduzilo nas camadas musculares e no rúmen. Se a cânula falha em reduzir o timpanismo e a vida do animal se encontra ameaçada
devese realizar rumenotomia emergencial. Se a cânula proporciona algum alívio podese administrar um agente antiespumante pela cânula, que pode permanecer no local até que o animal retorne ao normal, o que geralmente acontece após
várias horas.
Quando não há risco iminente à vida recomendase a introdução de uma sonda gástrica com o maior calibre possível. Devem–se fazer algumas tentativas para limpar a sonda, por meio de sopro, e movimentála para frente e para trás,
procurando encontrar local onde o gás ruminal esteja armazenado, para que possa ser liberado. No timpanismo espumoso, pode ser impossível reduzir a pressão com a sonda e devese administrar um agente antiespumante enquanto a sonda
permanece na posição. Se o timpanismo não for aliviado rapidamente pelo agente antiespumante, devese observar cuidadosamente o animal na hora seguinte, para determinar se o tratamento obteve sucesso ou se é necessária uma terapia
alternativa.
Vários agentes antiespumantes são efetivos, incluindo óleos vegetais (p. ex., de amendoim, milho e soja) e minerais (parafinas), na dose de 250 a 500 ml. O sulfossuccinato sódico de dioctila (docusato), um surfactante, é comumente
adicionado aos óleos vendidos como fármacos patenteados para tratamento de timpanismo, os quais são efetivos quando administrados precocemente. O poloxaleno (25 a 50 g VO) é efetivo no tratamento de timpanismo causado por
forragem, mas não naquele causado por sobrecarga de grãos. A colocação de uma fístula ruminal propicia alívio a curto prazo de casos de timpanismo com gás livre associado à obstrução externa ao esôfago.
CONTROLE E PREVENÇÃO: A prevenção do timpanismo por pastejo pode ser difícil. As práticas de manejo que têm sido utilizadas para reduzir o risco de timpanismo incluem alimentação com feno, particularmente de Dactylis
glomerata, antes da introdução do bovino na pastagem, manutenção predominantemente de gramínea na pastagem ou emprego de rotação de pastagem, para restringir o consumo, com a transferência de animais para uma nova área, no
período da tarde, mas não na manhã seguinte. Para que o feno seja efetivo na redução do risco de timpanismo ele deve representar pelo menos um terço da dieta. A alimentação com feno ou em sistema de rotação de pastagem pode ser
confiável quando o pasto é apenas moderadamente perigoso, mas esses métodos são menos indicados quando a pastagem se encontra no estágio de préflorescimento e o risco de timpanismo é alto. Pastagens maduras são menos passíveis
de causar timpanismo do que as imaturas ou em fase de rápido crescimento.
Colocação de cânula no rúmen, em vaca. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.
O único método satisfatório disponível para evitar timpanismo por pastejo é a administração contínua de um agente antiespumante durante o período de risco. Isso é amplamente praticado em países com amplas áreas de pastagens, como
Austrália e Nova Zelândia. O método mais confiável é a administração forçada de um agente antiespumante 2 vezes/dia (p. ex., nos momentos de ordenha). A pulverização do produto na pastagem é igualmente efetiva, contanto que os
animais tenham acesso apenas ao pasto tratado. Esse método é ideal no caso de rotação de pastagem, mas não quando o pastejo não é controlado. O agente antiespumante pode ser adicionado ao alimento ou à água ou incorporado em blocos
de ração, mas o sucesso do método depende do consumo individual adequado. O produto também pode ser “pincelado” nos flancos dos animais, de onde é lambido durante o dia, mas animais que assim não se comportam não estarão
protegidos.
Os agentes antiespumantes disponíveis incluem óleos e gorduras e surfactantes não iônicos sintéticos. Óleos e gorduras são administrados na dose de 60 a 120 ml/animal/dia; indicamse doses de até 240 ml durante os períodos de risco. O
poloxaleno, um polímero sintético, é um surfactante não iônico altamente efetivo, que pode ser administrado na dose de 10 a 20 g/animal/dia e até 40 g/animal/dia nas situações de alto risco. Seu uso é seguro e econômico e deve ser
administrado diariamente por todo o período suscetível, adicionado à água, à ração mista com grãos ou ao melaço. Um polímero similar (Alfasure®) e uma mistura hidrossolúvel dos detergentes etoxilato de álcool e plurônico (Blocare
4511) também são efetivos, mas não são aprovados pela FDA. Os ionóforos são efetivos na prevenção de timpanismo e uma cápsula de liberação prolongada, administrada no interior do rúmen, e que libera 300 mg de monensina por dia,
por um período de 100 dias, protege contra timpanismo causado por pastejo e melhora a produção de leite quando a vaca encontrase em pastos que podem causar timpanismo.
O objetivo final do controle é obter uma pastagem que permita alta produção e resulte em baixa ocorrência de timpanismo. O uso de pastagem de trevos e capins em quantidades iguais torna mais fácil atingir o objetivo. A capacidade de
causar timpanismo varia entre os cultivares de alfafa; cultivares de baixa taxa inicial de digestão (BTID), de baixo risco, estão disponíveis no mercado. A adição de leguminosas com bastante tanino condensado à mistura de sementes de
pastagem (10% de sanfeno) pode reduzir o risco de timpanismo onde se pratica rotação de pastagens, assim como a alimentação com sanfeno peletizado.
Para evitar timpanismo em lotes de engorda, as rações devem conter = 10 a 15% de volumoso cortado ou picado, misturado em uma ração completa. De preferência, o volumoso deve ser cereal, palha de grãos, feno de capim ou
equivalente a eles. Os grãos devem ser cortados ou quebrados, mas não finamente triturados. Devemse evitar rações peletizadas fabricadas com grãos muito triturados. A adição de sebo (3 a 5% da ração total) ocasionalmente pode ser
bemsucedida, mas não foi efetiva em experimentos controlados. Os surfactantes não iônicos, como poloxaleno, são ineficazes para evitar timpanismo em lote de engorda, mas o ionóforo lasalocida é efetivo no seu controle.
DOENÇAS INTESTINAIS EM EQUINOS E POTROS
A doença intestinal em equinos e potros é sugerida pela ocorrência de diarreia, perda de peso, hipoproteinemia e dor abdominal (ver p. 226).
DOENÇA DIARREICA
Conseguese determinar a etiologia definitiva em < 50% dos casos. Além disso, o tratamento de muitos equinos e potros com diarreia é semelhante e, consequentemente, permite tratamento de suporte, apesar da falta de diagnóstico
definitivo.
Em equinos adultos, a diarreia pode ser aguda ou crônica. Os microrganismos infecciosos citados como causas potenciais de diarreia aguda em equinos adultos incluem diversos sorovariantes de Salmonella, Neorickettsia risticii,
Clostridium difficile, C. perfringens e Aeromonas spp., bem como ciatostomíase. Outros diagnósticos diferenciais para diarreia aguda em equinos incluem ingestão de produto(s) tóxico(s), colite induzida por antimicrobianos, intoxicação
por AINE e enterocolopatia por areia. Uma doença diarreica aguda fatal, de etiologia desconhecida, é denominada colite X. A diarreia que persiste > 1 mês é considerada crônica e geralmente é um desafio ao diagnóstico. A diarreia crônica
pode ser causada por doenças inflamatórias ou neoplásicas que envolvem o intestino ou por distúrbios nos mecanismos fisiológicos normais do intestino. Os diagnósticos diferenciais compreendem enterocolopatia por areia e lesões
infiltrativas, como aquelas associadas à doença intestinal inflamatória ou linfossarcoma intestinal. A resposta individual a alguns componentes da dieta pode ter um papel na diarreia crônica dos equinos devido à inflamação intestinal, mas
frequentemente não é considerada como uma causa.
As doenças de cólon não inflamatórias também podem resultar em diarreia. Essas incluem alteração da fermentação no cólon maior, que se deve, potencialmente, à alteração da população de microrganismo do intestino secundária ao
tratamento antimicrobiano, alteração da dieta ou a etiologias desconhecidas. As causas não intestinais de diarreia crônica incluem insuficiência cardíaca congestiva e hepatopatia crônica. A abordagem diagnóstica, nesses casos, objetiva
diferenciar enteropatias infiltrativas e causas fisiológicas de diarreia.
Devido ao grande volume do cólon e do ceco de equinos, pode ocorrer perda intensa de fluido em curto período. Por isso, a diarreia em equinos adultos pode ser um evento marcante, com taxas de morbidade e de mortalidade superiores
àquelas associadas a doença diarreica em outros animais e em pessoas.
COLITE X
Na verdade, a colite X não é uma doença, mas um termo antigo utilizado para descrever causas não conhecidas de enterocolite fatal e superaguda em equinos, caracterizada por início súbito de diarreia aquosa abundante e desenvolvimento
de choque hipovolêmico. Muitos equinos acometidos apresentam histórico de estresse. O diagnóstico diferencial inclui salmonelose hiperaguda, enterocolite clostridiana, colite por Aeromonas spp e endotoxemia. O cultivo
de Salmonella spp e Clostridium difficile pode ser difícil em fezes líquidas e o diagnóstico de salmonelose ou enterocolite clostridiana não é facilmente obtido. Recomendase cultura de amostras de tecido GI e linfonodos mesentéricos,
além do conteúdo intestinal, quando se faz necropsia. Resultados de cultura e teste de toxina negativos para clostrídios não necessariamente excluem essas enfermidades; assim, em todos os casos devese fazer desinfecção completa do
local, das instalações hospitalares e do trailer.
Clinicamente, pode ocorrer um curto período febril, mas a temperatura corporal logo retorna ao normal ou ao subnormal. Notase taquipneia, taquicardia e depressão acentuada. Ocorre diarreia explosiva, seguida de desidratação grave.
Em alguns casos, o animal morre antes que a diarreia seja evidente, com grave enterocolite observada durante a necropsia. Choque hipovolêmico ou endotóxico se manifesta como aumento do tempo preenchimento capilar, membranas
mucosas azuladas e extremidades frias. O paciente pode morrer dentro de 3 h após o início dos sinais clínicos. Nos casos menos agudos, a morte ocorre em 24 a 48 h. A taxa de mortalidade atinge 100%. Na necropsia, edema e hemorragia
na parede do cólon maior e do ceco são evidentes e o conteúdo intestinal apresentase fluido e, com frequência, com sangue.
Tipicamente, o VG é > 65%, mesmo imediatamente após o início dos sintomas. O leucograma varia de normal à neutropenia com desvio à esquerda degenerativo. Também ocorrem acidose metabólica e distúrbios eletrolíticos.
Em geral, o início da doença está intimamente associado a estresse, como cirurgia ou transporte. Os sintomas são semelhantes àqueles de outras doenças diarreicas, inclusive salmonelose hiperaguda, toxemia causada por Clostridium spp,
febre equina de Potomac, choque endotóxico experimental e anafilaxia. Nos equinos, podese verificar uma doença semelhante, após uso de lincomicina. Colite X é o termo reservado para os casos em que não se consegue elaborar um
diagnóstico definitivo e o equino morre.
O tratamento de colite X geralmente não é efetivo (por definição), mas seria semelhante ao da salmonelose (ver p. 311). São necessárias grandes quantidades de fluidos IV para corrigir a desidratação grave e a reposição eletrolítica. O uso
de plasma ou coloide sintético é necessário para manter a pressão oncótica plasmática, quando há hipoproteinemia secundária à enteropatia com perda de proteínas. A flunixino meglumina pode reduzir a inflamação e a polimixina B pode
ser útil por se ligar às endotoxinas. Antibióticos de amplo espectro são indicados para tratar os casos de bacteriemia que, em geral, são secundários à transferência de bactérias do trato GI lesionado.
DIARREIA RECIDIVANTE
Alguns equinos apresentam fezes semiformadas quando recebem, pela primeira vez, pastagem suculenta ou feno de alfafa ou são submetidos temporariamente a uma situação estressante (p. ex., transporte em trailer, corrida, exposição e
visita a hospital veterinário). Essa alteração na consistência de fezes não tem relevância clínica, pois o equino permanece saudável, mas os proprietários podem ficar preocupados. É importante que os animais com diarreia passem por
exames físicos e testes laboratoriais apropriados para excluir as causas infecciosas e para determinar se há necessidade de tratamento. Em geral, a consistência das fezes retorna ao normal quando o equino se adapta à nova dieta ou a
situação estressante se resolve.
COLOPATIA INFILTRATIVA
Qualquer distúrbio que provoca espessamento da parede do cólon maior pode interferir na absorção de fluidos e resultar em diarreia crônica, perda de peso e, às vezes, hipoproteinemia. O espessamento pode ser decorrência de neoplasia,
células inflamatórias (como linfócitos, plasmócitos, macrófagos ou eosinófilos) ou formação de cicatriz devido uma colite aguda anterior.
A palpação retal pode auxiliar na detecção de espessamento intestinal e linfadenopatia mesentérica. A citologia do fluido abdominal pode revelar células neoplásicas. Ultrassonografia pode ser utilizada para determinar o grau de
espessamento da parede intestinal (se a área acometida do intestino pode ser visualizada) e pode revelar tumores de fígado, baço ou em superfícies peritoneais. Biopsia percutânea pode propiciar diagnóstico histopatológico de neoplasia ou
de infiltrado de células inflamatórias. Biopsia de mucosa retal ou duodeno (endoscópio de 3 m) pode ser útil no diagnóstico de doença intestinal inflamatória e devese realizar, também, cultura para Salmonella. Biopsia de cólon, ceco e
jejuno espessos é mais confiável para o diagnóstico de doença intestinal inflamatória (p. 317) e a amostra pode ser coletada cirurgicamente por meio de laparotomia pelo flanco, com o animal em pé, ou celiotomia na linha média, em
decúbito ventral. Laparotomia exploratória pode fornecer informações importantes, mas é um procedimento oneroso e há importante risco de má cicatrização no pósoperatório devido à hipoproteinemia.
O tratamento de neoplasia abdominal ou de doença intestinal inflamatória geralmente não é compensador, mas em alguns casos pode ocorrer remissão dos sinais clínicos com uso de dexametasona, principalmente na doença intestinal
inflamatória. Há relato de melhora dos sinais clínicos e dos parâmetros laboratoriais com tratamento com altas doses de dexametasona (0,1 mg/kg, 1 vez/dia) em 3 equinos com sintomas de linfoma de trato GI, com origem em linfócitos T.
Em dois deles, as altas doses de dexametasona foram seguidas de dose menor (0,01 a 0,95 mg/kg, 1 vez/dia), assim que se constata melhora dos sintomas. Respostas favoráveis persistiram por > 9 meses. O terceiro animal foi mantido com
altas doses por todo o tratamento, pois os sinais clínicos retornavam com a diminuição da dose. Houve recidiva dos sintomas mesmo com altas doses de dexametasona e após dois meses de tratamento o equino foi submetido à eutanásia. O
mecanismo de ação dos esteroides consiste no controle da inflamação associada à doença, ao contrário da apoptose induzida por glicocorticoides.
ENTEROCOLITE CAUSADA POR CLOSTRÍDIOS
Clostridium difficile e C.perfringens são causas comuns de enterocolite em equinos e potros. A administração de antibióticos foi associada à diarreia por C. difficile. Alguns relatos consideram que 50% dos casos de diarreia em potros são
causados por C. perfringens. C. difficile produz toxina A e/ou B, que causa secreção de fluidos e resulta em inflamação intestinal. Comumente, o trato GI de potros recémnascidos é rapidamente colonizado por C. difficile, que pode ser
isolado de fezes utilizandose técnicas anaeróbicas sensíveis. As cepas que não produzem toxinas são consideradas comensais. Aproximadamente 1/3 das éguas e > 90% dos potros saudáveis, da população em geral, excretam C.
perfringens nas fezes; logo, é importante identificar as cepas produtoras de toxinas.
As cepas de C. perfringens são classificadas de acordo com as toxinas produzidas. Entretanto, tanto as toxinas quanto as cepas de C. perfringens e C. difficile produtoras de toxinas podem ser encontradas em equinos e potros normais e
com diarreia. C. perfringens tipo A é o mais comumente isolado, sendo o tipo C mais raro nas fezes ou no ambiente de éguas saudáveis e seus potros, mas está associado à maior taxa de mortalidade. Sugerese que o uso de antimicrobianos,
a privação de alimentos e outros fatores estressantes podem predispor os equinos ao supercrescimento de C. perfringens, C. difficile, ou ambos, provocando doença GI. Em um relato, potros de fêmeas tratadas com eritromicina
desenvolveram enterocolite fatal associada à C. difficile. Os esporos de clostrídios podem persistir no ambiente e serem resistentes a diversos desinfetantes; logo, podem ocorrer infecções hospitalares em ambientes contaminados.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos incluem morte súbita, diarreia com ou sem sangue, cólica, febre, redução no consumo de alimentos e letargia. A doença pode variar desde enterocolite subclínica a grave até morte aguda antes de se
notar diarreia. Com técnicas de diagnóstico avançadas foi possível verificar que muitas das infecções antigamente diagnosticadas como “colite X” eram infecções por clostrídios. Em razão da perda da integridade da mucosa pode ocorrer
transferência de bactérias ao longo do trato GI, o que resulta em bacteriemia por clostrídios ou por outras espécies de bactérias entéricas. Geralmente notamse sinais clínicos de sepse ou resposta inflamatória sistêmica compatível com
outras causas de enterocolite. Clinicamente, a clostridiose não pode ser distinguida de salmonelose. Potros com < 3 dias de idade com enterocolite causada por C. perfringens geralmente apresentam diarreia sanguinolenta e cólica. Com
frequência, na ultrassonografia ou radiografia notase intestino preenchido por fluido e gás. Em casos graves, ocorre enterocolite necrosante com espessamento intramural e até mesmo acúmulo de gás evidente dentro da parede intestinal.
Em determinado haras, vários potros podem ser acometidos, mas tipicamente a doença é esporádica.
O papel de C. perfringens tipo A na enterocolite de potros neonatos é pouco conhecido; relatase que > 90% dos potros com 3 dias de idade eliminam a bactéria nas fezes e que C. perfringens tipo A é, provavelmente, uma das primeiras
bactérias a colonizar o trato intestinal de potros recémnascidos, independente dos protocolos de higiene.
C. difficile está associado à ocorrência de enterocolite em potros recémnascidos e em equinos adultos. Foi identificado como causa de infecção hospitalar em pessoas, fato notado também em equinos.
A taxa de mortalidade associada à enterocolite por C. difficile e C. perfringens, especialmente tipo C, pode ser alta, mesmo com tratamento clínico intensivo.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico baseiase no isolamento da bactéria toxigênica em amostras de fezes frescas, refluxo, conteúdo intestinal ou tecido. Hemocultura é indicada em potros e equinos adultos com enterocolite grave. As amostras de
fezes para cultura e detecção de genes produtores ou não de toxinas devem ser entregues diretamente no laboratório, ou enviados durante a noite, resfriadas (não congeladas) em gelo. As amostras para cultura devem ser mantidas em
ambiente anaeróbico. O isolamento de clostrídios requer condições anaeróbicas e, dependendo do microrganismo, também meios especiais de crescimento. O C. difficile é difícil de ser cultivado, daí o seu nome. Devese informar o
laboratório de que enterocolite clostridiana é um diagnóstico diferencial para o caso, pois muitos laboratórios veterinários não fazem cultivo anaeróbico de amostras de fezes, exceto quando há solicitação específica para tal.
Como os sorovariantes não patogênicos são comuns, uma cultura positiva para C. difficile ou C. perfringens deve ser confirmada pela identificação de toxinas ou de seus genes. A técnica de PCR, disponível em alguns laboratórios,
permite diferenciação de C. perfringens dos tipos A, B, C, D e E, com base na combinação de toxinas a, β, e ou ?, bem como identificação do código genético para toxina β2. Os testes disponíveis no mercado para toxinas clostridianas
incluem ELISA para toxina A de C. difficile e enterotoxina de C. perfringens e um teste de aglutinação em látex para enterotoxina de C. perfringens. Os testes de toxinas são rápidos e podem ser realizados no domicílio; são sensíveis e
específicos para C. difficile. Geralmente, o diagnóstico de enterocolite por clostrídio é realizado durante a necropsia e baseiase principalmente na constatação de necrose intestinal associada à presença de diversos bacilos grampositivos em
esfregaços intestinais. Amostras de fezes e tecidos devem ser coletadas imediatamente após o óbito, de modo a evitar degradação de toxinas ou supercrescimento de clostrídios.
TRATAMENTO: O tratamento com metronidazol (15 a 20 mg/kg, VO, 3 a 4 vezes/dia) parece útil no tratamento de infecções entéricas por clostrídios. Estudos farmacocinéticos não foram realizados em potros, mas o metronidazol por VO e
até mesmo IV, em geral, parece seguro. Em algumas regiões surgiram cepas de C. difficile resistentes ao metronidazol, mas parecem sensíveis à vancomicina; entretanto, o metronidazol deve ser utilizado sempre que possível.
O tratamento de suporte é semelhante ao realizado na enterocolite de equinos de outras causas e geralmente requer grande quantidade de fluido poliônico IV, com suplementação de eletrólitos (potássio, magnésio e cálcio); plasma ou
coloides sintéticos no caso de pressão oncótica baixa; antiinflamatórios, como flunixino meglumina; e antibióticos de amplo espectro, se o equino apresenta leucopenia e com risco de transferência de bactérias do trato GI comprometido. A
polimixina B pode auxiliar ligandose às endotoxinas sistêmicas. Dieta parenteral parcial ou total pode ser útil para fornecer suporte nutricional aos potros com restrição ou redução da ingestão de leite, permitindo repouso intestinal. Potros
com cólica ou diarreia profusa geralmente se beneficiam da retirada de leite. A infusão contínua de fluido e o emprego de dieta parenteral IV são ideais, mas muito trabalhosas e exigem separação do potro, de sua mãe. Entretanto, o curso
da diarreia parece reduzido, o que justifica uma abordagem mais intensiva em alguns casos graves.
A levedura Saccharomyces boulardii induziu proteção em casos de diarreia causada por clostrídios, em outras espécies. Ela sintetiza uma protease que degrada especificamente as toxinas A e B do C. difficile. O pó de esmectita DTO
também se liga às toxinas clostridianas e pode ser útil em equinos com diarreia.
A antitoxina específica para C. perfringens tipos C e D também foi utilizada em potros; entretanto, ela não é aprovada para este fim. O benefício da antitoxina tipo C e D na doença associada ao tipo A ou β2 é desconhecido, mas com
base em métodos de produção, as toxinas a e β2 provavelmente não estão presentes em altos níveis neste toxoide.
PREVENÇÃO: Não há disponibilidade de produtos biológicos comprovadamente eficazes para imunizar equinos ou potros contra enterocolite clostridiana. Quando a doença surge em vários potros de um haras, medidas preventivas são
implementadas, mas a eficácia e segurança destas intervenções ainda não foram avaliadas criticamente. Essas medidas incluem aplicação de duas doses de vacina em éguas prenhes, com intervalo de 2 a 4 semanas, pelo menos um mês antes
do parto, com um toxoide contra C. perfringens tipos C e D (devemse evitar bacterinas e óleos adjuvantes); uso profilático de antitoxina contra C. perfringens tipos C e D, por via oral, em potros recém–nascidos; uso profilático de
antimicrobianos (p. ex., metronidazol) em potros nos primeiros 3 a 5 dias de vida. O toxoide contra C. perfringens tipos C e D e a antitoxina não são aprovados para uso em equinos; no entanto, esses produtos são utilizados por alguns
proprietários devido à alta taxa de mortalidade de potros com enterocolite clostridiana nos haras acometidos. Há relato de reações adversas ao uso de toxoide contra C. perfringens tipos C e D em éguas.
A estratégia de prevenção mais importante é a boa higiene na propriedade. Esporos de clostrídios são extremamente resistentes às condições ambientais e a diversos desinfetantes. A manutenção da limpeza da área de parição e da fêmea
durante o período perinatal e a ingestão imediata de colostro na primeira hora de nascimento (por sonda gástrica, se necessário) reduzem a ocorrência da doença em algumas propriedades contaminadas. Os membros pélvicos da égua, a
cauda e o úbere também podem ser higienizados com água e sabão imediatamente após o parto para reduzir a ingestão de matéria fecal pelos potros recémnascidos. Os animais acometidos devem ser isolados para evitar infecção cruzada e
contaminação de pastagens e baias.
ENTEROCOLOPATIA POR AREIA
O consumo de grande quantidade de areia, que se acumula no intestino grosso, pode causar diarreia, perda de peso ou cólica. A areia é ingerida quando o equino ou o potro é mantido em pasto arenoso ou alimentado com feno ou grãos em
uma área arenosa (piquete, baia ou pasto). Alguns equinos ou potros ingerem, preferencialmente, cascalho e areia, se estes itens estiverem em seu ambiente. O diagnóstico baseiase no histórico de ambiente arenoso, na presença de areia nas
fezes, em “ruídos de areia” na auscultação do abdome ventral, e (se disponível) radiografias abdominais, as quais revelam a presença de areia no cólon maior. Para o tratamento, utilizase um produto à base de hemicelulose (casca de
semente de psílio) administrado por meio de sonda nasogástrica ou adicionado aos grãos, diariamente. A diarreia, em geral, se resolve em 2 a 3 dias após o início do tratamento. Geralmente, são necessárias 3 a 4 semanas de tratamento para
remover toda a areia; pode ser preciso repetir os procedimentos o equino ou o potro não for retirado da fonte de areia. Temse utilizado tratamento preventivo com psílio (diariamente, por 1 semana, a cada mês), onde é comum enterocolite
por areia. Há vários produtos à base de psílio no mercado; muitos animais preferem a forma peletizada, em vez de pó (ver p. 236).
FEBRE EQUINA DE POTOMAC (ERLIQUIOSE MONOCÍTICA EQUINA, DOENÇA DO RIO SHASTA, COLITE EQUINA CAUSADA POR ERLIQUIA)
A febre equina de Potomac (FEP) é uma síndrome enterocolítica aguda que causa cólica discreta, febre e diarreia em equinos de todas as idades, bem como aborto em éguas. O microrganismo causador é Neorickettsia risticii. A infecção de
enterócitos de intestinos delgado e grosso resulta em colite aguda, que é um dos principais sinais clínicos de FEP. A doença ocorre na primavera, verão e no início do outono e está associada a pastejo em margem de riachos e rios.
Recentemente, a epidemiologia da FEP mostrou o envolvimento de um vetor trematódeo. Doença esporádica causada por N. risticii foi descrita em cães e gatos; os bovinos parecem resistentes à infecção. Há relato de FEP em diversas
regiões dos EUA e do Canadá, com base em teste de pesquisa de anticorpo por fluorescência indireta como evidência de exposição; entretanto, estudos recentes indicam alta taxa de títulos falsopositivos neste teste e a real variação
geográfica da distribuição não é conhecida. Isolamento ou detecção do agente causador em casos clínicos de FEP utilizando cultura celular convencional ou PCR foi descrito apenas nos estados da Califórnia, Illinois, Indiana, Kentucky,
Maryland, Michigan, Nova York, Nova Jersey, Ohio, Oregon, Pensilvânia, Texas e Virgínia.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: N. risticii é uma bactéria gramnegativa intracelular obrigatória com tropismo por monócitos. Estudos morfológicos iniciais deste microrganismo isolado de cultura celular, assim como de respostas sorológicas a
ele, fizeram com que essa bactéria fosse incluída no gênero Ehrlichia. Entretanto, testes de DNA têm apontado que, em muitos casos, N. risticii está mais intimamente relacionado com N. helminthoeca, o microrganismo causador de
intoxicação por salmão, em cães, e Ehrlichia sennetsu, uma doença humana, no Japão. O microrganismo não é visto em monócitos, em esfregaços sanguíneos de casos clínicos, ao contrário do que acontece com Anaplasma
phagocytophilum, que é prontamente identificado em granulócitos de equinos infectados.
N. risticii foi isolado em caramujos de água doce e em trematódeos liberados de caramujos. O DNA de N. risticii foi obtido em 13 espécies de moscas d’água jovens e adultas (Trichoptera), efeméridas (Ephemeroptera), libélulas
(Odonata, Anisoptera, Zygoptera) e perlas (Plecoptera). Estudos sobre transmissão utilizando moscas d’água infectadas com N. risticii reproduziram a doença clínica. Um meio de exposição possível é a ingestão acidental de insetos
aquáticos que carreiam N. risticii no estágio de metacercária do trematódeo. O período de incubação é cerca de 10 a 18 dias. O agente causador está presente nas fezes de equinos experimentalmente infectados, mas o significado biológico
disto não é conhecido. Animais clinicamente doentes não são infectantes e podem ser colocados juntos com equinos suscetíveis. São necessários estudos adicionais para determinar o exato papel de vetores e hospedeiros de helmintos no
complexo ciclo de manutenção de N. risticii.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: As características clínicas da FEP inicialmente envolvem depressão discreta e anorexia, seguidas de febre de 38,9 a 41,7°C. Nesse estágio, os ruídos intestinais podem estar diminuídos. Em 24 a 48 h, surge
diarreia moderada a grave, com fezes de consistência líquida semelhantes às fezes de vacas normais, em cerca de 60% dos equinos acometidos. O início da diarreia é acompanhado de desconforto abdominal leve. Alguns animais
desenvolvem desidratação e toxemia grave. Laminite pode ser uma complicação grave de FEP em até 40% dos equinos enfermos. Os achados hematológicos na fase inicial da FEP variam de leucopenia (caracterizada por neutropenia e
linfopenia) até um hemograma normal, apesar de evidências de toxemia. Um achado comum na FEP é leucocitose acentuada, normalmente observada poucos dias após o início da doença. A FEP pode se manifestar como todas ou algumas
combinações desses sinais clínicos.
Após vários meses da doença clínica em éguas prenhes pode ocorrer aborto devido à infecção do feto por N. risticii. Experimentalmente, éguas prenhes infectadas aos 100 a 160 dias de gestação abortaram aos 190 a 250 dias. O aborto é
acompanhado de placentite e retenção de placenta. Lesões fetais incluem colite, hepatite periporta e hiperplasia linfoide em linfonodos mesentéricos e baço. Os achados de necropsia em éguas não prenhes com enterocolite são inespecíficos
e mostram inflamação difusa, principalmente no intestino grosso.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico presuntivo de FEP baseiase na constatação dos sintomas típicos e na ocorrência sazonal e geográfica da doença. O diagnóstico definitivo de FEP devese basear no isolamento ou identificação de N. risticii no
sangue ou nas fezes de equinos infectados, por meio de cultura celular ou PCR. Testes sorológicos têm valor diagnóstico limitado, embora muitos animais infectados apresentem alto título de anticorpos no momento da infecção. Devido à
alta prevalência de títulos falsopositivos, a interpretação do teste de pesquisa de anticorpos por fluorescência indireta, em casos isolados, é difícil. O isolamento do microrganismo em cultura celular, embora possível, é demorado e não está
disponível em muitos laboratórios de diagnóstico. Uma pesquisa desenvolvida recentemente com PCR em tempo real permitiu a detecção de DNA de N. risticii em 2 h, tornandoo um teste muito mais viável para diagnóstico de rotina. Para
aumentar a possibilidade de detecção de N. risticii, a pesquisa deve ser realizada tanto em amostra de sangue quanto em fezes, pois não necessariamente constatase o agente no sangue e nas fezes, simultaneamente.
TRATAMENTO: A FEP pode ser tratada, com sucesso, com oxitetraciclina (6,6 mg/kg, IV, 2 vezes/dia), desde que instituída no início da doença. A resposta ao tratamento geralmente é notada dentro de 12 h. Está associada à diminuição da
temperatura retal, seguida de melhora na disposição, apetite e ruídos intestinais. Se a terapia é iniciada precocemente, os sinais clínicos frequentemente regridem no terceiro dia de tratamento. Geralmente, a terapia antimicrobiana dura, no
máximo, 5 dias. Animais com sintomas de enterocolite devem receber fluido e AINE. Laminite, caso ocorra, geralmente é grave e refratária ao tratamento.
PREVENÇÃO: Várias vacinas inativadas, com célula total, baseadas na mesma cepa de N. risticii, estão disponíveis no mercado. Embora a vacinação tenha propiciado proteção em 78% dos pôneis experimentalmente infectados, a proteção
no campo foi baixa. Falhas vacinais foram atribuídas às heterogeneidades antigênicas e gênicas das > 14 diferentes cepas de N. risticii isoladas em casos de doenças de ocorrência natural. Além disso, podem ser decorrentes da falta de
proteção por anticorpos no local da exposição, pelo fato de que o meio natural de transmissão é a ingestão oral do agente. Para diminuir as fontes de infecção podese tentar a redução do número de caramujos em rios e alagados.
Recomendase a redução da ingestão de insetos em equinos estabulados, apagando as lâmpadas das baias durante a noite, pois a luz normalmente atrai os insetos.
Não há relato de risco zoonótico.
PARASITISMO
Têmse incriminado os grandes e os pequenos estrôngilos como causa de diarreia crônica em equinos e potros. A parasitose associada a pequenos estrôngilos em equinos é denominada ciatomostomíase e relatase que causa cólica
recidivante, diarreia e perda de peso (ver p. 356).
Giardíase (p. 218) foi mencionada, em número restrito de casos, como causa de diarreia intermitente em equinos. Entretanto, Giardia também pode ser encontrada nas fezes de alguns equinos normais e raramente é considerada como
causa de diarreia nestes animais. Criptosporídios (p. 216) foram isolados em fezes de potros saudáveis e naqueles com diarreia. Há evidência de que Cryptosporidium spp possa causar diarreia, e até morte, em potros imunocompetentes;
estes microrganismos foram incriminados como causa de surtos de diarreia em potros, em algumas fazendas.
SALMONELOSE
Salmonelose (ver p. 203) é uma das causas de diarreia infecciosas mais comumente diagnosticadas em equinos adultos. As manifestações clínicas variam desde ausência de sinal clínico (portador subclínico) até diarreia aguda grave e até
mesmo morte. A doença é esporádica, mas pode tornarse epidêmica, dependendo da virulência da bactéria, do nível de exposição e dos fatores do hospedeiro. A infecção pode ser decorrente da contaminação do ambiente, do alimento ou
da água ou de contato com animais que estejam eliminando ativamente as bactérias. O estresse parece ter papel importante na patogênese – histórico de cirurgia, transporte ou alteração da dieta; doença concomitante, particularmente
distúrbios GI (cólica); ou tratamento com antimicrobianos de amplo espectro frequentemente precedem a diarreia.
Salmonella enterica sorogrupo B (que inclui S. enterica sorovar Typhimurium e S. enterica Agona) são dois dos principais sorovariantes isolados de equinos com doença clínica. O conhecimento do sorovariante e o antibiograma podem
auxiliar na identificação ou no monitoramento do sorovariante de salmonela que está infectando um grupo ou população de equinos (p. ex., rastreamento de disseminação hospitalar, em um hospital veterinário). O surgimento de S.
enterica resistente a vários fármacos é uma preocupação tanto à conduta nas infecções hospitalares quanto nas zoonoses.
ACHADOS CLÍNICOS: Há relato de três formas de salmonelose em equinos adultos. Uma delas é a de portador subclínico, que pode ou não excretar ativamente o microrganismo, mas tem o potencial de transmitir a bactéria aos animais
suscetíveis por contato direto ou por contaminação do ambiente, da água ou de fontes de alimentos. Várias culturas de fezes podem ser necessárias para identificar os portadores, pois a bactéria é eliminada nas fezes de modo intermitente e
em número reduzido. Quando estressado, o portador pode desenvolver doença clínica. A prevalência nacional de excreção de S. enterica nas fezes de equinos normais, nos EUA, é estimada em < 2%; entretanto, em animais hospitalizados
esta taxa é muito maior. Os sorovariantes mais comuns identificados em uma população de equinos foram S. enterica Muenchen e S. enterica Newport (ambos do sorogrupo C2).
A segunda forma da doença caracteriza–se por um curso clínico discreto, com sinais de depressão, febre, anorexia e fezes moles, porém não aquosas. Os equinos acometidos podem apresentar neutropenia absoluta. A doença clínica pode
durar 4 a 5 dias e, geralmente, é autolimitante, podendose isolar a S. enterica das fezes. Os equinos recuperados podem continuar a excretar a bactéria nas fezes por dias a meses; portanto, recomendamse isolamento do animal que está
eliminando o microrganismo, limpeza completa e desinfecção subsequente da área contaminada.
A terceira forma é caracterizada por início agudo de depressão grave, anorexia, neutropenia grave e, com frequência, dor abdominal. A diarreia surge 6 a 24 h após o início da febre; as fezes se tornam líquidas e fétidas. Os equinos
infectados desidratam–se rapidamente e há acidose metabólica e perda de eletrólitos à medida que o quadro clínico do paciente se agrava. Os sintomas de endotoxemia e choque hipovolêmico podem progredir rapidamente. É possível notar
sinais de desconforto abdominal, tensão ou cólica intensa secundária ao íleo adinâmico, distensão por gás, inflamação e, possivelmente, infarto no cólon. Pode ocorrer enterocolopatia com perda de proteínas, com concentração plasmática
de proteínas perigosamente baixa (albumina < 2 g/dl), após poucos dias de diarreia. Os equinos podem apresentar bacteriemia devido à transferência de microrganismos intestinais e podem ocorrer distúrbios de coagulação que resultam em
coagulação intravascular disseminada. Se não tratada, essa forma de salmonelose geralmente é fatal.
Bacteriemia por Salmonella pode ser notada em potros neonatos, principalmente em fazendas onde a ocorrência de salmonelose é endêmica (ver p. 314).
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico baseiase nos sinais clínicos, neutropenia grave e isolamento de salmonela em amostras de fezes, sangue ou tecidos. O envio de 10 a 30 g de fezes para cultura é mais efetivo na identificação de salmonelas do
que a cultura de suabes com fezes. É importante coletar e enviar as amostras de fezes de acordo com as recomendações do laboratório responsável pela cultura. É recomendável trabalhar com um laboratório de diagnóstico que utiliza meios
enriquecidos, com ágar especificamente selecionados, a fim de facilitar o isolamento de S. enterica. Como as salmonelas não podem ser cultivadas consistentemente a partir das fezes, devem ser coletadas várias amostras (em geral, 3 a 5),
diariamente, de cada animal. A cultura de amostra de mucosa retal obtida por biopsia aumenta a probabilidade de isolamento do microrganismo; no entanto, a técnica não deixa de ser arriscada para o equino. As amostras de fezes que são
enviadas pelo correio devem ser colocadas em meios de transporte adequados para patógenos intestinais, no momento da coleta, e mantidas em gelo. Há disponibilidade de um teste PCR e, dependendo do primer utilizado, parece ser mais
sensível do que a cultura bacteriana de rotina na detecção de salmonelas.
TRATAMENTO: O tratamento da forma grave da salmonelose baseiase em reposição de fluidos e eletrólitos, por via IV, e tentativas de controle das respostas do hospedeiro induzidas por endotoxemia. Para a reposição de volume utilizase
fluido isotônico poliônico. Devido à secreção ativa de fluido e eletrólitos no lúmen intestinal, pode ser necessário volume de fluido IV de 40 a 80 L/dia. As deficiências eletrolíticas e ácidobásicas são comuns e corrigidas pelo uso de fluido
oral e/ou IV suplementado com eletrólitos. É difícil predizer o estado eletrolítico dos animais acometidos. Os déficits devem ser determinados por análise bioquímica sérica; suplementações com cloreto de sódio, cloreto de potássio,
gliconato de cálcio, sulfato de magnésio e, ocasionalmente, bicarbonato de sódio podem ser indicadas.
O tratamento antimicrobiano em equinos adultos com salmonelose é controverso e parece não alterar o curso da colite, tampouco diminuir a eliminação de salmonelas; no entanto, pode reduzir o risco de sepse. A escolha de um
antimicrobiano não é simples e deve se basear na sensibilidade do microrganismo isolado. Os padrões de resistência variam entre as amostras de Salmonella e podem mudar com o curso de um surto. Em equinos com depleção de volume há
risco potencial de nefrotoxicose quando se utilizam antibióticos aminoglicosídios; portanto, o estado de hidratação de um animal deve ser considerado quando se escolhe um antimicrobiano. O antibiótico ideal também deve ser lipossolúvel.
O uso de protetores GI (p. ex., bioesponja, subsalicilato de bismuto e carvão ativado) pode ser benéfico. Essas substâncias podem se ligar às toxinas bacterianas. AINE, como flunixino meglumina, ajudam a impedir o efeito das
endotoxinas, controlar a dor e, possivelmente, evitar laminite. A dose de AINE utilizada é bastante variável. Terapia com AINE pode resultar em efeitos colaterais graves, como úlceras gástricas e de cólon e nefrotoxicose, de modo que
devese utilizar a menor dose efetiva. Pode–se administrar plasma de equino para corrigir a hipoproteinemia e suprir fatores de coagulação e, dependendo da fonte do plasma, anticorpos específicos contra endotoxinas e Salmonella.
Substitutos de plasma coloidal, como hidroxietilamido, podem ser necessários para manutenção da pressão oncótica em equinos com perda importante de proteínas pelo trato GI. Estas substâncias podem ser menos dispendiosas e mais bem
toleradas do que o plasma equino, em alguns animais. Com frequência, plasma equino e substitutos de plasma coloidal são utilizados em equinos com hipoproteinemia decorrente de colite.
Utilizase baixa dose de polimixina B (6.000 U/kg, 2 vezes/dia), a qual se liga a endotoxinas circulantes. Em testes controlados, a polimixina B propiciou melhora em alguns efeitos conhecidos da endotoxemia em equinos. Doses
antimicrobianas de polimixina B são substancialmente maiores do que as utilizadas como quelantes de endotoxinas e podem ser nefrotóxicas. A terapia com baixa dose de polimixina B provavelmente não causa nefrotoxicidade aos equinos
adequadamente hidratados e que recebem fluido IV.
PREVENÇÃO: A prevenção de salmonelose é difícil, pois o microrganismo encontrase no ambiente e nas fezes de alguns animais saudáveis. Em um ambiente hospitalar onde os equinos ficam estressados, não se alimentam e recebem, com
frequência, tratamento antimicrobiano, indicase identificação segura e isolamento rigoroso dos equinos infectados por salmonelas. Práticas de biossegurança para minimizar a contaminação cruzada entre os animais hospitalizados também
são aconselháveis.
Os proprietários devem estar cientes do risco zoonótico da infecção por S. enterica. As pessoas que lidam com animais infectados devem realizar higiene rigorosa.
VARIADAS CAUSAS DE DIARREIA
As outras causas de diarreia ou de fezes semiformadas a aquosas em equinos incluem sobrecarga de grãos, doença de cólon tromboembólica, peritonite, terapia antimicrobiana, insuficiência renal, várias toxicoses (p. ex., ingestão de
besouros [cantaridina] e intoxicação por sal, eslaframina, amitraz, propilenoglicol, fósforo, selênio, nicotina, reserpina, arsênico, mercúrio, monensina, organofosforados, espirradeira, teixo japonês, mamona, abacate, estramônio, batatas,
charneca, algas, frutos do carvalho, Hypericum, agrostema e cavalinha [ou junco residual]), bem como micotoxicoses, hiperlipidose e resolução de impactação de intestino grosso.
DOENÇA DIARREICA EM POTROS
DIARREIA BACTERIANA EM POTROS
Enterocolite bacteriana em potros neonatos pode ser um componente da sepse neonatal e pode ocorrer diarreia nos casos de bacteriemia de qualquer etiologia. Os microrganismos que podem estar envolvidos na bacteriemia neonatal e na
diarreia associada, em potros neonatos, incluem Salmonella spp, Escherichia coli, Klebsiella spp e Clostridium spp. Embora E. coli seja o principal mediador da sepse sistêmica em potros neonatos, não é causa primária comum de diarreia
em potros, como acontece em bezerros e leitões.
Há necessidade de terapia antimicrobiana intensiva, reposição da perda de água e das alterações eletrolíticas, além de cuidados de suporte. Os potros devem ser avaliados para determinar se houve adequada transferência passiva de
anticorpos colostrais; se isso não ocorreu, indicase transfusão de plasma (ver p. 748). Potros com hipoproteinemia grave beneficiamse da transfusão de plasma e/ou da administração de um substituto de plasma, como o hidroxietilamido,
para aumentar a pressão oncótica. Fluidoterapia IV sem correção da hipoproteinemia grave pode induzir edema pulmonar ou periférico.
Síndrome diarreica hemorrágica aguda fulminante, com alta taxa de mortalidade em potros com < 10 dias de idade, em geral com < 3 dias de idade, está associada à infecção por C. perfringens tipo C (p. 307). Enterocolite também foi
associada à C. perfringens tipo A, com ou sem gene da toxina β2. O significado desta associação é menos entendido do que com o tipo C, uma vez que o tipo A foi isolado nas fezes de > 90% dos potros neonatos saudáveis, em estudo em
um haras. É possível que o número de bactérias e a fase de crescimento predisponham à doença pelo tipo A. As infecções podem ser esporádicas ou na forma de surtos envolvendo vários potros de um haras. Na maioria dos casos, letargia
grave e rápido comprometimento da função cardiovascular são seguidos de morte dentro de 24 a 48 h. Na necropsia, verificamse hemorragia intraluminal e necrose extensa da mucosa do intestino delgado e, em alguns casos, também do
cólon.
As outras bactérias associadas à diarreia em potros são Bacteroides fragilis, C. difficile (p. 307), Aeromonas hydrophila e Rhodococcus equi. Embora R. equi cause, principalmente, doença respiratória (p. 1576), tanto a enterite aguda
quanto a crônica podem causar diarreia em potros com 1 a 4 meses de idade. O diagnóstico é mais evidente quando há, também, pneumonia. Quando isolado em fluido de lavado traqueal, R. equi é considerado um patógeno; no entanto,
cultura fecal positiva não é tão confiável, pois R. equi pode ser encontrado nas fezes de potros saudáveis. Claritromicina combinada com rifampicina é o tratamento de escolha para infecção por R. equi em potros. Outros macrolídeos, como
azitromicina e eritromicina, podem ser utilizados, mas a eritromicina pode predispor à diarreia e hipertermia.
Infecção por Lawsonia intracellularis
A infecção intestinal por Lawsonia intracellularis causa enteropatia proliferativa e resulta em surtos de diarreia, rápida perda de peso, cólica, letargia, edema subcutâneo e enteropatia com perda de proteínas, em potros recém–
desmamados. Lawsonia é cosmopolita e pode infectar várias outras espécies, como suínos, roedores e ratitas; pode sobreviver no ambiente por 2 semanas e acreditase que a infecção ocorra por via fezesoral. L. intracellularis penetra no
enterócito e impede a destruição lisossomal. A multiplicação das células infectadas continua, originando células epiteliais imaturas nas criptas hiperplásicas, com borda em escova pouco desenvolvida, o que culmina em redução da
atividade enzimática e da função de absorção. A redução da atividade das dissacaridases resulta em má digestão e consequente sobrecarga de carboidratos no cólon maior, bem como diarreia osmótica. Hipoproteinemia se instala pela
combinação de má absorção de aminoácidos e aumento da permeabilidade do intestino delgado; ocasiona diminuição da pressão oncótica plasmática e subsequente edema ventral. Má absorção e má digestão de nutrientes e a enteropatia
com perda de proteínas causam perda de peso e retardo do desenvolvimento.
Os potros acometidos apresentam 3 a 12 meses de idade, mas os mais suscetíveis são aqueles com 4 e 6 meses de idade. O estresse pode ser um fator predisponente. Devido à debilidade, os potros infectados são predispostos a infecções
secundárias nos sistemas GI, respiratório e tegumentar. As taxas de mortalidade e de morbidade são baixas, desde que os animais sejam tratados adequadamente, embora haja relato de morte súbita.
Os principais achados laboratoriais são hipoproteinemia marcante (< 4,0 mg/dl), com hipoalbuminemia (< 1,5 g/dl). A contagem de leucócitos e a concentração de fibrinogênio tendem a ser normais ou discretamente aumentadas. Pode
ocorrer anemia, hiponatremia, hipocloremia e hipocalcemia. Geralmente, a atividade de CK encontrase um pouco aumentada.
O diagnóstico pode ser confirmado na necropsia, quando a bactéria intracelular característica é observada em tecidos corados com prata. Podese confirmar a presença de L. intracellularis utilizandose teste PCR e exame
imunoistoquímico de tecidos coletados durante a necropsia. Como Lawsonia é um microrganismo intracelular, não cresce em meio de cultura microbiológica padrão e há necessidade de linhagem celular suscetível para seu isolamento. PCR
pode ser utilizado para detectar DNA de L. intracellularis nas fezes, mas é possível resultado falsonegativo. O exame sorológico é mais sensível do que PCR de fezes para detectar anticorpos contra L. intracellularis, mas a diferenciação
entre potros infectados e potros expostos pode ser difícil. Atualmente, os melhores testes sorológicos disponíveis são o teste de pesquisa de anticorpos em fluorescência indireta e o teste de pesquisa de anticorpos por imunoperoxidase.
ELISA também está disponível. Assim, recomendase tanto PCR de fezes quanto os testes sorológicos. O tratamento é indicado quando o teste é positivo, na presença de hipoproteinemia. Os potros podem permanecer soropositivos por 6
meses após a cura dos sinais clínicos. Frequentemente, ultrassonografia transabdominal revela espessamento acentuado da parede do intestino delgado.
O diagnóstico diferencial de enteropatia proliferativa inclui salmonelose, clostridiose, infecções por Neorickettsia risticii e R. equi, doenças parasitárias e qualquer causa de doença intestinal inflamatória/infiltrativa. O diagnóstico é
confirmado pela resposta ao tratamento. A ausência de resposta após 7 a 10 dias indica necessidade de reavaliação do diagnóstico.
Lawsonia é um patógeno intracelular; logo, os antimicrobianos devem ser lipofílicos ou anfotéricos para atingirem concentrações adequadas no interior do citoplasma da célula do hospedeiro. O tratamento com oxitetraciclina (6,6 mg/kg,
IV, 2 vezes/dia, por 3 a 7 dias), seguido de doxiciclina (10 mg/kg, 2 vezes/dia, por 14 dias) tem sido efetivo. Casos discretos respondem ao uso apenas de doxiciclina por via oral. Outras opções incluem eritromicina (exclusivamente ou
associada à rifampicina), por 3 a 4 semanas, ou cloranfenicol. Transfusões de plasma são necessárias apenas aos potros gravemente acometidos. Glicocorticoides não são indicados. A resposta ao tratamento pode ser notada pela melhora da
disposição, do apetite e do ganho de peso. A resolução da hipoproteinemia pode demorar 4 a 5 semanas e o espessamento do intestino delgado, 4 a 8 semanas.
DIARREIA DO CIO EM POTROS
Muitas vezes, 4 a 14 dias após o nascimento os potros manifestam diarreia discreta autolimitante. Nesse período, a égua geralmente apresenta seu primeiro ciclo estral, daí o nome de “diarreia do cio em potros”. No entanto, neste período
também podese notar diarreia em potros órfãos; assim, é pouco provável que a atividade hormonal da égua esteja envolvida na patogênese. Embora a causa não seja conhecida, pode estar associada a alteração na flora microbiana do
intestino do potro ou modificação da dieta à medida que o potro começa a ingerir pequena quantidade de feno e grãos. Coprofagia também pode estar envolvida.
O potro permanece ativo e alerta e apresenta apetite normal. Os sinais vitais também permanecem normais. As fezes ficam semiformadas a aquosas e não são fétidas. O monitoramento é importante para garantir que a condição do potro
não se agrave. Geralmente, não é necessário tratamento específico, mas a aplicação de um protetor na pele ao redor do períneo ajuda a evitar assaduras.
DIARREIA VIRAL EM POTROS
Os vírus parecem causar diarreia em potros, mas não em equinos adultos. Rotavírus é a principal causa de diarreia viral em potros; no entanto, outros vírus estão envolvidos (p. ex., coronavírus). A diarreia induzida pelo rotavírus
caracterizase por depressão, anorexia e fezes aquosas abundantes e fétidas. Geralmente acomete potros com < 2 meses de idade; potros mais jovens apresentam, tipicamente, sintomas mais graves. A diarreia normalmente dura 4 a 7 dias,
embora possa persistir por semanas.
O rotavírus destrói enterócitos da extremidade das vilosidades do intestino delgado, resultando em má absorção. A lactase torna–se deficiente, de modo que a lactose alcança o intestino grosso ocasiona diarreia osmótica. O diagnóstico se
baseia na identificação do vírus nas fezes por microscopia eletrônica ou testes imunológicos comerciais fabricados para detecção de rotavírus humano. A solicitação de um teste laboratorial específico para rotavírus, coletandose fezes no
início da doença de diversos potros, aumenta a chance de detecção viral.
Geralmente instituise tratamento de suporte. Algumas práticas de manejo e técnicas de desinfecção de haras limitam efetivamente a disseminação do rotavírus, em caso de surto. Os potros doentes são altamente infectantes e devem ser
isolados em uma baia, no estábulo no qual desenvolveram doença ou em uma instalação destinada a isolamento. Os funcionários devem utilizar luvas e botas higienizáveis e lavar as mãos com sabão antes e depois de manipular os potros
com diarreia. Também devemse utilizar pedilúvios que contenham desinfetantes fenólicos, do lado de fora da baia do potro doente. O equipamento específico de limpeza da baia deve ser destinado apenas à limpeza das instalações dos
potros com diarreia. Quando a baia é desocupada, deve ser limpa, lavada com detergente e, depois, desinfetada com compostos fenólicos que preencham os padrões da EPA (Environmental Protection Agency). Alvejantes, clorexidina e
compostos quaternários não parecem efetivos contra rotavírus. Não se deve espalhar o material fecal de potros doentes removido de baias, em pastos utilizados para equinos e potros; ademais, devese tomar cuidado para evitar
contaminação dos corredores com fezes. Devemse desinfetar todos os materiais de limpeza das baias. É difícil limpar e desinfetar adequadamente baias com piso sujo. Pode ser necessária a remoção das camadas superiores de sujeira.
Equinos e potros que chegam no haras, incluindo aqueles que retornam de hospitais veterinários, devem ser isolados por = 7 dias, antes de serem introduzidos na população local. Há disponibilidade de uma vacina para éguas prenhes para
induzir a produção de anticorpos colostrais com o objetivo de reduzir o risco de rotavirose em seus potros.
MISCELÂNEA DE CAUSAS DE DIARREIA EM POTROS
Diarreia alimentar pode ser decorrência de superalimentação (p. ex., quando se coloca o potro com a égua depois de um período de separação) e de dieta inadequada (p. ex., potros órfãos alimentados com substituto de leite de bezerro ou
sacarose). A intolerância à lactose em potros é rara e pode ser detectada por meio de teste de tolerância à lactose ou pela resposta clínica à suplementação com lactase. Diarreia também pode surgir quando os potros consomem substâncias
indigeríveis, como volumoso, areia, cascalho e pedras. Há relato de que a diarreia dos potros está associada à infecção por Strongyloides westeri, Parascaris equorum e Cryptosporidium spp (ver p. 356).
PERDA DE PESO E HIPOPROTEINEMIA
As causas de perda de peso em equinos são várias e podem envolver diversos sistemas corporais. Este texto se restringe às doenças do trato GI. Perda de proteínas pode ou não estar associada à perda de peso. Os distúrbios comumente
relacionados com qualquer um desses sintomas incluem neoplasias, doença intestinal inflamatória e intoxicação secundária ao tratamento com AINE.
DOENÇA INTESTINAL INFLAMATÓRIA
Este grupo de doenças inclui enterite granulomatosa (EG), enterocolite linfocítica plasmocitária (ELP), doença epiteliotrópica eosinofílica multissistêmica (DEEM) e enterocolite eosinofílica focal idiopática (EEFI). A doença se caracteriza
pela infiltração de células inflamatórias, inclusive linfócitos, plasmócitos, macrófagos e eosinófilos nos intestinos delgado e grosso. A inflamação pode se limitar a apenas um pequeno segmento do intestino ou ser mais difusa. Ocorre má
absorção e enterocolopatia com perda de proteínas. A diarreia pode ou não ser um achado clínico. A doença intestinal inflamatória deve ser considerada no diagnóstico diferencial em equinos com perda de peso, cólica recidivante ou
hipoproteinemia, bem como em alguns equinos com dermatopatias generalizadas.
O diagnóstico baseiase nos sinais clínicos, na baixa concentração sérica de proteína, na constatação de espessamento intestinal (detectado por ultrassonografia ou durante palpação retal), nos sinais de má absorção e na biopsia intestinal
ou retal. A má absorção de carboidratos ocorre secundariamente à atrofia grave de vilosidades ao longo do intestino delgado. A falha na absorção de glicose ou Dxilose, administrada por via oral, confirma o diagnóstico de má absorção no
intestino delgado.
O diagnóstico histológico é subjetivo e deve ser realizado por um patologista experiente em leitura de biopsia intestinal de equinos. A biopsia da mucosa retal é útil no diagnóstico de cerca de 50% dos casos de EG e DEEM, mas
raramente auxilia no diagnóstico de ELP e EEFI. Podese verificar grande quantidade de eosinófilos e linfócitos na parede intestinal de equinos normais e devese evitar erro de interpretação. A presença de granuloma eosinofílico, vasculite
e necrose fibrinoide de vasos intramurais define o diagnóstico de DEEM. Equinos com DEEM podem apresentar dermatite grave, infiltrado eosinofílico no fígado ou no pâncreas e, em alguns casos, eosinofilia acentuada. Equinos com
EEFI apresentam infiltrado eosinofílico restrito ao intestino e o prognóstico quanto à sobrevida é melhor. Podese coletar amostra de tecido intestinal espesso por meio de biopsia, mediante laparoscopia com incisão de flanco ou por
celiotomia na linha média ventral. Como a maioria dos equinos apresenta hipoproteinemia grave no momento do diagnóstico, a cicatrização no ponto de incisão pode ser problemática.
A fisiopatologia de várias síndromes não é bem conhecida. Resposta imune alterada a um fator intestinal comum (p. ex., alimentos, parasitos, bactérias) tem sido sugerida. Há semelhanças histopatológicas entre EG em equinos, doença
de Johne em bovinos e doença de Crohn em pessoas. Equinos Standardbred parecem predispostos a EG e DEEM, sugerindo possível predisposição genética.
Têmse tentado vários tratamentos medicamentosos, com êxito limitado. Têmse empregado corticosteroides, alteração da dieta, metronidazol e o antimetabólito azatioprina. Geralmente, a síndrome hipereosinofílica humana responde à
hidroxiureia ou à vincristina e, em alguns casos, utilizase interferonaa e ciclosporina. A terapia nutricional de suporte deve envolver refeições frequentes com alimentos de boa qualidade e com alto teor de energia. O prognóstico é
desfavorável. A remoção cirúrgica pode ser bemsucedida se apenas uma parte restrita e acessível do intestino é acometida. Isto é mais comum na EEFI, na qual os equinos em geral apresentam cólica, em vez de perda de peso. Podese
detectar espessamento focal, às vezes restrito a faixas murais circulares, durante laparotomia exploratória ou necropsia; o diagnostico pode ser estabelecido com subsequente exame histopatológico. Equinos com EEFI respondem à
ressecção cirúrgica do segmento intestinal acometido. O tratamento medicamentoso com corticosteroides e refeições com pequenas porções também propicia regressão dos sintomas após descompressão do intestino delgado, sem ressecção.
FIBROSE DE INTESTINO DELGADO
Fibrose extensa na submucosa do intestino delgado tem sido associada à perda de peso e cólica recidivante em equinos adultos em pastejo no norte do Colorado. Todos os equinos acometidos morreram ou foram submetidos à eutanásia
devido ao estado geral. A causa é desconhecida.
NEOPLASIA GASTRINTESTINAL
O carcinoma de célula escamosa do estômago e a forma alimentar de linfossarcoma são as formas mais comuns de neoplasia de trato GI de equinos. Perda de peso crônica pode ser o principal sinal clínico. Quando o linfossarcoma se
infiltra na parede intestinal pode ocorrer diarreia crônica e hipoalbuminemia.
Como a prevalência de neoplasias GI é baixa devemse investigar, inicialmente, outras causas de perda de peso. O diagnóstico geralmente é feito pela exclusão de outras causas de perda de peso e pelo exame histopatológico de tecido
coletado durante cirurgia exploratória ou durante a necropsia. O carcinoma de célula escamosa do estômago pode ser diagnosticado por meio de gastroscopia. É necessário um endoscópio de 2 a 3 m de comprimento para examinar a
mucosa gástrica de equinos adultos. Nos equinos com linfossarcoma, podemse detectar linfonodos mesentéricos aumentados ou intestino espessado, por meio de palpação retal ou exame ultrassonográfico. Ocasionalmente, as células
neoplásicas são identificadas no exame citológico do fluido abdominal. A ultrassonografia pode revelar tumor no fígado ou no baço, bem como guiar a biopsia percutânea do tumor. Laparotomia exploratória, com biopsia de tumor de
intestino ou de outros locais, pode permitir o diagnóstico definitivo.
Geralmente, não se realiza tratamento de neoplasias GI; o prognóstico é ruim. Há poucos relatos de remoção cirúrgica do segmento intestinal acometido. Quimioterapia pode ser uma opção para alguns equinos; terapia corticoide pode
prolongar a sobrevida, em alguns casos.
TOXICIDADE DE ANTIINFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDES
A toxicidade de AINE está relacionada com a seletividade à ciclooxigenase (COX) e à dose e duração do tratamento (ver p. 2681). Acreditase que os inibidores não seletivos de COX têm maior potencial de toxicidade do que aqueles
seletivos à COX. Os inibidores de COX também causam retardo na cicatrização GI. O trato GI e os rins são os órgãos mais comumente afetados pela toxicidade de AINE. A lesão induzida por AINE surgir em qualquer porção do trato GI,
mas o cólon maior (principalmente cólon dorsal direito) e a mucosa gástrica parecem mais sensíveis. A capacidade da fenilbutazona em causar úlcera é maior do que a da flunexina meglumina e a desta é maior do que a do cetoprofeno. As
lesões ulcerativas no cólon maior causam enteropatia com perda de proteínas, geralmente com sintomas de edema ventral, anorexia, letargia, perda de peso, diarreia e cólica. Pode ocorrer cicatrização no cólon dorsal direito e causar
impactação no cólon maior; em alguns casos há necessidade de ressecção do cólon maior.
Nos equinos, a fenilbutazona, administrada em altas doses ou por longo tempo, causa enterocolopatia com perda de proteínas. Entretanto, alguns equinos apresentam sensibilidade individual aos AINE, podendo ocorrer colite dorsal
direita quando se utiliza dose inferior à recomendada. Pode ocorrer toxicidade com a administração oral ou parenteral de AINE. Temse notado hipoproteinemia devido à perda de proteínas no lúmen intestinal, que pode ser notada sem
úlcera visível. Pode ocorrer necrose papilar renal. A administração de flunixino meglumina em altas doses ou por longo tempo pode resultar em toxicidade semelhante.
Os sinais clínicos de toxicidade por AINE incluem dificuldade de mastigação devido à úlcera bucal e lingual, hipersalivação e sinais de dor durante a deglutição em razão de úlcera esofágica. Úlcera gástrica pode resultar em decúbito
após alimentação, sinais de cólica e anorexia. Equinos com úlcera de cólon apresentam fezes amolecidas, diarreia e edema ventral. A úlcera intestinal pode ser grave o suficiente para causar transferência de bactérias e endotoxinas, bem
como sinais de inflamação sistêmica e sepse. Em casos graves, pode ocorrer desidratação, febre e taquicardia. Os sinais clínicos podem surgir dias ou meses após a terapia com AINE. Nos casos mais crônicos notase cólica recidivante,
perda de peso e fezes amolecidas.
Podese obter um diagnóstico por tentativa com base no histórico de administração de AINE, nos sinais clínicos e na constatação de hipoproteinemia. Nos casos graves há hiponatremia, hipocloremia, hipocalcemia e acidose, além de
hipovolemia. Na ultrassonografia podese notar espessamento do cólon. Úlcera gástrica pode ser confirmada por meio de gastroscopia, mas há necessidade de endoscópio com 2 a 3 m de comprimento.
O tratamento inclui a interrupção do uso de fenilbutazona ou de qualquer outro AINE. Em casos agudos, podese utilizar 3,8 L de óleo mineral, repetido duas horas após, para reduzir a absorção do medicamento. Para auxiliar na
prevenção de úlcera gástrica pode ser benéfica a redução da produção de ácido gástrico com uso de bloqueadores de receptores de H2 (p. ex., ranitidina) ou inibidor da bomba de prótons (p. ex., omeprazol); também, pode ser benéfico o uso
de sucralfato. Podese indicar a administração de misoprostol (um análogo sintético de prostaglandina), mas pode causar sintomas adicionais de diarreia e cólica. No caso de hipovolemia indicase fluidoterapia IV, principalmente quando há
azotemia concomitante. A transfusão de plasma ou o uso de coloide sintético pode ser utilizado para aumentar a pressão oncótica do plasma.
Recomendase o manejo alimentar de longa duração com ração completa peletizada com baixo teor de fibras, fornecida várias vezes ao longo do dia, e a eliminação de volumoso da dieta. Óleo de milho pode ser fornecido para garantir o
aporte de calorias; ademais, pode auxiliar na cicatrização da mucosa intestinal. O muciloide psílio também pode promover cicatrização de cólon por aumentar a concentração de ácidos graxos de cadeia curta. Pode ser necessária cirurgia, se
a cicatrização intestinal ocasiona obstrução parcial do intestino.
A prevenção de toxicidade por AINE consiste na restrição de sua dose e da duração do tratamento, utilização de terapia analgésica alternativa e monitoramento da consistência de fezes e da concentração sérica de albumina.
DOENÇAS INTESTINAIS EM RUMINANTES
DOENÇAS INTESTINAIS EM BOVINOS
A determinação da causa da doença intestinal em bovinos baseiase nos achados clínicos, epidemiológicos e laboratoriais. A terapia inespecífica inclui reposição de fluidos e eletrólitos. Uma abordagem é descrita a seguir; terapia específica
e prevenção são detalhadas a seguir, no tópico de cada doença. Doenças intestinais de neonatos são discutidas separadamente, embora algumas das causas também acometam animais mais velhos.
Diarreia Viral Bovina e Complexo da Doença das Mucosas
Diarreia viral bovina (DVB) é mais comum em bovinos jovens (6 a 24 meses de idade); os achados clínicos podem incluir febre, inapetência, diarreia e lesões típicas na mucosa. A DVB deve ser distinguida de outras doenças virais que
causam diarreia e lesões de mucosa. Dentre elas incluemse febre catarral maligna (p. 758), que geralmente é uma doença esporádica de bovinos adultos, e peste bovina (p. 783), que pode se manifestar na forma de surtos, mas é exótica em
muitos países.
O vírus da diarreia viral bovina (VDVB), o agente causador da DVB e do complexo da doença das mucosas, pertence ao gênero Pestivirus, família Flaviviridae. Embora os bovinos sejam os principais hospedeiros do VDVB, vários
relatos sugerem que a maioria dos animais biungulados também é suscetível. Classicamente, as estirpes de VDVB são separadas em biotipos não citopáticos e citopáticos, com base nos efeitos citopáticos observados em culturas de células
infectadas. Um terceiro biotipo proposto inclui VDVB não citopático em cultura de células não linfoides, porém citopático em linhagem celular linfoide. VDVB não citopático em células não linfoides é o biotipo viral predominante na
natureza. VDVB citopático é relativamente raro e isolado de bovinos que são persistentemente infectados com VDVB não citopático. A mudança no biotipo viral é causada por mutações que frequentemente envolvem recombinação de
RNA viral não citopático com ele mesmo, com RNA viral heterólogo ou com RNA da célula hospedeira.
Baseandose na comparação da sequência de nucleotídios do RNA viral há, no mínimo, dois genótipos virais (grupo genéticos distintos) do VDVB que podem ser considerados subgenótipos ou genogrupos. Os genótipos virais são
denominados VDVB tipo 1 e VDVB tipo 2 e ambos, VDVB citopático e não citopático, estão representados em cada genótipo viral. Os subgenótipos são aglomerados de vírus no interior do genótipo viral, que são muito semelhantes à
sequência de nucleotídios do vírus RNA (subgenótipos são indicados por letras minúsculas; logo os subgenótipos do genótipo VDVB 1 seriam representados por 1a, 1b, 1c etc.) Atualmente, desconhecese o número de subgenótipos virais.
Baseandose na sequência de várias centenas de nucleotídios de algumas regiões do RNA viral, notouse que o VDVB tipo 1 possui, no mínimo, 12 a 15 subgenótipos e o VDVB tem pelo menos dois subgenótipos.
A distribuição de VDVB tipo 1 e tipo 2 parece ser cosmopolita; no entanto, a prevalência de cada tipo de vírus varia consideravelmente de acordo com a região. A distribuição dos subgenótipos virais é mais restrita e vários subgenótipos
virais são encontrados apenas em algumas partes do mundo e, em alguns casos, apenas em determinadas regiões de um país. Todos VDVB, considerandose o genótipo ou subgenótipo, são antigenicamente relacionados. No entanto, o
exame sorológico em que se utiliza soro coletado de bovino convalescente pode diferenciar VDVB tipo 1 e VDVB tipo 2. O grau de variação antigênica entre VDVB de diferentes genótipos e subgenótipos não são conhecidos, mas há
consenso de que as diferenças antigênicas entre os VDVB podem ser suficientes para interferir na proteção oriunda de vacinação.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: Pesquisas sorológicas indicam que o VDVB tem distribuição cosmopolita. A prevalência do anticorpo antiviral em bovinos varia entre os países e pode variar entre regiões geográficas dentro de um mesmo
país. A prevalência do anticorpo antiviral pode ser > 90% se a vacinação é praticada com frequência em determinada região. Embora bovinos de todas as idades sejam suscetíveis, a maioria dos casos de doença clínica evidente são notados
em bovinos com 6 meses a 2 anos de idade.
Bovinos persistentemente infectados por VDVB não citopático atuam como reservatório natural do vírus. Infecção persistente se desenvolve quando o VDVB não citopático é transmitido por via placentária, nos primeiros 4 meses de
desenvolvimento fetal. O bezerro nasce infectado com o vírus e assim se mantém ao longo da vida; geralmente é imunotolerante ao vírus não citopático presente. A infecção transplacentária que ocorre tardiamente na gestação resulta em
aborto, malformações congênitas ou nascimento de bezerros normais que possuam anticorpos contra VDVB. A prevalência da infecção persistente varia entre os países e entre as regiões de um país. Relatos recentes indicam que a
prevalência da infecção persistente em bezerros introduzidos em lotes de engorda na região central dos EUA varia de 0,1 a 0,3%. A prevalência da infecção persistente em bezerros recémnascidos provavelmente é maior e de acordo com
relatos pode atingir 4% em fazendas de bovinos leiteiros onde há infecção endêmica por VDVB. Em determinada fazenda, os bovinos persistentemente infectados, com frequência, fazem parte de grupos de animais de idades semelhantes.
Bovinos persistentemente infectados podem excretar grande quantidade de VDVB em suas secreções e excreções e transmitir o vírus facilmente para o rebanho de matrizes suscetíveis. Doença clínica e disfunções reprodutivas geralmente
são notadas depois que um bovino saudável teve contato com um animal persistentemente infectado. Apesar dos bovinos infectados de forma persistente ser importantes na transmissão do VDVB, insetos picadores, fômites, sêmen,
produtos biológicos e outros animais, como suínos, ovinos, caprinos, camelídeos e, possivelmente, ruminantes selvagens, também podem disseminar VDVB.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: As doenças induzidas por VDVB variam em gravidade, duração e sistema orgânico envolvido. A doença aguda resulta de infecção de bovinos suscetíveis tanto por VDVB não citopático quanto citopático. A
DVB aguda, também denominada DVB transitória, frequentemente é uma doença inaparente ou discreta cuja taxa de morbidade é alta e a taxa de mortalidade é baixa. Febre bifásica (cerca de 40°C), depressão, diminuição na produção de
leite e inapetência transitória, aumento da frequência respiratória, secreção nasal e lacrimejamento excessivos e diarreia são sintomas típicos de DVB aguda. Os sinais clínicos da doença geralmente surgem 6 a 12 dias após a infecção e
duram 1 a 3 dias. Leucopenia transitória pode ser notada no início dos sinais da doença. A recuperação é rápida e coincide com a produção de anticorpos neutralizantes virais. Lesões macroscópicas são raramente observadas nas formas
discretas da doença. O tecido linfoide é o principal sítio de replicação do VDVB, que pode ocasionar imunossupressão e exacerbar a gravidade de infecções concomitantes.
Algumas cepas de VDVB causam doença clínica grave que se manifesta com febre alta (cerca de 41 a 42°C), úlceras bucais, lesões erosivas na faixa coronária e na fenda interdigital do casco, diarreia, desidratação, leucopenia e
trombocitopenia. Nos bovinos com trombocitopenia podemse observar petéquias na conjuntiva, esclera, membrana nictante ocular e na superfície mucosa da boca e da vulva. Notase, também, sangramento prolongado nos locais de
injeção. Linfonodos aumentados, erosões e úlceras de trato GI, petéquias e equimoses nas superfícies serosas das vísceras e depleção linfoide marcante são achados associados à forma grave de DVB aguda. O curso da doença pode ser de 3
a 7 dias. Alta taxa de morbidade e moderada taxa de mortalidade são comuns. A gravidade da DVB aguda está relacionada com virulência da cepa viral infectante ao animal e não depende do biotipo ou genótipo viral.
O VDVB pode atravessar a placenta e infectar o feto, em vacas prenhes. As consequências da infecção fetal geralmente são observadas várias semanas a meses após a infecção da fêmea e depende do estágio do desenvolvimento fetal e
da cepa de VDVB. Infecção da fêmea próximo ao período de fertilização pode resultar em baixa taxa de concepção. Infecção nos primeiros 4 meses de desenvolvimento fetal pode causar reabsorção embrionária, abortamento, crescimento
retardado ou infecção persistente. As malformações congênitas oculares e do SNC resultam de infecções fetais que surgem entre o 4o e o 6o mês de desenvolvimento. Também ocorre mumificação fetal, nascimento prematuro, natimortos e
nascimento de bezerros fracos, após a infecção fetal.
Infecção persistente é sequela importante de infecção fetal por VDVB não citopático. Os bezerros persistentemente infectados podem parecer saudáveis e de tamanho normal ou podem apresentar baixo crescimento e predisposição a
enfermidades respiratórias e intestinais. Frequentemente têm baixa expectativa de vida, sendo comum morte antes de 2 anos de idade. As vacas com infecção persistente parem bezerros também persistentemente infectados, mas muitos
bezerros gerados por um touro com infecção persistente não são infectados pelo vírus, no útero. Com frequência, as lesões atribuídas ao VDVB não são constatadas na necropsia de bovinos persistentemente infectados. Anticorpo contra
DVB raramente é detectado em bovinos com infecção persistente na ausência de vacinação ou superinfecção com VDVB antigenicamente heterólogo. Um bovino persistentemente infectado exposto a um VDVB antigenicamente diferente
do vírus não citopático que alberga pode provocar anticorpo antiviral. Logo, a triagem de infecção persistente utilizando teste de neutralização viral para identificar animais deficientes em anticorpo antiviral pode não detectar alguns
bovinos persistentemente infectados.
Doença das mucosas é uma forma de DVB altamente fatal, aguda ou crônica, notada com pouca frequência em bovinos com infecção persistente. A doença das mucosas se instala quando os bovinos persistentemente infectados são
superinfectados por VDVB citopático. A origem do VDVB citopático geralmente é interna, decorrendo de mutação do VDVB não citopático persistente. Nestes casos, o vírus citopático é antigenicamente similar ao vírus não citopático em
questão. As origens externas do VDVB citopático são outros bovinos e vacinas de vírus vivos modificados. Bovinos que desenvolvem doença das mucosas devido à exposição ao vírus citopático de origem externa geralmente produzem
anticorpo antiviral. A prevalência de infecção persistente geralmente é baixa e muitos bovinos persistentemente infectados não desenvolvem doença das mucosas, mesmo se expostos ao microrganismo. A doença das mucosas aguda se
caracteriza por febre, leucopenia, diarreia, inapetência, desidratação, lesões erosivas nas narinas e na boca e morte poucos dias após o início dos sintomas. Na necropsia, podemse encontrar erosões e úlceras ao longo do trato GI. A mucosa
que recobre as placas de Peyer pode apresentar hemorragia e necrose. No exame microscópico, observase extensa necrose de tecidos linfoides, especialmente aqueles relacionados com os intestinos.
Os sinais clínicos da doença das mucosas crônica podem durar várias semanas a meses e são menos graves do que aqueles da doença aguda. São comuns diarreia intermitente e definhamento gradual. Em alguns bovinos, coronite e lesões
erosivas na pele da fenda interdigital causam claudicação. As lesões verificadas na necropsia são menos evidentes, mas semelhantes àquelas observadas na doença das mucosas aguda. Frequentemente, as lesões macroscópicas notadas são
apenas úlceras focais na mucosa do ceco, cólon proximal ou reto; a mucosa que reveste as placas de Peyer do intestino delgado pode se mostrar retraída.
DIAGNÓSTICO: A DVB pode ser diagnosticada, por tentativa, a partir da anamnese, dos sinais clínicos e das lesões macro e microscópicas. Quando os sinais clínicos e as lesões macroscópicas forem discretos, há necessidade de exames
laboratoriais. Estes também são essenciais em alguns surtos de doença das mucosas ou de DVB aguda clinicamente grave, que podem ser semelhantes à peste bovina (p. 698) e à febre catarral maligna (p. 687).
Os exames laboratoriais para VDVB incluem isolamento viral e sorologia para pesquisa de anticorpos, bem como de antígenos virais ou RNA viral em amostras clínicas e de tecidos. Como os anticorpos contra VDVB são constatados na
maior parte das populações bovinas, um único teste sorológico raramente é suficiente para o diagnóstico de infecção recente. É necessário um aumento > 4 vezes no título de anticorpos em amostras séricas pareadas, obtidas com intervalo =
2 semanas, para detectar uma infecção recente. A infecção ativa é confirmada pelo isolamento de VDVB em amostras de sangue, suabe nasal ou de tecidos. A identificação de infecção persistente requer detecção do vírus em amostras
clínicas obtidas em intervalos de, no mínimo 3 semanas. Na necropsia, os tecidos de escolha para o isolamento viral incluem baço, linfonodos e segmentos ulcerados do trato GI.
As alternativas ao isolamento viral são testes ELISA para detectar o vírus em amostras de sangue, soro ou tecido; imunoistoquímica para detectar proteína viral em tecidos congelados ou fixados; PCR para detectar RNA viral em
amostras clínicas; e PCR ou hibridização in situ para detectar RNA viral em tecidos frescos ou fixados. A diferenciação dos genótipos e subgenótipos virais pode ser feita apenas por PCR ou por PCR seguida da sequência de nucleotídios,
análise de fragmento de restrição ou análise de substituição do nucleotídio palindrômico. Os testes de conjugação de anticorpos monoclonais e de neutralização viral também diferenciam genótipos virais.
Tratamento e Controle: O tratamento de DVB limitase principalmente à terapia de suporte. O controle baseiase em práticas corretas de manejo que incluem uso de medidas de biossegurança, descarte de bovinos com infecção
persistente e vacinação. Os bovinos adquiridos devem ser testados quanto à infecção persistente antes de serem introduzidos no rebanho. Devese adotar quarentena ou separação física de bovinos adquiridos dos demais animais do rebanho,
por 2 a 4 semanas; a vacinação dos animais adquiridos contra DVB deve ser feita antes de serem misturados ao rebanho inicial. Doadoras e receptoras de embriões também devem ser testadas quanto à infecção persistente. Se a vacinação
de doadoras e receptoras de embriões for atestada, ela deve ser feita no mínimo um ciclo estral antes da transferência de embriões. Como VDVB é excretado no sêmen, touros reprodutores devem ser testados quanto à infecção persistente
antes do acasalamento. A inseminação artificial deve ser feita apenas com sêmen obtido de touros livres de infecção persistente.
A triagem de rebanhos bovinos quanto à infecção persistente frequentemente é realizada por PCR em amostras de pele obtidas por biopsia ou amostras de sangue; por métodos clássicos de isolamento viral do soro ou pele; por ELISA do
soro ou pele, ou detecção de antígeno utilizando métodos imunoistoquímicos em tecidos ou amostras de pele obtidas por biopsia. Há disponibilidade de diversas estratégias para avaliar os rebanhos quanto à infecção persistente, com base
no tamanho e tipo do rebanho, nas limitações financeiras do proprietário e na sensibilidade do teste laboratorial de diagnóstico utilizado. Quando identificado, o bovino persistentemente infectado deve ser removido do rebanho o quanto
antes.
Estão disponíveis vacinas de vírus vivos modificados ou inativados. Elas contêm uma variedade de cepas de VDVB, que envolvem ambos, biotipos virais e genótipos virais 1 e 2. A diversidade antigênica entre VDVB pode interferir na
eficácia de uma vacina utilizada se o(s) vírus vacinal(is) é muito diferente do vírus do desafio. Para imunização apropriada e segura dos bovinos, tanto com vacinas de vírus vivos modificados quanto com vírus inativados, é importante
seguir as instruções do fabricante. Como o VDVB é fetotrópico e pode ser imunossupressor, o uso de vacinas com vírus vivo modificado não é recomendado às vacas prenhes ou que manifestam sinais de doença. As vacinas inativadas
podem ser aplicadas em vacas prenhes. A proteção conferida por uma vacina inativada pode ter curta duração e pode ser necessária vacinação frequente para evitar a doença ou disfunção reprodutiva. Anticorpos colostrais conferem
proteção parcial ou total contra doença, na maioria dos bezerros, 3 a 6 meses após o nascimento. A vacinação dos bovinos neonatos que adquiriram anticorpo colostral pode não estimular uma resposta imune protetora, podendo ser
necessária revacinação aos 5 a 9 meses de idade. Uma dose de reforço de vacina geralmente é administrada antes do primeiro acasalamento; uma dose de reforço pode ser administrada nos anos subsequentes, antes do acasalamento.
Disenteria de Inverno
A disenteria de inverno é uma gastroenteropatia aguda altamente contagiosa que acomete vacas leiteiras, principalmente no inverno. Os achados clínicos incluem diarreia explosiva (às vezes acompanhada de disenteria), queda acentuada na
produção de leite, depressão e anorexia variável e sintomas respiratórios discretos, como tosse. A doença tem alta taxa de morbidade, mas baixa taxa de mortalidade; é comum cura espontânea em poucos dias.
ETIOLOGIA: A etiologia exata da disenteria de inverno não foi esclarecida. Nos últimos anos temse incriminado como agente etiológico um coronavírus bovino (CVB) estreitamente relacionado com o vírus que causa diarreia neonatal em
bezerros. As evidências de que o CVB é a causa da diarreia de inverno incluem: 1) os sinais clínicos e os achados patológicos são compatíveis com a doença causada pelo CVB, 2) demonstrouse soroconversão com relação ao CVB em
bovinos acometidos, 3) o vírus é frequentemente isolado de fezes diarreicas de bovinos que apresentam sinais clínicos de disenteria de inverno, e 4) a doença tem sido reproduzida mediante breve exposição de vacas lactantes soronegativas
para CVB a um bezerro experimentalmente infectado com fezes de vacas com diarreia de inverno. Apesar dessas evidências, ainda não foi possível induzir consistentemente disenteria de inverno por meio da inoculação oral de CVB em
bovinos adultos. Podem ser necessários fatores de risco concomitantes, como alteração da dieta, temperatura fria e presença de outros microrganismos, antes que o CVB cause doença clínica em bovinos adultos. Os agentes anteriormente
sugeridos como causas de disenteria de inverno incluem Campylobacter jejuni, parvovírus bovino, enterovírus, vírus da rinotraqueíte infecciosa bovina e vírus da diarreia viral bovina.
TRANSMISSÃO, EPIDEMIOLOGIA E PATOGÊNESE: CVB é transmitido por via de fezesoral, mediante ingestão de alimento ou água contaminada por fezes de bovinos doentes ou de portadores clinicamente normais. Partículas virais presentes
em secreções respiratórias de animais acometidos podem favorecer a transmissão. A transmissão da doença é exacerbada por confinamento fechado. A disenteria de inverno é altamente contagiosa e facilmente introduzida em estábulos por
visitantes, animais portadores e fômites. É comum em clima boreal, onde os animais são criados em ambiente interno por longo período durante os meses de inverno. Isto é visto frequentemente no norte dos EUA, Canadá, Reino Unido,
Europa, Austrália, Nova Zelândia, Israel e Japão. Os coronavírus sobrevivem melhor em baixa temperatura e baixa intensidade de luz ultravioleta, o que pode manter o vírus no ambiente durante os meses mais frios. Vacas lactantes recém
paridas são mais gravemente infectadas, mas a doença pode acometer animais mais jovens ou mais velhos, além de machos. A taxa de mortalidade associada à disenteria de inverno geralmente é baixa (1 a 2%), mas a taxa de morbidade nas
fazendas acometidas é alta, com 20 a 50% dos animais do rebanho exibindo sinais clínicos dentro de poucos dias; quase 100% dos animais do rebanho exibem sinais clínicos em 1 semana. Algum grau de imunidade à disenteria de inverno
parece desenvolver, pois notamse recidivas no mesmo rebanho em intervalos de 1 a 5 anos.
Acreditase que os mediadores inflamatórios que causam hipersecreção no intestino delgado e no cólon podem contribuir para a diarreia volumosa observada nos bovinos acometidos. Além disso, a destruição de células epiteliais das
criptas do cólon resulta em transudação de fluido extracelular e sangue, explicando a natureza hemorrágica da diarreia, em alguns casos.
ACHADOS CLÍNICOS: A síndrome clínica caracterizase por início agudo de diarreia fluida e queda acentuada na produção de leite (perda de produção de 25 a 95%). As fezes são líquidas e homogêneas, verdeescuras a pretas, com discreto
odor; podem conter sangue (tipicamente em novilhas de primeira lactação) ou muco. Há odor desagradável, bolorento e doce nos estábulos com grande número de bovinos acometidos. Secreção nasolacrimal ou tosse podem acompanhar ou
preceder a diarreia. Outros sinais incluem cólica leve, desidratação, depressão, breve período de anorexia e algum prejuízo da condição corporal. Ocasionalmente, os animais exibem sintomas mais graves, como fezes com quantidades
variáveis de sangue, desidratação grave e fraqueza. Casos fatais são raros. Em casos isolados o curso da diarreia é breve e as fezes retornam ao normal em 2 a 3 dias, na maioria dos animais. No rebanho os casos da doença tipicamente
diminuem em 1 a 2 semanas, mas a produção de leite pode demorar semanas a meses para retornar ao normal.
Lesões: O intestino delgado pode apresentar dilatação e flacidez. As lesões são vistas principalmente no intestino grosso e consistem de hiperemia da mucosa do ceco e do cólon, hemorragias em faixas lineares ou puntiformes,
predominantemente ao longo das criptas da mucosa do cólon, e sangue no lúmen do intestino grosso. Os achados histológicos podem incluir ampla degeneração e necrose do epitélio glandular do cólon.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico pode ser confirmado pela constatação de partículas do coronavírus em amostras de fezes, em ELISA ou microscopia eletrônica. Na infecção por coronavírus, a soroconversão em amostras de soro de animais
com a doença aguda e daqueles convalescentes, obtidas em intervalos de 8 semanas, também auxilia na confirmação do diagnóstico de disenteria de inverno.
Os diagnósticos diferenciais para diarreia aguda em bovinos adultos incluem diarreia viral bovina (DVB), coccidiose e salmonelose entérica. Essas doenças podem ser excluídas devido à ausência de lesões nas mucosas (DVB), culturas
de fezes negativas (Salmonella spp), teste de flotação fecal negativo (coccidiose), assim como pela manifestação clínica característica da disenteria de inverno (início súbito de diarreia de curta duração em um rebanho, com alta taxa de
morbidade e baixa taxa de mortalidade).
TRATAMENTO E CONTROLE: A maioria dos bovinos acometidos recuperase espontaneamente. Devem ser disponibilizados água fresca, alimentos palatáveis e sal à vontade, a qualquer momento. O uso de adstringentes, protetores e
adsorventes é controverso. Pode ser necessária fluidoterapia IV ou transfusões sanguíneas em bovinos gravemente infectados.
Não há vacina contra disenteria de inverno. Recomendamse isolamento de um bovino adquirido recentemente por duas semanas e separação de qualquer vaca com diarreia, a fim de diminuir o risco de introdução da doença no rebanho.
Em um surto, devese restringir o acesso às instalações e assegurar que todas as pessoas em contato com os bovinos acometidos limpem seus sapatos e suas roupas antes de sair da fazenda onde a doença ocorre.
Síndrome do Jejuno Hemorrágico (Síndrome do intestino hemorrágico em bovinos)
A síndrome do jejuno hemorrágico é uma doença esporádica de bovinos que surgiu nos últimos anos. É caracterizada por início súbito de dor abdominal, que progride para decúbito esternal, choque e morte.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: A etiologia é incerta, mas Clostridium perfringens tipo A e o gene da toxina β2 foi isolada do intestino de casos de ocorrência natural, com maior frequência do que em bovinos com outras doenças intestinais. A
principal lesão é semelhante àquela causada por C. perfringens em animais jovens em fase de rápido crescimento e consiste em enterite hemorrágica necrosante aguda localizada no intestino delgado, que resulta no desenvolvimento de
coágulo sanguíneo intraluminal. O coágulo causa obstrução física e acúmulo proximal de fluido e gás intestinal, ocorrendo hipocloremia, hipopotassemia, desidratação e graus variáveis de anemia. A enterite hemorrágica é progressiva.
Isquemia e necrose se estendem pela parede intestinal e em 24 a 48 h instalase peritonite fibrinosa, desequilíbrio eletrolítico continuado, toxemia grave e morte.
EPIDEMIOLOGIA: A doença ocorre de forma esporádica, principalmente em vacas leiteiras lactantes, na América do Norte, mas há relatos em bovinos de corte, bem como em rebanhos da Europa. A maioria dos casos em vacas leiteiras
ocorre nos primeiros 3 meses de lactação. Os possíveis fatores de risco para a doença são aqueles associados a práticas de manejo adotadas para obter alta produção de leite, como dieta completa misturada e administração de somatotropina
bovina. Sugerese que o maior consumo de dieta com alto teor energético seja possível fator de risco por propiciar um ambiente intestinal favorável à proliferação de C. perfringens tipo A e produção de enterotoxinas.
ACHADOS CLÍNICOS: Os bovinos acometidos tem histórico de depressão e anorexia súbita, redução acentuada da produção de leite, distensão e dor abdominal com coices no abdome e fraqueza progressiva que progride para decúbito. Os
achados clínicos incluem depressão, desidratação, aumentos das frequências cardíaca e respiratória e membranas mucosas pálidas. O lado direito abdome pode estar moderadamente distendido, com atonia ruminal e ruído de fluido notado
com a sucussão do abdome direito. As fezes ficam sanguinolentas e escurecidas, mas podem ser escassas e ressecadas. Alças intestinais distendidas e firmes podem ser palpadas no exame retal profundo. Na laparotomia, um segmento do
intestino delgado se mostra congesto e distendido, com a superfície serosa recoberta por estrias de fibrina. O intestino delgado proximal à porção acometida e o abomaso tornase distendido por gás e fluido. A ultrassonografia pode auxiliar
no diagnóstico.
Na maioria dos casos o animal morre em 2 a 4 dias, mesmo com tratamento intensivo com fluidos e eletrólitos. Pode ocorrer morte súbita sem sinais clínicos prévios. O hemograma é variável; o perfil bioquímico reflete obstrução da
porção superior do intestino delgado e sequestro de secreção no abomaso, com hipopotassemia e hipocloremia resultantes.
Lesões: A jejunite hemorrágica necrosante, com sangramento intraluminal, é grave. O segmento intestinal acometido fica congesto e distendido, com estrias de fibrina na superfície serosa. O lúmen contem coágulos sanguíneos firmes
aderidos à mucosa e o segmento intestinal acometido apresenta necrose.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico diferencial inclui outras causas de obstrução física ou funcional do intestino delgado, como intussuscepção (p. 353), dilatação e vólvulo do ceco e peritonite difusa (p. 713), torção do abomaso à direita (p. 273),
torção na base do mesentério, bem como doenças que causam melena, como úlcera de abomaso (p. 279).
TRATAMENTO E CONTROLE: Terapia com fluidos e eletrólitos e laparotomia com ressecção do segmento intestinal acometido são as opções terapêuticas em animais de valor. Apesar deste tratamento, a taxa de mortalidade é muito alta. Não
há relato de estratégias preventivas.
Outras Doenças Intestinais em Bovinos
A infecção por Salmonella spp (p. 203) pode provocar diarreia em animais de todas as idades, especialmente naqueles estressados, aglomerados ou expostos a alimento ou suprimento de água muito contaminado. Nos animais idosos, a
doença se manifesta como disenteria e toxemia; a taxa de mortalidade pode ser relevante.
Rotavírus e coronavírus causam surtos ocasionais de diarreia em bezerros lactentes com 2 a 3 meses de idade. As fezes são volumosas e podem conter muco. Não há evidência de toxemia e a taxa de mortalidade é insignificante, mas há
retardo do crescimento (ver p. 329).
Síndrome do jejuno hemorrágico. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.
Enterite necrótica de etiologia desconhecida acomete bovinos de corte com 5 a 12 semanas de idade e, comumente, vários bezerros do rebanho. Notase início súbito de febre, depressão e diarreia abundante. Inicialmente as fezes são
verdeescuras, contêm sangue e frequentemente sujam o períneo. É possível notar erosões circulares na mucosa bucal. Parte dos bezerros recuperase após um curso clínico de 3 a 5 dias. É mais longo nos casos fatais; os animais apresentam
escassas fezes mucohemorrágicas, eliminadas com tenesmo, e desenvolvem leucopenia não regenerativa grave. Pode haver broncopneumonia fibrinosa secundária. A taxa de mortalidade é alta, apesar da terapia antimicrobiana intensiva.
Na necropsia notase necrose ulcerativa no intestino delgado terminal e no intestino grosso.
Coccidiose (p. 208) geralmente acomete bovinos com < 1 ano de idade, especialmente quando há aglomeração de animais e superlotação no pasto. Caracterizase por disenteria e tenesmo e pode ser acompanhada de sintomas nervosos.
As helmintíases intestinais, particularmente a ostertagíase (p. 369), infectam bovinos da mesma faixa etária. A ostertagíase tipo I acomete bovinos criados em pastos, mas a ostertagíase tipo II pode ser notada em animais confinados.
Os surtos explosivos de diarreia em bovinos adultos estão associados mais comumente com disenteria de inverno (p. 323), mas também com salmonelose quando há contaminação intensa de alimentos ou água.
Diarreia crônica com definhamento e emaciação, que ocorre como doença esporádica, está associada mais comumente com a paratuberculose (p. 778), mas também pode ser causada por salmonelose e infecção crônica por DVB. Diarreia
com emaciação também pode ser observada em bovinos com insuficiência cardíaca congestiva, uremia ou peritonite crônica. Diarreia persistente com definhamento e, ocasionalmente, emaciação em bovinos com 1 ano de idade e em
adultos pode estar associada a deficiência de cobre secundária ao excesso de molibdênio nas pastagens. Nos bovinos em crescimento, a diarreia também pode acompanhar síndromes de definhamento patológico responsivas ao selênio.
Casos isolados ou surtos de diarreia podem estar associados à negligência alimentar. Diarreia pode acompanhar casos de indigestão simples, sendo comum em casos de sobrecarga por grãos (p. 297). Também acompanha ingestão de
quantidade tóxica de produtos químicos (p. ex., arsênico, cobre, zinco e molibdênio) ou de algumas plantas tóxicas e micotoxicoses; a intoxicação por dipiridila e organofosforado também pode causar diarreia.
Os bovinos também podem abrigar microrganismos, como Escherichia coli O157:H7, Yersinia enterocolitica e Campylobacter jejuni, no intestino; embora esses microrganismos raramente causem doença clínica nas vacas, a
contaminação do leite com fezes pode ocasionar surtos de gastrenterite em pessoas que consomem leite não pasteurizado ou queijos. Os produtos derivados de carne vendidos no varejo também podem ser contaminados quando ocorre
contaminação da carcaça com fezes, por ocasião do abate.
Adenocarcinoma intestinal é observado comumente em associação com hematúria enzoótica bovina e acreditase que resulte da interação de um carcinógeno (ptaquilosida) da samambaia (Pteridium spp, p. 3159) e com o papilomavírus.
Obstruções intestinais são esporádicas (ver p. 353). Vólvulo e dilatação de ceco ocorrem predominantemente em bovinos adultos, no período pósparto. Intussuscepção de jejuno distal ou íleo proximal é a causa mais comum de obstrução
total, tanto em bovinos adultos quanto em bezerros. Intussuscepções ileocecocólica, cecocólica e de cólon são menos frequentes em bezerros e não ocorrem, em absoluto, em bovinos adultos, devido à maior resistência do ligamento
ileocecal e à presença de gordura mesentérica, que estabiliza essa região intestinal em bovinos idosos. Vólvulos intestinais e ao redor da base mesentérica ocorrem esporadicamente em todas as idades. Raramente, a obstrução intestinal é
causada por encarceramento e aprisionamento de intestino delgado por persistência de úraco ou resquícios umbilicais, por obstrução de intestino delgado ou cólon descendente por fitobezoares e enterólitos, ou por compressão devido à
necrose gordurosa ou lipoma. A obstrução intestinal também pode ser causada por doença congênita (p. 172), mais comumente por atresia de cólon (que ocorre tanto esporadicamente quanto em grupos de uma fazenda e pode ser provocada
por palpação retal da vesícula amniótica aos 35 a 41 dias de prenhez), mas também por atresia anal (que pode ser acompanhada de defeitos urogenitais e da cauda).
DOENÇAS INTESTINAIS DE OVINOS E CAPRINOS
As causas e circunstâncias de diarreia em cordeiros e cabritos neonatos são semelhantes àquelas verificadas em bezerros recém–nascidos. As práticas de parição e desmame intensivas aumentam o risco de doenças e o acúmulo de
microrganismos infecciosos e podem estar associadas a importantes surtos de diarreia. Os sorotipos de Escherichia coli enteropatogênica que causam diarreia secretória em bezerros também o fazem em cordeiros e as abordagens para
diagnóstico, tratamento e controle são semelhantes. Da mesma forma, rotavírus, coronavírus e criptosporídios (p. 216) também causam surtos de diarreia em cordeiros (ver p. 329). A disenteria dos cordeiros causada por Clostridium
perfringens tipo B (p. 658) é uma enteropatia distinta que acomete cordeiros na primeira semana de vida. Infecta principalmente raças montanhesas de ovinos no Reino Unido e se caracteriza por morte súbita ou diarreia, disenteria e
toxemia. Nos EUA, C. perfringens tipo C causa síndrome semelhante. A síndrome da boca úmida ou “crepitação abdominal” (ver a seguir), doença de etiologia desconhecida associada a baixa concentração de imunoglobulinas circulantes,
ocorre predominantemente no Reino Unido. Acomete também cordeiros jovens, mas se manifesta como estase GI. A coccidiose (p. 208) e as helmintíases GI (p. 369), exceto hemoncose, são causas importantes de diarreia em ovinos
lactentes mais velhos e desmamados. Ileíte terminal e atrofia de vilosidades, ambas de etiologia desconhecida, são achados frequentes no intestino de cordeiros descartados devido ao retardo no crescimento.
A helmintíase GI é a causa mais comum de diarreia em ovinos criados em pasto. Coccidiose está associada à superpopulação ou confinamento intensivo e condição sanitária precária. Salmonelose (p. 203) pode causar diarreia em animais
de todas as idades; as condições em cordeiros jovens são semelhantes àquelas mencionadas para bezerros. Também, pode causar surtos de diarreia no final da prenhez, frequentemente acompanhados de abortamento. Salmonelose é mais
comum quando ovinos ou caprinos são reunidos intensivamente ou ficam estressados, particularmente devido ao transporte. Yersinia pseudotuberculosis e Y. enterocolitica estão associadas a enterocolite e diarreia em ovinos jovens criados
em pasto, que se encontram debilitados devido a fatores como inanição e clima frio. Diarreia pode ser notada na doença “língua azul” de ovinos (p. 775), acompanhada de lesões mucosas típicas. Nos caprinos, a diarreia é frequentemente
evidente na enterotoxemia associada a C. perfringens tipo D (p. 659). Isso não é uma característica da doença clínica em ovinos, mas pode ser notadas em animais do rebanho de ovinos acometidos. Nos ovinos em engorda, a diarreia está
associada mais comumente com sobrecarga de grãos, salmonelose ou coccidiose.
Outras enteropatias dos ovinos adultos podem se manifestar com diarreia. A infecção por C. perfringens tipo C (p. 658) se apresenta como dor abdominal, tenesmo e morte súbita. Obstrução intestinal devido a traumatismos intestinais é
esporádica, mas em geral não é observada clinicamente. Ovinos com paratuberculose (p. 778) geralmente exibem emaciação progressiva sem diarreia. Depauperamento progressivo também é o principal sintoma em ovinos adultos com
adenocarcinoma intestinal, que pode ser prevalente em algumas regiões, associado a ingestão de samambaia (ver p. 3159).
Doença da Boca Úmida em Cordeiros (Boca com baba, Salivação, Crepitação Abdominal)
Doença da boca úmida não ocorre em rebanhos submetidos à criação extensiva, mas corresponde a cerca de 25% dos óbitos de cordeiros recémnascidos no Reino Unido em sistemas de criação intensiva em ambiente interno. A taxa de
morbidade em um rebanho pode ser tão alta quanto 30% e, se não for tratada, a maioria dos cordeiros acometidos morre. Há relato de síndrome semelhante em cordeiros na Espanha e em cabritos na França e Canadá.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Os cordeiros com 12 a 72 h de vida privados de colostro, ou com acesso inadequado a ele, em razão de competição entre irmãos, fraqueza, castração precoce e cuidado ou suprimento materno inadequado são
mais sujeitos à enfermidade. A pouca transferência de anticorpos maternos e a fisiologia digestiva específica de cordeiros recémnascidos permite que bactérias gramnegativas, particularmente Escherichia coli, presentes na lã ou na cama,
sejam ingeridas acidentalmente, sobrevivam e passem do intestino para a corrente sanguínea. As cepas envolvidas não possuem o antígeno K99 e normalmente não são consideradas enteropatogênicas, tampouco enterotoxigênicas. A
bacteriemia resultante pode ser tolerada pelo cordeiro; no entanto, as bacteriemias com > 104unidades formadoras de colônia/ml está associada à liberação de endotoxinas, instalandose choque endotóxico agudo.
ACHADOS CLÍNICOS: Os cordeiros acometidos apresentam hipotermia, apatia, param de se alimentar e, classicamente, apresentam longos filamentos de saliva que saem pela boca. Nos casos menos evidentes é possível notar focinho úmido;
outros animais podem não exibir qualquer sinal externo de salivação excessiva, mas a boca pode estar fria ao toque e conter saliva espumosa. Também, pode ocorrer lacrimejamento. O abomaso pode estar distendido com gás e fluido e
conferir a aparência enganosa de um cordeiro bem alimentado, mas se esses cordeiros são erguidos e movimentados gentilmente, podese perceber um ruído associado à denominação alternativa de “crepitação abdominal”. Raramente
ocorre diarreia.
Lesões: A necropsia pode revelar trato GI inflamado e distendido, retenção de mecônio, palidez renal e muscular, desidratação e linfonodos mesentéricos aumentados de volume e reativos.
DIAGNÓSTICO: As alterações bioquímicas e hematológicas e os achados de necropsia em cordeiros acometidos são compatíveis com endotoxemia e choque endotóxico. Finalmente, os cordeiros desenvolvem endotoxemia, leucopenia,
hipoglicemia grave, acidemia láctica e acidose metabólica. Os diagnósticos diferenciais incluem artropatia ou onfalopatia, hipotermia, inanição primária e enterite infecciosa.
TRATAMENTO: Não há tratamento específico. Pode ser útil a aplicação parenteral de antibióticos e AINE e a administração de 50 a 200 ml de solução de glicose 10% com eletrólitos, contendo antibiótico hidrossolúvel (neomicina e/ou
estreptomicina), com auxílio de sonda gástrica 3 vezes/dia; todavia, a terapia antimicrobiana deve ser fornecida antes que os cordeiros apresentem bacteriemia, dentro de 4 a 8 h após o nascimento, para reduzir o risco de lise de bactérias
presentes no sangue e a ocorrência de choque endotóxico. Purgantes de uso oral ou enemas podem auxiliar a sanar a estase intestinal e facilitar a excreção de bactérias infecciosas. O tratamento deve ser mantido até que os sintomas se
resolvam e o cordeiro volte a mamar. Também, pode ser necessário aumento da temperatura corporal por meio de aquecimento externo. No entanto, tais cuidados requerem tempo, são onerosos e não garantem qualquer de sucesso.
PREVENÇÃO: A prevenção é a melhor opção. As ovelhas devem ser bem nutridas para assegurar um suprimento abundante de colostro. Currais, cercados, ovelhas e equipamento devem ser mantidos o mais limpo possível por ocasião da
parição, de modo a evitar o acúmulo de E. coli e manter baixa a prevalência da doença. A suplementação alimentar dos cordeiros com colostro armazenado (de ovelha, vaca ou cabra) ou com substituto de colostro comercial devem
propiciar no mínimo 50 ml/kg de peso corporal, dentro de 6 h após o nascimento. Os cordeiros não devem ser castrados nas primeiras 24 h, pois isso reduz o consumo de colostro.
Em experimentos controlados, notouse que uma única dose oral de antibiótico administrada dentro de 2 h após o nascimento, aos cordeiros privados de colostro e nascidos em ambiente confinado contaminado, foi tão efetiva quanto o
colostro de ovelha na prevenção de doença neonatal e de morte em todos os cordeiros com até 3 dias de idade, apesar da ausência de anticorpos maternos. Logo, o tratamento com antibióticos pode propiciar uma proteção simples, rápida e
barata contra doença da boca úmida, sendo uma opção atrativa para o criador de ovinos. No entanto, é importante que este tratamento seja indicado aos cordeiros incluídos nas categorias de alto risco especificadas anteriormente, pois o uso
indiscriminado pode estimular a resistência aos antibióticos.
DIARREIA EM RUMINANTES NEONATOS (Disenteria)
Diarreia é comum em bezerros, cordeiros e cabritos recémnascidos. A doença aguda caracterizase por desidratação progressiva e morte, às vezes em menos de 12 h. Na forma subaguda, a diarreia pode persistir por vários dias e resultar
em desnutrição e emaciação. Este texto aborda a doença em bezerros, mas os princípios fisiopatológicos e terapêuticos se aplicam também aos cordeiros e cabritos.
ETIOLOGIA: Vários enteropatógenos estão associados à diarreia neonatal. A sua prevalência relativa varia geograficamente, mas as infecções mais prevalentes na maioria das regiões são causadas por Escherichia coli, rotavírus, coronavírus
e Cryptosporidium parvum. Os casos de diarreia neonatal comumente estão associados a mais de um desses microrganismos e a causa da maioria dos surtos é multifatorial. Pode ser importante identificar os microrganismos específicos
causadores do surto de diarreia porque para alguns deles há terapia específica. Além disso, alguns agentes representam risco zoonótico. Diarreia também é notada na colibacilose septicêmica.
Bactérias: E. coli é a causa de diarreia bacteriana mais importante em bezerros; as diferentes cepas desse microrganismo produzem pelo menos 2 tipos de doença diarreica. Um tipo está associado a E. coli enterotoxigênica, que possui 2
fatores de virulência associados à ocorrência de diarreia. Os antígenos das fímbrias permitem que ela se prenda às vilosidades do intestino delgado e as colonize. Nos bezerros, as cepas possuem mais comumente os antígenos fimbriais K99
(F5), F41, ou ambos. Esses antígenos representam o foco de proteção imunológica. E. coli enterotoxigênica também elabora uma enterotoxina não antigênica termoestável (Sta), que influencia a secreção de íons e fluidos intestinais,
provocando diarreia secretória não inflamatória. Diarreia de bezerros e cordeiros também está associada a E. coli enteropatogênica, que se adere ao intestino e provoca lesão por fixação e destruição, com dissolução da borda em escova e
perda da estrutura das microvilosidades no local de fixação; diminuição da atividade enzimática; e alterações no transporte de íons no intestino. Esses enteropatógenos também são denominados “E. coli de fixação e destruição”. Alguns
deles produzem verotoxina, que pode causar diarreia hemorrágica mais grave. A infecção se instala mais frequentemente no ceco e no cólon, mas também pode acometer o intestino delgado distal. Nas infecções graves as lesões podem
resultar em edema, erosões e úlceras de mucosa, ocasionando hemorragia no lúmen intestinal.
Salmonella spp, especialmente S. Typhimurium e S. Dublin, e ocasionalmente outros sorovariantes, causam diarreia em bezerros com 2 a 12 semanas de idade. As salmonelas produzem enterotoxinas, mas também são invasoras e
induzem alterações inflamatórias no intestino. Nos bezerros, comumente a infecção progride para bacteriemia (ver p. 203).
Clostridium perfringens tipos A, B, C e E produzem várias toxinas necrosantes e causam enterite hemorrágica rapidamente fatal em bezerros. Nestes, a doença é rara e geralmente esporádica. A infecção pelo tipo B ou C é uma causa
comum de enterite e disenteria em cordeiros (ver p. 662). Campylobacter jejuni e Yersinia enterocolitica podem ser encontradas nas fezes de bezerros e cordeiros com diarreia, mas também podem estar presentes nas fezes de animais
saudáveis.
Vírus: Rotavírus é a causa mais comum de diarreia viral em bezerros e cordeiros. Rotavírus grupos A e B estão envolvidos, mas o grupo A é mais prevalente e clinicamente importante e contém vários sorotipos com diferentes virulências. O
rotavírus se replica nos enterócitos de absorção maduros e produtores de enzimas, nas vilosidades do intestino delgado, ocasionando ruptura e perda dos enterócitos com liberação de vírus que infectam as células adjacentes. O rotavírus não
infecta células imaturas das criptas. No caso de cepas virulentas do rotavírus, a perda de enterócitos excede a capacidade de reposição das criptas intestinais; com isso, reduzse a altura das vilosidades, com diminuição subsequente da área
de superfície de absorção e da atividade enzimática digestiva no intestino.
Coronavírus também está comumente associado a diarreia em bezerros. Ele se replica no epitélio do trato respiratório superior e nos enterócitos intestinais, onde produz lesões semelhantes ao rotavírus; também, infecta as células
epiteliais do intestino grosso e ocasiona atrofia das saliências do cólon.
Outros vírus, inclusive vírus de Breda (torovírus), um vírus semelhante ao calicivírus, astrovírus e parvovírus, já foram isolados nas fezes de bezerros com diarreia e podem provocar diarreia experimental nesses animais. No entanto,
esses microrganismos também podem ser isolados nas fezes de bezerros saudáveis. Ainda é preciso determinar a importância desses vírus na síndrome da diarreia neonatal. Relatase que vírus da diarreia viral bovina e da rinotraqueíte
infecciosa bovina causam diarreia em bezerros, mas isso não é uma manifestação comum dessas infecções.
Protozoários: Cryptosporidium parvum (p. 216) é uma causa comum de diarreia em bezerros e cordeiros. O parasito não invade, mas se adere à superfície apical dos enterócitos no intestino delgado distal e no cólon. Isso resulta em perda de
microvilosidades, diminuição da atividade de enzimas na mucosa, com atrofia e fusão das vilosidades (ocasionando redução da área da superfície de absorção das vilosidades) e inflamação na submucosa. Os criptosporídios de mamíferos
não possuem especificidade ao hospedeiro.
Giardia duodenalis é causa comum de infecção intestinal assintomática em bezerros e cordeiros jovens. Foi isolada em fezes de bezerros com retardo de crescimento e que apresentavam diarreia mucoide crônica, mas há poucas
evidências de uma relação causal entre este microrganismo e a ocorrência de diarreia em bezerros ou cordeiros.
Outras Causas: Bezerros alimentados com grande quantidade de leite ou de substitutos de leite inapropriadamente formulados produzem grande volume de fezes, com maior conteúdo de fluido do que o normal, mas não apresentam diarreia
fluida com perda de peso. Da mesma forma, bezerros que mamam em vacas de corte de alta produção, que se alimentam de pastagem suculenta, podem apresentar fezes líquidas. Os substitutos de leite de má qualidade, com proteínas
desnaturadas pelo calor ou com quantidade excessiva de proteína de soja, peixe ou carboidratos de origem não láctea, apresentam maior risco de diarreia.
Há algumas evidências de que a administração oral de cloranfenicol, neomicina ou tetraciclina em bezerros jovens, por 3 a 5 dias, pode resultar em alteração de vilosidades e consequente má absorção e discreta diarreia. Tratamento
prolongado com altas doses de antibióticos em bezerros pode ocasionar diarreia associada à superinfecção bacteriana intestinal. Colissepticemia (p. 751) e fechamento incompleto da goteira esofágica, que causa indigestão láctea (p. 290),
também podem ser acompanhados de diarreia.
EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: Os enteropatógenos associados à diarreia são comumente encontrados nas fezes de bezerros saudáveis; a ocorrência de infecção intestinal e diarreia depende de vários fatores determinantes, incluindo
diferenças na virulência das cepas distintas de determinado patógeno e presença de mais de um patógeno. A resistência do bezerro é muito importante, sendo significativamente determinada pela transferência passiva de imunoglobulinas
colostrais bemsucedida. Os bezerros privados de colostro são altamente suscetíveis à infecção por enteropatógenos e desenvolvem doença grave, frequentemente fatal. A progressão da infecção e a gravidade das lesões e da diarreia podem
ser moduladas por imunoglobulinas obtidas pela ingestão de colostro. As imunoglobulinas atuam diretamente nos patógenos do lúmen intestinal durante o período de ingestão de colostro, bem como depois disso, porque quantidade
significativa de imunoglobulinas circulantes é novamente secretada no intestino, especialmente quando a concentração de imunoglobulinas circulantes é alta. A ausência de anticorpos específicos nas mães não expostas a determinados
patógenos e o uso de vacinas específicas modulam adicionalmente a resistência dos bezerros. O estresse causado por ambiente sanitário deficiente, proteção climática inadequada ou dieta insuficiente ou inapropriada também aumenta o
risco de doença.
Como acontece com todos os enteropatógenos, os bovinos adultos saudáveis podem ser portadores e excretam periodicamente o microrganismo nas fezes. A excreção pode aumentar com o estresse da parição e ser mais frequente em
vacas primíparas. Isso pode contaminar áreas de parição e provocar infecção de úbere e períneo da mãe. Outras fontes de infecção incluem fezes de bezerros saudáveis e de bezerros com diarreia, que contêm grande quantidade de
microrganismos no início da infecção. Alguns bezerros com diarreia podem ocasionar contaminação intensa da área de criação de bezerros. A transmissão ocorre por meio de contato fecal–oral, aerossóis de fezes e, no caso de coronavírus,
também por aerossóis respiratórios.
PATOGÊNESE: A diarreia de ruminantes neonatais geralmente está associada a doença de intestino delgado e pode ser causada por hipersecreção ou má absorção. Diarreia hipersecretora ocorre quando há secreção de quantidade anormal de
fluido no intestino, excedendo a capacidade de reabsorção da mucosa. Na diarreia por má absorção, a capacidade da mucosa em absorver fluidos e nutrientes é prejudicada até que não se consiga compensar a entrada normal de fluidos
ingeridos e secretados. Isso geralmente se deve à atrofia de vilosidades, na qual a perda de enterócitos maduros nas extremidades destas vilosidades ocasiona diminuição na altura destas estruturas (e consequente redução da área da
superfície de absorção) e perda de enzimas digestivas da borda em escova. A extensão e a distribuição da atrofia variam em função dos diferentes patógenos e podem explicar a variação na gravidade da doença clínica. A diarreia por má
absorção pode ser agravada pela fermentação de nutrientes no cólon, que seriam absorvidos no intestino delgado. Os produtos da fermentação, especialmente o ácido láctico, parecem atuar osmoticamente e atrair água para o interior do
cólon, o que contribui para a gravidade da diarreia.
Na maioria das infecções, uma inflamação contribui para a fisiopatologia da diarreia e os mediadores inflamatórios podem interferir no fluxo de íons ao lúmen intestinal. A inflamação também induz lesões vasculares, linfáticas e de
estruturais da unidade criptavilosidade. A maioria das diarreias infecciosas envolve componentes hipersecretórios, inflamatórios e de má absorção, embora geralmente predomine apenas um desses tipos. Isso acarreta perda de água, sódio,
potássio e bicarbonato; se essa perda é grave, o bezerro desenvolve hipovolemia, hiponatremia, acidose e azotemia prérenal.
E. coli enterotoxigênica produz a enterotoxina Sta, que estimula intensa hipersecreção por meio da ativação da guanilatociclase e da indução de secreção de sódio e cloro. O sistema de cotransporte de sódioglicose ligado à membrana
permanece normal. As salmonelas também produzem enterotoxinas. Inflamação, que causa necrose de enterócitos, infiltração inflamatória submucosa e atrofia de vilosidades também são componentes importantes na fisiopatologia da
diarreia causada por salmonelas, bem como da diarreia induzida por E. coli enteropatogênica e Clostridium perfringens toxigênico. As infecções por E. coli enteropatogênica produtora de verotoxina ocasionam em acúmulo de fluido no
intestino grosso e extensas lesões na mucosa, com edema, hemorragia, erosão e úlcera, o que resulta em sangue e muco no lúmen.
Os vírus geralmente causam diarreia por má absorção devido à destruição das células de absorção da mucosa e, consequentemente, encurtando as vilosidades intestinais. O mecanismo pelo qual os criptosporídios provocam diarreia não é
completamente compreendido, mas parece haver implicação de componentes tanto de má absorção quanto inflamatórios.
Os substitutos de leite inapropriadamente formulados provocam diarreia por dois mecanismos, ambos associados à má absorção. Os produtos vegetais (especialmente a soja) são utilizados comumente como fontes proteicas na fabricação
de substitutos de leite. Dependendo do grau de refinamento, esses produtos podem conter carboidratos não digeríveis por bezerros jovens. Tais carboidratos não são absorvidos no intestino delgado e podem contribuir para a ocorrência de
diarreia devido sua fermentação no cólon. Além disso, a maioria dos bezerros com < 3 semanas de idade parece ter alergia às proteínas da soja, o que resulta em atrofia de vilosidades e consequente diarreia, provavelmente por má absorção.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais principais incluem diarreia, desidratação, fraqueza intensa e morte dentro de 1 a vários dias após o início.
A diarreia causada por E. coli enterotoxigênica (K99) acomete bezerros com < 3 a 5 dias de idade, raramente mais tarde. No entanto, a idade de suscetibilidade pode se estender na presença de outros patógenos. O início é súbito.
Quantidade abundante de fezes líquidas é eliminada e os bezerros rapidamente se tornam deprimidos e se posicionam em decúbito. Os bezerros podem perder mais de 12% do peso corporal em fluidos, podendo ocorrer choque
hipovolêmico e morte em 12 a 24 h. A temperatura corporal pode se elevar, mas comumente permanece normal ou subnormal. Caso seja administrada precocemente terapia hidreletrolítica, a resposta geralmente é boa. A doença causada
por E. coli, por fixação e destruição, acomete predominantemente bezerros com 4 dias a 2 meses de idade e pode se manifestar com diarreia ou, principalmente, como disenteria com sangue e muco nas fezes. O curso clínico é curto.
Diarreia por Salmonella spp geralmente não ocorre em bezerros com < 14 dias de idade. Caracterizase por fezes fétidas com sangue, fibrina e grande quantidade de muco. Sepse com febre alta e depressão que progride para prostração e
coma, é a manifestação evidente da salmonelose em bezerros e, embora haja diarreia, em geral a morte se deve a choque septicêmico, em vez de hipovolêmico. Os bezerros com salmonelose geralmente perdem peso rapidamente e, com
frequência, morrem mesmo com tratamento intensivo.
A enterotoxemia hemorrágica causada por C. perfringens tipo B ou C se caracteriza por início agudo de depressão, fraqueza, diarreia sanguinolenta, dor abdominal e morte em poucas horas. Geralmente ocorre em bezerros robustos com
apenas poucos dias de idade, apetite voraz e uma fonte de leite prontamente disponível. Os bezerros com C. perfringens geralmente morrem antes que o tratamento seja instituído.
Diarreia por rotavírus, coronavírus e outros vírus geralmente acomete bezerros com 5 a 15 dias de idade, mas também pode ser notada em bezerros com vários meses de idade. Os bezerros acometidos ficam apenas discretamente
deprimidos e geralmente continuam a mamar ou beber leite. As fezes ficam volumosas, moles a líquidas e contêm, com frequência, grande quantidade de muco. A diarreia comumente persiste por três a vários dias e alguns casos de diarreia
por coronavírus tornamse crônicos. Os casos de diarreia viral não complicados por outros patógenos comumente respondem em poucos dias à terapia hidreletrolítica e ao suporte nutricional adequado.
Criptosporidiose (p. 216) ocorre em bezerros com 5 a 35 dias de idade, mas geralmente na segunda semana de vida. Caracterizase por diarreia persistente que não responde à terapia. A diarreia causada apenas por Cryptosporidium spp
frequentemente é discreta e autolimitante, embora a gravidade possa estar relacionada com o estado geral do bezerro e a intensidade do desafio com o microrganismo. As infecções mistas com criptosporídios, rotavírus e coronavírus são
comuns e resultam em diarreia persistente que frequentemente se caracteriza por emaciação e morte. Morte decorrente de hipoglicemia também ocorre como sequela de criptosporidiose em bezerros com 3 a 4 semanas de idade que se
recuperaram de diarreia, mas ainda se encontram emaciados. Geralmente, a morte ocorre durante o período de clima frio, sendo mais provável em fazendas onde o manejo implica a redução da quantidade de leite oferecido aos bezerros
durante o período de diarreia.
As diarreias alimentares acometem bezerros com < 3 semanas de idade e caracterizamse por fezes volumosas de consistência pastosa a gelatinosa. Inicialmente, os bezerros se mantêm alertas e apresentam bom apetite. No entanto, por
fim, tornamse fracos e emaciados se a dieta não é corrigida. As diarreias infecciosas são frequentemente complicadas por dietas de má qualidade ou pelo consumo insuficiente de alimentos.
DIAGNÓSTICO: É difícil estabelecer o diagnóstico etiológico definitivo com base apenas nos achados clínicos. No entanto, anamnese, idade do(s) animal(is) acometido(s) e sinais clínicos podem permitir um diagnóstico presuntivo. As
amostras de fezes podem ser enviadas para isolamento e caracterização dos enteropatógenos comuns. As amostras devem ser coletadas de vários bezerros não tratados, nos estágios iniciais de diarreia. São necessárias técnicas especiais para
a demonstração de vírus, criptosporídios e E. coli que possui K99. A interpretação dos resultados microbiológicos das fezes pode ser difícil devido às infecções mistas e pelo fato de os enteropatógenos estarem presentes nas fezes de
bezerros saudáveis. A melhor informação diagnóstica geralmente é obtida pelo envio de animais não tratados e agudamente acometidos para necropsia. Isso permite um exame da mucosa intestinal quanto às evidências de lesões
diagnósticas e a presença de enteropatógenos, como criptosporídios. Esta pode ser a única maneira de diagnóstico de doenças como aquelas associadas às cepas de fixação e destruição de E. coli. O valor diagnóstico da necropsia diminui
rapidamente com o tempo após a morte; as lesões importantes podem desaparecer dentro de minutos, devido à autólise.
O exame laboratorial completo pode ser oneroso; também, argumentase que é de muito pouco valor frente ao alto gasto no diagnóstico, a menos que possam ser implementados procedimentos específicos de controle com base nas
informações obtidas. Em todos os casos devemse obter informações sobre o consumo total de leite ou de substituto de leite. Quando se fornece um substituto de leite, devese avaliar a composição da dieta. Devese avaliar também a
imunidade inespecífica por meio da determinação das concentrações séricas de imunoglobulina e vitamina A.
TRATAMENTO: Vários fatores envolvidos na resistência às doenças são inespecíficos; consequentemente, devemse tomar medidas preventivas importantes e iniciar a terapia antes de se estabelecer um diagnóstico etiológico. O tratamento
inclui reposição de fluido e eletrólitos, modificação da dieta, terapia antimicrobiana e com imunoglobulinas e uso de antidiarreicos e adsorventes. A terapia hidreletrolítica é mais importante e deve ser instituída assim que possível,
independente se há evidências clínicas de desidratação (os sintomas de desidratação não são aparentes até que o bezerro perca pelo menos 6% do seu peso corporal em fluido). Os bezerros ainda capazes de ficar de pé e mamar podem ser
frequentemente tratados apenas com solução de eletrólitos por via orais. Os fluidos para reidratação oral devem propiciar o cotransporte de sódio com glicose e aminoácidos e devem conter sódio, glicose, glicina ou alanina, potássio,
bicarbonato e citrato ou acetato como precursor de bicarbonato. Encontramse disponíveis várias preparações comerciais. Podem ser administradas por meio de mamadeira ou, se necessário, por sonda gástrica. As soluções devem ser
oferecidas à vontade, até que o animal se reidrate.
Há controvérsia sobre se o leite deve ou não ser fornecido durante o período de reidratação. O fornecimento de leite pode aumentar o volume de fezes, mas propicia energia ao bezerro e pode promover cicatrização intestinal. Os bezerros
têm alta necessidade energética e pouca reserva de energia. As soluções eletrolíticas não suprem estas necessidades energéticas e não se deve suspender o fornecimento de leite por > 24 a 36 h.
Bezerros fracos em decúbito e exibem evidências de perda hídrica = 8% do seu peso corporal requerem terapia hidreletrolítica IV. Esses bezerros frequentemente apresentam acidose e os déficits de água e de base podem ser corrigidos
inicialmente pela administração de uma solução isotônica (13 g/l) de bicarbonato de sódio, preferencialmente na dose de 100 ml/kg, ao longo de 4 a 6 h. Como os bezerros geralmente desenvolvem hipoglicemia, a adição de 25 a 50 g de
glicose na solução de bicarbonato normalmente é benéfica. A solução de bicarbonato deve ser seguida de fluidoterapia IV contínua com solução eletrolítica fisiologicamente balanceada, na dose de 5 a 8 ml/kg/h, nas 20 h seguintes; pode ser
necessário volume maior, dependendo da gravidade da diarreia. Provavelmente, devem–se utilizar soluções eletrolíticas orais concomitantes à terapia IV.
O uso de antimicrobianos não é sustentado pela maioria dos experimentos clínicos e não é indicado na diarreia causada por vírus ou protozoários. Os antibióticos podem ser úteis no tratamento de diarreia associada a Escherichia
coli enterotoxigênica ou com a cepa de fixação e destruição. A via de administração deve ser oral e a escolha deve basearse no antibiograma. Na suspeita de doença septicêmica como uma complicação devido à transferência inadequada de
imunoglobulinas colostrais, a administração parenteral de antibióticos também é indicada. A salmonelose deve ser tratada com antimicrobianos, por via parenteral.
Vários fármacos, como flunixino meglumina, indometacina, loperamida, difenoxato e subsalicilato de bismuto possuem atividades antissecretora e antiinflamatória e são utilizados no tratamento, mas não há experimento clínico sobre
sua eficácia em bezerros. Géis e adsorventes intestinais, como caulim e pectina, são de uso geral, mas o seu único efeito comprovado é o aumento da consistência das fezes; não reduzem a perda hídrica e iônica.
PREVENÇÃO E CONTROLE: Devido à natureza complexa da diarreia em neonatos, é irreal se esperar uma prevenção total – o controle econômico é o objetivo principal. A ocorrência de doença clínica e de casos fatais depende do equilíbrio
entre os níveis de exposição a microrganismos infecciosos e a resistência do bezerro. Diferenças no tamanho dos rebanhos; disponibilidade de instalações, área e mão de obra; e os objetivos gerais do manejo tornam impossível a
recomendação de procedimentos de manejo específicos aplicáveis a todas as situações. No entanto, três princípios amplos se aplicam a todos os rebanhos: 1) o grau de exposição dos neonatos deve ser reduzido por meio de isolamento de
animais doentes ou mudança do local de parição e criação de bezerros para uma área à parte e prática de bom manejo sanitário geral; 2) a resistência inespecífica do animal deve ser maximizada pelo fornecimento de uma boa dieta para a
mãe e para o neonato e pela garantia de que os bezerros recémnascidos consumam colostro de alta qualidade em volume equivalente a > 5% do seu peso corporal, preferivelmente dentro de 2 h e seguramente dentro de 6 h após o
nascimento, seguido de quantidade equivalente em intervalos de 12 h, nas 48 h seguintes; e 3) a resistência específica do recémnascido deve ser estimulada por meio de vacinação da mãe ou do recémnascido. Em parte importante dos
bezerros leiteiros lactentes normais e dos bezerros alimentados manualmente com colostro ocorre falha na obtenção de quantidade adequada de imunoglobulina devido à demora na amamentação ou alimentação, à ingestão de volume
inadequado de colostro ou ao consumo de colostro com baixo teor de imunoglobulinas. Quando o tempo é um fator limitante para esta tarefa, impedindo que se assegure a ingestão de colostro por meio de mamadeira, a administração de
3,8L de colostro por sonda esofágica nas primeiras 2 h de vida pode ser a melhor maneira de fornecer este alimento (ver p. 2213).
A imunização dos bezerros contra a colibacilose por meio de vacinação de fêmeas prenhes pode controlar colibacilose enterotoxigênica. A fêmea prenhe é vacinada 6 a 2 semanas antes do parto para estimular a produção de anticorpos
contra cepas de E. coli enterotoxigênica; em seguida, esses anticorpos são transferidos ao recémnascido por meio do colostro (desde que o animal consuma o colostro). Um reforço único deve ser administrado nos anos subsequentes. Há no
mercado disponibilidade de anticorpo monoclonal contra E. coli K99 para administração oral aos bezerros imediatamente após o nascimento. Tratase de um substituto efetivo dos anticorpos K99específicos do colostro de vacas vacinadas,
embora os bezerros que recebem esse produto também devem receber colostro para sua proteção inespecífica.
A vacinação das vacas prenhes contra rotavírus e coronavírus aumenta a quantidade de anticorpos específicos no colostro e no leite, mas a concentração de anticorpos no leite pode ser insuficiente para propiciar anticorpos no lúmen
intestinal durante o período de prevalência máxima de infecção que, nos bezerros, é notada aos 5 a 15 dias de idade. Experimentos controlados com vacinas comerciais apresentam resultados variáveis. A adição de pequena quantidade de
colostro no leite oferecido durante o período de suscetibilidade pode propiciar alguma proteção contra doenças.
RISCO ZOONÓTICO: Vários microrganismos que causam diarreia nos bezerros também podem provocar doenças diarreicas em pessoas. Cryptosporidium parvum e Salmonella Typhimurium podem causar doença grave, principalmente em
indivíduos imunocomprometidos. Esses microrganismos são comumente isolados em infecções subclínicas do intestino de bezerros e cordeiros; as pessoas imunocomprometidas devem evitar o contato com ruminantes jovens e,
possivelmente, com todos os animais de fazenda.
Os bovinos, incluindo os bezerros, são alguns dos reservatórios do sorotipo E. coli verotóxica O157:H7, associado a colite hemorrágica humana e síndrome urêmica hemolítica. Em pessoas, a infecção geralmente é adquirida com o
consumo de alimentos contaminados, mas a dose infectante é baixa, e há risco de infecção por contato direto. Outra E. coli verotóxica associada à doença humana também pode ser isolada em fezes de bovinos saudáveis. A doença em
humanos devido à infeção por patógenos entéricos de bovinos foi relatada após contato em visita a feiras, zoológicos e viagens educacionais a fazendas. Lavagem e desinfecção das mãos deve fazer parte dessas visitas.
DOENÇAS INTESTINAIS EM SUÍNOS
Suínos de todas as idades são suscetíveis a doenças intestinais; diarreia é o sintoma comum em quase todas essas doenças. A transmissão de microrganismos infecciosos que causam enfermidades entéricas é via fezesoral. Pelo menos 16
diferentes agentes etiológicos, incluindo bactérias, vírus e parasitos, podem causar doença intestinal primária. O circovírus suíno tipo 2 (CVS 2) pode ser isolado do intestino de suínos com diarreia. O CVS 2 é a causa de várias doenças
multissistêmicas em suínos, incluindo síndrome do definhamento multissistêmico pós desmame que é discutida em detalhes a seguir (ver p. 657). Diarreia em um lote de animais pode ser devido a um agente único, mas infecções
concomitantes são comuns. Como algumas doenças ocorrem em determinada idade, o diagnóstico diferencial é melhor definido por faixa etária (Tabela 6).
COLIBACILOSE INTESTINAL
A colibacilose intestinal é uma doença comum em suínos lactentes e recémdesmamados causada pela colonização do intestino delgado por cepas enterotoxigênicas de Escherichia coli.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Algumas cepas de E. coli possuem fímbrias ou pili que permitem sua aderência ou colonização nas células epiteliais de absorção de jejuno e íleo. Os tipos de antígenos comuns de fímbrias associados a
patogenicidade incluem K88, K99, 987P e F41. As cepas patogênicas produzem enterotoxinas que secretam fluidos e eletrólitos no lúmen intestinal, o que resulta em diarreia, desidratação e acidose. A infecção de neonatos é causada,
comumente, por cepas de K88 e 987P, enquanto a colibacilose pósdesmame se deve quase sempre à cepa K88.
ACHADOS CLÍNICOS: É comum diarreia aquosa abundante, com rápida desidratação, acidose e morte. Raramente os suínos podem manifestar colapso e morrer antes de surgir diarreia.
Lesões: Desidratação e distensão do intestino delgado por um fluido amarelado e ligeiramente mucoide são características. O cólon contém um fluido semelhante. A região fúndica da mucosa gástrica frequentemente encontrase eritematosa.
Os suínos que morrem subitamente podem apresentar eritema cutâneo macular. Histologicamente, em geral as vilosidades apresentam comprimento normal e contêm vários bastonetes bacterianos pequenos aderidos aos enterócitos de
absorção.
DIAGNÓSTICO: A confirmação do diagnóstico baseiase na constatação histológica de colonização das vilosidades; na constatação dos antígenos de fímbrias K88, K99, 987P ou F41 nos esfregaços intestinais, por imunofluorescência ou
outros testes imunológicos; e no isolamento do microrganismo no intestino delgado. Como E. coli é um agente secundário comum devese considerar a possibilidade de envolvimento de outros microrganismos, como vírus ou coccídios.
TRATAMENTO E CONTROLE: A terapia inclui administração imediata de antimicrobianos e correção do equilíbrio hidreletrolítico. O antibiograma é útil para a seleção do medicamento efetivo. A prevenção compreende redução dos fatores
predisponentes, como umidade e frio; melhora da higienização, como substituição do piso de concreto sólido ou ripado por piso de tela de arame; e vacinação das porcas prenhes com vacinas específicas de antígenos de fímbrias. Suínos
com deficiência de receptores de K88 são resistentes à doença causada por E. coli que contém a enterotoxina K88.
DIARREIA EPIDÊMICA SUÍNA
Esta diarreia causada por coronavírus (ainda não diagnosticada no hemisfério ocidental) acomete suínos de todas as idades e em vários aspectos lembra, clinicamente, gastrenterite transmissível (GET) (p. 344).
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O vírus da diarreia epidêmica suína (VDS) não se relaciona com nenhum outro membro da família Coronaviridae. Os suínos são os únicos hospedeiros conhecidos. Ainda não se detectou anticorpo contra o
vírus em suínos silvestres ou em outras espécies animais. Há relato da infecção em vários países europeus e na China. Ocorreram grandes epidemias na Europa, em 1969; não se detectou qualquer anticorpo em amostras de soro coletadas
antes dessa data. Desde então, o vírus se disseminou e se tornou endêmico em vários países europeus, sendo raros os surtos agudos. Nas grandes fazendas de reprodutores, o vírus persiste em leitegadas consecutivas, após o desmame e
depois que os leitões perdem a imunidade propiciada pelos anticorpos do leite. Nessas fazendas, o vírus pode estar associado a diarreia na época do desmame. Na Bélgica, o vírus está associado, mais frequentemente, com diarreia em suínos
de engorda, notada imediatamente após serem adquiridos de outras fazendas de reprodutores e reunidos em grandes unidades de engorda. O vírus foi encontrado nas fezes de 80% desses grupos. Dados epidemiológicos de outros países são
escassos. Na maioria dos casos, a disseminação do vírus é direta, dos suínos infectados e, indireta, por fômites contaminados com vírus e por caminhões de transporte.
PATOGÊNESE: A patogênese e os mecanismos imunológicos são semelhantes aos descritos para GET. A infecção oral resulta em replicação do vírus nas células epiteliais das vilosidades do intestino delgado. Também, ocorre infecção das
células das vilosidades do cólon. Não se demonstrou nenhum outro tropismo tecidual. O vírus é excretado nas fezes.
ACHADOS CLÍNICOS: A diarreia é o único sinal clínico direto induzido pelo vírus. Um surto agudo em fazenda de reprodutores suscetíveis lembra um surto de GET e se caracteriza por diarreia aquosa em suínos de todas as idades. No
entanto, em comparação com a GET, o período de incubação é mais longo (3 a 4 dias), nem todas as leitegadas adoecem e a taxa de mortalidade em suínos neonatos é menor (em média, 50%). Além disso, a doença se dissemina mais
lentamente na fazenda. Em todos os surtos, os sintomas são mais evidentes em suínos de engorda, em fase de terminação e em adultos, que parecem mais suscetíveis, pois os surtos em geral iniciam nessas faixas etárias. Suínos idosos
apresentam letargia e depressão, mais evidentes na VES do que na GET. Os suínos infectados parecem ter cólicas.
Surtos agudos em suínos em fase de terminação suscetíveis caracterizamse por diarreia aquosa, mas podese observar um número acentuadamente maior de mortes agudas, em particular de suínos infectados no final do período de
terminação e nas raças sensíveis ao estresse. O animal pode morrer mesmo no período de incubação.
Lesões: As lesões macroscópicas se restringem ao intestino delgado, com encurtamento de vilosidades como característica principal. Essas lesões lembram bem aquelas verificadas na GET. Ainda não há relato de lesão no cólon. Necrose
aguda de músculos das costas é um achado compatível.
DIAGNÓSTICO: É difícil a diferenciação clínica de GET. Esta, em sua forma epidêmica típica, causa diarreia com rápida disseminação em animais de todas as idades, com alta taxa de mortalidade nos neonatos. Na DES, a disseminação da
diarreia é mais lenta e embora haja diarreia na maioria das leitegadas, algumas podem permanecer saudáveis mesmo na ausência de imunidade. A taxa de morbidade é de 100% nos suínos idosos, que desenvolvem doença grave. Morte
aguda de suínos adultos e em fase de terminação, devido à necrose muscular durante um surto de diarreia, é típica de DES, não sendo observada em qualquer outra diarreia infecciosa.
O diagnóstico laboratorial em neonatos é feito por imunofluorescência direta, em cortes do intestino delgado ou do cólon em criostato. ELISA, para detectar antígenos virais nas fezes ou no conteúdo intestinal, é mais útil no caso dos
suínos idosos. Os anticorpos podem ser detectados em amostras séricas pareadas por meio de teste ELISA de bloqueio.
CONTROLE: Não há disponibilidade de tratamento específico. As medidas tomadas durante um surto são de natureza geral. Os suínos com diarreia devem ter livre acesso à água e os suínos em fase de terminação devem ser privados de
alimento por 1 a 2 dias.
Nas fazendas de reprodutores, diante de um surto, podese evitar temporariamente a disseminação do vírus para o local de parição adotandose medidas sanitárias e, se realizadas junto com uma infecção deliberada de porcas prenhes, a
perda de neonatos pode ser reduzida. Não há vacina disponível.
DISENTERIA SUÍNA (Disenteria sanguinolenta)
A disenteria suína é uma doença diarreica mucohemorrágica comum em suínos; acomete o intestino grosso.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: O principal agente causal é Brachyspira hyodysenteriae, uma espiroqueta anaeróbica que produz hemolisina; entretanto, outros microrganismos podem contribuir para a gravidade das lesões. Ela se prolifera no
intestino grosso e provoca degeneração e inflamação da mucosa, hipersecreção de muco pelo epitélio da mucosa e pontos hemorrágicos multifocais na mucosa. O microrganismo não penetra além da mucosa intestinal. A diminuição da
capacidade da mucosa em reabsorver as secreções endógenas do intestino delgado não acometido resulta em diarreia.
ACHADOS CLÍNICOS: Os primeiros sinais são inapetência, eliminação de fezes moles e, possivelmente, febre. O curso da doença é variável. Alguns suínos morrem de forma hiperaguda. É mais comum notar uma diarreia mucoide com estrias
de sangue e muco, progredindo para diarreia mucohemorrágica aquosa. Depois de vários dias as fezes tornamse amarronzadas e contêm estrias de fibrina e restos celulares. Os suínos com diarreia apresentam desidratação, fraqueza
profunda, definhamento e emaciação.
Lesões: As lesões difusas se restringem ao ceco, ao cólon espiral e ao reto. A mucosa acometida é recoberta por uma camada de muco transparente ou cinza, frequentemente com estrias de sangue, nos estágios iniciais, com mistura de
sangue, fibrina e restos necróticos nos casos mais avançados, e restos necróticos amarelados no estágio final da doença.
DIAGNÓSTICO: Os sinais clínicos e os achados de necropsia geralmente são suficientes para um diagnóstico presuntivo. A confirmação baseiase na demonstração de lesões histológicas típicas no intestino grosso e no isolamento de B.
hyodysenteriae em cultura anaeróbica. B. hyodysenteriae deve ser diferenciado de outras espiroquetas anaeróbicas, por meio de cultura. Testes bioquímicos e, preferencialmente, PCR, devem ser utilizados em cepas de Brachyspira para
confirmar a identificação da espécie. Doenças concomitantes não são raras. Os diagnósticos diferenciais incluem espiroquetose intestinal, enterite proliferativa, salmonelose e tricuríase grave.
TRATAMENTO E CONTROLE: O uso terapêutico de antimicrobianos é efetivo, se instituído logo no início da doença. Primeiramente, preferese a adição do medicamento na água. Como há cepas resistentes a antimicrobianos, é essencial
escolher uma droga a qual o microrganismo é sensível. Utilizamse bacitracina, carbadox, lincomicina, tilosina, tiamulina e virginiamicina. A doença pode ser erradicada das propriedades infectadas sem necessidade de despovoamento total,
adotandose um programa persistente e cuidadosamente planejado que inclui o tratamento dos suínos portadores com bactericidas e limpeza e desinfecção completas das propriedades vazias. Roedores são importantes reservatórios de B.
hyodysenteriae e qualquer tentativa de erradicação deve incluir eliminação/redução da população dos roedores da propriedade. Além disso, B. hyodysenteriae sobrevive > 60 dias em animais abatidos mantidos em temperatura de
refrigeração.
DOENÇA DO EDEMA (Enterotoxemia por Escherichia coli)
Doença do edema é uma enfermidade nervosa aguda e potencialmente fatal que comumente surge 5 dias a 2 semanas depois do desmame, podendo ser acompanhada de diarreia (ver p. 795).
ENTERITE POR CLOSTRIDIUM DIFFICILE
C. difficile é um importante patógeno emergente que causa diarreia, principalmente, em suínos neonatos. O microrganismo foi inicialmente descrito como causa de diarreia associada ao uso de antibióticos em pessoas. Comumente causa
doença em leitões com 1 a 7 dias de idade e em outros animais domésticos e de laboratório.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: C. difficile é uma bactéria grampositiva anaeróbia, em forma de bastão, mais sensível ao oxigênio do que C. perfringens. O microrganismo pode ser identificado no intestino, em esfregaços diretos corados pelo
Gram. Acreditase que a sobrevivência de C. difficile no ambiente e a eliminação por porcas portadoras sejam importantes na transmissão. C. difficile produz as “toxinas clostridianas grandes” A e B; acreditase que estejam envolvidas no
desenvolvimento de lesão. A toxina A é uma enterotoxina que causa secreção de fluido no lúmen intestinal; a toxina B é uma citotoxina.
ACHADOS CLÍNICOS: Os leitões infectados podem apresentar dispneia, distensão abdominal e edema escrotal. Nem todos os suínos acometidos manifestam diarreia.
Tabela 6 – Distribuição das doenças diarreicas de suínos por faixa etária
Faixa etária
Doenças Bacterianas
Enterite por Clostridium difficile +++ + +
Enterite por C. perfringens tipo A ++ +
Enterite por C. perfringens tipo C ++
Colibacilose intestinal +++ +++
Espiroquetose intestinal – ++ +++
Enterite proliferativa suína – ++ +++
Enterite por Salmonella + ++ +++
Disenteria suína + ++ +++
Parasitismo
Cryptosporidium sp + + –
Isospora suis +++ + –
Strongyloides ransomi + + +
Trichuris suis – – ++
Doenças Virais
Diarreia suína por circovírus + ++ +
Diarreia epidêmica suína + ++ +++
Enterite por rotavírus +++ +++ +
Gastrenterite transmissível +++ +++ ++
– = Rara ou não ocorre; + = incomum; ++ = comum; +++ = muito comum.
Lesões: Há relato de ascite, hidrotórax e edema de cólon ascendente. Comumente há urólitos de urato nos rins. Podese notar conteúdo de cólon pastoso a aquoso. Microscopicamente, o cólon apresenta principalmente exsudação multifocal
de muco e fibrina, além de edema de submucosa.
DIAGNÓSTICO: As lesões macroscópicas não são patognomônicas e o diagnóstico deve ser confirmado por meio de cultura ou detecção das toxinas A e B e exame histopatológico. C. difficile pode ser cultivado em meios seletivos que
contêm cefoxitina, cicloserina, taurocolato e frutose, em condição anaeróbica. Os genes das toxinas A e B são facilmente identificados por PCR. As toxinas também podem ser detectadas diretamente em suspensão de conteúdo intestinal
por meio de imunoensaios enzimáticos disponíveis no mercado.
TRATAMENTO E CONTROLE: Com base na determinação de concentrações inibitórias mínimas sugeriuse que eritromicina, tetraciclina e tilosina podem ser úteis no tratamento de leitões lactentes e que a tiamulina e a virginiamicina podem
auxiliar na redução da população de microrganismos em suínos adultos. Não há relato de estudo controlado sobre os efeitos dos antibióticos na doença clínica.
ENTERITE POR CLOSTRIDIUM PERFRINGENS TIPO A
A infecção do intestino delgado por cepas de C. perfringens tipo A causa uma enfermidade discreta e mais rara, em comparação com a doença causada por C. perfringens tipo C (ver a seguir). Infecta suínos lactentes e, em alguns casos,
recémdesmamados, que apresentam fezes amareladas com muco e estrias de sangue. Há retardo do crescimento, mas com baixa ou nenhuma taxa de mortalidade. As lesões observadas à necropsia são mais discretas e sem sangue, quando
comparadas as verificadas na enterite por C. perfringens tipo C. Diagnóstico, tratamento e controle são semelhantes à enterite causada por C. perfringens tipo C.
ENTERITE POR CLOSTRIDIUM PERFRINGENS TIPO C
A infecção do intestino delgado por cepas de C. perfringens tipo C provoca enterite necrótica e hemorrágica potencialmente fatal. A doença acomete mais comumente leitões com 1 a 5 dias de idade, mas pode afetar suínos com até 3
semanas de idade (e outras espécies, ver p. 662).
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: O microrganismo penetra entre as células de absorção do jejuno superior e sintetiza toxina β, uma potente exotoxina sensível à tripsina e termolábil, que causa necrose de todos os componentes estruturais das
vilosidades. A inflamação necrosante geralmente se estende até as criptas mucosas. A infecção pode continuar caudalmente e envolver o íleo, mas raramente acomete o cólon. A necrose da mucosa é acompanhada sangramento de parede e
lúmen intestinais.
ACHADOS CLÍNICOS: Início súbito de diarreia hemorrágica seguida de colapso e morte é característico em leitões de 1 a 3 dias de idade. Nos casos menos agudos, notamse fezes líquidas amarronzadas em 3 a 5 dias. Raramente os suínos
desenvolvem diarreia com fezes acinzentadas, pastosas e persistentes e se tornam progressivamente emaciados. Nos casos hiperagudos, a região perineal mostrase suja de sangue.
Lesões: Notase intestino delgado vermelhoescuro, hemorrágico e preenchido com fluido hemorrágico. Nos casos menos agudos, com 3 a 5 dias, é possível verificar gás na parede do jejuno e necrose na mucosa de jejuno e íleo. Nos casos
mais crônicos constatase intestino delgado espessado revestido por uma membrana necrótica amarelopálida ou cinza, firmemente aderida à submucosa.
DIAGNÓSTICO: Geralmente a necropsia é suficiente para estabelecer o diagnóstico da forma hemorrágica hiperaguda e da forma aguda com enfisema de jejuno. Podese obter um diagnóstico presuntivo rapidamente pela constatação de
grandes bactérias em forma de bastão em esfregaços de imprint de mucosa corados pela técnica de Gram. A constatação histológica de necrose de vilosidades com colonização da mucosa por vários bastonetes grampositivos grandes é
suficiente para a confirmação do diagnóstico. As formas subaguda e crônica da doença em suínos com 6 a 14 dias de idade são facilmente confundidas, na necropsia, com enterite por Isospora suis, mas o diagnóstico geralmente é possível
pelo exame histológico de jejuno e íleo ou pela detecção de clostrídios em esfregaços de mucosa corados pela técnica de Gram ou Giemsa. Podese obter o genótipo de C. perfringens quanto à presença de genes que codificam a toxina β.
TRATAMENTO E CONTROLE: O tratamento de suínos com sinais clínicos é pouco benéfico, pois as lesões frequentemente são irreversíveis ao início da diarreia. Em um surto agudo, a administração profilática de antitoxina tipo C ou de
antibióticos (ou de ambos), por via parenteral ou oral, é efetiva desde que fornecida aos leitões dentro de 2 h após o nascimento. A doença tende a causar recidivas nas propriedades infectadas. A vacinação de porcas prenhes, 6 a 3 semanas
antes do parto, com bacterinatoxoide contra o tipo C confere algum grau de imunidade lactogênica passiva às leitegadas subsequentes, contanto que os leitões consumam o colostro logo após o nascimento. Quando já imunizadas com duas
doses de bacterinatoxoide, as porcas devem receber uma dose cerca de 3 semanas antes de cada parição subsequente.
ENTERITE POR ROTAVÍRUS
A enterite causada por rotavírus é uma doença comum de intestino delgado de suínos. Animais de todas as idades são suscetíveis, mas uma doença diarreica significativa geralmente acomete suínos lactentes ou após o desmame.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: O rotavírus causa infecção e destruição de enterócitos das vilosidades de todo o intestino delgado, porém as lesões são mais graves no terço médio do intestino. A perda do epitélio das vilosidades resulta em
atrofia parcial destas vilosidades, má absorção e diarreia osmótica. Vários tipos antigênicos de rotavírus infectam os suínos. Disseminamse facilmente por contato direto. As porcas portadoras saudáveis podem eliminar fezes contaminadas
no periparto e, portanto, expõem suas leitegadas à infecção.
ACHADOS CLÍNICOS: Se os suínos neonatos não receberem quantidade protetora de anticorpos maternos, provavelmente desenvolvem diarreia aquosa abundante dentro de 12 a 48 h. Geralmente, a infecção é endêmica em um rebanho e as
porcas possuem níveis variados de anticorpos no colostro e no leite, o que propicia graus variáveis de proteção passiva aos leitões lactentes. Geralmente, a diarreia surge em animais com 5 dias a 3 semanas de idade, ou imediatamente após
o desmame. As fezes dos leitões lactentes geralmente são amarelas ou acinzentadas e pastosas, nos estágios iniciais, e se mostram cinzas e pastosas depois de cerca de 2 dias. A diarreia persiste por 2 a 5 dias. Os leitões com diarreia tornam
se magros e com o pelame áspero, mas a taxa de mortalidade, em geral, é baixa. Os suínos desmamados apresentam fezes aquosas contendo alimento pouco digerido. Os suínos desmamados apresentam inapetência e não buscam por
alimentos, o que resulta em emaciação, definhamento e, provavelmente, predisposição à pneumonia e outras doenças.
Lesões: O intestino delgado se apresenta com parede fina e o ceco e o cólon contêm fezes líquidas.
DIAGNÓSTICO: Há necessidade de exames laboratoriais. A confirmação baseiase na demonstração histológica de atrofia de vilosidades do jejuno, na constatação de vírions no conteúdo intestinal por meio de microscopia eletrônica e em
técnicas de imunodiagnóstico para comprovar a presença do antígeno viral na mucosa intestinal ou nas fezes. Os diagnósticos diferenciais incluem gastrenterite transmissível endêmica, enterite por Isospora suis e colibacilose intestinal.
TRATAMENTO E CONTROLE: Não há tratamento específico. A minimização da perda de calor e a oferta de quantidade de água adequada para manter a hidratação são medidas úteis. A vacinação das porcas também pode ser útil. Infecção
por Escherichia coli enterotoxigênica concomitante é comum; portanto, a terapia antimicrobiana pode reduzir a taxa de mortalidade. Um ambiente sem correntes de ar, seco e quente, bem como refeições limitadas e frequentes aos suínos
desmamados com diarreia ajudam a evitar inanição, doenças secundárias e atrofia permanente.
ENTERITE POR STREPTOCOCCUS DISPAR
Essa doença diarreica de leitões lactentes, geralmente com 5 a 10 dias de idade, está associada à colonização do intestino delgado por S. dispar. O diagnóstico pode ser auxiliado pela observação de cocos grampositivos aderidos às células
epiteliais das vilosidades. Antimicrobianos, como a penicilina, podem ser úteis no tratamento.
ENTERITE PROLIFERATIVA SUÍNA (Adenomatose intestinal suína, Enteropatia hemorrágica proliferativa, ileíte)
A enterite proliferativa suína é uma doença diarreica comum em suínos em fase de crescimentoterminação e em reprodutores jovens e se caracteriza por hiperplasia e inflamação do íleo e do cólon. É, com frequência, discreta e
autolimitante, mas às vezes causa diarreia persistente, enterite necrosante grave ou enterite hemorrágica com alta taxa de mortalidade.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: O agente causal é uma pequena bactéria gramnegativa intracelular, em forma de bastão, denominada Lawsonia intracellularis. O microrganismo tem sido isolado apenas em culturas celulares e tentativas de
reproduzilo em meios livres de células têm falhado. Os postulados de Koch foram cumpridos por meio da inoculação de culturas puras de L. intracellularis em suínos criados convencionalmente; produziramse lesões típicas da doença e L.
intracellularis foi reisolado a partir dessas lesões. A inoculação de L. intracellularis em suínos gnotobióticos não causa doença; portanto, em suínos criados convencionalmente outros fatores podem contribuir para o desenvolvimento das
lesões.
ACHADOS CLÍNICOS: A forma não hemorrágica e mais comum da doença geralmente acomete suínos com 18 a 36 kg e se caracteriza por início súbito de diarreia. As fezes tornamse aquosas a pastosas, amarronzadas ou fracamente
manchadas de sangue. Depois de cerca de 2 dias, os suínos podem eliminar grumos fibrinonecróticos amarelos que se formam no íleo. A maioria dos suínos acometidos se recupera espontaneamente, mas um número significativo deles
desenvolve enterite necrótica crônica e emaciação progressiva. A forma hemorrágica se caracteriza por palidez cutânea, fraqueza e eliminação de fezes hemorrágicas ou pretas. As marrãs prenhes podem abortar.
Brachyspira (Treponema) hyodysenteriae. Cortesia de Joann Kinyon, Universidade de Iowa.
Lesões: Podem surgir em qualquer local da metade inferior do intestino delgado, ceco ou cólon, mas são mais frequentes e evidentes no íleo. A parede intestinal tornase espessa e o mesentério pode ficar edemaciado. Os linfonodos
mesentéricos aumentam de volume. A mucosa intestinal parece espessa e enrugada, pode ser recoberta por uma membrana fibrinonecrótica amarronzada ou amarela e, às vezes, apresenta petéquias. Os grumos necróticos amarelos podem
ser encontrados no íleo ou passarem para o cólon. Necrose de mucosa completa e difusa, nos casos crônicos, causa rigidez intestinal, lembrando uma mangueira de jardim. Frequentemente notamse lesões proliferativas na mucosa do cólon,
mas apenas detectadas por meio de inspeção cuidadosa durante a necropsia. Na forma hemorrágica profusa, há fezes vermelhas ou pretas no cólon e sangue coagulado no íleo.
DIAGNÓSTICO: A confirmação do diagnóstico baseiase na observação histológica de proliferação e inflamação características nas criptas da mucosa. Em geral, L. intracellularis (em forma de vírgula, lembrando Campylobacter) pode ser
demonstrado por colorações com prata. Desenvolveuse um teste de PCR que pode ser útil para confirmar a presença de L. intracellularis nas lesões. Culturas bacterianas do intestino e linfonodos, para excluir a possibilidade de infecção
por Salmonella, e exame histológico e cultura do ceco e cólon, para excluir disenteria suína, são práticas adicionais importantes. Também, devese examinar o cólon quanto à presença de vermes tricurídeos. L. intracellularis está presente
em muitos rebanhos suínos, portanto, a demonstração do microrganismo em fezes por PCR ou a presença de anticorpos em animais clinicamente normais tem pouco valor diagnóstico.
TRATAMENTO E CONTROLE: Vários antibacterianos, administrados por via parenteral em suínos com infecção aguda e por meio de alimentos ou água ao restante do grupo, ajudam a minimizar a gravidade da enterite e a evitar o
desenvolvimento de enterite necrótica crônica irreversível. A enterite proliferativa suína é uma das primeiras doenças que ocorrem em rebanhos novos, iniciada por uma intervenção cirúrgica. Uma vacina viva não virulenta administrada na
água é altamente eficaz. Deve ser administrada às marrãs e aos varões durante a aclimatização, antes da introdução no rebanho.
ESPIROQUETOSE INTESTINAL
A espiroquetose intestinal é uma doença do intestino grosso verificada na ausência de Brachyspira hyodysenteriae (ver p. 341). Essa síndrome é observada com frequência no mundo todo.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: A principal causa de espiroquetose intestinal é B. pilosicoli. Há relatos de outras espécies de Brachyspira associadas à infecção, mas caracterizações moleculares recentes indicam que B. innocens, B. murdochi e
B. intermedia provavelmente não são patogênicas. B. pilosicoli é um importante patógeno emergente em pessoas, especialmente em populações indígenas, homossexuais e pacientes com imunossupressão. O microrganismo é transmitido
por via oral e sobrevive muito bem no ambiente. B. pilosicoli foi isolado de vários animais, inclusive aves aquáticas, roedores e cães. Foi demonstrado com causa de doença diarreica em suínos, galinhas e pessoas, por meio de inoculação
experimental e em casos de ocorrência natural. A patogênese não é bem estudada, mas parece que a fixação da espiroqueta na mucosa interfere na capacidade de absorção do cólon, resultando em diarreia.
ACHADOS CLÍNICOS: Inicialmente, os suínos apresentam fezes aderidas à região do períneo. As fezes aparecem como cimento úmido, podendo resultar em diarreia leve. Animais acometidos podem se tornar inapetentes, com crescimento
retardado.
Lesões: As lesões no intestino grosso são mais discretas do que aquelas causadas por B. hyodysenteriae, na disenteria suína. O volume do intestino grosso pode estar aumentado e distendido, com espessamento de mucosa. Alguns suínos
desenvolvem colite mucohemorrágica juntamente com aumento dos linfonodos mesentéricos. Microscopicamente, as espiroquetas podem ser vistas aderidas à superfície mucosa, com aparência de falsa borda em escova. A superfície
mucosa apresenta erosão focal com discreto exsudato catarral. As criptas do cólon frequentemente estão dilatadas e com várias espiroquetas.
DIAGNÓSTICO: Diagnósticos diferenciais importantes incluem salmonelose, enterite proliferativa, disenteria suína e infecção por vermes tricurídeos. B. pilosicoli pode ser isolada em um ágar seletivo que contém espectinomicina, em
condições anaeróbias. Testes bioquímicos, e preferencialmente PCR, devem ser realizados com cepas de Brachyspira para confirmar a identificação da espécie.
TRATAMENTO E CONTROLE: Tratamento e prevenção de espiroquetose intestinal são semelhantes aqueles da disenteria suína. Antimicrobianos como tiamulina, lincomicina e carbadox são efetivos. Não se sabe se o microrganismo pode ser
erradicado sem uma despovoação total, como se faz na disenteria suína, mas devido aos hospedeiros reservatórios e à sobrevivência da espiroqueta no ambiente, há dúvida quanto a isso.
ESTENOSE RETAL
Nos suínos em crescimento, a estenose retal é sequela de prolapso retal gravemente lesionado (p. 183) ou de infecção que prejudica o suprimento sanguíneo ao reto. No primeiro caso a ocorrência é esporádica; no último pode ser epidêmica.
Uma das causas é infecção por Salmonella Typhimurium (p. 346), que provoca proctite ulcerativa cuja cicatrização não restabelece a função normal. A estenose resulta, notadamente, de fibrose do tecido retal devido à isquemia
persistente causada pela infecção em local de suprimento sanguíneo limitado.
ACHADOS CLÍNICOS: Geralmente, observam–se vários suínos com timpanismo, em vários estágios de emaciação, em um grupo de animais em crescimento. Outros sinais clínicos, inclusive surtos prévios de diarreia debilitante grave, são
comuns, mas nem sempre descritos. Raramente se consegue introduzir o dedo indicador no interior do reto sem uma resistência considerável.
Lesões: Na necropsia, o cólon se apresenta visivelmente distendido e o intestino preenchido com gás e fezes esverdeadas. A lesão predominante é o estreitamento do canal retal devido a úlceras fibrosadas anulares ou estenoses retais,
localizadas 2 a 5 cm cranialmente ao ânus.
DIAGNÓSTICO: Uma epidemia de estenose retal, sem prolapso retal anterior, indica infecção por S. Typhimurium. Na coprocultura e na cultura de linfonodos regionais geralmente isolase S. Typhimurium. No entanto, não é possível
determinar se ocorreu primeiro a lesão ou a infecção.
TRATAMENTO E CONTROLE: Diagnóstico e tratamento precoces de diarreia são imperativos para o controle. Abrigo, manejo e boa higiene, com manejo de suínos no esquema “todos dentro ou todos fora”, são os melhores procedimentos
para evitar surtos adicionais. Não se acredita que a cirurgia seja economicamente viável.
GASTRENTERITE TRANSMISSÍVEL
A GET é uma doença viral comum de intestino delgado, que causa vômito e diarreia profusa em suínos de todas as idades.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: O coronavírus causador infecta e destrói células epiteliais das vilosidades de jejuno e íleo, o que resulta em grave atrofia destas vilosidades, má absorção, diarreia osmótica e desidratação. O período de
incubação é cerca de 18 h. A infecção se dissemina rapidamente por meio de aerossóis ou de exposição por contato. Epidemias graves são mais comuns durante o inverno devido à sobrevivência do vírus em temperatura mais baixa.
ACHADOS CLÍNICOS: Em rebanhos não imunes, geralmente vômito é o sintoma inicial, seguido de diarreia aquosa abundante, desidratação e sede excessiva. As fezes dos leitões lactentes frequentemente contêm coágulos de leite não
digerido. A taxa de mortalidade é cerca de 100%, em leitões com < 1 semana de idade; aqueles com > 1 mês raramente morrem. Porcas gestantes ocasionalmente abortam e porcas lactantes frequentemente manifestam vômito, diarreia e
agalaxia. Em leitões lactentes sobreviventes a diarreia persiste por cerca de cinco dias; suínos mais velhos podem apresentar diarreia por um período mais curto.
Em grandes rebanhos com GET endêmica os sinais clínicos são variáveis, dependendo do grau de imunidade e da magnitude da exposição. A imunidade propiciada por anticorpos do colostro da porca, em geral, é suficiente para proteger
os leitões até que tenham 4 a 5 dias de idade. À medida que o teor de anticorpos do leite diminui pode ocorrer infecção e doença discreta. Dependendo do grau de imunidade e de exposição, a diarreia pode ser discreta em algumas
leitegadas, mas pode ser grave em outras. Se a proteção passiva é suficiente para proteger os suínos por todo o período de aleitamento, geralmente ocorre diarreia nos primeiros dias após o desmame.
Lesões: Os leitões que morrem em decorrência de GET apresentam desidratação grave e a pele fica manchada com fezes líquidas. Em geral, o estômago contém coágulos de leite, mas pode estar vazio. O intestino delgado apresenta parede
fina e todo o intestino contém um fluido aquoso esverdeado ou amarelado e grumos de leite não digerido. Os suínos mais velhos apresentam lesões pouco evidentes, exceto o cólon com fezes líquidas, em vez de fezes normais. Podese
notar atrofia de vilosidades no exame da mucosa do intestino delgado com auxílio de lupa.
DIAGNÓSTICO: Os sinais clínicos da forma epidêmica de GET geralmente permitem um diagnóstico presuntivo. Na forma endêmica branda são necessários testes laboratoriais. Exame histológico e teste de imunofluorescência do intestino
delgado, para demonstrar as lesões típicas e a presença de antígenos virais da GET, permitem a confirmação do diagnóstico. Em alguns surtos, a encefalomielite hemaglutinante (p. 804) pode causar sintomas semelhantes.
TRATAMENTO E CONTROLE: Não há tratamento específico. Aumento da temperatura da sala de parição para minimizar a perda de calor corporal e o fornecimento de solução com eletrólitos para controlar a desidratação são procedimentos
úteis. Há relato de que a administração de imunoglobulina suína é benéfica. O desmame dos leitões lactentes mais velhos, que já estão consumindo alimentos pode reduzir a taxa de mortalidade.
A imunidade protetora depende da presença de anticorpos no intestino delgado. A proteção passiva de leitões é propiciada pela amamentação contínua em porcas imunes. Depois da infecção da mucosa intestinal pelo vírus patogênico da
GET desenvolvese imunidade protetora ativa. A infecção intestinal ativa pelo vírus patogênico induz imunidade protetora por 6 a 18 meses, devido à resposta da IgA secretora. A vacinação das porcas naturalmente imunes reforça a
imunidade o suficiente para proteger os neonatos, sendo particularmente útil em rebanhos onde a infecção é endêmica. A vacinação de rebanhos de suínos livres de GET pode não ser economicamente vantajosa, pois a vacina não induz
imunidade completa.
A infecção planejada de porcas prenhes em rebanhos sabidamente infectados por vírus patogênicos, pelo menos 2 a 4 semanas antes do parto, geralmente propicia imunidade adequada. Isso pode ser obtido pela mistura de fezes e de
intestino infectado com o vírus da GET triturada com a ração de porcas prenhes. Devido aos riscos óbvios associados a esse procedimento, este deve ser realizado apenas se parece inevitável uma epidemia futura em áreas de parição. O
material infectado deve ser utilizado apenas no mesmo rebanho do qual foi coletado e os tecidos devem ser livres de outros patógenos de suínos, se possível. O vírus da GET pode ser eliminado dos rebanhos sem necessidade de
despovoamento total, aumentando a imunidade por meio de infecção planejada do lote de porcas, de esquema de manejo “todos dentro todos fora” nas baias de parição, aleitamento e crescimento e de boa higiene.
Em razão de o vírus da GET ser facilmente disseminado às pessoas, animais e fômites durante uma epidemia, devem ser tomados cuidados especiais para evitar a disseminação em grupos de porcos não expostos e em rebanhos vizinhos.
PARASITISMO
Ver p. 375 e p. 213.
O Ascaris suum é o nematódeo intestinal mais comum em suínos. Os adultos, no intestino, reduzem a eficiência alimentar e as infecções intensas causam emaciação. A migração das larvas provoca inflamação de fígado e pulmões.
Cryptosporidium sp é um coccídio que se fixa no epitélio da mucosa intestinal de suínos com = 10 dias de idade. Causa atrofia de vilosidades do intestino delgado inferior. Pode ocorrer má absorção e diarreia.
Eimeria spp é comum em suínos, mas raramente ocasiona uma doença evidente. Infecções maciças podem causar importante enterocolite em suínos jovens em crescimento.
Hyostrongylus rubidus é um verme de estômago comumente encontrado em suínos criados em pastagem. Geralmente causa poucas lesões.
Isospora suis é uma causa comum e importante de coccidiose em suínos com 6 dias a 3 semanas de idade. A infecção provoca necrose e atrofia de vilosidades de íleo e jejuno. Uma infecção bacteriana secundária da mucosa intestinal
lesionada é comum. A taxa de mortalidade é, com frequência, 20 a 25%; muitos suínos tornamse raquíticos. O diagnóstico pode se basear na constatação de coccídios imaturos na mucosa intestinal, em esfregaço direto da mucosa corado
pelo Giemsa ou no exame histológico do intestino acometido. Uma prevenção bemsucedida, na maioria das vezes, depende de limpeza completa das instalações de parição, com intuito de minimizar o número de oocistos. Após a limpeza,
é útil a desinfecção completa com solução alvejante 50%. Às vezes, são administrados, por via oral, coccidiostáticos às porcas duas semanas antes do parto ou aos suínos, desde o nascimento até 3 semanas de idade.
Os vermes adultos nodulares de Oesophagostomum spp no intestino grosso causam poucos danos, mas uma infecção maciça por larvas encistadas, na parede intestinal, pode ocasionar emaciação.
As larvas de Strongyloides ransomi (verme intestinal filiforme) podem ser transmitidas pelo colostro ou adquiridas a partir da pele contaminada da mãe. Os leitões altamente infectados desenvolvem diarreia grave aos 10 a 14 dias de
idade, com alta taxa de mortalidade. O diagnóstico é baseado na constatação microscópica direta de esfregaços da mucosa.
Trichuris suis (verme em forma de chicote) penetra na mucosa do ceco e do cólon e causa inflamação multifocal. As infecções maciças ocasionam diarreia e emaciação. As fezes ficam hemorrágicas; portanto, tricuríase grave pode ser
confundida, clinicamente, com disenteria suína ou enterite proliferativa. O diagnóstico baseiase na constatação direta dos vermes no intestino grosso ou em exame de flotação das fezes.
SALMONELOSE INTESTINAL
As salmonelas enteropatogênicas causam inflamação e necrose nos intestinos delgado e grosso, resultando em diarreia que pode ser acompanhada de sepse generalizada. Animais de todas as idades são suscetíveis, mas a doença é mais
comum em suínos desmamados e em fase de crescimentoterminação.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Salmonella choleraesuis Kuzendorf (S. choleraesuis) é uma das espécies de Salmonella que mais comumente infecta os suínos. Às vezes, provoca enterocolite necrosante, mas uma doença septicêmica
caracterizada por hepatite, pneumonia e vasculite cerebral é bem mais comum. A infecção intestinal por S. Typhisuis resulta em inflamação necrosante não supurativa da mucosa e da submucosa do íleo, ceco e cólon; frequentemente, a
mucosa apresenta úlcera. Em geral, estendese para os linfonodos regionais e, ocasionalmente, ocorre sepse generalizada. As fontes de infecção de S. choleraesuis e S. Typhisuis são principalmente os suínos portadores assintomáticos, mas
também pode incluir roedores, alimentos e propriedades contaminadas (ver p. 203).
Vários outros sorotipos de salmonela são observados em suínos, alguns dos quais foram associados à intoxicação alimentar em pessoas. Os sorotipos comumente encontrados em suínos são S. Typhimurium, S. heidelberg, S. worthington
e S. infantis. Esses sorotipos podem causar diarreia discreta à moderada em suínos e podem ser resistentes a diversos antimicrobianos.
ACHADOS CLÍNICOS: Os suínos lactentes podem desenvolver diarreia, mas geralmente sucumbem à sepse generalizada. Suínos recémdesmamados ou em fase de crescimentoterminação manifestam febre e apresentam fezes líquidas, que
podem ser amarelas e conter estrias de restos de tecidos necrosados.
Lesões: Os suínos infectados por S. choleraesuis exibem íleo e cólon inflamados e ligeiramente espessados, geralmente com áreas de necrose na superfície da mucosa. Os linfonodos mesentéricos ficam aumentados, edematosos e, às vezes,
eritematosos. Pode ou não ser evidente úlcera na mucosa. Nos casos agudos, podese observar hemorragia de pequena extensão. Ocasionalmente, é possível notar estenose de reto (p. 343). Outras salmonelas enteropatogênicas, exceto S.
Typhisuis, causam lesões semelhantes, porém menos graves do que aquelas de S. choleraesuis. Na enterite por S. Typhisuis as lesões são úlceras distintas, tipicamente amarelas e redondas (em botão) no cólon, ceco e, menos comumente,
íleo.
DIAGNÓSTICO: As culturas de fezes ou da mucosa intestinal em um meio seletivo podem mostrar o microrganismo. No entanto, com frequência (e mais confiavelmente) as salmonelas são isoladas de linfonodos mesentéricos aumentados por
meio de semeadura direta em meio seletivo, como ágar verdebrilhante, ou inoculação em meios enriquecidos. O exame histológico do intestino e do fígado acometidos para diferenciação de salmonelose de enterite proliferativa e disenteria
suína é um procedimento auxiliar valioso.
TRATAMENTO E CONTROLE: Vacinas vivas atenuadas administradas por via intranasal ou na água são bastante efetivas na prevenção da doença causada por S. choleraesuis. As vacinas atenuadas também podem ser efetivas na redução da
população de salmonelas nos tecidos de suínos abatidos. A administração parenteral de antibióticos em suínos com doença aguda e a medicação do grupo acometido por meio da água ou do alimento podem diminuir a gravidade do surto.
Neomicina e lincomicinaespectinomicina são os antimicrobianos mais utilizados na água. Carbodox, nos alimentos, geralmente é empregado como preventivo. O antibiograma de um microrganismo isolado é útil na seleção de um
antibiótico apropriado. Limpeza e desinfecção completas das instalações contaminadas e eliminação da fonte da bactéria diminuem a probabilidade de repetidas epidemias.
SÍNDROME DO INTESTINO HEMORRÁGICO (Torção mesentérica do intestino delgado)
A síndrome do intestino hemorrágico acomete rapidamente suínos em crescimento, com 4 a 6 meses de idade. Os animais morrem subitamente, sem evidência de diarreia, mas à necropsia o intestino delgado apresenta parede delgada,
preenchido com sangue coagulado e fresco. O intestino grosso geralmente contém material fecal escuro, porém sem lesão sugestiva de disenteria suína, salmonelose, enterite proliferativa ou espiroquetose intestinal. A doença pode ser
prevenida pela administração de bacitracina ou clortetraciclina junto com alimento. Durante a necropsia, devese palpar a base mesentérica antes da abertura do abdome. Na forma hiperaguda de enterite proliferativa é possível notar lesões
macroscópicas, e quadro clínico, semelhante; no entanto, o exame histológico e a cultura do intestino indicam se há ou não proliferação epitelial e Lawsonia intracellularis.
Acreditase que na maioria dos casos a causa seja vólvulo intestinal. Fatores predisponentes podem incluir exercício intenso, manipulação, brigas, aglomeração ou alimentação irregular. Suínos com quadril largo podem ser mais
predispostos à torção mesentérica do que suínos menores. A rotação completa do intestino, incluindo a parte posterior do duodeno e a parte anterior do reto ao redor da base do mesentério, obstrui o fluxo de sangue venoso, causando
acúmulo de sangue no intestino, e consequente infarto. A rotação pode ser apenas parcial e difícil de ser notada durante a necropsia, o que torna o diagnóstico um desafio maior.
OUTRAS VIROSES INTESTINAIS EM SUÍNOS
Outros vírus foram isolados do intestino de suínos, mas parecem não causar doenças economicamente importantes. Isto inclui adenovírus e enterovírus.
INFECÇÕES POR TREMATÓDEOS EM RUMINANTES
DICROCOELIUM DENDRITICUM (Fascíolalanceta, Fascíola hepática menor)
Dicrocoelium dendriticum é mais delgado; tem 6 a 10 mm de comprimento e 1,5 a 2,5 mm de largura. É encontrado em muitos países e infecta ampla variedade de hospedeiros finais, inclusive ruminantes domésticos. Outra espécie, D.
hospes, é comum na África.
O primeiro hospedeiro intermediário é um caracol terrestre (Cionella lubrica, nos EUA), do qual as cercárias emergem e são agregadas em uma massa de muco pegajoso (bola de muco). As cercárias são ingeridas pelo segundo
hospedeiro intermediário, que é uma formiga (Formica fusca, nos EUA) e se encistam na cavidade abdominal. Uma ou duas metacercárias no gânglio subesofágico da formiga causam um comportamento anormal, no qual as formigas se
prendem nas plantas da pastagem que, por sua vez, aumenta o risco de ingestão pelo hospedeiro final. As fascíolas jovens não migram pelo tecido hepático, mas alcançam os ductos biliares pelo intestino e iniciam ovoposição cerca de 10 a
12 semanas após a infecção.
Parece não induzir imunidade e as infestações intensas podemse acumular (até 50.000 fascíolas em ovino adulto). Desenvolvese cirrose e os ductos biliares podem estar espessados e distendidos. A perda econômica devese,
principalmente, à condenação de fígados. Os sinais clínicos não são óbvios, mas podem ser observados em infecções maciças. Os ovos contêm um miracídio e são muito pequenos (40 × 25 μm), assimétricos e marromamarelados.
O ciclo biológico complexo torna quase que impossível o controle dos hospedeiros intermediários, e o uso disseminado de substâncias químicas tem efeitos ecológicos nocivos em outros organismos semelhantes. Os tratamentos anti
helmínticos efetivos nos bovinos incluem o albendazol a 15 mg/kg, em dose única, ou 2 doses de 7,5 mg/kg em dias seguidos, ou a netobimina a 20 mg/kg.
EURYTREMA SPP (Fascíola pancreática)
Essas fascíolas possuem um corpo espesso e apresentam 8 a 16 mm de comprimento e 6 mm de largura. São parasitos dos ductos pancreáticos e, ocasionalmente, dos ductos biliares dos ovinos, suínos e bovinos no Brasil e na Ásia. Três
espécies são reconhecidas: Eurytrema pancreaticum, E. coelomaticum e E. ovis. Os primeiros hospedeiros intermediários são caracóis terrestres (Bradybaena spp) e as cercárias se encistam em gafanhotos (Conocephalus spp), que
correspondem ao segundo hospedeiro intermediário. Depois de o animal ingerir um gafanhoto, as fascíolas imaturas são liberadas e migram para o ducto pancreático, onde se tornam maduras e produzem ovos em cerca de 7 a 14 semanas.
Não há qualquer sinal clínico evidente. Os ovos semelhantes aqueles de Dicrocoelium podem ser vistos nas fezes. As infecções brandas causam inflamação proliferativa no ducto pancreático, que se torna aumentado de volume e ocluído.
Nas infecções intensas, ocorrem lesões fibróticas, necróticas e degenerativas. Isto resulta em aumento da atividade plasmática de gamaglutamiltransferase e de AST. Descrevemse perdas decorrentes da condenação do pâncreas, mas a
patogênese sugere perda de produção adicional.
Tal como nos casos de Dicrocoelium, o controle dos hospedeiros intermediários pode não ser prático. O tratamento com praziquantel (20 mg/kg, por 2 dias) ou albendazol (7,5 mg/kg para ovinos e 10 mg/kg para bovinos) tem sido
considerado efetivo.
Fasciola hepatica, o trematódeo mais importante nos ruminantes domésticos, é a causa mais comum de fasciolose hepática nas áreas temperadas do mundo. Nos EUA, é endêmica ao longo da costa do Golfo, costa ocidental, região das
Montanhas Rochosas e em outras áreas. Também se encontra presente no leste do Canadá, Colúmbia Britânica e América do Sul e tem uma importância econômica particular nas ilhas britânicas, Europa ocidental e oriental, Austrália e
Nova Zelândia. F. gigantica é economicamente importante na África e na Ásia e também é encontrada no Havaí. F. magna já foi descrito em pelo menos 21 estados norteamericanos e na Europa. Na América do Norte, Dicrocoelium
dendriticum encontrase confinado principalmente nos estados norteamericanos de Nova York, Nova Jérsei e Massachusetts e nas províncias atlânticas do Canadá. Também é encontrado em algumas áreas da Europa e Ásia. Eurytrema spp,
trematódeo pancreático, parasito os ovinos, suínos e bovinos no Brasil e em partes da Ásia. Várias espécies de paranfístomos ou fascíolas ruminais são encontrados em várias partes do mundo.
FASCIOLA HEPATICA (Fascíola hepática comum)
ETIOLOGIA: F. hepatica (30 × 2 a 12 mm e com forma de folha) é cosmopolita e possui uma ampla variação de hospedeiros, inclusive as pessoas. As infecções economicamente importantes ocorrem em bovinos e ovinos de três formas:
crônica, raramente fatal nos bovinos, mas frequentemente fatal nos ovinos; subaguda ou aguda, que aparecem principalmente nos ovinos e são frequentemente fatais; e em conjunto com a “doença negra” (hepatite necrótica infecciosa, p.
258), mais comum nos ovinos e comumente fatal.
Os ovos eliminados nas fezes se desenvolvem em miracídios em cerca de 2 a 4 semanas, dependendo da temperatura, e eclodem na água. Os miracídios infectam os caramujos limneídeos, nos quais se dão o desenvolvimento e a
multiplicação por estágios de esporocistos, rédias (às vezes, rédias–filhas) e cercárias. Após cerca de 2 meses (ou mais, se as temperaturas são baixas), as cercárias emergem dos caramujos e se encistam na vegetação aquática. Os caramujos
podem estender esse período por hibernarem durante o inverno. As cercárias encistadas (metacercárias) podem permanecer viáveis por muitos meses, a menos que se ressequem.
Fasciola hepatica, adulto, coloração de Corazza. Cortesia do Dr. Raffaele Roncalli.
Após a ingestão pelo hospedeiro, em geral junto com a pastagem, as fascíolas jovens são liberadas no duodeno, penetram na parede intestinal e entram na cavidade peritoneal, por onde percorrem até atingirem o fígado. O tempo
necessário para este trânsito pode variar e resulta em atraso nas taxas de desenvolvimento e na eficácia de alguns tratamentos que afetam as fascíolas apenas tardiamente no seu desenvolvimento. As fascíolas jovens penetram na cápsula
hepática e se movem pelo parênquima por várias semanas, crescendo e destruindo tecidos. Entram nos ductos biliares geralmente em 6 a 8 semanas após ingestão, atingem a maturidade e começam a produzir ovos. O período prépatente é
comumente de 2 a 3 meses, dependendo da carga parasitária. As fascíolas adultas podem viver nos ductos biliares dos ovinos por anos; a maior parte delas é eliminada pelos bovinos dentro de 5 a 6 meses. Têmse descrito infecções pré
natais em bovinos.
ACHADOS CLÍNICOS: A fasciolose varia, em gravidade, de doença devastadora, nos ovinos, a uma infecção assintomática, nos bovinos. O seu curso é determinado pelo número de metacercárias ingeridas em um curto período. Nos ovinos, a
fasciolose aguda ocorre sazonalmente e se manifesta por dor e distensão abdominais, anemia e morte súbita. As mortes ocorrem dentro de 6 semanas pósinfecção. A síndrome aguda deve ser diferenciada da “doença negra”. Na doença
subaguda, a sobrevivência é maior (7 a 10 semanas), mesmo nos casos com lesões hepáticos significativos, mas as mortes se dão por hemorragia e anemia. A fasciolose crônica é observada em todas as estações; os sinais podem englobar
anemia, definhamento, edema submandibular e redução na secreção láctea, mas mesmo os bovinos fortemente infectados podem não mostrar sinais, embora a imunidade a outros patógenos (p. ex., Salmonella spp) possa estar reduzida e as
reações a um teste intradérmico único para tuberculose modificada. A infecção crônica intensa é fatal nos ovinos.
Os ovinos parecem não desenvolver resistência à infecção e as lesões hepáticas crônicas tornamse cumulativas, em vários anos. Nos bovinos, há evidências de redução na suscetibilidade após fibrose dos tecidos hepáticos e calcificação
dos ductos biliares.
Lesões: As fascíolas errantes e imaturas destroem o tecido hepático e causam hemorragia. Na fasciolose aguda, as lesões são extensas; o fígado aumenta de volume e tornase friável, com depósitos de fibrina na cápsula. Podem–se observar
tratos migratórios e a superfície apresenta uma aparência irregular. Nos casos crônicos, desenvolvese cirrose. As fascíolas adultas danificam os ductos biliares, que aumentam de volume, ou se tornam císticos e apresentam paredes
fibrosadas e espessadas. Nos bovinos, as paredes dos ductos tornamse muito espessadas e, com frequência, se calcificam. As fascíolas podem ser encontradas em locais aberrantes, como por exemplo, pulmões. Nos bovinos, podem ocorrer
infecções mistas com Fasciola magna.
A destruição tecidual pelas fascíolas errantes pode criar um microambiente favorável para a ativação de esporos de clostrídios.
DIAGNÓSTICO: Os ovos marromdourados, operculados e ovais, com 130 a 150 × 65 a 90 μm, devem ser distinguidos daqueles dos paranfístomos (fascíolas ruminais), que são maiores e claros. Os ovos de F. hepatica não podem ser
demonstrados nas fezes durante uma fasciolose aguda. Nos bovinos, em uma doença subaguda ou crônica, o número de ovos varia de 1 dia para o outro e podem ser necessários exames de fezes repetidos. O diagnóstico pode ser auxiliado
por um teste ELISA (no mercado disponível na Europa) que permite o diagnóstico cerca de 2 a 3 semanas após infecção e bem antes do período prépatente. A atividade plasmática de gamaglutamiltransferase, que aumenta quando há lesão
de ductos biliares, também é útil durante o período de maturação tardia, quando as fascíolas estão nos ductos biliares. Na necropsia, a natureza da lesão hepática tem valor diagnóstico. As fascíolas adultas são facilmente observadas nos
ductos biliares e os estágios imaturos podem ser apertados ou espremidos a partir da superfície de corte.
CONTROLE: As medidas de controle de F. hepatica devem envolver, de modo ideal, eliminação das fascíolas nos animais infectados, redução na população de caramujoshospedeiros intermediários e impedimento de acesso dos animais de
produção a pastagens infestadas por caramujos. Na prática, apenas o primeiro desses métodos é utilizado, na maioria dos casos. Embora se possam empregar moluscicidas para reduzir as populações de caramujos limneídeos, todos os
agentes desse tipo disponíveis possuem desvantagens que restringem o seu uso. O sulfato de cobre, se aplicado antes da população de caramujos se multiplicar, todos os anos, é efetivo, mas é tóxico para os ovinos, que devem ser mantidos
fora da pastagem tratada por 6 semanas após a aplicação. Outros produtos químicos geralmente são muito caros e possuem efeitos ecologicamente indesejáveis. Impedir o acesso dos animais à pastagem infestada por caramujos muitas
vezes é impraticável, devido à extensão das áreas envolvidas e ao consequente gasto com a construção de uma cerca adequada.
Há várias drogas disponíveis para tratar ruminantes infectados, inclusive triclabendazol, clorsulona (apenas para bovinos e ovinos), albendazol, netobimina, closantel, rafoxanida e oxiclozanida. Nem todas essas drogas são aprovadas em
alguns países (p. ex., nos EUA, só são aprovados a clorsulona e o albendazol) e a maioria delas requer longo período de carência antes do abate, se utilizadas em animais destinados à produção de carne, e antes do consumo do leite, de
animais pecuários, por pessoas. A época do tratamento também é importante, de maneira que a farmacocinética da droga utilizada possa ser aplicada para resultar na remoção ideal das fascíolas – cada fasciolicida tem eficácia variável
contra as diferentes idades das fascíolas. Tradicionalmente, alguns tratamentos são determinados por fatores epidemiológicos locais e os tratamentos adicionais, por condições incomumente adequadas para a multiplicação de parasitos. Por
exemplo, nos estados americanos da Costa do Golfo, os bovinos devem ser tratados antes da estação chuvosa do outono e, novamente, no final da primavera. No noroeste dos EUA e no norte da Europa, eles devem ser tratados no final da
estação de pastejo e, se não confinados, novamente no final de janeiro ou em fevereiro. Nos países europeus com grandes populações ovinas suscetíveis, usamse sistemas computadorizados de previsão de pluviosidade e temperatura para
determinar a prevalência provável de infecções por F. hepatica. Nas áreas onde se esperam infecções intensas, os ovinos podem exigir um tratamento em setembro ou outubro, em janeiro ou fevereiro e, novamente, em abril ou maio, para
reduzir as chances de infecções agudas ou crônicas e eliminar ovos de fascíolas para o desenvolvimento de doença futura.
FASCIOLA GIGANTICA (Fascíola hepática gigante)
Fasciola gigantica possui forma semelhante a de F. hepatica, mas é maior (75 mm), com região anterior menos definida, possuindo 12 mm de largura. É encontrada em climas mais quentes (Ásia e África), nos bovinos e búfalos, nos quais
tornase responsável por uma fasciolose crônica, e nos ovinos, nos quais a doença costuma ser aguda e fatal. O ciclo biológico é semelhante ao de F. hepatica, exceto quanto às espécies de caramujos hospedeiros intermediários. A patologia
da infecção, os procedimentos diagnósticos e as medidas de controle são semelhantes aos de F. hepatica (ver texto anterior).
FASCIOLOIDES MAGNA (Grande fascíola hepática americana, Fascíola hepática gigante)
Fascioloides magna tem até 100 mm de comprimento, 2 a 4,5 mm de espessura, 11 a 26 mm de largura, e oval; distinguese de Fasciola spp pela ausência de um cone protraente anterior. Encontrase nos ruminantes domésticos e silvestres;
os veados são os hospedeiros normais. O ciclo biológico lembra aquele de Fasciola spp.
O ciclo biológico não se completa nos bovinos. Nesses hospedeiros, a patogenicidade é baixa e as perdas se restringem principalmente às condenações do fígado. Em ovinos e caprinos, poucos parasitos podem causar morte devido à
extensa migração de fascíolas no parênquima hepático. Nos veados, ocorre uma pequena reação tecidual e os parasitos ficam envolvidos por cistos fibrosos e delgados, que se comunicam com os ductos biliares. Nos bovinos, Fascioloides
magna causa reação tecidual intensa, resultando em encapsulamentos de parede espessa que não se comunicam com os ductos biliares. Nos ovinos, não se desenvolvem encapsulamentos, e os parasitos migram no fígado e outros órgãos,
causando lesões enormes. Histologicamente, os fígados infectados dos bovinos, dos ovinos e dos veados exibem tratos escuros e tortuosos formados pelas migrações das fascíolas jovens.
Embora os ovos de Fascioloides magna lembrem aqueles de Fasciola hepatica, isso tem uma utilidade limitada; os seus ovos, geralmente, não são eliminados por bovinos e ovinos. Tornamse necessárias a recuperação dos parasitos em
necropsias, bem como a diferenciação entre Fasciola hepatica e Fasciola gigantica, para o diagnóstico definitivo. Quando ruminantes domésticos e veados compartilham a mesma pastagem, devese pensar na presença de doença provocada
por Fascioloides magna. Nos bovinos, ocorrem infecções mistas por Fasciola hepatica.
Relatase que a oxiclozanida é efetiva contra Fascioloides magna de veado de cauda branca e que a rafoxanida é utilizada, com sucesso, no tratamento de infecções naturais em bovinos. Albendazol (7,5 mg/kg), clorsulona (15 mg/kg) e
closantel (15 mg/kg) têmse mostrado eficazes contra essa fascíola em ovinos. Atualmente, nenhum produto é aprovado para o tratamento desta parasitose nos EUA. Os veados são necessários para completar o ciclo biológico; se eles são
excluídos das áreas de pastagem de bovinos e ovinos, o controle pode ser efetivo. O controle do hospedeiro intermediário (caramujos limneídeos) pode ser possível quando é identificado em uma região e a natureza do
seu habitat investigada.
PARANFÍSTOMOS (Anfístomos, Fascíolas ruminais, Fascíolas cônicas)
Há várias espécies de paranfístomos (Paramphistomum, Calicophoron e Cotylophoron) em ruminantes, no mundo todo. Os parasitos adultos são piriformes, de cor rosa ou vermelha, têm até 15 mm de comprimento e se prendem ao
revestimento ruminal. As formas imaturas são encontradas no duodeno e apresentam 1 a 3 mm de comprimento.
Os ovos são eliminados nas fezes, os miracídios são liberados na água e infectam os caramujos planorbídeos ou bulinídeos. O desenvolvimento no caramujo é semelhante aos casos de Fasciola hepatica, eliminando as cercárias que se
encistam na pastagem. No ruminante hospedeiro, as fascíolas jovens se soltam e permanecem no intestino delgado por 3 a 5 semanas antes de migrar através do retículo, até o rúmen. Os ovos são eliminados 7 a 14 semanas após a infecção.
As fascíolas adultas não causam uma doença clara e podem ser encontradas em grande número. As fascíolas imaturas se aderem à mucosa duodenal e, às vezes, à mucosa do íleo, por meio de uma grande ventosa posterior, provocando
grave enterite, possivelmente com necrose e hemorragia. Os animais acometidos exibem anorexia, polidipsia, definhamento e diarreia grave. Pode haver mortalidade extensa, especialmente entre bovinos e ovinos jovens. Os animais mais
velhos podem desenvolver resistência à reinfecção, mas podem continuar a abrigar várias fascíolas adultas.
Paramphistomum cervi. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.
Os ovos operculados, claros e grandes são facilmente reconhecidos, mas, na paranfistomose aguda, pode não há ovos nas fezes. A ocorrência conhecida na área e um exame das fezes amolecidas podem revelar fascíolas imaturas, com
várias delas sendo eliminadas nesses casos. O diagnóstico é, comumente, feito por necropsia.
As medidas de controle para reduzir a população de caramujos hospedeiros são as mesmas do controle da fasciolose (p. 348). Os tratamentos com sucesso relatados (eficácia > 90%) incluem oxiclozanida (2 doses com 3 dias de intervalo)
e a combinação de bitional e levamisol.
NECROSE DE GORDURA ABDOMINAL (LIPOMATOSE)
Massas endurecidas de gordura necrosada são relativamente comuns na cavidade peritoneal de bovinos adultos, especialmente das raças Channel Island e Japanese Black e em bovinos de corte que se alimentam com gramínea Festuca por
longo período. A doença pode também ser observada em caprinos e em algumas espécies de cervídeos mantidos em pastagens que contêm, principalmente, Festuca. As massas são comumente confundidas com um feto em
desenvolvimento, durante a palpação retal, pois são sentidas como “rolhas flutuantes” semelhantes a cotilédones. As massas de gordura necrótica geralmente não causam sinais clínicos, mas, em casos avançados, podem ocasionar obstrução
extraluminal que resulta em episódios de dor abdominal moderada, distensão do intestino próximo à gordura e eliminação de pequena quantidade de fezes.
A composição dos depósitos, nos bovinos com necrose da gordura, é idêntica à gordura de vacas normais. O depósito de gordura anormal fica confinado à gordura abdominal e condiz com o conceito atual de que a gordura abdominal é
controlada de forma diferente dos depósitos de gordura de outros lugares do corpo. A necrose de gordura foi denominada, historicamente, de lipomatose, mas este termo atualmente é considerado impróprio, pois as massas não são
neoplásicas ou hiperplásicas.
A etiologia é desconhecida, mas uma causa proposta seria o consumo de alimentos contendo altas concentrações de ácidos graxos saturados, de cadeia longa. A necrose gordurosa é mais comumente observada em bovinos de corte = 2
anos, depois de um período prolongado de pastejo em áreas de capim Festuca infectado pelo endófito Neotyphodium (Acremonium) coenophialum (ver Intoxicação por Capim Festuca, p. 3076); a necrose gordurosa está associada a taxas de
infecção por endófitos de 65% ou mais. A enfermidade é verificada por todo o sudeste dos EUA, onde o capim Festuca é a principal pastagem.
Massas endurecidas de gordura necrosada formamse no omento, mesentério e gordura perirrenal. As massas podem causar doença clínica quando comprimem o abomaso, intestino delgado, cólon espiral, obstruem o canal do parto ou,
mais raramente, comprimem os ureteres. A palpação retal é útil para diagnóstico e determinação da prevalência em um rebanho bovino. Em bovinos leiteiros mais velhos, casos avançados podem ser detectados por meio de balotamento
abdominal, com detecção de massas grandes e firmes no abdome. A remoção dos bovinos de pastagens de Festuca ou a diminuição do consumo por suplementação de leguminosas ou de outros capins de pastejo podem promovem lenta
redução no tamanho das massas. Isoprotiolona (50 mg/kg, VO, 1 vez/dia, por 8 semanas) é eficaz em diminuir a extensão das lesões em bovinos da raça Japanese Black.
Quanto aos cervídeos acometidos, 90% das fêmeas podem ser afetadas. Os sinais clínicos incluem lento desenvolvimento de anorexia, depressão e uremia associada a grandes massas de gordura abdominal necrótica comprimindo os
ureteres, causando hidroureter e hidronefrose.
Uma segunda forma, bem menos definida, parece estar relacionada com pancreatite. Embora não se associem com uma síndrome clínica, as lesões (massas discretas ou confluentes de tecido adiposo necrosado) estão geralmente
confinadas à gordura peripancreática. Contudo, as lesões podem ser encontradas por todo o abdome.
Uma terceira forma, uma necrose focal da gordura abdominal e retroperitoneal (esteatite ou doença da gordura amarela), é observada mais frequentemente nos ovinos, mas também em suínos, equinos, gatos e outras espécies. Pouca
informação encontra–se disponível sobre a afecção nessas espécies, mas a radiografia ou a ultrassonografia abdominais podem ser úteis em identificar a necrose focal em gatos.
OBSTRUÇÕES INTESTINAIS AGUDAS EM GRANDES ANIMAIS
As obstruções intestinais ocorrem em todas as espécies de grandes animais, sendo mais comuns em equinos. Os bovinos são os ruminantes mais acometidos; o diagnóstico em ovinos e caprinos é raro, com exceção do vólvulo intestinal em
cordeiros. Além das hérnias inguinais, as obstruções intestinais raramente são diagnosticadas em suínos.
As obstruções interrompem o fluxo da ingesta e podem ter origem mecânica ou funcional. As obstruções intestinais mecânicas caracterizamse por serem luminais ou extraluminais. As obstruções extraluminais incluem obstruções
estrangulantes hemorrágicas em animais com vólvulo ou torção do trato GI, ou compressão extraluminal simples em animais com distensão abdominal por massa tecidual, como linfossarcoma ou necrose gordurosa. As obstruções
funcionais não apresentam anormalidade macroscópica e caracterizamse por hipomotilidade generalizada ou íleo adinâmico. Em geral, as obstruções funcionais ocorrem com maior frequência do que as obstruções mecânicas e são
comumente detectadas em equinos após cirurgia abdominal.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Geralmente, não se determina a causa de uma obstrução intestinal funcional. As obstruções funcionais estão associadas à alteração na motilidade intestinal, em geral por fatores alimentares ou de manejo, infecção
parasitária, enterite ou peritonite. As obstruções mecânicas (bloqueio físico da ingesta) decorrem de anormalidades no lúmen intestinal, na parede ou fora do trato GI. As obstruções mecânicas incluem as oclusões congênitas (atresia de
jejuno, cólon, reto e ânus, em bezerros, e atresia anal em ovinos e suínos), que resultam na ausência de defecação desde o nascimento.
Em equinos, as obstruções funcionais transitórias são comuns, bem como as impactações alimentares, que geralmente envolvem a flexura pélvica do cólon esquerdo. Geralmente, infecção ou migração parasitária, anormalidades dentárias
e fatores alimentares ou de manejo estão envolvidos no desenvolvimento de obstrução funcional. As impactações e outras obstruções luminais podem resultar de alimentos grosseiros, redução no consumo de água, enterólitos ou ingestão de
materiais estranhos. Os locais de impactação, além da flexura pélvica, incluem cólon menor, cólon transverso, cólon dorsal direito, ceco e íleo. As outras causas de obstrução intestinal em equinos são vólvulos (torção do eixo mesentérico),
torções (rotação ao longo do eixo longitudinal do intestino), deslocamentos do cólon ascendente (maior) e vólvulo parcial ou total do intestino delgado. Alteração na motilidade e, possivelmente, exercício intenso e rolamento podem ser as
causas iniciais. As éguas reprodutoras podem ser predispostas a vólvulo, torção ou deslocamento de cólon ascendente durante a gestação e imediatamente após o parto. A obstrução ocorre devido ao encarceramento intestinal (geralmente do
intestino delgado) pela herniação no canal inguinal, diafragma, defeitos mesentéricos, umbigo ou forame epiploico; ou se deve a faixas fibrosas (aderências, faixas mesodiverticulares ou bases de lipomas pedunculados). Garanhões e potros
angloárabes desenvolvem hérnias inguinais e escrotais mais comumente do que as outras raças. As hérnias diafragmáticas e os defeitos mesentéricos podem ser congênitos ou ocasionados por traumatismo. Em equinos, as aderências
frequentemente são sequelas de migração parasitária ou de cirurgia abdominal; no entanto, a maioria das aderências é assintomática. Lipomas pedunculados são comuns em equinos idosos. Também, ocorrem intussuscepções ileocecais,
cecocecais, cecocólicas e de intestino delgado. Linfossarcoma e outras neoplasias abdominais, bem como abscessos no abdome, podem causar obstrução intestinal.
Em bovinos, as causas específicas de obstrução intestinal incluem intussuscepção; vólvulos da junção jejunoileal do intestino delgado e na base do mesentério; oclusão luminal devido a coágulo sanguíneo secundário à jejunite
hemorrágica; vólvulo cecocólico e atresia de cólon, reto e ânus. Acreditase que as intussuscepções resultem de movimentos peristálticos irregulares relacionados com a enterite, parasitismo intestinal, distúrbios alimentares e tumores
murais. A alteração na motilidade intestinal por ingestão de substrato facilmente fermentável pode causar vólvulo intestinal. Podem surgir obstruções no intestino delgado devido à presença de várias faixas fibrosas (p. ex., aderências, faixas
paraovarianas, ligamento falciforme, retração do cordão espermático no interior do abdome após castração), espessamento mural (p. ex., adenocarcinoma intestinal), massas extramurais (p. ex., linfossarcoma, necrose gordurosa e abscessos
abdominais), herniação (inguinal ou umbilical) ou jejunite hemorrágica (que resulta em coágulos sanguíneos no lúmen e obstrução). Podemse formar aderências e abscessos abdominais subsequentes à peritonite, injeções intraperitoniais ou
cirurgia abdominal anterior. Temse sugerido que a motilidade diminuída causada por acúmulo de ácidos graxos voláteis, possivelmente relacionadas com rações com alto teor de concentrados ou aumento abrupto na proporção
concentrado:volumoso, é uma causa de vólvulo cecocólico em bovinos. Também, está associada à prenhez avançada e íleo adinâmico decorrente de doenças concomitantes. Atresia de cólon é mais comum em bezerros HolsteinFriesian,
secundária à isquemia intrauterina durante o desenvolvimento do cólon em espiral.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Em equinos, a obstrução intestinal geralmente se manifesta como dor abdominal, denominada cólica (ver cólica, p. 221). Em bovinos, os sinais de dor abdominal incluem batidas da pata no solo,
estiramento, agitação, coices no abdome e, menos comumente, rolamento e vocalização. Os sinais de obstrução intestinal em bovinos geralmente são mais sutis do que nos equinos e normalmente estão relacionados com a distensão de
intestino delgado, tensão no mesentério intestinal (pelo peso do intestino distendido) ou comprometimento vascular. Os sinais de dor são relativamente consistentes, mas, com frequência, são transitórios nas intussuscepções e notados em
alguns casos de vólvulo cecocólico. Os bovinos com vólvulo de intestino delgado na base do mesentério apresentam quadro clínico grave.
Geralmente, os bovinos com obstrução intestinal manifestam anorexia e eliminam poucas fezes ou param de eliminálas e a produção de leite em vacas lactantes diminui subitamente. As fezes eliminadas podem estar recobertas de muco
ou misturadas ou recobertas com sangue. Sangue espesso, cor de framboesa, misturado com fezes escassas, é característico de hemorragia de intestino delgado, particularmente associada à intussuscepção ou jejunite hemorrágica. O sangue
oriundo do cólon ou do reto geralmente é vermelho mais brilhante. Melena é típica de sangramento de abomaso. Bezerros com atresia de cólon são normais ao nascimento, mas apresentam distensão abdominal progressiva e redução do
apetite nos primeiros dias de vida (ver p. 165).
Distensão abdominal, geralmente com “ping” à auscultação e percussão simultâneas no quadrante abdominal direito caudal superior, é notada no vólvulo cecocólico. A dilatação de ceco não provoca distensão abdominal, mas verificase
um “ping” na fossa paralombar dorsal caudal. No vólvulo cecocólico, uma ou mais alças distendidas do intestino delgado são identificadas à palpação retal. A motilidade ruminal geralmente é normal e as alterações metabólicas e
cardiovasculares tendem a ser discretas, exceto no vólvulo cecocólico de longa duração.
Às vezes notase distensão no quadrante abdominal direito inferior, juntamente com distensão de intestino delgado. As alças intestinais distendidas podem ser palpáveis por palpação retal e podese perceber líquido ao balotamento e
auscultação simultâneos do lado direito do abdome. Podemse constatar pequenas áreas de ressonância timpânica à auscultação e percussão simultâneas. Em cerca de 25% dos casos é possível palpar por VR, as intussuscepções e faixas
fibrosas que causam obstrução do intestino delgado. O exame ultrassonográfico do abdome pela fossa paralombar direita ou pelo reto pode ser útil na detecção de distensão de intestino delgado, íleo adinâmico e aumento do líquido
peritoneal. Ocasionalmente, a ultrassonografia pode detectar intussuscepção.
As alterações graves nos parâmetros cardiovasculares, como taquicardia, coloração anormal das membranas mucosas, tempo de preenchimento capilar prolongado e desidratação, estão mais comumente associadas a obstruções
estrangulantes hemorrágicas, como vólvulo na junção jejunoileal do intestino delgado. Vólvulos na junção jejunoileal ou na base do mesentério se caracterizam por início agudo e rápido comprometimento cardiovascular. Isso é diferente
do que ocorre no vólvulo cecocólico ou na intussuscepção em bovinos, que pode durar vários dias.
Os distúrbios metabólicos variam desde alcalose metabólica hipoclorêmica e hipopotassêmica, nas obstruções de intestino delgado e duodeno de longa duração, até acidose metabólica grave, nas obstruções estrangulantes hemorrágicas.
Geralmente, não se constata alteração metabólica em obstruções funcionais leves e obstruções mecânicas iniciais (simples), particularmente se há envolvimento de uma parte relativamente distal do trato intestinal. Podese notar
hipocalcemia, possivelmente devido à diminuição na absorção de cálcio no duodeno.
AS ALTERAÇÕES NO LÍQUIDO PERITONEAL REFLETEM O GRAU DE PERITONITE E PODEM AUXILIAR NO DIAGNÓSTICO, TANTO EM BOVINOS QUANTO EM EQUINOS, EMBORA OS RESULTADOS SEJAM
MAIS VARIÁVEIS NOS BOVINOS. AS OBSTRUÇÕES ESTRANGULANTES HEMORRÁGICAS CARACTERIZAMSE POR AUMENTO NA CONCENTRAÇÃO DE PROTEÍNA TOTAL E DA CONTAGEM DE CÉLULAS
NUCLEADAS NO LÍQUIDO PERITONEAL, POR EXTRAVASAMENTO ATRAVÉS DA PAREDE INTESTINAL. OS NEUTRÓFILOS TORNAMSE DEGENERADOS E OBSERVAMSE BACTÉRIAS GRAMPOSITIVAS E
GRAMNEGATIVAS INTRACELULARES À MEDIDA QUE HÁ PERDA DA INTEGRIDADE DA PAREDE INTESTINAL. UM MATERIAL VEGETAL NO INTERIOR DA CAVIDADE PERITONEAL INDICA RUPTURA
INTESTINAL OU ENTEROCENTESE INCORRETA. A ANÁLISE DO LÍQUIDO PERITONEAL INDICA NORMALIDADE NA MAIORIA DAS OBSTRUÇÕES FUNCIONAIS E MECÂNICAS SIMPLES. QUANDO HÁ
NEOPLASIAS E ESTAS CAUSAM OBSTRUÇÃO EXTRALUMINAL, ÀS VEZES SE IDENTIFICAM CÉLULAS NEOPLÁSICAS NO FLUIDO PERITONEAL.
TRATAMENTO: O tratamento da obstrução intestinal em equinos é discutido em outra parte do texto (ver cólica, a seguir). Nas obstruções intestinais funcionais de bovinos geralmente o tratamento é sintomático e de suporte, após
identificação e eliminação da causa primária (p. ex., hipocalcemia, hipopotassemia, consumo excessivo de grãos) e da permissão de tempo para que retorne à motilidade intestinal normal. No caso de desidratação e desequilíbrios
eletrolíticos, devem ser corrigidos por meio de fluidoterapia apropriada (VO ou IV). As vacas lactantes frequentemente se beneficiam de gel de cloreto de cálcio, administrado por via oral, ou borogliconato de cálcio aplicado por via SC;
havendo cetose secundária, esta deve ser tratada. Eritromicina (10 mg/kg IM, 2 vezes/dia) é o fármaco mais efetivo para aumentar a taxa de esvaziamento do abomaso em bovinos (e possivelmente aumentar a motilidade intestinal), mas não
há estudo que comprove sua eficácia na obstrução intestinal funcional. Procinéticos não devem ser administrados aos bovinos com obstrução mecânica devido ao maior risco de ruptura intestinal proximal à obstrução. O prognóstico da
maioria dos casos de obstrução funcional é favorável, com tratamento de suporte adequado, especialmente se a causa primária é identificada e eliminada.
As obstruções mecânicas quase sempre requerem cirurgia. Devese iniciar terapia antimicrobiana no préoperatório e tratamento de suporte, como fluidos, eletrólitos e cálcio, conforme necessário.
Em equinos que necessitam laparotomia exploratória para correção da obstrução intestinal a taxa de sobrevivência a longo prazo é de 50%. Esta taxa é menor em equinos com obstruções estrangulantes hemorrágicas e lesões no intestino
delgado do que naqueles com obstruções simples, mas uma intervenção cirúrgica precoce pode melhorar o prognóstico.
Em bovinos, 70 a 80% dos animais com vólvulo cecocólico sobrevivem, embora em 10% dos casos ocorre recidiva. Para as vacas com obstrução de intestino delgado, tratável por ressecção e anastomose, 30 a 40% sobrevivem e têm uma
vida produtiva. Para vacas com vólvulo da junção jejunoileal do intestino delgado ou na base do mesentério, cerca de 50% sobrevivem se a correção cirúrgica for realizada poucas horas após a instalação da doença. Menos de 30% dos
bezerros com atresia de cólon sobrevivem até a idade adulta. A correção cirúrgica não é recomendada em bezerros HolsteinFriesian, pois a enfermidade provavelmente é hereditária nesta raça, embora a lesão vascular secundária à palpação
da bolsa amniótica nas primeiras 6 semanas de desenvolvimento embrionário possa, também, ocasionar isquemia intestinal e atresia em bezerros.
PREVENÇÃO: A prevenção de todos, ou mesmo da maioria dos casos de obstrução intestinal, não é possível. No entanto, deve–se corrigir ou evitar alteração abrupta da dieta e do manejo, consumo de água inadequado, infecção parasitária,
anormalidades dentárias e acesso a alimentos grosseiros e nutrientes altamente fermentáveis e materiais estranhos à dieta.
PARASITOS GASTRINTESTINAIS DE EQUINOS
CESTÓIDEOS (Tênias)
Nos equinos, encontramse três espécies de cestóideos: Anoplocephala magna, A. perfoliata e Paranoplocephala mamillana. Apresentam 8 a 25 cm de comprimento (a primeira delas costuma ser a mais longa e a última, a mais curta). A.
magna e P. mamillana geralmente são encontrados no intestino delgado, mas também podem ocorrer no estômago; A. perfoliata é encontrado predominantemente no ceco, mas também pode se estabelecer no intestino delgado. O ciclo
biológico é semelhante ao de Moniezia spp nos ruminantes (p. 368) e envolve ácaros oribatídeos de vida livre como hospedeiros intermediários. O diagnóstico é feito por demonstração dos ovos característicos nas fezes, mas como a
eliminação de proglotes é esporádica, um único exame de fezes pode não ser diagnóstico. Nas infecções leves, não se encontram presentes sinais de doença; nas infecções intensas, podem ocorrer transtornos GI. Têm–se descrito
definhamento e anemia. Úlcera da mucosa é bastante comum na área de fixação de A. perfoliata e foi sugerido como uma causa de intussuscepção. Perfuração intestinal, peritonite e cólica subsequente estão associadas às infecções
por Anoplocephala. Cólica decorrente de distúrbios localizados na região ileocecal é mais provável nos equinos com infecções por cestóideos do que nos não infectados. A cólica por infecções por cestóideos habitualmente recidiva. O local
de fixação destes vermes tornase, com frequência, secundariamente infectado ou absceda. Anoplocephala spp podem ser efetivamente tratados com sais de pirantel; as dosagens habituais (6,6 mg/kg) de pamoato de pirantel são 87%
eficazes, enquanto o dobro da sua dosagem normal é > 93% efetivo. A administração diária de tartarato de pirantel (2,65 mg/kg) elimina Anoplocephala sp. O praziquantel (0,75 a 1,0 mg/kg) é 89 a 100% efetivo na eliminação de A.
perfoliata. O praziquantel (1 mg/kg) parece ser eficaz na eliminação de P. mamillana; os sais de pirantel não o são. Misturas de lactonas macrocíclicas como ivermectina ou moxidectina com praziquantel estão disponíveis e são altamente
efetivas contra A. perfoliata.
Nas propriedades onde os cestóideos são prevalentes, os sinais clínicos de infecções por estes vermes podem ser evitados por sais de pirantel administrados diariamente, durante a estação de pastejo, ou pela administração de um anti
helmíntico oral efetivo, no intervalo de um programa de desverminação. O tratamento dos equinos de acordo com o último programa, imediatamente antes do início e ao final da estação de pastejo, talvez seja mais benéfico.
GASTEROPHILUS SP
Os bernes dos equinos, encontrados no estômago, Gasterophilus sp são as larvas das moscas. As três espécies principais são cosmopolitas e um número pequeno de espécies é encontrado em partes da Europa, África e Ásia. As moscas
adultas não são parasitos e não conseguem se alimentar; elas vivem por um período suficiente para se acasalar e depositar ovos e morrem tão logo os seus nutrientes remanescentes do estágio larval sejam utilizados, geralmente em cerca de
2 semanas. As três espécies importantes podem ser diferenciadas em qualquer estágio do seu desenvolvimento. Os ovos de G. intestinalis (o berne comum) se aderem aos pelos de qualquer parte do corpo, mas especialmente nos membros
torácicos e ombros. As larvas eclodem em cerca de 1 semana quando estimuladas, geralmente por lambedura do animal. Os ovos de G. haemorrhoidalis (o berne nasal ou labial) se prendem aos pelos dos lábios. As larvas emergem em 2 a 3
dias sem estimulação e rastejam para o interior da boca. G. nasalis (o berne da faringe) deposita seus ovos nos pelos da região submaxilar. Eles eclodem em cerca de 1 semana, sem estimulação.
As larvas das três espécies aparentemente permanecem incrustadas na língua ou na mucosa da boca por cerca de 1 mês, depois disso passam para o estômago, onde se prendem nas porções do cárdia ou do piloro e, no caso de G. nasalis,
na mucosa da porção inicial do intestino delgado. Após desenvolvimento de cerca de 8 a 10 meses, elas são eliminadas nas fezes e se transforma em pupas, no solo, por 3 a 5 semanas, de onde os adultos emergem. O efeito patogênico
principal é causado pelas larvas, que se prendem, por meio de ganchos orais, no revestimento gástrico. Isso induz erosões e úlceras no local de aderência e uma reação hiperplásica ao seu redor. No entanto, os estágios orais podem originar
tratos sinusais, nos quais se forma uma secreção mucopurulenta, especialmente ao longo da borda lingual dos dentes malares superiores mais posteriores.
Gasterophilus spp, estômago de equino. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Os bernes causam gastrite discreta, mas é possível encontrar grande número deles sem qualquer sinal clínico. Os primeiros vermes que migram para o interior da boca podem provocar estomatite e dor
durante a alimentação. As moscas adultas podem perturbar os equinos quando depositam seus ovos. O diagnóstico específico da infecção por Gasterophilus é difícil e pode ser feito por constatação das larvas nas fezes à medida que são
eliminadas. Nos EUA, geralmente considerase que ocorre infecção gástrica durante os meses de inverno. O histórico individual dos equinos, o conhecimento do ciclo sazonal local da mosca e a constatação de ovos dos bernes, amarelos a
brancocreme (1 a 2 mm), nos pelos dos equinos são úteis para a confirmação da presença do parasito em determinado rebanho.
TRATAMENTO: Nas áreas de clima temperado, considerase que a maioria dos animais se infectou no final do verão. A ivermectina é efetiva contra os estágios gástrico e oral do parasito e, quando utilizada como parte do programa de
controle parasitário rotineiro, propicia um controle efetivo por toda a estação. Em regiões subtropicais ou tropicais, algumas transmissões podem ocorrer durante o ano. A moxidectina é efetiva nos estágios gástricos. As recomendações
atuais para o controle incluem, no mínimo, 1 tratamento anual, ao final da estação das moscas transmissoras. Em alguns locais onde a estação destes insetos é longa, tratamentos adicionais podem ser necessários. Embora não exista nenhum
método satisfatório para proteger os equinos expostos do ataque das moscas adultas, os programas de controle do parasito, quando aplicados com base regional para todos os equinos, reduzem acentuadamente o número de moscas e de
infecções larvais.
GRANDES ESTRÔNGILOS
Os grandes estrôngilos de equinos também são conhecidos como vermes sanguíneos, vermes em paliçada, escleróstomos ou vermes vermelhos. As 3 espécies principais são: Strongylus vulgaris (até 25 mm), S. edentatus (até 40 mm) e S.
equinus (até 50 mm). (Ver Triodontophorus spp, a seguir.) Sob condições favoráveis, as larvas se desenvolvem até o estágio infectante dentro de 1 a 2 semanas após eliminação dos ovos. A infecção ocorre por ingestão de larvas infectantes,
que se desembainham no intestino e migram extensivamente antes de alcançar a maturidade no intestino grosso. O período prépatente é de 6 a 11 meses. As larvas de S. vulgaris migram extensamente para a artéria mesentérica cranial e os
seus ramos, onde podem causar trombose e arterite parasitárias. As larvas das outras duas espécies podem ser encontradas em várias partes do corpo, inclusive fígado, tecidos perirrenais, tecidos retroperitoniais e pâncreas. Essas espécies
não provocam lesões nas artérias mesentéricas. As infecções mistas de grandes e pequenos estrôngilos são a regra.
ACHADOS CLÍNICOS: Os grandes estrôngilos adultos possuem cápsulas bucais amplas e são ativos consumidores de sangue; eles ingerem fragmentos da mucosa à medida que se movimentam no intestino. A perda sanguínea associada pode
levar à anemia. Também são comuns fraqueza, emaciação e diarreia. S. vulgaris é importante devido aas lesões que provoca na artéria mesentérica cranial e nos seus ramos. Como resultado da interferência no fluxo sanguíneo para o
intestino e tromboembolia, podese seguir qualquer uma de várias afecções, inclusive cólica, enterite gangrenosa ou estase intestinal, torção ou intussuscepção e, possivelmente, ruptura. A nematodíase cerebroespinal (p. 1399) pode causar
várias lesões e sinais, dependendo da parte afetada do SNC.
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO: O diagnóstico de infecção mista por estrôngilos baseiase na demonstração dos ovos nas fezes. O diagnóstico específico pode ser feito pela identificação das larvas infectantes após cultura de fezes. O
diagnóstico sorológico com base na elevação das βglobulinas é recomendado, mas não é específico para S. vulgaris. Têmse mostrado lesões arteriais parasitárias utilizando arteriografia, em pôneis e equinos pequenos.
A cólica decorrente de lesões arteriais tem sido controlada, com sucesso, com tratamentos antihelmínticos. Ivermectina e moxidectina, em dosagem padrão, são efetivas contra os estágios larvais (L4 e L5) de S. vulgaris; o fembendazol e
o oxfendazol, em dosagens mais altas que as empregadas contra o parasito adulto, também são efetivos contra as infecções larvais. A administração diária de tartarato de pirantel é eficaz na prevenção do estabelecimento dos estágios
arteriais de S. vulgaris. Vários antihelmínticos, inclusive benzimidazóis, pirantel e ivermectina, são ativos contra grandes estrôngilos adultos. Infecções por grandes estrôngilos foram eliminadas de rebanhos fechados com tratamento à base
de ivermectina.
Os programas de controle parasitário são designados a minimizar o teor de contaminação da pastagem e reduzir os riscos associados às larvas migratórias. Os tratamentos antihelmínticos de rotina agem evitando a excreção fecal de ovos
de estrôngilos (ver pequenos estrôngilos, a seguir).
HABRONEMA SP
Os vermes gástricos Habronema muscae, H. microstoma e Draschia megastoma são amplamente distribuídos. Os adultos têm de 6 a 25 mm de comprimento. Draschia é encontrado em aumentos de volume semelhantes a tumores na parede
gástrica. As outras espécies ficam livres na mucosa. Os ovos ou as larvas são ingeridos pelas larvas das moscas domésticas ou dos estábulos, que servem como hospedeiros intermediários. Os equinos são infectados por ingestão de moscas
que contêm larvas infectantes ou por meio de larvas livres que emergem das moscas enquanto estas se alimentam ao redor dos lábios. (Ver habronemose cutânea, p. 826).
Gastrite catarral pode resultar de infecções intensas por vermes adultos. Draschia provoca as lesões mais graves – aumentos de volume análogos a tumores de até 10 cm de diâmetro. Essas lesões ficam preenchidas por material necrótico
e grande número de vermes e são cobertas por um epitélio intacto, exceto quanto a uma pequena abertura através da qual os ovos saem. Raramente, esses nódulos se rompem e causam peritonite fatal. As larvas de Habronema spp e
de Draschia foram encontradas nos pulmões dos potros, concomitantemente a abscessos causados por Rhodococcus equi (p. 1576). Os sinais clínicos geralmente estão ausentes, exceto quando os granulomas associados à infecção
por Draschia levam a uma obstrução mecânica ou ruptura.
O diagnóstico antemorte é difícil, pois os ovos de casca fina ou as larvas são facilmente perdidos nos exames nas fezes. Métodos moleculares foram desenvolvidos recentemente com este propósito, mas não são aplicáveis para uso
rotineiro. Os vermes e os ovos podem ser encontrados por intermédio de lavagem gástrica. A maioria dos anti–helmínticos ainda não foi testada contra Habronema spp ou Draschia sp, embora a ivermectina seja efetiva contra as suas larvas
cutâneas e contra os adultos de H. muscae. A moxidectina é efetiva contra adultos de H. muscae.
OXYURIS SP
Os oxiúros adultos, Oxyuris equi, são mais comuns nos equinos < 18 meses de idade e encontrados principalmente na porção final do intestino grosso. As fêmeas têm 7,5 a 15 cm de comprimento; os machos são menores e em menor
número. As fêmeas grávidas saem pelo reto para pôr seus ovos, “cimentandoos” no períneo, ao redor do ânus. A mistura de ovos e de “cimento” parece uma massa branca a amarela, crostosa. Os ovos, achatados de um lado, tornamse
embrionados em poucas horas e ficam infectantes em 4 a 5 dias.
Os oxiúros adultos têm pequena importância no intestino, mas causam uma irritação perineal depois da oviposição. O ato de esfregar a cauda e a região anal, com presença de pelos quebrados e placas sem pelo ao redor da cauda e nas
nádegas, é característico e sugere a presença de oxiúros. O exame de fezes pode ou não revelar a infecção por oxiúros. As amostras coletadas ao redor da região perineal podem conter vermes fêmeas ou ovos ressecados. A aplicação de uma
fita adesiva na pele perineal ou a raspagem dessa área com um abaixador de língua podem recuperar ovos para exame microscópico, mas testes falsopositivos são comuns.
A maior parte das drogas de amplo espectro recomendadas para o tratamento de estrôngilos (ver a seguir) é efetiva contra os oxiúros.
PARASCARIS SP
Parascaris equorum adultos são vermes esbranquiçados e robustos, com até 30 cm de comprimento e com três lábios proeminentes. O ciclo biológico é semelhante ao do Ascaris suum (a lombriga suína, p. 375), com um período pré
patente de 10 a 12 semanas. Grande número de ovos infectantes pode permanecer viável, por anos, em solo contaminado. Os animais adultos geralmente abrigam uma quantidade muito pequena de vermes. As principais fontes de infecção
para os potros jovens são pastagens, piquetes ou baias contaminadas com ovos oriundos de potros do ano anterior.
Nas infecções intensas, as larvas migratórias podem provocar sinais respiratórios (“resfriados de verão”). Nas infecções intestinais intensas, os potros exibem definhamento, perda de energia e, ocasionalmente, cólica. Têmse descrito
obstrução e perfuração intestinais. Os estágios intestinais competem pela absorção dos aminoácidos essenciais. O diagnóstico é baseado na demonstração dos ovos nas fezes. Se há suspeita de doença por uma infecção prépatente, o
diagnóstico pode ser confirmado pela administração de um antihelmíntico, depois do qual poderseá observar grande número de vermes imaturos nas fezes.
Nos haras onde a infecção é comum, a maioria dos potros infectase logo depois do nascimento. Como resultado, a maioria dos vermes amadurece quando os potros tiverem cerca de 4 a 5 meses de idade. O tratamento deve começar
quando esses potros tiverem cerca de 8 semanas de idade e ser repetido em intervalos de 6 a 8 semanas, até que tenham 1 ano de idade. Todos os antihelmínticos equinos de amplo espectro são efetivos contra os vermes adultos e imaturos
no intestino delgado e, portanto, os ascarídeos são facilmente controlados por meio da administração rotineira de antihelmínticos. Contudo, há relatos de resistência de P. equorum à ivermectina na América do Norte e Europa. A eficácia
em determinada fazenda deve ser monitorada baseandose na redução na contagem de ovos nas fezes. Nos casos em que ocorrer pneumonia verminótica em virtude da migração de Parascaris, o benefício terapêutico pode ser alcançado
pelo tratamento com ivermectina ou fembendazol (o último agente a 10 mg/kg/dia, por 5 dias consecutivos) em conjunto com uma terapia antimicrobiana adequada. A infecção por Parascaris pode ser evitada efetivamente com a
administração diária de tartarato de pirantel, quando os potros estiverem consumindo grãos regularmente.
PEQUENOS ESTRÔNGILOS
Mais de 40 espécies de pequenos estrôngilos, de vários gêneros, são encontradas no ceco e no cólon de equídeos domésticos, cada um com o seu próprio local de preferência. São conhecidos como trichomenas, ciatostomas e, atualmente,
ciatostomíneos. Pertencem à subfamília Cyathostominae, da família Strongylidae e cerca de 10 espécies são particularmente prevalentes. A maior parte delas é apreciavelmente menor que as espécies de “grandes estrôngilos”,
mas Triodontophorus spp (às vezes classificado como um grande estrôngilo não migratório) pode ser quase tão grande quanto Strongylus vulgaris.
Ao contrário dos grandes estrôngilos, os pequenos estrôngilos não migram extraintestinalmente, pois o desenvolvimento precoce confinase à parede do intestino. O terceiro estágio larval pode progredir para o quarto estágio sem
interrupção, ou pode entrar em hipobiose e recomeçar o desenvolvimento após períodos prolongados de inatividade. Quando estes vermes emergem da parede intestinal, eles se alimentam superficialmente na mucosa e podem romper
capilares, mas são menos patogênicos que os grandes estrôngilos, uma vez que sua cavidade bucal é bem menor. Uma exceção é o T. tenuicollis, que pode provocar úlceras graves na parede do cólon. Geralmente, porém, as erosões
resultantes são discretas e difíceis de serem visualizadas. Consequentemente, é comum recuperar milhares de vermes adultos em equinos aparentemente saudáveis que receberam um tratamento antihelmíntico limitado. Em infecções mais
intensas, entretanto, a erosão pode ser extensa o bastante para prejudicar a função absorção e digestiva, resultando em perda na condição e até mesmo enterite catarral do intestino grosso.
Larva encistada de ciatostoma no cólon maior de um equino. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.
Ovo de pequeno estrôngilo (esquerda) e ovo de grande estrôngilo (direita). Cortesia do Dr. Dietrich Barth.
CIATOSTOMÍASE LARVAL: Uma síndrome aguda de perda de peso abrupta, geralmente com diarreia grave, é vista em áreas temperadas no final do inverno e primavera, particularmente em pôneis e equinos jovens (< 5 anos de idade). Está
associada ao aparecimento de grande número de larvas previamente hipobióticas na parede intestinal e, embora de baixa incidência relativa, é de interesse, uma vez que a resposta ao tratamento é variável e o prognóstico deve ser reservado
mesmo sob terapia intensiva. É vista mais frequentemente na Europa do que nos EUA, sendo relatada em Nova York, Kentucky e Tennessee.
Equinos com ciatostomíase larval geralmente apresentam neutrofilia e hipoalbuminemia. Hiperglobulinemia, especialmente envolvendo a fração βglobulina, descrita como característica em alguns relatos, tem sido um achado menos
consistente. Eosinofilia não é um achado consistente. Geralmente, ovos de estrôngilos não são observados no exame de fezes. No entanto, a observação macroscópica de larvas de quarto ou quinto estágio, que possuem uma coloração
vermelhobrilhante, nas fezes, é útil na elaboração do diagnóstico. Biopsia do intestino grosso, via laparotomia, também pode auxiliar no diagnóstico; biopsia retal é menos confiável. Os achados patológicos macroscópicos incluem tiflite
ou colite, com hiperemia, hemorragia, congestão, úlcera ou necrose da mucosa; nos casos prolongados, pode haver apenas espessamento da mucosa. À necropsia, as larvas de ciatostomídeos podem ser vistas como pontos cinzas e pequenos
(1 a 2 mm) na mucosa, dando uma sensação de areia à palpação. A transiluminação da mucosa em relação à serosa pode auxiliar na visualização da larva.
TRATAMENTO: Os ciatostomíneos adultos são facilmente removidos do lúmen intestinal por uma ampla gama de anti–helmínticos, contanto que a população de vermes seja suscetível à droga escolhida. Cepas de pequenos estrôngilos
resistentes aos benzimidazóis são comuns em algumas regiões, e a resistência ao pirantel tem sido mostrada em alguns lugares. A resistência às lactonas macrocíclicas também já foi relatada, todavia existem preocupações. A eficácia da
droga e a presença de resistência ao antihelmíntico podem ser determinadas comparando a contagem de ovos de vermes no início do tratamento e 10 a 14 dias depois. Uma droga efetiva deve reduzir a contagem de ovos para zero ou para
teores muito baixos. Se há resistência, uma classe diferente de antihelmíntico deve ser utilizada, pois a resistência cruzada ocorre dentro dos grupos químicos.
Larvas de pequenos estrôngilos na mucosa intestinal são mais difíceis de serem efetivamente removidas com uso de anti–helmínticos. A ivermectina tem sido utilizada com resultados mistos; a falta de eficácia foi relatada na dose
recomendada, bem como em doses mais altas. O tratamento com altas doses de fembendazol (10 mg/kg por 5 dias consecutivos) ou com moxidectina foi descrito como efetivo e pode ser utilizado no inverno para reduzir o risco de
ciatostomíase larval. Equinos que já apresentam a doença podem não responder ao tratamento se a inflamação da submucosa é muito grave. Consequentemente, o tratamento deve ser acrescido de corticosteroides e outras terapias de suporte
apropriadas.
PREVENÇÃO: Tratamentos de rotina ou intercalados são tradicionais e são pretendidos para minimizar o teor de contaminação das pastagens, deste modo reduzindo os riscos associados ao acúmulo de larvas e vermes adultos na mucosa. De
modo alternativo, a infecção pode ser evitada por meio da administração diária de tartarato de pirantel. Os intervalos entre os tratamentos de rotina dependem da duração que uma droga particular mantém as fezes livres de ovos, e variam de
4 a 13 semanas. A frequência do tratamento é também influenciada pelo valor dos animais e pelo teor de risco observado, que varia conforme o acesso à pastagem, densidade da população e as práticas de manejo. Medidas de controle
devem ser designadas para minimizar o risco de resistência desenvolvida na população de vermes. Isto inclui preservar a população refugia de vermes, isto é, vermes não expostos ao ou acometidos pelo antihelmíntico, e reduzindo assim a
pressão de seleção dos fármacos. Estas populações compreendem as larvas encontradas fixadas na mucosa e larvas L3 na pastagem. Alguns poucos tratamentos podem ser efetivos se determinados estrategicamente, de acordo com as
considerações epidemiológicas e climáticas locais. Muitos equinos adultos com > 3 a 4 anos desenvolvem certa imunidade à reinfecção; deste modo, apenas uma pequena porção do rebanho abriga a população de vermes adultos e isto é
responsável pela contaminação da pastagem com ovos. O tratamento seletivo de apenas estes equinos infectados também reduzirá a exposição da população de vermes aos antihelmínticos e a seleção à resistência. A remoção de fezes dos
piquetes e das pastagens auxilia no controle e podem também reduzir o número de tratamentos antihelmínticos necessários.
Em geral, nos programas de controle parasitários, todos os equinos de um haras devem ser tratados, e aqueles que dividem a mesma pastagem ou piquete precisam ser tratados ao mesmo tempo. Animais vizinhos ou que retornaram após
terem ficado fora da propriedade por um longo período devem passar por quarentena ou ser desverminados antes de admitidos no rebanho. Para a administração do antihelmíntico, todos os equinos devem receber a dose recomendada,
determinada por uma estimativa de peso acurada. Alternar diferentes classes de antihelmínticos em um rápido esquema de rotação (durante poucos meses) ou mais lento (anualmente) é amplamente praticado para evitar o desenvolvimento
de grupos de parasitos resistentes, mas há pouca evidência para sustentar a utilidade deste procedimento. Por mais que este programa seja utilizado, amostras nas fezes devem ser examinadas periodicamente para monitorar a eficácia do
programa. O tratamento pode ser restrito naqueles equinos de um grupo com contagem positiva de ovos, se esta informação está disponível.
STRONGYLOIDES SP
Strongyloides westeri é encontrado no intestino delgado dos potros. Os equinos adultos raramente são passíveis de infecções patentes, mas as éguas apresentam, frequentemente, os estágios larvais nos seus tecidos, estágios estes que são
ativados pelo parto, deslocam–se para o tecido mamário e, subsequentemente, são transmitidos para os potros pelo leite. No entanto, a relação entre infecção por S. westeri e diarreia em potros, a partir de dez dias de idade, ainda não foi
estabelecida claramente. Não se sabe se há diferença significativa entre o ciclo biológico deste verme nos equinos e o ciclo de Strongyloides nos suínos (p. 374). O diagnóstico pode ser feito com base na observação de ovos relativamente
mais ovais, com cerca de um terço do comprimento dos ovos de estrôngilos que contêm larvas. A ivermectina e oxibendazol são efetivos na remoção de S. westeri. A transmissão das larvas para os potros, via leite de uma égua, pode ser
evitada por meio de tratamento rotineiro das éguas com ivermectina, dentro de 24 h pósparto.
TRICHOSTRONGYLUS SP
O pequeno verme gástrico dos equinos (verme capilar), Trichostrongylus axei, também é encontrado nos ruminantes (p. 369) e, consequentemente, só é um problema clínico em equinos misturados criados com ruminantes ou em rodízio de
pastejo com eles. T. axei adulto é delgado e mede até 8 mm de comprimento. Os detalhes do ciclo biológico nos equídeos ainda não foram cuidadosamente estudados, mas se sabe que as larvas penetram na mucosa. Esses vermes promovem
uma gastrite catarral crônica, que pode resultar em perda de peso. As lesões compreendem áreas nodulares de mucosa espessada circundada por uma zona de congestão e cobertas com variável quantidade de muco. As lesões podem ser
pequenas e irregularmente circunscritas ou podem coalescer e envolver a maior parte ou toda a porção glandular gástrica, sendo possível observar erosões e úlceras.
O diagnóstico definitivo baseado no exame de fezes é difícil, pois os ovos são semelhantes aos dos estrôngilos. As fezes podem ser cultivadas e, em cerca de 7 dias, as larvas infectantes podem ser identificadas. Alguns dos benzimidazóis
e a ivermectina são efetivos contra T. axei.
PARASITOS GASTRINTESTINAIS DE RUMINANTES
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Os sinais clínicos associados a parasitismo gastrintestinal são comuns a várias doenças e condições; no entanto, um diagnóstico baseado em sinais clínicos, histórico de pastejo e estação do ano
frequentemente é válido. A infecção geralmente pode ser confirmada pela presença de ovos de nematoides ou segmentos de trematódeos no exame de fezes. No entanto, na avaliação clínica destes exames, dois aspectos devem ser levados
em consideração: a contagem de ovos por grama (OPG) de fezes nem sempre fornece uma indicação precisa do número de vermes adultos existentes, além disso, a identificação de ovos de determinados nematoides é inviável, exceto em
laboratórios especializados. Os valores de OPG podem ser negativos ou baixos quando há grande número de vermes imaturos. Mesmo quando há muitos parasitos adultos, a contagem pode ser baixa se a produção de ovos está suprimida
por uma reação imune ou por tratamento antihelmíntico recente. A variação na capacidade de produção de ovos de diferentes tipos de vermes (significativamente menor para Trichostrongylus, Ostertagia e Nematodirus do que
para Haemonchus) também pode mascarar o quadro real. Os ovos de Nematodirus, Bunostomum, Strongyloides e Trichuris são diferentes entre si; no entanto, é difícil fazer uma diferenciação confiável dos ovos das espécies de nematoides
mais comuns em ruminantes. As culturas de fezes podem fornecer larvas de terceiro estágio distintas se a diferenciação antemorte é importante.
O surgimento de antihelmínticos de amplo espectro seguros e efetivos reduziu significativamente a necessidade de diferenciação dos gêneros e espécies desses parasitos. Nas áreas onde há predomínio de Ostertagia spp, a constatação de
elevação da concentração plasmática de pepsinogênio é útil para fins de diagnóstico. Geralmente, concentração de tirosina > 3 UI, que refletem a atividade do pepsinogênio, está associada a sinais clínicos. Dificuldades podem surgir em
animais imunes, que são assintomáticos, mas pode haver aumento a concentração de pepsinogênio devido à reação de hipersensibilidade na mucosa abomasal. Em áreas com predomínio de Haemonchus spp, a determinação do VG propicia
uma estimativa rápida do grau de anemia. Em alguns países, utilizase diagnóstico sorológico (ELISA) para detectar infecções por espécies importantes, como Ostertagia e Cooperia, em bovinos. Até o momento, as informações sobre a
correlação entre os títulos sorológicos e a carga parasitária são insuficientes.
Em várias situações de manejo podemse esperar altas cargas de infecção, principalmente após condições favoráveis de temperatura e pluviosidade em determinadas estações do ano. Recomendase um “diagnóstico terapêutico” quando a
quantidade de ovos é pequena ou inexistente, mas o histórico e os sinais sugerirem infecções. Uma resposta clínica a um antihelmíntico de amplo espectro permite um diagnóstico retrospectivo; de qualquer modo, os animais devem ser
colocados em pastagens “limpos” após o tratamento, para evitar reinfecção.
O exame pósmorte de rotina pode fornecer dados parasitológicos importantes sobre o estado do rebanho ou do plantel. Na necropsia, podemse observar facilmente os estágios adultos (ou formas imaturas avançadas) de Haemonchus,
Bunostomum, Oesophagostomum, Trichuris e Chabertia. Ostertagia, Trichostrongylus, Cooperia e Nematodirus são difíceis de serem observados, exceto por seu movimento na ingesta fluida. Infecções clinicamente importantes por esses
parasitos facilmente são negligenciadas. O conteúdo total e todas as lavagens devem ser combinados em um volume conhecido, devendo ser feita a contagem de vermes para avaliar a gravidade da infecção. As amostras obtidas do conteúdo
gastrintestinal e imprint da mucosa devem ser examinadas microscopicamente, em pequeno aumento. Nematoides menores podem ser corados (por 5 min) com solução de iodo forte. Os nematoides pequenos são facilmente vistos depois
que o precipitado da ingesta e os tecidos são descorados com solução de tiossulfato de sódio 5%. A importância do número de vermes existentes varia de acordo com a espécie do parasito e do hospedeiro. Por exemplo, uma concentração de
apenas 100 Haemonchus apresenta importância clínica para cordeiros, enquanto apenas uma concentração de 5.000 a 10.000 Ostertagia é clinicamente relevante. Quando os animais apresentam diarreia há alguns dias, os vermes podem ser
eliminados e o tipo e a gravidade das lesões macroscópicas podem assumir um valor diagnóstico considerável.
Diversas causas devem ser levadas em consideração na avaliação dos achados clínicos e laboratoriais e de necropsia. As infecções parasitárias mistas são a regra.
O diagnóstico de ostertagíase em bovinos durante o período de inibição larval é tecnicamente complicado, particularmente para a indústria de confinamento norteamericana. Neste caso, a contagem de ovos nas fezes e a análise de
pepsinogênio plasmático não fornecem informações úteis, pois a inibição ocorre poucos dias após a ingestão de larvas, antes de se tornarem adultos e eliminarem ovos ou do aumento das concentrações plasmáticas de pepsinogênio. Os
fatores predisponentes para a inibição de larvas incluem idade e origem geográfica dos bovinos, época do ano, histórico e manejo prévio das pastagens, condições climáticas durante o último período de pastejo e prevalência de Ostertagia
ostertagi na região de origem.
As informações sobre esses fatores geralmente não estão disponíveis para bovinos em confinamento. Bovinos que chegam ao confinamento depois de um pastejo no sul dos EUA durante a primavera, ou de um pastejo no norte durante o
outono, pode ter alta carga de larvas inibidas. Os bezerros menos expostos, provenientes de áreas onde há alta prevalência de parasitos também podem apresentar este problema. É amplamente aceito que o parasitismo, em particular a
ostertagíase, é uma importante causa de doença clínica ou de problemas de deficiência alimentar de bovinos em confinamento. Aconselhase que bovinos oriundos de uma área suspeita, em um período do ano suspeito, sejam tratados
imediatamente com antihelmíntico efetivo contra larvas inibidas.
TRATAMENTO: Um controle parasitário efetivo nem sempre pode ser alcançado exclusivamente com o uso de fármacos; no entanto, o uso de antihelmínticos é importante (ver antihelmínticos, p 2657). Podem ser utilizados para reduzir a
contaminação da pastagem, principalmente em épocas em que a contaminação da pastagem com ovos de parasitos, é um prérequisito para o desenvolvimento de um desafio infeccioso necessário para causar parasitismo clínico. A
combinação do uso de antihelmíntico com outros métodos de controle – como pastejo alternado de espécies de hospedeiros diferentes, pastejo rotativo de diferentes grupos etários de uma única espécie de hospedeiro (inclusive o
sistema creepgrazing) e alternância entre pastejo e cultivo – é uma alternativa para a obtenção de um pastejo seguro.
O antihelmíntico “ideal” deve ser seguro, altamente efetivo contra vermes importantes adultos e em estágios imaturos (inclusive larvas hipobióticas), disponível em formulações práticas, econômicas e compatíveis com outros compostos
comumente utilizados. Vários fármacos satisfazem todas ou a maioria desses requisitos. O tiabendazol foi o precursor dos antihelmínticos modernos e estabeleceu um novo padrão em termos de eficácia e segurança. Apesar de sua
ineficácia contra as larvas hipobióticas de Ostertagia em bovinos e contra algumas outras espécies de parasitos, ainda é amplamente utilizado. Depois do tiabendazol e do mebendazol, outros benzimidazóis (como fembendazol, oxfendazol
e albendazol) e os próbenzimidazóis (tiofanato, febantel e netobimina) foram desenvolvidos; esses compostos são efetivos contra a maioria dos principais parasitos GI de ruminantes e possuem diversos teores de ação contra larvas
hipobióticas. Levamisol, morantel e pirantel também são antihelmínticos de amplo espectro altamente eficazes e seguros, mas possuem baixa ação contra as larvas hipobióticas em bovinos. As avermectinas e milbemicinas são altamente
eficazes contra adultos e estágios larvais, inclusive larvas hipobióticas de todos os nematoides GI comuns dos ruminantes, e contra alguns ectoparasitas importantes. As avermectinas e milbemicinas podem continuar ativas em algumas
espécies de ruminantes depois da administração subcutânea ou tópica única, conferindo proteção contra reinfecção durante esse período. A moxidectina também continua ativa após administração oral. Alguns antihelmínticos de espectro
estreito, como salicilanilidas, closantel e rafoxanida, apresentam atividade excelente contra Haemonchus contortus em ovinos e também permanecem no hospedeiro por um período longo, conferindo ação profilática após a administração.
Outras vias de administração, além de drenching ou injeção (p. ex., inclusão no alimento, na água de beber e em blocos minerais ou com componentes energéticos), são utilizadas para reduzir os custos e podem ser úteis para animais em
confinamento ou animais de pastejo recebendo suplementação. A inclusão do fármaco no alimento permite sua administração contínua em baixas doses, contribuindo para a redução da contaminação da pastagem nos períodos ideais para o
desenvolvimento do estágio de vida livre dos paras itos. As desvantagens dessa via de administração incluem consumo irregular de antihelmínticos, resíduos nos tecidos (requerendo observação dos períodos de carência recomendados) e
possibilidade de resistência à droga por exposição contínua. Uma alternativa de administração com custos reduzidos é o tratamento tópico pouron, utilizado no caso de alguns organofosforados (p. ex., triclorfon), levamisol e avermectinas.
Várias preparações em bolus (p. ex., morantel, levamisol, ivermectina ou benzimidazóis) liberam o fármaco de maneira prolongada ou em pulsos, em intervalos equivalentes aos períodos prépatentes dos parasitos GI mais importantes.
Os bolus utilizados em bovinos são calculados de modo a propiciar o controle da pastagem durante uma estação inteira em áreas temperadas, se administrados aos rebanhos transferidos para sistemas de confinamento. Também estão
disponíveis bolus que fornecem tratamento e profilaxia aos animais já expostos a um pastagem contaminado. Podese utilizar bolus em ovinos para reduzir a elevação periparturiente da eliminação de ovos nas fezes e, consequentemente, a
contaminação da pastagem na estação de pastejo posterior. Apesar da eficácia, alguns bolus utilizados tanto para bovinos como para ovinos foram retirados do mercado por não serem viáveis no mercado.
Niclosamida, morantel, praziquantel e os benzimidazóis mais novos (albendazol, fembendazol e oxfendazol) são efetivos contra tênias em bovinos e ovinos (Moniezia spp). O tratamento de Thysanosoma actinioides tem apresentado
problemas; no entanto, há registros de que a niclosamida é efetiva na dose de 250 mg/kg. Tem se utilizado, também, o bitionol (200 mg/kg).
Ao tratar animais clinicamente acometidos, devese considerar: (1) forneça uma dieta adequada; (2) trate todos os animais do grupo, como medida preventiva e para reduzir contaminação adicional da pastagem; (3) transferência do
rebanho para pastagens “limpas” para minimizar o risco de reinfecção. A definição de pastagens seguras é variável nos diferentes climas e depende do conhecimento local sobre a mortalidade sazonal das larvas infectantes. Algumas
autoridades têm sugerido tratar apenas os animais mais gravemente acometidos de um rebanho ou plantel. Isso pode ser alcançado pela avaliação da gravidade da anemia por meio da observação da coloração da esclera ocular, no caso de
hemoncose em ovinos, isto é, escore “FAMACHA”. Este novo sistema relaciona a palidez ocular com a carga de Haemoncus contortus, como meio de saber se ovinos e caprinos, individualmente, necessitam desverminação. Quanto à
gastrenterite parasitária, a gravidade da diarreia e/ou a contagem de ovos nas fezes em bovinos e ovinos também pode ser utilizada para determinar a necessidade de tratamento individual. A lógica para esta estratégia baseiase no
conhecimento de que uma grande proporção de ovos eliminados de parasitos (desta forma, contaminação da pastagem) está associada a uma proporção relativamente pequena da população de animais hospedeiros. O tratamento apenas
destes animais reduz significativamente a contaminação da pastagem e diminui toda a pressão de seleção exercida pelo uso de um antihelmíntico para genes de resistência dos parasitos. A preocupação também há com respeito ao
tratamento e transferência do rebanho para pastagens limpas. Se alguns parasitos com resistência genética resistem ao tratamento, então a pastagem “limpa” tornase contaminado por uma população totalmente resistente.
Finalmente, o desenvolvimento de resistência a múltiplas drogas por populações de Haemonchus contortus, Trichostrongylus spp e Ostertagia spp em ovinos e caprinos em relação aos benzimidazóis, ao levamisol e a
avermectinas/milbemicina já foi mostrado. Embora tal resistência seja um problema apenas em algumas áreas, atualmente, ela deve ser considerada quando a resposta à terapia e a outros fatores podem ser descartada, por exemplo, dose
inadequada, rápida reinfecção, dieta deficiente ou alguma enfermidade, além de parasitismo. A resistência de parasitos de bovinos às drogas foi mostrada; uso excessivo e tratamento indiscriminado devem ser evitados.
O alto custo para desenvolvimento de novos fármacos antihelmínticos tem incentivado pesquisadores a procurarem por abordagens alternativas no controle de parasitos GI, tais como desenvolvimento de uma vacina com “antígenos
ocultos” contra Haemonchus, uso de forragens ricas em tanino (como o trevo e a luzerna ou a alfafa), que apresentam alguma ação antihelmíntica, e fungos nematófagos.
Medidas Gerais de Controle
“Controle” geralmente implica na supressão da carga parasitária do hospedeiro para teor inferior àquele que ocasiona perda econômica. É necessário amplo conhecimento dos fatores epidemiológicos e ecológicos que norteiam as
populações de larvas na pastagem e a participação do sistema imune do hospedeiro frente às infecções.
Os objetivos do controle incluem: (1) evitar exposição intensa de hospedeiros suscetíveis (a recuperação de uma infecção maciça é sempre lenta); (2) reduzir o teor total de contaminação da pastagem; (3) minimizar os efeitos das cargas
parasitárias; (4) estimular o desenvolvimento de imunidade nos animais (menos importante em animais de engorda do que naqueles que são mantidos para fins reprodutivos).
O uso estratégico de antihelmínticos destinase a reduzir as cargas parasitárias e, portanto, a contaminação das pastagens. A frequência de administração baseiase no conhecimento das alterações sazonais da infecção e da epidemiologia
regional das várias helmintoses. É essencial o reconhecimento imediato das condições que favorecem o desenvolvimento de doença parasitária, como clima, comportamento de pastejo e perda de peso e da condição corporal.
Por exemplo, no Reino Unido, onde o padrão da doença provocada por Nematodirus battus nos ovinos está claramente definido, recomendase tratamentos estratégicos com 2 ou 3 doses de antihelmínticos em intervalos de 2 a 3
semanas, começando imediatamente antes da manifestação clínica da doença. O sincronismo destes tratamentos visa coincidir com o maior número de larvas de Nematodirus na pastagem, durante a primavera; a época do último tratamento
pode ser definida, de maneira acurada, utilizando uma fórmula simples que inclui as temperaturas do solo a 0,33 cm abaixo da superfície durante o mês de março. De modo semelhante, no norte dos EUA, Canadá ou na Europa ocidental, as
populações de Ostertagia e de outros parasitos na pastagem aumentam substancialmente depois de meados de julho, isto é, o padrão geral de infectividade é mínimo na primavera, mas aumenta rapidamente para teores máximos no final do
verão e no início do outono. As práticas atuais nessas áreas indicam a efetividade de 2 ou mais tratamentos antihelmínticos (geralmente em intervalos de 3 a 5 semanas), administrados quando os bovinos saem pela primeira vez para
pastejar na primavera. Tratamento com avermectina/milbemicina em um período de 4 a 5 semanas de atividade residual e novamente 7 a 8 semanas depois pode resultar em controle altamente eficaz na eliminação de ovos de vermes e
números mínimos de larvas na pastagem durante o outono. Os tratamentos únicos em pleno verão, com transferência subsequente de animais para pastagem segura, e o tratamento associado a adiamento da transferência de pastagem na
primavera, também são efetivos.
Nos outros países de clima temperado frio ou quente, podese utilizar controle semelhante caso se conheça o padrão sazonal da doença, mas na maioria das regiões empregase o uso tático de antihelmínticos, por exemplo, durante
condições úmidas, quentes.
Bovinos – Considerações Especiais
Os problemas com vermes mais frequentemente se manifestam em bovinos de corte jovens, desde o momento do desmame até vários meses depois e em grupos isolados de bezerros leiteiros durante a primeira estação de pastejo. A
imunidade aos nematoides GI é lentamente adquirida; podem ser necessárias duas estações de pastejo antes de atingir teor significativo. Nas áreas endêmicas, as vacas podem continuar a abrigar cargas baixas, que podem ser a causa de
produção subideal. O parasitismo GI em animal jovem pode ser controlado com uso de antihelmínticos de amplo espectro juntamente com o manejo de pastagem para limitar reinfecção; o último procedimento inclui transferência para
pastagens “limpas” (p. ex., áreas de conservação de capim ou silagem ou feno de segunda coleta), pastejo alternado com outras espécies de hospedeiros ou rotação de pastagem integrada, na qual os bezerros suscetíveis são acompanhados
de adultos imunes. O pastejo alternado com outras espécies de hospedeiro pode ser ineficaz em áreas onde as espécies de parasitos (p. ex., Nematodirus) infectam ambos os hospedeiros. A rotação de pastagem simples não é efetiva, pois a
massa fecal bovina pode proteger as larvas de condições ambientais adversas por vários meses e, portanto, os bezerros em rodízio podem ficar sujeitos à reinfecção posteriormente.
Nos rebanhos de bovinos de corte, o tratamento antihelmíntico no desmame é útil, especialmente quando se mantem os bovinos jovens, por exemplo, como lote de novilhas de reposição ou garrotes para engorda. Os bovinos terminados
com capim devem receber tratamento ao desmame e em intervalos regulares durante os próximos 12 meses e, se possível, devem ser transferidos para pastagens seguras.
Quando os bovinos não podem ser removidos imediatamente para outras pastagens, podemse instituir tratamentos estratégicos para limitar a contaminação das pastagens e a rápida reinfecção. De modo alternativo, o bolus ruminal pode
ser utilizado em países onde são aprovados. Em regiões de clima quente temperado, como Austrália e Nova Zelândia, sul dos EUA e extensas regiões de criação de bovinos no sul do Brasil, do Uruguai e da Argentina, os bovinos jovens
podem receber 2 ou mais tratamentos desde o final do verão e no outono, para a prevenção de grande aumento na contaminação da pastagem e de infecção durante o inverno e a primavera. Dois ou três tratamentos estratégicos,
administrados em curto intervalo, a partir do desmame, em tais regiões, podem ser tão efetivos quanto tratamentos na primavera nas regiões temperadas frias. Contudo, a sobrevivência das larvas infectantes na pastagem, a partir do
desmame no outono, em regiões temperadas quentes, é mais frequentemente persistente e intervalos mais longos entre tratamentos (p. ex., no desmame, durante o inverno e no final da primavera) podem ser mais aplicáveis. Em várias áreas,
os antihelmínticos são administrados simplesmente em intervalos regulares após desmame. Os intervalos entre os tratamentos devem variar, necessariamente, de acordo com a epidemiologia local e a profilaxia conferida pela persistência
dos antihelmínticos. Recomendase tratamento com anti–helmíntico efetivo contra larvas hipobióticas antes do momento esperado do surto, quando ostertagiose tipo II é problema.
Ovinos – Considerações Especiais
Exigese um tratamento estratégico especial, na maioria das regiões, para compensar a diminuição da imunidade (maior demanda no periparto etc.) notada em ovelhas após o parto. A frequência exata de tal tratamento varia entre as regiões
e entre as diferentes espécies de parasitos, mas, em geral, um tratamento no mês anterior e outro no mês posterior ao parto parece desejável e pode conferir uma produção vantajosa ao animal. Infelizmente, a alta demanda do periparto pode
durar até 8 semanas em alguns rebanhos e 2 tratamentos com a maioria dos antihelmínticos não são efetivos o suficiente para reduzir a contaminação da pastagem e garantir um pastejo “seguro” para os descendentes, na estação.
Encontramse disponíveis, em alguns países, bolus contendo albendazol ou ivermectina, que são mais eficazes para esse propósito. Além disso, em ovinos a ação da moxidectina dura o suficiente para conferir vantagem epidemiológica no
tratamento contra as espécies parasitárias mais importantes. Um tratamento 2 semanas antes do acasalamento, como parte de um programa de “nivelamento”, é outra aplicação estratégica de antihelmínticos. A conduta de suporte depois do
tratamento inclui transferência dos ovinos de pastagens contaminadas para pastagens de bovinos, áreas de conservação de capim, áreas de hortaliças ou pastagens não pastejados por ovinos há vários meses. O último período varia conforme
o padrão sazonal da mortalidade das larvas nos diferentes países e pode ser de até 1 ano, em alguns países de clima temperado.
Os ovinos são mais suscetíveis aos efeitos adversos dos vermes do que outros animais de produção e uma doença clínica é mais comum. A imunidade aos parasitos é adquirida lentamente e, em geral, incompleta. Podem ser necessários
tratamentos frequentes, especialmente no primeiro ano de vida.
PARASITOS GASTRINTESTINAIS DE BOVINOS
Bunostomum sp
O macho adulto de Bunostomum phlebotomum tem cerca de 15 mm de comprimento e a fêmea cerca de 25 mm. Esses ancilóstomos têm cápsulas bucais bem desenvolvidas, no interior da qual a mucosa é sugada; as placas de corte na borda
anterior da cápsula bucal são utilizadas para raspar a mucosa durante a alimentação. O período prépatente é de cerca de 2 meses. A infecção ocorre por ingestão ou por penetração cutânea; a última forma é mais comum.
A penetração da larva nas patas pode causar inquietação e pisoteio, particularmente em bovinos estabulados. Os vermes adultos provocam anemia e rápida perda de peso. Diarreia e constipação intestinal podem se alternar. Pode haver
edema por hipoproteinemia, porém edema de barbela raramente é tão grave quanto na hemoncose. Durante o período patente, um diagnóstico pode ser realizado através da demonstração dos ovos característicos nas fezes.
Na necropsia, a mucosa pode parecer congesta e edemaciada, com vários pequenos pontos hemorrágicos, onde os vermes se prendem. Os parasitos são facilmente observados nos primeiros poucos metros do intestino delgado, e o
conteúdo deste fica quase sempre tingido de sangue. Tão pouco quanto 2.000 vermes podem causar morte de bezerros. Lesões locais, edema e formação de crostas podem resultar da penetração das larvas na pele de bezerros resistentes.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.
Cestóideos (Tênias)
Os cestóideos Anoplocephalidae Moniezia expansa e M. benedeni são encontrados em bovinos jovens. Os vermes desse grupo caracterizamse pela ausência de rostelo e de ganchos e os seus segmentos geralmente são mais largos do que
longos. Os ovos são triangulares ou retangulares, os quais são ingeridos por ácaros oribatídeos de vida livre que vivem no solo e no capim. Após 6 a 16 semanas, encontramse cisticercoides infectantes nos ácaros. A infecção dáse pela
ingestão dos ácaros; o período prépatente é de cerca de 5 semanas. Moniezia comumente não são consideradas patogênicas aos bezerros, mas há relato de estase intestinal nestes animais.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.
Chabertia sp
Os adultos do verme intestinal de boca grande, Chabertia ovina, tem cerca de 12 mm de comprimento e são encurvados ventralmente na extremidade anterior. Há um ciclo biológico direto típico. As larvas penetram na mucosa do intestino
delgado imediatamente após ingestão e depois emergem e passam para o cólon. O período prépatente é de cerca de 7 semanas. As larvas e os adultos podem causar hemorragias discretas, com edema no cólon e eliminação de fezes
recobertas com muco. A chabertíase clínica é raramente observada, se alguma vez, nos bovinos.
Bunostomum phlebotomum, ovos. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.
Moniezia expansa, proglotes maduras. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.
Cooperia spp
Várias espécies de Cooperia são encontradas no intestino delgado de bovinos; C. punctata, C. oncophora e C. pectinata são as mais comuns. Estes vermes adultos vermelhos e enrolados têm 5 a 8 mm de comprimento e o macho apresenta
grande bursa. Pode ser difícil a visualização macroscópica. O ciclo biológico é essencialmente o mesmo dos outros tricostrongilídeos. Esses vermes aparentemente não sugam sangue. A maior parte deles é encontrada nos primeiros 3 a 6 m
do intestino delgado. O período prépatente é de 12 a 15 dias.
De modo geral, os ovos podem ser diferenciados daqueles dos nematoides gastrintestinais comuns por meio de suas paredes corporais praticamente paralelas, porém é necessária cultura larval das fezes para diagnosticar definitivamente
uma infecção por Cooperia, no animal vivo. Nas infecções intensas por C. punctata e C. pectinata ocorrem diarreia abundante, anorexia e emaciação, mas não anemia; a porção anterior do intestino delgado exibe acentuada congestão da
mucosa, com pequenas hemorragias. A mucosa pode exibir necrose superficial em forma de renda e fina. C. oncophora provoca doença mais discreta, mas pode ser responsável por perda de peso e produtividade deficiente. Em geral, é
necessário esfregaços da mucosa para demonstrar Cooperia spp, que deve ser diferenciada de Trichostrongylus spp, de Strongyloides papillosus e de Nematodirus spp imaturo.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.
Haemonchus, Ostertagia e Trichostrongylus spp
Os parasitos gástricos comuns em bovinos são Haemonchus placei (barber’s pole worm, verme grande do estômago, wire worm), Ostertagia ostertagi (verme do estômago médio ou marrom) e Trichostrongylus axei (verme do estômago
menor, p. 362). Em alguns países tropicais, encontrase Mecistocirrus digitatus, um grande verme de até 40 mm de comprimento. H. placei é principalmente um parasito de regiões tropicais, enquanto O. ostertagi e, em menor extensão, T.
axei, são encontrados em regiões de clima mais ameno. O macho adulto de Haemonchus tem até 18 mm de comprimento e a fêmea tem até 30 mm. Adultos de Ostertagia tem 6 a 9 mm de comprimento e de Trichostrongylus tem cerca de 5
mm de comprimento.
Os ciclos biológicos préparasitários dos três grupos costumam ser semelhantes. As larvas eclodem imediatamente após a eliminação dos ovos nas fezes e atingem o estágio infectante em cerca de 2 semanas, sob temperatura ideal (cerca
de 24°C). O desenvolvimento do estágio infectante é retardado no período de clima frio. Em regiões com estreitas variações de temperatura diurna, os meses com temperatura máxima média de 18°C e índice pluviométrico > 5 cm são
favoráveis para o desenvolvimento dos estágios de vida livre de H. placei mas, nas áreas onde ocorrem amplas flutuações, uma temperatura mínima média de 10°C pode limitar efetivamente o desenvolvimento. As formas préparasitárias
de O. ostertagi e T. axei se desenvolvem e sobrevivem melhor em condições mais frescas e seus limites superiores para sobrevivência são menores do que aquele de H. placei. Caso a temperatura seja desfavorável ou o clima é seco, as
larvas infectantes podem permanecer inativas nas fezes por semanas, até que as condições se tornem favoráveis novamente. Após esse período, emerge grande número de larvas infectantes.
Haemonchus placei, fêmea adulta. Cortesia Dr. Dietrich Barth.
O período prépatente de O. ostertagi normalmente é de 18 a 25 dias. As larvas ingeridas entram no lúmen das glândulas abomasais e sofrem muda no quarto dia. Permanecem neste local durante o período prépatente, crescem e passam
pela muda final antes de emergir no lúmen do abomaso como adultos jovens. As larvas nas glândulas gástricas causam hiperplasia celular e resultam em nódulos, que podem ser discretos ou confluentes. Pode haver citólise epitelial grave
quando as larvas emergem. Nesse momento, as células parietais são substituídas por células indiferenciadas que rapidamente se dividem em células cuboidais. Como consequência, nas infecções intensas, o pH do abomaso aumenta de 2
para > 6. Em decorrência há gastropatia com perda proteica e, juntamente com anorexia e prejuízo à digestão de proteínas, causam hipoproteinemia e perda de peso. A diarreia é persistente. Na ostertagiose tipo I, decorrente de infecções
recentes, a maioria dos vermes presentes é adulta e a resposta ao tratamento antihelmíntico é boa. A doença tipo I se manifesta principalmente em bezerros com 7 a 15 meses de idade. É mais comum na época do desmame e nos meses
seguintes, nas regiões de clima quente temperado, e em bovinos jovens durante o verão e o início do outono, nas regiões de clima temperado frio.
Na ostertagiose tipo II, grande quantidade de larvas que estavam inativas ou tiveram o desenvolvimento inibido no início do quarto estágio larval emerge das glândulas. Isso acontece principalmente em bovinos com 12 a 20 meses de
idade. Nas regiões de clima temperado quente, as larvas propensas à inibição são adquiridas na primavera e a doença pode se desenvolver quando grande número de larvas reassumem o desenvolvimento para o estágio adulto no final do
verão, ou no outono. Nas regiões de clima temperado frio, as larvas propensas à inibição são adquiridas durante o final do outono e amadurecem durante o final do inverno ou início da primavera.
Acreditase que a inibição larval (hipobiose) de O. ostertagi e outros nematoides seja semelhante à diapausa nos insetos. Ela é interpretada como mecanismo de sobrevivência no qual os estágios préparasitários, na pastagem, evitam as
condições adversas do inverno nas regiões frias e as condições quentes e secas (ou quentes e alternadamente úmidas e secas) de várias regiões quentes. Os fatores que causam inibição não são totalmente conhecidos, mas constatouse que o
condicionamento ao frio experimental de larvas infectantes é importante em região de clima temperado frio. Nas regiões de clima quente dos hemisférios norte e sul, o condicionamento dos estágios préparasitários à inibição ocorre
principalmente durante a primavera, antes das condições quentes e secas do verão. A retomada do desenvolvimento ou da maturação dos parasitos parece ser geneticamente predeterminada e pode ser influenciada por parto, dieta, infecção
concomitante e resposta imune do hospedeiro.
H. placei também pode ficar inativo durante o inverno; em seguida podem reassumir o seu desenvolvimento na primavera e infectar as pastagens com ovos no momento adequado ao seu desenvolvimento. Ambos os estágios, larvais e
adultos, são patogênicos devido sua capacidade de sucção de sangue. T. axei causa gastrite com erosão superficial da mucosa, hiperemia e diarreia. A perda proteica decorrente de lesão da mucosa e anorexia causam hipoproteinemia e perda
de peso. Não há hipobiose no mesmo grau.
ACHADOS CLÍNICOS: Os animais jovens são acometidos com mais frequência, mas os adultos não previamente expostos à infecção geralmente exibem sinais clínicos e sucumbem. Infecções por Ostertagia e Trichostrongylus caracterizam
se por diarreia aquosa abundante e, em geral, persistente. Na hemoncose e na infecção por Mecistocirrus pode ocorrer pouca ou nenhuma diarreia, mas possivelmente há períodos intermitentes de constipação intestinal. Anemia de grau
variável é sinal característico de ambas as infecções.
Concomitante à diarreia causada por infecções por O. ostertagi e T. axei, e com a anemia por infecções intensas por Haemonchus, frequentemente ocorre hipoproteinemia e edema (raros em infecções por O. ostertagi), em particular, na
região submandibular (edema de barbela) e, às vezes, também ao longo da porção ventral do abdome. As infecções maciças podem ocasionar morte antes do aparecimento dos sinais clínicos. Outros sinais variáveis incluem perda de peso
progressiva, fraqueza, pelame áspero e anorexia.
Lesões: Os vermes podem ser facilmente notados e identificados no abomaso e pequenas petéquias podem ser vistas no local onde os vermes estavam fixados. As lesões mais características da ostertagiose são nódulos pequenos e
umbilicados, com 1 a 2 mm de diâmetro, por todo o abomaso. Esses nódulos podem ser discretos, mas nas infecções intensas tendem a coalescer e ter aparência de “pavimentação com pedras” ou “marroquim”. Os nódulos são mais
evidentes na região fúndica, mas podem recobrir toda a mucosa do abomaso. O pH pode se elevar para 6 a 7. O pepsinogênio pode se converter de forma deficiente em pepsina e extravasar pelo epitélio danificado; concentrações elevadas
podem ser encontradas no plasma. Também há evidência de que Ostertagia adulta pode causar, diretamente, hipersecreção de pepsinogênio. O aumento do pH do abomaso também pode estimular a produção de gastrina e,
consequentemente, causar hipergastrinemia, que está intimamente associada à inapetência que pode acompanhar a infecção. Esta diminuição do apetite associada ao parasito tem se mostrado amplamente responsável pelo baixo ganho de
peso. O edema frequentemente é marcante e, em casos graves, podese estender pelo abomaso, intestino delgado e omento.
Nas infecções por T. axei, a mucosa do abomaso pode exibir congestão e erosões superficiais que, às vezes, são recobertas por exsudato fibrinonecrótico.
DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E CONTROLE: Ver p. 362 e seguintes.
Nematodirus spp
Nematodirus helvetianus é comumente conhecido como a espécie mais comum em bovinos, embora outras espécies, por exemplo, N. spathiger e N. battus, também possam infectálos. Os machos adultos de N. helvetianus tem cerca de 12
mm de comprimento e as fêmeas 18 a 25 mm. Os ovos desenvolvemse lentamente; o terceiro estágio infectante é atingido dentro do ovo em 2 a 4 semanas e pode permanecer nele por vários meses. Os ovos podem acumularse nas
pastagens e eclodir em grande número após a chuva, provocando infecções intensas em curto período. Os ovos são altamente resistentes e os ovos eliminados pelos bezerros em uma estação podem permanecer viáveis e infectar os bezerros
na estação seguinte. Depois da ingestão de larvas infectantes, atingese o estágio adulto em cerca de 3 semanas. Os vermes são muito mais numerosos em uma porção intestinal situada 3 a 6 m do piloro.
Os sinais clínicos, que incluem diarreia e anorexia, geralmente se desenvolvem durante a terceira semana de infecção, antes dos vermes atingirem maturidade sexual; as infecções clínicas podem ser observadas em bezerros leiteiros a
partir de 6 semanas de idade. O diagnóstico é difícil durante o período prépatente, mas durante o período patente é facilmente definido com base na constatação de ovos característicos. Um número relativamente pequeno de ovos é
produzido. A imunidade à reinfecção desenvolvese com rapidez. A necropsia pode mostrar apenas uma mucosa espessada e edemaciada.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, veja p. 362 e seguintes.
Oesophagostomum sp
Os adultos de Oesophagostomum radiatum (verme nodular) tem 12 a 15 mm de comprimento e sua cabeça é encurvada dorsalmente. Como os ovos são bastante semelhantes aos de Haemonchus placei, são frequentemente agrupados no
exame de fezes de rotina. O ciclo biológico é direto. Inicialmente as larvas penetram na parede da porção de 3 a 6 m posteriores do intestino delgado, mas também penetram no ceco e no cólon, onde permanecem por 5 a 10 dias e então
retornam ao lúmen como larvas de quarto estágio. O período prépatente nos animais suscetíveis é de cerca de 6 semanas. No entanto, nas reinfecções subsequentes, as larvas ficam retidas por algum tempo, e várias nunca retornam ao
lúmen (encistamento no hospedeiro).
Os animais jovens sofrem ação dos vermes adultos, enquanto nos animais mais velhos a ação dos nódulos é mais importante. A infecção causa anorexia; grave diarreia persistente com fezes escuras fétidas; perda de peso e morte. Nos
animais mais velhos, resistentes, os nódulos que circundam as larvas tornamse caseosos e calcificados, reduzindo a motilidade intestinal. Estenose ou intussuscepção ocorrem, ocasionalmente. Os nódulos podem ser palpados por via retal e
os vermes e os nódulos podem ser facilmente observados na necropsia.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, veja p. 362 e seguintes.
Strongyloides sp
O ascarídeo intestinal Strongyloides papillosus possui um ciclo biológico incomum. Apenas as fêmeas são encontradas no intestino. Elas têm 3,5 a 6 mm de comprimento e se incrustam na mucosa da porção superior do intestino delgado.
Os ovos embrionados, pequenos, são eliminados nas fezes, eclodem rapidamente e podem se desenvolver diretamente em larvas infectantes ou em adultos de vida livre. Os descendentes desses adultos de vida livre podem desenvolverse
em outra geração de larvas infectantes ou adultos de vida livre. O hospedeiro tornase infectado por meio da penetração na pele ou por ingestão; as larvas infectantes podem ser transmitidas via colostro, como nas outras espécies do gênero.
O período prépatente é de cerca de 10 dias.
As infecções são mais comuns em bezerros jovens, particularmente em rebanhos leiteiros. Embora os sinais clínicos sejam raros, podem incluir diarreia intermitente, perda de apetite e de peso e, às vezes, sangue e muco nas fezes. Grande
quantidade de vermes no intestino provoca enterite catarral com petéquias e equimoses, especialmente no duodeno e no jejuno.
Oesophagostomum radiatum, ovos. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.
Quanto ao diagnóstico, tratamento e controle, veja p. 362 e seguintes.
Toxocara sp
O ascarídeo Toxocara vitulorum é um verme esbranquiçado e robusto (os machos tem 20 a 25 cm de comprimento e as fêmeas 25 a 30 cm), encontrado no intestino delgado de bezerros < 6 meses de idade; os bezerros mais velhos são
resistentes. As larvas que eclodem dos ovos ingeridos passam aos tecidos e, nas vacas prenhes, são mobilizadas posteriormente na prenhez e eliminadas pelo leite, para os bezerros. Os ovos aparecem nas fezes dos bezerros a partir da
terceira semana de idade e são facilmente reconhecidos por seu revestimento espesso e com sulcos. Em alguns países, a infecção é considerada séria, particularmente em bezerros bubalinos.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, veja p. 362 e seguintes.
Trichuris spp
As infecções por Trichuris spp são comuns nos bezerros jovens e nos sobreanos, mas um grande número de Trichuris spp é raro. Os ovos são resistentes e as infecções provavelmente persistem nas propriedadesproblema. Os sinais clínicos
são improváveis, mas em infecções intensas ocasionais, fezes escuras, anemia e anorexia podem ser observadas.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.
PARASITOS GASTRINTESTINAIS DE OVINOS E CAPRINOS
Várias espécies de nematoides e cestóideos causam gastrite e enterite parasitárias em ovinos e caprinos. As mais importantes dessas espécies são Haemonchus contortus, Teladorsagia (Ostertagia) circumcincta, Trichostrongylus axei, as
espécies intestinais de Trichostrongylus, Nematodirus spp, Bunostomum trigonocephalum e Oesophagostomum columbianum. Cooperia curticei, Strongyloides papillosus, Trichuris ovis e Chabertia ovina também podem ser patogênicos
nos ovinos; essas espécies e outras relacionadas encontramse discutidas em parasitos GI dos bovinos (p. 369).
Bunostomum e Gaigeria spp
Bunostomum trigonocephalum adultos (ancilóstomos) são encontrados no jejuno. O ciclo biológico e os achados clínicos são essencialmente os mesmos que nos ancilóstomos bovinos (p. 367). Tão pouco quanto 100 vermes podem causar
sinais clínicos. Gaigeria pachyscelis é encontrado na África e na Ásia e lembra o Bunostomum spp em tamanho e forma (2 a 3 cm). As larvas de G. pachyscelis infectam o hospedeiro apenas mediante a penetração cutânea. G. pachyscelis é
um sugador de sangue voraz e provavelmente é o ancilóstomo mais patogênico.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.
Cestóideos (Tênias)
A patogenicidade de Moniezia expansa nos ovinos é debatida há muito tempo. Várias observações iniciais, que associaram essa infecção com diarreia, emaciação e perda de peso, não diferenciavam precisamente as infecções por cestóideos
das infecções por alguns pequenos nematoides (p. ex., Trichostrongylus colubriformis). São relativamente não patogênicas, mas as infecções intensas podem resultar em discreto definhamento e distúrbios GI. O diagnóstico pode ser feito
com o achado de proglótides em forma de cinta, amareladas a brancoperoladas nas fezes ou saindo pelo ânus ou ainda pela demonstração dos ovos característicos em exame de fezes. O ciclo biológico envolve um ácaro oribatídeo que vive
nas pastagens. O período prépatente é de 6 a 7 semanas. Os cordeiros desenvolvem rápida resistência e as infecções são incomuns depois de cerca de 4 a 5 meses de idade.
Thysanosoma actinioides, a “tênia com franjas”, habita o intestino delgado, o ducto biliar e o ducto pancreático. É comumente encontrada em ovinos da área das Montanhas Rochosas dos EUA. Embora não esteja associada à doença
clínica, é de importância econômica porque os fígados tornamse condenados quando os parasitos são encontrados no ducto biliar.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.
Chabertia sp
Os vermes adultos causam graves lesões à mucosa do cólon, com consequentes congestão, úlcera e pequenas hemorragias. Os ovinos infectados definham; as fezes ficam moles, contêm muito muco e podem conter estrias de sangue.
Desenvolvese imunidade rapidamente e os surtos são observados apenas sob condições de estresse intenso.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.
Haemonchus, Ostertagia e Trichostrongylus spp
Os principais vermes gástricos dos ovinos e dos caprinos são Haemonchus contortus, Teladorsagia (Ostertagia) circumcincta, Ostertagia trifurcata, Trichostrongylus axei (p. 369) e, em algumas regiões tropicais, Mecistocirrus digitatus. A
transmissão cruzada de Haemonchus entre os ovinos e os bovinos pode ocorrer, mas não tão facilmente quanto à transmissão entre espécies homólogas. Os ovinos são mais suscetíveis às espécies bovinas do que os bovinos o são com
relação às espécies ovinas. Quanto às descrições e aos ciclos de vida, ver parasitas gastrointestinais de bovinos, p. 367.
Haemonchus é mais comum nas áreas tropicais ou subtropicais ou nas áreas com chuvas de verão, enquanto Ostertagia e T. axei são mais comuns nas áreas com chuvas de inverno. A última espécie também predomina nas zonas
temperadas.
A hemoncose nos ovinos pode ser classificada como hiperaguda, aguda ou crônica.
Na doença hiperaguda, a morte pode acontecer dentro de 1 semana de infecção intensa, sem sinais significativos. A doença aguda caracterizase por anemia grave, acompanhada de edema generalizado. A anemia também é característica
de infecção crônica, frequentemente com cargas verminóticas baixas, e é acompanhada de perda de peso progressiva. A diarreia não é um sinal clínico de hemoncose; as lesões são aquelas associadas à anemia. O abomaso fica edemaciado
e, na fase crônica, o pH gástrico elevase, o que provoca uma disfunção abomasal. Os ovinos adultos podem desenvolver infecções intensas, até fatais, particularmente durante a lactação.
Trichostrongylus axei, extremidade anterior. Cortesia da Merial Limited.
As lesões, a patogênese e os sinais das infecções por Ostertagia e T. axei são semelhantes aos encontrados nos bovinos. Mesmo uma infecção subclínica reduz o apetite, prejudica a digestão gástrica e diminui o uso de energia
metabolizável e proteínas. Ostertagia corresponde ao principal gênero envolvido na elevação periparturiente em contagens de ovos nas fezes nos ovinos e infecções intensas por este parasito podem causar diarreia e diminuir a produção
leiteira nas ovelhas. Essa eliminação de ovos serve como a principal fonte de contaminação para os cordeiros. O mesmo tipo de inibição no desenvolvimento (hipobiose) observado nos bovinos também é válido
para Ostertagia e Haemonchus nos ovinos.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.
Nematodirus spp
As espécies de Nematodirus encontradas no intestino delgado de ovinos são semelhantes, em morfologia e ciclo biológico, ao N. helvetianus (p. 371). Infecções clínicas têm importância considerável no Reino Unido, na Nova Zelândia e na
Austrália, onde já se descreveram perdas por morte de 20% dos cordeiros nos rebanhos acometidos. Os parasitos são endêmicos em algumas partes dos estados das Montanhas Rochosas dos EUA, onde ocasionalmente causam doença
clínica em cordeiros.
Nas áreas onde as infecções clínicas são comuns, a doença frequentemente apresenta um padrão sazonal característico. Muitos dos ovos eliminados pelos cordeiros acometidos permanecem inativos por todo o restante da estação de
pastejo e pelo inverno, com grande número de larvas surgindo durante o início do período de pastejo do ano seguinte. Consequentemente, os cordeiros de uma estação contaminam os pastagens dos cordeiros da estação seguinte, mas o
ciclo biológico pode ser interrompido, caso não se utilize a mesma área para pastagens todos os anos. A maioria das infecções clínicas ocorre em cordeiros de 6 a 12 semanas de idade.
N. battus é encontrado no Reino Unido e em outras partes da Europa e também na América do Norte. Os ovos eclodem após um período de frio e depois de uma elevação da temperatura ambiente para média diurna/noturna de 10°C. Isso
ocorre no final da primavera, nas áreas temperadas. As exigências de eclosão demonstram que há, geralmente, uma geração anual de N. battus, embora no Reino Unido já se descrevera surtos no outono. A doença pode estar associada a
estágios larvais em desenvolvimento e pode ser observada dentro de 2 semanas do desafio. Outros Nematodirus spp são frequentemente encontrados em regiões de baixo índice de chuvas (p. ex., a região do Karroo, na África do Sul, e no
interior da Austrália), onde os outros parasitos raramente são encontrados.
A nematodirose é caracterizada por início súbito, “perda de vigor”, definhamento, diarreia profusa e desidratação acentuada, com morte em 2 a 3 dias após início do surto. A nematodirose restringese comumente aos cordeiros ou aos
ovinos em desmame, mas nos países com poucas chuvas, onde os surtos são esporádicos, os ovinos mais velhos podem sofrer infecções intensas. As lesões geralmente consistem em desidratação e enterite catarral discreta, mas pode ocorrer
inflamação aguda no intestino delgado inteiro. As contagens = 10.000 vermes, associadas aos sinais e histórico característicos, indicam infecções clínicas. Os cordeiros acometidos podem eliminar um grande número de ovos, que podem ser
identificados facilmente; no entanto, como o início da doença pode preceder a maturação dos vermesfêmeas, isso não é um achado constante.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.
Oesophagostomum sp
O verme nodular de ovinos, Oesophagostomum columbianum, tem morfologia e ciclo biológico semelhantes aos do verme nodular de bovinos (p. 371).
A diarreia geralmente se desenvolve durante a segunda semana de infecção. As fezes podem conter excesso de muco, bem como estrias de sangue. À medida que a diarreia progride, os ovinos tornamse emaciados e fracos. Esses sinais
costumam diminuir próximo ao final do período prépatente, mas a presença contínua de vários vermes adultos pode resultar em infecção crônica, na qual os sinais podem não se desenvolver por vários meses. Os ovinos tornamse fracos,
perdem peso apesar de um bom apetite, e apresentam diarreia intermitente e constipação intestinal.
À medida que a imunidade desenvolvese, formamse nódulos ao redor das larvas; esses nódulos podem tornarse caseosos e calcificados. A formação nodular geralmente é mais acentuada em ovinos do que em bovinos. Os ovinos
acometidos apresentam alteração da marcha e, com frequência, dorso arqueado. Nos casos graves, pode haver estenose e intussuscepção. O diagnóstico é difícil durante o período prépatente, momento no qual ele deve basearse
amplamente nos sinais clínicos.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.
Strongyloides sp
As infecções intensas por vermes adultos causam uma doença semelhante à tricostrongilose. A infecção ocorre geralmente por penetração cutânea, mas também pode ocorrer pelo leite. As lesões cutâneas, entre as unhas, produzidas pelas
larvas que penetram na pele, lembram os estágios iniciais do foot rot e podem auxiliar na invasão dos agentes causadores dessa doença. A maioria das infecções é transitória e sem maiores consequências.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.
Trichuris sp
As infecções intensas por tricurídeos não são comuns, mas podem ocorrer em cordeiros muito jovens ou durante condições de seca, quando os ovinos são alimentados com grãos no solo. Os ovos são bastante resistentes. Congestão e edema
na mucosa do ceco, acompanhados de diarreia e definhamento são observados.
Quanto a diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 280 e seguintes.
Tricostrongilose Intestinal
O ciclo biológico de Trichostrongylus (T. colubriformis, T. vitrinus e T. rugatus) intestinal é direto. As larvas em desenvolvimento escavam superficialmente as criptas da mucosa e se desenvolvem em adultos que põem ovos em 18 a 21
dias.
Anorexia, diarreia persistente e perda de peso são os sinais principais. Atrofia vilosidade resulta em prejuízo na digestão e má absorção; há perda proteica através da mucosa danificada. Não há lesões características; devese realizar uma
contagem verminótica total para avaliar a condição.
Quanto ao diagnóstico, tratamento e controle, ver p. 362 e seguintes.
PARASITOS GASTRINTESTINAIS DE SUÍNOS
Ver coccidiose em suínos, p. 213.
Nos suínos, constantemente são constatados helmintos gastrintestinais; seus principais sinais clínicos são perda de apetite, redução no ganho diário, baixa utilização do alimento e potencialização de outros patógenos. Raramente levam à
morte.
Além da boa higiene básica nas pocilgas, que deve ser enfatizada, o controle dos helmintos gastrintestinais baseiase em tratamentos antihelmínticos e medidas preventivas, tais como evitar o contato dos suínos com hospedeiros
intermediários. Para se reduzir o risco de desenvolvimento de resistência às drogas, o uso de antihelmíntico deve ser realizado antes da pesquisa dos helmintos em um número representativo de animais, e deve ser iniciado apenas quando se
constatam de ovos do parasito nas fezes do grupo etário examinado. Os produtos administrados no alimento incluem benzimidazóis, ivermectina, levamisol e diclorvós. Um programa antihelmíntico simples consiste em tratar as porcas e as
marrãs cerca de 10 dias antes do acasalamento e, novamente, antes do parto, enquanto os leitões desmamados e os suínos em engorda antes de entrarem em cercados limpos; os cachaços, em intervalos de 4 a 6 meses. De modo alternativo,
uma administração de ivermectina, também efetiva contra piolhos e sarna, pode ser realizada em um programa semelhante. Uma abordagem diferente é em tratar todos os suínos do rebanho no mesmo dia e repetir a cada 3 a 6 meses ou
menos, com o intervalo de dosagem sendo determinado pelas contagens de ovos nas fezes. Em rebanhos submetidos a um bom manejo, não é possível demonstrar uma diferença entre essas duas estratégias e, pelo fato da transmissão aos
leitões dentro de várias unidades de parto modernas ser desprezível, não há razão em tratar as porcas antes da parição. Todavia, um bom sistema de manejo incorpora práticas que visam à prevenção de infecções e não utiliza o tratamento
antihelmíntico como único método de controle de parasitos.
ASCARIS SP
As formas adultas do grande nematelminto, Ascaris suum, são encontradas principalmente no intestino delgado e, transitoriamente, no intestino grosso durante a expulsão dos vermes. Possuem cerca de 15 a 40 cm de comprimento, são
esbranquiçados e bastante grossos. Um número grande de ovos é produzido (tanto quanto 200.000 a 1 milhão/fêmea/dia); podem se desenvolver ao estágio infectante (ovos contendo a larva L3) em 3 a 4 semanas, sob condições ótimas. Nas
regiões temperadas, permanece inativo no inverno (< 15°C) e retoma o desenvolvimento quando a temperatura se eleva na primavera. Os ovos são altamente resistentes a agentes químicos, mas condições com baixa umidade, temperatura
elevada e luz solar direta podem reduzir a sobrevivência significativamente. Sob condições ótimas, os ovos podem sobreviver por 5 a 10 anos. Quando os ovos são ingeridos, as larvas eclodem no intestino, penetram na parede do intestino
grosso e atingem a circulação portal. Depois de um período no fígado, as larvas são transportadas, pela circulação, aos pulmões, de onde elas passam, através dos capilares, para o interior dos espaços alveolares. Cerca de 9 a 10 dias pós–
ingestão, as larvas sobem a árvore brônquica para retornarem ao trato gastrintestinal. Quando chegam no intestino delgado, a maioria das larvas são expelidas; as larvas remanescentes desenvolvemse em vermes adultos maduros. Os
primeiros ovos são eliminados 6 a 7 semanas pósinfecção.
Ascaris suum, macho e fêmea adultos. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.
DISTRIBUIÇÃO E GAMA DE HOSPEDEIROS: A. suum é encontrado em suínos no mundo todo. Os vermes podem também infectar cordeiros e bezerros neonatos, nos quais os ascarídeos adultos localizamse no ducto biliar. A. suum apresenta
potencial zoonótico e os adultos são comumente encontrados em crianças préescolares que tem contato com rebanhos de suínos. Foi descrita a larva migrans visceral por migração de larvas.
ACHADOS CLÍNICOS: Os vermes adultos podem reduzir significativamente a taxa de crescimento dos suínos jovens; em casos raros, podem causar a obstrução mecânica do intestino. A migração das larvas para o fígado causa hemorragia,
fibrose e acúmulo de linfócitos, que se apresentam como “pontos brancos” sob a cápsula, levando a condenação do fígado ao abate. As manchas brancas desaparecem dentro de 1 a 4 semanas; portanto, sua presença indica reinfecção
recente. Nos suínos resistentes, apenas poucas larvas atingem o fígado e o número de manchas brancas é baixo, apesar da reinfecção contínua. Sendo assim, o número de manchas brancas e a taxa de condenação do fígado são medidas
insignificantes do teor de infecção do rebanho. Nas infecções intensas, as larvas podem causar edema e consolidação pulmonares, bem como exacerbar a gripe suína e a pneumonia endêmica. Os animais suscetíveis, muito expostos, exibem
respiração abdominal comumente chamada de “golpes”. Além dos sinais respiratórios, observamse definhamento acentuado e perda de peso. A infecção geralmente induz o desenvolvimento de resistência adquirida à reinfecção, e a
prevalência é mais elevada em suínos jovens em crescimento. Se a taxa de tratamento é muito baixa, o teor de imunidade do rebanho também é baixo, e a prevalência pode ser maior nos animais reprodutores.
DIAGNÓSTICO: Durante o período patente, o diagnóstico pode ser feito por demonstração dos ovos típicos (marromdourado, parede espessa, com saliências externas, 50 a 70 × 40 a 60 μm) durante a análise das fezes ou por observação dos
grandes vermes no material fecal. Um diagnóstico presuntivo pode ser feito com base na demonstração das manchas brancas no fígado; no entanto, outros parasitos migratórios (p. ex., larvas de Toxocara canis) podem causar lesões
semelhantes. Os vermes podem ser evidenciados nos pulmões (imaturos pequenos) e no intestino delgado (imaturos grandes, adultos) durante a necropsia.
TRATAMENTO: Podese tornar necessária uma terapia de suporte, inclusive tratamento contra infecções bacterianas secundárias, durante a fase respiratória da afecção. Têm–se utilizado várias drogas para eliminar os ascarídeos adultos. As
preparações de piperazina possuem baixa toxicidade e um preço moderado. Os benzimidazóis e próbenzimidazóis, diclorvós, ivermectina, levamisol e pirantel são efetivos e possuem um espectro de ação mais amplo que o da piperazina. A
higromicina é ativa contra os ascarídeos quando administrada como um aditivo, em baixa dose, no alimento. Encontramse disponíveis poucas informações com relação ao controle dos estágios migratórios; o pirantel e o fembendazol
mostram atividade.
MACRACANTHORHYNCHUS SP
Macracanthorhynchus hirudinaceus (acantocéfalo suíno) adulto geralmente instalase no intestino delgado. Apresenta 10 cm (machos) a 65 cm (fêmeas) de comprimento e 3 a 9 mm de largura, é levemente rosa e possui um revestimento
externo transversalmente enrugado. A extremidade anterior possui um rostelo ou uma probóscide retraível, utilizados para uma firme aderência na parede intestinal. Os ovos (marromescuros, embrionados, com 3 envoltórios
embrionários, 90 a 110 × 50 a 65 μm) são ingeridos por larvas de vários besouros, que servem como hospedeiros intermediários. Os suínos tornamse infectados ingerindo larvas ou besouros adultos, e a infecção fica então restrita aos
suínos criados soltos. O período prépatente é de 2 a 3 meses e as fêmeas colocam cerca de 260.000 ovos/dia, por vários meses.
Os sinais não são específicos; o diagnóstico antemorte é difícil, pois os ovos não flutuam, confiavelmente, em soluções salinas e devem, então, ser examinados no sedimento. O local de fixação pode ter um centro necrótico circundado
por uma zona de inflamação. Essas lesões geralmente podem ser observadas na serosa. O rostelo pode perfurar a parede intestinal e causar peritonite e morte.
Levamisol e ivermectina são efetivos no tratamento. O controle depende de se evitar o uso de recintos ou pastagens contaminadas ou da remoção regular de fezes quando os animais são colocados em baias ou pequenas salas.
OESOPHAGOSTOMUM SPP
Oesophagostomum spp são cosmopolitas; O. dentatum é a espécie mais comum, enquanto O. quadrispinulatum parece ser um pouco mais patogênico. Todas as espécies de Oesophagostomum são hospedeiroespecíficas. Os adultos são
encontrados no lúmen do intestino grosso; têm 8 a 12 mm de comprimento, são delgados e brancos ou cinzas. O ciclo biológico é direto. A infecção resulta da ingestão de larvas L3, que penetram na mucosa do intestino grosso em poucas
horas após a ingestão e retornam para o lúmen em 6 a 20 dias. O período prépatente é de 17 a 35 dias. Uma elevação periparturiente na eliminação dos ovos foi observada em porcas de 2 semanas antes do parto até o desmame; contudo,
este fenômeno é muito menos constante em suínos do que nos ovinos e sua importância epidemiológica é questionável. A maioria das infecções é assintomática, mas os suínos intensamente infectados podem exibir anorexia, emaciação e
distúrbios GI.
A serosa mostra pequenos nódulos, com o seu tamanho refletindo a espécie e uma exposição anterior. Nos casos graves, a parede intestinal pode estar espessada e necrosada. Infecções maciças podem reduzir a capacidade de lactação das
porcas e o peso corporal dos suínos em crescimento. A infecção induz uma imunidade moderada; por isso, a prevalência destes vermes tende a ser maior em grupos de animais mais velhos (porca, varrão). Nas infecções patentes,
encontramse ovos de estrôngilos típicos (66 a 80 × 38 a 47 μm) nas fezes, frequentemente em grande número. Esses ovos podem ser diferenciados dos do Hyostrongylus por meio de cultura larval (as larvas L3 de Oesophagostomum são
menores, mais espessas e se movem mais lentamente). Na necropsia, os vermes e as lesões são facilmente observados. Os benzimidazóis, levamisol, piperazinas, diclorvós, tartarato de pirantel e ivermectina são efetivos, mas a resistência
antihelmíntica foi relatada para os benzimidazóis, levamisol e pirantel. Uma dieta composta por carboidratos altamente degradáveis pode auxiliar no controle da verminose por criar condições desfavoráveis, reduzindo o estabelecimento e
a fecundidade dos vermes.
STRONGYLOIDES SP
O ciclo biológico de Strongyloides ransomi (verme filiforme intestinal) aparentemente é semelhante ao de S. papillosus dos bovinos (p. 371). Os vermes filiformes são únicos entre os helmintos, possuindo tanto as gerações parasitárias
(fêmeas no intestino delgado) quanto às gerações de vida livre (machos e fêmeas no ambiente circundante). A transmissão ocorre por penetração cutânea, enfatizando a importância de uma boa higiene, ou via larvas infectantes no colostro
de porcas lactantes. A transmissão lactogênica é altamente eficaz para leitões recémnascidos. Mesmo sem a reinfecção das porcas, as larvas inativas no úbere podem ser transmitidas a várias ninhadas consecutivas de leitões. Os vermes
adultos escavam a parede do intestino delgado. O período prépatente é de 4 a 9 dias, dependendo do modo de infecção. Nas infecções leves e moderadas, os suínos geralmente não exibem sinais clínicos. Nas infecções intensas, podemse
observar diarreia, anemia e emaciação com morte decorrente. As infecções induzem a uma imunidade duradoura, e, consequentemente, animais mais velhos não são clinicamente acometidos.
Oesophagostomum spp, ovo. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.
O diagnóstico é determinado pela demonstração dos ovos embrionados de casca fina e pequenos, característicos (20 a 35 × 40 a 55 μm), nas fezes. É importante que as fezes sejam coletadas do reto, pois os excrementos nas fezes podem
se tornar contaminados por nematoides de vida livre, podendo ter ovos indistinguíveis dos de Strongyloides. Além disso, as fezes devem ser mantidas sob refrigeração imediatamente para evitar a incubação. À necropsia, os adultos podem
ser encontrados em esfregaços da mucosa intestinal e os vermes imaturos podem ser recuperados de tecidos cortados em um aparelho de Baermann.
Benzimidazóis e levamisol são efetivos contra infecções intestinais. Se são administrados no alimento por vários dias antes e depois do parto, reduzirão as transmissões lactogênicas aos leitões lactentes. infecções nos leitões lactentes. A
ivermectina é eficaz contra os adultos e, se é administrada à porca 1 a 2 semanas antes do parto, controla a transmissão aos leitões. Um teor elevado de higiene nas baias é necessário para diminuir o desenvolvimento larval, assim como a
multiplicação de gerações de vida livre no recinto.
TRICHURIS SP
Trichuris suis é distribuído mundialmente nos suínos. Os vermes adultos têm 5 a 6 cm de comprimento e formato de chicote; a porção delgada anterior se incorpora nas células epiteliais do intestino grosso, especialmente o ceco, com o
terço posterior espesso livre no lúmen. A infecção ocorre por ingestão de ovos embrionados. As infecções intensas podem causar lesões inflamatórias no ceco e no intestino grosso adjacente e serem acompanhadas de diarreia e
definhamento. A afecção é mais frequentemente vista em animais jovens; a resistência é tanto adquirida quanto relacionada com a idade. Os ovos duplamente operculados, amarronzados (50 a 68 × 21 a 31 μm) são diagnósticos, com a
oviposição iniciandose 6 a 7 semanas após infecção. Entretanto, os tricurídeos são apresentam um curto período de oviposição (2 a 5 semanas) antes dos vermes serem expelidos por reações imunomediadas ovipositores esporádicos, e
pouca importância tem sido administrada ao número de ovos por grama de fezes. Diclorvós, levamisol, alguns benzimidazóis e ivermectina são efetivos contra os vermes adultos. Biologicamente, os ovos são comparáveis aos de Ascaris –
são altamente resistentes aos produtos químicos e podem permanecer infectantes por até 11 anos; consequentemente, o controle consiste na limpeza completa da área contaminada e a remoção dos animais para locais limpos. Os ovos
de Trichuris desenvolvemse muito lentamente (10 a 12 semanas sob condições ótimas), e por não se desenvolverem em temperaturas < 16°C, há apenas 1 geração/ano, em regiões temperadas.
As larvas de T suis podem eclodir no intestino grosso de pessoas, nas quais as larvas parecem capazes de se instalar transitoriamente. Os adultos raramente são notados.
VERMES DE ESTÔMAGO
Três tipos de vermes de estômago são encontrados em suínos: um verme fino, Hyostrongylus rubidus (verme gástrico vermelho) e dois espessos, Ascarops strongylina e Physocephalus sexalatus. H. rubidus tem cerca de 6 mm de
comprimento, é delgado e possui um ciclo biológico direto. Os vermes gástricos espessos têm cerca de 10 a 20 mm de comprimento, são muito mais robustos e têm os besouros coprófagos como hospedeiros intermediários. Todos os 3
vermes gástricos distribuemse mundialmente mas principalmente em suínos criados livres.
ACHADOS CLÍNICOS: Quando presentes em grande número ou quando a condição do hospedeiro é desfavorável devido a uma dieta deficiente ou outros fatores, esta verminose pode causar apetite variado, anemia, diarreia ou perda de peso e
pode contribuir para a síndrome da porca magra. H. rubidus é encontrado, caracteristicamente, sob um exsudato catarral ou mucoso intenso e pode provocar lesões na mucosa semelhantes às de Ostertagia spp nos ruminantes, exceto nos
que as hemorragias são mais comuns. O desenvolvimento retardado dos estágios larvais na mucosa é análogo ao da Ostertagia. Nas porcas, as larvas inativas podem retomar o desenvolvimento próximo ao parto e podem causar gastrite
grave e, além disso, contaminar o ambiente dos suínos jovens. A oviposição pelas fêmeas de Hyostrongylus é geralmente baixa quando comparada com a do gênero nematoide.
DIAGNÓSTICO: Os sinais clínicos, além do definhamento, não são óbvios. Os exames nas fezes podem demonstrar os ovos distintos de Physocephalus e Ascarops – ovos pequenos (35 a 40 × 17 a 20 mm) e com casca grossa, contendo uma
larva ativa. Os ovos de Hyostrongylus lembram os dos outros estrôngilos (p. ex., Oesophagostomum) e exigemse culturas nas fezes para obter larvas infectantes para um diagnóstico diferencial.
Na necropsia, observamse facilmente os vermes adultos, em especial Physocephalus e Ascarops. Os esfregaços da mucosa para exame microscópico são essenciais para a detecção de Hyostrongylus imaturo.
TRATAMENTO: Os benzimidazóis mais recentes, os próbenzimidazóis e a ivermectina são bastante efetivos contra os estágios adulto e imaturo (inclusive larvas hipobióticas) de Hyostrongylus. A ivermectina também é efetiva
contra Ascarops adulto.
SÍNDROMES DA MÁ ASSIMILAÇÃO EM GRANDES ANIMAIS
A má assimilação é um defeito na capacidade do trato gastrintestinal de incorporar nutrientes ao corpo devido à má absorção ou má digestão. A má absorção corresponde a uma falha no transporte de nutrientes do lúmen intestinal para a
corrente sanguínea, enquanto a má digestão compreende uma falha na degradação intraluminal dos constituintes dietéticos devido ao déficit da função pancreática exócrina, dos ácidos biliares ou das enzimas da borda em escova. A má
digestão, sozinha, é uma causa rara de máassimilação em grandes animais. Síndromes de má digestão são incomuns em equinos, quando comparadas com outras espécies domésticas. O pâncreas do equino secreta apenas baixas
concentrações de enzimas digestivas e provavelmente exerce um papel pequeno na digestão dos nutrientes. Alguns processos patológicos envolvem tanto má digestão quanto má absorção, como se observa no caso de animais jovens com
deficiência de lactase. Doenças de má absorção são muito mais comuns nos equinos do que as doenças de má digestão.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Várias doenças, por alterarem os mecanismos absortivos normais do intestino delgado, induzem uma síndrome de má absorção. Nos equinos, essas doenças incluem: (1) distúrbios inflamatórios ou infiltrativos –
linfossarcoma difuso no intestino delgado (linfoma alimentar); enterite por infiltrado eosinofílico, linfocíticoplasmocitário ou basofílico; enterocolite epiteliotrópica eosinofílica multissistêmica; enterite granulomatosa (doença intestinal
inflamatória); Lawsonia intracellularis (potros desmamados, ao sobreano); isquemia e lesões intestinais por migração de larvas de Strongylus vulgaris, pequenos estrôngilos ou infecção por Strongyloides westeri (potros); criptosporídios;
inflamação pósinfarto; gastroenteropatia associada a amiloide A; abscedação múltipla intestinal; tuberculose; histoplasmose; infecção intestinal por Rhodococcus equi; enterocolite invasiva (Salmonella spp); (2) anormalidades bioquímicas
ou genéticas – deficiência de lactase adquirida ou congênita (intolerância à lactose); enteropatia induzida por alimento; defeito no transporte de monossacarídios; insuficiência pancreática exócrina; (3) doenças que causam uma área
absorção inadequada – atrofia ou lesão vilosidade por infecção viral (rotavírus, coronavírus) ou enterite bacteriana em potros, criptosporídios, ressecção intestinal; (4) distúrbios cardiovasculares – insuficiência cardíaca congestiva; isquemia
intestinal; (5) obstrução linfática – linfossarcoma, linfadenopatia mesentérica, linfangiectasia intestinal, abscedação, obstrução do ducto torácico; (6) variados – induzidas por drogas, intoxicação por metais pesados, deficiência de zinco.
As síndromes de má absorção nos bovinos são pouco documentadas, mas provavelmente ocorrem mais frequentemente nos bezerros com diarreia. As doenças que causam síndrome de má absorção nos ruminantes e suínos incluem vírus
(rotavírus e coronavírus), criptosporídios, isquemia local ou generalizada, dieta pobre em proteínas, ressecção do intestino delgado (síndrome do intestino curto), insuficiência cardíaca congestiva, obstrução linfática, parasitismo
(tricostrongilose dos ovinos e bovinos), tuberculose e doença de Johne nos ruminantes, e enteropatia proliferativa (Lawsonia intracellularis) nos suínos. Os antibióticos orais podem alterar a absorção das células epiteliais e causar
desequilíbrio na flora do trato gastrintestinal. O tratamento com doses altas de ampicilina, neomicina ou tetraciclina diminui significativamente e retarda a absorção de glicose durante testes de tolerância com glicose oral em bezerros.
Os camelídeos são acometidos por várias das mesmas condições que causam a síndrome de má absorção em ruminantes. O coronavírus é, particularmente, um problema em crias jovens. Eimeria macusaniensis, durante o período pré
patente ou fase patente da infecção, pode causar perda de peso, hipoproteinemia e debilitação grave em camelídeos jovens ou adultos, quando acometidos.
As síndromes de má digestão são incomuns e pouco compreendidas em grandes animais. Podem ocorrer por alterações na função gástrica ou atividade da microflora ruminal, proliferação bacteriana anormal no intestino delgado ou
diminuição ou falta de enzimas da borda em escova do intestino delgado (deficiência de lactase). As causas menos prováveis incluem alterações na secreção ou excreção de sais biliares (induzidas por drogas ou hepatopatia ou enteropatia)
ou deficiência ou inativação da lipase pancreática. As alterações na concentração de sais biliares podem não prejudicar a digestão no herbívoro adulto, mas podem exacerbar os estados diarreicos em neonatos alimentados com leite. A
ressecção ou o desvio cirúrgico do intestino delgado distal pode facilitar um supercrescimento bacteriano com anormalidades associadas aos sais biliares.
A lactose é um dissacarídio composto por glicose e galactose. As enzimas da borda em escova do intestino delgado dos potros e bezerros contem lactase, que catalisa a degradação da lactose em seus componentes monossacarídicos, que
são então observados. Nas pessoas, a deficiência primária de lactase é herdada como uma característica autossômica recessiva; porém, a sua ocorrência e o seu modo de herança nos grandes animais são pouco documentados. Deficiência de
lactase adquirida ou secundária é mais comum. Isto também é observado nos potros e bezerros como resultado de alterações na mucosa intestinal induzidas por enterites virais, protozoárias e bacterianas. A perda das células epiteliais do
intestino delgado, extremidades vilosidades e de algumas ou todas as células das criptas resultam em graus variados de deficiência de lactase por perda das células epiteliais secretoras de lactase. As alterações morfológicas podem incluir
atrofia vilosidade parcial, hiperplasia de criptas e infiltração na lâmina própria. A diarreia osmótica resultante, em potros e bezerros lactasedeficientes, ocorre devido ao aumento dos nutrientes não digeridos/não absorvidos no intestino
delgado, fermentação bacteriana aumentada, aumento na concentração de partículas osmoticamente ativas e retenção de água e eletrólitos no intestino.
A má absorção é comumente observada nos animais com gastroenteropatias. Pode surgir a partir de distúrbios estruturais ou funcionais do intestino delgado ou ser multifatorial. Ocorre, muitas vezes, má absorção concorrentemente com
perda proteica intestinal. Ambas podem causar perda de nutrientes nas fezes e perda de peso. A má absorção não é sinônimo de diarreia em todas as espécies, embora a diarreia possa constituir uma característica. A função do intestino
grosso pode estar alterada secundariamente devido a alterações no intestino delgado. Pode ocorrer uma diarreia transitória quando uma quantidade anormal de ácidos biliares, ácidos graxos e carboidratos entra no intestino grosso, no
efluente ileal. Essas substâncias podem potencializar direta ou indiretamente a secreção ou diminuir as taxas de absorção.
A má absorção de nutrientes pode resultar da área de superfície absorção insuficiente, um defeito intrínseco na morfologia da mucosa ou submucosa da parede intestinal ou obstrução linfática. Infecção por rotavírus em animais mais
jovens pode causar destruição das células epiteliais das vilosidades intestinais, que resulta em má digestão por diminuição na atividade das enzimas dissacaridases da borda em escova e em má absorção por diminuição na área da superfície
absorção. Coronavírus e criptosporídios podem resultar em efeitos semelhantes. A diminuição na área da superfície absorção também pode resultar de ressecção do intestino delgado (síndrome do intestino curto) ou atrofia vilosidade por
enterite granulomatosa. Doença infiltrativa ou inflamatória local, edema ou obstrução linfática (enterite granulomatosa, linfossarcoma) secundários a causas locais ou sistêmicas podem interferir na capacidade da parede intestinal em
absorver nutrientes. Absorção ineficiente também pode ocorrer por um aumento na permeabilidade da mucosa causado por lesões celulares. As anormalidades metabólicas podem alterar as células epiteliais e diminuir a energia disponível
para o transporte ativo e a manutenção das proteínas transportadoras ou enzimas da borda em escova. As deficiências congênitas de enzimas que estão normalmente presentes nos microvilosidades não são bem reconhecidas nos animais
domésticos. Deficiências congênitas de enzimas, que estão normalmente presentes nos microvilosidades, não são muito bem reconhecidas em animais domésticos. No entanto, neonatos e ruminantes possuem teores baixos de maltase, e os
ruminantes não possuem sacarase. Na maioria das espécies, os teores de lactase diminuem com a idade.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos são variáveis, dependendo da doença primária e da presença ou ausência de enteropatia com perda de proteína concomitante. As síndromes de máassimilação caracterizam–se por equilíbrio
energético negativo, perda de peso e possivelmente concentrações de proteínas séricas baixas. Perda de peso crônica ou redução na taxa de crescimento são os sinais clínicos predominantes. Muitas vezes, a perda intestinal de proteína
também pode estar presente e se demonstrar mais debilitante que a má absorção.
O apetite dos animais acometidos pode permanecer normal, aumentar ou diminuir. Pode ocorrer polifagia devido à falha dos nutrientes assimilados em estimular os centros de saciedade. Mais comumente no caso de má absorção do
intestino delgado, há hipofagia ou anorexia devido ao processo patológico primário causar perda de apetite. As fezes permanecem, com frequência, normais em consistência e volume. Pode haver diarreia, mas esta não é uma característica
consistente. Nos animais adultos, a doença do intestino delgado pode ser de grande magnitude antes da diarreia se desenvolver, pois o cólon pode compensar e absorver a carga de fluido aumentada. Em equinos e ruminantes adultos, a
diarreia indica uma doença de intestino grosso. Nos animais jovens, nos quais a função do cólon ainda não está completamente desenvolvida, a diarreia é vista como doença de intestino delgado e de intestino grosso.
Os sinais clínicos também podem incluir má condição, definhamento muscular, intolerância a exercícios, atitude normal ou letárgica e sede variável. Os sinais vitais geralmente permanecem normais até o final da doença. Podese
observar pirexia com afecções inflamatórias e neoplásicas. Dor abdominal pode resultar de inflamação intestinal, abscessos mesentéricos ou murais, aderências ou obstrução parcial. Podem ocorrer posteriormente ascite, edema dependente
e fraqueza, no processo patológico, especialmente quando há de perda intestinal de proteínas. Lesões cutâneas e oculares, vasculite, artrite, hepatite e doença renal podem indicar reações imunológicas, particularmente no caso de doença
intestinal inflamatória. As lesões cutâneas observadas em caso de dermatose relacionada com a má absorção incluem pelame escasso, áreas desiguais de alopecia e áreas focais de descamação e formação de crostas que se distribuem de
forma simétrica.
Potros e bezerros com intolerância à lactose apresentam comumente diarreia, taxa de crescimento deficiente e aparência debilitada. Alguns animais podem exibir flatulência, desconforto abdominal discreto ou timpanismo após ingestão
de leite. Em animais jovens com deficiência de lactase adquirida, os sinais clínicos (diarreia, desidratação, perda de peso) e alterações clinicopatológicas (acidose, hipoglicemia, anormalidades eletrolíticas) podem ser indistinguíveis
daqueles de enteropatia primária. A condição do animal pode melhorar rapidamente e a diarreia pode se resolver quando se suspende o leite ou se esse é substituído por leite enzimaticamente tratado.
Lesões: A carcaça tornase magra a emaciada, dependendo da duração e gravidade da doença de máassimilação. As lesões específicas dependem da doença primária. Os sinais claros de má absorção nem sempre se correlacionam com
alterações macroscópicas e histopatológicas, destacando a importância dos distúrbios funcionais.
DIAGNÓSTICO: A má absorção do intestino delgado não pode ser determinada por meio de um exame clínico ou de dados laboratoriais rotineiros. As causas mais comuns de perda de peso devem ser excluídas antes de um diagnóstico de
síndrome de máassimilação poder ser feito. A determinação da doença primária também é necessária para estabelecer um protocolo terapêutico, bem como um prognóstico apropriado.
Uma anamnese minuciosa deve focar a duração da afecção, fatores precipitantes, histórico nutricional, programa rotineiro de desverminação e de cuidados de saúde, doenças anteriores ou concomitantes, bem como o número, idade e
proximidade com outros animais acometidos. Devese realizar um exame físico completo correlacionando os achados do exame físico com os sinais clínicos e anamnese. A palpação retal é realizada para determinar a presença de massas
intraabdominais, linfonodos aumentados de tamanho, aderências, posicionamento ou espessamento anormais de segmentos intestinais, ou anormalidades na artéria mesentérica cranial. Também se devem avaliar rins, bexiga e estruturas
relacionadas.
Hemograma, fibrinogênio e perfil bioquímico sérico auxiliam na determinação do estado geral de saúde do animal; presença de inflamação ou processo infeccioso; envolvimento de sistemas corporais e estados metabólico, eletrolítico e
de proteínas séricas. Também se deve realizar urinálise, abdominocentese e exame de fezes quanto a ovos de parasitos, larvas, protozoários e sangue oculto. Eletroforese das proteínas plasmáticas, pH fecal, cultura e contagem leucocitária
nas fezes e estudos imunológicos também são indicados. A fermentação intracólon de carboidratos mal absorvidos frequentemente reduzirá o pH fecal em potros e bezerros. Uma enteropatia perdedora de proteína pode ser diagnosticada
presuntivamente mediante o descarte de outras causas de perda proteica, como doença renal ou perda para um terceiro espaço (peritônio ou espaço pleural), e por meio da exclusão da possibilidade de uma diminuição na produção de
albumina (p. ex., como no caso de hepatopatia). Radiografia simples e contrastada do intestino pode ser realizável nos potros e pôneis pequenos. Nos grandes animais, podese utilizar ultrassonografia para auxiliar a avaliar a espessura da
parede intestinal, assim como a presença de excesso de líquido, massas, aderências posicionamento anormal do intestino na cavidade abdominal, e anormalidades vasculares na artéria mesentérica cranial.
Quando se suspeita de máassimilação, um teste de absorção de carboidratos pode ser realizado para avaliar a função do intestino delgado. Para que os testes de absorção sejam diagnósticos, a enteropatia deve ser difusa ou afetar a
distribuição e o trânsito do intestino delgado. Uma curva de absorção anormal ou achatada sugere disfunção do intestino delgado. Devese realizar gastroscopia para eliminar a presença de lesões no estômago (granulomas, tumores e
úlceras) e duodeno ou de retenção de ingesta antes da realização de testes de absorção, pois podem causar um atraso ou um achatamento na curva de absorção.
Embora os testes de absorção possam indicar a presença de máassimilação, um diagnóstico etiológico requer biopsia da mucosa intestinal e possivelmente de linfonodo. Em alguns casos, a biopsia retal pode revelar infiltração
inflamatória focal ou difusa. A cultura da biopsia e o exame de fezes quanto a leucócitos e células epiteliais podem auxiliar na confirmação da presença de salmonelas ou de outros microrganismos invasores. Em muitos casos, exigese
laparoscopia ou celiotomia exploratória para se obter uma biopsia intestinal ou de linfonodo. Uma cirurgia pode não ser aconselhável no caso de um animal debilitado, pois a cicatrização do ferimento é deficiente e deiscência é um
problema potencial. Se realizável, devese obter biopsias intestinais e de linfonodos para cultura, histopatologia, enzimologia e imunologia. Devido ao risco e ao custo da obtenção de amostras teciduais apropriadas, a síndrome de má
assimilação é presuntivamente diagnosticada com o auxílio de testes de absorção.
Os testes de absorção clinicamente aplicáveis incluem aqueles de absorção de Dglicose e Dxilose. Esses testes podem ser úteis na avaliação da função do intestino delgado nos bezerros préruminantes, potros e equinos. Os estudos de
tolerância com carboidratos orais não são úteis nos ruminantes, pois o açúcar é degradado no rúmen. O teste de absorção de Dglicose possui as vantagens de ser fácil e barato, e encontram–se disponíveis métodos para determinar a
glicemia na maioria dos laboratórios clínicos. A principal desvantagem é que os resultados são influenciados pela captação celular e pelo metabolismo de glicose, bem como pela absorção intestinal. O teste de absorção de Dxilose mede
mais diretamente a capacidade absorção intestinal e não é influenciado por fatores endógenos e pela atividade enzimática intestinal. No entanto, a Dxilose é mais cara, e a disponibilidade de xilose e de laboratórios que podem realizar suas
determinações plasmáticas são limitadas.
Glicose ou galactose podem inibir a absorção de Dxilose; portanto, tornase necessário jejum antes de realizar o teste. Os protocolos de ambos os testes requerem jejum prolongado, que pode ser prejudicial para potros e bezerros jovens
e doentes. Os resultados de ambos os testes também são acometidos pela velocidade de esvaziamento gástrico, tempo de trânsito do intestino delgado e dieta do animal e duração do período de jejum antes do teste. A forma da curva de
absorção da Dxilose é influenciada pelo clearance renal, hipoxia, anemia, infecções bacterianas sistêmicas e concentração de IgG nos potros. A idade do animal que está sendo avaliado também afeta a absorção e a digestão de glicose,
lactose e xilose. Portanto, a diferença de idade entre os animaiscontrole e os acometidos deve ser pequena se não há valores de referência disponíveis no grupo etário avaliado.
Um pico retardado na curva de absorção dos testes de Dglicose e Dxilose pode resultar de um atraso no esvaziamento gástrico resultante de hipertonicidade da mistura de glicose ou xilose, agitação, dor ou retenção de conteúdo gástrico
ou alterações no tempo de trânsito gastrintestinal e motilidade ou obstrução parcial. Podese observar uma curva de absorção achatada em um equino com capacidade absorção normal por diminuição transitória no fluxo sanguíneo intestinal
ou bactérias no lúmen do intestino delgado que metabolizam o açúcarteste. A xilose rapidamente se equilibra com muitos fluidos corporais (p. ex., ascite), o que diminui a concentração sanguínea de xilose, conferindo uma curva achatada.
As indicações para um teste de absorção de Dxilose oral nos potros ou bezerros incluem diarreia persistente não atribuída a microrganismos infecciosos, crescimento deficiente apesar do consumo normal e outros sinais de má digestão
(episódios repetidos de cólica gasosa, timpanismo e íleo adinâmico).
Teste de Absorção de Dxilose: Esse teste mede a capacidade absorção da mucosa do intestino delgado, pois os enterócitos funcionais transportam ativamente a xilose por meio da mucosa para a corrente sanguínea. Uma absorção subnormal
sustenta o diagnóstico de má absorção. Nos equinos normais, a idade e a dieta também afetam a absorção de xilose. Os potros < 3 meses de idade apresentam um pico de concentração maior de xilose pósadministração que os adultos. Os
equinos adultos mantidos com uma dieta rica em volumoso e pobre em energia apresentam um pico de concentração maior de xilose pós–administração que os equinos alimentados com uma dieta rica em energia. A privação de alimento
pode alterar a absorção de Dxilose nos equinos sem doença evidente do trato gastrintestinal. Esse efeito deve ser considerado quando se interpretam resultados em animais anoréticos independentemente da causa.
Dxilose (0,5 a 1 g/kg de uma solução 10%) é administrada via sonda nasogástrica para um equino em jejum de 18 a 24 h. Amostras heparinizadas de sangue venoso são coletadas antes da administração de xilose (momento 0) e em
intervalos de 30 min por 4 h (± 6 h de amostragem). Os valores máximos esperados (20 a 25 mg/dl) devem ocorrer 60 a 120 min após a administração. A curva normal deve ter forma de sino ou de V invertido, com um pico definível
da concentração de xilose plasmática 1 a 2 h após a administração. Em animais normais, os picos plasmáticos devem ser = 15 mg/dl, acima dos valores basais.
Teste de Absorção de Dglicose: As curvas de absorção de glicose são mais altas em equinos alimentados com pastagem do que naqueles alimentados com ração mais rica em energia. Nos equinos com ração rica em concentrado, observamse
valores de pico mais baixos. A duração do jejum préteste influencia a curva de absorção. O jejum prolongado pode retardar ou diminuir a concentração máxima de glicose, consequentemente conferindo um resultado falsopositivo. Em
dois estudos, > 90% dos equinos adultos com evidência de má absorção “total” de glicose apresentavam lesões infiltrativas graves no intestino delgado. A maioria dos equinos (18/25) classificados com má absorção “parcial” também
possuíam alterações patológicas óbvias no intestino delgado.
O desempenho do teste de absorção de Dglicose é semelhante ao da absorção da Dxilose, exceto quando as amostras são coletadas em tubos com fluoreto de sódio. Nos equinos normais, a glicemia deve atingir seu pico em 90 a 120
min após a administração. Este pico deve ser > 85% dos teores basais de glicose. Declaradamente, a má absorção completa é definida por um pico < 15% das concentrações basais; a má absorção parcial é definida por um pico de 15 a 85%
dos valores basais. Uma das principais desvantagens do teste de absorção de glicose é que, se utilizando o protocolo convencional, a amostragem tornase superior a 6 h. Um protocolo modificado descrito requer apenas duas amostras para
o teste no tempo 0 e 120 min após administração. Essa modificação não alterou a confiança do resultado do teste.
Teste de Tolerância à Lactose Oral: O diagnóstico de deficiência adquirida de lactase é geralmente presuntivo e baseiase na anamnese, sinais clínicos e confirmação da presença de patógenos associados. O diagnóstico definitivo pode ser feito
por meio do teste de tolerância à lactose oral. A lactose é hidrolisada no interior da borda em escova dos enterócitos do intestino delgado, por meio da lactase, nos constituintes Dglicose e galactose, antes de ser absorvida. O teste de
tolerância à lactose oral é direcionado especificamente em avaliar se ocorre atividade de lactase ou não. Os equinos adultos (> 3 anos de idade) são intolerantes à lactose, e o teste é inadequado para os ruminantes. O teste de tolerância à
lactose oral tem valor na avaliação dos potros jovens e bezerros préruminantes com diarreia ou crescimento deficiente. A intolerância à lactose já foi registrada em potros, bezerros e crianças.
O teste de tolerância à lactose oral não distingue má digestão de má absorção e requer jejum por várias horas. Podese tentar uma alimentação com leite enzimaticamente tratado nos animais suspeitos de serem intolerantes à lactose antes
de submetêlos ao jejum prolongado (12 a 18 h) exigido antes de se realizar esse teste. Antes de se realizar o teste de intolerância a lactose, grãos e feno não devem ser oferecidos a éguas e potros por 18 h. Os potros devem ser impedidos de
mamar (amordaçados) por = 4 h antes da administração de 1 g/kg de uma solução a 20% via sonda nasogástrica; a mordaça deve ser mantida durante o teste. As amostras de sangue devem ser coletadas em tubos com oxalato de flúor para a
determinação da glicemia imediatamente antes da administração, aos 30 min e em intervalos de 30 min, por 3 a 4 h após a administração. As concentrações de glicose sanguínea devem ser o dobro dos valores basais em 60 a 90 min da
administração da lactose. As concentrações máximas de glicose devem ser = 35 mg/dl que os valores basais em potros saudáveis. Resultados anormais sugestivos de intolerância à lactose incluem um atraso no, prolongamento do ou
ausência de aumento na glicemia, comparada com os valores basais.
A ausência de um aumento apropriado na glicose sanguínea deve ser consequente de má digestão ou má absorção. Portanto, se o teste de tolerância à lactose é anormal, um teste de absorção de Dglicose ou Dxilose deve ser realizado
para determinar se má absorção ou má digestão, sozinha, é o problema. Hipersensibilidade à caseína distinguese da intolerância à lactose por avaliação da resposta do animal ao leite enzimaticamente tratado ou não. Confirmação definitiva
de deficiência de lactase faz–se por meio da mensuração direta da atividade da lactase na mucosa do tecido intestinal. No entanto, isso é raramente empreendido na situação clínica, pois se exige uma biopsia cirúrgica da mucosa.
Um teste respiratório de hidrogênio foi descrito para a detecção de má absorção de carboidrato em equinos. Em um estudo clínico, os equinos doentes mostraram concentrações maiores de hidrogênio no ar expirado, em jejum, do que os
equinos normais. A utilidade deste teste na prática clínica ainda está para ser determinada.
TRATAMENTO: A causa primária deve ser determinada antes de se iniciar a terapia específica. Ainda não se encontra disponível uma terapia específica para a maioria das causas de máassimilação, exceto quanto a lesões por lesões
parasitários. Vermífugos larvicidas com ivermectina, moxidectina ou altas doses de febendazol podem ser empregados. Drogas antiinflamatórias (p. ex., AINE, corticosteroides) também podem ser úteis para reduzir a resposta inflamatória
no intestino afetado.
Má absorção e perda de peso crônica em equinos podem seguir com enterite viral. A descamação das extremidades vilosidades com perda das células epiteliais intestinais resulta em superfície de absorção intestinal insuficiente para uma
adequada absorção de nutrientes pelo intestino. Cuidados de suporte e facilitação na absorção de nutrientes no intestino devem ser promovidos até que o epitélio intestinal se restabeleça e novas células vilosidades sejam produzidas. A
regeneração e a recuperação da superfície intestinal absorção pode levar semanas a meses em casos mais graves.
Os bezerros e os potros com deficiência adquirida de lactase após doença diarreica frequentemente respondem bem a uma terapia de suporte (correção das anormalidades ácidobásicas, eletrolíticas e glicose) e são alimentados com leite
enzimaticamente tratado até que a mucosa do intestino delgado se regenere. Os potros e os bezerros que tolerarem isso, devem ser alimentados com uma quantidade pequena de volumoso ou grãos de alta qualidade para auxiliar a preencher
as suas exigências energéticas. Embora a nutrição enteral deva ser continuada sempre que possível, potros e bezerros jovens que não tolerarem a alimentação com leite ou leite enzimaticamente tratado podem se beneficiar da interrupção da
alimentação com leite por um curto período (< 24 h). Esses animais necessitam de fontes alternativas de energia e nutrientes tais como alimentações a curto prazo (= 24 h) de soluções eletrolíticas contendo glicose ou, em casos mais graves,
nutrição parenteral parcial ou total. Mudanças na dieta para as baseadas em soja, sucedâneo de leite sem lactose e desmame precoce são prudentes para animais com intolerância à lactose não responsiva.
O tratamento da doença intestinal inflamatória em equinos foi tentado, mas muitas vezes foi mal sucedido, mesmo com a administração agressiva de corticosteroides. Sulfassalazina e isoniazida são recomendadas, mas suas utilidades não
estão comprovadas. De modo semelhante, o uso do dimetilsulfóxido no tratamento da amiloidose intestinal é desconhecido. Os animais com supercrescimento bacteriano anaeróbico ou aeróbico como um problema podem responder a uma
administração antimicrobiana. A penetração adequada de antimicrobianos nas lesões intestinais inflamatórias (p. ex., Rhodococcus equi nos potros e doença de Johne nos ruminantes) é duvidosa. O tratamento bemsucedido de Lawsonia
intracellularis em potros foi alcançado com a administração prolongada de antimicrobianos (eritromicina, azitromicina, claritromicina, cloranfenicol, oxitetraciclina, doxiciclina) e tratamento de suporte agressivo (fluidos, plasma) de
acordo com a condição clínica do animal. As infecções por Eimeria macusaniensis, nos camelídeos acometidos, podem ser tratadas com sucesso se diagnosticadas precocemente. O tratamento, atualmente, envolve a administração de
amprólio e/ou ponazurila juntamente com o tratamento suporte apropriado.
Os equinos com má absorção devido a um processo patológico ou após ressecção do intestino delgado devem ser alimentados com uma dieta que otimize a digestão dos alimentos no intestino grosso. A dieta deve propiciar proteínas,
carboidratos, gorduras e vitaminas hidrossolúveis facilmente absorvidos e manter o equilíbrio mineral. Aumento na proporção de concentrado em relação à forragem diminui a digestão dos alimentos no intestino grosso e deve ser evitado.
Os equinos beneficiamse de uma dieta a base de fibras. Para potencializar a digestão no intestino grosso, devese oferecer volumosos facilmente fermentáveis (p. ex., alfafa). As fibras de alta qualidade, metabolizadas no ceco e cólon em
ácidos graxos voláteis, podem compensar parcialmente as perdas no intestino delgado. Nos animais jovens, a dieta pode ser suplementada com proteínas do leite, se não se encontrar presente deficiência de lactase. Gorduras podem ser
acrescentadas à dieta para potencializar a ingestão de calorias. Podese precisar suplementar cálcio, magnésio, fosfato, zinco, cobre e ferro, pois, nos equinos, eles são absorvidos apenas no intestino delgado. As vitaminas hidrossolúveis
(especialmente a vitamina B12) e as lipossolúveis devem ser suplementadas, via parenteral, conforme necessário. Devese evitar uma suplementação excessiva, que poderia levar à intoxicação.
Os animais que não comerem necessitarão ser alimentados forçosamente com dieta líquida via sonda nasogástrica. O equino deve ser alimentado com refeições pequenas e frequentes para tirar vantagem da capacidade absorção
remanescente e limitada do intestino delgado sem sobrecarregálo. Os bezerros préruminantes que são repetidamente alimentados com sonda podem desenvolver acidose ruminal devido a deposição de material alimentar no interior do
rúmen em vez do abomaso. A alimentação IV, utilizando nutrição parenteral parcial ou total, pode se tornar necessária para os animais que se recusam a comer ou para os que não conseguem tolerar uma alimentação forçada. No entanto, a
nutrição parenteral é cara e difícil de ser continuada, a longo prazo.
PROGNÓSTICO: Esforços devem ser realizados para determinar um diagnóstico etiológico quando se confirma uma máassimilação, de forma que se possa conferir um prognóstico preciso e prescrever uma terapia apropriada. A maioria das
afecções que causa máassimilação em grandes animais adultos justifica um pobre prognóstico, e o tratamento, comumente, é mal sucedido. No entanto, uma infestação parasitária intestinal ou seu suprimento sanguíneo podem responder a
terapia antihelmíntica. Ocasionalmente, uma infiltração não neoplásica no intestino pode responder ao uso de corticosteroide, mas a resposta pode ser transitória em alguns casos. Bezerros, potros e crianças com deficiência de lactase
geralmente respondem bem a terapia de suporte e manejo dietético. O prognóstico de equinos com má absorção devido a uma doença intestinal inflamatória é pobre; a maioria dos casos relatados foram fatais.
ÚLCERAS GASTRINTESTINAIS EM GRANDES ANIMAIS
As úlceras gástricas são importantes em equinos adultos, potros e suínos. As úlceras de abomaso (p. 289) em bovinos adultos e nos bezerros têm importância crescente.
Úlceras GÁstricas em Equinos (Síndrome da úlcera gástrica em equinos)
As úlceras gástricas (síndrome da úlcera gástrica equina [SUGE]) são comuns em equinos e potros. Esta síndrome está intimamente relacionada com cavalos envolvidos em treinamento atlético, a alterações no alojamento ou de interação
social e a doenças. A prevalência em cavalos de corrida não medicados em treinamento ativo é de, no mínimo, 90%; em animais não atletas, é superior a 60%. Potros neonatos apresentam risco significativo de desenvolvimento de úlceras
pépticas perfurantes até que tenham várias semanas de vida, pois a mucosa gástrica não está completamente desenvolvida ao nascimento. Embora possa ocorrer cicatrização espontânea de úlceras pépticas, caso o cavalo seja mantido em
situações que estimulam SUGE, é pouco provável que as lesões cicatrizem sem tratamento.
A SUGE envolve eventos fisiopatológicos inflamatórios e lesões de mucosa, envolvendo tecidos do esôfago distal, estômago e entrada do duodeno. A casuística em exame endoscópico indica que cerca de 90% destas lesões se instalam
na mucosa escamosa não glandular do estômago, principalmente na curvatura menor, próxima à margem pregueada. Entretanto, porções significativas da mucosa escamosa ao longo da curvatura maior e até o fundo gástrico também podem
estar envolvidas, juntamente com lesões no antro e no piloro. Úlcera duodenal em equinos e potros é considerada parte da SUGE e, desta forma, um distúrbio péptico (induzido por ácido). É possível notar úlcera, perfuração e estenose
duodenal; não se sabe se estes problemas ocorrem apenas como resultado de enterite (duodenite) ou se há participação de fatores pépticos. Entretanto, quando ocorre estenose, geralmente há úlceras gástricas e esofágicas graves secundárias
ao retardamento do esvaziamento estomacal.
ETIOLOGIA: As úlceras de mucosa escamosa não glandular estão associadas a lesões diretas repetidas causadas por fluido com pH muito baixo, normalmente presente na região glandular do estômago. Ocorre aumento da pressão abdominal
(associado ao exercício), o que colapsa o estômago e pressiona o conteúdo de suco gástrico para cima. A parte mais líquida (e muito ácida) da porção inferior do estômago entra em contato com a mucosa escamosa não glandular,
provocando inflamação e, possivelmente, erosões em graus variáveis.
As causas de úlceras na mucosa glandular do estômago não estão muito bem definidas. Sabese que o uso de AINE não seletivos reduz o fluxo sanguíneo ao trato GI, ocasionando diminuição da produção da matriz mucobicarbonato pela
mucosa glandular gástrica e resultando em úlcera. Entretanto, isso não é um achado consistente. Além disso, foram realizadas tentativas para isolar e/ou correlacionar a presença do microrganismo Helicobacter spp do estômago de equinos,
com e sem gastrite e úlceras. Os resultados destes estudos foram confusos ou negativos, e a participação destes microrganismos na ocorrência de úlceras gástricas glandulares em equinos não foi comprovada.
ACHADOS CLÍNICOS: A maioria dos potros com úlcera gástrica não apresenta sinais clínicos. Os sintomas se tornam evidentes quando a úlcera é difusa ou grave. Diarreia, bruxismo, amamentação deficiente, decúbito dorsal e ptialismo são
os sinais clássicos de úlcera gástrica em potros. Estes sinais são vagos e inespecíficos para úlcera gástrica. Na verdade, ptialismo é um sintoma de esofagite que, na maioria dos potros, é secundária à obstrução do fluxo gástrico e ao refluxo
gastresofágico.
Outras causas, incluindo obstrução esofágica e infecção por Candida, devem ser consideradas. É importante lembrar que quando um potro apresenta sinais clínicos, as úlceras são graves e devem ser diagnosticadas e tratadas
imediatamente. Esporadicamente notase perfuração gástrica súbita sem sinal prévio, em potros.
Equinos adultos com úlcera manifestam sintomas inespecíficos que podem incluir desconforto abdominal (cólica), diminuição do apetite, perda de peso discreta, condição corporal ruim e mudanças de comportamento. Equinos com dor
abdominal intensa ou com cólica podem apresentar úlcera gástrica, mas é pouco provável que esta seja a causa primária da dor abdominal. Não se constatou correlação significativa entre a extensão da úlcera e a gravidade dos sinais
clínicos.
As complicações relacionadas com a úlcera gástrica são mais frequentes e graves em potros e incluem perfuração, retardo no esvaziamento gástrico, refluxo gastresofágico e esofagite, além de megaesôfago secundário a refluxo
gastresofágico crônico. As úlceras em duodeno proximal ou no piloro podem causar fibrose e estenose. A estenose duodenal e pilórica pode ocasionar retardo no esvaziamento gástrico em potros e equinos adultos. Em casos raros, a úlcera
gástrica grave causa fibrose e estenose do estômago.
DIAGNÓSTICO: Tanto sinais clínicos quanto testes laboratoriais são inespecíficos para úlcera gástrica e anormalidades nestes exames não excluem a possibilidade de existir outro distúrbio. Úlceras gástricas podem se instalar
secundariamente ao estresse decorrente de doenças em outros órgãos ou de hospitalização e sistema de confinamento. Endoscopia e visualização de úlceras em um estômago vazio é o único método de diagnóstico definitivo. Os endoscópios
com fontes de luz, cujos comprimentos são variáveis, podem ser utilizados para visualizar com maior facilidade os estágios inflamatórios desta doença antes da lesão ao epitélio em decorrência da úlcera. Podese inferir um diagnóstico
presuntivo pela melhora dos sinais clínicos vários dias após o tratamento com fármacos que sabidamente causam aumento efetivo do pH gástrico e permitem a cicatrização da mucosa gástrica.
TRATAMENTO: A redução da acidez gástrica e a manutenção do pH em 4 a 5 são os principais objetivos do tratamento. Estudos avaliaram o uso de protetores de mucosa, antiácidos, com antagonistas de receptor de histamina tipo 2
(cimetidina e ranitidina), e o inibidor da bomba de prótons, o omeprazol, em um marcador, com intuito de auxiliar na passagem do conteúdo do estômago para o intestino delgado, para absorção. Destes, o omeprazol foi o único
medicamento que propiciou de forma consistente a cicatrização de úlceras gástricas em equinos que continuaram seus treinamentos normais. Este é o único fármaco aprovado pela FDA para tratamento (4 mg/kg, VO, 1 vez/dia) ou
prevenção (1 mg/kg, VO, 1 vez/dia) de úlceras gástricas em equinos. O sucralfato aderese à mucosa glandular gástrica e pode promover cicatrização, embora não haja dados disponíveis que sustentem sua eficácia no tratamento de úlceras
gástricas em equinos e potros. Logo, seu uso é questionável nestes animais. Os antiácidos ainda não tiveram eficácia comprovada na cicatrização, tampouco na prevenção de úlceras gástricas. Estes devem ser administrados em dose
relativamente alta, a cada 2 h, para neutralizar o suco gástrico. A ranitidina (6,6 mg/kg, VO, 3 vezes/dia) é efetiva na cicatrização de úlceras gástricas, quando os equinos são afastados do tratamento. Estudos sugerem que a cimetidina não é
efetiva.
ÚLCERAS GÁSTRICAS EM SUÍNOS
As úlceras acometem a parte esofágica dos suínos e causam episódios esporádicos de hemorragia gástrica aguda, resultando em morte ou crescimento retardado devido à úlcera crônica.
ETIOLOGIA: As causas específicas não são conhecidas. As úlceras acometem suínos de todas as idades, mas são mais comuns naqueles confinados em fase de crescimento (45 a 90 kg), alimentados com rações peletizadas ou finamente
trituradas e, também, nos suínos alimentados com grande quantidade de leite desnatado ou soro lácteo. Acreditase que promotores de hiperacidez possam contribuir para o desenvolvimento de úlceras. A combinação de alimentos
finamente triturados, transporte, clima quente, privação de alimento ou água e mistura de suínos não familiares resulta em aumento significativo da ocorrência de úlceras gástricas em suínos em fase de crescimento rápido. A variabilidade
no consumo alimentar diário devido à enfermidade sistêmica, particularmente pneumonia, também resulta em maior prevalência de úlceras. Esta enfermidade é especialmente importante em suínos confinados destinados ao abate em
frigoríficos, principalmente naqueles transportados por longa distância.
ACHADOS CLÍNICOS: Na forma hiperaguda, os suínos morrem rapidamente e são encontrados mortos, apresentando palidez como único sinal clínico. Na forma aguda, a hemorragia provoca anorexia, fraqueza, anemia e fezes escurecidas a
negras; o animal pode morrer em horas ou dias. Na forma crônica, são característicos sinais de definhamento, anemia e fezes escurecidas a negras; o suíno pode sobreviver por várias semanas. Os suínos com a forma subclínica podem não
atingir a maturidade no momento esperado; nestes animais, geralmente a úlcera cicatriza e resta uma cicatriz. Em alguns rebanhos, até 90% dos suínos podem ser acometidos; em outros, a incidência é esporádica. Nos achados em
frigoríficos, a prevalência de úlceras pode ser bastante alta em suínos que cresceram normalmente, embora em alguns animais a lesão tenha se desenvolvido durante o transporte. A doença clínica aparentemente ocorre apenas após
hemorragia da úlcera.
Lesões: A lesão terminal típica é verificada na mucosa gástrica, próximo à abertura esofágica, em uma área retangular de epitélio escamoso, não glandular, brilhante e branco. É comum notar uma lesão em forma de cratera = 2,5 a 5 cm de
diâmetro, circundando a entrada do esôfago. A lesão se apresenta como uma área profunda amareloclara ou acinzentada e pode conter coágulos de sangue ou restos celulares. Na hemorragia aguda, o estômago e o intestino delgado
superior contêm sangue escuro. As lesões iniciais caracterizamse por hiperqueratose e paraqueratose do epitélio escamoso na região da entrada do esôfago, no interior do estômago. Posteriormente, a lesão proliferativa progride para erosão
e origina úlcera. A úlcera cicatrizada se parece com uma cicatriz estrelada.
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO: A constatação, em uma baia, de 1 ou 2 suínos com anorexia e apatia, perda de peso, anemia, fezes escura e, às vezes, dispneia, sugere úlcera gástrica, bem como a morte súbita de um animal aparentemente
saudável. Os diagnósticos diferenciais incluem hemorragia intestinal, eperitrozoonose, infecção por Hyostrongylus rubidus e enteropatia suína.
Atualmente não há tratamento economicamente viável disponível. Cuidados paliativos – remoção do suíno enfermo da baia e dieta com alimentos fibrosos e grosseiros – podem ser uma tentativa. Devese considerar o abate precoce dos
suínos acometidos. O controle de doença respiratória crônica é importante. O fornecimento de alimentos, preferivelmente peletizados, com tamanho da partícula = 600 a 700 μm de diâmetro, é valioso, mas pode surtir efeito negativo na
conversão alimentar. É útil o oferecimento estratégico destas dietas durante os estágios de produção em que o risco da doença é alto.
DOENÇAS DA CAVIDADE BUCAL DE PEQUENOS ANIMAIS
Para uma discussão sobre doenças do desenvolvimento da cavidade bucal veja p. 165. Para complexo granuloma eosinofílico, ver p. 1040.
A principal e mais importante função da boca é prender e introduzir o alimento ao trato digestório. Algumas das funções adicionais incluem comunicação e interação social, vocalização, proteção, regulação da temperatura
(particularmente nos cães) e pegar objetos. A última é muito importante para os animais atletas (Retriever, cães militares e policiais). À semelhança de outras áreas do trato alimentar, a cavidade bucal, em um estado de saúde normal,
alberga grande e diversa população de bactérias que vivem, principalmente, no biofilme. Ao contrário de outras áreas do corpo, a cavidade bucal também contém superfícies não vitais (esmalte dos dentes) desprovidas de sistema imune de
defesa local, sem habilidade de regeneração de suas superfícies por meio de renovação celular. A gengiva e a mucosa apresentam excelente suprimento vascular e a gengiva intimamente aderida protege o osso adjacente de traumatismo,
lesão térmica e invasão bacteriana.
A preensão de alimentos exige uma interação complexa dos músculos da mastigação, dentes, língua e músculos faringianos. Quando qualquer um desses componentes está comprometido por doença ou traumatismo, podem ocorrer má
nutrição e desidratação.
Um exame completo da cavidade bucal deve ser parte do exame físico, pois doenças bucais são mais efetivamente tratadas quando se faz um diagnóstico precoce. Infelizmente, muitos problemas permanecem ocultos na boca, até que
progridam para um estágio avançado.
DISTÚRBIOS SALIVARES
Fístula Salivar
A fístula salivar é uma afecção incomum que pode resultar de traumatismo de glândulas salivares mandibular, zigomática ou sublingual. Os ferimentos de glândula parótida, mais provavelmente, desenvolvem uma fístula. Uma lesão no
ducto parotídeo pode resultar de ferimento traumático (p. ex., mordedura), drenagem de abscesso ou cirurgia anterior na área, com ruptura iatrogênica. O fluxo de saliva constante evita a cicatrização e instala–se uma fístula.
Histórico de lesão na região glandular, detecção de fístula e aspecto da secreção são característicos. Uma fístula salivar deve ser diferenciada de um seio drenante (por corpo estranho perfurante ou doença endodôntica de um dente
mandibular) no pescoço ou de seios decorrentes de defeitos congênitos. A ligadura cirúrgica do ducto resulta geralmente em resolução, mas a excisão da glândula associada pode ser necessária.
Hipersialose Responsiva ao Fenobarbital (Epilepsia límbica)
Os sinais clínicos incluem aumento da glândula salivar, que pode estar dolorida à palpação, perda de peso, ptialismo, mímica de vômito e vômito. O exame das amostras dos aspirados com agulha fina ou de biopsias não revelam
anormalidades. O diagnóstico exige a exclusão de outras causas de aumento de volume e resposta ao tratamento com fenobarbital na dose de 5 mg/kg IM, 2 vezes/dia, durante 4 dias, e depois 2 mg/kg, PO, 2 vezes/dia. A terapia com
fenobarbital pode ser suspensa, em alguns animais, dentro de 6 meses. Recidiva pode ocorrer.
Mucocele Salivar
A mucocele salivar (ou sialocele) é um acúmulo de saliva mucoide no tecido subcutâneo após lesões no ducto ou glândula salivares. Tratase do distúrbio da glândula salivar mais comum em cães. Embora se possa afetar qualquer uma das
glândulas salivares, as glândulas sublingual e mandibular são as mais comumente envolvidas. Geralmente, a saliva acumulase na área cervical intermandibular ou cranial (mucocele cervical). Ela também pode se acumular nos tecidos
sublinguais no assoalho da boca (rânula). Um local menos comum é na parede faringiana.
A causa pode ser uma obstrução traumática ou inflamatória ou ruptura do ducto das glândulas salivares sublingual, mandibular, parótida ou zigomática. Geralmente, a causa exata não é determinada, mas uma predisposição de
desenvolvimento foi sugerida nos cães.
Os sinais dependem do local do acúmulo de saliva. Na fase aguda do acúmulo salivar, a resposta inflamatória resulta em inchaço e dor na área acometida. Frequentemente, esse estágio não é observado pelo proprietário, e o primeiro sinal
notado pode ser uma massa flutuante e não dolorida que aumenta de volume lentamente e ocorre quase sempre na região cervical. Uma rânula pode não ser notada, até que ela seja lesionada e sangre. Uma mucocele faringiana pode obstruir
as vias respiratórias e resultar em desconforto respiratório moderado a grave.
Uma mucocele é caracterizada como uma massa macia, flutuante e indolor, que deve ser diferenciada de abscessos, tumores e outros cistos de retenção no pescoço. Dor ou febre podem estar presentes se a mucocele infeccionar. Uma
mucocele salivar geralmente pode ser diagnosticada por meio de palpação e aspiração da saliva viscosa tingida de sangue ou dourada, característica. Geralmente, a palpação cuidadosa, com o animal em decúbito dorsal, pode determinar o
lado afetado; se não conseguir fazêla, uma sialografia pode ser útil.
Recomendase cirurgia para remover a glândula e os ductos salivares danificados. As mucoceles cervicais podem ser tratadas com drenagem periódica se cirurgia não é uma opção. Drenagem, marsupialização ou remoção da glândula são
recomendadas para o tratamento das rânulas. Recomendase a remoção completa da glândula ou ducto no caso de mucocele faringiana, para evitar futura obstrução de via respiratória, com risco à vida do animal.
Necrose da Glândula Salivar em Cães
Uma afecção da glândula salivar mais grave que a sialoadenite, a necrose da glândula salivar caracterizase por uma glândula firme, aumentada de tamanho e dolorosa. Muitas vezes, é acompanhada de mímica de vômito e regurgitação.
Muitos cães acometidos apresentam patologias esofágicas associadas como megaesôfago, divertículo esofágico ou esofagite. Nesses casos, a resolução do aumento da glândula salivar rapidamente segue o tratamento bemsucedido das
lesões esofágicas. Uma citologia aspirativa com agulha fina ou exame histopatológico do tecido pode revelar hiperplasia dos ductos, inflamação ou ausência de anormalidades.
Ptialismo
Ptialismo, ou hipersialose, é uma salivação causada pela hipersecreção de saliva. O pseudoptialismo é uma salivação secundária a anormalidades de conformação ou distúrbios na deglutição em animais que produzem quantidade normal de
saliva. Ambos são discutidos conjuntamente, como ptialismo.
O ptialismo pode resultar de: 1) medicamentos, toxinas ou produtos tóxicos, por exemplo, organofosforados; 2) irritação local ou inflamação associada a estomatite, glossite (especialmente nos gatos), corpos estranhos bucais, neoplasias,
lesões ou outros defeitos na mucosa; 3) doenças infecciosas (p. ex., a raiva), a forma neurológica da cinomose ou outros distúrbios convulsivos; 4) cinetose, medo, nervosismo ou excitação; 5) relutância para engolir ou interferência com a
deglutição (irritação do esôfago, obstrução esofágica por patologia regional, ou estimulação dos receptores gastrintestinais causada por gastrite ou enterite; 6) lesões sublinguais (corpo estranho linear ou tumor); 7) tonsilite; 8) administração
de medicamentos (particularmente nos gatos); 9) defeitos de conformação; 10) distúrbios metabólicos (encefalopatia hepática [especialmente em gatos]) ou uremia; 11) abscesso, obstrução inflamatória ou outra patologia da glândula salivar.
A possibilidade de raiva deve ser eliminada antes do exame da cavidade bucal. A causa primária, local ou sistêmica, deve ser determinada e tratada. A dermatite úmida aguda dos lábios e da face pode se desenvolver se a pele não é
mantida seca o suficiente. Limpeza com solução de clorexidine diluída ou peróxido de benzoíla pode ser útil.
Sialoadenite
Sialoadenite ou inflamação a glândula salivar raramente é um problema clínico em cães e gatos. No entanto, frequentemente é um achado incidental em estudos histopatológicos, na necropsia.
A causa pode ser um traumatismo decorrente de ferimentos perfurantes ou infecção sistêmica que compromete a glândula salivar ou tecido circundante. A sialoadenite, como componente de uma doença sistêmica, já foi relatada na raiva,
cinomose e infecção por paramixovírus que causa a caxumba humana.
Os sinais incluem febre, depressão e glândulas salivares doloridas e inchadas. A ruptura de uma glândula abscedada elimina pus no tecido circundante ou na boca. A ruptura, via pele, pode provocar a formação de uma fístula salivar. O
inchaço da glândula parótida tornase mais proeminente abaixo da orelha; o inchaço da glândula mandibular no ângulo da maxila; e o inchaço da glândula zigomática imediatamente caudal ao olho. O envolvimento da glândula zigomática
pode resultar em inchaço retrobulbar, estrabismo divergente no olho afetado, exoftalmia, lacrimejamento excessivo e relutância em abrir a boca ou comer. Os abscessos das glândulas zigomática e parótida são muito dolorosos; o animal
pode manter a sua cabeça rígida e se ressentir com qualquer manipulação que envolva a cabeça ou o pescoço.
As radiografias e os testes laboratoriais geralmente não são úteis, embora a avaliação do fluido de um abscesso possa levar ao diagnóstico. A histopatologia do tecido da glândula salivar pode revelar alterações inflamatórias agudas ou
crônicas ou necrose.
A sialoadenite discreta não requer tratamento e a recuperação é geralmente rápida e completa. Um abscesso maduro deve ser drenado via pele sobrejacente ou, caso envolva a glândula zigomática, atrás do último molar superior no lado
afetado. Antibióticos sistêmicos devem ser administrados.
A ausência de resolução ou recidiva necessitam de citologia do material aspirado, biopsia ou remoção cirúrgica da glândula afetada.
Sialometaplasia Necrosante
Tratase de uma doença inflamatória rara, benigna e autolimitante das glândulas salivares menores do palato. Clinicamente, manifestase como uma úlcera no palato ou edema da submucosa. Há resolução espontânea, mas a identificação é
importante, pois pode se parecer clinicamente e microscopicamente com o carcinoma de células escamosas ou com o carcinoma mucoepidermoide, resultando em cirurgia desnecessária.
Tumores de Glândulas Salivares
Os tumores de glândulas salivares são raros em cães e gatos, embora os gatos sejam acometidos duas vezes mais frequentemente que os cães. A maior parte deles ocorre nos cães e gatos > 10 anos de idade. Não há uma evidente predileção
racial ou sexual, embora os cães poodle e raças Spaniel possam ser predispostos. A maioria dos tumores de glândulas salivares é maligna, e o carcinoma e o adenocarcinoma ocorrem com maior frequência. Infiltração local e metástase nos
linfonodos regionais e pulmões são comuns, assim como a recidiva local após excisão cirúrgica. Radioterapia, com ou sem cirurgia, propicia melhor prognóstico.
Xerostomia
O hipoptialismo corresponde à diminuição na secreção de saliva que pode resultar em boca seca, ou xerostomia. Pode causar desconforto significativo e dificuldades durante a alimentação. É incomum em cães e gatos, mas é muito comum
em humanos submetidos ao tratamento, via ortorradiação, de tumores da cabeça e pescoço, que resultou em lesões colaterais por radiação nas glândulas salivares. Como o tratamento com radiação está sendo mais utilizado na medicina
veterinária, essa condição pode se tornar mais frequente nos animais. A secreção salivar diminuída pode resultar, também, do uso de determinadas drogas (p. ex., a atropina), desidratação extrema, pirexia ou anestesia. Em alguns cães, é
observada junto com ceratoconjuntivite seca e pode ser imunomediada. Ocasionalmente, se deva a uma afecção da glândula salivar. A determinação e o tratamento da causa primária possuem importância primordial. Os enxagues bucais
fisiologicamente balanceados aliviam o desconforto resultante da xerostomia. Fluidos devem ser administrados se o animal está desidratado. Terapia imunossupressora está indicada caso uma doença imunomediada seja a suspeita.
DOENÇAS INFLAMATÓRIAS E ULCERATIVAS DA CAVIDADE BUCAL
A inflamação dos tecidos bucais pode ser primária ou secundária. A inflamação da cavidade bucal pode afetar a gengiva (gengivite), periodonto (periodontite), membrana mucosa bucal (estomatite), língua (glossite), tecidos ao longo da rafe
pterigomandibular e arcos glossopalatinos (estomatite caudal), tecidos que se estendem desde a faringe até a garganta (faucite), palato (palatite) ou faringe (faringite). A natureza e a gravidade das lesões variam muito, dependendo da
etiologia e da duração da doença.
Doença periodontal, inclusive gengivite e periodontite, é o problema oral mais comum em pequenos animais. A gengivite é uma resposta inflamatória gengival normal na presença de placas bacterianas na superfície dentária adjacente.
Periodontite (inflamação do ligamento periodontal com perda da coesão) desenvolvese a partir da combinação de patógenos periodontais bacterianos e da resposta imune de indivíduos suscetíveis que, em conjunto, destroem o osso e
tecidos adjacentes ao dente (ver p. 187).
Uma infecção periapical causada por doença endodôntica é a causa mais comum de um abscesso (furúnculo gengival), que se manifesta com uma área circular elevada de tecido de granulação inflamado na gengiva, com uma fístula
drenante central. Um abscesso periodontal é uma causa menos comum de um furúnculo gengival. A fístula pode ser seguida de lesões periodontais ou periapicais primárias e a etiologia deve ser esclarecida (ver p. 190).
Outras causas de doenças inflamatórias bucais incluem imunopatia (p. ex., lesão autoimune, deficiência imunológica), produtos químicos, doença infecciosa, traumatismo, doença metabólica, anormalidade de desenvolvimento ou
conformações anatômicas que predispõem a irritação ou inflamação, queimaduras, radioterapia ou neoplasia. Os microrganismos infecciosos associados a inflamação da cavidade bucal, glossite, estomatite e úlceras orais incluem
herpesvírus felino, calicivírus felino, vírus da leucemia felina, vírus da imunodeficiência felina, vírus da cinomose, Bartonella henselae, e alguns sorovares de Leptospira. A estomatite traumática pode ocorrer depois de uma exposição oral
ao material vegetal (praganas de plantas) ou fibra de vidro. Quando mastigadas, as plantas da espécie Dieffenbachia podem causar inflamação oral e úlceras. O tálio é o principal metal pesado responsável por lesões bucais; a incidência
dessa intoxicação é baixa. A uremia pode causar estomatite e úlceras orais. Úlceras orais recidivantes também são observadas em cães da raça Colly cinza com hematopoese cíclica.
Os sinais clínicos variam amplamente, de acordo com a causa e a extensão da inflamação. Pode ocorrer anorexia, especialmente nos gatos. Halitose e salivação são comuns na estomatite caudal ou na glossite, e a saliva pode ficar tingida
de sangue. O animal pode esfregar sua boca com as patas e reagir a qualquer tentativa de exame da cavidade bucal, devido à dor. Os linfonodos regionais podem estar aumentados.
Dermatite da Dobra Labial e Queilite
A dermatite da dobra labial é uma dermatite úmida crônica observada em raças que possuem lábios superiores pendulosos e dobras no lábio inferior, em sua porção lateral (p. ex., cães das raças Spaniel, Buldogue inglês e São Bernardo),
permitindo contato prolongado com a saliva. Essas lesões podem estar exacerbadas quando uma higiene oral deficiente resultar em aumento no número de bactérias na saliva. As dobras do lábio inferior podem tornarse mal cheirosas,
inflamadas, incômodas e edemaciadas.
Abscesso gengival. Um dente canino superior esquerdo fraturado, em um filhote de cão, resultou em doença endodôntica, inflamação periapical e abscesso gengival. Note a lesão circular proliferativa, friável, com uma fístula central drenante acima do primeiro prémolar. Cortesia do Dr. Gregg A. DuPont.
Os ferimentos labiais, resultantes de brigas ou mastigação de objetos afiados, são comuns e variam amplamente em gravidade. Os espinhos, praganas de plantas, carrapichos e anzóis podem se fixar nos lábios e causar irritação acentuada
ou ferimentos graves. Agentes irritantes como materiais plásticos ou vegetais podem provocar inflamação dos lábios. As infecções labiais podem ocorrer secundariamente a ferimentos ou corpos estranhos, ou podem estar associadas à
inflamação de áreas adjacentes. Uma extensão direta de doença periodontal grave ou estomatite pode provocar queilite. A lambedura das áreas de dermatites bacterianas ou de ferimentos contaminados pode espalhar a infecção para os
lábios e dobras labiais. Outras causas de inflamação dos lábios incluem infecções parasitárias, dermatopatias autoimunes e neoplasias.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: A inflamação dos lábios e das dobras labiais pode ser aguda ou crônica. Os animais com queilite podem arranhar, coçar ou esfregar a boca ou lábios; apresentam odor fétido no hálito; e ocasionalmente
salivam excessivamente ou ficam anoréticos. No caso de infecção crônica nas margens ou dobras labiais, o pelo dessas áreas fica descolorido, úmido e emaranhado com uma descarga fétida, espessa, amarelada ou marrom, por cima de uma
pele hiperêmica e, às vezes, ulcerada.
A queilite por extensão da infecção na boca ou de outra área do corpo é geralmente detectada facilmente devido à lesão primária.
TRATAMENTO: O manejo clínico da dermatite das dobras labiais inclui tricotomia e limpeza das dobras, 1 ou 2 vezes/dia, com peróxido de benzoíla ou substância suave para limpeza da pele, e manutenção da área seca. Aplicação tópica de
creme para assadura, diariamente, pode ser útil. A correção cirúrgica queiloplastia) das dobras labiais mais pronunciadas é um procedimento mais duradouro.
Queilite não relacionada com as dobras labiais geralmente se resolve com limpeza mínima, antibióticos apropriados, caso se encontre presente infecção bacteriana, e tratamento específico da etiologia primária (p. ex., dermatopatia
autoimune). Os ferimentos labiais devem ser limpos e suturados, caso necessário. Tornase importante o tratamento da doença periodontal ou da estomatite para evitar recidiva.
A queilite infecciosa que se espalhou a partir de uma lesão em um outro lugar geralmente melhora com tratamento da lesão primária, mas também se torna necessário tratamento local. No caso de infecção grave, devese retirar o pelo da
lesão, e a área deve ser gentilmente limpa e seca. Antibióticos são indicados se a infecção é grave ou sistêmica.
Estomatite Micótica
A estomatite micótica, causada pelo supercrescimento do fungo oportunista Candida albicans é uma causa incomum de estomatite em cães e gatos. É caracterizada por estomatite, halitose, ptialismo, anorexia, úlcera na cavidade bucal, e
sangramento do tecido oral. Acreditase que está associada a outras doenças da cavidade bucal, terapia antimicrobiana de longa duração ou imunossupressão. O diagnóstico é confirmado por cultura do organismo da lesão ou evidências
histológicas de invasão tecidual.
Qualquer doença local ou sistêmica primária que compromete a cavidade bucal deve ser tratada. Cetoconazol ou um benzimidazol relacionado deve ser administrado até que as lesões se resolvam; interrompa a terapia antimicrobiana.
Devese manter uma dieta adequada. O prognóstico é reservado, caso não se consiga tratar ou controlar adequadamente as doenças predisponentes.
Estomatite Posterior Felina (Faucite/Estomatite ulceroproliferativa, Palatoglossite, Estomatite plasmocitária, Estomatite linfocíticaplasmocitária)
A estomatite posterior felina (EPF) é uma doença de gatos, relativamente incomum (3% dos problemas dentários em felinos), porém grave. Os animais acometidos apresentam inflamação bucal com piora progressiva e desconforto. De
modo mais significativo, a área ao redor dos arcos glossopalatinos e os tecidos ao longo da rafe pterigomandibular (entre as áreas retromolares da maxila e da mandíbula) se apresentam severamente ulcerados, friáveis, inflamados e
proliferativos. A inflamação ulceroproliferativa grave que envolve esta área, bilateralmente, na parte mais profunda da boca, é patognomônica de EPF. A causa não está comprovada, mas suspeita ser resultado de uma resposta inflamatória
inadequada a um antígeno, ou mais. Alta porcentagem de gatos acometidos (100% em alguns estudos) é portadora crônica de calicivírus felino. Em um indivíduo, a EPF pode ser causada pela soma de sensibilidades múltiplas aos antígenos
da superfície do dente, inclusive das superfícies radiculares e do ligamento periodontal, acima de um limiar.
O sinal imediato é dor intensa ao abrir a boca. Os gatos vocalizam e saltam quando bocejam ou abrem a boca para a preensão do alimento. Halitose, ptialismo e disfagia podem ser observados. Gatos frequentemente mostram um
comportamento de “aproximaçãofuga” ao se aproximarem do alimento quando sentem fome, então miam e fogem em antecipação ao desconforto. Se a afecção é grave e tiver uma longa duração, a perda de peso pode ser evidente. A
doença é lentamente progressiva, e pode não ser identificada até que as lesões se tornem graves. Às vezes, notase linfadenopatia submandibular. Frequentemente, devido à dor, não se consegue visualizar adequadamente a cavidade bucal
sem que se empregue sedação ou anestesia.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico é feito pela identificação visual de alterações ulceroproliferativas bilaterais nos tecidos ao redor dos arcos glossopalatinos durante o exame da cavidade bucal. Nos casos avançados, o gato reage fortemente para
abrir a boca. Testes adicionais incluem isolamento viral (calicivírus e herpesvírus), testes retrovirais, e pesquisa de doença sistêmica (insuficiência renal). Embora uma associação definitiva com infecção por Bartonella ainda não tenha sido
comprovada, os testes são recomendados. Nos casos atípicos (envolvimento unilateral, geralmente uma lesão focal proliferativa), biopsia e avaliação histopatológica são necessárias para excluir neoplasia de cavidade bucal ou outras
doenças específicas. A maioria das amostras coletadas por biopsia a partir de lesões crônicas, inflamatórias ou ulceradas, revela predominância de linfócitos e plasmócitos, o que indica a natureza inflamatória crônica da lesão sem elucidar a
etiologia primária.
TRATAMENTO: A extração de todos os pré–molares e molares de remoção dos ligamentos periodontais associados por meio de curetagem alveolar é o único tratamento que propicia alguma melhora e auxilia no controle a longo prazo. Este
tratamento fornece uma melhora significativa em 80% dos gatos acometidos quando é realizado precocemente no curso da doença, e pontas ou fragmentos de raízes não devem ser deixados para trás. Gatos cronicamente acometidos, que
foram tratados medicamentosamente por muitos meses, apresentam um prognóstico mais pobre após a cirurgia. Se algum dente está faltando, radiografias dentárias são exigidas para localizar as raízes retidas. Todo fragmento de raiz
persistente deve ser removido, pois poderá prejudicar a melhora. No pós–operatório, devese administrar amoxiciclinaclavulanato por 1 semana, seguida de clindamicina por mais 1 semana e, então, metronidazol, mais 1 semana.
Raramente se indica cultura e antibiograma das lesões, mesmo no caso de infecções crônicas ou recidivantes. O tratamento sintomático de EPF inclui mudança da dieta (alimentos palatáveis e amolecidos, não alergênicos), antibióticos e
antissépticos tópicos (p. ex., solução ou gel de clorexidina 0,1%). Os animais incapazes ou que não desejam comer e beber devem receber fluidos parenterais ou subcutâneos para evitar uma desidratação. A colocação de sonda
nasoesofágica, faringostomia ou gastrostomia deve ser considerada em gatos debilitados que não respondem à terapia. Alimentações frequentes com líquidos palatáveis e, posteriormente, com alimentos semissólidos estimulam a ingestão
de alimentos. Para as dores que persistem, apesar das extrações, a terapia de manutenção com prednisona ou triancinolona, VO, pode ser útil.
Muitos outros tratamentos para EPF foram descritos, inclusive a manutenção de uma boa higiene oral, tratamento da doença periodontal, profilaxia dentária regular, clorambucila, ciclosporina, laser terapia, lactoferrina bovina,
progestina, sais de ouro, azatioprina, dietas hipoalergênicas, laser de CO2, crioterapia, eletrofulguração e radiocirurgia. Nenhum destes procedimentos propicia resolução a longo prazo do problema. Alguns relatos sobre a resposta à terapia
com interferona? recombinante felino foram promissores. A administração de glicocorticoides, apenas, geralmente resulta em melhora clínica significativa e imediata devido à modulação da resposta inflamatória excessiva, mas não é
recomendada, exceto como último recurso. Sem cirurgia, injeções repetidas de metilprednisolona ou triancinolona, ou terapia de manutenção com prednisona ou prednisolona são, muitas vezes, necessárias. Este tratamento tornase
progressivamente menos eficaz e, eventualmente, completamente ineficaz. Além disso, gatos que receberam tratamentos repetidos com glicocorticoides apresentam um pobre prognóstico, logo que os dentes são extraídos. A extração de
todos os prémolares e molares ou as extrações de todos os dentes geralmente resultam em melhora significativa ou resolução completa da inflamação, se realizadas precocemente no curso da doença e antes dos múltiplos tratamentos com
glicocorticoides.
Estomatite Ulcerativa Crônica
As características da estomatite ulcerativa crônica (também conhecida como síndrome paradentária ulcerativa crônica ou SPUC) incluem inflamação gengival grave, vários locais de retração gengival e deiscência e áreas extensas de mucosa
labial ulcerada adjacente à superfície dos grandes dentes. Este problema comumente afeta cães da raça Greyhound, mas também foi descrito em animais das raças Maltesa, Schnauzer miniatura, Labrador Retriever, entre outras.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico é feito pela observação clínica das lesões da cavidade bucal, após exclusão de outras etiologias como estomatite urêmica, estomatite cáustica ou microrganismos infecciosos específicos. A lesão característica é
uma úlcera de contato que se desenvolve onde a mucosa do lábio ou da bochecha entra em contato com a superfície do dente, mais comumente na superfície interna do lábio superior adjacente aos dentes caninos. Essas lesões também são
denominadas “úlceras de contato”, pois se manifestam quando os lábios “tocam” os dentes. Um perfil imunológico deve ser obtido e uma biopsia realizada para histopatologia.
TRATAMENTO: A doença primária é uma imunopatologia que resulta em resposta inflamatória local excessiva aos antígenos da placa dentária. A eliminação ou, pelo menos, a minimização da placa, por meio de limpeza profissional, e boa
higiene oral caseira (escovação dos dentes 2 vezes/dia) podem resolver o problema. Contudo, mesmo uma discreta placa residual na superfície do dente perpetua a inflamação e as úlceras. Tratamento antibacteriano complementar com
gliconato de clorexidina tópica, como solução de enxágue ou gel, e, às vezes, tratamento antimicrobiano com metronidazol devem ser utilizados. Em casos graves, preparações tópicas antiinflamatórias para modularem a resposta
inflamatória também promovem conforto. O desconforto causado por úlceras complica o esforço de se escovar os dentes e a administração oral de medicamentos. Em casos piores, nos quais o desconforto é intenso e os proprietários são
incapazes de ou relutantes em escovar os dentes dos animais, a extração de todos os dentes associados às úlceras pode ser necessária para remover a superfície de contato com as placas acumuladas. Apesar de poder auxiliar no controle das
lesões, estas medidas não são curativas, pois as placas se formam na superfície mucosa da boca, inclusive na língua. Em alguns casos com extrações completas, os animais continuam a desenvolver lesões devido à resposta hiperimune à
placa.
Estomatite ulcerativa crônica. Úlceras de contato nas membranas mucosas labial e bucal, onde o lábio e as bochechas tocam a superfície do canino superior e do quarto dente prémolar superior. Cortesia do Dr. Gregg A. DuPont.
Gengivite Ulcerativa Necrosante Aguda (Guna) (Gengivoestomatite ulcerativa necrosante, Estomatite ulceromembranosa, Estomatite ulcerativa necrosante, Estomatite de Vincent, Trenchmouth)
Esta doença relativamente incomum de cães caracterizase por gengivite grave, úlcera e necrose da membrana mucosa bucal. Fusobacterium spp e espiroquetas (Borrelia vincenti), habitantes normais da boca, foram incriminados como
causadores da doença, após algum fator predisponente aumentar suas populações e diminuir a resistência da mucosa bucal. Desconhecese o papel, se realmente há, desses microrganismos como causa da doença. Em pessoas, Bacteroides
melanogenicus intermedius pode desempenhar um papel muito importante. Outros fatores em potencial incluem estresse, administração excessiva de glicocorticoides em cães suscetíveis e dieta deficiente.
A doença aparece, primeiramente, como hiperemia e inchaço nas margens gengivais e papilas interdentárias, que ficam doloridas, sangram facilmente e podem progredir para retração gengival. A extensão para outras áreas da mucosa
oral é comum, resultando em membranas mucosas necrosadas e ulceradas e exposição ósseas nos casos graves. A halitose é intensa, e o animal pode ficar anorético devido à dor. Às vezes ocorre ptialismo, e a saliva pode ficar tingida de
sangue. O diagnóstico diferencial inclui doença periodontal grave, dermatopatia autoimune, uremia, neoplasia e outra doença sistêmica associada a lesões orais.
O diagnóstico é feito por meio da exclusão das outras etiologias.
Tratamento da doença periodontal, desbridação das lesões, higiene oral, antibióticos (amoxicilinaclavulanato, ampicilina, clindamicina, metronidazol e tetraciclinas) e antissépticos orais (solução ou gel de clorexidina 0,1%) são
indicados.
Glossite
Glossite, uma inflamação aguda ou crônica da língua, é causada por microrganismos infecciosos (calicivírus, herpesvírus, vírus da rinotraqueíte, leptospirose), agentes físicos (irritação pelo excesso de tártaro ou doença periodontal, corpos
estranhos que penetram ou se alojam sob a língua, lesões traumáticas) ou produtos químicos; doenças metabólicas (uremia, hipoparatireoidismo, diabetes); ou outras causas como choque elétrico e picada de inseto. Glossite por corpo
estranho é um problema, especialmente em cães de pelos longos que tentam remover carrapichos de seu pelame.
Salivação e relutância em se alimentar são sinais comuns, mas a causa pode não ser descoberta a menos que se examine a boca cuidadosamente. Periodontite pode resultar em hiperemia, inchaço e, ocasionalmente, úlcera da borda da
língua. Um fio, barbante ou outro corpo estranho linear pode ficar preso sob a língua. Pode não ocorrer inflamação na superfície dorsal da língua, mas a superfície ventral fica dolorida, exibe irritação aguda ou crônica, e frequentemente está
lacerada pelo corpo estranho. Espinhos de porcoespinho, materiais vegetais e outros materiais estranhos podem penetrar tão profundamente que não ficam palpáveis. As picadas de insetos causam inchaço agudo da língua.
Nos casos crônicos de glossite ulcerativa, pode se encontrar presente uma secreção fétida, marrom e espessa (ocasionalmente com sangramento). Muitas vezes, o animal reluta em permitir um exame oral.
Língua fissurada ou pregueada (língua dissecta) apresenta uma variação quanto à textura do dorso da língua, com um sulco central ou lateral longitudinal profundo. A fissura aprofundase com a idade e é considerada ser adquirida de
algum fator extrínseco. Entretanto, pode também representar uma anomalia de desenvolvimento. O sulco fica preenchido por pelos que agem como irritantes locais causando inflamação e desconforto.
Todo corpo estranho e pelos devem ser retirados e os dentes comprometidos ou quebrados devem ser removidos ou tratados. A glossite infecciosa bacteriana deve ser tratada com um antibiótico sistêmico apropriado. Em alguns casos,
desbridação e enxágues orais com clorexidina 0,12% são úteis. Pode ser necessária curetagem da língua se o material estranho está aderido à língua. São oferecidos dieta amolecida e fluido parenteral, se necessário. Se o animal está
debilitado e incapaz de se alimentar corretamente por um período prolongado, devese considerar uma sonda nasoesofágica, de faringe ou gastrostomia para suporte nutricional. Glossite aguda por picada de insetos pode exigir um
tratamento emergencial.
Se a glossite é secundária a outra afecção, devese tratar a doença primária. Os tecidos linguais cicatrizam rapidamente após eliminação da irritação e infecção.
TRAUMATISMO DE TECIDOS MOLES
Mordedura da Bochecha
Uma lesão proliferativa, verrucosa ao longo do plano da mordida na bochecha pode resultar de um autotraumatismo quando o tecido fica retido entre os dentes durante a mastigação. Isto é semelhante ao morsicato buccarum e morsicato
labiorum em humanos. Pode também afetar o tecido sublingual de cães e gatos, semelhantemente ao morsicato linguarum. A remoção cirúrgica do tecido em excesso evita traumatismos futuros.
Queimaduras Bucais
As queimaduras térmicas, químicas ou elétricas envolvendo a boca não são incomuns. O animal deve ser avaliado e tratado de acordo com o envolvimento sistêmico, o qual pode representar risco de morte. Língua, lábios, mucosa bucal e
palato são envolvidos, muitas vezes, em queimaduras elétricas. As lesões podem ser discretas, apenas com desconforto temporário, ou podem ser muito destrutivas com perda tecidual, formação de cicatriz e deformidade ou déficits
teciduais subsequentes. A mastigação de um fio elétrico é, muitas vezes, um problema para filhotes de cães. Estes animais apresentam cicatriz linear no dorso da língua, delineando o caminho do fio elétrico. Uma ou ambas as comissuras
labiais podem apresentar uma cicatriz ou ferimento, e os dentes caninos adjacentes podem ficar descoloridos ou exigirem tratamento endodôntico.
O proprietário pode ter observado o incidente mas, mais comumente, isso ocorre na ausência dele. O animal hesita comer ou beber, saliva e ressente a manipulação da sua boca ou sua face. Se a destruição tecidual é acentuada, pode se
desenvolver estomatite ulcerativa ou gangrenosa, com infecções bacterianas secundárias. Caso se observe um contato com substância química corrosiva e essa substância é alcalina, a boca pode ser lavada com soluções suaves de vinagre ou
de sucos cítricos; se a substância é ácida, uma solução de bicarbonato de sódio deve ser utilizada. A lavagem abundante da boca com água ajuda a remover parte da substância química. Mais comumente, o animal é visto muito tempo depois
da exposição para que a neutralização seja efetiva.
Os animais que apresentam uma mucosa oral avermelhada, sem defeitos teciduais, não requerem tratamento específico além de uma dieta amolecida ou líquida até que a lesão cicatrize. Se as lesões teciduais são extensos, o tratamento
inclui lavagem com solução de clorexidine diluída e desbridação tecidual conservativo. Devese minimizar o risco de infecção secundária com uso de terapia antimicrobiana sistêmica por vários dias.
TUMORES BUCAIS
Tumores Bucais Benignos
Fibromas são os tumores bucais benignos mais comuns. Os fibromas inflamatórios podem ser muito grandes, apesar do seu comportamento completamente benigno. Os fibromas odontogênicos periféricos (antigamente conhecidos como
epúlides fibromatoso ou ossificante) são massas firmes que envolvem o tecido gengival adjacente ao dente. Acometem cães de qualquer idade, mas são mais comuns naqueles > 6 anos. Alguns desenvolvem centros de ossificação,
perceptíveis como uma nítida proliferação do osso alveolar que se estende para dentro da massa. Geralmente, são solitários, embora possa haver múltiplas lesões. O tumor não ocasiona metástase, mas pode se tornar muito grande e invadir
o osso regional. Originase do ligamento periodontal do dente adjacente e a remoção cirúrgica completa deve incluir os tecidos, inclusive o ligamento periodontal. Em geral, há necessidade de remoção em bloco do dente ou dos dentes
comprometidos. A excisão completa é curativa.
O ameloblastoma acantomatoso canino (antigamente denominado epúlide acantomatoso) é muito mais localmente invasivo e rapidamente invade os tecidos locais, inclusive o osso. Não ocasionam metástase, mas, devido sua natureza
localmente agressiva, a excisão cirúrgica deve incluir uma margem de 1 cm de tecidos clinicamente normais (inclusive as margens ósseas), para evitar recidiva. O tratamento com radiação pode minimizar deformações quando se tratar de
tumores grandes. A remoção cirúrgica adequada é curativa.
Tumores Bucais Malignos
Em cães, os três tumores malignos mais comuns da cavidade bucal são melanoma maligno, carcinoma de célula escamosa e fibrossarcoma. A incidência de tumores bucais malignos é maior em cães > 8 anos de idade.
Os carcinomas de célula escamosa são, de longe, as neoplasias bucais malignas mais comuns em gatos; geralmente envolvem gengiva e língua e são muito invasivos, localmente. Os fibrossarcomas são, em segundo lugar, os mais
comuns; nos gatos, são localmente invasivos e o prognóstico é ruim.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos variam dependendo da localização e da extensão da neoplasia. Halitose, relutância em se alimentar e hipersalivação são achados comuns. Caso a orofaringe esteja envolvida, disfagia pode estar
presente. Os tumores, muitas vezes, ulceram e sangram. A face pode se tornar inchada a medida que o tumor aumenta de volume e invade o tecido vizinho. Os linfonodos regionais, com frequência, aumentam de volume antes dos tumores
bucais e faringianos serem observados.
DIAGNÓSTICO: Devido ao comportamento variado dos crescimentos gengivais, a caracterização précirúrgica é valiosa para planejar a extensão da cirurgia necessária. A biopsia é o método mais confiável para se obter um diagnóstico
definitivo; contudo, um diagnóstico citológico por esfregaços de aspirados com agulha fina é possível, em alguns casos. Os melanomas malignos variam em aparência, são pigmentados ou não, e devem ser considerados no diagnóstico de
qualquer tumor bucal. Os carcinomas de células escamosas envolvem comumente a gengiva ou as tonsilas, e o linfossarcoma deve constituir um diagnóstico diferencial para um aumento de volume das tonsilas. Os linfonodos regionais e os
pulmões devem ser avaliados quanto à presença de metástases.
TRATAMENTO: Os melanomas malignos são altamente invasivos e fazem metástase facilmente; consequentemente, o prognóstico é de reservado a pobre. A ressecção cirúrgica pode prolongar o tempo de sobrevida e pode ser curativa,
particularmente nos casos de massas nas áreas rostrais da boca. Entretanto, a recidiva local é comum. Enquanto várias estratégias de imunoterapia contra o melanoma tem apresentado pouco sucesso, novas modalidades como vacinas com
células dendríticas e vacinas de DNA xenogênico podem ser bemsucedidas. Outras modalidades que combinam terapia do gene suicida como tratamento adjuvante começaram a ser avaliadas. O carcinoma não tonsilar de células escamosas
é localmente invasivo, com taxa de metástase baixa e o prognóstico é bom no caso de ressecção cirúrgica agressiva ou radioterapia ou ambas. Os carcinomas tonsilares de células escamosas são agressivos e possuem um prognóstico pobre.
Os fibrossarcomas apresentam prognóstico reservado devido a sua natureza localmente agressiva. Recidiva do crescimento tumoral após ressecção é comum.
Nos gatos, o carcinoma de células escamosas possui um prognóstico pobre e a sobrevida a longo prazo só é obtida se o problema é diagnosticado e tratado precocemente. A remoção tumoral local, muitas vezes, exige mandibulectomia ou
perda de grandes áreas do osso maxilar e tecidos moles regionais.
VERRUGAS VIRAIS E PAPILOMAS
Verrugas virais (verrugas comuns) são crescimentos benignos causados por um vírus (ver p. 948). A membrana mucosa bucal e as comissuras labiais estão, muitas vezes, envolvidas, mas os crescimentos (únicos ou, mais frequentemente,
múltiplos) podem envolver o palato e a orofaringe. As verrugas virais são mais comuns em cães jovens e surgem repentinamente, com crescimento e difusão ocorrendo rapidamente. Os sinais são observados quando os crescimentos
interferem na apreensão, mastigação ou deglutição. Ocasionalmente, se os crescimentos são numerosos, o cão pode mordêlos durante a mastigação, causando sangramento e infecção. Podem regredir espontaneamente dentro de poucas
semanas e a remoção, geralmente, não se torna necessária. Se preciso, a retirada da lesão exofítica pode ser realizada por eletro ou radiocirurgia, ou por ressecção. A remoção cirúrgica de uma ou mais verrugas pode iniciar a regressão. O
uso de vacinas comerciais ou autógenas é geralmente decepcionante. O caráter autolimitante da doença dificulta a avaliação de qualquer tratamento.
Papilomas (p. 949) são proliferações exofíticas benignas de epitélio escamoso. São clinicamente indistinguíveis das verrugas induzidas por vírus. Diferente das verrugas virais, os papilomas geralmente apresentam crescimento lento e
são solitários. Comumente, permanecem benignos e a remoção cirúrgica é curativa.
DOENÇAS DE ESTÔMAGO E INTESTINOS DE PEQUENOS ANIMAIS
COLITE
O cólon ajuda a manter o equilíbrio hidreletrolítico e a absorver nutrientes; também, é o principal local de armazenamento de fezes, até sua eliminação, e propicia um ambiente aos microrganismos. Interrupções na função normal do cólon
ocasionam alterações de absorção e motilidade; clinicamente, manifestamse como diarreia de intestino grosso. Cerca de um terço dos cães com histórico de diarreia crônica apresentam colite. Colite crônica é definida como uma inflamação
do cólon presente por = 2 semanas. A inflamação do cólon reduz a quantidade de água e eletrólitos absorvidos e altera a motilidade de cólon por suprimir as contrações normais que misturam e amassam a ingesta e por estimular as
contrações migratórias gigantes (contrações muito vigorosas que rapidamente impulsionam o conteúdo intestinal). A colite é classificada em quatro formas: linfocítica–plasmocítica, eosinofílica, neutrofílica e granulomatosa. A linfocítica
plasmocítica é a forma mais comum em cães e gatos. A maioria dos cães tem meiaidade e não há predileção sexual. Pode haver uma associação entre colite e fístula perianal, principalmente no Pastor Alemão. Gatos com colite tendem a
ser de meiaidade e, de forma mais comum, de raças puras. Tipicamente, há um número aumentado de linfócitos e plasmócitos na lâmina própria (menos frequentemente na submucosa e muscular).
A colite eosinofílica é caracterizada por um número aumentado de eosinófilos na lâmina própria. É menos comum que a colite linfocíticaplasmocítica, os animais tendem a ser mais jovens e é mais difícil de ser tratada. Microrganismos
infecciosos, parasitos, alergênios alimentares podem ser fatores desencadeadores, mas nada foi comprovado. O hemograma pode revelar eosinofilia. A síndrome hipereosinofílica em gatos é uma variante da enterite eosinofílica com
envolvimento eosinofílico não apenas do intestino, mas também do fígado, baço, linfonodos mesentéricos, rins, glândulas adrenais e coração.
A colite granulomatosa é rara e ocorre em uma porção intestinal segmentada, espessada, parcialmente obstruída (íleo e cólon, na maioria das vezes). É caracterizada pela presença de macrófagos e outras células inflamatórias na lâmina
própria. Esses macrófagos não são positivos ao ácido periódico de schiff. Devido a suas características histológicas, tornase importante excluir uma inflamação secundária à doença fúngica, parasitos intestinais, peritonite infecciosa felina e
corpo estranho. O tratamento permanece controverso, embora mais frequentemente a cirurgia seja recomendada.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: A inflamação do cólon pode ser aguda ou crônica. Na maioria dos casos, os fatores incitantes não são conhecidos. Já se admitiram causas bacterianas, parasitárias, fúngicas, traumáticas, urêmicas e alérgicas.
A inflamação pode resultar de um defeito na imunorregulação da mucosa. Após uma lesão inicial na mucosa, os linfócitos e os macrófagos da submucosa ficam expostos aos antígenos luminais e subsequentemente disparam a inflamação.
Uma reação exagerada a fatores dietéticos ou bacterianos dentro do lúmen intestinal, predisposição genética, patologia psicológica que afeta os suprimentos neurológico ou vascular para o cólon, ou sequelas de infecções ou doenças
parasitárias anteriores já foram implicados.
Na colite aguda há infiltração da mucosa por neutrófilos e destruição e úlcera epiteliais. A colite crônica caracterizase mais frequentemente por infiltração mucosa de plasmócitos e linfócitos, fibrose e, às vezes, úlcera. As células
caliciformes são estimuladas a secretar uma quantidade excessiva de muco. A absorção de água e eletrólitos tornase prejudicada, e a motilidade reduzida. A inflamação destrói as firmes junções intracelulares e diminui a diferença de
potencial elétrico transmucoso, interrompendo a capacidade do cólon de absorver sódio. Inibese a segmentação normal; as contrações musculares migratórias gigantes procedem na extensão do cólon e o conteúdo luminal é rapidamente
expulso. O intestino inflamado fica mais sensível a um estiramento e o conteúdo que entra no cólon estimula contrações musculares migratórias gigantes fortes, uma vontade de defecar e desconforto abdominal.
Frutooligossacarídios (FOS) aumentam a microflora do cólon e auxiliam na prevenção e tratamento da doença. Estes carboidratos complexos não são digeridos no intestino delgado. São fermentados por bactérias específicas do cólon
que utilizam estes compostos como fonte de energia. FOS favorecem o crescimento de bactérias benéficas e inibem o crescimento de bactérias potencialmente prejudiciais. São responsáveis pela produção de ácidos graxos de cadeia curta
(AGCC).
AGCC (acetato, propionato, butirato) são importantes fontes energéticas, essenciais para a manutenção da mucosa normal. Ajudam na manutenção da motilidade intestinal e a melhorar a inflamação intestinal. Alteração dos ácidos graxos
leva a atrofia e lesões na mucosa.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos mais comuns da colite crônica é a diarreia de intestino grosso, caracterizada por muco, hematoquesia, tenesmo e, ocasionalmente, dor ao defecar. Há, muitas vezes, maior urgência e aumento na
frequência de defecação, com diminuição do volume fecal por evacuação. Perda de peso e vômitos podem ocorrer, mas são incomuns; são observados, com mais frequência, quando o intestino delgado está envolvido. Os sinais clínicos
podem se exacerbar ou diminuir. Inicialmente, podem ser esporádicos, mas a progressão geralmente ocorre. O exame físico encontrase sem alterações na maioria dos casos. Um exame retal minucioso pode revelar a presença de pólipos
retais ou neoplasias malignas que podem mimetizar os sinais de colite crônica.
DIAGNÓSTICO: A abordagem inicial deve incluir anamnese e exame clínico completo, inclusive palpação retal e exame das fezes. Esfregaços de fezes para pesquisa de Giardia e fungos (Histoplasma capsulatum, Pythium insidiosum),
flotação fecal para identificação de parasitos (Trichuris vulpis, em cães, e Tritrichomonas foetus, em gatos) e cultura bacteriana (Campylobacter, Salmonella, Clostridium) são sugeridos nos casos de colite crônica. A citologia do reto é uma
ferramenta importante para exclusão de outras causas de diarreia de intestino grosso. Pode revelar a presença de células inflamatórias, células neoplásicas e alguns microrganismos infecciosos (p. ex., H. capsulatum). Casos suspeitos de
colite por clostrídios (> 5 endosporos por campo) devem ser confirmados pela identificação de enterotoxinas A e B de Clostridium perfringens nas fezes, utilizando um teste ELISA disponível no mercado após uma cultura bacteriana das
fezes ter sido realizada.
Um teste alimentar é recomendado antes de uma busca por diagnósticos mais avançados. Se os sinais clínicos persistem, devese realizar hemograma, perfil bioquímico sérico e urinálise para exclusão de outras doenças; contudo, na
maioria dos casos de colite crônica, os resultados são normais. Nos gatos, testes para o vírus da leucemia felina e da imunodeficiência felina também são recomendados, assim como a avaliação dos hormônios da tireoide, se a idade é
apropriada. As radiografias simples abdominais geralmente estão normais. As radiografias contrastadas podem, ocasionalmente, demonstrar uma diminuição do espaço intraluminal, o que poderia indicar uma doença infiltrativa em
progressão. A ultrassonografia permite a visualização da mucosa do cólon, lesões localizadas e tamanho e ecogenicidade dos linfonodos.
A colonoscopia é indicada para inspecionar, visualmente, a superfície da mucosa do cólon e obter amostras para biopsia. A preparação do cólon é essencial para se evitar perder lesões pequenas ou sutis devido ao material fecal residual
na superfície da mucosa. O alimento deve ser suspenso por 24 a 48 h antes do procedimento, seguido de uma combinação de enemas e uma solução de lavagem de cólon. Várias amostras do ceco e cólon ascendente, transverso e
descendente devem ser obtidas, independentemente da aparência morfológica. Devido a pobre concordância entre a aparência macroscópica e os resultados histopatológicos, os resultados devem ser interpretados em face ao histórico e
exame físico. Uma biopsia com resultado de mucosa normal ou com evidência de uma mucosa hiperplásica, associadas a sinais clínicos de diarreia de intestino grosso são compatíveis com a síndrome do intestino irritável. Eosinofilia
periférica está invariavelmente presente em gatos com a síndrome hipereosinofílica.
TRATAMENTO E CONTROLE: Se possível, a causa desencadeante deve ser identificada e eliminada. Os alimentos devem ser suspensos nas primeiras 24 a 48 h nos animais com colite aguda no esforço de “poupar” o intestino.
Pelo fato da eliminação de ovos pelos tricurídeos ser intermitente, a desverminação terapêutica (p. ex., febendazol 50 mg/kg, 1 vez/dia, por 3 dias, repetindo em 3 semanas e, novamente, em 3 meses, se há resposta positiva) deve ser
realizada mesmo se os resultados de exame das fezes são negativos.
A suplementação da dieta com fibras (1 a 6 colheres de chá de muciloide hidrofílico de psílio ou 1 a 4 colheres de sopa de farelo de trigo grosso/refeição) melhora a diarreia em vários animais. As fibras alimentares reduzem a água fecal,
prolongam o tempo de trânsito intestinal (aumentando a oportunidade de se absorver água), absorvem toxinas, aumentam o volume fecal e forçam a músculos lisa do cólon, e melhoram a contratilidade. Contudo, a adição de fibras, sozinha,
raramente resulta em resolução completa dos sinais clínicos de diarreia de intestino grosso em cães, e os efeitos benéficos podem demorar até 6 semanas para se tornarem evidentes. Ao longo do tempo, a dosagem da fibra pode ser reduzida
ou até mesmo suspensa em alguns cães e uma alimentação normal reintroduzida sem causar uma recidiva na diarreia.
Novas fontes proteicas foram eficazes em controlar os sinais clínicos de colite em cães e gatos. A fonte proteica utilizada deve ser uma que o animais não tenha sido exposto previamente. Em um estudo, os sinais clínicos associados à
colite linfocíticaplasmocítica se resolveram em todos os cães em cerca de 2 semanas após a alimentação com dieta hipoalergênica, com baixo teor de resíduos (1 parte de queijo cottage magro e 2 partes de arroz branco cozido). Por
conseguinte, a maioria dos cães permanece sem a recidiva dos sinais clínicos com rações terapêuticas no mercado disponíveis, das quais não tinham se alimentado anteriormente. Atualmente, há inúmeras rações terapêuticas que contem
arroz com carne de carneiro ou cordeiro, veado ou coelho.
Alimentos hidrolisados também foram considerados efetivos no tratamento de colite. Estas dietas especializadas quebram a estrutura da proteína para remover quaisquer alergênios ou epítopos alergênicos e, portanto, evitam um
reconhecimento imunológico.
Se a alimentação com dietas ricas em fibras ou com uma nova fonte proteica não é bemsucedida, uma dieta comercial pobre em resíduos pode ser testada, principalmente as que contém frutooligossacarídios (FOS).
Gatos com colite linfocíticaplasmocitária podem responder ao manejo alimentar, exclusivamente (p. ex., cordeiro e arroz, carne de equino ou uma ração disponível no mercado). Em um estudo, os gatos foram inicialmente tratados com
fibras alimentares ou fibras alimentares juntamente com tratamento medicamentoso (prednisona, tilosina ou sulfassalazina). A maioria dos gatos foi mantida com dietas ricas em fibras ou com ração facilmente digerível.
O metronidazol é considerado um dos principais medicamentos para tratamento de colite crônica em gatos. Seus efeitos terapêuticos incluem atividade antiprotozoário e antimicrobiana e inibição de alguns aspectos da imunidade mediada
por células. Não é geralmente utilizado como um agente único, mas sim em combinação com o manejo dietético ou outro fármaco. Embora o metronidazol seja bem tolerado por cães e gatos, efeitos adversos podem ocorrer (principalmente
neurológicos como nistagmo, ataxia, sinais vestibulares, convulsões), seja em tratamentos crônicos ou em altas doses. Contudo, a neurotoxicose deve ser reversível dentro de 5 a 7 dias após o tratamento ser interrompido.
Tilosina, um antibiótico macrolídeo que é utilizado principalmente no alimento, em grandes animais, é útil nas enteropatias crônicas porque interfere na adesão bacteriana na mucosa e tem alguns efeitos antibacterianos e
imunomoduladores. Atua, principalmente, contra bactérias grampositivas anaeróbicas obrigatórias ou facultativas e algumas bactérias gramnegativas. No entanto, Escherichia coli e Salmonella são resistentes à tilosina. A tilosina é bem
tolerada por cães e gatos, com poucos efeitos adversos.
Os sinais clínicos resolvemse mais rapidamente quando um antiinflamatório é administrado, junto com a alteração na dieta. Sulfassalazina, prednisona ou prednisolona e azatioprina são as mais comumente utilizadas. A sulfassalazina é,
muitas vezes, utilizada para tratar colite linfocíticaplasmocitária em cães (12,5 mg/kg, 4 vezes/dia, por 14 dias, seguida de 12,5 mg/kg, 2 vezes/dia, por 28 dias). O uso prolongado deve ser evitado, pois predispõe à ceratoconjuntivite seca.
A sulfassalazina é um inibidor da prostaglandina sintetase e tem atividade antileucotrieno. É composta de mesalamina ligada à sulfapiridina, por uma ligação azo; esta ligação impede sua absorção no trato GI superior e permite que a maior
parte do fármaco seja transportada ao intestino grosso. Uma vez no intestino grosso, é metabolizada pelas bactérias do ceco e do cólon, liberando seus componentes. A mesalamina atua localmente reduzindo a inflamação da mucosa do
cólon. A sulfapiridina acreditase ser absorvida sistemicamente e, portanto, não possui qualquer efeito terapêutico local na colite, mas é responsável pelos efeitos adversos da sulfassalazina. Os salicilatos são metabolizados no fígado pelos
processos enzimáticos hepáticos envolvendo a glucuronil transferase. Pelo fato dos gatos serem deficientes dessa via enzimática, os salicilatos apresentam meiavida prolongada nesta espécie. Portanto, a sulfassalazina não é utilizada como
a droga de eleição na colite felina devido ao risco de intoxicação por salicilato.
Os glicocorticoides, em combinação com manejo alimentar e metronidazol, são o tratamento de escolha para a colite crônica em gatos. Podem ser introduzidos no plano terapêutico de cães quando as terapias anteriormente discutidas não
foram bemsucedidas ou se o 5aminosalicilato induz efeitos adversos. Se utilizada em combinação com sulfassalazina ou metronidazol, a prednisona pode ser administrada em uma dose reduzida. A prednisona deve ser iniciada na dose de
2 mg/kg/dia, VO; 2 semanas após a resolução dos sinais clínicos, a dosagem deve ser reduzida em 25% a cada 2 a 4 semanas, o que geralmente resulta em remissão.
Os gatos normalmente toleram os glicocorticoides muito bem; os efeitos adversos são comuns em cães e incluem poliúria, polidipsia, polifagia, sangramento GI, suscetibilidade aumentada às infecções, hiperadrenocorticismo iatrogênico
e supressão pituitárioadrenocortical.
A budesonida é um glicocorticoide não halogenado que tem sido utilizado no tratamento da doença de Crohn em humanos. A budesonida sofre um metabolismo de primeira passagem significativo, no fígado; teoricamente, isto deve
reduzir os efeitos adversos observados, muitas vezes, com os glicocorticoides tradicionais, pois pouca droga ativa encontrase sistemicamente disponível. Em um estudo com 10 cães saudáveis, o eixo pituitárioadrenocortical foi suprimido,
mas nenhum outro efeito adverso foi observado.
As drogas imunossupressoras são principalmente utilizadas em combinação com os glicocorticoides quando a resposta não foi satisfatória apenas com os últimos. Azatioprina e clorambucila são os mais comumente utilizados em cães e
gatos. A azatioprina (2 mg/kg, 1 vez/dia e reduzida gradualmente), sozinha ou em combinação com prednisona, foi utilizada para controlar os sinais clínicos associados à colite linfocíticaplasmocítica. A azatioprina pode ser considerada
nos casos pouco responsivos à prednisona ou à prednisona com sulfassalazina. Os sérios efeitos adversos da azatioprina em gatos (mielossupressão e hepatotoxicidade) limitam seu uso na colite felina. Em vez disso, clorambucila (0,1 a 0,2
mg/kg ou 1 mg/gato, 1 vez/dia inicialmente até os sinais clínicos melhorarem acentuadamente, o que pode necessitar de 4 a 8 semanas) é utilizado em gatos em associação com a prednisona, se necessário.
A ciclosporina foi efetiva nos casos de colite refratários aos esteroides, mas isto não foi avaliado em gatos. Os efeitos adversos incluem distúrbios GI, doença gengival e alopecia.
Alguns animais também necessitam do uso, a curto prazo, de modificadores de motilidade até que a inflamação esteja controlada. Loperamida (0,1 a 0,2 mg/kg, 2 a 4 vezes/dia) estimula a atividade segmentar e retarda o trânsito do
conteúdo fecal. Também diminui a secreção do cólon, potencializa a absorção de sal e água e aumenta o tônus do esfíncter anal. É contraindicada em casos de colite infecciosa (p. ex., causada por Salmonella,
Campylobacter ou Clostridium).
PROGNÓSTICO: O prognóstico da colite crônica, a curto prazo, é bom, para cães e gatos. Contudo, o prognóstico, a longo prazo, da resolução completa sem recidivas parece ruim. Muitos casos de doença intestinal inflamatória não são
curáveis e alguma forma de tratamento provavelmente é necessária por longo período. Em alguns animais, especialmente gatos, o manejo prolongado da colite crônica pode ser possível apenas com dieta.
Muitos casos de colite linfocíticaplasmocítica idiopática respondem às alterações alimentares e clínicas. A formação de estenose e vastas fibroses justificam um prognóstico mais reservado. A colite eosinofílica em cães responde
favoravelmente com dietas controladas e terapia com glicocorticoide. Em gatos, o prognóstico é mais reservado, e o tratamento mais agressivo com agentes imunossupressores é necessário. A síndrome hipereosinofílica é uma doença
progressiva e fatal que não possui tratamento efetivo em pacientes veterinários.
A colite histiocítica do Boxer suporta um pobre prognóstico a menos que o tratamento seja iniciado precocemente no curso da doença. A enteropatia imunoproliferativa dos Basenjis também garantem um prognóstico pobre; a maioria dos
cães morrem em 2 anos do diagnóstico, embora temse relatado uma sobrevida de até 5 anos. De modo semelhante, o prognóstico da síndrome diarreica relatada em cães da raça Lundehund também é ruim.
CONSTIPAÇÃO INTESTINAL E OBSTIPAÇÃO
Constipação intestinal consiste em defecação infrequente ou difícil, de fezes ressecadas e muito duras. A constipação intestinal é um problema clínico comum em pequenos animais. Em muitos casos, o problema é facilmente corrigido;
contudo, em animais mais debilitados, os sinais clínicos acompanhantes podem ser graves. À medida que as fezes permanecem mais tempo no cólon, ficam mais secas, mais duras e mais difíceis de serem eliminadas. A obstipação é a
constipação intestinal intratável, caracterizada pela inabilidade de eliminar as fezes secas e endurecidas; a impactarão que se estende do reto à válvula ileocólica pode ser consequente. O megacólon é uma condição patológica de
hipomotilidade e dilatação do intestino grosso que resulta em constipação intestinal e obstipação.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: As ondas peristálticas são responsáveis pelo movimento aboral do material fecal no cólon. As ondas migratórias gigantes, que ocorrem de forma intermitente durante o dia, movem este material para frente e
mais rapidamente. Estas ondas representam o “reflexo gastrocólico” e são comuns após a alimentação. A redução ou perda dessas ondas podem contribuir para a constipação intestinal. De modo semelhante, um aumento na atividade da
onda de segmentação pode predispor a constipação intestinal. Contudo, a dieta é o fator local mais importante que afeta a função do cólon.
A constipação intestinal crônica pode ocorrer por fatores intraluminais, extraluminais ou intrínsecos (ou seja, neuromusculares). A obstrução intraluminal ocorre mais comumente e se deve à incapacidade de eliminar um material pouco
digerível e frequentemente firme (p. ex., pelos, ossos, areia) misturado com material fecal. A falta de consumo hídrico ou a relutância em defecar com regularidade devido a situações ambientais (estresse) ou comportamentais (caixa de
areia suja) ou a doença anorretal dolorosa predispõem à formação de fezes duras e secas. Os tumores intraluminais também podem impedir a eliminação de fezes. A obstrução extraluminal pode ser causada por uma compressão do cólon ou
do reto por estreitamento da entrada da pelve após redução inapropriada de fratura pélvica ou por meio de compressão de cólon ou retal por aumento de volume dos linfonodos sublombares ou da próstata. Estenose do cólon por
traumatismo ou neoplasia também deve ser considerada. Finalmente, alguns animais (geralmente gatos) com constipação intestinal ou obstipação crônicas podem apresentar megacólon, provavelmente causado por uma lesão no leito
neuromuscular do cólon. A etiologia do megacólon permanece desconhecida. Outras doenças que afetam o controle neuromuscular do cólon e reto incluem hipotireoidismo, disautonomia e lesões na medula espinal (deformação da medula
espinal sacral do Manx) ou nos nervos pélvicos. A hipopotassemia e a hipercalcemia também influenciam negativamente o controle muscular. Alguns medicamentos (p. ex., opioides, diuréticos, antihistamínicos, anticolinérgicos,
sucralfato, hidróxido de alumínio, brometo de potássio e bloqueadores do canal de cálcio) causam constipação intestinal por mecanismos diferentes.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos clássicos da constipação intestinal incluem tenesmo e a eliminação de fezes secas e firmes. Se a defecação está dificultada pelo aumento da próstata ou linfonodos sublombares, as fezes podem
assumir uma aparência achatada ou de “fita”. A palpação abdominal e exame retal confirmam a presença de grande volume de material fecal retido. As fezes eliminadas encontramse frequentemente pútridas. Alguns animais ficam bastante
indispostos e também apresentam letargia, depressão, anorexia, vômitos (principalmente em gatos) e desconforto abdominal.
DIAGNÓSTICO: Um histórico de imprudência dietética e evidências físicas de retenção de fezes confirmam o diagnóstico. Informação detalhada sobre a duração da constipação intestinal e fatores que a influenciam podem auxiliar a detectar
a causa, assim como um histórico de ingestão de material indigesto que poderia causar aumento do volume fecal ou dor e esta limitando o reflexo de defecação. Outros fatores que podem ser relevantes incluem cirurgia recente, trauma
pélvico anterior e, possivelmente, radioterapia. Um exame neurológico completo com ênfase especial na função da medula espinal caudal deveria ser realizado para identificar causas neurológicas de constipação intestinal, por exemplo,
lesões à medula espinal, trauma no nervo pélvico, deformidade da medula espinal sacral do Manx.
Devese realizar palpação abdominal e exame retal, inclusive avaliação de próstata e linfonodos sublombares para se determinar a presença de hérnia perineal, corpo estranho, dor ou tumores. Radiografias abdominais simples podem
auxiliar a estabelecer o(s) fator(es) incitante(s) de retenção fecal e oferecer alguma indicação do que as fezes contêm (p. ex., ossos). Um enema de bário, ultrassonografia ou colonoscopia podem facilitar a demonstração de lesões obstrutivas
ou de causas predisponentes de constipação intestinal crônica.
Hemograma, perfil bioquímico que inclui o teor sérico de T4, urinálise e exame neurológico detalhado devem ser realizados nos casos de constipação intestinal crônica ou recidivante.
TRATAMENTO E CONTROLE: Os animais acometidos devem ser hidratados adequadamente. A constipação intestinal discreta pode ser tratada, muitas vezes, mediante um ajuste dietético que consiste em evitar imprudências dietéticas,
pronto acesso à água e dietas ricas em fibras, e uso de supositórios laxantes. Devese evitar o uso contínuo ou de longa duração de laxantes, a menos que sejam absolutamente essenciais para impedir a constipação intestinal.
Vários supositórios retais pediátricos estão disponíveis para o controle de constipação intestinal discreta. Contêm dioctil sulfosuccinato de sódio (DSS; laxante emoliente), glicerina (laxante lubrificante) e bisacodil (laxante estimulante).
O uso de supositórios requer um animal complacente e um proprietário que colabora. Os supositórios podem ser utilizados sozinhos ou juntamente com laxantes orais.
Constipação intestinal discreta a moderada ou episódios recidivantes de constipação intestinal podem exigir a administração de enemas ou retirada manual das fezes impactadas, ou ambas. Os tipos de enemas incluem água morna (5 a 10
ml/kg), salina isotônica morna (5 a 10 ml/kg) com ou sem detergente neutro para agir como um irritante, DSS (5 a 10 ml/gato), óleo mineral (5 a 10 ml/gato) ou lactulose (5 a 10 ml/gato). As soluções de enema devem ser administradas
lentamente com um tubo de borracha French 10 a 12, ou tubo utilizado para nutrição enteral.
Se os enemas não são efetivos, a extração manual das fezes impactadas pode ser necessária. Após reidratação adequada, o animal deve ser anestesiado e deve ser colocada uma sonda endotraqueal para evitar a aspiração, no caso da
manipulação do cólon induzir vômito. A remoção completa de todas as fezes pode requerer duas a três tentativas, por muitos dias. Anormalidades hídricas e eletrolíticas concomitantes devem também ser corrigidas.
Os laxantes são classificados como formadores de massa, lubrificantes, emolientes, osmóticos ou estimulantes. A maior parte deles atua nos mecanismos de transporte hídrico e na estimulação motora do cólon. Devem ser evitados na
presença de desidratação. Laxantes formadores de massa são adicionados à dieta. Esses produtos são suplementos com fibras alimentares de polissacarídios e celulose pobremente digeríveis derivados, principalmente de grãos de cereais e
psílio. Eles absorvem água, amolecem as fezes, acrescentam volume, estiram a músculos lisa do cólon e melhoram a contratilidade. Muitos gatos constipados respondem à suplementação dietética com um desses produtos. As fibras
alimentares são preferíveis, pois são bem toleradas, mais eficazes e mais fisiológicas que os outros laxantes. Dietas comerciais suplementadas com fibras estão disponíveis ou o proprietário do animal pode adicionar psílio (1 a 4 colheres de
chá/refeição), farelo de trigo (1 a 2 colheres de sopa/refeição) ou abóbora (1 a 4 colheres de sopa/refeição) ao alimento enlatado. Os animais devem estar bem hidratados antes de se iniciar a suplementação com fibras, para minimizar o risco
de impactação das fibras no cólon constipado.
Laxantes emolientes são detergentes aniônicos que aumentam a miscibilidade da água e lípidios da dieta, reforçando assim a absorção de lipídios e diminuindo a absorção de água. DSS e dioctil sulfosuccinato de cálcio são laxantes
emolientes disponíveis nas formas oral e de enema. O docusato sódico (gatos: 1 cápsula de 50 mg, 1 vez/dia; cães: 1 a 4 cápsulas de 50 mg/dia) e o docusato cálcico (gatos: 1 a 2 cápsulas de 50 mg/dia; cães: 2 a 3 cápsulas de 50 mg/dia) são
outros exemplos de laxantes emolientes.
Óleo mineral e vaselina são laxantes lubrificantes que impedem absorção de água pelo cólon e permitem maior facilidade na eliminação das fezes. Esses efeitos são moderados e os laxantes lubrificantes são úteis apenas nos casos de
constipação intestinal discreta. O uso do óleo mineral deve ser limitado à administração retal devido ao risco de pneumonia por aspiração nos casos de administração oral.
Os laxantes osmóticos são compostos de polissacarídios pobremente absorvidos (p. ex., 0,5 ml de lactulose/kg VO, 2 a 3 vezes/dia), sais de magnésio (p. ex., citrato de magnésio, hidróxido de magnésio, sulfato de magnésio) e
polietilenoglicol. A lactulose é o agente mais eficaz deste grupo. Os ácidos orgânicos produzidos a partir da fermentação da lactulose estimulam a secreção de fluidos pelo cólon e a motilidade propulsora. A lactulose, osmoticamente, retém
água no intestino para amolecer o material fecal. Também é útil no manejo da encefalopatia hepática porque diminui o pH luminal, reduz a produção bacteriana de amônia e favorece a formação de íons amônio, que são pobremente
absorvidos. Os laxantes estimulantes (p. ex., bisacodil [gatos e cães pequenos: 5 mg; cães de tamanho médio: 10 mg; cães grandes: 15 a 20 mg]) aumentam a atividade propulsora intestinal. Eles são contraindicados quando há obstrução
intestinal.
Os agentes procinéticos que atuam no cólon (p. ex., cisaprida) exacerbam a motilidade propulsora do cólon por ativarem os receptores 5hidroxitriptamina2A dos músculos lisos em várias espécies. Evidências anedóticas sugerem que a
cisaprida (0,1 a 0,5 mg/kg VO, 2 a 3 vezes/dia) é eficaz em estimular a motilidade propulsora do cólon em gatos com constipação intestinal discreta a moderada. Altas doses (até 1 mg/kg) podem ser necessárias em gatos com constipação
intestinal moderada a grave. Efeitos adversos insignificantes foram relatados em gatos tratados com 0,1 a 1 mg de cisaprida/kg VO, 2 a 3 vezes/dia. Gatos com constipação intestinal de longa data e megacólon provavelmente não melhoram
com o tratamento com cisaprida.
Relatase que a ranitidina e a nizatidina, antagonistas de receptores H2, estimulam a motilidade do cólon por inibirem a acetilcolinesterase. Elas estimulam a motilidade por aumentarem a quantidade de acetilcolina disponível para se ligar
aos receptores colinérgicos muscarínicos dos músculos lisos.
Para evitar recidiva, os animais devem ser estimulados a ingerirem dietas ricas em fibras; devese manter um acesso fácil a água e permitir oportunidades frequentes de defecação.
Os casos de obstrução intraluminal não complexos, por descuido alimentar, respondem bem à lavagem intestinal e a prevenção deste hábito, futuramente. Constipação intestinal crônica não responsiva ao tratamento clínico (alguns gatos
com megacólon) pode responder à colectomia parcial ou total. Dependendo do grau da doença, podese realizar colectomia com anastomose colode cólon, íleode cólon ou jejunode cólon. Diarreia discreta a moderada pode,
ocasionalmente, persistir por semanas a meses após a cirurgia, e alguns gatos podem ter constipação intestinal recidivante. Osteotomia pélvica sem colectomia é recomendada para gatos com má união de fratura pélvica e megacólon
hipertrófico com < 6 meses de duração. Em tais casos, a hipertrofia patológica pode ser reversível com osteotomia pélvica precoce. A colectomia subtotal é recomendada para os gatos com fraturas pélvicas se a hipertrofia e os sinais
clínicos têm persistido por > 6 meses. Nesses casos, a hipertrofia é seguida de degeneração muscular e dilatação patológica, e a osteotomia da pelve, sozinha, não irá promover melhora da obstipação.
CORONAVIROSE INTESTINAL FELINA
O coronavírus intestinal felino (CIF) é um vírus RNA de filamento simples, envelopado, altamente prevalente na população de gatos domésticos, em todo o mundo. A infecção é, muitas vezes, subclínica ou caracterizada por distúrbios GI
leves, transitórios, em filhotes de gatos. A mutação do CIF para um biotipo capaz de infectar e replicar em macrófagos é responsável pelo desenvolvimento de peritonite infecciosa felina (PIF), uma doença multissistêmica altamente fatal
(p. 840).
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: A eliminação fecal do CIF começa dentro de 1 semana após a infecção inicial e persiste, em teores elevados, por pelo menos 2 a 3 meses, seguida de um período prolongado (5 a 24 meses) de teores mais
baixos, potencialmente intermitentes, de eliminação viral. Pelo menos 13% dos gatos infectados eliminam o vírus indefinidamente.
Os gatos se infectam pela ingestão ou inalação dos vírus presentes nas fezes ou pelo contato com fômites contaminados (p. ex., caixas de areia, grooming mútuo, gaiolas, pessoas. CIF é relativamente frágil mas pode sobreviver em
ambientes secos por até 7 semanas. O íntimo contato entre os gatos (p. ex., gatis, abrigos com muitos gatos) facilita a transmissão. A transmissão vertical, das gatas infectadas para os filhotes, ocorre, embora estes geralmente não eliminem
o vírus antes das 9 semanas de idade. Logo após a infecção, o vírus pode replicar no tecido da orofaringe, resultando em eliminação salivar transitória (horas a dias). CIF infecta e se replica nas células epiteliais apicais maduras dos
vilosidades intestinais, causando encurtamento e destruição da borda em escova.
ACHADOS CLÍNICOS: A maioria das infecções pelo CIF é clinicamente inaparente ou caracterizada por uma gastrenterite discreta autolimitante. Ocasionalmente, vômito e diarreia podem ser agudos graves ou crônicos e irresponsivos ao
tratamento. Embora a diarreia seja o sinal clínico mais comum da infecção em filhotes, sintomas de trato respiratório superior também foram relatados.
DIAGNÓSTICO: O DNA viral pode ser detectado nas fezes por PCR transcriptase reversa (RTPCR). Pelo fato dos portadores crônicos de CIF tenderem a ser assintomáticos, CIF pode ser acusado como a causa de diarreia apenas depois que
outras causas (p. ex., infecciosas, alimentares, doença intestinal inflamatória, neoplasia etc.) são excluídas. A utilidade clínica da avaliação sorológica por anticorpos de CIF é questionável. Títulos positivos de anticorpos contra o
coronavírus são detectados em até 30% dos gatos domiciliados e em até 90% dos gatos criados em gatis. Gatos de abrigos “doentes” não são mais propensos a terem títulos positivos de anticorpos contra coronavírus do que os gatos de
abrigos “saudáveis”. Títulos positivos indicam apenas uma exposição ao vírus e não são sugestivos de etiologia de uma doença atual, não se correlacionam com o risco de desenvolver FIP e não são diagnósticos de FIP. As lesões
histológicas sugestivas de enterite por CIF incluem fusão, atrofia ou desgaste das vilosidades intestinais. Pelo fato dessas lesões serem inespecíficas, o diagnóstico definitivo requer a detecção imunohistoquímica ou imunofluorescente do
antígeno viral nas células do epitélio intestinal.
TRATAMENTO E CONTROLE: Os sinais clínicos leves, transitórios provavelmente não necessitam de terapia. O tratamento, se exigido, é sintomático e de suporte (i. e., fluidoterapia, soluções eletrolíticas orais, antieméticos). Não há
tratamento antiviral específico. A morte pelo CIF, associada à gastrenterite, é comum.
O controle e a prevenção do CIF são apenas de interesse em gatis de reprodução e abrigos de gatos resgatados. A ingestão das partículas nas fezes contaminadas pelo vírus deve ser evitada tanto quanto possível. A contaminação fecal do
ambiente pode ser minimizada com um número suficiente de caixas de areia, limpeza diária e desinfecção semanal das caixas de areia e tosa/limpeza da pele da região anal dos gatos de pelo longo. CIF pode sobreviver dentro de casa por
até 7 semanas sobre condições secas, mas é prontamente inativado por muitos desinfetantes comerciais.
De forma ideal, os gatos devem ser alojados em grupos pequenos, estritos (3 a 4 gatos). Sala, gaiolas, camas e caixas de areia devem ser desinfetadas com a troca de grupos de animais. Embora impraticável nos abrigos, os gatos devem
ser alojados em grupos de acordo com seus títulos de anticorpos (anticorpo imunofluorescente soropositivo ou soronegativo) e em função de estar ou não eliminando vírus (com base no PCR em amostra de fezes). Os gatos soropositivos
devem ser retestados a cada 3 a 6 meses e removidos para os grupos soronegativos quando seus títulos de anticorpos diminuírem. A identificação de gatos portadores de CIF requer 9 testes de RTPCR fecal mensais consecutivos, enquanto
a identificação de 1 gato que eliminou a infecção por CIF requer 5 testes consecutivos negativos ao teste RTPCR fecal.
Os gatos soropositivos devem ser acasalados apenas com fêmeas soropositivas. Filhotes nascidos de pais soropositivos ou de mãe soropositiva estão protegidos da infecção, pela imunidade muscular adquirida da mãe, por cerca de 6
semanas de idade. Filhotes que mamaram em mães soropositivas durante as 6 semanas de idade, provavelmente, não adquirem a infecção da mãe. Testes sorológicos em filhotes devem ser realizados próximo as 10 a 11 semanas de idade,
altura em que a soroconversão é provável.
Novos gatos devem ser sorologicamente testados antes da introdução em um gatil ou programas de reprodução. Apenas gatos soronegativos e livres de vírus (PCR fecal) devem ser introduzidos em um gatil livre de CIF ou em um gatil
tentando eliminar o vírus. Gatos soropositivos menos provavelmente desenvolvem FIP que os gatos soronegativos quando introduzidos em um ambiente CIFendêmico. A vacinação intranasal com um CIF mutante, sensível à temperatura,
não é geralmente recomendada, mas pode ser considerada em gatos soronegativos > 16 semanas de idade, introduzidos em um ambiente endêmico para CIF. A vacinação induz soroconversão e não protege completamente os gatos
previamente expostos ao CIF, à infecção pelo vírus da peritonite infecciosa felina.
DILATAÇÃO GÁSTRICA E VÓLVULO (Timpanismo)
A síndrome dilatação gástricavólvulo (DGV) é uma condição aguda, potencialmente fatal, que afeta principalmente cães de raças grandes ou gigantes. Intervenções médica e cirúrgica imediatas são necessárias para otimizar a sobrevida.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: A etiologia da DGV é desconhecida, porém vários fenótipos e fatores de risco ambientais foram identificados no desenvolvimento da DGV. As raças em maior risco incluem Great Dane, Pastor Alemão,
Setter Irlandês, Gordon Setter, Weimaraner, São Bernardo, Poodle padrão e Basset Hound. Não há predisposição sexual e o risco parece aumentar com a idade. Outros fatores de predisposição observados incluem: condição magra do corpo,
conformação torácica profunda/estreita, parentes de primeiro grau com histórico de DGV, estresse, comportamento agressivo ou temeroso, alimentação diária única, dieta com alimentação seca, doença esplênica prévia e fraqueza
aumentada dos ligamentos gástricos.
Não está claro se a dilatação ou o vólvulo ocorre primeiro antes do desenvolvimento de DGV, embora seja postulado que o vólvulo ocorra primeiro. A dilatação do estômago resulta do acúmulo de gás ou fluido e o vólvulo impede a
liberação normal desses conteúdos. Durante o vólvulo, o piloro e o duodeno migram ventralmente e cranialmente. Observado de uma direção caudal a cranial, o estômago pode rotacionar 90 a 360° em sentido horário, ao redor do esôfago
distal. Esta rotação desloca o piloro à esquerda da linha média, prendendo o duodeno entre o esôfago distal e o estômago. Dependendo do grau de vólvulo, o baço pode variar em posição de posterodorsal esquerda para anterodorsal direita.
Um vólvulo de > 180° causa oclusão da parte distal do esôfago.
Após vólvulo de estômago, ocorre aprisionamento de gás e aumento da pressão intragástrica. O duodeno pode ser comprimido pelo estômago distendido contra a parede do corpo, resultando em obstrução do fluxo gástrico. O
aprisionamento do baço frequentemente acompanha a DGV. O estômago progressivamente distendido compromete o retorno venoso por compressão da veia cava caudal. O sequestramento do sangue nos leitos capilares esplênicos, renais e
músculosposteriores dilatados resultam em hipotensão portal, isquemia do trato GI, hipovolemia e hipotensão sistêmica. Esses fatores se somam à perda de fluido no estômago obstruído e ausência de ingestão hídrica para provocar choque
hipovolêmico. Cães estão sob risco de endotoxemia, hipoxemia, acidose metabólica e coagulação intravascular disseminada.
ACHADOS CLÍNICOS: Cães podem apresentar histórico de esforço repetido de vômito não produtivo, salivação excessiva e inquietação. Distensão abdominal aguda ou progressiva pode ser observada ou o cão pode se encontrar deitado e
deprimido com o abdome distendido.
Os achados clínicos incluem abdome timpânico ou aumentado, dor abdominal e/ou esplenomegalia. Progressão de dilatação predispõe a choque hipovolêmico. Sinais de choque são comuns e podem incluir pulso periférico fraco,
taquicardia, tempo prolongado de preenchimento capilar, membranas mucosas pálidas e dispneia. Frequência cardíaca irregular e déficits de pulso são achados comuns e indicam a presença de arritmia cardíaca. Adicionalmente, o estômago
expandido pode comprimir a cavidade torácica e inibir o movimento do diafragma, levando a desconforto respiratório.
DIAGNÓSTICO: Histórico, resenha e sinais clínicos podem levar à forte suspeita de DGV. Radiografias são valiosas para a distinção entre uma dilatação gástrica simples e DGV. As imagens radiográficas preferidas para a identificação de
DGV são em decúbito lateral direito e dorsoventral. Posicionamento ventrodorsal deve ser evitado devido ao potencial de aspiração de conteúdo gástrico e maior compressão da veia cava caudal.
A radiografia lateral direita normalmente revela uma sombra gástrica grande, distendida, preenchida com gás com o piloro localizado dorsal e ligeiramente cranial ao fundo. A sombra gástrica é normalmente compartimentalizada ou
dividida por uma “dobra” de tecido mole entre o piloro e o fundo. Esta “dobra” ou sinal em C invertido é criada pela dobra da parede antral pilórica sobre a parede fúndica. Mal posicionamento ou aumento esplênico pode ser observado.
Gás dentro da parede gástrica é sugestivo de comprometimento tecidual, enquanto gás livre dentro do abdome indica ruptura gástrica.
Dilatação gástrica e vólvulo, em cão. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.
Volume globular, sólidos totais, eletrólitos, glicose sanguínea e teores séricos de lactato devem ser avaliados, seguidos de hemograma, perfil bioquímico sérico e ensaios de coagulação. ECG contínuo e monitoramento da pressão
sanguínea são recomendados.
Azotemia prérenal é um achado comum, secundária à hipotensão sistêmica. Podese notar elevada atividade de CK devido à lesão de músculo estriado e alto teor de potássio devido ao lesão hipóxico. Lactato elevado é um achado
comum, secundário à hipotensão sistêmica e inflamação. Hiperlactatemia (> 6,0 mmol/l) está associada a maior risco de necrose gástrica e necessidade de ressecção gástrica parcial.
TRATAMENTO: Os objetivos imediatos do tratamento são restabelecer o volume sanguíneo circulante e descompressão gástrica. Rápida correção cirúrgica do vólvulo deve ocorrer após a estabilização inicial. Como a duração dos sinais
clínicos é um dos fatores de risco de morte associada à DGV, diagnóstico e correção imediatos são imperativos.
Correção da hipovolemia pela reposição rápida de fluidos com um ou mais cateteres IV (calibre 16 a 18) nas veias jugular ou cefálicas é prioridade no tratamento. Devese iniciar imediatamente a terapia com fluidos contendo cristaloides
em velocidade de infusão apropriada para choque (90 ml/kg/h). No choque grave, Fluidoterapia com combinações de cristaloides, coloides (i. e. hetamilo ou pentamilo, na forma de bolus, na taxa de 5 ml/kg, IV; pode ser repetido na dose de
até 20 ml/kg) ou solução salina hipertônica (i. e. solução salina 7% com dextrana 70, na dose de 5 ml/kg, ao longo de 15 min) pode ser considerada. A velocidade de infusão de fluido cristaloide pode ser reduzida em 40% se estes produtos
são utilizados. Devese fornecer oxigênio durante a estabilização. Anormalidades eletrolíticas e ácidobase são geralmente corrigidas por fluidoterapia adequada e descompressão gástrica. Devido ao risco potencial de endotoxemia e
translocação GI de bactérias, normalmente são administrados antibióticos (i. e. 22 mg de ampicilina/kg, 4 vezes/dia, continuada por 2 a 3 dias após a cirurgia).
Torção gástrica em cão da raça Great Dane com 3 anos de idade; imagem lateral direita. Cortesia do Dr. Ronald Green.
Fazse a descompressão gástrica concomitante à fluidoterapia. A tentativa inicial de descompressão deve ser feita com sonda orogástrica, que pode ser realizada após sedação com fentanila (2 a 5 μg/kg IV) ou hidromorfona (0,05 a 0,1
mg/kg, IV), com ou sem diazepam (0,25 a 0,5 mg/kg, IV). Vasodilatadores (i. e. fenotiazinas) devem ser evitados. Medese o comprimento da sonda estomacal desde os incisivos até última costela e fazse uma marcação. A sonda não deve
ultrapassar esta marca. A sonda lubrificada é introduzida pela boca (normalmente mantida aberta com um espéculo bucal, rolo de esparadrapo ou material de bandagem) enquanto o cão é posicionado sentado ou em decúbito esternal.
Normalmente notase certa resistência do esfíncter gastresofágico. Manipulação suave e rotação antihorária da sonda podem ser necessárias para a passagem da sonda ao estômago. Cautela deve ser tomada para evitar perfuração do
esôfago. Quando a sonda alcança o estômago, o gás gástrico é eliminado facilmente. A introdução bemsucedida da sonda não descarta um vólvulo gástrico concomitante. Após a liberação de gases e conteúdos via sonda, o estômago deve
ser lavado com água morna para diminuir a velocidade de redilatação do órgão com gás e remover a mistura de ácido gástrico e endotoxinas.
Caso não se consiga passar facilmente a sonda orogástrica, podese realizar gastrocentese percutânea para liberar o excesso de gás do estômago. Devese realizar tricotomia e preparação asséptica de uma área (10 cm × 10 cm) da parede
abdominal direita, caudalmente à última costela e ventralmente ao processo vertebral transverso. A percussão da área deve revelar timpanismo; isto ajuda a evitar uma punção acidental do baço sobrejacente. Se a estrutura timpânica não é
identificada, devese acessar a região paracostal esquerda. Uma agulha de grande calibre ou um cateter “sobre a agulha” (calibre 14 a 16) deve ser introduzida, através da pele e parede corporal, no interior do estômago, no local de
timpanismo mais evidente. A descompressão gástrica geralmente facilita a passagem subsequente da sonda orogástrica e lavagem estomacal.
A correção cirúrgica da DGV deve ser realizada rapidamente após a estabilização inicial. A assepsia do abdome é realizada antes da cirurgia (aproximação cranioventral da linha média). Antes da correção da torção gástrica devese
realizar descompressão do estômago por sonda orogástrica ou gastrocentese. O estômago, então, retorna à posição normal e tanto o estômago quanto o baço são examinados quanto à isquemia. Quaisquer áreas isquêmicas da parede gástrica
são cirurgicamente removidas e devese realizar esplenectomia se há comprometimento vascular esplênico. Extensa necrose gástrica e necrose do cárdia, bem como infarto esplênico, são considerados indicadores de prognóstico ruim. O
conteúdo estomacal deve ser removido e uma gastropexia realizada para reduzir o risco de recidiva. Várias técnicas de gastropexia estão descritas e incluem gastropexia incisional, de alça, circuncostal e por sonda.
O monitoramento antes, durante e depois da cirurgia deve incluir ECG contínuo, medida intermitente da pressão sanguínea e avaliação frequente dos parâmetros vitais, volume globular, sólidos totais, eletrólitos, glicose sanguínea e
lactato sérico.
O tratamento pósoperatório consiste em fluidoterapia IV e analgesia. A alimentação deve ser suspensa por 12 a 24 h após a cirurgia. No caso de vômito continuado pode–se administrar antieméticos (0,2 a 0,5 mg de metoclopramida/kg
SC ou 1 a 2 mg/kg/dia em infusão IV em infusão contínua; 1 mg de maropitant/kg, SC, 1 vez/dia). Arritmias cardíacas antes, durante e após a cirurgia são comuns e as arritmias ventriculares são as mais frequentes. Normalmente não se
indica tratamento para as arritmias, porém ele deve ser instituído se ocorrer um ou mais dos seguintes critérios: taquicardia persistente (> 140 bpm), hipotensão (pressão sanguínea sistólica < 90 mmHg), hipoperfusão (tempo de
preenchimento capilar prolongado, pulso fraco), sobreposição da “onda R em T” (condição que predispõe à fibrilação ventricular) ou contrações ventriculares prematuras multifocais. Lidocaína 2%, na forma de bolus (2 a 4 mg/kg IV,
lentamente), pode ser administrada e repetida 2 vezes durante período de 30 min, se necessário. Infusão IV contínua de lidocaína (30 a 80 μg/kg/min) pode ser indicada para controlar arritmias. Com frequência, é difícil o controle de
arritmias cardíacas associadas a DGV. Se a arritmia é pouco responsiva a essa terapia, devese administrar procainamida (6 a 10 mg/kg, IV, ao longo de 15 min). As arritmias com risco à vida do animal podem responder ao sulfato de
magnésio 20% (0,15 a 0,3 mEq/kg ou 12,5 a 35 mg/kg, IV, ao longo de 15 a 60 min). Solotol oral (1 a 2 mg/kg, PO, 2 vezes/dia) são também é utilizado no controle de taquicardias ventricular e supraventricular.
Complicações pósoperatórias menos comuns podem incluir condições de risco à vida, como sepse, peritonite e coagulação intravascular disseminada.
A taxa de mortalidade média associada à DGV é, aproximadamente, 25 a 30%. Fatores de risco associados à morte súbita por DGV incluem sinais clínicos > 6 h antes do exame, execução da esplenectomia e gastrotomia parcial,
hipotensão a qualquer hora durante hospitalização, peritonite, sepse e coagulação vascular disseminada.
Não se sabe se gastropexia profilática previne o desenvolvimento de DGV se executada no momento da castração, mas tem se mostrado útil na prevenção de recidivas se executada no momento da primeira correção da DGV.
Proprietários de raças em risco maior de DGV devem ser esclarecidos sobre os fatores de risco e os sinais da DGV e aconselhados a procurar imediatamente cuidado veterinário se sinais clínicos são notados. Precauções adicionais incluem
evitar o estresse, alimentação fracionada em vez de refeições únicas diárias, evitar exercício imediatamente após as refeições e não utilizar pratos de alimento elevados.
DOENÇA INTESTINAL INFLAMATÓRIA
Doença intestinal inflamatória idiopática (DII) é um grupo de doenças gastrintestinais caracterizadas por sinais clínicos persistentes e evidências histológicas de infiltrado de células inflamatórias de etiologia desconhecida. As várias formas
de DII são classificadas em função da localização anatômica e do tipo celular predominante. Enterite linfocíticaplasmocitária é a forma mais comum em cães e gatos, seguida de inflamação eosinofílica. Há achados ocasionais de
inflamação com padrão granulomatoso (enterite regional). Predominância neutrofílica no infiltrado inflamatório é rara. Um padrão misto de infiltrado celular é descrito em várias ocasiões. Certas síndromes específicas de DII ocorrem mais
frequentemente em algumas raças, como o complexo enteropatia/nefropatia com perda de proteínas em animais da raça Wheaten Terrier de pelos macios, enteropatia imunoproliferativa no cão Basenji, DII em cão Norwegian Ludenhund e
colite ulcerativa histiocítica em cães da raça Boxer.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: A etiologia da DII não e conhecida. Vários fatores podem estar envolvidos, como defeito na imunorregulação do tecido linfoide associado ao intestino (TLAI); alteração da permeabilidade; distúrbios
genéticos, isquêmicos, bioquímicos e psicossomáticos; microrganismos infecciosos e parasitários; alergênios alimentares e reações adversas às drogas. DII também pode ser imunomediada. A mucosa intestinal tem função de barreira e
controla a exposição de antígenos ao TLAI. Estes últimos podem estimular a resposta imune protetora contra patógenos, enquanto permanecem tolerantes a antígenos ambientais inócuos (p. ex., bactérias comensais, alimentos).
Imunorregulação defeituosa do TLAI resulta na exposição e reações adversas a antígenos que normalmente não desencadeariam resposta imune. Embora a alergia alimentar seja uma causa improvável de DII (exceto na gastrenterite
eosinofílica), ela pode contribuir para aumentar a permeabilidade da mucosa e a sensibilidade aos alimentos.
Evidências atuais sustentam provável envolvimento de reações de hipersensibilidade a antígenos (p. ex., alimentos, bactérias, muco e células epiteliais) no lúmen ou mucosa intestinal. Na DII, mais de um tipo de reação de
hipersensibilidade está envolvido. Por exemplo, a hipersensibilidade tipo I está envolvida na gastrenterite eosinofílica, enquanto a hipersensibilidade tipo IV está envolvida, provavelmente, na enterite granulomatosa. A reação de
hipersensibilidade incita o envolvimento de células inflamatórias, resultando em inflamação da mucosa. A inflamação prejudica a barreira mucosa, facilitando o aumento da permeabilidade intestinal a antígenos adicionais. Inflamação
persistente resulta em fibrose.
ACHADOS CLÍNICOS: Não há predisposição etária, sexual ou racial aparente associada a DII. No entanto, pode ser mais comum em cães das raças Pastor Alemão, Yorkshire Terrier e Cocker Spaniel e em gatos de raças puras. A idade média
descrita para o desenvolvimento de doença clínica é de 6,3 anos em cães e 6,9 anos em gatos, mas a DII foi observada em cães < 2 anos de idade. Os sinais clínicos são frequentemente crônicos e, às vezes, cíclicos ou intermitentes. Podem
se observar vômitos, diarreia, alteração do apetite e perda de peso. Em um estudo retrospectivo em gatos com enterocolite linfocíticaplasmocitária, observaramse mais frequentemente perda de peso, vômito intermitente com progressão
para vômito mais frequente, diariamente, diarreia e anorexia. No caso de úlcera e erosão gastroduodenais, observamse frequentemente vômitos, melena e dor na parte cranial do abdome. Perda de peso, vômito, diarreia, ascite e edema
periférico podem ser verificados em casos de enteropatia com perda de proteínas. Tromboembolia pulmonar é uma complicação rara; entretanto, pode ocorrer quando há perda grave de proteínas intestinais (perda de antitrombina III). Sinais
clínicos de diarreia de intestino grosso, inclusive anorexia e diarreia aquosa, não são incomuns.
Em cães, também se postulou uma associação entre a síndrome vólvulodilatação gástrica (p. 408) e a DII. Nesse caso, a inflamação intestinal pode causar alterações na motilidade e no esvaziamento gástrico e no tempo de trânsito
gastrintestinal, consequentemente predispondo à vólvulodilatação gástrica.
Em gatos, relatase associação entre doença hepática inflamatória, pancreatite e DII, embora ainda não se tenha estabelecido uma etiologia para essa tríade de doenças. No entanto, gatos com colangioepatite também devem ser avaliados
quanto à DII e pancreatite. Nos gatos, embora ainda não comprovada, foi sugerido que a DII grave pode progredir para linfossarcoma.
DIAGNÓSTICO: Não há anormalidade consistente no hemograma, no perfil bioquímico e em radiografias.
Podese notar hipoproteinemia devido à menor ingestão alimentar e má absorção ou maior perda via trato GI. Hipocalcemia e hipocolesterolemia podem ser atribuídas à má absorção. Aumento da amilase sérica como consequência da
DII também foi observado. Podemse notar hipoproteinemia devido à menor ingestão alimentar e má absorção ou aumento da perda através do trato gastrintestinal. Também é descrito aumento da amilase sérica como consequência da
inflamação intestinal. Hipopotassemia secundária à anorexia, perda de potássio decorrente de vômito e diarreia e baixos teores séricos de folato e cobalamina também foram relatados. Além disso, podemse esperar aumentos discretos nas
atividades séricas das enzimas hepáticas.
Eosinofilia pode estar associada à enterite eosinofílica; no entanto, não é um parâmetro sensível. É possível notar anemia microcítica com perda de ferro devido à hemorragia crônica. Anemia não responsiva, se presente, provavelmente
reflete anemia decorrente de doença crônica ou inflamatória.
Podemse observar eritrocitose, associada à perda de fluidos decorrente de vômitos e diarreia, e leucograma de estresse. Alterações radiográficas podem incluir distensão do estômago por gases ou líquido e aumento do diâmetro total das
alças do intestino delgado. Imagens contrastadas podem mostrar irregularidades focais ou difusas da mucosa, sugestivas de doença infiltrativa. Perda de contraste pode estar associada à ascite.
Exame de fezes é importante para excluir outras causas de inflamação da mucosa, como infecção por nematódeos, Giardia e bactérias. Giardia pode ser difícil de ser detectada devido à eliminação fecal intermitente; em todos os casos
recomendase tratamento empírico com fembendazol.
Ultrassonografia abdominal pode ser utilizada para avaliar todos os órgãos abdominais, examinar todo o trato intestinal e mensurar a espessura da parede (embora a última medida seja insignificante no diagnóstico de DII). Estrias
hiperecoicas da mucosa do intestino delgado estão normalmente associadas à inflamação da mucosa e enteropatia com perda de proteínas. Ultrassonografia é também útil para auxiliar na exclusão de possíveis doenças em outros órgãos,
para localizar a doença e determinar se a endoscopia permite biopsia do local.
A endoscopia permite avaliação de esôfago, estômago, duodeno e, às vezes, jejuno, dependendo do tamanho do animal. A colonoscopia permite exploração do cólon. Em alguns casos, lesões espessas da mucosa podem ser detectadas por
endoscopia, inclusive eritema, friabilidade, granularidade aumentada, erosão e úlcera. Em muitos casos, a aparência endoscópica é normal. Todavia, sempre devem ser obtidas amostras por biopsia, uma vez que há pouca correlação entre a
aparência microscópica e macroscópica da mucosa intestinal. São recomendados pelo menos seis fragmentos de cada segmento do trato gastrintestinal. A endoscopia é o método mais fácil de se obter fragmentos por biopsia, embora tais
amostras sejam superficiais e normalmente podem ser coletadas apenas da porção proximal do intestino delgado. Em alguns casos, celiotomia exploratória e biopsia com espessura total são necessárias.
Pequenas populações de linfócitos, plasmócitos, macrófagos, eosinófilos e neutrófilos são componentes normais do tecido da mucosa intestinal. Na DII, observase aumento do número de plasmócitos, linfócitos, eosinófilos e neutrófilos
na lâmina própria. No entanto, essas características morfológicas também podem ser observadas com outras causas de gastroenteropatias (p. ex., infecções por Giardia, Campylobacter e Salmonella, linfangiectasia e linfossarcoma). Embora
o exame das amostras intestinais obtidas por biopsia seja ainda o padrão ouro para o diagnóstico de DII, este exame apresenta várias limitações. A qualidade das amostras pode variar, os diagnósticos patológicos são inconsistentes e a
diferenciação entre uma amostra normal daquela que apresenta DII, e até mesmo linfoma, pode ser um problema. Os resultados da biopsia sempre devem ser interpretados juntamente com os sinais clínicos; ademais, o animal deve ser
tratado adequadamente.
TRATAMENTO E CONTROLE: Os objetivos da terapia são reduzir a diarreia e vômito, promover apetite e ganho de peso e diminuir a inflamação intestinal. Caso se consiga identificar uma causa (p. ex., alimentar, parasitária,
supercrescimento bacteriano, reação a drogas etc.), devese eliminála.
Mudança alimentar, isoladamente, pode ser efetiva em alguns casos (p. ex., colite crônica); em outros casos, ela potencializa a eficácia da terapia medicamentosa concomitante, permitindo redução da dose do medicamento ou interrupção
da terapia medicamentosa quando os sinais clínicos regridem. Corticosteroides, azatioprina, sulfassalazina, tilosina e metronidazol são as drogas mais frequentemente utilizadas no tratamento de DII.
Exceto quando o animal está debilitado, é melhor instituir modalidades terapêuticas sequenciais. A frequência e natureza dos sinais clínicos devem ser monitoradas e a terapia ajustada, se necessária. O tratamento deve ser iniciado com
medicação antihelmíntica/antiparasitária (p. ex., 50 mg de fembendazol/kg, VO, 1 vez/dia, por 3 a 5 dias). Isto é seguido de modificação da dieta (preferencialmente com uma dieta com proteínas hidrolisadas ou com teor limitado de
antígenos), por 3 a 4 semanas, seguida de tratamento antibacteriano por 3 a 4 semanas (normalmente 10 mg de tilosina/kg, VO, 3 vezes/dia ou 10 mg de metronidazol/kg VO, 2 vezes/dia) e, finalmente, terapia imunossupressora
(inicialmente com 1 mg de prednisolona/kg VO, 2 vezes/dia).
Uma modificação alimentar geralmente envolve o fornecimento de uma dieta hipoalergênica ou eliminação de uma fonte de proteína à qual o animal não tenha sido exposto anteriormente (p. ex., alimentos caseiros com carne de cordeiro
e arroz, ou carne de veado e arroz ou dietas comerciais). Essa dieta deve ser a única fonte de alimento por um mínimo de 4 a 6 semanas e nenhum tipo de petisco deve ser oferecido. Os cães com diarreia de intestino grosso podem se
beneficiar de dietas com alto teor de fibras insolúveis (ver colite, p. 399). A suplementação com apenas fibras alimentares raramente é efetiva nos casos com grave infiltrado de células inflamatórias.
A sulfassalazina (e fármacos associados) é utilizada no tratamento de colite, em cães, quando a DII se limita ao intestino grosso. No cólon, o medicamento libera o ácido 5aminossalicílico, que tem atividade antiinflamatória na mucosa.
Os principais efeitos adversos observados em cães são ceratoconjuntivite seca e vasculite. Devido ao risco de toxicidade por salicilatos em gatos (ver colite, p. 399), a sulfassaliazina não é indicada rotineiramente para coline em felinos.
Encontramse disponíveis outras drogas aminossalicílicas mais recentes, isentas de alguns dos efeitos adversos da sulfassalazina, por exemplo, olssalazina (10 a 20 mg/kg, VO, 3 vezes/dia em cães) e mesalamina (10 mg/kg, VO, 3 vezes/dia
em cães).
O uso de antibióticos pode ser justificado, em parte, pelo tratamento em potencial de enteropatógenos não diagnosticados. O metronidazol (10 a 20 mg/kg, VO, 2 vezes/dia) é o antibiótico de primeira escolha para o tratamento de várias
formas de DII em pequenos animais. Pode ter efeito imunomodulador. Tilosina (10 mg/kg, VO, 3 vezes/dia) também pode ter este efeito e ser eficaz no tratamento de DII canina. Colite ulcerativa histiocítica em animais da raça Boxer é
responsiva à enrofloxacino, o que sustenta a hipótese de que esta forma particular de DII é consequência de uma infecção por um microrganismo específico.
Os corticosteroides podem ser úteis tanto na doença de intestino delgado quanto de intestino grosso. As doses iniciais recomendadas são 2 mg de prednisona ou de prednisolona/kg/dia ou 0,25 mg de dexametasona/kg/dia. Efeitos
adversos incluem poliúria, polidipsia, polifagia e distúrbios GI (p. ex., vômito, diarreia, melena). As doses devem ser reduzidas gradualmente a cada 7 a 10 dias, até que se obtenha a menor dose efetiva para controlar os sinais clínicos e, se
é possível, interrupção total da medicação. Uma preparação revestida do glicocorticoide budesonida foi efetiva em manter a remissão de DII em pessoas. Um estudo preliminar mostrou eficácia aparente em cães e gatos, porém informações
sobre o uso deste fármaco são limitadas. A droga sofre eliminação substancial de primeira passagem devido à imediata inativação no fígado, resultando em baixa biodisponibilidade sistêmica e ação reduzida no eixo hipotálamohipófise
adrenal, tornando o hiperadrenocorticismo iatrogênico menos comum do que com outros glicocorticoides. A dosagem ótima para cães é desconhecida. Empiricamente, foram recomendadas doses de 1 mg/m2, VO, 1 vez/dia, para cães, e 1
mg/animal/dia, VO, para gatos.
Em casos refratários, a adição de um fármaco imunossupressor à terapia com glicocorticoides pode ser benéfica. Azatioprina (para cães) e clorambucila (para gatos) podem ser utilizados. A dose de azatioprona é 2,2 mg/kg, VO, 1
vez/dia. Efeitos adversos incluem mielossupressão, pancreatite e hepatotoxicidade. As doses de azatioprina podem ser reduzidas gradualmente após várias semanas. Tipicamente, a prednisona é reduzida primeira (em 25% a cada 2 a 3
semanas). Após a redução da prednisona para 0,5 mg/kg, em dias alternados, sem recidiva, a azatioprina passa a ser administrada em dias alternados.
A azatioprina não é recomendada aos gatos devido sua sensibilidade aos efeitos adversos. Em vez disso, gatos são tratados com uma combinação de prednisona e clorambucila (0,1 a 0,2 mg/kg ou 1 mg/gato). Os sinais clínicos melhoram
em 3 a 5 semanas, embora 4 a 8 semanas de tratamento sejam indicadas. Hemograma deve ser realizado a cada 2 semanas para monitorar evidências de mielossupressão.
Tratamento adjuvante pode incluir ácido ursodeoxicólico em gatos (10 a 15 mg/kg/dia, VO), suplementação com cobalamina (29 mg/kg, SC, cada 7 dias, por 4 semanas e, então, a cada 28 dias por 3 meses) em cães e gatos, e, se
necessário, outras terapias de suporte.
O tempo de resposta ao tratamento de DII é variável. A qualidade de vida tende a ser ruim e o prognóstico é reservado. Hipoalbuminemia é um sinal prognóstico negativo. O prognóstico é ruim em casos com lesões histológicas graves,
fibrose da mucosa, enterite eosinofílica, enteropatia com perda de proteínas ou síndrome hipereosinofílica. Recidivas ocorrem e são mais frequentemente causadas por imprudência alimentar.
GASTRENTERITE HEMORRÁGICA
A gastrenterite hemorrágica (GEH) é uma síndrome clinicamente reconhecida, porém pouco descrita em cães. Caracterizase por diarreia sanguinolenta aguda e hemoconcentração grave. Cães de raças toy e miniatura parecem predispostos.
Não há preferência por sexo ou idade.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: Desconhecese a etiologia, porém suspeitase de hipersensibilidade intestinal ou uma consequência da infecção por Clostridium perfringens e produção de enterotoxinas. Hipersensibilidade a outras
bactérias, dieta ou antígenos parasitários não pode ser excluída. Ocorre extravasamento de fluidos, de proteínas plasmáticas e hemácia no lúmen intestinal em decorrência do aumento da permeabilidade intestinal.
ACHADOS CLÍNICOS:
Início agudo de diarreia hemorrágica profusa (normalmente que lembra geleia de framboesa) em cães de raças toy ou miniatura é característico de GEH. Vômito, anorexia, letargia e dor abdominal são comuns. Perda de fluido expressiva
e peraguda pode resultar em choque hipovolêmico antes da desidratação ser clinicamente reconhecida. Outras informações nos históricos (p. ex., imprudência dietética, estado de vacinação etc.) são comuns. GEH não é considerada
contagiosa.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico baseiase, tipicamente, no início agudo dos sinais clínicos, com hemoconcentração (VG 55%) e concentração plasmática de proteína total normal ou levemente diminuída. Cultura seletiva para patógenos nas
fezes (p. ex., Clostridium spp, Yersinia spp, Campylobacter spp, Escherichia coli enterotoxigênica) e avaliação para enterotoxinas de Clostridium spp por ELISA em amostras de fezes podem ser realizadas. Anormalidades no hemograma
normalmente se limitam à hemoconcentração e leucocitose por eosinofilia. Neutropenia, sepse e/ou enterite por parvovírus podem ser um problema. O perfil bioquímico sérico pode estar normal ou indicar discreta panhipoproteinemia,
hipoglicemia (sepse, menor ingestão de alimentos, com reserva limitada de glicogênio hepático) e anormalidades eletrolíticas compatíveis com perda GI e menor ingestão de alimentos (i. e. hipopotassemia, hiponatremia, hipocloremia). Há
relatos anedóticos de tempo de coagulação moderadamente prolongado (< 10%) (tempo de coagulação ativado, tempo de protrombina, tempo de tromboplastina parcial), potencialmente atribuído à inflamação ou à hemoconcentração. Se os
tempos de coagulação são moderadamente ou extensamente prolongados, deve ser investigada coagulopatia ou coagulação intravascular disseminada (CID). Concentração sérica basal de corticosteroide deve estar normal ou aumentada; é
um teste de triagem apropriado para hipoadrenocorticismo. Anormalidades radiográficas e ultrassonográficas devem ser limitadas à imagem de íleo difuso e alças intestinais preenchidas com fluidos. O diagnóstico diferencial inclui
gastrenterite bacteriana, viral (i. e. parvovírus, coronavírus) e parasitária (i. e. Trichuris vulpis, Ancylostoma spp, Uncinaria spp); distúrbios sistêmicos com envolvimento secundário do trato GI (i. e. hipoadrenocorticismo, pancreatite,
insuficiência renal, doença hepática etc.); coagulopatia (i. e. intoxicação por rodenticida, trombocitopenia, trombocitopatia etc.); úlcera GI grave; neoplasia e perfuração GI de qualquer etiologia.
TRATAMENTO E PROGNÓSTICO: Fluidoterapia IV agressiva é a parte principal do tratamento. A velocidade de administração de fluido isotônico baseiase na perfusão do paciente, no grau de desidratação e na perda progressiva de fluido. Cães
com hipoproteinemia intensa ou em choque podem se beneficiar de terapia com coloide natural ou sintético (plasma estocado ou congelado recentemente). Indicamse antibióticos parenterais eficazes contra Clostridium spp (i. e., 22 mg de
ampicilina/kg, IV, 3 a 4 vezes/dia) e para diminuir o risco de sepse secundária à translocação bacteriana. Dependendo da concentração sérica de potássio, os fluidos de manutenção devem ser suplementados com 20 a 40 mEq de cloreto de
potássio/l, a fim de prevenir hipopotassemia. Cães hipoglicêmicos necessitam suplementação de dextrose (2,5 a 5%) na fluidoterapia IV. Tratamento adicional de suporte, inclusive terapia antiemética e controle da dieta, como descrito
anteriormente (ver p. 423 e p. 416).
O prognóstico é bom, desde que o tratamento seja apropriado. Porém, podem ocorrer sérias complicações, inclusive hipoproteinemia grave, CID, sepse, choque hipovolêmico e óbito.
GASTRITE
Gastrite é um termo geral utilizado para descrever uma síndrome de vômito agudo ou crônico secundário à inflamação da mucosa gástrica. Irritação, infecção, estimulação antigênica ou lesão (i. e. erosão, químico ou úlcera) da mucosa
gástrica estimula a liberação de mediadores inflamatórios e vasoativos com subsequente rompimento das células epiteliais gástricas, aumento da secreção de ácido gástrico e prejuízo da função da barreira gástrica. Receptores viscerais
sensíveis à distensão gástrica, inflamação gástrica e tonicidade dos conteúdos gástricos enviam impulsos via nervos vago e simpáticos para o centro do vômito no bulbo, estimulando, assim, o reflexo do vômito.
GASTRITE AGUDA: Na gastrite aguda, o vômito de início repentino é assumido ou confirmado ser secundário à inflamação da mucosa gástrica. As causas incluem imprudência ou intolerância dietética (i. e. ingestão de alimentos
desconhecidos, estragados ou contaminados, ou material estranho), ingestão de drogas ou toxinas (i. e. antibióticos, AINE, corticosteroides, plantas, produtos químicos), doenças sistêmicas (i. e. pancreatite, gastropatia urêmica,
hipoadrenocorticismo), endoparasitismo (i. e. Physaloptera sp [cães], Ollulanos sp [gatos]) infecção bacteriana (i. e. doenças associadas a Helicobacter) ou viral (i. e., gastrenterite por parvovírus canino, panleucopenia felina). Vômito de
início súbito é característico. O vômito pode conter bile, alimentos, espuma, sangue (puro ou digerido) ou evidências da substância ingerida (i. e. grama, osso, material estranho etc.). Sinais clínicos adicionais dependem da gravidade e
frequência do vômito assim com das causas de base.
O diagnóstico é baseado normalmente no histórico, achados clínicos e resposta ao tratamento sintomático. Um diagnóstico específico deve ser procurado se o animal teve acesso a objetos estranhos ou toxinas, se sinais clínicos não
desaparecerem dentro de 2 dias da terapia sintomática, se hematêmese ou melena estiverem presentes, se o animal apresentase sistemicamente doente ou se anormalidades são percebidas na palpação abdominal. Cães podem sinalizar a
presença de desconforto abdominal cranial por adotarem uma posição de “prece” (quartos traseiros elevados e peito e membros torácicos mantidos próximos ao solo), posição que aparentemente confere alguma sensação de alívio.
Hemograma, perfil bioquímico sérico e urinálise seguidos de testes clinicopatológicos mais específicos (i. e. imunorreatividade da lipase pancreática, concentração sérica basal de cortisol, teste de estimulação do hormônio
adrenocorticotrófico [ACTH], avaliação do conteúdo do vômito para toxinas específicas). Diagnósticos por imagem, inclusive radiografias abdominais simples e/ou com contraste de bário e ultrassonografia abdominal, podem ser indicados.
O tratamento de gastrite aguda normalmente é sintomático e de suporte. Pequenas quantidades de fluidos orais podem ser administradas frequentemente, com o aumento do volume quando o vômito diminui. Gelo (picado ou em cubos)
pode ser utilizados, inicialmente, como fonte única de água. Administração subcutânea de solução isotônica eletrolítica balanceada pode ser o suficiente para corrigir o discreto déficit de fluidos (< 5%). Se a desidratação é moderada ou
grave ou a condição clínica do animal justifica fluidoterapia IV, indicase avaliação diagnóstica mais ampla. Se o vômito é agudo, a ingestão oral deve ser suspensa por = 24 h. Pequenas quantidades de alimentos leves, com baixo teor de
gordura e facilmente digeríveis (i. e. carne magra cozida, frango ou queijo cottage e arroz ou ração comercial destinadas a tal fim), fornecidas frequentemente, podem ser introduzidas com transição gradual para a dieta normal, ao longo de 3
a 5 dias.
Fármacos antieméticos devem ser utilizados para controlar o vômito apenas após que o diagnóstico etiológico tenha sido estabelecido ou se o vômito é prolongado e grave o bastante para causar desidratação ou desequilíbrio eletrolítico.
Metoclopramida (0,3 mg/kg, PO ou SC, 3 vezes/dia ou 2 mg/kg/dia como infusão a velocidade constante) aumenta a contração gástrica, relaxa o esfíncter pilórico e aumenta o peristaltismo gástrico, duodenal e jejunal proximal. É
contraindicada na suspeita de obstrução GI, ou em casos confirmados. Antieméticos alternativos incluem ondansetron (0,1 a 1,0 mg/kg VO, 1 a 2 vezes/dia), maropitant (1 mg/kg, SC, 1 vez/dia, ou 1 a 2 mg/kg, VO, 1 vez/dia, por 5 dias) e
clorpromazina (0,5 mg/kg, IV, IM ou SC, 3 a 4 vezes/dia).
GASTRITE CRÔNICA: A gastrite crônica deve ser considerada em animais com vômito intermitente ou persistente que se estende por mais de 7 dias e que não pode ser atribuída à imprudência ou intolerância dietética, ingestão de drogas ou
toxinas, doenças sistêmica, endoparasitoses, infecções (bacteriana ou viral) ou neoplasia. O sinal clínico mais comum é o vômito intermitente de alimentos ou bile. Doenças sistêmicas, perda de peso e úlceras GI não são frequentes e devem
levantar a suspeita de uma condição mais séria ou inflamação GI difusa (i. e. doença inflamatória do intestino, pitiose etc.).
Hemograma, perfil bioquímico sérico, urianálise, concentração total de hormônio da tireoide [gatos], concentração sérica basal de cortisol, teste de estimulação do ACTH (para excluir hipoadrenocorticismo canino) e exame de fezes para
endoparasitoses são indicadas, mas frequentemente são normais em animais com gastrite crônica. Exame histológico de amostra de biopsia gástrica obtida por endoscopia ou cirúrgica é necessário para o diagnóstico definitivo e
classificação da gastrite crônica. Todavia, antes de realizar um diagnóstico histológico, são indicados vermífugos de amplo espectro, radiografias abdominais (simples e/ou com contraste de bário) e ultrassonografia abdominal (para
identificar objetos estranhos, neoplasias, estenose pilórica, hipertrofia da mucosa gástrica antral, anormalidades discreta ou multifocal da mucosa ou mural, linfadenomegalia intraabdominal ou outras patologias intraabdominais).
Gastrite linfocíticaplasmacitária e gastrite eosinofílica são caracterizadas por infiltração difusa na mucosa gástrica e lâmina própria por linfócitos e plasmócitos ou eosinófilos, respectivamente. Infiltrados celulares similares podem
ser observados no intestino delgado. Concomitante hiperplasia linfoide, atrofia da mucosa ou fibrose não é frequentemente observada. Intolerância ou alergia à dieta, parasitismo subclínico ou resposta hiperimune a antígenos normais têm
sido propostos como possíveis causas. Gastrite eosinofílica com eosinofilia e/ou lesões de pele devem induzir à suspeita de sensibilidade à dieta ou síndrome eosinofílica (gatos).
Animais com sinais clínicos moderados e lesões histológicas podem responder à alimentação exclusiva com nova dieta proteica ou hipoalergênica (i. e. dieta caseira balanceada ou opções disponíveis no mercado). Além dos tratamentos
sintomáticos e de suporte e modificação da dieta (ver texto anterior), animais com doença moderada a grave geralmente requerem terapia imunossupressora. Prednisona (ou prednisolona em gatos) é iniciada na dose de 2 mg/kg, VO, 1
vez/dia e, então, reduzida para a menor dose efetiva para controlar os sinais clínicos. Assim que ocorre remissão clínica continuada, a terapia com prednisona é suspensa e aderência rígida à terapia dietética, mantida. Se os sinais clínicos
persistem, apesar das modificações na dieta e do tratamento com prednisona, podem ser utilizados imunossupressores adicionais (cães: 2 mg de azatioprina/kg, VO, a cada 24 a 48 h; gatos > 4 kg: 2 mg de clorambucila [dose total] VO, cada
48 h, por 2 a 4 semanas e, então, reduzida para 2 mg a cada 72 a 96 h; gatos < 4 kg: 2 mg de clorambucila [dose total] VO, cada 72 h). Podem também ser indicados gastroprotetores, como antagonistas de receptores H2 (i. e. 2 mg de
ranitidina/kg ou 0,5 a 1 mg de famotidina/kg, VO, SC ou IV, 2 a 3 vezes/di a), inibidores da bomba de prótons (i. e. 0,7 a 2,0 mg de omeprazol/kg, VO, 1 vez/dia) e sucralfato (0,5 a 1 g, VO, 3 vezes/dia).
Gastrite atrófica crônica caracterizase por infiltração de células inflamatórias, afinamento da mucosa gástrica e atrofia das glândulas gástricas. Uma forma de gastrite atrófica especial, relacionada com a raça Norwegian Lundehund,
não está associada à infecção por Helicobacter spp embora esteja associada a adenocarcinoma gástrico. O papel, se algum, da infecção por Helicobacter spp no desenvolvimento de gastrite atrófica é desconhecido. Todavia, se este
microrganismo é encontrado em amostras de biopsia gástrica, indicase o tratamento (ver p. 365). Opções adicionais de tratamento incluem controle da dieta e imunossupressão, da mesma maneira mencionada para gastrite linfocítica
plasmocitária e gastrite eosinofílica (ver texto anterior); todavia, faltam dados a respeito da eficácia do tratamento e do prognóstico.
Gastropatia hipertrófica crônica é caracterizada por hipertrofia difusa ou focal da mucosa gástrica e grandes dobras rugosas ou ambas, com infiltrado inflamatório variável. A lesão é mais frequentemente marcante na região pilórica
com resultante obstrução do fluxo gástrico. Vômito em jato do alimento dentro de algumas horas após as refeições pode ser descrito. Cães mais velhos, machos e de raças pequenas são mais frequentemente acometidos (i. e. Lhasa Apsos,
Shih Tzus, Malteses, Poodles Miniatura). Hipergastrinemia devido à secreção exagerada (i. e. neoplasia secretora de gastrina, gastroenteropatia em basenjis) ou depuração inadequada (i. e. doença renal ou hepática, acloridria) podem iniciar
a hipertrofia da mucosa. Correção cirúrgica via piloroplastia e/ou a remoção de tecido hipertrofiado pode ser necessária para aliviar os sinais clínicos.
INFECÇÃO POR HELICOBACTER
Helicobacter spp é encontrado normalmente no estômago, tanto de cães e gatos saudáveis quanto doentes (com vômito), porém sua relevância é desconhecida. Embora infecções por H. pylori em pessoas foram associadas à gastrite, úlcera
péptica e alta taxa de neoplasia gástrica, uma relação causal direta entre infecção por Helicobacter e doença GI não foi estabelecida em cães e gatos.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: Helicobacter é um microrganismo espiralado ou curvado, Gramnegativo, móvel e flagelado. H. pylori é a espécie mais comumente encontrada em infecções GI de pessoas, porém microrganismos maiores
semelhantes a Helicobacter (como H felis, H heilmannii e H bizzozeronii) são mais comuns em cães e gatos. Pelo menos 38 espécies de Helicobacter foram identificadas em animais; animais infectados podem hospedar várias espécies.
Helicobacter é mais comumente detectado no tecido gástrico de cães e gatos, especialmente no fundo gástrico e no cárdia, mas pode ser isolado no trato intestinal. A colonização da mucosa gástrica parece ser mais prevalente na
superfície da camada mucosa, assim como nas glândulas gástricas e nas células parietais. Há relatos esporádicos de Helicobacter no tecido hepático de cães com hepatite necrosante multifocal, bem como em gatos normais e naqueles com
colangioepatite.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Gastrite, vômito e diarreia foram associados à infecção por Helicobacter, embora sem constatação de uma relação causal direta. Úlcera péptica raramente está associada à infecção por Helicobacter em
cães e gatos.
O diagnóstico envolve endoscopia do trato GI superior ou laparotomia exploratória. Amostras de muco superficial de uma grande área do estômago pode ser obtido por meio de endoscopia, com auxilio de pincel apropriado. Caso haja
microrganismos eles são facilmente identificados em microscopia, em aumento de 100 x em óleo de imersão. Como a citologia em pincel permite amostragem de uma grande área do estômago, a sensibilidade deste teste é alta.
Biopsia gástrica deve ser obtida de múltiplas áreas do estômago, uma vez que a distribuição da bactéria pode ser desigual. Coloração hematoxilinaeosina (H&E) de rotina é normalmente suficiente para identificar os microrganismos,
embora seja necessária coloração especial com prata, se a bactéria se localiza na glândula. Inflamação da mucosa, degeneração glandular e hiperplasia folicular linfoide acompanham algumas infecções. Citologia e histopatologia não são
suficientes para identificar algumas espécies. Um teste de urease rápido, no mercado disponível para verificar a produção de urease bacteriana em biopsia gástrica, pode detectar a presença de Helicobacter. Todavia, como citologia e
histopatologia são altamente confiáveis e específicos na identificação de infecções por Helicobater, o teste de urease adiciona muito pouco ao diagnóstico.
Testes não invasivos para detecção de infecções por Helicobacter disponíveis no âmbito da pesquisa incluem teste de ureia no hálito, detecção de antígeno fecal e sorologia.
TRATAMENTO: A falta de conhecimento sobre a patogenicidade das infecções por Helicobacter em cães e gatos dificultam a tomada de decisão sobre o tratamento. Infecções por H. pylori em pessoas são tratadas com terapia antimicrobiana
dupla ou tripla, associada a um inibidor da secreção gástrica (p. ex., claritromicina, amoxicilina, bismuto e ranitidina), por 2 semanas; estratégias terapêuticas similares têm sido utilizadas em medicina veterinária.
Porém, infecções por Helicobacter em cães e gatos são difíceis de serem erradicadas e recomendações específicas de tratamento não são possíveis. Alguns estudos clínicos citam melhora da gastrite crônica e vômito após tratamento de
cães e gatos infectados com Helicobacter, sugerindo que o tratamento da infecção em cães e gatos que apresentam sinais clínicos deve ser considerado.
RISCO DE ZOONOSE: A transmissão de Helicobacter entre grupos de cães e gatos não é clara e não foram identificados hospedeiros reservatórios. Devido às altas taxas de morbidade e mortalidade associadas à infecção por H pylori em
pessoas, aumentouse a preocupação com a transmissão zoonótica. Infecção por H pylori foi relatada em uma colônia de felinos de pesquisa; não foi identificada em cães. Enquanto alguns estudos sugerem um risco maior de infecção
por Helicobacter em pessoas que estão em contato com cães e gatos, outras pesquisas refutam esse administrado. Portanto, a transmissão zoonótica de Helicobacter é considerada possível, porém o risco provavelmente é baixo.
Independente disso, ótimas práticas de higiene são encorajadas; a identificação da infecção em cães e gatos com gastrite crônica e vômito é bastante prudente.
NEOPLASIAS GASTRINTESTINAIS
As neoplasias do sistema gastrintestinal são incomuns, onde tumores gástricos representam < 1% e tumores intestinais < 10% de todos os cânceres em cães e gatos. As neoplasias gastrintestinais tendem a ser malignas. A média de idade de
cães com neoplasias GI é de 6 a 9 anos e de gatos de 10 a 12 anos.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: Agentes etiológicos específicos não foram identificados. O maior risco de carcinoma gástrico em cães Pastor Belga e de adenocarcinoma intestinal e linfoma em gatos siameses podem ser indícios de
predisposição genética. Leucemia felina é sugerida como fator desencadeante ao desenvolvimento de linfoma GI felino, mesmo em gatos com estado retroviral negativo. Infecções por Helicobacter são associadas à neoplasia gástrica em
pessoas, porém ligações diretas similares não foram estabelecidas em cães e gatos.
Adenocarcinomas são as neoplasias gastrintestinais mais comuns em cães e são mais frequentemente encontradas no duodeno, cólon e reto. Adenocarcinomas gástricos normalmente afetam o terço inferior do estômago (i. e. a última
curvatura e a região pilórica). Em gatos, adenocarcinoma é comumente identificado no jejuno e íleo. Adenocarcinomas são agressivos e frequentemente enviam metástase para linfonodos regionais, fígado e pulmões. No momento do
diagnóstico em cães, até 44% dos adenocarcinomas intestinais e até 95% dos gástricos têm metástase.
Adenomas e carcinomas localizados são incomuns no trato gastrintestinal de cães e raros em gatos. Essas massas semelhantes a pólipos são normalmente isoladas e localizadas no cólon ou reto de cães. São consideradas doenças locais,
embora especulase que eles podem se transformar em adenocarcinomas agressivos com o passar do tempo.
Linfoma é a neoplasia gastrintestinal mais comum em felinos; é também comum em cães. Linfomas GI normalmente afetam o intestino delgado assim como órgãos extraintestinais, tais como o fígado. Dois tipos de linfomas GI felino
foram reportados: linfoma de pequenas células linfocíticas e de baixo grau e um subtipo pouco diferenciado e agressivo de linfoma. Linfoma GI canino normalmente é pouco diferenciado e agressivo.
Liomiomas e os liomiossarcomas não são comuns em cães e são extremamente raros em gato. Os tumores são de crescimento lento: aproximadamente 80% dos liomiossarcomas não apresentam metástase no momento do diagnóstico.
Esses tumores estromais estão associados à hipoglicemia paraneoplásica que se resolve uma vez que o tumor é extirpado. Outras neoplasias GI não comumente reportadas em cães e gatos incluem fibrossarcomas, tumores de mastócitos e
plasmacitomas.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos dependem da localização e extensão do tumor e das possíveis metástases ou síndromes paraneoplásicas (i. e. hipercalcemia e hipoglicemia). Os sinais clínicos mais comuns associados à neoplasia GI
incluem vômito (com ou sem sangue), anorexia, perda de peso, diarreia e letargia. Sinais de constipação intestinal ou tenesmo podem acompanhar tumores retais ou de cólon. Massa abdominal ou organomegalia podem ser palpáveis. Dor
abdominal e ascite podem refletir peritonite secundária a uma porção rompida do intestino neoplásico.
DIAGNÓSTICO: Testes rotineiros de laboratório e radiografias simples não mostram alterações específicas associadas a neoplasias GI. Hipoglicemia normalmente está associada a liomiomas/leiomiosarcomas. Hipercolesterolemia e atividade
elevada de fosfatase alcalina foram observadas em algumas neoplasias não linfomatosas. Anemia microcítica com ou sem hipoproteinemia é um achado comum com massas tumorais ulcerativas e hemorragia crônica. Desequilíbrio ácido
base e de eletrólitos podem refletir vômito e incluir hipocloremia, hipopotassemia e alcalose ou acidose metabólica. Hipercalcemia paraneoplásica foi associada à linfoma e adenocarcinoma intestinal.
Radiografias abdominais contrastadas podem revelar massas no trato GI ou áreas de úlcera. Ultrassonografia abdominal pode evidenciar espessamento do trato Gi e perda das camadas normais. Linfonodos regionais podem estar
aumentados e esplenomegalia e/ou hepatomegalia podem ser vistos em alguns casos de linfoma GI. Ultrassonografia pode facilitar a coleta de amostra para análise citológica ou histológica por meio de biopsia com agulha ou aspiração com
agulha fina.
Endoscopia do trato GI superior ou inferior podem auxiliar na identificação e na obtenção de amostra por biopsia de espessamento parcial. O pequeno tamanho e a natureza superficial das amostras de biopsia obtidas durante endoscopia
não permitem diagnóstico definitivo porque alguns tumores situamse na submucosa. Um falso diagnóstico de gastrite ou enterite pode ser reflexo de inflamação da mucosa que reveste a neoplasia. Biopsias cirúrgicas de espessura completa
coletadas via laparoscopia ou laparotomia são mais adequadas para estabelecer um diagnóstico e permitem uma biopsia de linfonodos regionais e fígado para avaliar metástases.
TRATAMENTO E PROGNÓSTICO: A remoção cirúrgica é recomendada para neoplasias não metastásicas e não linfomatosas; margens = 4 cm são recomendadas, se possível.
O tempo médio de sobrevida de cães com adenocarcinoma GI é de 10 a 15 meses, se o tumor é focal e completamente removido; porém é de apenas 3 meses se há metástase por ocasião do diagnóstico. Não há relato de quimioterapia
eficaz para o tratamento de adenocarcinoma GI.
Linfoma gastrintestinal normalmente é tratado com quimioterapia. Linfoma bem diferenciado, de baixo grau e pequenas células é tratado com prednisona (5 mg, VO, 1 a 2 vezes/dia) e clorambucila (2 mg, VO, em dias alternados, ou 15
mg/m2, 1 vez/dia, por 4 dias, a cada 3 semanas). O prognóstico do linfoma GI de pequenas células é bom, com tempo médio de sobrevida de 765 dias reportados em estudo recente. Linfomas GI não diferenciados em cães e gatos são pouco
responsivos à quimioterapia. Se o tratamento não é suficiente, um protocolo quimioterápico multidrogas (i. e. WiscosinMadison) é recomendado, porém o tempo médio de sobrevida é < 2 meses. Linfoma focal pode ser removido
cirurgicamente. Quimioterapia de acompanhamento pode ser recomendada dependendo do tipo e natureza do processo neoplásico.
Neoplasia GI maligna normalmente tem prognóstico ruim (i. e. < 6 meses sobrevida), mesmo com terapia medicamentosa e cirúrgica. Lesões benignas, como liomiomas e adenomas colorretais, têm bom prognóstico após remoção
cirúrgica.
OBSTRUÇÃO GASTRINTESTINAL
Obstrução GI normalmente ocasiona vômito não tratável, com consequências que podem induzir risco à vida do animal, incluindo possível aspiração, desequilíbrio ácidobase e de eletrólitos e desidratação. Dependendo das causas da
obstrução, o local pode sofrer lesão tecidual, resultando em perfuração, endotoxemia e choque hipovolêmico. Portanto, obstrução GI deve ser tratada como emergência.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: Obstrução do trato GI pode ser decorrência de várias causas extraluminais, intramurais ou intraluminais. A causa extraluminal mais comum é intussuscepção, no qual um segmento invaginado do trato GI se
torna englobado por um segmento anterógrado ou retrógrado. Intussuscepção pode ser secundária à infecção endoparasítica, infecção parvoviral, ingestão de corpo estranho ou neoplasia, porém normalmente é idiopática. O local mais
comum de intussuscepção é a junção ileocecocólica. Intussuscepção gastresofágica e pilorogástrica são formas de intussuscepção incomuns, agudas e graves, que estão associadas a altas taxas de mortalidade. Pastores alemães podem
apresentar predisposição à intussuscepção gastresofágica. Encarceramento intestinal em hérnias ou no mesentério pode resultar em estrangulamento das alças intestinais e rápido desenvolvimento de choque hipovolêmico.
Obstrução intramural pode ser causada por doenças infiltrantes tais como neoplasias, infecção por fungos (i. e. pitiose) e granulomas (i. e. secundária a peritonite infecciosa felina). Estenose pilórica pode causar obstrução do fluxo
gástrico e foi reportada como uma condição nas raças braquicefálicas.
Obstrução intraluminal normalmente ocorre em cães e gatos após a ingestão de corpo estranho e pode ser parcial ou completa. Corpos estranhos lineares ou pequenos são mais prováveis de causar obstrução parcial, enquanto a ingestão
de objetos grandes e circulares normalmente leva à obstrução completa. Corpos estranhos são, geralmente, objetos que não podem ser digeridos (i. e. plásticos, pedras), que são digeridos lentamente (i. e. ossos) ou são muito grandes para
passar pelo trato GI. Cães, com depravação do apetite consomem tais objetos, enquanto gatos ingerem corpos estranho lineares (i. e. barbantes, fios, fio dental) enquanto brincam com eles.
Independente da etiologia, obstrução GI não tratada leva a distensão da parte mais proximal do trato GI com fluido e gás. Encarceramento das alças intestinais secundárias a hérnias ou rasgos mesentéricos resulta em estrangulamento e
aprisionamento do intestino. O retorno venoso fica prejudicado, levando a congestão venosa, anoxia e necrose. Pode ocorrer desvitalização do tecido GI e translocação de bactérias, como Escherichia coli e clostrídios, do lúmen para o
tecido. Se não tratado, pode ocorrer edema, hemorragia, descolamento da mucosa e, por fim, necrose intestinal.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Intussuscepção é mais comum em cães jovens. Intussuscepção intestinal causa tipicamente sinais de dor abdominal, vômito e diarreia com ou sem sangue. Intussuscepções no trato GI mais proximal (i.
e. gastresofágica e pilorogástrica) causam vômito e regurgitação.
Obstrução por corpo estranho é também mais comum em animais mais jovens. Sinais clínicos variam dependendo da duração, grau e localização do corpo estranho, porém normalmente incluem vômito e anorexia. Vômito é menos
comum na obstrução distal do intestino delgado. Diarreia, perda de peso, letargia e sinais de choque séptico são menos comuns. O quadro clínico pode não ser evidente ou o exame físico pode indicar sinais de dor abdominal ou massa
intestinal palpável. Inspeção da cavidade bucal pode revelar corpos estranhos lineares, possivelmente ancorados na base da língua em gatos.
Sinais de choque hipovolêmico e dor abdominal são normalmente notados em casos de encarceramento intestinal.
Achados laboratoriais associados à ingestão de corpos estranhos incluem leucocitose com discreto desvio à esquerda. Em casos de perfuração GI e peritonite bacteriana secundária ou sepse, notase leucocitose ou leucopenia marcante
com desvio à esquerda degenerativo. Obstrução GI proximal está tipicamente associada à hipocloremia, hipopotassemia e alcalose metabólica, enquanto obstrução de trato GI mais distal está associada à acidose metabólica. Estudo recente
realizado em cães mostrou que hipocloremia e alcalose metabólica foram as duas alterações mais comuns, independente do local de obstrução GI. Hiperlactatemia e hemoconcentração (aumento do volume globular e de proteína total)
também são achados frequentes.
Radiografias simples podem auxiliar na localização dos corpos estranhos radiopacos. Obstrução completa pode resultar em alterações radiográficas, como dilatação de alças intestinais e de íleo, com fluidos e/ou gás, enquanto corpos
estranhos lineares podem resultar em pregueamento intestinal. Todavia, esses achados não são específicos para corpos estranhos e podem ser observados em outras causas de obstrução GI, inclusive estenose, aderência, intussuscepção e
neoplasia intestinais. Radiografia abdominal contrastada pode ser útil na detecção de corpos estranhos radiolúcidos, que ocasionam defeitos de preenchimento, e em casos de intussuscepção. Bário é comumente utilizado como contraste
radiográfico, porém se há suspeita de perfuração, devese utilizar iodo ou ioexol aquoso.
Ultrassonografia abdominal pode auxiliar na detecção de corpos estranhos GI e dilatação de alças intestinais com fluidos. Imagens sonográficas transversais de intussuscepção intestinal geralmente mostram lesões tipo “alvo”, com anéis
concêntricos hiperecoicos e hipoecoicos. Grande quantidade de gases intestinais pode causar sombras na imagem. Sinais de peritonite e perfuração GI detectável com radiografia ou ultrassonografia podem incluir efusão abdominal ou gás
livre. Efusão abdominal, se presente, deve ser avaliada citologicamente para peritonite séptica. Exame endoscópico pode ser útil para identificar corpos estranhos ou massas e lesões.
TRATAMENTO: A maioria dos corpos estranhos deve ser removida via recuperação endoscópica ou cirúrgica devido ao potencial de obstrução ou perfuração. Alguns corpos estranhos pequenos e macios podem passar tranquilamente pelo
trato GI; o movimento do corpo estranho pode ser monitorado com radiografia abdominal. Se o corpo estranho não está em movimento e se a obstrução ou a piora dos sinais clínicos é aparente, intervenção é necessária. Corpos estranhos
lineares na cavidade bucal devem ser cortados e nunca puxados na tentativa de recuperar o corpo estranho.
Corpos estranhos de cólon são frequentemente identificados acidentalmente e não necessitam remoção. Caso sejam a causa dos sinais clínicos, a remoção endoscópica é preferida à abertura cirúrgica do cólon. Desequilíbrios de fluidos,
eletrólitos e ácido–base devem ser corrigidos antes da anestesia, se possível.
Recuperação cirúrgica ou endoscópica do corpo estranho está associada à alta taxa de sobrevivência. A utilidade da endoscopia é limitada, tipicamente, a remoção do corpo estranho gástrico. O endoscópio deve passar o intestino delgado
o mais distalmente possível para avaliação e radiografias tiradas enquanto o animal está ainda anestesiado para avaliar corpos estranhos adicionais.
Endoscopia pode não permitir o acesso ao trato GI distal à região pilórica ou proximal do duodeno. Se há corpos estranhos distais à região pilórica, corpos estranhos em múltiplos locais ou sinais de peritonite séptica, indicase
laparotomia exploratória. Laparotomia exploratória é também preferida à endoscopia em casos suspeitos de intussuscepção e obstrução secundária à lesão tumoral. Durante a cirurgia, todo o trato GI deve ser inspecionado quanto à presença
de objetos que podem causar obstrução; avaliase a vitalidade do trato GI e áreas de perfuração ou isquemia são removidas. Se um corpo estranho linear está presente no estômago e se prolonga para o intestino delgado, manipulação suave
pode liberálo de suas ligações distais, permitindo a remoção através de gastrotomia. Caso contrário, múltiplas enterotomias podem ser indicadas. Corpos estranhos devem ser removidos com o mínimo de enterotomia possível, de modo a
reduzir o risco de deiscência pós–operatória. Múltiplos corpos estranhos lisos intestinais podem frequentemente ser “ordenhados” pelo intestino e removidos através de incisão. Corpos estranhos lineares são mais prováveis de causarem
lesões e desvitalização de mucosa e podem afetar grande área do trato GI. Áreas desvitalizadas ou perfuradas devem ser removidas, realizando–se anastomose do trato GI restante. Intussuscepções são manualmente reduzidas ou removidas;
fazse anastomose do intestino remanescente, se a redução não é possível ou se a alça intestinal está comprometida. Pregueamento intestinal pode auxiliar na redução do risco de recidiva.
Peritonite é tratada com antibióticos e drenagem por sucção fechada ou tratamento com abdome aberto. Alimentos e água podem ser introduzidos 12 h após recuperação, se não há vômito.
PROGNÓSTICO E PREVENÇÃO: Se a obstrução do trato GI devido a corpos estranhos é diagnosticada e tratada rapidamente, o prognóstico é bom. Animais com peritonite ou sepse apresentam mais complicações pósoperatórias e maior risco
de deiscência enterotômica. Hipoalbuminemia préoperatória está também associada à uma taxa maior de deiscência pósoperatória. Animais com peritonite ou que necessitam de remoção de uma grande parte do intestino, levando à
síndrome do intestino curto apresentam um prognóstico reservado. Deiscência pósoperatória requer uma segunda cirurgia de emergência e está associada à alta taxa de mortalidade.
Intussuscepções gastresofágica e pilorogástrica estão associadas à taxa de mortalidade e diagnóstico rápido e intervenção cirúrgica são essenciais para maximizar a sobrevida. Obstrução GI secundária à neoplasia é rara; o prognóstico
depende do tipo de neoplasia.
PARVOVIROSE CANINA
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: O parvovírus canino (PVC) é altamente contagioso e uma causa relativamente comum de doença infecciosa GI aguda, em cães jovens. Embora sua origem exata seja desconhecida, acreditase ter originado
do vírus da panleucopenia felina ou de um parvovírus relacionado de animais não domésticos. Tratase de um DNA vírus não envelopado, de cadeia simples, resistente a muitos detergentes e desinfetantes. O PVC infeccioso pode persistir
em ambiente interno, em temperatura ambiente, por até 2 meses; em ambiente externo, se protegido da luz solar e da dessecação, persiste por até 5 meses. Na América do Norte, a doença clínica é amplamente atribuída ao PVC2b; contudo,
a infecção por uma cepa nova e igualmente virulenta, PVC2c, está cada vez mais comum.
Cães jovens (6 semanas a 6 meses), não vacinados ou vacinados de forma incompleta, são mais suscetíveis. Cães das raças Rottweiler, Dobermann Pinscher, American Pit Bull Terrier, English Springer Spaniel e German Shepherd são
mais predispostos à doença. Se há ingestão adequada de colostro, filhotes nascidos de fêmeas com anticorpos contra PVC estão protegidos da infecção nas primeiras semanas de vida; contudo, a suscetibilidade à infecção aumenta à medida
que o teor de anticorpos maternos diminui. Estresse (p. ex., amamentação, superlotação, desnutrição etc.), parasitismo intestinal concomitante ou infecção por patógenos intestinais (p.
ex., Clostridium spp, Campylobacter spp, Salmonella spp, Giardia spp, coronavírus) foram associados à doença clínica mais grave. Dentre os cães > 6 meses de idade, os machos não castrados estão, de modo mais provável que as fêmeas
não castradas, mais predispostos a desenvolverem enterite por PVC.
O vírus é eliminado nas fezes dos cães infectados dentro de 4 a 5 da exposição (geralmente antes dos sinais clínicos se manifestarem), ao longo do curso da doença, e por cerca de 10 dias após a recuperação clínica. A infecção é adquirida
diretamente por contato com fezes contendo o vírus, ou indiretamente por contato com fômites contaminados pelo vírus (p. ex., ambiente, pessoas, equipamentos). A replicação viral ocorre inicialmente no tecido linfoide da orofaringe, com
sinais sistêmicos resultando da disseminação hematógena subsequente. O PVC preferencialmente infecta e destrói as células que se dividem rapidamente do epitélio das criptas do intestino delgado, tecido linfopoético, e medula óssea. A
destruição do epitélio das criptas intestinais resulta em necrose epitelial, atrofia vilosidade, capacidade absorção prejudicada, e interrupção da função da barreira intestinal, com potencial translocação bacteriana e bacteriemia.
Linfopenia e neutropenia desenvolvemse secundariamente à destruição das células progenitoras hematopoéticas na medula óssea e tecidos linfopoéticos (p. ex., timo, linfonodos etc.) e são mais exacerbadas por um aumento na demanda
sistêmica por leucócitos. Infecção intrauterina ou em filhotes < 8 semanas ou nos nascidos de fêmeas não vacinadas sem anticorpos naturais podem resultar em infecção, necrose do miocárdio e miocardite. A miocardite, manifestada como
insuficiência cardiopulmonar aguda ou tardia e insuficiência cardíaca progressiva, podem ocorrer com ou sem sinais de enterite. Contudo, a miocardite por PVC2 é infrequente, pois várias cadelas apresentam anticorpos contra PVC
oriundos de imunização ou exposição natural.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos da enterite por parvovírus geralmente se desenvolvem dentro de 3 a 7 dias da infecção. Os sinais clínicos iniciais podem ser inespecíficos (p. ex., letargia, anorexia, febre) com progressão para vômito
e diarreia hemorrágica do intestino delgado em 24 a 48 h. Os achados de exame físico incluem depressão, febre, desidratação, e as alças intestinais que se tornam dilatadas e preenchidas por líquido. Dor abdominal justifica investigação
complementar para excluir complicações potenciais de intussuscepção. Animais severamente acometidos podem apresentar choque, com tempo de preenchimento capilar prolongado, pobre qualidade de pulso, taquicardia e hipotermia –
sinais fortemente consistentes de choque séptico. Embora a leucoencefalomalácia associada ao PVC tenha sido relatada, sinais neurológicos são mais comumente atribuídos à hipoglicemia, sepse ou anormalidades no equilíbrio eletrolítico
ou ácidobase. Infecção inaparente ou subclínica é comum.
Lesões: Lesões macroscópicas, à necropsia, podem incluir parede intestinal espessada e pálida; conteúdo intestinal aquoso, mucoso ou hemorrágico; edema e congestão dos linfonodos abdominais e torácicos; atrofia do timo; e, no caso de
miocardite por PVC, estrias pálidas no miocárdio. Histologicamente, as lesões intestinais são caracterizadas por necrose multifocal do epitélio da cripta, perda da arquitetura da cripta e espessamento e edema das vilosidades. A depleção do
tecido linfoide e de linfócitos corticais (placas de Peyer, linfonodos periféricos, linfonodos mesentéricos, timo, baço) e hipoplasia da medula óssea também são observadas. Edema pulmonar, alveolite e colonização bacteriana dos pulmões e
do fígado também podem ser observados em cães que morreram de complicações da síndrome do desconforto respiratório agudo, síndrome da resposta inflamatória sistêmica, endotoxemia e sepse.
DIAGNÓSTICO: A enterite por PVC deve ser sustentada em qualquer cão jovem, não vacinado ou vacinado de forma incompleta, com sinais clínicos relevantes. Além do curso da doença, muitos cães desenvolvem uma leucopenia moderada
ou grave caracterizada por linfopenia e neutropenia. Leucopenia, linfopenia e ausência de uma resposta de neutrófilos bastonetes dentro de 24 h do início do tratamento foram associadas a um pobre prognóstico. Azotemia prérenal,
hipoalbuminemia (perda de proteína GI), hiponatremia, hipopotassemia, hipocloremia e hipoglicemia (estoques inadequados de glicogênio em filhotes jovens, sepse), e enzimas hepáticas aumentadas podem ser notadas no perfil bioquímico
sérico. ELISA comercial para detecção de antígenos nas fezes está amplamente disponível. Muitos cães clinicamente doentes eliminam grandes quantidades de vírus nas fezes. Contudo, resultados falsonegativos podem ocorrer
precocemente no curso da doença (antes do pico de eliminação viral) e após o rápido declínio na eliminação viral que tende a ocorrer dentro de 10 a 12 dias da infecção. Resultados falsopositivos podem ocorrer 4 a 10 dias da vacinação
com vacina de vírus vivo modificado. Métodos alternativos para a detecção de antígenos de PVC nas fezes incluem PCR, microscopia eletrônica e isolamento viral. O sorodiagnóstico da infecção por PVC requer a demonstração de um
aumento de 4 vezes nos títulos séricos de IgG em um período de 14 dias ou a detecção de anticorpos IgM na ausência de vacinação recente (dentro de 4 semanas).
TRATAMENTO E PROGNÓSTICO: Os principais objetivos do tratamento da enterite por PVC incluem restabelecimento das anormalidades hídricas, eletrolíticas e metabólicas e prevenção da infecção bacteriana secundária. Na ausência de
vômito significativo, soluções eletrolíticas orais podem ser oferecidas. A administração por via subcutânea de uma solução isotônica balanceada de eletrólitos pode ser suficiente para corrigir déficits hídricos discretos (< 5%), mas é
insuficiente para cães com desidratação moderada a grave. Muitos cães se beneficiam da fluidoterapia IV com solução de eletrólitos balanceada. A correção da desidratação, a reposição contínua da perda de fluido e a promoção das
necessidades de fluido de manutenção são essenciais para o tratamento efetivo. Os cães devem ser monitorados quanto ao desenvolvimento de hipopotassemia e hipoglicemia. Se os eletrólitos e a glicemia não podem ser rotineiramente
monitorados, a suplementação empírica de fluidos IV com potássio (cloreto de potássio, 20 a 40 mEq/l) e glicose (2,5 a 5%) tornase apropriada.
Se a perda gastrintestinal de proteínas é grave (albumina < 20 g/l, proteína total < 40 g/l, evidência de edema periférico, ascite, efusão pleural, etc), a terapia com coloide deve ser instituída. Coloides não proteicos (p. ex., pentamilo,
hetamilo) podem ser administrados na forma de bolus de 5 ml/kg (máximo de 20 ml/kg) ao longo de, no mínimo, 15 min. O restante da dose máxima de 20 ml/kg pode ser administrado em infusão contínua ao longo de 24 h e o volume de
cristaloide administrado reduzido em 40 a 60%. De forma alternativa, a transfusão de plasma fresco congelado pode repor parcialmente a albumina sérica enquanto fornece os inibidores da protease sérica para conter a resposta inflamatória
sistêmica. Não há evidência que sustenta o uso de soro de cães recuperados de uma enterite por VPC (soro convalescente ou hiperimune) como meio de imunização passiva.
Os antibióticos são indicados, pois há risco de translocação bacteriana pelo epitélio intestinal lesionado e neutropenia concomitante. Um antibiótico betalactâmico (p. ex., ampicilina ou cefazolina [22 mg/kg, IV, 3 vezes/dia]) propicia
proteção apropriada contra bactérias Grampositivas e anaeróbicas. Nos casos de sinais clínicos graves e/ou neutropenia marcante, uma cobertura gramnegativa adicional (p. ex., enrofloxacino [5 mg/kg, IM ou IV, 1 vez/dia] ou gentamicina
[6 mg/kg, IV, 1 vez/dia]) é indicada. Antibióticos aminoglicosídios não devem ser administrados até que a desidratação seja corrigida e a fluidoterapia estabelecida. A enrofloxacino foi associada a lesões à cartilagem articular em cães de 2
a 8 meses de idade, crescendo rapidamente, e deve ser interrompida caso ocorra dor ou edema articular.
A terapia antiemética é indicada se o vômito é prolongado, a desidratação e as anormalidades eletrolíticas se perpetuam ou se há restrição à administração oral de medicamentos e suporte nutricional. Os antagonistas alfaadrenérgicos (p.
ex., proclorperazina, 0,1 a 0,5 mg/kg, SC, 3 vezes/dia) podem agravar a hipotensão em animais hipovolêmicos, enquanto os agentes procinéticos (p. ex., metoclopramida, 0,3 mg/kg, VO ou SC, 3 vezes/dia ou 1 a 2 mg/kg/dia, em taxa de
infusão contínua) podem aumentar o risco de intussuscepção; o uso e ambos os agentes devem ser restritos aos animais reidratados e monitorados de forma apropriada. A segurança e a eficácia dos novos agentes antieméticos como a
ondansetrona (0,1 a 0,2 mg/kg, administrados lentamente por via IV, 2 a 4 vezes/dia) e maropitan (1 mg/kg, 1 vez/dia, por 5 dias) não foram avaliados em cães com enterite por VPC. O vômito pode persistir, mesmo com a administração de
antieméticos. Os antidiarreicos não são recomendados porque a retenção do conteúdo intestinal no lúmen do intestino comprometido aumenta o risco de translocação bacteriana e complicações sistêmicas.
Recomendações prévias do manejo nutricional da enterite por VPC incluem suspensão do alimento e de água até cessarem os vômitos, mas evidências recentes sugerem que a nutrição enteral antecipada está associada à melhora clínica
mais rápida, ganho de peso e melhora da função da barreira intestinal. Para cães com anorexia, o uso de uma sonda nasoesofágica ou nasogástrica e o fornecimento de bolus ou administração oral de dietas líquidas preparadas (p.
ex., Clinicare, ou ração enlatada úmida, batida) devem ser instituídos dentro de 12 h após a internação do animal. Uma vez cessado o vômito por 12 a 24 h, recomendada a reintrodução gradativa de água e uma ração comercial úmida, pobre
em gordura e facilmente digerível, ou de dieta caseira (p. ex., frango cozido ou queijo cottage com pouca gordura e arroz). Nutrição parenteral parcial ou total é reservada aos cães com > 3 dias de anorexia, que não toleram nutrição enteral.
Evidências recentes sugerem que a administração de interferona? recombinante felino (2,5 U/kg, IV, 1 vez/dia, por 3 dias consecutivos) melhora os sinais clínicos e taxa de mortalidade por enterite causada pelo VPC. Tratamento com o
antiviral oseltamivir (2 mg/kg, VO, 2 vezes/dia, durante 5 dias) pode ser considerado; contudo, não há relato que comprovem sua eficácia. O potencial para indução ou seleção de resistência ao vírus da gripe levaram alguns a
recomendarem que a terapia com oseltamivir seja evitada na enterite por VPC. Os efeitos adversos potencialmente atribuídos ao oseltamivir após 3 dias de terapia incluem letargia, dor abdominal, dilatação gástrica, diarreia e inquietação.
Outros tratamentos adjuvantes como fator estimulante de colônia de granulócitos recombinante humano e proteína de aumento de permeabilidade/bactericida recombinante não foram benéficos.
Intussuscepção, colonização bacteriana de cateteres IV, trombose, infecção do trato urinário, sepse, endotoxemia, síndrome do desconforto respiratório agudo e morte súbita são complicações potenciais da enterite por VPC. Muitos
filhotes que sobrevivem após os 3 a 4 dias da doença apresentam recuperação completa, geralmente dentro de 1 semana. Com tratamento suporte apropriado, 68 a 92% dos cães com enterite por VPC sobrevivem. Os cães que se recuperam
desenvolvem imunidade prolongada, possivelmente por toda a vida.
PREVENÇÃO E CONTROLE: Para restringir a contaminação ambiental e a propagação para outros animais suscetíveis, cães com enterite por VPC confirmada ou suspeita devem ser manipulados com procedimentos de isolamento rigoroso (p.
ex., separação dos animais, vestimenta e luvas individuais, limpeza frequente e completa etc.). Todas as superfícies devem ser limpas com uma solução água sanitária diluída (1:30), peroxigênio, ou um desinfetante com peróxido de
hidrogênio acelerado. As mesmas soluções podem ser utilizadas como pedilúvio para desinfetar os sapatos.
Para evitar e controlar o VPC, a vacinação com vacina de vírus vivo modificado é recomendada nas 6° a 8°, 10° a 12° e 14° a 16° semanas de idade, seguidas por um reforço administrado 1 ano depois e então a cada 3 anos. Devido à
lesão potencial do VPC às células do miocárdio ou cerebelo, vacinas inativadas em vez da viva modificada são indicadas em cadelas prenhes ou filhotes privados de colostro vacinados antes das 6 a 8 semanas de idade. A presença de
anticorpos contra VPC adquiridos via materna podem interferir na eficácia da vacinação em filhotes < 8 a 10 semanas de idade. Vacinas recentes com vírus vivo modificado contra VPC são suficientemente imunogênicas em proteger
filhotes da infecção na presença de baixos teores de anticorpos maternos interferentes. Pelo menos 2 vacinas comerciais promovem proteção contra a variante VPC2c circulante nos EUA.
Um novo filhote deve ser introduzido em uma casa de um cão recentemente diagnosticado com enterite por VPC não antes de 1 mês após os sinais clínicos terem sido resolvidos. Apenas filhotes completamente vacinados (nas 6, 8 e 12
semanas de vida) devem ser considerados. A introdução de um cão adulto incompletamente vacinado deve ser realizada de maneira semelhante. O reforço vacinal de cães contactantes saudáveis que estão em dia com a vacinação é sensato,
mas potencialmente desnecessário, devido à duração prolongada da imunidade ao VPC.
SÍNDROMES DE MÁ ABSORÇÃO
Má absorção é a absorção prejudicada de um constituinte alimentar devido à interferência em sua digestão ou absorção, em razão de insuficiência pancreática exócrina (IPE) ou doença de intestino delgado. Má absorção resulta, tipicamente,
em diarreia, alteração de apetite e perda de peso.
As principais funções do intestino delgado são digestão e absorção de nutrientes que ocorrem em fases sequenciais: digestão intraluminal, digestão e absorção mucosas e liberação de nutrientes na circulação. Diversas doenças
gastrintestinais causam má absorção crônica por meio de uma interferência nesses processos. As síndromes de má absorção foram estudadas mais detalhadamente em cães; no entanto, o diagnóstico e os princípios terapêuticos básicos são
similares a outras espécies.
FISIOLOGIA: Os processos digestivos normais convertem os nutrientes alimentares poliméricos em formas (monômeros) que conseguem atravessar a borda em escova das células epiteliais de absorção intestinal, os enterócitos. A maioria
das enzimas digestivas é secretada pelo pâncreas; logo a IPE é a principal causa de má absorção. Alguns produtos da digestão, antes da absorção, podem ser degradados pelas enzimas da borda em escova.
Os principais carboidratos da dieta são amido, glicogênio, sacarose e lactose. Amido e glicogênio são inicialmente hidrolisados pela amilase pancreática nos oligossacarídios maltose, maltotriose e adextrinaslimite. Os oligossacarídios e
dissacarídios ingeridos (sacarose, lactose) são adicionalmente hidrolisados em monossacarídios pelas enzimas da borda em escova dos enterócitos. A atividade da lactase da borda em escova diminui após o desmame, especialmente em
gatos, e os animais podem se tornar intolerantes à lactose, principalmente se a borda em escova foi danificada por outra doença. Os produtos finais da hidrólise na mucosa (glicose, galactose e frutose) são transportados ativamente para o
interior do enterócito, por um processo mediado por proteínas transportadoras. Uma vez no interior da célula, a glicose não é utilizada pela via glicolítica, mas se difunde, por difusão facilitada, no sentido do gradiente de concentração
através da lâmina própria e entram na circulação venosa portal.
A digestão e absorção de proteínas seguem um padrão semelhante. As enzimas proteolíticas originárias do estômago e pâncreas degradam a proteína em oligopeptídios de cadeia curta, dipeptídios e aminoácidos. Os oligopeptídios são
hidrolisados adicionalmente pelas peptidases da borda em escova em dipeptídios e aminoácidos que atravessam a membrana da borda em escova em proteínas transportadoras específicas.
As moléculas lipossolúveis não necessitam transportadores específicos para atravessar a barreira fosfolipídica da borda em escova. No entanto, é essencial uma degradação intraluminal dos lipídios grandes. A gordura no duodeno
estimula a liberação de colecistoquinina que, por sua vez, estimula a secreção de lipase pancreática. Após solubilização por micelas de sais de bile, os triglicerídios são digeridos pela lipase pancreática em monoglicerídios e ácidos graxos
livres. Na membrana celular, os monoglicerídios e os ácidos graxos livres se desagregam das micelas e são absorvidos passivamente para o interior da célula. Os ácidos biliares liberados permanecem dentro do lúmen e finalmente são
reabsorvidos pelo íleo e reciclados. Dentro da célula, os monoglicerídios e os ácidos graxos livres são reesterificados em triglicerídios e incorporados em quilomícrons, que subsequentemente entram nos vasos lacteais centrais da vilosidade
e são entregues à circulação venosa, através do ducto torácico. Triglicerídios de cadeia média (C8C10) podem ser absorvidos diretamente para o sangue portal, proporcionando desta forma uma via alternativa para eliminação de gordura em
caso de obstrução linfática, apesar de alguns entrarem normalmente na circulação via ducto torácico.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: A má absorção é uma consequência da interferência nos mecanismos responsáveis pela degradação ou absorção dos constituintes alimentares (Tabela 7).
As doenças que interrompem a síntese ou secreção das enzimas pancreáticas digestivas causam má digestão com subsequente má absorção. Uma causa importante é a IPE (p. 493), que ocorre quando há perda de cerca de 85 a 90% da
massa pancreática exócrina. A IPE caracterizase por má digestão – má absorção grave de amido, proteína e, mais notadamente, gorduras. Nos cães, a IPE devese mais comumente à atrofia acinar; pancreatite crônica é menos comum,
sendo mais notada em cães mais velhos; hipoplasia pancreática é uma causa congênita rara. Em cães, a IPE geralmente é complicada por um supercrescimento bacteriano no intestino delgado (SCBID), que interrompe adicionalmente a
digestão e absorção de nutrientes. Nos gatos, a IPE é relativamente incomum e se deve, predominantemente, à pancreatite crônica.
Os efeitos intraluminais da bactéria também podem ter consequências importantes. A desconjugação bacteriana dos sais biliares interfere na formação de micela, que resulta em má absorção de lipídios. Sais biliares desconjugados e
ácidos graxos hidroxilados exacerbam a diarreia pelo estímulo da secreção no cólon. A SCBID verdadeira pode ser secundária ao defeito na secreção de ácido gástrico, interferência na motilidade normal ou obstrução mecânica do intestino,
interferência na função da válvula ileocecal e imunodeficiência local. Em outros casos, não há SCBID definida, porém uma resposta positiva à terapia antimicrobiana e ausência de lesão visível na mucosa indica que a má absorção é
causada por atividade bacteriana. Originalmente denominada SCBID idiopática, esta síndrome é melhor designada diarreia responsiva a antibióticos (DRA).
Má absorção de gorduras também pode ocorrer em caso de deficiência de sais biliares intraluminais devido à doença hepática colestática, obstrução biliar ou doença de íleo, resultando em absorção inadequada de sais biliares conjugados.
Uma doença no intestino delgado pode causar má absorção pela redução no número ou na função dos enterócitos, individuais. As doenças difusas da mucosa podem resultar em redução nas atividades das enzimas da borda em escova,
diminuição na função das proteínas transportadoras, diminuição na área da superfície de absorção da mucosa e interferência no transporte final de nutrientes para a circulação. Pode ocorrer perda de peso devido ao prejuízo à ingestão de
nutrientes e inapetência. Além disso, os nutrientes mal absorvidos têm efeitos osmóticos intraluminais significativos, que reduzem a absorção de água e eletrólitos no intestino e no cólon, resultando em diarreia. Isso pode ser exacerbado se
o lesão à mucosa é acompanhado de inflamação intestinal, que pode causar diarreia secretória e por aumento da permeabilidade.
As causas potenciais de lesões à mucosa incluem doença intestinal inflamatória, patógenos intestinais (p. ex., vírus intestinais, bactérias patogênicas, giardíase, histoplasmose, pitiose), sensibilidade alimentar, SCBID e neoplasia intestinal
(linfossarcoma). Alterações histológicas, como atrofia de vilosidades e infiltrado com células inflamatórias, indicam doença intestinal, mas não identificam a causa primária. Por exemplo, a enterite linfocíticaplasmocitária pode ser uma
resposta comum da mucosa intestinal a mais de um agente provocativo, particularmente antígenos microbianos e alimentares. Foram demonstradas associações claras com parasitos e bactérias patogênicas e sensibilidade alimentar em cães,
mas frequentemente a causa primária não é identificada.
Tabela 7 – Mecanismos de má absorção
ÚLCERAS GASTRINTESTINAIS EM PEQUENOS ANIMAIS
Úlcera com rompimento da barreira mucosa é uma consequência bastante conhecida do uso de várias drogas e doenças em pequenos animais. Como resultado, terapia gastroprotetora é amplamente utilizada.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: A barreira constituída pela mucosa gástrica é um mecanismo de defesa complexo que protege a mucosa normal do ambiente químico inóspito do conteúdo luminal gástrico. Os ácidos, pepsina e enzimas
proteolíticas normalmente presentes no lúmen gástrico têm pH 2. A camada mucosa propicia um tampão fraco, mantendo pH 4 a 6, neutralizando o conteúdo luminal ácido. A barreira gástrica é mantida por uma camada protetora que inclui
células mucosas, junções íntimas e uma camada espessa de muco. O alto fluxo sanguíneo nesta área sustenta o metabolismo celular e a rápida renovação das células danificadas. Prostaglandinas (principalmente E e I) ajudam a manter o
fluxo sanguíneo e integridade da mucosa gástrica, aumentam a secreção de muco e bicarbonato, diminuem a secreção gástrica e estimulam a reciclagem das células epiteliais. As junções íntimas selam a camada celular da mucosa gástrica,
garantindo que o conteúdo luminal não extravase para dentro ou ao redor dessas células. A pequena quantidade de ácido gástrico que se difunde pelas células epiteliais é rapidamente removido pelo alto fluxo sanguíneo nesta área.
Um defeito na barreira constituída pela mucosa gástrica leva a um ciclo de autoperpetuação da lesão da mucosa. Alteração desta barreira permite que ácido clorídrico, ácidos biliares e enzimas proteolíticas degradem as células epiteliais,
rompam membranas líquidas e induzam inflamação e apoptose. Retrodifusão do conteúdo luminal pelas junções íntimas ocasionam inflamação das células do trato GI e hemorragia, com maior secreção ácida mediada pelas células
inflamatórias e seus produtos. Ocorre degranulação dos mastócitos, levando à liberação de histamina que perpetua a secreção aumentada de ácido gástrica. O ambiente inflamatório também diminui o fluxo sanguíneo (resultando em
isquemia), habilidade de reparo celular e secreção de muco e prostaglandinas citoprotetoras. Úlcera da mucosa pode acontecer, expondo a submucosa ou camadas mais profundas do tecido GI ao conteúdo luminal.
A prevalência de úlcera GI em cães e gatos é desconhecida. Administração de AINE, neoplasia e doença hepática são as causas mais comuns, em cães. AINE podem causar lesão tópica direta da mucosa gástrica e acreditase que a
inibição da ciclo–oxigenase (COX)1 diminui a produção de prostaglandinas protetoras. Ao uso de AINE específicos de COX2 creditase a diminuição da úlcera GI, embora úlcera e perfuração ainda ocorram com o uso desses
medicamentos. Corticosteroides potencializam as lesões na mucosa por diminuírem a renovação celular e a produção de muco e por estimular a produção de gastrina (e ácido).
Doença hepática está associada a maior secreção de ácido gástrico e alteração do fluxo sanguíneo na mucosa, levando, potencialmente, à formação de úlceras. Neoplasia gástrica primária, como linfomas, adenocarcinomas, liomiomas e
leiomiosarcomas podem resultar em úlceras. Adicionalmente, síndromes paraneoplásicas secundárias a tumores de mastócitos e gastrinomas (síndrome de ZollingerEllison) foram associadas à produção aumentada de ácido hidrocloridríco
e úlceras em cães.
Outras doenças e condições associadas a úlceras GI em cães incluem doença renal, hipoadrenocorticismo, estresse, doença gástrica primária tais como doença inflamatória do intestino, exercício exaustivo (i. e. trenó canino), choque e
sepse. Helicobacter foram encontrados em cães e gatos saudáveis, todavia, seu papel na ocorrência de ulceração GI é desconhecido.
Úlcera GI é raramente observada em gatos. Neoplasia (i. e. linfoma, adenocarcinoma) foi associada à úlcera GI em gatos, porém a etiologia é desconhecida.
ACHADOS CLÍNICOS: Sinais clínicos específicos de úlcera GI incluem melena, hematêmese e hematoquezia. Dor abdominal, anorexia e sinais de doenças subjacentes podem estar presentes. Gatos com úlcera GI raramente apresentam sinais
específicos como melena ou hematêmese, porém normalmente manifestam hemorragia grave, com risco de morte. Animais com úlcera grave e/ou perfuração GI podem apresentar sinais de dor, fraqueza, palidez e choque. Podem ser
observados sinais clínicos relacionados com os fatores etiológicos. Alguns cães e gatos com úlcera GI não apresentam qualquer sinal clínico.
DIAGNÓSTICO: Hemograma, perfil bioquímico e urinálise podem auxiliar a diferenciar doença GI primária de doença não GI e pode mostrar distúrbios metabólicos resultantes de doenças GI. Exames adicionais, como testes de função
hepática ou teste de estimulação do hormônio adrenocorticotrófico, podem ser justificados, dependendo dos achados clínicos e dos resultados dos testes iniciais.
Radiografias abdominais geralmente não auxiliam no diagnóstico de úlcera GI, porém podem ajudar a excluir obstrução GI, intussuscepções e peritonite. Ultrassonografia abdominal pode indicar anormalidades na espessura da parede
gástrica ou presença de massa, porém sua utilidade primária seja a verificação de lesões não GI. Endoscopia permite a visualização do esôfago, estômago, duodeno e cólon e a identificação de lesões de mucosa e úlceras. Endoscopia
também permite a aspiração com agulha fina de lesões ou a coleta de amostras para biopsia, embora cirurgia para biopsia de espessura completa seja necessária para diagnosticar doenças infiltrantes e tumores. Áreas ulcerosas devem ser
biopsiadas apenas na periferia para evitar perfuração. Fluido gástrico pode ser testado para pH para auxiliar no diagnóstico de estados hipersecretivos.
TRATAMENTO E CONTROLE: O principal tratamento de úlcera GI é direcionado à causa. Tratamento de suporte pode ser necessário para corrigir distúrbios metabólicos e podem incluir fluidoterapia. Medicação direcionada à própria úlcera
reduz a acidez gástrica, previne destruição adicional da mucosa gástrica e promove cicatrização da lesão. Em geral, a terapia antiulcerativa deve ser mantida por 6 a 8 semanas.
A produção de ácido gástrico é estimulada por histamina (mais potente), gastrina e acetilcolina. Fármacos que diminuem a secreção ácida ajudam a proteger a mucosa gástrica danificada. Bloqueadores de receptores H2 (p. ex.,
cimetidina, famotidina) promovem cicatrização da mucosa e alguns deles (p. ex., ranitidina) também atuam como procinéticos. Como não há relato de um fármaco clinicamente mais eficaz que o outro, a famotidina (0,5 a 1 mg/kg, VO, SC
ou IV, 2 vezes/dia) é mais potente em reduzir o pH gástrico do que a cimetidina (10 mg/kg, 3 vezes/dia, VO, IM ou IV, 3 vezes/dia) ou a ranitidina (cães: 2 mg/kg, 3 vezes/dia VO ou IV; gatos: 2,5 mg/kg, 2 vezes/dia IV ou 3,5 mg/kg, 2
vezes/dia, VO). Inibidores da bomba de prótons (p. ex., omeprazol (0,5 a 1 mg/kg, 1 vez/dia, PO) são úteis no tratamento de úlceras mais graves, uma vez que são inibidores mais potentes da secreção de ácido gástrico. Há relato do uso de
pantoprazol (0,5 a 1 mg/kg, IV, 1 vez/dia), um inibidor da bomba de próton, em cães e gatos. O uso profilático de bloqueadores H2 e inibidores da bomba de prótons pode não diminuir o risco de úlcera GI em animais predispostos a elas.
Citoprotetores incluem os antiácidos e o sucralfato. Os antiácidos são bases fracas que neutralizam o ácido gástrico no lúmen estomacal; eles também podem promover produção de prostaglandina gástrica. Antiácidos contendo alumínio
ou magnésio são considerados mais eficazes com menos efeitos adversos, embora possam provocam constipação intestinal. Acidez gástrica de rebote ocorre frequentemente devido a curta meiavida desses agentes. Por esta razão,
antiácidos não são mais utilizados rotineiramente. O sucralfato (cães: 0,5 a 1 g, 2 a 3 vezes/dia, VO; gatos: 0,25 g, 2 a 3 vezes/dia, VO) é um sulfato de sacarose polialumínio que se liga a áreas erodidas ou ulceradas da mucosa gástrica.
Como ele inibe a absorção, não deve ser administrado dentro de 2 h após as refeições ou o uso de outros fármacos. O análogo de prostaglandina E2, misosprostol, é utilizado para auxiliar na prevenção de úlceras associadas ao uso de AINE,
porém não auxiliam na cicatrização da mucosa ou na diminuição da secreção ácida.
O uso profilático de antibióticos pode ser indicado em casos de brusca alteração da barreira constituída pela mucosa gástrica ou de choque, ou quando sinais clinicopatológicos, inclusive febre, hematoquezia, leucopenia e neutrofilia,
sugerem translocação bacteriana. Antibióticos betalactâmicos (p. ex., 22 mg de ampicilina/kg IV, 3 a 4 vezes/dia) são o primeira escolha para a terapia antimicrobiana, com cobertura gramnegativa adicional, se necessários.
PROGNÓSTICO: O prognóstico para úlcera GI em cães é favorável quando as causas podem ser tratadas ou removidas, a úlcera é moderada ou a condição é rapidamente diagnosticada e tratada. É difícil o controle de úlceras associadas a
doenças graves ou em estágio terminal (p. ex., insuficiência hepática). A taxa de mortalidade associada à perfuração GI alcança até 70%.
Úlcera GI em gatos está frequentemente associada à neoplasia. Tratamento intensivo é, normalmente, necessário devido à alta prevalência de hemorragia intensa. Relatase que a sobrevida média de gatos com úlcera gástrica submetidos à
cirurgia e cura paliativa variou de 12 a 15 meses. Gatos com úlcera GI secundária à doença não neoplásica manifestam doença clínica menos grave e um bom prognóstico.
DOENÇAS DO ESÔFAGO EM PEQUENOS ANIMAIS
ACALASIA CRICOFARINGIANA
A acalasia cricofaringiana caracterizase pelo relaxamento inadequado do músculo cricofaríngeo, o que leva à incapacidade relativa do animal em engolir alimentos ou líquidos. Ocorre principalmente como um defeito congênito, mas é
ocasionalmente visto em cães adultos. As tentativas repetidas de engolir são seguidas por engasgo e regurgitação. A pneumonia por aspiração é uma complicação comum. Geralmente, não se conhece a causa, mas pode estar associada a
distúrbio neuromuscular adquirido em animais adultos. Um diagnóstico preciso requer avaliação fluoroscópica da deglutição após administração oral de material contrastado, sozinho, ou misturado ao alimento. Função anormal (falta de
relaxamento) do músculo cricofaríngeo resulta em retenção de bário na faringe posterior.
O tratamento consiste em miotomia do cricofaríngeo, ou miectomia do cricofaríngeo e do tirofaríngeo, o que promove a deglutição normal imediatamente após a cirurgia. A taxa de sucesso da cirurgia aproximase de 65%. Cães com
distúrbios neuromusculares adquiridos respondem menos à cirurgia, mas podem responder ao tratamento da doença primária. A pneumonia por aspiração, caso presente, deve ser tratada de modo agressivo.
ALTERAÇÃO DA MOTILIDADE ESOFÁGICA
Estudo recente mostrou que cães jovens podem apresentar alteração da motilidade do esôfago, sem megaesôfago aparente. Os sinais clínicos podem ser semelhantes aos do megaesôfago, embora alguns cães apresentem motilidade anormal
durante um esofagograma, sem sinais clínicos. Em mais da metade dos casos, os casos melhoram ou se resolvem com a idade. Raças terrier foram as mais representativas.
CORPOS ESTRANHOS ESOFÁGICOS
Os corpos estranhos de esôfago são mais comuns em cães do que em gatos. Ossos são os corpos estranhos mais comuns, mas também podem ser encontradas agulhas, anzóis, madeira, pedaços de couro e de petiscos que auxiliam na
limpeza bucal. Geralmente, o objeto alojase nas áreas de menor distensibilidade do esôfago: entrada do tórax, base do coração ou esôfago caudal imediatamente cranial ao diafragma. Ocasionalmente, um objeto pode se alojar em outras
localidades como no esfíncter esofágico superior.
Ptialismo, engasgo, disfagia, regurgitação e repetidas tentativas de deglutição são sinais de corpos estranhos esofágicos. Com frequência, o proprietário pode ver o animal ingerindo o corpo estranho. Os sinais dependem da localização do
corpo estranho e do grau e duração da obstrução. Uma obstrução parcial pode permitir a passagem de líquidos, mas não de alimentos. Nos casos de obstrução crônica, anorexia, perda de peso e letargia são comuns.
A perfuração do esôfago cervical pode resultar em abscedação local ou enfisema subcutâneo; uma perfuração do esôfago torácico pode resultar em pleurite, mediastinite, piotórax, pneumotórax ou formação de fístula broncoesofágica.
Esofagite, laceração mucosa, estenose esofágica e formação de divertículo esofágico são complicações potenciais. A formação de estenose esofágica é a complicação mais comum de um corpo estranho esofágico. Pneumonia por aspiração
pode ser secundária a regurgitação.
Muitos corpos estranhos esofágicos são radiopacos e podem ser observados em radiografias simples. Um esofagograma contrastado ou uma esofagoscopia são necessários para identificar corpos estranhos radioluscentes. Caso se suspeite
de uma perfuração, devese utilizar um meio de contraste iodado em vez de suspensões de sulfato de bário. A esofagoscopia permite um exame direto tanto do corpo estranho quanto da parede esofágica e, com frequência, possibilita
intervenção terapêutica.
Uma vez diagnosticado, o corpo estranho esofágico deve ser removido imediatamente. Muitas vezes, o objeto pode ser removido pela boca com endoscópio flexível e pinça. Um endoscópio rígido pode também ser utilizado se um guia
flexível não está disponível, mas cuidados devem ser tomados na manipulação do equipamento no esôfago para evitar lacerações ou perfurações. Se o corpo estranho é liso, podese inserir um cateter de Foley e distendêlo oralmente ao
corpo estranho, e depois removêlo via boca, trazendo o corpo estranho consigo. Um tubo endotraqueal grande pode ser colocado sobre o endoscópio para remover corpos estranhos afiados, como anzóis, que podem ser relocados para
dentro do tudo endotraqueal e removidos sem lesões no esôfago durante sua retirada. Caso um corpo estranho não possa ser removido pela boca, podese empurrálo para o interior do estômago, onde ele poderá ser digerido (p. ex., ossos),
eliminado ou removido por gastrostomia. Indicase cirurgia nos casos de perfuração ou se o corpo estranho não pôde ser removido via endoscopia; em um estudo, a taxa de recuperação foi de 93% após a cirurgia. Contudo, há um potencial
para formação de estenose e complicações secundárias devido a pobre capacidade de cicatrização do esôfago. A esofagite, se presente, deve ser tratada como anteriormente descrita.
DILATAÇÃO ESOFÁGICA (Megaesôfago)
O megaesôfago pode ocorrer por um defeito congênito ou por um distúrbio adquirido, na idade adulta. Os defeitos congênitos que podem resultar em megaesôfago incluem anomalia no anel vascular, divertículo esofágico e uma forma
idiopática (ver anomalias congênitas e adquiridas, p. 169). O megaesôfago na idade adulta pode ser primário (idiopático) ou secundário a uma doença sistêmica. O megaesôfago secundário pode ocorrer por miastenia gravis, lúpus
eritematoso sistêmico, polimiosite, hipoadrenocorticismo, intoxicação por metais pesados (chumbo), disautonomia, distúrbios neurológicos, inclusive neoplasia e, possivelmente, hipotireoidismo. A dilatação esofágica também pode se
desenvolver cranialmente a uma lesão esofágica como uma estenose, corpo estranho, neoplasia ou compressão extraesofágica.
O principal sinal é regurgitação. Um filhote de cão com megaesôfago congênito tipicamente começa a regurgitar por ocasião do desmame, quando passa a ingerir alimentos sólidos. Os filhotes acometidos geralmente definham e ficam
menores que os seus companheiros de ninhada. Uma pressão aplicada no abdome pode causar um abaulamento esofágico na entrada torácica. A pneumonia por aspiração é uma complicação comum e os sinais associados incluem tosse,
febre e, às vezes, secreção nasal. Os adultos que desenvolvem megaesôfago começam a regurgitar e, finalmente, perdem peso. Os sinais respiratórios podem predominar, com pouca ou nenhuma regurgitação aparente. As radiografias
torácicas revelam ar, fluidos ou alimentos no esôfago dilatado. O esôfago encontrase uniformemente dilatado. Um grande desvio ventral pode estar presente cranialmente ao coração. Megaesôfago secundário a estenose, corpo estranho,
neoplasia ou anomalia do anel vascular é visualizado como uma dilatação esofágica cranialmente ao defeito, apenas. Estenoses, corpos estranhos e anomalia do anel vascular devem ser excluídos por esofagograma e/ou esofagoscopia.
Nos cães adultos, as doenças associadas (p. ex., a miastenia gravis) devem ser excluídas e, se diagnosticadas, tratadas. Indicase uma cirurgia no caso de anomalia do anel vascular. A cirurgia não resolverá, com sucesso, os sinais clínicos
nos casos de uma dilatação esofágica grave, de longa duração, cranial à anomalia. Indicase um tratamento clínico no caso de megaesôfago idiopático congênito ou adquirido. Megaesôfago congênito pode se resolver com a idade do animal,
geralmente aos 6 meses de idade. A consistência da dieta que melhor evita regurgitação varia de cão para cão; alimento pastoso funciona bem em muitos animais, mas o alimento seco funciona melhor no caso de alguns. Outra possibilidade
é alimento enlatado oferecido no formato de almôndega. Frequentemente, pequenas porções funcionam melhor em muitos cães. A alimentação em posição elevada, ficando os membros torácicos mais altos que os pélvicos, e mantendo esta
posição por, no mínimo, 10 a 15 min depois que o animal comeu permite que a gravidade auxilie a passagem do alimento para o estômago. Nem cirurgias nem medicamentos melhoram a função esofágica. Por fim, muitos animais
sucumbem devido à pneumonia por aspiração.
DIVERTÍCULOS ESOFÁGICOS
Divertículos do esôfago são dilatações semelhantes a bolsas na parede esofágica e podem ser congênitos ou adquiridos. São raros em cães e gatos. Os divertículos adquiridos são de dois tipos: propulsão ou tração. Os divertículos de
propulsão são causados por aumento na pressão intraluminal ou inflamação esofágica profunda, podendo causar herniação da mucosa. As doenças predisponentes incluem esofagite, estenose esofágica, corpos estranhos, anomalias do anel
vascular, megaesôfago e hérnia de hiato. Esse tipo de divertículo compreende o epitélio esofágico e o tecido conjuntivo. Os divertículos de tração resultam de inflamação da cavidade torácica proximamente relacionada com o esôfago. Um
tecido fibroso é produzido, que então contrai, tracionando a parede do esôfago para fora. Esse divertículo compreende as quatro camadas do esôfago.
Divertículos pequenos podem ser subclínicos. Nos maiores, o alimento fica retido na bolsa, causando dispneia pósprandial, regurgitação e anorexia. Pesquisas radiográficas podem evidenciar o divertículo se o mesmo está repleto de
ingesta ou ar, mas radiografias contrastadas são melhores para demonstrar a bolsa. A endoscopia permitirá a visualização e pode identificar úlceras ou cicatrizes.
Os divertículos pequenos podem ser tratados com uma dieta branda, amolecida, com o animal em pé. Os divertículos maiores requerem excisão cirúrgica e reconstrução da parede esofágica. O prognóstico após cirurgia é de razoável a
bom.
ESOFAGITE
A inflamação do esôfago é geralmente causada por corpos estranhos, refluxo gastresofágico e, ocasionalmente, certas drogas (p. ex., doxiciclina). O refluxo gastresofágico está associado à anestesia, medicamentos que reduzem o tônus do
esfíncter esofágico inferior (p. ex., atropina e acepromazina) e vômitos agudos ou crônicos. As outras causas de esofagite incluem ingestão de substâncias irritantes ou cáusticas, neoplasia e infecção por Spirocerca lupi (p. 498). Sondas
alimentares que passam pela junção gastresofágica podem também resultar em refluxo gastresofágico. Nos gatos, a calicivirose pode causar esofagite.
Regurgitação é o sinal clássico de esofagite; outros sinais incluem ptialismo, tentativas repetidas de deglutição, dor, depressão, anorexia, disfagia e extensão da cabeça e pescoço. Esofagite discreta pode não estar associada a sinais
clínicos.
A endoscopia é a ferramenta diagnóstica de escolha. Permite a visualização de qualquer problema associado (p. ex., corpos estranhos) e avaliação direta das lesões esofágicos. As radiografias simples têm pouco ou nenhum valor no
diagnóstico de esofagite. Um esofagograma por fluoroscopia mostra quaisquer defeitos na motilidade esofágica associados, secundários a esofagite, e pode evidenciar defeitos na parede esofágica, se são graves.
Esofagite discreta geralmente não requer tratamento. Caso haja sinais clínicos, devese iniciar tratamento medicamentoso. A esofagite secundária ao refluxo gastresofágico é tratada por meio da diminuição da acidez gástrica, aumento no
tônus do esfíncter esofágico inferior e na velocidade de esvaziamento gástrico e promover o controle da dor. Em muitos casos, os antagonistas dos receptores H2 (p. ex., ranitidina, famotidina) são capazes de diminuir a produção de ácido
gástrico; no entanto, em casos graves de esofagite, os inibidores da bomba de prótons (p. ex., omeprazol) são preferidos. Cisaprida e metoclopramida aumentam o tônus esofágico inferior e a velocidade de esvaziamento gástrico. A
cisaprida é mais potente que a metoclopramida. Podese administrar sucralfato, oralmente, para uma citoproteção esofágica. Alimentos amolecidos, pobres em gorduras e fibras, devem ser oferecidos em porções pequenas e de modo
frequente. Analgésicos sistêmicos podem ser utilizados para alívio da dor.
Se a esofagite é grave, um tubo de gastrostomia deve ser utilizado para a completa recuperação do esôfago. A administração de corticosteroide é controversa. Antibióticos de amplo espectro devem ser utilizados para pneumonia por
aspiração concomitante e podem ser úteis na esofagite grave, como uma tentativa de se evitar a invasão e infecção bacteriana.
ESTENOSE ESOFÁGICA
Estenose esofágica corresponde a um estreitamento patológico do lúmen do esôfago, após traumatismo (p. ex., corpo estranho), ingestão de substâncias cáusticas, exposição a certos medicamentos (como doxiciclina ou clindamicina),
esofagite, refluxo gastresofágico ou invasão neoplásica. A maioria das estenoses ocorre na porção torácica do esôfago. Os tumores esofágicos são raros, mas os sarcomas esofágicos podem estar associados a infecções por Spirocerca
lupi (p. 498) e requer consideração nas áreas onde esse parasito é prevalente. A compressão esofágica por anomalias do anel vascular ou tumores extramurais podem mimetizar os sinais de estenose.
Os sinais clínicos são semelhantes aos associados a corpos estranhos e incluem regurgitação, ptialismo, disfagia e dor. Um esofagograma com fluoroscopia é a ferramenta escolhida para o diagnóstico, pois permite a visualização do
número, extensão, localização e gravidade das estenoses. A esofagoscopia pode também ser diagnóstica, mas não permite a visualização além da estenose, a menos que se realize uma dilatação com balão esofágico.
O tratamento com balão de dilatação esofágica é bemsucedido. A sondagem é outra técnica, menos disponível. Teoricamente, causa uma maior lesão por trauma no esôfago, mas não mostrou ter uma taxa de complicação
significativamente diferente da dilatação por balão. A ressecção cirúrgica de uma única estenose é outra opção; entretanto, obtém menos sucesso. Estes tratamentos induzem, provavelmente, a certo grau de esofagite, que deve ser tratada
para diminuir a chance de recidiva da estenose. O uso de corticosteroides, tanto sistêmico quanto intralesionalmente, na tentativa de se evitar uma recidiva de estenose, é controverso. Não há dados sobre o sucesso dessa terapia adjuvante
para estenoses esofágicas em cães e gatos, mas o uso intralesional foi útil em reduzir recidivas em humanos.
FÍSTULA BRONCOESOFÁGICA
Fístulas broncoesofágicas são raramente observadas em cães e gatos. A maioria desenvolvese, comumente, secundária à penetração de corpo estranho no esôfago. As fístulas podem se desenvolver entre o esôfago e qualquer parte da
árvore respiratória. Uma forma congênita também foi descrita, e os Cairn Terriers podem ser predispostos. O sinal clínico mais comum é a tosse após ingestão de água ou alimento. Regurgitação também pode ser observada; anorexia, febre
e letargia podem estar relacionadas com a pneumonia.
Avaliações radiográficas podem revelar um corpo estranho radiopaco ou pneumonia. Esofagogramas contrastados mostrarão a comunicação entre o esôfago e as vias respiratórias. O uso de uma pequena quantidade de bário é
recomendada – contrastes iodados são hiperosmolares e podem causar edema pulmonar.
A correção cirúrgica consiste em lobectomia pulmonar e reparação do problema congênito. O prognóstico após cirurgia é bom.
DOENÇAS HEPÁTICAS EM PEQUENOS ANIMAIS
O fígado tem várias funções, que incluem o metabolismo de lipídios, carboidratos e proteínas; armazenamento e metabolismo de vitaminas; armazenamento de minerais, glicogênio e triglicerídios; hematopoese extramedular e homeostasia.
O fígado também possui atividade imunológica, contribui para a digestão por meio de produção de ácidos biliares e é essencial para a desintoxicação de vários compostos endógenos e exógenos. Como o fígado tem grande capacidade de
armazenamento e reserva funcional e é capaz de se regenerar, a lesão hepática deve ser considerável, crônica ou recidivante para causar disfunção ou insuficiência hepática evidente.
A lesão é normalmente acompanhada de aumento das atividades das enzimas hepáticas, com as transaminases citosólicas (ALT, AST), refletindo alteração aguda da permeabilidade ou da viabilidade da membrana, e enzimas de
membrana (fosfatase alcalina [ALP], gamaglutamiltransferase [GGT]), refletindo colestase e indução enzimática. O fígado é predisposto a lesões secundárias, devido sua posição de sentinela entre a circulação sistêmica e o trato GI e,
também, porque apresenta a maior quantidade de macrófagos residentes (células de Kupffer) do organismo. A fagocitose dos macrófagos pode iniciar uma cascata de liberação de citocinas inflamatórias/interleucinas, levando à lesão
hepática focal e recrutamento local de células inflamatórias. A considerável atividade metabólica do fígado exacerba sua exposição a produtos nocivos, particularmente na região centrilobular, onde a alta atividade de citocromo p450 produz
produtos tóxicos e onde os hepatócitos são mais facilmente danificados por hipoxia. A capacidade do fígado em armazenar cobre e ferro pode iniciar e exacerbar a lesão por meio de mecanismos oxidativos.
Os sinais clínicos de lesão hepática variam dependendo do tipo, mecanismo e cronicidade da lesão. Características clínicas comuns podem incluir anorexia, vômito, diarreia, perda de peso, febre, icterícia, poliúria (PU) e polidipsia (PD),
anormalidades de coagulação, ascite e alteração na cor das fezes (fezes acólicas na oclusão completa dos ductos biliares; fezes verdes com aumento da excreção intestinal de bilirrubina). Ascite indica hipertensão portal e desvio (shunt)
portossistêmico adquirido (DPSA) ocorre normalmente em associação à hipoalbuminemia concomitante. Encefalopatia hepática se desenvolve em hepatopatias adquiridas, apenas quando há fibrose e shunt adquirido, na insuficiência
hepática aguda fulminante ou secundária a desvio portossistêmico congênito. Hepatomegalia é observada em distúrbios infiltrativos difusos ou anormalidades de armazenamento, obstrução extrahepática aguda de ductos biliares (OEHDB)
ou na malformação cística biliar congênita, enquanto a redução da massa hepática normalmente reflete hipoperfusão portal venosa e desvio de fatores hepatotróficos intestinais ou fibrose hepática crônica, em cães.
DIETA
A otimização do suporte nutricional é essencial. Tem influência crucial no tratamento de gatos com LH, sendo um componente importante do tratamento domiciliar de animais com distúrbios lentamente progressivos. Ela também melhora a
qualidade de vida de animais com insuficiência hepática sujeitos à encefalopatia hepática episódica. Dietas para animais com doença hepatobiliar devem ser facilmente digeríveis, caloricamente densa, altamente palatável, fácil de ser
preparada e administrada pelo proprietário e dadas frequentemente em pequenas porções. Os objetivos são otimizar a digestão e assimilação do alimento e alcançar seu consumo voluntário.
Se os animais estiverem anoréxicos, alimentação por sonda deve ser considerada. Sondas nasogástricas são baratas, fáceis de serem colocadas e recomendadas como solução a curto prazo. Sondas esofagostômicas são preferíveis em
gatos com LH. O uso de estimulantes de apetite permanece controverso. Eles podem atrasar a instituição de um regime nutricional de suporte. Além disso, alguns dos fármacos comumente utilizados são metabolizados pelo fígado.
Diazepam e oxazepam podem levar a uma insuficiência hepática idiopática fulminante em alguns gatos.
A modificação da dieta em um animal com doença hepática depende do estado clínico, diagnóstico definitivo e análise recente da função hepática. As dietas devem ser balanceadas e suplementadas com vitaminas hidrossolúveis. Nos
distúrbios colestáticos graves que impedem o acesso da bile ao intestino (p. ex., OEHDB, colangite esclerosante avançada em gatos), vitaminas lipossolúveis podem estar diminuídas. Vitamina K1 pode ser suplementada com injeções
parenterais: 0,5 a 1,5 mg/kg toda semana (ajustada contra um tromboteste [ensaio de PIVKA]). Se a deficiência de vitamina K1 é confirmada, é provável que vitamina E também precise ser suplementada. Como a vitamina E é lipossolúvel,
uma forma especial solúvel em água pode ser necessária para administração oral: succinato de atocoferol em polietilenoglicol (10 UI/kg, VO, 1 vez/dia).
A função hepática também tem influência considerável na homeostase da glicose (glicogenólise ou gliconeogênese de aminoácidos e lactato), desintoxicação de nitrogênio (ciclo da ureia) e cetogênese (de ácidos graxos).
SUPRIMENTO ENERGÉTICO: A necessidade de energia deve ser estimada com base no peso corpóreo ideal. A mudança de alimentação para uma nova dieta deve ser feita lentamente. Por exemplo, a ingesta deve compreender cerca de 50%
da necessidade energética diária calculada no dia 1, aumentada para 75% no dia 2 e, então, 100% no dia 3. O suprimento energético pode precisar de ajuste após a aceitação da dieta, a estabilização do animal; nova avaliação do peso e da
condição corporal confirmam se há necessidade de aumentar a ingesta. A estimativa da ingestão energética inicial é calculada usando fórmulas que predizem os requerimentos energéticos em repouso. Reavaliação frequente é necessária e a
concessão de energia ajustada à resposta. Fórmulas para a estimativa de suprimento energético inicial para cães são: 30 × peso corporal (kg) + 70 (para cães de 2 a 16 kg); 70 × peso corporal (kg)0,75 (para cães < 2 ou > 16 kg); e 99 × peso
corporal (kg)0,67 (ingesta inicial segura para um cão saudável).
Para gatos, a fórmula estabelecida é: 60 × peso corporal (kg), a menos que o gato seja muito obeso ou suspeitase de taxa ou atividade metabólica subnormal.
SUPRIMENTO DE PROTEÍNA NA DIETA: O diagnóstico de doença hepática não deve automaticamente ditar a necessidade de restrição proteica. De fato, a restrição proteica pode ser prejudicial em alguns pacientes como, por exemplo, gatos
com LH ou animais com doença hepática necrosanteinflamatória crônica, porém estável, que não apresentam APSS ou encefalopatia hepática. O suporte nutricional pode estar prejudicado em animais que rejeitam alterações dietéticas e
restrição proteica. A restrição proteica é apropriada quando há suspeita de encefalopatia hepática, cristalúria com biurato de amônio ou na confirmação de desvio portossistêmico (adquirido ou congênito).
O suprimento proteico para um animal com encefalopatia hepática deve manter um balanço positivo de nitrogênio e evitar o catabolismo. Como a manutenção da massa magra corporal (músculo) fornece uma pausa temporária na
toxicidade de amônia, o estado de condição corporal deve ser monitorada regularmente para comparar as estimativas.
As proteínas devem ser inicialmente reduzidas a 2,5 g/kg (dietas < 5 g/100 kcal) para cães e 3,5 g/kg (< 7 g/100 kcal) para gatos. Avaliações sequenciais do histórico, condições físicas e clinicopatológicas devem julgar a resposta ao
tratamento.
A maioria das dietas de restrição proteica é utilizada em cães com doença hepática grave e crônica ou com PSVA. Se um cão responde bem à restrição proteica inicial, podese adicionar 0,5 g de proteína/kg/dia, usando tofu ou fonte
proteica derivada do leite. Os pacientes devem ser monitorados a cada 1 a 2 semanas quanto a sinais de encefalopatia hepática e alterações na albumina, BUN e o aparecimento de cristalúria por biureto de amônio. Três amostras de urina
devem ser coletadas: assim que acordar, a primeira coisa da manhã, 4 a 8 h após as refeições e mais tarde ao entardecer.
A proteína da dieta não deve ser restrita em gatos com LH porque a restrição compromete a sobrevivência. Proteínas não devem ser restritas em cães e gatos com distúrbio hepático necroinflamatório crônico na época do diagnóstico;
esses animais podem apresentar maior necessidade proteica para reparo tecidual e replicação celular que um animal controle, sadio, de mesma idade e sexo.
Fonte/Qualidade de Proteínas Modificadas: A modificação do tipo e da qualidade da ingesta proteica em cães com encefalopatia hepática é útil. Uma alta proporção energia:nitrogênio deve ser mantida, uma vez que isto otimiza o uso da
proteína na dieta. Em cães, a característica das proteínas de laticínios e vegetais (soja) funcionam melhor. Proteínas do leite (quantidade por 225 g) podem ser encontradas nos seguintes produtos: leite integral (8 g e 157 cal), iogurte (8 g e
139 cal), queijo cottage (57 g e 800 a 900 cal). Alternativamente, em cães, o caseinato de cálcio fornece 88 g proteína, 2 g de gordura e 370 kcal/100 g de porção. Em gatos, são essenciais proteínas da carne, em uma dieta balanceada que
contenha arginina (cerca de 250 mg/100 kcal) e taurina.
GORDURA NA DIETA: Não há necessidade de restringir a gordura da dieta na maioria dos animais com doença hepatobiliar. Grande parte dos animais não apresentam problemas com a digestão de gordura ou similares e sua ingestão é
importante para o provisionamento de ácidos graxos essenciais e vitaminas lipossolúveis. Ocorre uma exceção em animais com OEHDB crônica ou gatos com colangite esclerosante com “ductopenia” sintomática. Estes pacientes tem
circulação enterrohepática de ácidos biliares reduzida, limitando a emulsificação, digestão e assimilação da gordura ingerida. Outra exceção é cães com mucoceles da vesícula biliar, que apresentam hiperlipidemia idiopática.
Micronutrientes e Vitaminas:
Vitaminas Hidrossolúveis: Estas devem ser suplementadas em animais com doença hepática crônica e em gatos com LH (Tabela 8). Gatos são especialmente suscetíveis a tiamina (B1), cobalamina (B12) e deficiência de vitamina K1 se eles são
cronicamente inapetentes, tratados com antimicrobianos, apresentem doença pancreática ou intestinal grave ou demonstrarem colestase crônica. Gatos hipertireóideos podem desenvolver problemas de má absorção e podem estar mais
sujeitos a essas complicações quando também acometidos por colangioepatite ou LH. Vitamina C não é normalmente reconhecida como micronutriente depletado. Cães com hepatopatia por reserva de cobre e animais com grande estoque
de ferro hepático não devem receber suplementos de vitamina C.
Tabela 8 – Formulação de suplementos com vitaminas hidrossolúveis fortalecidos (2 ml/l de fluido IV) em cães e gatos com hepatopatias
Suplemento Concentração por mL
Cloridrato de tiamina (vitamina B1) 50 mg
Fosfato sódico de riboflavina 5´ (vitamina B2) 2,0 a 2,5 mg
Niacinamida (vitamina B3) 50 a 100 mg
Dpantenol (vitamina B5) 5 a 10 mg
Cloridrato de piridoxina (vitamina B6) 2 a 5 mg
Cianocobalamina (vitamina B12) Variável: 0,4 a 50 μg (valor menor de vitamina B12 requer suplementação adicional SC ou IM, em gatos deficientes
Benzilálcool (conservante) 1,5%
Vitaminas Lipossolúveis: A suplementação de vitaminas lipossolúveis é importante em animais com má absorção lipídica e obstrução do fluxo biliar. A depleção de vitamina K1 se instala quando o ciclo do ácido biliar enterrohepático está
interrompido em animais com fezes acólicas (p. ex., OEHDB, colangioepatite ductopênica esclerosante grave em gatos), LH (gatos), insuficiência pancreática exócrina, doença intestinal má absorção grave, após a alimentação com dietas
deficientes em vitamina K, como resultado de administração crônica de antibióticos orais e em hepatopatias graves. Vitamina K deve ser administrada o quanto antes em qualquer animal ictérico com suspeita de hepatopatia. Vitamina
K1 deve ser administrada a 0,5 a 1,5 mg/kg, SC ou IM, 3 vezes em um intervalo de 12 h antes de procedimentos invasivos, inserção de cateteres em veias grandes, cistocentese, inserção de sondas alimentares, amostragem por aspiração ou
biopsia hepática. Na colangioepatite ductopênica esclerosante felina ou OEHDB crônica, os animais necessitam de injeções intermitentes semanais de vitamina K1 (p. ex., a cada 7 a 21 dias), monitorados por testes de coagulação PIVKA ou
PT. Sobredose com vitamina K1 pode induzir a anemia hemolítica por corpúsculos de Heinz em gatos.
Vitamina E é um importante agente antioxidante, antiinflamatório e antifibrótico utilizado em hepatopatias necrosanteinflamatórias e colestáticas. A dose de acetato de Dalfatocoferol é 10 UI/kg/dia. Doses maiores (100 UI/kg/dia) são
necessárias em animais com OEHDB crônica ou colangioepatite ductopênica esclerosante felina. Alternativamente, succinato de alfatocoferol em polietilenoglicol (vitamina E solúvel) pode ser utilizado, na dose de 10 UI/kg/dia. Doses de
vitamina E não deve exceder as quantidades recomendadas uma vez que muita vitamina E pode interferir na atividade de vitamina K, provocando coagulopatias e também lesões oxidativos (acúmulo de radicais tocoferoxi).
DOENÇAS DA VESÍCULA BILIAR E DO SISTEMA BILIAR EXTRAHEPÁTICO
A icterícia frequentemente é o primeiro sinal clínico evidente em animais com anormalidades de vesícula biliar ou de estruturas biliares extrahepáticas; efusão abdominal pode refletir peritonite biliar. Teor de bilirrubina na efusão
abdominal maior do que no soro sanguíneo (diferença > 10 vezes) confirma o extravasamento de bile na cavidade abdominal, sendo uma emergência cirúrgica.
COLECISTITE
Na colecistite não necrosante, a inflamação da vesícula biliar pode envolver doenças supurativas e não supurativas; pode estar associada a microrganismos infecciosos, doenças sistêmicas ou neoplasia; ou pode refletir trauma abdominal
embotado ou obstrução da vesícula biliar por oclusão do ducto cístico (p. ex., colelitíase, neoplasia ou coledocite). A oclusão do ducto cístico induz inflamação da vesícula biliar secundária à estase biliar; este processo é exacerbado pela
irritação mecânica de um cálculo biliar. A parede da vesícula biliar se espessa e o lúmen é distendido por bile branca, viscosa e com muita mucina (bile branca).
Colecistite necrosante requer intervenção cirúrgica imediata (colecistectomia e desvio biliar). O início dos sinais clínicos é agudo e incluem dor abdominal, febre e aumento de enzimas hepáticas. Entretanto, os sinais podem permanecer
indefinidos e episódicos e a hiperbilirrubinemia é inconsistente. Cães de meiaidade ou adultos são mais acometidos. Detecção ultrassonográfica de uma parede da vesícula biliar espessada ou ducto biliar cístico e desconforto durante a
obtenção de imagem ou a palpação abdominal profunda pode ser apenas evidência de doença.
Colescistite necrosante pode desenvolver–se secundária à tromboembolia, trauma abdominal contuso, infecção bacteriana, OEHDB, obstrução de ducto cístico (cálculo biliar, neoplasia), ou mucocele de vesícula biliar. Extensão de uma
doença inflamatória ou neoplásica a partir do tecido hepático adjacente também pode ser uma importante causa. Colecistite necrosante pode estar presente com ou sem ruptura da vesícula biliar, ou como uma síndrome crônica associada a
adesões entre a vesícula biliar, omento e a víscera adjacente. Bactérias são comumente cultivadas a partir da parede da vesícula biliar.
O diagnóstico se baseia nos sinais clínicos, nas características clinicopatológicas e em imagens ultrassonográficas. Devido ao fato da colecistite necrosante estar frequentemente associada à mucocele da vesícula biliar em cães,
intervenção precoce mediante colecistectomia profilática pode reduzir a necessidade de cirurgia de emergência.
Colecistite enfisematosa/coledocite/coledoquite é uma condição rara associada à presença de gás na parede ou no lúmen da vesícula biliar ou em ramos do trato biliar. Em cães, tem sido associada a diabetes melito, colecistite aguda
com ou sem colecistolitíase, isquemia traumática, formação de mucocele na vesícula biliar e neoplasia. A presença de gás em estruturas biliares indica inflamação séptica grave associada à bactéria formadora de gás, como Escherichia
coli ou Clostridium spp. O tratamento requer colecistectomia e terapia antimicrobiana com base na cultura da bile ou tecido biliar envolvido e no antibiograma. Cobertura antibiótica de amplo espectro deve ser iniciada antes da exploração
cirúrgica. O uso de penicilina resistente à betalactamase, com enrofloxacino e metronidazol, é inicialmente indicado até que os resultados de cultura e antibiograma estejam disponíveis.
ACHADOS CLÍNICOS: Sinais de colecistite aguda incluem dor abdominal (pode ser apenas pósprandial), febre, vômito, íleo adinâmico e icterícia discreta a moderada. Alguns animais entram em choque endotóxico. O hemograma revela
leucócitos variáveis, com ou sem neutrófilos tóxicos ou desvio à esquerda. Hiperbilirrubinemia e icterícia dependem da cronicidade, envolvimento de estruturas biliares extrahepáticas, presença ou extensão da oclusão da trato biliar,
peritonite biliar e endotoxemia. A atividade enzimática hepática é variável, porém ALP e GGT estão moderadamente ou acentuadamente aumentadas. A ruptura da vesícula biliar induz a formação de abscesso pericolecístico (no omento)
ou peritonite biliar focal ou generalizada. Radiografia abdominal pode revelar detalhes não distintos no abdome cranial compatível com peritonite focal; uma alça intestinal sentinela pode indicar íleo adinâmico. Raramente, a parede da
vesícula biliar pode se tornar radiodensa devido à mineralização distrófica secundária à inflamação crônica. Cálculo biliar pode ser visto na ultrassonografia. A detecção de gás no trato biliar ou na vesícula biliar indica um processo
enfisematoso associado à sepse e devese administrar antibióticos imediatamente. Em alguns casos, é apropriada triagem para colecistectomia de emergência. Podese obter fluido pericolecístico guiado por ultrassonografia para confirmar o
extravasamento de bile e infecção. A comparação da concentração total de bilirrubina na efusão com sua concentração no soro ajuda a confirmar o extravasamento biliar.
TRATAMENTO E PROGNÓSTICO: O tratamento visa restabelecer o equilíbrio hidreletrolítico, instituir terapia antimicrobiana de amplo espectro efetiva contra microrganismos intestinais oportunistas e intervenção cirúrgica imediata. Em
alguns casos, transfusão de plasma e coloide são necessários. Pelo fato da OEHDB ser um diagnóstico diferencial, vitamina K1 deve ser administrada (0,5 a 1,5 mg/kg, IM ou SC, 3 doses, com intervalo de 12 h) antes da cirurgia para
prevenir complicações hemorrágicas. Se cirurgia de emergência é necessária, plasma congelado fresco deve ser administrado cuidadosamente com base nos testes de coagulação e do tempo de sangramento da mucosa bucal. Devese
assegurar exploração cuidadosa de todas as estruturas biliares. Devese determinar a patência dos ductos biliares comum e cístico e a viabilidade da vesícula biliar.
Colecistectomia é o tratamento de escolha na maioria dos casos. Entretanto, alguns animais se beneficiam de colecistoenterostomia ou coledocoenterostomia para circundar um ducto biliar comum distal permanentemente obstruído.
Colocação de uma endoprótese biliar temporária pode ser apropriada, porém antes devese considerar cuidadosamente tal procedimento devido à alta taxa de complicações, especialmente em gatos. Amostras de bile, da parede da vesícula
biliar, de cálculos biliares e tecido hepático devem ser enviadas para cultura aeróbica e anaeróbica. Avaliações citológicas de tecido e bile auxiliam na seleção antimicrobiana inicial (morfologia e coloração de Gram). A combinação de
metronidazol, ampicilina/clavulanato e enrofloxacino propicia ampla proteção frente aos microrganismos intestinais oportunistas comumente encontrados. Se apenas a vesícula biliar está envolvida, colecistectomia simples por ser curativa.
Se o ducto biliar comum, cístico ou hepático está envolvido, o prognóstico é mais reservado e terapia antibiótica a longo prazo é recomendada.
Há poucos efeitos adversos da colecistectomia, embora dor abdominal episódica e diarreia associada à má absorção de gordura têm sido descrita. A colecistectomia resulta em perda de absorção e função reguladora da pressão da vesícula
biliar e reservatório de jejum onde a bile está concentrada. Após colecistectomia, o volume da bile aumenta devido à reabsorção de sódio reduzida que normalmente ocorre na vesícula biliar, o tamanho da quantidade de ácido biliar diminui
e a circulação entero–hepática da bile se torna contínua. A composição da bile muda devido à exposição aumentada dos ácidos biliares à flora intestinal e formação aumentada de ácidos biliares secundários.
Animais que suportam a descompressão do trato biliar pelas anastomoses intestinais biliares são suscetíveis à colangite séptica retrógrada e coledoquite. Cães toleram este procedimento com menos sinais clínicos do que gatos. Os
animais devem ser monitorados quanto à febre, inapetência, vômito e sinais de doenças cíclicas. A medição da CBC e das enzimas hepáticas devem ser feitas trimestralmente. Administração antimicrobiana crônica ou intermitente pode ser
necessária para controlar infecções que ascendem as estruturas biliares. Contudo, a doença geralmente é transitória e responsiva aos antibióticos. Na ausência de neoplasia esperase sobrevivência a longo prazo com boa qualidade de vida.
COLELITÍASE
A maioria dos cálculos biliares em cães e gatos é clinicamente silenciosa. O diagnóstico desta anormalidade tem aumentado subsequente ao uso de ultrassom abdominal como uma modalidade de diagnóstico de rotina. Os cálculos biliares
são mais comuns em animais de meia idade e idosos e a incidência pode ser maior em cães de raça pequenos. A maioria dos cálculos biliares em cães e gatos contém carbonato de cálcio e pigmentos de bilirrubina e são considerados
“cálculos de pigmento”. Contudo, muitos não contêm mineral suficiente para detecção no exame radiográfico. Os pigmentos dos cálculos biliares são divididos em 2 categorias: os cálculos de “pigmento preto”, compostos principalmente
de polímeros de bilirrubina, e refletem hiperbilirrubinemia prolongada, enquanto os cálculos de “pigmento marrom”, compostos predominantemente de bilirrubinato de cálcio, estão associados a infecções bacterianas e estase biliar.
Produção de mucina aumentada pela inflamação local e por prostaglandinas atrapalha a visualização de bilirrubinato de cálcio e de polímeros de bilirrubina dentro de agregados de cálculos biliares. Isso é sustentado pela ausência de
motilidade da vesícula biliar e estase biliar, criando uma condição que se perpetua.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Colelitíase pode estar associada a vômito, anorexia, icterícia, febre e dor abdominal. Entretanto, muito animais permanecem assintomáticos. Características laboratoriais de colelitíase mais comum
refletem a colecistite associada. Em cães com litíase de ducto pequeno, as características clinicopatológicas refletem envolvimento de estruturas biliares (aumento das atividades de ALP e GGT). Icterícia está apenas diretamente relacionada
com a colelitíase associada a OEHDB ou sepse; então, muito animais com colelitíase não apresentam hiperbilirrubinemia. Colelitíase pode ser secundária à infecção, ou os cálculos podem propiciar infecção. Trauma mecânico por cálculos
biliares pode aumentar o risco de infecção do trato biliar. Consequentemente, devese assegurar monitoramento rigoroso dos sinais de sepse.
O hemograma pode estar normal ou indicar inflamação ou infecção. Um perfil bioquímico sérico pode ser normal ou revelar atividade aumentada de enzimas colestáticas ou evidência de icterícia obstrutiva. A ultrassonografia pode
detectar cálculos > 2 mm de diâmetro na vesícula biliar; habilidade e sorte são necessárias para detectar os cálculos alojados em segmentos do ducto biliar comum. Para animais com colelitíase de ducto pequeno, biopsia e cultura de tecido
hepático são necessárias para identificar doença importante e infecções bacterianas associadas.
TRATAMENTO: Tratamento medicamentoso de colelitíase inclui antibióticos de amplo espectro e um protocolo colerético com 15 a 25 mg de ácido ursodeoxicólico/kg, VO, 2 vezes/dia, com alimento, 20 a 40 mg de SAMe/kg/dia VO, em
jejum. A biopsia hepática determina se terapia imunomodulatória é apropriada. Podese utilizar 10 UI de vitamina E/kg/dia, por seus efeitos antioxidantes e antiinflamatórios.
Intervenção cirúrgica é necessária se os cálculos biliares estão associados à colecistite, estão causando obstrução do ducto cístico, ou estão ocluindo o ducto biliar comum. O tratamento bemsucedido de colecistite e oclusão do ducto
cístico requerem colecistectomia e lavagem do ducto biliar comum. Os fatores causais da formação do cálculo biliar devem ser cuidadosamente considerados; mantendose uma menor e imóvel vesícula biliar impõese o risco de litíase
recidivante ou colecistite necrosante. Em casos em que a obstrução do ducto biliar comum não pode ser resolvida, uma colecistoenterectomia deve ser executada seguida de monitoramento a longo prazo quanto à colangite séptica.
Administração antimicrobiana em pulso prolongada pode ser necessária para controlar infecções retrógradas do trato biliar. Biopsias de estruturas biliares e hepáticas envolvidas são essenciais para determinar se uma importante doença
inflamatória primária, séptica ou neoplásica predispõe à formação de cálculos biliares. Tecidos (fígado, ducto biliar, vesícula biliar), bile e sítio do cálculo biliar devem ser enviados para cultura bacteriana aeróbica e anaeróbica.
Colecistoduodenostomia e colecistojejunostomia são os procedimentos cirúrgicos colecistéricos mais comuns para se contornar problemas biliares em pequenos animais. Anastomoses cistoentéricas para o duodeno proximal é mais
fisiológico porque isto permite entrar no duodeno em uma posição que mantém próximas as respostas fisiológicas normais no intestino proximal para permitir integração coordenada de ácidos biliares e enzimas pancreáticas necessárias
para digestão e assimilação.
INFECÇÃO HEPATOBILIAR POR FASCÍOLA
Infecção hepática por fascíolas em regiões endêmicas pode causar colangite aguda e crônica em gatos e menos frequentemente em cães. A infecção mais comum em gatos é por Platynosomum concinnum, na Flórida, Havaí e outras regiões
tropicais. A infestação é adquirida pela ingestão de um hospedeiro intermediário infectado, normalmente lagarto ou sapo; nas áreas endêmicas, cerca de 15 a 85% dos gatos com acesso aos hospedeiros intermediários estão infectados. Após
a infecção, fascíolas jovens emergem no intestino e migram para o ducto biliar, vesícula biliar ou ductos hepáticos, onde amadurecem em 8 a 12 semanas. Os ovos embrionados passam da bile para o trato alimentar, podendo ser detectadas
nas fezes tão precocemente quanto 12 semanas após a infecção.
Os sinais clínicos dependem da gravidade da infecção (a carga parasitária); entretanto, a maioria dos gatos infectados é assintomática. Gatos sintomáticos manifestam doença progressiva e podem se tornar ictéricos e emagrecer devido à
anorexia, vômito e diarreia mucoide. Os gatos podem apresentar letargia e febre, bem como hepatomegalia e distensão abdominal. A infecção crônica por fascíola pode ser fatal em gatos gravemente acometidos. Os primeiros sinais clínicos
da doença ocorrem 7 a 16 semanas após a infecção. Em alguns casos, os sinais clínicos se resolvem, sem tratamento, por volta de 24 semanas após a infecção. Eosinofilia circulante pode se instalar 3 a 14 semanas após a infecção e pode ser
persistente. Em animais intensamente infectados, a atividade de ALT e AST pode aumentar, enquanto a atividade de FA pode permanecer normal ou aumentar apenas discretamente. Hiperbilirrubinemia pode se desenvolver 7 a 16 semanas
após a infecção.
Alterações histológicas hepáticas se desenvolvem após 3 semanas e nas infecções persistentes são progressivas. Inflamação e distensão de ductos biliares maiores estão associadas à inflamação neutrofílica e eosinofílica mista. Em 4
meses, hiperplasia biliar adenomatosa e inflamação peribiliar são notadas. Em 6 meses, a fibrose progressiva se torna óbvia e progride para cirrose biliar. Linfadenopatia regional pode ser notada. A distensão do ducto biliar aumenta com o
crescimento das fascíolas adultas e quando elas se tornam sexualmente maduras os ductos biliares se tornam fibrosados. Durante este período, a atividade sérica de transaminase se normaliza. A ultrassonografia abdominal pode revelar
obstrução biliar envolvendo a vesícula biliar, os ductos biliares comuns e/ou ductos intrahepáticos. Fragmentos de vesícula biliar associados à fascíolas podem aparecer como estruturas ovais hipoecoicas com centros ecoicos. Uma parede
espessa da vesícula biliar associada a uma sinal de borda dupla pode indicar colecistite. O parênquima hepático hipoecoico, com regiões portais hiperecoicas proeminentes (ductos), reflete colangite e colangioepatite.
Como gatos infectados podem ser assintomáticos, o diagnóstico de infestação por fascíolas pode ser difícil. Os ovos podem não ser detectados no exame de fezes porque eles são eliminados apenas esporadicamente e demonstram
morfologia variável (formas imaturas e embrionadas), os ovos são pequenos e os métodos de exame de fezes rotineiramente utilizados são relativamente insensíveis a detecção dos ovos de fascíolas. Além disso, o desenvolvimento de
obstrução do trato biliar e fibrose pode impedir a eliminação dos ovos de fascíolas na bile e fezes.
Se há suspeita de infecção por fascíola, recomendase o tratamento com praziquantel (20 mg/kg/dia, SC, por 3 a 5 dias). Os ovos podem ser eliminados nas fezes por até 2 meses após o tratamento efetivo. Prednisolona é utilizada para
reduzir a inflamação eosinofílica associada (2 mg/kg/dia, por 2 a 4 semanas, seguida de redução gradativa com decréscimos de 50% a cada 2 semanas). Ácido ursodeoxicólico é administrado (15 a 20 mg/kg, VO, 2 vezes/dia, com alimento)
para iniciar a hidrocolerese. Antibióticos de amplo espectro são recomendados para proteger contra infecção retrógrada do trato biliar por bactérias introduzidas por fascíolas migrantes. A infecção também pode estar associada a fascíolas
mortas. Vitamina E (10 UI/kg/dia, VO) e SAMe (20 a 40 mg/kg/dia, VO) são administradas até que as enzimas hepáticas se normalizem. Se necessário, um antiemético pode ser administrado, por exemplo, metoclopramida (0,2 a 0,5
mg/kg/dia, VO ou SC, a cada 6 a 8 h) ou maropitant (1 mg/kg/dia, não mais que 5 dias consecutivos).
O resultado dos tratamentos é variável, porém o prognóstico é favorável para as formas discretas da doença. Outros parasitos raros do trato biliar incluem Amphimerus pseudofelineus, Metorchis conjunctus e Eurytrema procyonis (ver p.
503).
MUCOCELE DE VESÍCULA BILIAR EM CÃES
Esta enfermidade de cães é caracterizada pelo acúmulo progressivo de bile com alto teor de mucina aderente, que pode se estender para dentro dos ductos biliares comum, hepático e cístico, resultando em graus variáveis de obstrução destes
ductos. A expansão progressiva de mucocele biliar causa isquemia da vesícula biliar e necrose, peritonite biliar e, às vezes, infecções oportunistas. Devese considerar mucocele de vesícula biliar quando exames ultrassonográficos
sequenciais falham em indicar uma redução no tamanho da vesícula biliar ou no conteúdo após alimentação, e confirma a ausência de movimento do “sedimento” luminal. Estase da vesícula biliar, talvez refletindo ausência de motilidade, e
distensão predispõe à colecistite.
Cães acometidos têm de 3 a 14 anos de idade; não há predisposição por sexo, porém a incidência é maior nas raças Shetland Sheepdog, Schnauzer miniatura e Cocker Spaniel.
Fatores que predispõe à formação de mucocele da vesícula biliar incluem idade média ou avançada, hiperlipidemia ou hipercolesterolemia, ausência de motilidade da vesícula biliar e hiperplasia cística da mucosa da vesícula biliar. A
causa inicial da hipersecreção de muco é desconhecida e pode ser multifatorial. Motilidade diminuída da vesícula biliar conduz a estase biliar luminal e absorção aumentada de eletrólitos e líquido, promovendo formação de sedimento biliar.
Cães com fatores de risco podem rapidamente desenvolver uma mucocele após início da terapia com glicocorticoide ou dieta rica em gordura (p. ex., algumas dietas para doenças renais ou insuficiência hepática). Como é comum VH
concomitante, associada à doenças primárias, tal anormalidade deve ser investigada.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: A doença sintomática dura, em média, 5 dias, embora alguns cães exibam sinais episódicos vagos (p. ex., inapetência, vômito, dor abdominal vaga) durante meses. Em ordem de frequência decrescente,
sinais clínicos incluem vômito, dor abdominal, anorexia, icterícia, taquipneia, taquicardia, PU/PD, febre, diarreia e distensão abdominal. Cães em processo de ruptura da vesícula biliar manifestam dor abdominal, icterícia, taquicardia,
taquipneia e febre. Indicadores clinicopatológicos incluem leucocitose com neutrofilia madura e monocitose; enzimas hepáticas elevadas inclusive ALP, GGT, ALT e AST; e hiperbilirrubinemia. Bactérias aeróbicas podem ser cultivadas a
partir da bile ou da parede da vesícula biliar, com isolamento de vários microrganismos intestinais, inclusive Escherichia coli, Enterobacter ssp, Enterococcus spp, Staphylococcus spp, Micrococcus spp e Streptococcus spp.
Colecistocentese guiada por ultrassonografia não deve ser feita se há mucocele de vesícula biliar. A ultrassonografia pode detectar hepatomegalia, bem como se o parênquima hepático é heterogêneo ou hiperecoico. “Nódulos” hipoecoicos
correspondem a VH grave com formação de nódulos de reticulina definidos e reparo regenerativo. Após a remoção da vesícula biliar, são necessárias avaliações ultrassonográficas seriadas do fígado para verificar se as lesões do parênquima
regrediram.
Histologicamente, hiperplasia da mucosa cística da parede da vesícula biliar é um achado comum. Todos os cães possuem restos biliares maciços, alguns componentes podem ser profundamente viscosos e carregados de mucina, outros
mais fluidos; alguns são verdeescuro a pretos, outros com bile branca; alguns contêm material escuro arenoso e outros contêm uma matriz gelatinosa organizada firme. Necrose isquêmica transmural pode se desenvolver ocasionando
colecistite necrosante e ruptura da vesícula biliar. Biopsias hepáticas podem revelar VH ou hepatite portal discreta a moderada ou fibrose; a última reflete mudanças alterações associadas à colangite ou oclusão da trato biliar transitória.
Alguns cães carecem de lesões hepáticas.
TRATAMENTO: Cães sem sinais de extravasamento de mucocele ou obstrução do trato biliar no momento do diagnóstico inicial podem se beneficiar de hidrocolerese induzida por administração de ácido ursodeoxicólico (15 a 25 mg/kg, VO,
2 vezes/dia, administrado com alimento), SAMe (20 a 40 mg/kg/dia, VO, após jejum durante a noite; também, devese evitar que animal se alimente por 2 h após a dose) e terapia antimicrobiana. Avaliações bioquímicas e ultrassonográficas
durante 6 semanas são úteis para monitorar a resposta ao tratamento ou a progressão da síndrome. Raramente, uma mucocele de vesícula biliar aparente pode regredir apenas com tratamento medicamentoso. A progressão de algum
parâmetro indica controle inadequado e a necessidade de intervenção cirúrgica.
Colecistectomia é o melhor tratamento, sendo essencial para a maioria dos cães com sinais clínicos e achados clinicopatológicos compatíveis com ruptura ou inflamação do trato biliar. Como a estase biliar predispõe à infecção,
antimicrobianos de amplo espectro devem ser iniciados antes da manipulação cirúrgica das estruturas biliares. Exames e coloração de preparações citológicas da bile e de imprints de amostras obtidas por biopsia do trato biliar e do fígado
podem não ter valor quando a terapia antibiótica influencia as amostras enviadas para cultura. Evidências de bactérias nas amostras citológicas ou confirmação histológica de colecistite supurativa ou colangite indica uma necessidade de
terapia antimicrobiana prolongada no pósoperatório. Após a ressecção, a vesícula biliar deve ser enviada para exame histopatológico e, também, fazse biopsia hepática distante do local da cirurgia. A taxa de mortalidade no perioperatório
é alta em cães sintomáticos com ruptura da vesícula biliar complicada por sepse. Se a peritonite biliar está presente, a cavidade peritoneal deve ser extensivamente lavada com fluido poliônico aquecido estéril, para remoção de fragmentos,
bactérias e sais biliares nocivos. Drenagens abdominais podem ser necessárias. Antibióticos devem ser administrados por 4 a 6 semanas.
Colecistotomia para remoção do conteúdo da vesícula biliar sem colecistectomia não é aconselhada porque a mucocele da vesícula biliar normalmente reaparece. Além disso, necrose da parede da vesícula biliar pode não ser
grosseiramente evidente na cirurgia, conduzindo a uma ruptura da vesícula biliar pósoperatória. Após a ressecção da vesícula biliar, terapia colerética crônica é recomendada. Causas importantes de hiperlipidemia ou distúrbios endócrinos
devem ser identificadas e tratadas apropriadamente. Anormalidades clinicopatológicas (em geral, ALP elevada) normalizam após a remoção da vesícula biliar, na maioria dos cães, exceto naqueles com colangioepatite supurativa,
endocrinopatias não resolvidas ou hiperlipidemia persistente. Dieta rica em gordura e com restrição de proteína para animais hiperlipidêmicos pode ser prejudicial.
OBSTRUÇÃO DO DUCTO BILIAR EXTRAHEPÁTICO
A obstrução do ducto biliar comum está associada a várias condições primárias, inclusive inflamação (p. ex., pancreatite, duodenite etc.), colelitíase, mucocele de vesícula biliar, coledoquite/colecistite, neoplasia, malformações, infecção
parasitária, compressão extrínseca, fibrose e rigidez. Hepatomegalia e distensão do ducto biliar intrahepático imediatamente se seguem à OEHDB. Se a obstrução é resolvida dentro de poucas semanas, pode ocorrer resolução da fibrose e
da distensão do ducto biliar. Contudo, obstrução > 6 semanas resulta em cirrose biliar, hipertensão portal e APSS.
Obstrução completa pode resultar em bile branca onde pigmentos de bilirrubina não podem alcançar o “ramo estagnado” do sistema de ductos. O aumento de mucina no ducto contribui para a distensão ductal. Em alguns casos, a trato
biliar é colonizado por bactérias que não são removidas devido à falha na expulsão mecânica da bile e penetração inadequada de antibióticos na bile.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: OEHDB completa e aguda ocasiona letargia, febre cíclica e desenvolvimento imediato de icterícia; a concentração de bilirrubina total aumenta dentro de 4 h. Vômito pode ser episódico. Alguns animais
são intermitentemente inapetentes enquanto outros se tornam polifágicos, refletindo má digestão de gordura devido à ausência de ácidos biliares intestinais. Hepatomegalia, fezes acólicas e ausência de urobilinogênio na urina geralmente se
desenvolvem na primeira semana. Tendências a sangramentos podem ser notáveis dentro de 2 a 3 semanas e são mais comuns em gatos. Úlcera GI na junção piloroduodenal é comum e pode causar perda sanguínea considerável. Mesmo
com sangramento intestinal mínimo, pigmentos de bilirrubina alcançam o intestino, permitindo que as fezes se tornem marrons (formação de estercobilina) e com resultado positivo para urobilinogênio no teste de urina.
O hemograma pode revelar anemia não regenerativa, na obstrução crônica, ou anemia fortemente regenerativa, em animais com hemorragia intestinal importante. Leucocitose neutrofílica com ou sem desvio à esquerda é comum. À
medida que a bile se estagna no trato biliar, aumenta ALT e AST no soro. As atividades séricas de ALP e GGT aumentam dentro de 8 a 12 h após a obstrução e se elevam substancialmente em poucos dias. Necrose de parênquima,
inflamação periporta e colastase sustentam a atividade enzimática colestática e transaminase no soro. Em gatos, a magnitude da elevação de ALP e GGT é menos marcante do que em cães, porém são indicadores úteis de obstrução, lesão e
inflamação do trato biliar. Hipercolesterolemia desenvolvese dentro de 2 semanas após a obstrução completa, refletindo prejuízo à eliminação de colesterol e maior biossíntese hepática de colesterol. Com obstrução crônica e
desenvolvimento de cirrose biliar, o teor sérico de colesterol diminui, refletindo prejuízo à síntese de colesterol e desvio portossistêmico. Coagulopatias associadas à deficiência de vitamina K podem se desenvolver dentro de 2 a 3 semanas.
Resposta à administração de vitamina K1 geralmente é marcante. A confirmação de OEHDB é feito com imagens ultrassonográficas e por laparotomia exploratória.
TRATAMENTO: Inspeção cirúrgica das estruturas biliares e hepáticas e descompressão biliar apropriada são requisitos para uma ótima terapia. Inspeção grosseira da vesícula biliar e do ducto biliar comum normalmente revela o sítio e a
causa da obstrução; palpação do ducto é essencial para identificar lesão de massa intramural. Compressão delicada da vesícula biliar é utilizada para verificar obstrução e o sítio de fluxo restrito da bile. Um ducto biliar comum tortuoso
distendido grosseiramente torna o diagnóstico aparente. A maior dificuldade para confirmar e resolver as obstruções envolve os ductos hepáticos. Uma duodenotomia, colecistotomia ou coledocotomia podem ser necessárias para a
passagem de um cateter flexível dentro de um ducto biliar comum para verificar o sítio da obstrução e para permitir a remoção do lobo biliar espessado ou cálculo biliar. O tratamento bemsucedido da sepse do trato biliar requer remoção
mecânica de restos biliares e material infeccioso e correção cirúrgica descompressiva. Animais tendem a se tornar hipotensivo e são suscetíveis ao choque endotóxico durante a cirurgia e anestesia. Biopsia hepática por método
laparoscópico ou agulha percutânea não permite a descompressão biliar segura e podem dilacerar os ductos biliares distendidos conduzindo a peritonite biliar.
Há controvérsias quanto à necessidade de descompressão do trato biliar em animais com OEHDB secundária à pancreatite. Na maioria dos cães, a obstrução se resolve espontaneamente dentro de algumas semanas, como uma inflamação.
Em animais na qual a obstrução persiste além de 2 a 3 semanas, descompressão temporária ou permanente do trato biliar deve ser considerada. O risco de morte em cães com pancreatite sujeito à cirurgia biliar extrahepática pode ser tão
elevada quanto 50%.
OUTRAS ANORMALIDADES DOS DUCTOS BILIARES
CISTOS BILIARES OU HEPÁTICOS BENIGNOS: Estes cistos isolados são frequentemente limitados a um lobo do fígado, geralmente não causam nenhuma lesão compressiva substancial e são achados ocasionais durante exame
ultrassonográfico para outras enfermidades, cirurgia ou necropsia. Não se expandem o suficiente para lesionar tecidos adjacentes, não estão associados à atividade aumentada das enzimas hepáticas e são considerados irrelevantes.
Entretanto, podem ser problemáticos se crescem ou interferem com o fluxo de bile através do ducto biliar comum.
ANORMALIDADES FIBROPOLICÍSTICAS HEPÁTICAS: Estas doenças têm sido identificadas na maioria dos animais de companhia e reflete malformação embrionária envolvendo o desenvolvimento da placa ductal das estruturas biliares e
tubulares renais. As anormalidades foram classificadas em 6 grupos, em humanos, e esta classificação também parece importante em animais: fibrose hepática congênita, síndrome de Caroli, complexos de von Meyenburg, cisto hepático
isolado, doença hepática policística e cistos de colédoco. Estas desordens são complexas. A diversidade de manifestações pode predispor à colangite, causa hipertensão portal ou progride para lesões que ocupam espaço (estruturas císticas).
Uma única mutação genética tem sido identificada em gatos (doença renal policística dominante de origem autossômica), maioria dos quais demonstram malformação renal do que biliar. Em alguns gatos, entretanto, muitos cistos hepáticos
grandes causam importante hepatomegalia e requer repetidas drenagens, fenestração, marsupialização ou ressecção cirúrgica. Raramente, estruturas císticas podem se tornar mineralizadas. Gatos acometidos gravemente possuem
parênquima hepático pouco normal. Tecido conectivo extensivo causa hipertensão portal intrahepática, um fígado grande e firme, desenvolvimento de APSS, sinais de HE e ascite.
Síndromes displásicas biliares raramente ocorrem em cães simultaneamente com malformações císticas renais. Cães acometidos apresentam atividade de ALP aumentada e alta concentração de ABTS. Como acontece em gatos, o extenso
tecido conectivo pode causar hipertensão portal intrahepática, APSS, EH e ascite.
O único tratamento para estas anormalidades é minimizar os sinais de EH, com fornecimento de dieta com restrição de proteínas e tentativas para alterar o pH e a flora microbiana intestinal (lactulose, leite ou baixas doses de
metronidazol). Diuréticos e restrição de sódio na dieta são indicados para controlar ascite.
CISTOS DE COLÉDOCO: Esta dilatação cística congênita associada ao segmento distal do ducto biliar comum é encontrada em gatos. Sinais clínicos incluem febre, dor abdominal e icterícia associada à infecção cística. Exploração cirúrgica é
normalmente requerida para diagnóstico definitivo. Extirpação da estrutura cística ou marsupialização dentro do ducto biliar comum tem sido bemsucedida.
CISTADENOMA BILIAR: Estas lesões, também chamadas de cistadenomas, adenomas de ducto biliar, adenomas colangiocelular, colangiomas císticos e cistadenoma hepatobiliar são tumores benignos relativamente raros de gatos idosos. Os
tumores isolados bem demarcados podem invadir o parênquima hepático adjacente causando atrofia compressiva. O conteúdo cístico alcança desde fluido aquoso claro a viscoso ou material sólido. O tamanho dos cistos varia, atingindo de
1 mm a 8 cm, com a massa do tumor alcançando de 5 mm a 12,5 cm. Estudos de imagem (ultrassonografia ou TC) são importantes para o diagnóstico.
Excisão cirúrgica é o tratamento de escolha, porém pode não ser possível se as estruturas integram dentro do portahepato. O prognóstico após excisão completa é bom. Se a excisão completa não é possível, ressecção parcial pode retarda
as complicações da invasão mecânica do tecido normal. Aspirações repetidas, drenagem do cateter, marsupialização e excisão parcial têm sido utilizadas para manutenção paliativa, porém com risco de infecções e transformação neoplásica
para uma lesão maligna.
OUTROS DISTÚRBIOS DA VESÍCULA BILIAR
Agênese da vesícula biliar é a ausência congênita da vesícula biliar. Na ausência de malformação congênita de estruturas biliares intrahepática, esta é uma anormalidade irrelevante.
Atresia biliar é o desenvolvimento anormal congênito das estruturas biliares intrahepáticas, raramente observada em cães. O cão jovem apresentase apático e as membranas mucosas são amarelas. O prognóstico é ruim.
Uma vesícula biliar dividida em duas partes é ocasionalmente identificada em gatos durante a ultrassonografia ou na cirurgia. Esta é uma anormalidade irrelevante.
Hiperplasia cística da mucosa da vesícula biliar é também conhecida como hipertrofia mucinosa cística, hiperplasia mucinosa cística e colecistite mucinosa (embora não seja uma lesão inflamatória). O papel dos hormônios esteroides na
indução da lesão permanece desconhecido. Não há inflamação associada e a superfície serosa da vesícula biliar permanece intacta. Estas lesões hiperplásicas são rotineiramente identificadas em cães com mucocele de vesícula biliar na qual
a parede da vesícula biliar está grosseiramente espessa com uma superfície mucosa proliferativa e um lúmen contendo fragmentos mucoides verdes espessos e viscosos.
A ausência de motilidade da vesícula biliar é proposta como uma síndrome emergente em cães e pode preceder o desenvolvimento de mucocele de vesícula biliar. A síndrome pode estar associada a hormônios esteroides, com base em
recentes observações de uma relação aparente entre desenvolvimento de mucocele e tratamento com compostos progestacionais. Além disso, hormônios sexuais (progestinas, andrógenos) têm sido mostrado experimentalmente (in vitro) que
reduzem a contratibilidade de músculos da vesícula biliar.
RUPTURA DE TRATO BILIAR E PERITONITE BILIAR
Ruptura do ducto biliar comum, ducto cístico, ductos hepáticos ou da vesícula biliar está mais frequentemente associada à colelitíase, coledocite ou colecistite necrosante, trauma abdominal contuso ou neoplasia. Em cães, colecistite
necrosante ocorre mais frequentemente como resultado de mucocele biliar madura que se estende para a parede da vesícula biliar, causando necrose isquêmica. Sem levar em conta a causa, a ruptura de qualquer porção do trato biliar pode
ocasionar peritonite biliar. Sinais clínicos podem ser mínimos no início da doença, consistindo apenas de inapetência e desconforto abdominal vago. Com a cronicidade, o trato biliar inicia uma reação inflamatória (peritonite química), a
efusão abdominal se acumula e se desenvolve icterícia evidente. A ultrassonografia deve guiar a coleta de efusão abdominal o mais próximo possível do trato biliar, pois isto aumenta a possibilidade de detecção de cristais de bilirrubina
fagocitados ou livres e de bactérias. Com o diagnóstico tardio instalase aderência abdominal que complica o reparo cirúrgico.
Intervenções cirúrgicas são específicas para a causa das lesões e podem envolver descompressão do trato biliar, colecistectomia, colecistotomia, coledocotomia, anastomose intestinalbiliar ou inserção de uma endoprótese no ducto biliar.
Recomendase biopsia hepática para identificar doença hepatobiliar antecedente ou coexistente. Partes das estruturas rompidas, bile e efusão abdominal devem ser obtidas e cultivadas para bactérias aeróbicas e anaeróbicas. A cavidade
abdominal deve ser minuciosamente lavada com solução salina estéril aquecida para remover a contaminação biliar. Recomendase terapia antibiótica contra microrganismos intestinais oportunistas (bactérias Gramnegativas) e flora
anaeróbica, por exemplo, ticarcilina, piperacilina, cefalosporina de terceira geração ou enrofloxacino combinada com metronidazol. A terapia antimicrobiana deve ser iniciada antes da cirurgia e no caso de sepse confirmada, continuar por 4
a 8 semanas. A seleção dos antibióticos deve ser guiada, inicialmente, pelos resultados da citologia e coloração de Gram, e ajustada com base nos resultados de cultura e antibiograma. Animais com icterícia crônica devem receber vitamina
K1 (0,5 a 1,5 mg/kg, IM ou SC, até 3 doses) antes da intervenção cirúrgica. Plasma congelado fresco pode ser necessário para reduzir tendências a sangramento durante cirurgia de emergência. Antieméticos são recomendados se o paciente
manifesta vômito. Antagonistas de receptor H2 são utilizados na presença de sangramento intestinal. Em animais com colelitíase e cães com mucocele de vesícula biliar, hidrocolerese (ácido ursodeoxicólico e SAMe) e antioxidantes
(vitamina E e SAMe) são recomendados no pósoperatório.
SÍNDROME COLANGIOEPATITE/COLANGITE FELINA
Síndrome colangioepatite/colangite felina (SCHC) é a doença inflamatória adquirida mais comum em gatos domésticos. Tanto colangite como colangioepatite são mais comuns em gatos do que em cães. A diferença anatômica entre os
ductos biliares e pancreáticos de gatos e cães tem sido considerada um grande fator de risco. SCHC felina coexiste com processos inflamatórios no duodeno, pâncreas e rins (nefrite intersticial crônica). Várias condições simultâneas têm
sido identificadas em gatos com SCHC, se o infiltrado inflamatório é predominantemente neutrofílico (supurativo), linfocítico ou linfoplasmático (não supurativo), ou se isto ativamente envolve destruição de ducto biliar. Desordens
associadas à SCHC felina incluem infecções bacterianas (primárias ou crônicas), sepse, colecistite, colelitíase, OEHDB, infecção por trematódeos, toxoplasmose, doença intestinal inflamatória, colangite primária, pancreatite, neoplasia (p.
ex., adenocarcinoma de vesícula biliar, cistadenoma de ducto biliar) e várias malformações dos ductos (p. ex., cistos de colédoco, doença hepática policística, displasia biliar).
O lobo hepático envolvido na SCHC felina é variável e a extensão e gravidade das lesões histológicas podem não ser completamente certificadas em uma única biopsia hepática ou pequenas biopsias (p. ex., 18 medidas). Algumas
secções da biopsia podem mostrar inflamação modesta à moderada do ducto e hepatite, enquanto outros lobos hepáticos revelam eliminação completa dos ductos biliares e ausência de inflamação ativa. Os gatos com doença em sistemas de
múltiplos órgãos possuem tempo de sobrevivência significantemente menor se não tratados. Contudo, como a SCHC é lentamente progressiva, os gatos podem sobreviver alguns anos depois do diagnóstico, sem intervenção terapêutica.
SCHC supurativa é a doença clínica mais evidente. Nesses gatos a duração da doença é menor, antes da consulta (< 5 anos), com predominância em adultos jovens e de meiaidade (3 meses a 16 anos). Sinais clínicos incluem febre,
letargia, desidratação, inapetência, vômito e icterícia variável. Muitos gatos manifestam dor abdominal e alguns têm hepatomegalia palpável. As características clinicopatológicas são similares a outras formas de SCHC, com aumento
moderado a acentuado nas transaminases (ALT, AST) e aumento mais moderado nas atividades de ALP e GGT. Alguns gatos não têm anormalidades nas enzimas colestáticas. A maioria dos gatos apresenta hiperbilirrubinemia, alguns têm
azotemia renal concomitante e muitos exibem leucograma com desvio à esquerda e neutrófilos tóxicos. No início, a LH concomitante pode confundir a interpretação. A ultrassonografia abdominal pode revelar OEHDB; anormalidades
compatíveis com colecistite, coledocistite, pancreatite ou doença intestinal inflamatória, e hiperecogenicidade parenquimal hepática difusa compatível com LH pode ser observada. Um padrão de parênquima hepático heterogêneo pode, às
vezes, ser reconhecido, refletindo inflamação parenquimal. Contudo, em alguns gatos, nenhuma alteração ultrassonográfica é identificada. Radiografia torácica revela frequentemente um grande linfonodo esternal que reflete
inflamação/sepse abdominal.
O tratamento medicamentoso é frequentemente fornecido antes da intervenção cirúrgica (cirurgia de descompressão biliar para OEHDB, colecistectomia para colecistite, colecistotomia para colelitíase) e biopsia hepática. Desordens que
causam estase do fluxo biliar devem ser tratadas devido ao aumento no risco de infecção oportunista envolvendo o sistema biliar. Exame citológico de imprints de material aspirado ou obtido por biopsia de fígado e amostras de bile
geralmente revelam bactérias e inflamação supurativa. Coloração pelo Gram de amostras citológicas que contêm bactérias ajudam na seleção de antimicrobianos. As bactérias comumente isoladas incluem Escherichia coli, Streptococcus,
Clostridium, Bacteroides e Actinomyces. Culturas podem ser negativas devido administração prévia de antibióticos ou falha no cultivo de bactérias anaeróbicas.
O tratamento envolve antibióticos de amplo espectro efetivos contra bactérias intestinais oportunistas anaeróbicas Gram–negativas, como ácido ursodeoxicólico, SAMe, vitamina E, vitaminas hidrossolúveis, nutrição enteral com dieta
altamente calórica formulada para felinos e administração ponderada de fluidos para corrigir e manter a hidratação e a condição eletrolítica. Os antioxidantes são fornecidos durante a fase crítica da doença mediante administração de N
acetilcisteína (dose inicial de 140 mg/kg [solução 10% em NaCl], seguida de 70 mg/kg IV, 2 a 3 vezes/dia, ao longo de 20 min, através de um filtro de 0,25 μm); quando a administração oral é possível, SAMe é administrado por esta oral.
Uma combinação de enrofloxacino, metronidazol e ampicilina/sulbactam normalmente e administrada no início e ajustada com base nos resultados de cultura e antibiograma, a partir de aspirados hepatobiliares ou de bile ou de amostras de
tecido. O tratamento com antimicrobianos deve ser iniciado antes da intervenção cirúrgica porque a sepse compromete a sobrevivência após a cirurgia. O tratamento antimicrobiano continua por 8 a 12 semanas ou até que as atividades das
enzimas hepáticas normalizem. Se as enzimas hepáticas permanecem aumentadas, repetese a avaliação ultrassonográfica para verificar anormalidades que envolvem estruturas biliares, pâncreas, intestino ou linfadenopatias. Repetição da
aspiração para citologia ou biopsia hepática pode ser necessária.
A hepatite portal linfocítica felina, em si, provavelmente não é uma doença, mas pode refletir a liberação de infiltrados inflamatórios inespecíficos na vasculatura portal. Por outro lado, pode representar lesão evidente de SCHC felina
quando foi obtida apenas mínima amostra da tríade portal de um lobo hepático relativamente pouco envolvido. Biopsia com agulha de campos pequenos em gatos com SCHC não supurativa pode permitir o diagnóstico.
SCHC não supurativa sem lesões destrutivas do ducto é uma síndrome inflamatória mediada por células T que, frequentemente, acomete a maioria dos gatos de meiaidade e idosos. Infecções concomitantes com FeLV ou FIV são
raras, e não há predisposição sexual ou racial. A duração da doença varia de 2 semanas a alguns anos; a maioria dos gatos ficam doentes alguns meses antes da consulta inicial. Sinais clínicos incluem vômito e diarreia intermitentes e
doença episódica que pode estar associada à icterícia que se resolve espontaneamente. Hepatomegalia é comum. Isto é raro na SCHC não supurativa por causar hipertensão portal e efusão abdominal, porque os gatos normalmente morrem
antes de se estabelecer fibrose difusa.
As contagens leucocitárias são variáveis, porém tipicamente não há desvio à esquerda ou neutrófilos tóxicos. Poiquilócitos são comuns e corpúsculos de Heinz podem ser evidentes. Hiperglubulinemia se desenvolve com a cronicidade; a
maioria dos gatos tem aumento moderada à acentuado de ALT e AST. Aumentos nas atividades de ALP e GGT são muito variáveis e dependem da atividade cíclica da doença. Hiperbilirrubinemia é inconsistente e também parece ser
cíclica. Alguns gatos são persistentemente ictéricos devido à obstrução inflamatória de ductos biliares de pequeno e médio calibre (SCHC não supurativa com lesões destrutivas do ducto) e esses desenvolvem coagulopatias sintomáticas
responsivas à administração de vitamina K (0,5 a 1,5 mg/kg, SC ou IM, 3 doses, em intervalos de 12 h, antes da biopsia). Achados ultrassonográficos abdominais se sobrepõem àqueles de SCHC supurativa; um padrão parenquimal
grosseiro ou não uniforme pode ser identificado. Entretanto, gatos com SCHC não supurativa acentuada podem não apresentar anormalidade do sistema biliar ou do parênquima hepático detectável na ultrassonografia. A gravidade das
lesões é altamente variável dentro e entre os lobos hepáticos e entre os gatos.
O tratamento inicial implica no uso de antimicrobianos apropriados, ácido ursodeoxicólico, SAMe, vitamina E, suplementação com vitamina B, nutrição enteral com dieta altamente calórica formulada para gatos, bem como fluidos para
corrigir e manter a hidratação e anormalidades eletrolíticas. Terapia antimicrobiana de amplo espectro (contra bactérias anaeróbicas Gram–negativas intestinais oportunistas) é recomendada, com base nos resultados da biopsia hepática e da
cultura. Tratamentos prolongados requerem imunomodulação. A terapia imunossupressora de primeira linha implica no uso de prednisolona, inicialmente administrada na dose de 2 a 4 mg/kg de peso corporal, VO, 1 vez/dia, ajustandose a
dose para 5 a 10 mg/dia, 1 vez/dia ou em dias alternados dependendo da resposta ao tratamento. A adição de metronidazol (7,5 mg/kg, VO) pode auxiliar na imunomodulação e no controle da doença intestinal inflamatória associada e pode
permitir a redução da dose de glicocorticoide. Recomendase administração continuada de SAMe (40 a 50 mg/kg/dia VO) e vitamina E (10 U/kg/dia).
Como um agente isolado, SAMe tem resolvido a inflamação associada à SCHC em alguns gatos. Clorambucila é utilizado em gatos que não respondem ao tratamento antiinflamatório com glicocorticoide e metronidazol (dose de
clorambucila: 2 mg/gato/dia, 1 vez/dia, ajustado para uso em dias alternados ou a cada 3 dias). O tratamento geralmente retorna a concentração de bilirrubina ao normal, porém aumentos cíclicos na atividade enzimática permanecem,
embora em magnitudes menores.
Em gatos com SCHC não supurativa com lesões destrutivas de ducto (colangite esclerosante), por fim, pode ocorrer destruição disseminada de ductos de pequeno calibre, causando hiperbilirrubinemia permanente e fezes acólicas
intermitentes devido à redução progressiva da quantidade de ductos, notada no exame histológico. Este subgrupo de SCHC é identificado pelo uso de coloração imunoistoquímica para citoqueratina em amostras de fígado. Gatos acometidos
mostram atrofia de ducto, dúctulos biliares da tríade portal em localização periférica, células T ductais em alvo e lipogranulomas onde os ductos desaparecem. Aproximadamente 30% destes gatos se tornam diabéticos; o pâncreas pode
abrigar as células T ductuais em alvo.
Os gatos com redução da quantidade de ductos sintomáticos requerem injeções semanais de vitamina K1 (ver p. 442) e forma hidrossolúvel de vitamina E (succinato de atocoferol polietilenoglicol, 10 U/kg/dia, VO). Superdosagem de
vitamina K1 pode causar anemia hemolítica grave. Gatos acometidos devem ser investigados quanto à doença intestinal inflamatória grave e adequação de B12. Características hematológicas e bioquímicas do soro são similares àquelas de
gatos com SCHC de ducto não destrutiva. Imunomodulação com prednisolona torna a atividade enzimática discreta à moderada ou hiperbilirrubinemia em SCHC que atingem os ductos. Em vez disso, inicialmente se utiliza metotrexato ou
clorambucila. Metotrexato em pulso é administrado na dose total diária de 0,4 mg/gato, fracionada em 3 doses, em um único dia (0,13 mg/kg, VO por dose), a cada 7 a 10 dias. Como alternativa, o metotrexato pode ser administrado por via
IV ou IM, com redução de 50% da dose. Concomitantemente, administrase 0,25 mg de ácido fólico/dia, VO, para prevenir hepatotoxicidade associada ao metotrexato. A dose de metotrexato deve ser reduzida em gatos com azotemia renal.
O metotrexato induz imunossupressão profunda quando utilizado na dose recomendada, sendo fundamental monitoramento cuidadoso de infecções complicadoras. Alternativamente, o tratamento com clorambucila, como descrito
anteriormente, pode ser utilizado em vez de metotrexato. Recomendase tratamento concomitante com SAMe, juntamente com baixas doses de prednisolona e metronidazol. O tratamento para doença intestinal inflamatória concomitante
com dieta hipoalergênica pode ser benéfica. A deficiência de cobalamina deve ser corrigida; os gatos comprovadamente deficientes por teste de laboratório devem ser suplementados por longo tempo. Baixa concentração de cobalamina
representa uma preocupação quanto à má absorção grave de intestino delgado (especialmente no caso de linfoma de célula pequena) ou à doença pancreática grave.
Na doença linfoproliferativa disfarçada, como SCHC linfocítica, as lesões são caracterizadas por densa infiltração de linfócitos portais que penetram nos sinusoides hepáticos. Entretanto, os linfócitos envolvidos perdem os detalhes
microscópicos convincentes para sua classificação como uma população neoplásica. O tratamento com clorambucila tem mostrado benefícios em alguns gatos (2 mg/gato, administrado em dias alternados ou a cada 3 dias), combinado com
tratamentos previamente descritos para SCHC. Gatos acometidos podem sobreviver alguns anos com sinais clínicos mínimos. Coloração imunoistoquímica e outros testes moleculares (pesquisa de clonalidade) podem ser necessários para
diferenciar esta forma de SCHC, de linfoma. Suspeitase que a doença linfoproliferativa progride para linfoma.
No linfoma de célula pequena disfarçado, como SCHC linfocítica, densos infiltrados portais linfocíticos penetram nos sinusoides hepáticos. O tratamento com protocolos quimioterápicos para linfoma felino é recomendado,
juntamente com a administração cuidadosa de suporte nutricional, vitamina e antioxidante. Muitos gatos com linfoma de célula pequena respondem ao clorambucila, como descrito anteriormente, por alguns anos. Gatos acometidos podem
ter envolvimento intestinal concomitante, embora alguns gatos com nítido linfossarcoma hepático tenham doença intestinal inflamatória e outros com linfossarcoma intestinal evidente tenham SCHC não supurativa não neoplásica. Suspeita
se que a inflamação crônica progride para uma doença neoplásica.
DOENÇAS HEPÁTICAS
CIRROSE BILIAR
Cirrose biliar referese à fibrose periporta associada a uma marcante remodelação da arquitetura hepática e hiperplasia biliar subsequente à OEHDB crônica (vários meses) ou colangioepatite crônica (anos). Porém, é incomum em gatos
com colangite/colangiepatite, possivelmente porque os animais morrem antes de desenvolver essa condição. Os sinais clínicos de cirrose biliar incluem inapetência variável, caquexia, tamanho hepático variado e ascite. As enzimas
hepáticas podem permanecer normais. Hipoalbuminemia, hiperglobulinemia, hiperbilirrubinemia e coagulopatia são alterações laboratoriais comuns. Nas radiografias, o fígado está aumentado e parece nodular no exame ultrassonográfico.
É necessária biopsia para um diagnóstico definitivo. Frequentemente, nos casos de defeitos de coagulação necessitamse transfusão de sangue total e suplementação de vitamina K1 antes da realização de biopsia. O tratamento é sintomático,
requerendo tratamento de HE, hipoalbuminemia, OEHDB e ascite. O prognóstico geralmente é ruim.
COLANGIOEPATITE CANINA
A colangioepatite é rara em cães e está associada à inflamação supurativa e infecção ascendente do trato biliar (Salmonella, Campylobacter jejuni, coccidiose). A colangioepatite canina é mais comumente associada à formação de mucocele
biliar, colelitíase e manipulação cirúrgica do trato biliar. Os sinais clínicos incluem anorexia, vômito, diarreia, letargia, poliúria, polidipsia, febre e dor abdominal.
As alterações laboratoriais são típicas de colestase e incluem hiperbilirrubinemia e aumento de ALP, GGT e transaminases. Ultrassonografia pode ou não revelar anomalias envolvendo a trato biliar e a vesícula. Em alguns casos, notase
ecogenicidade hepática grosseira. Achados ultrassonográficos podem indicar a necessidade de intervenção cirúrgica emergencial (p. ex., mucocele de vesícula biliar madura, colelitíase associada a OEHDB). Esfregaços hepáticos ou biliares
por aspiração ou impressão podem revelar inflamação séptica supurativa. Amostras coletadas do fígado, bile e partes do trato biliar devem ser submetidas a culturas aeróbicas e anaeróbicas e antibiogramas, se há suspeita de inflamação
supurativa. O tratamento antibiótico deve se basear nos resultados da cultura; outros tratamentos devem objetivar a cura das doenças subjacentes.
DESVIOS (SHUNTS) Portossistêmicos Adquiridos
Desvios portossistêmicos adquiridos (DPSA) são causados por hipertensão portal secundária à hepatopatia crônica, devido ao desenvolvimento de uma arquitetura remodelada difusa e grave; fibrose ou cirrose; atresia congênita da veia
porta intrahepática; fístula arteriovenosa hepática; lesões venooclusivas, trombo venoso portal ou doença hepática policística em gatos. O conjunto principal de veias portais não apresenta válvulas e nele normalmente se mantém pressão <
5 mmHg. O fluxo retrógrado de alta pressão na circulação arterial hepática, na tríade portal, leva à formação de DPSA, uma vez que o sangue segue a via de menor resistência. DPSA se desenvolve como múltiplos nichos de veias tortuosas
que unem a vasculatura portal à veia cava abdominal.
Os locais mais comuns de DPSA são caudais ao rim esquerdo, na região da vasculatura colorretal e associados aos vasos do baço. Emaranhados de vasos pequenos e tortuosos podem normalmente serem identificados durante
ultrassonografia Doppler de fluxo colorido. Exploração cirúrgica de desvios ligados não devem ser realizados em animais com suspeita de AVPS associada a DPS porque a identificação de DVS confirma a presença de hipertensão portal.
Entretanto, biopsias hepáticas devem ser realizadas nesses pacientes, para determinar as causas primárias.
Os sinais clínicos incluem EH episódica, PU/PD, vômito, diarreia (às vezes sanguinolenta) e efusão abdominal. Podemse observar alterações laboratoriais compatíveis com a hepatopatia primária, além dos marcadores de desvio
(microcitose, redução do BUN e creatinina, hipocolesterolemia e cristalúria com biurato de amônio). Hipoerbilirrubinemia pode ou estar presente, dependendo da causa primária. A ligadura de múltiplos desvios adquiridos é contraindicada,
pois são uma resposta compensatória à hipertensão portal. A bandagem da veia cava caudal para reduzir a extensão do desvio não é recomendada. O tratamento medicamentoso para minimizar os sintomas de EH e a restrição de sódio,
combinados com diuréticos, são utilizados para controlar a efusão abdominal. Cães e gatos podem viver vários anos sem intercorrências, com suporte nutricional e médico apropriado.
DOENÇAS HEPÁTICAS INFECCIOSAS
Doenças Bacterianas
LEPTOSPIROSE: Infecções por Leptospira interrogans, especialmente os sorotipos Icterohemorrhagiae e Pomona e as infecções crônicas pelo sorotipo Grippotyphosa, estão associadas a doença hepática. Outros sorotipos também podem
acometer o fígado. Nenhuma lesão histológica é patognomônica. Atividades das enzimas hepáticas marcadamente aumentadas e hiperbilirrubinemia indicam envolvimento hepático. Entretanto, esses marcadores podem refletir resposta
hepática a uma síndrome séptica e não de um órgão específico em cães agudamente debilitados. Características clínicas e clinicopatológicas do envolvimento hepático podem piorar inicialmente com o tratamento (febre, enzimas hepáticas,
hiperbilirrubinemia). O diagnóstico depende da demonstração de aumento do título convalescente ou detecção por PCR no sangue ou na urina. A identificação da bactéria em amostras de fígado coradas é difícil. O tratamento inclui
tratamento de suporte e terapia antimicrobiana específica. As penicilinas são as drogas de escolha para a fase aguda (p. ex., ampicilina [22 mg/kg IV, 4 vezes/dia] ou amoxicilina [22 mg/kg, VO, 2 vezes/dia]). Os aminoglicosídios ou a
doxiciclina (5 mg/kg, VO, 2 vezes/dia, durante 4 semanas) são recomendadas para tratar a fase de portador. Recomendamse precauções especiais quanto à manipulação de animais suspeitos ou que tenham leptospirose (e suas amostras de
urina), devido ao seu potencial zoonótico (Ver p. 695).
DOENÇA DE TYZZER: A doença de Tyzzer (p. 200) é uma infecção rara, mas fatal, causada por Clostridium piliformis. A infecção em cães e gatos ocorre mais comumente em hospedeiros imunocomprometidos, tanto recémnascidos quanto
adultos acometidos por outras condições. Como C. piliforme é um microrganismo comensal nos intestinos de roedores de laboratórios, a infecção é adquirida por contato ou ingestão de fezes contendo esporos bacterianos. Os sinais clínicos
(letargia, anorexia, desconforto abdominal) são agudos no início e progridem rapidamente para morte dentro de 24 a 48 h. Um aumento marcante na atividade de ALT imediatamente precede a morte. Colorações especiais são necessárias
para identificar a bactéria no tecido hepático, que não se multiplica em meios de cultura bacterianos de rotina. Não há tratamento efetivo; uma vacina foi desenvolvida para pesquisa em animais de colônias.
INFECÇÃO POR MYCOBACTERIUM AVIUM: A infecção hepática com M. avium disseminado foi descrita em gatos jovens das raças Abyssian e Somali com imunodeficiência inata aparente (causa desconhecida). O curso clínico da doença inclui
doença vaga caracterizada por histórico de perda de peso grave mesmo com polifagia. Um evidente infiltrado pulmonar intersticial difuso é verificado em gatos com e sem sinais respiratórios. Hepatomegalia e atividades aumentadas de
ALT e AST são notadas. Amostras hepáticas revelam reação inflamatória granulomatosa. O tratamento, inclusive claritromicina (62,4 mg/gatos, VO) associada tanto com clofazimina (25 mg/gato, VO, 1 vez/dia, ou 50 mg/gato, VO, em
dias alternados) ou rifampicina (75 mg/gato, VO) e fluoroquinilona ou doxiciclina (50 mg, VO, 1 vez/dia) tem sido efetivo na remissão dos sintomas em gatos infectados. Recidivas devem ser esperadas devido ao estado
imunocomprometido desses pacientes.
INFECÇÕES BACTERIANAS INTRA E EXTRA–HEPÁTICAS E SEPSE: Infecção extrahepática e sepse podem causar colestase e hiperbilirrubinemia. Aumento no teor sérico de bilirrubina é moderado a marcante, enquanto os aumentos nas
atividades das enzimas hepáticas podem ser apenas modestos. Este tipo de icterícia foi observado em cães com leptospirose e gatos com sepse não definida. O tratamento apropriado tem como alvo a condição séptica primária. Atividades
aumentadas das enzimas hepáticas na sepse podem também refletir invasão bacteriana no fígado ou lesão hepatocelular causada por febre ou hipoxia.
Animais com insuficiência hepática aguda e doença hepatobiliar crônica são predispostos à infecção bacteriana sistêmica e endotoxemia. Na insuficiência hepática aguda fulminante, sepse pode ser mascarada por febre, hipoglicemia e
leucocitose que podem também ser manifestações clínicas de doenças hepáticas.
Animais com doenças crônicas do trato biliar ou com neoplasia hepática crônica são mais propensos a desenvolver infecções intra–hepáticas. Qualquer doença associada a estase biliar predispõe à endotoxemia sistêmica e esplâncnica.
Fatores de risco associadas a infecção do trato biliar incluem idade avançada, episódios recentes de colangite, colecistite aguda, coledocolitíase e icterícia obstrutiva.
Tratamentos que propiciaram redução da suscetibilidade à infecção e à lesão hepática incluem administração de Nacetilcisteína, atocoferol, glutamina, ácidos biliares orais e antibióticos sistêmicos e intestinais. Esses tratamentos
aumentam a perfusão microvascular, reduzem a translocação de bactérias intestinais, aumentam a imunidade inata e protegem contra lesões oxidativas. Enquanto se espera o resultado da cultura e do antibiograma (tecido, efusão abdominal,
bile), antibióticos contra oportunistas intestinais devem ser administrados empiricamente, evitando drogas extensivamente metabolizadas no fígado. A combinação de penicilina resistente a betalactamase com metronidazol (7,5 mg/kg, VO,
2 vezes/dia) e enrofloxacino (2,5 a 5 mg/kg, VO, IM ou IV, 2 vezes/dia) pode ser benéfica durante o tratamento inicial enquanto as causas da infecção primária permanecerem desconhecidas.
Doenças Causadas por Protozoários
TOXOPLASMOSE: A toxoplasmose (p. 724) pode causar insuficiência hepática aguda associada à necrose hepática. Toxoplasma gondii comumente é mais observado em gatos positivos aos vírus da imunodeficiência felina e FeLV. Há relatos
de icterícia, efusão abdominal, febre, letargia, vômito e diarreia, além de sinais clínicos compatíveis com envolvimento do SNC, ocular ou pulmonar. Em cães, a hepatopatia associada à toxoplasmose geralmente é rara e quando observada é
em hospedeiros imunocomprometidos ou em cães jovens. Cães jovens podem estar infectados concomitantemente com o vírus da cinomose e a doença, de início agudo, é rapidamente fatal. O diagnóstico pode ser difícil, mas um título de
imunoglobulina M (IgM) positivo é indicativo de doença clínica. Clindamicina (12,5 mg/kg, VO ou IM, 2 vezes/dia, durante 4 semanas) é a droga de escolha. Como a clindamicina é metabolizada no fígado, a redução de dose pode ser
necessária na insuficiência hepática grave. Clindamicina oral deve ser seguida de um bolus, na água ou no alimento, para prevenir irritação esofágica. O prognóstico depende do grau de debilidade e estágio da doença no diagnóstico inicial
e distúrbios associados causadores de imunossupressão. Apesar da melhora, os animais devem ser considerados cronicamente infectados.
LEISHMANIOSE: Leishmaniose canina (p. 834) é uma doença multissistêmica causada por protozoários parasitos do gênero Leishmania em países mediterrâneos, Portugal, Oriente Médio e algumas partes da África, Índia e Américas Central
e do Sul e, ocasionalmente, em cães dos EUA (especialmente da raça Foxhound). Os sinais clínicos em cães com leishmaniose incluem anemia não regenerativa, aumento das atividades ALP, ALT e AST, hipoalbuminemia e concentrações
variáveis de bilirrubina. Necrose hepatocelular multifocal, degeneração vacuolar e infiltração de macrófagos parasitados são comuns. Embora as lesões hepáticas sejam interpretadas como representantes dos estágios sequenciais da função
hepática na leishmaniose visceral durante a doença crônica, nenhuma correlação foi notada entre características histológicas e raça, sexo, idade, sinais clínicos ou carga parasitária hepática.
O tratamento raramente é curativo e o prognóstico para pacientes debilitados é ruim. Devido ao potencial zoonótico da infecção, os proprietários devem ser informados que o protozoário nunca é completamente erradicado e que recidivas
podem requerer tratamentos repetidos. Isto é particularmente importante se o proprietário apresenta imunossupressão. Na ausência de insuficiência renal devido à infecção, recomendase uma dieta rica em proteínas. O tratamento específico
mais comumente recomendado nos EUA é o alopurinol (7,0 a 20,0 mg/kg VO, 2 a 3 vezes/dia) administrado por 3 a 24 meses ou indefinidamente.
Doenças Virais
As doenças virais associadas à disfunção hepática incluem hepatite infecciosa canina, herpesvírus canino, injeção parenteral acidental de vacina intranasal de Bordatella bronchiseptica em cães, peritonite infecciosa felina e infecção
sistêmica por calicivírus em gatos. Raramente, parvovírus canino pode induzir lesão hepática como resultado de sepse sistêmica portal
A hepatite infecciosa canina é causada pelo adenovírus canino tipo 1 (CAV1). Além de necrose hepática aguda, hepatite crônica e fibrose hepática podem ocorrer sequelas se anticorpos neutralizantes não são capazes de eliminar a
infecção durante a fase ativa. Ver p. 831 quanto a achados clínicos, diagnóstico, tratamento e controle.
O herpesvírus canino infecta filhotes recémnascidos, causando necrose hepática, assim como outras alterações sistêmicas. Normalmente é fatal em filhotes.
A injeção parenteral acidental de vacina intranasal de B bronchiseptica em cães pode causar reação inflamatória no local da injeção e degeneração hepatocelular aguda, asséptica e necrose que progride para hepatite crônica. Não há
tratamento conhecido além da terapia sintomática para hepatopatia inflamatória crônica.
O vírus da peritonite infecciosa felina é um coronavírus que causa inflamação piogranulomatosa difusa e vasculite. Icterícia, efusão abdominal, vômito, diarreia e febre são sinais clínicos comuns. Ver p. 840 quanto aos achados
clínicos, tratamento e controle.
O calicivírus sistêmico, uma variante surgida recentemente do calicivírus felino, pode induzir taxa de mortalidade de 33 a 60% em gatos adultos. Identificados principalmente em abrigos ou gatis, este vírus causa febre alta, anorexia,
edema subcutâneo marcante (especialmente em membros e face), icterícia, alopecia e úlcera ou crostas em narinas, lábios, orelhas e patas. Gatos adultos são mais severamente acometidos. Necrose dos hepatócitos individuais progredindo
para necrose centrolobular ou mais extensa é associada a focos inflamatórios neutrofílicos e depósitos de fibrina intrasinusoidal.
Infecções Micóticas
As infecções micóticas mais comuns associadas à disfunção hepática são coccidioidomicose (p. 684) e histoplasmose (p. 689). Em animais gravemente acometidos, os sinais clínicos incluem ascite, icterícia e hepatomegalia, além de sinais
associados a outros sistemas envolvidos. O tratamento antifúngico é variável e determinado pela gravidade da infecção e resposta clínica individual. Como na forma disseminada de histoplasmose notase comprometimento hepático,
recomendase quimioterapia agressiva (inclusive a combinação de itraconazol ou cetoconazol e anfotericina B). Dependendo do grau de debilidade, o prognóstico é ruim. A coccidioidomicose pode ser tratada, com sucesso, com
cetoconazol ou itraconazol, por longo tempo (6 a 12 meses). No entanto, há relatos de recidivas.
DOENÇAS HEPÁTICAS VARIADAS
Amiloidose Hepática
A amiloidose é uma doença familiar de gatos das raças Abyssinian, Siamesa e Oriental de pelos curtos e cães da raça SharPei. Os cães da raça SharPei têm maior probabilidade de apresentar febre episódica e aumento de volume de jarrete,
com ou sem insuficiência renal, mas o fígado também pode ser afetado pela deposição amiloide difusa. Os gatos da raça Abyssinian acometidos geralmente apresentam sinais clínicos relacionados com os rins ou com complicações
associadas à amiloidose hepática difusa. Gatos Oriental de pelos curtos e Siameses geralmente apresentam complicações hepáticas relacionadas com a amiloidose. Outras condições associadas à amiloidose hepática incluem uma
diversidade de infecções crônicas ou exposição a antígenos (p. ex., coccidioidomicose em cães, hematopoese cíclica em Gray Colly, infusão de insulina suína em cães) e hipervitaminose A, em gatos.
Embora alguns animais acometidos possam ser assintomáticos por longos intervalos, os sinais clínicos podem incluir febre, linfadenopatias, vômito, inapetência, perda de peso, PU/PD, icterícia e hepatomegalia. Apresentação aguda de
hemorragia abdominal grave subsequente à ruptura do lobo hepático normalmente conduz a um diagnóstico em gatos orientais e da raça siamês. A ultrassonografia frequentemente pode identificar o desenvolvimento de hematoma no local
de ruptura do lobo hepático. Aspiração da efusão abdominal confirma hemorragia ativa. O diagnóstico pode ser feito por citologia de aspiração se fibrilas amiloides são recuperadas. Do contrário, o diagnóstico é definido pela identificação
de depósito amiloide em amostras obtidas em biopsias hepáticas.
A colchicina e o dimetilsulfóxido têm sido utilizados para retardar a progressão da amiloidose sistêmica em cão SharPei e gatos, com sucesso limitado. De maneira contraditória, amiloide hepático tem regredido em SharPei tratados
com colchicina (0,03 mg/kg/dia, 1 vez/dia, por muitos outros dias). Como a amiloidose familiar é uma anormalidade sistêmica progressiva, o prognóstico é ruim. Gatos que sobrevivem à hemorragia hepática aguda ou grave por uso
agressivo de terapia de componentes sanguíneos subsequentemente sucumbem à amiloidose renal (ver p. 631).
Doença do Armazenamento de Glicogênio
Dentre as quatro doenças de armazenamento de glicogênio descritas nos cães, os tipos I e III afetam diretamente o fígado, causando hepatomegalia marcante em filhotes. Estas anormalidades são caracterizadas pelo acúmulo excessivo de
glicogênio no fígado e em outros órgãos. O glicogênio acumulado não fica disponível para conversão em glicose devido à deficiente atividade da enzima glicolítica.
A doença do armazenamento de glicogênio tipo Ia se deve à deficiência de glicose6–fosfatase, sendo descrita em cães de raças toy, principalmente maltês. Não há predileção por sexo conhecida e a transmissão é autossômica recessiva.
Sinais clínicos incluem emagrecimento, retardo no crescimento, distensão abdominal devido à hepatomegalia maciça, depressão e fraqueza associado à hipoglicemia grave. Lesões histológicas também são observadas no epitélio tubular
renal. Esses cães desenvolvem acidose láctica, hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia e hiperuricemia. Filhotes acometidos normalmente morrem ou são submetidos à eutanásia aos 60 dias de idade. Um teste genético está disponível para
a doença tipo I em cães Maltês.
A doença do armazenamento do glicogênio tipo III é causado por deficiência de amilo1,6glicosidase, sendo descrita em cães da raça Pastor Alemão. Não há predileção por sexo conhecida e há suspeita de transmissão autossômica
recessiva. Os sinais clínicos incluem distensão abdominal devido à hepatomegalia e hipoglicemia discreta. Os estoques de glicogênio são notáveis tanto no fígado quanto no músculo esquelético.
O diagnóstico dessas anormalidades se baseia no alto índice de suspeita em função da raça e da hipoglicemia sintomática. Radiografia abdominal revela hepatomegalia e a ultrassonografia exibe parênquima hepático hiperecoico
compatível com acúmulo hepático de glicogênio ou lipídios. Diagnóstico diferencial inclui outras causas de hipoglicemia juvenil (inclusive má nutrição, endoparasitismo, hipoglicemia por jejum transitória em cães de raças toy e
malformação vascular portossistêmica) e outras causas de fraqueza muscular (inclusive endocrinopatias, distúrbios mediados pelo sistema imune, doenças infecciosas, hipopotassemia e neuromiopatias). Cuidados assistenciais consistem de
suporte com fluidos, dextrose IV nas crises de hipoglicemia e controle da hipoglicemia com refeições frequentes com dieta rica em carboidratos. O diagnóstico é confirmado mediante análise enzimática tecidual, confirmação do
armazenamento em excesso de glicogênio no tecido hepático ou teste genético. O prognóstico é ruim. Cães acometidos e seus pais devem ser excluídos dos programas de reprodução.
DOENÇAS METABÓLICAS QUE ACOMETEM O FÍGADO
Diabetes melito, hiperadrenocorticismo, hipotireoidismo e hipertireoidismo podem causar alterações hepáticas.
Lipidose hepática pode ser secundária ao diabetes melito, devido ao aumento do metabolismo e mobilização de lipídios. Observamse hepatomegalia e aumento de atividade das enzimas hepáticas. Os cães com diabetes melito raramente
apresentam disfunção hepática, a menos que desenvolvam VH progressiva grave e síndrome hepatocutânea (ver a seguir). A maioria desses cães exibe aumento marcante de ALP e menor aumento na atividade das transaminases. Os gatos
diabéticos podem apresentar atividade de ALT e ALP aumentadas, e pode haver hiperbilirrubinemia no início de lipidose hepática. Os animais diabéticos apresentam maior risco de desenvolver pancreatite que pode, progressivamente,
causar OEHDB (obstrução extrahepática do ducto biliar) e colangite, e são mais suscetíveis a infecções bacterianas que envolvem estruturas biliares (colecistite enfisematosa, colangite).
Gatos com hipertireoidismo geralmente desenvolvem aumento de ALP e ALT e raramente, hiperbilirrubinemia; a função hepática geralmente está normal. As causas das alterações nas enzimas hepáticas não são completamente
entendidas, mas acreditase que há envolvimento de efeitos tóxicos do excesso de tiroxina, dieta inapropriada, disfunção cardíaca, fenômeno de indução e metabolismo ósseo aumentado. As enzimas hepáticas retornam ao normal após
tratamento efetivo; no entanto, o tratamento com metimazol pode levar à hepatopatia associada ao medicamento, que resulta na descontinuação do tratamento.?
ENCEFALOPATIA HEPÁTICA
Encefalopatia hepática (EH) se desenvolve quando há alguns distúrbios hepáticos associados a desvio portossistêmico e insuficiência hepática fulminante. Os sinais clínicos são variáveis, porém envolvem anormalidades sensoriais que
variam de embotamento discreto e incapacidade de responder a comandos básicos até anormalidades visíveis, inclusive círculo propulsivo, pressão da cabeça contra obstáculo imóvel, perambulação sem rumo, fraqueza, ataxia, amaurose
(cegueira inexplicável), ptialismo, demência, alteração de comportamento (p. ex., agressividade), colapso, convulsão e coma. Embora o mecanismo fisiopatológico da EH não sejam completamente entendidos, efeitos sinérgicos entre a
insuficiência do fígado em detoxicificar amônia e outras substâncias endógenas, aumento de citocinas inflamatórias cerebrais, comprometimento da perfusão cerebral, edema cerebral, hipoxia, disfunção mitocondrial, neuroglicopenia e
lesão oxidativa são importantes mecanismos interdependentes. Acreditase que a maior produção de espécies reativas de oxigênio e nitrogênio desencadeiam modificações em proteínas e no RNA, que influenciam negativamente a função
cerebral. O conceito integrado de EH explica a variabilidade dos episódios e a heterogeneidade de fatores desencadeantes relacionados com diversos quadros clínicos.
Amônia desempenha um papel fundamental na ocorrência de EH; acreditase que ela sensibiliza o cérebro a inúmeros outros fatores/mediadores desencadeantes. Entretanto, a concentração sanguínea e cerebral de amônia são diferentes,
desqualificando a concentração sanguínea deste composto como uma mensuração simplista de EH. Em animais saudáveis, grande parte da amônia é removida pelos hepatócitos, convertida em aminoácidos ou ureia e excretada pelos rins, na
urina. Na insuficiência hepática e no desvio portossistêmico, as concentrações de amônia no sangue aumentam devido ao prejuízo à desintoxicação hepática. Quando na circulação, a amônia pode também ser excretada pelos rins (secreção
tubular) e utilizadas no músculo esquelético para a síntese de glutamina (desintoxicação temporária de amônia). Este último mecanismo é porque a manutenção da massa corporal magra (músculo) é essencial em pacientes com insuficiência
hepática, que são suscetíveis à hiperamonemia e EH. Vários quadros clínicos e mecanismos podem aumentar a concentração sanguínea de amônia e desencadear EH, inclusive desidratação (azotemia prérenal/renal), alcalemia,
hipopotassemia, hipoglicemia, catabolismo, infecção, PU/PD, anorexia, constipação intestinal, hemólise, transfusão sanguínea, hemorragia gastrintestinal, alto teor de proteínas na dieta e vários fármacos (benzodiazepinas, tetraciclinas,
antihistamínicos, metionina, barbitúricos, organofosforados, fenotiazinas, diuréticos [sobredose], metronidazol e alguns anestésicos).
Amônia pode influenciar vários sistemas de neurotransmissores diretamente (influência química) e indiretamente (disponibilidade de substratos alterados para transmissores). Há evidências substanciais de que os astrócitos desempenham
função importante na patogênese da EH. Amônia e outros produtos endógenos, citocinas inflamatórias e hiponatremia (associada à hipertensão portal) induzem edema em astrócitos, que pode ocasionar herniação e edema cerebral, mais
comum na insuficiência hepática aguda e EH aguda grave.
O objetivo do tratamento de encefalopatia hepática aguda é propiciar terapia de suporte e rápida redução das neurotoxinas produzidas no trato GI. Os animais com encefalopatia grave geralmente apresentamse comatosos ou
semicomatosos. Benzodiazepinas e outros sedativos não devem ser administrados. Deve–se suspender a alimentação até que a condição neurológica do animal melhore. Fluidos devem ser administrados (solução de glicose 2,5% e solução
salina 0,45% acrescidos de cloreto de potássio e vitaminas do complexo B) para corrigir a desidratação e os desequilíbrios ácidobase e eletrolíticos. Devese evitar o uso de solução lactato de Ringer porque insuficiência hepática pode
impedir o metabolismo de lactato e provocar acidose láctica. Devemse realizar enemas com água morna ensaboada, seguidos de enemas de retenção com lactulose (3 partes de lactulose ou lactiol para 7 partes de água, na dose de 20
ml/kg), solução de povidonaiodo 10% (20 ml/kg, enxaguar bem após 15 a 20 min) ou neomicina (22 mg/kg, misturada à água) ou metronidazol diluído (7,5 mg/kg suspensos em água, na dose de 10 a 20 ml/kg), a cada 8 h, até que o animal
responda neurologicamente. Enemas de retenção devem ser mantidos por 15 a 20 min, pelo uso de um cateter de Foley. A administração (oral ou retal) de Lactobacillus e Bifidobacillus vivos (próbioticos ou culturas vivas na forma de
iogurte) também pode auxiliar na eliminação de microorganismos produtores de amônia. Metronidazol, neomicina e solução povidona–iodo podem alterar a flora bacteriana do cólon, diminuindo a população de organismos produtores de
amônia. Porém, deve se ter cautela com o uso de neomicina na presença de doença intestinal inflamatória concomitante, uma vez que a maior absorção sistêmica pode elevar o risco de nefrotoxicidade e ototoxicidade (coclear). A dose de
metronidazol deve se restringir a = 7,5 mg/kg, a cada 8 h (combinando administrações oral e retal); doses maiores conferem risco de neurotoxicidade iatrogênica (inicialmente com sinais vestibulares).
Quando o animal está estabilizado, o objetivo do tratamento é evitar recidivas. Devem–se oferecer dietas restritas em proteínas (ver p. 440). Iogurtes probióticos e lactulose oral (0,1 a 0,5 ml/kg VO, 2 a 3 vezes/dia, dose inicial) podem
ser utilizados, com dose inicial ajustada para propiciar, diariamente, fezes moles do tipo pudim. Refeições com leite podem ter efeitos similares em alguns animais. O objetivo da administração de carboidratos não digeríveis é promover
fermentação no intestino. Organismos probióticos concentrados podem prevenir o crescimento e replicação de outras bactérias pela competição por substratos e inibição do crescimento associado ao pH (ácido) ou limpeza mecânica
(catarse) induzida por produtos de fermentação. Esses efeitos diminuem a absorção de amônia, substratos inflamatórios e oxidativos, lipopolissacarídios e outros produtos tóxicos intestinais que contribuem para a ocorrência de EH.
Na EH recalcitrante, recomendase terapia antimicrobiana, preferencialmente o metronidazol (7,5 mg/kg, VO, 2 vezes/dia) ou amoxicilina (13 a 15 mg/kg, VO, 2 vezes/dia), em vez de neomicina. A terapia antimicrobiana atua
sinergicamente com carboidratos não digeríveis para reduzir as toxinas intestinais.
Os sinais clínicos da EH podem ser exacerbados por hemorragia gastrintestinal, infecção, uso de glicocorticoides (maior catabolismo de proteínas teciduais), hipoglicemia, neoplasia, febre, azotemia ou desidratação (o aumento de BUN
eleva a produção intestinal de amônia), constipação intestinal (maior produção e absorção de toxinas no cólon), alcalose metabólica (favorecendo tanto a produção de amônia pelo rins quanto sua absorção na barreira hematencefálica) e uso
de diazepam e barbitúricos (neuroinibidores sinérgicos). O uso de antagonistas de receptores H2 e sucralfato, o controle de febre e infecção, hidratação adequada e uso mínimo (se algum) de anticonvulsivantes podem auxiliar no alívio das
complicações da EH.
HEPATITE CRÔNICA CANINA
A hepatite crônica que não envolve as estruturas biliares é mais comum em cães do que em gatos. Várias raças são predispostas, inclusive Bedlington Terrier, Labrador Retriever, Cocker Spaniel, Doberman, Skye Terrier, Poodle Standard e
West Highland White Terrier. Embora se conheça a etiologia de algumas categorias de hepatite crônica, na maioria dos casos a causa é desconhecida. São comuns acúmulo de cobre e de ferro nas células de Kupffer, em cães com hepatite
crônica. A quantidade de metal acumulado e sua localização acinar podem auxiliar a determinar se representam causas da doença ou são secundárias à lesão hepática.
Outras afecções associadas incluem hepatite infecciosa canina, hepatite crônica secundária a enfermidades infecciosas e exposição crônica a xenobióticos (inclusive algumas drogas, toxinas biológicas e químicas). Preferese uma
terminologia que reflita a etiologia específica ou predileção racial, tal como hepatite crônica induzida por drogas, hepatite infecciosa crônica, hepatite crônica associada a cobre em cães da raça Bedlington Terrier etc. Utilizase o termo
hepatite idiopática crônica quando a etiologia não é identificada.
As alterações histopatológicas são semelhantes em todos os casos de hepatite crônica, independente da causa primária, e incluem inflamação linfocíticaplasmocitária, com infiltrados excedendo o parênquima hepático, necrose em partes,
e em muitos casos, necrose em ponte; nos casos avançados, notam–se fibrose e regeneração nodular.
Hepatite Crônica Específica de Raça
LABRADOR RETRIEVER: Esta raça popular é predisposta à hepatite crônica. Características clínicas ao diagnóstico (em ordem de maior frequência) incluem icterícia, inapetência, vômito, letargia e perda de peso, com alguns cães mostrando
desconforto abdominal, PU/PD ou ausência de sinais relevantes de hepatite. Características laboratoriais comuns incluem volume globular (VG) normal, leucocitose, aumento de ALT (10 vezes) e ALP (5 vezes), nenhum ou modesto
aumento de AST e GGT, bilirrubina aumentada, TTPA prolongado e glicosúria transitória. Imagens ultrassonográficas normalmente revelam nódulos parenquimais hipo e hiperecoicos, diminuição do tamanho do fígado subjetiva e, menos
frequentemente, bordas hepáticas irregulares e ascite. Em alguns cães, observase retenção hepatocelular difusa de cobre associada à inflamação grave difusa.
O tratamento é baseado na interpretação dos resultados verificados em amostras obtidas por biopsia hepática (colorações de rotina e específicas para cobre) e quantificação tecidual da concentração de cobre. Quelação de cobre e restrição
da ingestão desse metal (alimento e água) propicia a remissão completa dos sinais clínicos em cães que não apresentam uma reação inflamatória não supurativa evidente, mas que apresentam alta concentração hepática de cobre (> 800 μg/g
peso seco do tecido). A resposta ao tratamento é rápida e dramática, se a doença é diagnosticada precocemente, porém a hepatopatia associada ao cobre requer manutenção por toda a vida (p. 465). Animais da raça Labrador Retriever que
apresentam hepatite crônica imunomediada não supurativa e não associada a acúmulo de cobre são tratados por toda a vida como acontece na hepatite crônica idiopática (ver texto anterior). A resposta ao tratamento pode ser evidente, sendo
especialmente efetiva quando o diagnóstico é precoce.
DOBERMANN PINSCHER: A hepatite crônica e cirrose dos cães da raça Dobermann Pinscher é uma doença idiopática. A doença afeta, principalmente, fêmeas de meiaidade. A retenção de cobre parece ter alguma função em alguns cães e
pode ser resultado de diminuição na excreção biliar secundária a colestase induzida por doença e não a um distúrbio primário. Hepatite imunomediada e não supurativa também foi caracterizada.
Em cães com doença avançada, os sinais clínicos incluem doença cíclica envolvendo anorexia, perda de peso, vômito, diarreia, icterícia, poliúria e polidipsia, coagulopatias (melena, epistaxe), esplenomegalia, microhepática, ascite e
encefalopatia hepática. As alterações laboratoriais incluem anemia não regenerativa, leucocitose, trombocitopenia, aumento das atividades de ALP e ALT, hiperbilirrubinemia, hipoalbuminemia, TTPA prolongado e efusão abdominal
transudativa pura ou modificada. Ultrassonografia pode indicar lesões nodulares no fígado.
A biopsia hepática é necessária para o diagnóstico definitivo; alguns cães apresentam apenas uma aparente hepatite não supurativa imunomediada, enquanto outros apresentam retenção patológica de cobre com lesão hepática associada.
O tratamento de cães com hepatite não supurativa imunomediada inclui imunomodulação com prednisona (1 a 2 mg/kg/dia, por várias semanas, gradativamente ajustada para 0,5 mg/kg/dia, se possível em dias alternados) e antioxidantes,
com ou sem azatioprina. Em cães com fibrose em desenvolvimento, o uso de fosfatidilcolina polinsaturada é também recomendado (25 a 50 mg/kg VO, com alimento). O suporte nutricional depende da presença de encefalopatia hepática e
da necessidade de restrição de cobre. O prognóstico geralmente é ruim para cães diagnosticados com hepatite não supurativa avançada. Cães diagnosticados precocemente podem alcançar remissão por vários anos. O prognóstico para cães
com hepatopatia aparente associada ao cobre pode ser bom, se a doença é diagnosticada precocemente.
COCKER SPANIEL: A hepatite crônica em cães da raça Cocker Spaniel está associada à hepatopatia degenerativa vacuolar relacionada com uma inflamação de interface não supurativa. A doença avançada está associada à hiperplasia biliar
marcante e fibrose. Achados clínicos comuns incluem início abrupto de anorexia, perda de peso, letargia, vômito, diarreia variável (com ou sem melena), icterícia, PU/PD e encefalopatia hepática. As alterações laboratoriais mais comuns
são anemia discreta, leucocitose; atividade aumentada de ALT, AST e FA; coagulopatia; redução do BUN e, em alguns cães, hiperbilirrubinemia. Cães sem icterícia apresentam alta concentração de ABTS. A efusão abdominal é um
transudato puro ou modificado. Macroscopicamente, o fígado se apresenta pequeno e firme, com vários nódulos regenerativos, grandes e pequenos. Cirrose micro e macronodular e hepatite periporta crônica foram identificadas. Alguns cães
apresentam teor de cobre moderado ou alto (nas colorações específicas para cobre), o que acreditase representar retenção de cobre secundária à colestase e lesão hepatocelular. Coloração imunoistoquímica positiva para a1antitripsina, com
hepatócitos vacualizados, é achado comum. Não está claro se um defeito genético específico é a base desta hepatopatia.
O tratamento inclui medidas de suporte e terapia sintomática, e utilizase um protocolo balanceado como descrito para a hepatite crônica. Imunomodulação precoce com glicocorticoides (antes de diagnóstico de doença hepática, os
glicocorticoides era prescritos para distúrbios de pele e auditivos) tem, aparentemente, prolongado a sobrevida de animais infectados. Entretanto, em cães com hipoalbuminemia ou ascite, os glicocorticoides são poucos tolerados e podem
causar melena, ascite, encefalopatia hepática etc. Se o tratamento com glicocorticoides seja uma tentativa, devese utilizar dexametasona em vez de prednisona para evitar os efeitos mineralocorticoides. Recomendase também o uso de
ácido desoxicólico, vitamina E, SAMe, fosfatidilcolina polinsaturada e suporte nutricional ajustado individualmente. Urestotomia permanente pode ser necessária em cães, machos, que desenvolvem cálculo de biurato de amônio. O sucesso
do tratamento em cães gravemente acometidos tem sido possível por vários anos. A necessidade de tratamento para retenção de cobre é baseada nas colorações específicas e quantificação deste mineral.
SKYE TERRIER: Três relatos de hepatite em cães Skye Terrier, um caracterizando a doença em nove cães relacionados, não mencionaram predileção por idade ou sexo e os sinais clínicos variaram de assintomáticos até insuficiência hepática
em estágio final, por ocasião do diagnóstico. Foram descritos três diferentes estágios de doença hepática: inflamação discreta sem evidência de cirrose ou acúmulo de cobre até cirrose macronodular avançada, colestase e acúmulo marcante
de cobre.
Hepatite Crônica Idiopática
A hepatite crônica idiopática é definida como uma hepatopatia necroinflamatória crônica, autoperpetuante associada a infiltrado inflamatório não supurativo. Para se qualificar como idiopática, uma causa primária deve ter sido arduamente
buscada, porém não ainda definida. A hepatite autoimune se inclui nesta classificação. Devese investigar anticorpo antinuclear, título ou antígeno para doenças infecciosas endêmicas, exposição a drogas ou toxinas e histórico familiar,
alimentar e ambiental. A maioria dos animais acometidos tem meiaidade ou mais velhos. Não há predileção por raça ou sexo.
Os sinais clínicos incluem extremos variáveis de anorexia, letargia, vômitos, diarreia, perda de peso, icterícia, poliúria e polidipsia e, em casos graves ou de doença avançada, ascite, coagulopatias e HE. As anormalidades laboratoriais
mais precoces são aumento persistente ou cíclico de ALT, AST, ALP e GGT. Com o avanço da doença, concentrações aumentadas de ABTS são seguidas de hiperbilirrubinemia. Outros achados podem incluir anemia não regenerativa,
leucocitose e hiperglobulinemia. Nos estágios mais tardios da doença, a hipertensão portal causa desvio portossistêmico e marcadores laboratoriais associados à microcitose eritrocitária, hipocolesterolemia, hipoalbuminemia,
prolongamento de TTPA e/ou TP e cristalúria com biurato de amônio. Neste estágio, os sinais evidentes de HE podem ser reconhecidos. Nos estágios iniciais, o tamanho do fígado está normal e pode não haver lesões ultrassonográficas
demonstráveis. No estágio final da doença, radiografias podem mostrar um fígado reduzido com lesões nodulares detectadas ao exame ultrassonográfico.
O diagnóstico definitivo é estabelecido por biopsia hepática, com colorações histológicas para detalhar infiltrados inflamatórios, fibrose e remodelamento e acúmulo de ferro e cobre. Aumentos inexplicáveis, persistentes e prolongados,
nas enzimas hepáticas normalmente indicam necessidade de biopsia do fígado. As amostras obtidas por biopsia devem ser enviadas para cultura aeróbica e anaeróbica e quantificação de ferro, zinco e cobre. A coloração para cobre deve ser
confrontada com os teores quantitativos do metal. A biopsia do fígado deve ser ampla o suficiente para obter pelo menos 15 tríades portais contíguas e deve ser coletada de vários lóbulos hepáticos. Amostras coletadas apenas de “massas
lesionadas” podem induzir a diagnóstico errado.
Tratamento de suporte (nutricional e suplementação vitamínica) e uso de terapia específica para reduzir a inflamação e fibroplasia e restabelecer o estado antioxidante são recomendados. Antibióticos são inicialmente prescritos
empiricamente até que os resultados das culturas histológicas e teciduais estejam disponíveis e são continuados com base nos resultados da cultura. O tratamento adicional inclui ácido ursodesoxicólico (15 a 20 mg/kg, VO, 2 vezes/dia,
administrado com alimentos), fosfatidilcolina polinsaturada como antifibrótico (25 a 50 mg/kg, VO, com alimentos), vitamina E (10 UI/kg, 1 vez/dia, com alimento) e SAMe (20 a 40 mg/kg, VO, em jejum).
O uso de drogas imunossupressoras é indicado apenas depois de considerações cuidadosas sobre as causas infecciosas ou tóxicas, quando o processo ativo da doença é caracterizado pela biopsia hepática. Prednisolona ou prednisona é
normalmente iniciada na dose de 1 a 4 mg/kg, por 7 a 10 dias, seguidas de ajuste para diminuição, para manutenção, na dose de 0,5 a 1 mg/kg, 1 vez/dia ou em dias alternados, dependendo da resposta do paciente. Uma droga
imunomoduladora adicional é também administrada para reduzir a dose de glicocorticoides e os efeitos adversos de cada fármaco e para alcançar os efeitos imunossupressores multimodais. Reações adversas dos glicocorticoides na doença
hepatobiliar crônica incluem retenção de sódio e água (que pode exacerbar ou promover ascite), efeitos catabólicos (que podem causar EH), úlcera gastrintestinal e sangramento intestinal (que podem precipitar EH), pancreatite,
predisposição a infecções secundárias, intolerância à glicose e hiperadrenocorticismo e HV iatrogênicos.
Azatioprima é mais comumente utilizada na dose de 1 ou 2 mg/kg, 1 vez/dia, por 3 a 5 dias e, em seguida, em dias alternados. Efeitos benéficos não são observados antes de 8 semanas. Como a azatioprima a pode causar supressão da
medula óssea e toxicidade gastroentérica, avaliações frequentes como acompanhamentos são imperativas. Se a azatioprima causa supressão aguda da medula óssea, o tratamento deve ser suspenso e reiniciado após a recuperação, com
redução da dose em 25 a 50%. Se a toxicidade à medula óssea é identificada apenas após a administração crônica, a azatioprima deve ser suspensa permanentemente. Pancreatite e hepatotoxicidade idiopática são efeitos adversos raros que
requerem suspensão do tratamento. Mofetila micoefenolato pode ser utilizado em cães que não toleram a azatioprima. A dose recomendada é 10 a 20 mg/kg, VO, 2 vezes/dia, por 7 a 10 dias, seguida de 1 vez/dia e, então, fazse ajuste da
dose com base na resposta do paciente. A suspensão da terapia imunossupressora não é recomendada em cães com hepatite crônica.
Uma remissão completa é difícil de ser avaliada clinicamente e pode exigir biopsia de acompanhamento. O prognóstico é muito variado. Alguns cães vivem = 5 anos após o diagnóstico inicial. Cães com ascite necessitam de uma dieta
restrita em sódio e tratamento com furosemida e espironolactona (ver p. 470). Cães com EH requerem modificação da dieta proteica e podem se beneficiar do uso de lactulose e administração de baixas doses de metronidazol.
Se hepatite imunomediada é considerada o diagnóstico definitivo, considerações cuidadosas devem ser feitas antes da administração rotineira de vacinas. A estimulação imune inespecífica pode influenciar negativamente a hepatite e
causar episódios da doença.
Hepatopatia Associada ao Cobre
A hepatopatia associada ao cobre é melhor caracterizada em animais da raça Belington Terrier. A doença é causada por uma mutação autossômica recessiva; programas de acasalamento cuidadoso orientado por biopsia hepática e teste
genético têm diminuído muito a sua ocorrência. A falha em excretar o cobre através do sistema biliar pode causar, inicialmente, lesões mínimas, mas pode progredir para hepatite crônica ou cirrose. O aumento de cobre acumulado é
detectado, pela primeira vez, em cães jovens com cerca de 1 ano de idade (normal: < 400 μg/g de fígado seco ou 400 ppm). Em cães acometidos, os teores de cobre aumentam progressivamente até cerca de 6 anos de idade, com teores
hepáticos de cobre alcançando até 12.000 μg/g. As lesões hepáticas geralmente são observadas quando o teor de cobre é > 2.000 ppm.
Há três manifestações clínicas distintas. A primeira é uma necrose hepática aguda, observada em cães da raça Bedlington Terrier < 6 anos de idade, com hepatomegalia, vômito, depressão, anorexia, icterícia, anemia hemolítica associada
a cobre e hemoglobinúria. A anemia hemolítica associada ao cobre ocorre na necrose hepática maciça (com rápida liberação de cobre na circulação sistêmica). O animal pode morrer 48 a 72 h após o início dos sinais clínicos. Se o cão
sobrevive, podem ocorrer episódios recidivantes, que podem ser induzidos por situações estressantes (p. ex., parto). A segunda manifestação clínica é uma hepatite crônica. Os sinais clínicos incluem perda de peso crônica, encefalopatia
hepática, ascite e icterícia. A terceira manifestação é observada em cães jovens clinicamente saudáveis, que apresentam elevação das enzimas hepáticas (ALT) e dos teores hepáticos de cobre, em amostras obtidas por biopsia hepática. A
afecção pode progredir para necrose hepática aguda ou hepatite crônica, ou o cão pode permanecer assintomático.
Testes genéticos são recomendados para a seleção de reprodutores da raça Bedlington Terrier. Entretanto, o diagnóstico definitivo de hepatopatia por acúmulo de cobre requer biopsia hepática em cães adultos, com coloração qualitativa
para cobre, associada a mensurações quantitativas do metal. Raramente, alguns cães Bedlington Terrier com hepatopatia aparente causada por acúmulo de cobre apresentam uma mutação genética especial não detectada nos testes genéticos
atuais.
Outros cães de raça pura também são ocasionalmente diagnosticados com hepatopatia aparente primária causada por cobre (especialmente Labrador Retriever, Dobermann, Pinscher, Dálmata), possivelmente associada à suplementação
de cobre na dieta. Uma causa genética não foi identificada nessas raças.
O tratamento de doença hepática causada por acúmulo de cobre requer terapia de quelação e ingestão de alimentos e água com teor limitado de cobre. O cobre da dieta deve ser reduzido a 0,1 mg de cobre/100 kcal da dieta; a água não
deve conter mais que 0,1 ppm (0,1 μg de cobre/l). Evite água de torneira que passa por cano de cobre, a qual pode conter maior quantidade de cobre, no primeiro fluxo de cada dia.
A administração de antioxidantes é importante porque o cobre induz lesões hepáticas por meio de danos oxidativos. A terapia de quelação com Dpenicilamina (15 mg/kg, VO, 2 vezes/dia, administrada 30 min antes das refeições, por = 6
meses) é o padrãoouro de tratamento. Depois disso, podese instituir terapia prolongada, reduzindo a dose de Dpenicilamina pela metade ou administrandoa na dose padrão, em dias alternados. A administração concomitante de piridoxina
(25 mg/dia) é aconselhável porque a Dpenicilinamina tem efeitos antipiridoxina (vitamina B6). Se a Dpenicilamina não é tolerada, podese utilizar trientina (5 a 7 mg/kg, VO, 2 vezes/dia, 30 min antes das refeições), porém devese ter
cautela porque a trientina induz insuficiência renal aguda em cães com hepatopatia grave causada por acúmulo de cobre.
Uma abordagem alternativa para o tratamento da hepatopatia causada por acúmulo de cobre é utilizar diariamente suplementação oral com acetato ou sulfato de zinco para inibir a absorção de cobre no trato gastrintestinal. A justificativa
deste tratamento é aumentar as opções alimentares. A zincoterapia não deve ser realizada junto com a terapia de quelação, uma vez que pode haver comprometimento da eficácia dos tratamentos. Informações sobre a eficácia da terapia
prologada de suplementação de zinco em cães gravemente acometidos são ainda limitadas. O zinco, administrado por via oral, pode não ser muito bem tolerado, provocando vômito, náuseas e inapetência. Se a zincoterapia é a mais
adequada para o tratamento prolongado em um cão específico, uma dose de ataque com zinco elementar de 5 a 10 mg/kg/dia é administrada em duas doses, 30 min antes das refeições. Concentrações plasmáticas de zinco são monitoradas
para garantir que o zinco circulante não está próximo de valores tóxicos (> 800 ppm). Após vários meses, as doses podem ser reduzidas para 2 a 3 mg/kg/dia, 2 vezes/dia.
Vitamina E (10 UI/kg/dia, VO) e SAMe biologicamente disponível (20 mg/kg/dia, VO, em jejum) são antioxidantes recomendados que também apresentam efeitos anti–inflamatórios. A vitamina C é contraindicada em casos de
hepatopatias por acúmulo de cobre porque pode favorecer os efeitos nocivos dos metais de transição.
Após a terapia de quelação, é essencial que o fornecimento de cobre tanto nos alimentos quanto na água seja limitada, por toda a vida do animal. O fornecimento de uma dieta e de fonte de água com restrição de cobre pode evitar a
necessidade de terapia de quelação ou com zinco, contínua. Várias rações disponíveis no mercado formuladas para cães com insuficiência hepática comparativamente apresentam restrição de cobre. Fórmulas com baixo teor de proteínas
podem ser suplementadas como fontes proteicas com baixo conteúdo de cobre para aumentar o consumo proteico. O uso dessas rações como base das refeições preparadas em casa é preferível ao uso de formulações não prescritas que
contêm alto teor de cobre.
HEPATOPATIA ASSOCIADA AO COBRE EM CÃES DA RAÇA DÁLMATA: Doença hepática grave por acúmulo de cobre foi observada em pequeno número de cães Dálmata. Os animais acometidos apresentavam 2 a 10 anos de idade e,
tipicamente, a doença era aguda. Os sinais clínicos variavam de ausência de sintoma até icterícia, ascite, HE e sinais gastrintestinais, inclusive inapetência progressiva e vômito (várias semanas). As características de diagnóstico incluíam
leucocitose variável, maior aumento de ALT e AST em relação a ALP, hiperbilirrubinemia e hipoalbuminemia e concentrações normais de glicose e colesterol. Glicosúria renal foi observada em alguns cães, compatível com lesão tubular
renal (síndrome de Fanconi transitória). Biopsia hepática revelou inflamação linfoplasmática neutrofílica mista e, em alguns casos, remodelamento tecidual extenso e necrose. As lesões teciduais estavam associadas à retenção difusa de
cobre. A gravidade da lesão hepática e o estado avançado da insuficiência hepática limitaram as opções de tratamento e a sobrevivência.
HEPATITE CRÔNICA COM OU SEM COBRE EM CÃES DA RAÇA WEST HIGHLAND WHITE TERRIER: Embora os cães da raça West Highland White Terrier mostram acúmulo excessivo de cobre, nem todos os animais com alto teor hepático de
cobre desenvolvem hepatite. Alguns cães com concentração de cobre no fígado muito aumentada morrem de velhice, sem qualquer lesão hepática necroinflamatória. Embora os cães da raça West Highland White Terrier com hepatite
crônica geralmente apresentam alta concentração de cobre tecidual, há diferenças em cães da raça Bedlington Terrier com hepatopatia causada por acúmulo de cobre: (1) o modo de herança ainda não foi determinado; (2) observase
acúmulo máximo de cobre aos 6 meses de idade e posteriormente pode diminuir; (3) a concentração hepática total de cobre é menor do que em cães da raça Bedlington Terrier; (4) não se observou anemia hemolítica.
No início da doença, ocorre hepatite focal e os cães geralmente permanecem assintomáticos. Hepatite crônica está associada à anorexia, náuseas, vômito, diarreia e, mais tardiamente, ascite. O aumento das enzimas hepáticas ocorre
primeiro com a doença focal, seguido de aumento da concentração de ABTS e hiperbilirrubinemia. As alterações histopatológicas incluem hepatite necroinflamatória, necrose e cirrose multifocal. A terapia objetiva o controle do cobre,
principalmente quando se nota uma associação entre inflamação e acúmulo de cobre (ver p. 462, para recomendações de tratamento).
HEPATITE DISSECANTE LOBULAR
A hepatite dissecante lobular é uma hepatopatia rara associada a infiltrados inflamatórios não supurativos intrassinusoidais, descrita principalmente em cães da raça Poodle padrão adolescentes a jovens adultos. Perda de peso e ascite, com
ou sem icterícia, são os sinais clínicos mais comuns. As alterações laboratoriais incluem hipoalbuminemia, hipocolesterolemia e aumento de ácidos biliares séricos em animais não ictéricos. As enzimas hepáticas podem estar normais ou
discretamente aumentadas. Desvios portossistêmicos múltiplos podem se desenvolver secundariamente à insuficiência hepática avançada e hipertensão portal. A doença pode progredir para cirrose. Os teores de cobre não estão
consistentemente elevados. Recomendase tratamento de suporte para encefalopatia hepática e ascite e controle de fibroplasia e inflamação, como mencionado. Colchicina (0,03 mg/kg, VO, 1 vez/dia ou em dias alternados) foi utilizada para
o controle da fibrose em alguns cães. Alternativamente, fosfatidilcolina polinsaturada (25 a 50 mg/kg/dia) pode ser utilizada como antifibrótico.
HEPATOPATIA VACUOLAR CANINA
Hepatopatia vacuolar (HV) é comumente diagnosticada em cães. É descrita como um distúrbio no qual os hepatócitos se tornam muito distendidos por glicogênio, com ou sem inclusões discretas de lipídios associados à membrana. HV,
caracterizada pelo acúmulo de glicogênio no citosol, está associada a hipoadrenocorticismo típico ou atípico ou liberação de corticosteroides endógenos em resposta a estresse, doença, inflamação ou neoplasia. Biopsia hepática é
normalmente realizada nesses pacientes devido ao aumento inexplicável da atividade sérica de fosfatase alcalina. As atividades das transaminases podem estar apenas modestamente aumentadas; GGT pode estar ou não aumentada. É
comum observar hematopoese extramedular intrahepática.
Radiografia abdominal pode revelar hepatomegalia ou alterações associadas à doença primária. Metástases ou vias respiratórias mineralizadas (hiperadrenocorticismo crônico) podem ser vistas na radiografia torácica. Ultrassonografia
revela hepatomegalia subjetiva e nódulos hepáticos hipoecoicos contra um fundo parenquimal hiperecoico; o então denominado “padrão de queijo suíço” não pode ser diferenciado de massas infiltrativas, fibrose hepática, hiperplasia
nodular, nódulos regenerativos ou cirrose. Em alguns casos, nódulos hepáticos macroscopicamente evidentes não podem ser identificados por ultrassonografia. HV normalmente é a lesão hepática primária em cães com hiperplasia nodular
idiopática e também é comum em cães com adenoma hepático ou mucocele biliar. HV progressiva se consolida em síndrome hepática clássica associada à lesão hepatocutânea (ver a seguir). A biopsia hepática é necessária para o
diagnóstico definitivo porque hepatócitos com vacúolos de glicogênio são também observados em hepatopatias necroinflamatórias.
O diagnóstico e o tratamento de qualquer doença primária em curso são fundamentais. O exame detalhado e cuidadoso de reações adversas a fármacos é necessário, enfocando–se aqueles fármacos associados a “fenômenos de indução”.
Esses devem ser suspensos e substituídos por tratamentos alternativos. Os clínicos devem investigar qualquer uso de medicamentos holísticos ou fitoterápicos que podem favorecer os efeitos sistêmicos de glicocorticoides ou ACTH.
O suporte nutricional é importante e deve ser individualizado. Na maioria dos casos, ingestão normal de nitrogênio é apropriada. HV em cães com hiperlipidemia requer tratamento com uma dieta pobre em gorduras (< 2 g de gordura/100
kcal de dieta). Uma dieta restrita em proteínas não deve ser administrada, exceto quando indicada (p. ex., constatação de encefalopatia hepática). Na verdade, a restrição proteica pode agravar esta lesão hepática, especialmente se está
associada a hipoaminoacidemia, como na síndrome hepatocutânea. Recomendase suplementação de vitaminas hidrossolúveis a todos os cães. Antioxidantes também devem ser fornecidos; ácido ursodeoxicólico é recomendado quando há
aumento da concentração de ABTS.
HEPATOTOXINAS
Embora várias drogas sejam associadas à disfunção hepática, sua influência nas doenças do fígado varia dependendo da fisiopatologia da lesão hepática e do distúrbio circulatório ou metabólico da zona acinar.
Primidona, fenitoína e fenobarbital podem causar insuficiência hepática fulminante, hepatopatia colestática crônica ou VH degenerativa, progressiva e difusa, levando à necrose metabólica epidérmica (também conhecida como eritema
migratório necrolítico ou efeito fenobarbital). VH (hepatopatia esteroide) normalmente é uma alteração benigna e reversível associada à terapia glicocorticoide de longa duração com altas doses. Entretanto, administração prolongada de
glicocorticoides em doses excessivas podem causar VH degenerativa, difusa e grave, ocasionando icterícia em cães e lipidose hepática (LH) em gatos. Aumento de fosfatase alcalina (ALP) e, em menor grau, de alanina aminotransferase
(ALT) são observados dentro de 2 dias após a administração de glicocorticoides em cães, mas não em gatos.
Lomustina, um quimioterápico utilizado em cães, causa hepatite idiossincrática progressiva e imprevisível, culminando em cirrose.
Danazol, um andrógeno, pode causar icterícia idiossincrática reversível em cães.
Anabolizantes andrógenos podem causar LH em gatos inapetentes ou em gatos que recebem dieta com restrição de proteína.
Tiacetarsamida, previamente utilizada no tratamento de dirofilariose, causa hepatotoxicidade devido seu conteúdo de arsênico.
Toxicidade está associada a aumento da atividade de ALT e, em alguns cães, icterícia. Enzimas hepáticas elevadas foram utilizadas como indicadores de suspensão de tratamento, após a cura da lesão hepática. Relatase que a
hepatotoxicidade idiossincrática associada ao mebendazol em cães causa necrose hepática aguda e fatal ou hepatite crônica. Administração crônica de oxibendazoldietilcarbamazina em cães causou aumento na atividade de ALT e ALP,
hiperbilirrubinemia, hepatite periporta e fibrose. As lesões progressivas e os sinais clínicos se resolvem com a suspensão dos medicamentos.
Muitos antiinflamatórios não esteroides (AINE) são tóxicos às mitocondriais e algumas estão associados à toxicidade hepatocelular idiossincrática aguda. Em particular, relatase que o carprofeno causou necrose hepática idiossincrática
em alguns cães, especialmente da raça Labrador Retriever. Cães podem se recuperar completamente se a toxicidade é detectada precocemente e a administração da droga suspensa. Em cães, a combinação trimetoprimasulfadiazina também
pode causar hepatotoxicidade idiossincrática, que pode envolver componentes imunomediados. Hepatopatia colestática reversível ou necrose maciça fatal aguda/subaguda foi observada, às vezes, após alguns tratamentos nas doses
recomendadas. Halotano e metoxiflurano também podem estar associados a reações de sensibilização que levam à necrose hepática em cães. Xilitol também pode ser uma hepatotoxina intrínseca em cães; a ingestão de pequena dose
ocasiona hipoglicemia não tratável e insuficiência hepática letal. A intoxicação pode levar a óbito, antes mesmo do aumento das atividades das enzimas hepáticas.
Tetraciclinas raramente induzem necrose idiossincrática em cães e gatos e aumentam o acúmulo lipídico hepatocelular. Itraconazol e cetoconazol em cães e gatos podem causar hepatopatia idiossincrática associada à atividade elevada das
enzimas hepáticas e icterícia. Sinais clínicos se resolvem quando os fármacos são descontinuados.
Paracetamol causa, previsivelmente, necrose hepática centrolobular em cães que recebem doses > 200 mg/kg. Metemoglobinemia é também notada. A intoxicação em gatos é aguda, em dose muito baixa (56 mg/kg), com sinais
hematológicos predominantes (p. ex., metemoglobinemia e hemólise por corpúsculos de Heinz) (ver p. 3042).
A hepatotoxicidade por metimazol em gatos parece ser idiossincrática, porém pode envolver também mecanismos imunológicos; pode causar necrose e degeneração hepatocelular. Características clínicas incluem inapetência, icterícia e
atividade aumentada das enzimas hepáticas (ALT, AST), que é reversível após suspensão da droga.
Em gatos, hiperbilirrubinemia e aumento de ALT associados a griseofulvina também parecem idiossincráticos. Os sinais clínicos e as lesões hepáticas geralmente são reversíveis após suspensão da droga. Toxicidade idiopática por
diazepam em gatos pode causar necrose e insuficiência hepática maciça aguda fatal associada à necrose panlobular; sinais de toxicidade são evidentes após alguns dias do início da administração da droga. A toxicidade tem sido
principalmente observada após a administração oral para induzir modificação do comportamento ou no tratamento de doença do trato urinário inferior de felinos. Hepatotoxicidade idiossincrática por diazepam normalmente é fatal em gatos.
O monitoramento proativo das enzimas hepáticas pode identificar precocemente as reações adversas, permitindo a pronta descontinuação do fármaco. Toxicidade semelhante foi observada com oxazepam.
Xenobióticos específicos tóxicos ao fígado incluem aflatoxinas, toxinas derivadas dos cogumelos do gênero Amanita e as algas azulesverdeadas (microcistinas) e cicades (palmeiras normalmente vendidas como bonsais). Embora a
toxicidade seja rara, pode causar necrose hepáti ca fatal. Outras substâncias químicas descritas como hepatotóxicas compreendem metais pesados e alguns herbicidas, fungicidas, inseticidas e raticidas (ver p. 2998 e seguintes).
As medidas importantes para minimizar a absorção de toxinas ingeridas ou uma superdosagem de drogas orais incluem descontaminação vigorosa do estômago e intestino por meio de lavagem gástrica, indução de vômito e diminuição da
sua absorção. Os vômitos podem ser induzidos 30 min a 2 h após a ingestão da substância, por meio da administração de peróxido de hidrogênio (5 ml, VO, a cada 15 min) ou de xarope de ipeca (1 a 2 ml/kg) ou apormorfina. A
administração de carvão ativado sem sorbitol (2 g/kg, repetidos a cada 6 a 8 h) pode ser administrada para reduzir a absorção, apenas em animais conscientes. Carvão ativado também pode ser administrado como enema de alta retenção.
Enemas de limpeza de cólon devem também ser realizados usando fluidos poliônicos aquecidos, em animais desidratados. Se não há tratamento específico para a hepatotoxina, devese fornecer terapia de suporte.
HIPERPLASIA NODULAR
A hiperplasia nodular tem sido descrita como uma alteração benigna e relacionada com a idade, em cães. Normalmente está associada a VH e pode ser confundida histologicamente com adenoma hepático. A hiperplasia nodular não causa
doença clínica, mas é frequentemente acompanhada de aumentos das atividades de enzimas hepáticas, principalmente ALP. A menos que o fígado seja difusamente remodelado com lesões nodulares (secundárias à VH degenerativa), a
concentração de ABTS é normal. Na ultrassonografia, a hiperplasia nodular está associada a grupos de nódulos hepáticos hipoecoicos contra um plano de fundo hiperecoico. A citologia de um aspirado pode diferenciar células neoplásicas e
células inflamatórias, mas não é possível excluir nenhuma das anormalidades. Biopsia é necessária para diferenciação entre nódulos de massa regenerativa, cirrose ou neoplasia.
HIPERTENSÃO PORTAL E ASCITE
Ascite se desenvolve secundária à hipertensão portal e baixa concentração de albumina. Respostas fisiológicas desencadeadas para manter a normovolemia e perfusão esplâncnica induzem sinais sistêmicos para conservação de sódio e
água.
Hipertensão portal representa o impedimento da dinâmica circulatória do fluxo de sangue craniano pelo fígado. Causas pré–hepáticas incluem estenose, restrição ou trombos envolvendo a veia porta extrahepática. Causas intrahepáticas
incluem: sequela de hepatite crônica resultando na colagenização e capilarização dos sinusoides hepáticos, acúmulo de tecido conectivo encapsulando tríades portais e vênulas hepáticas (área centrilobular), remodelação da arquitetura do
fígado pela formação de nódulos regenerativos (cirrose), oclusão vascular das veias hepáticas ou portais (p. ex., trombo, neoplasias, vasculite) ou disseminação difusa de células neoplásicas dos sinusoides ou materiais de armazenamento
(amiloide, glicogênio) nos hepatócitos. Arterização do parênquima hepático por fístula intrahepática arteriovenosa raramente ocasiona hipertensão portal e ascite. Causas póshepáticas incluem obstrução do fluxo sanguíneo para fora do
fígado através da veia hepática; isto pode ter início no coração (p. ex., insuficiência cardíaca direita, coração triatriado direito, hemangiossarcoma do átrio direito), pericárdio (p. ex., pericardite restritiva, tamponamento pericárdico) ou veia
cava (p. ex., trombo, dobra congênita, dirofilariose na veia cava).
Em todos os casos de hipertensão portal hepática, hipoperfusão portal intrahepática está associada à arterialização hepática. A perfusão arterial hepática é compensada para manter a circulação nos órgãos e causa fluxo sanguíneo
hepatofugal (reverso) na circulação porta e formação de desvios portossistêmicos adquiridos.
(APSS). Desequilíbrio compensatório na homeostase de sódio e água normalmente se torna aparente com o início da hipertensão portal associada a concentrações subnormais de albumina. Efusão ascítica associada a hepatopatias é
normalmente caracterizada por um transudato puro ou modificado (albumina sérica < 1,8 g/dl).
O primeiro passo no controle de ascite é restrição de sódio na dieta. Recomendase ingestão de = 100 mg/100kcal (25 mg/kg/dia; < 0,1%, com base na matéria seca do alimento). No entanto, as dietas com restrição de sódio,
isoladamente, com frequência não são suficientes e o início de seu efeito é muito lento para um controle eficiente. Portanto, recomendase o uso de diuréticos. A terapia diurética deve ser direcionada para reduzir lentamente a ascite sem
causar desidratação, alcalose metabólica e hipopotassemia. Recomendase redução da ascite equivalente a = 1,0 a 1,5% do peso corporal total/dia. Inicialmente se recomenda terapia dupla com furosemida (1 a 2 mg/kg, VO, 2 vezes/dia) e
espironolactona (dose de ataque de 2 a 4 mg/kg, 2 a 3 doses e, então, 1 a 2 mg/kg, VO, 2 vezes/dia). Reavaliação a cada 7 a 10 dias permite um ajuste cuidadoso das doses de diuréticos. A associação de um diurético de alça com
espironolactona reduz o risco de hipopotassemia iatrogênica.
Se a ascite demora para se resolver, a mensuração da excreção fracionada urinária de sódio pode auxiliar a determinar se a restrição dietética e as doses de diuréticos são adequadas. Se a ascite causa distensão abdominal, comprometendo
a respiração, o apetite e o conforto do paciente, recomenda–se abdominocentese. A administração de fluidos (hetamilo) reduz o risco de disfunção circulatória pósdiurese que se desenvolve cerca de 12 h após a remoção da efusão, quando
os fluidos são novamente equilibrados (hipotensão, piora da hipoalbuminemia). Entretanto, a infusão de hetamilo aumenta o risco de hemorragia devido à redução da agregação plaquetária. Devese remover o mínimo possível de fluido
ascítico, suficiente para manter o animal confortável. A redução da pressão abdominal aumenta a perfusão renal e o débito cardíaco e melhora a resposta do tratamento diurético. Em muitos casos, assim que o fluido é mobilizado, diuréticos
devem ser utilizados intermitentemente, desde que a atenção à restrição de sódio na dieta seja mantida.
INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA FULMINANTE
Insuficiência hepática fulminante é uma síndrome definida pela perda abrupta da função hepática associada à encefalopatia hepática (HE) e coagulopatia. Tratamento precoce e apropriado é crítico. Na hepatopatia crônica e em estágio final
e na hepatopatia aguda sem causa primária aparente, o tratamento fornece cuidado de suporte e ganho de tempo para regeneração e compensação hepática.
Tratamento específico deve ser administrado se uma causa primária é definida. Descontaminação das superfícies oral, dérmica e intestinal é mandatória se a exposição a toxinas ocorreu dentro de 36 h. Se um efeito adverso de fármaco é
implicado, a administração do fármaco em questão deve ser suspensa e antídotos investigados. Infecção com risco de morte, edema cerebral e coagulopatias são as principais complicações.
Atenção a fluidos, eletrólitos, condição ácidobase, estado glicêmico e suporte nutricional aumentam a chance de sobrevida. Solução de lactato de Ringer deve ser evitada, uma vez que insuficiência hepática pode impedir o metabolismo
de lactose e provocar acidose láctica. Vômito crônico e diarreia podem levar a desidratação, hipopotassemia, hipocloremia e alcalose metabólica. Alcalose e hipopotassemia podem aumentar a produção de amônia renal, potencializando a
HE. Neuroglicopenia pode induzir efeitos neurológicos que contribuem para a HE. Administração de solução de NaCl 0,9% suplementada com vitaminas e glicose normalmente é uma primeira escolha segura. Dextrose (2,5%) e potássio
(escala de potássio) devem ser adicionados cuidadosamente aos fluidos suplementados com vitamina hidrossolúveis de uso IV (vitaminas do complexo B solúvel, na dose de 2 ml/l de fluido).
Em gatos, uma injeção de vitamina B12 (dose total de 250 a 1.000 μg IM ou SC) deve ser utilizada na suspeita de doença intestinal grave, doença pancreática ou inanição. Deficiência de tiamina pode provocar sinais
neurocomportamentais similares aqueles da HE. Enquanto a hiperglicemia deve ser evitada porque ela pode piorar o edema cerebral, euglicemia deve ser estabelecida antes da administração de tiamina; por outro lado, neuroglicopenia pode
agravar os sinais neurológicos e causar lesões neurológicas mais extensas. Tiamina pode ser suplementada por VO ou com fluidos IV, lentamente, (solução de vitamina B solúvel fortificada), em gatos; recomendase dose de 25 a 100
mg/dia.
Antibióticos de amplo espectro devem ser administrados empiricamente se HE, insuficiência renal ou componentes da síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS) são identificados.
Na maioria dos casos, Nacetilcisteína é administrada nos dois primeiros dias para fornecer cisteína para a síntese de glutationa, para melhorar a perfusão na microcirculação e para proteger contra o desenvolvimento de SRIS. Uma dose
de ataque (140 mg/kg) é inicialmente administrada através de um filtro de 0,25 μm, ao longo de 20 min; infusão prolongada pode precipitar hiperamonemia. Portanto, 70 mg/kg é administrada por via intravenosa em intervalos de 6 a 8 h,
por 2 dias. Raramente se desenvolve efeitos adversos em cães, na forma de urticária, brotoejas pruriginosas, vômito e, mais gravemente, edema angioneurótico.
Quando medicação oral é tolerada, recomendase Sadenosilmetionina biologicamente disponível (SAMe) é recomendada a 20 a 40 mg/kg/dia, VO, administrada em jejum, para manter teor hepático adequado de glutationa.
Vitamina K1 (0,5 a 1,5 mg/kg, IM ou SC) é administrada em 3 doses, em intervalos de 12 h. Também, indicase a inibição da secreção de ácido gástrico com antagonista de receptor de histamina H2 (p. ex., famotidina) ou inibidores da
bomba de prótons (p. ex., omeprazol). Na constatação de tendência hemorrágica, pode ser necessário plasma recémcongelado ou crioprecipitados (para vWF e fibrinogênio). Acetato de desmopressina (DDAVP, 0,3 μg/kg, IV diluído a em
salina 10%) pode, às vezes, cessar a hemorragia por melhorar a hemostase primária.
O desenvolvimento de edema cerebral é multifatorial, complexo e não completamente entendido. A cabeça e o pescoço devem ser mantidos em posição neutra, evitando a compressão do fluxo sanguíneo da jugular. A elevação da cabeça
e do pescoço pode reduzir a pressão intracraniana e a pressão hidrostática do fluido cerebroespinal. Cateter venoso central aumenta o risco de hemorragia iatrogênica grave, o que pode necessitar o uso de bandagem de compressão.
Hiperventilação espontânea mantém alcalose respiratória discreta que promove vasoconstrição da artéria cerebral; isto tende a reduzir a pressão intracerebral. Hipoxia deve ser evitada devido ao seu efeito associado à vasodilatação cerebral.
Manitol (0,25 a 0,5 g/kg, administrado como bolus IV) pode auxiliar na redução do edema cerebral; o bolus pode ser repetido se a osmolalidade sérica não está aumentada. Furosemida (0,5 a 1 mg/kg, a cada 6 a 8 h) foi utilizada para
aumentar a eliminação renal de sódio e água. O uso de hipotermia, coma por barbitúricos, salina hipertônica ou infusão de flumazenil não é recomendado.
LIPIDOSE HEPÁTICA FELINA
A lipidose hepática (LH) causa mais comum de doença hepática em felinos potencialmente letal, é uma síndrome multifatorial. Na maioria dos casos, uma doença primária causa anorexia e induz o estágio de LH em gatos
sobrecondicionados. A mobilização de gordura periférica que excede a capacidade hepática tanto de redistribuir quanto de utilizar gordura para βoxidação (produzindo energia) leva a uma expansão marcante dos hepatócitos, pelo acúmulo
de triglicerídios. Em alguns casos, a inapetência é causada por estresse ambiental, como programas forçados de perda de peso com mudanças inaceitáveis da dieta, transferência para uma nova moradia com novos donos, perda ou
introdução de novos animais de estimação ou membros na família, transporte, confinamento acidental (p. ex., ficar trancado na garagem, porão ou sótão) ou gato criado em residência e que se perde, fora de casa. O termo “LH idiopática” é
apropriado quando uma condição ou evento primário que levou à inapetência não pode ser identificado.
A LH não apresenta componente necroinflamatório e a colestase grave é causada por compressão canicular secundária à distensão vacuolar por triglicerídios presentes nos hepatócitos. A síndrome está associada a várias deficiências
metabólicas, inclusive baixo teor de glutationa hepática ou eritrocitária e baixas concentrações plasmáticas de taurina, bem como de vitamina K1, causando coagulopatias em alguns gatos, deficiência de cobalamina e/ou tiamina e
provavelmente depleção de outras vitaminas do complexo B e anormalidades eletrolíticas.
Os sinais clínicos são variáveis, mas podem incluir drástica perda de peso (> 25%, pode incluir deficiências por desidratação), vômitos, letargia, ptialismo, palidez, ventroflexão do pescoço, hepatomegalia, icterícia, gastroparesia e íleo
adinâmico (devido às alterações eletrolíticas) e retenção de gordura omental e falciforme, apesar da diminuição da gordura periférica. Diarreia é comum em gatos com LH e com doença intestinal inflamatória ou linfoma intestinal como
doença primário. Sinais clássicos de LH não são observados e cristalúria com biurato de amônio é rara, embora tendências a hemorragia possam surgir. Deficiência de vitamina K1 foi confirmada em vários casos de LH felina pela
constatação de tendências a sangramentos e resolução de anormalidades nos testes de coagulação após reposição de vitamina K1.
As alterações laboratoriais refletem a síndrome LH, assim como as doenças primárias. Anemia não regenerativa, poiquilocitose, aumento do número de corpúsculos de Heinz eritrocitários, contagem variável de leucócitos,
hiperbilirrubinemia e bilirrubinúria; aumento discreto a moderado de AST e ALT e aumento significativo de ALP são comuns. Em gatos com doença necroinflamatória primária envolvendo pâncreas, fígado, ductos biliares ou vesícula
biliar, a atividade de GGT se eleva muito, excedendo o aumento normal de ALP. Nas outras condições causadoras de LH, a atividade de GGT é normal ou apenas modestamente aumentada. A relação GGT:ALP é útil na diferenciação de
colangite/colangioepatite subjacente e outras doenças que acometem os ductos biliares. GGT elevada também prediz se há indicação para biopsia hepática ou pancreática. Dependendo dos distúrbios primários, podese notar
hipoalbuminemia. Podese notar prolongamento do tempo de protrombina (TP) ou do tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA); o tempo de coagulação de PIVKA é mais sensível para a detecção de deficiência de vitamina K1. Nos
estágios iniciais da síndrome LH, o valor de ABTS é anormal, antes do início aparente de icterícia (esta condição é raramente verificada). Efusão peritoneal é rara, porém quando observada representa a doença primária ou sobrecarga de
fluido iatrogência.
Avaliação ultrassonográfica revela parênquima hepático homogêneo e hiperecoico e hepatomegalia subjetiva. A hiperecogenicidade é determinada comparando o parênquima hepático e a gordura falciforme. Os rins também podem
aparecer hiperecoicos devido à vacuolização da gordura tubular. O exame ultrassonográfico deve pesquisar cuidadosamente todo o abdome para avaliar evidências de doença primária e inclui a avaliação de trato biliar, vesícula biliar,
pâncreas, espessamento das paredes intestinais, linfonodos hepáticos e intestinais, rins, bexiga e exame detalhado para observar cálculos renais ou urocistólitos.
O diagnóstico definitivo se baseia no histórico, achados de exame físico, características laboratoriais, aparência ultrassonográfica do fígado e citologia hepática por aspiração. Biopsia do fígado não é necessária; entretanto síndrome
colangite/colangioepatite primária ou linfoma hepático pode requerer biopsia para um diagnóstico definitivo. Preparações citológicas mostram distensão vacuolar marcante dos hepatócitos envolvendo > 80% destas células. Colestase
canalicular é comumente observada.
O tratamento de LH tem por objetivo corrigir as deficiências de fluidos e eletrólitos e metabólicas e iniciar o fornecimento de alimentos. Uma vez que gatos com LH podem apresentar altas concentrações de lactato e podem não ser
capazes de metabolizar acetato, a solução de NaCl 0,9% é o fluido de escolha. Fluidos não devem ser suplementados com dextrose, já que isto reduz a utilização dos ácidos graxos intra–hepáticos na βoxidação. Como os gatos acometidos
são normalmente sobrecondicionados, fluidoterapia deve ser baseada no peso corporal ideal. A sobrehidratação pode induzir efusão pleural e abdominal e edema pulmonar.
Fluidos devem ser suplementados adequadamente com potássio (usando a escala de potássio), com base na condição eletrolítica. Se a concentração sérica inicial de fósforo é baixa (< 2 mg/dl), devese adicionar fosfato de potássio, na
taxa de 0,01 a 0,03 mmol/kg/h). A suplementação com cloreto de potássio deve ser restrita, sendo importante verificar se há administração concomitante de suplemento com fosfato de potássio, para evitar hiperpotassemia iatrogênica.
Uma solução de vitamina hidrossolúvel fortificada (2 ml/l de fluidos, ver Tabela 12) deve ser adicionada. Suplementos de tiamina (50 a 100 mg/dia) são especialmente indicados na LH e fornecidos como suplementos hidrossolúveis em
fluidos ou VO. Raras reações anafilactoides e paralisia neuromuscular foram observadas em alguns gatos tratados com tiamina, por injeção SC ou IM.
Amostras de sangue devem ser coletadas para a determinação de vitamina B12 seguida de administração empírica de B12 (250 a 1.000 μg/gatos, SC). Deficiência de cobalamina é comum em gatos com LH e podem predispor indivíduos a
esta síndrome. Quando presente, a deficiência de vitamina B12 altera o metabolismo intermediário. O tratamento com Nacetilcisteína não deve ser administrado como infusão prolongada em velocidade constante (> 1 h) porque ela pode
induzir hiperamonemia por desviar substratos do ciclo da ureia.
A vitamina K é administrada com uma agulha de pequeno calibre (0,5 a 1,5 mg/kg, SC ou IM, 3 doses em intervalos de 12 h), antes dos procedimentos que possam provocar sangramentos.
A alimentação é iniciada assim que o gato é reidratado com eletrólitos balanceados. Alguns gatos podem desenvolver depleção de potássio renal como resultado de doença renal primária ou acúmulo lipídico nos túbulos renais. Excreção
fracionada de potássio pode ser estimada pela mensuração de potássio e creatinina em amostras de soro e urina coletadas simultaneamente. Excreção fracionada de potássio = ([potássio urina/creatinina urina] × [creatinina soro/potássio
soro]) × 100%. No gato hipopotassêmico, esperase valor < 1%. Valor > 20% indica depleção de potássio marcante e necessidade de suplementação agressiva de potássio. Gatos com necessidade elevada de potássio devem ter gliconato de
potássio adicionado ao alimento assim que as refeições são estabelecidas. Isto reduz as concentrações de potássio necessárias nos fluidos IV e os riscos associados de hiperpotassemia iatrogênica.
O suporte nutricional é fundamental para a recuperação (ver p. 440). Como os gatos com LH apresentam insuficiência hepática metabólica, estimulantes de apetites são inapropriados; diazepam, oxazepam, cipro–heptadina e mirtazepina
não devem ser utilizados. Ocasionalmente, um estimulante de apetite pode auxiliar no início precoce da alimentação, no desenvolvimento da síndrome.
Alimentos aromatizados e palatáveis devem ser oferecidos inicialmente. Se o gato salivar ou se recisar a ela, todo o alimento deve ser removido devido ao risco de indução da síndrome de aversão ao alimento. Se alimentação oral não é
tolerada, uma dieta líquida (p. ex., CliniCare®) suplementada via sonda nasoesofágica é cuidadosamente iniciada. Um volume de 5 a 10 ml de água morna é primeiramente administrado para verificar a tolerância e resposta do gato. Se
nenhum vômito ou sinais de desconforto são observados, o processo é repetido com alimentos liquefeitos. Após alguns dias de alimentação por sonda nasoesofágica, caso considere que o gato está sob risco anestésico razoável, uma sonda
esofágica (sondaE) é introduzida, com a porção distal situada 2 a 4 cm cranial à junção esofágicagástrica. Isto deve ser confirmado por meio de radiografia torácica lateral.
Dieta felina, rica em proteínas, densa em calorias e balanceada é recomendada para alimentação por sondaE. Apenas raramente se utiliza dieta com restrição de proteínas, uma vez que a restrição proteica pode agravar o acúmulo de
lipídios hepático. Por outro lado, o uso de lactulose e amoxicilina oral ou baixas doses de metronidazol pode otimizar a tolerância ao nitrogênio na dieta normal felina por modificar a flora intestinal, utilizar substrato e propiciar limpeza do
cólon. Relatase que vários suplementos metabólicos melhoram a recuperação de gatos acometidos: taurina (250 a 500 mg/gato/dia), vitamina E (10 IU/kg/dia), Lcarnitina líquida oral de uso médico (250 a 500 mg/gato/dia) e gliconato de
potássio, se a hipopotassemia não responde à reposição.
As refeições iniciais são pequenas e fornecidas frequentemente ou por infusão em taxa constante. No primeiro dia, um terço a metade dos requerimentos energéticos do gato são disponibilizados; a quantidade de alimentos é gradualmente
aumentada nos próximos 2 a 4 dias, até a ingesta ideal. Se ocorre vômito, os eletrólitos devem ser reavaliados, a posição da sonda alimentar verificada e os fatores relacionados com a doença primária considerados. Metoclopramida (0,05 a
0,1 mg/kg, IM, até 3 vezes/dia, ou 0,25 a 0,5 mg/kg fracionada no dia como taxa de infusão constante), ondansetron (0,025 mg/kg IV, até 2 vezes/dia) ou maropitant (1 mg/kg, 1 vez/dia, não mais que 5 dias) podem ser utilizados como
antieméticos. Motilidade intestinal pode ser estimulada por exercícios durante as visitas do proprietário.
Para evitar o desenvolvimento da hipofosfatemia induzida por realimentação, a qual pode causar fraqueza, hemólise, encefalopatia e outros efeitos adversos, a concentração sérica de fósforo dever ser monitorada periodicamente e
fornecido de fosfato de potássio suplementar deve ser criterioso. Na suspeita de gastrite, bloqueadores de receptores H2 (p. ex., famotidina ou ranitidina) e carafato VO (e não através de sondaE) podem ser utilizados. Se o gato tolera
medicação VO, administrase 40 mg de SAMe/kg/dia, entre as refeições, assim que se completar o tratamento com Nacetilcisteína. A suplementação com SAMe deve ser acompanhada de vitamina B12, folato e outras vitaminas
hidrossolúveis suficientes para permitir máximo benefício metabólico (metabolismo da glutationa e doação de grupo metil por reação de transmetilação). O uso de ursodeoxicolato na LH pode ser prejudicial porque o valor de ABTS é
extremamente alto nesses gatos; os perfis de ácidos biliares (por HPLC) parecem aqueles associados ao OEHDB (aumento secundário dos ácidos biliares). Em altas concentrações, todos os ácidos biliares são tóxicos às células; na LH, os
ácidos biliares estão aparentemente aprisionados pela compressão canalicular.
Em uma rara condição onde sinais de EH são notados, lactulose, amoxicilina ou baixa dose de metronidazol (= 7,5 mg/kg, VO, 2 vezes/dia) pode ser útil. Se há pancreatite concomitante e complica a retenção de alimentos, a alimentação
por meio de sonda J pode ser necessária. Fazse alimentação distal ao pâncreas em taxa de infusão constante de CliniCare® misturado a um suplemento com enzimas pancreáticas através de uma sonda J. Alternativamente, podese fornecer
dieta parenteral, embora isto possa retardar a recuperação e provocar acúmulo de triglicerídios no fígado.
Em gatos com LH o prognóstico é bom, se o diagnóstico é estabelecido precocemente, o tratamento iniciado e a doença primária, se há, tratada. O monitoramento das enzimas hepáticas não tem valor na previsão de recuperação. Porém,
um decréscimo na bilirrubina total em 50% nos primeiros 7 a 10 dias aumenta a chance de recuperação completa. Pancreatite concomitante é um mau indicador prognóstico. O monitoramento da ALP de gatos obesos em dieta para redução
de peso pode ser efetiva no diagnóstico de lipidose hepática subclínica, permitindo a suspensão do programa de emagrecimento e o tratamento precoce. Recidiva é rara em gatos recuperados.
MALFORMAÇÕES VASCULARES PORTOSSISTÊMICAS
As anomalias circulatórias hepáticas mais comuns em cães são displasias microvasculares (DMV) e anomalias vasculares portossistêmicas (AVPS). Gatos também são acometidos por AVPS. DMV e AVPS são distúrbios congênitos
herdados geneticamente que afetam raças pequenas de cães. Cães de raças grandes podem desenvolver AVPS intrahepática.
Anomalias Vasculares Portossistêmicas (AVPS)
AVPS é uma conexão aberrante, grosseira e evidente entre a vasculatura portal extrahepática e a circulação sistêmica (normalmente conectando um ramo da veia porta a veia cava) que desvia o sangue para a circulação sistêmica,
contornando o fígado. Fluxo portal reduzido para o fígado causa atrofia hepática. Como a circulação portal transporta microrganismos, toxinas, nutrientes e outros materiais do intestino para o fígado, o sangue desviado não é depurado ou
processado antes de sua transferência para a circulação cerebral e sistêmica. Consequentemente, substâncias neurotóxicas que podem provocar efeitos encefalopáticos podem passar diretamente para o cérebro.
AVPS congênita é vista principalmente em cães de raça pura. Há dois tipos de AVPS. AVPS extrahepática ocorre predominantemente em cães pequenos de raça pura Terrier, por exemplo, Yorkshire Terrier, Maltês, Shih Tzu, Havanese,
Schnauzer miniatura, Pug, Cairn Terrier, Norfolk Terrier, Spaniels tibetanos e outros. AVPS extrahepática normalmente surgem de veia porta, veia gástrica esquerda ou veia esplênica e se conecta com a veia cava caudal (mais comum),
veia ázigos ou raramente, outro vaso sistêmico. AVPS intrahepática corresponde à retenção de um vaso embrionário que transporta sangue da placenta para o coração do feto, através do meio do fígado, mas que passa pela circulação
hepática. Esta malformação afeta principalmente cães de raças grandes, inclusive, por exemplo (mas não exclusivamente), Irish Wolfround, Old English Sheepdog, Labrador Retriever e Golden Retriever.
Em gatos, a AVPS congênita é mais frequentemente notada em raças mistas, porém raças puras, como Himalaia e Persa, apresentam alta prevalência. Entretanto, a maior prevalência de hepatopatia policística e hipertensão portal que
acometem essas raças dificulta o diagnóstico de AVPS. Em gatos, a AVPS extrahepática envolvendo a veia gástrica esquerda é mais comum.
Animais com AVPS normalmente são menores que seus “irmãos de ninhada”, demoram para se desenvolver e pod em ter outras anomalias congênitas (p. ex., criptorquidismo em cães e gatos, sopro cardíaco em gatos). Os sinais clínicos
são muito variáveis e 10 a 20 % dos animais acometidos podem ser assintomáticos. A presença de sinais clínicos depende da gravidade do desvio portossistêmico. Em animais sintomáticos, os sinais clínicos incluem náuseas, vômito,
diarreia, pica, anorexia intermitente, PU/PD (cães) e hematúria, polaquiuria, estrangúria ou obstrução uretral associada à formação de urólito de biurato de amônio. Sinais decorrentes de cálculos do trato urinário podem ser as únicas
queixas. Hipersalivação é um sinal clínico comum associado a EH em gatos. Gatos com AVPS também apresentam uma íris especial de cor de cobre homogênea que parece estar geneticamente associada; a exceção são gatos de olhos azuis.
Porém, íris cor de cobre é comum em gatos Persas e Russos de olhos azuis que não apresentam AVPS. Cegueira episódica e vocalização excessiva também podem ocorrer.
Anormalidades laboratoriais podem incluir eritrócitos microcíticos, anemia não degenerativa discreta, poiquilocitose (gatos), células–alvo (cães), hipoproteinemia discreta e hipoalbuminemia, hipoglicemia (especialmente cães de
raças toy, podem ser sintomáticos), diminuição de BUN e creatinina, hipocolesterolemia, atividade das enzimas hepáticas (ALT, AST e FA) normal ou levemente aumentadas, bilirrubina normal, urina diluída (hipostenúria ou isotenúria) e
cristalúria de biurato de amônio. ABTS em jejum e pós–prandial normalmente está muito aumentado; entretanto, a mensuração de ABTS ou amônia depois de jejum prolongado pode induzir valores normais de ABTS. Após administração
de NH4Cl notamse valores muito elevados de ABTS pósprandial e de amônia. Exames de rotina da coagulação normalmente indicam valores dentro dos limites normais, porém a atividade da proteína C é < 70%.
Radiografias abdominais revelam “nódulos” microhepáticos e renais. Urólito de biurato de amônio é radioluscente e, portanto, não detectado nas imagens radiográficas. Ultrassonografia é uma ferramenta não invasiva útil para
identificação de AVPS, se realizada por um operador experiente, em aparelho Doppler de fluxo colorido. Embora a detecção de AVPS intrahepática é relativamente fácil, a identificação de AVPS pode ser desafiadora e requer uma
estratégia sistemática. A presença de gás intestinal e a cooperação do animal podem limitar a obtenção de imagem em regiões críticas. Ultrassonografia pode detectar urólitos radioluscentes na pelve renal ou na bexiga. Cintigrafia
colorretal, disponível em algumas clínicas especializadas ou hospitaisescola, pode claramente determinar a presença de desvio portossistêmico. Todavia, a cintigrafia colorretal é incapaz de identificar a localização anatômica dos vasos
envolvidos. A cintigrafia esplenoportal requer injeção percutânea de isótopos no baço, é considerada um teste invasivo e não fornece resolução, especificidade ou sensibilidade melhor que as cintigrafias colorretais de rotina. Nas
portografias com contraste radiográfico, um ramo da veia porta é canulado e um “corante” contraste iodado e radiodenso é injetado para evidenciar a anatomia vascular portal. TC em multisseções permite melhor mapeamento anatômico da
vasculatura portal, sendo melhor realizada sob anestesia de curta duração e com a injeção do contraste em um vaso periférico. Esta modalidade de imagem permite uma reconstrução anatômica tridimensional de uma anomalia vascular e de
vísceras adjacentes. Biopsia hepática é sempre indicada em pacientes com AVPS durante cirurgia de correção do desvio ou se múltiplos desvios são observados, para determinar se há doença primária ou hepatopatia adquirida concomitante.
Desvio portossistêmico congênito em cão. Ilustração do Dr. Gheorghe Constantinescu.
O tratamento de escolha para AVPS sintomática é atenuação ou ligadura cirúrgica. A complicação póscirúrgica mais comum é efusão abdominal benigna de curtaduração que, tipicamente, se resolve em alguns dias. A complicação pós
cirúrgica mais grave é hipertensão portal aguda, caracterizada pelo desenvolvimento de efusão abdominal, diarreia sanguinolenta, dor abdominal, obstrução intestinal completa, choque endotóxico e colapso cardiovascular. Esta complicação
requer remoção imediata da ligadura do desvio. Outras complicações incluem convulsões (raras) e formação de coágulos sanguíneos. APSS pode se desenvolver silenciosamente em intervalos variáveis, após cirurgia para corrigir AVPS,
necessitando retornos frequentes. O local da ligadura também pode ser envolvido por ramificações de vasos ou uma AVPS recanalizada que restabelece o desvio portossistêmico vários anos após a cirurgia inicial. O risco maior de
complicações pósoperatórias insidiosas está associado à aplicação de constritores ameroides. Os melhores resultados foram observados com ligadura gradual intraoperatória cuidadosa da AVPS extrahepática (observação da pressão portal
e resposta visceral).
De maneira geral, o prognóstico após ligadura cirúrgica de uma única AVPS normalmente é bom. O prognóstico é menos favorável em cães com múltiplos desvios adquiridos secundários à atresia da veia porta intrahepática grave e
naqueles com desvios intrahepáticos. As cirurgias são mais bemsucedidas em cães do que em gatos. Gatos são mais propensos a desenvolver APSS múltiplas após ligadura da AVPS. O estadiamento cirúrgico para atenuar gradualmente a
AVPS em gatos não tem melhorado a recuperação. O tratamento cirúrgico de AVPS intrahepática é mais difícil do que da extrahepática. Recentemente, a intervenção com colocação de espirais intravasculares foi utilizada para atenuar o
fluxo sanguíneo no AVPS intrahepático não controlado por atenuação cirúrgica. O resultado (agudo ou crônico) de cães tratados não foi ainda documentado.
Cães com AVPS relativamente assintomático normalmente podem ser tratados com dietas especiais indicadas para insuficiência hepática. Suporte dietético é necessário por toda a vida e a expectativa de vida pode ser normal. As
melhores fontes proteicas são soja e proteínas lácteas, iniciando com ingestão de 2,5 g de proteínas/kg/dia. Carne vermelha, peixes e vísceras devem ser evitados. A adição de proteína lácteas, em geral, é bem tolerada e aumenta a ingestão
de proteínas e fosfatos. Petiscos de vegetais crus (p. ex., brócolis, cenoura), queijo, iogurte probiótico, pipoca, quantidade moderado de biscoitos caninos e ossos de couro cru (com supervisão) podem ser oferecidos, sem consequências
adversas. Cães submetidos a tratamento medicamentoso permanecem em risco de desenvolver EH. Esses cães também parecem mais suscetíveis a infecções sistêmicas devido à menor função dos macrófagos.
Displasia Microvascular
DMV é muito mais comum que a AVPS em parentes de cães pequenos de raças Terrier. Um diagnóstico de DMV denota o desenvolvimento anormal de ramos delgados (terciários) das veias portais intrahepáticas. Cães com DMV
apresentam alto teor sérico de ácidos biliares totais (ABTS) elevado porém não demonstram doença clínica ou outras anormalidades laboratoriais encontradas em cães com AVPS. Eles não apresentam EH, não desenvolvem cristalúria por
biurato de amônio e têm atividade normal de proteína C. Uma expectativa de vida normal é esperada em cães com DMV; este diagnóstico não requer alimentação com dieta especial ou medicação hepatoespecíficas. Porém, como os cães
com DMV podem ter problemas em metabolizar drogas que requerem extração e liberação rápida no fígado, cautela é necessária quando se prescreve certas drogas. Como a DMV é geneticamente associada a AVPS, ABTS deve ser
mensurada em todas os filhotes de cães de raças predispostas para problemas futuros associados a saúde e para selecionar cães reprodutores. Uma vez que ácidos biliares elevados são detectados em raças pequenas do tipo Terrier jovens (<
6 mo), sem sinais clínicos de AVPS, mensurações repetidas dos ácidos biliares não são justificadas permanecem aumentadas por toda a vida do paciente. O conhecimento de que um cão apresenta ácidos biliares elevados, provavelmente
devido a DMV, define a utilidade de testes de ABTS em avaliações futuras da saúde do animal.
O diagnóstico definitivo de DMV é possível apenas por biopsia hepática combinada com estudos vasculares. Biopsia hepática mostra lesões similares àquelas associadas a AVPS; de fato, a biopsia normalmente não permite diferenciar os
dois distúrbios. Biopsia hepática pelo método trucut é fortemente desencorajada, uma vez que o diagnóstico se baseia na análise de unidades acinares múltiplas para se detectar atrofia lobular, arteriolização da tríade portal e contração
segmental do músculo liso das vênulas hepáticas, que caracterizam estes distúrbios. Como há variação entre os lóbulos hepáticos na extensão da malformação vascular, amostras dos três diferentes lóbulos são recomendadas. Entretanto,
etapas seguintes para obter o diagnóstico definitivo não são recomendadas, na maioria dos cães. Em vez disso, é prudente considerar que um cão com suspeita de malformação vascular hepática apresente DMV como causa primária do alto
valor de ABTS, exceto se exibe características clínicas (EH) ou clinicopatológicas (microcitose eritrocitária, BUN diminuído e baixas concentrações de creatina, colesterol e proteína C), associada a AVPS.
NEOPLASIAS HEPÁTICAS
As neoplasias hepáticas primárias são menos comuns do que as neoplasias hepáticas metastáticas no fígado e são carcinomas, carcinoides, sarcomas ou de origem hemolinfática. Neoplasia hepática metastática pode se originar de diversas
vísceras e podem incluir linfossarcoma.
Tumores primários são frequentemente observados em animais idosos (> 9 anos de idade) e podem ser tanto malignos quanto benignos. A maioria inclui adenomas e carcinomas hepatocelulares em cães, adenomas e carcinomas biliares
em gatos. Outros tipos de tumores são hemangiossarcomas, carcinoides e sarcomas em cães; cistadenomas, linfomas e doença mieloproliferativa em gatos e, menos frequentemente, liomiossarcomas e mielolipomas.
CARCINOMAS HEPATOCELULARES: O diagnóstico pode ser inicialmente percebido pela palpação de uma massa abdominal ou constatação de aumento das atividades de ALT, ALP ou GGT, em amostras seriadas. A radiografia pode revelar
grande lesão em massa ou abscesso enfisematoso no núcleo de um tumor necrosado. A ultrassonografia é mais sensível para detecção de lesões tumorais e pode distinguir o envolvimento de múltiplos lobos. Carcinomas hepatocelulares
pequenos podem aparecer hipoecoicos, hiperecoicos ou heteroecoicos. No entanto, o tamanho volumoso de algumas massas na permite a nítida diferenciação de tumor invasivo ou invasão à víscera adjacente e aos vasos. Carcinomas
hepatocelulares podem ocorrer como uma única massa volumosa em um lobo hepático, com ou sem massas menores nos outros lobos (maciços), como nódulos discretos localizados em múltiplos lobos (nodulares) ou como doença
infiltrativa por todo o fígado, sem a presença de nódulos discretos (difusos). Carcinomas hepatocelulares difuso ou nodular, que somam 29% e 10% de todos os carcinomas hepatocelulares, respectivamente, envolvem múltiplos lobos
hepáticos e não são geralmente tratáveis por remoção cirúrgica. Carcinomas hepatocelulares maciços isolados representam 61% de todos os carcinomas hepatocelulares caninos e são potencialmente operáveis com bons resultados. Tumores
que envolvem os lobos esquerdos do fígado possuem melhor prognóstico.
Sinais clínicos comuns em cães incluem perda de peso, inapetência, letargia; sinais menos comuns incluem vômito, PU/PD e crise epilépticas (hipoglicemina). Entretanto, cães podem ser assintomáticos ainda que o tumor atinja tamanho
maciço ou desenvolva um núcleo necrótico. Na palpação abdominal uma massa pode ser detectada e dor notável. Efusão abdominal é rara. Testes laboratoriais podem indicar anemia não regenerativa, microcitose de eritrócitos,
trombocitose e aumento das atividades plasmáticas de ALP e AST e hipercolesterolemia. Atividades elevadas de ALT e AST podem refletir invasão de tecido normal adjacente ou necrose tumoral central e pode indicar um prognóstico
ruim. Hipoglicemia pode se instalar tanto devido à massa volumosa do tumor quanto a um efeito paraneoplásico. Metástase pulmonar é rara. As margens do tumor devem ser delimitadas para o patologista, nas amostras a ele enviadas para
definir a adequação da massa operável (tumor livre de margem).
ADENOMAS HEPATOCELULARES: Esses tumores são mais comuns do que carcinomas hepatocelulares em cães e são raros em gatos. Eles podem estar associados a aumento da atividade de enzimas hepáticas, principalmente AP. Cães com
hiperplasia adrenal atípica associada a andrógenos ou progesterona elevados podem ser predispostos a adenomas hepatocelulares. Em vez de lesões em massa soladas, alguns cães desenvolvem adenomas múltiplos em diferentes lobos do
fígado. Adenomas hepatocelulares podem atingir tamanho maciço e exceder sobre estruturas normais por seu crescimento pelo suplemento sanguíneo central e desenvolver um núcleo necrótico que pode servir como um ninho para
formação do abscesso. Eles podem romper causando hemorragia abdominal crítica. A diferença entre adenoma e adenocarcinoma hepático em um paciente pode ser controversa; isto pode ser pedante por causa da grande ressecção ser
curável neste caso. As margens do tumor devem ser demarcadas para o patologista nas amostras submetidas ao patologista para julgar a adequação da massa operável (tumor livre de margem).
ADENOCARCINOMAS BILIARES: Variáveis classificadas como adenocarcinomas colangiocelulares e adenocarcinomas hepatocelulares esses tumores são o mais comum tumor hepático maligno primário em gatos e podem derivar de ductos
biliares extra–hepáticos ou intrahepáticos ou da vesícula biliar. Adenocarcinomas pancreáticos, invasivo dentro de estruturas hepáticas, também são comuns em gatos. Cistos biliares podem ser falsos na inspeção grosseira para
adenocarcinomas biliares primários.
Sinais clínicos geralmente incluem anorexia, letargia e vômito e em alguns gatos apresentam icterícia. Muitos gatos possuem um histórico de doença hepática antecedente baseada nos históricos dos perfis bioquímicos; histologicamente a
doença hepática crônica é colangioepatite não supurativa. Uma massa ou o fígado aumentado pode ser palpável. Aumento das atividades de ALT, AST e ALP e das concentrações de bilirrubina e colesterol são comuns. Entretanto, alguns
gatos com adenocarcinoma biliar não apresentam sinais clínicos ou anormalidades laboratoriais. A obstrução do trato biliar é notada em alguns, mas não em todos os gatos com neoplasia associada ao ducto biliar comum ou à vesícula biliar.
As radiografias abdominais podem revelar lesões em massa associada à silhueta hepática. A ultrassonografia normalmente delimita as lesões em massa, suas dimensões e a localização do lobo. Alguns gatos desenvolvem efusão abdominal
e carcinomatose.
Ressecção cirúrgica da lesão associada ao sistema biliar intrahepático distal ao sistema portahepático e associado à vesícula biliar é possível. Neoplasia envolvendo o ducto comum pode ser paliativa com o deslocamento de uma
endoprótese através do esfíncter de Oddi para o duodeno ou criação de um desvio biliar. Alguns gatos sobrevivem por meses com cuidados de suporte paliativos (sem cirurgia), apesar da obstrução total do ducto biliar. No entanto, o
prognóstico a longo prazo é ruim. Lesões metastásicas são notadas em nódulos linfoides, peritônio e pulmões.
LINFOMA: O linfoma é o tumor hemolinfático mais comum, encontrado no fígado, tanto em cães quanto em gatos. O linfoma pode ser primário ou metastático (a partir de doença multifocal ou intestinal primária). Outras doenças
mieloproliferativas e neoplasia de células mastoide também pode envolver o fígado, especialmente gatos.
MIELOLIPOMAS: Estes tumores benignos são compostos de células adiposas e elementos hematopoéticos. A composição celular se assemelha a elementos celulares encontrados na medula óssea. Esses tumores são geralmente descobertos ao
acaso durante a ultrassonografia abdominal e aparecem densamente hiperecoicos. A citologia de aspiração pode facilmente caracterizar as características celulares. A menos que grandes vasos e estruturas biliares estejam comprimidos,
essas lesões não necessitam de remoção cirúrgica.
NEOPLASIA METASTÁTICA: Nos cães, os tumores metastáticos mais comuns são linfoma, carcinoma pancreático, carcinoma mamário, feocromocitoma, carcinoma intestinal, carcinoma tireoidiano, fibrossarcoma, osteossarcoma e carcinoma
de célula de transição. Nos gatos, os tumores metastáticos hepáticos são menos comuns, mas incluem carcinomas pancreático, intestinal e renal. Os tumores metastáticos geralmente são multifocais.
Os sinais clínicos podem ser inespecíficos ou específicos para o fígado e suas características associadas se assemelham com neoplasia hepatobiliar primária: anorexia, vômito, perda de peso, PU/PD e hiperbilirrubinemia variável.
Neoplasia hepática metastática é mais provável estar associada a uma efusão abdominal maligna. Sinais neurológicos podem indicar lesões metastáticas dentro do encéfalo, com sinais clínicos falsos associados por HE. Anormalidades nos
parâmetros hematológicos e bioquímicos podem ser mínimos. Anemia não regenerativa pode ocorrer, porém não há alteração consistente na distribuição e na contagem dos leucócitos. Esquisócitos podem ser observados em animais em
animais com neoplasia que invade os sinusoides hepáticos. Eosinofilia pode ser vista com tumores de células mastoides e com linfoma, especialmente em gatos. Enzimas hepáticas podem estar normais ou aumentadas. Hipoglicemia é, às
vezes, se deve tanto à massa tumoral volumosa quanto ao efeito paraneoplásico. Hiperbilirrubinemia e aumento de AST são observados mais comumente em doença metastática canina do que em tumores primários. Os achados
radiográficos são variáveis. Os achados ultrassonográficos podem confirmar o envolvimento de um único lobo, alterações nodulares múltiplas ou doença difusa. Uma biopsia é necessária para o diagnóstico definitivo.
Recomendase a remoção cirúrgica quando há envolvimento de um lobo do fígado. Caso o diagnóstico seja linfoma ou mastocitose, quimioterapia apropriada pode prolongar a vida.
OUTRAS ANOMALIAS VASCULARES HEPÁTICAS
Outras anomalias vasculares incluem fístulas arteriovenosas hepáticas, obstrução do fluxo venoso hepático (doença venooclusiva, síndrome de BuddChiari) e tromboembolia venosa portal. São relativamente raras, em comparação com
AVPS e DMV e outras doenças hepáticas adquiridas.
Fístula Arteriovenosa Hepática
Fístula arteriovenosa é uma conexão intrahepática entre a artéria hepática com alta pressão e a veia porta com baixa pressão. Isso causa um fluxo retrógrado de sangue para os vasos portais, que resulta em hipertensão portal intra e extra
hepática, ascite e DPS adquirido. Podem ser congênitas ou, menos comumente, adquiridas de trauma ou neoplasias. Os sinais clínicos são observados em animais jovens e incluem EH, efusão abdominal, inapetência, vômito e diarreia
(frequentemente sanguinolenta). Na auscultação abdominal podese ouvir um sopro, que representa o fluxo de sangue anômalo através da fístula, no lobo hepático acometido.
As alterações laboratoriais são semelhantes às observadas no DPS. Ascite é o sintoma que diferencia estas duas doenças; cães com atresia portal congênita grave também desenvolvem efusão abdominal. A ultrassonografia abdominal
pode mostrar a fístula AV intrahepática associada a DPS adquirido. Imagens definitivas requerem angiografia com contraste via artéria celíaca ou mesentérica anterior ou TC em multisseções.
Recomendase lobectomia quando apenas um lobo está envolvido. Biopsias hepáticas de locais distantes à malformação (outros lóbulos hepáticos) são imperativas, uma vez que muitos desses cães apresentam malformações vasculares
intrahepáticas disseminadas. Cirurgias têm prognóstico de cura ruim devido à distribuição espalhada das malformações vasculares microscópicas. A descrição recente de injeção intravascular de acrilamida como alternativa para alívio
também tem alto risco de complicações pós–procedimentos e resultados ruins.
Obstrução do Fluxo Venoso Hepático
A obstrução do fluxo venoso hepático pode ser provocada por cardiopatia ou distúrbio pericárdico que leva à congestão passiva da veia cava caudal (p. ex., insuficiência cardíaca direita, doença pericárdica, defeitos congênitos e tumores
cardíacos), obstrução da veia cava caudal (p. ex., síndrome póscava associada à dirofilariose, torção da veia cava caudal, trombose ou neoplasia de veia cava caudal e hérnia diafragmática que comprime a veia cava caudal) ou obstrução no
sistema venoso hepático eferente (p. ex., torção de lobo hepático, compressão por tumor hepático, obstrução venosa póssinusoidal idiopática associada à fibrose extensa, hematopoese extramedular obstrutiva ou oclusiva grave ou
constrição fisiologicamente aberrante da vênula hepática associada com AVPS e DMV em cães de raças pequenas).
Os sinais clínicos de distúrbios oclusivos incluem hepatomegalia (exceto se a causa está associada a AVPS ou DMV), ascite, DPS adquirido múltiplo e sinais sugestivos de doença primária. Doenças que causam congestão passiva estão
associadas à hepatomegalia, aumento moderado nas atividades de enzimas hepáticas, concentrações normais de ácidos biliares e formação de um transudato modificado. As alterações laboratoriais de doenças venoclusivas (oclusão
inflamatória da vênula hepática) ou síndrome de BuddChiari (trombose da vênula hepática ou veia cava) refletem o DPS (p. ex., altas concentrações de ABTS, hipocolesterolemia, baixa atividade de proteína C), aumento discreto a
moderado de transaminases hepáticas e concentrações de bilirrubia total e albumina variáveis. É comum efusão abdominal transudativa modificada.
Radiografias torácicas e abdominais ajudam a distinguir doenças cardíacas de outras causas e podem revelar o dobramento ou choque da região caudal diafragmática da veia cava. Ultrassonografia cardíaca pode auxiliar na identificação
de doenças que provocam congestão passiva (p. ex., diferenciação entre doença pericárdica, tumores cardíacos, doença congênita ou massa intratorácica comprimindo a veia cava caudal). Ultrassonografia abdominal revela distensão das
vênulas hepáticas, na congestão passiva, e tamanho diminuído da vênula hepática em animais com lesão venoclusiva ou do tipo BuddChiari. Esses últimos estão associados à disfunção hepática e APSS. O tratamento e o prognóstico
dependem das doenças primárias.
SÍNDROME HEPATOCUTÂNEA (Dermatite Necrolítica Superficial, Eritema Migratório Necrolítico, Síndrome Glucagonoma)
A síndrome hepatocutânea é rara, crônica, progressiva e, frequentemente, fatal. Embora tipicamente associada ao diabetes melito, a lesão hepática é uma VH degenerativa grave que também pode acompanhar pancreatite ou tumores
neuroendócrinos, VH grave secundária à liberação hormonal esteroidogênica endógena e terapia prolongada com fenobarbital.
Descamações e lesões ulcerativas simétricas bilaterais são notadas nas junções mucocutâneas e regiões cutâneas suscetíveis a lesões por pressão, por exemplo, coxim plantar, orelhas, região periorbitária e pontos de pressão. Lesões de
pele são caracterizadas por epiderme paraceratótica evidente. Espaços edematosos entre as células encontram–se preenchidos por neutrófilos, células necrosadas e fragmentos que criam uma aparência “eosinofílica”. Inflamação perivascular
neutrofílica discreta também é observada. As lesões são comumente referidas como “vermelhas, brancas e azuis” na coloração por H&E (hematoxilina e eosina) (vermelha para paraqueratose, branca para edema e azul para hiperplasia).
Lesões de pele são vistas inicialmente na maioria dos cães acometidos, porém lesões hepáticas podem preceder alterações cutâneas.
Os sinais clínicos incluem anorexia, perda de peso, letargia, PU/PD, anemia não regenerativa discreta, aumento marcante de ALP e elevação moderada de ALT e AST, hiperglicemia, redução plasmática de aminoácidos, hipoalbuminemia
e aumento da concentração de ABTS (ácidos biliares totais séricos). Teor plasmático de glucagon aumentado é um achado inconsistente. O tamanho do fígado é variável. Na ultrassonografia, observamse múltiplos nódulos hipoecoicos
circundados por parênquima hiperecoico difusamente espalhados por todo o fígado, condição conhecida como padrão de “queijo suíço”. A associação entre as lesões hepáticas e cutâneas não é compreendida. Especulase que as causas
incluem hipoaminoacidemia ou metabolismo anormal do zinco. As lesões hepáticas não são necroinflamatórias e não estão associadas à fibrose ou cirrose.
O tratamento destinase à correção da deficiência de aminoácidos e cuidados sintomáticos das lesões cutâneas e VH. Em geral, corticoides são contraindicados para lesões cutâneas. Podese utilizar uma ração comercial ou formulada,
com alto teor de proteínas para cães com insuficiência hepática, com suplementação de aminoácidos para “crescimento corporal”. A administração por via intravenosa de aminoácidos requer cateterização da veia jugular. Solução de
aminoácido cristalina de aminosina 10% (100 ml contém 100 g de aminoácidos) pode ser administrada por via intravenosa, na dose de 500 ml/cão, durante 8 a 12 h. Sintomas de hiperamonemia podem ser notados em cães suscetíveis
(previamente mencionados na EH), porém devem regredir dentro de 12 h. Infusão de aminoácidos IV é repetida 7 a 10 dias após, se as lesões cutâneas persistem; podem ser administradosc4 ciclos. Se nenhuma resposta é observada, outras
infusões de aminoácidos são inúteis. O tratamento com aminoácidos resulta em regressão das lesões de pele em alguns cães, porém não em outros.
O controle concomitante do diabetes melito pode ser um desafio e a resistência à insulina sugere envolvimento de hormônios contrarreguladores (glucagon, glicocorticoides, outros). Cuidados de suporte requerem uso apropriado de
antifúngico de amplo espectro ou antibióticos para invasores secundários da superfície, metioninazinco (1,5 a 2 mg/kg, VO, 1 vez/dia), vitaminas hidrossolúveis (duas doses, diariamente), suplementação com ácidos graxos essenciais e
limpeza tópica da lesão. Alguns dermatologistas também recomendam o tratamento com niacinamida (250 a 300 mg/cão, VO, 2 vezes/dia). Ácido ursodesoxicólico (15 a 20 mg/kg, fracionada e administrada, 2 vezes/dia, com alimento) e
antioxidantes (vitamina E e SAMe) são recomendados. A identificação e o tratamento das doenças primárias são fundamentais para o controle. A terapia crônica com fenobarbital tem sido uma causa importante em alguns cães.
EXAMES LABORATORIAIS E POR IMAGENS
ALTERAÇÕES PATOLÓGICAS NA BILE (Síndrome da bile branca, síndrome da bile espessa, desconjugação de ácido biliar)
Em animais com estase biliar, os constituintes não absorvíveis da bile (sais biliares, fosfolipídios, glicoproteínas e colesterol) podem ser concentrados ou diluídos quando água e eletrólitos inorgânicos (cloreto de sódio, bicarbonato) são
reabsorvidos ou adicionados pelo epitélio biliar. OEHDB pode provocar uma síndrome da “bile branca”, refletindo a ausência de pigmentos de bilirrubina. Estase do fluxo biliar também pode provocar desidratação da bile, promovendo um
espessamento patológico da bile, que se torna verdeescura a preta. A formação de mucocele na vesícula biliar envolve aprisionamento, retenção, desidratação ou sobreprodução local de mucina que concede uma viscosidade elástica à bile.
Colerese (fluxo biliar aumentado) provoca bile “aquosa” e diluída; é um objetivo terapêutico nos distúrbios acompanhados de estase biliar.
ATIVIDADE ENZIMÁTICA
Frequentemente, suspeitase de doença hepática quando notase aumento das atividades das enzimas do fígado. Entretanto, atividade enzimática anormalmente aumentada é considerada mais comum do que a prevalência de doenças
hepáticas. Um amplo espectro de doenças extrahepáticas pode influenciar a atividade enzimática do fígado. A mensuração das atividades das enzimas hepáticas não é um teste de função hepática; elas refletem a integridade da membrana
do hepatócito, necrose de epitélio biliar ou de hepatócitos, colestase ou condições indutoras.
O padrão de anormalidade das enzimas hepáticas, juntamente com dados detalhados de resenha, histórico, concentração de bilirrubina total, teores séricos de ácidos biliares e condições/medicações das enfermidades concomitantes
propiciam a primeira indicação de uma doença específica do fígado. A avaliação completa de alterações nas enzimas hepáticas considera: 1) o padrão predominante da alteração enzimática (enzimas que indicam extravasamento
hepatocelular × enzimas que indicam colestase); 2) a magnitude do aumento da atividade enzimática acima dos limites normais de referência (discreta: < 5× o limite superior da faixa de normalidade; moderada: 5 a 10×; grave: > 10x); 3) a
taxa de alteração (aumento ou resolução); 4) a natureza do curso da alteração (flutuante × aumento ou diminuição progressiva). Até 2,5% dos indivíduos “normais” podem apresentar valores enzimáticos anormais, na faixa de transição entre
normal e anormal.
O reconhecimento se as anormalidades enzimáticas são persistentes ou cíclicas auxilia a classificar as prováveis causas. A avaliação da função hepática com dosagens séricas pareadas de ácidos biliares totais (ABTS) em jejum e pós
prandial ou a mensuração de creatinina/ácidos biliares na urina (em amostra de urina coletada 4 a 8 h após a refeição) podem abreviar a decisão de realizar biopsia hepática quando os sinais clínicos permanecerem vagos e as enzimas
encontramse apenas ligeiramente aumentadas. Estudos de imagem auxiliam na detecção de doenças primárias que influenciam, secundariamente, o fígado, elevando a atividade enzimática.
Escalas de referência das atividades das enzimas hepáticas apropriadas para cada idade são essenciais em filhotes de cães e gatos. As atividades plasmáticas das enzimas ALP e GGT em cães e gatos recémnascidos são
consideravelmente maiores que aquelas dos adultos. As diferenças refletem adaptações fisiológicas durante a transição do estado fetal para o neonatal, ingestão de colostro, maturação das vias metabólicas, fatores de crescimento, diferenças
no volume de distribuição e na composição corporal e dieta. As atividades séricas de ALP, AST, CK e LDH em neonatos normalmente é muito maior nas primeiras 24 h. Em filhotes de gatos, a atividade sérica de ALP, CK e LDH são
maiores que os valores dos adultos até a 8a semana de idade. A atividade sérica de ALP aumenta muito em filhotes de cães e gatos com 1 dia de vida, após a ingestão de colostro; isso também é observado em bezerros, cordeiros, porcos,
potros e bebês.
AMINOTRANSFERASES: ALT e AST são normalmente mensuradas para a detecção de lesão hepática; ambas estão presentes em altas concentrações no fígado, mas também em outros tecidos. A atividade de AST é maior nos rins, coração e
músculo esquelético do que no fígado, enquanto a atividade de ALT é maior no fígado. Como a atividade hepática da ALT é 10.000 vezes maior do que a atividade plasmática da enzima em animais sadios, ela é muito útil no diagnóstico de
lesões hepáticas. A localização das transaminases no citosol permite sua liberação imediata, mesmo nas pequenas alterações das membranas hepatocelulares. Infelizmente, o extravasamento indiscriminado limita sua utilidade diagnóstica.
Apesar disso, a duração e a magnitude da atividade das transaminases medidas em série podem predizer a atividade e a gravidade da doença e a quantidade de células envolvidas.
As transaminases hepáticas aumentam nas lesões musculares, assim como atividade física vigorosa em cães. A longa meiavida plasmática das transaminases contribui para a manutenção de sua atividade aumentada em algumas
anormalidades. Como o catabolismo das transaminases ocorre por endocitose absortiva na borda sinusoidal do hepatócito, a depuração lenta da enzima pode manter sua atividade plasmática elevada na insuficiência hepática
(shunt portossistêmico, regeneração nodular, fibrose hepática).
Alanina Aminotransferase: Os maiores aumentos de ALT ocorrem na necrose hepatocelular e inflamação. Após necrose aguda intensa dos hepatócitos, a atividade sérica de ALT aumenta severamente nas 24 a 48 h, com valores > 100 vezes o
normal, atingindo atividade máxima nos 5 primeiros dias após a lesão. Se o evento nocivo cessa, a atividade de ALT diminui gradualmente até o valor normal em 2 a 3 semanas. Apesar deste padrão ser considerado clássico, algumas
hepatotoxinas potentes não estão associadas à elevação da atividade de ALT devido à inibição da transcrição gênica ou outras interferências na produção de ALT (p. ex., hepatotoxicidade por aflatoxina B1 ou por microcistina). ALT em
queda também pode indicar falta de hepatócitos viáveis no estágio final da hepatite crônica.
Exemplos de hepatotoxinas necrosantes clássicas são tetracloreto de carbono, acetaminofeno (paracetamol) e nitrosamina. Uma única exposição ao tetracloreto de carbono causa aumento brusco marcante de ALT, que se resolve em 1
semana. Hepatotoxicidade induzida por paracetamol causa grande aumento de ALT e AST em 24 h, que pode diminuir para valores próximos ao normal em 72 h. Esta toxina é altamente dosedependente, em cães e gatos. Gatos são
excessivamente suscetíveis, com sinais hematológicos após doses tão baixas quanto 125 mg. Em cães, a dose de 200 mg/kg pode representar risco à vida do animal. Necrose hepatocelular induzida por nitrosaminas aumenta a atividade
plasmática de ALT, mas não significativamente, até 1 semana após a exposição crônica intermitente. A atividade de ALT persiste por semanas, até que a necrose se resolva. Degeneração hepatocelular de baixo grau, observada em alguns
cães com shunt portossistêmico congênito, reflete retardo da depuração enzimática e baixo grau de redução dos hepatócitos; a maioria desses cães não apresenta características histológicas compatíveis com a liberação de ALT.
Necrose hepática aguda causada por hepatite infecciosa canina aumenta a atividade plasmática de ALT em 30 vezes, com valor máximo em 4 dias. Depois disso, a atividade sustentada e crônica de ALT persiste, uma vez que cães
incapazes de eliminar os vírus desenvolvem hepatite crônica. Doenças hepáticas induzidas por toxinas normalmente causam aumento, valor máximo e retorno ao valor basal da atividade plasmática de ALT mais rápido do que ocorre nas
hepatites virais. Hepatite crônica, uma enfermidade necróticainflamatória persistente em cães, está relacionada com a necrose e fibrose de gravidade variável e doença cíclica associada a episódios de elevações da atividade enzimática no
plasma. Às vezes, a atividade plasmática de ALT é > 10 vezes o normal. Flutuações enzimáticas contrastam com perfis associados a eventos nocivos únicos. Em cães com hepatite, a atividade sérica de ALT diminui assim que a lesão se
resolve, porém a atividade sérica da ALP pode aumentar como resultado de doenças regenerativas. Cães tratados com glicocorticoides podem exibir atividade de ALT levemente aumentada, que se resolve algumas semanas após a
suspensão do hormônio.
Apesar da alta sensibilidade da ALT na detecção de doença hepática, sua baixa especificidade para diferenciar clinicamente doenças hepáticas importantes, anormalidades histológicas específicas ou disfunção hepática requer seja
interpretada juntamente com outros testes diagnósticos.
Aspartato Aminotransferase: AST está presente em concentrações consideráveis em grande variedade de tecidos. Atividade de AST aumentada pode refletir alterações reversíveis ou irreversíveis na permeabilidade da membrana hepatocelular,
necrose celular, inflamação hepática e, em cães, indução de enzimas microssomais. Após necrose hepática aguda grave difusa, a AST sérica aumenta muito nos primeiros 3 dias, com valores 10 a 30 vezes acima do normal, em cães, e até 50
vezes acima do normal, em gatos. Se a necrose se resolve, a atividade de AST diminui gradualmente em 2 a 3 semanas. Na maioria dos casos, alterações na atividade de AST são paralelas àquelas da ALT.
Embora o aumento da atividade de AST na ausência de anormalidade da atividade de ALT implica fonte enzimática extrahepática (provavelmente, lesão muscular), há exceções clínicas que podem estar relacionadas com a gravidade e à
localização zonal da lesão hepática. Em alguns gatos com doença hepática, AST é um marcador mais sensível de lesão hepática do que ALT (p. ex., necrose hepática, colangioepatite, doença mieloproliferativa, linfoma hepático infiltrativo
e OEHDB). Também se evidencia tendência similar em alguns cães. Cães tratados com glicocorticoides podem apresentar atividade de AST ligeiramente aumentada, que normaliza algumas semanas após a suspensão do hormônio.
FOSFATASE ALCALINA: O aumento da atividade de fosfatase alcalina (ALP) em cães é a anormalidade bioquímica mais comum verificada nos exames bioquímicos de rotina; sua alta sensibilidade e baixa especificidade podem ser um
desafio à interpretação diagnóstica, sem biopsia hepática. A atividade de ALP em cães tem a menor especificidade dentre as enzimas hepáticas avaliadas na rotina, em razão da complexidade associada à indução de diferentes isoenzimas.
Em cães e gatos, os tecidos que contêm as maiores atividades de ALP (em ordem decrescente) são intestinos, rins (córtex), placenta (apenas em cães), fígado e ossos. Diferentes isoenzimas ALP séricas podem ser extraídas de alguns dos
seguintes tecidos, em cada espécie; por exemplo, osso (BALP); fígado (LALP) e isoenzinas induzidas por glicocorticoide (GALP) no soro de cães. Nesses animais, LALP e GALP são responsáveis principalmente pelo aumento da
atividade sérica de ALP, enquanto em gatos a LALP é a principal responsável. Notase elevação da atividade de ALP em até 75% dos gatos com hipertireoidismo, dependendo da cronicidade da doença, com contribuição substancial da B
ALP.
A pequena magnitude da atividade de ALP em gatos com hepatopatia (2 a 3 vezes o normal) comparativamente aos cães (normalmente 4 a 5 vezes) reflete a menor atividade específica da ALP no fígado de felinos, bem como sua meia
vida curta. No entanto, a atividade de ALP continua sendo clinicamente útil no diagnóstico de doença hepática em felinos quando se mantém a perspectiva apropriada à espécie.
A utilidade da atividade sérica da ALP como indicador diagnóstico em cães é prejudicada pelo acúmulo, comum, das isoenzimas LALP e GALP, as quais podem ser induzidas por hormônios esteroidogênicos.
Como a isozima BALP aumenta secundariamente à atividade osteoblástica, ela é detectada em animais jovens em fase de crescimento e naqueles com tumor ósseo, hiperparatireoidismo secundário renal e osteomielite. Porém, a pequena
contribuição da BALP na atividade sérica total normalmente não ocasiona erro de diagnóstico na doença hepática colestática. Remodelamento ósseo secundário à neoplasia pode não influenciar substancialmente a atividade sérica de ALP
ou apenas causa aumento irrelevante (2 a 3 vezes) em cães. Em gatos jovens em fase de crescimento, a maior atividade de BALP pode estimular a atividade da enzima, notada nas doenças hepatobiliares.
ALT é liberada imediatamente do citosol do hepatócito na necrose hepática aguda, o que não acontece com a pequena quantidade de ALP associada à membrana. Demoram vários dias para que indução da enzima de membrana aumente,
com liberação à circulação sistêmica. A elevação da atividade sérica de ALP reflete o aumento de nova síntese hepática, lesão de canalículos biliares, colestase e solubilização de seu fator de fixação às membranas (pelos sais biliares). O
maior aumento da atividade sérica da ALP (LALP e/ou GALP = 100 vezes o normal) é notado em cães com distúrbio colestático focal ou difuso, carcinoma hepatocelular extenso, carcinoma de ducto biliar e naqueles expostos a
hormônios esterodoigênicos.
Enquanto a atividade sérica de ALP pode estar normal ou ligeiramente aumentada em cães com neoplasia metastática envolvendo o fígado, ela pode estar acentuadamente elevada na neoplasia mamária. Notase atividade sérica elevada
de ALP em cerca de 55% dos cães com tumores malignos e 47% daqueles com neoplasia mamária benigna; a maior atividade de ALP é observada em cães com tumores malignos mistos. Contudo, ALP sérica não tem valor como indicador
diagnóstico ou prognóstico de câncer mamário; não está claro se a remissão da doença (por cirurgia, quimioterapia) é seguida de diminuição da atividade sérica de ALP ou se a atividade sérica desta enzima atua como um marcador
paraneoplásico.
Após necrose hepática aguda grave, a atividade de ALP aumenta 2 a 5 vezes, em cães e gatos, se estabiliza e, então, diminui gradualmente em 2 a 3 semanas. Atividade de ALP normal está relacionada com hiperplasia de epitélio biliar.
Em gatos, OEHDB resulta em aumento de 2 vezes na atividade de ALP em 2 dias, bem como aumento de 4x em 1 semana e elevação de até 9x em 2 a 3 semanas. Depois disso, a atividade se estabiliza e diminui gradativamente, mas
normalmente não retorna ao valor basal; a diminuição da atividade enzimática acompanha o desenvolvimento de cirrose biliar. Distúrbios inflamatórios envolvendo estruturas caniculares ou biliares ou anormalidades que comprometem o
fluxo biliar aumenta a atividade sérica de ALP devido à inflamação/ruptura da membrana e acúmulo local de ácidos biliares. Tanto em cães como em gatos, aumentos similares na atividade sérica de ALP são notados na colestase intra–
hepática espontânea ou na obstrução que envolve estruturas biliares extrahepáticas. Consequentemente, a atividade de ALP não permite diferenciar distúrbios colestáticos intra e extrahepáticos.
Várias doenças hepáticas primárias e enfermidades extrahepáticas estão associadas a aumento de LALP. Em cães, lipidose hepática (p. 472) está associada a aumento marcante na atividade total de ALP e icterícia intensa. A elevação de
ALP parece refletir disfunção ou compressão canalicular. Embora a ALP em gatos raramente seja influenciada por anticonvulsivantes ou glicocorticoides, ela pode aumentar no diabetes melito, no hipertireoidismo e na pancreatite.
Em cães, inflamação hepática primária assim como infecção ou inflamação sistêmica e exposição a hormônios esterodoigênicos podem induzir hepatopatia vacuolar (HV). Quando grave, a HV tem um efeito colestático, causando
compressão canalicular. Embora a HV tenha sido inicialmente caracterizada como uma lesão induzida por glicocorticoides, está agora estabelecido que aproximadamente 50% dos cães com HV não apresentam exposição comprovada a
substâncias esterodoigênicas. Cães cronicamente enfermos podem produzir a isoenzima GALP secundária à liberação de glicocorticoides endógenos induzida por estresse. Cães cronicamente doentes, com HV (sem exposição a
glicocorticoides exógenos) podem apresentar resposta normal aos testes de supressão da dexametasona e do ACTH. Em alguns cães, a elevação de ALP associada à HV sinalizam a presença de hiperplasia adrenal atípica relacionada com a
produção anormal de hormônios sexuais. Não há relação consistente entre a magnitude da atividade sérica de ALP, o aumento da atividade de GALP e lesão histológica. Infelizmente, GALP não é útil para a caracterização da síndrome,
uma vez que pode ser a enzima predominante em cães tratados com glicocorticoides e naqueles com hiperadrenocorticismo espontâneo ou iatrogênico, neoplasia hepática ou extrahepática, inflamação e várias doenças crônicas, inclusive
doenças hepáticas primárias.
A magnitude da atividade de ALP induzida pela administração exógena de glicocorticoides depende do tipo de fármaco e da dose administrada e da resposta do indivíduo. A produção de GALP não implica que um cão tratado com
cortisona apresenta hiperadrenocorticismo congênito, supressão do eixo pituitáriaadrenal ou HV clinicamente relevante. Comparativamente, o fígado felino é relativamente insensível aos glicocorticoides.
Em cães, a atividade sérica total de ALP e da isozima LALP pode também ser induzida pela administração de alguns anticonvulsivantes (fenobarbital, primidona e fenitoína) e outros fármacos; a atividade de ALP normalmente aumenta
2 a 6 vezes. Por outro lado, as atividades séricas de ALP e LALP não aumentam em gatos, após administração de fenobarbital (16,25 mg, 2 vezes/dia), durante 30 dias.
GAMAGLUTAMILTRANSFERASE: Gamaglutamiltransferase (GGT) é uma glicoproteína de membrana com função crítica na desintoxicação celular; confere resistência contra várias toxinas e medicamentos. A concentração tissular mais
elevada de GGT em cães e gatos é notada nos rins e no pâncreas, com menores concentrações no fígado, vesícula biliar, intestinos, baço, coração, pulmões, músculo esquelético e eritrócitos. A GGT sérica é oriunda principalmente do
fígado, embora haja variações consideráveis entre espécies quanto sua localização neste órgão.
Necrose aguda difusa grave está associada a nenhum ou aumento apenas discreto (1 a 3 vezes o valor normal) na atividade de GGT, que se resolve em cerca de 10 dias. Em cães com OEHDB, a atividade sérica de GGT se eleva 1 a 4
vezes acima do normal, em 4 dias, e 10 a 50 vezes, em 1 a 2 semanas. Depois disso, os valores podem se estabilizar ou continuar aumentando atingindo valor tão elevado quanto 100 vezes. Em gatos com OEHDB, a atividade sérica de
GGT pode aumentar até 2 vezes, em 3 dias, 2 a 6 vezes, em 5 dias, 3 a 12 vezes, em 1 semana, e 4 a 16 vezes, em 2 semanas. Glicocorticoides e outros indutores de enzimas microssomais podem estimular a produção de GGT em cães, à
semelhança do que acontece com ALP. A administração de dexametasona (3 mg/kg, 1 vez/dia) ou prednisona (4,4, mg/kg, IM, 1 vez/dia) aumenta a atividade de GGT em 4 a 7 vezes acima do normal, em 1 semana, e até 10 vezes, em 2
semanas. Cães tratados com fenitoína ou primidona apresentam apenas um aumento modesto da atividade sérica de GGT (até 2 a 3 vezes), exceto quando desenvolvem hepatotoxicose pela ação de anticonvulsivantes, na qual notase
aumento marcante da atividade enzimática.
Gatos com doença hepática necrosanteinflamatória avançada, OEHDB ou colestase inflamatória intrahepática podem apresentar um aumento maior da atividade de GGT, em comparação com a ALP. Glicocorticoides e outros indutores
enzimáticos em cães não afetam clinicamente a GGT sérica em gatos. A variação normal da atividade de GGT felina é muito mais estreita e menor do que aquela verificada em cães; portanto, os testes devem ser sensíveis o suficiente para
detectar baixa atividade de GGT.
Valores de GGT podem estar muito aumentados em cães e gatos com neoplasia hepática ou pancreática primária. Porém, GGT não parece adequada para a detecção de metástase hepática em cães e gatos.
Assim como ALP, a GGT não apresenta especificidade para diferenciar entre doença parenquimal hepática e doença biliar oclusiva. Não é tão sensível em cães quanto a ALP, embora apresente alta sensibilidade. Em gatos com doença
hepática inflamatória é mais sensível, porém menos específica, do que a ALP e essas duas enzimas devem ser interpretadas simultaneamente. A probabilidade de que LH tenha se desenvolvido secundária à doença hepática necrosante
inflamatória, OEHDB ou doença pancreática pode ser prevista avaliando o aumento relativo de GGT, comparado com o de ALP. Com a exclusão desses distúrbios primários, gatos com LH normalmente apresentam maior aumento de ALP,
em comparação com GGT; isso tem importante utilidade diagnóstica na diferenciação das causas primárias de LH.
Animais de várias espécies recémnascidos, inclusive cães, mas não gatos, apresentam alta atividade sérica de GGT secundária à ingestão de colostro.
BIOPSIA HEPÁTICA
Biopsias coletadas com agulha cortante (especialmente calibre 18) guiada por ultrassonografia podem propiciar amostras muito pequenas ou fragmentadas para o diagnóstico preciso, devido à ausência de unidades acinares representativas
(pelo menos 15 tríades portais devem ser amostradas). Além disso, biopsias por agulha normalmente permite a coleta de amostras apenas dos lobos esquerdos seguramente amostrados, as quais podem não mostrar lesões que afetam os
demais lobos hepáticos (colangioepatite em gatos). Biopsias com agulha romba não guiadas por ultrassonografia são perigosas e não recomendadas. Laparotomia exploratória é mais apropriada em animais com suspeita de linfadenomegalia
hepática hilar ou mesentérica; envolvimento do ducto biliar comum, vesícula biliar, intestino (p. ex., doença inflamatória do intestino, doença infiltrativa) ou pâncreas; ou anormalidades múltiplas nos órgãos. Quando possível, biopsias das
bordas ou biopsia por laparoscopia em concha são métodos de escolha porque amostras de tamanhos adequados podem ser adquiridas, facilmente e de maneira segura, de lobos hepáticos diversos, garantindo representação precisa da
doença. Métodos laparoscópicos não são recomendados quando doença comum do ducto ou vesícula biliar pode necessitar de um procedimento de descompressão biliar, colecistectomia ou colestotomia. Biopsia hepática deve sempre ser
realizada mesmo se uma anormalidade biliar óbvia é o processo predominante e um distúrbio parenquimal pode ser o processo doentio primário. Para determinar se uma hepatopatia primária há, é importante realizar a biopsia do fígado
normal quando lesões focais são identificadas independentemente da anormalidade focal identificada.
Exame de biopsia de rotina deve incluir a análise de um marcador citológico, coloração de Gram (se é citologicamente identificada inflamação supurativa ou piogranulomatosa), coloração histológica, culturas bacteriológicas aeróbicas e
anaeróbicas do fígado e bile e quantificação das concentrações hepáticas de cobre, ferro e zinco. Uma amostra de tecido deve também ser reservada para outros estudos específicos posteriores, se necessário.
Antes da biopsia, a tendência de sangramento deve ser avaliada por uma revisão cuidadosa do histórico, exame físico, esfregaço sanguíneo (para confirmar plaquetas = 100.000/μl), perfil de coagulação de rotina, atividade do fator de Von
Willebrand (vWF) em espécies propensas e tempo de sangramento da mucosa bucal. Animais suspeitos a apresentar tendência de sangramento adquirida devem ser tratados com vitamina K1 (0,5 a 1,0 mg/kg, SC ou IM) em zero, 12 e 24 h
antes da coleta do tecido. Se o tempo de sangramento da mucosa bucal é > 5 min, indicase uma transfusão de plasma recém–congelado. Tratamento adicional com acetato de desmopressina (DDAVP, 0,3 a 1 μg/kg diluído em salina)
aumenta o vWF em 2 vezes, em relação ao valor basal, em 1 h, assim como a atividade plasmática do fator III. DDAVP pode iniciar um efeito hemostático em cães com vWF tipo 1 (deficiência quantitativa parcial), porém não naqueles com
doença causada por defeitos qualitativos ou deficiência total de vWF.
CITOLOGIA HEPÁTICA
Aspirados por agulha fina guiados por ultrassom são utilizados rotineiramente para confirmar o diagnóstico de lipidose hepática (LH) em gatos e para identificar inflamação séptica supurativa e neoplasia. Porém, o diagnóstico definitivo de
hepatopatia é impossível com aspirados hepáticos uma vez que a ausência da arquitetura acinar compromete a orientação anatômica e interpretações corretas. Neoplasia ou sepse pode ser excluída definitivamente por meio de citologia;
também, frequentemente suspeitase de doença inflamatória. Citologia não deve ser a base para a recomendação de medicamentos imunomoduladores ou antibióticos ou terapia de quelação prolongada para hepatopatia associada ao cobre.
COLECISTOCENTESE
Colecistocentese é a amostragem por aspiração da bile da vesícula biliar; isto pode ser completado usando uma técnica percutânea guiada por ultrassom, por assistência laparoscópica ou durante cirurgia exploratória abdominal. Amostras de
bile são coletadas para exame citológico e cultura bacteriana. Complicações da colecistocentese incluem extravasamento intraperitoneal de bile, hemorragia, hemobilia, bacteriemia e reação vasovagal que pode resultar em parada
respiratória, bradicardia grave e morte. Se há suspeita de mucocele da vesícula biliar ou OEHDB, colecistocentese é contraindicada.
HEMATOLOGIA
Dependendo da gravidade da causa primária da doença hepática, podese observar anemia regenerativa ou não regenerativa. Anemia grave ou aguda pode interferir na função hepática devido à hipoxia, causando alterações nas membranas
dos hepatócitos, levando à liberação de transaminases e indução de ALP. Alterações morfológicas nas hemácias (poiquilócitos, hemácias irregularmente anormais) são comuns em gatos com colangioepatite e lipidiose hepática (LH). Gatos
com LH, colangioepatite grave e OEHDB também podem desenvolver corpúsculos de Heinz, que causam hemólise. Na LH, a hipofosfatemia grave é secundária à síndrome da realimentação, que pode causar hemólise grave o bastante para
requerer transfusão sanguínea; isto pode ser evitado pela administração de fluidoterapia suplementada com fosfato de potássio. Cães com doença hepática necrosante e inflamatória difusa (perfusão sinusoidal alterada) podem apresentar
hemácias com sinal de rompimento microvascular (esquizócitos). Microcitose é comum no shunt portossistêmico congênito ou adquirido.
Alterações na contagem e distribuição de leucócitos são variáveis. Leucocitose pode refletir lesão inflamatória, infecciosa, necrótica ou neoplásica difusa infiltrativa no fígado, ou ação de glicocorticoides endógenos ou exógenos.
Leucopenia pode indicar sepse ou intoxicação. Na doença hepática necrosante inflamatória difusa, a microvasculatura sinusoidal danificada pode provocar agregação plaquetária, contribuindo para a ocorrência de trombocitopenia e
coagulação intravascular disseminada (CID).
IMAGENS
RADIOGRAFIA: Radiografias abdominais de rotina são úteis na determinação do tamanho do fígado e de bordas hepáticas irregulares. Densidades mineralizadas envolvendo o parênquima ou a trato biliar pode indicar estase biliar,
mineralização distrófica associada a malformação congênita, “saculação” de ducto adquirido, inflamação crônico de ducto, ou cálculos biliares. Colelitíases com alto conteúdo de bilirubinato de cálcio são radiograficamente visíveis. Um
efeito de massa no quadrante cranial direito, na suspeita de OEHDB, pode representar aumento da vesícula biliar, pancreatite, neoplasia ou peritonite biliar focal. Suspeita radiográfica de efusão abdominal (detalhes abdominais tênues)
podem levar ao diagnóstico de peritonite biliar. Gás no interior do parênquima hepático ou em estruturas biliares indica doença efisematosa (p. ex., colecistite, coledoquite, cisto biliar infectado, abscessos hepáticos, massa tumoral
necrótica) e justificam terapia antimicrobiana imediata, além de intervenção cirúrgica ou lavagem/aspiração percutânea guiada por ultrassom. Radiografia torácica pode indicar sinais de doenças sistêmicas (p. ex., lesões metastásicas, fluido
pleural). Linfadenopatia esternal é comum em gatos com síndrome colangite/colangioepatite.
Radiografia contrastada do sistema biliar raramente é realizada. Colecistografia pode ser feita com contraste iodado, por via oral ou IV. A distribuição e a concentração de contraste nas estruturas biliares é influenciada por inúmeras
variáveis, inclusive hiperbilirrubinemia e oclusão do ducto principal. Na melhor das hipóteses, esses agentes podem revelar cálculos biliares, pólipos ou bile espessa, porém são insuficientes para confirmar peritonite biliar ou para localizar
o local de extravasamento. Tomografia computadorizada (TC), em várias seções, é mais utilizada.
Radiografias contrastadas dos vasos da circulação porta são o padrão ouro para a confirmação de desvio portossistêmico congênito. Radiografias devem ser obtidas nas posições laterais direita e esquerda e ventrodorsal para melhor
sensibilidade do teste. TC em multisseções propicia imagens excepcionais e está gradualmente substituindo a portografia radiográfica porque permite injeção de contraste no vaso periférico, pode capturar imagens em segundos e permite
reconstrução anatômica tridimensional.
ULTRASSONOGRAFIA: As inúmeras utilidades diagnósticas da ultrassonografia incluem: 1) identificar distensão e determinar a espessura das estruturas biliares; 2) verificar obstruções de ducto biliar comum; 3) detectar mucocelas na
vesícula biliar e colelitíase; 4) diferenciar entre anormalidades focais e difusas; 5) identificar e determinar dimensões das lesões tumorais; 6) identificar pancreatite, linfadenomegalia mesentérica e perihepática; 7) em associação com
estudos vasculares, identificar anomalias vasculares portossistêmicas intra e extrahepática congênitas, APSS, fístula arteriovenosa e distensão venosa hepática compatível com congestão passiva e 8) detectar efusão abdominal de pequeno
volume. Entretanto, embora a ultrassonografia abdominal tenha se tornado ferramenta indispensável de diagnóstico para acessar os sistemas hepático e biliar, seu uso dependente muito do operador e os achados devem ser sempre
confrontados com o histórico, achados nos exames físicos e dados clinicopatológicos.
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA: TC em multisseções, disponível em clínicas especializadas, pode distinguir lesão tumoral, detectar alterações na estrutura do parênquima hepático e sistema biliar, identificar coletite, detectar perfusão
hepática anormal (envolvendo a veia porta, artéria e veia hepática) e trombo portal e pode detalhar a extensão da lesão traumática no sistema hepatobiliar.
OUTROS TESTES BIOQUÍMICOS SÉRICOS
ALBUMINA: Albumina é sintetizada exclusivamente pelo fígado e tem uma meiavida estimada, em cães normais, de cerca de 8 dias. Como estimase que o fígado normal sintetiza o equivalente a 33% de sua capacidade máxima de produzir
albumina, ele tem uma capacidade de reserva. A função da albumina como uma molécula transportadora é essencial para manter normais as interações fármacosreceptores. Nas doenças hepáticas, as funções de transporte da albumina
podem diminuir, aumentando o risco de reações adversas (há mais fármaco livre ou não ligado). O importante papel da albumina na manutenção da pressão osmótica coloidal reflete seu baixo peso molecular, comparado às outras proteínas
plasmáticas, e sua alta concentração intravascular. Na inflamação ou na desnutrição, pode haver aumento da taxa de extravasamento transcapilar de albumina; isto aumenta a redistribuição da albumina e inicia um quadro de
hipoalbuminemia em pacientes com doenças hepáticas necrosanteinflamatórias, muito antes de surgir ascite.
A albumina também atua como sequestrador de radicais oxigênio e outros agentes oxidantes. Esses efeitos antioxidantes podem estar comprometidos nas hepatopatias necrosanteinflamatórias e na insuficiência hepática fulminante.
Qualquer processo nocivo que promova um ambiente oxidativo (p. ex., diabetes melito, doença renal, insuficiência hepática) pode danificar irreversivelmente a molécula de albumina, ocasionando aumento do metabolismo dessa proteína
(síntese e catabolismo).
Tendências iniciais de hipoalbuminemia normalmente refletem inflamação sistêmica (efeito de fase aguda negativo). Apenas na insuficiência hepática grave (p. ex., hepatite crônica progressiva) a baixa síntese é o fator desencadeante de
hipoalbuminemia. Doença glomerular ou enteropatia com perda de proteína deve ser excluída como causa de hipoalbuminemia; causas glomerulares estão associadas à proporção urina:creatinina > 3 e hipercolesterolemia.
BILIRRUBINA: Bilirrubina total > 2,5 a 3,0 mg/dl resulta em icterícia clínica. As concentrações de bilirrubina podem aumentar devido a causas préhepáticas (p. ex., hemólise), causas hepáticas (p. ex., absorção prejudicada, transporte
intracelular, conjugação com glicuronídio ou excreção canalicular) ou colestase hepática (OEHDB, ruptura do trato biliar). A concentração de bilirrubina total é muito variável nas diferentes doenças. As concentrações são mais elevadas em
cães com distúrbios hemolíticos e em gatos com lipidose hepática (LH) e OEHDB. Bilirrubinúria pode ser detectada em cães normais, devido sua capacidade de conjugar bilirrubina nos rins (baixo limiar renal). Todavia, bilirrubinúria em
gatos não é normal e sempre deve ser investigada. A mensuração das frações da bilirrubina total, bilirrubina direta (conjugada) e bilirrubina indireta (não conjugada) têm pouca utilidade diagnóstica.
As causas comuns de hiperbilirrubinemia incluem: aumento da liberação de hemoproteínas (p. ex., anemia hemolítica, eritropoese inefetiva, hemorragia em cavidade corporal), oclusão do ducto biliar, ruptura do trato biliar, colestase
intrahepática, prejuízo ao processamento hepatobiliar de bilirrubina e sepse, entre outros. Cães com icterícia e gatos que apresentam anemia regenerativa devem ser testados quanto a distúrbios hemolíticos, inclusive anemia hemolítica
imunomediada. Hemólise com corpúsculos de Heinz, intoxicação por zinco e eritroparasitas (inclusive Mycoplasma hemotrófico [cães e gatos] e Babesia [cães]). Bilirrubina ligada à albumina por meio de ligação covalente (complexo
biliproteico) permanecem na circulação e não são excretadas na urina. Retenção crônica pode ocasionar icterícia tissular na ausência de bilirrubina, muito após a cura do distúrbio colestático.
BUN E CREATININA: Não há alteração característica nas concentrações de nitrogênio ureico sanguíneo (BUN) ou de creatinina em animais com hepatopatia, exceto valores diminuídos em pacientes com shunt portossistêmico e em cães sob
dietas com restrição de proteínas, formuladas para minimizar os sinais clínicos de encefalopatia hepática. BUN reflete várias condições sistêmicas, inclusive estado de hidratação, suporte nutricional, hemorragia intestinal, catabolismo
tecidual e capacidade hepática de desintoxicação da amônia. Anorexia, dieta com baixo teor proteico ou insuficiência hepática pode resultar em concentração normal ou subnormal de BUN, enquanto valores aumentados em relação à
creatinina podem refletir desidratação ou hemorragia intestinal. Diminuição de BUN e, frequentemente, de creatinina pode estar associada a desvio portossistêmico. O maior turn over de água eleva a taxa de filtração glomerular em até 2
vezes e contribui para ocorrência de poliúria (PU) e polidipsia (PD) nesses pacientes. A menor síntese hepática de creatina também contribui para a diminuição de creatinina em pacientes com insuficiência hepática, considerando que a
creatinina depende da síntese hepática de creatina na via transmetilação. Comparada a BUN, a concentração sérica de creatinina é menos influenciada pelo teor proteico da dieta.
GLICOSE: Hipoglicemia não é comum na doença hepática adquirida, exceto no estágio final de cirrose ou na insuficiência hepática fulminante. A incapacidade de armazenar glicogênio hepático ou converter glicogênio em glicose é mais
comum em cães de raças pequenas neonatos e jovens com shunt portossistêmico congênito. Devem ser consideradas outras causas de hipoglicemia, inclusive sepse, insulinoma, sobredose iatrogênica de insulina, distúrbios raros de
armazenamento de glicose ou efeitos paraneoplásicos em animais com neoplasias hepáticas (carcinoma ou adenoma hepatocelular canino) ou outros tumores.
COLESTEROL: Todas as células do corpo, exceto os eritrócitos, podem sintetizar colesterol para uso intracelular. O colesterol utilizado em lipoproteínas plasmáticas é sintetizado apenas no fígado e no intestino delgado distal. A bile é a
principal via de excreção de colesterol. Concentração sérica de colesterol diminuída pode refletir fatores endócrinos, metabólicos e nutricionais, assim como insuficiência hepática e desvio portossistêmico. Doenças extrahepáticas
associadas à hipocolesterolemia incluem hipoadrenocorticismo, má digestão/má absorção, inanição grave, caquexia, sepse e hipotireoidismo (gatos); causas hepáticas incluem desvio portossistêmico (congênito ou adquirido) e insuficiência
hepática grave (p. ex., na insuficiência hepática fulminante). Colesterol elevado é mais comum em animais doentes e requer considerações cuidadosas quanto a distúrbios extrahepáticos potencialmente associados, inclusive
hipertireoidismo, diabetes melito, pancreatite, síndrome nefrótica, dislipidemias idiopáticas e, raramente, efeito pósprandial. Hipercolesterolemia normalmente é observada na OEHDB e em alguns animais com colestase intrahepática
difusa e regeneração hepática.
TESTES DE COAGULAÇÃO
Anormalidades na coagulação podem ocorrer como resultado da menor produção ou ativação dos fatores de coagulação produzidos no fígado (fatores V, VII, IX, X, XI, XII, fibrinogênio, protrombina, antitrombina III, plasminogênio, a2
macroglobulina e a1antitripsina). A diminuição na absorção gastrintestinal de vitaminas lipossolúveis pode ocasionar sangramento responsivo à vitamina K em animais com OEHDB ou com ducto biliar lesionado por complexos imunes
(colangite esclerosante felina) ou em gatos com lipidose hepática. Gatos são predispostos a coagulopatias responsivas à vitamina K. Avaliação convencional da coagulação normalmente não evidencia coagulopatias não suspeitas após
exame físico, análise de urina ou fezes ou teste do tempo de sangramento da mucosa. Cães com shunt portossistêmico congênito ou adquirido normalmente apresentam baixa atividade de proteína C (< 70%) que, aparentemente, reflete a
gravidade deste shunt.
TESTES DE FUNÇÃO HEPÁTICA
ÁCIDOS BILIARES TOTAIS SÉRICOS (ABTS): As concentrações de ABTS podem detectar distúrbios colestáticos e condições associadas a desvios portossistêmicos, com sensibilidade. ABTS devem ser mensurados antes e 2 h após as
refeições; não é necessário jejum. Massa hepática insuficiente ou desvio da circulação porta para a circulação sistêmica, via shunt portossistêmico extrahepático (congênito ou adquirido) ou desvios intrahepáticos microscópicos (displasia
microvascular congênita) ocasionam alta concentração de ABTS, principalmente nas amostras pósprandiais. Concentrações de ABTS normalmente são menores antes das refeições do que 2 h após, porém cerca de 15 a 20% dos cães e 5%
dos gatos apresentam concentrações de ABTS prérefeição maiores que aquelas pósprandiais. Concentrações > 25 μmol/l, em cães, e > 20 μmol/l, em gatos, devem ser consideradas anormais tanto pré quanto pósprandial. Porém, amostras
aleatórias em jejum e a coleta de apenas amostras pósprandiais podem mascarar a detecção de valores anormais. Como os ácidos biliares pósprandiais são indicadores mais sensíveis de colestase do que a bilirrubina total, a mensuração de
ABTS é desnecessária na icterícia não hemolítica. O uso de ABTS como teste de função hepática pode ser indicado quando há necessidade de biopsia do fígado. ABTS pode estar aumentado em distúrbios hepáticos secundários a outras
doenças orgânicas primárias como, por exemplo, doença inflamatória do intestino, pancreatite e hiperadrenocorticismo.
AMÔNIA: A concentração sanguínea de amônia pode indicar disfunção hepática associada à encefalopatia hepática. A amônia é derivada, predominantemente, da degradação proteica, sendo mais produzida no intestino, a partir de alimentos
consumidos e a ação da urease bacteriana intestinal que cataboliza ureia em amônia e dióxido de carbono. O transporte portal de amônia do intestino para o fígado resulta em desintoxicação direta de 85%, em ureia. Notase prejuízo à
depuração nos distúrbios associados a desvio portossistêmico e na insuficiência hepática fulminante. Como a amônia não é afetada pela colestase, ela não é influenciada por distúrbios hepáticos que não causam desvio da circulação
portossistêmica.
Embora a amônia seja considerada a principal causa de encefalopatia hepática, animais com sinais evidentes desta enfermidade podem apresentar concentração sanguínea aleatória normal de amônia devido a complexos mecanismos
fisiopatológicos primários desta síndrome. Um único valor de amônia normal não permite excluir encefalopatia hepática em animais com suspeita de doença hepática crônica e mensurações seriadas de amônia podem não se correlacionar a
um quadro clínico progressivo de encefalopatia hepática. Portanto, não se pode confiar na dosagem de amônia no diagnóstico de encefalopatia hepática.
A mensuração da concentração sanguínea de amônia é complexa. Falsos aumentos de amônia podem refletir coleta de sangue lenta, aplicação de torniquete muito apertado, condições que promovem a liberação muscular de amônia
(convulsões ou traumatismos), contaminação das amostras e geração espontânea nas amostras não resfriadas adequadamente após a coleta ou não prontamente examinadas. A amônia é altamente volátil e as amostras não podem enviadas
para análise via correio. Amostras de sangue devem ser coletadas em tubos préresfriados e transportadas em gelo derretido ao laboratório onde serão realizadas as análises, dentro de 20 min. A padronização das metodologias enzimáticas é
difícil. Também, existem causas extrahepáticas de hiperamonemia. A mais comum é a infecção bacteriana do trato urinário por microrganismos produtores de urease, associada com uroabdômen ou doença urinária obstrutiva.
Se uma concentração aleatória de amônia encontrase dentro dos limites normais, porém há suspeita de insuficiência hepática e shunt, podese realizar o teste de tolerância à amônia (TTA). Devese administrar, VO, 100 mg de cloreto de
amônia/kg, em uma solução 5% (pode induzir vômito), ou 2 ml/kg de uma solução 5%, VR, 30 min após um enema. A amônia sanguínea é dosada 20, 30, 40 e 60 min após a administração. TTA deve ser realizado com cautela devido ao
risco de encefalopatia hepática (EH) iatrogênica em pacientes suscetíveis.
A presença de cristais de biurato de amônio na urina de animais com ABTS elevado é patognomônico de hiperamonemia e desvio portossistêmico. Um mínimo de três amostras de urina coletadas diariamente, em intervalos, devem ser
analisadas para aumentar a possibilidade de identificação dos cristais. Em animais submetidos à dieta com restrição proteica, com ração formulada especificamente para insuficiência hepática, pode ser difícil identificar biur ato de amônio
devido sua alta eficiência em controlar hiperamonemia.
PÂNCREAS EXÓCRINO
O pâncreas tem funções exócrinas e endócrinas. O pâncreas exócrino é composto de células pancreáticas acinares e um sistema de ductos que alcançam o duodeno proximal. As células pancreáticas acinares sintetizam e secretam enzimas
digestivas, essenciais à digestão de componentes alimentares complexos, como proteínas, triglicerídios e carboidratos. O pâncreas exócrino, também, secreta outras substâncias essenciais, como grande quantidade de bicarbonato, que
tampona o ácido gástrico, fatores intrínsecos, necessários para absorção de cobalamina e colipase, para absorção de lipídios.
ABSCESSOS PANCREÁTICOS
Por definição, um abscesso pancreático é uma coleção de pus, geralmente nas proximidades do pâncreas, com pouca ou nenhuma necrose pancreática. Consideramse os abscessos pancreáticos complicações da pancreatite. Infecção
bacteriana pode ou não estar presente, mas quase todos os casos descritos em pequenos animais eram de abscessos estéreis. Os sinais clínicos são inespecíficos e podem incluir vômito, depressão, dor abdominal, anorexia, febre, diarreia e
desidratação. Em alguns animais a palpação abdominal revela uma massa no abdome cranial. Achados clinicopatológicos comuns são neutrofilia com desvio à esquerda, aumento das atividades séricas de amilase, lipase e das enzimas
hepáticas e hiperbilirrubinemia. Concentrações séricas elevadas de TLI e PLI não foram observadas em cães ou gatos com abscesso pancreático, porém relatos anedóticos sugerem que ambos os parâmetros séricos aumentam
nesses pacientes. Drenagem cirúrgica e terapia antimicrobiana agressiva são as escolhas terapêuticas em pacientes humanos com abscessos pancreáticos infectados. Cães e gatos também podem responder favoravelmente à drenagem
cirúrgica. Entretanto, em um estudo, notouse que apenas pouco mais de 50% dos animais sobreviveram ao período póscirúrgico imediato. Desta forma, devido aos resultados e riscos variáveis, dificuldades e custos associados à anestesia,
cirurgia e cuidados pósoperatórios, o procedimento cirúrgico não deve ser realizado, a menos que exista clara evidência de aumento da massa e/ou sepse durante tratamento medicamentoso do animal.
INSUFICIÊNCIA PANCREÁTICA EXÓCRINA
IPE é uma síndrome causada por síntese e secreção deficiente de enzimas digestivas pela porção exócrina do pâncreas. IPE é incomum em cães e mais rara ainda em gatos, embora seja o segundo distúrbio pancreático mais comum em
ambas as espécies.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: A causa mais comum de IPE em cães é atrofia acinar pancreática, enquanto a causa mais comum em gatos, e a segunda mais comum em cães, é pancreatite crônica. Causas menos comuns de IPE em cães e
gatos incluem massas pancreáticas ou extrapancreáticas que levam à obstrução do ducto pancreático. O pâncreas exócrino tem reserva funcional significativa, e é necessária a perda de 90% desta reserva para que ocorram sinais clínicos de
IPE. As enzimas acinares pancreáticas têm importante papel na assimilação dos principais componentes alimentares e a deficiência de enzimas pancreáticas digestivas causa, principalmente, má digestão. Entretanto, pacientes com IPE
também mostram evidências de má absorção, cuja base patogenia não está bem estabelecida (ver síndromes de máabsorção, p. 370). Os nutrientes restantes no lúmen intestinal ocasionam fezes volumosas e pastosas e esteatorreia. A
deficiência de nutrientes também causa perda de peso e pode provocar deficiências vitamínicas. Em animais com IPE causada por pancreatite crônica, a destruição do tecido pancreático pode não se restringir às células acinares, e pode se
desenvolver diabetes melito concomitante.
ACHADOS CLÍNICOS: IPE devido à atrofia acinar pancreática é mais frequente em cães jovens da raça Pastor Alemão, embora tenham também sido descrita em animais das raças Colly de pelagem cresta e Eurasier. Cães e gatos com IPE de
outras causas geralmente são de meia–idade a idosos, de qualquer raça. Os sinais clínicos mais frequentemente observados incluem polifagia, perda de peso e diarreia. Vômito e anorexia são observados em alguns animais e podem ser
sinais de doenças concomitantes, em vez de IPE. Em pequena parte dos gatos com IPE, as fezes geralmente são pálidas, pastosas, volumosas e podem ter odor acentuado. Raramente podese observar diarreia aquosa. O alto conteúdo de
lipídios nas fezes podem levar à aparência gordurosa dos pelos, especialmente nas regiões da cauda e do períneo.
DIAGNÓSTICO: A concentração sérica de IST = 2,5 μg/l (cães) ou = 8 μg/l (gatos) é diagnóstico para IPE. Como a digestão de um macronutriente pode ser realizada por mais de uma enzima, a deficiência de secreção exócrina pancreática
não ocasiona, necessariamente, sinais clínicos. Por exemplo, alguns cães da raça Pastor Alemão com IPE subclínica têm concentração sérica de IST muito diminuída, escassez de tecido pancreático exócrino, mas sinais clínicos de IPE
intermitentes ou ausentes.
Recentemente, foi desenvolvido e validado um novo teste para dosagem de elastase fecal em cães. Infelizmente, alguns cães saudáveis ou com doença crônica do intestino delgado podem apresentar concentração fecal de elastase
reduzida, tornando esse teste menos confiável do que a concentração sérica de IST.
TRATAMENTO: A maioria dos cães e gatos com IPE pode ser tratada com sucesso por meio de suplementação com enzimas pancreáticas. Formulações em pó são mais efetivas que cápsulas, comprimidos e, especialmente, produtos
revestidos para absorção intestinal. Inicialmente, devese administrar 1 colher de chá/10 kg de peso corporal, para cães, em cada refeição e 1 colher de chá/gato, em cada refeição, para gatos. Quando há remissão total dos sinais clínicos, a
quantidade de enzimas pancreáticas pode ser gradualmente reduzida até obter a menor dose efetiva. Todavia, devese considerar que a menor dose efetiva pode variar entre os lotes de enzimas. Sangramento bucal foi observado em 3 de 25
cães com IPE tratados com suplementos de enzima pancreática, o sangramento cessou nos 3 cães após redução da dose. A mistura do alimento com a formulação em pó também pode diminuir a frequência deste efeito colateral.
Pâncreas fresco pode ser uma alternativa viável ao uso de pó; 30 a 90 g de pâncreas cru fatiado pode substituir 1 colher de chá de extrato pancreático. Pâncreas cru pode ser mantido congelado por diversos meses, sem perda da atividade
enzimática. Não é necessária préincubação do alimento com as enzimas pancreáticas ou suplementação com ácidos biliares. A terapia concomitante com antiácidos ocasiona poucos efeitos na capacidade digestiva total e não é necessária
em quase todos os pacientes com IPE.
Embora a suplementação de enzimas pancreáticas melhore os sinais clínicos em quase todos os animais, a absorção de nutrientes, especialmente lipídios, não é normal. Foi sugerido o fornecimento de dieta pobre em gordura para
controlar a digestão prejudicada de lipídios, mas isto pode reduzir adicionalmente a absorção de lipídios e acarretar deficiência de vitaminas lipossolúveis e/ou ácidos graxos essenciais. Alguns tipos de fibra alimentar interferem na
atividade das enzimas pancreáticas e, assim, devese fornecer uma dieta pobre em fibras insolúveis ou não fermentáveis.
A suplementação enzimática, isoladamente, pode não propiciar a remissão completa dos sinais clínicos; devese considerar a deficiência de cobalamina como possível causa. A absorção de cobalamina depende da síntese e secreção
adequada de fator intrínseco. Em cães e, especialmente em gatos, a maior parte do fator intrínseco é secretado pelo pâncreas exócrino e > 80% dos cães e a maioria dos gatos com IPE apresentam deficiência de cobalamina. Ainda, em um
estudo realizado em cães com IPE a deficiência de cobalamina foi o único fator de risco independente para prognóstico ruim. Dessa forma, as concentrações séricas de cobalamina e folato devem ser rotineiramente avaliadas em pequenos
animais com suspeita de IPE. Cães e gatos com deficiência de cobalamina, supostamente pela marcante redução na concentração sérica de cobalamina, devem ser tratados com cobalamina, por via parenteral. Foram relatadas outras
hipovitaminoses. Por exemplo, notou–se deficiência de vitamina K e consequente coagulopatia em gatos com IPE.
Alguns animais podem não responder à suplementação enzimática e terapia com cobalamina e provavelmente apresentam doença de intestino delgado concomitante. Cães com IPE frequentemente apresentam simultaneamente
supercrescimento bacteriano no intestino delgado e podem necessitar terapia antimicrobiana, enquanto gatos com IPE geralmente apresentam doença intestinal inflamatória concomitante.
PROGNÓSTICO: Na maioria dos casos, a IPE ocorre por perda irreversível de tecido acinar pancreático; a cura é rara. No entanto, com tratamento apropriado e monitoramento, estes animais geralmente ganham peso rapidamente, eliminam
fezes firmes e podem viver normalmente.
NEOPLASIAS PANCREÁTICAS
As neoplasias do pâncreas exócrino podem ser primárias ou secundárias e podem ser classificadas como benignas ou malignas. A maioria das neoplasias pancreáticas em cães e gatos é secundária.
Adenomas pancreáticos são tumores benignos que geralmente são únicos e podem ser diferenciados de hiperplasia nodular pancreática pela presença de cápsula. Adenocarcinoma pancreático é a neoplasia primária mais comum do
pâncreas exócrino em cães e gatos, mas raramente é diagnosticado clinicamente em ambas as espécies.
PATOGÊNESE: Neoplasias benignas podem causar transposição de órgãos da cavidade abdominal cranial. Entretanto, na maioria dos casos essas alterações são subclínicas e geralmente o diagnóstico é estabelecido como achado acidental na
necropsia. Em casos raros, o crescimento da neoplasia pode obstruir o ducto pancreático e causar atrofia secundária do restante do pâncreas exócrino, levando à IPE. No caso de adenocarcinomas, pode ocorrer necrose do tumor, caso este
cresça além de seu suprimento sanguíneo. A necrose do tumor causa inflamação local, o que pode resultar em sinais clínicos de pancreatite. Neoplasias malignas podem se disseminar para órgãos vizinhos ou distantes.
ACHADOS CLÍNICOS: O quadro clínico de cães e gatos com neoplasia do pâncreas exócrino é inespecífico e muitos casos permanecem subclínicos até os estágios tardios da doença. Alguns animais demonstram sinais clínicos sugestivos de
pancreatite. Icterícia obstrutiva pode ser observada caso ocorra obstrução do ducto biliar. Também há relatos de sinais clínicos relacionados com lesões metastáticas em alguns casos de adenocarcinoma pancreático e podem incluir fraqueza,
dor óssea ou dispneia. Recentemente, observouse alopecia paraneoplásica em gatos com adenocarcinoma pancreático.
DIAGNÓSTICO: Diversos achados inespecíficos, como neutrofilia, anemia, hipopotassemia, hiperbilirrubinemia, azotemia, hiperglicemia e aumento da atividade das enzimas hepáticas foram observados em cães e gatos com adenocarcinoma
pancreático. Entretanto, os resultados de exames de sangue de rotina podem ser irrelevantes. Aumento das atividades séricas de amilase e lipase e das concentrações de TLI e PLI não é comumente observado em cães e gatos com
adenocarcinoma pancreático, mas pode estar aumentado em ambas as espécies.
Os achados radiográficos também são inespecíficos na maioria dos casos. Achados anormais incluem redução do contraste do abdome cranial, sugerindo efusão peritoneal, transposição do baço caudalmente e sombreamento na região
pilórica. Em alguns casos, as radiografias abdominais sugerem uma massa abdominal cranial. Ultrassonografia abdominal geralmente mostra uma massa de tecido mole próxima ao pâncreas, mas em muitos casos, o prolongamento da
massa com o tecido pancreático não pode ser mostrado conclusivamente. As lesões neoplásicas nos órgãos vizinhos também podem ser confundidas com o pâncreas. Finalmente, animais com pancreatite grave podem apresentar imagem
ultrassonográfica de massa na região do pâncreas que não deve ser confundida com neoplasia pancreática.
Se há efusão peritoneal, uma amostra deve ser aspirada e submetida ao exame citológico. Entretanto, na maioria dos casos, células neoplásicas não se desprendem facilmente na efusão peritoneal e estas não são detectadas na citologia.
Aspiração com agulha fina ou biopsia transcutânea guiada por ultrassonografia pode ser uma tentativa quando massas suspeitas são vistas. Biopsia de massa pancreática guiada por ultrassonografia pode permitir o diagnóstico definitivo em
mais de 50% dos casos. Muitas vezes, o diagnóstico é estabelecido por necropsia ou laparotomia exploratória.
TRATAMENTO E PROGNÓSTICO: Adenomas pancreáticos são benignos e teoricamente não requerem tratamento, a menos que causem sinais clínicos. No entanto, uma vez que o diagnóstico final de adenocarcinoma pancreático geralmente é
estabelecido por meio de laparotomia exploratória, uma pancreatectomia parcial deve ser realizada mesmo em casos de suspeita de adenoma pancreático. Nestes casos o prognóstico é excelente. Adenocarcinomas pancreáticos geralmente
aparecem no estágio final da doença, sendo muito comum doença metastática no momento do diagnóstico tanto em cães quanto em gatos. Os locais comuns de metástase incluem fígado, linfonodos torácicos e abdominais, mesentério,
intestino e pulmões, mas também há relato de outros locais de metástase. Nos poucos casos em que lesões metastáticas não são identificadas no momento do diagnóstico, devese tentar a remoção cirúrgica do tumor, mas a retirada das
margens cirúrgicas quase nunca é possível e os proprietários devem ser comunicados sobre isso. Tanto a quimioterapia quanto a radioterapia têm mostrado pouca eficácia em pacientes humanos e veterinários com adenocarcinoma
pancreático. Logo, o prognóstico para cães e gatos com esta neoplasia é ruim.
PANCREATITE
A pancreatite é a doença do pâncreas exócrino mais comum tanto em cães quanto em gatos. Pode ser aguda ou crônica, dependendo se a doença ocasionou ou não alterações permanentes do parênquima pancreático, principalmente atrofia
e/ou fibrose. Tanto a pancreatite aguda quanto crônica pode ser grave e estar associada à necrose pancreática e complicações sistêmicas. Logo, a diferenciação entre as duas formas tem pouco significado clínico.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: A maioria dos casos de pancreatite em cães e gatos é idiopática. No entanto, acreditase que imprudência alimentar seja um fator de risco comum em cães. Traumatismo grave, como os que podem ocorrer
durante um acidente de trânsito ou em gatos com síndrome de elevação, pode causar pancreatite. Cirurgia é também considerada um fator de risco para pancreatite, embora agora, acreditase que a maioria dos casos de pancreatite pós
cirúrgica seja decorrente de hipoperfusão pancreática durante anestesia. Doenças infecciosas estão envolvidas, mas há pouca evidência de relação entre causa e efeito na maioria dos casos. Em cães, a pancreatite foi associada à infecção
com Babesia canis. Em gatos, Toxoplasma gondii e Amphimerus pseudofelineus e peritonite infecciosa felina são consideradas mais importantes.
Vários medicamentos causam pancreatite em pessoas, mas pouquíssimos foram confirmados em cães e gatos. Em geral, a maioria das drogas deve ser vista como causas potenciais de pancreatite; possivelmente as mais prováveis são
anticolinesterásicos, cálcio, brometo de potássio, fenobarbital, Lasparaginase, estrógeno, salicilatos, azatioprina, diuréticos tiazinas e alcaloides da vinca.
Por fim, diversas lesões podem ocasionar pancreatite por um mecanismo comum. A secreção de suco pancreático diminui durante os estágios iniciais da pancreatite. Em seguida, há acúmulo tanto de grânulos de zimogênio quanto de
lisossomos, levando à ativação do tripsinogênio em tripsina. A tripsina, por sua vez, ativa mais tripsinogênio e também outros zimogênios. As enzimas digestivas ativadas prematuramente causam lesão local do pâncreas exócrino com
edema, sangramento, inflamação e necrose pancreática, além de necrose de gordura peripancreática. O processo inflamatório também provoca recrutamento de leucócitos e produção de citocinas. As enzimas ativadas e, principalmente, as
citocinas circulam na corrente sanguínea e causam complicações, como inflamação generalizada, CID, lipodistrofia disseminada, encefalopatia pancreática, hipotensão, insuficiência renal, insuficiência pulmonar, miocardite ou mesmo
insuficiência múltipla de órgãos.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos mais comuns observados em cães com pancreatite grave são anorexia (91%), vômito (90%), fraqueza (79%), dor abdominal (58%), desidratação (46%) e diarreia (33%). Os sinais clínicos em gatos
com pancreatite grave são ainda menos específicos; os mais comumente observados incluem anorexia (87%), letargia (81%), desidratação (54%), perda de peso (47%), hipotermia (46%), vômito (46%), icterus (37%), febre (19%) e dor
abdominal (19%). A baixa taxa de dor abdominal observada é notável, uma vez que > 90% dos pacientes humanos com pancreatite relatam tal sintoma.
DIAGNÓSTICO: Histórico de imprudência alimentar associado a vômitos e dor abdominal pode sugerir pancreatite em cães, mas a maioria dos gatos apresenta histórico e sinais clínicos inespecíficos. Os achados hematológicos e o perfil
bioquímico sérico podem sugerir uma doença inflamatória, mas são inespecíficos. Em cães, é comum trombocitopenia e neutrofilia com desvio à esquerda. Azotemia e aumento do teor de bilirrubina e das enzimas hepáticas são achados
comuns e inespecíficos, tanto em cães quanto em gatos. Radiografias abdominais podem revelar diminuição do detalhe da cavidade abdominal proximal e deslocamento de órgãos abdominais, mas estes achados também são inespecíficos e
um diagnóstico baseado apenas em achados radiográficos não é confiável. Caso utilizemse vários critérios, a ultrassonografia abdominal é altamente específica para pancreatite, mas o aumento do pâncreas e acúmulo de líquido ao seu
redor, isoladamente, não são suficientes para o estabelecimento do diagnóstico. A associação de aumento do pâncreas, acúmulo de líquido ao seu redor, alterações da ecogenicidade (redução da ecogenicidade nos casos de necrose
pancreática, aumento de ecogenicidade nos casos de fibrose sugerindo necrose lipídica peripancreática), e/ou massa pancreática são altamente específicos para pancreatite. Devese ter cuidado para não superestimar os achados, uma vez que
equipamentos modernos de ultrassonografia têm resolução muito alta e hiperplasia nodular pancreática pode levar a alterações na ecogenicidade sugerindo, falsamente, a presença de pancreatite. Ainda, a sensibilidade da ultrassonografia
abdominal depende muito do operador, alcançando sensibilidade tão elevada quanto 35%, em gatos, e 68%, em cães, nas mãos mais experientes.
Diversos marcadores diagnósticos de pancreatite foram avaliados em cães e gatos. As atividades séricas de amilase e lipase têm utilidade clínica limitada em cães e nenhuma em gatos. Em cães, um teste para análise semiquantitativa da
imunorreatividade da lipase pancreática sérica (SNAP cPL®) está disponível. Resultado negativo neste teste sugere que é pouco provável que haja pancreatite. Resultado positivo sugere pancreatite e devese examinar uma amostra de soro
para a mensuração da imunorreatividade da lipase pancreática sérica canina (ILPc, agora mensurada por um teste comercial, Spec cPL®), para confirmar o diagnóstico e determinar a concentração basal. Isto permite o uso da concentração
de ILPc sérica como ferramenta de monitoramento da doença. Tanto em cães quanto em gatos, a concentração sérica de ILP (mensurada em cães pelo Spec cPL® e em gatos pelo Spec fPL®) é extremamente específica quanto à função do
pâncreas exócrino; também, é o teste diagnóstico atualmente disponível mais sensível para pancreatite (sensibilidade > 80%).
Também, podese utilizar laparotomia exploratória para o diagnóstico definitivo de pancreatite. No entanto, mesmo que a presença de pancreatite pareça óbvia (p. ex., congestão pancreática pode ser confundida com pancreatite no exame
macroscópico), devese coletar uma amostra por biopsia, uma vez que o diagnóstico definitivo de pancreatite requer a identificação de infiltrado inflamatório em exame histopatológico. É difícil excluir a possibilidade de pancreatite durante
a laparotomia exploratória. Em muitos casos, a pancreatite localizase apenas em um lobo do pâncreas e isto pode não ser notado quando uma única amostra por biopsia é coletada. Além disso, pacientes com pancreatite grave geralmente
apresentam alto risco anestésico e pode não haver justificativa para realização de laparotomia exploratória.
TRATAMENTO: A base da terapia da pancreatite grave é o tratamento de suporte com fluidoterapia, monitoramento rigoroso e intervenção precoce para evitar complicações sistêmicas. Nos poucos casos nos quais a etiologia é conhecida, a
terapia específica contra a causa incitante pode ser instituída. O valor dos antibióticos é questionável e não devem ser utilizados rotineiramente. Descanso do pâncreas exócrino é apenas sugerido se o paciente vomitar incontrolavelmente
(ver p. 519). Devese presumir que exista dor abdominal e essa deve ser tratada até que ocorra evidência contrária. Meperidina e butorfanol intermitentes podem ser utilizados em pacientes com dor abdominal discreta a moderada. Pacientes
com dor intensa são tratados frequentemente com infusão em taxa de infusão contínua de fentanila, cetamina ou lidocaína. A administração de plasma parece auxiliar em casos graves de pancreatite em cães. Deve ser fornecido diariamente
até que a melhora seja significativa ou efeitos adversos sejam observados. Muitos outros tratamentos têm sido testados em cães, gatos e pessoas, mas infelizmente nenhum se mostrou útil.
Pacientes com formas leves de pancreatite devem ser avaliados cuidadosamente quanto à presença de fatores de risco (p. ex., hipertrigliceridemia, hipercalcemia, histórico de medicação que causa pancreatite) e doenças concomitantes (p.
ex., colangite ou hepatite, doença inflamatória intestinal ou diabetes melito). Em cães, refeições à base de ração com teor de lipídios muito baixo são cruciais para o sucesso do tratamento. Em gatos, uma dieta com teor lipídico
moderadamente baixo é recomendada. Fármacos antináusea são úteis aos animais que não conseguem se alimentar devido às náuseas.
Se o paciente não responde à terapia, um teste com prednisona ou prednisolona pode ser realizado. Porém, o uso indiscriminado de glicocorticoides nesses pacientes deve ser desaconselhado.
O prognóstico é bom em casos leves de pancreatite, mas é ruim em casos graves, tanto em cães quanto em gatos. O desafio é a identificação precoce de casos graves durante o curso da doença e a prevenção de complicações nesses
animais.
PSEUDOCISTO PANCREÁTICO
Pseudocisto pancreático é uma coleção de fluido pancreático estéril revestida por uma parede de tecido fibroso ou granulomatoso; também, estas estruturas são consideradas como complicações da pancreatite. Recentemente, foram
descritos diversos casos de pseudocistos pancreáticos em cães e gatos. Em geral, os sinais clínicos são inespecíficos e semelhantes aos da pancreatite. O sintoma mais consistente em cães e gatos é vômito. Em alguns casos, uma massa pode
ser palpada no abdome cranial. Na ultrassonografia abdominal, podese identificar uma estrutura cística bem próxima ao pâncreas. A aspiração do pseudocisto é relativamente segura e deve ser uma tentativa com objetivo diagnóstico e
terapêutico. O líquido oriundo de um pseudocisto pancreático deve conter poucas células e não deve haver evidência de inflamação. Pseudocistos pancreáticos podem ser tratados cirurgicamente ou com medicamentos. O tratamento
medicamentoso envolve aspiração percutânea guiada por ultrassonografia e monitoramento do tamanho do pseudocisto. Devese indicar um procedimento cirúrgico em animais com sinais clínicos persistentes ou quando os pseudocistos não
regridem ao longo do tempo.
PARASITOS GASTRINTESTINAIS DE PEQUENOS ANIMAIS
ACANTOCÉFALOS (Vermes de cabeça espinhosa)
Macracanthorhynchus sp
Macracanthorhynchus ingens, um parasito natural de guaxinins, é ocasionalmente encontrado em cães. Geralmente notase um verme enrugado, branco e comprido (8 a 12 cm), nas fezes. Nenhum sinal clínico foi associado à infecção. O
ciclo biológico requer um inseto diplópodo como hospedeiro intermediário, mas outros animais podem servir como hospedeiros paratênicos. Os ovos parecem aqueles de Oncicola canis, mas são maiores (cerca de 50 × 100 μm). O
diagnóstico de infecções patentes é improvável, pois as infecções experimentalmente induzidas não persistem após 1 a 12 dias de patência. Tratamento não é necessário.
Oncicola sp
Oncicola canis raramente é encontrado no intestino delgado de cães e gatos, no ocidente. São brancos e possuem cerca de 12 mm de comprimento e suas cabeças com espinhos ficam incrustadas na mucosa. As fêmeas põem ovos marrons,
de casca espessa, embrionados, ovais e largos (45 × 65 μm). O ciclo biológico não é completamente conhecido, mas acreditase que inclua um hospedeiro intermediário artrópode e hospedeiros paratênicos, como perus ou tatus. A maioria
das infecções não causa sinais clínicos.
ANCILÓSTOMOS
Ancylostoma caninum é a causa principal de ancilostomíase canina na maioria das áreas tropicais e subtropicais do mundo. A. tubaeforme, de gatos, possui distribuição semelhante, porém mais escassa. A. braziliense, de gatos e cães, se
distribui escassamente da Flórida a Carolina do Norte, nos EUA. É também encontrado nas Américas Central e do Sul e na África. Uncinaria stenocephala é o principal ancilóstomo canino nas regiões mais frias; tratase do ancilóstomo
canino do Canadá e da fronteira norte dos EUA, onde é primariamente um parasito de raposas. U. stenocephala também acomete gatos. Os machos de A. caninum têm cerca de 12 mm de comprimento e as fêmeas, 15 mm; as outras espécies
são um pouco menores. As larvas infectantes dos ancilóstomos caninos, particularmente de A. braziliense, podem penetrar e se mover sob a pele do homem e causar uma condição conhecida como larva migrans cutânea.
Os ovos alongados (> 65 μm) e de parede fina dos ancilóstomos nos estágios de clivagem iniciais (2 a 8 células) são eliminados nas fezes, pela primeira vez, 15 a 20 dias após a infecção; completam a fase de embrião e eclodem em 24 a
72 h, em solo quente e úmido. A transmissão pode resultar da ingestão de larvas infectantes do ambiente ou, no caso de A. caninum, do colostro ou leite de cadelas infectadas. As infecções por A. caninum ou A. braziliense também podem
resultar da invasão larval através da pele, mas essa via tem pouca importância no caso de U. stenocephala. Em filhotes de cães, a penetração cutânea é seguida de migração das larvas, através do sangue, para os pulmões, onde são expelidas
por tosse e engolidas, para se tornar verme adulto no intestino delgado. No entanto, nos animais com > 3 meses de idade, as larvas de A. caninum, após migração através dos pulmões, ficam retidas nos tecidos somáticos. A parada de
desenvolvimento também pode ocorrer na mucosa do intestino delgado. Essas larvas latentes são ativadas após remoção dos vermes adultos do intestino ou durante a prenhez, quando se acumulam nas glândulas mamárias.
ACHADOS CLÍNICOS: Em filhotes de cães, anemia normocítica normocrômica aguda, seguida de anemia microcítica hipocrômica, é a manifestação clínica característica e frequentemente fatal de infecção por A. caninum. Os filhotes
sobreviventes desenvolvem baixa imunidade e exibem menos sinais clínicos. Entretanto, os animais debilitados e desnutridos podem continuar a definhar e manter anemia crônica. Os cães adultos e bem nutridos podem abrigar alguns
vermes sem exibir sinais clínicos; representam séria preocupação como fonte de infecção direta ou indireta de filhotes. Nas infecções graves notase diarreia com fezes escuras. Na doença crônica, desenvolvem–se anemia, anorexia,
emaciação e fraqueza.
Lesões: A anemia se deve diretamente da sucção de sangue e das úlceras hemorrágicas que ocorrem quando A. caninum muda de locais de alimentação. Estimouse que a quantidade de perda sanguínea devido a um único verme, em 24 h, é
de até 0,1 ml. Na ancilostomíase não complicada, não há interferência na eritropoese. O fígado e outros órgãos podem parecer isquêmicos, com um grau discreto de infiltração hepática gordurosa. Enterite hemorrágica com mucosa intestinal
edemaciada e úlceras pequenas e vermelhas e com vermes aderidos normalmente é observada em casos agudos e fatais. A. braziliense, A. tubaeforme, tampouco U. stenocephala são hematófagos ávidos e raramente causam anemia. No
entanto, hipoproteinemia é característica e o extravasamento de soro ao redor do local de fixação no intestino pode reduzir o teor sanguíneo de proteínas em > 10%.
Pode ocorrer dermatite devido à invasão cutânea da larva por qualquer ancilóstomo, mas é observada mais frequentemente nos espaços interdigitais no caso de infecção por U. stenocephala. Podem ocorrer pneumonia e consolidação
pulmonar no caso de infecções graves em filhotes.
DIAGNÓSTICO: Os ovos de casca fina e ovais característicos são facilmente observados no exame de flotação de fezes frescas de cães e gatos infectados (Ancylostoma spp: 52 a 79 × 28 a 58 μm; Uncinaria sp: 71 a 92 × 35 a 58 μm). Podem
se observar anemia aguda e morte decorrentes de infecções adquiridas pelo leite em filhotes de cães, antes dos ovos serem eliminados nas fezes, ou seja, com até 1 a 2 semanas de idade.
TRATAMENTO E CONTROLE: As cadelas devem estar livres de ancilóstomos antes do acasalamento e devem ser mantidas fora de áreas contaminadas durante a prenhez. As cadelas devem parir e amamentar os seus filhotes em recintos
higienizados. Em locais de clima quente, são melhores cercados de concreto que podem ser lavados no mínimo 2 vezes/semana. Os cercados de areia ou de argila exposta ao sol podem ser descontaminados com borato de sódio (1 kg/2 m2).
Em cães, as drogas e associações a seguir são aprovadas para o tratamento de infecções por A. caninum e U. stenocephala: fembendazol, moxidecitina, nitroscanato e pirantel. A milbemicina também é aprovada para o tratamento de
infecções por A. caninum (Tabela 9). No caso de anemia grave, pode ser necessário incluir transfusão sanguínea ou suplementação com ferro na terapia, seguida de dieta rica em proteínas até que o teor de Hg esteja normal. A prevenção de
ancilostomíase com milbemicina ou milbemicina/lufenuron também controla A. caninum, enquanto pirantel/ivermectina, ivermectina/pirantel/praziquantel controla A. caninum e U. stenocephala. Medicamentos preventivos de infecções por
ancilóstomos contendo pirantel também são efetivos contra A. braziliense (Tabela 9) e são aprovados para esse propósito. Finalmente, a formulação injetável de moxidectina para prevenção de ancilostomíase em cães também tem eficácia
significativa nas infecções por A. caninum e U. stenocephala por, no mínimo, 3 meses.
Em gatos, as drogas aprovadas para o tratamento de A. tubaeforme incluem emodepsídeo, fembendazol, ivermectina, milbemicina, moxidectina, pirantel e selamectina (Tabela 9). A prevenção de ancilostomíase com ivermectina,
milbemicina, milbemicina/praziquantel, moxidectina/imidacloprida ou selamectina controlam A. tubaeforme, enquanto a ivermectina também controla A. braziliense (Tabela 10).
Tabela 9 – Fármacos com ação comprovada contra helmintos intestinais de cães aprovados nos EUA e no Reino Unido (Continuacão)
Tabela 9 – Fármacos com ação comprovada contra helmintos intestinais de cães aprovados nos EUA e no Reino Unido
APROVADOS APENAS NOS EUA
APROVADOS APENAS NO REINO UNIDO
50, 1 vez/dia, por 3 dias VO T canis, T leonina, Ancylostoma spp, Uncinaria spp, Trichuris spp, Taenia spp
Nitroscanato 50 VO T canis, T leonina, A caninum, U stenocephala, D caninum, T pisiformis, Taenia hydatigena, E granulosus d
Praziquantel 5 VO D caninum, T pisiformis, Taenia multiceps, T hydatigena, T ovis, E granulosus, E multilocularis
3,5 a 7,5 SC IM D caninum, T pisiformis, E granulosus, E multilocularis
APROVADO TANTO NOS EUA E NO REINO UNIDO
b Repetir após 1 a 20 dias.
c Apenas alguns produtos.
d Auxilia no controle.
Tabela 10 – Fármacos para helmintos intestinais de gatos aprovados nos EUA e no Reino Unido
APROVADOS APENAS NOS EUA
APROVADOS APENAS NO REINO UNIDO
8 tópica D caninum, Taenia spp, E multilocularis
3,5 a 7,5 SC, IM D caninum, T taeniaeformis, Echinococcus multilocularis c
APROVADO NOS EUA E NO REINO UNIDO
b Repetir após 1 a 30 dias.
c Apenas alguns produtos.
d Apenas no Reino Unido.
Ovos de ancilóstomos. Ancylostoma (esquerda) e Uncinaria (direita). Cortesia do Dr. Andrew Peregrine e do Ontario Veterinary College.
Quando filhotes neonatos morrem devido a infecções por ancilóstomos, as ninhadas subsequentes da cadela devem ser tratadas contra A. caninum semanalmente por cerca de 12 semanas, com início na 2a semana de vida. Além disso, o
fembendazol (25 mg/kg, VO) administrado diariamente em cadelas prenhes, a partir do 40o dia de prenhez até o 2o dia após o parto, reduz significativamente a transmissão transmamária aos filhotes. De forma semelhante, o tratamento de
cadelas com ivermectina (0,5 mg/kg), em 2 aplicações (4 a 9 dias antes do parto e 10 dias após), tem o mesmo efeito (uso extrabula).
FASCÍOLAS
Fascíolas Hepáticas
Nos ductos biliares e na vesícula biliar as fascíolas causam fibrose discreta a grave. Foram descritas várias espécies de trematódeos distômicos do fígado de cães e gatos, na maior parte do mundo. As infecções leves podem passar
despercebidas; no entanto, na infecção grave os cães podem desenvolver fraqueza progressiva, culminando em exaustão completa, coma e morte. A seguir, são apresentados alguns trematódeos mais comumente encontrados.
Opisthorchis felineus é um parasito de ductos biliares e pancreáticos e de intestino delgado de cães e gatos que vivem no leste da Europa e em partes da Ásia. O. viverrini é encontrado em cães, bem como em gatos domésticos e silvestres
no Sudeste Asiático. Essas duas espécies são pequenas (9 × 2 mm) e alongadas. O ciclo biológico inclui alguns caramujos (Bithynia sp) e peixes ciprinídeos como hospedeiros intermediários. Uma espécie relacionada, Clonorchis sinensis, a
fascíola hepática oriental de humanos, também foi encontrada nos ductos biliares e pancreáticos de cães, gatos e outros animais. É maior que Opisthorchis spp. Os ovos operculados desses parasitos podem ser identificados nas fezes de
animais infectados.
A presença, a longo prazo, dessas fascíolas no ducto biliar causa hiperplasia epitelial e fibrose da parede do ducto. Nos casos crônicos e graves foram observados carcinoma hepático ou pancreático. O tratamento de infecções
por Opisthorchis spp em cães pode ser realizado com fembendazol (200 mg/kg, VO, 1 vez/dia, por 3 dias) ou praziquantel (20 mg/kg, VO, uma vez). O tratamento de infecções por C. sinensis em cães pode ser feito com praziquantel (30
mg/kg, VO, 1 vez/dia, por 3 dias).
Platynosomum concinnum é uma fascíola pequena (6 × 2 mm) encontrada nos ductos biliares e pancreáticos de felídeos do sudeste dos EUA, Porto Rico e outras ilhas do Caribe, América do Sul, algumas ilhas do Pacífico e partes da
África. O ciclo biológico inclui o caramujo Sublima octona e um crustáceo (piolhodamadeira), como hospedeiro intermediário, e algumas lagartixas, como hospedeiros paratênicos. Os gatos adquirem o parasito por meio da ingestão de
lagartixas infectadas. Em casos leves, podemse observar sinais crônicos vagos de definhamento. No entanto, as infecções graves podem causar a síndrome do “envenenamento por lagartixa”, que se caracteriza por anorexia, vômitos
persistentes, diarreia e icterícia, que levam à morte. Têm–se utilizado com sucesso o tratamento com praziquantel (20 mg/kg, SC, uma vez ou 10 mg/kg VO, 1 vez/dia, por 3 dias; idealmente, ambos os protocolos devem ser repetidos 12
semanas depois), fembendazol (50 mg/kg, VO, 2 vezes/dia, por 5 dias) e nitroscanato (100 mg/kg, uma vez, VO), embora estes medicamentos não sejam aprovados para esse fim. Pode ser necessária cirurgia de ductos biliares.
Metorchis albidus e M. conjunctus são duas fascíolas diminutas (5 × 1,5 mm) encontradas nos ductos biliares e na vesícula biliar de cães, gatos e outros carnívoros da América do Norte, Europa e nos países que compreendiam a União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Raramente causam algum sinal clínico reconhecível. Os ovos são pequenos (24 a 30 × 13 a 16 μm) e o ciclo biológico inclui alguns caramujos de água doce e peixes ciprinídeos como
hospedeiros intermediários. O tratamento da infecção por Metorchis spp em cães pode ser feito com praziquantel (20 mg/kg, VO, uma vez).
Eurytrema procyonis é uma fascíola pequena (2,1 × 1 mm) comumente encontrada no ducto pancreático de guaxinins do leste dos EUA e, ocasionalmente, nos ductos pancreáticos e biliares e na vesícula biliar de gatos domésticos. A
infecção pode estar associada à perda de peso e vômito intermitente. Os ovos são de tamanho médio (45 a 53 × 29 a 36 μm) e o ciclo biológico envolve um caramujo terrestre e um segundo hospedeiro intermediário, que se acredita ser um
artrópode. O tratamento pode ser realizado com fembendazol (30 mg/kg VO, 1 vez/dia, por 6 dias) ou praziquantel/pirantel/febantel (5,8 mg de praziquantel e 5,8 mg de pirantel/kg e 28,8 mg de fenbatel/kg, VO, 1 vez/dia, por 5 dias),
embora não seja aprovado para esse fim.
Fascíolas Intestinais
Nanophyetus salmincola, a fascíola da “intoxicação por salmão” é um parasito oval e pequeno (0,5 × 0,3 mm) encontrado no intestino delgado de cães, gatos e muitos carnívoros silvestres do noroeste dos EUA, sudoeste do Canadá e na
Sibéria. Os ovos, que são eliminados nas fezes de hospedeiros infectados, são marromclaros e indistintamente operculados, com uma formação circular pequena em um polo; medem 72 a 97 × 35 a 45 μm. O ciclo biológico inclui um
período de formação de embrião prolongado (3 meses). Os principais hospedeiros intermediários são caramujos encontrados em regiões endêmicas (p. ex., Oxytrema silicula, nos EUA). As cercárias desses caramujos penetram na pele de
peixes salmonídeos jovens e se encistam como metacercárias nos músculos e nos órgãos. Os cães e outros animais se infectam por meio da ingestão de carne de peixe infectado crua ou inapropriadamente preparada.
Como essas fascíolas se incrustam entre as vilosidades intestinais, a infecção com grande número delas pode causar enterite. No entanto, a maioria das infecções é complicada pela intoxicação por salmão causada por riquétsias, as quais a
fascíola transmite (ver p. 828). Praziquantel (20 a 30 mg/kg, VO, uma vez) e fembendazol (50 mg/kg, VO, 1 vez/dia, por 10 a 14 dias) são tratamentos efetivos para cães.
Alaria alata, A. canis e outras Alaria spp são fascíolas pequenas (2 a 6 mm) geralmente encontradas no intestino delgado de cães, gatos, raposas, visons e carnívoros selvagens, no hemisfério ocidental, bem como na Europa, Austrália e
Japão. A parte anterior do corpo é achatada e a parte posterior é cônica. Os ovos são marromclaros e razoavelmente grandes (98 a 134 × 62 a 68 μm). O ciclo biológico inclui caramujos de água doce (p. ex., Helisoma spp) como principais
hospedeiros intermediários. As cercárias saem dos caramujos e penetram em girinos e se tornam mesocercárias. Sapos, cobras e camundongos adquirem a infecção por meio da ingestão de girinos; as mesocercárias se transferem para os
tecidos e permanecem neste estágio do ciclo biológico. Cães e outros hospedeiros definitivos se infectam pela ingestão destes animais. As fascíolas jovens migram através de vários órgãos do hospedeiro definitivo, inclusive diafragma e
pulmões, antes de atingir o intestino delgado. Embora as fascíolas geralmente sejam consideradas não patogênicas, um grande número delas pode causar hemorragias pulmonares durante a migração ou enterite quando amadurecem no
intestino delgado. Essas fascíolas podem infectar as pessoas. As infecções podem ser tratadas com praziquantel, utilizandose a dose aprovada para cestóideos (ver Tabela 11). No entanto, tal tratamento é extrabula.
As outras espécies de fascíolas, em geral não patogênicas, são encontradas ocasionalmente no intestino de cães, gatos e outros carnívoros. Incluem Heterophyes heterophyes, em alguns países do norte da África e da Ásia; Metagonimus
yokogawai, na Ásia; Cryptocotyle lingua, nos EUA, Canadá, Japão, Sibéria e Europa, e Apophallus donicum, na América do Norte e no leste da Europa. Os ciclos de vida incluem caramujos como principais hospedeiros intermediários e
peixes como segundos hospedeiros intermediários, nos quais as metacercárias se encistam.
Heterobilharzia americana é encontrada nas veias mesentéricas de cães e animais silvestres do sudeste dos EUA. Os ovos passam através dos tecidos intestinais para o lúmen e são eliminados nas fezes. A partir de caramujos,
hospedeiros intermediários, as cercárias escapam para a água e penetram na pele de cães e outros hospedeiros definitivos, migram para o fígado, amadurecem e se transferem para os vasos mesentéricos. Formamse granulomas ao redor dos
ovos, na parede do intestino, no fígado e em outras partes do corpo. Nas infecções graves, podemse desenvolver enterite e emaciação. Às vezes, ocorre “dermatite aquosa” quando as cercárias penetram na pele. Os ovos não flutuam
facilmente e, se colocados na água, eclodem dentro de minutos; portanto, um método de sedimentação utilizando solução salina 0,85% é útil na separação dos ovos da ingesta. Em cães infectados, os ovos são eliminados intermitentemente,
de forma que, em determinado dia, podem não ser encontrados nas fezes. Fembendazol, na dose de 40 mg/kg VO, 1 vez/dia, por 10 dias, é um tratamento efetivo. O praziquantel, em doses preconizadas, também parece ser efetivo. Ambas
as indicações são extrabula.
NEMATOIDES (Tricuríase)
Trichuris vulpis adultos têm 45 a 75 mm de comprimento e uma porção anterior delgada e longa, com terço posterior espesso. Habita comumente o ceco e o cólon de cães, onde se aderem firmemente à parede, com sua extremidade anterior
incrustada na mucosa. Os ovos de casca espessa com opérculos bipolares são eliminados nas fezes e se tornam infectantes em 1 a 2 meses, em ambiente úmido e quente. Embora os ovos possam permanecer viáveis em um ambiente
apropriado por até 5 anos, eles são suscetíveis à dessecação. O ciclo biológico é direto. Após ingestão dos ovos infectantes, as larvas eclodem e se desenvolvem na parede do íleo distal, ceco e cólon e os adultos amadurecem em cerca de 11
semanas. Eles podem permanecer neste local por até 16 meses.
Em infecções leves, não se observa qualquer sinal, mas à medida que aumenta a carga parasitária e a reação inflamatória (e, ocasionalmente, a hemorragia) no ceco, ficam evidentes perda de peso e diarreia. Podese notar sangue vivo nas
fezes de cães intensamente infectados e, às vezes, ocorre anemia.
Raramente observamse infecções por Trichuris em gatos nas Américas do Norte e do Sul e no Caribe, mas ocasionalmente podem estar associadas a sinais clínicos semelhantes aos descritos em cães.
TRATAMENTO E CONTROLE: Os ovos são suscetíveis à dessecação; portanto, por meio da manutenção de limpeza e da eliminação de áreas úmidas, podese reduzir consideravelmente o risco de infecção em cães, embora o controle das
infecções por T. vulpis possa ser difícil. Quanto ao tratamento antihelmíntico em cães, os compostos aprovados incluem febantel, fembendazol, milbemicina, moxidectina (tópica) e oxantel (Tabela 8). O tratamento deve ser repetido 3
vezes, com intervalos de 1 mês, devido ao longo período prépatente. Finalmente, milbemicina, milbemicina/lufenuron, milbemicina/praziquantel e moxidectina/imidacloprida, quando administradas para a prevenção de ancilostomíase,
também são aprovados para o controle de infecções por T. vulpis.
Não há terapia efetiva contra infecções por Trichuris em gatos. Se necessário, o tratamento deve ser realizado com base em dados experimentais com uso de compostos com ação comprovada contra T. vulpis.
OLLULANUS SP
Ollulanus tricuspis é um verme pequeno, com = 1 mm de comprimento, que infecta várias espécies animais, tipicamente gatos e outros felídeos e, ocasionalmente, induz gastrite erosiva ou catarral discreta em gatos. Vômito minutos a
poucas horas após alimentação é um sinal comum. As fêmeas são vivíparas; logo, as infecções maciças podem se desenvolver endogenamente. A transmissão é pelo vômito. O diagnóstico é feito por meio de constatação microscópica da
larva (cerca de 500 μm) ou de vermes adultos no vômito ou no conteúdo estomacal. O uso de um aparato de Baermann permite a separação dos vermes da ingesta, sendo mais fácil observálos. Os parasitos são raramente vistos nas fezes,
uma vez que normalmente são digeridos antes de serem eliminados. Em gatos, há relato de eficácia terapêutica com fembendazol (20 a 50 mg/kg, VO, 1 vez/dia, por 3 dias) e levamisol (5 mg/kg, SC, uma única vez), embora estes
medicamentos não sejam aprovados.
PHYSALOPTERA SPP (Verme do estômago)
Há várias espécies desses nematoides gástricos de cães e gatos em todo o mundo. Em geral, encontramse firmemente aderidos à mucosa gástrica ou duodenal. Os machos têm cerca de 30 mm e as fêmeas cerca de 40 mm de comprimento.
Os ovos têm 42 a 53 × 29 a 35 μm, uma casca espessa, são ovais e contêm larvas.
As larvas infectantes encistadas de Physaloptera spp são encontradas em várias espécies de insetos, inclusive besouros, baratas e grilos. Os camundongos e as rãs podem ser portadores paratênicos. Após o hospedeiro intermediário ou
paratênico ser ingerido pelo cão ou gato, o desenvolvimento da larva em forma adulto é direto. Embora a maioria das infecções sejam subclínicas, esses parasitos podem causar gastrite e, em consequência, vômitos, anorexia e fezes escuras.
Áreas hemorrágicas e ulceradas permanecem na mucosa gástrica quando os parasitos se movem para outros locais; em infecções graves, podem ocorrer anemia e perda de peso. Gastroscopia é o meio de diagnóstico mais eficiente e os
vermes imaturos frequentemente são encontrados no vômito de filhotes de cães e gatos. É difícil encontrar ovos nas fezes, pois eles não flutuam facilmente; os ovos são melhor detectados por sedimentação fecal. Em gatos, podemse
utilizar pamoato de pirantel (5 mg/kg VO, 2 doses com intervalo de 2 a 3 semanas; 20 mg/kg VO, uma única vez) e ivermectina (0,2 mg/kg SC, ou VO, 2 doses com intervalo de 2 semanas) para infecções por Physaloptera. Em cães,
podem–se utilizar fembendazol (50 mg/kg VO, 1 vez/dia, por 3 dias), pamoato de pirantel (5 mg/kg, VO, 2 doses com intervalo de 2 a 3 semanas; 15 mg/kg, VO, 2 doses com intervalo de 2 a 3 semanas; 20 mg/kg, VO, uma única vez) e
ivermectina (0,2 mg/kg SC ou VO, 2 doses com intervalo de 2 semanas). Nenhum desses medicamentos é aprovado para o tratamento de Physaloptera em cães e gatos.
SPIROCERCA LUPI (Verme do esôfago)
Spirocerca lupi adulto é um verme vermelho–brilhante, de 40 (macho) a 70 mm (fêmea) de comprimento, que se localiza geralmente em nódulos nas paredes de esôfago, estômago ou aorta. A espirocercose é observada no sul dos EUA,
bem como na maioria das regiões tropicais do mundo. Os cães são infectados por meio da ingestão de um hospedeiro intermediário (geralmente besouro coprofágico) ou de um hospedeiro de transporte (p. ex., galinhas, répteis ou roedores).
As larvas migram através da parede da artéria celíaca para a aorta torácica, onde geralmente permanecem por cerca de 3 meses. Os ovos são eliminados nas fezes cerca de 5 a 6 meses após a infecção.
ACHADOS CLÍNICOS: A maioria dos cães com espirocercose não exibe sinais clínicos. Quando a lesão esofágica é bastante grande (geralmente quando se torna neoplásica), o cão apresenta dificuldade de deglutição e pode vomitar
repetidamente após tentar comer algo. Tais cães apresentam salivação abundante e, por fim, emaciação. Além disso, os cães podem apresentar espessamento dos ossos longos, característico de osteopatia hipertrófica. Esses sinais clínicos
são sugestivos de espirocercose com neoplasia associada, em locais onde o parasito é prevalente. Ocasionalmente, o cão morre subitamente como resultado de hemorragia maciça no interior do tórax após ruptura da aorta danificada pelos
vermes em desenvolvimento.
Lesões: As lesões características incluem aneurisma da aorta torácica, granulomas reativos de tamanho variável ao redor dos vermes no esôfago e exostose, que fazem ponte entre as faces ventrais de vértebra torácica. Sarcoma esofágico,
frequentemente com metástase, às vezes está associado (aparentemente de forma causal) com espirocercose, particularmente em cães de caça. Os cães com sarcoma relacionado com S. lupi desenvolvem, frequentemente, osteopatia
hipertrófica (p. 1295).
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico pode ser realizado mediante a constatação de ovos pequenos (11 a 15 × 30 a 37 μm) e alongados característicos (por meio de flotação em NaNO3 [densidade específica 1,360] ou flotação em açúcar), que
contêm larvas, nas fezes. No entanto, os ovos são eliminados esporadicamente nas fezes e podem ser difícil encontralos. A gastroscopia ocasionalmente revela um nódulo ou verme adulto. Podese estabelecer um diagnóstico presuntivo
por exame radiográfico, quando este revela massas densas no esôfago; um estudo contrastado com bário positivo pode auxiliar na definição da lesão.
A maioria das infecções não é diagnosticada até a necropsia. Os granulomas variam significativamente em tamanho e localização no esôfago, mas geralmente são bem característicos para o diagnóstico, mesmo que já não haja vermes.
Podemse encontrar vermes e granulomas nos pulmões, traqueia, mediastino, parede gástrica ou outro local anormal. Os aneurismas de aorta cicatrizados persistem por toda a vida do cão e são diagnósticos de infecção anterior. Quando o
sarcoma está associado à infecção, geralmente a lesão esofágica é maior e frequentemente contém cartilagem ou osso; quase sempre há metástases nos pulmões, linfonodos, coração, fígado ou rins.
TRATAMENTO E CONTROLE: Nas áreas endêmicas, devese evitar que os cães ingiram besouros coprofágicos, rãs, camundongos, lagartos etc.; sobras de carne de frango crua não devem ser oferecidas aos animais. O tratamento geralmente
não é prático. No entanto, há relato de eficácia da doramectina (0,2 mg/kg, SC, 3 doses, com intervalos de 2 semanas; 0,4 mg/kg, SC, 6 doses, com intervalos de 2 semanas; 0,5 mg/kg, SC, 2 doses com intervalo de 2 semanas; 0,8 mg/kg
SC, 2 doses com intervalo de 1 semana; tratamentos adicionais podem ser necessários) e ivermectina (0,6 mg/kg, SC, 2 doses com intervalo de 2 semanas) associadas à prednisolona (0,5 mg/kg, VO, 2 vezes/dia, durante 2 semanas e, então,
com redução da dose), embora estes protocolos não sejam aprovados. A toxicidade raçaespecífica verificada para ivermectina em cães da raça Colly ou outros cães pastores também é notada com o uso de doramectina. A remoção cirúrgica
geralmente não é bemsucedida, devido a amplas áreas do esôfago envolvidas.
STRONGYLOIDES SP
Strongyloides stercoralis é um nematoide delgado e pequeno que, quando totalmente maduro, mede cerca de 2 mm e localizase na base da vilosidade, na metade anterior do intestino delgado de cães e gatos. Os vermes são quase
transparentes e praticamente impossíveis de serem vistos macroscopicamente durante a necropsia. Geralmente, as infecções estão associadas a abrigo não higienizado, lotado, úmido e quente. A espécie mais frequentemente encontrada em
cães é idêntica à encontrada em pessoas.
Todos os vermes infectantes são fêmeas. Os ovos se tornam embrionados rapidamente e a maioria das larvas se desenvolve antes de serem eliminadas nas fezes. Sob condições apropriadas de calor e umidade, o desenvolvimento
extracorporal é rápido. O terceiro estágio larval pode ser atingido em pouco mais de um dia. Algumas dessas larvas se desenvolvem em larvas filariformes infectantes; outras se desenvolvem em vermes de vida livre que acasalam e
produzem descendentes semelhantes à fêmea infectante. As larvas filariformes penetram na pele, mas também podem infectar um hospedeiro via cavidade bucal. A transmissão transmamária é possível. Os descendentes podem ser
eliminados nas fezes 7 a 10 dias após a infecção. A autoinfecção causada pelas larvas que se desenvolvem até o estágio infectante dentro do trato gastrintestinal pode resultar em infecções nas quais os cães eliminam as larvas por períodos
prolongados.
ACHADOS CLÍNICOS: A constatação de sinais clínicos indica que uma infecção grave se desenvolveu por algumas semanas. Diarreia mucoide com estrias de sangue, geralmente observada em animais jovens criados em clima úmido e
quente, é característica. Emaciação frequentemente é marcante e a redução na taxa de crescimento pode ser um dos primeiros sinais. O apetite geralmente é bom e o cão permanece normalmente ativo nos estágios iniciais da doença. Na
ausência de infecções secundárias concomitantes, ocorre algum grau, ou nenhum, de febre. Geralmente, em estágios avançados, notase respiração rápida e superficial e pirexia e o prognóstico é grave. A autoinfecção pode ser induzida por
corticosteroides ou outros fatores que afetam a imunocompetência. Pode haver larvas nos tecidos e esses cães têm maior probabilidade de morrer. Na necropsia, pode haver evidência de pneumonia verminótica com áreas amplas de
consolidação nos pulmões, bem como enterite grave com hemorragia, descamação de mucosa e muita secreção de muco.
DIAGNÓSTICO: As larvas de primeiro estágio (cerca de 380 μm) são identificadas por meio de exame microscópico direto de pequena quantidade de fezes. Geralmente, utilizase a técnica de Baermann para separar as larvas do material
fecal. É importante utilizar amostra de fezes frescas do cão infectado, de forma que as larvas possam ser facilmente diferenciadas das larvas de ancilóstomos ou nematoides de vida livre do solo. Ocasionalmente, os ovos (50 a 60 × 30 a 35
μm) podem ser identificados por exame de flotação de fezes frescas. As fêmeas adultas podem ser identificadas em esfregaço da mucosa do intestino delgado. Têm apenas cerca de 2 mm de comprimento, mas a presença de ovos no seu
útero facilmente as diferencia das larvas dos outros nematoides.
TRATAMENTO E CONTROLE: Higiene deficiente e mistura de cães suscetíveis com cães infectados podem ocasionar rápido desenvolvimento de infecção em todos os cães, em um canil ou cercado. Os cães com diarreia devem ser isolados,
imediatamente, dos cães aparentemente saudáveis. Luz solar direta, aumento da temperatura do solo ou da superfície e dessecação são prejudiciais para todos os estágios de larvas livres. Lavagem completa das superfícies de madeira e
impermeáveis com solução salina concentrada ou como vapor ou com solução de cal, seguida de enxágue com água quente, destroem efetivamente o parasito. Como a doença pode ser grave em pessoas, devese ter cuidado na manipulação
dos cães infectados. É muito mais provável que a doença no homem (bem como em cães) seja grave, se a pessoa está imunossuprimida.
As infecções em cães podem ser tratadas com ivermectina (0,2 mg/kg, SC ou VO, uma vez, com uma segunda dose após 4 semanas; 0,8 mg/kg, VO, em dose única), fembendazol (50 mg/kg, VO, 1 vez/dia, por 5 dias, repetida 4 semanas
depois) ou tiabendazol (100 a 150 mg/kg, VO, 1 vez/dia, por 3 dias, repetida semanalmente até que as larvas não sejam detectadas nas fezes – podese notar toxicidade com este protocolo). Em gatos, podese utilizar fembendazol (50
mg/kg, VO, 1 vez/dia, por 3 dias). Estes protocolos não são aprovados para cães, tampouco para gatos. Em todos os animais, devese examinar as fezes regularmente no mínimo 6 meses após o tratamento, para confirmar a eficácia.
TÊNIAS (Cestóideos)
A maioria dos cães e gatos urbanos se alimenta de rações preparadas e tem acesso restrito a presas naturais. Tais animais podem adquirir Dipylidium caninum (a tênia canina de poros duplos) de pulgas. Gatos com acesso a camundongos e
ratos domésticos (ou ao ambiente externo) infectados também podem adquirir Taenia taeniaeformis. Os cães suburbanos, rurais e de caça têm mais acesso a vários mamíferos pequenos, além de carne e vísceras cruas oriundas de ungulados
domésticos e selvagens. Podemse esperar vários cestóideos neste cães (ver Tabela 11). Nas pastagens de ovinos e onde qualquer ungulado e canídeo silvestre sejam comuns, os cães podem adquirir Echinococcus granulosus (a tênia do
cisto hidátido). E. multilocularis silvático (a tênia do cisto hidátido alveolar), antigamente conhecida apenas na região ártica da América do Norte, foi encontrada na vida selvagem do meiooeste e do oeste dos EUA e do Canadá. O parasito
é também endêmico em várias partes da Europa Oriental, particularmente França, Alemanha e Suíça. Até hoje, as infecções em gatos ou cães são extremamente raras. Spirometra mansonoides é um parasito incomum (mas não raro) de
gatos e, ocasionalmente, de cães criados no leste e em áreas da Costa do Golfo da América do Norte.
O convívio com cães infectados pode resultar em infecção humana por metacestóideos de E. granulosus, E. multilocularis, Taenia multiceps, T. serialis ou T. crassiceps em vários tecidos (por meio da ingestão de ovos eliminados nas
fezes de cães), ou por D. caninum adulto no intestino (pela ingestão de pulgas infectadas). A presença de metacestóideos em animais de produção pode limitar o uso comercial de suas carcaças ou de partes não aproveitadas de uma rês
abatida. Dessa forma, os cestóideos de cães e gatos podem ter tanto importância econômica quanto de saúde pública (ver Tabela 12, p. 516).
Taenia sp em gato. Cortesia do Dr. Andrew Peregrine e do Ontario Veterinary College.
Os cestóideos adultos no intestino de cães e gatos raramente causam doença séria e os sinais clínicos, caso presentes, podem depender do grau de infecção, idade, condição e raça do hospedeiro. Os sinais clínicos variam de definhamento,
malestar, irritabilidade, apetite caprichoso e pelame eriçado, até cólica e diarreia discreta; raramente observamse intussuscepção intestinal, emaciação e convulsões.
Echinococcus granulosus. Cortesia do Dr. Andrew Peregrine e do Ontario Veterinary College.
O diagnóstico baseiase no achado de proglotes ou ovos nas fezes. Os ovos de Taenia spp e Echinococcus spp não podem ser diferenciados por exame microscópico. O exame microscópico direto das amostras de fezes e de flotação fecal
podem revelar ovos de Spirometra mansonoides que, às vezes, são confundidos com ovos de trematódeos, embora sejam maiores e possuam um opérculo que, frequentemente, é difícil de ver.
O controle das tênias de cães e gatos requer terapia e prevenção. Os animais que perambulam livremente em geral se reinfectam por meio da ingestão de metacestóideos em cadáver em decomposição ou em animais caçados. Dipylidium
caninum é diferente porque realizar seu ciclo em pulgas, que podem estar associadas à infecção de animais confinados.
Portanto, é necessário um diagnóstico preciso para uma medida efetiva que evite reinfecção.
O tratamento efetivo remove escólex aderidos no intestino delgado dos animais infectados (Ver Tabela 11 para tratamentos específicos aprovados). Em cães, fembendazol e praziquantel são aprovados para tratamento de Taenia spp (mais
que apenas T. pisiformis); diclorofeno, epsiprantel, nitroscanato e praziquantel são aprovados para tratamento de D. caninum; praziquantel é aprovado para tratamento de Echinococcus spp (Tabela 9). Em gatos, fembendazol e praziquantel
são aprovados para tratamento de Taenia spp (mais que apenas T. taeniformis); epsiprantel e praziquantel são aprovados para tratamento de D. caninum; praziquantel é aprovado para tratamento de E. multilocularis (Tabela 10).
Tabela 11 – Cestódios de cães e gatos na América do Norte
Cestódio Hospedeiro Hospedeiro Intermediário e Órgãos Infectadosa Características Diagnósticas do Verme Adulto Comentários Tratamento Aprovadob
Definitivo
mediante a ingestão de ovos de cestoides (exceto Mesocestoides spp, Spirometra e Diphyllobothrium spp, que têm um estágio extra no ciclo biológico), eliminados nas fezes do hospedeiro definitivo.
b Ver Tabelas 9 e 10 para informações sobre dosagens dos medicamentos.
Aglomerado de ovos de Dipylidium. Cortesia do Dr. Andrew Peregrine e do Ontario Veterinary College.
O praziquantel, na dose de 7,5 mg/kg VO, por 2 dias consecutivos, é efetivo contra Diphyllobothrium sp, em cães. Além disso, dose única de 35 mg/kg VO, elimina D. latum de gatos infectados. Ambos os tratamentos são extrabula.
Infecções por Spirometra sp em gatos podem ser tratadas com dose única de 30 mg de praziquantel/kg, SC, IM ou VO. Mebendazol, na dose de 11 mg/kg VO, tem tido efetivo. Todos esses tratamentos são extrabula.
VERMES REDONDOS
Os grandes vermes redondos (nematoides ascaridoides) de cães e gatos são comuns, especialmente em filhotes de cães e gatos. Das 3 espécies, Toxocara canis, Toxascaris leonina e Toxocara cati, a mais importante é T. canis, não só porque
suas larvas podem migrar no homem (como também fazem as larvas de T. cati), mas também porque podem ocorrer infecções fatais em cães jovens. T. leonina acomete cães adolescentes/adultos e gatos. Essas espécies também infectam
carnívoros selvagens, especialmente aqueles de zoológicos ou de outros tipos de cativeiro.
Em filhotes de cães, o modo de infecção usual por T. canis é a transferência transplacentária. Se filhotes < 3 meses de idade ingerem ovos embrionados infectantes, as larvas liberadas penetram na mucosa intestinal, atingem os pulmões
através da circulação sanguínea, inclusive hepática, sendo expelidas por tosse, engolidas e se desenvolvem em adultos que produzem ovos, no intestino delgado. No entanto, quando cães mais velhos ingerem ovos embrionados infectantes
de T. canis, as larvas são liberadas, penetram na mucosa intestinal e migram para o fígado, pulmões, músculos, tecido conjuntivo, rins e muitos outros tecidos, onde ocorre parada do desenvolvimento. Em cadelas prenhes, essas larvas
dormentes se ativam e migram para o feto em desenvolvimento; podem ser encontradas no intestino de filhotes de cão em até 1 semana após o nascimento. Algumas larvas migram para a glândula mamária, de forma que os filhotes também
podem se infectar pela ingestão de leite. Durante a fase perinatal, a imunidade da cadela à ascaríase é parcialmente suprimida e o animal pode eliminar número considerável de ovos nas fezes. O desenvolvimento destas infecções patentes
parece estar associado à maturação das larvas latentes na fêmea, que migram para o intestino através dos pulmões, e à ingestão e maturação das larvas eliminadas nas fezes de filhotes.
Após a ingestão de ovos infectantes, as larvas dos nematoides ascaridoides podem migrar para os tecidos de muitos animais e, desta forma, representa uma fonte de infecção alternativa, particularmente para gatos e carnívoros selvagens.
Tal migração também ocorre se a pessoa engole os ovos com larvas. A maioria das infecções humanas é assintomática, mas podem ocorrer febre, eosinofilia persistente e hepatomegalia (às vezes com envolvimento pulmonar), resultando
em uma condição conhecida como larva migrans visceral. Raramente, uma larva pode se instalar na retina e prejudicar a visão, resultando em uma condição conhecida como larva migrans ocular.
O ciclo biológico de T. cati é semelhante ao de T. canis, exceto quando não ocorre infecção prénatal. No caso de T. leonina, a migração se restringe à parede intestinal, de forma que não ocorre transmissão prénatal, tampouco
transmamária.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A primeira indicação de infecção nos animais jovens é ausência de crescimento e perda de peso. Os animais infectados apresentam pelame opaco e frequentemente ficam com “barriga de pote”. Os vermes
podem ser eliminados no vômito e são quase sempre eliminados nas fezes. Nos estágios iniciais, as larvas migratórias podem causar pneumonia eosinofílica, que pode estar associada à tosse. Diarreia com muco pode ser evidente.
Tabela 12 – Cestódios com importância em Saúde Públicaa
parece não ter relevância médica, mas aspectos importantes quanto à anestesia.
Em filhotes de cães com infecções graves, são comuns pneumonia verminótica, ascite, degeneração hepática gordurosa e enterite mucoide. Em cães jovens, são frequentes granulomas na cortical renal contendo larvas.
DIAGNÓSTICO: A infecção de cães e gatos é diagnosticada por meio da detecção de ovos nas fezes. É importante distinguir os ovos de casca rugosa e esféricos de Toxocara spp (T. cannis 80 a 90 × 75 μm; T. cati 65 × 75 μm) dos ovos de
casca lisa e ovais de Toxascaris leonina (75 a 85 × 60 a 75 μm), devido à importância dos primeiros em saúde pública.
TRATAMENTO E CONTROLE: Em cães, os medicamentos aprovados para o tratamento de infecções por vermes redondos incluem fembendazol, milbemicina, moxidectina, nitroscanato, piperazina e pirantel (Tabela 8). Na Europa, a
selamectina é aprovada para o tratamento de infecções por T. canis, com dose única, enquanto no Canadá, o protocolo aprovado requer 2 doses com intervalo de 1 mês. Programas de prevenção de infecção por nematódeos utilizando
milbemicina, milbemicina/lufenuron, milbemicina/praziquantel, moxidectina/imidacloprida, pirantel/ivermectina ou pirantel/ivermectina/praziquantel, também controlam a ascaridíase intestinal. Além disso, o uso de selamectina é aprovado
para esta indicação em alguns países, mas não nos EUA (Tabela 9).
Os medicamentos aprovados para o tratamento de ascaridíase em gatos incluem emodepsídeo, fembendazol, milbemicina, moxidectina, piperazina e selamectina (Tabela 10). O uso de pirantel também é aprovado no Canadá. Programas
de prevenção contra nematoides que empregam milbemicina, milbemicina/praziquantel, moxidectina/imidacloprida ou selamectina também controlam ascaridíase intestinal em gatos (Tabela 10).
Ovos de nematoides. Toxocara (esquerda) e Toxocaris (direita). Cortesia do Dr. Andrew Peregrine e do Ontario Veterinary College.
Os ovos com larvas, resistentes ao ambiente do solo, e as larvas somáticas nas cadelas são os principais reservatórios de infecção. A transmissão perinatal de uma infecção pode ser reduzida significativamente por meio do tratamento das
cadelas com (1) doses diárias de fembendazol (25 mg/kg, VO) desde o 40o dia de gestação até o 2o dia após o parto (aprovado no Reino Unido); (2) ivermectina (0,3 mg/kg, SC) no 1o, 30o e 60o dia de gestação e no 10o dia após o parto; (3)
ivermectina (0,5 mg/kg) no 38o, 41o, 44o e 47o dia de gestação; (4) ivermectina (1 mg/kg) no 20o e 42o dia de gestação. Essas indicações da ivermectina não são oficiais. Por outro lado, para minimizar a produção de ovos, os filhotes de cães
devem ser tratados o mais cedo possível; o ideal é o tratamento 2 semanas após o nascimento, com repetição em intervalos de 2 semanas, até 2 meses de idade e, então, mensalmente até 6 meses de idade. Fêmeas lactantes devem ser
tratadas no mesmo momento. Filhotes de gatos devem ser tratados nas 3, 5, 7 e 9 semanas de idade e, então, mensalmente até o sexto mês de idade. Fêmeas lactantes devem ser tratadas no mesmo momento.
Uma vez que os vermes se aderem a diversas superfícies e se misturam ao solo e à poeira, as pessoas devem adotar higiene rigorosa, particularmente em crianças expostas a animais ou áreas potencialmente contaminadas.
VÔMITO
O vômito corresponde a uma ejeção forçada e reflexa de parte ou de todo o conteúdo gástrico e do intestino delgado proximal, através da boca. Tratase de uma série de movimentos espasmódicos involuntários que requerem contrações
musculares visceral, diafragmática e de músculo abdominal. O ato de vomitar normalmente é precedido por vários sinais clínicos estereotípicos e prodromais, inclusive hipersalivação, atos repetidos de deglutição, esforço para vomitar e
contrações forçadas dos músculos abdominais. O vômito deve ser diferenciado de regurgitação, disfagia (dificuldade de deglutição) e várias outras formas de disfunção esofágica. A regurgitação é um processo passivo no qual o alimento
não digerido ou líquido é parcialmente ou completamente liberado do esôfago ou estômago através da boca, sem esforço ou contrações musculares (i. e. por meio da gravidade e da posição corporal do animal). Embora a disfagia envolva
contrações musculares ativas, porém ineficazes, e pode provocar movimentos que muito se assemelham ao esforço do vômito, o processo representa um movimento disfuncional de líquido e/ou alimento para dentro e não fora do trato
gastrintestinal.
ETIOLOGIA, FISIOPATOLOGIA E ACHADOS CLÍNICOS: O ato reflexo de vomitar é iniciado pelo centro de vômito (ou centro emético) localizado na formação reticular da medula. O centro do vômito responde a estímulos de quatro fontes
principais: 1) receptores aferentes de várias estruturas periféricas (trato gastrintestinal, pâncreas, coração, fígado, trato urogenital e peritônio) conduzidos pelos nervos vago e simpáticos; 2) zona desencadeadora de quimiorreceptores (ZDQ)
da área postrema da medula; 3) córtex cerebral e sistema límbico; e 4) aparato vestibular. Neste sentido, o centro do vômito responde a estímulos neurais, humorais e químicos. Estimulação dos receptores nos canais semicirculares do
sistema vestibular, aumento da pressão intracraniana, distensão do duodeno (p. ex., obstrução por corpo estranho, gás e íleo adinâmico secundários à inflamação) ou cólon (p. ex., constipação intestinal), distensão ou inflamação de cápsulas
de órgãos (p. ex., pielonefrite ou insuficiência hepática aguda), toxinas sanguíneas (p. ex., quimioterápicos exógenos ou toxinas urêmicas endógenas) são exemplos de vários estímulos que podem ativar o reflexo do vômito e mostram
porque a lista de causas potenciais que causam vômito nos pacientes é tão extensa.
Algumas causas adicionais de vômito incluem toxinas (pesticidas, zinco, xilitol, micotoxinas), envenenamento, parasitos (nematoides em gatos, Spirocerca lupi, Physaloptera, Ollulanos tricuspis), infecção (Helycobacter) e inflamação
(pancreatite), medicamentos (aciclovir, cisplatina, piperazina, zolpidem, antibióticos), obstrução (intussuscepção, corpo estranho, obstipação), alergia alimentar, distúrbios de motilidade (síndrome do vômito bilioso, hérnia de hiato), doença
metabólica e eletrolítica, enfermidade neurológica (desautonomia, epilepsia límbica), neoplasia, enterotoxemia e sepse.
Ansiedade, depressão, hipersalivação e deglutições repetidas acompanhadas de relaxamento do esfíncter gastresofágico são seguidos de esforço de vômito. O intestino delgado proximal e o antro do estômago se contraem, propelindo o
seu conteúdo do interior do corpo do estômago, onde o movimento é inibido. O esfíncter gastresofágico deslocase para o interior da cavidade torácica, tornandose incompetente e facilitando o refluxo gastresofágico. Reprimese a
motilidade dos esfíncteres esofágico e faringoesofágico e a nasofaringe se fecha para evitar regurgitação nasal. Contrações forçadas de músculos abdominais e do diafragma contra a glote fechada, combinados com aumento da pressão
intraabdominal, forçam a expulsão de alimento, fluidos e resíduos.
DIAGNÓSTICO: A abordagem diagnóstica se inicia com a identificação completa e acurada do problema. Isto inclui diferenciar vômito de regurgitação ou disfagia e, então, caracterizar a duração e a natureza do vômito. Embora a lista
completa das prováveis causas de vômito seja extensa e relevante para qualquer paciente com vômito, o ranqueamento da lista diferencial é significativamente influenciada por uma variedade de fatores históricos. O problema deve ser
definido como agudo ou crônico, persistente ou intermitente, estático, progressivo ou recidivante. O vômito pode ser melhor definido em termos de frequência e período do dia em que ocorre, natureza do vômito, alterações nas condições
alimentares ou ambientais que precedem o problema e condição geral do paciente (p. ex., atitude, atividade, apetite, aparência), entre os episódios. Tanto o histórico quanto o exame físico podem revelar causas sistêmicas potenciais ou
consequências do problema, tais como depressão, desidratação, febre, halitose, perda de peso, dispneia (aspiração), dor abdominal, tumores, espessamento ou distensão de alças intestinais, borborigmo ou melena.
Após anamnese e exame físico minuciosos, devese definir os diagnósticos diferenciais gastrintestinais primários e secundários. Radiografias abdominais simples devem ser parte da abordagem diagnóstica inicial em qualquer paciente
com vômito; um corpo estranho gastrintestinal não diagnosticado em um paciente com vômito agudo ou um tumor esplênico não detectado no paciente com vômito crônico são causas potencialmente fatais de vômito, cuja identificação foi
retardada por tratamento sintomático na ausência de testes diagnósticos apropriados, em detrimento do paciente. Uma base mínima de dados, inclusive hemograma, perfil bioquímico sérico, urinálise e exame de fezes, são também
apropriados para o diagnóstico inicial, embora sejam menos prováveis que permitam a identificação das causas primárias, que necessitam intervenção imediata.
O vômito crônico e o vômito com manifestações sistêmicas, tais como hematêmese, dor abdominal, desidratação, febre ou perda de peso, devem ser abordados mais vigorosamente. Uma gama extensa de testes diagnósticos está
disponível para diagnóstico de causas primárias e secundárias de vômito. Modalidade não invasiva de imagens, além de radiografias abdominais simples, incluem radiografias contrastadas, ultrassonografia abdominal e ressonância
magnética (RM) ou tomografia computadorizada (TC) do abdome. Exame de flotação fecal, esfregaço seco, esfregaço úmido, ELISA para Giardia, PCR, microscopia eletrônica e mensuração dos teores de aantiprotease (para enteropatias
com perda de proteínas) estão disponíveis para auxiliar no diagnóstico de doença gastrintestinal. A imunorreatividade da lipase pancreática (ILP) substituiu as dosagens de amilase e lipase séricas como testes muito mais sensíveis de
inflamação pancreática. Laparoscopia e endoscopia são ferramentas diagnósticas valiosas para as causas primárias e secundárias de vômito e elas conferem uma morbidade muito menor do que a laparotomia exploratória.
TRATAMENTO E CONTROLE: O principal objetivo do tratamento de um paciente com vômito é identificar e tratar as causas primárias do problema. A obtenção de um diagnóstico definitivo antes da instituição de tratamento sintomático é
quase sempre uma abordagem prudente e frequentemente efetiva em qualquer paciente com vômito. A terapia antiemética é um componente essencial do protocolo terapêutico para muitos pacientes, porém com a administração de um
antiemético, o médico perde a capacidade de relacionar a cessação do vômito com qualquer outro parâmetro específico (p. ex., reidratação, resolução de uma obstrução parcial, tratamento efetivo da doença primária em curso e a progressão
natural de uma simples gastrite).
A terapia sintomática para vômito agudo inclui jejum de 24 h. A água nunca deve ser suspensa, exceto se o animal recebe fluidoterapia por via SC ou IV. As consequências previsíveis do vômito incluem desidratação, desequilíbrio
eletrolítico e ácidobase; a suspensão de água sem avaliar adequadamente o estado de hidratação do paciente exacerba e complica essas anormalidades. Alguns animais mostram resposta positiva com essa intervenção por 24 h e pequenos
volumes de fluidos orais e, eventualmente, de alimentos podem ser reintroduzidos lentamente se ocorrem mais episódios de vômito.
Vários animais com episódios de vômito necessitam um período maior de reidratação vigorosa ajustada à progressão ou resolução das anormalidades do estado eletrolítico e ácidobase. Vômito normalmente resulta em azotemia pré
renal, hipopotassemia, hipocloremia, alcalose metabólica e acidúria paradoxal devido à perda de secreção rica em potássio, cloreto e hidrogênio. Vômito persistente sem reidratação suficiente pode resultar em acidose metabólica e perda de
excesso de base, hipovolemia, baixa perfusão tecidual, hipoxia e acidose láctica. Portanto, é difícil predizer o estado ácidobase/eletrolítico de um animal com vômito; a capacidade do clínico de tratar esses desequilíbrios depende de
avaliações repetidas de vários parâmetros.
A decisão de se instituir terapia antiemética é baseada no quadro clínico do animal, na identificação da causa primária, na necessidade de avaliação da progressão natural da condição do animal, da resposta a outros tratamentos e do
impacto geral do vômito no estado emocional, físico e bioquímico do paciente. Há vários antieméticos disponíveis e sua eficácia, frequentemente, depende de que e/ou como muitos dos estímulos previamente descritos atingem o centro do
vômito. Antieméticos particularmente eficazes em animais com doença vestibular podem ser de pouco valor a animais cujo vômito, por exemplo, é secundário à insuficiência renal.
Fármacos que atuam diretamente no centro do vômito incluem os tranquilizantes fenotiazinas, tais como proclorperazina (0,3 mg/kg, VO, 3 vezes/dia; 0,1 mg/kg, IM, 4 vezes/dia; ou 0,1 a 0,5 mg/kg, SC, 3 vezes/dia) e clorpromazina (0,5
mg/kg, VO, 4 vezes/dia; 0,5 mg/kg, IM, 3 vezes/dia; ou 1 mg/kg, VR, 3 vezes/dia). As fenotiazinas também inibem a atividade do ZDQ e tem discreto efeito anticolinérgico, o que as tornam uma escolha valiosa e efetiva em muitos animais.
Embora os efeitos antieméticos sejam observados em doses menores que aquelas necessárias para o efeito tranquilizante, a hipotensão é um efeito adverso em potencial. Portanto, é essencial que os animais sejam adequadamente reidratados
antes de se instituir a terapia com fenotiazinas.
Uma nova classe de antieméticos que parece atuar tanto no centro do vômito quanto na ZDQ é o antagonista do receptor NK1, maropitant (1 mg/kg SC, 1 vez/dia, por até 5 dias; 2 mg/kg, VO, 1 vez/dia, por até 5 dias; 8 mg/kg, VO, 1
vez/dia, por até 2 dias, para enjoo de transporte). Maropitant foi o primeiro introduzido com profilático em animais com câncer sob tratamento quimioterápico. Seu uso foi estendido para cessar eficazmente o vômito agudo secundário a
uma ampla variedade de causas e para o tratamento do enjoo de transporte. A administração de maropitant inclui um período de eliminação (5 dias de tratamento e 2 dias sem, para o vômito; 2 dias de tratamento e 3 dias sem, para enjoo de
transporte). Pode ocorrer, em alguns animais, desconforto discreto e transitório após a injeção SC. A dose para gatos ainda não foi estabelecida, porém parece ser aproximadamente metade da dose recomendada para cães.
Fármacos utilizados principalmente para enjoo de transporte e/ou doença vestibular incluem hidrocloreto de meclizina (2 a 6 mg/kg, VO, 25 mg/cão, VO, 1 vez/dia; total de 12,5 mg para gatos, 1 vez/dia) e difenidramina (2 a 4 mg/kg,
VO, 3 vezes/dia). Esses antihistamínicos atuam bloqueando os receptores H1 do aparato vestibular e, em menor grau, da ZDQ. O antimuscarínico escopolamina (0,03 mg/kg IM ou SC, 4 vezes/dia) também é utilizado para enjoo de
transporte. Sonolência e xerostomia são reações adversas potenciais deste fármaco.
Antagonistas dopaminérgicos, como metoclopramida (0,2 a 0,5 mg/kg, VO ou SC, 4 vezes/dia, ou 1 a 3 μg/kg/min em taxa de infusão constante), atuam na ZDQ e em receptores periféricos e são considerados úteis no tratamento de
vômito secundário a uma variedade de causas. A eficácia da metoclopramida como antiemético em gatos está em estudo, uma vez que os gatos podem não ter receptores dopaminérgicos no centro do vômito.
Ondansetron (0,1 a 1 mg/kg, VO, 1 a 3 vezes/dia, ou 30 min antes da quimioterapia; 0,11 a 0,18 mg/kg, IV; evite o uso em cães da raça Colly) é um antiemético que atua com antagonista seletivo do receptor de serotonina 5HT3, com
ação tanto central quanto periférica. A liberação periférica de serotonina mostrou se importante na resposta do vômito decorrente da administração de quimioterápicos; o ondansetron deve ser utilizado em pacientes com câncer, antes da
terapia, assim como em outros casos que não respondem a outros antieméticos. À semelhança do ondensetron, o dolasetron (0,6 a 1,0 mg/kg, IV ou VO, 1 vez/dia) é um antagonista serotoninérgico 5HT3 utilizado para aliviar náuseas e
vômito secundário à anestesia, quimioterapia, enterite e hepatopatia.
Além da manipulação farmacológica destinada para prevenir a expulsão do conteúdo gástrico em direção retrógrada, um paciente com vômito pode também responder à intervenção farmacológica dirigida ao movimento dos alimentos na
direção apropriada. Embora qualquer possibilidade de obstrução ou corpo estranho seja uma contraindicação, fármacos promotilidade, como metoclopramida (ver texto anterior), ranitidina (1 a 2 mg/kg, VO, 2 vezes/dia), baixas doses de
eritromicina (0,5 a 1,0 mg/kg, 3 vezes/dia) e cisaprida (0,5 mg/kg, VO, 3 vezes/dia em cães; 2,5 a 5,0 mg/gato, VO, 2 a 3 vezes/dia em gatos) deve ser incluídos no protocolo terapêutico.
OLHO E OUVIDO
OLHO
CERATOCONJUNTIVITE INFECCIOSA
CONJUNTIVITE CAUSADA POR CLAMÍDIA
DOENÇA OCULAR PARASITÁRIA
Vermes Oculares de Grandes Animais
Vermes Oculares de Pequenos Animais
EMERGÊNCIAS OFTÁLMICAS (EMG)
NEOPLASIA DO OLHO E DE ESTRUTURAS ASSOCIADAS
Bovinos
Caninos
Equinos
Felinos
OFTALMOLOGIA
Aparato Lacrimal e Nasolacrimal
Conjuntiva
Córnea
Cristalino
Exame Físico do Olho
Fundo do Olho
Coriorretinite
Descolamentos de Retina
Retinopatias Hereditárias
Glaucoma
Manifestações Oftálmicas de Doenças Sistêmicas
Nervo Óptico
Órbita
Pálpebras
Anormalidades de Conformação
Inflamação
Prolapso do Olho
Úvea Anterior
UVEÍTE RECIDIVANTE EQUINA
OUVIDO
DOENÇAS DO PAVILHÃO AURICULAR
Adenite Sebácea
Alergia à Picada de Mosquito
Alopécia de Pavilhão Auricular
Ataque de Moscas
Dermatite de Contato
Dermatite de Pavilhão Auricular
Hematoma Auricular
Infestação por Ácaros
Miscelânea de Doenças
Placas Auriculares em Equinos
Seborreia da Borda Auricular
Síndrome da Necrose Auricular em Suínos
OTITE EXTERNA
OTITES MÉDIA E INTERNA
SURDEZ
TUMORES DO CANAL AURICULAR
Pólipos Nasofaríngeos
Neoplasias de Glândula Ceruminosa
CERATOCONJUNTIVITE INFECCIOSA (Olho róseo, Oftalmia infecciosa)
Ceratoconjuntivite infecciosa de bovinos, ovinos e caprinos é caracterizada por blefarospasmo, conjuntivite, lacrimejamento e graus variáveis de opacidade e ulceração de córnea.
A ceratoconjuntivite infecciosa bovina (CIB; “olho róseo”) é a doença ocular mais comum em bovinos, sendo observada em rebanhos por todo o mundo. O bastonete gramnegativo Moraxella bovis é o único microrganismo que,
comprovadamente, causa CIB em bovinos. Atualmente, são conhecidos sete sorogrupos diferentes de M. bovis. A maioria das outras infecções oculares em bovinos é caracterizada por conjuntivite, com queratite mínima ou ausente. O
principal diagnóstico diferencial é de rinotraqueíte infecciosa bovina (RIB), que causa conjuntivite grave e edema de córnea, que se origina próximo ao limbo, porém é incomum a ulceração de córnea. Mycoplasma spp pode causar
conjuntivite em bovinos, tanto isoladamente como em associação com M. bovis. RIB ou infecção por outros microrganismos pode intensificar a gravidade da infecção por M. bovis. Um coco gramnegativo foi descoberto recentemente em
olhos de bovinos acometidos por CIB. Esse microrganismo é uma nova espécie de Moraxella (M. bovoculi), mas sua participação na patogênese da CIB ainda não foi completamente elucidada. M. bovoculi também foi isolado de casos de
ceratoconjuntivite infecciosa em renas.
Ceratoconjuntivite infecciosa bovina, com úlcera de córnea em uma vaca. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.
Em ovinos e caprinos, conjuntivite ou ceratoconjuntivite pode estar associada a infecções por Chlamydophila psittasi e C. pecorum. Infecções não clamidianas podem ser causadas por microrganismos semelhantes a riquétsias (Colesiota
conjunctivae), Mycoplasma spp (notavelmente M. conjunctivae) e bactérias aeróbias (principalmente Moraxella ovis). Em caprinos, infecções por micoplasma são as mais comuns, embora bactérias aeróbias também tenham sido isoladas.
Devido aos riscos possíveis de transmissão zoonótica de tais microrganismos, proprietários de pequenos ruminantes que tratam conjuntivite ou ceratoconjuntivite devem calçar luvas para o manuseio de animais infectados.
ACHADOS CLÍNICOS: Em geral, a doença é aguda e tende a se disseminar rapidamente. Um ou ambos os olhos podem ser acometidos. Fragmentos de plantas, mosca da face, radiação ultravioleta da luz solar intensa, ambiente seco e com
poeira e estresse de transporte são fatores de risco associados à CIB em rebanhos bovinos. As moscas também podem atuar como vetores de M. bovis. Em todas as espécies, animais jovens são acometidos mais frequentemente, porém
animais de qualquer idade são suscetíveis. Os sinais clínicos mais precoces são fotofobia, blefarospasmo e epífora. Depois, a secreção ocular inicial pode se tornar mucopurulenta. Geralmente há conjuntivite, associada ou não à queratite de
graus variáveis. Em ovinos e caprinos, pode haver poliartrite concomitante. Em caprinos, infecções da glândula mamária e do útero também podem ocorrer simultaneamente à ceratoconjuntivite. O apetite pode estar diminuído devido ao
desconforto ocular ou ao distúrbio visual, que resulta na incapacidade em localizar o alimento. O curso clínico típico varia de poucos dias a algumas semanas. A maioria das úlceras de córnea em bovinos com CIB cicatriza sem perda da
visão; entretanto, em casos mais graves podem ocorrer ruptura de córnea e cegueira permanente.
Lesões: A gravidade das lesões é variável. Em bovinos, uma ou mais úlceras pequenas são notadas próximo ao centro da córnea. Inicialmente, a córnea ao redor da lesão é transparente, mas em poucas horas surge uma opacidade discreta
que depois se torna mais densa. As lesões podem regredir nos estágios iniciais ou podem continuar a progredir. Em casos graves, após 48 a 72 h toda a córnea pode apresentar opacidade, ocasionando cegueira naquele olho. Vasos
sanguíneos podem invadir a córnea a partir do limbo e seguirem em direção à úlcera na velocidade de cerca de 1 mm/dia. A opacidade de córnea pode ser decorrência de edema (córnea brancoturva a azulada), que é uma parte da reação
inflamatória, ou de infiltração leucocitária (córnea brancoleitoso a amarelada), que indica infecção grave. Úlcera ativa progressiva pode causar ruptura de córnea. Pode ocorrer recidiva em qualquer estágio da recuperação.
DIAGNÓSTICO: Em todas as espécies, o diagnóstico presuntivo baseiase nos sintomas oculares e da doença sistêmica concomitante. É importante reconhecer que as lesões não se devem a corpos estranhos ou parasitos (ver p. 528). Na RIB,
predominam sintomas de trato respiratório superior e conjuntivite; queratite acompanhada de úlcera é rara. Na febre catarral maligna bovina, são proeminentes os sintomas respiratórios, acompanhados de uveíte primária e queratite
associada. Cultura microbiana pode ser útil para confirmar os microrganismos causadores. Chlamydophila e Mycoplasma spp requerem meio especial; o laboratório de diagnóstico deve ser consultado antes da coleta da amostra. O exame
citológico de lâminas coradas, preparadas a partir de raspados conjuntivais de ovinos e caprinos, pode revelar a presença de Chlamydophila. Entretanto, pode ser difícil reconhecer corpúsculos de inclusões intracitoplasmáticas. PCR pode
ser utilizada para detectar Chlamydophila e Mycoplasma spp.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO: Boas práticas de manejo são de extrema importância na redução ou prevenção da disseminação da infecção em bovinos, ovinos e caprinos. A separação dos animais infectados, quando possível, é benéfica.
Isolamento temporário e tratamento preventivo de animais recemintroduzidos ao rebanho podem ser úteis, pois alguns destes animais podem ser portadores assintomáticos. A radiação ultravioleta da luz solar pode exacerbar a doença
(particularmente em bovinos); portanto, animais acometidos devem ser colocados à sombra. Sacos com inseticida, em pó, ou brincos impregnados com inseticida podem ser utilizados para reduzir a população de moscas da face (Musca
autumnalis), um importante vetor de M. bovis.
Bacterinas de M. bovis estão disponíveis e podem ser administradas antes do início da estação das moscas. Os bovinos devem começar a receber a série de vacinas contra M. bovis 6 a 8 semanas antes do período estimado para os
primeiros casos de CIB, para que haja tempo de desenvolvimento de imunidade adequada. A eficácia das bacterinas de M. bovis atualmente disponíveis no mercado é controversa e parece variar em função das diferenças entre as linhagens
de M. bovis usadas nas vacinas e aquelas envolvidas nos surtos e quanto aos graus variáveis de proteção cruzada propiciada pela vacinação. A vacina pode reduzir a gravidade e a duração da infecção em animais acometidos. A infecção por
RIB pode predispor os bovinos à infecção por M. bovis; assim, a vacinação dos rebanhos contra RIB pode reduzir os surtos de M. bovis. O uso de vacinas vivas modificadas contra RIB foi associado a surtos de CIB em bovinos. A
vacinação contra RIB deve ser programada apropriadamente em relação ao transporte dos bovinos, de forma que esses eventos não coincidam. A vacinação de bovinos com vacina viva modificada contra RIB pode exacerbar um surto de
CIB associado a M. bovis e/ou M. bovoculi, devido ao aumento das secreções oculares e nasais, que espalham as bactérias no rebanho, bem como à lesão ao epitélio corneano.
M. bovis é suscetível a vários antibióticos. Como a suscetibilidade antibiótica pode variar em diferentes regiões geográficas, é aconselhável a realização de cultura bacteriana e antibiograma. Um tratamento comum é a injeção
subconjuntival de penicilina. Oxitetraciclina de longa ação (2 injeções de 20 mg/kg IM ou SC, em intervalo de 48 a 72 h) e tularromicina (2,5 mg/kg SC, aplicação única) são antibióticos atualmente aprovados para tratamento de CIB.
Outros antibióticos efetivos incluem ácido livre cristalino de ceftiofur (6,6 mg/kg SC, na base da orelha) e florfenicol (20 mg/kg IM, 2 doses com intervalo de 2 dias). Injeção única de oxitetraciclina de longa ação (20 mg/kg IM) associada
à oxitetraciclina oral (2 g/bezerro/dia, por 10 dias), junto com alfafa, também se mostrou efetiva na redução da gravidade da CIB durante surto em um rebanho. Aplicações tópicas de preparações oftálmicas devem ser feitas ao menos 3
vezes/dia para que sejam efetivas; assim, frequentemente não são consideradas práticas em condições de rebanho e seu custobenefício não é favorável. Antibióticos efetivos para uso oftálmico tópico incluem uma pomada antibiótica tripla,
com gentamicina e a combinação de oxitetraciclina/polimixina B. Dobra de terceira pálpebra ou tarsorrafia parcial, que protege a córnea da luz solar, juntamente com injeção subconjuntival, pode reduzir a morbidade em animais
gravemente acometidos. Um adesivo ocular temporário, colado aos pelos que circundam o olho, é um tratamento de baixo custo e prático. O adesivo ocular protege da luz e previne exposição às moscas, reduzindo a disseminação do
microrganismo.
Para ovinos e caprinos, nos quais se suspeitam de infecções por clamídia e micoplasma, respectivamente, pomadas tópicas de tetraciclina, oxitetraciclina/polimixina B ou eritromicina são os tratamentos de escolha. Todas estas
preparações são efetivas contra Chlamydophila ou Mycoplasma e devem ser aplicadas 3 a 4 vezes/dia. Se a terapia tópica não for prática, uma injeção de oxitetraciclina de longa ação (20 mg/kg IM) ou a adição de oxitetraciclina ao
alimento (80 mg/animal/dia) pode ser benéfica.
Animais com importante uveíte secundária à ceratoconjuntivite, que é particularmente dolorida, podem se beneficiar da aplicação tópica de pomada oftálmica de atropina 1%, 1 a 3 vezes/dia. Isto previne espasmos doloridos do corpo
ciliar e reduz a possibilidade de formação de sinéquia posterior, que ocorre com a miose. Devido à midríase causada pela atropina, os animais tratados devem ser protegidos da luz. Antiinflamatórios não esteroides (AINE) sistêmicos
podem ser utilizados para aliviar a dor decorrente de uveíte secundária.
CONJUNTIVITE CAUSADA POR CLAMÍDIA
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: As clamídias são bactérias intracelulares obrigatórias que originam inclusões citoplasmáticas em células epiteliais. O ciclo biológico das clamídias envolve uma alternância entre o corpo reticulado
intracelular e o corpo elementar extracelular, que é a forma infectante do microrganismo. Diversos membros da família Chlamydiaceae têm sido associados à conjuntivite no hospedeiro que eles infectam, incluindo Chlamydophila
caviaie (porquinhos da índia), Chlamydophila psittaci (pássaros) e Chlamydophila pecorum (bovinos e ovinos). Apesar da infecção por clamídia ter sido associada à ceratoconjuntivite em ovinos e caprinos, um estudo utilizando técnicas
moleculares para detecção de clamídias em ovinos não constatou uma associação clara entre a infecção e a doença. Em gatos, a conjuntivite por clamídia é causada por Chlamydophila felis. Chlamydophila psittaci foi isolada de cães com
ceratoconjuntivite e dispneia, em uma criação de cães. Tracoma e conjuntivite por inclusão em pessoas são causados por Chlamydydia trachomatis. Recentemente, microrganismo semelhante à clamídia (Parachlamydia acanthamoebae)
que habita e se prolifera em amebas de vida livre foi isolado de olhos de gatos, porquinhos da índia, suínos e ovinos com conjuntivite. A importância patogênica desses microrganismos e das amebas hospedeiras atualmente não está clara,
apesar de um estudo recente em porquinhos da índia ter sugerido uma relação entre a infecção e a doença ocular.
Apesar da doença em gatos ser conhecida como pneumonite felina, as clamídias raramente causam pneumonia em gatos. A infecção sempre envolve o olho, ocasionalmente causando sintomas de rinite, com espirros e secreção nasal.
Apesar dos títulos de anticorpos contra Chlamydophila felis serem comuns em algumas populações de gatos, o microrganismo raramente é isolado em gatos clinicamente sadios. Os gatos com infecção por clamídia geralmente têm menos
de 1 ano de idade e gatos com 2 a 6 meses de idade parecem mais suscetíveis à infecção. É improvável que gatos com mais de 5 anos de idade que apresentam conjuntivite sejam infectados e que gatos com menos de 8 semanas de idade
possam ser menos predispostos à doença devido à presença de anticorpos maternos. A transmissão ocorre como resultado do contato próximo, direto, entre gatos, pois a bactéria sobrevive por pouco tempo no ambiente. Os gatos infectados
também excretam clamídias pelo reto e pela vagina, apesar de não haver comprovação de transmissão durante o acasalamento. Há pouca evidência de que a clamídia pode ser capaz de causar doença reprodutiva e claudicação em gatos,
apesar dessas associações não estarem definitivamente documentadas.
A infecção por clamídia é uma das causas mais comuns de conjuntivite em populações de porquinhosdaíndia, nos quais também é conhecida como conjuntivite de inclusão (ver p. 2130). Assim como os gatos, os porquinhosdaíndia
jovens, especialmente aqueles com 1 a 2 meses de idade, são predispostos. Ademais, é possível a ocorrência de doença subclínica. Rinite, doença do trato respiratório inferior e infecções genitais causando salpingite e cistite, nas fêmeas, e
uretrite nos machos de porquinhos da índia também podem ocorrer.
ACHADOS CLÍNICOS: Em gatos, o período de incubação após contato com um gato infectado é de 3 a 10 dias. Os sintomas podem incluir conjuntivite serosa a mucopurulenta, secreção nasal e espirros. Gatos com sintomas de rinite, na
ausência de conjuntivite, provavelmente não estão infectados por Chlamydophila felis. Os sintomas iniciais incluem hiperemia conjuntival uni ou bilateral, quemose e secreção ocular serosa, com folículos proeminentes na face interna da
terceira pálpebra, nos casos mais graves. A doença de córnea é rara e, se presente, pode ser resultado de infecção concomitante por microrganismos como o herpes vírus felino1. Os sintomas são mais graves 9 a 13 dias após o início e,
então, se tornam brandos em um período de 2 a 3 semanas. Em alguns gatos, os sinais clínicos podem durar semanas, independente do tratamento, e a recidiva não é incomum. Gatos não tratados podem carrear a bactéria durante meses
após a infecção.
Porquinhosdaíndia podem desenvolver conjuntivite discreta a grave, com hiperemia conjuntival, quemose e secreção ocular mucopurulenta.
DIAGNÓSTICO: Em gatos, a conjuntivite por clamídia deve ser diferenciada da conjuntivite causada por herpes vírus felino1 e por calicivírus felino e em porquinhosda–índia da infecção por micoplasma ou outras infecções bacterianas (p.
ex., “olho rosa”). O diagnóstico pode ser confirmado pela constatação de inclusões intracitoplasmáticas por clamídia em preparações citológicas esfoliativas ou pelo isolamento da clamídia em cultivo celular ou por PCR, para DNA de
clamídia, em esfregaços conjuntivais. Os raspados para exame citológico são preparados aplicandose uma espátula levemente, porém de modo firme, na conjuntiva e espalhando o material colhido sobre uma lâmina de vidro. O preparado é
seco por exposição ao ar e corado.
A citologia conjuntival de porquinhos–daíndia geralmente revela uma resposta inflamatória neutrofílica. As inclusões por clamídia, as quais contêm corpos reticulados, são arredondadas e geralmente se coram de roxo com o corante de
Romanowsky. As inclusões geralmente são visíveis apenas no início da infecção e muitas vezes não são absolutamente observadas. Os grânulos de melanina e estruturas remanescentes de algumas preparações oftálmicas podem ser
confundidos com inclusões, gerando resultado falsopositivo. Assim, outros testes diagnósticos são recomendados para confirmar o diagnóstico. Raspados ou esfregaços conjuntivais podem ser submetidos a isolamento de clamídia em
cultivo celular ou a teste PCR em laboratório de diagnóstico especializado. Apesar da sorologia na fase aguda e na fase convalescente ter sido utilizada para detectar a resposta de anticorpos à infecção por clamídia, geralmente não é
empregada clinicamente para diagnóstico de conjuntivite por clamídia.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO: Vacinas contra clamidiose estão disponíveis para gatos, mas não para outras espécies. A vacina contra clamidiose felina não protege completamente os gatos, mas reduz de forma significativa a gravidade e a
taxa de infecção.
Todos os isolados de C. psittaci são suscetíveis às tetraciclinas. O tratamento de escolha é a doxiciclina (10 mg/kg, 1 vez/dia) durante, pelo menos, 4 semanas. O tratamento sistêmico é mais efetivo do que o tratamento tópico, o que é
lógico, uma vez que as bactérias são excretadas de locais que não a conjuntiva. Tem sido necessário tratamento por até 6 semanas para eliminar a infecção, em alguns gatos. Todos os gatos da casa devem ser tratados. Fluorquinolonas, como
enrofloxacino e pradofloxacino, e a combinação de amoxicilina e ácido clavulânico também têm sido empregadas com sucesso no tratamento de clamidiose felina, apesar da possibilidade de menor eficácia do que aquela da doxiciclina. A
azitromicina não parece ser efetiva.
RISCO ZOONÓTICO: Em casos raros, Chlamydophila felis e Chlamydophila caviae foram isoladas de pessoas que conviviam com gatos e porquinhosdaíndia infectados. Um único caso de conjuntivite folicular foi descrito em pessoa
imunocomprometida que estava infectada por C. felis. Há relato de detecção de C. caviae em uma pessoa com secreção ocular e que trabalhava com cerca de 200 porquinhos da índia doentes. C. caviae também foi detectada em esfregaços
conjuntivais do gato e do coelho desta pessoa; o coelho apresentava sintomas discretos de conjuntivite. Práticas de higiene rotineiras, como lavar as mãos antes e depois de manusear animais de estimação doentes, podem reduzir o risco de
transmissão desses microrganismos, de animais infectados para as pessoas.
DOENÇA OCULAR PARASITÁRIA (Telaziose)
VERMES OCULARES DE GRANDES ANIMAIS
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: Vermes oculares (Thelazia spp) são parasitos comuns de equinos e bovinos em muitos países, inclusive aqueles da América do Norte. Os equinos são infectados principalmente por T. lacrymalis; nos bovinos
a doença é causada principalmente por T. gulosa, T. skrjabini e T. rhodesii. Esta última infecção é a mais comum e agressiva em bovinos do Velho Mundo, mas não há relato recente em bovinos da América do Norte. A prevalência
de Thelazia spp no rebanho tem diminuído, pelo menos em algumas áreas onde endectocidas lactonas macrocíclicas, como ivermectina e doramectina, são comumente utilizadas. Thelazia spp também são encontradas em suínos, ovinos,
caprinos, veados, búfalos d’água, dromedários, lebres, cães e gatos, aves e pessoas.
A mosca da face, Musca autumnalis, é o vetor de T. lacrymalis, T. gulosa e T. skrjabini na América do Norte. Hábitos alimentares dessa mosca incluem preferência por secreções oculares, o que é ideal para a transmissão. O ciclo
biológico de Thelazia é o seguinte: fêmeas do parasito são ovovivíparas e depositam larvas nas secreções oculares; as larvas são ingeridas pelas moscas e se tornam infectantes em 2 a 4 semanas. As larvas infectantes de terceiro estágio
emergem das labelas dessas moscas e são depositadas no olho do hospedeiro durante a alimentação destes insetos. O desenvolvimento de vermes sexualmente maduros demora 1 a 4 semanas, em bovinos, dependendo da espécie de parasito,
e 10 a 11 semanas para T. lacrymalis, em equinos. As infecções podem ser detectadas durante todo o ano, mas surtos da doença clínica, particularmente em bovinos, em geral estão associados às atividades das moscas na estação quente.
Durante o inverno, as larvas de Thelazia sp podem permanecer na mosca. As taxas de infecção geralmente tendem a aumentar em hospedeiros mais idosos, embora alguns estudos relatem infestação máxima aos 2 a 3 anos de idade.
PATOGÊNESE: A glândula lacrimal e seus ductos são locais comumente infectados por Thelazia lacrymalis e T. gulosa, sendo as glândulas da membrana nictitante e os ductos nasolacrimais acometidos em menor frequência. T. skrjabini é
encontrada normalmente nos ductos lacrimais da membrana nictitante. Localizações superficiais na córnea, no saco conjuntival e sob as pálpebras e membrana nictitante são mais típicas de T. rhodesii, mas T. lacrymalis, T. skrjabini e T.
gulosa também podem ser encontradas nesses locais. Esses vermes também podem ser notados nos pelos ou pele periocular durante anestesia ou após a migração em um hospedeiro morto. Irritação e inflamação localizadas provavelmente
se devem à cutícula serrilhada dos vermes, especialmente de T. rhodesii. A invasão da glândula lacrimal e dos ductos excretores pode causar inflamação e exsudação necrótica. A inflamação dos ductos e dos sacos lacrimais também foi
relatada em equinos. Conjuntivite e blefarite brandas a graves são comuns. Também, pode se instalar queratite, inclusive com opacidade, ulceração, perfuração e fibrose permanente em casos graves, particularmente nas infecções por T.
rhodesii em bovinos.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: As infecções assintomáticas, tanto em equinos como em bovinos, parecem típicas de telaziose, na América do Norte. A infecção pode ser constatada casualmente durante cirurgia ou necropsia.
Entretanto, infecções por Thelazia em bovinos na América do Norte podem não ser sempre inócuas. Podem causar conjuntivite discreta, lacrimejamento excessivo, edema localizado, opacidade de córnea e, ocasionalmente, cistos
subconjuntivais. Na Europa e na Ásia, a telaziose está comumente associada a manifestações clínicas graves, inclusive com conjuntivite, fotofobia e queratite. Tipicamente notase conjuntivite crônica, com hiperplasia linfoide e exsudato
seromucoso.
Não há disponibilidade de uma técnica clinicamente acessível para detecção segura de vermes oculares adultos. A inspeção macroscópica dos olhos pode revelar os parasitos, sendo em geral recomendada para T. rhodesii, comumente
encontrada no saco conjuntival. Entretanto, T. gulosa e T. skrjabini, em bovinos, e T. lacrymalis, em equinos, tendem a ser mais invasivas e mais dificilmente observadas. Anestésicos tópicos permitem a manipulação tecidual e, assim, são
úteis na detecção e remoção dos vermes. Podese fazer o exame microscópico dos fluidos lacrimais em busca de ovos embrionados ou larvas.
Os sinais clínicos podem ser úteis no diagnóstico diferencial. A telaziose tende a causar conjuntivite crônica. Em bovinos, a ceratoconjuntivite infecciosa (ver p. 470) é uma infecção aguda da córnea, que se dissemina rapidamente. Em
equinos, as larvas infectantes dos parasitos estomacais Draschia e Habronema sp também podem provocar lesões oftálmicas. Estas tendem a ocorrer próximo ao canto medial da pálpebra, na forma de granulomas ulcerativos proeminentes,
frequentemente contendo “grânulos sulfurosos” amarelos característicos, semelhantes a placas, com 1 a 2 mm de diâmetro. Também, microfilárias de Onchocerca sp invadem o olho e podem resultar em manifestações oftálmicas. Pequenos
nódulos (< 1 mm) elevados e brancos na conjuntiva pigmentada adjacente ao limbo temporal são patognomônicos da infecção por Onchocerca. A despigmentação da conjuntiva bulbar nesta área também ocorre frequentemente. Outras
lesões de oncocercose envolvem a córnea e incluem edema e opacidades pontilhadas ou estriadas no estroma, erosões superficiais e queratite esclerosante em forma de cunha, que se estende a partir do limbo temporal. Estruturas
intraoculares também podem ser infectadas por microfilárias de Onchocerca sp (ver p. 827).
TRATAMENTO E CONTROLE: A remoção mecânica de Thelazia rhodesii com pinça, após instilação de anestésico local, é útil em bovinos. Isto também pode ser empregado para as formas mais invasivas de T. gulosa ou T. skrjabini, em
bovinos, ou T. lacrymalis, em equinos. Irrigação dos olhos com 50 a 75 ml de solução aquosa de iodo 0,5% e de iodeto de potássio 0,75% foi recomendada para T. gulosa e T. skrjabini. Também pode ser efetiva para T. lacrymalis, em
equinos. A aplicação tópica de iodeto de ecotiofato 0,03% ou de isoflurofato 0,025% (ambos organofosforados) tem sido bemsucedida para T. lacrymalis em equinos. Recomendase o uso concomitante de pomada contendo esteroide e
antibiótico para inflamação e infecção secundárias por bactérias. Estes agentes tópicos também devem ser úteis para T. gulosa e T. skrjabini, em bovinos. Alguns antihelmínticos sistêmicos têm mostrado atividade contra vermes oculares.
Em bovinos, tanto a aplicação de 5 mg de levamisol/kg SC, quanto de ivermectina e doramectina, ambas na dose de 0,2 mg/kg SC ou IM, têm sido efetiva contra Thelazia spp. Formulações de ivermectina ou doramectina pouron, aplicadas
na dose de 0,5 mg/kg, também são muito efetivas. A doramectina foi aprovada nos EUA para o tratamento de parasitos oculares adultos, em bovinos. Para T. lacrymalis em equinos, dose única dos antihelmínticos comumente utilizados,
inclusive ivermectina, administrada por meio de tubo gástrico, na dose de 0,2 mg/kg, têm apresentado efeito limitado, se apresentam, contra vermes oculares. Por outro lado, o protocolo com multidoses de fembendazol (10 mg/kg, 1
vez/dia, por 5 dias) é eficaz contra T. lacrymalis.
Medidas para controle das moscas, direcionadas especialmente contra a mosca da face, auxiliam no controle de telaziose, tanto em bovinos como em equinos. Bovinos em pastagens abertas e secas apresentam menor população de
moscas da face do que aqueles em pastagens onde há sombra e água.
VERMES OCULARES DE PEQUENOS ANIMAIS
Thelazia californiensis é encontrada em cães, gatos e veados, no oeste dos EUA. T. callipaeda é constatada em cães, gatos, raposas, lobos e coelhos, na Europa e na Ásia. Adicionalmente, ambas as espécies têm potencial zoonótico. Os
parasitos são esbranquiçados, com 7 a 19 mm de comprimento e se movem rapidamente como uma serpente, pelo olho. Até 100 vermes oculares podem ser encontrados no saco conjuntival, ductos lacrimais e na conjuntiva sob a membrana
nictitante e pálpebras. Moscas do lixo (Musca spp, Fannia spp) atuam como hospedeiros intermediários e depositam larvas infectantes no olho, quando se alimentam de secreções oculares.
Os sintomas incluem lacrimejamento excessivo e epífora, conjuntivite, queratite com opacidade e ulceração de córnea e, raramente, cegueira. Após anestesia local, o diagnóstico e o tratamento são prontamente realizados por meio da
observação e remoção dos parasitos com pinça. Alguns autores relataram a eliminação efetiva de infecções por Thelazia spp de cães com injeção SC de 0,2 mg de ivermectina/kg, administração oral de no mínimo 0,5 mg de milbemicina
oxima/kg (2 aplicações, com intervalo de 1 semana, para maior eficácia) ou tratamento spoton com solução de moxidectina 2,5%. Soluções oculares (moxidectina 1% ou levamisol 2%) ou pomadas (levamisol 1% ou morantel 4%) também
podem ser efetivas. Foi possível a prevenção da infecção por T. callipaeda em cães durante toda a estação pela aplicação SC de 0,17 mg de moxidectina/kg, na forma de liberação lenta, e pela administração oral de milbemicina oxima, na
dose recomendada para prevenção de dirofilariose.
NEOPLASIA DO OLHO E DE ESTRUTURAS ASSOCIADAS
Os diferentes tecidos do olho e das estruturas associadas podem desenvolver neoplasias primárias ou podem ser um local de neoplasias metastáticas. As neoplasias oftálmicas variam quanto ao tipo histológico, frequência e importância nas
diferentes espécies e representam um importante grupo de doenças em oftalmologia veterinária.
Bovinos
As neoplasias oftálmicas mais frequentes em bovinos são carcinoma de célula escamosa e infiltração orbitária associada ao linfossarcoma (ver p. 671). Esta última, com ampla invasão das estruturas orbitárias, resulta em exoftalmia
progressiva, movimentação ocular reduzida, queratite por exposição e úlceras de córnea, que podem ocasionar perfuração.
O carcinoma de célula escamosa ocular (olho canceroso) é a neoplasia mais comum em bovinos. Resulta em perda econômica significativa devido à condenação da carcaça por ocasião do abate e à menor vida produtiva. Ocorre mais
frequentemente em raças Bos taurus do que em Bos indicus, sendo mais comum na raça Hereford, com menor frequência em bovinos das raças Simental e HolsteinFrísio; raramente acomete outras raças. A idade de maior incidência é aos
8 anos e a prevalência real nos rebanhos varia de 0,8 a 5%. A etiologia é multifatorial, com possível influência hereditária, da incidência de luz solar, da dieta, da pigmentação palpebral e, talvez, de vírus. As regiões límbicas medial e lateral
(junção corneoescleral) são afetadas com maior frequência, mas pálpebras, conjuntivas e membranas nictitantes também podem ser acometidas. A proporção de envolvimento bilateral varia, mas pode chegar a 35%. Pigmentações
palpebrais e conjuntivais são altamente herdáveis, podendo reduzir a frequência de carcinoma de célula escamosa de pálpebra, mas têm efeito limitado no desenvolvimento de tumores de conjuntiva e da membrana nictitante. As lesões
cancerígenas ou précancerígenas são bilaterais ou múltiplas, no mesmo olho, em cerca de 28% dos casos. Radiação ultravioleta e alto nível dietético são fatores contribuintes. Os vírus da rinotraqueíte infecciosa bovina e do papiloma
foram isolados nas neoplasias, mas sua importância é desconhecida.
Em geral, as lesões surgem como placas benignas brancas e lisas nas superfícies conjuntivais, podendo progredir para um papiloma e então para o carcinoma de célula escamosa, ou passar diretamente para o estágio maligno. Em geral, as
lesões palpebrais iniciam tanto como uma lesão ulcerativa quanto como hiperqueratose (corno cutâneo). Enquanto neste estágio benigno, cerca de 30% podem regredir espontaneamente. O tumor pode crescer muito, sem invadir o globo
ocular, mas nos estágios posteriores da doença ocorrem invasão do globo e da órbita e metástase aos linfonodos parotídeo e submandibular. Em geral, o diagnóstico se baseia na aparência clínica, mas pode ser rapidamente confirmado pelo
exame citológico de esfregaços por impressão. A invasão neoplásica intraocular deve ser diferenciada de olhos gravemente desarranjados após traumatismo ou ceratoconjuntivite infecciosa (ver p. 470).
Carcinoma de célula escamosa em bovino, com lesão corneoconjuntival. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.
Carcinomas de célula escamosa podem responder à extirpação, crioterapia, hipertermia, radioterapia, quimioterapia local com 5fluoruracila e imunoterapia, ou, frequentemente, uma combinação destas terapias. A excisão cirúrgica é
indicada para lesões pequenas ou para remoção de lesões maiores, antes da crioterapia ou hipertermia. Placas, papilomas e carcinomas de célula escamosa podem ser extirpados do limbo por meio de ceratectomia superficial. Após
ceratectomia superficial e remoção do tumor, crioterapia, hipertermia ou enxerto permanente de conjuntiva bulbar têm propiciado excelente resultado a curto prazo, mas a recidiva no mesmo local ou em um local diferente é cerca de 25%.
Para lesões avançadas restritas ao globo ocular, recomendase enucleação. Quando os tecidos adjacentes estão acometidos devese remover o globo e todos os componentes orbitários (exenteração). A imunoterapia ainda é procedimento
experimental e a regressão tumoral resultante pode ser temporária. Radioterapia não é prática no campo, mas pode ser uma opção para animais de alto valor.
Proprietários de rebanhos problemáticos devem ser orientados quanto à importância do fator hereditário e animais acometidos e seus descendentes devem ser abatidos para reduzir a incidência de tumores. Touros em função reprodutiva
ativa e com carcinoma de célula escamosa ocular devem ser abatidos.
Caninos
As neoplasias palpebrais representam o grupo de neoplasias oftálmicas mais comum em cães. Adenoma e adenocarcinoma da glândula meibomiana são as neoplasias palpebrais mais frequentes (cerca de 60%) em cães mais velhos. Irritação
e deformidade local requerem extirpação da lesão, que geralmente é efetiva. Adenocarcinoma de glândula de Meibômio (sebáceo) é invasor local e histologicamente maligno, mas sabidamente não causam metástase. Melanomas palpebrais,
que se manifestam como massas pigmentadas expansivas nas margens palpebrais ou como tumores na pálpebra, devem ser extirpados com ampla margem. Outras neoplasias palpebrais frequentes incluem histiocitoma, mastocitoma e
papiloma e podem requerer biópsia para determinar a melhor forma de terapia e o prognóstico.
Neoplasias orbitárias em cães provocam exoftalmia, tumefação conjuntival e palpebral, estrabismo e queratite por exposição. Não é possível fazer a retropulsão do globo ocular. Em geral, não há dor. Como cerca de 90% das neoplasias
são malignas e cerca de 75% se originam na órbita, o prognóstico quanto à sobrevida a longo prazo frequentemente é ruim. Os tumores diagnosticados com maior frequência incluem osteossarcomas, fibrossarcomas e adenocarcinomas
nasais. O tipo neoplásico deve ser determinado histologicamente e a extensão da massa determinada pelo exame físico, radiografias de crânio (inclusive procedimentos com contraste especiais, tomografia computadorizada e ressonância
magnética) e ultrassonografia, antes do tratamento mediante excisão cirúrgica ou radiação. A remoção do tumor de órbita com o globo ocular e todos os tecidos orbitários (inclusive o osso adjacente) pode reduzir a possibilidade de recidiva,
mas causa mais deformidade, especialmente em cães de pelos curtos. O prognóstico é reservado ou ruim; 25 a 40% dos cães enfermos são submetidos à eutanásia no momento do diagnóstico. A cirurgia, por vezes combinada à
quimioterapia, prolonga a vida por = 6 meses.
Neoplasias corneanas e límbicas são incomuns em cães e podem ser confundidas com fascite nodular e ceratoconjuntivite proliferativa em cães da raça Collie. Melanomas malignos epibulbares ou límbicos são massas pigmentadas focais,
geralmente superficiais, que se estendem tanto por sobre a córnea como caudalmente, através do equador do globo. Após exame intraocular detalhado, incluindo gonioscopia e ultrassonografia em modo B, para detectar possível penetração
da esclera, a excisão cirúrgica parcial ou completa com enxerto escleral, crioterapia ou fotocoagulação a laser em geral é bemsucedida. Caso ocorra disseminação intraocular, realizase enucleação.
Melanomas são as neoplasias de úvea mais comuns; em geral, são pigmentadas e mais frequentemente envolvem a íris e o corpo ciliar. Os sinais clínicos de melanomas de úvea anterior podem incluir uma massa evidente, iridociclite
persistente, hifema, glaucoma e dor. Esses melanomas são classificados como melanomas melanocíticos (80 a 90%) e melanomas malignos (10 a 15%). Metástase não é frequente (< 5%). Adenoma e adenocarcinoma de corpo ciliar são as
neoplasias epiteliais mais frequentes da úvea anterior. Os sintomas podem incluir hifema, glaucoma e, geralmente, uma neoplasia não pigmentada atrás da íris e na pupila. Neoplasias de origem neuroectodérmica são raras. Em geral, o
tratamento implica enucleação. Estudos recentes de melanomas de íris, especialmente em cães Labrador Retriever jovens, sugerem que a fotocoagulação não invasiva com laser diodo pode ser efetiva e repetida, se necessária, evitandose
assim a enucleação.
Melanoma iridociliar em cão. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.
Adenocarcinomas de úvea secundários são relativamente infrequentes e se originam de vários locais distantes. Outras neoplasias, como tumor venéreo transmissível e hemangiossarcoma, podem causar metástase na úvea anterior. O
linfossarcoma frequentemente envolve a úvea anterior e outras estruturas oculares, podendo se apresentar como uma doença bilateral. A terapia sistêmica para linfoma, associada a tratamento anti–inflamatório tópico e/ou sistêmico para
linfoma intraocular, pode ser tentada empregandose um dos vários protocolos disponíveis para linfoma (p. ex., Madison, WI ou Animal Medical Center: combinação de ciclofosfamida, prednisolona, vincristina e/ou doxorrubicina), mas
cães com linfoma intraocular apresentam períodos de sobrevida mais curtos.
Equinos
Em equinos, tumores da pele, olhos e sistema genital são os mais frequentes e cerca de 80% das neoplasias oculares são malignas. Neoplasias de pálpebras e conjuntivas são os tumores oftálmicos mais frequentes em equinos; a maioria
deles são carcinomas de célula escamosa ou sarcoides. Neoplasias orbitárias são raras e normalmente são extensões locais de tumores palpebrais, conjuntivais ou dos seios, ou de neoplasias sistêmicas, inclusive linfossarcoma. Neoplasias
intraoculares, em geral melanomas malignos, são raras.
Carcinoma de célula escamosa é mais frequente em equinos com 8 a 10 anos de idade, podendo ocorrer mais comumente naqueles com pálpebras despigmentadas ou pouco pigmentadas. Animais da raça Appaloosa e de raças de tração
são acometidos com maior frequência. A radiação ultravioleta pode ser importante, pois sua incidência na América do Norte é mais alta nas áreas montanhosas do sul e do oeste e em áreas de maior altitude ou de radiação solar média.
Pálpebras, conjuntivas, membrana nictitante e regiões límbicas podem ser afetadas por massas ulcerativas ou proliferativas. O envolvimento bilateral não é uma ocorrência frequente (cerca de 15%). O carcinoma de célula escamosa da
membrana nictitante tende mais a invadir a órbita do que aquelas neoplasias de outros tecidos. O tratamento de carcinoma de célula escamosa oftálmico em equinos é semelhante àquele de bovinos, embora a visita ao veterinário para o
tratamento geralmente seja mais precoce; ademais, dáse maior ênfase à aparência estética após a terapia. Injeções intratumorais repetidas de cisplatina (dose média de 0,97 mg/cm3 de tecido tumoral) frequentemente causam regressão
efetiva do tumor. Após o tratamento do tumor e perda de quantidade variável de tecido palpebral, com frequência há necessidade de blefaroplastia estética. A importância preventiva de anteparos ou máscaras faciais com o objetivo de
reduzir a exposição das camadas externas do olho à luz ultravioleta é desconhecida, mas seu uso deve ser iniciado em uma idade bastante jovem.
O sarcoide equino (ver p. 869) geralmente acomete animais jovens (em média, 3,8 anos de idade) e representa cerca de 40% de todas as neoplasias em equinos. Como o sarcoide destrói o tecido local e apresenta alta taxa de recidiva após
a cirurgia, o tratamento efetivo, quando há envolvimento dos tecidos perioculares, é um problema estético e funcional. Os sarcoides são classificados como ocultos, verrucosos, nodulares, fibroblásticos, mistos e malignos.
Histologicamente, são considerados neurofibromas, neurofibrossarcomas, mixossarcomas e fibromixossarcomas. Inicialmente surgem como massas subcutâneas nas pálpebras ou nos cantos; em geral, seu volume aumenta rapidamente e
podem invadir a pele, aparecendo como massas avermelhadas carnudas. O tratamento pode ser feito por meio de cirurgia, hipertermia, crioterapia, quimioterapia, radiação ou por uma combinação destas terapias. Após tentativas de remoção
cirúrgica do sarcoide, a ocorrência de recidiva pode ser rápida e preceder a cicatrização da ferida. Imunoterapia com BCG (bacilo de CalmetteGuérin), como estimulante do sistema imune celular, frequentemente é efetiva (cerca de 70%).
Após a remoção cirúrgica de grandes sarcoides, injetase uma preparação de BCG (7,5 mg de extrato de parede celular purificado suspenso em 10 ml de solução salina) diretamente no interior da massa remanescente (2 ml/local). As
injeções devem ser repetidas em intervalos de 2 a 4 semanas, até que o tumor desapareça. Corticosteroides sistêmicos e antiprostaglandinas, antes e após o tratamento, podem reduzir o risco de reação anafilática. Terapia com radiação gama
utilizando irídio192 recoberto por platina é altamente efetiva (cerca de 95%), porém é menos prática e, em geral, requer dose média total de 7.000 a 9.000 rads.
Felinos
As neoplasias oftálmicas são menos frequentes em gatos do que em cães. Cerca de 2% dos pacientes felinos apresentam neoplasia e, destes, 2% são acometidos por tumores oftálmicos. Tumores conjuntivais e palpebrais são as neoplasias
oftálmicas primárias mais frequentes. Essas neoplasias geralmente são malignas e mais difíceis de serem tratadas em gatos do que em cães. Carcinomas de célula escamosa, mais comuns em gatos brancos com margens palpebrais
despigmentadas, podem envolver pálpebras, conjuntivas e membrana nictitante; são massas irregulares róseas, ásperas ou ulceradas, espessas. Outras neoplasias menos frequentes incluem adenocarcinomas, fibrossarcomas,
neurofibrossarcomas e carcinomas de célula basal. O tratamento varia em função do tipo, da localização e do tamanho do tumor; inclui excisão cirúrgica, radioterapia e crioterapia. O prognóstico para esses tumores malignos é ruim, com
sobrevida de apenas 1 a 2 meses.
Complexo leucemialinfossarcoma felino, com massas evidentes. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.
A neoplasia intraocular primária mais comum em gatos é o melanoma difuso de íris, que se apresenta como hiperpigmentação progressiva da íris com uma superfície irregular expansiva. Anormalidades pupilares, glaucoma secundário
devido à obstrução do ângulo iridocorneano e buftalmia ocorrem tardiamente nesta doença. Recomendase enucleação de neoplasias que crescem rapidamente ou de massas teciduais que provocam anormalidades pupilares, envolvimento
do ângulo iridocorneano e/ou glaucoma, pois em casos avançados é frequente a ocorrência de metástase.
Sarcoma intraocular póstraumático ocorre em gatos idosos com histórico de uveíte crônica, lesão intraocular prévia ou injeções intraoculares de gentamicina. Os sinais clínicos são glaucoma, atrofia do bulbo ocular (phthisis bulbi) ou
uveíte crônica. A produção de cartilagem e osteoides intraoculares é comum. Recomendase enucleação precoce.
O complexo leucemialinfossarcoma felino (CLLFe) é a neoplasia ocular secundária mais comum. Gatos com CLLFe ocular apresentam sinais clínicos que variam desde lesões oculares isoladas, afetando um ou ambos os olhos, até
doença sistêmica grave. Anormalidades de córnea podem incluir queratite, edema, neovascularização, infiltrados corneanos e hemorragias no estroma. Pode ocorrer queratite ulcerativa. Massas podem ser encontradas na órbita, globo,
conjuntivas e pálpebras. Anormalidades pupilares, incluindo midríase, anisocoria, síndrome da pupila espástica, pupila em formato de “D” ou “D invertido”, e ausência de reflexos pupilares induzidos pela luz podem se instalar meses antes
dos outros sintomas. Uveíte anterior é o achado clínico mais comum no CLLFe. Outros achados incluem hipotensão ocular, alterações de pigmentação e da coloração da íris, precipitados ceráticos, hifema, sinéquia anterior e posterior,
miose e humor aquoso turvo (flare). As alterações no segmento posterior incluem hemorragia de retina, vasos tortuosos e dilatados, embainhamento perivascular e descolamento ou degeneração retiniana. Há poucos estudos terapêuticos em
gatos com linfoma oftálmico, mas gatos com linfoma e infecção pelo vírus da leucemia felina têm tempo de sobrevida menor.
OFTALMOLOGIA
APARATO LACRIMAL E NASOLACRIMAL
O sistema de produção e drenagem de lágrimas é vital para a saúde da superfície ocular. As glândulas lacrimais dentro da órbita (glândula lacrimal e, em algumas espécies, glândula de Harder), bem como a glândula lacrimal superficial da
membrana nictitante (terceira pálpebra), produzem fluido préocular coletivo ou filme lacrimal précorneano. O filme consiste em três camadas: camada externa lipídica (das glândulas de Meibômio), camada intermediária aquosa (das
glândulas lacrimal e da terceira pálpebra) e camada interna (mucosa) das células caliciformes presentes na conjuntiva.
O sistema de drenagem de lágrimas consiste em dois pontos lacrimais (exceto em coelhos e suínos), 2 canalículos, o saco lacrimal (dentro da fossa lacrimal óssea) e o ducto lacrimal longo e muitas vezes tortuoso (para drenar as lágrimas
para o interior da cavidade nasal).
Hipertrofia e prolapso da glândula da membrana nictitante (olho de cereja) é comum em cães jovens e em determinadas raças (p. ex., Cocker Spaniel Americano, Beagle, Lhasa Apso, Pequinês e Buldogue Inglês). No estágio agudo, a
massa glandular vermelha aumenta de volume, evidenciandose como uma protrusão acima da margem livre da membrana nictitante, e há uma secreção mucopurulenta. Embora a tumefação possa regredir por curtos períodos, a glândula
frequentemente se mantém prolapsada. Por ser uma glândula lacrimal importante, deve ser preservada sempre que possível. A glândula deve ser reposicionada e ancorada por suturas à rima orbitária ou fáscia periorbitária ou cartilagem
nictitante, ou ser recoberta com mucosa adjacente (técnicas de envelope ou de bolso). A excisão parcial deve ser evitada. A excisão completa pode predispor à ceratoconjuntivite seca em 30 a 40% dos cães no decorrer da vida. A resolução
médica ou cirúrgica do olho de cereja ainda predispõe cerca de 20% desses cães à ceratoconjuntivite seca futuramente.
Dacriocistite (inflamação do saco lacrimal) geralmente é causada pela obstrução do saco nasolacrimal e ducto nasolacrimal proximal por restos inflamatórios, corpos estranhos ou massas que pressionam o ducto. Resulta em epífora,
conjuntivite secundária refratária ao tratamento e, ocasionalmente, uma fístula drenante na pálpebra inferior medial. A irrigação do ducto nasolacrimal revela uma obstrução deste, refluxo de secreção mucopurulenta a partir dos pontos
lacrimais, ou ambos. Radiografias do crânio após injeção de contraste no interior do ducto (dacriocistorrinografia) podem ser necessárias para estabelecer o local, a causa e o prognóstico de obstruções crônicas. A terapia consiste na
manutenção da patência do ducto e na instilação de soluções antibióticas tópicas. A cateterização temporária com tubo (silicone ou polietileno) ou material de náilon para sutura monofilamentar 20 pode ser necessária para a manutenção da
patência durante a cicatrização. Quando o aparato nasolacrimal tiver sido irreversivelmente danificado, uma nova via de drenagem pode ser construída cirurgicamente (conjuntivoralorinostomia ou conjuntivoralostomia) para condução da
lágrima até a cavidade nasal, seios ou boca.
Pontos lacrimais imperfurados são causas incomuns de epífora em cães jovens. Em potros, a atresia da extremidade nasal (distal) do ducto nasolacrimal é uma causa comum de epífora e conjuntivite crônica. Em bovinos, aberturas
múltiplas do ducto nasolacrimal podem conduzir a lágrima para a superfície da pálpebra inferior e do canto medial, causando dermatite crônica. O tratamento em cães e potros consiste na abertura cirúrgica do orifício bloqueado e na
manutenção da patência por meio da cateterização por várias semanas durante o processo cicatricial.
Ceratoconjuntivite seca (CCS) se deve a uma deficiência lacrimal aquosa e geralmente resulta em conjuntivite mucopurulenta persistente, ulceração e formação de cicatriz corneana. A CCS ocorre em cães, gatos e equinos. Em cães,
está frequentemente associada à dacrioadenite autoimune, tanto da glândula lacrimal como da membrana nictitante, sendo a causa mais frequente de conjuntivite secundária.
Cinomose, tratamento sistêmico com sulfonamida, hereditariedade e traumatismo são causas menos frequentes de ceratoconjuntivite seca em cães. Essa CCS não é frequente em gatos e tem sido associada a infecção crônica pelo herpes
vírus felino do tipo 1 (HVF1). Em equinos, a ceratoconjuntivite seca pode ser consequência de traumatismo craniano. A terapia tópica consiste em soluções de lágrimas artificiais, pomadas e, se não há ulceração de córnea, combinação de
corticosteroides e antibióticos. Lacrimogênicos, como a ciclosporina A tópica (0,2 a 2%, 2 vezes/dia), tacrolimo (0,02%, 2 vezes/dia) ou pimecrolimo (1%) podem aumentar a produção de lágrimas em cerca de 80% dos cães com valor no
teste lacrimal de Schirmer de 2 mm/min, ou mais. A pilocarpina oftálmica, misturada ao alimento, pode ser útil para ceratoconjuntivite seca neurogênica (um cão pesando 10 a 15 kg deve receber inicialmente 2 a 4 gotas de pilocarpina 2%,
2 vezes/dia). Agentes mucolíticos (p. ex., acetilcisteína 10%) promovem a lise do muco excessivo e restauram a habilidade de espraiamento de outros agentes tópicos. Na CCS crônica refratária à terapia médica, indicase a transposição do
ducto parotídeo.
Conjuntivite em um gato, associada ao herpes vírus felino 1. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.
CONJUNTIVA
A conjuntiva é dividida em: 1) a conjuntiva palpebral (recobrindo a face posterior das pálpebras), 2) o fórnix ou saco conjuntival onde as conjuntivas palpebral e bulbar se conectam e 3) conjuntiva bulbar (recobrindo o globo anterior ou
episclera) e membrana nictitante. A conjuntiva desempenha funções importantes na dinâmica da lágrima, proteção imunológica, movimento ocular e cicatrização corneana. Por ser frouxamente aderida à episclera, a conjuntiva bulbar é um
tecido útil para enxerto no caso de córnea ulcerada e enfraquecida.
Hemorragia subconjuntival pode ser decorrência de traumatismo ou discrasia sanguínea, deficiência do fator de Von Willebrand e de algumas doenças infecciosas. Não requer tratamento, mas é necessária inspeção cuidadosa para
determinar se há alterações intraoculares mais importantes. Se não há evidência definitiva ou histórico de traumatismo, indicase o exame sistêmico para determinar a causa da hemorragia espontânea.
Quemose ou edema conjuntival ocorre em algum grau em associação a todos os casos de conjuntivite, porém é mais evidente em traumatismo, hipoproteinemia, reações alérgicas e picadas de insetos. Estas últimas são tratadas com
corticosteroide tópico e, em geral, se resolvem rapidamente. Indicase terapia específica para o agente causal.
Conjuntivite é comum em todas as espécies domésticas. Os agentes etiológicos variam de infecciosos a irritantes ambientais. Os sintomas são hiperemia, quemose, secreção ocular, hiperplasia folicular e desconforto ocular brando. A
aparência da conjuntiva em geral não é suficientemente distinta para sugerir o agente etiológico e o diagnóstico específico depende do histórico, exame físico, raspado e cultura conjuntival, teste lacrimal de Schirmer e, ocasionalmente,
biópsia. A conjuntivite unilateral pode resultar de corpo estranho, dacriocistite ou ceratoconjuntivite seca. Em gatos, herpes vírus1 (HVF1), Mycoplasma ou Chlamydophila psittaci provocam conjuntivite que se inicia em um olho e se
torna bilateral após cerca de 1 semana. O diagnóstico específico é feito mais rapidamente pela demonstração de inclusões ou do agente em raspado conjuntival. A conjuntivite bilateral é comum em infecções virais, em todas as espécies. As
herpes viroses causam conjuntivite em felinos, bovinos, equinos e suínos. A secreção purulenta indica um componente bacteriano, mas este pode ser oportunista, devido à debilidade da membrana mucosa. Irritantes e alergênios ambientais
são causas comuns de conjuntivite em todas as espécies. Se um exsudato mucopurulento estiver presente, indicase terapia antibiótica tópica, mas pode não ser curativa se outros fatores predisponentes estiverem envolvidos. Fatores
mecânicos, como corpos estranhos, irritantes ambientais, parasitos e defeitos de conformação palpebral, devem ser removidos ou corrigidos. Tetraciclina tópica é indicada para infecções por clamídias e micoplasmas; preparações antivirais
tópicas (p. ex., idoxuridina 1%, adenina arabinosídeo 3% ou trifluorotimidina 1%) são indicadas para infecção por herpes vírus quando tanto a córnea quanto à conjuntiva estão envolvidas. A suplementação oral diária com 250 a 500 mg de
Llisina para gatos pode reduzir a gravidade e a frequência de recidiva de conjuntivite e queratite causada pelo HVF1.
CÓRNEA
O tamanho aproximado da córnea, circular a oval (vertical/horizontal), varia de acordo com a espécie animal: cão (8,5 × 9,5 mm), gato (8,4 × 8,9 mm), equino (16,6 × 17,9 mm) e boi (15,2 × 16,4 mm). Em animais, a córnea consiste em um
epitélio superficial e membrana basal, estroma grande e relativamente acelular, membrana de Descemet mais profunda e endotélio profundo com uma única camada de células. A córnea mantém uma barreira forte e durável entre o olho e o
ambiente, bem como um meio transparente para permitir a passagem de luz e imagens para o interior do segmento posterior. As doenças corneanas são comuns na maioria das espécies animais e felizmente podem ser tratadas com sucesso
por meio de medicamentos, cirurgia ou uma combinação destes. A acessibilidade à córnea possibilita várias técnicas diagnósticas detalhadas e não invasivas.
Queratite superficial é comum em todas as espécies, sendo caracterizada por vascularização e opacificação corneana, o que pode ser devido a edema, infiltrados celulares, pigmentação ou fibroplasia. Se há ulceração, a dor –
manifestada por epífora e blefarospasmo – é um sinal evidente. Queratite unilateral frequentemente tem origem traumática. Fatores mecânicos, como defeitos de conformação palpebral e corpos estranhos, devem ser sempre excluídos como
causas possíveis, pois não ocorre melhora até que sejam resolvidos. A queratite ulcerativa pode ser complicada pela invasão bacteriana secundária e, em equinos, por fungos saprófitas. A queratite superficial bilateral pode ser
imunomediada ou associada à ausência de lágrima, defeitos de conformação palpebral ou agentes infecciosos.
Pano, ou doença de Uberreiter, é uma queratite superficial crônica específica, bilateral, progressiva e proliferativa que se inicia no limbo lateral e, por fim, se estende a partir de todos os quadrantes para recobrir a córnea. Esta queratite
imunomediada é comum em animais da raça Pastor Alemão, Belgian Tervuren, Border Collie, Greyhound, Husky Siberiano e Pastor Australiano. A terapia específica consiste no uso tópico de antibióticos, antivirais ou antimicóticos,
quando apropriados, remoção de qualquer irritante mecânico, reposição lacrimal quando há deficiência, e corticosteroides ou ciclosporina A (ou ambos), quando de origem imunomediada. Esta última pode requerer uso contínuo indefinido
e a frequência varia de acordo com a resposta clínica.
Ulceração corneana com malácia em equino. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.
Queratite intersticial é um envolvimento profundo do estroma corneano, presente em todos os casos crônicos e em vários casos agudos de uveíte anterior. A vascularização corneana é menos ramificada, mais delgada e mais profunda do
que na queratite superficial. Se o endotélio estiver rompido, o edema de córnea é frequentemente acentuado. Doenças sistêmicas, como hepatite infecciosa canina, febre catarral maligna bovina, micoses sistêmicas em diversas espécies e
sepse neonatal que atinge o olho podem causar queratite intersticial uni ou bilateral. O tratamento é direcionado à uveíte anterior, à doença sistêmica, ou a ambas. Queratite estromal específica não ulcerativa e periférica e uveíte anterior
persistente (ceratouveíte) ocorrem em equinos. O prognóstico e a resposta ao tratamento são ruins.
Queratite ulcerativa pode ser superficial, profunda, profunda com descemetocele ou perfurante. Dor, irregularidade, edema e, por fim, vascularização corneana são sintomas de ulceração. Uma densa infiltração branca na margem da
úlcera indica intensa leucotaxia e envolvimento bacteriano. Para detectar úlceras pequenas, pode ser necessária a aplicação tópica de fluoresceína. Em cães e equinos, a maioria das úlceras tem origem mecânica; em bovinos, ovinos,
caprinos e cervídeos, os agentes infecciosos e as causas mecânicas são importantes; em felinos e equinos, a infecção por herpes vírus é uma causa frequente. Todas as úlceras estão sujeitas à contaminação bacteriana secundária, bem como
malácia estromal (“derretimento”) por proteinase endógena. A terapia de úlceras superficiais geralmente é medicamentosa e consiste no uso de antibiótico(s) tópico(s) de amplo espectro, correção de qualquer fator mecânico e atropina
tópica para iridocicloplegia e redução da dor ocular. Efeitos adversos induzidos pela atropina incluem redução da produção lacrimal em todas as espécies e cólica em equinos, que devem ser considerados. A terapia antiproteinase para
úlceras estromais com malácia inclui aplicação tópica de soro e outros fármacos.
Síndromes de ulcerações superficiais, recorrentes e de cicatrização muito lenta, ocorrem em cães, gatos e equinos. Em cães, podem ser decorrências de anormalidade da membrana basal, causando aderência deficiente do
epitélio corneano, enquanto em gatos e equinos devese suspeitar de infecção por herpes vírus. A terapia inicial é o desbridamento da úlcera, seguido de uso tópico de antibióticos e atropina. Para casos refratários em cães, múltiplas incisões
em pontos ou em linhas cruzadas (ceratotomias pontilhadas ou em grade) das córneas acometidas com uma agulha calibre 22 estimulam a maioria das úlceras indolentes a cicatrizar dentro de 7 a 10 dias. Relatos recentes sugerem que estas
ceratotomias em gatos podem predispor ao sequestro corneano e devem ser empregadas com muito cuidado. Recobrimentos com a membrana nictitante (ou lentes de contato macias ou adesivos de colágeno) atuam como uma bandagem
compressiva e, frequentemente, são terapêuticas para úlceras superficiais. O tratamento medicamentoso de úlceras profundas é semelhante àquele de úlceras superficiais, mas muitas úlceras profundas também requerem enxertos
conjuntivais para reforçar e manter a integridade da córnea.
Queratite e sequestro corneano parecem ocorrer exclusivamente em gatos. Notase opacidade marrom a negra, dolorida, central a paracentral, composta de estroma necrosado, vascularização e inflamação circundante. O tratamento
consiste em ceratectomia superficial e, em lesões mais profundas, enxertos conjuntivais.
Abscessos estromais corneanos em equinos podem ser sequelas da cicatrização de defeitos ou úlceras de córnea e aprisionamento de bactérias ou fungos (ou ambos) no estroma, após a reepitelização. Um infiltrado estromal, branco a
amarelo, variável, é circundado por queratite e vascularização estromais intensas e uveíte anterior de intensidade variável, mas muito frequente. O tratamento consiste em terapia antimicrobiana intensiva tópica e, ocasionalmente, sistêmica
(e, se indicados, antifúngicos), iridocicloplégicos, antiinflamatórios não esteroides (AINE) e, às vezes, a remoção cirúrgica do abscesso com enxerto conjuntival e tectônico da córnea.
Degeneração e distrofias corneanas ocorrem em cães, gatos e equinos. As degenerações corneanas são, frequentemente, unilaterais e em geral secundárias a doenças oculares ou sistêmicas. As distrofias do estroma corneano são
bilaterais, parecem ser hereditárias ou decorrentes de predisposição racial em cães e, com frequência, consistem em deposição de triglicerídios, colesterol e cálcio no estroma corneano. Geralmente, não há necessidade de tratamento.
A distrofia corneana também pode envolver o endotélio da córnea. Acomete principalmente cães das raças Boston Terrier, Chihuahua e Dachshund. As fêmeas de Boston Terrier são mais acometidas do que os machos, com idade média
de 7,5 anos. Devido ao endotélio distrófico e degenerativo se desenvolve um edema de córnea progressivo, porém indolor. No caso de edema de córnea extenso de toda a espessura podem se desenvolver bolhas no epitélio da córnea, que
são bastante doloridas. O tratamento de casos precocemente diagnosticados, antes do envolvimento total da córnea, consiste em aplicações tópicas frequentes de solução hiperosmótica (cloreto de sódio 2 a 5% ou glicose 40%) e, nos casos
avançados, termoceratoplastia (procedimento de Salaras) ou ceratoplastia de espessura completa (penetrante).
CRISTALINO
O cristalino avascular e opticamente claro consiste em cápsula anterior do cristalino, cortical anterior, núcleo, cortical posterior e cápsula posterior do cristalino muito fina (da região anterior para a posterior). O cristalino é formado
precocemente no desenvolvimento do olho, sendo recoberto por suas membranas basais (cápsulas lenticulares anterior e posterior), as quais isolam as proteínas lenticulares do sistema imune que se forma em seguida. Portanto,
posteriormente na vida do animal, se a barreira da cápsula lenticular for comprometida por trauma ou cirurgia, o sistema imune “ataca” o material lenticular estranho. A única função do cristalino é permitir a passagem inalterada de luz e
imagens para a retina. Doenças do cristalino envolvem alterações na sua transparência.
Catarata é a opacificação do cristalino ou de sua cápsula e deve ser diferenciado de imperfeições lenticulares mínimas em cães jovens e do aumento normal da densidade nuclear (esclerose nuclear) que ocorre em animais mais idosos.
As cataratas geralmente são classificadas de acordo com a idade de ocorrência (congênita, juvenil, senil), localização anatômica, causa, grau de opacificação (incipiente, imatura, madura, hipermatura) e forma. A maioria das cataratas pode
ser detectada por meio da dilatação da pupila e de exame da região pupilar contra a retroiluminação do fundo tapetal. A biomicroscopia com lâmpada em fenda permite o exame direto ideal do cristalino. As cataratas (frequentemente
hereditárias) são mais comuns em cães do que em outras espécies (ver Tabela 2). Outras causas incluem diabetes melito, má nutrição, radiação, inflamação e traumatismo. A maioria das cataratas hereditárias relatadas em gatos ocorre em
animais jovens.
Em cães, as cataratas secundárias ao diabetes melito são cada vez mais comuns. A alta concentração sanguínea de glicose faz com que o sorbitol intralenticular se acumule, intensificando as forças osmóticas do cristalino, fazendo com
que ele se torne embebido em água, resultando em tumefação, ruptura e morte das fibras. Tipicamente, essas cataratas se desenvolvem rapidamente e podem causar ruptura da cápsula lenticular. A cirurgia deste tipo de catarata parece
propiciar a mesma taxa de sucesso que a obtida para cataratas hereditárias em cães. Outras sequelas oculares de diabetes melito em cães são pequenas hemorragias de retina ocasionais, neuropatia corneana presumida e redução da
sensibilidade da córnea.
Catarata em cão da raça Cocker Spaniel americano. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.
A visão pode ser recuperada em cães, gatos e equinos jovens, quando a catarata sofre reabsorção espontânea suficiente. A catarata nuclear congênita em animais jovens pode sofrer redução de tamanho com o crescimento do cristalino e
permitir o restabelecimento da visão com a maturidade do animal. Animais com catarata imatura e incompleta podem ser beneficiados pelo uso tópico de atropina oftálmica, 2 a 3 vezes/semana, a qual permite visão em torno da catarata
central. Entretanto, a única terapia definitiva para a catarata é a remoção cirúrgica do cristalino. Em cães, a extração da catarata, frequentemente por facoemulsificação, propicia melhor resultado quando realizada antes da maturação
completa da catarata e do estabelecimento de uveíte induzida pelo cristalino (devido ao extravasamento de material lenticular). A uveíte induzida pelo cristalino é exacerbada pela cirurgia da catarata e contribui muito para complicações
pósoperatórias. Em animais nos quais a cirurgia de catarata não é realizada, o monitoramento clínico contínuo é importante. A uveíte anterior secundária induzida pelo cristalino frequentemente requer monitoramento a longo prazo e
tonometrias repetidas e, ocasionalmente, terapia com corticosteroide e midriático. Glaucoma secundário e atrofia do bulbo ocular (phthisis bulbus) são complicações possíveis.
Deslocamento do cristalino (subluxação, luxação anterior ou posterior) ocorre em todas as espécies, mas é comum como um defeito primário hereditário em cães de várias raças Terrier. O deslocamento completo para o interior da
câmara anterior provoca sintomas agudos e frequentemente é acompanhado de glaucoma e edema de córnea. O tratamento consiste na remoção cirúrgica por meio de facoemulsificação ou extração intracapsular do cristalino. O
deslocamento posterior para o interior da cavidade vítrea é assintomático ou associado a inflamação ocular ou glaucoma. Subluxação de cristalino é reconhecida por um afácico crescente e pela tremulação ou instabilidade da íris
(iridodonese) e do cristalino (facodonese). A decisão em remover o cristalino com subluxação se baseia na gravidade da doença ocular que pode ser atribuída ao deslocamento lenticular. Este deslocamento também pode ser ocasionado por
traumatismo, aumento do globo por glaucoma e por alterações zonulares degenerativas com catarata hipermadura. Procedimentos para remoção de cristalino deslocado estão associados a maior risco de complicações pósoperatórias, como
glaucoma e descolamento de retina.
EXAME FÍSICO DO OLHO
O exame inicial do olho deve avaliar simetria, conformação e lesões macroscópicas. O olho deve ser visualizado a uma distância de cerca de 1 m, sob boa iluminação e com mínima contenção da cabeça. O segmento ocular anterior e os
reflexos pupilares à luz são examinados em detalhe com uma luz forte e sob aumento, em uma sala escura. Testes basais, como o teste lacrimal de Schirmer, coloração por fluoresceína e tonometria (mensuração da pressão intraocular),
podem ser seguidos por testes adicionais, como coleta de amostras para citologia e cultura de amostras de conjuntiva e córnea, eversão de pálpebra para exame e irrigação do sistema nasolacrimal para avaliação de partes externas do olho,
inclusive o segmento anterior. Doenças do vítreo e do fundo de olho são avaliadas por oftalmoscopia direta e indireta (geralmente realizadas após indução de midríase) e pelo teste da visão (reflexo à ameaça, teste do curso com obstáculos,
reflexo de ofuscamento etc.).
O teste lacrimal de Schirmer e as culturas devem ser realizados antes da instilação do anestésico tópico. A coloração com fluoresceína e a eversão das pálpebras não requerem anestesia tópica, mas a tonometria, o exame da superfície
bulbar da membrana nictitante, a coleta de amostra para citologia conjuntival e corneana, a gonioscopia e a lavagem do sistema nasolacrimal geralmente a requerem. Para prevenir resultados falsopositivos, amostras para citologia
conjuntival e corneana que serão analisadas por meio de procedimentos que empregam anticorpos fluorescentes devem ser colhidas antes da coloração com fluoresceína tópica.
Exames especiais, como biomicroscopia com lâmpada em fenda, ultrassonografia, angiografia fluoresceínica e eletrorretinografia, podem requerer sedação ou anestesia local, regional ou geral, dependendo da espécie.
FUNDO DE OLHO
O fundo de olho consiste no fundo tapetal superior, fundo não tapetal ventral e circunjacente, vascularização da retina e disco óptico (raiz do nervo óptico ou papila óptica). Histologicamente, o segmento posterior consiste, da parte
superficial para o interior, das seguintes estruturas: 1) esclera posterior; 2) coroide, que contém células pigmentadas, com vasos sanguíneos, para suprir as necessidades metabólicas das camadas mais externas da retina, e o tapete lúcido,
para aumentar a visão em ambiente de pouca luminosidade (tapete celuloso, em carnívoros, e tapete fibroso, em herbívoros); 3) retina, que consiste em 9 camadas de neurorretina e epitélio pigmentado retiniano externo; e 4) disco óptico,
onde os axônios das células ganglionares da retina saem do olho através de uma frágil lâmina cribriforme escleral fenestrada, para fazer sinapse no corpo geniculado lateral (visão) ou no mesencéfalo (reflexo pupilar à luz [núcleo de
Edinger–Westphal] ou reflexo à ameaça [mesencéfalo e colículos rostrais]).
Doenças do fundo do olho podem ser primárias ou secundárias a doenças sistêmicas. Anormalidades hereditárias podem ser congênitas ou ocorrer tardiamente, sendo importantes na patogênese de retinopatias em cães e gatos.
Traumatismo, doenças metabólicas, infecções sistêmicas, neoplasias, discrasia sanguínea, hipertensão e deficiências nutricionais são possíveis causas primárias de retinopatias em todas as espécies.
Coriorretinite
A coriorretinite frequentemente é uma manifestação de doença infecciosa sistêmica; é importante em ambas, na compreensão do diagnóstico e no prognóstico da função visual. Excetuandose os casos em que as lesões são generalizadas ou
que envolvam o nervo óptico, elas são frequentemente “silenciosas”. As cicatrizes podem ser diferenciadas das lesões ativas, as quais apresentam bordas turvas e mal definidas. Exame oftalmoscópico da rotina de todos os animais com
doenças sistêmicas frequentemente permitem o diagnóstico rápido de várias doenças específicas. A coriorretinite pode ocorrer no caso de cinomose canina, micoses sistêmicas em cães e gatos, prototecose, toxoplasmose felina, tuberculose,
sepse bacteriana em animais jovens, peritonite infecciosa felina, meningoencefalite tromboembólica em bovinos, febre catarral maligna bovina, febre suína clássica, leptospirose e oncocercose em equinos. A terapia é direcionada à doença
sistêmica.
Descolamentos de Retina
Descolamento de retina ocorre na maioria das espécies. Em cães, o descolamento ou a separação da retina entre a retina neurossensitiva e o epitélio pigmentado da retina está associado a anomalias de retina congênitas (displasia de retina e
anomalia do olho do cão Collie), coriorretinite, traumatismo, cirurgia intraocular e neoplasia de segmento posterior. Em gatos, o descolamento de retina ocorre no caso de coriorretinite associada à peritonite infecciosa felina, leucemia viral
felina e hipertensão sistêmica. Em equinos, as causas mais frequentes são traumatismo, cirurgia intraocular e uveíte recidivante.
Os descolamentos de retina são classificados clinicamente como não regmatogênicos (seroso, exsudativo, hemorrágico, secundário à sinerese vítrea) e regmatogênicos (na ruptura de retina [orifícios ou rasgos]). Os sintomas clínicos
incluem midríase, anisocoria, perda visual e hemorragia intraocular. O diagnóstico é feito por oftalmoscopia e, no caso de opacidade de córnea ou cristalino, por ultrassonografia ocular.
Os descolamentos de retina não regmatogênicos geralmente são tratados com medicamentos, com terapia direcionada à causa primária. Ocorre nova aderência da retina com a resolução do exsudato e da hemorragia subrretiniana. Pode
ocorrer degeneração de retina variável nas áreas de descolamento. Geralmente, os descolamentos de retina regmatogênicos com ruptura de retina requerem correção cirúrgica.
Retinopatias hereditárias
Anomalia do olho do cão Collie é um defeito ocular congênito, de característica hereditária recessiva, com expressão variável em cães Collie de pelos lisos e crespos. Ocorre também em animais da raça Shetland Sheepdog, Border Collie,
Australian Sheepdog, Lancashire Heeler e Nova Scotia Duck Tolling Retriever. A lesão básica é uma área de hipoplasia de coroide ou de coroide e retina que, à oftalmoscopia, aparece como uma área focal de tamanho variado, pálida,
lateral ao disco óptico. Cães acometidos mais gravemente (10 a 20%) podem apresentar lesões colobomatosas adicionais da papila óptica ou em região peripapilar e descolamento ocasional da retina (2 a 5%). Pode ocorrer hemorragia
intraocular. A visão não é prejudicada de forma apreciável, a não ser que haja descolamento de retina.
Displasia de retina é um mau desenvolvimento congênito, geográfico, focal ou generalizado da retina, que pode ser decorrência de traumatismo, defeito genético ou lesão intrauterina, como aquelas causadas por infecções virais. A
maior parte das formas de displasia de retina em cães é hereditária. Infecções virais maternas, especialmente no início do desenvolvimento fetal, podem resultar em anomalias oculares múltiplas com displasia de retina em gatinhos
(panleucopenia), carneiros (doença da língua azul), filhotes de cães (herpes vírus) e bezerros (diarreia viral bovina). Raças de cães com displasia de retina focal, geográfica e generalizada considerada herdada como uma característica
autossômica recessiva incluem cães das raças Cocker Spaniel Americano, Beagle, Labrador Retriever, Rottweiler e Yorkshire Terrier. As áreas focais de retina mal desenvolvidas podem ser assintomáticas ou interferir com a visão central.
Displasia de retina generalizada com descolamento de retina, redução da acuidade visual ou cegueira é hereditária em animais das raças English Springer Spaniel, Bedlington Terrier, Sealyham Terrier, Labrador Retriever, Doberman
Pinscher e Australian Sheepdog. Outras anomalias oculares, incluindo microftalmia e catarata congênita, frequentemente acompanham as formas generalizadas. Em cães das raças Labrador Retriever e Samoyed, a displasia de retina pode
estar associada à displasia esquelética (encurtamento) dos membros torácicos.
Atrofia progressiva da retina em cão e alterações iniciais do fundo do olho. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.
Atrofia progressiva da retina (APR) é um grupo de retinopatias degenerativas, consistindo de degeneração e displasia fotorreceptoras hereditárias, que apresentam aparências clínicas semelhantes. As displasias fotorreceptoras
hereditárias, como característica autossômica recessiva nos quais os sintomas clínicos se desenvolvem no primeiro ano de vida, ocorrem em animais das raças Setter Irlandês, Collie, Elkhound Norueguês, Schnauzer miniatura e Pastor
Belga. As degenerações de fotorreceptores herdadas como características autossômicas recessivas, nas quais os sintomas clínicos se desenvolvem aos 3 a 5 anos de idade, ocorrem em cães Poodle toy e miniatura, Cocker Spaniel Inglês e
Americano, Labrador Retriever, Terrier Tibetano, Dachshund miniatura de pelos longos, Akita e Samoyed. No Husky Siberiano, a APR é herdada como uma característica ligada ao cromossomo X, enquanto em Bull Mastiff, a APR é uma
herança autossômica dominante. Suspeitase que muitas outras raças de cães também apresentam APR hereditária. Em gatos da raça Abissinia, a APR ocorre tanto como displasia quanto como degeneração de fotorreceptores. Inicialmente
notase cegueira noturna, que progride para cegueira total dentro de meses a anos. Lesões oftalmoscópicas incluem aumento simétrico bilateral da refletividade do fundo tapetal, redução da pigmentação do fundo não tapetal, atenuação e
redução do número de vasos da retina e eventual atrofia da papila óptica. A eletrorretinografia é frequentemente utilizada para investigar e diagnosticar esta condição. Cataratas corticais são comuns em estágios tardios da APR em várias
raças e podem mascarar a retinopatia primária. Não há terapia efetiva disponível. Marcador de DNA com base na mucosa bucal e no sangue e testes genéticos específicos foram desenvolvidos para detectar cães portadores e acometidos,
antes do desenvolvimento dos sintomas clínicos em várias raças. A lista de raças afetadas por degenerações retinianas hereditárias e de genes causadores continua a crescer. Para informações atualizadas, consulte literatura recente.
Distrofia do epitélio pigmentado da retina (atrofia progressiva central da retina) ocorre em animais das raças Labrador Retriever, Collie de pelos lisos ou rugosos, Border Collie, Shetland Sheepdog e Briard. A condição é hereditária
em animais da raça Labrador Retriever, como característica dominante de penetrância variável. Os achados oftalmoscópicos iniciais (às vezes, antes de surgirem os sintomas clínicos) são pequenos focos de pigmentação irregular no fundo
tapetal que, por fim, se unem e desaparecem gradualmente conforme aumenta a refletividade do fundo tapetal.
O fundo não tapetal pigmentado se torna manchado, a vascularização da retina gradativamente diminui e o disco óptico se atrofia. A redução da acuidade visual progressiva ocorre de modo gradual ao longo de vários anos. A formação de
catarata ocorre tardiamente na doença. Não há tratamento. Estudos recentes sugerem que deficiência de vitamina E também pode ser importante na patogênese desta doença. Uma doença semelhante em equinos, a doença do neurônio motor
equino (ver p. 1141), é acompanhada de áreas focais amareloamarronzadas espalhadas pelo fundo tapetal e também tem sido associada à deficiência de vitamina E.
Início de hemorragia e descolamento de retina desenvolvidos lateralmente ao disco óptico, em filhote de cão com anomalia do olho do Collie. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.
GLAUCOMA
Os glaucomas geralmente estão relacionados com a drenagem diminuída de humor aquoso através da trama trabecular da câmara anterior ou ângulo iridocorneano (drenagem convencional, cerca de 85%) e através da rede uveoescleral
(através do corpo ciliar e espaço subescleral, cerca de 15%). A produção excessiva de humor aquoso em pessoas parece ser uma causa rara de glaucoma e ainda não foi relatada em animais. Alterações na composição do humor aquoso
foram relatadas recentemente em pessoas e animais com glaucoma e parece ser importante na gênese e progressão da doença.
Os glaucomas representam um grupo de doenças caracterizadas pelo aumento da pressão intraocular, com destruição de retina e do disco óptico resultante. O glaucoma de baixa tensão, caracterizado em pessoas por pressão intraocular
normal e lesão progressivo ao disco óptico, não foi documentado em animais domésticos. Em cães, os glaucomas primários (hereditários) e secundários ocorrem em cerca de 1,7% da população da América do Norte. A frequência de
glaucomas primários bilaterais relacionados com a raça, em cães de raça pura, é maior que em qualquer espécie animal, exceto em pessoas (0,9%). Em gatos, os glaucomas são predominantemente secundários à uveíte anterior e a
neoplasias; entretanto, em gatos da raça Siamesa ocorre glaucoma primário de ângulo aberto. Em equinos, os glaucomas parecem ser pouco diagnosticados, porque a tonometria de aplanação não é realizada rotineiramente. Ocorrem com
maior frequência em animais mais velhos, em animais da raça Appaloosa e naqueles com uveíte anterior concomitante. Em bovinos, os glaucomas têm sido associados a anomalias iridocorneanas congênitas e uveíte anterior.
Glaucoma crônico em cão. Globo ocular com glaucoma crônico frequentemente apresenta luxação de cristalino, com catarata. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.
Procedimentos diagnósticos essenciais para o manejo dos glaucomas incluem tonometria, oftalmoscopia (direta e indireta) e gonioscopia (visualização do ângulo iridocorneano e trama ciliar anterior). Técnicas eletrofisiológicas mais
recentes, como eletrorretinograma padrão e potenciais evocados visuais, estimam o lesão às células ganglionares da retina e aos seus axônios e parecem sensíveis indicadores da destruição destas células relacionada com o glaucoma. Novas
técnicas clínicas de imagem de alta resolução, incluindo biomicroscopia ultrassônica para alterações de segmento anterior, e tomografia de coerência óptica, para alterações de retina e de base de nervo óptico, permitem exames intraoculares
detalhados e não invasivos. Em pequenos animais, o tonômetro de indentação de Schiotz foi substituído por tonômetros de aplanação, mais acurados e recentes, utilizados para estimar a pressão intraocular. Em equinos e bovinos, pode ser
utilizado apenas o tonômetro de aplanação.
A pressão intraocular é razoavelmente consistente na maioria das espécies (ver Tabela 1) e variações diurnas foram documentadas em cães, equinos, coelhos e primatas não humanos. A oftalmoscopia permite a detecção da lesão à retina
e ao disco óptico, relacionadas com a pressão intraocular. Gonioscopia é a base para a classificação de todos os glaucomas; ela detecta alterações no fluxo para o exterior do ângulo iridocorneano e na abertura da fenda esclerociliar, de
acordo com a progressão do glaucoma, e auxilia na determinação de tratamentos médicos e cirúrgicos mais apropriados. A biomicroscopia ultrassônica (50 a 100 MHz) permite um melhor exame do ângulo da câmara anterior e de toda a
trama ciliar.
Os sintomas clínicos são tradicionalmente considerados agudos e crônicos. Na realidade, a maioria dos casos de glaucoma agudo é sobreposta por glaucomas crônicos, em vez de ocorrerem como eventos singulares. A maioria dos cães
com glaucoma precoce a moderadamente crônico não é levada ao veterinário, porque os sintomas clínicos iniciais – pupila que demora para se dilatar, congestão venosa conjuntival bulbar branda e aumento de volume inicial do olho
(buftalmia ou megaloglobo) – são muito discretos. Para detectar um glaucoma inicial, a tonometria deve ser realizada rotineiramente em raças de cães de alto risco, como parte do exame físico geral anual. Os sintomas clínicos de aumento
agudo e, frequentemente, marcante da pressão intraocular são pupila dilatada, fixa ou lenta, congestão venosa conjuntival bulbar, edema de córnea e globo firme. No caso de aumento crônico da pressão intraocular, temse aumento
secundário do globo, deslocamento do cristalino e ruptura da membrana de Descemet da córnea (estrias corneanas). Em geral, a dor se manifesta mais por alterações comportamentais e, ocasionalmente, por dor periorbitária do que por
blefarospasmo.
A classificação dos glaucomas auxilia no planejamento ideal para a conduta clínica e preservação da visão. A escolha por tratamento medicamentoso ou cirúrgico, ou mais frequentemente pela combinação de ambos, se baseia no
fechamento progressivo do ângulo iridocorneano, que ocorre na maioria dos casos de glaucoma em cães. Para glaucoma de ângulo aberto em cães, a conduta a curto e longo prazo se baseia em drogas mióticas, inibidores da anidrase
carbônica, tópicos e sistêmicos, prostaglandinas, solução osmótica e bloqueadores betaadrenérgicos. Estes mesmos tratamentos são utilizados no controle inicial do glaucoma de ângulo estreito e fechado, mas o tratamento a curto e longo
prazos frequentemente requer intervenção cirúrgica como, por exemplo, procedimentos de filtração, shunt de câmara anterior, ciclocrioterapia ou ciclofotocoagulação transescleral a laser. Em cães, o manejo a curto e longo prazos do
glaucoma em estágio final, com buftalmia e cegueira, também requer procedimento cirúrgico. Por exemplo, prótese intraescleral e enucleação, bem como ciclocriotermia ou gentamicina intravítreo (10 a 25 mg) combinada com 1 mg de
dexametasona. Procedimentos cirúrgicos em cães têm tradicionalmente resultado apenas em cura de curta duração porque as fístulas filtrantes eventualmente são recobertas por cicatriz e perdem sua função. Mais recentemente, o shunt de
câmara anterior, com ou sem válvula, propicia melhor resultado. Drogas antifibróticas, como mitomicina C e 5fluoruracila, podem retardar ou prevenir a cicatrização dos canais de fluxo alternativo do humor aquoso e prolongar sua função.
Em gatos, a terapia médica geralmente é o fundamento do tratamento e consiste no uso de betabloqueadores adrenérgicos (cuidado com gatos pequenos), inibidor da anidrase carbônica tópico e, para aqueles com glaucoma associado à
uveíte anterior, corticosteroide tópico e/ou sistêmico. Em equinos, a ciclofotocoagulação transescleral a laser, única ou repetida, é o procedimento mais efetivo.
Tabela 1 – Pressão intraocular obtida por tonometria de aplanação
TonoPenTM 18,7 ± 5,5
12,9 ± 2,7
TonoVet® 10,8 ± 3,1
Cães
Equinos
Bovinos
Ovinos
MANIFESTAÇÕES OFTÁLMICAS DE DOENÇAS SISTÊMICAS
As manifestações oftálmicas de doenças sistêmicas não são incomuns nas doenças hereditárias, infecciosas, degenerativas e neoplásicas de animais. Com frequência, os exames oftálmicos podem auxiliar na identificação oportuna da
doença sistêmica. Doenças que afetam os sistemas vascular e nervoso são propensas a exibir manifestações oculares. Animais com doença ocular bilateral devem ser examinados cuidadosamente em busca de doenças sistêmicas.
Em cães, doenças oftálmicas, como displasia de retina, microftalmia e catarata, foram associadas a nanismo, albinismo e merling. Frequentemente, as doenças infecciosas envolvem o trato uveal e se apresentam como iridociclite,
coroidite e panuveíte. Podem ser causadas por vírus (cinomose, hepatite infecciosa), riquétsias (erliquiose e febre macular das Montanhas Rochosas), bactérias (Brucella canis e Borrelia burgdorferi), fungos (Blastomyces, Coccidioides,
Histoplasma, Cryptococcus e Aspergillus), protozoários (Toxoplasma, Neospora, Leishmania e Hepatozoon), algas (Prototheca) ou parasitos (Dirofilaria, Toxocara e Diptera spp). Doenças metabólicas associadas a doenças oculares nos
cães incluem diabetes melito (formação de catarata), hipocalcemia (catarata), hiperadrenocorticismo (doença de córnea, catarata e lipemia retiniana) e hipotireoidismo (ceratoconjuntivite seca, hemorragia intraocular decorrente de elevação
da pressão sanguínea sistêmica e lipemia retiniana [hiperlipidemia]). Distúrbios sanguíneos e vasculares podem se apresentar como hemorragia intraocular, descolamento de retina, glaucoma secundário e papiledema. Neoplasias
metastáticas, como linfossarcoma, afetam mais frequentemente a úvea, manifestandose como uveíte persistente, massas intraoculares evidentes, hemorragia intraocular, glaucoma secundário ou descolamento de retina.
Em gatos, as doenças sistêmicas frequentemente afetam o sistema oftálmico. Inflamações palpebrais são, com frequência, associadas à infecção sistêmica por Demodex cati e D. gatoi, Notoedres cati (sarna), micose e doenças cutâneas
imunomediadas. Os patógenos que comumente causam doenças infecciosas em gatos, ou seja, herpes vírus felino1, Chlamydia e Mycoplasma frequentemente ocasionam conjuntivite aguda e recidivante. O herpes vírus felino1 também
está associado a queratite estromal e ulcerativa, ceratoconjuntivite proliferativa, sequestro corneano, simbléfaro corneano e ceratoconjuntivite seca. Peritonite infecciosa felina, toxoplasmose, imunodeficiência felina e vírus da leucemia
felina, às vezes, são acompanhadas de uveíte anterior e posterior, uveíte crônica, descolamento de retina e glaucoma secundário. A perda aguda de visão com hemorragia intraocular e descolamento de retina em gatos mais idosos pode ser
secundária à hipertensão sistêmica e frequentemente está associada à insuficiência renal crônica ou hipertireoidismo. A resolução da hemorragia intraocular, o reparo do descolamento de retina e a possível recuperação da visão dependem
de uma redução efetiva da pressão sanguínea para valor normal administrando, com frequência, o bloqueador de canal de cálcio anlodipino, na dose de 0,625 mg/dia VO.
Em equinos, doenças infecciosas sistêmicas, como infecção por adenovírus em potros árabes com imunodeficiência, gripe equina, garrotilho (Streptococcus equi), infecção por Rhodococcus equi, leptospirose, doença de Lyme (Borrelia
burgdorferi) e salmonelose, podem ser acompanhados de conjuntivite, uveíte anterior ou uveíte posterior. A ocorrência de oncocercose oftálmica pode ser acentuadamente reduzida pela administração frequente de ivermectina, mas pode
cursar com uveíte anterior e posterior, coriorretinite peripapilar, queratite, ceratoconjuntivite ou vitiligo conjuntival lateral. A habronemose se apresenta como massas conjuntivais inflamatórias na área periocular (especialmente no canto
medial), associadas à migração aberrante de larvas de Habronema muscae, H. microstoma e Draschia megastoma. A terapia geralmente consiste em ivermectina sistêmica.
Em bovinos, microftalmia, catarata, displasia de retina e descolamento de retina estão associados a hidrocefalia e infecção intrauterina de bezerros com diarreia viral bovina. As mesmas anormalidades oftálmicas ocorrem em carneiros
infectados pelo vírus da língua azul na vida intrauterina. A deficiência de vitamina A causa microftalmia em leitões e cegueira e hipoplasia de nervo óptico em bezerros. A deficiência de vitamina A em bovinos adultos ou em fase de
crescimento resulta em cegueira noturna, midríase e, por fim, cegueira completa. Anormalidades oftalmoscópicas incluem papiledema, degeneração de retina e atrofia do nervo óptico. A suplementação com vitamina A pode restabelecer a
visão apenas em animais com cegueira noturna. O linfossarcoma em bovinos pode se apresentar como exoftalmia progressiva bilateral. Muitas doenças infecciosas, como rinotraqueíte, febre catarral maligna, meningoencefalite
tromboembólica e sepse prénatal, podem cursar com conjuntivite ou uveíte anterior ou posterior. Toxicoses, como intoxicação por samambaia de metro (Dryopteris filix), intoxicação por samambaiadocampo (Pteridium aquilinum) em
ovinos, envenenamento por cumarínico (intoxicação por trevo doce) em bovinos e intoxicação por fenotiazina em bovinos se apresentam com sintomas clínicos de cegueira por degeneração de retina, hemorragia intraocular ou edema de
córnea (ver p. 2541).
NERVO ÓPTICO
Hipoplasia do nervo óptico pode ser hereditária em cães da raça Poodle miniatura. Em gatinhos e bezerros, pode resultar de infecção intrauterina notada na panleucopenia e na diarreia viral bovina, respectivamente. Em bezerros, a causa
pode ser avitaminose A materna. A condição pode ser uni ou bilateral, podendo ocorrer isoladamente ou em associação a outras anomalias oculares. O envolvimento bilateral se manifesta como cegueira, em neonatos; a doença unilateral
frequentemente é um achado acidental que ocorre mais tarde na vida do animal, ou é notado quando o outro olho desenvolve cegueira.
Papiledema é incomum em animais e às vezes é associada à neoplasia de órbita. A pressão intracraniana aumentada geralmente não resulta em papiledema em animais, exceto em bezerros com avitaminose A. O disco óptico é
visualizado como um volume acima da superfície da retina adjacente e notase congestão venosa. A visão e os reflexos pupilares à luz normalmente não são acometidos, a não ser que ocorra atrofia óptica.
Atrofia óptica pode se instalar após glaucoma, traumatismo, degeneração de retina avançada, hipotensão ocular prolongada ou inflamação. O disco óptico é visualizado como uma depressão e menor do que o normal; frequentemente é
pigmentado, com redução acentuada na vascularização da retina e do nervo óptico. Não se constata reflexo pupilar direto, tampouco visão. Não há tratamento.
ÓRBITA
Os sintomas de celulite orbitária são dor aguda ao abrir a boca, tumefação palpebral, prolapso unilateral da membrana nictitante, deslocamento do globo para frente e conjuntivite. Podese desenvolver queratite devido à lagoftalmia. A
anormalidade é observada predominantemente em raças de cães de grande porte e de caça, sendo rara em outras espécies. Corpos estranhos (p. ex., sementes migratórias de grama) e sialoadenite zigomática são causas adicionais.
Hemorragia e neoplasia de órbita podem mimetizar inflamação, exceto pelo fato de geralmente não haver dor durante a abertura da boca. Em casos agudos, antibióticos sistêmicos de amplo espectro, em geral, são curativos, mas se há
tumefação atrás do último molar, indicase drenagem desta área. Compressas mornas e lubrificantes tópicos para proteger a córnea também são indicados. Podem ocorrer recidivas; assim, são recomendadas radiografias e ultrassonografia
dos dentes adjacentes, dos seios e da cavidade nasal.
PÁLPEBRAS
As pálpebras consistem de quatro partes: 1) mais externa, de pele bastante fina e móvel; 2) o forte músculo orbicular ocular, que circunda o olho e se ancora no canto medial; 3) o tarso fibroso, delgado e pouco desenvolvido, que contém
glândulas sebáceas de Meibômio e conecta a pálpebra à rima óssea da órbita; e 4) a conjuntiva palpebral, fina e flexível, contínua ao fórnix conjuntival ou saco conjuntival. Anormalidades palpebrais podem estar associadas a alterações
faciais e orbitárias, características raciais; podem ser parte de doença cutânea, bem como de muitas doenças sistêmicas.
Anormalidades de Conformação
Entrópio é a inversão de toda ou de parte da margem palpebral e pode envolver uma ou ambas as pálpebras e os cantos. É o defeito palpebral hereditário mais frequente em muitas raças de cães e ovinos, podendo também ser consequente à
formação cicatricial e blefarospasmo grave decorrente de dor ocular ou periocular. A inversão dos cílios ou pelos faciais causa desconforto, irritação conjuntival e corneana secundárias e, se perpetuada, formação de cicatriz, pigmentação e,
possivelmente, ulceração corneana. O entrópio espástico inicial pode ser revertido se a causa for rapidamente removida ou se a dor for aliviada pela eversão dos pelos palpebrais com suturas em colchoeiro na pálpebra, por injeções
subcutâneas (p. ex., penicilina procaína) no interior da pálpebra adjacente ao entrópio, ou por bloqueio do nervo palpebral. O entrópio estabelecido geralmente requer correção cirúrgica.
Olho e pálpebras; corte mediano. Ilustração de Gheorghe Constantinescu.
Aparato lacrimal do cão. Ilustração de Gheorghe Constantinescu.
Ectrópio é uma margem palpebral evertida, estática, geralmente acompanhada de fissura palpebral extensa e pálpebras alongadas. É uma anormalidade de conformação bilateral comum em diversas raças de cães, incluindo o
Bloodhound, Bull Mastiff, Great Dane, Newfoundland, Dogue Alemão, São Bernardo e vários cães da raça Spaniel. Cicatrizes causando contração da pálpebra ou paralisia do nervo facial podem provocar ectrópio unilateral em qualquer
espécie. A exposição conjuntival a irritantes ambientais e infecções bacterianas secundárias pode resultar em conjuntivite crônica ou recidivante. Preparações tópicas de associações de antibióticos com corticosteroides podem controlar
temporariamente as infecções intermitentes, mas procedimentos cirúrgicos para a redução palpebral são frequentemente indicados. Casos brandos podem ser controlados por meio de lavagem periódica e repetida com soluções
descongestionantes suaves.
Entrópio em um potro antes (acima) e depois (abaixo) do tratamento. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.
Lagoftalmia é a incapacidade de fechar completamente as pálpebras e proteger a córnea de ressecamento e traumatismo. Pode resultar de órbitas extremamente rasas (em raças braquicefálicas), exoftalmia devido a lesões orbitárias que
preenchem espaço ou de paralisia do nervo facial. Geralmente resulta em formação de cicatriz, ulceração e pigmentação corneana. A menos que a causa possa ser corrigida, a terapia consiste em lubrificações tópicas frequentes e redução ou
fechamento cirúrgico dos cantos, temporária ou permanentemente. Pregas cutâneas nasais e pelos faciais excessivos podem agravar o lesão causado pela lagoftalmia.
Anormalidades dos cílios incluem cílios extras (distiquíase) ou mal direcionados na margem palpebral. Epífora, vascularização corneana, ulceração e formação de cicatriz corneana podem ser notadas. Em vários casos, os cílios
anômalos são muito finos e não ocasionam sintomas clínicos nem lesões. Entretanto, cílios ectópicos que em protrusão através da conjuntiva palpebral dorsal podem causar dor intensa. Se a lesão conjuntival ou corneana for causada pelo
cílio extra, indica–se a excisão ou a criotermia dos folículos ciliares. Anomalias dos cílios são comuns em algumas raças de cães e provavelmente são hereditárias, mas são raras em outras espécies de animais.
Inflamação
Blefarite (inflamação das pálpebras) pode resultar da extensão de dermatite generalizada, conjuntivite ou infecções glandulares locais, ou por irritantes, como óleos vegetais, ou por exposição solar. As pálpebras podem ser o local original
de envolvimento de agentes que progridem para uma dermatite generalizada. Dermatófitos (todas as espécies), Demodex canis (cães), D. cati ou D. gatoi (gatos) e bactérias, como estafilococos, estão frequentemente envolvidos. A junção
mucocutânea da pele e conjuntiva pode ser o local afetado por lesões de doenças imunomediadas, como o pênfigo. Raspados, culturas e biópsias cutâneas podem ser necessárias para um diagnóstico preciso. Infecções glandulares
localizadas podem ser agudas ou crônicas (hordéolo [glândulas de Zeis e Moll] ou calázio [glândulas de Meibômio]).
Na blefarite generalizada, a terapia sistêmica é frequentemente indicada, além do tratamento tópico. Terapia de suporte, com compressas quentes e limpezas frequentes, está indicada em casos agudos. Preparações não oftálmicas podem
ser utilizadas para tratar as pálpebras, mas devese ter cuidado durante a aplicação para evitar o contato com a córnea e conjuntiva e possível irritação.
Glândula da membrana nictitante inflamada e prolapsada (“olho de cereja”) em um cão. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.
PROLAPSO DO OLHO
O prolapso agudo ou proptose do olho se deve a traumatismo. É comum em cães e incomuns em gatos. O prognóstico depende da extensão do traumatismo, da raça do cão, da profundidade da órbita, da duração da proptose, do tamanho da
pupila em repouso, da condição da queratite por exposição e de outras lesões perioculares. Em gatos, a proptose geralmente se deve a traumatismo grave na cabeça e frequentemente outros ossos faciais encontramse fraturados. O globo
ocular deve ser reposicionado assim que possível, se a condição física do animal permitir a indução de anestesia geral (ver p. 1555). O tratamento consiste no uso de antibióticos sistêmicos e, ocasionalmente, corticosteroides, combinados a
antibióticos tópicos e midriáticos. Embora o prognóstico quanto à preservação da visão seja reservado, geralmente o globo é salvo. Retorno da visão ocorre em cerca de 50% dos cães, sendo raro em gatos.
Celulite de órbita em cão. A expansão dos tecidos orbitários pressiona o globo ocular e a membrana nictitante para frente e prejudica o reflexo de piscar. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.
ÚVEA ANTERIOR
A úvea anterior é constituída de íris, corpo ciliar e ângulo da câmara anterior (ou iridocorneano). A íris é responsável pela maior parte da cor do olho, bem como por uma abertura (pupila) para regular a quantidade de luz que penetra no
olho e no segmento posterior. A forma da pupila varia muito entre as espécies animais, podendo ser circular, em fenda vertical, oval horizontal, quadrada ou mesmo pupilas múltiplas. O corpo ciliar provê a maior parte do humor aquoso,
que nutre o segmento anterior e remove seus resíduos metabólicos, bem como os canais de fluxo para o exterior (ângulo da câmara anterior) para que o humor aquoso retorne ao sistema venoso. O corpo ciliar também regula a curvatura da
cristalino (acomodação), o que é mais limitado em animais do que em pessoas. O corpo ciliar continua posteriormente como a coroide; doenças da íris e do corpo ciliar com frequência também envolvem a coroide. Afecções da úvea
anterior são comuns em animais domésticos.
Membranas pupilares persistentes são restos da rede vascular prénatal normal, que preenche a região pupilar. A persistência de filamentos pigmentados através da pupila, de uma área da íris para outra, ou para o cristalino ou a córnea,
não é incomum em cães e ocasionalmente ocorre em outras espécies. Em cães da raça Basenji a anormalidade é hereditária.
Atrofia de íris é comum em cães mais velhos e pode envolver a margem pupilar ou o estroma. A atrofia da margem pupilar cria uma margem recortada e o enfraquecimento do músculo do esfíncter, que se manifesta como pupila dilatada
ou pela lentidão do reflexo pupilar à luz. A atrofia estromal resulta em graves orifícios na íris e, frequentemente, deslocamento da pupila. Nenhuma forma de atrofia parece afetar a visão. Animais com esfíncter iridiano não funcional podem
apresentar maior sensibilidade à luz forte.
Cistos de íris são observados em cães, gatos e equinos. Em cães, geralmente são esferas pigmentadas que flutuam livremente no humor aquoso, dentro da pupila e nas câmaras anterior e posterior. Apesar de inócuos na maioria das raças,
cistos uveais anteriores (íris e corpo ciliar) em cães da raça Golden Retriever estão associados à esfoliação de células pigmentadas, uveíte crônica, glaucoma e formação de catarata. Em gatos, os cistos frequentemente estão aderidos à
margem pupilar. Em equinos, estão presentes no estroma da íris e mais frequentemente envolvem íris azul. Terapia raramente é necessária, mas podese realizar aspiração ou esvaziamento por laser. A transiluminação geralmente mostra a
sua natureza cística e os diferencia de neoplasia. A corpora nigra dorsal, cística e aumentada de volume, pode prejudicar a visão e mimetizar melanoma de íris em equinos. Podese indicar excisão cirúrgica ou aspiração.
Colobomas de íris são raros em animais, mas ocorrem ocasionalmente em cães da raça Pastor australiano. Geralmente estão localizados na porção superior da íris, principalmente em íris heterocromáticas, e causa irregularidade na
pupila. Ao exame próximo, notase que o defeito envolve o estroma anterior da íris e aparentemente o músculo do esfíncter, mas a camada de pigmento está presente.
Uveíte anterior ou iridociclite, quando aguda, manifestase por miose, aumento do conteúdo proteico e celular na câmara anterior (flare aquoso), pressão intraocular baixa, hiperemia conjuntival bulbar, tumefação de íris, fotofobia e
blefarospasmo. Glaucoma secundário, catarata e opacificação corneana podem ocorrer como complicações. Comumente é acompanhada de uveíte posterior ou coroidite. Causas de uveíte anterior podem ser classificadas em exógenas e
endógenas. Traumatismo penetrante e não penetrante e, raramente, neoplasias intraoculares ou helmintos intraoculares são causas de uveíte unilateral. As causas comuns de uveíte bilateral incluem doenças imunomediadas e doenças
infecciosas, como hepatite infecciosa canina, peritonite infecciosa felina, leucemia felina, imunodeficiência felina, toxoplasmose felina, micoses sistêmicas em cães e gatos, brucelose canina, leptospirose equina, febre catarral maligna
bovina, rinotraqueíte infecciosa bovina, arterite viral equina, febre suína clássica, erliquiose canina e infecções bacterianas neonatais (articulares, umbilicais e intestinais) em bezerros, carneiros, crianças e potros. A uveíte recidivante, que é,
pelo menos em parte, imunomediada, afeta equinos (oftalmia periódica ou cegueira da lua) e cães (panuveíte com despigmentação dérmica ou síndrome uveodérmica). Histórico completo, exame da córnea quanto à presença de lesões,
exame físico, sorologia sanguínea e centese do humor aquoso para cultura, sorologia e citologia auxiliam no diagnóstico.
A terapia inespecífica consiste em uso tópico de midriáticos para manutenção da dilatação e movimentação pupilares, corticosteroides (se não for de origem bacteriana), ambiente escuro e inibidores de prostaglandina (como ácido
acetilsalicílico, flunixino meglumina ou fenilbutazona). Se a origem for bacteriana, indicamse antibiótico tópico, sistêmico e, às vezes, intraocular. O tratamento de afecções imunomediadas pode requerer uso sistêmico, subconjuntival e
tópico de corticosteroides e administração oral de azatioprina.
Hifema ou hemorragia na câmara anterior pode ter várias aparências clínicas, inclusive: 1) pequenos coágulos sanguíneos, focais, suspensos na câmara anterior ou aderidos à face posterior da córnea, íris ou cápsula anterior do cristalino;
2) hemorragia difusa, sem coagulação, por toda a câmara anterior, impedindo a visão e o exame de estruturas oculares mais profundas; e 3) múltiplas camadas de hemorragia sem coagulação, recidivante ou crônica (a camada mais antiga é
roxa ou preta, na parte inferior da câmara anterior, e a hemorragia mais recente é a camada vermelha brilhante superior). As causas de hifema incluem uveíte, trauma, neoplasia intraocular, hipertensão sistêmica, anormalidades de fatores de
coagulação, distúrbios plaquetários, hiperviscosidade, anomalias oculares congênitas, neovascularização de segmento anterior e glaucoma. A resolução do hifema requer a saída dos eritrócitos intactos através dos canais de drenagem do
humor aquoso.
Uveíte anterior secundária à peritonite infecciosa felina. Cortesia do Dr. Kirk. N. Gelatt.
O prognóstico de hifema agudo geralmente é bom, desde que a causa seja identificada e tratada. O prognóstico do hifema recidivante e/ou crônico é reservado a ruim, porque há propensão ao glaucoma ou à retração e definhamento do
globo ocular. Não há comprovação de que algum fármaco facilite a resolução do hifema, mas o ativador de plasminogênio tecidual (TPA), por via intracâmera, pode dissolver a fibrina formada há menos de 10 a 14 dias e liberar os
eritrócitos que estavam retidos na câmara anterior. O TPA não previne a formação de fibrina, mas os corticosteroides tópicos e sistêmicos podem prevenila.
UVEÍTE RECIDIVANTE EQUINA (Oftalmia periódica, Cegueira da lua, Uveíte equina)
A uveíte recidivante equina (URE) é uma das doenças oculares mais comuns em equinos, classicamente caracterizada por episódios de inflamação ativa seguida de períodos variáveis de quiescência. Durante o período de quiescência, pode
persistir uma discreta inflamação subclínica em alguns equinos. Independente do curso específico, as reações inflamatórias, por fim, ocasionam alterações secundárias. São estas complicações secundárias que tornam esta síndrome a causa
mais comum de cegueira em equinos, em todo o mundo.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: URE é uma doença imunomediada que ocorre após um episódio inicial de uveíte aguda. Nem todos os equinos que apresentam uveíte aguda desenvolvem URE. Entretanto, todos os equinos com histórico de
uveíte permanecem sob risco de desenvolver URE por um tempo de pelo menos 2 anos após o episódio agudo. Agentes ou condições específicas associados ao desenvolvimento de uveíte aguda em equinos incluem traumas oculares
contusos ou penetrantes, leptospirose, brucelose, garrotilho (infecção por Streptococcus equi), oncocercose, gripe equina e abscessos de raiz dentária e de casco. Não há predisposição etária ou racial ao desenvolvimento de uveíte aguda.
Entre os equinos com URE, as raças Appaloosa e de sangue quente e aqueles animais de tração são acometidos mais comumente. Embora os equinos possam manifestar URE inicial em qualquer idade, o diagnóstico aos 4 a 8 anos é
característico. Os agentes infecciosos associados à URE mais amplamente pesquisados são Leptospira spp, em particular L. interrogans sorovariante pomona, apesar de outros sorogrupos também estarem envolvidos. Vários estudos
mostram a persistência de leptospira na URE crônica; entretanto, a relação exata entre leptospirose e URE permanece obscura.
Embora a base imunológica para a natureza recidivante da uveíte tenha sido extensivamente estudada, a compreensão detalhada dos fatores envolvidos permanece desconhecida. Pesquisa recente sugere uma relação autoimune genética
com a ocorrência de URE. Considerada em associação à leptospirose, parece possível que a patogênese subjacente da URE pode envolver tanto componentes infecciosos quanto hereditários.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sinais clínicos associados à uveíte recidivante equina incluem tanto sintomas agudos de inflamação ativa como efeitos colaterais secundários crônicos. A lesão ao trato uveal acarreta liberação de
mediadores inflamatórios, como leucotrienos, prostaglandinas e histamina, os quais aumentam a permeabilidade dos vasos da úvea anterior, dano à barreira sanguehumor aquoso, espasmo do esfíncter da íris e espasmo do músculo do
corpo ciliar. O comprometimento da barreira sanguehumor aquoso permite a entrada de proteínas, fibrina e células ao humor aquoso. Estas respostas colaboram para os sintomas clássicos de uveíte aguda: blefarospasmo, epífora, congestão
episcleral, edema de córnea, humor aquoso turvo (flare), coágulos de fibrina na câmara anterior e miose. Frequentemente, os sintomas no segmento anterior limitam a visibilidade do segmento posterior. Se visíveis, os sinais de episódio
agudo envolvendo o segmento posterior podem incluir infiltrado celular inflamatório na retina e/ou coroide, separação focal ou difusa da retina, hemorragia de retina e humor vítreo turvo, secundária à infiltração por células inflamatórias ou
hemácias. Um ou ambos os olhos podem ser acometidos. Quando bilateral, não é raro que um olho esteja mais gravemente afetado.
Formação de cicatriz na córnea, fibrose na íris, dano da corpora nigra, sinéquia posterior, glaucoma, catarata e acúmulo de pigmento no fundo não tapetal (degeneração de retina) são sintomas compatíveis com URE crônica. Não pode ser
ignorada a importância da fundoscopia cuidadosa como parte de exames anteriores à compra e de sanidade. Equinos com uveíte crônica podem apresentar poucos ou nenhum sinal no segmento anterior, mas podem manifestar uveíte
recidivante equina na forma de degeneração de retina. Tais equinos geralmente apresentam resposta pupilar à luz normal ou próximo do normal, podendo não exibir sintomas evidentes de comprometimento visual até estágios tardios da
doença. Entretanto, devese suspeitar de URE em qualquer equino com degeneração de retina relevante e, assim, é considerado como possível candidato a comprometimento visual futuro.
DIAGNÓSTICO: Uma vez que o diagnóstico baseiase na constatação de sinais clínicos característicos, devese tentar identificar a causa primária. Como um episódio agudo de uveíte pode ser o primeiro sinal de doença sistêmica, um exame
físico cuidadoso deve ser sempre realizado, além do exame oftálmico. Hemograma completo e perfil bioquímico sérico são frequentemente incluídos como parte de uma base de dados mínima. Testes específicos podem auxiliar na pesquisa
da causa primária do episódio inicial de uveíte. O teste sorológico para Leptospira spp é frequentemente requisitado, apesar de não haver relação entre a sorologia para Leptospira spp e a presença de anticorpos ou leptospiras no humor
aquoso de equinos com URE. A paracentese da câmara anterior ou da cavidade vítrea oferece a possibilidade de identificação de um agente causal. Entretanto, o procedimento pode causar lesão intraocular grave e é desencorajado.
TRATAMENTO, PREVENÇÃO E CONTROLE: A terapia é iniciada assim que possível, quando os sintomas da fase aguda são observados. Se uma causa primária específica pode ser identificada, seu tratamento deve ser incluído no protocolo
terapêutico inicial. Adicionalmente ao tratamento da causa primária, ou em ocasiões quando nenhuma causa específica é encontrada iniciase tratamento agressivo com anti–inflamatório, tanto sistêmico quanto tópico, para minimizar a
lesão associado à inflamação intraocular. Antiinflamatórios tópicos, tanto esteroides como não esteroides, são comumente utilizados. Têmse empregado com sucesso acetato de prednisolona (esteroide, suspensão 1%), dexametasona
(esteroide, suspensão ou pomada 0,1%), flurbiprofeno (não esteroide, solução 0,03%) e diclofenaco (não esteroide, solução 0,1%). Ao selecionar um esteroide para uso tópico, preferese tanto a prednisolona como a dexametasona em
relação à hidrocortisona, que penetra pouco na córnea e não é potente o suficiente para ser considerada um tratamento efetivo para uveíte anterior. Adicionalmente, a formulação do esteroide tópico influencia sua capacidade de penetração
na córnea e a disponibilidade do fármaco na úvea anterior. Devido a isso, as preparações em forma de acetato e suspensão são preferíveis às formulações de fosfato sódico. A frequência de aplicação depende da gravidade da inflamação,
mas o comum é a administração 4 a 6 vezes/dia. Com a resolução dos sintomas, a frequência pode ser lentamente reduzida. Recomendase que a terapia seja mantida por 1 mês após a regressão dos sintomas agudos da inflamação. A
atropina tópica (solução ou pomada 1%) é útil aos pacientes com uveíte anterior aguda em razão da paralisação do esfíncter da íris e do músculo do corpo ciliar. Esses efeitos reduzem o risco de formação de sinéquia posterior e aliviam
acentuadamente a dor associada ao espasmo da musculatura do corpo ciliar. A aplicação de atropina é tópica, 2 a 3 vezes/dia, até que a pupila esteja amplamente dilatada. A seguir, a frequência de aplicações pode ser reduzida para 1 vez/dia
ou em dias alternados, conforme a necessidade para manutenção da midríase. Apesar deste esquema de dosagem ser bem tolerado na maioria dos equinos, a motilidade intestinal deve ser monitorada, uma vez que a atropina aplicada
topicamente tem o potencial de ocasionar íleo adinâmico.
A aplicação sistêmica de flunixino meglumina, particularmente quando administrada por via intravenosa (IV), pode ser o tratamento único mais efetivo de uveíte anterior aguda em equinos. A dose IV inicial usual é 1,1 mg/kg,
administrada no momento do diagnóstico. Em seguida aplicase 0,25 a 1,1 mg/kg VO, 2 vezes/dia, durante 5 a 7 dias. Devido ao risco potencial de causar problemas gastrintestinais e renais com o uso prolongado de flunixino meglumina, é
comum que se alterne com fenilbutazona oral (2 a 4 mg/kg, 1 ou 2 vezes/dia) após o período de tratamento inicial. Como alternativa, alguns equinos respondem melhor ao ácido acetilsalicílico (25 mg/kg VO, 1 ou 2 vezes/dia) após o uso da
flunixino meglumina. Esteroides sistêmicos, especialmente prednisolona (100 a 300 mg/dia) e dexametasona (5 a 10 mg/dia), também têm sido utilizados com sucesso no tratamento de episódios de uveíte aguda, mas o seu uso prolongado
tem sido associado à laminite. Com a atenuação da gravidade dos sintomas, a dose e a frequência do uso de antiinflamatórios orais podem ser reduzidas ao longo de 2 a 3 meses do período terapêutico. Se não for possível o tratamento
tópico frequente, injeções subconjuntivais de triancinolona (10 a 40 mg), acetato de metilprednisolona (10 a 40 mg) ou betametasona (5 a 15 mg) podem propiciar concentração antiinflamatória intraocular terapêutica. Entretanto, devem
ser utilizadas com cautela, uma vez que não podem ser facilmente removidas após a injeção e podem ocorrer consequências graves se há microrganismo infeccioso ou úlcera de córnea. Exceto nos casos em que há infecção bacteriana, não
se indica antibiótico sistêmico.
Historicamente, equinos com recidivas frequentes ou com uveíte crônica branda eram tratados com doses diárias (ou em dias alternados) de fenilbutazona ou de ácido acetilsalicílico VO. Apesar de a maioria dos equinos tolerar bem essa
terapia, esses medicamentos podem apresentar efeitos colaterais gastrintestinais e hematológicos, e a necessidade da administração diária pode dificultar a colaboração do proprietário. Além disso, esse tratamento frequentemente não
elimina o risco de recidiva.
Na tentativa de se superar os problemas do uso exclusivo de tratamento medicamentoso foram desenvolvidos dois procedimentos cirúrgicos. A vitrectomia nuclear remove praticamente todo o humor vítreo, por meio de uma incisão
posterior à face dorsolateral do limbo. O vítreo é então substituído por solução salina ou por solução salina balanceada. O benefício teórico deste procedimento é que os linfócitos T e/ou microrganismos presentes no humor vítreo
contribuem significativamente para a inflamação crônica, na URE. Por meio da remoção desses elementos, a gravidade e frequência dos eventos inflamatórios podem ser minimizadas. Outro procedimento cirúrgico para controle da URE é
o implante de ciclosporina supracoroidal. Neste procedimento, um disco de ciclosporina A (cerca de 5 mm de diâmetro) é implantado sob um retalho escleral criado cerca de 8 mm posterior à região dorsolateral do limbo.
Boas práticas de manejo, como controle efetivo de moscas, trocas frequentes das camas, desverminação e vacinações rotineiras, minimização do contato com bovinos ou animais selvagens, drenagem de água parada ou restrição ao acesso
a pastagens pantanosas e melhora da dieta foram relacionadas como formas de reduzir as consequências da URE. Embora essas medidas propiciem benefícios gerais a alguns equinos, a extensão em que influenciam o curso clínico da URE
é controversa.
DOENÇAS DO PAVILHÃO AURICULAR
Várias afecções dermatológicas acometem o pavilhão auricular. Raramente, uma doença afeta apenas o pavilhão auricular ou este é o local inicialmente acometido. Como em todas as enfermidades dermatológicas, a melhor forma de obter o
diagnóstico envolve histórico completo e exame físico e dermatológico minucioso, juntamente com seleção e avaliação cuidadosa de testes diagnósticos específicos.
Adenite Sebácea
Esta doença é incomum em cães e rara em gatos. A causa é desconhecida, mas a forte predisposição racial de certas raças de cães para o desenvolvimento da doença sugere uma influência genética. A patogênese proposta inclui destruição
da glândula sebácea mediada por resposta imune celular; anormalidade de cornificação primária do ducto glandular, resultando em obstrução e inflamação secundária da glândula; defeito anatômico da glândula sebácea, ocasionando
extravasamento lipídico e reação do tipo corpo estranho; ou disfunção no metabolismo lipídico, levando à destruição glandular. Raças de cães predispostas incluem Poodle padrão, Akita, Samoyed e Vizla. Entretanto, várias outras raças
podem ser acometidas. As lesões tipicamente se instalam nos pavilhões auriculares, testa, face e parte dorsal do tronco e são caracterizadas por alopécia e escamas aderidas nas hastes dos pelos. A gravidade e as características dos sinais
clínicos variam entre as raças. O prurido é variável e geralmente associado à infecção bacteriana secundária. Os achados histopatológicos incluem ausência difusa de glândulas sebáceas, inflamação granulomatosa a piogranulomatosa no
local anteriormente das glândulas e queratose folicular. Atualmente, a terapia mais eficaz para adenite sebácea é a administração oral de ciclosporina (5 mg/kg, 1 vez/dia). Vitamina A ou retinoides sintéticos (p. ex., isotretinoína ou
acitretina) VO, podem ser efetivos, em alguns casos. A combinação de tetraciclina e niacinamida é uma opção para os casos mais brandos ou quando os proprietários estão preocupados quanto aos custos e/ou efeitos adversos associados ao
uso de ciclosporina ou retinoides. A terapia paliativa para todos os casos inclui xampu ceratolítico, seguido de banho emoliente e ácidos graxos ômega 3 e ômega6. Para auxiliar no amolecimento das escamas aderidas podese borrifar uma
mistura de propilenoglicol e água sobre a pelagem do animal, deixando atuar por 2 a 3 h, antes do banho com xampu com medicamento.
Alergia à Picada de Mosquito
Uma reação alérgica á picada de mosquito pode causar dermatite ulcerativa e crostosa de pavilhão auricular, narina e, raramente, coxins e pálpebras de gatos. As lesões progridem de pápulas e placas a úlceras crostosas, que se unem para
acometer áreas extensas. O prurido é variável; pode ocorrer linfadenopatia regional. Histologicamente, as lesões são caracterizadas por dermatite eosinofílica perivascular a intersticial grave, superficial e profunda, frequentemente
associadas a lesões hiperêmicas, como foliculite e furunculose. O diagnóstico diferencial inclui pênfigo foliáceo, dermatite ulcerativa por herpes vírus, outras causas de dermatite eosinofílica (hipersensibilidade alimentar, atopia, idiopática),
sarna notoédrica e dermatofitose. O tratamento inclui a manutenção do animal dentro de casa e o uso de repelente à base de piretrina, quando é possível prever a exposição aos mosquitos. Glicocorticoides sistêmicos podem ser necessários,
em casos graves (ver p. 811).
Alopécia de Pavilhão Auricular
Várias dermatoses de borda auricular, caracterizadas por alopécia, foram descritas em cães. Alopécia periódica do pavilhão auricular em Poodle miniatura é caracterizada por alopécia bilateral progressiva na superfície convexa da orelha. A
perda de pelos é aguda e progride por vários meses, mas pode ocorrer crescimento espontâneo de novos pelos. Não há outros sintomas e o tratamento é desnecessário.
Alopécia do pavilhão auricular foi relatada em animais das raças Dachshund, Chihuahua, Italian Greyhound e Whippet e considerase que haja predisposição hereditária. A idade por ocasião da manifestação da enfermidade é = 1 ano. As
lesões iniciam como rareamento da cobertura pilosa, podendo ocorrer alopécia total do pavilhão auricular aos 8 a 9 anos de idade. Outras áreas comumente acometidas são as regiões cervical e torácica ventral e a face medial caudal das
coxas. A perda de pelos é assintomática. Os diagnósticos diferenciais para essa condição são endocrinopatias (p. ex., hipotireoidismo, hiperadrenocorticismo, desequilíbrio de hormônios sexuais). Histologicamente, a pele é normal e o
tamanho dos folículos pilosos diminui, mas com aparência normal. Nenhum tratamento efetivo foi relatado, mas há relatos anedóticos do uso de que pentoxifilina (10 a 15 mg/kg, 2 vezes/dia ou 3 vezes/dia), melatonina (3 mg para raças
pequenas e 6 mg para raças grandes, 2 vezes/dia ou 3 vezes/dia) e minoxidil tópico são úteis.
Ataque de Moscas
Este é um problema cosmopolita, causado pela mosca de estábulo, Stomoxys calcitrans (ver p. 813), e tipicamente acomete cães e equinos. A picada da mosca causa pequenas pápulas que se tornam estrias elevadas com crostas centrais
hemorrágicas pruriginosas. As lesões são notadas nos ápices dos pavilhões auriculares de cães de orelhas eretas ou sobre a superfície dobrada do pavilhão auricular de cães com orelhas pendentes. Em equinos, esta mosca pode causar reação
de hipersensibilidade ou dermatite grave, resultando em lesões no tronco dorsal e/ou ventral e face e, adicionalmente, ao pavilhão auricular. O tratamento inclui repelentes contra moscas, controle da população destes insetos mediante
limpeza do ambiente (esterco, adubo etc.) e aplicação de inseticidas.
Dermatite de Contato
Esta dermatite comumente se instala na face côncava do pavilhão auricular, provavelmente devido à ausência de pelos. Medicamentos de uso tópico na orelha, particularmente aqueles contendo aminoglicosídios e/ou propilenoglicol, são
causas comuns da afecção em animais tratados para otite externa. As lesões podem se instalar 5 a 7 dias após o início do tratamento. A dermatite de contato também pode ser decorrência do uso de pomadas de aplicação transdérmica na
parte côncava das orelhas. Os sinais clínicos incluem eritema, edema e pápulas que podem se unir e formar placas, erosões e/ou ulcerações. O prurido e a dor são variáveis. Raramente se obtém o diagnóstico definitivo, porque o teste de
desafio à droga não é recomendado. A interrupção do uso de todas as medicações tópicas é o procedimento indicado. Não se recomenda a substituição por outro fármaco de uso tópico porque a maioria dos produtos apresenta veículos
semelhantes, que são a causa da maioria dos casos.
Dermatite de Pavilhão Auricular
Insetos e parasitos comumente causam dermatite de pavilhão auricular, seja por lesão direta pela picada do parasito ou como resultado de hipersensibilidade. Carrapatos podem causar irritação no local de aderência; podem ser encontrados
no pavilhão auricular ou no canal auditivo. O carrapato espinhoso do ouvido (Otobius megnini), encontrado no sudoeste dos EUA, nas Américas do Sul e Central, na África do Sul e na Índia, é um carrapato de carapaça delicada, cujas
formas de larva ou ninfa parasitam o canal auditivo externo de equinos, bovinos, ovinos, caprinos, veados, coelhos, gatos e cães. Os sinais clínicos envolvem sacudidela de cabeça, esfregação da cabeça ou ptose de pavilhão auricular. Tanto
o animal quanto o ambiente devem ser tratados. Produtos à base de piretrina/piretroides são efetivos.
Hematoma Auricular
Essas tumefações pequenas a grandes, preenchidas por fluido, se desenvolvem na superfície côncava do pavilhão auricular de cães, gatos e suínos. A patogênese do desenvolvimento das lesões é desconhecida, mas o ato de sacudir a cabeça
ou coçar o ouvido devido ao prurido está quase sempre envolvido. Em cães, a afecção é observada nos casos de atopia e alergia alimentar, nas quais os condutos auditivos representam os principais locais de inflamação alérgica, prurido e
infecção secundária. Em suínos, sarna sarcóptica, pediculose e presença de alimento nas orelhas (proveniente de comedouros instalados acima da cabeça) foram incriminadas como causa de sacudidela de cabeça que ocasiona hematomas
auriculares. Mordidas de outros porcos também podem ser incriminadas (ver síndrome da orelha necrosada, a seguir). O tratamento é cirúrgico, de modo a permitir a drenagem. Após drenagem e irrigação, vários pontos de colchoeiro
podem ser aplicados para eliminar o espaço morto. A adição de um dreno, feito com uma sonda mamária, pedaço de cateter urinário ou de cateter de aplicação intravenosa, aumenta a taxa de sucesso da cirurgia. Drenagem e instilação de
glicocorticoide são eficazes em cerca de 50% dos casos. A drenagem é mais efetivamente obtida pela conexão com um scalp ou cateter IV. Glicocorticoides são instilados para preencher a cavidade, sem necessidade de causar distensão
cutânea. Um período curto de administração oral de glicocorticoide, em dose antiinflamatória baixa, comumente é associado a este tratamento.
Infestação por Ácaros
Infestação por ácaros Sarcoptes scabiei e Notoedres cati é comum em suínos, cães e gatos em todo o mundo (ver p. 834). Nos EUA, a sarna sarcóptica é rara em equinos, bovinos e ovinos, sendo considerada doença de notificação
obrigatória. Erupções papulares progridem para escamas, crostas e escoriações nas bordas das orelhas e em outras partes do corpo. O prurido é intenso. A transmissão ocorre por contato direto com animais infectados ou com fômites
contaminados. O diagnóstico baseiase nos sinais clínicos, no histórico de exposição e na detecção de ácaros em vários raspados de pele. Raspados negativos não excluem o diagnóstico, pois os ácaros são frequentemente difíceis de
encontrar. Na suspeita de infestação por ácaro devese instituir o tratamento. É muito mais fácil encontrar ácaros em raspados de pele de gatos com sarna notoédrica. As opções terapêuticas incluem banhos de imersão em óxido de enxofre
(seguro em todas as espécies), a cada 5 dias, no total de 3 a 5 tratamentos; imersões em inseticidas, como o amitraz (apenas em cães), 2 a 3 banhos, com intervalos de 2 semanas, e 200 a 300 mg de ivermectina/kg VO ou SC, a cada 1 a 2
semanas, no total de 2 a 4 aplicações. A resposta ao tratamento não é consistente quando se utiliza banho de imersão em óxido de enxofre ou amitraz, em pequenos animais. Desta forma, produtos tópicos não são boas opções para a triagem
terapêutica (ou seja, quando não são encontrados ácaros nos raspados de pele).
A ivermectina é amplamente utilizada no tratamento de sarna sarcóptica em cães e tem sido utilizada para tratar sarna notoédrica em gatos; contudo, não é aprovada pela FDA para tal propósito. Assim, devese ter muito cuidado e os
clientes devem ser informados especificamente sobre os riscos inerentes ao uso dessa droga. Raças de cães suscetíveis à intoxicação por ivermectina incluem Collie, Shetland Sheepdog, Australian Sheepherd, English Sheepherd,
Longhaired Whippet, Mcnab, Silken Windhound e Old English Sheepdog. Antes de usar ivermectina em qualquer uma dessas raças devese realizar um teste genético para pesquisa de mutação do gene MDR1, que codifica a glicoproteína
P, um transportador de várias drogas (Atualmente este teste está disponível na Universidade de Washington). O uso oral de milbemicina oxima foi relatado como sendo seguro e eficaz no tratamento da sarna sarcóptica canina, mas não é
aprovado pela FDA para tal fim. O protocolo de tratamento recomendado é de 2 mg/kg, 1 vez/semana, no total de 4 doses. A selamectina também se mostrou eficaz no tratamento de sarna sarcóptica canina. O protocolo recomendado é de 4
aplicações, com intervalos de 2 semanas. Como os ácaros podem sobreviver fora do hospedeiro por um tempo variável, todas as camas, escovas e fômites também devem ser tratados. Recomendase que todos os animais contactantes
também sejam tratados, devido à natureza contagiosa das infecções por ácaros.
Ácaros psorópticos que não escavam causam otite externa pruriginosa em equinos. Por ocasião da consulta os equinos podem se apresentar balançando a cabeça e com orelha pendente. O diagnóstico é confirmado pela detecção dos
ácaros em raspados de pele ou no exsudato do ouvido, mas pode ser difícil encontrar ácaros no conduto auditivo. A sarna psoróptica é uma doença de notificação obrigatória em algumas regiões. A ivermectina, na dose de 200 mg/kg VO, a
cada 2 semanas, por 2 tratamentos, tem se mostrado efetiva.
Miscelânea de Doenças
Várias doenças imunomediadas, como pênfigo foliáceo, pênfigo eritematoso, erupção medicamentosa, necrólise epidérmica tóxica e vasculite imunomediada podem acometer o pavilhão auricular e o conduto auditivo (ver p. 751).
Outras áreas do corpo são tipicamente afetadas, inclusive coxins plantares, membranas mucosas, junções mucocutâneas, unhas e suas bases e extremidade da cauda. As doenças imunomediadas são confirmadas por biópsia das
lesões primárias (pápulas, vesículas, pústulas, bordas eritematosas de lesões secundárias), com exame histológico por um dermatoistopatologista.
As extremidades auriculares dobradas adquiridas em gatos são mais frequentemente associadas à terapia prolongada com glicocorticoide (p. ex., uso diário de preparações oculares ou auriculares). Também, podem ser causadas por
lesão decorrentes de radiação solar. A dobra auricular pode ser irreversível.
Dermatite solar felina ou dermatite actínica é observada mais comumente em gatos brancos ou em gatos com orelhas brancas que foram cronicamente expostos ao sol. As lesões aparecem primeiramente como eritema e descamação das
extremidades das orelhas, com poucos pelos. Formação de crostas, exsudação e ulceração podem se desenvolver enquanto a queratose actínica se transforma em carcinoma de célula escamosa. Nos estágios iniciais da doença, o tratamento
consiste em limitar a exposição à luz ultravioleta por meio de confinamento no interior da casa no horário de 10 h a 16 h e no uso tópico de protetor solar. O carcinoma de célula escamosa da orelha é tratado mediante excisão cirúrgica,
seguida de radioterapia. Se a cirurgia e a radioterapia não forem uma opção, o tratamento tópico com creme de imiquimod, 2 a 3 vezes/semana, mostrou resultados promissores.
Necrose trombovascular proliferativa do pavilhão auricular é rara em cães. Não há predileção conhecidas quanto à raça, sexo ou idade e a etiologia é desconhecida. As lesões, que consistem em pele descamada, espessada e
hiperpigmentada ao redor de uma úlcera necrosante, iniciam no ápice da orelha e se estendem ao longo da superfície côncava do pavilhão auricular. Por fim, a necrose pode deformar a borda da orelha. Há relatos anedóticos de que
pentoxifilina (10 a 15 mg/kg, 2 a 3 vezes/dia) e/ou combinação de tetraciclina e niacinamida (250 mg e 500 mg, 3 vezes/dia, para cães < 10 kg e = 10 kg de peso corpóreo, respectivamente) foram eficazes, em alguns casos.
Condrite auricular foi relatada raramente em gatos e cães. Os sintomas incluem dor, tumefação, eritema e deformação do pavilhão auricular. Tipicamente, ambas as orelhas são acometidas. Em alguns casos é possível notar sintomas
sistêmicos. Histologicamente, as lesões consistem de infiltrado linfoplasmocítico, basofilia e perda ou necrose da cartilagem. Tratamento pode não ser necessário se a afecção não for dolorida e não há sintomas sistêmicos. Relatase que a
administração oral de glicocorticoides foram inefetivos, mas a dapsona (1 mg/kg, 1 vez/dia) induziu remissão dos sinais clínicos, em alguns casos.
Vasculite é uma doença incomum em cães e gatos. As lesões consistem em eritema, úlceras bem delimitadas, crostas e perda de tecido necrótico. Pavilhões auriculares, cauda e coxins tipicamente são acometidos. Geralmente é difícil
determinar a causa desencadeante, que pode ser imunomediada ou induzida por fármaco, neoplasia e infecção concomitante, ou pode ser idiopática. O tratamento implica na identificação e eliminação da causa desencadeante, uso sistêmico
de glicocorticoide, tetraciclina e niacinamida, pentoxifilina, dapsona e ciclosporina ou outros fármacos imunomoduladores.
Ulceração pelo frio pode ser verificada em animais pouco adaptados ao clima frio, sendo mais provável em condições úmidas ou com vento. Se instala tipicamente nas regiões corpóreas pouco revestidas, incluindo extremidades das
orelhas, patas e cauda. A pele pode se apresentar pálida ou eritematosa, edematosa e dolorida. Em casos graves, pode ocorrer necrose e descamação do tecido necrosado das extremidades. O tratamento consiste no aquecimento rápido e
cuidadoso e no tratamento de suporte. A amputação das regiões afetadas pode ser necessária, mas não deve ser realizada até que se determine a extensão de tecido viável.
Celulite juvenil canina é um distúrbio incomum de filhotes de cães, caracterizada por pápulas estéreis, nódulos e pústulas na face e nos pavilhões auriculares, além de linfadenopatia submandibular. Acomete filhotes de cães com 3
semanas a 4 meses de idade e raramente animais mais velhos. Animais das raças Golden Retriever, Gordon Setter e Dachshund parecem mais suscetíveis do que outras raças. Otite externa purulenta é comum, acompanhada de edema e
espessamento das orelhas. Sintomas sistêmicos, como anorexia, letargia e febre podem ser notados em alguns casos. É possível obter o diagnóstico por biópsia, que mostra infiltrado inflamatório piogranulomatoso, sem microrganismos, e
cultura bacteriana negativa. Recomendase tratamento precoce para evitar a formação de cicatriz. Prednisona ou prednisolona (2 mg/kg VO, fracionada 2 vezes/dia); a dose deve ser lentamente reduzida após 4 a 6 semanas ou até que a
doença esteja inativa. Antibióticos podem ser necessários para tratar a infecção bacteriana secundária.
Placas Auriculares em Equinos
Essas placas, também conhecidas como acantoma ou papilomas de orelhas, são causadas por um papiloma vírus. Moscas negras (Simulium spp) representam o vetor mecânico preferencial. Essas moscas são ativas ao amanhecer e ao
anoitecer, quando atacam cabeça, orelhas e abdome ventral de equinos. Clinicamente, as lesões são caracterizadas por pápulas e placas coalescentes, despigmentadas, hiperceratóticas, localizadas na face côncava do pavilhão auricular.
Frequentemente, ambos os pavilhões são acometidos. Lesões semelhantes podem estar presentes raramente ao redor do ânus e genitália externa. Em geral, as lesões são assintomáticas, mas, em alguns casos, o efeito direto da picada da
mosca causa dermatite e desconforto. Histologicamente, as lesões são caracterizadas por hiperplasia epidérmica papilomatosa branda e hiperqueratose acentuada. Grânulos ceratoialínicos grandes, poiquilocitose e hipomelanose também
podem ser notados na epiderme. Partículas virais intranucleares foram observadas em estudos por microscopia eletrônica. Atualmente não há tratamento eficaz documentado. Relatos anedóticos sugerem que creme de imiquimod é efetivo
no tratamento de placas aurais. Entretanto, a inflamação grave induzida pelo fármaco torna o uso deste tratamento difícil, sendo necessária sedação da maioria dos equinos. O protocolo recomendado consiste na aplicação de imiquimod 2 a
3 vezes/semana, com intervalos semanais. Aplicações frequentes de repelentes contra moscas e estabulação dos equinos durante os horários de alimentação das moscas são medidas importantes para reduzir o desconforto e prevenir a
ocorrência de recidiva. Tipicamente, as lesões não regridem espontaneamente.
Seborreia de Borda de Orelha
Esta afecção é comum em animais da raça Dachshund, apesar de outras raças com orelhas pendulosas serem afetadas. As lesões geralmente se instalam no ápice do pavilhão auricular de ambos os lados, mas podem progredir e envolver
toda a borda auricular. A causa é desconhecida. As lesões surgem como escamas cerosas acinzentadas a amareladas que se aderem às hastes dos pelos. Aglomerados de pelos podem ser facilmente depilados, deixando no local uma
superfície clara na pele. Em casos graves, as bordas auriculares apresentam edema e fissuras. Os achados histológicos incluem hiperqueratose grave e queratose folicular, com folículos dilatados, preenchidos por restos de queratina. Os
diagnósticos diferenciais incluem sarna sarcóptica, alopécia do pavilhão auricular, necrose trombovascular proliferativa, dermatofitose e ulcerações pelo frio. A dermatofitose, em particular, pode causar dermatite descamativa auricular em
cães, gatos e equinos, mas a borda auricular tipicamente não é envolvida; outras áreas do corpo geralmente também são infectadas. O tratamento inclui uso de xampu antisseborreico (p. ex., à base de enxofre, ácido salicílico, peróxido de
benzoíla), produtos ceratolíticos, sulfossuccinato sódico de dioctila e medicamentos sistêmicos que podem auxiliar na normalização do mecanismo de queratinização (vitamina A e retinoides sintéticos, ácidos graxos essenciais).
Glicocorticoides, de uso tópico ou oral, e pentoxifilina (10 a 15 mg/kg, 2 a 3 vezes/dia) podem ser benéficos quando há inflamação e fissuras graves.
Síndrome da Necrose Auricular em Suínos (Necrose de orelha, Dermatite auricular necrosante)
Suínos com síndrome da orelha necrosada apresentam necrose de pavilhão auricular, uni ou bilateral, apresentam definhamento e comumente desenvolvem artrite séptica ou morrem de sepse bacteriana secundária. A enfermidade ocorre
esporadicamente em suínos em crescimento e desmamados, submetidos a qualquer sistema de manejo, particularmente quando desafiados por doenças endêmicas que podem influenciar o consumo de alimento.
ETIOLOGIA, TRATAMENTO E PATOGÊNESE: As causas ainda não foram determinadas, conclusivamente. Evidência circunstancial sugere que a doença se deve a trauma (briga) e subsequente invasão bacteriana do tecido lesionado. Outro
fator potencial que pode contribuir para a ocorrência da doença é um teor inadequado de lisina na dieta, embora não haja dados científicos que comprovem tal afirmação.
Os achados histológicos e microbiológicos sugerem que a lesão é erosiva a ulcerativa agressiva e se deve à infecção bacteriana secundária. Nas fases iniciais da doença, notase grande número de Staphylococcus hyicus e quantidade baixa
a moderada de estreptococos betahemolíticos no exsudato superficial. Mais tarde, no estágio ulcerativo e necrosante, grande número de estreptococos é encontrado profundamente na lesão. Aventase a possibilidade de que S. hyicus forma
colônias e lesiona o tecido, facilitando a penetração de estreptococos altamente invasivos que ocasionam danos que originam ulceração e necrose. Esforços para reproduzir a doença por inoculação experimental desses dois microrganismos
fracassaram.
ACHADOS CLÍNICOS, LESÕES E DIAGNÓSTICO: A natureza e a extensão dos sintomas dependem da gravidade da lesão local e do desenvolvimento de sepse bacteriana secundária. Assim, podese notar uma variedade de sintomas, incluindo
definhamento, anorexia, febre, artrite séptica, colapso e morte.
Lesões discretas consistem de escoriações superficiais recobertas por crostas finas secas amarronzadas. Edema ou eritema brando pode ser verificado próximo às escoriações. Em casos mais graves, crostas marrons, espessas e úmidas
cobrem úlceras profundas. Na maioria dos casos graves ocorre necrose extensa. As lesões progridem de dermatite superficial discreta à inflamação grave, com exsudação, ulceração, trombose e necrose. Nos casos brandos, ocorre cura sem
perda de tecido auricular; em casos graves, as bordas, as extremidades ou mesmo todo o pavilhão auricular podem ser perdidos.
O diagnóstico se baseia na aparência das orelhas acometidas.
MANEJO E CONTROLE: Aplicação tópica de tintura de iodo, 2 vezes/dia, durante 1 semana, tem reduzido a prevalência e a gravidade da doença. Antibacterianos administrados junto com o alimento são efetivos em alguns rebanhos, mas não
em outros. A ineficácia pode ser decorrência de resistência à droga. Em casos de ineficácia de antibacterianos devem ser coletadas, de modo asséptico, amostras da parte profunda das lesões ulcerativas para cultivo e antibiograma. Eventos
traumáticos devem ser minimizados. As práticas de manejo (ventilação, posicionamento e funcionamento dos bebedouros, tipo das baias, tamanho dos grupos, mistura de animais) e o teor apropriado de lisina na dieta devem ser
monitorados e corrigidos, caso se detectem deficiências (ver p. 1906).
OTITE EXTERNA
Otite externa é a inflação aguda ou crônica do epitélio do canal auditivo externo. Pode se desenvolver em qualquer local, entre a membrana timpânica e o pavilhão auricular. Caracterizase variavelmente por eritema, edema, exsudato ou
secreção sebácea aumentada e descamação do epitélio. O canal auditivo pode estar dolorido ou pruriginoso, dependendo da causa ou da duração da enfermidade. É a doença do canal auditivo mais comum em cães e gatos, sendo observada
ocasionalmente em coelhos (nos quais, em geral, se deve ao ácaro Psoroptes cuniculi); é incomum em grandes animais. Fatores internos e externos podem induzir diretamente inflamação e prurido no conduto auditivo. A identificação
desses fatores é a chave para o tratamento efetivo.
ETIOLOGIA: As causas de otite externa foram agrupadas em 4 condições. Fatores primários são condições que causam diretamente a otite. Fatores secundários, como infecções por leveduras e bactérias, exacerbam e complicam as
condições primárias e as perpetuam. Fatores predisponentes são condições que favorecem a ocorrência de otite em um indivíduo. Fatores perpetuantes tendem a impedir a cura da otite, depois que ela se instala. Frequentemente, os 4 fatores
estão envolvidos, mas cada categoria deve ser identificada e tratada separadamente. Dessa forma, podese estabelecer um prognóstico mais apurado, um plano terapêutico específico e seguro e, assim, propiciar melhor resultado do
tratamento.
Fatores primários incluem parasitos (Otodectes, Psoroptes, Sarcoptes, Demodex spp), corpos estranhos (sementes de grama, cerume endurecido, medicamentos), neoplasias (adenoma de glândula ceruminosa, pólipos inflamatórios),
hipersensibilidade (dermatite atópica, sensibilidade alimentar, dermatite de contato), distúrbios de queratinização, hipotireoidismo, doenças autoimunes, celulite juvenil e por irritantes (produtos de limpeza, pelos arrancados etc.).
Fatores predisponentes frequentemente são congênitos ou ambientais e incluem conformação (porte da orelha, canal auditivo estreito, excesso de pelos ou de glândulas ceruminosas), maceração do conduto auditivo por tratamento
excessivo ou orelha de nadador e doença sistêmica. Pequenas alterações no microclima auricular podem alterar o delicado equilíbrio entra as secreções normais e a microflora, resultando em infecções oportunistas. Qualquer doença que
influencia as respostas normais aos patógenos pode predispor o canal auditivo a infecções oportunistas.
Fatores perpetuantes incluem otite média e alterações patológicas progressivas. Uma vez alterado o ambiente do conduto auditivo por uma combinação de fatores primários e predisponentes, instalamse infecções oportunistas
(um fator secundário) e alterações mórbidas, as quais impedem a cura da doença. Enfermidades auriculares crônicas também podem ocasionar doença cutânea ou sistêmica generalizada. A menos que todas as causas sejam identificadas e
tratadas, podese esperar recidiva.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: O quadro clínico e informações detalhadas sobre a história dermatológica fornecem dados sugestivos da doença primária (p. ex., anomalias genéticas, hipersensibilidade e alteração de queratinização).
O histórico indica se a otite é aguda, crônica ou recidivante. Condições agudas tendem a ser parasitárias ou causadas por corpo estranho. Condições crônicas sugerem doença neoplásica, alérgica ou hormonal ou defeito de queratinização.
Um exame físico e dermatológico detalhado fornece dados diagnósticos relacionados com a hipersensibilidade, distúrbios endócrinos, imunomediados e de queratinização que também afetam o ouvido. O tipo e a resposta à terapia auricular
prévia também são importantes. O tratamento inadequado pode induzir à otite crônica.
A parte externa da orelha deve ser examinada, pesquisandose a presença de eritema, edema, crostas, escamas, úlceras, liquenificação, hiperpigmentação ou exsudato. Adicionalmente ao exame otoscópico, devem ser realizados raspados
de pele, exame citológico do exsudato, exame com lâmpada de Wood e cultura para dermatófitos, em todos os casos.
As orelhas e as regiões periauriculares devem ser inspecionadas quanto à evidência de autotraumatismo, eritema e lesões cutâneas primárias e secundárias. Deformidades auriculares, tecido hiperplásico no canal auditivo e sacudidelas de
cabeça sugerem desconforto auricular crônico.
Em animais com sintomas unilaterais, primeiramente devese examinar o ouvido não afetado de modo a impedir a contaminação iatrogênica por microrganismos (p. ex., Pseudomonas aeruginosa ou Proteus mirabilis), que podem estar
presentes no ouvido doente. Na verdade, a orelha que não exibe sintomas pode estar infectada, requerendo um ajuste na lista de diagnóstico diferencial para incluir as causas de otite bilateral.
A doença auricular é tanto dolorida quanto pruriginosa; sendo assim, pode ser necessária sedação profunda ou anestesia geral para um exame otoscópico detalhado. Isto é especialmente verdadeiro se o canal auditivo está obstruído por
exsudato ou tecido inflamatório proliferativo ou se o animal não colabora. O exame otoscópico permite a detecção de corpos estranhos profundos na orelha, restos celulares impactados, infecções de baixa gravidade por Otodectes cynotis e
membranas timpânicas anormais ou rompidas.
O exame otoscópico pode ser realizado utilizandose otoscópio manual ou um otoscópio com vídeo. O otoscópio manual deve propiciar luz e aumento suficientes para visualização clara do canal externo até a membrana timpânica. Os
cones de otoscopia projetados para uso em cães e gatos estão disponíveis em diversos tamanhos, para se ajustar nas diferenças anatômicas. Dois tipos de cabeças estão disponíveis. Uma cabeça para diagnóstico, que tem uma lente de grande
aumento, através da qual se vê o canal, é utilizada para exame do ouvido. Uma cabeça cirúrgica, com uma lente de aumento muito menor, mas com espaço entre a lente e a conexão com o cone para introdução de um suabe ou outro
instrumento. A cabeça cirúrgica é usada quando se prevê a necessidade de biópsia, de remoção de corpo estranho ou de irrigação profunda do canal.
O otoscópio com vídeo permite um aumento formidável do canal auditivo e da membrana timpânica. Os achados podem ser registrados em gravador de vídeo ou digital. A maioria apresenta um canal de trabalho através do qual podem
ser passados instrumentos de biópsia, cateter para irrigação e remoção de restos celulares do conduto e até ponteiras de laser. Os otoscópios de vídeo permitem visualização através de água ou solução salina e inspeção da integridade da
membrana timpânica e facilitam a coleta de amostras para cultura de material da orelha média.
Durante o exame otoscópico, o canal auditivo deve ser inspecionado quanto a alterações de diâmetro, lesões da pele, quantidade e tipo de exsudato, parasitos, corpos estranhos, neoplasias e alterações na membrana timpânica. Devese
examinar a membrana timpânica quanto à evidência de doença ou ruptura. Entretanto, em muitos casos de otite, a membrana timpânica não pode absolutamente ser visualizada até que o exsudato seja delicadamente irrigado e drenado para
fora do canal. Amostras para exame citológico e cultura devem ser obtidas antes da irrigação da orelha. Tentase examinar novamente após o ouvido estar seco. Em casos crônicos, o canal frequentemente encontrase muito estenosado,
tanto por hiperplasia como por edema, para ser examinado. Glicocorticoides sistêmicos, fornecidos diariamente por 1 semana, podem reduzir suficientemente a tumefação para permitir o exame.
O exame citológico do exsudato ou do cerume retirado do conduto auditivo horizontal pode fornecer informação diagnóstica imediata. Os canais auditivos externos da maioria dos cães e gatos abrigam pequeno número de cocos gram
positivos comensais. Esses microrganismos podem se tornar patogênicos se o microambiente for alterado de forma a favorecer seu crescimento excessivo. O exsudato obtido em um aplicador com extremidade de algodão pode ser
depositado por rolamento sobre uma lâmina de vidro, fixado pelo calor, corado com um corante rápido em 3 etapas ou com corante de Wright modificado e examinado ao microscópio. Inicialmente os esfregaços devem ser examinados em
pequeno aumento e, em seguida, sob grande aumento (preferencialmente usando óleo de imersão) quanto ao número e a morfologia de ceratinócitos, bactérias, leveduras e leucócitos; evidência de fagocitose de microrganismos; hifas
fúngicas e células acantolíticas ou neoplásicas.
Um esfregaço corado pode indicar rapidamente se há crescimento microbiano exagerado. Bactérias em forma de cocos geralmente são estafilococos e estreptococos. Microrganismos na forma de bastonetes geralmente são Pseudomonas
aeruginosa, Escherichia coli ou Proteus mirabilis; sua ocorrência em grande número indica que deve ser realizada cultura bacteriana e antibiograma, devido sua conhecida resistência a vários antimicrobianos. A presença de muitos
neutrófilos fagocitando bactérias confirma a natureza patogênica desses organismos.
Pequena quantidade da levedura Malassezia pachydermatis é encontrada nos canais auditivos de muitos cães e gatos normais. Como as leveduras colonizam a superfície do canal auditivo, elas são mais facilmente encontradas aderidas a
agregados de células epiteliais escamosas esfoliadas. M. pachydermatis é identificada prontamente ao exame microscópico e sua quantidade é facilmente determinada. Não deve haver mais do que 2 a 3 microrganismos por campo, em
grande aumento, ou qualquer agregado de células em um ouvido sadio. Quando leveduras não identificadas ou são observadas hifas em número significativo em esfregaços citológicos, a espécie deve ser identificada por meio de cultura.
São comuns infecções bacterianas concomitantes, especialmente aquelas causadas por cocos grampositivos.
Um exsudato escuro no canal geralmente sinaliza a presença de Malassezia spp ou de um parasito, mas pode também ser visto com uma infecção bacteriana ou infecção mista. Adicionalmente à citologia em esfregaço colorido, o
exsudato auricular deve ser examinado quanto à presença de ovos, larvas ou do ácaro adulto de ouvido Otodectes cynotis, em cães e gatos, e de Psoroptes cuniculi, em coelhos e caprinos. Os esfregaços são feitos combinando cerume e
secreção auricular à pequena quantidade de óleo mineral, sobre uma lâmina de vidro. Uma lamínula deve ser utilizada e o esfregaço deve ser examinado em pequeno aumento. Raramente, uma otite externa ceruminosa refratária pode estar
associada à proliferação local de Demodex sp nos canais auditivos externos de cães e gatos, podendo ser a única área do corpo afetada.
Amostras para cultura microbiana são colhidas antes de se completar a otoscopia e antes de qualquer limpeza local. As amostras para cultura devem ser colhidas com suabe estéril a partir do canal horizontal (região onde a maioria das
infecções se origina) ou da orelha média em casos de ruptura timpânica. Devem ser realizados cultura bacteriana, antibiograma e estabelecimento da concentração inibitória média (CIM) do antibiótico.
Alterações histopatológicas associadas à otite externa crônica são, frequentemente, inespecíficas. Evidência histopatológica de resposta de hipersensibilidade pode justificar a recomendação de teste alérgico intradérmico ou de um teste
dietético hipoalergênico. Adicionalmente, biópsias de animais com otite externa crônica, obstrutiva e unilateral podem revelar se há alterações neoplásicas.
Radiografia da bulha óssea é indicada quando tecidos proliferativos impedem a visualização adequada da membrana timpânica, quando há suspeita de que a otite média seja causa de recidiva de otite externa bacteriana e quando a otite
externa é acompanhada de sintomas nervosos. Densidades fluidas e proliferativas ou alterações ósseas líticas são evidências de envolvimento da orelha média. Infelizmente, radiografias são normais em muitos casos de otite média.
Tomografia computadorizada ou ressonância magnética, se disponíveis, devem ser realizadas em caso de otite crônica grave.
TRATAMENTO: As causas primárias e os fatores predisponentes e perpetuantes devem ser identificados e corrigidos. Devese fazer tricotomia da área periauricular e os pelos do canal auditivo devem ser removidos para melhorar a ventilação,
facilitar a limpeza e secar os canais, bem como para melhorar a adesão do proprietário às recomendações terapêuticas.
Medicamentos tópicos são inativados por exsudatos e o cerume excessivo pode impedir que eles alcancem o epitélio. As orelhas devem ser delicadamente limpas e secas, antes do início do tratamento. Em animais com dor auricular, a
limpeza apropriada requer anestesia geral. Há diversos produtos disponíveis para uso para otite limitada ao canal externo. As orelhas podem ser irrigadas com solução antibacteriana de limpeza (clorexidina ou iodopovidona) ou com
solução salina, se o material apresenta consistência fluida. Material espesso, seco, ceroso requer o uso de solução ceruminolítica, como peróxido de carbamida ou sulfossuccinato sódico de dioctila (DSS). O uso deste último deve ser sempre
seguido de irrigação abundante com solução salina morna, após a remoção de todos os restos celulares, para a remoção do agente de limpeza. Se a membrana timpânica estiver rompida, detergentes e DSS são contraindicados. Produtos para
limpeza mais brandos (p. ex., solução salina, salina com iodopovidona, TrisEDTA) devem ser usados para lavar a orelha.
O tratamento medicamentoso deve ser simples e específico. As causas contribuintes devem ser tratadas especificamente e de modo intensivo. No tratamento da otite externa bacteriana aguda, antibacterianos em combinação com
corticosteroides podem ser utilizados para reduzir exsudação, dor e tumefação, bem como para diminuir as secreções glandulares. Devese utilizar o corticosteroide menos potente capaz de reduzir a inflamação (ver p. 2316). Animais com
otite externa bacteriana recidivante e histórico de infecção por Otodectes cynotis devem ser tratados com um produto tópico que contenha drogas antibacterianas e antiparasitárias, a fim de assegurar a eliminação de infecções parasitárias de
baixo grau não detectadas. Os parasitos também podem infectar locais extraauriculares. Um parasiticida geral tópico ou sistêmico é o medicamente mais efetivo em casos recidivantes confirmados ou suspeitos.
A terapia tópica deve se basear na característica da doença. O medicamento ideal e aplicado apropriadamente recobre o epitélio do canal auditivo externo, como um filme delgado. Soluções ou loções não oclusivas devem ser utilizadas
para otite externa exsudativa aguda ou crônica e em lesões proliferativas. Pomadas oclusivas à base de óleo devem ser reservadas às lesões descamativas e secas no interior dos canais auditivos. Alterações cutâneas dos canais auditivos
durante o tratamento podem indicar reação de irritação por contato a um veículo ou base e o medicamento deve ser substituído.
Medicações irritantes devem ser evitadas. Elas causam edemaciação do revestimento do canal auditivo e aumento das secreções glandulares, que predispõem a infecções oportunistas. Substâncias que geralmente não são irritantes aos
canais auditivos normais podem causar irritação naqueles já inflamados. Isto é particularmente verdadeiro para o propilenoglicol. Produtos na forma de pó, como aqueles utilizados após a extração dos pelos do canal, podem formar
concreções irritantes no interior do conduto auditivo e não devem ser utilizados.
A terapia sistêmica deve ser incluída ao regime terapêutico na maioria dos casos de otite crônica e em qualquer caso suspeito de otite média. Em casos de atopia grave ou de seborreia idiopática, podem ser necessários corticosteroides
sistêmicos para controlar a inflamação. Falha em se utilizar terapia antimicrobiana sistêmica é um fator de perpetuação importante de otite crônica em cães. Antibióticos sistêmicos devem ser utilizados quando se constatam neutrófilos ou
bactérias bastonetes no exame citológico, em casos de falha terapêutica de drogas antimicrobianas de uso tópico, de infecções auriculares recidivantes crônicas e em todos os casos de otite média (ver p. 2192).
A duração do tratamento varia de acordo com o caso, mas a terapia deve ser mantida até que a infecção tenha cedido (frequentemente = 12 semanas). Animais com infecções bacterianas e por leveduras devem ser submetidos ao exame
físico e exame citológico semanalmente ou em semanas alternadas, até que não haja mais evidência de infecção. Na maioria dos casos agudos isso demora 2 a 4 semanas. A cura dos casos crônicos podem demorar meses; em alguns casos, o
protocolo terapêutico deve ser mantido indefinidamente. Animais com Otodectes cynotis ou Psoroptes cuniculi devem receber tratamento parasiticida apropriado nos ouvidos e sobre todo o corpo por, no mínimo, 2 a 4 semanas. As
infestações por Otobius megnini são mais bem tratadas por meio da remoção manual dos carrapatos, seguida da aplicação de uma preparação auricular acaricida/corticosteroide.
Pseudomonas (otite causada por Pseudomonas aeruginosa) e Staphylococcus intermedius resistente à meticilina têm se destacado como causas perpetuantes e frustrantes de otite, devido ao desenvolvimento de resistência aos antibióticos
mais comuns. Essas infecções frequentemente têm curso crônico (> 2 meses) e estão associadas a intensa exsudação supurativa, ulceração epitelial grave, dor e edema do canal auditivo. O tratamento efetivo é multifacetado e deve incluir os
seguintes passos: (1) identificar e tratar a causa primária da otite; (2) remover os exsudatos e secar o canal; (3) identificar e tratar a otite média concomitante; (4) selecionar o antibiótico apropriado a partir dos resultados de cultura e da
concentração inibitória mínima do microrganismo e utilizar dose efetiva por um período apropriado; e (5) instituir tanto aplicação tópica quanto sistêmica, até que haja cura da infecção (semanas a meses).
O melhor tratamento para otite crônica é a prevenção. Adicionalmente à identificação da causa da otite aguda, a escolha de medicamentos tópicos e/ou sistêmicos deve se basear no exame citológico ou na cultura; devem ter espectro
estreito e ser específicos para a infecção em questão. Os antibióticos aminoglicosídios e as fluorquinolonas não devem ser utilizados, a não ser que absolutamente necessários para um tratamento bemsucedido, mas são os produtos mais
comuns em preparações auriculares de uso tópico. Como vários produtos tópicos contêm uma combinação de glicocorticoide, antibiótico e antifúngico, é imperativo orientar o proprietário sobre o uso apropriado (frequência e duração).
Muitos proprietários interrompem o tratamento quando “o ouvido parece melhor”, antes da cura da infecção. Os antibióticos fluorquinolona e polimixina B têm mostrado melhor taxa de sucesso no controle de infecções por Pseudomonas,
em casos nos quais se verificou resistência no antibiograma. Entretanto, está surgindo resistência às fluorquinolonas.
CUIDADOS DE MANUTENÇÃO: Os proprietários devem ser orientados sobre como limpar apropriadamente as orelhas. Em geral, a frequência de limpeza diminui com o tempo, desde diariamente até 1 ou 2 vezes/semana, como procedimento
de manutenção preventiva. Os canais auditivos devem ser mantidos secos e bem ventilados. O uso de adstringentes tópicos em cães que nadam frequentemente e a prevenção da entrada de água nos canais auditivos durante o banho devem
minimizar a maceração do canal auditivo. A maceração crônica prejudica a função de barreira da pele, o que predispõe à infecção oportunista. Adstringentes auriculares preventivos podem reduzir a frequência de infecções bacterianas ou
micóticas em canais auditivos úmidos. O corte dos pelos do interior da orelha e ao redor do meato auditivo externo e sua depilação em condutos auriculares com pelos abundantes facilitam a ventilação e reduz a umidade nas orelhas.
Entretanto, os pelos não devem ser rotineiramente removidos do canal auditivo se não estiverem causando problema, pois isso pode induzir uma reação inflamatória aguda.
OTITES MÉDIA E INTERNA
A otite média, inflamação das estruturas da orelha média, acomete pequenos e grandes animais domésticos, inclusive cães, gatos, coelhos, ruminantes, equinos, suínos e camelídeos. Pode ser unilateral ou bilateral e afetar animais de todas
as idades. Apesar de serem tipicamente esporádicos, os surtos são possíveis em animais criados em rebanhos. A otite média geralmente resulta da extensão da infecção do canal auditivo externo através da membrana timpânica ou por
migração de microrganismos da faringe através da tuba auditiva. Ocasionalmente, a infecção se estende da orelha interna para a orelha média por via hematógena. A otite média primária foi relatada em algumas raças de cães,
particularmente Cavalier King Charles Spaniel. A otite média não tratada pode progredir para otite interna (inflamação das estruturas auriculares internas) ou ruptura de membrana timpânica intacta, com otorreia ou otite externa
subsequente.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Os sintomas de otite média incluem sacudidelas de cabeça, esfregação ou coceira da orelha acometida e inclinação ou rotação da cabeça em direção ao lado afetado; o autotraumatismo pode ocasionar
hematoma auricular. Quando a otite externa (ver p. 482) acompanha otite média, o canal auditivo externo pode parecer inflamado e conter secreção anormal. O pavilhão auricular ou o canal auditivo pode estar dolorido e os pelos ao redor
da base da orelha podem estar úmidos ou emaranhados. Como os nervos faciais (nervo craniano VII) e simpáticos atravessam o orelha média, animais com otite média frequentemente exibem sintomas de paralisia do nervo facial (p. ex.,
ptose de orelha e de lábio, colapso da narina) e/ou síndrome de Horner (p. ex., miose, ptose, enoftalmia e protrusão da membrana nictitante) no mesmo lado da orelha acometida. Podem se desenvolver queratite de exposição e úlcera de
córnea. Com a paralisia facial, o filtro nasal ou o lábio pode ser desviado no sentido oposto ao lado afetado. Esses sintomas auxiliam na distinção entre otite média e otite externa simples.
Na otite interna, a inflamação prejudica a função do nervo vestibulococlear (nervo craniano VIII), resultando em perda auditiva e sintomas de doença vestibular periférica, como desvio e rotação de cabeça, andar em círculos, inclinação
ou queda em direção ao lado afetado, incoordenação geral ou nistagmo horizontal espontâneo com a fase rápida no sentido oposto ao lado acometido. A extensão da infecção do orelha interna ao cérebro ocasiona meningite,
meninoencefalite ou abscesso e os sintomas referentes a tais condições. Em equinos, a otite média/interna grave pode resultar em fusão e fratura da articulação tímpanohioide. A extensão da linha de fratura para o calvário pode ocasionar
disseminação intracraniana da infecção ou causar hematoma e morte.
Enquanto os animais com otite média e/ou interna geralmente são alertas, sem febre e com bom apetite, aqueles com meningite ou meningoencefalite geralmente apresentam depressão, febre e inapetência. O principal diagnóstico
diferencial para otite média/interna em ruminantes é listeriose. Entretanto, a listeriose pode infectar nervos cranianos, além dos nervos VII e VIII, causando sintomas como disfagia ou perda da sensação facial e os animais infectados
geralmente manifestam depressão.
Otite média e interna são diagnosticadas presuntivamente com base no histórico e nos sintomas. No caso de histórico de aleitamento artificial ou alimentação com leite contaminado a neonatos, doença respiratória prévia ou concomitante,
infecção crônica de ouvido ou corpo estranho auricular, juntamente com sintomas típicos de otite média/interna, devese realizar prontamente o exame do canal auditivo. A otite média é confirmada pela visualização de abaulamento,
descoramento ou membrana timpânica rompida. Embora em muitos casos a membrana timpânica possa ser visualizada utilizandose um otoscópio simples, a anatomia do canal auditivo impede a visualização em algumas espécies, como em
equinos e lhamas. Endoscopia ou otoscopia com vídeo é uma abordagem alternativa. Os métodos de imagem auxiliam no diagnóstico e na avaliação da gravidade da lesão. A radiografia pode detectar alterações ósseas da bula timpânica e
fluido na cavidade timpânica, desde que sejam utilizados posicionamento e técnica, corretamente. Entretanto, TC e RM são mais sensíveis e são os métodos preferidos, quando possível. Em alguns casos, o diagnóstico é definido apenas
durante a necropsia, usando técnicas especiais para expor a região timpânica. O diagnóstico de otite média/interna clínica em uma orelha deve sempre induzir ao exame da outra orelha para determinar se há otite subclínica.
TRATAMENTO E PROGNÓSTICO: O tratamento de otite média/interna é mais efetivo quando iniciado precocemente. Casos crônicos são frequentemente refratários ao tratamento ou ocasionam recidivas após aparente cura. Quando a otite
externa acompanha otite média/interna, o ouvido deve ser examinado detalhadamente quanto à presença de ácaros e corpos estranhos, como arestas de plantas, e devese coletar secreção para cultura bacteriana. Muitas bactérias aeróbicas e
anaeróbicas isoladas de orelhas de animais com otite média/interna e de infecções mistas são comuns. Patógenos que devem ser considerados devido sua frequência de isolamento incluem Malassezia spp e Pseudomonas spp, em pequenos
animais; Streptococcus suis, em suínos; Streptococcus spp, em equinos; Mycoplasma spp, em caprinos, e Mannheimia haemolytica, Pasteurella multocida, Histophilus somni e Mycoplasma bovis, em bovinos. M. bovis é particularmente
problemático em bezerros leiteiros alimentados com leite de descarte não pasteurizado de vacas com mastite. Entretanto, outros patógenos, como bactérias coliformes, Staphylococcus spp, Neisseria spp, corinebactérias
e Arcanobacteriumpyogenes são isolados frequentemente de orelhas dos animais acometidos. O isolamento de bactéria(s) patogênica(s) ou de ácaros de orelha auxilia no direcionamento inicial, mas não necessariamente indica a causa da
otite média/interna, uma vez que estes mesmos microrganismos podem ser isolados dos canais auditivos externos de animais aparentemente sadios.
(A) Labirinto membranoso, orelha interna, cão. (B) Ouvido externo, cão. Ilustração de Gheorghe Constantinescu.
Estruturas profundas da bulha timpânica e da membrana timpânica em gato. Ilustração de Gheorghe Constantinescu.
Ácaros de orelha, quando presentes, devem ser tratados com antiparasitário sistêmico apropriado (ver p. 2196). Acaricidas de uso tópico podem ser instilados no interior do canal auditivo externo, desde que esteja limpo. A infecção
bacteriana deve ser tratada com antibióticos sistêmicos apropriados (ver p. 2192), com base nos resultados da cultura bacteriana e no antibiograma, se possível. Quando a cultura não é possível porque a membrana timpânica está intacta,
iniciase tratamento antimicrobiano de amplo espectro, com base nos patógenos causadores mais prováveis para a espécie animal em tratamento. Pode ser necessário tratamento de longa duração, particularmente em casos subagudos ou
crônicos. Nos EUA, não há qualquer antimicrobiano formulado para o tratamento da otite média/interna em animais de produção; assim, deve adotar o uso extrabula, mas os fármacos proibidos devem ser evitados.
Otite médiainterna em equino (radiografia). Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.
Além do tratamento antimicrobiano e/ou antihelmíntico, o canal auditivo externo deve ser limpo e irrigado quando há otorreia ou otite externa. Soluções fisiológicas salinas ou antissépticas diluídas, como iodo, clorexidina ou peróxido
de hidrogênio são comumente utilizadas para lavagem. Esteroides ou AINE podem auxiliar na redução da inflamação e da dor associadas à otite média/interna. Úlcera de córnea, otohematoma e infecções concomitantes devem ser tratadas
apropriadamente, se presentes, e o animal protegido de novos autotraumatismos.
Se a membrana timpânica estiver intacta e a otite média/interna não responder adequadamente ao tratamento antimicrobiano e antiinflamatório sistêmico podese realizar miringotomia (perfuração da membrana timpânica) para aliviar a
pressão e permitir a cultura e a drenagem do fluido da cavidade timpânica. Entretanto, a miringotomia pode resultar em perda auditiva permanente e sua eficácia não é bem documentada em animais. Em caso de otite média/interna crônica,
recidivante ou não responsiva pode ser necessária osteotomia da bulha, ressecção do canal auditivo lateral ou ablação total do canal auditivo para estabelecer drenagem suficiente e permitir lavagem efetiva. Tubos de timpanostomia podem
ser implantados no interior da membrana timpânica após miringotomia para permitir drenagem contínua em cães da raça Cavalier King Charles Spaniel com otite secretória primária, mas não são efetivos para drenagem de exsudato mais
purulento.
Diagnóstico e tratamento precoces de otite média/interna podem resultar em cura completa da infecção e dos sinais clínicos. Entretanto, em casos graves, crônicos ou não responsivos, os clientes devem ser orientados de que a perda
auditiva e as deficiências neurológicas podem persistir mesmo se a infecção seja debelada.
SURDEZ
Surdez – ausência da percepção do som – e capacidade auditiva diminuída são comuns em cães e gatos e, em menor extensão, em outras espécies. A surdez pode ser hereditária ou adquirida e sensorioneural ou condutiva.
A surdez hereditária, que geralmente ocorre em cães com genes merle ou piebald e em gatos de pelagem branca, acomete um ou ambos os ouvidos e frequentemente está associada a olhos azuis e pelagem branca. A surdez associada à
pigmentação também acomete equinos, bovinos, suínos e outras espécies. Esta é a causa mais comum de surdez em cães e gatos e deve ser o primeiro diagnóstico diferencial considerado em um animal com pigmentação branca. A doença
surge 1 a 3 semanas após o nascimento, devido à degeneração da estria vascular resultante da supressão de melanócitos pelo gene do pigmento, ocasionando degeneração cócleossacular neuronal. Animais com surdez unilateral podem não
ser detectados sem que se faça um teste de resposta evocada auditiva de tronco cerebral (REATC), mas representa maior risco de surdez aos descendentes, caso sejam acasalados. A herança não é autossômica simples.
Surdez congênita (geralmente hereditária) foi relatada em 90 raças de cães, sendo especialmente prevalente nas raças portadoras do gene piebald, como Dálmata, Bull Terrier, Australian Cattle Dog, English Setter, Setter Inglês, Cocker
Spaniel Inglês, Boston Terrier e Parson Russel Terrier e nas diferentes raças Collie e Pastor que carreiam o gene merle. Gatos brancos (gene branco dominante), especialmente aqueles com olhos azuis, apresentam alta prevalência de surdez,
mas gatos de olhos azuis de raças siamesas não parecem acometidos. Um teste para genotipagem de carreadores merle está disponível, mas atualmente não há teste de DNA disponível para identificar portadores de surdez genética em cães
ou gatos; assim, o teste REATC e adequada seleção de animais para reprodução são as únicas opções disponíveis para reduzir a prevalência nestas raças. Não há evidência de surdez genética de manifestação tardia em animais.
Surdez de condução resulta da obstrução ou redução da quantidade de som que atinge a cóclea, geralmente devido à otite média (ver p. 486), otite externa crônica (ver p. 482) ou excesso de cerume e, menos comumente, à ruptura
timpânica ou lesão ao ossículo. A resolução da obstrução ou da lesão tecidual geralmente propicia recuperação da audição. A recuperação após otite média pode requerer semanas, enquanto o corpo fagocita os resíduos da infecção. A otite
média secretora primária (“orelha de cola”), especialmente em cães Cavalier King Charles Spaniel, provoca surdez de condução persistente, que pode ser tratada por meio de miringotomia ou tubos de timpanostomia.
A surdez sensorioneural se deve à perda irreversível de células nervosas cocleares em mamíferos. A surdez sensorioneural adquirida pode ser resultado de infecções ou toxinas intrauterinas, otite interna ou meningite, trauma mecânico
ou ruído, ototoxicidade, anestesia, neoplasias ou senilidade (presbicose). A perda pode ser uni ou bilateral e parcial ou completa. A otite interna (ver p. 486) frequentemente é acompanhada de sintomas vestibulares, como rotação e desvio
da cabeça (head tilt) e andar em círculos. Os cães expostos a sons percussivos altos, como armas de fogo, podem apresentar perda cumulativa, inicialmente despercebidas. Isso é observado com frequência em cães de caça, nos quais a
distância em que um cão treinado responde ao comando diminui pela metade, ou menos.
Vários fármacos e outros produtos químicos são ototóxicos e vestibulotóxicos, especialmente os antibióticos aminoglicosídios (gentamicina, canamicina, neomicina, estreptomicina), silicilatos, diuréticos e antissépticos (clorexidina). A
toxicidade é permanente. A toxicidade dos aminoglicosídios é a mais comum e atua através de espécies reativas ao oxigênio. Estudos em pessoas mostraram que a administração simultânea de ácido acetilsalicílico ou Nacetilcisteína atenua
a toxicidade, mas não se sabe se o tratamento pósexposição é útil. Sons de altas frequências são afetados primeiro, retardando a detecção da toxicidade, que pode surgir semanas após a interrupção do tratamento. Cães ou gatos submetidos
à anestesia geral para limpeza de orelha ou dentes ocasionalmente “acordam” com surdez bilateral, mas os mecanismos são desconhecidos. Há poucos relatos de procedimentos em outras regiões do corpo, além de boca e orelha, e não há
relato de surdez unilateral decorrente de procedimentos anestésicos.
Muitos animais geriátricos desenvolvem presbicose. Sons de altas frequências são acometidos primeiro, seguidos de perda progressiva de todas as frequências. A perda pode parecer uma manifestação aguda, mas reflete a inabilidade do
animal, por fim, para compensar a perda progressiva que se desenvolveu há algum tempo. Não parece haver diferença na prevalência quanto ao sexo. A manifestação tipicamente ocorre no último terço da expectativa de vida da raça e
progride até surdez completa se o animal vive por tempo suficiente.
Animais com surdez unilateral exibem sintomas insignificantes, primariamente a incapacidade em localizar a origem de sons e de se orientar por meio do ouvido normal, mas muitos rapidamente compensam e não exibem nenhum
sintoma. Os movimentos de orientação das orelhas persistem em animais com surdez unilateral. Animais com surdez bilateral não respondem aos estímulos sonoros, mas se tornam peritos em ter maior atenção a outras sensações, como
visão e vibrações. Filhote de ninhadas também fica alheio ao comportamento dos demais animais da ninhada. Criadores de raças com alta prevalência frequentemente optam por realizar eutanásia de animais com surdez bilateral (e castrar
pacientes com surdez unilateral) devido à frequente baixa qualidade de vida e imposições de se possuir um cão surdo, como mordeduras por susto. Cães com surdez bilateral podem ser criados com sucesso, mas é necessária maior
dedicação do que o normal. Proprietários de cães surdos devem ser aconselhados a proteger seus animais de perigos não detectados, como veículos automotivos.
Cães que perdem a audição tardiamente na vida parecem lidar bem com isso, mas ocasionalmente exibem comportamento transitório sugestivo de sensações auditivas semelhantes a zumbido em pessoas. Não há evidência de que animais
surdos apresentem dor ou desconforto devido a tal condição.
A detecção de surdez é mais acurada com o teste REATC em centros de referência, mas tipicamente o teste comportamental é empregado na clínica geral. Observase a resposta a um estímulo sonoro fora do campo visual do animal.
Limitações incluem inabilidade em detectar surdez unilateral, detecção do estímulo através de outros sentidos, respostas bruscas em animais estressados e respostas falhas devido à falta de novidade em estímulos repetidos. A falha de um
animal adormecido em acordar por um estímulo auditivo que não ativa outros sentidos é indicador confiável de surdez bilateral.
Exame otoscópico da orelha externa e do tímpano, radiografia da bulha timpânica e exame neurológico podem revelar a causa, especialmente de surdez por condução, que geralmente responde a tratamento medicamentoso ou cirúrgico
apropriado. A intervenção precoce de ototoxicidade pode reduzir ou reverter a perda, mas geralmente não é bemsucedida. Uma vez desenvolvida, a surdez sensorioneural não pode ser revertida e sua causa não pode ser determinada. Surdez
congênita em raças com pigmentação branca é quase sempre de origem genética.
TUMORES DO CANAL AURICULAR
Os tumores do canal auricular podem se desenvolver a partir de qualquer estrutura que recobre ou dá suporte ao canal auricular, inclusive epitélio escamoso, glândulas sebáceas ou ceruminosas ou tecidos mesenquimais. Os tumores
malignos originados do canal auditivo externo e do pavilhão auricular são mais comuns em gatos do que em cães.
Embora a causa precisa das neoplasias do canal auditivo seja desconhecida, diversas teorias foram postuladas. A inflamação crônica do canal auditivo pode ocasionar hiperplasia, seguida de displasia e, finalmente, neoplasia. A
degradação bacteriana de ácidos graxos e outros produtos presentes em secreções apócrinas espessadas originadas em glândulas ceruminosas hiperplásicas durante episódios de otite externa também podem estimular a carcinogênese no
canal auditivo. Pólipos nasofaríngeos felinos, que não são um crescimento neoplásico, podem ser congênitos ou decorrentes de infecções bacterianas crônicas da bula, resultantes de infecções do trato respiratório superior. Não foram
isolados vírus nos tecidos de pólipos, em gatos.
Em cães da raça American Cocker Spaniel há maior prevalência de tumores benignos e malignos de canal auditivo, quando comparados a outras raças. A densidade de tecido glandular no canal auditivo desta raça pode ser a razão. Gatos
de meiaidade ou mais velhos são predispostos a neoplasias benignas e malignas do canal auditivo, enquanto gatos jovens (3 meses a 5 anos) são mais propensos a desenvolver pólipos nasofaríngeos. Os sintomas de tumor do canal auditivo
incluem secreção auricular unilateral crônica (ceruminosa, purulenta, mucoide ou hemorrágica) e odor necrótico, sacudidelas de cabeça e esfregação da orelha. Frequentemente, hematomas auriculares resultam da sacudidela da cabeça
associada ao tumor de canal auricular. Como consequência, podem surgir abscessos drenantes na região parotídea abaixo do ouvido acometido. Se houver envolvimento do orelha média ou interno, é possível notar sintomas nervosos,
inclusive surdez, sintomas vestibulares (p. ex., balanço da cabeça, ataxia, nistagmo), paralisia ou paresia de nervo facial (ptose facial, salivação e ptose labial), síndrome de Horner (ptose palpebral, miose e rotação do globo para dentro) e
protrusão ocasional da terceira pálpebra. Em qualquer caso de otite unilateral refratária ao tratamento devese suspeitar de neoplasia de canal auditivo ou de orelha média.
Os tumores de canal auditivo em cães são mais propensos a serem benignos do que malignos. Os gatos apresentam maior incidência de tumores auriculares malignos. As neoplasias auriculares mais comuns em cães são os tumores de
glândula sebácea, histiocitomas e mastocitomas. Em gatos, as neoplasias auriculares comuns incluem carcinomas de célula escamosa, tumores de célula basal, hemangiossarcomas e tumores melanocíticos. Os tumores de canal auditivo
externo mais comumente relatados em cães são adenomas e adenocarcinomas de glândula ceruminosa. Outras neoplasias de canal auditivo externo de cães relatadas incluem pólipos inflamatórios, papilomas, adenomas de glândula sebácea,
histiocitomas, plasmocitomas, melanomas, fibromas, carcinomas de célula escamosa e hemangiossarcomas. Os tumores de canal auditivo externo mais comumente relatados em gatos são pólipos nasofaríngeos, carcinomas de célula
escamosa e adenocarcinomas de glândula ceruminosa. Linfomas, fibrossarcomas e carcinomas de célula escamosa são ocasionalmente observados no orelha média ou interno de cães e gatos (ver p. 858)
Neoplasias de Glândula Ceruminosa
(Adenocarcinoma, Adenoma de glândula ceruminosa)
Tumores da glândula ceruminosa são melhor visualizados em uma orelha sem cobertura gordurosa e limpa, utilizandose um otoscópio com vídeo. Esses tumores podem ser pedunculados ou de base ampla, mas se originam acima da
superfície epitelial. Podem ter aparência lisa ou multilobulada. Em raças diferentes de Cocker Spaniel americano, frequentemente esses tumores são primários no canal auditivo vertical. No American Cocker Spaniel, esses tumores se
instalam principalmente no canal horizontal. As amostras de biópsia do canal auditivo, quando apropriadamente colhidas, podem fornecer informações úteis. Entretanto, biópsias superficiais do canal auditivo frequentemente são relatadas
como pólipos, com tecido de granulação recoberto por epitélio. Biópsias em bloco profunda do mesmo tecido geralmente indicam são relatadas corretamente como tumores. TC ou RM pode ser muito útil na avaliação mais completa da
bulha timpânica e na determinação da extensão da invasão tumoral, especialmente em neoplasias malignas.
A remoção cirúrgica de tumores benignos do canal auditivo pode ser realizada por meio da ressecção da face lateral do canal auditivo para acessar a massa tumoral. A cirurgia a laser, especialmente quando usada com auxílio de
otoscópio com vídeo, tornou a remoção intraauricular desses tumores relativamente fácil, sem necessidade de abertura cirúrgica do canal. A ablação total do canal auditivo e osteotomia da bulha é a única cirurgia recomendada para
remoção de tumores malignos de orelha média. Em neoplasias malignas, a ressecção do canal auditivo lateral está associada à taxa de recidiva > 75%. O tempo médio de sobrevida dos animais com tumores malignos de canal auditivo foi
relatado como sendo > 58 meses, em cães, e > 11,7 meses, em gatos. O prognóstico em cães com envolvimento tumoral extensivo é menos favorável. Radioterapia pode ser utilizada para tratar adenocarcinoma de glândula ceruminosa
extirpado em cães e gatos, sendo relatada sobrevida de 1 ano em 56% dos casos.
Pólipos Nasofaríngeos
Pólipos nasofaríngeos são crescimentos inflamatórios de tecido conjuntivo, incomuns, benignos, lisos, de coloração rósea, com aspecto carnudo, pedunculados, verificados no canal auditivo externo de gatos jovens. Se originam do
recobrimento mucoso da bulha timpânica, mucosa faríngea ou tubo auditivo. Esses pólipos podem ser congênitos ou podem resultar de otite média bacteriana crônica, comumente detectada em gatos com doença respiratória do trato
superior. São encontrados raramente em cães.
O diagnóstico envolve sedação e exame otoscópio profundo do canal auditivo horizontal. Pode ser necessária irrigação e aspiração da secreção purulenta da bulha do canal auditivo para a visualização do pólipo. O uso de um otoscópio
com vídeo facilita muito a visualização e o tratamento dos pólipos. Os pólipos originários da tuba de Eustáquio podem ser vistos ao se retrair o palato mole rostralmente. A radiografia das bulhas pode revelar opacidade da bulha acometida.
TC ou RM pode ser útil quando há suspeita de tumor na bula timpânica, que não pode ser observado por meio de otoscopia. O diagnóstico é definido pelo exame histopatológico.
A remoção cirúrgica é curativa, desde que todo o pólipo e sua base sejam extirpados. Isto, com frequência, envolve a realização de osteotomia da bulha, uma vez que a base do pólipo geralmente situase na bulha timpânica. A remoção
incompleta da base do pólipo por avulsão mediante tração, isoladamente, ocasiona um novo crescimento rápido e recidiva dos sinais clínicos em 15 a 50% dos gatos. A aplicação tópica de esteroides na bulha, por 30 a 45 dias, parece
retardar este novo crescimento. Tratamento antibiótico sistêmico para otite bacteriana média também é indicado.
SISTEMA ENDÓCRINO
INTRODUÇÃO
Estrutura Química Geral e Função
Mensuração de Hormônios
Patogênese de Doença Endócrina
Princípios Terapêuticos
Regulação do Sistema Endócrino
GLÂNDULA HIPÓFISE
Acromegalia Felina
Diabetes Insípido
Hiperadrenocorticismo
Hirsutismo Associado a Adenoma de Hipófise Intermediária
Panhipopituitarismo de Início Adulto
Panhipopituitarismo de Início Juvenil
Tumores Não Funcionais da Hipófise
GLÂNDULA TIREOIDE
Aumento Não Neoplásico da Glândula Tireoide
Hipertireoidismo
Hipotireoidismo
GLÂNDULAS ADRENAIS
Córtex Adrenal
Hiperadrenocorticismo
Hipoadrenocorticismo
Medula Adrenal
GLÂNDULAS PARATIREOIDES E ANORMALIDADES NO METABOLISMO DE CÁLCIO
Anormalidades Hipocalcêmicas em Equinos
Fisiologia do Cálcio e Hormônios Reguladores de Cálcio
Hipercalcemia em Cães e Gatos
Hipercalcemia Maligna
Hiperparatireoidismo Primário
Hipercalcemia Associada ao Hipoadrenocorticismo
Insuficiência Renal
Hipercalcemia Idiopática dos Gatos
Outras Causas de Hipercalcemia
Testes de Diagnóstico
Tratamento
Hipercalcemia em Equinos
Hipocalcemia em Cães e Gatos
Hipoparatireodismo
Outras Causas de Hipocalcemia
Tratamento
PÂNCREAS
Diabetes Melito
Tumores das Células de Ilhotas Funcionais
Tumores das Células de Ilhotas Secretores de Gastrina
TUMORES DE TECIDOS NEUROENDÓCRINOS
Medula Adrenal
Órgãos Quimioceptores
Tumores de Célula C da Tireoide
SISTEMA ENDÓCRINO – INTRODUÇÃO
O sistema endócrino engloba um grupo de tecidos que liberam hormônios na circulação, para alcançar alvos distantes. Um tecido endócrino é tipicamente uma glândula sem ducto (p. ex., hipófise, tireoide) que libera esses hormônios aos
tecidos permeados de capilares. Essas glândulas são ricamente supridas com sangue. Está, no entanto, cada vez mais claro que tecidos endócrinos atípicos também contribuem com importantes hormônios para a circulação, por exemplo,
secreção do peptídio natriurético atrial do coração, eritropoetina pelo rim, fator de crescimento semelhante à insulina pelo fígado e leptina pela gordura. Novos hormônios continuam a ser descobertos. Alguns atuam apenas em um único
tecido, enquanto outros têm efeitos em praticamente todas as células do corpo. Os efeitos dos hormônios em seus alvos são variados – desde melhora na absorção de nutrientes até influência na divisão e diferenciação celular, entre muitos
outros.
ESTRUTURA QUÍMICA GERAL E FUNÇÃO
Há três principais categorias químicas de hormônios: proteicos/polipeptídicos, esteroides e aqueles compostos de aminoácidos modificados.
HORMÔNIOS PROTEICOS/POLIPEPTÍDICOS: Exemplos de hormônios proteicos/polipetídicos incluem hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) da hipófise, insulina do pâncreas e paratormônio (PTH) da paratireoide. Esses hormônios variam
em tamanho, desde três aminoácidos (hormônio liberador de tireotrofina) a proteínas consideravelmente grandes com subunidades (p. ex., hormônio luteinizante). São produzidos nos tecidos endócrinos, originados por transcrição/tradução
do código genético para o hormônio e inicialmente sintetizados como grandes hormônios (pró ou préformas) que passam por processamento para o hormônio original na célula, antes da secreção. Incorporados no código genético para a
estrutura proteica, estão sequências de aminoácidos (peptídios de sinalização) que comunicam à célula que essas moléculas são destinadas para a via metabólica secretora regulada. Outras modificações póstradução podem ocorrer durante
o processo, inclusive dobramento, glicosilação, formação de pontes dissulfeto e formação de subunidades. O hormônio “dobrado” e processado é, então, armazenado nos grânulos secretórios ou em vesículas preparadas para liberálo
mediante um mecanismo de exocitose. A liberação do hormônio é desencadeada por sinais únicos; por exemplo, a secreção de PTH é estimulada por diminuição da concentração de cálcio livre ou iônico presente no fluido extracelular, ao
redor das principais células da paratireoide. Na maioria dos casos, as células produtoras de hormônios proteicos/polipeptídicos armazenam quantidades significativas dessas substâncias intracelularmente; portanto, podem responder
rapidamente quando grande quantidade é necessária na circulação. Geralmente, a meiavida dos hormônios proteicos/polipeptídicos no sangue é relativamente curta (minutos) e não são carreados por proteínas plasmáticas específicas (com
algumas exceções, por exemplo, fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 tem alta afinidade por proteínas do sangue).
Hormônios proteicos/polipeptídicos atuam em suas célulasalvo ligandose a receptores localizados na superfície celular. Esses receptores são proteínas e glicoproteínas incluídas nas membranas das células, que atravessam a membrana
pelo menos uma vez, de tal modo que o receptor é exposto a ambos os meios, extracelular e intracelular. Há várias classes ou tipos de receptores de hormônios na superfície das células que traduzem a mensagem hormonal para o interior de
célula por diferentes meios. Algumas são os tipos acoplados de proteína G (guanosina), com sete rotações transmembranas dominantes. Após a ligação com o hormônio, esses receptores ativam a proteína G que também está localizada na
membrana. Uma ou mais subunidades da proteína G interferem em outras moléculas (conhecidas como efetores), como enzimas (p. ex., adenilato ciclase ou fosfolipase C) ou canais iônicos. A ativação pode resultar na produção de um
segundo mensageiro, como o AMP ciclíco, que pode se ligar à proteinoquinase A, causando ativação e subsequente fosforilação de outras proteínas. Assim, a transdução de sinais é uma cascata e frequentemente aumenta uma série de
eventos ativados quando um hormônio se liga a um receptor. Os efeitos máximos nas célulasalvo são múltiplos e inclui estímulo da secreção, aumento da entrada da molécula ou ativação da mitose.
Os receptores de superfície celular são dinâmicos; mudam em número e/ou atividade de acordo com as condições fisiológicas. Em alguns casos, assim como a exposição a quantidades excessivas de hormônios, pode ocorrer uma baixa
regulação pelo próprio receptor. Essa baixa regulação e uma menor resposta do tecidoalvo podem ser decorrentes à internalização dos receptores, após ligação ou dessensibilização do receptor que é quimicamente modificado e se torna
menos ativo. Em contrapartida, uma falta de exposição aos hormônios pode ocasionar um aumento no número de receptores nas célulasalvo (autorregulação). As doenças têm sido relacionadas com mutações nos receptores de hormônios,
que podem resultar na inativação ou constituição ou ativação não hormonal da via. Em algumas condições, uma única substituição de aminoácido é responsável por isso.
HORMÔNIOS ESTEROIDES: Os hormônios esteroides são derivados do colesterol e incluem produtos do córtex da adrenal, ovários e testículos, bem como a molécula relacionada, vitamina D. Ao contrário de hormônios
proteicos/polipeptídicos, os hormônios esteroides não são armazenados em grande quantidade. Quando necessários são rapidamente sintetizados a partir do colesterol por uma série de reações enzimáticas. A maioria do colesterol necessário
para rápida síntese do hormônio esteroide é armazenada intracelularmente no tecido de origem. Em resposta aos sinais apropriados, o precursor é deslocado para organelas (mitocôndria e retículo endoplasmático liso), onde uma série de
enzimas (p. ex., isomerases, desidrogenases) rapidamente converte a molécula ao hormônio esteroide apropriado. A identificação do produto esteroide final é ditada pela expressão do conjunto de enzimas naquele tecido.
Os hormônios esteroides são hidrofóbicos e atravessam a membrana celular facilmente. No sangue, se ligam principalmente às proteínas transportadoras. A albumina se liga a vários esteroides suficientemente livres; além disso, há várias
globulinas de ligação específicas para vários hormônios esteroides. A maioria dos hormônios esteroides na circulação se liga às proteínas transportadoras e uma pequena fração circula livre ou sem ligação. Essa última fração encontrase
disponível para penetrar na célulaalvo, ou seja, é a porção biologicamente ativa. No fluido extracelular há um rápido equilíbrio entre esteroides ligados às proteínas e aqueles não ligados. Possíveis funções dos hormônios esteroides ligados
a proteínas incluem auxílio na disponibilização do esteroide no tecido, propiciando uma distribuição uniforme a todas as células do tecidoalvo, protegendo contra grandes flutuações nos hormônios livres, e aumentando a meiavida dos
esteroides no sangue. Comparandose aos hormônios proteicos/polipeptídicos, os esteroides normalmente tem meiavida maior, frequentemente na faixa de vários minutos a horas.
Os hormônios esteroides atuam nas célulasalvo via receptores localizados no interior das células. Esses receptores normalmente são encontrados no núcleo, embora alguns parecem residir, quando não ligados, no citoplasma. Há várias
classes de receptores de esteroides – aqueles para glicocorticoides, mineralocorticoides, progestágenos etc. Os receptores de esteroides compreendem uma família de proteínas conhecidas que também mostram homologia aos receptores dos
hormônios da tireoide e da vitamina D. O receptor tem regiões ou domínios que realizam tarefas específicas: uma para reconhecimento e ligação do esteroide, outra para ligação à região específica do DNA cromossômico e uma terceira
para auxiliar a regular o mecanismo de transcrição. Os hormônios esteroides entram nos alvos por meio de difusão através da membrana da célula e, então, se liga ao receptor, causando uma mudança na conformação do novo complexo.
Isso, por sua vez, induz a liberação de proteínas associadas (p. ex., proteínas da termoplegia) e transporte ao núcleo (se necessário), seguida da ligação do complexo à região do DNA próxima de genes específicos regulados por esteroides.
O resultado é uma alteração na taxa de transcrição de genes específicos também aumentando ou diminuindo suas expressões. Assim, os hormônios esteroides tem principalmente a finalidade de interferir nas taxas de produção de proteínas
nos alvos e de RNA mensageiro específico. A ação do esteroide é relativamente lenta no início (horas), mas pode ser duradoura em razão da duração da produção e da meiavida do RNA mensageiro e das proteínas induzidas nas células
alvo. Está muito claro que alguns esteroides também atuam por meio de mecanismo não genômico. Por exemplo, acredita–se que muitos dos efeitos antiinflamatórios dos glicocorticoides se devem aos complexos de receptores de
glicocorticoides que se ligam e inibem a ação de fatores de transcrição proinflamatórios dentro das células.
Os esteroides são eliminados do sangue mediante metabolização hepática. Formas reduzidas são produzidas e subsequentemente conjugadas a ácido glicorônico e sulfato. Esses metabólitos são livremente solúveis no sangue e são
excretos pelos rins e pelo do trato GI. Pequenas quantidades de hormônios esteroides livres são também excretadas diretamente pelos rins.
HORMÔNIOS DE AMINOÁCIDOS MODIFICADOS: Essa classe de hormônios envolve alteração química de aminoácidos, principalmente da tirosina. Incluem hormônios da tireoide e as catecolaminas epinefrina e norepinefrina. Tiroxina (T4) e
triiodotiroxina (T3) são armazenadas na tireoide como parte da tireoglobulina; a secreção desses hormônios envolve absorção e quebra pelas células da tireoide dessa grande molécula, liberando T4 e T3. Os hormônios tireoidianos atuam nos
alvos, como os esteroides; são relativamente insolúveis em água, carreados por proteínas transportadoras do sangue, e atuam nos alvos via receptores intracelulares. As catecolaminas são produzidas por hidroxilação, descarboxilação e
metilação da tirosina e são secretadas no sangue a partir da medula da adrenal. Possuem meiavida excessivamente curta (< 5 min), não se ligam a proteínas e atuam nos alvos via receptores de superfície das células (receptores alfa e beta
adrenérgicos).
MENSURAÇÃO DE HORMÔNIOS
Como os hormônios circulam em baixa quantidade no sangue, a mensuração precisa dessas substâncias requer testes sensíveis, normalmente na forma de imunoensaio competitivo. O método original (ainda amplamente utilizado) é
radioimunoensaio empregando anticorpo diretamente contra o hormônio e uma forma radioativa marcada do hormônio. O hormônio marcado compete com o hormônio não marcado por sítios de ligação do anticorpo. Curva padrão
contendo conhecidas quantidades de hormônios é utilizada com padrão de comparação, para calcular a concentração de hormônio na amostra do paciente. A marcação radioativa permite detecção de baixas concentrações de hormônio, os
quais tipicamente circulam em concentração de picomolar (1012) ou nanomolar (109). Nos anos recentes, marcadores não radioativos, teste “tipo sanduíche” e teste ELISA têm sido desenvolvidos para mensuração de hormônios.
A precisa mensuração em espécies veterinárias apresenta alguns desafios, pois as concentrações normais de determinado hormônio podem variar significantemente entre as espécies. Por exemplo, as concentrações normais de T4 total em
cães e gatos são cerca de 4 vezes menores do que em humanos. A preocupação com a reação cruzada é importante; os hormônios proteicos/polipeptídicos variam quanto à composição de aminoácidos e de outras vias estruturais (p. ex.,
padrões de glicosilação) entre as espécies. Como consequência, anticorpos preparados contra um hormônio em particular podem não reconhecer aquele material de outra espécie. Finalmente, enquanto hormônios esteroides são
estruturalmente idênticos entre as espécies (cortisol no cão é idêntico àquele de pessoas), as substâncias presentes no soro de determinada espécie pode às vezes interferir no teste, levando a um resultado não confiável. Em geral, é
importante que o laboratório realize a mensuração de um hormônio em uma espécie particular, comprovando que o teste é válido para aquela espécie e que o laboratório tem valores normais estabelecidos.
PATOGÊNESE DE DOENÇA ENDÓCRINA
As doenças endócrinas podem ser ocasionadas por diversas causas. Pode haver produção excessiva ou insuficiente de hormônios, os receptores podem não ser ativos e as vias normais de remoção do hormônio podem estar comprometidas.
Os sinais clínicos consistentes com mau funcionamento de determinado tecido endócrino podem ser decorrentes de um problema originado na produção do próprio hormônio ou pode ser devido à alteração em outro local que interfere,
secundariamente, na secreção ou ação hormonal.
Em medicina veterinária, os tipos mais comuns de doenças endócrinas incluem maior produção hormonal associada a tumor ou hiperplasia tecidual, produzindo quantidades excessivas de hormônios, bem como deficiência hormonal
devido à destruição do tecido endócrino. As doenças comumente associadas a maior produção hormonal são hipertireoidismo, em gatos, e hiperadrenocorticismo (doença de Cushing), em cães. Frequentemente o tecido endócrino anormal
não apenas produz mais hormônio; ele também falha ao responder normalmente aos sinais de feedback, contribuindo para uma inapropriada liberação de hormônio. A maior produção hormonal de um tecido endócrino pode também resultar
de uma estimulação decorrente de uma fonte secundária; por exemplo, a doença renal pode resultar em hiperplasia da paratireoide e aumentar a secreção de PTH. Como consequência de alguns tipos de doença renal, ocorre hiperfosfatemia.
Isso ocasiona menor formação da forma ativa da vitamina D, o 1,25dihidroxicolecalciferol (calcitriol). Assim, a baixa concentração de calcitriol contribui para diminuição do teor de cálcio no fluido extracelular, condição que atua como
estímulo para secreção de PTH. Tecidos não endócrinos podem produzir e secretar hormônios em quantidade suficiente para causar sinais clínicos; por exemplo, certos tumores (tumor da glândula apócrina do saco anal em cães, linfoma)
podem produzir uma proteína relacionada com o PTH que mimetiza a ação do PTH, resultando em hipercalcemia.
As síndromes associadas à secreção hormonal deficiente ou ausente também possuem múltiplas causas. Acreditase que a destruição do tecido endócrino secundário à reação autoimune mediado por células, às vezes, é a causa. Exemplos
de hipofunção endócrina resultante de perda de tecido primário incluem hipotireoidismo canino, diabetes melito tipo 1, hipoparatireoidismo primário e hipoadrenocorticismo primário. Na fase inicial da perda tecidual, mecanismos
compensatórios envolvendo vias de feedback estimulam a atividade (produção hormonal) do tecido remanescente. Por exemplo, no hipoadrenocorticismo primário (doença de Addison), a secreção de ACTH pela hipófise aumenta à medida
que ocorre atrofia do córtex da adrenal. O maior suporte trófico resulta em ativação plena do tecido remanescente e frequentemente induz secreção hormonal suficiente para retardar os sinais clínicos de deficiência, até que a perda tecidual
simplesmente elimina a fonte hormonal. Também podem ocorrer distúrbios resultando em sinais clínicos de hipoatividade endócrina devido a alterações em tecidos distantes da fonte de hormônio. O hipotireoidismo secundário resulta de
insuficiência de hormônio estimulante da tireoide, na hipófise, que reduz o estímulo necessário para a produção e secreção de T4 e T3 pela tireoide. Pacientes que recebem terapia com glicocorticoide podem apresentar atrofia de áreas
produtoras de cortisol no córtex da adrenal. O esteroide exógeno inicia o feedback negativo na glândula hipófise, suprimindo a secreção de ACTH e ocasionando atrofia da cortical da adrenal. Outra potencial causa de hipofunção endócrina
está relacionada com a perda tecidual secundária à compressão e/ou destruição progressiva de tumores não funcionais.
As doenças endócrinas e enfermidades relacionadas também resultam de alterações na resposta de tecidos a hormônios. Um importante exemplo é o diabetes melito não dependente de insulina, ou tipo 2, no qual é observada relativa
insensibilidade à insulina, frequentemente associada à obesidade. O diabetes insípido nefrogênico se deve à insensibilidade renal à ação da vasopressina (hormônio antidiurético). A insensibilidade renal à vasopressina nessa síndrome pode
estar relacionada com anomalias congênitas do receptor de vasopressina, mas a mais frequente é secundária a outras doenças (p. ex., piometra, hiperadrenocorticismo) ou anormalidades na concentração de íons (p. ex., hipopotassemia,
hipercalcemia).
PRINCÍPIOS TERAPÊUTICOS
As doenças endócrinas envolvendo hiperatividade podem ser tratadas cirurgicamente (remoção de tumor), por radioterapia (p. ex., 131I para hipertireoidismo), ou com medicamentos (p. ex., metimazol, como um medicamento antitireoide).
Síndromes de deficiência hormonal são frequentemente tratadas com sucesso mediante a simples reposição do(s) hormônio(s) em falta, como no tratamento de diabetes melito com insulina ou na terapia de reposição do hormônio da
tireoide, no hipotireoidismo. Terapia de reposição para deficiências relacionadas com hormônios proteicos/polipeptídicos podem ser um desafio. Frequentemente a preparação espécie–específica do hormônio não se encontra disponível,
pode ser necessário injetar o medicamento várias vezes ao dia e o risco de formação de anticorpos e anafilaxia deve ser considerada. Os hormônios esteroides e os tireoidianos podem ser administrados normalmente VO. Alguns hormônios
proteicos/polipeptídicos ou análogos são efetivos quando administrados por outras vias além da injetável (p. ex., acetato de desmopressina, análogo do hormônio antidiurético é efetivo quando administrado por diversas vias).
A terapia de reposição hormonal deve ser monitorada mediante avaliação da resposta clínica e de outras medidas adequadas, como monitoramento terapêutica do hormônio no sangue (p. ex., dosagem de T4 após a medicação, mensuração
de sódio e potássio no soro de pacientes com hipoadrenocorticismo primário). Com frequência, a terapia de reposição é necessária por um período após remoção cirúrgica de um tumor de tecido endócrino. No entanto, o tecido remanescente
normal, atrofiado como consequência de uma doença, muitas vezes recupera sua atividade em período de tempo razoavelmente longo e, assim, há necessidade de terapia de reposição por toda a vida. Os animais mostram significante
variação quanto à biodisponibilidade do medicamente; desse modo, uma dose adequada deve ser ajustada para cada paciente.
Os glicocorticoides são comumente utilizados como medicamentos terapêuticas, particularmente devido seus efeitos antiinflamatórios e sua atividade antialérgica. O uso adequado requer o entendimento dos efeitos colaterais, inclusive
aparecimento de sinais de hiperadrenocorticismo resultantes de uma terapia por um período longo ou do uso de derivados potentes. Tais reações adversas podem ser minimizadas pelo uso oral de glicocorticoide, em dias alternados.
REGULAÇÃO DO SISTEMA ENDÓCRINO
A secreção de hormônios é regulada por um sistema de elementos sensoriais supridos de um meio para detectar necessidades para ambos, aumento e diminuição da secreção. O sistema particular de sensoriamento, os elementos
de feedback e o sistema de controle das respostas são particulares para cada hormônio. As vias hormonais mantêm a homeostasia, e ajustes na secreção normalmente resultam em mudanças que ajudam a manter o status quo. Além disso, a
secreção e a atividade de um hormônio em particular podem ser ajustadas para mais ou para menos em resposta a desafios, como estresse crônico, doença ou alteração no estado nutricional. O conceito de feedback negativo e sua relação no
controle das vias hormonais é importante para o entendimento da regulação da via e avaliação dos testes de função endócrina. Por exemplo, a insulina é liberada em resposta ao aumento da concentração de glicose presente nas células beta
das ilhotas de Langerhans do pâncreas. Uma das ações da insulina é diminuir a concentração de glicose no fluido extracelular por aumentar sua entrada nos tecidos–alvo. Essa diminuição da glicose leva a reduções na secreção da insulina.
Em pacientes suspeitos de ter um tumor secretor de insulina, o achado de uma baixa concentração sanguínea de glicose (hipoglicemia), juntamente com a elevação da concentração de insulina indica feedback inapropriado, característico
desse tumor. Em outro exemplo, pacientes com alta concentração sanguínea de cálcio devem apresentar baixo teor de PTH na circulação. Alta concentração de PTH nestes pacientes indica disfunção da paratireoide, muitas vezes associada a
adenoma nesta glândula.
Os padrões de secreção dos hormônios variam muito. Os hormônios da tireoide tendem a ter menos variabilidade do que os hormônios esteroides e mostram apenas moderada variação diária ou semanal. Por outro lado, o teor sanguíneo
de cortisol da adrenal é muito mais variável, com picos de secreção ocasionais seguidos de períodos de baixa atividade (baixo teor sanguíneos), ao longo do dia.
GLÂNDULA HIPÓFISE
A glândula hipófise (ou pituitária) é composta de adenohipófise (lobo anterior) e neurohipófise (lobo posterior).
ADENOHIPÓFISE: A adenohipófise, que circunda a porção nervosa do sistema neurohipofisiário em graus variados nas diferentes espécies, consiste em parte distal, parte tuberal e da parte intermediária. A parte distal é a maior e contém
múltiplas populações de células endócrinas. A parte tuberal funciona principalmente como um suporte para uma rede de capilares do sistema portahipofisiário. A parte intermediária forma a junção entre a parte distal e a parte nervosa. Essa
contém 2 populações de células em cães, uma das quais sintetiza o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH).
Uma população específica de células endócrinas na parte distal (e na parte intermediária, para ACTH, em cães) sintetiza e secreta cada um dos hormônios tróficos da hipófise. As células da hipófise têm um ciclo secretor e inicia
rapidamente uma fase de síntese em resposta ao aumento da demanda de um hormônio particular. As células secretoras da adenohipófise são muitas vezes subdivididas em cromófilas (acidófilas, basófilas) e cromófobas, com base na
interação dos grânulos secretores com corantes histoquímicos dependentes de pH.
As células acidófilas são, além disso, subdivididas em somatotróficas, que secretam o hormônio do crescimento (GH, somatotropina) e em lactotróficas, que secretam prolactina. As células basofílicas incluem células gonadotróficas que
secretam ambos, hormônio luteinizante (LH) e hormônio estimulante de folículo (FSH), e células tireotróficas, que secretam o hormônio tireotrófico (hormônio estimulante da tireoide [TSH]). Os cromófobos incluem células endócrinas
envolvidas na síntese de ACTH e de hormônio estimulante de melanócitos (MSH), células foliculares não secretoras e células precursoras não diferenciadas.
As células endócrinas da adenohipófise estão sob o controle de hormônios correspondentes liberados do hipotálamo. Esses hormônios liberados são transmitidos pelo sistema portal hipofisário a células específicas da adenohipófise,
onde estimulam a rápida liberação de hormônios tróficos pré–formados.
Separadamente, os hormônios liberados pelo hipotálamo regulam a taxa de secreção de cada hormônio trófico da adenohipófise. Para a maioria dos hormônios tróficos da hipófise, o controle mediante feedback negativo é efetuado por
um circuito que envolve a concentração sanguínea do hormônio produzido pela glândula endócrinaalvo (p. ex., glândula tireoide, córtex da adrenal, ovários e testículos). Hormônios como prolactina, GH e MSH têm mecanismos
de feedback complexos. Por exemplo, a prolactina atua principalmente na glândula mamária e o GH tem seu principal efeito no fígado – ambos os tecidos não são endócrinos. O feedback negativo em tais casos incluem metabólitos e outros
mensageiros (p. ex., fator de crescimento semelhante à insulina tipo I, produzido no fígado). No caso do GH, há reguladores hipotalâmicos para sua inibição (somatostatina), bem como para sua estimulação (hormônio liberador de GH).
NEUROHIPÓFISE: A neurohipófise (parte nervosa, lobo posterior) tem três subdivisões anatômicas. Os grânulos de secreção que contém os hormônios da neurohipófise, isto é, hormônio antidiurético (ADH, vasopressina) e ocitocina, são
sintetizados no hipotálamo, mas liberados na corrente sanguínea pela parte nervosa. O talo pedúnculo infundibular se liga à parte nervosa pela sobreposição do hipotálamo.
O ADH, um octapeptídio sintetizado no hipotálamo, é armazenado em grânulos envolvidos por membrana, com uma correspondente proteína de ligação (neurofisina) e transportado à parte nervosa, de onde é liberado à circulação. O
ADH se liga a receptores específicos na parte distal do néfron e do ducto coletor do rim; isso aumenta a reabsorção tubular renal de água do filtrado glomerular.
A liberação de ADH é diretamente proporcional ao grau de hidratação do corpo. A hidratação orgânica inibe a liberação de ADH, enquanto a desidratação ou a injeção de solução eletrolítica hipertônica favorece a liberação deste
hormônio que, por sua vez, aumenta a reabsorção de água do filtrado glomerular, resultando na diluição ou diminuição da osmolaridade dos fluidos do corpo. Barbitúricos, além de clorofórmio, morfina, acetilcolina, nicotina, e dor,
aumentam a liberação de ADH, que ocasiona menor produção de urina. O etanol inibe a liberação de ADH, que causa diurese.
O efeito vasoconstritor do ADH é menos evidente do que o efeito antidiurético. Em uma dose várias centenas de vezes maior do que a dose antidiurética, o ADH tem um potente efeito vasoconstritor, que pode também causar constrição
da coronária. O mecanismo contrátil dos capilares, bem como dos músculos GI e uterino, é estimulado e seguese uma elevação prolongada da pressão sanguínea.
A ocitocina tem efeitos específicos na musculatura lisa do útero e das células mioepiteliais da glândula mamária. Não foi estabelecida função fisiológica no macho, embora se tem sugerido um efeito no transporte do esperma.
ACROMEGALIA FELINA
A acromegalia, ou hipersomatotropismo, resulta de uma secreção excessiva crônica do hormônio do crescimento em animal adulto. A acromegalia em gatos é causada por tumor secretor do hormônio do crescimento na hipófise anterior. Em
gatos, esses tumores crescem lentamente e podem estar presentes muito antes de surgirem os sinais clínicos.
ACHADOS CLÍNICOS: Acromegalia felina acomete gatos idosos (8 a 14 anos) e parece mais comum em machos. Os sinais clínicos de diabetes melito não controlados são frequentemente o primeiro sinal de acromegalia em gatos; portanto,
polidipsia, poliúria e polifagia são os sintomas mais comumente verificados. Ganho de peso de massa corporal magra em gatos com diabetes melito não controlada é o sintoma–chave de acromegalia. Organomegalia inclui aumento de
volume dos rins e do fígado; também, notase hipertrofia de órgãos endócrinos. Alguns gatos exibem aumento de extremidades, do tamanho do corpo, mandíbula/maxila, língua e região frontal da cabeça, característicos de acromegalia em
pessoas. Algumas da manifestações mais marcantes são verificadas no sistema musculoesquelético e inclui aumento na massa muscular e dos segmentos acrais do corpo inclusive patas, queixo e crânio. Anormalidades cardiovasculares,
como cardiomegalia (radiográfica e ecocardiográfica), sopros sistólicos e insuficiência cardíaca congestiva, se instalam tardiamente no curso da doença. Azotemia também se desenvolve tardiamente no curso da doença em cerca de 50%
dos gatos com acromegalia. Sinais neurológicos de acromegalia em pessoas, como neuropatia periférica (parestesia, síndrome do túnel carpal, defeitos sensoriais e motores) e manifestações paraselares (cefaleia e alteração do raio visual),
geralmente não são detectados em gatos com acromegalia.
Em todos os gatos com acromegalia notamse prejuízo da tolerância à glicose e resistência à insulina, resultando em diabetes melito. A mensuração de insulina endógena revela aumento marcante da concentração sérica de insulina.
Apesar da grave resistência à insulina e hiperglicemia, a ocorrência de cetose é rara. Devese suspeitar de acromegalia em qualquer gato diabético que tenha grave resistência à insulina (necessidade diária de insulina > 20 U/gato).
Hipercolesterolemia e moderado aumento das enzimas do fígado são atribuídos ao estado diabético. Hiperfosfatemia sem azotemia também é um achado clínicopatológico comum. Os resultados da urinálise não são notáveis, exceto pela
proteinúria persistente.
Lesões: Achados macroscópicos à necropsia de gatos com acromegalia podem incluir tumor grande e expansivo na hipófise, cardiomiopatia hipertrófica com marcante hipertrofia do septo e do ventrículo esquerdo (no início) ou
cardiomiopatia dilatada (posteriormente), aumento de volume de rins e fígado, artropatia degenerativa, espondilose de vértebra lombar, aumento moderado das glândulas paratireoides, hiperplasia adrenocortical e aumento difuso do
pâncreas com hiperplasia nodular multifocal. O exame histopatológico das glândulas endócrinas revela adenoma acidófilo na hipófise, hiperplasia adenomatosa da tireoide e hiperplasia nodular do córtex de adrenais, paratireoides e
pâncreas.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico definitivo requer constatação de aumento da concentração plasmática de hormônio do crescimento ou do fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF1), em casos suspeitos. Infelizmente, não há
disponibilidade de testes para hormônio do crescimento felino. Com frequência, a concentração sérica de IGF1 aumenta de modo marcante em gatos com acromegalia (como acontece em pessoas). Atualmente, o principal teste para um
diagnóstico definitivo é tomografia computadorizada da região da hipófise. Os resultados da tomografia computadorizada, juntamente com a exclusão de outras enfermidades que causam resistência à insulina (hipertireoidismo,
hiperadrenocorticismo) e a constatação de sinais clínicos e laboratoriais anormais, sustentam o diagnóstico de acromegalia.
TRATAMENTO E PROGNÓSTICO: A terapia medicamentosa em pessoas inclui o uso de agonistas de dopamina, como bromocriptina e análogos da somastotatina (octreotida). O tratamento com octreotida não tem sido efetivo em gatos com
acromegalia. A ineficácia dos análogos da somastotatina de longa duração pode ser devido à ligação espécieespecífica ao tecido. Provavelmente, radioterapia propicia maior chance de sucesso, com baixas taxas de morbidade e
mortalidade. As desvantagens são a baixa taxa de regressão do tumor (> 3 anos) e a ocorrência de hipopituitarismo, lesão do nervo cranial e óptico e lesão do hipotálamo por radiação.
O prognóstico a curto prazo em gatos com acromegalia não tratada é reservado a bom. A resistência à insulina geralmente é controlada satisfatoriamente pelo uso de altas doses de insulina, fracionada em várias doses, diariamente.
Doenças cardíacas discretas podem ser controladas com diuréticos e vasodilatadores. O prognóstico a longo prazo é relativamente ruim; entretanto, a maioria dos gatos morre de insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência renal crônica
ou sintomas decorrentes da expansão de tumor de hipófise. O prognóstico a longo prazo pode ser beneficiado com diagnóstico e tratamento precoces.
DIABETES INSÍPIDO
Diabetes insípido central é causada pela redução da secreção do hormônio antidiurético (ADH). Quando as célulasalvo no rim apresentam falha no mecanismo necessário para responder à secreção normal ou aumentada de teor de ADH na
circulação, temse diabetes insípido nefrogênico. Isso ocorre frequentemente em cães, gatos e ratos de laboratório e raramente em outros animais.
ETIOLOGIA: A forma hipofisária se desenvolve como resultado da compressão e destruição da parte nervosa, pedúnculo infundibular ou núcleo supraóptico do hipotálamo. As lesões responsáveis pela interrupção da síntese ou secreção do
ADH no diabetes insípido hipofisário incluem grandes neoplasias de hipófise (endocrinologicamente ativos ou inativos), granuloma inflamatório ou cisto que se expande dorsalmente e lesão traumática do crânio com hemorragia e
proliferação glial no sistema neurohipofisário.
ACHADOS CLÍNICOS: Os animais acometidos excretam grande volume de urina hipotônica e, igualmente, bebem grande quantidade de água. A osmolalidade urinária é menor do que a osmolidade normal do plasma (cerca de 300 mOsm/kg)
em ambas formas, hipofisária e nefrogênica, mesmo se o animal é privado de água. O aumento da osmolalidade da urina para valor acima daquele do plasma em resposta a ADH exógeno na forma hipofisária, mas não na forma nefrogênica,
é útil na diferenciação clínica das duas manifestações da doença.
Lesões: Lobo posterior, pedúnculo infundibular e hipotálamo são comprimidos ou sofrem ruptura por células neoplásicas. Isso bloqueia os axônios não mielinizados que transportam ADH do local de produção (hipotálamo) ao local de
liberação (parte nervosa).
DIAGNÓSTICO: Baseiase na constatação de poliúria crônica que não responde à desidratação e que não se deve à doença renal primária. Para avaliar a habilidade de concentração da urina, devese realizar teste de privação de água se o
animal não estiver desidratado e não tenha doença renal. A bexiga é esvaziada e instituise jejum de água e comida (normalmente por 3 a 8 h) para promover máxima estimulação da secreção do ADH. O animal deve ser monitorado
cuidadosamente para prevenir a perda de > 5% do peso corpóreo e desidratação grave. Devem ser determinadas as osmolalidades de urina e plasma; entretanto, como esse teste não está prontamente disponível à maioria dos clínicos,
frequentemente se obtém a densidade urinária. No final do teste, a densidade da urina é > 1,025 em animais com apenas deficiência parcial de ADH ou antagonismo à ação do ADH causado por hipercortisolismo. Há pequena alteração na
densidade urinária de animais com deficiência total de ADH ou ausência de resposta renal.
Em seguida, devese fazer um teste de resposta ao ADH para diferenciar entre enfermidades que podem resultar em grande volume de urina com densidade cronicamente baixa, porém normal. Essas incluem diabetes insípido nefrogênico
(inabilidade dos rins em responder ao ADH), diabetes insípido psicogênico (polidipsia em resposta a alguns distúrbios psicológicos, mas com resposta normal ao ADH), e hipercortisolismo (o qual resulta em deficiência parcial da atividade
do ADH devido aos efeitos antagonistas do cortisol na atividade do ADH nos rins). Esse teste também por ser utilizado para avaliar animais no qual o teste de privação de água não pode ser realizado. A densidade específica da urina é
determinada no início do teste; administrase acetato de desmopressina (2 a 4 gotas no saco conjuntival). A bexiga é esvaziada em 2 h e a densidade urinária é mensurada 4, 8, 12, 18, e 24 h depois da administração do ADH. Notase pico
de densidade > 1,026 em animais com deficiência primária de ADH, significativamente acima do teor induzido por privação de água naqueles pacientes com deficiência parcial da atividade do ADH; notase pequena alteração naqueles
animais com diabetes insípido nefrogênico.
Se a osmolalidade é mensurada, a proporção osmolalidade urinária:plasma depois da privação de água é > 3 em animais normais, 1,8 a 3 naqueles com deficiência moderada de ADH e < 1,8 naqueles com deficiência grave. A proporção
da osmolalidade da urina após a administração de ADH, comparada com aquela após privação de água, é > 2 em animais com deficiência primária de ADH, 1,1 a 2 naqueles com inibição da ação do ADH e < 1,1 naqueles que não
respondem ao ADH.
Como alternativa ao teste de privação de água ou em casos nos quais esse teste falha em estabelecer um diagnóstico definitivo, podese realizar um teste terapêutico com demospressina com rigorosa monitoramento (ver adiante).
Novamente, outras causas de poliúria e polidipsia devem ser inicialmente descartadas, limitandose a diagnósticos diferenciais de diabetes insípido central, diabetes insípido nefrogênico e polidipsia psicogênica. Para gatos, o proprietário
deve mensurar o consumo de água do animal por 24 h, 2 ou 3 dias antes do teste terapêutico com desmopressina, permitindo ingestão de água à vontade. A preparação intranasal de desmopressina é administrada no saco conjuntival (1 a 4
gotas, 2 vezes/dia), por 3 a 5 dias. Uma redução dramática na redução do consumo de água (> 50%) durante o primeiro dia de tratamento deve ser fortemente sugestiva de deficiência de ADH e de diagnóstico de diabetes insípido central ou
diabetes insípido nefrogênico parcial.
Diabetes insípido também precisa ser diferenciado de outras doenças acompanhadas de poliúria. As mais comuns são diabetes melito com glicosúria e alta densidade urinária e nefrite crônica com urina de densidade normalmente baixa e
com evidências de insuficiência renal (proteína, cilindros etc.).
TRATAMENTO: A poliúria pode ser controlada utilizando acetato de desmopressina, um análogo sintético do ADH. A dose inicial é 2 gotas aplicadas na mucosa ou conjuntiva nasal; essa é gradualmente aumentada até que se obtém a dose
efetiva mínima. O efeito máximo normalmente ocorre após 2 a 6 h e dura 1 a 12 h. Não deve haver restrição ao consumo de água. O tratamento deve ser contínuo, 1 ou 2 vezes/dia, por toda a vida do animal.
HIPERADRENOCORTICISMO (DOENÇA DE CUSHING)
O hiperadrenocorticismo pode ser fracionada em duas amplas categorias. Uma categoria, o hiperadrenocorticismo hipófisedependente, se deve ao aumento adenomatoso da glândula hipófise, resultando em excessiva produção de ACTH. A
outra categoria, a doença adrenaldependente, é associada a adenomas ou adenocarciomas funcionais da glândula adrenal. A secreção ectópica de ACTH não foi relatada em cães; entretanto, em humanos a secreção ectópica de ACTH está
associada a alguns tumores de pulmão. O hiperadrenocorticismo iatrogênico resulta de administração crônica e excessiva de esteroides exógenos.
ACHADOS CLÍNICOS: O hiperadrenocorticismo é notado em cães de meiaidade a mais velhos (7 a 12 anos de idade); cerca de 85% apresentam hiperadrenocorticismo hipófisedependente (HHD) e cerca de 15% tem tumor de adrenal. As
raças nas quais HHD é comumente diagnosticado incluem Poodle miniatura, Dachshund, Boxer, Boston Terrier e Beagle. Os cães de raça de grande porte frequentemente têm tumores de adrenal e há uma distinta predileção por fêmea (3:1).
Os sinais clínicos mais comuns são polidipsia, poliúria, polifagia, intolerância ao calor, letargia, distensão de abdome ou “barriga de barril”, respiração ofegante, obesidade, fraqueza muscular e infecções do trato urinário recidivantes. As
manifestações dermatológicas no hiperadrenocorticismo canino podem incluir alopécia (especialmente no tronco), pele fina, flebectasias, comedões, escoriações, hiperpigmentação cutânea, calcinose cutânea, piodermite, atrofia dérmica
(especialmente ao redor das cicatrizes), demodiciose secundária e seborreia.
Sintomas incomuns são hipertensão, tromboembolia, calcificação brônquica, insuficiência cardíaca congestiva e sinais neurológicos, bem como polineuropatia e miopatia, mudança de comportamento, cegueira ou pseudomiotonia. A
hipercortisolemia pode ser evidenciada como enfraquecimento do colágeno, manifestado como ruptura do ligamento cruzado cranial (pequenos cães) ou úlcera de córnea (que não cicatriza). Sinais reprodutivos do hiperadrenocorticismo
podem incluir adenoma perianal em fêmeas ou machos castrados, hipertrofia de clitóris em fêmeas, atrofia testicular em machos não castrados, ou aumento de próstata em cães castrados.
Em cães, anormalidades no perfil bioquímico sérico associadas à hipercortisolemia incluem aumento das atividades séricas de fosfatase alcalina (ALP) e de alanina aminotransferase (ALT), bem como hipercolesterolemia, hiperglicemia e
diminuição do BUN. O hemograma é caracterizado por evidência de regeneração (eritrocitose, hemácias nucleadas) e leucograma clássico de estresse (eosinopenia, linfopenia e leucocitose com células maduras). Basofilia é um achado
ocasional. Muitos cães com hiperadrenocorticismo mostram evidências de infecção de trato urinário inferior sem piúria (cultura positiva), bacteriúria e proteinúria resultante de glomeruloesclerose.
DIAGNÓSTICO: Não há um único teste ou uma combinação de exames que totalmente confiável para o diagnóstico de hiperadrenocorticismo. A sensibilidade e a especificidade de um teste individual ou da combinação de exames aumentam
quando são aplicadas a uma população de pacientes com possibilidade de terem hiperadrenocosticismo. O diagnóstico deve se basear nos sinais clínicos característicos, seguido de exames auxiliares mínimos indicadores de anormalidades
comuns (p. ex., aumento de colesterol, SAP), e confirmado por um apropriado exame de triagem para hiperadrenocorticismo. Se o resultado do exame de triagem for inconclusivo ou se há anormalidades laboratoriais associadas à
hiperadrenocorticismo (p. ex., aumento de SAP) em um cão assintomático, de preferência o paciente deve ser testado novamente 3 a 6 meses depois, em vez de ser tratado sem que se tenha o diagnóstico definitivo. Em particular, o
diagnóstico da doença de Cushing induzido por esteroide sexual pode ser especialmente difícil.
A relação creatina/cortisol urinário (RCCU) é um teste altamente sensível para diferenciar cães normais daqueles com hiperadrenocorticismo, mas não é altamente específico porque cães com doença não adrenal moderada a grave
também exibem o valor desta relação. A RCCU deve ser determinada em amostras de urina obtidas por micção espontânea, na casa pelo proprietário. O estresse do transporte do cão à clínica, o estresse induzido pela cistocentese, ou ambos,
podem ser suficientes para causar RCCU falsamente elevada. Alta RCCU deve ser esclarecida com o teste de estimulação com ACTH e teste de supressão com baixa dose de dexametasona (SBDD) IV, ou teste SBDD oral.
SBDD é o teste de triagem de escolha para hiperadrenocorticismo canino, quando apropriadamente utilizado. Apenas 5 a 8% dos cães com HHD exibe supressão da concentração de cortisol em 8 h (i. e. são falsonegativos). Além disso,
30% dos cães com HHD exibem supressão em 3 ou 4 h, seguida de “escape” de supressão em 8 h; esse padrão é diagnóstico para HHD, tornando desnecessários outros testes. A principal desvantagem do teste SBDD é a falta de
especificidade em cães com doença não adrenal: > 50% dos cães com doença não adrenal tem teste SBDD positivo. Em tais casos, o cão deve se recuperar da doença não adrenal antes de se realizar o teste de SBDD para diagnóstico de
hiperadrenocorticismo.
O teste de estimulação com ACTH é utilizado para diagnosticar várias doenças adrenais, inclusive hiperadrenocorcitismo endógeno ou iatrogênico e hiperadrenocorticismo espontâneo. Como teste de triagem para diagnóstico de
hiperadrenocorticismo de ocorrência natural, a sua sensibilidade quanto ao diagnóstico é cerca de 80 a 85%, com especificidade maior do que o teste SBDD. Em um estudo, notouse que apenas 15% dos cães com doença não adrenal tem
uma resposta exagerada à estimulação com ACTH. Os tumores de adrenais podem ser particularmente difíceis de diagnosticar por este teste com ACTH.
Cães com excesso de esteroide sexual produzido pela adrenal podem ter resultado negativo nos testes de estimulação com ACTH e no teste SBDD porque sua concentração sérica de cortisol é normal. Isso pode ser decorrência do excesso
de precursores de cortisol. Aumento de progesterona, 17OH–progesterona, androstenediona, testosterona e estrógeno podem requerer teste de adrenal dinâmico utilizando teste de estimulação com ACTH e mensuração de esteroides
sexuais, além de cortisol.
Depois da confirmação do diagnóstico de hiperadrenocorticismo, pode ser necessária a diferenciação entre doença dependente de hipófise × doença dependente de adrenal. Embora muitos dos cães com hiperadrenocorticismo tenham
HHD, em casos atípicos (p. ex., cão anorético com hiperadrenocorticismo) o teste de diferenciação é apropriado. Em particular, a diferenciação de HHD (frequentemente macroadenomas) de tumores de adrenal frequentemente é necessária
em raças grandes.
O princípio do teste de supressão com alta dose de dexametasona (SADD) é que a hipersecreção de ACTH autônoma pela hipófise pode ser suprimida por concentração suprafisiológica de esteroide. Cães com tumor de adrenal produtor
de cortisol autônomo tem maximamente suprimida a produção de ACTH mediante o mecanismo de feedback normal; portanto, administração de dexametasona, não importando quão alta for a dose, pode não suprimir a concentração sérica
de cortisol. Em cães com HHD, entretanto, alta dose de dexametasona é útil para suprimir o ACTH e, assim, a secreção de cortisol. Uma importante preocupação é que cães com macroadenoma de hipófise (15 a 50% dos cães com HHD)
falham em induzir supressão no teste de SADD.
A mensuração da concentração plasmática de ACTH endógeno é o método mais confiável de diferenciação entre HHD e tumor de adrenal. Cães com tumores de adrenal têm concentração de ACTH baixa ou indetectável; por outro lado,
cães com HHD apresentam concentração de ACTH normal ou elevada. Recentemente, pesquisadores verificaram que a adição do inibidor de protease, aprotinina, ao sangue total em tubos com EDTA inibe a degradação de ACTH. As
amostras podem ser coletadas, centrifugadas em uma centrífuga não refrigerada e mantida por até 4 dias a < 4°C.
O diagnóstico por imagem da hipófise e da glândula adrenal pode ser obtido via radiografia abdominal, ultrassonografia, tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM). As radiografias abdominais devem ser
realizadas em todos os cães que não mostram supressão no teste SADD; cerca de 30 a 50% dos cães com tumores de adrenal têm uma massa mineralizada na região das glândulas adrenais. A ultrassonografia abdominal é o método mais
sensível de identificação de tumores de adrenal. Além disso, metástase hepática ou invasão na veia cava pode ser notada em cães com carcinoma de adrenal. Tomografia computadorizada ou RM do cérebro ou da cavidade abdominal de
cães que não responderam ao teste SADD podem apresentar aumento unilateral da adrenal (50%), macroadenoma de hipófise (25%), ou microadenoma de hipófise (25%).
TRATAMENTO E PROGNÓSTICO: Três opções de tratamento estão disponíveis para hiperadrenocorticismo canino. Terapia medicamentosa, cirúrgica e radioativa têm sido utilizados com variados graus de sucesso.
Cães com HHD podem ser tratados utilizando o agente adrenolítico mitotano (o,p’–DDD), iniciando com dose de indução de 25 a 50 mg/kg/dia, durante 7 a 10 dias. Os cães devem ser monitorados quanto ao aparecimento de sinais de
hiperadrenocorticismo, bem como anorexia, vômito e diarreia; caso ocorram tais sintomas, a terapia com mitotano deve ser interrompida e substituída por glicocorticoide. O consumo de água ou o apetite deve ser avaliado,a fim de saber o
momento de finalizar a terapia; o consumo de água deve diminuir para < 60 ml/kg/dia (cães). Depois de 7 a 10 dias de tratamento com mitotano ou da redução do consumo de água ou alimento, devese realizar um teste de resposta ao
ACTH para determinar se a supressão do cortisol é adequada. Ambos os valores de cortisol, antes e após o uso de ACTH, devem situarse na faixa normal. Para manter a supressão da secreção de cortisol, administrase 50 mg de
mitotano/kg/semana. Os cães que recebem tratamento prolongado com mitotano devem ser examinados e submetidos ao teste de resposta ao ACTH a cada 3 a 4 meses. Gradualmente, há necessidade de aumento das doses do medicamento
para manter adequada remissão dos sintomas.
Efeitos colaterais do mitotano na dose recomendada incluem irritação GI (vômito e anorexia), distúrbios do SNC (ataxia, fraqueza, convulsão), hipoglicemia moderada e aumento moderado da atividade sérica de fosfatase alcalina.
Sintomas como depressão e ataxia podem ser aliviados fracionando a dose diária em duas partes iguais, administradas em intervalo de 8 a 12 h. Persistência dos sintomas de SNC após interrupção do uso de mitotano sugere expansão do
macroadenoma de hipófise.
Relatos recentes mostraram eficácia do inibidor da enzima da adrenal, trislostano, no tratamento da HHD em cães. Estudos em cães com hiperadrenocorticismo mostraram que o trilostano é um inibidor de esteroide efetivo, com efeitos
colaterais mínimos. O trilostano deve ser administrado diariamente e, com frequência, 2 vezes/dia, para se obter diminuição na secreção de glicocorticoide pelas glândulas adrenais. A deficiência de mineralocorticoides, que é reversível,
pode também ser observada em pacientes que recebem trilostano; alguns casos de necrose de adrenal com insuficiência persistente da glândula foram observados após a administração de trilostano. Apenas recentemente disponível nos
EUA, o trilostano pode ser uma razoável alternativa à terapia de HHD com mitotano, em cães. Cães com desequilíbrio de esteroide sexual também pode se beneficiar da terapia com trilostano porque o inibidor da enzima afeta precursores
da síntese de cortisol, além de inibir a própria síntese de cortisol.
A remoção cirúrgica de adenoma ou adenocarcinoma de adrenal unilateral pode ser indicada, em alguns casos; contudo, complicações cirúrgicas e anestésicas (p. ex., hipotensão) podem ocorrer secudariamente ao hipoadrenocorticismo,
notados logo após a remoção cirúrgica da neoplasia. O tratamento medicamentoso de tumor de adrenal é difícil porque eles tendem a ser resistentes aos efeitos do mitotano. Finalmente, se o cão exibe sinais neurológicos (p. ex., anorexia,
estupor ou convulsão) e se identifica um tumor grande de hipófise (macroadenoma), indicada radioterapia na glândula hipófise. Entretanto, radioterapia é cara e consome tempo (3 semanas). Os resultados da radioterapia em cães mostram
que esse é um método efetivo de tratamento, com baixa morbidade; contudo, pode demorar vários meses para a regressão dos sintomas de HHD. Esses cães ficam bem a longo prazo; todavia, devido à doença primária (tumor de hipófise)
tem sido tratado.
HIRSUTISMO ASSOCIADO A ADENOMA DE HIPÓFISE INTERMEDIÁRIA (Hipertricose)
O hirsutismo desenvolvese em equinos velhos (tipicamente de 18 anos e mais velhos) e está associado a disfunção da parte intermediária da hipófise (DPIH) causada por adenoma de célula da parte intermediária da hipófise. Este adenoma
frequentemente comprime severamente o hipotálamo sobreposto, que é o principal centro de regulação da homeostasia da temperatura corporal, apetite e ciclo de troca de pelos. Ademais, o adenoma da parte intermediária secreta grande
quantidade de hormônio estimulante de melanócitos alfa (HEM), que participa no crescimento de pelos longos de inverno.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sintomas de DPIH incluem poliúria, polidipsia, diminuição do tônus muscular, fraqueza, sonolência, distribuição anormal de tecido adiposo, tumefação da fossa periorbital, laminite, maior suscetibilidade
a doenças, febre intermitente e hiperidrose generalizada. O hirsutismo frequentemente se torna evidente devido à falha no ciclo de troca sazonal de pelos. Antes de se notar hirsutismo generalizado os equinos podem exibir pelos longos nos
membros, no abdome ventral e no pescoço. Por fim, os pelos sobre a maior parte do tronco e extremidades se tornam longos (maior que 10 a 12 cm), anormalmente espessos, ondulantes e frequentemente emaranhados.
Adenomas da parte intermediária são os tumores de hipófise mais comuns em equinos. São amarelos a brancos, multinodulares e incorporam a parte nervosa. Equinos com DPIH podem apresentar hiperglicemia insulinorresistente e
glicosúria, provavelmente devido ao aumento da concentração de cortisol e de outros hormônios antagonistas da insulina.
Os teores plasmáticos de adrenocorticotropina imunorreativa e de alfaHEM podem apresentar aumento estar moderado a marcante. A concentração sanguínea de cortisol geralmente permanece na faixa de normalidade, mas a falta de um
ritmo diurno normal e a falha na supressão pela administração de dexametasona ocorrem muito mais rapidamente do que em animais normais.
Hirsutismo associado à doença de Cushing. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.
DIAGNÓSTICO: Hiperglicemia e insensibilidade à insulina são sugestivas de adenoma de hipófise em equinos, mas como ocorrem em equinos com síndrome metabólica, não são diagnosticados na DPIH. Outros achados inespecíficos
incluem eosinopenia, linfopenia e neutrofilia absoluta ou relativa, lipemia, hipercolesterolemia e anemia normocitíca normocrômica discreta. As atividades das enzimas hepáticas podem estar aumentadas. Os teores de eletrólitos geralmente
são normais. Os resultados da urinálise são normais, exceto a ocorrência de glicosúria ocasional e densidade específica baixa ou normal.
O diagnóstico definitivo se baseia em testes evocatórios ou na mensuração da concentração de ACTH endógeno em repouso. Dexametasona (40 μg/kg IM) frequentemente não suprime o teor de cortisol para, no mínimo, 30% do valor
basal ou < 1 μg/dl; como acontece em equinos normais 6 a 15 h após a administração do medicamento. Além disso, a concentração de cortisol retorna para 80% do valor basal, ou mais, 24 h após a administração de dexametasona em
equinos com DPIH. Os equinos normais apresentam supressão do teor de cortisol 24 h após o uso de dexametasona. Equinos com DPIH reagem com uma resposta exagerada à administração de domperidona. O aumento da concentração
plasmática de ACTH endógeno em 200%, ou mais, do valor basal 2 a 4 h após aplicação de 5,0 mg de domperidona/kg VO é compatível com DPIH.
Os diagnósticos diferenciais incluem síndromes que resultam em debilidade crônica, por exemplo, manejo e dieta inadequados, parasitismo e doenças sistêmicas crônicas. Poliúria e polidipsia (PU/PD) devem ser diferenciadas de PU/PD
decorrentes de doença renal crônica ou diabetes insípido. Hiperglicemia, glicosúria e PU/PD devem ser diferenciadas daquelas causadas por diabetes melito primário. Alta concentração de insulina ou aumento na proporção glicose:insulina
deve ser diferenciado de hiperinsulinemia primária (síndrome metabólica equina). Feocromocitoma (ver p. 621) pode causar hiperidrose, hiperglicemia e taquipneia, embora normalmente não sejam funcionais e apenas são encontrados
acidentalmente na necropsia. Diagnósticos diferenciais de hirsutismo inclui informação de que o paciente é da raça Bashkir Curly ou tem uma anomalia congênita com pelame ondulado. Não há outra condição conhecida na qual notase
pelame longo e ondulado em equinos adultos. Por essa razão, o hirsutismo pode ser considerado um indicador de diagnóstico positivo para DPIH.
TRATAMENTO: Equinos com DPIH são relativamente frágeis, com fraca função imune. Assim, requerem mais cuidados em uma criação normal. Pergolida, um agonista dopaminérgico, atualmente é o único agente que se mostra capaz de
reduzir a concentração de ACTH endógeno em equinos com DPIH. A dose inicial é 0,006 a 0,01 mg/kg VO, 1 vez/dia. Isso tipicamente resulta em uma dose de 0,5 a 1 mg/dia. Se essa dose não resulta em melhora dos sinais clínicos e nos
testes endocrinológicos, ela deve ser aumentada gradualmente. Efeitos colaterais relatados com a terapia com pergolida incluem depressão e anorexia. Frequentemente esses sintomas são transitórios e regridem com o tempo. Se não se
curam, a dose pode ser diminuída ou fracionada e administrada 2 vezes/dia. Embora, o uso de ciproheptadina não tenha sido documentado como capaz de melhor os sinais clínicos, relatase o emprego de dose de 0,6 a 1,2 mg/kg VO, 1
vez/dia, para tratamento de DPIH. Há relatos anedóticos de que a combinação de ciproheptadina e pergolida tem efeito sinérgico e que os efeitos são melhores do que aqueles verificados com o uso exclusivo de pergolida. Trilostano, um
inibidor competitivo da 3betahidroxiesteroide desidrogenase, pode ser benéfico em equinos, mas seu custo é proibitivo.
PANHIPOPITUITARISMO DE INÍCIO ADULTO
Tumores de hipófise não funcionais, endocrinologicamente inativos, desenvolvemse mais comumente em animais adultos a idosos; parece não haver predisposição racial. A causa mais comum é um adenoma cromófobo que surge na parte
distal. Outras causas infrequentes incluem extensa destruição inflamatória do tecido hipofisário, necrose isquêmica da hipófise devido ao infarto decorrente da invasão de células tumorais, embolia séptica ou parasitária, necrose difusa
associada a toxemia, invasão neoplásica oriunda de estruturas adjacentes (p. ex., meninges, osso esfenoide, cavidade nasal etc.), e hemorragia generalizada e cicatrização após lesão traumática. Cães e gatos com adenomas não funcionais
desenvolvem distúrbios clínicos relacionados com a deficiência de secreção de hormônio trófico da hipófise e menor função de órgãosalvo ou disfunção do SNC.
ACHADOS CLÍNICOS: Os animais acometidos frequentemente apresentam depressão e incoordenação e sofrem colapso quando submetidos a exercício. Ocasionalmente, exibem mudança de comportamento, não respondem ao comando de
pessoas e tendem a se esconder à menor provocação. Em casos crônicos, pode haver evidência de cegueira, com pupilas fixas e dilatadas, devido à compressão e ruptura do nervo óptico pela extensão dorsal do tumor de hipófise. Os cães
acometidos frequentemente exibem perda de peso progressiva, com atrofia muscular, em razão do menor efeito anabólico da proteína do hormônio do crescimento. A compressão de células que secretam hormônios gonadotróficos ou o
correspondente hormônio liberador pelo hipotálamo resulta em atrofia das gônadas. Os distúrbios do balanço hídrico se devem à interferência na síntese do hormônio antidiurético ou de sua liberação em capilares da parte nervosa. Lobo
posterior, pedúnculo infundibular e hipotálamo são comprimidos ou invadidos por células neoplásicas.
Animais com hipopituitarismo parecem desidratados, apesar do maior consumo de água. Cães e gatos com grande tumor de hipófise não funcional normalmente excretam grande volume de urina diluída, com baixa densidade específica
(= 1,007). Os sinais clínicos não são muito específicos e podem ser confundidos com outras anormalidades do SNC (p. ex., tumor cerebral ou encefalite) ou doença renal crônica.
O hipopituitarismo causado por tumor hipofisiário deve ser incluído no diagnóstico diferencial de doenças caracterizadas por incoordenação, depressão, poliúria, cegueira e mudança súbita de humor, em animais adultos ou idosos.
Devido à cegueira de origem central, no exame oftálmico normalmente não se constata lesão significante. A estatura corporal não é influenciada pela compressão da parte distal e pela provável interferência da secreção do hormônio do
crescimento porque normalmente esses tumores surgem em cães já totalmente desenvolvidos. Periquitos com adenoma cromófobo frequentemente desenvolvem exoftalmia devido à disseminação de células neoplásicas ao longo do nervo
óptico.
Lesões: Adenomas de hipófise endocrinologicamente inativos normalmente alcançam tamanho considerável, antes que causem sintomas evidentes ou morte. As células tumorais em proliferação incorporam as estruturas restantes da adeno
hipófise e do pedúnculo infundibular. Todo o hipotálamo pode ser comprimido e substituído pelo tumor.
Em cães e gatos com grande adenoma de hipófise, as glândulas tireoides frequentemente são menores do que o normal, embora em grau muito menor do que o córtex da adrenal. As glândulas adrenais são menores e consistem
principalmente de tecido medular rodeado por uma estreita camada de córtex. Os túbulos seminíferos são pequenos e mostram pouca evidência de espermatogênese ativa.
Atrofia cutânea e perda de massa muscular podem estar relacionadas com os deficientes efeitos anabólicos da proteína do hormônio do crescimento, em cães ou gatos adultos. A interferência com a secreção de hormônios tróficos de
hipófise frequentemente resulta em atrofia de gônadas, resultando também em diminuição da libido ou anestro.
PANHIPOPITUITARISMO DE INÍCIO JUVENIL (Nanismo Hipofisário)
Nanismo hipofisário ocorre mais frequentemente em cães da raça Pastor Alemão, mas há relato em outras raças, como Spitz, Pinscher miniatura e Karelian Bear Dog. Essa anormalidade é hereditária, com característica autossômica
recessiva simples.
O nanismo hipofisário normalmente está associado a falha do ectoderma orofaringiano do ducto da faringe cranial (bolsa de Rathke) em se diferenciar em células tróficas do hormônio secretor da parte distal. Em consequência, a adeno
hipófise não se desenvolve completamente. Uma segunda causa mais comum é o craniofaringioma, um tumor benigno derivado do ectoderma da orofaringe da bolsa de Rathke. Comparado com outros tipos de neoplasias da hipófise, esses
tumores tendem a se desenvolver em cães mais jovens. Os craniofaringiomas causam secreção subnormal do hormônio do crescimento, resultando em nanismo.
ACHADOS CLÍNICOS: Os filhotes de cães com nanismo são indistinguíveis dos irmãos de ninhada normais, até que completem 2 meses de idade. Subsequentemente, notase evidência gradativa de taxa de crescimento mais lenta, comparada
com os irmãos de ninhada, retenção da pelagem de filhote e falta de pelos de proteção primários. Cães da raça Pastor Alemão com nanismo hipofisário se parecem com coiote ou raposa, devido seu pequeno tamanho e pelame espesso e
macio. Alopécia bilateral simétrica se desenvolve gradualmente e, com frequência, se generaliza, exceto na cabeça e com tufos de pelos nos membros. A dentição permanente é retardada ou completamente ausente. O fechamento das
epífises também é retardado por tanto tempo quanto 4 anos, dependendo da gravidade da insuficiência hormonal; devese à deficiência de ambos, hormônio estimulante da tireoide e hormônio do crescimento. Os testículos e o pênis são
pequenos, a calcificação do osso peniano é retardada ou incompleta e o prepúcio peniano é flácido. O córtex do ovário é hipoplásico e o cio é irregular ou ausente. A expectativa de vida é curta devido à disfunção endócrina secundária,
como hipotireoidismo e hipoadrenocorticismo. Filhotes de cães com panhipopituirarismo frequentemente tem latido estridente.
Lesões: Os cistos hipofisários são preenchidos com muco e, por fim, ocupam toda a hipófise, resultando em grave compressão da parte nervosa e do pedúnculo infundibular. Craniofaringiomas são massas grandes, sólidas, císticas que se
estendem ao hipotálamo. Podem também crescer ao longo da parte ventral do cérebro, onde a incoorporação de vários nervos craniais resulta em disfunções de nervos específicos.
DIAGNÓSTICO: Os teores de tiroxina, tri–iodotironina e cortisol encontramse diminuídos ou no limite inferior de normalidade. Naqueles animais com suspeita de alteração no teor de hormônio basal, a resposta ao desafio com tireotropina
ou adrenocorticotropina exógena é subnormal devido à hipoplasia ou atrofia da tireoide ou do córtex da adrenal. Outros testes auxiliares de diagnóstico úteis incluem: comparação entre as alturas dos irmãos de ninhada, evidência de atraso
no fechamento epifisário ou disgenesia em radiografias do esqueleto e biópsia de pele. Lesões cutâneas incluem hiperqueratose, queratose folicular, hiperpigmentação, atrofia de anexos, perda das fibras elásticas e perda da rede de fibras de
colágeno na derme. Notase ausência de eixo piloso e os folículos pilosos se apresentam principalmente na fase telógena do ciclo de crescimento.
A atividade da somatomedina C (fator de crescimento semelhante à insulina 1) é baixa em cães com nanismo. Notase atividade da somatomedina C intermediária em progenitores fenotipicamente normais, suspeitos de serem portadores
heterozigotos. Testes para somatomedina C propiciam uma mensuração indireta da atividade do hormônio do crescimento circulante, em cães com suspeita de nanismo hipofisário. Relatase que, em cães, o valor basal circulante de
hormônio do crescimento é detectável, porém baixo (faixa normal: 1,75 ± 0,17 mg/ml), em animais com nanismo hipofisário e não se eleva depois de um teste com injeção de clonidina (30μg/kg IV) que provoca secreção, como acontece
em cães normais. Hipersensibilidade à insulina foi demonstrada em cães com nanismo hipofisário, provavelmente devido à alteração na quantidade de receptores de insulina ou da afinidade de ligação em resposta a baixo teor de hormônio
do crescimento.
TUMORES NÃO FUNCIONAIS DA HIPÓFISE
Esses tumores são incomuns na maioria das espécies. Os adenomas cromófobos parecem endocrinologicamente inativos, mas podem causar atrofia por compressão de porções adjacentes à hipófise e estenderse adjacente ao cérebro.
Distúrbios clínicos ocorrem, também, devido à falta de secreção de hormônios tróficos da hipófise e da menor função do órgãoalvo (p. ex., córtex da adrenal), ou disfunção do SNC. Animais acometidos frequentemente apresentam
depressão, incoordenação e fraqueza e podem entrar em colapso quando submetidos a exercícios (ver p. 587).
Os adenomas de hipófise endocrinologicamente inativos com frequência atinge tamanho considerável antes de causarem sintomas óbvios (ou óbito). A proliferação de células tumorais incorpora estruturas remanescentes da adeno
hipófise e do pedúnculo infundibular. Todo o hipotálamo todo ser comprimido e substituído pelo tumor.
GLÂNDULA TIREOIDE
Todos os vertebrados apresentam glândula tireoide. Em mamíferos, normalmente é bilobada e localizase imediatamente caudal à laringe, adjacente à face lateral da traqueia. Os dois lobos podem ser conectados por um istmo fibroso (p. ex.,
em ruminantes, equinos), ou um istmo conector pode ser indistinto (p. ex., cães, gatos). A glândula é altamente vascularizada. Em pássaros, situase na cavidade torácica; ambos os lobos se localizam próximo à laringe inferior, adjacente à
artéria carótida, próximo à origem da artéria vertebral.
Tecido tireoidiano ectópico ou acessório é relativamente comum na maioria das espécies, especialmente em cães e gatos. Pode ser encontrado em qualquer parte da laringe até o diafragma e pode ser responsável pela manutenção da
função tireoidiana normal após tireoidectomia. Ademais, no tecido tireoidiano ectópico ocasionalmente é o local de hiperplasia ou neoplasia.
FISIOLOGIA: Os hormônios da tireoide são os únicos compostos orgânicos iodados do corpo. Tiroxina (T4) é o principal produto secretado pela glândula tireoide normal. Entretanto, a tireoide também secreta 3,5,3´triiodotironina (T3),
T3 reverso e outros metabólitos iodados. T3 é cerca de 3 a 5 vezes mais potente do que T4, enquanto T3 reverso é uma substância que mimetiza a função tireoidiana, porém é inativo.
Contudo, todo T4 é secretado na tireoide e uma quantidade considerável de T3 é derivada do T4; portanto, T4 tem sido considerado um próhormônio. Sua ativação em T3, mais potente, é uma etapa regulada individualmente por tecidos
periféricos.
A secreção de hormônio tireoidiano é controlada principalmente por feedback negativo, mediante uma resposta coordenada do eixo hipotálamohipófisetireoidiano: o hormônio liberador da tireotropina (TRH) ligase à célula tireotrófica
na hipófise e estimula a secreção de tireotropina (hormônio estimulante da tireoide, TSH), que se liga à membrana da célula folicular e estimula a síntese e secreção do hormônio da tireoide.
Os hormônios tireoidianos são complexos lipofílicos insolúveis em água, que se ligam às proteínas plasmáticas (ligação proteína–tireoxina, ligação préalbuminatireoxina [transtiretina] e albumina). A principal função da ligação
proteínahormônio da tireoide provavelmente é propiciar uma reserva de hormônio no plasma e distribuir um hormônio “tampão” no tecido. No animal com função de tireoide normal, 0,1% do T4 total sérico encontrase livre (não ligado à
proteína), ao passo que cerca de 1% do T3 circulante é livre. Evidências atuais sugerem que as frações de T4 livre e T3 livre circulante determinam qual quantidade de hormônio está disponível para absorção pelo tecido.
AÇÃO DOS HORMÔNIOS DA TIREOIDE: Os hormônios da tireoide atuam em vários mecanismos celulares; entretanto, nenhuma reação ou evento metabólico pode ser equiparado com a ação destes hormônios. Contudo, ambos T4 e T3 têm
atividade metabólica intrínseca; T3é 3 a 5 vezes mais potente quanto à ligação a receptores nucleares e similarmente mais potente na estimulação de consumo de oxigênio.
Efeitos dos hormônios da tireoide geralmente são incluídos em duas categorias: aqueles que se manifestam minutos a horas após ligação com o receptor do hormônio e não requerem síntese de proteína; e aqueles que se manifestam
tardiamente (normalmente > 6 h) e requerem síntese de novas proteínas. Cerca de metade do aumento do consumo de oxigênio induzido por hormônios da tireoide está relacionado com a ativação da Na+/K+ATPase ligada à membrana
plasma; hormônios da tireoide também estimulam o consumo de oxigênio pelas mitocôndrias. Essas alterações são diretamente ligadas ao efeito termogênico dos hormônios da tireoide. Outros efeitos crônicos invariavelmente estão
relacionados com a ação celular que requer interação com receptores nucleares de T3, seguida de importante aumento na síntese de proteína para os processos fisiológicos, como crescimento, diferenciação, proliferação e maturação.
Os hormônios tireoidianos, em concentrações fisiológicas, são anabólicos. Em conjunção com o hormônio do crescimento e a insulina, estimula a síntese de proteína e a reduz a excreção de nitrogênio. Entretanto, em excesso
(hipertireoidismo), podem ser catabólicos, com aumento da gliconeogênese, quebra de proteínas e perda de nitrogênio.
AUMENTO NÃO NEOPLÁSICO DA GLÂNDULA TIREOIDE (Bócio)
O aumento da glândula tireoide é, por definição, bócio. Aumento da tireoide não neoplásico e não inflamatório é verificado em todos os mamíferos domésticos, bem como em aves. As principais causas de bócio são deficiência de iodo,
ingestão de substância bociogênicas, excesso de iodo na dieta e defeitos hereditários da enzima que participa na biossíntese de hormônios da tireoide. Muitos animais com bócio parecem que se mantêm eutireóideos, mas sinais clínicos de
hipotireoidismo podem se desenvolver em alguns pacientes, especialmente em recémnascidos.
DEFICIÊNCIA DE IODO: Hiperplasia de tireoide devido à deficiência de iodo era comum em muitas regiões bociogênicas, em todo o mundo, antes da suplementação generalizada de sal iodado à dieta dos animais. Embora surtos de bócio por
deficiência de iodo atualmente sejam esporádicos e menos animais são acometidos, a deficiência de iodo é ainda responsável pela ocorrência de bócio não neoplásico em animais domésticos de grande porte.
Os átomos de iodo são componentes dos hormônios tireoidianos tiroxina e triiodotironina; assim, a deficiência de iodo reduz a habilidade da tireoide em sintetizar esses hormônios. Com baixa concentração de hormônio tireoidiano
circulante, a hipófise secreta mais hormônio estimulador da tireoide (TSH), que atua como um estímulo para hiperplasia da glândula tireoide e subsequente desenvolvimento de bócio. A glândula hiperplásica pode compensar, e
normalmente faz isso, a menor disponibilidade de iodo; portanto, bócio não é, de modo algum, sinônimo de hipotireoidismo. A tireoide fetal é mais suscetível aos efeitos de alta e baixa ingestão de iodo; animais nascidos de fêmeas que
recebiam dieta deficiente em iodo são mais sujeitos ao desenvolvimento de aumento grave da tireoide e de sinais clínicos de hipotireoidismo.
O bócio causado por deficiência de iodo é mais comum em cordeiros, bezerros e leitões recémnascidos, em regiões com deficiência de iodo. Os lobos da tireoide do animal jovem normalmente são pelo menos duas vezes maior que o
tamanho normal, macia e vermelhoescura. Em casos graves, é acompanhada de falta de pelos (especialmente em suínos) ou lã (cordeiros). No pescoço normalmente notase aumento de volume evidente e a pele e outros tecidos podem
estar espessados, flácidos e edematosos. Em animais discretamente afetados, o tratamento com sal iodado (contendo > 0,007% de iodo) pode curar o bócio e os sintomas associados, mas muitos animais morrem antes ou logo após o
nascimento. Profilaxia é mais efetiva do que tratamento. O uso de sal iodado estabilizado é recomendado em todas as áreas conhecidas ou suspeitas de serem deficientes em iodo.
TOXICIDADE AO IODO: Bócio e hipotireoidismo acometem potros que recebem excesso de iodo durante a gestação. Éguas suplementadas com = 35 mg de iodo/dia podem gerar potros acometidos. Os sinais clínicos variam e podem incluir
bócio, fraqueza e anormalidades musculoesqueléticas. Éguas são assintomáticas, invariavelmente. O quadro clínico dos potros pode melhorar ou recuperar assim que o excesso de iodo é removido.
SUBSTÂNCIAS BOCIOGÊNICAS: Algumas plantas podem ocasionar bócio quando ingeridas em quantidade suficiente, especialmente na ausência de adequada ingestão de iodo. Sojas são as mais notáveis; repolho, couve e nabo são menos
bociogênicos. Cozimento ou aquecimento (e o processamento normal do farelo de soja) destrói a agente bociogênico presente nessas plantas. Todas as substâncias bociogênicas atuam interferindo na produção de hormônio da tireoide.
Como na deficiência de iodo, a hipófise responde a baixo teor de hormônio tireoidiano circulante aumentando a secreção de TSH, o que resulta em aumento da tireoide. Em animais adultos normalmente a doença não é significante, mas em
recémnascidos podese desenvolver intenso aumento da tireoide e hipotireoidismo.
HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO E SÍNDROME DA DISFUNÇÃO DE MATURIDADE EM POTROS: Essa síndrome de potros neonatos, primeiramente relatada no início da década de 1980, é caracterizada por hiperplasia da tireoide, bócio e
anormalidades musculoesqueléticas congênitas múltiplas. É mais comum no oeste do Canadá; também, foi observada no noroeste do Pacífico e esporadicamente em outras regiões dos EUA. Não há predileção sexual ou por raça. Potros
com essa síndrome nascem depois de uma gestação prolongada (300 a 400 dias), mas parecem imaturos, com orelhas moles, fraqueza muscular e desenvolvimento esquelético incompleto. Defeitos musculoesqueléticos comuns incluem
deformidades de flexura de membro torácico, ruptura de tendões do músculo extensor do dígito comum, prognatia mandibular e imaturidade dos ossos do carpo e do tarso. Vários casos podem surgir na fazenda, sem recidiva nos anos
subsequentes. A causa primária é desconhecida, mas pode ser decorrência de dieta com alto teor de nitrato (p. ex., alimento verde), juntamente com baixa ingestão de iodo ou consumo de bociogênico não identificado. Muitos potros
acometidos também morrem ou são submetidos à eutanásia na primeira semana de vida.
BÓCIO DISORMONOGENÉTICO FAMILIAR:
Tem sido relatado em ovelhas, bezerros, cabras e suínos; parece ser herdado como uma característica autossômica recessiva. Essencialmente, é um defeito genético da enzima que atua na biossíntese de hormônio da tireoide. Como acontece
na deficiência de iodo, a baixa produção de hormônio tireoidiano ocasiona maior secreção de TSH e, subsequentemente, bócio. Os sinais clínicos podem incluir taxa de crescimento subnormal, ausência de desenvolvimento normal de lã ou
pelame escasso, edema mixedematoso nos tecidos subcutâneos e fraqueza. Muitos animais acometidos morrem logo após o nascimento ou são muito sensíveis às condições adversas do ambiente.
HIPERTIREOIDISMO
Excessiva secreção dos hormônios da tireoide, T4 e T3, resulta em sintomas que refletem aumento da taxa metabólica e provoca hipertireoidismo clínico. Isso é mais comum em gatos jovens a idosos, mas também pode se desenvolver
raramente em cães.
O adenoma de tireoide funcional (hiperplasia adenomatosa) é a causa mais comum de hipertireoidismo felino; em cerca de 70% dos casos, ambos os lobos da tireoide encontramse hipertrofiados. O carcinoma de tireoide, causa primária
de hipertireoidismo em cães, é raro em gatos (1 a 2% dos casos de hipertireoidismo).
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Os sinais mais comuns incluem perda de peso, aumento do apetite, hiperexcitabilidade, polidipsia, poliúria e aumento palpável da glândula da tireoide. Sintomas GI também são comuns e podem incluir
vômito, diarreia e maior volume fecal. Os sintomas cardiovasculares incluem taquicardia, sopro cardíaco sistólico, dispneia, cardiomegalia e insuficiência cardíaca congestiva. Raramente, gatos com hipertireoidismo apresentam sinais de
apatia (p. ex., anorexia, letargia e depressão); perda de peso é um sinal comum nesses gatos.
A alta concentração sérica basal de hormônio tireoidiano total é característica de hipertireoidismo e confirma o diagnóstico. Embora na maioria dos gatos com hipertireoidismo a concentração sérica de T4 total seja alta, cerca de 5 a 10%
dos gatos têm valor normal de T4. Muitos gatos com teor sérico de T4 normal, também apresentam hipertireoidismo inicial ou discreto ou hipertireoidismo com doença extratireoidiana concomitante, que causa supressão da alta
concentração de T4 total para valor nos limites da faixa de normalidade. Nesses gatos, uma alta concentração de T4 livre, juntamente com as informações obtidas na anamnese e os achados de exame físico consistentes, é indicador
diagnóstico de hipertireoidismo.
TRATAMENTO: Gatos com hipertireoidismo pode ser tratado com iodo radioativo, tireoidectomia ou administração prolongada de um medicamento antitireoide. O iodo radioativo é um tratamento simples, efetivo e seguro, sendo
considerado a terapia de escolha. O iodo radioativo se concentra no tumor de tireoide, onde seletivamente irradia e destrói o tecido tireoidiano hiperfuncional.
Tireoidectomia também é um tratamento efetivo para hipertireoidismo, em gatos. No caso de tumor de tireoide unilateral, a hemitireoidectomia corrige o estado de hipertireoidismo e geralmente não é necessária suplementação com
tireotoxina. Para tumores de tireoide bilaterais, indicase tireoidectomia total, mas a função da paratireoide deve ser preservada para evitar hipocalcemia pósoperatória. A suplementação com tirotoxina deve ser iniciada 1 a 2 dias
apóstireodectomia total. Caso se desenvolva hipoparatireodismo iatrogênico, também indicase tratamento com vitamina D e cálcio.
O tratamento com metimazol, um medicamento antitireoide, controla o hipertireoidismo por bloquear a síntese do hormônio da tireoide. Propiltiouracila, outro medicamento antitireoide, não é recomendado para gatos devido à alta taxa
de reações adversas graves (especialmente anemia hemolítica e trombocitopenia). A dose diária inicial de metimazol recomendada é 5 a 10 mg, fracionada em 2 doses. A dose é ajustada para manter a concentração de hormônio da tireoide
circulante dentro da faixa normal; é fornecido diariamente. Reações adversas, sendo as mais graves agranulocitose e trombocitopenia, desenvolvemse em < 5% dos gatos tratados. Se isso ocorrer, devese interromper o uso de metimazol e
instituir terapia de suporte; essas reações adversas devem regredir dentro de 2 semanas. Para manter teor normal de hormônio da tireoide e para monitorar as reações adversas durante nos 3 primeiros meses de tratamento (quando ocorre a
maioria das reações adversas graves associadas à terapia com metimazol), devese repetir o hemograma completo e a determinação sérica do hormônio de tireoide em intervalos de 2 a 4 semanas, bem como ajustar a dose do medicamento,
se necessário. Subsequentemente, as concentrações de T4 sérico devem ser mensuradas em intervalos de 3 a 6 meses, para monitorar a dose e a resposta ao tratamento.
No caso de reação adversa, pode ser necessário o emprego de outra terapia medicamentosa, em vez de metimazol. Na maioria dos casos, essas terapias medicamentosas alternativas são para uso a curto prazo e apenas recomendadas antes
de uma opção de tratamento mais permanente.
O propranolol e o atenolol são os bloqueadores de betaadrenorreceptor mais frequentemente utilizados em gatos com hipertireoidismo. Esses medicamentos não diminuem a concentração de T4 circulante, mas são utilizados no controle
sintomático de taquicardia, taquipneia, hipertensão e hiperexcitabilidade associadas ao hipertireoidismo.
Agentes colecistográficos de uso oral (p. ex., ipodato, ácido iopanoico ou diatrizoato meglumina) inibem bruscamente a conversão periférica de T4 a T3. Em um estudo com gatos com hipertireoidismo, a administração de ipodato de
cálcio normalizou a concentração sérica de T3 total e propiciou melhora clínica em > 60% dos gatos tratados. Atualmente o ipodato (308 mg de iodo/500 mg de ipodato de cálcio) não é mais comercializado, pelo menos nos EUA, mas há
relatos anedóticos de uso de ácido iopânico (333 mg de iodo/500 mg de ácido iopanoico) e diatrizoato meglumina (370 mg de iodo/ml) em gatos com hipertireoidismo, em doses comparáveis. Nenhum desses medicamentos propicia cura
completa dos sinais clínicos ou das características bioquímicas associadas a hipertireoidismo. Ademais, é comum a diminuição dos efeitos na tireoide após 3 meses de terapia com qualquer desses medicamentos.
Em cães, um tumor de tireoide que causa hipertireoidismo sempre deve ser considerado um carcinoma, até que se prove o contrário. Esse é diferente do observado em gatos com hipertireoidismo, nos quais a prevalência de carcinoma de
tireoide é < 5%.
O tratamento de neoplasia de tireoide e de hipertireoidismo, em cães, depende do tamanho do tumor primário, da extensão da invasão do tecido local, da presença de metástase detectável e das opções de tratamentos disponíveis. Podese
indicar cirurgia, quimioterapia, radiação com cobalto e iodo radioativo, sozinhos ou em combinações, dependendo do indivíduo. O controle médico do estado de hipertireoidismo pode ser obtido pela administração diária de um
medicamento antitireoide, como metimazol ou carbamazol (5 a 15 mg/cão, 2 vezes/dia), mas este tratamento médico não evita o crescimento do tumor ou a ocorrência de metástase. Como o hipertireoidismo canino quase sempre está
associado a carcinoma de tireoide, o prognóstico a longo prazo para esses cães é ruim.
HIPOTIREOIDISMO
No hipotireoidismo, o prejuízo à produção e à secreção de hormônios da tireoide resulta em diminuição da taxa metabólica. Este distúrbio é mais comum em cães, mas também raramente é notado em outras espécies, inclusive gatos,
equinos e outros animais domésticos de grande porte.
ETIOLOGIA: Embora a disfunção em qualquer parte do eixo hipotálamohipófisetireoidiano possa resultar em deficiência de hormônio da tireoide, > 95% dos casos clínicos de hipotireoidismo em cães parecem resultar de destruição da
própria glândula tireoide (hipotireoidismo primário). A segunda causa mais comum de hipotireoidismo primário de início adulto, em cães, incluem tireoidite linfocitária e atrofia idiopática da tireoide. Tireoidite linfocitária, provavelmente
imunomediada, é caracterizada histopatologicamente pela infiltração difusa da glândula por linfócitos, plasmócitos e macrófagos e resulta em progressiva destruição dos folículos e fibrose secundária. Atrofia idiopática da glândula tireoide
é caracterizada histologicamente pela perda do parênquima tireoidiano e sua substituição por tecido adiposo (ver p. 882).
Em cães, a causa mais comum de hipotireoidismo secundário é a destruição da tireotrofos da hipófise pela expansão e ocupação do espaço por tumor. Devido à natureza não seletiva da atrofia compressiva e substituição do tecido da
hipófise por tumor grande; também, normalmente ocorrem deficiências de outros (um ou mais) hormônios da hipófise.
Outras formas raras de hipotireoidismo em cães incluem destruição neoplásica do tecido tireoidiano e hipotireoidismo congênito (ou de início juvenil). Hipotireoidismo primário congênito pode resultar de uma ou várias formas de
disgenesia da tireoide (p. ex., atireose, hipoplasia de tireoide) ou de disfunção na produção de hormônio (normalmente uma inabilidade hereditária em tornar o iodo em sua forma orgânica). Hipotireoidismo secundário congênito (associado
a sinais clínicos de nanismo desproporcional, letargia, anormalidades no andar e constipação intestinal) tem sido relatado em cães das raças Schnauzer gigante, Fox Terrier toy e Scottish Deerhound. Hipotireoidismo secundário congênito
também tem sido relatado no cão Pastor Alemão com nanismo hipofisário associado a bolsa de Rathke cística. Entretanto, o grau de deficiência de TSH nesses cães é variável e os sinais clínicos, em geral, são causados por deficiência de
hormônio do crescimento (em vez de hormônio da tireoide).
Em gatos, hipotireoidismo iatrogênico é a forma mais comum. O hipotireoidismo se desenvolve nesses gatos depois do tratamento de hipertireoidismo com iodo radioativo, tireoidectomia ou uso de um medicamento antitireoide. Embora,
o hipotireoidismo de ocorrência natural seja uma anormalidade extremamente rara em gatos adultos, estes animais também podem manifestar hipotireoidismo congênito ou de início juvenil. As causas conhecidas de hipotireoidismo
congênito em gatos incluem defeitos na biossíntese de hormônio intratireoidiana (disfunção na produção de hormônio), uma inabilidade da glândula tireoide em responder ao TSH, e disgenesia da tireoide. Todos os gatos diagnosticados
com hipotireoidismo apresentavam a forma primária (tireoidiana). Hipotireoidismo secundário (hipofisário) ou terciário (hipotalâmico) não foi bem descrito em gatos, jovens e adultos, mas há relato da doença após grave traumatismo
craniano.
Em potros, podese desenvolver hipotireoidismo congênito quando éguas prenhes consome pastagem que contém substância bociogênicas, ou que são alimentadas com dieta deficientes ou que contém quantidade excessiva de iodo. Mais
comumente, o hipotireoidismo congênito desenvolvese em associação com uma síndrome neonatal específica do potro caracterizada por hiperplasia da glândula tireoide, juntamente com anomalias musculoesqueléticas congênitas
múltiplas. Essa síndrome, relatada mais comumente no oeste do Canadá, foi denominada como síndrome de deformidades musculoesqueléticas e hiperplasia de tireoide ou síndrome da dismaturidade ou hipotireoidismo congênito e pode
estar relacionado o fornecimento de dieta com alto teor de nitrato a éguas prenhes (ver p. 591). Em equinos adultos, a ocorrência de hipotireoidismo parece muito rara, mas, como em outras espécies, é comumente erroneamente
diagnosticado.
ACHADOS CLÍNICOS: Embora a idade de início da doença seja variável, o hipotireoidismo é mais comum em cães com 4 a 10 anos de idade. O hipotireoidismo, normalmente acomete raças de porte médio a grande, sendo raro em cães de
raças pequenas e toy. As raças relatadas predispostas incluem Golden Retriever, Doberman Pinscher, Setter Irlandes, Schnauzer miniatura, Dachshund, Cocker Spaniel e Airedale Terrier. Parece não haver predileção sexual, mas fêmeas
castradas parecem mais suscetíveis a hipotireoidismo do que fêmeas não castradas.
A deficiência de hormônio da tireoide interfere na função de todos os sistemas orgânicos; como resultado, os sinais clínicos são difusos, variáveis, frequentemente inespecíficos e raramente patognomônicos. Embora a doença deva ser
altamente suspeita, devese evitar valorização excessiva do diagnóstico porque muitas doenças, especialmente aquelas de pele, podem facilmente ser diagnosticadas erroneamente como hipotireoidismo.
Muitos dos sinais clínicos associados a hipotireoidismo canino estão diretamente relacionados com o retardo do metabolismo celular, que resulta em embotamento mental, letargia, intolerância ao exercício e ganho de peso, sem
correspondente aumento do apetite. Em alguns cães, notase obesidade moderada ou marcante. A dificuldade de manter a temperatura corpórea pode ocasionar hipotermia evidente; o clássico cão com hipotireoidismo é aquele que procura
uma fonte de calor. Alterações na pele e no pelame são comuns. Pelos secos, queda excessiva e retardo de crescimento, novamente, são as principais alterações cutâneas. Em cerca de 2/3 dos cães com hipotireoidismo, notamse queda de
pelos sem prurido ou alopécia (normalmente simétrica bilateral) que pode envolver as partes ventral e lateral do tronco, a face posterior das coxas, o dorso da cauda, a região ventral do pescoço e o dorso do nariz. Alopécia, às vezes
associada a hiperpigmentação, frequentemente surge em partes do pelame. Ocasionalmente, notase piodermite secundária (que pode causar prurido).
Em casos moderados a graves, ocorre espessamento da pele secundário ao acúmulo de glicosaminoglicanos (sobretudo ácido hialurônico) na derme. Em tais casos, mixedema é mais comum na testa e na face, resultando em uma
aparência inchada nas pregas da pele acima dos olhos. Essas pregas, juntamente com ligeiro dobramento sobre os olhos, dão à alguns cães uma expressão de face “trágica”. Essas alterações também foram relatadas no trato GI, coração e
músculo esquelético.
Em cães não castrados, o hipotireoidismo pode causar vários distúrbios reprodutivos em fêmeas, ausência de cio (anestro) ou cio esporádico, infertilidade, abortamento ou baixa taxa de sobrevivência de fetos. Em machos, notase falta de
libido, atrofia testicular, hipospermia ou infertilidade.
Coma mixedematosa é uma síndrome rara; é a extrema manifestação do hipotireoidismo grave. O curso pode ser agudo; letargia progride a estupor e, então, coma. Os sinais comuns de hipotireoidismo (p. ex., perda de pelos)
normalmente estão presentes, mas outros sintomas, como hipoventilação, hipotensão, bradicardia e hipotermia profunda também são normalmente vistos.
Durante o período fetal e nos primeiros meses de vida pósnatal, os hormônios tireoidianos são fundamentais para o crescimento e desenvolvimento do esqueleto e do SNC. Portanto, além dos sintomas bem reconhecidos de
hipotireoidismo de início adulto, nanismo desproporcional e prejuízo ao desenvolvimento mental (cretinismo) são sinais marcantes de hipotireoidismo congênito de início juvenil. No hipotireoidismo congênito primário, também pode ser
detectado aumento da glândula tireoide (bócio), dependendo da causa do hipotireoidismo. Sinais radiográficos de disgenesia de epífese (epífeses de ossos longos subdesenvolvidas), encurtamento de corpos vertebrais e retardo no
fechamento das epífeses são achados comuns.
Em cães com hipopituitarismo congênito (ver p. 588) pode haver graus variáveis de deficiência tireoidiana, adrenocortical e gonádico, mas os sinais clínicos estão relacionados principalmente com a deficiência de hormônio do
crescimento. Os sintomas incluem nanismo proporcional (em vez de desproporcional, a forma de nanismo característico de hipotireoidismo congênito), perda dos principais pelos de proteção com retenção do pelame de filhote,
hiperpigmentação cutânea e alopécia bilateral simétrica no tronco.
Em gatos adultos, os sinais clínicos associados a hipotireoidismo normalmente incluem letargia, retardo mental, seborreia seca não pruriginosa, hipotermia, apetite diminuído e, ocasionalmente, bradicardia. É possível notar obesidade,
especialmente em gatos com hipotireoidismo iatrogênico, mas isso não é um sinal clínico consistente. Parece não ocorrer alopécia bilateral simétrica, com exceção do envolvimento do pavilhão auricular, mas ocasionalmente temse
observado regiões focais de alopécia nas regiões craniolateral dos carpos, caudal dos jarretes e dorsal e lateral da base da cauda. Em gatos jovens com hipotireoidismo congênito ou de início juvenil, os sinais clínicos incluem nanismo
desproporcional, letargia grave, retardo mental, constipação intestinal, inapetência e bradicardia.
DIAGNÓSTICO DE HIPOTIREOIDISMO: Em cães, o hipotireoidismo provavelmente é uma das doenças mais excessivamente diagnosticada. Muitas enfermidades e condições podem mimetizar hipotireoidismo e alguns dos sinais clínicos,
mesmo em cães com função de tireoide normal, podem melhorar após a administração de hormônio tireoidiano exógeno. Ademais, vários fatores não tireoidianos (p. ex., doença extratireoidianas e administração prévia de alguns
medicamentos) podem ocasionar diminuição do teor sérico de hormônio da tireoide em cães, gatos e outras espécies de animais com função tireoidiana normal. O diagnóstico definitivo de hipotireoidismo canino requer atenção especial aos
sinais clínicos e resultados de testes laboratoriais de rotina. Os testes que podem confirmar o diagnóstico incluem mensuração das concentrações séricas de T4 total, T4 livre e TSH; testes de desafio da função da tireoide (p. ex., teste de
estimulação com TSH); imagem da glândula tireoide; e resposta ao uso de hormônio da tireoide suplementar. A escolha e a interpretação dos testes de diagnóstico se baseiam muito no grau de suspeita de hipotireoidismo.
Há anormalidades clínicopatológicas bem reconhecidas associadas a hipotireoidismo, a gravidade que é normalmente relacionada com a gravidade e cronicidade da condição de hipotireoidismo. Essas alterações não são específicas e
podem estar associadas a muitas outras doenças de cães. Entretanto, sua constatação, propicia suporte adicional à evidência de hipotireoidismo em cães com sinais clínicos compatíveis. Os achados hematológicos clássicos associados a
hipotireoidismo, verificado em 40 a 50% dos casos, é anemia normocítica normocrômica não regenerativa. A anormalidade bioquímica sérica clássica é hipercolesterolemia, notado em cerca de 80% dos cães com hipotireoidismo. A
importância da determinação do teor sérico de colesterol como teste de triagem para hipotireoidismo não pode ser superenfatizados por ser um marcador bioquímico sensível e barato para essa doença, em cães. Outras anormalidades
clínicopatológicas podem incluir alta concentração sérica de triglicerídios, bem como das atividades de fosfatase alcalina e creatinina quinase.
A concentração de T4 total é a mensuração de hormônio da tireoide estático mais comumente realizado, sendo considerado um bom teste de triagem inicial de hipotireoidismo, com sensibilidade de diagnóstico de cerca de 90%. Um cão
com uma concentração de T4 na faixa de normalidade pode ser considerado eutireóideo, ou seja, com função normal da tireoide. Entretanto, teor de T4 basal subnormal não é diagnóstico; isso pode indicar que o animal é normal,
hipotireóideo ou que apresenta uma doença extratireoidiana com diminuição secundária da concentração de T4 basal.
Como a fração sérica não ligante de T4 é biologicamente ativa, a mensuração de T4 livre tem sido considerada mais útil na diferenciação de cães eutireóideos daqueles cães com hipotireoidismo, do que a concentração de T4 total.
Entretanto, a maioria dos testes comerciais de fase sólida e estágio único (análogo) para T4 livre não parece superior à mensuração de T4 total no cão, provavelmente devido a diferenças nas proteínas de ligação séricas. Um teste de T4 livre
que utiliza uma fase de diálise de equilíbrio (diálise direta) tem maior acerácea do que os métodos análogos. Comparado ao teste de T4 total, o teste de T4 livre por diálise é um indicador diagnóstico mais sensível e específico.
Como o T3 é o hormônio tireoidiano mais potente em nível celular, seria lógico sua mensuração para fim de diagnóstico. Entretanto, a concentração sérica de T3 pode ser baixo, normal ou (ocasionalmente) alto, em cães com
hipotireoidismo documentado. O valor da determinação de T3 sérico no diagnóstico é particularmente baixo quando há insuficiência tireoidiana recente porque a “falha” da tireoide tende a aumentar a síntese e secreção relativa de
T3 versus T4. Em cão com hipotireoidismo, no qual o teor sérico de T3 é alto, devese suspeitar de anticorpo anti–T3, que induz falso resultado na maioria dos testes de radioimunoensaio para T3.
A dosagem de TSH sérico por meio de um teste de TSH espécieespecífico válido pode ser um exame auxiliar útil no diagnóstico de hipotireoidismo em cães e equinos. Seria de se esperar que animais com hipotireoidismo primário (de
longe, o tipo mais comum) tivesse baixa concentração sérica de T4 e/ou T4 livre, com alta concentração de TSH endógeno. Infelizmente, a concentração sérica de TSH permanece na faixa de normalidade em 20 a 40% dos cães com
hipotireoidismo confirmado. Embora poucos cães com concentração sérica de TSH normal tenham hipotireoidismo secundário, deficiência de TSH hipofisário é extremamente rara e vários cães com concentração de TSH normal (i. e.,
resultado falsonegativo) apresenta hipotireoidismo primário. Por outro lado, teor sérico de TSH falsamente elevado (i. e., resultado falsopositivo) ocasionalmente é constatado em cães eutireóideos, com doença extratireoidiana. Assim, a
dosagem sérica de TSH nunca deve ser avaliada sozinha, mas sempre juntamente com o histórico do cão, as anormalidades em exames laboratoriais de rotina e as concentrações de T4 total e T4 livre.
O teste de estimulação de TSH avalia a resposta da glândula tireoide ao TSH exógeno administrado; ademais, é um teste de reserva tireoidiana. É um teste de função da tireoide confiável em cães, mas seu uso é limitado pela
disponibilidade limitada e alto custo do TSH. O protocolo requer coleta de uma amostra de soro para mensuração de T4 basal, seguido da administração por via intravenosa de 0,1 U de TSH bovino/kg (dose máxima de 5 unidades). Uma
segunda amostra é obtida após 6 h. O TSH recombinante humano encontrase disponível, embora caro, e pode ser congelado durante, pelo menos, 8 semanas, sem perda da potência. A dose recomendada é 75 μg, IV, com coleta de amostra
antes e 6 h após. Os resultados são similares aos obtidos com o uso do produto bovino. Os resultados podem revelar resposta normal, resposta branda (síndrome do eutireóideo doente) ou ausência de resposta (hipotireoidismo).
Ambas, ultrassonografia e cintigrafia da glândula tireoide têm sido avaliadas como testes de diagnóstico de hipotireoidismo em cães. Com um radiologista experiente, a ultrassonografia da tireoide (i. e., diminuição da ecogenicidade e do
volume da tireoide) pode ser um procedimento auxiliar de diagnóstico efetivo para diferenciar entre hipotireoidismo e síndrome do eutireóideo doente. A melhor técnica de imagem possível de ser utilizada é a absorção de tecnécio 99m
(99mTc) e posterior obtenção da imagem da tireoide. Na mensuração quantitativa da absorção do 99mTc na tireoide há pequena ou nenhuma sobreposição entre cães com hipotireoidismo primário e cães com doença extratireoidiana.
Em alguns casos o procedimento mais prático para confirmar o diagnóstico de hipotireoidismo é um teste terapêutico com emprego de normas apropriadas. Toda tentativa deve ser feita para descartar previamente uma doença
extratireoidiana para, então, iniciar o teste terapêutico. Não há evidência de que a suplementação com hormônio da tireoide é benéfica aos cães com a síndrome do eutireóideo doente; pode ser prejudicial. A suplementação com tiroxina
deve ser iniciada na dose de 20 μg/kg (administrada sem alimento, com estômago vazio), 1 ou 2 vezes/dia. Um critério objetivo deve ser utilizado para avaliar a resposta ao tratamento. Caso ocorra resposta positiva ao tratamento, o clínico
deve ser preparado para interromper a terapia para confirmar se os sinais clínicos retornam. Isso assegura que cães com doenças responsivas à tireoide (i. e., aquelas nas quais notase melhora dos sintomas devido aos efeitos inespecíficos
do hormônio tireoidiano ou melhora não relacionada com a terapia) não sejam submetidos à suplementação com hormônios da tireoide por toda a vida. Se a terapia é má sucedida, devese realizar o monitoramento terapêutico para
identificar a causa de falha do tratamento. Como o diagnóstico incorreto é a causa mais comum de falha de tratamento, o clínico deve estar preparado para suspender a terapia e investigar outro diagnóstico.
DIAGNÓSTICO DE TIREOIDITE: Anticorpos antitireoglobulina circulantes podem ser detectados em até metade dos cães com hipotireoidismo e acreditase refletir o estado de tireoidite autoimune. A mensuração desses anticorpos em haras
de reprodutores e em cadelas tem sido proposta como método de identificação de cães com tireoidite autoimune. A determinação sérica de autoanticorpos contra tireoglobulina pode ser um método auxiliar útil para diagnóstico de
hipotireoidismo. Entretanto, o teste nunca deve ser utilizado sozinho na confirmação do diagnóstico de hipotireoidismo porque em cães eutireóideos com tireoidite linfocitária recente podese notar um título de anticorpo antitireoglobulina
positivo. A identificação desses anticorpos sustenta o diagnóstico, caso os cães apresentem sintomas e outros dados laboratoriais compatíveis com a enfermidade.
Embora extremamente raros em cães, ocasionalmente são detectados autoanticorpos circulantes contra hormônio da tireoide (anticorpos antiT3 ou antiT4); também, acreditase que reflete a condição de tireoidite autoimune. Esses
anticorpos, os quais podem ser formados contra qualquer T3 e T4 (ou ambas), induzem falso aumento das concentrações de T3 e T4, na faixa de hipertireoidismo, na maioria dos cães. De todos os hormônios da tireoide, apenas a mensuração
de T4 livre (por diálise) não é influenciada por anticorpos contra T4 ou T3 porque os anticorpos séricos são removidos na fase de diálise. Portanto, se há suspeita de hipotireoidismo em um cão com anticorpos circulantes contra hormônio da
tireoide, devese determinar a concentração sérica de T4 livre para auxiliar na confirmação do diagnóstico.
FATORES EXTRATIREOIDIANOS QUE INTERFEREM NA INTERPRETAÇÃO DOS TESTES DE FUNÇÃO DA TIREOIDE: Em algumas raças a faixa de normalidade para hormônios da tireoide difere de muitas outras raças. Há poucos estudos, mas cães
Greyhound apresentam concentrações séricas de T4 total e T4 livre consideravelmente menores do que em outras raças. Cães Scottish Deerhound também têm concentração de T4 total bem abaixo da média verificada em cães em geral;
ademais, em raças Sight Hound podem ser notados achados semelhantes. Cães de trenó do Alasca apresentam concentrações séricas de T4 total, T3 e T4 livre abaixo da faixa de referência de muitos cães domésticos, particularmente nos
períodos de corrida ou de treinamento intenso.
Doenças que não envolvem a glândula tireoide podem alterar os testes de função da tireoide e têm sido denominadas “doença extratireodiana” ou “síndrome do eutireóideo doente”. Qualquer doença pode alterar os testes de função da
tireoide, causando diminuição bastante consistente nas concentrações de T4 total e T3 proporcionalmente à gravidade da doença. Notase aumento da concentração sérica de TSH em 8 a 10% dos cães com doença extratireoidiana. A
mensuração do teor sérico de T4 livre por diálise em equilíbrio é menos provavelmente influenciada, mas pode estar aumentada ou diminuída. Entretanto, em cães com doença extratireoidiana importante, é provável ocorrer diminuição de
T4 livre. Teste de função da tireoide deve ser adiado até que a doença extratireoidiana seja resolvida. Se isso não for possível, as mensurações de T4, TSH e T4 livre são indicadas.
Glicocorticoides, fenobrabital, sulfonamidas, clomipramina e ácido acetilsalicílico sabidamente alteram os resultados de testes da função da tireoide. Glicocorticoide suprime as concentrações de T4 total e, às vezes, de T4 livre.
Fenobarbital reduz o teor de T4 total e aumenta discretamente o de TSH. Sulfonamidas podem induzir hipotireoidismo primário evidente, com sinais clínicos e testes de função da tireoide que sustentam o diagnóstico. Todas as alterações
são reversíveis quando cessa a medicação. Há dúzias de medicamentos que interferem na função da tireoide e nos testes de função desta glândula em pessoas, e muitas outras igualmente afetam os animais.
TRATAMENTO: Tiroxina (T4) é o composto de reposição hormonal de escolha para cães. Com poucas exceções, a terapia de reposição é necessária para o restante da vida do cão; diagnóstico inicial criterioso e ajustes no tratamento são
essenciais. A dose total de reposição de T4 relatada varia de 0,02 a 0,04 mg/kg/dia, em dose única ou fracionada 2 vezes/dia, sem alimento (de estômago vazio).
O mais importante indicador de sucesso da terapia é a melhoria clínica. Cessação de mudanças do pelame e o peso corporal devem ser avaliados apenas depois de 1 a 2 meses de terapia. Quando a melhoria clínica é marginal ou os sinais
de tireotoxicose são notados, as manifestações clínicas podem ser sustentadas mediante monitoramento terapêutico da concentração sérica de hormônio da tireoide (“teste póspílula”). No caso de administração de T4 1 vez/dia, a
concentração sérica máxima de T4 geralmente deve ser ligeiramente alta ou no limite superior de normalidade 4 a 6 h após a administração e deve ser no limite inferior de normalidade ou normal 24 h após a dose. Os animais em
administração 2 vezes/dia provavelmente podem ser avaliados a qualquer momento, porém a concentração máxima pode ser esperada no meio do intervalo entre as doses (4 a 6 h), com valor mínimo antes da próxima dose. Quando a dose é
estabilizada, as concentrações séricas de T4 (com ou sem T3) devem ser verificadas 1 a 2 vezes/ano.
Se os sinais clínicos de hipotireoidismo permanecem, apesar do uso de doses razoável de hormônio da tireoide, devese considerar: 1) a dose ou a frequência de administração é imprópria; 2) o proprietário não está cumprindo as
instruções ou não tem administrado o produto com sucesso; 3) o animal não está absorvendo bem o medicamento ou está metabolizando e/ou excretandoo muito rapidamente; 4) o produto está vencido; ou 5) o diagnóstico está incorreto.
GLÂNDULAS ADRENAIS
As glândulas adrenais dos mamíferos estão localizadas no polo cranial dos rins. Consistem de duas partes distintas, o córtex mais externo e a medula interna, que se diferem quanto à morfologia, função e origem.
CÓRTEX ADRENAL
O córtex adrenal é subdividido em três camadas ou zonas, embora a delimitação entre as zonas seja indistinta. A zona glomerulosa, a parte mais externa, é responsável pela secreção de hormônios mineralocorticoides. A zona fasciculata, a
porção intermediária, corresponde a cerca de 70% do córtex e é composta de células que contêm abundante lipídios citoplasmáticos e os hormônios glicocorticoides. A zona reticulada, a mais interna, é responsável pela secreção dos
esteroides sexuais.
Os mineralocorticoides, dos quais o de ocorrência natural mais potente é a aldosterona, são esteroides adrenais que atuam principalmente no transporte iônico pelas células epiteliais, resultando em perda de potássio e retenção de sódio.
As glândulas sudoríparas e as bombas eletrolíticas das células epiteliais do túbulo renal respondem de modo semelhante. No túbulo contorcido distal do néfron dos mamíferos, um mecanismo de troca de cátions reabsorve o sódio do filtrado
glomerular e secreta potássio para o lúmen. Estas reações são aceleradas pelos mineralocorticoides e ocorrem mais lentamente na ausência deles. A falha na secreção de mineralocorticoides (doença de Addison) pode resultar em retenção
letal de potássio e na perda de sódio.
Cortisol e corticosterina, em menor quantidade, são os hormônios glicocorticoides mais importantes secretados pela glândula adrenal em muitas espécies. Em geral, as ações dos glicocorticoides nos metabolismos de carboidratos,
proteínas e lipídios resultam na economia de glicose e na tendência à hiperglicemia e no aumento da produção de glicose. Ainda, diminuem a lipogênese e aumentam a lipólise no tecido adiposo, que resulta na liberação de glicerol e ácidos
graxos livres.
Glicocorticoides também suprimem as respostas inflamatórias e imunológicas, atenuando a destruição tecidual e a fibroplasia associadas. Entretanto, altas concentrações de glicocorticoides reduzem a resistência a bactérias, vírus e
fungos, favorecendo a disseminação da infecção. Glicocorticoides podem prejudicar as respostas imunológicas em qualquer estágio da interação inicial e processamento dos antígenos pelas células do sistema reticuloendotelial, por meio da
indução e proliferação de linfócitos imunocompetentes e subsequente produção de anticorpos. A inibição de algumas funções dos linfócitos é parte da base para imunossupressão.
Glicocorticoides podem ter um profundo efeito negativo na cicatrização de feridas. Altas doses terapêuticas de corticosteroides adrenais ou a síndrome de hiperadrenocorticismo podem causar deiscência de feridas cirúrgicas. A inibição
da proliferação fibroblástica e da síntese de colágeno ocasiona menor formação de tecido cicatricial.
Progesterona, estrógenos e andrógenos são hormônios adrenais sexuais. O excesso de secreção pode estar associado a neoplasia da zona reticulada. Manifestação de virilismo, desenvolvimento sexual precoce ou feminização depende de
qual esteroide é secretado em excesso, do sexo do indivíduo e da idade ao início da anormalidade. Ainda, há relato da síndrome hiperadrenocorticismo atípico em associação com a excessiva produção de esteroides sexuais adrenais. Os
sintomas são semelhantes àqueles da síndrome de Cushing, apesar de concentração normal ou reduzida de cortisol após o teste de provocação. Cães com esta síndrome têm alta concentração de um dos diversos esteroides adrenais, que
ocasionam os sinais clínicos. As opções de tratamento são semelhantes àquelas utilizadas na síndrome de Cushing.
HIPERADRENOCORTICISMO (Síndrome de Cushing)
O hiperadrenocorticismo pode ser a mais frequente endocrinopatia de cães adultos ou idosos, mas é infrequente em outros animais domésticos. Os sinais clínicos e as anormalidades bioquímicas resultam principalmente da produção
excessiva crônica de cortisol. Concentrações séricas aumentadas de cortisol em cães podem resultar de diversos mecanismos. O mais comum é adenoma ou hiperplasia de células da hipófise que contêm hormônio adrenocorticotrófico
(ACTH) (parte distal ou parte intermediária), que resulta em hipertrofia ou hiperplasia adrenocortical bilateral. Essa forma da doença é denominada hiperadrenocorticismo hipófisedependente (doença de Cushing) e ocorre em cerca de 90%
dos casos. Tumores funcionais da adrenal, uma causa muito menos frequente de hiperadrenocorticismo em cães, pode secretar cortisol ou esteroides sexuais, resultando em uma variedade de sinais clínicos. Muitos dos sinais clínicos e
anormalidades bioquímicas notados no hiperadrenocorticismo de ocorrência natural podem ser induzidos por longo período, pela administração diária de altas doses de corticosteroides. Os cães desenvolvem um espectro de sinais clínicos e
anormalidades laboratoriais como resultado da combinação de gliconeogênese, lipólise, catabolismo proteico e efeitos antiinflamatórios dos hormônios glicocorticoides em muitos sistemas orgânicos. A doença é insidiosa e lentamente
progressiva (ver p. 599, para informações sobre sinais clínicos, anormalidades laboratoriais, diagnóstico e tratamento de hiperadrenocorticismo.)
HIPOADRENOCORTICISMO (Doença de Addison)
A deficiência de hormônios da adrenocortical é muito comum em cães jovens e de meiaidade e, ocasionalmente, em equinos. A doença pode ser familiar em cães das raças Poodle padrão, West Highland White Terrier, Dogue Alemão,
Bearded Colly, cães D’água Português e em várias outras raças. A causa de insuficiência adrenocortical primária normalmente é desconhecida, embora muitos casos provavelmente resultem de um processo autoimune. Outras causas
incluem destruição da glândula adrenal por doença granulomatosa, tumor metastático, hemorragia, infarto, agentes adrenolíticos (mitotano) ou inibidores de enzima da adrenal (trilostano).
ACHADOS CLÍNICOS: Muitos dos distúrbios funcionais da insuficiência adrenal crônica não são altamente específicos; incluem episódios recidivantes de gastrenterite, perda da condição corporal lentamente progressiva e falha na resposta
apropriada ao estresse. Embora o hipoadrenocorticismo ocorra em cães de qualquer raça, sexo ou idade, a insuficiência adrenocortical idiopática é mais comum em fêmeas adultas jovens. Isso pode ser relacionado com a suspeita de
patogênese imunomediada.
A redução na secreção de aldosterona, o principal mineralocorticoide, resulta em alterações marcantes das concentrações séricas de potássio, sódio e cloro. A excreção renal de potássio diminui e resulta em aumento progressivo da
concentração sérica de potássio. Hiponatremia e hipocloremia se devem à perda tubular renal. Hiperpotassemia grave pode resultar em bradicardia e ritmo cardíaco irregular, com alterações no ECG. Alguns cães desenvolvem intensa
bradicardia (frequência cardíaca (= 50 bpm) que predispõe à fraqueza ou colapso circulatório após mínimo esforço.
Embora o desenvolvimento de sinais clínicos frequentemente não seja relatado, frequentemente notamse colapso circulatório agudo e evidência de insuficiência renal. A diminuição progressiva do volume sanguíneo contribui para
hipotensão, fraqueza e microcardia. O aumento da excreção renal de água, devido à menor reabsorção de sódio e cloro, resulta em desidratação progressiva e hemoconcentração. Vômito, diarreia e anorexia são comuns e contribuem para o
agravamento do quadro clínico do animal. A perda de peso frequentemente é grave. Sinais clínicos semelhantes são vistos em gatos com hipoadrenocorticismo.
A produção reduzida de glicocorticoide resulta em distúrbios funcionais característicos graves. A menor gliconeogênese e a maior sensibilidade à insulina contribuem para o desenvolvimento de hipoglicemia moderada. Em alguns cães, a
hiperpigmentação da pele se deve à falha no feedback negativo da glândula hipófise e à maior liberação de ACTH. Em cães, há relato de doença de Addison atípica associada a hipocortisolemia e teores de eletrólitos normais. Os sinais
clínicos são similares àqueles notados em cães com insuficiência tanto de glicocorticoide quanto de mineralocorticoide.
Lesões: A anormalidade mais comum em cães é atrofia adrenocortical idiopática bilateral, na qual todas as camadas do córtex apresentam espessura acentuadamente reduzida. O córtex adrenal está reduzido a um décimo ou menos de sua
espessura normal e consiste principalmente da cápsula adrenal. A medula adrenal se encontra relativamente mais proeminente e, com a cápsula, representa a massa remanescente das glândulas adrenais.
Todas as três zonas do córtex adrenal estão envolvidas, inclusive a zona glomerulosa, que não está sob controle do ACTH; entretanto, nenhuma lesão hipofisária tem sido observada em cães com atrofia adrenocortical idiopática.
Uma lesão hipofisária destrutiva que reduz a secreção de ACTH é caracterizada por marcante atrofia das duas camadas corticais mais internas da glândula adrenal; a zona glomerulosa se mantém intacta.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico presuntivo é baseado no histórico e nas anormalidades laboratoriais de suporte (embora inespecíficas), que incluem hiponatremia, hiperpotassemia, relação sódio:potássio < 25:1, azotemia, acidose discreta e
anemia normocítica normocrômica. Perda sanguínea GI grave também é relatada. Ocasionalmente, notase hipoglicemia leve. A hiperpotassemia resulta em alterações no ECG: aumento da onda T (em pico), achatamento ou ausência de
onda P, intervalo PR prolongado e alargamento do complexo QRS. Fibrilação ventricular ou assistolia pode ocorrer quando a concentração de potássio > 11 mEq/l.
O diagnóstico diferencial inclui doença primária do trato GI (especialmente ancilostomíase), insuficiência renal, pancreatite aguda e ingestão de toxinas. Para o diagnóstico definitivo, é necessária avaliação da função adrenal. Após se
obter uma amostra de sangue basal, administrase ACTH (gel ou sintético). Preparações em gel são administradas por via IM e uma segunda amostra de sangue é obtida 2 h depois. Preparações sintéticas são administradas por via IM ou IV
e uma segunda amostra de sangue é obtida 1 h depois. Concentração de cortisol basal (em repouso) > 2,5 μg/dl efetivamente excluem o diagnóstico de hipoadrenocorticismo, enquanto valores < 2,5 μg/dl requerem a realização do teste de
estimulação com ACTH para confirmar o diagnóstico. Cães acometidos têm concentração basal de cortisol baixa e há discreta resposta à administração de ACTH, nos casos atípicos e clássicos. Este teste pode ser realizado na maioria dos
animais antes que seja instituída terapia de suplementação hormonal.
TRATAMENTO: Uma crise adrenal é uma emergência médica aguda. Devese colocar um cateter IV e iniciar a aplicação de solução salina 0,9%. Se o cão apresenta hipoglicemia, a solução salina deve incluir dextrose 2,5 a 5%. A
hipovolemia é corrigida rapidamente pela administração de solução salina 0,9% (60 a 70 ml/kg, nas primeiras 1 a 2 h). A produção de urina deve ser monitorado para determinar se o cão está se tornando anúrico. Fluidos devem ser
continuados, na taxa de aplicação apropriada para repor as perdas concomitantes, até que os sinais clínicos e as anormalidades laboratoriais se resolvam.
Succinato sódico de prednisolona (22 a 30 mg/kg) ou fosfato sódico de dexametasona (0,2 a 1,0 mg/kg) podem ser utilizados no controle inicial do choque. A dexametasona não interfere nas mensurações do cortisol durante o teste de
estimulação com ACTH. Prednisolona ou prednisona devem ser administradas na dose de 1 mg/kg, 2 vezes/dia, nos primeiros poucos dias de terapia e, então, 0,25 a 0,5 mg/kg/dia. A terapia de reposição de mineralocorticoides (ver a
seguir) também é iniciada para auxiliar na correção de desequilíbrio eletrolítico e hipovolemia. Teores de eletrólitos, função renal e glicemia devem ser monitorados regularmente para avaliar a resposta à terapia.
Nos casos de hiperpotassemia grave, não responsiva, podese administrar solução de glicose 10% em salina 0,9%, por 30 a 60 min, para aumentar a transferência de potássio para as células. A administração por via intramuscular de
insulina regular (0,25 a 1,0 U/kg) aumenta a absorção de glicose e potássio, mas deve ser administrar concomitantemente, por via IV, solução de glicose 10% (20 ml por unidade de insulina), para prevenir hipoglicemia.
Para terapia de manutenção prolongada, o mineralocorticoide pivalato de desoxicorticosterona (DOCP) é administrado na dose de 2,2 mg/kg IM ou SC, a cada 25 a 28 dias. Os eletrólitos devem ser mensurados 3 a 4 semanas após as
primeiras aplicações, para determinar a duração do efeito. Como alternativa, o acetato de fludrocortisona é administrado VO na dose de 10 a 30 μg/kg/dia. Eletrólitos séricos devem ser monitorados semanalmente até que a dose apropriada
seja determinada. Alguns cães (especialmente cães que recebem DOCP) também requerem, diariamente, terapia com glicocorticoide oral para controlar adequadamente os sinais clínicos. Doses de suplementação de prednisona (0,2 a 0,4
mg/kg/dia) são necessárias em cerca de 50% dos cães. Suplementação adicional com glicocorticoide pode ser necessária (2 a 5 vezes a manutenção) durante períodos de doença ou estresse. Cães com doença de Addison atípica apenas
necessitam doses de suplementação de prednisona, embora seja recomendado que os eletrólitos sejam monitorados a cada 3 meses, no primeiro ano após o diagnóstico. Cães com hipoadrenocorticismo crônico devem ser reexaminados a
cada 3 a 6 meses.
O tratamento de equinos com hipoadrenocorticismo é semelhante – reposição agressiva de fluidos, esteroides e glicose, se necessários na crise adrenal. Terapia de suporte e repouso são indicados no caso de doença de Addison crônica.
MEDULA ADRENAL
A medula adrenal, embora aparentemente não essencial à vida, tem importante papel na resposta ao estresse ou à hipoglicemia. Secreta epinefrina e norepinefrina, que aumentam o débito cardíaco, a pressão sanguínea e a glicose sanguínea
e diminuem a atividade do trato GI.
Feocromocitomas podem se desenvolver em animais domésticos, mais frequentemente em bovinos e cães. Eles secretam epinefrina, norepinefrina, ou ambas. Os sinais clínicos estão frequentemente ausentes e tumores podem ser achados
acidentais durante procedimentos para busca de outras condições ou por ocasião da necropsia.
Outros tumores adrenais, como neuroblastomas e ganglioneuromas, podem surgir nas células cromafins do sistema nervoso simpático.
GLÂNDULAS PARATIREOIDES E ANORMALIDADES NO METABOLISMO DE CÁLCIO
A fisiologia e as anormalidades no metabolismo de cálcio e fosfato, a função da vitamina D (a qual atua mais como um hormônio do que como uma vitamina) e a formação dos ossos são interrelacionadas em um sistema comum,
juntamente com dois outros hormônios reguladores – paratormônio (PTH) e calcitonina. Portanto, PTH, calcitonina e vitamina D são discutidos nesse capítulo, juntamente com as anormalidades associadas à homeostase do cálcio.
Como as anormalidades no metabolismo de cálcio e fósforo refletem no sistema esquelético, nessa seção incluemse síndromes específicas (ver p. 1121).
ANORMALIDADES HIPOCALCÊMICAS EM EQUINOS
O hipoparatireoidimo primário é uma rara, mas bem documentada anormalidade de equinos. Os animais acometidos manifestam sinais clínicos compatíveis com hipocalcemia (ataxia, convulsões, hiperexcitabilidade, flúter diafragmático
sincrônico, taquicardia, taquipneia, fasciculação muscular e íleo adinâmico). Como em outras espécies, o diagnóstico é baseado na constatação de concentrações séricas baixas de cálcio e PTH, com alta concentração de fósforo. Como
mencionado anteriormente, o tratamento com cálcio intravenoso e posteriormente oral, combinado com altas doses de vitamina D, deve resultar na remissão dos sinais clínicos associados a hipoparatireoidismo.
Sepse é uma das causas mais comuns de hipocalcemia em equinos admitidos em hospitais veterinários. Hipocalcemia total e ionizada são comuns em equinos com doença GI grave e sepse. Hipocalcemia com concentração sérica de PTH
inapropriadamente baixa também tem sido relatada em potros. A causa primária de hipocalcemia pode ser pesquisada em restos mortais de potros. Entretanto, é possível que esses potros tenham alguma forma de hipoparatireoidismo
associado a sepse.
FISIOLOGIA DO CÁLCIO E HORMÔNIOS REGULADORES DE CÁLCIO
A concentração de cálcio no sangue de mamíferos é cerca de 10 mg/dl, com algumas variações devido à espécie (p. ex., acima de 13 mg/dl é normal em equinos e coelhos), idade, dieta e método analítico. No plasma ou no soro há três
frações de cálcio: 1) o cálcio ligado à proteína responde por cerca de 1/3 da concentração sérica de cálcio total. O cálcio ligado à proteína não pode se difundir através da membrana e, assim, não pode ser utilizado pelos tecidos; 2) o cálcio
ionizado ou livre é a forma fisiologicamente ativa que responde por 50 a 60% da concentração de cálcio total; e 3) cálcio complexado ou quelado é ligado ao fosfato, bicarbonato, sulfato, citrato e lactato e responde por cerca de 10% da
concentração de cálcio total.
O íon cálcio é um componente estrutural essencial do esqueleto e tem papel fundamental na contração muscular, coagulação do sangue, atividade enzimática, excitabilidade nervosa, mensageiros secundários, liberação de hormônios e
permeabilidade da membrana. O controle acurado do íon cálcio no fluido extracelular é vital à saúde. Três hormônios principais (PTH, vitamina D e calcitonina) interagem para manutenção de constante concentração de cálcio, apesar de
variações na ingestão e excreção. Outros hormônios, bem como corticosteroides da adrenal, estrógenos, tiroxina, somatotropina e glucagon podem, também, contribuir na manutenção da homeostase do cálcio.
PARATORMÔNIO: O PTH é sintetizado e armazenado nas células principais das glândulas paratireoides. A síntese é regulada por um mecanismo de feedback que envolve o teor de cálcio no sangue (e, em menor grau, de magnésio). Além
disso, aminas biológicas, peptídios, esteroides e várias classes de medicamentos podem influenciar a secreção de PTH.
A principal função do PTH é controlar a concentração de cálcio no fluido extracelular, interferindo na taxa de transferência de cálcio para dentro e para fora do osso, na reabsorção renal e na absorção gastrintestinal do mineral. O efeito
nos rins é o mais rápido, causando reabsorção de cálcio e excreção de fósforo. O principal efeito inicial no osso é mobilizar o cálcio do osso para o fluido extracelular; mais tarde, a formação óssea pode ser exacerbada. O PTH não
influencia diretamente a absorção intestinal de cálcio. Esse efeito é mediado indiretamente pela regulação da síntese do metabólito ativo da vitamina D.
VITAMINA D: O segundo principal hormônio envolvido no controle do metabolismo do cálcio e na remodelação óssea é a vitamina D, que inclui colecalciferol (vitamina D3), de origem animal, bem como ergocalciferol (vitamina D2), de
origem vegetal. A vitamina D tem sido, a longo tempo, considerada um ingrediente essencial da dieta, mas em várias espécies, inclusive ovinos, bovinos, equinos, suínos e humanos, a vitamina D pode ser formada na pele, a partir de um
metabólito do colesterol (7deidrocolesterol), após exposição à luz ultravioleta. Por outro lado, cães e gatos não são capazes de sintetizar adequadamente vitamina D3 na pele e dependem principalmente da ingestão dietética.
A vitamina D deve ser metabolicamente ativada antes que possa atuas fisiologicamente. As ações biológicas da vitamina D dependem da hidroxilação no fígado e no rim para a forma biologicamente ativa 1,25di–hidroxivitamina D
(calcitriol). Essa conversão nos rins é um passo taxalimitante no metabolismo da vitamina D, sendo, em parte, responsável pelo atraso entre a administração de vitamina D e a expressão de seus efeitos biológicos. PTH e condições que
estimulam sua secreção, bem como hipofosfatemia, aumentam a formação de metabólito de vitamina D ativo. Alta concentração de fósforo circulante tem efeito oposto. Em certas condições, prolactina, estradiol, lactogênio placentário e,
possivelmente, somatotropina, têm efeitos similares. O aumento da secreção desses hormônios, sozinho ou em combinação, parece ser importante na eficiente adaptação às principais demandas de cálcio durante prenhez, lactação e
crescimento.
CALCITONINA: A calcitonina é um hormônio polipeptídio com 32 aminoácidos secretado pelas células parafoliculares (células C) da glândula tireoide, em mamíferos, e pelo tecido ultimobranquial, em aves e outras espécies não mamíferas.
A concentração do íon cálcio no fluido extracelular é o estimulo principal para secreção de calcitonina pelas células C. Na hipercalcemia, a taxa de secreção de calcitonina é aumentada acentuadamente pela rápida liberação do hormônio
armazenado pelas células C nos capilares interfoliculares. A hiperplasia de células C ocorre em resposta à hipercalcemia crônica. Quando o teor sanguíneo de cálcio está baixo, o estímulo para secreção de calcitonina diminui. O
armazenamento de grande quantidade de hormônios préformados nas células C e a rápida liberação em resposta à elevação moderada de cálcio circulante provavelmente reflete a ação fisiológica de calcitonina como um hormônio de
“emergência” para proteger contra o desenvolvimento de hipercalcemia.
A calcitonina exerce seus efeitos pela interação com célulasalvo, principalmente nos ossos e nos rins. As ações do PTH e da calcitonia são antagonistas na reabsorção óssea, mas sinérgica na decrescente reabsorção tubular renal de
fósforo. Os efeitos hipocalcêmicos da calcitonina resultam principalmente da menor transferência de cálcio dos ossos para o plasma, resultando em inibição temporária da reabsorção óssea estimulada pelo PTH. Hipofosfatemia se deve à
ação direta da calcitonina, que aumenta a taxa de transferência de fósforo para fora do plasma e para o interior de tecidos moles e ossos e inibe a reabsorção óssea estimulada pelo PTH e por outros fatores. Embora muitos efeitos tenham
sido atribuídos à calcitonina, em doses farmacológicas, há dúvida quanto sua relevância fisiológica. Fisiologicamente, a calcitonina tem, no máximo, uma influência mínima no controle da concentração sanguínea de cálcio. A concentração
de calcitonina circulante, nem cronicamente alta (p. ex., em animais com câncer de medular da tireoide) tampouco cronicamente baixa (p. ex., em animais após remoção cirúrgica da tireoide), resulta em qualquer alteração na concentração
sérica de cálcio.
HIPERCALCEMIA EM CÃES E GATOS
A hipercalcemia pode ser tóxica para todos os tecidos do corpo, mas os principais efeitos deletérios ocorrem nos rins, no sistema nervoso e no sistema cardiovascular. O desenvolvimento de sinais clínicos de hipercalcemia depende da
magnitude da elevação do cálcio, quão rápido isso ocorre e sua duração. Concentração sérica de cálcio total (= 15 mg/dl pode não estar associada a sinais sistêmicos, mas concentração sérica > 18 mg/dl está frequentemente associada a
enfermidade grave com risco à vida. Polidipsia e poliúria são os sintomas mais comuns de hipercalcemia e resultam de uma habilidade prejudicada em concentrar urina e de estímulo direto do centro da sede. Também pode ocorrer anorexia,
vômito e constipação intestinal, como resultado da menor excitabilidade do músculo liso gastrintestinal. A diminuição da excitabilidade neuromuscular pode ocasionar fraqueza generalizada, depressão, contrações musculares e convulsões.
Há várias causas potenciais de hipercalcemia (Tabela 1). Em cães hipercalcêmicos, neoplasia (linfossarcoma) é a causa mais comum, seguida de hipoadrenocorticismo, hiperparatireoidismo primário e insuficiência renal crônica. Outras
causas de hipercalcemia em cães, em ordem aproximada de incidência na prática, são intoxicação por vitamina D, carcinoma de glândula apócrina de saco anal, mieloma múltiplo, carcinomas (pulmão, mama, nariz, pâncreas, timo, tireoide,
vagina e testículo) e, finalmente, algumas doenças granulomatosas (blastomicose, histoplasmose, esquistossomose). Aproximadamente 70% dos cães hipercalcêmicos também apresentam azotemia. Entretanto, azotemia é incomum em cães
com hiperparatireoidismo.
Em gatos, hipercalcemia idiopática parece ser a causa mais frequente de alta concentração de cálcio total, seguida de insuficiência renal e neoplasia maligna. Alta concentração de cálcio ionizado, juntamente com insuficiência renal
crônica, é mais comum em gatos do que em cães. Os tipos de tumores mais comumente associados a hipercalcemia de malignindade em gatos são linfoma e carcinoma de célula escamosa. Hiperparatireoidismo primário é notado em gatos,
mas não tão frequentemente quanto em cães. Raramente, constatase hipercalcemia em gatos com hipertireoidismo.
Hipercalcemia Maligna
Neoplasia maligna é a causa mais comum de hipercalcemia persistente em cães; é uma causa comum em gatos. Na hipercalcemia de malignidade, a hipercalcemia se deve, principalmente, à maior reabsorção óssea osteoclástica, mas o
aumento da reabsorção tubular renal e da absorção intestinal também pode contribuir para hipercalcemia. Substâncias que podem ser produzidas pelos tumores e resultar em hipercalcemia humoral de malignidade incluem PTH, proteína
relacionada com o PTH (PTHrP), fator de crescimento transformador, 1,25dihidroxivitamina D, prostaglandina E2, fator ativador de osteoclastos e outras citocinas (interleucina1, interleucina2 e interferonagama). Embora vários
tumores tenham sido associados com hipercalcemia em pessoas, em cães a hipercalcemia associada à malignidade tem sido mais comumente relacionada com linfoma, adenocarcinoma de glândula apócrina do saco anal e mieloma múltiplo.
Outros tumores (timoma, carcinoma de célula escamosa, carcinoma nasal, hemangiossarcoma e adenocarcinoma indiferenciado) também foram associados a hipercalcemia em cães. Em gatos, hipercalcemia humoral de malignidade ocorre
menos frequentemente do que em cães, mas tem sido relatada com carcinoma de célula escamosa, mieloma múltiplo e doenças mieloproliferativas.
LINFOMA (LINFOSSARCOMA): Tumor mais comumente associado a hipercalcemia em cães, o linfoma é também uma das neoplasias associadas a hipercalcemia em gatos. A patogênese da hipercalcemia pode envolver dois mecanismos
gerais. Um é a elaboração local de um fator osteolítico que induz reabsorção óssea e mobilização de cálcio, quando a medula óssea é infiltrada por células tumorais. A outra, provavelmente a mais importante, é a hipercalcemia humoral na
qual as células neoplásicas produzem um fator humoral que atua distante do tumor. Temse documentada evidência de secreção de uma substância humoral pelas células tumorais, maior reabsorção óssea, fosfatúria e excreção urinária de
adenosina monofosfato cíclica (cAMP) em cães com linfoma. As concentrações séricas de ambos, PTH e 1,25dihidroxivitamina D, geralmente são baixas nesses cães, mas um peptídio relacionado com o PTH (PTHrP) tem sido detectado
em cães com linfoma (Tabela 2).
Em cães com linfoma, 10 a 40% apresentam hipercalcemia concomitante e grande número desses casos também tem a forma mediastinal de linfoma. Embora, linfadenopatia detectável seja normalmente notada, hipercalcemia pode ser a
principal anormalidade notada. Pode ser necessário exame físico minucioso, juntamente com radiografias torácicas e abdominais, ultrassonografia abdominal, biópsia ou vários aspirados de linfonodos e múltiplos aspirados de medula óssea
para a definição do diagnóstico. Tratamento com glicocorticoide (p. ex., prednisona) diminui a concentração sérica de cálcio; entretanto, os esteroides são linfolíticos e dificultam a identificação do linfoma.
Tabela 1 – Causas de hipercalcemia em cães e gatos
Acromegalia
Adenocarcinoma de glândula apócrina
Carcinoma (célula escamosa, mamária, broncogênico, próstata, tireoide, cavidade nasal)
Insuficiência renal aguda e crônica
Artificial: lipemia pósprandial, cão jovem (< 6 meses)
Doença granulomatosa
Neoplasias hematológicas malignas (osteólise de medula óssea)
Hipercalcemia humoral
Hipercalcemia de malignidade
Hipertireoidismo
Hipervitaminose D: iatrogênica, vegetais (Damadanoite), rodenticidas, creme contra psoríase
Hipoadrenocorticismo (doença de Addison)
Anormalidades iatrogênicas: excesso de cálcio ou de ligadores de fosfato de uso oral
Hipercalcemia idiopática de gatos
Erro laboratorial
Linfoma (linfossarcoma)
Neoplasia óssea primária ou metastática
Mieloma múltiplo
Doença mieloproliferativa (rara)
Hiperparatireoidismo primário
Lesões ósseas: osteomielite, osteodistrofia hipertrófica
Embora a taxa de remissão em cães com linfoma e hipercalcemia não seja estatisticamente diferente daquela quando não há hipercalcemia, a sobrevida é consideravelmente menor, indicando que o prognóstico de linfoma hipercalcêmico
é pior (ver p. 38 e p. 852).
ADENOCARCINOMA DE GLÂNDULA APÓCRINA DO SACO ANAL: Esse tumor normalmente ocorre em cães mais velhos, machos ou fêmeas, acompanhado de hipercalcemia em cerca de 90% dos casos. Mecanismos humorais são os mais
prováveis responsáveis pela hipercalcemia, pois uma proteína semelhante ao PTH foi identificada em tecido tumoral, em cães. Esse tumor geralmente é maligno e no momento do diagnóstico há metástase em linfonodos regionais. A
ressecção cirúrgica está associada a redução do teor sérico de cálcio. Falha ao remover todo o tumor ou recidiva do tumor normalmente resulta, novamente, em hipercalcemia. Apesar de extirpação cirúrgica, radiação e vários protocolos
quimioterápicos, normalmente ocorre recidiva do tumor dentro de poucos meses e o prognóstico é ruim.
MIELOMA MÚLTIPLO: Em cães e gatos essa neoplasia maligna tem sido associada a hipercalcemia em 10 a 15% dos casos. É mais provável que a patogênese da hipercalcemia seja multifatorial. Células do mieloma são conhecidas por
produzir fator ativador de osteoclastos em humanos, fato que pode explicar, em parte, a hipercalcemia. A presença de extensa lise óssea pode também contribuir no aumento de cálcio sérico. Embora a concentração sérica de proteína
geralmente esteja elevada no mieloma múltiplo, o aumento do teor de proteína ligada ao cálcio raramente contribui para a hipercalcemia. O tratamento de mieloma múltiplo com quimioterapia tem sido associado a sobrevida prolongada,
mas a presença de hipercalcemia associada, proteinúria de cadeia leve e extensas lesões ósseas estão associadas a sobrevida menor.
Hiperparatireoidismo Primário
O hiperparatireoidismo primário resulta de excessiva secreção de PTH por um ou mais glândulas paratireoides anormais (geralmente neoplásicas). É relativamente raro em cães e gatos. A persistência de hipercalcemia é característica. O
adenoma solitário da glândula paratireoide interna ou externa, é a causa mais comum de hiperparatireoidismo primário, embora o carcinoma de paratireoide tenha sido infrequentemente relatado. Hiperplasia de um ou de todas as quatro
glândulas paratireoides tem sido descrita, mas é muito rara.
ACHADOS CLÍNICOS: Polidipsia, poliúria, anorexia, letargia e depressão são os sintomas mais comuns, porém muitos animais com grau mais discreto de hipercalcemia podem ser assintomáticos. Constipação intestinal, fraqueza, tremores,
contrações musculares, vômito, andar rígido e edema facial são menos frequentemente relatados.
DIAGNÓSTICO: Hipercalcemia, concentração sérica de fósforo normal ou diminuída e baixa densidade específica urinária são os achados mais consistentes. Azotemia comumente se desenvolve como consequência de hipercalcemia
moderada a grave. Em animais hipercalcêmicos com função renal ainda relativamente normal (com concentrações séricas de creatinina e nitrogênio ureico normais), a determinação da concentração sérica de PTH é útil no diagnóstico. A
constatação de concentração sérica de PTH no limite superior de normalidade ou alta em animais hipercalcêmicos com função renal normal é compatível com hiperparatireoidismo primário, enquanto concentração de PTH baixa é
consistente com hipercalcemia de malignidade. Ultrassonografia das glândulas paratireoides é uma técnica de diagnóstico útil, mas requer uma unidade de ultrassom com transdutor de frequência gama alta, na faixa de 7,5 MHz a 10 MHz,
para a resolução necessária. As glândulas da paratireoide normais nem sempre são visualizadas no exame ultrassonográfico, mas a hipertrofia de paratireoide aparecem como estruturas arredondadas hiperecoicas ou anecoicas, associadas à
glândula tireoide. O achado de uma glândula paratireoide solitária no paciente hipercalcêmico sustenta o diagnóstico de hiperparatireoidismo primário, enquanto a constatação de múltiplas glândulas paratireoides hipertrofiadas é compatível
com hiperparatireoidismo secundário. Ultrassonografia não permite distinguir um adenoma de paratireoide de um adenocarcinoma. Cirurgia exploratória da região cervical é uma alternativa diagnóstica se nenhuma outra causa de
hipercalcemia pode ser identificada.
TRATAMENTO: O procedimento mais efetivo e apropriado no tratamento do paciente é a exploração cirúrgica do pescoço e remoção do tecido de paratireoide anormal. Ablação química (etanol) ou pelo calor da paratireoide guiada por
ultrassonografia percutânea tem sido utilizada e pode ser uma alternativa factível à cirurgia, em alguns casos. Tentativas para diminuir a concentração sérica de cálcio com fluidoterapia IV (com solução salina) e furosemida antes da cirurgia
ou ablação podem ser benéficas (ver p. 610). Não há tratamento medicamentoso para hiperparatireoidismo primário, embora possa ser realizado tratamento para hipercalcemia quando a cirurgia é rejeitada.
Hipercalcemia Associada ao Hipoadrenocorticismo
Hipercalcemia discreta (= 15 mg/dl) tem sido relatada em até 30% dos cães com hipoadrenocorticismo (doença de Addison). Múltiplos fatores podem resultar em hipercalcemia, inclusive o aumento de citrato de cálcio (cálcio complexado),
hemoconcentração (aumento relativo), maior reabsorção renal de cálcio e maior afinidade de proteínas séricas pelo cálcio. Embora a concentração sérica de cálcio total possa estar aumentada, a fração ionizada geralmente é normal. A
hipercalcemia regride rapidamente com o tratamento bemsucedido do hipoadrenocorticismo.
Insuficiência Renal
Em gatos, insuficiência renal crônica (normalmente associada a nefrite intersticial crônica) parece ser a causa mais comum de hipercalcemia. A patogenia da hipercalcemia é desconhecida, mas a concentração de cálcio ionizado permanece
normal. Em cães, a insuficiência renal causada por doença renal familiar é mais frequentemente associada a hipercalcemia do que outras formas de insuficiência renal crônica. A hipercalcemia pode também estar presente na insuficiência
renal aguda durante a fase poliúrica, mas isso é raro.
Hipercalcemia Idiopática dos Gatos
Uma síndrome em gatos de idade jovem a meiaidade, com primeiro relato no início dos anos 1990, envolve hipercalcemia sem explicação óbvia. O teor sérico de cálcio total se mantém elevado por meses a 1 ano, frequentemente sem
sinais clínicos evidentes. A concentração de cálcio ionizado se eleva, às vezes desproporcionalmente ao aumento do teor sérico de cálcio total. Gatos de pelos longos podem ser mais sujeitos a essa síndrome. Muitos não são azotêmicos no
diagnóstico inicial, mas podem desenvolver azotemia mais tarde. A concentração de PTH situase na faixa de normalidade, PTHrP não é detectável e as concentrações de 25(OH)–D e calcitriol encontramse dentro dos limites normais.
Raramente indicase tratamento intensivo da hipercalcemia idiopática, pois a hipercalcemia se instala gradualmente e demora um tempo relativamente longo; ademais, geralmente não se constatam sinais clínicos marcantes. A maioria dos
gatos pode ser tratada no próprio domicílio, mediante mudança da dieta, sozinha ou combinada com terapia medicamentosa.
Alguns relatos indicam que aumento do teor de fibra da dieta está relacionado com a diminuição do cálcio sérico em gatos acometidos. A administração de prednisona resulta em diminuição de longa duração nas concentrações de cálcio
ionizado e total, em alguns gatos.
Quando a modificação da dieta e o uso de prednisolona não são efetivos, devese utilizar bisfosfonatos. Alguns gatos foram tratados com sucesso com 10 mg de alendronato VO, 1 vez/semana, por até 1 ano. Esofagite erosiva é um
conhecido efeito colateral do uso oral de bisfosfonatos em pacientes humanos. Embora o risco de desenvolvimento de esofagite em gatos seja desconhecido, o proprietário pode fornecer 5 a 6 ml de água ao gato, por meio de uma seringa
dosadora, imediatamente após a administração de alendronato; pequena quantidade de manteiga aplicada nos lábios do gato pode estimular lambidas e salivação, propiciando a passagem do comprimido ao estômago. Atualmente são
desconhecidas a segurança e a eficácia do uso oral de bisfosfonatos por longo tempo, em gatos.
LESÕES OSTEOLÍTICAS
Hipercalcemia decorrente de invasão tumoral ou metástase ao osso é uma ocorrência muito rara em animais. Tumores ósseos primários (p. ex., osteossarcoma) e células neoplásicas na medula óssea (p. ex., mieloma múltipla) podem,
ocasionalmente, provocar hipercalcemia. Os mecanismos pelos quais a neoplasia óssea pode ocasionar hipercalcemia incluem destruição mecânica por infiltração celular (como acontece em tumores metastáticos e osteossarcoma) e
produção local do fator ativador de osteoclastos (como ocorre no mieloma múltiplo). Osteomielites bacteriana e micótica podem também, ocasionalmente, causar hipercalcemia. A hipercalcemia pode resultar de lise óssea direta ou pode ser
mediada por fatores de reabsorção óssea (p. ex., prostraglandinas, fator ativador de osteoclastos).
Outras Causas de Hipercalcemia
HIPERVITAMINOSE D: A intoxicação por vitamina D referese aos efeitos da ingestão excessiva de metabólitos bioativos de vitamina D. A intoxicação causada por ergocalciferol (vitamina D2) ou colecalciferol (vitamina D3) pode ser
decorrência de suplementação excessiva na dieta (mais comum em cães jovens em faz de crescimento) para tratamento de hipoparatireoidismo primário. Ambas as formas de vitamina D tem início lento de ação e efeito prolongado,
tornando difícil estabelecer a dose adequada. O tratamento envolve a interrupção do suplemento ou a diminuição da dose de vitamina D. A intoxicação causada por calcitriol (1,25dihidroxivitamina D), a forma mais ativa de vitamina D,
mais comumente ocorre após tratamento de hipoparatireoidismo primário. O calcitriol é também o ingrediente ativo em alguns rodenticidas, mas esses produtos não são mais amplamente disponíveis, pelo menos nos EUA.
Em cães, uma causa recente de intoxicação por vitamina D é a ingestão do análogo do calcitriol, calcipotrieno (também denominado tacalcitol), utilizado em preparação tópica para tratamento de psoríase humana. Em cães, a intoxicação
por calcipotrieno pode resultar em calcificação metastática grave no trato GI, rins e outros tecidos; a doença comumente é fatal.
PLANTAS DOMÉSTICAS: Algumas plantas domésticas (p. ex., Cestrum diurnum [Dama–danoite], Solanum malacoxylon, Triestum flavescens) podem conter uma substância similar à vitamina D que, quando ingeridas, podem causar
hipercalcemia.
DOENÇA GRANULOMATOSA: A hipercalcemia associada a doença granulomatosa surge de uma alteração no metabolismo de vitamina D endógena. Os macrófagos ativados em resposta à inflamação granulomatosa por desenvolver a
habilidade de transformar precursores de vitamina D em forma ativa de vitamina D (p. ex., calcitriol), de uma forma não controlada. Alteração similar do metabolismo da vitamina D em pessoas pode explicar a hipercalcemia que ocorre no
linfoma não Hodgkin, no linfoma de Hodgkin e na granulomatose linfomatoide.
Em animais de companhia, hipercalcemia relacionada com a doença granulomatosa tem sido relatada em casos de histoplasmose disseminada, blastomicose, coccidiomicose, tuberculose e esquistossomose. Em animais com
hipercalcemia relacionada com a doença granulomatosa esperase alta concentração sérica de cálcio ionizado e baixo teor de PTH. Com o tratamento (p. ex., medicamentos antifúngicos e remoção cirúrgica) a concentração sérica de cálcio
retorna ao normal.
Testes de Diagnóstico
O primeiro passo na investigação de hipercalcemia é descartar a possibilidade de teste com resultado falso. O ideal é obter uma amostra após jejum, pois amostras lipêmicas ou hemolisadas podem elevar artificialmente a concentração
sérica de cálcio total, quando se utiliza analisador colorimétrico.
Se a hipercalcemia se repete, devese mensurar o cálcio ionizado, pois representa a forma biologicamente ativa do cálcio. Cálcio total ou cálcio total ajustado é uma mensuração confiável do estado de cálcio.
Em alguns animais com hipercalcemia ionizada persistente, a identificação da causa é óbvia após análise das informações do histórico (exposição à vitamina D, medicamentos, ingestão de plantas domésticas) e dos achados de exame
físico (tumor, organomegalia, câncer ou doença granulomatosa). Em outros animais, a causa não é óbvia e podem ser necessárias hematologia, bioquímica sérica, imagem de cavidade corporal, citologia e histopatologia. Em muitos animais,
o uso de exames especializados, inclusive mensuração de PTH, PTHrP e/ou vitamina D, é necessário para confirmar o diagnóstico.
Se há linfadenopatia, devese realizar aspirado ou biópsia do linfonodo para pesquisa de linfossarcoma. Se um tumor de saco anal é encontrado, devese tentar sua remoção cirúrgica. Qualquer outra neoplasia deve ser tratada por meio de
remoção cirúrgica, quimioterapia ou radioterapia. Problemas podem surgir quando a hipercalcemia é complicada por insuficiência renal ou quando há suspeita de hiperparatireoidismo primário ou neoplasia maligna oculta. Nesses casos, a
causa de hipercalcemia pode não ser óbvia e devem ser realizados exames adicionais para diferenciação entre hiperparatireoidismo primário e tumor oculto que causa hipercalcemia.
CÁLCIO IONIZADO: Como a fração de cálcio ionizado é a forma biologicamente ativa e o componente que regula a produção de PTH, a mensuração da concentração do cálcio ionizado é o primeiro passo na avaliação de anormalidades do
metabolismo de cálcio. Se o teor de cálcio ionizado está normal, ainda que o cálcio total esteja elevado, não se justifica outros testes diagnósticos. Se o cálcio ionizado é elevado, então devemse determinar as concentrações de PTH e
PTHrP se não há causa óbvia de hipercalcemia.
Em vários casos de hipercalcemia ou hipocalcemia, as concentrações de cálcio total e cálcio ionizado são altamente correlacionadas (Tabela 2). Entretanto, em alguns casos o teor de cálcio total não reflete a concentração de cálcio
ionizado. Em cães com insuficiência renal, o cálcio total é alto, mas o cálcio ionizado é normal ou surpreendentemente baixo. Nessa situação, elevação do cálcio total parece refletir a maior quantidade de cálcio complexado a ânions, uma
condição não detectada pela determinação da concentração de cálcio ajustada com base no teor de albumina.
Cálcio ionizado é mensurado no soro ou no plasma heparinizado em um analisador que utiliza um eletrodo específico para cálcio. O teor sérico de cálcio ionizado pode estar falsamente elevado quando a amostra é coletada em tubo com
separador de soro. Há mensuração simultânea de pH, o qual influencia a ligação do cálcio à proteína, de modo inversamente proporcional. Aumento do pH é acompanhado de diminuição no teor de cálcio ionizado. As amostras de soro
coletadas e manuseadas em condições anaeróbicas fornecem o melhor resultado na dosagem de cálcio ionizado. As amostras coletadas em tubo com EDTA são inadequadas porque este anticoagulante se liga ao cálcio ionizado disponível.
PARATORMÔNIO: A dosagem de paratormônio (PTH) é a próxima etapa na avaliação de anormalidades do metabolismo do cálcio, assim que hipercalcemia é confirmada pela mensuração da concentração de cálcio ionizado. A avaliação do
PTH pode revelar se as glândulas paratireoides estão respondendo apropriadamente à alteração da concentração de cálcio ou se uma inapropriada produção de PTH é a causa da enfermidade. Se o metabolismo do cálcio é normal, pequenos
aumentos de cálcio ionizado inibem a secreção de PTH e pequenas diminuições de cálcio ionizado ocasionam imediata liberação de PTH.
As determinações de PTH no plasma e no soro são muito úteis na avaliação da hipercalcemia em cães e gatos. Animais com hiperparatireoidismo primário devem ter concentração de PTH normal/moderada à alta, enquanto aqueles com
outras formas de hipercalcemia apresentam baixa concentração de PTH (Tabela 2).
PROTEÍNA RELACIONADA COM O PARATORMÔNIO (PTHRP): A hipercalcemia associada a neoplasia, que não seja da paratireoide, é frequentemente causada pela produção de um fator humoral, PTHrP, que tem atividade semelhante ao
paratormônio. Desde sua descoberta nos anos 1980, a PTHrP tem sido associada a uma variedade de tumores que causam hipercalcemia de malignidade em pessoas.
O teste de PTHrP pode ser utilizado para confirmar o diagnóstico de hipercalcemia de malignidade (Tabela 2). Há prevalência relativamente alta de resultados positivos em cães com adenocarcinoma de glândula apócrina do saco anal,
linfoma ou outros tumores. Entretanto, hipercalcemia humoral de malignidade sempre permanece como um diagnóstico diferencial em um cão hipercalcêmico com PTH baixo e teste de PTHrP normal ou negativo. Em gatos, PTHrP alto é,
também, compatível com hipercalcemia humoral de malignidade, especialmente em gatos com carcinoma.
METABOLISMO DA VITAMINA D (CALCIDIOL E CALTRIOL): Como os metabólitos de vitamina D são quimicamente idênticos em todas as espécies, o radioimunoensaio desenvolvido para uso em humanos é satisfatório para a mensuração da
vitamina em animais. A concentração de calcidiol (25OHvitamina D) é um bom indicador de ingestão vitamina D e pode ser utilizada no diagnóstico de hipervitmainose D.
Os metabólitos de vitamina D resultantes da ingestão de colecalciferol presente em rodenticidas podem ser mensurados com o teste de calcidiol. A intoxicação pela ingestão de colecalciferol ou ergocalciferol é detectada pela elevação do
teor de calcidiol, que pode persistir semanas após a exposição. Teste de calcidiol também pode ser utilizado para confirmar intoxicação por ingestão de rodenticidas que contêm vitamina D3 como ingrediente ativo.
Calcipotrieno, o análogo da vitamina D encontrado em creme para tratamento de psoríase, não é mensurado pelo teste do calcidiol, mas é detectado no teste de calcitriol. Infelizmente, o teste de calcitriol não está amplamente disponível
para o uso clínico.
Na Tabela 2 há um resumo dos valores esperados para PTH, cálcio ionizado e PTHrP em várias enfermidades que causam hipercalcemia. Geralmente, a concentração de PTH é normal à alta nos casos de hiperparatireoidismo primário,
secundário e terciário. A concentração de PTH é baixa com outras causas de hipercalcemia (p. ex., hipervitaminose D, neoplasia maligna, insuficiência renal, hipoadrenocorticismo).
Tratamento
Um grau discreto de hipercalcemia pode não ser imediatamente perigoso e há tempo para estabelecer um diagnóstico definitivo antes de iniciar o tratamento. Em animais com sinais clínicos graves associados à hipercalcemia, o diagnóstico
e os esforços terapêuticos podem ser instituídos simultaneamente. Nenhum protocolo de tratamento é consistentemente efetivo para todas as causas de hipercalcemia; cada paciente deve ser tratado individualmente e a causa de
hipercalcemia deve ser determinada. O tratamento definitivo da hipercalcemia implica no tratamento ou remoção da causa primária. Infelizmente, a etiologia pode não ser evidente e medidas de suporte dever ser tomadas para diminuir a
concentração sérica de cálcio. O objetivo do tratamento de suporte é aumentar a excreção urinária de cálcio e prevenir a reabsorção de cálcio dos ossos.
TERAPIA COM FLUIDO: A expansão de volume com solução salina 0,9%, cerca de 100 a 125 ml/kg/dia IV, reduz a hemoconcentração e aumenta a excreção renal de cálcio por elevar a taxa de filtração glomerular e de excreção de sódio, o
que resulta em menor reabsorção de cálcio.
DIURÉTICOS: Diuréticos de alça, como furosemida (2 a 4 mg/kg, 2 ou 3 vezes/dia), aumenta a excreção renal de cálcio; entretanto, podem ser necessárias altas doses. Se há desidratação, devese instituir primeiramente a fluidoterapia porque
a redução de volume e a hemoconcentração adicional podem agravar a hipercalcemia. Diuréticos tiazidas são contraindicados na hipercalcemia porque diminuem a excreção renal de cálcio e agravam a hipercalcemia.
GLICOCORTICOIDES: Glicocorticoides, como prednisona (1 a 2 mg/kg, 2 vezes/dia) ou dexametasona (0,1 a 0,2 mg, 2 vezes/dia), representam uma segunda linha de tratamento para hipercalcemia que não responde adequadamente à
aplicação de fluidos IV e furosemida. Reduzem a reabsorção óssea de cálcio e a absorção intestinal de cálcio, aumentam a excreção renal de cálcio e são citotóxicos a linfócitos malignos, ocasionando substancial redução na concentração
sérica de cálcio em animais com hipercalcemia secundária a linfoma, mieloma, hipervitaminose D, doença granulomatosa e hipoadrenocorticismo. Entretanto, a utilização de glicocorticoide pode dificultar o diagnóstico definitivo da causa
primária de hipercalcemia. Isso é especialmente verdadeiro no linfossarcoma porque os esteroides são linfocíticos e podem alterar a arquitetura do linfonodo e o padrão de infiltração de linfócitos na medula óssea.
Tabela 2 – Anormalidades laboratoriais características associadas a causas comuns de hipercalcemia
AGENTES DIVERSOS: A terceira linha de tratamento é a adição de bisfosfonato, mitramicina ou calcitonina, para melhor controle de hipercalcemia crônica. Bisfosfonatos contribuem na diminuição do teor sérico de cálcio por reduzir o
número e a ação de osteoclastos. Pamidronato é o medicamento de uso parenteral mais comumente utilizado; em cães, a dose recomendada é 1 a 2 mg/kg IV, misturado à solução salina 0,9%, aplicado ao longo de 2 h. Em gatos, alendronato
é o medicamento de uso oral mais comumente utilizado para controlar hipercalcemia idiopática. Hidratação adequada é essencial quando o tratamento com bisfosfonatos em combinação com essas drogas pode causar nefrotoxicidade,
especialmente em altas doses. A dose pode se repetida após 3 a 4 semanas, se necessário.
Mitramicina, um inibidor da síntese de RNA em osteoclastos, é um medicamento efetivo no tratamento de hipercalcemia; a dose é 25 μg/kg, IV, ao longo de 4 a 6 h. Dose única geralmente é efetiva na normalização da concentração
sérica de cálcio; seu efeito dura poucos dias a várias semanas. Reações adversas podem incluir trombocitopenia, nefrotocidade e hepatotoxicidade, mas são improváveis após uma única dose. Entretanto, esse medicamento deve ser utilizado
com extremo cuidado.
Calcitonina impede a reabsorção óssea por inibir a atividade e a formação de osteoclastos. A dose de calcitonia é 4 a 8 U/kg SC, 2 a 3 vezes/dia. A calcitonina é o agente hipocalcêmico de ação mais rápida, causando diminuição do cálcio
sérico dentro de poucas horas após sua administração. Seus efeitos são bastante transitórios, contudo, a redução máxima do teor de cálcio não é tão intensa quanto aquela notada com o uso de bisfosfonato ou mitramicina.
Calcimiméticos, uma nova classe de medicamentos, são agonistas de receptores sensíveis ao cálcio. A droga dessa classe mais comumente utilizada é a cinacalcete. Pela interação com os receptores sensoriais de cálcio nas glândulas
paratireoides, esses medicamentos reduzem a secreção de PTH e podem, efetivamente, suprimir o PTH circulante em todas as formas de hiperparatireoidismo. Têmse tornado a principal terapia para hiperparatireoidismo secundário
associado a insuficiência renal, bem como para tratamento de hiperparatireoidismo primário, em alguns pacientes.
HIPERCALCEMIA EM EQUINOS
Como acontece em cães e gatos, os equinos podem desenvolver hipercalcemia devido a várias anormalidades, inclusive insuficiência renal crônica, intoxicação por vitamina D e hiperparatireoidismo primário. A causa mais comum de
hipercalcemia em equinos é insuficiência renal crônica. Em equinos, os rins são importantes na excreção de cálcio; portanto, uma excreção renal de cálcio comprometida associada à absorção intestinal normal de cálcio pode explicar a
hipercalcemia notada em equinos.
Hipercalcemia humoral de malignidade tem sido relatada em associação com carcinoma de célula escamosa gástrica, carcinoma adrenocortical, carcinoma de célula escamosa da vulva, linfossarcoma e ameloblastoma. Esses equinos têm
hipercalcemia, hipofosfatemia, aumento da concentração sérica de PTHrP e diminuição de concentração sérica de PTH.
Intoxicação por ergocalciferol ou colecalciferol tem sido relatada em equinos. Ingestão de plantas contendo compostos semelhantes a 1,25(OH)2D (Solanun malacoxylon, S. sodomaeum, Cestrum diurnum, Trisetum flavescens) causam
sinais clínicos típicos de intoxicação por vitamina D, inclusive hipercalcemia.
Hiperparatireoidismo primário é uma anormalidade rara em pôneis e equinos. À semelhança do que ocorre em cães e gatos, hipercalcemia, hipofosfatemia e alta concentração sérica de PTH são relatadas em equinos com a enfermidade.
Testes adicionais para excluir outras condições associadas à hipercalcemia podem incluir mensuração de PTHrP e de metabólitos da vitamina D.
Como acontece em outras espécies, o tratamento definitivo do equino hipercalcêmico implica na terapia ou remoção da causa primária. Infelizmente, a etiologia pode não ser facilmente perceptível e, às vezes, devem ser empregadas
medidas de suporte (p. ex., terapia com fluido, diuréticos e/ou glicocorticoides) para melhorar a excreção urinária de cálcio e diminuir a concentração sérica de cálcio.
HIPOCALCEMIA EM CÃES E GATOS
A hipocalcemia causa as principais manifestações clínicas de hipoparatireoidismo por aumentar a excitabilidade de ambos os sistemas, nervoso central e nervoso periférico. Sintomas neuromusculares periféricos classicamente incluem
tremores musculares, contrações musculares e tetania. Convulsões generalizadas, assemelhandose àquelas de crise epiléptica idiopática, são as manifestações de SNC predominantes no hipoparatireoidismo.
Hipoparatireoidismo
O hipoparatireoidismo é uma anormalidade metabólica caracterizada por hipocalcemia e hiperfosfatemia, bem como deficiência transitória ou permanente de PTH. A doença espontânea é incomum em cães e raramente relatada em gatos.
Lesão iatrogênica ou remoção das glândulas paratireoides durante tireoidectomia para tratamento de hipertireoidismo é a causa mais comum, em gatos. Pode ocorrer hipoparatireoidismo secundário no pósoperatório de paratireoidectomia
para tratamento de tumor de paratireoide, devido à atrofia das glândulas remanescentes, em cães e gatos.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico é baseado no histórico, nos sinais clínicos, na evidência laboratorial de hipocalcemia e hiperfosfatemia e na exclusão de outras causas de hipocalcemia (p. ex., hipoproteinemia, má absorção, pancreatite,
insuficiência renal). Na suspeita de hipoparatireoidismo idiopático, esse deve ser confirmado por exame histológico das glândulas paratireoides e documentação de atrofia ou destruição da paratireoide. Como as glândulas paratireoides não
são macroscopicamente evidentes em animais com hipoparatireoidismo, devese realizar tireoidectomia unilateral para assegurar que seja examinada amostra adequada de tecido da paratireoide. A determinação da concentração sérica de
PTH pode ser importante no diagnóstico de hipoparatireoidismo idiopático e, assim, é possível eliminar a necessidade de cirurgia exploratória cervical e exame histológico.
TRATAMENTO: O tratamento objetiva restabelecer a concentração sérica de cálcio ao limite inferior da faixa normal. Esse deve incluir suplementos de cálcio e vitamina D para ambas as formas de hipoparatireoidismo, iatrogênica e
idiopática. Se há hipocalcemia com tetania ou convulsões, devese administrar imediatamente cálcio por via IV. Para manutenção da normocalcemia, devese fornecer cálcio oral, juntamente com vitamina D.
A principal complicação associada ao tratamento de hipoparatireoidismo é hipercalcemia, que se instala como consequência de tratamento excessivo com cálcio e vitamina D. Se isso acontece, a terapia com cálcio e vitamina D deve ser
temporariamente interrompida; solução salina e furosemia devem ser administradas se a hipercalcemia é grave (ver p. 610). No hipoparatireoidismo idiopático é necessário tratamento prolongado com vitamina D (com ou sem
suplementação de cálcio). Por outro lado, no hipoparatireoidismo iatrogênico, pode ocorrer recuperação espontânea da função da paratireoide ou acomodação do mecanismo de regulação do cálcio na ausência de PTH semanas a meses após
a cirurgia.
Outras Causas de Hipocalcemia
DOENÇA RENAL: A insuficiência renal crônica é, provavelmente, a principal e mais frequente causa de hipocalcemia. Azotemia e hiperfosfatemia resultam da diminuição da taxa de filtração glomerular. Os mecanismos de hipocalcemia
incluem menor reabsorção tubular renal de cálcio, hiperfosfatemia, menor síntese de 1,25dihidroxivitamina D, hipoalbuminemia e quelação de cálcio por oxalato. Ocorre hiperplasia da glândula paratireoide para manter o cálcio sérico em
valor normal. Alta concentração de PTH resultam em maior reabsorção óssea. Contudo, hipocalcemia associada à insuficiência renal raramente é de relevância clínica (p. ex., não há tremor muscular, contração muscular, tetania ou
convulsão). Além disso, muitos animais com insuficiência renal crônica têm concentração sérica de cálcio normal. O tratamento deve objetivar a redução na concentração sérica de fósforo mediante a restrição do mineral e de ligadores de
fósforo intestinais na dieta (ver p. 1646).
HIPOPROTEINEMIA: Animais com hipoalbuminemia podem ser hipocalcêmicos devido à diminuição na fração ligante da proteína ao cálcio, mas a fração de cálcio ionizado pode permanecer normal. Geralmente não se constatam sinais
clínicos de hipocalcemia. A magnitude da hipocalcemia comumente é discreta.
PANCREATITE: Hipocalcemia, quando ocorre em animais com pancreatite (ver p. 495), geralmente é discreta e subclínica. O mecanismo exato é desconhecido, mas uma teoria comumente aceita é que o cálcio é precipitado na forma de
detergente insolúvel pela saponificação de ácidos graxos peripancreáticos subsequentemente formados para liberar a enzima pancreática lipase. Trabalho mais recente sugere que a hipocalcemia pode ser decorrência de um desvio de cálcio
para os tecidos moles, especialmente músculos.
TETANIA PUERPERAL: A tetania puerperal (ver p. 1056) é uma doença aguda, com risco à vida, causada pela redução extrema na concentração de cálcio circulante em cadelas ou gatas lactantes. Hipocalcemia grave associada a eclâmpsia se
desenvolve durante o período de amamentação (vários dias a várias semanas após o parto). A fisiopatologia ainda é pouco compreendida, mas parece resultar de um desequilíbrio entre a taxa de entrada (p. ex., reabsorção óssea, absorção
GI) e saída (p. ex., glândula mamária) da reserva de cálcio extracelular. O tratamento consiste na administração por via intravenosa lenta de cálcio, juntamente com o desmame da ninhada, se possível.
INTOXICAÇÃO POR ENEMA DE FOSFATO: Enema com fosfato de sódio hipertônico (p. ex., Fleet®) pode resultar em anormalidades bioquímicas graves, especialmente quando administrado a gatos desidratados, com lesão de mucosa e atonia
do cólon. Hipernatremia e hiperfosfatemia se devem à absorção de sódio e fósforo da solução de enema no cólon, bem como transferência de água intravascular ao lúmen do cólon (em decorrência de enema hipertônico). A hiperfosfatemia
ocasiona precipitação de cálcio sérico e consequente hipocalcemia. Os sinais clínicos de intoxicação por enema de fosfato, os quais resultam dessas alterações de eletrólitos e fluido, incluem choque e irritabilidade neuromuscular. O
tratamento consiste na aplicação IV de fluido para expansão de volume, com baixo teor de eletrólitos (p. ex., solução aquosa de glicose 5%), bem como tratamento de hipocalcemia.
AGENTES QUELANTES: EDTA (ácido etilenodiaminotetracético), sangue com citrato e ácido oxálico (um metabólito do etilenoglicol em anticongelante) formam complexos com cálcio e podem causar hipocalcemia. Animais intoxicados por
etilenoglicol (ver p. 3222) também têm acidose metabólica grave, azotemia e hiperfosfatemia por insuficiência renal oligúrica, que resulta em precipitação de cristais de oxalato de cálcio nos túbulos renais.
Tratamento
O tratamento definitivo de hipocalcemia implica na eliminação da causa primária. Medidas de suporte, inclusive restabelecimento da normocalcemia, pode ser adotadas até que se aguarda o diagnóstico.
CÁLCIO PARENTERAL: Hipocalcemia com tetania ou convulsões são indicações de administração por via intravenosa imediata de gliconato de cálcio 10% (1,0 a 1,5 ml/kg), em infusão lenta ao longo de 10 min. Monitoramento rigoroso é
obrigatório; caso ocorra bradicardia ou encurtamento do intervalo QT, a infusão IV deve ser diminuída ou temporariamente interrompida.
Uma vez controlados os sintomas de hipocalcemia com risco à vida, o cálcio pode ser adicionado a fluido IV e administrado como infusão contínua lenta (p. ex., gliconato de cálcio 10%, 2,5 ml/kg, a cada 6 a 8 h). A taxa de
administração de cálcio deve ser ajustada quando necessária, de modo a manter uma concentração sérica de cálcio normal e a infusão deve ser continuada por quanto tempo for necessário para prevenir recidiva de hipocalcemia. Embora
essa infusão contínua de cálcio mantenha normocalcemia, a duração de seu efeito é breve; ocorre recidiva de hipocalcemia horas após cessar a infusão, a menos que seja administrado outro tratamento.
CÁLCIO ORAL: A suplementação de cálcio VO pode ser benéfica em algumas condições (p. ex., hipoparatireoidismo, tetania puerperal). As necessidades diárias são 1 a 4 g para cães e 0,5 a 1 g para gatos. A dose diária de cálcio deve ser
baseada na quantidade de cálcio elementar no produto, mais do que no peso do sal de cálcio.
VITAMINA D: Em algumas condições, a suplementação de vitamina D é necessária para aumentar a absorção intestinal de cálcio. Há 3 principais preparações de vitamina D disponíveis – vitamina D2 (ergocalciferol), dihidrotocoferal e 1,25
dihidroxivitamina D (calcitriol). A dosagem e a duração de resposta desses medicamentos dependem da preparação utilizada. Para vitamina D2, a dose inicial necessária geralmente varia de 4.000 a 6.000 UI/kg/dia, enquanto a dose final
requerida para manter a normocalcemia é de 1.000 a 2.000 IU/kg, 1 vez/dia a 1 vez/semana. Para dihidrotasquiferol, geralmente a dose de carregamento inicial é 0,02 a 0,03 mg/kg/dia, com dose de manutenção de 0,01 a 0,02 mg/kg, a
cada 24 a 48 h. Para 1,25dihidroxivitamina D, geralmente necessitase a dose diária de 0,025 a 0,06 μg/kg (25 a 60 ng/kg/dia). Como o conteúdo das cápsulas disponíveis (250 ng e 500 ng) não são bem apropriadas ao pequeno peso
corporal da maioria dos cães e gatos e essas cápsulas não podem ser facilmente fracionadas, pode ser desejável entrar em contato com um farmacêutico capaz de reformular esses produtos de modo a obter um conteúdo apropriado para um
animal. Com todas as preparações de vitamina D e protocolos de doses o desenvolvimento de hipercalcemia iatrogênica é uma complicação comum do tratamento.
PÂNCREAS
A função endócrina do pâncreas é realizada por pequenos grupos de células, as ilhotas de Langerhans, que são completamente circundadas por células acinares (exócrinas) que produzem enzimas digestivas. As porções endócrina e exócrina
do pâncreas estão intimamente relacionadas durante o desenvolvimento e evidências sugerem que as células das ilhotas, de ácinos e de ductos surgem a partir de uma célula precursora multipotente em comum.
As ilhotas pancreáticas contêm células a, β e d; cada uma delas sintetiza um único hormônio polipeptídio. As células β compreendem 60 a 70% da população das células das ilhotas e secretam insulina, as células a secretam glucagon e as
células d secretam somatostatina.
As ilhotas pancreáticas funcionam como órgãos microendócrinos discretos. Estão distribuídas pelo pâncreas em um padrão característico de interrelação celular para garantir o equilíbrio apropriado dos hormônios. Vasos e nervos
aferentes entram na ilhota em uma região tricelular periférica. A íntima relação anatômica entre as células a, β e d nesta região cortical heterogênea permite funcionar como um sensor local de glicose, propiciando a liberação coordenada de
insulina e glucagon, em resposta às flutuações da glicose sanguínea. Junções íntimas especializadas entre as membranas das células endócrinas adjacentes tendem a dividir o espaço intercelular e pode permitir que a somatostatina tenha
efeito inibidor local direto (parácrino) na liberação de insulina e glucagon.
A insulina é formada inicialmente por uma cadeia polipeptídica única de 81 a 86 resíduos de aminoácidos. Este próhormônio (proinsulina) contém as cadeias A e B da molécula de insulina, além de um peptídio de conexão. A
proinsulina é convertida enzimaticamente à insulina, antes do armazenamento em grânulos secretores limitados por uma membrana.
O principal estímulo fisiológico para liberação de insulina pelas células β é o aumento da concentração de glicose no fluido extracelular. Na membrana plasmática das células β há glicorreceptores específicos que se ligam à glicose. Uma
concentração extracelular apropriada de cálcio é necessária para a secreção de insulina. Em algumas condições hipocalcêmicas p. ex., hipocalcemia puerperal em vacas), a secreção de insulina pode ser inibida pela baixa concentração de
cálcio no fluido extracelular, resultando em hiperglicemia. Outros açúcares (frutose, manose, ribose), aminoácidos (leucina, arginina), hormônios (glucagon, secretina), medicamentos (sulfonilureia), ácidos graxos de cadeia curta e corpos
cetônicos também podem estimular a secreção de insulina, em certas condições. As células β pancreáticas são aptas a responder a estímulos fisiológicos específicos com a liberação de hormônio esteroide, de forma modulada, em vez de
liberar todo o hormônio armazenado de uma vez.
A insulina influencia, direta ou indiretamente, a função de cada órgão do corpo. Tecidos especialmente responsivos à insulina incluem músculo esquelético e cardíaco, tecido adiposo, fibroblastos, fígado, leucócitos, glândula mamária,
cartilagem, osso, pele, artéria aorta, hipófise e nervos periféricos. A principal função da insulina é estimular as reações anabólicas que envolvem carboidratos, lipídios, proteínas e ácidos nucleicos. Fígado, células adiposas e músculo são os
três principais alvo da insulina. A insulina catalisa a formação de macromoléculas utilizadas na estrutura celular e no armazenamento de energia e regula muitas funções celulares. Em geral, a insulina aumenta a transferência de glicose e
outros monossacarídios, alguns aminoácidos e ácidos graxos e íons magnésio e potássio através da membrana das célulasalvo. Também, reduz a taxa de lipólise, proteólise, cetogênese e gliconeogênese.
O glucagon é secretado em resposta à redução da glicose sanguínea. Promove a mobilização dos estoques de nutrientes energéticos, aumentando a glicogenólise, a gliconeogênese e a lipose. Em concentrações fisiológicas, o glucagon
aumenta tanto a glicogenólise quanto a gliconeogênese hepática, aumentando a glicose sanguínea.
A insulina e o glucagon atuam em conjunto para manter a concentração de glicose no fluido extracelular dentro de limites relativamente estreitos. Um sensor de glicose nas ilhotas pancreáticas controla as quantidades de insulina e
glucagon secretadas. Glucagon controla a liberação de glicose do fígado para o espaço extracelular e a insulina controla o transporte de glicose do espaço extracelular para os tecidos sensíveis à insulina, como gordura, músculo e fígado.
DIABETES MELITO
Diabetes melito é uma anormalidade crônica do metabolismo de carboidratos causada por deficiência relativa ou absoluta de insulina. A maioria dos casos de diabetes espontânea ocorre em cães de meiaidade e em gatos de meiaidade ou
idosos. Em cães, as fêmeas são duas vezes mais acometidas do que os machos e a incidência parece maior em algumas raças pequenas, como Poodle miniatura, Dachshund, Schnauzer, Cairn Terrier e Beagle, mas qualquer raça pode ser
afetada. Em um estudo notouse que gatos machos obesos foram mais comumente acometidos do que as fêmeas; nenhuma predisposição racial foi observada em gatos.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Os mecanismos patogênicos responsáveis pela menor produção e secreção de insulina são múltiplos, mas geralmente estão relacionados com a destruição das células das ilhotas, secundariamente à destruição
imune ou à pancreatite grave (cães) ou amiloidose (gatos). Pancreatite crônica recidivante, com perda progressiva tanto das células endócrinas quanto das células exócrinas e sua substituição por fibras de tecido conjuntivo, resulta em
diabetes melito. O pâncreas se torna firme e multinodular e frequentemente contém áreas dispersas de hemorragia e necrose. Mais tarde no curso da doença, uma camada fina de tecido fibroso próximo ao duodeno e ao estômago podem ser
o que resta do pâncreas. Infiltração seletiva das ilhotas com amiloide, glicogênio e colágeno, com destruição de células das ilhotas, são causas menos frequentes de diabetes melito em cães do que em gatos. Em outros casos, a quantidade de
células β está diminuída e as células se tornam vacuolizadas; nos casos crônicos, é difícil visualizar as ilhotas. Diabetes melito resistente à insulina e secundário também são verificados em muitos cães com hiperadrenocorticismo
espontâneo e após a administração crônica contínua de glicocorticoides ou progestágenos. Prenhez e diestro também podem predispor ao diabetes melito. Em cães, mas não em gatos, a progesterona ocasiona liberação do hormônio do
crescimento, resultando em hiperglicemia e resistência à insulina. Obesidade também predispõe à resistência à insulina, tanto em cães como em gatos.
A expressão completa das alterações metabólicas complexas no diabetes melito parece resultado de uma anormalidade bi–hormonal. Embora a deficiência relativa ou absoluta da ação da insulina em resposta ao aumento da concentração
de glicose extracelular tenha sido reconhecida como a principal anormalidade hormonal, recentemente a importância do aumento relativo ou absoluto da secreção de glucagon está sendo pesquisada. No diabetes, a hiperglucagonemia pode
ser decorrência do aumento da secreção de glucagon pancreático, de enteroglucagon ou de ambos. O aumento de glucagon parece contribuir para o desenvolvimento de hiperglicemia grave devido à mobilização da reserva hepática de
glicose e do desenvolvimento de cetoacidose pelo aumento da oxidação dos ácidos graxos no fígado.
Gatos com diabetes melito geralmente apresentam lesões degenerativas específicas localizadas seletivamente nas ilhotas de Langerhans, enquanto o restante do pâncreas parece normal. A deposição seletiva de amiloide nas ilhotas, com
alterações degenerativas das células β, é a lesão pancreática mais comum em muitos gatos com diabetes. O amiloide parece oriundo do polipeptídio associado às ilhotas (IAPP), que é secretado juntamente com a insulina pelas células β.
Gatos parecem incapazes de processar o IAPP normalmente, o que ocasiona acúmulo excessivo e conversão em amiloide. À medida que os gatos envelhecem, uma porcentagem maior de suas ilhotas contém amiloide. Gatos com diabetes
têm porcentagem maior de ilhotas afetadas, com grande quantidade de amiloide, do que gatos da mesma idade, sem diabetes. O amiloide ou IAPP (ou ambos) ocasionam alteração física das células β e resistência à insulina, resultando em
diabetes.
Infecção humana por alguns vírus pode causar dano seletivo às ilhotas ou pancreatite e sugerese que sejam responsáveis por certos casos de desenvolvimento rápido de diabetes melito. Isto ainda não foi relatado em cães e gatos. A
degeneração seletiva e necrose de células β são acompanhadas de infiltração das ilhotas por linfócitos e macrófagos. Estresse, obesidade e administração de corticosteroides ou progestágenos podem aumentar a gravidade dos sinais clínicos.
ACHADOS CLÍNICOS: O início do diabetes melito é frequentemente insidioso e o curso clínico é crônico. Sintomas comuns em cães incluem polidipsia, poliúria, polifagia com perda de peso, catarata bilateral e fraqueza. As alterações no
metabolismo hídrico se desenvolvem principalmente devido à diurese osmótica. O limiar renal para glicose é cerca de 180 mg/dl, em cães, e cerca de 280 mg/dl, em gatos.
Animais diabéticos apresentam menor resistência a infecções bacterianas e fúngicas e frequentemente desenvolvem infecções crônicas ou recidivantes, como cistite, prostatite, broncopneumonia e dermatite. Esta maior suscetibilidade às
infecções pode estar relacionada, em parte, à alteração das atividades quimiotáticas, fagocitárias e antimicrobianas associadas à função reduzida dos neutrófilos. Evidência radiográfica de cistite enfisematosa (rara) é sugestiva de diabetes
melito, devido à infecção por microrganismos fermentadores de glicose, como Proteus sp., Aerobacter aerogenes e Escherichia coli, que resulta na formação de gás na parede e no lúmen da bexiga. Enfisema também pode se desenvolver na
parede da vesícula biliar de cães diabéticos.
Hepatomegalia devido ao acúmulo lipídico é comum em cães e gatos diabéticos. O fígado gorduroso se deve à maior mobilização de gordura do tecido adiposo. O tamanho das células hepáticas, individualmente, está muito aumentado
pelo acúmulo de múltiplas gotículas de lipídio neutro. Em gatos, pode ocorrer lipidose hepática juntamente com diabetes melito.
Catarata se desenvolve frequentemente em cães (não em gatos) com diabetes melito mal controlado. A opacidade do cristalino surge inicialmente ao longo de linhas de junção das fibras do cristalino e sua forma é estrelada (“asteroide”).
A formação de catarata em cães está relacionada com a via metabólica única do sorbitol pela qual a glicose é metabolizada no cristalino, a qual ocasiona edema de cristalino e alteração na transmissão normal de luz através dele. Embora a
mesma via do sorbitol pareça presente em gatos, o desenvolvimento de catarata é raro. Outras lesões extrapancreáticas associadas a diabetes melito em pessoas, como nefropatia, retinopatia e angiopatia micro e macrovascular são raras em
cães e gatos.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico de diabetes melito se baseia na constatação de hiperglicemia e glicosúria persistentes, em jejum. A concentração sanguínea normal de glicose em jejum, em cães e gatos, varia de 75 a 120 mg/dl. Em gatos,
hiperglicemia induzida por estresse é um problema frequente e várias amostras de sangue e urina podem ser necessárias para confirmar o diagnóstico. A mensuração de hemoglobina glicosilada ou frutosamina (ou ambas) podem auxiliar na
diferenciação entre hiperglicemia induzida por estresse e por diabetes melito. Nos casos de hiperglicemia induzida por estresse, as concentrações de frutosamina e hemoglobina glicosilada estão normais. Em todos os casos, devese
pesquisar a influência de medicamentos ou de doenças que predispõem ao diabetes.
TRATAMENTO: O sucesso a longo prazo depende da compreensão e cooperação do proprietário. O tratamento envolve a combinação da redução de peso, dieta, insulina e, possivelmente, hipoglicemiante oral. As fêmeas devem ser castradas.
Em gatos, evidência recente tem apoiado o uso de dietas com alto teor de proteína e baixo teor de carboidratos (rações enlatadas para filhotes). Em cães, dietas ricas em fibras e carboidratos complexos são preferidas. Dieta e redução de
peso, exclusivamente, não controlam a doença; assim, é necessário tratamento inicial com insulina. A maioria dos cães necessita de 2 doses de insulina por dia. Em geral, a insulina NPH, ou lenta, é a insulina inicial de escolha, na dose de
0,5 U/kg, 2 vezes/dia. Com duas injeções diárias, são fornecidas duas refeições de igual teor calórico no momento da administração de insulina. Dietas ricas em açúcares simples (rações semiúmidas) devem ser evitadas. Sinais clínicos e
dosagens seriadas de glicose no sangue são os parâmetros utilizados para monitorar a terapia após estabilização inicial no domicílio, por 5 a 7 dias. Geralmente é preferível a mensuração de glicose sanguínea no domicílio, para evitar
mudanças na rotina do animal e o estresse do exame na clínica ou hospital. Em gatos, iniciamse dietas ricas em proteínas acompanhadas de insulinoterapia e o animal é reavaliado após 5 a 7 dias. Em gatos recentemente diagnosticados, a
insulina glargina é a insulina de escolha. A glargina é uma insulina de longa ação basal. Utilizada juntamente com dieta rica em proteínas e com baixo teor de carboidrato, está associada à remissão de diabetes melito e descontinuação da
insulinoterapia em 80 a 90% dos casos, nos primeiros 3 a 4 meses de tratamento. As insulinas NPH, lenta e PZI também podem ser utilizadas em gatos, com doses iniciais de 1 a 3 unidades, 2 vezes/dia. Entretanto, estas insulinas não estão
associadas a alta taxa de remissão do diabetes.
O uso oral de agentes hipoglicemiantes (glipizida) foi avaliado em gatos diabéticos. Glipizida é uma sulfonilureia que estimula a liberação de insulina pelas células β funcionais. Glipizida não deve ser utilizada em gatos magros ou
cetonúricos, quando é possível a deficiência absoluta de insulina e há necessidade de administração exógena de insulina. Glipizida é administrada na dose inicial de 2,5 mg, 2 vezes/dia VO, juntamente com manejo dietético. A resposta
clínica é notada em 3 a 4 semanas. Sucesso a curto prazo é observado em 50% dos gatos tratados, com taxa de sucesso a longo prazo (> 1 ano) de cerca de 15%. Como alternativa, podese administrar glimepirida (outra sulfonilureia) para
gatos, na dose de 2 mg, 1 vez/dia. Arcabose, um inibidor de uso oral da alfaglicosidade, também tem sido utilizado em gatos, na dose de 12,5 a 25 mg, 2 a 3 vezes/dia, juntamente com dieta e/ou insulina, para controlar a hiperglicemia.
Cetoacidose é uma séria complicação do diabetes melito e deve ser tratada como uma emergência médica. A terapia inclui correção da desidratação mediante aplicação IV de fluidos, como solução de NaCl 0,9% ou solução de lactato de
Ringer; redução da hiperglicemia e da cetose pela administração de insulina de zinco regular; manutenção das concentrações séricas de eletrólitos, especialmente de potássio, por meio da administração suplementar de soluções apropriadas
de eletrólitos; e identificação e tratamento de doenças complicadoras concomitantes, como pancreatite aguda ou infecções.
Vários procedimentos no uso de insulina tem sido utilizados no tratamento de diabetes melito cetoacidótica. No tratamento intermitente com insulina, utilizase insulina regular na dose inicial de 0,2 U/kg IM, seguida de administrações a
cada hora de 0,1 U/kg. Assim que a glicemia esteja < 250 mg/dl, a insulina é administrada por via SC, na dose de 0,25 a 0,5 U/kg, a cada 4 a 6 h, com monitoramento cuidadosa da glicemia em intervalos de 1 a 2 h. Durante o tratamento
agressivo com insulina, a concentração sanguínea de glicose pode diminuir rapidamente e pode ser necessária a adição de dextrose 2,5 a 5% ao fluido IV.
Ao instituir insulinoterapia, a glicose sanguínea deve ser avaliada frequentemente, até que se obtenha a dose de manutenção adequada. Assim que o animal inicia terapia de manutenção e a condição se estabiliza, o paciente deve ser
reavaliado a cada 4 a 6 meses.
TUMORES DE CÉLULAS DAS ILHOTAS FUNCIONAIS
O tumor de ilhotas pancreáticas mais frequente é o carcinoma de células das ilhotas derivados de células β secretoras de insulina. Estas neoplasias frequentemente são ativas, em termos hormonais, e secretam quantidade excessiva de
insulina, que provoca hipoglicemia. O tecido pancreático endócrino parece derivado de células epiteliais de ductos multipotentes, que se diferenciam em um dos vários tipos celulares presentes nas ilhotas. Gastrina, somatostatina,
polipeptídios pancreáticos e peptídio vasoativo intestinal também podem ser produzidos em excesso por tumores das células das ilhotas. Neoplasias de células β das ilhotas pancreáticas (insulinomas) são notadas mais frequentemente em
cães com 5 a 12 anos de idade. Também, têm sido menos frequentemente relatadas em gatos e em bovinos mais idosos.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos constatados nos insulinomas resultam do excesso de secreção de insulina, que ocasiona maior taxa de transferência de glicose do fluido extracelular para os tecidos corporais e, consequentemente,
hipoglicemia grave. Os sinais clínicos são reflexos da hipoglicemia e não são específicos para hiperinsulinismo associado à neoplasia de célula β. Os sintomas iniciais incluem fraqueza posterior, fadiga após exercício, fraqueza e
fasciculações musculares generalizadas, ataxia, confusão mental e alterações de comportamento. Os cães se agitam facilmente e há períodos intermitentes de excitabilidade e inquietação. Podem ocorrer convulsões periódicas e também são
relatados episódios de colapso parecidos com síncope.
Os sinais clínicos são tipicamente episódicos e inicialmente ocorrem em intervalos prolongados e se tornam mais frequentes e duradouros à medida que a doença progride. Crises hipoglicêmicas podem ser precipitadas por exercício
físico (maior uso de glicose) ou jejum (menor disponibilidade de glicose), bem como pela ingestão de alimentos (estímulo da secreção de insulina). A administração de glicose rapidamente alivia os sintomas.
A predominância de sinais clínicos relacionados com o SNC mostra a dependência primária do cérebro no metabolismo de glicose para energia. Quando o cérebro não é suprido por glicose, a oxidação cerebral diminui e as manifestações
de anoxia surgem. Como os sinais clínicos são compatíveis com doença primária do SNC, os tumores funcionais de células das ilhotas podem ser diagnosticados erroneamente como epilepsia idiopática, tumores cerebrais ou outras doenças
neurológicas. Episódios repetidos de hipoglicemia grave e prolongada podem resultar em degeneração neuronal irreversível por todo o cérebro. Distúrbios nervosos permanentes provavelmente contribuem para o coma terminal, ausência de
resposta à glicose e, por fim, morte de alguns cães.
Lesões: Os insulinomas normalmente surgem como nódulos pequenos (1 a 3 cm) únicos, amarelos a pretoavermelhados, esféricos e visíveis na superfície serosa. São nódulos únicos ou, ocasionalmente, múltiplos no mesmo lobo do
pâncreas ou em lobos diferentes. Apresentam consistência similar ou ligeiramente mais firmes do que o parênquima pancreático circundante. Uma camada fina de tecido conjuntivo fibroso separa a neoplasia do parênquima adjacente.
Insulinomas frequentemente ocasionam metástase em linfonodos regionais ou no fígado (ou ambos), antes do diagnóstico. Adenomas benignos verdadeiros das células da ilhota são raros.
DIAGNÓSTICO: Devese mensurar a glicose sanguínea em todos os cães idosos com histórico de fraqueza periódica, colapso ou convulsões. Hipoglicemia em jejum (= 60 mg/dl) em um cão de meiaidade a idoso é um forte indício de
insulinoma. Em animais com insulinoma a concentração sérica de insulina mensurada no momento da hipoglicemia encontrase normal ou aumentada. Diagnósticos diferenciais para hipoglicemia incluem hipoadrenocorticismo,
insuficiência hepática, grandes neoplasias extrapancreáticas, sepse, policitemia, dose excessiva de insulina e erro laboratorial.
TRATAMENTO: Embora os insulinomas sejam solitários em cães, todo o pâncreas deve ser examinado cuidadosamente, verificando se há tumores múltiplos. A extirpação total do tumor melhora a hipoglicemia e os sinais neurológicos
associados, a menos que haja alterações irreversíveis no SNC. No caso de metástases não visíveis, a hipoglicemia pode persistir após a cirurgia. Mesmo que o potencial de malignidade dos insulinomas seja alto, muitos cães sobrevivem > 1
ano com qualidade de vida aceitável, se todos os tumores visíveis forem removidos na cirurgia. Cães com tumores inoperáveis podem ser bem controlados com várias refeições no dia e administração de glicocorticoides (0,5 a 1 mg/kg/dia).
O diazóxido (20 a 80 mg/kg/dia, 3 vezes/dia) também pode aliviar os sintomas em alguns cães, mas problemas com sua disponibilidade limita seu uso. Recentemente, o quimioterápico estreptozocina tem sido pesquisado no tratamento de
tumores de células das ilhotas em cães e pode ser utilizado após a ressecção cirúrgica.
TUMORES DE CÉLULAS DAS ILHOTAS SECRETORAS DE GASTRINA
Gastrinomas pancreáticos são relatados em pessoas, cães e gatos. A hipersecreção de gastrina em pacientes humanos resulta na síndrome de ZollingerEllison, que consiste na secreção excessiva de ácido gástrico e em úlcera péptica
recidivante no trato GI. Os tumores, derivados de célula de absorção e descarboxilação de precursores de amina (célula APUD, do inglês amine precursor uptake and descarboxilation) ectópica do pâncreas produzem excesso do hormônio
gastrina, que normalmente é secretado por células da mucosa do antro gástrico e duodeno.
ACHADOS CLÍNICOS: Estes tumores são raros; são menos frequentes do que as neoplasias de células β secretoras de insulina. Nos poucos casos documentados relatamse anorexia, hematêmese, diarreia intermitente (geralmente com sangue
escuro), perda de peso progressiva e desidratação. As alterações funcionais marcantes parecem decorrências de várias úlceras na mucosa do trato GI, que se desenvolvem devido à hipersecreção de gastrina.
Lesões: Relatase que animais com a síndrome semelhante a de ZollingerEllison apresentavam tumores únicos ou múltiplos, de diversos variados, no pâncreas. Os tumores eram firmes à palpação devido ao aumento de tecido conjuntivo
fibroso no estroma e todos tinham evidência de metástase antes do diagnóstico.
DIAGNÓSTICO: Concentrações séricas de gastrina foram avaliadas em um número limitado de cães com gastrinoma. Em um cão com a síndrome semelhante a de ZollingerEllison apresentava concentrações de gastrina que variaram de 155 a
2.780 pg/ml, enquanto o teor sérico médio de gastrina em cães clinicamente normais (controle) era de 70,9 pg/ml. Úlceras gástricas ou duodenais recidivantes em cães sem causa definida requerem cirurgia exploratória e inspeção cuidadosa
do pâncreas.
TRATAMENTO: Podese tentar a extirpação do tumor secretor de gastrina do pâncreas. Entretanto, o estudo dessas neoplasias em cães mostrou evidência de invasão local, ao parênquima adjacente, e metástase nos linfonodos regionais e no
fígado. Os cães apresentavam tanto ulcerações únicas quanto múltiplas na mucosa gástrica ou duodenal, associadas a sangue livre no lúmen. O tratamento medicamentoso com antagonistas de receptores H2 (famotidina ou ranitidina) ou
inibidores da bomba de prótons (omeprazol) podem aliviar temporariamente os sinais clínicos em animais com doença inoperável.
TUMORES DE TECIDOS NEUROENDÓCRINOS
Tecidos neuroendócrinos derivados da crista neural embrionária são amplamente distribuídos pelo corpo. Nos mamíferos, estão no centro das glândulas adrenais e são responsáveis pela síntese e secreção de catecolaminas (epinefrina e
norepinefrina). Células C da glândula tireoide dos mamíferos também são derivadas da crista neural e, durante o desenvolvimento embrionário inicial, são incorporadas à última bolsa faringiana (ultimobranquial) que, subsequentemente, se
fundem com cada lobo tireoidiano. As células C estão envolvidas na biossíntese de calcitonina, um hormônio envolvido na regulação da homeostasia do cálcio e do turn over ósseo.
Os tumores se desenvolvem ocasionalmente nas células neuroendócrinas da medula adrenal, tireoide e corpos carotídeos e aórticos. São clinicamente significantes devido à alteração física dos tecidos normais adjacentes causada pela
massa aumentada e, possivelmente, pela secreção autônoma de excesso de hormônio.
MEDULA ADRENAL
HIPERPLASIA MEDULAR ADRENAL: Hiperplasia medular adrenal nodular e difusa parece preceder o desenvolvimento de feocromocitoma em touros com tumor de célula C da tireoide. Esta proliferação difusa das células cromafins não é
encapsulada e comprime o córtex adrenal circundante. Em touros com hiperplasia medular difusa proeminente, com frequência há alguns pequenos focos de proliferação nodular de células medulares.
FEOCROMOCITOMAS: Estes tumores de células cromafins são quase sempre localizados nas glândulas adrenais. São os tumores mais comuns da medula adrenal de animais; se desenvolvem mais frequentemente em bovinos, ratos de
laboratório e cães, sendo infrequentes em outros animais domésticos. Em touros e ratos, os feocromocitomas se desenvolvem concomitantemente a tumor de células C da glândula tireoide que secretam calcitonina, possivelmente como uma
transformação neoplásica de vários tipos de células endócrinas de origem neuroectodérmica no mesmo indivíduo. O feocromocitoma maligno é considerado um tumor medular que invade estruturas adjacentes através da cápsula adrenal (p.
ex., veia cava posterior) ou ocasiona metástase em pontos distantes (ex. fígado, linfonodos regionais ou pulmões), ou ambos. Feocromocitomas funcionais são infrequentemente relatados em animais; entretanto, muitos cães e equinos com
feocromocitoma manifestam taquicardia, edema e hipertrofia cardíaca, atribuídas ao excesso de secreção de catecolaminas. Os sinais clínicos em cães podem incluir poliúria e polidipsia. Parece que equinos apresentam síndrome semelhante
à neoplasia endócrina múltipla observada em pacientes humanos com doença adrenal e tireoidiana concomitantes.
Embora o tamanho seja consideravelmente variável, os feocromocitomas podem ser grandes (= 10 cm de diâmetro) e incorporar a maior parte da adrenal afetada. Uma pequena parte remanescente da glândula adrenal pode ser notada em
um polo. Tumores menores são bem encapsulados por uma fina camada do córtex adrenal. Feocromocitomas grandes são multilobulados e variados e podem pressionar e invadir tecidos adjacentes, particularmente a veia cava e a artéria
aorta. Em cães, cerca de 50% dos feocromocitomas ocasionam metástase no fígado, nos linfonodos regionais, no baço e nos pulmões.
Devido à indisponibilidade de testes de rotina validados para dosagem de catecolaminas em cães e gatos, o diagnóstico frequentemente se baseia nos sinais clínicos e na ultrassonografia. O tratamento envolve cirurgia (se possível) e
controle da hipertensão.
ÓRGÃOS QUIMIOCEPTORES
Órgãos quimioceptores são barômetros sensíveis às alterações nos teores de dióxido de carbono e de oxigênio e no pH do sangue; auxiliam na regulação da respiração e da circulação. Embora o tecido quimioceptor pareça amplamente
distribuído pelo corpo, os tumores se desenvolvem principalmente nos corpos aórticos (mais frequentes em animais) e carotídeos (mais frequentes em humanos). Estes tumores são notados principalmente em cães e raramente em gatos e
bovinos. Raças braquicefálicas de cães, como Boxer e Boston Terrier são predispostas a tumores de corpo aórtico e carotídeo.
Os tumores do corpo aórtico surgem mais frequentemente como massas únicas ou como nódulos múltiplos no interior do saco pericárdico, próximo à base do coração. Variam consideravelmente em tamanho (0,5 a 12,5 cm), sendo os
carcinomas geralmente maiores do que os adenomas. Solitários, os pequenos adenomas tanto são aderidos às camadas adventícias das artérias pulmonar e aorta ascendente, ou estão incluídos no tecido conjuntivo adiposo presente entre
estes dois troncos vasculares principais. Adenomas maiores podem se ajustar ao átrio ou deslocar a traqueia, são multilobulares e circundam parcialmente os troncos arteriais principais, na base do coração.
Em cães, tumores malignos no corpo aórtico ocorrem menos frequentemente do que os adenomas. Os carcinomas podem se infiltrar na parede da artéria pulmonar e formar projeções papilares no lúmen ou invadir o lúmen do átrio através
da parede. Embora as células tumorais frequentemente invadam vasos sanguíneos, metástases nos pulmões e no fígado são infrequentes em cães com carcinoma de corpo aórtico. Todavia, os efeitos locais e fisiológicos são importantes,
inclusive aqueles dos adenomas.
Tumores no corpo aórtico em animais não são funcionais, p. ex., não secretam excesso de hormônio na circulação) mas, como uma lesão que ocupa espaço, pode resultar em várias alterações funcionais. Incluemse manifestações de
descompensação cardíaca devido à pressão no átrio ou na veia cava (ou ambas) associada a adenomas e carcinomas maiores no corpo aórtico. Tumores de corpo aórtico tendem a ser mais benignos do que os tumores de corpo carotídeo.
Expandemse lentamente e comprimem a veia cava e o átrio. Os carcinomas de corpo aórtico podem invadir localmente o átrio, pericárdio e vasos adjacentes maiores de parede fina.
Tumores de corpo carotídeo surgem próximo à bifurcação da artéria carótida comum, geralmente como uma massa unilateral de crescimento lento. Adenomas geralmente apresentam 1 a 4 cm de diâmetro. A bifurcação da artéria
carótida é incorporada à massa e as células tumorais se aderem firmemente à túnica adventícia. Geralmente é difícil excisão completa ou biópsia devido ao alto grau de vascularização e a íntima relação com os troncos arteriais principais do
pescoço.
Tumores de corpo carotídeo malignos são maiores e mais grosseiramente multinodulares do que os adenomas. Embora os carcinomas pareçam encapsulados, as células tumorais invadem a cápsula e penetram nas paredes dos vasos
adjacentes e dos vasos linfáticos. A veia jugular externa e vários nervos cranianos podem ser envolvidos pela neoplasia. Metástases dos tumores de corpo carotídeo ocorrem em cerca de 30% dos casos e tem sido encontrados nos pulmões,
linfonodos bronquiais e mediastínicos, fígado, pâncreas e rins. Transformação neoplásica multicêntrica do tecido quimioceptor ocorre frequentemente em raças de cães braquicefálicas.
As características histológicas dos tumores de quimioceptores (“quimiodectomas”) são essencialmente semelhantes, independente se derivados do corpo aórtico ou carotídeo.
Embora a etiologia dos tumores de corpo aórtico e carotídeo seja desconhecida, sugerese que uma predisposição genética agravada por hipoxia crônica pode aumentar o risco em certas raças braquicefálicas. Corpos carotídeos de
diversas espécies mamíferas, inclusive cães, desenvolveram hiperplasia quando submetidos à hipoxia crônica em ambiente de altitude elevada.
TUMORES DE CÉLULA C DA TIREOIDE
Tumores de célula C (células parafoliculares, ultimobranquiais) da tireoide são mais comuns em touros e equinos adultos ou de mais idade e em certas linhagens de ratos de laboratório. Relatase que alta porcentagem de touros mais velhos
desenvolvem tumor de célula C (= 30%) ou hiperplasia de célula C e derivados ultimobranquiais (= 15 a 20%). Não têm sido observados em vacas que recebem a mesma dieta. Em touros, a prevalência aumenta com o avançar da idade e
está frequentemente associada ao desenvolvimento de aumento da densidade vertebral. Tumores endócrinos múltiplos, especialmente feocromocitomas bilaterais e, ocasionalmente, adenomas hipofisários, são detectados simultaneamente
em touros com tumor de célula C. Há relato de alta frequência de tumor de células C da tireoide e de feocromocitoma em uma família de touros da raça Guernsey, o que sugere um padrão de herança autossômico dominante. Hiperplasia
difusa ou nodular de células secretoras da medula adrenal frequentemente precede o desenvolvimento de feocromocitoma.
ADENOMAS: Adenomas de células C surgem em um ou ambos os lobos da tireoide, como nódulos discretos, únicos ou múltiplos, acinzentados a marrons. Os adenomas são menores (cerca de 1 a 3 cm de diâmetro) que os carcinomas e são
separados do parênquima tireoidiano por uma fina cápsula de tecido conjuntivo fibroso. A tireoide adjacente é comprimida, mas não invadida pelo tumor. Em equinos, adenoma de célula C pode resultar em aumento palpável na região
cervical anterior. Adenomas de células C maiores incorporam a maior parte do lobo tireoidiano, mas uma borda de tireoide marromvermelho escura frequentemente está presente em um lado.
CARCINOMAS: Carninomas de células C da tireoide causam grande aumento multinodular em um ou ambos os lobos tireoidiamos e podem incorporar toda a glândula tireoide. Metástases múltiplas em linfonodos cervicais anteriores
geralmente são grandes e apresentam áreas de necrose e hemorragia. Metástases pulmonares são infrequentes e surgem como discretos nódulos marrons em todos os lobos pulmonares.
A estimulação crônica das células C pela ingestão excessiva de cálcio na dieta por longo tempo pode estar relacionada com a alta prevalência destes tumores em touros; touros adultos foram alimentados com dieta contendo 3,5 a 6 vezes
mais a quantidade de cálcio normalmente recomendada para manutenção e a ocorrência destes tumores diminuiu significantemente quando a ingestão de cálcio foi reduzida.
Síndromes associadas a anormalidades na secreção de calcitonina são reconhecidas menos frequentemente do que as anormalidades que envolvem o paratormônio (PTH). A hipersecreção de calcitonina é relatada em pessoas, touros e
ratos de laboratório, com neoplasias tireoidianas medulares (ultimobranquial) derivadas de célula C. Alterações osteocleróticas são relatadas em touros com esta síndrome, mas a relação do excesso de secreção de calcitonina por longo
tempo na patogênese das lesões ósseas e sua ocorrência em outras espécies não está clara.
Em cães, o estadiamento histológico do carcinoma de tireoide é importante para o prognóstico, embora o tipo histológico não seja. O volume do tumor tem maior importância, bem como sua relação com a possibilidade de metástase;
também, quanto mais profunda a fixação do tumor às estruturas adjacentes, é menos provável que se consiga ressecção cirúrgica completa. Cirurgia é o tratamento de escolha, mas algumas formas de terapia adjuvante são razoáveis devido
ao risco de metástase e de tecido residual não removido. Em teoria, uma combinação de radioterapia e quimioterapia seria ideal e o interesse nesta terapia combinada está aumentando. Para outros carcinomas de tireoide funcionais raros em
cães, o tratamento com I131 é uma escolha razoável, mas poucas são as instituições onde tal terapia pode ser realizada e são muitos os problemas técnicos (destinação de toda urina e fezes de acordo com as normas de segurança de radiação).
INFECÇÕES GENERALIZADAS
MAIS DE UMA ESPÉCIE
Actinobacilose
Actinomicose
Amiloidose
Anomalias Congênitas e Hereditárias
Doença da Fronteira
Infecção pelo Vírus Akabane
Antraz
Besnoitiose
Borreliose
Clostridioses
Botulismo
Cabeça Grande
Carbúnculo Sintomático
Edema Maligno
Enterotoxemias
Clostridium perfringens Tipo A
Clostridium perfringens Tipos B e C
Enterotoxemia Tipo D
Hemoglobinúria Bacilar
Hepatite Necrosante Infecciosa
Infecções por Clostridium difficile e C. perfringens
Tétano
Vacinas contra Clostrídios
Doença exsudativa
Estomatite Vesicular
Febre Aftosa
Febre Q
Infecção por Erysipelothrix rhusiopathiae
Claudicação Pósbanho de Imersão em Ovinos
Erisipela Suína
Poliartrite Não Supurativa em Cordeiros
Infecções Fúngicas
Aspergilose
Blastomicose
Candidíase
Coccidioidomicose
Criptococose
Esporotricose
Feoifomicose
Geotricose
Hialoifomicose
Histoplasmose
Linfangite Epizoótica
Micetomas
Oomicose
Pecilomicose
Peniciliose
Rinosporidiose
Zigomicose
Leptospirose
Bovinos
Cães
Equinos
Suínos
Listeriose
Melioidose
Neosporose
Nocardiose
Peritonite
Peste
Raios e Eletrocussão
Toxoplasmose
Tuberculose e Outras infecções micobacterianas
Animais Exóticos com Cascos em Cativeiro
Bovinos
Cães
Cervos e Alces
Elefantes
Equinos
Gatos
Mamíferos Marinhos
Ovinos e Caprinos
Primatas Não Humanos
Suínos
Outras Infecções Micobacterianas, além de Tuberculose
Tularemia
EQUINOS
Anemia Infecciosa Equina
Arterite Viral Equina
Erliquiose Granulocítica Equina
Infecção pelo Vírus Hendra
Mormo
Peste EquinaAfricana
Sepse em Potros
RUMINANTES
Colissepticemia
Caudriose
Doença de Wesselsbron
Doença dos Ovinos de Nairóbi
Febre Catarral Maligna
Febre do Vale Rift
Febre Efêmera
Febre Hemorrágica da Crimeiacongo
Febre Petequial Bovina
Febre transmitida por carrapatos
Histofilose
Leucose Bovina
Língua Azul
Paratuberculose
Pasteurelose em Ovinos e Caprinos
Peste Bovina
Peste dos Pequenos Ruminantes
Piemia por Carrapatos
Sepse Hemorrágica
Síndrome ArtriteEncefalite Caprina
SUÍNOS
Doença de Glässer
Doença do Edema
Doença Vesicular Suína
Doenças Causadas por Circovírus Suíno
Encefalomielite Hemaglutinante
Exantema Vesicular dos Suínos
infecção pelo vírus da encefalomiocardite
Infecção pelo Vírus Nipah
Infecções Estreptocócicas em Suínos
Infecção por Streptococcus dysgalactiae
Infecção por Streptococcus porcinus
Infecção por Streptococcus suis
Peste Suína Africana
Peste Suína Clássica
Síndrome Respiratória e Reprodutiva Suína
Triquinelose
PEQUENOS ANIMAIS
Cinomose Canina
Doenças Causadas por Riquétsias
Erliquiose e Infecções Relacionadas
Febre Maculosa das Montanhas Rochosas
Intoxicação por Salmão e Febre Elokomin
Tifo Murino
Hemoplasmose (Anemia Infecciosa Felina) (CIC)
Hepatite Infecciosa Canina
Herpesvirose Canina
Leishmaniose
Linfoma Maligno Canino (CIC)
Panleucopenia Felina
Peritonite Infecciosa Felina
Vírus da Leucemia Felina e Doenças Relacionadas
ACTINOBACILOSE
A actinobacilose é causada por um cocobacilo Gramnegativo pertencente ao gênero Actinobacillus. Apesar de existir mais de 22 diferentes espécies neste gênero, apenas quatro (A. pleuropneumoniae, A. suis, A. equuli e A. lignieresii) são
frequentemente associadas a doenças nos animais.
A espécie A. pleuropneumoniae causa pleuropneumonia contagiosa suína (p. 1610) e pode manifestarse de diferentes formas desde aguda grave até infecção subaguda ou crônica com abscessos pleurais e pulmonares. Os danos às células
endoteliais ativam o complexo imune ocorrendo vasculite e trombose, com edema, necrose, infarto e hemorragia. A infecção, geralmente, é restrita a suínos < 5 meses de idade. A. pleuropneumoniae ser parte da flora normal das membranas
mucosas de suínos, bovinos e ovinos. O diagnóstico é realizado por meio do isolamento do microrganismo de amostras de suabe nasal ou tecido pulmonar obtido durante a necropsia. Técnicas moleculares como PCR foram desenvolvidas
para detectar a presença de A. pleuropneumoniae em amostras de tecidos. O tratamento é baseado no uso de antibióticos, inclusive penicilina, tetraciclina, estreptomicina, cefalosporinas ou fluorquinolonas. O controle dos focos é feito
empregando manejo adequado, combinado ao uso de vacinas ou erradicação da infecção do rebanho por meio de despovoamento.
A. suis faz parte da flora normal da cavidade oral de suínos. Esta afecção causa sepse em suínos jovens e artrite, pneumonia e pericardite em animais idosos. Em potros neonatos e recémnascidos também pode acarretar sepse, artrite,
pneumonia e nefrite purulenta. A doença é desencadeada por uma ruptura na integridade da mucosa bucal ou pode ser associada à imunossupressão. O microrganismo geralmente é suscetível a sulfonamidas e cefalosporinas.
O hospedeiro natural de Actinobacillus equuli é o equino; nestes animais são observadas infecções tanto em jovens como em adultos. Nos potros, pode se manifestar como diarreia, acompanhada de meningite, pneumonia, nefrite
purulenta ou poliartrite séptica (doença do potro letárgico). A infecção pode ser desencadeada pela contaminação do umbigo, inalação ou ingestão do agente. Portanto, a doença pode ser evitada com a adoção de medidas como: manejo
sanitário adequado no ambiente do potro e o fornecimento de colostro materno contendo anticorpos contra o agente. Nos animais adultos a infecção por A. equuli pode ocasionar abortamento, sepse, endocardite e nefrite. Tantos em potros
como em equinos adultos, diversas doenças podem causar os mesmos sinais clínicos, por isso o diagnóstico definitivo é baseado no isolamento do agente por meio de cultura.
Nesses casos, o tratamento é realizado com a administração de cloranfenicol, gentamicina ou cefalosporinas de terceira geração, dependendo da natureza da infecção e da habilidade das concentrações terapêuticas do fármaco em atingir o
sítio de infecção. Os betalactâmicos e as sulfonamidas têm sido recomendados, porém a ocorrência de resistência a estes antibióticos já foi relatada.
A. arthritidis, antigamente denominada Bisgaard táxon 9, foi isolada de equinos com artrite e sepse.
A. lignieresii causa abscessos tumorais na língua, condição geralmente denominada “língua de pau”. É clássica em bovinos, mas também ocorre em ovinos, equinos, suínos e cães; nas aves, a frequência é baixa. O microrganismo pode
causar, ainda, lesões piogranulomatosas em tecidos moles de cabeça, pescoço e membros e, ocasionalmente, atingir pulmões, pleura, úbere e tecido subcutâneo. O microrganismo faz parte da flora normal do trato gastrintestinal e causa
doença quando, por meio de feridas, atinge os tecidos moles adjacentes. Com isso causa infecções localizadas que pode espalhar, pela via linfática, para outros tecidos. As lesões primárias associadas a A. lignieresii em bovinos são firmes e
com tumefação difusa, além de dores na língua. Isso ocasiona salivação excessiva, incapacidade de preensão normal do alimento e, em alguns casos, notase protrusão da língua devido ao seu aumento. Na palpação percebese uma língua
excessivamente rígida. O diagnóstico requer cultura e biopsia da lesão. O pus proveniente dos abscessos contém microcolônias cercadas por espículas associadas ao fosfato de cálcio, dando a aparência de grânulos sulfurosos com < 1 mm
de diâmetro. Não há testes sorológicos disponíveis para a actinobacilose e os achados clínicos e hematológicos geralmente são normais. A necropsia revela uma língua pálida e firme contendo nódulos multifocais. Estes nódulos são
frequentemente preenchidos com pus espesso com coloração branco–amarelada. Histologicamente, a lesão primária é um abscesso granulomatoso.
Rim de um potro infectado por Actinobacillus equuli. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.
Essa forma da actinobacilose é cosmopolita, mas esporádica e, assim, de difícil prevenção. Os surtos que ocorrem nos rebanhos, geralmente, estão associados ao consumo de capim grosseiro e abrasivo que ocasiona lesões na boca. Iodeto
de sódio é o tratamento de escolha para ruminantes com actinobacilose, aplicado por via IV (70 mg/kg, solução 10 a 20%), repetindose 1 ou 2 vezes em intervalos de 7 a 10 dias. Caso ocorram sinais clínicos relacionados com a toxicidade
do iodeto (crostas, diarreia, anorexia, tosse e lacrimejamento excessivo) a administração deve ser descontinuada. A melhora clínica é observada dentro de 48 h do início da terapia e o tratamento geralmente é bemsucedido quando há
apenas o envolvimento da língua. Antibacterianos sistêmicos, como ceftiofur, penicilina, ampicilina, florfenicol e tetraciclina, podem ser efetivos e são principalmente recomendados para casos graves ou refratários ao tratamento com
iodeto de sódio. O desbridamento cirúrgico, especialmente se há comprometimento respiratório, pode ser utilizado no tratamento, principalmente na presença de grande massa granulomatosa que não responde à terapia. A prevenção de
actinobacilose em ruminantes envolve principalmente a limitação do consumo de alimento grosseiro fibroso e de pastejo em regiões que contêm pontas de capim duras e penetrantes (p. ex., capim raboderaposa, cardo).
Actinobacillus ureae causa infecção de trato respiratório superior em pessoas e abortamento em suínos. Por sua vez, A. actinoides está associado à pneumonia supurativa em bezerros e vesiculite seminal em touros.
ACTINOMICOSE
Os membros do gênero Actinomyces são Grampositivos, anaeróbios, filamentosos ou ramificados e circundados por uma roseta periférica. Os filamentos têm < 1 μm de diâmetro, diferentemente dos fungos filamentosos que possuem
tamanhos > 1 μm de diâmetro. Actinomyces spp pertence à flora normal das mucosas bucal e nasofaringiana, porém, várias espécies estão relacionadas com doenças em animais.
A. bovis é o agente etiológico da actinomicose. Também, pode ser isolado de abscessos nodulares em pulmões dos bovinos e de infecções raras em ovinos, suínos, cães e outros mamíferos, inclusive fístula de cernelha crônica e
inflamação da bursa supra–atlantal, em equinos. Actinomicose envolve um abscesso supurativo crônico, progressivo, fibrótico e granulomatoso, que compromete, com mais frequência, mandíbula, maxila ou outros tecidos ósseos da cabeça.
A doença manifestase quando A. bovis é introduzido em tecidos moles adjacentes, penetrando na mucosa bucal através de feridas provocadas por arame, feno grosseiro ou gravetos. O envolvimento do osso adjacente quase sempre resulta
em distorção facial, perda de dentes (dificultando a mastigação) e dispneia devido ao inchaço da cavidade nasal. Partes da cabeça podem ser afetadas, entretanto, os alvéolos dentários que circundam a raiz do dente e bochechas são
frequentemente envolvidos. A lesão primária apresentase com crescimento lento e massa firme que acomete parte da mandíbula. Em alguns casos formas ulcerativas com ou sem fístulas de drenagem do exsudato purulento podem ocorrer.
O diagnóstico presuntivo baseiase nos sinais clínicos. Este diagnóstico pode ser confirmado pela cultura do microrganismo de amostras de lesões. Esta cultura requer condições anaeróbias sendo frequentemente negativa. A coloração de
Gram revela bastonetes Grampositivos em “grânulos sulfurosos” e amarelados no aspirado purulento. O exame radiológico da cabeça é útil, a lesão radiográfica primária consiste em regiões de osteomielite múltiplas, radioluscentes
centrais circundadas por ossificação periosteal e tecido fibroso. Como último recurso, uma amostra pode ser obtida por biopsia utilizando a trefina e submetida ao histopatológico.
Vaca com actinomicose. Cortesia do Dr. Geoffrey Smith.
O objetivo do tratamento é eliminar a bactéria e cessar o avanço da lesão. Entretanto, dificilmente ocorre regressão significativa da massa rígida. Iodeto de sódio é o tratamento de eleição para ruminantes com actinomicose. O iodeto de
sódio (70 mg/kg, em solução 10 a 20%, IV) é fornecido uma vez e repetido várias vezes em intervalos de 7 a 10 dias. Caso sejam observados sinais de toxicidade ao iodeto (formação de crostas, diarreia, anorexia, tosse e lacrimejamento
excessivo), sua administração deve ser descontinuada ou deve ser aumentado o intervalo entre aplicações. O iodeto de sódio tem se mostrado seguro para uso em vacas prenhes e apresenta baixo risco de aborto. Recomendase
administração de antimicrobianos, inclusive penicilina, florfenicol ou oxitetraciclina. Como A. bovis faz parte da flora normal dos ruminantes, o controle da doença é feito evitando o fornecimento de alimentos grosseiros e rígidos ou
plantas com hastes que podem causar lesão à mucosa bucal. Quando ocorrem vários casos no rebanho, isso não se deve à natureza contagiosa do patógeno, mas sim à exposição a diversos fatores de risco (alimentos grosseiros).
A. actinoides é conhecido como invasor secundário na pneumonia enzoótica de bezerros e vasculite seminal em touros.
A. israelii está principalmente associado a infecções granulomatosas crônicas em pessoas, mas esporadicamente também tem sido isolado de lesões piogranulomatosas de suínos e bovinos. O tratamento envolve desbridação cirúrgica e
administração de penicilina.
A. naeslundii foi isolado de infecções supurativas em várias espécies animais e os casos mais frequentes são de aborto em suínos.
A. suis provoca mastite piogranulomatosa em porcas, sendo caracterizado por pequenos abscessos com vesículas, pus amarelado cercado por uma ampla zona de tecido conjuntivo denso. “Grânulos sulfurosos” amarelados podem estar
dispersos no pus, como acontece na infecção por A. bovis em bovinos. Os abscessos profundos e crônicos podem fistular. Porcas também podem desenvolver lesões granulomatosas subcutâneas ventrais e, ocasionalmente, infecções
piogranulomatosas nos pulmões, baço, rins e outros órgãos. O diagnóstico baseiase nos sinais clínicos e no isolamento e identificação do agente etiológico. O tratamento raramente é bemsucedido, principalmente em razão da incapacidade
do antimicrobiano em penetrar no tecido infectado. O tecido comprometido quase sempre é removido cirurgicamente para salvar as porcas que serão enviadas ao abate.
A. hordeovulneris provoca casos raros de actinomicose em cães, com abscessos localizados e infecções sistêmicas, como pleurite, peritonite, abscessos viscerais e artrite séptica. Um fator predisponente comum é a presença de gravetos de
capim raboderaposa (Hordeum spp) e a principal via de infecção é a inalação da bactéria. Os sinais clínicos e o histórico podem contribuir para o diagnóstico, mas a demonstração do agente causador por coloração de Gram e cultura
bacteriológica é necessária para confirmar a etiologia. O tratamento inclui desbridação cirúrgica, drenagem e tratamento prolongado com penicilina, cefalosporinas ou sulfonamidas. Piotórax é frequentemente observado em cães com
actinomicose e requer repetidas drenagens, juntamente com terapia antimicrobiana.
A. viscosus causa actinomicose cutânea em cães, na forma de abscessos subcutâneos localizados. Geralmente é secundária a lesões perfurantes causadas por feridas de mordedura ou corpo estranho. Os locais mais comuns de abscesso são
cabeça, pescoço, tórax e abdome. A. viscosus também causa pneumonia, piotórax e casos raros de meningoencefalite piogranulomatosa. O diagnóstico se baseia no histórico e nos sinais clínicos, inclusive a presença de grânulos macios e
brancoacinzentados no pus ou no exsudato. A citologia é útil (pus e fluido pleural) e pode revelar organismos filamentosos Grampositivos. O diagnóstico definitivo é baseado no isolamento e na identificação de A. viscosus. O tratamento
de piotórax com penicilina, sulfonamidas ou cefalosporinas pode ser efetivo quando realizado no início da doença. O sucesso terapêutico é maior nas infecções cutâneas, que também devem ser tratadas com os mesmos antibacterianos.
AMILOIDOSE
Amiloidoses são doenças que se devem a erros no dobramento de proteínas. Quando novas proteínas são produzidas, suas cadeias de peptídios normalmente se dobram automaticamente de forma correta. Às vezes, no entanto, essas cadeias
de peptídios se dobram erroneamente e formam lâminas β altamente estáveis, muito insolúveis e resistentes à digestão proteolítica. Essa proteína insolúvel se deposita nos tecidos, onde é denominada amiloide. O amiloide pode ser
depositado em um local ou ser amplamente distribuído pelo corpo. Isso causa lesões pela deslocação de células normais. Quando há envolvimento de órgãos críticos, como rins, fígado ou coração, a doença pode ser fatal. A amiloidose pode
acometer todos os mamíferos domésticos e a deposição assintomática menor de amiloide é comum em animais idosos.
A forma mais comum de amiloide envolve o dobramento errôneo da proteína de fase aguda conhecida como amiloide A sérica (SAA). Os teores de SAA no sangue se elevam significativamente nos animais com inflamação grave. Isto
propicia uma fonte de proteína com dobramento inadequado denominada amiloide AA. Portanto, a amiloidose se desenvolve como uma sequela de doenças inflamatórias crônicas, infecções bacterianas crônicas e tumores malignos. É causa
comum de mortes em equinos agressivamente imunizados para produção de antissoro. O amiloide AA comumente se deposita em órgãos parenquimatosos e pode não causar sinais clínicos. O baço é quase sempre afetado. Se há
comprometimento renal, a presença de amiloide nos glomérulos pode ocasionar proteinúria, resultando, por fim, em insuficiência renal. Não há tratamento para esta forma de amiloidose, embora a remoção da causa primária da inflamação
possa minimizar a progressão da doença.
O dobramento inadequado de imunoglobulinas de cadeia leve gera a segunda forma de amiloide, o amiloide AL. Isso se deve à produção excessiva de cadeias leves monoclonais em animais com mieloma múltiplo. O amiloide AL tende a
se depositar em tecidos mesenquimais, especialmente no tecido nervoso e nas articulações. É rara em animais domésticos.
Sabese que pelo menos outras 20 proteínas formam lâminas β inadequadamente dobradas, que se depositam nos tecidos como amiloide. Portanto, há várias formas reconhecidas de amiloidose hereditária, como as descritas em gatos
Abissínios e cães da raça Chinese SharPei. Alguns amiloides são formados em todos os animais idosos (amiloidose sistêmica senil); por exemplo, em cães idosos, o amiloide é comumente depositado na camada média das artérias
meníngeas e corticais. Há relato de amiloide subcutâneo e nódulos de amiloide semelhantes a tumor, em equinos.
Algumas formas de amiloides são transmissíveis, destacandose encefalopatias espongiformes transmissíveis, como encefalopatia espongiforme bovina (p. 1390) e o scrapie (p. 1392), que são causadas por príons. De fato, há evidências
de que o amiloide A seja relativamente transmissível, pois a administração experimental de pequenas quantidades da proteína amiloide a um animal pode acelerar seu desenvolvimento. Os guepardos são especialmente propensos a
amiloidose e apresentam uma forma infecciosa de amiloide nas fezes.
Em razão de sua distribuição difusa e de início insidioso, o diagnóstico clínico da amiloidose é difícil. No entanto, devese suspeitar dessa enfermidade em casos de insuficiência renal ou hepática em animais com infecção ou inflamação
crônica. Não há terapia específica que possa prevenir o desenvolvimento da amiloidose ou promover a reabsorção de fibrilas. Os animais com abscessos crônicos ou mieloma múltiplo devem ser tratados para reduzir a disponibilidade das
proteínas precursoras de fibrilas. A amiloidose é rapidamente identificada na necropsia e em cortes histológicos devido à afinidade pela coloração vermelhocongo.
ANOMALIAS CONGÊNITAS E HEREDITÁRIAS
O desenvolvimento embrionário e fetal é resultado de uma complexa série de eventos bem conduzidos. Quando propriamente realizado, o resultado é um neonato normal. O desenvolvimento imperfeito também pode ser expresso como
perda embrionária, morte fetal, mumificação, aborto, nascimento de natimorto ou neonato inviável. Quando o desenvolvimento é interrompido resulta em desvios da normalidade que está presente ou aparente no nascimento, este defeito é
dito congênito. Outros defeitos no desenvolvimento podem não se tornar aparentes até certa idade, embora o evento seja revelado principalmente no nascimento, o defeito não é estritamente classificado como congênito. Embora o evento
ou o agente resultem na parada do desenvolvimento, o diagnóstico pode permanecer indefinido por várias razões reconhecidas como condições congênitas. Avanços tecnológicos na linha da teratologia foram identificados como um
aumento no número de especificidades genéticas, ambientais e agentes infecciosos como etiologia determinante de certos casos de defeitos no desenvolvimento fetal.
Teratógenos são agentes ou fatores que causam o desenvolvimento de defeitos físicos no embrião ou no feto. O tempo de exposição ao teratógeno influencia o eventual resultado. Enquanto zigotos, as células resultam da união de
gametas, são relativamente resistentes para os efeitos de vários teratógenos, eles podem ser afetados por alterações cromossômicas ou aberrações que ocorrem durante o processo de gametogênese ou fertilização, bem como mutações
genéticas que podem passar de um ou ambos os pais. Assim que ocorre o desenvolvimento do zigoto para embrião e a progressão da organogênese, ocorre a suscetibilidade a teratógenos ambientais e o aumento de agentes infecciosos
teratogênicos. Com a idade do concepto, o feto tornase mais resistente aos teratógenos ambientais. Estruturas que se diferenciam tardiamente como o palato, cerebelo e sistema urogenital levam a riscos no período fetal.
Semelhantes e, talvez, indistinguíveis, os defeitos podem ser induzidos por mais de um agente. A exposição a agentes tóxicos ou infecciosos na fase crítica do desenvolvimento embrionário ou fetal podem induzir a anormalidades
congênitas que se assemelham a condições hereditárias. Com o aumento da consciência sobre a importância das anormalidades por parte dos criadores e das associações de criadores, os profissionais e clínicos devem ser rigorosos na
investigação dos casos, para evitar problemas de hereditabilidade e para evitar o problema nas linhagens das raças.
Os defeitos estruturais e funcionais congênitos devem ser descritos em todas as espécies domésticas. Embora os defeitos congênitos sejam geralmente classificados ou descritos pelo sistema do corpo ou parte principal envolvida, tal
sistema de classificação é complicado, devido ao envolvimento simultâneo frequente de vários sistemas do corpo. Mesmo assim, a classificação descritiva é a base para a comparação e permite estimativas de tempo do rompimento do
relativo evento do desenvolvimento fetal e, às vezes, da etiologia (Tabela 1).
Etiologia
A identificação dos sinais moleculares que guiam o desenvolvimento sequencial dos órgãos e sistema de órgãos, acoplados a ferramentas de diagnóstico molecular e testes genômicos permitem um maior detalhamento para entender várias
anomalias congênitas. É provável que com o avanço dessas tecnologias, a origem de outras condições seja também entendida.
As anormalidades cromossômicas ocorrem durante a gametogênese ou a fertilização e podem resultar em anormalidades embrionárias letais ou, ocasionalmente, anormais. Erros na oogênese podem estar associados ao aumento da idade
materna e em várias espécies resultam em falhas na fertilização, redução na viabilidade embrionária ou em deficiências que são expressas durante o desenvolvimento fetal. Erros cromossômicos como trissomia foram relatadas na medicina
veterinária e tem aumentado a disponibilidade do cariótipo. As análises cromossômicas auxiliares tem aumentado o reconhecimento destes defeitos.
Tabela 1 – Alguns defeitos congênitos comuns em animais domésticos
Amelia Ausência de membro(s)
Artrogripose Flexão persistente ou contratura de articulação(ões)
Atresia Ausência ou fechamento de uma abertura ou passagem corporal normal
Braquignatia Encurtamento anormal da mandíbula
Cifose Convexidade anormalmente aumentada da coluna torácica
Criptorquidismo Falha do testículo em descer ao escroto
Escoliose Desvio lateral do eixo da coluna vertebral
Gastrosquise Desenvolvimento anormal caracterizado por fissura da parede abdominal
Hemimelia Ausência de todo membro ou da parte distal
Hérnia Protrusão anormal de um órgão ou porção do órgão através de um defeito ou abertura natural
Hidranencefalia Ausência de hemisférios cerebrais e substituição por fluido cerebrospinal
Hidrocefalia Fluido anormal na calota craniana acompanhado de aumento da cabeça
Microftalmia Olhos anormalmente pequenos
Palatosquise Fissura do palato (fenda palatina)
Perosomus Desenvolvimento anormal caracterizado por deformação no corpo ou tronco
Polidactilia Dedos supranumerários
Porencefalia Presença de cavidades no cérebro desenvolvidas durante a fase fetal
Prognatia Projeção acentuada da mandíbula
Queilosquise Divisão anormal dos lábios (lábio leporino)
Sindactilia Fusão de dígitos
O envelhecimento dos gametas seguido pelo tempo subnormal de inseminação representa outra fonte de anormalidades cromossômicas levando a erros do desenvolvimento embrionário. Todas as células embrionárias defeituosas podem
ser aneuploides ou vários níveis de mosaicismo podem existir.
Anormalidades cromossômicos e epigenéticas podem ocorrer durante técnicas de reprodução assistida que envolvam coleta de oocistos, cultura e fertilização. Vacas prenhes de células somáticas ou, em menor grau, de fertilização in
vitro aumentam o risco de desenvolvimento da síndrome anormal da prole devido a falhas no mecanismo fisiológico necessário para o desenvolvimento fetal e placentário. Estes erros no desenvolvimento e na fixação da placenta podem
resultar em morte fetal, aborto, várias anormalidades ou baixo peso ao nascimento e, geralmente, associados à distocia.
Defeitos Hereditários
As anomalias hereditárias resultantes de genes mutantes presentes nas linhagens ou nas famílias de animais são observadas em todas as raças. Eles podem ser observados em padrões típicos de herança como padrão recessivo autossômico
simples tipificado por recentes descrições de anomalias artrogripose múltipla de bovinos Angus. Os traços de defeitos dominantes são herdados e, às vezes, selecionados.
Alguns defeitos filogenéticos requerem a inclusão de mais de um gene na interação. A síndrome da cauda de rato, uma forma congênita de hipotricose em bovinos, é controlada por genes que atuam em locus.
Como os animais heterozigotos para características recessivas indesejáveis ou letais muitas vezes não podem ser detectados através de exame visual, e várias vezes exibe um fenótipo que parece ser indesejável, inadvertidamente a seleção
pode auxiliar na disseminação dos defeitos genéticos em algumas criações. Por exemplo, bovinos heterozigotos para hemimelia tibial possuem conformação da parte traseira e características de pelagem que são preferidas para algumas
raças e a seleção do fenótipo de certos touros podem aumentar a frequência de alelos na população. Da mesma forma, o padrão de cor Overo é atrativa para alguns criadores de equinos, animais homozigotos para este padrão de pelagem são
geralmente afetados com anomalias congênitas letais devido a falhas na inervação secundária do trato intestinal para aganglionose ileocólica. É recomendada a inclusão de apenas um padrão overo no acasalamento. A herança dominante da
ausência de chifres em cabras leiteiras está associada a um alelo recessivo que resulta na masculinização de fêmeas homozigotas (também denominada cabra intersexo mocha). Programas de melhoramento restritivos que mantêm pelo
menos um reprodutor com chifre eliminam este defeito.
Os defeitos hereditários na função metabólica podem resultar em morte fetal ou embrionária, nascimento de neonatos não viáveis ou nascimento de prole comprometida que sobrevive. Como os defeitos podem ser letais no útero ou perto
do período pós–natal, ou os animais podem sobreviver, mas com algum comprometimento. A observação cuidadosa e a investigação diagnóstica são requeridas para identificação apropriada destas condições e ligálas a informação do
pedigree.
A deficiência de monofosfato sintetase (DUMP) é uma característica autossômica recessiva letal antigamente amplamente distribuída em bovinos da raça Holandesa. O acasalamento de dois animais com DUMP resulta em embrião
homozigoto, fertilização aparentemente normal e morte do feto no início da gestação. A seleção de touros destinados à inseminação artificial tem reduzido com sucesso a prevalência de animais com DUMP.
A citrulinemia em bovinos resulta na interrupção do ciclo da ureia devido a deficiência de argininossuccinato sintetase, sendo letal em animais homozigotos. Afeta bezerros aparentemente normais ao nascimento, mas que desenvolvem
elevadas concentrações de amônia e morte dentro de alguns dias.
Os defeitos encontrados no cromossomo X, como um dos fatores responsáveis pela distrofia muscular ligada ao X em cães da raça Golden Retriever, são expressos em machos que carreiam apenas uma única cópia do alelo defeituoso.
Ambos os pais não são afetados, com a mãe carreando uma única cópia de um alelo defeituoso no cromossomo X.
A Tabela 2 contém uma lista parcial de anormalidades com base molecular conhecida.
O uso de linhagens genéticas de elite em espécies domésticas aumenta com a rápida e ampla adoção de tecnologias reprodutivas, particularmente inseminação artificial e a transferência de embriões e, mais recentemente, a fertilização in
vitro. A disseminação de genes recessivos indetectáveis em grande parte da população domesticada, em todo o mundo, foi uma consequência acidental e não intencional.
À medida que aumenta a porcentagem de animais carreadores de características recessivas indesejáveis, aumenta as chances de acasalamentos de indivíduos geneticamente relacionados, seguese a expressão do fenótipo indesejável. A
malformação do complexo vertebral em bovinos leiteiros HolsteinFriesian foi disseminada por todo o mundo devido principalmente a influência de um único touro da raça holandesa dos EUA e de sua prole. Semelhante a isto, a
artrogripose múltipla em bovinos Angus recebeu atenção internacional devido à influência de um touro popular, sua prole e descendentes. Em ambos os casos, testes genéticos realizados por associações de criadores após a descrição da
condição permitiram acasalamento apropriados que minimizaram os efeitos ou eliminaram estas ocorrências.
Enquanto há condições genéticas deletérias na população ou na raça, o alelo anormal geralmente se distribui amplamente na população. O reconhecimento e a detecção precoce são importantes para minimizar esta possibilidade. Todas as
anormalidades congênitas devem ser investigadas e quando uma condição parece ter um componente genético, técnicas apropriadas para obter a informação da linhagem e identificar o fenótipo homozigoto mutante devem ser exploradas.
Um sistema estruturado de notificação e registro iniciase com descrições clínicas e patológicas detalhadas, sendo necessárias para centralizar informações e focar atenção nas alterações físicas e fisiológicas que podem ter origem genética.
A análise da linhagem e o teste de acasalamento de animais estreitamente relacionados, juntamente com exames de DNA recentemente desenvolvidos, permitem identificar defeitos genéticos específicos e, em alguns casos, detecção
relativamente rápida. Várias associações de criadores de raças específicas relatam anomalias congênitas a patologistas, geneticistas e biólogos moleculares para identificar defeitos genéticos emergentes.
Uma vez identificadas condições genéticas recessivas, há diversas opções para minimizar sua ocorrência. Para malformação vertebral complexa, testamse todos os touros da raça Holandesa utilizados em programas de inseminação
artificial. Touros foram identificados como carreadores ou sem defeitos. Os resultados diminuíram o uso de sêmen de touros carreadores, com redução da ocorrência da condição e da frequência de alelo em determinada raça. Outras
condições genéticas recessivas na mesma raça, inclusive deficiência da adesão leucocitária bovina e DUMP foram tratadas da mesma forma e recentemente foi identificada a Síndrome de Brachyspina que, provavelmente, será estudada da
mesma maneira. A ampla utilização de inseminação artificial em bovinos leiteiros permite esta estratégia tenha um rápido impacto.
Em raças ou espécies nas quais pouco se utiliza a inseminação artificial, uma abordagem mais agressiva pode ser necessária. Após a detecção de artrogripose múltipla, a Associação Americana de Criadores de Bovinos da raça Angus
obriga a realização de testes de identificação de todos os touros empregados em programas de inseminação artificial. Também, são requeridos testes genéticos para determinar o estado de carreador em todos os animais de linhagens
suspeitas submetidos a registro. Nenhum certificado será entregue aos proprietários de animais portadores nascidos após a data especificada. Requerimentos semelhantes para animais com linhagens rastreadas e carreadores de hidrocefalia
neurogênica foram colocados em prática por esta Associação de Criadores. Testes extensivos e identificação de carreadores individuais são utilizados pela Associação de Criadores de Cavalos QuartodeMilha para minimizar a prevalência
de paralisia hiperpotassêmica periódica.
Uma nova anormalidade genética recessiva foi identificada e caracterizada por testes genéticos para determinar possível estado de carreador. Associações de raças e criadores adotarão testes e estratégias de identificação semelhantes às
mencionadas anteriormente. Entretanto, a implementação de testes estratégicos é mais complicada para defeitos não letais e para condições em que os heterozigotos possuem um fenótipo considerado desejável.
Tabela 2 – Anomalias congênitas com base molecular conhecida
Espécies Anomalias
Bovinos Artrogripose múltipla (raça Angus e seus mestiços)
Síndrome Braquispina (raça Holandesa)
Síndrome ChediakHigashi
Malformação vertebral complexa (raça Holandesa)
Citrulinemia
Deficiência de uridina monofosfato sintetase (raça Holandesa)
Síndrome EhlersDanlos
Doença do armazenamento de glicogênio
Bócio familiar (raça Holandesa)
Deficiência de adesão leucocitária
aManosidose
βManosidose
Doença da urina parecida com xarope de bordo
Hipertrofia muscular (raças Shorthorn, MaineAnjou)
Hipoplasia muscular com anasarca (raça Shorthorn)
Mioencefalopatia degenerativa progressiva (raça PardoSuíça)
Protoporfiria
Atrofia muscular espinal (raça PardoSuíça)
Sindactilia (raças Holandesa, Angus)
Hemimelia tibial (raças Shorthorn, MaineAnjou)
Cães Deficiência de C3
afucosidose
Doença do armazenamento de glicogênio (I, VII)
Hemofilia B
Doença de Krabbe
Deficiência de adesão leucocitária
Mucopolissacaridose (I, VII)
Distrofia muscular (Becker, Duchenne [ligada ao X])
Miotonia
Narcolepsia
Nefrite ligada ao cromossomo X
Deficiência de piruvato quinase em hemácias
Displasia do bastonetecone
Imunodeficiência grave combinada
Tremor ligado ao cromossomo X
Doença de Von Willebrand III
Caprinos Bócio familiar
βmanosidose
Mucopolissacaridose III
Redução da concentração de caseína
Síndrome da reversão do sexo
Equinos Paralisia hipercalcêmica periódica (raça QuartodeMilha, outras)
Megacólon
Imunodeficiência combinada grave (raça Árabe)
Gatos Gangliosidose (GM1, GM2)
Mucopolissacaridose (I, VI, VII)
Distrofia muscular (Duchenne, Becker)
amanosidose
Ovinos Lipofucscinose ceroide
Condrodisplasia
Doença do armazenamento de glicogênio IV
Suínos Hipercolesterolemia
Hipertermia maligna
Teratógenos Ambientais
Os teratógenos ambientais incluem plantas tóxicas, viroses, medicamentos, oligoelementos, deficiências nutricionais e agentes físicos, tal como radiação, hipertermia, posição uterina e, às vezes, pressão durante a palpação retal para
detecção de prenhez. Embora os defeitos ocasionados ao neonato possam assemelhar ou imitar defeitos hereditários, eles não seguem um padrão familiar. Causas específicas podem dificultar a identificação, mas geralmente seguem um
padrão associado a características de crescimento de plantas tóxicas ou disponibilidade de vetores apropriados suscetíveis a vírus transmitidos por artrópodes. Embora as anomalias congênitas podem ser decorrentes de doença materna
devido à intoxicação por plantas ou por infecção viral, às vezes os efeitos teratogênicos ocorrem na ausência de sinais clínicos na fêmea.
Produtos biológicos ativos produzidos por várias plantas são conhecidos por serem teratogênicos (ver plantas tóxicas para animais, p. 3162). A ingestão pode resultar em aborto, nascimento de neonatos não viáveis ou geração de
neonatos anormais ao nascimento. A perda na produção pode ser significativa se o número de animais que acessam as plantas afetadas em período crítico do desenvolvimento embrionário ou fetal for considerável. Veratrucum
califormicum (repolhogambá) foi implicado como causa de gigantismo fetal, gestação prolongada e deformidades craniofaciais em ovinos criados em pastagem contendo plantas. A ciclopamina, um composto alcaloide esteroide produzido
por algumas plantas é um agente teratogênico. Doses experimentais desta toxina em ovelhas com 13 a 15 dias de gestação pode causar uma variedade de anomalias congênitas. A ingestão no 14o dia, especificamente, induz à sinoftalmia ou
defeito ciclopiano. Ovelhas expostas na fase final da gestação podem parir cordeiros normais, mostrando a interação crítica entre o tempo de exposição e o período de gestação.
Em bovinos, a ingestão de várias espécies de tremoço (Lupinus laxiflorus, L. caudatus, L. sericeus ou L. nootkatensis) resulta em “doença do bezerro torto”, caracterizada por contraturas articulares, torcicolo, escoliose ou cifose, fenda
palatina, ou combinações destes defeitos. A anagirina, um alcaloide quinolizidina, foi identificada como teratogênica e o período crítico de exposição é 40 a 70 dias de gestação. A ingestão de L. formosus causa anomalias esqueléticas
similares e fenda palatina em bovinos e caprinos; o teratógeno é o alcaloide piperidina. O desenvolvimento fetal está exposto a risco máximo quando as vacas prenhes pastejam tremoço em fase inicial de crescimento ou durante a formação
de sementes. As perdas periódicas devido à “doença do bezerro torto” no oeste dos EUA ocorrem após a ingestão da planta pelos bovinos em pastejo.
Conium maculatum (cicuta tóxica) causa anomalias tipo contratura e ocasionalmente fenda palatina em bovinos, ovinos, caprinos e suínos. Tanto a planta como a semente são tóxicas e teratogênicas.
A ingestão de Nicotiana tabacum provoca anomalias esqueléticas em suínos, semelhantes àquelas induzidas em bovinos e suínos por Lupinus e Conium maculatum. Notamse amelia e hemimelia congênitas em leitões quando a porca
prenhe tem acesso ao caule do tabaco. Atualmente esta ocorrência é rara devido às mudanças que ocorreram no manejo dos suínos. Nicotiana glauca (árvore do tabaco) também induz anomalias tipo contratura e fenda palatina em bovinos,
ovinos e caprinos.
Outras plantas suspeitas de causar anomalias similares em bovinos incluem Senecio, Cycadales, Blighia, Papaveraceae, Colchicum, Vinca spp e Indigofera spicata e plantas relacionadas. O capim Sudão (Sorghum vulgare) é incriminado
como causa de contraturas congênitas em articulações de equinos e S. sudanese pode ocasionar artrogripose em bezerros.
Éguas prenhes que se alimentam de pastagem de capim festuca ou de feno de festuca contaminado com o fungo endófito Neotyphodium coenophialum apresentam risco de aborto, gestação prolongada, hipogalactia e geração de potros
fracos ou imaturos (ver intoxicação por festuca, p. 3076). A ergovalina e outros alcaloides do ergot produzidos pelo endófito são causas da intoxicação por festuca. A festuca livre do endófito e a festuca infectada por cepas atóxicas do
endófito mencionado podem ser seguramente pastejadas por fêmeas prenhes.
No oeste do Canadá, o hipotireoidismo congênito em potros está relacionado com alta concentração de nitrato na dieta das fêmeas prenhes e a exposição na fase final da gestação ao Neotyphodium coenophialum – presente na festuca.
Pesticidas, herbicidas, medicamentos e outros produtos químicos foram incriminados como agentes teratogênicos. Atualmente, drogas e produtos químicos não aprovados nos EUA, Canadá e outros países devem ser testados previamente
quanto ao potencial teratogênico, para obter a licença comercial. Os produtos podem ser rotulados com instruções especificando a permissão do seu uso em animais que estão ou podem estar prenhes. Outros produtos podem ser rotulados
como seguros para animais gestantes dependendo do período de gestação. Quando se utilizam alguns herbicidas, pode ser necessário manter os animais fora da pastagem em períodos específicos após a aplicação. O uso extrabula de
medicamentos em animais prenhes e a exposição acidental a pesticidas e outras substâncias químicas é acompanhado de riscos inerentes, inclusive efeitos adversos no desenvolvimento do feto. Técnicos e produtores devem saber do risco
potencial de perda da gestação ou de desenvolvimento de anomalias congênitas após a administração terapêutica ou a exposição a pesticidas e produtos químicos e devem sempre ter cuidado quando utiliza estes produtos.
Agentes Infecciosos
Infecções virais prénatais são teratogênicas em vacas, ovelhas, cabras, porcas, cadelas e gatas, mas raramente são incriminadas como causas de anomalias congênitas em éguas. O estágio de desenvolvimento fetal ou embrionário em
relação ao tempo de exposição a determinados vírus determina o tipo e a extensão da anomalia observada. A infecção viral no final da gestação pode resultar em infecção fetal e soroconversão, sem sinais clínicos, enquanto a exposição
durante os estágios iniciais da gestação podem ocasionar aborto ou defeitos congênitos.
A gestação de neonatos com anomalias congênitas após infecção uterina pode se manifestar com sinais clínicos na fêmea; entretanto, anomalias também são observadas em animais sem histórico da doença durante a gestação. Em alguns
casos, o uso de vacinas com vírus vivo modificado em fêmeas prenhes podem provocar defeitos congênitos. Por isto tal uso é desaconselhado.
Infecções por pestivírus são teratogênicas em várias espécies. O vírus da diarreia bovina (BVD) está entre as infecções mais relevantes do ponto de vista econômico, infectando bovinos em todo o mundo. Por outro lado, a infecção
prenatal pode causar vários defeitos congênitos nos sobreviventes, inclusive hipoplasia cerebelar, braquignatia, alopecia, anomalias oculares, hidrocefalia e prejuízo à imunocompetência. A imunotolerância persiste em animais infectados e
pode resultar em infecção fetal com presença prévia de BVD não citopático no 120o dia de gestação. Estes animais são os principais reservatórios da infecção.
As infecções por pestivírus em outras espécies também resultam em defeitos congênitos. A infecção de ovelhas prenhes pelo vírus da doença da fronteira (p. 640) pode se manifestar como morte embrionária ou fetal ou defeitos
congênitos envolvendo os sistemas tegumentar, nervoso, esquelético, endócrino e imune. Os defeitos incluem tremores, ataxia, pelagem anormal, baixo peso ao nascimento, anormalidades faciais e oculares, resposta imune deprimida e
nascimento de neonatos pequenos, cordeiros fracos com deficiente crescimento e viabilidade. A infecção de ovelhas prenhes por BVD provoca anomalias congênitas semelhantes.
A peste suína clássica (p. 815), uma infecção por pestivírus em suínos, antigamente era denominada cólera suína. O vírus foi erradicado nos EUA, mas algumas regiões permanece como a principal causa de doença em suínos. A infecção
prenatal pode resultar em defeitos congênitos semelhantes aos observados em bovinos infectados pelo BVD.
A infecção pelo vírus Cache Valley em ovelhas prenhes resulta em anomalias em seus cordeiros, incluindo artrogripose, torcicolo, escoliose, lordose, hidranencefalia, microcefalia, porencefalia e hipoplasia cerebelar e muscular. Este
buniavírus dissemina–se por meio de mosquitos, sendo encontrado por todo EUA, Canadá e México. Outras espécies de ruminantes podem ser afetadas e outras buniaviroses foram relatadas como causas de defeitos congênitos similares.
O vírus da língua azul, é um orbivírus endêmico em várias regiões da América do Norte, América do Sul, África e partes da Ásia e recentemente expandiuse para a Europa. A infecção uterina pode induzir hidranencefalia, porencefalia e
artrogripose em ovinos; ademais, pode resultar em aborto, natimorto, artrogripose, campilognatia, prognatismo, hidranencefalia e síndrome do “bezerro apático”, em bovinos. Outras arboviroses, como a infecção pelo vírus de Chuzan e,
possivelmente, doença hemorrágica epizoótica, podem causar aborto, anomalias congênitas e perdas neonatais semelhantes àquelas provocadas pelo vírus da língua azul.
O vírus Akabane (p. 642), um orbivírus presente em várias regiões tropicais e subtropicais, é disseminado pelo Culicoides spp. A infecção de animais nascidos em cativeiro pode ser seguida de infecção transplacentária do feto e pode
provocar deformidades semelhantes àquelas observadas em animais com viroses, tais como língua azul e infecção pelo vírus Cache Valley.
A hipoplasia cerebelar congênita em gatinhos foi considerada resultado da infecção de fêmeas prenhes pelo vírus da panleucopenia felina. A infecção de fêmeas de furão prenhes pelo vírus da panleucopenia felina também pode resultar
em hipoplasia cerebelar congênita.
Fatores Nutricionais
A deficiência de um ou mais nutrientes durante a prenhez pode causar anomalias congênitas no recémnascido. Microminerais e vitaminas são implicados em vários defeitos de desenvolvimento. As deficiências graves podem interromper a
prenhez ou resultar em filhotes fracos ou inviáveis.
A deficiência de iodo causa ataxia enzoótica em cordeiros; a deficiência de manganês causa deformidades nos membros de bezerros. A deficiência de vitamina D pode provocar raquitismo em neonatos e a deficiência de vitamina A pode
acarretar anomalias oculares ou lábio leporino. Experimentalmente, os efeitos teratogênicos são induzidos por deficiências de colina, riboflavina, ácido pantotênico, cobalamina, ácido fólico e hipervitaminose A.
Agentes Físicos
A contratura congênita articular seguida de nascimento de bezerros e potros relativamente grandes, ou associados a casos de gestação gemelar nestas espécies é um resultado de movimento restrito, devido a lotação uterina. Vários casos são
brandos e podem regredir espontaneamente após o nascimento.
Torcicolo, escoliose e, frequentemente, uma ou mais anomalias nos membros dos potros são associados à posição fetal intrauterina, em especial a apresentação caudal e transversa. O úraco pérvio nos potros tem sido associado à torção do
cordão umbilical.
Em bovinos, a palpação transretal agressiva da vesícula amniótica nos primeiros 42 dias de gestação (ex. durante o diagnóstico de prenhez) pode romper o suprimento vascular para o trato intestinal e induzir a atresia coli. Vacas
holandesas somam os principais casos da malformação e a predisposição genética pode existir. Pelo menos um relato sugere um padrão hereditário autossômico recessivo para atresia coli.
Acidentes Gestacionais de Etiologia Desconhecida
Em vários casos de anomalias congênitas a etiologia e os fatores predisponentes podem ser desconhecidos. Algumas anomalias são específicas e de etiologia desconhecida ocorrem com frequência suficiente para ser rapidamente
reconhecida por médicos veterinários de campo.
Perosomus elumbis é uma anomalia congênita que ocorre principalmente em bovinos, mas também em pequenos ruminantes e suínos. Bovinos afetados apresentam agenesia no segmento da medula lombossacra e coluna vertebral e,
secundariamente, hipoplasia, artrogripose e ancilose em membros pélvicos. Outras anomalias associadas ao desenvolvimento dos sistemas GI e urogenital acompanham estas condições. A parte do corpo, os membros e os órgãos craniais ao
defeito de desenvolvimento de medula espinal parecem normais. A condição é fatal, resultando em natimortos ou necessidade de eutanásia em condições humanitárias. Distocia é uma complicação frequente. Embora existam indícios de
herança genética, nenhuma causa foi definitivamente reconhecida. As aberrações na família de genes homeobox, responsáveis por padrões craniais a caudais que podem estar envolvidos.
Schistosomus reflexus é uma anomalia fatal observada em ruminantes, caracterizada por grave retroflexão da coluna espinal, resultando em posicionamento dos membros pélvicos ao lado do crânio, ancilose das articulações apendiculares
e falha no fechamento da parede abdominal com consequente presença de vísceras abdominais fora do corpo. Outras anomalias, como toracosquise, pode acompanhar esta condição. A presença de um feto comprometido resulta em distocia,
requerendo com frequência intervenção cirúrgica ou fetotomia. Alguns relatos com base na análise da linhagem sugerem uma etiologia genética, mas nenhum defeito ou herança foram verificados. Interessante é o caso relatado em bezerros
gêmeos, sendo um afetado e outro normal.
Anasarca fetal é uma anomalia fetal letal observada em várias raças de cães. A causa permanece desconhecida e pode ser variável entre as raças. Esta condição frequentemente resulta em distocia devido ao tamanho desproporcionalmente
grande do feto por ocasião do parto. Um ou múltiplos filhotes de uma ninhada podem ser afetados.
DOENÇA DA FRONTEIRA
(Hairy shaker disease)
A doença da fronteira (GrãBretanha) ou hairy shaker disease (Austrália e Nova Zelândia) é um distúrbio congênito dos cordeiros, caracterizado por baixo peso e baixa viabilidade ao nascimento, má conformação, tremores e pelagem
excessivamente espessa em raças de pelame normalmente uniforme. Os cabritos também podem ser afetados de modo semelhante aos bezerros. A doença é reconhecida na maioria das regiões criadoras de ovinos do mundo, inclusive no
oeste dos EUA.
ETIOLOGIA, PATOGENIA E EPIDEMIOLOGIA: A doença da fronteira é causada pela infecção do feto no início da prenhez por um pestivírus (Flaviviridae) intimamente relacionado com aquele da peste suína clássica (p. 815), da diarreia viral
bovina (BVD) e da doença das mucosas (p. 319). Os cordeiros sobreviventes são persistentemente virêmicos e o vírus está presente em suas excreções e secreções, inclusive no sêmen. Os ruminantes, e possivelmente os suínos, podem se
infectar facilmente pelo contato com esses excretas persistentes ou com ovinos agudamente infectados. As infecções agudas em animais imunocomprometidos são geralmente transitórias e subclínicas e resultam em imunidade ao desafio
com cepas homólogas, mas não heterólogas do vírus.
O vírus adquirido no início da prenhez por animais não expostos anteriormente, atravessa a placenta e invade o feto. Ocorre placentite 10 a 30 dias após a infecção e pode acarretar morte fetal com expulsão, reabsorção ou mumificação.
Pode ocorrer aborto em qualquer estágio da gestação e pode ser imperceptível já que há pouco malestar materno.
Em gestações que se mantêm, o vírus se dissemina amplamente nos tecidos fetais, mas as lesões são mais evidentes na pele, no esqueleto e no SNC. Cordeiros afetados podem nascer 2 a 3 dias antes da data prevista e vários morrem antes
ou durante o desmame. Em sobreviventes, os sinais clínicos regridem gradualmente, mas esses animais permanecem infectados e excretam o vírus pelo resto de suas vidas, expondo sua progênie e seus companheiros de rebanho. A morte
proveniente de uma síndrome similar à doença das mucosas do bovino pode suceder nesses ovinos de pelo arrepiado “recuperados” em qualquer momento.
Em rebanhos na primeira temporada de uma nova infecção, até 50% ou mais dos cordeiros nascidos podem ser acometidos pela doença da fronteira. Depois disso, a prevalência diminui, embora a doença possa se tornar endêmica quando
se mantêm os animais “recuperados” para acasalamento. O vírus é mais comumente introduzido nos rebanhos suscetíveis pelo acréscimo de animais persistentemente infectados. Entretanto, isto não é incomum para ovelhas que adquirem a
infecção de bovinos com infecção persistente. Para finalidades práticas, devese assumir que ovinos e bovinos são igualmente suscetíveis a todas as cepas do vírus da doença da fronteira e do vírus da BVD, mesmo sabendo que pelo menos
três grupos antigênicos de pestivírus tenham sido identificados em ruminantes.
ACHADOS CLÍNICOS: Os rebanhos afetados são provavelmente reconhecidos inicialmente no momento do parto devido ao aumento do número de ovelhas estéreis e no nascimento de cordeiros anões com um pelame excessivamente espesso
e, às vezes, demasiadamente pigmentado. Alguns cordeiros exibem tremores musculares involuntários, em particular no tronco e nos membros pélvicos. Os tremores diminuem durante o repouso e se exacerbam no caso de movimento
intencional. Em outros, podem predominar anomalias esqueléticas, como quartelas caídas e braquignatia mandibular. Os cordeiros afetados tem sobrevida curta. Em sobreviventes, os sinais nervosos desaparecem gradualmente dentro de 3 a
4 meses. Mesmo na ausência dos cordeiros com pelos tipicamente arrepiados, os surtos de baixa fertilidade nas ovelhas e de fraca viabilidade e mau rendimento nos cordeiros estão associados mais frequentemente com a infecção pelo vírus
da doença da fronteira.
Lesões: Em casos graves, podese observar, à necropsia, cavitação cerebral. Por outro lado, as lesões características são microscópicas e envolvem a substância branca do SNC. Há deficiência de mielina e aumento de células gliais
interfasciculares, nas quais pode haver acúmulo de gotículas lipídicas semelhantes à mielina. Essas alterações são mais óbvias no recémnascido e regridem gradativamente.
DIAGNÓSTICO: Os achados clínicos geralmente permitem um diagnóstico, embora nas raças de ovinos com pelagem áspera, o excesso de pelo anormal ao nascimento possa não ser aparente. O diagnóstico pode ser confirmado pelo exame
histológico das lesões patognomônicas do SNC, mediante coloração imunocitoquímica do vírus. Em cordeiros com a doença típica, o vírus pode ser facilmente detectado no sangue e tecidos. O sangue précolostral é ideal porque o
anticorpo colostral pode mascarar a presença do vírus por até 2 meses. O vírus pode ser isolado do soro ou de células da papa leucocitária de culturas celulares, mas há um teste ELISA para detecção de antígeno viral utilizando amostra de
sangue em heparina ou em ácido etilenodiaminotetracético (EDTA). PCR com transcriptase reversa (RT) também pode ser utilizada para detecção do RNA viral em amostras clínicas e para a tipagem de pestiviroses em ruminantes.
No diagnóstico diferencial, devem ser consideradas outras causas de aborto ovino (p. ex., Chlamydia, Salmonella, Campylobacter, Rickettsia spp e Toxoplasma gondii). Em cordeiros nascidos vivos, devemse diferenciar doença da
fronteira de curvatura espinal (ataxia enzoótica), meningoencefalite bacteriana, encefalomalacia simétrica focal e doença do “cordeiro demente”.
CONTROLE: Não há tratamento efetivo. Sorologia deve ser realizada nas mães dos cordeiros afetados. A maioria deve ter alto teor de anticorpos e ser imune à estimulação adicional com a mesma cepa do vírus nas gestações subsequentes.
Naquelas que não têm títulos de anticorpo devese realizar triagem quanto à presença de vírus para identificar aquelas persistentemente infectadas. Os cordeiros recuperados não devem ser mantidos como reprodutores, mas podem ser
misturados ao lote de reposição imediatamente antes da estação de acasalamento para maximizar as oportunidades do último lote se infectar e desenvolver imunidade antes dos acasalamentos subsequentes. Não há vacina eficaz. A vacina
contra o vírus da BVD, para bovinos, não pode ser recomendada aos ovinos, pois o vírus da doença da fronteira mais comumente isolado de ovelhas é antigenicamente distinto daquele da BVD mais comumente encontrado em bovinos.
INFECÇÃO PELO VÍRUS AKABANE
O vírus Akabane é vírus transmitido por insetos; causa anormalidades congênitas do SNC em ruminantes. A doença decorrente do vírus Akabane foi reconhecida na Austrália, Israel, Japão e Coreia; têmse encontrado anticorpos em
inúmeros países no Sudeste Asiático, no Oriente Médio e na África. A doença acomete fetos de bovinos, ovinos e caprinos. A infecção assintomática é demonstrada sorologicamente em equinos, búfalos e cervos (mas não em humanos ou
suínos) nas regiões endêmicas.
ETIOLOGIA, EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: O agente causador, o vírus Akabane, é um membro do sorogrupo Simbu da família Bunyaviridae. Disseminase pelo mosquito Culicoides spp na Austrália, Japão e Quênia.
O vírus Akabane é comum em várias regiões tropicais e subtropicais entre cerca de 35°N e 35°S. Nessas regiões endêmicas, os herbívoros são picados pelos vetores, tornamse infectados em idade precoce e desenvolvem imunidade
duradoura pelo tempo da reprodução; por conseguinte, raramente são observadas anormalidades congênitas. No entanto, sob condições ambientais favoráveis como verão úmido e extenso, o vetor (e, portanto, o vírus) pode se alastrar para
novas regiões e surtos de infecção congênita podem ser esperados. Esses surtos geralmente ocorrem nos limites norte ou sul da distribuição do vetor ou em regiões de maior altitude. De modo semelhante, os ruminantes prenhes
provenientes de regiões livres de vetores e vírus, que foram transportados para regiões infectadas pelos vírus, estão em risco.
A prevalência da doença causada pelo vírus Akabane é influenciada pelo tempo de gestação em que a infecção ocorre e também pela cepa do vírus. Infecções nos últimos 3 meses de gestação resultam em prevalência relativamente baixa
da doença (5 a 10% dos bezerros são infectados). Observase prevalência máxima no 3o e 4o meses, condição em que até 40% dos bezerros podem nascer com anomalias. Algumas cepas do vírus Akabane provocam prevalência de
anormalidades muito baixa (< 20%), mesmo em estágios de gestação mais suscetíveis, visto que as mais patogênicas podem causar doença em até 80% dos animais infectados.
Em ovinos e caprinos, a doença é observada, mas a manifestação sequencial das diferentes anormalidades vistas em bovinos não ocorre em razão do período de gestação mais curto e da suscetibilidade. Várias anormalidades se
desenvolvem após infecções entre o 28o e o 56o dias de gestação. Poucas anormalidades são observadas quando a infecção ocorre em outros períodos. Contudo, não se sabe se a infecção em grandes ou pequenos ruminantes, no início da
gestação, resulta em infecção letal, com abortamento.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os achados patológicos e os sinais clínicos dependem da espécie animal e do momento da infecção. Em um rebanho bovino com período de parição prolongado ou ao redor de 1 ano, todas as anormalidades
podem ser observadas. As anomalias mais graves são notadas após as vacas suscetíveis terem sido infectadas entre cerca de 80 e 150 dias de gestação; no entanto, os bezerros podem ser infectados, na maioria das vezes, após os primeiros 2
meses de gestação. Bezerros infectados no final da prenhez podem nascer vivos, mas incapazes de ficar em pé e podem apresentar paralisia flácida dos membros, ou podem estar incoordenados e à necropsia evidenciam encefalomielite
disseminada. Os animais infectados precocemente (durante o segundo trimestre de gestação) apresentam fixação rígida dos membros, quase sempre em flexão (artrogripose) e às vezes torcicolo, cifose e escoliose com atrofia muscular
neurogênica associada, devido à perda dos neurônios motores espinais. Essas anormalidades geralmente causam distocia e podem resultar em complicações obstétricas graves, resultando, às vezes, em infertilidade e até morte das vacas. Os
primeiros bezerros que nascem com artrogripose são afetados com menos gravidade do que aqueles que nascem nas próximas 4 a 6 semanas. Inicialmente apenas 1 ou 2 articulações podem ser afetadas em um único membro, mas casos
tardios podem ter fixação grave de múltiplas articulações em vários ou todos os membros. Os bezerros afetados no final do primeiro trimestre de gestação comumente nascem vivos e, se forem capazes de se levantar, andam mal, e estão
deprimidos e cegos. Esses bezerros apresentam graus variáveis de cavitação dos hemisférios cerebrais, variando de porencefalia a hidranencefalia grave. A última é comum, especialmente entre os infectados precocemente durante a
gestação. Alguns bezerros podem ser afetados tanto com artrogripose quanto com hidranencefalia.
Pode ocorrer aborto de bezerros com hidranencefalia grave no meio da gestação. Uma característica útil no diagnóstico diferencial é a ausência virtual de lesões macroscópicas e histológicas no cerebelo, o que distingue a infecção do
vírus Akabane de outras viroses teratogênicas como aquela provocada pelo vírus da BVD.
Em pequenos ruminantes, as lesões de artrogripose e hidranencefalia são quase sempre observadas simultaneamente e são comuns nos mesmos animais. Em carneiros e filhotes, uma variação de outras anomalias pode ocorrer, inclusive
hipoplasia pulmonar e da medula espinal. A maioria dos cordeiros ou filhotes infectados com o vírus Akabane nasce ou morre logo após o nascimento. Os abortos também são observados.
Em equinos, suspeitase de anormalidades congênitas induzidas pelo vírus Akabane (especialmente artrogripose e hidranencefalia), mas a confirmação laboratorial é inconclusiva.
DIAGNÓSTICO: Podese realizar um diagnóstico presuntivo com base nas lesões macroscópicas do SNC, porém devese diferenciar a doença de outras infecções e anomalias genéticas. Podese confirmar a infecção por meio de exame do
soro ou de fluidos corporais (p. ex., fluido pericárdico ou pleural) da cria infectada não lactente e de suas mães mediante pesquisa de anticorpos soroneutralizantes contra o vírus Akabane. Embora a detecção do anticorpo no soro materno
não confirme o vírus Akabane como agente etiológico, sua ausência é definitiva para sua exclusão como causa.
Outros vírus carreados por vetores (e também vírus não carreados, como o da BVD) podem causar anomalias congênitas idênticas ao vírus Akabane. O vírus de Aino, um parente do Akabane, é encontrado na Austrália, Japão e vários
outros países onde há o vírus Akabane e tem sido causa infrequente de doença em bovinos. No Japão, o vírus Chuzan, um reovírus, é transmitido por Culicoides oxystoma e ocasiona infecção congênita em bezerros similar ao vírus
Akabane. Nos EUA, o vírus Cache Valley, outro bunyavírus carreado por vetor não relacionado com o vírus Akabane, tem sido associado a anomalias congênitas em ovinos e, às vezes, em bovinos, em alguns estados americanos.
TRATAMENTO E CONTROLE: Não há tratamento específico para os animais infectados. Medidas devem ser direcionadas à prevenção da infecção pelo vírus Akabane nos animais suscetíveis durante a prenhez. A introdução de um rebanho
oriundo de região não endêmica em regiões endêmicas deve ser feita bem antes do primeiro acasalamento. Vacinas efetivas estão disponíveis no Japão.
ANTRAZ (Febre esplênica, Úlcera da Sibéria, Carbúnculo, Pústula maligna)
O antraz é uma zoonose causada pela bactéria formadora de esporos denominada Bacillus anthracis. Essa doença é mais comum em herbívoros domésticos e selvagens (p. ex., bovinos, ovinos, caprinos, camelos e antílopes), mas também
pode acometer pessoas expostos a tecidos de animais infectados, produtos de origem animal contaminados ou diretamente a esporos de B. anthracis sob condições especiais. Dependendo da via de infecção, do hospedeiro e dos fatores
específicos de cada cepa, o carbúnculo pode ter diferentes apresentações clínicas. Nos herbívoros, quase sempre se apresenta como sepse aguda com alta taxa de mortalidade, frequentemente acompanhada de linfadenite hemorrágica. Já nos
cães, pessoas, equinos e suínos, o quadro é, em geral, menos agudo.
Os esporos de B. anthracis podem permanecer infectantes no solo por vários anos. Durante esse período, são potenciais fontes de infecção para animais criados a pasto, mas geralmente não representam risco de infecção direta aos
pessoas. Os animais a pasto podem se infectar ao ingerirem quantidades suficientes desses esporos do solo. Além da transmissão direta, moscas picadoras podem transmitir mecanicamente esporos de B. anthracis e causar a doença. Além
disso, pode ocorrer a transmissão direta de um animal a outro. A importância relativa desse tipo de transmissão durante epizootias ou epidemias ainda precisa ser quantificada, mas é frequentemente considerada. As rações contaminadas
com ossos ou outros alimentos provenientes de animais infectados podem atuar como fonte de infecção nas criações extensivas, assim como o feno altamente contaminado por meio do solo. Carne contaminada crua ou mal cozida é uma
fonte de infecção para carnívoros e onívoros; carbúnculo resultante do consumo de carne contaminada foi em suínos, cães, gatos, visons, carnívoros selvagens e pessoas.
EPIDEMIOLOGIA: Subdiagnósticos e relatos incertos dificultam a estimativa da real prevalência da doença no mundo. Entretanto, o carbúnculo foi relatado em quase todos os continentes, sendo mais frequente em regiões agrícolas com
solos do tipo calcário neutros ou alcalinos. Nessas regiões, a enfermidade aparece periodicamente como epizootias em animais domésticos e selvagens suscetíveis. Essas epizootias estão associadas à seca, inundações ou solos mal cuidados
e vários anos podem se passar entre os surtos. Durante os períodos entre uma epidemia e outra, casos esporádicos podem ajudar a manter a contaminação do solo.
Casos humanos podem resultar do contato com animais ou produtos de origem animal contaminados. O risco da doença às pessoas é comparativamente pequeno em países desenvolvidos, em parte porque são relativamente resistentes à
infecção e porque é menos provável de serem expostos aos esporos patogênicos. No entanto, em países em desenvolvimento cada vaca afetada pode resultar em até 10 casos humanos, por motivos culturais, econômicas e epidemiológicas.
Na transmissão natural, o paciente humano exibe principalmente doença cutânea (> 95% dos casos). O carbúnculo gastrintestinal (inclusive o carbúnculo faríngeo) pode ser observado em pessoas após consumo de carne contaminada crua
ou mal cozida. Sob certas condições artificiais (p. ex., laboratórios, instalações para processamento de pelos de animal e exposição a produtos contendo esporos), os pessoas podem desenvolver uma forma da doença altamente fatal
conhecida como carbúnculo inalatório ou doença dos selecionadores de lã. O carbúnculo inalatório é uma linfadenite hemorrágica aguda em linfonodos mediastinais, geralmente acompanhada de efusões pleurais hemorrágicas, sepse grave,
meningite e alta taxa de mortalidade.
Nos EUA, a prevalência exata de antraz em animais não é conhecida. Nos últimos 100 anos, as infecções animais têm ocorrido em quase todos os estados, com frequência mais elevada nas regiões meiooeste e oeste. Atualmente, o
carbúnculo é enzoótico no oeste do Texas e no noroeste de Minnesota; é esporádico no sul do Texas, Nevada, leste de Dakota do Sul e Dakota do Norte; apenas ocasionalmente é observado em outras regiões. A prevalência anual de
carbúnculo humano nos EUA diminuiu de cerca de 130 casos no começo do século passado para nenhum caso em 2007.
Além de ocorrer infecção natural, temse produzido B. anthracis como agente de guerra biológica. Em 2001, foi utilizado com sucesso como arma terrorista, matando 5 pessoas e causando doença em 22. Provavelmente devido ao método
que foi utilizado (via correspondência), não se sabe se houve doença animal resultante desse ataque. Os esporos utilizados em guerra biológica representam ameaça tanto para populações humanas como para animais. A
Organização Mundial da Saúde estima que 50 kg de B. anthracis distribuídos a uma população de 500.000 pessoas podem resultar em 95.000 mortes e 125.000 hospitalizações. O efeito em animais não foi estimado, mas como os animais
de criação são mais suscetíveis à infecção por B. anthracis do que os primatas, o resultado de um ataque com esporos de B. anthracis contra esses animais resultaria em taxas de mortalidade e morbidade mais altas e mais precoces em
comparação à população humana.
PATOGENIA: Após inoculação em ferida, ingestão ou inalação, os esporos infectam os macrófagos, germinam e se proliferam. Em infecções cutâneas e gastrintestinais, a proliferação pode ocorrer no local de infecção e nos linfonodos que
drenam esse local. Toxinas letais e toxinas causadoras de edema são produzidas por B. anthracis e causam, respectivamente, necrose local e edema extenso, os quais são características frequentes da doença. À medida que as bactérias se
multiplicam nos linfonodos, a toxemia progride e pode ocorrer bacteriemia. Com o aumento da produção de toxina, o potencial para destruição tecidual disseminada e falência dos órgãos aumenta. Depois de os bacilos vegetativos serem
liberados de um animal após sua morte (por inchaço da carcaça, animais que se alimentam de carniça ou exame pósmorte), o oxigênio da atmosfera induz sua esporulação. Os esporos são relativamente resistentes aos extremos de
temperatura, à desinfecção química e ao ressecamento. A necropsia não é recomendada em razão do risco de células vegetativas serem expostas ao ar, resultando em produção de grande quantidade de esporos. Em razão da rápida mudança
de pH após a morte e decomposição, as células vegetativas em uma carcaça fechada morrem prontamente sem que ocorra esporulação.
ACHADOS CLÍNICOS: Em geral, o período de incubação é de 3 a 7 dias (com variação de 1 a 14 dias). O curso clínico varia de hiperagudo a crônico. A forma hiperaguda, comum em bovinos e ovinos, é caracterizada por início súbito e curso
rápido e fatal. Cambaleio, dispneia, tremores, colapso, alguns movimentos convulsivos e morte podem ocorrer em bovinos, ovinos ou caprinos com apenas uma leve evolução da doença.
Na fase aguda, bovinos e ovinos apresentam febre abrupta e um período de excitação seguido por depressão, estupor, dificuldade respiratória ou cardíaca, cambaleio, convulsões e morte. Geralmente, o curso da doença é tão rápido que
não é percebido e os animais são encontrados mortos. A temperatura corporal pode atingir 41,5°C, a ruminação cessa, a produção de leite diminui significativamente; as fêmeas podem abortar. Podem ocorrer sangramentos de aberturas
corporais naturais. Algumas infecções caracterizamse por inchaço edematoso subcutâneo e localizado, que pode ser bastante extenso. As regiões mais envolvidas são a parte ventral do pescoço, o tórax e a região das paletas.
Nos equinos, a doença pode ser aguda. Os animais podem apresentar febre, calafrios, cólica intensa, anorexia, depressão, fraqueza, diarreia sanguinolenta e inchaço de pescoço, esterno, abdome inferior e genitália externa. Quase sempre
o animal morre em 2 a 3 dias após o início dos sintomas.
Embora relativamente resistentes, os suínos podem desenvolver sepse aguda após a ingestão de B. anthracis, caracterizada por morte súbita, além de orofaringite ou, mais comumente, uma forma crônica branda. O carbúnculo orofaríngeo
manifestase por inchaço rápido e progressivo da garganta, que pode causar morte por asfixia. Na forma crônica, os suínos apresentam sinais sistêmicos que regridem gradualmente com o tratamento. Alguns, mais tarde, evidenciam
infecção pelo carbúnculo nos linfonodos cervicais e tonsilas, quando abatidos (como se aparentemente fossem animais saudáveis). O envolvimento intestinal é raramente diagnosticado, pois apresenta sinais não específicos de anorexia,
vômito, diarreia (às vezes, com sangue) ou constipação intestinal.
Em cães, gatos e carnívoros selvagens, a doença assemelhase à observada em suínos. Em herbívoros selvagens, o curso esperado da doença e as lesões variam de espécie para espécie, mas se assemelham, na maioria das vezes, aos que
ocorrem em bovinos.
Lesões: O rigor mortis é quase sempre ausente ou incompleto. Sangue escuro pode gotejar da boca, narinas e ânus, com timpanismo acentuado e rápida decomposição corporal. Caso a carcaça seja aberta inadvertidamente, lesões
septicêmicas são observadas. O sangue é escuro, espesso e não coagula com facilidade. As hemorragias de tamanhos variáveis são comuns nas superfícies serosas do abdome e tórax, bem como do epicárdio e do endocárdio. Efusões
edematosas e sanguinolentas são habitualmente encontradas abaixo da serosa de vários órgãos, entre os músculos esqueléticos e sob a pele. Com frequência, ocorrem hemorragias na mucosa gastrintestinal, e úlceras, principalmente nas
placas de Peyer. É comum o baço se apresentar aumentado, vermelhoescuro ou negro, amolecido e semifluido. Rins, fígado e linfonodos ficam congestos e aumentados. Meningites podem ser observadas ao abrir o cérebro.
Em suínos com carbúnculo crônico, as lesões geralmente ficam restritas a tonsilas, linfonodos cervicais e tecidos adjacentes. Os tecidos linfáticos da região apresentamse aumentados e com pontos cor salmão a vermelhotijolo na
superfície de corte. Pode haver membranas diftéricas ou úlceras sobre a superfície das tonsilas. A região ao redor dos tecidos linfáticos quase sempre é gelatinosa e edematosa. A forma intestinal crônica envolvendo os linfonodos
mesentéricos também é descrita.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico com base apenas nos sinais clínicos é difícil. Devese obter exame laboratorial confirmatório caso se suspeite de carbúnculo. Como a célula vegetativa não é resistente e não sobrevive 3 dias no trânsito
intestinal, a amostra ideal é um suabe mergulhado em sangue e submetido à secagem. Essa técnica resulta em esporulação e morte de outras bactérias e contaminantes. Em razão de os suínos com lesões localizadas raramente apresentarem
bacteriemia, um pequeno pedaço de tecido linfático acometido, coletado assepticamente, deve ser analisado. Antes do envio da amostra, devese contatar o laboratório para receber informações precisas de como identificar, manusear e
transportar esse tipo de material.
O diagnóstico específico inclui cultura bacteriana, teste de reação em cadeia de polimerase (PCR) e corantes com anticorpos fluorescentes para mostrar a bactéria no sangue ou nos tecidos. Os testes Western blot e imunoensaio (ELISA)
estão disponíveis em alguns laboratórios de referência. Na indisponibilidade de outros testes, esfregaços de sangue corados com corantes de Loeffler ou MacFadean, podem ser utilizados para visualização da cápsula; no entanto, podem
resultar em cerca de 20% de falsopositivos.
Em animais domésticos, o carbúnculo deve ser diferenciado de outras doenças que provocam morte súbita. Em bovinos e ovinos, clostridiose, timpanismo e apoplexia por raios (ou qualquer outra causa de morte súbita) podem ser
confundidos com carbúnculo. Devemse considerar, em bovinos, leptospirose aguda, hemoglobinúria bacilar, anaplasmose e intoxicação grave por samambaia, trevodoce e chumbo. Em equinos, anemia infecciosa aguda, púrpura, cólicas,
intoxicação por chumbo, apoplexia por raios e insolação podem assemelharse ao carbúnculo. Em suínos, peste suína clássica aguda, peste suína africana e edema maligno faringiano são considerações diagnósticas. Em cães, devemse
considerar infecções sistêmicas agudas e edema de faringe decorrentes de outras causas.
TRATAMENTO, CONTROLE E PREVENÇÃO: O carbúnculo é controlado por meio de programas de vacinação, detecção rápida e notificação, quarentena, tratamento de animais assintomáticos (profilaxia pós–exposição) e incineração ou
sepultamento dos casos suspeitos e confirmados. Nos animais de criação, o carbúnculo pode ser amplamente controlado pela vacinação anual de todos os animais que pastam em regiões endêmicas e pela implementação de medidas de
controle durante epizootias. A vacina não encapsulada da cepa Sterne é utilizada universalmente para imunização dos animais de criação. A vacinação deve ser feita 2 a 4 semanas antes da estação em que os surtos podem ser esperados.
Como essa é uma vacina viva, os antibióticos não devem ser administrados no período de 1 semana da vacinação. Antes da vacinação do gado leiteiro durante um surto, devemse revisar e observar todos os procedimentos exigidos pelas
leis locais. As vacinas utilizadas em pessoas, atualmente liberadas e utilizadas nos EUA e na Europa, baseiam–se em filtrados de B. anthracis artificialmente cultivados.
O tratamento precoce e a implementação rigorosa de um programa de prevenção são essenciais para reduzir as perdas nos rebanhos. Os rebanhos em risco devem ser imediatamente tratados com antibióticos de longa duração para cessar
todas as infecções em incubação. Essas medidas devem ser seguidas de vacinação cerca de 7 a 10 dias após o tratamento com antibióticos. Os animais que adoecerem após o início do tratamento e/ou após a vacinação devem ser novamente
tratados e revacinados 1 mês depois. A administração simultânea de antibióticos e vacina é inapropriada, pois a vacina Sterne é viva. Os animais devem ser removidos da pastagem onde há animal doentes e de onde há possibilidade de solo
contaminado. Devese retirar imediatamente o alimento suspeito do local. Nos estágios iniciais da doença o rebanho responde bem ao tratamento com penicilina. A oxitetraciclina administrada diariamente em doses fracionadas também é
eficaz. Outros antibacterianos, inclusive amoxicilina, cloranfenicol, ciprofloxacino, doxiciclina, eritromicina, gentamicina, estreptomicina e sulfonamidas também podem ser utilizados, porém sua efetividade em comparação à penicilina e
às tetraciclinas não foi avaliada a campo.
Além de terapia e imunização, os procedimentos de controle específicos são necessários para conter a doença e evitar que ela se dissemine. Esses procedimentos incluem: (1) notificação aos órgãos oficiais; (2) cumprimento rigoroso do
tempo de quarentena (após a vacinação, 2 semanas antes de sair da fazenda, 6 semanas antes de ser encaminhado ao abate); (3) imediata eliminação de animais mortos, esterco ou outro material contaminado, por meio de incineração
(preferível) ou enterrando em vala profunda; (4) isolamento dos animais doentes e remoção dos animais sadios das regiões contaminadas; (5) limpeza e desinfecção de estábulos, currais, salas de ordenha e fômites; (6) utilização de
repelentes de insetos; (7) controle dos animais que se alimentaram de animais que morreram em decorrência da doença; (8) observação dos procedimentos sanitários gerais por pessoas que manipulam animais doentes, tanto para a própria
segurança quanto para prevenir que a moléstia se espalhe. Solos contaminados são muito difíceis de serem descontaminados completamente, mas a utilização de formaldeído pode ser satisfatória se o nível de contaminação não for muito
alto. O processo geralmente envolve a remoção do solo.
A infecção humana é controlada por redução da infecção nos animais de criação, supervisão do médico veterinário na produção animal e no abatedouro para reduzir o contato humano com animais de criação potencialmente infectados ou
produtos de origem animal e, em alguns casos, tanto pela profilaxia pré e pósexposição. A restrição do comércio de couro e lã proveniente de países que notoriamente têm carbúnculo reduz o risco público. Nos países onde o carbúnculo é
comum e a cobertura vacinal é baixa, as pessoas devem evitar o contato com rebanhos e produtos de origem animal que não foram inspecionados antes e depois do abate. Em geral, devese evitar o consumo de carne de animais que
apresentaram morte súbita, carne obtida por abate em situação crítica e carne de origem desconhecida. A vacinação de rotina contra o carbúnculo é indicada para indivíduos comprometidos em trabalho que envolve grandes quantidades ou
concentrações de culturas de B. anthracis ou atividades com alto potencial de produção de aerossol. Os técnicos de laboratório que trabalham com Práticas de Biossegurança nível 2 na rotina de processamento das amostras clínicas não
estão sujeitos a risco maior de exposição aos esporos de B. anthracis. O risco para trabalhadores que entram em contato com couros, pele, ossos, lã ou pelos de animais importados tem sido reduzido devido a melhorias nos padrões da
indústria e restrições de importação. A vacinação préexposição é recomendada para pessoas nesse grupo apenas quando esses padrões e restrições não forem suficientes para evitar a exposição aos esporos do carbúnculo. A vacinação de
rotina de veterinários nos EUA não é recomendada em razão da baixa prevalência de casos em animais. No entanto, em regiões onde a prevalência da doença é alta, a vacinação pode ser indicada para veterinários e outras pessoas em alto
risco que manipulam animais potencialmente infectados.
O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) recomenda vacinação daqueles pacientes em risco de exposições repetidas aos esporos de B. anthracis em resposta a ataque bioterrorista. Esses grupos incluem profissionais que
atuam inicialmente em ações emergenciais, ações das autoridades federais e funcionários de laboratórios. A vacinação preventiva antes da suspeita de ataques terroristas não é recomendada para outras populações.
Em humanos, recomendase profilaxia pósexposição contra esporos de B. anthracis após exposição a aerossol contendo esporos de B. anthracis. A profilaxia pode consistir apenas em terapia antibiótica ou na associação de terapia
antimicrobiana e vacinação, se a vacina estiver disponível, pois a maioria das vacinas humanas não é viva. Mesmo não existindo uma norma aprovada, o CDC sugere que antibióticos podem ser interrompidos após a administração de 3
doses da vacina, de acordo com o esquema padrão (0, 2 e 4 semanas). Em decorrência da eficácia e da facilidade de administração, doxiciclina ou ciprofloxacino pode ser escolhida inicialmente na quimioprofilaxia antimicrobiana, até que a
suscetibilidade do microrganismo infectante seja determinada. A penicilina e a doxiciclina foram aprovadas pela Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento humano e têm sido tradicionalmente as drogas de eleição. Tanto o
ciprofloxacino quanto o ofloxacino têm demonstrado atividade in vitro contra o B. anthracis. Embora a ocorrência natural de resistência à penicilina seja rara, já foi relatada; observouse resistência a outros antibióticos. Os antibióticos são
efetivos contra a forma germinada, mas não contra a forma esporulada. Os esporos podem sobreviver nos linfonodos mediastinais e no pulmão durante meses sem germinar em primatas não humanos.
Não há atualmente esquemas de vacinação aprovados para a profilaxia pósexposição ao B. anthracis. Apesar de a quimioprofilaxia pósexposição utilizando antibióticos isoladamente ter sido provada eficaz em modelos animais, a
duração definitiva do tratamento permanece incerta. A quimioprofilaxia antibiótica pode ser alterada para penicilina VK ou amoxicilina em crianças ou mulheres grávidas, uma vez conhecida a sensibilidade ao antibiótico e se o organismo
for sensível à penicilina. A segurança e a eficácia da vacina contra o antraz em crianças ou mulheres grávidas não foram estudadas; dessa forma, não se pode recomendar o uso da vacina para esses grupos. Apesar de o esquema de
vacinação reduzido ter se mostrado eficaz quando utilizado em esquema pós–exposição que inclui antibióticos, não se sabe a duração da proteção da vacina. Evidências sugerem que a proteção da vacina é eficaz por 12 meses. Se ocorrer
exposição subsequente, vacinações adicionais podem ser necessárias.
Há poucas publicações que possam orientar as recomendações para a profilaxia pós–exposição após contato cutâneo ou gastrintestinal de pessoas ao B. anthracis. Entretanto, com base na progressão lenta da doença, baixa taxa de
mortalidade e fácil tratamento com antibióticos do carbúnculo cutâneo, além do baixo risco geral de doenças cutâneas após exposição natural, a profilaxia pósexposição não é recomendada após exposição cutânea direta a animais
contaminados ou produtos de origem animal. Contudo, a lavagem imediata da região exposta é aconselhável. Aqueles que foram expostos devem ser avisados quanto aos possíveis sinais cutâneos de antraz (i. e., uma região inflamada, mas
não dolorosa, com ou sem pequenas vesículas circunferenciais e aumento dos linfonodos regionais), e que devem procurar assistência médica se a doença se desenvolver. Devido à alta taxa de mortalidade e a rápida progressão do
carbúnculo gastrintestinal, devese considerar o início imediato da profilaxia pósexposição naqueles que consumiram carne crua ou mal cozida. Não há indicação atual para vacinação após exposição cutânea ou ingestão.
BESNOITIOSE
É uma enfermidade transmitida por protozoários. O estágio cístico causa alterações clínicas na pele, tecido subcutâneo, vasos sanguíneos, membranas mucosas e outros tecidos mais profundos.
ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO: O parasito é praticamente hospedeiro específico. O agente causador da doença cutânea primária em bovinos é Besnoitia besnoiti; B. bennetti causa sintomas semelhantes em equinos e asininos. B. besnoiti foi
relatada no sul da Europa, África, Ásia e América do Sul. Já B. bennetti foi descrita na África, sul da França, México e EUA. B. jellisoni e B. wallacei foram descritas em roedores; B. tarandi, em renas ou caribus; B. darlingi, em lagartos,
gambás e cobras; e B. sauriana, em lagartos. B. caprae foi relatada em cabras, em diversos países, inclusive Irã, Nova Zelândia e Quênia. Os roedores e outros animais selvagens na Austrália e os pequenos antílopes azul africano, impala e
gnu azul na África foram afetados.
Estes microrganismos, que são semelhantes a Toxoplasma, multiplicamse em macrófagos, células endoteliais e outras, produzindo grandes cistos característicos, com parede espessa repletos de bradizoítos que se desenvolvem e invadem
os traquizoítos.
A transmissão cíclica experimental com estágios sexuais intestinais em hospedeiro definitivo (gato) foi relatada para as espécies B. besnoiti, B. wallacei e B. darlingi. A transmissão de outras espécies como a B. besnoiti em hospedeiros
definitivos não está esclarecida. Moscas picadoras ou carrapatos podem transmitir a B. besnoiti mecanicamente a partir de bovinos cronicamente infectados, mas este modo de transmissão não foi provado para Besnoitia spp.
As Besnoitia spp podem ser transmitidas artificialmente para hospedeiros apropriados por meio de inoculação com agulha de tecidos que contenham cistos. Entretanto, a principal via de transmissão para várias espécies ainda está
indefinido. Isolados individuais parecem ser bastante específicos para os hospedeiros intermediários.
ACHADOS CLÍNICOS: Os bovinos infectados, geralmente, não apresentam sinais clínicos além de alguns cistos na conjuntiva escleral. A enfermidade iniciase com febre seguida de inchaços quentes e dolorosos ventrais que levam a
esclerodermatite. Observamse também tumefação de linfonodos, diarreia, inapetência, fotofobia, rinite e orquite. A pele tornase endurecida, espessa e enrugada com desenvolvimento de rachaduras que permitem infecção bacteriana
secundária e miíase. Há perda de pelos e da epiderme. Além das lesões cutâneas, pode haver envolvimento do sistema musculoesquelético e, em alguns casos, drenagem de linfonodos e órgãos como os testículos. As lesões císticas
observadas em tecidos infectados estão geralmente associadas a alterações vasculares. Os animais gravemente afetados tornamse edemaciados. Em geral, uma apresentação semelhante pode ser observada em equídeos infectados com B.
bennetti.
Um achado diagnóstico útil é o aparecimento de cistos na conjuntiva escleral e na mucosa nasal em bovinos e equinos, estas “pérolas” são facilmente observadas quando o animal levanta a cabeça. O diagnóstico também pode ser
realizado pelo achado de bradizoítos semilunares em raspados cutâneos, biopsias ou raspados de conjuntiva.
Embora a mortalidade seja baixa, a recuperação é lenta nos casos graves. Os touros gravemente enfermos podem tornarse permanentemente estéreis. Os animais afetados continuam portadores por toda a vida.
A doença em caprinos é similar à dos bovinos. Em equinos, os sinais clínicos são semelhantes, mas tendem a ser menos graves ou invasivos. As manifestações clínicas são mais comuns em animais mais jovens.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO: As infecções por B. besnoiti são economicamente importantes para criadores de bovinos em regiões endêmicas em decorrência de mortalidade (embora quase sempre < 10%), esterilidade (que pode ser
temporária ou permanente), perda da condição e valor de mercado mais baixo, e defeitos no couro. O tratamento é difícil, mas alguns obtêm sucesso utilizando oxitetraciclina em bovinos no início da infecção. Entretanto, não se obteve
sucesso com nenhum tratamento em equídeos. Os animais devem ser isolados e submetidos a tratamento sintomático.
Em alguns países, os bovinos são imunizados com uma vacina viva adaptada de cultura de tecidos. A redução de insetos picadores e de carrapatos também pode diminuir a transmissão.
BORRELIOSE (Doença de Lyme)
Borreliose, ou doença de Lyme, é uma enfermidade bacteriana transmitida por carrapatos, que acomete animais (cães, equinos e provavelmente gatos) e pessoas. Muitos mamíferos e espécies de aves podem infectarse, mas não
desenvolvem sinais clínicos. As áreas de maior prevalência nos EUA são as regiões do Nordeste (particularmente no Estado de New England), CentroOeste superior e costa do Pacífico. A borreliose também ocorre em regiões de clima
temperado da Europa e da Ásia. A importância da borreliose como enfermidade zoonótica está aumentando.
ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO: Atualmente, com base na análise de reassociação de DNADNA, 12 espécies diferentes pertencem ao complexo Borrelia burgdorferi lato sensu. Neste complexo, as espécies de espiroquetas mais importantes
são B. burgdorferi stricto sensu (América do Norte, Europa), B. afzelii (Europa, Ásia) e B. garinii (Europa, Ásia); todas são patogênicas às pessoas. Somente B. burgdorferi stricto sensu é patogênica aos animais domésticos, em condições
experimentais. Os carrapatos vetores de B. burgdorferi lato sensu são Ixodes de revestimento duro. Nos EUA, são praticamente Ixodes pacificus, verificados na costa do Pacífico, e I. scapularis, no CentroOeste e Nordeste. I. ricinus e I.
persulcatus são vetores verificados principalmente na Europa e na Ásia.
Os ovos dos ixóideos transformamse em larvas não infectantes. Tanto as larvas como as ninfas podem adquirir as espiroquetas da Borrelia carreada pelos hospedeiros. Os pequenos mamíferos, especialmente roedores têm papel
importante como hospedeiro reservatório. Aves e lagartos também podem abrigar certas espécies de Borrelia e atuam como hospedeiros reservatórios. As taxas de infecção dos vetores variam de acordo com a região e a estação do ano e
pode ser superior a 50% em carrapatos adultos. Após a fixação do carrapato, demora > 24 h antes da transmissão da primeira B. burgdorferi lato sensu à pele do hospedeiro. A estabilização da infecção ocorre após > 53 h no sangue. Assim,
quanto mais cedo fazse a remoção do carrapato, maior a chance de reduzir o risco de transmissão da espiroqueta. B. burgddorferi lato sensu não é transmitida por insetos, fluidos corporais (urina, saliva, sêmen) ou ferimentos por
mordedura. Estudos experimentais mostram que fêmeas infectadas antes da gestação podem transmitir as espiroquetas ao feto, no útero.
ACHADOS CLÍNICOS: Várias síndromes clínicas em animais domésticos são atribuídas à borreliose, inclusive alterações nos membros e articulações e enfermidades renais, neurológicas e cardíacas. Nos cães, claudicação intermitente e
recidivante, febre, anorexia, letargia e linfadenopatia com ou sem tumefação e dores articulares são os sinais clínicos mais comumente observados. A segunda síndrome mais comum associada à borreliose é representada por insuficiência
renal, geralmente fatal. Este quadro é caracterizado por uremia, hiperfosfatemia e nefropatia com perda grave de proteína, geralmente acompanhada de edema periférico. As raças de cães Bernese e Labrador Retriever geralmente
apresentam altos títulos de anticorpos específicos de Borrelia; imunocomplexos nos rins acarretam inflamação grave. Na medicina humana, casos isolados foram relatados com descrição de anormalidades como bradicardia, na forma
cardíaca de borreliose, enquanto paralisia facial e convulsões são sinais da forma neurológica.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico é baseado no histórico, sinais clínicos, exclusão de outras doenças, exames laboratoriais, considerações epidemiológicas e resposta à terapia antibiótica. Painel de doença autoimune, hemograma completo,
bioquímica sanguínea, radiografia e outras informações laboratoriais geralmente são normais, exceto resultados relacionados diretamente ao sistema acometido (p. ex., tecidos moles dos membros, acúmulo de neutrófilos nos fluidos
sinoviais ou articulações afetadas, uremia na doença renal).
Testes sorológicos para anticorpos específicos contra B. burgdorferi lato sensu auxiliam o diagnóstico clínico. Os anticorpos podem ser detectados por ELISA (inclusive sistema de teste rápido) e imunoeletroforese proteica (Western
blot). Devido à baixa especificidade, não se recomendam teste de imunofluorescência indireta para pesquisa de anticorpos. O procedimento padrão para detecção de anticorpos é uma dupla abordagem, utilizando dois testes. As amostras são
submetidas a triagem com um teste sensível, o ELISA, e somente amostras positivas são testadas com um ensaio Western blot específico. O teste Western blot auxilia na diferenciação da resposta imune ocasionada pela infecção daquela
resposta induzida por vacinação.
Como alternativa, amostras de soro ou sangue podem ser testadas com o ensaio baseado em peptídio (peptídio C6), o qual é específico para infecções induzidas por anticorpos. Entretanto, a demonstração de anticorpos específicos indica
apenas exposição ao antígeno bacteriano e não corresponde à doença clínica. Cerca de 5 a 10% dos cães na Europa Central carreiam anticorpos contra Borrelia sem sinais clínicos. Além disso, resultados falsonegativos podem ocorrer em
testes com peptídio C6 logo após a infecção. Longos períodos de incubação, persistência de anticorpos por meses a anos e dissociação entre resposta de anticorpos e o estágio clínico da doença tornam difícil o diagnóstico pelo exame de
sangue.
O isolamento de B. burgdorferi lato sensu em cultura ou a detecção específica de DNA por PCR de amostras de articulações, de tecido cutâneo ou de outras fontes podem auxiliar no diagnóstico. Entretanto, a detecção direta do
microrganismo é difícil, é demorada (mais de 6 semanas para a cultura) e em muitos casos exibe resultado negativo. Somente um resultado positivo é significativo. Amostras de sangue geralmente são negativas, pois o microrganismo se
instala nos tecidos e não na circulação.
Os sinais clínicos da borreliose são inespecíficos. Além de outras alterações ortopédicas (p. ex., trauma, osteocondrite dissecante, doenças imunomediadas), outros agentes podem ser considerados. Anaplasma phagocytophilum também
pode ocasionar claudicação recidivante e intermitente. A. phagocytophilum é transmitido por alguns carrapatos e estudos epidemiológicos têm revelado que mais de 30% de todos os cães da Europa Central carreiam anticorpos específicos
para este agente. Infecções mistas devem ser consideradas quando os sinais clínicos são aparentes.
TRATAMENTO: A terapia antimicrobiana é indicada em todos os casos com sinais clínicos atribuídos à borreliose. Antibióticos da classe das tetraciclinas (p. ex., 10 mg de doxiciclina/kg, VO, 2 vezes/dia) e das penicilinas (p. ex., 20 mg de
amoxicilina/kg, VO, 3 vezes/dia) são efetivos e a resposta rápida é observada em muitos casos de doenças de membros e articulações, embora a cura incompleta ou transitória dos sintomas ocorra em um número significativo de animais
afetados. O uso de doxiciclina é melhor em relação às penicilinas, pois infecções mistas com outros patógenos transmitidos por carrapatos geralmente são verificados em pacientes com sinais clínicos. Dados clínicos e de pesquisa indicam
que a infecção em animais, inclusive em pessoas, podem persistir mesmo com terapia antimicrobiana. Em cães, a dose padrão de antibiótico para o tratamento por 4 semanas tem demonstrado eficácia. Devido à persistência de B.
burgdorferi sensu lato, podem ocorrer recidivas. Nestes casos, os antibióticos anteriormente mencionados podem ser utilizados novamente, pois a infecção persistente não se deve à resistência ao antibiótico. A terapia antibiótica prolongada
(> 4 semanas) pode ser benéfica para pacientes com sinais continuados da doença.
A terapia sintomática direcionada ao órgão afetado e às anormalidades também é importante, especialmente quando há envolvimento renal. Nos casos que envolvem membros e articulações, o uso de antiinflamatórios não esteroides,
juntamente com terapia antimicrobiana, pode levar à confusão sobre a melhora clínica e dificulta o diagnóstico com base na resposta terapêutica.
PREVENÇÃO E CONTROLE: O controle de carrapatos é uma importante estratégia de controle da doença. Embora haja disponibilidade de produtos altamente efetivos (permetrina, amitraz e fipronil) para o uso em cães, poucos proprietários
preocupamse em aplicar com a frequência necessária, de modo a propiciar uma barreira efetiva para evitar carrapatos, a longo prazo.
Bacterinas mortas com todas as estruturas celulares têm sido utilizadas em cães desde os anos de 1990 na prevenção de borreliose. As vacinas que contêm somente estruturas recombinantes como a proteína A da superfície externa
(rOspA) foram aprovadas para uso em cães. As vacinas estão disponíveis na Europa e contêm diferentes espécies do complexo B. burgdorferi lato sensu. Todas as vacinas atuais induzem à intensa resposta de anticorpos predominantemente
para OspA (vacinas lisadas) ou apenas contra OspA (vacinas recombinantes). Os anticorpos contra OspA previnem a transmissão da espiroqueta dos carrapatos para o hospedeiro. Mostrouse que quando um carrapato ataca um animal de
sangue quente a B. burgdorferi lato sensu, naquele carrapato, deixa de provocar OspA e inicia a produção de novas proteínas, a OspC e outras, antes da transmissão. Estão sendo realizadas pesquisas para o desenvolvimento de vacinas que
contêm múltiplos antígenos contra B. burgdorferi, fato que pode contribuir para uma melhor proteção.
Em áreas endêmicas, cães jovens devem ser vacinados antes da exposição natural a carrapatos para atingir um alto nível de proteção. Os cães que são expostos a carrapatos são testados sorologicamente para estabelecer infecção prévia à
vacinação. A vacinação após a infecção tem pouco ou nenhum efeito terapêutico em infecções estabelecidas. Duas doses da vacina devem ser administradas por via subcutânea em cães com 9 a 12 semanas de idade, em intervalo de 3
semanas, ou de acordo com as recomendações do fabricante. O teor de anticorpos geralmente diminui rapidamente após as duas vacinações iniciais; duas doses de reforço no ano seguinte devem ser administradas, preferencialmente em
intervalo de 6 meses (como sugestão: primavera, outono, primavera), seguidas de vacinações anuais.
RISCO ZOONÓTICO: A borreliose é considerada uma zoonose. Animais e pessoas são infectadas quando carrapatos de revestimento duro (Ixodes spp) sugam o sangue. Os animais de estimação e pecuários não são a fonte de infecção às
pessoas. Os animais de estimação podem carrear carrapatos para a habitação e este vetor pode passar de outros animais para as pessoas, durante o contato.
CLOSTRIDIOSE
Os clostrídios são organismos relativamente grandes, anaeróbios e formadores de esporos, em forma de bastonetes Grampositivos. São encontrados na forma viva (célula vegetativa) ou dormente como esporos. Os habitats naturais desses
microrganismos são o solo e o trato intestinal de animais, incluindo humanos. Os esporos são encontrados em tecidos musculares de equinos e vacas. Os endosporos são ovais, às vezes esféricos e situamse em posição central, subterminal
ou terminal. As formas vegetativas dos clostrídios nos fluidos teciduais de animais infectados ocorrem isoladamente, em pares ou, raramente, em cadeias. A diferenciação das várias espécies patogênicas relacionadas baseiase em
características culturais, forma e posição do esporo, reações bioquímicas e especificidade antigênica de toxinas ou antígenos de superfície. O genoma de vários clostrídios foi sequenciado e está disponível na internet. As cepas patogênicas
podem ser adquiridas por animais suscetíveis tanto por ferida contaminada quanto por ingestão. As doenças que podem ser produzidas são constantes ameaças à produção bemsucedida de animais de criação em várias partes do mundo.
As clostridioses podem ser agrupadas em 2 categorias: (1) aquelas nas quais os microrganismos invadem ativamente e se reproduzem nos tecidos do hospedeiro, com a produção de toxinas que aumentam a disseminação da infecção e são
responsáveis pela morte (às vezes referidas como o grupo produtor de gangrena gasosa); (2) aquelas caracterizadas por toxemia resultante da absorção das toxinas produzidas pelos microrganismos dentro do sistema digestório
(enterotoxemias), em tecido desvitalizado (tétano), ou no alimento ou recipientes fora do organismo (botulismo). As clostridioses não são transmitidas de animal para animal.
BOTULISMO (LAMZIEKTE)
Esta enfermidade caracterizase por paralisia motora rapidamente fatal causada pela ingestão da toxina de Clostridium botulinum tipo AG. O microrganismo anaeróbio formador de esporos se prolifera em tecidos animais em decomposição
e às vezes em material vegetal.
ETIOLOGIA: O botulismo é uma intoxicação, e não uma infecção, e resulta da ingestão da toxina presente nos alimentos. Há sete tipos de C. botulinum, que se diferenciam quanto à especificidade antigênica das toxinas: A, B, C1, D, E, F e
G. Os tipos A, B e E são mais importantes no botulismo humano; C1, na maioria dos animais, especialmente em patos selvagens, faisões, galinhas, visons, bovinos e equinos; e o D, em bovinos. Apenas dois surtos, ambos em humanos,
foram identificados como provocados pelo tipo F. O tipo G, que foi isolado de solo na Argentina, não foi envolvido em qualquer surto de botulismo tanto no homem quanto nos animais. As fontes mais comuns da toxina são carcaças em
decomposição ou materiais vegetais, como grãos, feno, capim em decomposição ou silagem estragada. Toxinas de todos os tipos possuem a mesma ação farmacológica. Da mesma forma que a toxina do tétano, a toxina botulínica é uma
metaloprotease ligada ao zinco que cliva proteínas específicas em vesículas sinápticas. Os receptores da superfície do neurônio motor variam de acordo com as diferentes toxinas botulínicas. Este fato justifica a diferença na suscetibilidade
das diversas espécies animais a estas toxinas.
A prevalência de botulismo em animais não é conhecida com exatidão, mas é relativamente baixa em bovinos e equinos, provavelmente mais frequente em galinhas e alta em aves aquáticas selvagens. Estimase perda de 10.000 a 50.000
aves todos os anos, chegando a 1.000.000 ou mais durante grandes surtos no oeste dos EUA. A maioria das aves afetadas é patos, embora mergulhões, mergansos, gansos e gaivotas também sejam suscetíveis (ver botulismo em aves, p.
2486). Cães, gatos e suínos são comparativamente resistentes a todos os tipos de toxina quando administrada por via oral.
A maior parte de casos de botulismo em bovinos ocorre na África do Sul, onde há uma combinação de agricultura extensiva, deficiência de fósforo no solo e C. botulinum tipo D em animais criados em condições propícias ao
desenvolvimento da doença. Os bovinos deficientes em fósforo mastigam quaisquer ossos acompanhados de boa quantidade de carne que encontram no pasto; quando esses ossos são provenientes de animal carreador de cepa tipo D de C.
botulinum, é provável que resulte em intoxicação. Qualquer animal que ingerir essa substância também ingere esporos, os quais germinam no intestino e, após a morte do hospedeiro, invadem a musculatura, a qual, por sua vez, tornase
tóxica para outros bovinos. As cepas tipo C também causam botulismo de modo semelhante em bovinos. Esse tipo de botulismo em bovinos é raro nos EUA, apesar de relatos de casos no Texas com o nome de loin disease e alguns casos
no Estado de Montana, nos EUA. O feno ou a silagem contaminados com carcaças de pássaros ou mamíferos contendo toxina e bovinos que se alimentam de ração de aves domésticas também têm sido fontes de toxinas tipo C ou D
(botulismo de Forragem). Silagem e grandes fardos de feno parecem desencadear botulismo, pois ocorre falha na fermentação e o pH se mantém < 4,5. Relatouse botulismo em ovinos na Austrália, sem associação com a deficiência de
fósforo como nos bovinos, mas com deficiência de proteína e carboidrato, resultando em ovinos que ingerem carcaças de coelhos e de outros pequenos animais encontrados no pasto. Em equinos, a doença quase sempre é resultante de
forragem contaminada com a toxina tipo C ou D.
Botulismo toxinfeccioso é o nome dado à enfermidade na qual C. botulinum se multiplica nos tecidos de um animal vivo e produz toxinas. As toxinas são liberadas a partir de lesões e provocam o botulismo típico. Temse sugerido que
isso ocasiona a síndrome do potro trêmulo. Úlceras gástricas, focos de necrose no fígado, abscessos no umbigo e nos pulmões, ferimentos de pele e músculos, bem como lesões necróticas do trato gastrintestinal são locais predisponentes
para o desenvolvimento do botulismo toxinfeccioso. Essa doença de potros e equinos adultos parece assemelharse ao “botulismo de ferimento” em pessoas. A toxina tipo B está comumente envolvida no botulismo de equinos e potros no
leste dos EUA. A toxinfecção também é conhecida como causa da disautonomia equina (p. 1332).
Em geral, o botulismo nos visons é causado por cepa tipo C, que produzem a toxina na carne ou no peixe cru picado. As cepas dos tipos A e E estão ocasionalmente envolvidas. O botulismo não foi relatado em gatos, mas ocorre
esporadicamente em cães. A toxina tipo C é, com frequência, responsável, porém há relatos envolvendo o tipo D.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sinais de botulismo são causados pela paralisia muscular e incluem paralisia motora progressiva, distúrbios da visão, dificuldades na mastigação e na deglutição e fraqueza progressiva generalizada. A
morte muitas vezes decorre de paralisia respiratória ou cardíaca. A toxina impede a liberação de acetilcolina nas placas motoras finais (junção neuromuscular). A passagem dos impulsos pelos nervos motores e a contratilidade dos músculos
não são muito impedidas; apenas a passagem de impulsos dos nervos para as placas motoras finais é afetada. Não se observam lesões características e as alterações patológicas podem ser designadas à ação paralítica geral da toxina, em
especial nos músculos do sistema respiratório, em vez de ao efeito específico da toxina em qualquer órgão em particular.
Ocorreram epidemias em rebanhos leiteiros nos quais até 65% das vacas adultas desenvolveram botulismo clínico e morreram 6 a 72 h após o início do decúbito. Os principais achados clínicos incluíram salivação, incapacidade de urinar,
disfagia e decúbito esternal que progrediu para decúbito lateral imediatamente antes da morte. A sensibilidade cutânea é geralmente normal e os reflexos de retirada dos membros estão fracos. Inicialmente, os sinais clínicos assemelhamse
ao segundo estágio da febre do leite (p. 1058), porém as vacas não respondem à terapia com cálcio.
Na síndrome do potro trêmulo, os potros costumam ter < 4 semanas de idade. Eles podem ser encontrados mortos sem sinais aparentes; quase sempre apresentam sinais de paralisia motora simétrica progressiva. A manqueira, tremores
musculares e dificuldade para suportar > 4 a 5 min parados são características marcantes. Outros sinais clínicos incluem disfagia, constipação intestinal, midríase e micção frequente. À medida que a doença progride, ocorrem dispneia com
extensão da cabeça e pescoço, taquicardia e parada respiratória. Em geral, ocorre morte em 24 a 72 h após o início dos sinais clínicos. Os achados mais consistentes à necropsia são edema pulmonar, congestão e fluido pericárdico excessivo,
o qual contém filamentos livres flutuantes de fibrina.
DIAGNÓSTICO: Embora em geral se suspeite de casos esporádicos de botulismo em razão da paralisia motora característica, às vezes é difícil estabelecer o diagnóstico por demonstração da toxina em tecidos ou soros de animais ou em
alimentos suspeitos. Comumente, o diagnóstico é feito por eliminação das outras causas da paralisia motora. Filtrados dos conteúdos estomacal e intestinal devem ser testados quanto à toxicidade em camundongos, mas uma resposta
negativa não é confiável. A primeira evidência comprobatória é obtida alimentandose animais suscetíveis com o material suspeito. Em casos hiperagudos, a toxina pode ser detectada no sangue por meio de testes de inoculação em
camundongos, mas geralmente não é detectada no campo em animais de criação. A utilização da metodologia ELISA para detecção da toxina permite a avaliação de várias amostras, aumentando as chances de confirmação do diagnóstico.
No botulismo toxinfeccioso, podese cultivar o microrganismo a partir de tecidos de animais afetados.
TRATAMENTO E CONTROLE: Quaisquer deficiências dietéticas devem ser corrigidas e as carcaças eliminadas. O capim em decomposição ou a silagem estragada devem ser retirados da dieta. A imunização de bovinos com toxoides tipos C e
D obteve sucesso na África do Sul e na Austrália. O toxoide também é eficaz na imunização dos visons e tem sido utilizado em faisões.
Temse utilizado antitoxina botulínica no tratamento com graus variáveis de sucesso, dependendo do tipo de toxina envolvido e da espécie do hospedeiro. Com frequência, o tratamento de patos e visons com antitoxina tipo C é bem
sucedido; no entanto, este é raramente utilizado em bovinos. A administração não tardia da antitoxina (tipo B) específica ou polivalente aos potros antes da recorrência (30.000 UI; IV) foi relatada como bemsucedida. O tratamento de
suporte em animais de valor é essencial; o prognóstico é pobre em pacientes recorrentes. Em regiões endêmicas (p. ex., Kentucky), a vacinação com o toxoide tipo B parece ser efetivo.
CABEÇA GRANDE (Cabeça Inchada)
A doença denominada cabeça grande é uma infecção aguda causada por Clostridium novyi, C. sordellii ou, raramente, C. chauvoei, caracterizada por tumefação não enfisematosa, não hemorrágica e edematosa de cabeça, face e pescoço de
carneiros jovens. Essa infecção é desencadeada pelas cabeçadas contínuas que os carneiros jovens dão entre si. Os tecidos subcutâneos golpeados e machucados ficam feridos e propiciam condições favoráveis ao crescimento de clostrídios
patogênicos e as aberturas na pele oferecem oportunidade para a sua entrada. O tratamento consiste na administração de penicilina ou antibióticos de amplo espectro.
CARBÚNCULO SINTOMÁTICO (Blackleg)
O carbúnculo sintomático é uma doença aguda febril que acomete bovinos e ovinos, causada por Clostridium chauvoei e caracterizada por tumefação enfisematosa, geralmente em grandes massas musculares (miosite clostridiana). Esta
enfermidade é cosmopolita.
ETIOLOGIA: C. chauvoei é encontrado naturalmente no trato intestinal de animais. Os esporos permanecem viáveis no solo por vários anos e são considerados como fonte de infecção. Os surtos de carbúnculo sintomático ocorrem em
bovinos nas fazendas em que foram realizadas escavações recentes, sugerindo que o revolvimento do solo pode ativar esporos latentes. Os microrganismos provavelmente são ingeridos, passam através da parede do trato gastrintestinal e,
após acessarem a corrente sanguínea, são depositados nos músculos e em outros tecidos (baço, fígado e trato alimentar) e podem permanecer dormentes.
Em bovinos, a infecção do carbúnculo sintomático é endógena, diferente do edema maligno (p. 656). As lesões desenvolvemse sem qualquer histórico de feridas, embora equimoses ou excesso de exercício precipitem alguns casos.
Comumente, os animais que contraem essa doença são das raças de corte, com excelente saúde, ganho de peso e geralmente são os melhores animais do rebanho. Os surtos se dão com o aparecimento de alguns novos casos a cada dia
durante vários dias. A maioria dos casos é observada em bovinos com 6 a 24 meses de idade, mas pode afetar bezerros tão jovens quanto aqueles com 6 semanas de idade ou animais com 10 a 12 anos. A doença quase sempre ocorre no
verão e no outono, sendo incomum durante o inverno. Em ovinos, a doença não é restrita a animais jovens e na maioria dos casos sucede alguma forma de lesão como cortes na tosquia, corte da cauda, descorna ou castração. A taxa de
mortalidade é de aproximadamente 100%. Na Nova Zelândia onde o carbúnculo sintomático é observado com mais frequência em ovinos do que em bovinos.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Geralmente, o início é súbito e alguns bovinos podem ser encontrados mortos, sem sintomas premonitórios. Claudicação aguda e depressão acentuada são comuns. Inicialmente, há febre, porém, quando os
sinais clínicos se tornam evidentes, a temperatura pode estar normal ou subnormal. As tumefações edematosas e crepitantes características se desenvolvem no quadril, ombro, tórax, dorso, pescoço ou em outra parte. No início, a tumefação
é pequena, quente e dolorida. À medida que a doença progride rapidamente, a região de tumefação aumenta, notase crepitação à palpação e a pele tornase fria e insensível, pois o suprimento sanguíneo diminui neste local. Os sintomas
gerais incluem prostração e tremores. O animal morre em 12 a 48 h. Em alguns bovinos, as lesões se limitam ao miocárdio e ao diafragma.
DIAGNÓSTICO: Um quadro febril e rapidamente fatal em bovinos jovens, bem nutridos, em particular das raças de corte, com tumefações crepitantes em músculos volumosos é sugestivo de carbúnculo sintomático. O músculo afetado
apresenta coloração vermelhoescura a negra, seco e esponjoso; possui odor adocicado e é infiltrado com pequenas bolhas, mas com pouco edema. As lesões podem ser observadas em qualquer músculo, até mesmo na língua ou no
diafragma. Em ovinos, como as lesões de ocorrência espontânea são, muitas vezes, pequenas e profundas, podem passar despercebidas. Ocasionalmente, as alterações teciduais provocadas por C. septicum, C. novyi, C. sordellii e C.
perfringens podem se assemelhar àquelas do carbúnculo sintomático. Às vezes, tanto C. chauvoei quanto C. septicum podem ser isolados a partir das lesões do carbúnculo sintomático, em particular, quando se examina a carcaça = 24 h
após a morte, o que permite um tempo para invasão pósmorte dos tecidos por C. septicum. O diagnóstico é confirmado pela constatação laboratorial de C. chauvoei nos músculos afetados. As amostras de músculo devem ser obtidas o mais
breve possível, após a morte do animal. O teste de imunofluorescência para C. chauvoei é rápido e confiável.
CONTROLE: Uma vacina polivalente contendo C. chauvoei e C. septicum e, em regiões onde há necessidade, antígenos de C. novyi, é segura e confiável tanto para bovinos quanto para ovinos. Os bezerros de 3 a 6 semanas devem ser
vacinados duas vezes, com intervalo de 4 semanas; em regiões de alto risco, a revacinação pode ser necessária após 1 ano (geralmente na primavera ou no início do verão). Quando ocorrem surtos, todos os bovinos suscetíveis devem ser
vacinados e tratados profilaticamente com penicilina (10.000 UI/kg, IM) para evitar novos casos, que podem ocorrer até 14 dias após o surto. Os bovinos devem ser transferidos para pastos não contaminados. Falhas vacinais podem ser
observadas em alguns locais e atribuídas a um espectro deficiente de antígenos presentes na vacina. Nestes casos uma bacterina deve ser produzida com cepas de C. chauvoei do próprio local.
As ovelhas não expostos previamente ao antígeno devem ser vacinadas 1 mês antes do parto e, em seguida, anualmente. Em surtos nos rebanhos de ovelhas, o tratamento profilático com penicilina e a aplicação de antissoro são
recomendados. Os ovinos jovens devem ser vacinados antes do acesso à pastagem. A imunidade dos ovinos jovens é relativamente baixa. As vacinas clostridianas são conhecidas por estimular uma fraca resposta imune em ovinos e
caprinos em relação aos bovinos. As carcaças devem ser cremadas ou enterradas em valas profundas, em região fechada, a fim de limitar a contaminação do solo por esporos.
EDEMA MALIGNO
É uma toxemia aguda, geralmente fatal, que acomete bovinos, equinos, ovinos, caprinos e suínos quase sempre causada por Clostridium septicum, muitas vezes acompanhada de outras espécies de clostrídios. Outros clostrídios podem estar
envolvidos em infecções mistas de feridas, inclusive C. chauvoei, C. perfringens, C. novyi e C. sordellii. Essa doença é cosmopolita.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: C. septicum é encontrado no solo e no conteúdo intestinal de animais em todo o mundo. A infecção geralmente ocorre por meio de contaminação de ferimentos que contenham tecido desvitalizado, terra ou algum
outro debilitante tecidual. Os ferimentos causados por acidente, castração, corte de cauda, vacinação sem condições de higiene e parto podem tornarse infectados. As potentes toxinas clostridiais causam sinais locais e sistêmicos,
geralmente resultando em morte. As exotoxinas locais causam inflamação excessiva, resultando em edema grave, necrose e gangrena. Os fatores de risco incluem injeções IM em equinos, cortes, parto em ovinos, partos traumáticos e
castração em bovinos.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais gerais, como anorexia, intoxicação e febre alta, bem como lesões locais, desenvolvemse em 6 a 48 h após a lesão predisponente. As lesões locais são inchaços macios que deixam marcas quando pressionadas
e se expandem rapidamente em razão da formação de muita quantidade de exsudatos que infiltram o tecido conjuntivo subcutâneo e intramuscular das regiões afetadas. Nessas regiões, os músculos estão marromescuros a negros.
Acúmulos de gases no tecido subcutâneo e ao longo das fáscias musculares podem ou não estar presentes. Em carneiros, desenvolvese edema grave da cabeça após a infecção dos ferimentos infligidos por brigas. O edema maligno
associado a lacerações da vulva no parto é caracterizado por edema acentuado da vulva, toxemia grave e morte em 24 a 48 h.
DIAGNÓSTICO: A semelhança com o carbúnculo sintomático (p. 655) é marcante e a diferenciação feita durante a necropsia não é confiável; a confirmação laboratorial é o único procedimento seguro. Equinos e suínos são suscetíveis ao
edema maligno, mas não ao carbúnculo sintomático. Um importante diagnóstico diferencial nestas espécies é o antraz.
C. septicum também causa braxy em ovinos, uma infecção altamente fatal caracterizada por toxemia e inflamação da parede do abomaso. Essa doença parece ser restrita principalmente a ovinos europeus alimentados com pasto
“congelado”.
O diagnóstico pode ser confirmado rapidamente com base em coloração com anticorpos fluorescentes de C. septicum a partir de um esfregaço tecidual. Entretanto, C. septicum é um invasor pósmorte/postmortem extremamente ativo do
intestino e sua presença em amostra coletada de um animal que esteja morto há = 24 h não é significativa. Um teste PCR pode ser utilizado na identificação direta do clostrídio associado a edema maligno. A presença de equinócitos tipo III
e esferócitos no esfregaço sanguíneo pode ajudar no diagnóstico de anemia hemolítica autoimune associada a infecções por clostrídios em equinos.
CONTROLE: As bacterinas são utilizadas para imunização. Na vacina contra edema maligno e carbúnculo sintomático geralmente combinamse C. septicum e C. chauvoei; está disponível na forma de vacinas com multicomponentes. Em
regiões endêmicas, os animais devem ser vacinados antes da castração, descorna ou corte de cauda. Os bezerros devem ser vacinados com cerca de 2 meses de idade. Duas doses com intervalo de 2 a 3 semanas quase sempre propiciam
proteção. Em regiões de alto risco, indicase a vacinação anual, bem como a revacinação após traumatismo grave.
O tratamento com altas doses de penicilina ou antibióticos de amplo espectro é indicado no início da doença. Embora a injeção de penicilina diretamente na periferia da lesão possa minimizar seu alastramento, quase sempre os tecidos
afetados continuam a se desprender. A terapia de suporte com flumixina meglumina (AINE) para bovinos e equinos é recomendada. O tratamento local inclui incisão cirúrgica da pele e fáscia para permitir a drenagem.
ENTEROTOXEMIAS
(Infecção por Clostridium Perfringens)
Enterotoxemia Causada por Clostridium perfringens Tipo A
As cepas tipo A de C. perfringens são comumente encontradas como parte da flora intestinal normal de animais e carecem de algumas das potentes toxinas produzidas pelas cepas de outros tipos para causar doença. C.
perfringens enterotoxigênico (CPE) é o principal patógeno envolvido em doenças de origem alimentar causadas por C. perfringens e está relacionado com doenças diarreicas não associadas a alimentos, em diferentes animais. Entretanto,
produzem a toxina A, que é necrosante e letal, e são considerados agentes de enterite necrótica em aves domésticas (p. 2909) e cães, colite em equinos e diarreia em suínos. C. perfringens tipo A está claramente envolvido na diarreia
hemorrágica de cães e está associado à diarreia nosocomial e diarreia aguda e crônica adquirida em cães. A doença é caracterizada por enterite necrótica, na qual há destruição maciça das vilosidades e necrose de coagulação do intestino
delgado. Tipicamente, quantidades abundantes de grandes bacilos Grampositivos são visíveis em esfregaços de fezes e vários C. perfringens tipo A são isolados em cultura anaeróbica de fezes de cães com diarreia aguda. Exames de fezes
não são úteis na determinação da causa da diarreia devido a um elevado número de resultados falsopositivos. Um teste de ELISA para a toxina de CPE em cães é muito específico. Teste PCR, para detectar a expressão do gene CPE em
cães, está em fase de avaliação. Cepas do Tipo A oriundas de suínos com diarreia produziram enterotoxina in vitro; anticorpos antienterotoxina indicam que esta enterotoxina é produzida in vivo. A enterotoxina também é encontrada em
fezes de suínos com diarreia, mas não em fezes de animais saudáveis. Embora estudos recentes tenham revelado que C. perfringens isolado de suínos com diarreia não é enterotoxigênico e que produz a citotoxina β2, a qual pode estar
envolvida no mecanismo da enfermidade. Doenças experimentais são produzidas em suínos mediante inoculação oral de C. perfringens tipo A.
Enterotoxemia Causada por Clostridium perfringens Tipos B e C
A infecção por C. perfringens tipos B e C causa enterite grave, disenteria, toxemia e alta mortalidade em cordeiros, bezerros, suínos e potros jovens (Tabela 3). Os tipos B e C produzem a toxina β letal e altamente necrosante, que é
responsável por graves danos ao intestino. Essa toxina é sensível a enzimas proteolíticas e as doenças estão associadas à inibição de proteólise no intestino. Sugerese que o colostro de porcas, o qual contém um inibidor da tripsina, é um
fator de aumento da suscetibilidade de suínos jovens. O tipo C também provoca enterotoxemia em bovinos, ovinos e caprinos adultos.
ACHADOS CLÍNICOS: A disenteria dos cordeiros é uma doença aguda que afeta aqueles < 3 semanas de idade. Vários animais podem morrer antes que se observem sinais, mas alguns recémnascidos param de mamar, ficam apáticos e
permanecem deitados. É comum ocorrer diarreia fétida e tingida de sangue e a morte acontece, em geral, dentro de poucos dias. Em bezerros, há diarreia aguda, disenteria, dor abdominal, convulsões e opistótono. Morte pode ocorrer em
algumas horas, mas casos menos graves sobrevivem por alguns dias, e a recuperação no decurso de vários dias é possível. Os suínos ficam agudamente doentes poucos dias após o nascimento e ocorrem diarreia, disenteria, hiperemia anal e
alta taxa de mortalidade; a maioria dos leitões afetados morre dentro de 12 h. Em potros, há disenteria aguda, toxemia e morte rápida. O ataque em ovinos adultos caracterizase por morte sem sinais premonitórios.
Lesões: A enterite hemorrágica com ulceração da mucosa é a principal lesão em todas as espécies. Macroscopicamente, a porção afetada do intestino é roxoazulada e, à primeira vista, parece ser um infarto associado à torção mesentérica.
Esfregaços dos conteúdos intestinais podem ser examinados quanto à presença de bastonetes Grampositivos. Filtrados para detecção da toxina e subsequente identificação por meio da neutralização com antissoro específico também são
recomendados.
TRATAMENTO E CONTROLE: O tratamento geralmente é ineficaz em decorrência da gravidade da doença, mas se disponível, indicase soro hiperimune específico, e a administração oral de antibióticos pode ser útil. A doença é mais bem
controlada pela vacinação da fêmea prenhe durante o último trimestre de gestação: inicialmente, 2 vacinações com intervalo de 1 mês e, depois, anualmente. Nos casos de surtos em animais recémnascidos de fêmeas não vacinadas, devese
administrar o antissoro imediatamente após o nascimento.
Tabela 3 – Enterotoxemia causada por Clostridium perfringens Tipos B e C
Enterotoxemia Tipo D (Doença do rim pulposo, Doença da superalimentação)
Essa enterotoxemia clássica de ovinos é observada com menos frequência em caprinos e raramente em bovinos. A distribuição é mundial e pode acometer animais de todas as idades. É mais comum em cordeiros tanto < 2 semanas de idade
quanto recémdesmamados em rebanhos de engorda com dieta rica em carboidratos ou, menos frequente, com pastagem de capim viçoso. Há suspeitas da doença em bezerros de corte bem nutridos que estejam mamando em vacas de alta
produção, que se alimentam de boa pastagem e na síndrome da morte súbita em bovinos de engorda; contudo, falta evidência laboratorial comprovando a última suspeita.
ETIOLOGIA: O agente causador é C. perfringens tipo D. No entanto, fatores predisponentes são essenciais; o mais comum desses é a ingestão de quantidades excessivas de alimento ou leite em cordeiros muito jovens e de grãos nos de
rebanhos de engorda. Em cordeiros jovens, a doença quase sempre é restrita a cordeiros únicos, pois raramente uma ovelha com gêmeos fornece leite suficiente para possibilitar o desenvolvimento de enterotoxemia. No rebanho de engorda,
a doença em geral é observada em cordeiros que mudaram rapidamente para dietas ricas em grãos. À medida que o consumo de amido aumenta, propicia um meio adequado para o crescimento da bactéria causadora, a qual produz a toxina
β. O principal efeito da toxina é causar dano vascular, particularmente de capilares no cérebro. Vários ovinos carreiam cepas de C. perfringens tipo D como parte da flora normal do intestino e atuam como fonte de microrganismos para
infectar recémnascidos. A maioria dos portadores tem títulos de antitoxina não vacinal.
ACHADOS CLÍNICOS: Geralmente, mortes súbitas em cordeiros em melhores condições físicas são as primeiras indicações de enterotoxemia. Em alguns casos, excitação, incoordenação e convulsões ocorrem antes da morte. Opistótono,
andar em círculos e investir a cabeça contra objetos fixos são sinais comuns de envolvimento do sistema nervoso central; observase quase sempre hiperglicemia ou glicosúria. A diarreia pode ou não se desenvolver. Ocasionalmente, ovinos
adultos são afetados; eles apresentam fraqueza, incoordenação, convulsões e morrem dentro de 24 h. Em caprinos, o curso da doença varia de hiperagudo a crônico, com que vão de morte súbita a diarreia aquosa com ou sem sangue. Os
bezerros agudamente afetados, que não morreram, exibem manias, convulsões, cegueira e morte em poucas horas. Os bezerros afetados de forma subaguda ficam letárgicos por alguns dias e podem se recuperar. Em caprinos são observados
diarreia e sinais nervosos, ocorrendo morte em algumas semanas. Às vezes, a enterotoxemia tipo D é verificada em equinos jovens que comem em demasia.
Lesões: A necropsia pode revelar apenas algumas regiões hiperêmicas no intestino e um saco pericárdico preenchido com fluido. Esse é particularmente o caso dos cordeiros jovens. Em animais idosos, podemse encontrar regiões
hemorrágicas no miocárdio, bem como petéquias e equimoses nos músculos abdominais e serosa do intestino. Com frequência, ocorrem edema pulmonar bilateral e congestão, mas habitualmente não em cordeiros jovens. O rúmen e o
abomaso contêm abundância de alimento e notase no íleo, quase sempre, alimento não digerido. Edema e malacia podem ser observados microscopicamente nos gânglios basais e no cerebelo de cordeiros. A rápida autólise pósmorte dos
rins resulta no nome popular de doença do rim pulposo; contudo, não se nota rim pulposo em cordeiros jovens afetados e raramente é observado em caprinos ou bovinos afetados. Enterocolite necrótica ou hemorragia pode ser verificada em
caprinos.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico presuntivo de enterotoxemia baseiase na constatação de convulsões e morte súbita em cordeiros alimentados com alto teor de carboidratos. Os esfregaços do conteúdo intestinal revelam vários bastonetes
Grampositivos grossos e curtos. A confirmação requer demonstração da toxina β no fluido do intestino delgado. Algumas horas após a morte devese coletar, assepticamente, fluido e ingesta em um recipiente e enviá–lo sob refrigeração a
um laboratório para identificação da toxina. A adição de 1 gota de clorofórmio para cada 10 ml de fluido intestinal estabiliza qualquer toxina presente. Embora se tenham desenvolvido testes imunológicos para substituir o tradicional teste
em camundongos para a detecção da toxina, eles são menos sensíveis que este. O protocolo de PCR para detecção do gene da toxina β é eficaz na identificação de isolados, como o tipo B ou D.
CONTROLE: O método de controle depende da idade dos cordeiros, da frequência com que a doença aparece em uma propriedade e do manejo na criação. Caso a doença ocorra, de forma constante, em cordeiros jovens de uma propriedade,
a imunização das ovelhas provavelmente será o método de controle mais satisfatório. As fêmeas reprodutoras devem receber duas injeções do toxoide tipo D em seu primeiro ano e 1 injeção 4 a 6 semanas antes do parto e a cada ano depois
disso.
O controle da enterotoxemia nos cordeiros de engorda pode ser feito pela redução da quantidade de concentrado na dieta. No entanto, isso pode não ser econômico, embora, nesse caso, a imunização de todos os cordeiros com toxoide
quando entram pela primeira vez no rebanho provavelmente reduzirá as perdas a um nível aceitável. Duas injeções, com intervalo de 2 semanas, protegerão os cordeiros durante todo o período de engorda. Quando se utilizam bacterinas ou
toxoides precipitados em alumínio, a injeção deve ser administrada em um local em que os abscessos frios, os quais comumente se desenvolvem no local da injeção, possam ser removidos com facilidade durante o tratamento normal e não
danifiquem a carcaça.
HEMOGLOBINÚRIA BACILAR (Red Water Disease)
A hemoglobinúria bacilar é uma doença toxêmica, aguda e infecciosa causada por Clostridium haemolyticum (C. novyi tipo D). Afeta principalmente bovinos, mas também tem sido encontrada em ovinos e raramente em cães. Ocorre na
parte oriental dos EUA, ao longo do Golfo do México, na América do Sul, na GrãBretanha, Oriente Médio, Índia e em outras partes do mundo.
ETIOLOGIA: C. haemolyticum é um microrganismo originário do solo que pode ser encontrado naturalmente no trato gastrintestinal de alguns bovinos. Pode sobreviver por longos períodos no solo contaminado ou em ossos oriundos de
carcaças de animais infectados. Após a ingestão, os esporos latentes se alojam no fígado. O período de incubação é extremamente variável e o início depende de um local de anaerobiose no fígado. O estímulo à germinação geralmente é a
infecção por trematódeo. Com menos frequência se deve ao elevado teor de nitrato na dieta, perfuração acidental do fígado, biopsia hepática ou qualquer outra causa de necrose localizada. Quando as condições de anaerobiose são
favoráveis, os esporos germinam e resultam na multiplicação das células vegetativas e produção de toxina (fosfolipase C), a qual provoca hemólise intravascular e suas sequelas, inclusive anemia hemolítica e hemoglobinúria.
ACHADOS CLÍNICOS: Os bovinos podem ser encontrados mortos sem sinais aparentes. Em geral, há início súbito de depressão grave, febre, dor abdominal, dispneia, disenteria e hemoglobinúria. Há anemia e icterícia em vários graus. Edema
de peito pode ocorrer. Os níveis de hemoglobina (Hb) e hemácias são muito baixos. A duração dos sinais clínicos varia de cerca de 12 h em vacas prenhes a cerca de 3 a 4 dias nos demais bovinos. A mortalidade em animais não tratados é
de cerca de 95%. Alguns bovinos sofrem de ataques subclínicos da doença e consequentemente desempenham o papel de portadores imunes.
Lesões: Manifestamse desidratação, anemia e, às vezes, edema subcutâneo. Há fluido sanguinolento nas cavidades torácica e abdominal. Os pulmões não são grosseiramente afetados e a traqueia contém espuma sanguinolenta com
hemorragias na mucosa. O intestino delgado e, ocasionalmente, o intestino grosso apresentamse hemorrágicos; seu conteúdo quase sempre possui sangue livre ou coagulado. Um infarto isquêmico no fígado é característico, este órgão
permanece ligeiramente elevado, com coloração mais clara do que o tecido circundante, além de apresentarse delimitado por uma zona de congestão vermelhoazulada. Os rins tornamse escuros, friáveis e, em geral, salpicados de
petéquias. A bexiga contém urina vermelhopúrpura. Após o óbito, o rigor mortis se inicia mais rapidamente do que o usual.
DIAGNÓSTICO: O quadro clínico geral e os achados pósmorte comumente possibilitam um diagnóstico. O sinal mais notável é a coloração típica da urina, que lembra aquela de vinho do Porto, e a formação de espuma livre durante a
micção ou após agitação. O infarto hepático típico é suficiente para o diagnóstico presuntivo. O tamanho e a consistência normais do baço atuam para excluir carbúnculo e anaplasmose. Intoxicação por samambaiademetro e leptospirose
também devem ser considerados. O diagnóstico pode ser confirmado pelo isolamento de C. haemolyticum a partir do infarto hepático, mas a cultura do microrganismo é difícil. O diagnóstico rápido e preciso pode ser realizado pela
demonstração do microrganismo no tecido hepático por meio de teste anticorpo fluorescente ou de imunohistoquímica ou, ainda, pela detecção da toxina no fluido da cavidade peritoneal ou em extrato de salina do órgão infartado.
CONTROLE: O tratamento inicial com penicilina ou tetraciclina em altas doses é essencial. Transfusões de sangue total e fluidoterapia também são úteis. Bacterina de C. haemolyticum preparada a partir de culturas completas confere
imunidade por cerca de 6 meses. Nos locais em que a doença é sazonal, uma dose présazonal é geralmente suficiente; onde a doença ocorre ao longo do ano, é necessária a vacinação semianual. Os bovinos que estiverem em contato com
animais de regiões endêmicas devem ser vacinados, já que estes podem ser portadores.
HEPATITE NECROSANTE INFECCIOSA (Infecção por Clostridium novyi, Doença Negra)
É uma doença infecciosa aguda que acomete ovinos e, às vezes, bovinos; raramente afeta suínos e equinos.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: O agente etiológico, Clostridium novyi tipo B, é proveniente do solo e quase sempre presente nos intestinos e no fígado de herbívoros; pode estar presente nas superfícies da pele, sendo fonte potente de infecções
por ferimentos. A mais importante fonte de infecção é a contaminação do pasto por fezes de animais portadores. O microrganismo se multiplica em regiões de necrose hepática, ocasionada pela migração dos trematódeos hepáticos, e produz
uma potente toxina necrosante (toxina a). A doença possui distribuição mundial, onde quer que trematódeos hepáticos e ovinos sejam encontrados.
Suspeitase que C. novy seja a causa da morte súbita em bovinos e suínos alimentados com dietas de alto teor de grãos e nos quais lesões hepáticas preexistentes não foram detectadas. As toxinas letais e necrosantes danificam o
parênquima hepático, permitindo, assim, que a bactéria se multiplique e produza uma quantidade letal de toxina.
ACHADOS CLÍNICOS: Frequentemente, ocorre morte súbita sem sinais bem definidos. Os animais afetados geralmente possuem de 2 a 4 anos e tendem a ficar atrás do rebanho, assumem um decúbito esternal e morrem em poucas horas. A
maioria dos casos ocorre no verão e no início do outono quando há o pico da infecção por trematódeos hepáticos. A doença é mais prevalente em ovinos adultos bem nutridos e limitada em animais infectados com trematódeos hepáticos. A
diferenciação da fasciolose aguda pode ser difícil, porém mortes hiperagudas de animais que exibem lesões típicas à necropsia devem incitar suspeita de hepatite necrótica infecciosa.
Lesões: As lesões macroscópicas mais características são focos necróticos amarelo–acinzentados no fígado que quase sempre seguem as trilhas migratórias dos trematódeos jovens. Histologicamente, as lesões do fígado incluem inflamação
eosinofílica central (indução parasitária) circundada por necrose coagulativa com uma borda externa de neutrófilos. A lesão apresenta microrganismos em forma de bastonete Grampositivos. Outros achados comuns incluem aumento do
saco pericárdico preenchido com fluido cor de palha e excesso de fluido nas cavidades peritoneal e torácica. Em geral, há ruptura extensa dos capilares no tecido subcutâneo, o que faz com que a pele adjacente tornese enegrecida (daí o
nome comum de doença negra).
CONTROLE: Podese reduzir a prevalência da doença diminuindose a quantidade de caramujos, geralmente Lymnaea spp, que atuam como hospedeiros intermediários dos trematódeos hepáticos ou reduzindo a infecção de trematódeos nos
ovinos. No entanto, esses procedimentos não são sempre praticados e a imunização ativa com toxoide contra C. novyi é mais eficaz. A vacinação propicia imunidade de longa duração. Depois disso, apenas novos animais introduzidos ao
rebanho (cordeiros e ovinos trazidos de outras regiões) precisam ser vacinados. Este procedimento é mais indicado antes do final do verão. A contaminação da pastagem pode ser minimizada descartando adequadamente os cadáveres
(incineração).
INFECÇÕES POR CLOSTRIDIUM DIFFICILE E C. PERFRINGENS
Clostridium difficile é um bastonete Grampositivo grande, anaeróbio, formador de esporos e móvel, sendo a principal causa de colite relacionada com o uso de antibióticos em pessoas. C. difficile está associado à diarreia e doenças de
desenvolvimento espontâneas em uma variedade de espécies, inclusive equinos, suínos, bovinos, cães, gatos, hamsters, porquinhosdaíndia, ratos e coelhos. C. difficile produz toxinas A, B e/ou a toxina binária CDT no intestino. A toxina
A é uma enterotoxina que causa hipersecreção de fluido no lúmen intestinal; também causa lesões teciduais. A toxina B é uma potente citotoxina que induz inflamação e necrose. O mecanismo de ação da CDT não é conhecido. A alteração
da flora do cólon, com a presença de cepas toxigênicas de C. difficile que se multiplicam excessivamente no intestino, é prérequisito para a enfermidade. Os testes diagnósticos para toxina de C. difficile incluem teste de citotoxicidade e
prova de ELISA em amostras fezes, cultura em anaerobiose e PCR para diferenciar cepas toxigênicas daquelas não toxigênicas. C. perfringens está amplamente distribuído no solo e no trato gastrintestinal dos animais, sendo caracterizado
pela habilidade de produzir potentes exotoxinas, algumas delas responsáveis por enterotoxemias específicas. Cinco tipos de toxinas (A, B, C, D e E) foram identificadas e produzem uma ou mais das quatro toxinas (alfa, beta, epsilon e
iota). C. perfringens tipo A é o mais comum, possuindo a cepa mais variável em relação às propriedades toxigênicas. A produção da toxina alfa está associada à gangrena gasosa, infecções traumáticas, enterite necrótica canina e aviária,
colite em equinos e diarreia em suínos. C. perfringens tipos B e C causam enterite grave, disenteria, toxemia e alta taxa de mortalidade em cordeiros jovens, bezerros, suínos e potros (toxina beta). Já o tipo C causa enterotoxemia em
bovinos adultos, ovinos e caprinos. As enfermidades listadas a seguir estão classificadas segundo a causa e o hospedeiro.
Clostridium difficile em Bezerros
Clostridium difficile foi identificado como causa potencial de diarreia em bezerros jovens. Não foi possível reproduzir a doença em bezerros neonatos privados de colostro, com esporos ou células vegetativas.
Clostridium difficile em Cães
Clostridium difficile não foi considerado como patógeno primário em cães. Entretanto, cepas toxigênicas são frequentemente isoladas de suabe retal de cães que visitam pacientes humanos em hospitais. O teste ELISA humano para toxinas
de C. difficile não é tão eficaz para cães com diarreia e possui pouca sensibilidade e especificidade. Aproximadamente 10% dos cães assintomáticos liberam C. difficile toxigênico nas fezes.
Clostridium difficile em Suínos
Clostridium difficile surgiu recentemente como importante causa de diarreia em suínos neonatos. Em alguns estudos, foi identificado como o segundo mais frequente causador de diarreia em suínos com 1 a 7 dias de idade. O edema do
mesocólon é um aspecto característico da doença observado em quase todos os suínos afetados, porém essa lesão não é patognomônica. O diagnóstico depende da detecção das toxinas como foi descrito para a doença em equinos. Suínos,
equinos, bovinos e cães nos quais se isolou C. difficile podem apresentar um perfil de sensibilidade antimicrobiana que se sobrepõe aquele de isolados de pacientes humanos, aumentando a possibilidade de transmissão interespécies do
patógeno. Esporos dormentes de C. difficile podem ser encontrados na carne de suínos e bovinos. Alguns ribotipos isolados foram similares ou idênticos a cepas patogênicas de humanos.
Clostridium perfringens em Bovinos Adultos
Nos últimos anos, hemorragia intestinal ou síndrome hemorrágica jejunal emergem esporadicamente e individualmente em vacas leiteiras de alta produção em início de lactação. Enquanto nenhuma etiologia específica for estabelecida,
assumese que o C. perfringens tipo A está envolvido, pois inúmeros clostrídios podem ocorrer nestes casos. O curso clínico é hiperagudo e o paciente apresenta anorexia, cólica, redução na produção do leite, hemorragia intestinal e morte
súbita, apesar da terapia de apoio agressiva e do tratamento cirúrgico. Achados macroscópicos pósmorte incluem hemorragia intensa e necrose intestinal. A prevenção consiste em melhorar a dieta e evitar mudanças repentinas de
alimentação. As vacinas autógenas em rebanhos infectados foram testadas com pouco sucesso.
Enterocolites Associadas a Clostrídio em Equinos
C. difficile e C. perfringens têm sido implicados como causas de doenças agudas e esporádicas em equinos, caracterizadas por diarreia e cólica. Como a etiologia é incerta, a condição também tem sido referida como colite idiopática, mas
atualmente há boas evidências de que esses microrganismos sejam os responsáveis pelas enterocolites em equinos, em 20 a 30% dos casos de diarreia aguda (ver p. 305).
ETIOLOGIA: C. difficile e C. perfringens são observados em baixas concentrações nas fezes de equinos saudáveis. Ambos os microrganismos podem estar no solo ou no ambiente e ser ingeridos pelos equinos. Os fatores que desencadeiam a
doença não estão bem esclarecidos, mas supõese que alguma alteração na flora normal permita a multiplicação excessiva da bactéria, a qual produz toxinas capazes de causar danos intestinais e efeitos sistêmicos.
Os fatores predisponentes sugeridos incluem mudança da dieta e terapia antimicrobiana. Outros fatores relacionados com o hospedeiro que podem determinar se a doença se desenvolve são: idade, imunidade e presença ou ausência de
receptores intestinais para as toxinas do clostrídio. A terapia antimicrobiana recente é uma característica comum do histórico de equinos com diarreia induzida por C. difficile. Alguns antibióticos, particularmente os macrolídeos e
especialmente eritromicina, betalactâmicos e trimetoprimasulfonamida, são mais prováveis que outros de estarem associados à colite por C. difficile. Éguas com potros que estão sendo tratadas com etilsuccinato de eritromicina parecem ser
de alto risco. A eliminação de forragem da dieta, antes da cirurgia, também é relatada como predisponente à colite por C. difficile. Diarreia aguda foi reproduzida em potros neonatos saudáveis, utilizando esporos e células vegetativas de C.
difficile. Enterite aguda anterior (jejunite duodenites, p. 305) também está associada a C. difficile em estudos de casos controle.
C. perfringens tipo A é causa de diarreia devido à produção de uma enterotoxina (enterotoxina do Clostridium perfringens [CPE]), a qual é liberada durante a esporulação e estimula as células epiteliais do intestino a secretar excesso de
fluido no lúmen. Uma nova toxina necrosante, denominada β2, produzida por algumas cepas de C. perfringens, foi há pouco tempo associada estreitamente à colite em equinos.
ACHADOS CLÍNICOS: Potros e equinos adultos podem ser afetados. Caracteristicamente, há sinais de dor abdominal e diarreia com ou sem sangue. Pode haver distensão abdominal, especialmente em casos de diarreia induzida por C.
difficile. Pode ocorrer desidratação, toxemia e choque; a taxa de mortalidade é variável. Um ou vários animais de uma mesma fazenda podem ser afetados.
Lesões: A lesão característica é enterocolite necrosante. Há importante perda de células epiteliais da mucosa cecal e do cólon, colite e tiflite hemorrágicas e trombose nos capilares da mucosa intestinal.
DIAGNÓSTICO: As características clínicas da doença são similares às da salmonelose aguda (p. 311), febre do cavalo Potomac (p. 310) ou erliquiose monocítica. A identificação de C. perfringens como causa de diarreia em equinos depende
da detecção da enterotoxina ou do gene para CPE nas fezes ou no fluido intestinal, além da ausência de outros agentes provavelmente etiológicos. A maioria das cepas de C. perfringens encontradas no intestino de equinos não tem o gene
para CPE. A demonstração de inúmeros esporos bacterianos ou a alta concentração de C. perfringens nas fezes também ajuda no diagnóstico. Sugerese o diagnóstico de diarreia por C. difficile pelo histórico de tratamento recente com
antibióticos, sendo confirmado pela presença de C. difficile e toxinas A e/ou B em amostras de fezes frescas ou congeladas encaminhadas ao laboratório, utilizando teste ELISA humano validado para equinos, com boa sensibilidade e
especificidade. A toxina pode ser identificada por ribotipagem em PCR.
CONTROLE: Medidas devem ser tomadas para reduzir o risco de infecções por C. difficile em equinos. Procedimentos apropriados de isolamento e controle de doenças infecciosas devem ser aplicados em animais de alto risco que recebem
antibióticos. As fontes de esporos de C. difficile podem ser controladas mediante desinfecção da superfície com produto esporicida e a disseminação pode ser reduzida lavandose as mãos e isolandose potros e equinos infectados. Não há
medidas de controle para prevenção de diarreia induzida por C. perfringens. Recomendase metronidazol (15 mg/kg, VO, 3 vezes/dia) para o tratamento de quaisquer dessas infecções por clostrídios. O metronidazol pode ser teratogênico,
por isso não devem ser administrados às éguas prenhes.
TÉTANO (Trismo Maxilar)
No tétano, a toxemia é causada por uma neurotoxina específica produzida por Clostridium tetani no tecido necrótico. Quase todos os mamíferos são suscetíveis a essa doença, embora os cães sejam relativamente resistentes e os gatos
pareçam muito mais resistentes que qualquer outro mamífero doméstico ou de laboratório. As aves são muito resistentes; a dose letal para pombos e galinhas é 10.000 a 300.000 vezes maior (com base no peso corporal) do que para os
equinos. Estes são os mais sensíveis de todas as espécies, com a possível exceção do ser humano. Posto que o tétano é cosmopolita em sua distribuição, há algumas regiões, como a parte setentrional das Montanhas Rochosas nos EUA, nas
quais esse agente é raramente encontrado no solo e o tétano é praticamente desconhecido. Em geral, a ocorrência de C. tetani no solo e a prevalência de tétano no homem e nos equinos são mais altas nas regiões quentes dos vários
continentes.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: C. tetani, um anaeróbio com esporos terminais e esféricos, encontrado no solo e no trato intestinal. Na maioria dos casos, é introduzido nos tecidos através de ferimentos, particularmente nos profundos por
perfuração, que propiciam um ambiente anaeróbio adequado. Entretanto, em ovinos, e às vezes em outras espécies, quase sempre ocorre após o corte da cauda ou a castração. Em alguns casos, não é possível visualizar o ponto de entrada, já
que o próprio ferimento pode ser pequeno ou estar cicatrizado.
Os esporos de C. tetani são incapazes de crescer em tecido normal ou mesmo em ferimentos se o tecido permanecer no potencial de oxidorredução do sangue circulante. As condições adequadas para a multiplicação se dão quando uma
pequena quantidade de terra ou um corpo estranho causa necrose tecidual. A bactéria permanece localizada no tecido necrótico no local original da infecção e se multiplica. À medida que as células bacterianas sofrem autólise, a potente
neurotoxina é liberada. A neurotoxina é uma protease que se liga ao zinco, a qual cliva a transmissão sináptica, uma vesícula associada à membrana proteica. Geralmente, os nervos motores absorvem a toxina na região e a deixam passar
pelo trato nervoso da medula espinal, onde causa tétano ascendente.
A toxina acarreta contrações tônicas e espasmódicas dos músculos voluntários por meio da interferência na liberação de neurotransmissores provenientes das terminações do nervo présináptico. Caso mais toxina seja liberada no local da
infecção do que os nervos circundantes possam absorver, a toxina é levada pela linfa para a corrente sanguínea e consequentemente para o SNC, onde ocasiona tétano descendente. Mesmo uma pequena estimulação do animal afetado pode
provocar os espasmos musculares característicos. Os espasmos podem ser tão graves a ponto de causar fraturas ósseas. Afetam a laringe, o diafragma e os músculos intercostais resultando em insuficiência respiratória. O envolvimento do
sistema nervoso autônomo resulta em arritmias cardíacas, taquicardia e hipertensão.
ACHADOS CLÍNICOS: O período de incubação varia de uma a algumas semanas, mas a média, em geral, é de 10 a 14 dias. Observase inicialmente rigidez localizada, envolvendo os músculos masseter e do pescoço, os membros posteriores e
a região do ferimento infectado; a rigidez geral se torna pronunciada cerca de 1 dia depois e espasmos tônicos e hiperestesia tornamse evidentes. Devido a sua alta resistência à toxina tetânica, cães e gatos muitas vezes possuem longo
período de incubação e frequentemente desenvolvem tétano localizado. Nessas espécies também ocorre tétano generalizado.
Os reflexos aumentam em intensidade e o animal se excita facilmente em espasmos gerais e mais violentos por meio de um movimento súbito ou um ruído. Os espasmos dos músculos da cabeça causam dificuldade na apreensão e na
mastigação do alimento, daí a denominação comum de mandíbula travada. Em equinos, as orelhas ficam eretas, a cauda rígida e estendida, as narinas dilatadas e a terceira pálpebra prolapsada. Andar, fazer curvas e recuar são atitudes
difíceis. Os espasmos dos músculos do pescoço e do dorso causam extensão da cabeça e do pescoço, enquanto a rigidez dos músculos dos membros faz com que o animal assuma uma postura em “cavalete”. Sudorese é comum. Os
espasmos gerais alteram a circulação e a respiração, o que resulta em aumento da frequência cardíaca, respiração rápida e congestão das membranas mucosas. Ovinos, caprinos e suínos frequentemente caem no solo e apresentam opistótono
quando assustados. A consciência não é afetada. Em cães e gatos, o tétano localizado, habitualmente manifestase como rigidez em um membro com uma ferida. A rigidez progride para envolver o membro oposto e pode avançar
anteriormente. A aparência no tétano generalizado é similar à descrita para equinos, exceto que a boca permanece parcialmente aberta com os lábios retraídos (como é visto em humanos).
Em geral, a temperatura permanece ligeiramente acima do normal, mas pode chegar a 42 a 43°C, culminando em uma crise fatal. Em episódios leves, o pulso e a temperatura continuam próximos do normal. A taxa de mortalidade é cerca
de 80%. Em animais que se recuperam, o período de convalescença é de 2 a 6 semanas; a imunidade protetora comumente não se desenvolve após a recuperação.
DIAGNÓSTICO: Os sinais clínicos e o histórico de traumatismo recente são, em geral, adequados para um diagnóstico de tétano. A confirmação do diagnóstico é possível pela comprovação da toxina tetânica no soro do animal afetado. Nos
casos em que a ferida é aparente, podese tentar a identificação da bactéria em esfregaços corados pelo Gram e em cultura em meios anaeróbicos.
TRATAMENTO E CONTROLE: Quando administrados nos estágios iniciais da doença, agentes curariformes, tranquilizantes ou sedativos barbitúricos, juntamente com 300.000 UI de antitoxina tetânica 2 vezes/dia, são efetivos no tratamento
de equinos. Têmse obtido bons resultados em equinos com a injeção de 50.000 UI de antitoxina tetânica diretamente no espaço subaracnóideo, através da cisterna magna. Tal terapia deve ser mantida por drenagem e limpeza dos ferimentos
e a administração de penicilina ou antibióticos de amplo espectro. Boa assistência é inestimável durante o período agudo de espasmos. O equino deve ser colocado em uma baia escura e sem barulho, com recipientes para alimento e água
altos o suficiente para permitir seu uso sem abaixar a cabeça. Cintas suspensoras podem ser úteis para equinos com dificuldade para ficar em pé ou se levantar.
A mesma abordagem descrita para equinos é utilizada para cães e gatos, salvo que se deve ter cuidado na administração por via intravenosa da antitoxina, pois a toxina equina pode induzir anafilaxia. Em um estudo, a antitoxina foi
fornecida a cães com tétano apenas após o teste intradérmico para detectar reações de hipersensibilidade. Além disso, todos os cães receberam penicilina IV e alguns também receberam metronidazol VO. A combinação de clorpromazina,
fenobarbital ou diazepan pode ser utilizada para reduzir reações de hiperestesia e convulsões.
A imunidade ativa pode ser ativada com o toxoide tetânico, quando administradas nos estágios iniciais da doença. Caso ocorra um ferimento perigoso após a imunização, devese administrar outra injeção de toxoide para elevar o
anticorpo circulante. Em situações em que o animal não foi imunizado previamente, devese tratálo com 1.500 a 3.000 UI ou mais de antitoxina tetânica, a qual geralmente propicia proteção passiva por até 2 semanas. A administração do
toxoide deve ser feita simultaneamente com a antitoxina e repetida em 30 dias. Injeções de reforço anual são recomendáveis, em humanos o toxoide é administrado a cada 10 anos. As éguas devem ser vacinadas durante as últimas 6
semanas de gestação e os potros, nas 5 a 8 semanas de idade. Nas regiões de alto risco, podese administrar a antitoxina tetânica em potros imediatamente após o nascimento e a cada 2 a 3 semanas até estarem com 3 meses de idade,
momento em que podem receber o toxoide. A decisão de vacinar cordeiros ou bezerros depende da prevalência da doença na região.
Todos os procedimentos cirúrgicos devem ser conduzidos com as melhores técnicas possíveis. Após a cirurgia, os animais devem ser transferidos para solo limpo, de preferência pastagens com grama. Apenas desinfetantes oxidantes
como iodo ou cloro eliminam seguramente os esporos.
VACINAS CONTRA CLOSTRÍDIOS
A vacinação é praticada com frequência para proteção de animais contra as clostridioses. Uma ampla variedade de vacinas está disponível no mercado, individuais ou em combinações que consistem de bacterinas, toxoides ou misturas de
bacterinas e toxoides. A vacinação apenas com vários tipos de clostrídios não propicia adequado grau de imunidade; devese aplicar dose de reforço após 3 a 6 semanas. A vacinação de animais jovens não induz proteção imunológica
adequada até pelo menos 1 a 2 meses de idade. Portanto, várias estratégias de vacinação para fêmeas prenhes levam a imunidade máxima ao neonato pela transferência dos anticorpos pelo colostro. Muitas vacinas comerciais são inativadas
e geralmente contém 2, 4, 7 ou 8 combinações de clostrídios/toxoides. As aplicações devem ser realizadas de forma que a proteção máxima ocorra na idade mais suscetível.
O toxoide tetânico é comumente utilizado como única vacina em equinos, mas quase sempre em combinação em ovinos, caprinos e bovinos. Em ovinos e caprinos, uma combinação comum é aquele de toxoide tetânico
com Clostridium perfringens tipos C e D. Em bovinos, uma combinação habitualmente utilizada nos rebanhos é a vacina quádrupla, que consiste em culturas mortas de C. chouvoei, C. septicum, C. novyi e C. sordellii, para proteger contra
carbúnculo sintomático e edema maligno. Uma vacina contra clostrídios mais complexa que contém C. perfringens tipos C e D, além dos componentes da vacina quadrupla, também pode ser utilizada para proteger os bovinos contra
enterotoxemias. A adição de C. haemolyticum aumenta a proteção, pois evita a hepatite necrótica infecciosa. As vacinas clostridianas, em geral, causam reação e tumefação nos tecidos; portanto, em bovinos devem ser administradas na
região do pescoço, por via SC em vez de via IM.
DOENÇA EXSUDATIVA (Sweating Sickness)
A doença exsudativa é uma intoxicação aguda febril, veiculada por carrapatos, caracterizada principalmente por eczema úmido e profuso e hiperemia da pele e das membranas mucosas visíveis. É essencialmente uma doença de
bezerros jovens, embora adultos também sejam suscetíveis. Foram infectados experimentalmente ovinos, suínos, caprinos e um cão. Essa doença ocorre nas regiões oriental, central e meridional da África e, provavelmente, no Sri Lanka e
no sul da Índia.
ETIOLOGIA: A causa é uma toxina epiteliotrópica produzida por fêmeas de algumas linhagens de Hyalomma truncatum. A toxina é produzida no carrapato, mas não no vertebrado hospedeiro. O potencial de produção de toxina se limita a
até 20 gerações do carrapato ou, possivelmente, mais. As tentativas de transmissão experimental de animais afetados aos animais sadios, por contato ou inoculação de sangue, não obtiveram sucesso.
Os períodos graduais de infestação de um hospedeiro suscetível por carrapatos “infectados” têm efeitos diferentes no hospedeiro. Um período muito curto não tem qualquer efeito; o animal permanece suscetível. Um período longo o
suficiente para induzir uma reação pode conferir imunidade, mas se a exposição for > 5 dias pode resultar em sinais clínicos graves e morte. A recuperação confere imunidade duradoura, que pode persistir por = 4 anos. Também, foram
descritas outras formas de intoxicação por H. truncatum estreitamente relacionadas.
ACHADOS CLÍNICOS: Após um período de incubação de 4 a 11 dias, os sintomas surgem subitamente e incluem hipertermia, anorexia, apatia, lacrimejamento e corrimento nasal, hiperemia de membranas mucosas visíveis, salivação, necrose
de mucosa bucal e hiperestesia. Mais tarde, as pálpebras se grudam. Notase a pele quente e logo se desenvolve dermatite úmida, começando na base de orelhas, axilas, virilha e períneo, estendendose pelo corpo inteiro. Os pelos ficam
emaranhados e neles é possível notar gotas de umidade. A pele se torna extremamente sensível e exala odor ácido. Posteriormente, é possível arrancar facilmente os pelos e a epiderme, expondo ferimentos úmidos e cruentos. As pontas das
orelhas e da cauda podem necrosar e se desprender. Por fim, a pele se torna dura e rachada, predisposta a infecções secundárias ou infestações por larvas de Cochliomyia hominivorax. O animal acometido fica sensível à manipulação, exibe
dor quando se movimenta e procura sombra.
Muitas vezes, o curso é rápido e o animal pode morrer em poucos dias. Nos casos menos agudos, o curso é mais prolongado e pode ocorrer recuperação do paciente. A taxa de mortalidade em bezerros afetados é de 30 a 70%, em
condições naturais. A taxa de morbidade nas áreas endêmicas é cerca de 10%. A gravidade da infecção é influenciada pelo número de carrapatos e pelo período em que permanecem no hospedeiro.
Lesões: Além das lesões cutâneas descritas notamse emaciação, desidratação, estomatite difteroide, faringite, laringite, esofagite, vaginite ou postite, edema e hiperemia pulmonar, atrofia de baço e congestão de fígado, rins e meninges.
DIAGNÓSTICO: Para o diagnóstico, é fundamental a constatação da presença do vetor. Ocorre, tipicamente, hiperemia generalizada e consequente descamação das camadas superficiais das membranas mucosas dos tratos respiratório
superior, gastrintestinal e genital externo, bem como dermatite úmida profusa, seguida de descamação superficial da pele.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO: O controle da infestação de carrapatos é a única medida profilática efetiva. Indicamse remoção dos carrapatos, tratamento sintomático e terapia de suporte adequada. Antibióticos não nefrotóxicos e anti
inflamatórios são úteis na prevenção de infecção secundária. Soro imune pode ser um tratamento específico efetivo.
ESTOMATITE VESICULAR
A estomatite vesicular é uma enfermidade viral causada por dois sorotipos distintos do vírus da estomatite vesicular – Nova Jersey e Indiana. Nos casos clínicos, podem ser observadas vesículas, ulceração e erosão das mucosas nasal e oral,
bem como na superfície epitelial da língua, bandas coronárias e tetos; estas lesões são tipicamente observadas nos casos clínicos, além de lesões crostosas no focinho, abdome ventral e prepúcio. A doença clínica pode ser observada em
bovinos, equinos e suínos e muito raramente é verificada em ovinos, caprinos e lhamas. A evidência sorológica de exposição é notada em várias espécies de cervídeos, primatas não humanos, roedores, pássaros, cães, antílopes e morcegos.
ETIOLOGIA: Esses vírus pertencem à família Rhabdoviridae e gênero Vesiculovirus. O vírus da estomatite vesicular é o protótipo do gênero Vesiculovirus. Têm formato de um projétil e geralmente medem 180nm de comprimento e 75nm de
largura. A estrutura genômica é constituída RNA com filamento único de sentido negativo composto por 5 genes (N, P, M, G e L, representando a proteína do nucleocapsídio, fosfoproteína, proteína matricial, glicoproteína e proteína
grande, que é um componente da RNA polimerase viral). Embora existam muitos membros do gênero Vesiculovirus, os sorotipos Nova Jersey e Indiana são, particularmente, os mais importantes no hemisfério oeste. Esses dois vírus têm
tamanho e morfologia semelhantes, mas geralmente distintos na neutralização de anticorpos dos animais infectados. Ambos foram isolados em surtos recentes nos EUA.
EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: A estomatite vesicular é esporádica nos EUA. Historicamente, os surtos ocorreram em todas as regiões do país, mas desde os anos de 1980 estão limitados aos Estados do sul. Surtos ocorreram em 1995,
1997, 1998, 2004, 2005, 2006 e 2009. O maior surto ocorreu em 2005, em 9 estados. O vírus da estomatite vesicular é endêmico nas Américas do Sul e Central e em regiões do México, não sendo observado naturalmente fora do hemisfério
oeste. O vírus pode ser transmitido por contato direto com animais infectados e com sinais clínicos (com lesão) ou por picada de insetos hematófagos. Na região sudoeste dos EUA, os mosquitos pretos (Simulidae) são os vetores biológicos
mais prováveis. Nas áreas endêmicas, o mosquitopólvora (Lutzomyia) são os principais vetores biológicos. Outros insetos podem atuar como vetores mecânicos. A prevalência de casos clínicos em um rebanho geralmente é baixa (10 a
20%), porém, a soroprevalência no rebanho pode chegar a 100%. Não foi detectada viremia em animais pecuários com sinais clínicos de estomatite vesicular. Várias espécies de vertebrados apresentam evidências sorológicas de exposição e
podem atuar como reservatórios da infecção. Não foi identificado qualquer hospedeiro como reservatório definitivo ou amplificador do vírus da estomatite vesicular nos EUA.
ACHADOS CLÍNICOS: O período de incubação varia de 2 a 8 dias sendo, tipicamente, seguido de febre. Com o passar do tempo, surgem outros sintomas e os animais examinados raramente se apresentam febris. Ptialismo é, geralmente, o
primeiro sinal da doença. Vesículas da cavidade bucal são raramente observadas nos casos de ocorrência natural porque se rompem logo após a formação; portanto, as úlceras são as lesões mais comuns verificadas no primeiro exame.
Úlceras e erosões da mucosa bucal, desprendimento de epitélio da língua e lesões nas junções mucocutâneas dos lábios são comumente observadas em bovinos e equinos. Úlceras e erosões em tetos são comuns e podem resultar em mastite
secundária em vacas leiteiras. Coronite com erosões da banda coronária é observada em bovinos, equinos e suínos, com desenvolvimento subsequente de claudicação. As lesões crostosas de focinho, úbere, abdome ventral e prepúcio de
equinos foram achados típicos em surtos no sudoeste dos EUA. A inapetência devido às lesões da cavidade bucal e a claudicação decorrente das lesões de cascos normalmente são de curta duração, uma vez que a doença geralmente é
autolimitante, com completa resolução dentro de 10 a 14 dias. Os anticorpos neutralizantes dos dois sorotipos do vírus persistem por = 5 anos, mas pode ocorrer reinfecção logo após uma segunda exposição.
DIAGNÓSTICO: Em muitas regiões, inclusive nos EUA, a estomatite vesicular é uma doença de notificação obrigatória. As amostras para fins diagnóstico geralmente são obtidas por médicos veterinários oficiais e os testes são realizados em
laboratórios do governo. O diagnóstico é baseado na presença de sinais clínicos típicos e na detecção de anticorpos com o uso de testes sorológicos, detecção viral por meio do isolamento, e/ou detecção viral de material genético por meio
de técnicas moleculares. As amostras para isolamento viral podem ser fluido vesicular, fragmentos de epitélio ou suabes de lesões. O vírus da estomatite vesicular se propaga facilmente em cultura de células. Os três testes sorológicos
rotineiramente utilizados são ELISA de competição, neutralização viral e fixação de complemento. O teste PCR pode ser utilizado para a identificação do vírus. De importância fundamental no diagnóstico é a diferenciação entre as doenças
virais, inclusive febre aftosa em ruminantes e suínos, doença vesicular suína e exantema vesicular em suínos. Os equinos não são suscetíveis à febre aftosa. Tanto as causas infecciosas quanto não infecciosas causam lesões bucais e devem
ser consideradas.
TRATAMENTO, CONTROLE E PREVENÇÃO: Não há tratamento disponível ou seguro. A caquexia pode ser evitada mediante o fornecimento de alimentos moles. A limpeza das lesões com antissépticos brandos ajuda a evitar infecção
bacteriana secundária. Fatores relacionados com o manejo podem reduzir a exposição ao vírus e incluem tempo limitado na pastagem, abrigos para reduzir a picada de insetos e implementação de outros procedimentos para reduzir o contato
dos animais com os insetos, inclusive aplicação de inseticidas. Isto deve incluir a aplicação na superfície interna do pavilhão auricular onde os borrachudos se alimentam. Quando os animais infectados são identificados, devem ser isolados
do rebanho, restringindose a movimentação de outros animais das instalações afetadas. A estomatite vesicular é uma doença de notificação obrigatória em vários países, inclusive nos EUA; assim, os agentes de saúde devem ser notificados
quando há suspeita da doença. Vacinas produzidas comercialmente não estão disponíveis nos EUA, ao contrário de alguns países da América Latina onde há disponibilidade.
A vigilância do vírus da estomatite vesicular nos EUA é principalmente responsabilidade do Departamento de Agricultura do Estado, que reporta os resultados ao USDA. Os veterinários atuam como parte da rede de vigilância,
examinando os animais envolvidos em feiras, exposições, corridas e transporte internacional e interestadual, preenchendo o certificado de inspeção sanitária (mais comumente conhecido como certificado de saúde). Suabes de membrana
mucosa e amostras de soro dos animais suspeitos são enviados para exames em laboratório de diagnóstico veterinário. Durante os anos de surto, as informações laboratoriais confirmam os casos de estomatite vesicular, juntamente com o
número de casos suspeitos e são postados na página: http://www.aphis.usda.gov/vc/nahrs/equine/vsv/.
RISCO ZOONÓTICO: O vírus da estomatite vesicular causa doença zoonótica e pode provocar doença tipo influenza autolimitante (cefaleia, febre, mialgia, e fraqueza), que dura 3 a 5 dias, em pessoas que trabalham diretamente em contato
com o vírus (p. ex., exposição laboratorial, contato direto com lesões de animais infectados). Raramente, as pessoas podem desenvolver vesículas na mucosa bucal e faringiana, boca e narinas. Sinais mais graves incluem encefalite, que é
rara.
FEBRE AFTOSA
A febre aftosa (FA) é uma doença viral altamente contagiosa que acomete bovinos, suínos, ovinos, caprinos, bubalinos e espécies selvagens que apresentam cascos fendidos. Caracterizase por febre e vesículas na boca e no focinho, úbere e
patas. Em uma população suscetível, a morbidade chega a 100%. A doença raramente é fatal, exceto em animais jovens.
Os bovinos são mais suscetíveis. Os suínos domésticos são hospedeiros importantes, principalmente na propagação da doença. Em ovinos e caprinos, a manifestação clínica da infecção geralmente é menos grave que em bovinos e suínos.
Todas as espécies de cervos, antílopes, elefantes e girafas são suscetíveis à febre aftosa, mas os camelos do Velho Mundo são resistentes à infecção natural. Na África, a infecção em búfalos Cape é assintomática. Na América do Sul, os
camelídeos, como alpacas e lhamas, embora suscetíveis, provavelmente não têm importância epidemiológica. Camundongos, cobaias e hamsters podem ser infectados experimentalmente.
A febre aftosa é endêmica no Oriente Médio, Irã, nos países do sul da antiga União Soviética, Índia e sudoeste da Ásia. Surtos esporádicos ocorreram no sul da Coreia, em 2000 e 2002, no Japão em 2000 e na península da Malásia. Está
restrita à ilha Luzon, nas Filipinas. Australásia e Indonésia são livres da doença, bem como as Américas Central e do Norte. América do Sul, Chile, sudeste da Argentina, Guiana, Suriname e regiões da Colômbia em divisa com Panamá são
livres; grandes surtos de febre aftosa ocorreram no Uruguai e na região central da Argentina em 2001, onde a doença está sob controle e essas regiões, juntamente com o Paraguai e grande parte do Brasil, são agora consideradas regiões
livres nas quais ainda se utiliza vacinação. A maioria da região subsaariana da África é endêmica, bem como Egito, Etiópia e Eritreia. A febre aftosa retornou ao Zimbábue associada a mudanças econômicas e sociais, e surtos esporádicos
também têm acontecido em locais no sul da África considerados livres, como Namíbia e Botsuana.
Na Europa, houve um surto na Grécia, na divisa com a Turquia, em 2000, que foi rapidamente controlado, mas em 2001, a febre aftosa foi introduzida no Reino Unido, onde se espalhou para Irlanda, Países Baixos e França. A cepa
causadora do surto foi a mesma encontrada na Ásia e estava sob controle no Reino Unido, após o abate de mais de 4 milhões de animais, sem o uso de vacina. A vacinação foi utilizada nos Países Baixos e todos os animais vacinados foram
subsequentemente abatidos.
ETIOLOGIA: A febre aftosa é causada por um aftovírus da família Picornaviridae. Há 7 sorotipos imunologicamente distintos: A, O, C, Ásia 1 e territórios sulafricanos (TSA) 1, 2 e 3. Dentro de cada sorotipo, há grande quantidade de cepas
que exibem um espectro de características antigênicas; por essa razão, mais de 1 cepa vacinal para cada sorotipo, particularmente O e A, é requerida para cobrir a diversidade antigênica. As cepas são caracterizadas por suas relações
genômicas e suas similaridades antigênicas com cepas vacinais estabelecidas (a classificação prévia em sorotipos tornase insustentável à medida que o número de subtipos aumenta com rapidez). O desenvolvimento da análise da sequência
de nucleotídios permite a definição dos topotipos, com base nos genes da proteína do capsídio. Por exemplo, o vírus da febre aftosa tipo O pode ser dividido em 8 topotipos cada um contém diferentes sequencias virais do gene VP1 pelo
menos 15% e são geograficamente distintos.
O vírus é rapidamente inativado em pH 6 a 9 e por dessecação e temperaturas > 56°C, embora o vírus residual possa sobreviver por tempo considerável quando associado a proteínas animais (p. ex., uma proporção de vírus da febre aftosa
em leite contaminado sobreviverá à pasteurização a 72°C por 15s). O vírus da febre aftosa é resistente a solventes lipídicos como o éter e o clorofórmio. Devido à sensibilidade do vírus ao pH ácido e alcalino, hidróxido de sódio, carbonato
de sódio, ácido cítrico ou acético são desinfetantes eficazes.
TRANSMISSÃO, EPIDEMIOLOGIA E PATOGENIA: A transmissão da febre aftosa geralmente se dá por contato entre animais suscetíveis e infectados. Os animais infectados possuem grande quantidade de vírus no ar que exalam, na forma de
aerossol, o qual pode infectar outros animais por via respiratória ou oral. Todas as excreções e secreções do animal infectado contêm o vírus e este pode ainda estar no leite e no sêmen por até 4 dias antes dos sinais clínicos aparecerem. O
vírus da febre aftosa aerossolizado pode se espalhar por uma considerável distância como uma pluma, dependendo das condições do tempo, particularmente quando a umidade relativa é > 60% e a topografia é favorável à dispersão do vírus.
O leite contaminado tem transmitido febre aftosa para bovinos e caminhõestanque que carregam o leite contaminado estão envolvidos na disseminação da doença entre as fazendas. A forragem pode se tornar contaminada após contato com
animais infectados e há relatos de disseminação iatrogênica de febre aftosa.
Embora equinos, cães e gatos não sejam acometidos por febre aftosa, eles podem atuar como vetores mecânicos, assim como as pessoas. As aves também não são suscetíveis à infecção, mas podem carrear o vírus em seus pés e penas e
excretar o vírus após ingerir material infectado. Por conseguinte, os pássaros podem carrear o vírus, apesar de seu papel na disseminação não estar claro.
Um cenário típico para a introdução da febre aftosa em região previamente livre ocorre com a importação de alimentos derivados de animais infectados (como carne, vísceras ou leite) para alimentação de suínos; o vírus, então, se espalha
por meio de aerossol de suínos infectados para os bovinos, os quais representam a espécie mais provavelmente infectada por via respiratória devido ao grande volume de ar inspirado. O vírus da febre aftosa pode sobreviver em material
fecal seco por 14 dias, no verão, em material pastoso por até 6 meses, no inverno, na urina por 39 dias e no solo por 3 dias (no verão) a 28 dias (no inverno).
Os ruminantes que se recuperaram de infecção e os ruminantes vacinados que têm contato com o vírus vivo da febre aftosa podem atuar como focos de infecção e carrear o vírus na região faringiana por até 3,5 anos, em bovinos, 9 meses
em ovinos e = 5 anos em búfalos africanos. Experimentalmente, não é possível comprovar a transmissão de um animal carreador para um animal suscetível contactante, mas há evidências que sob condições adversas esses animais
carreadores iniciem novos surtos de doença. O vírus da febre aftosa pode ser isolado de animais portadores por meio de cultura de amostras de células superficiais e muco da faringe (coletadas utilizandose uma sonda especial) em tecidos
suscetíveis, como as células principais da tireoide de bovinos. Contudo, a técnica é provavelmente apenas 50% confiável na identificação do portador, com a utilização de uma única amostra, pois a quantidade de vírus encontrada na faringe
é variável em diferentes ocasiões.
O local primário de infecção e replicação geralmente é a mucosa da faringe, embora o vírus possa penetrar através de lesões de pele ou no trato gastrintestinal. O vírus se dissemina pelo sistema linfático para locais de replicação, como
epitélio de boca, focinho, patas e úbere, além de áreas cutâneas lesionadas (p. ex., joelhos e jarrete de suínos mantidos em piso de concreto). As vesículas se desenvolvem nesses locais e se rompem quase sempre em 48 h. A viremia persiste
por 4 a 5 dias.
A produção de anticorpos pode ser detectada 3 a 4 dias após os primeiros sinais clínicos e são suficientes para eliminar o vírus.
ACHADOS CLÍNICOS: O período de incubação da febre aftosa varia de 2 a 14 dias, dependendo da dose infectante, da suscetibilidade do hospedeiro e da cepa viral – em suínos, em algumas cepas de vírus da febre aftosa pode ser tão curto
quanto 18 h. Os sinais clínicos são mais graves em bovinos e em suínos submetidos à criação intensiva do que em ovinos e caprinos. A febre aftosa tem sido ignorada ou subdiagnosticada em pequenos ruminantes.
Em bovinos e suínos, após o período de incubação, podem se desenvolver anorexia e febre de até 41°C. Os bovinos salivam e batem as patas à medida que se desenvolvem vesículas na língua, no coxim dental, na gengiva, nos lábios e na
banda coronária da fenda interdigital podal. As vesículas também podem surgir nos tetos e úbere, particularmente em vacas e porcas lactantes, e nas áreas da pele submetidas à pressão e traumatismo, como os membros das porcas. Bezerros,
cordeiros e suínos jovens podem morrer antes de apresentar qualquer vesícula, em decorrência da lesão de células em desenvolvimento do miocárdio induzida pelo vírus. A produção de leite diminui drasticamente em fêmeas leiteiras e
todos os animais exibem perda da condição corporal e da taxa de crescimento. Ovinos e caprinos podem desenvolver apenas algumas vesículas na banda coronária e na boca. As vesículas bucais, mesmo quando graves, cicatrizamse, em
geral, em 7 dias, embora a recuperação das papilas da língua demore mais tempo. As lesões de glândula mamária e patas frequentemente sofrem infecções secundárias, resultando em mastite, lesão de sola e claudicação crônica. Em suínos,
pode ocorrer perda de todo o estojo córneo dos dedos. Bovinos e cervos também podem perder 1 ou ambos os estojos córneos das patas; ademais, em cervos pode ocorrer desprendimento dos chifres.
DIAGNÓSTICO: Em bovinos e suínos, os sinais clínicos da febre aftosa são indistinguíveis daqueles de estomatite vesicular (p. 668) e nos suínos daqueles da doença vesicular suína (p. 797) e do exantema vesicular (p. 805). As amostras de
epitélio vesicular ou de fluido vesicular devem ser enviadas em solução salina tamponada com fosfato (pH 7,4) ao laboratório nacional oficial responsável pelo diagnóstico de febre aftosa ou ao World Reference Laboratory do Office
International des Epizooties (OIE)/Food and Agricultural Organization (FAO), em Pirbright, Reino Unido, por acordo prévio. As amostras devem ser mantidas hermeticamente fechadas o máximo possível, em pH 7,4, para evitar a
destruição do vírus da febre aftosa e do antígeno. Devem ser seguramente acondicionadas em recipientes duplos à prova de vazamento, cumprindo o regulamento nacional e, quando apropriado, as normas internacionais de envio de material
biológico infectante.
As amostras são preparadas como uma suspensão 10%, inoculada em cultura de tecido suscetível e tipagem direta por ELISA. O vírus isolado da febre aftosa é caracterizado por comparação antigênica com as cepas vacinais de febre
aftosa existentes e a sequência do nucleotídio de um segmento do gene 1D é determinado por comparação com outras cepas do mesmo sorotipo para identificar a possível origem do surto. Há disponibilidade de um teste ELISA para
determinar a evidência sorológica de vacinação contra febre aftosa ou a recuperação da infecção: bloqueio em fase líquida do ELISA ou pela competição de fase sólida do ELISA, introduzida mais recentemente, a qual é igualmente
sensível, porém mais específica.
Os testes de anticorpos contra proteínas não estruturais (NSP) do vírus podem ser utilizados para distinguir um animal infectado daquele que foi vacinado, pois apenas o animal infectado sustenta a replicação do vírus da febre aftosa vivo,
o qual expressa NSP como parte de seu ciclo de replicação. O vírus vacinal é morto e, consequentemente, não há expressão de NSP; dessa forma, no hospedeiro não há anticorpos contra essas proteínas. Entretanto, em algumas vacinas pode
haver contaminação por NSP suficiente para induzir a produção de anticorpo, particularmente a proteína 3D, em alguns animais que receberam múltiplas vacinações. Por outro lado, animais vacinados que tiveram contato com o vírus vivo
da febre aftosa e se tornaram portadores podem falhar em produzir anticorpo contra NSP, pois a imunidade propiciada pela vacinação suprime a replicação viral.
Os kits de diagnóstico rápido estão se tornando disponíveis para realização do exame na própria fazenda, mas há necessidade de validação acurada. Um teste PCR também está sendo cada vez mais utilizado para diagnóstico rápido;
embora sua total validação seja difícil, esse teste será, provavelmente, o mais utilizado no futuro.
TRATAMENTO E CONTROLE: A ocorrência da febre aftosa em países anteriormente livres da doença pode acarretar importantes efeitos no comércio nacional e internacional. Em vários países livres da doença há uma política de abater todos
os animais infectados e os suscetíveis que tiveram contato com eles e de restrições rigorosas na movimentação de animais e veículos perto de locais infectados. Após o abate, as carcaças são incineradas ou enterradas nesses locais, ou perto
deles, e as instalações são completamente lavadas e desinfetadas com ácido fraco ou álcali e por fumigação. Fazse rastreamento para identificar a fonte do surto e os locais nos quais o vírus da febre aftosa já pode ter sido transmitido por
animais infectados ou produtos de origem animal, por veículos ou pessoas, ou por meio de aerossol.
Em regiões ou países livres da febre aftosa nos quais isso não é possível, o controle envolve restrição de movimentação, quarentena nos locais infectados e vacinação ao redor desses locais (e possivelmente neles). Essas medidas têm a
desvantagem de que vários animais portadores podem sobreviver após o surto e a quarentena pode não ser suficientemente longa para prevenir a movimentação subsequente deles.
Nos países em que a febre aftosa é endêmica, a proteção, particularmente de vacas leiteiras de alta produção, é realizada pela combinação de vacinação e prevenção da entrada do vírus nas propriedades leiteiras. Isso pode ser difícil,
quando a prevalência da doença na população não vacinada é alta e as condições climáticas facilitam a transmissão do vírus por meio de aerossol.
A vacina contra febre aftosa é produzida com vírus morto e, na melhor das hipóteses, propicia boa proteção contra a doença por 4 a 6 meses. Contudo, a diversidade antigênica das cepas do vírus dentro de cada um dos sorotipos é mais
uma complicação; assim, é necessário assegurar que as vacinas contenham cepas antigenicamente similares às cepas do surto potencial. Por outro lado, a duração da imunidade induzida pelas vacinas que contêm diferentes cepas pode ser
muito breve. As vacinas contra febre aftosa para suínos requerem um óleo adjuvante, ao passo que as vacinas para ruminantes podem conter um óleo ou hidróxido de alumínio/saponina, como adjuvante. Atualmente, não há alternativa
recomendada à vacina com antígenos oriundos de vírus total que cresce em cultura de tecidos e, então, quimicamente inativadas com uma azidirina, geralmente um binário da etilenoimina.
FEBRE Q
Febre Q é uma infecção bacteriana zoonótica associada principalmente a vacas parturientes, embora animais domésticos, como gatos e alguns animais selvagens, também sejam incriminados na ocorrência de infecções humanas. A bactéria
causadora de febre Q é considerada um agente potencial de bioterrorismo em razão de sua alta taxa de contagiosidade, estabilidade no ambiente e risco de disseminação por aerossol.
ETIOLOGIA, EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: A febre Q é causada por um cocobacilo Gramnegativo, Coxiella burnetii. Embora seja considerada classicamente uma riquétsia, análises filogenéticas recentes sugerem que C. burnetii está
mais relacionada com Legionella e Francisella do que ao gênero Rickettsia. É encontrada e reproduzse em fagolisossomos de monócitos e macrófagos dos hospedeiros. Há duas formas – a variante de célula grande, que é uma forma
vegetativa encontrada em células infectadas, e a variante de célula pequena, que é a forma extracelular infecciosa excretada no leite, urina e fezes e encontrada em alta concentração (109ID50/g) em tecidos placentários e fluido amniótico. A
variante pequena é resistente ao calor, ressecamento e a muitos desinfetantes comuns e permanece viável por semanas a meses no ambiente. Quando um ruminante doméstico é infectado, C. burnetii pode localizarse nas glândulas
mamárias, nos linfonodos supramamários, na placenta e no útero, dos quais pode se disseminar nos partos e lactações subsequentes.
A epidemiologia de C. burnetii é complexa, pois há dois padrões principais de transmissão: em um, o microrganismo circula entre animais selvagens e seus ectoparasitas, principalmente carrapatos; o outro ocorre em ruminantes
domésticos independentemente do ciclo em animais selvagens. Os carrapatos ixodídeos e argasídeos podem atuar como reservatórios desse microrganismo. A distribuição é mundial (exceto na Nova Zelândia) e os hospedeiros incluem
mamíferos selvagens e domésticos, artrópodes e aves. A doença é enzoótica na maioria das áreas onde bovinos, ovinos e caprinos são mantidos. Nos EUA, estudos de soroprevalência mostraram anticorpos contra C. burnetii em 41,6% dos
ovinos, em 16,5% dos caprinos e em 3,4% dos bovinos.
O maior risco de transmissão ocorre no parto, por meio de inalação, ingestão ou contato direto com fluido de parto ou com a placenta. O microrganismo também é excretado no leite, urina e fezes. A pasteurização em alta temperatura
mata eficientemente o agente. Os carrapatos podem transmitir a doença aos ruminantes domésticos, mas não tem papel epidemiológico importante na transmissão da doença às pessoas.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: A infecção nos ruminantes geralmente é subclínica, mas pode causar anorexia e aborto tardio. Relatos sugerem C. burnetii como causa de infertilidade e abortos esporádicos com placentite necrosante
em ruminantes. As infecções experimentais em gatos causam febre transitória e anorexia com duração de vários dias.
Nos ruminantes domésticos, as lesões macroscópicas são inespecíficas e o diagnóstico diferencial deve incluir agentes infecciosos e não infecciosos que causam aborto. Podese realizar teste de imunofluorescência em amostras de soro
pareadas, com intervalo de = 2 semanas, para detectar infecções recentes; todavia, pode ocorrer excreção de C. burnetii na ausência de título de anticorpos mensuráveis no soro. Cultura, imunoistoquímica e PCR podem ser utilizadas na
identificação do microrganismo nos tecidos.
TRATAMENTO E CONTROLE: A febre Q humana é de notificação obrigatória nos EUA, principalmente por sua condição de possível agente de bioterrorismo. A notificação dos animais geralmente não é exigida, a menos que esteja associada
à infecção humana. Foram desenvolvidas vacinas para pessoas e animais, mas não estão comercialmente disponíveis nos EUA. A vacina preveniu a infecção quando administrada em bezerros não infectados, melhorou a fertilidade e reduziu
a excreção do microrganismo em animais anteriormente infectados.
Para o tratamento oral dos ruminantes, a dose terapêutica de tetraciclina deve ser administrada por 2 a 4 semanas. Nos rebanhos com infecção reconhecida, a separação de fêmeas prenhes, a cremação ou enterramento dos restos
placentários do parto ou a administração de tetraciclina (8 mg/kg/dia) na água de beber da parturiente pode reduzir a propagação do microrganismo.
RISCO ZOONÓTICO: A febre Q ocorre com mais frequência em pessoas que têm contato ocupacional com as espécies de alto risco. A doença tem uma apresentação clínica muito variável em pessoas, desde uma doença autolimitante, como a
gripe, até pneumonia, hepatite e endocardite. É altamente contagiosa e apenas um microrganismo pode causar a infecção, por via respiratória, em pessoas.
A maioria dos surtos em pessoas está associada à disseminação pelo vento e por produtos secos oriundos da reprodução, contaminados com C. burnetii em locais onde ovinos, caprinos ou bovinos são mantidos. Criadores e veterinários
estão em risco quando acompanham partos. Em abatedouros, os magarefes também correm risco devido ao contato com carcaças, lã e pelos infectados. A transmissão também pode ocorrer pelo consumo de leite não pasteurizado. A
manipulação de tecidos infectados representa uma ameaça aos funcionários de laboratório. Febre Q foi observada em pessoas e pacientes de hospitais onde ovinos com infecção latente são utilizados em pesquisas. Instituições médicas que
utilizam fêmeas ruminantes prenhes em pesquisas devem adquirir os animais de propriedades livres de Febre Q, quando possível. Além disso, os trabalhadores devem usar equipamentos protetores adequados contra exposição a gotículas e
aerossóis durante procedimentos médicos de alto risco.
INFECÇÃO POR ERYSIPELOTHRIX RHUSIOPATHIAE (Erisipela, Poliartrite não supurativa, Claudicação pósimersão)
Erysipelothrix rhusiopathiae é um patógeno bacteriano relevante em suínos, perus e ovelhas. É cosmopolita e pode ser isolado também em bovinos, equinos, cães, gatos, aves domésticas, animais selvagens e aves. Erisipeloide, uma
condição caracterizada por infecção localizada da pele, pode ser notada em pessoas que trabalham diretamente com animais infectados, carcaças contaminadas ou produtos de origem animal contaminados.
A bactéria pode sobreviver em solo por mais de 5 semanas, entretanto, o solo não é um adequado meio de cultura e o organismo tornase inapto a sobreviver por longos períodos no ambiente. O solo e a superfície da água contaminada
representam vias de exposição. Portadores assintomáticos são as fontes comuns de infecção por este organismo, mas a bactéria também pode ser introduzida na criação animal pelo escoamento de águas superficiais, mamíferos selvagens,
aves selvagens, animais de estimação e insetos picadores. A E. rhusiopathiae leva a implicações em segurança alimentar, pois pode sobreviver por vários meses no tecido animal como carne suína congelada ou resfriada, pernil curado ou
defumado e subprodutos como farinha de sangue.
E. rhusiopathiae é um bastonete anaeróbio facultativo imóvel Grampositivo. É catalase negativa, coagulase positiva, oxidase negativa, resistente a altas concentrações de sal e produz H2S no meio TSI (triple sugar iron). A colônia
produz bactérias pleomórficas, dependendo do estado crônico ou agudo da doença. Em infecções agudas, forma colônias lisas em meio de cultura, enquanto colônias rugosas são isolados típicos de infecções crônicas nos animais.
Esfregaços preparados com colônias lisas apresentam cocos delgados, Grampositivos e esfregaços de colônias rugosas apresentam uma mistura de cocos e filamentos.
Este microrganismo é muito resistente e pode sobreviver e desenvolver em ampla margem de pH e temperatura ambiental. E. rhusiopathiae tem mostrado habilidade para resistir a ação de várias classes de desinfetantes utilizados na
criação animal, inclusive álcool, aldeídos, agentes oxidantes e fenóis. Classes e/ou compostos de desinfetantes considerados efetivos na destruição de E. rhusiopathiae incluem hipoclorito (alvejante) e soda cáustica (detergente; NaOH). O
organismo é sensível aos antibióticos betalactâmicos (penicilina e ampicilina), cefalosporinas (ceftiofur) e tetraciclinas, sendo resistente às sulfonamidas.
CLAUDICAÇÃO PÓSBANHO DE IMERSÃO EM OVINOS
A claudicação após banho de imersão é notada em cordeiros e ovinos adultos. É caracterizada por claudicação intensa que resulta da infecção causada pela penetração de Erysipelothrix rhusiopathiae através de pequenas abrasões cutâneas
na região do casco. A claudicação após banho de imersão ocorre normalmente em surtos, descritos em vários países onde há criações de ovinos.
ETIOLOGIA: Com o tempo e o uso repetido, as soluções de banho de imersão ou as suspensões de agentes inseticidas, que têm pouca ou nenhuma atividade bacteriostática, são intensamente contaminadas com várias espécies de bactérias. E.
rhusiopathiae é um contaminante comum e sua presença no tanque, às vezes em altas concentrações, provoca infecção dos ferimentos cutâneos durante o banho de imersão. As pequenas abrasões cutâneas na região do casco e da articulação
da quartela correspondem às portas comuns de entrada. As lesões que se estendem desses ferimentos na perna para as lâminas do casco causam a claudicação pósbanho de imersão aguda. Também podem ocorrer surtos quando os ovinos
precisam caminhar por regiões lamacentas altamente contaminadas com o microrganismo.
ACHADOS CLÍNICOS: 2 a 4 dias após o banho de imersão, quantidade variável (até 90%, geralmente 25%) de ovinos no rebanho pode estar deficiente em 1 ou mais patas. As patas afetadas parecem normais, exceto pelas regiões do casco e
da quartela que ficam quentes e dolorosas. Mais tarde, há um grau variável de queda de pelos, às vezes se estendendo até o carpo ou o tarso. A maioria dos ovinos se recupera espontaneamente em 2 a 4 semanas sem sinais mais sérios, além
de leve perda de peso corporal. Em alguns surtos, entretanto, a mortalidade pode atingir 5% e, particularmente em ovinos jovens, podese perder muito da condição corporal. Artrite crônica e aguda são sequelas raras.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO: O descarte de soluções de banho de imersão muito contaminadas é o melhor método de prevenção de infecções por E rhusiopathiae, que estão associadas à claudicação. A utilização de um bacteriostático
apropriado nas soluções de imersão reduz a prevalência desta condição.
ERISIPELA SUÍNA
É uma doença infecciosa causada por Erysipelothrix rhusiopathiae, considerada uma das enfermidades mais antigas conhecidas que afetam o crescimento de suínos adultos. Mais de 50% dos suínos em regiões de produção intensiva são
considerados infectados por E. rhusiopathiae. O microrganismo habita o tecido tonsilar; espécies não patogênicas (E. tonsillarum) são descritas como residentes do tecido tonsilar.
Os surtos da doença podem ser agudos ou crônicos; pode ocorrer infecção subclínica. Os surtos agudos são caracterizados por morte inesperada súbita, episódios de febre, dor articular e lesões cutâneas que variam de cianose
generalizada até lesões de pele frequentemente descritas como “diamantes” (urticária romboide). A erisipela crônica tende a seguir os surtos agudos e são caracterizadas por baixa mortalidade, aumento das articulações, laminite e
evidências post mortem de endocardites vegetativas. Suínos com lesões valvulares podem exibir poucos sinais clínicos, entretanto, quando enxertados eles podem apresentar estresse respiratório e possibilidade de sucumbir à infecção.
ETIOLOGIA: O crescimento de E. rhusiopathiae em meios neutros é notado como colônias cinzentas, translúcidas e não hemolíticas, lisas ou rugosas, após 24 h de incubação. Depois de 48 h de incubação uma zona de hemólise incompleta
tornase evidente ao redor das colônias. Há pelo menos 28 diferentes sorovariantes e os suínos são considerados suscetíveis a cerca de 15 deles.
Nas propriedades onde o microrganismo é endêmico, os suínos são naturalmente expostos a E. rhusiopathiae quando jovens; seus anticorpos maternos propiciam um grau de imunidade ativa sem desencadear a doença. Os suínos mais
velhos tendem a desenvolver imunidade ativa como resultado da exposição a sorovariantes que não induzem a doença clínica. O microrganismo é eliminado por suínos infectados nas fezes e/ou secreções oronasais e sobrevivem por curtos
períodos no solo e na água, onde ocorre efetivamente a contaminação do ambiente. O microrganismo pode sobreviver a passagem por ambientes hostis como o estômago e intestino e mantémse viável nas fezes por vários meses. Os suínos
recuperados e os cronicamente infectados podem ser portadores do microrganismo. Suínos sadios podem ser carreadores assintomáticos. As infecções ocorrem pela ingestão de alimentos contaminados, água ou fezes e menos comum
através de abrasões na pele. Após a ingestão, o microrganismo provavelmente entra no corpo pelas tonsilas ou tecido linfoide do trato gastrintestinal.
ACHADOS CLÍNICOS: As formas agudas e crônicas da erisipela suína podem ocorrer em sequência ou separadamente. Os suínos com a forma septicêmica aguda podem morrer subitamente sem sinais prévios. Isso acontece com mais
frequência nos suínos em fase de terminação. Os suínos com infecção aguda apresentam febre (40 a 42°C), andar rígido sobre os dedos, decúbito esternal, se separam do grupo, e não se amontoam a outros animais e relutam em se
movimentar. Emitem grunhidos de lamento quando manipulados e podem transferir seu peso de um membro para o outro ao se levantarem. Anorexia e sede são comuns. As manchas de pele podem variar desde eritema amplamente
disseminado e coloração arroxeada de orelhas, focinho e abdome, até lesões cutâneas em “forma de diamante” por quase todas as partes do corpo, particularmente nas regiões laterais e dorsais. As lesões podem se manifestar como áreas
róseas ou roxoclaras de tamanhos variáveis, que se tornam elevadas e firmes ao toque após 2 ou 3 dias de doença. Podem desaparecer ou progredir para um tipo mais crônico de lesão, como doença cutânea em forma de diamante. Caso não
seja tratada, ocorre necrose e desprendimento da pele em amplas regiões, porém mais comumente ocorre necrose e desprendimento das pontas de orelhas e cauda.
A doença clínica geralmente é esporádica e afeta indivíduos ou pequenos grupos, mas, às vezes, surtos maiores ocorrem. A mortalidade é de 0 a 100% e pode suceder morte até 6 dias após os primeiros sinais da enfermidade. As porcas
grávidas agudamente afetadas podem abortar, possivelmente devido à febre, e as fêmeas em aleitamento podem apresentar agalactia. Os suínos não tratados podem desenvolver a forma crônica, comumente caracterizada por artrite crônica,
endocardite valvular vegetativa ou ambas; tais lesões também podem ser observadas em suínos sem sinais prévios de sepse. A endocardite valvular é mais frequente em suínos adultos ou jovens e se manifesta quase sempre por morte,
geralmente em decorrência de embolismo ou insuficiência cardíaca. Na artrite crônica, a forma mais comum da infecção crônica, provoca claudicação leve a grave; as articulações afetadas podem ser de difícil detecção, mas tendem a se
tornar quentes e doloridas ao toque e, depois, visivelmente aumentadas e firmes, resultando em claudicação. Podem ser observadas lesões cutâneas necróticas roxoescuras, que costumam descamar. A mortalidade em casos crônicos é baixa,
mas a velocidade de crescimento fica retardada.
Lesões: Durante a necropsia, na infecção aguda, podese notar lesões cutâneas, linfonodos geralmente aumentados e congestos, pulmões edematosos e congestos, além de esplenomegalia e hepatomegalia. Podem ser verificadas petéquias nos
rins e no coração.
Na erisipela crônica, a endocardite valvular é verificada como proliferativa, com crescimento granular nas válvulas cardíacas e embolismo; infarto pode se desenvolver. A artrite pode acometer as articulações de uma ou mais pernas ou as
articulações intervertebrais; a ampliação da articulação é proliferativa, mas não supurativa e são formados pontos de granulação no tecido provenientes da cavidade articular. Em casos crônicos, pode haver proliferação e erosão da
cartilagem articular; isso pode ser seguido por fibrose e ancilose da articulação.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico de erisipela é baseado nos sinais clínicos, nas lesões macroscópicas e na resposta à terapia antimicrobiana. O diagnóstico de erisipela aguda é difícil em suínos, as quais apresentam apenas febre, inapetência e
apatia; no entanto, em surtos envolvendo vários animais, lesões de pele e claudicações são provavelmente observadas em pelo menos alguns casos e confirmase o diagnóstico clínico. Quando presente, diagnosticase urticária romboide ou
lesões em forma de diamante. O isolamento de E. rhusiopathiae do sangue de suínos afetados é possível em casos agudos e auxilia no diagnóstico. A erisipela responde extremamente bem à penicilina, devido à sensibilidade deste
microrganismo a este antimicrobiano. O teste PCR, se disponível, auxilia no diagnóstico da erisipela aguda.
As erisipelas crônicas podem ser de difícil diagnóstico. No exame pósmorte, artrite e laminite, juntamente com endocardite valvular vegetativa, podem auxiliar no diagnóstico presuntivo de erisipela crônica. Entretanto, estas lesões
podem ser causadas por outros agentes infecciosos. Uma cultura positiva de vegetação valvular define o diagnóstico de erisipela crônica. Os testes sorológicos não são efetivos para o diagnóstico de erisipela. O teste de fixação de
complemento é considerado promissor para o diagnóstico da doença, pois apresentam acurácia e confiança comparadas a outros testes.
Doenças que devem ser consideradas como parte do diagnóstico diferencial incluem condições que podem desencadear lesões macroscópicas sugestivas de sepse aguda. Salmonelose septicêmica devido à infecção por Salmonella
Choleraesuis, peste suína clássica causada por pestivírus e sepse e endocardite por Streptococcus suis devem ser consideradas devido à semelhança das lesões. A doença de Glasser, provocada por Haemophilus parasuis, e a infecção
por Mycoplasma hyosynoviae podem desencadear alterações semelhantes nos tecidos sinoviais e nas articulações de suínos infectados.
Lesões cutâneas de erisipela. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.
TRATAMENTO: E. rhusiopathiae é sensível à penicilina. Deve ser administrada em intervalos de 12 h durante, no mínimo, 3 dias; como alternativa, podese utilizar uma formulação de longa duração no tratamento de infecções graves. No
aspecto econômico, a penicilina é a melhor escolha de tratamento, mas a ampicilina e o ceftiofur também apresentam resultados satisfatórios em casos agudos. As tetraciclinas adicionadas à ração ou à água podem ser úteis quando há vários
suínos infectados. A febre associada à infecção aguda pode ser controlada pela administração de AINE, como a flumixina meglumina, ou mediante adição de ácido acetilsalicílico na água. O antissoro para erisipela, quando disponível, é
considerado um complemento efetivo ao tratamento antimicrobiano em casos de surtos agudos. O tratamento de infecções crônicas geralmente não é efetivo e não é economicamente viável. Os suínos com infecções crônicas devem ser
abatidos, pois podem contaminar o ambiente e atuam como fonte de infecção, desencadeando novos surtos.
PREVENÇÃO: A vacinação contra E. rhusiopathiae é efetiva no controle de surtos da doença em granjas de suínos e devem ser incentivadas. A interrupção da vacinação em algumas granjas está ligada aos casos de surtos. As bacterinas
injetáveis e atenuadas, vacinas vivas aplicadas através da água estão disponíveis e propiciam um aumento da duração da imunidade. A época ideal da vacinação pode variar de granja para granja. Quando E. rhusiopathiae é endêmica no
ambiente, a vacinação deve ser realizada antecipadamente aos surtos. Os suínos suscetíveis podem ser vacinados prioritariamente à desmama, durante ou semanas após essa etapa. Machos e fêmeas selecionados para entrar na criação devem
ser vacinados, com reforço dentro de 3 a 5 semanas. Posteriormente, os reprodutores devem ser vacinados duas vezes ao ano. As vacinas não devem ser administradas nos animais sob tratamento com antimicrobianos, pois os antibióticos
podem interferir com a resposta imune subsequente à vacina.
As falhas vacinais podem ocorrer em alguns rebanhos devido ao manejo estressante que afeta o sistema imune dos suínos vacinados. Diferenças antigênicas entre os sorotipos vacinais e os circulantes nas granjas também podem resultar
em uma imunidade incompleta e surtos da doença.
Além disso, durante a vacinação, a atenção para a desinfecção e a higiene, bem como a eliminação de suínos com sinais clínicos sugestivos de infecção por erisipela representam medidas viáveis que auxiliam no controle da doença nas
granjas de suínos.
POLIARTRITE NÃO SUPURATIVA EM CORDEIROS
A poliartrite não supurativa é uma infecção de cordeiros em crescimento mais velhos (6 semanas a 4 meses de idade). É caracterizada por alta taxa de mortalidade e claudicação moderada a grave com aumento das articulações infectadas.
ETIOLOGIA: O agente causador, Erysipelothrix rhusiopathiae, quase sempre penetra no organismo através de ferimentos, às vezes através do umbigo, porém mais habitualmente após o corte da cauda e a castração. Entretanto, surtos podem
ocorrer após procedimentos cruentos, particularmente durante extensos períodos de tempo úmido, que aumenta o nível de estresse e melhora a sobrevivência do microrganismo no ambiente. E. rhusiopathiae localizase nas articulações após
disseminação hematógena e infecta a membrana sinovial. A progressão da infecção sinovial resulta em sinovite e lesões às cartilagens articulares e ao osso subcondral adjacente.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Morte súbita e claudicação grave a moderada em inúmeros cordeiros em crescimento é sugestivo da poliartrite não supurativa. A claudicação ocorre tipicamente em 2 ou mais membros e nas articulações
geralmente afeta o carpo e o jarrete. Os cordeiros afetados são relutantes a movimentação e passam longos períodos em decúbito esternal. O crescimento geralmente é comprometido. A progressão das condições leva a proliferação da
membrana sinovial e espessamento da cápsula articular sem efusão articular significativa e eventual erosão da cartilagem articular.
DIAGNÓSTICO: O início súbito da claudicação em inúmeros cordeiros em fase de desenvolvimento é sugestivo de poliartrite por E. rhusiopathiae. Devido ao mínimo derrame articular, a tentativa de obtenção de uma amostra de fluido da
articulação afetada para cultura e outros exames diagnósticos pode ser infrutífera.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO: A vacinação deve ser considerada uma premissa onde a doença é um problema recidivante. São recomendadas técnicas antissépticas rigorosas e manutenção de condições higiênicas durante o corte de cauda e
a castração, mas não se pode contar apenas com isso para a prevenção. O uso de métodos denominados “incruentos” para ambas as operações pode reduzir o risco de contaminação do ferimento, mas sabe–se que os surtos se seguem a todos
os métodos comuns. Recomendase tratamento da poliartrite não supurativa com penicilina, durante 5 dias. A administração de AINE melhora a claudicação.
INFECÇÕES FÚNGICAS (Micoses)
As micoses sistêmicas são infecções causadas por agentes fúngicos presentes no ambiente e que penetram no hospedeiro por uma única porta de entrada e se disseminam para vários órgãos. O solo, considerado reservatório, é a principal
fonte da maioria das infecções, as quais podem ser adquiridas por inalação, ingestão ou introdução traumática de fungos (ver dermatofilose, p. 913).
Os fungos patogênicos causam infecção em hospedeiros aparentemente normais; doenças como histoplasmose, coccidioidomicose, blastomicose e criptococose são consideradas micoses sistêmicas primárias. Os fungos oportunistas
geralmente exigem um hospedeiro debilitado ou imunossuprimido (p. ex., submetido a estresse em cativeiro ou com acidose metabólica, desnutrição, infecções virais ou neoplasia) para ocasionar infecção. A administração prolongada de
antimicrobianos ou agentes imunossupressores parece aumentar a probabilidade de infecção por fungos oportunistas que causam doenças como aspergilose e candidíase, as quais podem ser focais ou sistêmicas.
Os achados clínicos e as lesões macroscópicas não são diagnósticos definitivos de micoses sistêmicas; é necessária identificação microscópica, cultura do microrganismo ou PCR. A identificação do fungo e a reação tecidual por análise
microscópica de exsudatos e o material da biopsia são adequados para o diagnóstico de histoplasmose, criptococose, blastomicose, coccidioidomicose e rinosporidiose. Outras doenças, como candidíase, aspergilose, zigomicose,
feoifomicose, hialoifomicose e oomicose (pitiose e lagenidiose), exigem mais do que avaliação microscópica para um diagnóstico definitivo. Alguns desses fungos também são contaminantes comuns de culturas; dessa forma, a invasão
tecidual e a reação devem ser demonstradas por isolamento em cultura para ser considerado significativo. A sorologia pode ser útil para o diagnóstico (e prognóstico) de algumas doenças micóticas, como criptococose, coccidioidomicose,
pitiose e lagenidiose. A titulação dos antígenos é útil para criptococose, histoplasmose e blastomicose. Um recente ensaio imunoenzimático desenvolvido para este antígeno é utilizado tanto em amostras de urina como de soro para detectar
o antígeno galactomanana na parede celular que é imunologicamente indistinto na histoplasmose e blastomicose. Enquanto o título geralmente não é útil na diferenciação entre as duas infecções, é útil no diagnóstico da presença da micose
sistêmica.
Para o tratamento, ver discussão sobre micoses sistêmicas específicas (a seguir) e farmacoterapia do sistema tegumentar, p. 2620.
ASPERGILOSE
É causada por diversas espécies de Aspergillus, especialmente A. fumigatus e A. terreus. É encontrada mundialmente e em quase todos os animais domésticos e aves, assim como em várias espécies selvagens. É principalmente uma infecção
respiratória que pode se tornar generalizada; no entanto, a predileção tecidual varia entre as espécies. As formas mais comuns são infecções pulmonares em aves domésticas e outras aves, aborto micótico em bovinos, micose da
bolsa gutural em equinos e infecções dos tecidos nasais e paranasais, locais intervertebrais e rins de cães. Em gatos domésticos, têmse descrito formas pulmonares e intestinais.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Em aves, a aspergilose (p. 2939) é principalmente broncopulmonar, com dispneia, respiração ofegante e polipneia, acompanhadas de sonolência, anorexia e emaciação. Também há relato de traqueíte
micótica. Notamse torcicolo e distúrbios de equilíbrio quando a infecção se dissemina ao cérebro. Nódulos amarelados de tamanho e consistência variáveis ou lesões em placa foram encontrados nas vias respiratórias, pulmões, sacos
aéreos ou membranas das cavidades corporais. Podese encontrar fungo de crescimento semelhante à pelos nas paredes espessadas dos sacos aéreos. Outras espécies com aspergilose broncopulmonar podem apresentar lesões nodulares nos
pulmões, ou pneumonia aguda acompanhada de fluido serossanguinolento na cavidade pleural e pleurite fibrinosa.
Em ruminantes, a aspergilose pode ser assintomática, ocorrer em uma forma broncopulmonar, causar mastite, ou provocar placentite e aborto. A pneumonia micótica pode ser rapidamente fatal. Os sinais incluem pirexia; respiração
estertorosa, superficial e rápida; secreção nasal e tosse úmida. Os pulmões ficam firmes, pesados e mosqueados, mas não colapsados. Na pneumonia micótica aguda a crônica, os pulmões contêm múltiplos granulomas discretos e a doença
macroscopicamente se assemelha à tuberculose (p. 726).
Na ausência de pneumonia, as vacas infectadas geralmente não apresentam sinais, exceto o aborto; o feto morto é abortado entre o 6o e o 9o mês de gestação e as membranas fetais são retidas. As lesões são encontradas no útero, nas
membranas fetais e quase sempre na pele fetal. No útero, macroscopicamente as áreas intercarunculares tornamse espessadas, coriáceas e vermelhoescuras a castanhas, contendo focos elevados ou com erosão recobertos por uma
pseudomembrana aderente cinzaamarelada. As carúnculas maternas ficam vermelhoescuras a castanhas, e os cotilédones fetais aderentes ficam acentuadamente espessados. As lesões cutâneas nos fetos abortados consistem em focos
discretos, macios, elevados e avermelhados a cinzentos, que lembram lesões de tinha.
Em equinos, epistaxe e disfagia são complicações comuns de micose da bolsa gutural (ver p. 1227). A bolsa gutural infectada caracterizase por inflamação necrosante e se torna espessada, hemorrágica e recoberta por uma
pseudomembrana friável. Rinite micótica caracterizada por dispneia e secreções nasais também foi relatada. Aspergilose pode ser uma doença rapidamente fatal associada à invasão pulmonar difusa. Nesses casos, a enterite aguda é
geralmente um fator predisponente. Acreditase que a colite é resultante de uma neutropenia intensa que diminui a imunocompetência do hospedeiro, seguida de invasão de Aspergillus a partir da ruptura da mucosa intestinal. Quando a
infecção se espalha para o cérebro e o nervo óptico podem ocorrer distúrbios locomotores e visuais, inclusive cegueira.
Em cães, a aspergilose localizase caracteristicamente nos seios paranasais ou na cavidade nasal e é causada por infecção por A. fumigatus. A aspergilose nasal é observada principalmente em raças dolicocefálicas; inicia na região
posterior do maxiloturbinado ventral com sinais de letargia, dor nasal, ulceração de narinas, espirros, secreção nasal hemorrágicopurulenta uni ou bilateral, osteomielite de seio frontal e epistaxe. As lesões macroscópicas variam
consideravelmente com o local de infecção, mas a mucosa dos seios nasais e paranasais pode ser recoberta por uma camada de material necrótico preto–acinzentado e crescimento fúngico. A mucosa e o osso subjacente podem estar
necróticos com a perda da definição óssea nas radiografias.
Hifas de Aspergillus spp no exame citológico de raspado ocular de um equino com queratite micótica. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.
A doença disseminada em cães é verificada, com mais frequência, em cães da raça pastor alemão e quase sempre envolve A. terreus e A. deflectus. Os sinais clínicos da aspergilose disseminada podem incluir letargia, claudicação,
anorexia, perda de peso, pirexia, hematúria, incontinência urinária, linfadenopatia generalizada e déficits neurológicos. Em geral, as lesões são encontradas em rins, baço e vértebras. A discoespondilite é comum.
DIAGNÓSTICO: Radiografias em cães com aspergilose nasal podem apresentar radioluscência generalizada das câmaras nasais secundárias à destruição do tecido turbinado. Osteomielite dos seios frontais é observada em até 80% dos cães.
Muitas vezes realizase um diagnóstico por visualização dos fungos nas placas por meio de rinoscopia, juntamente com sorologia e evidência micológica ou radiográfica da doença. O diagnóstico com base apenas na cultura não é
apropriado, pois os aspergilos são onipresentes e podem ser isolados das cavidades nasais de cães saudáveis. O resultado positivo da cultura deve ser confirmado pela demonstração de hifas ramificadas, septadas, hialinas e estreitas em
lesões pelos testes sorológicos. O teste de dupla difusão em ágar–gel para os anticorpos séricos é uma técnica confiável para o diagnóstico; sensibilidade melhorada pode ser possível com técnicas como ELISA. Os procedimentos de
imunofluorescência podem ser utilizados para identificar hifas nas secções teciduais.
TRATAMENTO: Em cães, o tratamento tópico é considerado o tratamento de escolha para a aspergilose nasal e paranasal. Várias técnicas cirúrgicas e esquemas de medicamentos têm sido utilizados com sucesso variável. O clotrimazol é
geralmente considerado o tratamento de primeira escolha. Podese administrálo através de tubos de demora com orifícios nos seios frontais ou via narinas na forma de infusão simples. Caso seja realizada a infusão via narinas, utilizamse
cateteres de Foley para instilar 0,5 g em cada lado da cavidade nasal. A solução infundida é mantida no local por 1 h, durante a qual a posição do cão é mudada periodicamente para maximizar a penetração. Há taxa de sucesso de cerca de
80%, utilizandose infusões locais dessa maneira. Doses de 10 mg de enilconazol/kg, 2 vezes/dia, por 7 a 14 dias, instiladas através dos tubos implantados cirurgicamente nos seios frontais, também tem sido utilizadas com taxa de sucesso
similar. Os medicamentos administrados por via sistêmática incluem cetoconazol, itraconazol, fluconazol, voriconazol e posaconazol. Cetoconazol (5 a 10 mg/kg, 2 vezes/dia, por 6 a 8 semanas) não é tão eficaz como o fluconazol (2,5 a 10
mg/kg, 2 vezes/dia) e o itraconazol (5 a 10 mg/kg, 1 vez/dia). Voriconazol (3 a 6 mg/kg, 1 vez/dia), é, provavelmente, o mais efetivo dos antifúngicos da classe azol para o tratamento de aspergilose, porém o custo é alto em comparação com
as outras drogas.
Em equinos, são realizadas exposição cirúrgica e curetagem para o tratamento da micose da bolsa gutural. O uso tópico de natamicina e a administração oral de iodeto de potássio são eficazes nos casos de infecção por Aspergillus. O
itraconazol (3 mg/kg, 2 vezes/dia, durante 84 a 120 dias), foi relatado como eficaz no tratamento de equinos com rinite por Aspergillus.
O tratamento de mastite bovina tem sido efetivo com a combinação de injeção intraarterial e aplicação intramamária de miconazol.
BLASTOMICOSE
A blastomicose, causada pelo fungo dimórfico Blastomyces dermatitidis, é caracterizada por lesões piogranulomatosas em vários tecidos. É mais comum em pessoas, cães e gatos, mas também foi relatada em diversas espécies,
como equinos, furões, cervos, lobos e leões africanos, golfinhos nariz de garrafa e leões marinhos. Parece que não acomete bovinos, ovinos e suínos. A blastomicose é limitada geralmente a América do Norte, e vários casos têm ocorrido
nos Estados de Mississippi, Missouri, Tennessee e na bacia do Rio Ohio e ao longo dos Grandes Lagos e St. Lawrence Seaway. Mesmo nestas bacias, o microrganismo é encontrado em regiões geograficamente restritas. Castores e outros
habitantes de vegetação em solo úmido, ácido e rico em vegetais em decomposição podem atuar como nicho ecológico para o microrganismo, mas geralmente é difícil encontrálo no ambiente. O fungo também é isolado em fezes de
pombos e morcegos. Orvalho, chuva ou neblina pode ter um papel crítico na liberação de conídios do local infectado, os quais se apresentam na forma de aerossol e são inalados. Quando as defesas do trato respiratório são
imunossuprimidas, a doença é disseminada por via hematógena para os pulmões. As lesões cutâneas podem resultar de penetração primária da pele ou, mais comumente, pela disseminação do foco pulmonar. As lesões por espetada de
agulha ao pessoal veterinário, após aspiração de lesões cutâneas de animais infectados podem resultar em infecções cutâneas primárias. As lesões oculares tendem a se desenvolver primeiro no segmento posterior, ocasionando coriorretinite
granulomatosa e descolamento de retina. Geralmente há envolvimento do segmento anterior, resultando em uveíte e panoftalmia.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos variam de acordo com o órgão envolvido e não são específicos. Perda de peso pode ser acompanhada de tosse, anorexia, linfadenopatia, dispneia, doença ocular, claudicação, lesões cutâneas e febre.
Sons pulmonares secos e ásperos são extremamente comuns em cães com blastomicose. Os sinais pulmonares são observados em mais de 85% dos casos de cães afetados. O envolvimento pulmonar grave resulta em hipoxemia, que indica
um prognóstico reservado. O envolvimento dos linfonodos é observados em metade dos cães afetados, cuja proporção de cães afetados é semelhante aquela de animais com envolvimento cutâneo. As lesões cutâneas podem incluir
granulomas proliferativos e abscessos subcutâneos que ulceram e drenam uma descarga serossanguinolenta. As lesões de pele geralmente são muito pequenas e multifocais em cães, mas amplos abscessos são ocasionalmente observados,
especialmente em gatos. Plano nasal, face e unhas geralmente são envolvidos. Os sinais de blastomicose ocular são notados em 30 a 50% dos cães afetados e incluem cegueira, uveíte, glaucoma e descolamento de retina. A claudicação
associada à osteomielite fúngica ou paroníquia grave ocorre em aproximadamente um quarto dos cães afetados. Os sinais do SNC são raros, ocorrendo em < de 5% dos cães, e podem ser mais comuns em gatos. O padrão de envolvimento
sistêmico é semelhante em gatos, mas esta espécie é menos afetada que os cães. Hematúria, noctúria e disúria com tenesmo podem ser verificadas na blastomicose urogenital.
Lesões: As lesões macroscópicas consistem de áreas raras a numerosas de tamanhos variados, irregulares, firmes, cinzas a amarelas no pulmão e nódulos pulmonares e nos linfonodos torácicos. A disseminação pode resultar em lesões
nodulares em vários órgãos, especificamente na pele, nos olhos e nos ossos. As lesões cutâneas são representadas por pápulas únicas ou múltiplas, ou nódulos piogranulomatosos crônicos supurativos.
DIAGNÓSTICO: A blastomicose pode ser diagnosticada em cães com nódulos cutâneos supurativos e sinais de doença respiratória. Em gatos, o envolvimento do trato respiratório é observado com frequência, seguido de envolvimento do
SNC, linfonodos regionais, pele, olhos e tratos GI e urinário. Os achados radiográficos nos pulmões incluem nódulos não calcificados ou consolidados e aumento dos linfonodos bronquiais e mediastinais. O padrão predominante nas
radiografias torácicas são os nódulos intersticiais difusos e densidade peribrônquica. Comumente, os linfonodos bronquiais são muito aumentados e apresentam massas densas na radiografia. O diagnóstico pode ser realizado por biopsia
tecidual ou amostras aspiradas de lesões de pele ou de outros órgãos envolvidos, pela presença de fungos de parede espessa que, frequentemente, têm célulasfilha oriundas por brotamento com base ampla. Estes blastosporos redondos ou
ovoides, rosapálidos (H&E) medem cerca de 8 a 25 μm, têm parede refrátil e parede dupla. Podem ser vazios ou conter material nuclear basofílico e ter um único broto com base ampla. Geralmente ocorre uma resposta ao anticorpo,
detectada em imunodifusão em ágar gel, mas esta resposta não é sensível, tampouco específica, para o diagnóstico definitivo.
TRATAMENTO: O itraconazol (5 mg/kg/dia) é o tratamento de eleição para cães e gatos com blastomicose. Um mínimo de 2 meses são necessários para o tratamento e este fármaco pode ser administrado até que a doença ativa não seja mais
aparente. A cura clínica é esperada em cerca de 70% dos cães, com recidiva em cerca de 20% dos cães tratados, meses ou anos após o tratamento. Vários cães respondem ao novo tratamento com itraconazol. Outros antifungos azóis, como
fluconazol e cetoconazol, não são tão efetivos como o itraconazol. Em casos fulminantes de blastomicose, especialmente aqueles com evidência de hipoxemia, recomendase a combinação de terapia com anfotericina B e itraconazol.
Pequenos cursos de doses antiinflamatórias de glicocorticoides devem ser administrados nos primeiros dias de tratamento, mas o uso dos esteroides é controverso e pode piorar o prognóstico. O prognóstico é melhor em cães sem o quadro
pulmonar ou com o comprometimento parcial dos pulmões. O prognóstico é reservado a moderado em doenças pulmonares e mais grave quando há envolvimento do SNC.
CANDIDÍASE
É uma doença mucocutânea localizada, causada por espécies do fungo semelhante à levedura, Candida spp, mais comumente C. albicans. Está distribuído em todo o mundo em vários animais. Este microrganismo é um habitante normal de
nasofaringe, trato gastrintestinal e genitália externa de várias espécies de animais e é oportunista em causar doença. Os fatores associados à candidíase incluem dano à integridade da mucosa; uso de cateter de demora intravenoso ou
urinário; administração de antibióticos; e doenças ou fármacos imunossupressores. O microrganismo afeta, com mais frequência, as aves (p. 2901), nas quais infecta mucosa bucal, esôfago e papo. Em suínos e potros, têmse descritas
infecções superficiais limitadas à membrana mucosa do trato intestinal. A candidíase sistêmica também foi descrita em bovinos, bezerros, ovinos e potros secundariamente a terapia antimicrobiana ou corticoterapia prolongadas. Em gatos, a
candidíase é rara, mas está associada a doenças oral e respiratória superior, piotórax, lesões oculares, doença intestinal e urocistite. As infecções são raras em cães e equinos. No entanto, considerase Candida spp como causa de artrite em
equinos e mastite e abortos em vacas.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sinais clínicos são variáveis e inespecíficos e podem estar associados mais a fatores primários ou predisponentes do que à própria candidíase. Os bezerros com candidíase de préestômago apresentam
diarreia aquosa, anorexia e desidratação, com progressão gradual para prostração e morte. Os pintinhos infectados ficam apáticos e apresentam redução do consumo alimentar e da taxa de crescimento. A candidíase suína afeta as mucosas
bucal, esofágica e gástrica, sendo os sinais mais consistentes diarreia e emaciação.
As lesões macroscópicas da pele e das mucosas incluem, geralmente, tumefações esbranquiçadas recobertas por crostas, únicas ou múltiplas, elevadas e circulares. O microrganismo pode penetrar no epitélio ceratinizado e ocasionar
espessamento ceratinoso acentuado das mucosas de língua, esôfago e rúmen. Em aves, as lesões esofágicas e do papo são úlceras circulares e brancas com crostas superficiais elevadas que produzem o espessamento da mucosa;
pseudomembrana facilmente removida é comum.
DIAGNÓSTICO: Microrganismos fúngicos se proliferam em grande quantidade no tecido epitelial e o diagnóstico pode ser feito mediante exame de raspado ou de amostras de lesões mucocutâneas obtidas por biopsia. C. albicans são células
ovoides, leveduriformes (2 a 4 μm de diâmetro) com paredes finas ou ocorrem na forma de cadeias que produzem pseudohifas quando os blastosporos permanecem unidos após a divisão por brotamento. Hifas verdadeiras, regulares e
filamentosas também podem ser visualizadas. As células fúngicas quase sempre são limitadas ao tecido epitelial e raramente são profundas.
TRATAMENTO: A pomada de nistatina ou a aplicação tópica de anfotericina B ou de solução de iodo 1% pode ser útil no tratamento de candidíase oral ou cutânea. Utilizase com sucesso 500 g de anfotericina B em 1 l de solução de glicose
5%, administrada por via IV, a cada 48 h, durante 24 dias e, depois, a cada 72 h por 15 dias, para tratamento de artrite causada por C. fumata em equinos. Também foi utilizado com êxito 5 mg de fluconazol/kg, VO, 1 vez/dia, por 4 a 6
semanas, no tratamento de candidíase disseminada em potros. Itraconazol e complexo lipídico de anfotericina B são considerados tratamento eletivos em cães, porém poucos casos foram tratados.
COCCIDIOIDOMICOSE
É uma infecção não contagiosa oriunda de poeira causada pelo fungo dimórfico Coccidioides immitis. As infecções limitamse às regiões áridas e semiáridas do sudoeste dos EUA e às regiões semelhantes do México e das Américas Central
e do Sul. Embora várias espécies animais, inclusive as pessoas, sejam suscetíveis, apenas os cães são significativamente afetados. Em equinos, relatase infecção placentária induzindo aborto e osteomielite. Ruminantes e suínos podem
apresentar infecções subclínicas com lesões restritas aos focos nos pulmões e aos linfonodos torácicos. A inalação de esporos fúngicos é o único modo de infecção estabelecido, e os esporos podem ser transmitidos em partículas de pó.
Epidemias podem ocorrer quando períodos chuvosos são seguidos de estiagem, resultando em tempestades de poeira. A maioria das infecções bovinas é contraída nos rebanhos de engorda onde há muita poeira.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A doença varia de inaparente (bovinos, ovinos, suínos, cães e gatos) a progressiva, disseminada e fatal (cães, primatas não humanos, gatos e pessoas). A coccidioidomicose é principalmente uma doença
respiratória crônica, mas as infecções caninas se disseminam a vários tecidos, em especial os olhos e os ossos. Os sinais clínicos podem variar muito, dependendo do envolvimento do órgão e da gravidade da infecção. Os cães com doença
disseminada podem apresentar tosse crônica, anorexia, caquexia, claudicação, articulações dilatadas, febre e diarreia intermitente. Pode ocorrer disseminação para a pele com ulceração drenante, mas a infecção primária através da pele é
rara. Os gatos infectados por C. immitis apresentam, com mais frequência, problemas dermatológicos (lesões cutâneas drenantes, massas granulomatosas subcutâneas, abscessos), febre, inapetência e perda de peso. Em gatos, os sinais
clínicos menos comuns incluem anormalidades respiratórias (dispneia), musculoesqueléticas (claudicação), neurológicas e oftalmológicas.
As lesões macroscópicas podem se limitar a pulmões, mediastino e linfonodos torácicos, ou ser disseminadas para vários órgãos. As lesões são representadas por nódulos discretos e de tamanho variável, com uma superfície de corte
brancoacinzentada e firme, e se assemelham às da tuberculose (p. 726). Os nódulos são piogranulomas compostos de células gigantes e epitelioides, e o centro de alguns focos pode conter exsudato purulento e microrganismos fúngicos.
Algumas lesões podem exibir focos mineralizados.
Coccidiomicose em um cão da raça Poodle com 7 anos de idade; imagem lateral. Cortesia do Dr. Ronald Green.
DIAGNÓSTICO: Em regiões endêmicas, devese considerar a coccidioidomicose em cães com doença broncopulmonar crônica e quando nódulos pulmonares e linfonodos aumentados são encontrados nas radiografias torácicas. As lesões
representam piogranulomas que contêm C. immitis livre no exsudato e em células gigantes multinucleadas e epitelioides. Os microrganismos variam em tamanho e aparecem como esférulas relativamente grandes (20 a 80 μm, até 200 μm)
com uma parede de contorno duplo. As esférulas maduras (esporângios) contêm endósporos (esporangiósporos) de 2 a 5 μm de diâmetro. Estabelecese o diagnóstico pela demonstração de esférulas nos tecidos. O soro também pode ser
testado por imunodifusão em ágargel (AGID) para detecção de precipitina e anticorpos que fixam o complemento. Atualmente, a maioria dos laboratórios comerciais realizam AGID para os anticorpos IgG e IgM; os resultados destes testes
são específicos, porém relativamente carente de sensibilidade. O diagnóstico presuntivo pode ser realizado quando a sorologia é positiva em um animal com sinais clínicos consistentes. As tentativas de cultura do fungo devem se restringir
aos laboratórios equipados para manipular tais culturas, com alto risco de infecção.
TRATAMENTO: A doença é muitas vezes autolimitante, mas se há sintomas respiratórios crônicos ou doença multissistêmica, é necessária terapia antifúngica por longo tempo. Na infecção disseminada, o tratamento de, ao menos 6 a 12
meses, é típico. O fluconazol (2,5 a 10 mg/kg/dia) é o fármaco normalmente utilizado no tratamento de infecções respiratórias crônicas. Cetoconazol (10 a 30 mg/kg/dia) ou itraconazol (10 mg/kg/dia) é comumente utilizado no tratamento
de cães com coccidioidomicose. Podese indicar anfotericina B para animais que não melhoram ou não toleram os antifúngicos azóis, porém é altamente nefrotóxica.
CRIPTOCOCOSE
É uma doença fúngica sistêmica que pode afetar o trato respiratório (especialmente a cavidade nasal), o SNC, os olhos e a pele (em particular, da face e do pescoço dos gatos). Os fungos causadores, Cryptococcus neoformans e C. gatti,
estão no ambiente e nos tecidos na forma de leveduras. A infecção é cosmopolita. O fungo é encontrado no solo e no estrume de aves domésticas, especialmente em dejetos de pombos. A transmissão se dá por inalação dos esporos ou
contaminação de ferimentos. Nos dejetos aviários, pode ocorrer em uma forma não encapsulada tão pequena quanto 1 μm, que pode ser inalada nas porções mais profundas dos pulmões. A criptococose é mais comum em gatos, mas
também é observada em cães, bovinos, equinos, ovinos, caprinos, aves e animais selvagens. Em pessoas, vários casos são associados a uma resposta imunocelular deficiente.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A criptococose bovina está associada apenas com casos de mastite e muitas vacas de um rebanho podem estar infectadas. As vacas acometidas manifestam anorexia, diminuição na produção leiteira,
tumefação e consistência firme nos quartos mamários infectados e aumento dos linfonodos supramamários. O leite tornase viscoso, mucoide e brancoacinzentado, ou pode se tornar aguado e com grumos. A doença em equinos quase
invariavelmente é uma enfermidade respiratória com crescimentos teciduais obstrutivos nas cavidades nasais.
Cripotococose, caracterizada por neurorretinite e descolamento focal da retina, em gato. Cortesia do Dr. Kirk N. Gelatt.
Em gatos, os sintomas de trato respiratório superior secundários à infecção da cavidade nasal são mais frequentes e incluem espirros; secreções nasais crônicas mucopurulentas, serosas ou hemorrágicas uni ou bilateral; massa(s)
semelhante(s) a pólipo na narina; e/ou inchaço subcutâneo sobre a ponte do nariz. As lesões cutâneas também são comuns e se caracterizam por pápulas e nódulos flutuantes a firmes. As lesões mais extensas tendem a ulcerar, deixando uma
superfície exposta com exsudato seroso. Os sinais neurológicos associados à criptococose do SNC podem incluir depressão, alterações no comportamento, convulsões, movimento em círculo, paresia e cegueira. As anormalidades oculares
também podem se desenvolver, compreendendo pupilas dilatadas não responsivas e cegueira decorrente de descolamento de retina exsudativo, coriorretinite granulomatosa, panoftalmia e neurite óptica.
Diferentemente dos gatos, os cães quase sempre apresentam doença disseminada, com envolvimento ocular ou do SNC. Os sinais clínicos geralmente estão relacionados com meningoencefalite, neurite óptica e coriorretinite
granulomatosa. Foram relatadas lesões de cavidade nasal em vários cães, mas geralmente não são os achados principais ou o motivo da consulta. Cerca de 50% dos cães exibem lesões no trato respiratório, em geral nos pulmões, e vários
apresentam granulomas em múltiplos sistemas. As estruturas comumente envolvidas em ordem decrescente de frequência incluem rins, linfonodos, baço, fígado, tireoide, adrenais, pâncreas, ossos, trato gastrintestinal, músculo, miocárdio,
próstata, válvulas cardíacas e tonsilas.
As lesões associadas à criptococose variam desde uma massa gelatinosa, constituída por numerosos microrganismos e com inflamação mínima, até lesão granulomatosa. A lesão geralmente é composta de agregados de microrganismos
encapsulados em tecido conjuntivo reticular. A resposta celular é principalmente de macrófagos e células gigantes com algumas plasmócitos e linfócitos. As células gigantes epitelioides e as áreas de necrose caseosa são menos comuns do
que em outras micoses sistêmicas.
DIAGNÓSTICO: O método diagnóstico mais rápido é a avaliação citológica de exsudato nasal, exsudato da pele, liquor ou amostras obtidas por paracentese das câmaras vítreas ou aquosas do olho ou por esfregaços por impressão (imprints)
das massas nasais ou cutâneas. A coloração de Gram é a mais útil; o microrganismo retém o cristal violeta enquanto as colorações da cápsula ficam levemente avermelhadas com safranina. O corante da Índia também é utilizado para
visualizar o microrganismo, o qual se mostra claro e delineado contra um fundo preto. Esta técnica não pode ser considerada definitiva como a coloração de Gram, a menos que seja observado um broto, pois linfócitos, gotículas de gordura
e partículas agregadas de corante da Índia podem ser confundidos com o microrganismo. A coloração de Wright é utilizada com mais frequência no diagnóstico de casos em cães e gatos, porém essa coloração pode encolher o
microrganismo e a cápsula tornase distorcida. Por esse motivo, colorações com novo azul de metileno e ácido periódico de Schiff (PAS) são consideradas melhores que a coloração de Wright. Em razão da rapidez da avaliação citológica,
devemse realizar imprints ou preparações de hidróxido de potássio em lesões suspeitas de criptococose.
Se nenhum microrganismo é observado, podese realizar biopsia da lesão, com parte da amostra utilizada para cultura e o resto processado para exame histológico de rotina. O microrganismo pode ser corado com hematoxilina e eosina
(H&E), mas a cápsula não se cora. Ele é mais facilmente visualizado nas colorações com PAS e prata metenamina de Gomori, porém a cápsula não se cora com estas. O melhor corante de Cryptococcus é a mucicarmina de Mayer, devido à
capacidade de corar a cápsula. Corante imunofluorescente também pode ser utilizado. A extensa cápsula e a fina parede celular de Cryptococcus o diferencia de Blastomyces. Cryptococcus, por seu brotamento e falta de endosporos, pode
ser diferenciado de Coccidioides immitis.
A detecção de antígeno capsular de criptococos em soro, urina ou liquor é um método rápido e útil de diagnóstico nos casos suspeitos nos quais o microrganismo não é identificado. O teste de aglutinação em látex está comercialmente
disponível na forma de kits. A titulação do antígeno também pode ser utilizada para auxiliar na determinação da resposta à terapia.
O microrganismo pode ser cultivado regularmente, com facilidade, a partir de exsudato, liquor, urina, fluido articular e amostras de tecido, se há volume de amostra suficiente. Utilizase ágar Sabouraud com antibiótico quando é provável
a contaminação bacteriana.
TRATAMENTO: Considerase como tratamento de escolha o fluconazol (2,5 a 10 mg/kg/dia) ou o itraconazol (10 mg/kg/dia). A anfotericina B pode ser administrada por via SC (0,5 a 0,8 mg/kg, diluída em solução salina 0,45% contendo
glicose 2,5%; 400 ml para gatos, 500 ml para cães < 20 kg, 1.000 ml para cães > 20 kg) 2 a 3 vezes/semana. O complexo lipídico de anfotericina B também pode ser utilizado (1 a 2 mg/kg para gatos ou 2 a 3 mg/kg para cães), 3
vezes/semana, no total de 12 a 15 doses. A flucitosina pode ser utilizada sozinha; no entanto, como pode desenvolver resistência ao medicamento, recomendase sua combinação com anfotericina.
ESPOROTRICOSE
É uma doença granulomatosa crônica e esporádica que acomete pessoas e vários animais domésticos e de laboratório, sendo causada por Sporothrix schenckii. O microrganismo é dimórfico e forma micélios na vegetação e em ágar
Sabourauddextrose a 25 a 30°C, mas é semelhante à levedura no tecido e no meio de cultura a 37°C. É onipresente em solo, vegetação e árvores; é cosmopolita. Nos EUA é mais comumente encontrado nas regiões costeiras e nos vales dos
rios. A infecção quase sempre resulta de inoculação direta do microrganismo nos ferimentos cutâneos por contatos com plantas ou solos, ou penetração de corpos estranhos. A doença disseminada causada por inalação de esporos é rara.
A esporotricose foi relatada em cães, gatos, equinos, vacas, camelos, golfinhos, cabras, mulas, pássaros, suínos, ratos, tatus e pessoas. Infecções zoonóticas podem ocorrer. O gato pode ser a espécie com maior potencial zoonótico e a
transmissão deste aos humanos foi relatada, sem evidência de traumatismos. Por outro lado, a transmissão de outras espécies infectadas parece necessitar da inoculação de pele previamente traumatizada. Inúmeros microrganismos vertem
dos ferimentos e nas fezes dos gatos infectados acreditase que sejam responsáveis pelo aumento do potencial zoonótico da esporotricose felina. Epidemias de esporotricose foram recentemente relatadas no Brasil. Os dados destes estudos
apontam para a importância do gato na transmissão zoonótica deste microrganismo. Os tratadores de gatos infectados foram 4 vezes mais infectados que outras pessoas que viviam no mesmo local.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A esporotricose pode ser agrupada em 3 formas: linfocutânea, cutânea e disseminada. A forma linfocutânea é a mais comum. Há desenvolvimento no local da inoculação de nódulos dérmicos a subcutâneos
firmes e pequenos, com 1 a 3 cm de diâmetro. Como as infecções ascendem ao longo dos vasos linfáticos, há desenvolvimento de cadeias e de nódulos novos. As lesões ulceram e descarregam exsudato sero–hemorrágico. Apesar de a
doença sistêmica não ser observada inicialmente, a doença crônica pode resultar em febre, indiferença e depressão. A forma cutânea se restringe ao local da inoculação, embora as lesões possam ser multicêntricas. A esporotricose
disseminada é rara, mas potencialmente fatal e pode se desenvolver com a negligência das formas cutâneas e linfocutâneas. O desenvolvimento da infecção ocorre por disseminação hematógena ou tecidual do local inicial de inoculação
para os ossos, pulmões, fígado, baço, testículos, trato gastrintestinal ou SNC. Em pessoas, a prevalência de esporotricose sistêmica parece estar aumentando, principalmente em decorrência da infecção de pessoas imunocomprometidas.
DIAGNÓSTICO: Pode ser obtido mediante cultura (amostras obtidas de lesões fechadas) ou exame microscópico de exsudato ou amostras de biopsia. Em tecidos e exsudato, o microrganismo apresentase como poucas a numerosas células
únicas em forma de charuto, no interior de macrófagos. As células fúngicas são pleomórficas e pequenas (2 a 10 × 1 a 3 μm); pode haver brotamentos com aparência de uma raquete de pinguepongue. Temse utilizado técnica de
imunofluorescência para identificar as células semelhantes a leveduras nos tecidos. Nas amostras, exceto em gatos, os microrganismos Sporothrix são quase sempre esparsos no exsudato e no tecido infectado, de modo que o diagnóstico
geralmente requer a cultura do fungo. Nas culturas, há produção de um micélio verdadeiro, com hifas septadas, ramificadas e finas, que sustentam conídios piriformes em conidióforos delgados.
TRATAMENTO: Itraconazol (10 mg/kg/dia) é considerado o tratamento de escolha. O tratamento é continuado 3 a 4 semanas além da cura clínica aparente. Como alternativa, utilizouse com algum êxito uma solução saturada de iodeto de
potássio, administrada VO; a terapia é continuada 30 dias além da cura clínica aparente. Durante o tratamento, o animal deve ser monitorado quanto aos sinais de toxicidade do iodeto – anorexia, vômitos, depressão, contrações musculares,
hipotermia, cardiomiopatia, colapso cardiovascular e morte. Os gatos são especialmente sensíveis aos iodetos e o desenvolvimento de iodismo.
RISCO ZOONÓTICO: A esporotricose deve ser considerada zoonose, pois casos de transmissão animalhumano são bem documentados. Higiene rigorosa deve ser adotada quando se manipulam animais com suspeita ou diagnóstico de
esporotricose. As pessoas em contato com animais infectados devem ser informadas da natureza contagiosa da doença quando se discutem as opções terapêuticas.
FEOIFOMICOSE
Feoifomicose é uma designação clínicopatológica geral referente à infecçtão crônica cutânea, subcutânea ou da mucosa causada por um dos vários gêneros e espécies de fungos pigmentados da família Dematiaceae. Vários fungos desse
gênero têm sido relatados por infectar pessoas e outros animais, incluindo Alternaria, Bipolaris, Cladophialophora (Xylohypha, Cladosporium), Curvularia, Exophiala, Fonsecaea, Moniliella, Phialophora,
Ramichloridium e Scolecobasidium. Os fungos dessa categoria são saprófitas, amplamente distribuídos, sendo encontrados em solo, água e material vegetal em decomposição. A infecção pode resultar da penetração fúngica no tecido do
local da lesão.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Feoifomicose foi relatada em vacas, gatos, equinos e cães. Os sinais clínicos mais comuns incluem nódulos cutâneos ulcerados, sintomas de trato respiratório superior e tumefações nasais/paranasais.
Tumefações subcutâneas ou submucosas de aumento lento são notadas ao redor da cabeça, mucosa nasal, membros e tórax. Os nódulos podem ulcerar e apresentar fístulas com secreção. Esses piogranulomas contêm hifas septadas e
pigmentadas, com dilatações irregulares e formas semelhantes à ramificação de levedura, com parede espessada.
DIAGNÓSTICO: A feoifomicose pode ser diagnosticada por meio de exame microscópico de exsudatos e amostras obtidas por biopsia, os quais revelam hifas filamentosas pigmentadas ou hialinas (2 a 6 μm de diâmetro), com dilatações
terminais intercaladas (6 a 12 μm) e esporos. Os diversos fungos causadores não podem ser identificados por suas características histológicas no tecido; há necessidade de isolamento em cultura e/ou PCR. O diagnóstico diferencial deve
incluir neoplasia, outros granulomas e cistos epidermoides.
TRATAMENTO: Na maioria dos casos, a infecção se limita à pele e ao tecido subcutâneo. Em um local favorável, a cura pode ser obtida mediante ampla extirpação da lesão. Quimioterapia com anfotericina B ou itraconazol pode ser
empregada nos casos em que não é possível a cirurgia.
GEOTRICOSE
É uma micose rara causada por Geotrichum candidum, um fungo saprófita onipresente de solo, matéria orgânica em decomposição e alimento contaminado. G. candidum faz parte da microflora normal da boca e trato intestinal em
humanos. O microrganismo causa doença sistêmica em cães, aborto e mastite em bovinos e nódulos caseosos nos linfonodos de suínos. Tem sido isolado de fezes de cães, jaguatirica e macacos com enterite; lesões cutâneas em serpentes e
flamingos; e sistema respiratório de equinos, pinguins, galinhas e pessoas.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sinais clínicos variam dependendo do órgão envolvido; podem ser inespecíficos. Em cães com geotricose disseminada, os sintomas podem incluir tosse induzida por palpação traqueal, febre, anorexia,
anorexia, polidipsia, dispneia progressiva, vômito e icterícia. Os achados radiográficos incluem densidades nodulares com confluência em algumas regiões dos pulmões. A doença disseminada progride rapidamente. As lesões, encontradas
em vários órgãos, surgem como nódulos corpulentos, firmes, múltiplos e amareloacinzentados, os quais, microscopicamente, são granulomas bem definidos.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico definitivo baseiase nas características de cultura e exame microscópico. Os elementos fúngicos podem ser abundantes, tanto livres como no interior dos macrófagos e das células gigantes multinucleadas, na
forma de células ovoides semelhantes a leveduras (3 a 7 μm de diâmetro) e como cadeias curtas e unidas de células de leveduras redondas formando as pseudohifas. Nos cortes histológicos dos tecidos corados com H&E, G. candidum se
parece com Candida albicans e Histoplasma capsulatum.
TRATAMENTO: A nistatina administrada como suspensão oral foi eficaz no tratamento de gorilas com diarreia aquosa associada ao isolamento de G. candidum em amostras de fezes úmidas. Não há relato de uso de medicamentos
antifúngicos para o tratamento de geotricose disseminada em animais.
HIALOIFOMICOSE
É a infecção causada por fungos não pigmentados (exceto o gênero Aspergillus ou Penicillium ou a classe dos Zigomicetos) que formam hifas de paredes claras ou hialinas nos tecidos. Exemplos de gênero que causam hialoifomicose em
pessoas e outros animais incluem Acremonium, Fusarium, Geotrichum, Paecilomyces, Pseudallescheria e Scedosporium. A hialoifomicose ocorre com menos frequência do que a feoifomicose.
ACHADOS CLÍNICOS: As lesões variam de dano cutâneo local, subcutâneo e corneal ou doença da mucosa nasal até doença disseminada envolvendo os pulmões e vários outros sistemas orgânicos.
DIAGNÓSTICO: Os diversos fungos causadores da doença não podem ser identificados por suas características histológicas nos tecidos; há necessidade de isolamento em cultura e/ou PCR.
TRATAMENTO: A remoção cirúrgica, com ou sem terapia antifúngica tópica, é o tratamento de escolha para a doença local. O prognóstico da doença disseminada é tipicamente ruim. Podese tentar tratamento com novos antifúngicos azóis
e/ou complexo lipídico de anfotericina B.
HISTOPLASMOSE
É uma doença granulomatosa disseminada, não contagiosa e crônica, que acomete pessoas e outros animais, causada pelo fungo dimórfico Histoplasma capsulatum. Esse microrganismo é comumente encontrado no solo que contém fezes
de aves e de morcegos. Ele produz crescimento de micélios no solo e em culturas à temperatura ambiente; cresce em forma de levedura nos tecidos e nas culturas a 37°C.
A histoplasmose é cosmopolita. As regiões endêmicas nos EUA incluem os vales dos rios Mississippi e Ohio. A infecção foi descrita em várias espécies animais, mas a doença é incomum a rara em quase todos os cães e gatos. A infecção
costuma ocorrer por contaminação, via aerossol, do trato respiratório; pulmões e linfonodos torácicos são os locais de infecção primária, embora o trato gastrintestinal possa ser um local primário de infecção, em especial em cães. Os
microrganismos alcançam a circulação sanguínea a partir de um foco primário e se disseminam por todo o organismo; podem se localizar na medula óssea ou nos olhos onde causam coriorretinite ou endoftalmite.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos são variáveis e inespecíficos, refletindo o envolvimento de vários órgãos. Muitos cães apresentam um curso prolongado, com perda de peso até emaciação, tosse crônica, diarreia persistente, febre,
anemia, hepatomegalia, esplenomegalia, linfadenopatia e ulceração gastrintestinal e nasofaringiana. Também, em cães há relato de dificuldade respiratória obstrutiva decorrente de linfadenopatia traqueobrônquica. A disseminação pode
envolver a pele, na qual se desenvolvem lesões nodulares exsudativas e ulceradas. Poliartropatia, coriorretinite e deslocamento de retina também foram relatados em um cão com histoplasmose disseminada. A histoplasmose aguda pode ser
fatal após 2 a 5 semanas. Em gatos, a infecção disseminada é comum. Os sinais clínicos podem ser inespecíficos, mas frequentemente incluem dificuldade respiratória, febre, depressão, anorexia e perda de peso. Linfadenopatia,
hepatomegalia, doenças oculares (conjuntivite, coriorretinite granulomatosa, descolamento da retina, neurite óptica), claudicação e nódulos cutâneos ou ulcerados também podem ser observados.
Lesões: As lesões macroscópicas incluem aumento de fígado, baço e linfonodos mesentéricos; ascite; nódulos amareloesbranquiçados de tamanhos variados nos pulmões; e aumento dos linfonodos brônquicos. O fígado aumentado pode
apresentar focos de inflamação granulomatosa dispersos, múltiplos, amareloclaros e de forma irregular. Os focos claros podem estar no miocárdio e o intestino delgado pode apresentar paredes acinzentadas, espessadas e ulceração da
mucosa.
DIAGNÓSTICO: A histoplasmose e outras infecções fúngicas devem ser consideradas quando os sinais clínicos compreenderem desconforto respiratório, diarreia, aumento dos linfonodos brônquicos e nódulos pulmonares. Os
microrganismos Histoplasma geralmente são numerosos nos tecidos afetados e o diagnóstico definitivo pode ser realizado, muitas vezes, com aspiração com agulha fina e citologia esfoliativa. A biopsia tecidual pode ser solicitada caso a
citologia não seja diagnóstica. Esses microrganismos são difíceis de detectar com a coloração de rotina com H&E, mas coram bem com os corantes PAS, prata metenamina de Gomori e corante de Gridley. As formas de levedura em
macrófagos e células gigantes são estruturas redondas a ovoides (1 a 4 μm) com uma fina parede celular e uma zona clara e fina entre a parede e o citoplasma celulares. Também se pode cultivar H. capsulatum a partir de amostras teciduais,
de aspirado com agulha fina e de fluidos corporais.
TRATAMENTO: Itraconazol (10 mg/kg/dia) é o tratamento de eleição para histoplasmose disseminada em cães e gatos, embora o fluconazol também seja efetivo. Cetoconazol, na dose de 10 a 15 mg/kg, 2 vezes/dia, por 4 a 6 meses, pode ser
efetivo no início ou nos casos brandos de histoplasmose em cães. Para os casos graves, sugerese o tratamento concomitante com anfotericina B ou complexo lipídico da anfotericina B.
LINFANGITE EPIZOÓTICA
A linfangite epizoótica é uma doença granulomatosa crônica de pele, vasos linfáticos e linfonodos dos membros e pescoço dos equídeos, causada pelo fungo dimórfico Histoplasma farciminosum. Essa enfermidade é observada em regiões
da Ásia e Mediterrâneo, mas não nos EUA. O fungo forma micélios na natureza e leveduras nos tecidos, com fase saprofítica no solo. A infecção provavelmente é adquirida por infecção do ferimento ou transmissão por insetos
hematófagos.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Clinicamente, a doença se caracteriza por nódulos cutâneos livremente móveis, os quais são originados de vasos e nódulos linfáticos superficiais infectados e tendem a ulcerar e passar por períodos alternados
de descarga e fechamento. Os linfonodos afetados estão aumentados e endurecidos. A pele que recobre os nódulos pode se tornar espessa, endurecida e fundida com os tecidos subjacentes. As lesões também podem estar em pulmões,
conjuntiva, córnea, mucosa nasal e outros órgãos. Os nódulos representam piogranulomas que apresentam uma cápsula fibrosa e espessa e contêm exsudato cremoso e espesso, além dos microrganismos causadores.
DIAGNÓSTICO: As características clínicas são altamente sugestivas. O diagnóstico pode ser confirmado por exame microscópico dos exsudatos e das amostras obtidas por biopsia. As formas de levedura dos microrganismos distendem o
citoplasma dos macrófagos e aparecem nos cortes corados por H&E como corpúsculos ovais ou globosos (3 a 4 μm), com um corpúsculo basofílico central circundado por uma zona não corada. O microrganismo parece muito com H.
capsulatum.
TRATAMENTO: Não se conhece tratamento completamente satisfatório. Podese realizar extirpação cirúrgica das lesões combinada com medicamentos antifúngicos (anfotericina B).
MICETOMAS
São nódulos granulomatosos dos tecidos subcutâneos que contêm grãos ou grânulos teciduais. No interior os grãos representam colônias densas do microrganismo. Quando tais lesões são causadas por fungos, são conhecidas como
micetomas eumicóticos. Os agentes causais dos micetomas eumicóticos incluem uma variedade de fungos geofílicos saprofíticos. Os micetomas eumicóticos causados por fungos pigmentados como Curvularia spp e Madurella spp são
denominados micetomas de grão preto ou escuro. Os micetomas de grão branco são causados por fungos não pigmentados como Acremonium spp e Scedosporium apiospermum (o estágio assexuado de Pseudallescheria boydii).
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Vários micetomas eumicóticos são limitados ao tecido subcutâneo, mas os micetomas de grão branco podem ser extensões de doença da cavidade abdominal. Peritonite ou massas abdominais são tipicamente
observadas em micetomas de grão branco. Os micetomas de grão preto são quase sempre caracterizados por nódulos cutâneos relativamente mal circunscritos nas extremidades ou na face. As lesões podem ulcerar ou formar fístulas.
Quando pés ou membros estão envolvidos, a infecção pode se estender aos ossos subjacentes.
Os micélios fúngicos se proliferam nas lesões e se organizam em agregados conhecidos como grânulos ou grãos. Nesses grânulos, o micélio é compacto e frequentemente bizarro e com formas distorcidas. Os clamidósporos são comuns,
em especial na periferia, e o micélio pode ou não estar encaixado em uma substância amorfa semelhante ao cimento. Histologicamente, os grânulos são, com frequência, envolvidos por depósitos eosinofílicos. Os grânulos podem variar de
cor e tamanho, dependendo da espécie de fungo envolvida.
DIAGNÓSTICO: Podese obter um diagnóstico presuntivo caso existam grãos no exsudato de fístulas. Na citologia, os grãos devem ser examinados quanto aos elementos fúngicos. Se nenhum grão tecidual for encontrado no exsudato, deve
se realizar biopsia da lesão para exame histopatológico. Culturas devem ser realizadas para confirmar os achados citológicos e identificar o agente causal. Grãos encontrados no tecido ou amostra obtida por biopsia devem ser submetidas à
cultura.
TRATAMENTO: O prognóstico de micetomas abdominais é reservado, pois geralmente há extenso envolvimento tecidual. Os micetomas cutâneos, embora não ameaçam a vida do animal, são muitas vezes difíceis de resolver. Em alguns
casos de micetomas cutâneos, a extirpação cirúrgica radical, inclusive amputação de membros, pode ser eficaz. A efetividade da quimioterapia antifúngica foi relatada apenas em alguns casos. Em um relato utilizouse 50 mg de
fluconazol/dia, durante 6 semanas, com sucesso, no tratamento de um cão com maduromicose intraabdominal. Em outro relato, o tratamento prolongado com 5 a 10 mg de itraconazol/kg/dia não foi efetivo na cura de infecção disseminada
por Acremonium em um cão.
OOMICOSE (PITIOSE, LAGENIDIOSE)
É causada por patógenos da classe Oomycetes. Esses microrganismos não são fungos verdadeiros, mas são patógenos aquáticos do reino Stramenopila. Eles estão mais estreitamente relacionados com algas do que fungos, porém causam
doença que se assemelha à zigomicose (p. 695). Os microrganismos importantes em medicina veterinária incluem várias espécies de Saprolegnia e Achyla (p. ex., S. diclina), que são causas comuns de doença cutânea em peixes; Pythium
insidiosum, que causa micose cutânea e subcutânea em equinos (bursatti, câncer do pântano e sanguessuga); doença cutânea, subcutânea e gastrintestinal em cães, e doença cutânea e paranasal em gatos; e Lagenidium spp, que provoca
lesões cutâneas e sistêmicas e aneurismas de grandes vasos em cães. A pitiose é uma doença comum que acomete animais domésticos em algumas regiões tropicais e subtropicais do mundo. Em cães, a pitiose é mais frequentemente
encontrada no Sudeste Asiático, costa oriental da Austrália, América do Sul e nos EUA, especialmente ao longo da costa do Golfo. Nos EUA, a prevalência é maior nos meses de outono e inverno.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Em equinos, as lesões incluem nódulos grandes, grosseiramente circulares, granulomatosos, ulcerados e fistulados, ou tumefações subcutâneas com massas ou núcleos necróticos amareloacinzentados. As
lesões são mais comuns nos membros (em particular na parte inferior), abdome, tórax e genitália. A distribuição das lesões é atribuível à natureza aquática do microrganismo. As lesões são pruriginosas, liberam exsudato mucossanguíneo e
geralmente induzem automutilação. Os granulomas contêm massas firmes e colariformes amareladas de tecido necrótico, conhecidos como kunkers (popularmente denominados pedras), que podem ser removidos intactos. Kunkers são
focos de necrose coagulativa em vasos que se isolaram do tecido circundante; contêm ramificação de hifas asseptadas extensas e possuem 1 a 10 μm de diâmetro. O envolvimento ósseo pode ser característica de pitiose crônica. A pitiose
entérica em equinos é caracterizada por lesões gastrintestinais fibrosantes e estenóticas contendo focos intralesionais de material caseoso e hifas.
As amostras removidas durante cirurgia ou necropsia consistem de tecido fibroso com áreas de necrose focal firmes e irregularmente espaçadas que variam em tamanho e cor. Microscopicamente, as alterações variam de focos de
inflamação exsudativa aguda com eosinófilos numerosos até uma reação granulomatosa com áreas isoladas de necrose e hifas com paredes espessas, ramificações e ligeiramente irregulares quanto à largura.
As formas cutâneas e gastrintestinais de pitiose são observadas e caracterizadas por inflamações granulomatosas graves e eosinofílicas. A infecção por P. insidiosum é observada, com mais frequência, no trato gastrintestinal de cães
adultos jovens, especialmente da raça Labrador Retriever. Estômago, intestino delgado proximal e junção ileocecal são mais comumente afetados, mas partes do intestino, esôfago e cólon podem ser acometidas. Os sinais clínicos incluem
vômito, perda de peso e anorexia. A perda de peso pode ser grave, porém cães afetados quase sempre não aparentam a doença sistematicamente a não ser em etapas mais tardias da evolução da doença. As lesões são tipicamente
caracterizadas por grave espessamento transmural da parede gástrica ou intestinal, com linfadenopatia mesentérica, na qual os linfonodos são incrustados em uma massa granulomatosa firme e grande envolvendo o mesentério circundante.
Isquemia intestinal, infarto ou hemorragia abdominal aguda pode se desenvolver em decorrência da disseminação da doença nos vasos mesentéricos. Os piogranulomas entéricos consistem tipicamente de focos necróticos, infiltrados e
circundados por neutrófilos, eosinófilos, macrófagos epitelioides, plasmócitos e células gigantes multinucleadas. Os agentes etiológicos podem não ser notados em cortes teciduais corados com H&E. As amostras coradas com prata
metenamina de Gomori apresentam ramificações, raramente hifas septadas.
A pitiose cutânea é caracterizada por ferimentos que não cicatrizam, massas invasivas e nódulos ulcerados com fístulas. Extremidades, base da cauda, região ventral do pescoço ou períneo são mais comumente acometidos. A pitiose em
gatos é rara e caracterizase por lesões cutâneas ou nasofaringianas.
A lagenidiose foi descrita recentemente como infecção oomicótica de cães, caracterizada por lesões cutâneas multifocais e linfadenopatia regional. Em contraste com o curso clínico da pitiose cutânea, os cães com lagenidiose geralmente
envolvem locais distantes. A disseminação hematógena é provavelmente como a infecção causa vasculite. Linfonodos, pulmões e especialmente grandes vasos podem ser afetados. Aneurismas nos grandes vasos podem romper agudamente,
resultando em morte súbita.
DIAGNÓSTICO: Em equinos, as lesões da pitiose são similares às da zigomicose (p. 695) e podem ser confundidas com habronemose cutânea (p. 979), granulação tissular excessiva e algumas neoplasias de equinos. Na pitiose, núcleos
necróticos são separados do tecido circundante e há intensa secreção seropurulenta em fístulas sinusais. As lesões contêm hifas raramente septadas, ramificadas (em ângulos retos) e irregulares, com 4 a 8 μm de diâmetro.
Em cães, o diagnóstico pode ser feito por isolamento de P. insidiosum de tecidos infectados. Temse utilizado identificação do microrganismo em cultura ou PCR. ELISA para detecção de anticorpos contra P. insidiosum está disponível e
parece ser sensível e específico. As características histológicas da lagenidiose são semelhantes às da pitiose e da zigomicose. No entanto, as hifas de Lagenidium são, em geral, muito maiores e visíveis nos tecidos corados com H&E. A
sorologia pode ser utilizada para diagnóstico presuntivo, mas o diagnóstico definitivo da lagenidiose é mais bem realizado por cultura e PCR.
TRATAMENTO: Em cães com pitiose gastrintestinal, o prognóstico é ruim. A extirpação cirúrgica completa é o tratamento de eleição, mas a doença quase sempre está muito extensa no momento do diagnóstico para possibilitar ressecção
completa. A terapia medicamentosa para pitiose deve incluir itraconazol (10 mg/kg/dia) e terbinafina (5 a 10 mg/kg/dia). O tratamento com complexo lipídico de anfotericina B também pode ser tentado. Cerca de 20% dos cães respondem a
terapia prolongada. Não há relato de tratamento medicamentoso para lagenidiose. Em equinos, o prognóstico é reservado e o diagnóstico e tratamento precoces são essenciais para um controle bemsucedido. Os fatores que influenciam o
prognóstico incluem tamanho e local da lesão, bem como duração da infecção. Lesões pequenas de curta duração que não comprometem estruturas importantes, geralmente, respondem melhor ao tratamento. Extirpação cirúrgica,
imunoterapia ou combinação de ambas pode ser eficaz. A imunoterapia consiste em uma série de injeções intradérmicas ou SC de antígenos hifais de célula total, sônicos e mortos ou antígenos solúveis precipitados do fungo causador. Os
abscessos subcutâneos nos locais de injeção, osteíte ou laminite de localização profunda podem ser complicações dessa terapia. A remoção cirúrgica mais a administração local ou sistêmica de anfotericina B podem ser um tratamento
satisfatório, caso a doença seja localizada.
PECILOMICOSE
É uma micose sistêmica (principalmente pulmonar), causada por Paecilomyces spp e descrita em pessoas e em vários animais, especialmente naqueles com temperatura corporal mais baixa. A infecção em répteis e anfíbios de cativeiro é
provável e razoavelmente comum; outros hospedeiros incluem cães, equinos, gatos (granuloma nasal) e caprinos (mastite). Os fungos causadores mais importantes são P. lilacinus e P. variotii. Os fungos, normalmente considerados não
patogênicos, são amplamente distribuídos no solo e na matéria orgânica em decomposição. A infecção quase sempre é secundária a debilidade, imunossupressão e/ou alteração da flora microbiana normal pela administração prolongada de
antibióticos.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sinais variam e são inespecíficos, mas podem refletir o envolvimento tecidual ou de órgãos. Os órgãos envolvidos ficam aumentados, com nódulos brancoacinzentados proeminentes. Em casos
disseminados, as lesões granulomatosas (focos múltiplos e claros) que contêm pseudohifas septadas (2 a 3 μm de diâmetro), conídios ovais e esporos de paredes finas, esféricos a ovais (3 a 6 μm) são encontradas em vários tecidos (p. ex.,
pulmões), e estão intimamente associadas a arteríolas de tamanhos pequeno e médio.
DIAGNÓSTICO: As lesões macroscópicas podem ser confundidas com as provocadas por outras micoses sistêmicas. Entretanto, hifas septadas, conídios e esporos desse fungo diferem dos fungos patogênicos comuns, como Aspergillus spp e
os fungos da mucormicose. O diagnóstico pode ser realizado por isolamento em cultura dos fungos de múltiplas amostras de lesões. Em relação à maioria das espécies, o crescimento pode estar ausente ou restrito a 37°C, mas pode ser bom
entre 5 e 30°C.
TRATAMENTO: Nenhum esquema de tratamento foi descrito. Paecilomyces spp varia muito quanto à sensibilidade aos agentes antifúngicos; P. lilacinus apresenta alta resistência à anfotericina B e flucitosina, mas é sensível ao cetoconazol,
enquanto P. variotii é sensível aos 2 primeiros medicamentos.
PENICILIOSE
As infecções por Penicillium spp são raras em animais domésticos. Contudo, o fungo foi isolado de um caso de dermatose felina; de celulite orbital e de sinusite com pneumonia em outro gato; de uma doença destrutiva invasiva dos tecidos
nasais em cães; e de lesões invasivas em pulmões, sacos aéreos, fígado e outros tecidos em pequenos tucanos de cativeiro (P. griseofulvum); e de doença sistêmica nos ratos do bambu (P. marneffei) no sudoeste da Ásia. Penicillium spp são
amplamente distribuídos na natureza, sendo encontrados em solos, grãos e vários alimentos e rações.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os cães com peniciliose nasal apresentam espirros crônicos e secreção nasal aguda a crônica, que varia de hemorrágica intermitente a mucopurulenta ou mucoide intermitente ou contínua. Os achados
radiográficos incluem áreas de destruição dos ossos turbinados, com aumento da radiotransparência. Macroscopicamente, a mucosa nasal apresenta focos de necrose e ulceração; microscopicamente, as hifas podem formar um emaranhado
espesso sobre uma mucosa intacta adjacente a esses focos.
DIAGNÓSTICO: Baseiase na cultura fúngica, na caracterização das lesões e presença das hifas fúngicas e um teste positivo de difusão dupla em ágargel. O isolamento em cultura de Penicillium sp deve ser acompanhado da demonstração da
invasão tecidual pelos fungos, para confirmação do diagnóstico. Nos tecidos, P. marneffei se assemelha muito à fase de levedura de Histoplasma capsulatum.
TRATAMENTO: Turbinectomia cirúrgica com curetagem tem sido combinada com lavagem da cavidade nasal com tintura de iodo 1% ou povidonaiodo (10:1) e tiabendazol oral. Fluconazol, na dose de 2,5 a 5 mg/kg/dia, por 2 meses, foi
efetivo no tratamento de alguns cães com peniciliose nasal.
RINOSPORIDIOSE
É uma infecção piogranulomatosa crônica, não fatal, principalmente de mucosa nasal e, às vezes, da pele de equinos, bovinos, cães e aves aquáticas, causada pelo fungo Rhinosporidium seeberi. Na América do Norte é incomum, sendo
mais frequente na Índia, África e América do Sul. Temse realizado cultura no microrganismo e seu habitat natural é desconhecido. Traumatismo pode predispor à infecção, a qual não é considerada transmissível.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A infecção da mucosa nasal caracterizase por crescimentos polipoides que podem ser macios, róseos, friáveis, lobulados com superfícies ásperas e grandes o suficiente para obstruir as vias nasais. As lesões
cutâneas podem ser únicas ou múltiplas, sésseis ou pedunculadas. Os pólipos nasais e as lesões cutâneas têm um componente inflamatório fibromixoide granulomatoso e contêm o fungo.
DIAGNÓSTICO: Podese confundir a rinosporidiose com outras lesões granulomatosas da mucosa nasal e da pele, inclusive aspergilose, entomoftoromicose, “granuloma nasal” e criptococose. A demonstração microscópica das esférulas
(esporângios) de R. seeberi nas amostras de biopsia confirma o diagnóstico. As esférulas podem ser numerosas, variar em tamanho (até 300 μm), apresentar paredes espessas e ácidoperiódicas positivas para a coloração de Schiff e conter
endósporos de 4 a 19 μm de diâmetro. Os estágios de desenvolvimento de tamanho variável e sem esporos se distribuem por toda a lesão.
TRATAMENTO: A extirpação cirúrgica das lesões é considerada padrão, mas recidiva é comum. Anfotericina B e itraconazol são relatados como tratamento, mas geralmente não são tão efetivos como a cirurgia.
ZIGOMICOSE (BASIDIOBOLOMICOSE, CONIDIOBOLOMICOSE, ENTOMOFTOROMICOSE)
Zigomicose é um termo empregado para descrever a infecção por fungos da classe Zygomycetes e os dois gêneros da ordem Entomophthorales, Basidiobolus e Conidiobolus. Infecções por zigomicetos verdadeiros são raras, porém
conidiobolomicose e basidiobolomicose são mais comuns e causam lesões piogranulomatosas que são macroscópica e histologicamente similares às da pitiose e da lagenidiose. Assim, é principalmente uma infecção da mucosa nasal e do
tecido subcutâneo de equinos e raramente de outros animais (lhamas e ovinos) causada por Conidiobolus coronatus, C. incongruus, C. lamprauges ou B. ranarum. Esses fungos onipresentes estão presentes no solo e na vegetação em
decomposição e, no caso dos basidiobolos, acomete o trato gastrintestinal de anfíbios, répteis e macrópodos. C. coronatus infecta quase exclusivamente a mucosa do nariz e da boca. Basidiobolus infecta as faces laterais de cabeça, pescoço
e corpo. C. coronatus também é um importante patógeno de insetos.
ACHADOS CLÍNICOS: Os piogranulomas ulcerativos da membrana mucosa das narinas ou da boca, ou crescimentos nodulares da mucosa nasal e dos lábios causados por C. coronatus podem provocar obstrução mecânica, resultando em
dispneia e secreção nasal. As lesões causadas por B. ranarum são nódulos da pele da parte superior do corpo, pruriginosos, grandes, comumente únicos, circulares e ulcerativos. As fístulas das lesões liberam fluido serossanguinolento, as
quais frequentemente são traumatizadas. A extensão aos linfonodos regionais resulta em tumefação dos nódulos e desenvolvimento de focos necróticos amarelados. As lesões podem conter um núcleo central de tecido necrótico amarelo e
cremoso. Basidiobolomicose disseminada é rara, mas foi relatada em cães e em um mandril.
Lesões: Em amostras de tecidos extirpados ou de necropsia, a derme fibrosada espessada apresenta áreas brancocremosas ou vermelhas, espalhadas. As lesões, as quais contêm hifas, amplo infiltrado de eosinófilos e áreas separadas de
necrose, apresentam características histológicas de granulomas infecciosos.
DIAGNÓSTICO: Clinicamente, a zigomicose pode ser confundida com habronemose cutânea (p. 979) e oomicose (p. 691), mas pode ser diferenciada pelo exame microscópico dos tecidos. Em cortes teciduais corados com H&E, o fungo se
apresenta como orifícios e canais alongados, e várias hifas possuem bainha eosinofílica. Nas partes coradas por fungos, o microrganismo consiste em hifas de 4 a 20 μm, grandes, ramificadas e, às vezes, septadas. Há necessidade de cultura
para identificar o fungo causador.
TRATAMENTO: Extirpação cirúrgica ou imunoterapia, ou ambas, resultam cura. A imunoterapia consiste em injeções intradérmicas de 0,02 a 0,1 ml de material fúngico particulado. Temse tratado a doença micótica localizada com
anfotericina B, administrada por via sistêmica ou local, ou ambas. O tratamento ideal inclui remoção cirúrgica precoce da lesão, seguida de administração de anfotericina B.
LEPTOSPIROSE
É uma zoonose cosmopolita, tanto em animais domésticos como nos selvagens. É causada por uma bactéria espiroqueta classificada como Leptospira, que possui diversos sorovariantes. A doença pode acometer praticamente todos os
mamíferos e possui ampla gama de efeitos clínicos, desde infecção branda subclínica até falha múltipla de órgãos e morte.
ETIOLOGIA: Leptospira é espiroqueta Gramnegativa aeróbia, fastidiosa, de crescimento lento e com motilidade característica semelhante a um sacarolhas. A taxonomia do gênero é complexa e pode ser confusa. Tradicionalmente, as
leptospiras são divididas em dois grupos: as patogênicas, classificadas como membros de L. interrogans e as saprófitas, classificadas como L. biflexa. Em cada uma destas espécies, há descrição de cerca de 220 sorovariantes de leptospiras
patogênicas identificadas (com base nos antígenos de superfície) em todo o mundo. Com a difusão da informação genômica para a classificação das bactérias, o gênero Leptospira foi reorganizado e, atualmente, possui 7 espécies de
leptospiras patogênicas. Algumas das leptospiras patogênicas aos animais domésticos, atualmente possuem diferentes nomes de espécies. Por exemplo, L. interrogans sorovariante grippotyphosa, agora é L. kirschneri sorovariante
Grippotyphosa. Os dois tipos de sorovariantes Hardjo foram formalmente divididos em duas espécies: sorovariante Hardjo tipo hardjobovis (encontrado nos EUA e várias outras partes do mundo) e atualmente L.
borgpetersenii sorovariante Hardjo e a sorovariante Hardjo tipo hardjoprajitno (isolada inicialmente no Reino Unido) e atualmente L. interrogans sorovariante Hardjo. A revisão da nomenclatura é oriunda da literatura científica, não sendo
observada em medicamentos e vacinas. Os nomes das sorovariantes continuam e são úteis na discussão sobre epidemiologia, características clínicas, tratamento e prevenção de leptospirose.
HOSPEDEIROS SUSCETÍVEIS, EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: Praticamente todos os mamíferos são suscetíveis às infecções por leptospiras, embora algumas espécies sejam mais resistentes à doença. Entre os animais de companhia e de
produção, a leptospirose é diagnosticada com mais frequência em bovinos, suínos, cães e equinos. Os gatos parecem relativamente resistentes à doença. A leptospirose em animais selvagens é comum, embora a doença seja mais relatada
apenas quando os animais selvagens atuam como fonte de infecção aos animais domésticos ou às pessoas.
A leptospirose é cosmopolita. A infecção e a doença são mais prevalentes em climas quentes e úmidos, sendo endêmicas nos trópicos. Em climas temperados, a doença é mais sazonal, com alta prevalência nos períodos de chuva.
Embora > 220 sorovariantes de leptospiras patogênicas sejam reconhecidas, um subconjunto é prevalente em uma região ou ecossistema e são associadas a 1 ou mais hospedeiros, que atuam como reservatórios da infecção (Tabela 4) Os
hospedeiros são, geralmente, espécies selvagens e, às vezes, animais domésticos e de produção. Cada sorovariante comportase de forma diferente nas espécies hospedeiras, em relação a outras espécies de hospedeiros casuais. Nos
hospedeiros, a leptospirose geralmente é caracterizada por uma alta prevalência de infecção, com sinais discretos da forma clínica aguda e a infecção persiste nos rins e, às vezes, no trato genital.
O diagnóstico da infecção nos hospedeiros é difícil devido à baixa resposta humoral e à presença de poucos microrganismos nos tecidos dos animais infectados. Exemplos deste tipo de infecção são sorovariante Bratislava, em suínos, e
sorovariante Hardjo, em bovinos. Em hospedeiros incidentais, a leptospirose é caracterizada pela baixa prevalência da infecção, sinais clínicos graves e fase renal da infecção curta. O diagnóstico de infecções dos hospedeiros casuais é
menos problemático, pois a resposta de anticorpos é maior e notase grande número de bactérias nos tecidos dos animais infectados. Exemplos deste tipo de infecção são sorovariante Grippotyphosa, em cães, ou sorovariante
Icterohaemorrhagiae, em bovinos e suínos.
Tabela 4 – Hospedeiros de manutenção mais comuns de leptospiras patogênicas associadas a doenças em animais domésticos, nos EUA e no Canadá
Sorovariante de Leptospira Hospedeiro de manutenção
Canicola Cães
Pomona Suínos, bovinos, gambás
Grippotyphosa Guaxinim, ratoalmiscarado
Hardjo Bovinos
Icterohaemorrhagiae Ratos
Bratislava Suínos, camundongo (?), equinos (?)
A caracterização de uma interação hospedeiro/sorovariante como um hospedeiro de manutenção da infecção ou um hospedeiro casual não é absoluta. P. exemplo, suínos e bovinos infectados pela sorovariante Pomona comportamse
como hospedeiro intermediário às duas formas, com a bactéria persistindo nos rins, mas o hospedeiro apresenta resposta de anticorpos à infecção.
A transmissão entre hospedeiros de manutenção, geralmente, é direta e envolve contato com urina contaminada, fluidos placentários ou leite. Além disso, a infecção pode ser transmitida por via venérea ou transplacentária com algumas
combinações hospedeiro/sorovariante. A infecção dos hospedeiros casuais normalmente é indireta, por meio do contato com locais contaminados com urina dos hospedeiros de manutenção assintomáticos que excretam a bactéria. As
condições ambientais são importantes na determinação da frequência da transmissão indireta. A sobrevivência das leptospiroses é favorecida por clima úmido e moderadamente quente; a sobrevivência é breve em solos secos ou em
temperatura < 10°C ou > 34°C.
PATOGENIA: Embora haja diversas sorovariantes de Leptospira e de espécies hospedeiras, as etapaschave na patogenia da doença são semelhantes em todas as combinações hospedeiro/sorovariante. As leptospiras invadem o corpo após
penetração de membrana mucosa ou pele lesionada. Após período de incubação variável (4 a 20 dias), as leptospiras circulantes no sangue replicamse em vários tecidos, inclusive fígado, rins, pulmões, trato genital e SNC, por 7 a 10 dias.
Durante a bacteriemia e a colonização tecidual, os sinais clínicos da leptospirose aguda podem variar dependendo da sorovariante e do hospedeiro. Os anticorpos aglutinantes podem ser detectados em amostras de soro logo após a
leptospiremia e coincidem com a passagem das lesptospiras do sangue aos vários órgãos. À medida que os microrganismos se propagam, os sinais clínicos de leptospirose aguda começam a regredir, embora as lesões dos órgãos possam
retardar por algum tempo o restabelecimento da função normal.
Neste ponto, a enfermidade nos hospedeiros de manutenção e nos hospedeiros casuais é diferente. As leptospiras permanecem nos túbulos renais dos hospedeiros casuais por um curto período de tempo e são excretadas na urina durante
poucos dias a várias semanas. Em hospedeiros de manutenção, entretanto, as leptospiras geralmente permanecem no túbulo renal, trato genital e, menos comumente, nos olhos, apesar da presença de alto teor de anticorpos no soro. As
leptospiras são liberadas na urina e secreções genitais de animais persistentemente infectados durante meses a anos após o início da infecção e estes animais tornamse um importante reservatório da infecção.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos de leptospirose dependem da espécie hospedeira, da patogenicidade da estirpe e da sorovariante de Leptospira, além da idade e do estado fisiológico do animal. As infecções subclínicas são comuns,
particularmente, nos hospedeiros de manutenção. Nos hospedeiros casuais a leptospirose é uma doença aguda, sistêmica e, geralmente, febril, caracterizada por alteração na função renal e/ou hepática. Além disso, pode acometer outros
sistemas corporais, resultando em sinais clínicos (p. ex., vômito, uveíte, pancreatite, anemia hemolítica).
Tanto nos hospedeiros casuais como nos hospedeiros de manutenção gestantes por ocasião da infecção, a localização e a persistência da bactéria no útero podem resultar em infecção fetal com subsequente aborto, natimorto, fetos com
anomalias ou o feto nasce saudável, porém infectado. Em geral, hospedeiros casuais abortam de forma aguda; outros apresentam sequelas reprodutivas que podem se prolongar por várias semanas a meses.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico de leptospirose depende do histórico clínico e vacinal e de testes laboratoriais. Os exames diagnósticos incluem detecção de anticorpos contra a bactéria em amostras de tecidos e de fluidos corporais.
Recomendase teste sorológico, juntamente com uma ou mais técnicas de identificação do microrganismo nos tecidos ou nos fluidos corporais.
Os testes sorológicos são as técnicas mais comumente utilizadas no diagnóstico de leptospirose em animais. A aglutinação microscópica é o teste utilizado com mais frequência. Este método envolve a mistura de diluições adequadas do
soro com as sorovariantes de leptospiras mais prevalentes em cada região. A presença de anticorpos é indicada para aglutinação de leptospiras. Ensaios imunoenzimáticos foram desenvolvidos utilizando várias preparações antigênicas e
diferentes protocolos. Um teste que mensura IgM é útil para detectar infecção recente em animais de produção e em cães. O uso destes testes é complicado em regiões do mundo onde a vacinação é comum; não estão comercialmente
disponíveis na América do Norte.
A interpretação dos resultados dos testes sorológicos é complicado por vários fatores, incluindo reação cruzada de anticorpos, título de anticorpos induzido por vacinação e falta de consenso sobre qual título de anticorpos indica infecção.
Os anticorpos produzidos pelo animal em resposta à infecção por determinada sorovariante de Lesptospira geralmente exibem reação cruzada com anticorpos de outras sorovariantes. Em alguns casos, este padrão de reação cruzada é
preditivo, com base na relação antigênica das várias sorovariantes de Leptospira, mas os padrões de reação cruzada dos anticorpos variam entre as espécies de hospedeiros. Entretanto, em geral, a sorovariante infectante é considerada como
a sorovariante a qual o animal desenvolve título mais alto. Reações paradoxais podem ocorrer com o teste de aglutinação precoce durante a fase aguda da infecção, com marcante resposta de anticorpos aglutinantes contra uma sorovariante
diferente daquela sorovariante infectante.
A ampla vacinação dos cães e animais de produção contra Leptospira também complica a interpretação da sorologia para leptospirose. Em geral, animais vacinados desenvolvem título de anticorpos aglutinantes baixo (1:100 a 1:400) em
resposta à vacinação e este título persiste por 1 a 3 meses após a vacinação. Entretanto alguns animais desenvolvem alto título após a vacinação, que persiste por 6 meses ou mais.
Não há consenso quanto qual título é diagnóstico para a infecção por leptospira. Um baixo título de anticorpos não necessariamente exclui um diagnóstico de leptospirose, pois o título é, geralmente, baixo na doença aguda e na infecção
em hospedeiro de manutenção. Na leptospirose aguda, um aumento de 4 vezes pode ser observado no título de anticorpos em amostras de soro pareadas colhidas em intervalos de 7 a 10 dias. O diagnóstico de leptospirose baseado apenas
em uma única amostra de soro deve ser realizado com cautela e devese considerar o quadro clínico e o histórico de vacinação do animal. Em geral, com histórico clínico compatível e vacinação há mais de 3 meses, um título 1:800 a
1:1.600 é uma boa evidência presuntiva de infecção por leptospira. A consulta ao laboratório de diagnóstico auxilia na interpretação do título. O título de anticorpos pode persistir por meses após a infecção e recuperação do paciente,
embora geralmente ocorra um declínio gradual com o tempo.
A imunofluorescência pode ser utilizada para identificar leptospiras nos tecidos, sangue ou sedimento urinário. O teste é rápido e tem boa sensibilidade, mas a interpretação requer técnicos de laboratório qualificados. Imunoistoquímica é
útil na identificação de leptospiras em tecidos fixados com formol, mas devido ao pequeno número de microrganismos nos tecidos, a sensibilidade da técnica é variável. Vários protocolos de PCR estão disponíveis e cada laboratório deve
selecionar um procedimento diferenciado. Estas técnicas permitem a detecção de leptospiras, mas não determina a sorovariante infectante. A cultura de sangue, urina ou tecido é o único método que identifica definitivamente a sorovariante
infectante. O sangue pode ser cultivado no início do curso clínico; a urina geralmente apresenta positividade após 7 a 10 dias após o aparecimento dos sinais clínicos. A cultura raramente é positiva após o início da terapia antimicrobiana. A
cultura de leptospiras requer meios específicos e os laboratórios de diagnóstico raramente cultivam amostras para isolamento de leptospiras.
PREVENÇÃO: Evitar a exposição a animais selvagens e domésticos que podem ser hospedeiros de manutenção para Leptospira é difícil, pois roedores, guaxinins e gambás são frequentemente encontrados no ambiente rural e urbano. O
segredo para prevenção da leptospirose é a vacinação com vacinas polivalentes inativadas. A imunidade contra leptospirose é específica para a sorovariante; ademais, as vacinas são formuladas com várias sorovariantes presentes no
ambiente do animal suscetível. No momento não há vacina contra leptospira para equinos. As vacinas são, geralmente, designadas e avaliadas quanto à habilidade de prevenir sinais clínicos da doença e não se deve esperar completa
prevenção da infecção e excreção das bactérias.
RISCO ZOONÓTICO: As pessoas são suscetíveis à infecção por várias sorovariantes de leptospira, mas são hospedeiros casuais e, ainda, não são reservatórios importantes da infecção. A exposição ocupacional é um fator de risco e médicos
veterinários, auxiliares de veterinários, criadores e vaqueiros são mais suscetíveis à infecção. Além disso, a exposição recreacional a águas contaminadas com urina de animais domésticos ou selvagens apresenta risco. Proprietários de
animais podem contrair a doença pelo contato com seus animais de companhia e de produção.
A principal via de infecção é o contato com fluidos corporais contaminados (sangue, em casos agudos, ou urina) ou via membrana mucosa. Nas pessoas, a manifestação da doença varia de subclínica a grave e pode ser fatal quando ocorre
insuficiência renal ou hepática. Os sinais clínicos mais comuns são febre, cefaleia, erupção cutânea, dor ocular, mialgia e indisposição. Há relato de infecção transplacentária, aborto e infecção de lactentes pela amamentação, concluindo–se
que a exposição de mulheres gestantes é um problema sério. Exames laboratoriais são necessários para o diagnóstico definitivo, pois o diagnóstico de leptospirose em animais com base nos sinais clínicos é difícil. Os médicos veterinários
devem implantar um programa de controle de infecções, onde os fluidos corporais dos animais devem ser manipulados com luvas e lavagem de mão, rotineiramente.
Leptospirose em Bovinos
As sorovariantes de Leptospira mais importantes em bovinos são Hardjo e Pomona, na América do Norte; as sorovariantes Grippotyphosa, Bratislava, Icterohaemorrhagiae e Canicola são, ocasionalmente, implicadas como causas de
leptospirose bovina. Os casos de leptospirose mais comuns em bovinos nos EUA e no mundo envolvem a sorovariante Hardjo, para a qual os estes animais são considerados hospedeiros de manutenção.
Várias infecções por leptospira em bovinos são subclínicas, particularmente em vacas não prenhes e não lactantes. A leptospirose aguda ou subaguda é comumente associada a infecções de hospedeiros casuais e ocorrem durante a fase
leptospirêmica da infecção. Os sinais clínicos associados a infecções crônicas geralmente estão relacionados com a falha reprodutiva, aborto e natimortos. A colonização persistente de útero e ovidutos com a sorovariante Hardjo pode estar
associada à infertilidade, caracterizada por aumento do número de acasalamento/inseminação para a concepção e do intervalo entre partos.
Raramente, a leptospirose aguda pode ser grave em bezerros. A sorovariante Pomona resulta em doença mais grave, embora outras sorovariantes possam causar doença semelhante. Os bezerros podem apresentar febre alta, anemia
hemolítica, hemoglobinúria, icterícia, congestão pulmonar e, ocasionalmente, meningite e morte. Em vacas lactantes, a infecção casual pode estar associada à agalactia e pequena quantidade de sangue no leite. Uma forma menos grave
desta “síndrome da redução da quantidade de leite” pode acometer vacas lactantes infectadas com L. Hardjo, na ausência de outras evidências clínicas da infecção.
A forma crônica da doença está associada à infecção fetal em vacas prenhes que abortam ou parem natimortos ou prematuros e bezerros fracos infectados. Também é possível o nascimento de bezerros saudáveis, porém infectados.
Abortos e natimortos comumente são os únicos sinais de manifestação da infecção, mas às vezes podem estar relacionados com um episódio da doença de até 6 semanas (Pomona) ou 12 semanas (Hardjo). Os abortos associados à infecção
de hospedeiros casuais tendem a ocorrer ao final da gestação e em grupos; são conhecidos como “surtos de abortos”. Por outro lado, os abortos que ocorrem após a infecção por sorovariante Hardjo tendem a ser mais esporádicos e podem
ocorrer na metade ou no final da gestação.
O diagnóstico de infecção de hospedeiros casuais em bovinos é relativamente simples. Em geral, animais infectados desenvolvem altos títulos diante do sorovariante infectante; um título de anticorpos > 1:800 no momento do aborto é
considerado evidência de leptospirose. Em alguns casos, as leptospiras podem ser notadas na placenta e no feto, por imunofluorescência, PCR e imunoistoquímica. O diagnóstico de infecção pela sorovariante Hardjo é mais difícil e requer
uma combinação de abordagens. Apenas a sorologia falha na identificação de animais infectados com a sorovariante Hardjo, pois amostras soronegativas são comuns em rebanhos bovinos infectados. O teste diagnóstico e a estratégia
recomendada incluem, principalmente, o uso de teste (imunofluorescência ou PCR) para detectar a bactéria na amostra de urina de um bovino do rebanho, seguido de teste sorológico, para obter informações sobre a provável sorovariante
de Leptospira infectante.
Os bovinos com leptospirose aguda podem ser tratados com tetraciclina, oxitetraciclina, ceftiofur, tilmicosina ou tulatromicina. As leptospiras também são muito sensíveis à eritromicina, tiamulina e tilosina, embora estes antibióticos não
possam eliminar o estado de carreador renal. A oxitetraciclina injetável de longa ação (20 mg/kg) e o ceftiofur de liberação prolongada têm se mostrado efetivos em controlar a disseminação de bovinos infectados pela sorovariante Hardjo.
Em um surto de leptospirose a vacinação pode ser combinada com tratamento antibiótico, pois apenas a vacinação não reduz a excreção da bactéria na urina. Devem ser respeitados os períodos de carência, após a medicação.
As vacinas contra leptospirose bovina disponíveis nos EUA e no Canadá são pentavalentes e contêm as sorovariantes Pomona, Grippotyphosa, Canicola, Icterohaemorrhagiae e Hardjo. Estas vacinas propiciam boa proteção contra a
doença causada por estas sorovariantes, com possível exceção à sorovariante Hardjo. Pesquisas e evidências indicam que algumas vacinas tradicionais contra leptospirose, com cinco tipos, não fornecem boa proteção contra a infecção pela
sorovariante Hardjo. Novas vacinas vêm sendo introduzidas para resolver este problema. Quando o principal objetivo do programa de vacinação é proteger os bovinos contra a infecção por Hardjo, devese tomar cuidado na escolha da
vacina. Em geral, a vacinação anual de todos os bovinos do rebanho ou de uma pequena área de prevalência ou a vacinação duas vezes ao ano para rebanhos abertos ou em área de alta prevalência é a forma mais efetiva de controle.
Leptospirose em Cães
Os cães são considerados hospedeiros reservatórios da sorovariante Canicola e antes da disseminação de programas de vacinação, as sorovariantes Canicola e Icterohaemorrhagiae eram as mais prevalentes em cães, nos EUA. A prevalência
das sorovariantes em cães mudou significativamente nos últimos 15 anos. Atualmente, as sorovariantes mais prevalentes são Grippotyphosa, Pomona e Bratislava – com diferenças relativas na proporção destas sorovariantes em diferentes
regiões geográficas. A sorovariante Canicola ainda circula na população canina, particularmente em cães errantes. A sorovariante Icterohaemorrhagiae é a mais comumente identificada em cães expostos a roedores, particularmente em áreas
urbanas. A detecção de anticorpos reativos à sorovariante Autumnalis no soro de cães, nos EUA e no Canadá, gerou especulações de que este microrganismo seja causa da doença. Entretanto, a sorovariante Autumnalis não foi isolada em
cães nos EUA ou no Canadá e há evidência de que o uso de vacinas contendo as sorovariantes Grippotyphosa e Pomona pode induzir alto título de anticorpos de reação cruzada contra a sorovariante Autumnalis. Por isso, a participação da
sorovariante Autumnalis na doença canina ainda depende de evidências microbiológicas.
O período de incubação varia de 4 a 12 dias. Há poucas diferenças clínicas entre a doença causada pelas diversas sorovariantes. Há variações significativas na patogenicidade entre as sorovariantes. Por isso, cães com leptospirose podem
apresentar um amplo espectro de sinais clínicos que dificultam o diagnóstico clínico. Sinais iniciais são inespecíficos e incluem febre, depressão, letargia, anorexia, artralgia ou mialgia. Horas ou dias após, sintomas renais e/ou hepáticos são
observados, com aumento discreto a moderado de nitrogênio ureico sanguíneo (BUN), creatinina e bilirrubina, para icterícia intensa, insuficiência renal oligúrica, hiperfosfatemia, trombocitopenia e morte. Com menor frequência notase
uveíte, pancreatite, hemorragia pulmonar e hepatite crônica.
A anormalidade hematológica mais comum é leucocitose com neutrofilia discreta a moderada, sem desvio à esquerda, embora possa se constatar contagem de hemácias normal. Notase anemia discreta em 25 a 35% dos casos,
geralmente como resultado de hemólise subclínica. Trombocitopenia ocorre em apenas 10 a 20% dos cães, mas raramente é grave o suficiente para causar hemorragia. Vasculite é a causa típica de hemorragia associada à leptospirose.
Azotemia é o achado mais comum no perfil bioquímico sérico. Quando há anormalidade nos testes de função hepática, o aumento da atividade de fosfatase alcalina (ALP) é mais evidente do que o de alanina aminotransferase (ALT) e de
aspartato aminotransferase (AST). A concentração sérica de bilirrubina encontrase elevada em cerca de 20% dos casos. Na urinálise notase isostenúria e hipostenúria; hematúria, proteinúria e cilindros granulares são verificados em cerca
de 30% dos casos.
Os achados macroscópicos podem incluir hemorragias petequiais ou equimóticas em qualquer órgão ou na superfície pleural ou peritoneal, hepatomegalia e aumento de volume dos rins. O fígado é quase sempre friável, com acentuado
padrão lobular; pode apresentar manchas marromamareladas. Os rins podem conter focos esbranquiçados na superfície subcapsular. Os achados microscópicos no fígado podem incluir necrose hepatocística, hepatite não supurativa e estase
biliar intrahepática, enquanto nos rins é possível notar edema de células epiteliais tubulares, necrose tubular e reação inflamatória mista. Hepatite crônica e nefrite intersticial crônica são descritas em casos menos graves.
Em cães, a sorologia é o teste diagnóstico mais prático e frequentemente utilizado. A obtenção de títulos na fase aguda e no período de convalescença pode ser necessária para confirmar o diagnóstico. Outros testes diagnósticos, como
imunofluorescência, PCR e cultura, são úteis, mas a amostra deve ser obtida antes da administração de antibióticos, a fim de obter máxima sensibilidade.
A insuficiência renal e a doença hepática são tratadas com fluidoterapia e outras medidas de suporte para manter normal o equilíbrio de fluidos, eletrólitos e da condição ácidobase. A terapia antimicrobiana é indicada. O tratamento
sistêmico com penicilina ou seus derivados é particularmente útil na doença aguda, em cães. Estes antibióticos são indicados para eliminar a leptospiremia. Em caso de doença branda e tolerância do cão à terapia oral, podese utilizar
doxiciclina ou fluoroquinilona. A terapia primária deve ser seguida de 2 a 4 semanas de doxiciclina para eliminar os microrganismos presentes nos rins e para evitar a disseminação destas bactérias. As cefalosporinas de primeira e de
segunda geração não são recomendadas. Os cães que foram recentemente expostos à leptospirose podem ser tratados profilaticamente com amoxicilina ou doxiciclina durante 7 a 10 dias, com intuito de prevenir a infecção.
As bacterinas comerciais disponíveis para cães contêm as sorovariantes Canicola, Icterohaemorrhagiae, Grippotyphosa e Pomona. A imunidade cruzada entre as sorovariantes parece não ser boa e cães vacinados podem ainda ser
suscetíveis à infecção por outras sorovariantes. Em geral, as vacinas propiciam proteção à doença clínica, mas não protegem todos os cães de infecção renal ou disseminação renal.
Há preocupação quanto à reação de hipersensibilidade após a vacinação de cães. Esta reação raramente é fatal e há tratamento clínico. A vacinação é recomendada em intervalos anuais e pode ser recomendada em intervalo menor nas
regiões enzoóticas.
Leptospirose em Equinos
Nos EUA e no Canadá, as sorovariantes Pomona e Grippotyphosa são as mais comumente envolvidas na leptospirose equina. A prevalência de leptospirose em equinos é desconhecida, mas evidências sorológicas indicam prevalência maior
do que se apresenta clinicamente. Anticorpos contra a sorovariante Bratislava são frequentemente relatados nos EUA; na Europa, os equinos são hospedeiros de manutenção deste microrganismo. A leptospirose clínica em equinos está
associada a aborto, doença sistêmica em potros e uveíte recidivante.
A leptospirose é responsável pela ocorrência de 2 a 4% de todos os abortamentos de éguas, anualmente, embora períodos de chuva e inundações possam resultar em surtos de abortamentos. Os abortos ocorrem tipicamente 1 a 3 semanas
após doença branda, com as fêmeas exibindo sinais clínicos inespecíficos caracterizados por febre, anorexia, depressão e, em casos raros, icterícia. As lesões em potros abortados não são específicas e muitas vezes é comprometida pela
autólise. Leptospiras podem ser detectadas na placenta e nos órgãos fetais por imunoistoquímica, imunofluorescência, PCR e cultura. As fêmeas que abortaram geralmente possuem alto título de anticorpos contra leptospiras por ocasião do
aborto.
Em potros, é típica leptospirose aguda grave, inclusive com hemólise e vasculite com hemorragias petequiais nas superfícies mucosas, hemoglobinúria, anemia, icterícia, sufusão conjuntival, depressão e fraqueza. Há relato de
insuficiência renal em potros.
A real participação da leptospirose no desenvolvimento de uveíte recidivante (ver p. 553) parece controversa, embora esta condição possa ser reproduzida experimentalmente em equinos infectados com a sorovariante Pomona. A uveíte
recidivante se desenvolve a qualquer momento a partir de 2 a 8 meses após o início da infecção. As leptospiras foram identificadas no humor aquoso em mais de 50% dos equinos com uveíte recidivante, em vários estudos, mas não foram
detectadas em casos semelhantes por outros pesquisadores. Não está claro se a uveíte se deve à persistência ou à infecção intraocular repetida ou imunomediada. A uveíte é tratada sintomaticamente com intuito de reduzir a inflamação e
prevenir sinéquias, embora em casos crônicos graves, possam ser utilizados antibióticos intraoculares ou vitrectomia.
Equinos infectados com a sorovariante Pomona podem disseminar a bactéria pela urina por 3 a 4 meses após a infecção. Os antibióticos não parecem diminuir significativamente o tempo de disseminação. Na doença aguda, antibióticos
sistêmicos são úteis e os antibióticos também são utilizados para prevenir aborto em éguas que convivem ou são expostas às fêmeas infectadas. Não há vacina contra leptospira para equinos.
Leptospirose em Suínos
As sorovariantes de Leptospira Pomona e Bratislava são as comumente consideradas como causas de leptospirose suína nos EUA; as sorovariantes Grippotyphosa, Icterohaemorrhagiae e Canicola são, ocasionalmente, implicadas. Os suínos
são hospedeiros de manutenção da sorovariante Bratislava. Esta sorovariante pode infectar suínos, mas raramente induzem sinais típicos de leptospirose aguda – preferencialmente, falhas reprodutivas na forma de infertilidade e abortos
esporádicos são os sinais clínicos mais comuns e pode ocorrer transmissão venérea. A sorovariante Pomona, ao contrário, tem patogenicidade intermediária aos suínos, com sintomas agudos observados em suínos jovens e abortos
(geralmente em grupos) em fêmeas. Embora a infecção pela sorovariante Pomona esteja associada à doença aguda, às vezes com sinais clínicos sugestivos de infecção de hospedeiro casual, os suínos permanecem infectados e disseminam a
sorovariante Pomona por semanas a alguns meses após a infecção. Esta característica da infecção por L. Pomona pode estar associada à alta taxa de transmissão suínosuíno, em animais criados sob confinamento.
Aborto 2 a 4 semanas antes da data prevista de parto é a manifestação mais comum de leptospirose em suínos. Os leitões que completam o período gestacional podem nascer mortos ou fracos e morrer logo após o nascimento. O
diagnóstico diferencial inclui síndrome reprodutiva e respiratória suína (p. 818), embora brucelose, parvovírus e NMMI (natimortos, mumificação, morte embrionária e infertilidade) tenham características semelhantes à leptospirose. A
leptospirose aguda, como descrita em bezerros, tem sido relatada em leitões, mas é rara. O tratamento e o controle são similares aos mencionados para bovinos.
LISTERIOSE (Listerelose, Doença do andar em círculo)
Listeriose é uma doença bacteriana esporádica que acomete grande variedade de animais, inclusive pessoas e aves. Sua distribuição é mundial, sendo mais frequente em climas temperados e frios. Há alta prevalência de portadores
intestinais. Encefalite ou meningoencefalite nos ruminantes adultos é a forma mais diagnosticada.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: Listeria monocytogenes é um pequeno cocobacilo, difteroide, móvel, Grampositivo, não formador de esporos e extremamente resistente, que cresce a temperaturas de 4 a 44°C. Sua habilidade de crescer a 4°C
é um importante auxílio diagnóstico (método de “enriquecimento pelo frio”) para isolamento desse microrganismo do tecido cerebral, mas não de tecidos placentários ou fetais. O isolamento primário é potencializado sob condições de
microaerofilia. A Listeria é um saprófita comum que vive em ambientes como solo e plantas, sendo isolada em cerca de 42 espécies de mamíferos domésticos e selvagens e 22 espécies de pássaros, assim como de peixes, crustáceos,
insetos, dejetos de esgoto, água, silagem, mecônio, fezes e solo e também em alimentos como leite e queijo.
Os reservatórios naturais de L. monocytogenes parecem ser o solo e o trato gastrintestinal de mamíferos, que contaminam a vegetação. Animais a pasto ingerem o microrganismo e posteriormente contaminam a vegetação e o solo. A
transmissão de animal para animal ocorre pela via fezesoral.
A listeriose é predominantemente uma doença de invernoprimavera, em ruminantes confinados ou em lotes de engorda. O pH menos ácido da silagem leva à deterioração e multiplicação exagerada de L. monocytogenes. Podem ocorrer
surtos = 10 dias após a alimentação com silagem de má qualidade. A remoção ou substituição da silagem frequentemente contém a disseminação da listeriose. A alimentação dos animais com a mesma silagem, após alguns meses, poderá
resultar no aparecimento de novos casos.
PATOGENIA: Listeria, ingerida ou inalada, pode causar sepse, aborto e infecção latente. Os microrganismos que penetram nos tecidos têm predileção por parede intestinal, bulbo e placenta, ou causa encefalite através da penetração em
minúsculas feridas da mucosa bucal.
As várias manifestações da infecção ocorrem em todas as espécies suscetíveis e estão associadas a síndromes clínicas características, como aborto e mortalidade perinatal, em todas as espécies, encefalite ou meningoencefalite em
ruminantes adultos, sepse em ruminantes neonatos e animais monogástricos e sepse com necrose de miocárdio e/ou do fígado em aves domésticas (ver p. 2853).
A encefalite causada por Listeria acomete ovinos, bovinos, caprinos e ocasionalmente suínos. Ocorre essencialmente uma infecção localizada no tronco cerebral que progride quando L. monocytogenes ascende ao nervo trigêmeo. Os
sinais clínicos variam de acordo com a função dos neurônios afetados, mas geralmente são unilaterais e incluem depressão (sistema de ativação reticular ascendente), fraqueza ipsilateral (tratos longos), paralisia do nervo facial e do
trigêmeo e, esporadicamente, andar em círculos (núcleo vestibular). Os sinais neurológicos indicam déficit bilateral do nervo cranial e são ocasionalmente observados em cordeiros com < 4 meses de idade.
A listeriose septicêmica ou visceral é mais comum em animais monogástricos, como suínos, cães, gatos, coelhos domésticos e selvagens e outros pequenos mamíferos. Esses animais podem participar da transmissão de L. monocytogenes.
Essa forma também é encontrada em ruminantes jovens, antes que o rúmen se torne funcional. Mesmo rara, a sepse já foi relatada em ruminantes domésticos idosos e em cervos. A forma septicêmica afeta outros órgãos além do cérebro,
sendo a principal lesão uma necrose hepática focal.
O útero de todas as fêmeas domésticas, especialmente ruminantes, é suscetível à infecção por L. monocytogenes em todos os estágios da prenhez, podendo resultar em placentite, metrite, infecção e morte fetal, abortos, natimortos, mortes
neonatais e, possivelmente, portadores viáveis. A metrite tem pouco ou nenhum efeito sobre a reprodução subsequente; contudo, a Listeria pode ser eliminada = 1 mês por via vaginal e pelo leite.
As infecções adquiridas via ingestão tendem a se localizar na parede intestinal, resultando em infecção inaparente e prolongada excreção fezes. Postulase que a silagem contaminada resulte em numerosas infecções latentes, muitas vezes
chegando a 100% do rebanho ou lote exposto; no entanto, a listeriose clínica só ocorre em alguns animais.
ACHADOS CLÍNICOS: A encefalite é a forma de listeriose identificada mais prontamente em ruminantes. Acomete machos e fêmeas de todas as idades; às vezes tornamse epidemias em bovinos ou ovinos em lotes de engorda. O curso da
doença em ovinos e caprinos é rápido e a morte pode ocorrer entre 24 e 48 h após o início dos sinais clínicos. A taxa de recuperação pode ser de até 30% quando é instituída uma terapia imediata e agressiva. Em bovinos, o curso da doença
é menos agudo e a taxa de recuperação é de aproximadamente 50%. As lesões são localizadas no tronco cerebral e os sinais indicam disfunções do terceiro ao sétimo pares de nervos cranianos.
Inicialmente, os animais afetados ficam anoréxicos, deprimidos e desorientados. Tendem a se agrupar nos cantos, se apoiar em objetos parados ou andar em círculos no sentido do lado afetado. Ocorre paralisia facial com queda da orelha
e desvio do focinho, lábios flácidos, ptose palpebral do lado afetado, assim como diminuição da resposta à ameaça e uma profusa e quase contínua sialorreia; o alimento geralmente permanece impactado antes da deglutição devido à
paralisia dos músculos mastigatórios. Os animais em estado terminal caem e não são capazes de se levantar, permanecem deitados do mesmo lado sendo comum realizarem movimentação involuntária de corrida.
A encefalite por listeria pode ocorrer nas mesmas instalações nos anos seguintes. O número de animais clinicamente envolvidos em um surto é geralmente < 2%, mas em circunstâncias excepcionais pode variar entre 10 e 30% em um
rebanho de ovinos.
O aborto provocado por listeria geralmente ocorre no último trimestre de gestação, sem sinais premonitórios. Os fetos geralmente morrem dentro do útero, podendo haver natimortos e mortes neonatais. A taxa de abortos é variável e
chega a 20% em rebanhos de ovinos. É rara a sepse fatal materna secundária à metrite. Encefalite e aborto geralmente não ocorrem simultaneamente no mesmo rebanho. No entanto, no Reino Unido estão ocorrendo alterações dos padrões
clínicos em ovinos, ou seja, aumento no número de abortos, encefalites e diarreias. Além disso, surtos de aborto e encefalite acontecem concomitantemente no mesmo rebanho.
A listeriose é rara em suínos, ocorrendo sepse em animais com < 1ano de idade, enquanto encefalite acomete suínos idosos. A doença tem curso rápido e fatal, que dura 3 a 4 dias.
Lesões: Na encefalite por listeria há poucas lesões macroscópicas, exceto algum grau de congestão das meninges. As lesões microscópicas se limitam principalmente na ponte, bulbo e medula espinal anterior.
Na listeriose septicêmica podem ser verificados pequenos focos necróticos em qualquer órgão, especialmente no fígado. Nos bezerros que morrem com < 3 semanas de idade, além da necrose hepática focal, ocorrem gastrenterites
hemorrágicas focais.
Nos fetos abortados ocorrem sinais discretos a marcantes de autólise, fluido claro a sanguinolento nas cavidades serosas e focos pequenos e numerosos de necrose no fígado, especialmente em sua porção direita. Focos de necrose também
podem ser verificados em outras vísceras, como pulmão e baço. Erosões rasas de 1 a 3 mm podem ser notadas na mucosa do abomaso. Alterações autolíticas podem mascarar essas lesões. Esfregaços do conteúdo do abomaso, corados com
Gram, revelam numerosos cocobacilos pleomórficos Grampositivos.
DIAGNÓSTICO: Amostras de fluido cerebroespinal (FCE) podem ser colhidas na região lombossacra, após anestesia local. Na listeriose, verificase aumento da concentração de proteína no fluido cerebroespinal (FCE) (0,6 a 2 g/l; [o normal
é 0,3 g/l]) e discreta pleocitose com predomínio de células mononucleares.
A listeriose só é confirmada com isolamento e identificação de L. monocytogenes. As amostras de escolha são: cérebro dos animais com comprometimento do SNC, placenta e fetos oriundos de abortos. Se há falhas na tentativa de
isolamento primário devese manter o tecido cerebral triturado a 4°C, por várias semanas, e fazer nova cultura depois de 1 semana. Ocasionalmente, L. monocytogenes é isolada de fluido espinal, secreção nasal, urina, fezes e leite de
ruminantes clinicamente enfermos. A sorologia não é utilizada para diagnóstico de rotina, pois muitos animais saudáveis apresentam altos títulos para Listeria. A imunofluorescência é efetiva na identificação rápida de L. monocytogenes em
esfregaços obtidos de animais mortos ou abortados em decorrência de listeriose, e do leite, carne e outras fontes.
A listeriose pode ser diferenciada da toxemia da prenhez em ovelhas (p. 1093) ou da cetose bovina (p. 1075) por meio de exame clínico cuidadoso, alterações no FCE e na concentração de 3OH butirato bem abaixo de 3 mmol/l. Além
disso, paralisias facial e auricular estão ausentes na toxemia da prenhez ou na cetose. Em bovinos, os sinais unilaterais de paralisia dos nervos trigêmeo e facial auxiliam na diferenciação entre listeriose e encefalopatia espongiforme (p.
1390), encefalite tromboembólica (p. 769), polioencefalomalacia (p. 1383), encefalomielite bovina esporádica (p. 1386) e intoxicação por chumbo (p. 3114). A raiva (p. 1422) sempre deve ser considerada no diagnóstico diferencial de
listeriose. Os animais com abscessos cerebrais e cenurose (p. 1398) apresentam andar em círculos, cegueira contralateral e déficit proprioceptivo, mas não apresentam déficits do nervo craniano. A doença vestibular é comum em ruminantes
em crescimento; estes animais apresentam, tipicamente, nistagmo ipsilateral espontâneo ou estrabismo e permanecem vivos e alertas sem disfunção do nervo trigêmeo.
TRATAMENTO E CONTROLE: A recuperação depende do início e da agressividade do tratamento antibiótico. Caso os sinais e a encefalite sejam graves, geralmente o animal morre, mesmo com o tratamento. A L. monocytogenes é suscetível
à penicilina (droga de escolha), ceftiofur, eritromicina e trimetoprimasulfonamida. Altas doses são necessárias em razão da dificuldade em obter concentrações bactericidas mínimas no cérebro.
Devese administrar 44.000 U de penicilina G/kg de peso corporal, IM, diariamente, durante 1 a 2 semanas; a primeira injeção deve ser seguida de mesma dose IV. A terapia de suporte, inclusive fluidos e eletrólitos, é necessária para
animais com dificuldade de se alimentar e ingerir líquidos. Alta dose de dexametasona (1 mg/kg IV) por ocasião da primeira consulta é considerada benéfica por alguns, mas há controvérsia.
Os resultados da vacinação são questionáveis e juntamente com a natureza esporádica da doença leva a considerações sobre o custobenefício da vacinação. Nos surtos, os animais infectados devem ser separados do rebanho. Caso a
silagem seja a alimentação oferecida, o fornecimento de um determinado tipo de silagem deve ser interrompido com base em triagem. Silagem deteriorada deve ser evitada. A silagem de milho antes de muito madura e a silagem de capim,
que contêm aditivos, provavelmente têm pH mais ácido, o que inibe a multiplicação de L. monocytogenes.
RISCO ZOONÓTICO: Podese questionar se os animais atuam como reservatórios da infecção para o homem, já que Listeria foi isolada de fezes de várias pessoas aparentemente saudáveis, bem como de outros animais. No entanto, apesar
disso e do caráter invasivo aparentemente baixo de L. monocytogenes, devese manipular com cuidado todo material suspeito. Os fetos abortados e a necropsia dos animais septicêmicos representam um grande risco. Nos casos de
encefalite, L. monocytogenes geralmente se limita ao cérebro e representa um risco menor de transmissão, a menos que se remova o cérebro. Há relato de pessoas que desenvolveram meningite fatal, sepse e exantema papular nos braços
após a manipulação de material abortado. Devemse proteger as fêmeas prenhes (inclusive mulheres) contra a infecção, devido ao risco ao feto, com possibilidade de aborto, natimortos e infecção de neonatos. Ainda que a listeriose seja rara
em pessoas (estimativa anual de 12 casos/1 milhão de habitantes); a taxa de mortalidade pode chegar a 50%. A maioria dos casos envolve pacientes idosos, mulheres grávidas e pessoas imunocomprometidas.
Podese isolar Listeria monocytogenes do leite de vacas com mastite, vacas que abortaram e daquelas aparentemente normais. A excreção no leite geralmente é intermitente, mas pode persistir por vários meses. O leite contaminado é um
risco, pois o microrganismo sobrevive a algumas formas de pasteurização. Também se tem isolado Listeria do leite de ovelhas, cabras e mulheres.
MELIOIDOSE (Pseudomormo, Doença de Whitmore)
É uma infecção bacteriana que acomete pessoas e animais. Está geralmente associada a lesões caseosas ou supurativas, que compreende uma resposta mista purulenta e granulomatosa, capaz de afetar qualquer órgão do corpo.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O agente etiológico é Burkholderia pseudomallei, um bacilo oval, móvel, Gramnegativo, anaeróbio facultativo com coloração bipolar. Os microrganismos estão disseminados por todo o Sudeste Asiático,
norte da Austrália e sul do Pacífico. Sua distribuição é predominantemente tropical ou subtropical com “hiperendemicidade” na extremidade superior do território norte da Austrália e nordeste da Tailândia. Os limites reais de sua
endemicidade são ambíguos, tendo em vista o movimento do microrganismo e sua habilidade para se deslocar e existir em regiões temperadas (sudeste da Austrália e França), onde pode causar doença esporádica e surtos. B.
pseudomallei foi introduzida em um novo ambiente com a exportação de animais e a remessa de solo e água contaminados tem potencial para provocar os mesmos resultados. Relatos de possíveis casos autóctones de melioidiose vieram da
Índia, Ilhas do Pacífico, Américas do Sul e Central, Caribe, África e Oriente Médio.
B. pseudomallei é um saprófita disseminado e foi isolado de muitos tipos de solo e águas de superfície de várias profundidades. Surtos de melioidose coincidem com períodos de chuva e inundações associados a alta umidade ou
temperatura. Grandes escavações bem como problemas em encanamentos que resultaram em contaminação de suprimentos de água provocaram surtos.
A melioidose é diagnosticada mais comumente em ovinos, caprinos, suínos, bovinos, equinos, veados, camelos, alpaca, cães, gatos, golfinhos, cangurus, coalas, primatas, pássaros, peixes tropicais, répteis e pessoas. Os animais de
laboratório afetados pela doença incluem hamsters, porquinhosda–índia, coelhos, camundongos e ratos. A suscetibilidade dos hospedeiros e as manifestações da doença são variáveis entre as espécies. A introdução de animais sem
imunidade nos rebanhos de regiões endêmicas os predispõe à doença, como se nota em ovinos, caprinos, suínos e camelídeos. Outras espécies (p. ex., cães e gatos) podem sucumbir à infecção devido às condições de imunossupressão.
TRANSMISSÃO: Acreditase que a infecção seja oportunista e primária e resulta da transmissão do ambiente ao animal e não de animal para animal. As vias mais comuns de infecção são inoculação percutânea, contaminação de feridas,
ingestão do solo, carcaças contaminadas ou inalação. A infecção transplacentária resultando em aborto foi relatada em caprinos. A transmissão sexual e outros tipos de transmissão hospedeiro a hospedeiro são possíveis, mas não foram
descritas. Foram relatadas infecções laboratoriais e iatrogênicas por meio de antissépticos, injeções ou outros equipamentos hospitalares ou cirúrgicos contaminados.
PATOGENIA: A virulência de B. pseudomallei parece apresentar muitas variações, mas os fatores de virulência não são bem compreendidos. Clones originários de surtos são produzidos em diferentes graus de manifestações clínicas, o que
indica que os fatores do hospedeiro e a dose infectante podem ser igualmente importantes na determinação da gravidade da doença. B. pseudomallei é um patógeno intracelular facultativo que pode permanecer latente por muitos anos antes
de emergir como infecção ativa.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais podem ser bastante diversificados entre as espécies, dependendo do local da infecção e variação entre crônica e aguda. A infecção subclínica é comum. A infecção pode estar associada a nódulos e abscessos
isolados ou múltiplos, supurativos ou caseosos, que podem estar localizados em qualquer tecido orgânico com efeitos variáveis. A doença provavelmente originase da inoculação percutânea que geralmente se desenvolve em locais
distantes sem evidências de infecção ativa no local da inoculação. Em sua maioria, os órgãos comumente afetados são pulmões, baço, fígado e linfonodos associados.
As cabras geralmente desenvolvem mastite, sendo um achado comum o aneurisma de aorta. O sistema respiratório é preferencialmente envolvido em ovinos; os sintomas podem incluir febre, tosse intensa, angústia respiratória e secreção
nasal mucopurulenta e ocular. A doença do SNC inclui andar em círculos, incoordenação, cegueira, nistagmo e espasmos e pode ser observada em bovinos, equinos, ovinos e caprinos. Os suínos são geralmente assintomáticos, ocorrendo
lesões no baço, que são achados acidentais de abatedouro. A claudicação por artrite séptica e osteomielite pode ocorrer. Em geral, ocorrem fatalidades em associação com infecção aguda fulminante ou quando os órgãos vitais são afetados.
Várias formas de meliodiose são relatadas em equinos os sinais incluem fraqueza, edema e linfangite nos membros, cólica leve, diarreia, tosse ou secreção nasal. Infecções de pele podem, inicialmente, se assemelhar a eczema fúngico,
progredir e se tornar papular. Em cães, a doença pode ser aguda, subaguda ou crônica. Em casos agudos, sepse com febre, diarreia intensa e pneumonia fulminante são comuns. Casos subagudos podem estar presentes como lesões cutâneas
com linfangite e linfadenite, casos não tratados podem progredir para sepse. Casos crônicos podem ocorrer em qualquer órgão com sinais clínicos que incluem anorexia, mialgia, edema de membros e abscesso de pele.
Lesões: Múltiplos abscessos com material denso, caseoso branco a amarelo são observados na necropsia. Os órgãos comumente envolvidos são pulmões, baço, linfonodos, fígado e tecido subcutâneo. A broncopneumonia exsudativa,
consolidação e abscessos podem ser verificados nos pulmões dos animais com doença respiratória. Nódulos e úlceras podem ser verificados na mucosa nasal e septo e nos cornetos, estes podem coalescer em placas irregulares.
Meningoencefalite, enterite grave, poliartrite supurativa e outras síndromes também foram relatadas.
DIAGNÓSTICO: Os sinais clínicos de melioidose têm valor diagnosticado devido à natureza multiforme da doença. Para o diagnóstico definitivo é necessário isolamento e identificação do microrganismo. O agente pode ser isolado de lesões
e secreções. É rapidamente cultivado nos meios diagnósticos de rotina e têm uma forma de colônia e odor característicos (especialmente em meio Ashdown). Esfregaços de exsudatos ou pus corados pelo Gram às vezes permitem identificar
bastonetes Gramnegativos bipolares em forma de “alfinete”. Os testes sorológicos, como fixação de complemento e hemaglutinação indireta, são efetivos como ferramentas de vigilância do rebanho. Mais recentemente, sondas de ácido
desoxirribonucleico (DNA) e testes de PCR foram desenvolvidos.
TRATAMENTO E PREVENÇÃO: O tratamento pode ser caro, prolongado e geralmente não obtém sucesso, e com o risco de recrudescência se descontinuado. A possibilidade de condições de imunossupressão subjacentes deve ser investigada
em espécies menos suscetíveis. Os regimes de tratamento que utilizam diretrizes para melioidose humana incluem inicialmente uma terapia inicial intensiva com betalactâmicos (ceftazidima e carbapenens), possivelmente em combinação
com cotrimoxazol por até 2 meses. Isso pode ser seguido de erradicação subsequente de terapia de no mínimo 3 meses com altas doses de cotrimoxazol ou combinação de terapia convencional com cloranfenicol, cotrimoxazol e doxiciclina
ou amoxicilina/clavulanato. As medidas de prevenção são mais práticas e econômicas nas fazendas de criação intensiva e no ambiente, envolvendo elevação dos animais acima do solo e provisão da água de bebida limpa por meio de
cloração ou filtração. A minimização da contaminação ambiental por parte de animais enfermos também é considerada uma importante medida de controle. Não há vacina efetiva.
RISCO ZOONÓTICO: A melioidose tem potencial zoonótico. A mastite em cabras é uma manifestação comum e B. pseudomallei foi isolada do leite, resultando na necessidade de pasteurização do leite de cabra comercializado nos trópicos.
A carcaça de animais infectados deve ser condenada no abatedouro.
NEOSPOROSE
Neospora caninum é um protozoário microscópico com distribuição cosmopolita. Muitos animais domésticos (p. ex., cães, bovinos, ovinos, caprinos, equinos e aves) e selvagens (veado, roedores, coelhos, coiotes, lobos e raposas) podem
ser infectados. A neosporose é um dos casos mais comuns de aborto em bovinos, especialmente em fazendas com criação intensiva. O aborto pode ocorrer também em ovinos, caprinos, búfalos da água e camelídeos da América do Sul,
embora eles sejam menos suscetíveis que os bovinos.
Uma outra espécie de Neospora, N. hughesi, causa mielite em equinos e compartilha características clínicas com a mielite equina protozoária que, na América do Norte e do Sul, geralmente é causada por Sarcocystis neurona. O ciclo
biológico de N. hughesi é desconhecido. A discussão neste capítulo foca somente a infecção por N. caninum.
EPIDEMIOLOGIA: A neosporose em rebanhos bovinos manifestase tanto como aborto endêmico quanto epidêmico, mas é possível que um rebanho tenha alta prevalência da doença sem ocorrência de aborto. Tanto o padrão de transmissão
endêmico quanto o epidêmico em bovinos está associado à presença de cães na fazenda. O aborto endêmico está relacionado principalmente com transmissão transplacentária endógena, embora a transmissão ocasional de cães ou outros
canídeos possa responder pelo problema. O aborto epidêmico é uma possível consequência de uma transmissão súbita em larga escala em vacas prenhes, presumivelmente pela ingestão de uma mistura de ração ou água contaminada com
fezes de cães infectados. O uso de ração misturada em rebanhos leiteiros provavelmente contribui para a maior prevalência de neosporose em bovinos leiteiros do que em bovinos de corte criados extensivamente a pasto.
TRANSMISSÃO: Os cães são os hospedeiros definitivos de N. caninum e são capazes de excretar oocistos nas fezes após ingerir tecidos de animais infectados. Os canídeos selvagens também são suspeitos e os coiotes são confirmados como
hospedeiros definitivos. Neospora oocysts tem uma camada impermeável que permite sua sobrevivência no solo e na água por longos períodos após a decomposição das fezes dos caninos. Os hospedeiros intermediários, como o gado,
infectamse pela ingestão de oocistos. Os bovinos não produzem oocistos e, desta forma, não há transmissão horizontal da infecção horizontal para outros bovinos, mas a infecção latente perdura permanentemente em seus tecidos e são
transmitidos aos canídeos pela ingestão de carne contaminada.
Nos bovinos, a transmissão de N. caninum pode ser transplacentária, de uma vaca infectada para o feto em desenvolvimento, um evento que pode ocorrer em múltiplas gestações da mesma vaca. Como a maioria das infecções congênitas
é subclínica, bezerras com infecção congênita podem permanecer no plantel e causar infecções transplacentárias para sua própria prole. Esta transmissão transplacentária endógena permite a manutenção do parasito às próximas gerações
mesmo que o rebanho não tenha contato frequente com cães. Pode ocorrer transmissão transplacentária exógena quando uma vaca não infectada ingere oocistos de Neospora durante a gestação e o feto tornase infectado.
Os cães se infectam ao consumir produtos de bovinos infectados (inclusive placenta) e os veados são, presumivelmente, infectados ao consumir dieta à base de carne crua, frangos criados perto do curral e uma variedade de animais
selvagens.
ACHADOS CLÍNICOS: O aborto pode ocorrer durante toda a gestação. A inflamação não supurativa é a principal lesão em tecidos fetais abortados. Bezerros infectados congenitamente podem nascer fracos ou com déficit neurológico.
Entretanto, muitas infecções congênitas são subclínicas.
Nos cães normalmente ocorrem infecções subclínicas, embora existam várias exceções. Ninhadas ou filhotes individuais podem desenvolver paresia progressiva de membros pélvicos associada à polirradiculoneurite, miosite e atrofia
muscular. Cães adultos podem apresentar encefalomielite, nódulos focais ou úlceras cutâneas, pneumonia, peritonite ou miocardite.
DIAGNÓSTICO DE ABORTO BOVINO: Como a neosporose é apenas uma das muitas causas de aborto, o diagnóstico deve focar as possíveis etiologias. O feto abortado deve ser enviado ao laboratório de diagnóstico veterinário, juntamente
com a placenta e uma amostra de soro da fêmea que abortou. A análise de múltiplos fetos aumenta as chances de diagnóstico acurado. Se for impraticável o envio de todo o feto, remeta parte das seguintes amostras para melhor definir a
causa de aborto: coleta asséptica de pulmão, fígado, baço e fluido abomasal; um globo ocular para o teste do nitrato, amostras de cérebro fixada em formalina (mesmo se mole), pulmões, timo, rins, baço, glândula adrenal, músculo
esquelético (p. ex., língua e diafragma) e cotilédones placentários; soro da fêmea que abortou e fluido toracoabdominal do feto para sorologia.
O diagnóstico do aborto por neosporose pode ser feito com boa confiabilidade com base nos seguintes achados: 1) Ausência de outros agentes etiológicos; 2) Inflamação não supurativa em múltiplos órgãos fetais, especialmente cérebro,
coração e músculo esquelético; 3) Imunoistoquímica ou detecção do Neospora em tecidos fetais por meio de PCR; e 4) Soropositividade para Neospora da fêmea e do feto. Entretanto, tais informações nem sempre estão disponíveis. Uma
lesão muito específica de aborto por neosporose em vacas é a necrose multifocal cerebral circundada por reação leucocitária não supurativa. A confiabilidade no diagnóstico aumenta com a constatação de alto teor de anticorpos na fêmea
que abortou; forte reação soropositiva no momento do aborto tem bom valor preditivo em relação às reações de baixa soropositividade. Geralmente excluise a possibilidade de neosporose em fêmeas soronegativas.
A toxoplasmose, comum em ovinos, mas rara ou inexistente em bovinos, causa aborto com lesões fetais idênticas.
O teste sorológico de várias vacas ou novilhas pode ser utilizado como alternativa ou como método complementar para diagnosticar neosporose na maioria dos rebanhos com problemas reprodutivos. Esta estratégia pode auxiliar quando
os rebanhos são investigados por problemas de aborto. Amostras de soro devem ser colhidas de fêmeas que abortaram e de número igual de fêmeas com gestação normal (geralmente 10 ou mais por grupo). O soro deve ser testado e
classificado para anticorpos contra Neospora. Se muitas vacas no grupo abortado são soropositivas e no grupo normal poucas são soropositivas, devese suspeitar de neosporose como causa de aborto no rebanho; isto deve ser confirmado
por comparação estatística. Se muitas vacas que abortaram são soronegativas, então neosporose não é o principal problema.
DIAGNÓSTICO DA NEOSPOROSE CANINA: Cães afetados clinicamente, em geral têm teor de anticorpos contra Neospora muito mais alto que aquele verificado em infecções subclínicas individuais. A biopsia de tecidos clinicamente afetados
mostra inflamação não supurativa e deve revelar a presença do protozoário, mas devese realizar imunoistoquímica ou PCR para detectar o microrganismo ou para diferenciálo de outros protozoários.
Cães com neosporose sintomática geralmente não disseminam oocistos pelas fezes. Os cães disseminam oocistos somente por períodos de dias ou semanas após ingestão de tecido de um animal infectado; por isso a presença
de Neospora no exame de fezes por flutuação é ocasional. Os pequenos oocistos são redondos ou ligeiramente ovalados e têm 10 a 11 mícrons de diâmetro. Um contorno externo liso auxilia na diferenciação de grãos de pólen de mesmo
tamanho. Os oocistos de Neospora são praticamente idênticos aos oocistos de Hammondia heydorni, um parasito intimamente relacionado e que não está associado a enfermidades sistêmicas em cães ou com abortos em ruminantes. PCR
pode ser necessária para distinguir entre os oocistos de Neospora e de H. heydorni.
TRATAMENTO: Não há tratamento aprovado para neosporose em bovinos. A neosporose clínica em cães é tratada mediante administração prolongada de clindamicina ou de sulfas. O prognóstico é negativamente associado à gravidade da
apresentação dos sinais clínicos e com a falha do tratamento. O prognóstico é reservado em filhotes, se a doença é progressiva, com paresia de membros pélvicos, atrofia e membros rígidos.
CONTROLE: O grau de eficácia da eliminação de N. caninum pela vacina em bovinos, comercialmente disponível nos EUA desde 1998, não é claro. Atualmente, não há outras vacinas disponíveis contra Neospora.
A maioria dos rebanhos de leite e de corte tem uma pequena porcentagem de bovinos infectados por Neospora. Embora a redução do risco de transmissão de Neospora seja um objetivo apropriado, a completa erradicação em um rebanho
é impraticável. A contaminação dos alimentos misturados às rações por fezes caninas deve ser evitada. Grandes laticínios podem considerar a colocação de cercas a prova de entrada de cães ao redor da área onde os alimentos são estocados
e portões automáticos podem ser instalados para facilitar o tráfico cotidiano do maquinário pesado. Fazendas menores podem proteger os alimentos em construções tradicionais como celeiros e silos.
Além da proteção dos alimentos, rebanhos com abortos por neosporose endêmica devem considerar não manter novilhas que nasceram de vacas soropositivas, assim reduzem o número de infecções congênitas em novilhas que entram no
rebanho. Se esta técnica for utilizada em vacas soropositivas, estas podem ser criadas por sêmen bovino. Para vacas soropositivas com genética apurada, o uso de transferência de embriões para substitutas soronegativas, é uma técnica que
bloqueia a transmissão endógena e deve ser considerada.
Animais mortos, miúdos de abatedouro e placentas devem ser descartados de forma a prevenir o acesso de cães a este material para reduzir o risco de mais cães infectados e de disseminação de oocistos de Neospora nas fazendas. Os cães
soropositivos para Neospora têm pouca probabilidade de disseminação de oocistos, comparados com cães soronegativos; portanto, os testes sorológicos em cães de fazenda raramente são úteis.
RISCO ZOONÓTICO: Apesar da semelhança com a infecção por Toxoplasma, a infecção por Neospora não está claramente associada à doença em pessoas. Os profissionais de laboratório devem se proteger de inoculações, o que causou
lesões fatais em primatas inoculados por via parenteral.
NOCARDIOSE
A nocardiose é uma enfermidade crônica, não contagiosa, piogranulomatosa, não supurativa e refratária à terapia antimicrobiana convencional. Nocardia ssp são bactérias pleomórficas, Grampositivas, aeróbias estritas e intracelulares
facultativas. Estes microrganismos são parcialmente ácidoresistentes e na coloração de Gram apresentamse como bastonetes, cocos, cocobacilos ou forma longa característica ou filamentos ramificados e hifas finas.
ETIOLOGIA, EPIDEMIOLOGIA E PATOGENIA: Recentemente, o gênero Nocardia foi reclassificado com base nas propriedades bioquímicas, suscetibilidade antimicrobiana e métodos moleculares (sequência do gene RNA 16S). Mais de 70
espécies de Nocardia são atualmente identificadas. Destas, > 25 foram reconhecidas como causa de infecção humana e > 30 são responsáveis por doenças em animais. A espécie patogênica mais importante para pessoas e animais são as do
complexo N. asteroides, N. brasiliensis, N. pseudobrasiliensis, N. otitidiscaviarum e N. transvalesis. O complexo N. asteroides incluem tipos IVI. O tipo III é denominado N. nova e o tipo V é N. farcinica.
Embora a nocardiose seja considerada incomum nos animais e nas pessoas, a doença foi relatada em todo o mundo. Nocardia são organismos onipresentes e saprófitas do solo. São comumente verificados no solo, material orgânico, água,
vegetais em decomposição e outras fontes ambientais.
Nocardia spp. é considerada um agente causador de mastite ambiental em vacas e fêmeas de pequenos ruminantes. N. asteroides, N. nova, N. otitidiscaviarum e N. farcinica são as espécies mais comumente identificadas nas infecções
mamárias. A mastite por nocardia geralmente é observada em rebanhos leiteiros submetidos a manejo inadequado e/ou a condições higiênicas inadequadas antes e depois da ordenha. As infecções mamárias são predominantemente causadas
por contaminação de tetos, úbere e equipamento de ordenha por contato com o solo durante os procedimentos de lavagem e infusão intramamária. Os rebanhos bovinos acometidos por mastite por nocardia geralmente têm histórico de uso
de concentração inadequada de antisséptico nos tetos.
Em animais de companhia as espécies comumente encontradas são N. asteroides, N. brasiliensis, N. otitidiscaviarum e N. nova. A transmissão da doença em cães e gatos está relacionada com a inoculação do microrganismo em feridas
perfurantes ou corpos estranhos e secundariamente a mordidas ou arranhões de gatos após brigas. Esporadicamente, a nocardiose canina está relacionada com a inalação da bactéria. A ocorrência da doença em cães e gatos está associada a
condições de imunossupressão, particularmente em cães infectados pelo vírus da cinomose e gatos infectados pelo vírus da leucemia ou da imunodeficiência. A nocardiose canina afeta igualmente machos e fêmeas e acomete principalmente
animais de 1 a 2 anos de idade.
A patogenicidade de Nocardia em animais domésticos está relacionada com a virulência das cepas, estrutura da parede celular, hospedeiro suscetível, via de transmissão, infecção concomitante à doença imunossupressora e indução de
lesões piogranulomatosas. A resposta imune contra infecções por nocardia é principalmente mediada por células. Estes organismos intracelulares são capazes de inibir a fusão lisossomofagossomo em neutrófilos e macrófagos devido à
presença de ácidos micólicos na parede celular bacteriana e são resistentes ao ácido, enzimas oxidativas (catalase e superoxidase) e outros mecanismos enzimáticos das células fagocitárias.
ACHADOS CLÍNICOS: Mastite bovina, abscessos subcutâneoscutâneos e pneumonia em animais de companhia são as manifestações clínicas mais comuns de nocardiose.
A mastite por nocardia geralmente é caracterizada por histórico de evolução crônica. Classicamente, os casos clínicos de infecção mamária são observados em 1 ou 2 animais do rebanho durante a lactação ou no período seco. O exame
clínico do úbere mostra aumento, edema, fibrose e, ocasionalmente, drenagem de fluido. O teste da caneca revela secreção láctea serosa a purulenta com partículas brancas a amareladas (“grânulos de enxofre”). Animais infectados
apresentam alta contagem de células somáticas. Ocasionalmente, o microrganismo pode se disseminar da glândula mamária para outros órgãos, causando linfadenite regional e lesões piogranulomatosas.
Em animais de companhia, a nocardiose pulmonar é caracterizada por secreção oculonasal mucopurulenta, anorexia, hipertermia, perda de peso, tosse, dispneia e hemoptise. Os abscessos cutâneossubcutâneos, micetomas e linfadenite
regional são frequentes nas nocardioses associadas a lesões de pele em cães, particularmente em animais coinfectados por vírus da cinomose. Outras formas sistêmicas ou disseminadas da doença em cães e gatos são representadas por
desenvolvimento de abscessos nos rins, fígado, baço e linfonodos abdominais, bem como peritonite, pleurite e piotorax. Infecções grastrointestinais podem ocasionar gengivite, ulceração da cavidade bucal e halitose. O organismo é
raramente observado no sistema nervoso central, trato urinário, coração, ossos e articulações. Os sinais clínicos de nocardiose felina são semelhantes aos descritos para os cães. Abscessos cutâneossubcutâneos e micetomas são as formas
clínicas mais comuns de nocardiose felina.
Infecções bucais secundárias, em bovinos e equinos, devido ao consumo de alimento fibroso podem levar ao desenvolvimento de lesões piogranulomatosas na mandíbula. N. otitidiscaviarum foi identificada em equinos com pleurite e
pneumonia. Aborto por nocardia pode ser notado em suínos e equinos. Linfadenite submandibular e mesentérica foi observada em suínos. O farcino bovino ocasionado pela N. farcinica é uma causa incomum de linfangite crônica,
linfadenite e nódulos cutâneos.
A nocardiose em animais selvagens e peixes é geralmente representada pelo desenvolvimento de abscessos nos órgãos e pneumonia.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico de rotina se baseia nos achados clínicos e epidemiológicos e nos exames microbiológicos. As amostras de abscessos, pele, lavado traqueobrônquico, leite, órgãos ou outros tecidos devem ser cultivadas em
ágarsangue ou ágar Sabouraud e incubadas em aerobiose por 3 a 7 dias, em temperatura de 37°C e 25°C, respectivamente. As colônias são circulares, convexas, lisas ou rugosas, firmemente aderidas à superfície do ágar com vários
pigmentos (creme, branco, alaranjado ou vermelho) e com a presença de hifas finas, de pó característico e superfície seca, semelhante a fungos. A confirmação do diagnóstico depende da caracterização bioquímica baseada na hidrólise de
diferentes substratos (caseína, xantina, hipoxantina, tirosina) e assimilação de carboidratos (glicose, glicerol, galactose, glicosamina, inositol, adonitol, trealose). Mais recentemente, o diagnóstico é confirmado por identificação molecular
por meio de sequenciamento do gene RNA 16S.
Microscopicamente, os organismos são Grampositivos e filamentosos, com tendência à fragmentação. A coloração de ZiehlNeelsen modificada mostra microrganismos parcialmente ácidoresistentes. A aspiração com agulha fina é
utilizada no diagnóstico de nocardiose cutânea em cães e gatos. As colorações de Gram, Giemsa e Panótico mostram organismos filamentosos no material aspirado por biopsia. O leucograma geralmente indica leucocitose com neutrofilia e
monocitose; o eritrograma revela anemia moderada.
As imagens radiográficas das lesões nos cães e gatos com nocardiose pulmonar revelam inflamação difusa, nódulos, abscessos e consolidação lobar. Os achados patológicos de nocardiose são caracterizados por lesões piogranulomatosas,
necrose supurativa e abscessos em vários órgãos e tecidos. No exame histológico notamse centros necróticos e supurativos com microrganismos envoltos por macrófagos, linfócitos e plasmócitos. Microcolônias do organismo,
denominadas “grânulos de enxofre”, podem ser observadas no exame histológico.
O diagnóstico diferencial em cães e gatos deve incluir a infecção pelo gênero Actinomyces devido à similaridade da aparência microbiológica e dos sinais clínicos. O diagnóstico diferencial de aumento de face e da mandíbula, em
bovinos e equinos, causado por nocardiose bucal deve incluir infecção por Actinomyces bovis (actinomicose), Actinobacillus lignieresii (actinobacilose) e Staphylococcus aureus (botriomicose).
TRATAMENTO: A nocardiose é, geralmente, refratária à terapia antimicrobiana convencional devido sua localização intracelular, ao desenvolvimento de lesões piogranulomatosas e aos padrões de resistência. Sulfonamidatrimetropin,
amicacina, linezolida e betalactâmicos (cefotaxima, imipeném, ceftriaxona) são consideradas drogas de escolha para tratamento de pessoas e animais. Entretanto, o sucesso da terapia antimicrobiana ocorre em somente 30 a 50% dos casos
de mastite em vacas e cabras e de infecções pulmonares e extrapulmonares (disseminadas ou sistêmicas) em animais de companhia. A terapia de longa duração é necessária (1 a 6 meses, em muitos animais; 612 meses, em pessoas).
Recidivas podem ocorrer quando se utiliza protocolo de curta duração. Infusões intramamárias de sulfonamidatrimetropin, cefalosporinas ou aminoglicosídios podem ser utilizadas por 5 a 7 dias, no tratamento de mastite clínica, em vacas
e cabras. Em animais de companhia indicamse procedimentos cirúrgicos (desbridação, drenagem, retirada de corpos estranhos e lavagem de lesões com soluções antissépticas) nas lesões cutâneassubcutâneas e na osteomielite.
CONTROLE E PREVENÇÃO: Não há medidas específicas ou efetivas no controle de nocardiose devido à ampla distribuição do microrganismo no ambiente. Em animais de companhia, patógenos imunossupressores ou condições
debilitantes devem ser investigadas como fatores predispondentes ao desenvolvimento da nocardiose. Controle e prevenção de mastite por nocardia se baseiam em medidas indicadas para microrganismos ambientais. Assim, o diagnóstico
precoce de mastite, a adoção de medidas higiênicas adequadas e limpeza apropriada do ambiente durante a ordenha, a concentração correta de antisséptico, de solução de imersão de teto utilizada antes e após a ordenha e procedimentos
adequados de terapia intramamária são as melhores medidas de controle e/ou prevenção de mastite por nocardia. Devido à baixa taxa de sucesso no tratamento de infecções mamárias, recomendase cauterização química de quartos
infectados ou abate de animais acometidos como medidas de controle de mastite por nocardia em rebanhos leiteiros.
RISCO ZOONÓTICO: A nocardiose em pessoas é considerada uma doença oportunista. Relatos de nocardiose humana tornamse mais frequentes em todo o mundo. Esta doença é observada em pessoas imunocompetentes e
imunocomprometidas, com predomínio de manifestações pulmonares, lesões cutâneassubcutâneas, micetomas e sinais neurológicos. Os casos clínicos de nocardiose humana são frequentemente associados à doença imunossupressora ou
debilitante, como AIDS, transplante de órgãos, cirrose, diabetes, alcoolismo, doença maligna (linfossarcoma, linfoma) ou uso prolongado de corticosteroides.
Muitos casos de transmissão humana ocorrem provavelmente por inalação de microrganismos em regiões de clima seco e quente. Traumatismos com inoculação cutânea é outra forma de transmissão. Muitos casos de nocardiose humana
cutâneasubcutânea foram descritos como secundários a mordidas ou arranhaduras de cães e gatos com doença clínica. Entretanto, a nocardiose humana provavelmente não é transmitida diretamente de pessoa a pessoa ou adquirida em
nosocômios. Estudos experimentais de resistência à temperatura utilizando N. asteroides e N. brasiliensis isolados de leite de vaca em condições de tempo e temperatura empregadas na pasteurização indicam um risco potencial de
transmissão pelo leite.
Precauções devem ser tomadas por pessoas imunocomprometidas, com atenção especial ao contato com solo ou material orgânico do ambiente contaminado por animais domésticos ou por contato direto ou indireto como animais
suspeitos de ter a nocardiose.
PERITONITE
Peritonite é a inflamação das membranas serosas da cavidade peritoneal. Pode ser uma doença primária ou secundária, provocada por outras enfermidades. As manifestações clínicas (p. ex., aguda ou crônica, séptica ou não séptica, local ou
difusa, com aderência ou exsudativa), a progressão e os sintomas variam de acordo com a etiologia.
ETIOLOGIA: A peritonite primária pode ser infecciosa ou idiopática. Na peritonite primária, agentes específicos de infecção disseminamse da corrente sanguínea para a cavidade peritoneal dos animais, geralmente imunocomprometidos. A
peritonite primária é menos comum que a secundária e pode ser ocasionada por agentes infecciosos como o vírus da peritonite infecciosa felina, Nocardia spp ou Mycobacterium spp, Haemophilus parasuis e outros microrganismos
infecciosos. A progressão da peritonite primária tende a tornarse crônica.
A peritonite secundária pode ser resultado da exposição da cavidade peritoneal a infecções específicas ou inespecíficas. Geralmente é uma doença aguda, abrupta, progressiva e sistêmica.
A peritonite séptica secundária comumente está associada à perfuração e extravasamento de trato gastrintestinal (p. ex., úlcera gástrica ou abomasal perfurada; reticuloperitonite traumática em bovinos) ou do útero em animais com
laceração uterina resultante do parto. A peritonite também pode resultar de perfuração ou migração transmural (p. ex., neoplasia, isquemia intestinal), ruptura ou extravasamento de outras vísceras infectadas (p. ex., abscesso de fígado, baço
ou omento; cistite, endometrite e piometra). Além disso, a migração de parasitos pela cavidade abdominal também pode resultar em extravasamento de quimo e subsequente peritonite séptica. Feridas que perfuram a parede abdominal (p.
ex., mordidas de cães) ou deiscência de feridas podem resultar em laceração de vísceras e penetração de material estranho e de microrganismos na cavidade peritoneal.
Os microrganismos associados à peritonite séptica refletem a fonte de contaminação. Uma população mista de bactérias é observada nas perfurações gastrintestinais (coliformes e anaeróbios), enquanto a perfuração de vísceras não
gástricas (p. ex., vesícula biliar, útero, próstata) pode esta associada a microrganismos aeróbios, como Escherichia coli, Staphylococcus, Streptococcus zooepidemicus equi, Proteus, Rhodococcus, Enterobacter, Pseudomonas e
Corynebacterium.
Peritonite asséptica secundária ocorre após a contaminação da cavidade abdominal com irritantes químicos (p. ex., bile, urina, medicamentos) ou isquemia intestinal. As condições comuns são urolitíase e ruptura da bexiga ou vesícula
biliar; estas condições nem sempre são assépticas. Uma inflamação peritoneal asséptica pode se tornar séptica.
Em grandes animais, a peritonite é mais comumente observada em bovinos e menos frequente em equinos e raramente em suínos, ovinos e caprinos. A peritonite é uma doença grave e fatal em gatos. Há na Tabela 5, um resumo das
causas mais comuns de peritonite nos animais.
PATOGENIA: A patogenia da peritonite é espéciedependente (p. ex., resposta inflamatória peritoneal em bovinos caracterizada por formação extensa de fibrina; equinos tendem a desenvolver peritonite exsudativa) e influenciada
principalmente pela etiologia (p. ex., primária e secundária, séptica ou não séptica). Devido à liberação de mediadores inflamatórios após contato com agentes mecânicos, químicos ou infecciosos, a permeabilidade dos capilares da serosa
aumenta, resultando no extravasamento de solutos, água e proteínas do plasma para a cavidade peritoneal. A exsudação do fluido proteico pode resultar em hipoproteinemia e favorecer a proliferação bacteriana. O efeito combinado da
grande perda de fluidos na cavidade peritoneal e os efeitos vasodilatadores das toxinas absorvidas pode levar à hipotensão e hipovolemia.
Tabela 5 – Causas frequentes de peritonite em bovinos, equinos, pequenos ruminantes, suínos, cães e gatos
Espécie Causa
Bovinos Reticuloperitonite traumática, ruminite, úlcera de abomaso (perfuração), vólvulo de abomaso, vólvulo cecocólico, distocia (torção uterina, cesariana), metrite ou piometra, cirurgia abdominal, intestinal, retal ou ruptura de
útero, ruptura de abscesso hepático ou abdominal, onfalite (bezerros); necrose gordurosa, injeção intraperitoneal, neoplasia (p. ex., mesotelioma)
Cães e Peritonite infecciosa felina, ingestão de corpo estranho, ruptura gástrica, intestinal, retal ou uterina, neoplasia abdominal, pancreatite, necrose gordurosa, vólvulodilatação gástrica (cães), trauma penetrante na parede
gatos abdominal
Equinos Migração parasitária (larval), lesão intestinal ou isquemia (cólica), ruptura de abscesso abdominal (Rhodocoddus, Streptococcus), cirurgia abdominal (cólica e castração), ruptura gástrica, intestinal ou uterina,
gastroduodenoenterite, colite, onfalite, úraco persistente, ruptura de bexiga (potros), úlcera gástrica (perfuração), injeção intraperitoneal, neoplasia (p. ex., carcinoma colangiocelular), traumatismo penetrante na parede
abdominal, iatrogênica (perfuração de reto)
Pequenos Peritonite primária (Mycoplasma spp), migração parasitária (larval), ruptura de abscesso abdominal, neoplasia (p. ex., mesotelioma)
ruminantes
Suínos Doença de Glasser (Haemophilus parasuis) perfuração intestinal (íleo), distocia, sequela de infecção septicêmica (Salmonella Choleraesuis)
Ruptura ou perfuração de cavidade abdominal, estômago ou intestino, com liberação de grande volume de conteúdo gástrico ou intestinal, e ruptura ou perfuração do útero causa peritonite séptica aguda. As toxinas produzidas pelas
bactérias e pela degradação dos tecidos são rapidamente absorvidas pelo peritônio e ocasiona efeitos sistêmicos graves, como hipotensão, choque, síndrome da resposta inflamatória sistêmica e coagulação intravascular disseminada (CID).
Endotoxinas e anormalidades eletrolíticas e do equilíbrio ácidobase atuam diretamente na função cardíaca levando a déficit cardíaco e insuficiência circulatória. A hipomotilidade gastrintestinal ou do íleo é uma consequência frequente de
peritonite aguda e pode causar obstrução funcional e aumento da taxa de mortalidade. Grande quantidade de volume de exsudato inflamatório pode ser secretado na cavidade peritoneal durante a peritonite; também, pode levar ao
comprometimento respiratório por interferir no diafragma.
Peritonite crônica geralmente é caracterizada por secreção extensa de fibrinogênio e subsequente formação aderência fibrinosa ou fibrosa. As aderências auxiliam na limitação da inflamação (p. ex., reticuloperitonite traumática
em bovinos), mas pode causar obstrução mecânica ou funcional do trato GI. A peritonite crônica em equinos geralmente resulta em cólica recidivante.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais não são específicos e variam dependendo do tipo de peritonite e da etiologia. Os animais afetados podem desenvolver toxemia e sepse, choque, hemorragia, dor abdominal, íleo adinâmico, acúmulo de fluidos
e vários graus de aderências.
Choque, hipotensão, anormalidade ácidobase e colapso respiratório após peritonite séptica aguda associada à ruptura de intestino ou útero causam morte súbita. Os animais afetados normalmente apresentam apenas sinais clínicos
limitados. Em casos menos graves, dor abdominal e febre são sinais comuns. Hipotermia também pode ser observada como resultado de desidratação, hipovolemia e sepse. A dor abdominal pode ser contínua, intensa e caracterizada por
uma postura rígida de proteção do abdome ou o animal permanece em decúbito. Em todas as espécies a resposta à dor é mais evidente nos estágios iniciais da doença. A distensão abdominal, que pode ser inaparente, geralmente se deve ao
acúmulo de exsudato peritoneal, hipomotilidade GI, inclusive do íleo, ou aderência peritoneal. A produção de fezes geralmente diminui, embora um aumento da frequência da defecação possa ser observado nos estágios iniciais. Os animais
com peritonite secundária também podem apresentar sinais clínicos associados à doença primária.
Palpação retal é uma técnica de diagnóstico útil para avaliação do peritônio e para ter acesso aos órgãos abdominais, em grandes animais. Radiografia abdominal pode ser utilizada em pequenos animais. Geralmente, a ultrassonografia é a
forma mais efetiva de exame da cavidade abdominal e verificação de tamanho, extensão, localização e característica do peritônio. Além disso, a ultrassonografia permite guiar a abdominocentese. Abdominocentese deve ser realizada em
grandes e pequenos animais, com intuito de obter fluido para citologia, exames bioquímicos e cultura bacteriológica. A análise do lavado peritoneal pode ser útil se não é possível obter o fluido por abdominocentese. Diagnóstico
laparoscópico ou laparotomia pode ser empregada para definir o diagnóstico. Estes procedimentos primários de diagnóstico podem ser combinados com medidas terapêuticas.
Bovinos: Os sinais clínicos de peritonite em bovinos geralmente são inespecíficos e caracterizados pela redução no consumo da ração, redução súbita da produção de leite e diminuição da ruminação. Nos casos crônicos, a contração ruminal
pode estar presente com menos intensidade. A percussão abdominal pode revelar timpanismo ruminal ou pneumoperitônio. Febre moderada é típica em bovinos com peritonite e uma temperatura subnormal sugere peritonite difusa aguda
terminal. Os sinais clínicos mais comuns em bovinos com peritonite são incoordenação, andar rígido, dorso arqueado e berros ao caminhar ou defecar. A palpação profunda da parede abdominal provoca dor. A peritonite crônica está
associada ao desenvolvimento de aderências fibrosas. Dependendo da localização, a palpação retal pode revelar aderências entre alças intestinais e peritônio. Os bovinos podem desenvolver sintomas de indigestão vagal ou toxemia, com
períodos de sinais agudos graves causados por obstrução intestinal parcial. A maioria dos bovinos desenvolve peritonite localizada, com extensa formação de fibrina; entretanto, em alguns casos a cavidade abdominal contém grande volume
de fluido turvo infectado.
Cães e Gatos: Em pequenos animais, anorexia e depressão são sinais inespecíficos de peritonite; geralmente acompanhados de vômito e diminuição da defecação. O abdome pode se apresentar distendido. A palpação abdominal pode ser
dolorosa e uma massa abdominal pode ser detectada. É possível notar icterícia na peritonite biliar generalizada, em pequenos animais. A radiografia pode revelar obstrução GI, dilatação intestinal, ar livre no abdome, ascite ou material
estranho radiodenso. A perda dos detalhes da serosa na radiografia indica fluido abdominal.
Equinos: Os sinais incluem cólica, torção intestinal, distensão intestinal notada à palpação retal, refluxo gástrico e, ocasionalmente, diarreia. A palpação retal pode revelar mucosa seca, pegajosa e, em alguns casos, aderência de alças
intestinais e outros órgãos abdominais por fibirna. Os ruídos de borborigmos intestinais estão diminuídos. Taquicardia, pulso fraco, má perfusão periférica e febre são comuns. Perda de peso e dor abdominal intermitente (cólica) podem ser
observadas em equinos com peritonite crônica.
Pequenos Ruminantes e Suínos: Geralmente, os sinais clínicos em pequenos ruminantes e suínos são semelhantes aos verificados em outros animais; entretanto, peritonite raramente é diagnosticada em suínos, ovinos e caprinos.
DIAGNÓSTICO: As análises laboratoriais para confirmar o diagnóstico clínico e a determinação da gravidade da peritonite devem incluir contagem de leucócitos e hemácias e alguns parâmetros bioquímicos do sangue e do fluido peritoneal.
A peritonite aguda e difusa, com toxemia, geralmente é acompanhada de leucopenia, neutropenia e aumento de neutrófilos imaturos (desvio degenerativo à esquerda). Em casos menos graves de peritonite, a leucocitose pode ser
decorrência da maior produção de neutrófilos. A peritonite aguda e localizada revela uma contagem normal de leucócitos com desvio regenerativo à esquerda. Na peritonite crônica a contagem total de leucócitos pode ser normal, com
aumento ocasional da população de linfócitos e monócitos. A anemia pode ser devido à hemorragia na cavidade peritoneal, mas também é comumente associada à inflamação crônica. Anormalidades nos parâmetros bioquímicos do soro (p.
ex., proteína total, albumina, fibrinogênio, bilirrubina, lactato desidrogenase [LDH], fosfatase alcalina [ALP], creatinoquinase [CK]) podem acompanhar a peritonite. Com frequência, notase hipoalbuminemia, hiperglobulinemia e
hiperbilirrubinemia. Geralmente, as alterações nos parâmetros hematológicos e bioquímicos indicam inflamação e lesões teciduais, mas não são patognomônicos de peritonite.
O fluido peritoneal é um plasma dialisado, com propriedades físicas e químicas específicas, que resultam da permeabilidade da membrana, concentrações e cargas elétricas de íons e pressão osmótica. O fluido contém células oriundas do
mesotélio e dos vasos sanguíneos e linfáticos. Em condições fisiológicas o fluido peritoneal é um transudato, enquanto a peritonite resulta em um fluido que pode ser normalmente caracterizado como exsudato. Fluido peritoneal com
características de transudato e exsudato é denominado transudato modificado. A análise do fluido peritoneal é útil como método diagnóstico em gastrenterologia, pois o fluido geralmente reflete enfermidades abdominais. O volume de
fluido peritoneal está frequentemente aumentado quando há peritonite. Em casos de peritonite séptica, amostras de fluido peritoneal devem ser utilizadas para cultura microbiológica e caracterização do patógeno envolvido na infecção.
Os parâmetros clássicos para definição de transudato e exsudato são apresentados na Tabela 6. O emprego de um sistema de escore permite a classificação de peritonite discreta, moderada ou grave. Na prática, entretanto, a análise do
fluido peritoneal pode ser inconsistente, levando a resultados inconclusivos. Portanto, o valor diagnóstico com base neste conceito tradicional é limitado. Para aumentar a sensibilidade da diferenciação entre exsudato e transudato de efusão
pleural e peritoneal em medicina humana utilizamse os critérios de Light (proporção entre o teor de proteína no fluido e o teor sérico de proteínas > 0,5; proporção entre a LDH no fluido e a LDH sérica > 0,6; ou atividade de LDH no
fluido > 200U/l), em que os valores de corte para as proporções entre fluido peritoneal e plasma ou soro de vários componentes (p. ex., lactato, glicose, enzimas) e o gradiente de albumina sorofluido ascítico (SAAG) deve ser estabelecido.
Estes conceitos devem ser aplicados para algumas espécies animais (p. ex., equinos e pequenos animais).
Tabela 6 – Características de transudatos e exsudatos em bovinos, equinos, cães e gatos
Sob condições fisiológicas, a proporção linfócitos:neutrófilos é 1:1. Peritonite aguda geralmente resulta em aumento do número de leucócitos e a porcentagem de neutrófilos situase em torno de 60 a 90%. Entretanto, em casos de
inflamação séptica hiperaguda o número de leucócitos pode diminuir devido à necrose e dano às células. Histologicamente, podese notar alta taxa de leucócitos degenerados (citólise, cariorrexe ou cariólise). Na inflamação peritoneal
crônica, a quantidade de neutrófilos diminui e a de monócitos aumenta. A presença de bactérias, intra ou extracelular, confirma o diagnóstico de peritonite séptica. A coloração pelo Gram permite a diferenciação entre bactérias Gram–
positivas e Gramnegativas e facilita o tratamento precoce com antibiótico.
A concentração de proteína total fisiológica no fluido peritoneal varia de 20 a 25 g/l. A proporção normal de proteína no fluido peritoneal e no soro é inferior a 1:2. A SAAG é calculada pela subtração do teor de albumina no fluido
peritoneal da concentração de albumina no soro. O valor de corte de 11 g/l para pessoas parece adequado para animais monogástricos. Entretanto, os valores de referência da relação entre o teor de proteína e o SAAG não é aplicável a
bovinos de leite, principalmente devido sua alta concentração de proteína e albumina no soro, em comparação com animais monogástricos e pessoas.
Em animais saudáveis, a concentração de glicose é a mesma no soro e no fluido peritoneal. A infecção bacteriana da cavidade peritoneal resulta em maior redução da concentração de glicose no fluido peritoneal. Proporção entre glicose
no fluido peritoneal e no plasma inferior a 0,5 é uma condição altamente sensível e específica de peritonite séptica.
A isquemia intestinal resulta em aumento da concentração de Llactato no plasma e no fluido peritoneal. Embora exista uma associação entre a concentração de Llactato no fluido peritoneal e no plasma, o Llactato no fluido peritoneal é
considerado mais intimamente relacionado com a gravidade da isquemia intestinal. Fisiologicamente, a concentração de Llactato no fluido peritoneal é menor do que no plasma (em equinos saudáveis é, aproximadamente, 1:2). Esta
relação invertese em equinos com cólica e isquemia intestinal, em vacas com vólvulo abomasal e em cães com dilatação gástrica. O lactato também é um metabólito bacteriano (principalmente o Dlactato); portanto, o aumento da
concentração de lactato no fluido peritoneal também pode indicar peritonite séptica. A acurácia da concentração peritoneal de lactato na diferenciação de peritonite séptica e não séptica varia entre as espécies (p. ex., 90 a 95% em cães e 65
a 70% em gatos).
A inflamação pode ser monitorada mediante dosagem de proteínas de fase aguda, como a proteína C reativa ou a haptoglobina em bovinos, como marcadores. A concentração de proteína de fase aguda aumenta no sangue periférico e no
fluido peritoneal em animais com peritonite. Entretanto, estes parâmetros geralmente são indicadores de inflamação e não são específicos para peritonite.
A concentração de fibrinogênio no fluido peritoneal pode aumentar em animais com peritonite. Entretanto, a dosagem de fibrinogênio tem valor diagnóstico limitado devido à baixa relação entre as concentrações de fibrinogênio no
sangue e no fluido peritoneal. O aumento da concentração do produto da degradação de fibrina, Ddímero, indica isquemia intestinal e inflamação, com alta sensibilidade e especificidade. O valor normal no plasma pessoa é < 0,3 mg/l. Os
valores de referência para animais não são completamente conhecidos, mas parecem semelhantes aos de pessoas.
Inflamação, isquemia intestinal e reperfusão interferem na atividade de várias enzimas (ALP, AST, CK, LDH) do fluido peritoneal e do sangue periférico. Na isquemia intestinal a atividade de CK aumenta principalmente no soro e no
fluido peritoneal. A origem da CK pode ser a camada muscular do intestino estrangulado e isquêmico. Entretanto, outros tecidos (p. ex., músculo estriado após episódios de cólica, em equinos) podem ser a fonte de alta atividade de CK.
Entretanto, a sensibilidade e a especificidade de CK é baixa.
A atividade de LDH é um indicador de resposta inflamatória que tem sido utilizado para diferenciar exsudato de transudato (proporção LDH no fluido peritoneal:LDH no soro é > 0,6; atividade de LDH no fluido peritoneal é > 200U/l).
Os valores de referência para animais monogástricos, mas não para bovinos, são semelhantes aos de pessoas.
Aumento de ALP durante isquemia e reperfusão intestinal é notada no fluido peritoneal de equinos com cólica e de vacas com deslocamento de abomaso. Entretanto a origem de ALP não é exclusiva de alterações de estômago ou
intestino. Outras fontes de aumento da atividade de ALP nestes casos incluem hepatócitos e granulócitos. Normalmente, a atividade sérica de ALP não apresenta maiores alterações durante a isquemia intestinal.
Aumentos das concentrações de proteínas, inclusive de globulinas, no soro e no fluido peritoneal geralmente observados em gatos com peritonite infecciosa felina. Entretanto, nenhum parâmetro é acurado o suficiente para o diagnóstico,
especialmente no caso de mensuração no soro. O cálculo da proporção albumina:globulina pode ter maior valor diagnóstico. O tradicional teste de Rivalta diferencia transudato de exsudato. Embora ocorra resultado falsopositivo em gatos
com peritonite bacteriana séptica, ainda assim é útil no diagnóstico de peritonite infecciosa felina (PIF). Um parâmetro amplamente utilizado é a a1glicoproteína ácida, um indicador de inflamação, mas não é específica para PIF. O título de
anticorpos anticoronavírus felino (FCoV) devem ser interpretados criticamente, pois muitos gatos saudáveis são positivos ao teste de pesquisa de anticorpos antiFCoV. O valor diagnóstico de títulos de anticorpos antiFCoV no fluido
peritoneal ainda está em discussão. Vários métodos avançados de diagnóstico (p. ex., coloração imunofluorescente do antígeno FCoV em macrófagos peritoneais, ELISA para detecção de complexo antígenoanticorpo no soro, transcriptase
reversaPCR) são utilizados como técnicas de diagnóstico para melhorar a confiabilidade no diagnóstico de PIF. Geralmente, os testes laboratoriais realizados no fluido peritoneal são superiores àqueles do soro.
PROGNÓSTICO: Geralmente, a peritonite é uma doença grave, com risco à vida, com prognóstico reservado. Entretanto, o prognóstico depende muito das características e da gravidade da doença e deve ser determinado individualmente. A
taxa de sobrevivência relatada varia de 50 a 70%, com baixa probabilidade de retorno à produtividade em animais pecuários. Apesar do desenvolvimento de novas terapias nos últimos anos, a PIF ainda é uma doença letal, sem tratamento
efetivo, e o prognóstico de PIF em gatos é reservado.
TRATAMENTO: A terapia adequada depende do diagnóstico e dos resultados do exame físico e das análises laboratoriais. Em casos graves de peritonite séptica, o tratamento inicial deve ser direcionado para salvar a vida e estabilizar a
circulação e as funções dos órgãos. A terapia deve incluir tratamento da hipovolemia ou do choque toxêmico, terapia antiinflamatória agressiva e tratamento de alterações metabólicas e distúrbios reológicos (p. ex., desequilíbrio ácido
base, coagulopatias). A reposição de fluidos, eletrólitos, plasma ou sangue pode ser necessário para manter a função cardíaca e melhorar a circulação.
A terapia antimicrobiana apropriada deve ser iniciada assim que há suspeita ou confirmação de peritonite séptica. Amostras de fluido peritoneal devem ser obtidas para cultura microbiológica e antibiograma. Inicialmente devese instituir
terapia antimicrobiana parenteral de amplo espectro. Aminoglicosídios ou fluoroquinolonas são efetivos contra microrganismos Gramnegativos; penicilinas e cefalosporinas são efetivas contra bactérias Grampositivas. O antimicrobiano
pode ser substituído com base nos resultados do exame citológico, da cultura e antibiograma. O tratamento antimicrobiano e antiinflamatório deve ser continuado após a recuperação clínica.
Se possível, devese utilizar terapia específica para a causa da peritonite. Em animais com suspeita de ruptura de órgãos, a cirurgia deve ser imediatamente realizada para explorar o abdome e reparar qualquer problema. Após a cirurgia
deve ser realizada lavagem peritoneal com solução isotônica isotérmica, com equilíbrio de eletrólitos. Embora frequentemente realizados, não há prova clínica dos benefícios de se adicionar antimicrobianos na solução de lavagem. Não há
evidência de que as soluções que contêm antissépticos (p. ex., iodopovidona) sejam benéficas; ademais, atuam como irritantes químicos que exacerbam a inflamação. O tratamento com heparina pode ser empregado em casos de CID e
pode prevenir a extensa formação de fibrina na cavidade peritoneal.
A aplicação de drenos abdominais e subsequente lavagem, em pequenos e grandes animais, pode auxiliar no tratamento de peritonite grave por remover o material infectado e proinflamatório da cavidade abdominal. A decisão de
drenagem peritoneal depende da gravidade da doença, da experiência do veterinário, de cuidados intensivos e de material apropriado. A manutenção do dreno pode ser difícil, principalmente em bovinos, devido à extensa formação de
fibrina. Em animais submetidos à drenagem peritoneal, as concentrações séricas de proteínas e de eletrólitos devem ser monitoradas periodicamente, porque há perda de ambos com a drenagem do exsudato.
O suporte nutricional deve ser instituído, pois muitos animais com peritonite não se alimentam. A nutrição enteral ajuda a manter a higidez da mucosa intestinal; entretanto, vômito (em cães e gatos) ou anorexia podem requerer o
emprego de outras alternativas. Em alguns pacientes, a nutrição parenteral ou total pode ser necessária para fornecer as necessidades nutricionais até que a nutrição enteral é iniciada. Antioxidantes e vitaminas devem ser administrados. O
vômito é, às vezes, causado por peritonite em pequenos animais; o tratamento antiemético é indicado em alguns casos.
A infecção por coronavírus felino pode causar peritonite infecciosa primária em gatos, que pode ser fatal. O tratamento é paliativo (p. ex., interferona, glicocorticoides, cuidados de suporte) e objetiva reduzir a inflamação. Não há terapia
efetiva a longo prazo. Vacinas comerciais estão disponíveis para profilaxia, em alguns países; entretanto, não há relato comprovando sua eficiência. As vacinas não são efetivas quando administradas em animais que já foram expostos ao
coronavírus felino, mas pode oferecer alguma proteção quando administrada em animais soronegativos.
Na peritonite crônica com aderência deve–se realizar laparoscopia ou laparotomia para eliminar as aderências que impedem a motilidade intestinal ou para remover ou drenar abscessos.
PESTE
A peste, enfermidade causada por Yersinia pestis, é uma zoonose bacteriana às vezes fatal, transmitida principalmente por pulgas de ratos ou de outros roedores. Há relatos de focos enzoóticos no oeste dos EUA e em todo o mundo,
inclusive Eurásia, África e Américas do Norte e Sul. Além dos roedores, outras espécies de mamíferos são naturalmente infectadas por Y. pestis, inclusive lagomorfos, felídeos, canídeos, mustelídeos e alguns ungulados. Gatos e cães
domésticos também desenvolvem peste pela exposição da mucosa bucal a tecidos de roedores infectados quando esses animais perambulam e caçam em áreas enzoóticas. Aves e alguns mamíferos vertebrados parecem resistentes à peste.
Em média, 10 casos de peste são relatados em pessoas a cada ano nos EUA, sendo em sua maioria no Novo México, Califórnia, Colorado e Arizona. Muitos casos humanos resultam da picada de pulgas infectadas, embora o contato direto
com coelhos selvagens infectados, roedores e, ocasionalmente, outros animais selvagens e a gatos domésticos também possam ser fatores de risco.
ETIOLOGIA: Yersinia pestis é um microrganismo Gramnegativo, imóvel, cocobacilo, pertencente à família Enterobacteriaceae. Essa bactéria exibe coloração bipolar, com aparência de um “alfinete”, quando corada com Wright, Giemsa ou
Wayson. Y. pestis cresce lentamente em temperatura ótima de 28°C e necessita = 48 h para provocar colônias. Vários tipos de meios de cultura podem ser utilizados para seu crescimento, entre eles ágar–sangue, caldo nutriente e ágar não
enriquecido. As colônias são pequenas (1 a 2 mm), acinzentadas, não mucoides e com aparência de “cobre martelado”. Diversos fatores de virulência são expressos pelo microrganismo em diferentes temperaturas e ambientes, permitindo
lhe a sobrevivência em vetores, como pulgas, sendo então transmitidos e multiplicados em mamíferos hospedeiros. Este patógeno não sobrevive muito tempo em alta temperatura ou em ambiente seco.
EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: Y. pestis mantém seu ciclo natural no ambiente entre espécies de roedores suscetíveis e suas pulgas. Em geral, as espécies de roedores afetadas incluem esquilos terrestres (Spermophilus spp) e ratosde
floresta (Neotoma spp). Cães e gatos geralmente são expostos a Y. pestis por contato de membrana mucosa a secreções ou tecidos de um roedor ou coelho infectado, ou ainda pela picada de pulga infectada. As pessoas geralmente são
expostas a picadas de pulgas infectadas; às vezes, pelo contato com animais infectados ou mediante transmissão por aerossol de via respiratória em casos de pneumonia. Os fatores de risco para gatos são: caça e ingestão de roedores e
coelhos, visita a áreas em que a peste é enzoótica e nas quais se há roedores mortos pelos jardins ou áreas frequentadas pelo animal e exposição a pulgas infectadas. A peste epizoótica causa quase 100% de mortalidade na população de
roedores selvagens e coelhos. Depois da morte de seu hospedeiro, a pulga de roedores e coelhos infectadas por Y. pestis sai à procura de outros hospedeiros, inclusive cães e gatos, com risco potencial de transporte entre os domicílios. As
espécies de pulgas de roedores e coelhos são diferentes das encontradas em cães e gatos (Ctenocephalides spp), embora a maioria dos veterinários e dos proprietários não é capaz de distinguir visualmente as diferentes espécies. As pulgas
de cães e gatos são raras na maioria das áreas enzoóticas do oeste dos EUA; portanto, nessa região é mais provável que as pulgas de animais de estimação sejam oriundas de animais selvagens, entre eles os roedores ou coelhos.
PATOGENIA: As pulgas se infectam com Y. pestis quando se alimentam de mamíferos com bacteriemia. As bactérias multiplicamse e causam obstrução do trato digestivo das pulgas, impedindoas de digerir o sangue. Assim, elas
regurgitam Y. pestis, inoculandoa no hospedeiro, no qual tentam se alimentar. Nos hospedeiros mamíferos, a peste bubônica apresentase clinicamente em três formas: bubônica, septicêmica ou pneumônica. Após a inoculação na pele
mediante picada de pulga ou na membrana mucosa pelo contato com secreção tecidual contaminada, a bactéria passa, via linfática, aos linfonodos regionais. Os linfonodos infectados são denominados “ínguas”, sendo a lesão típica da peste
bubônica.
A peste septicêmica secundária pode desenvolverse quando o microrganismo disseminase dos linfonodos secundários para a corrente sanguínea, mas pode também ocorrer sem linfadenopatia prévia (peste septicêmica primária), que
afeta vários órgãos, inclusive baço, fígado, coração e pulmões. A peste pneumônica pode desenvolverse a partir de um tratamento inadequado da peste séptica (peste pneumônica secundária) ou por aerossol oriundo do trato respiratório
(peste pneumônica primária), tipicamente por tosse de um paciente infectado com a forma pneumônica.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A apresentação clínica da peste nos gatos geralmente é a peste bubônica. O período de incubação é de 1 a 4 dias. Os gatos com peste bubônica apresentam febre, anorexia, letargia e hiperplasia dos
linfonodos, que podem apresentar abscesso ou supuração. Foram relatadas úlceras bucais e linguais, abscessos de pele, secreção ocular, diarreia, vômito e celulite. Revisão retrospectiva de 119 gatos com infecção natural indicou que 53%
apresentavam peste bubônica e, destes, 75% tinham linfadenopatia submandibular com aumento bilateral em ~1/3 dos casos. Os linfonodos afetados apresentam inflamação necrossupurativa, edema e hemorragias e contêm numerosos
microrganismos. Em gatos experimentalmente infectados, notouse febre tão alta quanto 41°C, com pico cerca de 3 dias após a infecção; a taxa de mortalidade em gatos não tratados alcança 60%. Dez animais, de um grupo de 16 gatos
(62,5%) expostos por VO, desenvolveram hiperplasia de linfonodos nas regiões retrofaringiana medial, submandibular, sublingual e tonsilar, palpáveis 4 a 6 dias após a exposição. Y. pestis foi isolada da garganta desses gatos após 15 dias.
Nos seis gatos expostos por via SC (simulando picada de pulga), nenhum linfonodo na região da cabeça e pescoço apresentou hiperplasia, mas quatro abscessos subcutâneos foram notados no local da inoculação.
Gatos com peste septicêmica primária não apresentam linfadenopatia evidente, mas sim febre, letargia e anorexia. Os sinais sistêmicos incluem diarreia, vômito, taquicardia, pulso fraco, tempo de preenchimento capilar prolongado,
coagulação intravascular disseminada e angústia respiratória. A peste pneumônica primária não foi documentada em gatos. Os gatos com peste pneumônica secundária podem apresentar todos os sinais da peste septicêmica, acompanhados
de tosse e outros ruídos pulmonares anormais. Os achados característicos na necropsia podem incluir fígado pálido com nódulos necróticos mais claros, esplenomegalia com nódulos necróticos e pulmões com pneumonia intersticial difusa,
congestão focal, hemorragia e focos necróticos.
Cães infectados têm menor probabilidade de desenvolver a doença clínica do que os gatos. A infecção da peste sintomática foi documentada em três cães com infecção natural; os sinais clínicos incluem febre, letargia, linfadenopatia
submandibular e lesão intermandibular purulenta, lesões da cavidade bucal e tosse.
Em bovinos, equinos, ovinos e suínos não há relato de sintomas relacionados com essa enfermidade, enquanto em caprinos, camelos, cervos, antílopes, primatas não humanos e uma lhama foram documentados sinais clínicos. Leõesda
montanha e linces infectados apresentam sintomas e taxa de mortalidade semelhantes a de gatos domésticos.
DIAGNÓSTICO: A peste deve ser diferenciada de outras infecções bacterianas, inclusive de tularemia (p. 731), abscesso por feridas (mordida de gatos em brigas) e infecções estafilocócicas e estreptocócicas. Na doença aguda, as amostras
obtidas antes da morte mais adequadas para isolamento são sangue total, aspirados de linfonodos, suabes de lesões supurativas e suabes orofaríngeos de gatos com lesões bucais ou pneumonia. As amostras diagnósticas devem ser colhidas
antes da administração de antibióticos. O crescimento das culturas de Yersinia pestis pode ser visto em 48 h. Um esfregaço de aspirado de íngua, em lâmina de vidro seco ao ar, pode ser utilizado no teste de imunofluorescência para
pesquisa de antígeno F1 de Y. pestis. Esse teste pode ser realizado dentro de horas em um laboratório especializado, sendo bastante sensível e específico.
Amostras obtidas após a morte podem ser fragmentos de fígado, baço e pulmão (nos casos pneumônicos), bem como de linfonodos infectados. Os testes sorológicos para pesquisa de anticorpos podem ser confirmatórios, mas requerem
que as coletas de amostras da fase aguda e da fase convalescente sejam obtidas com intervalo de 2 a 3 semanas, demonstrando elevação de 4 vezes no título de anticorpos. O soro apenas da fase aguda geralmente é negativo ou pode ser
problemático em uma região enzoótica, onde os animais podem manter títulos de anticorpos decorrentes de infecções prévias.
TRATAMENTO: Devido à progressão rápida dessa doença, o tratamento de casos suspeitos de peste (e as práticas de controle da infecção) deve ser iniciado antes mesmo de se definir o diagnóstico. Estreptomicina foi considerada o
medicamento de escolha em casos humanos, mas é difícil de ser obtida e atualmente seu uso para tal fim é raro. A gentamicina é amplamente utilizada no tratamento de peste em pessoas e deve ser o medicamento de escolha em medicina
veterinária para pacientes com comprometimento sério, embora não seja aprovada para este fim. Os animais com insuficiência renal necessitam ajuste de dose.
A doxiciclina é apropriada para tratamento de casos menos complicados e para completar o tratamento de pacientes gravemente enfermos após a melhora clínica. Tetraciclina e cloranfenicol também são boas opções. As penicilinas não
são efetivas no tratamento de peste. Em estudos sobre tratamento de camundongos experimentalmente infectados, a eficácia das fluoroquinolonas foi tão boa quanto da estreptomicina. Em medicina veterinária, nenhum teste clínico foi
realizado com fluoriquinolonas, mas há evidência crescente, com base em seu uso em regiões enzooticas, que são efetivas no tratamento de peste em cães e gatos. A duração do tratamento recomendada é de 10 a 21 dias, esperandose
melhora clínica (inclusive desaparecimento da febre) alguns dias após o início da terapia.
Não se conhece ao certo a duração da infecciosidade em gatos tratados, mas acreditase que os gatos não sejam infectantes 72 h depois de terapia antimicrobiana apropriada. Durante esse período infectante, os gatos devem permanecer
internados, especialmente se apresentam sinais de pneumonia. Os casos humanos são relatados em proprietários de gatos que tentam administrar medicamentos por VO no próprio domicílio, expondose ao contato com a cavidade bucal e
com secreção contaminada.
PREVENÇÃO E RISCO ZOONÓTICO: Juntamente com o tratamento e as considerações diagnósticas, a proteção das pessoas e de outros animais, bem como o início das intervenções de saúde pública, é crítica quando um animal é considerado
suspeito de ter contraído peste. Os animais com sinais sugestivos de peste devem ser isolados, implementandose medidas de controle da infecção para proteção dos profissionais e outros animais, até o diagnóstico definitivo. A utilização de
luvas, máscaras cirúrgicas e óculos protetores (caso já estejam ocorrendo espirros), isolamento dos pacientes e procedimentos padrão de higiene e desinfecção são fundamentais. De 23 pacientes que desenvolveram peste associada a gatos
nos EUA, entre 1977 e 1998, seis eram profissionais da área veterinária, sendo o resto proprietários ou outros manipuladores desses animais. Após descartar a possibilidade de pneumonia e constatar evidência de melhora clínica após 72 h
de terapia apropriada, os procedimentos de isolamento podem ser abrandados, mas os procedimentos padrão de desinfecção e higiene devem continuar.
Funcionários de saúde pública, locais ou estaduais, devem ser notificados rapidamente quando há suspeita de peste, para auxiliar na condução apropriada de testes diagnósticos, dando início à investigação ambiental e avaliação da
necessidade de monitorar a febre ou o uso profilático de antibióticos em pessoas potencialmente expostas. Para diminuir o risco aos animais de estimação e às pessoas em áreas enzoóticas os proprietários devem impedir que seus animais
perambulem e pratiquem caça, mantendoos longe do contato com carcaças de coelhos e ratos, além de realizar o controle apropriado das pulgas.
RAIOS E ELETROCUSSÃO
Lesões ou mortes de um animal provocadas por correntes elétricas de alta voltagem podem ser resultantes de raios, queda de fios de transmissão, defeito no circuito elétrico ou mastigação dos fios de alta tensão. Os raios são sazonais e
tendem a ser geograficamente restritos. A investigação de possível eletrocussão deve sempre ser cuidadosa, ainda pode haver, por exemplo, eletrificação resultante da quebra de fios de transmissão. Uma vez indubitável que o local seja
seguro, a investigação deve incluir localização dos animais mortos, exame de todos os animais afetados e necropsia daqueles que morreram.
Certos tipos de árvores, especialmente árvores rijas como os carvalhos e aquelas altas, que expandem suas raízes bem abaixo da superfície do solo, tendem a ser atingidas por raios com mais frequência do que outras. A eletrificação
dessas raízes carrega ampla região de superfície, em particular quando a terra já está úmida; a passagem de raízes carregadas abaixo de um poço raso tornao eletrificado. Calhas podem espalhar a carga elétrica pelo seu curso. Fios de
transmissão caídos ou pendentes também podem eletrificar um poço de água, cercas ou construções, e um animal pode entrar em contato direto com esses fios. Há diferenças na condutividade do solo; lama, areia, argila, mármore e giz são
bons condutores (em ordem decrescente), enquanto solos rochosos não o são.
A eletrocussão acidental de animais de fazenda, em estábulo ou cercado de confinamento adjacente geralmente ocorre como resultado de fiação defeituosa. A eletrificação de um pilar com canos de água ou leite, de um cocho ou de um
corrimão metálicos pode resultar na distribuição disseminada de corrente elétrica por todo o estábulo (ver voltagem de dispersão em abrigos de animais, p. 2209), o que pode ocasionar sinais de privação da água ou recusa de alimentos.
A morte oriunda de choque elétrico geralmente resulta de parada cardíaca ou respiratória. A passagem da corrente através do coração quase sempre acarreta fibrilação ventricular e o envolvimento do SNC pode afetar o trato respiratório
ou outros centros vitais.
ACHADOS CLÍNICOS: Pode haver variação no grau de choque elétrico. Em vários casos de raios, a morte é instantânea e o animal cai sem reação. Ocasionalmente, o animal fica inconsciente, mas pode se recuperar em poucos minutos a
algumas horas; sinais nervosos residuais (p. ex., depressão, paraplegia e hiperestesia cutânea) podem persistir por dias, semanas ou permanentemente. Marcas de chamuscamento ou danos na carcaça, danos imediatos ao ambiente, ou
ambos, ocorrem em cerca de 90% dos casos de raios, porém são menos prováveis de serem encontrados se o animal foi eletrocutado por permanecer no solo eletrificado. As marcas de chamuscamento tendem a ser lineares e mais
comumente encontradas nos lados mediais das pernas, embora raramente o muito do corpo possa ser afetado. Abaixo das marcas de chamuscamento, congestão capilar é comum; a característica padrão arbórea do raio pode ser visualizada
melhor a partir do lado dérmico da pele por extravasamentos subcutâneos de sangue. As marcas de chamuscamento raramente são observadas em animais recuperados. Animais menores, como suínos, que entram em contato com bacias de
água eletrificadas podem morrer instantaneamente ou ser arremessados a certa distância pela força do choque. Suínos eletrocutados várias vezes estão deitados e sustentados por fraturas da espinha, pelve ou membros, resultando de
contrações musculares graves.
DIAGNÓSTICO: É quase sempre realizado com evidência circunstancial, isto é, localização do(s) cadáver(es) e ausência de qualquer enfermidade durante a necropsia. Animais mortos embaixo de uma árvore, pendurados ou próximos a uma
cerca elétrica, ou aglomerados ao redor de um poste de luz é forte evidência de raios mesmo na ausência de evidência física como queima recente de casca de árvore ou divisão de polos ou beiras em uma cerca.
O rigor mortis se instala e rapidamente desaparece. Notase distensão do rúmen logo após a morte e deve ser diferenciada de timpanismo ruminal antemorte (ver timpanismo, p. 301); em ambas as condições, o sangue tende a coagular
lentamente ou não coagula. As mucosas do trato respiratório superior, inclusive dos turbinados e dos seios nasais, encontramse congestionadas e hemorrágicas. Hemorragias lineares da traqueia são comuns e grandes coágulos de sangue
são ocasionalmente encontrados na traqueia, mas os pulmões não são comprimidos como acontece no timpanismo. Todas as outras vísceras se mostram congestas e podem ser encontradas petéquias e equimoses em vários órgãos. Devido à
distensão ruminal pósmorte, o sangue pouco coagulável alcança passivamente a periferia do corpo, resultando em extravasamento sanguíneo pósmorte em músculos e linfonodos superficiais de cabeça, pescoço e membros torácicos e, em
menor grau, aos membros pélvicos. Provavelmente, a melhor indicação de morte instantânea é a presença de feno ou outro alimento na boca do animal; evidência comprobatória inclui ingesta normal (especialmente no rúmen), ausência de
ingesta espumosa (timpanismo espumante), fezes normais no trato intestinal posterior e, ocasionalmente, na terra ao redor do animal. Poucas situações que afetam animais de criação provocam morte hiperaguda de animais aglomerados em
uma pequena área.
Geralmente há seguro dos animais pecuários contra raios e a seguradora solicita ao representante ou ao médico veterinário requisitado para assinar um formulário da seguradora que observe atentamente a situação que ocasionou a
reclamação. O investigador deve averiguar se o animal realmente morreu no local de alto risco, e não foi transferido para este local após a morte. Isso pode ser feito meramente para limpeza ou para deliberadamente confundir a
investigação. A descrição bem documentada do local da morte do(s) animal(is) e o resultado do exame à necropsia são aceitáveis para sustentar a solicitação de seguro por morte decorrente de raios.
TRATAMENTO: Os animais que sobrevivem podem necessitar terapia de suporte e sintomática. A eutanásia é indicada aos animais deitados com fraturas ou lesões musculares graves.
TOXOPLASMOSE
Toxoplasma gondii é um protozoário que infecta a maioria das espécies de animais de sangue quente, inclusive as aves (ver p. 1979) e as pessoas, em todo o mundo, do Alasca à Austrália.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: Os felídeos, tanto os gatos selvagens quanto os domésticos, são os únicos hospedeiros definitivos de T. gondii e atuam como importantes reservatórios da infecção. Há três estágios de T. gondii: taquizoítos (forma
que se multiplica rapidamente), bradizoítos (forma que permanece encistada no tecido) e esporozoítos (em oocistos).
Toxoplasma gondii é transmitido por ingestão de oocistos presentes nas fezes de gatos, consumo de produtos cárneos contendo cistos e por transferência transplacentária dos taquizoítos da mãe para o feto. T. gondii inicia sua replicação
enteroepitelial em gatos não expostos após a ingestão de carne mal cozida contendo cistos teciduais. Os bradizoítos são liberados do cisto presente nos tecidos pela digestão no estômago e no intestino delgado, invadindo o epitélio intestinal,
resultando em replicação sexual e culminando na liberação dos oocistos (10 μm de diâmetro) nas fezes. Os oocistos são primeiramente observados nas fezes 3 dias após a infecção, podendo ser excretados por até 20 dias. Os oocistos
esporulam (tornandose infectantes) fora do gato, dentro de 1 a 5 dias, dependendo da aeração e temperatura, permanecendo viáveis no ambiente por vários meses. Os gatos geralmente desenvolvem imunidade contra T. gondii após o início
da infecção e, portanto, eliminam oocistos apenas uma vez durante toda a sua vida.
Após o consumo de carne mal cozida contendo cistos (carnívoros), ou alimentos ou água contaminada com fezes de gatos contendo oocistos (todos os animais de sangue quente), T. gondii inicia a replicação extraintestinal. Bradizoítos e
esporozoítos, respectivamente, são eliminados e infectam o epitélio intestinal. Após vários ciclos de replicação epitelial, os taquizoítos emergem e se disseminam pelas correntes sanguínea e linfática. Os taquizoítos infectam os tecidos de
todo o corpo e replicamse de forma intracelular até a ruptura das células, causando necrose tecidual. Os taquizoítos medem 4 a 6 × 2 a 4 μm de diâmetro e coramse com a técnica de Giemsa. Os animais novos e imunocomprometidos
podem sucumbir a uma toxoplasmose generalizada nesse estágio. Os animais idosos criam uma poderosa resposta celular imunomediada (mediada por citocinas) para os taquizoítos e controlam a infecção, impelindo os taquizoítos para
dentro do tecido ou ao estágio de bradizoíto. Os cistos teciduais são geralmente observados nos neurônios, mas também ocorrem em outros tecidos. Os cistos individuais são microscópicos, com até 70 μm de diâmetro, e podem envolver os
bradizoítos em uma fina e elástica parede cística. Os tecidos com cistos no hospedeiro permanecem viáveis por muitos anos e possivelmente durante toda a vida do hospedeiro.
ACHADOS CLÍNICOS: Os taquizoítos compreendem o estágio responsável por lesões teciduais; portanto, os sinais clínicos dependem do número de taquizoítos envolvidos, da capacidade do sistema imune do hospedeiro de limitar sua
propagação e dos órgãos lesionados. Como os animais adultos imunocomprometidos controlam com eficiência a disseminação dos taquizoítos, em geral a toxoplasmose é subclínica. Contudo, em animais jovens, particularmente filhotes (de
cães, gatos e suínos), os taquizoítos disseminamse por via sistêmica, causando pneumonia, miocardite, hepatite necrótica, meningoencefalite, coriorretinite, linfadenopatia e miosite. Os sinais clínicos correspondentes incluem febre,
diarreia, tosse, dispneia, icterícia, convulsões e morte. Toxoplasma gondii também é uma importante causa de aborto e natimortos em ovelhas e cabras e, às vezes, porcas. Após a infecção da ovelha prenhe, os taquizoítos propagam–se via
corrente sanguínea até os cotilédones placentários, causando necrose. Os taquizoítos podem atingir o feto e causar necrose em múltiplos órgãos. Por fim, os animais adultos imunocomprometidos (p. ex., gatos infectados pelo vírus da
imunodeficiência felina) são extremamente suscetíveis ao desenvolvimento de toxoplasmose aguda generalizada.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico pode ser realizado com o uso de métodos biológicos, sorológicos ou histológicos, ou por uma combinação desses. Os sinais clínicos da toxoplasmose são inespecíficos e não são suficientes para chegar a um
diagnóstico definitivo. O diagnóstico antemorte pode ser acompanhado de testes de hemaglutinação indireta, imunofluorescência indireta, aglutinação em látex ou ELISA. Os anticorpos IgM surgem mais cedo que os IgG, mas geralmente
não persistem por mais de 3 meses após a infecção. O aumento do título de IgM (> 1:256) é compatível com infecção recente. Por outro lado, os anticorpos IgG surgem por volta da quarta semana após a infecção, podendo seu título
continuar elevado por anos, durante a infecção subclínica. Para que auxiliem no diagnóstico, os títulos de IgG devem ser mensurados em amostras de soro pareadas, obtidas na fase aguda e no período de convalescência (em intervalo de 3 a
4 semanas) e devem apresentar aumento de título de, no mínimo, 4 vezes. Além disso, o FCE e o humor aquoso podem ser analisados quanto à presença de taquizoítos ou anticorpos antiT. gondii. No exame pósmorte, os taquizoítos
podem ser observados em esfregaços por impressão de tecidos (imprints). Ademais, o exame microscópico de cortes teciduais pode revelar a presença de taquizoítos ou bradizoítos. T. gondii é morfologicamente similar a outros
protozoários parasitos e devem ser diferenciados de Sarcocystis spp (nos bovinos), S. neurona (nos equinos) e Neospora caninum (nos cães).
TRATAMENTO: Nos animais, raramente indicase tratamento. Sulfadiazina (15 a 25 mg/kg) e a pirimetamina (0,44 mg/kg) atuam sinergicamente são amplamente utilizadas no tratamento de toxoplasmose. Ainda que esses fármacos sejam
benéficos se administrados no estágio agudo da doença, durante a multiplicação ativa do parasito geralmente não erradicam a infecção. Acreditase que esses medicamentos tenham pouco efeito no estágio de bradizoíto. Outros fármacos,
como diaminodifenilsulfona, atovaquona e espiramicina também podem ser utilizados no tratamento de casos mais complicados de toxoplasmose. A clindamicina é o tratamento de escolha para cães e gatos, nas doses de 10 a 40 mg/kg e de
25 a 50 mg/kg, respectivamente, durante 14 a 21 dias.
PREVENÇÃO E RISCO ZOONÓTICO: T. gondii é um importante agente zoonótico. Em algumas partes do mundo, até 60% da população humana tem títulos de IgG contra T. gondii e, provavelmente, há infecção persistente. Toxoplasmose é a
principal preocupação em pessoas com disfunção do sistema imune (p. ex., pessoas infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana). Nesses casos especiais, a toxoplasmose geralmente se apresenta como meningoencefalite e resulta da
emergência de T. gondii de cistos dos tecido localizados no cérebro, mais como consequência de imunodeficiência do que de infecção primária. Toxoplasmose também é uma importante preocupação para mulheres gestantes, pois os
taquizoítos podem migrar via transplacentária e causar anomalias fetais. A infecção de mulheres por T. gondii pode ocorrer após ingestão de carne mal cozida ou ingestão acidental de oocistos presentes nas fezes de gatos. A prevenção da
infecção deve ser realizada pela cuidadosa lavagem das mãos de pessoas que manipulam a carne, com sabão e água, após o contato, além da higienização dos utensílios utilizados, como tábuas de carne, pias e facas etc. Os estágios de T.
gondii na carne são eliminados pelo contato com sabão e água. Na carne, esse parasito pode ser eliminado pela exposição à temperatura extremamente fria ou quente. Os cistos presentes nos tecidos são destruídos por cozimento a 67°C ou
congelamento a 13°C. Toxoplasma encistado morre quando exposto a 0,5 quilorad de radiação gama. Toda carne deve ser cozida a 67°C antes do consumo, evitandose experimentações durante o cozimento ou o tempero. Mulheres
gestantes devem evitar contato com fezes de gatos, terra ou carne crua. Os filhotes de gatos só devem ser alimentados com produtos secos, enlatados ou cozidos. Deve ser efetuada a limpeza diária da caixa de excretas dos gatos,
preferencialmente por uma mulher que não esteja grávida. Durante serviços de jardinagem devemse calçar luvas. Os vegetais devem ser bem lavados antes do consumo.
Até o momento não foram desenvolvidas vacinas para prevenção de toxoplasmose em pessoas.
TUBERCULOSE E OUTRAS INFECÇÕES MICOBACTERIANAS
A tuberculose (TB) é uma doença infecciosa granulomatosa, causada por bacilos ácido–resistentes do gênero Micobacterium. Embora comumente definida como uma doença crônica e debilitante, a TB às vezes tem um curso agudo e
rapidamente progressivo. A doença afeta praticamente todas as espécies de vertebrados e antes de se adotar medidas de controle, era uma doença importante de pessoas e animais domésticos. TB bovina é uma zoonose importante em muitas
partes do mundo. Os sinais e lesões geralmente são semelhantes nas várias espécies.
ETIOLOGIA: Os principais tipos do complexo M. tuberculosis (bacilo tuberculoso de mamíferos) reconhecidos são M. tuberculosis, M. bovis, M. caprae, M. pinnipedii, M. microti e M. africanum. O complexo M avium incluem M. avium
avium (bacilos aviários), M. avium hominisuis (isolado de pessoas e outros mamíferos) e M. intracellulare. Os tipos diferem em suas características relativas à cultura e patogenicidade. Os tipos mamíferos são mais estreitamente
relacionados entre si do que o tipo aviário. Muitas sorovariantes do complexo M. avium são reconhecidas; no entanto, apenas os sorotipos 1, 2 e 3 são patogênicos às aves. M. bovis pode sobreviver na pastagem por 2 meses ou mais e M
avium pode sobreviver no solo por = 4 anos.
Todos os tipos podem provocar infecção em espécies hospedeiras, além de sua própria. M. tuberculosis é a espécie mais específica e raramente causa doença progressiva em outros animais, além de primatas não humanos, ocasionalmente
em cães e suínos e raramente em pássaros. M. bovis pode causar doença progressiva em muitos vertebrados de sangue quente, inclusive em pessoas. M. caprae é isolado em bovinos e em várias outras espécies, na Europa. M. avium avium é
a única espécie de consequência nas aves, mas também é patogênico para suínos, bovinos, ovinos, cervos, martas, cães, gatos e alguns animais exóticos de sangue frio. M. intracellulare causa doença em animais de sangue frio. As outras
micobactérias, além do bacilo da tuberculose (p. 730), são raramente isoladas de animais domésticos e exóticos.
PATOGENIA: A inalação de gotículas contaminadas expelidas dos pulmões é a via comum de infecção, embora também ocorra por ingestão, particularmente de leite contaminado. A via intrauterina e o coito são menos comuns. Após a
inalação, o bacilo é fagocitado por macrófagos alveolares, que podem eliminar a infecção ou permitir a proliferação do agente. Neste último caso, ocorre a formação do foco primário de infecção, mediado por citocinas associadas à reação
de hipersensibilidade, que consiste em degeneração e morte dos macrófagos envolvidos por células epitelioides, granulócitos, linfócitos e, mais tarde, por células gigantes. O centro necrótico, purulento a caseoso, pode calcificar e a lesão
pode ser envolvida por tecido de granulação e uma cápsula fibrosa, formando o clássico “tubérculo”. O foco primário mais as lesões similares formadas pelos linfonodos regionais são conhecidos como “complexo primário”. Na forma
digestiva da doença, o foco primário pode ser encontrado na faringe ou nos linfonodos mesentéricos ou, menos comumente, nas tonsilas ou no intestino. A composição celular e a presença de bacilo ácidoresistente nas lesões tuberculosas
diferem entre e dentro das espécies hospedeiras.
Nos animais, o complexo primário raramente cicatriza, podendo progredir de forma lenta ou rápida. A disseminação por canais vasculares e linfáticos pode ser generalizada e rapidamente fatal, como na TB miliar aguda. As lesões
nodulares podem ser encontradas em muitos órgãos, inclusive pleura, peritônio, fígado, rins, ossos, glândula mamária, trato reprodutivo e SNC. É possível um curso prolongado e crônico, geralmente com um padrão de lesões mais
localizadas.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos refletem a extensão e a localização das lesões. Os sintomas generalizados incluem emaciação progressiva, letargia, fraqueza, anorexia e febre flutuante de baixo grau. A broncopneumonia, na forma
respiratória da doença, causa tosse crônica, intermitente e úmida com sinais tardios de dispneia e taquipneia. As lesões destrutivas da broncopneumonia granulomatosa podem ser detectadas por auscultação e percussão. A hiperplasia dos
linfonodos superficiais pode auxiliar no diagnóstico, quando presente. Os linfonodos mais profundos afetados não podem ser palpados, mas podem causar obstrução de vias respiratórias, faringe e intestinos, levando à dispneia e timpanismo
ruminal.
Nos suínos, as lesões causadas por M. avium avium geralmente afetam os linfonodos associados ao trato gastrintestinal e não ocorre doença generalizada.
DIAGNÓSTICO: O teste diagnóstico mais importante para TB é a prova da tuberculina intradérmica; podem ser utilizados derivados de proteína purificada (PPD) preparados a partir de cultura filtrada de M. bovis ou M avium. O diagnóstico
baseado apenas nos sinais clínicos é muito difícil, mesmo nos casos avançados. A radiografia auxilia no diagnóstico em primatas não humanos e pequenos animais. Às vezes, fazse exame microscópico do escarro e de outras secreções. O
achado na necropsia dos clássicos granulomas dos “tubérculos” é, com frequência, muito sugestivo da doença. A confirmação do diagnóstico é feita por isolamento e identificação da bactéria na cultura, onde cresce em 4 a 8 semanas, ou
por PCR, que requer apenas alguns dias. As técnicas moleculares, como o polimorfismo dos comprimentos dos fragmentos de restrição e espoligotipagem propiciam informações importantes na condução das investigações epidemiológicas.
A resposta de hipersensibilidade do hospedeiro, do tipo retardada, é responsável por várias lesões da TB, sendo fundamental para a prova de tuberculina intradérmica, amplamente utilizada no diagnóstico da doença em grandes animais.
O teste intradérmico único (TIU) envolve a inoculação de PPD. No animal reagente, o antígeno estimula o local infiltrado de células inflamatórias e causa tumefação cutânea, que pode ser detectada por palpação e mensurada com
paquímero. A leitura da reação é feita após 48 a 72 h, para a máxima sensibilidade, e após 96 h, para a máxima especificidade. Os locais do teste variam em sensibilidade e entre os países e incluem pescoço, região anal, dobra da base da
cauda e lábio vulvar. Uma desvantagem do teste TIU para M. bovis é que ocorre reação cruzada em animais infectados por M. avium avium, M. tuberculosis ou M. avium paratuberculosis.
Nas áreas com alta prevalência de TB aviária, micobacteriose atípica ou paratuberculose, pode ser utilizado o teste comparativo, com tuberculina DPP M. bovis e M. avium biologicamente equilibradas, inoculadas simultaneamente, mas
em locais diferentes do pescoço. O agente causador de sensibilização provoca a maior reação cutânea. Outro teste diagnóstico utilizado para TB é o teste térmico, o qual pode detectar o pico de pirexia (> 40°C) dentro de 6 a 8 h após a
inoculação SC de tuberculina. O teste de Stormont envolve a inoculação intradérmica de PPD seguida de uma segunda inoculação no mesmo local após 7 dias. A leitura do teste quanto à tumefação deve ser realizada 24 h depois.
Resultado falsonegativo pode ser notado em animais com imunidade baixa, como acontece nos estágios iniciais da infecção e nos casos avançados da doença em animais idosos. As vacas recémparidas podem apresentar resultado falso
negativo. Pesquisas atuais são focadas na identificação de antígenos, como as proteínas secretórias e proteínas produzidas por meio de engenharia genética de M. bovis para melhorar os testes diagnósticos. Testes sorológicos, como ELISA,
parecem de uso diagnóstico limitado, consistente com o papel menos importante do anticorpo, comparado com a resposta imune celular na TB. Testes celulares in vitro (ou seja, teste com ?interferona) estão sendo desenvolvidos utilizando
leucócitos estimulados com antígeno de M. bovis e se mostram promissores como alternativa ao teste intradérmico único, amplamente utilizado; no entanto, seu uso não é amplamente difundido.
CONTROLE: Os principais reservatórios da infecção são as pessoas e os bovinos. No entanto, em alguns países outros animais também são reservatórios, inclusive texugos e veadosvermelhos (Inglaterra, Irlanda), gambás e furões (Nova
Zelândia), veados de cauda branca, alces e bisões (América do Norte), búfalo (África do Sul); búfalo da água (Austrália). A prevalência da doença em tais reservatórios influencia a doença em outras espécies. Os carnívoros adquirem M.
bovis pelo consumo de carcaça contaminada. Estas espécies incluem leões, coiotes, lobos, hienas, leopardo, lince e leopardos. Também há relato de infecção por M. bovis em javalis, furões, guaxinins, gambás e suínos selvagens.
Os três principais métodos de controle de TB são teste e abate, teste e segregação e quimioterapia. O teste e a política de abate são os únicos a assegurar a erradicação da TB, pois envolvem o abate de animais reagentes ao teste de
tuberculina. Nos rebanhos infectados é recomendável o teste a cada 3 meses, de modo a eliminar do rebanho os animais que estão disseminando a infecção. Também são úteis as medidas de higiene de rotina que objetivam limpeza e
desinfecção de alimentos contaminados, bebedouros etc. O procedimento de teste e abate têm sido amplamente utilizado no Reino Unido, EUA, Canadá, Nova Zelândia e Austrália. Na maioria dos países europeus, onde este procedimento é
impraticável, as formas de teste e segregação são variáveis, sendo o teste e abate utilizado somente nos estágios finais da erradicação.
Fezse experiência, no tratamento de TB em elefantes e primatas não humanos, do uso de fármacos efetivos em pessoas (p. ex., isoniazida, etambutol e rifampicina). A eficácia foi limitada e há argumentos contra a terapia, com base na
remoção de animais infectados, risco zoonótico e estímulo à resistência a drogas. O tratamento é ilegal em alguns países. A vacina BCG (bacilo CalmetteGuérin), às vezes é utilizada para controlar TB em pessoas, mas comprovouse baixa
proteção em muitas espécies animais e a inoculação geralmente provoca reação granulomatosa local grave.
Animais Exóticos com Cascos em Cativeiro
Várias espécies, inclusive impala, gazela da África do Sul, elã, veadoáxis, gamo, pequeno cervo da Ásia e Europa, cervo híbrido, cervo sika, alce, rinoceronte branco e preto e girafa são suscetíveis à infecção por M. bovis. A consistência
das lesões da tuberculose varia de purulentas a caseosas e geralmente envolvem pulmões e linfonodos regionais; outros locais potenciais são fígado, baço e superfície serosa. Os testes cutâneos de tuberculina auxiliam no diagnóstico.
Bovinos
Em sua maioria, as discussões sobre TB referemse aos bovinos. A introdução da pasteurização do leite foi o principal passo na luta contra a tuberculose humana e continua sendo um importante procedimento de controle em muitos países.
Cães
Os cães podem ser infectados por M. tuberculosis, M. bovis e, ocasionalmente, M. avium ou M. fortuitum, em geral de origem humana ou bovina. As lesões tuberculosas geralmente são encontradas nos pulmões, fígado, rins, pleura e
peritônio; têm aparência acinzentada, não calcificada e com centros necróticos. Em geral, as lesões são exsudativas e podem provocar grande quantidade de fluido corde–palha no tórax. Teste de tuberculina falso–negativo é comum nos
cães. Radiografias e histórico auxiliam no diagnóstico. Os animais infectados devem ser submetidos à eutanásia devido às preocupações relacionadas com a saúde pública.
Cervos e Alces
A tuberculose causada por M. bovis é um problema importante em várias espécies de cervídeos domésticos e selvagens. Os cervos parecem ter suscetibilidade incomum à infecção micobacteriana; as infecções por M. avium parecem
provocar lesões semelhantes. A infecção por M. tuberculosis aparentemente é incomum. As lesões da tuberculose podem ser confinadas a um único linfonodo ou ser encontradas amplamente em linfonodos e órgãos após um curso rápido e
fulminante da doença. Em cervos, abscessos podem ser indicativos de TB. O diagnóstico pode ser auxiliado pela prova de tuberculina intradérmica, teste celular in vitro (ex. teste de estimulação de linfócitos do sangue ou ensaio com ?
interferona), sorologia (ELISA) ou uma combinação desses. A infecção deve ser confirmada por testes baseados no isolamento da bactéria.
Elefantes
A tuberculose provocada por M. tuberculosis foi relatada em elefantes em cativeiro. As lesões geralmente envolvem os pulmões e os linfonodos associados. Respostas inespecíficas são observadas nos testes imunológicos, embora o
diagnóstico deva ser feito com base no isolamento do microrganismo em lavado da tromba. Instituise o protocolo com múltiplas drogas para impedir a disseminação de M. tuberculosis por meio de secreções e para minimizar o
desenvolvimento de cepas resistentes a drogas.
Equinos
Os equinos são relativamente resistentes à TB causada pelo complexo M. tuberculosis. Quando a doença se desenvolve, tubérculos e lesões não calcificadas geralmente são verificados no fígado, linfonodos mesentéricos, pulmões e outros
locais. O teste de tuberculina auxilia na erradicação da doença.
Gatos
Os gatos são resistentes à infecção por M. tuberculosis, mas são suscetíveis a M. bovis, complexo M. avium ou bacilo M. microti. Algumas formas bacilares não classificadas foram isoladas. Leite contaminado causa lesões no trato
gastrintestinal, tipicamente nos linfonodos mesentéricos, sendo esta a condição mais comum e historicamente responsável pela alta porcentagem de gatos tuberculosos na Europa. Pode ocorrer rápida disseminação hematógena para outros
órgãos, entre eles os pulmões e os linfonodos regionais. Pele infectada ou ferida mais profunda às vezes dá origem a seios tuberculosos. As lesões apresentam área de necrose central, geralmente sem calcificação. O teste de tuberculina
cutâneo não é considerado confiável em gatos. O diagnóstico pode ser auxiliado por radiografia, ELISA ou cultura da bactéria. Os gatos infectados devem ser submetidos à eutanásia devido à preocupação com a saúde pública.
Mamíferos Marinhos
M. pinnipedii (uma variante de M. bovis adaptada à foca) causa lesões tuberculosas em focas e leões marinhos. Em vários países, a bactéria foi isolada em quatro espécies de focas e duas espécies de leões marinhos, bem como de outros
animais. Em focas, o microrganismo provoca lesões nos linfonodos peritoneais, baço, peritônio e pulmões. A presença de bactérias ácidoresistentes varia nas lesões granulomatosas é variável. Aerossóis são considerados a principal via de
transmissão. Em razão do risco zoonótico, precauções devem ser tomadas quando se manipula estes animais (ver p. 1973).
Ovinos e Caprinos
As lesões causadas por M. bovis nos pulmões e linfonodos de ovinos e caprinos são similares àquelas de bovinos e o microrganismo pode, às vezes, disseminarse para outros órgãos. Ovinos e caprinos são completamente resistentes à
infecção por M. tuberculosis. O teste intradérmico único é comumente utilizado no diagnóstico.
Primatas Não Humanos
Os macacos e os grandes antropoides são suscetíveis a M. bovis, M. tuberculosis e M. avium, que causam doenças graves nos pulmões e em outros órgãos. As epidemias em colônias de primatas podem ser ocasionadas pelo contato com
cuidadores humanos infectados. A transmissão geralmente ocorre por meio de aerossol, na infecção respiratória, sendo também possível contaminação por VO. O bacilo também pode ser excretado na urina. O teste cutâneo com tuberculina
utilizando PPD preparado para animais é superior ao PPD preparado para pessoas, no diagnóstico da doença.
Suínos
Os suínos são suscetíveis a M. tuberculosis, M. bovis e complexo M. avium. M. avium avium é o mais frequentemente isolado e a identificação sorológica auxilia na investigação epidemiológica. As lesões granulomatosas geralmente são
encontradas nos linfonodos cervicais, submandibulares e mesentéricos, mas também podem ser encontradas por toda parte. Tipicamente, ocorre hiperplasia dos linfonodos contendo focos caseosos, brancos ou amarelados, geralmente sem
evidência de mineralização. Os suínos com a doença provocada por M. tuberculosis podem apresentar lesões semelhantes regionalizadas. Os suínos são particularmente suscetíveis à infecção por M. bovis, geralmente adquirida em
pastagens compartilhadas ou pela ingestão de produtos lácteos. Isso pode causar rápida progressão da doença disseminada, com lesões caseosas e liquefeitas. O teste intradérmico único, realizado na face dorsal das orelhas, auxilia no
diagnóstico.
OUTRAS INFECÇÕES MICOBACTERIANAS, ALÉM DE TUBERCULOSE
Micobactérias encontradas no solo e na água foram isoladas em tecidos animais. M. fortuitum, um microrganismo de crescimento rápido altamente resistente à penicilina G, estreptomicina, ampicilina, sulfametoxazol e cloranfenicol foi
associado à mastite em vacas, infecções pulmonares em cães, lesões de linfonodos em suínos e em alguns animais exóticos, bem como com lesões cutâneas em gatos e cães. Os testes de suscetibilidade a fármacos indicam que o
microrganismo é inibido por capreomicina e etionamida. M. chelonae, outra micobactéria de crescimento rápido e semelhante a M. fortuitum nas reações bioquímicas, foi isolado de ferimentos e abscessos causados por injeção contaminada.
Devemse distinguir esses microrganismos de M. phlei, M. smegmatis e M. vaccae que raramente, ou nunca, são patogênicos.
Peixes e outros animais de sangue frio podem ser infectados por M. avium intracellulare ou M. marinum, reconhecidos como patógenos humanos. Um microrganismo fotocromogênico, M. kansasii, foi isolado em suínos, bovinos e
primatas não humanos. Podemse diferenciar esses microrganismos por meio de testes bioquímicos e soroaglutinação.
M. avium paratuberculosis, que causa a doença de Johne, foi isolado de ruminantes domésticos e selvagens (ver paratuberculose, p. 778). É uma doença diarreica insidiosa e progressiva que resulta em perda de peso e emaciação. As
lesões são observadas com mais frequência na válvula ileocecal e são associadas aos linfonodos. O diagnóstico deve se basear no isolamento da bactéria. Não há tratamento disponível.
Mycobacterium scrofulaceum, um escotocromógeno, também é isolado de lesões de linfonodos em suínos, bovinos e alguns primatas não humanos. Isolouse M. xenopi, um escotocromógeno de crescimento lento, em suínos, anfíbios e
aves aquáticas. Devemse diferenciar esses microrganismos de M. gordonae e M. flavescens e de outras micobactérias escotocromogênicas de crescimento lento, que são contaminantes comuns da água.
Podem ser isoladas da água e do solo várias micobactérias não fotocromogênicas e não patogênicas, que lembram muito patógenos em potencial; M. nonchromogenicum, M. gastri, M. triviale e M. terrae podem ser isolados e lembram
estreitamente cepas do complexo M. avium, em exames laboratoriais in vitro, inclusive em PCR.
Embora as micobactérias oportunistas geralmente não consigam provocar doença progressiva, podem ser importantes na indução de sensibilidade cutânea transitória à tuberculina, em animais. A aplicação de testes cutâneos comparativos
utilizando tuberculinas PPD biologicamente balanceadas preparadas a partir de filtrados de culturas de M. bovis e M. avium, propicia informações úteis acerca da possível causa de sensibilidade cutânea à tuberculina. Devem ser utilizadas
tuberculinas preparadas para uso veterinário, que contêm cerca de 5.000 unidades de tuberculina por dose, nos testes cutâneos em animais domésticos, selvagens e exóticos.
M. lepraemurium, um bacilo ácidoresistente de crescimento lento e não fotocromogênico, causa doença em gatos e ratos semelhante em, alguns aspectos, à hanseníase humana. Pode crescer em meios contendo citocromo C e a
cetoglutarato. M. lepra, a causa da hanseníase humana, foi isolado em doenças de ocorrência espontânea em tatus. Esse microrganismo não cresce em meio de cultura artificial, entretanto o DNA do M. leprae pode ser identificado por PCR.
TULAREMIA
A tularemia é uma sepse bacteriana que acomete > 250 espécies de mamíferos domésticos e selvagens, répteis, pássaros, peixes e pessoas. É considerada agente de bioterrorismo categoria A devido seu potencial de disseminação pelo ar.
ETIOLOGIA: O microrganismo causador, Francisella tularensis, é um cocobacilo Gramnegativo, não formador de esporos, que se relaciona antigenicamente com Brucella spp. É um parasito intracelular facultativo que é rapidamente
destruído pelo calor e por desinfecção apropriada, mas sobrevive por semanas ou meses em ambiente úmido. É de crescimento fastidioso, mas pode ser cultivado facilmente. Há dois tipos de microrganismos, com base em sua bioquímica e
virulência. Na América do Norte encontrase predominantemente o tipo A, que é mais virulento; no homem, a taxa de mortalidade pode ser de 5 a 7%, se a doença não for tratada. O tipo A, adicionalmente, é subdividido em subpopulações
distintas, A1 e A2, que se diferem quanto à gravidade clínica. O tipo B é menos virulento e mais comumente isolado de animais aquáticos e de infecções associadas à água, na América do Norte e Eurásia. Os dois tipos foram isolados de
artrópodes vetores.
EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: Em animais domésticos, os ovinos são os principais hospedeiros, mas a infecção clínica foi relatada em cães, suínos e equinos. Os gatos estão em risco maior devido ao seu comportamento de predador e
parecem ter maior suscetibilidade, enquanto os bovinos parecem resistentes. Pouco se sabe sobre a verdadeira prevalência e o espectro dos sinais clínicos nos animais domésticos. São hospedeiros selvagens importantes: lebre, coelho
americano, castor, rato almiscarado, ratoda–campina e ovinos, na América do Norte, e outros roedores, camundongosdocampo e lemingues, na Europa e Ásia.
Há focos naturais da infecção na América do Norte e Eurásia, onde o microorganismo circula entre os artrópodes vetores e vários mamíferos, pássaros, répteis e peixes. Embora seja encontrado também em todos os Estados, exceto no
Havaí, a tularemia é geralmente reportada no centrosul e no leste dos EUA (p. ex., Missouri, Oklahoma, Dakota do Sul e Montana).
A tularemia é uma zoonose clássica, passível de ser transmitida por meio de aerossol, contato direto, ingestão ou pelos artrópodes. A inalação de aerossóis infectantes (como no laboratório ou como agente aerógeno em atos bioterroristas)
pode provocar uma forma pulmonar da doença. O contato direto com carcaças infectadas de animais selvagens (p. ex., lebre), ou sua ingestão, pode causar uma forma ulceroglandular, oculoglandular ou orofaringiana (lesão local com
linfadenite regional) ou uma forma tifoide da enfermidade. A imersão ou ingestão de água contaminada pode provocar infecção nos animais aquáticos. Os carrapatos podem manter a infecção pelas vias transestadial e transovariana, o que
os torna reservatórios eficientes, bem como vetores. Os vetores reconhecidos nos EUA incluem Dermacentor andersoni (carrapatodomato), Amblyomma americanum (carrapatoestrela solitário), Dermacentor variabillis (carrapatodos
cães) e Chysops discalis (moscadosveados).
A fonte de infecção mais comum para o homem e herbívoros é a picada de um carrapato infectado, mas as pessoas que depenam caça e preparam ou consomem carne de caça mal cozida também estão em maior risco de infecção. Cães,
gatos e outros carnívoros podem adquirir a infecção pela ingestão de carcaça infectada. Há poucos casos reportando gatos como fonte de infecção em pessoas.
ACHADOS CLÍNICOS: O período de incubação da tularemia é de 1 a 10 dias. Nos ovinos e na maioria dos mamíferos, caracterizase por início súbito de febre alta, letargia, anorexia, rigidez, redução da mobilidade ou outros sinais associados
à doença septicêmica. As frequências respiratórias e de pulso aumentam e pode haver tosse, diarreia e polaciúria. É possível prostração e morte em poucas horas ou dias. Em qualquer espécie, os casos esporádicos são mais bem
reconhecidos por meio dos sinais de sepse. A taxa de mortalidade pode ser de até 15% nos surtos em cordeiros não tratados. Casos subclínicos são comuns.
Lesões: As lesões mais consistentes são focos de necrose miliar de coloração branca a brancosujo no fígado e, às vezes, no baço e linfonodos. É comum hiperplasia de fígado, baço e linfonodos. Podemse isolar facilmente os
microrganismos em amostras obtidas durante a necropsia, em meios de cultura especiais. O risco de infecção durante a necropsia ou para o pessoal de laboratório é significativo; tornamse essenciais instalações e procedimentos especiais.
DIAGNÓSTICO: A tularemia deve ser diferenciada de outras doenças septicêmicas (especialmente de peste bubônica) ou de pneumonia aguda. Quando grande número de ovinos exibem os sinais típicos durante os períodos de alta infestação
de carrapatos devese suspeitar de tularemia ou de paralisia causada por carrapato (p. 1401). A tularemia deve ser considerada em gatos com sinais agudos de linfadenopatia, malestar, úlceras bucais e história recente de ingestão de caças
selvagens.
O diagnóstico de infecção aguda é confirmado por meio de cultura e identificação da bactéria, pelo teste de imunofluorescência indireta ou indireta ou pelo aumento de 4 vezes no título de anticorpos, comparandose a amostra de soro
obtida na fase aguda e com aquela do período de convalescência. Um único título = 1:80 no teste de aglutinação em tubo é evidência presuntiva de infecção anterior. Quando se suspeita de tularemia, o pessoal do laboratório deve ser
alertado, de modo a minimizar o risco de infecção adquirida no laboratório.
TRATAMENTO E CONTROLE: Estreptomicina, gentamicina, cloranfenicol e tetraciclinas são eficazes nas doses recomendadas. O tratamento com gentamicina deve se estender por 10 dias. Como a tetraciclina e o cloranfenicol são
bacteriostáticos, a terapia deve ser continuada por 14 dias, a fim de reduzir o risco de recidiva. O tratamento precoce deve impedir o prejuízo por morte. O controle é difícil e se limita à redução da infestação de carrapatos e ao diagnóstico e
tratamento precoces. Pode ser necessário um tratamento prolongado, já que muitos microrganismos são intracelulares. Atualmente empenhase no desenvolvimento de vacina segura e efetiva. A recuperação confere uma imunidade
prolongada.
ANEMIA INFECCIOSA EQUINA
A anemia infecciosa equina (AIE) acomete equídeos; é causada por um lentivírus específico de equinos, da família dos retrovírus, denominado vírus da anemia infecciosa equina (VAIE). Embora a maioria das infecções persistentes tenha
consequências clínicas mínimas, a forma epizoótica da doença apresenta altas taxas de morbidade e de mortalidade. A infecção pode ser seguramente diagnosticada mediante testes laboratoriais. Em vista da falta de vacinas seguras e
eficazes, muitos países estabeleceram um programa de controle baseado em testes sorológicos. As infecções pelo VAIE parece persistir por toda a vida do animal.
TRANSMISSÃO E PATOGENIA: AIE é uma infecção hematógena e o vírus pode estar livre no plasma ou associado a células, principalmente monócitos, macrófagos e células endoteliais. Na natureza, os insetos hematófagos iniciam a maioria
das infecções por meio da transferência mecânica do sangue infectado entre equinos que convivem na proximidade. Mutuca, moscaamarela (deer fly) e, ocasionalmente, moscadoestábulo parecem ser os vetores mais eficientes porque a
dor de suas picadas inicia um comportamento de defesa do hospedeiro, interrompendo a alimentação e resultando em comportamento de busca por hospedeiro. Como o VAIE não se multiplica nos insetos, os equídeos infectados parecem
ser seu único reservatório. A transmissão iatrogênica tem alto potencial epizoótico, que pode ser evitado mediante medidas preventivas, como descarte ou descontaminação dos equipamentos e não utilização de materiais contaminados de
um animal para o outro. Um surto recente de AIE na Irlanda provocou sérias preocupações quanto ao potencial de transmissão viral, direta ou indireta, de equino para equino.
ACHADOS CLÍNICOS: Equídeos expostos geralmente sustentam a replicação viral por dias a semanas antes da detecção de anticorpos contra VAIE. O período de incubação varia de 10 a = 45 dias; geralmente situase ao redor de 21 a 42 dias
após a transmissão natural. Em geral, o pico da viremia é notado durante o episódio febril, antes que o equino tornase positivo no teste laboratorial. Esses sinais agudos geralmente não são verificados nos equinos que permanecem no pasto
e podem ser acompanhados de discreta redução da contagem de plaquetas, além de inapetência transitória. Geralmente, a infecção só é notada após o teste de rotina para detecção de AIE ou quando o animal desenvolve sinais recidivantes
de febre acompanhados de redução da contagem de plaquetas, petéquias hemorrágicas, anemia, depressão, perda de peso, caquexia e edema dependente (característica da forma crônica de AIE). A infecção pelo VAIE pode ser inaparente ou
apresentarse na forma aguda ou crônica.
As manifestações clínicas são determinadas, em parte, pela cepa viral e pela quantidade de vírus, além da linhagem genética e da condição imune dos equinos. Por exemplo, cepas de VAIE adaptadas por rápidas passagens seriadas em
equinos podem matar esses animais dentro de 14 dias após a infecção, porém não causam sintomas em asininos. Por outro lado, cepas que produzem ou não sinais clínicos discretos nos adultos podem matar os fetos imunologicamente
imaturos ou os potros imunodeficientes. Frequentemente, o VAIE infecta determinado grupo e se dissemina silenciosamente até que a forma crônica da doença seja notada. Assim, uma alta porcentagem de animais do grupo pode estar
infectada. No entanto, um surto recente na Irlanda foi associado a altas taxas de morbidade e de mortalidade, inesperadas.
Lesões: Nos casos agudos, o baço e os linfonodos esplênicos ficam aumentados. Na doença crônica, a necropsia revela emaciação, membranas mucosas pálidas, petéquias hemorrágicas, edema subcutâneo dependente, esplenomegalia e
aumento dos linfonodos abdominais.
Microscopicamente, notase proliferação de células reticuloendoteliais em vários órgãos, aglomerados de células redondas no sistema periporta e perissinusoidal do fígado com acúmulo de hemossiderina nas células de Kupffer.
Acúmulos linfoides perivasculares podem ser observados também em outros órgãos. Em muitos equinos, ocorre glomerulite proliferativa com deposição de IgG e complementos nos glomérulos.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico clínico deve ser confirmado por sorologia. O teste de imunodifusão em ágar gel (AGID, Coggins) é internacionalmente aceito; as fontes antigênicas incluem cultura celular com propagação do vírus e proteínas
recombinantes. Uma variedade de testes ELISA para detecção de anticorpos contra VAIE são aceitos em muitos países e ajuda no diagnóstico prático da infecção pelo VAIE. O teste ELISA pode ser realizado em minutos (em comparação, a
duração do teste AGID, cujo resultado demora 1 a 2 dias). Em todos os casos, o resultado positivo no teste ELISA deve ser confirmado pelo teste AGID antes de se adotar ações reguladoras, devido à alta taxa de resultados falsopositivos.
Quando são utilizados os 2 testes combinados, obtémse alto nível de sensibilidade e especificidade.
TRATAMENTO E CONTROLE: Não há tratamento específico, tampouco vacina disponível. Os equinos infectados pelo VAIE são a única fonte conhecida de infecção e os animais positivos ao teste de anticorpo devem ser mantidos a uma
distância segura (cerca de 200 m) dos outros equídeos. A única exceção conhecida a essa regra é a cria de éguas soropositivas, que podem ter anticorpos maternos contra VAIE após ingerir colostro. Na maioria dos casos, os anticorpos
passivos contra VAIE diminuem até serem negativos no teste AGID, aos 6 a 8 meses de idade; no entanto, anticorpos detectáveis podem persistir por até 12 meses, especialmente quando se utiliza o teste ELISA.
O risco associado à manutenção de grupo de reprodutores infectados é variável. Estudos a campo indicaram grande sucesso no aumento da taxa de potros negativos ao teste AGID, oriundos de animais portadores de AIE inaparente. O
risco de infecção intrauterina aumenta drasticamente, se os sinais clínicos de AIE são verificados na fêmea antes do parto. Infelizmente, não é possível determinar com segurança o risco em qualquer animal infectado pelo VAIE. Equinos
portadores inaparentes mantêm baixo teor de anticorpos e graus de viremia variáveis, que podem aumentar em condições de estresse. Quando comparados com equinos soronegativos saudáveis, os carreadores inaparentes exibem aumento
da concentração sérica de globulinas e alteração na população de linfócitos, que são compatíveis com estímulo imune ou inflamação crônica. Como os animais positivos permanecem infectados a vida toda, muitas agências de controle
consideram que todos os animais positivos para AIE são de alto risco.
Nos EUA, equinos soropositivos devem ser mantidos em quarentena por até 24 h após o conhecimento do resultado positivo ao teste. O local de quarentena deve permitir distância de pelo menos 180 metros dos outros equinos. Após a
confirmação do teste, os equinos soropositivos devem ser permanentemente identificados utilizando o número do código oficial registrado no USDA para o estado no qual o animal foi testado seguido da letra A. Esta identificação pode ser
feita por meio de ferro quente, marca química, marca por congelamento ou tatuagem de lábio e deve ser realizada por um representante do USDA. Equinos reagentes devem ser removidos do lote e colocados em quarentena nas instalações
de origem ou ser submetidos à eutanásia ou abate. Podem ser transportados entre os Estados apenas sob permissão oficial, para abatedouro inspecionado pelo governo federal, um centro de diagnóstico ou pesquisa federal credenciado ou
para retornar ao local de origem. Após o diagnóstico positivo do animal do lote, todos os equinos do local devem ser submetidos a teste de AIE, repetido até que se constatem apenas equinos negativos. Os equinos devem ser novamente
testados intervalos de 30 a 60 dias, até que nenhum caso positivo seja detectado. A quarentena das instalações é liberada quando os testes de todo o lote são negativos pelo menos 60 dias após a remoção do equino positivo.
Todos os equinos que transitam nas divisas estaduais, nos EUA, devem ser testados para AIE e com resultado negativo nos 12 meses que antecedem o transporte. Todos os equinos que participam de leilões ou são negociados ou doados
entre Estados devem ser negativos ao teste para AIE antes da venda ou o animal deve ser mantido em quarentena dentro do Estado, até que o resultado do teste seja conhecido.
Também, recomendase que os donos de equinos implementem um plano de controle de AIE nas suas propriedades. Todos os equinos devem ser testados pelo menos a cada 12 meses, como parte do programa de controle. Testes mais
frequentes são indicados em áreas com alta prevalência de AIE. Os proprietários de equinos que participam de exposições ou competições devem comprovar teste negativo para AIE. Novos equinos introduzidos no rebanho devem ter teste
negativo para AIE antes de entrar na propriedade ou devem ficar isolados enquanto se realiza o teste. O controle prático dos vetores inclui a aplicação de inseticidas e repelentes e o controle no ambiente. Princípios de boa higiene e
desinfecção devem ser mantidos para prevenir infecções iatrogênicas dos equinos com agulhas, seringas ou equipamentos contaminados.
ARTERITE VIRAL EQUINA (Celuliteconjuntivite epizoótica, Tifo equino, Rotlaufseuche)
A arterite viral equina (AVE) é uma doença viral aguda contagiosa de equídeos, causada pelo vírus da arterite equina (VAE). A enfermidade é caracterizada por febre, depressão, anorexia, leucopenia, edema dependente (especialmente na
porção distal dos membros, escroto e prepúcio em garanhões), conjuntivite, edema supra ou periorbital, secreção nasal, aborto e, raramente, doença e morte de potros jovens.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: O vírus da arterite equina é um RNAvírus pequeno e envelopado; é o vírus protótipo do gênero Arterivirus, família Arteriviridae, ordem Nidovirales. É um dos 3 mais importantes vírus patogênicos do trato
respiratório de equinos. O vírus não resistente no ambiente fora do corpo e a sobrevivência em temperaturas = 37°C é breve. No entanto, o VAE pode manter a infectividade em amostras de tecidos e fluidos por longo tempo, se
armazenadas em temperatura igual ou abaixo da temperatura de congelamento. Pode permanecer viável em sêmen congelado por vários anos.
Embora apenas um sorotipo do vírus tenha sido bem identificado, a cepaprotótipo Bucyrus, há evidências de amplas variações genômicas e antigênicas, em razão de diferenças temporais e geográficas dos diversos isolados. A variação
na patogenicidade também ocorre entre as cepas virais, algumas sendo capaz de causar sintomas graves da doença, enquanto outras só ocasionam febre.
Após a exposição ao aerossol, o vírus da arterite equina invade o epitélio respiratório e multiplicase nos macrófagos bronquiais e alveolares. Estas células transportam o vírus para os linfonodos regionais, onde ele passa por novo ciclo
de replicação antes de ser liberado na corrente sanguínea. A viremia associada a células, assegura a disseminação do VAE por todo o corpo. Após 6 a 8 dias o vírus se instala no endotélio vascular e em miócitos mediais de pequenos vasos
sanguíneos, especialmente nas arteríolas, causando panvasculiste. Ele também pode ser encontrado no epitélio de certos tecidos, particularmente adrenais, túbulos seminíferos, tireoide e fígado. As lesões vasculares características incluem
edema e degeneração endotelial, infiltração neutrofílica e necrose da túnica média dos vasos infectados. As lesões vasculares causam edema e hemorragia que, acreditase ser resultado da ativação de citocinas proinflamatórias. A lesão
vascular máxima ocorre até cerca de 10 dias; após este período as lesões melhoram.
Infecções experimentais de éguas prenhes com cepas Bucyrus altamente virulenta resultaram em aborto decorrente de miometra, redução da circulação placentária e morte do feto. No entanto, isto pode não representar a patogenia do
aborto nas infecções por VAE adquiridas, a qual ainda não está bem determinada.
Arterite viral equina; edema ocular. Cortesia do Dr. Peter J. Timoney.
Arterite viral equina; edema escrotal. Cortesia do Dr. Peter J. Timoney.
Exceto para alguns garanhões, a infecção viral não é mais detectável em vários tecidos ou fluidos corporais, além de 28 dias após a infecção. Garanhões que permanecem persistentemente infectados, por sua vez, abrigam o vírus nas
glândulas sexuais acessórias, especialmente na ampola do canal deferente, onde podem permanecer por muitos anos. Alguns garanhões carreadores podem disseminar o VAVE a partir do trato reprodutivo, mesmo após um período
prolongado.
EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: Embora a variação dos hospedeiros naturais e experimentais do vírus da AVE permaneça restrita aos equídeos, há informações limitadas sugerindo que o vírus também pode infectar alpacas e lhamas. Não
há evidência de que o VAE possa ser transmitido às pessoas. Com base nos achados sorológicos de pesquisas e nos relatos de surtos de AVE, o vírus está presente na população equina em muitos países em todo o mundo, com exceção do
Japão e Islândia. A prevalência das infecções varia severamente entre os países e algumas raças no mesmo país. O vírus é altamente frequente em raças tradicionais e de sangue quente. Apesar da ampla distribuição global do VAE surtos
confirmados pelo laboratório de arterite viral equina são relativamente incomuns. Esta situação parece ter mudado nos últimos anos com um aumento do número de ocorrências da doença que está sendo relatado. O maior fator que tem
contribuído para esta mudança é o contínuo crescimento do volume internacional de negócios de equinos e sêmen desta espécie.
A epidemiologia de arterite viral equina (AVE) envolve fatores como vírus, hospedeiro e ambiente, inclusive a variabilidade da patogenicidade entre as cepas de vírus, vias de transmissão, existência de garanhões portadores e natureza da
imunidade contra a infecção. Os surtos de AVE são geralmente ligados à transferência de animais e da remessa de sêmen. Frequentemente, a transmissão viral é mínima se algum sinal clínico for detectado em equídeos com infecção aguda.
A transmissão da infecção AVE pode ocorrer pela via respiratória, venérea, congênita ou indireta. A transmissão por aerossol é o principal modo de propagação entre os equinos. A transmissão por aerossol é a principal via de
disseminação do vírus durante a fase aguda da infecção. Isto é principalmente responsável pela transmissão do VAE entre equinos sem infecção prévia mantidos em contato próximo (p. ex., provas hipismo ou de corrida, exposições, leilões,
clínicas veterinárias e fazendas de criação). O vírus também pode ser transmitido por via venérea, mediante infecção aguda das fêmeas ou infecção aguda ou crônica dos garanhões. As éguas podem ser infectadas pela via venérea após
monta natural ou inseminação artificial com sêmen infectado. Há evidências de que o VAE pode ser disseminado através de transferência de embriões. O vírus também pode ser transmitido indiretamente com o uso de fômites contaminados
(p. ex., ferramentas, material de contenção) e pelas mãos ou roupas dos tratadores.
A condição de portador pode ser confirmada em machos não castrados, especialmente em potros após a puberdade e garanhões, mas não em éguas, animais castrados, potros ou potrancas sexualmente imaturas. O estabelecimento e a
persistência do VAE no trato reprodutivo de garanhões é dependente de testosterona. O garanhão portador é um reservatório natural do VAE, sendo responsável por sua disseminação e persistência. Frequentemente, a taxa de condição de
portador pode ser < 10% até > 70%. Garanhões infectados podem disseminar o VAE constantemente em frações ricas em esperma e no sêmen, mas não em outro tipo de secreção ou excreção. A duração da condição de portador pode variar
de semanas a vários anos. A porcentagem de cura espontânea dos portadores é variável, quanto à persistência de garanhões infectados, sem evidência de subsequente risco de disseminação do microrganismo. O estado de portador não
parece prejudicar a fertilidade dos garanhões infectados, tampouco sua condição clínica. Garanhões portadores também atuam como principal meio de indução de diversificação genética do vírus.
Comparado com outros vírus respiratórios equinos, o VAE estimula fortemente e de forma duradoura a imunidade, que protege contra o desenvolvimento da doença clínica e o estabelecimento da condição de portadores em garanhões.
Altos teores de anticorpos neutralizantes, que persistem pelo menos 2 a 3 anos, podem ser estimulados pela exposição viral ou mediante vacinação.
ACHADOS CLÍNICOS: A exposição ao vírus da arterite equina pode resultar em infecção clínica ou inaparente, dependendo da cepa de vírus envolvida, da carga viral, da idade e das condições físicas do animal, bem como de vários fatores
ambientais. Estudos revelam que muitos casos de infecção natural são subclínicos. O início dos sinais clínicos é precedido por período de incubação de 3 a 14 dias, que varia principalmente com relação à via de exposição. Os sinais clínicos
variam amplamente em extensão e gravidade entre os surtos de AVE e entre os casos de indivíduos infectados em um mesmo surto. Tipicamente pode ocorrer qualquer combinação dos seguintes sintomas: febre com duração de 2 a 9 dias,
leucopenia, depressão, anorexia, edema de membros (especialmente de pélvicos) e edema de prepúcio e escroto. Sinais menos consistentes incluem conjuntivite, lacrimejamento e fotofobia, edema periorbital ou supraorbital, rinite e
secreção nasal, edema da parede ventral do corpo (inclusive da glândula mamária, em fêmeas), reação cutânea de urticária, frequentemente localizada nos lados do pescoço ou na cabeça (embora possa ser generalizada), andar rígido,
dispneia, diarreia, icterícia e ataxia.
Cepas de VAE podem causar aborto ao longo da gestação (dos 3 meses até mais 10 meses). O aborto pode ocorrer tardiamente, na fase aguda ou na fase de convalescença da doença, com ou sem sinais clínicos prévios de arterite viral
equina. Nos surtos naturais, a taxa de aborto pode ser < 10% e chegar a mais de 60%. Não há evidência comprobatória de que éguas inseminadas com sêmen infectado por VAE abortarão no final da gestação. As fêmeas que abortam já
estavam prenhes antes da exposição e a disseminação do vírus é rápida, principalmente por via respiratória, pela proximidade com outro animal anteriormente infectado. O aborto ocorre 1 a 4 semanas após o contato. As fêmeas infectadas
no final da prenhez podem não abortar, mas os potros nascem com infecção congênita. Não há prova de que éguas que abortam em razão do VAE são menos férteis.
Os garanhões infectados com VAE podem passar por um curto período de subfertilidade. Isso foi observado em indivíduos que desenvolveram febre alta e prolongada e edema extenso de escroto. Garanhões afetados podem apresentam
redução da libido associado à diminuição da motilidade espermática e de percentual da morfologia normal dos espermatozoides. As alterações qualitativas do sêmen se devem ao aumento da temperatura intratesticular e não ao efeito direto
do VAE na espermatogênese e na função testicular. As alterações do sêmen podem durar 14 a 16 semanas, antes de retornar ao normal. Não é observado efeito adverso duradouro na fertilidade de garanhões que apresentam cura completa.
A frequência e a gravidade dos sinais clínicos associados à infecção por AVE tendem a ser mais evidentes em animais jovens, velhos ou debilitados. Independente da gravidade do quadro clínico, os equinos infectados invariavelmente
têm cura completa, mesmo quando não se faz tratamento sintomático. Morte de animais mais velhos é muito rara em surtos naturais. No entanto, potros jovens com poucos meses de idade podem morrer em decorrência de pneumoenterite
ou pneumonia fulminante.
Lesões: As lesões macro e microscópicas em casos fatais refletem a extensa e considerável lesão vascular causada pelo vírus. Estas descrições são principalmente baseadas em infecções experimentais com uma cepa Bucyrus altamente
patogênica do VAE. Os achados macroscópicos mais evidentes são edema, congestão e hemorragia, especialmente no tecido subcutâneo dos membros e do abdome, bem como excesso de fluidos peritoneal, pleural e pericárdico. Os
linfonodos torácicos e intraabdominais, bem como dos intestinos, especialmente o ceco e o cólon, podem apresentar edema e hemorragia. Edema pulmonar, enfisema, pneumonia intersticial, enterite e infarto no baço foram descritos em
casos fatais da doença nos potros.
Com frequência, os fetos abortados encontramse parcialmente autolisados. Em geral, não há lesões macroscópicas; se presentes, podem se limitar a um excesso de fluidos em cavidades corporais e grau variável de edema pulmonar
interlobular. O dano vascular e as lesões imunomediadas em animais mais velhos raramente são notadas em fetos infectados.
A lesão microscópica característica é vasculite, que envolve principalmente as arteríolas e as pequenas veias. Histologicamente as alterações variam desde edema vascular e perivascular, com infiltração linfocítica ocasional e hipertrofia
das células endoteliais, nos casos brandos, até a necrose fibrinoide de túnica média, infiltração linfocítica extensa, necrose e perda do endotélio, bem como formação de trombos, em casos graves. As lesões microscópicas não são uma
característica constante em abortos. A vasculite, se presente, é observada na placenta, cérebro, fígado, baço e pulmões dos fetos.
Os casos fatais da infecção em potros novos são caracterizados por edema interlobular, congestão e infiltração de células mononucleares nos pulmões, depleção linfoide e hemorragia no tecido linforreticular. Hemorragias focais e necrose
da mucosa intestinal foram descritas em associação com enterites.
DIAGNÓSTICO: Os sinais clínicos de arterite viral equina podem mimetizar sinais que ocorrem em outras doenças respiratórias e não respiratórias da espécie equina. Portanto, a confirmação laboratorial é fundamental para estabelecer o
diagnóstico. Influenza equina, rinopneumonite equina, infecções pelos vírus da rinite equina tipos A e B e adenovírus equino, bem como púrpura hemorrágica, são as doenças mais comuns que clinicamente se assemelham a AVE. Esta
última deve ser diferenciada de casos esporádicos de anemia infecciosa equina (AIE), intoxicação por flordemel branca (Berteroa incana) e urticária induzida por alergia. Algumas doenças exóticas que devem ser consideradas no
diagnóstico diferencial de AVE incluem infecção pelo vírus Getah, tripanossomíase e peste equina africana (p. 746).
O aborto causado pelo vírus da arterite equina deve ser diferenciado daquele causado por herpesvírus equino tipo 1 e 4. Esta diferenciação é útil, mas não é característica confirmatória de distinção, pois éguas que abortam em decorrência
de AVE podem manifestar evidência clínica prévia de arterite viral equina, enquanto éguas que abortam devido à infecção por herpesvírus raramente exibem sinais premonitórios. Além disso, os fetos infectados pelo VAVE geralmente
apresentam autólise no momento da expulsão e frequentemente são desprovidos de qualquer lesão macroscópica. Por outro lado, os fetos abortados em razão da infecção herpesvírus são invariavelmente “frescos” e em geral exibem lesões
macro e microscópicas.
Na suspeita de surto, a confirmação laboratorial de AVE deve ser realizada o mais rápido possível. O diagnóstico pode se basear no isolamento viral, na detecção do ácido nucleico ou antígeno viral ou na demonstração de resposta de
anticorpo humoral recente em testes pareados (fases aguda e de convalescência), sendo as amostras de soro obtidas em intervalo de 3 a 4 semanas.
As amostras apropriadas para o isolamento viral e/ou detecção de ácido nucleico por transcriptase reversaPCR incluem lavado ou suabe de nasofaringe e amostras de sangue com anticoagulante (EDTA ou citrato). Para aumentar a
chance de isolamento ou detecção, as amostras devem ser obtidas o mais rápido possível após a constatação dos sinais clínicos. Após a coleta, os suabes devem ser transferidos diretamente para o meio de transporte para vírus e enviados
refrigerados ou congelados em recipiente hermeticamente fechado e encaminhado por meio de um serviço de entrega rápida para um laboratório habilitado para realizar o exame. A amostra de sangue com anticoagulante deve ser
transportada refrigerada, mas não congelada.
Nos casos suspeitos de aborto por AVE, os fluidos e tecidos placentários, juntamente com tecido linforreticular e outros tecidos fetais, além do fluido pleural ou peritoneal, podem ser fontes produtivas do vírus. Quando ocorre morte de
potros jovens ou de equinos idosos e há suspeita da infecção pelo vírus, amostras de fluidos das cavidades abdominal e torácica e de órgãos relacionados devem ser colhidas e submetidas a exame laboratorial, inclusive testes histológicos e
imunoistoquímicos.
A detecção da condição de carreador em um garanhão é baseada na confirmação inicial do estado de soropositivo do paciente. Na ausência de histórico vacinal certificado, os garanhões com título de anticorpos neutralizantes = 1:4
devem ser considerados potenciais carreadores do vírus até prova ao contrário, com base na ausência do vírus no sêmen. A confirmação do estado de carreador é baseada na demonstração do vírus na amostra de sêmen contendo fração rica
em esperma do ejaculado. Este material é utilizado tanto para o isolamento viral quanto para a realização de transcriptase reversa–PCR. Também pode ser realizado pelo teste de acasalamento de um garanhão possivelmente carreador com 2
éguas soronegativas, avaliandoas quando à soroconversão 28 dias após a monta.
Dentre os testes sorológicos para detecção de anticorpos contra AVE, o teste de neutralização viral intensificado pelo complemento continua sendo o mais utilizado na identificação de infecções agudas por AVE e para estudos de
soroprevalência. Alguns testes ELISA foram desenvolvidos e não apresentam sensibilidade e especificidade equivalentes. Nenhum dos testes disponíveis pode diferenciar títulos de anticorpos resultantes de infecção natural e de resposta
vacinal.
TRATAMENTO, PREVENÇÃO E CONTROLE: Não há tratamento específico para o vírus da AVE. Praticamente todos os animais recuperamse completamente e indicase tratamento sintomático (p. ex., antipiréticos, antiinflamatórios e
diuréticos) somente nos casos graves, especialmente para garanhões com febre prolongada e edema escrotal extenso, o que resulta em subfertilidade, a curto prazo. Bons cuidados de enfermagem e repouso auxiliam no retorno normal do
animal às atividades desejáveis. Não há tratamento efetivo para AVE concomitante a pneumonia ou pneumoenterite, em potros. Embora haja alguma evidência de que a infrarregulação temporária de testosterona circulante por imunização
por GnRH ou pelo uso de um antagonista de GnRH promova eliminação do vírus da AVE do trato reprodutivo dos garanhões carreadores, ainda não há qualquer estratégia adequadamente validada.
Arterite viral equina é uma doença de fácil prevenção, que pode ser controlada com boas práticas de manejo e com a adoção de um adequado programa de vacinação. Apenas uma vacina comercial, com vírus vivo modificado, está
disponível na América do Norte. A vacina protege contra AVE e induz estado de carreador do garanhão. A vacina é segura e imunogênica para reprodutores e fêmeas não gestantes; não é recomendada para gestantes, especialmente nos
últimos 2 meses de gestação, ou em potros com < 6 semanas de idade, a menos que haja alto risco de exposição natural à infecção. Minimizar ou eliminar o contato direto ou indireto de equinos desprotegidos com aqueles animais
infectados ou com sêmen contendo o vírus é o ponto crítico para o sucesso de qualquer programa de prevenção.
O principal foco de programas de controle atuais é restringir a disseminação de AVE na população de reprodutores e reduzir o risco de surtos de aborto devido ao vírus, morte de potros jovens e o estado de portador em garanhões e potros
na fase de póspuberdade. Embora ocasionalmente a AVE tenha sido incriminada como responsável por extensos surtos de doenças em animais de corrida, exposição, leilão e em hospitais veterinários, atualmente a doença tem sido tão
esporádica que programas de controles inespecíficos têm sido desenvolvidos para prevenir novas ocorrências.
Os programas efetivos de controle envolvem adoção de práticas de manejo semelhantes às recomendadas para outras infecções respiratórias. Neste manejo incluem a separação de fêmeas prenhes, identificação de reprodutores
carreadores, imunização anual dos reprodutores não carreadores e vacinação de potros com 6 a 12 meses de idade para minimizar o risco de se tornarem carreadores. Os garanhões carreadores devem ser manejados separadamente e devem
acasalar apenas fêmeas naturalmente soropositivas ou fêmeas vacinadas contra arterite viral equina. Como o sêmen fresco resfriado ou congelado também é importante fonte da infecção, ele deve ser testado por um laboratório bem
conceituado para garantir sua segurança. No caso de acasalamento artificial de uma fêmea com sêmen infectado pelo vírus, aplicamse as mesmas medidas de controle daquelas de acasalamento por cobertura natural por um garanhão
carreador.
Em caso de eventos com suspeita de surto de AVE, as autoridades veterinárias devem ser rapidamente notificadas e os animais infectados e não infectados devem ser isolados, com restrições imediatas quanto à movimentação dos animais
acometidos. A confirmação laboratorial do diagnóstico deve ser o mais rápido possível. Atividades reprodutivas devem ser suspensas nas fazendas para minimizar a disseminação da infecção. As instalações e equipamentos que entraram
em contato com o animal infectado devem ser desinfetados. A vacinação da população equina de alto risco deve ser realizada rigorosamente, a fim de restringir a transmissão de AVE e evitar surto, o mais rápido possível. A restrição ao
transporte dos animais deve ser mantida até pelo menos 3 semanas após o último caso clínico de AVE ou depois da confirmação laboratorial da infecção pelo vírus da AVE.
ERLIQUIOSE GRANULOCÍTICA EQUINA
A erliquiose granulocítica equina é uma infecção não contagiosa, sazonal, observada principalmente nos EUA, no nordeste da Califórnia, mas também é relatada em vários outros Estados. Também ocorre na Europa e na América do Sul
(ver p. 310).
ETIOLOGIA, EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: O microrganismo causador foi inicialmente denominado Ehrlichia equi, mas com base nas relações da sequência de DNA, atualmente é denominado Anaplasma phagocytophilum. Ele tem
uma ampla gama de hospedeiros e foram relatadas infecções naturais em equinos, asininos, cães, lhamas e roedores. Uma riquetsia muito semelhante a A. phagocytophilum, o agente da erliquiose granulocítica humana (EGH) foi
recentemente incriminada como causa de doenças humanas nos Estados do meio–oeste e no nordeste dos EUA.
A. phagocytophilum frequentemente infecta equinos nas montanhas do nordeste da Califórnia. Outros Estados em que a infecção clínica foi confirmada incluem Connecticut, Illinois, Arkansas, Washington, Pensilvânia, Colorado,
Minnesota e Flórida. Também foi diagnosticada na Columbia Britânica, Suécia, GrãBretanha e América do Sul.
A. phagocytophilum assemelhase aos agentes etiológicos da febre transmitida por carrapatos, da febre petequial bovina e da EGH quanto à morfologia, tropismo celular e sequência genética do 16S do ácido ribonucleico ribossômico
(RNAr). Está presente nos vacúolos citoplasmáticos dos neutrófilos e, ocasionalmente, nos eosinófilos, durante a fase aguda. Esfregaços de sangue corados pelo Giemsa ou WrightLeishman revelam um ou mais agregados livres (mórula ou
corpúsculos de inclusão, com 1,5 a 5 μm de diâmetro) cocoides, cocobacilos ou microrganismos pleomórficos azulacinzentados a azulescuros no citoplasma dos neutrófilos.
A infecção pode ser transmitida experimentalmente para equinos suscetíveis por meio de sangue contaminado de animais infectados ou de pessoas com EGH. O período de incubação varia de 1 a 2 semanas. Ixodes pacificus (carrapato
depernaspretas do leste) pode transmitir A. phagocytophilum aos equinos.
Atualmente o risco zoonótico é desconhecido. No entanto, equinos e pessoas aparentemente saudáveis podem ser infectadas por cepas do mesmo agente. Acreditase que a exposição humana ocorra por picada de carrapato e não por
transmissão direta dos equinos para as pessoas.
ACHADOS CLÍNICOS: A gravidade dos sintomas varia em função da idade do animal e da duração da doença. Os sinais clínicos podem ser discretos. Equinos < 1 ano de idade podem ter apenas febre; equinos com 1 a 3 anos de idade
desenvolvem febre, depressão, discreto edema de membros e ataxia. Os adultos exibem sinais característicos, como febre, inapetência, depressão, relutância ao movimento, edema de membros, petéquias e icterícia. A febre, que é mais
intensa nos primeiros 1 a 3 dias da infecção (39,5 a 40°C), persiste em 39 a 40°C por 6 a 12 dias. Os sintomas se agravam depois de alguns dias. Raramente, a vasculite miocárdica pode causar arritmia ventricular transitória. Outras
manifestações clínicas da infecção aguda incluem decúbito e miopatia grave. Qualquer infecção recidivante (p. ex., ferida de membro ou infecção respiratória) pode ser exacerbada. Os corpúsculos de inclusão citoplasmáticos são poucos
nas primeiras 48 h e aumentam até 30 a 40% em neutrófilos circulantes, após 3 a 5 dias de infecção. A doença é sazonal na Califórnia, ocorrendo no final do outono, inverno e primavera.
Lesões: Petéquias macroscópicas, equimoses e edema se desenvolvem no tecido subcutâneo e fáscia. A vasculite é regional, afetando predominantemente o subcutâneo e a fáscia dos membros.
Dois neutrófilos, cada um contendo uma mórula de Ehrlichia equi, em sangue de equino, WrightGiemsa, 100X em óleo de imersão. Eritrócitos exibindo formação rouleau, um achado normal nestas espécies. Cortesia do Dr. John W. Harvey.
DIAGNÓSTICO: A demonstração de corpúsculos de inclusão em esfregaços de sangue padrão é diagnóstica. O teste PCR pode detectar o DNA de A. phagocytophilum em esfregações de sangue não coagulado ou de papa leucocitária. O teste
de imunofluorescência indireta pode detectar elevação do títulos de anticorpos contra A. phagocytophilum. O diagnóstico diferencial inclui encefalite viral, doença hepática primária, anemia infecciosa equina, púrpura hemorrágica e arterite
viral.
TRATAMENTO E CONTROLE: A oxitetraciclina é extremamente efetiva contra A. phagocytophilum; dose de 7 mg de tetraciclina/kg IV, 1 vez/dia, durante 8 dias, elimina a infecção. Penicilina, cloranfenicol e estreptomicina não são efetivos.
Os equinos com edema e ataxia grave podem ser beneficiados do tratamento a curto prazo com corticosteroides (20 mg de dexametasona, 1 vez/dia, por 2 ou 3 dias). Equinos que se recuperam tornamse solidamente imunes por = 2 anos e,
acredita–se, não portadores. Achados recentes sugerem infecção persistente em algumas estirpes na Europa, mas há necessidade de estudos mais profundos. O controle dos carrapatos é uma medida obrigatória para o controle da doença.
Não há vacina.
INFECÇÃO PELO VÍRUS HENDRA
O vírus Hendra foi descrito pela primeira vez em 1994, após um surto de doença respiratória aguda em um estábulo de treinamento de cavalos PuroSangue na Austrália, em que equinos e uma pessoa foram fatalmente infectados. Casos
esporádicos continuam a ocorrer na Austrália, tipicamente como uma febre aguda que rapidamente progride para envolvimento de múltiplos órgãos, mas notavelmente desencadeia uma enfermidade respiratória aguda e/ou neurológica. Os
morcegos frutívoros (subordem Megachiroptera) são reservatórios naturais do vírus. O vírus Hendra é classificado como um agente de biossegurança nível 4 (considerado agente de alto risco de doença potencialmente fatal em pessoas).
Portanto, o uso de práticas seguras e equipamentos de proteção individual são essenciais no manejo de material que oferece risco da doença às pessoas.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: O vírus Hendra é um RNAvírus envelopado, grande e pleomórfico. Embora inicialmente tenha sido mais estreitamente relacionado com microrganismos do gênero Morbillivirus do que a outros gêneros da
família Paramyxoviridae, estudos subsequentes mostraram baixa homologia sequencial com respirovírus, morbilivírus e rubulovírus e reações imunológicas cruzadas irrelevantes com outros paramixovírus. O vírus Hendra é genética e
antigenicamente relacionado com o vírus Nipah (p. 807), com o qual compartilha cerca de 90% de homologia entre os aminoácidos. Ambos os vírus foram classificados em um novo gênero, Henipavírus, subfamília Paramyxovirinae.
Há evidências crescentes de que ocorre variação mínima de estirpes do vírus Hendra e que a apresentação clínica e as lesões mais provavelmente variam em função da via de infecção. Historicamente, pneumonia intersticial de gravidade
variável é o principal achado em casos naturais e experimentais da infecção de equinos expostos. O vírus Hendra tem tropismo específico por tecidos vasculares, independentemente da via de transmissão. Nas infecções recentes, as lesões
se apresentam desde como edema e hemorragia nas paredes dos vasos, degeneração fibrinoide com núcleos picnóticos nas células endoteliais e da túnica média até a presença de várias células gigantes (sincício) no endotélio e, às vezes, na
túnica média dos vasos afetados (tanto vênulas quanto arteríolas). Há evidência de que o vírus se dissemina amplamente em vários tecidos corporais, em consequência da viremia relacionada com leucócitos. O vírus é encontrado no
endotélio vascular dos vasos subaracnoides e cerebrais, além de infectar vasos dos glomérulos renais e pélvicos, lâmina própria do estômago, baço, vários linfonodos e miocárdio. Quando há enfermidade respiratória ocorre destruição
progressiva das paredes alveolares, com a presença de macrófagos. Além do tropismo vascular, o vírus Hendra pode também ser neurotrópico, causando necrose neuronal e glioide focal. Uma característica constatada em um surto na
Austrália, em 2008, foi uma doença neurológica grave e ausência de doença respiratória. Portanto, o vírus Hendra não pode mais ser considerado como causador de doença predominantemente respiratória em equinos.
EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: A doença de ocorrência natural causada pelo vírus Hendra é relatada apenas em equinos e pessoas. Experimentalmente, a doença é induzida em gatos, porquinhosdaíndia, hamsters, furões, macacos e
suínos, mas não em camundongos, roedores, coelhos, galinhas e cães. A resposta clínica e os achados patológicos nos gatos são muito semelhantes aos observados nos equinos. As infecções pelo vírus Hendra foram relatadas somente na
Austrália, em eventos esporádicos, com 13 casos entre 1994 e 2009. A maioria destes era ocorrência pontual em equinos. Portanto, o vírus Hendra apresenta infectividade limitada e em condições de campo a transmissão entre equinos
infectados e não infectados é esporádica.
Experimentalmente, a transmissão por aerossol de equinos infectados para equinos ou gatos não foi bemsucedida. Porém, a possibilidade da transmissão respiratória não pode ser completamente descartada. As secreções nasais
(originárias dos pulmões) são comumente observadas em equinos com infecção natural, podendo ser uma fonte da transmissão potencial do vírus, por aerossol. O vírus Hendra é encontrado na urina, sangue e secreção nasal e oral de
equinos e gatos infectados naturalmente. Baseado nos conceitos de viabilidade de campo e laboratório, a infecção humana ou animal necessita contato direto com secreção contaminada com o vírus (exsudato pulmonar), excreções (urina),
fluidos corporais ou tecidos. Embora o vírus Hendra apresenta infectividade limitada, a taxa de casos fatais individuais é alta – 75% em equinos e 50% em pessoas.
As evidências epidemiológicas, sorológicas e virológicas sugerem que os morcegos frutívoros são os reservatórios naturais do vírus Hendra. Pesquisas sorológicas revelaram alta prevalência de anticorpos neutralizantes em morcegos
frutívoros selvagens (Pteropus spp) na Austrália e na PapuaNova Guiné. Infecções em morcegos (tanto experimentais como naturais) causam doença assintomática. Há estudos experimentais e de campo sobre transmissão vertical, com
isolamento de vírus na urina e em tecidos fetais de morcegodecabeçacinzenta (Pteropus poliocephalus) e morcegopreto (P. alecto). A ocorrência rara e a natureza esporádica dos surtos sugerem que a exposição dos equinos ao vírus
Hendra seja um acontecimento eventual. O modo de transmissão entre morcegos e de morcegos para equinos são incertos, pois há fatores que facilitam a disseminação. O vírus Hendra foi identificado em fluidos oriundo de parto, placenta e
fetos abortados, além da urina de morcegos natural ou experimentalmente infectados. Vírus Nipah relacionado foi detectado em urina de morcego e em fruta parcialmente consumida pelo morcego. Os equinos podem ser hipoteticamente
infectados pelo contato com alimento ou água contaminada com material de morcegos infectados, porém o mecanismo definitivo não foi estabelecido.
ACHADOS CLÍNICOS: Devido à afinidade com as células endoteliais, o vírus Hendra pode ser a causa dos sinais clínicos em equinos. A apresentação clínica predominante pode depender do órgão mais severamente comprometido ou com
lesão endotelial mais extensa.
Devese considerar infecção pelo vírus Hendra quando há febre inicial aguda e progressão rápida para morte, possivelmente associada a sinais respiratórios graves ou sinais neurológicos. Entretanto, a ausência destes sinais não exclui a
possibilidade de infecção pelo vírus Hendra. A doença nem sempre é fatal; em cerca de 25% dos casos é possível a recuperação clínica do animal.
Os sinais clínicos que prontamente fazem o veterinário considerar infecção por vírus Hendra incluem início agudo da enfermidade, febre (40°C) e rápida perda da condição corporal. Os sintomas respiratórios incluem edema e congestão,
angústia respiratória (aumento da frequência respiratória) e secreção nasal terminal que, inicialmente é clara e progride para um aspecto branco ou sanguinolento espumoso. Os sintomas neurológicos incluem “andar cambaleante” que
progride para ataxia e alteração da consciência (perda aparente da visão em um ou ambos os olhos, andar sem rumo e confusão mental), inclinação e desvio da cabeça, andar em círculos, espasmos musculares (espasmos mioclônicos foram
observados em equinos com enfermidade aguda ou recuperados da doença), incontinência urinária, decúbito com incapacidade de levantar, fraqueza terminal, ataxia e colapso. Outros sinais clínicos incluem depressão, taquicardia, edema
facial, tremor muscular, anorexia, congestão de membrana mucosa bucal e sinais semelhantes à cólica (geralmente ruídos abdominais fracos à auscultação do abdome, em casos préterminais). A proximidade de ambientes e alimentos de
morcegos frutívoros pode aumentar a suspeita.
Quando os equinos são mantidos em baias, é mais provável a ocorrência de infecção pelo vírus Hendra como doença em um único paciente doente, ou morto, do que em vários animais. A maioria das infecções em animais mantidos em
baias envolve um único equino fatalmente infectado, sem transmissão aos equinos do recinto. No entanto, em várias ocasiões, um ou mais equinos contactantes se infectaram após estreito contato com um animal doente ou morto. Em locais
onde os equinos são mantidos estabulados, parece que o vírus Hendra tem potencial para se disseminar por meio de contato direto com fluidos corporais contaminados ou por transmissão direta através de fômites contaminados e, inclusive,
a transferência acidental do microrganismo pelas pessoas. Até o momento, todos os surtos em estábulos resultaram na infecção de vários equinos. Estes eventos parecem ter se originado a partir de um equino infectado em uma baia ou
mantido em área externa e levado ao estábulo.
Lesões: A presença de grandes células sinciciais endoteliais no exame histopatológico é característica de infecção pelo vírus Hendra. Embora mais evidentes em arteríolas e capilares pulmonares, estas células são observadas em outros
órgãos (linfonodos, baço, coração, estômago, rins e cérebro). A propagação da degeneração fibrinoide dos pequenos vasos sanguíneos é constatada em vários órgãos, inclusive pulmões, coração, rins, baço, linfonodos, meninges, trato
alimentar, músculo esquelético e bexiga. O antígeno específico para o vírus Hendra pode ser demonstrado a partir das lesões vasculares e de parede alveolar por coloração imunoistoquímica. Corpúsculos de inclusão virais
intracitoplasmáticos podem ser observados em células endoteliais infectadas ao exame em microscópio eletrônico, mas não em microscopia comum. Quando a doença respiratória é predominante, as principais lesões macroscópicas são
edema intenso e congestão pulmonar e aumento marcante dos linfonodos subpleurais. As vias respiratórias são preenchidas por espuma, geralmente com traços de sangue. Lesões adicionais são observadas em alguns equinos e incluem
aumento de fluidos pleural e pericárdico, congestão de linfonodos, hemorragias em vários órgãos e discreta icterícia.
Microscopicamente, as principais lesões são decorrentes da pneumonia intersticial aguda. Lesões vasculares graves, com edema alveolar serofibrinoso, hemorragia, trombose dos capilares, necrose das paredes alveolares e macrófagos
alveolares, são evidentes nos pulmões.
Se a doença neurológica é predominante, notamse lesões de meningite não supurativa, inclusive manguito perivascular, degeneração neuronal e gliose focal.
DIAGNÓSTICO: Devese considerar infecção pelo vírus Hendra quando há febre inicial aguda e progressão rápida para morte, mas um caso não fatal não pode excluir a possibilidade da infecção pelo vírus Hendra. A confirmação do
diagnóstico é baseada na análise laboratorial de amostras apropriadas, para detecção do vírus, de antígeno viral, de ácido nucleico viral ou de anticorpos específicos. O procedimento de coleta de amostras deve considerar o sério risco
zoonótico do vírus Hendra, sendo necessário a adoção de medidas apropriadas para evitar a exposição humana. As amostras mínimas recomendadas incluem amostra de sangue (sem e/ou com EDTA) e suabe nasal ou bucal (da superfície da
língua). Podem ser obtidas de equinos vivos ou mortos. Amostras colhidas durante a necropsia, tanto fresca quanto fixada em formol 10%, de pulmão, rins, urina, baço, fígado, linfonodos e cérebro aumentam a probabilidade de definição
do diagnóstico, mas aumentam também o risco de exposição humana. A segurança durante a coleta das amostras deve seguir os cuidados de acordo com a análise de risco e deve ser realizada pelo veterinário para evitar exposição humana.
Caso exista preocupação quanto à segurança pessoal, devese obter apenas um conjunto mínimo de amostras (sangue, suabes). Procedimentos recomendados para necropsia segura em casos suspeitos do vírus Hendra estão disponíveis na
página da internet Biosecurity Queensland, http://www.dpi.qld.gov.au/documents/Biossecurity_GeneralAnimalHealthPestsAndDiseases/HendraWorkGuidelinesForVets.pdf.
O vírus pode ser isolado em inúmeras linhagens de células; as células Vero são as preferidas. O efeito citopático viral, que se desenvolve em cerca de 3 dias, caracterizase por formações sinciciais nas células infectadas. Isolamento do
vírus e outros testes diagnósticos que envolvem vírus vivo somente devem ser realizados sob condições de biossegurança nível 4. A confirmação sorológica da infecção é baseada em exames de amostras de soro obtidas nas fases aguda e de
convalescência, coletadas em intervalo de 3 a 4 semanas, submetidas ao teste de neutralização. A presença das lesões vasculares características é altamente sugestiva da infecção; a especificidade das lesões pode ser confirmada por testes
imunoistoquímicos utilizando antissoro de referência para o vírus Hendra.
A doença equina africana pode se parecer clinicamente com a infecção por vírus Hendra e deve ser incluída no diagnóstico diferencial. A possibilidade de outros casos de morte súbita deve ser excluída, como antraz, botulismo, algumas
infecções bacterianas (p. ex., pasteurelose), influenza equina, infecção hiperaguda equina por herpesvírus equino tipo 1, e plantas ou produtos químicos tóxicos.
TRATAMENTO, PREVENÇÃO E CONTROLE: Não há tratamento antiviral específico, tampouco vacina contra a doença causada pelo vírus Hendra. Casos confirmados devem ser submetidos à eutanásia, limitando o risco de exposição às
pessoas. Na Austrália, também se recomenda a prática de eutanásia de equinos soropositivos recuperados, pois atualmente há evidências de que não é possível excluir a possibilidade de recrudescência da infecção nestes equinos.
Devese prevenir a instalação de focos, minimizando o contato entre equinos e fluidos e urina de morcegos. Incluemse práticas simples, como redução da população de morcegos nas árvores onde os equinos são mantidos ou retirando os
animais destes locais. O controle se baseia na eutanásia e enterramento profundo das carcaças, monitoramento, isolamento e restrição de deslocamento de animais, além da desinfecção de superfícies potencialmente contaminadas.
RISCO ZOONÓTICO: O vírus Hendra é transmissível às pessoas, com 50% de casos fatais. Todas as infecções humanas estão relacionadas com a doença em equinos (tanto vivos quanto mortos, durante a necropsia), de modo que as pessoas
que entram em contato com casos suspeitos ou confirmados da infecção em equinos devem ter cautela. Não há relato de transmissão da doença de morcego para pessoa, tampouco de pessoa para pessoa.
Devem ser implementados protocolos para minimizar o risco de exposição humana em casos suspeitos de infecção pelo vírus Hendra em equino, sob confirmação. Um sumário para abordagem, com intuito de minimizar risco de
contágio, foi elaborado pela Biosecurity Queensland e inclui os seguintes passos. Primeiramente, devese preparar de modo antecipado um plano que resume como os riscos do vírus Hendra são tratados na prática pelos clínicos e
veterinários, individualmente. Isso inclui 1) ter cautela mesmo em casos suspeitos de infecção pelo vírus Hendra, antes mesmo da confirmação da doença; 2) isolar os equinos doentes e mortos de pessoas e outros animais, inclusive animais
de estimação; 3) limitar, ao máximo, o contato de pessoas com os equinos; 4) as pessoas que tiverem contato com os equinos devem realizar rigorosa higiene pessoal (especialmente lavar as mãos e tomar banho); 5) identificação de riscos e
tomada de medidas que reduzam estes riscos (p. ex., se for descontaminar uma área, evite aerossóis formados por água sob alta pressão); 6) orientar as pessoas com alto risco de exposição, como proprietários, tratadores e demais (inclusive
outros veterinários e assistentes) e 7) notificar os casos às autoridades de saúde animal.
A adequada proteção individual envolve: 1) evitar contato da pele, membranas mucosas e olhos com material suspeito; 2) evitar inalação de partículas; 3) lavagem frequente das mãos e da pele exposta, com detergente 4) cortes e
abrasões devem ser recobertos com curativos resistentes à água, quando necessário.
Em particular, sangue e outros fluidos corporais (especialmente, secreções respiratórias, nasais e urina), bem como tecidos devem ser considerados como materiais potencialmente infectantes e devem ser tomadas precauções apropriadas
para evitar contato direto com aerossóis ou inoculação acidental destes fluidos.
MORMO (Farcino)
Mormo é uma doença contagiosa, crônica ou aguda, geralmente fatal que acomete os equídeos. É causada por Burkholderia mallei sendo caracterizada pelo desenvolvimento em série de úlceras nodulares geralmente no trato respiratório
superior, pulmões e pele. Os felídeos e outras espécies são suscetíveis e a infecção geralmente é fatal. Este microrganismo infecta pessoas, sendo considerado um potencial agente de bioterrorismo. O mormo é uma das mais antigas doenças
conhecidas e já foi cosmopolita. Foi erradicada ou é efetivamente controlada em muitos países, inclusive nos EUA. Recentemente, a doença foi relatada no Iraque, Paquistão, Índia, Mongólia, China, Brasil e Emirados Árabes. Esta
enfermidade é de notificação obrigatória, segundo a lista da OIE.
ETIOLOGIA: Burkholderia mallei, um patógeno clonal, está presente em exsudatos nasais e ulcerações da pele dos animais infectados. A doença é comumente contraída pela ingestão de alimentos ou água contaminada com secreção nasal
dos animais infectados. O microrganismo é suscetível ao calor, à luz e a desinfetantes; sobrevive em locais contaminados por 1 a 2 meses. Ambientes úmidos e molhados oferecem condições de sobrevivência ao agente. A presença de uma
cápsula polissacarídica é um importante fator de virulência e aumenta a sobrevivência da bactéria no ambiente.
ACHADOS CLÍNICOS: Após período de incubação de aproximadamente 2 semanas, os animais infectados geralmente apresentam sepse e febre alta (41°C) e, subsequentemente, secreção nasal mucopurulenta espessa e sintomas respiratórios.
O animal morre em alguns dias. A doença crônica é comum nos equinos e se manifesta como uma doença debilitante com lesões nasais e cutâneas, ulcerativas ou nodulares. Os animais infectados podem viver anos disseminando o
microrganismo. Em alguns casos a infecção pode ser latente e persistir por longo tempo.
Reconhecemse as formas nasal, pulmonar e cutânea do mormo, e um animal pode se infectar com mais de uma forma ao mesmo tempo. Na forma nasal, desenvolvem–se nódulos na mucosa do septo nasal e partes inferiores dos ossos
turbinados. Os nódulos degeneramse originando úlceras profundas com margens irregulares e elevadas. As cicatrizes características em forma de estrela permanecem após a cicatrização das úlceras. No estágio inicial, os linfonodos
submaxilares ficam aumentados e edematosos; mais tarde aderemse à pele ou aos tecidos mais profundos.
Na forma pulmonar, pequenos nódulos semelhantes a tubérculos, com centros caseosos ou calcificados circundados por zonas inflamatórias, são verificados nos pulmões. Se a lesão é extensa, é possível notar consolidação do tecido
pulmonar e pneumonia. Os nódulos tendem a se romper e podem drenar seu conteúdo para os bronquíolos, resultando na extensão da infecção para o trato respiratório superior.
Na forma cutânea (“farcino”), os nódulos aparecem ao longo dos vasos linfáticos, particularmente nas extremidades. Esses nódulos se degeneram e originam úlceras que drenam um pus pegajoso altamente infeccioso. O fígado e o baço
também podem exibir lesões nodulares típicas. No exame histológico é possível verificar vasculite, trombose e infiltração de células inflamatórias em degeneração.
DIAGNÓSTICO: Nódulos típicos, úlceras, formação de escaras e condição debilitante podem ser evidências suficientes para o diagnóstico clínico. No entanto, como esses sintomas geralmente só aparecem quando a doença está em estágio
bem avançado, é fundamental a realização de testes diagnósticos específicos o mais breve possível. A cultura de B. mallei a partir de lesões confirma o diagnóstico. Recomendase um teste de hipersensibilidade retardada mediante a
inoculação intraperitoneal de maleína, uma glicoproteína secretada por B. mallei, presente no sobrenadante da cultura. Equinos hipersensíveis infectados desenvolvem conjuntivite purulenta dentro de 24 h, além de tumefação de pálpebras.
O teste de fixação de complemento também é utilizado no diagnóstico da infecção. O teste ELISA se mostra bem mais sensível do que a fixação de complemento, mas não tem um uso amplo. A PCR é baseada nas sequências genéticas 16S
e 23S do RNAr e pode auxiliar em uma identificação mais específica.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO: Não há vacina disponível. A profilaxia e o controle dependem da detecção precoce e da eliminação dos animais infectados, bem como de quarentena completa e desinfecção rigorosa da área contaminada. O
tratamento é administrado somente em áreas endêmicas, mas a cura bacteriológica não é confiável. Doxiciclina, ceftazidima, gentamicina, estreptomicina e as combinações de sulfadiazina ou sulfamonometoxina com trimetoprima parecem
ser eficientes na prevenção e tratamento de mormo experimental.
PESTE EQUINA AFRICANA
A peste equina africana (PEA) é uma virose aguda ou subaguda, carreada por insetos, que acomete os equídeos, sendo endêmica na África. É caracterizada por sinais clínicos e lesões associadas a comprometimentos respiratórios e
circulatórios.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: A PEA é causada por um orbivírus, de 55 a 70nm de diâmetro, da família Reoviridae. Há nove tipos imunologicamente distintos. O vírus é inativado em pH < 6 ou = 12, ou por formalina, βpropiolactona,
derivados do acetiletilenoimino ou radiação.
O aparecimento da PEA é precedido por estações de chuvas fortes, que se alternam com condições climáticas quentes e secas, condições que favorecem a transmissão. Os surtos na África Central e Oriental se estenderam ao Egito,
Oriente Médio e sul da Arábia. De 1959 a 1961, uma epidemia importante causada pelo sorotipo 9 se estendeu da África até o Oriente Próximo, Paquistão e Índia, causando a morte de cerca de 300.000 equídeos. Uma epidemia causada
pelo mesmo sorotipo em 196566 ocorreu no noroeste da África (Marrocos, Argélia e Tunísia), mas também se estendeu rapidamente até o Sul da Espanha. Este surto na Espanha foi controlado por meio de rigorosa campanha de vacinação
e abate. Em julho de 1987, a PEA causada pelo sorotipo 4 foi relatada no centro da Espanha, devido a importação de zebras infectadas da Namíbia. Os surtos duraram até o início do clima frio, em outubro de 1987; entretanto, o vírus
sobreviveu ao inverno e causou doença no sul da Espanha em 1988. Novamente o surto cessou com a chegada do frio, mas retornou em 1989 e 1990. O vírus também chegou a Portugal e ao Marrocos em 1989; embora rapidamente
eliminado de Portugal, continuou no Marrocos até 1991. Mais recentemente, surtos de PEA foram relatados em várias regiões da África Subsaariana, inclusive oeste de Botswana (19992001), Namíbia (2000 e 2001), África do Sul (2006) e
Suazilândia (2006). Em 2007, pela primeira vez, o sorotipo 2 do vírus da PEA foi relatado no oeste da África (Nigéria e Senegal) e o sorotipo 7 no Senegal. O sorotipo 4 também foi isolado de equídeos no Quênia. Em 2008, um surto grave
causado pelo sorotipo 2 foi registrado no sudeste da Etiópia.
TRANSMISSÃO: Culicoides spp são os principais vetores na transmissão de todos os 9 sorotipos do vírus da PEA, sendo C. imicola o mais importante. Consequentemente, a PEA é observada durante estações quentes e chuvosas, que
favorecem a propagação de vetores; clima frio faz a doença desaparecer e reduz significativamente a atividade do vetor. O vírus também pode ser isolado de carrapatos de cães, Rhipicephalus sanguineus sanguineus, e carrapatos de
camelos, Hyalomma dromedarii, durante o inverno no sul do Egito, onde a doença é endêmica. O vírus da PEA foi experimentalmente transmitido entre cães infectados por mosquitos. Entretanto, estes estudos não foram confirmados e
muitas autoridades acreditam que cães, carrapatos e mosquitos podem ter uma pequena contribuição na epidemiologia da PEA.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A taxa de mortalidade depende da virulência do isolado e da suscetibilidade do hospedeiro. A taxa de mortalidade nas populações de equinos sem contato prévio com o vírus, que são os animais mais
suscetíveis, pode atingir 90%, em epidemias. A forma respiratória aguda caracterizase por um período de incubação de 3 a 5 dias, edema interlobular e hidropericárdio; o animal pode morrer em cerca de 1 semana. Febre de 40 a 40,5°C por
1 a 2 dias é seguida de dispneia, tosse espasmódica e dilatação das narinas; o animal fica em pé com as pernas afastadas e a cabeça estendida. A conjuntiva fica congesta e a fossa supraorbital pode inchar. A recuperação é rara e o animal
morre de anoxia. À necropsia, notase edema pulmonar, especialmente visível nos espaços intralobulares. Os pulmões se distendem e ficam pesados; é possível encontrar um fluido espumoso na traqueia, brônquios e bronquíolos. Pode
haver derrame pleural. Os linfonodos torácicos podem ficar edematosos e o fundo gástrico pode estar congesto. São verificadas petéquias no pericárdio e ocorre aumento do fluido pericárdico; entretanto, as lesões cardíacas geralmente não
são relevantes. As vísceras abdominais podem ficar congestas. Pode haver extravasamento de um exsudato espumoso pelas narinas. A forma pulmonar é a mais comum em cães, que geralmente se infectam pela ingestão de carne
contaminada com o vírus.
A forma cardíaca é subaguda, com um período de incubação de 1 a 2 semanas. A reação febril que dura < 1 semana é seguida de inchaço da fossa supraorbital. O inchaço geralmente se estende para as pálpebras, tecidos faciais, pescoço,
tórax, peito e ombros. Geralmente o animal morre dentro de 1 semana, e pode ser precedida de cólica. A taxa de mortalidade é cerca de 50%. As petéquias e equimoses de epicárdio e endocárdio tornam–se proeminentes. Os pulmões
geralmente se apresentam flácidos ou ligeiramente edematosos. Ocorrem infiltrações amareladas e gelatinosas nos tecidos subcutâneo e intramuscular, especialmente ao longo das veias jugulares e dos ligamentos da nuca. Outras lesões
incluem hidropericárdio, miocardite, gastrite hemorrágica e petéquias na superfície ventral da língua e no peritônio. Uma mistura das formas cardíaca e pulmonar é comumente observada em surtos, com taxa de mortalidade de equinos de
cerca de 80%.
DIAGNÓSTICO: Nas regiões endêmicas, os sinais clínicos e as lesões podem levar a um diagnóstico presuntivo. Entretanto, a confirmação laboratorial é essencial para o diagnóstico definitivo e para a determinação do sorotipo; o último item
tornase importante para adoção de medidas de controle. Amostras de sangue devem ser obtidas no pico da febre, preservadas em solução OCG (glicerol 50%, oxalato de potássio 0,5%, fenol 0,5%) e transportadas (a 4°C) ao laboratório. As
amostras de baço coletadas de animais recentemente mortos devem ser preservadas em glicerina tamponada 10%, a 4°C. Para o isolamento do vírus é melhor realizar inoculação intracerebral de camundongos lactentes; também podem ser
utilizadas culturas de células de insetos ou mamíferos. Quanto maior o número de sistemas de isolamento empregados, maior a probabilidade de sucesso. Os camundongos infectados podem desenvolver sinais nervosos ou paralisia e devem
ser observados por 3 semanas; a cultura de tecidos de mamíferos devem mostrar efeito citopático dentro de 3 a 7 dias.
O vírus da PEA pode ser isolado no sangue, em outros tecidos e no sobrenadante de cultura de células infectadas pelo emprego de sondas moleculares e transcriptase reversaPCR com primers grupoespecífico. O ELISA sanduíche
indireto também é útil para a rápida detecção do vírus da PEA em tecidos sólidos obtidos de animais que morreram com a infecção. Além disso, o isolamento do vírus pode ser feito por testes específicos, como fixação de complemento
(FC) e imunofluorescência direta ou indireta.
A sorotipagem do vírus da PEA anteriormente envolvia teste de neutralização utilizando antissoros específicos, que demorava mais de 5 dias. O recente desenvolvimento de um tipo específico de transcriptase reversaPCR tem
funcionado como método confirmatório do sorotipo do vírus da PEA dentro de 24 h.
PREVENÇÃO E CONTROLE: Não há tratamento específico para animais com PEA, além de repouso e bom manejo. As complicações e as infecções secundárias devem ser tratadas apropriadamente durante a recuperação. O vírus da PEA não
é contagioso e pode ser disseminado somente pela picada de Culicoides spp infectado. Vários métodos de controle podem ser empregados, como a restrição da movimentação dos animais para evitar início de surtos e a modificação do
manejo para evitar ou reduzir o acesso de vetores aos animais suscetíveis ou aos animais infectados (ex. estábulos a prova de entrada do vetor); em certas condições (p. ex., por motivo de bemestar ou no início de uma epidemia) o abate de
animais virêmicos pode impedilos de atuar como uma fonte do vírus aos insetos. É muito difícil eliminar completamente as populações de Culicoides; entretanto pode ser possível reduzir o número de insetos infectados que picam animais
suscetíveis que mantêm um nível de epidemia insustentável.
Vacinas de vírus vivos estão disponíveis para todos os 9 sorotipos. Geralmente são produzidas a partir de cultura de vírus atenuados e aparentemente propicia boa proteção, embora a revacinação anual seja recomendada. Entretanto,
algumas autoridades podem relutar em utilizar vacinas com vírus vivo devido sua possível reversão em vírus patogênico, à transmissão pelo vetor Culicoides e aos rearranjos com estirpes do vírus de campo. Vacinas compostas de
subunidades e inativadas sem este inconveniente estão em desenvolvimento, mas ainda não estão disponíveis no mercado.
O transporte de equídeos de países onde há o vírus da PAE para áreas livres do patógeno é sujeito a rígidos protocolos de exames e quarentena, embora os requisitos possam variar de país para país. A presença de anticorpos, apenas, não
deve impedir esta movimentação de animais contanto que o vírus infectante não esteja presente.
SEPSE EM POTROS
A sepse é uma síndrome clínica definida pelo desenvolvimento de uma condição inflamatória sistêmica em resposta à suspeita de infecção. Esta condição implica extenso comprometimento orgânico, seguido de invasão bacteriana nos
tecidos e fluidos ou cavidades corporais. A presença de bactérias viáveis no sangue é denominada bacteriemia. A infecção bacteriana é responsável por aproximadamente um terço das mortes de potros. A sepse é um dos problemas mais
comuns de equinos neonatos, devido à inadequada transferência de anticorpos maternos.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: Escherichia coli é a bactéria predominantemente isolada de potros com sepse ou bacteriemia, independente da técnica de isolamento ou localização geográfica do paciente. Outros microrganismos Gramnegativos
comuns incluem Klebsiella spp, Enterobacter spp, Actinobacillus spp, Salmonella spp e Pseudomonas spp. Cerca de 30 a 50% das infecções envolvem também bactérias Grampositivas, como Streptococcus spp, sendo estas geralmente as
primeiras isoladas. Nos últimos anos foi documentado um aumento do número de Grampositivos em potros admitidos em instalações de cuidado intensivo de neonatos, com redução de ocorrência de bactérias Gramnegativas intestinais
(ou seja, 63% para 42% nos últimos 25 anos). Os patógenos anaeróbios, especialmente Clostridium spp, estão envolvidos em cerca de 10% dos casos de infecções neonatais sistêmicas. As portas de entrada dessas bactérias incluem
placenta, umbigo, pulmão e tratos respiratório e gastrintestinal.
Todas as síndromes septicêmicas (p. ex., sepse, sepse grave, choque septicêmico, disfunção de múltiplos órgãos) têm uma patogenia em comum que também inclui endotoxemia relacionada com infecções Gramnegativas. As
endotoxinas estimulam os macrófagos a liberarem várias citocinas (p. ex., IL6, IL1 e TNFa) e ativarem enzimas proinflamatórias (p. ex., fosfolipase A2). A atuação conjunta desses fatores ocasionam sinais da inflamação (febre,
vasodilatação, hipoglicemia, depressão do miocárdio, atividade procoagulante e, por fim, coagulação intravascular disseminada [CID]). Várias outras moléculas derivadas do patógeno podem induzir respostas semelhantes no hospedeiro.
Assim, a síndrome do choque tóxico resultante de infecção estreptocócica ou por Staphylococcus aureus é uma síndrome séptica hiperinflamatória muito parecida com doenças caracterizadas por endotoxemia.
Uma variedade de fatores imunológicos e de manejo predispõe os potros à sepse. Embora possam responder imunologicamente às infecções bacterianas e virais no útero, a habilidade dos potros é menor que dos adultos. A deficiente
resposta fisiológica dos neonatos aos agentes infecciosos está relacionada com a menor capacidade de quimiotaxia e de destruição dos neutrófilos de neonatos, à presença de células T antigenicamente imaturas e à menor população e à
deficiente função dos monócitos. Entretanto, o principal fator de risco de sepse nos potros é a falha quantitativa e qualitativa na transferência de anticorpos colostrais. Se a ingestão de colostro é insuficiente, temse baixo teor de IgG, o
potro não adquire proteção específica e a função dos neutrófilos é seriamente prejudicada. Outros fatores que influenciam a prevalência da doença nos potros incluem condições ambientais insatisfatórias, idade gestacional (prematuridade),
saúde e condições adequadas da futura mãe, parto distócico e presença de novos patógenos no ambiente, contra os quais a fêmea não tem anticorpos.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos dependem, em grande parte, do estágio da enfermidade, da integridade do sistema imune do hospedeiro, dos sistemas corporais acometidos e da gravidade e via de infecção. Geralmente, os sistemas
orgânicos envolvidos são SNC, tratos respiratório, cardiovascular, musculoesquelético, renal, oftálmico, hepatobiliar e gastrintestinal, bem como resquícios do cordão umbilical, No estágio inicial da sepse os potros apresentam sinais vagos
e inespecíficos, inclusive certo grau de depressão e letargia. Os proprietários relatam que os animais parecem ficar deitados mais do que o normal. O úbere das fêmeas geralmente apresentase distendido com leite, indicando que o potro não
está mamando com a frequência adequada.
Os sinais clínicos da doença progridem para uma completa perda do reflexo de sucção, hiperemia de membranas mucosas com rápido tempo de preenchimento capilar devido à vasodilatação periférica, taquicardia e petéquias
relacionadas com extravasamento de capilares. No estágio avançado da doença, quando a infecção deprime o sistema imune do hospedeiro e a resposta compensatória, pode ocorrer choque septicêmico. Os potros permanecem gravemente
deprimidos, deitados e com hipovolemia, manifestada como extremidades frias, pulso filiforme e tempo de preenchimento capilar prolongado. Os potros podem apresentar hiper ou hipotermia, taquicardia ou bradicardia. Na sepse, as
bactérias se disseminam por via hematógena para vários órgãos, ocasionando angústia respiratória, pneumonia, diarreia, uveíte, meningite, osteomielite ou artrite séptica. A disfunção de dois ou mais órgãos leva a síndrome de disfunção de
múltiplos órgãos.
DIAGNÓSTICO: Atualmente não há indicador ideal para diagnóstico precoce de sepse. Entretanto, foi desenvolvido um sistema de escore para potros neonatos, a fim de estabelecer o risco de infecção neonatal e auxiliar na identificação da
sepse em um estágio tratável. Este “escore de sepse” inclui uma combinação de histórico clínico e de parâmetros laboratoriais; podem também servir como indicador de comprometimento do todo o organismo ou de múltiplos órgãos.
Os potros com sepse geralmente apresentam neutropenia com alta proporção neutrófilos bastonetes (imaturos) em relação aos neutrófilos segmentados. Os neutrófilos podem exibir alterações tóxicas, altamente sugestivas de sepse.
Comumente hipoglicemia acompanha uma infecção sistêmica e está associada a consumo de glicose pelas bactérias e diminuição da reserva de glicogênio. Teor de fibrinogênio > 600 mg/dl em um potro com < 24 h de vida indica que
houve infecção intrauterina. Outras anormalidades no perfil bioquímico evidentes nesses casos são: azotemia, decorrente de perfusão renal inadequada ou asfixia perinatal e aumento secundária da bilirrubina, devido a lesão hepática
induzida por endotoxina. Na hemogasometria arterial é possível verificar aumento do ânion gap (> 20 mEq/l), hiperlactatemia, hipoxemia, hipercapnia e acidose metabólica e respiratória mista.
Dependendo dos sistemas orgânicos específicos envolvidos, indicamse ultrassonografia umbilical, abdominal e sinovial, hemogasometria arterial, artrocentese, centese cerebroespinal e radiografias de tórax, abdome e de membros
distais. Imagens de diagnóstico avançado (p. ex., tomografia computadorizada de membros distais em potros com artrite séptica) podem auxiliar no prognóstico.
O teor sérico de IgG deve ser mensurado em todos os potros neonatos supostamente enfermo, a fim de excluir a possibilidade de transferência inadequada de imunidade passiva como fator de risco para sepse. Concentração de IgG < 200
mg/dl indica falha total na transferência passiva de anticorpos maternos. Teores de IgG > 800 mg/dl são considerados ótimos.
Hemocultura positiva também está relacionada com a sepse, porém cultura negativa não exclui a possibilidade de infecção. Os diagnósticos diferenciais incluem encefalopatia neonatal (p. 1348), hipoglicemia, hipotermia, isoeritrólise
neonatal (p. 15), doença do músculo branco (p. 1170), prematuridade, pneumonia neonatal e uroperitônio (p. 1640).
TRATAMENTO: Os potros com suspeita de sepse devem ser submetidos a tratamento com antibióticos de amplo espectro contra bactérias Gramnegativas e Gram–positivas. Penicilina (22.000 UI/kg, IV, 4 vezes/dia) em combinação com
sulfato de amicacina (20 a 25 mg/kg, IV, 1 vez/dia) propicia boa cobertura inicial, até que o resultado da cultura esteja disponível. Metronidazol (10 a 15 mg/kg, VO ou IV, 3 vezes/dia) pode ser necessário em casos suspeitos de infecção
anaeróbica (p. ex., Clostridium). Cefalosporinas de terceira geração (p. ex., 4,4 a 6 mg de ceftiofur/kg, IV, 2 a 4 vezes/dia) podem auxiliar como medicamento de amplo espectro em pacientes com comprometimento da função renal. A
cefpodoxima proxetila (10 mg/kg, 2 a 4 vezes/dia) é recomendada como tratamento de infecções bacterianas em equinos neonatos. A cefepima (11 mg/kg, IV, 3 vezes/dia) é uma nova cefalosporina de quarta geração com atividade
antibacteriana melhorada.
Fluidoterapia intravenosa precoce é necessária para restabelecer a perfusão tecidual, atenuando a resposta das citocinas e revertendo lesões celulares. A expansão do volume deve ser obtida com o emprego de soluções que propiciam
balanço eletrolítico (cristaloides) ou de plasma (coloide). O suporte imunológico na forma de transfusão de plasma IV (1 a 2 l) é muito importante e aumenta o teor de IgG para > 800 mg/dl. Fluidoterapia IV efetiva é necessária para
normalizar os parâmetros cardiovasculares específicos (pressão venosa central, pressão arterial, produção de urina e saturação do oxigênio venoso central), enquanto melhora os parâmetros clínicos. O choque septicêmico grave pode
requerer taxas iniciais de fluido de 40 a 80 ml/kg/h. Devido à ocorrência de hipoglicemia em muitos potros, devese administrar infusão lenta e contínua de solução de dextrose 2,5 a 5%, simultaneamente aos fluidos de reidratação.
O tratamento com soro hiperimune com antiendotoxina deve ser considerado em pacientes com endotoxemia. Fármacos antiprostaglandina minimizam as alterações clínicas e hemodinâmicas associadas à endotoxemia e ao choque
séptico. Baixas doses de flunixino meglumina (0,25 mg/kg, IV, 3 vezes/dia) auxiliam na redução dos sintomas de endotoxemia. Ademais, a administração de pequenas doses de polimixina B (6.000 UI/kg, diluída em 300 a 500 ml de
solução salina, por via IV lenta) é considerada um tratamento experimental para neutralizar a endotoxemia sistêmica.
Como a sepse induz um estado catabólico no potro, o suporte nutricional é muito importante. Se o potro não estiver sendo tratado adequadamente, ele pode ser alimentado com leite ou substituto de leite em volume de até 15 a 25% do
seu peso corporal, a cada 24 h. Uma sonda nasogástrica permanente deve ser utilizada em potros com deficiente reflexo de sucção. A nutrição parenteral também pode auxiliar no fornecimento dos nutrientes adequados. A administração de
protetores gástricos (p. ex., ranitidina, cimetidina, omeprazol) pode atuar como adjuvante no tratamento dos neonatos enfermos.
A terapia sistêmica específica inclui lavagem das articulações com fluidos estéreis e administração de oxigênio por via nasal (2 a 10 l/min) ou ventilação para potros com pneumonia septicêmica. Úlcera de córnea pode ser tratada com
baixas doses de atropina tópica (embora possa causar íleo adinâmico), AINEs e antibacterianos de amplo espectro, mediante aplicação tópica. Entrópio geralmente necessita correção cirúrgica. Em alguns casos pode ser indicada a remoção
cirúrgica do umbigo infectado.
PROGNÓSTICO: A recuperação da sepse neonatal depende da gravidade e da manifestação da infecção. A taxa de sobrevivência é de 50 a 81%, em centros de referência, dependendo da progressão da doença. Doença pulmonar neonatal
grave está associada à alta taxa de mortalidade (35 a 50%). O tempo em que os cuidados intensivos devem ser aplicados é de, no mínimo, 1 a 4 semanas. Diagnóstico precoce e tratamento intensivo favorecem a recuperação. Quando o potro
sobrevive aos sintomas iniciais, há grande probabilidade de que se torne um adulto saudável e útil. Um relato recente documentou que potros purosangue que sobreviveram à bacteriemia iniciaram atividades de corridas em condições
semelhantes aos seus irmãos, embora tenham arrecadado menos dinheiro.
COLISSEPTICEMIA (Colibacilose septicêmica, Doença septicêmica)
A sepse causada por Escherichia coli é uma doença comum de bezerros e, em menor extensão, de cordeiros com < 1 semana de idade. Pode se apresentar com sinais de sepse aguda ou de bacteriemia crônica localizada.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: A doença é causada por sorotipos específicos de E. coli que possuem fatores de virulência que lhes permitem atravessar a superfície da mucosa e produzir bacteriemia e sepse. Entretanto, o principal
determinante da doença é a deficiência de imunoglobulinas circulantes como resultados da falha na transferência passiva das imunoglobulinas colostrais; a doença septicêmica devido à invasão de E. coli ocorre apenas nos bezerros com
deficiência de imunoglobulinas.
A colissepse é observada durante a primeira semana de vida, mais comumente dos 2 aos 5 dias de idade. A doença crônica localizada pode ser observada até 2 semanas de idade. A doença geralmente é esporádica e mais comum entre os
bezerros leiteiros do que nos de corte.
TRANSMISSÃO E PATOGENIA: A invasão ocorre principalmente pela mucosa nasal e orofaringeana, mas também pode ocorrer através da via intestinal ou umbilical e pelas veias umbilicais. Há um período de bacteriemia subclínica que, com
cepas virulentas, é seguido de rápido desenvolvimento de sepse e morte por choque endotoxêmico. Um curso mais prolongado, com infecção localizada, poliartrite, meningite e, ocasionalmente, uveíte e nefrite, é observado com as cepas
menos virulentas. A doença crônica também se desenvolve em bezerros que adquiriram níveis marginais de imunoglobulinas circulantes. O microrganismo é excretado na secreção nasal e oral, urina e fezes; a excreção começa durante o
estágio bacteriêmico préclínico. A infecção inicial pode ser adquirida a partir de contaminantes ambientais. Em grupos de bezerros, a transmissão é direta pelo contato nasonasal, aerossóis urinários e respiratórios ou como resultado do
contato com o umbigo na amamentação ou pelo contato fecaloral.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Nos casos agudos, o curso clínico é curto (3 a 8 h) e os sinais estão relacionados com o desenvolvimento de choque séptico. A febre não é proeminente e a temperatura retal pode estar subnormal.
Apatia e perda precoce do interesse de mamar são seguidas por depressão, pouca resposta a estímulos externos, colapso, decúbito e coma. Taquicardia, pulso fraco e tempo de preenchimento capilar prolongado são observados. As fezes são
moles e mucoides, mas diarreia grave não é observada nos casos mais simples. A mortalidade é de aproximadamente 100%. Em um curso clínico mais prolongado, a infecção pode ser localizada. Poliartrite e meningite são comuns; tremor,
hiperestesia, opistótono e convulsões são observados ocasionalmente, porém, letargia e coma são mais frequentes.
Uma leucocitose moderada, mas significativa, e neutrofilia são observadas no início, mas a leucopenia é marcante nos estágios terminais.
O fluido articular contém aumento de células inflamatórias e proteínas, e o FCE apresenta pleocitose e aumento na concentração de proteínas; o microrganismo pode estar evidente ao exame microscópico. Menos comumente, outras
bactérias, inclusive Enterobacteriaceae, Streptococcus spp e Pasteurella spp, produzem doença septicêmica em bezerros jovens. Esses microrganismos são mais comuns nos casos esporádicos do que como causas de surtos. Eles produzem
uma doença clínica semelhante, mas podem ser diferenciados por cultura. Como acontece na colissepticemia, o determinante primário destas infecções é a falha na transferência passiva de imunoglobulinas.
O diagnóstico é baseado no histórico e nos achados clínicos, na demonstração de uma grave deficiência de IgG circulante e, por fim, na demonstração do microrganismo no sangue ou tecidos. O sulfato de zinco ou a estimativa da
proteína total podem ser utilizados para rápida estimativa da IgG (p. 2415).
TRATAMENTO: O tratamento requer o uso agressivo de antibióticos. Por não haver tempo para o antibiograma, a escolha inicial deve ser de um medicamento bactericida que tenha alta probabilidade de eficácia contra microrganismos
Gram–negativos. A terapia antibacteriana deve ser acompanhada de fluido, fármacos e outras terapias para choque endotóxico. A mortalidade é alta apesar do tratamento agressivo.
CONTROLE E PREVENÇÃO: Os bezerros que adquirem concentrações adequadas de imunoglobulinas do colostro são resistentes à colissepticemia. Portanto, a prevenção depende primeiramente das práticas de manejo que assegurem o
fornecimento adequado e precoce de colostro. A adequação das práticas do fornecimento de colostro deve ser monitorada e as estratégias corretivas devem ser aplicadas, quando necessárias. Nos rebanhos leiteiros da raça Holandesa da
América do Norte, a amamentação natural não garante concentrações adequadas de imunoglobulinas circulantes e os bezerros devem ser alimentados com 2 a 4 l de colostro de primeira ordenha (contendo uma massa mínima total de 100 g
de IgG), usandose uma mamadeira ou sonda esofágica, até 2 h após o nascimento; este procedimento é seguido de uma segunda alimentação 12 h depois. Os testes enzimáticos rápidos podem auxiliar na seleção do colostro com
concentrações adequadas de imunoglobulinas. A concentração de imunoglobulinas circulantes necessária para a proteção contra a colissepticemia é baixa; entretanto, altas concentrações de imunoglobulinas circulantes são desejáveis
porque elas diminuem a suscetibilidade a outras doenças infecciosas neonatais.
Quando o colostro natural não estiver disponível para o bezerro recémnascido, o substituto comercial do colostro contendo 25 g de IgG irá fornecer imunoglobulina suficiente para a proteção contra a colissepticemia se for administrado
no início do período de absorção. A administração parenteral de plasma contendo pelo menos 4 g e preferencialmente 8 g de IgG irá proporcionar alguma proteção para os bezerros mais velhos que não mamaram colostro e que são
incapazes de absorver as imunoglobulinas a partir do intestino. Um pequeno volume de soro hiperimune é benéfico apenas se ele tiver anticorpos específicos contra o sorotipo associado ao surto. O risco de infecção precoce pode ser
minimizado pela higiene da área dos bezerros e pela desinfecção do umbigo ao nascimento. Para minimizar a transmissão, os bezerros criados em ambientes fechados devem ser mantidos em baias separadas (sem contato) ou mantidos em
abrigos individuais (casinhas).
CAUDRIOSE (Heartwater)
Caudriose é uma doença infecciosa e não contagiosa causada por riquétsia, que acomete ruminantes criados em áreas infestadas por carrapatos do gênero Amblyomma. Estas incluem as regiões da África, sul do Saara e ilhas Comores,
Zanzibar, Madagascar, São Tomé, Réunion e Maurício. A caudriose foi introduzida no Caribe e, ela e o seu vetor (A. variegatum), são endêmicos nas ilhas de Guadalupe e Antígua. A. variegatum, mas não a riquétsia, espalhouse para
várias outras ilhas, apesar das tentativas de erradicação. A possível disseminação da doença no continente ameaça a pecuária industrializada do norte da América do Sul à América Central e sul dos EUA. Muitos ruminantes são suscetíveis,
inclusive algumas espécies de antílopes. Nas áreas endêmicas alguns animais podem tornarse infectados subclinicamente e atuarem como reservatórios. As raças de bovinos de origem africana (Bos indicus) aparentam ser mais resistentes
do os bovinos das raças de B. taurus.
ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO: O agente etiológico é um parasito intracelular obrigatório, conhecido como Cowdria ruminantium. Evidências moleculares levaram à reclassificação de muitos microrganismos da ordem Rickettsiales e,
atualmente, ele é classificado como Ehrlichia ruminantium.
Sob condições naturais, E. ruminantium é transmitida pelos carrapatos Amblyomma. Esses carrapatos de três hospedeiros se tornam infectados durante a fase larval ou ninfal e transmitem a infecção durante um dos estágios subsequentes
(transmissão transestadial). A progênie de um carrapato fêmea infectado, muito provavelmente, não é infectante (i. e., não há transmissão transovariana epidemiologicamente significativa). Portanto, a taxa de infecção nas populações de
carrapatos tende a ser baixa. A transmissão intraestadial pelos carrapatos machos também pode ocorrer, assim como algum grau de transmissão vertical da vaca para o bezerro (p. ex., via colostro), nas áreas onde a doença é endêmica.
E. ruminantium pode ser propagada experimentalmente por passagens seriadas, tanto pela inoculação de sangue infectado nos animais suscetíveis quanto pelo repasto das ninfas e das formas adultas do carrapato vetor infectado nos
animais suscetíveis. O microrganismo também pode ser propagado em cultura de tecidos, de forma mais confiável em células endoteliais, mas também em culturas primárias de neutrófilos e linhagens celulares de macrófagos. À
temperatura ambiente, o material infectante perde sua infectividade em poucas horas, mas o microrganismo, juntamente com crioprotetores adequados, pode ser preservado, de forma viável, em nitrogênio líquido durante anos.
A imunidade à caudriose parece ser principalmente, se não exclusivamente, mediada por células. Não há, ou só parcialmente, proteção cruzada entre diferentes cepas de E. ruminantium. A maioria destas cepas é infecciosa para
camundongos, porém, não podem ser passadas seriadamente; entretanto, poucas são patogênicas para os camundongos infectados pela via IV. Uma destas, a cepa Kümm, pode até mesmo ser transmitida pela via intraperitoneal. As análises
moleculares demonstraram que a cepa Kümm é constituída por dois genótipos distintos do microrganismo.
ACHADOS CLÍNICOS, PATOGENIA E LESÕES: Os sinais são súbitos e evidentes nas formas hiperaguda e aguda. Nos casos hiperagudos, os animais desenvolvem febre, que é seguida rapidamente por hiperestesia, lacrimejamento e convulsões.
Na forma aguda, os animais apresentam anorexia e sinais nervosos, como depressão, hipermetria, blefaroespasmo e os movimentos exagerados de mastigação. Ambas as formas culminam em prostração e convulsões. A diarreia é observada
ocasionalmente. Nos casos subagudos, os sinais são menos acentuados e o envolvimento do SNC é inconsistente.
Parece que E. ruminantium reproduzse inicialmente nos macrófagos; em seguida o microrganismo invade e multiplicase no endotélio vascular. Durante o estágio febril, e por um curto período, o sangue dos animais infectados é
infectante para os animais suscetíveis se subinoculado. Os sinais e as lesões estão associados a lesões funcionais do endotélio vascular, resultando em maior permeabilidade vascular, sem sinais de patologias ultra estruturais ou
histopatológicas. A concomitante efusão de fluido nos tecidos e cavidades corporais leva à queda da pressão arterial e insuficiência circulatória geral. As lesões nos casos hiperagudos e agudos são hidrotórax, hidropericárdio, edema e
congestão dos pulmões e cérebro, esplenomegalia, petéquias e equimoses nas superfícies de mucosas e serosas e, ocasionalmente, hemorragia no trato gastrintestinal, particularmente no abomaso. As efusões tipicamente cor de palha são
ricas em proteínas de alto peso molecular, inclusive fibrinogênio, e o fluido rapidamente coagula ao ser exposto ao ar.
DIAGNÓSTICO: Os casos clínicos devem ser diferenciados de uma grande variedade de doenças infecciosas e não infecciosas, especialmente das intoxicações por plantas, que se manifestam com sinais do SNC. Nos casos clínicos agudos de
áreas endêmicas, os sinais clínicos sozinhos podem sugerir a etiologia, porém, a demonstração das colônias do microrganismo no citoplasma das células endoteliais capilares é necessária para o diagnóstico definitivo. Tradicionalmente, isso
é feito com esfregaços obtidos pelo esmagamento da substância cinzenta cerebral ou cerebelar, corados com colorações do tipo Romanowsky. As colorações DiffQuick ou CAMQuick são adequadas para diagnosticadores experientes, mas
a utilização de Giemsa de baixa concentração durante 30 min fornece a melhor diferenciação de cor e homogeneidade. Os microrganismos presentes em material autolisado perdem a capacidade de se corar e o diagnóstico tornase difícil.
Nos esfregaços de esmagamento da substância cinzenta cerebral, um fragmento de matéria cinzenta (de aproximadamente 3 × 3 mm) é macerado entre duas lâminas de microscopia; o material amolecido é então espalhado como em um
esfregaço sanguíneo, afastandose uma lâmina da outra em direções contrárias. A ligeira elevação da lâmina extensora, aproximadamente a cada 5 a 10 mm, cria várias elevações espessas sobre a lâmina, a partir da qual os capilares são
dispostos em linha reta e paralela nas finas seções do esfregaço para facilitar o exame. As células endoteliais de todos os capilares em um esfregaço devem ser cuidadosamente examinadas quanto à presença de colônias roxas escuras de E.
ruminantium. As colônias devem ser identificadas baseandose nas subestruturas identificáveis para diferenciálas de qualquer outro material fagocitado; elas são caracterizadas por agrupamentos constituídos por grânulos individuais. O
tamanho dos grânulos pode varia entre os pacientes, esfregaços do mesmo caso e colônias do mesmo esfregaço, mas geralmente são uniformes em uma mesma colônia. Pequenas colônias geralmente apresentam poucos grânulos grandes,
enquanto colônias grandes são constituídas por vários microrganismos pequenos.
Com a utilização da coloração pelo método da imunoperoxidase, um diagnóstico definitivo pode ser realizado em qualquer amostra de tecido fixado em formol, mesmo em carcaças autolisadas. As cores contrastantes tornam a busca e a
identificação das colônias riquetsiais muito mais rápida, embora as subestruturas das colônias devam ser identificadas antes da confirmação do diagnóstico. Devido à natureza do teste, reações falsopositivas podem ocorrer com alguns
microrganismos correlacionados. Nos esfregaços de esmagamento do cérebro, Chlamydophila pecorum pode ser confundida com E. ruminantium, mas as técnicas de histopatologia ou imunoperoxidase permitem a diferenciação. O
sorodiagnóstico dos animais previamente expostos à doença, ou seja, recuperados da infecção subclínica ou clínica, ainda constitui um problema. Muitos testes estão atualmente em uso, inclusive vários testes de imunofluorescência indireta
e ELISAs. Todos os testes sorológicos, inclusive o ELISA que utiliza antígeno recombinante, têm problemas com reações cruzadas com o soro de animais infectados com um dos vários microrganismos de Ehrlichia ou Anaplasma (falso
positivo) e com o fato de que os bovinos imunes expostos a infecções repetidas podem tornarse soronegativos (falsonegativo). Sondas de DNA, disponíveis nas instituições de pesquisa, podem ser utilizadas em conjunto com a tecnologia
de PCR. A combinação da sonda pCS20 com as sondas de RNA ribossômico 16S de várias cepas são empregadas rotineiramente para examinar amostras de animais quando é necessária uma licença para movimentar os animais de áreas
endêmicas para áreas não endêmicas. Outra técnica que recentemente entrou em uso foi a PCR em tempo real.
TRATAMENTO E CONTROLE: Embora uma vacina atenuada e eficaz baseada na cepa Welgevonden tenha sido desenvolvida há vários anos, ela não está disponível comercialmente. Para fins práticos, não há vacina amplamente efetiva e
segura disponível para imunizar contra E. ruminantium. O controle da infestação de carrapatos é uma medida preventiva útil em alguns casos, mas pode ser difícil e onerosa de se manter em outros. A redução excessiva do número de
carrapatos, entretanto, interfere na manutenção da imunidade adequada por meio do desafio regular a campo nas áreas endêmicas, e periodicamente pode resultar em grandes perdas. Para a imunização, o “método de infecção e tratamento”
ainda está em uso no sul da África: sangue ovino infectado, contendo microrganismos virulentos é utilizado para a infecção, seguido pelo monitoramento da temperatura retal e antibioticoterapia após o desenvolvimento da febre. Em certas
condições, a infecção “controlada” é seguida pelo “tratamento de bloqueio” preventivo sem o registro da temperatura (bovinos no 14o dia [raças de Bos taurus suscetíveis] ou no 16o dia [raças de B. indicus resistentes]; ovinos e caprinos no
11o dia). Na África do Sul, um implante de doxiciclina está disponível para inserção SC na base da orelha no momento da infecção IV. Bezerros jovens (< 6 a 8 semanas de idade), cordeiros e cabritos (< 1 semana de idade) são
relativamente resistentes e podem se recuperar espontaneamente de infecções naturais ou induzidas. Se forem imunizados precocemente, o tratamento de bloqueio pode ser evitado.
Para o tratamento, oxitetraciclina a 10 mg/kg ou doxiciclina a 2 mg/kg geralmente são eficazes para a cura, se administradas no início do curso da doença. Em ovinos, caprinos e nas raças de bovinos suscetíveis, uma dose mais alta (10 a
20 mg/kg) de oxitetraciclina pode ser necessária, especialmente se o tratamento for tardio, durante a reação febril ou após o aparecimento de outros sinais clínicos. Nestes casos, o primeiro tratamento deve ser preferencialmente
administrado por via intravenosa. Uma segunda e terceira dose podem ser necessárias antes da redução da febre ou uma segunda injeção IM com uma formulação de tetraciclina de longa ação. O período de carência para utilização do leite e
da carne após o tratamento com a doxiciclina ou a oxitetraciclina de curta ou longa ação deve ser observado com base nos regulamentos do país. Os corticosteroides têm sido utilizados como terapia de suporte (prednisolona, 1 mg/kg),
embora exista um debate sobre a eficácia e a razões para o uso de drogas potencialmente imunossupressoras na doença infecciosa ativa.
DOENÇA DE WESSELSBRON
A doença de Wesselsbron é uma infecção aguda que acomete ovinos, bovinos e caprinos, provocada por um flavivírus transmitido por artrópodes. A ocorrência da infecção é comum, mas a manifestação da doença clínica é rara. As taxas de
mortalidade nos animais recémnascidos podem alcançar 27% em ovinos e 18% em caprinos. A infecção nos animais adultos (ovinos, bovinos, caprinos, suínos e equinos) geralmente é subclínica, mas a doença pode ser grave em ovelhas
com patologia hepática preexistente. Podem ocorrer abortos ocasionais e hidrâmnio em ovelhas, assim como malformações congênitas do SNC e artrogripose em fetos ovinos e bovinos. Em humanos causa uma doença não fatal semelhante
à influenza.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O vírus, com propriedades típicas de um flavivírus hemaglutinante, não está muito bem caracterizado. Foi isolado de vertebrados e artrópodes em diversos países africanos e pesquisas sorológicas fornecem
evidências de sua ocorrência em outros países. Pela distribuição dos mosquitos do gênero Aedes associados à doença de Wesselsbron, supõese que a incidência seja maior do que a geralmente percebida. A alta prevalência de anticorpos em
localidades mais quentes e úmidas sugere que os herbívoros domésticos podem desempenhar um papel significativo na manutenção do vírus e a atividade viral parece ocorrer durante todo o ano. Em áreas mais secas, no entanto, os surtos
da doença são irregulares e tendem a ocorrer em conjunto com a febre do Vale Rift (p. 760), quando chuvas anormalmente fortes favorecem o aparecimento dos mosquitos que se reproduzem em águas paradas.
ACHADOS CLÍNICOS: Após um período de incubação de 1 a 3 dias em cordeiros recémnascidos, tornamse evidentes sinais clínicos inespecíficos como febre, anorexia, apatia, fraqueza e aumento da frequência respiratória. A doença de
Wesselsbron e a febre do Vale Rift compartilham diversos sinais clínicos e características patológicas. A doença de Wesselsbron, no entanto, geralmente é branda, ocasionando taxas de mortalidade e aborto muito menores, além de lesões
hepáticas menos destrutivas. O vírus parece ser mais neurotrópico do que o da febre do Vale Rift, pois em infecções experimentais é observada teratologia fetal no SNC.
Lesões: Nos animais jovens e recémnascidos são observadas icterícia e hepatomegalia de moderadas a graves e o fígado também adquire uma coloração de amarelada a marromalaranjado. Petéquias e equimoses são comumente
encontradas na mucosa do abomaso, cujo conteúdo apresentase com coloração marromchocolate. A histopatologia revela necrose do parênquima que varia de leve a extensa e grupos menores ou maiores de hepatócitos necróticos. As
lesões nos animais adultos geralmente são muito mais suaves.
DIAGNÓSTICO: Os sinais clínicos e a epidemiologia, juntamente com a relativa alta mortalidade em cordeiros, são indicativos da doença. O vírus pode ser isolado de quase todos os órgãos de cordeiros que morreram durante o estágio clínico
da doença. A inoculação intracerebral em camundongos recémnascidos é o melhor método de isolamento. A diferenciação entre o vírus da doença de Wesselsbron e o da febre do Vale Rift pode ser feita pela inoculação intraperitoneal em
camundongos desmamados, uma vez que o vírus da doença de Wesselsbron não ocasiona a morte destes, enquanto o da febre do Vale Rift sim. A confirmação da identidade do vírus pode ser realizada por neutralização viral.
O sorodiagnóstico vem sendo baseado na inibição da hemaglutinação, fixação de complemento e neutralização viral. A reação cruzada com outros flavivírus é evidente nos testes de inibição da hemaglutinação, mas nem tanto nos testes
de fixação de complemento, específicos para o soro bovino. De qualquer maneira, os títulos homólogos para a doença de Wesselsbron excedem os títulos de flavivírus heterólogos.
CONTROLE: A produção de vacinas atenuadas foi descontinuada pouco antes do ano 2000. A incidência da doença é baixa em ovinos e a utilização imprudente da vacina em ovelhas prenhes resultou em grandes perdas econômicas devido a
abortos e malformações fetais. Tentativas de controle do mosquito vetor são de pequeno valor como medida preventiva.
DOENÇA DOS OVINOS DE NAIRÓBI
A doença dos ovinos de Nairóbi (DON) é uma doença viral de ovinos e caprinos transmitida por carrapatos e caracterizada por febre, gastrenterite hemorrágica, aborto e alta mortalidade. A doença foi identificada pela primeira vez perto de
Nairóbi, Quênia, em 1910 e o vírus da DON foi apresentado como o agente etiológico em 1917. A doença é endêmica no Quênia, Uganda, Tanzânia, Somália, Etiópia, Botswana, Moçambique e República Democrática do Congo. As
infecções em seres humanos são raras; entretanto, infecções acidentais foram descritas em funcionários de laboratórios resultando em febre, dores articulares e malestar geral. O rato de campo africano (Arvicathus abysinicus nubilans) é
um potencial reservatório. A DON é uma doença de notificação nos EUA e é uma das doenças listadas pela OIE.
ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO: O vírus da DON pertence ao gênero Nairovírus, família Bunyaviridae, e possivelmente é o vírus conhecido mais patogênico para ovinos e caprinos. Ele é idêntico ou estreitamente relacionado com o vírus
Ganjam, uma infecção de ovinos, caprinos e humanos na Índia transmitida por carrapatos. Dados genéticos e sorológicos demonstraram que o vírus Ganjam é uma variante asiática do vírus da DON. Tanto o vírus Ganjan quanto o vírus da
DON são filogeneticamente mais relacionados com o vírus Hazara do que ao vírus Dugbe. Adicionalmente, o vírus da DON é sorologicamente relacionado com o vírus Dugbe, outra infecção de bovinos transmitida por carrapatos, e ao
vírus da febre hemorrágica da CrimeiaCongo (p. 679). O vírus é transmitido pela via transovariana e transestadial pelo carrapato marrom da orelha, Rhipicephalus appendiculatus, no qual pode sobreviver por até 800 dias.
Carrapatos adultos em jejum podem transmitir o vírus da DON por mais de 2 anos após a infecção. Outros carrapatos Rhipicephalus spp e Amblyomma variegatum também podem transmitir a doença. O vírus é eliminado na urina e nas
fezes, mas a doença não é transmitida pelo contato.
ACHADOS CLÍNICOS: Em surtos naturais, a doença geralmente ocorre 5 a 6 dias após a movimentação dos animais suscetíveis para áreas endêmicas infestadas com Rhipicephalus appendiculatus. Os sinais clínicos começam com aumento
acentuado da temperatura corporal (41°C a 42°C) que persiste por 1 a 7 dias. Leucopenia e viremia geralmente coincidem com a fase febril. A diarreia geralmente aparece 1 a 3 dias após o início da febre e piora à medida que a infecção
progride. A doença se manifesta com depressão, anorexia, secreção nasal mucopurulenta e sanguinolenta, conjuntivite ocasional e disenteria fétida que causa esforço doloroso. Os animais prenhes frequentemente abortam. Nos casos
hiperagudos e agudos o tempo decorrido entre o aparecimento da doença e o óbito geralmente é de 2 a 7 dias, mas pode chegar a 11 dias nos casos menos agudos. A infecção experimental demonstrou que a raça persa de cauda larga nativa
e que as raças europeias de ovinos são igualmente suscetíveis; entretanto, a taxa de mortalidade no campo é alta: 70 a 90% para nativas de ovinos e 30% para exóticas e mestiças. Os sinais clínicos nos caprinos são semelhantes ao dos
ovinos, porém, menos graves, embora mortalidade de 80% tenha sido relatada. A presença da imunidade colostral, além de proteger os cordeiros e cabritos da exposição precoce à infecção, também permite o desenvolvimento da imunidade
ativa, permitindo a sobrevivência nas áreas infestadas por carrapatos.
Lesões: As principais características no exame externo das carcaças são quartos traseiros sujos de fezes (ou com uma mistura de sangue e fezes) e desidratação, especialmente nos animais com diarreia prolongada. Também são comuns
conjuntivite e crostas em torno das narinas, como resultado da secreção nasal. Os achados de necropsia incluem linfonodos aumentados e edematosos, leve esplenomegalia e hemorragias no trato GI (particularmente no abomaso),
respiratório e genital feminino, vesícula biliar, baço e coração. Hemorragias petequiais e equimóticas na mucosa do ceco e cólon são frequentemente aparecem como estrias longitudinais e, às vezes, são as únicas lesões evidentes.
Hemorragias na subserosa podem ser observadas no ceco, cólon, vesícula biliar e rins. Conjuntivite e crostas secas ao redor das narinas são frequentemente observadas. Lesões histopatológicas comuns são: hiperplasia dos tecidos linfoides,
degeneração do miocárdio, nefrose e necrose coagulativa da vesícula biliar.
DIAGNÓSTICO: A ocorrência da doença em ovinos e caprinos, com alta taxa de mortalidade, e acompanhada de infestação de carrapatos, é sugestiva, especialmente após a transferência para áreas endêmicas ou alteração na população de
carrapatos ocasionada por chuvas intensas e prolongadas. A confirmação dos sinais sugestivos e das lesões requer a detecção do vírus ou do antígeno viral e dos anticorpos. As amostras de escolha são o plasma de animais febris, linfonodos
mesentéricos, baço e soro. Equipamentos de proteção individual devem ser utilizados na necropsia e no manuseio do agente no laboratório. A inoculação em camundongos e a cultura de células podem ser utilizadas para o isolamento
primário do vírus. Os ovinos são os animais mais sensíveis para o isolamento, enquanto as linhagens de células renais de filhotes de hamster e de cordeiros ou de culturas de celulares de rins de hamster são as células mais sensíveis. A
imunodifusão em gel de ágar, fixação de complemento e ELISA podem ser valiosos para a detecção do antígeno em tecidos infectados ou em cultura tecidual. A detecção do ácido nucleico viral utilizando a PCR é o método mais rápido de
diagnóstico. Os anticorpos dos animais infectados ou recuperados podem ser detectados por imunodifusão, fixação de complemento, teste de imunofluorescência indireta, hemaglutinação e ELISA.
O diagnóstico diferencial deve incluir a peste dos pequenos ruminantes, febre do Vale Rift, caudriose e salmonelose.
TRATAMENTO E CONTROLE: Nenhum agente antiviral específico está disponível para o tratamento. Os animais não afetados do rebanho devem ser tratados com acaricidas (p. ex., piretroides em óleo, produtos de cipermetrina “pouron”,
várias preparações para banho de imersão). O controle de carrapatos a longo prazo não é economicamente viável nas áreas endêmicas.
Nas áreas endêmicas, os sinais clínicos não são observados, a menos que sejam introduzidos animais suscetíveis. Tais animais devem ser vacinados, assim como aqueles que forem expostos por longos períodos ao carrapato vetor. Dois
tipos de vacinas experimentais foram desenvolvidos – uma vacina com vírus vivo modificado, atenuada em cérebro de camundongo, e uma vacina inativada com adjuvante oleoso. Uma única dose da vacina viva modificada produz rápida
imunidade; entretanto, a revacinação é necessária para a manutenção da proteção total. Duas doses da vacina inativada são necessárias para uma boa proteção. Nenhuma destas vacinas é produzida comercialmente.
FEBRE CATARRAL MALIGNA (Catarro maligno da cabeça, Snotsiekte, Febre catarral, Coriza gangrenosa)
A febre catarral maligna (FCM) é uma doença sistêmica infecciosa que se apresenta como um complexo variável de lesões que afeta principalmente os ruminantes e raramente os suínos. Ela é, principalmente, uma doença de
bovinos domésticos, búfalos, bateng, bisões americanos e cervos. Além destes animais de criação, a FCM foi descrita em vários ruminantes em cativeiro de coleções mistas de zoológicos. Em algumas espécies, como o bisão e alguns
cervos, a FCM é aguda e altamente letal, capaz de afetar grande número de animais. Com exceções ocasionais, a doença nos bovinos é observada esporadicamente e afeta os animais individualmente. A FCM é tipicamente fatal; entretanto,
há surtos em que muitos animais são afetados, com evidência de recuperação e infecção leve ou inaparente em alguns casos. A FCM ocasionalmente se apresenta como alopecia crônica e perda de peso. Sua distribuição é essencialmente
mundial, refletindo a distribuição dos principais portadores, os ovinos domésticos e gnus. A FCM é um dos principais problemas nas atividades de criação de cervos e recentemente emergiu como um grave ameaça para a indústria
comercial de bisões.
ETIOLOGIA: A FCM resulta da infecção de um ou mais membros de um grupo de ruminantes por gamaherpesvírus do gênero Rhadinovírus. Enquanto o grupo de rhadinovírus de ruminantes atualmente inclui cerca de 10 membros
conhecidos, sabese que só alguns são patogênicos sob condições naturais. Os principais portadores e seus vírus são: ovinos (herpesvírus2 ovino), gnus (herpesvírus1 alcelaphine) e caprinos (herpesvírus2 caprino). Outra cepa de origem
não identificada causa FCM em cariacus. Praticamente todos os casos clínicos são causados por vírus de ovinos ou gnus.
Os vírus são mantidos nas populações de ovinos e gnus em padrões semelhantes, mas não idênticos. Os cordeiros geralmente são infectados com 1 a 2 meses de idade por aerossóis de outros indivíduos do rebanho e começam a eliminar
o vírus ativamente ao redor dos 6 meses de idade. A eliminação diminui por volta dos 10 meses, com adultos eliminando menores taxas do que os jovens. Em contrapartida, os filhotes de gnus são afetados no período perinatal por
transmissão horizontal e, ocasionalmente, intrauterina e eliminam ativamente o vírus até 3 a 4 meses de idade. A transmissão ocorre pela transferência das secreções nasais cheias de vírus pelo contato direto ou por via aerógena pouco
definida. Na África, a maioria dos casos de FCM associada aos gnus é observada na época de parição, entretanto, a FCM associada aos ovinos (FCMAO) não segue o mesmo padrão. As ovelhas não eliminam o vírus por meio dos tecidos e
secreções placentárias não sendo observados episódios frequentes de eliminação na época do parto. Os únicos fatores racionais e constantes que contribuem para a sazonalidade da FCMAO são as influências climáticas na sobrevivência do
vírus e os padrões de eliminação relacionados com a idade dos cordeiros. A epidemiologia do vírus da FCM caprina apresenta similaridade com a dos ovinos.
A gravidade dos surtos de FCMAO depende de fatores como número total, densidade populacional e espécies de hospedeiros suscetíveis envolvidos; a proximidade de contato e a quantidade de vírus eliminado disponível para
transmissão. Os casos são observados esporadicamente nas raças europeias de bovinos (Bos taurus), que são relativamente resistentes. Em contrapartida, os bateng, bisões e algumas, mas não todas, as espécies de cervídeos (p. ex., cariacus,
cervos–dopadredavid) são altamente suscetíveis. Com o desenvolvimento dos sistemas agropecuários, envolvendo a criação de bisões e cervos, a FCM tornouse mais problemática. Ela é uma das principais causas de perdas relacionadas a
doenças infecciosas nas fazendas de cervos da Nova Zelândia. Nas criações de bisões expostas a um grande número de ovinos, as perdas podem ser devastadoras. Cerca de 800 animais morreram em um surto nos EUA em 2003.
Entre os animais que sobrevivem, a infecção permanece por toda a vida; algumas espécies suscetíveis, inclusive os bovinos e bisões, podem ficar latentemente infectados. A recrudescência de infecções latentes é possível e deve ser
considerada nos casos com histórico desconhecido de contato com portadores.
A FCM é transmitida apenas entre portadores e animais clinicamente suscetíveis. Os animais afetados não transmitem a infecção para o seu grupo.
ACHADOS CLÍNICOS: Os casos agudos de FCM são provocados pelo herpesvírus2 ovino e herpesvírus1 alcelaphine e são semelhantes clinicamente e patologicamente. O curso da doença pode variar de hiperagudo a crônico. Os casos da
doença em cervos geralmente são hiperagudos com morte súbita. Os cervos que sobrevivem durante alguns dias e os bisões desenvolvem diarreia hemorrágica, sangue na urina e opacidade de córnea antes de morrer. Febre alta (41 a
41,5°C) e depressão são comuns. Outros sinais que podem estar presentes são: inflamação catarral, erosões e exsudação mucopurulenta (afetando as mucosas do trato respiratório superior, ocular e oral), inchaço nos linfonodos, claudicação
e sinais nervosos (depressão, tremores, hiporresponsividade, estupor, agressividade, convulsões). Historicamente, a FCM foi descrita como tendo várias “formas” – branda, hiperaguda, cabeça e olhos, intestinal etc. Há pouca base para esta
classificação e é de pouca utilidade. Uma variação nos sistemas de órgãos envolvidos pode ser observada, às vezes, no mesmo surto e, em parte, está relacionada com o tempo de sobrevivência após o início da doença. Em média, o tempo
de morte nas raças europeias de bovinos é um pouco mais longa do que nos cervos, bisões, búfalos e bateng. Em bovinos, inchaço dos linfonodos e lesões oculares graves (panoftalmite, hipópio, erosões corneanas) são mais frequentes e
enterite hemorrágica e cistite são menos frequentes do que em cervos e bisões. As lesões cutâneas (eritema, exsudação, rachaduras, formação de crostas) são comuns nos animais que não sucumbem rapidamente. As alterações
hematológicas são variáveis. Até 25% dos bovinos sofrem da doença crônica e às vezes a doença aumenta e diminui. A taxa de mortalidade nos animais clinicamente afetados geralmente aproximase de 95%. Entretanto, em circunstâncias
limitadas, a sobrevivência nos bovinos pode ser alta.
Lesões: A doença é sistêmica e as lesões podem ser encontradas em qualquer órgão, embora a frequência e a gravidade variem muito. As principais lesões são inflamação e necrose do epitélio da mucosa do trato respiratório, digestório e
urinário, infiltração subepitelial linfoide, proliferação linfoide generalizada, necrose e vasculite disseminada. Ulcerações e hemorragia nas mucosas são comuns. As hemorragias podem estar presentes em muitos órgãos parenquimatosos,
particularmente nos linfonodos. A lesão histológica clássica, mas não patognomônica, é a necrose fibrinoide de pequenas artérias musculares, mas os vasos de todos os tipos podem estar inflamados, inclusive os do cérebro. Nódulos
esbranquiçados proeminentes, representando proliferação intramural e perivascular, podem estar aparentes, particularmente nos rins.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico da FCM é baseado nos sinais clínicos, lesões macroscópicas e histológicas e confirmação laboratorial. O diagnóstico diferencial primário inclui a diarreia viral bovina, doença da mucosa, peste bovina,
rinotraqueíte infecciosa bovina e listeriose e febre da costa leste (theileriose). Quando o envolvimento do SNC é proeminente, a FCM pode assemelharse a raiva e a encefalite por carrapatos. Um histórico de contato com espécies
portadoras (ovinos, caprinos ou gnus) pode ser útil, embora casos recrudescentes sejam observados sem esse histórico. Testes laboratoriais confiáveis e específicos para anticorpos e DNA viral estão disponíveis. O teste de escolha para o
diagnóstico clínico é a PCR para detectar o DNA viral. Os tecidos preferidos para o teste são: sangue anticoagulado, rins, parede intestinal, linfonodos e cérebro.
A sorologia é utilizada para o levantamento dos animais sadios e é apenas indicativo de infecção – a infecção latente entre os animais suscetíveis pode fazer com que a sorologia seja inconclusiva para a doença atual. Vários testes com
soro estão disponíveis, inclusive a neutralização viral, a imunoperoxidase, imunofluorescência e ELISA. Os soroensaios policlonais são dificultados por reações cruzadas. O ELISA competitivo monoclonal atualmente é o mais específico e
detecta anticorpos contra todos os grupos de vírus conhecidos da FCM. Apenas a PCR pode discriminar os diferentes grupos.
TRATAMENTO E CONTROLE: O prognóstico é ruim. Nenhum tratamento proporciona qualquer benefício consistente. A redução do estresse dos animais afetados subclinicamente ou levemente é indicada. Não há vacina disponível. Ovinos
livres do vírus podem ser obtidos por meio do desmame precoce e isolamento. A outra única estratégia efetiva é a separação dos animais portadores dos animais suscetíveis. Quando um grande número de animais potencialmente
eliminadores do vírus estão presentes, como em confinamentos de cordeiros, distâncias > 1 km podem ser necessárias para proteger espécies altamente suscetíveis como os bisões.
FEBRE DO VALE RIFT
A febre do Vale Rift (FVR) é uma doença zoonótica aguda ou hiperaguda dos ruminantes domésticos da África, Madagascar e da Península Arábica. Os sinais da doença tendem a não ser específicos, tornando difícil o reconhecimento dos
casos individuais. As infecções também podem ser inaparentes ou brandas. Durante as epidemias, a ocorrência de numerosos abortos e de mortes entre os animais jovens, juntamente com uma doença similar à influenza humana, tende a ser
característica.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O vírus da FVR pertence ao gênero Phlebovírus e é um Bunyavírus típico. Ele possui três segmentos, genoma de RNA de fita simples e sentido negativo, com peso molecular de 4 a 6 × 106 e cada um dos
segmentos, G (grande), M (médio) e P (pequeno), está contido em um nucleocapsídio distinto dentro do vírion. Não foram demonstradas diferenças antigênicas significativas entre os vírus da FVR isolados em muitos países e surtos, mas
foram observadas diferenças na patogenicidade. A doença é endêmica nas regiões tropicais, principalmente no leste e sul da África, embora a África ocidental e as áreas secas do norte da África também sejam afetadas. Uma epidemia
também foi relatada em 2000 na Arábia Saudita e no Iêmen. Os ciclos epidêmicos têm ocorrido em intervalos de 5 a 20 anos nas áreas secas. Os ciclos normalmente estão associados a períodos anormais de chuva pesada. Nos períodos entre
as epidemias, acreditase que o vírus permanece dormente nos ovos do mosquito que se reproduz em águas de inundação, Aedes mcintoshi, presentes no solo seco e depressões na pastagem (dambos). Embora a transmissão transovariana
seja considerada a estratégia mais importante de sobrevivência interepidêmica do vírus, o ciclo inaparente da doença pode ocorrer em habitats nas margens das florestas. A FVR pode se espalhar por meio de mosquitos transportados pelo
vento ou pela movimentação de animais virêmicos. Com uma precipitação adequada, a infecção é mantida nos mosquitos e é transmitida para os ruminantes, que amplificam o vírus. O vírus é disseminado por várias espécies de mosquitos
ou mecanicamente por outros insetos característicos de outras regiões. Os picos de incidência de FVR ocorrem no final do verão. Após a primeira geada, tanto a doença como os vetores podem desaparecer. Em climas amenos, onde os
insetos vetores estão continuamente presentes, a sazonalidade não é observada.
Os seres humanos também são rapidamente infectados por meio de aerossóis de animais infectados em rituais de abate e pela exposição a tecidos de animais infectados, fetos abortados, picadas de mosquitos e procedimentos
laboratoriais. Os seres humanos podem atuar como hospedeiros amplificadores e introduzir a doença (via mosquitos) aos animais de áreas não infectadas.
ACHADOS CLÍNICOS: O período de incubação é de 12 a 36 h em cordeiros. Pode ocorrer uma febre bifásica de até 41°C. Os animais afetados tornamse apáticos e relutantes para se mover ou alimentar, podendo mostrar sinais de dor
abdominal. Os cordeiros geralmente morrem dentro de 2 dias. Os animais mais velhos podem morrer de forma aguda ou desenvolver uma infecção inaparente. Os animais doentes podem regurgitar e desenvolver diarreia fétida e icterícia,
que é comum em bovinos. Às vezes, o aborto pode ser o único sinal da infecção. Nas ovelhas prenhes, a taxa de mortalidade e de aborto varia de 5 a quase 100% em diferentes surtos e em diferentes fazendas. As taxas nos bovinos
geralmente são < 10%.
Lesões: As lesões hepáticas são similares em todas as espécies e variam principalmente conforme a idade do animal infectado. Nas lesões mais graves, observadas nos fetos abortados e cordeiros recémnascidos, o fígado encontrase
moderadamente ou muito aumentado, macio, friável e com áreas irregulares de congestão. Numerosos focos necróticos brancoacinzentados estão invariavelmente presentes, mas eles podem não estar claramente visíveis. Hemorragia e
edema na parede da vesícula biliar e mucosa do abomaso são comuns. O conteúdo intestinal é marromchocolate escuro. Em todos os animais, o baço e os linfonodos periféricos estão aumentados e edematosos e podem apresentar
petéquias. Nos humanos, a FVR geralmente é inaparente ou associada à doença moderada a grave, não fatal, similar à influenza. Uma minoria pode desenvolver a doença grave com lesões oculares, encefalites e lesões hepáticas graves com
hemorragia.
DIAGNÓSTICO: Devese suspeitar de FVR quando chuvas fortes anormais e inundações são seguidas pelo aumento da ocorrência de abortos e mortalidade entre animais recémnascidos caracterizadas por hepatite necrótica, acompanhada de
hemorragias e doença similar à influenza em pessoas que trabalham com os animais ou seus produtos. Histopatologicamente, as lesões hepáticas nos cordeiros são graves e extensas. O vírus pode ser isolado rapidamente em tecidos de fetos
abortados e no sangue dos animais infectados. O título viral nestes tecidos geralmente é alto o suficiente para usar as suspensões dos órgãos como antígenos para um rápido diagnóstico na neutralização, fixação de complemento, ELISA,
teste de difusão em ágargel ou coloração de esfregaços de impressão de órgãos; entretanto, estes testes devem ser complementados pelo isolamento em camundongos lactentes e hamsters injetados intracerebralmente ou em culturas de
células como as de rins de filhotes de hamster (BHK21), rins de macaco (Vero), CER, células de mosquito ou em culturas primárias de células de rins e testículos de cordeiros. A detecção do ácido nucleico viral pela PCR é possível e
testes de RTPCR já foram descritos.
Todos os testes sorológicos convencionais podem ser utilizados para detectar anticorpos contra o vírus da FVR e são úteis nos estudos epidemiológicos. Em algumas áreas, entretanto, o levantamento sorológico pode ser complicado
devido às reações cruzadas entre o vírus da FVR e outros phlebovírus. Um ELISA para detecção de IgM pode demonstrar uma infecção recente usando uma única amostra de soro.
CONTROLE E PREVENÇÃO: O controle dos vetores, o movimento dos animais para áreas de alta altitude e o confinamento dos animais em estábulos à prova de insetos geralmente não são práticos, são instituídos tardiamente e são de pouco
valor. A imunização permanece como a única forma efetiva para proteger os animais de criação. A estirpe Smithburn do vírus da FVR neuroadaptada em camundongos pode ser rapidamente produzida em grandes quantidades, tem baixo
custo e induz imunidade duradoura 6 a 7 dias após a inoculação. A vacina não deve ser utilizada para a proteção de animais prenhes, pois ela pode causar abortos, defeitos congênitos e hidrâmnio em ovinos; entretanto, o seu uso pode ser
considerado durante um surto, quando os possíveis efeitos adversos podem ser compensados pelos riscos de uma infecção natural. Embora não tenha sido provado, teoricamente é possível que o vírus atenuado volte a ser virulento. Estirpes
variantes de pequenas placas e estirpes com mutação induzida têm sido investigadas como potenciais estirpes para vacinas, porém elas não foram aceitas somo substitutas da estirpe Smithburn. Os surtos de FVR não podem ser previstos e
geralmente têm início súbito. Assim, é recomendável a imunização regular dos cordeiros, aos 6 meses de idade, de forma a garantir uma proteção por toda a vida. As proles das ovelhas suscetíveis podem ser imunizadas em qualquer idade.
Não é aconselhável o uso de vacinas vivas e atenuadas em países não endêmicos; vacinas de subunidades de DNA estão sendo desenvolvidas e podem oferecer uma melhor alternativa.
As ovelhas e as vacas prenhes devem ser vacinadas com a vacina inativada em formalina, que proporciona uma melhor imunidade em bovinos e é segura na gestação. Recomendase a revacinação após 3 meses de idade para induzir uma
imunidade que irá durar cerca de 1 ano e conferirá imunidade colostral à prole.
RISCO ZOONÓTICO: As pessoas envolvidas nas atividades pecuárias devem ser alertadas sobre os potenciais riscos da exposição aos animais e tecidos infectados com o vírus da FVR.
FEBRE EFÊMERA (Enfermidade dos três dias)
A febre efêmera é uma doença viral não contagiosa transmitida por insetos que acomete bovinos e bubalinos na África, Oriente Médio, Australásia (exceto Papua Nova Guiné e Nova Zelândia) e sul asiático da antiga União Soviética. As
infecções inaparentes podem se desenvolver em búfalos africanos, búbalus, inhacosos, gnus, cervídeos e, possivelmente, caprinos. Baixos níveis de anticorpos foram relatados em várias espécies de antílopes e girafas, mas a especificidade
não foi confirmada.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O vírus da febre efêmera é classificado como um membro do gênero Ephemovírus da família Rhabdovidae (RNA de fita única em sentido negativo). O vírus é sensível ao éter e rapidamente inativado em pH
abaixo de 5 e acima de 10. Embora nenhuma evidência de diversidade imunogênica tenha sido relatada, a variação antigênica foi demonstrada com a utilização de anticorpos monoclonais e pelo mapeamento de epítopos.
O vírus pode ser transmitido dos bovinos infectados para os suscetíveis pela inoculação IV; quantidades tão pequenas como 0,005 ml de sangue coletado durante o estágio febril é infectante. Embora o vírus tenha sido recuperado de
algumas espécies de Culicoides e de mosquitos anofelinos e culicíneos coletados a campo, a identidade dos principais vetores não foi comprovada. Não ocorre transmissão por contato ou fômites. O vírus aparentemente não persiste nos
bovinos recuperados que, frequentemente, apresentam imunidade por toda a vida.
A prevalência, a extensão geográfica e a gravidade da doença variam de ano para ano, e epidemias ocorrem periodicamente. O início da epidemia é rápido; muitos animais são afetados dentro de dias ou em 2 a 3 semanas. A febre
efêmera é mais prevalente na estação das chuvas, nos trópicos, e no verão e início do outono, nos subtrópicos ou regiões temperadas (quando as condições favorecem a multiplicação dos insetos picadores); a doença desaparece
abruptamente no inverno. A distribuição do vírus parece ser limitada pela latitude em vez da topografia ou da disponibilidade de hospedeiros suscetíveis. A morbidade pode ser tão alta quanto 80%; a mortalidade global geralmente é de 1 a
2%, embora possa ser maior nas vacas lactantes, touros em boas condições e animais de engorda (10 a 30%).
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais, que ocorrem subitamente e com diferentes graus de gravidade, podem incluir febre bifásica a polifásica (40 a 42°C), tremores, inapetência, lacrimejamento, secreção nasal serosa, salivação, aumento da
frequência cardíaca, taquipneia ou dispneia, atonia dos préestômagos, depressão, rigidez e claudicação, bem como diminuição súbita na produção de leite. Os sinais clínicos geralmente são brandos nos búfalos. Os bovinos afetados podem
ficar em decúbito e paralisados por 8 h a > 1 semana. Após a recuperação, a produção de leite geralmente não consegue retornar aos níveis normais até a próxima lactação. O aborto, com a perda total do período de lactação, ocorre em
aproximadamente 5% das vacas prenhes com 8 a 9 meses. O vírus parece não atravessar a placenta ou afetar a fertilidade da vaca. Touros, bovinos pesados e vacas leiteiras de alta produção são gravemente afetados, porém, a recuperação
espontânea geralmente ocorre dentro de alguns dias. Perdas mais insidiosas podem resultar em redução da massa muscular e baixa fertilidade de touros.
Lesões: A febre efêmera é uma doença inflamatória. As lesões mais comuns incluem poliserosite que afeta a superfície pleural, pericárdica e peritoneal, polisinovite serofibrinosa, poliartrite, politendinite, celulite e necrose focal dos
músculos esqueléticos. Edema generalizado de linfonodos e pulmões e atelectasia também podem estar presentes.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico baseiase quase inteiramente nos sinais clínicos durante a epidemia. Todos os casos clínicos apresentam neutrofilia com a presença de muitas formas imaturas, embora isto não seja patognomônico. A
inflamação serofibrinosa da bainha dos tendões, fáscias e articulações, juntamente com lesões pulmonares, pode fundamentar um diagnóstico presuntivo.
A confirmação laboratorial é feita por sorologia, e raramente por isolamento viral. O sangue total deve ser coletado dos bovinos doentes e dos aparentemente saudáveis em rebanhos afetados. As amostras devem ser suficientes para dois
esfregaços sanguíneos, 5 ml de sangue total em anticoagulante (não EDTA) e aproximadamente 10 ml de soro. A contagem diferencial de leucócitos nos esfregaços sanguíneos pode sustentar ou descartar o diagnóstico presuntivo.
O vírus foi melhor isolado por meio de inoculação em culturas celulares de mosquito (Aedes albopictus), com sangue desfibrinado, seguida de transferência para culturas de células renais de filhotes de hamster (BHK21) ou de rim de
macaco (Vero) após 15 dias. Camundongos lactentes também podem ser utilizados para o isolamento primário por meio de inoculação intracerebral. Os vírus isolados são identificados pela PCR, testes de neutralização com antissoro
específico para o vírus da febre efêmera e ELISA com o uso de anticorpos monoclonais específicos. O teste de neutralização e o ELISA de bloqueio são recomendados para a detecção de anticorpos e apresentam resultados semelhantes.
Um aumento de 4 vezes nos títulos de anticorpos das amostras de soro pareadas coletadas em intervalos de 2 a 3 semanas confirmam a infecção.
TRATAMENTO E CONTROLE: O descanso completo é o tratamento mais efetivo e os animais em recuperação não devem ser estressados ou utilizados em trabalhos devido ao risco de recidiva. Os medicamentos antiinflamatórios
administrados no início e em doses repetidas por 2 a 3 dias são eficazes. A via de administração oral deve ser evitada, a menos que o reflexo de deglutição esteja funcional. Os sinais de hipocalcemia são tratados como na febre do leite (p.
1058). O tratamento com antibióticos para controlar a infecção secundária e a reidratação com fluidos isotônicos pode ser justificável.
As vacinas com o vírus atenuado parecem ser eficazes, mas só devem ser utilizadas nas áreas endêmicas. As vacinas com o vírus inativado não produzem proteção por longos períodos em desafios experimentais com o vírus virulento e
não podem garantir imunidade duradoura, mas estimulam a produção da imunidade produzida pela vacina com vírus vivo. Embora tenha sido descrito que a vacina de subunidade protege contra o desafio a campo e laboratorial, ela não está
comercialmente disponível. A eficácia do controle dos vetores ainda é incerta, pois os insetos vetores não estão totalmente identificados. Não há evidências de que os humanos possam ser infectados.
FEBRE HEMORRÁGICA DA CRIMEIACONGO
A febre hemorrágica da CrimeiaCongo (FHCC) é uma grave doença viral hemorrágica dos seres humanos adquirida a partir de carrapatos infectados, tecidos de animais silvestres ou domésticos infectados e pacientes humanos com a
doença.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O agente etiológico, o vírus da FHCC (gênero Nairovírus, família Bunyaviridae), é envelopado e com RNA de fita simples de senso negativo. O vírus foi relatado em uma extensa área que vai da África do
Sul, sul da Europa, Eurásia até regiões do oeste da China. O vírus está principalmente associado aos carrapatos do gênero Hyalomma, embora também já tenha sido isolado em outros gêneros de carrapatos ixodídeos. A distribuição global
do vírus aproximase da distribuição do carrapato Hyalomma spp. Análises recentes do genoma do vírus sugerem a existência de uma diversidade genética significativa correlacionada com a origem geográfica do vírus. Entretanto, as
anormalidades desses padrões sugerem que a dispersão dos carrapatos hospedeiros pelos animais silvestres migratórios, como pássaros, ou a movimentação dos animais de produção pelos seres humanos, podem perturbar a distribuição
geográfica “normal” das subpopulações do vírus da FHCC.
TRANSMISSÃO E PATOGENIA: O vírus replicase no carrapato hospedeiro quando este passa da fase larval para o estágio adulto (transmissão transestadial) e também pode ser transmitido de uma geração para outra (transmissão
transovariana). Assim, o carrapato não apenas é um vetor, mas como também pode ser um reservatório do vírus na transmissão vertical. Pequenos roedores, lagomorfos e pássaros foram incriminados como fontes de infecção para os
estágios imaturos dos carrapatos, enquanto a maior parte dos Hyalomma spp é multihospedeiro e utiliza grandes vertebrados como hospedeiro para o estágio adulto de seu ciclo de vida.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Nas inoculações experimentais, os ovinos e os bovinos se tornam infectados, mas desenvolvem apenas um aumento leve e transitório da temperatura corporal com pouca evidência da doença clínica. Os
níveis de viremia e sua duração são relativamente baixos e curtos, e os anticorpos são detectáveis durante um breve período após o término da viremia. Alguns testes (principalmente o ELISA para IgG) podem detectar anticorpos pelo resto
da vida do animal, enquanto outros testes, como fixação do complemento e reação de imunofluorescência indireta, podem detectar anticorpos por curtos períodos após a infecção. A prevalência de anticorpos nas espécies adultas dos
animais de produção nas regiões endêmicas pode ser > 50%.
TRATAMENTO: O fármaco antiviral ribavirina tem sido utilizado no tratamento da doença em seres humanos na África do Sul, embora o ensaio placebocontrolado não tenha sido concluído. A ausência significativa da doença clínica nos
animais de produção justifica o não tratamento.
CONTROLE E PREVENÇÃO: As estratégias para o controle da infecção humana inclui a prevenção da picada dos carrapatos com a utilização de repelentes e proteção adequada durante o abate e manejo dos animais. O movimento dos animais
não infectados para as áreas endêmicas possibilita a amplificação d o vírus nos animais vertebrados e aumenta os riscos de doença ocupacional em açougueiros e funcionários de curtume; o controle dos carrapatos quando os animais não
infectados e os animais endêmicos estão misturados é fundamental. Os profissionais de saúde devem utilizar equipamentos de proteção individual e precauções básicas durante o tratamento dos pacientes suspeitos.
FEBRE PETEQUIAL BOVINA (Doença de Ondiri)
A febre petequial bovina é uma riquetsiose bovina caracterizada por febre alta, hemorragias e edema. Sua ocorrência foi confirmada apenas no Quênia e na Tanzânia, em altitudes > 1.500 m, embora também possa ocorrer nos países
vizinhos de topografia semelhante. A importância da febre petequial bovina está na ameaça que representa para o desenvolvimento dos rebanhos de leite nas montanhas do leste da África, porém, nenhum surto foi relatado por mais de uma
década.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: A doença é causada por Ehrlichia ondiri, uma riquétsia intracelular que se aloja nos vacúolos citoplasmáticos dos leucócitos circulantes. O microrganismo pode se multiplicar após a infecção experimental
em bovinos, ovinos, caprinos, antílopes, duikers, impalas, gazelas de Thomson e gnus e, portanto, provavelmente na maioria dos ruminantes domésticos e silvestres. Acreditase que E. ondiri seja endêmica nos ruminantes selvagens,
particularmente nos antílopes, e esporadicamente atinge os bovinos domésticos que pastam em áreas marginais das florestas e arbustos.
A doença se restringe às áreas de arbustos ou margens de florestas, que apresentam muita sombra e com camada espessa de matéria orgânica que proporciona alta umidade relativa, e com uma população remanescente de antílopes e
duikers, dois ruminantes selvagens que provavelmente são os principais reservatórios da doença. A doença ocorre esporadicamente durante o ano todo em raças importadas de bovinos. A forma de transmissão da doença é desconhecida.
Como observado em outras riquetsioses, suspeitase de um vetor artrópode, mas extensas tentativas de incriminar carrapatos, insetos picadores e ácaros fracassaram.
PATOGENIA: A via de infecção não é conhecida, mas E. ondiri pode ser observada nos granulócitos circulantes (neutrófilos e eosinófilos) e monócitos enquanto o bovino está enfermo e no baço na necropsia. Os estudos com microscopia
eletrônica mostraram que E. ondiri também pode infectar células endoteliais e células de Kupffer e pode estar livre nos lúmens dos capilares cardíacos. Acreditase que E. ondiri inicialmente se multiplica no baço, com subsequente
disseminação para outras áreas. Os danos no endotélio vascular poderiam explicam as hemorragias e o edema, como ocorre em outras infecções por riquétsias.
ACHADOS CLÍNICOS: A doença é caracterizada por febre alta flutuante, apatia, baixa produção de leite e petéquias disseminadas nas membranas mucosas. Após um período de incubação de 4 a 14 dias, os animais desenvolvem febre alta, 2 a
3 dias depois, e a maioria dos animais apresentase apático e com petéquias na membrana mucosa, particularmente na superfície inferior da língua e na mucosa vaginal. Essas hemorragias aumentam durante vários dias e então regridem
quando o animal começa a se recuperar. Edema conjuntival acentuado e hemorragia (“olhos de ovo poché”) são característicos em alguns casos graves. Os sacos conjuntivais estão inchados e evertidos ao redor do globo ocular tenso e
protruso, podendo haver sangue no humor aquoso. As vacas prenhes podem abortar, mais provavelmente devido à febre alta. Outros sinais clínicos estão ausentes. A taxa de mortalidade nos casos não tratados pode ser alta, chegando a 50%
nos animais importados ou recémintroduzidos na área. As infecções latentes se desenvolvem após a recuperação de alguns animais, especialmente do gado local e dos antílopes. Após a recuperação da doença, os bovinos afetados ficam
imunes ao desafio experimental por 2 anos.
Lesões: Tipicamente, a eosinopenia e a linfopenia são marcantes, seguidas por uma neutropenia igualmente acentuada. A anemia é caracteristicamente uma sequela e os microrganismos podem ser observados em esfregaços sanguíneos e do
baço corados com Giemsa. À necropsia, as hemorragias disseminadas na mucosa e serosa e o edema são acompanhados de hiperplasia linfoide. Os órgãos frequentemente afetados incluem coração, trato gastrintestinal (dos préestômagos
ao cólon), fígado, vesícula biliar, rins e bexiga urinária O edema é caracterizado por um fluido gelatinoso no tecido conjuntivo intermuscular, linfonodos e abomaso. Não foram descritas anormalidades histológicas características, porém, há
proliferação vascular com edema endotelial acentuado e infiltração mononuclear moderada.
DIAGNÓSTICO: Nas áreas onde a doença é endêmica, o histórico de transferência dos animais para áreas marginais de florestas, acompanhado de sinais clínicos e de lesões pósmorte, permite um diagnóstico presuntivo. O diagnóstico
definitivo requer a demonstração do microrganismo causal em esfregaços de sangue ou do baço corados com Giemsa, ou por microscopia eletrônica. E. ondiri corase de azul com o Giemsa e pode ser observado como pequenos corpúsculos
(0,4 μm), corpúsculos grandes (1 a 2 μm), grupos de corpúsculos pequenos e grandes e grupos ou mórulas de pequenos corpúsculos. Eles são observados em vacúolos citoplasmáticos e são frequentemente vistos em neutrófilos. Suspensões
teciduais (baço) também podem ser inoculadas em bovinos ou ovinos suscetíveis. Esfregaços sanguíneos do animal receptor devem ser feitos diariamente por até 10 dias, período no qual E. ondiri deve ser detectado nos neutrófilos. É difícil
diferenciar esta doença de outras doenças hemorrágicas dos bovinos, como a febre do Vale Rift, tripanossomose aguda (doença hemorrágica por Trypanosoma vivax), teileriose aguda, caudriose, sepse hemorrágica e intoxicação por
samambaia.
TRATAMENTO E CONTROLE: A ditiosemicarbazona e a tetraciclina tem sido utilizadas com sucesso no tratamento inicial de casos experimentais, porém, são ineficazes nos casos avançados. A ditiosemicarbazona parece ser mais eficaz. Nas
áreas endêmicas, a doença pode ser prevenida evitandose o acesso a áreas associadas a casos anteriormente relatados. Entretanto, essa estratégia nem sempre é prática.
FEBRE TRANSMITIDA POR CARRAPATOS (Febre da pastagem)
A febre transmitida por carrapatos é uma doença febril dos ruminantes domésticos e de vida livre de regiões temperadas da Europa. Ela é prevalente em ovinos e bovinos no Reino Unido, Irlanda, Noruega, Finlândia, Holanda, Áustria e
Espanha. A doença é transmitida pelo carrapato duro Ixodes ricinus. Uma doença similar, transmitida por outros carrapatos, foi descrita na Índia e África do Sul. Os principais hospedeiros são os ovinos e bovinos, mas os caprinos e cervos
também são suscetíveis.
ETIOLOGIA: O agente causal, Anaplasma phagocytophilum, é atualmente classificado como um membro da ordem Rickettsiales, da família Anaplasmataceae, que inclui os agentes granulocíticos, formalmente conhecidos como Erlichia
phagocytophila, Erlichia equi e o agente da erliquiose granulocítica humana.
O microrganismo infecta eosinófilos, neutrófilos e monócitos, nessa ordem. As inclusões citoplasmáticas são visíveis como corpúsculos azulacinzentados em esfregaços de sangue corados com Giemsa e podem conter uma ou mais
partículas riquetsiais de tamanhos e formas variáveis. Os variados tipos morfológicos nas inclusões citoplasmáticas não representam estágios de desenvolvimento, como nas clamídias, mas sim colônias riquetsiais no interior dos vacúolos
citoplasmáticos.
A doença é transmitida pelo carrapato duro I. ricinus. Os carrapatos adultos infectados na fase larval ou de ninfa podem ser transmissores, assim como as ninfas infectadas na fase larval, mas aparentemente as infecções não passam das
fêmeas adultas para as larvas via ovo. As riquétsias podem sobreviver nos carrapatos infectados por longos períodos e, como I. ricinus pode sobreviver > 1 ano sem se alimentar à espera de um novo hospedeiro, os carrapatos infectados no
estágio anterior podem permanecer infectados após longos períodos de hibernação. A transmissão imediata da infecção pela injeção de sangue contaminado sugere que o microrganismo possa ser transmitido mecanicamente por meio da
picada de insetos. Além disso, se os microrganismos relatados como causadores de uma doença similar nos ruminantes da Índia e África do Sul forem de fato A. phagocytophilum, é provável que outros carrapatos, além de I. ricinus estejam
envolvidos.
ACHADOS CLÍNICOS: Após a infestação com carrapatos infectados, o período de incubação pode ser de 5 a 14 dias, mas após a injeção com sangue infectado, o período de incubação é de 2 a 6 dias. Nos ovinos, o principal sinal clínico é uma
febre súbita (40,5°C a 42°C) durante 4 a 10 dias. Outros sinais podem estar ausentes ou serem brandos, mas os animais geralmente apresentam apatia e podem perder peso. As frequências respiratória e cardíaca geralmente estão
aumentadas, com desenvolvimento frequente de tosse.
Nos bovinos, a doença é conhecida como febre da pastagem em muitas partes da Europa, inclusive Finlândia, Noruega, Áustria, Espanha e Suíça. A doença ocorre como uma pequena epidemia anual, quando as novilhas e vacas leiteiras
são transferidas para as pastagens na primavera e no início do verão. Dentro de dias, as vacas ficam apáticas e deprimidas, com acentuada perda de apetite e diminuição da produção de leite. As vacas afetadas geralmente apresentam tosse e
dificuldade respiratória. Os sinais clínicos são mais evidentes e mais longos nos animais recémadquiridos do que nos animais do rebanho local. Frequentemente, a recomendação veterinária é a de manter o animal em observação após uma
queda abrupta da produção de leite.
Ocorrem abortos em ovelhas suscetíveis e vacas recémintroduzidas em pastos infestados por carrapatos durante os estágios finais da gestação, entre 2 e 8 dias após o início da febre. Com exceção das ovelhas que abortam, a morte pela
febre transmitida por carrapatos é rara. A qualidade do sêmen de carneiros e touros infectados pode ser muito reduzida. A variação da gravidade dos efeitos clínicos pode estar relacionada com diferenças entre cepas de A.
phagocytophilum ou a suscetibilidade dos hospedeiros.
Talvez o efeito mais significativo da infecção seja o grave comprometimento dos mecanismos de defesas humoral e celular, que resulta no aumento da suscetibilidade a infecções secundárias, como piemia por carrapatos, pasteurelose
pneumônica, encefalomielite ovina e listeriose.
Lesões: A febre transmitida por carrapatos é caracterizada por alterações hematológicas transitórias, mas distintas. Uma neutrofilia moderada desenvolvese 2 a 4 dias após a infecção natural ou experimental e é seguida de grave leucopenia
devido à linfocitopenia e neutropenia. A linfocitopenia dura de 4 a 6 dias, enquanto a neutropenia desenvolvese progressivamente e tornase mais evidente cerca de 10 dias após a infecção. Estudos com anticorpos monoclonais, que
reconhecem os marcadores de superfície dos subgrupos de linfócitos, mostraram que tanto os linfócitos T quanto os linfócitos B estavam reduzidos. O número de eosinófilos circulantes também diminui por até 2 semanas. Após o período
febril, o número de monócitos pode aumentar. No pico da reação, > 90% dos neutrófilos e eosinófilos circulantes podem estar infectados. Os monócitos são predominantemente infectados durante os estágios finais da bacteriemia, enquanto
os granulócitos geralmente são infectados durante todo o período de bacteriemia. Também há relatos de diminuição do número de trombócitos circulantes durante o período febril e síndromes hemorrágicas ocasionais associadas à febre
transmitida por carrapatos provavelmente estão relacionadas com a redução de trombócitos circulantes.
DIAGNÓSTICO: Em ovinos, um início de febre alta durante a primavera e o verão, em áreas infestadas por carrapatos, associado a mudanças hematológicas e à presença de inclusões no interior de granulócitos ou à detecção de DNA
específico pela PCR são diagnósticos. A PCR e outros métodos moleculares são úteis principalmente durante os estágios finais da bacteriemia primária e durante a infecção persistente, quando é difícil a detecção dos corpúsculos de
inclusão nos esfregaços sanguíneos. A doença clínica geralmente é observada apenas em cordeiros jovens nascidos em áreas infestadas por carrapatos ou em animais mais velhos recémintroduzidos nessas áreas. A demonstração dos
corpúsculos de inclusão típicos nos esfregaços sanguíneos ou do DNA específico pela PCR deve indicar a associação da febre transmitida por carrapatos com casos de piemia por carrapatos e abortos, principalmente quando os abortos
ocorrem após a transferência dos animais prenhes de áreas livres para pastos infestados por carrapatos. A infecção pode ser estabelecida retrospectivamente pela demonstração do aumento dos títulos de anticorpos por imunofluorescência
indireta ou ELISA.
Nos bovinos leiteiros afetados, os principais sinais são abortos e súbita diminuição na produção de leite. Outro sinal clínico comum nos bovinos infectados é a doença respiratória após a introdução do rebanho em áreas de pastagem
infestadas por carrapatos. A febre transmitida por carrapatos também deve ser considerada quando ocorrem abortos e natimortos, principalmente em novilhas, logo após a introdução dos animais em pastos infestados por carrapatos. Além
disso, nas áreas onde a doença é enzoótica, os esfregaços sanguíneos devem ser examinados quanto à presença do microrganismo em todos os casos de aborto em ovinos e bovinos e quando a produção de leite é rapidamente reduzida após
retorno dos animais ao pasto.
TRATAMENTO E CONTROLE: O tratamento com oxitetraciclinas de curta ação é considerado o mais eficiente, uma vez que outros antibióticos como a penicilina, estreptomicina e ampicilina não previnem as recidivas. A sulfametazina
também é útil. Se os bovinos leiteiros forem tratados com oxitetraciclinas, a pirexia é reduzida rapidamente e a produção de leite é restabelecida em poucos dias.
Há três aspectos importantes de controle: controle do vetor, quimioterapia e imunidade. O controle efetivo pode ser obtido pela eliminação ou redução acentuada do contato com o carrapato vetor, mantendo ovinos e bovinos em pastagens
livres de carrapatos ou com a utilização de acaricidas. No manejo de ovinos, é comum manter as ovelhas e os cordeiros em um cercado, em pastagens relativamente livres de carrapatos até o cordeiro completar cerca de 6 semanas de idade.
O cordeiro também é beneficiado com a melhor nutrição da ovelha. O banho de imersão em cordeiros com 1 a 2 semanas de idade não é uma prática comum devido à dificuldade de arrebanhamento dos cordeiros em fazendas montanhosas
muito extensas, ao risco do cordeiro se perder de sua mãe e à relativa curta duração da proteção proporcionada pelos acaricidas, possivelmente devido ao pelo curto e à rápida taxa de crescimento dos cordeiros. Entretanto, dois banhos de
imersão com intervalos de 2 a 3 semanas ou o uso de preparações pouron ou de outras aplicações tópicas em cordeiros, antes de serem levados dos piquetes maternidade para as pastagens de montanhas, são referidos como efetivos no
controle dos carrapatos. Os animais prenhes não devem ser transferidos de pastos livres para pastos infestados de carrapatos.
Nas áreas enzoóticas, o tratamento com tetraciclinas de longa ação pode ser utilizado como uma medida profilática. Quando os animais suscetíveis, particularmente ovelhas e vacas prenhes e cordeiros recémnascidos, são levados de
áreas livres de carrapatos para áreas infestadas, pode ser necessário combinar o banho de imersão com o uso profilático das tetraciclinas de longa duração. O tratamento dos cordeiros nas primeiras 2 a 3 semanas de vida pode ser protetor
por até 3 semanas e auxilia na redução de infecções secundárias, como piemia por carrapatos, pasteurelose e colibacilose. Ele também pode melhorar a taxa de crescimento dos animais.
Vários aspectos da imunidade permanecem controversos, mas geralmente é aceito que os ovinos e bovinos são imunes ao desafio após a recuperação de um ou dois episódios da doença clínica causada pela febre transmitida por
carrapatos. A imunidade pode durar vários meses, mas diminui rapidamente se os animais forem removidos das áreas infestadas por carrapatos. As infecções secundárias geralmente são leves já que a imunidade residual persiste. Há graus
variáveis de proteção cruzada entre as cepas de A. phagocytophilum. Não há vacinas efetivas disponíveis para proteger os ruminantes contra a forma clínica da febre transmitida por carrapatos. Entretanto, se os animais suscetíveis forem
levados para pastagens infestadas por carrapatos, podese optar pela infecção intencional dos animais e realização de tratamento com oxitetraciclina antes ou imediatamente após o início da febre. Isto permite a multiplicação do
microrganismo e, portanto, a estimulação das respostas imunes sem a ocorrência de uma doença clínica não controlada; uma duração mínima da bacteriemia pode ser necessária para o desenvolvimento da imunidade protetora. Como nem
todas as cepas de A. phagocytophilum apresentam proteção cruzada, cepas específicas da área devem ser utilizadas.
HISTOFILOSE
A histofilose, ou doença associada ao Histophilus somni, é uma doença comum nos rebanhos bovinos da América do Norte. Também foi relatado que a doença ocorre esporadicamente nos rebanhos de carne e leite em todo o mundo. H.
somni causa, predominantemente, uma doença septicêmica aguda, muitas vezes fatal, que pode envolver os sistemas respiratório, cardiovascular, musculoesquelético ou nervoso, isoladamente ou em conjunto, nos bovinos confinados.
Enquanto o sistema reprodutivo geralmente é afetado sem nenhum sinal clínico ou sem outro envolvimento sistêmico, há relatos de aumento nas ocorrências de infertilidade no rebanho.
ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO: H. somni é um cocobacilo pleomórfico, não encapsulado, não formador de esporos, imóvel, Gramnegativo que necessita de um meio de enriquecimento e atmosfera microaerófila para a cultura. A hemólise em
ágarsangue ocorre dentro de 48 h devido à endotoxina produzida pela maioria dos isolados que causam a doença. As cepas patogênicas e não patogênicas devem ser bem diferenciadas. A virulência do microrganismo pode variar de acordo
com a região e o grupo etário.
H. somni é considerado um comensal das membranas mucosas de bovinos. As cepas patogênicas e não patogênicas de H. somni são encontradas na bainha e no prepúcio dos machos, na vagina das fêmeas e na passagem nasal de ambos
os sexos. Acreditase que as secreções nasal e urogenital são as fontes do microrganismo. O microrganismo pode colonizar o trato respiratório, provavelmente após a inalação, e atingir a corrente sanguínea por essa via. A colonização do
trato reprodutivo de machos e fêmeas envolve a disseminação venérea.
EPIDEMIOLOGIA: Os bezerros recentemente desmamados estão sob maior risco de infecção e morte pela histofilose do que os bezerros desmamados mais velhos, animais de sobreano ou animais maduros. O risco de infecção por H. somni é
maior no início do período de alimentação, com alto risco para os bezerros em confinamento e estabelecimento de picos de títulos para H. somni em cerca de 21 a 23 dias após a chegada. Embora os bezerros sejam geralmente expostos
ao H. somni no início do período de alimentação, foi relatado que o tempo médio entre o início da alimentação até morte dos bezerros por histofilose foi de 30 a 60 dias. A morte súbita decorrente de sepse hiperaguda geralmente ocorre
dentro de 21 dias após a chegada, embora ela possa ocorrer durante todo o período de alimentação. A manifestação da doença reprodutiva, inclusive vulvovaginite granular, aborto e mastite, pode afetar um ou mais bovinos dos rebanhos de
leite ou corte.
PATOGENIA: É provável que haja necessidade de sepse para a maioria das formas da histofilose. As cepas de H. somni que causam a doença aderem ao endotélio dos vasos, resultando em contração, exposição do colágeno, adesão
plaquetária e formação de trombos. O mecanismo primário da doença provavelmente envolve um trombo em vez de um tromboembolismo, como se acreditava. Algumas cepas bacterianas podem se aderir aos vasos do endotélio da pleura,
miocárdio, pericárdio, membrana sinovial e outros tecidos (p. ex., cérebro, laringe). A interrupção do suprimento sanguíneo nestas áreas resulta na formação de um infarto, com destruição do tecido e formação de sequestro necrótico. O
desenvolvimento dos sinais clínicos está associado ao grau de envolvimento dos sistemas de órgãos. A suscetibilidade individual dos animais e as variações na preferência das cepas dos microrganismos pelos vasos de diferentes tecidos
podem ser importantes no desenvolvimento de diferentes formas da doença, porém, este assunto não tem sido muito estudado.
A aparente preferência do H. somni para diferentes sistemas de órgãos define a característica mutável da histofilose. Inicialmente a doença apresentase como uma síndrome encefalítica que muda para as formas pleurítica e miocárdica.
Observações pontuais sugerem que o microrganismo pode mudar novamente (p. ex., de miocardite focal para uma mais generalizada). Estudos microbiológicos recentes do microrganismo identificaram uma variedade de mecanismos que
contribuem para sua virulência diversa e capacidade de resistência ao tratamento.
Os problemas reprodutivos não foram associados à infecção sistêmica; a inflamação aparenta ser mais localizada, apesar da patogênese nestas situações não estar bem definida.
ACHADOS CLÍNICOS: A morte súbita geralmente é a primeira indicação de infecção por H. somni em um grupo de animais confinados e frequentemente é confundida pelos funcionários como uma evidência de um distúrbio do trato
digestório, como timpanismo. Depressão profunda foi descrita como o sinal mais notável da histofilose encefalítica. Outros achados são determinados pelo sistema(s) envolvido(s) e podem incluir respiração rápida, rigidez, fraqueza
muscular, ataxia, claudicação e graves alterações de comportamento. Os animais afetados pela forma histofilose pleurítica geralmente são encontrados mortos, sem qualquer histórico de tratamento; se sobreviverem, eles podem exibir
dispneia extrema. Os animais com miocardite apresentam baixa tolerância ao exercício e podem entrar em colapso e vir a óbito quando movimentados para o tronco de contenção. Os animais com a forma encefalítica e depressão precoce
rapidamente ficam em decúbito, com sinais ocasionais de hiperestesia antes do óbito. Os animais encontrados mortos e confirmados com infecção por H. somni geralmente possuem histórico de tratamento para febre indiferenciada ou
depressão nos 14 dias precedentes.
Um exame individual mais detalhado geralmente revela um animal que está febril. Polipneia e/ou dispneia podem estar evidentes e são facilmente confirmadas por meio de auscultação. Hipoxemia associada a um mau funcionamento do
sistema pulmonar ou cardiovascular podem ser facilmente confundidos com outros sinais clínicos como depressão ou até mesmo cegueira. Uma amostra estéril de sangue obtida de um animal não tratado neste momento testa positivo
para H. somni em uma alta porcentagem dos casos.
Lesões: Bovinos confinados que morrem com suspeita de histofilose devem ser submetidos a exame necroscópico. Estes animais podem exibir um conjunto de achados pósmorte, inclusive pleurite fibrinosa sem broncopneumonia, lesão
focal do miocárdio (frequentemente no músculo papilar do ventrículo esquerdo), pericardite fibrinosa, broncopneumonia, poliartrite e laringite fibrinosa. As lesões macroscópicas pósmorte menos comuns incluem poliserosite, gonite
fibrinosa e meningite fibrinopurulenta.
Nos animais que sobrevivem tempo suficiente para permitir o progresso da patologia, a porção fibrinosa das lesões tornase necrótica e as áreas de infartos ou sequestros no coração ou na laringe se liquefazem e são encapsuladas,
formando um abscesso. As lesões no trato reprodutivo podem incluir vaginite supurativa, cervicite e endometrite.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico definitivo é baseado na amostragem e no exame dos tecidos afetados coletados durante a necropsia ou exame clínico. Historicamente, o isolamento do microrganismo do FCE, cérebro, sangue, urina, fluido
articular e outros órgãos ou fluidos internos, estéreis, é utilizado para confirmar o diagnóstico. Como H. somni é um comensal das membranas mucosas dos bovinos, a bactéria deve ser isolada em cultura predominante ou pura do trato
respiratório ou urogenital, sendo considerado significativo agente etiológico. Isto pode ser difícil uma vez que o tratamento com antimicrobianos frequentemente interfere na recuperação do microrganismo. As lesões histológicas
características são supurativas com denso infiltrado de neutrófilos em todos os tecidos onde a bactéria está localizada. Atualmente o diagnóstico é confirmado por técnicas moleculares, como a coloração imunoistoquímica dos tecidos
corados com H&E ou um suabe de uma lesão recente submetido a um teste de PCR específico.
TRATAMENTO E PREVENÇÃO: O maior obstáculo para o sucesso do tratamento dos casos individuais de histofilose é a dificuldade para identificar os animais afetados no início do curso da doença devido a sua natureza rápida e fatal. O
tratamento com antimicrobianos é mais efetivo nos estágios iniciais da doença. Florfenicol (20 mg/kg, IM, repetido em 48 h, ou dose única de 40 mg/kg, SC,) pode ser o antimicrobiano de escolha se há suspeita de histofilose em um único
animal.
As evidências que sustentam o uso de tratamento profilático ou metafilático com antimicrobianos ou com suplemento antimicrobiano oral no alimento na chegada dos animais ao confinamento ou na ocorrência de casos, para reduzir a
mortalidade pela histofilose, são escassas. Isto contrasta com a evidência de que H. somni é suscetível in vitro a uma ampla gama de antimicrobianos, inclusive florfenicol, tilmicosina, tulatromicina, tetraciclinas, trimetoprimasulfadoxina,
fluorquinolonas e ceftiofur. O mecanismo exato pelo qual o microrganismo é capaz de evitar os níveis sanguíneos não é bem conhecido.
Bacterinas contendo diferentes cepas do microrganismo têm sido utilizadas para imunizar os bovinos contra H. somni. A resposta humoral favorável gerada por uma única dose de vacina comercial foi melhorada quando reforçada com
uma segunda dose. Bezerros inicialmente imunizados antes do turn out (idade estimada de 2 meses) responderão a uma segunda imunização anamnesticamente na chegada ao confinamento após o desmame. Enquanto há relatos de proteção
com a utilização das atuais bacterinas e imunógenos contra a morbidade e mortalidade causada pela histofilose, a capacidade da imunização em proteger consistentemente os bovinos da doença é comprometida quando a imunização e a
mudança ocorrem ao mesmo tempo (ou seja, na chegada ao confinamento).
LEUCOSE BOVINA (Linfossarcoma bovino, Leucemia, Linfoma maligno)
O linfossarcoma bovino pode ser esporádico ou resultar da infecção pelo vírus da leucemia bovina (VLB); a última frequentemente é referida como leucose enzoótica bovina. O linfossarcoma esporádico nos bovinos não está relacionado
com a infecção pelo VLB. Apesar da falta de associação, os animais com linfossarcoma esporádico podem eventualmente ser infectados com o vírus. O linfossarcoma esporádico pode se manifestar de 3 formas principais: juvenil, tímica e
cutânea. O linfossarcoma juvenil ocorre frequentemente nos animais com menos de 6 meses de idade, o linfossarcoma tímico afeta os bovinos com 6 a 24 meses de idade e o linfossarcoma cutâneo é mais comum nos bovinos com 1 a 3
anos de idade.
ETIOLOGIA, TRANSMISSÃO E EPIDEMIOLOGIA: A leucose enzoótica bovina é causada pelo VLB, um retrovírus oncogênico exógeno do tipo C relacionado com o grupo dos vírus Tlinfotrópicos humanos. O VLB tem um genoma estável,
não causa viremia crônica e não possui um local preferido para a integração proviral. Apesar da ausência de locais preferidos para a integração proviral, os tumores gerados em um único indivíduo são tipicamente monoclonais e possuem
um único local de integração. Os vírus escapam da resposta imune devido ao baixo nível de replicação viral. Aparentemente a replicação é bloqueada em nível transcripcional, mas o mecanismo não está completamente esclarecido.
A prevalência da infecção pelo VLB varia de país para país. Muitos países europeus, Austrália e Nova Zelândia têm programas de erradicação em andamento e que levaram a taxas insignificantes de infecção por VLB. Embora os
programas de controle voluntários estejam em andamento nos EUA, a prevalência é alta quando comparada com grande parte do resto do mundo. As pesquisas mais recentes nos EUA estimam que 44% do gado leiteiro e 10% do gado de
corte estão infectados pelo vírus. A prevalência tende a aumentar no gado leiteiro com o aumento do tamanho do rebanho, enquanto o inverso ocorre no gado de corte. Em geral, a prevalência da infecção viral aumenta com a idade.
Os bovinos são infectados pelo VLB por meio de transfusão sanguínea e produtos do sangue que contêm linfócitos infectados. Uma vez infectado, o bovino desenvolve uma resposta de anticorpos por toda a vida, primariamente à
proteína gp51 do envelope e à proteína p24 do capsídio. Os linfócitos B abrigam o provírus integrado, mas raramente expressam as proteínas virais na superfície de suas células. O local exato da replicação e expressão viral e que induz a
resposta imune permanece indefinido.
Sob condições experimentais, a maioria das vias de exposição viral pode transmitir a infecção com sucesso. Entretanto, muitas destas vias são improváveis de serem encontradas naturalmente. Vários fluidos corporais, inclusive urina,
fezes secreções respiratórias, sêmen, fluidos uterinos e embrionários foram examinados em relação a sua capacidade de transmissão do VLB e foram considerados não infecciosos. Apenas em raras ocasiões o vírus foi encontrado nestes
fluidos. O colostro de vacas positivas para o VLB contém o vírus e mostrouse infeccioso experimentalmente. Contudo, o colostro também contém grande quantidade de anticorpos e acreditase que os efeitos protetores dos anticorpos
colostrais superam o potencial infeccioso quando o colostro é administrado de forma normal.
A maioria das transmissões do VLB é horizontal. O contato físico próximo entre bovinos positivos e negativos para o VLB é sabidamente um fator de risco. Muitas práticas de manejo foram implicadas na transmissão viral, inclusive
identificação, descorna, palpação retal, injeções e coleta de sangue. Os vetores como os tabanídeos e outros insetos hematófagos também podem transmitir o vírus. A transmissão vertical pode ocorrer pela via transplacentária (da fêmea
infectada para o seu feto), intraparto (pelo contato com sangue infectado) ou pósparto (da fêmea para o bezerro) pela ingestão do colostro infectado. Qualquer material que esteja contaminado com sangue ou rico em linfócitos tem
potencial para infectar animais com o VLB.
PATOGENIA: Há três principais formas em um bovino infectado pelo VLB. A maioria dos animais permanece persistentemente infectada e sem nenhum sinal clínico. Aproximadamente 29% dos bovinos infectados pelo VLB desenvolvem
linfocitose persistente, enquanto < 5% dos bovinos infectados com o VLB desenvolvem linfossarcoma.
A linfocitose persistente é referida às vezes como síndrome préneoplásica, porém, não há qualquer evidência convincente de que os bovinos infectados são mais sujeitos a desenvolver linfossarcoma. Os linfócitos presentes na
linfocitose persistente não são neoplásicos, embora possam ter pequenas alterações reativas compatíveis com esfregaços normais de bovinos. A linfocitose persistente é considerada uma condição benigna associada à infecção pelo VLB.
Por este motivo esta forma frequentemente é negligenciada. Entretanto, as vacas podem servir como reservatórios da infecção. O aumento da contagem de linfócitos é atribuído ao aumento de 45 vezes das células B CD5+ e de 99 vezes das
células B CD5. Foi sugerido que as vacas com linfocitose persistente apresentam maior risco de passar a infecção do VLB para os seus bezerros no útero e podem apresentar queda da produção de leite e alteração dos componentes do leite.
O linfossarcoma é raramente visto nos animais < 2 anos de idade e é mais comum no grupo de 4 a 8 anos de idade. Menos de 5% dos bovinos infectados pelo VLB desenvolve linfossarcoma. O linfossarcoma, inclusive a forma
esporádica e enzoótica, é uma das principais causas de condenação no abate.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos associados ao desenvolvimento de lifossarcoma são muito variados, com o órgão afetado ditando os sinais clínicos predominantes.
O linfossarcoma juvenil é frequentemente caracterizado pelo início súbito de hiperplasia linfoide difusa com ou sem o envolvimento de órgãos viscerais. Perda de peso, febre, taquicardia, dispneia, timpanismo e paresia posterior foram
descritos nesta forma de linfossarcoma. Linfocitose intensa (> 50.000/μl) frequentemente acompanha esta forma fatal de linfossarcoma. O linfossarcoma tímico pode envolver o lobo cervical ou intratorácico, ou ambos. Os sinais clínicos
associados a esta forma de linfossarcoma dependem da localização e do tamanho do tumor. Um inchaço cervical pode ser evidente. Dispneia, timpanismo, distensão da jugular, taquicardia, edema anterior e febre foram documentados. A
população de células afetadas é a de linfócitos imaturos e pouco diferenciados. O linfossarcoma cutâneo se apresenta como placas cutâneas de 1 a 5 cm de diâmetro, na região do pescoço, dorso, traseiro e membro posterior. Os linfonodos
regionais também podem estar aumentados. Esta forma de linfossarcoma pode apresentar remissão espontânea; entretanto, podem ocorrer recidivas.
Lesões: Os animais com linfossarcoma associado ao VLB geralmente apresentam lesões nos linfonodos centrais e periféricos levando à linfadenopatia. As lesões no abomaso podem levar a sinais de dor abdominal cranial, melena ou
obstrução da saída do conteúdo abomasal. A paresia dos membros pélvicos pode progredir para paralisia nos animais com lesões medulares extradurais. As lesões retrobulbares podem causar a protrusão do globo, resultando em queratite de
exposição e, eventualmente, proptose. As lesões no átrio direito podem ser leves e clinicamente indetectáveis ou podem causar arritmias, murmúrios ou falência cardíaca. As lesões uterinas podem levar a falhas reprodutivas e aborto. As
lesões dos órgãos internos envolvem tipicamente o baço, fígado ou rins e ureteres. As lesões do baço inicialmente são assintomáticas, mas podem resultar em ruptura do baço e exsanguinação na cavidade peritoneal. O linfossarcoma do
fígado frequentemente é assintomático, mas pode levar à icterícia e falência hepática. A doença no rim e no ureter pode levar a dor abdominal e subsequente desenvolvimento de hidroureter ou hidronefrose e sinais clínicos associados à
falência renal.
Leucose enzoótica bovina. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.
O linfossarcoma pode surgir como massa nodular amarela acastanhada discreta ou um infiltrado tecidual difuso. O último padrão resulta em órgãos aumentados e pálidos, podendo ser facilmente interpretados erroneamente como uma
alteração degenerativa em vez de neoplasia. Histologicamente, a massa tumoral é composta por denso aglomerado de células linfocíticas monomórficas.
DIAGNÓSTICO: O linfossarcoma frequentemente é incluído na lista de diferencial de muitas doenças devido à grande variedade de achados clínicos. O diagnóstico da infecção viral é feito por sorologia ou virologia, a linfocitose persistente é
identificada por hematologia e os tumores neoplásicos são identificados pelo exame histológico das biopsias. Sorologia positiva ou virologia para o VLB confirmam a infecção viral, porém, não confirmam a presença de linfossarcoma.
A sorologia é o método mais comum e confiável para o diagnóstico da infecção pelo VLB. A imunodifusão em gel de ágar ainda é reconhecida pela maioria dos países como o teste oficial de importação/exportação, mas o ELISA
geralmente é mais utilizado no diagnóstico de rotina. A sorologia não é confiável para os bezerros que ingeriram colostro de vacas positivas para o VLB devido à aquisição de anticorpos maternos que tipicamente diminuem aos 4 a 6 meses
de idade. A PCR é um teste sensível e específico para o diagnóstico da infecção do VLB nos linfócitos do sangue periférico. Este teste pode identificar o DNA proviral do VLB nos linfócitos dos animais infectados e diferencia os bezerros
positivos e negativos na presença de anticorpos maternos.
O diagnóstico de linfossarcoma deve ser feito pela citologia ou histopatologia. O diagnóstico citológico às vezes é difícil devido à frequente contaminação do aspirado com sangue.
TRATAMENTO E CONTROLE: Não há tratamento para a infecção viral ou para o linfossarcoma nos bovinos, embora os corticoides parenterais possam diminuir transitoriamente a gravidade dos sinais clínicos. Programas de erradicação
foram desenvolvidos, porém com sucesso variado, devido principalmente ao custo e à alta prevalência da infecção entre os bovinos dos EUA em relação ao custo econômico da doença. O protocolo de erradicação mais recomendado é: (1)
identificar os animais infectados utilizando um teste sorológico; (2) descartar imediatamente os animais soropositivos; (3) testar novamente o rebanho 30 a 60 dias depois e (4) usar a PCR para testar os bezerros jovens e como teste
complementar para esclarecer os resultados de testes em rebanhos com baixa prevalência da infecção. O teste e o descarte são repetidos até que todo o rebanho teste negativo. O teste é então repetido a cada 6 meses. O rebanho é declarado
livre quando não houver testes positivos por 2 anos. Os animais que serão introduzidos no rebanho devem ter dois testes negativos aos 30 e 60 dias antes da sua chegada.
Quando o teste e o descarte são métodos economicamente inviáveis, os programas de testes e segregação têm sido recomendados, mas raramente eles são implementados. Estes programas necessitam da execução de duas operações
completas de separação e requerem recursos adicionais, inclusive dinheiro, tempo e mão de obra.
PREVENÇÃO: A eliminação da circulação do sangue dos animais infectados para os animais sadios é o ponto fundamental para os protocolos de prevenção. O fornecimento de colostro de vacas soronegativas para os bezerros é defendido.
Entretanto, a maioria das evidências epidemiológicas sugere que o efeito protetor dos anticorpos colostrais supera o risco de infecções, especialmente nos rebanhos com alta prevalência. A substituição do fornecimento de leite integral por
sucedâneo de alta qualidade de boa qualidade também pode ser considerada. Leite contendo sangue jamais deve ser fornecido aos bezerros.
O eletrocautério e outros métodos de descorna sem sangue devem ser utilizados. Os equipamentos empregados para castração, marcação, colocação de brinco ou implante devem ser limpos e desinfetados antes e após o uso em cada
animal se a expectativa de vida deles for de pelo menos 2 anos.
A transmissão nos bovinos adultos pode ser reduzida usando uma nova luva de palpação retal sempre que houver sangue visível na luva ou pelo uso luva de palpação retal de uso único. A inseminação artificial e a transferência de
embrião (com a utilização de receptoras negativas) podem limitar a transmissão. Nos rebanhos de corte, o uso de um reprodutor negativo pode limitar a transmissão, mas a monta natural não é um método comum de transmissão viral a
menos que haja algum trauma durante o acasalamento.
As recomendações, independentemente da idade do animal, incluem a desinfecção dos equipamentos que entraram em contato com sangue ou tecidos do corpo.? As agulhas descartáveis devem ser utilizadas uma única vez para coleta de
sangue e injeções IM. É preferível o uso de agulhas descartáveis para vacinação, mas o risco de transmissão do VLB pela vacinação via SC é baixo. Os troncos de contenção contaminados com sangue devem ser limpos entre os animais. O
controle de moscas ajuda a minimizar a transmissão associada aos tabanídeos. Transfusões sanguíneas e vacinas contendo sangue, como aquelas utilizadas para babesiose e anaplasmose, são potentes meios de disseminação, assim, os
doadores devem ser cuidadosamente selecionados.
LÍNGUA AZUL
A língua azul é uma doença viral, infecciosa, não contagiosa, transmitida por artrópodes, que acomete principalmente ruminantes domésticos e selvagens. A infecção com o vírus da língua azul (VLA) é comum em uma extensa faixa ao
redor do mundo, que até recentemente se estendia desde a latitude 35° S até a latitude 4050° N. Desde a década de 1990, o VLA tem se expandido consideravelmente entre os paralelos 40° N e 50° N (p. ex., Europa). A maioria das
infecções com o VLA nos ruminantes selvagens e nos bovinos é subclínica. A língua azul (a doença causada pelo VLA) geralmente é considerada uma doença de raças melhoradas de ovinos, particularmente de raças produtoras de lã e
carne, embora também tenha sido registrada em bovinos e em algumas espécies de ruminantes selvagens, inclusive os veadosde–caudabranca (Odocoileus virginianus), antilocapras (Antilocapra americana) e carneiros selvagens (Ovis
canadensis) na América do Norte, e os bisõeseuropeus (Bison bonasus) e iaques criados em cativeiro (Bos grunniens grunniens) na Europa.
ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO: O vírus da língua azul é uma das espécies pertencentes ao gênero Orbivírus da família Reoviridae. Há pelo menos 24 sorotipos em todo o mundo, embora nem todos os sorotipos estejam presentes em todas as
áreas geográficas; por exemplo, 13 sorotipos (1, 2, 3, 5, 6, 10, 11, 13, 14, 17, 19, 22 e 24) tem sido relatados nos EUA e 8 sorotipos (1, 2, 4, 6, 9, 11 e 16) na Europa. A distribuição do VLA nos paralelos está relacionada com a presença
espacial e temporal das espécies de vetores de Culicoides hematófagos, os quais são os únicos transmissores naturais significativos do vírus, e com as temperaturas em que vírus é capaz de se replicar e de ser transmitido por esses vetores.
Há mais de 1.400 espécies de Culicoides em todo o mundo e menos que 30 espécies foram identificadas como vetores atuais ou potenciais do VLA. O ciclo contínuo do vírus nos vetores competentes de Culicoides e nos ruminantes
suscetíveis é crítico na epidemiologia viral. Nos EUA, o principal vetor são C. sonorensis e C. insignis, cujo limite da distribuição do VLA está entre as regiões sul e oeste. Na região norte e leste da Austrália o principal vetor é C.
brevitarsis, enquanto na África, sul da Europa e Oriente Médio é C. imicola. Na região norte da Europa os principais vetores são as espécies do complexo C. obsoletusdewulfi. Em cada região geográfica, as espécies secundárias de vetores
também possuem uma importância local.
Os vetores tornamse infectados com o VLA pelo repasto sanguíneo dos vertebrados infectados; a transmissão transovariana não tem sido relatada. A grande afinidade do vírus pelas células sanguíneas, especialmente a persistência das
partículas virais nas invaginações das membranas dos eritrócitos, contribui para a viremia prolongada na presença de anticorpos neutralizantes. O longo período de viremia nos bovinos (ocasionalmente até 11 semanas) e a preferência de
muitos vetores da espécie Culicoides pelo hospedeiro bovino proporciona um mecanismo de transmissão contínua da doença para os ruminantes domésticos nas regiões onde o período livre do vetor (inverno) é relativamente curto. A
transmissão mecânica por outros insetos hematófagos tem pouca importância.
O VLA não é contagioso, a concentração nas secreções e excreções é mínima e a transmissão via mucosa oral ou por aerossol é improvável. Entretanto, o sêmen dos touros virêmicos pode servir como uma fonte de infecção para vacas
submetidas à monta natural ou inseminação artificial. A transferência de embriões é considerada segura com a utilização de doadoras não virêmicas e de procedimentos adequados de lavagem dos embriões. A infecção transplacentária de
estirpes de campo do VLA da vaca para o feto, levando ao nascimento de bezerros virêmicos, é cada vez mais relatada nos bovinos da Europa, contudo, a importância epidemiológica deste mecanismo não é conhecida. A infecção acidental
em cães foi relatada nos EUA após a administração de uma vacina com vírus vivo modificado contaminada com VLA. Evidência sorológica da infecção por VLA tem sido verificada em grandes carnívoros da África, talvez como resultado
da ingestão de vísceras contaminadas com o vírus. Similarmente, linceseuroasiáticos criados em cativeiro morreram devido à língua azul após consumirem fetos e natimortos de ruminantes infectados, e o vírus foi isolados destes animais,
indicando a existência de uma VO da infecção. A importância epidemiológica do mecanismo de infecção oral é incerta.
ACHADOS CLÍNICOS: O curso da doença em ovinos pode variar de hiperagudo a crônico, com taxa de mortalidade de 2 a 90%. Nos casos hiperagudos, a morte ocorre entre 7 e 9 dias de infecção, principalmente como resultado de edema
pulmonar grave que ocasiona dispneia, secreção nasal espumosa e morte por asfixia. Nos casos crônicos, os ovinos podem morrer entre 3 e 5 semanas após a infecção, como resultado de complicações bacterianas, especialmente
pasteurelose e exaustão. Nos casos leves geralmente ocorre recuperação rápida e completa. As principais perdas na produção incluem mortes, atraso no crescimento durante um período prolongado de convalescença, perda de lã e perdas
reprodutivas.
Nas ovelhas, o VLA causa danos vasculares endoteliais, resultando em mudanças na permeabilidade capilar e subsequente coagulação intravascular. Isto resulta em edema, congestão, hemorragia, inflamação e necrose. Os sinais clínicos
nas ovelhas são típicos. Após um período de incubação de 4 a 6 dias, ocorre febre de 40,5 a 42°C. Os animais ficam apáticos e relutantes para se moverem. Os sinais clínicos nos cordeiros jovens são mais aparentes e a taxa de mortalidade
pode ser mais alta (até 30%). Dois dias após o início da febre, sinais adicionais, como edema de lábios, nariz, face, região submandibular, pálpebras e, às vezes, orelhas; congestão de boca, nariz, cavidades nasais, conjuntiva e coroa do
casco; claudicação e depressão podem ser observadas. Secreção nasal serosa é comum, podendo depois se tornar mucopurulenta. A congestão do nariz e das cavidades nasais produz um efeito de “focinho ferido”, termo utilizado para
descrever a doença nos ovinos nos EUA. Os ovinos comem menos devido às feridas orais, uma vez que eles mantêm a comida na boca para amaciála antes de mastigála. Eles também podem produzir também uma secreção oral espumosa
no canto dos lábios. Em um exame minucioso, pequenas hemorragias podem ser observadas nas membranas mucosas do nariz e da boca. Ulceração se desenvolve quando os dentes entram em contato com os lábios e a língua, especialmente
nas áreas de maior atrito.
Algumas ovelhas afetadas apresentam edema intenso de língua, a qual pode se tornar cianótica (“língua azul”) e até projetar–se da boca. Os animais andam com dificuldade devido à inflamação da coroa casco. Uma coloração vermelha
púrpura é facilmente observada como uma banda na junção entre a pele e o casco. Na fase avançada da doença, ocorre claudicação ou torcicolo devido a danos no músculo esquelético. Na maioria dos animais afetados, pode ser observado
um crescimento anormal da lã como resultado da dermatite.
Os sinais clínicos nos bovinos são raros, mas podem ser similares aos observados nos ovinos. Eles geralmente são limitados à febre, aumento da frequência respiratória, lacrimejamento, salivação, rigidez, vesículas e úlceras orais,
hiperestesia e dermatite ulcerativa e vesicular. Os bovinos e ovinos suscetíveis e infectados durante a gestação podem abortar ou dar à luz a filhotes com malformações. As malformações incluem hidroanencefalia ou porencefalia, as quais
resultam em ataxia e cegueira ao nascimento. No veadode–caudabranca e no antilocapra, desenvolvem uma doença hemorrágica grave levando a morte súbita. As cadelas gestantes abortam ou dão luz a natimortos e depois morrem entre 3
e 7 dias.
DIAGNÓSTICO E LESÕES: Os sinais clínicos típicos da língua azul permitem um diagnóstico presuntivo, especialmente nas áreas onde a doença é endêmica. A suspeita é confirmada pela presença de petéquias, equimoses ou hemorragias na
parede da base da artéria pulmonar e de necrose focal no músculo papilar do ventrículo esquerdo. Estas lesões altamente características geralmente são evidentes nas infecções clínicas graves, mas podem ser pouco observadas nos casos
leves ou convalescentes. Estas lesões frequentemente são descritas como patognomônicas para a língua azul, mas elas também têm sido observadas em outras doenças de ovinos como pericardite exsudativa, doença do rim pulposo e febre
do Vale Rift. Hemorragias e necroses geralmente são encontradas onde a abrasão mecânica danifica os capilares frágeis, como na superfície oposta da face vestibular dos dentes molares, no sulco do esôfago e nas dobras do omaso. Outros
achados de necropsia incluem edema e hemorragia subcutânea e intermuscular, mionecrose esquelética, hemorragias miocárdicas e intestinais, hidrotórax, hidropericárdio, pericardite e pneumonia.
Em diversas áreas do mundo, a infecção do VLA em ovinos, e especialmente em outros ruminantes, é subclínica. A confirmação laboratorial é baseada no isolamento viral em ovos embrionados de galinhas, culturas celulares de
mamíferos ou insetos ou na identificação do RNA viral pela PCR. A identidade dos isolados pode ser confirmada pelos testes ELISA de antígeno de captura grupoespecífico, PCR grupoespecífico, imunofluorescência, imunoperoxidase,
teste de vírus neutralização sorotipoespecífico, PCR sorotipoespecífico ou hibridização com uma sequência gênica complementar de genes grupo ou sorotipo específico. Para o isolamento do vírus, amostra de sangue (10 a 20 ml) é
coletada o mais rápido possível dos animais febris com um anticoagulante como heparina, citrato de sódio ou EDTA e transportado a 4°C até o laboratório. Para armazenamento a longo prazo, onde a refrigeração não é possível, o sangue é
coletado em oxalatofenolglicina (OFG). O sangue a ser congelado deve ser coletado em tampão peptona lactose e mantido a temperatura igual ou inferior a 70°C. O sangue coletado mais tardiamente, durante o período virêmico, não
deve ser congelado, pois a lise das hemácias no descongelamento libera os vírus associados às células, os quais podem ser neutralizados rapidamente pelos anticorpos humorais. Os vírus não permanecem estáveis por longos períodos a
20°C. Nos casos fatais, as amostras de baço, linfonodos ou medula óssea são coletadas e transportadas ao laboratório a 4°C o mais rápido possível após o óbito.
A resposta sorológica nos ruminantes pode ser detectada 7 a 14 dias após a infecção e geralmente permanece por toda a vida após uma infecção a campo. Atualmente, as técnicas sorológicas recomendadas para a detecção de anticorpos
contra o VLA incluem a imunodifusão em ágar gel e ELISA por competição. Este último é o teste de eleição e que não detecta reação cruzada de anticorpos contra outros orbivírus, especialmente contra o vírus da doença epizoótica
hemorrágica (VDEH). Várias outras testes de soroneutralização, inclusive a redução em placa, inibição em placa e a neutralização por microtitulação, podem ser utilizadas para detecção de anticorpos específicos.
PREVENÇÃO E CONTROLE: Não há tratamento específico para os animais com língua azul, a não ser descanso, fornecimento de alimentos macios e bom manejo. Complicações e infecções secundárias devem ser tratadas adequadamente
durante o período de recuperação.
A imunização profilática dos ovinos é a medida de controle mais eficaz contra a língua azul nas regiões endêmicas. Três vacinas polivalentes, cada uma contendo cinco diferentes sorotipos do VLA atenuados por passagens seriadas em
ovos embrionados de galinha, seguido pelo crescimento e seleção em placas de cultura celular, são amplamente utilizadas no sul da África e outros locais com epizootias de língua azul. Uma vacina monovalente com vírus vivo modificado
propagado em cultura celular está disponível para o uso em ovinos nos EUA. Vacinas vivas atenuadas não devem ser utilizadas nas estações em que o vetor Culicoides está presente em grande quantidade, pois eles podem transmitir o vírus
dos animais vacinados para os animais não vacinados, como por exemplo, para outras espécies de ruminantes. Isto pode resultar na recombinação de material genético e levar ao aparecimento de novas estirpes virais. Abortamento ou
malformações fetais, particularmente do SNC, podem ocorrer após a vacinação de ovelhas e vacas com a vacina contendo o vírus vivo atenuado durante a primeira metade e o primeiro trimestre da gestação, respectivamente. A imunidade
passiva nos cordeiros geralmente dura de 4 a 6 meses.
O controle da língua azul é diferente nas áreas onde a doença não é endêmica. Durante um surto, onde um ou número limitado de sorotipos podem estar envolvidos, a estratégia de vacinação depende do(s) sorotipo(s) que está(ão)
causando a infecção. A utilização de estirpes vacinais diferentes daquela(s) que está(ão) causando a doença leva a pouca ou nenhuma proteção e não é recomendada. O potencial risco de recombinação do vírus vacinal com uma estirpe
selvagem, da disseminação do vírus pelos vetores para outras espécies suscetíveis de ruminantes e a reversão da virulência das estirpes do vírus vacinal ou a produção de uma nova estirpe do VLA também devem ser consideradas. Devido
às estas incertezas, vacinas inativadas que não apresentam estes inconvenientes estão sendo desenvolvidas, sendo que algumas já chegaram ao mercado. O uso destas vacinas inativadas em incursões recentes do VLA no norte da Europa
tem desempenhado um papel importante no controle da propagação do vírus nas regiões onde uma cobertura significativa (> 80%) foi alcançada.
O controle dos vetores com o uso de inseticidas ou a proteção contra os vetores pode reduzir o número de picadas dos Culicoides e subsequente risco de exposição à infecção pelo VLA. Entretanto, apenas estas medidas não são efetivas
para interromper uma epidemia de língua azul e devem ser consideradas como medidas de atenuação para serem utilizadas juntamente com um programa de vacinação abrangente e vigoroso.
PARATUBERCULOSE (Doença de Johne)
A paratuberculose é uma enterite granulomatosa crônica contagiosa caracterizada, em bovinos, por diarreia persistente, perda de peso progressiva, debilidade e, eventualmente, morte. Ela é uma doença listada pela OIE, o que significa que
ela é uma doença prioritária para o comércio internacional. Acredita–se que o agente etiológico, Mycobacterium paratuberculosis, é capaz de infectar e causar doença em todos os outros ruminantes (p. ex., ovinos, caprinos, lhamas, cervos)
e animais selvagens em cativeiro ou de vida livre. A infecção também foi identificada em onívoros e carnívoros, como coelhos selvagens, raposas, doninhas e primatas não humanos. A distribuição é cosmopolita. Os programas nacionais de
controle incluem aqueles estabelecidos na Austrália, Noruega, Islândia, Japão, Holanda e EUA. A maior prevalência é no gado leiteiro, com 20 a 80% dos rebanhos infectados em muitos dos principais países produtores de leite. As
informações sobre a prevalência em outras espécies são limitadas. A doença é de importância econômica para a indústria de caprinos na Espanha e de ovinos na Austrália.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: M. paratuberculosis é excretado em grande número nas fezes de animais infectados e em menor número no seu colostro e leite. Ele é resistente aos fatores ambientais podendo sobreviver na pastagem por mais de 1
ano; a sobrevivência na água é mais longa do que no solo. A infecção geralmente é adquirida por meio da via fecaloral; a dose necessária para infectar um animal não é conhecida. A infecção é adquirida pela ingestão do microrganismo de
tetos contaminados durante o aleitamento, pelo consumo de leite, alimentos sólidos e água contaminados com o microrganismo ou pelo comportamento de lambedura e de limpeza em ambientes contaminados. Posteriormente, podem ser
observados estágios bacteriêmicos e infecção intrauterina. Após a ingestão e absorção pelas placas de Peyers do intestino delgado, o patógeno intracelular infecta os macrófagos do trato GI e os linfonodos associados. É possível que alguns
animais possam eliminar a infecção por meio da resposta imune mediada por células, que estimula a atividade microbicida dos macrófagos, mas a frequência que ela ocorre é desconhecida. Na maioria dos casos, o microrganismo
multiplicase e, eventualmente, provoca uma enterite granulomatosa crônica que interfere na absorção e o processamento dos nutrientes, levando à caquexia típica de infecções avançadas. Isto pode levar meses a anos para se desenvolver e
geralmente é paralelo a um declínio na imunidade mediada por células, um aumento de anticorpos séricos e bacteriemia com disseminação além do trato GI. A eliminação fecal começa antes do aparecimento dos sinais clínicos e os animais
nesta fase de “silêncio” da infecção são importantes fontes de transmissão.
ACHADOS CLÍNICOS: A doença nos bovinos é caracterizada por perda de peso e diarreia nas fases tardias da infecção, mas os animais infectados podem parecer saudáveis por meses a anos. Nos bovinos, a diarreia pode ser constante ou
intermitente; em ovinos, caprinos e outros ruminantes, a diarreia pode não ser observada. Tipicamente, a diarreia não contém sangue, muco ou debris epiteliais e ocorre sem tenesmo. Ao longo de semanas ou meses, a diarreia tornase mais
grave, ocorre perda de peso, a coloração da pelagem pode desaparecer e pode haver o desenvolvimento de edema intermandibular e ventral devido à perda de proteínas decorrente da enteropatia. Isso leva a baixas concentrações de proteína
total e albumina no plasma, embora os níveis de gamaglobulina permaneçam normais. Em bovinos e caprinos leiteiros, pode haver queda na produção do leite ou a produção pode não atingir os níveis esperados. Os animais permanecem em
alerta e a temperatura e o apetite geralmente estão normais, embora a sede possa estar aumentada. A doença é progressiva e termina em emaciação e morte. Em rebanhos infectados, a taxa de mortalidade pode ser baixa por vários anos,
porém até 50% dos animais podem estar infectados subclinicamente com perdas de produção associadas. A doença em ovinos e caprinos é semelhante, mas a diarreia não é uma característica comum e, nos casos avançados, eles podem
perder facilmente a lã. Em cervídeos (cervos e alces), a evolução da doença pode ser mais rápida.
Lesões: Uma série de patologias pode ser observada nos animais infectados, variando de completa ausência de lesões macroscópicas até o espessamento e enrugamento do intestino com aumento e edemaciação de linfonodos próximos.
Frequentemente, não há correlação entre os sinais clínicos e a gravidade das lesões. As carcaças podem estar emaciadas com perda de gordura pericárdica e perirrenal nos casos caquéticos mais avançados. As lesões intestinais podem ser
leves, mas tipicamente a parede do intestino delgado distal apresentase difusamente espessada com mucosa não ulcerada nas dobras transversais proeminentes. As lesões podem estenderse proximal e distalmente ao jejuno e cólon.
Linfangite serosa, aumento do linfonodo mesentério e de outros linfonodos regionais geralmente são aparentes. Histologicamente, há enterite granulomatosa difusa caracterizada por acúmulo progressivo de macrófagos epitelioides e células
gigantes na mucosa e submucosa intestinal. Poucos ou muitos microrganismos ácidoresistentes podem ser observados no interior dos macrófagos. Geralmente, não há correlação entre os sinais clínicos e a gravidade das lesões. Os ovinos,
caprinos e cervos às vezes desenvolvem focos caseosos com calcificação na parede intestinal e linfonodos.
DIAGNÓSTICO: Há muitos testes comercialmente disponíveis para a paratuberculose, com vantagens, desvantagens e aplicação apropriada. Os testes objetivam a detecção do microrganismo nas fezes ou tecidos (cultura, PCR), a busca de
evidências de resposta imune celular à infecção (teste de pele, interferona?) ou a detecção de anticorpos para os antígenos de M. paratuberculosis (ELISA, imunodifusão em gel de ágar). A utilização de diferentes testes em combinação
pode aumentar a sensibilidade do diagnóstico. Devido à biologia da infecção e a necessidade de manejála na base do rebanho, informações de diagnóstico devem ser reunidas para um grupo de animais e não apenas para um caso
individual. Um animal com sinais clínicos da doença tem maior probabilidade de apresentar evidência para o diagnóstico da infecção (excreção, produção de anticorpos) do que um animal no estágio préclínico da infecção. A necropsia
com cultura e histopatologia de múltiplos tecidos é o padrãoouro para o diagnóstico definitivo. A coloração de ZiehlNeelsen de amostras teciduais para bactérias ácidoresistentes geralmente revela grande quantidade de micobactérias nas
lesões; entretanto, em alguns casos, uma pesquisa cuidadosa pode não revelar a presença dos microrganismos. A coloração ácidoresistente de esfregaços de impressão do íleo de uma vaca com a patologia típica é um método rápido e de
baixo custo (embora de baixa sensibilidade) para chegar a um diagnóstico preliminar. A biopsia da espessura total das seções do íleo e dos linfonodos regionais para cultura e histopatologia pode levar ao diagnóstico definitivo; entretanto,
essa abordagem geralmente é restrita aos animais particularmente valiosos. M. paratuberculosis tem sido isolado em uma grande variedade de tecidos, mas os linfonodos mesentéricos e ileocecais, íleo e fígado são, frequentemente, os mais
recomendados para amostragem diagnóstica.
Os testes sorológicos são métodos rápidos e de baixo custo para a confirmação ante–mortem do diagnóstico clínico; a sensibilidade é > 85% nos animais clinicamente afetados. Eles também auxiliam na detecção da infecção em bovinos
clinicamente normais nos estágios finais da infecção e que estão eliminando grande quantidade de M. paratuberculosis; a sensibilidade é de cerca de 45%. Dentre os testes sorológicos, aqueles baseados na tecnologia de ELISA oferecem
maior especificidade e sensibilidade sendo os melhores métodos para determinar a prevalência da infecção em um rebanho. O uso quantitativo do ELISA para identificar os animais para o abate seletivo ou para o isolamento do rebanho
pode ser uma estratégia com boa relação custobenefício para o controle da doença; valores elevados no ELISA estão associados a maior probabilidade de infecção e altas taxas de eliminação fecal. A cultura fecal é mais sensível e mais
específica que a sorologia, mas os microrganismos crescem vagarosamente (2 a 4 meses) e os testes são mais caros que a sorologia. A mistura de amostras fecais (p. ex., cinco amostras por mistura) ou a cultura do estrume dos locais da
fazenda onde os bovinos se encontram (amostras ambientais) podem estabelecer o estado infeccioso do rebanho a um baixo custo, apesar de alguma redução na sensibilidade do teste. A capacidade de isolamento deste patógeno varia
significativamente entre os laboratórios. A utilização de um laboratório que passou por testes de qualidade é recomendada. A maioria das cepas que infectam ovinos não cresce em meios sólidos, mas podem ser isoladas com o uso de
sistemas de meios de cultura líquidos. Sondas genéticas para um elemento específico do DNA de M. paratuberculosis, como a IS900, podem ser utilizadas em conjunto com a cultura ou diretamente em amostras fecais. Alguns laboratórios
informam que a PCR pode ser tão sensível e específica quanto a cultura fecal, além de ser muito mais rápida; outros laboratórios não acham que isso seja verdadeiro. O custo da análise é a principal desvantagem. O desempenho de PCR,
assim como os outros testes validados para o uso em bovinos, pode ser diferente quando utilizada com amostras de outras espécies.
Os testes de imunidade mediada por células, como o teste intradérmico de Johnin, o teste de transformação linfocitária e interferona? são muito utilizados em bases de pesquisas e podem ser negativos nos casos clínicos avançados. O
genoma de M. paratuberculosis foi descrito e pode fornecer a base para novas abordagens diagnósticas.
Os testes que caíram em desuso, devido aos relatos de baixa sensibilidade e/ou especificidade, são o exame microscópico de amostras fecais com coloração de Ziehl–Neelsen e o teste de Johnin IV. O teste de fixação do complemento
(FC) também foi descrito como menos preciso em relação a outros testes sorológicos. O teste de FC ainda é exigido em muitos países para a importação de animais, embora muitos reagentes utilizados neste teste sejam feitos com diferentes
especificações em diferentes países, resultando em perda de padronização.
CONTROLE: Nenhum tratamento satisfatório é conhecido. O controle requer boas práticas de higiene e de manejo satisfatórias para limitar a exposição de animais jovens ao microrganismo. Bezerros, cabritos ou cordeiros devem nascer em
áreas livres de estrume, devem ser separados de suas mães logo após o nascimento e, no caso de gado leiteiro, devem ser alimentados com mamadeira de colostro pasteurizado ou obtido de fêmeas negativas, e criados segregados dos
adultos e de seus estrumes até > 1 ano de idade. A utilização de sucedâneos do leite é recomendada em vez do leite residual, a menos que o leite seja pasteurizado. Programas de teste de rotina podem ajudar a concentrar os esforços no
controle da doença. Os testes de baixo custo (p. ex., ELISA) tem o maior custobenefício para os rebanhos leiteiros comerciais que foram confirmados infectados pela cultura ou PCR. Os animais com resultados positivos, particularmente
aqueles que são grandes eliminadores do agente ou que apresentam resultados fortemente positivos no ELISA, devem ser encaminhados ao matadouro logo que for economicamente viável. A realização de novos testes anuais deve ser
contínua até que o rebanho apresente resultados que indiquem baixa prevalência de infecção (< 5%). Como a infecção intrauterina pode ocorrer, programas de controle mais agressivos incluem o abate dos bezerros de mães que possuem a
doença ou que desenvolveram os sinais da doença. Os animais de reposição devem ser obtidos de rebanhos supostamente livres da doença e estes animais devem ser testados antes de serem introduzidos no novo rebanho. Outros
procedimentos gerais para minimizar a contaminação fecal na fazenda também podem auxiliar, como por exemplo, elevar comedouros e bebedouros, fornecer água encanada em vez de água de lagoa e arar frequentemente os pastos para
dispersar as fezes. Os proprietários dos rebanhos devem ser avisados de que o controle da paratuberculose leva pelo menos 5 anos.
A formulação de vacinas para M. paratuberculosis varia conforme o fabricante. Em muitos países, o seu uso está sujeito à aprovação de agências reguladoras e pode ser restrito aos rebanhos altamente infectados. A vacinação em bezerros
< 1 mês de idade pode ser efetiva na redução da incidência da doença, mas não previne a eliminação do microrganismo e o aparecimento de novos casos no rebanho. A vacinação, portanto, não elimina a necessidade de um bom manejo e
sanitização. Na indústria de caprinos da Espanha e da Austrália, a vacinação tem aumentado a vida produtiva do rebanho. Bovinos inoculados com vacinas inativadas de células inteiras com óleo mineral desenvolvem granulomas, de
diâmetros variados, no local de inoculação (região da paleta) e podem reagir positivamente em testes subsequentes de tuberculina. A inoculação acidental pode resultar em reações agudas graves com necrose tecidual e sinovite e tendinite
crônica.
RISCO ZOONÓTICO: Há dados conflitantes sobre o envolvimento do agente causal na doença de Crohn, uma enterite crônica granulomatosa de etiologia desconhecida em humanos. Entretanto, M. paratuberculosis é consistentemente
detectado pela PCR nos humanos com a doença de Crohn. Este fato juntamente com a sua ampla variedade de hospedeiros, inclusive primatas não humanos, indicam que a paratuberculose deve ser considerada de risco zoonótico até que a
situação seja esclarecida.
PASTEURELOSE EM OVINOS E CAPRINOS
Pasteurella e Mannheimia são cocobacilos betahemolíticos, Gramnegativos, aeróbios, imóveis, não formadores de esporos da família Pasteurellaceae. Esta família tende a habitar a superfície mucosa do trato alimentar, respiratório e
genital dos mamíferos. Muitos são conhecidos como invasores secundários oportunistas. Algumas espécies apresentam preferências para superfícies e hospedeiros específicos. A recente atualização dos dados filogenéticos resultou em
mudança de nomes com base na análise da sequência gênica. Como resultado, Pasteurella haemolytica biotipo A e T foram reclassificadas como Mannheimia haemolytica (biotipo A) e Pasteurella trehalosi (biotipo T). Cada isolado de M.
haemolytica e de P. trehalosi é designada com um biotipo e um sorotipo. M. haemolytica A2 é a cepa mais comum isolada em ovinos e caprinos com pasteurelose respiratória, embora as cepas A6, A13 e Ant tenham sido descritas em
ovinos e a cepa Ant, em caprinos. M. haemolytica A2 é rotineiramente descrita em casos de mastites de ovinos. P. trehalosi T3, T4 e T10 têm sido frequentemente associadas à forma sistêmica ou septicêmica da pasteurelose que afeta
cordeiros. Pasteurella multocida foi relatada como a causa da pasteurelose pneumônica em ovinos e caprinos.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: M. haemolytica e P. trehalosi são cosmopolitas e as enfermidades provocadas por estes microrganismos são comuns em ovinos e caprinos de todas as idades, embora a prevalência dos sorotipos pode variar de
acordo com a região e o rebanho. M. haemolytica, P. trehalosi e P. multocida são microrganismos comensais comuns das tonsilas e da nasofaringe de ovinos e caprinos sadios. Para que estes microrganismos causem uma infecção, uma
combinação de fatores estressantes, inclusive calor, superlotação, exposição a intempéries, má ventilação, manejo e transporte deixa os ovinos e caprinos suscetíveis às infecções respiratórias virais. Parainfluenza 3, adenovírus tipo 6, vírus
respiratório sincicial e, possivelmente, adenovírus bovino tipo 2, adenovírus ovino tipo 1 e 5 e reovírus tipo 1 causam uma infecção respiratória primária, que raramente é fatal, mas que predispõe a infecções secundárias por M. haemolytica.
Infecções respiratórias com Mycoplasma ovipneumoniae e Bordetella parapertussis também foram relatadas associadas a infecções secundárias por M. haemolytica. Acreditase que a combinação de fatores estressantes e infecções
primárias quebra a integridade da barreira mucosa do trato respiratório inferior permitindo a colonização, proliferação e indução de danos teciduais significativos pela M. haemolytica.
A virulência de M. haemolytica e P. trehalosi é mediada pela ação de vários fatores, inclusive endotoxinas, leucotoxinas e polissacarídios capsulares, que proporciona vantagens à bactéria sobre a imunidade do hospedeiro. A leucotoxina
é particularmente importante na patogênese, pois, ela é especificamente tóxica para os leucócitos dos ruminantes, resultando na deposição de fibrina nos pulmões e nas superfícies pleurais. A endotoxina lipossacarídica contribui para
reações adversas nos pulmões e também leva a insuficiência circulatória sistêmica e choque. O polissacarídio capsular previne a fagocitose da bactéria e auxilia a adesão na superfície epitelial alveolar. A sobrevivência na fase aguda da
pasteurelose pneumônica depende da extensão do envolvimento pulmonar e dos danos no trato respiratório inferior. Os ovinos e caprinos que se recuperam podem apresentar problemas respiratórios crônicos, inclusive diminuição da
capacidade pulmonar e da eficiência de ganho de peso de até 20% se o pulmão foi danificado.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: P. trehalosi causa principalmente sepse e pasteurelose sistêmica em ovinos jovens < 2 meses de idade. A forma sistêmica da pasteurelose causada pela P. trehalosi é caracterizada por febre, apatia, falta de
apetite e morte súbita em ovinos jovens. Acreditase que o microrganismo movese das tonsilas para os pulmões e passa para o sangue. Isto resulta em sepse e infecção localizada em um ou mais tecidos como articulações, úbere, meninges
ou pulmões.
DIAGNÓSTICO: A diferenciação da pasteurelose de outras causas de doença respiratória é baseada na alta mortalidade e rápida progressão para a morte. O diagnóstico da forma pneumônica e septicêmica da pasteurelose é baseado no exame
à necropsia, achados macroscópicos e histopatológicos e isolamento do microrganismo em vários tecidos. As lesões incluem hemorragia subcutânea; necrose epitelial da língua, faringe, esôfago, ou, ocasionalmente, do abomaso e intestino;
aumento das tonsilas e linfonodos retrofaringeanos e lesões hiperagudas, multifocais, embólicas e necróticas no pulmão e fígado.
TRATAMENTO: Os padrões de suscetibilidade aos antimicrobianos de M. haemolytica e P. trehalosi são bons. Amoxicilinaácido clavulânico, ceftiofur e florfenicol têm boa eficácia, enquanto apenas 5% dos isolados podem apresentar
resistência à tetraciclina. O ciprofloxacino parecer ser muito eficaz, mas o seu uso veterinário é proibido nos EUA. O tratamento é, com frequência, pouco compensador a menos que comece no início da doença devido à rápida progressão
dos danos pulmonares e a liberação de endotoxinas. Fluidoterapia e agentes antiinflamatórios são importantes complementos à antibioticoterapia. Embora a pasteurelose septicêmica tenha uma suscetibilidade antimicrobiana favorável, a
resposta à terapia frequentemente é decepcionante. O uso de antibióticos profiláticos em cordeiros em risco pode ser benéfico.
PREVENÇÃO: A prevenção da pasteurelose é desejável devido aos custos econômicos com o tratamento, perdas e redução do ganho de peso dos animais sobreviventes. Vacinas comerciais estão disponíveis para bovinos, mas elas são
específicas apenas para M. haemolytica A1, e, experimentalmente, há muito pouca ou nenhuma proteção cruzada contra M. haemolytica A2. Vacinas comerciais para M. haemolytica A2 estão disponíveis no Reino Unido e há relatos de que
são benéficas na redução de perdas por morte e diminuição do ganho de peso devido às formas septicêmica e pneumônica da pasteurelose. Como não há vacinas comerciais nos EUA, os produtores são capazes de obter bacterinas autógenas
de seus rebanhos. Com a prevenção das viroses respiratórias com a utilização de um programa de vacinação esperase uma redução da pasteurelose respiratória, mas não há vacinas comerciais disponíveis para o uso em ovinos e caprinos. O
uso de antibióticos profiláticos, principalmente da tetraciclina, no alimento durante os meses do ano com maior incidência é uma prática comum de manejo. O evitamento e a redução de fatores estressantes conhecidos, como calor,
superlotação, exposição a intempéries, má ventilação, manejo e transporte também devem ser considerados.
PESTE BOVINA (Rinderpest)
Historicamente, o vírus da peste bovina estava distribuído amplamente por toda a Europa, Ásia e África, mas ele nunca se estabeleceu na América do Norte, América Central, ilhas do Caribe, América do Sul, Austrália e Nova Zelândia. Até
o final do século 20, a peste bovina era endêmica em vários países da África e da Ásia Menor, mas agora parece ter sido globalmente erradicada. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), juntamente com
as principais autoridades veterinárias dos países afetados pela peste bovina e especialistas internacionais, desenvolveram uma estratégia para a erradicação mundial que evoluiu para o Programa Global de Erradicação da Peste Bovina
(PGEPB). De acordo com o PGEPB, desde 2001 nenhum caso da doença foi relatado.
A OIE também contribuiu com este objetivo mediante a divulgação de uma lista de estados membros livres da peste bovina, por motivos históricos (parte de continente não afetado, sem casos e sem vacinação para a peste bovina há 25
anos) ou, nos casos de países com histórico de endemia recente, pelo aceite de provas nacionais baseadas na pesquisa da doença, relatos da doença e sorovigilância dos animais não vacinados. A maioria dos países antigamente endêmicos já
recebeu a condição de país livre da doença. O objetivo da FAO é declarar formalmente que o mundo estará livre da doença em 2010. Neste contexto, são apresentados aqui a descrição da doença e os métodos utilizados no seu controle.
A peste bovina é uma doença de animais com cascos fendidos, caracterizada por febre, estomatite necrótica, gastrenterite, necrose linfoide e alta mortalidade. A forma endêmica constitui a praga mais letal conhecida entre os bovinos.
Todas as espécies da ordem Artiodactyla são variavelmente suscetíveis à peste bovina, embora, em termos práticos, o vírus tem sido mantido pela transmissão entre bovinos domésticos, búfalos domésticos e iaques. Entre os bovinos, as
raças de Bos taurus apresentam complicações clínicas mais graves do que as raças de Bos indicus. No sul da Ásia, onde a peste dos pequenos ruminantes e a peste dos bovinos há lado a lado, a dificuldade frequente de se fazer um
diagnóstico diferencial muitas fez com que ovinos e caprinos infectados pela peste dos pequenos ruminantes fossem incorretamente diagnosticados com peste dos bovinos. Entretanto, em alguns casos, os pequenos ruminantes estavam
infectados com a peste bovina, possivelmente subclinicamente, e tiveram alguma importância epidemiológica como transmissores do vírus. A peste bovina também afeta algumas raças de suínos e uma grande variedade de espécies
silvestres da ordem Artiodactyla por meio do contato com os bovinos infectados.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: O agente infeccioso é um morbilivírus, estreitamente relacionado com o vírus da peste dos pequenos ruminantes (p. 785), da cinomose (p. 821) e do sarampo. As estirpes do vírus da peste bovina variam
acentuadamente em virulência para os bovinos. Além da estirpe vacinal, 3 linhagens filogenéticas distintas podem ser diferenciadas (1 asiática e 2 africanas), mas o soro de bovinos recuperados ou vacinados apresenta reação cruzada com
todas as estirpes nos testes de neutralização. O vírus é frágil e é rapidamente inativado pelo calor e luz, mas permanece viável por longos períodos nos tecidos resfriados ou congelados.
O vírus da peste bovina está presente em pequenas quantidades na secreção nasal e ocular 1 a 2 dias antes do aparecimento da febre; os níveis são altos nas secreções e excreções durante a primeira semana da doença clínica e diminuem
rapidamente, à medida que os animais desenvolvem anticorpos específicos e começam a se recuperar. A transmissão necessita de contato direto ou indireto próximo; a infecção ocorre pela nasofaringe e pulmão. Não há estado de portador;
o vírus se mantém por meio da transmissão contínua entre os animais suscetíveis. Em áreas endêmicas, os bovinos jovens se tornam infectados após o desaparecimento da imunidade materna e antes do início da imunidade vacinal, com
possíveis ciclos auxiliares em ungulados silvestres. Nas áreas epidêmicas, o vírus infecta a maioria dos animais suscetíveis e tende a se limitar, a menos que a população seja grande o suficiente para sustentar uma endemia.
Após o crescimento primário nos linfonodos associados à nasofaringe, o vírus prolifera por todo o tecido linfoide e se espalha através do sangue para as mucosas dos tratos GI e respiratório superior. Os danos teciduais são causados pela
citopatologia viral. Os antígenos virais induzem uma potente resposta imune que controla a infecção e permite a recuperação, se o dano tecidual não for muito grave.
ACHADOS CLÍNICOS: O período de incubação de 3 a 15 dias é seguido de febre, anorexia e depressão; secreção oculonasal desenvolvese 1 a 2 dias depois. Dentro de 2 a 3 dias, aparecem lesões necróticas puntiformes, que aumentam
rapidamente formando placas caseosas, aparecem na gengiva, mucosa bucal e língua. O palato duro e mole frequentemente são afetados. A secreção oculonasal tornase mucopurulenta e o focinho fica seco e rachado. A diarreia, que é o
último sinal clínico, pode ser aquosa e pode conter sangue, muco e membrana mucosa. Os animais apresentam dor abdominal grave, sede e dispneia, podendo morrer de desidratação. O período de convalescência é longo e pode ser
complicado por infecções concomitantes devido à imunossupressão. Nas áreas epidêmicas, a morbidade muitas vezes é de 100% e a mortalidade é de até 90%, mas nas áreas endêmicas, a morbidade é baixa e os sinais clínicos geralmente
são leves.
Lesões: As alterações patológicas macroscópicas são evidentes ao longo de todo o trato GI e trato respiratório superior, assim como áreas de necrose e erosão, congestão e hemorragia. Esta última forma a clássica “estria de zebra” no reto. Os
linfonodos podem estar aumentados e edematosos, com focos necróticos esbranquiçados nas placas de Peyer. O exame histológico revela necrose linfoide e epitelial com sincícios induzidos pelo vírus e inclusões intracitoplasmáticas e
intranucleares são frequentemente observadas.
DIAGNÓSTICO: Os achados clínicos e patológicos são suficientes para o diagnóstico nas áreas endêmicas e após a confirmação laboratorial inicial de um surto. Nas áreas onde a peste dos bovinos é incomum ou inexistente, devem ser
utilizados testes laboratoriais para diferenciála especialmente da diarreia viral bovina, assim como da febre da costa leste, febre aftosa, rinotraqueíte infecciosa bovina e febre catarral maligna. O isolamento do vírus e a detecção de
antígenos virais específicos em tecidos afetados utilizando o teste de imunodifusão eram o padrão, mas testes mais simples, rápidos e discriminantes como o ELISA de captura e a RTPCR foram preferidos no final da campanha de
erradicação. A técnica da RTPCR permitiu a caracterização filogenética do vírus e ajudou a traçar a origem dos vírus nos novos surtos. A utilização de um teste rápido (penside test) para uso a campo também se mostrou útil nos estágios
finais da campanha de erradicação.
Antes da declaração oficial de erradicação, todos os casos de estomatite erosiva nos animais suscetíveis devem ser testados para a peste bovina. As amostras laboratoriais devem ser coletadas de vários animais durante os estágios iniciais
da doença clínica, preferencialmente antes do início da diarreia. Sangue total, tecido linfoide, baço e lesões intestinais devem ser coletados assepticamente e transportados rapidamente a 4°C ou em gelo.
CONTROLE: Geralmente não se tenta o tratamento, mas cuidados de enfermagem com fluidoterapia de suporte e antibioticoterapia ajudam na recuperação dos animais valiosos. A imunidade ativa é considerada vitalícia, enquanto a
imunidade materna geralmente dura de 6 a 11 meses. O controle nas áreas endêmicas é feito pela imunização de todos os bovinos e bubalinos domésticos > 1 ano de idade com uma vacina de cultura celular atenuada. Nestas áreas, os surtos
são controlados por meio de quarentena e “vacinação em anel” e, às vezes, por meio de abate. Nas epidemias, a doença pode ser eliminada pela imposição de quarentena e abate dos animais afetados e expostos. O controle da movimentação
dos animais é fundamental para o controle da peste bovina; muitos surtos ocorrem devido à introdução de bovinos infectados em rebanhos não infectados.
PESTE DOS PEQUENOS RUMINANTES
A peste dos pequenos ruminantes (PPR) é uma doença viral aguda ou subaguda de caprinos e ovinos, caracterizada por febre, estomatite necrótica, gastrenterite e pneumonia. Ela foi descrita pela primeira vez em 1942 na Costa do Marfim
e, subsequentemente, no Senegal, Gana, Togo, Benin e Nigéria. Os ovinos e os caprinos provavelmente são igualmente suscetíveis ao vírus, mas os ovinos podem ser mais resistentes aos seus efeitos clínicos. Enquanto a sorovigilância dos
rebanhos afetados frequentemente apresenta níveis mais elevados de prevalência em ovinos, isto pode refletir o fato de que uma alta proporção dos caprinos afetados morre. Os bovinos são apenas subclinicamente infectados. Os seres
humanos não estão em risco.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O vírus causal, um morbilivírus da família Paramyxoviridae, possui uma afinidade particular por tecidos linfoides e tecidos epiteliais dos trato GI e respiratório, onde ele produz as lesões características.
A PPR está presente no oeste, centro, norte e leste da África, no Oriente Médio e no subcontinente indiano do extremo oriente a Bangladesh. Em ambas as massas de terra o vírus ainda está se espalhando. Recentemente, o vírus
disseminouse do Afeganistão para a Ásia central (Uzbequistão, Tajiquistão e Turcomenistão) e já se espalhou para o Tibet. Na África, uma barreira pouco compreendida que impedia a movimentação do vírus em direção ao sul do Sudão e
da Etiópia, foi quebrada e Quênia e Uganda estão atualmente infectados. No norte do continente a doença está presente no Marrocos.
Com a erradicação global da peste bovina e a compreensão de que a peste bovina nunca foi uma doença comum de pequenos ruminantes, a verdadeira natureza da PPR como um vírus com o potencial de causar epidemias graves, ou
mesmo pandemias, em pequenos ruminantes tornase cada vez mais real.
Em nível local, tais epidemias podem eliminar uma população inteira de caprinos ou de ovinos de uma área afetada. Entre epidemias, a PPR pode assumir um perfil endêmico; suspeitase que diferentes níveis de virulência viral podem
surgir dentro de um país infectado em função de diferentes cenários.
TRANSMISSÃO: A transmissão ocorre por contato e o confinamento parece favorecer os surtos. As secreções e excreções dos animais doentes são fontes de infecção. Geralmente se aceita que não há o estado de portador; entretanto, casos de
PPR podem propagar a infecção durante o período de incubação. De acordo com o sistema de criação, parece que os caprinos urbanos errantes podem contribuir para a manutenção do vírus. Também há vários exemplos de comércio de
animais associados à disseminação da infecção e a necessidade de animais para festas religiosas geralmente aumenta o comércio de animais infectados.
Várias espécies de gazelas, oryx e cariacus são muito suscetíveis; estes animais e outros ruminantes selvagens podem desempenhar um papel na epidemiologia da doença, mas pouco ou nenhum dado está disponível sobre a infecção em
pequenos ruminantes selvagens. Os suínos são hospedeiros acidentais e não transmitem a doença para suínos ou caprinos suscetíveis e é improvável que eles desempenhem papel fundamental na epidemiologia da PPR. Embora os bovinos e
os búfalos domésticos sejam suscetíveis à infecção, não há evidências de que eles exibam sinais clínicos após a infecção natural ou experimental e de que transmitam a doença para as espécies suscetíveis.
ACHADOS CLÍNICOS: A forma aguda da PPR é acompanhada de uma elevação súbita da temperatura corporal para 40 a 41,3°C. Os animais afetados parecem doentes e agitados e podem apresentar pelagem opaca, focinho seco, membranas
mucosas congestas e diminuição do apetite. No início, a secreção nasal é serosa, mais tarde, tornase mucopurulenta e produz odor pútrido à respiração. O período de incubação geralmente é de 4 a 5 dias. Pequenas áreas de necrose podem
ser observadas na membrana mucosa no assoalho da cavidade nasal. A conjuntiva frequentemente está congesta e o canto medial pode exibir pequeno grau de crostas. Alguns animais afetados desenvolvem conjuntivite catarral profusa com
união das pálpebras. A estomatite necrótica afeta o lábio e a gengiva inferior e a margem da gengiva que circunda os dentes incisivos; nos casos mais graves, pode haver o envolvimento do coxim dentário, palato, bochechas e suas papilas e
língua. A diarreia pode ser profusa e é acompanhada de desidratação e emaciação; seguemse hipotermia e morte, geralmente após 5 a 10 dias. Pode haver o desenvolvimento de broncopneumonia, caracterizada por tosse, nos estágios finais
da doença. Os animais prenhes podem abortar. As taxas de morbidade e mortalidade são maiores nos animais jovens do que nos adultos.
Lesões: Observamse emaciação, conjuntivite e estomatite; as lesões necróticas são observadas na face interna do lábio inferior e na gengiva adjacente, nas bochechas perto das comissuras e na superfície ventral da língua. Nos casos graves,
as lesões podem se estender para o palato duro e faringe. As erosões são superficiais, com base sensível e avermelhada que, mais tarde, tornase branco rosada; elas são delimitadas por um epitélio normal com uma margem bem demarcada.
Rúmen, retículo e omaso raramente estão envolvidos. O abomaso exibe erosões regularmente delineadas que possuem base sensível e avermelhada e com sangramento.
As lesões graves são menos comuns no intestino delgado do que na boca, abomaso ou intestino grosso. Estrias de sangue e, menos frequentemente, erosões podem estar presentes na primeira porção do duodeno e no íleo terminal. As
placas de Peyer são gravemente afetadas; placas inteiras de tecido linfoide podem se desprender. Geralmente, o intestino grosso é afetado gravemente, com lesões ao redor da válvula ileocecal, na junção cecocólica e reto. Este último exibe
estrias de congestão ao longo das pregas da mucosa, resultando na aparência de “listras de zebra” característica.
Podem aparecer petéquias nos cornetos nasais, laringe e traqueia. Placas de broncopneumonia podem estar presentes.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico presuntivo é baseado nos achados clínicos, patológicos e epidemiológicos e pode ser confirmado pelo isolamento e identificação do vírus. Em nível de campo, o teste de imunodifusão em gel de ágar e o teste
rápido para a penside test (PPR) fornecem uma confirmação adequada para efeitos de informação. Entretanto, devido à dificuldade e o tempo necessário para o isolamento viral, técnicas como o ELISA de captura e a reação em cadeia da
polimerase via transcriptase reversa (RTPCR) são as técnicas preferidas pelos laboratórios de referência. As amostras necessárias são: sangue não coagulado, linfonodos, tonsilas, baço e pulmão inteiro. A detecção de altos títulos de
anticorpos neutralizantes nos animais sobreviventes é diagnóstico. A PPR deve ser diferenciada de outras infecções gastrintestinais agudas (p. ex., peste bovina), de infecções respiratórias (p. ex., pleuropneumonia contagiosa caprina) e de
outras doenças, tais como ectima contagioso, caudriose, coccidiose e intoxicação mineral.
CONTROLE: As autoridades locais e federais devem ser notificadas quando houver suspeita de PPR. A erradicação é recomendada quando a doença aparece nos países anteriormente livres da PPR. Não há um tratamento específico,
entretanto, o tratamento das complicações bacterianas e parasitárias diminui a mortalidade nos rebanhos afetados. Uma vacina atenuada foi preparada em cultura de células Vero; ela propicia proteção contra a doença natural por > 1 ano. A
vacina de cultivo celular para a peste bovina também foi utilizada com sucesso na imunização contra a PPR, mas, devido à erradicação global da peste bovina, o uso desta vacina pode mascarar qualquer evidência do reaparecimento do
vírus da peste bovina ou pode ser mal interpretada como uma evidência do reaparecimento daquele vírus. Atualmente, as vacinas homólogas para a PPR são amplamente utilizadas para o controle da doença.
PIEMIA CAUSADA POR CARRAPATOS
A piemia causada por carrapatos afeta os cordeiros de 2 a 12 semanas de idade e é caracterizada por debilidade, claudicação incapacitante e paralisia. Os abscessos piêmicos são comuns nas articulações, mas podem ser encontrados
praticamente em qualquer órgão. A doença causa perdas econômicas significativas devido à debilidade e morte de cordeiros. A doença é enzoótica em muitas regiões do Reino Unido e Irlanda, onde o carrapato Ixodes ricinus é comum, e é
provável que esteja presente em outras áreas da Europa onde o mesmo carrapato é encontrado.
ETIOLOGIA: Staphylococcus aureus é considerado o principal agente causador do abscesso piêmico, pois, o microrganismo tem sido isolado consistentemente de lesões superficiais e profundas, sendo raro encontrar outra bactéria. Supõe–se
que a bactéria, possa entrar na corrente sanguínea por meio da inoculação direta durante a alimentação do carrapato em feridas superficiais locais ou através do umbigo infectado. Entretanto, há evidências clínicas e experimentais de que I.
ricinus não atua simplesmente como um vetor que injeta diretamente o estafilococo na corrente sanguínea. O principal papel do I. ricinus é o de vetor do agente riquetsial Anaplasma phagocytophilum, que causa a febre transmitida por
carrapatos (p. 767), que por sua vez cria fatores favoráveis ao desenvolvimento da piemia. Os cordeiros afetados pela febre transmitida por carrapatos apresentam leucopenia grave e seus neutrófilos do sangue periférico são menos capazes
de fagocitar e matar S. aureus. Estudos experimentais demonstraram que os cordeiros com febre transmitida por carrapatos são mais suscetíveis à infecção experimental com S. aureus durante o período de neutropenia e que até 30% dos
cordeiros com febre transmitida por carrapatos podem desenvolver infecções estafilocócicas.
A epidemiologia da doença está estreitamente relacionada com a biologia do I. ricinus. A doença está limitada a áreas com populações de I. ricinus e às estações do ano climaticamente favoráveis à alta população e atividade dos
carrapatos.
ACHADOS CLÍNICOS: Os abscessos se formam em várias partes do corpo, principalmente em articulações, bainhas dos tendões e músculos, resultando em claudicação – daí o uso do termo “doença dos cordeiros aleijados”. Em alguns surtos,
> 30% dos cordeiros podem ser afetados; geralmente eles ficam apáticos e claudicantes e frequentemente apresentam perda de condição corporal. Abscessos internos sem lesões articulares podem resultar em nenhum sinal clínico além da
perda da condição corporal, porém, quando as lesões estão presentes no SNC, pode haver ataxia, paraplegia e outros sinais nervosos. A doença incapacitante tem a duração de dias ou semanas, mas a doença também pode aparecer como
uma sepse aguda. Ocasionalmente, podem ocorre mortes súbitas devido a múltiplos abscessos internos, sem outros sinais visíveis. Até 50% dos cordeiros afetados podem morrer e os cordeiros sobreviventes recuperamse lentamente.
Lesões: Com exceção das articulações e de outras estruturas superficiais, os abscessos geralmente são encontrados no fígado, pulmões e rins. Eles também podem estar presentes nas meninges da medula espinal, no pericárdio e no
miocárdio. O diafragma, o timo e as glândulas adrenais geralmente são menos afetados. Os carrapatos frequentemente são encontrados fixados nas áreas inflamadas.
DIAGNÓSTICO: O histórico e os sinais clínicos são indicadores valiosos. A restrição da doença a áreas infestadas por carrapatos, sua ocorrência em estações de atividade dos carrapatos e a demonstração de A. phagocytophilum ou do DNA
específico pela PCR no sangue de cordeiros afetados ou de outros ovinos do rebanho são características diagnósticas. O isolamento de S. aureus das lesões e a ausência de outras bactérias ajudam a confirmar a piemia causada por carrapato.
A perda da condição corporal e o atraso no crescimento, sem claudicação, podem dificultar a identificação da doença causada por carrapato e a forma aguda pode ser confundida com outras doenças septicêmicas. A piemia causada por
carrapato também pode se assemelhar a outras infecções supurativas de recémnascidos, inclusive doenças umbilicais e articulares devido a infecções por outras bactérias como os estreptococos e Arcanobacterium pyogenes.
TRATAMENTO E CONTROLE: O tratamento dos casos clínicos da piemia causada por carrapatos com penicilina ou tetraciclina pode ser efetivo, desde que as lesões não estejam muito avançadas.
O controle da infestação por carrapatos é a medida preventiva mais eficaz. Isto pode ser alcançado mantendo os cordeiros e ovelhas em terrenos planos, em pastagens livres de carrapatos durante as primeiras semanas de vida, ou com
banhos de imersão das ovelhas antes do parto e com a administração de acaricidas nos cordeiros em banhos de imersão ou com outras formas de aplicação tópica. Nos cordeiros jovens, as preparações pouron de cipermetrina ou tópicas
aplicadas antes levar os cordeiros da maternidade para as pastagens são relatadas como efetivas no controle dos carrapatos.
A administração da oxitetraciclina de ação prolongada na época de risco pode ajudar a prevenir tanto a febre transmitida por carrapatos quanto a piemia causada por carrapatos nas primeiras semanas de vida. Uma única injeção com o
dobro da dose recomendada na terceira semana de idade pode reduzir significativamente a mortalidade e a morbidade de cordeiros novos em pastos infestados por carrapatos e a melhorar o ganho de peso e a condição corporal dos demais.
O tratamento profilático com um antibiótico de longa ação pode prevenir o desenvolvimento da febre transmitida por carrapatos por até 3 semanas, sem pirexia e imunossupressão, de forma que a incidência da piemia causada por
carrapatos e outras infecções, como pasteurelose e colibacilose, são reduzidas. Embora o tratamento com a oxitetraciclina possa inibir o desenvolvimento da imunidade, se os cordeiros eventualmente desenvolverem a febre transmitida por
carrapatos, eles estarão algumas semanas mais velhos e, aparentemente, menos suscetíveis à piemia causada por carrapatos. A exposição deliberada dos cordeiros a injeções, seguida de tratamento com oxitetraciclina, pode oferecer alguma
imunidade antes que os cordeiros entrem em áreas infestadas por carrapato; entretanto, as cepas específicas destas áreas devem ser utilizadas, pois, algumas cepas de A. phagocytophilum não apresentam reação cruzada.
SEPSE HEMORRÁGICA
A sepse hemorrágica (SH) é uma doença aguda e altamente fatal causada por sorotipos específicos de Pasteurella multocida. Acomete principalmente bovinos e bubalinos; acreditase que estes últimos sejam mais suscetíveis. A SH não é
observada com frequência em suínos e é menos comum em ovinos e caprinos. A doença já foi relatada em bisões, camelos, elefantes, equinos e asininos e há a evidência da sua ocorrência em iaques. Uma pasteurelose aguda indistinguível
da SH é raramente observada em cervos, alces e outros ruminantes selvagens. Coelhos e camundongos de laboratório são altamente suscetíveis à infecção experimental.
A SH é a principal doença de bovinos e bubalinos na Ásia, África e alguns países do sul da Europa e Oriente Médio. A doença causa grandes perdas econômicas devido à morbidade e mortalidade. Ela é classificada pelos países do sul e
do Sudeste Asiático como a doença contagiosa mais importante dos bovinos e bubalinos. Embora a SH possa ser observada em qualquer época do ano, as piores epidemias ocorrem durante a estação das chuvas. A SH é mais comum nos
vales de rios e deltas do Sudeste Asiático entre os búfalos utilizados no cultivo de arroz. Os únicos surtos verdadeiros na América do Norte ocorreram em bisões no Parque Nacional de Yellowstone em 1965. A ocorrência na América
Central e na América do Sul não foi confirmada.
ETIOLOGIA: A epidemia de SH é causada por um ou dois sorotipos de P. multocida, designadas de B:2 e E:2. O sorotipo E:2 apenas foi isolado na África; o sorotipo B:2 provoca a doença em outros lugares e também foi isolado de casos no
Egito e no Sudão. Os sorotipos antigenicamente relacionados com o sorotipo B:2 têm sido implicados em surtos da doença indistinguível da SH em cervos e alces. P. multocida é uma bactéria extracelular e a imunidade é principalmente
humoral.
TRANSMISSÃO, EPIDEMIOLOGIA E PATOGENIA: Os animais são infectados por meio do contato direto ou indireto. Acreditase que a fonte de infecção seja a saliva ou a secreção nasal de portadores assintomáticos ou de animais clinicamente
doentes. Cerca de 5% dos bovinos e bubalinos podem ser portadores do microrganismo nas regiões endêmicas.
Aventase a possibilidade de que os animais tornamse suscetíveis em decorrência de vários fatores de estresse, como a inanição observada nos bovinos e bubalinos no início da estação chuvosa. A infecção natural é adquirida pela
ingestão ou inalação. O local inicial da proliferação é supostamente a região das tonsilas. A endotoxina parece ser o principal fator de virulência responsável pelos sinais clínicos e óbito. Nos animais suscetíveis, uma sepse desenvolvese
rapidamente e a morte se dá dentro de 8 a 24 h após o desenvolvimento dos primeiros sinais. P. multocida do tipo B dos casos de SH produz hialuronidase, enquanto P. multocida do tipo E não produz. A importância desta enzima no
processo da doença não é conhecida. Exotoxinas não foram demonstradas nas cepas B e E.
A taxa de mortalidade é alta quando o agente é introduzido em regiões não afetadas ou não endêmicas. As perdas variam amplamente nas áreas endêmicas. As maiores perdas ocorrem durante as chuvas de monção no Sudeste Asiático e
acreditase que os microrganismos, que podem sobreviver durante horas e provavelmente dias em solos úmidos e água, são transmitidos extensamente neste período.
ACHADOS CLÍNICOS: Muitos casos são agudos ou hiperagudos, resultando em morte dentro de 8 a 24 h após o início. Como o curso é muito curto, os sinais clínicos podem ser facilmente negligenciados. Os animais inicialmente apresentam
apatia, seguida de relutância em se movimentar, salivação profusa e secreção nasal serosa. Inchaço edematoso é frequentemente observado, começando na região da traqueia e estendendose até a região parotídea, pescoço, peito e períneo.
As membranas mucosas apresentamse congestas. Há angústia respiratória e geralmente o animal se deita e morre dentro de horas. Alguns casos podem durar vários dias. A recuperação é rara. Aparentemente não há forma crônica.
Lesões: As alterações mais evidentes nos animais afetados são edema, celulite, hemorragias difusas e hiperemia geral. Acreditase que a coagulopatia induzida pela endotoxina juntamente com os danos nas células endoteliais são os
responsáveis pelas hemorragias observadas nos casos a campo de SH. Na maioria dos casos há inchaço edematoso na cabeça, pescoço e região do peito; uma incisão nestes inchaços revela um fluido seroso claro ou cor de palha. O edema
também é encontrado na musculatura e as hemorragias petequiais subserosas, que são encontradas por todo o animal, são características específicas. O fluido sanguinolento geralmente é encontrado no saco pericárdico e nas cavidades
torácica e abdominal. As hemorragias petequiais são particularmente proeminentes nos linfonodos faringianos e cervicais. As gastrenterites são observadas ocasionalmente e, ao contrário da pasteurelose pneumônica, a pneumonia
geralmente não é extensa.
DIAGNÓSTICO: Algumas características epidemiológicas e clínicas auxiliam no reconhecimento da SH. Históricos de surtos anteriores e falhas vacinais recentes possuem significado particular. Os casos esporádicos são mais difíceis de
diagnosticar clinicamente. A estação do ano, o curso rápido e alta incidência no rebanho, com febre e inchaço edematoso, indicam SH típica. As lesões de necropsia características ajudam no diagnóstico. Embora não seja difícil reconhecer
clinicamente surtos típicos, especialmente nas regiões endêmicas, salmonelose aguda, antraz, pasteurelose pneumônica e peste bovina devem ser considerados.
O diagnóstico presuntivo é baseado no isolamento de P. multocida do sangue e dos órgãos vitais do animal com sinais típicos. O diagnóstico definitivo depende da identificação do sorotipo B:2 (ou sorotipo estritamente relacionado) ou
E:2. Outros sorotipos causam várias infecções em bovinos e bubalinos, mas não a SH típica. O teste de proteção passiva em camundongos, utilizando soro de coelho imune a B:2 e E:2, é utilizado na Ásia e na África para identificar esses
sorotipos. Testes mais precisos, como hemaglutinação indireta, coaglutinação, contraimunoeletroforese e teste de imunodifusão, estão disponíveis em alguns laboratórios.
Se ocorrer decomposição pósmorte, o agente causal pode ser mascarado devido ao crescimento excessivo de outras bactérias. Nestes casos, a inoculação subcutânea de pequena quantidade de sangue e suspensão de tecidos em
camundongos ou coelhos facilita a recuperação da pasteurela em cultura pura ou quase pura.
Os testes sorológicos não possuem valor no diagnóstico. Entretanto, o teste de hemaglutinação indireta e o teste de proteção passiva em camundongos são válidos para a determinação do estado imune do animal.
TRATAMENTO E PREVENÇÃO: Várias sulfonamidas, tetraciclinas, penicilinas e cloranfenicol (onde o seu uso é permitido) são efetivos, se administrados precocemente. Em razão do curso rápido da doença e frequente dificuldade de acesso
ao animal, a terapia antimicrobiana geralmente não é muito praticável. Entretanto, é essencial que as concentrações bactericidas dos agentes antimicrobianos sejam alcançadas no sangue o mais rápido possível. Assim, a administração
inicial IV de medicamentos, seguida pela administração por via SC ou IM é recomendada. Embora a resistência a múltiplos antibióticos tenha sido relatada para algumas cepas de P. multocida, ela não foi descrita para os sorotipos da SH.
A principal forma de prevenção é por meio da vacinação. Três tipos de vacina são amplamente utilizadas: bacterina simples, bacterina precipitada com alumínio e bacterina com adjuvante oleoso. A mais efetiva é a bacterina com
adjuvante oleoso – uma dose protege por um período de 9 a 12 meses; ela deve ser administrada anualmente. A bacterina precipitada com alumínio é administrada em intervalos de 6 meses. Os anticorpos maternos interferem na eficácia da
vacina em bezerros. As vacinas com adjuvante oleoso não são populares devido à dificuldade de administração e reações teciduais adversas ocasionais. Uma vacina viva intranasal preparada com os sorotipos B:3,4 de cervos está sendo
utilizada no Sudeste Asiático, com relatos de sucesso. Tentativas para elucidar a imunidade de longa duração da vacina de P. multocida dependente de estreptomicina apresentaram resultados variáveis em bovinos e bubalinos.
Recentemente, uma vacina viva atenuada com P. multocida do tipo B administrada pela via IM parece proporcionar proteção adequada aos bezerros contra o desafio experimental. Os animais que sobrevivem à infecção natural geralmente
desenvolvem forte resposta imunológica à exposição futura de cepas homólogas e, frequentemente, heterólogas.
RISCO ZOONÓTICO: Os sorotipos de P. multocida que causam SH não foram isolados de infecções humanas. Entretanto, como muitos sorotipos de P. multocida têm potencial para infectar os seres humanos, precauções adequadas devem ser
tomadas.
SÍNDROME ARTRITEENCEFALITE CAPRINA
A infecção pelo vírus da artriteencefalite caprina (AEC) manifestase clinicamente como polisinoviteartrite em caprinos adultos e, ocasionalmente, como paresia progressiva (leucoencefalomielite) nos animais jovens. A pneumonia
subclínica ou clínica intersticial, a mastite endurativa (“úbere duro”) e a fraqueza crônica também são atribuídas à infecção por esse vírus. Entretanto, a maior parte das infecções pelo vírus da AEC é subclínica. A infecção pelo vírus da
AEC diminui a produtividade dos caprinos leiteiros e é uma barreira para a exportação de caprinos da América do Norte.
A infecção pelo vírus da AEC está difundida entre os caprinos leiteiros na maioria dos países industrializados, mas, raramente, é encontrada entre as raças de caprinos nativas dos países em desenvolvimento, a menos que esses animais
tenham tido contato com caprinos importados. Em países como Canadá, Noruega, Suíça, França e EUA, a soroprevalência do vírus da AEC é > 65%.
ETIOLOGIA, EPIDEMIOLOGIA E PATOGENIA: O vírus da AEC é um lentivírus envelopado, constituído por RNA de fita simples e pertencente à família Retroviridae. Há vários isolados geneticamente distintos do vírus que diferem no grau de
virulência.
Sob condições naturais, o vírus da AEC parece ser hospedeiroespecífico, porém, a infecção experimental de ovinos com este vírus é possível. O contato prolongado de ovinos saudáveis com caprinos infectados geralmente não resulta
em infecção ou soroconversão, mas, os cordeiros que mamam em cabras infectadas soroconvertem e desenvolvem infecção persistente. A inoculação experimental do vírus da AEC nas articulações de cordeiros produz artrite, soroconversão
e articulações víruspositivas.
A infecção por vírus da AEC está amplamente difundida nas raças de caprinos leiteiros, sendo incomum nos caprinos produtores de carne e lã. Isto pode ser atribuído à genética, práticas de manejo, como o fornecimento de colostro e
leite de uma fêmea para múltiplos cabritos, e práticas de pecuária industrial (p. ex., frequente introdução de novos animais no rebanho). A prevalência da infecção aumenta com a idade, mas não é influenciada pelo sexo. A maioria dos
caprinos é infectada em idade precoce, permanecendo soropositivos por toda a vida e desenvolvendo a doença meses a anos depois.
O principal meio de transmissão da AEC é através da ingestão do colostro ou leite de cabras infectadas com o vírus pelos cabritos. O fornecimento da mistura de leite ou colostro de várias fêmeas para os cabritos é uma prática de risco,
uma vez que poucos animais infectados disseminarão o vírus para um grande número de cabritos. A transmissão horizontal também contribui para a propagação da doença dentro dos rebanhos e pode ocorrer pelo contato direto, exposição a
fômites em cochos e bebedouros, ingestão de leite contaminado nas salas de ordenha ou uso seriado de agulhas e equipamentos contaminados com sangue. As formas incomuns de transmissão, indicadas por estudos experimentais, incluem
a transmissão intrauterina para o feto, a infecção do filhote durante o parto e a infecção através de acasalamento ou transferência de embrião.
A patogênese da AEC não está totalmente esclarecida. Os macrófagos do leite e do colostro infectados com o vírus são absorvidos intactos pela mucosa intestinal. A infecção é subsequentemente disseminada pelo corpo via células
mononucleares infectadas. A replicação viral periódica e a maturação dos macrófagos induzem a lesões linfoproliferativas características nos tecidos alvos, como pulmões, membrana sinovial, plexo coroide e úbere. A persistência do vírus
da AEC no hospedeiro é facilitada pela sua capacidade de ser sequestrado como provírus nas células do hospedeiro. A infecção induz uma forte resposta imune humoral e mediada por células, mas nenhuma é protetora.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos são observados em aproximadamente 20% dos caprinos infectados pelo vírus da CAE durante toda a sua vida. A manifestação mais comum da infecção é a polisinoviteartrite, que é principalmente
observada nos caprinos adultos, mas que também pode ocorrer em cabritos com 6 meses de idade. Os sinais da polisinoviteartrite incluem distensão da cápsula articular e vários graus de claudicação. As articulações do carpo são as mais
frequentemente envolvidas. O início da artrite pode ser súbito ou lento, mas o curso clínico sempre é progressivo. Os caprinos afetados perdem a condição corporal e geralmente têm poucos pelos. A encefalomielite geralmente é observada
nos cabritos com 2 a 4 meses de idade, mas já foi descrita em cabritos mais velhos e em caprinos adultos. Os cabritos afetados geralmente exibem fraqueza, ataxia e déficit de postura dos membros pélvicos. Hipertonia e hiperreflexia
também são comuns. Ao longo do tempo, os sinais progridem para paraparesia ou tetraparesia e paralisia. Depressão, inclinação da cabeça, andar em círculo, opistótono, torcicolo e movimentos de pedalagem também foram descritos. A
pneumonia intersticial devido à infecção pelo vírus da AEC raramente produz sinal clínico nos cabritos. Entretanto, em caprinos adultos com evidência sorológica de infecção pelo vírus da AEC, a pneumonia intersticial crônica, que leva a
dispneia progressiva, foi documentada. A síndrome do “úbere duro”, atribuída à infecção pelo vírus da AEC, é caracterizada por glândula mamária firme e inchada e agalactia no momento do parto. A qualidade do leite geralmente não é
afetada. Embora a glândula mamária possa amolecer e produzir de pouca até quantidades normais de leite, a produção permanece baixa em muitas cabras que apresentam mastite endurativa.
Lesões: As lesões patológicas da infecção pelo vírus da AEC geralmente são descritas como linfoproliferativas com infiltração degenerativa de células mononucleares. As lesões nas articulações são caracterizadas pelo espessamento da
cápsula articular e pela proliferação marcada das vilosidades sinoviais. Nos casos crônicos, a calcificação dos tecidos moles, envolvendo cápsulas articulares, bainhas dos tendões e bursa, não é incomum. Destruição grave da cartilagem,
ruptura dos ligamentos e tendões e formação de osteófitos periarticulares, também foram descritas em casos avançados. As características microscópicas das lesões articulares incluem hiperplasia das células sinoviais, infiltração subsinovial
de células mononucleares, hipertrofia de vilosidades, edema e necrose sinoviais. As lesões macroscópicas associadas à forma neurológica da AEC incluem áreas inchadas assimétricas e de coloração marrom avermelhada, principalmente
nos segmentos de medula espinal cervical e lombossacral. Histopatologicamente, essas lesões são caracterizadas por infiltrados inflamatórios multifocais de células mononucleares e vários graus de desmielinização. No exame
macroscópico, os pulmões dos caprinos afetados são firmes e de coloração rósea acinzentada com múltiplos focos brancos pequenos e sem colapso. Os linfonodos bronquiais estão invariavelmente aumentados. Os achados histológicos
incluem pneumonia intersticial crônica com infiltração de células mononucleares nos septos alveolares e nas regiões perivasculares e peribronquiais. Nas fêmeas com enduração do úbere, a infiltração mononuclear no estroma periductular
destrói o tecido da glândula mamária normal.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico presuntivo pode ser baseado nos sinais clínicos e no histórico. Artrite infecciosa causada por Mycoplasma spp e artrite traumática são diagnósticos diferenciais para artrite induzida pelo vírus da AEC. O
diagnóstico diferencial para a paresia progressiva e paralisia exibida pelos cabritos deve incluir ataxia enzoótica, abscesso na medula espinal, nematodíase cerebrospinal, traumatismo de medula espinal e anormalidades congênitas da
medula e coluna espinal. Se o exame neurológico indicar envolvimento cerebral, polioencefalomalacia, listeriose e raiva devem ser consideradas como possíveis causas. A forma pulmonar da linfadenite caseosa pode ter apresentação
clínica similar à da forma pulmonar da AEC em caprinos adultos.
Tanto o teste de imunodifusão em gel de ágar quanto o ELISA são considerados métodos confiáveis para o uso em programas de controle. O teste de imunodifusão em gel de ágar é relatado como mais específico, porém menos sensível
do que o ELISA. Um resultado de teste positivo em um caprino adulto sugere infecção, mas não confirma que os sinais clínicos sejam causados pelo vírus da AEC. Os cabritos infectados ao nascimento desenvolvem uma resposta de
anticorpos mensurável 4 a 10 semanas após a infecção. Entretanto, os testes positivos nos cabritos < 90 dias de idade geralmente refletem a transferência de anticorpos colostrais. Os testes negativos não descartam a infecção pelo vírus da
AEC, pois, o tempo de soroconversão pósinfecção é variável e, ocasionalmente, alguns caprinos possuem títulos muito baixos que podem não ser detectáveis. Baixos títulos de anticorpos são comuns no final da gestação. Devido às
limitações dos testes sorológicos, o diagnóstico definitivo da AEC requer a demonstração das lesões características nas amostras de biopsia ou à necropsia. O isolamento viral ou a PCR, para demonstrar a presença do antígeno viral nos
tecidos, podem ser utilizados posteriormente para comprovar o diagnóstico.
TRATAMENTO E CONTROLE: Não há tratamento específico para qualquer uma das síndromes clínicas associadas à infecção pelo vírus da AEC. Entretanto, os tratamentos de suporte podem beneficiar alguns caprinos. A condição dos
caprinos com polisinoviteartrite pode ser melhorada com o casqueamento regular, uso de cama adicional e administração de AINES, como a fenilbutazona ou o ácido acetilsalicílico. Os caprinos com encefalomielite podem ser mantidos
durante semanas com bons cuidados de enfermagem. A terapia antimicrobiana é indicada para o tratamento de infecções bacterianas secundárias que podem complicar a pneumonia intersticial ou a mastite endurativa devido à infecção pelo
vírus da CAE. A provisão de alimentos de alta qualidade e de rápida digestibilidade para os caprinos positivos para o vírus da AEC pode retardar o início da síndrome de emaciação.
Nos rebanhos comerciais, um ou mais dos seguintes itens são recomendados para o controle da AEC: (1) isolamento permanente dos recémnascidos desde o nascimento; (2) fornecimento de colostro tratado termicamente (45°C por 60
min) e leite pasteurizado; (3) testes sorológicos frequentes do rebanho (semestralmente), com identificação e segregação dos caprinos soronegativos e soropositivos; e (4) eventual descarte dos caprinos soropositivos. Se o programa de
controle incluir a segregação do rebanho em grupos soronegativos e soropositivos, os grupos devem ser separados por uma distância mínima de 1,8m e os equipamentos compartilhados devem ser desinfetados com compostos fenólicos ou
de amônia quaternária.
DOENÇA DE GLÄSSER (Polisserosite suína, Poliartrite infecciosa)
Suínos podem ser infectados por diferentes microrganismos antes dos desmame, mas alguns destes microrganismos são potencialmente patogênicos. Esse é o caso de Haemophilus parasuis, um microrganismo comensal do trato respiratório
superior de suínos que causa doença sistêmica grave caracterizada por polisserosite fibrinosa, artrite e meningite. A doença causada por H. parasuis surge repentinamente, seu curso é breve e ocasiona altas taxas de mortalidade e
morbidade. Os animais jovens (4 a 8 semanas de idade) são os mais suscetíveis, embora doença esporádica possa ser observada em adultos (p. ex., introdução de animais adultos suscetíveis em um rebanho normal). Sobreviventes podem
desenvolver fibrose grave nas cavidades abdominal e torácica, que pode resultar em menor taxa de crescimento e condenação da carcaça no abatedouro. A doença de Glässer é cosmopolita e sua incidência parece que aumentou a partir da
introdução da síndrome respiratória e reprodutiva, em suínos (ver p. 818).
ETIOLOGIA: O agente etiológico, H. parasuis, é uma pequena, bactéria Gramnegativa pleomórfica da família Pasteurellaceae que requer a suplementação com fator V (NAD), mas não o fator X (hemina) para crescimento. No
laboratório, H. parasuis cresce no ágar chocolate enriquecido; pode também ser cultivada em ágarsangue com colônia satélite de Staphylococcus. Entretanto, H. parasuius é fastidioso e seu isolamento em cultura pura de animais doentes
normalmente é difícil e frequentemente complicada devido ao tratamento com antibióticos. Foram relatados 15 sorovares de H. parasuis, porém alta porcentagem de isolados avaliados não foi tipificado. Há relato de ampla diferença na
virulência dos sorovares. Sorovares 1, 2, 4, 5, 12, 13, 14 e alguns isolados não tipificados são normalmente isolados no caso de doença sistêmica, enquanto sorovar 3 e outros isolados não tipificados são frequentemente isolados do trato
respiratório superior. Os fatores envolvidos na invasão sistêmica pelo H. parasuis são ainda desconhecidos. Além disso, a correlação entre sorovar e virulência não é clara, e cepas pertencentes ao mesmo sorovar podem variar quanto à
virulência. Sorotipagem tem sido também utilizada como base para estabelecimento de critério de vacinação, mas a proteção cruzada entre os diferentes sorovares é variável e difícil de prever. Portanto, métodos atuais de identificação e
caracterização de H. parasuis são principalmente a genotipagem (métodos de sequenciamento ou fingerprint).
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos são observados principalmente em suínos com 4 a 8 semanas de idade, embora a idade dos animais infectados possa variar, dependendo da imunidade materna adquirida.
A doença hiperaguda tem curso breve e pode ocasionar morte súbita sem lesões macroscópicas características; nesses casos podese notar petéquia em alguns órgãos, indicando septicepmia.
Os sinais clínicos típicos de doença de Glässer aguda incluem febre alta (41,5°C), tosse intensa, respiração abdominal, inchaços articulares e sinais do SNC como decúbito lateral, movimentos de pedalagem e tremores. Esses sinais
podem apresentarse isolados ou em conjunto. Em animais com doença crônica pode haver redução da taxa de crescimento em consequência de fibrose grave nas cavidades torácica e peritoneal.
Relatase dispneia e tosse não normalmente associadas à doença de Glässer, juntamente com isolamento de H. parasuis de pulmões de suínos com broncopneumonia catarral purulenta e mesmo pneumonia fibrinohemorrágica.
Lesões: Doença hiperaguda pode causar petéquias em alguns tecidos, não sendo observadas lesões macroscópicas. Histologicamente, esses suínos apresentam lesões microscópicas semelhantes a sepse, como CID e microhemorragias.
Aumento do fluido nas cavidades torácica e abdominal, sem a presença de fibrina, pode também ser notado em casos hiperagudo.
As infecções sistêmicas são caracterizadas pelo desenvolvimento de polisserosite fibrinosa, artrite e meningite. O exsudato fibrinoso pode ser observado na pleura, pericárdio, peritônio, sinóvia e meninges, sendo geralmente
acompanhado de aumento da quantidade de fluido. A pleurite fibrinosa pode ser acompanhada de consolidação anteroventral (broncopneumonia catarral purulenta). Ausência de lesões macroscópicas características é também comum em
suínos que apresentam sinais de SNC. Os animais com doença crônica geralmente têm fibrose grave na pleura e pericárdio, que pode ou não ser notada na cavidade peritoneal.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico se baseia na constatação de lesões e sinais clínicos característicos, juntamente com a detecção de H. parasuis em suínos infectados, mediante isolamento ou método molecular, como PCR.
Como os métodos de diagnóstico atuais não diferenciam isolados virulentos e não virulentos, é importante obter amostra apenas de sítios sistêmicos, como pleura, pericárdio, peritônio, articulações e cérebro. O isolamento de H.
parasuis do trato respiratório superior não é relevante para o diagnóstico de infecção sistêmica. A obtenção de amostras coletadas de animais clinicamente acometidos que foram submetidos à eutanásia aumenta as chances de isolamento.
Os diagnósticos diferenciais de doença de Glässer incluem infecções por Streptococcus suis, Escherichia coli septicêmica, Actinobacillus suis, Mycoplasma hyorhinis, Erysipselothrix rhusiopathiae e Salmonella choleraesuis.
TRATAMENTO E CONTROLE: H. parasuis é um dos poucos microrganismos Gram–negativos que pode ser tratado efetivamente com penicilina sintética. Outros antimicrobianos que são utilizados incluem ceftiofur, ampicilina, enrofloxacino,
eritromicina, tiamulina, tilmicosina, florfenicol e sulfonamidas potencializadas. Os tratamentos individuais devem ser administrados por via parenteral para se obter efeito significativo, e todos os suínos do grupo infectado (não apenas
aqueles que apresentam sinais clínicos) devem ser tratados. O tratamento preventivo pode ser fornecido por meio da água ou alimentos com a medicação. Tanto as vacinas comerciais como as autógenas podem ser utilizadas no controle da
infecção por H. parasuis, embora sua eficácia seja variável. A ampla variação de sorovares e genótipos potencialmente patogênicos tem impedido o desenvolvimento de uma vacina universal para H. parasuis. A proteção homóloga entre os
isolados do mesmo grupo de sorovar é relativamente satisfatória, enquanto a proteção heteróloga é restrita a alguns sorovares.
Em um futuro próximo, estudos de genotipagem e genômicos devem auxiliar a determinar a imunidade cruzada entre cepas, identificar linhagens de clones e genes virulentos e auxiliar no desenvolvimento de métodos de controle da
doença mais confiáveis.
DOENÇA DO EDEMA (Enterotoxemia por Escherichia coli)
A doença do edema é uma toxemia hiperaguda causada por patógenos específicos de Escherichia coli, que acomete principalmente suínos lactentes em fase de crescimento rápido. Outros termos utilizados para designar a doença incluem
“edema intestinal” ou “edema visceral”, em razão do edema marcante de submucosa do estômago e do mesocólon.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: A doença do edema é causada por E. coli hemolítica, que produz pili F18 e a toxina Shiga 2e (Stx2e, também conhecida como verotoxina 2e ou VT2e). O pili F18 possui duas variantes antigênicas, F18ab e
F18ac; F18ab possui características da doença do edema e o F18ac está associado principalmente E. coli enterotoxigênica. E. coli produtora de toxina Shiga está associada à doença do edema e comumente pertence a quatro sorotipos
específicos: O138:K81:NM, O139:K12:H1, O141:K85a,b:H4 e O141:K85ac:H4. Entretanto, outros sorotipos de E. coli podem ser implicados e cepas do soro–grupo O147 tem sido dominante em partes dos EUA nos últimos anos. Essas
cepas O147 tipicamente contêm flagelo H17, mas alguns têm H14 ou H19.
Os suínos se infectam inicialmente pelo ambiente contaminado ou por meio da porca. A disseminação da infecção entre animais confinados é facilitada pela grande quantidade de E. coli patogênica excretada por suínos infectados.
Algumas cepas de E. coli que causam doença do edema também carreiam genes para enterotoxinas e podem causar diarreia, além de doença do edema. A ingestão de cepas de E. coli causadoras da doença do edema é seguida de
colonização do intestino de suínos, onde as células do epitélio intestinal apresentam receptores para o pili F18. A expressão dos receptores está relacionada com a idade; assim, suínos jovens são menos suscetíveis à colonização do que os
animais idosos. Alguns suínos transmitem uma mutação específica em um gene necessário para a expressão dos receptores e, portanto, são resistentes à infecção.
A resistência/suscetibilidade é determinada por um único locus com o alelo de suscetibilidade dominante e um alelo resistente recessivo; com isso é possível a seleção de animais resistentes, que podem ser identificados por um simples
teste PCR que identifica a presença ou ausência da mutação específica. Há certa preocupação sobre a seleção para resistência a E. coli F18+ devido a associação muito alta entre a presença do marcador para resistência a E. coli F18+ e a
presença do marcador de suscetibilidade a estresse, verificada em suínos da raça Landrace Suíço. Entretanto, essa associação não foi constatada em suínos da raça Belga.
A toxina Shiga 2e, produzida no intestino de suínos infectados é responsável pela maioria dos sinais clínicos e lesões observadas. Essa citotoxina inibe a síntese proteica, ocasionando à morte celular. A toxina é absorvida no intestino e
alcança o endotélio vascular em locais específicos que supostamente possuem altas concentrações do receptor da toxina globotetraosil ceramida. Estudo recente mostrou que as cepas de E. coli que causam doença do edema podem
colonizar os linfonodos mesentéricos e ai produzir Stx2e. este pode ser um sitio adicional de absorção da toxina na corrente sanguínea. A toxina Stx2e ligase prontamente as hemácias do suíno, as quais podem transportar a toxina para
vários locais do organismo. Locais que são altamente suscetíveis à toxina incluem a submucosa do estômago, o mesentério do cólon, tecidos cutâneos da fronte e das pálpebras, laringe e cérebro. As lesões no endotélio vascular resultam em
edema, hemorragia, coagulação intravascular e microtrombose.
Dietas com alto teor de proteínas aumentam a suscetibilidade dos suínos à doença. Os fatores associados ao desmame, inclusive o estresse ao misturar suínos, mudanças na dieta e perda de anticorpos do leite a partir do intestino, parecem
ser elementos importantes na exacerbação da suscetibilidade de suínos desmamados à doença.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos variam desde morte hiperaguda, com ausência de sintomas, até envolvimento do SNC com ataxia, paralisia e decúbito. A doença do edema geralmente ocorre 1 a 2 semanas após o desmame e
tipicamente envolve os animais mais saudáveis no grupo. A doença é observada ocasionalmente em leitões lactentes ou adultos. A taxa média de morbidade varia de 30 a 40% e a taxa de mortalidade em animais infectados frequentemente é
superior a 90%. É comum a ocorrência de edema periocular, tumefação da fronte e da região submandibular, dispneia e anorexia.
Lesões: A doença do edema é principalmente uma enfermidade vascular e as lesões macroscópicas consistem de edema subcutâneo e edema da submucosa do estômago, particularmente na região glandular da cárdia. O fluido do edema
geralmente é gelatinoso e pode se estender até o mesocólon. O edema pode ser acompanhado de hemorragia. Filamentos de fibrina podem ser encontrados na cavidade peritoneal e é possível notar fluido seroso em ambas as cavidades,
pleural e peritoneal. Microscopicamente, notase angiopatia degenerativa em artérias e arteríolas e necrose das células dos músculos lisos da túnica média. As lesões de encefalomalácia focal no tronco cerebral são características e acredita
se que sejam decorrências da lesão vascular, ocasionando edema e isquemia.
DIAGNÓSTICO: O histórico clínico de morte hiperaguda de animais saudáveis, bemcondicionados e recémdesmamados, juntamente com a constatação de edema periocular e extenso edema do estômago e mesocólon são úteis no
diagnóstico. É possível notar um guincho característico devido do edema de laringe. Diarreia pode preceder os sinais da doença do edema quando a E. coli responsável também contém genes para enterotoxinas. Tipicamente, o estômago se
apresenta repleto de alimentos secos. O diagnóstico é facilmente estabelecido no caso de surto, no qual é possível notar ampla variação e sinais clínicos e lesões,. O diagnóstico é mais difícil quando apenas alguns animais são infectados ou
quando a doença se manifesta em um grupo etário atípico. O isolamento e a caracterização da E. coli são necessários para o diagnóstico definitivo. A cultura de intestino delgado e de cólon tipicamente mostra um grande crescimento de E.
coli hemolítica, mas em alguns casos o microrganismo pode já não estar presente no intestino no momento da morte. É possível demonstrar que E. coli hemolítica isolada é causadora de doença do edema por meio de PCR com amplificação
dos genes para pili F18 e Stx2e. A sorotipagem do isolado auxilia no rastreamento da persistência de um tipo específico de agente em uma propriedade. No entanto, pili F18 não é rapidamente expresso in vitro e pode não ser detectado nos
microrganismos submetidos a culturas de rotina.
TRATAMENTO E CONTROLE: Em razão de início súbito e curso rápido da doença, o tratamento geralmente é ineficaz. Podese adicionar medicamento na agua de beber para proteger suínos assintomáticos em um rebanho no qual foram
detectados casos da doença. Devese determinar a sensibilidade antimicrobiana da bactéria isolada de um suíno doente; devese substituir a medicação caso não seja efetiva. O controle também é difícil. Várias abordagens experimentais se
mostraram efetivas, mas nenhuma até agora é econômica. Esses métodos incluem alimentação com alto teor de fibras e dieta com baixo teor de proteína, redução da quantidade de alimento fornecidos aos suínos desmamados, vacinação por
via sistêmica com toxoide Stx2e, vacinação oral com E. coli não toxigênica com F18+, imunização sistêmica passiva com antitoxina e imunização oral passiva com anticorpos antiF18. Imunização via mucosa com fímbrias de F18
purificadas tem sido pesquisado, mas mostrouse inefetiva, possivelmente porque a porção da fímbria de F18 que se liga ao intestino é uma fração pequena da estrutura fimbrial total. Recentemente, proteção incompleta foi relatada após a
vacinação de suínos com a porção receptora da fímbria F18 conjugada com a fímbria F4.
DOENÇA VESICULAR SUÍNA
A doença vesicular suína (DVS) é tipicamente uma doença transitória dos suínos na qual aparecem lesões vesiculares nos pés, focinho e boca. As lesões não causam graves perdas na produção e os surtos recentes da infecção foram
principalmente subclínicos. Entretanto, a infecção é de grande importância econômica, pois deve ser diferenciada da febre aftosa. Além disso, sua erradicação é cara e embargos à exportação de suínos e produtos de origem suína muitas
vezes são impostas aos países não livres da DVS.
Embora já tenha ocorrido a infecção em trabalhadores de laboratório e o vírus possa estar presente em ovinos e bovinos, supõese que os suínos sejam os únicos hospedeiros naturais. A doença foi identificada pela primeira vez na Itália
em 1966 e, subsequentemente, em Hong Kong, Japão, Tailândia e outros 16 países da Europa. Embora o vírus da DVS tenha sido erradicado no Japão em meados da década de 1970 e na maioria dos países europeus em meados da década
de 1980, ele ainda mantevese endêmico na Itália e causou surtos esporádicos da doença em outros países europeus durante a década de 1990 e em Portugal nos anos de 2003, 2004 e 2007.
ETIOLOGIA: O agente causal é um enterovírus da família Picornaviridae. Ele pertence à espécie de enterovírus B humano e acreditase ter evoluído do vírus Coxsackie B5 humano, com o qual tem estreitas relações antigênica e genética.
Há apenas um sorotipo do vírus DVS, embora os isolados possam ser diferenciados pelo tipo antigênico e genético e podem diferir na virulência. O vírus da DVS é transmitido pelo contato direto ou indireto, ou pela ingestão de suínos e de
produtos de origem suína infectados. A infecção ocorre pela via oral ou por meio de abrasões na pele, podendo ocasionar viremia, eliminação viral pelas fezes e vesículas generalizadas cuja ruptura libera grandes quantidades do vírus.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sinais primários são lesões vesiculares recentes ou cicatrizadas, nos pés, especialmente na coroa do casco, e em outras áreas como boca, lábios e focinho. As lesões podem ser leves ou inaparentes,
especialmente quando os suínos são mantidos sobre pisos macios. As lesões são similares às da febre aftosa (p. 670), do exantema vesicular em suínos (p. 805) e da estomatite vesicular (p. 668), contudo, os suínos afetados não perdem a
condição e as lesões cicatrizamse rapidamente. Sinais nervosos têm sido descritos, mas raramente observados a campo.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico é confirmado pelos testes laboratoriais de amostras de epitélio, de fezes ou de soro. A detecção viral é feita pela pesquisa de antígenos por meio de ELISA, pelo isolamento viral ou pela RTPCR. A sorologia é
feita pela detecção de anticorpos por ELISA ou pelo teste de vírus neutralização.
CONTROLE: Os países livres da doença podem permanecer assim pelo controle da importação de suínos e dos produtos de origem suína ou assegurando que os produtos de origem suína sejam tratados (por calor ou outro meio) para matar o
vírus. A alimentação dos suínos com restos de alimentos deve ser proibida ou regulada para assegurar um cozimento adequado. Qualquer suspeita de surto deve ser relatada às autoridades competentes. Caso a doença apareça, o controle é
feito por meio de medidas zoosanitárias, inclusive as restrições na movimentação dos suínos. Não há vacina comercialmente disponível. Rigorosa vigilância sorológica é necessária para detectar infecções subclínicas nos rebanhos e os
rebanhos sororreagentes devem ser submetidos à inspeção clínica e testes de eliminação viral. O vírus permanece infectante por longos períodos; por isso, a desinfecção das instalações, dos caminhões e equipamentos deve ser completa. Os
desinfetantes mais efetivos são os álcalis fortes, embora os hipocloritos ou iodóforos contendo ácido possam ser utilizados quando não houver a presença de material orgânico.
DOENÇAS CAUSADAS POR CIRCOVÍRUS SUÍNO (Síndrome da caquexia multissistêmica pósdesmame, Síndrome dermatológica e
nefropática suína)
Um novo contaminante de célula de rim de suínos da linhagem PK15 (ATCCCCL33), não citopatogênico, semelhante a picornavírus, foi descrito em 1974. Mais tarde, mostrou–se que esse microrganismo era um vírus sem envelope
pequeno, contendo DNA circular com filamento único; esse agente foi denominado circovírus suíno (CVS). Relatase que há ampla ocorrência de anticorpos contra CVS em suínos e que a infecção experimental com esse vírus em suínos
não resultaram em doença clínica, sugerindo que o CVS não é patogênico.
Uma nova doença foi descrita no oeste do Canadá no início e a metade dos anos 1990. A etiologia era desconhecida e a enfermidade foi denominada síndrome da caquexia multissistêmica pósdesmame (SCMPD). Os suínos acometidos,
principalmente aqueles recémnascidos, apresentavam, em especial, baixa taxa de crescimento, doença debilitante e/ou caquexia; o exame histopatológico era caracterizado por lesões inflamatórias sistêmicas. No final dos anos 1990, foi
isolado um vírus aparentemente novo semelhante ao CVS de suínos com SCMPD. O novo vírus era antigenicamente e geneticamente distinto do contaminante CVS de culturas de células PK15. Subsequentemente, o CVS isolado de suínos
doentes foram denominados circovírus suíno tipo 2 (CVS2) e o CVS original de culturas de células PK15 como circovírus suíno tipo 1.
O CVS2 foi posteriormente associado a várias síndromes em suínos. Portanto, a terminologia das doenças causadas por circovírus suíno (DCVS) foi proposta coletivamente como SCMPD (também conhecida como doenças associadas ao
CVS [DACVS], na América do Norte), falha reprodutiva associada ao CVS2, síndrome dermatológica e nefropática suína e pneumonia proliferativa e necrosante. Tremor congênito tipo AII foi também considerado como uma potencial
DCVS, mas a maioria dos dados disponíveis não sustenta essa afirmação. Apenas SCMPD é considerada causa de impacto relevante na produção mundial de suínos, mas a introdução de vacinas eficientes no mercado tem melhorado muito
as consequências da doença.
SCMPD é considerada uma doença multifatorial em que o CVS2 é o principal microrganismo infeccioso. O CVS2 deve, também, ser incluído na lista de diagnósticos diferenciais de agentes que causam problemas reprodutivos. Embora a
síndrome dermatológica e nefropática suína seja considerada uma DCVS, a confirmação de CVS2 bem como o antígeno relacionado com essa doença imune é falha. O complexo doença respiratória suína e pneumonia proliferativa e
necrosante também são condições clínicas e patológicas multifatoriais, respectivamente, e suas ocorrências podem ser concomitantes com infecções por CVS2 e/ou SCMPD.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: Os circovírus são pequenos (17 a 22 nm em diâmetro), sem envelopes e com um único filamento de DNA circular. Há dois tipos de circovírus suíno, embora apenas CVS2 seja considerado patogênico.
Recentemente, estudos filogenéticos mostraram que existem pelo menos três genótipos de CVS2 (CVS2a, b e c). Estudos recentes sugerem que uma alteração de genótipo (de a para b; CVS2c, foi detectado na Dinamarca durante os anos de
1980), coincidindo com importantes surtos de SCMPD na América do Norte, Japão e alguns países da Europa. Não está claro se há diferença na patogenecidade entre ou dentro dos genótipos CVS2.
Pesquisas sorológicas mostram que o CVS2 está disseminado em suínos, independente da prevalência de SCMPD na fazenda. Resultados de estudos sorológicos retrospectivos indicam que o CVS2 tem infectado suínos por mais de 5
décadas.
Inicialmente, SCMPD foi identificada em grupos saudáveis que estavam livres da maioria dos patógenos suínos comuns. Entretanto, em condições de campo, suínos que mostram sinais clínicos de SCMPD normalmente são infectados
com agentes múltiplos, inclusive parvovírus suíno, vírus da síndrome respiratória e reprodutiva suína, Actinobacillus pleuropneumoniae, Pasteurella multocida, Haemophilus parasuis, Staphylococcus spp e Streptococcus spp.
Várias tentativas de reprodução experimental de SCMPD foram publicadas. Algumas tentativas recentes (utilizando tecidos homogeneizados de suínos com SCMPD ou isolado de CVS2) reproduziram lesões histológicas semelhantes à
SCMPD, mas não a condição de caquexia. Entretanto, estudos ocasionais subsequentes reproduziram a doença clínica, bem como lesões compatíveis com SCMPD, utilizando presumivelmente, apenas CVS2, como inóculo.
Consequentemente, sugeriuse que a infecção por CVS2, ligada a outros cofatores, foi necessária para o desenvolvimento consistente completo da doença clínica. Atualmente, parece que vários fatores, como idade e origem dos suínos,
condições ambientais, genética, natureza do inóculo de CVS2 utilizado e o estado imunológico do suíno no momento da infecção por CVS2 têm participação relevante na reprodução experimental consistente da doença. Na verdade, o
modelo mais consistente e de alta repetibilidade de SCMPD tem sido obtido utilizando cofatores infecciosos e não infecciosos como desencadeantes. O mecanismo pelos quais outros vírus ou a imunoestimulação pode desencadear caquexia
em suínos infectados com CVS2 ainda é desconhecido. Altas cargas de CVS2 no sangue, linfonodos e outros tecidos e em vias de excreção potenciais são associadas à manifestação da doença.
Quando a doença multissistêmica e a caquexia são evidentes, a lesão ao sistema imune é a principal característica, sugerindo que os suínos acometidos apresentam imunodeficiência adquirida. Depleção de linfócitos em tecidos linfoides,
alterações de subpopulações de células mononucleares no sangue periférico e o padrão alterado da expressão de citocinas têm sido demonstrados em suínos com SCMPD natural e experimental.
A identificação das células que sustentam a replicação do CVS2 é ainda controversa. A grande quantidade de antígenos do vírus CVS2 presente em macrófagos e em células dendríticas de suínos acometidos parece ser decorrência do
acúmulo de partículas virais. Entretanto, as células epiteliais e endoteliais parecem ser o alvo principal para replicação do CVS2, bem como um pequeno número de macrófagos e linfonodos.
Muito pouco é conhecido sobre a patogênese de outras doenças clínicas associadas à infecção por CVS2. O CVS2 é capaz de replicar em fetos, bem como em embriões livre de zona pelúcida. Além disso, um experimento com embriões
expostos ao CVS2 e então transferidos a porcas receptoras sugeriu que a infecção pode ocasionar morte embrionária. Transmissão transplacentária de CVS2 foi demonstrada. Entretanto, estudos utilizando porcas prenhes inoculadas por via
intranasal mostraram resultados variados.
A síndrome dermatológica e nefropática suína é considerada uma reação de hipersensibilidade tipo III, na qual o antígeno presente no complexo imune é desconhecido. Temse aventado a possibilidade de que o CVS2 pode ser o
antígeno, mas não há prova definitiva indicando que o CVS2 causa lesões da síndrome dermatológica e nefropática suína. Há evidências indiretas, como título de anticorpos séricos contra CVS2 significativamente alto nos suínos
acometidos, em comparação com suínos saudáveis e com suínos com SCMPD.
EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: O CVS2 é considerado um vírus onipresente nos países que apresentam ou não a doença causada por circovírus suíno (inclusive SCMPD). Infecção pelo CVS2 e SCMPD também foi descrita em javalis.
A doença é cosmopolita.
A transmissão pode ser por contato direto com suínos infectados. CVS2 tem sido detectado em quase todas as vias de excreção potenciais, como secreções nasal, ocular e brônquico; saliva; urina; e fezes. O vírus pode ser encontrado no
sêmen, mas a relevância prática disso é desconhecida. Inseminação artificial de fêmeas com sêmen infectado por CVS2 tem mostrado resultados contraditórios; alguns estudos sugerem a possibilidade de problemas reprodutivos associados.
Embora sem comprovação, considerase que o contato com fômites contaminados, a exposição a alimentos ou produtos biológicos contaminados, o uso múltiplo de agulhas hipodérmicas ou a picada de insetos pode desempenhar um papel
na transmissão.
O CVS2 pode persistir no suíno por vários meses, em condições experimentais e a campo. Suínos convalescentes podem albergar o vírus por longo tempo, representando importante fator na transmissão da doença. O CVS2 é
razoavelmente resistente aos desinfetantes utilizados comumente e à radiação; provavelmente, caso não se adotem medidas sanitárias rigorosas ocorre acúmulo do vírus no ambiente e infecção de novos grupos de suínos suscetíveis. O
declínio do título de anticorpo colostral em suínos está associado a início de SCMPD em leitões novos ou em suínos em fase de terminação. Há relato de infecção transplacentária por CVS2, mas isso não se sabe se porcas com infecção
uterina são capazes de transmitir a infecção ou se, alternativamente, desenvolvem SCMPD clínica subsequente.
Alguns relatos sugerem que outros animais, além de suínos, podem ser infectados com CVS2 ou com vírus semelhante ao CVS. Entretanto, resultados de estudos sorológicos para pesquisa de anticorpos contra CVS em bovinos e outros
animais d e produção são contraditórios e a indução experimental da doença com CVS1 ou CVS2 em animais pecuários, além de suínos, não têm mostrado sucesso.
ACHADOS CLÍNICOS: Com frequência, em unidades de engorda ocorre doença multissistêmica com perda de peso, em suínos com 8 a 18 semanas de idade, embora a doença possa também acometer suínos mais velhos ou mais jovens.
Tipicamente, a taxa de morbidade varia de 5 a 20% entre grupos de leitões mais velhos ou em fase de terminação. Ocasionalmente, a taxa de mortalidade em suínos com sintomas de SCMPD pode ser > 50%. Além de perda por morte, a
ocorrência de SCMPD em suínos em fase de terminação pode causar aumento substancial no tempo necessário para atingir o peso de mercado, resultando em perda econômica ao produtor. Retardo no crescimento, caquexia e dispneia são
os sinais clínicos mais frequentemente verificados nos surtos. Palidez, anemia, icterícia, diarreia e linfadenopatia inguinal palpável também são notadas em alguns suínos afetados. É possível notar febre baixa (40 a 41°C) que dura vários
dias. Superlotação, baixa qualidade do ar, troca de ar insuficiente e mistura de grupos etários diferentes parecem exacerbar o curso da doença. Normalmente, apenas alguns poucos suínos do grupo exibem caquexia. O início da doença pode
ser agudo, ocasionando morte dentro de poucos dias, em alguns suínos. Outros suínos manifestam uma doença mais crônica e não ganham peso ou crescem.
Falhas reprodutivas caracterizadas por abortos tardios e natimortos, na ausência ou presença de outros patógenos de trato reprodutivo bem conhecidos, parecem ser a característica da infecção clínica pelo CVS2, em suínos. Muitas dessas
anormalidades foram descritas na América do Norte e normalmente ocorrem em grupos de suínos em fase de crescimento. Com base em dados experimentais, sugerese que o retorno ao cio se deve à morte embrionária decorrente de
infecção intrauterina pelo CVS2. Entretanto, não há dados a campo sobre essa ocorrência.
Síndrome dermatológica e nefropática suína pode afetar filhotes e suínos em crescimento e, esporadicamente, animais adultos. A prevalência da síndrome em grupos acometidos é relativamente baixa (< 1%), embora haja relato ocasional
de alta prevalência (> 20%). Suínos com doença aguda grave morrem dentro de poucos dias após o início de sinais clínicos, devido à insuficiência renal aguda, com aumento significante dos teores séricos de creatinina e ureia. Suínos
sobreviventes tendem a recuperar e ganhar peso em 7 a 10 dias após o início da síndrome. Suínos acometidos manifestam anorexia, depressão, prostração, andar rígido e/ou relutância em se movimentar, bem como temperatura normal ou
febre discreta. Os sinais clínicos mais óbvios na fase aguda é a presença de pápulas e máculas vermelhas a roxas irregulares na pele dos membros pélvicos e região perineal, embora a distribuição pode ser generalizada em animais
gravemente acometidos. Com o tempo, as lesões se tornam recobertas por crostas escuras e gradualmente desaparecem (normalmente em 2 a 3 semanas), às vezes deixando cicatrizes.
Lesões: SCMPD é diagnosticada com base nas características histopatológicas verificadas nos suínos acometidos. Macroscopicamente, os linfonodos podem estar substancialmente aumentados e pálidos ao corte, o timo apresenta atrofia e as
tonsilas são mais delgadas que o normal. Infarto esplênico também pode ser notado em pequeno número de suínos com SCMPD. Histopatologicamente, as lesões linfoides são características, com depleção linfocítica e inflamação
granulomatosa, às vezes com células gigantes multinucleadas e corpúsculos de inclusão intracitoplasmáticos botrioides anfofílicos de diferentes tamanhos, causados por acúmulo de partículas de CVS2.
Lesões no pulmão são comuns em suínos afetados; a gravidade é influenciada pela duração da doença e presença de infecções concomitantes. Lesões pulmonares macroscópicas podem incluir desde insuficiência até colapso,
endurecimento, edema pulmonar difuso, mosqueamento e consolidação. Microscopicamente, pode ser notado grau variável de pneumonia intersticial linfohistiocítica à pneumonia brônquica granulomatosa com bronquiólise e fibrose
bronquiolar.
Macroscopicamente, o fígado pode parecer ictérico e/ou atrofiado em pequeno número de suínos afetados. Tecido conectivo interlobular pode ser proeminente. As lesões microscópicas variam desde uma necrose celular única (apoptose),
com discreta infiltração linfocítica nas zonas portais, até extensa hepatite linfohistiocítica periporta com necrose difusa de hepatócitos. Os rins podem estar aumentados e mostram focos esbranquiçados dispersos ou difusos na superfície
cortical. As lesões microscópicas incluem infiltração linfohistiocítica intersticial. Outras lesões notadas nos suínos acometidos incluem úlcera gástrica (provavelmente devido, em parte, ao período de fixação prolongado em suínos com
doença crônica) e miocardite linfohistiocítica multifocal. Em suínos gravemente afetados, pode ser constatado infiltrado linfohistiocítico praticamente em todos os tecidos.
Há poucos relatos de lesões em tecidos reprodutivos causadas pela infecção por CVS2. Relatamse que os natimortos e os leitões recémnascidos não viáveis apresentam congestão passiva crônica do fígado e hipertrofia cardíaca com
áreas multifocais de manchas no miocárdio. A característica histopatológica principal é fibrose e/ou necrose do miocárdio em fetos.
A síndrome dermatológica e nefropática suína é fácil de detectar do ponto de vista clínico, em razão da presença das pápulas e máculas vermelhas a pretas, as quais correspondem microscopicamente à necrose e hemorragia secundária à
necrose de capilares e arteríolas da derme e da hipoderme. Vasculite necrosante é uma característica sistêmica, porém mais evidente na pele, na pelve renal, no mesentério e no baço (também pode ocorrer infarto esplênico como decorrência
de vasculite necrosante de artérias e arteríolas esplênicas). À parte de lesões cutâneas, os suínos que morrem subitamente devido à síndrome dermatológica e nefropática suína têm rins firmes e aumentados bilateralmente, com uma camada
cortical granular fina e edema na pelve renal. O córtex renal apresenta lesões pequenas múltiplas na forma de pontos avermelhados, similares a petéquias hemorrágicas, os quais microscopicamente correspondem a glomérulos aumentados e
inflamados (glomerulopatia fibronecrosante). Histologicamente, também notase nefrite intersticial não purulenta moderada a grave, com dilatação de túbulos renais. Normalmente, ambas as lesões, renais e cutâneas, são verificadas;
todavia, em alguns casos as lesões de pele e as lesões renais podem ocorrer sozinhas. Os linfonodos podem estar aumentados e avermelhados devido à drenagem de sangue de áreas hemorrágicas (principalmente a pele). No exame
histopatológico normalmente constatamse lesões semelhantes à SCMPD, como depleção de linfócitos e infiltração de histiócitos e/ou de células gigantes multinucleadas (embora menos grave) em tecidos linfoides de suínos acometidos.
DIAGNÓSTICO: A definição de SCMPD incluem três principais critérios diagnósticos: 1) sinais clínicos de caquexia ou doença debilitante, 2) presença de lesões macro e microscópicas (moderadas a graves) características da doença, e 3)
presença de antígeno ou DNA viral (teor moderado a alto) nas lesões linfoides microscópicas. Para a visualização de DNA e antígeno viral nas lesões normalmente se utiliza hibridação e imunoistoquímica in situ, respectivamente.
Recentemente, propôsse a definição de caso de rebanho, incluindo 2 principais critérios: 1) aumento significativo da taxa de mortalidade e do número de suínos anões ou suínos que falham em ganhar peso ou crescer, em comparação com
os valores prévios comuns na fazenda, e 2) obediência a 3 critérios individuais listados abaixo, em pelo menos 1 de cada 5 suínos examinados. Diagnósticos diferenciais incluem condições que causam aumento da taxa de mortalidade e
retardo do crescimento, como síndrome reprodutiva e respiratória suína, doença respiratória crônica, doença de Glässer, salmonelose e adenomatose intestinal suína.
Como o CVS2 é onipresente e o vírus replica em suínos, individualmente, por semanas a meses, o isolamento do vírus, a detecção de DNA do CVS2 no soro ou em tecidos, ou a detecção de anticorpos contra CVS2 no soro não é
suficiente para estabelecer o diagnóstico de SCMPD. Anticorpos contra CVS2 podem ser detectado por ELISA, imunofluorescência indireta ou coloração com imunoperoxidase de culturas de células infectadas. O isolamento viral pode ser
feito em várias linhagens de células de suínos (principalmente em células do rim), utilizando soro, lavado broncoalveolar ou homogeneizado de tecidos. O DNA viral pode ser detectado utilizando PCR, na maioria dos tecidos ou no soro de
suínos infectados. Várias amostras de tecidos de múltiplos suínos podem ser necessárias para detecção do vírus, no caso de doença crônica. A quantificação do vírus no soro por meio de PCR quantitativa em tempo real tem sido sugerida
como um método de diagnóstico potencial em suínos vivos. Entretanto, infecção por CVS2 é extremamente comum em suínos clinicamente normais e a interpretação do resultado positivo no teste PCR não é confiável.
O diagnóstico de problemas reprodutivos associados à infecção por CVS2 deve seguir os seguintes critérios: 1) abortos em gestação avançada e natimortos, às vezes com hipertrofia do coração fetal, 2) miocardite necrosante e/ou fibrose
extensa, e 3) grande quantidade de CVS2 nas lesões miocárdicas e em outros tecidos do feto. Diagnósticos diferenciais para falha reprodutiva associada à infecção por CVS2 incluem síndrome reprodutiva e respiratória suína, pavovirose
suína, pseudorraiva (doença de Aujeszky), leptospirose e outras doenças que causam aborto tardio, natimortos e leitões fracos.
O diagnóstico da síndrome dermatológica e nefropática suína é relativamente simples e inclui 2 principais critérios: 1) presença de lesões hemorrágicas e necrosantes na pele, principalmente nos membros pélvicos e na região perineal,
e/ou rim pálido e edemaciado com petéquias generalizadas na cortical, e 2) presença de vasculite necrosante sistêmica e gromerulonefrite necrosante e fibrinosa. Do ponto de vista de diagnóstico, a detecção de CVS2 não é incluída nos
critérios de diagnóstico.
Diagnósticos diferenciais da síndrome dermatológica e nefropática suína dependem das lesões mais significantes. Manifestações cutâneas podem ser confundidas com peste suína clássica, peste suína africana, erisipela suína, salmonelose
séptica, infecção por Actinobacillus suis, síndrome do estresse suíno, eritema transitório (pisos com urina, queimaduras químicas etc.) e outras sepses bacterianas. Diagnósticos diferenciais de lesões renais incluem peste suína africana e
peste suína clássica, erisipela suína e salmonelose séptica. A análise do perfil bioquímico sérico pode auxiliar na diferenciação da síndrome dermatológica e nefropática suína de outras doenças; os teores de ureia e creatinina encontramse
muito aumentados.
TRATAMENTO E CONTROLE: Como a SCMPD é uma doença multifatorial, medidas de controle efetivas antes do advento das vacinas contra CVS2 visavam o controle e a erradicação dos fatores desencadeantes. As medidas de controle
mais amplamente utilizadas eram o uso de anticorpos para prevenir infecções bacterianas concomitantes, melhoria das medidas de biossegurança e sanitárias, como isolamento dos suínos infectados e desinfecção dos recintos após o seu
uso, diminuição dos fatores estressantes (p. ex., alta densidade populacional no grupo, ventilação inadequada, controle de temperatura inapropriado), e controle de infecções virais concomitantes, especialmente síndrome reprodutiva e
respiratória suína. Outra medidas de prevenção e controle anteriormente utilizadas para suínos jovens eram antecipação do tempo de início de injeções de vitaminas, injeção IP de soro obtido de suínos em fase de terminação e vacinação
contra patógenos comuns.
Atualmente, o controle de SCMPD é baseado no uso de vacinas contra CVS2. Há 4 vacinas comercializadas no mundo; a disponibilidade depende da aprovação em diferentes países. A primeira vacina comercial é composta de CVS2
inativado e foi aprovada para uso em fêmeas e marrãs. Posteriormente, outras 3 vacinas foram desenvolvidas, todas para uso em leitões com 2 a 3 semanas de idade, ou mais. Duas dessas vacinas são compostas de subunidades (proteína do
capsídio do CVS2 produzido em um sistema que emprega baculovírus) e a terceira é composta de vírus inativado elaborada substituindo o gene do capsídio do CVS1 não patogênico por aquele do CVS2. Além da significante redução da
taxa de mortalidade e de nanismo, essas vacinas parecem melhorar a uniformidade do lote e do peso ao abate, a taxa de conversão alimentar e a média de ganho de peso diário.
Todas essas vacinas comerciais contra CVS2 são compostas de isolados de CVS2a, mas foi demonstrada proteção cruzada contra CVS2b. Todas as vacinas contra CVS2 são capazes de induzir ambas as respostas imunes, celular e
humoral, as quais são as características fundamentais para o controle de infecção subsequente por CVS2, que ocorre em condições de campo.
Nenhum tratamento é comprovadamente efetivo para a síndrome dermatológica e nefropática suína. Hospitalização imediata e cuidados de suporte podem permitir a sobrevivência de alguns poucos suínos. Apenas aqueles casos
epizoóticos, com taxas de morbidade e mortalidade moderadas a altas, podem ser importantes em termos de perda econômica. Tratamento com antimicrobianos de amplo espectro não tem sido efetivo. Como o antígeno responsável pela
síndrome dermatológica e nefropática suína não é conhecido, não são indicadas medidas preventivas.
ENCEFALOMIELITE HEMAGLUTINANTE (Doença do vômito e emaciação, Encefalomielite por coronavírus)
Essa doença viral de suínos jovens caracterizada por vômito, constipação intestinal e anorexia resulta tanto em morte rápida como em emaciação crônica. Distúrbios motores devido à encefalomielite aguda (encefalomielite hemaglutinante)
também pode ser notado durante alguns surtos.
ETIOLOGIA, EPIDEMIOLOGIA E PATOGÊNESE: O coronavírus causador, o vírus da encefalomielite hemaglutinante, é um tipo antigênico particular e cresce em vários tipos de culturas celulares suínas, nas quais provoca sincícios. Aglutina
hemácias de várias espécies animais. Os suínos são os únicos hospedeiros naturais. O vírus é disseminado por meio de aerossol.
A infecção parece estar disseminada na América do Norte, Europa Ocidental e Austrália. Em geral, permanece subclínica. O vírus é endêmico na maioria dos rebanhos reprodutores e em rebanho imune. As porcas imunes transferem os
anticorpos maternos para seus leitões, que ficam protegidos até que atinjam idade de resistência; desse modo, os surtos clínicos são raros. No entanto, se o vírus infectar um rebanho suscetível com leitões neonatais, as taxas de morbidade e
mortalidade podem ser altas.
O vírus se replica primeiramente na mucosa nasal, tonsilas, pulmões e, em extensão muito limitada, no intestino delgado. Desses locais de entrada, o vírus invade o núcleo definido do bulbo via sistema nervoso periférico e,
subsequentemente, alcança o tronco cerebral e, possivelmente, cérebro e cerebelo. Supostamente, o vômito é provocado pela replicação viral no gânglio sensorial vagal. A emaciação se deve ao vômito e ao retardo de esvaziamento do
estômago, resultante de lesões induzidas pelo vírus no plexo intramural. A infecção de neurônios cerebrais e cerebelares podem raramente causar distúrbios motores.
ACHADOS CLÍNICOS: Ambas as síndromes clínicas, vômito e doença debilitante (VDD) e encefalite, se limitam quase que exclusivamente aos suínos < 4 semanas de idade. A forma de VDD tem período de incubação de 4 a 7 dias. Notam
se ânsia e vômitos repetidos. Os suínos começam a mamar, mas logo param, afastamse da porca e vomitam o leite que ingeriram. Eles mergulham suas bocas nas tigelas de água, mas bebem pouco, o que possivelmente é indicativo de
paralisia faringiana. O vômito persistente resulta em rápido declínio da condição corporal. Os suínos neonatos ficam desidratados, cianóticos, comatosos e morrem. Os suínos idosos continuam a vomitar, embora com menor frequência que
no estágio inicial da doença. Eles perdem o apetite e se tornam emaciados. Uma grande distensão do abdome cranial pode se desenvolver. Esse estado de “emaciação” pode persistir durante 1 a 6 semanas até morrerem de inanição. A taxa
de mortalidade aproximase de 100% na ninhada e os sobreviventes tornamse permanentemente subdesenvolvidos.
A forma de encefalomielite também se inicia com vômito, geralmente 4 a 7 dias após o nascimento. O vômito continua intermitentemente por 1 a 2 dias, mas raramente é grave e não resulta em desidratação. Depois de 1 a 3 dias,
observamse tremores musculares generalizados e hiperestesia. Os suínos tendem a andar para trás, geralmente terminando na posição de “cão sentado”. Eles logo se tornam fracos e incapazes de se levantarem e “apresentam movimentos
de pedalagem” dos membros. Também, notase cegueira, opistótono e nistagmo. Após poucos dias, apresentam dispneia, coma e morrem.
Do início ao desaparecimento, um surto em uma fazenda dura de 2 a 3 semanas. O desaparecimento da doença coincide com o desenvolvimento da imunidade em porcas em fase final de gestação, o que subsequentemente protege a
ninhada via anticorpos maternos.
Lesões: Notase caquexia e distensão abdominal em suínos com infecção crônica. Apresentam estômago dilatado e preenchido com gás. Microscopicamente, verificase manguito perivascular, gliose e degeneração neuronal na medula em 70
a 100% dos suínos com sinais nervosos e em 20 a 60% dos suínos que apresentam VDD. Neurite de gânglios sensoriais periféricos, particularmente do gânglio trigêmeo, é uma ocorrência comum. Degeneração do gânglio da parede
estomacal e manguito perivascular são notados em 15 a 85% dos suínos com VDD. As lesões são mais evidentes na região pilórica glandular.
DIAGNÓSTICO: Na rotina, o diagnóstico laboratorial pode ser realizado mediante isolamento viral no tronco cerebral, caso os suínos sejam submetidos à eutanásia dentro de 2 dias após o aparecimento dos sintomas. É difícil isolar o vírus de
suínos infectados há mais de 2 dias.
Um aumento significante do título de anticorpos pode ser constatado em amostras do soro pareadas. A amostra de soro da fase aguda deve ser obtida imediatamente após o início da doença, pois os suínos podem já ter estabelecido um
baixo título de anticorpos quando surgem os primeiros sinais clínicos.
O diagnóstico diferencial inclui pseudorraiva (p. 1419) e encefalomielite causada por teschovírus (p. 1409). Sintomas respiratórios em suínos idosos e abortamento em porcas são parte de um surto de pseudorraiva. Na encefalomielite por
teschovírus, normalmente são envolvidos os suínos idosos.
CONTROLE: Não há tratamento. Uma vez que os sinais clínicos tornamse evidentes, a doença segue seu curso. Recuperação espontânea é rara. Os leitões nascidos de porcas não imunes durante um surto podem ser protegidos por meio da
injeção, ao nascimento, tanto de soro hiperimune como de soro proveniente de porcas selecionadas aleatoriamente por ocasião do abate. Entretanto, o lapso de tempo entre o diagnóstico e o fim da doença geralmente é muito curto para que
esse procedimento seja efetivo. A manutenção do vírus na fazenda (e, assim, de persistência de imunidade induzida natural nos suínos) evita surtos em leitões.
EXANTEMA VESICULAR DOS SUÍNOS (Virose dos leõesmarinhos de San Miguel)
O exantema vesicular dos suínos (EVS) é uma doença aguda altamente infecciosa, caracterizada por febre e formação de vesículas no focinho, mucosa oral, sola dos pés, coroa do casco e entre os dedos.
Desde 1972, um vírus indistinguível do vírus do EVS (VEVS), designado como vírus dos leõesmarinhos de San Miguel (VLMSM), tem sido isolado a partir de suabes retais e da orofaringe de filhotes de leõesmarinhos da Califórnia
prematuros e com 4 meses de idade, filhotes de otária desmamados e mortos e filhotes lactentes de elefantesmarinhos. O vírus também foi isolado de lesões vesiculares de mamíferos marinhos, da carne comercial de foca produzida no
Alasca e de peixes do tipo perca, coletados de piscinas de maré na costa sul da Califórnia. Os VLMSM isolados tanto de peixes como de mamíferos marinhos são capazes de produzir o EVS nos suínos. Além disso, os calicivírus isolados a
partir de suabes retais e da orofaringe de bezerros leiteiros também causam exantema vesicular clínico nos suínos expostos. Um sorotipo de calicivírus, VLMSM5, foi recuperado de lesões vesiculares nas palmas e plantas do pé de um
pesquisador que trabalhava com o vírus.
EVS, VLMSM e outros vírus relacionados são membros do gênero Vesivírus, família Caliciviridae. Vários sorotipos imunologicamente distintos têm sido demonstrados (13 tipos do VEVS de suínos e pelo menos 16 tipos de VLMSM de
fontes marinhas). Além disso, vários sorotipos têm sido nomeados de acordo com a espécie hospedeira na qual foram isolados: bovina, primata, cetácea, morsa, gambá, vison, coelho e calicivírus de répteis. Em alguns casos, os sorotipos
inicialmente isolados em animais terrestres (p. ex., calicivírus de répteis) foram encontrados posteriormente em mamíferos marinhos. Todos estes vírus (exceto VLMSM8, VLMSM12 e calicivírus de vison) constituem uma única espécie,
o vírus do exantema vesicular dos suínos.
Nos suínos, a doença clínica é indistinguível da febre aftosa (p. 670), da estomatite vesicular (p. 668) e da doença vesicular suína (p. 797). Originalmente restrita à Califórnia, o EVS tornouse muito difundido nos EUA, durante a década
de 1950, mas uma campanha vigorosa para a erradicação da doença obteve sucesso. Em 1959, os EUA foram declarados livres do EVS e a doença foi classificada como uma doença exótica; ela nunca foi descrita como uma infecção natural
dos suínos em nenhuma outra parte do mundo.
O diagnóstico presuntivo nos suínos baseiase na ocorrência de febre e na presença de vesículas típicas, que se rompem entre 24 e 48 h para formar erosões. O diagnóstico pode ser confirmado pelo ELISA, RTPCR (inclusive RTPCR
em tempo real) e microscopia eletrônica do tecido epitelial ou após a passagem em culturas de tecido suíno. Os testes de soroneutralização e microscopia imunoeletrônica também são utilizados.
Os casos suspeitos de exantema vesicular suíno devem ser notificados imediatamente às autoridades competentes. Os restos alimentares e os peixes devem ser cozidos antes de oferecidos aos suínos.
INFECÇÃO PELO VÍRUS DA ENCEFALOMIOCARDITE
A encefalomiocardite (EMC) é uma infecção viral importante de suínos e de mamíferos de zoológico. É causada por membros do gênero Cardiovírus, da família Picornaviridae, conhecido em várias partes do mundo. Embora todos os vírus
causadores de EMC se apresentem como um único sorotipo, vírus isolados em várias regiões e países podem diferir quanto a patogenicidade e virulência.
O suíno pode morrer subitamente em qualquer idade devido a insuficiência miocárdica associada ou pode ocorrer abortos próximo ao parto, mumificação fetal e insuficiência reprodutiva evidente. Cepas do tipo A causam problemas
reprodutivos em suínos, enquanto cepas do tipo B causam insuficiência cardíaca. A maioria dos surtos de infecção pelo vírus da EMC tem sido associada a animais mantidos em cativeiro em unidades de produção de suínos, primatas de
centros de pesquisa e em animais de zoológicos. Morte súbita frequentemente é a primeira indicação de infecção. Uma variedade de mamíferos exóticos tem sido afetada fatalmente com EMC em parques zoológicos nos EUA, Austrália e
outras partes do mundo, inclusive elefante africano, rinoceronte, hipopótamo, bichopreguiça, lhama, várias espécies de antílope e vários tipos de primatas não humanos (chimpanzé, orangotango, babuíno, macaco, lêmure etc.). Um
episódio que levou à morte de leões em um zoológico nos EUA estava associado ao consumo de carcaça de elefante africano que havia morrido devido a EMC, e um surto espontâneo de EMC fatal foi relatado em elefantes africanos de
vida livre no Parque Nacional de Kruger, na África do Sul em 1995.
Vírus da EMC raramente são considerados causa de doença em pessoas; em humanos, não há relato de miocardite grave e infecção fatal aguda verificadas em várias outras espécies. Todavia, pesquisas sorológicas revelaram que a
infecção por vírus da EMC em humanos é comum em várias partes do mundo; na maioria dos casos é assintomática ou não detectada.
EPIDEMIOLOGIA: Os cardiovírus são vírus pequenos, sem envelopes e quase sempre associados a roedores e a doença em outras espécies mamíferas tem sido frequentemente atribuídas ao aumento das populações de camundongos e ratos.
Essas, e provavelmente outras espécies de roedores, excretam o vírus nas fezes e urina, que podem contaminar alimentos e fontes de água de grandes mamíferos. A ingestão de roedores mortos ou que portadores de EMC pode ser outro
modo de infecção. Os suínos excretam vírus na secreção nasal e nas fezes durante os 3 primeiros dias de infecção experimental. Nesse breve período, o vírus pode ser transmitido a outros suínos, por contato. Os cardiovírus são resistentes
às condições adversas do ambiente e podem permanecer não infectantes por semanas a meses, sob condições favoráveis.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A doença é denominada encefalomiocardite pela predileção pelo SNC e sistema cardiovascular em camundongos experimentais, em que tanto cepas encefalotrópicas quanto cardiotrópicas foram
identificadas. Entretanto, em suínos e animais de zoológico a ocorrência de mortes agudas e subagudas são quase sempre atribuídas aos efeitos destrutivos do vírus no miocárdio, resultando em insuficiência cardíaca, edema pulmonar e
transudação espumosa no trato respiratório. Os animais infectados frequentemente parecem asfixiados pelo fluido contido em seu próprio trato respiratório. Outros sinais clínicos podem incluir: febre, anorexia, apatia, tremores, cambaleio,
dispneia e paralisia. Há relato de taxa de mortalidade de aproximadamente 100% em leitões lactentes, mas é muito menor em animais mais velhos. Foram identificadas cepas do vírus da EMC com tropismo ao pâncreas e diabetogênicas em
camundongos experimentais, porém a importância desse achado em outros mamíferos foi estabelecida.
Sabese que o vírus da EMC atravessa a placenta de porcas e foi isolado de crias em casos de falhas reprodutivas devido à ocorrência de aborto próximo ao parto (107 a 111 dias de gestação), natimortos e mumificações. Os problemas
reprodutivos frequentemente persistem nos grupos afetados por 2 a 3 meses e podem acometer fêmeas com qualquer número de partos.
DIAGNÓSTICO: Como as lesões necrosantes pálidas do músculo cardíaco, que podem ser observadas na EMC fatal, também são constatadas no infarto séptico ou na deficiência de vitamina E/selênio, o diagnóstico definitivo requer o
isolamento e a identificação do vírus. Coração, fígado, rim e baço, coletados de animais com morte aguda ou de material de aborto, são as amostras de escolha para isolamento do vírus. Como o vírus da EMC é muito estável, ele pode ser
recuperado em tecidos congelados.
É possível o diagnóstico sorológico mediante neutralização viral, inibição da hemaglutinação ou ELISA, desde que se obtenham amostras de soro na fases aguda e na fase de convalescência, mas a frequência de EMC subclínica torna as
determinações séricas isoladas pouco válidas em fêmeas que abortaram. Entretanto a detecção de anticorpo contra vírus da EMC em natimortos ou em fetos mumificados grandes é relevante na infecção fetal, porque as imunoglobulinas
maternas não atravessam a placenta de porcas.
TRATAMENTO E CONTROLE: Não há tratamento específico para EMC, mas a mortalidade pode ser minimizada evitandose estresse ou excitação em animais em risco. Parece que o vírus da EMC apresenta um ciclo em roedores e mais
provavelmente infecta suínos e animais de zoológicos quando há alta população de roedores. Desse modo, é fundamental o controle de roedores para minimizar a exposição de espécies suscetíveis. Também, recomendase o descarte
imediato e apropriado dos animais mortos em decorrência da doença. O vírus da EMC é inativado pelo uso criterioso de vários desinfetantes indicados para animais de produção.
Foram patenteadas vacinas mortas para prevenção de miocardite em leitões desmamando, porém não estão disponíveis comercialmente nos EUA, exceto como produtos autógenos. O ímpeto atual para o desenvolvimento de vacinas se
deve largamente aos zoológicos e parques de diversão, onde a ocorrência de EMC é um problema. Há relato de sucesso com o uso de vacina de vírus atenuado por meio de engenharia genética em primatas, suínos e várias espécies de
animais de zoológicos que apresentam casco. Produção comercial de vacina contra vírus da EMC é limitada porque, aparentemente, não é necessária na maioria dos animais de produção domésticos.
INFECÇÃO POR VÍRUS NIPAH (Síndrome respiratória e neurológica suína, Síndrome da tosse suína)
A infecção pelo vírus Nipah é uma doença recentemente diagnosticada em suínos e pessoas, associada a um novo paramixovírus denominado vírus Nipah. Essa doença surgiu na Malásia, em 1998/1999. Estava associada à encefalite grave
entre pessoas expostas, ocupacionalmente, a suínos infectados na Malásia e em Cingapura. A enfermidade foi erradicada da população nacional de suínos comerciais após adoção de medidas de controle. Morcegos frugívoros do
gênero Pteropus parecem ser reservatórios do vírus.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O agente etiológico, o vírus Nipah (gênero Henipavírus, família Paramyxoviridae), é um vírus com envelope em sentido negativo e um único filamento de RNA. Esse vírus está intimamente relacionado com
o vírus Hendra (p. 741), o único outro membro do gênero. Os surtos em humanos na Malásia e em Cingapura foram seguidos de contato com suínos infectados e resultaram em encefalite, com taxa de mortalidade cerca de 40%. Considera
se que o vírus foi introduzido na população suína a partir de 1 das 2 espécies de Pteropus, nas quais foram detectados anticorpos durante a investigação de um surto. Pteropus spp é encontrado desde o Pacífico ocidental até o Sudeste
Asiático, e do sul da Ásia até as ilhas da costa africana, inclusive Madagascar. Em várias espécies de Pteropus foram encontrados anticorpos, sugerindo que o vírus ou os vírus estreitamente relacionados ocorrem em outras áreas dentro do
alcance desse gênero de morcego. Na Malásia, a análise genética do vírus obtido de casos clínicos de humanos e suínos sustentou fortemente que uma única introdução do vírus se espalhou pela população de suínos comerciais. Há
evidências de infecção em várias outras espécies de animais domésticos, inclusive cães, gatos e equinos. A encefalite humana causada pelo vírus Nipah, no sul da Ásia, tem sido uma ocorrência regular desde 2001 em Bangladesh e, mais
recentemente, em áreas vizinhas da Índia. Nessas áreas, a epidemiologia não incriminou espécies domésticas intermediárias, mas muito mais a transmissão direta a partir da raposa, o reservatório do vírus.
TRANSMISSÃO E PATOGÊNESE: Acredita–se que a infecção em suínos foi transmitida de espécies de morcegos reservatórios para suínos. Uma vez o vírus introduzido na instalação de criação intensiva de suínos, a infecção dos animais do
local foi rápida e testes sorológicos sugeriram que quase todos os suínos de uma criação infectada foram contaminados. Acredita–se que a transmissão entre recintos se deva a procedimentos de biossegurança inapropriados e à
movimentação de animais infectados. Infecção experimental de suínos por vírus Nipah em uma instalação com alta biossegurança, em Geelong, sustenta que pode ocorrer prontamente transmissão entre suínos criados em contato próximo.
ACHADOS CLÍNICOS: Devido ao perigo de infecção humana e por se tratar de uma emergência, durante uma epidemia natural as observações clínicas não foram detalhadas em condição de campo. Muitos suínos desenvolveram doença
respiratória febril com tosse grave, que originou nomes locais para a doença, como “síndrome da tosse suína” e “tosse de uma milha”. Encefalite também foi notada em instalações infectadas, particularmente em porcas e varrões. A
proporção de animais com cada forma da doença é incerta, embora a forma respiratória seja predominante. A mortalidade total nos recintos infectados também não foi bem documentada, mas provavelmente não é > 5% em todos os grupos
etários.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico laboratorial pode ser obtido mediante isolamento viral, identificação do RNA pelo uso de PCRtranscriptase reversa, detecção de antígenos em tecidos por coloração imunoistoquímica com anticorpos
específicos, ou testes sorológicos, como ELISA indireto e testes de neutralização viral. Em termos de biossegurança, o vírus é considerado como nível 4 nos EUA e na Austrália, e restrição laboratorial rigorosa nos laboratórios é de
fundamental importância.
TRATAMENTO: O tratamento dos suínos infectados não foi tentada durante os casos de emergência constatados na Malásia. Pessoas requerem cuidados intensivos, com ventilação mecânica para o controle da encefalite; não há tratamento
específico disponível. A ribavirina foi administrada a alguns pacientes e os estudos subsequentes em animais de laboratório sugerem que não é efetiva.
CONTROLE E PREVENÇÃO: O controle epidêmico/epizoótico na Malásia envolveu procedimentos rigorosos de quarentena e abate de todos os suínos de instalações infectadas. A adesão a procedimentos apropriados de quarentena e
biossegurança nas instalações, como no caso de outras doenças contagiosas, é de fundamental importância na prevenção da disseminação da infecção. Vigilância ativa e programas de abate foram efetivos na eliminação do vírus da
população nacional de suínos comerciais e esse país permanece livre da doença. A presença do vírus em espécies de morcegos reservatórios em amplas áreas geográficas enfatiza a importância de um bom programa de vigilância e de
práticas de biossegurança, de modo a detectar precocemente a infecção e controlar a doença ao recinto onde surgiu, antes que ocorra reintrodução do vírus.
RISCO ZOONÓTICO: A transmissão do vírus de suínos infectados às pessoas foi extensa em um recinto; um estudo sobre fatores de risco associados à infecção humana sugere que o contato próximo com suínos vivos infectados é o meio de
infecção de quase todas as infecções humanas pelo vírus Nipah.
Episódios esporádicos continuados em cavalos e subsequentes casos graves da doença em humanos, em alguns desses, enfatiza a importância de equipamento de proteção pessoal apropriado durante exame clínico veterinário ou
procedimento pósmorte, quando há suspeita de infecção pelo vírus Hendra ou Nipah.
INFECÇÕES ESTREPTOCÓCICAS EM SUÍNOS
O grupo das bactérias estreptocócicas é composto pelos gêneros Streptococcus, Enterococcus e Peptostreptococcus. As bactérias estreptocócicas são as mais patogênicas e constituem um importante agente infeccioso dos suínos. As
bactérias estreptocócicas estão associadas a condições infecciosas em seres humanos, bovinos, ovinos, caprinos e equinos. Com relação aos suínos, S. dysgalactiae e S. zoopidemicus estão associados a condições supurativas esporádicas. S.
suis é um patógeno de suínos jovens e é o principal agente infeccioso de leitões recémnascidos e recentemente desmamados. Sepse, meningite, poliserosite, poliartrite e broncopneumonia estão associadas às infecções por S. suis. S.
porcinus está associado a condições supurativas, especificamente a condição conhecida como abscesso de mandíbula. Os enterococos habitam o trato intestinal e causam doenças em múltiplas espécies. Nos suíno, E. durans, E. faecium e E.
hirae estão associados a enterites e diarreia.
INFECÇÃO POR STREPTOCOCCUS DYSGALACTIAE
Nos suínos, S. dysgalactiae do grupo C são sorovares betahemolíticos e são frequentemente encontrados na nas secreções nasal e traqueal, tonsilas e nas secreções vaginal e prepucial. Eles são os estreptococos betahemolíticos mais
importantes envolvidos em lesões em suínos. As secreções vaginais e o leite das porcas recémparidas são as principais fontes de infecção para os leitões. Os estreptococos entram na corrente sanguínea via feridas na pele, umbigo e tonsilas.
Ocorre então bacteriemia ou sepse e os microrganismos colonizam um ou mais tecidos provocando artrite, endocardite ou meningite.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A infecção geralmente é observada inicialmente nos leitões com 1 a 3 semanas de idade. O inchaço das articulações e a claudicação são os sinais clínicos mais evidentes e persistentes. Elevação da
temperatura, prostração, pelos ásperos e inapetência também podem ser notados. As primeiras lesões consistem em edema periarticular, inchaço, membranas sinoviais hiperêmicas e fluidos sinoviais turvos. A necrose da cartilagem articular
pode ser observada 15 a 30 dias após o início da infecção, podendo se agravar. Fibrose e abscessos multifocais do tecido periarticular e hipertrofia dos vilos sinoviais também ocorrem. Ocorre endocardite, mas o diagnóstico ante mortem é
difícil. As lesões consistem em vegetações amareladas ou brancas de diferentes tamanhos, e que geralmente cobrem toda a superfície da válvula cardíaca afetada.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico da sepse, artrite ou endocardite estreptocócica é realizado por meio de necropsia e exame bacteriológico dos suínos afetados. Apenas um pequeno número de microrganismos ou nenhum microrganismo pode
ser isolado das articulações infectadas, especialmente quando a inflamação está avançada.
TRATAMENTO E PREVENÇÃO: Os estreptococos betahemolíticos são sensíveis aos antibióticos betalactâmicos. Os agentes antibacterianos de longa ação podem ser benéficos e o tratamento deve ser realizado antes do avanço da inflamação.
Não há relato recente sobre a vacinação contra estes estreptococos. Bacterinas autógenas têm sido utilizadas e há relatos de redução na incidência de artrite quando as porcas são vacinadas antes da parição.
A ingestão adequada do colostro pode garantir que os leitões recebam anticorpos protetores. Lesões traumáticas nos pés e nos membros devem ser minimizadas pela redução da abrasividade da superfície do chão da maternidade.
S. dysgalactiae não é reconhecido como um patógeno zoonótico.
INFECÇÃO POR STREPTOCOCCUS PORCINUS
Streptococcus porcinus foi associado nos EUA com a enfermidade contagiosa de suínos em crescimento conhecida como linfadenite estreptocócica, abscesso mandibular ou abscesso cervical. A importância desta doença vem declinando
consideravelmente, não sendo reconhecida como uma entidade de importância econômica em outros países. A transmissão é possível pelo contato ou pela ingestão de alimentos e água contaminada por material purulento de abscessos
rompidos ou fezes infectadas pelo microrganismo. Os microrganismos infectam os suínos através da mucosa da faringe ou superfície das tonsilas e são carreadas para os linfonodos, primeiramente na região da cabeça e pescoço, onde os
abscessos são formados. Os abscessos podem ser observados no momento de abate e o aumento dos linfonodos na região da traqueia é evidente. S. porcinus também é ocasionalmente encontrado no muco vaginal das porcas e no sêmen e no
prepúcio dos cachaços. Estes casos são geralmente considerados como invasões secundárias.
S. porcinus é sensível às penicilinas e a terapia com antibióticos geralmente resolve as infecções agudas detectadas. Contudo, o tratamento com antibióticos geralmente não é bemsucedido nos casos de suínos com abscessos
estabelecidos ou na eliminação dos portadores. A resistência à tetraciclina tem sido relatada, contudo, pulsos de tetraciclina na ração em níveis terapêuticos de 400 g/ton são frequentemente utilizados em uma tentativa de controlar esta
condição. A vacinação (autógena) é possível, mas não tem sido utilizada largamente porque os abscessos cervicais não são um problema muito difundido.
Não há evidência de que S. porcinus possua potencial zoonótico, mas ele tem sido implicado em infecções geniturinárias e complicações na gravidez em mulheres.
INFECÇÃO POR STREPTOCOCCUS SUIS
Streptococcus suis é um importante patógeno para os suínos. Assim como vários outros patógenos dos suínos, a bactéria pode ser facilmente encontrada no tecido das tonsilas e nas fezes de suínos clinicamente sadios.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: S. suis é um estreptococo pertencente ao grupo D de Lancefield e é caracterizado como uma bactéria anaeróbica facultativa, grampositiva e imóvel, agrupada em cadeias de diferentes comprimentos. S. suis produz
ahemólise (hemólise incompleta) em ágarsangue e é uma bactéria catalase negativa. Tem distribuição mundial e 35 sorotipos são descritos. O número de sorotipos que expressam virulência é pequeno e dependente da localização
geográfica. Os sorotipos 1 a 9 representam 70% dos isolados de S. suis nos laboratórios; o sorotipo 2 é o mais prevalente mundialmente. Embora a maioria dos leitões desmamados sejam portadores de S. suis, poucos possuem os sorotipos
capazes de induzir a doença após o desmame.
S. suis é encontrado no trato respiratório superior, particularmente nas tonsilas e cavidades nasais, mas o microrganismo também pode ser encontrado no trato genital e no trato digestório dos suínos. As infecções clínicas são observadas
principalmente nos leitões desmamados (2 a 5 semanas pósdesmame), suínos na fase de crescimento e, em menor frequência, nos leitões lactentes.
Portadores assintomáticos podem atuar como uma fonte de infecção para seus companheiros depois que eles são misturados e colocados na creche. A maioria dos estudos sobre fatores de virulência têm sido realizados com o sorotipo tipo
2. O sorotipo 2 possui cepas virulentas e avirulentas, mas a caracterização dos fatores de virulência é incompleta. O polissacarídio capsular é a única prova da presença do fator de virulência (substância C). A proteína liberadora de
muramidase (PLM) e o fator extracelular (FE) constituem as proteínas relacionadas com a virulência e que podem estar ativas nas infecções do tipo 2, contudo, não há um componente único da patogenicidade.
EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: S. suis está presente em todas as partes do mundo em áreas de criação intensiva de suínos. O tipo 2 é responsável pela maioria (90%) das infecções em suínos doentes em muitos países. A maioria dos suínos
clinicamente sadios são portadores de múltiplos sorotipos de S. suis. Os leitões tornamse colonizados com S. suis no momento do parto, pelo contato com as secreções vaginais, ou na amamentação. A transmissão entre os rebanhos ocorre
pela movimentação e mistura de suínos portadores. A introdução destes em rebanho não infectado geralmente resulta no início subsequente da doença nos leitões desmamados e/ou nos suínos em crescimento. No entanto, alguns rebanhos
infectados que não apresentam a doença podem desenvolver a doença clínica na presença de outros fatores predisponentes como estresse e coinfecções com outros patógenos. Surtos de infecções por S. suis também tem sido frequentemente
relatados com coinfecções com o vírus da síndrome reprodutiva e respiratória suína. S. suis também pode ser transmitido via fômites e moscas. A importância de outras espécies animais ou pássaros como reservatórios ou vetores da
infecção é desconhecida.
ACHADOS CLÍNICOS: O primeiro sinal apresentado geralmente é a febre, a qual pode ocorrer inicialmente sem outros sinais evidentes. Isso é acompanhado de bacteriemia acentuada que pode persistir por vários dias se não for tratada.
Durante este período, geralmente ocorre febre oscilante e graus variados de inapetência, depressão e claudicação. Em casos hiperagudos, os suínos podem ser encontrados mortos sem sinais premonitórios. A meningite é a principal
característica que fundamenta o diagnóstico presuntivo. Os sinais nervosos iniciais incluem depressão, incoordenação e adoção de posições não usuais, que podem rapidamente progredir para incapacidade de permanência em estação,
movimentos de pedalagem, opistótono, convulsões e nistagmo. A endocardite também é um achado frequente em leitões mais velhos. Os suínos afetados podem morrer subitamente ou apresentar sinais de dispneia, cianose e emaciação.
Inchaço das articulações e claudicação, indicativos de poliartrite, e sinais de doença respiratória podem ser observados em alguns surtos.
Lesões: As lesões são observadas principalmente no desmame e na fase de crescimento dos suínos e estão associadas à linfadenopatia, meningite, artrite, serosite e endocardites. As lesões podem incluir exsudatos fibrinopurulentos no
cérebro, inchaço das articulações, serosite fibrinosa e vegetações cardíacas. Esplenomegalia e hemorragias petequiais, indicando septcemia, também podem ser observados. As lesões de sepse, meningite ou poliartrite também podem ser
observadas em leitões lactentes.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico presuntivo geralmente é baseado no histórico, nos sinais clínicos, na idade dos animais e nas lesões macroscópicas. O isolamento e a sorotipagem dos agentes infecciosos e a avaliação das lesões microscópicas
dos tecidos afetados confirmam o diagnóstico. A sorologia não está disponível nos testes de rotina. A caracterização genética é realizada em alguns laboratórios, e é particularmente útil para os estudos epidemiológicos.
O diagnóstico diferencial inclui poliserosite causada por Haemophilus parasuis ou Mycoplasma hyorhinis; meningite por H. parasuis; endocardite por Erysipelothrix rhusiopathiae; sepse por H. parasuis, Actinobacillus suis, Escherichia
coli, E. rhusiopathiae ou Salmonella Choleraesuis; e poliartrite causada por outros estreptococos, estafilococos, E. coli ou A. suis.
TRATAMENTO, CONTROLE E PREVENÇÃO: O rápido reconhecimento dos primeiros sinais clínicos da meningite estreptocócica, seguido pelo imediato tratamento parenteral dos suínos afetados com antibiótico apropriado, é considerado
atualmente o melhor método para aumentar o número de animais sobreviventes. Os estágios iniciais da meningite podem ser de difícil detecção, assim grupos de suínos devem ser observados frequentemente após o desmame nas granjas
onde as infecções por S. suis são um problema. A resistência dos isolados à penicilina tem sido relatada, contudo a ação de amplo espectro dos antibióticos betalactâmicos como a ampicilina e a amoxicilina parecem manter alguma eficácia
no tratamento de suínos afetados. Em adição aos betalactâmicos, outros antibióticos aprovados nos EUA para o tratamento das infecções por E. suis incluem o ceftiofur e as fluorquinolonas. A medicação na água de bebida pode ser
realizada com o florfenicol, que é indicado para o tratamento das infecções por E. suis nos suínos. A amoxicilina também é frequentemente administrada na água de bebida como uma medida profilática. A administração de uma preparação
antiinflamatória é recomendada para redução da inflamação dos tecidos afetados e melhora da condição geral de suínos com meningite por E. suis. O tratamento das porcas com antibióticos antes da parição para redução da transmissão do
patógeno para os leitões tem sido investigado, porém apresentou resultados variados.
As vacinas se mostraram ineficazes na prevenção de surtos. E. suis é um dos vários patógenos bacterianos que tem conseguido derrotar os esforços para erradicálo usando o desmame precoce dos leitões lactentes.
Os estreptococos são suscetíveis à ação de desinfetantes a base de aldeído, biguanida, hipoclorito, iodo e amônia quaternária.
RISCO ZOONÓTICO: As infecções em seres humanos por S. suis podem resultar em sepse, meningite, perda permanente da audição, endocardite e artrite. A taxa de mortalidade pode chegar a 7% em alguns casos. A maioria dos casos
humanos tem sido atribuída ao S. suis do sorotipo 2. A transmissão para os humanos ocorre pela contaminação de feridas na pele ou de membranas mucosas com o sangue ou secreções de suínos infectados. Os produtores de suínos, os
funcionários das granjas e os veterinários correm maior risco de infecção. A doença é considerada subdiagnosticada e subestimada na maioria dos países.
PESTE SUÍNA AFRICANA
A peste suína africana (PSA) é considerada uma doença hemorrágica altamente contagiosa, em suínos. Essa enfermidade provoca uma ampla variedade de sinais clínicos e lesões muito semelhantes à peste suína clássica (p. 815). A PSA é
uma doença de importância econômica, sendo enzoótica em muitos países da África, em ilhas do Mediterrâneo e na Sardenha. Em junho de 2007, a PSA foi confirmada pela primeira vez na Georgia, região do Caucaso, e tem se espalhado
pelos países vizinhos.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O vírus da PSA é um DNAvírus grande e com envelope que se replica principalmente nas células do sistema fagocítico mononuclear. Geralmente é considerado como o único membro da família de vírus
semelhante ao da peste suína africana (Asfarviridae). O longo período em que a PSA foi uma doença enzoótica na África levou à seleção de vírus com diferentes graus de virulência. Nenhum tipo antigênico distinto foi identificado, mas
genótipos diferentes foram notados por meio da utilização de enzimas de restrição dos genomas dos vírus obtidos de diferentes áreas geográficas, durante um longo período. O vírus é altamente resistente a uma ampla variação de pH e ao
procedimento de congelamento/descongelamento e pode manter a capacidade infectante por muitos meses à temperatura ambiente ou quando armazenado a 4°C. Nos fluidos corporais, inclusive no soro, o vírus é inativado em 30 min a
60°C, mas em carne suína não processada pode se manter viável por várias semanas; pode ser inativado apenas por aquecimento a 70°C durante 30 min. Embora o vírus da PSA possa se adaptar e se multiplicar em diversos tipos de células,
ele só se replica rapidamente na espécie suína.
A doença limitase a todas as linhagens e tipos de suínos domésticos e a javalis selvagens da Europa. Todas as faixas etárias são igualmente suscetíveis. Na África, o vírus provoca infecção inaparente em 2 espécies de suínos selvagens –
javali africano (Phacochoerus aethiopicus) e porco–domato (Potamochoerus porcus) – e no carrapato mole Ornithodoros moubata. Quando a doença era endêmica no sul da Espanha e Portugal, uma espécie diferente de carrapato
mole, Ornithodoros erraticus, foi infectado pelo vírus. Muitos outros Ornithodoros spp, que não eram parasitos comuns de suínos domésticos e selvagens, foram infectados experimentalmente. PSA foi relatada em vários países africanos
no sul do Saara, sendo de ocorrência enzoótica ou na forma de epidemias esporádicas em suínos domésticos. O primeiro caso de disseminação fora da África ocorreu na Europa em 1957, sendo praticamente erradicada. A segunda
introdução da PSA foi em 1960, quando a doença tornouse enzoótica na Espanha e em Portugal e, subsequentemente, em 1978 na Sardenha. Durante a década de 1970, ocorreu importante propagação no Caribe e na América do Sul. Já na
Europa ocorreram surtos graves, porém limitados, na Bélgica (1985) e na Noruega (1986). Um programa rigoroso de erradicação teve êxito em Portugal (1993) e na Espanha (1995).
A disseminação da PSA fora da África é um evento relativamente raro. Porém em junho de 2007, a PSA foi confirmada em suínos da Georgia, na região do Caucaso, da antiga República Soviética. Análises genéticas revelaram que o
genótipo do vírus isolado na Georgia pode ser estreitamente relacionado com vírus circulantes em Moçambique, Madagascar e Zâmbia. Portanto, é provável que os suínos tenham sido infectados pelo vírus da PSA que foi transportado com
carne suína por navios que partiram do sudeste da África. Em julho de 2007 o surto se espalhou de 56 para 61 distritos da Georgia e, logo após, os surtos de PSA foram relatados em regiões vizinhas, inclusive na república autônoma da
Abkhazia, Armênia e NagornoKarabakh. Mais tarde, naquele ano, foram confirmadas infecções de javalis na Rússia e na Chechênia. Em 2008 a disseminação da doença continuou pelo Norte da Ossétia, chegando a mais de 1.000 km, em
Orenburg, mostrando o potencial de rápida disseminação por longas distâncias. Em outubro de 2008, foi oficialmente relatado o total de 21 surtos de PSA nas cinco divisões administrativas da Rússia. O vírus continua se disseminando
rapidamente para o leste, rumo a regiões e países com ampla população de suínos.
TRANSMISSÃO E PATOGENIA: O vírus da PSA é mantido na África por meio de um ciclo de transmissão natural entre javalis africanos e o carrapato vetor O. moubata, que habita as tocas desses animais e das quais sua eliminação é
improvável. A disseminação do vírus dos reservatórios selvagens para os suínos domésticos pode ocorrer mediante a picada do carrapato infectado ou pela ingestão de tecidos de javali selvagem. Os vírus altamente patogênicos causam
doença aguda e todos os fluidos e tecidos corporais contêm grande quantidade de vírus infectante, desde o início dos sintomas da doença até a morte. Os suínos infectados com isolados menos virulentos podem transmitir o vírus a suínos
suscetíveis até 1 mês depois da infecção; o sangue permanece infectante por até 6 semanas, e pode ocorrer transmissão caso a paciente apresente sangramento. Os suínos, em geral, se infectam por via oronasal, por contato direto com suínos
infectados ou pela ingestão de restos alimentares que contenham carne suína ou produtos derivados de carne suína não processados. A via de infecção primária é o trato respiratório superior e o vírus se replica nas tonsilas e nos linfonodos
que drenam a cabeça e o pescoço; seguese rapidamente uma infecção generalizada através da corrente sanguínea. Assim, há grande quantidade de vírus em todos os tecidos. Os fatores que induzem lesões hemorrágicas ainda não estão
definidos, mas disfunções graves no mecanismo de coagulação sanguínea têm um papel importante. O vírus é excretado predominantemente através do trato respiratório superior; também está presente em secreções e excreções que
contenham sangue.
Os suínos que sobrevivem à infecção por isolados menos virulentos tornamse, às vezes, permanentemente infectados por toda a vida e apresentam anticorpos circulantes, embora não excretem ou transmitam o vírus aos seus
descendentes, no interior do útero. Ainda não se sabe o seu papel na epidemiologia da doença, mas tornamse resistentes à doença quando desafiados com genótipos virais relacionados. Esses vírus de desafio podem se replicar e serem
transmitidos, tanto direta quanto indiretamente, para outros suínos.
O principal fator na persistência da doença nos suínos domésticos na África é a presença de um grande número de animais errantes nas vilas e, em algumas regiões, dos carrapatos vetores em seus cercados.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Podem ocorrer as formas hiperaguda, aguda, subaguda e crônica e a taxa de mortalidade varia de 0 a 100%, dependendo da virulência da cepa que infectou o suíno. A doença aguda é caracterizada por curto
período de incubação, que varia de 5 e 7 dias, seguido de febre alta (até 42°C) e morte em 7 a 10 dias. Os sinais clínicos variam pouco e os animais apresentam perda de apetite, depressão e decúbito. Os sinais clínicos secundários incluem
hiperemia de orelhas e pele, abdome e membros, angústia respiratória, vômito, sangramentos nasal e retal e, às vezes, diarreia. Nos casos de surtos, o aborto é o primeiro evento observado. A gravidade e a distribuição das lesões variam de
acordo com a virulência da cepa viral. Hemorragias ocorrem predominantemente nos linfonodos, rins (sobretudo como petéquias) e coração; prevalência e distribuição de hemorragias em outros órgãos são variáveis. Na infecção por alguns
vírus notase baço aumentado e friável, aumento de fluido de coloração pálida ou sanguinolenta nas cavidades pleural, pericárdica e peritoneal ou edema e congestão pulmonar. Alguns vírus isolados na Europa causam sinais clínicos e
lesões inespecíficas. A doença crônica é caracterizada por emaciação, tumefação articular e sintomas respiratórios. Essa forma da doença é raramente observada nos surtos.
DIAGNÓSTICO: PSA não pode ser diferenciada de peste suína clássica com base nos sinais clínicos e no exame pósmorte. As amostras de sangue, soro, baço, tonsilas e linfonodos gastrohepáticos de casos suspeitos devem ser submetidas à
confirmação laboratorial. O vírus pode ser isolado por inoculação de culturas primárias de monócitos de suínos, nos quais produz hemadsorção de hemácias de suínos à superfície das células infectadas. O vírus da peste suína clássica não se
replica nessas células. Há isolados que não induzem a hemadsorção viral e alguns destes ocasionam doença letal. Esses isolados induzem apenas um efeito citopático em leucócitos de suínos. Nesses casos, a confirmação de PSA deve ser
feita por PCR ou ELISA para detecção de antígeno. O antígeno viral pode ser constatado em esfregaços de tecidos infectados ou em cortes histológicos corados com anticorpo marcado (estão disponíveis vários testes com enzimas
marcadas, por exemplo, imunofluorescência) e DNA viral por PCR ou sonda de hibridação de ácidos nucleicos nos cortes histológicos. Os testes mais apropriados para detecção de anticorpos no soro e nos fluidos teciduais são ELISA,
imunofluorescência indireta e contraimunoeletroforese. Além desses, há inúmeros outros testes disponíveis.
Febre suína africana. Hiperemia generalizada em abdome e membros. Cortesia do Dr. C.A.L. Oura.
Outros diagnósticos diferenciais incluem infecção bacteriana hemorrágica e alguns tipos de produtos tóxicos.
CONTROLE: Não há tratamento e todas as tentativas de desenvolvimento de vacinas não obtiveram sucesso. A prevenção, portanto, depende da proibição da entrada de suínos vivos, bem como de produtos cárneos, em áreas livres da PSA.
O sucesso dos programas de erradicação envolve um diagnóstico rápido, abate e descarte de todos os animais infectados. Devem ser aplicadas medidas sanitárias e estas incluem controle da movimentação dos animais e tratamento de
resíduos alimentares. Subsequentemente, deve ser realizada pesquisa sorológica dos animais em todas as fazendas, bem como o controle específico por zonas para que todos os animais infectados sejam identificados.
PESTE SUÍNA CLÁSSICA (Cólera suína, Febre suína)
A peste suína clássica (PSC) é uma doença contagiosa febril de suínos. Foi descrita pela primeira vez no início do século XIX, nos EUA. Mais tarde, uma enfermidade descrita na Europa denominada febre suína foi reconhecida como sendo
a mesma doença. Ambos os nomes continuam em uso, embora na Europa seja utilizado peste suína clássica para diferenciar da peste suína africana (p. 812). As duas enfermidades são clinicamente indistinguíveis, mas são provocadas por
vírus não relacionados. Devido ao grave impacto econômico, surtos de PSC são notificados à OIE.
A peste suína clássica pode causar epidemias devastadoras, particularmente nos países livres da doença. Nestes países, geralmente a vacinação é permitida apenas em casos de emergência. No caso de um novo surto há necessidade de
implementação de rigorosas medidas de controle, de modo a evitar a disseminação da doença como, por exemplo, descarte de suínos infectados ou com suspeita da infecção e restrição à movimentação de animais. Isso pode ter graves
consequências à indústria suína, especialmente em áreas de criação com alta densidade populacional. Por exemplo, durante a epidemia da doença na Holanda em 19971998 ocorreu infecção em 429 criações e cerca de 700.000 suínos
foram descartados. Mais de 12 milhões de suínos foram mortos para estabelecer o controle da disseminação da doença. A conscientização e a vigilância são essenciais para a detecção precoce de surtos e para o diagnóstico, sendo
rapidamente instituídas medidas de controle para evitar a propagação do vírus. O “período de alto risco”, ou seja, o tempo entre a introdução do vírus e a detecção do surto, deve ser mantido o menor possível.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: A peste suína clássica é causada por um RNAvírus pequeno com envelope, pertencente ao grupo Pestivirus, da família Flaviviridae. O vírus da PSC é antigenicamente relacionado com outros pestivírus,
denominados vírus da diarreia viral bovina (p. 319) e vírus da doença da fronteira de ovinos (p. 640), os quais estão disseminados nas populações de ruminantes e ocasionalmente podem infectar suínos. Embora não causem doença em
suínos e sejam eliminados depois de alguns dias, devem ser realizados testes de diferenciação de anticorpos, a fim de distinguir peste suína clássica daquela infecção causada por pestivírus em ruminantes.
O vírus da peste suína clássica infecta somente membros da família Suidae, como suínos e javalis, embora infecções experimentais possam induzir a doença em outras espécies. O vírus se multiplica em culturas de células de suínos,
notadamente na linhagem PK15, mas geralmente não causam efeito citopático visível na cultura. O vírus tem apenas um sorotipo, embora possa ser detectada variabilidade antigênica entre cepas. A tipificação da cepa para o mapeamento
epidemiológico pode ser realizada por sequenciamento genético do vírus, combinado com análise filogenética.
O vírus é moderadamente frágil e não sobrevive no ambiente, dificultando a disseminação a longas distâncias, pelo ar. Sobrevive por longo período em ambientes úmidos; em meios de cultura rico em proteína, como carne, outros tecidos
e fluidos corporais, particularmente mantidos sob refrigeração ou congelamento. Relatase que o vírus sobrevive durante anos em carne suína congelada, ou meses, em carne curada.
A peste suína clássica é cosmopolita. É endêmica em países da América Latina, algumas ilhas do Caribe e em países asiáticos produtores de suínos. Em 2005, foi relatada a primeira ocorrência de peste suína clássica na África do Sul,
desde 1918. Austrália, Nova Zelândia, Canadá e EUA são livres de peste suína clássica, como a maioria dos países da Europa Oriental e Central, embora ocorram surtos esporádicos em alguns países europeus. A doença é endêmica em
vários países do Leste Europeu.
A principal fonte de infecção é o suíno – vivo ou carne suína mal cozida. Nas áreas endêmicas, a maior preocupação é a disseminação da doença pela movimentação de suínos infectados, os quais podem causar surtos remotos em locais
onde há ampla escala de transporte para terminação. Em partes da Europa, a população de javalis pode atuar como portadora.
Outro importante risco é a introdução acidental do vírus por meio de carne suína ilegalmente importada e derivados de carne oriundos da cadeia de produção de alimentos suínos, de animais alimentados com restos de alimentos
(“lavagem”). O vírus é rapidamente inativado pelo cozimento, fato que enfatiza a importância da regulamentação do tratamento térmico de restos de alimentos (“lavagem”). Em muitos países, a prática de fornecer restos de alimentos foi
banida.
A transmissão mecânica por meio de veículos e equipamentos, bem como por pessoas (principalmente veterinários) que visitam várias fazendas, é muito relevante para a disseminação entre áreas infectadas.
Se as fêmeas forem infectadas com cepas de virulência baixa a moderada durante a gestação, recuperandose em seguida, o risco de que seus filhotes se tornem portadores é alto. Nem todos estes portadores persistentemente infectados
manifestam sinais clínicos da doença, mas podem excretar vírus permanentemente. Portanto, é particularmente importante o exame de rebanhos com altas taxas de falha reprodutiva, tremor congênito ou outras anomalias congênitas
inexplicáveis.
A provável via de transmissão aos javalis selvagens inclui “restos” ou lixo contaminados de suínos domésticos infectados. A consequência destas infecções depende principalmente do tamanho e da densidade das populações de javalis
selvagens infectados. Surtos em pequenas populações que vivem em confinamentos naturais, como vales, tendem a ser autolimitantes. Por outro lado, infecções que causam surtos em grandes áreas e com alta densidade populacional
frequentemente tornamse endêmicas.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: A doença se manifesta nas formas aguda e crônica e a virulência pode ser grave, com alta taxa de mortalidade, ou discreta ou até mesmo subclínica. Cepas de baixa virulência representam um problema
especial no diagnóstico; a única manifestação pode ser baixo desempenho reprodutivo e nascimento de leitões com anomalias neurológicas (p. ex., tremor congênito, p. 1345).
A forma aguda grave é caracterizada por febre, inapetência e depressão. O período de incubação tipicamente varia de 3 a 7 dias, com morte entre o décimo e o vigésimo dia após a infecção. A febre (> 41°C) persiste até o estágio terminal
da enfermidade, quando a temperatura corporal pode ser subnormal. Constipação intestinal é comum, seguida de diarreia. A principal lesão é vasculite generalizada, verificada em suínos vivos na forma de hemorragia e cianose cutânea,
notadamente nas extremidades. Também, pode haver eritema generalizado. A vasculite de SNC pode causar incoordenação ou mesmo convulsões. Na necropsia os principais achados incluem petéquias disseminadas e hemorragias
equimóticas, especialmente nos linfonodos, rins, baço, bexiga e laringe. O infarto pode ser observado principalmente no baço. A maioria dos suínos apresenta encefalite não supurativa, com manguito vascular.
Na doença crônica, os suínos geralmente sobrevivem por até 3 meses. Após o início da fase febril aguda, esses animais apresentam recuperação aparente, seguida de recidiva, com anorexia, depressão, febre e perda progressiva da
condição corporal. Histologicamente notase atrofia do timo e depleção linfoide. Úlceras em forma de botão podem se desenvolver no intestino, particularmente próximo da junção ileocecal.
DIAGNÓSTICO: A primeira linha de diagnóstico é realizada pelo veterinário a campo. Como os sinais clínicos não são necessariamente típicos, geralmente devese realizar diagnóstico laboratorial e diferencial. O diagnóstico diferencial
inclui outras doenças hemorrágicas febris dos suínos, como peste suína africana, septicemias bacterianas (p. ex., salmonelose, erisipela etc.), intoxicação por anticoagulantes (derivados cumarínicos) e doença hemolítica do recémnascido.
As lesões hemorrágicas devem ser diferenciadas daquelas observadas na dermatite suína e na síndrome nefropática e das lesões provocadas pela síndrome debilitante multissistêmica no pósdesmame (p. 798), que está disseminada em
muitos países produtores de suínos. No caso de cepas de baixa virulência do vírus da peste suína clássica, deve–se considerar várias outras causas de baixo desempenho reprodutivo e de tremor congênito, inclusive pseudorraiva,
parvovirose, diarreia viral bovina e doença da fronteira, bem como causas não infecciosas.
Os testes virológicos são essenciais para a confirmação do diagnóstico. Recomendase consulta ao laboratório antes do envio das amostras. Os tecidos apropriados incluem tonsilas, linfonodos maxilar ou submandibular, linfonodos
mesentéricos, baço, íleo e rins. Amostras de sangue total, colhidas com anticoagulante EDTA, podem ser utilizadas para isolamento viral de um animal vivo com doença aguda ou para detecção de antígeno ou de ácido nucleico. Amostras
de sangue sem uso de anticoagulante são obtidas quando há necessidade de testes sorológicos para pesquisa de anticorpo. Sorologia é o método de escolha para exame de porcas que pariram leitões com anomalias congênitas e triagem para
identificação viral, em particular em javalis e populações de suínos selvagens.
A detecção de antígeno pode ser realizada por meio de imunofluorescência direta em cortes teciduais congelados, especialmente das tonsilas. A leitura desses preparados requer profissional experiente e altamente capacitado. Sua
principal vantagem é o rápido resultado. A detecção de antígeno também pode ser realizada por meio de ELISA. Entretanto, este teste tem baixa sensibilidade, sendo útil apenas para triagem de rebanhos suínos. Mais comumente, fazse a
detecção de ácido nucleico viral utilizando a RTPCR. Além disso, com o uso de primers apropriados, o teste RTPCR permite diferenciar este vírus daqueles vírus da diarreia viral bovina e da doença da fronteira. Métodos padronizados
foram descritos e permitem fazer a triagem de grande número de amostras de sangue (pool), fornecendo rápido resultado, com alta sensibilidade. Isto é particularmente útil para triagem de rebanhos durante um surto.
Para o isolamento viral, culturas de células são inoculadas com suspensões teciduais ou com leucócitos, fixadas após 2 a 3 dias, e o vírus é detectado após teste com marcador imunológicos (utilizando marcadores fluorescentes ou
enzimas marcadas). Os resultados podem demorar 4 a 7 dias. Este método é trabalhoso e demorado. Entretanto, devido sua sensibilidade e especificidade é um método de referência no caso de um novo surto.
A caracterização do vírus com o uso de anticorpos monoclonais específicos ao vírus ou RTPCR é realizada para diferenciar o vírus da peste suína clássica de outros pestesvírus. Nos testes de detecção de antígeno ou de isolamento viral
não devem ser confirmados até que se realize a caracterização do vírus.
Para o exame sorológico há disponibilidade de teste de neutralização viral e de ELISA. Como o vírus não é citopatogênico em cultura, o teste de neutralização requer um estágio de marcação imunológica adicional. ELISA é o teste
sorológico mais adequado para uso em larga escala, ou seja, como teste de vigilância epidemiológica. Alguns kits comerciais disponíveis para ELISA podem diferenciar anticorpos do vírus da peste suína clássica daquele da diarreia viral
bovina, embora seja recomendado teste confirmatório quando há ambas as doenças. Teste ELISA pode detectar anticorpos contra uma proteína viral específica e que não fazem parte daqueles denominados “marcadores de vacinas”. Tal
como para a diferenciação de indivíduos infectados daqueles vacinados, foi desenvolvido um teste DIVAELISA para identificação de suínos infectados com vírus de campo daqueles de uma população vacinada com uma vacina de
subunidade disponível no mercado. Este procedimento ainda não é muito aceito para uso no campo e o ELISA para diferenciação de indivíduos infectados daqueles vacinados é menos sensível.
CONTROLE: Na maioria dos países, a peste suína clássica é uma doença de notificação obrigatória. O controle é rigidamente regulamentado por leis e medidas sanitárias. Não há tratamento possível. Os suínos infectados devem ser abatidos
e as carcaças enterradas ou incineradas. Os casos confirmados e os animais contactantes devem ser abatidos, implementandose medidas de prevenção da doença em outros suínos. Essas medidas podem envolver o abate de animais,
restrições de transporte de suínos ou vacinação, dependendo das regulamentações de controle da doença no local.
Em países onde o vírus é endêmico, os animais infectados são destruídos e a vacinação é utilizada para prevenir a disseminação adicional do vírus. Países livres de peste suína clássica geralmente implementam medidas rígidas para
impedir surtos da doença. Na União Europeia, onde o uso profilático de vacina é proibido, a vacinação de emergência pode ser utilizada para controlar surtos graves com o uso de vacina viva modificada convencional ou um marcador de
vacina. As vacinas com vírus vivo modificado são derivadas da cepa C lapinizada ou cepas adaptadas de culturas de células. Elas são efetivas e inócuas. Há alguns anos, uma vacina com subunidade contendo apenas glicoproteína da
superfície viral principal foi aprovada. Como os suínos com infecção natural produzem anticorpos contra essa proteína, teoricamente a combinação de marcador de vacina e teste diagnóstico específico (DIVAELISA), permite a
diferenciação de suínos vacinados daqueles infectados. A vacina composta de subunidade é utilizada desde 2006,? na Romênia, para vacinação de emergência. Em surtos envolvendo javalis selvagens, a vacinação de emergência utilizando
iscas com vacina viva modificada foi utilizada com sucesso na Alemanha e em outros países da Europa.
SÍNDROME RESPIRATÓRIA E REPRODUTIVA SUÍNA
A síndrome respiratória e reprodutiva suína (SRRS) foi relatada pela primeira vez nos EUA em 1987. Desde então, os surtos de SRRS e o sucesso no isolamento do vírus tem confirmado a presença da doença na América do Norte e na
Europa.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O agente etiológico é um vírus da família Arteriviridae. O vírus é envelopado e o tamanho varia entre 45 e 80 nm. A inativação é possível após o tratamento com éter ou clorofórmio, contudo, o vírus é
muito estável sob congelamento, mantendo sua infectividade por até 4 meses a 70°C. Quando a temperatura aumenta, a infectividade é reduzida (15 a 20 min a 56°C).
Após a infecção de um plantel saudável, a exposição de todos os membros da população reprodutora é inconsistente, encontrandose subpopulações de porcas sadias, expostas e persistente mente infectadas. Esta situação é agravada ao
longo do tempo com a introdução de marrãs de reposição não adaptadas, o que provoca a disseminação do vírus dos animais portadores para aqueles que não foram previamente expostos.
O vetor primário responsável pela transmissão do vírus é o suíno infectado. A transmissão por contato foi demonstrada experimentalmente e a disseminação do vírus oriundo de uma única fonte de um grupo de reprodutores infectados já
foi descrita. A aquisição de animais infectados pode levar à introdução e coexistência de diversos isolados geneticamente diferentes do vírus SRRS em uma mesma granja. Estudos controlados indicaram que um suíno infectado pode ser
portador por longos períodos e os adultos são capazes de disseminar o vírus da SRRS por até 86 dias após a infecção, enquanto os leitões desmamados podem abrigar o vírus por até 157 dias. Experimentalmente, os varrões podem eliminar
o vírus no sêmen por até 93 dias após a infecção.
A transmissão do vírus por aerossol foi confirmada como uma via de transmissão indireta e dependente da patogenicidade do isolado. Isolados altamente virulentos, que produzem de altos títulos de vírus na corrente sanguínea e nos
tecidos, apresentaram frequência de disseminação via aerossóis significativamente maior do que a de isolados menos patogênicos. Fatores ambientais, como a direção e velocidade do vento também exercem um impacto significante sob
esta via de disseminação. O vírus da SRRS também pode ser transmitido por fômites, tais como agulhas contaminadas, botas, uniformes, veículos de transporte e contêineres. Os empregados da granja não representam um risco, a menos
que suas mãos estejam contaminadas com o sangue de suínos virêmicos. Finalmente, a transmissão por certas espécies de insetos (mosquitos [Aedes vexans] e moscas domésticas [Musca domestica]) foi relatada.
ACHADOS CLÍNICOS: A SRRS apresenta duas fases clínicas distintas: falha reprodutiva e doenças respiratórias pósdesmame. A fase reprodutiva da doença inclui o aumento do número de leitões natimortos, fetos mumificados, partos
prematuros e recémnascidos fracos. A ocorrência de natimortos e de fetos mumificados pode aumentar até 25 a 35% e os abortos podem ser > 10%. A anorexia e a agalaxia são evidentes em porcas lactantes e resultam em aumento (30 a
50%) da mortalidade prédesmame. Os leitões lactentes apresentam uma respiração laboriosa característica e o exame histopatológico dos tecidos pulmonares revela pneumonia intersticial necrosante grave. O vírus da SRRS é capaz de
ultrapassar a placenta no terceiro e possivelmente no segundo trimestre da gestação. Os leitões também podem nascer virêmicos e transmitir o vírus por 112 dias após a infecção. O desempenho após o desmame também é afetado. A
infecção pelo vírus da SRRS resulta na destruição dos macrófagos alveolares maduros, o que leva à hipótese de que a infecção resulte na supressão do sistema imune, embora estudos controlados indiquem que o vírus pode induzir o
aumento de parâmetros específicos da resposta imune.
Os surtos da forma reprodutiva da SRRS têm sido relatados nos últimos 1 a 4 meses da gestação, dependendo do tipo de instalação e do estado de saúde inicial das porcas. Em contraste, a fase pneumônica no pósdesmame pode tornarse
crônica, reduzindo o ganho de peso diário em cerca de 85% e aumentando a mortalidade em 10 a 25%. Outros patógenos também são frequentemente isolados com o vírus da SRRS em leitões de creche ou em adultos em terminação.
Diversas bactérias, como Streptococcus suis, Escherichia coli, Salmonella Choleraesuis, Haemophilus parasuis e Mycoplasma hyopneumoniae, e outros tipos de vírus, como o coronavírus respiratório suíno e o vírus da influenza suína,
foram relatadas. Finalmente, diferenças na resposta clínica ao vírus da SRRS também podem ser decorrentes de variações entre as estirpes. Estudos demonstraram a capacidade de diferentes isolados em induzir diferentes graus de
pneumonia intersticial em leitões originados de cesariana e privados de colostro após a inoculação intranasal.
DIAGNÓSTICO: Os testes mais utilizados são o ELISA e a RIFI. Estes testes determinam os anticorpos IgG antivírus da SRRS. Estes testes não mensuram o nível de imunidade do animal e nem identificam se o animal é um portador. Os
títulos são detectados entre 7 e 10 dias após a infecção e podem persistir por até 144 dias. Altos títulos podem indicar infecção recente e a disseminação do vírus pode ocorrer na população estudada. Os testes para identificação do vírus da
SRRS incluem a PCR, isolamento viral e imunoistoquímica. Recentemente, o sequenciamento do ácido nucleic o de determinadas regiões do vírus está comercialmente disponível e demonstrou ser uma excelente ferramenta para
investigações epidemiológicas a campo para confirmar a similaridade dos isolados obtidos em diferentes locais.
TRATAMENTO E CONTROLE: Atualmente, não há tratamento efetivo para SRRS aguda. Tentativas para a redução da febre com a utilização de AINE (ácido acetilsalicílico) ou estimulantes do apetite (vitamina B) parece promover benefícios
mínimos. O uso de antibióticos ou de bacterinas autógenas para reduzir os efeitos dos patógenos bacterianos oportunistas também foram relatados, porém, os resultados são inconclusivos.
A prevenção da infecção parece ser o principal meio de controle da doença. O conhecimento da prevalência da SRRS em marrãs e varrões de reposição, bem como o isolamento e a aclimatação adequada dos animais recémchegados, são
medidas críticas na prevenção da introdução do vírus. Os suínos devem ser testados novamente na chegada à instalação de isolamento e 45 a 60 dias depois, antes da entrada no plantel. A eliminação da infecção existente com múltiplos
sítios de produção e desmame precoce segregado também foi relatada. Embora estas estratégias tenham obtido algum sucesso, os riscos de reinfecção a longo prazo parecem altos. A prevenção da disseminação viral por meio da redução da
população de leitões na creche também foi relatada. Esta prática é bemsucedida quando a transmissão viral não está ocorrendo na população de porcas (geralmente 12 a 18 meses após o surto inicial), mas os leitões de creche e os suínos em
crescimento/terminação ainda continuam infectados. Todos os leitões da creche são removidos da granja para terminação em outro local. As instalações da creche são rigorosamente lavadas, desinfetadas e esvaziadas por 7 a 14 dias, para
então serem utilizadas normalmente. A técnica eliminou com sucesso o vírus de muitos plantéis, e os suínos permaneceram soronegativos (por > 1 ano) na idade de abate. A produtividade na creche melhorou em relação às taxas de
crescimento e de mortalidade.
As vacinas comerciais, com vírus vivo modificado e inativado, foram licenciadas e tem sido eficazes no controle de surtos e na prevenção de perdas econômicas.
Recentemente, demonstrouse a possibilidade de erradicação da SRRS na granja. Métodos como despopulação/repopulação, teste e remoção, bem como a produção em plantéis fechados têm sido documentados como métodos eficazes
para eliminação do vírus plantéis endemicamente infectados. Infelizmente, inúmeras tentativas de erradicação têm falhado devido à introdução de novos isolados por vias não identificadas. Isto tem resultado no aumento do nível de
biossegurança das granjas. Quarentena rigorosa, programas de testes, aquisição de animais de reposição e de sêmen livre do vírus da SRRS, utilização de sistemas de filtração de ar, higienização dos veículos de transporte e protocolos
rigorosos de deslocamento de fômites e dos funcionários entre as granjas são componentes críticos para um programa de controle eficiente.
TRIQUINELOSE (Triquinose)
A triquinelose é uma doença parasitária de importância em saúde pública, causada pelo nematoide Trichinella spiralis. As infecções humanas se estabelecem pelo consumo de carne infectada mal cozida, geralmente suína ou de urso,
embora outras espécies também tenham sido implicadas. As infecções naturais ocorrem nos carnívoros selvagens; a triquinelose também é encontrada em equinos, ratos, castores, gambás, morsas, baleias e aves que consomem carne. A
maioria dos mamíferos é suscetível.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: Trichinella spp é considerada um complexo de 8 espécies, com 11 genótipos (T1 a T11), identificadas pela análise de DNA. Há poucas diferenças morfológicas e a identificação das espécies é baseada em
características como isolamento reprodutivo, infectividade em determinados hospedeiros e resistência ao congelamento. T. spiralis (T1) é a espécie mais comum que afeta os seres humanos e animais domésticos na maioria das regiões
temperadas; ela possui alta infectividade para suínos e roedores, baixa resistência ao congelamento e forma cistos musculares. Outras espécies formadoras de cistos incluem a T. nativa (T2), encontrada nos carnívoros árticos; T.
britova (T3), encontrada principalmente na região sul da Europa; T. murrelli (T5), restrita à América do Norte, T. nelsoni (T7), restrita à África Oriental; e outros 3 genótipos de T. nelsoni: T6 (carnívoros da América do Norte), T8
(carnívoros da África) e T9 (animais selvagens japoneses). Há 3 outras espécies: T. pseudospiralis (T4), T. papuae (T10) e T. zimbabwensis (T11) – que não formam cistos musculares.
A infecção geralmente ocorre pela ingestão de larvas encistadas no músculo. A parede cística é digerida no estômago e as larvas liberadas penetram nas mucosas duodenal e jejunal. Dentro de aproximadamente 4 dias, as larvas se
desenvolvem em adultos sexualmente maduros. Após o acasalamento, as fêmeas (3 a 4 mm) penetram profundamente na mucosa e liberam larvas vivas (até 1.500) durante 4 a 16 semanas. Após a reprodução, as formas adultas morrem e
geralmente são digeridas. As larvas jovens (0,1 mm) migram para os vasos linfáticos, são transportadas via sistema portal até a circulação periférica, e alcançam os músculos estriados, penetrando nas células musculares individuais. As
larvas crescem rapidamente (para 1 mm) e começam a espiralar no interior da célula, geralmente uma por célula. A formação da cápsula iniciase em aproximadamente 15 dias após a infecção, e é completada entre 4 e 8 semanas, momento
em que as larvas são infectantes. As células se degeneram à medida que a larva cresce e ocorre a calcificação (em diferentes proporções nos vários hospedeiros). As larvas podem permanecer viáveis nos cistos durante anos e o seu
desenvolvimento apenas continua se forem ingeridas por outro hospedeiro adequado. O diafragma, a língua, o masseter e os músculos intercostais estão entre os músculos com alta carga parasitária nos suínos.
Se as larvas passarem pelo intestino e forem eliminadas juntamente com as fezes antes da maturação, elas são infectantes para outros animais.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: A maioria das infecções nos animais domésticos e selvagens não são diagnosticadas. No ser humano, as infecções com alta carga parasitária produzem enfermidade séria com três fases clínicas
(intestinal, invasão muscular e convalescente) e mortes ocasionais.
Embora o diagnóstico ante mortem nos animais, exceto em humanos, seja raro, podese suspeitar de triquinelose se houver um histórico de ingestão de roedores, carcaças de animais selvagens ou de carne crua infectada. O exame
microscópico de uma amostra de biopsia muscular (geralmente língua) pode ser confirmatório, mas não exclui necessariamente a triquinelose. O ELISA é um teste confiável para a detecção de anticorpos antiTrichinella. A soroconversão
pode não ocorrer durante várias semanas após a infecção, embora quantidades muito pequenas como 0,01 larvas por grama de carne possa ser detectada.
CONTROLE: Geralmente os animais não são tratados. O objetivo é prevenir a ingestão dos cistos musculares viáveis de Trichinella (triquinas) por qualquer animal, inclusive pessoas. Nos suínos, isto pode ser obtido com um bom manejo
que inclui o controle de roedores, cozimento dos restos de alimentos fornecidos aos suínos durante 30 min a 100°C (212°F), e prevenção do canibalismo (i. e., mordedura de cauda) e acesso a carcaças de animais selvagens.
A inspeção da carne para triquinas viáveis no momento do abate (por triconoscopia ou métodos de digestão) é efetiva na prevenção da infecção humana em muitos países. Na América do Norte, supõese que a carne suína possa estar
infectada; assim, os produtos do tipo “pronto para comer” devem ser processados por aquecimento, congelamento ou cura adequados para matar as triquinas antes da comercialização. Outros produtos de carne suína devem ser cozidos para
assegurar que todo o tecido tenha sido aquecido a uma temperatura interna = 58°C. O congelamento da carne suína a uma temperatura apropriada por um período adequado também é efetivo (15°C por 20 dias, 23°C por 10 dias ou 30°C
por 6 dias). O congelamento pode não ser um método confiável para matar as triquinas presentes em outros tipos de carne que não a suína.
Trichinella spiralis em amostra obtida por biopsia muscular; 100x. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.
CINOMOSE CANINA (Paraqueratose de coxim plantar, Hardpad disease)
A cinomose canina é uma doença viral sistêmica, altamente contagiosa, que acomete cães em todo o mundo. Clinicamente é caracterizada por febre difásica, leucopenia, formação de catarro nos sistemas respiratório e gastrintestinal e,
frequentemente, complicações neurológicas e pneumônicas. A doença afeta canídeos (cães, raposas, lobos), mustelídeos (p. ex., furão, visonamericano, cangambá, carcaju, marta, texugo), a maioria dos procionídeos (p.
ex., guaxinim, quati), alguns viverídeos (binturong), ailurídeos (panda vermelho), elefantídeos (elefante asiático), primatas (macaco japonês) e grandes felídeos.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: A cinomose canina é causada por um paramixovírus estreitamente relacionado com o vírus do sarampo e ao da peste bovina. O vírus envelopado é frágil, sendo sensível a solventes lipídicos como o éter e à
maioria dos desinfetantes, inclusive fenóis e compostos quaternários de amônio, sendo relativamente instável fora do hospedeiro. A principal via de infecção é por meio de gotículas de aerossol de animais infectados. Alguns cães infectados
podem eliminar o vírus por vários meses.
A replicação viral ocorre inicialmente no tecido linfático do trato respiratório. A viremia associada a células resulta na infecção de todos os tecidos linfáticos, seguida de infecção dos epitélios respiratório, gastrintestinal e urogenital, bem
como do SNC e nervo óptico. A doença ocorre após a replicação do vírus nesses tecidos. O grau de viremia e a extensão da disseminação viral aos vários tecidos são moderados pelo nível de imunidade humoral específica no hospedeiro
durante o período virêmico.
ACHADOS CLÍNICOS: Notase febre passageira geralmente entre 3 e 6 dias após a infecção, podendo também ocorrer leucopenia (especialmente linfopenia) durante este período; estes sinais podem passar despercebidos ou serem
acompanhados de anorexia. A febre cessa por vários dias antes de ocorrer uma segunda onda febril, que dura mais de 1 semana. Esta pode ser acompanhada de secreção nasal serosa, secreção ocular mucopurulenta, letargia e anorexia.
Podem seguirse sinais respiratórios e gastrintestinais geralmente complicados por infecções bacterianas secundárias. Raramente é observada dermatite pustular. Pode ocorrer encefalomielite associada a outros sinais, após a doença
sistêmica ou até mesmo na ausência de manifestações sistêmicas. Os cães que sobrevivem à fase aguda podem apresentar hiperqueratose dos coxins plantares (doença dos coxins ásperos) e do epitélio do plano nasal, assim como hipoplasia
do esmalte dos dentes com erupção incompleta.
Em geral, o curso prolongado da doença está associado à presença de sinais neurológicos; entretanto, não há uma maneira de prever se um cão infectado irá ou não apresentar as manifestações neurológicas. Os sinais neurológicos
incluem andar em círculos, inclinação persistente da cabeça, nistagmo, paresia a paralisia e convulsões focais ou generalizadas. São considerados sinais neurológicos clássicos contrações musculares involuntárias de um músculo ou de um
grupo muscular (mioclonia, coreia, espasmos e hipercinesia) e convulsões caracterizadas por salivação e movimentos mandibulares de mastigação (mascar chiclete).
Um cão pode exibir qualquer um ou todos estes sinais multissistêmicos durante o curso enfermidade. A infecção pode ser leve ou inaparente ou levar a uma doença grave com manifestação da maioria dos sinais anteriores. O curso da
doença sistêmica pode ser curto, de apenas 10 dias, mas o surgimento dos sinais neurológicos pode ser atrasado por várias semanas ou meses, como resultado da desmielinização crônica do SNC.
Os sinais clinicopatológicos são inespecíficos e incluem linfopenia, com possível achado de corpúsculos de inclusão viral em linfócitos circulantes já no início da doença. A radiografia torácica pode revelar padrão intersticial típico de
pneumonia viral.
A encefalite da cinomose crônica (encefalite do cão idoso [ECI]), uma afecção muitas vezes marcada por ataxia, movimentos compulsivos, tais como pressionar a cabeça ou andar continuamente, bem como hipermetria descoordenada,
pode ocorrer em cães adultos vacinados e sem histórico sugestivo de cinomose canina sistêmica. Embora o antígeno da cinomose canina tenha sido detectado no cérebro de alguns cães com ECI por métodos de imunofluorescência ou
métodos genéticos, animais com ECI não são fontes de infecção e o vírus com capacidade de replicação não foi isolado. Esta encefalite é causada pela reação inflamatória associada à infecção persistente do vírus da cinomose canina no
SNC, mas os mecanismos que deflagram esta síndrome ainda são desconhecidos.
Lesões: A atrofia do timo é um achado pósmorte compatível em filhotes infectados. Hiperqueratose do nariz e coxins plantares é encontrada com frequência em cães com manifestações neurológicas. Dependendo do grau de infecção
bacteriana secundária, também podem estar presentes broncopneumonia, enterite e pústulas cutâneas. Em casos de morte na fase aguda ou hiperaguda, são encontradas anormalidades apenas no sistema respiratório. Histologicamente, o
vírus da cinomose canina produz necrose dos tecidos linfáticos, pneumonia intersticial e corpúsculos de inclusão intranucleares e citoplasmáticos nos epitélios respiratório, urinário e gastrintestinal. As lesões encontradas no cérebro dos
cães com complicações neurológicas incluem degeneração neuronal, gliose, desmielinização não inflamatória, infiltrado inflamatório perivascular, leptomeningite não supurativa e corpúsculos de inclusão intranucleares (encontrados
predominantemente em células gliais).
DIAGNÓSTICO: A cinomose deve ser considerada no diagnóstico de qualquer afecção febril em filhotes de cães com manifestações em múltiplos sistemas. Os sinais característicos por vezes surgem apenas tardiamente no curso da doença e
o quadro clínico pode ser modificado por toxoplasmose, neosporose, coccidiose, parasitoses e numerosas infecções virais e bacterianas concomitantes. A cinomose às vezes é confundida com outras infecções sistêmicas, como leptospirose,
hepatite infecciosa canina ou febre maculosa. Intoxicantes como chumbo ou organofosforados podem provocar sequelas no trato gastrintestinal ou neurológicas simultaneamente. Um estado febril, com presença de catarro e com sequelas
neurológicas justifica um diagnóstico clínico de cinomose.
Em cães com sinais multissistêmicos, esfregaços de conjuntiva, traqueia, vagina e outros tipos de epitélio, camada leucoplaquetária, sedimento urinário ou aspirado de medula óssea podem ser examinados por meio de imunofluorescência
ou PCR via transcriptase reversa (RTPCR). A sorologia de IgM específica para o vírus também é útil nos estágios iniciais da doença. Títulos de anticorpos ou ELISA podem ser realizados no fluido cerebrospinal (FCE) e comparados com
os valores obtidos no sangue periférico; um valor relativamente maior no FCE é típico de infecção natural versus vacinação. Testes de imunofluorescência para o antígeno viral (IFA) ou hibridização fluorescente in situ do DNA viral podem
ser realizados em biopsias de coxins plantares ou da pele da face dorsal do pescoço.
À necropsia, o diagnóstico geralmente é confirmado pelas lesões histológicas, IFA ou ambas. Essas amostras frequentemente são negativas quando o cão só exibe manifestações neurológicas ou na presença de anticorpos circulantes (ou
ambos), devendo o diagnóstico ser realizado pela avaliação do FCE ou pela sorologia de IgM específica para o vírus.
TRATAMENTO: Os tratamentos são sintomáticos e de suporte, direcionados à limitação da invasão bacteriana secundária, suporte ao equilíbrio de fluidos e controle das manifestações nervosas. Antibióticos de amplo espectro, soluções
eletrolíticas balanceadas, nutrição parenteral, antipiréticos, analgésicos e anticonvulsivantes são utilizados no tratamento e bons cuidados de enfermagem são essenciais. Nenhum tratamento isolado é específico ou alcança êxito uniforme.
Trabalhos experimentais in vitro com agentes antivirais são promissores, mas nenhum está disponível comercialmente.
Infelizmente, o tratamento das manifestações neurológicas agudas da cinomose canina é frequentemente insatisfatório. Se os sinais neurológicos forem progressivos ou graves, o proprietário deve ser aconselhado apropriadamente. Com a
instituição de tratamento agressivo logo no início, os cães podem recuperarse completamente das manifestações multissistêmicas, mas em outros casos os sinais neurológicos podem persistir após o desaparecimento dos sinais respiratórios
e gastrintestinais. Os cães com alguma forma da doença neurológica crônica progressiva ou induzida por vacinas podem responder à terapia imunossupressora com antiinflamatórios ou dosagens maiores de glicocorticoides.
PREVENÇÃO: A imunização bemsucedida dos filhotes com vacinas de vírus vivo modificado (VVM) da cinomose canina depende da ausência de interferência dos anticorpos maternos. Para superar essa barreira, os filhotes são vacinados
com vacinas de VVM na sexta semana de idade em intervalos de 3 a 4 semanas até a 16a semana de idade. Alternativamente, vacinas para o vírus do sarampo induzem imunidade ao vírus da cinomose canina na presença de níveis
relativamente maiores de anticorpos maternos contra cinomose. As vacinas contra sarampo devem ser administradas por via intramuscular a filhotes com 6 a 7 semanas de idade e seguidas por pelo menos mais duas doses da vacina de
VVM contra cinomose quando estes completarem 12 a 16 semanas.
Diversas vacinas atenuadas contra cinomose estão disponíveis e devem ser utilizadas de acordo com as instruções dos fabricantes. As vacinas de VVM não devem ser aplicadas em cadelas em fase avançada de prenhez ou em início de
lactação. As vacinas de VVM podem produzir doença pósvacinal em alguns cães imunossuprimidos. Uma vacina de vetor recombinante de varíola aviária que expressa proteínas do vírus da cinomose está disponível e tem se mostrado
segura e eficiente. Historicamente, a revacinação anual é padronizada, devido a possíveis quedas na proteção que podem ocorrer em situações de estresse, doença ou imunossupressão do cão, sendo muitas vacinas recomendadas como para
aplicação anual. Achados recentes indicam que a imunidade induzida pelas vacinas de VVM pode durar 3 anos ou mais. Entretanto, na maioria dos casos este é considerado um uso não recomendado da vacina; assim, a decisão de
revacinação em intervalos maiores do que 1 ano deve ser cuidadosamente avaliada, levando em consideração a prevalência local da doença, fatores de risco e as recomendações dos fabricantes e das organizações de classe.
DOENÇAS CAUSADAS POR RIQUÉTSIAS
ERLIQUIOSE E INFECÇÕES RELACIONADAS
No passado, vários microrganismos intracelulares obrigatórios que infectavam células eucarióticas eram classificados como pertencentes ao gênero Ehrlichia, com base nas diferenças morfológicas e ecológicas. Com as novas técnicas de
análise genética, esses agentes foram reclassificados como pertencentes ao gênero Ehrlichia, Anaplasma e Neorickettsia, todos da família Anaplasmataceae. No entanto, ainda é comum o uso do termo “erliquiose” para descrever a infecção
causada por estes agentes.
ETIOLOGIA: A erliquiose canina é causada principalmente por Ehrlichia canis, que infecta predominantemente os monócitos e, embora não seja considerada uma zoonose primária, ocasionalmente relatase infecção humana por este agente.
Outro agente patogênico comum em cães é E. chaffeensis, que provoca uma forma monocítica da doença; é a principal espécie causadora da erliquiose humana nos EUA. Vários relatos publicados de erliquiose monocítica em gatos
sugerem que a infecção felina pode ocorrer, embora raramente. E. ewingii, que infecta principalmente os granulócitos dos hospedeiros suscetíveis, foi isolada de cães e seres humanos no sul, oeste e centrooeste dos EUA.
A. phagocytophilum, antigamente denominado E. equi e como agente causador da erliquiose granulocítica humana, tem sido relatado como causa da doença em cães. É conhecido por causar doença humana nos EUA, principalmente nos
estados do nordeste, centrooeste e oeste. A infecção com este agente é mais apropriadamente referida como anaplasmose e o agente patogênico é encontrado predominantemente nos granulócitos.
A. platys, que infecta as plaquetas, é o agente causador da trombocitopenia infecciosa cíclica em cães.
EPIDEMIOLOGIA: E. canis é transmitida pelo carrapato marrom do cão, Rhipicephalus sanguineus, que é encontrado em todo o mundo; consequentemente, a erliquiose monocítica canina também possui uma distribuição enzoótica mundial.
Carrapatos Rhipicephalus infectamse com E. canis ao alimentarse em cães infectados e transmitem a infecção para outros cães durante os repastos sanguíneos nos sucessivos estágios de vida. As transfusões de sangue, ou outros meios
pelos quais as células da série branca infectadas podem ser transferidas, também podem transmitir o patógeno. E. chaffeensis e E. ewingii têm ciclos silvestres no ambiente envolvendo espécies de carrapatos e animais selvagens
reservatórios. Nos EUA, E. chaffeensis e E. ewingii são transmitidas pelo Amblyomma americanum, o carrapato estrela, e acreditase que o cariacu tem papel importante como hospedeiro reservatório. Os cães também são considerados
possíveis reservatórios de E. ewingii.
A. phagocytophilum é transmitido pelas espécies de carrapatos Ixodes; no nordeste dos EUA, a infecção é transmitida pelo I. scapularis, o carrapato de patas negras, ao passo que a infecção nos estados do oeste está principalmente
associada a I. pacificus, o carrapato de patas negras ocidental. Na natureza, o ciclo enzoótico provavelmente está mais associado aos pequenos roedores. Os seres humanos e os animais domésticos são os hospedeiros acidentais destes
patógenos. A transmissão entre humanos por meio de transfusão sanguínea foi relatada; o risco de infecções após transfusões de sangue em cães é desconhecido.
A. platys é transmitido por R. sanguineus (o carrapato marrom do cão) e é enzoótico em muitas partes dos EUA e do mundo. A infecção concomitante com E. canis pode ocorrer, pois o mesmo carrapato vetor é o responsável pela
transmissão de ambos os agentes patogênicos.
ACHADOS CLÍNICOS: Em cães, E. canis causa uma manifestação clínica potencialmente mais grave do que Ehrlichia spp. Os sinais surgem a partir do envolvimento do sistema hematológico e linforreticular, sendo geralmente a progressão de
aguda a crônica, dependendo da cepa do microrganismo e do estado imunológico do hospedeiro. Nos casos agudos há hiperplasia reticuloendotelial, febre, linfadenopatia generalizada, esplenomegalia e trombocitopenia. Sinais variáveis de
anorexia, depressão, debilidade, rigidez de membros e relutância em andar, edema de membros ou escroto, tosse e dispneia podem ocorrer. A maioria dos casos agudos é observada nos meses mais quentes, coincidindo com a maior
atividade do carrapato vetor. Casos crônicos podem se apresentar em qualquer época do ano.
Durante a fase aguda da infecção por E. canis em cães, o hemograma geralmente é normal, mas pode refletir uma anemia normocítica normocrômica leve, leucopenia ou leucocitose leve. Trombocitopenia é comum, mas petéquias podem
não ser evidentes e a diminuição das plaquetas pode ser leve em alguns animais. Vasculite e mecanismos imunomediados induzem à trombocitopenia e a tendências hemorrágicas. A aspiração do linfonodo revela hiperplasia. A morte é rara
durante esta fase; pode ocorrer recuperação espontânea e o cão pode permanecer assintomático ou desenvolver a doença crônica.
A erliquiose crônica causada por E. canis pode se desenvolver em qualquer raça, mas algumas raças como pastor alemão podem ser predispostas. A sazonalidade não é uma característica específica da infecção crônica, uma vez que o
aparecimento dos sinais crônicos pode ser variavelmente adiado após a infecção aguda. Nos casos crônicos, a medula óssea tornase hipoplásica e linfócitos e plasmócitos se infiltram em vários órgãos. Os achados clínicos variam de acordo
com os órgãos predominantes afetados e podem incluir esplenomegalia evidente, glomerulonefrite, insuficiência renal, pneumonite intersticial, uveíte anterior, meningite com ataxia cerebelar associada, depressão, paralisia e hiperestesia.
Perda de peso grave é um achado proeminente.
De modo geral, o hemograma está claramente anormal nos casos crônicos. Trombocitopenia grave pode causar epistaxe, hematúria, melena, petéquias e equimoses na pele. Pode ocorrer pancitopenia grave variável (leucopenia madura,
anemia não regenerativa, trombocitopenia ou qualquer combinação destas). A citologia aspirativa revela linfonodos reativos e, geralmente, plasmocitose acentuada. Frequentemente ocorre hipergamaglobulinemia policlonal e,
ocasionalmente, monoclonal.
Outras infecções causadas por E. chaffeensis, E. ewingii ou A. phagocytophilum parecem clinicamente semelhantes à infecção aguda por E. canis, mas o curso clínico geralmente é mais autolimitante. Claudicações variáveis entre os
membros e febre de origem desconhecida podem estar presentes. Trombocitopenia e leucopenia ou leucocitose leve podem ocorrer durante o curso da infecção aguda, que é clinicamente mais discreta. Manifestação crônica em cães, como
verificado na infecção por E. canis, normalmente não é vista em outras infecções.
Os cães infectados com A. platys geralmente apresentam sinais mínimos de infecção ou nenhum, apesar da presença do microrganismo nas plaquetas. O principal achado é a trombocitopenia cíclica, recorrente em intervalos de 10 dias.
Geralmente, a natureza cíclica diminui e a trombocitopenia tornase leve e resolvese lentamente.
Lesões: Durante a fase aguda ou autolimitante das infecções por E. canis, as lesões geralmente são inespecíficas, mas a esplenomegalia é comum. Histologicamente há hiperplasia linforreticular e infiltrados perivasculares linfocitários e
plasmocitários. Nos casos crônicos, estas lesões podem ser acompanhadas de hemorragia generalizada e aumento da infiltração de células mononucleares nas regiões perivasculares de muitos órgãos.
DIAGNÓSTICO: Como a trombocitopenia é um achado relativamente consistente com estas infecções, a contagem de plaquetas é um importante teste de triagem. O diagnóstico clínico pode ser confirmado pela visualização dos
microrganismos dentro das células brancas ou plaquetas, vistos como corpúsculos de inclusão intracitoplasmáticos chamados de mórulas. Este método de diagnóstico carece de sensibilidade, pois um baixo número de microrganismos torna
o achado difícil. Mais comumente, o diagnóstico é feito pela combinação de sinais clínicos, títulos de anticorpos séricos positivos no teste de imunofuorescência indireta e resposta ao tratamento. Testes “inhouse” para E. canis e A.
phagocytophilum baseados em métodos de ensaios imunoenzimáticos também estão disponíveis. Como a resposta imune pode ser retardada por várias semanas, o teste sorológico pode não ser uma ferramenta de diagnóstico confiável no
início do curso da doença, e teste de soros emparelhados e demonstração do aumento dos títulos de anticorpos são recomendados para confirmar a infecção. A reatividade sorológica cruzada é forte entre E. canis, E. chaffensis e E.
ewingii. Alguma reatividade cruzada com A. phagocytophilum também é observada. Essas reações devem ser consideradas em certas áreas geográficas. Em alguns locais, cerca de 50% dos cães infectados com E. canis também têm um
título para A. platys, o que provavelmente reflete uma infecção concomitante (a reatividade cruzada entre estes agentes não é observada).
A PCR vem sendo utilizada para detectar e identificar as espécies específicas de Ehrlichia e Anaplasma em pessoas e animais infectados. As amostras apropriadas para a PCR incluem sangue, aspirados de tecidos e biopsias de órgãos do
sistema reticuloendotelial, como linfonodos, baço, fígado ou medula óssea. A PCR também pode ser utilizada para detectar a eficácia do tratamento em eliminar a infecção. A PCR não está rotineiramente disponível nos laboratórios
comerciais, apesar de algumas escolas de veterinária e instituições de pesquisa oferecem o teste.
Durante a fase aguda, os diagnósticos diferenciais incluem outras causas de febre e linfoadenomegalia (p. ex., febre macular das Montanhas Rochosas, brucelose, blastomicose e endocardite), doenças imunomediadas (p. ex., lúpus
eritematoso sistêmico) e linfossarcoma. Na fase crônica da infecção por E. canis, os diagnósticos diferenciais incluem toxicidade de estrogênio, mieloptise, pancitopenia imunomediada e outras doenças multissistêmicas associadas a
disfunção orgânica específica (p. ex., glomerulonefrite).
TRATAMENTO: A droga de eleição para o tratamento da infecção por Ehrlichia ou Anaplasma spp é a doxiciclina, devido sua maior penetração no meio intracelular e suas propriedades bacteriostáticas contra as riquétsias. A dose
recomendada para cães é 5 a 10 mg/kg, VO ou IV, 1 vez/dia, durante 10 a 21 dias. Tetraciclina (22 mg/kg, VO, 3 vezes/dia) também pode ser utilizada por = 2 semanas, nos casos agudos, e durante 1 a 2 meses, nos casos crônicos. Duas
doses de dipropionato de imidocarbe (5 a 7 mg/kg, IM), com intervalo de 2 semanas, são de eficácia variável contra erliquiose e frente a algumas cepas de Babesia. Nos casos agudos tratados com terapia antimicrobiana adequada, esperase
que a temperatura corporal retorne ao normal dentro de 24 a 48 h após o início do tratamento. Nos casos crônicos associados à infecção por E. canis, as anormalidades hematológicas podem persistir por 3 a 6 meses, embora uma resposta
clínica ao tratamento muitas vezes ocorra muito mais cedo. A terapia de suporte pode ser necessária para combater o prejuízo e a disfunção de órgãos específicos; transfusões de plaquetas ou de sangue podem ser necessárias se a
hemorragia for extensa. Administração simultânea de antibióticos de amplo espectro pode ser necessária se o cão apresentar leucopenia grave. O título de anticorpos contra E. canis deve ser mensurado novamente 6 meses depois da doença,
a fim de confirmar a queda no título ou a soronegatividade, indicativa do sucesso da terapia. Títulos séricos que persistem em níveis baixos, mas positivos, devem ser avaliados após outro intervalo de 6 meses para assegurar que não há
elevação.
PREVENÇÃO: A prevenção é reforçada pelo controle dos carrapatos nos cães. A prevenção da transmissão associada à transfusão de sangue pode ser realizada pela triagem de doadores soronegativos, embora novos doadores com resultados
negativos não possam ser presumidos como livres da infecção durante várias semanas, pois podem estar incubando a infecção. A administração profilática de tetraciclina em dose baixa (6,6 mg/kg, VO, 1 vez/dia) é eficaz na prevenção da
infecção por E. canis nos canis onde a doença é endêmica. O tratamento deve ser estendido por muitos meses (pelo menos por uma estação de carrapatos) para que o ciclo endêmico seja eliminado com sucesso.
RISCO ZOONÓTICO: E. chaffeensis, E. ewingii e A. phagocytophilum são consideradas zoonoses. Apesar da ocorrência da doença nos animais e seres humanos, o envolvimento necessário de um carrapato vetor para a transmissão faz com que
os cães e outros animais infectados não representem um risco de transmissão direta em circunstâncias normais. A infecção nos cães pode indicar um risco aumentado de infecções humanas relacionadas com a exposição a carrapatos em uma
determinada área.
FEBRE MACULOSA DAS MONTANHAS ROCHOSAS (Infecção por Rickettsia Rickettsii)
ETIOLOGIA: A febre maculosa das Montanhas Rochosas (FMMR) é uma doença que acomete pessoas e cães, causada por Rickettsia rickettsii. Esta e outras riquétsias estreitamente relacionadas com o grupo da febre maculosa são
consideradas endêmicas na maior parte da América do Norte, do Sul e Central. Estes agentes são transmitidos principalmente através da picada de carrapatos infectados. A capacidade das riquétsias geneticamente semelhantes, como R.
parkerii, de causar a doença clinicamente semelhante em cães é desconhecida. Devido à sua suscetibilidade à R. rickettsii e à taxa relativamente maior de exposição a carrapatos, os cães podem atuar como boas sentinelas para o risco de
infecção por R. rickettsii em pessoas. Vários casos da doença são frequentemente relatados em áreas geográficas definidas e infecções concomitantes podem ser vistas tanto nos cães como em seus proprietários.
EPIDEMIOLOGIA: Nos EUA, Dermacentor variabilis (carrapato do cão americano) e o D. andersoni (carrapato de madeira das Montanhas Rochosas) são considerados os principais vetores de R. rickettsii. O microrganismo também tem
sido isolado de carrapatos Rhipicephalus sanguineus, que parece ser o principal vetor em algumas áreas localizadas do Arizona e também pode desempenhar um papel ainda pouco reconhecido em surtos em outros lugares nos EUA. Os
carrapatos R. sanguineus estão associados à transmissão de R. rickettsii na América Central. O patógeno é adquirido pelos carrapatos ainda nos estágios de larva e ninfa, durante a alimentação em hospedeiros vertebrados infectados e
também é transmitido pelas fêmeas dos carrapatos aos descendentes através da transmissão transovariana. Estimase que 1 a 3% dos carrapatos Dermacentor spp são portadores de R. rickettsii, mesmo nas áreas consideradas de alta
endemicidade.
A soroprevalência nos cães de áreas endêmicas varia de 4,3 a 77%, mas esses valores não refletem precisamente as taxas de infecção devido à reação cruzada com anticorpos para outras riquétsias geneticamente semelhantes. A
transmissão da FMMR por meio de transfusão sanguínea foi documentada em um único caso humano e deve ser considerada na seleção de cães doadores de sangue. A transmissão direta de cães para humanos ainda não foi relatada, embora
a infecção humana possa ocorrer pelo contato da pele lesionada ou conjuntiva com a hemolinfa ou excreções do carrapato durante a remoção de carrapatos ingurgitados dos animais de estimação.
ACHADOS CLÍNICOS: Os cães são altamente suscetíveis à infecção clínica por R. rickettsii; em contraste, a FMMR raramente é diagnosticada em gatos. Os primeiros sinais nos cães podem incluir febre (até 40,5°C), anorexia, linfadenopatia,
poliartrite, tosse, dispneia, dor abdominal, vômitos, diarreia, edema de face e edema de extremidades. Petéquias podem ser observadas na conjuntiva e mucosa oral nos casos graves. A hemorragia focal na retina pode ser constatada no
período inicial da doença. As manifestações neurológicas, tais como alteração do estado mental, disfunção vestibular e hiperestesia paraespinal podem ocorrer.
Trombocitopenia é comum. A leucopenia se desenvolve durante as fases iniciais da infecção e, em casos não tratados, é seguida de leucocitose progressiva. As anormalidades na bioquímica sérica podem incluir hipoproteinemia,
hipoalbuminemia, azotemia, hiponatremia, hipocalcemia e aumento da atividade das enzimas hepáticas. São esperadas taxas de letalidade entre 1 e 10%.
Lesões: Dano endotelial vascular ocorre devido aos efeitos citopáticos diretos das riquétsias. A gravidade da vasculite necrosante pode estar diretamente relacionada com a dose infectante. O dano endotelial vascular e a trombocitopenia
contribuem para o desenvolvimento de petéquias e equimoses. Os cães gravemente afetados podem desenvolver necrose das extremidades (necrose acral) ou coagulação intravascular disseminada.
DIAGNÓSTICO: O teste sorológico preferencial é a titulação por imunofluorescência indireta. No entanto, devido à elevada incidência de reação cruzada de anticorpos para uma variedade de riquétsias não patogênicas do grupo da febre
maculosa, bem como a persistência a longo prazo de anticorpos após a infecção aguda da FMMR, o diagnóstico só é confirmado com a constatação de um aumento de quatro vezes no título, combinado com uma síndrome clínica
compatível. Os diagnósticos diferenciais incluem outras causas de febre de origem desconhecida. A resposta terapêutica geralmente é muito clara, como em outros riquetsioses caninas. Os animais com disfunção neurológica podem ter
manifestações residuais. A imunidade parece ser persistente após a infecção natural, portanto episódios recorrentes não devem ser atribuídos a FMMR.
TRATAMENTO: O tratamento com antibiótico deve ser administrado com base na suspeita clínica sem esperar os resultados dos testes sorológicos, porque a administração tardia pode piorar muito o prognóstico. Doxiciclina deve ser
administrada em uma dosagem de 5 a 10 mg/kg, VO ou IV, 1 vez/dia, durante 10 a 21 dias. Dose de 22 mg de tetraciclina/kg, VO, 3 vezes/dia, durante 2 semanas também é eficaz. Pode ser necessário tratamento de suporte para
desidratação e diátese hemorrágica (hemorragia espontânea). Devido a alterações na integridade vascular, são aconselhadas taxas conservadoras de administração de fluidos. Precauções devem ser tomadas para o controle e remoção segura
dos carrapatos.
INTOXICAÇÃO POR SALMÃO E FEBRE DA FASCÍOLA DE ELOKOMIN (Infecção por Neorickettsia spp)
A intoxicação por salmão (SPD) é uma doença aguda e infecciosa de canídeos, em que o agente infeccioso é transmitido pelas diversas fases de uma fascíola em um ciclo de vida gastrópodepeixecão. O nome da doença é incorreto, uma
vez que nenhuma toxina está envolvida. A febre da fascíola de Elokomin (EFF) é uma doença infecciosa aguda de canídeos, furões, ursos e guaxinins que é semelhante à SPD, mas que tem uma gama mais ampla de hospedeiros. Nos seres
humanos, Neorickettsia sennetsu provoca uma doença conhecida como febre Sennetsu, que não foi relatada como uma causa da doença em cães.
ETIOLOGIA: A SPD é causada por N. helminthoeca e, às vezes, é complicada por um segundo agente, N. elokominica, causadora da EFF. O vetor destes agentes riquetsiais é uma pequena fascíola, Nanophyetus salmincola. Os cães e outros
animais são infectados pela ingestão de truta, salmão ou salamandras gigantes do Pacífico que contêm metacercárias encistadas da fascíola infectada pela riquétsia. No intestino do cão, a forma larval da fascíola excista e penetra na mucosa
duodenal, introduzindo as riquétsias. A fascíola em si produz pouca ou nenhuma manifestação clínica. Um relato recente de SPD em 2 ursos malaios de cativeiro ressalta a necessidade de considerar esta etiologia em espécies exóticas com
exposição e história clínica compatível.
EPIDEMIOLOGIA: O ciclo de vida prossegue com a eliminação dos ovos infectados da fascíola nas fezes do hospedeiro. Os miracídios se desenvolvem a partir destes ovos e infectam o caramujo Oxytrema plicifer para formar as rédias. As
rédias se desenvolvem em cercárias que são liberadas a partir do caramujo e penetram no salmão ou truta, tornandose metacercárias encistadas infectantes. O ciclo se completa quando um cão ingere o peixe, infectandose com as
riquétsias. A transmissão por contato gaiola a gaiola, termômetros retais ou aerossóis é rara.
Não há predileção por idade, sexo ou raça; entretanto, a prevalência da doença é mais alta quando a disponibilidade de peixe é maior. Os peixes infectados são encontrados no Oceano Pacífico, de São Francisco até a costa do Alasca, mas
a SPD é mais prevalente entre o norte da Califórnia e o estuário de Puget, no estado de Washington. Eles também são encontrados no continente ao longo de rios de migração de peixes. Aparentemente, o fator de limitação geográfica é a
ocorrência do caramujo.
ACHADOS CLÍNICOS: Na SPD, os sinais aparecem subitamente, geralmente entre 5 e 7 dias após a ingestão do peixe infectado, podendo ser retardados por até 33 dias e persistirem por 7 a 10 dias antes de culminar com a morte de até 90%
dos animais não tratados. A temperatura corporal chega a um pico de 40 a 42°C, 1 a 2 dias depois do surgimento dos sinais, diminuindo gradualmente por 4 a 8 dias até retornar ao normal. Frequentemente, os animais apresentamse
hipotérmicos antes da morte. A febre é acompanhada de depressão e anorexia completa em praticamente todos os casos. Vômitos persistentes geralmente ocorrem entre os dias 4 ou 5. A diarreia ocorre entre 5 e 7 dias; ela frequentemente
contém sangue e pode ser grave. Há desidratação e perda de peso extrema. Quando grave, os sinais GI são clinicamente indistinguíveis daqueles da infecção por parvovírus canino. Linfadenopatia generalizada desenvolvese em
aproximadamente 60% dos casos. Exsudato nasal ou conjuntival, semelhantes aos de cinomose, podem estar presentes. Neutrofilia é comum, mas pode ocorrer uma leucopenia evidente com desvio degenerativo à esquerda.
Trombocitopenia é relatada em 94% dos casos. Os valores da bioquímica sérica são normais.
Clinicamente, a EFF é uma infecção mais branda do que a SPD. Sinais GI graves são menos comuns nas infecções por EFF, e linfadenopatia pode ser um achado mais pronunciado. As taxas de letalidade da EFF são mais baixas,
ocorrendo em 10% dos casos não tratados.
Lesões: A infecção parece afetar principalmente os tecidos linfoides e intestinos. Há aumento dos folículos linfáticos GI, linfonodos, tonsilas, timo e, em alguma extensão, o baço, com necrose microscópica, hemorragia e hiperplasia. Uma
enterite variável, muitas vezes hemorrágica e grave, que parece surgir a partir dos folículos linfáticos danificados, pode ocorrer em todo o intestino na SPD, sendo menos observada na EFF. Focos microscópicos de necrose também
aparecem fora dos folículos linfáticos. A presença das fascíolas nas paredes do duodeno causa um pequeno dano tecidual. Meningite não supurativa ou meningoencefalite foi identificada em alguns cães.
DIAGNÓSTICO: Ovos da fascíola são encontrados no exame de fezes em aproximadamente 92% dos casos, confirmando o diagnóstico. Os ovos são ovais, marrom amarelados, de superfície áspera, medindo cerca de 87 a 97 × 5 a 55 μm,
com um opérculo indistinto e uma pequena ponta romba na extremidade oposta. Durante o primeiro dia ou dois, poucos ovos são eliminados. Microrganismos intracelulares foram constatados por meio da aspiração de linfonodos em cerca
de 70% dos casos. Os diagnósticos diferenciais são: outras causas de febre de origem desconhecida, linfadenopatia generalizada, vômitos e diarreia. Quando ocorrer diarreia e conjuntivite exsudativa, a cinomose deve ser considerada.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO: Atualmente, o único meio de prevenção é evitar o fornecimento de salmão, truta e peixes de água doce similares crus. Nos animais que se recuperam, uma resposta humoral imune profunda persiste, mas não
há resistência cruzada entre N. helminthoeca e N. elokominica. Várias sulfonamidas administradas por via oral ou parenteral são eficazes, assim como clortetraciclina, oxitetraciclina e cloranfenicol. Os animais geralmente vêm a óbito
devido à desidratação, desequilíbrios ácidobásicos e eletrolíticos e anemia. Assim, uma terapia de suporte muitas vezes é essencial para a manutenção da hidratação e do equilíbrio ácidobásico, para o suprimento das necessidades
nutricionais e para o controle da diarreia. O uso criterioso de transfusão sanguínea pode ser útil.
TIFO MURINO (Infecção por Rickettsia typhi, infecção por R. felis)
Rickettsia typhi, agente causador do tifo murino, e R. felis, são patógenos zoonóticos mantidos principalmente em roedores reservatórios (ratos, camundongos), que também podem estar associados a ciclos enzoóticos envolvendo gambás e
gatos domésticos. A infecção é transmitida aos seres humanos e outros animais pelo contato com pulgas infectadas.
EPIDEMIOLOGIA: Acreditase que a infecção em humanos ocorra essencialmente através da exposição da pele lesionada às fezes infecciosas de pulgas. De maneira limitada, também pode ocorrer a infecção por meio da aerossóis de
materiais infectantes. Presumivelmente, cães e gatos são expostos de maneira similar. Embora de ocorrência mundial, atualmente menos de algumas centenas de casos humanos de tifo murino são relatados anualmente nos EUA. A infecção
zoonótica é principalmente relatada no Texas, Califórnia e Havaí, embora acreditase haver subnotificação da doença.
ACHADOS CLÍNICOS: A doença clínica associada à infecção canina e felina por R. typhi e R. felis não está bem documentada, mas a evidência de exposição, baseada na presença de anticorpos antirrickettsiais, foi observada, particularmente
em associação com surtos da doença em humanos. Enquanto o papel do possível reservatório para a infecção foi sugerido, particularmente para os gatos, a importância dos animais domésticos na manutenção dos ciclos enzoóticos ainda não
foi bem elucidada. No entanto, cães e gatos podem ao menos servir como uma fonte de pulgas que pode constituir um risco de transmissão para os seres humanos. O controle regular das pulgas é recomendado para reduzir o risco de
transmissão associado às pulgas para os seres humanos.
DIAGNÓSTICO: O teste sorológico preferencial é a titulação de anticorpos por imunofluorescência indireta em soros pareados, sendo comumente utilizado em conjunto com as avaliações do ambiente próximo ao local do surto em humanos.
Há certo grau de reatividade cruzada com os anticorpos de outras infecções riquétsiais, inclusive R. rickettsii, de modo que as avaliações devem ser feitas com soros pareados. A PCR do sangue total também pode ser utilizada, mas a sua
utilidade na avaliação da infecção canina e felina é desconhecida uma vez que os animais podem não apresentar os sinais clínicos durante os períodos de riquetsemia, o que torna difícil a determinação do melhor momento para a avaliação.
TRATAMENTO: Na ausência de sinais clínicos não é recomendado o tratamento específico. Se houver a suspeita da doença clínica associada à infecção por R. typhi ou R. felis em um cão ou gato, podese administrar doxiciclina na dosagem
de 5 a 10 mg/kg, VO ou IV, 1 vez/dia, durante 10 a 21 dias. Os animais devem passar por tratamento preventivo de rotina para o controle das pulgas. Programas de controle da infecção que envolva a remoção dos animais de uma área de
atividade enzoótica devem ser acompanhados de tratamento ambiental com inseticidas para evitar que as pulgas se alimentem em humanos após a remoção dos hospedeiros preferenciais.
HEPATITE INFECCIOSA CANINA
A hepatite infecciosa canina (HIC) é uma doença canina contagiosa e cosmopolita, com sinais que variam de ligeira febre e congestão das membranas mucosas à depressão grave, leucopenia acentuada e tempo de sangramento prolongado.
Também pode ocorrer em raposas, lobos, coiotes, ursos, linces e alguns pinípedes; outros carnívoros também podem ser infectados, mas sem desenvolver a doença clínica. Recentemente, a enfermidade tornouse incomum nas áreas onde a
imunização é utilizada rotineiramente, mas surtos periódicos, que podem refletir uma manutenção da doença em animais silvestres ou de vida livre, reforçam a necessidade da continuidade da vacinação.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: A HIC é causada por um DNAvírus não envelopado, o adenovírus canino tipo 1 (CAV1), que antigenicamente é relacionado apenas ao CAV2 (uma das causas da traqueobronquite infecciosa canina, p. 1598). O
CAV1 é resistente aos solventes lipídicos (como o éter), ácidos e formalina. Pode sobreviver fora do hospedeiro por semanas ou meses, mas uma solução de hipoclorito de sódio (alvejante doméstico) a 1 a 3% constitui um desinfetante
efetivo.
A ingestão de urina, fezes ou saliva provenientes de cães infectados é a principal forma de infecção. Os cães que se recuperam eliminam o vírus na urina por = 6 meses. A infecção inicial ocorre nas criptas das tonsilas e nas placas de
Peyer, evoluindo para a viremia e infecção disseminada. As células endoteliais vasculares são o alvo primário, seguido pela infecção do parênquima hepático e renal, baço e pulmões. As lesões renais crônicas e turvação corneana (“olho
azul”) resultam das reações de complexos imunes que ocorrem após a recuperação da doença aguda ou subclínica.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais variam de uma ligeira febre até o óbito. A taxa de mortalidade varia entre 10 e 30% sendo tipicamente mais alta nos cães muito jovens. Infecções concomitantes com parvovírus ou cinomose pioram o
prognóstico. O período de incubação é de 4 a 9 dias. O primeiro sinal é uma febre > 40°C, que dura entre 1 e 6 dias e geralmente é bifásica. Se a febre for de curta duração, a leucopenia pode ser o único sinal, mas se persistir por mais de 1
dia, ocorre desenvolvimento da doença aguda.
Os sinais incluem apatia, anorexia, sede, conjuntivite, secreção serosa de olhos e nariz e ocasionalmente dor abdominal e vômito. Hiperemia intensa ou petéquias na mucosa oral, bem como aumento das tonsilas podem ser observados.
Pode ocorrer taquicardia desproporcional à febre. Pode haver edema subcutâneo na cabeça, pescoço e tronco. Apesar do envolvimento hepático, há uma notável ausência de icterícia na maioria dos casos clínicos.
O tempo de coagulação está diretamente correlacionado com a gravidade da enfermidade, como resultado da coagulação intravascular disseminada induzida pelo dano ao endotélio vascular, combinada com a falha do fígado em repor
rapidamente os fatores de coagulação consumidos. Pode ser difícil controlar a hemorragia, que se manifesta por sangramento ao redor dos dentes decíduos e por hematomas espontâneos. O envolvimento do SNC é incomum e tipicamente é
resultado de lesões vasculares. Os cães gravemente infectados podem desenvolver convulsões devido aos danos no córtex frontal do cérebro. Hemorragias do tronco cerebral podem resultar em paresia, sendo também descrito ataxia e
cegueira cortical. As raposas apresentam consistentemente sinais do SNC e convulsões intermitentes durante o curso da doença e uma paralisia pode envolver um ou mais membros ou o corpo inteiro. Sinais respiratórios geralmente não são
observados nos cães com HIC, porém temse isolado o CAV1 de cães com sinais de traqueobronquite infecciosa, mesmo com elevados títulos sorológicos contra a doença parenteral.
Os achados clínicopatológicos refletem uma coagulopatia (tempo de protombina elevado, trombocitopenia e acúmulo de produtos da degradação da fibrina). Os cães gravemente afetados apresentam lesões hepatocelulares agudas (ALT
e AST aumentadas). A proteinúria é comum. Uma leucopenia persiste por todo o período febril. O grau de leucopenia varia e parece estar correlacionado com a gravidade da enfermidade
Na recuperação, os cães se alimentam bem, mas recuperam o peso lentamente. A atividade da transaminase hepática apresenta um pico por volta do 14° dia da infecção, diminuindo gradualmente após. Aproximadamente 25% dos cães
recuperados desenvolvem opacidade bilateral da córnea entre 7 e 10 dias após o desaparecimento dos sinais agudos, e que geralmente é resolvida espontaneamente. Nos casos leves, a opacidade corneana transitória pode ser o único sinal da
doença.
Por muito tempo acreditouse que a hepatite crônica podia se desenvolver em cães com baixos níveis de anticorpos passivos quando expostos, mas estudos recentes baseados em PCR não confirmaram esta teoria.
Lesões: Os danos endoteliais resultam em hemorragias petequiais na serosa gástrica, linfonodos, timo, pâncreas e tecidos subcutâneos. A necrose das células hepáticas produz alterações de coloração variada no fígado, cujo tamanho pode
estar normal ou aumentado. Histologicamente, há necrose centrolobular com infiltrados neutrofílicos e monocíticos e inclusões intracelulares nas células hepáticas. A parede da vesícula biliar pode ficar edematosa e espessada. Podem ser
encontrados edema do timo e focos brancoacinzentados no córtex renal.
DIAGNÓSTICO: Geralmente, o início abrupto da enfermidade e o sangramento são sugestivos de HIC, contudo a evidência clínica nem sempre é suficiente para diferenciar a HIC da cinomose (p. 704). O diagnóstico ante mortem definitivo
não é necessário para a instituição da terapia de suporte, mas pode ser obtido com testes comerciais de ELISA, testes sorológicos e PCR. Se clinicamente necessária, a distinção entre o CAV1 e o CAV2 é possível apenas por meio de PCR
ou polimorfismos de comprimento de fragmentos de restrição (RFLP). As alterações macroscópicas pósmorte no fígado e na vesícula biliar são mais conclusivas e o diagnóstico é confirmado pelo isolamento do vírus, imunofluorescência,
corpúsculos de inclusão intranucleares característicos no fígado, PCR ou por estudos de hibridização in situ por fluorescência do tecido infectado.
TRATAMENTO: O tratamento é sintomático e de suporte. O objetivo da terapia é limitar as infecções bacterianas secundárias, manter o equilíbrio dos fluidos e controlar as hemorragias. A administração de antibióticos de amplo espectro e a
suplementação com soluções eletrolíticas balanceadas com dextrose 5% (IV) são indicadas. As transfusões de plasma ou de sangue total podem ser necessárias em cães gravemente doentes.
Embora a opacidade corneana transitória (que pode ser observada durante o curso da HIC ou estar associada à vacinação com vacinas de CAV1 atenuado) geralmente não requer nenhum tratamento, uma pomada oftálmica de atropina
pode aliviar o doloroso espasmo ciliar que às vezes pode estar associado. Os cães com opacidade da córnea devem ser protegidos de luzes intensas. Os corticosteroides sistêmicos são contraindicados para o tratamento da opacidade
corneana associada à HIC.
PROFILAXIA: Encontramse disponíveis vacinas de vírus vivo modificado (VVVM), frequentemente combinadas com outras vacinas. Recomendase a imunização contra a HIC na época das vacinações contra a cinomose canina. Os
anticorpos maternos das cadelas imunes interferem na imunização ativa dos filhotes até que estes tenham entre 9 e 12 semanas de idade. As vacinas atenuadas do CAV1 têm produzido opacidade bilateral ou unilateral transitória da córnea e
o vírus pode ser eliminado na urina. Por estas razões, estirpes vivas atenuadas do CAV2, que proporciona proteção cruzada contra o CAV1, são preferencialmente utilizadas uma vez que elas apresentam baixa tendência de produzir
opacidade corneana ou uveíte e o vírus não é eliminado na urina. Historicamente, recomendase a revacinação anual contra a HIC. Evidências recentes indicam que a imunidade induzida pela VVVM do CAV1 dura 3 anos ou mais, embora
este seja um uso não recomendado pelos fabricantes das vacinas disponíveis comercialmente.
HERPESVIROSE CANINA
A herpesvirose canina é uma grave infecção viral de filhotes de cães em todo o mundo, frequentemente com uma taxa de mortalidade de 100% nas ninhadas atingidas. Também pode estar associada à infecção do trato respiratório superior,
vaginite vesicular ou postite em cães adultos. Como é típica nas herpesviroses, a recuperação da doença clínica está associada à infecção latente pelo resto da vida. Apenas os canídeos (cães, lobos e coiotes) são suscetíveis conhecidos.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: A doença é causada por um DNAvírus envelopado, o herpesvírus canino (HVC), sensível aos solventes lipídicos (como éter e clorofórmio) e à maioria dos desinfetantes. O HVC é relativamente instável fora do
hospedeiro.
Os filhotes são mais suscetíveis durante a primeira semana de vida, quando a temperatura corpórea permanece abaixo de 37°C, devido ao fato desta temperatura favorecer a replicação viral. A transmissão geralmente ocorre pelo contato
entre os filhotes suscetíveis e as secreções vaginais ou oronasais infectadas de sua mãe ou de outros cães com os quais os filhotes tenham contato durante as primeiras 3 semanas de vida. Após este período, a resistência natural à infecção
aumenta conforme os filhotes tornamse capazes de manter uma temperatura corpórea mais elevada. A transmissão intrauterina também pode ocorrer.
A infecção dos animais suscetíveis resulta na replicação do HVC nas células da superfície da mucosa nasal, faringe e tonsilas. Caso os filhotes suscetíveis fiquem hipotérmicos, pode ocorrer viremia e invasão viral dos órgãos viscerais.
ACHADOS CLÍNICOS: As mortes devido à infecção pelo HVC geralmente ocorrem em filhotes com 1 a 3 semanas de idade, ocasionalmente em filhotes de até 1 mês de idade e raramente em filhotes de até 6 meses. Tipicamente, o início é
súbito e a morte ocorre em menos de 24 h após a manifestação da enfermidade. Se os sinais clínicos forem observados, estes podem incluir letargia, diminuição da mamada, diarreia, secreção nasal e exantema eritematoso. Mais raramente é
possível notar vesículas bucais ou genitais. Cama atenção a ausência de febre. As radiografias torácicas mostram um padrão intersticial difuso e desestruturado típico de pneumonias virais, mas, em contraste com outras doenças virais de
filhotes, pode ser constatada leucocitose.
Cães mais idosos expostos ou experimentalmente inoculados com o HVC podem desenvolver rinite leve, podendo esta ser parte da síndrome da tosse dos canis (traqueobronquite infecciosa, p. 1376), vaginite vesicular ou postite.
Também há relatos de ulcerações na córnea na ausência de outros sinais no sistema respiratório superior. As infecções intrauterinas podem estar associadas a abortos, natimortos e infertilidade.
Lesões: As lesões macroscópicas características consistem em necrose focal disseminada e hemorragias. As lesões mais acentuadas são observadas nos pulmões, porção cortical dos rins, glândulas adrenais, fígado e trato gastrintestinal.
Todos os linfonodos estão aumentados, hiperêmicos e há dilatação do baço. Também podem ser encontradas lesões no SNC. A lesão histológica básica é a necrose com hemorragia no parênquima adjacente. Na maioria das vezes não há
reação inflamatória. Corpúsculos de inclusão intranucleares, basofílicos, pequenos e isolados são os mais comuns em áreas de necrose nos pulmões, fígado e rins, podendo ocasionalmente ocorrer como corpúsculos levemente acidofílicos
localizados no interior do espaço nuclear.
DIAGNÓSTICO: A infecção pelo HVC pode ser confundida com a hepatite infecciosa canina (p. 831), mas não é acompanhada pelo espessamento e edemaciação da vesícula biliar, frequentemente associados a esta última. As áreas focais de
necrose e hemorragia, especialmente as que ocorrem nos rins, a distingue da hepatite e da neosporose (p. 708). O HVC causa doença grave apenas em filhotes muito jovens. A morte rápida e as lesões características a diferenciam
da cinomose canina (p. 821).
Estão disponíveis testes de detecção de anticorpos por hemaglutinação, ELISA e imunofluorescência. O DNA viral pode ser identificado em amostras de tecido fresco e de fluidos pela PCR. O diagnóstico, entretanto, é tipicamente feito
pósmorte com o isolamento do vírus em amostras frescas de pulmão, fígado, rins e baço por meio de técnicas de cultura de células e subsequentemente identificação por PCR, sequenciamento, microscopia eletrônica de transmissão,
imunofluorescência ou hibridização in situ por fluorescência. Os tecidos devem ser encaminhados refrigerados, mas não congelados, ao laboratório.
TRATAMENTO: A utilização de métodos terapêuticos tipicamente é pouco gratificante em filhotes afetados sistemicamente e o prognóstico para os filhotes que venham a sobreviver é reservado devido aos danos aos órgãos linfoides, cérebro,
rins e fígado, que podem ser irreparáveis.
Antes do aparecimento de sinais clínicos em outros filhotes da mesma ninhada, ou de ninhadas próximas, a criação em incubadoras com temperatura elevada (35°C, umidade relativa de 50%) e/ou imunização passiva com soro
intraperitoneal pode reduzir as perdas nas ninhadas expostas. Estudos limitados com agentes antivirais como vidarabina são inconclusivos, mas seriam necessários o reconhecimento e o tratamento imediato para se obter sucesso.
CONTROLE: Não há vacina disponível. As cadelas infectadas desenvolvem anticorpos e as ninhadas subsequentes à primeira ninhada infectada recebem anticorpos maternos pelo colostro. Os filhotes que recebem os anticorpos maternos
podem ser infectados pelo vírus, mas não ocorre a doença.
A remoção dos filhotes das cadelas afetadas por meio de cirurgia cesariana e a criação destes em isolamento preveniram mortes sob condições experimentais. No entanto, as infecções foram observadas mesmo em filhotes nascidos por
cesariana, provavelmente devido à transmissão intrauterina. Em situações naturais, as ninhadas subsequentes de cadelas infectadas provavelmente estarão protegidas pelos anticorpos maternos, assim, a realização de cesariana em uma
cadela com histórico de herpesvirose na ninhada anterior não é necessária.
LEISHMANIOSE (Leishmaniose visceral)
A leishmaniose é uma doença causada por protozoários parasitos do gênero Leishmania, transmitidos através da picada de fêmeas de flebótomos. Mais de 20 espécies de Leishmania foram descritas, a maioria das quais zoonóticas. O
parasito mais importante do gênero que afeta os animais domésticos é L. infantum, conhecido como L. chagasi na América Latina. Os cães são o reservatório principal para a leishmaniose visceral humana, causada por L. infantum, sendo
uma doença potencialmente fatal em cães e pessoas. Como os órgãos internos e a pele do cão são afetados, a doença canina é denominada leishmaniose viscerocutânea ou leishmaniose canina. Os gatos, cavalos e outros mamíferos podem
ser infectados pela L. infantum ou outras espécies de Leishmania. A doença nos gatos é mais rara do que nos cães, podendo ser de manifestação cutânea ou visceral. L. braziliensis, causadora da leishmaniose tegumentar canina, é bastante
difundida em algumas regiões da América do Sul, podendo sobreporse geograficamente à L. chagasi.
A leishmaniose canina é a principal zoonose endêmica em mais de 70 países. É prevalente no sul da Europa, África, Ásia, América do Sul e Central, e esporadicamente nos EUA. A leishmaniose também é de interesse nos países não
endêmicos, onde a doença importada constitui um problema veterinário e de saúde pública.
TRANSMISSÃO: Leishmania é um parasito bifásico que completa seu ciclo biológico em 2 hospedeiros, um flebótomo que pode abrigar a forma extracelular promastigota flagelada e um mamífero onde se desenvolve a forma amastigota
intracelular do parasito.
A transmissão é um processo complexo que exige uma adaptação especial entre o hospedeiro flebótomo e a espécie de Leishmania transmitida. Há numerosas espécies de flebótomos e apenas uma minoria destes são vetores competentes
de Leishmania. Cães com ou sem sinais clínicos são infecciosos para os flebótomos, podendo transmitir a leishmaniose. A transmissão vertical congênita da leishmaniose canina de uma fêmea infectada para os seus filhotes foi relatada, mas
parece ser incomum. A transmissão por meio da transfusão de produtos derivados do sangue de cães infectados demonstrou causar infecção em receptores. A transmissão direta por meio do contato entre cães tem sido sugerida como um
meio de transmissão da doença na tentativa explicar a disseminação da infecção entre cães Foxhound mantidos em canis nos EUA, na ausência de vetores comprovados. Atualmente, a validade da transmissão direta é desconhecida.
ACHADOS CLÍNICOS: Os cães são infectados pelas formas promastigotas de L. infantum depositados na pele através da picada de flebótomos infectados. As formas promastigotas invadem os macrófagos do hospedeiro e se replicam como
amastigotas intracelulares. A resposta imune iniciada no momento da infecção parece ser o fator mais importante para determinar se uma infecção persistente irá se desenvolver e progredir de subclínica para doença clínica. O período de
incubação pode durar meses ou anos, durante o qual o parasito se dissemina a partir da pele para o resto do corpo do hospedeiro (principalmente para os órgãos do sistema hemolinfático). A idade, raça, características genéticas do
hospedeiro, nutrição, doenças concomitantes e outros fatores também podem influenciar a progressão da infecção para a doença clínica.
A leishmaniose canina é uma doença multissistêmica com um espectro altamente variável de respostas imunes e manifestações clínicas. Nas áreas endêmicas, a prevalência de cães portadores da infecção é muito maior do que a de cães
que demonstram a doença clínica. A manifestação clínica está associada a uma acentuada resposta de anticorpos que não confere proteção. Na verdade, os mecanismos imunomediados são responsáveis por grande parte da patologia da
leishmaniose canina.
O histórico típico relatado pelos proprietários de cães com a doença clínica causada por L. infantum inclui o aparecimento de lesões cutâneas, alterações oculares e epistaxe. Estas são frequentemente acompanhadas de perda de peso,
intolerância ao exercício e letargia. Os principais achados ao exame físico são lesões dermatológicas em 80 a 90% dos cães, linfadenomegalia em 62 a 90%, doença ocular em 16 a 81%, esplenomegalia em 10 a 53% e crescimento anormal
da unha (onicogrifose) em 20 a 31%. Outros achados clínicos podem incluir poliúria e polidipsia devido à doença renal, vômitos, colite, melena e claudicação devido a lesões articulares, musculares ou ósseas. Por vezes, os únicos sinais
presentes podem ser epistaxe, alterações oculares ou manifestações de doença renal sem alterações dermatológicas. As lesões dermatológicas associadas à leishmaniose canina incluem dermatite esfoliativa, que pode ser generalizada ou
localizada na face, orelhas e membros. Também são verificadas dermatite ulcerativa, nodular ou mucocutânea. Úlceras cutâneas sobre as orelhas ou outros locais podem estar associadas à hemorragia considerável. Uma forma leve de
dermatite papular foi relatada em cães sem outros sinais da doença. As lesões oculares ou perioculares incluem ceratoconjuntivite e uveíte.
Os achados laboratoriais incluem anemia não regenerativa ou, mais raramente, regenerativa leve a moderada em 60 a 73% dos cães; a trombocitopenia é menos comum. Os achados mais consistentes na bioquímica sérica de cães com
leishmaniose clínica são hiperproteinemia com hiperglobulinemia e hipoalbuminemia, frequentemente expressos por uma diminuição da razão albumina/globulina. Uma hiperglobulinemia evidente sem causa aparente em cães de regiões
endêmicas para Leishmania pode ser sugestiva de leishmaniose canina. Atividade muito elevada de enzimas hepáticas ou azotemia é encontrada em apenas uma minoria de cães infectados. Algum grau de patologia renal está presente na
maioria dos cães com leishmaniose canina. Insuficiência renal devido à glomerulonefrite pela ação dos imunocomplexos pode eventualmente ser desenvolvida e acreditase ser a principal causa natural de morte. A presença de proteinúria
deve ser verificada e o estágio da doença renal deve ser avaliado pela determinação da razão proteína/creatinina na urina.
Lesões: O achado histopatológico típico da leishmaniose canina é a inflamação granulomatosa associada a um número variável de formas amastigotas de Leishmania nos macrófagos. A imunidade protetora contra os parasitos
da Leishmania é mediada através das células CD4+TH e a ativação de uma complexa cascata de mediadores de citocinas. Imunocomplexos circulantes e anticorpos antinucleares podem ser detectados nos animais com leishmaniose canina e,
conforme a infecção progride, ocorre a deposição dos complexos imunes nos rins, vasos sanguíneos e articulações. A glomerulonefrite associada aos complexos imunes renais é uma característica marcante da doença. Lesão renal, inclusive
glomerulonefrite e nefrite intersticial, é evidente na histopatologia da maioria dos cães infectados com L. infantum, mesmo se não manifestada clinicamente.
Cão com sinais cutâneos de leishmaniose. Cortesia do Dr. Gad Baneth.
DIAGNÓSTICO: Os testes diagnósticos incluem o hemograma, perfil bioquímico, urinálise e um ou mais testes específicos para confirmar a infecção. A sorologia quantitativa é útil, especialmente quando os sinais clínicos compatíveis estão
presentes. Títulos elevados de anticorpos são encontrados em 80 a 100% dos cães com a doença clínica e podem ser conclusivos para um diagnóstico. Vários métodos quantitativos sorológicos para a detecção de anticorpos anti
Leishmania foram desenvolvidos, inclusive ensaios de imunofluorescência indireta, ELISA e ensaios de aglutinação direta. Antígenos recombinantes purificados, tais como rK39, também são utilizados para a detecção da leishmaniose em
cães e seres humanos. Reatividade sorológica cruzada com tripanosomas pode ser encontrada nas regiões onde a infecção por Trypanosoma é prevalente, particularmente com T. cruzi na América Latina.
A detecção do DNA específico do parasito por PCR permite o diagnóstico sensível e específico da infecção. Vários ensaios diferentes, com diferentes sequências alvo usando o DNA genômico ou cinetoplástico (kDNA), têm sido
desenvolvidos. A PCR pode ser realizada com DNA extraído de tecidos, sangue ou mesmo a partir de amostras histopatológicas. Os ensaios baseados no kDNA são os mais sensíveis para a detecção direta nos tecidos infectados. As
amostras de medula óssea, linfonodo ou baço são superiores às amostras de sangue na maioria das técnicas atuais de PCR.
As formas amastigotas da Leishmania podem ser detectadas por meio de citologia de linfonodos, baço, impressões de pele ou medula óssea corados com Giemsa ou um corante comercial rápido. A detecção de amastigotas por citologia
por vezes é pouco gratificante devido ao baixo número de parasitos detectáveis mesmo em cães com doença clínica evidente. Os parasitos de Leishmania também podem ser observados em cortes histopatológicos de biopsias de pele ou de
outros órgãos infectados fixados em formol e emblocados em parafina. A identificação dos parasitos no interior dos macrófagos de tecidos pode ser difícil; a imunomarcação com coloração imunoistoquímica pode verificar a presença
de Leishmania no tecido.
A detecção da infecção em cães sem a doença clínica, com a finalidade de importação para países não endêmicos ou de utilização como doadores de sangue, deve ser feita pela PCR, que é a técnica mais sensível de diagnóstico. Estudos
transversais de populações de cães de áreas endêmicas têm mostrado que as taxas de infecção podem chegar a 65 a 80%. Normalmente, apenas cerca de 10 a 13% manifestam os sinais clínicos da doença, 26% são soropositivos e incluem
cães doentes e subclinicamente infectados e aproximadamente 40 a 60% são portadores positivos identificados apenas pela PCR de tecidos.
TRATAMENTO: O principal protocolo utilizado para o tratamento da leishmaniose canina inclui o antimoniato de Nmetilglucamina (não aprovado para a utilização em cães nos EUA) a 75 a 100 mg/kg, SC, por 4 a 8 semanas combinado
com o alopurinol (10 mg/kg, VO, 2 vezes/dia, por 6 a 12 meses). O alopurinol também pode ser utilizado como o único agente terapêutico na mesma dose. A miltefosina (não aprovado para a utilização em cães nos EUA) a 2 mg/kg, VO, 1
vez/dia, durante 4 semanas também pode ser combinada com o alopurinol (10 mg/kg, VO, 2 vezes/dia) como uma alternativa para o antimoniato de Nmetilglucamina. A anfotericina B é uma potente droga leishmanicida que deve ser
utilizada com cautela devido ao potencial de nefrotoxicidade. É administrada a 0,5 a 0,8 mg/kg, IV, diluída em 10 a 60 ml de dextrose 5% durante 45 min, 2 vezes/semana, durante 1 a 2 meses, até alcançar uma dose cumulativa de 15
mg/kg. Frequentemente, o tratamento apenas propicia melhora clínica temporária nos cães e muitas vezes não elimina os parasitos. Os cães tratados podem permanecer portadores da infecção e pode ocorrer recidiva. Eles permanecem
infecciosos para os flebótomos.
Inseticidas repelentes tópicos específicos são eficazes na redução das picadas dos flebótomos e na transmissão da doença. Uma coleira impregnada com deltametrina e formulações spoton de permetrina e imidacloprid demonstraram
conferir proteção contra as picadas de flebótomos. A aplicação de inseticidas protetores é recomendada para cães em áreas endêmicas para Leishmania, cães que viajam para locais de infecção e cães infectados (para reduzir o potencial de
transmissão). Uma vacina de fração purificada contra a leishmaniose canina é comercializada no Brasil e outras vacinas estão em desenvolvimento.
RISCO ZOONÓTICO: A leishmaniose visceral humana causada por L. infantum é um grave problema de saúde pública nas áreas onde a leishmaniose canina é endêmica e os cães são os reservatórios da infecção. É principalmente uma doença
de crianças. A desnutrição tem sido reconhecida como um fator de risco e pode explicar por que essa doença é mais prevalente entre as crianças de países pobres do que entre aquelas de países ricos, apesar das altas taxas de prevalência nas
populações de cães. A doença humana também é prevalente em indivíduos imunodeprimidos; os pacientes HIVpositivos são agora o grupo de risco predominante para a leishmaniose humana no sul da Europa. A coinfecção de HIV e
leishmaniose foi relatada em mais de 33 países em todo o mundo e não responde bem ao tratamento. Os esforços para controlar a leishmaniose canina e a doença humana nas áreas endêmicas baseiamse na interrupção da transmissão da
infecção e na prevenção da infecção da população canina.
PANLEUCOPENIA FELINA (Enterite infecciosa felina, Parvovirose felina)
A panleucopenia felina é uma doença viral altamente contagiosa e às vezes fatal observada em gatos em todo o mundo. Os filhotes são afetados de forma mais grave. O parvovírus causador da doença é muito resistente, capaz de persistir
por até 1 ano no ambiente se protegido por matéria orgânica. A observação de casos de panleucopenia por médicos veterinários atualmente é incomum, supostamente em função do uso disseminado da vacina. Entretanto, a taxa de infecção
permanece alta em populações de gatos não vacinados e a doença ocasionalmente é observada em filhotes de raça vacinados expostos a altas concentrações de vírus.
ETIOLOGIA, TRANSMISSÃO E PATOGENIA: O vírus da panleucopenia felina (FPV) é estreitamente relacionado com o vírus da enterite dos visons e ao parvovírus canino tipo 2 (CPV), causador da enterite canina parvoviral. O FPV pode
causar a doença em todos os felídeos e alguns membros de famílias relacionadas (p. ex., guaxinim e vison), mas não prejudicam canídeos. Por outro lado, foi demonstrado que estirpes de CPV circulantes atualmente causam doenças
semelhantes à panleucopenia felina em gatos domésticos e grandes felídeos. Em algumas partes do mundo, o CPV está tornandose uma causa de panleucopenia felina tão importante quanto o FPV. Acreditase que a vacinação contra o FPV
proteja os gatos também contra a infecção por estas estirpes de CPV, mas não de maneira ideal.
As partículas virais são abundantes em todas as secreções e excreções durante a fase aguda da doença, podendo ser disseminadas nas fezes dos sobreviventes por até 6 semanas após a recuperação. Altamente resistentes à inativação, os
parvovírus podem ser transportados por grandes distâncias via fômites (como sapatos e roupas). Os parvovírus podem, no entanto, ser destruídos pela exposição por 10 min à temperatura ambiente a soluções de alvejante doméstico
(hipoclorito de sódio aquoso 6%), formaldeído 4% ou glutaraldeído 1%. Desinfetantes peroxigenados também são altamente efetivos.
Os gatos são infectados pela via oronasal quando expostos a animais infectados, suas fezes, secreções ou fômites contaminados. A maioria dos gatos andarilhos é exposta ao vírus durante o seu primeiro ano de vida. Os animais que
desenvolvem a infecção subclínica ou que sobrevivem à doença aguda apresentam uma vigorosa resposta imune, protetora e prolongada.
O FPV infecta e destroi ativamente as células em divisão na medula óssea, tecidos linfoides, epitélio intestinal, e, em animais muito jovens, cerebelo e retina. Em fêmeas prenhes o vírus pode se disseminar por via transplacentária,
causando reabsorção embrionária, mumificação fetal, aborto ou natimortos. A infecção de filhotes no período perinatal pode destruir o epitélio germinal do cerebelo, levando a hipoplasia cerebelar, incoordenação e tremores. A ataxia
cerebelar induzida pelo FPV é um diagnóstico relativamente raro, pois muitas fêmeas transferem passivamente anticorpos suficientes para seus filhotes para protegêlos durante o período de suscetibilidade.
ACHADOS CLÍNICOS: A maioria das infecções são subclínicas, devido à alta soroprevalência de anticorpos antiFPV em gatos saudáveis não vacinados. Os animais que adoecem geralmente têm menos de 1 ano de idade. Em casos
hiperagudos a morte pode ocorrer subitamente com pouco ou nenhum sinal (“filhotes fracos”). Nos casos agudos há febre (40 a 41,7°C), depressão e anorexia após o período de incubação de 2 a 7 dias. Geralmente ocorre vômito entre 1 e 2
dias após o início da febre, tipicamente bilioso e sem relação com a alimentação. A diarreia pode iniciar pouco depois, mas nem sempre ocorre. A desidratação extrema desenvolvese rapidamente. Os gatos afetados podem permanecer
sentados por horas diante de sua tigela de água, embora não bebam muito. Em casos terminais apresentam hipotermia, podendo desenvolver choque séptico e coagulação intravascular disseminada.
Ao exame físico normalmente apresentam depressão profunda, desidratação e, por vezes, dor abdominal. A palpação abdominal, que pode induzir vômito imediato, pode revelar espessamento de alças intestinais e aumento dos linfonodos
mesentéricos. Nos casos de hipoplasia cerebelar, ataxia e tremores são observados, com nível de consciência normal. Lesões na retina, quando presentes, apresentamse como focos acinzentados isolados.
A duração dessa doença autolimitante é raramente maior do que 5 ou 7 dias. A maior taxa de mortalidade é em filhotes jovens com menos de 5 meses de idade.
Lesões: Há tipicamente poucas lesões macroscópicas, embora a desidratação geralmente seja acentuada. As alças intestinais em geral estão dilatadas e podem estar com as paredes espessadas e hiperêmicas. Podem ocorrer petéquias ou
equimoses na superfície serosa do intestino. A infecção perinatal dos filhotes pode ser notada por um cerebelo notadamente pequeno. Histologicamente, as criptas intestinais geralmente estão dilatadas e contêm restos de células epiteliais
necróticas. Vilosidades fundidas e sem extremidades podem ser notadas. Corpúsculos de inclusão intranuclear eosinofílicos são ocasionalmente observados em amostras fixadas em formalina.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico presuntivo geralmente baseiase em sinais clínicos compatíveis em animais inadequadamente vacinados e na presença de leucopenia (50 a 3.000 leucócitos/μl). A neutropenia é um achado mais consistente do
que a linfopenia. Uma contagem total de leucócitos maior que 2.000/μl está associada a um prognóstico reservado. Durante a recuperação da infecção, ocorre uma neutrofilia típica de rebote com acentuado desvio à esquerda. O diagnóstico
pode ser, às vezes, confirmado utilizandose kits de teste imunocromatográfico para a detecção fecal do antígeno do CPV na própria clínica. Contudo, o antígeno fecal apenas é detectável durante um curto período após a infecção.
Resultados falsonegativos são comuns.
O diagnóstico diferencial inclui outras causas de depressão profunda, leucopenia e sinais gastrintestinais. Salmoneloses, infecções pelo vírus da leucemia felina (FeLV) e pelo vírus da imunodeficiência felina devem ser considerados.
Infecções concomitantes do FeLV e do FPV podem causar uma síndrome parecida com a panleucopenia em gatos adultos.
TRATAMENTO E PREVENÇÃO: O sucesso do tratamento de casos agudos requer fluidoterapia intensa e cuidados de enfermagem em unidade de isolamento. Gatos gravemente afetados por vezes desenvolvem distúrbios eletrolíticos (p. ex.,
hipopotassemia), hipoglicemia, hipoproteinemia, anemia e infecções oportunistas secundárias. A antecipação destas possibilidades, o monitoramento intenso e a pronta intervenção podem melhorar o prognóstico. A base da terapia é
fluidoterapia IV de reposição e manutenção com solução cristaloide isotônica (p. ex., solução de lactato de Ringer com suplementação calculada de potássio). Vitaminas do complexo B podem ser adicionadas à infusão, juntamente com
glicose a 5% se houver comprovação ou suspeita de hipoglicemia. Além da infusão de cristaloide, a transfusão de plasma fresco congelado auxilia na manutenção da pressão oncótica e fornece fatores de coagulação para filhotes
hipoproteinêmicos gravemente enfermos. A transfusão de sangue total é preferível para pacientes com anemia grave. A antibioticoterapia parenteral de amplo espectro é indicada, mas medicamentos nefrotóxicos (p. ex., gentamicina e
amicacina) devem ser evitados até que a desidratação seja corrigida. A medicação antiemética (p. ex., metoclopramida, maropitant) pode promover algum conforto e permitir o fornecimento de comida leve e de fácil digestão. A nutrição
parenteral é indicada para os casos graves.
Excelentes vacinas inativadas e de vírus vivo modificado, que fornecem uma imunidade sólida e duradoura, estão disponíveis para a prevenção da panleucopenia felina. As vacinas vivas não devem ser administradas em gatos
imunossuprimidos, doentes, fêmeas gestantes ou filhotes com menos de 4 semanas de idade. Muitas autoridades recomendam que os filhotes devem receber 2 ou 3 doses subcutâneas de vacina de vírus vivo modificado, em intervalos de 3 a
4 semanas. A primeira vacinação geralmente é aplicada entre 6 e 9 semanas de idade. A última dose da série inicial de vacinação não deve ser administrada antes que os filhotes completem 16 semanas de idade para assegurar que os
anticorpos maternos não inativem o vírus vivo modificado. A exposição ao vírus não deve ser permitida até a primeira semana após o término da série inicial de vacinação. Os gatos devem ser revacinados após 1 ano e depois a cada 3 anos
ou mais, embora alguns fabricantes continuem a recomendar vacinação anual de reforço.
PERITONITE INFECCIOSA FELINA
A peritonite infecciosa felina (PIF) é uma doença imunomediada desencadeada pela infecção por um coronavírus felino (FCoV). O FCoV pertence à família Coronoviridae, um grupo de vírus RNA simples de sentido positivo, envelopado,
que frequentemente é encontrado em gatos. Anticorpos específicos contra o coronavírus estão presentes em até 90% dos animais de gatis e em até 50% dos gatos que vivem sozinhos em ambientes domésticos. Contudo, apenas cerca de 5%
dos gatos infectados pelo FCoV desenvolvem PIF.
DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA: A PIF e as infecções pelo FCoV ocorrem com uma prevalência similar em todo o mundo, sendo encontradas em animais domésticos e selvagens. As estirpes do FCoV podem ser classificadas em sorotipos I e
II dependendo de sua correlação antigênica com o coronavírus canino (CCV), e as proporções destes sorotipos variam entre diferentes países. Nos EUA e Europa, de 70 a 90% das estirpes isoladas são do sorotipo I, e no Japão predomina o
sorotipo II. A maior parte dos gatos que desenvolve PIF está infectada com o sorotipo I, mas os dois sorotipos podem causar PIF e causar infecções clinicamente inaparentes.
O FCoV pertence ao mesmo grupo taxonômico que o vírus da gastrenterite, coronavírus respiratório suíno, CCV e alguns coronavírus humanos. Em muitas espécies, os coronavírus possuem um tropismo relativamente restrito a órgãos
específicos, infectando essencialmente as células dos sistemas respiratório e gastrintestinal. Porém, em gatos e camundongos, as infecções por coronavírus podem, em determinadas circunstâncias, envolver diversos órgãos. Os coronavírus
possuem uma especificidade relativamente baixa por espécies, o CCV, por exemplo, também pode infectar gatos. A PIF, no entanto, apenas ocorre em felídeos.
Além de gatos, outras espécies de felídeos podem ser suscetíveis, sendo o FCoV um patógeno importante também em felídeos não domesticados. Foram localizados indícios de infecção em 195 de 342 felídeos silvestres no sul da África,
inclusive animais em cativeiro e de vida livre. Também há uma alta incidência de PIF nos felídeos selvagens mantidos em cativeiro nos EUA e na Europa. Guepardos em cativeiro são muito propensos em desenvolver PIF, e acreditase que
a predisposição destes à doença devese a uma deficiência na imunidade celular de origem genética.
ETIOLOGIA E PATOGENIA: A PIF é causada por um coronavírus chamado vírus da peritonite infecciosa felina (PIFV). A maioria das mortes por doenças infecciosas em gatos é causada pela PIF. Uma possível explicação para o aumento da
prevalência da PIF são as mudanças no manejo e as condições de alojamento dos gatos domésticos. Com a introdução do uso de “caixas de areia”, mais gatos são mantidos permanentemente em ambientes internos, expondoos a doses
maiores de FCoV, presentes nas fezes que anteriormente eram enterradas no exterior. Ambientes de aglomeração como abrigos e criatórios também podem aumentar o estresse dos animais e ampliar a exposição ao vírus.
Originalmente acreditavase que estirpes do FCoV que causavam a PIF eram diferentes daquelas que causava a forma entérica, avirulenta. Por este motivo, foram subdividas em dois biotipos distintos, o coronavírus entérico felino e o
vírus da peritonite infecciosa felina. Atualmente sabese que estes biotipos não são espécies diferentes, mas sim representam variações de virulência de um mesmo vírus. Assim, a designação FCoV deve ser utilizada para a descrição de
todas as coronaviroses felinas.
Após o animal infectarse com o FCoV por meio de ingestão (ou mais raramente, inalação), o epitélio intestinal é o principal local de replicação viral. Esta replicação citoplasmática do FCoV pode ocasionar a destruição das células
atingidas, levando à diarreia em alguns indivíduos. Em alguns gatos, a infecção permanece por um grande período sem causar nenhum sinal clínico, podendo neste caso ocorrer eliminação do vírus tanto de forma contínua ou intermitente,
tornando o indivíduo uma fonte de infecção para outros gatos. Antigamente acreditavase que a forma avirulenta do FCoV permanecia confinada ao trato digestório, não atravessando a mucosa e não se alastrando além do epitélio intestinal
e dos linfonodos locais. Entretanto, foi possível detectar com a PCR a presença do vírus no sangue de animais saudáveis criados em domicílios endêmicos para o FCoV, indicando que a forma avirulenta pode sim causar viremia. É provável
que esta viremia em gatos que não desenvolvem PIF seja apenas de curta duração e de baixa intensidade.
A PIF é uma doença esporádica causada por variantes virais que se desenvolvem no organismo de um animal específico. Aonde quer que exista infecção pelo FCoV, há potencial para a ocorrência da PIF. A patogênese da PIF não é clara,
mas há duas hipóteses principais. A “teoria da mutação interna” é baseada no fato de que uma mutação que favoreça a replicação viral em macrófagos seja necessária e que os gatos são infectados com a forma avirulenta primária que se
replica em eritrócitos. Em algumas situações, entretanto, ocorre uma mutação em uma região do genoma viral que cria um novo fenótipo com capacidade de se replicar nos macrófagos. A existência de estirpes altamente virulentas de FCoV
capazes de consistentemente induzir a PIF apoia esta teoria em situações experimentais, mas nenhuma mutação coerente foi identificada até o momento.
A segunda hipótese é que qualquer estirpe do FCoV pode causar o desenvolvimento da PIF, sendo a carga viral e a resposta imune do indivíduo determinantes para o desenvolvimento ou não desta. É provável que tanto a genética viral
quanto a imunidade do hospedeiro desempenhem um papel. Em ambas as hipóteses, o evento patogênico fundamental para a manifestação da PIF é a replicação maciça do vírus nos macrófagos. Se o animal falha em eliminar os macrófagos
infectados com vírus capazes de replicação logo no início da infecção, a presença do vírus no interior dos macrófagos inicia uma reação imunomediada tipo Arthus fatal, a qual define a PIF.
Entre os fatores que facilitam a replicação do FCoV no intestino (ampliando a probabilidade de mutação) estão: pouca idade, predisposição racial, estado imune, estresse, tratamento com corticosteroides, cirurgia, dosagem viral,
virulência e taxa de reinfecção quando em ambientes com muitos gatos. Os filhotes que desenvolvem PIF provavelmente foram expostos a uma dose viral alta em um momento de suas vidas em que seus sistemas imunes imaturos estavam
enfrentando outras infecções, assim como o estresse da vacinação, relocação e castração.
A PIF é uma doença de imunocomplexo, envolvendo antígeno viral, anticorpos antivirais e complemento. Semanas após a ocorrência da mutação, os vírus mutantes podem ser encontrados no ceco, colón, linfonodos intestinais, baço e
fígado, após a distribuição pelos macrófagos circulantes por todo o organismo, incluído o SNC. Há duas possíveis explicações para os eventos que se seguem após a disseminação viral a partir dos intestinos. O primeiro mecanismo proposto
é a de que os macrófagos infectados saem da corrente sanguínea permitindo a entrada do vírus nos tecidos. O vírus atrai os anticorpos, há a fixação do sistema complemento e mais neutrófilos e macrófagos são atraídos para a lesão; em
consequência, ocorrem as alterações granulomatosas típicas. A explicação alternativa é a de que a PIF ocorre como resultado de imunocomplexos circulantes no sangue que acabam por infiltrarse nas paredes dos vasos sanguíneos, fixando
então o complemento e levando ao desenvolvimento das alterações granulomatosas. Presumese que os complexos antígenoanticorpo são reconhecidos pelos macrófagos, mas que não são apresentados, como seria esperado, às células
exterminadoras naturais (NK), e assim não são destruídos.
As consequências da formação de imunocomplexos em gatos dependem do tamanho destes complexos, da concentração de anticorpos e do conteúdo antigênico. A deposição de imunocomplexos provavelmente ocorre nos pontos de
maior pressão sanguínea e maior turbulência, condições presentes em bifurcações de vasos. As lesões por PIF são comuns no peritônio, rins e úvea.
Além dos vírus, os macrófagos liberam substâncias quimiotáticas conforme morrem, inclusive o complemento e os mediadores inflamatórios. A fixação do complemento leva a liberação de aminas vasoativas, causando a retração das
células endoteliais e consequente aumento da permeabilidade vascular. A retração das células endoteliais dos capilares permite assim a exsudação de proteínas plasmáticas, daí a formação dos característicos exsudatos ricos em proteínas. Os
mediadores inflamatórios ativam as enzimas proteolíticas que causam dano tecidual. A vasculite imunomediada leva à ativação do sistema coagulatório e à coagulação intravascular disseminada (CID). Desequilíbrios em várias citocinas
(como o aumento de TNFa e a diminuição de interferona?) aparecem precocemente nas infecções experimentais.
EPIDEMIOLOGIA E TRANSMISSÃO: O FCoV e a PIF são um grande problema em casas com vários gatos. O vírus é endêmico em ambientes limitados e com vários indivíduos, como gatis, abrigos e lojas de animais. O FCoV é raro em gatos
não domiciliados, em geral, solitários e sem contato próximo com outros. Mais importante ainda é o fato de que os gatos não domiciliados não compartilham os mesmos locais para enterrar suas fezes, que representam a principal fonte de
infecção em ambientes fechados.
Apesar da prevalência do FCoV ser muito alta em ambientes com muitos gatos, apenas cerca de 5% dos animais nesta situação desenvolvem PIF, sendo a taxa menor ainda em casas com apenas um animal. O risco de desenvolver PIF é
mais elevado em gatos jovens e imunossuprimidos, pois a replicação viral é menos controlada, facilitando a ocorrência de uma mutação crítica. Mais da metade de gatos que apresentam PIF possuem menos de 12 meses de idade.
O vírus é eliminado principalmente pelas fezes. A via de infecção geralmente é a oronasal. Pouco após a infecção, o FCoV já pode ser encontrado na saliva, secreções do sistema respiratório e na urina. Quando gatos não infectados de
domicílios com múltiplos gatos entram em contato com o vírus pela primeira vez, é provável que todos os gatos se tornem infectados (e desenvolvam anticorpos); a maioria destes eliminará o vírus intermitentemente por semanas ou meses.
Alguns indivíduos irão desenvolver a forma crônica, tornandose fontes contínuas de reinfecção para outros gatos. Os animais anticorponegativos muito provavelmente não eliminarão o FCoV, enquanto aproximadamente um terço dos
gatos anticorpopositivos para o FCoV eliminará o vírus. Já foi demonstrado que gatos com altos títulos de anticorpos têm maior probabilidade de eliminar o vírus, sendo também a eliminação mais constante e com maior quantidade de
vírus. A maioria dos gatos com PIF elimina o FCoV sem mutação. A carga viral nas fezes parece diminuir após o desenvolvimento de PIF.
A principal fonte de FCoV para os gatos não infectados são as “caixas de areia” compartilhadas com os gatos que eliminam o vírus. A contínua reinfecção de um gato já infectado através destas caixas contaminadas parece ter um papel
importante na sobrevivência endêmica do vírus. Mais raramente, o vírus pode ser transmitido através da saliva, lambedura mútua, compartilhamento de vasilhas e por outras formas de contato próximo. A transmissão por gotículas oriundas
de espirro é rara, porém possível. É incerto se a transmissão do FCoV ocorre em grau significativo nas exposições felinas. A transmissão por piolhos ou pulgas é considerada improvável. A transmissão transplacentária pode ocorrer, mas
isto é muito incomum em circunstâncias naturais. A maioria dos filhotes removidos do contato com adultos liberando vírus até 5 a 6 semanas de idade não são infectados. É mais comum a infecção de gatinhos com idade entre 6 e 8
semanas, no momento em que seus anticorpos maternos diminuem, principalmente pelo contato com as fezes de suas mães ou de outros gatos que estejam excretando o vírus.
O FCoV é um vírus relativamente frágil, inativado à temperatura ambiente entre 24 e 48 h. É destruído pela maioria dos desinfetantes e detergentes de uso doméstico. Pode, no entanto sobreviver em condições secas (p. ex., em carro para
transporte de animais) por até 7 semanas. A transmissão indireta por fômites é, portanto, possível e o vírus pode ser transmitido através de roupas, brinquedos, e utensílios.
ACHADOS CLÍNICOS
Infecção por FCoV: Pode causar uma diarreia transitória e clinicamente leve e/ou vômitos devido à replicação do FCoV nos enterócitos. Filhotes infectados com o FCoV podem ter um histórico de crescimento retardado ou, mais raramente,
sinais no trato respiratório superior. Ocasionalmente o vírus pode causar diarreia grave e perda de peso, podendo esta não ser responsiva ao tratamento e continuar por meses. A maioria dos gatos infectados não apresentam sinais clínicos.
PIF: Os sinais clínicos variam de acordo com os órgãos envolvidos. Vários deles, inclusive o fígado, rins, pâncreas, sistema nervoso central e olhos podem ser afetados. Os sinais clínicos e os achados patológicos são uma consequência da
vasculite e da falência de órgãos, como resultado de danos aos vasos sanguíneos que os irrigam. Em todos os casos de gatos com sinais clínicos inespecíficos, como perda de peso crônica ou febre resistente ao tratamento com antibióticos
de origem desconhecida e/ou recorrente, devese considerar a PIF entre os diagnósticos diferenciais.
O período entre a mutação e o desenvolvimento dos sinais clínicos é desconhecido e depende do sistema imunológico do indivíduo. A doença geralmente tornase aparente após um período entre algumas semanas a 2 anos após a
ocorrência da mutação. O tempo entre a infecção pelo FCoV e o desenvolvimento da PIF é ainda mais imprevisível, dependendo da ocorrência da mutação espontânea. Os gatos correm mais risco de desenvolver PIF entre 6 e 18 meses após
a infecção, diminuindo o risco para cerca de 4% 36 meses após a infecção.
Antigamente, distinguiamse três formas diferentes de PIF: 1) forma efusiva, exsudativa e úmida; 2) forma não efusiva, não exsudativa, seca, granulomatosa e parenquimatosa; e 3) forma mista. A primeira forma era caracterizada por
formas efusivas de peritonite fibrinosa, pleurite e ou pericardite. A segunda forma era caracterizada por mudanças granulomatosas em diferentes órgãos inclusive olhos e SNC. Hoje em dia entendese a que diferenciação entre estas formas
não é útil na prática (sendo valiosa apenas em uma abordagem diagnóstica), uma vez que sempre há efusão ou alterações granulomatosas em maior ou menor grau. Adicionalmente, as formas podem transformarse uma na outra. Desta
maneira, a PIF pode apenas ser mais ou menos exsudativa ou produtiva em certos animais e em certas ocasiões.
Muitos gatos com PIF desenvolvem efusões, comumente representadas por efusões torácicas ou ascite. Mais raramente são encontradas efusões em outras regiões, inclusive o pericárdio e saco escrotal. Não obstante, menos de 50% de
todos os gatos que apresentam efusões realmente possuem PIF.
Em gatos com ascite frequentemente notase tumefação do abdome, podendose perceber onda de fluido abdominal. Em casos menos graves pode ser percebido, por palpação, fluido entre as alças intestinais. Por vezes, pode ser possível
localizar na palpação do abdome massas anormais, representativas de adesões omentais e viscerais ou linfonodos mesentéricos aumentados. Efusões torácicas podem causar dispneia, taquipneia, respiração pela boca e mucosas cianóticas.
Os sons cardíacos apresentamse abafados. Em casos com efusão pericárdica, além do ruído cardíaco abafado, podem ser constatadas mudanças típicas no ECG e ecocardiografia. Os animais podem permanecer tanto alertas quanto
deprimidos. Alguns apresentam anorexia, enquanto outros possuem apetite normal ou até mesmo aumentado. Podem ainda apresentar febre, perda de peso e icterícia. As efusões podem ser visualizadas por métodos diagnósticos por
imagem (radiografia e ultrassonografia) e comprovadas por punção.
Em gatos sem efusão evidente, onde basicamente estão presentes alterações granulomatosas, os sinais são por vezes vagos, inclusive febre, perda de peso, letargia e perda de apetite. Pode ocorrer icterícia. Se os pulmões forem
envolvidos, os gatos podem tornarse dispneicos e as radiografias torácicas podem revelar densidades irregulares nos pulmões. A palpação abdominal pode revelar linfonodos mesentéricos aumentados e irregularidades nos rins e outras
vísceras. Os sinais clínicos presentes às vezes podem ser incomuns. Em alguns casos suspeitase de tumores abdominais, sendo a PIF diagnosticada apenas na necropsia.
Frequentemente são encontradas lesões oculares, sendo mais comuns as alterações na retina. O exame de retina deve ser realizado em todos os gatos com suspeita de PIF. Pode estar presente na vasculatura retinal uma bainha de
transudato, que aparece como linhas acinzentadas irregulares em ambos os lados dos vasos sanguíneos. Ocasionalmente podem ser localizadas na retina lesões granulomatosas, hemorragia ou descolamento. Estas alterações, no entanto, não
são pato gnomônicas, sendo semelhantes às verificadas em outras doenças infecciosas sistêmicas como toxoplasmose, infecções fúngicas, FIV ou FeLV.
Outra manifestação comum é a uveíte, que em casos brandos aparece como uma mudança na coloração da íris. Na maior parte dos casos a íris tornase parcial ou totalmente marrom, embora no caso de olhos azuis estes possam por vezes
parecer esverdeados. A uveíte também pode causar turvamento da câmara anterior, sendo detectada por iluminação focal realizada em quarto escuro. Um grande número de células inflamatórias depositase na porção anterior da córnea e
causam precipitados que podem ser ocultos pela membrana nictante. Pode ocorrer ainda hemorragia na câmara anterior. Punção do humor aquoso revela pleocitose e proteína elevada.
Sinais neurológicos são comuns em gatos com PIF, sendo variáveis e refletindo a área afetada do SNC. Normalmente as lesões são multifocais. Os sinais clínicos mais comuns depois da ataxia são nistagmo e convulsões. Adicionalmente,
podem ser constatados incoordenação, tremor intencional, hiperestesia, mudanças de comportamento e manifestações de anormalidades de nervos craniais. No caso do envolvimento dos nervos cranianos, sinais neurológicos como
deficiências visuais e ausência de reflexo de ameaça, podem estar presentes. Quando as lesões estão localizadas em nervos periféricos ou na coluna pode ser observada claudicação, ataxia ou paresia progressiva. A presença de hidrocefalia
verificada em tomografia computadorizada é sugestiva da ocorrência de PIF neurológica. Em um estudo com 24 gatos com PIF com envolvimento neurológico, o exame pósmorte identificou hidrocefalia em 75% dos animais.
Há uma rara forma entérica nodular de PIF verificada em gatos jovens com diarreias e vômitos, associada a lesões intestinais granulomatosas. O único ou principal órgão afetado nestes casos é o intestino. As lesões são encontradas
normalmente apenas na junção ileocecocólica, mas podem estar presentes em outras áreas como colón e intestino delgado. Os gatos podem apresentar uma diversidade de sinais como resultado destas lesões, sendo a mais comum a diarreia
crônica. Vômitos e constipação intestinal podem ocorrer, e alguns gatos apresentam apenas obstrução gastrintestinal. A palpação do abdome por vezes revela uma área intestinal espessada. A hematologia pode mostrar números aumentados
de corpos de Heinz como resultado da absorção diminuída de vitamina B12.
A síndrome da pele frágil foi descrita em um animal com PIF, e outras lesões de pele, como lesões nodulares, papulares e pododermatite, também estar presentes. Doenças reprodutivas, morte neonatal e filhotes que definham não são
costumeiramente associados à PIF.
Lesões: A histologia das lesões geralmente é patognomônica. Amostras coradas com hematoxilina e eosina tipicamente apresentam inflamação perivascular mista com macrófagos, neutrófilos, linfócitos e células plasmáticas. Os
piogranulomas podem ser grandes e firmes, por vezes com necrose tecidual focal ou numerosas lesões menores. Os tecidos linfoides ocasionalmente apresentam depleção linfoide causada por apoptose.
DIAGNÓSTICO: Um diagnóstico rápido e seguro da PIF é importante, mas pode ser difícil. As dificuldades surgem da falta de testes confirmatórios não invasivos em gatos que não apresentam efusões óbvias. A obtenção e a análise das
efusões são minimamente invasivas e muito mais sensíveis do que os testes hematológicos. Em gatos que não apresentam efusões, diversos parâmetros devem ser considerados para a determinação de quando serão realizados os testes
confirmatórios invasivos, inclusive o histórico, sinais clínicos, alterações constatadas laboratorialmente e títulos de anticorpos.
Hematologia e Bioquímica Sérica: Os leucócitos podem estar aumentados ou diminuídos. A linfopenia é comum, causada principalmente por apoptose de células T não infectadas (primariamente células CD8+ T) como resultado da alta
concentração de TNFa produzido pelos macrófagos infectados. Entretanto, linfopenia combinada com neutrofilia pode ocorrer em diversas doenças felinas graves. Uma anemia não regenerativa de leve a moderada é outro achado
inespecífico que pode ocorrer em praticamente todas as doenças crônicas de gatos.
O achado laboratorial mais comum em gatos com PIF é o aumento da concentração sérica de proteína total causada pelo aumento de globulinas, sobretudo gamaglobulina. A proteína total pode alcançar concentrações muito altas, de até
120 g/l (12 g/dl) ou mais. A relação albumina:globulina tem importância diagnóstica significativamente maior no diagnóstico diferencial do que a concentração de gamaglobulina ou de proteína total sérica, porque também pode ocorrer
diminuição do teor sérico de albumina pela diminuição da produção devido à perda de proteína ou insuficiência hepática. A perda de proteína em gatos com PIF também pode ser causada por glomerulonefrite secundária à deposição de
imunocomplexos, por enteropatia exsudativa (em caso de alterações granulomatosas nos intestinos) ou por extravasamento de fluidos ricos em proteínas por vasculite. Um valor de corte de 0,8 foi definido como o melhor para a razão entre
albumina e globulina. A eletroforese de proteínas séricas pode ser realizada em gatos suspeitos para distinguir uma hipergamaglobulinemia monoclonal de uma policlonal, de modo a diferenciar PIF (assim como outras infecções crônicas)
de tumores como mielomas múltiplos ou tumores de células plasmáticas. O valor do achado é, no entanto, limitado.
Outros parâmetros laboratoriais, inclusive enzimas hepáticas, bilirrubina, ureia (ou BUN) e creatinina, podem estar elevados de forma variável, dependendo do grau e da localização das lesões aos órgãos, mas não são úteis no
estabelecimento do diagnóstico. Icterícia e hiperbilirrubinemia por vezes são observadas e frequentemente refletem necrose hepática. Às vezes, a concentração de bilirrubina está aumentada em gatos com PIF, sem evidência de hemólise,
doença hepática ou colestase; este achado incomum é observado apenas em animais com sepse. O metabolismo da bilirrubina e a excreção biliar estão comprometidos, provavelmente, pelo alto teor de TNFa, que inibe o transporte através
de me mbrana. Assim, bilirrubina elevada na ausência de hemólise e aumento da atividade de enzimas hepáticas fazem suspeitar de PIF.
Alta concentração sérica de a1glicoproteína ácida (AGP) (> 3 mg/ml), uma proteína de fase aguda normalmente elevada em gatos com PIF, pode sustentar o diagnóstico, embora outras condições inflamatórias também a eleva, se ndo
assim inespecífica. Adicionalmente, a AGP também pode estar elevada em gatos assintomáticos infectados por FCoV, especialmente nos domicílios onde o vírus é endêmico.
Algoritmo para obter o diagnóstico definitivo em um gato com suspeita de PIF.
EFUSÃO FLUIDA: Os testes realizados em efusões possuem uma importância diagnóstica muito maior do que os testes realizados no sangue. O fluido pode ser obtido através de aspiração com agulha fina guiada por ultrassonografia, ou no
caso de ascite, usando a “técnica do gato voador”. Apesar das efusões de coloração amarela clara e de consistência pegajosa serem consideradas típicas, apenas a presença de fluido com estas características nas cavidades não é definitiva
para o diagnóstico. O fluido pode ainda apresentar uma aparência diferente, sendo descritos alguns casos de efusão quilosa. Normalmente contém grande quantidade de proteínas (> 3,5 g/dl), compatível com exsudato, enquanto o conteúdo
celular é baixo (< 5.000 células nucleadas/ml), assemelhandose a um transudato puro ou modificado. Os principais diagnósticos diferenciais para estas efusões incluem doença inflamatória hepática, linfoma, insuficiência cardíaca e
peritonite ou pleurite bacteriana. Tipicamente, a atividade da lactato desidrogenase (LDH) está elevada (> 300 UI/l). A citologia é variável, mas muitas vezes consiste predominantemente de macrófagos e neutrófilos, de maneira similar à
citologia verificada em gatos com serosite bacteriana ou linfoma, e a diferenciação geralmente pode ser feita pela presença de células neoplásicas (na citologia) ou pela presença de bactérias intracelulares (com o crescimento destas em
cultura).
O teste de Rivalta é um método simples e econômico, não necessitando de equipamento laboratorial especial e pode ser realizado facilmente em clínicas particulares. É muito útil para diferenciar as efusões causadas por PIF daquelas
causadas por outras doenças. A alta concentração de proteínas e as altas concentrações de fibrina e de mediadores inflamatórios definem o resultado positivo da reação. Para realizar o teste, um tubo de ensaio transparente (10 ml) é
preenchido com aproximadamente 8 ml de água destilada e uma gota de ácido acético (vinagre altamente concentrado, 98%). Colocase cuidadosamente uma gota da efusão na superfície da solução. O resultado é negativo caso a gota
dissolvase e a solução permaneça límpida. Se a gota mantiver sua forma, permanecer na superfície ou afundar vagarosamente, o resultado é positivo. O teste de Rivalta apresenta valor preditivo positivo alto (86%) e valor preditivo
negativo muito alto (96%) para a PIF. Resultados positivos podem ocorrer em casos de peritonite bacteriana ou linfoma. Estas efusões, no entanto são geralmente fáceis de diferenciar através de exame macroscópico, citologia ou cultura
bacteriana.
Fluido Cerebrospinal: A análise do fluido cerebrospinal (FCE) de gatos com sinais neurológicos de PIF pode revelar valores elevados de proteína (50 a 350 mg/dl, quando os valores normais são < 25 mg/dl) e pleocitose (100 a 10.000 células
nucleadas/ml) constituída principalmente por neutrófilos, linfócitos e macrófagos (achado relativamente inespecífico). Muitos gatos com sinais neurológicos de PIF apresentam FCE normal.
Mensuração de Anticorpos: Não há nenhum teste de pesquisa de anticorpos para a PIF; apenas os anticorpos antiFCoV podem ser mesurados. A titulação de anticorpos no soro é amplamente utilizada como método diagnóstico. Entretanto, a
maioria dos animais positivos para anticorpos antiFCoV nunca desenvolverão PIF. Assim, os títulos de anticorp os devem ser interpretados com extrema cautela. Os testes de anticorpos possuem ainda certo papel no diagnóstico, de
maneira mais importante, no manejo em ambientes com múltiplos gatos, desde que sejam utilizadas metodologias apropriadas e que os resultados sejam corretamente interpretados. Entretanto, estes testes apenas podem ser úteis quando o
laboratório é confiável. Títulos baixos ou médios não possuem valor diagnóstico. Valores muito altos, desde que cuidadosamente interpretados, podem ter certo valor diagnóstico. Gatos com altos títulos de anticorpos são mais predispostos
a eliminar o vírus e em maior quantidade. Assim, o título está diretamente correlacionado com a taxa de replicação viral e a quantidade de vírus nos intestinos. A mensuração de anticorpos pode ser útil na prática, por exemplo, para
determinar o prognóstico de um gato exposto ou se o animal exposto está eliminando o FCoV. A triagem em gatis, ou a triagem de um gato antes da introdução em um gatil livre do vírus são indicações adicionais.
Teste de Rivalta positivo em amostra obtida de um gato com PIF. Cortesia do Dr. Katrin Hartmann.
A mensuração de anticorpos em outros fluidos além do sangue (p. ex., efusões e FCE) vem sendo investigada. A presença de anticorpos nas efusões está correlacionada com a presença de anticorpos no sangue; assim, os títulos de
anticorpos nas efusões não são muito úteis. Um estudo investigando o valor diagnóstico da detecção de anticorpos no FCE relatou uma correlação muito boa para a presença de PIF quando comparado com a histopatologia, mas outros 2
estudos mais recentes com um número grande de gatos consultados em hospitais veterinários de instituições de ensino não revelou nenhuma diferença significativa nos níveis de anticorpos no FCE de gatos com sinais neurológicos devido à
PIF em comparação com os gatos com outras doenças neurológicas confirmados por exame histopatológico.
PCR via Transcriptase Reversa (RTPCR): A RTPCR para detecção do FCoV no sangue vem sendo utilizada com maior frequência como uma ferramenta de diagnóstico para a PIF. Até agora, no entanto, não foi desenvolvida uma PCR que
possa diagnosticar definitivamente a PIF. Além disso, os resultados da PCR não são fáceis de interpretar, podendo ser falso negativo (p. ex., porque o ensaio requer a transcrição reversa do RNA viral para DNA antes da amplificação do
DNA, e a degradação do RNA pode ser um problema potencial porque as RNAases são virtualmente onipresentes) ou falso positivo (p. ex., o ensaio não faz distinção entre as estirpes virulentas e avirulentas do FCoV, nem diferencia o
FCoV dos coronavírus de outras espécies). A viremia parece ainda ocorrer não só em gatos com PIF, mas também em portadores saudáveis. O RNA do FCoV foi detectado no sangue de gatos com PIF, mas também em gatos saudáveis ??
que não desenvolveram manifestação por um período de até 70 meses. Deste modo, os resultados dos testes de PCR devem ser interpretados cuidadosamente, e não podem ser utilizados como uma ferramenta para o diagnóstico definitivo.
PCR foi utilizada para detectar o FCoV em amostras fecais, sendo sensível e útil para documentar se um gato está eliminando FCoV nas fezes. A intensidade do resultado da PCR nas fezes correlacionase com a quantidade de vírus
presente nos intestinos. Estes resultados podem ser úteis na detecção de gatos que cronicamente eliminam grandes cargas de vírus e que representam um risco elevado em ambientes com muitos gatos.
Detecção do Complexo AntígenoAnticorpo: Como a PIF é uma doença imunomediada e os complexos antígenoanticorpo desempenham um papel importante na patogênese, tem se sugerido que a procura de imunocomplexos específicos
circulantes no soro e nas efusões possa ser útil. A detecção de complexos antígenoanticorpo específicos para coronavírus pode ser realizada utilizandose um ELISA competitivo. A utilidade, no entanto, é limitada e o valor preditivo
positivo deste teste não é muito elevado (67%).
Imunocoloração do Antígeno do FCoV: Outros métodos para detectar o vírus incluem a detecção de antígeno do FCoV em macrófagos utilizando imunofluorescência (em efusões) ou imunoistoquímica (em tecidos). A imunomarcação não
diferencia o FCoV inofensivo do FCoV causador da PIF, mas apenas o vírus causador da PIF é capaz de se replicar em quantidades suficientemente grandes nos macrófagos para produzir uma coloração positiva. Em um estudo recente no
qual um grande número de gatos com PIF confirmada e de controles com outras doenças (também confirmadas) foram investigados, a coloração imunofluorescente positiva do antígeno intracelular do FCoV nos macrófagos de efusões foi
100% preditiva para a PIF. Infelizmente, o valor preditivo negativo do teste não é muito elevado (57%), e isto pode ser explicado pelo baixo número de macrófagos nos esfregaços de efusões, resultando em coloração negativa. A
imunoistoquímica pode ser utilizada para detectar a expressão de antígeno do FCoV no tecido e também possui valor preditivo positivo de 100%. No entanto, os métodos invasivos (p. ex., laparotomia ou laparoscopia) são geralmente
necessários para se obter amostras de tecidos apropriadas. Tanto a histologia (que por si só é confirmatória) quanto a coloração imunoistoquímica do antígeno nos macrófagos dos tecidos podem ser utilizadas para diagnosticar a PIF.
TRATAMENTO, CONTROLE E PREVENÇÃO: O tratamento dos gatos com PIF é frustrante e limitado aos casos que respondem favoravelmente nos primeiros dias. O prognóstico de um gato com PIF é muito pobre. Em um estudo prospectivo
inclusive 43 gatos com PIF confirmada, a sobrevida média após o diagnóstico definitivo foi de 9 dias. Alguns gatos, no entanto, podem sobreviver durante vários meses. Fatores que indicam um prognóstico pobre e um tempo de
sobrevivência curto são: baixo índice de Karnofsky (índice de qualidade de vida), baixa contagem de plaquetas, baixa contagem de linfócitos, elevada concentração de bilirrubina e uma grande quantidade de efusão. As convulsões devem
ser consideradas um sinal prognóstico desfavorável, pois são significativamente mais frequentes nos animais com lesões inflamatórias no córtex frontal. Os gatos que não apresentam nenhuma melhora no prazo de 3 dias após o início do
tratamento provavelmente não obterão nenhum benefício da terapia e a eutanásia deve ser considerada.
O tratamento de suporte visa a supressão da reação imune exagerada, geralmente com a utilização de corticosteroides. No entanto, não há estudos controlados que indiquem que os corticosteroides tenham qualquer efeito benéfico.
Ocasionalmente há relatos de gatos tratados com corticosteroides que apresentaram melhora clínica por vários meses. As drogas imunossupressoras, tais como prednisona (2 a 4 mg/kg, VO, 1 vez/dia), têm sido sugeridas. Alguns gatos com
efusões são beneficiados com a remoção do líquido e com uma injeção de dexametasona na cavidade abdominal ou torácica (1 mg/kg até não se constatar mais nenhuma efusão).
Gatos com PIF devem ainda ser tratados com antibióticos de amplo espectro e com terapia de suporte (p. ex., fluidos SC). Um inibidor de tromboxano sintetase (cloridrato de ozagrel), que inibe a agregação plaquetária, tem sido utilizado
em alguns gatos e conduziu a alguma melhoria dos sinais clínicos. Há relatos de que a pentoxifilina, um medicamento que diminui a vasculite e inibe várias citocinas (tais como as interleucinas e o TNFa), pode ser benéfica em alguns
animais.
Moduladores imunitários (p. ex., Propionibacterium acnes, acemanana) têm sido utilizados no tratamento de gatos com PIF sem evidência documentada de eficácia. Tem sido sugerido que estes agentes podem beneficiar os animais
infectados através da restauração da função imunológica comprometida. No entanto, uma estimulação não específica do sistema imune parece ser contraindicada nos casos de PIF, porque os sinais clínicos se desenvolvem e progridem como
resultado de uma resposta imunomediada. Alguns relatos mais antigos sugerem que a tilosina, que tem efeitos imunomoduladores, pode ser benéfica no tratamento de alguns gatos. Remissões de duração variável foram relatadas em casos
individuais, mas a PIF não foi confirmada em muitos destes casos. O modulador imunológico promodulin foi utilizado em 52 gatos com suspeita de PIF, que responderam favoravelmente ao tratamento; uma remissão rápida dos sinais
clínicos (anorexia, febre e efusão) foi verificada. No entanto, a PIF novamente não foi confirmada, e não havia um grupo de controle ou de acompanhamento a longo prazo no estudo.
Em um estudo, 29 gatos suspeitos de apresentarem PIF foram tratados em 5 grupos por mais de 6 semanas. Os grupos receberam: a) ampicilina (100 mg/kg/dia), prednisolona (4 mg/kg/dia) e ciclofosfamida (4 mg/kg/dia); b)
dexametasona (2 mg/kg no dia 1 e no dia 5) e ampicilina (20 mg/kg, 3 vezes/dia, durante 10 dias); c) interferonaa humano (6 × 105 UI/gato, 5 dias por semana, durante 3 semanas); d) indutor de paraimunidade (0,5 ml/gato/semana, durante
6 semanas); e) nenhum tratamento (controle). Entre 29% e 80% dos gatos vieram a óbito em um período de 3 anos (dependendo do grupo). Entretanto, a PIF também não foi confirmada nestes gatos e os critérios de inclusão permanecem
obscuros.
Vários estudos investigaram a eficácia de diversos medicamentos antivirais em gatos com PIF. Até o momento, nenhum deles provou ser efetivo. Um gato tratado com o melfalana, um agente alquilante do grupo mostarda de nitrogênio
que interage irreversivelmente com o DNA, respondeu bem ao tratamento por 9 meses, mas, após este período, desenvolveu enfermidade mieloproliferativa e morreu. O diagnóstico da PIF também não foi confirmado neste caso.
Os interferons têm sido utilizados frequentemente em gatos com PIF. A interferonaa humana tem um efeito antiviral direto, sendo comprovada a eficácia antiviral in vitro contra uma estirpe de FCoV causadora de PIF. Em um estudo
controlado, gatos com PIF confirmada e tratados com 106 UI/kg de interferonaa em combinação com Propionibacterium acnes apresentaram tempo de sobrevivência significativamente mais prolongado (cerca de 3 semanas). A
interferona? felina foi licenciada para o uso veterinário em alguns países europeus e no Japão. Os gatos podem ser tratados parenteralmente com a interferona? felina por longos períodos sem desenvolverem anticorpos. A replicação do
FCoV é inibida in vitro pela interferona? felina, mas os resultados do tratamento são variáveis. Em um tratamento recentemente realizado, randomizado, duplocego com uso de placebo, não houve diferença estatística significativa entre o
tempo de sobrevivência média dos gatos tratados com a interferona? ou com o placebo. Os gatos sobreviveram durante um período de 3 a 200 dias.
Manejo de Gatos Expostos: Quando um gato de um domicílio desenvolve PIF, todos os gatos que convivem no mesmo ambiente já terão sido expostos ao mesmo FCoV. Sob circunstâncias naturais, parece que o vírus causador da PIF não é
excretado em tais casos e que a PIF não é transmitida de gato para gato. Após o desenvolvimento da PIF, um gato eliminará menos FCoV “inofensivo” do que antes do desenvolvimento da doença. No entanto, em condições experimentais,
é possível transmitir o vírus causador a partir de um gato com PIF para outros gatos em contato. Ainda assim, parece ser relativamente seguro trazer de volta um gato com PIF para a mesma casa que tenha gatos que já entraram em contato
com a estirpe do FCoV, uma vez que estes gatos terão certa imunidade para esta estirpe específica. Não é recomendado permitir o contato entre um gato com PIF com qualquer novo gato que ainda não tenha sido exposto ao vírus.
Se um gato foi eutanasiado ou morreu devido à PIF, o proprietário deve esperar pelo menos 3 meses antes de adquirir outro gato. O FCoV pode permanecer infectante por pelo menos 7 semanas no ambiente, especialmente quando as
caixas de areia estão em uso. Outros gatos presentes na casa provavelmente estarão infectados e eliminando o FCoV. Os gatos são normalmente levados ao veterinário para uma avaliação após o contato com um gato com PIF ou com um
gato suspeito ou que sabidamente esteja excretando o vírus. O proprietário pode querer saber o prognóstico para o gato exposto ou se este está eliminando o vírus. Estes gatos provavelmente serão anticorpopositivos, uma vez que 95 a
100% dos gatos expostos ao FCoV são infectados e desenvolvem anticorpos entre 2 e 3 semanas após a exposição. Poucos gatos podem ser resistentes à infecção pelo FCoV. Tem sido demonstrado que alguns gatos de ambientes endêmicos
para o FCoV, e com múltiplos gatos, permanecem continuamente anticorponegativos. O mecanismo de ação para essa resistência é desconhecido.
Embora os gatos expostos provavelmente tenham anticorpos, isso não está necessariamente associado a um prognóstico desfavorável. A maioria dos gatos infectados com o FCoV não irá desenvolver a PIF e muitos gatos em casas com
apenas um ou dois gatos eliminarão a infecção e irão tornarse anticorponegativos dentro de alguns meses a anos (geralmente cerca de 6 meses.). Os proprietários devem ser aconselhados a esperar até que os testes de anticorpos de todos os
gatos sejam negativos ou até que a PCR das amostras fecais (4 amostras fecais testadas durante um período 2 semanas) sejam negativas antes de adquirir um novo gato. Se o teste de anticorpos é utilizado, os gatos devem ser testados
novamente (usando o mesmo laboratório) a cada 6 a 12 meses até que o resultado seja negativo. Alguns gatos permanecerão anticorpopositivos por anos.
Manejo de Ambientes Domésticos com Vários Gatos: Na maioria dos ambientes domésticos com vários gatos, o FCoV é endêmico e a PIF praticamente inevitável. Casas com menos de 5 gatos podem tornarse espontânea e naturalmente livres de
FCoV, mas em casas com mais de 10 gatos isto é quase impossível porque o vírus passa de um gato para outro, mantendo a infecção. Nestes ambientes endêmicos para o FCoV, como gatis, abrigos e lares adotivos, não há praticamente nada
a ser feito para evitar a PIF.
Várias táticas têm sido utilizadas para eliminar o FCoV de um gatil endêmico. A redução do número de gatos (especialmente de gatinhos com < 12 meses) e a manutenção da limpeza de superfícies suspeitas de contaminação pelo FCoV
podem minimizar a carga da população viral. Testes de anticorpos ou PCR fecal e segregação podem ser realizados para impedir a exposição. Cerca de um terço dos gatos anticorpopositivos excretam o vírus e, assim, cada gato anticorpo
positivo deve ser considerado infeccioso. Após 3 a 6 meses, os títulos de anticorpos podem ser testados novamente. Alternativamente, pode ser realizada a PCR de amostras fecais (várias) para detectar portadores crônicos do FCoV, e estes
gatos podem ser removidos. Em ambientes como muitos gatos, 40 a 60% dos animais eliminaram o vírus em suas fezes em um determinado momento. Cerca de 20% eliminarão o vírus persistentemente. Se um gato permanece
persistentemente positivo na PCR por mais de 6 semanas, este deve ser isolado.
Os filhotes de fêmeas que estejam eliminando o FCoV podem permanecer protegidos da infecção pelos anticorpos maternos até 5 a 6 semanas de idade. Um protocolo de desmame precoce para a prevenção da infecção tem sido proposto
e consiste no isolamento das fêmeas por 2 semanas antes do parto, quarentena estrita de mães e filhotes e desmame precoce com 5 semanas de idade. A remoção precoce dos gatinhos e a prevenção do contato com outros gatos podem
ajudar a manter os filhotes livres da infecção. Os gatinhos devem ser levados para uma nova casa (sem gatos infectados pelo FCoV) com 5 semanas de idade. Embora pareça simples, o protocolo exige salas de quarentena e procedimentos
para garantir que o vírus não seja introduzido. Cuidados especiais devem ser tomados durante este período para socializar os filhotes. O sucesso do desmame precoce e do isolamento depende de quarentena eficiente e de pequeno número
de gatos no domicílio (menos de 5).
Outra abordagem possível é maximizar a resistência hereditária à PIF em gatis de criação. A predisposição genética desempenha um papel no desenvolvimento da doença, mas não está completamente compreendida. Irmãos de ninhada
de gatinhos que tenham PIF têm uma maior probabilidade de desenvolver PIF do que outros gatos no mesmo ambiente. Um gato que teve 2 ou mais ninhadas em que os filhotes desenvolveram PIF não deve se reproduzir novamente. Uma
atenção especial deve ser dada aos pedigrees de machos onde a ocorrência de PIF apresentase maior do que a média. A reprodução de uma linhagem frequentemente usa extensivamente gatos valiosos e a eliminação desses animais pode
ter um efeito na melhoria da resistência geral da raça.
Em abrigos, a prevenção da PIF é praticamente impossível a menos que os gatos sejam rigorosamente separados e tratados apenas por meio de dispositivos de manipulação estéreis (comparável a de unidades de isolamento). O isolamento
muitas vezes não é eficaz porque o FCoV é facilmente transportado em roupas, sapatos, poeira e gatos. Parece haver correlação significativa entre o número de eventos de manipulação fora das gaiolas e a porcentagem de gatos anticorpo
positivos. Os abrigos devem ter fichas de informação ou contratos por escrito, informando as pessoas sobre o FCoV e a PIF. Os envolvidos devem compreender que o FCoV é inevitável em ambientes com muitos gatos e que a PIF é uma
consequência inevitável da FCoV endêmica. Boas práticas de criação e instalações que podem ser limpas facilmente podem minimizar a propagação do vírus.
Vacinação: Tentativas de desenvolver vacinas eficazes apresentaram pouco sucesso. No entanto, foi licenciada uma vacina que incorpora um mutante da estirpe DF2PIFV do FCoV sensível à temperatura, que pode replicarse no
revestimento do trato respiratório superior em temperatura mais baixa, mas não à temperatura interna maior. Esta vacina é administrada pela via intranasal e produz uma imunidade local (anticorpos IgA) no local onde o FCoV inicialmente
penetra no corpo (orofaringe), assim como uma imunidade mediada por células. Esta vacina está disponível nos EUA e em muitos países europeus. Há questionamentos quanto à eficácia da vacina. A vacinação em um ambiente endêmico
para o FCoV ou em uma casa com casos conhecidos de PIF não é eficaz. Os testes de anticorpos podem ser benéficos antes da vacinação, uma vez que a vacina não será eficaz em gatos com contato prévio com FCoV. A maioria dos gatos
desenvolvem anticorpos após a vacinação, dificultando o estabelecimento e o controle de um ambiente livre de FCoV.
Tabela 7 – Medicamentos sugeridos para uso em casos de PIF*
Antivirais
Imunossupressores
* Muitos dos tratamentos listados são considerados extrabula para tratamento de PIF.
** Medicina Baseada em Evidências (MBE): nível 1 = confirmado por ensaios clínicos aleatórios controlados na espéciealvo; nível 2 = confirmado por estudos experimentais aleatórios controlados na espéciealvo; nível 3 = sustentado
por uma série de casos, outros estudos experimentais e ensaios clínicos não aleatórios; nível 4 = baseado na opinião de especialistas, relato de casos e estudos em outras espécies. Modificado com autorização de Feline Infectious
Peritonitis. Guidelines of the European Advisory Board on Cat Diseases, © 2010 Advisory Board on Cat Diseases.
RISCO ZOONÓTICO: Em razão da estreita relação antigênica entre os coronavírus de diferentes espécies de animais domésticos, e por ter sido um coronavírus derivado de animais em contato estreito com os seres humanos o causador do
surto em 2003 da chamada síndrome respiratória aguda grave (SARS), que ameaçou a saúde de milhares de seres humanos, surgiram preocupações sobre o possível risco do FCoV para as pessoas. No entanto, não há nenhuma indicação de
que o FCoV seja infeccioso para os humanos.
VÍRUS DA LEUCEMIA FELINA E DOENÇAS RELACIONADAS (Linfoma e leucemia felinos, Linfossarcoma)
Apesar da ampla utilização de vacinas, o vírus da leucemia felina (FeLV) continua sendo uma das principais causas de morbidade e mortalidade em gatos. Provoca uma variedade de neoplasias, e a infecção persistente também pode causar
grave imunossupressão e anemia intensa. O vírus é cosmopolita. Na natureza, o FeLV infecta gatos domésticos e alguns outros Felidae. Em ambiente laboratorial, células de uma variedade muito maior de espécies podem ser infectadas por
algumas estirpes do vírus.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O FeLV é um retrovírus da família Oncovirinae. Outros oncovírus são: vírus do sarcoma felino, vírus da leucemia dos camundongos e dois tipos de vírus Tlinfotrópicos humanos. Embora a oncogênese seja
um de seus efeitos mais graves, as oncoviroses causam muitas outras doenças, inclusive distúrbios degenerativos, proliferativos e imunológicos.
Há quatro principais subgrupos de FeLV de importância clínica. O vírus do subgrupo A (FeLVA) é encontrado em todos os gatos infectados naturalmente. O FeLVA é a forma viral original, arquetípica, sendo eficientemente transmitida
entre os gatos. As infecções pelo FeLVA tendem a ser menos patogênicas do que a de outros subgrupos. Quase todos os gatos com infecção natural foram originalmente infectados pelo FeLVA. Já no organismo de gatos infectados, o
FeLVA às vezes modificase produzindo as formas mutantes FeLVB, FeLVC ou FeLVT. O FeLVB aumenta a frequência de doenças neoplásicas, o FeLVC está fortemente associado ao desenvolvimento de hipoplasia eritroide e da
consequente a anemia grave, enquanto o FeLVT possui propensão para infectar e destruir os linfócitos T, levando à depleção linfocitária e imunodeficiência. As viroses dos quatro subgrupos são detectadas (mas não são diferenciadas) com
o uso de kits de testes diagnósticos comumente utilizados para o FeLV.
A prevalência da infecção por FeLV está diretamente relacionada com a densidade populacional de gatos. As taxas de infecção são altas em gatis e instituições com múltiplos gatos, especialmente quando os animais têm acesso ao
exterior. Nos EUA, 2,6% dos gatos retirados da área atingida pelo furação de 2005 (costa do golfo) testados para o FeLV eram positivos.
Gatos saudáveis com infecção persistente são os principais reservatórios do FeLV. Os portadores excretam grande quantidade de vírus na saliva, e menores quantidades do vírus são excretadas no fluido lacrimal, urina e fezes. O contato
oronasal com saliva ou urina infectada é o meio mais provável de transmissão. O contato nasonasal, lambedura mútua, caixas de areia e pratos compartilhados facilitam a transmissão. A mordida por gatos infectados é um modo eficiente de
transmissão, mas relativamente incomum em gatos mantidos em ambientes internos 100% do tempo. A mordida pode ser o meio mais importante de infecção em gatos com acesso ao exterior.
A variação da resistência em função da idade é significativa e os filhotes novos são muito mais suscetíveis do que os adultos. O vírus pode ser transmitido verticalmente (in utero ou pelo leite) ou horizontalmente (por meio de secreções e
excreções). Por ser um vírus envelopado e frágil, e devido à resistência com o avanço da idade, a transmissão horizontal do FeLV entre adultos geralmente requer contato íntimo prolongado. Além disso, a dose necessária para a transmissão
oronasal do vírus é relativamente alta.
PATOGENIA: Após a inoculação oronasal, o vírus replicase primeiro nos tecidos linfoides da orofaringe, de onde são carreados pelo sangue nas células mononucleares até alcançar o baço, linfonodos, células epiteliais do intestino e bexiga,
glândulas salivares e medula óssea. Após esse período, o vírus aparece nas secreções e nas excreções destes tecidos e em plaquetas e leucócitos do sangue periférico. A viremia geralmente é evidente após 2 a 4 semanas de infecção. O
estágio agudo da infecção pelo FeLV (2 a 6 semanas após a infecção) raramente é detectado. É tipicamente caracterizada por febre leve, indisposição, linfadenopatia e citopenia do sangue.
Em cerca de 70% dos gatos adultos a viremia e a eliminação do vírus são transitórias, com duração de apenas 1 a 16 semanas. Alguns gatos continuam eliminando o vírus em secreções por algumas semanas a meses após cessar a viremia.
O vírus pode persistir na medula óssea por longos períodos, mas mesmo latente (sequestrado), a infecção geralmente desaparece dentro de 6 meses. Alguns gatos expostos ao FeLV (cerca de 30%) não produzem resposta imune adequada e
tornamse persistentemente (permanentemente) virêmicos. A viremia persistente dos gatos desenvolve doença fatal após um período variável.
ANORMALIDADES CAUSADAS PELO FELV: As anormalidades relacionadas com a infecção pelo vírus são inúmeras, inclusive imunossupressão, neoplasia, anemia, doenças imunomediadas, problemas reprodutivos e enterite.
A imunossupressão causada pelo FeLV é semelhante à causada pelo vírus da imunodeficiência felina (p. 867). Há maior suscetibilidade a infecções por bactérias, fungos, protozoários e outros vírus. Pode haver redução do número de
neutrófilos e linfócitos no sangue periférico dos gatos afetados, e as células ainda presentes podem estar disfuncionais. Muitos gatos positivos para o FeLV possuem baixas concentrações de fatores do sistema complemento no sangue,
contribuindo para a imunodeficiência e oncogenicidade associadas ao FeLV, pois o sistema complemento é vital para algumas formas mediadas por anticorpos de lise de células tumorais. Acreditase que grande parte da imunodeficiência
causada pelo FeLV é devido ao alto nível de antigenemia viral.
Tumores linfoides ou mieloides (p. ex., linfoma, leucemia linfoide, mielose eritrêmica) desenvolvemse em até 30% dos gatos com infecção persistente pelo FeLV. Embora os gatos negativos para o FeLV (ou seja, não virêmicos)
também possam desenvolver estes tumores, é possível que eles ainda sejam induzidos pelo FeLV, visto que muitos gatos negativos e com linfoma apresentam sequências virais passíveis de detecção por imunoistoquímica e PCR. Tais gatos
podem ter sido previamente infectados pelo FeLV, apesar de apresentarem resultados negativos nos testes para o vírus. A presença transitória do FeLV pode ter desencadeado o linfoma. Entretanto, a persistência do antígeno do FeLV
aumenta em 60 vezes o risco de linfoma em comparação a gatos FeLV negativos. O linfoma é a neoplasia mais frequentemente diagnosticada em gatos. Nos EUA, a maioria dos gatos com a forma mediastinal multicêntrica ou espinal de
linfoma são FeLV positivos. Entretanto, em algumas partes do mundo, estas formas de linfoma estão se tornando muito menos comuns, e a proporção com que ocorrem em gatos FeLV positivos vem diminuindo. Isso pode estar relacionado
com o controle efetivo do FeLV. As formas renais e gastrintestinais do linfoma são mais provavelmente encontradas em gatos FeLV negativos.
A leucemia é uma proliferação neoplásica de células hematopoéticas originárias da medula óssea. As linhagens celulares que se tornam neoplásicas são os basófilos, neutrófilos, eosinófilos, monócitos, linfócitos, megacariócitos e
eritrócitos. Nos gatos, as leucemias são fortemente associadas à infecção por FeLV e, às vezes (mas não sempre), associadas a células neoplásicas circulantes no sangue. As leucemias linfoides são subdivididas em aguda e crônica. A
leucemia linfocítica aguda é caracterizada por linfoblastos circulantes no sangue. Na leucemia linfocítica crônica há um aumento do número de linfócitos circulantes que possuem morfologia normal.
A anemia causada pelo FeLV geralmente é normocrômica não regenerativa. Frequentemente ocorre macrocitose idiossincrática. Aproximadamente 10% das anemias relacionadas com o FeLV são hemolíticas regenerativas. Esta forma de
anemia pode estar associada à hemobartonelose, hemólise imunomediada, ou ambas.
Imunocomplexos formados na presença de um moderado excesso de antígenos podem causar vasculite sistêmica, glomerulonefrite, poliartrite e vários outros distúrbios imunes. Nos gatos infectados pelo FeLV, o complexo imune forma
se em condições onde há excesso de antígeno, pois os antígenos do FeLV são abundantes e os anticorpos IgG antiFeLV são escassos. Estas condições são ideais para o desenvolvimento da doença imunomediada.
Problemas reprodutivos são comuns e há relatos de que 68 a 73% das fêmeas inférteis e 60% das que abortam são FeLV positivas (embora o aborto seja uma causa relativamente incomum de infertilidade em felinos). Morte fetal,
reabsorção e involução placentária podem ocorrer no segundo trimestre de gestação, presumivelmente como resultado da infecção uterina dos fetos pelo vírus transportado nos leucócitos maternos através da placenta. Ocasionalmente, as
fêmeas infectadas dão à luz a filhotes vivos virêmicos. As fêmeas com infecção latente (ou seja, não virêmicas) podem transmitir o vírus para seus filhotes pelo leite.
Enterite pode ser verificada, assemelhandose tanto clinicamente como histopatologicamente à panleucopenia felina. Os sinais clínicos incluem anorexia, depressão, vômito e diarreia (que pode conter sangue). Em razão da
imunossupressão concomitante associada ao FeLV, pode ocorrer sepse. As evidências sugerem que o FeLV e o vírus da panleucopenia felina atuem sinergicamente para produzir essa síndrome.
Outros distúrbios podem também se desenvolver. Ocasionalmente, o FeLV causa neuropatia que induz a anisocoria, incontinência urinária ou paralisia de membros pélvicos. Certos linfomas induzidos pelo FeLV podem produzir sinais
clínicos idênticos. Caso a terapia antineoplásica seja planejada, é importante distinguir neoplasia de neuropatia. O FeLV também pode causar distúrbios quase neoplásicos, como exostose cartilaginosa múltipla (osteocondromatose).
DIAGNÓSTICO: Dois tipos de testes estão prontamente disponíveis para o uso clínico. O ensaio de imunofluorescência pesquisa a presença de antígenos estruturais do FeLV (p. ex., p27 ou outros antígenos fundamentais) no citoplasma das
células suspeitas de infecção. Na prática clínica, os esfregaços de sangue periférico geralmente são utilizados para a imunofluorescência, mas podem ser utilizadas preparações citológicas da medula óssea ou de outros tecidos. A
imunofluorescência é considerada a metodologia mais confiável, mas requer o envio a laboratórios comerciais, atrasando a obtenção do resultado. Os gatos positivos na imunofluorescência são considerados como persistentemente
virêmicos e têm prognóstico desfavorável a longo prazo.
O ELISA verifica a presença da p27 solúvel do FeLV, sendo um teste mais prático que pode ser realizado na clínica veterinária. O antígeno pode estar presente na ausência de partículas infecciosas virais intactas, pois os antígenos do
FeLV em excesso são liberados pelas células infectadas livres de partículas virais. O ELISA detecta mais a antigenemia do que a viremia. Diferentes kits de teste estão disponíveis, muitos possuindo sensibilidade e especificidade de 98%. A
acurácia pode ampliada utilizandose tanto o ELISA quanto a imunofluorescência, no mesmo gato.
O diagnóstico das neoplasias induzidas pelo FeLV é similar ao de outros tumores. O exame citológico dos aspirados por agulha fina de massas tumorais, linfonodos, fluidos da cavidade corporal (p. ex., efusão pleural) e órgãos afetados
pode revelar linfócitos neoplásicos. O exame da medula óssea pode revelar envolvimento leucêmico, mesmo quando o sangue periférico apresentase normal. Biopsia e exame histopatológico dos tecidos anormais geralmente são
necessários para a confirmação do diagnóstico.
TRATAMENTO: O ideal é que o gato com FeLV seja identificado rapidamente e tratado para erradicar a infecção pelo retrovírus antes de ocorrer o desenvolvimento das doenças relacionadas. Infelizmente, a erradicação de infecções
retrovirais em qualquer estágio da doença é extremamente difícil. A maior parte dos gatos infectados são persistentemente virêmicos no momento do diagnóstico da infecção.
Muitos tratamentos são administrados como tentativas de reverter a viremia ou diminuir os sinais clínicos associados à infecção pelo FeLV. São abundantes os relatos de uso de agentes antivirais e agentes imunoterápicos que revertem a
viremia, atenuando os sinais clínicos e prolongando a sobrevivência. Estudos controlados usando gatos naturalmente infectados são incapazes de demonstrar efeitos benéficos com estas terapias.
Os gatos positivos para FeLV podem viver sem enfermidades importantes por muitos anos. Devem ser evitados estresse e fontes de infecção secundária. O gato deve permanecer dentro de casa 100% do tempo para reduzir o risco de
exposição a agentes infecciosos e evitar a transmissão do vírus para outros gatos. Cuidados profiláticos de rotina para gatos positivos são mais importantes que para os não infectados. As vacinações de rotina devem ser administradas com
base no risco para o gato, e as vacinações contra a raiva devem seguir a legislação local. A vacinação contra o FeLV não deve ser administrada, pois não há evidência sugerindo benefícios. Exames físicos para detecção de parasitos
externos, infecções cutâneas, afecções dentárias, tamanho dos linfonodos e verificação do peso corporal devem ser realizados a cada 6 meses. É recomendada a administração de antihelmínticos nestas visitas. Todos os gatos infectados
devem ser castrados. Os proprietários devem ser avisados e alertados a observar os sinais clínicos de doenças relacionada com o FeLV, particularmente infecções secundárias. O tratamento de tais infecções e outras enfermidades deve ser
mais agressivo e de maior duração, pois o comprometimento da imunidade deixa o gato menos apto a combater doenças naturalmente.
Tratamento do Linfoma: O linfoma felino pode ser tratado com drogas citotóxicas. Essas drogas podem causar toxicidade significativa se não forem dosadas e administradas corretamente (ver agentes antineoplásicos, p. 2779). A maioria das
drogas citotóxicas também é carcinogênica, devendo ser manipulada adequadamente. Antes de iniciar o tratamento com essas drogas, os médicos veterinários devem se familiarizar com a sua adequada dosagem e administração,
monitoramento apropriado do paciente, efeitos de toxicidade e complicações, além de cuidados de manipulação segura, prevenindo a exposição de funcionários e de proprietários aos agentes e seus metabólitos. Tratados adequadamente, a
maioria dos gatos não apresenta efeitos tóxicos significativos e desfrutam de boa qualidade de vida.
Cerca de 50% dos gatos com linfoma que são tratados obterão a remissão completa (sem evidência clínica da doença). Gatos FeLV negativos que consigam a completa remissão vivem em média 9 meses, enquanto os FeLV positivos
vivem em média 6 meses. Gatos não tratados sobrevivem cerca de 6 semanas.
Muitos protocolos de tratamento do linfoma felino foram publicados, a maioria usando drogas similares com diferentes protocolos de administração. Um protocolo muito utilizado consiste em uma fase intensiva de indução (vincristina
0,75 mg/m2, IV, semanalmente por 4 semanas; ciclofosfamida 300 mg/m2, VO a cada 3 semanas no mesmo dia da vincristina; prednisona 10 mg/gato, VO, 1 vez/dia, ao longo do protocolo), seguida de uma fase de manutenção menos
intensiva (vincristina e ciclofosfamida administradas a cada 3 semanas no mesmo dia, prednisona é continuada diariamente). O tratamento é contínuo por 1 ano ou até uma recaída. Com esse protocolo, 79% dos gatos obtêm remissão e
sobrevivem 150 dias, em média. A mudança no protocolo de manutenção para 25 mg de doxorrubicina/m2, IV, a cada 3 semanas, propiciou remissão em 281 dias. Quando ocorrem recidivas, as drogas utilizadas podem ser trocadas e pode
ser obtida uma segunda remissão, que, no entanto, raramente prolongase tanto quanto a primeira.
Outro protocolo muito utilizado envolve uma dose inicial de Lasparginase (400 U/kg, IM) juntamente com vincristina (0,5 mg/m2). Iniciase administração diária de prednisolona com dose inicial de 2 mg/kg, diminuindose para 1
mg/kg ao longo de 4 semanas. Na segunda semana (uma semana após o início com Lasparginase e vincristina) é administrada ciclofosfamida, 200 mg/m2. Na terceira semana administrase novamente a vincristina, seguida de
doxorrubicina na quarta semana (25 mg/m2, IV). Nenhum tipo de quimioterapia é administrado na quinta semana e então o tratamento é repetido, com exceção da Lasparginase. Na décima primeira semana, o regime quimioterápico é
repetido novamente, mas administrado em semanas alternadas por dois ciclos. Se o gato estiver em remissão completa, o tratamento é descontinuado. Quando ocorrer recaída, o protocolo é reiniciado desde a primeira semana. Há relatos de
sobrevivência média de 210 dias utilizandose este protocolo.
Os protocolos quimioterápicos citados aplicamse a todos os graus histopatológicos. A maioria dos linfomas é de grau intermediário ou elevado e clinicamente agressivo. Um subgrupo de linfoma de menor agressividade, identificado
como linfoma de células pequenas ou linfoma linfocítico, normalmente ocorre na cavidade abdominal (intestinos e rins) e pode ser tratado com sucesso com uma quimioterapia menos agressiva. Nestes casos, vem sendo utilizada a
administração oral de predinisolona (10 mg, 1 vez/dia) e clorambucila (15 mg/m2) por 4 dias consecutivos a cada 3 semanas. A utilização destas drogas no tratamento do linfoma de células pequenas envolvendo o trato gastrintestinal tem
produzindo uma sobrevivência média de 963 dias. Quando outros sistemas estão afetados obtémse uma sobrevida média de 636 dias, existindo ou não enfermidade gastrintestinal.
Além do linfoma de células pequenas, o linfoma de grandes linfócitos granulares também pode afetar o trato gastrintestinal. Esta é uma enfermidade extremamente agressiva que responde à quimioterapia apenas em cerca de 30% dos
casos, apresentando uma sobrevida média de 57 dias. O linfoma de grandes linfócitos granulares normalmente apresenta formação de massas no intestino, enquanto no linfoma de células pequenas é encontrado um infiltrado mais difuso de
linfócitos malignizados nos órgãos afetados.
A leucemia linfocítica aguda é tratada com o mesmo protocolo do linfoma, mas em apenas cerca de 25% dos gatos é obtida remissão dos sintomas. Para esses, a média da remissão é de 7 meses. A leucemia linfocítica crônica é mais bem
tratada com clorambucila (2 mg/gato, VO) e prednisonolona (40 mg/m2, VO), administrados em dias alternados. Outras leucemias além das linfocíticas são raramente tratadas pois os gatos encontramse extremamente doentes e muito
poucos acabam respondendo à terapia.
PREVENÇÃO E CONTROLE: A realização de testes é imperativa nas seguintes situações: (1) em todos os filhotes na primeira consulta ao médico veterinário, possibilitando que os proprietários possam ser aconselhados sobre os gatos com
resultados positivos (como rotineiramente feito em casos de anormalidades congênitas); (2) em todos os gatos, antes da entrada em uma casa onde existam gatos não infectados; (3) em todos os gatos existentes em uma casa antes da entrada
de um novo gato não infectado; (4) em todos os gatos antes de sua primeira vacinação contra o FeLV.
As vacinas contra o FeLV destinamse à proteção contra infecção pelo FeLV, ou ao menos à prevenção de viremia persistente. Os tipos de vacina incluem vírus morto inteiro, subunidade e criada por engenharia genética. As vacinas
podem ter efeito protetor variável e por isso as afirmações dos fabricantes e os estudos comparativos independentes devem ser levados em consideração cautelosamente. As vacinas são indicadas apenas para gatos não infectados, pois não
há benefício em vacinar animais FeLV positivos. Devese avaliar o risco de o gato ser exposto a animais FeLV positivos e usar as vacinas apenas nestes casos. Embora seja baixo o risco do desenvolvimento de tumor, a vacina vem sendo
associada ao desenvolvimento de sarcomas no local de vacinação. Os gatos não infectados em uma casa com gatos infectados devem ser vacinados, mas devem também ser utilizados outros métodos de proteção (p. ex., separação física). É
provável que a exposição constante a gatos infectados com o FeLV resulte em transmissão viral independentemente do estado vacinal.
RISCO ZOONÓTICO: Algumas estirpes do FeLV podem se multiplicar em culturas de tecidos humanos. Esse fato leva à possibilidade de transmissão para os seres humanos. Vários estudos abordaram este conceito, e nenhum demonstrou
evidências da existência de qualquer risco zoonótico.
SISTEMA IMUNOLÓGICO
Biologia do Sistema imunológico
Barreiras Físicas
Imunidade Adquirida
Resposta de Anticorpos (Imunidade Humoral)
Imunidade Mediada por Células
Memória Imunológica
Citocinas
Células Reguladoras
Imunidade Inata
Células de Imunidade Inata
Complemento
Doenças Imunológicas
Doenças Causadas por Imunodeficiência
Imunodeficiências Primárias
Defeitos da Imunidade Inata
Deficiências da Imunidade Adquirida
Imunodeficiências Secundárias
Imunodeficiências Induzidas por Vírus
Função Imune Excessiva
Gamopatias
Neoplasias do Sistema imunológico
Resposta Imune Adquirida Excessiva
Reação Tipo I
Reação Tipo II
Reação Tipo III
Reação Tipo IV
Resposta Inata Excessiva
Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (Sepse)
BIOLOGIA DO SISTEMA IMUNOLÓGICO
Animais estão sobre constante ameaça de invasão por uma gama diversa de microrganismos que procuram invadir o corpo e explorar os seus recursos para se hospedar e se multiplicar. Para garantir sobrevivência e prevenir tal exploração, o
corpo combate esses invasores por meio de um conjunto complexo de mecanismos de defesa que podem atuar como uma série de barreiras. As defesas iniciais incluem as barreiras físicas contra invasores, como uma pele resistente e
espessa ou a habilidade de tossir e espirrar. A segunda linha de defesa é um sistema imunológico inato “hard wired” que depende da rápida resposta estereotipada para parar e matar bactérias e vírus invasores. Isto e tipificado pelo processo
de inflamação aguda e pela resposta clássica à enfermidade, como a febre. A terceira linha de defesa é o sistema imunológico adquirido, altamente complexo, adaptável, e incrivelmente efetivo.
As respostas imunes inatas são muito efetivas contra microrganismos oportunistas ou aqueles de baixa virulência, mas pela sua própria natureza não podem fazer mais do que retardar os invasores microbianos altamente patogênicos. A
longo prazo, a resistência e sobrevivência depende da imunidade adquirida. O sistema imunológico adquirido é efetivo contra uma variedade de patógenos. Sua efetividade melhora a cada vez que é ativado, em resposta a invasores
microbianos. Como o corpo acumula células imunes de memória à medida que envelhece, a imunidade adquirida propicia uma barreira quase instransponível à maioria dos invasores potenciais. Na sua ausência, os animais morrem.
O sistema imunológico adquirido enfrenta desafios complexos. Muitos microrganismos diferentes, incluindo bactérias, vírus, protozoários e helmintos, podem tentar invadir o corpo. A ótima resposta imune a esta diversidade de invasores
deve também ser muito diversa. Por exemplo, invasores como bactérias que se instalam fora dos corpos celulares são melhores atacados pela resposta imune mediada por anticorpos (ou humoral), ao passo que os vírus como hospedeiros das
células são melhores destruídos pela morte das células infectadas por meio de mecanismos mediados por células.
Quando o corpo é invadido, decisões devem ser tomadas para que ocorra ótima resposta imune – imunidade inata, imunidade adquirida, ou ambas? Se uma resposta imune é necessária, devese necessária imunidade mediada por
anticorpos ou imunidade mediada por células? Uma vez ativado, como pode ser controlado? Uma vez ativada, pode ser “desligada”?
BARREIRAS FÍSICAS
As barreiras físicas da superfície corporal têm importante papel na diminuição ou impedimento da invasão microbiana. Muitos poucos microrganismos podem penetrar na pele intacta; por outro lado, os invasores comumente penetram
através de feridas ou por inoculações, como acontece nas picadas de mosquitos. Uma vez curadas as feridas, rapidamente a barreira protetora é restabelecida. Uma população complexa de bactérias da pele normal tende eliminar novos
invasores, enquanto moléculas antimicrobianas do suor podem matar muitos pretensos invasores. Nas vias respiratórias, a estrutura do trato respiratório superior atua como um filtro efetivo de pequenas partículas. As próprias vias
respiratórias superiores são revestidas por uma camada de muco aderente que pode aprisionar os micróbios. O muco contém várias proteínas antimicrobianas, como as defensivas e as lisozimas, e surfactantes. O muco “sujo” é
constantemente substituído por material limpo pela a ação dos cílios que o leva até a faringe, onde é deglutido. A tosse e o espirro removem irritantes maiores das vias respiratórias e dos condutos nasais, sendo reações de defesa essenciais.
A defesa do intestino depende muito da presença da ampla e complexa flora comensal normal. Invasores potenciais podem ser aptos a colonizar o intestino na presença de população de micróbios comensais bem adaptados. Se tudo mais
falhar, os invasores podem ser rapidamente removidos do trato GI por meio de vômito e diarreia.
IMUNIDADE ADQUIRIDA
Imunidade inata, embora seja crítica para a defesa orgânica, é insuficiente para garantir proteção. Ela perde a flexibilidade para responder otimamente a vários microrganismos. Por sua própria natureza, pode resultar em importante lesão
tecidual. Um terceiro mecanismo de defesa é necessário e pode atuar automaticamente em resposta à invasão microbiana, gerando resistência proporcional à ameaça, e melhora com novos desafios. Essas são as principais características do
sistema imunológico adquirido. A resposta imune adquirida envolve dois tipos principais: imunidade por anticorpos (humoral), direcionada contra invasores extracelulares, e imunidade contra invasores intracelulares, mediada por células.
Respostas imunes adquiridas são complexas e devem ser rigorosamente controladas. As defesas imunes do corpo representam um potente sistema, cujo uso deve ser cuidadosamente controlado para minimizar os danos ao tecido normal.
Como resultado, uma parte importante do sistema imunológico é direcionada à produção de células reguladoras, cuja função é assegurar que ocorra resposta imune adquirida apenas em situações apropriadas. A falha dessas vias reguladoras
pode resultar em doença ou morte.
O sistema imunológico adquirido atua por meio de uma série de etapas que devem ocorrer sequencialmente, para uma resposta imune mediada por anticorpos ou para uma resposta imune mediada por células. A primeira etapa envolve
captura e processamento de antígenos. Uma vez processados, esses antígenos se alojam na superfície celular onde estão disponíveis para reconhecimento por linfócitos que contêm receptores para antígenos específicos. Cada receptor de
antígeno é altamente específico e cada linfócito expressa somente uma forma simples de receptor antigênico. Desta forma, milhões de células apresentam potencial para reconhecer milhões de antígenos. Para assegurar que apenas antígenos
estranhos desencadeiem imunidade adquirida, células com receptores que se ligam e respondem a antígenos normais são seletivamente eliminadas no início do desenvolvimento. As células sobreviventes se localizam nos órgãos linfoides
em locais onde podem mais eficientemente detectar antígenos dos microrganismos invasores, desencadeando resposta a eles por meio de uma resposta imune. Há 3 principais populações de linfócitos. Células B, responsáveis pela produção
de anticorpos; células T efetoras, responsáveis pela resposta imune mediada por células; e células T reguladoras, que controlam essas respostas e minimizam respostas inapropriadas.
Resposta de Anticorpos (Imunidade Humoral)
Anticorpos são receptores de antígenos de células B produzidos em grande quantidade e secretados pelas células e enviados à corrente sanguínea, onde circulam como imunoglobulinas. São produzidos pelas células B e por plasmócitos
derivados de células B. Os anticorpos se ligam a moléculas estranhas, marcandoas para destruição por fagócitos ou por lise mediada por complemento. Plasmócitos são linfócitos B diferenciados otimizados para produzir e secretar grande
quantidade de anticorpos. Anticorpos são fundamentais para a defesa do hospedeiro contra invasores extracelulares, como a maioria das bactérias, alguns hemoparasitas e vírus que se instalam entre as células.
Células B oriundas da medula óssea e residentes em tecidos linfoides, como linfonodos, medula óssea, placas de Peyer e baço. Cada célula B é recoberta por várias centenas de receptores de antígenos idênticos e podem se ligar e
responder somente uma única molécula antigênica. Quando um micróbio penetra no organismo, inevitavelmente encontra células B que podem se ligar a alguns antígenos de sua superfície. Como resultado da ligação antigênica, e em
condições apropriadas, essas células B se multiplicam repetidamente e se diferenciam em duas subpopulações. Uma subpopulação, plasmócitos produtores de anticorpos, é capaz de aumentar consideravelmente a produção de anticorpos e
representa a principal fonte de anticorpos. A outra subpopulação de células B tornamse células B de memória, que persistem nos tecidos linfoides por meses ou anos. Quando um animal tem contato com um antígeno pela segunda vez,
essas células B de memória respondem rapidamente, produzindo grande quantidade de plasmócitos (e mais células de memória). Como resultado, os animais aumentam a vasta resposta de anticorpos e o invasor é rapidamente eliminado.
Por sua vez, a exposição subsequente aos microrganismos induz um acúmulo de mais células de memória, resultando em melhor proteção, praticamente impedindo que o microrganismo cause doença naquele indivíduo. Esta resposta é a
base de todos os programas de vacinação.
Embora simples no conceito, a resposta das células B e a produção de anticorpos implicam em um mecanismo mais complexo devido à necessidade de assegurar seu rigoroso controle. Desta forma, geralmente um linfócito B não é capaz
de responder a um antígeno estranho, a menos que também receba “permissão” na forma de um segundo sinal das células denominadas células T auxiliares (células TH ). Essas células TH h, por sua vez, apenas podem ser ativadas na
presença de antígenos, em condições rigorosamente controladas.
ANTICORPOS: Os mamíferos utilizam 5 diferentes classes de anticorpos: imunoglobulina G (IgG), IgM, IgA, IgE e IgD. A classe de imunoglobulinas secretadas por células B e plasmócitos depende principalmente de sua localização.
Células localizadas nos órgãos linfoides secretam IgM e IgG, enquanto as células presentes nas superfícies corpóreas secretam IgM, IgA e IgE.
IgG é a imunoglobulina mais abundante na corrente sanguínea e desempenha importante função na ligação e eliminação de microrganismos que conseguem penetrar profundamente no corpo. IgM atua como um “backup” para IgG,
sendo comumente confinada a corrente sanguínea. IgM é produzida no início da resposta de anticorpos, quando sua alta eficácia compensa sua baixa quantidade.
IgA é produzida por células B e plasmócitos presentes na superfície das mucosas. IgA é produzida e secretada em grande quantidade no trato respiratório superior, trato GI, lágrima, saliva etc. Complementa as barreiras físicas do corpo e
impede a invasão microbiana. IgE atua como “backup” para IgA, sendo também produzida principalmente nas superfícies corpóreas. IgE é otimizada para impedir a invasão por parasitos, como helmintos ou artrópodes. Contudo, também
responde pela mediação da rápida inflamação aguda em estados alérgicos e deve mediar anafilaxia acompanhada de risco à vida. Acreditase que a IgD tenha mínima importância funcional.
CÉLULAS T AUXILIARES: A maioria das respostas de anticorpos é controlada pela necessidade de receber “aprovação” prévia das células TH . As células TH , por sua vez, são ativadas somente se estiverem ligadas a fragmentos antigênicos
disponibilizados por células apresentadoras de antígenos especializadas, denominadas células dendríticas.
Células dendríticas são células semelhantes ao macrófago, cuja função é sequestrar e processar antígenos estranhos. O seu nome se deve a muitos processos finos e filamentosos longos, ou dendritos, que se estendem ao longo dos tecidos
para formar uma rede de captura de antígenos efetiva. Por exemplo, na derme há uma subpopulação de células dendríticas (células de Langerhans), onde essa rede de dendritos enlaça microrganismos que tentam entrar no corpo através da
pele lesionada. Células dendríticas sequestram e fagocitam microrganismos invasores. Contudo, grandes fragmentos de antígenos estranhos persistem nas células dendríticas. Esses fragmentos antigênicos se ligam ao receptor de moléculas
(moléculas do MHC) nas células dendríticas. Uma vez formados, esses complexos antígenoMHC se direcionam à superfície celular onde podem ser reconhecidos pelas células TH .
Os receptores de células dendríticas que se ligam e apresentam os fragmentos de antígenos são proteínas especializadas codificadas por genes agrupados juntos com complexo principal de histocompatibilidade (MHC; inicialmente
identificados como antígenos que provocam rejeição de enxertos, por isso seu nome incomum). Há vários milhares dessas moléculas de MHC expressas em uma população animal, mas há relativamente poucas (3 a 6) expressas em
determinado animal. Como apresentam importante função na ligação de fragmentos do antígeno e na ativação de células TH , as moléculas do MHC efetivamente determinam se o individuo pode ou não responder a um antígeno estranho.
Um animal, individualmente, apresenta moléculas do MHC que podem se ligar a muitos, talvez à maioria, dos antígenos estranhos, mas não todos. Se um animal tem deficiência da molécula do MHC que pode se ligar a um antígeno, ele é
incapaz de responder àquele antígeno específico. O conjunto de antígenos aos quais um indivíduo pode responder (e contra os quais está protegido) é determinado pelo seu haplótipo do MHC. Todas as espécies de animais domésticos
possuem seu próprio MHC, exclusivamente. Os receptores codificados por esse genes são designados em termos de espécieespecificidade; desta forma, BoLA é o nome dessas moléculas em bovinos, ELA em equinos, SLA em suínos etc.
À semelhança das células B, as células T possuem receptores de antígenos específicos em sua superfície, os quais são gerados aleatoriamente quando as células são formadas. Assim que essas células T maturam no timo, aqueles
receptores que se ligam aos componentes corpóreos normais são eliminados. As células T sobreviventes podem responder apenas aos antígenos estranhos. Os receptores antigênicos das células T, assim como nas células B, são idênticos em
uma única célula, individualmente. Contudo, diferente das células B, os receptores podem reconhecer antígenos somente quando ligados às moléculas do MHC. Desta forma, quando as células dendríticas apresentam antígenos associados
ao MHC para as células T, somente aquelas células T com receptores apropriados se ligam às células dendríticas. Uma vez em contato, as células alteram os sinais que confirmam que as células T estão respondendo a antígenos proteicos
processados corretamente. Isto deve demorar algumas horas. Depois que as células T recebem todos os sinais necessários, elas começam a secretar uma mistura de citocinas que permitem que as células B ligadas respondam aos antígenos,
permitindo uma resposta de anticorpos.
Anticorpos são produzidos em resposta, e direcionados, a bactérias extracelulares. Por outro lado, a resposta mediada por células é direcionada contra vírus e bactérias intracelulares. A decisão sobre a forma apropriada de resposta imune
é definida nos estágios iniciais da resposta imune. Desta forma, há duas populações de células dendríticas que podem sequestrar e processar os antígenos. Uma população (células DC1) desencadeia imunidade mediada por células, enquanto
outras (células DC2) estimulam a produção de anticorpos. Essas populações de células dendríticas enviam diferentes mensagens às células TH porque utilizam diferentes citocinas para sinalização: células DC1 secretam IL12, enquanto
células DC2 secretam IL1. Por sua vez, essas diferentes citocinas estimulam duas populações de células TH : TH 1, que propicia imunidade mediada por células, e TH 2, que promovem resposta de linfócitos B e produção de anticorpos.
Células TH 1 secretam uma mistura de citocinas tipificadas por interferona? (IFN?). Células TH 2 secretam uma mistura de citocinas tipificadas por IL4. Células B comumente respondem otimamente a antígenos estranhos somente quando
estimuladas pela presença de IL4 oriundo de células TH 2.
Imunidade Mediada por Células
Como descrito anteriormente, a resposta imune mediada por células é necessária para combater invasores intracelulares, como os vírus e algumas bactérias. O sistema imunológico impede as infecções virais por eliminar as células
infectadas. As células responsáveis são denominadas células T efetoras (citotóxicas). Assim como as células TH , as células T efetoras se desenvolvem e são selecionadas no timo, de maneira que qualquer célula T capaz de matar células
saudáveis normais são eliminadas. As células T sobreviventes são liberadas para o organismo, onde circulam continuamente pelos tecidos à procura de células anormais.
Todas as células nucleadas produzem diversas proteínas quando sua função é normal. Contudo, células infectadas por vírus são forçadas pelos vírus a produzirem proteínas virais. O organismo requer que todas as células nucleadas
enviem uma amostra de suas proteínas recémsintetizadas para a superfície da célula. Desta forma, uma pequena amostra de proteínas recémformadas é reservada e fragmentada em um sistema enzimático complexo denominado
proteasomo. Esses fragmentos de proteínas são, então, encaixados às moléculas do MHC e direcionados à superfície celular, onde ficam disponíveis para “inspeção” pelas células efetoras. Se esses receptores celulares não se ligam a um
antígeno nada acontece. Contudo, se esses receptores antigênicos se ligam a antígenos estranhos no complexo proteínaMHC, a célula T será sinalizada para matar as células ofensoras. Como as células B, as células T efetoras somente
atuam se recebem permissão das células TH , especificamente das células TH 1. As citocinas oriundas das células TH 1, especialmente IFN?, devem ser apresentadas se uma célula T efetora está apta a matar o seu alvo.
As células T efetoras ligamse firmemente às célulasalvo e então sinalizam para cometer “suicídio” por meio de apoptose. A célula T injeta seu alvo com enzimas denominadas granzimas, que desencadeiam este processo. Como
resultado, as células T efetoras eliminam células infectadas por vírus, mas não as células saudáveis normais. A maioria das células T efetoras morre em poucos dias, uma vez que não são mais necessárias; no entanto, poucas sobrevivem e
se tornam células de memória que respondem rapidamente se o animal tem novo contato com o vírus.
Células efetoras T são especialmente efetivas para matar célulasalvo produtoras de antígenos estranhos. Contudo, alguns microrganismos intracelulares, especialmente bactérias, são melhor destruídas por outros mecanismos mediados
por células. Nestes casos, o IFN? oriundo de células TH 1 ativam macrófagos. Como resultado, as bactérias que podem sobreviver aos macrófagos não ativados são rapidamente destruídas pelos macrófagos ativados.
Memória Imunológica
O efeito da imunidade adquirida é, em grande parte, resultado da capacidade de reconhecer antígenos previamente reconhecidos, que permite elaboração de uma rápida resposta contra eles. Quanto mais um animal tem contato com um
antígeno, maior é a resposta imune. A memória imunológica depende da presença de populações persistentes de células de memória, que se acumulam à medida que o animal envelhece. Essas células de memória são duradouras ou, mais
provavelmente, se alteram muito lentamente. Em consequência, os animais devem produzir pequena quantidade de anticorpos contra antígenos vacinais, muitos anos após a vacinação. A memória mediada por células é também resultado da
presença de populações de células T de memória antigas. A eficiência da vacina na indução de imunidade duradoura depende, em grande parte, da habilidade de induzir populações de células de memória.
Citocinas
As células do sistema imunológico adquirido se comunicam de várias maneiras. Elas podem manter um contato físico e alterar os sinais através de receptores na área de contato ou sinapse imunológica. Exemplos incluem o contato entre
células TH e células dendríticas ou entre células T efetoras e seus alvos. Células imunes podem também emitir sinais às células vizinhas por meio de secreção de pequenas proteínas sinalizadoras denominadas citocinas. Várias centenas de
diferentes citocinas foram identificadas. A sinalização celular induz secreção de uma mistura de citocinas que, então, se ligam a receptores ou a células vizinhas. As célulasalvo recebem múltiplos sinais que devem se integrar para uma
resposta apropriada. Citocinas atuam por meio de seus receptores específicos e podem ou não desencadear a síntese de proteínas específicas. Podem promover a divisão e diferenciação da célulaalvo e induzir apoptose. Com centenas de
diferentes citocinas atuando em uma mistura complexa, às vezes é difícil predizer exatamente como uma célulaalvo específico irá responder. As principais famílias de citocinas incluem interleucinas, que mediam a sinalização entre
leucócitos; interferons, que mediam interações entre células e têm importante atividade antiviral; fatores de crescimento, que regulam o crescimento e diferenciação de vários tipos celulares; e fator de necrose tumoral, que modula a reposta
inflamatória local.
Células Reguladoras
O sistema imunológico adquirido é rigorosamente regulado por várias populações diferentes de células. As mais importantes são as células Treg, as quais secretam uma mistura de citocinas que inibem a reposta imune convencional. Atuam
desativando a resposta imune, assim que se completa e os microrganismos forem eliminados. Células Treg também tem papel fundamental na prevenção do desenvolvimento da autoimunidade. Outra importante população de células T
reguladoras é denominada células TH 17. Essas células são assim denominadas porque secretam IL17; regulam a resposta imune inata e o desenvolvimento da inflamação.
IMUNIDADE INATA
Micróbios que conseguem penetrar as barreiras físicas do corpo são rapidamente detectados e as defesas inatas são ativadas. Inflamação aguda é a característica principal da imunidade inata. A primeira etapa da resposta inflamatória é a
detecção precoce de microrganismos invasores ou da lesão tecidual. A maior parte dos invasores é identificada por receptores padrões de reconhecimento que se ligam e reconhecem moléculas presentes nas superfícies dos micróbios. Há
diversos receptores padrões de reconhecimento, sendo os mais importantes os receptores do tipo toll (TLR). TLR é uma família de, pelo menos, 10 receptores diferentes encontrados na superfície ou no citoplasma de células, como
macrófagos, células epiteliais intestinais e mastócitos. Os TLR das superfícies das células ligamse a moléculas comumente expressas por bactérias extracelulares, como lipopolissacarídios ou lipoproteínas. Por outro lado, os TLR
citoplasmáticos ligamse a ácidos nucleicos de vírus intracelulares. Uma vez ligados a estas estruturas, os TLR desencadeiam produção de proteínas, como interleucina1 (IL1) ou interferona a (IFNa).
A IL1 e outras citocinas, produzidas em resposta à estimulação via TLR, desencadeiam eventos e induzem inflamação aguda. Eles iniciam a aderência de leucócitos circulantes à parede dos vasos próximos ao sítio da invasão. Em
seguida, esses leucócitos, especialmente neutrófilos, saem dos vasos sanguíneos e migram para os locais de invasão, atraídos por produtos microbianos, pequenas proteínas denominadas quimiocinas e moléculas de células lesionadas. Uma
vez no sítio de invasão, os neutrófilos ligamse às bactérias invasoras, ingerindoas por meio de fagocitose, matando os microrganismos invasores. Esta morte é largamente mediada por uma via metabólica denominada explosão respiratória,
que gera potentes oxidantes, como peróxido de hidrogênio e íons hipocloretos. Contudo, os neutrófilos têm reserva energética mínima e podem participar de alguns eventos fagocíticos antes de sua depleção.
Mesmo que a resposta inflamatória inicial seja efetiva na eliminação de invasores, o organismo deve ainda remover restos celulares, eliminar qualquer micróbio sobrevivente e neutrófilos mortos e reparar a lesão. Esta é tarefa para os
macrófagos. Macrófagos teciduais originamse de monócitos sanguíneos. Eles, como os neutrófilos, são atraídos aos sítios de invasão microbiana e da lesão tecidual por quimiocinas e tecidos lesionados, onde eliminam qualquer invasor
sobrevivente. Também fagocitam e destroem qualquer neutrófilo remanescente, assegurando desta forma que os neutrófilos oxidantes sejam removidos sem extravasamento de produtos tóxicos os tecidos. Finalmente, uma subpopulação
desses macrófagos inicia o processo de reparação tecidual. Macrófagos que completam o processo destrutivo são otimizados para destruição microbiana e são denominados células M1. Macrófagos otimizados para reparação e remoção de
tecidos lesionados são denominados células M2.
Várias das moléculas produzidas como resultado de inflamação e destruição tecidual, como IL1 e fator de necrose tumoral, podem alcançar a corrente sanguínea, onde circulam. Alcançam o cérebro e desencadeiam um conjunto de
respostas comportamentais; por exemplo, alteram o centro termorregulador e induzem febre, atuam no centro de controle de apetite para suprimir a fome, e agem no centro do sono para induzir sono e depressão. Também, mobilizam
reservas de energia do tecido adiposo e dos músculos. Acreditase que essas mudanças de comportamento melhoram a defesa do organismo pelo redirecionamento de energia para a luta contra os invasores.
Citocinas circulantes oriundas do sítio inflamatório também atuam nas células hepáticas, fazendo com que secretem uma variedade de proteínas de fase aguda, assim denominadas porque seus teores sanguíneos se elevam acentuadamente
quando se instala inflamação aguda. Diferentes espécies apresentam diferentes proteínas de fase aguda, incluindo amiloide A sérica, proteína C reativa e diversas proteínas ligadoras de ferro. Proteínas de fase aguda atuam principalmente
promovendo a defesa inata.
Complemento
Embora a inflamação aguda seja fundamental para o processo de imunidade inata, o organismo possui outros mecanismos de defesa inata. Tecidos contêm peptídios antimicrobianos que podem se ligar a bactérias invasoras e matalas. Esses
incluem moléculas semelhantes a detergente, como defensinas e catelicidinas, que podem causar lise da parede celular de bactérias; enzimas, como as lisozimas, que eliminam várias bactérias Grampositivas; proteínas ligadoras de ferro,
como hepcidina e haptoglobina, que inibem o crescimento bacteriano ao privar as bactérias de sua indispensável fonte de ferro. Talvez a mais importante dessas defesas inatas seja o sistema complemento, que consiste em um grupo
complexo de quase 30 proteínas que atuam coletivamente para matar microrganismos invasores. A principal função do sistema complemento é ligar irreversivelmente certas proteínas denominadas C3 e C4 à superfície microbiana. Uma vez
ligados, esses componentes do sistema complemento podem matar micróbios por meio de ruptura, utilizando outras proteínas denominadas C9, ou simplesmente revestindoos de forma que sejam rapidamente e efetivamente fagocitados.
O sistema complemento pode ser ativado por três vias. Uma via, denominada via alternativa, é desencadeada pela presença de superfície bacteriana que contém basicamente carboidratos que podem se ligar à proteína do complemento
C3. Uma vez ligado, C3 atua como uma enzima para ativar e ligar mais moléculas de C3. Estas bactérias revestidas de C3 são rapidamente e efetivamente fagocitadas e destruídas. Alternativamente, o C3 ligado à superfície pode ativar
componentes do complemento adicionais que, por fim, fazem com que a proteína denominada C9 se insira na parede celular bacteriana, causando ruptura da bactéria. A segunda via de ativação do complemento é desencadeada quando
moléculas de manose de carboidratos da superfície bacteriana se ligam a proteínas ligadoras de manose, no soro. Essa ligação ativa uma via enzimática que induz ativação de C3 ou C9. A terceira via, ou via clássica de ativação do
complemento, é estimulada quando anticorpos se ligam à superfície microbiana. Assim, é desencadeada por respostas imunes adquiridas. À semelhança da via da manose, essa via, por fim, ativa C3 e C9. Devido sua habilidade potencial de
causar lesão tecidual grave, o sistema complemento é cuidadosamente controlado por vias reguladoras múltiplas e complexas.
Células da Imunidade Inata
A chave para uma resposta imune inata efetiva é o reconhecimento imediato do invasor e a rápida resposta celular. Vários tipos de células atuam como células sentinelas; três das mais importantes são macrófagos, células dendríticas e
mastócitos. Esses tipos celulares têm receptores de reconhecimento padrões, como receptores semelhantes ao receptor toll, e podem perceber a presença de microrganismos invasores. Também, apresentam vários outros receptores que
podem detectar microrganismos e lesão tecidual. Quando esses receptores são acionados eles sinalizam para as moléculas NF?B produzirem citocinas, como IL1, IFNa e TNFa. Também, liberam moléculas vasoativas e de dor, como
histamina, leucotrienos, prostaglandinas e peptídios especializados, que iniciam os eventos vasculares na inflamação.
A finalidade da inflamação é assegurar que células fagocíticas sejam ativadas prontamente no sítio de invasão microbiana. Isto envolve atração das células da circulação e estímulo para sua migração aos tecidos do sítio de invasão, onde
fagocitam e matam os invasores. Há 3 principais populações de células fagocíticas. Granulócitos são especialmente efetivos na fagocitose das bactérias invasoras. Fagocitam as bactérias invasoras, ativam uma via metabólica denominada
explosão respiratória e geram moléculas oxidantes letais, como peróxido de hidrogênio e íons hipocloreto, que matam a maior parte das bactérias fagocitadas. Outras células fagocíticas, como os eosinófilos, eliminam especificamente
parasitos invasores. Elas contêm enzimas que são otimizadas para matar larvas de helmintos migrantes. A terceira principal população de células matadoras são os macrófagos M1. Essas células migram para as áreas de invasão microbiana
mais vagarosamente do que os granulócitos. Contudo, são capazes de fagocitose sustentável e efetiva. Eles contêm um fator antimicrobiano altamente letal, o óxido nítrico, e assim podem matar microrganismos resistentes à ação dos
neutrófilos.
Embora os fagócitos sejam otimizados para matar bactérias invasoras, o organismo também é infectado por vírus. Células matadoras naturais (NK, natural killer) representam uma população de células otimizadas para matar células
infectadas por vírus. As células NK, uma forma de linfócitos, podem matar células infectadas por vírus ou outras células anormais que não expressam moléculas MHC (complexo principal de histocompatibilidade; em inglês, major
histocompatibility complex) de classe I. Moléculas MHC de classe I ligamse a receptores de células NK e bloqueia sua capacidade de matar. Na ausência desse sinal, as células NK ligamse às células–alvo, injetam proteínas indutoras de
apoptose e as matam.
Quando a inflamação induz a ativação de macrófagos, eles secretam uma citocina denominada IL23. Esta, por sua vez, atua em uma população de células T (denominadas células TH 17), fazendo com que secretem IL17. A IL17 recruta
granulócitos aos sítios de inflamação, infecção e lesão tecidual.
DOENÇAS IMUNOLÓGICAS
A principal função do sistema imunológico é a detecção e destruição de microrganismos invasores. Devido à grande diversidade de micróbios invasores, o sistema imunológico tem desenvolvido vários mecanismos de proteção igualmente
complexos. Isso pode ser classificado simplesmente como imunidade inata e imunidade adquirida (ver p. 864). A proteção da invasão microbiana dentro de poucos dias é de responsabilidade do sistema imunológico inato “hard wired”. A
proteção a longo prazo é responsabilidade do sistema imunológico adquirido.
Em geral, doenças associadas ao sistema imunológico podem se apresentar de duas formas: função imune insuficiente que causa imunodeficiência, manifestada pelo aumento da suscetibilidade a infecções, e doença resultante de função
imune excessiva, resultando em hipersensibilidades e autoimunidade.
Em determinadas condições, normalmente respostas imunes protetoras podem causar importante lesão tecidual. Em geral, a resposta imune inata excessiva se deve a estímulo inflamatório inapropriado que ocasiona, como efeito colateral,
lesão aos tecidos vizinhos, ou à produção de quantidade excessiva de citocinas inflamatórias. Por outro lado, a resposta imune adquirida excessiva pode causar lesão tecidual por múltiplos mecanismos. Uma classificação simples categoriza
a doença decorrente de resposta imune adquirida excessiva em 4 tipos distintos. Três desses tipos são mediados por anticorpos (Tipos I, II e III) enquanto o tipo IV é mediado por célula T.
Inflamação e destruição tecidual limitada são características normais das respostas imunes inata e adquirida. A doença clinica se manifesta quando esta inflamação é excessiva ou se instala em local inapropriado. Isto pode ser decorrência
de fatores ambientais externos, como a composição da microflora intestinal, juntamente com influências hormonais e genéticas.
DOENÇAS CAUSADAS POR IMUNODEFICIÊNCIA
Doenças causadas por imunodeficiências manifestamse clinicamente como predisposição a infecções. Geralmente são diagnosticadas quando um animal é levado várias vezes ao veterinário com infecções que seriam normalmente e
relativamente fáceis de tratar. Há dois principais grupos de doenças ocasionadas por imunodeficiência. Um grupo de doenças hereditárias decorrentes de mutações ou outras doenças genéticas. Essas enfermidades por imunodeficiência
congênita ou primária comumente se manifestam em animais muitos jovens (< 6 meses de idade). O segundo grupo é representado por doenças devido à imunodeficiência secundárias a alguns outros estímulos, como infecções virais ou
neoplasias. Essas doenças secundárias ou adquiridas tendem a ocorrer em animais adultos. Outra regra geral para diagnóstico de imunodeficiências é que defeitos nos sistemas imunes inato e mediado por anticorpos tendem a resultar em
infecções bacterianas descontroladas, em que defeitos do sistema imunológico mediado por células tendem a causar excessivas infecções virais e fúngicas.
IMUNODEFICIÊNCIAS PRIMÁRIAS
Defeitos da Imunidade Inata
Fagocitose é a principal característica da imunidade inata. Fagócitos mononucleares estão presentes nas membranas mucosas e pele e na corrente sanguínea, baço, linfonodos, meninges, membrana sinovial, medula óssea e ao redor de vasos
sanguíneos, por todo o corpo. Fagócitos são encontrados nos tecidos (histiócitos, macrófagos sinoviais, células de Kupffer etc.) ou no sangue (leucócitos polimorfonucleares e monócitos). Fagócitos contêm receptores de imunoglobulinas e
complemento em sua superfície, o que facilita o englobamento (opsonização) de material estranho revestido com anticorpos específicos (opsoninas) ou complemento, ou ambos. A fagocitose envolve quimiotaxia de fagócitos a tecidos
estranhos, nocivos ou lesionados; aderência de microrganismos à membrana plasmática de fagócitos; incorporação de organismos ao fagossomo; e ativação da explosão respiratória e enzimas lisossomais no fagossomo ocasionando morte e
destruição dos microrganismos.
DEFICIÊNCIAS NA FAGOCITOSE: Deficiências na atividade fagocítica podem envolver defeitos adquiridos ou congênitos, em qualquer uma dessas fases, ou simplesmente ser decorrência de deficiência de células fagocíticas. Frequentemente
se manifestam como aumento de suscetibilidade às infecções bacterianas de pele, sistema respiratório e trato gastrintestinal. Essas infecções respondem pobremente aos antibióticos. As deficiências fagocíticas secundárias incluem
distúrbios que ocasionam redução intensa crônica de leucócitos. Infecção por vírus da leucemia felina, vírus da panleucopenia felina, vírus da imunodeficiência felina e pancitopenia canina tropical, bem como granulocitopenias idiopáticas,
granulocitopenias induzidas por medicamentos (anticancerígenos, estrógenos, anticonvulsivantes, sulfonamidas etc.) e distúrbios mieloproliferativos, são algumas das condições nas quais infecções secundárias podem desencadear
complicações como risco à vida do paciente.
No sangue periférico ocorre diminuição cíclica de todos os elementos celulares, notadamente de neutrófilos, e isso reduz a resistência às infecções em algumas linhagens da raça Colly cinza e seus mestiços.
Em pessoas, as anormalidades congênitas que induzem deficiência da fagocitose são bem documentadas. Deficiências de opsoninas, fatores de complemento, capacidade quimiotática, mieloperoxidase e da ativação de enzimas
lisossomais são bem conhecidas em pessoas, mas não em outros animais. Em alguns cães da raça Setter Irlandês, a doença granulomatosa crônica (síndrome granulocitopática canina) é reconhecida como um defeito ligado ao cromossomo
X. Algumas linhagens de cães da raça Weimaraner, quando filhotes, desenvolvem sepse bacteriana (quase sempre manifestada como infecções ósseas e articulares). Desconhecese a causa primária dessa enfermidade; alguns cães
acometidos apresentam teores de IgM e IgG menores do que o normal, e os seus leucócitos possuem defeito na atividade bactericida.
DEFICIÊNCIA NA ADESÃO DE LEUCÓCITOS: A deficiência na adesão de leucócitos é uma imunodeficiência primária, herdada como uma característica autossômica recessiva. Foi descrita em pessoas, em cães da raça Setter Irlandês e em
bovinos da raça Holstein. Essa deficiência se deve à ausência de integrina, uma glicoproteína essencial presente na superfície dos leucócitos. Clinicamente, é caracterizada por infecções bacterianas graves e recidivantes, dificuldade na
formação de pus e retardo da cicatrização de ferimentos. Os animais infectados geralmente apresentam febre intensa, anorexia e perda de peso. A resposta à antibioticoterapia comumente é baixa. Pode ocorrer leucocitose extrema
persistente (> 100.000 leucócitos/ml), devido à presença de, principalmente, neutrófilos maduros. A deficiência de integrina impede a saída de leucócitos dos vasos sanguíneos e sua entrada nos tecidos; desta forma esta alta leucocitose não
pode contribuir para a defesa dos tecidos contra infecções.
DEFICIÊNCIAS DE COMPLEMENTO: Em uma linhagem endogâmica de cães da raça Spaniel britânico foi descrita deficiência congênita de C3. Esses cães manifestam infecções bacterianas recidivantes, especialmente dermatopatias e
pneumonias. Embora o complemento seja necessário para opsonização e quimiotaxia de neutrófilos, nem sempre se desenvolvem infecções bacterianas em pessoas ou animais de laboratório com essas deficiências devido à existência de
múltiplas vias do complemento, o que propicia a ativação do sistema, mesmo que uma via esteja bloqueada. O diagnóstico baseiase em testes sanguíneos, nos quais notase teor de C3 < 30% do valor normal.
A deficiência congênita do inibidor de C1 foi relatada em pessoas e, raramente, em cães. Isto pode induzir à ativação descontrolada do complemento e inflamação. Os animais acometidos apresentam episódios recidivantes de edema
facial.
Não há tratamento específico para as deficiências de complemento. Vacinação e antibióticos geralmente são utilizados para prevenir e tratar infecções. Como em todas as doenças hereditárias, os programas de acasalamento subsequentes
devem ser cuidadosamente avaliados, de modo a prevenir a ocorrência da doença em futuras gerações.
Deficiências Na Imunidade Adquirida
IMUNODEFICIÊNCIAS DA RESPOSTA HUMORAL: Essas deficiências podem ser adquiridas ou congênitas. Deficiências adquiridas são notadas em neonatos que não recebem, adequadamente, anticorpos maternos (falha de transferência de
imunidade passiva) ou em animais idosos, em decorrência de afecções que diminuem a síntese de imunoglobulinas ativas. A falha na transferência passiva de imunoglobulinas ocorre nas espécies que utilizam o colostro como principal
fonte de anticorpos maternos. Essa falha é comumente associada a problemas clínicos em bezerros, cordeiros e potros. A falha de transferência passiva pode ocorrer quando o animal jovem não mama apropriadamente nos primeiros dias de
vida ou quando o colostro da mãe contém baixos teores de anticorpos específicos. Também, podem ocorrer problemas na absorção intestinal de imunoglobulinas do leite. Nos potros, concentração de imunoglobulina < 400 mg/dl em uma
amostra de soro sanguíneo obtida após a amamentação indica falha de transferência passiva. A separação demasiadamente precoce dos bezerros de suas mães é um problema frequente nos rebanhos leiteiros e representa a principal causa de
falha de transferência passiva em bezerros de rebanhos leiteiros. Os animais recémnascidos que não obtêm anticorpos maternos adequadamente, com frequência, sucumbem a infecções bacterianas ou virais fatais dos tratos gastrintestinal e
respiratório.
Hipogamaglobulinemia clinicamente significante pode estar associada a qualquer distúrbio que interfira na síntese de imunoglobulinas. Neoplasias como mieloma plasmocitário ou linfossarcoma, que secretam grande quantidade de
anticorpos monoclonais, podem estar associadas a deficiência marcante de imunoglobulinas. Isto pode acontecer porque as células tumorais competem com as células produtoras de imunoglobulinas normais, ou porque vias reguladoras
inibem a produção de imunoglobulinas. Animais com tumores que produzem anticorpos monoclonais podem apresentar infecções secundárias graves. Algumas infecções virais, por exemplo, cinomose e parvovirose canina, podem matar
destruir quantidade suficiente de linfócitos e danificar o sistema imunológico tão gravemente que a produção de anticorpos é praticamente interrompida.
Hipogamaglobulinemia congênita é reconhecida tanto sozinha quanto em combinação com deficiências na imunidade mediada por células. Deficiências nas subclasses de IgG são observadas em algumas raças de bovinos; a deficiência
de IgM foi descrita em equinos e deficiências de IgA foram relatadas em cães das raças Beagle, Pastor Alemão e SharPei chinês. Bovinos com deficiência da subclasse IgG geralmente são assintomáticos. Os potros mais velhos com
deficiência de IgM apresentam infecções respiratórias. Cães com deficiência de IgA, assim como pessoas, manifestam principalmente infecções cutâneas e respiratórias crônicas e, possivelmente, alergias. A deficiência de IgA em cães da
raça Beagle parece decorrência de um defeito na secreção de IgA, pois há quantidade normal de células IgApositivas. Alguns cães da raça Pastor Alemão podem apresentar teor de IgA mais baixo do que cães de outras raças, bem como
maior prevalência de infecções intestinais. A deficiência de IgA em cães da raça Sharpei é altamente variável; alguns apresentam teores séricos e secretórios insignificantes, outros possuem concentrações séricas normais e teores
secretórios baixos ou insignificantes. Assim como ocorre em Pastor Alemão, os cães SharPei acometidos apresentam mais problemas de alergia do que o esperado. Pacientes com essas síndromes de imunodeficiência podem ter uma
prevalência maior de doenças autoimunes e autoanticorpos do que o normal, como anemia hemolítica autoimune, trombocitopenia e lúpus eritematoso sistêmico. É necessário tratamento prolongado com antibióticos de amplo espectro, que
frequentemente não é efetivo.
Hipogamaglobulinemia transitória é relatada mais frequentemente em potros e filhotes de pequenos animais. Pode ser mais comum em filhotes de cães do tipo Spitz do que naqueles de outras raças. Isto se de à falha na produção de
imunoglobulinas em recémnascidos, associada a um defeito na função de células Th e na resposta de linfócitos B a antígenos estranhos. Nessas condições, os filhotes de cães desenvolvem infecções respiratórias recidivantes com 1 a 6
meses de idade, mas se recuperam ao redor de 8 meses de idade. Os potros acometidos frequentemente desenvolvem sinais clínicos de hipogamaglobulinemia (quase sempre infecções respiratórias) com cerca de 6 meses de idade, quando
seus anticorpos maternos atingem uma concentração bastante baixa. Depois de 3 a 5 meses eles começam a produzir imunoglobulinas. O tratamento adequado com antibióticos e terapia de suporte geralmente ser suficiente.
DEFICIÊNCIAS NA IMUNIDADE MEDIADA POR CÉLULA: As deficiências na resposta imune mediada por células estão associadas a aplasia de timo, com timo ausente ou muito pequeno. Isso é observado em algumas linhagens endogâmicas de
cães e bovinos; esses animais apresentam deficiências nas funções imunológicas mediadas por células, como blastogênese linfocitária, bem como desenvolvem disfunção hipofisária.
DOENÇA POR IMUNODEFICIÊNCIA COMBINADA: Se ambas as respostas imunes, humoral e celular, são deficientes temse imunodeficiência combinada (IC). Ela se deve a lesões nos progenitores linfocitários iniciais. IC recessiva foi
identificada em potros da raça Árabe e em cães Basset Hound. Isto resulta de um defeito nas enzimas de reparação do DNA e impede a produção de receptores antigênicos funcionais. Casos esporádicos de IC foram relatados em cães das
raças Poodle toy, Rottweiler e em filhotes de raças mestiças. Cães acometidos são frequentemente assintomáticos nos primeiros meses de vida mais tornamse progressivamente mais suscetíveis a infecções microbianas à medida que
diminui o teor de anticorpos. Filhotes com IC geralmente são normais até 6 a 12 meses de idade. A causa mais comum de morte por essa anormalidade é a cinomose, uma consequência da imunização de rotina com vacina de vírus vivo
modificado contra a doença. Potros da raça Árabe com o distúrbio frequentemente são acometidos por pneumonia causada por adenovírus ou outras infecções aos cerca de 2 meses de idade. Os potros permanecem persistentemente
linfopênicos. Amostras de soro antes da mamada do colostro não apresentam anticorpo IgM. Os teores de imunoglobulinas são normais após a amamentação, mas diminuem progressivamente depois desse período, em comparação com os
teores de potros normais. Na necropsia, é difícil identificar o timo, que possui arquitetura anormal Nos linofonodos, placas de Peyer e baço notase depleção intensa dos elementos linfoides. Um teste de PCR está disponível para confirmar
IC em potros, bem como a presença de gene em animais heterozigotos. Como resultado do uso desses testes a prevalência de IC em equinos tem diminuído significativamente.
IMUNODEFICIÊNCIAS SELETIVAS: Grande número de doenças causadas por imunodeficiências ainda precisam ser bem estudadas, pois os mecanismos fisiopatogênicos exatos ainda são desconhecidos. Por exemplo, há predisposição racial
em filhotes de cães Rottweiler por infecções graves por parvovírus canino, frequentemente fatais (ver p. 423). A resistência desses animais a outras doenças permanece essencialmente normal, e não se conhece a causa dessa
imunodeficiência seletiva.
Gatos da raça Persa são predispostos a dermatofitoses graves, às vezes, crônicas (ver p. 923). Em alguns desses gatos, infecções fúngicas se instalam na derme e causam doença granulomatosa (micetoma).
Visons, ou martas, com mutação da cor de pelame Aleutiana são suscetíveis à parvovirose crônica e desenvolvem um distúrbio denominado doença aleutiana (ver p. 2153). Outras linhagens de visons são suscetíveis à infecção por esse
vírus, mas não desenvolvem doença clínica.
Aspergilose focal e sistêmica (ver p. 680) e micoses causadas por fungos aparentados acometem algumas raças de cães. Raças de nariz longo, particularmente Pastor Alemão e seus mestiços, são predispostas à aspergilose focal nas vias
nasais. Aspergilose sistêmica é observada quase que exclusivamente em cães Pastor Alemão, sendo mais frequente na Austrália Ocidental do que em outras regiões. É caracterizada por pielonefrite, osteomielite e discoespondilite fúngicas.
O microrganismo causador pode ser facilmente isolado no sangue e na urina.
IMUNODEFICIÊNCIAS SECUNDÁRIAS
Em animais adultos, imunodeficiências frequentemente ocorrem como consequência de infecções virais, desnutrição, estresse ou toxinas. São denominadas imunodeficiências secundárias. Imunodeficiências secundárias induzidas por vírus
são as mais importantes delas.
Imunodeficiências Induzidas por Vírus
Uma das maneiras em que os vírus sobrevivem em animais infectados é por meio de imunossupressão. Por exemplo, vírus da cinomose canina infecta e destrói linfócitos, causando importante imunodeficiência combinada em filhotes de
cães acometidos. A infecção está associada a diminuição progressiva dos teores de imunoglobulinas e aumento da suscetibilidade a microrganismos controlados pela imunidade muscular celular, como Pneumocistis e Toxoplasma. A
infecção pelo vírus da parvovirose, tanto canina quanto felina, também causa diminuição significativa da resistência a infecções fúngicas, como aspergilose, mucormicose e candidíase, no período pósrecuperação imediato.
VÍRUS DA LEUCEMIA FELINA (FELV): Esta infecção está associada a imunodeficiência adquirida e maior prevalência de infecções secundárias oportunistas. Na infecção por FeLV, a imunodeficiência adquirida é multifatorial. Os gatos
infectados podem apresentar deficiência de neutrófilos, menor produção de anticorpos (especialmente contra antígenos bacterianos), redução da imunidade celular e concentrações variáveis de complemento. As respostas imunológicas
contra a infecção por FeLV também parecem suprimir a imunidade ao coronavírus que causa peritonite infecciosa felina (FIP), modo a induzir reativação de uma FIP quiescente (ver p. 852).
RETROVÍRUS SÍMIO TIPO D: Esta infecção viral de macacos tem patogênese semelhante àquela da infecção por FeLV em gatos, mas pode induzir imunodeficiência ainda mais grave. Retrovírus tipo D dos macacos pode causar doença grave
em animais jovens criados em zoológicos e em centros de primatas com grande grupo de reprodutores. Embora a taxa de infecção no ambiente silvestre possa ser alta, esse vírus causa síndrome menos grave nas populações silvestres do que
nas cativas. Os macacos infectados morrem dentro de alguns meses, com febre, linfadenopatia e infecções oportunistas de SNC, trato respiratório e intestinos; tornamse portadores assintomáticos vitalícios ou se recuperam completamente.
VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA DE SÍMIOS (VIS): Este lentivírus está relacionado com o vírus da imunodeficiência humana. Na natureza há várias cepas de SIS. Hospedeiros comuns são primatas africanos, como o macacoverde africano,
macaco mangabei escuro, mandril, babuíno e macaco guenon. A transmissão entre macacos infectados e não infectados provavelmente acontece por meio de picadas e exposição intrauterina. Não se encontra VIS nas populações nativas de
primatas asiáticos. VIS raramente provoca doença em espécies hospedeiras africanas. Se os animais se encontram sob alto estresse, como ocorre em cativeiros, alguns animais infectados podem desenvolver doença semelhante à AIDS. VIS,
especialmente aquele oriundo de macaco mangabey escuro, causa doença grave em macacos asiáticos (macacos rhesus, macacoderabocurto, macacorabodeporco, macaco Bonnet etc.). A imunossupressão associada a VIS pode durar
semanas ou anos. Encefalite (geralmente assintomática, exceto quanto debilitante) e linfomas são sequelas frequentes de infecções por VIS em macacos.
VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA FELINA (FIV): Foi identificado em gatos domésticos e guepardos. A infecção é endêmica em gatos, em todo o mundo. O vírus é excretado principalmente pela saliva e o principal modo de transmissão é a
mordedura. Gatos livremente errantes (silvestres e de estimação), machos e idosos, representam o maior risco de infecção. A infecção por VIS é incomum em gatos de raça pura que vivem em gatis. Após a infecção, há um período
transitório de febre, linfadenopatia e neutropenia. Grande parte dos gatos se recupera a partir desse estágio e parece normal por meses ou anos antes de surgir imunodeficiência progressiva. Os gatos com imunodeficiência adquirida induzida
por FIV manifestam infecções secundárias oportunistas crônicas nos tratos respiratório, gastrintestinal (inclusive boca) e urinário, bem como na pele. Em gatos infectados por FIV a prevalência de linfoma FeLVnegativo, geralmente de
linfócitos B, e de doenças mieloproliferativas (neoplasias e displasias), é maior do que a esperada.
VÍRUS SEMELHANTE AO DA IMUNODEFICIÊNCIA BOVINA: Estes lentivírus isolados originalmente de bovinos com linfocitose permanente e hemolinfadenopatia. Também já foi isolado de bovinos com linfossarcoma VLBnegativo. A
prevalência total em bovinos parece ser cerca de 1%, embora, em alguns rebanhos, possa ser = 15%. Evidências preliminares indicam que o vírus não é patogênico.
FUNÇÃO IMUNE EXCESSIVA
Há diversos modos pelos quais a função imune excessiva pode causar doença ou morte. Essas incluem resposta inata excessiva, resposta adquirida excessiva e neoplasia de sistema imunológico.
GAMOPATIAS
Gamopatias são condições nas quais notase aumento marcante dos teores séricos de imunoglobulinas. Podem ser classificadas em policlonais (aumento em das principais classes de imunoglobulinas) ou monoclonais (aumento em uma
única imunoglobulina homogênea).
Gamopatias policlonais envolve condições que causam estimulação prolongada do sistema imunológico. Essas incluem piodermatite crônica; infecções virais, bacterianas ou fúngicas crônicas; doenças granulomatosas; abscessos;
infecções parasitárias crônicas; riquetsioses crônicas, como pancitopenia canina tropical; doenças imunes crônicas, como lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide e miosite ou neoplasias. Essas gamopatias também podem ser
idiopáticas. Em alguns animais, inicialmente pode parecer monoclonal em razão da predominância de uma classe de imunoglobulinas (geralmente IgG). Tem sido relatada em gatos com peritonite infecciosa felina não efusiva e em cães
com pancitopenia canina tropical crônica.
Gamopatias monoclonais são caracterizadas pela produção de grande quantidade de um tipo de imunoglobulina. As gamopatias monoclonais são benignas (i. e., não associadas a doença primária) ou associadas a tumores secretores de
imunoglobulinas.
Os tumores que produzem anticorpos monoclonais se originam de plasmócitos (mieloma) ou de linfoblastos (linfossarcoma). Os mielomas plasmocitários podem secretar proteínas íntegras de qualquer classe de imunoglobulina ou
subunidades de imunoglobulinas (cadeias leves ou pesadas). Em cães, as proteínas de mieloma são comumente dos tipos IgG ou IgA e, em menor quantidade, IgM. Os mielomas tipo IgA são particularmente comuns em cães da raça
Doberman Pinscher. As imunoglobulinas monoclonais produzidas por um linfossarcoma geralmente são da classe IgM, independente da espécie. Em gatos e equinos, as proteínas de mieloma quase sempre são IgG e, raramente, IgM, IgG3
(equinos) ou IgA.
Os sinais clínicos dependem da localização e da gravidade da neoplasia primária e da quantidade e do tipo da imunoglobulina secretada. Mielomas plasmocitários frequentemente se desenvolvem nas cavidades medulares dos ossos
chatos cranianos, costais e pélvicos, bem como nas vértebras. Fraturas patológicas dos ossos acometidos podem causar enfermidades de coluna vertebral, dor e claudicação.
A doença clinicamente evidente pode resultar da presença da proteína monoclonal propriamente dita. Por exemplo, algumas formas de amiloidose (ver p. 631) podem ser decorrência do deposito de imunoglobulinas de cadeia leve nos
tecidos (amiloide A sérica). A síndrome da hiperviscosidade acomete 20% dos cães com proteínas monoclonais IgM e IgA e pode ser notada quando o teor sanguíneo de proteínas é alto. Nessa síndrome, a viscosidade plasmática pode estar
aumentada, muitas vezes o valor normal, resultando em distúrbios vasculares graves, trombose e diátese hemorrágica. Depressão, cegueira e manifestações neurológicas podem ser causadas por hemorragia no sistema nervoso e na retina.
Algumas proteínas monoclonais tipo IgM atuam como crioglobulinas e se agregam in vitro e in vivo, quando o plasma é resfriado. Animais com crioglobulinemia desenvolvem gangrenosa com desprendimento das extremidades das orelhas,
pálpebras, dedos e cauda, especialmente durante clima com baixa temperatura. Animais com gamopatias monoclonais podem apresentar baixo teor de imunoglobulinas normais e, portanto, podem desenvolver infecções secundárias graves.
As neoplasias secretoras de imunoglobulinas comumente são tratadas com quimioterápicos apropriados. Pode ser necessário plasmaférese com intuito de diminuir a viscosidade sérica em animais com sinais clínicos de síndrome da
hiperviscosidade.
NEOPLASIAS DO SISTEMA IMUNOLÓGICO
As células do sistema imunológico podem tornarse neoplásicas. Isto resulta na produção de células tumorais que podem ser totalmente ineficientes e, por isso, devem causar imunodeficiências. Alternativamente, podem ser funcionais e
produzir grande quantidade de imunoglobulinas contra antígenos desconhecidos.
Em pacientes com câncer, as células tumorais escapam do ataque imunológico, em razão da imunossupressão e de modificações das células tumorais. A demonstração de que, mesmo volumoso, o tumor invasivo pode regredir
completamente sob estimulação apropriada (p. ex., IL2), indica que realmente é possível obter sucesso com tratamento de câncer por meio de manipulação imunológica.
Linfomas são um dos tumores mais prevalentes em cães e gatos. A resposta imunológica normal requer uma proliferação intensa rápida de linfócitos. No entanto, essa proliferação às vezes pode ser descontrolada, resultando em
neoplasias linfoides. Pelo fato de os linfócitos estarem presentes em todos os órgãos, o desenvolvimento do tumor pode ocorrer em qualquer órgão. As neoplasias podem ser multicêntricas, mediastinais, gastrintestinais, renais, nervosas ou
leucêmicas. É pouco comum nos olhos, pele ou nariz. Para determinar o estágio da doença são úteis contagens de células sanguíneas, perfil químico sérico, ultrassonografia abdominal, radiografia abdominal e exame de medula óssea. Para
caracterizar os linfomas de cães e gatos podese realizar corante fluorescente. Estes podem se originar tanto em linfócitos T quanto em linfócitos B.
A maioria dos casos de linfossarcoma canino, doença de Marek, leucose de bezerros e leucemia felina tem origem nos linfócitos T, como os timomas. Muitos linfomas de linfócitos T estão associados a imunossupressão simultânea
manifestada por meio de predisposição à infecções recidivantes.
Leucose em bovinos e ovinos adultos, leucemia felina alimentar e leucose aviária geralmente se originam de linfócitos B. Em certas condições, os linfócitos B neoplásicos podem se desenvolver em plasmócitos. Os tumores
plasmocitários são denominados mielomas. Como os plasmócitos neoplásicos podem secretar imunoglobulinas, eles dão origem às gamopatias.
RESPOSTA IMUNE ADQUIRIDA EXCESSIVA
Atividade excessiva do sistema imunológico adquirido pode induzir inflamação e lesão tecidual, autoimunidade ou amiloidose. Por muitos anos tem se classificado as resposta imune adquirida excessiva em 4 tipos, com base nos
mecanismos envolvidos.
Reação Tipo I (Doença Atópica, Reação Anafilática)
Hipersensibilidade imediata ou Tipo I acompanha estas reações mediadas por IgE a outros antígenos não parasitários. Esta inflamação pode ser mínima ou localizada ou grave e generalizada. Nesta forma mais extrema pode causar uma
síndrome de choque letal denominada anafilaxia. A anafilaxia é uma manifestação sistêmica aguda da interação de um antígeno (alergênio) com anticorpos IgE, presentes em mastócitos e basófilos. Essa ligação do antígeno com anticorpos
IgE ligados às células desencadeia a liberação de mediadores inflamatórios biologicamente ativos, inclusive histamina, leucotrienos, fatores quimiotáticos de eosinófilos, fator ativador de plaquetas, cininas, serotoninas e enzimas
proteolíticas. Essas moléculas afetam diretamente o sistema vascular, causando vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular, e os músculos lisos, causando contração. Além disso, estimulam a migração de eosinófilos para o sítio de
origem da reação.
A intensidade da reação depende do tipo de antígeno, da quantidade de anticorpos IgE e de antígenos e da via de exposição. Se o animal é previamente sensibilizado pela exposição ao alergênio (antígeno) e produz anticorpos IgE, então a
injeção desses antígenos sensibilizantes diretamente na corrente sanguínea pode resultar em choque anafilático e reações relacionadas (erupções, urticária, edema conjuntivalfacial. Se os alergênios sensibilizadores entram em contato com
membranas mucosas ou pele, as reações alérgicas tendem a ser mais localizadas. Há vários agentes que podem causar reações anafiláticas e alérgicas, inclusive o veneno da picada e do ferrão de insetos, vacinas, medicamentos, alimentos e
derivados de sangue.
ANAFILAXIA SISTÊMICA (REAÇÕES ANAFILÁTICAS GENERALIZADAS): Choque anafilático se instala em animais sensibilizados, após exposição a vacinas ou medicamentos, ingestão de alimentos ou picada de insetos. Os sinais clínicos surgem
segundos a minutos depois da exposição ao alergênio. Na maioria dos animais domésticos, o pulmão é o órgãoalvo primário e os vasos portomesentéricos representam o alvo secundário; isso é reversível em cães. A degranulação de
mastócitos nos vasos pulmonares causa constrição das vias respiratórias bronquiais ou das veias pulmonares e congestão sanguínea e edema no leito vascular pulmonar, o que resulta em angústia respiratória grave. A degranulação de
mastócitos nos vasos portossistêmicos causa dilatação venosa e congestão sanguínea nos intestinal e no fígado.
Os sintomas podem ser localizados ou generalizados e incluem inquietação e excitação, prurido ao redor da cabeça ou no local de exposição, edema facial, salivação, lacrimejamento, vômito, dor abdominal, diarreia, dispneia, cianose,
choque, incoordenação, colapso, convulsões e morte. Nos cães, o principal órgão acometido por choque anafilático é o fígado e os sintomas estão associados à constrição nas veias hepáticas, o que resulta em hipertensão portal e acúmulo de
sangue na víscera. Em cães, os sintomas gastrintestinais são mais evidentes do que os sinais respiratórios. A terapia de suporte, além do tratamento da angústia respiratória, consiste na administração de epinefrina (tanto local quanto
sistêmica, quando necessário). Se necessário, podese utilizar fluido intravenoso para tratamento do choque, anti–histamínicos (por via sistêmica, para tratar anafilaxia aguda grave, ou VO, para controlar os sintomas crônicos de alergia ou
sinais alérgicos mais discretos) e corticosteroides.
O choque anafilático é tratado com injeção intravenosa de epinefrina para inibir a constrição brônquico e a vasodilatação portomesentérica. Pode ser necessário terapia de suporte para controlar a pressão arterial e a função respiratória.
Em razão do início hiperagudo dos sintomas, os antihistamínicos propiciam poucos benefícios terapêuticos
Reações urticarianas (placas angioedematosas ou urticárias) na pele e no subcutâneo e edema agudo de lábios, conjuntiva e pele facial (angioedema faceconjuntival), são formas menos graves de hipersensibilidade tipo I. Erupção
cutânea é a reação menos grave e não deve ocasionar outras anormalidades clínicas. O edema faceconjuntival é mais grave e pode estar associado a anafilaxia sistêmica branda a moderadamente grave. Essas reações geralmente seguem à
administração de vacinas ou medicamentos, ingestão de certos alimentos ou picada de insetos. As reações urticarianas e o edema faceconjuntival ocorrem na maioria das espécies e se resolvem espontaneamente dentro de 24 h. Nem todas
as reações deste tipo são mediadas por hipersensibilidade tipo I (ver p. 912).
Alergia ao leite ocorre ocasionalmente em vacas e, com menor frequência, em éguas. Pode surgir quando as vacas produzem autoanticorpos IgE contra os componentes de seu próprio leite, notadamente contra a caseína. Quando há
aumento da pressão intramamária, essas proteínas lácteas entram na circulação e induzem hipersensibilidade do tipo I. A reação pode ser localizada ou sistêmica. A recuperação ocorre quando o animal é ordenhado.
REAÇÕES ANAFILÁTICAS LOCALIZADAS:
Rinite alérgica se manifestada por meio de secreção nasal serosa e espirros, sendo menos comum nos animais do que em pessoas. Frequentemente é sazonal e relacionase à exposição ao pólen. Rinite não sazonal pode estar associada à
exposição a alergênios presentes no ambiente, como bolores, descamações ou material de cama e alimentos. Nos equinos, a obstrução recorrente das vias respiratórias (ver p. 1570) provavelmente é uma reação à exposição crônica a bolores
presentes no feno mofado e em estábulos pouco ventilados. Coriza de verão é uma rinite alérgica sazonal que ocorre em bovinos das raças Guernsei ou Jersei mantidos em alguns tipos de pastagens em floração, no final do verão e início do
outono. A rinite alérgica pode ser diagnosticada por tentativa com base: (1) constatação de eosinófilos no exsudato nasal; (2) demonstração de uma resposta favorável a antihistamínicos; (3) desaparecimento dos sintomas quando se remove
o alergênio causador ou, ocasionalmente; (4) quando a natureza deste é sazonal. O teste cutâneo não é um método confiável para diagnosticar alergias nasais em animais.
Bronquite alérgica crônica foi mais bem caracterizada em cães. Tosse seca estridente, curta e repetida, facilmente precipitada por esforço ou pressão na traqueia, é um sinal clínico característico. Essa doença pode ser sazonal ou ocorrer
o ano todo. Geralmente não está associada a outros sinais de doença. O exsudato brônquico é rico em eosinófilos e livre de bactérias. As radiografias torácicas são normais e pode ocorrer, ou não, eosinofilia periférica de baixo grau. A
afecção é tratada com dilatadores bronquiais e expectorantes (aminofilina e iodeto de potássio ou guaifenesina). Os glicocorticoides aliviam muito os sintomas, especialmente quando seu uso pode ser limitado a determinadas estações ou à
terapia com baixa dose em dias alternados. Geralmente não é possível evitar o(s) alergênio(s) causador(es).
Bronquiolite alérgica é mais comum em gatos. Manifestase por meio de tosse de baixo grau, chiado, discreta dispneia e aumento da densidade peribronquiolar nas radiografias, podendo ser confundida com outras enfermidades (asma
alérgica ou dictiocaulose pulmonar). No início da doença os sinais clínicos melhoram com o uso terapia antihistamínica, mas se a doença se agravar podem ser necessárias doses moderadas a altas de corticosteroides. Quase sempre não se
identifica o alergênio causador.
Infiltrado pulmonar eosinofílico é mais frequente em cães, mas foi detectado em todas as espécies. Está associado a infiltrado inflamatório difuso nos pulmões e eosinofilia periférica acentuada; as concentrações séricas de globulinas
geralmente estão aumentadas. Diferente do que acontece na bronquite alérgica, os animais acometidos manifestam dispneia ou se cansam facilmente durante o exercício. O exsudato brônquico difuso contém muitos eosinófilos. Geralmente
não se identifica o alergênio causador específico. Glicocorticoides representam o tratamento de escolha. Uma síndrome semelhante está associada a infecções parasitárias residentes ou migratórias nos pulmões de animais jovens.
Asma alérgica é mais frequente em gatos, nos quais os sintomas são semelhantes àqueles verificados em pessoas. Ocorre mais frequentemente no verão e surge após a saída do animal ao ar livre; os episódios individuais podem ser
transitórios e leves, ou prolongados e graves (estado asmático). As crises brandas manifestamse por chiado e tosse; nos episódios graves podem ocorrer dispneia expiratória, hiperextensão pulmonar, aerofagia, cianose e dificuldade
marcante à inspiração.
Alergias intestinais (alergias alimentares) são frequentemente verificadas em cães e gatos, principalmente em gatinhos (ver p. 907 e 2450). Gastrite alérgica se manifesta na forma de vômitos que ocorrem 1 a > 12 vezes/semana, 1 a 2 h
após a alimentação. O vômito pode apresentar manchas de bile. Nos gatos, os vômitos podem ser o único sintoma; os cães também podem apresentar fezes intermitentemente líquidas. Cães e gatos com gastrite alérgica geralmente são
saudáveis, exceto pelos episódios de vômito, embora possa ocorrer perda de peso e da condição do pelame, em casos graves. Enterite alérgica está associada a inflamação moderada do intestino delgado, havendo grau discreto, ou nenhum,
de eosinofilia. O volume e a frequência de defecações geralmente são normais, mas a consistência das fezes varia de semiformadas a aquosas. As fezes podem ser muito fétidas, especialmente as de gatos. Os animais acometidos podem
emagrecer muito, apesar do bom apetite. Lesões cutâneas e má condição do pelame são mais associadas às alergias alimentares em gatos do que em cães. A alergia frequentemente se instala após surto de enterite viral, bacteriana ou por
protozoário (condição conhecida como “ruptura” alérgica). A enterite eosinofílica é a forma mais grave de doença intestinal alérgica; manifestase como inflamação intestinal moderada a grave e acentuada eosinofilia Diarreia e perdas de
peso e pelame são evidentes. A prevalência de colite alérgica é maior em gatos do que nos cães, embora geralmente não seja comum. Nos cães, comumente está associada a defecações frequentes e fezes moles, com muco e, às vezes,
sanguinolentas; nos gatos, se manifesta como fezes mais normais, recobertas ou com manchas de sangue fresco (Para diagnóstico e tratamento de alergia alimentar, ver p. 907).
Bronquiolite alérgica; imagem lateral. Cortesia do Dr. Ronald Green.
Dermatite atópica (ver p. 909) é uma dermatopatia crônica pruriginosa que acomete várias espécies, porém é mais estudada em cães. Os animais com dermatite atópica têm uma predisposição genética que induz produção excessiva de
anticorpos reagentes (IgE). Estimase que cerca de 10% da população de cães apresentam atopia, com predisposição em animais das raças Terrier, Dálmata e Retriever. A dermatite atópica canina frequentemente se deve a alergênios
inalados como, por exemplo, poeira domiciliar, pólen, bolores e descamações. Os cães com atopia várias vezes mordem os pés e as axilas. Nas áreas sem pelos, evidenciase especialmente sudorese excessiva. As lesões cutâneas se agravam
em razão de lambedura, coceira, infestação por pulga e infecção bacteriana ou fúngica secundária. Nos gatos, as lesões cutâneas atópicas são miliares (crostas pequenas) e disseminadas, ou maiores e mais localizadas. As lesões localizadas
frequentemente são pruriginosas.
Em gatos, os alergênios alimentares provavelmente são causas mais comuns de lesões cutâneas do que os alergênios inalados. A “itch sweet” (ver p. 987) é uma dermatite alérgica sazonal de equinos, associada a picadas de alguns insetos,
especialmente Culicoides, que se alimentam à noite. Surgem lesões intensamente pruriginosas ao longo do dorso, desde as orelhas até a base da cauda e a área perianal. Podemse observar reações alérgicas cutâneas semelhantes a picadas
de insetos ao redor das orelhas e da face de cães e gatos (Para diagnóstico e tratamento, ver p. 909).
Reação Tipo II (Reação Citotóxica Mediada por Anticorpo)
A reação tipo II ocorre quando um anticorpo se liga a um antígeno na superfície da célula. Esse anticorpo ligado pode, então, ativar a via clássica do complemento, resultando em lise celular, fagocitose ou citotoxicidade celular dependente
de anticorpo. Diversos antígenos podem desencadear essa destruição celular, mas na infecção em animais geneticamente predispostos parece ser a principal via desencadeadora. Anticorpos de reatividade cruzada podem se desenvolver
durante as infecções. Esses anticorpos de reatividade cruzada direcionados ao agente infeccioso se ligam ao tecido normal e resultam em citotoxicidade mediada por anticorpo. Por exemplo, em equinos com infecção estreptocócica pode
ocorrer reação cruzada entre os antígenos de Streptococcus equi e as membranas basais vasculares, provocando púrpura hemorrágica. Patógenos como, por exemplo, Babesia ou Haemobartonella, que parasitam células desencadeiam uma
resposta imunológica que destrói essas células, como parte de um mecanismo protetor. As manifestações mais comuns de hipersensibilidade tipo II envolvem células sanguíneas. Essas incluem anemia hemolítica, se há envolvimento de
hemácias, leucopenia, quando envolve leucócitos, ou trombocitopenia, envolvendo plaquetas. Anemia e trombocitopenia são mais comuns. Em determinadas circunstâncias o episódio citotóxico nas células epiteliais vasculares podem
causar vasculite, com extravasamento vascular.
ANEMIA HEMOLÍTICA AUTOIMUNE E TROMBOCITOPENIA: A produção de autoanticorpos contra eritrócitos ou antígenos plaquetários induz anemia e trombocitopenia, as reações tipo II mais comuns. Anticorpos e complemento se fixam às
hemácias, direta ou indiretamente, por meio de um antígeno absorvido e, então, ocasiona a destruição dessas células, resultando em anemia grave com risco de vida ao animal. Notase trombocitopenia concomitante em 60% dos casos.
AHAI pode estar associada a lúpus eritematoso sistêmico ou com câncer linforreticula. Medicamentos, vacinas ou infecções também podem precipitar crises de anemia hemolítica ou trombocitopenia na maioria das espécies. No entanto,
causa a desencadeadora é desconhecida.
Há quatro formas básicas de AHAI: hiperaguda, aguda ou subaguda, crônica, doença da crioaglutinina fria e aplasia eritrocitária. A maioria dessas formas da doença é tratável e recidivas são comuns (ver p. 14).
AHAI hiperaguda é observada principalmente nas raças de cães maiores, de meiaidade. Os cães acometidos manifestam depressão aguda e, dentro de 24 a 48 h, ocorre diminuição marcante do volume globular (VG), com
hiperbilirrubinemia e icterícia de graus variáveis e, às vezes, hemoglobinúria. No início, a anemia não é responsiva, mas tornase responsiva em 3 a 5 dias. Podese notar trombocitopenia. Geralmente, teste de antiglobulina é negativo;
esferócitos podem ou não ser encontrados, porém a aglutinação de hemácias em tubo ou em lâmina é evidente. A autoaglutinação não desaparece pela diluição com solução salina, daí o termo anemia hemolítica com aglutininas em salina.
O soro sanguíneo geralmente contém autoanticorpos que causam aglutinação da maior parte das hemácias do doador. O prognóstico de AHAI hiperaguda é ruim, mesmo no caso de terapia intensiva imediata. O procedimento mais efetivo é
a imediata administração de altas doses de glicocorticoides, mais ciclofosfamida, juntamente com transfusão de sangue compatível. Caso seja necessário o uso de sangue incompatível, o animal inicialmente deve ser submetido à
heparinização e mantido com heparina nos primeiros 10 dias. Mesmo sem transfusão, a heparinização pode ser benéfica nas primeiras duas semanas ou mais. Substituto de hemoglobina bovina e imunoglobulina humana podem ser
utilizados para dar suporte ao paciente até que o tratamento imunossupressivo reduza a destruição de hemácias.
AHAI aguda representa a forma mais comum da doença; cães da raça Cocker Spaniel são predispostos à doença. Os sinais iniciais, em geral, são palidez e fadiga e, menos comumente, icterícia. Hepatoesplenomegalia é um sintoma
evidente. A contagem de leucócitos quase sempre aumenta em razão da hiperplasia da medula óssea. Autoaglutinação de hemácias é incomum e o teste de Coombs geralmente é positivo. Esses animais, várias vezes, respondem bem à
terapia com glicocorticoides. Caso não seja obtida uma resposta favorável dentro de 7 a 10 dias, devemse adicionar medicamentos citotóxicos (ciclofosfamida ou azatioprina) ao protocolo terapêutico.
AHAI crônica difere da forma aguda; o VG diminui para um valor constante e assim permanece por semanas a meses. A medula óssea mostrase normal ou tornase hiperresponsiva e o teste de Coombs frequentemente é negativo.
AHAI crônica é relativamente mais comum em gatos do que nos cães. A anemia geralmente é responsiva no início da doença, mas responde minimamente ou não responde quando se torna grave. O tratamento inicial é feito com
glicocorticoides; caso não ocorra resposta dentro de 2 semanas, adicionamse medicamentos citotóxicos ao tratamento.
Doença da crioaglutinina é uma anemia hemolítica autoimune que acomete cães e equinos. Em geral, a causa desencadeante é incomum e pode ser secundária a infecções, outras doenças autoimunes ou neoplasias. Os autoanticorpos
IgM podem ser aglutinantes ou não. Não ocorre aglutinação completa à temperatura do corpo, mas é possível que ocorra em temperatura um pouco mais baixa; desta forma é mais frequente em climas e estações mais frias. Os sintomas
iniciais são aqueles de uma doença hemolítica; no tipo aglutinante, também pode ocorrer obstrução vascular e consequente necrose de nariz, pontas das orelhas e cauda, dedos, escroto e prepúcio. O diagnóstico se baseia na autoaglutinação
reversível notada somente a 4°C. Em geral, o teste de Coombs direto é negativo para IgG e, com frequência, positivo para C3 e geralmente positivo para IgM, se o teste for realizado em baixa temperatura. A taxa de mortalidade é alta. Na
ausência de infecção ou neoplasia desencadeante, a doença é melhor controlada com altas doses de glicocorticoide, combinadas com ciclofosfamida.
Aplasia eritrocitária (ver p. 12) é uma variante dos distúrbios anteriores, sendo mais comum em cães. Apresentase em duas formas: uma acomete filhotes de cães pós–desmame a adolescentes; a outra se instala em adultos.
Diferentemente do que ocorre na AHAI, a medula óssea exibe depressão seletiva dos elementos eritroides; granulócitos e plaquetas não são influenciados. Portanto, a anemia periférica não é responsiva. Aparentemente, a crise imune é
direcionada contra as célulastronco eritroides e, geralmente, o teste de Coombs é negativo. O tratamento é o mesmo mencionado para AHAI crônica.
Trombocitopenia autoimune é comum, especialmente em cães. Ocorre mais em fêmeas do que em machos. Os sinais clínicos frequentes incluem hemorragias cutâneas e nas membranas mucosas. Melena, epistaxe e hematúria podem
ser sintomas associados e podem causar anemia grave. Às vezes, anemia hemolítica e trombocitopenia ocorrem simultaneamente. Trombocitopenia autoimune comumente é diagnosticada com base na baixa contagem de plaquetas no
sangue periférico, apesar de megacariocitose marcante na medula. Às vezes, pode haver ausência seletiva de megacariócitos na medula – uma condição semelhante à aplasia pura de hemácias. É difícil realizar testes para pesquisa de
anticorpos antiplaquetários e geralmente o diagnóstico baseiase no quadro clínico e na resposta à terapia (ver p. 24).
Animais com trombocitopenia autoimune que exibem apenas hemorragias petequiais e equimóticas, sem perda de sangue significativa e megacariócitos na medula, inicialmente são tratados com glicocorticoides. Os sinais clínicos
melhoram e a contagem de plaquetas começa a aumentar depois de 5 a 7 dias. Se a contagem plaquetária não aumenta significativamente após 7 a 10 podese acrescentar ciclofosfamida, azatioprina ou vincristina ao tratamento com
glicocorticoides. Em animais com megacariócitos na medula e com perda sanguínea grave é desejável uma resposta mais rápida à terapia. Tais animais são tratados com injeção única de vincristina, combinada com uso diário de
glicocorticoide; uma resposta favorável ocorre depois de 3 a 5 dias. Se a perda de sangue representa risco à vida devese administrar sangue total rico em plaquetas. Se a contagem plaquetária aumentar no 7o dia, mantémse apenas
glicocorticoides. Se não ocorrer qualquer resposta após 7 dias, deve–se administrar uma segunda dose de vincristina. Se a contagem de plaquetas ainda se encontra baixa depois de 2 semanas, a vincristina deve ser interrompida e devese
administrar ciclofosfamida ou azatioprina. Animais com trombocitopenia e sem megacariócitos respondem muito mais lentamente aos glicocorticoides ou à combinação de glicocorticoides e vincristina. O tratamento preferido para esses
animais é prednisolona e ciclofosfamida; não se deve esperar uma resposta muito antes de 1 a 2 semanas após o início da terapia. Esse tratamento pode ser descontinuado na maioria dos animais com trombocitopenia autoimune depois de 1
a 3 meses da normalização da contagem de plaquetas. Alguns animais apresentam trombocitopenia persistente, apesar da terapia com medicamentos, ou podem ser mantidos em remissão apenas com tratamento prolongado com alta dose.
Como alternativas pode–se permitir que o animal viva com trombocitopenia, se os sintomas forem mínimos, ou realizar terapia medicamentosa combinada prolongado com glicocorticoides e vincristina, azatioprina ou ciclofosfamida.
Esplenectomia pode ser útil; raramente é curativa quando utilizada como procedimento único, mas pode permitir o uso de doses mais baixas e mais seguras de medicamentos imunossupressores.
DERMATOPATIAS AUTOIMUNES: Nessas doenças, os animais produzem autoanticorpos contra proteínas cimentantes intracelulares da epiderme. Isto promove proteólise local ocasionando a separação das células epidérmicas (acantólise) e o
desenvolvimento de vesículas na pele. Embora não seja estritamente uma reação Tipo II, é melhor considerala aqui.
Pênfigo foliáceo é a forma mais comumente encontrada desta doença. É mais comum em cães do que em gatos e equinos, mas é ainda uma doença rara. É caracterizada clinicamente por erosões, ulcerações e incrustações espessas na pele
e junções mucocutâneas. A ausência de lesões na boca e a característica crostosa e espessa disseminada das lesões cutâneas permite diferenciar pênfigo foliáceo do pênfigo vulgar, muito mais raro. Autoanticorpos estão presentes na pele e
reagem com a substância cimentante intracelular. Esses autoanticorpos causam separação das camadas celulares cornificadas e não cornificadas. Inicialmente, utilizamse altas doses de glicocorticoides, mas quando a doença está controlada
administrase terapia com baixa dose, em dias alternados. Nos casos que não respondem a esteroides utilizase um medicamento imunossupressor mais potente, como ciclofosfamida ou azatioprina, juntamente com glicocorticoides. Em
animais que respondem mal à terapia inicial ou necessitam doses altas do medicamento para controlar as lesões, o prognóstico a longo prazo é ruim.
Pênfigo vulgar é muito menos comum do que o pênfigo foliáceo. Caracterizase por formações vesiculares ao longo das junções mucocutâneas da boca, ânus, prepúcio e vulva, bem como na cavidade bucal. Há pouco envolvimento de
outras áreas da pele. Como a epiderme dos animais é relativamente fina (em comparação com a pele humana), as bolhas se rompem rapidamente e formam erosões; em consequência, raras vezes se observam bolhas características. As
vesículas se desenvolvem como resultado da acantólise suprabasilar. Uma infecção bacteriana secundária frequentemente complica as lesões e, se não for tratada, vários casos podem ser fatais. A doença é tratada com altas doses de
glicocorticoides, sozinhos ou combinados com outras drogas como, por exemplo, ciclofosfamida, azatioprina ou sais de ouro. É difícil manter a doença em remissão e o prognóstico a longo prazo é reservado a ruim.
Penfigoide bolhoso é uma doença de pele rara que acomete cães, sendo mais frequente em animais das raças Collie e Doberman Pinscher. As lesões são disseminadas, mas tendem a se concentrar na virilha. A pele envolvida assemelha
se a uma queimadura grave. Também se observam bolhas subepidérmicas e podem estar repletas de eosinófilos. Nos cortes teciduais para exame imunoistopatológico observamse autoanticorpos contra as proteínas da camada basal. O
tratamento de escolha é a combinação de prednisolona e azatioprina; a remissão é frequente, mas pode ser necessária terapia contínua com medicamentos, em doses relativamente altas, para manter a doença sob controle. O prognóstico a
longo prazo é ruim.
MIASTENIA GRAVIS: Miastenia gravis uma doença autoimune, na qual são produzidos autoanticorpos contra receptores de acetilcolina das células musculares, causando degradação do receptor ou bloqueio da transmissão neuromuscular. As
manifestações clínicas caracterizamse por fraqueza muscular extrema generalizada, exacerbadas por exercícios leves. Em cães, megaesôfago devido à paralisia dos músculos esofágicos é uma queixa primária ou associada comum. Em
pessoas, timomas frequentemente estão associados a miastenia gravis, mas são incomuns em espécies domésticas. A administração de anticolinesterásico de curta ação (cloreto de edrofônio) provoca aumento drástico da força muscular. O
tratamento deve ser feito com anticolinesterásico de ação prolongada. Terapia prolongada da doença com medicamentos imunossupressores é uma alternativa coerente. Podem ser detectados autoanticorpos contra receptores de acetilcolina
no soro dos animais acometidos, por meio de exame imunoistopatológico indireto, para o qual se utiliza músculo normal como substrato.
Reação Tipo III (Doença por Imunocomplexos)
Os complexos antígenosanticorpos são depositados nos tecidos, causando inflamação aguda. Mediante a ativação da via clássica do complemento, os complexos produzem potentes substâncias indutoras de quimiotaxia, que ativam grande
número de neutrófilos. Essas células, especialmente quando liberam suas enzimas e produtos oxidantes, causam inflamação aguda e, possivelmente, grave lesão tecidual. As doenças por imunocomplexos são as mais comuns das doenças
imunológicas. Os locais mais acometidos são articulações, pele, rins, pulmão e cérebro.
O prerrequisito para o desenvolvimento da doença é a presença contínua de antígeno e anticorpos solúveis. Essas formas de imunocomplexos solúveis se depositam na membrana basal de pequenos vasos. Os imunocomplexos
depositados ativam a via clássica do complemento. Os fragmentos de complemento atraem neutrófilos, tendo também ação vasoativa direta, que causam vasculite. Há várias razões para a persistência contínua de antígenos, incluindo
infecções crônicas e algumas neoplasias, particularmente tumores linforreticulares. É possível a exposição prolongada aos antígenos quando há sua inalação. Por fim, alguns animais respondem aos seus próprios antígenos e isso representa
uma fonte de antígenos persistente. Em muitos casos não se consegue determinar a origem dos antígenos envolvidos nesses imunocomplexos. A localização dos imunocomplexos pode ser determinada pela via na qual o antígeno penetra no
corpo. Antígenos inalados provocam pneumonite; antígenos que entram através da pele causam lesões cutâneas locais; e antígenos que atingem a corrente sanguínea formam imunocomplexos que são depositados nos glomérulos renais ou
articulações.
Os sinais clínicos são variáveis, mas incluem febre, sintomas cutâneos (como eritema multiforme) e poliartrite (evidenciada por claudicação com desvio de membro ou tumefação e dor articular). Outros sinais são ataxia, alteração de
comportamento, proteinúria, isostenúria, polidipsia, poliúria ou sintomas vagos como, por exemplo, vômito, diarreia e dor abdominal. O diagnóstico baseiase na exclusão das causas mais comuns dos sinais clínicos. As evidências
consistentes para confirmar o diagnóstico incluem estabelecimento de uma relação temporal, caso a suspeita seja um medicamento, identificação de doenças infecciosas crônicas ou de neoplasias malignas e exames histopatológicos e
imunoistoquímicos em amostras obtidas por biopsia para identificar vasculite ou nefrite imunomediada. A terapia deve incluir tratamento de suporte, remoção do agente causador ou tratamento da doença primária (p. ex., terapia
antimicrobiana apropriada para tratar infecção bacteriana, drenagem cirúrgica de abscessos ou tecidos infectados, terapia de dirofilariose, suspensão de medicamentos etc.). Pode ser necessário tratamento imunossupressivo para interromper
a formação contínua de imunocomplexos.
GLOMERULONEFRITE MEMBRANOPROLIFERATIVA: Esta doença é causada por imunocomplexos que se formam na corrente sanguínea e são filtrados pelos glomérulos (ver p. 1654). Na verdade, os complexos insolúveis se instalam na
membrana basal do glomérulo. Dependendo do tamanho, eles podem ser depositados na superfície subepitelial ou subendotelial da membrana. Secundariamente, instalase glomerulonefrite como consequência de doenças infecciosas
crônicas, neoplásicas ou enfermidades imunológicas. Os animais com glomerulonefrite idiopática (> 50% dos casos) geralmente apresentam sintomas de nefropatias; glomerulonefrite secundária é uma parte relativamente menor de uma
doença mais grave.
Pneumonite por hipersensibilidade:
Quando os antígenos inalados encontram anticorpos na circulação das paredes dos alvéolos, formamse imunocomplexos nas paredes alveolares, que desencadeiam inflamação aguda. Pneumonite por hipersensibilidade é mais comum em
grandes animais expostos a poeiras antigênicas. Os antígenos mais potentes são aqueles contidos em esporos de actinomicetos termofílicos oriundos de feno embolorado. A inalação desses esporos causa pneumopatia dos fazendeiros, em
pessoas, e uma condição semelhante em bovinos (ver p. 1550). Pneumonite por hipersensibilidade é caracterizada por desconforto respiratório que surge 4 a 6 h depois da exposição ao feno embolorado. O tratamento mais efetivo é a
remoção da fonte do antígeno; todavia, uma terapia com corticoesteroides pode ser útil.
LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO (LES):
Esta doença autoimune complexa acomete cães; é rara em gatos e já foi descrita em grandes animais. Tem duas características imunológicas consistentes: doença por imunocomplexo e tendência a produzir diversos autoanticorpos.
Clinicamente, reflete a combinação de mecanismos das reações Tipos II e III. Anticorpo contra ácidos nucleicos é a característica do diagnóstico de LES, mas, em muitos indivíduos, também são encontrados anticorpos contra hemácias,
plaquetas, linfócitos, fatores de coagulação, imunoglobulinas (fatores reumatoides) e tireoglobulina. Autoanticorpos contra os ácidos nucleicos, anticorpos antinucleares (ANA), não são significativamente patogênicos, mas são marcadores
diagnóstico da doença. Imunocomplexos ou autoanticorpos da doença geralmente predominam em determinado animal. A deposição de imunocomplexos ao redor de pequenos vasos sanguíneos causa sinovite, reações dérmicas, erosões e
úlceras bucais, miosite, neurite, meningite, arterite, mielopatia, glomerulonefrite e pleurite. Glomerulonefrite é uma das principais complicações do LES, com risco à vida, em gatos, mas não em cães. Nos animais com LES também se
verifica psicose, principal sinal de LES em pessoas. Nos animais, anemia hemolítica autoimune ou trombocitopenia, ou ambas, constituem as manifestações de autoanticorpos mais comuns do LES em animais.
O LES se caracteriza por anticorpos antinucleares (ANA) e os testes para pesquisa desses anticorpos ou das células LE associadas podem auxiliar no diagnóstico. No entanto, alguns animais saudáveis podem apresentar ANA e nem todos
os animais com LES apresentam teor de ANA detectável no sangue. O diagnóstico de LES deve ser fundamentado na síndrome clínica geral (e não somente na presença ou ausência de ANA).
Geralmente, LES é tratado com glicocorticoides. No início, eles devem ser utilizados em altas doses diárias e quando notase remissão devese utilizar uma terapia com baixa dose, em dias alternados. O tratamento medicamentoso deve
continuar por um período = 2 a 3 meses, após o desaparecimento de todos os sinais clínicos. Ciclofosfamida ou azatioprina, ou ambas, devem ser utilizadas em combinação com glicocorticoides nos animais com LES de difícil controle
apenas com glicocorticoides.
VASCULITE: Vasculite mediada por imunocomplexos é verificada nos animais, sobretudo em cães e equinos. As lesões são mais prevalentes na derme da parte distal dos membros e na membrana mucosa bucal, particularmente no palato e
na língua (cães) e nos lábios (equinos). Os envolvimentos nasal, auricular, palpebral, corneano e anal são incomuns. As lesões iniciais se manifestam como áreas avermelhadas que rapidamente originam erosões superficiais. Formase, de
imediato, uma crosta sobre as erosões dérmicas. Edema de membros é comum em equinos, sendo menos frequente, mas igualmente relevante, em cães. Em alguns animais, vasculite é uma característica do LES, no entanto geralmente é
idiopática. Nos cães, também é bem relatada vasculite induzida por medicamentos. A vasculite é detectada em exame histopatológico e imunohistopatológico de amostras de materiais das bordas das lesões, obtidas por biopsias superficiais
e profundas.
A vasculite é tratada mediante a interrupção do uso de medicamentos desencadeantes da doença e, se necessário, com drogas imunossupressoras. Para tratar os casos não induzidos por medicamentos empregamse glicocorticoides,
sozinhos ou combinados com outras drogas, como azatioprina ou ciclofosfamida.
PERIARTRITE NODOSA (POLIARTERITE NODOSA, POLIARTERITE NECROSANTE):
Esta rara doença de animais domésticos é causada pela deposição de imunocomplexos e inflamação da parede de artérias de pequeno e médio calibres. Entre os animais pecuários, é mais comum em suínos, e geralmente está associada a
erisipela e infecções estreptocócicas, sendo atribuídas as reações do Tipo III a esta bactéria ou a suas vacinas. Tem sido relatada em gatos, embora várias vezes seja confundida com a forma não efusiva de peritonite infecciosa felina.
OUTROS TIPOS DE REAÇÕES TIPO III: Púrpura hemorrágica dos equinos é uma forma de púrpura não trombocitopênica (ver p. 24) que frequentemente é secundária à infecção respiratória por Streptococcus equi; é mediada por
imunocomplexos de anticorpos e antígenos estreptocócicos depositados nas membranas basais vasculares.
Uveíte anterior (ver p. 551) pode envolver, frequentemente, reações mediadas por imunocomplexos; várias vezes se instala no período de recuperação de hepatite infecciosa canina (ver p. 831), em razão da reação de anticorpos séricos
com as células endoteliais uveais que contêm o adenovírus canino Tipo 1. De modo semelhante, a uveíte equina recidivante (ver p. 553) está associada a reações imunológicas à infecção por Leptospira ou Onchocerca spp. Esta oftalmia
periódica se deve a uma crise autoimune. Anticorpos contra alguns sorovariantes de Leptospira podem apresentar reação com antígenos de retina e desencadear oftalmia grave. A uveíte causada por Toxoplasma e pelo vírus da peritonite
infecciosa felina também tem uma base imunológica.
Reação Tipo IV (Reações Imunológicas Mediadas por Células)
As reações imunológicas mediadas por células ocorrem quando antígenos desencadeiam uma resposta do tipo TH 1. Diversas citocinas são produzidas por macrófagos ativados ou por células T citotóxicas. A infiltração de células
mononucleares e a produção de várias moléculas inflamatórias por essas células nos tecidos resultam em doenças por reações imunes mediadas por células. Os antígenos geralmente responsáveis pelo desenvolvimento das reações tipo IV
são bactérias ou parasitos intercelulares, alguns vírus, substâncias químicas e (em algumas situações) antígenos celulares. Essas lesões comumente ocorrem na pele (dermatite alérgica de contato) quando o antígeno entra em contato com o
tecido tegumentar. Reações granulomatosas também podem ocorrer em locais de infecções persistentes. O diagnóstico baseiase na exclusão de outras causas de doenças e no exame histológico. O tratamento objetiva identificar e eliminar a
fonte do antígeno responsável pela reação, além de terapia antiinflamatória ou imunossupressora, se necessária.
Púrpura hemorrágica. Cortesia do Dr. Asmeeh M. Abutarbush.
Doenças específicas, em que reações imunes excessivas ou inapropriadas são as causas primárias, são relatadas em todas as espécies de animais domésticos. Contudo, foram melhor caracterizadas em animais de companhia e de
laboratório. As manifestações clínicas e o tratamento são semelhantes nas diferentes espécies.
REAÇÕES GRANULOMATOSAS: Essas reações a microrganismos como micobactérias, Coccidioides, Blastomyces e Histoplasma spp e, possivelmente, vírus da peritonite infecciosa felina, se devem a reações imunológicas crônicas mediadas
por células. Embora a imunidade mediada por célula controle efetivamente esses tipos de infecção, na maioria dos indivíduos, por motivos pouco compreendidas, esses mesmos mecanismos são parcialmente efetivos em outros pacientes. A
reação granulomatosa se instala ao redor do local onde há antígeno persistente. É caracterizada por estroma fibroso infiltrado por macrófagos, células gigantes e linfócitos.
CORIOMENINGITE LINFOCITÁRIA: Nesta infecção viral de camundongos (ver p. 2135) ocorre destruição de células infectadas por vírus pelas células T, ocasionando lesão de sistema nervoso central (SNC).
ENCEFALITE EM CÃO GERIÁTRICO: Esta doença (ver p. 821) pode também resultar de mecanismos imunes mediados por células, direcionados contra células persistentemente infectadas pelo vírus da cinomose. Em geral, o início da infecção
por este vírus é clinicamente inaparente e pode preceder a encefalite por muitos anos.
HIPERSENSIBILIDADE ALÉRGICA POR CONTATO: Esta hipersensibilidade resulta da reação de substâncias químicas com proteínas dérmicas, as quais modificam as próprias proteínas. Essas proteínas modificadas desencadeiam uma resposta
imune mediada por célula, que causa inflamação e lesão cutânea (p. ex., reações pelas toxinas do carvalho e da hera, em pessoas). Essa reação foi bem descrita tanto em cães quanto em equinos e geralmente se deve ao contato com produtos
químicos sensibilizantes contidos em comedouros plásticos, coleiras plásticas e medicamentos aplicados na pele.
TIREOIDITE AUTOIMUNE: Esta doença de cães é caracterizada pela destruição da glândula tireoide por um mecanismo autoimune que envolve componentes humorais (Tipo II) e mediados por células (Tipo IV). É particularmente prevalente
em animais das raças Doberman Pinscher, Beagle, Golden Retriever e Akita. Hipotireoidismo (ver p. 593) pode ser a única manifestação da doença ou pode ter um componente clínico ou subclínico de um distúrbio autoimune mais amplo,
como lúpus eritematoso sistêmico ou panendocrinopatia.
ADRENALITE AUTOIMUNE: Esta síndrome foi descrita em cães. As glândulas adrenais são destruídas lentamente por um infiltrado linfocíticoplasmocítico. Quando há destruição suficiente do tecido glandular, os cães desenvolvem síndrome
de Addison (ver p. 599). Às vezes, a enfermidade está associada a tireoidite autoimune.
CERATITE SECA: Esta síndrome acomete cães, havendo predisposição genética em cães da raça Cocker Spaniel. Pode ser primária ou secundária ao uso prolongado de sulfonamidas. Está associada à destruição imunomediada das glândulas
lacrimais; é semelhante à síndrome de Sjögren em pessoas. Os cães acometidos devem responder favoravelmente ao uso de colírio com ciclosporina.
RESPOSTA INATA EXCESSIVA
Embora a inflamação aguda seja um mecanismo de defesa fundamental na imunidade inata, ela pode ocorrer em grau inapropriado e em locais onde causa inflamação indesejada, lesão tecidual ou doença sistêmica. Isso causa importante
lesão tecidual, com inabilidade de resposta.
ARTRITE REUMATOIDE CANINA: Esta doença é consequência direta de inflamação excessiva descontrolada ao redor das articulações. Se manifesta inicialmente como claudicação inconstante, com tumefação dos tecidos moles ao redor das
articulações envolvidas. Dentro de semanas a meses, a doença se instala em articulações individuais e desenvolvemse alterações radiográficas características. As alterações radiográficas iniciais consistem em tumefação de tecidos moles e
perda da densidade óssea trabecular na região articular. No osso subcondral observamse áreas radiotransparentes semelhantes a cistos. A lesão proeminente é uma erosão progressiva na cartilagem e no osso subcondral, na área das ligações
sinoviais, e resulta em perda de cartilagem articular e colabamento do espaço articular. Ocorrem deformidades angulares e a luxação articular é uma sequela frequente. As deformidades são mais comuns nas articulações carpianas, tarsais e
falangianas, e menos frequentes no cotovelo e no joelho. As alterações no fluido sinovial indicam sinovite inflamatória estéril, com aumento da contagem celular total e alta proporção de neutrófilos na população de células do fluido
sinovial. Acreditase que a inflamação excessiva se deve à deposição de imunocomplexos na sinóvia, com subsequente ativação do complemento.
Há relato de artrite erosiva em gatos. Tende a acometer gatos machos mais velhos e frequentemente está associada a infecção pelo vírus formador de sincício felino. O desenvolvimento da doença em gatos é muito mais insidioso do que
em cães.
A artrite reumatoide canina não responde bem ao tratamento sistêmico exclusivo com glicocorticoides. Medicamentos imunossupressores com atividade antiinflamatória, como ciclofosfamida e azatioprina, são utilizados com
glicocorticoides para tratar essas enfermidades; o uso de AINE (por ex: ácido acetilsalicílico, carprofeno, etodolac, meloxicam) pode propiciar alívio dos sintomas.
SINOVITE PLASMOCÍTICALINFOCITÁRIA: Possivelmente uma variante da artrite reumatoide, esta sinovite acomete cães de raças médias e grandes. Embora envolva várias articulações, a doença é mais frequente nos joelhos. A queixa mais
comum é claudicação de membro pélvico e movimento de gaveta dos joelhos. No fluido sinovial predominam linfócitos e neutrófilos polimorfonucleares, embora, em alguns casos, o fluido permaneça normal. Na inspeção macroscópica da
articulação notase proliferação amarelada na membrana sinovial e estiramento ou ruptura dos ligamentos cruzados. O tratamento utilizado é semelhante ao utilizado para artrite reumatoide canina, mencionado anteriormente.
Poliartrite idiopática: Esta artrite é mais comum em cães grandes, particularmente naqueles das raças Pastor Alemão, Doberman Pinscher, Retriever, Spaniel e Pointer. Nas raças toy, é mais frequente em Poodle, Yorkshire Terrier,
Chihuahua ou em seus mestiços. Não há evidência de doença infecciosa crônica primária ou de lúpus eritematoso sistêmico. Artropatia frequentemente é o único sintoma.
O diagnóstico se baseia no histórico de febre cíclica que não responde ao uso de antibióticos, malestar e anorexia, com rigidez ou claudicação. Não se observa alteração óssea nas radiografias até que a doença esteja bem estabelecida.
Mesmo assim, as alterações radiográficas são discretas e podem mimetizar artropatia degenerativa. O fluido sinovial é de natureza inflamatória, porém estéril.
A doença pode ser controlada com uso diário de altas doses de glicocorticoides, seguido de terapia com baixa dose em dias alternados. Geralmente, podese interromper o tratamento depois de 3 a 5 meses. Os cães que não respondem
bem a este tratamento (> 50%) devem ser tratados com medicamentos imunossupressoras mais potentes, como azatioprina ou ciclofosfamida, além de glicocorticoides. Em alguns animais, sais de ouro podem ser úteis para exacerbar o
efeito da terapia com glicocorticoides.
MENINGITE IMUNOMEDIADA: Acomete cães jovens ou jovens adultos das raças Beagle, Boxer, Pointer alemão de pelo curto e Akita; contudo, é muito rara em outras raças puras ou em cães mestiços. Os sinais clínicos consistem de
episódios cíclicos de febre, dor e rigidez marcante do pescoço, relutância em se movimentar e depressão. Cada episódio dura 5 a 10 dias, com períodos intercalados de normalidade completa ou parcial, com duração = 1 semana. Durante as
crises, aumenta a concentração de proteínas e a quantidade de neutrófilos no fluido cerebroespinal (FCE). A lesão é uma arterite, que atinge principalmente vasos das meninges e, às vezes, de outros órgãos. Em geral, a doença é
autolimitante depois de vários meses; os episódios tornamse mais graves e menos frequentes. A terapia com glicocorticoide reduz a gravidade das crises. Em alguns animais a doença se torna crônica e responde parcialmente ao tratamento.
Uma forma mais grave desse tipo de meningite foi descrita em uma ninhada de cães Bernese Mountain. Nessa raça, a doença foi um tanto cíclica, mas a resolução nos intervalos entre as crises foi menor do que em outras espécies. As
anormalidades do FCE lembram aquelas verificadas em outras raças. A enfermidade requer tratamento prolongado altas doses de glicocorticoides para manter os animais confortáveis.
Em cães da raça Akita com apenas 12 semanas de idade notouse uma síndrome caracterizada por meningite, frequentemente associada a poliartrite. Os cães manifestaram episódios graves de febre (um tanto cíclicos), depressão, dor e
rigidez cervical e rigidez generalizada. Os cães acometidos tinham crescimento retardado e pareciam definhados. Essa doença respondeu mal à terapia combinada de glicocorticoides e medicamentos imunossupressores; a maioria dos cães
foi submetida à eutanásia quando eram adultos jovens. Nos cães Akita mais velhos, observa–se uma forma de doença mais branda e que responde melhor aos medicamentos, que pode estar associada a pênfigo foliáceo, uveíte e tireoidite
plasmocíticalinfocitária.
Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (Sepse)
Nas infecções graves ou na lesão tecidual extensa, grande quantidade de citocinas e oxidantes deixam a corrente sanguínea e causa uma forma de choque conhecida como síndrome da resposta inflamatória sistêmica (sepse). Várias doenças
infecciosas se caracterizam pela ativação de grande número de células imunes e consequente produção de grande quantidade de citocinas e mediadores inflamatórios, em curto período de tempo. As mais importantes delas são TNFa, IFN?
e IL8, IL6. Essas citocinas podem estimular a ativação de células T adicionais e liberação de mais citocinas. Como várias citocinas são tóxicas, esta “tempestade de citocinas” pode causar intoxicação grave, lesão tecidual, e até morte. Esta
imensa liberação de citocinas que resultam de trauma tecidual, infecções ou queimaduras, ocasionam choque séptico. Contudo, infecções por bactérias Gramnegativas, alguns vírus e hemoparasitas podem causar liberação excessiva de
citocinas e morte. Outra doença que envolve toxicidade por citocina é a síndrome do enxerto versus hospedeiro. Um dos mais importantes efeitos tóxicos é a ativação de células endoteliais, induzindo aumento da permeabilidade vascular e
coagulação intravascular.
CHOQUE SÉPTICO BACTERIANO: Choque séptico é o nome dado à síndrome da resposta inflamatória sistêmica causada por infecções graves associadas a traumas, isquemia e lesão tecidual. Animais com infecções graves geralmente
produzem grande quantidade de citocinas, que induzem acidose grave, febre, liberação de lactato nos tecidos, queda incontrolável da pressão sanguínea, aumento do teor plasmático de catecolaminas e, por fim, lesão renal, hepática e
pulmonar e morte. O equilíbrio procoagulanteanticoagulante é alterado, com elevação da atividade procoagulante endotelial, enquanto várias vias anticoagulantes são inibidas, ocasionando coagulação intravascular disseminada (CID) e
trombose capilar.
Todos esses efeitos são mediados pela excessiva expressão de receptores semelhantes ao receptor toll (TLR), induzindo liberação intensa e descontrolada de citocinas. O TLR desencadeia uma “tempestade de citocinas” oriundas de
macrófagos estimulados. As citocinas promovem danos às células do endotélio vascular, ativandoas de forma que aumenta a atividade procoagulante, ocasionando coagulação do sangue. O óxido nítrico causa vasodilatação e queda da
pressão sanguínea.
A instalação da lesão no endotélio vascular, por fim, causa insuficiência dos órgãos. A síndrome da disfunção múltipla dos órgãos é o estágio final do choque séptico grave. É caracterizada por hipotensão, perfusão tecidual insuficiente,
hemorragia incontrolável e insuficiência de órgãos causada por hipoxia, acidose tecidual, necrose tecidual e anormalidade metabólica local grave. A hemorragia intensa se deve à CID. A suscetibilidade dos animais ao choque séptico é
muito variável. Espécies que apresentam macrófagos intravasculares pulmonares (gatos, equinos, ovinos e suínos) tendem a ser mais suscetíveis do que os cães.
SISTEMA TEGUMENTAR
Introdução
Dermatites
Problemas Dermatológicos
Diagnóstico das Dermatopatias
Exame Físico
Histórico
Procedimentos Laboratoriais para Dermatopatias
Problemas Dermatológicos Comuns
Alopecia
Prurido
Princípios da Terapia Tópica
Anomalias Congênitas e Hereditárias do Sistema Tegumentar
Alopecia Hereditária e Hipotricose
Anomalias Congênitas Cutâneas
Anormalia Pigmentares
Defeitos na Integridade Estrutural
Manifestações Cutâneas de Defeitos Multissistêmicos e Metabólicos
Neoplasias Congênitas e Hereditárias e Hamartomas Múltiplos
Síndromes Hiperplásicas e Seborreicas
DERMATOPATIAS ALÉRGICAS
Alergia Alimentar
DERMATITE ALÉRGICA A PULGAS
Dermatite Atópica
Dermatite Atópica Canina
Dermatite Atópica Felina
Urticária
DERMATOPATIAS BACTERIANAS
Dermatofilose
Epidermite Exsudativa
Furunculose Interdigital
Piodermite
DERMATOPATIAS FÚNGICAS
Dermatofitose
Bovinos
Cães e Gatos
Equinos
Suínos, Ovinos e Caprinos
NEOPLASIAS CUTÂNEAS
Tumores Cutâneos e de Tecidos Moles
Sarcoide Equino
Sarcomas Anaplásicos e Indiferenciados
Tumores Cutâneos Linfocíticos, Histiocíticos e Relacionados
Mastocitomas Cutâneos
Tumores Linfoides Cutâneos
Tumores com Diferenciação Histiocítica
Tumor Venéreo Transmissível
Tumores de Origem Melanocítica
Tumores de Tecido Conjuntivo
Sarcomas de Tecidos Moles
Tumores da Bainha dos Nervos Periféricos
Tumores da Musculatura Lisa Cutânea
Tumores de Tecido Adiposo
Tumores Fibroblásticos Benignos
Tumores Fibrohistiocíticos
Tumores Vasculares
Tumores Epidérmicos e de Folículos Pilosos
Carcinomas de Célula Escamosa
Cistos Cutâneos Ceratinizados
Epiteliomas Cornificantes Intracutâneos
Lesões Papilomatosas Benignas Não Associadas a Vírus
Papilomas
Tumores de Folículo Piloso
Tumores de Glândulas Apócrinas Cutâneas
Tumores de Glândula Apócrina do Saco Anal
Tumores de Glândula Écrina
Tumores de Glândula Hepatoide
Tumores de Glândula Sebácea
Tumores e Carcinomas de Célula Basal
Tumores Neuroendócrinos Cutâneos Primários
Tumores Metastáticos
DERMATOPATIAS PARASITÁRIAS
Carrapatos
Carrapatos Ixodídeos Importantes
Amblyomma spp.
Anomalohimalaya spp.
Bothriocroton spp.
Cosmiomma sp.
Dermacentor spp.
Haemaphysalis spp.
Hyalomma spp.
Ixodes spp.
Margaropus spp.
Nosomma sp.
Rhipicentor spp.
Rhipicephalus spp.
Carrapatos Argasídeos Importantes
Argas spp.
Carios spp.
Ornithodoros spp.
Otobius spp.
Controle de Carrapatos
Helmintos Cutâneos
Dermatite por Pelodera
Elaeoforíase
Estefanofilariose
Habronemose Cutânea
Infecção por Parafilária
Parafilaria bovicola
Parafilaria multipapillosa
Infecções por Dracunculus
Oncocercose
Infestação por Moscas Cuterebra em Pequenos Animais
Larvas de Insetos em Bovinos
Dermatobia hominis 983
Lechiguana
Hypoderma spp.
Moscas
Dípteros com Peças Bucais Picadoras
Maruins Picadores
Mosquitos
Borrachudos
Moscas do Chifre
Moscas dos Búfalos
Moscas dos Equinos e dos Veados
Moscas dos Estábulos
Moscas Hipoboscídeas ou Moscaspiolho
MoscasPiolho dos Ovinos
Mosquitospólvora
Moscas Tsétsé
Dípteros com Peças Bucais Não Picadoras
Borrachudos Oculares
Moscas da Cabeça
Moscas da Face
Moscas que se Reproduzem no Lixo
Dípteros que Produzem Miíases
Moscas Produtoras de Miíases Facultativas
Moscas Produtoras de Miíases Obrigatórias
Mosca Varejeira Cinza
Bernes em Pequenos Animais
Mosca Tumbu Africana
Chrysomyia bezziana
Cochliomyia hominivorax
Pseudomiíase
PIOLHOS
Pulgas e Dermatite Alérgica à Pulga
Sarna
Bovinos
Cães e Gatos
Equinos
Ovinos e Caprinos
Suínos
DERMATOPATIAS VIRAIS
Dermatose Ulcerativa dos Ovinos
Doenças do Tipo Varíola
Dermatopatia Nodular
Infecções por Orthopoxvirus em Gatos
Pseudovaríola Bovina
Varíola Bovina
Varíola Suína
Varíolas Ovina e Caprina
Ectima Contagioso
MISCELÂNEA DE DERMATOPATIAS
Acantose Nigricans
Complexo Granuloma Eosinofílico
Dermatose Nasal dos Cães
Dermatoses Sistêmicas Diversas
Feridas de Sela
Fotossensibilização
Fotossensibilização Congênita em Ovinos
HIGROMA
Paraqueratose
Pitiríase Rósea em Suínos
Seborreia
SISTEMA TEGUMENTAR – INTRODUÇÃO
A pele é o maior órgão do corpo e, dependendo da espécie e da idade, pode representar de 12 a 24% do peso corporal do animal. A pele possui múltiplas funções, tais como: servir como uma barreira envolvente e promover proteção
ambiental, regular a temperatura, produzir pigmentos e vitamina D e percepção sensorial. Anatomicamente, a pele consiste das seguintes estruturas: epiderme, zona da membrana basal, derme, sistema apendicular e músculos e gordura
subcutâneas.
EPIDERME: A epiderme é composta de múltiplas camadas de células, que consistem em ceratinócitos, melanócitos e células de Langerhans e de Merkel.
A função dos ceratinócitos é produzir uma barreira protetora. Eles são produzidos por células colunares basais aderidas à membrana basal. A taxa de mitose celular e a queratinização subsequente são controladas por vários fatores como:
nutrição, hormônios, fatores teciduais, células imunes da pele e genética. A derme também pode exercer controle significativo sobre o crescimento da epiderme. Existe a hipótese de que o fotoperíodo e os ciclos reprodutivos possam
acometer a epiderme nos animais. Os glicocorticoides diminuem a atividade mitótica; doenças e inflamação também alteram o crescimento epidérmico normal e a queratinização. Como os ceratinócitos migram em sentido ascendente, eles
são submetidos a um processo complexo de morte celular programada e queratinização. O objetivo desse processo é produzir uma camada compacta de células mortas denominada estrato córneo, que atua como barreira impermeabilizante
contra perda de fluidos, eletrólitos, minerais, nutrientes e água, enquanto previne a penetração de agentes infeciosos ou nocivos à pele. O arranjo estrutural da queratina e do conteúdo lipídico da pele são críticos para esta função. O
precursor da vitamina D, o 7deidrocolesterol, é formado na epiderme. A epiderme é mais espessa nos grandes animais. O estrato córneo é continuamente eliminado ou descamado.
Os melanócitos estão localizados na camada de células basais, na bainha radicular externa e nos ductos de glândulas sebáceas e sudoríparas. Eles são responsáveis pela produção dos pigmentos da pele e dos pelos (melanina). A produção
do pigmento está sob controle hormonal e genético.
As células de Langerhans são células dendríticas mononucleares que estão intimamente envolvidas com a regulação do sistema imunológico da pele. São danificadas por excessiva exposição à luz ultravioleta (UV) e glicocorticoides. Os
materiais antigênicos e alergênicos são processados por estas células e transportados para os linfócitos T locais e linfonodais, para induzir reações de hipersensibilidade. Proteínas da epiderme também podem se conjugar com haptenos
exógenos e tornandose antigênicas.
Células de Merkel são células sensoriais especializadas associadas a órgãos sensoriais da pele, como as vibrissas (“bigodes”) e os coxins tilotríquios.
ZONA DA MEMBRANA BASAL: Esta área atua como local para adesão das células epidérmicas basais e como barreira protetora entre a epiderme e a derme. Várias doenças de pele, inclusive diversas condições autoimunes, podem danificar
esta zona. As vesículas são exemplo de lesão à zona da membrana basal.
Pele com pelos. Ilustração por Dr. Georghe Constantinescu.
DERME: A derme é uma estrutura mesenquimatosa que suporta, nutre e, em certo grau, regula a epiderme e seus apêndices. Consiste em uma substância basal, fibras dérmicas colágenas e células (fibroblastos, melanócitos, mastócitos e,
ocasionalmente, eosinófilos, neutrófilos, linfócitos, histiócitos e plasmócitos). Vasos sanguíneos responsáveis pela termorregulação, plexos nervosos associados a sensações cutâneas e nervos mielinizados e não mielinizados estão presentes
na derme. Nervos motores são primariamente adrenérgicos e inervam vasos sanguíneos e músculos piloeretores. Exceto em equinos, as glândulas apócrinas não parecem ser inervadas. Os nervos sensoriais são distribuídos na derme, nos
folículos pilosos e em estruturas táteis especializadas. A pele responde às sensações de tato, dor, prurido, calor e frio.
SISTEMA APENDICULAR: Estas estruturas crescem para fora (e são contínuas com) a epiderme. Consistem de folículos pilosos, glândulas sebáceas e sudoríparas e estruturas especializadas (p. ex., garras e cascos). Os folículos pilosos dos
equinos e bovinos são simples, isto é, os folículos possuem um pelo emergindo de cada poro. Os folículos pilosos dos cães, gatos, ovinos e caprinos são compostos, ou seja, possuem um pelo central, circundado por 3 a 15 pelos menores,
todos saindo do mesmo poro. Animais com folículos pilosos compostos nascem com folículos simples que se desenvolvem em compostos.
O crescimento do pelo é controlado por diversos fatores, como dieta, hormônios e fotoperíodo. O estágio de crescimento do pelo é referido como anágeno e o seu período de repouso (pelo maturo) é referido como telógeno. A fase de
transição entre o anágeno e o telógeno é denominada catágeno. Animais, normalmente, trocam seus pelos em resposta a mudanças de temperatura e fotoperíodo; o que geralmente ocorre no início da primavera e do outono. O tamanho, a
forma e o comprimento do pelo são controlados por fatores genéticos, mas podem ser influenciados por doenças, medicamentos exógenas, deficiências nutricionais e fatores ambientais. Os hormônios têm efeito significativo no crescimento
dos pelos. A tiroxina inicia o crescimento do pelo, enquanto glicocorticoides inibem seu crescimento. As funções primárias da cobertura pilosa são proporcionar uma barreira mecânica para proteger o hospedeiro contra danos actínicos e
oferecer termorregulação. Na maioria das espécies, uma camada de ar entre os pelos secundários conserva o calor. Isso requer que os pelos estejam secos e à prova d’água; o pelame de clima frio de muitos animais é, muitas vezes, mais
longo e mais fino, para facilitar a conservação do calor. O pelame também pode ajudar a resfriar a pele. O pelame de clima quente (particularmente dos grandes animais) consiste em pelos mais grossos e curtos e menos pelos secundários.
Esta alteração anatômica permite que o ar se movimente facilmente através dos pelos, facilitando o resfriamento. O pelame também ajuda a esconder ou camuflar o animal.
As glândulas sebáceas são simples ou alveolares ramificadas, holócrinas, que secretam sebo no interior dos folículos pilosos e na superfície da epiderme. Estão presentes em grande número, próximas às junções mucocutâneas, espaços
interdigitais, região dorsal do pescoço, garupa, queixo e cauda; em algumas espécies, fazem parte do sistema de demarcação odorífica. Por exemplo, em gatos, as glândulas sebáceas estão presentes na face, no dorso e na cauda em altas
concentrações; gatos marcam território esfregando sua face em objetos e depositando uma camada de sebo juntamente com feromônios faciais felinos. Sebo é um material lipídico complexo contendo colesterol, ésteres de colesterol,
triglicerídios, ceras diésteres e ácidos graxos. O sebo é importante para manter a pele macia, flexível e com hidratação adequada. Também confere brilho ao pelame e tem propriedades antimicrobianas.
As glândulas sudoríparas (epitríquias [antigamente, apócrinas] e atríquias [antigamente, écrinas]) fazem parte do sistema termorregulador. A evaporação do suor da pele é o principal mecanismo de resfriamento do corpo de equinos e
primatas e, em menor proporção, de suínos, caprinos e ovinos. Há algumas evidências clínicas que sugerem haver uma sudorese limitada em caninos e felinos, havendo um papel menor de resfriamento corporal nestas espécies. Cães e gatos
fazem a termorregulação principalmente pelo arfar, salivar e espalhar esta saliva pelo seu pelame (gatos). Entretanto, a sudorese dos gatos ocorre através de seus coxins especialmente quando excitados, isso é mais comumente observado
pelas marcas de pegadas úmidas em superfícies, por exemplo, na mesa de exame.
MUSCULATURA E GORDURA SUBCUTÂNEAS: O “músculo crispador” (panículo carnoso) é o principal músculo subcutâneo. A gordura subcutânea (panículo adiposo) tem muitas funções, como isolamento, reservatório para fluidos, eletrólitos
e energia e amortecimento de choques.
DERMATITES
A inflamação da pele pode ser produzida por vários agentes, como irritantes externos, queimaduras, alergênios, traumatismos e infecções (bacterianas, virais, parasitárias ou fúngicas). Pode estar associada a doença interna ou sistêmica
intercorrente; fatores hereditários também podem estar envolvidos. As alergias formam um importante grupo de fatores etiológicos, especialmente em pequenos animais.
A resposta da pele à agressão é genericamente denominada de dermatite e manifestase como a combinação de prurido, descamação, eritema, espessamento ou liquenificação da pele, hiperpigmentação, seborreia oleosa, odor e perda de
pelos. A progressão da dermatopatia geralmente envolve um fator desencadeante (síndrome) que causa lesões primárias como pápulas, pústulas e vesículas. Prurido é um sinal clínico comum em muitas doenças e naquelas em que não há
um prurido inerente, a dermatite geralmente ocorre por infecções secundárias ou como resultado da produção de mediadores inflamatórios. Com o progresso das alterações inflamatórias, começam a se desenvolver crostas e descamação da
pele. Caso o processo envolva a derme mais profunda, poderá ocorrer exsudação, dor e descamação cutânea. Comumente infecções bacterianas e leveduriformes desenvolvem–se secundariamente, como resultado da inflamação cutânea.
Com a cronificação da dermatite, sinais agudos de inflamação (como, eritema) ficam menos evidentes e as lesões primárias tornamse obscurecidas pelos sinais de cronificação (espessamento da pele, hiperpigmentação, descamação,
seborreia). Geralmente a pele tornase ressecada, e mesmo que o prurido não seja um fator desencadeante, ele se frequentemente se desenvolverá nesta fase. A resolução da dermatite requer a identificação da etiologia e o tratamento das
infecções secundárias ou outras complicações.
PROBLEMAS DERMATOLÓGICOS
Dermatite é um termo inespecífico geralmente utilizado para problemas de pele até que o histórico, os sinais clínicos e o exame físico possam definir o problema mais precisamente. Problemas dermatológicos descrevem a principal
categoria dos achados clínicos que podem ser causados por várias doenças de pele; muitas parecem semelhantes e são diferenciadas por fluxogramas diagnósticos e processo de eliminação. Os problemas dermatológicos mais comuns são:
prurido, alopecia, crostas e descamação, otite, feridas não cicatrizantes, nódulos e tumores e distúrbios ulcerativos. Em algumas espécies, como nos gatos, subcategorias de problemas dermatológicos (p. ex., prurido na cabeça e no pescoço,
alopecia simétrica, exsudação/dermatite eosinofílica etc.) podem ser bem reconhecidas. A identificação do principal problema dermatológico do paciente ajudará a criar uma lista de diagnósticos diferenciais específica ao paciente, bem
como selecionar cuidadosamente os testes diagnósticos apropriados. O problema dermatológico do paciente pode ou não ser a queixa principal do cliente. É importante ser sensível às percepções dos problemas ou queixas do cliente,
especialmente se odor ou alterações estéticas estiverem envolvidos e direcionar a terapia a elas (p. ex., banhos para minimizar o odor enquanto o problemachave está sendo avaliado).
DIAGNÓSTICO DAS DERMATOPATIAS
O diagnóstico definitivo das causas das diversas doenças de pele requer histórico detalhado, exame físico e testes diagnósticos apropriados. Muitas doenças cutâneas parecem semelhantes e o diagnóstico definitivo é realizado com o tempo,
descartandose outras possíveis causas, avaliandose as respostas às terapias e/ou por processo de eliminação.
Histórico
O histórico dermatológico cuidadoso é essencial para interpretação dos achados do exame físico e escolha dos testes diagnósticos apropriados. Devese obter o histórico geral completo, inclusive informações sobre doenças anteriores,
vacinas, criação (instalações, práticas alimentares etc.), mudanças de atitude e consumo alimentar, práticas de eliminação, contato com outros animais e viagens nos últimos 6 a 12 meses. Isto deve ser seguido de um detalhado histórico
dermatológico. O uso de uma ficha dermatológica préempresta pode ser bastante útil nos casos crônicos ou complicados. O bom histórico é importante porque muitas doenças de pele que parecem semelhantes e são diferenciadas com base
na interpretação dos sinais clínicos e do histórico.
Devemse obter as seguintes condições: (1) a queixa principal; (2) o tempo de evolução do problema; (3) a idade do animal quando a doença se manifestou inicialmente (predisposições distintas por idade são observadas em muitas
doenças, como: demodiciose e dermatofitose em animais pediátricos e sinais de atopia em animais de 1 a 3 anos); (4) a raça (predisposições raciais, como a predisposição dos cães da raça Cocker Spaniel aos distúrbios primários de
queratinização e dos Terriers à atopia); (5) a presença e gravidade de prurido (inclusive se o animal se lambe, esfrega, coça ou se morde – os proprietários frequentemente não associam uma lambedura com um sinal de prurido); (6) como a
doença começou e sua progressão (doenças que se iniciam com prurido podem levar a autotraumatismos e subsequente desenvolvimento de lesões secundárias [alopecia, seborreia] ou infecções [piodermas bacterianos ou por leveduras]; (7)
o tipo e progressão das lesões observadas pelo proprietário; (8) evidência de sazonalidade (sugestivo de pulgas, doenças alérgicas ou relacionadas com o clima); (9) a área do corpo onde a doença se iniciou (ou seja, há padrões regionais
observados na dermatite atópica [tipicamente face e patas], na queiletielose [principalmente o dorso], na escabiose [principalmente ventrais] e nas endocrinopatias com perda de pelos [em geral envolve o tronco e poupa cabeça e
membros]); (10) quaisquer tratamentos prévios e o grau de resposta a eles (p. ex., doenças que respondem a antibióticos sugerem etiologia bacteriana, prurido que responde a pequenas doses de glicocorticoides, antihistamínicos ou ácidos
graxos essenciais sugere dermatite alérgica); (11) a frequência de banhos e data do último banho (banho recente pode obscurecer ou modificar lesões clínicas importantes, excesso de banhos e umidade da pele podem predispor a
dermatopatias); (12) a presença de pulgas, carrapatos ou ácaros; (13) contato com outros animais (evidência de doença contagiosa, sugerindo pulgas, escabiose, queiletielose ou dermatofitose); (14) ambiente em que vive o animal
(mudanças na casa podem influenciar o desenvolvimento de certas dermatopatias, por exemplo, dermatite de contato e doenças contagiosas); e (15) sinais ou relatos de doenças sistêmicas (endócrinas [ex. hipotireoidismo e
hiperadrenocorticismo] e doenças metabólicas [ex. diabetes melito, doenças renais ou hepáticas], já que a pele pode ser a primeira manifestação observada como sinal de doenças sistêmicas.
Exame Físico
O exame físico completo deve ser realizado sempre. Muitas doenças de pele são manifestações de doenças sistêmicas, por exemplo, hipotireoidismo e lúpus eritematoso sistêmico (ver p. 1042). O bom exame dermatológico requer inspeção
bastante próxima de todo o pelame e pele, sob iluminação forte; pode ser necessária lanterna para examinar a pele de grandes animais. É importante examinar o ventre dos animais, onde muitas lesões primárias e parasitos cutâneos são
notados.
Lesões clínicas são descritas de várias formas. As lesões podem ser descritas, de modo geral, como focal, multifocal ou difusa, quanto à distribuição, seguidas pela descrição da região afetada (p. ex., mucocutânea ou truncal). Em
inspeção mais próxima, as lesões podem ser posteriormente descritas como primárias ou secundárias. Lesões primárias são máculas ou manchas (áreas de descoloração não elevadas); pápulas ou placas (lesões elevadas, as placas são
coalescentes); pústulas, vesículas ou bolhas (lesões preenchidas por fluidos); vergão (saliências sólidas de pele e com paredes exuberantes e partes superiores achatadas, que surgem a partir da liberação de histamina); e nódulos ou tumores
(grandes elevações sólidas na pele). Lesões secundárias incluem colaretes epidérmicos (estágio avançado da pústula), cicatrizes, escoriações (áreas de autotraumatismo), erosões ou úlceras (perda da epiderme), fissuras, liquenificação
(aumento da espessura e hiperpigmentação da pele) e calosidades. Algumas lesões podem ser tanto primárias como secundárias, dependendo da etiologia da doença. Estas são: alopecia, escamas, crostas, cilindros foliculares (entupimento
de folículos pilosos com queratina visível), comedões (pontos pretos) e alterações pigmentares.
Procedimentos Laboratoriais para Dermatopatias
RASPADOS CUTÂNEOS: Os raspados cutâneos fazem parte do arquivo de dados básico de todas as dermatopatias. Existem dois tipos de raspados cutâneos: superficiais e profundos. Os raspados superficiais não causam sangramento capilar e
proporcionam informações a partir da superfície epidérmica. Os raspados cutâneos profundos coletam material de dentro do folículo piloso; o sangramento capilar indica que a amostra foi suficientemente profunda. Os raspados cutâneos
são utilizados, primariamente, para determinar presença ou ausência de ácaros. O melhor modo de realizálos é com o auxílio de uma espátula para raspado cutâneo, que é uma espátula fina, com peso de metal, comumente notado em
farmácias ou catálogos de produtos químicos. Estas espátulas são reaproveitáveis e não provocam lesões nos pacientes.
ESCOVAÇÃO DO PELAME: Esta técnica, comumente referida como “escovação de pulgas”, é útil na coleta de grande quantidade de restos celulares cutâneos e na captura de parasitos cutâneos. As escovações são particularmente úteis para
encontrar pulgas, carrapatos, piolhos e alguns ácaros. Escovas de limpeza limpas ou escovas para animais podem ser utilizadas para coletar material em um recipiente plano (p. ex., prato de torta) em grandes animais.
EXAME DOS PELOS: O exame microscópico das hastes pilosas pode servir para procurar evidências de autotraumatismos, dermatofitoses (requer agentes clarificantes e uma coloração especial), pelos displásicos e, às vezes, doenças genéticas
no pelame.
CITOLOGIA: As citologias cutânea e auricular são úteis na identificação de dermatopatias bacterianas, fúngicas e, possivelmente, neoplásicas. Devese fazer, ao menos, 4 a 6 imprints; devemse guardar várias lâminas para exame por um
laboratório de referência, se for necessário. Quando se faz um imprint da pele, a lâmina deve ser posta diretamente no local a ser amostrado. Um dedo indicador ou polegar deve ser colocado diretamente sobre a lâmina, exercendo uma forte
pressão. Alternativamente, podese usar fita de acetato limpa, para obter amostras da pele. Amostras adequadas produzirão uma “impressão digital” da superfície. Pelo menos uma lâmina deve ser fixada pelo calor, com um fósforo ou
isqueiro, antes de ser corada. Na maioria dos casos, o corante DiffQuick é adequado. Em animais com prurido, o material deve ser raspado abaixo do leito ungueal e colocado na lâmina para fixação com calor, coloração e exame
citológico. As amostras devem ser examinadas em aumento de 4× e 10× e em aumento maior, com óleo de imersão.
CULTURAS FÚNGICAS: As dermatofitoses são melhor identificadas com cultura fúngica tanto em meio de teste dermatofítico como em ágarSabouraud simples. Preferemse placas que são facilmente inoculadas; frascos de vidro com rosca no
topo são difíceis de inocular e obter amostras, sendo melhor evitálos. As melhores amostras dos gatos são obtidas usandose escova dental nova, esfregandoa agressivamente sobre as lesões. As amostras dos cães podem ser coletadas com
auxílio de escova dental ou com a técnica de arrancar os pelos. Em grandes animais, os pelos devem ser limpos suavemente, com álcool, antes da coleta, para minimizar o crescimento contaminante. Os organismos fúngicos intermediários e
profundos são melhor cultivados por laboratórios de referência, utilizando biopsia cutânea (6 a 8 mm de tamanho).
CULTURAS BACTERIANAS: As pústulas intactas podem ser cultivadas por meio de rompimento com agulha estéril e da coleta com swab na lesão, para cultura estéril. As lesões não devem ser limpas antes da amostragem. As piodermites
profundas são melhor cultivadas a partir de uma biopsia cutânea (6 a 8 mm). Um laboratório de referência deve ser informado sobre os patógenos suspeitos, pois isso pode interferir na maneira como o exsudato será cultivado. Tratamentos
sistêmicos e tópicos devem ser suspensos por, no mínimo, 72 h antes da coleta da amostra.
BIOPSIA: Biopsia cutânea é indicada em qualquer caso que pareça ser grave, incomum ou não responda à terapia apropriada. As lesões não devem ser limpas antes da biopsia, pois a patologia superficial é importante no diagnóstico de
muitas dermatopatias. Várias amostras de diversas lesões devem ser submetidas ao exame. Sempre que possível, devese biopsiar lesões primárias; por outro lado, frequentemente o relato não é muito útil na elaboração do diagnóstico ou na
restrição da lista de diagnósticos diferenciais. As amostras por biopsia requerem exame por patologista familiarizado com dermatopatias de animais. Não é necessária a imunofluorescência direta para diagnosticar dermatopatias autoimunes;
a histopatologia rotineira constitui o teste de escolha.
TESTES SANGUÍNEOS E URINÁRIOS DE ROTINA: Na maioria dos casos dermatológicos, esses testes não ajudam a estabelecer o diagnóstico definitivo. Havendo sinais sistêmicos de enfermidade, hemograma completo, perfil bioquímico sérico e
urinálise podem ser úteis para a identificação da etiologia. Nos cães com infecções recidivantes, esses testes podem identificar doença subclínica subjacente.
TESTE CUTÂNEO INTRADÉRMICO: Esse teste não é necessariamente exigido para determinar o diagnóstico de atopia. A reação de teste cutâneo intradérmico positiva indica exposição anterior a um alergênio particular. As alergias por agentes
inalados são melhor diagnosticadas com base na anamnese e em achados compatíveis no exame físico e o uso criterioso do teste cutâneo intradérmico ou de testes in vitro para alergias. Recomendase o teste cutâneo intradérmico para
animais que possuam indicação para imunoterapia em decorrência da gravidade ou da duração dos sinais alérgicos. Devemse considerar as interações entre fármacos potenciais que possam interferir, antes de se realizar um teste cutâneo
intradérmico.
TESTES DIAGNÓSTICOS IN VITRO: Os testes diagnósticos in vitro (testes ELISA ou RAST) constituem alternativas ao teste cutâneo intradérmico. Embora os testes in vitro sejam considerados menos confiáveis em razão do grande número de
resultados falsopositivos, a maioria das complicações na sua interpretação resulta da má seleção dos pacientes. Assim como nos testes cutâneos intradérmicos, os testes in vitro refletem a exposição e devem ser interpretados com base no
histórico e exame físico do paciente.
PROBLEMAS DERMATOLÓGICOS COMUNS
Os dois problemas dermatológicos mais comuns são alopecia e prurido.
ALOPECIA (Queda de pelos)
A alopecia corresponde à ausência parcial ou completa de pelos em áreas onde eles se encontram presentes normalmente. Caso o paciente seja apresentado com o problema de queda de pelos e possua prurido, primeiramente devese
identificar o prurido (ver p. 896).
ETIOLOGIA: Há muitas causas de alopecia; qualquer doença que afete os folículos pilosos pode provocar queda de pelos. Existem duas categorias etiológicas principais de alopecia: congênita ou hereditária e adquirida. A alopecia adquirida
é ainda dividida em duas categorias: inflamatória e não inflamatória.
A alopecia congênita ou hereditária (p. 899) é descrita em bovinos, equinos, cães, gatos e suínos. Foram desenvolvidas raças de ratos, camundongos, gatos e cães sem pelos, para interesses pessoais e de pesquisa. A alopecia congênita
pode ou não ser hereditária; ela é causada por falta de desenvolvimento dos folículos pilosos é aparente no nascimento ou após curto período do nascimento. Os animais com alopecias tardias nascem com pelames normais e ocorre queda de
pelos focais ou generalizadas, quando o animal troca o seu pelame juvenil ou quando se torna adulto jovem. Os exemplos são a calvície padrão dos cães da raça Dachshund, a alopecia por diluição da cor (mais comum em Doberman
Pinschers) e determinados tipos de displasias foliculares.
Alopecia adquirida engloba todas as outras causas de queda de pelos. Nesse tipo de alopecia, o animal nasce com pelame normal, apresenta ou já apresentou folículos pilosos normais em algum momento e é ou já foi capaz de produzir
pelos estruturalmente normais. A alopecia adquirida pode ser não inflamatória, como observado em alopecias endócrinas ou em alguns tipos de alopecia imunemediadas, ou inflamatória. A alopecia inflamatória adquirida é a forma mais
comum. A alopecia adquirida desenvolvese em decorrência de doença que destrói o folículo ou a haste pilosa, interfere no crescimento dos pelos ou da lã ou causa desconforto (p. ex., dor e prurido) no animal, levandoo ao
autotraumatismo e à queda de pelos.
As doenças que podem originar diretamente destruição ou danos na haste ou nos folículos pilosos são: dermatopatias bacterianas, dermatofitose, demodiciose, dermopatias inflamatórias graves à derme (como, celulite juvenil e piodermite
profunda), episódios traumáticos (p. ex., queimaduras e radiação) e, raramente, envenenamentos por mercúrio, tálio e iodo. Estas doenças tendem a ser inflamatórias.
As doenças que podem inibir ou retardar diretamente o crescimento do folículo piloso são: deficiências nutricionais (particularmente deficiências de proteínas), hipotireoidismo, hiperadrenocorticismo e a produção ou administração
excessivas de estrógeno (hiperestrogenismo, tumor de células de Sertoli e injeções de estrógenos para evitar acasalamentos). Nos equinos, ovinos e cães, pode haver alopecia temporária durante a gestação ou a lactação ou várias semanas
depois de uma grave enfermidade ou febre. A acentuada perda de pelos (eflúvio) é comum em gatos com infecções respiratórias. Estes tipos de alopecia tendem a ser não inflamatórias, a menos que ocorra infecção cutânea secundária.
O prurido ou a dor são causas comuns de alopecia inflamatória adquirida nos animais. As doenças que costumam produzir prurido ou dor compreendem dermatopatias infecciosas (p. ex., piodermite bacteriana e dermatofitose),
ectoparasitas, dermatopatias alérgicas (p. ex., atopias, alergias alimentares, alergias por contato e hipersensibilidade a insetos) e, mais raramente, dermatopatias neoplásicas. A fricção pode causar queda de pelos local (p. ex., cabrestos ou
coleiras mal ajustados). Raramente, a higiene pilosa excessiva pode ser a origem de queda de pelos em alguns animais, particularmente nos gatos.
A alopecia endócrina felina não é mais reconhecida como uma síndrome genuína, seu novo nome é alopecia simétrica adquirida felina. Até hoje, não existe evidência documentada de endocrinopatias nesses gatos e a alopecia simétrica
observada constitui sinal clínico de doença subjacente, mais comumente de doença pruriginosa. A causa mais comum de alopecia simétrica felina é dermatite alérgica a pulgas. Nos gatos que não possuam puliciose notória, recomendase
hemograma com diferencial; muitos gatos com dermatite alérgica a pulgas apresentam eosinofilia. Este achado pode auxiliar a convencer os clientes a obter o controle de pulgas como primeiro passo no diagnóstico.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sinais clínicos de queda de pelos podem ser óbvios ou sutis, dependendo da doença. A queda de pelos congênita ou hereditária é comumente simétrica e não é acompanhada por muitas alterações
inflamatórias; em alguns casos, as áreas de queda de pelos se localizam em uma região (p. ex., os pavilhões auriculares) ou em áreas bem demarcadas.
Os sinais clínicos da queda de pelos adquirida são variados e frequentemente influenciados pela causa subjacente(s); o padrão da queda de pelos pode ser focal, multifocal, simétrico ou generalizado. Alterações inflamatórias, tais como
hiperpigmentação, lignificação, eritema, descamação, queda de pelos excessiva e prurido, são comuns. Algumas causas de alopecia adquirida podem predispor o animal ao desenvolvimento de dermatopatias secundárias, como piodermite
bacteriana ou seborreia. O prurido é variável, dependendo da causa primária. Nas alopecias endócrinas, a queda de pelos geralmente desenvolvese com padrão simétrico e frequentemente iniciase nas áreas de desgaste; o prurido é
incomum, a menos que ocorra infecção secundária. Ao contrário do que se imagina, geralmente a queda de pelos não é sinal clínico precoce de alopecia endócrina.
Muitos proprietários procuram assistência veterinária ao perceberem a queda de pelos excessiva. A queda poderá ser anormal (excessiva) se resultar em perda notória do pelame e áreas de alopecia. Uma causa comum de queda anormal é
a piodermite bacteriana. No entanto, se a queda não for acompanhada por perda de pelos irregular ou simétrica, ela provavelmente corresponderá somente a um estágio na reposição natural do pelame.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico preciso da causa de alopecia requer anamnese e exame físico cuidadosos. Os pontoschave da anamnese são: reconhecimento das predisposições raciais para alopecias congênitas ou hereditárias; duração e
progressão das lesões e presença ou ausência de prurido, evidências de contágio ou problemas não dermatológicos, por exemplo, poliúria e polidipsia. No exame físico, devese observar a distribuição das lesões (focal, multifocal, simétrica
ou generalizada) e examinar os pelos para determinar se eles estão caindo do folículo piloso ou estão se quebrando – o último sugere prurido. Devem–se observar sinais de infecções cutâneas secundárias ou de ectoparasitas e realizar exame
não dermatológico cuidadoso.
Os testes diagnósticos iniciais englobam raspados cutâneos para ectoparasitas (particularmente para os ácaros Demodex), escovar os pelos à procura de pulgas, ácaros e piolhos, imprints da pele procurando evidências de infecções
bacterianas ou por leveduras, culturas fúngicas para identificação de uma dermatofitose e exame dos pelos arrancados, procurando na haste e nas extremidades por evidências de dermatofitose ou de que os pelos foram arrancados por
mastigação. Em muitos casos de piodermite bacteriana, imprints da pele não mostram neutrófilos e/ou cocos, mas grande número de ceratinócitos descamados. Neutrófilos e cocos são vistos em amostras coletadas de pústulas íntegras ou
recentemente rompidas.
Caso estes testes não identifiquem ou sugiram uma causa subjacente, podese indicar uma biopsia cutânea para avaliar as estruturas foliculares pilosas, o número de folículos pilosos e a relação anágeno/telógeno, além de procurar sinais
de infecções cutâneas bacterianas, fúngicas ou parasitárias. Além disso, a biopsia cutânea é frequentemente necessária para confirmar causas congênitas ou tardias de queda de pelos e identificar causas inflamatórias ou neoplásicas. Devese
enviar para avaliação, biopsia cutânea de áreas normais e anormais. Hemograma, perfis bioquímicos séricos e urinálises geralmente são úteis quando se suspeita de uma endocrinopatia. Testes de função endócrina específicos podem ser
realizados com base nos achados de exames laboratoriais rotineiros ou dos sinais clínicos.
TRATAMENTO: O sucesso da terapia depende da causa subjacente e do diagnóstico específico.
PRURIDO (Coceira)
O prurido é definido como uma sensação desagradável de irritação da pele que provoca o desejo de coçar.
FISIOPATOLOGIA: O prurido pode ser bem ou pobremente localizado. Ele pode se manifestar como sensação de queimadura de forma localizada ou difusa. Embora a pele seja ricamente inervada, não se conhecem receptores de prurido
especializados. A sensação de prurido é transmitida via conjunto especializado de fibras aferentes. Fibras mielinizadas que conduzem a sensação a 10 a 20 m/s transmitem uma sensação de picada do prurido, bem localizada. Em contraste, a
sensação de queimação do prurido é transmitida por fibras não mielinizadas que conduzem a sensação a 2 m/s. Ambas as fibras entram pela raiz dorsal da medula espinal, ascendem em direção à coluna dorsal e atravessam o trato
espinotalâmico lateral. De lá, seguem para o tálamo e o córtex sensorial.
Os mediadores do prurido são controversos e podem variar dependendo da espécie. Esses mediadores incluem histaminas (liberados pela degranulação de mastócitos), enzimas proteolíticas (proteases) e leucotrienos. Proteases são
liberadas por fungos, bactérias, degranulação de mastócitos e durante reações de antígenoanticorpo. Leucotrienos, prostaglandinas e tromboxanos A2, os quais são derivados da quebra do ácido araquidônico, são proinflamatórios. Ácidos
graxos essenciais, particularmente o ácido glinolênico, tem sido utilizados para controlar a inflamação mediada por leucotrienos e tromboxano A2. A sensação de prurido pode ser afetada por uma variedade de fatores, como tédio,
competição e ansiedade. Estresse pode potencializar o prurido via liberação de peptídio opiode.
ETIOLOGIA: Prurido é sinal clínico e não diagnóstico ou doença específica. Em geral, as causas mais comuns de prurido são parasitos, infecções, doenças alérgicas da pele e causas diversas (p. ex., neoplasia cutânea). Muitas doenças que
não são pruriginosas (p. ex., endocrinopatias) tornamse pruriginosas quando o paciente desenvolve infecção secundária por bactérias ou leveduras.
DIAGNÓSTICO: Devemse realizar anamnese dermatológica e exame físico completos. As causas parasitárias de prurido, como Demodex, pulgas e carrapatos, ácaros contagiosos e piolhos devem ser considerados, já que são mais comuns.
Raspados cutâneos podem ser decisivos para descartar ou não a presença de vários ácaros, inclusive Demodex. Entretanto, algumas infestações por ácaros (p. ex., Sarcoptes, Cheyletiella, Psoroptes e Chorioptes) podem não ser vistas no
raspado cutâneo. Se há suspeita de infestação por ácaros, devese tentar avaliar a resposta a ensaios terapêuticos. O medicamento mais comumente utilizado nesses casos é a ivermectina. Pulgas podem ser consideradas ou não com base no
histórico de controle de pulgas, na resposta desse controle ou na evidência de infestação de pulgas pelo exame de escovação. A prática de controle de pulgas também deverá excluir a infestação por piolhos.
O próximo grupo mais importante de doenças pruriginosas a serem descartadas é o das doenças infecciosas da pele. Estas incluem infecções bacterianas (principalmente infecções estafilocócicas, crescimento excessivo de Malassezia e
dermatofitose). Devese realizar cultura fúngica em qualquer gato que apresente prurido. A cultura fúngica também é bastante recomendada para cães recentemente adquiridos, qualquer animal com possível histórico de exposição e/ou
sinais clínicos compatíveis ou quando há histórico de humanos com doenças de pele. Infecções bacterianas ou por leveduras concomitantes são cada vez mais reconhecidas como causa comum de prurido em cães, gatos e grandes animais.
A piodermite bacteriana é subdiagnosticada em gatos e para descartála ou não, pode ser necessária avaliação da resposta ao ensaio terapêutico.
As causas infecciosas de prurido comumente induzem sinais clínicos de queda de pelos, descamação, descamações permeando os pelos, odor e/ou seborreia oleosa. Prurido podal e facial acentuado é comum em animais com infecções
concomitantes por bacterianas e leveduras. Antes de afirmar que a causa do prurido é alérgica ou realizar biopsias cutâneas ou outros testes diagnósticos mais caros e/ou invasivos, devemse descartar infecções bacterianas ou
leveduriformes intercorrentes. Deve ser prescrita terapia de 21 a 30 dias com um antibiótico efetivo contra Staphylococcus spp (p. ex., 30 mg de cefalexina/kg VO, 2 vezes/dia) e um antifúngico sistêmico (p. ex., cetoconazol, itraconazol ou
fluconazol 5 a 10 mg/kg VO, 1 vez/dia). Se o prurido regredir, sua causa era infecção microbiana.
É possível que o ponto de partida inicial esteja muito longe ou seja sazonal. Entretanto, se o prurido do animal não se alterar ou apresentar apenas pequena melhora, é mais provável que a causa primária seja alérgica (assumindo que as
causas parasitárias tenham sido descartadas). As causas mais comuns de prurido alérgico são: hipersensibilidade por picada de inseto (p. ex., alergia à pulga, alergia à picada de mosquito, picada de moscas), alergia alimentar e atopia. A
dermatite alérgica a pulga e a hipersensibilidade à picada de inseto são descartadas com base na resposta ao controle do inseto. Animais que não tenham hipersensibilidade à picada de inseto, mas apresentem prurido sazonal, provavelmente
possuem dermatite atópica. Os animais que apresentam prurido alérgico o ano inteiro podem ter atopia e/ou alergia alimentar. Alergia alimentar é descartada com base na resposta a ensaio dietético e desafio provocativo. O diagnóstico de
dermatite atópica é clínico; testes cutâneos intradérmicos e alérgicos in vitro mostram apenas um padrão de exposição antigênica. Esses testes são utilizados para determinar o conteúdo da vacina na imunoterapia.
TRATAMENTO: O sucesso da terapia depende da identificação da causa primária. Pacientes com prurido idiopático ou aqueles em que o tratamento da causa primária não elimina o prurido (p. ex., pacientes atópicos) necessitarão de
tratamento medicamentoso do prurido.
Antihistamínicos: A eficácia dos anti–histamínicos no tratamento do prurido é tem como base relatos de casos baseados em evidência. Os mais comumente utilizados são cloridrato de hidroxizina (2,2 mg/kg VO, 3 vezes/dia), difenidramina
(2,2 mg/kg VO, 2 vezes/dia), cloridrato de amitriptilina (2,2 mg/kg VO, 2 vezes/dia), cetirizina (5 mg/gato ou 5 a 10 mg/cão, 1 ou 2 vezes/dia) e fexofenadina (2 a 3 mg/kg VO, 1 ou 2 vezes/dia). O ensaio terapêutico de 7 a 10 dias com
qualquer anti–histamínico deve ser realizado para se observar o benefício máximo.
Ácidos Graxos Essenciais: Ácidos graxos essenciais raramente são efetivos quando utilizados como agentes antipruriginosos únicos; entretanto têm ação sinérgica com anti–histamínicos e/ou glicocorticoides. Eles podem aumentar a eficácia dos
antihistamínicos ou diminuir a dose do glicocorticoide. A dose exata não é conhecida, mas a recomendação atual é de 180 mg do ácido eicosapentaenoico/5 kg VO, 1 ou 2 vezes/dia.
Glicocorticoides: São os medicamentos mais efetivos no controle de prurido. Entretanto, não podem ser seguramente utilizados por muito tempo devido seus efeitos adversos (ex. supressão da função da adrenal, risco de desenvolvimento de
diabetes melito e risco de infecções secundárias do trato urinário). Além disso, proprietários raramente toleram seus outros efeitos (polidipsia, poliúria, polifagia e respiração ofegante) por longo tempo. Iniciase com doses anti
inflamatórias de 0,5 a 1 mg/kg VO, 1 vez/dia, por 5 a 10 dias e, depois, em dias alternados. Formulações tópicas de acetato de triancinolona, em spray, são muito efetivas e boas alternativas aos esteroides orais.
Outros Agentes Antipruriginosos Sistêmicos: Outros antipruriginosos eficazes são: ciclosporina (5 mg/kg, VO, 1 vez/dia), pentoxifilina (10 a 25 mg/kg VO, 2 a 3 vezes/dia) e misoprostol (3 a 6 μg/kg VO, 3 vezes/dia). Destes, a ciclosporina A
modificada é a mais eficaz e é utilizada para o tratamento de alergias em cães. Também foi utilizada no tratamento de muitos gatos, com sucesso, porém não é aprovada pela FDA nesta espécie. Geralmente é administrada uma ou mais
vezes/dia, até que os sintomas alérgicos sejam controlados, após, a dose pode ser reduzida. A melhora é evidente em aproximadamente 2 semanas e por 4 a 6 semanas para o efeito máximo. Os efeitos adversos mais comuns são náuseas,
anorexia, vômito, fezes amolecidas e diarreia. Estes frequentemente resolvemse após várias semanas.
PRINCÍPIOS DA TERAPIA TÓPICA
Ver p. 2620.
A terapia tópica é uma parte importante da dermatologia veterinária. Geralmente é benéfica na melhora da aparência cosmética ou do odor do animal, até o diagnóstico final. Pode ser benéfica como terapia adjuvante à terapia sistêmica.
Por fim, pode constituir o método de tratamento preferido no caso de algumas doenças, como as infestações por pulgas.
A seguir, há alguns parâmetros básicos que devem ser considerados ao prescrever terapia tópica: (1) o máximo de pelagem possível deve ser removido para o tratamento da doença de pele. As boas práticas de higiene podem ajudar
significativamente a encurtar o curso da doença. Além disso, facilitam a terapia tópica; (2) a cooperação do proprietário (e do animal) deve ser avaliada antes de prescrever qualquer terapia tópica; (3) os animais tendem a se limpar e retirar
os agentes tópicos e podem vomitar após a ingestão. O risco de toxicidade é uma constante preocupação para os clientes. As pomadas, os géis e os sprays locais são melhor utilizados com moderação, sob oclusão e para doenças específicas.
Tais medicamentos costumam doer agudamente quando aplicadas na pele, especialmente muitas das instiladas no interior das orelhas. Muitos agentes também podem emaranhar os pelos; (4) a água tépida é a temperatura de escolha para
banhar os animais; (5) o velho provérbio “se está molhado, seque e se está seco, molhe” apresenta certa verdade; no entanto, esse conselho não deve ser levado a extremos. As lesões exsudativas (p. ex., as áreas de dermatite piotraumática)
cicatrizarão mais rápido se forem mantidas limpas e cobertas com pomadas ou géis antibióticos; as recomendações anteriores sugeriam o uso de adstringentes agressivos. A pele seca e lignificada geralmente fica pruriginosa e o uso
criterioso de emolientes pode ser benéfico; (6) devese monitorar o animal de perto quanto ao possível desenvolvimento de dermatite de contato irritante ou alérgica, decorrente dos agentes tópicos. Muitos desses possuem bases ou
ingredientes bastante semelhantes e a mudança de um para outro pode apenas exacerbar o problema; (7) os proprietários devem receber instruções cuidadosas e completas sobre como administrar a terapia.
TERAPIA COM XAMPU: Os xampus são os tratamentos tópicos mais utilizados. Existem três classes amplas de xampus: de limpeza, antiparasitários e medicamentosos. Os xampus de limpeza removem a sujeira e o excesso de óleo do
pelame. São os xampus higiênicos caninos de administração livre, os xampus antipulgas e muitos produtos leves para seres humanos. Estes produtos espumam bem e devem ser enxaguados do pelame. Os xampus antiparasitários são os
“xampus antipulgas”. Na maioria dos casos, a quantidade de inseticida nesses produtos não é adequada para matar todas as pulgas em uma infestação grave. No entanto, são excelentes produtos de limpeza rotineira. Os xampus
medicamentosos incluem os produtos antimicrobianos e antisseborreicos. Os xampus antismicrobianos mais empregados contêm clorexidina ou peróxido de benzoíla. Xampus de miconazol e cetoconazol são normalmente utilizados como
terapia adjuvante para o tratamento de infecções por Malassezia, mas não para dermatofitose. Há poucas evidências que sugerem que o uso desses produtos diminui o curso da infecção por dermatófitos. Os xampus antisseborreicos contêm
combinação de alcatrão, enxofre e ácido salicílico – ingredientes ceratoplásticos e ceratolíticos. O alcatrão é recomendado para seborreia oleosa e o enxofre e o ácido salicílico para o caso de seborreia descamativa. A maioria dos animais se
beneficia de produtos contendo os três agentes; entretanto os produtos de alcatrão são contraindicados para gatos.
Quando um xampu medicamentoso é utilizado, o animal deve ser lavado com um xampu de limpeza antes do medicamentoso e enxaguado bem. Xampus medicamentosos frequentemente não são bons agentes de limpeza, não espumam
bem ou não têm boa ação na presença de restos celulares orgânicos. Esses xampus devem ser aplicados uniformemente sobre a pelagem depois de diluídos na água. Sua diluição facilita o enxágue do pelame e minimiza o potencial de
irritação e de dermatite alérgica de contato. Dependendo do xampu, a concentração desse para a água poderá variar entre 1:3 e 1:4. Se possível, o xampu medicamentoso deve ser deixado em contato com a pele por um período de 10 min,
depois, devese enxaguálo completamente do pelame. O resíduo desse constitui uma causa comum de reações irritantes. Por fim, devese utilizar o xampu medicamentoso, em geral, 2 a 3 vezes/semana, durante os estágios iniciais da
terapia.
O uso de terapia com xampus antimicrobianos é crescente, devido à preocupação com o desenvolvimento de infecções estafilocócicas resistentes à meticilina.
ANOMALIAS CONGÊNITAS E HEREDITÁRIAS DO SISTEMA TEGUMENTAR
As dermatoses congênitas podem ser genéticas ou surgirem durante a embriogênese, por causa de fatores não genéticos. As mutações genéticas que causam anomalias cutâneas podem estar presentes no nascimento ou tornaremse aparentes
após semanas a meses. Estas manifestações de início tardio são denominadas de defeitos de desenvolvimento tardio. Tanto as dermatoses congênitas como as de desenvolvimento tardio são razoavelmente comuns em animais domésticos de
todas as espécies, com o maior número de defeitos bem definidos, descritos em bovinos e cães.
ALOPECIA HEREDITÁRIA E HIPOTRICOSE
Alopecia é a ausência de pelos; a hipotricose, muito mais comum, corresponde à presença de pelos em quantidade menor que a normal. Embora esses defeitos possam ser generalizados, eles se desenvolvem comumente em padrões que
poupam as extremidades ou se correlacionam com a coloração do pelame. Tais defeitos ectodérmicos podem ser congênitos ou tardios e podem se associar com anexos anormais ou ausentes, defeitos em outras estruturas ectodérmicas (tais
como dentes, unhas e olhos) e outros defeitos do desenvolvimento ou esqueléticos. Há vários modos de herança em casos nos quais se estudou a ocorrência familiar. Displasia ectodérmica ligada ao cromossomo X foi recentemente relatada
em cães Pastor Alemão. As raças caninas sem pelos (p. ex., Pelado Mexicano, Cão Cristado Chinês e American Hairless Terrier) e felinas (Sphinx) são criadas por causa desses defeitos ectodérmicos. Descrevemse muitos casos esporádicos
de defeitos ectodérmicos nos cães, mais frequentemente nos machos. Muitos cães afetados, inclusive a maioria das raças alopécicas, apresentam hipotricose macular ou padronizada, bem como anomalias dentárias associadas. Todos os
animais com desenvolvimento folicular anormal ficam propensos à formação de comedões, infecções do folículo piloso e granulomas pilosos por corpo estranho.
Pelo menos 13 tipos de hipotricose já foram descritos em bovinos, acometendo as raças Angus, Ayrshire, Brangus, Holstein–Friesian, Hereford, Hereford Mocho, Guernsei. Gelbvieh e Jérsei e nos mestiços de NormandoMaine, Anjou
Charolês e cruzas de Simmental. A maior parte deles apresenta modos de herança recessiva autossômica ou ligada ao sexo. Os defeitos associados incluem falha no desenvolvimento dos chifres, hipoplasia hipofisária, macroglossia,
anomalias dentárias, coloração de pelame anormal e morte (hipotricose letal). Hipotricose viável, hipotricose com anodontia, semialopecia, alopecia riscada, displasia dos folículos pilosos pretos (Holstein) e hipotricose relacionada com a
mestiçagem (cauda de rato) são tipos específicos descritos nos bovinos.
Nos ovinos, a hipotricose é raramente descrita, com a síndrome mais conhecida acometendo a raça Dorset mocha. Esta síndrome envolve com maior gravidade os pelos faciais, mas a lã também fica com má qualidade. Nos caprinos, a
hipotricose se associa com bócio congênito. Nos suínos, conhecemse 2 formas de hipotricose (nas raças pelado mexicano e alemão), com uma delas se associando com bócio e morte no indivíduo homozigoto.
Nos cães, há várias displasias foliculares tardias, inclusive alopecia por diluição da cor. Esta afecção é notada em alguns cães que possuem o genótipo de coloração de pelame dd, que converte os genótipos pretos em azuis e os genótipos
cor de fígado em bege ou castanhoclaro. Esta síndrome é mais bem conhecida na raça Doberman pinscher, mas também é comumente observada a diluição de cor nos cães das raças Dachshund, Greyhound Italiano, Greyhound, Whippet e
Yorkshire Terrier e cães de caça com pelagens tricolor e também foi descrita em um pastor alemão. Recentemente, “Labrador Retriever prateados” com alopecia por diluição da cor foram relatados. Os cães afetados nascem com pelames
normais, mas antes de 1 ano de idade começam a desenvolver foliculite e hipotricose progressiva e restrita às áreas azuis ou castanhoclaras. A displasia dos folículos pilosos pretos, uma hipotricose semelhante, mas de desenvolvimento
mais precoce e mais completo, é vista nos cães malhados de branco e preto. A hipotricose se desenvolve imediatamente após o nascimento e acomete somente as áreas de coloração preta. Esta síndrome é mais conhecida nos cães das raças
Papillon e Border Collie. Análises genéticas recentes em grande Munsterlanders indicam uma herança recessiva autossômica na raça. Também se descreve uma displasia folicular semelhante em raças não malhadas. Os outros tipos de
displasia folicular de etiologia incerta são a alopecia sazonal do flanco dos cães das raças Boxer e Airedale Terrier e várias síndromes lanosas e a alopecia póstosa nos cães Spitz. Hipotricose familiar na raça Irish Water Spaniel ocorre em
animais de 2 a 4 anos de idade, e sugerese modo de herança dominante. A condição anteriormente conhecida como alopecia responsiva ao hormônio de crescimento em pomerânios e outras raças é agora conhecido como alopecia X,
refletindo a complexidade de fatores, a hereditariedade e, de outra maneira, influenciando estas síndromes.
Nos gatos, há displasia folicular na raça Devon Rex. Nos equinos, descrevemse, ocasionalmente, alopecia por diluição de cor e displasia dos folículos pilosos pretos, especialmente na raça Appaloosa. Hipotricose progressiva congênita
foi descrita em Percheron azul. As anormalidades estruturais nas hastes pilosas dos cães e dos gatos incluem pelos tortos (raça felina pelodearame americano), tricorrexe nodosa e espiculose (raça canina Kerry Blue terrier).
ANOMALIAS CONGÊNITAS CUTÂNEAS
Epiteliogênese imperfeita (aplasia cutânea) é uma descontinuidade congênita do epitélio escamoso. Acomete bovinos (característica autossômica recessiva), equinos, suínos, ovinos, gatos e cães, sendo rara nas últimas 3 espécies. Nos
bovinos, as raças afetadas são: HolsteinFriesian, Hereford, Ayrshire, Jersey, Shorthorn, Angus, Dutch Black Pied, Swedish Red Pied e German Yellow Pied. É comum em suínos, nos quais grandes lesões são evidentes ao nascimento, como
descontinuidades bem delimitadas, vermelhas e brilhantes na pele ou nas membranas mucosas. Infecção e ulceração são as consequências iniciais. Um ou mais cascos ou garras podem estar deformados ou ausentes; em alguns animais
afetados, ocorrem outras anomalias congênitas associadas. A afecção é fatal quando extensa, mas os pequenos defeitos podem ser corrigidos cirurgicamente. A avaliação ultraestrutural desta condição em potros American Saddlebred
demonstrou relação com a epidermólise bolhosa juncional (p. 902).
Hipoplasia cutânea focal e hipoplasia subcutânea são defeitos hipoplásicos congênitos, circunscritos, de múltiplas ou das camadas cutâneas mais profundas nos suínos. As lesões se manifestam como depressões cutâneas nas quais
todas as camadas cutâneas ou as camadas gordurosas subcutâneas não se desenvolvem normalmente.
Nevo é um defeito de desenvolvimento cutâneo circunscrito, enquanto um hamartoma é uma massa hiperplásica formada como resultado de um defeito de desenvolvimento em qualquer órgão. Tanto os nevos quanto os hamartomas são
descritos como defeitos cutâneos congênitos, mas podem não ser óbvios no início da vida. Nos cães, é conhecida a ocorrência de nevos sebáceos, nevos epidérmicos pigmentados, nevos epidérmicos verrucosos lineares inflamatórios, nevos
comedônicos, nevos organoides lineares e hamartomas foliculares. Em equinos, há relatos de queratose de metatarso e nevo epidérmico linear. Indubitavelmente, ocorrem defeitos semelhantes em todas as espécies. Os nevos mistos ou
organoides consistem em coleções circunscritas de estruturas anexas densamente cheias (nevos pilossebáceos e pilossebáceosudoríferos). Os nevos colagenosos são nódulos compostos de hiperplasia colagenosa focal, que deslocam as
estruturas cutâneas normais. A maioria das lesões é alopécica, com superfícies irregulares e pigmentadas. Quando não são extensos, podem ser excisados; por outro lado, não existe nenhum outro tratamento efetivo conhecido.
Seios ou cistos dermoides surgem em equinos Puro Sangue Inglês e nos cães da raça Rhodesian Ridgeback (nos quais são hereditários) e, ocasionalmente, em outras raças caninas. Tratamse de estruturas císticas revestidas de pele e em
cujo interior se acumulam pele descamada, pelos e resíduos glandulares. São causados por falha na separação completa do tubo neural da epiderme, durante a embriogênese; ocorrem na linha média dorsal e raramente se associam com
déficits neurológicos da medula espinal. Podem ser removidos por excisão cirúrgica.
Cistos foliculares se desenvolvem por uma morfogênese folicular pilosa anormal e pela retenção de produtos foliculares ou glandulares. Eles podem ser congênitos, quando causados por falha no desenvolvimento normal do orifício
folicular. Os cistos congênitos são mais comumente identificados nos ovinos das raças Merino e Suffolk. Os cistos periauriculares (dentígeros) ocorrem nos equinos e, embora já se encontrem presentes no nascimento, podem não ser
reconhecidos até a idade adulta. Os cistos de barbela surgem nos caprinos da raça Núbia a partir da fenda brônquico. Os cistos de barbela suínos ocorrem, com razoável frequência, em todas as raças. São crescimentos semelhantes a
mamilos no maxilar inferior.
ANOMALIAS PIGMENTARES
Há vários relatos de associação entre a coloração da pele e do pelame e anormalidades do desenvolvimento nos animais domésticos. Algumas associações com hipotricose são discutidas no item sobre alopecia hereditária (p. 899).
Albinismo parece ser raro nos animais domésticos. O albinismo verdadeiro está sempre associado às íris róseas ou pálidas e com defeitos visuais e aumento no risco de neoplasias cutâneas induzidas por radiação solar. Ele é notado nos
ovinos islandeses e nos bovinos das raças Guernsey, Murboden Austríaco, Shorthorn, Suíço Marrom e Charolês. O albinismo deve ser diferenciado das manchas brancas extremas ou do piebaldismo ou do pelo branco dominante. Alguns
animais com piebaldismo extremo ou branco dominante apresentam associação com anomalias neurológicas, surdez ou morte intrauterina. A síndrome letal dos potros brancos é uma afecção que resulta do cruzamento de 2 equinos da
PaintHorse, padrão Overo. Tanto nos cães quanto nos gatos de pelos brancos dominantes ou piebaldismo extremo pode haver associação com surdez uni ou bilateral e às vezes, com íris azuis ou heterocromia de íris. Os gatos brancos com
olhos azuis bilaterais têm uma chance de 75% de surdez. Nos cães, a surdez pode estar associada a pelagens da coloração merle, notada nos cães das raças Dálmata, Sealyham Terrier, Dogue Alemão arlequim, Collie e Bull Terrier branco.
Podese encontrar uma neutropenia cíclica (p. 31) nos cães da raça Collie cinza ou merlepálido. Nos cães da raça Rhodesian Ridgeback, uma coloração de pelame clara se vincula com uma degeneração cerebelar. Na síndrome de Chédiak
Higashi (p. 27) dos gatos e dos bovinos (Hereford, Preto Japonês e Brangus), diluição na coloração do pelame (coloração azulfumaça nos gatos) se associa com anormalidades neutrofílicas e plaquetárias e diminuição da expectativa de
vida. Isso é herdado como uma característica autossômica recessiva. Os gatos tricolores machos (de pelagens cálico e casco de tartaruga) são estéreis, pois o gene da coloração laranja é ligado ao cromossomo X e recessivo e os machos
apresentam o genótipo XXY anormal.
As anormalidades pigmentares podem ser adquiridas e algumas delas podem ser hereditárias ou familiares, como o vitiligo. Como uma doença familiar, o vitiligo é mais reconhecido nos equinos da raça árabe (síndrome do desbotamento
dos equinos da raça árabe ou síndrome rósea); ele também pode ser familiar nos bovinos (da raça Holstein–Friesian) e nos gatos siameses e em algumas raças caninas (Tervuren Belga e Rottweiler). Os animais afetados desenvolvem uma
despigmentação macular cutânea um pouco simétrica que, ocasionalmente, também acomete o pelame, as unhas ou os cascos. O início ocorre em adultos jovens. A maioria das lesões aparece na face, especialmente no focinho ou no plano
nasal ou ainda, ao redor dos olhos. A despigmentação pode ser intermitente. Pode haver remissão completa, mas é rara. Não há nenhuma doença sistêmica ou cutânea associada. Não se encontra disponível nenhum tratamento; os
tratamentos destinados a pessoas com vitiligo não proporcionam resultados cosméticos significativos nos animais.
Lentigem dos gatos machos laranja ou de face laranja é marcada pelo desenvolvimento de máculas pigmentadas e assintomáticas. As lesões são observadas primeiramente nos lábios e nas pálpebras, em animais com < 1 ano de idade.
Outros locais acometidos são o plano nasal e a gengiva. As lentigens não são précancerígenas e não possuem consequência clínica.
Aurotriquia adquirida dos cães Schnauzer miniatura constitui uma síndrome familiar, na qual os pelos ao longo da linha média dorsal mudam para dourado, a partir do preto ou cinza normais desta raça. O início ocorre geralmente no
início da idade adulta. A alteração podese associar com um adelgaçamento no pelame, mas com nenhum outro sinal cutâneo ou sistêmico. Na maioria dos cães, a coloração do pelame reverte para o normal dentro de 1 a 2 anos.
DEFEITOS NA INTEGRIDADE ESTRUTURAL
Esta categoria inclui defeitos genéticos nos elementos estruturais responsáveis pela integridade da epiderme e da junção dermoepidérmica, bem como algumas anomalias estruturais dérmicas.
Astenia cutânea (dermatosparaxe ou síndrome de EhlersDanlos) corresponde a um grupo de síndromes caracterizado por defeitos na produção de colágeno. Isso resulta em vários sinais clínicos, como pele frágil, hiperextensível e frágil;
frouxidão articular e outras disfunções teciduais conjuntivas. Esses defeitos do colágeno já foram descritos nos bovinos (raças Belga Azul e Branco, Charolês, Hereford, HolsteinFriesian e Simmental), em um caprino, em ovinos (das raças
Dala Norueguês, Border Leicester–Southdown, Finnish Merino, Romney, Dorper branco), nos suínos (mestiços de Large WhiteEssex), equinos (da raça quartodemilha e dos mestiços de árabes), coelhos (da raça branco da Nova
Zelândia), gatos (das raças himalaia e pelo curto doméstico), visons e cães (uma ninhada de Garafiano Shepherds, esporadicamente em várias raças). O modo de herança já foi mostrado nos gatos das raças himalaia (recessivo) e pelo curto
doméstico (dominante).
As características clínicas são: pele frágil desde o momento do nascimento, ferimentos que curam com cicatrizes finas, retardo na cicatrização de ferimentos, pele pendular e formação de hematomas e higromas. Nos cordeiros, são
característicos ruptura no trato gastrintestinal e aneurismas arteriais e a doença é fatal nos cordeiros e nos bezerros. Nos equinos, o início é mais tardio e as lesões são bem circunscritas, consistindo em pele hiperextensível e um pouco frágil.
Nos cães e gatos, a doença não é fatal e os animais idosos desenvolvem dobras de pele penduradas e exibem uma forma extensa de cicatriz; alguns apresentam frouxidão articular e outros, anomalias oculares.
O diagnóstico baseiase nos sinais clínicos e nos estudos histopatológicos da estrutura do colágeno, que requer amostras de controle das idades e das raças compatíveis. Para diagnóstico nos gatos e nos cães, desenvolveu–se um índice de
extensibilidade cutânea. Há relatos anedóticos da melhora dos cães afetados com suplementação de vitamina C. Nos gatos adultos, o principal diagnóstico diferencial é o hiperadrenocorticismo felino com fragilidade cutânea adquirida.
As síndromes de epidermólise bolhosa constituem um grupo de doenças congênitas e hereditárias que resultam de defeitos nas estruturas de fixação dermoepidérmicas. Estas doenças são conhecidas como doenças mecanobolhosas, pois
um pequeno traumatismo cutâneo resulta em separação dermoepidérmica com formação de bolhas flácidas que logo se rompem, deixando erosões niveladas e brilhantes. As síndromes são classificadas de acordo com a
localização ultraestrutural do defeito dermoepidérmico: simples, na camada de células basais epidérmicas; juncional, na membrana basal; e distrófica, abaixo da membrana basal nas fibrilas ancoradas na subepiderme. Em grandes animais,
as lesões ocorrem mais comumente em gengiva, palato, lábios, língua e patas. Algumas formas de epidermólise bolhosa formam cicatrizes e a maior parte delas é fatal. Nos grandes animais, as síndromes de epidermólise bolhosa são
conhecidas em bezerros (das raças Simmental e Brangus), búfalos domésticos, cordeiros (das raças Suffolk, South Dorset Down, Blackface Escocês, Weisses Alpenschaf e Montanhês Galês) e potros da raça belga. Todas as 3 formas da
epidermólise bolhosa são bem caracterizadas em cães e gatos: a simples é descrita em cães Collie e pastor de Shetland; a juncional já foi descrita em um cão da raça Poodle toy, nos cães da raça German Shorthair Pointer, nos cães mestiços
e nos gatos Siameses e já foi identificada, por tentativa, na raça canina Beauceron. Epidermiólise bolhosa distrófica já foi descrita em gato de pelo curto doméstico, em Persa, além de Golden Retrievers e Akitas. As lesões podem estar
presentes no nascimento ou se desenvolver dentro das primeiras semanas de vida. As lesões mais graves ocorrem nas patas, com descolamento de cascos, unhas ou coxins podais, na membrana mucosa oral e na pele facial e perigenital
(erosões). Exceto pela epidermólise bolhosa simples, estas doenças são fatais.
Pênfigo crônico familiar benigno canino é um distúrbio mecanobolhoso causado por um defeito na aderência intercelular na epiderme. Esse distúrbio já foi descrito em uma família de cães da raça Setter inglês. Ele se desenvolve em
poucas semanas após o nascimento e causa lesões alopécicas formadoras de crostas nos pontos de pressão da pele, que aumentam de volume, lentamente, à medida que os filhotes crescem. A doença é benigna e ainda não se descreveu
nenhum tratamento. Acantólise familiar, descrita em bezerros da raça angus da Nova Zelândia, é uma síndrome semelhante. Esta síndrome fatal é descrita como uma característica autossômica recessiva. Os bezerros afetados desenvolvem
erosões, com colaretes e crostas, em áreas sujeitas aos traumatismos. Alguns bezerros exibem uma separação parcial dos cascos. O diagnóstico, tanto nos filhotes de cães como nos bezerros, é estabelecido por biopsia cutânea das lesões
recém–formadas.
Mucinose cutânea é provavelmente um problema familiar observado em algumas linhagens de cães da raça Sharpeis chineses. Os Sharpeis normais apresentam mais mucina cutânea que os outros cães, mas em alguns cães jovens, a
formação de mucina cutânea na derme é tão excessiva que a pele exibe acentuada formação de pregas e de vesículas mucinosas. O diagnóstico é feito por meio de punção cutânea das vesículas e observação dos fios de muco originários
destas, que possuem a mesma aparência do fluido articular normal ou, alternativamente, por biopsia cutânea. A síndrome é parcialmente responsiva a corticosteroides, mas esse tratamento é contraindicado, devido à idade jovem dos cães
afetados. À medida que os cães tornamse adultos, a gravidade da síndrome pode diminuir, mas ela pode ser exagerada com o desenvolvimento de dermatopatia alérgica, comum na raça. O principal diagnóstico diferencial é o
hipotireoidismo.
MANIFESTAÇÕES CUTÂNEAS DE DEFEITOS MULTISSISTÊMICOS E METABÓLICOS
Síndrome do bezerro alopécico em fêmeas da raça Holstein, como o nome implica, se associa com hipotricose. Esta característica autossômica recessiva é letal para os fetos machos. Os bezerros comprometidos parecem normais no
nascimento, mas começam a perder a força e placas de pelos 1 a 2 meses mais tarde. A pele, então, fica espetada e enrugada e as pontas das orelhas podem se enrolar. Os bezerros salivam abundantemente e emagrecem e as fêmeas morrem
com 6 a 8 meses de idade. Desconhecese o defeito metabólico subjacente. Uma síndrome de aparência similar, conhecida como anemia congênita, disqueratose e alopecia progressiva, é descrita em bezerros da raça Hereford mocho de
qualquer sexo. Apresentam anemia e tamanho pequeno ao nascimento e tornase progressivamente mais grave. Alopecia, pelos enrolados anormais e hiperqueratose ao redor do focinho e das margens auriculares, tornandose mais extensos
à medida que os bezerros amadurecem. Depois, a pele se enruga acentuadamente e desenvolvem anormalidades neurológicas. Os bezerros apresentam diarreia e morrem antes dos 6 meses de idade.
Vasculopatia familiar foi descrita em cães das raças Pastor Alemão e Parson Russell Terrier. Nesses cães, as lesões cutâneas se desenvolvem logo após a primeira vacinação do filhote e se exacerbam após as subsequentes vacinações. Os
principais sinais cutâneos são inchaço e despigmentação nos coxins plantares, que podem progredir para ulceração; afetam, tipicamente, todos os coxins podais. Também são características a formação de crostas e ulceração nas pontas das
orelhas e da cauda e a despigmentação no plano nasal. À medida que o cão tornase adulto, a doença pode se resolver, mas as lesões nos coxins podem ser tão graves que justifiquem a eutanásia. Nenhum tratamento conhecido é
uniformemente efetivo, embora alguns cães pareçam responder a altas doses de corticosteroides. Uma forma grave de vasculite neutrofílica recentemente descrita em Sharpeis jovens pode ser de origem familiar.
Dermatomiosite familiar é uma doença inflamatória idiopática da pele e dos músculos dos cães jovens das raças Collie e Shetland Sheepdog. O modo de herança é descrito como autossômico dominante nos Collies, mas há algumas
evidências de um agente infeccioso não identificado na patogênese. Uma vasculopatia se associa com os estágios inflamatórios iniciais da doença na pele e na musculatura e em ambos os tecidos, a sequela final é atrofia. O início ocorre,
tipicamente, < 6 meses de idade, embora já se tenha registrado um episódio na idade adulta. A progressão das lesões é variável, podendose acometer os filhotes de cães individualmente dentro de uma ninhada, nas formas brandas a graves.
As lesões cutâneas aparecem em áreas de maior traumatismo e são observadas na face, nas pontas das orelhas, na ponta da cauda e nas superfícies laterais das extremidades. As lesões cutâneas, que consistem em erosões, formações de
crostas e alopecias, exacerbamse com o calor e a exposição solar. Os músculos atingidos com maior gravidade são da cabeça e das extremidades. O diagnóstico é estabelecido pela avaliação dos companheiros de ninhada e da história
familiar, por biopsia cutânea, eletromiografia e biopsia muscular, que deve ser realizada no início do curso da doença. Há relatos de melhora com altas doses de corticosteroides, vitamina E e ácidos graxos ômega3, mas os cães gravemente
afetados respondem pouco ao tratamento. Pentoxifilina (10 mg/kg, VO, 2 vezes/semana) foi benéfica em muitos cães.
Dermatose lupoide hereditária dos cães da raça pointer de pelo curto alemão é observada, pela primeira vez, quando o cão tem aproximadamente 6 meses de idade. Inicia com descamação e formação de crostas na cabeça e no dorso e
progride rapidamente para uma descamação generalizada, com eritema. A dermatopatia parece ser dolorosa ou pruriginosa. Os cães doentes ficam piréticos e desenvolvem linfadenopatia. Alguns deles desenvolvem uma enteropatia pouco
caracterizada; a maioria perde condição corporal. Como o nome indica, as amostras por biopsia cutânea revelam as particularidades de uma dermatite semelhante ao lúpus. A doença é progressiva e, por fim, fatal. Ainda não há relato de
tratamento efetivo.
Síndromes de deficiência de zinco hereditárias são mais conhecidas nos bovinos e já foram descritas nos cães. Nos bovinos, estas síndromes incluem paraqueratose hereditária, característica letal A46, doença edematosa e hipoplasia
tímica hereditária. As raças afetadas são Friesian, Shorthorn, Angus e Malhado preto. Estas síndromes tornamse aparentes dias a semanas após o nascimento e se caracterizam por hiperqueratose simétrica e preferencialmente acral;
formação de crostas e definhamento; suscetibilidade a infecções e morte precoce. Os bezerros exibem conjuntivite, ptialismo, rinite, diarreia e frequentemente morrem por pneumonia. Na maioria das raças bovinas, a característica parece
ser autossômica recessiva e associarse à má absorção intestinal de zinco dietético, que é mais ou menos responsiva à suplementação dietética com zinco. Em algumas raças, o defeito na absorção é absoluto, exigindo uma administração
parenteral de zinco para atingir a remissão. Como tais manipulações raramente se tornam possíveis nos animais de produção de alimentos, estas características tornamse letais. O diagnóstico é estabelecido pela exclusão de dermatofilose
(p. 913) e biopsia cutânea (predominantemente uma paraqueratose), pela mensuração dos teores séricos de zinco e por achados de necropsia que incluem hipoplasias de timo e linfonodos.
Nos cães, há relatos de duas síndromes de deficiência de zinco familiar. Em Bull Terriers brancos, a acrodermatite letal se caracteriza por retardo no crescimento, dermatite hiperqueratótica acral e progressiva e dermatite pustular ao
redor das junções mucocutâneas. Esses sinais ficam aparentes com 10 semanas de idade e são posteriormente acompanhados de diarreia, pneumonia e morte antes dos 2 anos de idade. Nos cães idosos, hiperqueratose nos coxins podais e
paroníquia contribuem significativamente para a morbidade. Podese melhorar um pouco a gravidade da dermatopatia por meio do controle das infecções bacterianas e por Malassezia secundárias, podendose prolongar a vida dos cães com
tratamento clínico agressivo. Esses cães não respondem a uma terapia com zinco oral. A dermatopatia responsiva a zinco familiar, que se manifesta predominantemente por lesões cutâneas e é responsiva à suplementação oral com zinco,
é observada nos cães das raças Malamute do Alasca, Husky siberiano e Pointer de pelo curto alemão. Os sintomas surgem no desmame ou mais tarde e consistem em formação de crostas e hiperqueratose nas extremidades e nas junções
mucocutâneas. Frequentemente, as cadelas desenvolvem sinais associados a cio ou parto e lactação. As infecções secundárias por Malassezia são comuns. O diagnóstico é estabelecido por uma biopsia cutânea e resposta à suplementação
com zinco oral.
Tirosinemia já foi descrita em um filhote da raça Pastor Alemão. Foi comparada a um tipo de tirosinemia no homem e consequentemente, acreditase que seja hereditária. As manifestações clínicas englobam erosões e ulcerações nos
coxins podais e no nariz e lesões bolhosas e despigmentação cutânea, queda de unhas e lesões oculares. Ela deve ser diferenciada da vasculopatia familiar dos cães da raça pastor alemão, descrita anteriormente. No filhote, os teores séricos
de tirosina estavam 20 a 30 vezes acima dos níveis normais e as amostras urinárias continham concentrações altas semelhantes.
Porfiria é um defeito hereditário no metabolismo da hemoglobina e dos seus subprodutos. Nos bovinos, o acúmulo de porfirinas aberrantes na pele aumenta a sensibilidade aos raios UV (A porfiria também é descrita em gatos e suínos,
mas não resulta em fotossensibilização). Nos bovinos, há 2 tipos de porfirias hereditárias. A protoporfiria bovina é descrita nos bovinos mestiços de Limousin e é hereditária como uma característica autossômica recessiva. Os sintomas são
fotodermatite e fotofobia. Bezerros comprometidos podem morrer, mas os animais adultos podem ser afetados menos gravemente. A porfiria eritropoética bovina (p. 1098) é mais comum e mais grave. É descrita em várias raças (Shorthorn,
HolsteinFriesian e Hereford) como uma característica autossômica recessiva. Além da fotossensibilização grave, os sinais são manchas marromavermelhadas nos dentes, ossos e urina; anemia regenerativa e interrupção no crescimento. Os
dentes e a urina dos animais afetados exibem fluorescência alaranjada sob iluminação com lâmpada de Wood. A biopsia cutânea também é útil no diagnóstico.
Deficiência na aderência leucocitária (p. 31) nos bovinos da raça Holstein é uma doença hereditária (autossômica recessiva) com muitas manifestações. É fatal antes da idade adulta. Nos bezerros, observamse frequentemente lesões
cutâneas de dermatite e vasculite. A doença pode ser diagnosticada por métodos moleculares, como reação em cadeia de polimerase (PCR) de um tecido fresco ou fixado, propiciando a identificação dos bovinos afetados, portadores e
normais.
NEOPLASIAS CONGÊNITAS E HEREDITÁRIAS E HAMARTOMAS MÚLTIPLOS
Neoplasias congênitas são comuns em grandes animais. Mastocitose, melanocitose, linfossarcomas cutâneos e hamartomas vasculares são notados em bezerros. Melanocitomas podem também surgir logo após o nascimento dos
bezerros, como doença hereditária. Esses são considerados benignos.
Melanomas são observados em suínos das raças DurocJersey e Sinclair miniatura, como característica familiar. Estes tumores podem sofrer remissão espontânea ou se comportar como tumores malignos. Hamartomas vasculares
e fibropapilomatose congênita também foram descritos em leitões e são doenças semelhantes.
Tumores congênitos são raros em cães e gatos. Um cão com um nevo pigmentado congênito gigante teve melanoma maligno que desenvolveuse no interior da lesão. Em gatos, mastocitose benigna familiar é descrita em jovens siameses.
Observase síndrome de nevos colagenosos múltiplos em algumas famílias de cães da raça pastor alemão e denominada dermatofibrose nodular. Os cães acometidos são adultos. Podem apresentar dúzias destas lesões cutâneas e as
lesões nas patas frequentemente ulceram ou causam deformidades podais e claudicação. Tal síndrome é um marcador cutâneo quanto à ocorrência de cistadenocarcinoma renal e liomioma uterino. A colagenose dérmica progressiva é uma
doença semelhante dos suínos miniatura machos póspúberes. Pode ser hereditária e caracterizase por placas firmes e simétricas no tronco, consistindo de feixes espessos de colágeno que substituem a derme e o panículo normais. A
conexão com malignidade interna não foi relatada.
Urticária pigmentosa é causada por hiperplasia dos mastócitos e foi descrita em gatos. Os gatos afetados apresentam erupção papular, crostosa, com máculas coalescentes na cabeça, pescoço e membros. O diagnóstico é realizado por
biopsia cutânea. Há evidências de histórico familiar.
SÍNDROMES HIPERPLÁSICAS E SEBORREICAS
Há muitas anomalias que afetam a queratinização; algumas se associam com hipotricoses hereditárias (ver anteriormente), enquanto outras se vinculam a desarranjos metabólicos sistêmicos. As anomalias às quais ainda não se fez nenhuma
destas associações constituem um grupo diverso de síndromes que podem implicar partes localizadas do epitélio ou podem ser generalizadas. Entre as últimas afecções, incluemse síndromes congênitas ou seborreicas familiares pouco
caracterizadas, entre elas a mais conhecida é a seborreia oleosa idiopática dos cães de raças Spaniels e dos gatos da raça Persa. Paraqueratose folicular congênita hereditária é uma síndrome recentemente reconhecida nas fêmeas de
rottweilers e huskies siberianos. É um grave defeito de queratinização associado a várias anormalidades não cutâneas.
Ictioses cutâneas se caracterizam por uma proliferação epitelial anormal e hipertrófica, com extenso acúmulo de escamas e hiperqueratose na superfície cutânea. Os casos são descritos predominantemente nos bovinos e nos cães, mas
também se conhecem exemplos de galinhas e vários modelos de camundongos e há relato em uma lhama. Nos bovinos, a gravidade varia; algumas formas são letais e ocorrem imediatamente após o nascimento. As raças bovinas
comprometidas são mocho vermelho, Friesian, Holstein, suíço marrom, Pinzgauer e Chianina.
As dermatoses ictiosiformes caninas também são heterogêneas e ocorrem esporadicamente em várias raças: Doberman Pinschers, Rottweiler, Setter Irlandês, Collie, Springer Spaniel Inglês, Cavalier King Charles Spaniel, Golden
Retriever, Labrador Retriever e Terriers (inclusive Parson Russell Terrier). Há algumas evidências de padrão de herança familiar no Parson Russell Terrier e Golden Retriever. Nos cães, o corpo fica recoberto de grandes descamações
aderentes, que podem descamar em lâminas grandes. O plano nasal e os coxins digitais costumam ficar bastante espetados em algumas formas e os últimos geralmente se associam com um desconforto aparente. O tratamento clínico é
difícil, mas os sinais podem melhorar com xampus ou soluções ceratinolíticos (como, dissulfetos de selênio, ácido láctico e peróxido de benzoíla) e com umectantes (p. ex., ácido láctico, ureia, propilenoglicol e preparações de ácidos graxos
essenciais). O uso experimental de retinoides sintéticos tem sido útil. Exigese, frequentemente, controle da piodermite secundária.
Dermatose psoriasiformeliquenoide acomete os cães jovens da raça Springer Spaniel Inglês e presumese que tenha origem genética. As lesões eritematosas e simétricas, as quais consistem de pápulas e placas nos pavilhões
auriculares e na região inguinal, ficam cobertas de escamas, tornandose crescentemente hiperqueratóticas, se não forem tratadas. Em alguns cães afetados, as lesões podem eventualmente se espalhar e lembrar uma seborreia oleosa grave.
Registram–se remissões espontâneas e curso intermitente. Alguns cães respondem ao tratamento com antibióticos ou a retinoides sintéticos, mas a maior parte deles é refratária à terapia.
Ptiríase rósea dos suínos é uma doença familiar, da qual ainda não se conhece o modo de herança (ver p. 1048 para achados clínicos, diagnóstico e tratamento). Dermatose vegetante dos suínos da raça Landrace é um distúrbio
hereditário, possivelmente congênito, com herança autossômica recessiva. Nos estágios iniciais, deve ser diferenciada da ptiríase rosa. Tratase de uma doença mais grave, que acomete tanto os cascos como a pele. As lesões começam como
máculas e pápulas e são escamosas, como na ptiríase rosa. Depois ficam cobertas de crostas pretoamarronzadas e se associam a coronites e deformidade do casco. Os leitões falham em se desenvolver e eventualmente, desenvolvem
pneumonia; a doença não é uniformemente fatal, mas os sobreviventes afetados ficam subdesenvolvidos. Não existe nenhum tratamento efetivo.
Hiperqueratose dos coxins plantares familiar é descrita nos cães das raças Irish Terrier e Dogue de Bordeaux. Todos os coxins de todas as patas ficam comprometidos desde filhotes, embora a doença não seja geralmente congênita.
Quando a hiperqueratose é grave, os calos, as fissuras e as infecções secundárias causam dor e claudicação. Não existe nenhuma outra lesão cutânea. O tratamento é sintomático, com imersão de ceratolíticos e emolientes e da tratamento da
piodermite bacteriana. Não há disponível nenhum relato do uso de retinoides sintéticos. Os principais diagnósticos diferenciais para hiperqueratose dos coxins plantares são síndrome hepatocutânea, distúrbios de queratinização e pênfigo.
Adenite sebácea granulomatosa é uma doença idiopática que destrói as glândulas sebáceas e em algumas raças caninas, associase com dermatose seborreica e alopécica grave. É hereditária nos cães da raça Poodle padrão e suspeitase
que seja familiar nos Akitas. Se manifesta primeiramente nos adultos jovens, mas são conhecidos portadores inaparentes dentre os cães da raça Poodle. A hiperqueratose acentuada precede o desenvolvimento das anormalidades no pelame,
que começam como perda da capacidade de enrolamento dos pelos normais e progridem para alopecia macular. Os cães da raça Akita tendem a apresentar mais seborreia oleosa e menos alopecia que em Poodle. A resposta ao tratamento é
inconsistente e incompleta. Os cães levemente afetados devem ser cuidados com xampus antiseborreicos e tratamento da piodermite, conforme necessário. Os cães gravemente atingidos se beneficiam do uso de tratamentos com
propilenoglicol ou óleo aquecido. Alguns cães respondem a uma suplementação oral com ácidos graxos ômega3, outros, aos retinoides sintéticos. Já se registraram casos de remissão espontânea. Recentemente, a ciclosporina A modificada
(5 mg/kg, VO, 1 vez/dia) foi eficaz no tratamento de muitos cães.
ALERGIA ALIMENTAR (Reações adversas ao alimento)
As reações adversas ao alimento compreendem as reações alérgicas denominadas alergias alimentares, bem como as reações não alérgicas denominadas intolerância alimentar. Em um nível prático, estes termos são frequentemente trocados,
uma vez que os processos imunológicos precisos da maioria das reações adversas ao alimento geralmente são desconhecidas. As etiologias mais prováveis envolvem as reações imunológicas dos tipos I, III e IV, porém isto é conjetural na
maioria dos casos em pequenos animais. Alergias alimentares são muito raras em herbívoros. Neste capítulo, o termo alergia alimentar será utilizado para todas as reações adversas ao alimento.
Notase alergia alimentar em cerca de 10% dos casos de dermatite atópica dos cães e é quase equivalente à DA nos gatos. O histórico de prurido não sazonal, com pouca variação na sua intensidade de uma estação para a outra, na maioria
dos casos. A maioria dos relatos não sugere predileção racial; no entanto, um relato indicou aumento no risco relativo nos cães das raças Labrador Retriever, West Highland White Terrier e Cocker Spaniel. Hipersensibilidade alimentar foi
relatada em Soft Coated Wheaten Terrier em associação com enteropatia e nefropatia com perda proteica. A idade de início é variável, sendo de 2 meses aos 14 anos de idade. Um relato indicou que a maioria das alergias alimentares
começa com < 12 meses de idade. Na alergia alimentar de aparecimento nos adultos, a maioria dos cães foi alimentada com o alergênio por mais de 2 anos.
A distribuição do prurido e das lesões varia acentuadamente entre os animais. Uma doença no canal auditivo, que se manifesta como prurido e infecção bacteriana secundária (geralmente por Staphylococcus intermedius,
Pseudomonas spp, Proteus spp ou Escherichia coli) ou por leveduras (Malassezia pachydermatis), é comum e pode constituir a única queixa. Os outros padrões observados incluem blefarite, prurido generalizado, seborreia generalizada,
erupção papular ou padrão de distribuição que pode mimetizar atopia (patas, face e ventre) ou da dermatite alérgica a pulgas (região lombossacral dorsal e membros pélvicos). As áreas de envolvimento mais comuns são orelhas, patas,
região inguinal, área axilar, regiões proximais anteriores dos membros torácicos, região periorbitária e focinho. O grau de prurido geralmente ser moderado a grave. A resposta a glicocorticosteroides varia de ruim a excelente.
Não existe outro teste diagnóstico seguro além da dieta de eliminação alimentar rigorosa. Os testes sorológicos e intradérmicos para alergênios alimentares se mostraram não confiáveis. A dieta de eliminação alimentar ideal deve ser
equilibrada e nutricionalmente completa e não deve conter nenhum ingrediente que tenha sido oferecido anteriormente ao animal. Muitas dietas contêm novas fontes de proteínas ou carboidratos (p. ex., carne de veado e arroz). No entanto,
o ensaio dietético pode falhar se algum ingrediente anteriormente oferecido estiver presente na dieta de eliminação e o animal poderá ser alérgico a este item. O pontochave em qualquer ensaio com dieta de eliminação alimentar é que só é
possível oferecer ingredientes alimentares novos. Outra opção é o uso de dietas com proteínas hidrolisadas para moléculas com peso molecular pequeno, que não são alergênicas.
A dieta experimental deve ser oferecida por até 3 meses. Havendo resolução acentuada ou completa no prurido e nos sinais clínicos durante o ensaio com dieta de eliminação, podese suspeitar de alergia alimentar. Para confirmar a
existência de alergia alimentar e que a melhora clínica não foi apenas coincidência, o animal deverá ser provocado com os ingredientes alimentares oferecidos anteriormente, devendo ocorrer recidiva dos sinais clínicos. O retorno dos sinais
clínicos depois de uma provocação geralmente se dá entre 1 h e 14 dias. Uma vez confirmada a alergia alimentar, devese reinstituir a dieta de eliminação até que os sinais clínicos se resolvam, o que leva < 14 dias. Nesse ponto, devemse
acrescentar os ingredientes individuais antes oferecidos na dieta de eliminação pelo período de até 14 dias. Se o prurido voltar, o ingrediente individual será considerado positivo na causa da alergia alimentar. Se o prurido não voltar, o
ingrediente individual não será considerado importante causador dos sinais clínicos.
O número de alergênios alimentares ofensores varia de 1 a 5 ingredientes. Os alergênios causadores frequentemente identificados na alergia alimentar canina são carne bovina, carne de frango, ovos, milho, trigo, soja e leite. Uma vez
identificados os alergênios ofensores, o controle da alergia alimentar deve ser feito por abstenção rigorosa desses alergênios. Doenças intercorrentes (tais como dermatite atópica ou alergia a pulgas) podem complicar a identificação das
alergias alimentares subjacentes. Infrequentemente, um cão irá reagir a novos alergênios alimentares com o tempo.
As apresentações clínicas da alergia alimentar nos gatos são: dermatite miliar, alopecia simétrica felina, complexo granulomatoso eosinofílico (primariamente a placa eosinofílica) e um prurido intenso na cabeça e no pescoço. Não se
observa nenhuma predileção racial, sexual ou etária. A idade de início varia de 3 meses a 11 anos. Em um estudo, entretanto, 46% dos gatos afetados ficaram sintomáticos com idade = 2 anos e os gatos siameses representaram 30% dos
casos.
A resposta aos glicocorticoides é variável, mas cerca de 2/3 dos gatos exibem, inicialmente, uma resposta excelente. Muitos gatos desenvolvem resposta deficiente aos glicocorticoides com a repetição do tratamento. Assim como na
alergia alimentar canina, devese oferecer uma dieta de eliminação por até 3 meses. Esta não deve conter nenhum ingrediente oferecido anteriormente. As dietas de eliminação alimentar podem ser difíceis para os gatos, pois muitos deles
quase sempre relutam em mudar suas dietas. Os gatos não devem passar fome ou serem forçados a ingerir uma dieta de eliminação nova por causa da natureza séria da lipidose hepática, que pode ser induzida pela anorexia prolongada.
O tempo de resposta às dietas de eliminação varia de 1 a 12 semanas. O tempo até a recidiva do prurido depois de um desafio com o alimento ofensor varia de 15 min a 10 dias. Nos gatos, os alergênios alimentares mais frequentemente
identificados são: carnes de peixe, bovina, frango e leite. Evitandose os alergênios ofensores, os sinais clínicos associados à alergia alimentar serão controlados.
DERMATITE ATÓPICA (Dermatite por alergênio inalatório)
A dermatite atópica (DA) é uma doença de pele alérgica pruriginosa comum em cães e gatos. Geralmente classificada como hipersensibilidade tipo I (IgE ou IgG) e acredita–se acometer cerca de 10% da população canina. A incidência em
gatos não é relatada.
Em alguns cães, anticorpos IgE contra alergênios ambientais não podem ser mostrados. A dermatite semelhante à atopia (DSA) foi recentemente definida como uma dermatopatia pruriginosa em cães, com características de DA, porém
com testes negativos para anticorpos IgE.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Acreditase que animais com DA são geneticamente predispostos à sensibilidade aos alergênios ambientais. Os alergênios são proteínas que, quando inaladas ou absorvidas na pele, no trato respiratório ou no
trato gastrintestinal deflagram a produção de IgE alergênioespecífica. Esta IgE alergênioespecífica se fixa aos mastócitos teciduais ou basófilos. Quando estas células entram em contato com o alergênio específico novamente, a
degranulação mastocitária resultará na liberação de enzimas proteolíticas, histamina, bradicininas e outras aminas vasoativas, levando à inflamação (eritema, edema e prurido). A pele é o principal órgãoalvo em cães e gatos, mas rinite e
asma podem também ocorrer em cerca de 15% dos animais afetados.
Dermatite Atópica Canina
ACHADOS CLÍNICOS: Não há predileção sexual na DA canina. Há predileções raciais, porém a prevalência em uma raça depende amplamente da variabilidade genética e da região. Raças predispostas a desenvolver DA são: SharPei, Fox
Terrier com pelodearame, Golden Retriever, Dálmata, Boxer, Boston Terrier, Labrador Retriever, Lhasa Apso, Scottish Terrier, Shih Tzu e West Highland White Terrier. A idade de início é, geralmente, entre 6 meses e 3 anos. Os sinais
clínicos costumam ser sazonais, mas podem se tornar perenes com o tempo. O prurido é o sinal característico da atopia e da dermatite semelhante à atopia e pode ser a única queixa. Pés, face, orelhas, superfície flexural das pernas
dianteiras, axilas e abdome são as áreas frequentemente mais atingidas. As lesões se desenvolvem secundariamente a autotraumatismo e incluem alopecia, eritema, descamação, tingimento salivar, crostas hemorrágicas, escoriações,
liquenificação e hiperpigmentação. Piodermite estafilocócica superficial, dermatite por Malassezia, otite externa alérgica com infecções secundárias são complicações comuns. Otite crônica ou recidivante é a única queixa em um pequeno
número de animais.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico é baseado nos sintomas, histórico completo, achados do exame físico e exclusão de outras causas de prurido. Os diagnósticos diferenciais compreendem alergia alimentar (não sazonal), alergia a pulgas
(sazonal), alergias de contato e escabiose. Testes alérgicos (intradérmicos ou sorológicos) são medidas diagnósticas que mensuram altos teores de IgE circulante ou ligadas aos tecidos; isoladamente, não são suficientes para o diagnóstico. A
principal razão para se realizar testes alérgicos intradérmicos e sorológicos é conhecer os alergênios ofensores e formular uma imunoterapia específica. Os resultados dos testes são significativos somente se os alergênios ofensores
identificados forem compatíveis com o histórico ou sazonalidade do prurido. Os animais com sinais clínicos clássicos, porém testes alérgicos negativos são diagnosticados como dermatite alérgica semelhante à atopia. A imunoterapia pode
ser difícil ou impossível nestes animais.
TRATAMENTO E CONTROLE: Dermatite atópica (DA) e dermatite semelhante à atopia (DAS) são enfermidades que cursam por toda a vida, que não têm cura. Há 3 opções de terapia disponíveis para o controle de DA: evitar o(s) alergênio(s)
ofensor(es), terapia sintomática para o controle do prurido e imunoterapia (i. e., hipossensibilização, dessensibilização, vacina alérgica). Um bom plano de controle para dermatite atópica requer o uso de diferentes tratamentos. Educação
clara e frequente do cliente assegura que o proprietário tenha expectativas razoáveis da resposta. Avaliações progressivas e frequentes são necessárias para que o plano possa ser ajustado, quando necessário.
Evitar os alergênios é a melhor opção, porém geralmente é difícil, especialmente quando os alergênios são pólens, mofo e poeira. A redução da exposição pode ser alcançada ao manter os animais dentro de casa durante o pico das
estações, utilizando um filtro altamente eficaz nos sistemas de calefação e ar condicionado, cobrindo e mantendo limpa a cama semanalmente, substituindo a cama anualmente e utilizando xampus hipoalergênicos e rinses com água fria
para remover os alergênios acumulados na pele e pelame. Ademais, remover e controlar outros alergênios como pulgas e alimentos ajudará no controle do prurido.
A terapia sintomática é direcionada ao controle dos sintomas primários e secundários que acompanham a DA. Todas as piodermites superficiais e dermatites por Malassezia devem ser tratadas agressivamente com antibiótico ou
antifúngicos apropriados, até a cura clínica completa. A maioria requer duração mínima de 3 semanas e o tratamento deve se estender por 2 semanas após a cura clínica.
Ácidos graxos essenciais ômega3 e ômega6 podem ter algum benefício. Ácidos graxos ômega6 (ácido linoleico) ajuda a diminuir a perda de água transepidérmica por reforçar a barreira lipídica epidérmica. Ácidos graxos ômega3
(ácido eicosapentaenoico) interrompe a cascata do ácido araquidônico e a produção de mediadores inflamatórios. Os ácidos graxos essenciais atuam sinergicamente com antihistamínicos na redução do prurido; antihistamínicos isolados
possuem benefício modesto. A melhor resposta pode ser obtida quando antihistamínicos e ácidos graxos essenciais são administrados em conjunto, porém é difícil avaliar se a melhora resulta dos efeitos sedativos dos antihistamínicos ou
pelos efeitos antihistamínicos verdadeiros do medicamento.
Os inibidores da calcineurina, como ciclosporina e tacrolimo, mostraram boa redução do prurido e melhora geral das lesões em cães e gatos com DA. Há relato de redução de 50% do prurido em 70% dos cães com DA que recebem
ciclosporina A, paralelamente à resposta observada com glicocorticoides, porém com menos efeitos colaterais. Alguns animais podem ser mantidos confortavelmente com este medicamento isolado. Pomada de tacrolimo é benéfica em
animais com lesões mais localizadas. Entretanto, os medicamentos desta categoria tendem a ser mais caros que outros utilizados no tratamento sintomático.
A pentoxifilina, um inibidor da fosfodiesterase, possui propriedades imunomoduladoras e foi mostrada redução do eritema e prurido em alguns cães.
Imunoterapia: A imunoterapia é indiscutivelmente a melhor opção terapêutica para DA, porque é a única terapia que potencialmente provoca a remissão dos sinais sem necessidade de outros medicamentos. Permanece o tratamento de
escolha da maioria dos dermatologistas e alergologistas. A hipossensibilização ou imunoterapia tenta aumentar a capacidade do animal de tolerar uma exposição a alergênios do ambiente (subjetivamente medida quando um indivíduo é
exposto a um alergênio identificado sem desenvolver sinais clínicos). Embora não se compreenda completamente o modo de ação da imunoterapia, a principal teoria afirma que os níveis de IgG aumentam durante os primeiros meses de
hipossensibilização e exercem efeito de bloqueio nos alergênios circulantes ao ligaremse a eles e previnem a degranulação de mastócitos. Outra teoria afirma que a imunoterapia causa um desvio do TH2 em direção ao TH1, por aumentar a
expressão de interferona?. Depois da injeção, entretanto, níveis de IgE alergênio–específicos também podem aumentar quando se inicia a imunoterapia, por causa da resposta à carga alergênica adicional decorrente das injeções
imunoterápicas. Isso pode resultar em um aumento de prurido em alguns animais. Reduzindo a quantia de alergênio dado, frequentemente aliviase esta reação e, com o tempo, os níveis de IgE alergênioespecífica diminuem. No entanto, o
decréscimo nos níveis de IgE e a melhora clínica nem sempre correlacionamse diretamente.
A imunoterapia é melhor considerada para animais que apresentam sinais clínicos problemáticos em vários meses durante o ano. O animal deve também ser bastante cooperativo para receber injeções alérgicas. Os critérios para a
hipossensibilização bem–sucedida são: interpretação apropriada dos resultados dos testes, seleção cuidadosa dos alergênios, controle adequado de infecções secundárias, controle de outras alergias (alimentar ou pulgas), administração
sistemática das injeções de imunoterapia e comunicações periódicas entre o proprietário e o veterinário. O compromisso a longo prazo necessário entre o veterinário e o proprietário para o sucesso da imunoterapia não pode ser
superestimado. O proprietário deve estar disposto a seguir precisamente as instruções, ser paciente e ser capaz de se comunicar efetivamente com o veterinário. O veterinário deve ser capaz de reconhecer e tratar outras causas primárias ou
secundárias de prurido (p. ex., otite, piodermite, dermatite por Malassezia, hipersensibildade à picada de insetos) que podem ocorrer. A terapia sintomática é necessária em quase todos os casos durante o período de indução e várias vezes
no ano. A terapia sintomática é composta não somente de medicamentos antipruriginosas (i. e., glicocorticoides, ácidos graxos essenciais, antihistamínicos, ciclosporina oral, xampus e soluções de enxágue de uso tópico), mas também
terapia antimicrobiana específica.
A preparação da vacina envolve a seleção de alergênios individuais para cada animal em particular. A escolha do alergênio deve ser determinada pela correlação entre os alergênios positivos nos resultados dos testes e os alergênios
proeminentes durante o período do ano em que o animal apresenta o prurido. Se os resultados dos testes alérgicos forem positivos para pólens que não apresentam relevância clínica (i. e., grande quantidade de pólen presentes em um
período do ano em que o animal não apresenta o prurido, reação positiva para um alergênio que não existe em determinada área geográfica), então estas reações alérgicas são brandas (subliminares) ou são falsopositivas. De qualquer
maneira, esse alergênio não deverá ser incluído na vacina. Muitas vacinas veterinárias são extratos aquosos. O desenvolvimento e a manufatura dos extratos alergênios não estão padronizados; assim, o pólen de ambrósia americana de uma
manufatura não é necessariamente equivalente ao de outra. Exigese que as companhias de suprimento de alergênios cultivem cada alergênio ou vacina para assegurar a sua esterilidade antes da liberação para um veterinário. Para manter a
esterilidade, as vacinas devem ser preservadas com fenol ou glicerina e são mantidas refrigeradas. As vacinas preservadas em fenol perdem sua potência mais rápido que as vacinas glicerinadas, mas as preservadas em glicerina podem
causar reações locais nos animais. Atualmente, a maioria das vacinas e antígenos é conservada com fenol. As concentrações das vacinas são medidas em unidades de nitrogênio proteico (UNP) por mL ou relação peso/volume (p/v).
Nenhum desses métodos constitui uma mensuração precisa da potência biológica, mas a medida por UNP é geralmente preferida. Extratos de alergênios devem ser refrigerados para preservar sua vida de prateleira. Devem ser feitas vacinas
suficientes para durarem até 6 meses. A potência da maioria das vacinas é considerada inadequada após 1 ano.
As principais variáveis implicadas na imunoterapia com hipossensibilização, além da escolha dos alergênios, são a frequência das injeções e a dose dos alergênios administrados. Os alergênios devem ser administrados por injeção
subcutânea (SC). O número de alergênios em uma vacina individual devese limitar de 10 a 12, porque muitos alergênios em uma vacina podem diluir a concentração de cada alergênio individual, produzindo uma resposta inadequada.
Os protocolos de vacinação variam, mas geralmente possuem períodos de indução e de manutenção. Durante o período de indução, a dose do alergênio aumenta gradativamente até uma dose de manutenção arbitrária ser alcançada.
Depois de se administrar a dose máxima, devese prosseguir com o nível de manutenção. O intervalo entre as doses de manutenção pode variar de 3 a 4 dias até 3 semanas. O ajuste desses intervalos deve ser baseado na resposta do animal.
Proprietários devem ser avisados para não esperarem muita resposta por 6 meses e devem se comprometer a fazer, no mínimo, 1 ano de terapia, antes de decidir sobre a utilidade da imunoterapia. A melhor taxa de resposta é comparar a
diminuição da doença ou desconforto entre as estações semelhantes. A maioria dos proprietários aprende a administrar as injeções alérgicas muito bem, enquanto outros precisam de ajuda de um amigo capacitado ou um auxiliar de
veterinário.
Dermatite Atópica Felina
DA felina é semelhante à DA canina. É uma doença pruriginosa na qual os gatos afetados apresentam reação de hipersensibilidade a alergênios ambientais inalados ou de contato. A idade de início é variável, mas geralmente começa antes
dos 5 anos. Os sinais podem ser sazonais ou não sazonais. Gatos de raça pura têm risco maior de apresentar o problema quando comparados a gatos de pelo curto doméstico. Como nos cães, o prurido nos gatos pode ter várias apresentações
clínicas (p. ex., dermatite miliar, alopecia simétrica, complexo granuloma eosinofílico e prurido intenso na cabeça e no pescoço), que são consistentes com o diagnóstico de DA, mas devem ser diferenciados de outras doenças com sinais
clínicos semelhantes. Diagnósticos diferenciais são: dermatofitose, alergia à pulga, várias infestações por ácaros (p. ex., Cheyletiella, Demodex, Notoedres, Sarcoptes, Otodectes), hipersensibilidade a picada de mosquito, alergia alimentar,
doença autoimune (p. ex., pênfigo foliáceo) e neoplasia cutânea. Revisão completa da anamnese e exames dermatológico e físico, juntamente com escovação das pulgas, raspados cutâneos e culturas fúngicas são os primeiros passos
obrigatórios. O diagnóstico de DA é definido quando outros diagnósticos diferenciais foram excluídos. Há uma excelente resposta a glicocorticoides inicialmente, porém diminui com o tempo.
Os testes alérgicos intradérmicos e os procedimentos de hipossensibilização são semelhantes aos utilizados nos cães, mas os resultados intradérmicos são mais difíceis de interpretar, pois as reações são menos drásticas e se dissipam mais
rapidamente nos gatos. As mesmas recomendações para evitar alergênios feita para cães, aplicase aos gatos. A terapia sintomática envolve o controle de infecções secundárias e qualquer combinação de antihistamínicos, ácidos graxos
essenciais, ciclosporina e glicocorticoides. A resposta à imunoterapia é semelhante à observada nos cães (ver anteriormente); proprietários são aconselhados a fazer a terapia por 1 ano antes de decidir sobre sua utilidade.
URTICÁRIA (Erupção urticariforme)
A urticária é caracterizada por erupções semelhantes a placas, múltiplas, formadas por edema localizado na derme e que costumam se desenvolver e desaparecer subitamente. Ocorre em todos os animais domésticos, mas com maior
frequência nos equinos. A urticária alérgica pode ser exógena ou endógena. A urticária exógena pode ser decorrência de produtos irritantes tóxicos da urtiga, de ferrões ou picadas de insetos, de medicamentos ou de produtos químicos (p.
ex., ácido carbólico, terebintina, dissulfeto de carbono ou óleo cru). Fatores não imunológicos, como pressão, luz solar, calor, exercícios, estresse psicológico e anormalidades genéticas, podem precipitar ou intensificar uma urticária. O
prurido não está sempre presente.
Os animais sensíveis, particularmente os cães de pelo curto e os equinos de raças puras, também podem exibir dermografismo, fenômeno no qual a pressão aplicada à pele produz lesões urticariformes lineares. A importância clínica é
desconhecida.
A urticária endógena ou “sintomática” podese desenvolver depois da inalação ou absorção de alergênios ingeridos ou administrações de medicamentos; é observada predominantemente nos equinos e nos cães. Nos equinos, é percebida
no curso de afecções gastrintestinais, em particular constipação intestinal grave ou inflamação da mucosa intestinal. A única forma de urticária em bovinos foi descrita em ralas das Ilhas do Canal (Jersei e Guernsey), que
ficaram sensibilizadas à caseína do seu próprio leite (“alergia ao leite”); ocorre nos casos de retenção láctea ou de ingurgitamento incomum do úbere com leite. A urticária foi também observada nas cadelas durante o estro. Nos equinos
jovens, cães e suínos, pode se associar com parasitos intestinais. O edema angioneurótico é uma variante de risco de morte da urticária, na qual há edema subcutâneo difuso, em geral localizado na cabeça, nos membros ou no períneo. Em
equinos, dermatofitose (tinha) e pênfigo foliáceo podem parecer urticárias no início da doença.
ACHADOS CLÍNICOS: Os vergões ou placas aparecem em poucos minutos a horas após uma exposição ao agente causador. Nos casos graves, as erupções cutâneas são precedidas por febre, anorexia ou embotamento. Frequentemente, os
equinos ficam excitados e inquietos. As lesões cutâneas são salientes e redondas, têm a parte superior achatada e possuem 1 a 20 cm de diâmetro; podem ficar ligeiramente deprimidas no centro. Elas podem se desenvolver em qualquer
parte do corpo, mas principalmente no dorso, flanco, pescoço, pálpebras e pernas. Nos casos avançados, podem ser notadas nas membranas mucosas orais, nasais, conjuntivas, reto e vagina. Em geral, as lesões desaparecem tão rapidamente
quanto surgem, em poucas horas.
Nos ovinos, as lesões são observadas apenas no úbere e nas partes glabras do abdome. Nos suínos, as erupções são vistas ao redor dos olhos, entre os membros pélvicos, no focinho, abdome e no dorso.
Em geral, o prognóstico é favorável. As fatalidades são raras e provavelmente devam–se à anafilaxia ou ao angioedema associados, envolvendo as vias respiratórias.
A urticária crônica é um desafio diagnóstico. Todos os alergênios ambientais devem ser considerados como causas potenciais e devese instituir a eliminação da exposição, se for possível.
TRATAMENTO: A urticária aguda geralmente desaparecer espontaneamente. Os glicocorticosteroides de ação rápida, como o succinato sódico de hidrocortisona ou succinato ou hemissuccinato sódico de prednisolona, são descritos como
úteis. A dexametasona (0,1 mg/kg) tem sido utilizada em cães, gatos e equinos. Os antihistamínicos possuem valor questionável e podem induzir urticária se forem administrados por via intravenosa (IV). Podese administrar epinefrina nas
situações de risco de morte. As lesões desaparecem imediatamente, mas retornarão rapidamente se o alergênio não for eliminado. Geralmente, não há necessidade de tratamento local das lesões. Em equinos com urticária crônica, podem ser
utilizados o antihistamínico hidroxizina, na dose de 0,4 a 0,8 mg/kg, 2 vezes/dia ou o antidepressivo tricíclico doxepina (que possui propriedades antihistamínicas), na dose de 3 mg/5 kg.
DERMATOFILOSE (Infecção por Dermatophilus, Estreptotricose cutânea, Encaroçamento de lã, Strawberry footrot)
Esta infecção da epiderme é cosmopolita, porém é mais prevalente nos trópicos, erroneamente é denominada dermatite micótica. As lesões são caracterizadas por uma dermatite exsudativa com formação de crostas. Dermatophilus
congolensis possui ampla variação de hospedeiros. Entre os animais domésticos, os mais afetados são os bovinos, ovinos, caprinos e equinos e, raramente, os suínos, cães e gatos. Ela é comumente denominada de estreptotricose cutânea em
bovinos, caprinos e equinos; nos ovinos, é denominada de encaroçamento de lã, quando as áreas lanosas do corpo estão afetadas. Nos rebanhos de camelos, a infecção se relaciona com secas e pobreza. Os isolados recentes de quelônios
podem representar uma espécie nova de Dermatophilus. Também é uma doença comum em crocodilos de fazenda (D. crododyli nov). Os poucos casos humanos descritos costumam se associar com a manipulação de animais doentes.
ETIOLOGIA, TRANSMISSÃO E EPIDEMIOLOGIA: D. congolensis é um actinomiceto grampositivo, anaeróbico facultativo e não ácidoresistente. É a única espécie atualmente aceita neste gênero, mas podem se encontrar presentes várias cepas
dentro de um grupo de animais durante um surto. Possui 2 formas morfológicas características – hifas filamentosas e zoósporos móveis. As hifas se caracterizam por filamentos ramificados (1 a 5 μm de diâmetro) que se fragmentam
fundamentalmente por septações transversais ou longitudinais, em conjuntos de células cocoides. As células cocoides amadurecem nos zoósporos ovoides flagelados (0,6 a 1 μm de diâmetro).
Desconhecese o habitat natural do D. congolensis. As tentativas de isolálo do solo não foram bemsucedidas, embora seja provavelmente um saprófita no solo. Acreditase que seja disseminado por contato direto entre os animais, por
meio de ambientes contaminados ou possivelmente, por picadas de insetos. Foi isolado somente do tegumento de vários animais e se restringe às camadas vivas da epiderme. Os animais assintomáticos cronicamente infectados são
considerados reservatórios primários.
Fatores como tempo prolongado de exposição à chuva, umidade e temperatura altas e ectoparasitas variados, que reduzem ou permeiam as barreiras naturais do tegumento, influenciam o desenvolvimento, a prevalência, a incidência
sazonal e a transmissão da dermatofilose. Carrapatos e piolhos são os principais fatores predisponentes em bovinos e ovinos, respectivamente.
O microrganismo pode permanecer na forma quiescente dentro da epiderme até que a infecção seja exacerbada por condições climáticas. As epidemias geralmente ocorrem durante a estação chuvosa. A umidade facilita a liberação de
zoósporos das lesões preexistentes e a penetração subsequente na epiderme, estabelece um novo foco de infecção. A umidade alta também contribui indiretamente para a disseminação das lesões pelo aumento do número de insetos
picadores, particularmente moscas e carrapatos, que atuam como vetores mecânicos. A infecção podese espalhar por meio de tosquia, banho de imersão ou introdução de um animal infectado em um rebanho ou lote.
Dermatofilose em equino. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.
A dermatofilose é contagiosa somente porque qualquer redução na resistência cutânea sistêmica ou local favorece o estabelecimento da infecção e da doença subsequente.
PATOGÊNESE: Para estabelecer a infecção, os zoósporos infecciosos devem alcançar um local da pele onde as barreiras protetoras normais se encontram reduzidas ou deficientes. O efluxo respiratório de baixas concentrações de dióxido de
carbono da pele atrai os zoósporos móveis para as áreas suscetíveis da superfície cutânea. Os zoósporos germinam para produzir hifas, que penetram na epiderme viva e subsequentemente alastramse em todas as direções a partir do foco
inicial. A penetração das hifas causa reação inflamatória aguda. A resistência natural à infecção aguda se deve à fagocitose dos zoósporos infecciosos, mas quando a infecção se estabelece, há pouca ou nenhuma imunidade. Na maioria das
infecções agudas, a invasão filamentosa da epiderme interrompese em 2 a 3 semanas e as lesões cicatrizam espontaneamente. Nas infecções crônicas, os folículos pilosos infectados e as crostas constituem locais a partir dos quais ocorrem
invasões intermitentes dos folículos pilosos não infectados e da epiderme. O epitélio invadido se cornifica e se separa em forma de crosta. Nas crostas úmidas, a umidade potencializa a proliferação e a liberação de zoósporos das hifas. A
alta concentração de dióxido de carbono produzida pela densa população de zoósporos acelera o seu escape para a superfície cutânea, completando, portanto um ciclo de vida exclusivo.
ACHADOS CLÍNICOS: A dermatofilose ocorre em animais de todas as idades, sendo mais prevalente nos animais jovens, cronicamente expostos à umidade e hospedeiros imunossuprimidos. As lesões no hospedeiro podem variar de agudas a
crônicas. Idade, sexo e raça parecem não acometer a suscetibilidade do hospedeiro. O prurido é variável. A maioria dos animais afetados recuperase espontaneamente em até 3 semanas da infecção inicial (desde que uma maceração crônica
da pele não tenha ocorrido). Em geral, o início do tempo seco acelera a cicatrização. A resolução das lesões cutâneas não complicadas ocorre sem formação de cicatrizes. Estas infecções, em geral, possuem pequeno efeito na saúde geral.
Animais com graves infecções generalizadas, muitas vezes, perdem condição e há dificuldade na movimentação e preensão das patas, lábios e focinho; estes animais são frequentemente enviados para o abate como incuráveis.
Ocasionalmente. há mortes, em particular de bezerros e cordeiros, por causa de doença generalizada com ou sem infecção bacteriana secundária e infestação secundária por moscas ou miíase. As principais consequências econômicas
incluem danos no couro dos bovinos, perda de lã nos ovinos e claudicação e queda do desempenho nos equinos que são gravemente afetados na região próxima à área da quartela. Os bovinos com lesões que envolvem > 50% da superfície
corporal são propensos à doença grave.
Lesões: Nos bovinos, ovinos e equinos, a distribuição das lesões macroscópicas geralmente se correlaciona com os fatores predisponentes que reduzem ou permeiam as barreiras naturais tegumentares. Nos bovinos, podemse observar as
lesões em 3 estágios: (1) pelos emaranhados juntos, como lesões em “pincel”; (2) formação de crostas, à medida que as lesões iniciais coalescem; (3) acúmulos de material ceratinizado cutâneo, formando lesões verrucosas, com 0,5 a 2 cm
de diâmetro. As lesões típicas consistem em tufos em relevo e emaranhados de pelos. A maioria das lesões associadas a umedecimento prolongado da pele se distribui sobre a cabeça, superfícies dorsais do pescoço e do corpo e superfícies
laterais superiores do pescoço e do peito. Os bovinos que ficam em pé por longos períodos em água e lama profundas desenvolvem lesões em áreas como dobras cutâneas das superfícies flexoras articulares. Bovinos de leite podem
apresentar lesões crostosas papulares no úbere. As lesões iniciadas por moscas picadoras (vetores mecânicos) são notadas primariamente no dorso, enquanto as induzidas por carrapatos ocorrem primariamente em cabeça, orelhas, axilas,
virilha e escroto.
As infecções crônicas de encaroçamento de lã se caracterizam por massas em forma de pirâmides, com material crostoso preso nas fibras de lã. As crostas ocorrem primariamente nas áreas dorsais corporais e impedem a tosquia do ovino;
as plantas espinhosas geralmente predispõem às lesões em lábios, pernas e patas. A strawberry footrot é uma dermatite proliferativa que acomete a pele da coroa do casco até o carpo ou o jarrete.
As lesões nos equinos com pelame de inverno longo são semelhantes às observadas nos bovinos, desenvolvendose como pelos emaranhados ou lesões em “pincel”, que levam à formação de crostas, com pus amareloesverdeado sob as
crostas maiores. No caso do pelame estival curto, o emaranhamento de pelos e a formação de crostas são incomuns; a perda de pelos, com efeito em “pincel” fino, pode ser extensa. O umedecimento persistente das quartelas em currais,
estábulos ou pastos úmidos leva à infecção no membro inferior; os membros brancos e as áreas de pele branca dos lábios e nariz são mais gravemente afetados. A doença generalizada também se associa com clima úmido prolongado.
Ocorrem surtos em haras com equinos previamente afetados.
O exame histopatológico das lesões revela as hifas ramificadas características com septações multidimensionais, células cocoides e zoósporos na epiderme. Os microrganismos costumam ser abundantes nas lesões ativas, mas podem ficar
esparsos ou ausentes nas lesões crônicas.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico presuntivo depende amplamente da aparência das lesões nos animais clinicamente doentes e da demonstração do D. congolensis em esfregaços corados ou cortes histológicos das crostas. O diagnóstico
definitivo é realizado pela demonstração do microrganismos em preparações citológicas, isolamento por cultura e ou por biopsia de pele. Uma técnica de anticorpos fluorescentes indireta e um teste ELISA por diluição simples foram
desenvolvidos para grandes pesquisas sorológicas e epidemiológicas. O teste diagnóstico mais prático é o exame citológico de crostas frescas e/ou imprints sob lesões recentemente avulsionadas. Crostas frescas são colocadas sobre uma
lâmina de microscópio com auxílio de uma lâmina de bisturi estéril junto a várias gotas de salina estéril. A lâmina é deixada secar ao ar e posteriormente corada com corante rápido de Giemsa ou DiffQuik®. Os microrganismos são vistos
sob a imersão em óleo como 2 a 6 fileiras paralelas de cocos Grampositivos que parecem pistas de ferrovia. Os diagnósticos diferenciais são: dermatomicoses na maioria das espécies, dermatopatias verrucosas ou com encaroçamento nos
bovinos; ectima contagioso e dermatose ulcerativa nos ovinos e dermatofitose e doenças descamativas imunomediadas nos equinos (p. ex., pênfigo foliáceo).
TRATAMENTO E CONTROLE: Antigamente pensavase que, como os animais agudamente infectados melhoravam rápida e espontaneamente, o tratamento era indicado apenas por motivos cosméticas nos animais de produçãoabate.
Entretanto, em algumas partes do mundo, a doença associase a mortalidade e morbidade significativas, perda de condição corporal, diminuição da produção de leite e aumento das contagens de células somáticas do leite. O tratamento é
recomendado para equinos porque estas lesões interferem no seu uso e são dolorosas. Os microrganismos são suscetíveis a uma ampla variedade de antibióticos: eritromicina, espiramicina, penicilina G, ampicilina, cloranfenicol,
estreptomicina, amoxicilina, tetraciclinas e novobiocina. Duas doses de oxitetraciclina de longa ação (20 mg/kg) com intervalo de um dia, demonstrou ser eficaz na cura de 85% dos bovinos e 100% dos ovinos, comparados com a cura de
71% (bovinos) e 80% (ovinos) que recebiam dose única. Nos animais de produçãoabate, aplicações tópicas de calda sulfocáustica são adjuvantes à terapia antibiótica com custobenefício. Inseticidas aplicados externamente são utilizados
frequentemente para controlar os insetos mordedores.
Em equinos, as lesões devem ser gentilmente umedecidas e removidas. A terapia tópica com xampus antibacterianos é efetiva como adjuvante terapêutico. Recomendamse clorexidina e peróxido de benzoíla. O tratamento tópico com
iodopovidona é superior ao tratamento único com oxitetracicilina parenteral (100 a 66% de eficácia, respectivamente).
O isolamento dos animais clinicamente afetados, o descarte dos animais afetados e o controle dos ectoparasitas constituem métodos utilizados para interromper o ciclo infeccioso. É importante evitar a maceração crônica da pelo e manter
os animais secos. Os níveis de zinco devem ser avaliados na alimentação dos bovinos, uma vez que deficiências de zinco foram associadas a surtos.
RISCO ZOONÓTICO: A dermatofilose pode ser transmitida aos humanos. O contato direto com animal infectado pode provocar infecções nas mãos e braços. Animais afetados devem ser manipulados com luvas e recomendase a higiene das
mãos com sabonetes antibacterianos após o contato com animais infectados.
EPIDERMITE EXSUDATIVA (Doença do suíno gorduroso)
A epidermite exsudativa é uma dermatite generalizada que ocorre em suínos com 5 a 60 dias de vida e é caracterizada por início súbito, com morbidade de 10 a 90% e mortalidade de 5 a 90%. A forma aguda geralmente acomete leitões
lactentes, enquanto a forma crônica é mais comumente observada em leitões desmamados. Ela é descrita na maioria das áreas criadoras de suínos do mundo.
As lesões são causadas por Staphylococcus hyicus, que pode produzir uma toxina esfoliativa, porém parece incapaz de penetrar na pele intacta. Existem cepas virulentas e avirulentas. Abrasões nas patas e pernas ou lacerações no corpo
precedem a infecção. Tais lesões costumam ser provocadas por brigas ou superfícies abrasivas, como concreto novo. Os outros fatores predisponentes que podem acometer a gravidade e o progresso da doença incluem imunidade, higiene,
nutrição e a presença de ácaros da sarna ou qualquer dano à pele. Porcas adultas, que adquiriram alto nível de imunidade oriunda de exposição prévia, providenciarão proteção aos filhotes via colostro. A incidência geralmente é maior em
leitegadas ninhadas e em suínos livre de patógenos (SPF) recentemente introduzidos em rebanhos nos quais a maioria das reprodutoras é de primeira cria.
Os suínos desenvolvem resistência com a idade, mas é possível isolar S. hyicus da pele dos suínos idosos, da vagina das porcas e do divertículo prepucial dos cachaços. Esses portadores inaparentes servem como fonte de contaminação
para os rebanhos suscetíveis. Os suínos lactentes geralmente são infectados por suas mães, em alguns casos durante o nascimento, pelas porcas com infecção vaginal ou pelos locais de parição contaminados. Leitões lactentes são mais
comumente e gravemente afetados, mas ocorre infecção cruzada depois da mistura com outros leitões no desmame, com taxa de morbidade de até 80%. Entretanto, a mortalidade é normalmente baixa nesta faixa de idade. A incidência
parece aumentar com o aumento das densidades nas unidades de produção e possivelmente com o desmame precoce.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os primeiros sinais incluem apatia e eritema cutâneo em 1 ou mais leitões da leitegada. Os suínos afetados ficam rapidamente deprimidos e recusam a se alimentar. A temperatura corporal pode aumentar no
início da doença, mas depois permanece quase normal. A pele tornase espessa e com manchas marromavermelhadas (máculas) ao redor de olhos, nariz, lábios e orelhas, das quais exsuda soro e sebo. As lesões aumentam de tamanho e
desenvolvem aparência vesicular ou pustular.
Epidermite exsudativa subaguda em face, membros e abdome ventral, em leitões lactentes. Cortesia do Dr. Ranald D. A. Cameron.
O corpo é rapidamente coberto com exsudato gorduroso e úmido de sebo e soro, que se torna crostoso. O acúmulo de sujeira confere uma coloração preta à área afetada. Também se desenvolvem vesículas e úlceras no disco nasal e na
língua. As patas quase sempre estão envolvidas, com erosões na faixa coronal e no talão; podese perder o casco, em casos raros. Na doença aguda, ocorre morte dentro de 3 a 5 dias. Nos animais idosos, a forma crônica da doença é
observada como lesões espetas e crostosas no corpo todo ou lesões discretas circunscritas, que não coalescem. A mortalidade é baixa, exceto quando os suínos comprometidos são bastante jovens e lactentes. Entretanto, a recuperação é
lenta e o crescimento é retardado e frequentemente associado à diarreia, emaciação e desidratação.
A necropsia dos suínos gravemente afetados revela desidratação acentuada, congestão pulmonar e inflamação nos linfonodos periféricos. Distensão dos rins e ureteres, com muco, cilindros e restos celulares celulares é comum nas formas
superaguda e aguda da doença. O diagnóstico diferencial deve ser feito com: sarna sarcóptica, deficiências nutricionais inclusive zinco (paraqueratose), dermatofitose e pitiríase rosa.
TRATAMENTO: Muitos antibióticos inibem o microrganismo causador, como: amoxicilina, ampicilina, eritromicina, lincomicina, penicilina, tilosina, trimetoprimasulfonamida, aminoglicosídios e cefalosporinas. O tratamento bemsucedido
requer que o antimicrobiano seja administrado em altas doses no início da doença e pelo período de 7 a 10 dias. O êxito é maior quando se combina a terapia antimicrobiana com aplicações diárias de antissépticos em toda a superfície
corporal. O tratamento é menos eficaz nos suínos muito jovens e é ineficaz nos casos avançados. Nos surtos graves, os suínos contactantes também devem receber antibióticos por vários dias. As porcas parturientes e as suas instalações
devem ser desinfetadas completamente para evitar surtos. Higiene nas instalações de desmame e uso estratégico de medicamento na água ou no alimento por 3 a 5 dias ajudam a controlar surtos depois do desmame. Outros procedimentos
que podem diminuir a gravidade do surto são: corte dos dentes pontiagudos dos suínos recémnascidos, fornecimento de cama macia, isolamento dos animais infectados e evitar a mistura de animais para diminuir o risco de lesões cutâneas
por brigas. Bacterinas autógenas foram utilizadas com algum êxito na redução da incidência da doença nos rebanhos cronicamente infectados.
FURUNCULOSE INTERDIGITAL
Os furúnculos interdigitais, frequentemente e incorretamente denominados “cistos interdigitais”, são lesões nodulares dolorosas localizadas nas membranas interdigitais dos cães. Histologicamente, estas lesões representam áreas de
inflamação piogranulomatosa nodular, que quase nunca são císticas. A síndrome dos cistos foliculares e comedões plantar ou palmar interdigital canina, recentemente reconhecida, pode ser um subtipo de furúnculos interdigitais ou uma
doença isolada.
ETIOLOGIA: A causa mais comum é infecção bacteriana profunda. Muitas raças caninas (p. ex., sharpei chinês, labrador retriever e buldogue inglês) são predispostas à furunculose interdigital bacteriana devido aos pelos eriçados e curtos
localizados na membrana entre os dedos ou à membrana interdigital proeminente ou a ambos. As hastes curtas dos pelos são facilmente forçadas para trás, no interior dos folículos pilosos, durante a locomoção (implantação traumática). O
pelo, ou seja, a queratina, facilita muito a inflamação da pele, sendo comuns infecções bacterianas secundárias. Menos comumente, corpos estranhos se encravam na pele. Demodiciose (p. 1022) pode ser uma causa primária de furunculose
interdigital. Dermatite atópica canina (p. 909) também constitui uma causa comum de furunculose interdigital recidivante.
A etiologia dos comedões e cistos plantares e palmares interdigital canino é indeterminada, porém provavelmente relacionase a traumas, resultando em hiperqueratose infundibular folicular e epidérmico, acantose, obstrução ou
estreitamento da abertura folicular e retenção do conteúdo folicular.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: As lesões iniciais da furunculose interdigital podem aparecer como áreas focais ou generalizadas de eritema e pápulas na membrana das patas que, se forem deixadas sem tratamento, se desenvolverão
rapidamente em nódulos únicos ou múltiplos. Os últimos costumam ter 1 a 2 cm de diâmetro e são roxoavemelhados, brilhantes e flutuantes; podem se romper quando palpados e exsudar um material sanguinolento. Furunculose
interdigital é mais comumente notada no aspecto dorsal da pata, mas também pode ser notada ventralmente. As lesões costumam ser dolorosas e o cão obviamente pode claudicar com a(s) pata(s) afetada(s), lamber e morder as lesões. As
lesões causadas por corpo estranho (p. ex., barba de capim) são em geral solitárias e ocorrem frequentemente na pata dianteira; a recorrência não é comum nesses casos. Se a furunculose interdigital for causada por bactérias, poderá haver
vários nódulos, com lesões novas se desenvolvendo a medida que as outras se resolvem. Uma causa comum de recorrência é a reação granulomatosa à presença de queratina livre nos tecidos.
Os cães com comedões e cistos foliculares interdigitais tipicamente apresentam caudicação e tratos drenantes. As lesões de pele não são frequentemente observadas, a menos que o pelame seja aparado. Áreas de alopecia e pele
semelhante a calos, firme e espessa, com comedões múltiplos são característicos.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico da furunculose é realizado somente com base nos sinais clínicos. Os principais diagnósticos diferenciais são lesões traumáticas, corpos estranhos, cistos e comedões foliculares e neoplasias, embora as últimas
sejam raras. Os testes diagnósticos mais úteis incluem raspados cutâneos para ácaros Demodex, imprints ou aspirados com agulha fina para confirmar a presença de infiltrado inflamatório. As lesões incomuns ou recidivantes devem ser
excisadas para exame histopatológico. As lesões solitárias podem exigir uma exploração cirúrgica para encontrar e remover os corpos estranhos, como barbas de capim.
O diagnóstico definitivo dos cistos foliculares plantares ou palmares requer biopsia cutânea. Entretanto, suspeitase quando o exame clínico revela tratos drenantes associados às lesões semelhantes a calos ou formação óbvia de
comedões. São notados hiperqueratose compacta moderada a extensa e acantose da epiderme e infundíbulo folicular. Cistos foliculares constituídos por queratina são comuns. Frequentemente as lesões são complicadas infecção secundária
e furunculose bacteriana concomitante.
TRATAMENTO: Os furúnculos interdigitais respondem melhor à combinação de terapias tópica e sistêmica. Recomendase a cefalexina (20 mg/kg VO, 3 vezes/dia ou 30 mg/kg VO, 2 vezes/dia) por 4 a 6 semanas na terapia inicial. Caso o
cão tenha recebido múltiplas terapias antimicrobianas, recomendase cultura bacteriana e antibiograma. Como as lesões são piogranulomatosas, a penetração do antibiótico pode ser difícil; portanto, podem ser necessárias > 8 semanas de
terapia antimicrobiana sistêmica para que as lesões se curem completamente. Com frequência, tais lesões são complicadas por infecções concomitantes por Malassezia spp. Cetoconazol, itraconazol ou fluconazol oral (5 a 10 mg/kg) por 30
dias pode ser indicado. A presença de Malassezia pode ser comprovada por exames citológicos de restos celulares do leito ungueal e/ou imprints da pele. Recomendamse imersão das patas em água morna, com ou sem solução antibiótica
(p. ex., clorexidina) e aplicação de pomada de mupirocina. Alguns cães podem se beneficiar de faixas e bandagens com antibióticos. Antihistamínicos administrados nas primeiras semanas de tratamento pode aliviar parcialmente o prurido,
se houver. Glicocorticoides são contraindicados.
A furunculose interdigital recidivante crônica geralmente ser causada por terapia antimicrobiana inapropriada (demasiadamente curta, dose ou medicamento incorretos), administração concomitante de corticosteroides, demodiciose,
predisposição anatômica ou reação de corpo estranho à queratina. As lesões que recidivam apesar da terapia também podem constituir um sinal de doença subjacente, por exemplo, atopia, hipotireoidismo ou infecção intercorrente
de Malassezia. As lesões nos cães confinados provavelmente recidivarão, a menos que se remova o animal das superfícies de arame ou de concreto. Em alguns casos crônicos, pode ser necessária excisão ou correção cirúrgica da membrana
interdigital, com podoplastia de fusão. Alternativamente, pulsoterapia antibiótica (terapia com a dose completa, 2 a 3 vezes/semana) ou terapia antibiótica crônica com dose baixa (p. ex., 500 mg/cão VO, 1 vez/dia) pode ajudar a manter a
remissão dos sinais e causar alívio da dor nos cães com lesões crônicas. Esta terapia é recomendada somente quando a causa incitante não é identificada (p. ex., piodermite idiopática), tratada (p. ex., predisposição anatômica) ou resolvida
(p. ex., infecções crônicas causadas por corpo estranho ou queratina).
O tratamento dos comedões ou cistos foliculares plantares ou palmares interdigitais pode ser efetuado efetivamente com terapia a laser. Os cuidados pósoperatórios são intensivos com hidroterapia e trocas de bandagens 1 a 2 vezes/dia.
PIODERMITE
Piodermite literalmente significa “pus na pele” e pode ser causada por lesões infecciosas, inflamatórias e/ou neoplásicas; qualquer condição que resulte em um acúmulo de exsudato neutrofílico pode ser denominada piodermite. Entretanto,
piodermite referese mais comumente a infecções bacterianas da pele. As piodermites são comuns nos cães e menos comuns em gatos.
Piodermites bacterianas são classificadas de acordo com a profundidade da infecção, a etiologia e se são primárias ou secundárias. Piodermites bacterianas, limitadas a epiderme e folículos pilosos, são classificadas como superficiais,
enquanto as que envolvem a derme profunda ou causam furunculose são classificadas como profundas. A classificação etiológica referese ao organismo patogênico envolvido na infecção (p. ex., estafilococos, estreptococos etc.). A maior
parte das infecções cutâneas é superficial e secundária a qualquer uma de várias outras afecções, mais notadamente alergias (alergia a pulgas, dermatite atópica ou alergias alimentares), doenças internas (particularmente endocrinopatias,
como hipotireoidismo ou hiperadrenocorticismo), afecções seborreicas (como doenças foliculares ou das glândulas sebáceas), doenças parasitárias (p. ex., Demodex canis) ou predisposições anatômicas (p. ex., dobras de pele). Por outro
lado, a piodermite primária ocorre em animais saudáveis, sem causa predisponente identificável; curase completamente com antibióticos apropriados e em geral se deve a Staphylococcus intermedius ou outros estafilococos.
ETIOLOGIA: Piodermite bacteriana é normalmente desencadeada pelo supercrescimento/supercolonização da flora normal residente ou transitória. S. intermedius é o agente etiológico mais comumente isolado das infecções clínicas.
Entretanto, a classificação está mudando e testes fenotípicos recentes encontraram que S. pseudointermedius é o patógeno mais comum dos cães.
Também são bactérias residentes normais na pele canina: estafilococos coagulasenegativos, estreptococos, Micrococcus sp e Acinetobacter sp. Bactérias transitórias na pele canina são: Bacillus sp, Corynebacterium sp, Escherichia coli,
Proteus mirabilis e Pseudomonas sp. Esses microrganismos podem exercer um papel como patógenos secundários, mas frequentemente o S. intermedius é requerido para assegurar o processo patológico. As bactérias residentes normais na
pele felina são: Acinetobacter sp, Micrococcus sp, estafilococos coagulasenegativos e estreptococos ahemolíticos. As bactérias transitórias na pele felina são: Alcaligenes sp, Bacillus sp, Escherichia coli, Proteus mirabilis,
Pseudomonas sp, estafilococos coagulasepositivos e coagulasenegativos e estreptococos ahemolíticos.
O fator mais importante nas piodermites superficiais, que permite que uma bactéria colonize a pele, é a aderência ou “viscosidade” bacteriana aos ceratinócitos. As áreas úmidas e quentes na pele, como as dobras de pele, dobras faciais,
dobras do pescoço, áreas axilares, áreas interdigitais dorsais ou plantares, dobras vulvares e dobras da cauda frequentemente apresentam contagens bacterianas mais altas que as outras áreas da pele, com maior risco de infecção. Os pontos
de pressão, como cotovelos e jarretes, são propensos a infecções, talvez por irritação e ruptura foliculares devido à pressão repetida crônica. Qualquer doença de pele que mude o ambiente normalmente seco semelhante a um deserto para
um ambiente mais úmido pode predispor o hospedeiro a uma supercolonização da pele com bactérias residentes ou transitórias.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: O sinal clínico mais comum de piodermite bacteriana em cães e gatos é a descamação excessiva; escamas estão sempre permeadas por pelos. O prurido é variável. Em cães, a piodermite superficial
comumente aparece como áreas multifocais de alopecia, pápulas ou pústulas foliculares, colaretes epidérmicos e crostas serosas. O tronco, a cabeça e as extremidades proximais são as áreas mais afetadas. As raças de pelo curto
frequentemente apresentam pápulas superficiais múltiplas que parecem semelhantes a uma urticária, pois a inflamação nos folículos e regiões adjacentes faz com que os pelos fiquem mais eretos. Geralmente os pelos possuem epilação
facilitada, característica importante que ajuda a distinguir a piodermite superficial da urticária verdadeira, na qual os pelos não epilam. Na piodermite bacteriana, os pelos afetados caem e progridem para áreas de alopecia focais de 0,5 a 2
cm de diâmetro. Nas margens destas áreas de perda de pelo, a formação suave de colaretes epidérmicos pode estar presente, mas pústulas foliculares e eritema são sempre ausentes em raças de pelo curto, dificultando o diagnóstico. Collies
e pastores de Shetland frequentemente apresentam áreas difusas de alopecia generalizada, com eritema suave e formação de colaretes epidérmicos na borda da área expandida, mimetizando frequentemente uma endocrinopatia. Raramente
se encontram pústulas e crostas.
Os sinais de dermatite profunda em cães são dor, crostas, odor e exsudação de sangue e pus. Eritema, inchaço, ulcerações, crostas hemorrágicas e bolhas, alopecia e tratos drenantes com exsudato serohemorrágico ou purulento também
podem estar presentes. Pode haver envolvimento de qualquer área, porém regiões como ponta do focinho, queixo, cotovelos, jarretes, áreas interdigitais e as soldras laterais são mais propensos a infecções profundas. Granulomas acrais por
lambedura e áreas de dermatite piotraumática também são manifestações clínicas de piodermite profunda. Furunculose interdigital (p. 918) é outra manifestação de piodermite profunda. Arestas de vegetais, queratina descamada das hastes
pilosas ou de folículos pilosos rompidos e outros corpos estranhos tem importante papel na reação inflamatória associada às piodermites profundas.
A piodermite superficial em gatos geralmente é causada por Staphylococcus intermedius e quase sempre é negligenciada e pouco diagnosticada. O sinal clínico mais comum é descamação, particularmente sobre toda a área lombossacral;
escamas permeadas nos pelos são sinais comuns. Raramente encontramse pústulas intactas. Pioderma felino é uma condição comum em alergopatias cutâneas, doenças parasitárias e acne mentoniana felina.
Dermatite miliar pode ser uma manifestação clínica de piodermite superficial. Gatos com piodermites profundas se apresentam frequentemente com alopecia, ulcerações, crostas hemorrágicas e tratos drenantes. Placas eosinofílicas são
apresentações clínicas comuns de piodermite profunda secundária a doenças alérgicas. Piodermites profundas recidivantes não curáveis em gatos podem estar associadas a doenças sistêmicas, como infecções por vírus da imunodeficiência
felina ou leucemia viral felina ou micobacteriose atípica.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico de piodermite superficial geralmente é realizado pelos sinais clínicos – perda de pelo, escamas, eritema, pápulas, pústulas e colaretes epidérmicos. Os diagnósticos diferenciais da piodermite superficial são:
demodiciose, dermatite por Malassezia, dermatofitose e outras causas de foliculite, bem como doenças incomuns formadoras de crostas, como o pênfigo foliáceo. O diagnóstico da piodermite também deve incluir passos para identificar
quaisquer causas predisponentes.
A identificação das lesões dermatológicas descritas anteriormente permite um diagnóstico presuntivo de piodermite superficial. Os imprints diretos das pústulas intactas, das áreas subjacentes às crostas ou aos colaretes epidérmicos ou
das áreas eritematosas úmidas podem identificar cocos, bastonetes ou infiltrados de células inflamatórias. Os imprints das áreas de perda de pelos e escamas podem somente revelar grande número de ceratinócitos descamativos. Umas das
razões mais importantes de se fazer o decalque é determinar se há infecção intercorrente por Malassezia ou se há colonização excessiva; há uma relação simbiótica entre Staphylococcus e Malassezia, e ambos são notados em cerca de 50%
dos casos. A infecção não se resolverá sem terapia antimicrobiana sistêmica. São necessários vários raspados cutâneos profundos para descartar as infecções parasitárias, em particular Demodex canis. Deve ser feita cultura fúngica para
descartar dermatofitose. Obrigatoriamente devemse realizar testes de cultura bacteriana e antibiogramas nos casos de piodermite profunda e piodermite superficial recidivantes.
Resultados mais precisos dos testes são obtidos diante pústulas intactas ou da ruptura induzida de lesões profundas. É necessário cuidado na interpretação dos resultados de cultura das amostras de lesões com crostas, pápulas, colaretes
epidérmicos e tratos fistulosos porque a contaminação é mais provável do que a de amostras obtidas de lesão fechada. Terapia antimicrobiana empírica é apropriada nas piodermites superficiais leves e de primeira infecção, sem nenhum
fator complicador.
As condições subjacentes desencadeadoras mais comuns para a piodermite superficial são pulgas, dermatite alérgica a pulga, atopia, alergia alimentar, hipotireoidismo, hiperadrenocorticismo e maus cuidados. Testes diagnósticos
apropriados e tratamento destas condições predisponentes são obrigatórios. As causas mais comuns de piodermite bacteriana recidivante são falha na identificação destas condições predisponentes, terapia antimicrobiana não apropriada
(dose muito baixa ou duração muito curta da terapia), uso concomitante de glicocorticoides, antibiótico inapropriado ou dose incorreta.
TRATAMENTO: O tratamento primário da piodermite superficial deve ser realizado com antibióticos apropriados por = 21 dias e preferencialmente, por 30 dias. Todas as lesões clínicas (exceto o recrescimento completo das áreas alopécicas
e a resolução das áreas hiperpigmentadas) devem estar resolvidas pelo menos 7 dias antes da interrupção dos antibióticos. As piodermites profundas, crônicas e recidivantes normalmente exigem 8 a 12 semanas ou mais para a resolução
completa.
Piodermites bacterianas que aparecem pela primeira vez podem ser tratadas com terapia antibiótica empírica, com lincomicina, clindamicina, eritromicina, sulfametoxazoltrimetoprima, trimetoprimasulfadiazina, cloranfenicol,
cefalosporinas, amoxicilina com ácido clavulânico triidratado ou sulfadimetoxinaormetoprima.
Amoxicilina, penicilina e tetraciclina são escolhas inapropriadas para o tratamento da piodermite superficial ou profunda porque não são efetivas em 90% dos casos. Fluorquinolonas não devem ser utilizadas como terapia empírica.
Piodermite profunda grave, piodermite recidivante ou piodermites bacterianas de primeira infecção que não respondem a terapia devem ser tratadas com base nas culturas e antibiogramas.
Os antibióticos tópicos podem ser úteis na piodermite superficial focal. Pomada de mupirocina a 2% penetra bem na pele e é útil na piodermite profunda, não é sistemicamente absorvida, não apresenta nenhuma sensibilização por contato
e não é utilizada como um antibiótico sistêmico, o que aumentaria a probabilidade de resistência cruzada. Não é muito eficaz contra bactérias Gramnegativas. A pomada não deve ser utilizada em gatos com algum histórico ou suspeita de
doença renal porque a preparação contém propilenoglicol. A neomicina provavelmente causa mais alergia por contato que as outras substâncias tópicas e possui uma eficácia variável contra as bactérias Gramnegativas. A bacitracina e a
polimixina B são mais eficazes contra as bactérias Gramnegativas que os outros antibióticos tópicos, mas são inativadas nos exsudatos purulentos.
A atenção com a higiene com frequência é negligenciada no tratamento da piodermite superficial e profunda. O pelo deve ser cortado em pacientes com piodermite profunda e cuidados profissionais de higiene são recomendados para
cães de pelagem média a longa com piodermite superficial generalizada. Isso removerá o excesso de pelos, que acumulam resíduos e bactérias e facilitará a higiene. Gatos de pelo longo também se beneficiaram do corte dos pelos.
Cães com piodermite superficial devem ser banhados 2 a 3 vezes/semana durante as primeiras 2 semanas de terapia e depois 1 a 2 vezes até a infecção ser resolvida. Cães com piodermite profunda podem precisar de hidroterapia diária.
Xampus medicamentosos podem ser prédiluídos na proporção 1:2 até 1:4 antes da aplicação para facilitar ensaboar, espalhar e enxaguar. Xampus antibacterianos apropriados são: peróxido de benzoíla, clorexidina, clorexidinacetoconazol,
lactato de etila e triclosana. A terapia com xampu ajudará a remover bactérias, crostas e escamas, bem como a reduzir prurido, odor e oleosidade associados à piodermite. A melhora clínica na piodermite superficial pode não ser evidente
antes de 14 a 21 dias e a recuperação pode não ser tão rápida como esperada.
Há preocupação crescente no desenvolvimento de estafilococos resistentes à meticilina (MRS). Para minimizar o desenvolvimento de MRS, devemse utilizar antibióticos de menor espectro no tratamento das piodermites. Piodermite
bacteriana recidivante, pioderma profundo e/ou pacientes com histórico de uso extensivo de antibióticos são tratados da melhor forma, baseados nos resultados da cultura e antibiograma. Terapia antimicrobiana tópica agressiva
concomitante é útil. Evitar o uso de fluorquinolonas e cefalosporinas de segunda e terceira geração como terapia empírica é importante para minimizar o desenvolvimento de estafilococos multirresistentes.
DERMATOFITOSE (Tinha)
Dermatofitose é uma infecção de tecidos ceratinizados (pele, pelos e unhas) por 1 dos 3 gêneros de fungos coletivamente denominados de dermatófitos – Epidermophyton, Microsporum e Trichophyton (ver infecções fúngicas, p. 679). Estes
fungos patogênicos são notados mundialmente e todos os animais domésticos são suscetíveis. Nos países desenvolvidos, as maiores consequências econômicas e de saúde pública provêm da dermatofitose dos gatos domésticos e dos
bovinos. Umas poucas espécies de dermatófitos são habitantes do solo (geofílicos), por exemplo, M. gypseum e T. terrestre e causam doença nos animais expostos ao solo, por cavar ou revirar o solo. Outras espécies são adaptadas ao
hospedeiro humano (antropofílicas), por exemplo, M. audouinii e T. rubrum e raramente infectam outros animais. Os patógenos animais mais importantes mundialmente são M. canis, M. gypseum, T. mentagrophytes, T. equinum, T.
verrucosum e M. nanum. Estas espécies são zoonóticas, especialmente as infecções por M. canis nos gatos domésticos e por T. verrucosum nos bovinos e cordeiros. As espécies zoofílicas são transmitidas primariamente pelo contato com
indivíduos infectados e fômites contaminadas, como móveis, ferramentas de higiene ou cravos de ferradura. A exposição ao dermatófito nem sempre resulta em infecção. O estabelecimento da infecção dependerá de vários fatores, como a
espécie fúngica, idade do hospedeiro, imunocompetência, condição das superfícies cutâneas expostas, comportamento de higiene do hospedeiro e estado nutricional. A infecção deflagra a imunidade específica, tanto humoral como celular,
que confere uma resistência incompleta e de curta duração à infecção ou doença subsequente.
Na maioria das circunstâncias, os dermatófitos crescem somente nos tecidos ceratinizados e a infecção em avanço para quanto atinge as células vivas ou um tecido inflamado. A infecção começa em um pelo em crescimento ou no estrato
córneo, onde se desenvolvem hifas cordoniformes dos artrósporos infectantes ou dos elementos hifais fúngicos. As hifas podem penetrar na haste pilosa e a enfraquecer, o que, acrescido de inflamação folicular, leva ao sinal clínico comum
de queda macular de pelos. À medida que a infecção amadurece, desenvolvem–se grupos de artrosporos na superfície externa das hastes pilosas infectadas. Os pelos quebrados com esporos associados constituem fontes importantes para a
propagação da doença. Conforme se desenvolvem a inflamação e a imunidade do hospedeiro, a disseminação da infecção é inibida, embora esse processo possa durar várias semanas. Portanto, para a maioria dos hospedeiros adultos
saudáveis, as dermatofitoses são autolimitantes. Nos animais jovens ou debilitados e em alguma extensão nos Yorkshire terriers e nas raças de pelo longo de gatos domésticos, a infecção pode ser persistente e disseminada.
A dermatofitose é diagnosticada por meio de cultura fúngica, exame com lâmpada de Wood e exame microscópico direto dos pelos ou das escamas cutâneas. A cultura fúngica constitui o meio diagnóstico mais preciso. Podese utilizar o
meio de teste dermatofítico (MTD) no contexto clínico. As lesões escolhidas devem ter o pelo depilado no comprimento de cerca de 0,3 cm. A área deve ser gentilmente atingida com uma esponja umedecida com álcool e depois deve ser
seca, para reduzir a contaminação com fungos saprófitas. Devemse coletar restos de pelos e escamas cutâneas para colocação no ágar, que deve ser depois folgadamente coberto para evitar o ressecamento. A incubação em temperatura
ambiente é suficiente, exceto quando se cultiva T. verrucosum dos alimentos dos animais de produção ou de lã, em casos nos quais se torna necessária incubação a 37°C. T. equinum requer ácido nicotínico se a cultura for de crescimento
primário e alguns isolamentos de T. verrucosum requerem tiamina ou tiamina e inositol.
O crescimento dermatofítico geralmente ficar aparente em 3 a 7 dias, mas pode exigir até 3 semanas em qualquer tipo de MTD. Os dermatófitos que crescem no MTD fazem com que o meio mude para vermelho no momento da primeira
formação de colônia visível. Os fungos dermatofíticos possuem micélios felpudos a granulares, com coloração branca a amarelada. As colônias contaminantes saprófitas são brancas ou pigmentadas e quase nunca produzem mudança de
coloração inicial no MTD. O diagnóstico definitivo e a identificação da espécie requerem a remoção das hifas e dos macroconídeos da superfície da colônia com uma fita de acetato e exame microscópico com coloração com azul de
algodão lactofenólico.
A lâmpada de Wood é útil nos exames de triagem para infecções por M. canis nos gatos e cães. Os pelos infectados fluorescem em verdeamarelado; no entanto, somente = 50% das infecções por M. canis fluorescem e as outras espécies
fúngicas nos animais não o fazem. Portanto, os exames com lâmpada de Wood negativos não são significativos. Podem ocorrer exames falsopositivos, especialmente nas dermatopatias seborreicas oleosas. Devemse sempre cultivar os
pelos fluorescentes para confirmar o diagnóstico.
O exame microscópico direto dos pelos ou dos raspados cutâneos pode permitir um diagnóstico precoce pela demonstração das hifas ou dos artrósporos característicos na amostra. Esta técnica é mais útil no diagnóstico da dermatofitose
nos grandes animais do que nos pequenos. Devemse examinar os pelos (preferivelmente os brancos) e os raspados provenientes da periferia das lesões, quanto a elementos fúngicos, em uma preparação úmida de hidróxido de potássio a
20% que tenha sido aquecida suavemente ou incubada em uma câmara de umidade durante a noite.
Há um teste sorológico de ELISA, para o diagnóstico da dermatofitose canina, desenvolvido para pesquisa, no entanto ainda não está disponível comercialmente. A sensibilidade e especificidade são altas e semelhantes à obtida por
cultura em MTD, porém resultados positivos podem ser observados após a eliminação da infecção por dermatófitos. A reação cruzada com outros dermatófitos não permite a identificação das espécies, o que é importante para a
identificação da fonte de infecção.
Bovinos
Trichophyton verrucosum é causa frequente de dermatofitose nos bovinos, porém também foram isolados T. mentagrophytes, T. equinum, Microsporum gypseum, M. nanum, M. canis e outros. A dermatofitose é mais comumente
reconhecida nos bezerros, nos quais as lesões perioculares não pruriginosas são mais características, embora geralmente possa se desenvolver uma dermatopatia generalizada. Relatase que vacas e novilhas desenvolvem lesões com maior
frequência no peito e nos membros e os touros, na barbela e na pele intermaxilar. As lesões são características e discretas, constituídas por placas descamativas de queda de pelos, com formação de crostas brancoacinzentadas, mas algumas
apresentamse com crostas espetas supurativas. A tinha, como um problema de saúde de rebanho, é mais comum no inverno e mais comumente reconhecida nos climas temperados e nas raças bovinas inglesas do que nas zebuínas.
Muitos tratamentos tópicos são realizados com êxito nos bovinos, mas como a recuperação espontânea é comum, é difícil comprovar a eficácia. Os animais valiosos ainda devem ser tratados individualmente, pois isso pode limitar a
progressão das lesões existentes e a propagação para outros no rebanho. As crostas espetas devem ser removidas gentilmente com uma escova e o material deve ser queimado ou desinfetado com solução de hipoclorito. As opções de
tratamento dependem das limitações no uso de alguns agentes nos animais destinados para abate. Os agentes descritos como úteis são: os lavados ou sprays de cal de enxofre 4%, de hipoclorito de sódio 0,5% (alvejante doméstico em 1:10),
clorexidina 0,5%, povidona–iodo 1%, natamicina e enilconazol. As lesões individuais podem ser tratadas com loções de miconazol ou clotrimazol. Encontrase em uso uma vacina fúngica atenuada em alguns países exceto nos EUA; a
vacina tem sido utilizada nos programas de controle e erradicação, com diminuição do número de novos rebanhos infectados. A duração da imunidade é longa; A vacina previde o desenvolvimento das lesões clínicas, transmissão a outros
animais e contaminação ambiental. O programa de vacinação combinado com um protocolo de limpeza e desinfecção pode ajudar a eliminar os sinais de dermatofitose e erradicala do rebanho. A vacinação auxilia amplamente na redução
da incidência da doença zoonótica nos tratadores de animais e família, veterinários e pessoas que trabalham em abatedouros e curtumes. Não se encontra disponível nenhuma vacina viva atenuada na América do Norte.
Cães e Gatos
Nos cães, cerca de 70% dos casos são causados por Microsporum canis, 20% por M. gypseum e 10% por Trichophyton mentagrophytes; nos gatos, 98% dos casos advêm de M. canis. A lâmpada de Wood é útil no estabelecimento do
diagnóstico presuntivo da dermatofitose nos cães e nos gatos, mas não pode ser utilizada para descartar esta infecção. O diagnóstico definitivo deve ser estabelecido por uma cultura em MTD (ver anteriormente). A detecção da infecção nos
animais portadores assintomáticos é facilitada pela escovação do pelame com uma escova de dente nova e, então, pela sua inoculação em uma placa de cultura, por pressão das cerdas na superfície do meio.
A aparência clínica da tinha nos gatos é bastante variável. Os filhotes são mais comumente afetados. As lesões típicas consistem em alopecia focal, descamação e formação de crostas; a maior parte destas áreas se situa ao redor das
orelhas, na face e nas extremidades. Os gatos com infecções clinicamente inaparentes ainda podem servir como fonte de infecção para outros gatos ou pessoas. Ocasionalmente, a dermatofitose nos gatos causa dermatite miliar felina e é
pruriginosa. Os gatos com dermatofitose generalizada desenvolvem, às vezes, nódulos ulcerados cutâneos, conhecidos como granulomas dermatofíticos ou pseudomicetomas.
As lesões nos cães são classicamente alopécicas, com placas escamosas e com pelos quebrados. Os cães também podem desenvolver foliculite e furunculose regional ou generalizada, com pápulas e pústulas. Uma forma nodular focal de
dermatofitose nos cães é a reação de quérion. Nos cães adultos, a tinha generalizada é incomum, geralmente sendo acompanhada por imunodeficiência, sobretudo por hiperadrenocorticismo endógeno ou iatrogênico. Nos cães, os
diagnósticos diferenciais das lesões clássicas de tinha são: demodiciose, foliculite bacteriana e dermatite seborreica.
Em cães e gatos de pelo curto, a dermatofitose geralmente ser autolimitante, mas a resolução pode ser acelerada pelo tratamento. O outro objetivo primário de terapia é evitar a contaminação ambiental e a propagação da infecção para
outros animais e pessoas. No entanto, não há estudos controlados que provam que o corte da pelagem diminui a duração da infecção, estudos clínicos suportam esta afirmação, pelo menos para os gatos com pelo longo e/ou dermatofitose
generalizada, mesmo se as lesões piorarem inicialmente ou se disseminarem. A descontaminação ambiental com alvejante (diluição de 1:10) ou solução de enilconazol (0,2%) é efetiva.
A terapia tópica no corpo inteiro pode acelerar a cura clínica (e não a cura micológica) e diminuir a contaminação ambiental. Estudos in vitro e in vivo demonstraram poder antifúngico de imersões de calda sulfocálcica (1:16),
condicionadores com enilconazol (0,2%), miconazol 2% e a combinação de xampu com miconazol 2% e clorexidina. Estes podem ser apropriados como terapia adjuvante. O condicionador de enilconazol ainda não está disponível
rotineiramente nos EUA em formulação aprovada para cães e gatos. O uso tópico de condicionador de enilconazol demonstrou em um estudo, potencial para causar hipersalivação, fraqueza muscular idiopática e leve aumento da atividade
sérica de ALT. As lesões locais podem ser tratadas efetivamente com miconazol ou clotrimazol tópicos.
Nos casos crônicos ou graves e na tinha em raças felinas de pelo longo e nos Yorkshire terriers, indicase terapia sistêmica. Foram utilizadas com sucesso: itraconazol, fluconazol, terbinafina, cetoconazol e griseofulvina. A formulação
micronizada de griseofulvina pode ser utilizada em cães (25 a 100 mg/kg, 1 vez/dia ou em doses divididas) e em gatos (25 a 50 mg/kg, diariamente, em doses fracionadas), sendo melhor absorvida quando administrada junto com refeições
gordurosas. As formulações ultramicronizadas utilizadas em medicina humana podem ser utilizadas em baixas doses (10 a 15 mg/kg). Não há preparação de griseofulvina veterinária atualmente aprovada para uso em cães e gatos nos EUA.
Os gatos podem desenvolver supressão de medula óssea, especialmente neutropenia, nas doses mais altas como reações idiossincrásicas. Este efeito é mais comum em gatos FIVpositivos. Tanto em cães como nos gatos, uma sequela
bastante comum da administração de griseofulvina são sinais gastrintestinais.
Outros tratamentos eficazes são: itraconazol (5 a 10 mg/kg, 1 vez/dia, ou pulsoterapia 5 a 10, 1 vez/dia, por 28 dias, seguida de administração em semanas alternadas – semana sim, outra não), cetoconazol (5 a 10 mg/kg, 1 vez/dia),
fluconazol (5 a 10 mg/kg, 1 vez/dia) e terbinafina (30 a 40 mg/kg, 1 vez/dia). Constatouse concentração de terbinafina maior do que a concentração inibitória mínima nos pelos dos animais tratados durante 5,3 semanas, após 2 semanas de
tratamento diário. Isto pode indicar o seu uso potencial como medicamento em pulsoterapia após 2 semanas de tratamento diário. Nenhum destes medicamentos é aprovado para uso em animais domésticos nos EUA. Ainda, o cetoconazol
geralmente causa anorexia em gatos e não é utilizado tão frequentemente nesta espécie. Os tratamentos sistêmicos e tópicos da dermatofitose devem continuar por 2 a 4 semanas depois da cura clínica ou até que se obtenha uma cultura de
escova negativa. Geralmente, a cultura é submetida após o mínimo de 1 mês de terapia ou quando as lesões clínicas forem mínimas ou ausentes. Nas doenças crônicas e/ou em ambientes desafiadores, a interrupção do tratamento é mais
apropriada após 2 a 3 culturas fúngicas negativas consecutivas, obtidas com intervalos semanais ou a cada 2 semanas. A eficácia do lufenuron tanto no tratamento quanto na prevenção não foi comprovada.
Equinos
Trichophyton equinum e T. mentagrophytes são as principais causas de tinha em equinos, embora Microsporum gypseum, M. canis e T. verrucosum também foram isolados de alguns casos. Os sinais clínicos consistem em uma ou mais
placas de alopecia e eritema, descamação e formação de crostas, que se encontram presentes em graus variáveis. As lesões iniciais podem lembrar uma urticária papular, mas progridem para a formação de crostas e queda de pelos em
poucos dias. O diagnóstico é confirmado por cultura. Os diagnósticos diferenciais são: dermatofilose, pênfigo foliáceo e foliculite bacteriana. A transmissão ocorre por contato direto ou implementos de higiene e cravos de ferradura. A
maior parte das lesões é observada nas áreas da sela e da cintura (“coceira da cintura”).
O tratamento em geral é tópico, pois a terapia sistêmica é cara e não tem eficácia comprovada. Podemse recomendar loções de corpo inteiro, como as descritas anteriormente para os bovinos e as lesões individuais são tratadas com
preparações de clotrimazol ou miconazol. Os implementos de higiene e os cravos de ferradura devem ser desinfetados e os equinos afetados devem ser isolados.
Suínos, Ovinos e Caprinos
Nos suínos, a dermatofitose geralmente é provocada por Microsporum nanum. As lesões correspondem a anéis de inflamação ou de manchas marrons, que se alastram centrifugamente até um diâmetro de 6 cm. As lesões são praticamente
assintomáticas em adultos e a tinha nos suínos geralmente tem pouca consequência econômica. Infecções zoonóticas em funcionários de fazenda não são comuns.
A tinha é um problema incômodo e comum nos cordeiros de exposição, mas é incomum nos rebanhos ovinos e caprinos de produção. As espécies infectantes são: M. canis, M. gypseum e T. verrucosum. Nos cordeiros, as lesões são mais
observadas na cabeça, mas as lesões disseminadas podem ficar aparentes sob a lã nos cordeiros tosquiados para exposição. Os cordeiros infectados não devem receber certificados de transporte para exposição até que haja resolução da
infecção. Como existem poucas evidências de que os cordeiros com rúmen funcional absorvam a griseofulvina em níveis eficazes, o tratamento é mais bem executado com soluções de hipoclorito de sódio ou condicionadores de enilconazol
(quando disponível). Nos cordeiros saudáveis, como nas outras espécies, estas infecções são autolimitantes, mas muitas vezes a resolução não fica evidente a tempo de salvar o uso do animal no circuito de exposições.
TUMORES CUTÂNEOS E DE TECIDOS MOLES
Os tumores cutâneos são as neoplasias diagnosticadas com maior frequência nos animais domésticos, em parte porque podem ser identificados facilmente e em parte pela exposição constante da pele ao ambiente externo, que predispõe o
tegumento à transformação neoplásica. Produtos químicos carcinogênicos, radiação ionizante e viroses foram implicados, mas fatores hormonais e genéticos também podem ter papel no desenvolvimento das neoplasias cutâneas.
A pele é uma estrutura complexa, composta por vários tecidos epiteliais (epiderme e anexos), mesenquimais (tecido conjuntivo fibroso, vasos sanguíneos, tecido adiposo) e neurais e neuroectodérmicos (nervos periféricos, células de
Merkel, melanócitos), todos com potencial para o desenvolvimento de tumores distintos. Em razão da diversidade dos tumores cutâneos, sua classificação é difícil e muitas vezes controversa. Também há controvérsia quanto ao critério
utilizado para definir se uma lesão que surge na pele ou em tecidos moles é neoplásica e, se for, se ela é benigna ou maligna. Para evitar confusão, os seguintes termos serão utilizados nessa discussão: Hamartoma (nevo) é um defeito de
desenvolvimento localizado, associado ao aumento de um ou mais elementos da pele. Um hamartoma sebáceo, por exemplo, se refere a uma região localizada da pele onde as glândulas sebáceas são extremamente proeminentes e, às vezes,
mal formadas. Embora por definição rigorosa os hamartomas estejam presentes ao nascimento, eles podem, ocasionalmente, demorar longo tempo para alcançar um tamanho clinicamente aparente e podem não ser diagnosticados antes que
o animal se torne adulto. Para confundir ainda mais, algumas lesões com aspectos clínicos e histológicos de um hamartoma congênito podem se desenvolver em animais adultos. É difícil diferenciar tais hamartomas “adquiridos” de
neoplasias epiteliais e mesenquimais benignas. Na literatura médica humana e em alguns textos veterinários, o termo “nevo” é utilizado como sinônimo de hamartoma. Uma neoplasia benigna é localizada, não infiltrativa e, em razão da
presença de uma cápsula que a envolve, é facilmente excisada. Neoplasia de malignidade intermediária é localmente infiltrativa e sua extirpação é difícil, porém não há metástase. Neoplasia maligna é infiltrativa e com potencial
metastático.
Embora as neoplasias cutâneas sejam caracteristicamente nodulares ou papulares, elas também podem se apresentar como placas alopécicas generalizadas ou localizadas, placas e manchas eritematosas e pigmentadas, vergões ou úlceras
que não cicatrizam. A variabilidade de apresentações clínicas das neoplasias torna difícil diferenciar uma neoplasia de uma doença inflamatória; além disso, distinguir um tumor benigno de um maligno é ainda mais subjetivo, uma vez que
sarcomas ou carcinomas, no início do seu desenvolvimento, podem se apresentar como massas palpáveis encapsuladas discretas. Para estabelecer um diagnóstico definitivo, em geral, é necessário exame histopatológico. A exame citológico
também pode ser útil e, para algumas neoplasias (p. ex., tumor de célula redonda), o seu valor pode ser igual ou maior que o exame histopatológico.
A terapia depende muito do tipo de tumor, de sua localização e do tamanho, bem como das manifestações clínicas do animal. Para neoplasias benignas não associadas à ulceração ou disfunção clínica, não realizar tratamento pode ser a
alternativa mais prudente, em especial em cães idosos.
Para doenças neoplásicas mais agressivas ou tumores benignos que inibem a função normal ou são cosmeticamente inaceitáveis, há várias opções terapêuticas. Para a maioria, a intervenção cirúrgica com extirpação completa implica
maior chance de cura, com o menor custo e, em geral, com menos reações adversas. A lumpectomia é adequada para lesões benignas, porém, se há suspeita de malignidade, a lesão deve ser removida com margem cirúrgica ampla (3 cm).
Para os tumores que não podem ser completamente extirpados, a remoção parcial ou a diminuição de volume pode prolongar a vida do animal e aumentar a eficácia da radiação ou da quimioterapia. A criocirurgia também é uma opção,
embora seja mais efetiva em lesões superficiais benignas do que em neoplasias cutâneas malignas. A radioterapia possui maior valor para neoplasias infiltrativas que não são extirpáveis cirurgicamente ou quando a intervenção cirúrgica
pode causar comprometimento físico inaceitável. A quimioterapia pode ser utilizada como método primário para o tratamento de neoplasias malignas ou como terapia auxiliar à cirurgia ou radioterapia. Na pele, ela é mais comumente
utilizada para tratar tumores de células redondas (p. ex., linfossarcomas, mastocitomas, tumores venéreos transmissíveis etc.) ou tumores sólidos que não podem ser excisados completamente. Embora, em geral, sejam paliativas, remissões
longas podem ser obtidas às vezes. Outras formas de terapia incluem hipertermia, terapia a laser, terapia fotodinâmica, terapia antiangiogênica, terapia genética e imunoterapia.
Diagrama que mostra estrutura semelhante a um polvo, comum a várias neoplasias cutâneas malignas, razão pela qual alguns tumores não são completamente ou adequadamente extirpados na cirurgia. As margens completas, com frequência, não são “adequadas” ou amplas o suficiente para evitar
recidiva, devido às células residuais deixadas no leito tumoral e ao seu redor. Cortesia da Dra. Alice Villalobos.
SARCOIDE EQUINO
Sarcoide equino é o tumor mais frequentemente diagnosticado nessa espécie, representando 20% de todas as neoplasias de equinos e 36% de todos os tumores de pele nesta espécie. Estudos recentes sugerem que não há predisposição
significativa quanto ao sexo ou idade.
O sarcoide equino raramente representa risco à vida do animal, mas pode comprometer o uso do animal, o que pode acarretar preocupação quanto ao seu impacto econômico. Eles também apresentam implicações importantes ao bem
estar do animal, em particular em países em desenvolvimento, nos quais os equídeos, principalmente burros, são amplamente utilizados como animais de trabalho.
Sarcoides podem ocorrer como lesões únicas ou múltiplas, em formas diferentes, variando de pequenas lesões semelhantes a verrugas a grandes crescimentos ulcerados e fibrosos. Seis quadros clínicos são reconhecidas: 1) Oculto –
lesões achatadas, acinzentadas, alopécicas e persistentes; com frequência circulares ou quase circulares; 2) Verrucoso – acinzentado, de aparência escamosa ou verrucosa, que pode conter nódulos pequenos e sólidos; possível ulceração da
superfície; bem delimitados ou grandes, com áreas pouco definidas; 3) Nodular – nódulos sólidos múltiplos, discretos, de tamanho variável; podem ulcerar e sangrar; 4) Fibroblástico – massas de tecido, com pedúnculo estreito ou base
ampla e achatada, que sangra com facilidade; podem apresentar superfície úmida e hemorrágica; 5) Misto – misturas variadas de dois ou mais tipos; 6) Malevolente – um tumor raro e extremamente agressivo que se espalha extensivamente
por toda a pele; cordões de tecido tumoral dispersos como nódulos e lesões fibroblásticas ulceradas.
As lesões podem ocorrer em qualquer local do corpo, mas são mais comuns na região paragenital, partes ventrais do tórax e abdome e na cabeça. Com frequência, se instalam em locais de lesão e cicatriz prévias. O sarcoide equino pode
se assemelhar a outros tumores de pele, como fibropapilomas benignos e, também, outras condições cutâneas como tecido de granulação exuberante (carne esponjosa). Uma lesão individual em um equino pode ser difícil de diagnosticar,
mas vários tumores (com frequência de mais de um tipo) com aspectos característicos em um equino tornam o diagnóstico clínico razoavelmente fácil. O diagnóstico definitivo pode ser obtido por meio de biopsia, no entanto, a coleta de
uma amostra representa risco de estimular a expansão considerável e incontrolável da lesão.
O papilomavírus bovino (PVB), principalmente dos tipos 1 e 2, atualmente é considerado o principal agente etiológico do sarcoide equino. Em equinos, pode haver predisposição genética associada a antígenos leucocitários; raças e
linhagens particulares parecem ser mais suscetíveis à doença.
A forma de transmissão ainda não foi confirmada. O PVB1 foi detectado recentemente em várias espécies de moscas comuns (p. ex., mosca doméstica, mosca dos estábulos) e, em razão da aparente predileção do desenvolvimento de
sarcoide em locais de feridas, propôsse que as moscas podem atuar como vetores, uma vez que pousam em feridas de diversos animais. Alternativamente, a infecção pelo PVB pode ser transmitida por meio de práticas de manejo, como
compartilhamento de fômites contaminados, ou pode ser transmitida a feridas existentes a partir do pasto contaminado.
Não há terapia universalmente efetiva para sarcoide, e muitos tumores podem apresentar recidiva. Os sarcoide pedunculados com colo discernível podem ser removidos pela ligadura da sua base com fitas de borracha ou material de
sutura elástico, normalmente em combinação com preparações tópicas, assim que o tumor se desprende. Outros tratamentos empregados comumente incluem crioterapia, extirpação cirúrgica ou a laser ou modulação imune local (terapia
com bacilo CalmotteGuérin). A radioterapia, mais comumente envolvendo implantes com 192Ir, é altamente efetiva no tratamento de tumores menos suscetíveis à terapia tradicional (p. ex., aqueles nos membros ou ao redor dos olhos). No
entanto, implantes de 192Ir têm alto custo e não estão amplamente disponíveis. Os sarcoides, com frequência, recidivam se tratados por extirpação cirúrgica, o que pode decorrer da ativação de PVB latente em tecidos aparentemente normais
vizinhos à lesão. Tumores maiores podem requerer a combinação de terapias (p. ex., desbridamento cirúrgico seguido de quimioterapia tópica).
Recentemente, vários tratamentos novos e promissores foram disponibilizados ou estão na fase final de testes clínicos. Esses incluem o uso de implantes intratumorais de cisplatina/emulsões e aplicação tópica de imiquimod. Também, há
relatos de sucesso na aplicação de cremes de aciclovir para uso único no tratamento de sarcoides achatados e ocultos ou a aplicação no leito da ferida de tumores maiores removidos por extirpação cirúrgica. O modo de ação do aciclovir não
é conhecido, mas ele tem custo relativamente baixo e tem uma ampla margem de segurança. O desenvolvimento de vacinas preventivas e/ou terapêuticas pode ter um papel importante nas estratégias de controle da doença no futuro, mas
estudos realizados até o momento mostraram sucesso limitado.
Um novo procedimento terapêutico usando pequenas moléculas de RNA que interferem na expressão do gene viralalvo está sendo investigada atualmente. Essa técnica tem mostrado destruição seletiva de células de pele de equinos
infectada com PVB1, in vitro.
SARCOMAS ANAPLÁSICOS E INDIFERENCIADOS
É difícil caracterizar microscopicamente esses tumores mesenquimais malignos. Sarcomas indiferenciados não possuem características distintas (p. ex., padrões de arquitetura, características citoplasmáticas e nucleares, produtos celulares).
Sarcomas anaplásicos possuem a maioria das seguintes características: variações no tamanho e forma do núcleo, hipercromasia nuclear, irregularidade notável da cromatina, figuras mitóticas anormais e grande número de figuras mitóticas.
Dessa forma, sarcomas anaplásicos, em geral, são indiferenciados, mas os sarcomas indiferenciados não são necessariamente anaplásicos. Em ambos os casos, indicase extirpação ampla; entretanto, o prognóstico geralmente é pior para
sarcomas anaplásicos do que para sarcomas indiferenciados.
TUMORES CUTÂNEOS LINFOCÍTICOS, HISTIOCÍTICOS E RELACIONADOS
Cutâneos Mastocitomas (Mastocitomas, Sarcomas de mastócitos)
Esses tumores são as neoplasias malignas ou potencialmente malignas mais frequentemente detectadas em cães. Adicionalmente, formas viscerais e leucêmicas podem ser notadas. Aventouse a possibilidade de etiologia viral, mas há
controvérsia. Os tumores podem ser observados em cães de qualquer idade (média de 8 a 10 anos). Podem se desenvolver em qualquer local da superfície corporal, bem como em órgãos internos, mas os membros (em especial as regiões
posteriores e superiores das coxas), o abdome ventral e o tórax são os locais mais comuns; aproximadamente 10% são multicêntricos. A localização dos tumores nas junções mucocutâneas ou na superfície ventral do corpo está associada a
um comportamento biológico mais agressivo. Muitas raças parecem predispostas, em especial Boxer e Pug (nos quais as neoplasias com frequência são múltiplas), Rhodesian Ridgeback e Boston Terrier. Os tumores variam acentuadamente
em tamanho e apenas a aparência clínica não permite o diagnóstico. Mais comumente, surgem como massas elevadas nodulares que podem ser macias a sólidas à palpação. Embora com frequência pareçam encapsulados, os mastocitomas
em cães raramente são discretos. Consistem de um denso agregado celular circundado perifericamente por um halo de menor número de mastócitos, que é palpado como pele normal. Os cães também podem desenvolver sinais clínicos
associados à liberação de produtos vasoativos dos mastócitos malignos. O sintoma mais comum é ulceração gastroduodenal, que pode ser notada em até 25% dos casos. O exame citológico de aspirados com agulha fina corados pelo Wright
ou de imprints podem ser utilizados para definir o diagnóstico de mastocitoma em cães. Todos os tumores cutâneos devem ser submetidos ao exame citológico de aspirado com agulha fina antes da extirpação, para excluir o diagnóstico de
tumor de mastócito. Se o cirurgião está ciente de que o tumor é um mastocitoma, um plano cirúrgico de extirpação ampla e profunda propicia melhor resultado. Todos os mastocitomas devem ser submetidos à biopsia para determinar as
margens e o estadiamento, uma vez que a citologia não substitui a histopatologia – apenas o exame histopatológico permite o prognóstico. Dois sistemas de estadiamento histopatológico foram definidos – o sistema Bostock, de 1973, e o
sistema Patnaik et al., de 1984. Para evitar confusão, é essencial saber qual o sistema utilizado.
Embora se acredite que haja uma variante benigna do tumor de mastócito canino, não há meios clínicos ou microscópicos para identificála. Além disso, mastocitomas pequenos podem permanecer quiescentes por longo tempo antes de
se tornarem agressivos. Em um estudo, verificouse uma variante subcutânea do mastocitoma canino, sem envolvimento infiltrativo dérmico primário, em aproximadamente 10% das amostras de tecidos obtidas por biopsia. Essa variante
apareceu com maior frequência nos membros pélvicos; 66% dos casos foram submetidos à extirpação completa com margens profundas. Esses tumores apresentam estadiamento histológico intermediário, menor taxa de recidiva (apenas
9%) e tempo de sobrevida maior, com taxa de metástases de apenas 6%.
Mastocitoma na pata traseira esquerda em um cão da raça Basset Hound. Cortesia da Dra. Alice Villalobos.
Não se constata recidiva em até 65% dos mastocitomas que não foram completamente extirpados. Isso sugere que seu comportamento biológico nem sempre é agressivo e que o tratamento agressivo nem sempre é necessário. Colorações
especiais podem ser utilizadas para distinguir mais adequadamente os estadiamentos tumorais. A expressão de marcadores de proliferação pode ajudar na determinação da probabilidade do mastocitoma não removido completamente
ocasionar recidiva ou metástase. Em um estudo com 30 mastocitomas, em 28 cães, a combinação de Ki67 e escores de antígenos de núcleos celulares em proliferação foi indicador prognóstico para recidivas locais. A correlação entre os
resultados dos testes e o tempo de sobrevivência pode ser útil, mas nem sempre é confiável para predizer o prognóstico. Em razão da dificuldade de subclassificar os mastocitomas caninos, todos devem ser tratados como, ao menos,
potencialmente malignos, utilizando testes especializados para determinar se é necessário tratamento adicional.
O tratamento depende do estágio clínico da doença e do comportamento biológico agressivo previsto. Para tumores em estágio I (tumor solitário limitado à derme, sem envolvimento nodal), o tratamento de preferência é a extirpação
cirúrgica completa com margens amplas; devem ser removidos, no mínimo, 3 cm de tecido saudável ao redor das bordas palpáveis, na tentativa de retirar o nódulo e o halo de células neoplásicas ao seu redor. A citologia intraoperatória
(exame dos imprints das margens do tecido extirpado) pode guiar o cirurgião, que deve continuar removendo o tecido até que as margens estejam livres de mastócitos. Se o exame histológico sugere que o tumor se estende além das margens
cirúrgicas, nova excisão deve ser realizada. Como alternativa, uma vez que os mastócitos são sensíveis à radiação, a radioterapia intraoperatória ou a radioterapia externa, após a cirurgia, pode ser curativa se o tumor remanescente é
pequeno ou pode ser observado apenas microscopicamente. Radiação combinada com hipertermia pode ser mais efetiva do que apenas radiação, para controlar mastocitomas biologicamente agressivos e locais.
Até o momento, não há consenso quanto ao tipo de terapia para mastocitomas em estágios II a IV. Para tumores em estágio II (tumor solitário com envolvimento de linfonodos regionais), as opções terapêuticas incluem extirpação da
neoplasia e do linfonodo regional acometido (se possível), prednisolona e radioterapia, sozinhos ou combinados. Triancinolona ou fosfato sódico de dexametasona, misturado com soro do paciente e injetado de maneira uniforme nos tecidos
do leito tumoral no momento da cirurgia ou no pósoperatório também pode ser útil, em especial quando se combinada radioterapia intraoperatória e radioterapia externa após a cirurgia. Há discussão sobre injeções no leito tumoral de água
hipotônica, deionizada ou destilada, após extirpação incompleta. O tratamento do tumor em estágio III (múltiplos tumores dérmicos com ou sem envolvimento de linfonodos) ou em estágio IV (qualquer tumor com metástase distante e
recidiva com metástase), em geral, é paliativo. Uma terapia recomendada é prednisolona (2 mg/kg VO, por 5 dias, seguida de dose de manutenção de 0,5 mg/kg, 1 vez/dia) ou injeções intralesionais de triancinolona (1 mg/cm do diâmetro
do tumor, a cada 2 semanas). Tratamento com antagonistas de receptores H1 e H2 para controlar os efeitos periféricos e gástricos da histamina, respectivamente, pode ser indicado aos animais com doença sistêmica ou sinais clínicos
relacionados com a liberação de histamina. Quimioterapia com alcaloides da vinca (vincristina, vimblastina), Lasparaginase e ciclofosfamida foi utilizada com alguma eficácia. Prednisona e vimblastina, utilizadas como quimioterapia
auxiliar à ressecção cirúrgica incompleta, aparentemente conferiram maior sobrevida, em comparação com cirurgia, exclusivamente, propiciando 1 a 2 anos livre da doença, em 57% dos cães, e sobrevida de 1 a 2 anos para 45% dos animais
com tumores em estágio III. Em 19 cães que receberam alta dose de lomustina, em intervalos de 21 dias, 42% dos mastocitomas mostraram respostas mensuráveis, variando de estável a parcial, com uma resposta completa. Neutropenia
surge sete dias após o tratamento, com contagens de 1.500 neutrófilos/μl.
Verificouse que novos fármacos com pequenas moléculas inibidoras de multiquinase inibem o protooncogene ativado ou modificado do receptor de tirosinoquinase cKIT, que está associado ao desenvolvimento de mastocitomas.
Recomendase coletar amostras de tecido para determinar a agressividade biológica dos mastocitomas e para pesquisar a presença do receptor da tirosinoquinase cKIT modificado, antes de iniciar o tratamento. Em um estudo com 202 cães,
com ou sem tratamento prévio, com mastocitomas cutâneos mensuráveis em estágio II ou III, sem metástase em linfonodos ou em víscera, verificouse que o uso de mastinib (12,5 mg/kg, 1 vez/dia) foi uma opção de tratamento
relativamente segura e benéfica. Outro teste clínico concluiu que o uso do inibidor do receptor de tirosinoquinase toceranib (3,25 mg/kg VO, a cada 48 h) resultou em inibição da fosforilação da tirosinoquinase (KIT) em mastocitomas
caninos e obteve–se benefício clínico com o uso contínuo. Os oncologistas veterinários são as melhores fontes de informação quanto à aplicação clínica desses novos medicamentos inibidores da tirosinoquinase, no tratamento de
mastocitomas e vários outros tumores malignos.
Em gatos, os mastocitomas cutâneos são o segundo tipo de tumor de pele mais comum; no entanto, na prática a doença é verificada apenas ocasionalmente. Além dos tumores cutâneos, formas primárias esplênicas, sistêmicas, leucêmicas
e gastrintestinais foram reconhecidas. Há duas variantes distintas da forma cutânea – um tipo mastocitário análogo, mas não idêntico, aos mastocitomas cutâneos dos cães e um tipo histiocítico, único de gatos. Os mastocitomas cutâneos
felinos podem ser solitários ou múltiplos. Os tumores primários esplênicos, sistêmicos, recidivantes e múltiplos (5 ou mais) estão associados a um prognóstico reservado.
O tipo mastocitário é o mais comum. É encontrado principalmente em gatos com mais de 4 anos de idade e pode se desenvolver em qualquer local do corpo, sendo mais comum na cabeça e no pescoço. Os tumores são nódulos simples,
alopécicos, em geral com 2 a 3 cm de diâmetro, que ocasionalmente se estendem para a gordura subcutânea. Nódulos linfoides são comuns; eosinófilos são raros. Ao contrário dos mastocitomas em cães, os tumores em gatos geralmente são
benignos e a atipia e o comportamento biológico são pouco relacionados. A extirpação cirúrgica é o tratamento de escolha; 30% dos tumores apresentam recidiva após a cirurgia; alguns ocasionam metástase. Crioterapia pode ser uma boa
opção para tratar lesões pequenas múltiplas recidivantes, já que não requer anestesia. Tumores recidivantes podem responder à quimioterapia, radioterapia e uma nova terapia com pequenas moléculasalvo (ver texto anterior).
O tipo histiocítico dos mastocitomas cutâneos em gatos é detectado principalmente em gatos Siameses com menos de 4 anos de idade. As lesões podem se desenvolver em qualquer local do corpo e aparecem como papulonódulos
subcutâneos múltiplos (miliares), pequenos (em geral 0,5 a 1 cm de diâmetro) e firmes. Normalmente, quanto mais velhos os gatos, menor o número de lesões. Pode ser difícil distinguir morfologicamente essa variante de uma resposta
inflamatória granulomatosa. Como há alguns relatos de cura espontânea desses tumores, pode não ser necessário tratamento.
Em equinos, os mastocitomas são tumores incomuns, em geral, benignos, embora metástases tenham sido relatadas e devam ser consideradas. Há dúvidas se eles são realmente uma neoplasia ou uma resposta inflamatória incomum; no
entanto, atualmente são considerados tumores causados por mutação funcional do protooncogene KIT. As lesões podem se desenvolver em qualquer parte do corpo, mas são mais comuns na cabeça e nas pernas. Tipicamente, há uma massa
solitária na derme ou na gordura subcutânea que pode se expandir e envolver os músculos adjacentes. Eritema e formação de pápula (sinal de Darrier) não são características clínicas do mastocitoma equino. A maioria dos equinos
acometidos é macho, com idade média de 7 anos, variando de 1 a 18 anos. O tumor surge como um nódulo composto por uma proliferação quase sempre monomórfica de mastócitos. À medida que a lesão progride, os mastócitos são
limitados a agregados em um estroma fibroso que circunda um grande foco de necrose liquefativa, que contém grande número de eosinófilos. Em estágios tardios, o foco necrótico passa por mineralização distrófica, e pode ser muito difícil
identificar os mastócitos. Uma vez instalada a mineralização, notase uma lesão arenosa ao corte. O sistema de estadiamento utilizado para graduar mastocitomas em cães não é confiável para uso em equinos em razão da variabilidade de
aparência histológica dos tumores nessa espécie. Alopecia e ulceração são características variáveis.
Uma variante de mastocitoma cutâneo é observada em potros recémnascidos, nos quais as lesões podem se generalizar, porém, regridem com o tempo, o que sugere uma doença equina equivalente à urticária pigmentosa em pessoas.
A terapia convencional para mastocitoma equino metastático não é satisfatória. A extirpação é o tratamento de escolha; no entanto, há relatos de que as lesões ocasionalmente ocasionam metástases. Pesquisas estão prestes a desenvolver
inibidores da proteína tirosinoquinase e fármacos de “pequenas moléculas” a preços acessíveis, como o mesilato de mastinib e o fosfato de toracenib, que têm como alvos seletivos as formas mutantes dos receptores da tirosinoquinase c
KIT.
Mastocitomas são raros em suínos e bovinos. Em suínos, a maioria aparece como nódulos cutâneos discretos e solitários. A maior parte é benigna, porém, variantes disseminadas e leucêmicas podem ocorrer. Em bovinos, a maioria é
maligna e caracterizada por nódulos cutâneos múltiplos, com frequência, acompanhados de envolvimento sistêmico; ocasionalmente, foram reconhecidas formas puramente cutâneas.
Tumores com Diferenciação Histiocítica
Esses tumores compreendem um grupo de doenças cutâneas pouco definidas, caracterizadas pela proliferação de histiócitos (macrófagos teciduais), na ausência de qualquer estímulo conhecido.
Histiocitomas cutâneos são comuns em cães e raros em caprinos e bovinos; é questionável se as lesões podem ser encontradas em gatos. Fortes evidências imunoistoquímicas sugerem que, em cães, são derivados das células de
Langerhans (processamento intraepidérmico de antígenos). Esses tumores normalmente são observados em cães com menos de 3,5 anos, mas podem ocorrer em qualquer idade. As raças com maior risco são Buldogue Inglês, Scottish
Terrier, Greyhound, Boxer e Boston Terrier. A cabeça (inclusive o pavilhão auricular) e os membros são os locais de envolvimento mais comuns, onde os tumores surgem como nódulos solitários, proeminentes e, em geral, ulcerados e
livremente móveis. Apesar de serem neoplasias comuns, os histiocitomas nem sempre são fáceis de diagnosticar histologicamente e podem ser confundidos com inflamação granulomatosa, mastocitomas, plasmocitomas e linfossarcomas
cutâneos. Os histiocitomas caninos devem ser considerados benignos e a maioria deles se cura espontaneamente em 2 a 3 meses, sem tratamento. Uma vez estabelecido o diagnóstico, com frequência em exame citológico, a extirpação
cirúrgica é a opção.
Em caprinos e bovinos, os histiocitomas são extremamente raros e se comportam da mesma maneira descrita em cães. Os histiocitomas também foram relatados em gatos jovens; no entanto, representam mais provavelmente uma forma
histiocítica de mastocitoma em gatos.
Histiocitose cutânea está associada ao desenvolvimento de numerosas placas e nódulos envolvendo a derme ou a gordura subcutânea. É rara em cães e pode se desenvolver em animais de qualquer idade, sendo mais comum em adultos
jovens. Cães das raças SharPei e Pastor Alemão podem ser predispostos. Os nódulos e as placas tendem a aumentar e diminuir, e as extremidades e o tronco são os locais mais envolvidos. As lesões não são pruriginosas e as de maior
tamanho podem ulcerar. A histiocitose cutânea raramente envolve órgãos internos, mas a natureza difusa e a aparência desagradável, em geral, forçam o proprietário a solicitar eutanásia. Várias formas de terapia foram tentadas, inclusive
glicocorticoides sistêmicos e uma combinação desses com quimioterapia. A resposta é variável; as lesões em alguns cães respondem de modo rápido e permanente, enquanto em outros há melhora transitória ou não há melhora alguma.
A histiocitose de cães da raça Bernese Mountain é uma doença sistêmica, familiar e de etiologia desconhecida, com duas manifestações – uma forma mais indolente e, em geral, cutânea, conhecida como histiocitose sistêmica e outra
mais agressiva na qual as lesões de pele são raras, conhecida como histiocitose maligna. A histiocitose maligna raramente tem sido detectada em outras raças caninas. Na histiocitose sistêmica, os machos (idade média de início dos
sintomas de 4 anos) são acometidos com maior frequência do que as fêmeas. Há múltiplos nódulos cutâneos, pápulas e placas que envolvem a pele (em especial do escroto), mucosa nasal e pálpebras. As lesões são mal delimitadas e
variavelmente alopécicas e podem ser ulceradas; se desenvolvem em surtos e regridem lentamente, recidivando apenas meses mais tarde. A doença clínica tende a ser mais grave a cada nova ocorrência de erupções. Embora a pele seja o
órgãoalvo primário, as lesões também podem se desenvolver em outros órgãos, inclusive linfonodos, baço e medula óssea. A doença pode ser manifestar como episódio clínico, mas é progressiva e, por fim, fatal.
Histiocitose maligna é observada em cães machos da raça Bernese Mountain (idade média de início dos sintomas de 7 anos) e, com menor frequência, em outras raças caninas. Pulmões, linfonodos e fígado são os órgãos mais comumente
acometidos e a doença tende a poupar a pele. Macroscopicamente, as lesões são massas firmes, solitárias e grandes, que podem ocupar grandes partes dos órgãos internos acometidos. A doença é rapidamente progressiva e não aumenta e
diminui como acontece na histiocitose sistêmica. Poucos cães sobrevivem por mais de seis meses.
Vários protocolos quimioterápicos foram utilizados para tratar ambas as formas. A fração 5 da timosina bovina pode ser benéfica na remissão dos sintomas, em especial na forma sistêmica. No entanto, ambas as formas da doença são
essencialmente fatais.
Tumores Linfoides Cutâneos
Plasmocitomas extramedulares caninos (histiocitomas atípicos, tumores neuroendócrinos cutâneos (p. 956), sarcomas de células reticulares, amiloidose nodular cutânea) são tumores cutâneos relativamente comuns. Apesar de sua origem
controversa, as células neoplásicas expressam caracteristicamente imunoglobulinas citoplasmáticas e podem provocar amiloide primário, deixando pouca dúvida quanto sua origem linfoplasmocitária. Esses tumores de cães e, raramente, de
gatos são vistos com maior frequência na cabeça (inclusive orelhas, lábios e cavidade bucal) e extremidades de animais adultos ou idosos. As raças maio suscetíveis são Cocker Spaniel, Airedale, Scottish Terrier e Poodle padrão. Os
tumores geralmente são pequenos (< 5 cm) e, às vezes, pedunculados. A maior parte dessas lesões está confinada localmente e a extirpação cirúrgica completa, porém conservadora, é o tratamento de escolha. Raramente, os plasmocitomas
extracutâneos podem ser invasivos localmente ou múltiplos (ou ambos), em especial quando se desenvolvem na cavidade bucal. A recidiva também pode estar relacionada com a presença de amiloide (p. 631). O tratamento desses tumores
permanece pouco definido. Para tumores recidivantes e invasivos, podem ser necessárias medidas mais agressivas durante a extirpação. Quando os tumores são múltiplos ou a extirpação cirúrgica não é possível, a radioterapia parece ser o
melhor tratamento. Para tumores resistentes à radiação, recomendamse quimioterápicos, como melfalana, clorambucila e ciclofosfamida, bem como glicocorticoides.
O linfossarcoma cutâneo pode surgir como uma doença na qual a pele é o local de envolvimento inicial e primário ou pode ser secundário a uma doença sistêmica interna (ver p. 72, p. 772 e p. 852). Os linfossarcomas cutâneos não são
comuns, mas foram identificados em todas as espécies domésticas. Em geral, duas formas distintas são reconhecidas – uma forma epiteliotrópica (na qual há infiltração de linfócitos malignos na epiderme e anexos) e uma forma nodular não
epiteliotrópica. Ambas normalmente expressam antígenos de superfície e citoplasmáticos característicos de linfócitos T; isso, juntamente com a detecção frequente de, no mínimo, um pequeno foco de epiteliotropismo em muitos casos das
formas “não epiteliotrópicas” em cães e gatos sugerem que podem ser variantes diferentes de um mesmo tumor.
Linfossarcoma cutâneo epiteliotrópico (LCE, micose fungoide) é a forma mais frequentemente constatada de linfossarcoma cutâneo em cães e, indiscutivelmente, em gatos. É uma doença de cães de meiaidade ou idosos, com possível
predisposição em Poodle e Cocker Spaniel. Classicamente, as lesões progridem de manchas irregulares a placas e tumores; entretanto, uma ou qualquer combinação dessas três lesões primárias pode estar presente. Por exemplo, em uma
forma de LCE conhecida como reticulose pagetoide há envolvimento mínimo, ou nenhum, da derme e as lesões cutâneas sempre surgem como manchas eritematosas irregulares. Outra característica comum da doença em cães é a presença
de áreas de alopecia secundárias à atrofia folicular causada por infiltração de células neoplásicas na bainha externa e no lúmen dos folículos pilosos. Apesar de na maioria dos casos haver envolvimento cutâneo difuso, foram identificadas
formas limitadas principalmente às membranas mucosas ou aos coxins plantares. Em razão da aparência clínica variável desse tumor, o diagnóstico baseado em características clínicas pode ser muito difícil e estágios precoces podem ser
confundidos com doenças alérgicas, autoimunes, endócrinas, infecciosas ou seborreicas. Na maioria dos casos, a lesão está limitada à pele até uma fase mais tardia da doença. LCE com leucemia concomitante é conhecida como síndrome
de Sézary.
Em cães, LCE é uma doença de progressão lenta à moderada, para a qual foram propostos muitos tratamentos. Até o momento, todos parecem ser mais efetivos na melhora dos sintomas do que no prolongamento da vida dos cães
acometidos. A metocloretamina (mostarda nitrogenada) foi utilizada no passado como terapia tópica, mas como grandes áreas do corpo do cão podem ser afetadas (inclusive membranas mucosas) e em razão do seu potencial sensibilizante
em pessoas ela não é utilizada com frequência. A doença, com frequência, responde de maneira transitória aos esteroides. Fármacos quimioterápicos, como combinações de adriamicina, clorambucila, ciclofosfamida, doxorrubicina e
vincristina, têm efetividade variável. A lomustina e os retinoides, com e sem glicocorticoides e altas doses de ácido linoleico, ocasionalmente propiciam remissão parcial ou completa.
Em gatos, LCE tende a se desenvolver em animais mais velhos. As lesões com frequência seguem uma progressão definida, aparecendo inicialmente como placas crostosas com prurido variável. Nas biopsias de lesões iniciais com
frequência temse diagnóstico de foliculite linfocítica mural. Em muitos casos em que se obtém esse diagnóstico, as lesões progridem para linfossarcomas cutâneos inequívocos. Ao contrário do LCE em cães, o epiteliotropismo, com
frequência, é extremamente discreto em gatos. Pouco se sabe a respeito da terapia ou se a terapia utilizada em cães pode ser eficiente em gatos.
O linfossarcoma cutâneo não epiteliotrópico (LCNE) é a forma mais conhecida de linfossarcoma cutâneo em todos os animais domésticos, exceto em cães e gatos. Em cães, o LCNE é mais comum em animais de meia–idade ou idosos.
As lesões são nódulos ou placas que se desenvolvem mais comumente no tronco. Em geral, os tumores são múltiplos, embora lesões solitárias possam ser notadas, em especial em gatos. Em muitos casos, o LCNE é macroscopicamente
indistinguível do estágio tumoral de LCE. Uma vez que o LCNE em cães, em geral, é mais agressivo do que LCE e o envolvimento sistêmico ocorre comumente na fase precoce da doença, o diagnóstico definitivo é importante. Várias
terapias, incluindo extirpação, quimioterapia e, com menor frequência, radioterapia foram utilizadas sozinhas ou em combinação. A extirpação é o tratamento de eleição quando a doença é limitada a um tumor solitário e a cura completa
ocasionalmente é obtida. Extirpação ou criocirurgia mais difusa raramente acarretam remissão dos sintomas por longo período. Quimioterapia ou protocolos quimioimunológicos utilizados para outras formas de linfossarcoma canino devem
ser considerados tratamentos paliativos. A remissão média é de, aproximadamente, 8 meses.
Em gatos, LCNE é uma doença de animais de meiaidade a idosos. A participação do vírus da leucemia felina permanece indefinido. As lesões são em forma de placas ou nódulos que podem ser solitários ou múltiplos, alopécicos ou com
pelos e ulcerados ou cobertos por uma epiderme intacta. LCNE felino é agressivo; mesmo quando se realiza extirpação completa de um nódulo solitário, a recidiva é comum. Até o momento, nenhuma terapia definitiva é conhecida, no
entanto, o uso da combinação de lomustina, esteroides e ácido linoleico pode ser útil.
Em equinos, LCNE (linfossarcoma nodular, linfossarcoma subcutâneo, linfossarcoma linfoistiocítico) pode ser visto em animais de qualquer idade, porém, é mais comum em animais jovens e de meiaidade. Nódulos firmes e não
ulcerados são mais comuns na gordura subcutânea da superfície ventral do corpo. Microscopicamente, dois tipos de linfossarcoma nodular foram detectados em equinos. O mais comum consiste em uma mistura de histiócitos e linfócitos
pequenos e bem diferenciados, ocasionalmente com características plasmocitoides; o segundo consiste em uma população monomórfica de grandes linfócitos atípicos, apenas com histiócitos ocasionais. A diferenciação entre essas duas
formas é importante, uma vez que a maioria dos casos de linfossarcomas cutâneos em equinos com células de características monomórficas tem envolvimento interno e a doença progride rapidamente. Ao contrário, a forma linfoistiocítica
raramente está associada a envolvimento interno e os equinos acometidos podem viver por anos. Com a progressão da forma linfoistiocítica, os nódulos tendem a se tornar mais frequentes na região cervical ventral. Em muitos casos, a
eutanásia pode ser justificada quando o envolvimento da faringe induz dispneia. Em razão do alto custo dos fármacos citotóxicos, em geral, a terapia é limitada à administração de glicocorticoides VO ou intralesional; a remissão, se ocorre,
geralmente é por um período curto.
Em bovinos, o linfossarcoma cutâneo é uma doença de animais jovens (em geral < 4 anos de idade). É um dos quadros da leucose bovina esporádica que não é transmissível. O termo leucose bovina esporádica normalmente é reservado
para as formas cutânea e tímica do linfoma em bezerros, que são definidas pela idade jovem de acometimento e pela distribuição dos tumores. A causa ou causas não são conhecidas. Apenas linfomas causados por infecção pelo vírus da
leucemia bovina devem ser denominadas leucose ou leucose bovina enzoótica. Pode também haver doenças linfossarcomatosas que não são classificadas nem como leucose bovina esporádica nem como leucose enzoótica, isto é, linfoma
multicêntrico de ocorrência esporádica de etiologia desconhecida. Presumese que o linfossarcoma cutâneo de bovinos jovens não está associado à infecção pelo vírus da leucemia bovina (p. 772) e atualmente essa enfermidade não tem
causa conhecida. As lesões são tipicamente nodulares, envolvem a derme ou a gordura subcutânea e, com frequência, são ulceradas. Não há tratamento conhecido.
Tumor Venéreo Transmissível
Veja p. 1522. Esses tumores também podem se desenvolver inicialmente na pele que contém pelos, devido à inoculação através de lesões cutâneas.
TUMORES DE ORIGEM MELANOCÍTICA
Esses tumores são mais comuns em cães, equinos tordilhos e suínos miniatura; são incomuns em bovinos e caprinos e raros em gatos e ovinos. A terminologia utilizada para descrever lesões melanocíticas em medicina veterinária é
diferente da utilizada em dermatologia humana. Em animais, os termos melanocitoma e melanoma maligno são utilizados para descrever proliferações melanocíticas benignas e malignas, respectivamente. Em pessoas, uma proliferação
melanocítica benigna (congênita ou adquirida) é denominada nevo e o termo melanoma, por definição, se refere à malignidade (i. e., em pessoas não há melanoma benigno). Além disso, embora a lesão por exposição solar seja causa
comum de tumores melanocíticos em pessoas, a lesão actínica raramente está associada ao desenvolvimento de tumores similares em animais domésticos.
Bovinos: Neoplasias melanocíticas em bovinos se desenvolvem com pouca frequência em qualquer local do corpo. Podem ser encontradas em animais de qualquer idade, mas costumam ser mais comuns em animais jovens; formas
congênitas foram reconhecidas. Bovinos da raça Angus parecem predispostos. Mais comumente, esses tumores são massas nodulares grandes benignas, densamente pigmentadas na superfície de corte. A extirpação é curativa na maioria dos
casos; entretanto, variantes malignas raras foram reconhecidas, com metástases distantes.
Cães: Melanocitomas cutâneos são diagnosticados com muito mais frequência do que os melanomas malignos. Eles desenvolvemse mais comumente na cabeça e nos membros torácicos de cães de meiaidade ou idosos. Pode haver
predileção por machos. Cães das raças Schnauzer miniatura e padrão, Doberman Pinscher, Golden Retriever, Setter Irlandes e Vizsla são as mais suscetíveis à neoplasia. Podem surgir como máculas ou manchas, como pápulas ou placas ou
como massas elevadas e, ocasionalmente, pedunculadas. A maioria possui superfície pigmentada. Apesar de, em geral, serem solitárias, as lesões podem ser múltiplas, sobretudo nas raças de risco. Esses tumores são benignos e a extirpação
completa é curativa.
Melanomas malignos se desenvolvem mais comumente em cães de mais idade do que aquele de animais que desenvolvem melanocitomas. Schnauzer miniatura e padrão e Scottish Terrier são as raças de maior risco. As junções
mucocutâneas de lábios e cavidade bucal (p. 339) e os leitos ungueais são os locais mais comuns de seu desenvolvimento. Melanomas malignos em pele que contém pelos são raros e a maioria surge no abdome ventral e no escroto. Os
machos são acometidos mais comumente do que as fêmeas. A maioria dos melanomas malignos surge como nódulos proeminentes, geralmente ulcerados e com pigmentação variável. Quando presentes nas regiões mucocutâneas dos lábios,
os tumores podem ser pedunculados com uma superfície papilar; quando se instalam no leito ungueal surgem como tumefação do dígito, normalmente com perda da unha e destruição do osso adjacente, lembrando osteomielite. Quando há
infecção de unha em um cão idoso, radiografias e biopsia profunda, com punch, são indicadas para o diagnóstico. Melanomas malignos caninos são agressivos e possuem considerável potencial metastático.
O tratamento, em geral, consiste em extirpação completa; no entanto, a natureza infiltrativa do tumor pode tornála difícil. Quando presente nos dígitos, a amputação é indicada; quando na mandíbula, uma hemimandibulectomia pode
permitir uma extirpação completa, além de aparência cosmética póscirúrgica e sobrevida aceitáveis. Em um estudo notouse que lesões rostrais na maxila ou mandíbula estavam associadas a sobrevida mais longa, de 10,9 meses.
Melanomas, em geral, são considerados insensíveis à radioterapia e não há protocolo quimioterápico altamente efetivo. A sobrevida varia de 1 a 36 meses, indicando que as variações individuais dos mecanismos de defesa do hospedeiro e a
agressividade do tumor influenciam o prognóstico. Em um estudo com 117 cães com tumores digitais, constatouse que 24 eram melanomas e sobrevida média foi de 12 meses; 42% desses sobreviveram por 1 ano e 13% por 2 anos.
Uma série de novas terapias gênicas com vacinas xenogenéticas usando plasmídio de DNA que codifica a tirosinase humana podem induzir os cães a produzir anticorpos e respostas citotóxicas de células T, que podem reduzir os
melanomas. Em testes clínicos, a vacina contra melanoma canino mostrou potencial terapêutico para cães com melanoma avançado e foi aprovada para uso nos EUA.
Caprinos: Tumores melanocíticos em caprinos são raros. São mais comuns em animais de meiaidade ou idosos e, possivelmente, na raça Angorá. Pode haver predileção por localização na faixa coronária e no úbere. As lesões são observadas
como massas múltiplas ou solitárias com pigmentação variável na superfície de corte. A maioria tende a crescer rapidamente; metástases são comuns.
Equinos: A maioria das neoplasias melanocíticas ocorre em equinos tordilhos, nos quais a pelagem se torna cinza (ou branca) com a idade. São especialmente comuns nas raças Lipizzaner, Árabe e Percheron; 80% dos equinos cinza ou
brancos, dessas raças, podem ser acometidos. Em geral são notadas em equinos mais velhos, mas normalmente começam a desenvolver em animais com 3 a 4 anos de idade; o períneo e a base da cauda são os locais de desenvolvimento
mais comuns, mas esses tumores podem se instalar em qualquer local, inclusive na região parotídea. Os tumores, com frequência, são múltiplos e podem aparecer como nódulos coalescentes, pedunculados, que costumam se estender em um
arranjo linear até a base da cauda. Aumentam em tamanho e número com o tempo. Embora a maioria seja benigna, variantes invasivas, algumas com potencial metastático, podem se desenvolver. A maioria das lesões é preta ao corte.
Muitos equinos tordilhos têm evidência de envolvimento de linfonodos; entretanto, há dúvida se o envolvimento é decorrente de metástase ou se melanócitos intranodais e melanófagos representam um estímulo dos melanócitos
extracutâneos normalmente presentes nos linfonodos. O tratamento consiste em remoção cirúrgica ou criocirurgia; entretanto, animais acometidos são predispostos ao desenvolvimento de tumores adicionais com o tempo. Pouco se sabe a
respeito da utilização de radioterapia ou de quimioterapia no tratamento de melanocitoma equino ou melanoma maligno. Relatos iniciais sugeriram que a cimetidina poderia ser útil no controle de recidiva, mas não foram apoiados por
estudos posteriores. Quimioterapia intralesional com cisplatina ou carboplatina, após a redução cirúrgica do volume, pode ser benéfica no tratamento de neoplasias grandes ou inoperáveis. A recidiva de tumores não induz resistência à
cisplatina e eles podem ser tratados uma segunda vez, às vezes, com bons resultados.
Neoplasias melanocíticas em equinos de outra cor são raras e geralmente encontradas no tronco e nas extremidades de equinos jovens (geralmente < 2 anos de idade). Podem representar expansão de uma lesão congênita. Tipicamente, os
tumores surgem como nódulos solitários. A maioria é benigna; entretanto, melanomas congênitos malignos podem se desenvolver com pouca frequência. Esses tumores são invasivos e com baixo potencial metastático. A extirpação
cirúrgica ou a criocirurgia é o tratamento de escolha. Se os tumores forem benignos e extirpados cirurgicamente, o prognóstico é excelente. Para tumores invasivos, o prognóstico é reservado.
Gatos: Neoplasias melanocíticas cutâneas não são comuns e a maioria é notada na cabeça (em especial no pavilhão auricular), pescoço e extremidades distais de animais de meiaidade ou idosos. Uma associação com a cavidade bucal e as
regiões subungueais é bem menos definida do que em cães, e uma alta porcentagem é maligna. A extirpação é o tratamento de escolha.
Ovinos: Neoplasias melanocíticas em ovinos são mais comuns em animais de meiaidade ou idosos, mas foram diagnosticadas em neonatos. São mais comuns nas raças Suffolk e Angorá, nas quais surgem como massas múltiplas,
densamente pigmentadas, na derme ou no subcutâneo. Devem ser consideradas malignas; metástases são comuns.
Suínos: Neoplasias melanocíticas dos suínos são observadas como lesões congênitas e, esporadicamente, em animais adultos das raças Sinclair (Hormel) miniatura, Duroc e seus mestiços. O acasalamento selecionado nessas raças aumentou
a prevalência dos tumores. Essas neoplasias se desenvolvem antes e após o nascimento, em qualquer local do corpo. Em geral, são múltiplos e podem aparecer como máculas ou manchas pigmentadas, com bordas lisas; como lesões
frequentemente ulceradas, proeminentes e pigmentadas; ou como tumefações azuladas, profundas e levemente elevadas. Melanomas profundamente invasivos, com frequência, estão associados a metástases. Linfonodos e pulmões são os
locais mais comuns de metástases. Nem todos os tumores se tornam invasivos, e muitos podem apresentar regressão espontânea associada a um infiltrado linfocítico intenso. Lesões melanocíticas em suínos não são tratadas; em razão da
natureza hereditária dessa doença, a prevenção por meio de acasalamento selecionado é recomendada se as lesões se tornam frequentemente na criação.
TUMORES DE TECIDO CONJUNTIVO
Sarcomas de Tecidos Moles
Esse grupo de neoplasias malignas inclui sarcoides equinos, fibromatoses, fibrossarcomas, histiocitomas fibrosos malignos, neurofibrossarcomas, liomiossarcomas, rabdomiossarcomas e variantes de lipossarcomas, angiossarcomas,
sarcomas de células sinoviais, mesoteliomas e meningiomas. Como um grupo, os sarcomas são amplamente reconhecidos, mesmo sendo neoplasias pouco caracterizadas. A confusão advém, em parte, do fato de que os sarcomas das células
fusiformes mostram uma heterogeneidade morfológica muito maior do que os carcinomas; frequentemente, os padrões de um sarcoma misturam–se com os padrões de outro. Como consequência, é amplamente aceito que a célula de origem
de todos os sarcomas de tecidos moles é uma célula mesenquimal primitiva que pode se diferenciar em muitas outras. Isso torna difícil definir o critério histopatológico necessário para determinar um diagnóstico inequívoco de um sarcoma
de células fusiformes específico. Além disso, comparando as células neoplásicas mesenquimais com as células normais, elas são muito semelhantes, o que, no entanto, não traz implicações quanto à sua origem.
Uma segunda causa de confusão advém da dificuldade de determinar se os tumores são malignos ou benignos ou qual será o seu comportamento biológico em determinadas localizações ou raças. A maioria dos sarcomas das células
fusiformes dos animais domésticos é localmente infiltrativo e sua extirpação é difícil, mas raramente ocasiona metástase. Uma vez que, por definição, apenas os tumores malignos possuem potencial metastático, esses tumores devem ser
considerados benignos; no entanto, também por definição, as neoplasias benignas não são infiltrativas, e esses tumores devem ser considerados malignos e tratados agressivamente desde o início. Em patologia humana, os tumores de
células fusiformes mesenquimais infiltrativos e que não originam metástases foram definidos como sarcomas de malignidade intermediária, conceito utilizado a seguir.
Clinicamente, quatro princípios gerais relacionam os sarcomas de células fusiformes e os sarcomas de tecidos moles: quanto mais superficial a localização, maior a probabilidade de o tumor ser benigno (tumores profundos tendem a ser
malignos). Quanto maior o tumor, maior a chance de ser maligno. Um tumor de crescimento rápido tem maior chance de ser maligno do que o que se desenvolve lentamente. Tumores benignos são relativamente avasculares enquanto os
malignos tendem a ser hipervasculares.
A remoção é o tratamento de escolha; a extirpação ampla ou a amputação deve ser realizada quando for anatomicamente viável, uma vez que os sarcomas de células fusiformes geralmente se infiltram ao longo dos planos fasciais,
tornando difícil a determinação das margens periféricas do tumor pelo exame macroscópico. A melhor, se não a única, oportunidade de se remover por completo um sarcoma de célula fusiforme é durante a primeira abordagem cirúrgica.
Uma biopsia précirúrgica deve ser realizada e um plano cirúrgico claro deve ser definido, incluindo a intenção da remoção completa com amostras para biopsia para determinar as margens. Esses sarcomas que recidivam têm maior
potencial para metástases e o período de recidiva geralmente diminui em cada extirpação subsequente. Além disso, muitos tumores de tecidos moles possuem uma pseudocápsula que, ao exame macroscópico, dá a impressão de um
encapsulamento completo; esses tumores não devem ser “desencapsulados”, uma vez que as células neoplásicas quase sempre estão presentes nos tecidos conjuntivos pericapsulares. Muitos sarcomas podem ter a forma de polvo,
com tentáculos que se estendem profundamente no leito tumoral. Exceto para os sarcoides equinos, a criocirurgia não costuma ser utilizada para esses tumores uma vez que alguns tipos, mais notavelmente os fibrossarcomas, são resistentes
ao congelamento. Os sarcomas de células fusiformes, em geral, não respondem bem às doses convencionais de radiação; entretanto, há relatos de controle por 1 ano com dose de, aproximadamente, 50% mais altas. A redução cirúrgica do
volume seguida de radiação também é uma opção para o controle local.
Alguns protocolos quimioterápicos para sarcomas se tornaram mais aceitáveis como métodos de tratamento. A maioria envolve o uso de adriamicina, geralmente em combinação com outros agentes, incluindo ciclofosfamida, vincristina,
dacarbazina e metotrexato. Alguns clínicos usam carboplatina intercalada com adriamicina. Apesar de a quimioterapia poder melhorar a qualidade e prolongar a vida dos animais acometidos, ela raramente é curativa.
Fibromatose (fibromatose agressiva, desmoides extrabdominais, tumores desmoides, fibrossarcomas de baixo grau, fasciite nodular) é uma proliferação esclerosante e infiltrativa de fibroblastos bem diferenciados derivados das
aponeuroses e das bainhas tendíneas. Em geral, é notada na cabeça de cães, em especial em Doberman Pinscher e Golden Retriever, nos quais são comumente diagnosticados como fasciite nodular. Em medicina veterinária, o termo fasciite
nodular é aplicado a duas doenças diferentes – uma que se manifesta como fibromatose e outra que acomete comumente tecidos perioculares (conhecida como histiocitoma fibroso canino [veja a seguir]). As fibromatoses não são
frequentemente diagnosticadas em gatos e em equinos. Macroscopicamente, as fibromatoses costumam ser indistinguíveis dos fibrossarcomas infiltrativos; no entanto, podem ser diferenciadas no exame histológico. Nódulos linfoides focais
estão espalhados por todos os tecidos. As fibromatoses são localmente infiltrativas e não apresentam potencial metastático. Se possível, a extirpação é o tratamento de escolha. Recidiva é comum e radioterapia pode ser benéfica para o
controle local.
Fibrossarcomas são tumores mesenquimais agressivos nos quais os fibroblastos são o tipo celular predominante. São os tumores de tecidos moles mais comuns em gatos; também são comuns em cães, mas raros em outros animais
domésticos. Em cães, esses tumores são mais comuns no tronco e nas extremidades. Gordon Setter, Irish Wolfhound, Brittany Spaniel, Golden Retriever e Doberman Pinscher são raças que apresentam predisposição à lesão. Os
fibrossarcomas variam acentuadamente em tamanho e aparência. Neoplasias de origem dérmica podem parecer nodulares. Aquelas de origem na gordura subcutânea ou em tecidos moles subjacentes podem requerer palpação para
identificálas. Se apresentam como lesões firmes e carnudas envolvendo a derme e a gordura subcutânea e, com frequência, invadem a musculatura junta aos planos fasciais. Quando os tumores são múltiplos, normalmente situamse na
mesma região anatômica. Os fibrossarcomas com proteoglicanos intersticiais abundantes (mucina do tecido conjuntivo) são denominados mixossarcomas ou mixofibrossarcomas. Os mixossarcomas ainda são pouco definidos em
medicina veterinária e muitos deles podem ser caracterizados como variantes de lipossarcomas ou histiocitomas fibrosos malignos. Em cães, os fibrossarcomas são tumores invasivos e aproximadamente 10% ocasionam metástase. Os
fatores que definem se o fibrossarcoma pode ser completamente extirpado incluem habilidade do cirurgião, taxa de crescimento (definido pelo índice mitótico e extensão da necrose), grau de atipia celular e tamanho, localização e natureza
infiltrativa do tumor (que podem requerer diagnóstico por imagem para definição adequada).
Três formas de fibrossarcoma são reconhecidas em gatos: uma forma multicêntrica em animais jovens (em geral < 4 anos de idade) causada pelo vírus do sarcoma felino (VSF); uma forma solitária em animais jovens ou idosos, na qual o
VSF não tem participação; e um fibrossarcoma que se desenvolve nos tecidos moles onde os gatos são comumente vacinados (ver p. 2258). Uma associação com vacinas contra vírus da raiva e vírus da leucemia felina é mais bem definida
do que com vacinação contra outras doenças virais e bacterianas. O alumínio (um adjuvante comum em vacinas) foi detectado em fibrossarcomas induzidos por vacinas; uma proliferação prolongada de fibroblastos em resposta ao adjuvante
pode predispor à transformação neoplásica. Esses tumores parecem nódulos ou placas situados entre as escápulas, nos tecidos moles dos membros torácicos proximais ou, menos comumente, na região lombar. Apesar de serem comumente
classificados como fibrossarcomas, os sarcomas vacinais são extremamente heterogêneos e podem ser denominados de modo apropriado como histiocitomas fibrosos malignos (tumores de células gigantes), lipossarcomas, osteossarcomas
ou condrossarcomas.
O tratamento de escolha para fibrossarcomas é a extirpação cirúrgica ampla e profunda, mas uma vez que a maioria dos clínicos subestima a necessidade da remoção das margens de segurança, a recidiva é comum (> 70% em 1 ano após
a cirurgia inicial). A taxa de recidiva é > 90% para sarcomas vacinais. Mesmo quando a extirpação cirúrgica é clínica e histologicamente completa, ainda pode ocorrer recidiva. A quimioterapia com carboplatina, doxorrubicina e
ciclofosfamida, ou dacarbazina foi recomendada para tumores que não podem ser removidos cirurgicamente. Os resultados iniciais de modificadores da resposta biológica (utilizados por via intratumoral antes da extirpação e após
radioterapia) parecem promissores. Outros trabalhos sugerem que sua efetividade como auxiliar à cirurgia e à radioterapia pode aumentar os intervalos livres de tumores em até 20%, quando comparados com controles históricos.
Tumores de Bainha dos Nervos Periféricos
Neuromas por amputação (neuromas traumáticos) são proliferações desorganizadas não neoplásicas do parênquima e do estroma dos nervos periféricos, que se formam em resposta à amputação ou à lesão traumática. São mais
comumente identificados após amputação da cauda em cães ou neurectomia nas extremidades distais dos equinos. A apresentação clínica mais comum é um cão jovem que apresenta traumatismos constantes na ponta da cauda. Em equinos,
as lesões surgem como aumentos de volume firmes, com frequência doloridos, no local da cirurgia para neurectomia. A extirpação é curativa.
Neurofibromas e neurofibrossarcomas (perineuromas, neurilemomas, tumores da bainha nervosa, hemangiopericitomas, neurotecomas, schwanomas) são tumores de células fusiformes que se originam de componentes de tecido
conjuntivo dos nervos periféricos. Acreditase que eles se originam das células de Schwann, mas também podem ser oriundos de células mesenquimais, que produzem tecido conjuntivo não mielinizado que circunda as fibras nervosas
mielinizadas. Em cães, as formas desses tumores podem ser praticamente indistinguíveis dos hemangiopericitomas; podem ser o mesmo tumor.
Em cães e gatos, os tumores da bainha dos nervos periféricos da pele são diagnosticados em animais mais velhos. Em bovinos, suspeitase de uma base genética, as lesões podem ser múltiplas e se desenvolver em animais jovens e velhos
e, em geral, são achados acidentais no matadouro; eles se originam dos nervos profundos da parede torácica e vísceras; o envolvimento cutâneo é raro. Independente da espécie, esses tumores parecem nódulos esbranquiçados e firmes.
Ocasionalmente, pode ser notada aderência aos nervos periféricos e são detectadas variações benignas e de malignidade intermediária. Os tumores benignos são mais comuns em bovinos, nos quais, em razão da sua natureza indolente, o
tratamento é opcional; além disso, tumores adicionais frequentemente se desenvolvem espontaneamente em outros locais, com o decorrer do tempo. Em cães, gatos e equinos, a maioria dos tumores é invasiva localmente, mas não origina
metástase. A extirpação completa é o tratamento de escolha. Quando as margens são estreitas ou insuficientes, a radioterapia pode aumentar o tempo livre de tumor.
Tumores da Musculatura Lisa Cutânea
Como os tumores de músculos lisos cutâneos (liomiomas e liomiossarcomas) não são detectados ou não ocorrem com frequência em animais domésticos, raramente são diagnosticados. Os casos relatados, em geral, são malignos e
envolvem cães e gatos. Normalmente, tratamse de massas cutâneas firmes. Os liomiomas são pequenos e tendem a ser limitados à derme, enquanto os liomiossarcomas são maiores e a maioria surge ou estendese à gordura subcutânea. O
comportamento maligno dos tumores de músculo liso permanece pouco definido. A extirpação completa é o tratamento de escolha para liomiomas e liomiossarcomas.
Tumores de Tecido Adiposo
Lipomas são tumores benignos do tecido adiposo, talvez mais exatamente caracterizados como hamartomas. São comuns em cães, identificados ocasionalmente em gatos e equinos e raramente em outras espécies domésticas. Em cães,
costumam acometer animais mais velhos, fêmeas obesas, mais comumente no tronco e na região proximal dos membros. As raças em maior risco são Doberman Pinscher, Labrador Retriever, Schnauzer miniatura e cães mestiços. Gatos
Siameses mais velhos e castrados são predispostos e as lesões são vistas mais comumente no abdome ventral. A obesidade não parece ser um fator para desenvolvimento de lipomas, em gatos. Os equinos acometidos, em geral, têm < 2 anos
de idade. Os lipomas tipicamente surgem como massas macias, às vezes pedunculadas, discretas e nodulares e a maioria se move livremente. Em cães e gatos, > 5% são múltiplos. Em geral, esses tumores flutuam quando colocados em
formalina.
Uma variante rara desse tumor, a lipomatose difusa, foi identificada em cães da raça Dachshund, nos quais praticamente toda a pele é acometida, o que resulta em dobras proeminentes da pele no pescoço e no tronco. Muitos lipomas
unemse imperceptivelmente ao tecido adiposo não neoplásico adjacente, tornando difícil saber se toda a lesão foi removida. Lipomas com estroma de tecido conjuntivo abundante (fibrolipomas), estroma cartilaginoso (condrolipomas) ou
um componente vascular proeminente (angiolipomas) também são relatados. Apesar de sua natureza benigna, os lipomas não devem ser ignorados devido sua tendência de crescimento com o tempo e porque sua apresentação macroscópica
pode ser indistinguível de lipomas infiltrativos ou de lipossarcomas (ver adiante). A extirpação é curativa. Em cães, a restrição dietética várias semanas antes da cirurgia pode permitir melhor definição das margens cirúrgicas do tumor.
Lipomas infiltrativos (lipomas intra e intermuscular) são raros nos cães e ainda menos comuns em gatos e equinos. Em cães, são mais comuns em fêmeas de meiaidade, em geral no tórax e nos membros. As raças (cães) em maior risco
são as mesmas mencionadas para lipomas. Esses tumores se apresentam como aumentos de volume pouco delimitados, macios e nodulares a difusos que, tipicamente, envolvem gordura subcutânea, musculatura subjacente e estroma de
tecido conjuntivo. Os lipomas infiltrativos, que atravessam os planos fasciais e passam entre os feixes do fuso musculoesquelético são considerados sarcomas de malignidade intermediária. Raramente ocasionam metástase. Recomendase
extirpação radical; pode ser necessária amputação.
Lipossarcomas são neoplasias raras que acomete todos os animais domésticos. A maioria é detectada em cães machos mais velhos, nos quais os tumores normalmente se desenvolvem no tronco e nas extremidades; cães Shetland
Sheepdog e Beagle parecem predispostos. Em gatos, a infecção pelo vírus da leucemia felina tem sido associada de maneira infrequente com o seu desenvolvimento, no entanto, ainda não há definição se é apenas uma coincidência ou se
essa infecção realmente desempenha papel importante no desenvolvimento da doença. Os lipossarcomas são nodulares e macios a firmes. Podem haver exsudação de fluido mucinoide, quando seccionados. Muitos apresentam áreas
parcialmente encapsuladas palpáveis, mas não devem ser consideradas evidências de tumor benigno. Os lipossarcomas são neoplasias malignas de baixo potencial metastático, porém, com frequência são pseudoencapsulados. Extirpação
ampla é recomendada e recidiva é comum; portanto, deve–se realizar radioterapia póscirúrgica nos casos em que as margens foram insuficientes.
Tumores Fibroblásticos Benignos
Nevos colagenosos são defeitos de desenvolvimento benignos focais associados a aumento da deposição de colágeno na derme. São comuns em cães, incomuns em gatos e raros em grandes animais. Em geral, são encontrados em animais
de meiaidade ou idosos, com maior frequência nas extremidades distais e proximais, na cabeça, no pescoço e em áreas sujeitas a traumatismos. São nódulos dérmicos sésseis a proeminentes, com frequência com uma superfície papilar.
Duas formas são observadas; uma desenvolvese na derme interfolicular ou na gordura subcutânea, que não é acompanhada de envolvimento dos anexos; a outra forma inclui anexos e ocasiona aumento de folículos, geralmente
malformados, glândulas sebáceas e glândulas apócrinas. Essa última forma é denominada displasia focal dos anexos. A extirpação de ambas as formas, em geral, é curativa; embora de maneira infrequente, formas expansivas foram
identificadas e podem crescer tanto que se tornam muito grandes para serem removidas cirurgicamente.
Dermatofibrose nodular generalizada (dermatofibromas), raramente diagnosticada em cães da raça Pastor Alemão (acredita–se que seja uma característica autossômica dominante herdada) e ainda menos comumente em outras raças
caninas, é uma síndrome na qual múltiplos nevos colagenosos estão associados a cistadenocarcinomas renais e, em fêmeas, múltiplos liomiomas uterinos. As lesões de pele, inicialmente notadas em animais com 3 a 5 anos de idade, são
caracterizadas pelo desenvolvimento de múltiplos nevos colagenosos, variando de pouco palpáveis a grandes e nodulares, localizados geralmente nos membros, patas, cabeça e tronco. Podem apresentar distribuição simétrica. A doença
renal se desenvolve, aproximadamente, 3 a 5 anos após o surgimento das lesões de pele. Não há terapia conhecida para prevenir o desenvolvimento das neoplasias renais e uterinas.
Acrocórdons (apêndices cutâneos, fibromas moles, papilomas fibrovasculares) são lesões cutâneas distintas e benignas notadas em cães idosos. Essas lesões comuns podem ser solitárias ou múltiplas e podem se desenvolver em qualquer
raça, apesar de as raças de grande porte serem mais suscetíveis. Mais comumente, surgem como crescimentos exofíticos pedunculados, com frequência cobertos por uma superfície epidérmica verrucosa. O tratamento é opcional, mas
recomendase biopsia para confirmar o diagnóstico. Os acrocórdons são passíveis de extirpação cirúrgica, eletrocirurgia e criocirurgia, mas os cães que os manifestam são propensos ao desenvolvimento de outras lesões posteriormente.
Fibromas são proliferações celulares discretas, em geral de fibroblastos da derme. Histologicamente, podem se assemelhar aos nevos colagenosos ou aos apêndices cutâneos. Os fibromas ocorrem em todas as espécies domésticas, mas
acometem principalmente cães mais velhos. As raças mais propensas são Doberman Pinscher, Boxer (predispostos ao desenvolvimento de tumores múltiplos) e Golden Retriever. A cabeça e as extremidades são os locais mais acometidos.
Clinicamente, as lesões são discretas, em geral elevadas, com frequência alopécicas, originadas na derme ou na gordura subcutânea. À palpação, são firmes e flexíveis (fibroma duro) ou macias e flutuantes (fibroma mole). Essas lesões
são benignas e o tratamento é opcional; entretanto, a extirpação completa é recomendada, pois as lesões podem crescer bastante.
Tumores Fibrohistiocíticos
Esses tumores mesenquimais pleomórficos compostos de fibroblastos e células histiocíticas (geralmente presentes como células gigantes multinucleadas) permanecem pouco definidos em medicina veterinária. Uma lesão
denominada histiocitoma fibroso canino (episcleroqueratite granulomatosa nodular, fasciite nodular, ceratoconjuntivite proliferativa, granuloma conjuntival, granuloma do Collie) é notada na junção episcleral e na córnea, principalmente
em cães da raça Colly jovens ou com meiaidade (2 a 4 anos), mas os padrões histológicos são mais sugestivos de uma resposta inflamatória granulomatosa do que de uma neoplasia. Como era de se esperar em processos inflamatórios não
infecciosos, essas lesões, em geral, respondem às injeções sublesionais de 10 a 40 mg de metilprednisolona.
Histiocitomas fibrosos malignos (tumores de células gigantes extraósseas, tumores de células gigantes de tecidos moles, dermatofibrossarcomas) são encontrados com maior frequência na pele e em tecidos moles de gatos;
ocasionalmente são verificados em equinos e mulas e raramente na pele de outros animais domésticos, inclusive cães. Em gatos, os histiocitomas fibrosos malignos são mais comuns nas extremidades distais da região cervical ventral de
animais mais velhos, mas também podem ser diagnosticados nos locais de vacinações. Em equinos e mulas, essas lesões foram descritas como tumores de células gigantes de tecidos moles. Acometem equídeos adultos jovens ou com meia
idade; são aumentos de volume firmes, nodulares a difusos, superfície de corte esbranquiçada, com hemorragia variável. Histiocitomas fibrosos malignos são sarcomas de malignidade intermediária. São invasivos localmente e tendem à
recidiva após tentativa de extirpação completa, porém raramente causam metástase. Recomendase extirpação radical.
Tumores Vasculares
Hemangiomas da pele e de tecidos moles são proliferações benignas que se assemelham muito com vasos sanguíneos. Ainda não está definido se esses aumentos de volume são neoplasias, hamartomas ou malformações vasculares, e não
há critério que permita sua diferenciação. São detectados com maior frequência em cães, ocasionalmente em gatos e equinos e, raramente, em bovinos e suínos; são achados excepcionais em outros animais domésticos. Em cães, são
tumores de animais adultos e se desenvolvem mais comumente no tronco e nas extremidades. Muitas raças caninas (incluindo Gordon Setter, Boxer e Airedale, Scottish e Kerry Blue Terrier) são consideradas mais suscetíveis. Os gatos
normalmente desenvolvem hemangiomas apenas quando adultos e as lesões são mais comuns na cabeça, extremidades e abdome. Em equinos, são mais comuns nas extremidades distais de animais jovens (< 1 ano de idade). Nos bovinos,
podem ser lesões congênitas ou podem acometer animais mais velhos. Bovinos leiteiros são predispostos ao desenvolvimento de hemangiomas disseminados (angiomatose) na pele e em órgãos internos. Em suínos, essas lesões, em geral, se
desenvolvem na pele do escroto ou da região perineal de animais das raças Yorkshire, Berkshire e, menos comumente, em Chester White. Nas duas primeiras raças, acreditase que a doença possa ser transmitida geneticamente. Os
hemangiomas são nódulos únicos ou múltiplos, circunscritos, com frequência comprimíveis e de coloração vermelha a preta. A epiderme de revestimento pode não ser afetada ou pode estar ulcerada ou papilar. Hemangiomas superficiais
pequenos que geralmente surgem como “bolhas de sangue” são conhecidos como angioceratomas. Quando os eritrócitos são esparsos ou ausentes no lúmen vascular, aplicase o termo linfangioma. Os hemangiomas são benignos, mas sua
tendência a ulcerar e crescer bastante, associada à importância de confirmar o diagnóstico para estabelecer o prognóstico, indica a remoção. A extirpação é o tratamento de escolha, entretanto, em grandes animais nos quais as lesões podem
ser grandes e envolver as extremidades distais, a remoção pode ser difícil. Nesses casos, pode ser necessária criocirurgia ou radioterapia. Exceto em bovinos leiteiros com angiomatose, o desenvolvimento de tumores adicionais em novos
locais após a extirpação completa não é comum.
Hemangiopericitomas (sarcoma canino de células fusiformes, histiocitoma fibroso maligno canino, neurofibrossarcoma canino, perineuroma canino) são comuns em cães e raros (ou ausentes) em gatos. Esse tumor foi denominado
inicialmente em razão da presença de células fibroblásticas que circundam os pequenos vasos, no entanto, o nome apropriado continua controverso. Esses tumores se desenvolvem mais comumente nas extremidades distais e no tórax de
cães idosos. As fêmeas parecem mais predispostas, além de cães das raças Husky Siberiano, cães mestiços, Setter Irlandes e Pastor Alemão. Os hemangiopericitomas tipicamente se apresentam como lesões firmes, multilobuladas e
solitárias, com bordas irregulares, mais comuns na gordura subcutânea e, às vezes, na derme. Apresentam malignidade intermediária e potencial metastático limitado. A extirpação completa é o tratamento de escolha, mas em razão de sua
natureza infiltrativa, aproximadamente 30% apresentam recidiva. Se a primeira extirpação de qualquer sarcoma não for adequada, devese repetir a cirurgia para retirar por completo o leito tumoral. Na cirurgia, quimioterapia intralesional
com carboplatina e radiação intraoperatória podem aumentar o tempo livre de tumor. Também podese empregar radioterapia externa como uma opção para o controle local de recidivas, após extirpação incompleta ou com margens
estreitas.
Angiossarcomas, indiscutivelmente os tumores de tecidos moles mais agressivos, são compostos de células que possuem muitas características funcionais e morfológicas do endotélio normal. Embora esses tumores geralmente sejam
classificados como hemangiossarcomas (com origem em vasos sanguíneos) e linfangiossarcomas (com origem em vasos linfáticos), essa distinção é arbitrária. O termo angioendotelioma também é utilizado. Esses tumores costumam surgir
espontaneamente, mas em cães com pelagem curta e, com frequência, branca, a lesão solar crônica ocasiona alteração no plexo vascular superficial, que inicialmente surge como hemangioma e progride para um tumor vascular maligno. As
raças propensas ao desenvolvimento de angiossarcomas induzidos por actina são Whippet, Greyhound Italiano, White Boxer e Pit Bull. Os patologistas, com frequência, diagnosticam essas lesões como hemangiossarcomas cutâneos.
Os angiossarcomas da pele e de tecidos moles acometem todos os animais domésticos, mas são mais comuns nos cães, geralmente em adultos ou animais mais velhos. Em cães, eles se desenvolvem com maior frequência no tronco,
quadril, coxas e extremidades distais. Além das raças propensas ao desenvolvimento dos angiossarcomas induzidos por actina, também são sujeitos cães das raças Irish Wolfhoun, Vizsla, Golden Retriever e Pastor Alemão. Em gatos, esse
tumor é observado mais comumente em animais mais velhos e machos castrados, nas extremidades e no tronco. Gatos com envolvimento cutâneo, subcutâneo ou visceral desenvolvem metástases distantes. A aparência dos angiossarcomas
pode variar acentuadamente. Mais comumente, aparecem como nódulos eritematosos únicos ou múltiplos, presentes em qualquer local da pele ou de tecidos moles subjacentes. Com menor frequência, surgem como equimoses pouco
delimitadas. Todos os tumores crescem rapidamente, com frequência associados a grandes áreas de necrose e trombose, e são tipicamente vermelhos ou pretos, ao corte. Muitas vezes as neoplasias diagnosticadas como linfangiossarcomas
podem ter uma quantidade muito menor de sangue no lúmem e os espaços vasculares são preenchidos por soro. Tipicamente, os angiossarcomas criam seu próprio espaço vascular infiltrandose através dos tecidos moles. Metástases
distantes, em especial nos pulmões e no fígado, são comuns. Em outros animais domésticos, esses tumores não parecem se comportar de modo agressivo, sendo mais comum recidiva póssecção do que metástases.
Para todas as espécies, a extirpação ampla é o tratamento de escolha. Hemangiossarcomas cutâneos caninos induzidos por luz solar, em geral, não possuem comportamento biológico agressivo, embora várias lesões possam continuar a
surgir ao longo de muitos anos. Lesões superficiais são facilmente controladas com crioterapia tópica, se necessário. Evitar a exposição à luz solar pode reduzir o desenvolvimento de novas lesões. Recentemente, relatouse redução de
angiossarcomas com uso de quimioterapia auxiliar à base de vincristina, doxorrubicina e ciclofosfamida; entretanto, os efeitos da quimioterapia para controle sistêmico e da radioterapia para controle local e a sobrevida dos animais ainda
não foram definidos. O papel dos antiinflamatórios não esteroides (AINE), como talidomida e piroxicam, ainda não é totalmente compreendido e pode variar de medicamento para medicamento. Pesquisadores têm a esperança de utilizar
compostos antiangiogênicos ou angiostáticos, como a canstatina canina, que interferem no suprimento sanguíneo aos tumores, controlando e prevenindo metástases; entretanto, ainda há pendência nos resultados de testes clínicos.
TUMORES EPIDÉRMICOS E DE FOLÍCULOS PILOSOS
Os tumores de glândula ceruminosa são discutidos em tumores do canal auricular (p. 571).
Carcinomas de Célula Escamosa (Carcinomas epidermoides, carcinomas de célula espinhosa)
Acreditase que se originam da epiderme ou do epitélio das regiões superficiais (infundibulares) da bainha da raiz externa do folículo piloso e são relatados em todas as espécies de animais domésticos. Embora a maioria dos tumores surja
sem causa antecedente, em muitas espécies, sobretudo em gatos brancos, a exposição prolongada à luz do sol é o principal fator predisponente. Os hábitos higiênicos dos gatos também os expõem a partículas carcinogênicas, como fumaça
de cigarro e coleiras antipulga. Além disso, uma forma única de carcinoma de célula escamosa felino associado à infecção por papilomavírus foi descrita (ver adiante).
Em cães, esses são os carcinomas com origem cutânea diagnosticados com maior frequência. Duas formas são reconhecidas – cutânea e subungueal. Os carcinomas de célula escamosa cutâneo são tumores de cães idosos, com maior
prevalência em Bloodhound, Basset Hound e Poodle padrão. As lesões comumente se desenvolvem na cabeça, extremidades distais, abdome ventral e períneo. A maioria dos carcinomas de célula escamosa cutâneo surge como nódulos e
placas firmes, elevadas e frequentemente ulceradas; às vezes podem ser extremamente exofíticos e possuir superfície parecida com a de uma verruga. A etiologia da maioria desses tumores não foi definida; no entanto, alguns são induzidos
por exposição prolongada ao sol. Esses normalmente se desenvolvem no abdome ventral, prepúcio, escroto e região inguinal em raças de pele branca e pelos curtos, como Dálmatas, Bull Terrier e Beagle. As lesões se desenvolvem em
regiões ventrais, pois a pele com poucos pelos oferece proteção mínima contra a radiação ultravioleta e, muitos animais deitam–se ao sol de costas ou, talvez, a radiação solar se reflita no chão. Antes do desenvolvimento do carcinoma, os
animais exibem zonas focais de lignificação, hiperqueratose e eritema, conhecidas como queratose solar (dermatose solar, queratose actínica e queratose senil).
Carcinomas de célula escamosa subungueal são mais comumente encontrados em cães Schnauzer gigante e padrão, Gordon Setter, Briard, Kerry Blue Terrier e Poodle padrão. Em geral, todas são raças de pelos negros e pelagem
escura, associadas ao desenvolvimento de carcinomas de célula escamosa subungueal em vários dígitos, com frequência em extremidades diferentes. As fêmeas possuem uma ligeira predisposição e não há predileção pelos membros
torácicos ou pélvicos.
Em gatos, os carcinomas de célula escamosa cutâneos se desenvolvem mais comumente em razão de lesão solar crônica. Como consequência, normalmente se desenvolvem nos pavilhões auriculares, cristas frontais, pálpebras, nariz e
lábios de gatos que apresentam pele branca nessas áreas. Não há predileção racial ou por sexo. Assim como em cães, a queratose solar ou o carcinoma in situ (estágio superficial inicial), geralmente precedem o desenvolvimento do tumor
maligno. Recentemente, carcinógenos particulados associados aos pelos de animais expostos à fumaça de cigarro e coleiras antipulgas foram identificados como fatores de risco para gatos com carcinoma de célula escamosa oral. As lesões
que não são causadas pela exposição ao sol se desenvolvem mais comumente nos dígitos, mas as formas subungueais são incomuns.
Carcinoma de célula escamosa induzido pelo sol, em um cão de pele branca. Cortesia da Dra. Alice Villalobos.
Carcinomas de célula escamosa cutâneos são as neoplasias malignas mais comuns em equinos. Em geral, se desenvolvem em animais adultos ou idosos com pelagem branca ou com partes brancas; as raças em risco incluem Appaloosa,
Belga, Paint Americano e Pinto. Embora possam surgir em qualquer parte do corpo, esses tumores se originam mais comumente de áreas não pigmentadas, com poucos pelos e próximas às membranas mucosas. Portanto, as regiões
periorbitais, lábios, nariz, ânus e genitália externa (em especial a bainha peniana) são os locais mais acometidos.
Em bovinos, esses tumores são mais comuns em raças com pelos brancos e pele pouco pigmentada (em especial Holandeses e Ayrshires) e, assim como em equinos, se desenvolvem ao redor das membranas mucosas, normalmente nas
junções mucocutâneas, em particular na região periocular e vulvar. Na Índia, os carcinomas de célula escamosa nos centros dos chifres são comuns em touros mais velhos. A causa mais comum é a lesão actínica. As queratoses solares, em
geral, precedem o desenvolvimento de um tumor invasivo; fatores genéticos, imunodeficiência e viroses também podem participar da fisiopatogenia.
Em ovinos, os carcinomas de célula escamosa têm importância econômica relevante em algumas partes do mundo. Em um estudo na Austrália, relatase foram responsáveis por mais de um terço de todas as condenações antes do abate. A
raça Merino é mais predisposta, com maior prevalência nas fêmeas que nos machos. As lesões são mais comuns em áreas com poucos pelos, como orelhas, lábios, focinho e lábios vulvares, após terem sido externalizados pela técnica de
Mules para evitar o ataque de moscas. Tumores nesses locais desenvolvem–se em conjunto com a lesão solar, acentuandose quando os animais ingerem plantas fotossensibilizantes. Tumores nas orelhas também podem ocorrer com maior
frequência após um procedimento de manejo, como a colocação de brincos. Os carcinomas de célula escamosa podem se desenvolver a partir de cistos foliculares em locais normalmente não expostos à luz solar.
Em caprinos, os carcinomas de célula escamosa se desenvolvem com maior frequência em fêmeas, nas quais as lesões se desenvolvem nas regiões perineal e vulvar e na pele dos tetos e do úbere. Machos e fêmeas podem desenvolver
tumores induzidos pelo sol, nas orelhas. Embora a raça Angorá seja mais predisposta, caprinos da raça Saanen, ocasionalmente desenvolvem essa neoplasia no úbere, em associação com papilomas. A participação de papilomavírus na
progressão do tumor ainda não foi esclarecida.
Os carcinomas de célula escamosa são extremamente incomuns em suínos.
Os carcinomas de célula escamosa, em sua maioria, são lesões solitárias; no entanto, tumores múltiplos podem se desenvolver em associação à lesão solar. Eles aparecem como lesões endofíticas ou exoendofíticas, sendo as primeiras,
massas dérmicas irregulares e elevadas cobertas com uma superfície ulcerada e as últimas como massas dérmicas irregulares e salientes cobertas por uma epiderme com papilas. Os gatos inicialmente desenvolvem crostas pequenas e feridas
na face que não cicatrizam. As lesões, em geral, persistem por meses antes de um defeito surgir nas pontas das orelhas, narinas e pálpebras. Os carcinomas de célula escamosa subungueais nos cães são identificados primeiramente por
claudicação ou malformação e infecção que mimetiza osteomielite crônica ou, ainda, perda dos coxins do dígito acometido. Em bovinos com envolvimento dos cornos, o primeiro sinal é o crescimento distorcido dos mesmos.
Carcinoma de célula escamosa em vaca. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.
Os carcinomas de célula escamosa são caracteristicamente invasivos aos tecidos moles e ósseos adjacentes. A remissão espontânea é rara em bovinos. Em pequenos animais, a sobrevida e o risco de metástase está relacionado com a
diferenciação histológica. Tumores bem diferenciados apresentam progressão lenta ou permanecem localizados; tumores indiferenciados têm maior probabilidade de desenvolver metástases ou recidiva 20 semanas após a extirpação. Em
geral, a falha no tratamento decorre do diagnóstico tardio e da falta de controle de uma doença local antes da metástase.
Para cães e gatos, a extirpação cirúrgica, tal como a amputação do dígito envolvido, do pavilhão auricular ou do focinho é o tratamento de escolha, recomendandose no mínimo uma margem de 2 cm. Uma revisão de 117 tumores digitais
em cães mostrou que 25% das lesões eram carcinomas de célula escamosa e 66% eram lesões subungueais; 95% tiveram sobrevida de um ano após a amputação; no entanto, se a lesão se originava em outras partes do dígito, a sobrevida de
um ano era de 60%. A extirpação pode ser associada à radioterapia ou quimioterapia. Os carcinomas de célula escamosa felinos são mais radiossensíveis do que os tumores em cães. E ainda, a sobrevida de um ano nas neoplasias invasivas
foi < 10%. A criocirurgia e a hipertermia podem ser úteis na terapia local, em especial na fase inicial das lesões (carcinoma in situ), porém, estudos controlados ainda não foram feitos para determinar a eficácia dessas terapias. O implante
intralesional de quimioterápicos à base de 5fluoruracila, cisplatina ou carboplatina com retinoides e a terapia fotodinâmica foram utilizados com sucesso variável. A injeção intratumoral em carcinomas de célula escamosa nasais em gatos
com carboplatina em uma emulsão oleosa com semente de gergelim resultou em uma resposta total de 70%, com taxa de sobrevivência de um ano, sem progressão da lesão, em, aproximadamente, 50% dos animais. Em cães com queratose
actínica ventral múltipla, a terapia tópica com dinitroclorobenzeno ou 5fluoruracila (5%) pode ser benéfica. Gatos não devem receber tratamento com 5fluoroacil. Limitar a exposição à radiação ultravioleta pode ajudar a prevenir
carcinomas de célula escamosa induzidos por sol, em cães e gatos. Isso pode ser obtido com uso de filme com filtro UV nas janelas, protetor solar e manutenção dos animais no interior da residência nas horas de luz solar máxima.
Tatuagens, marcadores mágicos e protetores solares são utilizados com sucesso variável.
Em equinos, a radioterapia utilizando braquiterapia intersticial ou superficial é o tratamento de escolha para carcinomas de célula escamosa. Outras opções incluem implantes de 90Sr ou 192Ir, extirpação cirúrgica ampla (em especial de
neoplasias de terceira pálpebra, pênis e prepúcio) e criocirurgia. A imunoterapia, com vacina autógena feita de tecido tumoral suspenso em adjuvante de Freund ou com imunomoduladores inespecíficos utilizando Corynebacterium parvum,
mostrou alguma eficácia no tratamento de carcinoma de célula escamosa ocular ou de núcleo dos cornos em bovinos.
Carcinoma de célula escamosa multicêntrico felino in situ (doença de Bowen felina) é uma doença de gatos velhos (> 10 anos) que pode estar associada à imunossupressão. Não há predisposição definida por raça ou sexo.
Clinicamente, as lesões parecem pápulas ou placas múltiplas, discretas, eritematosas, pretas ou marrons e hiperceratóticas. As lesões não são pruriginosas e ulceração é incomum. O seu desenvolvimento está associado à presença de
papilomavírus. O termo in situ se refere a uma proliferação maligna de células epidérmicas e da bainha externa folicular que não invade a derme subjacente. Infelizmente, as lesões podem progredir com o passar do tempo para um
carcinoma invasivo. Metástases são extremamente incomuns. Essas lesões, em geral, se desenvolvem em gatos com doença sistêmica ou imunodeprimidos e acreditase que sejam induzidas por vírus. Não respondem à terapia.
Cistos Cutâneos Ceratinizados
A maioria desses cistos representa malformações do folículo piloso. São comuns em cães, ocasionais em gatos, equinos, caprinos e ovinos e, raramente, em bovinos e suínos. O tratamento de escolha é a extirpação. Compressão vigorosa
das lesões é contraindicada, pois em geral, desencadeia uma grave resposta inflamatória semelhante a corpo estranho.
Cistos foliculares infundibulares (cistos epidermoides, cistos de inclusão epidérmica, erroneamente denominados cistos sebáceos) são os mais comuns. São dilatações císticas da porção superior da bainha externa do folículo piloso (o
infundíbulo) cercadas por uma camada de células epiteliais estratificadas cornificadas que são indistinguíveis da epiderme. O tamanho dos cistos varia de 2 mm a > 5 cm (lesões < 5 mm de diâmetro normalmente são denominadas milia).
Ovinos da raça Merino são os únicos animais domésticos em risco, nos quais esses cistos, com frequência, são múltiplos e podem evoluir para carcinoma de célula escamosa. Assim como todos os cistos foliculares, em geral, esses são
solitários, com lesões papulares a nodulares livremente móveis, parcialmente compressíveis à palpação e, ocasionalmente, possuem pequena abertura através da epiderme, por onde o conteúdo cístico pode ser drenado. Ao corte notase que
são preenchidos por um material cinza, marrom ou amarelado, granular e caseoso que constitui a queratina luminal.
Cistos do istmo catagênico (cisto tricolemal, cisto pilar, epitelioma cornificante intracutâneo cístico) são cistos foliculares que possuem um padrão de queratinização da porção inferior da bainha externa da raiz. Foram identificados
definitivamente apenas em cães e, raramente, em gatos.
Cistos de matriz são cistos foliculares nos quais a parede assemelhase ao epitélio do bulbo piloso (a matriz do folículo piloso) e à bainha interna da raiz. Ocorrem predominantemente em cães e gatos. Muitos progridem para
pilomatricomas (ver adiante).
Cistos híbridos (cistos panfoliculares) são cistos foliculares que têm uma combinação das características dos cistos de inclusão epidérmica, tricolemais e cistos da matriz e são encontrados predominantemente em cães e gatos. Muitos
progridem para tricoepiteliomas (ver adiante).
Cistos dermoides são malformações congênitas encontradas mais comumente na linha média dorsal da cabeça ou ao longo da coluna vertebral. São identificados comumente em cães das raças Boxer, Kerry Blue Terrier e Rhodesian
Ridgeback e em equinos Puro Sangue e, possivelmente, em ovinos Suffolk. Tipicamente múltiplos, eles diferem dos outros cistos foliculares, pois na superfície de corte apresentam eixos pilosos totalmente formados. São considerados os
únicos cistos de inclusão epidérmica verdadeiros, pois representam uma invaginação embrionária da epiderme com os anexos associados. Esses anexos são responsáveis pelos eixos pilosos vistos no lúmen dos cistos.
Ceratomas são lesões císticas na parede do casco ou, com menos frequência, na quartela ou talões de animais com cascos simples ou duplos. Com frequência, são secundários a lesões traumáticas. Apesar de normalmente assintomáticos,
costumam induzir claudicação e deformidades da parede ou da sola do casco, podendo estar associados à lise da falange distal. Ceratomas raramente têm > 5 cm de diâmetro e contêm queratina laminada de coloração branca a marrom, com
frequência com um centro necrótico associado à inflamação secundária. Quando há claudicação, o tratamento de escolha é extirpação cirúrgica e curetagem do osso adjacente, caso esteja acometido.
Dilatação de poros de Winer são neoplasias raras de folículos pilosos, notadas apenas em gatos mais velhos. Os machos podem ser predispostos e as lesões, em geral, se desenvolvem na cabeça. Clinicamente caracterizamse por lesões
solitárias, em forma de cúpula, com a aparência de um comedão gigante. A queratina compactada pode protruir para a superfície (acima), conferindo à lesão uma aparência de corno cutâneo. Essas lesões são benignas e a extirpação
completa é curativa.
Epiteliomas Cornificantes Intracutâneos (Ceratoacantoma, Acantoma ceratinizante infundibular)
Epiteliomas cornificantes intracutâneos são neoplasias benignas de cães e, possivelmente, de gatos. Assim como os ceratoacantomas em pessoas, essas lesões têm origem mais provavelmente nos folículos pilosos e não na epiderme
interfolicular. Podem se desenvolver em qualquer parte do corpo, sendo o dorso, a cauda e as extremidades os locais mais comuns. Os epiteliomas cornificantes intracutâneos são tumores de cães de meiaidade. As raças mais predispostas
são Elkhound Norueguês, Pastor Belga, Lhasa Apso e Bearded Collie, sendo que Elkhound Norueguês e Lhasa Apso apresentam risco de desenvolvimento de lesões generalizadas. A apresentação clínica mais característica é uma pápula ou
nódulo com um poro central cornificado que pode protruir acima da superfície epidérmica, com aparência de corno; no entanto, muitos desses tumores não têm continuidade com a epiderme e podem se apresentar unicamente como cistos
cornificados. Esses tumores são benignos e o tratamento é opcional, desde que o diagnóstico definitivo tenha sido estabelecido e não haja autotraumatismo, ulceração ou infecção secundária. A extirpação é curativa, no entanto, os cães estão
predispostos ao desenvolvimento de outros tumores com o decorrer do tempo. Para animais com a forma generalizada da doença, retinoides orais (p. ex., isotretinoína ou etretinato) podem propiciar benefícios terapêuticos.
Lesões Papilomatosas Benignas Não Associadas a Vírus
Para uma discussão sobre papilomas (verrugas virais), a mais comum das neoplasias cutâneas provocadas por vírus, ver p. 956. Lesões benignas proliferativas não associadas a infecção por papilomavírus podem apresentar morfologia
macroscópica semelhante àquela dos papilomas.
Hamartomas epidérmicos (nevos) são proliferações raras identificadas apenas em cães, com maior frequência em animais jovens. Em cães da raça Cocker Spaniel, a doença pode ser hereditária. Macroscopicamente, os nevos
epidérmicos surgem como pápulas e placas pigmentadas, hiperceratóticas ou pápulas vagamente papilomatosas, que, ocasionalmente, são arranjadas em um padrão linear. Algumas formas são associadas a pústulas e células acantolíticas.
Eles são benignos, mas a sua aparência é desagradável e a extensa hiperqueratose predispõe à infecção bacteriana secundária. Lesões localizadas podem ser excisadas; cães com múltiplas lesões ou lesões muito grandes para serem
removidas cirurgicamente podem ser responsivos à terapia com isotretinoína ou etretinato. A hiperqueratose pode ser controlada transitoriamente com a utilização de xampus ceratolíticos e emolientes tópicos.
Papilomas congênitos dos potros são raros e, provavelmente, são defeitos de desenvolvimento e não resultado de infecção por papilomavírus. Eles são encontrados em qualquer área do corpo, porém são mais comuns na cabeça.
Animais Puro Sangue podem ser predispostos. As lesões, presentes ao nascimento, apresentam vários centímetros de diâmetro, alopecia e são pedunculadas e exofíticas, com uma superfície papilar assemelhandose a uma couveflor. São
benignos e a extirpação é curativa.
Disceratomas verrucosos caninos são neoplasias benignas raras de origem não conhecida, mas com aspectos histológicos de neoplasia folicular ou apócrina (ou ambas). Macroscopicamente, apresentamse como pápulas verrucosas ou
nódulos com centro ceratótico umbilicado. A extirpação é curativa.
Papilomas (Verrugas)
Papilomavírus são vírus pequenos, com ácido desoxirribonucleico (DNA) de filamento duplo e pertencem à família Papovaviridae. Alguns mamíferos possuem vários papilomavírus distintos – humanos têm > 20; bovinos, 6; cães, 3; e
coelhos, 2. Os diferentes papilomavirus, em geral, apresentam especificidade considerável quanto à espécie, local e histologia. Os vírus são transmitidos por contato direto, fômites e, possivelmente, por insetos. Os papilomas foram
descritos em todos os animais domésticos, aves e peixes. Papilomas múltiplos (papilomatose) na pele ou superfície mucosa geralmente são observados em animais mais jovens e normalmente são causados por vírus. Papilomatose é mais
comum em bovinos, equinos e cães. Papilomas solitários são mais frequentes em animais mais velhos e nem sempre são causados por infecção viral.
Quando as lesões são múltiplas, podem ser suficientemente características para confirmar o diagnóstico; no entanto, há muitas lesões semelhantes a verrugas e um diagnóstico definitivo requer a identificação do vírus ou de seu efeito
citopático nas células individuais – uma alteração conhecida como atipia coilocítica ou coilocitose.
Em bovinos, os papilomas são encontrados comumente na cabeça, pescoço e escápula e, ocasionalmente, no dorso e abdome. A extensão e a duração das lesões dependem do tipo de vírus, da área afetada e do grau de suscetibilidade. As
verrugas surgem aproximadamente dois meses após a exposição e podem durar = 1 ano. A papilomatose se torna um problema de rebanho quando um grupo grande de bovinos jovens suscetíveis se torna infectado. A imunidade, em geral,
se desenvolve 3 a 4 semanas após a infecção inicial, mas ocasionalmente há recidiva de papilomatose, provavelmente em razão da perda de imunidade.
Embora a maioria dos papilomas apareça como proliferações epidérmicas com superfície ceratótica semelhante à couveflor (verruca vulgaris), alguns papilomavírus bovinos (papilomavírus bovino tipos 1 e 2) envolvem fibroblastos e
ceratinócitos da derme e parecem papulonódulos com superfície verrucosa. Tais fibropapilomas podem envolver órgãos sexuais, onde causam dor, desfiguração, infecção do pênis de touros jovens e distocia quando a mucosa vaginal de
novilhas é acometida.
Uma forma persistente de papilomatose cutânea com menor número de papilomas pode ser observada em rebanhos de bovinos mais velhos. Um papilomavírus bovino foi isolado de tumores de bexiga associados à ingestão de samambaia
(p. 3159) e em papilomas de trato GI superior de bovinos, na Escócia. Acreditase que o papilomavírus atue como cocarcinógeno. Quando um papilomavírus tipo 1 ou 2 é injetado na pele de equinos, desenvolvese um tumor dérmico
semelhante ao sarcoide equino.
Em equinos, papilomas pequenos e disseminados ocorrem no nariz, lábios, pálpebras, região distal dos membros, pênis, vulva, glândulas mamárias e na superfície interna do pavilhão auricular, em geral, secundários a abrasões brandas.
Podem ser um problema de plantel, em especial quando equinos jovens são mantidos juntos, mas há regressão em poucos meses, assim que ocorre desenvolvimento da imunidade do potro. Em geral, as verrugas persistem por mais de 1 ano
quando se desenvolvem em equinos mais velhos. Acreditase que as chamadas placas auriculares também sejam uma forma plana de papiloma (verruca planum). Os papilomas equinos causam desfiguração, porém são benignos. Devem ser
distinguidos de sarcoide verrucoso equino (ver adiante).
Em cães, foram descritas três manifestações clínicas de infecção por papilomavírus canino. A primeira é papilomatose das membranas mucosas, que acomete principalmente cães jovens. Caracterizase pela presença de verrugas
múltiplas na membrana mucosa bucal, dos lábios ao esôfago (ocasionalmente) e na membrana mucosa conjuntival e da pele adjacente, que contém pelos. Quando a cavidade bucal é gravemente afetada, há interferência na mastigação e na
deglutição. Uma etiologia viral foi claramente estabelecida para essas lesões. A segunda apresentação clínica, os papilomas cutâneos, é indistinguível das verrugas que se desenvolvem nas membranas mucosas ou ao redor delas. No
entanto, são mais frequentemente solitárias e acometem cães mais velhos. Cocker Spaniel e Kerry Blue Terrier podem ser as raças mais predispostas. Não foi estabelecida uma etiologia viral definitiva e as lesões podem ser confundidas
com apêndices cutâneos. Uma síndrome caracterizada por papilomatose em um ou mais coxins também foi descrita. Clinicamente, as lesões aparecem como cornos ceratinizados múltiplos e elevados. Uma etiologia viral foi sugerida, porém
não foi comprovada. A terceira apresentação são papilomas cutâneos invertidos, que parecem ter mais em comum clinicamente com os epiteliomas intracutâneos cornificantes. Nessa doença de cães jovens e adultos, as lesões comumente
se desenvolvem no abdome ventral, onde parecem papulonódulos elevados com um centro ceratótico. Raramente, papilomas virais em cães podem progredir para carcinomas de célula escamosa invasivo.
Em gatos, a infecção por papilomavírus aparece mais comumente como carcinoma de célula escamosa multicêntrico (p. 944). As lesões tipicamente verrucosas associadas à infecção por papilomavírus na maioria das espécies não estão
presentes. Os papilomas podem afetar a pele de caprinos e a infecção dos tetos foi relatada por induzir uma transformação maligna. Em ovinos, os papilomas são raros e sua apresentação mais comum é como fibropapilomas. Em suínos,
essas lesões são muito raras e, quando presentes, são identificadas como lesões solitárias ou múltiplas na face ou na genitália (para discussão sobre papilomatose em coelhos, ver p. 1948).
Um fibroma cutâneo acomete veados de cauda branca, veados de cauda preta, veados orelhudos e antílopes, alces e caribus. É causado por um papilomavírus que lembra o papilomavírus bovino, encontrado apenas no epitélio que recobre
os tumores.
A papilomatose infecciosa é uma doença autolimitante, embora a duração das verrugas varie consideravelmente. Uma série de tratamentos foi proposta, no entanto ainda não há concordância quanto à eficácia dos mesmos. A remoção
cirúrgica é recomendada se as verrugas forem suficientemente nocivas. No entanto, se a cirurgia for realizada no estágio inicial de crescimento das verrugas pode haver recidiva e estímulo ao crescimento; dessa forma, devem ser removidas
quando próximas ao seu tamanho máximo ou quando estiverem em regressão. Os animais acometidos devem ser isolados dos suscetíveis, porém, como o período de incubação é longo, é provável que muitos animais tenham sido expostos
antes que o problema seja detectado.
As vacinas possuem algum valor como prevenção, mas têm pouco valor no tratamento de bovinos que já apresentam as lesões. Uma vez que os papilomavírus são muito espécieespecíficos, não se justifica o uso de vacina de uma
espécie, em outra.
Quando a doença se torna um problema de rebanho, pode ser controlada por meio da vacinação com uma suspensão de tecido da lesão no qual o vírus foi morto em formalina. Vacinas autógenas podem ser mais efetivas do que as
disponíveis comercialmente. Pode ser necessário iniciar a vacinação em bezerros com 4 a 6 semanas de idade, na dose de, aproximadamente, 0,4 ml, por via intradérmica, em dois locais. A vacinação deve ser repetida em 4 a 6 semanas e
com 1 ano de idade. A imunidade se desenvolve em poucas semanas, mas não está relacionada com nenhum mecanismo envolvido na regressão espontânea. Se o animal foi exposto ao vírus antes da vacinação, a imunidade necessária para
prevenir as verrugas pode ocorrer tardiamente. Um programa de vacinação deve ter sido implantado por, aproximadamente, 3 a 6 meses antes que seu valor preventivo seja evidente. A vacinação deve ser mantida por = 1 ano após a última
verruga desaparecer, pois as instalações ainda podem estar contaminadas. Baias, balaústres e outros materiais inertes podem ser desinfetados pela fumigação com formaldeído.
Tumores de Folículo Piloso
O folículo piloso é uma estrutura complexa, composta por 8 camadas epiteliais. Os tumores dessa estrutura são complexos e há necessidade de muitos trabalhos para caracterizálos melhor. São mais comuns em cães, menos frequentes em
gatos e raros em outros animais domésticos.
Tricolemomas são neoplasias dos folículos pilosos de cães, raras e benignas, encontrados mais comumente na cabeça. Os cães da raça Poodle podem ser predispostos. Esses tumores derivam da porção inferior da bainha externa da raiz e,
normalmente têm áreas de transição para tumores de célula basal. Possuem pouco em comum com um tumor de mesmo nome em pessoas, que representa uma verruga antiga. Caracterizam–se como massas ovoides e firmes, com 1 a 7 cm
de diâmetro, que são encapsuladas, mas se expandem com o tempo. A extirpação é curativa.
Tricofoliculomas são tumores foliculares de cães, extremamente raros, compostos pela região inferior e do istmo de muitos folículos de abortação, em que seu conteúdo luminal é extruído para um infundíbulo cístico dilatado anormal.
Pouco se sabe se há predileção por idade, raça ou sexo. Considerado por alguns como hamartoma, em vez de uma neoplasia verdadeira, esses tumores são benignos e a extirpação cirúrgica completa é curativa.
Tricoepiteliomas são neoplasias císticas do folículo piloso de cães e, menos comumente, de gatos, nas quais todos os elementos do folículo piloso (infundíbulo, istmo e porções inferiores) e os padrões de cornificação que eles produzem
estão representados. O epitélio e a cornificação das porções infundibular e do istmo são predominantes. Foram detectadas formas benignas e malignas. Em cães, essas lesões podem ocorrer em qualquer idade, porém são mais comuns em
animais de meiaidade. Muitas raças são predispostas, incluindo Basset Hound, Bull Mastiff, Setter Irlandês, Poodle padrão, Springer Spaniel Inglês e Golden Retriever. Não há predileção sexual definida. Os tumores podem se desenvolver
em qualquer local do corpo, principalmente no tronco de cães ou na cabeça, cauda e extremidades de gatos. As formas benignas parecem nódulos císticos encapsulados palpáveis (1 a 5 cm de diâmetro) na derme e na gordura subcutânea. A
expansão dos cistos ou autotraumatismo pode induzir ulceração associada a extravasamento da queratina luminal, um material de aparência caseosa, condensada, granular e amarelada. A extirpação é curativa, no entanto, animais que
desenvolvem um tumor são propensos ao desenvolvimento de lesões adicionais em outros locais. Isso é especialmente verdadeiro em cães das raças Basset Hound e Springer Spaniel Inglês.
Tricoepiteliomas malignos são muito menos comuns do que tricoepiteliomas benignos e se diferem pela capacidade de invasão local, continuidade com a epiderme e associação com inflamação intensa, necrose e fibrose. Metástases não
são comuns. A extirpação cirúrgica ampla é o tratamento de escolha e, em geral, é curativa naqueles tumores invasivos, mas com potencial metastático mínimo.
Pilomatricomas (tumores de matriz pilosa, epiteliomas calcificantes [de Malherbe]) são neoplasias císticas de folículos pilosos verificadas quase que exclusivamente em cães. Diferentemente dos tricoepiteliomas, nos quais todos os
elementos do folículo piloso estão representados, nos pilomatricomas apenas as células da região da matriz da parte inferior do folículo piloso e o padrão de cornificação que eles produzem (eixo piloso e porção interna da raiz) estão
presentes. Formas benignas e malignas são notadas. Tumores benignos são mais comuns no tronco de cães de meiaidade; as raças de maior risco são Kerry Blue, Wheaten Terrier, Bouviers des Flandres, Bichon Frise e Poodle padrão.
Macroscopicamente, esses tumores são indistinguíveis dos tricoepiteliomas, porém seu conteúdo cístico quase sempre é granular em razão da mineralização. A extirpação é o tratamento de escolha. Assim como com os tricoepiteliomas, os
cães que desenvolvem essa lesão quase sempre desenvolvem outras, posteriormente.
Pilomatricomas malignos (tumor maligno de matriz, carcinoma matricial) são raros e foram identificados com maior frequência em cães. São tumores de cães idosos caracterizados macroscopicamente por lesões solitárias ou
multinodulares, variavelmente císticas, com frequência aderidas firmemente aos tecidos moles subjacentes. Como são invasivos, são de difícil extirpação e a recidiva é comum após tentativas de remoção cirúrgica. Em geral, ocorrem
metástases nos linfonodos que drenam a região e em órgãos internos, em especial nos pulmões. Recomendase cirurgia radical. A resposta à radioterapia ou à quimioterapia ainda não é conhecida.
Tumores de Glândulas Apócrinas Cutâneas
Existem dois tipos de glândulas sudoríparas: apócrinas e écrinas. As glândulas apócrinas são tubulares, com uma porção secretora em espiral e um ducto reto longo que desemboca no infundíbulo folicular. Nos animais domésticos, todos os
folículos pilosos possuem glândulas apócrinas. Em cães e gatos, essas glândulas também estão associadas ao saco anal e glândulas apócrinas modificadas, conhecidas como glândulas ceruminosas, estão presentes no meato acústico externo.
Na maioria dos mamíferos, elas produzem uma substância odorífera oleosa, com função de atração sexual, marcação territorial e sinalização de ameaça. Em equinos e bovinos, essas glândulas participação da termorregulação por
produzirem suor.
Tumores e malformações das glândulas apócrinas são mais comuns em cães e gatos. Foram caracterizadas três doenças das glândulas apócrinas da pele que contém pelos.
A dilatação cística de glândula apócrina (cisto de glândula apócrina, hiperplasia cística de glândula apócrina, cistomatose apócrina) é mais bem caracterizada como um hamartoma. Há duas formas: uma forma cística, na qual um ou
mais cistos se desenvolvem na derme média a superior, com pouca associação com folículos pilosos, e outra forma mais difusa, caracterizada por glândula apócrina dilatada por cisto, associada a múltiplos folículos pilosos em uma pele não
lesionada. As duas formas acometem cães de meiaidade ou idosos e, mais raramente, gatos. Os locais mais comuns de desenvolvimento das lesões são cabeça e pescoço. Em ambas as espécies, as lesões surgem como cistos dérmicos
flutuantes ou como bolhas translúcidas. A extirpação completa é curativa, no entanto, a cura da forma difusa pode ser difícil.
Adenomas de glândula apócrina são diagnosticados quase que exclusivamente em cães e gatos e, raramente, em equinos. Dois tipos são reconhecidos com base na aparência histológica, que lembra principalmente a porção secretora ou
ductal da glândula apócrina. Os adenomas apócrinos se assemelham à região secretora da glândula apócrina e são notados em cães e gatos mais velhos. As raças mais comumente afetadas são Chow Chow, Malamute do Alasca e Great
Pirineus. Os locais mais frequentes de desenvolvimento das lesões são cabeça, pescoço e extremidades. Em gatos, o adenoma de glândula apócrina ocorre mais em machos e não parece haver predileção racial. A grande maioria das lesões
surge na cabeça, sobretudo no pavilhão auricular. Em equinos, não há associação conhecida com idade, sexo ou raça e o pavilhão auricular e a vulva são as regiões mais acometidas por esses tumores. Em todas as espécies, essas neoplasias
aparecem como cistos firmes a flutuantes, raramente > 4 cm de diâmetro. Contêm quantidade variável de fluido límpido a amarronzado. Em gatos, o fluido luminal tem uma pigmentação escura e os cistos apócrinos podem ser confundidos
clinicamente com melanocitomas, em especial quando presentes na parte interna das orelhas. Os adenomas apócrinos ductulares são menos comuns. São encontrados em cães e gatos mais velhos e derivam ou mostram diferenciação em
ductos apócrinos. Em cães, esses tumores são mais prevalentes nas raças Peekapoo, Old English Sheepdog e Springer Spaniel Inglês. Em geral, são menores, mais firmes e menos císticos do que os adenomas apócrinos. Como, com
frequência, consistem de uma grande população de células basais e como a diferenciação ductular poder ser muito discreta, esses tumores geralmente são diagnosticados histologicamente como tumor de célula basal (ver p. 926). Os
adenomas apócrinos e os adenomas apócrinos ductulares são benignos e a extirpação cirúrgica completa é curativa.
Os adenocarcinomas de glândula apócrina da pele que contém pelos são raros em todas as espécies domésticas, porém são identificados com maior frequência em cães e gatos mais velhos. Cães das raças Treeing Walker Coonhound,
Elkhound Norueguês, Pastor Alemão e cães mestiços apresentam maior risco de desenvolvimento desse tipo de tumor. Gatos da raça Siamesa podem ser predispostos. Em ambas as espécies, esse tumor ocorre com maior frequência nas
regiões axilar e inguinal – locais nos quais podem ser facilmente confundido clinica e histologicamente com adenocarcinoma de ducto de glândula mamária. Os adenocarcinomas das glândulas apócrinas, em geral, são maiores que os
adenomas e têm aparência clínica variável, podendo se apresentar como nódulos dérmicos fibrosados até placas ulceradas. São localmente invasivos e com frequência causam metástase aos linfonodos satélites. Menos comumente, há
metástase na pele e nos pulmões. A extirpação cirúrgica completa é o tratamento de eleição. Pouco se sabe a respeito da resposta ao tratamento auxiliar com quimioterápicos.
Tumores de Glândula Apócrina do Saco Anal
Esses tumores foram identificados de maneira definitiva apenas em cães; no entanto, alguns relatos anedóticos sugerem que também podem acometer gatos. As raças com maior risco são Cocker Inglês e Springer Spaniel mais velhos,
Dachshund, Malamute do Alasca, Pastor Alemão e cães mestiços. Diferentemente dos tumores das glândulas hepatoides (ver adiante), não há predileção por sexo. Normalmente, as lesões aparecem como massas profundas, firmes e
nodulares próximas ao saco anal. Com o crescimento das lesões, pode haver compressão do reto, induzindo à constipação intestinal. Alguns desses tumores estão associados a uma síndrome paraneoplásica caracterizada por hipercalcemia e
resultam em anorexia, perda de peso, poliúria e polidipsia. Com frequência são altamente infiltrativos no canal pélvico e comumente (90%) causam metástase nos linfonodos sublombares ou em órgãos internos distantes (40%). O
tratamento de eleição é a extirpação cirúrgica ampla, incluindo os linfonodos envolvidos. Mesmo que o tumor não possa ser totalmente retirado, a cirurgia pode ser de grande valor em cães com pseudohiperparatireoidismo, pois a
hipercalcemia está relacionada com a massa tumoral total. A quimioterapia auxiliar e a radioterapia também podem ser benéficas, porém poucos cães vivem mais de um ano após o diagnóstico do tumor.
Tumores de Glândula Écrina
As glândulas écrinas, que são glândulas sudoríparas espirais e tubulares, estão presentes nos coxins plantares de carnívoros, na ranilha de animais ungulados, no carpo de suínos e na região nasolabial dos ruminantes. Os tumores oriundos
dessas glândulas são extremamente raros e foram identificados apenas nos coxins de cães e gatos. A maioria deles é maligna e invasiva; foi relatado alto risco de metástases desses tumores aos linfonodos satélites.
Tumores de Glândula Hepatoide (Tumores de glândula perianal, Tumores de glândula circumanal)
Essas neoplasias comuns se desenvolvem a partir de glândulas sebáceas modificadas que são mais abundantes no tecido cutâneo ao redor do ânus, mas podem também estar presentes ao longo da linha média ventral, do períneo até a base
do crânio, nas regiões ventral e dorsal da cauda e na pele das regiões lombar e sacra. Uma vez que os andrógenos estimulam o desenvolvimento das glândulas hepatoides, a incidência de lesões proliferativas dessas glândulas em machos não
castrados é três vezes maior do que em fêmeas.
Os tumores benignos das glândulas hepatoides são classificados em hiperplasias e adenomas; no entanto, assim como nos tumores benignos das glândulas sebáceas, há uma progressão de hiperplasia para adenoma. Neste texto, serão
considerados como uma entidade única. Os adenomas das glândulas hepatoides são mais comuns em cães mais velhos. As raças mais afetadas são Husky Siberiano, Samoyed, Pequinês e Cocker Spaniel. Os tumores podem se desenvolver
em qualquer local onde há glândula, mas 90% se instalam na região perianal. Macroscopicamente, surgem como um ou (mais comumente) múltiplos nódulos intradérmicos de 0,5 a 10 cm de diâmetro. As lesões maiores, comumente
ulceradas e hemorrágicas, secretam um material ceratinoso quando se aplica pressão local. Tumores grandes podem comprimir o canal anal e dificultar a defecação. Até 95% dos cães machos respondem completamente à castração; aqueles
que não respondem devem ter o eixo hipófiseadrenal avaliado e, se não há anormalidade, o cão deve ser reavaliado quanto à presença de adenocarcinoma da glândula hepatoide de baixo grau. A extirpação pode ser utilizada rotineiramente
para remover tumores extremamente grandes ou ulcerados que apresentam infecção secundária. Cirurgia é o tratamento de eleição para fêmeas com adenoma de glândula hepatoide e pode ser necessária repetila, uma vez que a recidiva é
comum. Radioterapia também é uma opção e a taxa de cura é de 69%, para um período de 2 anos, no caso de tumor benigno. Criocirurgia é uma alternativa terapêutica, mas em razão de complicações como incontinência fecal, deve ser
utilizada apenas quando os tumores não são passíveis de intervenção cirúrgica. O dietilestilbestrol foi utilizado no passado como alternativa à castração, mas deve ser usado com extrema cautela em razão da possibilidade de reações
adversas graves, como anemia aplásica e hiperplasia cística prostática, se utilizado.
Adenocarcinomas de glândula hepatoide são neoplasias incomuns em cães; em geral, surgem como lesões nodulares na região perianal. Esses tumores são notados em cães machos 10 vezes mais do que em fêmeas. As raças mais
propensas ao desenvolvimento dos tumores são Husky Siberiano, Malamute do Alasca e Buldogue. O exame histológico é o melhor método diagnóstico; no entanto, há controvérsia quanto à diferenciação de tumores malignos de baixo grau
e de adenomas hepatoides, uma vez que as formas bem diferenciadas podem ser confundidas com adenomas e as formas anaplásicas podem ser confundidas com adenocarcinomas de glândula apócrina com origem no saco anal. Esses
tumores têm potencial metastático e, com frequência, se disseminam aos linfonodos regionais. O tratamento consiste na extirpação cirúrgica ampla, incluindo os linfonodos envolvidos e, se possível, radioterapia subsequente. Esses tumores,
em geral, não respondem à castração ou à terapia com estrógenos e não se sabe se há benefícios da quimioterapia nos casos de doença metastática. O prognóstico é reservado.
Tumores de Glândula Sebácea
Os tumores e as formações semelhantes a tumores em glândulas sebáceas são comuns em cães, infrequentes em gatos e raros em outros animais domésticos. Com base na morfologia, mais do que nas características do comportamento,
foram descritas quatro categorias de proliferações benignas das glândulas sebáceas. Em pessoas, nas quais um esquema de classificação aproximadamente similar costuma ser utilizado tradicionalmente, foi proposto que todos os tumores
benignos das glândulas sebáceas são denominados sebaceomas.
Hamartomas de glândula sebácea são lesões solitárias relatadas apenas em cães. Essas lesões diferem dos adenomas e hiperplasias de glândula sebácea porque são lineares ou circunscritas, têm vários centímetros de comprimento ou
diâmetro e normalmente são identificadas logo após o nascimento.
Hiperplasia de glândula sebácea (hiperplasia sebácea senil) representa uma alteração senil de cães e gatos. Em cães, as raças mais suscetíveis são Manchester, Wheaten e Welsh Terrier. Em gatos, não há predileção racial, mas as
fêmeas desenvolvem essas lesões com maior frequência que os machos. Em ambas as espécies, a cabeça e o abdome são mais acometidos. Hiperplasia sebácea normalmente surge como massa papilar, raramente com mais de 1 cm de
diâmetro, frequentemente com uma superfície brilhante e ceratótica.
Adenomas de glândula sebácea são observados em todos os animais domésticos, mas são tão comuns em cães e gatos idosos que podem ser considerados como neoplasias principalmente de pequenos animais. As raças de cães mais
predispostas são Coonhound, Cocker Spaniel Inglês, Cocker Spaniel, Husky, Samoyed e Malamute do Alasca; a raça felina mais propensa é a Persa. Com frequência, esses tumores não são clinicamente distinguíveis das hiperplasias
sebáceas em cães, mas tendem a ser maiores (tipicamente > 1 cm). Em geral, essas lesões são múltiplas e podem ocorrer em qualquer parte do corpo, mas são comumente verificadas na cabeça. Os adenomas sebáceos podem estar cobertos
por uma crosta serocelular e exibem inflamação pleocelular e piodermite superficial. Epiteliomas de glândula sebácea são uma variante dos adenomas sebáceos e apresentam lóbulos compostos principalmente por células basais
progenitoras e não por sebócitos maduros. Uma vez que, com frequência, apresentam lóbulos irregulares que se estendem para a derme profunda, ocasionalmente essas lesões podem ser confundidas com carcinoma sebáceo. Esses tumores
são encontrados em cães mais velhos e, raramente, em gatos. Caracterizamse por serem nódulos ulcerados que podem ter vários centímetros de diâmetro; superfície epidérmica papilar e pigmentação são achados clínicos variáveis.
Adenocarcinomas de glândula sebácea são raros em animais domésticos. São notados quase que exclusivamente em cães e gatos e, em geral, em animais de meiaidade ou idosos. Cães das raças Cavalier King Charles Spaniel, Cocker
Spaniel, Scottish, Cairn e West Highland White Terrier apresentam maior risco. Pode haver predisposição em cães machos e em gatas. Essas lesões, com frequência, são ulceradas e podem ser indistinguíveis do epitelioma sebáceo ou de
outros carcinomas cutâneos. São localmente infiltrativos e podem originar metástase nos linfonodos regionais, em uma fase tardia da doença.
Uma vez estabelecido o diagnóstico, o tratamento de tumores benignos da glândula sebácea é opcional, a menos que apresentem infecção e inflamação secundárias. Para os adenocarcinomas malignos, a extirpação é o tratamento de
escolha, mas a remoção completa pode ser difícil em razão da natureza infiltrativa desse tumor; pode ser necessária radioterapia auxiliar. Mesmo os crescimentos benignos da glândula sebácea são recidivantes se não forem completamente
extirpados mediante cirurgia. Além disso, os animais que desenvolvem adenoma ou hiperplasia de glândula sebácea, em geral, desenvolvem novas lesões em outros locais com o passar do tempo. Não há protocolo quimioterápico
estabelecido essas lesões. Retinoides orais podem prevenir a recidiva de hiperplasia sebácea, mas seu uso ainda permanece pouco definido e a consulta a um oncologista veterinário ou dermatologista é fortemente recomendada.
Tumores e Carcinomas de Célula Basal (Epiteliomas de célula basal, basaliomas, Tricoblastomas, Carcinomas de célula basoescamosa)
Tumores de célula basal representam um grupo heterogêneo de neoplasias epiteliais cutâneas verificados comumente em cães e gatos, ocasionalmente em equinos e raramente em outros animais domésticos. Essas neoplasias são compostas
por uma proliferação de pequenas células basofílicas que exibem morfologia remanescente das células progenitoras da epiderme e anexos. Com o exame mais minucioso desses tumores, foram descobertas evidências de diferenciação
(folicular, sebácea etc.), justificando uma reclassificação. Por exemplo, em cães, o que era conhecido no passado como tumor de célula basal é mais bem caracterizado como tricoblastoma, um tumor do bulbo do pelo (o local do folículo
que produz a haste pilosa).
Alguns esquemas de reclassificação sugeriram que o uso do termo tumor de célula basal seja restrito à neoplasia benigna em gatos (cuja derivação ainda deve ser definida). Uma vez que essa terminologia revisada está sendo adotada
lentamente, a terminologia tradicional será utilizada nesse texto. Isso significa que uma proliferação benigna de célula basal será denominada tumor de célula basal e uma proliferação maligna será denominada como carcinoma de célula
basal. Em animais domésticos, a maioria dos tumores de célula basal é benigna e se origina na derme média a profunda, indicando origem provável nos anexos cutâneos. Esses aspectos distinguem tumores de célula basal em animais
domésticos dos tumores em pessoas, cujas lesões são invasivas localmente (i. e., são carcinomas verdadeiros) e se originam na epiderme. Além disso, a exposição ao sol é uma causa comum de neoplasias derivadas das célula basal em
pessoas, porém seu papel na indução de tumores de célula basal nos outros animais ainda não está bem definido.
Tumores de célula basal em cães se desenvolvem mais comumente em animais de meiaidade a idosos. Muitas raças são predispostas, como o Griffon Apontador de pelo duro, Kerry Blue Terrier e Wheaten Terrier. Esses tumores são
encontrados com maior frequência na cabeça (em especial nas orelhas), pescoço e membros torácicos. Em gatos, os tumores de célula basal também ocorrem em animais idosos. As raças em maior risco são pelo longo doméstico, Himalaio
e Persa e os tumores podem se desenvolver em qualquer local do corpo. Em cães e gatos, esses tumores, em geral, surgem como massas firmes, solitárias, encapsuladas e, com frequência, alopécicas ou com nódulos ulcerados que podem
ser pedunculados; o tamanho varia de < 1 cm a > 10 cm de diâmetro. Em gatos, com maior frequência do que em cães, esses tumores são densamente pigmentados e ao corte pode ser difícil distinguilos de melanocitomas dérmicos.
Variantes císticos também são mais comuns em gatos. Embora os tumores de célula basal sejam benignos, são neoplasias expansivas e podem estar associadas à ulceração e inflamação secundárias. A extirpação completa é curativa.
Carcinoma de célula basal em um gato. Cortesia da Dra. Alice Villalobos.
Carcinoma de célula basal é encontrado com maior frequência em gatos do que em cães. Em gatos, ele se desenvolve com maior frequência em animais mais velhos e há predisposição em animais da raça Persa. Em geral, possuem
aparência de placas ulceradas na cabeça, extremidades ou pescoço. Diferentemente de tumores de célula basal benignos, esses carcinomas costumam possuir continuidade com a epiderme, são invasivos localmente e podem ser
multicêntricos. Embora evidências de invasão vascular sejam verificadas em cortes histológicos, metástases locais ou sistêmicas raramente ocorrem. Consequentemente, a extirpação cirúrgica é o tratamento de eleição.
Em cães, a maioria dos carcinomas de célula basal apresenta evidências histológicas de cornificação, um aspecto em comum ao carcinoma de célula escamosa, por isso também são chamados de carcinomas de célula basoescamosa.
Esses tumores, em geral, são observados em cães velhos; as raças São Bernardo, Scottish Terrier e Elkhound Norueguês apresentam maior risco. Ao contrário do que acontece no tumor de célula basal canino, não há tendência de
desenvolvimento de carcinoma de célula basoescamosa na cabeça, e essa lesão pode ser encontrada em qualquer parte do corpo, onde há continuidade com a epiderme, com aparência de placas e nódulos exoendofíticos. Essas neoplasias
invadem os tecidos locais, mas raramente causam metástase. O tratamento de escolha é a extirpação cirúrgica.
Tumores Neuroendócrinos Cutâneos Primários (Tumor da célula de Merkel, Histiocitoma atípico, Carcinoma trabecular, Plasmocitoma extramedular)
Em medicina veterinária, o diagnóstico de tumor oriundo de célula de Merkel (célula tátil neurossecretora de origem epitelial, presente na camada de células basais da epiderme) foi desacreditado e a maioria dos patologistas considera esse
tumor como um plasmocitoma extramedular. A ocorrência de tumor de célula de Merkel é mais provável em animais, porém não é reconhecido como tal.
TUMORES METASTÁTICOS
A disseminação de uma neoplasia primária para a pele é incomum em animais domésticos. Ocasionalmente é notada em cães, menos comumente em gatos e raramente em equinos, bovinos, ovinos, caprinos e suínos. Embora todas as
neoplasias malignas sejam capazes de causar envolvimento cutâneo secundário, o potencial metastático é maior nos adenocarcinomas da glândula mamária, carcinomas de célula escamosa, carcinomas de células de transição, tumor venéreo
transmissível, adenocarcinomas pulmonares e angiossarcomas. Embora a aparência seja variável, as lesões comumente são papulonódulos múltiplos e ulcerados. Metástases cutâneas iniciais são caracterizadas por agregados de células
neoplásicas em vasos dérmicos superficiais e profundos. Com a progressão, essas lesões se estendem para a derme e são associadas à destruição de estruturas anexas. Em geral, é difícil distinguir a neoplasia primária com base nas
características morfológicas de um sítio metastático. Isso ocorre porque apenas uma pequena população de células do tumor primário apresenta potencial para desenvolver metástase e essas células podem ter características microscópicas
diferentes. Em gatos, adenocarcinomas pulmonares parecem ocasionar metástases preferencialmente nas extremidades distais, e quando os carcinomas são diagnosticados em vários membros, devese realizar exame para excluir a
possibilidade de tumor no pulmão. As metástases cutâneas normalmente são características de tumores agressivos e estão associadas a um prognóstico reservado.
Carcinoma de glândula mamária inflamatório em um cão. Essa neoplasia maligna envolve os vasos linfáticos cutâneos. Cortesia da Dra. Alice Villalobos.
CARRAPATOS
Os carrapatos são ectoparasitas obrigatórios da maioria dos vertebrados terrestres, virtualmente em qualquer lugar em que esses animais são encontrados. Os carrapatos são ácaros grandes, portanto, aracnídeos, membros da subclasse Acari.
Eles são mais intimamente relacionados com as aranhas do que aos insetos. As aproximadamente 850 espécies descritas são exclusivamente hematófagas em todos os estágios de desenvolvimento. Os carrapatos transmitem uma maior
variedade de agentes infecciosos que qualquer outro grupo de artrópodes e em todo o mundo, são o segundo grupo em importância, apenas os mosquitos têm maior impacto na Saúde Pública e Veterinária. Alguns desses agentes são pouco
patogênicos aos animais de produção, mas podem causar doença em pessoas; outros causam doenças nos animais de produção, apresentando grande importância econômica. Além disso, os carrapatos podem causar lesões diretamente em
seus hospedeiros ao induzirem toxicoses (p. ex., enfermidade da transpiração (p. 724) e paralisia por carrapatos (p. 401), causadas por fluidos salivares que contêm toxinas), lesões na pele suscetíveis a infecções bacterianas secundárias e
infestações por miíases, anemia e morte. A movimentação internacional de animais infectados com os parasitos sanguíneos transmitidos por carrapatos, Theileria, Babesia, Anaplasma spp. e Ehrlichia (Cowdria) ruminantium, é amplamente
restrita.
A movimentação de animais de produção infestados por carrapatos por grandes distâncias, a introdução de espécies exóticas de carrapatos no ambiente de animais de produção e os agentes carreados pelos carrapatos aos quais os animais
não têm imunidade ou resistência inata são fatores importantes na distribuição extensa e prevalência de muitas espécies de carrapatos e de agentes transmitidos por eles. Muitas espécies introduzidas de carrapatos prosperaram nas pastagens
vastas e nos ambientes e se estabeleceram nos últimos séculos durante as explosões populacionais humanas e de animais de produção.
Duas das três famílias de carrapatos parasitam animais de produção: a Argasidae (argasídeos, “carrapatos moles”) e a Ixodidae (ixodídeos, “carrapatos duros”). Embora eles partilhem de algumas propriedades básicas, os argasídeos e os
ixodídeos diferem em muitos padrões estruturais, comportamentais, fisiológicos, ecológicos, alimentares e reprodutivos. Espécies tropicais e subtropicais podem completar 1, 2 ou, raramente, três ciclos de vida anualmente. Em zonas
temperadas, em geral, há um ciclo anual; em regiões mais ao norte e em altas altitudes em regiões temperadas, são necessários 2 a 4 anos para a maioria das espécies. Há quatro estágios de desenvolvimento: ovo, larva, ninfa e adulto. Todas
as larvas possuem três pares de pernas; todas as ninfas e adultos têm quatro pares. Os adultos têm áreas genital e anal distintas na superfície ventral do corpo. O tarso dos membros anteriores de todos os carrapatos tem um aparelho sensorial
único – o órgão de Haller – para sentir o dióxido de carbono, estímulos químicos (odor), temperatura, umidade etc. Os feromônios estimulam o encontro, o reconhecimento de espécies, o acasalamento e a seleção do hospedeiro.
Certas espécies de carrapatos que parasitam animais de produção podem sobreviver durante vários meses e, ocasionalmente, alguns poucos anos sem alimento, se as condições ambientais permitirem. As preferências dos carrapatos por
determinados hospedeiros, em geral, são limitadas a determinados gêneros, famílias ou ordens de vertebrados; entretanto, alguns carrapatos estão excepcionalmente adaptados a uma variedade de hospedeiros, dessa forma, cada espécie deve
ser avaliada separadamente. As larvas e ninfas da maioria dos ixodídeos que parasitam animais de produção se alimentam em pequenos animais silvestres, como pássaros, roedores, pequenos carnívoros ou até mesmo lagartos.
Nos Argasidae, a superfície dorsal coriácea não apresenta uma placa dura (escudo). Os machos e as fêmeas de argasídeos parecem ser muito semelhantes, exceto pelo grande tamanho da fêmea e das diferenças da genitália externa. O
capítulo dos argasídeos (aparelho bucal) surge da parte anterior do corpo na larva, porém, da superfície ventral do corpo em ninfas e adultos.
Nos Ixodidae, a superfície dorsal do macho é coberta por um escudo. O escudo das fêmeas, ninfas e larvas cobre apenas a metade anterior da superfície dorsal. O capítulo dos ixodídeos surge da extremidade anterior do corpo em todas as
fases de desenvolvimento.
Parasitismo por Argasídeos
A fauna de argasídeos por todo o mundo compreende 185 espécies em quatro gêneros, conhecidos como Argas, Carios, Ornithodoros e Octobius na família Argasidae. Os Argasidae são altamente especializados em se abrigar em nichos e
fendas em madeiras ou pedras, em ninhos de hospedeiros ou em poleiros, tocas e grutas. Algumas espécies de argasídeos são conhecidas por sobreviverem sem alimentação por vários anos. A maioria desses parasitos coriáceos habita
ambientes tropicais ou temperados quentes com estações secas longas. Os hospedeiros são aqueles que descansam em grande número próximos ao microhabitat dos argasídeos ou voltam de tempos em tempos para descansar ou se
reproduzir nessa área.
Uma população de argasídeos tipicamente parasito apenas um único tipo de vertebrado e habita sua área de abrigo. Os argasídeos usam vários hospedeiros, por exemplo, as larvas se alimentam em um hospedeiro e caem no substrato para
fazer a muda; os vários estágios larvais se alimentam separadamente, caem e passam pela muda, os adultos se alimentam muitas vezes (mas não fazem muda). As ninfas e os adultos dos argasídeos se alimentam rapidamente (normalmente
em 30 a 60 min). As larvas de alguns argasídeos também se alimentam rapidamente; outras requerem vários dias para ingurgitar completamente. Os argasídeos adultos se reproduzem fora dos hospedeiros por várias vezes; depois, as fêmeas
depositam algumas centenas de ovos em vários lotes e se alimentam entre as oviposições.
A maioria das 57 espécies descritas de Argas spp. parasito pássaros que se reproduzem em colônias em árvores ou em áreas rochosas; outros parasitam morcegos que moram em grutas. Poucos se alimentam em répteis ou mamíferos
silvestres e nenhum em animais de produção. Várias espécies se tornaram pestes importantes de aves domésticas e pombos; entre essas, estão vetores de Borrelia anserina (espiroquetose aviária) e a
riquétsia Anaplasma (Aegyptianella) pullorum (egiptianelose). Argas spp. também causa paralisia por carrapato e muitos são vetores de uma variedade de arbovírus, alguns dos quais também infectam pessoas.
O gênero Carios inclui 88 espécies, a maioria das quais parasito mamíferos, em especial morcegos e roedores. Dependendo da espécie, eles habitam o covil ou poleiros de morcegos localizados em cavernas e buracos em árvores, ou
tocas de roedores. Várias espécies parasitam pássaros que nidificam em colônias e habitam o substrato ou sob pedras e debris ao nível do chão das colônias das aves. Muitas dessas espécies parasitam apenas uma única espécie de
hospedeiro ou um grupo de hospedeiros intimamente relacionados. No entanto, alguns Carios se alimentam em pessoas e animais domésticos, caso o hospedeiro primário não esteja disponível. C. kelleyi, um carrapato associado a morcegos
e habitats de morcegos, foi relatado como carreador de um novo grupo de Rickettsia causadora de febre maculosa e uma espiroqueta causadora de febre recidivante, intimamente relacionada com a Borrelia turicatae. Mostrouse que o
carrapato de aves marinhas C. capensis transmite vírus do Nilo Ocidental para patinhos. C. puertoricensis e C. talaje americanos são vetores potenciais do vírus da peste suína africana.
A maioria das quase 37 espécies pertencentes ao gênero Ornithodoros se abriga em grutas, tocas e covas de animais em locais de clima quente e árido, e se alimentam em quase qualquer hospedeiro potencial que entre em seu habitat. As
larvas desse gênero nidícola, não se alimentam, o que pode estar relacionado com o fato de esses carrapatos habitarem tocas que podem abrigar hospedeiros de maneira irregular. Poucas espécies se adaptaram à vida em fendas nas paredes
onde animais de produção estão confinados e também são parasitos de pessoas. Determinadas espécies são vetores da espiroqueta da febre recidivante (Borrelia spp.) e do vírus da peste suína africana; algumas espécies causam toxicose e
uma espécie (O. coriaceus) transmite uma espiroqueta que causa aborto epizoótico bovino no oeste dos EUA. Várias toxinas salivares ou arbovírus transmitidos por Ornithodorus causam irritação ou doença febril em pessoas.
O único argasídeo do gênero Otobius (p. 958) apresenta três espécies, que não se alimentam no estágio adulto. O. megnini (ácaro espinhoso da orelha) é excessivamente especializado, tanto biologicamente quanto estruturalmente. Ele
infesta os canais auditivos de antílopes, carneiro montanhês e cervos da Virginia em biótopos de baixa pluviosidade no oeste dos EUA, México e oeste do Canadá. Bovinos, equinos, caprinos, ovinos, cães, vários animais de zoológico e
pessoas são infestados de maneira similar. O parasito, oculto, já foi transportado com animais de produção para o oeste da América do Sul, Galápagos, Cuba, Havaí, Índia, Madagascar e sudeste da África. Notavelmente, os adultos
apresentam aparelho bucal afuncional e permanecem sem se alimentar no solo, mas podem sobreviver por quase dois anos. As fêmeas podem depositar até 1.500 ovos em um período de 2 semanas. As larvas e dois estágios de ninfa se
alimentam por 2 a 4 meses, principalmente no inverno e primavera. Pode haver duas ou mais gerações por ano. Pessoas e outros animais podem apresentar irritação grave por infestações do canal auditivo, e animais de produção
pesadamente infestados perdem condição corporal durante o inverno. Paralisia de hospedeiros pelo carrapato e infecções secundárias por larvas de miíases foram relatadas. O. megnini é infectado pelos agentes da febre Q, tularemia, febre
do carrapato do Colorado e febre maculosa das Montanhas Rochosas. Outra espécie, O. lagophilus, se alimenta na cabeça de lebres e coelhos do oeste dos EUA.
Parasitismo por Ixodídeos
Os ixodídeos compreendem mais de 600 espécies e ocupam muito mais habitats e nichos do que os argasídeos, e parasitam um maior número de vertebrados em uma variedade mais ampla de ambientes. A maioria das espécies de ixodídeos
tem ciclo biológico em três hospedeiros; outras têm ciclo em dois hospedeiros e poucos têm ciclo biológico em um hospedeiro. Cada estágio de desenvolvimento pósembrionário dos ixodídeos (larva, ninfa, adulto) se alimenta apenas uma
vez, mas durante um período de vários dias. Os machos e as fêmeas da maioria das espécies que parasitam animais de produção se reproduzem enquanto estão no hospedeiro, embora alguns se reproduzam fora desse, no chão ou em tocas.
Os machos se alimentam menos do que as fêmeas, mas permanecem por mais tempo no hospedeiro e podem se reproduzir com várias fêmeas. Durante estações inativas, pouca ou nenhuma fêmea é encontrada se alimentando, ainda que os
machos possam permanecer aderidos aos hospedeiros. Tais machos podem contribuir para a transmissão de patógenos a novos animais suscetíveis por meio de transferências seriadas entre hospedeiros. Em geral, o pico de atividade das
populações de larvas e ninfas ocorre durante os intervalos das estações de adultos (“estações de repouso”), embora em algumas espécies haja sobreposição das dinâmicas sazonais das formas imaturas e adultas.
Os machos ixodídeos, exceto aqueles do gênero Ixodes, apresentam maturidade sexual apenas após começarem a se alimentar, após a qual se reproduzem com uma fêmea que está se alimentando. Apenas depois da reprodução as fêmeas
se tornam repletas e continuam o desenvolvimento dos ovos. Depois, elas se desprendem e se afastam do hospedeiro e, durante vários dias, depositam uma simples leva de muitos ovos sobre ou próximo ao chão, normalmente em fendas, ou
abaixo de pedras, folhas mortas ou debris. Dependendo da qualidade e da quantidade da nutrição da fêmea, pode conter 1.000 a 4.000 ovos, mas podem ter > 12.000. A fêmea morre após a postura dos ovos. Notavelmente, os ixodídeos
(exceto os de um e dois hospedeiros, os quais usam hospedeiros vertebrados como habitat por grande parte de suas vidas) passam > 90% de sua vida fora do hospedeiro, um fato de extrema importância no planejamento de medidas de
controle. O processo de alimentação de vários dias progride lentamente; a forma baloniforme, característica de larvas ingurgitadas, ninfas e fêmeas, se desenvolve apenas durante a metade final do dia de alimentação e é seguida de
desprendimento do carrapato. O tempo de queda, a certas horas do dia ou da noite, é regido por um ritmo circadiano muito associado ao ciclo de atividade do hospedeiro principal.
Também é importante, em especial para o entendimento da epidemiologia de doenças transmitidas por carrapatos, saber se as formas imaturas das espécies de ixodídeos se alimentam na mesma espécie de hospedeiro do que os adultos ou
em pequenos vertebrados. Nos locais onde os pequenos hospedeiros são escassos, as formas imaturas de algumas espécies de ixodídeos podem se alimentar nos mesmos animais que os adultos; as formas imaturas de outras espécies
raramente ou nunca o fazem.
A proximidade de hospedeiros aceitáveis, gradientes de temperatura do ar e umidade atmosférica durante o descanso e o período de busca estão entre os fatores que regulam o desenvolvimento de cada estágio e, em fêmeas, a oviposição.
IXODÍDEOS DE TRÊS HOSPEDEIROS: A maioria dos ixodídeos apresenta ciclo de três hospedeiros. A larva eclodida recentemente busca um hospedeiro adequado, em geral na vegetação, se alimenta por vários dias, cai e sofre muda até ninfa,
que repete essas atividades até a muda para adulto. Das espécies de três hospedeiros que parasitam animais de produção ou cães, poucas têm formas imaturas e adultas que parasitam o mesmo tipo de hospedeiro; essas, em geral,
desenvolvem uma densidade populacional enorme. O sucesso das espécies de ixodídeos cujas formas imaturas requerem hospedeiros de tamanho pequeno depende da disponibilidade desses hospedeiros no chão e na pastagem. Os danos
naturais inerentes às espécies de três hospedeiros foram compensados pelos benefícios proporcionados pelas práticas de criação animal para as espécies adaptáveis aos carrapatos. Apenas certas espécies de ixodídeos específicas de
herbívoros se adaptaram a coexistir com animais de produção, aí se encontra a resposta a vários problemas de carrapatos em fazendas na África, onde hospedeiros para adultos e formas imaturas são abundantes.
IXODÍDEOS DE DOIS HOSPEDEIROS: Alguns ixodídeos, em especial aqueles que parasitam mamíferos errantes (e também pássaros em alguns casos) nos ambientes inclementes do Velho Mundo, desenvolveram um ciclo de dois hospedeiros,
no qual as larvas e ninfas se alimentam em um hospedeiro e os adultos em outro. Assim como nas espécies de três hospedeiros, os hospedeiros podem ser diferentes ou da mesma espécie. Parasitos de dois hospedeiros dos animas de
produção desenvolvemse tanto em ambientes inclementes quanto brandos e são de difícil controle. Isso é especialmente verdadeiro para espécies de dois hospedeiros que se alimentam nas orelhas e na área perianal de animais de produção.
IXODÍDEOS DE UM HOSPEDEIRO: Dentre os carrapatos de maior importância econômica estão várias espécies de um hospedeiro. Esses parasitos evoluíram junto a herbívoros que circulam em áreas extensas nos trópicos
(Rhipicephalus [Boophilus] spp., Dermacentor nitens etc.) ou em zonas temperadas (D. albipictus, Hyalomma scupense). Larvas, ninfas e adultos se alimentam em um único animal até a reprodução; depois as fêmeas ingurgitadas caem no
solo, onde depositam os ovos.
LOCAIS DE ALIMENTAÇÃO: Cada espécie possui um ou mais locais de alimentação preferenciais no hospedeiro, embora em infestações densas, outras áreas possam ser utilizadas. Alguns se alimentam principalmente na cabeça, pescoço,
ombros e anca; outros nas orelhas; outros, ao redor do ânus e abaixo da cauda; e alguns nas vias nasais. Outros locais de alimentação comuns são axila, úbere, genitália masculina e vassoura da cauda. As formas imaturas e os adultos, em
geral, têm preferências diferentes. Agregações do Amblyomma spp., um ixodídeo grande e irritante, são reguladas por um feromônio de agregaçãofixação produzido pelos machos, o que assegura que os carrapatos se instalem nos locais
menos vulneráveis à lambedura ou limpeza dos animais.
Carrapatos IxodÍdeos Importantes
AMBLYOMMA SPP.
Mais da metade das, aproximadamente, 140 espécies conhecidas de Amblyomma são endêmicas do Novo Mundo. Os carrapatos Amblyomma são parasitos grandes de três hospedeiros. Eles possuem olhos e aparelho bucal longo e robusto,
são mais ou menos ornamentados e, em geral, são confinados às regiões tropicais e subtropicais. Os adultos e estágios imaturos de 37 espécies desse gênero parasitam répteis que, juntamente com pássaros que se alimentam no chão, com
frequência são hospedeiros da forma imatura de carrapatos Amblyomma que se adaptaram, no estágio adulto, a parasitarem mamíferos. Seu aparelho bucal longo torna os carrapatos Amblyomma especialmente difíceis de serem removidos
de forma manual e, com frequência, causam ferimentos graves na pele que podem ser infectados secundariamente por bactérias ou miíases.
Várias espécies africanas de Amblyomma spp. que parasitam animais de produção são vetores de Ehrlichia (Cowdria) ruminantium, uma riquétsia que causa caudriose (p. 753), enquanto espécies de Amblyomma do Novo Mundo
carreiam agentes de erliquiose monocítica e granulocítica, bem como várias Rickettsia spp.
A. americanum, o carrapato estrela, é abundante no sul dos EUA, do Texas e Missouri até a Costa do Atlântico, e se estende ao norte até o Maine. Ao sul, sua distribuição se estende até o norte do México. Em razão das mudanças
climáticas, o alcance geográfico dessa espécie continua a se expandir.
O escudo é distinto em razão da ornamentação pálida em machos e uma evidente mancha prateada (“estrela”) próxima à margem posterior nas fêmeas. As larvas, ninfas e adultos não discriminam quanto à escolha do hospedeiro e
parasitam uma variedade de animais de produção, de companhia, silvestres, bem como pessoas. A atividade nos EUA é continua desde o início da primavera até o final do outono. Os locais de alimentação nos mamíferos domésticos e
selvagens, em geral, são áreas da pele com pelos escassos; as feridas nesses locais predispõem os animais de produção ao ataque da mosca Cochliomyia hominivorax.
Amblyomma americanum é vetor de Francisella tularensis, o agente etiológico da tularemia; Ehrlichia chaffeensis, causa erliquiose monocítica em pessoas; E. ewingii, causa erliquiose granulocítica em cães e pessoas; e Ehrlichia da
montanha Panola, descrita recentemente, intimamente relacionada com a caudriose, que é patogênica ao menos para caprinos e pessoas. Esse carrapato também transmite Rickettsia amblyommii, R. parkeri, Borrelia lonestari e Coxiella sp.,
intimamente relacionada ao agente da febre Q. Pode causar paralisia por carrapato em pessoas e cães. Adicionalmente, o vírus estrela (Bunyaviridae) foi isolado de um único carrapato A. americanum em estágio de linfa que foi removido de
uma marmota da madeira (Marmota monax) no Kentucky.
Amblyomma cajennense, o carrapato Caiena, apresenta distribuição desde a América do Sul até o sul do Texas. Essa espécie é mais comumente encontrada em habitats tropicais secos e em elevações baixas dos planaltos subtropicais.
Como com o A. americanum, cada estágio ativo é indiscriminado quanto à escolha do hospedeiro: animais de produção e uma ampla variedade de aves e mamíferos silvestres servem como hospedeiros. Pessoas sofrem irritações graves por
agrupamentos de larvas de A. cajenense (micuins) em áreas de bosques e de capim alto. A maioria dos adultos se liga a superfície ventral do corpo, em especial entre as pernas; alguns se alimentam em outros locais do corpo. A atividade é
contínua durante todo o ano. A. cajennense é um vetor de R. parkeri e foi mostrado como transmissor de Ehrlichia ruminantium experimentalmente. O vírus de Wad Medani (um Orbivirus, Reoviridae), vírus africano transportado para as
ilhas do Caribe por bovinos oriundos do Senegal infestados por A. variegatum, foi isolado de A. cajennense na Jamaica.
A. maculatum, o carrapato da Costa do Golfo, é uma peste importante em animais de produção, em particular bovinos, da América do Sul ao sul dos EUA. Os habitats ótimos são áreas quentes, com alta pluviosidade, próximas ao litoral.
As formas imaturas, em geral, parasitam pássaros e pequenos mamíferos; os adultos parasitam cervos, bovinos, equinos, ovinos, suínos e cães. A atividade de alimentação do adulto ocorre principalmente no final do verão e início do
outono, mas pode começar tardiamente após um verão seco. A maioria dos adultos infesta as orelhas, onde as feridas são infestadas posteriormente por bicheira. Adultos aglomerados se alimentando também podem causar irritação intensa
nas partes superiores do pescoço dos bovinos e no cupim dos bovinos Brahman.
A. imitator parasito animais de produção da América Central ao sul do Texas. Ocasionalmente pestes de animais de produção na América tropical são A. neumanni (Argentina), A. ovale e A. parvum (Argentina ao México), A.
tigrinum (grande parte da América do Sul) e A. tapirellum (Colômbia ao México).
A. testudinarium habita áreas florestais tropicais da Ásia, do Sri Lanka e Índia a Malásia e Vietnã, Indonésia, Bornéu, Filipinas, Taiwan e sul do Japão. Os adultos são particularmente abundantes em suínos silvestres e domésticos e
também infestam cervos, bovinos e outros animais de produção e pessoas. As formas imaturas parasitam pássaros e pequenos mamíferos, bem como pessoas. Na Índia e no Sri Lanka, os adultos de A. integrum e A. mudlairi também
parasitam animais de produção, ungulados silvestres e pessoas.
A. hebraeum, o carrapato malhado do sul da África, habita savanas quentes e moderadamente úmidas da África do Sul, Namíbia, Botsuana, Zimbábue, Malaui, Moçambique e Angola. Os estágios imaturos alimentamse em vários
pequenos mamíferos, pássaros que se alimentam no chão e em répteis. Os adultos infestam animais de produção, antílopes e outros animais selvagens. Os adultos se aderem ao corpo principalmente em áreas com relativamente poucos pelos
e causam ferimentos sérios, que se tornam infectados secundariamente por bactérias e larvas Chrysomyia bezziana. Como os outros carrapatos africanos (carrapatos malhados) do gênero Amblyomma que parasitam animais de produção, A.
hebraeum é um vetor importante de Ehrlichia ruminantium, e o principal vetor de Rickettsia africae, o agente da febre da picada do carrapato africano, no sul da África.
A. variegatum, o carrapato malhado africano tropical, é um parasito facilmente visualizado, com cores brilhantes, encontrado por todas as savanas subsaarianas ao sul, até a extensão do A. hebraeum e também ao sul da Arábia, em várias
ilhas nos oceanos Índico e Atlântico e no Caribe. Um programa de erradicação em andamento no Caribe, St. Kitts, St. Lucia, Montserrat, Anguilla, Barbados e Dominica certificou esses locais como provisoriamente livres em 2002, embora
St. Kitts tenha sido reinfestada em 2004. As preferências quanto ao hospedeiro são similares às do A. hebraeum, mas também incluem camelos. As picadas dos carrapatos adultos são graves, e podem resultar em feridas sépticas e abscessos,
inflamação dos tetos de vacas e lesão considerável à pele. Os adultos se alimentam principalmente durante estações chuvosas e as formas imaturas durante estações secas. A maioria dos adultos se adere à parte inferior do corpo dos
hospedeiros, na genitália e abaixo da cauda.
As lesões causadas por A. variegatum ao hospedeiro e a transmissão de E. ruminantium são similares àquelas provocadas por A. hebraeum, mas também incluem a disseminação da dermatofilose bovina aguda (p. 913). Esse carrapato não
é considerado um vetor efetivo do vírus da doença ovina de Nairobi, mas é um vetor secundário do vírus da febre hemorrágica da CrimeiaCongo. O vírus de Dugbe foi isolado de A. variegatum em seis países ao norte da linha do Equador;
as viroses de Thogoto e Bhanja também estão associadas a esse carrapato em várias áreas ao norte da linha do Equador. Notavelmente, o vírus da febre amarela foi isolado de A. variegatum coletado de bovinos na República da África
Central e foi mostrada a transmissão transovariana para a progênie de fêmeas infectadas. O vírus de Jos infecta A. variegatum da Etiópia ao Senegal e foi transportado nesse carrapato para a Jamaica.
A. lepidum, o carrapato malhado do leste da África, habita ambientes de savanas com xerófitas do norte da Tanzânia ao Sudão central. A. gemma, o carrapato malhado semelhante a joia, ocorre em ambientes similares da Tanzânia,
Somália, Quênia e Etiópia. Uma pequena variedade de carrapatos malhados dos búfalos, A. cohaerens, é abundante em bovinos das áreas montanhosas da Etiópia, mas da República Democrática do Congo à Tanzânia a maior parte das
variedades de A. cohaerens parasito principalmente búfalos Cape. Outros carrapatos Amblyomma africanos de búfalos Cape e vários outros grandes mamíferos, incluindo animais de produção, são A. pomposum de florestas úmidas e
montanhosas na Angola, República Democrática do Congo, Uganda, sul do Sudão, Quênia e Zimbábue, e A. astrion no oeste da África e na República Democrática do Congo.
Nas Américas do Sul e Central, várias espécies de Amblyomma parasitam animais de produção e cães, com frequência em grandes números. Entre eles, adultos de A. aureolatum e A. ovale se alimentam principalmente em carnívoros e A.
parvum em carnívoros e tatus. A. auricularium foi encontrado em hospedeiros silvestres das famílias Myrmecophagide e, ocasionalmente, Didelphidae, Caviidae, Chinchilidae, Hydrochaeridae, Muridae, Canidae, Mustelidae e
Procyonidae. A. pseudoconcolor, ocasionalmente, foi encontrado em hospedeiros silvestres da família Didelphidae. A. naponense é comum em porcos do mato e A. oblongoguttatum foi encontrado em uma variedade de hospedeiros em
vários países das Américas Central e do Sul. A anta sul americana (Tapirus terrestris) parece ser o principal hospedeiro do estágio adulto de A. latepunctatum, A. scalpturatum e A. incisum. A. dissimile é um parasito comum de répteis e
sapos verdadeiros do gênero Bufo, do norte da Argentina ao sul do México, nas ilhas do Caribe e sul da Flórida.
ANOMALOHIMALAYA SPP.
Os três Anomalohimalaya spp. são encontrados nas montanhas da Ásia Central – Pamir, Tian Shan, Tibete e
Himalaia. Todos os estágios desses carrapatos de três hospedeiros parasitam roedores, musaranhos e, com menor
frequência, lebres.
BOTHRIOCROTON SPP.
O gênero Bothriocroton (antes conhecido como Aponomma) inclui sete espécies de carrapatos indígenas da
Austrália e Pápua Nova Guiné (B. oudemansi). O Bothriocroton spp. assemelhase ao Amblyomma spp., mas não
possui olhos. Nesse grupo, B. aruginans é o parasito de fascólomos; B. concolor e B. oudemansi são ectoparasitas
de equidnas na Austrália e Pápua Nova Guiné, respectivamente. As outras quatro espécies desse gênero parasitam
quase exclusivamente répteis. B. hydrosauri, o carrapato do lagarto de língua azul, é o reservatório de Rickettsia
honei na ilha de Flinders, Austrália.
COSMIOMMA SP.
O gênero Cosmiomma possui uma única espécie, C. hippopotamensis, encontrado no sudoeste e leste da África.
Ele se alimenta principalmente em rinocerontes brancos e negros e, com menor frequência, em antílopes.
DERMACENTOR SPP.
Das 36 espécies de Dermacentor spp., 19 habitam zonas temperadas. Das espécies tropicais, D. nitens é o de maior
importância veterinária, embora outros possam transmitir infecções zoonóticas, e os adultos podem ser comuns em
animais silvestres como porcos, cervos e antílopes. Os estágios imaturos infestam principalmente roedores e
lagomorfos. Dermacentor spp. em áreas frias e D. (Anocentor) nitens na América tropical, possuem ciclos
biológicos especializados e dinâmica de atividade sazonal, cada uma das quais deve ser considerada
separadamente. À exceção de D. nitens, D. albipictus e D. dissimilis, o ciclo biológico do Dermacentor é típico do
padrão de três hospedeiros.
D. nitens, o carrapato tropical de um hospedeiro dos equinos, previamente classificado como gênero Anocentor,
é de importância veterinária considerável. Originalmente, ele parasitava cervos (Mazama) em florestas do norte da
América do Sul. Com a introdução dos Equidae e outros animais de produção no seu habitat, ele se adaptou a esses
animais. Passando toda a sua vida parasitária profundamente nas orelhas dos hospedeiros, esse parasito foi
facilmente disseminado por atividades humanas para outras áreas das Américas, incluindo Flórida e Texas. Além
das orelhas, cada estágio ativo pode infestar as passagens nasais e a crina, o abdome ventral e a área perianal. D.
nitens transmite Babesia caballi por via transovariana para as gerações sucessivas e é importante na indústria de
equinos de corrida. Ele também é um vetor experimental de Anaplasma marginale para os bovinos.
Outra espécie americana de um hospedeiro, D. albipictus, o carrapato do inverno ou dos alces, se estende do
Canadá e norte dos EUA até o oeste dos EUA e o México. Uma forma castanha, esporadicamente denominada D.
nigrolineatus, se distribui do Novo México ao sul e leste dos EUA e pode ser classificado como uma subespécie,
se não for classificado como espécie. O período de alimentação de larvaninfaadulto em um único hospedeiro
(alces, cervos ou bovinos e equinos domésticos) se estende do outono até a primavera. Hospedeiros com
infestações maciças podem morrer. D. albipictus causa a “doença do alce fantasma” do Canadá, frequentemente
fatal, é um vetor secundário do vírus da febre do carrapato do Colorado, vetor experimental de B. caballi e um
vetor natural de A. marginale em Oklahoma.
No México e América Central, D. dissimilis parasito uma variedade de hospedeiros equídeos e ruminantes, e
pode ser um carrapato de um hospedeiro em equinos.
O carrapato da madeira das Montanhas Rochosas, D. andersoni, é encontrado do oeste do Nebraska às
montanhas do oeste (Cascades e Sierra Nevada) no norte do Novo México e Arizona, e no oeste do Canadá.
O carrapato americano do cão, D. variabilis, é encontrado a oeste de Cascades e Sierra Nevadas, no México, de
Montana ao Texas, ao leste até o Atlântico e no leste do Canadá. Ambas as espécies podem causar a paralisia por
carrapato em animais de produção, silvestres e pessoas. Eles são os principais vetores de Rickettsia rickettsii, o
agente da febre maculosa das Montanhas Rochosas (p. 827). D. andersoni também é o principal vetor do vírus da
febre do Colorado por carrapatos e transmite o vírus de Powassan, A. marginale, A. ovis e os agentes da tularemia e
da febre Q. D. variabilis é um vetor experimental de A. marginale, Babesia caballi e B. equi. Adicionalmente,
vírus sawgrass, E. chaffeensis e E. ewingii foram detectados em D. variabilis adultos. Os adultos de ambas as
espécies parasitam animais de produção e silvestres, incluindo cervos, bisão e alces, mas aqueles de D.
variabilis preferem cangambás, guaxinins, pumas etc. e cães domésticos. As formas imaturas se alimentam em
roedores e outros pequenos mamíferos silvestres. Uma espécie relacionada, biologicamente similar, D.
occidentalis, é restrita às terras baixas do Pacífico e aos pés de serra do Oregon até a baixa Califórnia e é um vetor
natural de A. marginale.
No oeste dos EUA e México, D. parumapterus, D. hunteri e D. halli parasitam várias espécies de lebres e
coelhos, ovinos da montanha e queixadas, respectivamente. Esses carrapatos raramente entram em contato com
animais de produção. D. hunteri é um vetor experimental de A. marginale e A. ovis. Na Costa Rica e no Panamá;
o D. latus infesta antas.
Nas estepes, florestas e montanhas da Eurásia, D. marginatus, D. reticulatus e D. silvarum, coletivamente, são
vetores de várias viroses e Babesia bovis, B. caballi, B. equi, B. canis, Theileria ovis e A. ovis, juntamente com os
agentes da tularemia e da febre Q e encefalite da primaveraverão russa. D. marginatus é encontrado em florestas,
pântanos, semidesertos e zonas dos Alpes da França até o sudoeste da Sibéria, Cazaquistão, Região Autônoma da
China de Xinjiang Uygur, Irã e norte do Afeganistão. D. reticulatus se estende da Irlanda e GrãBretanha ao
noroeste da Sibéria e Xinjiang, China, em prados, planícies de inundação e florestas decíduas e de coníferas
decíduas. D. silvarum se estende da região central da Sibéria e nordeste da China ao Japão em pântanos, prados,
florestas de arbustos e secundárias, lavouras e áreas de florestas de taigas. Alguns machos nas populações de cada
uma dessas três espécies permanecem grudados no hospedeiro durante o inverno. Os adultos e os estágios imaturos
podem permanecer no solo durante o inverno. A maior atividade dos adultos ocorre do início da primavera ao
verão com uma diminuição do pico no outono. As larvas e ninfas são ativas da primavera até o outono. O ciclo
biológico pode se completar em um ano ou se estender por uma ou mais diapausas de verão ou inverno até 2 a 4
anos.
Aproximadamente, outras 12 espécies de Dermacentor spp. habitam certas baixadas, estepes em montanhas e
áreas de semidesertos da Ásia temperada. Seus adultos comumente são observados em camelos, bovinos, equinos,
ovinos e caprinos. Na Ásia tropical, as várias espécies de Dermacentor, subgênero Indocentor, são parasitos de
porcos silvestres; eles também infestam animais silvestres maiores, porém raramente, se presente, se alimenta em
animais de produção.
HAEMAPHYSALIS SPP.
Poucas das 166 espécies de Haemaphysalis parasitam animais de produção, porém, aquelas que parasitam, são
importantes economicamente na Eurásia, África, Austrália e Nova Zelândia. Alguns desses carrapatos parasitos de
cervos selvagens, antílopes e bovinos se adaptaram aos bovinos domésticos e, em menor extensão, a ovinos e
caprinos. Outras, originalmente específicas de vários ovinos e caprinos silvestres, se adaptaram principalmente às
raças domésticas desses animais. Algumas espécies africanas que evoluíram com carnívoros atualmente parasitam
cães domésticos. Formas imaturas de espécies que parasitam animais de produção, em geral, se alimentam em
pequenos vertebrados, mas há poucas exceções notáveis. Todos Haemaphysalis spp. possuem ciclo biológico de
três hospedeiros. Eles são pequenos (adultos não alimentados medem < 4,5 mm de comprimento), castanhos ou
avermelhados e sem olhos. A maioria tem aparelho bucal muito curto. Espécies diferentes causam paralisia por
carrapato e são vetores de agentes que causam febre Q, tularemia e brucelose, e de Theileria orientalis, T. ovis,
Babesia major, B. motasi, B. canis, Anaplasma mesaeterum etc.
H. punctata é amplamente distribuído em locais onde ovinos, caprinos e bovinos se alimentam em certas
florestas abertas e pastagens com arbustos do sudoeste da Ásia (Irã e antiga União Soviética) a boa parte da
Europa, inclusive sul da Escandinávia e GrãBretanha. Os estágios imaturos infestam pássaros, ouriços, roedores e
répteis. Além da transmissão de Anaplasma e Babesia spp., populações diferentes de H. punctata estão infectadas
por vírus da encefalite da primaveraverão russa, vírus Tribec, vírus Bhanja e vírus da febre hemorrágica da
CrimeiaCongo.
Adultos de H. sulcata parasitam animais de produção (principalmente ovinos e caprinos) do noroeste da Índia e
sul da antiga União Soviética até Arábia, Sinai e sul da Europa. Adultos de H. parva parasitam esses hospedeiros
do sudoeste da antiga União Soviética e Oriente Próximo até áreas do Mediterrâneo (exceto o Egito). As formas
imaturas de H. sulcata são especialmente comuns em lagartos, mas a variedade de hospedeiros das larvas e das
ninfas de ambas as espécies são semelhantes aos do H. punctata.
H. longicornis é um parasito de cervos e animais de produção no Japão e nordeste da Ásia; há uma forma (raça)
bissexuada em áreas ao sul e uma raça com reprodução partenogênica em áreas ao norte. A última foi introduzida
na Austrália, Nova Zelândia e nas ilhas do Pacífico, onde ela preserva sua habilidade reprodutiva não habitual. As
formas imaturas normalmente parasitam pequenos mamíferos e pássaros, mas também podem se alimentar em
animais de produção; as grandes densidades populacionais podem se tornar pragas sérias em cervos e em animais
de produção. Esse carrapato é o principal vetor de Theileria orientalis e também transmite Babesia ovata, B.
gibsoni e os agentes de febre Q, encefalite de Powassan e encefalite da primaveraverão russa. Durante a
alimentação das larvas pode ocorrer dermatite aguda em pessoas.
Outros carrapatos Haemaphysalis em animais de produção da Eurásia são H. inermi (das terras baixas do norte
do Irã e sudoeste da antiga União Soviética até a região central e sudoeste da Europa até a Itália), H.
pospelovashtromae (montanhas do sul da antiga União Soviética e Mongólia), H. kopetdaghicus (áreas do Mar
Cáspio e montanhas dos países da antiga União Soviética e do Irã) e H. tibetensis, H. xinjiangensis e H.
moschisuga (China).
Das várias espécies de Haemaphysalis que parasitam animais de produção no Sudeste Asiático, três são
especialmente notáveis: H. bispinosa, encontrado no Paquistão, Bangladesh, Nepal, Butão, Sri Lanka e Malásia e
transmissor de Babesia spp. a bovinos, ovinos e cães; H. spinigera, o principal vetor do vírus da doença da floresta
de Kyasanur a pessoas no estado de Karnataka na Índia; e H. anomala que se estende das terras baixas do Nepal ao
Sri Lanka e as montanhas do noroeste da Tailândia.
Na Ásia temperada, outras 18 espécies de Haemaphysalis parasitam animais de produção: 9 no alto do Himalaia
e montanhas limítrofes e 9 no nordeste da antiga União Soviética, Coreia e Japão. Iaques e híbridos de iaques estão
entre os animais de produção hospedeiros dos Haemaphysalis himalaios. Várias espécies himalaias parecem
preferir ovinos e caprinos.
Na África Subsaariana, quatro espécies de Haemaphysalis infestam animais de produção nas florestas altas e
baixas, úmidas, secundárias ou mata ciliar. Essas são H. parmata (Etiópia e Quênia, centro e oeste da África até
Angola), H. aciculifer (Etiópia a Camarões e Zimbábue, introduzidas na África do Sul), H. rugosa (sul do Sudão e
Uganda até Gana e Senegal) e H. silacea (Zululândia e leste do sul da África).
HYALOMMA SPP.
Os carrapatos Hyalomma, com frequência, são os carrapatos que mais parasitam animais de produção, incluindo
camelos, em áreas quentes, áridas e semiáridas, em geral em baixadas e biotas de altitude intermediária, e em
locais com estações secas longas do centro e sudoeste da Ásia ao sul da Europa e sul da África. Das 25 espécies
conhecidas de Hyalomma spp., aproximadamente 15 são vetores importantes de agentes infecciosos aos animais de
produção e pessoas. O ciclo biológico com três hospedeiros predomina nesse gênero, mas algumas espécies
possuem também ciclos de um ou dois hospedeiros. Algumas espécies de três hospedeiros podem desenvolver
ciclo com um ou dois hospedeiros, uma capacidade facultativa única a esse gênero de ixodídeos. Hyalomma são
carrapatos moderadamente grandes a grandes, com aparelho bucal longo.
No subgênero Hyalommasta, os estágios imaturos da espécie H. aegyptium parasitam jabutis, pequenos animais
silvestres e animais de produção do Paquistão até ambos os lados da bacia do Mediterrâneo. Os adultos são
parasitos específicos de jabutis.
O subgênero Hyalommina é encontrado no subcontinente indiano e Somália. Cada uma das seis espécies possui
ciclo biológico de três hospedeiros. As formas imaturas parasitam pequenos mamíferos, em especial roedores. As
preferências dos adultos para seus hospedeiros entre os animais de produção refletem o grupo de gazelas
selvagens, bovinos, caprinos ou ovinos com o qual cada espécie está envolvida. Duas espécies infestam
principalmente bovinos e bubalinos domésticos – H. brevipunctata (Índia e Paquistão) e H. kumari (Índia,
Paquistão, Afeganistão, noroeste do Irã e Tadjiquistão). Três espécies normalmente parasitam ovinos e caprinos
– H. hussaini (Índia, Paquistão e União de Myanmar), H. rhipicephaloides (áreas do Mar Morto e do Mar
Vermelho) e H. arabica (Iêmen e Arábia Saudita). H. punt (Somália e Etiópia) se alimentam em antílopes,
camelos, bovinos, ovinos e caprinos.
O subgênero Hyalomma contém 15 espécies de importância veterinária e de saúde pública. Três das 15 espécies
possuem 2, 3 e 4 subespécies, respectivamente. Dentre essas, a principal é H. anatolicum anatolicum, de dois
hospedeiros, considerados um dos carrapatos mais nocivos no mundo, amplamente distribuído em camelos,
bovinos e equinos em ambientes de estepes e semidesertos da Ásia Central até Bangladesh, Oriente Médio e
Próximo, Arábia, sudeste da Europa e África, ao norte da linha do Equador. As formas imaturas e adultas, em
geral, infestam os mesmos tipos de hospedeiros. As ninfas e adultos que não se alimentaram passam a estação seca
e o inverno em fendas em paredes de pedra, estábulos e campos de ervas e sem cultivo. Quando as formas imaturas
infestam pequenos mamíferos, pássaros ou répteis, o ciclo biológico se passa em três hospedeiros. H. anatolicum
anatolicum transmite Theileria annulata, Babesia equi, B. caballi, Anaplasma marginale, Trypanosoma theileri e,
no mínimo, cinco arboviroses; é um vetor do vírus da febre hemorrágica da CrimeiaCongo, em pessoas.
As numerosas formas imaturas e a forma adulta de H. anatolicum anatolicum, que normalmente parasitam
animais de produção, causam emaciação. Os estágios imaturos das subespécies H. anatolicum excavatum (um
parasito de três hospedeiros) infestam principalmente roedores que vivem em tocas em alguns biotas um pouco
diferentes, no mesmo ambiente de H. anatolicum anatolicum. Os adultos de ambas as subespécies podem infestar o
mesmo animal. A distribuição de H. anatolicum excavatum é, de alguma forma, mais limitada do que a de H.
anatolicum anatolicum, porém sua densidade populacional no inverno, em geral, é maior. Uma espécie
intimamente relacionada, H. lusitanicum, substitui H. anatolicum anatolicum da região central da Itália a Portugal,
Marrocos e Ilhas Canárias; ela está associada à babesiose equina e bovina. Além dos animais de produção, cervos e
coelhos atuam como hospedeiros.
O complexo H. marginatum consiste em quatro subespécies, cada uma delas invariavelmente com ciclo de dois
hospedeiros. Os adultos parasitam animais de produção e herbívoros silvestres. As formas imaturas parasitam
principalmente pássaros. Os roedores raramente são parasitados, se o forem. Lebres e ouriços são os hospedeiros
secundários. As subespécies são H. marginatum marginatum (áreas do Mar Cáspio do Irã e antiga União Soviética
até Portugal e noroeste da África), H. marginatum rufipes (sul do Saara até a África do Sul e também o vale do
Nilo e o sul da Arábia), H. marginatum turanicum (Paquistão, Irã, sul da antiga União Soviética, Arábia, parte do
nordeste da África – introduzido com ovelhas do Irã ao planalto sul africano de Karoo) e H. marginatum isaaci (Sri
Lanka ao sul do Nepal, Paquistão e norte do Afeganistão). As subespécies de H. marginatum são vetores
importantes do vírus da febre hemorrágica da CrimeiaCongo e também transmitem agentes infecciosos aos
animais de produção e outras viroses que infectam animais silvestres, animais de produção e pessoas.
O complexo H. asiaticum consiste em três subespécies com ciclo de três hospedeiros e habitam desertos,
semidesertos e estepes do sudoeste da China, Mongólia e sul da antiga União Soviética, até o Oriente Médio e o
Iraque. Os roedores são os principais hospedeiros dos estágios imaturos; lebres também podem ser infestadas. Os
adultos parasitam animais de produção, em particular camelos. As subespécies do leste ao oeste, H. asiaticum
kozlovi, H. asiaticum asiaticum e H. asiaticum caucasicum, são de importância médica e veterinária.
Três espécies adicionais de Hyalomma spp. que parasitam camelos e outros animais de produção, com ciclo
biológico de três hospedeiros, são H. dromedarii (Índia até a África, ao norte da linha do Equador), H.
schulzei (leste do Irã até a Arábia e norte do Egito) e H. franchinii (Síria até a Tunísia). Os estágios imaturos
parasitam roedores e outros pequenos mamíferos, pássaros e répteis; as formas imaturas do H. dromedarii também
infestam animais de produção. H. dromedarii tem importância médica e veterinária; as outras duas espécies foram
pouco estudadas.
H. detritum, um vetor importante de Theileria annulata, possui ciclo biológico com três espécies de
hospedeiros; tanto os adultos quanto as formas imaturas parasitam animais de produção. Seus biótopos são áreas
úmidas em estepes, desertos e semidesertos do sul da China, Mongólia e terras baixas do Nepal até o sul da Europa
e norte da África. H. impeltatum se estende do Irã e Arábia até o norte da Tanzânia e Chade. Os adultos parasitam
animais de produção: as formas imaturas se alimentam em roedores e outros pequenos mamíferos, pássaros e
répteis.
H. scupense, um parasito de bovinos e equinos no sudoeste da antiga União Soviética e sudeste da Europa, tem
ciclo biológico em um hospedeiro, não é comum (assim como as cepas canadenses de Dermacentor albipictus) e
inverna nos hospedeiros, que sofrem intensamente pelo longo período de alimentação das numerosas larvas (final
do outono), ninfas (inverno), e adultos (primavera). H. scupense é um vetor de Theileria annulata e Babesia equi.
Além das várias espécies já mencionadas, as savanas africanas abrigam outras cinco espécies de Hyalomma spp.
de animais de produção e silvestres: H. truncatum (sudeste do Egito ao sul da África), H. albiparmatum (sul do
Quênia, norte da Tanzânia), H. erythraeum (leste da Somália e Etiópia e Iêmen), H. impressum (oeste do Sudão e
África Ocidental) e H. nitidum (República Centroafricana e África Ocidental). Os estágios imaturos dessas
espécies de ciclo biológico com três hospedeiros, em geral, infestam pequenos mamíferos e, com menor
frequência, pássaros e répteis. H. truncatum, que causa sudorese e claudicação em bovinos, bem como paralisia do
carrapato em pessoas e ovinos, é vetor do vírus da febre hemorrágica da CrimeiaCongo, Coxiella burnetii (febre
Q) e Rickettsia conorii (tifo por carrapato africano, febre de Boutoneuse).
IXODES SPP.
Estes carrapatos, que representam o maior gênero da família Ixodidae, contém 249 espécies e é altamente
especializado tanto estrutural quanto biologicamente. Até o momento, todas as espécies de Ixodes spp. possuem
ciclo biológico de três hospedeiros. Quase todos habitam zonas de florestas tropicais ou temperadas ou com
bosques e arbustos; poucos são adaptados a áreas úmidas em semidesertos ou em ninhos de colônias de aves
marinhas do ártico ou subantárticos. Os hospedeiros são uma ampla variedade de aves e mamíferos e poucos
répteis. A maioria das espécies parasito os hospedeiros nas tocas ou aqueles que retornam regularmente até as
grutas e cavernas ou colônias de nidificação terrestre ou em árvores. As poucas espécies de Ixodes spp. que
parasitam artiodáctilos e perissodáctilos errantes são excepcionalmente adaptáveis; elas também parasitam animais
de produção e são pestes importantes ou vetores de agentes que infectam animais de produção e pessoas.
É especialmente importante I. ricinus da Eurásia, noroeste da África, América do Norte e América do Sul. I.
ricinus é conhecido como carrapato de ovinos e o protótipo desse grupo habita pastagens relativamente úmidas,
viçosas, com arbustos e florestas, além de jardins, arvoredos, planícies inundadas e florestas de boa parte da
Europa até o Mar Cáspio e norte do Irã, bem como noroeste da África. Seu ciclo biológico é de 2 a 4 anos,
dependendo da temperatura ambiente (Em biotas mais secos e quentes ao leste do Mediterrâneo, I. ricinus é
substituído por I. gibbosus, que completa o ciclo biológico em um ano). As larvas de I. ricinus se alimentam em
pequenos répteis, pássaros e mamíferos. As ninfas se alimentam em vertebrados de porte pequeno a médio, e os
adultos se alimentam principalmente em herbívoros e animais de produção. Todos os estágios, em especial as
ninfas e os adultos, parasitam pessoas. Os machos de I. ricinus se alimentam pouco ou não se alimentam e podem
se reproduzir sobre o hospedeiro ou fora dele. Os adultos não alimentados, com frequência, se reproduzem na
vegetação. O pico de atividade dos adultos ocorre na primavera; em algumas populações, há um pico menor de
atividade de adultos no outono. As principais dentre as numerosas doenças arbovirais transmitidas por I.
ricinus são encefalomielite ovina, encefalite originária de carrapatos e febre hemorrágica da Crimeia–Congo.
Outros agentes transmitidos aos animais de produção são Coxiella burnetii, Anaplasma marginale, Babesia
divergens e Anaplasma phagocytophilum, várias cepas causam anaplasmose granulocítica bovina, ovina e em
pessoas.
I. persulcatus, o carrapato da taiga, está intimamente relacionado com o I. ricinus e possui preferência similar de
hospedeiros. Ele se estende das montanhas do centro e leste da Europa, através das florestas de terras baixas do
Mar Báltico e da república autônoma russa da Carélia, para o leste em direção à taiga da Sibéria, aos mares do
Japão e Okhotsk e às ilhas ao norte do Japão. O ciclo biológico pode se completar em 3 a 4 anos, mas pode durar
até 7 anos em regiões com verão curto. É um dos principais vetores do vírus da encefalite primaveraverão russa e
de Borrelia burgdorferi. Adicionalmente, ele transmite Babesia spp., Ehrlichia muris e os agentes da anaplasmose
e tularemia humana e ovina.
Outros representantes asiáticos do grupo do I. ricinus incluem I. sinensis (da China), I. kashmiricus (do norte
montanhoso da Índia, Paquistão e Quirguistão), I. pavlovskyi (do sul das montanhas siberianas da Rússia) e I.
kazakstani (da taiga de montanha e da floresta de decíduas do Cazaquistão, Quirguistão e Turcomenistão).
Nas Américas, representantes do grupo I. ricinus incluem I. scapularis, I. pacificus, I. affinus, I. jellisoni, I.
minor e I. muris. O I. scapularis se distribui por todo o leste e centronorte dos EUA e sul do Canadá, e é vetor
de Borrelia burgdorferi, o agente da doença de Lyme, e Anaplasma phagocytophilum, que causa anaplasmose
granulocítica em pessoas, equinos e cães. Ele também transmite Babesia microti, o agente da babesiose humana,
nas áreas costeiras de Nova York a Massachusetts. O principal hospedeiro do I. scapularis adulto é o cervo;
animais de produção raramente pastam nas zonas arbóreas habitadas por esses carrapatos. Os adultos de I.
pacificus parasitam animais de produção da baixa Califórnia à Columbia Britânica e no interior de Idaho, Nevada e
Oregon. I. pacificus e I. neotomae transmitem os agentes da doença de Lyme, tularemia e a riquétsias da febre
maculosa das Montanhas Rochosas; I. pacificus também transmite Anaplasma phagocytophilum. A picada do
carrapato causa úlceras de cicatrização lenta. Uma espécie relacionada, I. affinis, se distribui do sul da Carolina do
Sul e Flórida à Argentina. Ela é encontrada principalmente em animais silvestres e seu papel como vetor não foi
provado.
Na África, apenas quatro espécies do gênero Ixodes se adaptaram a animais de produção. A principal espécie
dentre essas é o carrapato sulafricano da paralisia (I. rubicundus) da vegetação úmida das colinas e montanhas do
planalto sulafricano de Karoo. As suas toxinas salivares causam tetraplegia flácida nos animais de produção,
pessoas, cães e chacais. Os estágios imaturos parasitam a lebre das rochas, outras lebres e musaranhoselefante. Os
outros parasitos dos animais de produção nas terras altas africanas são I. drakenbergensis (Natal), I.
lewisi (Quênia) e I. cavipalpus (sul do Sudão até o Zimbábue e Angola).
MARGAROPUS SPP.
Carrapatos do gênero Margaropus assemelhamse aos carrapatos Rhipicephalus (Boophilus), mas não apresentam
festões ou ornamentações. Eles são caracterizados por membros posteriores muito grandes e placa mediana
alongada. As três espécies altamente especializadas, com pernas lustrosas do gênero Margaropus de um
hospedeiro se restringem a áreas limitadas da África. M. reidi e M. wileyi são registrados nas girafas em Sudão,
Quênia e Tanzânia, respectivamente. M. wileyi também é conhecido por parasitar zebras e gnus. M. winthemi, um
parasito de zebras, equinos e, com menor frequência, outros animais de produção e antílopes que se alimenta no
inverno, se restringe às montanhas da África do Sul e pode contribuir para uma perda de condição corporal durante
o inverno.
NOSOMMA SP.
Os adultos da única espécie desse gênero, N. monstrosum, parasitam particularmente os búfalos silvestres e
domésticos, e também pessoas, animais de produção e animais silvestres em grande parte da Índia, terras baixas do
Nepal, Bangladesh, Tailândia e Laos. Os estágios imaturos parasitam principalmente roedores murídeos.
RHIPICENTOR SPP.
O gênero Rhipicenthor é composto por duas espécies, R. bicornis e R. nuttalli, e ambos ocorrem apenas na África
Subsaariana. R. bicornis se alimenta em caprinos, bovinos, equinos, cães e carnívoros nas regiões central e sul da
África. R. nuttalli tem uma distribuição ampla na África do Sul. Os estágios imaturos se alimentam em
musaranhoselefante. Os hospedeiros preferenciais dos adultos são cães domésticos, leopardos e ouriços sul
africanos. É provável que seja necessário um ano para completar o ciclo biológico desses carrapatos a campo.
RHIPICEPHALUS SPP.
Aproximadamente 60 das 81 espécies de Rhipicephalus ocorrem na África Subsaariana. As outras espécies têm sua
origem na Eurásia e norte da África. O R. sanguineus e o R. (Boophilus) microplus foram disseminados por
atividades humanas para a Ásia, Austrália e para as Américas. Os adultos da maioria das espécies parasitam
artiodáctilos, perissodáctilos ou carnívoros silvestres e domésticos. Os estágios imaturos se alimentam
predominantemente em mamíferos pequenos; no entanto, dentre as espécies que parasitam roedores ou híraxes e
artiodáctilos, poucas apresentam formas imaturas que se alimentam no mesmo hospedeiro dos adultos. O ciclo
biológico de Rhipicephalus spp. é tipicamente de três hospedeiros, mas na zona de clima mediterrânea (verão
quente e longo com baixa pluviosidade), R. bursa tem um ciclo de dois hospedeiros. Na África Subsaariana, com
estações secas, R. evertsi e R. glabroscutatum também possuem ciclos com dois hospedeiros. Por outro lado, cada
uma das cinco espécies do subgênero Boophilus tem ciclo biológico de um hospedeiro, que pode se completar em
3 a 4 semanas (ver a seguir).
Vários Rhipicephalus spp. são, há muito tempo, difíceis de identificar ou foram identificados de maneira
incorreta. Os conceitos atuais de filogenética, taxonomia e nomenclatura de carrapatos se baseiam em análises
moleculares.
Subgênero Boophilus spp.
Cada uma das cinco espécies de Rhipicephalus (Boophilus) spp. tem ciclo de um hospedeiro que pode se completar
em 3 a 4 semanas e resulta em uma infestação maciça por carrapatos. Sob essas condições, a resistência aos
acaricidas se torna um problema importante para as medidas de controle. Bovinos zebuínos, que serviram por
séculos como hospedeiros de R. (B.) microplus na Índia, desenvolveu resistência à infestação por grande número
de carrapatos são utilizados (raça pura e cruzamento) em programas integrados de controle. R. (B.) microplus,
considerado o carrapato parasito de animais de produção mais importante do mundo, foi levado de florestas
habitadas por bovinos e cervídeos na Índia, para muitas áreas da Ásia tropical e subtropical, nordeste da Austrália,
Madagascar, terras baixas costeiras do sudeste da África à linha do Equador, e boa parte da América do Sul,
América Central, México e Caribe. R. (B.) microplus e R. (B.) annulatus foram erradicados dos EUA após um
programa de controle longo e de custo alto, e é necessário manter vigilância constante para evitar a sua
reintrodução. R. (B.) annulatus do sul da antiga União Soviética, Oriente Médio e Mar Mediterrâneo foi
introduzido junto a animais de produção de colônias espanholas no nordeste do México, porém não se disseminou
na América Central. Na África, ao sul do Saara e norte da linha do Equador, o trânsito de bovinos provavelmente
contribuiu para muitas das populações de R. (B.) annulatus.
R. (B.) decoloratus, que está presente do sul da África ao Saara, está sendo substituído na parte sudeste dessa
área por R. (B.) microplus. Em zonas mais úmidas do oeste da África, R. (B.) annulatus se mistura com ou é
totalmente substituído por R. (B.) geigyi. Populações dispersas de R. (B.) geigyi são encontradas nas regiões leste,
sul e central do Sudão. O único Boophilus restrito a ovinos e caprinos (e, ocasionalmente, equinos)
é R. (B.) kohlsi da Síria, Iraque, Israel, Jordânia, oeste da Arábia Saudita e Iêmen. R. (B.) microplus é um vetor
experimental de Babesia equi e foi coletado da passagem nasal de equídeos no Panamá. Esse carrapato e
o R. (B.) annulatus são os principais vetores de Babesia bigemina, Babesia bovis e Anaplasma
marginale. R. (B.) decoloratus é um vetor eficiente de B. bigemina e A. marginale, mas não transmite B.
bovis ou B. equi.
Subgênero Rhipicephalus spp.
A Ásia tropical é o habitat de cinco espécies do gênero Rhipicephalus (Rhipicephalus) spp.; os adultos de duas
espécies parasitam animais domésticos. R. haemaphysaloides infesta todos os tipos de animais de produção e
também antílopes selvagens, cervos, carnívoros e lebres no Sudeste Asiático continental (e também em Taiwan e
Filipinas), em direção ao oeste até Índia, Sri Lanka, Nepal, Paquistão e oeste do Afeganistão. R. pilans infesta os
animais de produção e animais silvestres na Indonésia e Bornéu. Os estágios imaturos de ambas as espécies se
alimentam principalmente em roedores, mas também em musaranhos, lebres e pequenos carnívoros.
R. rossicus, R. schulzei e R. pumilio são espécies de importância médica e veterinária desde a Europa central até
o Cazaquistão. No sudoeste da Europa, R. pusillus infesta cães e coelhos europeus, raposas e porcos selvagens. R.
turanicus, como atualmente reconhecido, se distribui da China, sul da antiga União Soviética e Índia até o sul da
Europa e África até a África do Sul. Um membro do grupo R. sanguineus taxonomicamente difícil, “R. turanicus“
e suas várias populações, que podem representar espécies separadas, requer estudos adicionais quanto à sua
capacidade como vetor.
Uma espécie de dois hospedeiros reconhecida facilmente, R. bursa, se distribui do oeste da área europeia do mar
Mediterrâneo até Irã e Cazaquistão. Os adultos e os estágios imaturos parasitam animais de produção, lebres,
cervos, ovinos e caprinos silvestres e pessoas. Ele causa a paralisia ovina e transmite o vírus da febre hemorrágica
da Crimeia–Congo e outros vírus para pessoas e Babesia, Theileria e Anaplasma spp. para os animais de produção.
O carrapato africano do gênero Rhipicephalus mais bem conhecido, R. sanguineus, o carrapato dos canis ou
carrapato marrom dos cães, se distribui mundialmente junto com os cães domésticos. Ele se estabeleceu em
construções tão ao norte quanto o Canadá e a Escandinávia e tão ao sul quanto a Austrália. Na África, Oriente
Próximo e em partes do sul da Europa, os adultos parasitam carnívoros silvestres e domésticos, ovinos, caprinos,
camelos, outros animais de produção e vários mamíferos silvestres, em especial lebres e ouriços. Os estágios
imaturos na natureza, nessa área, se alimentam em pequenos mamíferos. No entanto, nas situações urbanas, em
qualquer lugar, os cães constituem virtualmente os únicos hospedeiros de estágios imaturos e de adultos. Pessoas
raramente são atacadas, com maior frequência, em situações nas quais crianças brincam e dormem em contato
próximo a cães maciçamente infestados. Foi relatada a existência de cepas de adultos de R. sanguineus que se
alimentam em bovinos em partes do México e no Taiti. Esse carrapato é ativo o ano inteiro nos trópicos e
subtrópicos, mas é ativo apenas da primavera até o outono nas zonas temperadas. Observam–se, com frequência,
adultos e ninfas recém–ativos subindo em paredes pelas rachaduras do terreno. R. sanguineus é um vetor
de Babesia canis, Ehrlichia canis, Rickettsia rickettsii, R. rhipicephali, Rickettsia conorii, vírus da febre
hemorrágica da Crimeia–Congo e vírus de Thogoto. No centrosul dos EUA, R. sanguineus está associado à
disseminação de focos de Leishmania mexicana. Algumas populações americanas tornaramse resistentes aos
inseticidas. O parasito himenóptera de carrapatos (calcídeo), Hunterellus hookeri, infesta com frequência as ninfas
de R. sanguineus no leste da África.
R. appendiculatus, o carrapato marrom das orelhas, constitui uma praga importante nas savanas frescas,
sombreadas, florestadas e com arbustos do sul do Sudão e leste da República Democrática do Congo até o Quênia
e a África do Sul. Os adultos e os estágios imaturos se alimentam nas orelhas de bovinos, outros animais de
produção e antílopes, mas também em outras áreas, quando a infestação é maciça. Os estágios imaturos podem
infestar antílopes pequenos e carnívoros e, ocasionalmente, roedores. A atividade sazonal é intimamente associada
à temperatura e com períodos chuvosos. R. appendiculatus constitui o principal vetor do grupo de doenças causado
por Theileria parva (febre da Costa Oeste, doença de Corridor e teileriose maligna do Zimbábue) e do vírus da
doença ovina de Nairobi; também é um vetor de Theileria taurotragi, Ehrlichia bovis, Rickettsia conorii e vírus de
Thogoto. Infestações maciças nos bovinos Bos taurus suscetíveis, às vezes, causam toxemia fatal, perda de
resistência a várias infecções e lesões graves nas orelhas do hospedeiro.
O carrapato intimamente relacionado R. zambeziensis, com preferência de hospedeiros semelhantes, é
encontrado nas savanas de terras baixas mais secas na Tanzânia, Zimbábue, Zâmbia, Botsuana e na região sul
africana do Transvaal; ele também é um vetor da febre da Costa Oeste. Outras espécies aparentadas com R.
appendiculatus incluem R. nitens na Província do Cabo, na África do Sul e R. duttoni em Angola e na República
Democrática do Congo.
R. pulchellus, um parasito de zebras de cor marfim, também infesta animais de produção e animais de caça nas
savanas ao leste do vale do Rift, desde o sul da Etiópia até a Somália e o nordeste da Tanzânia. Os adultos e as
formas imaturas, em geral, infestam o mesmo hospedeiro; entretanto, as formas imaturas também se alimentam em
lebres, e as larvas (“carrapatossemente”) são parasitos que causam muita irritação em pessoas. R. pulchellus se
alimenta nas orelhas e no abdome ventra, principalmente nas estações úmidas. Esse carrapato é vetor de Babesia
equi (entre as zebras), Theileria spp., Trypanosoma theileri, Rickettsia conorii, vários Bunyaviridae (vírus da febre
hemorrágica da CrimeiaCongo, vírus da doença ovina de Nairobi, vírus de Kajiado, vírus de Kismayo e vírus de
Dugbe) e do vírus de Barur.
Os carrapatos africanos do gênero Rhipicephalus de dois hospedeiros são subespécies de R. evertsi e R.
glabroscutatum. R. evertsi evertsi (um carrapato de pernas grandes e vermelhas, olhos em forma de contas e
parasito das zebras do leste da África) parasito todos os tipos de animais silvestres e animais herbívoros de
produção (mas raramente suínos). Os estágios imaturos e os adultos infestam os mesmos hospedeiros; os imaturos
também são relatados em lebres. Ele se distribui desde a África do Sul pelo leste da África, ao leste do rio Nilo, até
o sul do Sudão e também se estabeleceu nas montanhas do Iêmen. Ocorrem focos disseminados, introduzidos por
animais domésticos, a oeste do rio Nilo. Os estágios imaturos se alimentam no canal auditivo; os adultos se
alimentam predominantemente ao redor do ânus e sob a cauda, mas também nas axilas, virilha e esterno. É comum
a ocorrência de um grande número de carrapatos em um único hospedeiro, sendo de difícil controle em razão de
sua concentração em locais de alimentação difíceis de atingir. O ciclo biológico é contínuo, por todo o ano, mas é
mais lento nas estações mais frescas. R. evertsi evertsi transmite Babesia equi, Theileria parva (vetor
secundário), Borrelia theileri, Rickettsia conorii e vírus de Kerai, Wad Medani e Thogoto. A subespécie ocidental
com pernas listradas (semelhante ao Hyalomma), R. evertsi mimeticus, encontrada desde o oeste de Botsuana até
Namíbia, Angola e República Democrática do Congo, é semelhante às subespécies quanto às preferências de
hospedeiro e locais de alimentação e ao ciclo biológico.
O pequenino R. glabroscutatum se tornou um parasito comum de ovinos, caprinos e outros animais de produção
nas savanas áridas e com arbustos pequenos do sudeste da Província do Cabo, na África do Sul. Também, infestam
os kudus e outros antílopes pequenos. Há poucos registros de estágios imaturos, sempre em roedores.
O grupo R. pravus, atualmente sob estudo taxonômico, consiste em quatro ou mais espécies nas quais os adultos
se alimentam de animais de produção e animais silvestres herbívoros (incluindo as lebres); os estágios imaturos se
alimentam em musaranhoselefante (insetívoros), lebres e outros mamíferos pequenos. R. pravus, um carrapato
marrom de olhos convexos, ocorre nas savanas com arbustos e florestas do leste da África. Ele é infectado pelo
vírus de Kadam. O parente próximo R. occulatus, um parasito das lebres, e um outro parasito aparentado dos
animais de produção ainda sem nome são encontrados no sul da África.
O grupo R. punctatus de parasitos dos animais de produção e de artiodáctilos silvestres, difícil de classificar,
compreende o R. punctatus (Angola, Moçambique e Tanzânia), R. kochi (neavi – Botsuana até o Quênia e
República Democrática do Congo) e uma espécie ainda não nomeada do Zimbábue e África do Sul.
O grupo R. capensis também se encontra sob estudo. Originalmente parasito do búfalo cafre, essa espécie
atualmente parasito animais de produção e silvestres na Namíbia e África do Sul (R. capensis e R. gertrudae), no
leste da África (R. compositus e R. longus) e oeste da África até o sudoeste do Sudão (R. pseudolongus).
Acima de 1.800 m de altitude, nas regiões de florestas e arbustos do leste da África, R. hurti e R.
jeanelli infestam animais de produção, búfalos cafres e outros grandes animais de caça. R. hurti também habita as
montanhas na República Democrática do Congo. Ambas as espécies se alimentam principalmente nas orelhas dos
hospedeiros; R. jeanelli também se alimenta na vassoura da cauda.
R. simus, o protótipo do grupo R. simus e há muito tempo considerado uma espécie bem estabelecida,
atualmente é classificado em várias espécies. Na nova classificação, R. simus propriamente dito é encontrado no
centro e no sul da África, principalmente ao sul da latitude 8°S, onde é um vetor experimental competente
de Anaplasma marginale e A. centrale. No leste e norte da África, R. simus é substituído por uma espécie menos
pontilhada, R. praetextatus, que se distribui do centro da Tanzânia até o Egito. Os adultos de ambas as espécies
parasitam animais de produção, cães, carnívoros silvestres, animais de tiro de tamanhos grande e médio e o
homem. Sua ocorrência e densidade em animais de produção são inexplicavelmente erráticas. Os estágios imaturos
se alimentam em roedores escavadores comuns nas savanas. Ambas as espécies causam paralisia por carrapatos em
pessoas e transmitem Rickettsia conorii e Coxiella burnetii. No Quênia, R. praetextatus é um vetor do vírus de
Thogoto e pode ser um vetor secundário do vírus da doença ovina de Nairobi. A oeste do rio Nilo, essas espécies
são substituídas por R. senegalensis e R. muhsamae.
Boa parte da literatura sobre R. tricuspis (Tanzânia à África do Sul) e R. lunulatus (oeste da África até a Etiópia
e a Tanzânia) está incorreta. O principal local de alimentação, tanto nos animais de produção como nos silvestres, é
a vassoura da cauda, mas outras partes do hospedeiro também podem ser utilizadas.
R. sanguineus e R. turanicus do grupo R. sanguineus já foram descritos anteriormente. As espécies relacionadas
incluem R. camicasi e R. bergeoni, no nordeste da África, R. guilhoni e R. moucheti, no oeste da África, e as duas
“formas” amplamente distribuídas de R. sulcatus, que estão sob estudo.
Duas espécies bastante distintas e, com frequência, confundidas com R. appendiculatus são R. supertritus (da
província sul–africana de Natal até o sul do Sudão) e R. muhlensi (Quênia e do sul do Sudão até o centro da
África). Os adultos de ambas as espécies parasitam bovinos, búfalos cafres, antílopes e grandes animais de caça; R.
supertritus também é encontrado em carnívoros.
CARRAPATOS ARGASÍDEOS IMPORTANTES
ARGAS SPP.
A maioria das 57 espécies conhecidas de Argas spp. é específica de pássaros e morcegos; algumas espécies
parasitam mamíferos terrestres silvestres ou jabutis gigantes de Galápagos. As espécies de importância na
transmissão de Aegyptianella pullorum e Borrelia anserina às aves domésticas são Argas persicus (em muitas
áreas tropicais e subtropicais do mundo), A. arboreus (boa parte da África, incluindo o Egito), A.
africolumbae (África tropical), A. walkerae (sul da África) e A. miniatus (América do Sul e América Central).
Outras espécies que infestam aves domésticas parecem transmitir tanto A. pullorum quanto B. anserina (ver p.
2957). A paralisia por carrapato é causada pelo repasto de A. persicus, A. arboreus, A. walkerae, A. miniatus, A.
radiatus e A. sanchezi (EUA). Essas e outras espécies de Argas spp. podem causar grande irritação quando se
alimentam em pessoas.
CARIOS SPP.
A maioria das 88 espécies de Carios é parasito espécieespecífica de morcegos e roedores. Várias espécies
infestam ninhos de aves em rochas e cavernas. Esses carrapatos normalmente vivem próximos aos seus
hospedeiros em cavernas, árvores ocas e superfícies rochosas e, dessa forma, raramente entram em contato com
animais domésticos. No entanto, em locais nos quais morcegos ocupam telhados e forros de casas, os parasitos
podem representar um problema para pessoas e seus animais de estimação. O carrapato C. kelleyi na América do
Norte e C. vespertilionis na Europa, que na natureza se alimentam quase que exclusivamente em morcegos que
habitam cavernas e árvores ocas, são encontrados em números maciços em casas em associação a colônias de
morcegos, sendo relatados ataques dos carrapatos a pessoas. Parasitos de ninhos de aves que vivem em colônias,
como C. amblus, C. capensis e C. denmarki podem representar uma ameaça a colônias de reprodução e são
conhecidos como causa de morte em pintinhos.
ORNITHODOROS SPP.
A maioria das 37 espécies de Ornithodoros habita locais protegidos, como tocas, grutas, buracos, rochedos e
colônias de pássaros. Dentre as poucas espécies que parasitam animais de produção, O. savignyi e O. coriaceus são
excepcionais em razão da presença de olhos e por habitarem imediatamente abaixo ou acima do solo, sob a sombra
de árvores e pedras, onde os animais de produção e animais de caça descansam e dormem. O. savignyi, o carrapato
da areia, vive em áreas semiáridas da Namíbia à Índia e Sri Lanka e, com frequência, é muito abundante. Pessoas e
animais de produção amarrados sofrem irritação grave e toxicose por picadas de carrapato da areia; também foram
relatadas paralisia e morte de animais. O. coriaceus, o “pajaroello” dos habitats de cerrado de carvalhos em
encostas do norte da Califórnia e Nevada até Chiapias, México, ocupa camas de cervos embaixo de árvores e
próximo a rochas grandes. Ele é bem conhecido por provocar irritação em cervos e bovinos e sua picada produz
uma reação cutânea grave em pessoas. O aborto epizoótico bovino, causado por Borrelia crocidurae, parece ser
transmitido apenas por O. coriaceus. O. guerneyi abrigase em solos sombreados por árvores em zonas áridas da
Austrália, onde cangurus e pessoas descansam; animais de produção raramente ou nunca ocupam essas áreas.
Dentre as numerosas espécies de Ornithodoros que habitam tocas, várias são naturalmente infectadas com o
vírus da peste suína africana (PSA) na África ou possuem a capacidade, confirmada por laboratório, de albergar e
transmitir o agente na Europa e nas Américas. O reservatório natural e o vetor do vírus da PSA é O. porcinus, que
é abundante em tocas de suínos africanos tropicais e também porcosdaterra e porcos–espinho. Eles se adaptaram
secundariamente a habitações de pessoas e abrigos de animais domésticos, onde vivem em rachaduras nas paredes
e no chão. As populações de porcos domésticos nas vizinhanças de porcos silvestres infectados podem ser
dizimadas pela peste suína africana (PSA). Suínos silvestres e domésticos não estão envolvidos na epidemiologia
de Borrelia duttoni, o agente da febre recidivante africana humana, que é transmitido pelo O. moubata. O vírus da
PSA foi transportado em carnes infectadas para a Espanha onde O. marocanus, que habita tocas de ratos e
estábulos de porcos, é um vetor eficiente. O. marocanus também é um reservatório e vetor de Borrelia hispanica, o
agente da febre recidivante africana humana no noroeste da Espanha. A PSA foi igualmente introduzida no Brasil,
Haiti, República Dominicana e Cuba. Os carrapatos americanos O. turicata, O. dugesi e O. coriaceus são vetores
potenciais do vírus da PSA.
O. tholozani (O. papillipes, também O. crossi) infesta tocas, grutas, estábulos, cercas de barro e pedras e casas
de pessoas em meios semidesérticos, estepes e em ambientes com estação seca longa da China, sul da antiga União
Soviética, noroeste da Índia e Afeganistão até Grécia, nordeste da Líbia e leste das ilhas do Mediterrâneo. Vários
roedores, ouriços, porcosespinho e animais domésticos carreiam populações de O. tholozani. As pessoas
desenvolvem febre recidivante persa grave, às vezes fatal, quando picados por O. tholozani infectado com Borrelia
persicus.
O. lahorensis, originalmente um parasito de ovinos silvestres que descansam em abrigos de rochedos, é uma
peste importante de animais de produção estabulados em terras baixas e montanhas do Tibete, Caxemira e sul da
antiga União Soviética até Arábia Saudita e Turquia, Grécia, Bulgária e Iugoslávia. O ciclo biológico de
dois hospedeiros e a longa fixação de O. lahorensis no inverno é biologicamente notável. Ele é deletério para os
animais de fazenda mantidos por um longo período em estábulos altamente infestados durante o inverno; isso pode
causar paralisia, anemia e intoxicação e transmitir os agentes da piroplasmose, brucelose, febre Q, tularemia e,
possivelmente, Borrelia persica, o agente da febre recidivante da Pérsia.
O. turicata parasito roedores que vivem em tocas, fendas ou grutas, corujas, cobras, jabutis e também porcos
domésticos e outros animais de produção no sul dos EUA e México. Ao contrário do padrão alimentar da maioria
dos Ornithodoros, as formas imaturas de O. turicata ingurgitam em menos de 30 min, mas os adultos podem
permanecer fixados no hospedeiro por até dois dias. O. turicata foi associado a doenças em suínos e reações
tóxicas graves e infecções secundárias podem ocorrer se pessoas forem picadas.
O. furucosus parasito pessoas e animais de produção em casas e estábulos no noroeste da América do Sul.
Outras pestes de animais de produção e pessoas da América do Sul, provavelmente parasitos originários de
queixadas, são O. braziliensis e O. rostratus.
OTOBIUS SPP.
Otobius megnini, que é altamente especializado biologicamente e estruturalmente, infesta os canais auditivos de
antílopes, ovinos montanheses, cervos da Virgínia e cervos orelhudos em biotas com baixo índice pluviométrico do
oeste dos EUA e no México e oeste do Canadá. Bovinos, equinos, caprinos, ovinos, cães e pessoas são
similarmente infestados. Esse parasito, oculto, foi transportado com animais de produção para o oeste da América
do Sul, Galápagos, Cuba, Havaí, Índia, Madagascar e sudeste da África. Notavelmente, os adultos possuem
aparelho bucal afuncional e permanecem no solo sem se alimentar, mas podem sobreviver por quase dois anos. As
fêmeas podem depositar até 1.500 ovos em um período de duas semanas. As larvas e os dois instares de ninfa se
alimentam por 2 a 4 meses, principalmente no inverno e primavera. Pode haver duas ou mais gerações por ano. As
pessoas e outros animais podem sofrer irritação grave pelas infestações dos canais auditivos e os animais de
produção infestados maciçamente perdem condição corporal durante o inverno. São relatadas paralisia por
carrapato e infecções secundárias por miíases. O. megnini é infectado por agentes da febre Q, tularemia, febre do
carrapato do Colorado e febre maculosa das Montanhas Rochosas. A segunda espécie de Otobius sp., O.
lagophilus, se alimenta nas cabeças de lebres e coelhos no oeste dos EUA.
CONTROLE DE CARRAPATOS
As principais razões para o controle de carrapatos são: proteger os hospedeiros da irritação provocada pela picada e
de perdas de produção, formação de lesões que podem se tornar secundariamente infectadas, danos ao couro e ao
úbere, toxicoses, paralisia e, sobretudo, infecção por uma ampla variedade de microrganismos patogênicos. O
controle também evita a disseminação de espécies de carrapatos e de doenças por eles transmitidas para áreas,
regiões ou continentes livres destas enfermidades.
Controle Biológico e Cultural
Essas medidas podem ser direcionadas contra os estágios de vida livre e parasitário dos carrapatos. Os estágios de
vida livre da maioria das espécies de carrapatos, tanto argasídeos quanto ixodídeos, possuem necessidades
específicas quanto ao microclima e estão restritos a um microhabitat particular, dentro de ecossistemas habitados
por seus hospedeiros. A destruição desses microhabitats reduz a abundância de carrapatos. A alteração do
ambiente pela remoção de determinados tipos de vegetação foi utilizada para o controle do Amblyomma
americanum em áreas de recreação do sudeste dos EUA e no controle de Ixodes rubicundus na África do Sul. O
controle de carrapatos argasídeos, como Argas persicus e A. walkerae em aves domésticas, pode ser realizado por
meio da eliminação de fendas em paredes e poleiros, que fornecem abrigo para os estágios de vida livre.
É possível também reduzir a abundância de espécies de carrapatos pela remoção de hospedeiros alternativos ou
hospedeiros de um estágio particular do ciclo biológico. Esse procedimento foi adotado algumas vezes no controle
de carrapatos ixodídeos com três hospedeiros, como Rhipicephalus appendiculatus, Amblyomma
hebraeum e Ixodes rubicundus, na África, e Hyalomma spp., no sudeste da Europa e da Ásia.
Rotação de pastagens ou revezamento de pastos foi utilizada para o controle do carrapato ixodídeo de um
hospedeiro Rhipicephalus (Boophilus) microplus, na Austrália. Esse método também pode ser aplicado a outros
carrapatos de um hospedeiro, nos quais a duração do período de revezamento é determinada pelo tempo de vida
relativamente curto da larva de vida livre do parasito. No entanto. isso possui pouca aplicação para carrapatos
ixodídeos de múltiplos hospedeiros ou carrapatos argasídeos, em razão dos longos períodos de sobrevivência de
ninfas e adultos não alimentados.
Predadores, incluindo pássaros, roedores, musaranhos, formigas e aranhas, desempenham papel importante na
redução do número de carrapatos de vida livre em algumas áreas. No Novo Mundo, as formigas de fogo (Pheidole
megacephala) são predadoras notáveis de carrapatos. Os carrapatos ingurgitados também podem ser parasitados
por larvas de algumas vespas (Hymenoptera), mas isso não promoveu uma redução relevante da população de
carrapatos.
Bovinos zebuínos (Bos indicus) e Sanga (cruzamento de B. taurus com B. indicus), que são as raças indígenas da
Ásia e da África, em geral, se tornam muito resistentes aos carrapatos ixodídeos após uma exposição inicial. Em
contraste, as raças europeias (B. taurus) normalmente se mantêm bastante suscetíveis. A resistência das raças
zebuínas e seus cruzamentos ao carrapato é cada vez mais explorada como meio de controle dos estágios
parasitários. A introdução de bovinos zebuínos na Austrália revolucionou o controle de R. (B.) microplus naquele
país. O uso de bovinos resistentes como meio de controle dos carrapatos também está se tornando importante na
África e nas Américas. Na África, as infestações por carrapatos ixodídeos nos animais de produção e em ungulados
silvestres também podem ser reduzidas pelos picabois (Buphagus spp.), que são pássaros que se alimentam de
carrapatos fixados ao hospedeiro.
Controle Químico
Ver p. 2696.
O controle de carrapatos com acaricidas pode ser direcionado contra os estágios de vida livre no ambiente ou
contra os estágios parasitos nos hospedeiros. O controle dos carrapatos ixodídeos por tratamento da vegetação com
acaricidas foi feito em locais específicos (p. ex., ao longo de trilhos) em áreas de recreação dos EUA e em outros
locais, para reduzir o risco de parasitarem os humanos. Esse método não é recomendado para uso mais amplo, em
razão da poluição ambiental e do custo do tratamento de grandes áreas. Canis, celeiros e residências também
podem requerer tratamento periódico com acaricidas para o controle dos estágios de vida livre dos carrapatos
ixodídeos, tais como o carrapato de canil, Rhipicephalus sanguineus.
Os estágios de vida livre dos carrapatos argasídeos, que infestam focos específicos como galinheiros, pombais,
chiqueiros e residências, são tratados com maior frequência e mais efetivamente com acaricidas.
O tratamento dos hospedeiros com acaricidas para matar larvas, ninfas e adultos de carrapatos ixodídeos fixados
e larvas de carrapatos argasídeos tem sido o método de controle mais amplamente utilizado. Na primeira metade do
século, o principal acaricida era o trióxido de arsênio. Subsequentemente, organoclorados, organofosforados,
carbamatos, amidinas, piretroides e avermectinas foram utilizados em diferentes partes do mundo. A introdução de
novos compostos, tais como os fenilpirazóis, tem sido necessária em razão do desenvolvimento de resistência nas
populações de carrapatos.
Os acaricidas são mais comumente aplicados nos animais de produção nas formas de banhos de imersão
e sprays; os banhos de imersão são considerados mais efetivos. Nos últimos anos, vários outros métodos de
aplicação de acaricidas foram desenvolvidos, incluindo a liberação lenta de medicamentos sistêmicos a partir de
implantes e bolus, brincos impregnados com acaricidas convencionais de liberação lenta, pouron (que são
aplicados no dorso do animal e difundemse rapidamente por toda a superfície corpórea) e spoton (que são
similares ao pouron, porém com menor capacidade de difusão). Em aves, os acaricidas normalmente são aplicados
na forma de pó; em gatos, na forma de banhos ou pó; e em cães na forma de pó.
Por muitos anos, os piretroides e organofosforados formulados como pós, banhos ou coleiras foram utilizados
para o controle de carrapatos em cães e gatos. Com o advento dos fenilpirazóis, foram introduzidos sprays de
longa ação e formulações spoton convenientes. Recentemente, os piretroides foram introduzidos como
produtos spoton altamente concentrados, que são indicados apenas para cães, em razão da sua toxicidade para
gatos. O uso desses piretroides concentrados não é aconselhável em cães que convivem com gatos na mesma casa.
Estratégias de Controle
Inicialmente, as principais indicações de uso dos acaricidas eram a erradicação de carrapatos, prevenção da
disseminação de carrapatos e das doenças transmitidas por eles (quarentena) e o controle e a erradicação de
doenças transmitidas por carrapatos. Os programas de erradicação foram efetivos em algumas regiões subtropicais
ecologicamente marginais, como o sul dos EUA e a região central da Argentina, onde Rhipicephalus (Boophilus)
spp. e babesiose foram erradicados, e no sul da África, onde se erradicou a febre da Costa Leste (causada
por Theileria parva parva). Os programas foram menos eficientes em áreas tropicais mais favoráveis
ecologicamente, como o nordeste da Austrália, América Central, ilhas do Caribe e leste da África.
Nas áreas nas quais a erradicação não foi possível, o custo da manutenção de programas de controle intensivos,
com frequência, tem tornado esses programas proibitivos. Por essa razão, foram adotadas estratégias de controle
biológico e químico integrados. A efetividade dessas estratégias de contenção de custos requer um melhor
conhecimento da dinâmica das associações entre os agentes patológicos, seus hospedeiros vertebrados, os
carrapatos vetores e o ambiente. Medidas de quarentena rigorosa para prevenir reintroduções são obrigatórias em
países onde os carrapatos e as doenças transmitidas por eles foram erradicadas. Modelos climáticos, sistemas de
informação geográfica e sistemas inteligentes (modelos baseados no conhecimento de especialistas e na
inteligência artificial) estão sendo utilizados para identificar áreas não afetadas, nas quais as pragas podem se
instalar se os carrapatos forem introduzidos.
O controle dessas doenças requer a utilização dos princípios de estabilidade endêmica e o desenvolvimento de
vacinas recombinantes melhoradas. Uma estratégia atual e promissora é a identificação dos sítios receptores no
intestino intermediário dos carrapatos vetores e o desenvolvimento de anticorpos que se ligam a esses sítios,
evitando assim que os patógenos ingeridos pelo carrapato o infectem. Os bovinos que receberem os antígenos de
sítios receptores podem produzir anticorpos que serão ingeridos pelos carrapatos durante a alimentação.
Vacinas
Um avanço recente de muita importância foi a produção de uma vacina promissora contra R. (B.) microplus,
utilizando biotecnologia. O agente imunizante é um antígeno do carrapato, que normalmente não é encontrado no
hospedeiro. O mecanismo imune que a vacina estimula é diferente daquele envolvido na exposição aos carrapatos
(i. e. carrapatos se alimentando). O antígeno é derivado de um extrato bruto das fêmeas adultas parcialmente
ingurgitadas. Ele estimula a produção de um anticorpo que danifica as células intestinais dos carrapatos e os mata
ou reduz drasticamente seu potencial reprodutivo.
As perspectivas de desenvolvimento de vacinas similares contra outros ixodídeos vetores de doenças de grande
importância em bovinos ainda não está clara. Os carrapatos Rhipicephalus (Boophilus) são bons candidatos a essas
vacinas por possuírem ciclo biológico de um hospedeiro e mostrarem acentuada preferência por bovinos que,
provavelmente, atuam como principal reservatório do mais importante patógeno transmitido pelo carrapato
(Babesia spp.). Por outro lado, a maioria das outras espécies de carrapatos vetores de doenças importantes aos
bovinos (p. ex., anaplasmose, caudriose e teileriose) apresenta ciclo de três hospedeiros, e não infestam apenas
bovinos, mas também espécies de ungulados silvestres, para os quais a utilização das vacinas não é viável. Além
disso, muitos ungulados silvestres hospedeiros de carrapatos vetores servem como reservatórios desses agentes
patológicos. Por essas razões, as vacinas contra carrapatos não boofilídeos vetores pode não ser capaz de erradicar
os carrapatos ou eliminar fontes importantes de doenças que eles podem transmitir.
HELMINTOS CUTÂNEOS
DERMATITE POR PELODERA (DERMATITE RABDÍTICA)
Esta é uma dermatite rara, não sazonal, aguda, que resulta da invasão da pele por uma larva de nematódeo
saprófita, de vida livre, Pelodera strongyloides. A larva é ubíqua em matérias orgânicas em decomposição e
próximas à superfície do solo úmido, porém apenas ocasionalmente são parasitos. A exposição da larva ocorre com
o contato direto com material infestado, como cama úmida e suja. As larvas podem não estar aptas a invadir a pele
saudável; dermatoses preexistentes ou condições ambientais que favorecem a maceração da pele, como exposição
constante à lama ou a cama úmida podem facilitar a invasão. Dermatites por Pelodera foram descritas em cães,
bovinos, equinos, ovinos, cobaias e pessoas.
Tipicamente, as lesões limitamse às áreas do corpo em contato com o material infestado, como extremidades,
abdome e tórax ventral e períneo. A pele afetada é eritematosa e parcial a completamente alopécica, com pápulas,
pústulas, crostas, erosões ou ulcerações. O prurido é em geral intenso, mas pode ser moderado e até ausente. O
diagnóstico diferencial inclui demodiciose, sarna sarcóptica canina, dermatofitoses, piodermites e outras doenças
cutâneas raras, causadas por infestações larvais como dermatite por ancilostoma, dirofilariose, dipetalonemíase e
estrongiloidíase.
O diagnóstico é facilmente confirmado pelo achado de larvas vivas e móveis de P. strongyloides nos raspados
cutâneos das áreas afetadas. As larvas são cilíndricas, com cerca de 600 × 38 μm. O exame histopatológico das
biopsias de pele revela larvas nos folículos pilosos e na derme superficial e geralmente um infiltrado inflamatório
na derme. As larvas são facilmente cultivadas em placas de ágarsangue a 25°C.
O tratamento efetivo consiste primariamente na remoção e destruição do material úmido e infectado da cama e a
transferência do animal para um local limpo e seco. A recuperação espontânea ocorre usualmente. Pode ser
desejável banhar ou aspergir os animais afetados com uma preparação inseticida ao menos duas vezes em
intervalos semanais. Se o prurido for grave, podese indicar o uso de corticosteroides, a curto prazo.
ELAEOFORÍASE (Dermatose filariana, Cegueira com “olhos claros”, Ferida na cabeça)
Elaeophora schneideri é um parasito de veados orelhudos e veados de cauda preta encontrados nas montanhas do
oeste e do sudoeste dos EUA e em Nebraska; também pode infectar veados de cauda branca nas regiões sul e
sudeste. Os parasitos adultos medem 60 a 120 mm de comprimento e geralmente são notados nas artérias carótida
comum e maxilar interna. As microfilárias, cerca de 275 μm de comprimento e 15 a 17 μm de espessura,
normalmente são notadas nos capilares cutâneos da testa e da face. O desenvolvimento nos hospedeiros
intermediários, moscas do gênero Tabanus e Hybomitra, requer cerca de 2 semanas. A larva infectante invade o
hospedeiro quando a mosca dos equinos se alimenta, migrando para artérias leptomeningeanas e se desenvolve até
a forma adulta imatura em cerca de 3 semanas. Estas jovens adultas migram contra o fluxo sanguíneo e se
estabelecem na artéria carótida comum, local onde continuam a crescer. Os parasitos alcançam a maturidade sexual
cerca de 6 meses mais tarde e começam a produzir microfilárias. A vida dos adultos é de 3 a 4 anos.
ACHADOS CLÍNICOS: A doença clínica não foi relatada em veados orelhudos e veados de cauda preta; portanto são
considerados hospedeiros definitivos. Quando as moscas dos equinos transmitem a larva infectante aos alces,
renas, ovinos e caprinos domésticos, veados sika e possivelmente, ao veado de cauda branca, a larva se desenvolve
nas artérias leptomeningeanas e causa necrose isquêmica do tecido cerebral, resultando em cegueira, dano cerebral
e morte súbita. A cegueira nesses animais é caracterizada por ausência de opacidades nos meios refratários
oculares (cegueira com “olhos claros”).
Os ovinos e caprinos domésticos, especialmente cordeiros, cabritos e sobreanos podem morrer subitamente em 3
a 5 semanas após a infecção. O óbito geralmente ser precedido por incoordenação, andar em círculos e geralmente
convulsões e opistótono. Vários trombos ocorrem no cérebro e nas artérias leptomeningeanas. Uma ou mais E.
schneideri jovens adultas acompanham cada trombo. Se os ovinos e os caprinos sobreviverem à infecção inicial,
uma dermatite profunda e sanguinolenta se desenvolverá na parte superior da cabeça, testa ou face (“ferida na
cabeça”) em 6 a 10 meses mais tarde. Outras lesões ocasionalmente ocorrem nos membros pélvicos, abdome e
patas. As lesões correspondem a dermatites alérgicas em resposta às microfilárias alojadas nos capilares. As lesões
persistem com períodos de cicatrização intermitente e incompleta por cerca de 3 anos, seguidas por recuperação
espontânea. Hiperplasia e hiperqueratose se desenvolvem na epiderme das áreas parasitadas.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico diferencial inclui cenurose (Taenia, p. 1398), necrose cerebrocortical (p. 1383) e
enterotoxemia (p. 657). Elaeoforose não deve ser considerada a menos que os ovinos ficaram em áreas endêmicas
durante o verão. O diagnóstico em cordeiros, cabritos, filhotes de alce ou bezerros geralmente é realizado na
necropsia; numerosos trombos e parasitos são notados nas artérias carótida comum, maxilar interna, cerebrais e
leptomeningeanas. O diagnóstico presuntivo em ovinos adultos baseiase no histórico, localização e tipo de lesão.
A lesão cutânea deve ser diferenciada das dermatoses ulcerativas (p. 1030). A confirmação ocorre quando se
encontram microfilárias nas lesões ou pela recuperação de parasitos adultos postmortem. Devese macerar uma
biopsia cutânea da lesão em solução salina isotônica e deixar descansar = 6 h em temperatura ambiente. A pele é
coada e o líquido é examinado para a pesquisa de microfilárias.
TRATAMENTO: Sais de piperazina (220 mg/kg, VO) são efetivos. A recuperação completa ocorre em 18 a 20 dias.
Não há tratamento disponível para a forma cerebral da doença.
ESTEFANOFILARIOSE (DERMATITE FILARIANA DOS BOVINOS)
Stephanofilaria stilesi é uma pequena filária parasito que causa dermatite circunscrita ao longo da linha média
ventral dos bovinos. Foi relatado em todo EUA, mas é mais comum no oeste e sudoeste. Os vermes adultos
apresentam 3 a 6 mm de comprimento e em geral são notados na derme, logo abaixo da camada epidérmica. As
microfilárias apresentam 50 μm de comprimento e estão encapsuladas por uma membrana vitelina esférica e
semirrígida. O hospedeiro intermediário da S. stilesi é a fêmea da mosca do chifre, Haematobia irritans (p. 991).
As moscas do chifre alimentamse na lesão contendo microfilárias, estas desenvolvem o terceiro estágio infectante
em 2 a 3 semanas. As larvas infectantes são introduzidas na pele quando a mosca do chifre se alimenta.
A dermatite se desenvolve ao longo da linha média ventral, geralmente entre a musculatura do peito e o umbigo.
Com a exposição repetida, a lesão disseminase e geralmente envolve a pele posterior ao umbigo. As lesões ativas
são cobertas por sangue ou exsudato seroso, enquanto lesões crônicas são lisas, secas e desprovidas de pelos.
Hiperqueratose e paraqueratose ocorrem na epiderme das áreas parasitadas.
Os raspados cutâneos profundos são macerados em solução salina isotônica e examinados ao microscópio para a
pesquisa de adultos ou microfilárias. As microfilárias devem ser diferenciadas das microfilárias de Onchocerca
lienalis, O. gutturosa e Setaria spp, que são maiores (200 a 250 μm), e Pelodera strongyloides (ver anteriormente),
um pequeno nematódeo de vida livre que ocasionalmente é responsável por uma dermatite úmida superficial. O
esôfago rabditiforme da P. strongyloides não é notado nos nematódeos filariais.
Estefanofilariose cutânea. Cortesia do Dr. Sameeh M. Abutarbush.
Não há tratamento aprovado disponível para S. stilesi, mas aplicações tópicas de organofosforados (triclorfon 6 a
10%, 1 vez/dia ou em dias alternados, por 7 dias) mostraramse efetivas contra outras espécies de Stephanofilaria.
A ivermectina foi efetiva contra microfilárias de S. zaheeri.
HABRONEMOSE CUTÂNEA (FERIDA DE VERÃO, FERIDA DE JACK, BURSATTI)
Habronemose cutânea é uma doença de pele dos equídeos causada em parte por larvas de vermes estomacais
espirurídeos (p. 362). Quando as larvas emergem das moscas que se alimentaram em ferimentos preexistentes ou
da umidade das genitais ou dos olhos, elas migram para o interior dos tecidos, provocando irritação tecidual, que
desencadeia uma reação granulomatosa. A lesão tornase crônica e retarda a cicatrização. O diagnóstico é baseado
nos achados de granulomas cutâneos gordurosos, não cicatrizantes, de coloração marromavermelhada que contêm
um material amarelo calcificado do tamanho de grãos de arroz. As larvas, reconhecidas por uma protuberância
espinhosa na cauda, são notadas em raspados das lesões em algumas ocasiões. Muitos tratamentos diferentes foram
utilizados, porém a maioria apresenta resultados não satisfatórios. O tratamento sintomático com repelentes de
insetos possui certo benefício e os organofosforados aplicados topicamente na superfície erodida podem matar as
larvas. A remoção cirúrgica ou a cauterização do tecido de granulação excessivo pode ser necessária. O tratamento
com ivermectina (200 μg/kg) tem sido efetivo e, embora possa ocorrer uma exacerbação temporária das lesões
(provavelmente em reação às larvas mortas), a cura espontânea pode ser esperada. Moxidectina na dose de 400
μg/kg também parece ser ativa contra Habronema spp no estômago. O controle das moscas hospedeiras e a coleta
regular e o empilhamento do esterco associados à terapia anti–helmíntica podem reduzir a incidência.
INFECÇÃO POR PARAFILÁRIA
Parafilaria bovicola
Essa filária parasito de bovinos causa lesões subcutâneas que lembram equimoses. Também foi relatada em
bubalinos (Bubalus bubalis). O verme é esbranquiçado; as fêmeas adultas possuem comprimento de 50 a 65 mm e
os machos, de 30 a 35 mm. É notado na Ásia (Filipinas, Japão, Rússia, Paquistão, Índia), na Europa (Bulgária,
Romênia, França, Suécia) e na África (Marrocos, Tunísia, Ruanda, Burundi, África do Sul, Namíbia, Botsuana,
Zimbábue). Uma espécie foi descoberta no Canadá de um touro importado da França, porém a P. bovicola não
parece ter se estabelecido nos continentes americanos e não foi relatada na Austrália.
A infecção por Parafilaria foi identificada como causa de perda econômica considerável nas indústrias de carne
bovina da África do Sul e da Suécia, apesar das diferenças climáticas. A doença acomete principalmente bovinos
de corte criados em áreas de savana do sul da África; na Suécia, emergiu como um problema de bovinos em
pastagens de primavera, após o confinamento de inverno.
SINAIS CLÍNICOS: Os únicos sinais externos de infecção nos gados são hemorragias cutâneas focais (“manchas
hemorrágicas”) que podem verter por algumas horas antes de coagular e secar na pelagem. As manchas
hemorrágicas são induzidas pela fêmea do parasito, que causa a formação de um pequeno nódulo, perfura a pele e
faz a ovoposição no sangue que sai do ferimento central. Os ovos minúsculos contêm o primeiro estágio larval do
parasito (microfilária). Em ambos os hemisférios norte e sul, as manchas hemorrágicas são acentuadamente
sazonais, sendo mais comuns na primavera e no início do verão. A maioria das manchas ocorre ao longo do dorso
do animal, particularmente nos quartos dianteiros.
Os hospedeiros invertebrados são as moscas da face do gênero Musca (subgênero Eumusca), as quais ingerem
os ovos quando se alimentam nos pontos hemorrágicos. M. autumnalis foi identificada como hospedeiro na
Suécia, M. lusoria e M. xanthomelas na África do Sul e M. vitripennis na Ásia. O desenvolvimento até as larvas
infectantes de terceiro estágio nas moscas leva 10 a 12 dias. A transmissão para aos bovinos provavelmente ocorre
quando as moscas se alimentam nos ferimentos, pontos hemorrágicos parafilariais e secreções oculares.
Por causa do sangramento sazonal e dos nódulos cutâneos, infecções graves por P. bovinicola foram relatadas
como causa de prejuízo da produtividade dos novilhos de tração na Índia; entretanto a principal importância
da Parafilaria ocorre nos países produtores de carne, pelos danos aos tecidos subcutâneos. As carcaças dos
animais infectados apresentam lesões irregulares, edematosas, amareloesverdeadas que lembram equimoses. Estas
costumam ser superficiais, mas ocasionalmente músculos adjacentes são extensamente envolvidos. As lesões são
mais graves durante a primavera e verão.
Frequentemente as carcaças aparadas são seriamente desfiguradas e consequentemente desvalorizadas. Nos
casos graves, as carcaças podem ser condenadas. As lesões são mais comuns e graves em touros do que em
novilhos que, por sua vez, são menos gravemente afetados que as fêmeas.
DIAGNÓSTICO: As manchas hemorrágicas sazonais são esporadicamente confundidas com aquelas causadas por
espinhos, arame, carrapatos ou picadas de outros insetos. Para a diferenciação, devese misturar sangue fresco ou
seco em água em um tubo de ensaio e centrifugar. Os ovos característicos são notados no exame microscópico do
sedimento.
As lesões da carcaça podem ser diferenciadas de hematomas pela presença de numerosos eosinófilos no imprint
corado com Giensa, feito a partir das lesões. Ademais, os tecidos afetados possuem um odor característico,
desagradável e metálico.
Geralmente, apenas um pequeno número de vermes está presente nas carcaças infectadas e com frequência é
difícil encontrálos por causa da sua coloração e da reação inflamatória que acompanha. Os tecidos afetados podem
ser incubados com solução salina morna para facilitar a descoberta dos parasitos. Foi desenvolvido um teste
ELISA para pesquisa de anticorpos contra P. bovicola.
TRATAMENTO E PREVENÇÃO: Ivermectina (200 μg/kg) ou nitroxinila (20 mg/kg), administradas por via SC, reduz
o número e a extensão das lesões provocadas por Parafilaria. Os animais devem ser tratados no mínimo 70 a 90
dias antes do abate, permitindo tempo suficiente para cura das lesões. O intervalo entre o tratamento e o abate não
deve ser > 120 dias porque as formas larvais não afetadas do parasito podem induzir novas lesões quando se
tornam maduras.
Em ensaios na Suécia, o uso de um brinco impregnado de piretroide promoveu bom controle das moscas e
reduziu em 75% as lesões por Parafilaria no abate. A colocação de brincos em todo o rebanho resultou no total
controle do parasito. A utilização de banhos de imersão com piretroides sintéticos com poder residual ativo
também foi efetiva na redução da transmissão.
Pode ser possível triar minuciosamente os animais importados com teste ELISA para prevenir a disseminação da
doença para países não afetados até o momento ou, em conjunto com inseticidas residuais e anti–helmínticos
efetivos, erradicar um novo foco de infecção.
Parafilaria multipapillosa
P. multipapillosa é encontrada no tecido subcutâneo de equinos em várias partes do mundo; é especialmente
comum nas estepes da Rússia e no leste da Europa. É similar em tamanho, aparência, ciclo biológico e
desenvolvimento a P. bovicola. As moscas hematófagas Haematobia spp são os prováveis hospedeiros
invertebrados.
Na primavera e no verão, o parasito causa nódulos cutâneos, particularmente na cabeça e na parte superior dos
quartos anteriores. O sangramento é transitório, mas geralmente é profuso (“sangramento de verão”) e
posteriormente se resolve; outros nódulos hemorrágicos se desenvolvem com a movimentação do parasito para um
local diferente. Ocasionalmente os nódulos podem supurar. Os nódulos e o sangramento não são significativos e
interferem com o arreio de equinos de trabalho, porém geralmente é de baixa consequência. Os sinais clínicos são
patognomônicos.
Não há um tratamento satisfatório disponível, porém o controle das moscas pode reduzir a incidência.
INFECÇÕES POR DRACUNCULUS
Dracunculus insignis é encontrado principalmente no tecido conjuntivo subcutâneo dos membros de guaxinins,
visons e outros animais, inclusive cães, na América do Norte e possivelmente outras partes do mundo. As fêmeas
(= 300 mm de comprimento) são muito maiores os machos (cerca de 20 mm). Eles provocam úlceras na pele dos
seus hospedeiros através das quais projetam sua extremidade anterior, no contato com água. As fêmeas produzem
larvas características com caudas longas e finas. As pulgas d’água (Cyclops sp) são hospedeiros intermediários nas
quais as larvas infectantes se desenvolvem. Os cães se infectam por meio da ingestão de água contaminada ou de
hospedeiros paratênicos (rãs).
Observamse tratos inflamatórios subcutâneos serpentiformes e úlceras cutâneas edemaciadas, não cicatrizantes
e semelhantes a crateras. Infecções são raras, porém são ocasionalmente notadas nos animais que se encontram ao
redor de lagos pequenos ou corpos de água rasa e parada. O tratamento é feito pela remoção lenta e cuidadosa das
larvas do parasito. A administração de compostos miridazóis ou benzimidazólicos pode ser útil.
D. medinensis, o verme da Guiné encontrado em parte da África, Ásia e do Oriente Médio, apesar de ser
primariamente um parasito de pessoas, também é encontrado em cães e em outros animais.
ONCOCERCOSE
A classificação taxonômica das 3 espécies de Onchocerca atualmente reconhecidas nos EUA e outras espécies
previamente reconhecidas está em debate. O. cervicalis é encontrado no ligamento nucal e possivelmente em
outros locais, em equídeos. Nos bovinos, O. gutturosa localizase no ligamento nucal e O. lienalis no ligamento
gastresplênico. Os adultos estão associados aos tecidos conjuntivos e são muito finos e com 3 a 60 cm de
comprimento. As microfilárias são vistas na derme e, em raras ocasiões, no sangue periférico. As microfilárias não
possuem bainha e apresentam 200 a 250 μm de comprimento com cauda curta, afiada e pontuda. Culicoides spp
(ver p. 987) é o hospedeiro intermediário de O. cervicalis, enquanto Simulium spp é hospedeiro de O.
gutturosa e O. lienalis.
ACHADOS CLÍNICOS: O. cervicalis foi associado à formação de fístula na cernelha, mal da cabeça, dermatite e
uveíte, em equinos. Entretanto, devido ao grande número de parasitos em equinos sem estas doenças, há
controvérsia quanto o papel das larvas na patogênese destas condições.
No ligamento nucal, os parasitos adultos induzem reações inflamatórias, variando de necrose edematosa aguda a
alterações granulomatosas crônicas, resultando em fibrose acentuada e mineralização. Nódulos mineralizados são
mais comuns em equinos idosos. Embora as lesões sejam notadas nestas áreas, presumese que estejam associadas
a parasitos mortos; geralmente acreditase que tratos fistulosos nas cernelhas e mal da cabeça não sejam causados
por infecções por O. cervicalis.
As microfilárias concentramse na pele da linha média ventral. Muitas podem ser notadas em equinos sem
dermatites bem como em equinos com dermatites de face, pescoço, peito, cernelhas, membros torácicos e abdome.
Estas lesões geralmente são caracterizadas por áreas de descamações, crostas, ulceração, alopecia e
despigmentação; podendo ser pruriginosas. A dermatite pode estar associada a reações imunológicas à morte das
microfilárias. Embora a patogênese destas lesões não esteja bem definida, o tratamento com drogas
microfilaricidas pode resultar em melhora drástica. As reações alérgicas à picada de moscas pequenas podem
produzir lesões similares ou exacerbar a dermatite causada pelas microfilárias. Portanto, o diagnóstico de dermatite
associada à Onchocerca pode ser baseado na resposta ao tratamento microfilaricida.
As microfilárias também se alojam nos olhos dos equinos, porém não é consenso de que as microfilárias estejam
associadas às uveítes equinas (p. 553) ou outras lesões oculares em equinos.
DIAGNÓSTICO: O método de diagnóstico mais efetivo é a biopsia cutânea, preferivelmente com obetnção de
fragmento com espessura total = 6 mm. O tecido deve ser picado e macerado em solução salina isotônica por
várias horas. As microfilárias são concentradas e coradas com novo azul de metileno depois da remoção dos
pedaços cutâneos. Podem ser diferenciadas microscopicamente de Setaria spp, que é encontrada no sangue de
bovinos e equídeos, pela presença de uma bainha ao redor da Setaria.
TRATAMENTO: Nenhum tratamento é efetivo contra a filária adulta. Ivermectina (200 μg/kg) e moxidectina (400
μg/kg) são eficazes (> 99%) contra microfilárias e propiciam melhora clínica evidente em equinos com dermatite
por Onchocerca spp. Uma pequena parte dos equinos infectados por O. cervicalis reage ao tratamento com edema
acentuado na linha média ventral 1 a 3 dias depois da terapia. Também já se descreveram lesões oculares. Estas
reações geralmente se resolvem espontaneamente, mas pode ser necessário tratamento sintomático.
INFESTAÇÃO POR MOSCAS CUTEREBRA EM PEQUENOS
ANIMAIS
Esta infestação parasitária oportunista de cães, gatos e furões é causada pela mosca–doberne dos roedores ou dos
coelhos, Cuterebra spp (ordem Diptera, família Cuterebridae). As moscas são geralmente hospedeiro e local
específicas em relação ao ciclo de vida. No entanto, a Cuterebra spp dos coelhos é menos hospedeiroespecífica e
se associa com infestações em cães e gatos. Raramente, os gatos e os cães podem estar infestados
por Hypoderma spp ou Dermatobia hominis. Furões que vivem em ambiente externo ao domicílio podem ser
infestados por Hypoderma ou Cuterebra spp.
ETIOLOGIA: As moscas adultas do gênero Cuterebra são grandes e semelhantes a abelhas e não se alimentam ou
picam. As fêmeas depositam seus ovos ao redor das aberturas de ninhos e tocas de animais, ao longo dos caminhos
percorridos pelos hospedeiros normais ou em pedras e vegetações nestas áreas. Uma mosca fêmea pode depositar 5
a 15 ovos por local e > 2.000 ovos em toda a sua vida. Os animais se infestam quando passam pelas áreas
contaminadas; os ovos eclodem em resposta ao calor de um hospedeiro vizinho. No hospedeiroalvo, as larvas
entram no corpo pela boca ou pelas narinas durante a higiene ou, menos comumente, por ferimentos abertos.
Depois da penetração, as larvas migram para várias localizações subcutâneas espécieespecíficas no corpo, onde se
desenvolvem e se comunicam com o ar através de um poro respiratório. Depois de cerca de 30 dias, as larvas saem
da pele, caem no solo e se transformam em pupas. A duração do estágio de pupa varia, dependendo de fatores
ambientais e da diapausa invernal.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: Lesões por Cuterebra são mais comuns no verão e no outono, quando as
larvas aumentam de tamanho e produzem um inchaço fistulante de cerca de 1 cm de diâmetro. Os cães, gatos e
furões são hospedeiros anormais do parasito; migrações aberrantes podem envolver cabeça, cérebro, vias nasais,
faringe e pálpebras. Na pele, observamse lesões típicas ao redor da cabeça, do pescoço e tronco. Frequentemente,
o pelo fica emaranhado e há inchaço subcutâneo sob as lesões. Os gatos costumam limpar agressivamente a área.
A dor local é variável e geralmente se associa com infecções secundárias. Pode exsudar um material purulento da
lesão; os diagnósticos diferenciais mais comuns são abscesso ou corpo estranho.
Gatos de vida livre são mais propensos ao desenvolvimento das lesões em relação aos gatos domiciliados. Os
sinais clínicos geralmente associamse ao SNC e ocorrem, tipicamente, entre julho e setembro. Os gatos podem
apresentar depressão, letargia ou convulsões; infecções de vias respiratórias superiores ou temperaturas corporais
anormais (tanto hipertermia como hipotermia). Achados neurológicos comuns são cegueira, estado mental anormal
e sinais de doença prosencefálica unilateral. Os sinais vestibulares idiopáticos podem decorrer da migração
aberrante do parasito.
O diagnóstico definitivo é feito pelo achado e identificação da larva. Em gatos, TC pode ajudar a identificar as
larvas. O segundo estágio larval tem 5 a 10 mm de comprimento e é de coloração cinza a creme. O terceiro estágio
larval é escuro, grosso, com espinhos e é o estágio mais notado pelos veterinários.
TRATAMENTO: As lesões suspeitas devem ser exploradas cuidadosamente pela abertura e sondagem cuidadosas do
poro respiratório ou fístula com pinça mosquito. Não se deve apertar a lesão, pois isso pode romper a larva e
provocar reação crônica de corpo estranho e infecção secundária. Existem relatos de anafilaxia associada à ruptura
larval cause anafilaxia. Caso seja possível, devese remover a larva inteira; abscessos recidivantes no local prévio
de infestação de larva de Cuterebra sugerem infecção residual ou pedaços de larva remanescentes. A área deve ser
lavada completamente com um jato com solução salina estéril, debridada (se necessário) e permitir cicatrizar por
granulação. A cura pode ser lenta. Gatos com cuterebríase no SNC podem ser tratados com ivermectina. Uma a
duas horas antes da aplicação da ivermectina (400 μg/kg, SC), devemse aplicar difenidramina (4 mg/kg, IM) e
dexametasona (0,1 mg/kg, IV). A ivermectina não está aprovada para uso em gatos.
LARVAS DE INSETOS EM BOVINOS
A hipodermose dos bovinos, no hemisfério norte, é causada por larvas (berne de bovinos) de moscas do
gênero Hypoderma (ordem Diptera, família Oestridae). Hypoderma tarandi parasito cervídeos nativos do
hemisfério norte e renas das regiões árticas. Nas Américas Central e do Sul, as larvas (bernes tropicais)
de Dermatobia hominis (ordem Diptera, família Cuterebridae) são parasitos importantes dos bovinos.
DERMATOBIA HOMINIS
A mosca do berne tropical ou torsalo, um dos parasitos mais importantes dos bovinos na América Latina, está
distribuída entre o sul do México e o norte da Argentina. Os estágios larvais são notados em muitos hospedeiros,
como bovinos, ovinos, caprinos, suínos, búfalos, cães, gatos, coelhos e o homem. Os bovinos e os cães são mais
comumente afetados. Acreditase que D. hominis inicia a lesão que dá origem à lechiguana, uma doença de
bovinos (ver a seguir).
CICLO BIOLÓGICO: A mosca adulta tem 12 a 15 mm de comprimento e possui expectativa de vida curta (1 a 9
dias). A mosca adulta deposita seus ovos em tipos diferentes de insetos (49 foram descritos como vetores de D.
hominis na América Latina; predominantemente mosquitos e moscas muscoides), que os transportam para os
hospedeiros homeotérmicos, nos quais eclodem à medida que os insetos se alimentam. As larvas penetram na pele
do animal em poucos minutos após eclodirem, e permanecem no tecido subcutâneo por 4 a 18 semanas. Durante
esse período, as larvas crescem dentro dos bernes com orifícios respiratórios. Quando maduras, saem do
hospedeiro, caem no solo, se entocam e tornam pupas. Depois do período de pupa, que dura 4 a 11 semanas, as
moscas emergem como adultas. O ciclo de vida completo leva 11 a 17 semanas.
A penetração da larva na pele é acompanhada de dor, inflamação local e formação gradual de pus. Os couros são
condenados no abate e a produção de leite e carne diminui.
TRATAMENTO E CONTROLE: Várias formulações de diferentes inseticidas de contato e sistêmicos estão disponíveis
para o tratamento. Geralmente, torsalos são suscetíveis a organofosforados sistêmicos e endectocidas lactonas
macrocíclicas, os quais podem ser aprovados e disponíveis na região.
Lechiguana
Lechiguana é uma doença esporádica e crônica dos bovinos e até o momento foi relatada somente no sul e sudeste
do Brasil, em áreas onde a infecção por D. hominis é comum. É caracterizada por tumefações subcutâneas grandes
e firmes, que se desenvolvem rapidamente, principalmente na área escapular e adjacências (tórax, pescoço, ombros
e costelas). A maioria dos bovinos afetados tem somente uma tumefação, mas ocasionalmente observamse 2 áreas
tumefatas. Os linfonodos regionais estão aumentados e sem tratamento, tornase enormes.
Mannheimia granulomatis foi isolada das lesões e considerada o agente causal. A lesão que dá origem à
lechiguana é iniciada pela larva de D. hominis. Consistentemente isola–se M. granulomatis das lesões da doença
clínica e acreditase que seja a principal responsável pelas alterações teciduais características. O aumento da
deposição de colágeno parece estar associado ao envolvimento de uma população de células semelhantes aos
fibroblastos, que expressam mRNA para o colágeno tipo I. Demonstrouse que macrófagos ativados pela M.
granulomatis induzem a proliferação de fibroblastos. O habitat ou fonte da M. granulomatis são desconhecidos.
Não foram recuperadas de gados que não apresentavam lechiguana.
Histologicamente, as lesões consistem de proliferação focal de tecidos fibrosos com infiltração de plasmócitos,
eosinófilos, linfócitos e alguns neutrófilos. A lesão primária é uma linfangite eosinofílica, que resulta em abscessos
eosinofílicos, com rosetas ocasionais contendo bactérias no seu centro. Massas tumorais produzidas no subcutâneo
podem atingir o tamanho tão grande quanto 40 × 50 cm em 2 meses. Sem tratamento, a morte ocorre após 3 a 11
meses, provavelmente devido à inanição resultante das tumefações enormes.
Quando bem estabelecida, a doença é clinicamente óbvia. O diagnóstico é confirmado pelo isolamento de M.
granulomatis e pela observação das lesões histopatológicas características.
Tratamento com cloranfenicol (3 g, 1 vez/dia, por 5 dias) ou mesilato de danofloxacino (1,25 mg/kg, 1 vez/dia,
por 3 dias) resulta em rápida resolução das tumefações, com regressão quase completa em 30 dias. A realização de
antibiograma é aconselhável antes do uso de outros antimicrobianos.
HYPODERMA SPP
Duas espécies de Hypoderma, H. bovis e H. lineatum, são parasitos importantes dos bovinos. São notadas entre 25
e 60° de latitude no hemisfério norte, em > 50 países da América do Norte, Europa, África e Ásia. Na América do
Norte, H. lineatum, a larva de insetos de bovinos comum, é notada no Canadá, nos EUA e no norte do México; H.
bovis, a larva de insetos de bovinos do norte, é verificada geralmente ao norte do paralelo 35°. A ocorrência em
bovinos e no bisão americano é comum. As larvas de Hypoderma spp também foram encontradas em equinos,
ovinos, caprinos e pessoas. A prevalência de ambas as espécies do gênero Hypoderma diminuiu drasticamente na
América do Norte.
CICLO DE VIDA: Hypoderma spp adulta, também conhecida como mosca do calcanhar, possui cerca de 15 mm de
comprimento, é peluda e possui aparência semelhante à de abelha. No final da primavera ou no início do verão, ela
prende os seus ovos nos pelos dos bovinos, particularmente nos membros pélvicos e nas regiões corporais
inferiores. Os ovos eclodem em 3 a 7 dias e as larvas de primeiro estágio descem através dos pelos e penetram na
pele. Normalmente, as larvas de primeiro estágio andam pelos planos fasciais entre os músculos, ao longo do
tecido conjuntivo ou dos trajetos nervosos. Elas secretam enzimas proteolíticas que facilitam os seus movimentos.
Durante o outono e o inverno, elas migram em direção a 2 regiões diferentes, dependendo da espécie. As larvas
de H. lineatum migram para o tecido conjuntivo submucoso da parede esofágica, onde se acumulam por 2 a 4
meses. As larvas de H. bovis migram para a região do canal espinal, onde são notadas na gordura epidural, entre a
duramáter e o periósteo, por um período semelhante.
Bernes recobertos em uma vaca infestada por Hypoderma bovis. Cortesia do Dr. Jack Lloyd.
No início do inverno, as larvas chegam ao tecido subdérmico no dorso do hospedeiro, onde fazem orifícios por
onde respiram, na pele. Formamse cistos ou tumefações ao redor das mesmas e estas sofrem 2 mudanças (segundo
e terceiro estágios). O estágio de berne dura 4 a 8 semanas. Finalmente, as larvas de terceiro estágio emergem dos
orifícios de respiração, caem no solo e se tornam pupas. As moscas emergem das pupas em 1 a 3 meses,
dependendo das condições climáticas. As moscas adultas, que não se alimentam, vivem < 1 semana. O ciclo de
vida se completa em 1 ano.
Para as 2 espécies, os eventos sazonais são semelhantes, exceto que o ciclo de H. lineatum ocorre cerca de 6 a 8
semanas mais cedo que os de H. bovis. Esses eventos variam de 1 ano para o outro, mas se correlacionam com as
condições climáticas locais e regionais. As larvas aparecem pela primeira vez no dorso de bovinos em meados de
setembro, no sul dos EUA, mas não até o final de janeiro ou mais tarde, no norte dos EUA. As larvas aparecem
pela primeira vez no dorso durante a última metade de novembro no Texas e durante a primeira metade de março
em Montana. Quando se encontram presentes ambas as espécies, as larvas podem aparecer no dorso por cerca de 5
a 6 meses; quando só existe 1 espécie, elas podem aparecer por cerca de 3 a 4 meses. A oviposição (das moscas
fêmeas) encontrase em seu pico em janeiro a março no sul dos EUA, e em maio a julho, no norte dos EUA.
ACHADOS CLÍNICOS E PATOGÊNESE: Durante os períodos de iluminação solar nos dias quentes, os bovinos podem
correr, agitando as caudas, quando são perseguidos por moscas do calcanhar, fêmeas, particularmente H. bovis.
Nem todos os estouros de rebanho desse tipo resultam de ataques de moscas do calcanhar, pois esta atividade
também é observada na ausência das mesmas.
Por outro lado, nos bovinos normais, as larvas de H. bovis e as suas secreções na gordura epidural do canal
espinal se associam ao tecido conjuntivo dissolvido, necrose gordurosa e inflamação. Às vezes, a inflamação se
estende para o periósteo e os ossos, produzindo uma área localizada de periostite e osteomielite. Ocasionalmente, o
epineuro e o perineuro também podem estar envolvidos. Nos raros casos graves, podem ocorrer paralisia ou outras
neuropatias. Semelhantemente, H. lineatum na submucosa esofágica pode causar inflamação e edema nos tecidos
circundantes prejudicando a deglutição ou a eructação. No entanto, é incomum que os sinais clínicos do
parasitismo fiquem evidentes durante a fase migratória.
A penetração da pele por larvas recém–eclodidas pode produzir exantema hipodérmico, com maior frequência
nos bovinos idosos e anteriormente infestados. Os pontos de penetração ficam doloridos e inflamados e geralmente
exsudam um soro amarelado. Podem ocorrer bernes no dorso, desde a base da cauda até os ombros e da linha
superior até aproximadamente um terço da distância nas laterais. Em geral, os cistos são firmes e
consideravelmente salientes acima do contorno normal da pele. Em cada cisto, existe um orifício de respiração que
varia em tamanho, de uma fenda pequena até um orifício redondo (3 a 4 mm de diâmetro) para larvas mais
maduras. Geralmente, há supressão da infecção secundária; no entanto, os cistos podem ocasionalmente se
desenvolver em grandes abscessos supurativos. O aparecimento da larva, a sua expulsão forçada ou a sua morte
dentro do cisto costumam resultar na cicatrização da lesão sem complicações. As carcaças e os couros dos bovinos
infestados com larvas de insetos apresentam evidências acentuadas da infestação e têm seu valor reduzido.
Um animal infestado pode ter de 1 a = 300 bernes, mas geralmente tem < 100; os rebanhos infestados
frequentemente apresentam animais sem bernes. Os animais mais jovens infestamse mais intensamente.
Se as larvas migrantes de Hypoderma morrem no tecido esofágico (H. lineatum) ou próximo à medula espinal
(H. bovis), podem causar graves reações, às vezes fatais. Estas reações parecem se relacionar com o número de
larvas de inseto, mas são raras.
A morte de larvas de primeiro estágio de H. bovis no canal espinal de bovinos depois do tratamento com
inseticida sistêmico resulta em rigidez, ataxia, fraqueza muscular e paralisia nos membros pélvicos. A recuperação
geralmente ser rápida e completa, mas ocasionalmente, a paralisia pode ser permanente.
A morte de larvas de primeiro estágio de H. lineatum no tecido conjuntivo submucoso esofágico causa
inflamação na parede esofágica, disfagia, salivação e timpanismo. Da mesma forma, a recuperação geralmente ser
rápida e completa (48 a 72 h após o tratamento), mas nos casos graves, o timpanismo pode ser fatal. Pode haver
rompimento esofágico na tentativa de passar a sonda gástrica em um animal afetado.
DIAGNÓSTICO: As larvas de terceiro estágio podem ser diferenciadas facilmente. Em geral, as de H. bovis são
maiores, não possuem nenhum espinho no décimo segmento e a sua placa espiracular tem a forma de funil; as
de H. lineatum são menores, possuem espinhos no décimo segmento e a sua placa espiracular é achatada. Nos
casos de timpanismo ou paralisia, a presença de larvas de inseto em desintegração, hemorragia e danos teciduais
associados distinguem os animais parasitados dos não parasitados.
TRATAMENTO E CONTROLE: Inseticidas sistêmicos em várias formulações estão disponíveis para o tratamento.
Produtos de aplicação pouron contendo lactonas macrocíclicas (doramectina, eprinomectina, ivermectina ou
moxidectina) são aplicados uniformemente ao longo da linha média do dorso. Alguns produtos não podem ser
aplicados quando a pele ou pelame estiverem úmidos ou houver possibilidade de molhar os animais com chuva nas
próximas 6 h. O local de aplicação deve estar livre de lesões, lama ou esterco.
Nos EUA, o registro da maioria, se não todos os inseticidas organofosforados sistêmicos para bovinos foram
cancelados e a prática de banhos de imersão ou aspersão para controle das larvas de insetos bovinas foi substituída
pelos tratamentos pouron e/ou injetáveis.
Doramectina e ivermectina são sistemicamente efetivas contra as larvas de moscas bovinas, quando
administradas por via SC. A ivermectina também está disponível em pasta oral. Os tratamentos sistêmicos
injetáveis e pouron são aprovados para o controle da Hypoderma e outras miíases causadas por moscas, em
muitos países.
Formulações pouron de eprinomectina e moxidectina são aprovadas para o tratamento de bovinos de corte e
leite. Por outro lado, o uso de medicamentos para controle das larvas é proibido em bovinos leiteiro em idade
reprodutiva. Como os resíduos se encontram presentes nos bovinos por períodos variáveis após o tratamento,
devemse observar estritamente os períodos de suspensão de todos os tratamentos.
Nas áreas onde o número de bernes é elevado, os bovinos, especialmente os bezerros, devem ser tratados o mais
cedo possível, após o final da estação das moscas do calcanhar. Não devem ser tratados até 8 a 12 semanas antes
do primeiro aparecimento das larvas no dorso dos animais, pois podem ocorrer reações adversas quando há morte
das larvas em migração.
Diante da impossibilidade da utilização de inseticidas sistêmicos, as larvas de moscas bovinas podem ser
controladas pela aplicação de tetraclorvinfós em pó nos bernes no dorso. Esse pó deve ser aplicado no dorso do
animal e deve ser colocado no interior dos orifícios larvais. Como novas larvas continuam a aparecer no dorso, o
tratamento deve ser repetido a cada 30 a 45 dias durante a estação do berne.
Nos pequenos grupos de animais tratáveis, a extração por instrumentos ou por expulsão manual (apertandoos)
das larvas individuais é eficaz. Raramente, quando se realiza esse procedimento sem cuidados, a larva é esmagada
dentro do cisto e resultando em reação anafilática.
MOSCAS
As moscas pertencem à ordem Diptera, uma ordem complexa e grande de insetos. A maioria dos membros desta
ordem possui 2 asas (1 par) como adultos. No entanto, há uns poucos dípteros sem asas. Os dípteros variam muito
em tamanho, preferência de fonte alimentar e estágio de desenvolvimento em que parasitam o animal ou produzem
uma patologia. Como adultos, os dípteros podemse alimentar intermitentemente do sangue de vertebrados ou da
saliva, lágrimas ou muco. Estes dípteros são denominados de parasitasparasitos periódicos e podem servir como
hospedeiros intermediários para parasitos helmintos ou protozoários. Também podem servir como vetores de
bactérias, vírus, espiroquetas, clamídias etc. Como larvas, os dípteros podem se desenvolver no tecido subcutâneo,
das vias respiratórias ou do trato gastrintestinal de hospedeiros vertebrados e produzir uma condição conhecida
como miíase.
DÍPTEROS COM PEÇAS BUCAIS PICADORAS
Os dípteros hematófagos podem ser classificados de várias maneiras, com base nos sexos que se alimentam do
sangue de vertebrados e na sua preferência alimentar. Em determinadas espécies de dípteros, só as fêmeas se
alimentam de sangue de vertebrados, o que é necessário para a postura de ovos; estas espécies incluem
borrachudos, mosquitos–pólvora, maruins picadores, mosquitos, moscas dos equinos e moscas dos veados. Em
outras espécies de dípteros hematófagos, tanto o macho como a fêmea se alimentam de sangue de vertebrados;
estas espécies incluem as moscas dos estábulos, moscas dos chifres, moscas dos búfalos, moscas tsétsé, moscas
piolho dos ovinos e moscas hipoboscídeas ou moscaspiolho.
MARUINS PICADORES
Os “maruins picadores” pertencem à família Ceratopogondiae. Os maruins picadores são os Culicoides spp mais
comuns. Associamse aos habitats aquáticos ou semiaquáticos, por exemplo, lama ou terra úmida ao redor de
correntes, açudes e brejos. Tratamse de maruins pequenos (1 a 3 mm de comprimento) e que, semelhantemente
aos borrachudos, produzem picadas doloridas e sugam o sangue de seus hospedeiros, tanto o homem como os
animais de produção.
PATOLOGIA: Culicoides spp são picadores nocivos que podem causar irritação e perturbação intensas. Em grande
número, podem deixar os animais de produção nervosos e interrompem o seu padrão alimentar. Esses maruins
tendem a se alimentar nas áreas dorsal ou ventral do hospedeiro; a preferência de local de alimentação depende da
espécie do maruim picador. Eles voam somente nos meses quentes do ano e são mais ativos antes e durante o
anoitecer. Se alimentam frequentemente na crina, cauda e barriga dos equinos. Os equinos tornamse alérgicos às
picadas, coçando e esfregando estas áreas, provocando alopecia, escoriações e espessamento cutâneo. Esta afecção
possui vários nomes, como “hipersensibilidade por culicoides” no Canadá, “prurido de Queensland” na Austrália,
“Kasen” no Japão, “prurido do suor” e “sarna doce”. Como é observada frequentemente durante os meses mais
quentes do ano, ela ainda é denominada “dermatite de verão”. Esses mosquitos também servem como hospedeiros
intermediários de Onchocerca cervicalis; as microfilárias desse nematódeo são notadas na pele dos equinos. A
oncocercíase (p. 981) é uma dermatose não sazonal, semelhante à sarna doce, mas geralmente menos pruriginosa e
acomete a cabeça, pescoço e barriga. Esses mosquitos também transmitem o vírus da língua azul (p. 805) para
ovinos e bovinos.
DIAGNÓSTICO: À semelhança dos borrachudos e dos mosquitospólvora, os maruins picadores são coletados
preferencialmente no campo e não são notados nos animais. Diferentemente das asas claras e cheias de vênulas dos
borrachudos, as asas de Culicoides spp são mosqueadas. A identificação de Culicoides spp é melhor realizada por
um entomologista.
TRATAMENTO E CONTROLE: As larvas podem ser atacadas nos solos onde reproduzem. Devemse contactar
entomologistas de serviços de apoio a respeito das últimas recomendações aprovadas.
Bio Kill Stable SprayTM, uma permetrina modificada, é aprovada para pulverização de estábulos e baias para
ajudar no controle desses maruins picadores. Equipamentos de aspersão costais ou manuais, pulverizadores
pressurizados tipo turbo ou aspersores podem ser utilizados. Uma fina pulverização deve ser produzida sob
pressão, na quantidade de 500 a 750 ml por estábulo (tamanho do estábulo: 3 × 3,5 m até 4 × 4 m). Todas as
superfícies do estábulo devem ser pulverizadas. É necessária reaplicação após 7 a 10 dias. Após, aplicações a cada
3 a 4 semanas devem providenciar amplo acúmulo de produtos nas paredes.
Um ventilador pode ser utilizado no estábulo para criar um movimento de ar em volta dos equinos porque
os Culicoides spp não são bons voadores. Também, podem ser utilizados, com eficácia variável, brincos com
repelentes de mosquitos presos na crina e na cauda dos equinos (procedimento não aprovado nos EUA); piretroide
sinergizado com butóxido de piperonila, aplicado semanalmente; butoxipolipropilenoglicol 800, aplicado
diariamente; cobertores de estábulo; e telas finas nas portas e nas janelas dos estábulos. Ainda, podemse usar
inseticidas tópicos como piretrinas (cipermetrina ou ciflutrin), especialmente em formulações pour on para
controle das pestes adultas nos grandes animais.
MOSQUITOS
Os mosquitos são membros da família Culicidae. Os gêneros importantes incluem Aedes, Anopheles, Culex,
Culiseta e Psorophora. Embora sejam dípteros pequeninos e frágeis, os mosquitos são talvez os mais vorazes dos
artrópodes hematófagos. Já se descreveram cerca de 300 espécies mundialmente, com cerca de 150 delas relatadas
nas regiões temperadas da América do Norte. Os mosquitos são notados em áreas diversas, como brejos salgados
das planícies costeiras até poços nevados acima de 4.300 m e minas de ouro na Índia, a 1.100 m abaixo do nível do
mar. O volume de água no qual os mosquitos se reproduzem varia desde aquele de uma lata ou de um buraco de
árvore até poços rasos e grandes superfícies de água parada, acumulada.
Os mosquitos depositam seus ovos na superfície da água parada (p. ex., Aedes spp e Psorophora spp) ou em um
substrato (como terra úmida), onde os ovos eclodirão depois da inundação decorrente de uma precipitação
chuvosa, irrigação, derretimento de neve etc. As larvas dos mosquitos são conhecidas como “retorcedoras”,
enquanto as suas pupas também são conhecidas como “acrobatas”. Esses estágios são sempre aquáticos e ocorrem
em uma ampla variedade de habitat. Podese produzir um grande número de mosquitos a partir dos ovos
depositados em volumes de água relativamente pequenos. Algumas espécies têm várias gerações por ano. Os
hábitos de voo dos mosquitos adultos variam conforme a espécie; algumas espécies do gênero Aedes migrarão
muitos quilômetros para o seu habitat larval aquático. Com ventos fortes, os mosquitos podem ser carregados por
grandes distâncias. Algumas espécies invernam como ovos, enquanto outras invernam como adultos.
PATOLOGIA: Somente as fêmeas dos mosquitos consomem ativamente sangue para realizarem a postura de ovos.
Os machos se alimentam de néctar, sucos de plantas e outros líquidos. Os mosquitos incomodam os animais de
produção, causam perda de sangue e transmitem várias doenças. Além disso, as toxinas injetadas no momento da
picada podem causar efeitos sistêmicos. A alimentação de um grande número de mosquitos em enxame pode
causar anemia significativa nos animais domésticos. Embora sejam conhecidos por disseminar malária, febre
amarela, dengue e elefantíase no homem, os mosquitos talvez sejam mais bem conhecidos na medicina veterinária
como os hospedeiros intermediários do verme do coração de cães, Dirofilaria immitis, e como vetores de
encefalites virais equinas, inclusive o vírus do Oeste do Nilo.
Anopheles quadrimaculatus é o hospedeiro intermediário da malária (causada pelo Plasmodium spp) no homem
e outros primatas. Aedes aegypti é o mosquito da “febre amarela”, que transmite o vírus desta enfermidade para as
pessoas. Psorophora columbiae é uma grave praga para os animais de produção e para o homem nos arrozais da
Louisiana e do Arkansas. Culex tarsalis é um vetor importante da encefalite equina ocidental e é notado no oeste,
centro e sul dos EUA. Aedes vexans é uma espécie incômoda importante notada no meiooeste dos EUA. Aedes
albopictus é uma espécie asiática recémintroduzida, que também propaga a febre amarela, dengue e encefalites
equinas. Determinadas espécies do gênero Mansonia são pragas graves nos animais de produção da Flórida. Nas
Américas Central e do Sul, a moscadoberne fêmea adulta (Dermatobia hominis) prende seus ovos em uma
espécie de mosquito do gênero Psorophora, que depois os transmite para o hospedeiro mamífero durante sua
alimentação.
DIAGNÓSTICO: Os mosquitos adultos são mais coletados no campo e não são notados nos animais. Possuem 3 a 6
mm de comprimento e são delgados, com cabeças esféricas e pequenas e pernas longas. As veias alares, o corpo, a
cabeça e as pernas são cobertos com escamas pequeninas, semelhantes a folhas. As antenas longas e filamentosas
possuem 14 a 15 segmentos e são plumosas nos machos da maioria das espécies. Também possuem probóscides
destinadas a lacerar os vasos sanguíneos pequeninos e sugar o sangue acumulado. A identificação da pletora das
espécies de mosquitos (estágios adulto, de larva e de pupa) é melhor realizada por um entomologista.
TRATAMENTO E CONTROLE: O controle de área dos mosquitos geralmente envolve a cooperação de muitos
indivíduos e pode ser realizado com êxito por funcionários especializados, com equipamentos apropriados. As
áreas que podem servir como locais de reprodução para as larvas de mosquitos devem ser eliminadas ou reduzidas.
Além disso, os programas de área costumam incluir extenso uso de larvicidas; no entanto, os larvicidas de
mosquito podem destruir o equilíbrio ecológico normal dentro de um ecossistema. Recentemente, o uso de várias
espécies de peixes como controles biológicos, foi bemsucedido. No caso de aparecimento maciço de mosquitos
adultos, particularmente quando a transmissão de doenças constitui uma preocupação, a aplicação de um inseticida
ativo contra o adulto pode ser necessária.
Aconselhase cuidado com os programas de tratamento de área, pois muitos organismos não alvo (p. ex., peixes,
camarões e abelhas) podem ficar expostos a inseticidas. Devese consultar um entomologista de serviço de apoio
local sobre os materiais apropriados para emprego nos animais ou dentro das propriedades. Esses programas em
larga escala geralmente são coordenados por uma agência distrital de eliminação de mosquitos ou outras agências
governamentais.
É difícil para o pecuarista individual proteger seus animais; os sprays residuais não evitam o contato com os
mosquitos e os repelentes disponíveis não conferem proteção adequada durante um ataque maciço. A proteção
contra mosquitos adultos pode ser proporcionada por aplicação no solo e, em alguns casos, no ar, de um inseticida
no momento da ocorrência. Dependendo das condições locais, esta proteção pode ter curta duração. Os animais
valiosos devem ser abrigados em construções fechadas ou teladas e os mosquitos em seu interior devem ser mortos
com uma formulação de nebulização ou de aerossol de um inseticida aprovado. Podese proporcionar um alívio
temporário por meio de aspersão ou de pastas comercialmente disponíveis.
Devemse evitar as caminhadas com animais de estimação no início da manhã ou da noite, quando os mosquitos
estão mais abundantes, para reduzir a exposição às picadas. Imidacloprid tem sido utilizada como prevenção e
tratamento tópico para carrapatos, pulgas e mosquitos em cães adultos e filhotes com 7 ou mais semanas de idade,
pesando > 0,91 kg. O composto parece repelir fêmeas adultas de mosquitos por até 4 semanas. Infelizmente, não
pode ser utilizado em gatos. Os mosquitos não são atraídos pela luz; logo, os dispositivos de eletrocussão não são
úteis para o controle de mosquitos e podem, na verdade, ser prejudiciais, ao poder destruir insetos benéficos que
frequentemente predam os mosquitos.
A combinação de dois compostos, imidacloprid e permetrina, atua conjuntamente para repelir e eliminar a
maioria das espécies de mosquitos hematófagos, que frequentemente alimentamse nos cães. Aplicação mensal
deste produto irá repelir e matar os mosquitos, prevenindo, portanto, a atividade de alimentação sanguínea e
auxiliando ostensivamente na prevenção da transmissão de doenças como Dirofilaria immitis de cão para cão.
Entretanto, este produto não deve ser utilizado em gatos.
BORRACHUDOS
Os borrachudos são membros da família Simulidae. Os membros desta família também são comumente
denominados de “mosquitos pretos” (embora a sua coloração possa variar de preto a cinza, amarelo e cor de oliva)
ou “maruinsbúfalo” (porque o seu tórax faz uma corcova sobre a cabeça, conferindolhe a aparência de uma
corcova bubalina). Os borrachudos são os menores dípteros hematófagos, com 1 a 6 mm de comprimento. Eles
possuem asas largas e sem manchas, com veias proeminentes ao longo das margens anteriores. Os borrachudos
possuem olhos compostos; os olhos das fêmeas são distintamente separados, enquanto os dos machos são
contíguos, acima das antenas. Os palpos possuem 5 segmentos. As fêmeas dos borrachudos possuem peças bucais
semelhantes a tesouras, com bordas serrilhadas. As fêmeas necessitam de uma refeição sanguínea para fazerem a
ovoposição. Os machos se alimentam de néctar das flores.
Embora existam > 1.000 espécies de borrachudos, somente algumas são consideradas importantes como pragas.
Os borrachudos se alimentam de todos os tipos de animais de produção, animais silvestres, aves e do homem.
Os borrachudos se distribuem mundialmente, em áreas onde as condições permitem o desenvolvimento das
formas imaturas. Larvas quase sempre são notadas em correntes de fluxo rápido, com água bem arejada; torrentes
montanhosas rasas são locais favoráveis para reprodução. Algumas espécies se reproduzem em rios maiores; outras
vivem em correntes temporárias ou semipermanentes. Os borrachudos são particularmente abundantes nas zonas
temperadas e subárticas do hemisfério norte, mas muitas espécies são notadas nos subtrópicos e nos trópicos, onde
outros fatores, além das temperaturas sazonais, afetam os seus padrões de desenvolvimento e de abundância.
As larvas dos borrachudos são cilíndricas e se prendem por meio de uma grande ventosa posterior. Na sua
extremidade anterior, encontramse as peças bucais e um par de órgãos semelhantes a escovas. As larvas são
carnívoras. Imediatamente abaixo das peças bucais, encontrase um apêndice comparável a um braço, chamado de
próperna. As larvas se prendem nas rochas ou em outros objetos sólidos em rios, às vezes se prendem à vegetação
aquática ou emergente. A larva madura tece um casulo triangular no solo dos rios. A pupa alongada possui um
tubo respiratório dorsal e um ventral, cujos ramos flutuam para fora do casulo.
Os borrachudos produzem de 1 a 6 gerações por ano, dependendo da espécie e das condições climáticas. A
atividade alimentar da fêmea adulta pode durar 2 a 3 semanas a 3 meses. Os borrachudos adultos podem voar de 12
a 18 km (8 a 11 milhas) a partir de fluxo rápido dos rios; também se sabe que enxames migratórios viajam pelo
vento por mais de 250 km.
PATOLOGIA: Por causa das suas peças bucais pequenas e serrilhadas, os borrachudos fêmeas promovem picadas
doloridas. Orelhas, pescoço, cabeça e abdome dos bovinos constituem os locais de alimentação favoritos. Além das
reações locais (vermelhidão, prurido e vergões), podem ocorrer afecções gerais que variam em intensidade
conforme a sensibilidade do animal e o número de picadas. Os ataques de um grande número de borrachudos
podem causar danos intensos e alta mortalidade nos animais de produção. O homem também pode ser atacado.
A morte pelo ataque de borrachudos aparentemente resulta de uma toxina na saliva, que aumenta a
permeabilidade dos capilares e permite que o fluido do sistema circulatório extravase para a cavidade corporal e
dos espaços teciduais. O animal sucumbe rapidamente a um ataque em massa, mas pode se recuperar rapidamente
se for protegido de ataques posteriores. A redução nas produções láctea, de carne e de ovos pode resultar de
ataques menos extensos. Determinadas espécies de borrachudos podem, às vezes, causar perdas de aves
domésticas, tanto por um ataque direto como pela transmissão de Leukocytozoon spp. Na África, Simulium
damnosum e S. neavei são vetores importantes de Onchocerca spp. S. neavei é um vetor importante de O. volvulus.
Na América Central, S. ochraceum, S. metallicum, S. callidum e S. exiguum são vetores importantes
de Onchocerca spp. S. ochraceum e S. metallicum também constituem maus picadores.
DIAGNÓSTICO: Os borrachudos são notados mais frequentemente no campo e não nos animais. Os adultos podem
ser identificados por seu tamanho pequeno, dorso com corcova, proeminente formação de vênulas na região
anterior das asas, além de peças bucais pequenas e serrilhadas. A identificação dos borrachudos em gênero e
espécie deve ser melhor realizada por um entomologista.
TRATAMENTO E CONTROLE: Havendo fundos públicos e pessoas treinadas para supervisão, o controle em larga
escala dos borrachudos será possível com o tratamento das correntes de reprodução com um larvicida aprovado.
Entretanto, o controle dos borrachudos é difícil pelo grande número de locais com água corrente apropriados para
reprodução. As correntes podem ser tratadas usando produtos naturais, como Bacillus
thuringiensis var israeliensis, um produto atóxico para mamíferos.
O tratamento das correntes e rios envolve técnicas semelhantes àquelas utilizadas em programas para reduzir
pernilongos. Como regra, não devem ser utilizados pesticidas devido seus efeitos potencialmente negativos no
ambiente. Os tratamentos com pesticidas que envolvem as superfícies de água ou grandes áreas de terra
encontramse sujeitos à regulação governamental e devem ser feitos com a devida preocupação quanto aos efeitos
ambientais prejudiciais e resíduos nos produtos alimentares.
Os borrachudos adultos são pequenos o bastante para passar direto pelas telas de janelas ou podem entrar nas
casas ou na pelagem dos animais de estimação. Frequentemente, as fêmeas adultas de moscas preferem se
alimentar fora das casas e durante as horas de luz do dia. Como os borrachudos se alimentam durante as horas de
luz do dia, é prudente limitar a exposição dos animais de estimação às correntes de fluxo rápido. Proprietários de
animais de estimação preocupados com os borrachudos podem usar repelentes de insetos livremente. Aerossóis
com piretrinas apenas providenciam alívio temporário.
Em decorrência do controle amplo da área dos borrachudos ser difícil e caro, os criadores de animais de
produção frequentemente recorrem ao uso diário de repelentes para proteger seus animais. Devemse contactar
entomologistas como serviços de apoio para as últimas recomendações aprovadas e tempos de retirada.
MOSCAS DO CHIFRE
O nome comum da Haematobia irritans se deve ao fato de que estas moscas frequentemente formam grupos de
centenas ao redor da base dos chifres dos bovinos. Tratase de uma infestação importante em bovinos, notada na
maioria dos países onde se criam bovinos. As populações são comuns na Europa, norte da África, Ásia Menor e
Américas. Por toda a América do Norte, a mosca do chifre é notada quase exclusivamente nos bovinos, mas elas
também podem se alimentar nos equinos, ovinos, caprinos e animais silvestres. A mosca do chifre é notada em um
número muito maior e por tempo mais longo no sul e sudoeste dos EUA.
A mosca do chifre adulta passa a vida inteira em seu hospedeiro e as fêmeas só o abandonam para realizar a
ovoposição nas fezes frescas de bovinos, onde ocorre o desenvolvimento de larvas e de pupas. No sul dos EUA, o
ciclo de vida pode ser de 1 semana, mas nos climas mais frescos e na primavera ou no outono, o desenvolvimento
pode levar 2 a 3 semanas. Em algumas áreas mais quentes (sul da Flórida e extremo sul do Texas), a mosca do
chifre se reproduz ativamente por todo o ano.
Quando a temperatura do ar for < 21°C, a mosca do chifre forma grupos ao redor da base dos chifres dos
bovinos. Nos climas mais quentes, estas moscas formam muitos grupos nos ombros, dorso e região lateral; estas
áreas são menos perturbadas pelo movimento da cauda. Nos dias ensolarados e quentes, a mosca do chifre se
acumula no abdome ventral.
As moscas recémemergidas do estágio de pupa e que procuram por seu hospedeiro podem viajar 11 a 15 km,
mas geralmente o encontram em distâncias muito mais curtas. A migração raramente ocorre em qualquer grande
distância. No sul dos EUA, as populações de moscas nos animais individuais podem ser de milhares,
especialmente nos touros que não receberem um tratamento químico; no norte dos EUA, elas podem não exceder a
100, embora os danos infligidos sejam semelhantes.
PATOLOGIA: A mosca do chifre se alimenta frequentemente (até 20 vezes/dia), sugando sangue e outros fluidos; as
moscas fêmeas são mais agressivas que os machos. Esta atividade de alimentação causa dor, irritação e perda
sanguínea nos bovinos. Os animais irritados também perdem peso, por causa da alimentação deficiente. As
infestações intensas causam lesões ao longo da linha média ventral do animal. A mosca do chifre provoca grandes
perdas econômicas anuais nos EUA; a redução de 14% no ganho de peso nos bovinos em pastagens e perda de 5 a
6 kg/animal, em bezerros desmamados, são comuns. Nos bovinos leiteiros, pode reduzir a produção láctea em 10 a
20%. Estas moscas também atuam como hospedeiros intermediários de Stephanofilaria stilesi, uma filária parasito
que provoca lesões semelhantes a placas na parte ventral do abdome de bovinos.
DIAGNÓSTICO: A mosca do chifre pode ser facilmente identificada por sua coloração escura, tamanho (cerca de 3 a
6 mm de comprimento, cerca de metade do tamanho de uma mosca dos estábulos) e da sua probóscide semelhante
a uma baioneta, que se projeta para a frente da cabeça.
TRATAMENTO E CONTROLE: A mosca do chifre é relativamente fácil de controlar com sprays químicos no animal
inteiro e com dispositivos de autotratamento (p. ex., sacos de pó ou esfregadores de costas) em situação de uso
forçado. Sacos de pó são mais efetivos quando os bovinos são obrigados a passar por baixo deles diariamente para
receber água ou suplementos minerais. Esses sacos depositam inseticidas ao longo do dorso dos animais, áreas
onde a mosca do chifre passa a maior parte do tempo. Esfregadores de costas permitem que os animais se tratem
quando se coçam. O inseticida deve ser diluído em óleo mineral de boa qualidade de acordo com as instruções da
bula. Aditivos alimentares são eliminados pelo animal para matar os estágios larvais que se desenvolvem nas fezes
frescas dos bovinos. Todos os animais devem receber a dose mínima de aditivo alimentar regularmente.
Reguladores de crescimento de insetos também podem prevenir o desenvolvimento de larvas nas fezes dos
bovinos. Quando utilizados de acordo com a indicação de bula, brincos bovinos impregnados com inseticidas (p.
ex., piretroides) liberam pequenas quantidades de inseticidas que são distribuídos por todo o animal durante a
higiene ou quando o animal se esfrega. Os animais também devem receber os brincos próximo ou no início da
estação das moscas e esses devem ser retirados próximo ou no final desta, devendose utilizar métodos alternativos
com inseticidas não piretroides próximo do final desta estação. Formulações de inseticidas pouron também são
efetivas contra moscas do chifre. Esses componentes são aplicados nos bovinos com as suas doses calculadas pelo
peso corporal do animal. A maioria desses inseticidas pour–on funciona como inseticida de contato.
MOSCAS DOS BÚFALOS
As moscas dos búfalos, Haematobia irritans exigua, são semelhantes à mosca do chifre em tamanho, aparência e
nos hábitos alimentares e reprodutivos. A mosca é uma praga primária dos bovinos e dos búfalos, mas que também
se alimenta ocasionalmente em equinos, ovinos ou animais silvestres. Ela se distribui por todo o norte da Austrália
e Nova Guiné, sendo também notada em partes do sul, sudeste e leste da Ásia, bem como na Oceania; ela não é
notada na Nova Zelândia. O seu ciclo de vida é semelhante ao da mosca do chifre; o adulto sai do hospedeiro por
um período suficiente para a ovoposição em esterco fresco, onde ocorre o desenvolvimento. O ciclo de vida pode
levar 7 a 10 dias, dependendo das condições climáticas.
PATOLOGIA: As moscas dos búfalos irritam e incomodam os animais, geralmente picando ao redor dos ombros e
da cernelha. Os ferimentos das picadas são locais de instalação de miíases (Chrysomyia bezziana). Em clima
quente, as moscas infestam as partes sombreadas do corpo. Os animais afetados sofrem perda sanguínea e ficam
irritados pelas moscas; a eficiência alimentar e a produção podem ser afetadas adversamente.
DIAGNÓSTICO: A mosca dos búfalos pode ser identificada por sua coloração escura, seu tamanho (cerca de metade
do tamanho de uma mosca dos estábulos) e sua probóscide semelhante a uma baioneta, que se projeta para frente
da cabeça.
TRATAMENTO E CONTROLE: Inseticidas devem ser evitados no tratamento das populações das moscas do búfalo.
Muitos dos produtos químicos utilizados no tratamento destas moscas resultam em resíduos na carne. As moscas
do búfalo desenvolveram resistência aos piretroides sintéticos e a alguns organofosforados. Armadilhas para a
mosca do búfalo foram desenvolvidas na Austrália. A armadilha consiste em uma tenda circular de plástico claro,
na qual os bovinos caminham. As moscas são eliminadas dos bovinos ao serem capturadas na tenda, dentro da qual
elas morrem de dissecação. A armadilha remove cerca de 80% das moscas cada vez que o bovinos passa.
Geralmente o controle suficiente das moscas é realizado quando o bovinos passa pela armadilha todos os dias ou a
cada 2 dias.
MOSCAS DOS EQUINOS E DOS VEADOS
Tabanus spp (mosca dos equinos) e Chrysops spp (mosca dos veados) são dípteros robustos, grandes (até 3,5 cm de
comprimento) e de corpo pesado, com asas poderosas e olhos bastante grandes. São voadores rápidos. Estas
moscas são as maiores no grupo dos dípteros, no qual somente as fêmeas se alimentam de sangue de vertebrados.
As moscas dos equinos são maiores que as dos veados; e muitas são intensamente coloridas. As moscas dos veados
são de tamanho médio; possuem uma faixa escura passando da margem anterior para a posterior das asas e abdome
amarelo a marrom, com manchas pretas e faixas longitudinais.
As moscas adultas dos equinos e dos veados depositam seus ovos em áreas próximas às coleções de água
expostas. Os estágios larvais são notados em ambientes aquáticos a semiaquáticos, quase sempre enterrados
profundamente na lama, no fundo dos lagos e açudes. Os adultos são observados no verão, particularmente em
exposição à luz solar.
PATOLOGIA: As fêmeas adultas de ambas as espécies se alimentam na vizinhança de coleções de água exposta e
possuem peças bucais semelhantes a tesouras, que utilizam para lacerar os tecidos e absorver o sangue que escorre.
Elas consomem 0,1 a 0,3 ml de sangue em uma única alimentação. As picadas são doloridas e irritantes. Estas
moscas se alimentam primariamente em grandes animais, como bovinos e equinos, que ficam inquietos quando
elas se encontram presentes. As preferências de locais incluem o lado inferior do abdome ao redor do umbigo,
pernas, pescoço e cernelha. As moscas dos equinos e dos veados se alimentam, muitas vezes, quase sempre em
vários locais antes de se saciarem. Quando perturbadas pelas pancadas da cauda ou pelo reflexo panicular do
animal, elas saem do hospedeiro e o sangue continua a escorrer do ferimento aberto. Estas moscas podem atuar
como transmissores mecânicos do antraz, anaplasmose, tularemia e anemia infecciosa equina.
DIAGNÓSTICO: Estas moscas podem ser identificadas por seu tamanho grande, asas poderosas, olhos compostos e
peças bucais semelhantes a tesouras dilacerantes. A identificação de espécie das moscas adultas e larvais intactas
dos equinos e dos veados é melhor realizada pelo entomologista.
TRATAMENTO E CONTROLE: As moscas dos equinos e dos veados são as mais difíceis de controlar de todas as
moscas sugadoras de sangue. Muitos dos compostos adulticidas utilizados em outras moscas matarão as moscas
dos equinos e as moscas dos veados. No entanto, por serem consumidoras intermitentes, pois pousam no
hospedeiro por pouco tempo, podem não ficar expostas por um período suficientemente longo para serem afetadas.
Logo, exigemse doses maiores desses compostos.
Armadilhas para as moscas dos equinos são efetivas quando utilizadas ao redor das áreas de controle de
confinamento de bovinos. Para animais de produção, piretroides pouron funcionam com repelentes limitados.
Técnicas de autoaplicação normalmente não são efetivas para moscas dos equinos e veados.
Tabannus spp (mosca do cavalo). Cortesia do Dr. Dietrich Barth.
Tentouse manipular o habitat aquático destas moscas para remover plantas da mata desnecessárias de áreas
residenciais ou áreas úmidas de drenagem. A aplicação dos inseticidas na água pode ter efeitos ambientais
prejudiciais.
MOSCAS DOS ESTÁBULOS
A mosca dos estábulos, Stomoxys calcitrans, é frequentemente denominada “mosca doméstica picadora”. Ela tem
quase o mesmo tamanho e aparência geral da Musca domestica, a mosca doméstica. Ela é cinzaamarronzada, com
a mais externa das 4 listras torácicas sendo interrompida e o abdome com aparência enxadrezada. Ela possui uma
probóscide afiada como agulha e semelhante a uma baioneta que, quando em repouso, protrai para frente, da
cabeça. As asas, quando em repouso, ficam amplamente abertas nas pontas. Estas moscas são notadas
mundialmente e nos EUA, são notadas nos estados do meiooeste e do sudeste.
As formas de larva e pupa se desenvolvem em material orgânico em decomposição, como cortes de capim e
algas ao longo das praias. No meiooeste dos EUA, as larvas podem ser notadas em áreas úmidas ao redor das
bordas de pilhas de feno e de poços de silagem. Nos locais onde os bovinos são alimentados com feno, a
reprodução pode ocorrer na borda da área de alimentação, onde o feno se mistura com urina e fezes. O ciclo de
vida no campo pode se completar em 2 a 3 semanas e os adultos podem viver = 3 a 4 semanas.
PATOLOGIA: Tanto o macho como a fêmea da mosca dos estábulos são ávidos consumidores de sangue,
alimentandose em qualquer animal homeotérmico. As moscas dos estábulos permanecem no hospedeiro por
curtos períodos de tempo, durante os quais elas obtêm suas refeições sanguíneas. Tratase de uma mosca de
ambiente externo; no entanto, no final do outono e durante um clima chuvoso, ela pode entrar nos estábulos.
Os equinos são os hospedeiros preferidos. A mosca geralmente pousar no hospedeiro com a sua cabeça
pontiaguda para cima e inflige picadas doloridas, que perfuram a pele e a sangram livremente. Tratase de uma
mosca sedentária, que não se movimenta no hospedeiro. As moscas dos estábulos geralmente atacam as pernas e o
abdome ventral e também podem picar as orelhas. Podem constituir um problema nos lotes de engorda do meio
oeste dos EUA. Os danos infligidos nos bovinos são causados pela picada dolorida e pela perda sanguínea e a
irritação resulta em redução na eficiência em converter alimentos em carne ou leite. Nos animais de estimação, as
moscas dos estábulos preferem se alimentar nas pontas das orelhas dos cães com orelhas pontudas, especialmente
os cães da raça pastor alemão.
As moscas dos estábulos são vetores mecânicos do antraz, da surra e da anemia infecciosa equina. Também são
hospedeiros intermediários de Habronema muscae, um nematódeo de estômago de equinos.
DIAGNÓSTICO: A mosca dos estábulos é facilmente identificada pelo tamanho (aproximadamente o mesmo da
mosca doméstica), coloração e probóscide semelhante a uma baioneta, que se projeta para frente da cabeça.
TRATAMENTO E CONTROLE: A principal consideração nos estábulos para o controle das moscas dos estábulos é a
sanidade, que pode ter um controle efetivo de até 90%. Devese manter limpa a área ao longo das cercas, sob os
depósitos de alimentos ou onde quer que possam se acumular esterco e palha ou material em decomposição, pois
esses proporcionam o meio para as larvas das moscas se desenvolverem. Havendo bons procedimentos de higiene,
o controle químico provavelmente será menos necessário. Vários inseticidas podem ser borrifados nos locais onde
as moscas podem estar repousando nos estábulos ou nas cercas.
As moscas dos estábulos se alimentam nas partes inferiores dos bovinos, ao redor das pernas e no abdome,
inclusive o úbere. Elas, geralmente se alimentam 1 ou 2 vezes/dia, por pequenos períodos, minimizando assim, sua
exposição aos produtos aplicados nesta área. Frequentemente, inseticidas aplicados nesta parte do corpo são
friccionados contra vegetação densa ou lama ou enxaguados quando o bovino é lavado diariamente antes da
ordenha. Em determinadas condições podese fazer a aplicação direta de spray e de produto na forma de pó, para
proteger grandes animais. Os inseticidas utilizados para aplicação direta no animal geralmente possuem pouca ação
residual. Este tipo de aplicação é bastante trabalhoso. A combinação de dois compostos, imidacloprid e permetrina,
atua em conjunto para repelir Stomoxyx calcitrans. Aplicação mensal deste produto repele estas moscas e evita que
suguem sangue dos cães, porém o produto não elimina estas moscas.
MOSCAS HIPOBOSCÍDEAS OU MOSCASPIOLHO
As moscas hipoboscídeas ou moscaspiolho, Pseudolynchia e Lynchia spp, são versões aladas das moscaspiolho.
Elas infestam muitos pássaros cantores, aves de rapina e pombos. A mosca dos pombos, P. canariensis, é um
parasito importante dos pombos domésticos em todas as regiões tropicais e subtropicais do mundo. São notadas
por todo o sul dos EUA e em direção ao norte, ao longo da costa atlântica, até a região da Nova Inglaterra. Estas
moscas marromescuras possuem asas longas (6,5 a 7,5 mm) e são capazes de voar rapidamente do hospedeiro.
PATOLOGIA: As moscas hipoboscídeas se movem rapidamente nas aves hospedeiras, picam e sugam sangue das
partes que não são bem emplumadas. Podem servir como hospedeiros intermediários para muitos protozoários
sanguíneos aviários do gênero Haemoproteus. As moscas dos pombos podem atacar facilmente as pessoas que
manipulam aves adultas; a picada parece ser tão dolorida quanto uma ferroada de abelha e os seus efeitos podem
persistir por = 5 dias.
DIAGNÓSTICO: A inspeção minuciosa das penas eriçadas e da pele subjacente revela a infestação pela aparência
exclusiva destas moscas aladas e de voo rápido.
TRATAMENTO E CONTROLE: A morte de qualquer mosca nos pássaros pode ser obtida pela pulverização das aves
com permetrina. A limpeza total do local e a destruição dos resíduos são essenciais para o controle. A pulverização
das instalações com permetrina, realizada junto com a limpeza, aliviará a infestação.
MOSCASPIOLHO DOS OVINOS
A moscapiolho dos ovinos, Melophagus ovinus, é um dos parasitos externos mais importantes e amplamente
disseminados em ovinos. Também existem moscaspiolho que parasitam veados na América do Norte (Lipoptena
depressa e Neolipoptena ferrisi).
As moscaspiolho são dípteros sem asas. O adulto tem cerca de 7 mm de comprimento e coloração marrom ou
avermelhada; é coberto com pelos cerdosos e curtos. A cabeça é curta e larga e as pernas são fortes e armadas com
garras robustas.
A fêmea origina uma única larva, completamente desenvolvida, que é cimentada na lã e se transforma em pupa
em 12 h. A moscapiolho jovem sai da pupa depois de cerca de 22 dias. As fêmeas vivem 100 a 120 dias e
produzem aproximadamente 10 larvas durante esse período; os machos vivem cerca de 80 dias. O ciclo de vida
inteiro se passa no hospedeiro. As moscaspiolho que caem do hospedeiro geralmente sobrevivem < 1 semana e
representam baixo risco de infestação em um rebanho. A população de moscaspiolho aumenta durante o inverno e
o início da primavera, quando elas se propagam rapidamente pelo rebanho, particularmente quando os ovinos estão
reunidos em galpões fechados para se alimentar ou se abrigar.
Melophagus ovinus em ovino. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.
PATOLOGIA: Para se alimentar, as moscas–piolho dos ovinos perfuram a pele com suas peças bucais e sugam
sangue. Geralmente se alimentam no pescoço, peito, ombros, flancos e na garupa, mas não no dorso, onde há
poeira e outros resíduos acumulados na lã. As suas picadas causam prurido sobre boa parte do corpo do
hospedeiro; os ovinos se morderão, coçarão e esfregarão, danificando a lã. O velo torna–se fino, rasgado e sujo. Os
excrementos das moscaspiolho causam descoloração permanente, que provavelmente reduz o valor da lã. As
moscaspiolho também causam defeito no couro, chamado de “ruga”, que acomete o grau e o valor da pele ovina.
Os ovinos infestados, particularmente os cordeiros e as ovelhas prenhes, podem perder a vitalidade e definhar. As
infestações intensas podem reduzir consideravelmente a condição do hospedeiro e até causar anemia. As moscas
piolho também transmitem Trypanosoma melophagium, um protozoário parasito não patogênico aos ovinos.
DIAGNÓSTICO: Uma inspeção rigorosa da lã suja e danificada e da pele subjacente revela a infestação, pela
aparência exclusiva destas moscas peludas e sem asas.
TRATAMENTO E CONTROLE: A tosquia remove muitas pupas e adultos. Consequentemente, a tosquia antes do
parto ovino e o tratamento subsequente das ovelhas com inseticidas para controlar as moscaspiolho remanescentes
podem reduzir muito a possibilidade dos cordeiros se infestarem intensamente. Os ovinos costumam ser tratados
depois da tosquia e os melhores resultados são obtidos com uso de inseticida que tenha atividade residual de = 3 a
4 semanas. Desta forma, as moscas que saem das pupas também são eliminadas. Os tratamentos modernos de
controle de piolhos também controlam as moscaspiolho.
O banho de imersão é um método de tratamento eficaz. A submersão completa dos ovinos nos tanques assegura
a destruição de todas as moscaspiolho, mas na maioria dos casos, não mata as larvas em pupa; é necessário um
inseticida de longa ação para matar as moscaspiolho recémemergidas das pupas. Os grandes rebanhos de ovinos
de pastagem devem ser tratados em um tanque de banho de imersão construído permanentemente. Os rebanhos
menores e os de fazenda podem ser tratados, com êxito, em tanques portáteis de aço galvanizado ou em tanques
menores, banheiras ou sacos de banhos de imersão de lona.
A pulverização também pode ser tão eficaz como o banho de imersão, sendo mais conveniente em algumas
áreas. Utilizamse comumente pressões de 7 a 14 kg/cm2, para lã curta, e de 21 a 28 kg/cm2, para lã longa.
Às vezes, também se utilizam banhos de imersão com ducha; os ovinos são mantidos em um cercado especial e
recebem a ducha de cima e de baixo até que o velo se encontre saturado. O escoamento deve retornar para um
sistema de recirculação e a concentração de inseticida utilizada é a mesma que a do banho de imersão normal. A
concentração do inseticida poderá cair rapidamente e tornarse ineficaz caso as instruções de reposição não sejam
explicitamente seguidas.
O banho com jato envolve a aplicação forçada do inseticida por meio de um pente manual de jatos múltiplos,
passado pelo velo curto. Embora ele seja um pouco mais lento e menos eficaz que os banhos de imersão ou sprays,
pode ser vantajoso em rebanhos menores, pois é econômico e não requer uma instalação permanente.
As formulações spoton ou pouron dos piretroides mais recentes são fáceis de aplicar e bastante eficazes.
A pulverização dos inseticidas se ajusta bem nas práticas de controle no momento da tosquia. É rápida e
econômica e evita molhar os animais. Encontramse comercialmente disponíveis vários tipos de equipamento de
pulverização.
MOSQUITOSPÓLVORA
Os mosquitospólvora flebotomíneos, Phlebotomus spp (mosquitospólvora do Velho Mundo) e Lutzomyia spp
(mosquitospólvora do Novo Mundo), são membros da família Psychodidae. Esses mosquitos se restringem
primariamente às regiões tropicais e subtropicais do mundo. Os membros desses gêneros são mosquitos pequenos
e semelhantes a mariposas, com cerca de 1,5 a 4 mm de comprimento. As patas são tão compridas quanto às
antenas, compreendendo 16 segmentos que apresentam aparência peluda e de contas. Eles também são
comumente conhecidos como “mosquitos da areia”, “mosquitosmariposa” ou “maruinscoruja”. A característica
morfológicachave utilizada na sua identificação é a de que o corpo do mosquitopólvora é coberto com pelos
finos. As fêmeas possuem peças bucais perfurantes e se alimentam de sangue de vários animais homeotérmicos,
inclusive o homem. Muitas espécies se alimentam em répteis. Os mosquitospólvora machos sugam a umidade de
qualquer fonte disponível e parecem sugar a transpiração de pessoas. Eles tendem a ser ativos somente à noite e,
contrariamente aos borrachudos, são voadores fracos; o seu voo é detido por correntes aéreas, mesmo as mais
leves. Durante o dia, os mosquitospólvora procuram proteção nas fendas e cavernas, entre a vegetação e dentro
construções escuras. Frequentemente procuram proteção dentro de tocas de roedores e tatus; esses mamíferos
servem como hospedeiros reservatórios para Leishmania spp. Os mosquitos–pólvora se reproduzem em ambientes
escuros e úmidos, com um suprimento de material orgânico que sirva como alimento para as larvas. Eles não se
reproduzem em ambientes aquáticos.
PATOLOGIA: Esses mosquitos pequenos servem como hospedeiros intermediários de Leishmania spp, um
protozoário que infecta as células reticuloendoteliais dos capilares, baço e outros órgãos, podendo também ser
observada em monócitos, leucócitos polimorfonucleares e macrófagos de pessoas, cães, gatos, equinos e ovinos
(ver p. 834).
DIAGNÓSTICO: À semelhança dos borrachudos, os mosquitospólvora podem ser coletados com maior frequência
no campo e não são notados nos animais. Eles podem ser identificados por causa de seu tamanho pequeno e asas e
corpos peludos. A identificação do gênero e da espécie é melhor realizada por entomologista.
TRATAMENTO E CONTROLE: A pulverização de inseticidas sobre o habitat das larvas normalmente não é possível
pela dificuldade de acesso aos seus locais de reprodução. A remoção da vegetação densa desestimula a reprodução
dos mosquitos–pólvora. A pulverização de inseticidas residuais ao redor das casas é a principal maneira de
controlar estas moscas; entretanto, é ineficaz para espécies que picam longe das casas. De maneira geral,
populações de mosquitopólvora foram reduzidas como resultado de intensos programas de controle de mosquitos.
Coleiras impregnadas com deltametrina podem ser recomendadas aos proprietários de cães para protegerem seus
animais das picadas destas moscas.
MOSCAS TSÉTSÉ
As moscas tsétsé, Glossina spp, são moscas hematófagas importantes na África (latitudes 5°N a 20°S). Possuem
corpo estreito, são amarelas a marromescuras e possuem 6 a 13,5 mm de comprimento. Quando em repouso,
mantêm suas asas sobre o dorso, em configuração semelhante a uma tesoura. O tórax possui coloração esverdeada
opaca, com manchas ou listras indistinguíveis. O abdome é marrom claro a escuro.
Moscas de ambos os sexos são ávidas consumidoras de sangue. Uma cópula deixa uma mosca fêmea fértil por
toda a vida, durante a qual ela pode produzir até 12 larvas. Ela produz 1 larva por vez, retendoa no útero; depois
de cerca de 10 dias, a larva é depositada em solo solto e arenoso, que escava e em 60 a 90 min, começa a
transformação em pupa. O período pupal dura em média cerca de 35 dias e após, o adulto emerge. As moscas
adultas se alimentam avidamente de sangue de vertebrados aproximadamente a cada 3 dias.
PATOLOGIA: As moscas tsétsé servem como hospedeiros intermediários para várias espécies de tripanossomas que
causam doenças fatais nos animais domésticos (nagana) e humanos (doença do sono africana). Tripanossomas
invadem o sangue, linfa, fluido cerebroespinal (FCE) e vários órgãos do corpo, como o fígado e o baço. A nagana,
um complexo relatado nos bovinos causado pelo Trypanosoma brucei, já ocorreu em amplas áreas, tão grande
como 1/4 do continente africano. A doença é fatal para equinos, muares, camelos e cães. Bovinos, ovinos e
caprinos geralmente sobrevivem, exceto quando parasitados por algumas cepas do protozoário. Vários animais
selvagens ungulados nativos da África não exibem qualquer evidência de lesão. Ver tripanossomíase, p. 35.
DIAGNÓSTICO: As moscas tsétsé podem ser identificadas pela sua aparência semelhante à da abelha melífera, da
sua probóscide longa com o bulbo em forma de cebola na base e da sua venulação alar exclusiva, com a célula em
forma de cutelo ou de machadinha característica, no centro da asa.
TRATAMENTO E CONTROLE: A mosca tsé–tsé pode ser controlada por atração e captura (armadilhas de tsétsé),
limpeza do mato, telas de mosca, repelentes, inseticidas e técnicas de liberação de machos estéreis.
DÍPTEROS COM PEÇAS BUCAIS NÃO PICADORAS
BORRACHUDOS OCULARES
Os borrachudos ou mosquitos oculares (Hippelates spp) são mosquitos bastante pequenos (1,5 a 2,5 mm de
comprimento), que se reunem frequentemente ao redor dos olhos, bem como em secreções mucosas e sebáceas,
pus e sangue.
Nas regiões desérticas e nos contrafortes montanhosos do sul do estado norteamericano da Califórnia, os
mosquitos Hippelates adultos estão presentes o ano inteiro; são perturbadores de abril até novembro. Durante os
meses de pico, ficam notáveis no início da manhã e no final da tarde. Reúnem–se em sombras profundas, com
entre arbustos densos ou em uma habitação. Os ovos têm cerca de 0,5 mm de comprimento, são estriados e
distintamente curvados. São depositados na superfície do solo ou abaixo dela. As larvas eclodem e se alimentam de
material orgânico em decomposição, inclusive de excrementos. O estágio larval dura 7 a 11 dias. Durante os meses
invernais, os estágios larvais e de pupa podem persistir por muitas semanas. O período de pupa ocorre próximo da
superfície e dura cerca de 6 dias. O ciclo biológico completo demora cerca de 21 dias. Os adultos geralmente são
voadores resistentes, tanto a favor como contra o vento.
PATOLOGIA: Algumas espécies são atraídas para os órgãos genitais dos mamíferos; por exemplo, H. pallipes se
agrupam ao redor do pênis dos cães. Esses borrachudos abordam calmamente seus hospedeiros mamíferos.
Costumam pousar a uma certa distância do local de alimentação e depois rastejar sobre a pele, ou voam e pousam
intermitentemente, evitando o incômodo ao hospedeiro. São persistentes e, se forem espantados, retornarão
rapidamente para continuar a se ingurgitar.
Tratamse de moscas não picadoras; no entanto, as suas labelas possuem espinhos que escarificam o tecido do
hospedeiro e permitem a entrada de microrganismos patogênicos. Os mosquitos Hippelates quase sempre pairam
ao redor dos orifícios corporais dos bezerros, dos bovinos sobreanos, das novilhas prenhes e das vacas lactantes.
Alimentamse de fluido lacrimal, secreções corporais gordurosas, gotículas de leite e secreções nas pontas dos
tetos dos animais. Os mosquitos Hippelates também servem como vetores de Arcanobacterium pyogenes (mastite
estival) e da Moraxella bovis (olho corderosa).
DIAGNÓSTICO: Esses mosquitos pequenos possuem peças bucais do tipo absorvente. O mosquito lembra a mosca
doméstica em forma e estrutura e tem antenas arestadas e curtas.
TRATAMENTO E CONTROLE: Repelentes, como os recomendados para mosquitos, proporcionam alívio temporário
dos borrachudos oculares. Aplicações de inseticidas em uma grande base comunitária (como aconteceria com o
matamosquito) podem providenciar o controle temporário para os adultos, porém mais adultos invadem a área
tratada após a dissipação do inseticida.
MOSCAS DA CABEÇA (Moscas de plantações)
As moscas da cabeça ou moscas de plantações, Hydrotaea irritans, são moscas não picadoras, notadas em grande
número nos países do norte da Europa, especialmente na Dinamarca e na GrãBretanha, onde são pragas em
bovinos, ovinos e outros animais de produção. Esta mosca lembra a mosca doméstica e possui cerca de 4 a 7 mm
de comprimento. Seu tórax é preto com manchas cinza, o abdome é verdeoliva e as bases das asas são amarelo
alaranjadas.
As moscas da cabeça são um incômodo para os animais domésticos e o homem, pois são atraídas para boca,
nariz, orelhas, olhos e ferimentos para se alimentarem das secreções. Diferentemente das outras espécies do
gênero Hydrotaea, H. irritans produz uma geração por ano, com 3 estágios larvais. Os ovos depositados no final
do verão eclodem larvas dentro de poucos dias. O estágio saprófago é breve, antes do desenvolvimento para o
estágio que preda outras larvas de insetos. A invernação ocorre como larvas de estágio final. Os adultos são mais
ativos do início de junho até o final de setembro e são comuns na vizinhança de moitas ou arvoredos, nos quais se
abrigam entre os períodos de alimentação.
PATOLOGIA: Na GrãBretanha, os ovinos são predominantemente afetados. Os grandes enxames de moscas,
atraídos pelo movimento dos animais, se reúnem para se alimentar das secreções oculares e nasais e dos resíduos
celulares na base de crescimento dos chifres. Para aliviar a irritação persistente, os ovinos se coçam e esfregam as
cabeças, que resulta na formação de ferimentos escarificados ou “cabeças quebradas”, especialmente na cabeça. As
moscas, atraídas pelo sangue, se instalam nestas lesões autoinfligidas e estendem nas margens destas por meio de
sua atividade alimentar. Ovinos de todas as idades são comprometidos, mas com maior gravidade as raças com
chifres e desprovidas de lã na cabeça.
As moscas da cabeça também atacam pessoas, veados, equinos, bovinos e coelhos. Embora não existam lesões
de cabeça correspondentes em bovinos, a ocorrência de mastite de verão (causada por Corynebacterium pyogenes)
e a atividade sazonal das moscas da cabeça estão estreitamente relacionadas, especialmente na Dinamarca. As
moscas da cabeça também podem estar envolvidas na disseminação de mixomatose nos coelhos.
TRATAMENTO E CONTROLE: O desenvolvimento, a eclosão e a reunião das moscas da cabeça distantes das áreas
de fazenda impedem os métodos tradicionais de aspersão de inseticidas nos locais de reprodução e nos habitat de
repouso. O controle do local de contato entre os insetos adultos em alimentação e os mamíferos hospedeiros
também tem valor limitado. Nos ovinos, a aplicação de compostos organofosforados ou de derivados piretrínicos
nas áreas suscetíveis da cabeça possuem curta duração, o que exige reaplicações não práticas em animais de
criação extensiva. O uso de brincos impregnados com inseticidas nos bovinos diminui a incidência da mastite
estival, presumivelmente pela redução na transmissão das moscas da cabeça.
A remoção dos animais de produção das localizações infestadas durante a estação das moscas constitui a única
maneira completamente efetiva de evitar danos. Quando ocorrem “cabeças quebradas”, o abrigo dos ovinos
constitui o único método bemsucedido de interromper danos por moscas adicionais.
MOSCAS DA FACE
As moscas da face, Musca autumnalis, são assim conhecidas porque se acumulam ao redor dos olhos e do focinho
dos animais de produção, particularmente bovinos. Também podem ser notadas na cernelha, no pescoço, no peito e
nas áreas laterais do corpo. As suas peças bucais são adaptadas para absorver saliva, lágrima e muco. As moscas da
face geralmente não são consideradas consumidoras de sangue, pois as suas peças bucais não são perfuradoras ou
semelhantes a baionetas. No entanto, elas acompanham as moscas hematófagas, perturbamnas durante o seu
processo alimentar e depois lambem o sangue e os fluidos corporais que se acumulam na pele do hospedeiro. As
moscas da face são notadas em animais em ambientes externos e, em geral, não os acompanham para dentro dos
estábulos.
As moscas da face são vistas nos bovinos em pastagens por todo o sul do Canadá e a maior parte dos EUA. As
suas peças bucais consistem em labelas absorventes e existem 4 faixas longitudinais no abdome. Embora sejam
semelhantes em aparência à mosca doméstica comum, as moscas da face podem ser diferenciadas por
aproximação, pelos ângulos das margens interiores dos olhos e pela coloração distinta da face e do abdome. A
diferenciação das espécies requer a habilidade de um entomologista treinado.
Os bovinos são os principais hospedeiros das moscas da face nos EUA, mas estas também se alimentarão em
equinos e, provavelmente, em ovinos e caprinos. A mosca da face é uma praga nos bovinos em pastagens; ela não
se desenvolve em situações de lote de engorda e por isso, não é um parasito de bovinos confinados. A ovoposição
é realizada nas fezes frescas de bovinos em pastagem e eclodem em cerca de 1 dia. As larvas amareladas se
desenvolvem em 2 a 4 dias e, quando maduras, deixam o esterco para se tornarem pupa no solo circundante. O seu
ciclo de vida completo, do ovo ao adulto, requer 12 a 20 dias, dependendo das condições climáticas. O adulto em
diapausa inverna dentro de construções e de outros locais protetores.
PATOLOGIA: As moscas da face perturbam o hospedeiro e interferem na sua produtividade. As fêmeas se
alimentam de secreções faciais, como lágrima, muco nasal e saliva, para obter proteína para o desenvolvimento dos
ovos. A irritação ao redor dos olhos do hospedeiro estimula o fluxo de lágrimas, que atrai mais moscas.
As moscas da face também se alimentam de outras fontes de fluido, como sangue proveniente de ferimentos e o
leite nas faces dos bezerros. Como elas possuem espinhos ásperos e pequenos (dentes préestomais) em suas peças
bucais absorventes, podem causar irritação e danos mecânicos no tecido ocular do hospedeiro. A atividade
alimentar das moscas da face potencializa a transmissão da Moraxella bovis (ver p. 524). As moscas da face
também podem atuar como hospedeiros intermediários de Thelazia spp e Parafilaria bovicola.
DIAGNÓSTICO: As moscas da face adultas são morfologicamente semelhantes às moscas domésticas. Estas 2
espécies podem ser distinguidas apenas pelas pequenas diferenças na posição dos olhos e na coloração do abdome.
A identificação das espécies requer as habilidades de um entomologista treinado. Em geral, encontrandose uma
mosca de tamanho médio se alimentando ao redor dos olhos e das narinas de um bovino ou equino, provavelmente
será uma mosca da face.
TRATAMENTO E CONTROLE: O controle das moscas da face é difícil. Temse feito muito esforço utilizandose
vários inseticidas e técnicas de aplicação, como sacos de pó, sprays de nebulização e formulações de secagem.
Também se utilizam inseticidas e reguladores de crescimento de insetos como aditivos alimentares. No entanto, os
resultados costumam ser menos que satisfatórios. A introdução de brincos impregnados com inseticidas
proporciona um controle pouco melhor, mas geralmente, só se consegue a redução sazonal de 70 a 80% nas
moscas da face, mesmo com a utilização de 2 brincos (1 em cada orelha) por animal.
MOSCAS QUE SE REPRODUZEM NO LIXO
Os seguintes dípteros adultos costumam ser denominados de moscas que se reproduzem no lixo: Musca
domestica (mosca doméstica); Calliphora, Phaenicia, Lucilia e Phormia spp (moscas varejeiras ou das
garrafas); Sarcophaga spp (moscas da carne); Fannia spp (moscas domésticas pequenas); Muscina spp (falsas
moscas dos estábulos); e Hermetia illucens (moscassoldado pretas). Encontramse com frequência, grandes
populações destas moscas adultas ao redor das instalações onde há fezes de animais. Os estágios larvais podem
estar presentes em ferimentos cutâneos contaminados por bactérias ou em pelos emaranhados contaminados por
fezes (ver p. 1002). O ciclo de vida da Musca domestica é utilizado como exemplo representativo de todas as
moscas que se reproduzem no lixo.
A mosca doméstica é comumente notada junto às criações de animais de produção e aves domésticas, onde se
reproduz facilmente em fontes de esterco acumulado. Tratase de uma mosca de tamanho médio (até 9 mm),
acinzentada, com 4 faixas torácicas escuras e peças bucais não picadoras e absorventes, destinadas a sugar
alimentos semilíquidos (não existe nenhuma mandíbula ou maxilar). O lábio é expandido em 2 labelas, que podem
transportar fluidos e semifluidos.
Depois da oviposição, o ovo branco opalescente em forma de banana (com cerca de 1 mm de comprimento)
eclode em 6 a 12 h sob condições ideais. Os ovos não são resistentes ao ressecamento e poucos parecem sobreviver
a temperaturas > 40°C ou < 15°C. As larvas podem se desenvolver em poucos dias até 3 semanas, dependendo da
temperatura e da disponibilidade de alimentos. Quando a temperatura para o desenvolvimento larval se encontra
ideal (cerca de 36°C), as larvas se transformam em pupas em cerca de 6 h. As pupas persistem 4 a 5 dias em clima
quente. Depois que os adultos saem do estágio de pupa, as moscas procuram alimentos e copulam em poucos dias.
O ciclo de vida geralmente termina em cerca de 3 semanas, embora, sob condições favoráveis, ele possa se
completar em 10 a 14 dias. Nos climas temperados, acreditase que a mosca doméstica inverne como uma pupa.
PATOLOGIA: Mesmo que estas moscas não se alimentem de sangue, o incômodo para os animais causado pelo seu
movimento pode provocar redução no desempenho. Ademais, estão implicadas na transmissão de muitos
patógenos (helmintos, protozoários, bactérias e vírus) tanto para o homem quanto aos animais. Frequentemente,
ocorrem grandes populações destas moscas adultas ao redor das instalações de animais de produção ou aves
domésticas mal conservadas e estas se tornam um incômodo público. São moscas sinantrópicas, isto é, que se
associam às habitações humanas. As moscas são consumidoras de “gotas de vômito” e voam das fezes para os
alimentos, espalhando bactérias de suas patas e do conteúdo gástrico regurgitado.
DIAGNÓSTICO: Todas as moscas adultas que se reproduzem no lixo possuem peças bucais não picadoras e
absorventes semelhantes, destinadas a sugar alimentos semilíquidos. A identificação das moscas adultas deve ser
deixada para um especialista. As moscas domésticas são acinzentadas e de tamanho médio, com 4 faixas torácicas
escuras. A identificação preliminar das moscas varejeiras ou das garrafas pode ser feita com base na coloração
metálica dos adultos. A mosca da carne é de tamanho médio e acinzentada, com um padrão abdominal
enxadrezado.
TRATAMENTO E CONTROLE: É necessário um programa completo de higienização para controlar as populações de
moscas próximas e no interior das instalações dos animais de produção e aves domésticas. Todos os acúmulos de
esterco devem ser removidos pelo menos 2 vezes/semana ou manipulados apropriadamente, se forem guardados
nas propriedades, para minimizar a reprodução de moscas. Aplicandose práticas de controle de esterco sólido,
devemse realizar esforços para reduzir a umidade no esterco. Utilizandose um poço de esterco líquido, não se
deve permitir que o esterco se acumule acima da linha d’água, flutuando ou grudando nas laterais, pois isso
constitui um local ideal para a produção de moscas. Inseticidas devem ser considerados como suplementares a
medidas de higienização e controle destinadas a evitar a reprodução de moscas. Sprays residuais proporcionam o
controle de 2 a 4 semanas com tratamento que deve ser aplicado nas superfícies de descanso de moscas. Podemse
utilizar sprays de espaço, nebulizações ou nevoeiro, com “nocaute” rápido, mas sem ação residual, para redução
imediata de alto número de moscas adultas. Outras medidas para o controle de moscas adultas é o uso de fitas de
resina com inseticidas ou de várias iscas de moscas. Estas medidas também podem ser aplicadas diretamente nas
fontes de reprodução de moscas; no entanto, isso só deve ser considerado no caso de pontos de reprodução que não
possam ser eliminados pelas práticas normais de higienização.
DÍPTEROS QUE PRODUZEM MIÍASES
As larvas dos dípteros podemse desenvolver no tecido subcutâneo ou nos órgãos de muitos animais domésticos,
produzindo uma afecção conhecida como miíase. Existem 2 tipos de miíases, com base no grau de dependência do
hospedeiro. Nas miíases facultativas, as larvas das moscas geralmente possuem vida livre; no entanto, sob
determinadas circunstâncias, estas larvas podem se adaptar à dependência parasitária em um hospedeiro.
Nas miíases obrigatórias, as larvas das moscas são completamente parasitárias, isto é, dependem de um
hospedeiro para completar o ciclo de vida. Sem hospedeiros, os parasitos obrigatórios morrerão.
MOSCAS PRODUTORAS DE MIÍASES FACULTATIVAS
As larvas dos seguintes dípteros costumam ser denominadas de produtoras de miíase facultativas: Musca
domestica (mosca doméstica); Calliphora, Phaenicia, Lucilia e Phormia spp (moscas varejeiras ou das garrafas);
e Sarcophaga spp (moscas da carne). São moscas sinantrópicas nos estágios adultos, isto é, associadas a habitações
humanas e voam facilmente das fezes para alimentos. Os estágios larvais geralmente estão associados aos
ferimentos cutâneos em qualquer animal doméstico, onde haja contaminação por bactérias ou pelos emaranhados
contaminados por fezes. Nos estágios larvais, as características distintas das placas espiraculares posteriores e do
esqueleto cefalofaringeano são exclusivas de cada espécie e utilizadas para a identificação.
O ciclo biológico da Musca domestica é utilizado como exemplo representativo das moscas que se reproduzem
no lixo (ver p. 1000). Várias espécies de moscas varejeiras causam miíases nos ovinos. Nos EUA e no Canadá, as
moscas primárias são Phormia regina e Protophormia terraenovae (moscas varejeiras pretas), Lucilia
sericata (mosca verde das garrafas). L. illustris, Cochliomyia macellaria (bicheira secundária) e algumas outras
geralmente são invasoras secundárias. L. cuprina é a mosca primária mais importante na Austrália e na África do
Sul; a L. sericata na GrãBretanha; e L. cuprina, L. sericata e Calliphora stygia na Nova Zelândia.
PATOLOGIA: Sob condições normais, as moscas adultas desses gêneros depositam seus ovos nas fezes ou nas
carcaças de animais em decomposição. Na miíase facultativa, as moscas adultas são atraídas por ferimento úmido,
lesão cutânea ou pelame emplastrado. Um local comum é o traseiro, onde as moscas podem ser atraídas pela lã
emplastrada com urina ou fezes. À medida que as moscas fêmeas adultas se alimentam nesses locais, elas põem
ovos que eclodem em 24 h em condições de umidade. As larvas (larvas de moscas) se movem independentemente
pela superfície do ferimento, ingerindo células mortas, exsudato, secreções e resíduos, mas não tecidos vivos. Esta
condição é conhecida como “ataque de moscas” ou ataque. As larvas irritam, lesam e matam as camadas cutâneas
sucessivas e produzem exsudatos. Podem fazer túneis através da epiderme afinada, até o tecido subcutâneo. Esse
processo produz cavidades teciduais na pele, que medem até vários centímetros de diâmetro. Uma vez
estabelecido, o ataque pode disseminar rapidamente e atrair mais moscas varejeiras, tanto secundárias quanto
primárias. Os ataques leves podem causar perda rápida de condição e os ataques maléficos podem ser fatais. A
menos que o processo seja detido por terapia apropriada, o animal infestado pode morrer por causa de a choque,
intoxicação, histólise ou infecção. Um odor penetrante, distinto e peculiar permeia o tecido infestado e o animal
afetado. As lesões avançadas podem conter milhares de larvas.
O corpo dos ovinos também pode ser atacado por moscas. Isso geralmente se associa com chuvas fortes, que
causam o desenvolvimento da podridão do velo, quase sempre caracterizada por descoloração causada por
infecções por Pseudomonas spp ou dermatofilose. Outros locais incluem os chifres dos carneiros machos, a lã ao
redor do seu prepúcio, o local que as patas com podridão do casco entram em contato com o velo e os ferimentos.
As moscas adultas podem ser pragas nas clínicas veterinárias, fazendas ou granjas aviárias. As moscas são
consumidoras de “gotas de vômito” próprias e voam das fezes para os alimentos, espalhando bactérias em suas
patas e no conteúdo gástrico regurgitado.
Estas larvas de moscas também foram associadas a efeitos tóxicos nas galinhas. O botulismo (p. 2925), também
conhecido como “pescoço flexível” nas galinhas, foi associado à ingestão de um grande número de
larvas de Lucilia caesar, Phaenicia sericata e outras espécies de moscas. Clostridium botulinum se multiplica na
carniça, onde pode ser adquirido pelas larvas de moscas que se reproduzem neste meio e após, é transmitido para
as galinhas que ingerem estas larvas. Os animais mortos devem ser descartados rápida e seguramente, de
preferência serem submetidos à incineração.
DIAGNÓSTICO: A infestação pode ser identificada precocemente; o comportamento das ovelhas pode ser um bom
indicador da miíase. Os animais afetados tornamse deprimidos, ficam com as cabeças para baixo, não se
alimentam e tentam morder as áreas infestadas. Suspeitase de bernes nos casos em que as larvas são associadas a
perfurações.
As espécies de moscas produtoras de miíase podem ser definitivamente identificadas pelo exame rigoroso das
larvas. A porção caudal das várias larvas de terceiro estágio que infestam um ferimento deve ser incisada com uma
lâmina de bisturi. Colocase as extremidades caudais cortadas com a superfície de corte para baixo sobre uma
lâmina de vidro, cobertas por lamínula e ao examinálas em microscópio composto, podese utilizar uma chave
dicotômica para identificar o(s) gênero(s) das moscas dentro do ferimento. As placas espiraculares exclusivas são
distintas para cada gênero em particular. Devemse examinar várias amostras, pois pode haver mais de um gênero
dentro da lesão. As primeiras larvas a eclodir na lesão frequentemente criam um meio favorável e atraente para as
moscas de outros gêneros. Também se deve considerar a possibilidade de uma miíase obrigatória causada
por Cochliomyia hominivorax (ver p. 1004) ou Chrysomyia bezziana (ver p. 1005).
TRATAMENTO E CONTROLE: A infestação de moscas varejeiras pode ser efetivamente controlada por cerca de 6 a 8
semanas por um “arremate” ou “aparamento” (i. e., tosquiase a lã entre as pernas e ao redor da cauda). Uma
tosquia completa controla os surtos que envolvem outras partes do corpo. A lã removida do redor da cabeça e do
prepúcio pode evitar um ataque nestas áreas. Podese eliminar virtualmente o tingimento por urina da virilha de
ovelhas da raça merino pela remoção das pregas das nádegas (cirurgia de Mules) e reduzir bastante a contaminação
fecal com o corte de caudas na terceira articulação. Devese controlar a diarreia. Os odores e a umidade associada
atraem moscas e estimulam a oviposição, particularmente em um tempo quente e úmido.
A quimioprofilaxia consiste no umedecimento até uma saturação completa das áreas suscetíveis com
preparações inseticidas e larvicidas adequadas, como os inseticidas organofosforados ou a ciromazina, um
larvicida específico de banhos de imersão e sprays. O banho com jato é o procedimento mais eficaz – o inseticida é
forçado para o interior do velo, em geral nas nádegas, ao longo do dorso e na cabeça, sob alta pressão. A proteção
pode durar 6 a 8 semanas, mas quando a mosca primária for resistente (p. ex., L. cuprina na Austrália), pode durar
somente 2 a 3 semanas. As aplicações semanais de agentes como ronnel (a 2,5%) sob pressão em ferimentos até
estes cicatrizarem pode ser altamente benéfica, em particular no caso dos bernes. Antes de aplicar agentes
adequados, devese remover toda a lã da área atacada e ao redor dela.
A queima ou o enterro profundo de uma carcaça pode ser uma valiosa medida higiênica geral, mas pode ter
pequeno efeito nos ataques primários. A fonte principal de moscas primárias são os ovinos atacados por elas. Na
Austrália, temse utilizado uma abordagem de manipulação genética para controlar uma linhagem de mosca
varejeira; as moscas machos ficam parcialmente estéreis, mas transmitem um gene que causa cegueira nos
descendentes femininos.
O tratamento e as medidas de controle de miíases nos cães e nos gatos são limitados. Se estas larvas forem
detectadas em pequenos animais, será necessária uma terapia imediata. Devese depilar o pelame para determinar a
extensão da lesão e remover muitas das larvas. A remoção das larvas de bolsões teciduais profundos pode ser
difícil e pode exigir sedação ou, mesmo, anestesia do animal. Devese examinar a lesão em dias sucessivos; as
moscas adultas põem ovos no ferimento em momentos diferentes e a eclosão das larvas pode não ser sincronizada.
Os animais deprimidos, febris e prostrados devem ser tratados de acordo com os sinais clínicos. O ideal é a
realização de cultura e antibiogramas nas amostras ou raspados dos ferimentos. Encontrandose infecções
bacterianas ou fúngicas secundárias, aconselhase a administração de antibióticos de largo espectro.
Com relação à prevenção, os proprietários devem ser instruídos sobre a efetividade do tratamento de todos os
ferimentos cutâneos. Os animais com ferimentos cutâneos devem ser confinados em áreas livres de moscas. O
pelame deve ser mantido limpo de urina e fezes e não se deve permitir que se emaranhe. Os ferimentos
contaminados e os pelos emaranhados emplastados com urina e fezes atraem rapidamente moscas adultas
produtoras de miíase. O controle das moscas adultas no campo e a destruição dos seus locais de reprodução
constituem medidas preventivas excelentes. Todas as áreas não devem conter latas de lixo abertas e carcaças em
decomposição ou carniça.
MOSCAS PRODUTORAS DE MIÍASES OBRIGATÓRIAS
Várias moscas dípteras produzem larvas que dão origem a um parasito e resultam em miíases obrigatórias. Apenas
uma mosca da América do Norte, Cochliomyia hominivorax, é invasora primária de ferimentos cutâneos recentes
não contaminados, em animais domésticos. Outra espécie de mosca de berne, Chrysomyia bezziana, é encontrada
na África e no sul da Ásia, inclusive Papua Nova Guiné.
Bernes em Pequenos Animais
As larvas das moscas do gênero Cuterebra são frequentemente denominadas de lobos, bernes, bernes dos coelhos
ou bernes dos roedores. Estas larvas de mosca infestam a pele de coelhos, esquilos, camundongos, ratos, esquilos
e, ocasionalmente, cães e gatos (Ver infestação por moscas cuterebra em pequenos animais, p. 982, para
informações sobre sintomas, diagnóstico e tratamento).
Mosca Varejeira Cinza
A mosca varejeira cinza, Wohlfahrtia vigil, é responsável pela miíase cutânea, na América do Norte,
particularmente no sul do Canadá e no norte dos EUA. As moscas adultas foram registradas desde os estados
norteamericanos da Nova Inglaterra até o Alasca, mas a maioria dos relatos provém das seções orientais do
Canadá e das vizinhanças do nordeste dos EUA. Todos os relatos de infestações ocorrem na pele de animais
saudáveis, particularmente na pele intacta dos jovens.
Todos os três estágios larvais possuem aparência de “larva de inseto” e espiráculos posteriores exclusivos da
espécie. O primeiro estágio larval tem 1,5 mm ao eclodir e cresce até 3,5 mm no momento da sua muda para o
segundo estágio. O terceiro estágio tem 7 a 18,5 mm de comprimento. Sua extremidade posterior é estreita e é
coberta por muitas fileiras irregulares de espinhos pequenos que possuem pontas escuras e se orientam
posteriormente. Esta larva é mais bem adaptada para manter a fixação em tecidos vivos. Os ganchos orais são
fortemente desenvolvidos. A extremidade posterior da larva tem sua placa espiracular localizada em um buraco
profundo, formado pelas margens do segmento. Os espiráculos posteriores têm fendas largas e peritremo forte.
A mosca varejeira cinza é larvípara – ela deposita as larvas em vez de ovos na pele saudável e não lesada dos
hospedeiros adequados, particularmente dos hospedeiros suscetíveis, particularmente animais jovens. A larva
penetra na pele intacta e forma um inchaço semelhante a um furúnculo (furuncular). O desenvolvimento até o
terceiro estágio larval infeccioso geralmente se completa em 9 a 14 dias. Os parasitos em seguida caem no chão, se
tornando pupas, cerca de 11 a 18 dias, variando com a estação do ano e a temperatura. Quando o clima frio se
aproxima, o período de pupa se prolonga muito. Sob condições laboratoriais, já demorou 7 meses. O parasito
sobrevive no inverno na forma pupal. Os adultos saem da pupa e se acasalam depois de cerca de 3 a 4 dias. As
moscas fêmeas começam sua larviposição cerca de 1 semana mais tarde, depositando 6 a 16 larvas por vez. As
moscas fêmeas vivem por 35 a 40 dias; os machos raramente sobrevivem > 3 semanas.
PATOLOGIA: As fêmeas de W. vigil depositam larvas ativas próximas ou diretamente no hospedeiro. Embora as
larvas geralmente penetrem na pele intacta, nos pequenos animais, a penetração pode ser mais profunda do que no
tecido dérmico, até na cavidade celômica.
A primeira indicação de que um animal se encontra infestado é a exsudação de soro e o emaranhamento do
pelame sobre o local de penetração. Nos animais de pele clara, uma área inflamatória pequena tornase visível no
centro ou na lateral, onde notase um pequeno orifício. Estas lesões podem ser palpadas à medida que se
desenvolvem. No terceiro ou quarto dia, as larvas têm 1,5 a 2 cm de comprimento e produzem lesões semelhantes
a abscessos, que lembram as lesões Hypoderma spp nos bovinos. Estas lesões variam em tamanho, forma, posição
e número de larvas que podem conter. O pelame fica frequentemente repartido sobre a parte superior das lesões e
revela uma abertura de 2 a 3 mm de diâmetro. A face posterior da larva fica visível por estas aberturas, através das
quais ela respira. Estas aberturas são geralmente circulares e bem definidas; no entanto, existindo várias larvas em
1 única lesão, a forma da abertura será bastante variável. Os pequenos animais infestados por = 5 larvas, por vários
dias, podem ficar emaciados e a pele pode ficar seca e perder o brilho.
A penetração das larvas na pele, o desenvolvimento no tecido subcutâneo e a infecção bacteriana secundária
produzem irritação e inflamação intensas nos tecidos. As tentativas por parte do animal de remover as larvas ou
aliviar a irritação tendem a agravar a afecção. Os animais jovens podem morrer de exaustão. Também já se sugeriu
que as larvas podem produzir secreções tóxicas. A W. vigil já foi isolada da pele de crianças jovens,
particularmente de bebês.
DIAGNÓSTICO: As moscas varejeiras cinzas adultas não são parasitos e, como resultado, provavelmente não serão
observadas pelo proprietário ou pelo veterinário. Elas são moscas acinzentadas grandes (cerca de 13 mm de
comprimento), com cerca de 2 vezes o tamanho da mosca doméstica. A superfície dorsal do tórax é marcada com 3
faixas longitudinais, enquanto a superfície dorsal do abdome tem 3 fileiras bem definidas de manchas pretas ovais,
que confluem entre si.
A identificação das moscas adultas e de seus estágios larvais associados deve ser realizada por um
entomologista. A presença de inchaço dérmico com abertura central pode induzir ao diagnóstico presuntivo de
miíase por W. vigil. Só se pode fazer um diagnóstico definitivo depois da extração e identificação da larva típica.
Encontramse disponíveis descrições e chaves dicotômicas extensas para os 3 estágios larvais. Frequentemente o
diagnóstico é feito por tentativa pelo histórico de residência ou viagem para uma área geográfica endêmica de W.
vigil.
TRATAMENTO E CONTROLE: A larva deve ser extraída da pele. A aplicação de óleo cru, parafina líquida ou gel de
vaselina na abertura das lesões ocluirá as vias respiratórias das larvas. A aplicação de uma pequena quantidade de
clorofórmio ou éter na abertura pode ser útil, antes da remoção da larva com uma pinça. Também se pode injetar
cloridrato de lidocaína no interior da lesão furuncular para facilitar a extração da larva. Devese tomar grande
cuidado durante o processo de extração para evitar ruptura da larva no local, embora ainda não se tenha descrito
uma anafilaxia. Devemse prescrever antibióticos.
Esse parasito geralmente infecta os visons jovens. Podese colocar 1 colher de chá de ronel na cama da caixa
ninho como medida de controle; no entanto, não se deve utilizar esta substância na cama de filhotes com < 3 dias
de idade. Podese proporcionar proteção das gaiolas com o uso de uma tela aramada para manter as moscas para
fora.
Chrysomyia bezziana (Bicheira do Velho Mundo, Mosca oriental, Mosca varejeira de Bezzi)
Chrysomyia bezziana é encontrada na África, no subcontinente indiano e Sudeste Asiático, no norte de Taiwan, até
o sul de PapuaNova Guiné. Esta mosca não é autóctone na Austrália. Por causa da sua distribuição geográfica, a
porta de entrada mais provável para C. bezziana nos EUA é pelo Havaí.
As moscas de bicheira adultas geralmente não são observadas no campo. A mosca adulta possui um corpo
verdemetálicoescuro, com segmentos abdominais com faixas estreitas ao longo das margens posteriores. As
pernas são pretas ou parcialmente marrons. A face é amareloalaranjada. O primeiro estágio larval provavelmente
passa desapercebido por causa de seu tamanho pequeno, até 3 mm no momento da sua muda para o segundo
estágio. O segundo estágio é bastante semelhante ao terceiro, mas tem 4 a 9 mm de comprimento. A larva de
terceiro estágio é grande, com até 18 mm de comprimento. O corpo é composto de 12 segmentos, que possuem
faixas envolventes e largas de espinhos pequenos. Todos os 3 estágios têm uma aparência de “larva de inseto” e
possuem espiráculos posteriores exclusivos da espécie. A extremidade posterior da larva tem a sua placa
espiracular localizada em uma fenda profunda na extremidade do oitavo segmento abdominal. As placas
espiraculares são grandes e bemseparadas. O peritremo e as 3 fendas respiratórias são amplos.
C. bezziana produz uma miíase particularmente terrível. As moscas fêmeas são atraídas pelos ferimentos abertos
no homem e em animais domésticos e silvestres. Elas põem seus ovos em massas de 150 a 500 na borda dos
ferimentos ou próximo de orifícios corporais. As larvas se desenvolvem até o terceiro estágio em cerca de 2 dias
depois da sua eclosão. Elas escavam profundamente no interior do ferimento, de forma que só as suas
extremidades posteriores ficam visíveis. O estágio larval inteiro dura 5 a 6 dias. O estágio de pupa dura 7 a 9 dias
em condições tropicais e mais tempo em condições mais frias. As moscas adultas saem das pupas posteriormente
para se acasalar, localizar um novo hospedeiro e continuar o ciclo. As moscas fêmeas se acasalam somente 1 vez
durante a sua vida – um fato preponderante na prevenção e no controle. Sob condições favoráveis, podem ocorrer
= 8 gerações por ano.
PATOLOGIA: As larvas de C. bezziana são parasitos obrigatórios de ferimentos, e nunca se desenvolvem em
carcaças ou material orgânico em decomposição. Embora as moscas fêmeas sejam atraídas por ferimentos abertos,
ocasionalmente põem ovos na pele macia e intacta de várias partes do corpo, especialmente se esta estiver
contaminada com sangue ou secreção mucosa. Quando as larvas eclodem, elas escavam o hospedeiro, utilizando
suas peças bucais com ganchos para retirar os tecidos e lacerar os vasos sanguíneos finos. As larvas são
hematófagas vorazes. Durante a fase hematófaga, só as extremidades caudais das larvas, com seus peritremos
enegrecidos, permanecem visíveis na superfície da lesão, permitindo que as larvas respirem. Em alguns ferimentos,
observamse até 300 larvas. Nos ferimentos não tratados, a atividade destrutiva das larvas pode levar à morte do
animal em período bastante curto. Uma infestação secundária com moscas produtoras de miíases facultativas (ver
p. 1002) pode complicar o tratamento e o controle.
DIAGNÓSTICO: Raramente a identificação das moscas adultas são observadas e a sua associação com os estágios
larvais é melhor realizada por um entomologista. Só se consegue fazer um diagnóstico definitivo depois da
observação, extração e identificação das larvas típicas. Geralmente, o diagnóstico pode ser realizado com base em
um histórico de viagem a uma área endêmica para C. bezziana. Presumindose que um ferimento se encontre
infestado por larvas de C. bezziana, devem–se coletar amostras e enviálas para funcionários apropriados de
erradicação.
TRATAMENTO E CONTROLE: O tratamento da bicheira envolve a morte das larvas nas lesões, promoção da
cicatrização e evitar reinfestação secundária com larvas das moscas produtoras de miíases facultativas. A extensão
das lesões é determinada pela depilação da área e remoção de tantas larvas quanto possível. As larvas removidas
devem ser mortas para evitar que pupem e se desenvolvam em moscas adultas. As larvas localizadas
profundamente dentro dos tecidos devem ser extraídas.
A ivermectina, em doses de 50, 100 e 300 μg/kg, administrada nos bovinos infestados, resultou em mortalidade
de 100% das larvas por, pelo menos, 6, 12 e 14 dias, respectivamente. Dependendo da idade, as larvas
sobreviveram em ataques estabelecidos depois do tratamento com 200 μg/kg. A mortalidade foi de 100% nas
larvas com até 2 dias de idade, porém foi menor nas larvas mais velhas. No entanto, muitas das larvas que
sobreviveram à terapia com ivermectina falharam em se desenvolver para o estágio adulto. Depois de um
tratamento com 200 μg/kg, a proteção residual durou 16 a 20 dias, 2 a 3 vezes a da maioria dos emplastros com
inseticidas.
Devemse realizar curativos apropriados em todos os ferimentos dos animais domésticos e também evitar todos
os procedimentos cirúrgicos eletivos durante a estação das moscas.
É importante considerar o fato de que as moscas fêmeas só se acasalam 1 vez durante sua vida para o controle
de C. bezziana. As pupas das moscas expostas à irradiação originam adultos estéreis, que podem ser liberados para
acasalar com moscas machos e fêmeas silvestres. Como resultado disso, não se produz nenhum descendente viável
no ambiente silvestre.
Cochliomyia hominivorax (Bicheira primária, Bicheira do Novo Mundo)
A Cochliomyia hominivorax se distribui por todas as regiões neoárticas e neotropicais do hemisfério ocidental.
Como resultado de intensos programas de erradicação estaduais, federais e internacionais, não se encontram mais
populações sobreviventes de C. hominivorax nos EUA ou no México; os relatos isolados com frequência são
rastreados até uma importação de animais infestados de locais onde a mosca ainda é prevalente. Encontramse
populações sobreviventes nas Américas Central e do Sul e em determinadas ilhas do Caribe.
As moscas fêmeas adultas põem 200 a 400 ovos em fileiras que se sobrepõem como telhas em uma massa na
borda de um ferimento fresco. Depois de 12 a 21 h, as larvas eclodem, rastejam para o interior do ferimento e
escavam a musculatura. As larvas se alimentam dos fluidos dos ferimentos e de tecidos vivos. Após 5 a 7 dias, as
larvas crescem e saem dos ferimentos, caem no solo e se enterram para se tornarem pupas. O período de pupa varia
de 7 dias a 2 meses, dependendo da temperatura. O congelamento ou a manutenção das temperaturas do solo < 8°C
matam as pupas. Os adultos só se reproduzem 1 vez durante a vida, um fato que é utilizado no controle biológico.
Eles geralmente se acasalam quando têm 3 a 4 dias de idade e as fêmeas grávidas ficam prontas para ovipor com
cerca de 6 dias de idade. Em um tempo quente, o ciclo de vida podese completar em 21 dias. Só as moscas fêmeas
se alimentam e ovipõem nos ferimentos; os machos e as fêmeas virgens mais jovens se reúnem para acasalar na
vegetação, especialmente em florescimento.
PATOLOGIA: Os ferimentos recéminfectados contêm larvas de mosca de bicheira de uma única idade; os ferimentos
maiores e mais velhos podem conter larvas de várias idades e de espécies de moscas diferentes. O fluido marrom
avermelhado e fétido produzido no ferimento geralmente drena e pode corar os pelos ou a lã ao redor ou abaixo do
ferimento. À medida que o incômodo aumenta, o animal infestado procura proteção, retirandose para a sombra
mais densa disponível. Mesmo um ferimento pequeno e relativamente insignificante infestado por larvas de mosca
de bicheira atrai não somente mais destas moscas como também moscas produtoras de miíases facultativas. Os
tecidos necrosados atraem ainda mais moscas. O ferimento pode aumentar gradualmente por causa de uma
infestação múltipla e, a menos que seja tratado, geralmente resulta na morte do animal.
DIAGNÓSTICO: As larvas parasitárias são afiladas e possuem ganchos orais na extremidade estreita e espiráculos
respiratórios na extremidade larga. Os segmentos corporais são anelados com espinhos. As larvas com crescimento
completo podem alcançar 1,5 cm. Elas são frequentemente identificadas pela forma e aparência de “parafuso de
madeira” e podem ser distinguidas das larvas das moscas produtoras de miíases facultativas pelos tubos traqueais
pigmentados de escuro na face dorsal da extremidade posterior da larva de terceiro estágio. Esses tubos podem ser
visualizados facilmente através da cutícula larval.
As moscas de bicheira adultas são semelhantes em aparência a outras moscas varejeiras. Elas são azuladas a
verdeazuladas, possuem cabeça e olhos laranjaavermelhados e são ligeiramente maiores que a mosca doméstica.
São difíceis de distinguir das outras moscas varejeiras ou das garrafas. A identificação das moscas de bicheira
adultas provavelmente é melhor realizada por um entomologista.
TRATAMENTO E CONTROLE: Uma infestação de bicheira deve ser relatada às autoridades estaduais e federais. C.
hominivorax foi erradicada dos EUA, mas, às vezes, entra no país de modo subreptício em animais importados.
Nos EUA, suspeitandose de um ferimento estar infestado por larvas de bicheira, devese contactar o USDA
no http://www.aphis.usda.gov/index.shml.
As bicheiras nos ferimentos podem ser mortas com a aplicação direta de um curativo de ferimento chamado
“emplastro”. Tais emplastros, que contêm lindano ou ronel, podem ser difíceis de encontrar nos EUA, por causa do
programa de erradicação. Os emplastros são mais bem aplicados com um pincel de 2,5 cm e devem atingir todos os
muitos bolsões formados pelas larvas escavadoras nos ferimentos profundos. Também se deve aplicar uma camada
fina na pele circundante, para protegêla de uma reinfestação. Os ferimentos também podem ser tratados com
formulações em aerossol, pó ou espuma de cumafós, lindano ou ronnel. Como medida preventiva para proteger os
animais de uma infestação e também matar as larvas nos pequenos ferimentos difíceis de detectar, os animais
podem ser borrifados completamente com ronnel ou com cumafós, ou imersos neste último.
PROGRAMA DE ERRADICAÇÃO COM LIBERAÇÃO DE MACHOS ESTÉREIS: Em 1958, o USDA iniciou um programa
nos estados do sudeste para eliminar a bicheira pela técnica de liberação de machos estéreis. Quando criadas
artificialmente e expostas à irradiação pouco antes de saírem das pupas, as moscas machos ficam estéreis, mas
permanecem capazes de acasalar. As fêmeas se acasalam somente 1 vez e, quando acasaladas com um macho
estéril, põem ovos que não eclodem. Portanto, a liberação de um número suficiente de machos estéreis em uma
área por um período leva à erradicação. Em 1959, a bicheira já tinha sido erradicada do estado da Flórida.
Este programa foi expandido para cobrir o restante da área envolvida nos EUA e depois, por um acordo conjunto
México/EUA, para incluir a maior parte do México. Isso, junto com o uso de agentes atraentes de moscas de
bicheira e de um sistema de inseticidas que atraíam e matavam os adultos, estabeleceu a erradicação da bicheira no
México. Há interesse na expansão desta área por toda a América Central e o Caribe. No entanto, até que se atinja
tal objetivo, torna–se necessária uma vigilância constante por parte de todas as pessoas que lidam com animais no
sul dos EUA e no México, para detectar rapidamente uma infestação e erradicála antes das moscas se
reproduzirem e se disseminarem.
Mosca Tumbu Africana (Mosca das mangas, Mosca das larvas cutâneas, Verme de Cayor)
A mosca tumbu africana, Cordylobia anthropophaga, é responsável por outra miíase semelhante a furúnculos
(furuncular) tanto no homem como nos animais na África, particularmente na região subsaariana.
As moscas adultas não são parasitos, portanto não são observadas pelo proprietário ou pelo veterinário. Tratam
se de moscas compactas e robustas, que possuem 6 a 12 mm de comprimento. Elas são marronclaras, com
manchas cinzaazuladas difusas no tórax e coloração cinzaescura na parte posterior do abdome. Possuem face e
pernas amarelas. As larvas de segundo e terceiro estágios são os estágios geralmente observados na pele do animal.
A larva de segundo estágio tem uma forma parecida com um bastão e exibe espinhos cuticulares pretos e
grandes, orientados posteriormente e distribuídos de modo irregular pelos segmentos 3 a 8. Os segmentos 9 a 11
são quase nus em comparação com os segmentos precedentes. Os segmentos têm algumas fileiras de espinhos
pálidos e pequenos, posteriormente. O segmento 12 é densamente coberto por esses espinhos. O segmento 13 é
indistintamente demarcado, não possuindo espinhos, porém 2 pares de processos curtos. Cada tubo traqueal se abre
através de 2 fendas ligeiramente encurvadas. A larva de segundo estágio possui 2,5 a 4 mm de comprimento. O
tamanho da larva de segundo estágio avançada varia muito, assim como o da larva de terceiro estágio. A larva
completamente madura tem 1,3 a 1,5 cm de comprimento. O corpo é cilíndrico, com 12 segmentos identificáveis.
Os espinhos curvos direcionados posteriormente se dispõem densamente pelo menos até o segmento 7; os últimos
5 segmentos podem ser cobertos parcial ou densamente com espinhos.
Depois da fertilização, a moscafêmea produz 100 a 500 ovos em forma de banana, geralmente depositandoos
em solo arenoso, sombreado e seco, frequentemente contaminado com urina ou fezes. Os ovos nunca
são depositados na pele do hospedeiro. Eles eclodem após 1 a 3 dias, e as larvas têm inicialmente 0,5 a 1 mm de
comprimento. As larvas conseguem sobreviver por até 15 dias enquanto esperam pelo hospedeiro e podem
penetrar em apenas 25 segundos. Depois da penetração, a larva reside em uma cavidade na derme e hipoderme.
Esta cavidade se comunica com o ambiente externo por meio de um poro respiratório central, que corresponde à
extremidade caudal da larva com seus espiráculos. Há 1 larva única em cada cavidade, dentro da qual ela se
desenvolve até o segundo e o terceiro estágios. As larvas requerem 7 a 15 dias para amadurecer e depois saem
através do poro respiratório e caem no solo, onde se tornam pupas. As moscas adultas saem das pupas 10 a 20 dias
depois e o ciclo começa novamente.
Os ratos e os cães constituem os hospedeiros definitivos comuns; no entanto, podem ser infestados humanos,
camundongos, macacos, mangustos, esquilos, leopardos, javalis, antílopes, gatos, caprinos, suínos, coelhos,
cobaias e galinhas.
PATOLOGIA: Clinicamente, a infestação se caracteriza por uma pápula eritematosa pequena, que aparece 2 a 3 dias
depois da penetração larval. Dentro de dias, a pápula aumenta até que se torna um nódulo que se assemelha a um
furúnculo; justificando a descrição de miíase furunculoide. No centro do nódulo, encontrase um poro através do
qual escoa fluido seroso. Esse fluido pode ser hemorrágico ou purulento e contém fezes larvais.
Os cães com pele macia e fina parecem ser hospedeiros mais adequados para o desenvolvimento larval que os de
pele espessa. Nos animais, os locais de infestação preferenciais são patas, genitais, cauda e região axilar. Nas áreas
endêmicas, as infestações leves em cães não produzem um desconforto clínico. A infestação maciça pode
promover inchaço e edema acentuados, especialmente se as larvas se encontrarem bem próximas entre si. As larvas
podem penetrar profundamente nos tecidos e causar danos consideráveis e mesmo morte.
DIAGNÓSTICO: A presença de inchaço dérmico com uma abertura central pode levar ao diagnóstico por tentativa
de miíase causada por C. anthropophaga. Só se pode fazer o diagnóstico definitivo depois da extração e
identificação da larva característica. A identificação das moscas adultas e de seus estágios larvais associados deve
ser deixada para um entomologista.
Podese, com frequência, fazer um diagnóstico por tentativa pelo histórico de residência ou viagem para uma
área geográfica endêmica para C. anthropophaga. No entanto, o parasito já foi diagnosticado em viajantes e em
seus animais de estimação acompanhantes provenientes de áreas geográficas nas quais o parasito não existe.
TRATAMENTO E CONTROLE: Podemse remover as larvas cobrindose o poro respiratório com um composto
viscoso e espesso, como óleo cru, parafina líquida, esparadrapo ou vaselina. Tampandose o poro, a larva fica
hipóxica e deixa a cavidade à procura de oxigênio. Uma leve pressão na borda da lesão também auxilia na remoção
da larva.
Podese injetar cloridrato de lidocaína, no interior da lesão furuncular, para facilitar a extração da larva com uma
pinçamosquito. A excisão cirúrgica geralmente é desnecessária e não se justifica enquanto as larvas se
encontrarem vivas, mas deverá ser utilizada para remover as larvas mortas ou em decomposição. Devese ter
grande cuidado durante o processo de extração para evitar ruptura da larva no local, embora ainda não se tenha
descrito uma anafilaxia. Devemse prescrever antibióticos.
As moscas adultas devem ser mortas se forem observadas dentro de casa. Devese remover e destruir as larvas
dos animais que entram na casa. Todos os ratos devem ser mortos e queimados. A prevenção de uma infestação
depende da limpeza e desinfecção regular dos locais de dormir do animal. No caso de animais valiosos (p. ex.,
coelhos da Angorá), podese proporcionar proteção por meio da manutenção das moscas fora dos cercados de
coelhos, utilizando uma tela aramada.
Como a moscafêmea adulta deposita seus ovos em solo arenoso, contaminado com fezes ou urina, o parasito
pode ser controlado no ambiente do animal de estimação por meio da remoção imediata de suas fezes e cobertura
dos locais de micção nas instalações com uma camada de cascalho.
PSEUDOMIÍASE
Na pseudomiíase, as larvas dos dípteros são ingeridas acidentalmente e se encontram no trato gastrintestinal de um
animal, onde não são capazes de continuar seu desenvolvimento. Os cães ou gatos infestados por larvas de moscas
produtoras de miíases facultativas em ferimentos ou em seu pelame geralmente ingerem as larvas durante os
processos de lambedura ou higiene. Estas larvas passam através do trato gastrintestinal e aparecem não digeridas
nas fezes. Também pode ocorrer eliminação de larvas de dípteros nas fezes, quando um cão ou gato errante ingere
carniça que contém larvas de insetos; estas larvas passam para o meio ambiente externo não digeridas.
Pseudomiíase também pode ocorrer se as fezes submetidas ao exame coproparasitológico não estiverem frescas.
Moscas adultas produtoras de miíases facultativas podem depositar seus ovos nas fezes e o desenvolvimento larval
se inicia.
Podese observar Eristalis tenax, a “larva de inseto de caudaderato”, em calhas atrás de vacas em um estábulo
leiteiro. Estas larvas estão associadas a fezes líquidas e fezes que não foram removidas do ambiente. As larvas são
assim conhecidas por causa de seus poros respiratórios notados na ponta de um longo tubo respiratório semelhante
a um sifão, na porção final dos seus corpos. Muitos fazendeiros erroneamente supõem que as vacas defecam estas
larvas. As adultas são moscas de vida livre e não são parasitos.
PIOLHOS (Pediculose)
Várias espécies de piolhos mastigadores ou mordedores (ordem Mallophaga) e piolhos sugadores (ordem
Anoplura) são ectoparasitas obrigatórios dos animais domésticos. Muitos autores incluem os piolhos mastigadores
e sugadores na ordem Phthiraptera. Os piolhos vivem em um microambiente provido pela pele e seus pelos ou
penas, e são transmitidos principalmente por contato entre hospedeiros. Em regiões temperadas, os piolhos são
mais abundantes durante os meses mais frios e, em geral, dificilmente são encontrados no verão. Os piolhos são
amplamente hospedeiroespecíficos, vivendo em uma espécie ou em várias espécies intimamente relacionadas.
Anoplura parasitam apenas mamíferos, no entanto, Mallophaga infestam tanto mamíferos quanto aves (ver p.
2954).
ETIOLOGIA: Os piolhos são insetos sem asas, achatados, e, em geral, com 2 a 4 mm de comprimento. As garras das
patas são adaptadas para agarrarem e se moverem entre os pelos ou penas. Os Mallophaga têm mandíbulas
mastigadoras ventrais e se alimentam de debris da epiderme, principalmente caspa, secreções e descamações
cutâneas. O aparelho bucal também ajuda na fixação ao hospedeiro. A cabeça dos Mallophaga é mais larga que o
protórax. Anoplura são hematófagos e, quando seu aparelho bucal não está em uso, os estiletes bucais ficam
retraídos na cabeça.
Os ovos dos piolhos ou lêndeas são colados nos pelos dos hospedeiros mamíferos, próximos à superfície da pele,
e são pálidos, translúcidos e subovais. Os três estágios de ninfa, de tamanho crescente, são menores que os adultos,
porém assemelhamse a eles quanto aos hábitos e a aparência. São necessárias, aproximadamente, 3 a 4 semanas
para completar uma geração, porém, isso varia com a espécie.
Em climas temperados, os bovinos podem ser infestados com uma espécie de Mallophaga, o piolho mordedor
dos bovinos, Damalinia bovis, e por três espécies de Anoplura: o piolho de nariz longo dos bovinos, Linognathus
vituli; o piolho azul pequeno dos bovinos, Solenopotes capillatus; e o piolho de nariz curto dos bovinos,
o Haematopinus eurysternus. A infestação por múltiplas espécies não é incomum em bovinos, em especial em
animais jovens. O piolho mordedor de bovinos pode ser encontrado na linha dorsal, em especial na região da
cernelha, estendendose para a cabeça e base da cauda. O piolho azul pequeno dos bovinos é encontrado em locais
distintos, principalmente na cabeça e face, estendendose para a região da barbela em infestações pesadas. O piolho
de nariz curto dos bovinos é encontrado na metade anterior do hospedeiro, das orelhas à barbela e, em períodos de
clima quente, tende à maior infestação nas porções anteriores do corpo, incluindo as orelhas. O piolho de nariz
longo dos bovinos é encontrado amplamente no corpo do animal, com frequência entre as outras espécies. No
início da infestação, eles podem ser encontrados em agrupamentos. Em infestações pesadas, essa espécie pode ser
encontrada em quase todo o corpo.
Haematopinus quadripertusus, o piolho da cauda dos bovinos, é um piolho tropical, sugador, que possui ampla
distribuição em áreas subtropicais (Califórnia, Flórida e Costa do Golfo nos EUA). Os adultos e os ovos são
encontrados na vassoura da cauda; as ninfas podem ser encontradas em outras partes do corpo, incluindo o períneo
e a vulva. O piolho da cauda dos bovinos é conhecido por parasitar tanto raças europeias quanto zebuínas.
Haematopinus tuberculatus, o piolho dos búfalos aquáticos asiáticos, parece ter sido transferido aos bovinos em
várias partes do mundo, e é capaz de se manter em bovinos em clima tropical. Esses piolhos, normalmente, são
encontrados na região posterior e nos membros pélvicos, embora os ovos, em geral, sejam depositados no pescoço,
ombros e membros torácicos do hospedeiro.
Equinos e burros podem ser infestados por duas espécies de piolhos, Haematopinus asini, o piolho sugador do
equino, e Damalinia equi, o piolho mordedor do equino. Ambas as espécies possuem distribuição mundial.
Normalmente, o H. asini é encontrado nas raízes dos pelos do topete e da crina, ao redor da base da cauda e nos
pelos logo acima dos cascos. D. equi prefere fazer a oviposição nos pelos mais finos do corpo e é encontrado na
lateral do pescoço, no flanco e na base da cauda.
Os suínos domésticos são infestados por apenas uma espécie de piolho, Haematopinus suis, o piolho do porco.
Esse piolho sugador muito grande (5 a 6 mm) é comum em porcos domésticos em todo o mundo. As ninfas dos
piolhos, normalmente, são encontradas no interior das orelhas – com frequência profundamente, na pele atrás das
orelhas, nas pregas do pescoço, na parte interna das pernas e na parte interna dos flancos. Todos os estágios podem
ser encontrados abaixo da descamação da pele, em qualquer parte do corpo.
Os ovinos podem ser infestados com o piolho mordedor dos ovinos, Damalinia ovis, e três espécies de piolhos
sugadores: o piolho sugador do pé, Linognathus pedalis; o piolho da face e do corpo, L. ovillus; e o piolho azul
africano, L. africanus. Fora dos EUA, o D. ovis também é conhecido como piolho do corpo dos ovinos. O piolho
do pé dos ovinos é assim denominado, pois exceto em infestações muito pesadas, fica restrito às partes das patas
que têm pelos. O piolho da face, em geral, é encontrado em partes da pele dos ovinos com muitos pelos e, com o
aumento da população, os piolhos se espalham para outras partes do corpo. O L. africanus, em geral, forma
agrupamentos, com frequência no flanco de ovelhas. A queda da lã é comum. O L. africanus também tem sido
relatado em uma variedade de hospedeiros, incluindo cabras e várias espécies de veados.
Linognathus stenopsis, o piolho sugador dos caprinos, é encontrado tanto em raças de pelos curtos quanto em
Angorás. Em várias partes do mundo, também foi relatado em ovinos. É encontrado com maior frequência nas
áreas dos membros pélvicos e dorso que apresentam pelos longos. Infestações pesadas são raras. Damalinia
caprae, o piolho mordedor dos caprinos, é encontrado com maior frequência em caprinos de pelos curtos. Tanto
o D. crassipes quanto D. limbata (o piolho mordedor do Angorá) são sérios parasitos da raça Angorá.
Piolho picador dos bovinos, Damalinia bovis, na pele. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.
Piolho sugador dos equinos, Haematopinus asini. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.
Os cães ocasionalmente são infestados com Linognathus setosus (piolho sugador dos cães), Trichodectes
canis (piolho mordedor de cães) e, raramente, com Heterodoxus spiniger, outra espécie de piolho mastigador. L.
setosus e T. canis também parasitam uma variedade de canídeos selvagens. Os cães que são negligenciados ou que
não estão saudáveis apresentam infestações mais pesadas por L. setosus, que tende a preferir raças de pelos
longos. T. canis prefere a cabeça, pescoço e cauda do hospedeiro, e é encontrado principalmente ao redor de feridas
e aberturas corporais. As infestações do piolho mordedor dos cães podem ser pesadas em animais muito jovens ou
muito idosos. Os animais infestados se coçam, mordem e arranham a área afetada e têm pelame grosso e
emaranhado. T. canis atua como hospedeiro intermediário do cestódeo Dipylidium caninum, um parasito de cães,
gatos, raposas e, ocasionalmente, pessoas. H. spiniger, originalmente um parasito de marsupiais que foi transferido
ao dingo e então ao cão doméstico, é considerado raro na América do Norte. Embora de distribuição mundial, ele
parece ser mais comum em ambientes mais quentes e promove infestações mais pesadas em animais com condição
física ruim. H. spiniger também é um hospedeiro intermediário de D. caninum e da filária Dipetalonema
reconditum.
O piolho Felicola subrostrata é um piolho mastigador que, ocasionalmente, parasito gatos. Os piolhos podem
ser vistos com maior frequência em gatos mais velhos, de pelos longos, que não são capazes de se higienizar
adequadamente.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: A pediculose manifestase por prurido e irritação dérmica que resulta em
prurido, fricção e mordedura das áreas infestadas. Comumente verificase aparência definhada, pelame áspero e
menor produtividade em animais de fazenda. Em infestações graves, pode haver perda de pelos e escarificação
local. Infestações extremas por piolhos sugadores podem causar anemia. Em ovelhas e cabras, o prurido e a
fricção, com frequência, resultam em quebra das fibras dos pelos, o que confere à lã uma aparência de “arrancada”.
Em cães, a pelagem tornase áspera e seca e, se a infestação for grande, os pelos podem estar emaranhados. Os
piolhos sugadores causam feridas pequenas que podem se tornar infectadas. O rastejar e as perfurações ou picadas
constantes da pele causam nervosismo no hospedeiro.
O diagnóstico baseiase na presença do piolho. O pelo deve ser repartido e a pele e a porção proximal da
pelagem devem ser examinadas cuidadosamente com uma luz, se o exame for conduzido em um espaço fechado.
Os pelos dos grandes animais devem ser repartidos na face, pescoço, orelhas, linha dorsal, barbela, anca, base da
cauda e vassoura da cauda. Cabeça, pernas, patas e escroto não devem ser negligenciados, em particular em
ovinos. Em pequenos animais, os ovos são observados prontamente. Ocasionalmente, quando a pelagem está
emaranhada, os piolhos podem ser vistos ao separar a massa conjunta. Os piolhos mordedores são ativos e podem
ser observados se movimentando através dos pelos. Os piolhos sugadores, em geral, se movem mais lentamente e,
com frequência, seu aparelho bucal está inserido na pele.
Piolho sugador de cães, Linognathus setosus. Fêmea, acima, e macho, abaixo. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.
A pediculose em animais de produção é mais prevalente durante o inverno; a gravidade é amplamente reduzida
com a chegada do verão. As infestações, tanto por piolhos mastigadores quanto por sugadores, podem ser graves.
Em rebanhos leiteiros, os bovinos jovens, as vacas secas e os touros podem escapar do diagnóstico precoce e sofrer
mais gravemente. Os bezerros jovens podem morrer e as vacas gestantes podem abortar. O tratamento efetivo
resulta em melhora imediata.
A transmissão, em geral, ocorre pelo contato com o hospedeiro. O piolho que cai ou é retirado do hospedeiro
morre em poucos dias, porém as lêndeas retiradas podem continuar a eclodir por 2 a 3 semanas se o clima for
quente. Além disso, instalações desocupadas recentemente que continham bovinos infestado devem ser
desinfetadas antes do uso por bovinos livre da infestação.
TRATAMENTO: O controle de piolhos requer tratamento com inseticidas ou medicamentos efetivos (ver p. 2696 e p.
2657). Os produtos que podem ser utilizados são regulamentados pelo governo e quem utilizálos deve ler e seguir
os rótulos. O registro de vários produtos que foram listados no passado, em especial algumas formulações de
organofosforados, foi cancelado e esses produtos não estão mais disponíveis legalmente para venda nos EUA. É
possível que alguns produtos que ainda estão disponíveis não estejam inclusos na discussão a seguir. É
responsabilidade do usuário assegurar que um tratamento particular não tenha sido cancelado. As formulações
classificadas como de uso restrito, podem ser compradas e utilizadas apenas por aplicadores certificados ou por
pessoas sob supervisão direta. Precauções presentes nos rótulos a respeito da idade e raça do animal e frequência
de tratamento devem ser observadas. Alguns rótulos de produtos indicam a reaplicação em duas semanas para
controlar uma infestação particularmente refratária.
Poucos compostos podem ser aplicados como spray em todo o corpo para controle dos piolhos. A aplicação leve
e fina de algumas formulações pode ser efetiva, enquanto outras podem requerer o embebimento dos pelos e da
pele.
A tolerância nula a muito baixa de resíduos de pesticidas no leite limita a utilização de inseticidas em vacas e
cabras leiteiras. O spray de permetrina pode ser aplicado nesses animais para controle dos piolhos. Além disso, os
bovinos leiteiros podem ser submetidos à aspersão de permetrina potencializada com butóxido de piperonila
(PBO), cumafós, tetraclorvinfós, tetraclorvinfós mais diclorvós e amitraz. Alguns produtos aprovados para bovinos
de corte podem ser utilizados em bovinos de leite que ainda não chegou à idade reprodutiva. O período de carência
apropriado para o leite deve ser observado nesses animais. Bovinos de corte, ovinos e suínos podem ser aspergidos
com cumafós ou permetrina. Sprays de amitraz, fosmet e tetraclorvinfós podem ser utilizados em bovinos de corte
e suínos. A permetrina potencializada com PBO, spinosad, tetraclorvinfós e tetraclorvinfós com diclorvós podem
ser aplicados tanto em bovinos de corte quanto de leite. O spray de permetrina com PBO é aprovado para controle
de piolhos em ovinos. Equinos podem ser tratados com spray de permetrina ou de piretrina.
Em razão da facilidade de aplicação e do menor estresse ao animal tratado, o método pouron se tornou um meio
de aplicação popular para uma variedade de inseticidas para o controle de piolhos, tanto sistêmicos quanto locais.
Bovinos de corte, vacas lactantes ou não, ovinos, suínos e cabras não lactantes podem ser tratados com
formulações pouron de permetrina para controle de piolhos. Com frequência, a permetrina é potencializada com
PBO. Formulações tópicas de permetrina, permetrina com diflubenzuron e piretrinas estão disponíveis para
controle de piolhos em equinos. Uma vez que o percentual de ingrediente ativo nas formulações pouron
comerciais varia de 1 a 10%, é importante que a formulação seja aprovada para os animais tratados. Um pouron
de permetrina com PBO também está disponível para controle de piolhos em bovinos de corte, vacas lactantes e
não lactantes e ovinos. Ciflutrina pouron, permetrina com diflubenzuron e spinosad pouron são aprovados para
bovinos de corte e bovinos de leite lactante ou não, mas a ?cialotrina é aprovada apenas para bovinos de corte. O
amitraz pouron é aprovado para uso em suínos.
Vários compostos antiparasitários sistêmicos, as lactonas macrocíclicas, estão disponíveis como formulações
pouron para o controle dos piolhos nos bovinos, bem como uma variedade de outros parasitos internos e externos.
Uma vez que esses produtos também controlam bernes de bovinos, precauções devem ser tomadas para evitar
reação parasitohospedeiro (ver p. 983). Formulações pouron de doramectina, eprinomectina, ivermectina e
moxidectina são efetivas contra os piolhos mastigadores e sugadores de bovinos de corte. As vacas leiteiras em
lactação podem ser tratadas com eprinomectina e moxidectina pouron. Fora isso, o uso de medicamentos
sistêmicos para o controle de piolhos é proibido em animais produtores de leite em idade reprodutiva. Doramectina
e ivermectina também estão disponíveis em formulações injetáveis, e a ivermectina está disponível como pasta
oral; no entanto elas são menos efetivas contra piolhos mastigadores do que as formas pouron típicas. A
doramectina injetável e a ivermectina injetável e premix são efetivas contra o piolho sugador dos suínos.
Os piolhos dos bovinos de corte podem ser controlados ou suprimidos pela utilização de dispositivos de
autotratamento durante o inverno, como por exemplo, brincos inseticidas, borrachas para coçar as costas e sacos de
pó. Os brincos inseticidas que contêm uma variedade de ingredientes ativos (p. ex., clorpirifós, diazinon,
endosulfan, ?cialotrina, permetrina, zetacipermetrina, com frequência com PBO) controlam e auxiliam no
controle de piolhos mastigadores e sugadores de bovinos. Alguns brincos contêm apenas um princípio ativo,
enquanto outros possuem uma mistura desses. Embora muitos dos brincos sejam aprovados para controle de
piolhos em bovinos de corte, eles podem não ser aprovados para bovinos leiteiros lactantes. As populações de
piolhos podem ser controladas em bovinos de corte e leiteiros, lactantes ou não lactantes, cabras leiteiras lactantes
ou não, ovinos e equinos com sacos de pó que contêm zetacipermetrina. As populações de piolhos também podem
ser reduzidas pelo uso de polvilhamento com cumafós, ciflutrin, tetraclorvinfós ou permetrina em bovinos de corte
ou de leite e cumafós, permetrina ou tetraclorvinfós em suínos. Equinos também podem ser polvilhados com
cumafós. Para infestações graves, formulações em pó podem ser utilizadas para tratar a cama dos suínos.
Muitos produtos, como shampoos, sprays e pós, estão disponíveis para controle de insetos em animais de
estimação; no entanto, piolhos raramente são mencionados nos rótulos. Os cães podem ser tratados com permetrina
ou piretrina com PBO. Gatos também podem ser tratados com piretrinas potencializadas. Doses de ivermectina
altas o suficiente para serem efetivas contra piolhos não são recomendadas em cães. Alguns tratamentos
tópicos spoton para o controle de pulgas em cães e gatos também são indicados para o controle de piolhos. Esses
tratamentos, em geral, são aplicados em um ou mais pontos entre as escápulas. A imidacloprida, imidacloprida
com permetrina e imidacloprida com moxidectina são aprovados para o controle de piolhos em cães. O tratamento
com fipronil mais (S)metoprene é aprovado para controle de piolhos mastigadores tanto em cães quanto em gatos.
A imidacloprida e imidacloprida com moxidectina são aprovados para uso em gatos.
Na maioria dos países, agências regulamentadoras especificam os limites de resíduos de inseticidas nos tecidos e
regulam o uso de inseticidas em animais de produção. Todas essas regulamentações estão sujeitas a mudanças; leis
locais pertinentes e requerimentos devem ser determinados. O tratamento de animais de corte e de leite deve ser
restrito ao uso especificado no rótulo do produto, e todas as precauções devem ser observadas cuidadosamente.
PULGAS E DERMATITE ALÉRGICA À PULGA
Há > 2.200 espécies de pulgas reconhecidas mundialmente. Na América do Norte, apenas poucas espécies
infestam comumente cães e gatos: Ctenocephalides felis (pulga dos gatos), C. canis (pulga dos cães), Pulex
simulans (pulga de pequenos mamíferos) e Echidnophaga gallinacea (pulga de aves domésticas). No entanto, de
longe, a pulga mais prevalente em cães e gatos é C. felis. A pulga dos gatos causa uma grave irritação nos
animais e no homem e é responsável pela dermatite alérgica a pulgas. Ela também serve como vetor de riquétsias
semelhantes ao tifo e de Bartonella sp e é hospedeira intermediária de parasitos filarídeos e cestódeos. Pulgas dos
gatos já foram notadas em infestando > 50 diferentes hospedeiros mamíferos e aves por todo o mundo. Na
América do Norte, os hospedeiros mais comuns são os canídeos domésticos e silvestres, felinos domésticos e
silvestres, guaxinins, gambás, furões e coelhos domésticos.
TRANSMISSÃO, EPIDEMIOLOGIA E PATOGÊNESE: As pulgas dos gatos depositam seus ovos na pelagem do seu
hospedeiro. Esses ovos são brancoperolados e ovais com extremidades arredondadas e têm 0,5 mm de
comprimento. Da pelagem, caem facilmente para cama, tapetes ou solo, onde a eclosão ocorre em cerca de 1 a 6
dias. As larvas de pulgas recémeclodidas têm 1 a 5 mm de comprimento, são delgadas, brancas, segmentadas e
esparsamente recobertas com pelos curtos. As larvas têm vida livre, alimentamse dos resíduos orgânicos notados
no ambiente e das fezes das pulgas adultas, que são essenciais para o desenvolvimento bemsucedido. Estas larvas
evitam a luz direta e se movimentam ativa e profundamente nas fibras dos tapetes ou sob resíduos orgânicos
(capins, ramos, folhas ou terra).
As larvas são suscetíveis ao ressecamento, sendo letais em exposições prolongadas em umidade relativa < 50%.
As áreas domiciliares com a umidade necessária são limitadas e os locais externos adequados são ainda mais raros.
O desenvolvimento das pulgas no ambiente externo só ocorre onde o solo for sombreado e úmido (umidade do
solo de 1 a 20% é suficiente) e onde o animal de estimação infestado por pulgas passa uma quantidade de tempo
significativa, de forma que se depositem fezes de pulgas adultas no ambiente larval. No ambiente de dentro de
casa, as larvas de pulga provavelmente sobrevivem somente no microambiente protegido sob um tapete ou nas
rachaduras entre pisos de taco, nos climas úmidos e em pisos de concreto não terminados em porão úmido. O
estágio larval dura, em geral, 5 a 11 dias, mas pode se prolongar por 2 a 3 semanas, dependendo da disponibilidade
de alimentos e das condições climáticas.
Após completar o seu desenvolvimento, a larva madura produz um casulo semelhante à seda, no qual se torna
pupa. Esse casulo é ovoide, possui cerca de 0,5 cm de comprimento, é esbranquiçado e vagamente fiado. Os
casulos de pulga podem ser notados no solo, na vegetação, nos tapetes, sob os móveis e nas camas de animais.
Quando a pupa se encontra totalmente desenvolvida (1 a 2 semanas), a pulga adulta sai do casulo quando
apropriadamente estimulada por pressão física, dióxido de carbono, movimento no substrato ou calor.
O adulto préemergido (que já é uma pulga adulta completamente formada) residente no casulo é o estágio que
pode estender a longevidade da pulga. Se o adulto préemergido não receber o estímulo apropriado para sair do
casulo, pode permanecer quiescente no interior do casulo por várias semanas até a chegada de um hospedeiro
adequado. A saída do casulo pode ser adiada por até 350 dias, se as pulgas adultas pré–emergidas estiverem
protegidas do ressecamento. As pulgas recémsaídas se movem para a parte superior das fibras do tapete ou da
vegetação, onde encontrarão, com maior probabilidade, um hospedeiro passante. Sob condições ideais de
temperatura (27°C) e umidade relativa (90%), a pulga dos gatos recém emergida pode sobreviver por
aproximadamente 12 dias antes da necessidade de alimentação sanguínea; em umidades relativas de 50%, este
intervalo cai para cerca de 3 dias. As pulgas recémemergidas não alimentadas que infestam os animais de
estimação e picam as pessoas. Geralmente há pouca movimentação interhospedeiro das pulgas dos gatos. As
pulgas dos gatos que encontram um hospedeiro preferido (p. ex., cão, gato, gambá etc.) não sairão de seu
hospedeiro a menos que sejam forçadas por meio de uma atividade de higiene ou de inseticidas.
Dependendo da temperatura e da umidade, o ciclo de vida inteiro da pulga dos gatos pode se completar em até
12 a 14 dias ou pode se prolongar por até 350 dias. No entanto, sob a maioria das condições domésticas, as pulgas
dos gatos completam o seu ciclo de vida em 3 a 6 semanas.
As pulgas dos gatos adultas começam a se alimentar quase imediatamente quando encontram um hospedeiro. As
pulgas dos gatos fêmeas podem consumir 13,6 μl de sangue por dia, que corresponde a 15 × o seu peso corporal.
Depois de um trânsito rápido através da pulga, o sangue excretado se seca dentro de minutos em pelets ou molas
fecais tubulares longas pretoavermelhadas (“fezes de pulga”). As pulgas se acasalam depois de se alimentar e a
produção de ovos começa em 24 a 48 h após as fêmeas consumirem a sua primeira refeição sanguínea. As pulgas
fêmeas dos gatos podem produzir até 40 a 50 ovos ao dia durante uma produção máxima de ovos, em média a 27
ovos ao dia, durante 50 dias. As fêmeas individuais podem continuar a produzir ovos por > 100 dias.
A pulga dos gatos é suscetível ao frio. Nenhum estágio do ciclo de vida (ovo, larva, pupa ou adulto) pode
sobreviver a < 3°C por vários dias. Portanto, as pulgas dos gatos sobrevivem aos invernos nos climas temperados
do norte, como adultas, em cães e gatos não tratados ou em pequenos mamíferos silvestres (p. ex., guaxinins e
gambás) no ambiente urbano. À medida que esses animais passam por quintais na primavera ou constroem locais
de ninho em espaços apertados nas casas ou em sótãos, os ovos depositados por parte das pulgas fêmeas
sobreviventes desenvolvemse subsequentemente em adultos. As pulgas dos gatos também podem sobreviver ao
inverno como adultos préemergidos em microambientes protegidos do frio.
Nas infestações maciças, as pulgas podem causar anemia por deficiência de ferro, particularmente nos animais
jovens. Já se descreveram que as pulgas do gênero Ctenocephalides provocam anemia em aves domésticas, cães,
gatos, caprinos, bovinos e ovinos.
Ctenocephalides felis, a pulga comum de gatos. Cortesia da Merial Limited.
A pulga dos gatos também se envolve na transmissão de doenças. O tifo murino, causado por Rickettsia
typhi e R. felis, é uma doença febril leve a grave do homem, caracterizada por dores de cabeça, calafrios e
exantemas cutâneos, com raro envolvimento dos rins e sistema nervoso central (SNC). A doença acomete pessoas
e vários pequenos mamíferos ao longo das costas sudeste, sudoeste e do Golfo. Nos EUA, o principal ciclo de
transmissão envolve gambás e pulgas dos gatos. As pulgas dos gatos também atuam como hospedeiros
intermediários do nematódeo filarídeo subcutâneo não patogênico de cães, Dipetalonema reconditum. Dipylidium
caninum, o cestódeo intestinal comum de cães e gatos (e, raramente, de crianças) se desenvolve como um
cisticercoide em C. felis, C. canis e Trichodectes canis. As larvas das pulgas ingerem os ovos deste cestódeo, que
se desenvolvem em cisticercoide na pulga. Quando limpam a si mesmos, os cães e os gatos podem ingerir as
pulgas infectadas liberando os cisticercoides.
Dermatite alérgica a pulgas
A dermatite alérgica a pulgas (DAP) ou hipersensibilidade à picada de pulgas é a doença dermatológica mais
comum de cães domésticos nos EUA. Os gatos também são acometidos por DAP, que é uma das causas principais
de dermatite miliar felina. A DAP é mais prevalente no verão, no entanto, nos climas quentes, as infestações de
pulgas podem persistir por todo o ano. Nas regiões temperadas do norte da América do Norte, a proximidade dos
animais de estimação e das suas pulgas com residências humanas cria condições que permitem um problema anual.
Os extremos de temperatura e a umidade baixa tendem a inibir o desenvolvimento das pulgas.
Quando se alimentam, as pulgas injetam saliva contendo uma variedade de componentes semelhantes à
histamina, enzimas, polipeptídios e aminoácidos que variam de tamanho (40 a 60kD) induzem hipersensibilidade
dos tipos I, IV e basofílica. Os cães sem pulgas, expostos intermitentemente a picadas de pulga, desenvolvem
reações imediatas (15 min), tardias (24 a 48 h) ou ambas e teores detectáveis de anticorpos IgE e IgG circulantes.
Os cães expostos continuamente a picadas de pulga apresentam baixas concentrações desses anticorpos circulantes
e não desenvolvem reações cutâneas ou as desenvolvem posteriormente e em um grau bastante reduzido. Isso
poderia indicar que é possível desenvolver naturalmente uma tolerância imunológica nos cães continuamente
expostos às picadas de pulga. Embora a fisiopatologia da DAP nos gatos seja pouco compreendida, podem existir
mecanismos semelhantes.
ACHADOS CLÍNICOS: Os sinais clínicos associados à DAP são variáveis e dependem da frequência da exposição a
pulgas, da duração da doença, da presença de dermatopatia secundária ou intercorrente, do grau da
hipersensibilidade e dos efeitos de um tratamento anterior ou atual. O animal não alérgico pode apresentar poucos
sinais clínicos, além do prurido ocasional em decorrência da irritação pelas picadas de pulga. Os animais alérgicos
apresentarão, tipicamente, uma dermatite caracterizada por prurido.
Nos cães, o prurido associado à DAP pode ser intenso e se manifestar no corpo inteiro. Os sinais clínicos
clássicos são lesões papulocrostosas distribuídas na parte inferior do dorso, na base da cauda e nas áreas
posteriores e internas das coxas. Os cães podem ser particularmente sensíveis nos flancos, regiões caudais e
mediais das coxas, abdome ventral, parte inferior do dorso, pescoço e orelhas. Os cães afetados provavelmente
ficarão inquietos e desconfortáveis, passando muito tempo coçando, lambendo, esfregando e até mordiscando sua
pele. O pelo pode apresentar machas marrons devido à lambedura e frequentemente é quebradiço. Lesões
secundárias comuns incluem áreas de alopecia, eritema, hiperpigmentação cutânea, descamação, pápulas e pápulas
recobertas por crostas marromavermelhadas. Tipicamente, as áreas mais afetadas e mais evidentes são o flanco e
da base da cauda. Se a DAP progredir e tornarse crônica, as áreas se tornarão alopécicas, liquenificadas e
hiperpigmentadas e os cães desenvolvem infecções secundárias bacterianas ou leveduriformes.
Nos cães extremamente hipersensíveis, extensas áreas de alopecia, eritema e de autotraumatismo são evidentes.
Também pode ocorrer dermatite úmida traumática. À medida que a doença se torna crônica, o cão pode
desenvolver alopecia generalizada, grave seborreia, hiperqueratose e hiperpigmentação.
Nos gatos, os sinais clínicos variam de mínimos a intensos, dependendo do grau de sensibilidade. A dermatite
primária é uma pápula, quase sempre se torna crostosa. Esta dermatite “miliar” é notada tipicamente no dorso,
pescoço e face. As lesões miliares não são picadas de pulga verdadeiras, mas a manifestação de uma reação
alérgica sistêmica que desencadeia prurido generalizado e erupção cutânea eczematosa. O prurido pode ser intenso,
evidenciado por lambeduras repetidas, coceira e mordeduras. Os gatos com DAP podem apresentar alopecia,
dermatite facial, dermatite esfoliativa e dermatite na forma de “faixa de estrada” ou dorsal.
Dermatite alérgica à pulga, com descamação e eritema, em cão. Cortesia da Merial Limited.
DIAGNÓSTICO: Vários fatores devem ser considerados no diagnóstico de DAP como: anamnese, sinais clínicos,
presença de pulgas ou de excrementos de pulga, resultados de testes intradérmicos e descarte de outras causas de
doenças dermatológicas.
A maioria dos casos ocorre no final do verão, correspondendo ao pico das populações de pulgas. Nesses casos, a
anamnese pode ser altamente sugestiva. A idade de início também é importante, pois a DAP não ocorre
normalmente antes de 1 ano. Em geral, o diagnóstico é feito por observação visual de pulgas no animal de
estimação infestado. A demonstração para o proprietário da presença de pulgas ou de excrementos de pulga é útil.
Uma repartição lenta dos pelos contra o sentido normal frequentemente revela excrementos de pulga ou pulgas em
movimentos rápidos. Os excrementos de pulga são pretoavermelhados, cilíndricos e em forma de pelets ou de
vírgulas. Colocados em água ou sobre uma toalha de papel úmida e esmagados, se dissolvem e produzem uma
coloração marromavermelhada.
É provável que o animal hipersensível ao extremo fique virtualmente livre de pulgas pelo comportamento de
auto higiene excessivo. Nesses casos, é difícil encontrar evidências de pulgas, dificultando o convencimento do
proprietário acerca do problema. O uso de um pente fino de pulgas (aproximadamente 12 dentes/cm) facilita o
encontro das pulgas e dos seus excrementos. O exame da cama do animal doméstico quanto a ovos, larvas e
excrementos também é útil.
O diagnóstico presuntivo de DAP pode ser confirmado com teste cutâneo intradérmico. As reações positivas
imediatas se caracterizam por um vergão de 3 a 5 mm maior em diâmetro que o controle negativo.
Alternativamente, a medida de um vergão positivo pode ser definida como uma resposta que é menor ou igual ao
ponto médio entre o tamanho da reação do controle positivo e do negativo. Recomendamse observações de reação
imediata (15 a 20 min) e, se estas forem negativas, de uma reação tardia em 24 h. A reação tardia pode não ocorrer
como um vergão discreto, mas como uma reação eritematosa difusa. Uma reação positiva não indica
conclusivamente que a afecção clínica seja DAP – indica apenas que o animal é alérgico ao antígeno da pulga,
originário de uma exposição atual ou anterior. A confiabilidade do teste cutâneo intradérmico nos gatos para
diagnosticar uma DAP é variável.
Testes sorológicos diretos para IgE contra antígenos salivares pulgaespecíficos podem ser utilizados como
auxiliares no diagnóstico de DAP.
Devese diferenciar a DAP de outras causas de doenças dermatológicas. A presença de pulgas ou da reação
positiva ao teste intradérmico não descarta outra dermatopatia responsável pelos sinais clínicos. Nos cães, os
diagnósticos diferenciais são: dermatite por alergênio inalatório (atopia), dermatite alérgica alimentar, sarnas
sarcóptica ou demodécica, outros ectoparasitas e foliculite bacteriana. Nos gatos, outras afecções que podem
resultar em dermatite miliar são: parasitos externos (queiletielose, trombiculose, sarna notoédrica e pediculose),
dermatofitose, hipersensibilidade a medicamentos, alergia alimentar, atopia, foliculite bacteriana e dermatite miliar
idiopática.
TRATAMENTO E CONTROLE: Ver também p. 2703.
As medidas de controle das pulgas têm mudado drasticamente nos últimos anos. O desenvolvimento de
inseticidas e do antipulga IGR, com formulações em doses práticas e atividade residual prolongada melhorou
muito a complacência do proprietário e ajudou a eliminar as infestações recidivantes. Os objetivos do controle das
pulgas são: eliminar as pulgas do animal, eliminar a infestação no ambiental e prevenir reinfestações subsequentes.
O primeiro passo ainda é a eliminação das pulgas do animal. Isso é necessário para aliviar o desconforto dos
animais. Um termo bastante empregado quando discutimos o controle da pulga é a taxa ou velocidade de morte dos
parasitos. Entretanto, é importante diferenciar a velocidade da eliminação de infestações já estabelecidas e a
velocidade da eliminação de pulgas recentemente adquiridas após a aplicação do produto. Um produto aplicado
topicamente em cães e gatos pode levar várias horas (12 a 36 h) até que seus componentes se espalhem
suficientemente ou alcancem concentrações sistêmicas suficientes para eliminar todas as pulgas existentes. Se for
necessária uma taxa de morte mais rápida, um spray para pulgas ou nitempiram pode ser desejável.
Vários inseticidas disponíveis atualmente providenciam excelente eliminação da infestação de pulgas
estabelecida nos cães e gatos, tais como: dinotefuran, fipronil, imidacloprid, metaflumizona, nitempiram,
selamectina, spinosad e piretroides. O nitempiram ou spinosad administrados oralmente eliminarão as pulgas
dentro de 3 a 4 h, enquanto formulações tópicas na forma spoton com efeito residual, contendo fipronil,
imidacloprida ou selamectina demoram 12 a 42 h.
O segundo objetivo é eliminar as pulgas do ambiente onde vive o animal. Isso pode ser conseguido de várias
maneiras: (1) aplicação tópica de inseticidas residuais que matem pulgas recémadquiridas (dentro de 24 h) antes
de iniciarem a reprodução; (2) administração tópica, injetável ou oral de IGR para interromper a reprodução das
pulgas; (3) aplicações repetidas de inseticidas e/ou IGR no ambiente; (4) combinações das anteriores.
Administrações de inseticidas residuais sistêmicos ou tópicos e a administração tópica, injetável ou oral de IGR
são os métodos de preferência de eliminação das pulgas. Vários desses novos inseticidas e IGR mostraramse
extremamente eficazes no controle das pulgas de animais que vivem em ambientes infestados. Estudos de campo
mostraram que o fipronil (com ou sem adição de (S)metopreno), imidacloprida, lufenuron (com piretroide spray
ou comprimidos de nitempiram), selamectina e spinosad podem ser eficazes no controle das infestações de pulga,
sem necessitar de tratamento ambiental. Infestações de pulgas podem ser eliminadas com o uso regular, mensal de
produtos tópicos e sistêmicos porque a maior parte das pulgas morre antes da reprodução e/ou são diretamente
inibidas de reproduzirem. Entretanto, mesmo que o inseticida utilizado por via sistêmica ou tópica seja 100%
efetivo, o controle da infestação comumente demora 2 a 3 meses, devido aos diferentes estágios das pulgas no
ambiente.
Caso os produtos residuais sejam aplicados em dose e intervalos apropriados, é possível adequar a atividade
residual entre as aplicações para matar muitas pulgas recém–adquiridas antes do início da produção de ovos.
Entretanto, é possível notar pulgas que sobrevivem e se reproduzem antes da próxima aplicação, por várias razões:
(1) atividade residual < 100% do tempo indicado na bula; (2) a taxa de morte das pulgas diminui durante a terceira
ou quarta semana; (3) reaplicações do produto atrasadas ou infrequentes; (4) subdose simples; (5) remoção
mecânica de inseticidas solúveis em água durante o banho ou natação. Esses problemas podem resultar em atraso
no controle ou completa falha do tratamento.
Nenhum dos produtos residuais para pulgas recentemente disponíveis tem eficácia de 100% contra todas as
cepas de pulgas dos gatos, entre os períodos de reaplicação prescritos na bula, por causa da variabilidade genética
das diferentes populações de pulgas. Muitos dos fatores que permitem a persistência da infestação podem
possivelmente levar à seleção genética de pulgas resistentes. Pulgas resistentes devem ser capazes de produzirem
ovos viáveis. A reprodução deve ser interrompida para prevenir infestações de pulgas persistentes e seleção das
resistentes. A reprodução pode ser prevenida pela administração tópica ou sistêmica de IGR, que possui atividade
ovicida residual prolongada, interrompendo o desenvolvimento posterior de pulgas, que mesmo após a redução da
atividade residual dos inseticidas. A aplicação de metopreno ou piriproxifeno no pelame dos cães e gatos
rapidamente mata os ovos de pulgas em desenvolvimento além da atividade ovicida residual. A combinação de
fipronil/(S)metopreno ou outros produtos adulticidas/larvicidas mostrou atividade contra pulgas adultas e
propiciou prolongada atividade ovicida residual, reduzindo desta forma, o potencial de seleção genética. Não
apenas a aplicação tópica de IGR mostrou atividade ovicida, mas a administração oral ou injetável (somente em
gatos) de lufenuron também mostrou atividade ovicida. Embora não seja um IGR, a selamectina também
demonstrou atividade ovicida em gatos.
Muitos proprietários de animais pensam erroneamente que os produtos para pulgas eliminam as todas as pulgas
recentemente adquiridas em segundos a minutos e as repelem. Entretanto, às vezes pode não haver repelência e os
produtos residuais não eliminam a maioria das pulgas em minutos. Geralmente as pulgas podem sobreviver por 6 a
24 h e consumir o sangue antes de serem eliminadas. Portanto, o exame minucioso dos animais tratados em um
ambiente infestado ocasionalmente resulta em observações de poucas pulgas nos animais por até 8 semanas e
ocasionalmente por mais tempo, até que a infestação seja eliminada.
Outra complicação adicional para os proprietários de animais é a contaminação do quintal por animais silvestres,
cães e gatos selvagens ou outros animais infestados. Geralmente os proprietários tratam seus próprios animais
porém não realizam o tratamento ambiental frequentado pelos animais, que pode estar constantemente infestado
por pulgas de animais silvestres ou selvagens (especialmente gatos). Mesmo os animais que saem por pequenos
períodos estão suscetíveis à infestação. Ademais, as pessoas podem atuar como carreadores, trazendo as pulgas
para o domicílio e infestando os animais não protegidos.
Nos casos de infecções maciças ou alergia grave em humanos ou animais, pode ser necessário tratamento do
ambiente com adulticidas e IGR. O controle pode ser alcançado pelo uso de inseticidas com atividade residual (ou
por aplicações repetidas de inseticidas de curta ação) em combinação com IGR para prevenir o
desenvolvimento de ovos e larvas de pulgas. Metopreno e piriproxifeno são dois IGR atualmente disponíveis para
aplicação no ambiente. Inseticidas e IGR podem ser aplicados por difusão (aspersão manual ou aerossóis
pressurizados) ou pela liberação total por meiod e aerossóis ou nebulização. Durante a aplicação, a superfície de
todos os tapetes e carpetes deve ser tratada adequadamente. Esforços devem ser direcionados para áreas onde se
acumulam ovos e larvas de pulgas, como carpetes, rachaduras, ranhuras em chão de madeira, atrás de rodapés,
debaixo de tapetes, embaixo de móveis (camas, mesas e sofás) e dentro de armários. Em infecções graves, uma
segunda aplicação pode ser necessária em 7 a 10 dias para matar os adultos recém–emergidos de casulos
escondidos profundamente dentro dos carpetes.
A eliminação das pulgas do quintal também pode ser um aspecto importante no controle dos pulicídeos. O
tratamento do ambiente externo (p. ex., ciflutrina, fenvalerato) deve ser concentrado nos principais locais de
desenvolvimento de pulgas, inclusive microhabitats protegidos, como casas dos cães, interior de garagens, sob
varandas e áreas de descanso de animais, por baixo de arbustos ou outras áreas sombreadas. O borrifamento de
produtos de controle de pulgas sobre uma grande extensão de gramado, sem sombra, geralmente não é benéfico.
Proprietários devem também fazer o controle mecânico. Os procedimentos auxiliares são: lavagem de cobertores
de animais, descarte de tapetes e transportadores de animais; além disso, as áreas onde o animal dorme ou descansa
devem ser limpas totalmente com aspirador de pó para ajudar a remover ovos e larvas de pulgas. Travesseiros e
almofadas de sofás e cadeiras devem ser removidos e aspirados, com atenção especial para fissuras dos sofás e
cadeiras e para as áreas debaixo dos sofás ou camas, onde ovos e fezes podem cair dos animais e se acumular.
Apesar dos esforços dos proprietários dos animais de estimação, a eliminação total das pulgas pode não ser
possível ou pode não ocorrer em tempo suficiente para controlar suficientemente os sinais clínicos da DAP. Deve
se instituir uma terapia médica de suporte para controlar o prurido e a dermatopatia secundária nos animais
hipersensíveis. Frequentemente, exigese terapia com glicocorticosteroides sistêmicos para controlar a inflamação
e o prurido associados. Podese administrar prednisona ou a prednisolona de curta ação, inicialmente na dose de
0,5 a 1 mg/kg, 1 vez/dia, diminuindo a dose e utilizando a terapia em dias alternados até que se administre a dose
mais baixa possível que ainda controle o prurido. Tão logo se obtenha o controle de pulgas, podese interromper a
terapia com glicocorticosteroides. Nunca se deve utilizar a terapia antiinflamatória em substituição ao controle de
pulgas.
Infecção bacteriana secundária da pele pode estar associada à DAP. Comumente, utilizamse antibióticos
sistêmicos para controlar esta piodermite e, por consequência, reduzir a inflamação e o prurido. A escolha do
antibiótico apropriado deve se basear nas culturas bacterianas e nos resultados dos antibiogramas.
A hipossensibilização consiste na administração de alergênios a um animal hipersensível, regularmente, na
tentativa de obter o estado de não reatividade clínica à picada de pulgas. A eficácia dos extratos de pulga
atualmente disponíveis é controversa.
SARNA (Acaríase cutânea, Infestação por ácaros)
SARNA EM BOVINOS
SARNA SARCÓPTICA (ESCABIOSE): Essa doença muito contagiosa disseminase por contato direto ou indiretamente,
por fômites. O agente causal, Sarcoptes scabiei var bovis, pode ser transmitido a pessoas e tratase de uma doença
de notificação obrigatória. As lesões iniciais ocorrem na cabeça, pescoço e ombros, e podem se disseminar para
outras partes do corpo; o prurido é intenso. Pápulas progridem em crostas e a pele tornase espessa e forma grandes
pregas. Pode ocorrer o acometimento de todo o corpo em seis semanas. O diagnóstico é feito por raspados de
pele profundos, biopsia de pele ou pela resposta à terapia. O tratamento é semelhante ao da sarna psoróptica (ver a
seguir).
SARNA PSORÓPTICA: É uma doença de notificação obrigatória, causada por Psoroptes ovis, não transmissível a
pessoas. É observada em bovinos de corte confinado ou a pasto, nas regiões central e oeste dos EUA, com maior
número de notificações vindas do Texas, Novo México, Oklahoma, Kansas, Colorado e Nebraska. O prurido
intenso normalmente começa nos ombros e garupa; pápulas, crostas, escoriações e lignificação são comuns. As
lesões podem cobrir quase todo o corpo; infecções bacterianas secundárias são comuns nos casos graves. Pode
ocorrer morte em bezerros não tratados, perda de peso, diminuição da produção de leite e aumento da
suscetibilidade a outras doenças.
O tratamento pode ser realizado com banhos de spray ou imersão em tanque, aplicações tópicas de acaricidas
locais e formulações orais, tópicas ou injetáveis de medicamentos sistêmicos. A aspersão consome tempo, mas é
útil em rebanhos pequenos, enquanto os banhos de imersão em tanque são eficientes, porém de custo alto e de
manejo difícil (uso de volumes grandes de água, descarte da solução empregada). Nos EUA, spray de toxafeno 0,5
a 0,6% (período de carência de 28 dias), 2 banhos de imersão com cumafós 0,3% (sem período de carência), 2
banhos de imersão com fosmet 0,20 a 0,25% (período de carência de 21 dias); ou 3 imersões em cal sulfurada
quente 2% (sem período de carência) podem ser utilizados. Fora dos EUA, outros tratamentos estão disponíveis,
como foxima 0,1%, diazinon 0,075% e amitraz 0,025 a 0,050%. As imersões devem ser repetidas em intervalos de
10 a 14 dias. Apenas a cal sulfurada quente está registrada para uso em bovinos de leite em lactação. A aplicação
tópica de flumetrina (2 mg/kg, 2 vezes, com intervalo de 10 dias) também está disponível em outros países além
dos EUA. Formulações injetáveis de avermectinas (ivermectina e doramectina) e milbemicinas (moxidectina) são
aprovadas para controle das sarnas psoróptica e sarcóptica na dose de 200 μg/kg (exceto em bovinos de leite
lactante). Apesar de o tratamento ser efetivo, os bovinos devem ser isolados por 2 semanas após o tratamento. A
eprinomectina está disponível em uma formulação pouron na dose de 500 μg/kg, e é aprovada para o controle da
sarna sarcóptica (sem período de carência). Mais recentemente, uma formulação de moxidectina de longa ação foi
introduzida. O medicamento é administrado na dose de 1 mg/kg na base da orelha, mas não é indicado para uso em
vacas lactantes. Essa formulação também é aprovada para o controle de sarna sarcóptica e ajuda a controlar a sarna
corióptica.
Sarcoptes scabiei var bovis, fêmea. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.
SARNA CORIÓPTICA (SARNA DA PERNA): Essa doença de notificação obrigatória, causada por Chorioptes bovis, não
acomete pessoas. Ela é o tipo mais comum de sarna de bovinos nos EUA; é mais prevalente durante o inverno e,
com frequência, regride espontaneamente no verão. A área da quartela é o local predileto dos ácaros. Uma alta
proporção de bovinos pode estar infestada, sem exibir sinais clínicos. As lesões começam como pápulas, crostas e
ulcerações nas pernas e podem se disseminar para o úbere, escroto, cauda e área do períneo. Os bovinos podem ser
tratados com crotoxifos spray 0,25% em alta pressão para deixar o animal completamente úmido; outras imersões
utilizadas para a sarna psoróptica bovina também são efetivas contra Chorioptes. As imersões devem ser realizadas
duas vezes, com intervalos de 10 a 14 dias. Imersões de cal sulfurada semanalmente por 4 a 6 vezes também são
efetivas. Ivermectina, doramectina, eprinomectina e moxidectina aplicadas por via tópica como pouron a 500
μg/kg são efetivas contra sarna corióptica. As formulações injetáveis desses medicamentos a 200 μg/kg são
consideradas auxiliares no controle de Chorioptes. Com exceção da eprinomectina, esses medicamentos não são
aprovados para vacas leiteiras lactantes.
SARNA DEMODÉCICA: Demodex bovis é transferido da vaca ao bezerro durante a amamentação e pode causar lesões
consideráveis no couro. Não há prurido, e as lesões consistem em pápulas foliculares e nódulos, em especial acima
de cernelha, pescoço, costas e flancos. Ulceração, abscessos e fístulas podem se desenvolver em razão da ruptura
folicular ou infecção secundária. O diagnóstico é definido pelo exame de raspado de pele profundo. A demodicose
bovina normalmente é benigna, embora seu curso possa se estender por muitos meses. A recuperação, em geral, é
espontânea; como consequência, o tratamento raramente é feito. Imersão de triclorfon (2%) em dias alternados, por
3 tratamentos, foi relatado como curativo.
SARNA PSORERGÁTICA (PRURIDO POR ÁCARO): Psorergates bos foi relatada em bovinos nos EUA, Canadá e África
do Sul. Os animais acometidos apresentam alopecia macular e prurido discretos. A doença não causa perda
econômica relevante, portanto, os animais normalmente não são tratados. Vários banhos e injeções de ivermectina
e milbemicina são efetivos no controle da infestação.
SARNA EM CÃES E GATOS
SARNA SARCÓPTICA (ESCABIOSE CANINA): A infestação por Sarcoptes scabiei var canis é uma doença altamente
contagiosa de cães, encontrada em todo o mundo. Os ácaros são hospedeiroespecíficos, porém animais (inclusive
pessoas) que entram em contato com cães infestados também podem ser acometidos. Os ácaros adultos têm 0,3 a
0,5 mm de comprimento, forma grosseiramente circular, sem uma cabeça distinta e com 4 pares de pernas curtas.
As fêmeas são quase duas vezes maiores que os machos. Todo o ciclo biológico (17 a 21 dias) é passado no cão.
As fêmeas cavam túneis no estrato córneo para depositar os ovos. A sarna sarcóptica é transmitida imediatamente
entre cães por contato direto; a infestação por contato indireto é menos frequente, mas pode ocorrer. O período de
incubação é variável (10 dias a 8 semanas) e depende do nível de exposição, local do corpo, número de ácaros
transmitidos e do indivíduo. Pode haver portadores assintomáticos. O prurido intenso é característico e,
provavelmente, decorre da hipersensibilidade aos produtos do ácaro. As lesões primárias consistem em erupções
papulares que, em razão do auto traumatismo, dão origem a crostas espessas. Podem ocorrer infecções secundárias
bacterianas e por leveduras. Tipicamente, as lesões se iniciam no abdome ventral, peito, orelhas, cotovelos e pernas
e, se não tratadas, tornamse generalizadas. Cães com a doença crônica generalizada desenvolvem seborreia,
espessamento grave da pele com formação de pregas e crostas, linfadenopatia periférica e emaciação; cães
acometidos podem mesmo morrer. “Escabiose incógnita” foi descrita em cães bem cuidados; esses cães, infestados
com ácaros de escabiose, apresentam prurido, porém a demonstração dos ácaros nos raspados de pele é difícil, pois
as crostas e descamações são removidas por banhos regulares. Formas clínicas atípicas, incluindo as formas
localizadas, que provavelmente estão relacionadas com o uso intenso de inseticidas ou acaricidas, são cada vez
mais observadas.
O diagnóstico baseiase no histórico de prurido grave de início súbito, possível exposição e envolvimento de
outros animais, inclusive pessoas. Determinar o diagnóstico definitivo, às vezes, pode ser difícil, em razão do
raspado de pele negativo. A concentração e a flotação de vários raspados podem aumentar a chance de encontrar
ácaros, ovos e fezes. Vários raspados superficiais extensos devem ser feitos nas orelhas, cotovelos e jarretes;
devemse escolher áreas não escoriadas. Flotação fecal pode revelar ovos ou ácaros. Recentemente, um teste de
ELISA específico e sensível para a detecção de anticorpos específicos tornouse disponível comercialmente, e
pode ser útil. Se os ácaros não forem encontrados, mas o histórico e a apresentação clínica forem altamente
sugestivos de escabiose, é necessária a utilização de diagnóstico terapêutico.
Sarna sarcóptica (escabiose) em cão. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.
O tratamento pode ser tópico ou sistêmico e deve incluir todos os cães contactantes. Para o tratamento tópico, os
pelos devem ser tosados, as crostas e sujidades removidas com banhos com um bom xampu antisseborreico e um
banho acaricida devem ser realizados. Cal sulfurada é altamente efetiva e segura para o uso em animais jovens; são
recomendados vários banhos de imersão, com sete dias de intervalo. O amitraz é um escabicida efetivo, embora
não seja aprovado em todos os locais com essa indicação e haja alguns relatos de falta de eficácia. Ele deve ser
aplicado como solução 0,025% com 1 a 2 semanas de intervalo, por 2 a 6 semanas, e não deve ser utilizado em
Chihuahuas, cadelas prenhes ou amamentando ou filhotes com menos de 3 a 4 meses de idade. Adicionalmente, o
proprietário deve observar determinadas precauções para evitar a autocontaminação. O spray de fipronil mostrou
ser efetivo, porém deve ser considerado como auxiliar no controle, e não como terapia primária.
Tratamentos sistêmicos de escabiose são baseados na administração de lactonas macrocíclicas, algumas das
quais são licenciadas com essa indicação. Dentre elas, a selamectina é administrada como formulação spoton a 6
mg/kg, uma ou duas vezes, com intervalo de 1 mês. Esse medicamento parece ser seguro, mesmo em cães da raça
Colly sensíveis à ivermectina, e pode ser utilizado em cães com 6 semanas de idade ou mais velhos. Em alguns
países (mas não nos EUA), a moxidectina é registrada para o tratamento de escabiose. Ela está disponível como
formulação spoton em combinação com um produto antipulgas (imidacloprida), e deve ser administrada em duas
doses de 2,5 mg/kg, com 4 semanas de intervalo. Cães com mais de sete semanas de idade e/ou que pesam < 1 kg
não devem ser tratados com essa formulação spoton; adicionalmente, a absorção oral deve ser evitada em raças
sensíveis. Outros endectocidas, como a milbemicina oxima e a ivermectina, que não são registradas para o
tratamento de sarna sarcóptica em cães, foram consideradas bastante efetivas, dependendo da dose e via de
administração. A dose recomendada de milbemicina oxima é de 2 mg/kg VO, 2 vezes/semana por 3 a 4 semanas;
toxicidade potencial deve ser considerada em cães com mutação no gene MDR1. A ivermectina (200 μg/kg, VO
ou SC, duas doses, com intervalo de 2 semanas) é muito efetiva e, normalmente, é curativa. A ivermectina nessa
dose é contraindicada em cães da raça Colly e seus mestiços. Reações de idiossincrasia em outras raças também
podem ocorrer. Além disso, o animal deve ser avaliado para dirofilariose antes de ser tratado com qualquer lactona
macrocíclica.
SARNA NOTOÉDRICA (ESCABIOSE FELINA): Essa doença rara e altamente contagiosa de gatos adultos e filhotes é
causada por Notoedres cati, que pode infestar de forma oportunista outros animais, inclusive pessoas. O ácaro e
seu ciclo biológico são similares àqueles da escabiose canina. O prurido é grave e são observadas crostas e
alopecia, em particular nas orelhas, cabeça e pescoço, que podem se tornar generalizadas. Os ácaros podem ser
encontrados facilmente em raspados de pele. O tratamento consiste em banhos com cal sulfurada em intervalos de
7 dias. O uso extrabula do amitraz não é recomendado em gatos. Tratamentos não aprovados, mas eficientes,
incluem selamectina (6 mg/kg, spoton), moxidectina (2,5 mg/kg, spoton) e ivermectina (200 μg/kg, SC). Há
relatos de morte súbita em filhotes de gato após a aplicação de ivermectina.
SARNA OTODÉCICA: Otodectes cynotis é causa comum de otite externa (p. 561), em especial em gatos, mas também
em cães. Este ácaro, que pertence à família Psoroptidae, normalmente é encontrado tanto no canal auditivo vertical
quanto no horizontal, mas, ocasionalmente, são observados no corpo. Os sinais clínicos incluem balanços de
cabeça, prurido auricular contínuo e cabeça pendente. O prurido é variável. Acúmulo de cerume marromescuro na
orelha e otite externa supurativa, com possível perfuração da membrana timpânica, podem ser verificados em casos
graves. Os animais acometidos e contactantes devem receber tratamento parasiticida apropriado nas orelhas e em
todo o corpo durante 2 a 4 semanas. Outros tratamentos efetivos incluem lactonas macrocíclicas sistêmicas.
Apenas a selamectina e a moxidectina (em alguns países que não os EUA) são aprovadas para o tratamento de
sarna otodécica; elas são administradas como formulação spoton (ver anteriormente). Como regra geral, a limpeza
das orelhas com ceruminolítico apropriado é indicada com terapia tópica e, em especial, com terapia sistêmica.
QUEILETIELOSE (CASPAS ANDANTES): Cheyletiella blakei infecta gatos, C. yasguri infecta cães e C.
parasitovorax infecta coelhos, embora infestações cruzadas sejam possíveis. Essa doença é muito contagiosa, em
especial em animais que vivem em comunidades. A infestação em pessoas é frequente. Não são comuns
infestações por ácaros em áreas endêmicas para pulgas, provavelmente em razão do uso regular de inseticidas.
Esses ácaros têm 4 pares de patas e o aparelho bucal proeminente em forma de ganchos. Eles vivem na superfície
da epiderme e permanecem no hospedeiro durante todo o seu ciclo biológico (3 semanas). As fêmeas do ácaro
podem, no entanto, sobreviver por tanto tempo quanto 10 dias fora do hospedeiro. A doença clínica é caracterizada
por descamação, distribuição dorsal e prurido, que varia de ausente a grave. Os gatos podem desenvolver crostas
dorsais ou dermatite miliar generalizada. Podem existir carreadores assintomáticos. Os ácaros e os ovos podem não
ser facilmente encontrados, em especial em animais que tomam banhos com frequência. Impressões em fita de
acetato, raspados de pele superficiais e o uso de pente para pulgas podem confirmar o diagnóstico.
Acaricidas tanto tópicos quanto sistêmicos são efetivos contra queiletielose, embora nenhum medicamento seja
licenciado atualmente com essa indicação. É necessário tratar todos os animais contactantes e o ambiente,
incluindo a cama contaminada e o material de cuidado individual. Medicamentos tópicos incluem cal sulfurada,
fipronil spoton e spray, piretrinas e amitraz (os dois últimos produtos são contraindicados em gatos). O uso de
medicamentos sistêmicos fora das indicações da bula inclui selamectina spoton, moxidectina spoton,
milbemicina oxima (VO) e ivermectina (SC). Devese ter cuidado para evitar ou minimizar os riscos de reações
adversas, como descrito anteriormente (p.1022). O período de tratamento depende do medicamento selecionado e
deve ser longo o suficiente para erradicar os ácaros do animal e do seu ambiente, o que pode ser difícil em
comunidades de animais (colônias de reprodução, canis). Na prática, o tratamento dura 6 a 8 semanas e deve
continuar por algumas semanas além da cura clínica, até que a se consiga a cura parasitológica.
DEMODICOSE CANINA: Essa doença de pele em cães ocorre quando um grande número de ácaros Demodex
canis habita seus folículos pilosos e glândulas sebáceas. Em pequeno número, esses ácaros fazem parte da flora
normal da pele de cães e não causam doença clínica. Os ácaros são transmitidos da mãe para o filhote durante a
amamentação, nas primeiras 72 h após o nascimento. Os ácaros passam todo o ciclo biológico no hospedeiro e a
doença não é considerada contagiosa. A patogênese da demodicose é complexa e não é completamente
compreendida; as evidências de predisposição hereditária para a doença generalizada são fortes. A
imunossupressão, natural ou iatrogênica, pode precipitar a doença em alguns casos. Foliculite profunda bacteriana
secundária, furunculose ou celulite podem ocorrer, levando ao prognóstico reservado.
Existem duas formas clínicas da doença (localizada e generalizada). A demodicose localizada ocorre em cães
com < 2 anos de idade e, na maioria dos casos, em especial as formas localizadas, parece se resolver
espontaneamente. As lesões consistem em áreas de alopecia focal, eritema e/ou hiperpigmentação e comedões.
Normalmente não há prurido, ou ele é leve. Uma porcentagem desses casos, sobretudo das formas difusas de
demodicose localizada, evolui para a forma generalizada. A demodicose generalizada é uma doença grave, com
lesões generalizadas, normalmente agravadas por infecções bacterianas secundárias (piodemodicose). Comumente
são acompanhadas por pododermatites. Quando há piodermas profundos, furunculoses ou celulite, os cães podem
apresentar manifestações sistêmicas com linfadenopatia generalizada, letargia e febre. O diagnóstico não é difícil,
uma vez que raspados de pele profundos ou pelos arrancados revelam ovos dos ácaros e um grande número de
formas larvais. Sempre que a demodicose generalizada for diagnosticada em um cão adulto, devese realizar
avaliação clínica para identificar a doença sistêmica subjacente.
A demodicose localizada pode não ser tratada. O prognóstico para essa forma normalmente é bom e a
recuperação espontânea é frequente. Em contraste, casos de demodicose localizada difusa (que pode se
generalizar), demodicose generalizada, piodemodicose e pododemodicose, para a qual o prognóstico é reservado,
devem ser tratadas. A tosa dos pelos e a limpeza do corpo, em especial com xampu de peróxido de benzoíla,
utilizado por sua atividade de limpeza folicular, podem ser necessárias. A imersão de todo o corpo em solução de
amitraz (0,025%) a cada 2 semanas permanece o único tratamento aprovado para a demodicose generalizada nos
EUA. Concentrações maiores (0,05%) e intervalos de aplicação mais curtos (1 semana) podem ser mais eficientes.
Outros protocolos experimentais utilizando imersões diárias da metade do corpo em amitraz foram propostos
para demodicose generalizada refratária. Entre as lactonas macrocíclicas, apenas a milbemicina oxima (0,5 a 1
mg/kg, VO, 1 vez/dia) é aprovada para demodicose generalizada em alguns países. A moxidectina também é
registrada para o tratamento de demodicose canina em alguns países fora dos EUA; ela está disponível como
formulação spoton em combinação com produtos antipulgas (imidacloprida) e deve ser administrada a 2,5 mg/kg,
2 a 4 vezes, com 4 semanas de intervalo. Na prática, as falhas no tratamento com esse protocolo aprovado são
relatadas com frequência. Outros tratamentos sistêmicos de sucesso relatados incluem a moxidectina (400 μg/kg,
VO, 1 vez/dia) e ivermectina (300 a 600 μg/kg, VO, 1 vez/dia). Para a última, diferentes protocolos terapêuticos
foram propostos com aumento gradual da dose e amplo monitoramento do paciente para detectar qualquer sinal de
toxicidade. A ivermectina é contraindicada aos cães da raça Colly e seus mestiços. No entanto, toxicidade
idiossincrática pode ocorrer em qualquer raça. O teste para a mutação do alelo MDR1 pode ser necessário antes do
início do tratamento. Corticosteroides locais e sistêmicos são contraindicados em qualquer animal com diagnóstico
de demodicose. Infecções bacterianas secundárias devem ser tratadas com terapia antimicrobiana apropriada. A
terapia antiparasitária deve ser mantida não apenas até a resolução dos sinais clínicos, mas até, no mínimo, dois
raspados de pele negativos consecutivos obtidos a intervalos de um mês. Apenas como medida profilática, cães
demodécicos não devem ser utilizados para a reprodução.
DEMODICOSE FELINA: A demodicose felina é uma doença de pele incomum a rara, causada por, ao menos, duas
espécies de ácaros demodécicos. Acreditase que o Demodex cati seja um habitante normal da pele do gato. É um
ácaro folicular, similar ao ácaro canino, porém mais estreito, que pode causar demodicose localizada ou
generalizada. A outra espécie de Demodex (em geral, denominada D. gatoi) é mais curta, com abdome largo, e é
encontrada apenas no estrato córneo. Ela causa uma demodicose superficial transmissível e contagiosa, que, com
frequência, causa prurido, e pode ser generalizada. Na demodicose folicular localizada, há uma ou várias áreas de
alopecia focal, normalmente na cabeça e no pescoço. Na doença generalizada crostas, alopecia e pioderma
secundário potencial de todo o corpo são observados. A forma generalizada, com frequência, é associada a outras
doenças imunossupressoras ou metabólicas subjacentes, como infecção pelo vírus da leucemia felina, infecção pelo
vírus da imunodeficiência felina, diabetes melito ou neoplasias. Em alguns casos, otite externa ceruminosa é o
único sinal clínico.
O diagnóstico é realizado por meio de raspados de pele superficiais (D. gatoi) e profundos (D. cati), embora o
número de ácaros, com frequência, seja pequeno, em especial com D. gatoi. Avaliação médica é indicada em gatos
com doença generalizada. Cultura para dermatófitos é essencial, uma vez que a dermatofitose e a demodicose
podem ser condições concomitantes. O prognóstico da demodicose generalizada não pode ser previsto, em razão
da sua relação potencial com doenças sistêmicas. Em alguns casos, há remissão espontânea. Imersões em cal
sulfurada (2%) semanais são seguras e normalmente efetivas; amitraz (0,0125 a 0,025%) foi utilizado, porém não é
aprovado para uso em gatos e pode causar anorexia, depressão e diarreia. O uso de antiparasitários a base de
lactonas macrocíclicas foi relatado, mas a eficácia ainda não é conhecida.
TROMBICULOSE: Essa acaríase comum, sazonal e não contagiosa é causada por um estágio larval parasito de
ácaros de vida livre da família Trombiculidae. Ela pode afetar carnívoros domésticos, outros mamíferos
domésticos e silvestres, pássaros, répteis e pessoas. Duas espécies comuns encontradas em cães e
gatos, Neotrombicula autumnalis e Eutrombicula alfreddugesi, são relatadas na Europa e na América
respectivamente. Adultos (ácaros da colheita) e ninfas se assemelham a pequenas aranhas e vivem em detritos em
putrefação. Em áreas temperadas, entre o verão e o outono, os cães e gatos podem adquirir das larvas parasitos ao
descansarem no chão ou andarem em habitats adequados. Em regiões mais quentes, a infestação ocorre durante
todo o ano. As larvas (0,25 mm de comprimento) se aderem ao hospedeiro, se alimentam por alguns dias e o
deixam após terem ingurgitado. Nesse momento, elas são facilmente identificadas como pontos imóveis, ovoides,
com 0,7 mm de comprimento, alaranjados a vermelhos, normalmente encontrados em aglomerações na cabeça,
orelhas, patas e região ventral. A patogenicidade ocorre por meio de atividades traumática e proteolítica. Suspeita
se de reações de hipersensibilidade em alguns animais, uma vez que o prurido pode variar de ausente a grave. As
lesões incluem eritema, pápulas, escoriações, queda de pelos e crostas. Quando presente, o prurido intenso pode
persistir, mesmo após a larva deixar o animal.
O diagnóstico baseiase no histórico e nos sinais clínicos. A infestação é uma ameaça sazonal a cães e gatos de
vida livre. O diagnóstico diferencial inclui outras dermatites pruriginosas, principalmente a atopia. O diagnóstico é
confirmado por meio de exame cuidadoso das áreas afetadas. A avaliação microscópica de raspados de pele pode
ajudar a identificar as larvas, que possuem corpo de forma ovalada, que é densamente coberto por cerdas (pelos
táteis), 6 pernas longas e pedipalpos curvos que terminam em garras.
O manejo é difícil. A abordagem mais útil, se viável, consiste em manter os animais longe de áreas conhecidas
por abrigar um grande numero de ácaros, para evitar reinfestações durante o período de risco. A aplicação de
repelentes para prevenir infestações promoveu resultados variáveis. No entanto, amitraz, fipronil spray e
piretroides (apenas em cães) podem ser utilizados tanto para prevenção quanto para o tratamento de animais
infestados. O tratamento sintomático pode ser necessário em animais com prurido intenso.
ESTRAELENSIOSE: A estraelensiose canina é uma dermatite parasitária potencialmente emergente, rara, não
contagiosa e esporádica, causada pelo encistamento temporário do estágio larval parasito de Straelensia cynotis na
epiderme. Esse ácaro pertence a uma família próxima à família Trombiculidae. Até o momento, o seu ciclo
biológico é amplamente desconhecido, e a doença foi relatada apenas na França, Portugal, Espanha e Itália. A
transmissão ocorre principalmente em cães rurais e cães de caça de pequeno porte, provavelmente por meio de
contato com solo contaminado, lixo e outros habitats terrestres de raposas. Não foi relatado contágio a congêneres
ou a pessoas. S. cynotis apresenta diferenças distintas de outros ácaros trombiculídeos, em especial na apresentação
clínica, aspectos histopatológicos e resposta ao tratamento.
A estraelensiose apresenta surgimento súbito e pode ser acompanhada por sinais sistêmicos, como anorexia e
prostração. As lesões são indolores, variavelmente pruriginosas e podem ser generalizadas ou multifocais, afetando
com maior frequência a região dorsal da cabeça e tronco. As pápulas eritematosas características e os nódulos
lembram pequenas crateras. Descamação, pústulas e crostas podem ser observadas. Os diagnósticos diferenciais
incluem foliculite bacteriana, sarna sarcóptica e lesão à bala. O exame microscópico das amostras obtidas de
raspados profundos pode auxiliar na identificação das larvas (0,7 mm de comprimento, 0,45 mm de largura), cada
uma em um cisto de parede espessa. As larvas, que lembram o Neotrombicula, são visualizadas com maior
facilidade por histopatologia.
O prognóstico é favorável; a autocura, em geral, ocorre após vários meses, se a reinfestação for evitada. No
entanto, o tratamento dos sinais clínicos é difícil. Amitraz pode ser efetivo.
LINXACARÍASE: A linxacaríase felina é bastante comum, mas, até o momento, é uma dermatite parasitária restrita
geograficamente (Austrália, Havaí, Flórida, Texas, Brasil), causada pelo ácaro da pelagem Lynxacarus radovskyi,
que pertence à família Listophoridae. O ciclo biológico permanece pouco descrito, e essa espécie ainda não foi
relatada em outros hospedeiros, além de gatos. A infestação tipicamente ocorre por contato direto, mas fômites
podem ser importantes para a transmissão. Os sinais clínicos incluem aparência de sal e pimenta do pelame,
prurido variável e alopecia. O diagnóstico se baseia na visualização dos ácaros (0,5 mm de comprimento), usando
uma lupa ou o isolamento de um estágio parasitário em raspados de pele ou fitas de acetato. O tratamento com
sprays acaricidas, imersões em cal sulfurada semanais e ivermectina (300 μg/kg, SC) é efetivo. O único caso de
contágio de pessoas foi um relato que envolveu uma erupção cutânea transitória em um proprietário de um gato
com infestação maciça.
SARNA EM EQUINOS
SARNA SARCÓPTICA: Sarcoptes scabiei var equi é rara nos EUA, mas é o tipo de sarna mais grave em equinos. O
primeiro sinal é um prurido intenso em razão de hipersensibilidade aos produtos dos ácaros. As lesões iniciais
aparecem na cabeça, pescoço e ombros. As regiões protegidas por pelos longos e as partes mais inferiores das
extremidades normalmente não estão envolvidas. As lesões iniciam como pápulas e vesículas pequenas que
posteriormente evoluem para crostas. A alopecia e as crostas disseminamse e a pele tornase lignificada, formando
pregas cutâneas. Se não forem tratadas, as lesões podem se estender por todo o corpo, levando a emaciação,
fraqueza generalizada e anorexia. Raspado de pele negativo não descarta a possibilidade da doença; a biopsia pode
estabelecer o diagnóstico. Se há suspeita de sarna sarcóptica, os animais devem ser tratados. Inseticidas
organofosforados e solução de cal sulfurada podem ser utilizados em spray, imersão ou aplicação com esponjas. O
tratamento deve ser repetido em intervalos de 12 a 14 dias por, no mínimo, 3 a 4 vezes. Como alternativa, pode–se
tentar a administração oral de ivermectina ou moxidectina na dose de 200 μg/kg. Vários tratamentos são
necessários, com intervalos de 2 a 3 semanas. É importante tratar todos os animais contactantes.
SARNA PSORÓPTICA: Psoroptes equi é rara em equinos; provoca lesões em regiões do corpo com muitos pelos,
como topete e crina, base da cauda, abaixo do queixo, entre os membros pélvicos e nas axilas. P. cuniculi pode, em
algumas ocasiões, causar otite externa em equinos e pode desencadear meneios cefálicos. O prurido é
característico. As lesões iniciam como pápulas e alopecia e evoluem para espessamento e crostas hemorrágicas. Os
ácaros são mais facilmente recuperados em raspados de pele, quando comparados à sarna sarcóptica. O tratamento
é semelhante ao da sarna sarcóptica.
SARNA CORIÓPTICA (SARNA DAS PERNAS): A sarna corióptica é comum em raças pesadas de equinos. As lesões
causadas por Chorioptes equi iniciam como dermatite pruriginosa que acomete a parte distal dos membros ao redor
do casco e boletos. As pápulas são as primeiras a serem observadas, seguidas por alopecia, crostas e espessamento
da pele. Em casos crônicos, ocorre uma dermatite úmida do boleto. Tratase de um diagnóstico diferencial para
dermatofilose (lã grumosa) em equinos de tração. Os sinais diminuem no verão, porém reaparecem com a volta do
clima frio. O curso da doença, em geral, é crônico sem tratamento, mas o prognóstico é favorável quando tratada.
Tratamentos tópicos recomendados para outras sarnas são efetivos.
Sarna corióptica em equino. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.
SARNA DEMODÉCICA: Demodex equi é rara em equinos. Os ácaros se alojam nos folículos pilosos e nas glândulas
sebáceas; D. equi se instala no corpo e D. caballi nas pálpebras e no focinho. A demodicose em equinos pode se
manifestar como alopecia e descamação macular ou como nódulos. As lesões surgem na face, pescoço, ombros e
membros torácicos. Não há prurido. Essa doença foi relatada em associação ao tratamento crônico com
corticosteroides. Não foram desenvolvidos regimes terapêuticos efetivos. O amitraz, utilizado em outras espécies, é
contraindicado em equinos pois pode causar cólicas graves e morte.
TROMBICULIDÍASE (INFESTAÇÃO POR MICUIM, INFESTAÇÃO POR ÁCAROS DA COLHEITA): Os ácaros trombiculídeos
podem parasitar a pele de equinos, em especial no final do verão e no outono. Os ácaros adultos vivem em
invertebrados e plantas; as larvas, normalmente, se alimentam em pequenos roedores, mas podem ser oportunistas
e se alimentar em pessoas e animais domésticos, inclusive em equinos. As lesões consistem em pápulas e vergões
gravemente pruriginosos. Não é necessário tratamento específico, o prurido pode ser controlado com
glicocorticoides. Repelentes podem ajudar a prevenir a infestação.
PRURIDO POR ÁCAROS DA PALHA (ÁCARO DA FORRAGEM): Esses ácaros, em geral, se alimentam de matéria
orgânica em palhas e grãos e podem infestar a pele de equinos de forma oportunista. Pápulas e vergões surgem na
face e no pescoço se os equinos forem alimentados em um comedouro de feno e no focinho e pernas, se forem
alimentados no chão. O prurido é variável e pode ser controlado com glicocorticoides.
SARNA EM OVINOS E CAPRINOS
SARNA SARCÓPTICA: Sarcoptes scabiei var ovis é rara em ovinos; é uma enfermidade de notificação obrigatória nos
EUA. Infecta a pele desprovida de lã, inicialmente na cabeça e face. Em cabras, S. scabiei var caprae é
responsável por uma anormalidade de pele generalizada, caracterizada por hiperqueratose acentuada. As lesões, em
geral, começam na cabeça e pescoço. Em ambas as espécies, formulações injetáveis de ivermectina, doramectina
ou moxidectina a 200 μg/kg são tratamentos eficientes.
SARNA CORIÓPTICA: Chorioptes bovis é comum na Europa, Nova Zelândia e Austrália, durante o inverno. Foi
erradicada em ovelhas nos EUA, onde é uma doença de notificação obrigatória. A distribuição das lesões é
semelhante a que ocorre em bovinos. C. caprae é bastante comum em cabras. Observamse pápulas e crostas nas
pernas e nas patas. Se necessário, os animais podem ser tratados utilizando imersões ou sprays que contêm
organofosforados (diazinon, metrifonato, propentanfós) ou piretroides (deltametrina, flumetrina) conforme
permitido.
SARNA PSORÓPTICA (SARNA OVINA): Infestações por Psoroptes ovis são de notificação obrigatória. Não há casos
relatados nos EUA desde 1970, porém a sarna ovina ainda está presente em muitos países, inclusive alguns do
oeste europeu. Lesões extensas, descamativas e crostosas se desenvolvem em quase todas as áreas lanosas do
corpo. O prurido intenso manifestase por mordidas e prurido. Os ovinos não tratados, com frequência, tornamse
emaciados e anêmicos. Os ácaros, às vezes, são encontrados nas orelhas. Ivermectina e moxidectina (200 μg/kg),
administradas 2 vezes, em intervalos de 7 ou 10 dias, respectivamente, são efetivas. Doramectina (300 μg/kg) em
aplicação única também é efetiva. A imersão é mais efetiva se realizada duas semanas após a tosquia e deve ser
repetida após 14 dias. Tratamentos aprovados para sarna em ovelhas são cumafós 0,3%, fosmet 0,15 a 0,25%,
diazinon 0,03 a 0,1% e cal sulfurada aquecida 2%. Fora dos EUA, outros sprays ou imersões, tais como
propentanfós, foxin, amitraz ou flumetrin, estão disponíveis.
A sarna psoróptica (sarna de orelha) em caprinos, causada por Psoroptes cuniculi, em geral, acomete as orelhas,
mas pode se espalhar para a cabeça, o pescoço e o corpo e causar irritação grave. Ela acomete particularmente
cabras Angorá, nas quais a pelagem é consideravelmente danificada. A doença em cabras Angorá foi relatada no
Texas. Apesar de o curso da doença ser crônico, o prognóstico é bom. Qualquer acaricida aprovado para uso em
ovinos elimina P. cuniculi em caprinos. As cabras de leite em lactação devem ser tratadas apenas com solução de
cal sulfurada.
SARNA DEMODÉCICA: Essa sarna foi relatada em ovinos (Demodex ovis) e caprinos (D. caprae), nos quais causa
lesões similares às dos bovinos. Em caprinos, pápulas não pruriginosas e nódulos se desenvolvem, em especial
sobre a face, pescoço, ombros e laterais. Os nódulos contêm um material espesso, acinzentado e gorduroso que
pode ser facilmente espremido; os ácaros podem ser encontrados nesse exsudato. A doença pode se tornar crônica.
As lesões localizadas em cabras podem ser incisadas, espremidas e infundidas com solução de Lugol iodado ou
rotenona em álcool (1:3). Para casos generalizados em cabras, os tratamentos incluem ronel em propilenoglicol
(180 ml de ronel 33% em 1L de propilenoglicol), aplicado em um terço do corpo, diariamente, até a cura, e
rotenona em álcool (1:3) aplicada em um quarto do corpo, diariamente. Triclorfon (2%) foi relatado como efetivo
para demodicose em ovelhas.
SARNA PSORERGÁTICA (PRURIDO POR ÁCARO, PRURIDO AUSTRALIANO): Psorergates ovis é um ácaro comum da pele
de ovinos em muitas partes do mundo; foi erradicado nos EUA, onde é uma doença de notificação obrigatória.
Essa enfermidade é caracterizada por prurido intenso generalizado e descamação, com emaranhamento e perda de
lã. Em razão do seu pequeno tamanho, é difícil encontrar os ácaros em raspados de pele. Essa doença pode causar
perdas econômicas relevantes pela perda de peso e dano à lã. Imersão ou aspersão com cal sulfurada 2 a 3%,
malation 0,2% ou cumafós 0,3% é efetiva no controle da doença; dois tratamentos com intervalos de 14 dias são
necessários. Ivermectina e outras avermectinas/milbemicinas administradas por via SC foram relatadas como
curativas.
SARNA EM SUÍNOS
A sarna sarcóptica (Sarcoptes scabiei var suis) é a única forma com alguma importância em suínos. Os ácaros são
tipicamente introduzidos no rebanho após a compra de reprodutores infestados, e a disseminação após o contato
direto é rápida. A não ser que oriundos de criatórios livres ou após o uso de programas de erradicação da sarna,
todos os rebanhos suínos devem ser considerados potencialmente infestados, mesmo que acaricidas sejam
utilizados rotineiramente em alguns grupos de animais. A sobrevivência dos ovos dos ácaros longe dos
hospedeiros é limitada; no entanto, a exposição por períodos tão curtos quanto 24 h em áreas que acabaram de ser
esvaziadas e que, previamente, eram ocupadas por suínos infestados resultou em infestação. Experimentos em
laboratório indicaram que os ácaros não sobrevivem > 96 h a temperaturas < 25°C ou > 24 h a 20 a 30°C. A
sobrevivência foi < 1 h em temperaturas > 30°C.
Infestações por S. scabiei suis são correlacionadas negativamente com ganho de peso diário e conversão
alimentar em suínos. As lesões normalmente se iniciam na cabeça, em especial nas orelhas, e então se disseminam
por todo o corpo, cauda e pernas. Em geral, o prurido é intenso e associado a reações de hipersensibilidade aos
ácaros. Com a diminuição da hipersensibilidade, normalmente após vários meses, a pele espessa, áspera e seca é
coberta por crostas acinzentadas e grandes pregas cutâneas.
O diagnóstico é realizado pela combinação de diferentes abordagens: escore da dermatite avaliado ao abate,
índice de prurido, observação dos sinais clínicos de sarna, raspados de orelha ou pele para avaliação microscópica
e ELISA para detecção de anticorpos específicos. A utilidade de cada critério varia de acordo com a idade do
grupo. Essa abo rdagem global é particularmente útil durante uma campanha de erradicação.
A aspersão com lindano (0,05 a 0,1%) ou malation (0,05%) é efetiva; solução de clordano (0,25%) também pode
ser utilizada (o uso de alguns ou de todos esses produtos em animais de produção é proibido em alguns países).
Ivermectina e doramectina (300 μg/kg, SC) também são efetivas. Em razão do impacto econômico importante da
sarna sarcóptica na indústria suína, programas de erradicação locais, regionais e nacionais foram desenvolvidos.
Eles apresentam uma boa relação custobenefício e, em geral, incluem duas administrações de ivermectina ou
doramectina (300 μg/kg, SC) em todos os suínos no rebanho nos dias 0 e 14. No dia 7, os leitões nascidos no
decorrer da semana anterior também são tratados. De maneira alternativa, a medicação no alimento (premix de
ivermectina, 100 μg/kg) pode ser administrada por duas semanas. Nesse caso, os leitões lactentes ou os suínos
doentes recebem duas doses, com intervalo de 14 dias, no início e no final da alimentação medicada (ivermectina
ou doramectina, 300 μg/kg). A aplicação local de acaricida, normalmente, não é necessária. Após o tratamento,
empregase um protocolo de certificação, que se baseia na combinação de avaliação clínica (grau de prurido e
dermatite), parasitológica (raspados de orelha e pele) e dados sorológicos de um número representativo de animais
que pertencem a grupos de diferentes idades.
A sarna demodécica também é observada em suínos e causa lesões cutâneas similares àquelas verificadas em
outros grandes animais. Não há tratamento confiável.
DERMATOSE ULCERATIVA DOS OVINOS (Ulceração de lábios e
membros, Balanopostite e Vulvite venérea)
A dermatose ulcerativa é uma doença infecciosa dos ovinos causada por um vírus semelhante ao ectima vírus.
Manifestase de 2 formas pouco distintas: uma caracterizada pela formação de úlceras ao redor da boca e do nariz
ou nas pernas (ulceração dos lábios e da perna) e a outra, por ulceração prepucial e peniana ou vulvar,
venereamente transmitida.
ACHADOS CLÍNICOS: A lesão, independentemente da localização, é uma úlcera com superfície escarificada, que
sangra facilmente, varia em profundidade e extensão e contém material purulento cremoso e inodoro; é recoberta,
desde o início, com uma crosta.
As lesões faciais ocorrem no lábio superior, entre a borda labial e o orifício nasal, no queixo ou no nariz. Nos
casos graves, o processo ulcerativo pode perfurar o lábio. As lesões podais ocorrem em qualquer lugar entre a
coroa do casco e o carpo ou tarso.
As lesões venéreas circundam parcial ou completamente o orifício prepucial e podem ficar tão graves a ponto de
produzirem fimose. Raramente, o processo ulcerativo pode se estender até a glande peniana, de forma que o
carneiro tornase inabilitado para a reprodução natural. Nas ovelhas, o edema, a ulceração e a forma de crostas nos
lábios vulvares têm consequências menos sérias.
Não ocorre nenhuma reação sistêmica inicial discernível. A taxa de morbidade é de geralmente 15 a 20%,
embora até 60% do rebanho possa ser infectado. Com frequência, a doença permanece não reconhecida até que as
lesões fiquem tão avançadas que os sinais de claudicação ou distúrbios na micção tornemse aparentes.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico depende completamente do reconhecimento da lesão ulcerativa característica. A
diferenciação entre esta lesão e a do ectima contagioso (p. 1037), que possui característica essencialmente
proliferativa, é fundamental. Na maioria dos casos, com a remoção das crostas, as lesões da dermatose ulcerativa
são crateriformes ou ulcerativas, enquanto as do ectima contagioso são proliferativas. A questão da semelhança dos
agentes destas 2 afecções ainda não se encontra claramente definida, mas a inoculação de ovinos anteriormente
imunizados contra o ectima contagioso ajuda na elaboração do diagnóstico. Também é difícil, e em alguns casos,
impossível, diferenciar postite e vulvite ulcerativas (p. 1506) de dermatose ulcerativa sem recorrer à inoculação em
ovinos.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO: Os animais infectados devem ser isolados e aqueles com lesões genitais não devem
ser acasalados. A recuperação leva 2 a 8 semanas e não é amplamente influenciada pelo tratamento. Geralmente
não a terapia não é instituída, a menos que os animais tenham que se reproduzir logo, que as lesões labiais
interfiram na ingestão de alimentos, que as lesões podais promovam claudicação ao ponto dos animais perderem
condição ou que as infecções bacterianas secundárias se tornem graves.
O tratamento consiste na remoção das crostas e de todo o tecido necrosado das úlceras e na aplicação de
qualquer uma das seguintes preparações: nitrato de prata (lápis estíptico), tintura de iodo forte, solução de sulfato
de cobre 30%, formaldeído 4%, cresol 5% (banho de imersão para ovinos) ou sulfaureia em pó. As lesões podais e
na região inferior dos membros pélvicos podem ser tratadas com soluções de sulfato de cobre ou de formaldeído
em bandejas de pedilúvio.
DOENÇAS DO TIPO VARÍOLA
As doenças do tipo varíola são doenças virais agudas que afetam muitos animais, inclusive o homem e as aves,
mas não os cães. Algumas doenças variolares também são zoonoses. Tipicamente, as lesões cutâneas e mucosas
são disseminadas e progridem de máculas para pápulas, vesículas e pústulas antes de formarem crostas e
cicatrizarem. A maioria das lesões contém muitos corpúsculos de inclusão intracitoplasmáticos, que representam
locais de replicação viral nas células infectadas. Em algumas poxviroses, a vesiculação não é clinicamente
evidente, mas se podem observar microvesículas no exame histológico e, em algumas, as lesões proliferativas são
características.
A infecção é adquirida tanto por inalação quanto pela pele (p. ex., a varíola ovina). Em determinados casos (p.
ex., as varíolas aviária e suína), o vírus é transmitido mecanicamente por artrópodes picadores. A infecção pode ser
seguida por lesões generalizadas (p. ex., a varíola ovina) ou permanecer localizada (p. ex., a pseudovaríola bovina).
Utilizamse cepas poxvirais com redução na virulência para imunizar contra algumas infecções, sendo o exemplo
clássico a erradicação global da varíola no homem pela imunização muscular com cepas vivas do vírus da
vaccínia.
Os poxvírus podem ser classificados de acordo com as suas propriedades psicoquímicas e biológicas.
Imunologicamente, os vírus das varíolas humana, bovina, dos macacos etc., são proximamente relacionados com o
vírus da vaccínia e classificados dentro do gênero Orthopox. Os poxvírus aviários, os vírus do mixoma e alguns
dos outros poxvírus (p. ex., da varíola suína) são espécieespecíficos. Os vírus do orf, da pseudovaríola bovina e da
estomatite papular bovina são parapoxvírus.
Na Europa, descrevemse infecções cutâneas localizadas e, em alguns casos, uma doença generalizada fatal, nos
guepardos, leões e gatos domésticos infectados pelo vírus da varíola bovina (ver a seguir).
DERMATOPATIA NODULAR
A dermatopatia nodular é uma doença infecciosa, eruptiva e, às vezes, fatal dos bovinos, caracterizada por nódulos
na pele e em outras partes do corpo. Uma infecção secundária quase sempre agrava a afecção. Tradicionalmente,
ocorre no sul e no leste da África, mas a partir dos anos de 1970, estendeuse para noroeste, pelo continente, até a
África ocidental subsaariana. Também foi relatada em Israel.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O vírus causador se relaciona com o da varíola ovina. A cepa prototípica é
conhecida como o poxvírus de Neethling. A dermatopatia nodular surge na forma de epidemia ou
esporadicamente. Frequentemente, aparecem novos focos de infecção em áreas distantes não envolvidas no surto
inicial. A incidência é mais alta em clima de verão úmido, mas também pode ocorrer no inverno. É mais prevalente
ao longo de cursos d’água e em terras baixas. Como as restrições de quarentena projetadas para limitar a
disseminação da infecção falharam, suspeitase que insetos picadores tenham sido vetores; no entanto, ocorreram
surtos sob condições nas quais os insetos poderiam ser praticamente excluídos. Como a doença pode ser
transmitida por meio de saliva infectada, devese aceitar a infecção por contato como um método de propagação.
Suspeitase que os búfalos africanos sejam portadores no Quênia.
Podese produzir uma infecção artificial por inoculação de suspensões de nódulos cutâneos ou do sangue
coletado durante o estágio febril inicial ou, ainda, por água ou alimento contaminado com a saliva de animais
infectados.
ACHADOS CLÍNICOS: Uma injeção subcutânea de material infectado produz inchaço doloroso e depois febre,
lacrimejamento, secreção nasal e hipersalivação, seguidos pelas erupções características na pele e em outras partes
do corpo em cerca de 50% dos bovinos suscetíveis. O período de incubação é de 4 a 14 dias.
Os nódulos são bem circunscritos, redondos, ligeiramente salientes, firmes e dolorosos e envolvem a pele inteira
e a mucosa dos tratos gastrintestinal, respiratório e genital. Os nódulos podem se desenvolver no focinho e nas
membranas mucosas nasal e oral. Os nódulos cutâneos contêm uma massa tecidual amarela ou cinza cremosa e
firme. Os linfonodos regionais aumentam e desenvolve–se edema no úbere, na musculatura do peito e nos
membros. Às vezes, ocorre infecção secundária e causa supuração e descolamento cutâneo extensos; como
resultado, o animal pode ficar extremamente emaciado e pode se justificar a eutanásia. Os nódulos regridem com o
tempo, ou a necrose cutânea resulta em áreas firmes e salientes claramente separadas da pele circundante. Estas
áreas escarificadas tornamse ulceradas, se curam e cicatrizam.
A morbidade é de 5 a 50% e a mortalidade é geralmente baixa. A perda maior se deve à diminuição na produção
láctea, à perda de condição e à rejeição ou à redução no valor do couro.
DIAGNÓSTICO: A doença pode ser confundida com a pseudodermatopatia nodular, causada por um herpesvírus
(herpesvírus bovino tipo 2). Estas doenças podem ser semelhantes clinicamente, embora em algumas partes do
mundo as lesões por herpesvírus pareçam se restringir aos tetos e ao úbere das vacas, sendo a doença denominada
de mamite herpética (p. 1470).
A pseudodermatopatia nodular é uma doença mais branda que a dermatopatia nodular verdadeira, mas a
diferenciação depende essencialmente de isolamento e identificação do vírus. Um exame histológico e
ultraestrutural dos nódulos pode ser útil. Nos nódulos, podemse observar corpúsculos de inclusão
intracitoplasmáticos semelhantes aos da varíola ou corpúsculos de inclusão herpesvirais intranucleares
eosinofílicos.
Dermatophilus congolensis também causa nódulos cutâneos nos bovinos (ver p. 913).
PREVENÇÃO E TRATAMENTO: As restrições por meio de quarentena são de uso limitado. A vacinação com o vírus
atenuado proporciona o método de controle mais promissor. Também foram utilizados os poxvírus caprino e ovino
passados em cultura tecidual.
Recomendase administração de antibióticos para controlar a infecção secundária, além de bons cuidados de
enfermagem.
INFECÇÕES POR ORTHOPOXVIRUS EM GATOS
Infecções por orthopoxvirus em gatos domésticos ocorrem de forma esporádica no Reino Unido e na Europa
ocidental. Um caso único de infecção por racoonpox vírus foi descrita em um gato no Canadá; o animal afetado
apresentou uma infecção localizada na pata. Os gatos afetados costumam apresentar lesões cutâneas múltiplas,
embora também possam se observar sinais respiratórios e outros.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: Até o momento, com exceção de todos os casos de infecção por racoonpox vírus,
todos os otrhopox vírus isolados dos gatos domésticos foram indistinguíveis do vírus da varíola bovina (ver p.
1035). A varíola bovina ou infecção por outros vírus intimamente relacionados também foi descrita em Felidae
capturados e em outras espécies (p. ex., elefantes, rinocerontes e tamanduás) em vários zoológicos europeus. No
entanto, a relação de alguns desses vírus com a espécie estabelecida dentro do gênero ainda não está clara. A
varíola bovina aparentemente não ocorre nos EUA, embora já se tenha isolado um outro ortopoxvírus de
guaxinins. É possível que esse vírus também possa infectar outros hospedeiros. O vírus da varíola bovina também
é infeccioso para o homem e já se registrou uma transmissão do gato para homem. Os proprietários devem ser
alertados adequadamente.
Embora seja tradicionalmente descrita como uma doença dos bovinos, na realidade a varíola bovina é rara e, em
geral, aceitase que os hospedeiros reservatórios do vírus são pequenos mamíferos silvestres. Acreditase que os
gatos, atualmente os hospedeiros mais reconhecidos do vírus da varíola bovina, infectamse quando caçam. A
maioria dos gatos afetados provém de ambientes rurais e sabidamente caçam roedores; a lesão inicial geralmente
ser descrita como originária de um ferimento pequeno e semelhante a uma mordedura. Nos gatos, a infecção tem
uma incidência sazonal acentuada, com a maioria dos casos ocorrendo entre setembro e novembro. A transmissão
entre gatos também pode ocorrer, mas geralmente resulta apenas em infecção subclínica. Os casos bovinos raros
provavelmente resultam do contato direto ou indireto com o hospedeiro reservatório, assim como alguns casos em
humanos. No entanto, também são possíveis transmissões do gato para o homem e do bovino para o homem.
A importância da doença e o seu reconhecimento relativamente recente no gato constituem um enigma. Ela pode
ter sempre estado presente na população felina, sem reconhecimento. Alternativamente, a doença pode estar
aumentando em importância, como resultado de uma alteração na epidemiologia da doença no hospedeiro
reservatório ou (talvez menos provável) na natureza do biotipo dominante do próprio vírus.
PATOGÊNESE: A porta de entrada mais comum parece ser a pele, mas a infecção oronasal também é possível.
Depois da replicação local e do desenvolvimento de uma lesão cutânea primária, o vírus se dissemina para os
linfonodos locais e desenvolvese a viremia associada a leucócitos. A fase virêmica podese associar com pirexia e
depressão e, durante esse período, podese isolar o vírus de vários tecidos, como pele, ossos turbinados (e, às
vezes, os pulmões) e órgãos linfoides. As lesões cutâneas secundárias disseminadas aparecem alguns dias depois
do início da viremia e continuam a aparecer lesões novas por 2 a 3 dias, quando a viremia diminui.
ACHADOS CLÍNICOS: A maioria dos gatos afetados apresenta histórico de lesão cutânea primária única, geralmente
na cabeça, pescoço ou membro torácico. A lesão primária pode variar de ferimento pequeno e crostoso a um
grande abscesso. Aproximadamente em 7 a 10 dias após o aparecimento da lesão primária, começam a aparecer
lesões secundárias generalizadas. No decorrer de 2 a 4 dias, elas se desenvolvem em pápulas ulceradas, circulares e
discretas, com cerca de 0,5 a 1 cm de diâmetro. As úlceras logo ficam recobertas por crostas e a cicatrização
geralmente se completa com cerca de 6 semanas. Muitos gatos não exibem nenhum sinal além das lesões cutâneas,
mas cerca de 20% deles podem desenvolver coriza discreta ou conjuntivite. Alguns gatos também podem
apresentar pirexia, depressão e inapetência durante a fase virêmica, imediatamente antes e durante o
desenvolvimento inicial das lesões secundárias. Uma infecção bacteriana intercorrente, particularmente nas lesões
primárias, pode dar origem a sinais sistêmicos. No entanto, a maioria dos gatos domésticos se recupera sem
intercorrências. A doença pulmonar mais grave é incomum nos gatos domésticos, mas ocorre com frequência nos
guepardos e é fatal em ambas as espécies. Uma doença mais grave nos gatos domésticos com frequência associase
à imunossupressão, tanto pelo tratamento com corticosteroides ou associada às infecções por leucemia ou
imunodeficiência viral felina.
Lesões: Como a maioria dos gatos sobrevive, biopsias cutâneas geralmente são as únicas amostras teciduais
disponíveis para exame histológico. As lesões iniciais consistem em áreas de hiperplasia e hipertrofia epidérmicas,
com vesiculações na camada de células espinhosas. Muitas das células epidérmicas limítrofes com tais vesículas
contêm corpúsculos de inclusão citoplasmáticos eosinofílicos característicos. Posteriormente, ocorrem ulceração e
necrose epidérmicas e substituição por um coágulo eosinofílico de células necróticas e fibrina. Há, na derme, um
forte exsudato com células inflamatórias mistas, circundando a lesão. À medida que a cicatrização prossegue, uma
fina camada de epiderme recobre a pele por baixo das crostas, aparece um tecido cicatricial inicial e ocorre
infiltrado moderado de células predominantemente mononucleares.
Em raros casos, nos quais a doença se generaliza, também pode haver lesões em fígado, pulmões, traqueia,
brônquios, mucosa oral e intestino delgado.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico presuntivo pode ser realizado com base nos sinais clínicos de lesões cutâneas
múltiplas e bem circunscritas e, especialmente, se houver história de caça ou exposição a ambiente rural. Ainda,
devese suspeitar de varíola bovina quando as lesões cutâneas não respondem aos antibióticos. Os diagnósticos
diferenciais são: dermatite miliar, herpesvirose ou calicivirose felinas, granuloma eosinofílico, ferimentos por
mordedura, dermatofitose e outras afecções bacterianas ou fúngicas crônicas.
Na maioria dos casos, podese fazer o diagnóstico presuntivo rapidamente a partir das crostas não fixadas,
exsudatos ou material de biopsia, examinados quanto aos característicos vírions do orthopox em forma de tijolo,
por microscopia eletrônica. Um método de diagnóstico mais preciso e sensível é o isolamento do vírus em cultura
celular ou no corioalantoide de pintinhos. Caso não haja isolamento viral, também se poderá enviar o material de
biopsia fixado para exame histológico e o soro para a determinação de anticorpos para laboratórios.
TRATAMENTO E CONTROLE: Tanto nos gatos domésticos como nos guepardos, é importante que a varíola bovina
seja diagnosticada imediatamente, pois o tratamento com esteroides, que é sempre utilizado na terapia de outras
dermatopatias, é contraindicado. Embora nos guepardos a doença seja frequentemente grave, nos gatos domésticos,
o tratamento de suporte (antibióticos de largo espectro e fluidoterapia) geralmente ser bemsucedido, com baixa a
mortalidade.
Como parece que a infecção nos gatos domésticos é predominantemente esporádica e adquirida por contato
fortuito com um animal silvestre reservatório infectado, é provável que não se indiquem medidas de controle. Nos
parques de animais silvestres, onde os grandes felinos encontram em risco de contato com pequenos roedores
silvestres, e especialmente onde a doença já tiver ocorrido, a vacinação poderá ser útil. O vírus da vaccínia parece
ter baixa patogenicidade nos gatos domésticos e os guepardos parecem ser refratários ao mesmo; ainda não se
realizou nenhum experimento com vacinas com outros orthopoxvírus. Atualmente, o controle dos surtos entre os
grandes felinos depende do diagnóstico imediato e do isolamento dos animais afetados para reduzir a possibilidade
de disseminação entre os gatos. As propriedades podem ser desinfetadas com alvejantes de hipoclorito ou
detergentes. Em temperatura ambiente, os poxvírus são relativamente resistentes e podem permanecer infecciosos
nas crostas ressecadas por meses.
PSEUDOVARÍOLA BOVINA (Nódulos dos ordenhadores, Paravacínia)
Esta infecção leve e comum no úbere e nos tetos das vacas é causada por um parapoxvírus e encontrase
mundialmente disseminada. O vírus da pseudovaríola bovina se relaciona com o do ectima contagioso (p. 1037) e
com o da estomatite papilar bovina (p. 194). Estes parapoxvírus diferem morfologicamente do vírus da vaccínia e
dos outros poxvírus. Possuem uma amplitude limitada de hospedeiros, não podem ser propagados em ovos
férteis de galinha e crescerão em algumas culturas celulares, embora com relativa deficiência.
As lesões começam como pápulas pequenas e vermelhas nos tetos ou no úbere. Estas pápulas podem ser
seguidas rapidamente por formação de crostas, ou poderão se desenvolver vesículas ou pústulas pequenas antes de
as crostas se formarem. As crostas podem ser abundantes, mas é possível removêlas sem causar dor. Ocorre uma
granulação sob as mesmas, resultando em lesão saliente que cicatriza a partir do centro e deixa uma ferradura ou
um anel circular característicos de crostas pequenas. Esse estágio é alcançado em cerca de 7 a 12 dias. Algumas
lesões persistem por vários meses, conferindo aos tetos afetados uma sensação áspera e aparência grosseira,
podendo formar mais crostas. A infecção se dissemina lentamente pelos rebanhos leiteiros e uma porcentagem
variável dos bovinos exibe lesões em qualquer momento. Os bovinos podem se reinfectar nas lactações
subsequentes.
As lesões com crostas podem ser confundidas com leves lesões traumáticas nos tetos e no úbere. As crostas
examinadas com microscópio eletrônico costumam exibir partículas virais características.
O controle da infecção dentro de um rebanho é difícil e depende essencialmente das medidas de higiene, como
banho por imersão dos tetos para destruir os vírus e prevenir a transmissão. Uma pequena imunidade parece se
desenvolver.
Pessoas podem tornarse infectados com nódulos vermelhoarroxeados pruriginosos, mas indolores, geralmente
presentes nos dedos ou mãos. Estas lesões causam alterações pequenas e desaparecem depois de várias semanas.
Parapoxvírus da pseudovaríola bovina (microscopia eletrônica, pequeno aumento). Cortesia do Dr. Paul Gibbs.
VARÍOLA BOVINA
Nesta doença eruptiva leve das vacas leiteiras, as lesões ocorrem no úbere e nos tetos. Embora já tenha sido
comum, atualmente a varíola bovina é considerada extremamente rara e é descrita somente na Europa ocidental
(ver p. 1032).
O vírus da varíola bovina está intimamente relacionado, em termos antigênicos, com os vírus da vaccínia e da
varíola humana. Realmente, os dois primeiros só podem ser diferenciados por meio de técnicas laboratoriais
sofisticadas. Antes da vacinação contra a varíola humana ter sido interrompida, alguns surtos nos bovinos da
América do Norte e Europa se deviam à infecção com vaccínia originária de pessoas recémvacinadas. As viroses
relacionadas com a vaccínia continuam a causar surtos ocasionais de infecções nos tetos dos gados de leite da
América do Sul e nos búfalos do subcontinente Indiano. O vírus disseminase para os humanos, frequentemente
pelo contato com o bovinos. A epidemiologia destas viroses é desconhecida, porém foi sugerida que são endêmicas
e sobrevivem em hospedeiros reservatórios, exceto humanos.
A doença se dissemina por contato durante a ordenha. Depois de um período de incubação de 3 a 7 dias, durante
o qual os bovinos podem ficar levemente febris, aparecem pápulas nos tetos e no úbere. As vesículas podem não
ficar evidentes ou podem se romper facilmente, deixando áreas ulceradas e escarificadas que formam crostas. As
lesões cicatrizam dentro de 1 mês. A maioria das vacas de um rebanho de ordenha pode ser atingida. Os
ordenhadores poderão desenvolver febre e apresentar lesões nas mãos, nos braços ou na face. Ocasionalmente a
varíola bovina pode causar doença generalizada e foram reconhecidas fatalidades.
A varíola bovina ou infecção por vaccínia podem ser confundidas com a mamite herpética bovina (p. 1470);
como as lesões são superficialmente semelhantes, exigese confirmação laboratorial. Os vírus da varíola bovina e
vaccínia podem ser facilmente visualizados por microscopia eletrônica. Enquanto não podem ser distinguidos entre
si, amas as morfologias diferem do notado na microscopia eletrônica dos vírus da pseudovaríola bovina e mamite
herpética viral. Os vírus da varíola bovina e vaccínia crescem facilmente em culturas celulares.
As medidas para evitar a disseminação da varíola bovina dentro de um rebanho devem se basear em isolamento
e higiene. Varíola bovina e vaccínia são causas importantes de zoonoses.
VARÍOLA SUÍNA
A varíola suína é uma doença infecciosa aguda e frequentemente branda, caracterizada por erupções cutâneas e que
acomete somente os suínos. É relatada nos EUA, particularmente no meiooeste e já foi descrita em todos os
continentes, embora a incidência geral seja baixa.
Historicamente, o vírus da vaccínia esteve envolvido em alguns surtos, mas atualmente o vírus da varíola suína
parece ser a única causa. A doença aqui descrita é a provocada pelo vírus da varíola suína. Este é distinto dos
outros poxvírus e não protege contra infecção pelo vírus da vaccínia. Cresce em culturas de células suínas, mas não
em ovos embrionados. É relativamente termoestável e sobrevive por cerca de 10 dias a 37°C.
A doença é mais frequentemente observada em suínos jovens, com 3 a 6 semanas de idade, mas todas as idades
podem ser afetadas. Após o período de incubação de cerca de 1 semana, podemse observar áreas vermelhas e
pequenas, frequentemente, na face, nas orelhas, face interna dos membros pélvicos e abdome. Estas se
desenvolvem em pápulas e, em poucos dias, surgem pústulas ou vesículas pequenas. Os centros das pústulas se
ressecam, formam crostas e ficam circundados por uma zona inflamada e saliente, de forma que as lesões parecem
ser umbilicadas. Posteriormente, formamse crostas escuras (com 1 a 2 cm de diâmetro), que conferem aos leitões
afetados uma aparência manchada. Estas crostas eventualmente caem ou são retiradas com fricção, sem deixar
cicatriz. Podem ocorrer sucessivas lesões, de forma que nem todas se encontram no mesmo estágio. O estágio
inicial da doença pode ser acompanhado de ligeira febre, inapetência e embotamento. Poucos suínos morrem
devido à varíola suína não complicada.
O vírus é abundante nas lesões e pode ser transferido de um suíno para o outro pelo piolho picador
(Haematopinus suis). A doença também pode ser transmitida, possivelmente entre fazendas, por outros insetos que
atuam como transportadores mecânicos.
Os suínos recuperados ficam imunes. Não existe nenhum tratamento específico. A erradicação dos piolhos é
importante.
VARÍOLAS OVINA E CAPRINA
As varíolas ovina e caprina são doenças graves e quase sempre fatais, caracterizadas por erupção cutânea
disseminada. Ambas as doenças encontramse restritas a partes do sudeste da Europa, da África e da Ásia. Os
poxvírus dos ovinos e caprinos (capripoxvírus) são proximamente aparentados, tanto antigênica como físico
quimicamente. Também são relacionados com o vírus da dermatopatia de encaroçamento (ver anteriormente). Os
relatos sobre a suscetibilidade natural dos ovinos ao poxvírus caprino e viceversa são conflitantes; pelo menos
algumas cepas parecem ser capazes de infectar ambas as espécies.
O período de incubação da varíola ovina é de 4 a 8 dias e o da varíola caprina é de 5 a 14 dias. O quadro clínico
é semelhante nas 2 doenças, mas geralmente ser menos grave nos caprinos. Desenvolvemse febre e um grau
variável de distúrbio sistêmico. As pálpebras tornamse inchadas e há formação de secreção mucopurulenta e
crostas nas narinas. Desenvolvemse lesões cutâneas disseminadas, mais facilmente observadas no focinho, nas
orelhas e áreas desprovidas de lã ou pelos longos. A palpação pode detectar lesões não facilmente observadas. As
lesões começam como áreas eritematosas na pele e progridem rapidamente para placas circulares e salientes com
bordas congestas, causadas por inflamação local, edema e hiperplasia epitelial. Embora histologicamente se
encontrem presentes microvesículas, as vesículas e pústulas não são clinicamente evidentes. O vírus é abundante
nas lesões cutâneas nesse estágio. À medida que as lesões começam a regredir, ocorre necrose dérmica e formam–
se crostas duras e escuras, que são precisamente separadas da pele circundante. A regeneração do epitélio sob as
crostas leva várias semanas. Quando se removem as crostas, permanece uma cicatriz com forma de estrela, sem
pelos ou lã. Nos casos graves, podem ocorrer lesões nos pulmões. Em alguns ovinos e em determinadas raças, a
doença pode ser leve ou inaparente.
Leitão com lesões discretas de varíola suína. Cortesia do Dr. Paul Gibbs.
Já se sugeriu que a transmissão pudesse ser aerógena ou por contato direto com as lesões ou, ainda, mecânico,
por meio de insetos picadores.
A doença em qualquer espécie deve ser diferenciada da infecção mais leve, ectima contagioso (Orf, p. 1037),
que causa predominantemente lesões proliferativas e crostosas ao redor da boca.
A infecção resulta em imunidade sólida e duradoura. As vacinas de vírus vivos atenuados conferem uma
imunidade mais longa que as de vírus inativados. Também se podem utilizar os vírus vivos e atenuados da
dermatopatia de encaroçamento para vacina contra as varíolas ovina e caprina.
ECTIMA CONTAGIOSO (Orf, Dermatite pustular contagiosa,
Ferida bucal)
O ectima contagioso é uma dermatite infecciosa dos ovinos e caprinos que acomete principalmente os lábios de
animais jovens. A doença geralmente ser mais grave em caprinos do que nos ovinos. O homem é ocasionalmente
infectado por contato direto.
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA: O poxvírus causador (um parapoxvírus) se relaciona com os vírus da
pseudovaríola bovina (p. 1035) e da estomatite papilar bovina (p. 194). A infecção ocorre por contato. O vírus é
altamente resistente ao ressecamento ambiental e já foi recuperado de crostas secas após 12 anos. Também é
resistente ao glicerol e ao éter.
O ectima contagioso é cosmopolita, sendo comum em cordeiros jovens, no final do verão, outono e inverno, em
pastejo e nos lotes de engorda.
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO: A lesão primária se desenvolve nas junções mucocutâneas dos lábios e ao
redor do dente incisivo em erupção, mas também pode se estender para a mucosa da cavidade bucal.
Ocasionalmente, notamse lesões nas patas e ao redor da coroa, locais em que a infecção por Dermatophilus
congolensis comumente causa “strawberry footrot”. As ovelhas que amamentam cordeiros infectados podem
desenvolver lesões nos tetos, estendendo para a pele do úbere. As lesões se desenvolvem como pápulas e
progridem pelos estágios vesiculares e pustulares, antes de formar crostas. A coalescência de muitas lesões
discretas geralmente levar à formação de crostas grandes e a proliferação do tecido dérmico produz uma massa
verrucosa sob as mesmas. Quando a lesão se estende para a mucosa oral, desenvolvese frequentemente uma
necrobacilose secundária (p. 1545).
Durante o curso da doença (1 a 4 semanas), as crostas caem e os tecidos curam sem formar cicatriz. Durante os
estágios ativos da infecção, os cordeiros mais intensamente afetados não comem normalmente e perdem condição.
As lesões extensas nas patas provocam claudicação. Mastites, às vezes gangrenosas, podem ocorrer nas ovelhas
com lesões nos tetos.
A lesão é característica. A doença deve ser diferenciada da dermatose ulcerativa (p. 1030), que produz uma
destruição tecidual e úlceras crateriformes. O ectima geralmente acomete animais mais jovens que a dermatose
ulcerativa, embora esse critério só possa ser utilizado presuntivamente. Febre aftosa e língua azul devem ser
consideradas caso a morbidade seja alta e os sinais clínicos são: salivação, claudicação e febre. Foliculite
por Staphylococcus acomete a pele do focinho e na região periocular. A demonstração direta do vírus em material
de crosta, por microscopia eletrônica foi substituída pelo PCR, como método de escolha para diagnóstico de
ectima. Historicamente, a diferenciação positiva poderia ser obtida pela inoculação em ovinos suscetíveis e
imunizados contra ectima.
TRATAMENTO E CONTROLE: Antibióticos tópicos e parenterais podem auxiliar no combate da infecção bacteriana
secundária das lesões cutâneas. Nas áreas endêmicas, devemse aplicar repelentes e larvicidas apropriados nas
lesões para prevenir miíase. O vírus é transmissível ao homem e geralmente as lesões são restritas às mãos e à face,
são mais proliferativas, por vezes, bastante desconfortáveis. Os veterinários e os tratadores de ovinos devem tomar
precauções protetoras razoáveis e usar luvas descartáveis. No homem, o diagnóstico é estabelecido pela
transmissão do vírus para ovinos; um teste de fixação de complemento pode ser útil.
Os ovinos recuperados de uma infecção natural ficam altamente resistentes à reinfecção. Apesar da
multiplicidade das cepas virais imunogênicas, as vacinas comerciais contra uma cepa única atualmente utilizadas
produzem uma imunidade razoável em todas as partes dos EUA (com uma exceção ocasional). As falhas vacinais
parecem ser decorrentes da virulência da cepa infecciosa em maior grau do que a diferenças na antigenicidade
vacinal. Os ovinos imunizados contra o ectima contagioso permanecem suscetíveis à dermatose ulcerativa.
As vacinas vivas devem ser utilizadas com cuidado para evitar a contaminação de propriedades não infectadas e
os animais vacinados devem ser isolados do lote não protegido até que a queda das crostas. Uma pequena
quantidade da vacina é passada sobre as escarificações cutâneas leves, geralmente na face interna da coxa, atrás
dos cotovelos e na prega caudal. Os cordeiros devem ser vacinados com cerca de 1 mês de idade. Para melhores
resultados, sugerese uma segunda vacinação cerca de 2 a 3 meses mais tarde. Os cordeiros não imunizados
deverão ser vacinados antes de entrarem em lotes de engorda infectados.
ACANTOSE NIGRICANS
Acantose nigricans é uma condição clínica notada em cães, caracterizada por hiperpigmentação axilar e inguinal,
lignificação e alopecia.
ETIOLOGIA E ACHADOS CLÍNICOS: Acantose nigricans é um distúrbio de hiperpigmentação, sem predisposição por
sexo. Acantose nigricans primária é uma genodermatose que acomete várias raças, mas em particular Dachshund.
Os sinais clínicos normalmente surgem com 1 ano de idade, nessa raça. Acantose nigricans secundária pode
ocorrer em qualquer raça de cão, em qualquer idade; é mais comum em raças predispostas a doenças que resultam
em inflamação das regiões axilar e inguinal, em razão de anormalidades de conformação, obesidade,
endocrinopatias (p. ex., hipotireoidismo, hiperadrenocorticismo, disfunção de hormônios sexuais), prurido axilar e
inguinal associados à dermatite atópica, alergia alimentar, dermatite de contato, distúrbios primários de
queratinização e infecções de pele (p. ex., piodermite estafilocócica, dermatite por Malassezia).
Os sinais clínicos começam com aumento da pigmentação nas regiões axilar e/ou inguinal. Na acantose
nigricans primária, a hiperpigmentação inicialmente é difusa e não inflamatória; tende a se desenvolver de maneira
uniforme nas áreas afetadas. Na acantose nigricans secundária, a distribuição é na forma de pápulas e, com
frequência, começa com aparência de renda. Pode não ocorrer em todas as áreas ao mesmo tempo. A inflamação é
branda, mas se torna mais grave com o tempo. As lesões na acantose nigricans secundária não estão
necessariamente presentes em ambas as regiões, axilar e inguinal, tampouco são necessariamente simétricas. Na
acantose nigricans primária, o desenvolvimento de lesões inflamatórias secundárias (i. e., lignificação) ocorre mais
comumente como resultado da fricção devido à conformação. Acantose nigricans secundária é iniciada por
inflamação e/ou fricção. As lesões podem se desenvolver em áreas de hiperpigmentação grave, com lignificação
marcante, perda de pelos e seborreia. Com frequência, essas áreas são odoríferas e podem estar doloridas. As
bordas dessas lesões, em geral, são eritematosas; esse é um sinal de piodermite bacteriana secundária ou por
levedura. Com o tempo, as lesões podem progredir e disseminar para a região ventral do pescoço, virilha, abdome,
períneo, jarretes, área periocular e pavilhão auricular. O prurido é variável e normalmente é resultado de
crescimento microbiano secundário excessivo (dermatite por estafilococos ou Malassezia) ou prurido resultante de
uma doença primária.
DIAGNÓSTICO: Os achados físicos compatíveis com o diagnóstico clínico de acantose nigricans não são difíceis de
reconhecer. Acantose nigricans primária é um diagnóstico de exclusão; acantose nigricans em um cão Dachshund
jovem nem sempre é causada por genodermatose. Anamnese minuciosa e exame físico são necessários para
identificar uma causa primária. Raspados de pele devem ser feitos para excluir demodicose, em especial em cães
jovens. Imprints são úteis para confirmar infecções bacterianas e por Malassezia. Dependendo dos sinais não
dermatológicos, podem ser úteis os testes de função de tireoide e adrenal; doenças endócrinas da pele não são
pruriginosas, a menos que sejam acompanhadas de infecções secundárias na pele. Testes cutâneos intradérmicos,
teste alimentar, ou ambos, podem ser necessários. Biopsia cutânea normalmente não é necessária para confirmar a
doença primária e geralmente não facilitam a identificação da doença primária associada à doença secundária, com
possível exceção da seborreia primária. Em alguns casos, as biopsias de pele podem identificar infecções
bacterianas secundárias que não haviam sido reconhecidas previamente. A presença de tais infecções é comum;
neste caso, as infecções secundárias têm pouco valor diagnóstico. Na maioria dos casos, é útil tratar a infecção
secundária bacteriana e/ou por Malassezia antes de realizar outros testes diagnósticos.
TRATAMENTO: A acantose nigricans primária em cão Dachshund não é curável. Em alguns cães, as lesões não
progridem além de um problema cosmético. Se há inflamação, os casos iniciais podem responder a xampu
antimicrobiano e ao tratamento tópico local com glicocorticoides, por exemplo, spray de acetato de triancinolona
ou pomada de valerato de betametasona. Com a progressão das lesões, terapias sistêmicas mais agressivas podem
ser úteis. As seguintes terapias sistêmicas foram utilizadas, sozinhas ou em combinação, com graus variáveis de
sucesso: 200 UI de vitamina E VO, 2 vezes/dia, por 2 a 3 meses; 1 mg de glicocorticoides/kg, VO, 1 vez/dia,
durante 7 a 10 dias e, em seguida, em dias alternados; 2 mg de melatonina/cão, SC, 1 vez/dia, por 3 a 5 dias e, em
seguida, semanalmente ou mensalmente, conforme a necessidade. O tratamento concomitante das infecções
bacterianas secundárias ou por Malassezia é útil e deve ser realizado antes da terapia sistêmica com
glicocorticoides; a terapia antimicrobiana é compatível com outras terapias. Xampus antisseborreicos, em geral,
são benéficos para remoção do excesso de oleosidade e do odor, e devem ser utilizados com frequência (i. e., 2 a 3
vezes/semana).
Na acantose nigricans secundária, a maioria das lesões se cura após a identificação e correção da causa primária.
Alguma hiperpigmentação residual pode permanecer. O tratamento de crescimento secundário excessivo de
bactérias e leveduras é crítico. Se o cão não foi tratado previamente para infecção estafilocócica secundária da
pele, indicase terapia empírica com fármacos de espectro estreito, como trimetoprimasulfonamida oral (15 a 30
mg/kg, 2 vezes/dia), eritromicina (10 a 20 mg/kg, 3 vezes/dia) ou lincomicina (15 a 30 mg/kg, 2 vezes/dia).
Cefalexina (30 mg/kg, 2 vezes/dia) pode ser o medicamento de melhor custobenefício em cães de grande porte.
Cães que recebem terapia prolongada ou tratamentos com vários medicamentos devem ser tratados com base nos
resultados de cultura e antibiograma; estafilococos resistentes à meticilina estão se tornando mais comuns. A
infecção por leveduras pode ser tratada com sucesso com itraconazol, cetoconazol ou fluconazol (5 a 10 mg/kg
VO), concomitantemente. Os cães acometidos se beneficiam bastante da terapia com o uso de antimicrobiano
apropriado e de xampu antiseborreico (2 a 3 vezes/semana). Se as lesões forem causadas por fricção, emolientes
podem ser benéficos.
Os sinais clínicos se regridem lentamente, possivelmente no decorrer de meses.
COMPLEXO GRANULOMA EOSINOFÍLICO
A etiologia desse grupo de doenças que acomete gatos, cães e equinos é relacionada principalmente a uma reação
de hipersensibilidade primária. Isso é particularmente verdadeiro em gatos e equinos. Hipersensibilidades a
insetos, ambiente e dieta foram documentadas em gatos, enquanto hipersensibilidade a insetos foi observada em
alguns equinos e em pequeno número de cães. Predisposição genética e infecções bacterianas também foram
observadas em gatos. Em todas as espécies há casos idiopáticos.
Cães
Em cães, as lesões relatadas como granulomas eosinofílicos se assemelham histologicamente aos granulomas
eosinofílicos de gatos, com acentuada degeneração do colágeno circundado por um infiltrado granulomatoso e
eosinofílico. Essas lesões podem ser observadas como massas vegetativas ou ulceradas na cavidade bucal ou,
menos comumente, como placas, nódulos ou pápulas nos lábios e outras áreas do corpo. Qualquer raça pode ser
afetada, mas Husky Siberiano e Cavalier King Charles Spaniel parecem mais suscetíveis.
A maioria das lesões responde aos corticosteroides e a terapia normalmente implica no uso de prednisona ou
prednisolona oral (0,5 a 2 mg/kg/dia, inicialmente, reduzindo a dose no decorrer de 20 a 30 dias). Há recidiva das
lesões em alguns cães, nos quais a terapia com dose baixa de corticosteroides, em dias alternados, é indicada.
Equinos
Em equinos, a doença foi denominada granuloma eosinofílico equino, com degeneração do colágeno, necrobiose
nodular do colágeno e granuloma colagenolítico. As lesões são nodulares, não ulcerativas e não pruriginosas. Elas
geralmente são encontradas nas áreas em que é colocada a sela, centro do tronco e área cervical lateral e podem ter
uma área central cinzaesbranquiçada. Lesões antigas podem se tornar mineralizadas. Picadas de insetos e
traumatismos foram etiologias sugeridas, embora o início ocasional durante o inverno em regiões de clima frio e
em áreas que não estão em contato com a sela ou em áreas de cravo de ferradura sugiram causas multifatoriais. A
histologia revela áreas multifocais de fibras de colágeno circundadas por inflamação granulomatosa que contém
eosinófilos. Assim, histologicamente, essa lesão é similar ao granuloma eosinofílico de gatos e cães.
Lesões solitárias podem ser tratadas com extirpação cirúrgica ou injeções sublesionais de corticosteroides. As
lesões mineralizadas, com frequência, requerem extirpação. Acetonida de triancinolona (3 a 5 mg/lesão) ou acetato
de metilprednisolona (5 a 10 mg/lesão) é efetivo. Não deve ser administrado mais que o total de 20 mg de
acetonida de triancinolona sublesional, ao mesmo tempo, em razão do risco de laminite. Equinos com lesões
múltiplas devem ser tratados com prednisona ou prednisolona oral, na dose de 1,1 mg/kg, 1 vez/dia, por 2 a 3
semanas. Em equinos com lesões recidivantes, testes intradérmicos de alergia, em particular com antígenos de
insetos, são recomendados. A hipossensibilização e o controle de insetos podem ser paliativos, em alguns casos.
Gatos
Em gatos, há três enfermidades que foram agrupadas no complexo.
ÚLCERA EOSINOFÍLICA: Essa lesão bem circunscrita, eritematosa e ulcerativa, indolor e sem prurido, normalmente
é notada no lábio superior. Algumas são associadas à hipersensibilidade à picada de pulgas. A progressão para
carcinoma de célula escamosa é extremamente rara, embora sua ocorrência seja relatada. A histologia mostra
dermatite ulcerativa com infiltrado de neutrófilos, plasmócitos e predominância de células mononucleares.
Fibroplasia discreta a moderada é comum. Eosinofilia tecidual ou periférica não é tão comum quanto nas placas
eosinofílicas e no granuloma linear.
PLACAS EOSINOFÍLICAS: Essas lesões proeminentes, bem delimitadas e eritematosas são encontradas mais
comumente na face interna da coxa e no abdome; essa doença é extremamente pruriginosa. Pode ser verificada
linfadenopatia regional. A histologia mostra dermatite eosinofílica difusa, com edema epidérmico inter e
intracelular marcante e vesículas que contêm eosinófilos. Mastócitos podem estar presentes na derme. Eosinofilia
periférica é comum.
GRANULOMA EOSINOFÍLICO: Essas lesões tipicamente proeminentes, bem delimitadas, amareladas a róseas,
podem ser encontradas em qualquer parte do corpo, sendo mais comuns na parte posterior das coxas e na cavidade
bucal. Quando essa lesão ocorre na cabeça, face, pontes nasais, pavilhão auricular ou coxins plantares, a causa
indutora pode ser picada de mosquito. As lesões na parte posterior da coxa normalmente são distintamente
lineares. Histologicamente, uma resposta inflamatória granulomatosa circunda as fibras colágenas. Eosinofilia
tecidual e periférica são marcantes quando as lesões situamse na cavidade bucal, mas variam quando as lesões
estão na pele.
TRATAMENTO: Distúrbios de hipersensibilidade (alergia a pulgas, alimentos ou inalantes) devem ser investigados
por meio da instituição de um controle rigoroso de pulgas, testes alérgicos (intradérmico ou in vitro) e testes de
exclusão de alimentos. Hipossensibilização, controle contínuo de insetos e manejo dietético devem ser
empregados, quando apropriados. Terapia antimicrobiana (amoxicilinaclavulanato, cefalosporinas ou
fluoroquinolonas) deve ser tentada empiricamente, em especial nos casos refratários. Se nenhuma causa primária
pode ser determinada e a doença é refratária, podese tentar corticosteroides, como acetato de metilprednisolona (4
mg/kg IM, uma vez a cada 2 semanas, no total de 2 ou 3 injeções), prednisolona oral (2 a 4 mg/kg/dia) ou
triancinolona oral (0,8 mg/kg/dia). A administração oral de corticosteroide deve ser reduzida para dias alternados
(ou a cada 3 dias, no caso da triancinolona) e as doses devem ser reduzidas quando utilizadas em tratamento
prolongado. O acetato de metilprednisolona injetável de longa ação não deve ser utilizado com mais frequência do
que a cada 8 a 12 semanas, em razão do risco de hiperadrenocorticismo e/ou diabetes melito. Dose de 0,2 mg de
clorambucila/kg, 3 vezes/semana, tem sido utilizada em casos refratários; requer monitoramento sanguíneo mais
intensivo, em razão do seu potencial para supressão de medula óssea; podem ser necessárias 6 a 12 semanas antes
que a resposta seja verificada; caso se note resposta deve ser reduzir a dose e a frequência. Ciclosporina (5
mg/kg/dia) tem sido utilizada em casos refratários. Isso pode requerer monitoramento laboratorial mensal quanto a
alterações metabólicas (p. ex., renal), embora a disfunção de órgãos internos seja relativamente rara.
Progestágenos, como acetato de megestrol ou acetato de medroxiprogesterona, são efetivos; no entanto, não são
recomendados em razão de suas reações adversas potenciais.
DERMATOSE NASAL DOS CÃES (Nariz do Colly, Dermatite solar
nasal)
Dermatoses nasais dos cães podem ser causadas por várias doenças. As lesões podem acometer a ponte nasal, o
plano nasal, ou ambos. As porções pilosas do nariz são afetadas em casos de piodermite, dermatofitose e
demodicose. No lúpus eritematoso sistêmico ou no pênfigo, com frequência, todo o focinho se apresenta com
crostas (com exsudação sérica ocasional) ou úlceras. No lúpus sistêmico e discoide e, ocasionalmente, no pênfigo e
no linfoma cutâneo, o plano nasal apresenta despigmentação, eritema e, por fim, pode ulcerar. A aparência normal
do plano nasal se perde.
Dermatose nasal secundária à radiação solar provavelmente é uma doença rara e pode, com frequência, ser
diagnosticada erroneamente como uma variante de lúpus. Na dermatite solar nasal verdadeira, as áreas
despigmentadas do plano nasal são afetadas primeiramente e, ocasionalmente, a ponte nasal pode se tornar
inflamada e, às vezes, ulcerada. As lesões são mais graves no verão, embora o lúpus e o pênfigo também possam
apresentar essa variação sazonal.
Qualquer uma das doenças citadas anteriormente pode afetar a área periocular (ver também p. 880 e p. 878). O
surgimento súbito de tumefação, eritema e exsudação nasal com frequência se deve à furunculose eosinofílica;
acreditase que essa seja causada por ferroada ou picada de insetos. Leishmaniose, uma doença causada por
protozoário, pode ocasionar despigmentação do plano nasal.
O tratamento depende da etiologia. Testes diagnósticos devem incluir raspados de pele, culturas fúngica e
bacteriana, biopsias para histopatologia e testes imunológicos. No entanto, os testes imunológicos não são mais
utilizados com tanta frequência quanto antigamente, em razão do maior número de dermatopatologistas
veterinários, que são capazes de definir o diagnóstico com base apenas no exame histopatológico. Na suspeita de
lúpus eritematoso sistêmico devese coletar sangue para pesquisa de anticorpos antinucleares.
Se o diagnóstico é dermatite solar nasal, uma loção de corticosteroides tópica (valerato de betametasona 0,1%)
pode auxiliar no alívio da inflamação. A exposição à luz solar deve ser rigorosamente restringida. Protetores
solares tópicos podem ser efetivos, mas devem ser aplicados, no mínimo, 2 vezes/dia. O tratamento para
furunculose eosinofílica implica no uso de corticosteroides sistêmicos, prednisona ou prednisolona a 1 mg/kg, 2
vezes/dia, por 1 semana; em seguida a dose deve ser reduzida gradualmente.
DERMATOSES SISTÊMICAS DIVERSAS
Várias doenças sistêmicas causam lesões variadas na pele. Normalmente, as lesões não são inflamatórias e alopecia
é um achado comum. Em alguns casos, as alterações cutâneas são características de uma doença em particular; no
entanto, com frequência as dermatoses não estão notadamente associadas a uma causa primária e devem ser
cuidadosamente diferenciadas de dermatopatias primárias. Algumas dessas dermatoses secundárias são
mencionadas a seguir; ademais, são descritas nos capítulos sobre as enfermidades específicas.
As dermatoses podem estar associadas a deficiências nutricionais, em especial de proteínas, gorduras, minerais,
algumas vitaminas e microelementos. No entanto, são incomuns em cães e gatos alimentados com dietas modernas
e balanceadas. Cães da raça Husky Siberiano e, ocasionalmente, de outras raças, podem desenvolver uma doença
similar à paraqueratose suína e requerem zinco adicional em sua dieta (2 a 3 mg de zinco/kg/dia). Dermatoses
responsivas à administração de zinco suplementar também foram relatadas em bovinos, ovinos, caprinos e lhamas
e estão associadas à necessidade individual maior, e não à deficiência dietética.
Às vezes, dermatite é observada em associação com distúrbios de órgãos internos, como fígado, rins ou
pâncreas. Disfunção do parênquima hepático foi associada à dermatite necrótica superficial (síndrome
hepatocutânea, dermatose diabética), relacionada com a hipoaminoacidemia em cães idosos e, raramente, em
gatos. As lesões cutâneas incluem eritema, crostas, exsudação e alopecia na face, genitália e extremidades distais,
bem como hiperqueratose e ulceração de coxins plantares. A doença de pele pode preceder o aparecimento dos
sinais de doença interna. Os a chados histopatológicos são diagnósticos e incluem dermatite superficial
perivascular a liquenoide, com hiperqueratose paraceratótica difusa acentuada e notável edema inter e intracelular
limitado à metade superior da epiderme. Hiperglucagonemia também foi documentada em cães com essa
síndrome; no entanto, os cães tendem a apresentar disfunção do parênquima hepático mais comumente do que
glucagonomas. Em cães, a terapia baseiase em infusão IV de aminoácidos ou remoção cirúrgica do glucagonoma.
A síndrome da fragilidade cutânea em gatos (pele excessivamente friável) foi observada em associação com
neoplasia pancreática, lipidose hepática ou disfunção da adrenal. Neoplasias pancreáticas também foram
associadas a crostas em coxins e alopecia em gatos. Há relato de uma síndrome de dermatofibrose nodular
generalizada em cães da raça Pastor Alemão e, ocasionalmente, em outras raças, associada à cistadenomas renais,
cistadenocarcinomas ou cistos epiteliais renais. A avaliação histopatológica dos nódulos cutâneos revela fibrose
densa do colágeno.
Intoxicações por sulfato de tálio (veneno de rato, p. 2740), ergot (p. 2599), mercúrio (p. 2661) e iodo podem
causar várias alterações cutâneas. Hiperqueratose pode ser causada por intoxicação por naftalenos clorados, em
bovinos.
Em cães, as dermatoses podem se desenvolver como resultado de disfunção endócrina (ver p. 574 e seguintes).
Em machos com tumor de célula de Sertoli, podese notar alopecia bilateral e prurido ocasional, com erupção
papular. Cadelas não castradas com desequilíbrios hormonais, em geral, apresentam prurido e erupção papular,
aumento de volume do tecido mamário e ciclos estrais frequentes. As lesões de pele decorrentes de ambos os
distúrbios podem começar na região inguinal ou no flanco e progredir em sentido cranial. As dermatoses
sƒecundárias à castração não são comuns em cães e gatos; quando ocorrem, em geral, não são pruriginosas e há
alopecia discreta na região perineal ou inguinal.
Há relato de dermatose associada a hipotireoidismo (p. 593), com lesões de pele caracterizadas por diminuição
do crescimento piloso e alopecia bilateral simétrica. A pele tornase seca, descamada, espessada e, às vezes, fria ao
toque. Piodermite e seborreia podem ser notadas e as bordas do pavilhão auricular podem apresentar descamação
excessiva. Em casos raros, pode haver mixedema cutâneo.
A produção deficiente de hormônios hipofisários raramente causa dermatose. Hipopituitarismo é caracterizado
por alopecia, em especial nas regiões da axila e na lateral do tórax e abdome. Hiperadrenocorticismo também se
manifesta com alterações cutâneas, como hiperpigmentação, alopecia, seborreia, calcinose cutânea e piodermite
secundária. Em gatos, a pele se torna extremamente friável. Na diabetes melito, às vezes ocorrem prurido e
infecção secundária, em especial em gatos com infecção generalizada por Malassezia sp.
O ácaro nasal canino (Pneumonyssoides caninum, p. 1586) é um parasito encontrado na cavidade nasal e nos
seios nasais dos cães. A infecção por P. caninum em cães causa sinais clínicos inespecíficos do trato respiratório
superior, como espirros, espirros reversos, rinite, prejuízo à capacidade de farejamento, bem como prurido no
focinho.
Raramente, distúrbios neurológicos primários, em especial em cães, podem se manifestar como lesões cutâneas.
Esses distúrbios incluem neuropatias sensoriais em cães das raças Pointer Inglês e Dachshund de pelo longo,
síndrome da cauda equina, pseudorraiva, neoplasia de nervo periférico e siringomielia de cães da raça Cavalier
King Charles Spaniel. Os sinais clínicos, em geral, incluem prurido e/ou arranhadura, mas também se manifestam
como dor na síndrome da cauda equina e automutilação nas neuropatias sensoriais.
O tratamento dessas enfermidades depende do diagnóstico etiológico específico. Uma vez estabelecidas e
controladas, as lesões de pele, em geral, precisam apenas de tratamento sintomático (p. ex., controle do prurido),
até que elas desapareçam com a cura da doença primária.
FERIDAS DE SELA (Assadura pelo arreio)
A área situada abaixo da sela em equinos de montaria ou a região da cernelha daqueles animais montados com
arreio é, com frequência, um local de lesões cutâneas e dos tecidos moles e ósseos mais profundos. Os sinais
clínicos variam de acordo com a profundidade da lesão e as complicações causadas por infecção secundária. Os
ferimentos que afetam apenas a pele são caracterizados por alterações inflamatórias que variam de eritemas a
pápulas, vesículas, pústulas e, por fim, necrose. Com frequência, a lesão tem início como uma inflamação aguda
dos folículos pilosos e progride para foliculite purulenta. Os locais acometidos apresentam alopecia e tumefação,
hipertermia e dor. O exsudato seroso ou purulento seca e forma crostas. Lesões avançadas são denominadas
assaduras. Quando a pele e os tecidos subjacentes são lesionados mais seriamente, podem se desenvolver
abscessos. São caracterizados por tumefações quentes, flutuantes, doloridas e das quais pode ser aspirado um
fluido purulento ou serohemorrágico. As lesões graves na pele e no tecido subcutâneo ou em tecidos mais
profundos resultam em necrose seca ou úmida. As lesões de sela crônicas são caracterizadas por
foliculite/furunculose profundas (furúnculo), com fibrose, ou dermatite localizada, endurecida e proliferativa. As
lesões, em geral, são causadas pela colocação inadequada do arreio.
A identificação e eliminação da parte do arreio que está incomodando são mais importantes do que qualquer
outro tratamento. Escoriações e inflamação da pele nas regiões sob a sela e arreios são tratadas como qualquer
outra dermatose. É necessário repouso absoluto das partes afetadas. No estágio inicial ou agudo, são indicadas
soluções adstringentes (solução de Burow). Lesões crônicas e as que estão infectadas superficialmente podem ser
tratadas com aplicações de compressas mornas e antibióticos tópicos ou sistêmicos. Os hematomas devem ser
aspirados ou drenados. O tecido necrosado deve ser removido cirurgicamente. Nas foliculites e furunculoses
graves, a escolha dos antibióticos com base nos resultados de cultura e antibiograma é sempre indicada. A recidiva
de hematomas, seromas e/ou o desprendimento da pele ao início do uso de sela em um equino QuartodeMilha
jovem ou Paint Horse devem levantar suspeitas de uma doença genética hereditária, a astenia dérmica equina. Um
teste de DNA simples, realizado em bulbo piloso da cauda, confirma o diagnóstico.
FOTOSSENSIBILIZAÇÃO
Fotossensibilização ocorre quando a pele (em especial as áreas expostas à luz solar e que não apresentam uma
camada significativa de pelos protetores, lã ou pigmentação) se torna mais suscetível à luz ultravioleta em razão da
presença de agentes fotodinâmicos. A fotossensibilização difere de queimadura solar e de fotodermatite, pois
ambas resultam em lesões de pele, sem a presença de agentes fotodinâmicos.
Na fotossensibilização, moléculas instáveis de alta energia são formadas quando fótons reagem com agentes
fotodinâmicos. Essas moléculas de alta energia iniciam reações com moléculas da pele que são substratos, o que
causa a liberação de radicais livres que, por sua vez, resultam no aumento da permeabilidade da membrana celular
externa e da membrana lisossomal. A lesão à membrana celular externa permite o extravasamento de potássio
intracelular e extrusão citoplasmática. A lesão da membrana lisossomal libera enzimas líticas dentro das células, o
que leva à ulceração, necrose e edema da pele. O tempo entre a exposição ao agente fotodinâmico e o início dos
sinais clínicos depende do tipo de agente, de sua dose e da exposição à luz solar.
A fotossensibilização, em geral, é classificada de acordo com a fonte do pigmento fotodinâmico. Inclui
fotossensibilização primária (tipo I), síntese aberrante de pigmentos endógenos (tipo II) e fotossensibilização
hepatógena (secundária ou tipo III). Uma quarta categoria, chamada fotossensibilização idiopática (tipo IV) foi
descrita.
Uma ampla variedade de produtos químicos, inclusive alguns oriundos de bactérias e fungos, podem atuar como
agentes fotossensibilizantes. No entanto, a maioria dos compostos considerados causas importantes de
fotossensibilização em medicina veterinária são derivados de plantas. Fotossensibilização ocorre em todo o mundo
e pode acometer qualquer espécie, mas é observada com maior frequência em bovinos, ovinos, caprinos e equinos.
FOTOSSENSIBILIZAÇÃO PRIMÁRIA: Fotossensibilização primária ocorre quando o agente fotodinâmico é ingerido,
injetado ou absorvido pela pele. Esta agente alcança a circulação sistêmica em sua forma original, onde resulta
lesão da membrana das células da pele, após exposição do animal à luz ultravioleta. Exemplos de agentes
fotossensibilizantes primários incluem hipericina (do Hypericum perforatum [erva de São João]) e fagopirina
(do Fagopyrum esculentum [trigo sarraceno]). Plantas das famílias Umbelliferae e Rutaceae contêm furocumarinas
fotoativas (psoralenos), que causam fotossensibilização em animais pecuários e aves domésticas. Ammi
majus (erva do bispo) e Cymopterus watsonii (salsa da primavera) provocam fotossensibilização em bovinos e
ovinos, respectivamente. A ingestão de sementes de A. majus e A. visnaga causa fotossensibilização grave em aves
domésticas. Espécies de Trifolium, Medicago (trevos e alfafa), Erodium, Polygonum e Brassica foram
incriminadas como agentes fotossensibilizantes primários. Muitas outras plantas são suspeitas, mas as toxinas
responsáveis ainda não foram identificadas (p. ex., Cynodon dactylon [grama bermuda]). Adicionalmente,
derivados de alcatrão, como hidrocarbonetos tricíclicos aromáticos, e algumas sulfonamidas foram relatados como
causa de fotossensibilização primária. Antihelmínticos fenotiazinas foram considerados causas de
fotossensibilização primária em bovinos, ovinos, caprinos e suínos.
METABOLISMO ABERRANTE DE PIGMENTO: Sabese que a fotossensibilização tipo II secundária ao metabolismo
aberrante de pigmento ocorre tanto em bovinos quanto em gatos. Nessa síndrome, os agentes fotossensibilizantes
porfirínicos são pigmentos endógenos oriundos de disfunções, hereditárias ou adquiridas, de enzimas envolvidas
na síntese do radical heme. Porfiria eritropoética congênita bovina (p. 1098) e protoporfiria eritropoética bovina (p.
909) são as doenças mais comumente relatadas nessa categoria.
Fotossensibilização em vaca. Cortesia do Dr. Dietrich Barth.
FOTOSSENSIBILIZAÇÃO SECUNDÁRIA (HEPATÓGENA): A fotossensibilização secundária ou tipo III é, de longe, o
tipo de fotossensibilização observado com maior frequência em animais pecuários. O agente fotossensibilizante
filoeritrina (uma porfirina) se acumula no plasma em razão do prejuízo à excreção hepatobiliar. A filoeritrina é
derivada da quebra da clorofila por microrganismos presentes no trato GI. A filoeritrina, mas não a clorofila,
normalmente é absorvida na circulação e excretada efetivamente pelo fígado, junto com a bile. A falha na excreção
de filoeritrina devido à disfunção hepática ou a lesão de ductos biliares aumenta sua concentração na circulação
sanguínea. Dessa forma, quando chega à pele pode absorver e liberar a energia da luz, dando início a uma reação
fototóxica.
A filoeritrina foi incriminada como o agente fototóxico nas seguintes condições: oclusão do ducto biliar comum,
eczema facial (p. 2602); lupinose (p. 2605); fotossensibilização congênita dos ovinos Southdown e Corriedale (ver
a seguir) e intoxicação por várias plantas, inclusive Tribulis terrestris (trepadeira), Lippia rehmanni, Lantana
camara, vários cultivares de Panicum spp. (Kleingrass, vassouragrão, sorgo), Cynodon dactylon, Myoporum
laetum (ngaio) e Narthecium ossifragum (asfódelo dos charcos).
A fotossensibilização também foi relatada em animais que apresentavam lesão hepática associada a várias
intoxicações: alcaloides pirrolizidínicos (p. ex., Senecio spp., Cynoglossum spp., Heliotropium spp., Echium spp.;
p. 2726), cianobactérias (Microcystis spp., Oscillatoria spp.), Nolina spp. (grama em maço), Agave
lechuguilla (lechuguilla), Holocalyx glaziovii, Kochia scoparia, Tetradymia spp. (escova de equinos ou escova dos
coelhos), Brachiaria brizantha, Brassica napus, Trifolium pratense e T. hybridum (trevo alsike e trevo
vermelho), Medicago sativa, Ranunculus spp., fósforo e tetracloreto de carbono. É provável que a filoeritrina seja
o agente fototóxico na maioria dessas intoxicações.
FOTOSSENSIBILIZAÇÃO TIPO IV: A fotossensibilização em que a patogênese é desconhecida ou em que o agente
fotodinâmico não é identificado, é classificada como tipo IV. Exemplos incluem casos de fotossensibilização
primária em bovinos, possivelmente causados por Thlaspi arvense (erva fedida do campo), ainda que este vegetal
não tenha sido relatada como causa de fotossensibilização. Surtos de fotossensibilização foram relatados em
bovinos expostos ao feno de alfafa estragado por contato com água, palha mofada e feno de grama rabo de raposa.
Suspeita–se que esses casos sejam de origem hepatógena. Ranunculus bulbosus (copo de manteiga),
presumivelmente, foi causa de fotossensibilização hepatógena. Outras plantas associadas à fotossensibilização
incluem trigo do inverno (bovinos), Medicago spp. (alfafa), Brassica spp. (mostradas) e Kochia scoparia (erva de
fogo). Acreditase que muitas dessas plantas sejam fotossensibilizantes do tipo I. Forragens como aveia, trigo e
trevo vermelho são suspeitas de casos de fotossensibilização e podem estar associadas a condições ambientais
específicas, como precipitação pluviométrica intensa.
ACHADOS CLÍNICOS E LESÕES: Os sintomas dermatológicos associados à fotossensibilização são similares,
independentemente da causa. Animais com fotossensibilização apresentam fotofobia e parecem agitados e
desconfortáveis logo após a exposição à luz do sol. Eles raspam ou esfregam as áreas pouco pigmentadas da pele
exposta (p. ex., orelhas, pálpebras e focinho). As lesões inicialmente aparecem em áreas de pelos brancos, não
pigmentadas ou alopécicas, como nariz e úbere. No entanto, filoeritrinemia grave e luz solar intensa podem causar
lesões cutâneas típicas, mesmo em animais de pelagem preta. O eritema se desenvolve rapidamente e logo é
seguido por edema. Se a exposição à luz cessar nesse estágio, as lesões se curam em pouco tempo. Quando a
exposição é prolongada, as lesões podem progredir para formação de vesículas e bolhas, exsudação serosa,
ulceração, formação de crostas e necrose de pele. O estágio final envolve o desprendimento da pele. Em bovinos e,
em especial, em cervos, a exposição da língua durante lambeduras pode resultar em glossite, caracterizada por
ulceração e necrose profundas. Independente da cor da pelagem, os bovinos podem desenvolver epífora, edema de
córnea e cegueira.
Dependendo da causa inicial do acúmulo do agente fotossensibilizante, outros sinais clínicos podem ser
observados. Por exemplo, se a fotossensibilização for hepatógena, pode haver icterícia. Na porfiria eritropoética
congênita bovina, a alteração da coloração da dentina, dos ossos (e outros tecidos) e da urina, em geral,
acompanham as lesões cutâneas. Fotodermatite é a única manifestação observada na protoporfiria eritropoética
bovina.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico de fotossensibilização se baseia nos sinais clínicos, nas evidências ou no histórico de
exposição a agentes fotossensibilizantes ou hepatotóxicos e nas lesões características. A fotofobia combinada a
eritema e edema das áreas sem pelos e despigmentadas da pele é fortemente sugestiva da doença. O período de
exposição aos agentes fotodinâmicos ou hepatotóxicos até o início dos sinais clínicos pode variar de várias horas a
10 dias. Os sinais clínicos, o aumento das atividades séricas de enzimas, como sorbitol desidrogenase,
gamaglutamiltransferase e fosfatase alcalina, bem como do teor de bilirrubina direta e sinais macroscópicos ou
histológicos de doença hepática sustentam o diagnóstico de fotossensibilização hepatógena. O diagnóstico
presuntivo de porfiria se baseia no histórico (sexo, idade, raça) combinado aos sinais clínicos e o diagnóstico
definitivo pode ser obtido por meio da mensuração dos teores de porfirina no sangue, fezes e urina.
TRATAMENTO: O prognóstico para animais com fotossensibilização hepatógena e porfiria é reservado, no entanto,
o prognóstico para animais com fotossensibilização primária, em geral, é bom. O tratamento envolve
principalmente medidas paliativas. Enquanto há fotossensibilidade, os animais devem ser mantidos completamente
à sombra ou, de preferência, fechados e soltos para pastar apenas durante a noite. O estresse grave da
fotossensibilização e a necrose cutânea extensa podem se revelar muito debilitantes e aumentar a taxa de
mortalidade. Corticosteroides administrados por via parenteral nos estágios iniciais podem ser úteis. Infecções
cutâneas secundárias e supurações devem ser tratadas com técnicas básicas de manejo de feridas e o ataque de
moscas deve ser evitado. As lesões de pele cicatrizam muito bem, mesmo após necrose extensa.
Fotossensibilização Congênita em Ovinos
Ovinos das raças Southdown e Corriedale podem herdar uma incompetência hepatobiliar