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João Antônio Fiorentin – 2°A

TERRAS MALDITAS
- Você continua desonrando as leis da comunidade e da igreja com seu
orgulho e soberba - os gritos de ira ecoavam pela pequena amadeirada capela.
Notando a agitação das pessoas por conta de seu tom alarmante, suspirou forte e
agora com mais leveza em sua fala, prosseguiu – Por esses motivos o senhor e sua
família serão banidos dos limites dessa comunidade.
- Isso será um prazer! – Rebateu Caim em sua mais pura arrogância.
- Então vá embora e não incomode mais – finalizou o padre, apontando à
saída.
Durante a silenciosa retirada multidões de olhares eram direcionados aos
julgados – especificamente à Caim que ainda com repugnância pelas pessoas ao
seu redor cuspiu no chão simbolizando nesse momento seu desprezo extremo a
todos que ali o-encaravam.

Sem rumo os quatro integrantes deixaram a antiga aldeia, e após muita


oração e preces a seu Deus – vindas principalmente de Catherine que como toda
mãe preocupada com seus filhos, clamou por ajuda a aquele que nunca a
abandonou - partiram à possíveis terras santas, terras férteis capazes de sustentar
e gerar uma qualidade de vida digna a todos de sua família.

Os dias de caminhada foram longos, gélidos e esgotantes, percorreram


quilômetros e quilômetros, abriram caminhos até então inexplorados. Após tanto
sacrifício graças às bençãos de seu todo poderoso Deus a terra prometida
finalmente fora encontrada. Campos verdes com solo prospero próximos a uma
nascente de água cristalina, a divina paisagem era contrastada por uma densa e
mística floresta tão apavorante devido à sua amplitude coberta por pinheiros de
alturas inigualáveis, ali tudo o que havia era morte, podridão, e possíveis fungos
venenosos. Os camponeses após desbravarem o local, criaram do lugar sua
morada, construíram um pequeno casebre, deram início à criação de animais e
levaram suas vidas no possível e pouco conforto que possuíam.
Passado se quase dois anos a prosperidade que antes habitava as terras
redores foi perdendo sua vividez, o antigo campo reluzido por cores resplandecentes
de flora viva se tornara em mato seco, sem vida, infértil... as únicas coisas que ali
rondeava eram os poucos corvos carniceiros que em busca de alimento destruíam
as poucas colheitas que a plantação produzia. As cristalinas e frescas nascentes
não geravam mais água o suficiente para todas as atividades que necessitavam
desse bem. O local abençoado e a maldita floresta fundiram-se em apenas um,
como se todo solo fértil fosse vítima de uma maldição das parasitas terras
florestadas pela escuridão.

- Seis...sete...oito...nove...dez! – exclamou Sara – É melhor você ter se


escondido bem princesinha – A moça agora com olhos abertos e bem atentos saiu
em busca de sua pequena irmã Rosaline que após tantos pedidos da mesma por
uma rápida partida de esconde-esconde finalmente a convencera. Analisando os
possíveis lugares que a menina poderia ter utilizado como esconderijo, procurou
pelos arredores do casebre em ruínas no qual viviam.
- Ros – esse era o apelido que Sara deu à sua irmã, não demorou muito para
o resto da família utilizá-lo ao chamá-la – onde você se meteu sua pirralhinha? –
Sem respostas a jovem prosseguiu em direção à nascente que devido as fortes
tempestades ocorridas encontrava-se destruída, próxima a ela havia um pequeno
profundo lago este habitado por gosmentas inofensivas rãs. Sara ao aproximar-se
do barrento e úmido local, por algum motivo até então desconhecido, começou a
sentir fortes náuseas, em questão de segundos sua visão ficara turva e momentos
antes de desmaiar a garota avistara uma figura feminina um tanto quanto diferente
que ao notar a presença de Sara desapareceu de uma forma inexplicável.
Agora no lago a única coisa visível era um corpo, um pequeno corpo para
falar a verdade, infantil, os compridos loiros cachos flutuavam pelas escuras águas
essas da mesma cor dos doces olhos de Rosaline que nesse exato momento
afundava sobre aquela laguna assim saindo dessa história para sempre.

Anoitecera, Caim envolvido pela preocupação e notando a ausência das


garotas saiu à procura das mesmas. Percorrendo todo o trajeto que algumas horas
antes a filha mais velha teria feito, não demorou muito para encontrar Sara que
ainda se encontrava desacordada naquele barrento chão. Movido pela sua forte
personalidade paternal aproximou-se e tentou acordá-la com leves tapas e fracas
chacoalhadas.
- Sara... Sara!
Desesperado e sem obter resposta alguma, o homem pega-a em seu colo e a
leva para casa na esperança que despertasse e o explicasse o que aconteceu
naquela nublada tarde de sábado. Por que se encontrava próxima ao lago? Aonde
está Rosaline? Por que estava desmaiada? Perguntas essas que foram respondidas
apenas horas depois quando Sara, após inalar o morno vapor do chá de hortelã –
feito por Catherine – acordou aos gritos daquele profundo sono.
- ROSALINE – Ao abrir os olhos a jovem se depara com sua mãe em
lágrimas, irreconhecível por conta da vermelhidão e inchaço de seus delicados olhos
– Catherine por incrível que pareça não era tão velha quanto aparentava, era uma
camponesa belíssima quando conhecera Caim. Clássicas e tradicionais feiras de
sextas-feiras, este foi o peculiar local onde essas duas almas se encontraram e
como dois adolescentes rebeldes movidos pela impulsividade logo fugiram de suas
diferentes comunidades para seguirem uma nova vida juntos. No decorrer dos anos
Catherine percebeu que Caim, não era mais o atencioso e carinhoso homem com o
qual se casara, o marido se tornara uma pessoa fria e egoísta, fato esse que fez
com que fossem expulsos do local onde mais possuíam conforto e uma qualidade de
vida agradável para si e suas filhas. Agora a pouca juventude que restara naquela
guerreira e protetora mãe fora extinta devido a sofrida e precária vida que levam
nesses malditos terrenos.
- Mãe, cadê a Ros?
Ao ouvir o questionamento da filha, Catherine ainda em lágrimas, abraçou-a com
muita força. Ainda confusa questionou-a dessa vez com mais rigidez:
- MAMÃE ONDE ESTÁ A ROS? – Mesmo com firmeza, no fundo Sara sabia a
resposta de sua pergunta. Os olhos da mãe que por segundos haviam cessado o
choro após escutar novamente o nome de sua pequena caçula debulharam-se em
lágrimas escandalosas devido à tamanha perda.
- ELA ESTÁ MORTA – gritou a mulher aos prantos – ROSALINE ESTÁ
MORTA... MORTA! Seu pai a encontrou na laguna momentos depois de voltar com
você em seu colo.

Paralisada, a estranha imagem que vira perto do lago voltara em sua mente,
com mais nitidez Sara conseguira identificá-la. Uma moça belíssima de meia idade,
sua pele macia como de bebê tinha uma tonalidade descolorada semelhante à de
um cadáver. Suas longas e lisas raízes pretas misturavam-se com o olhar sedutor
vindos daqueles grandes e sanguinários olhos.
- UMA BRUXA!
- A BRUXA MATOU ROS – prosseguiu a garota – Foi no lago, nós estávamos
brincando de esconde-esconde eu a vi e depois desmaiei.
- Querida você deve estar cansada, eu acho que nós devíamos ir dorm... –
Interrompendo-a aos berros disse:
- Mãe eu a vi, eu vi a bruxa ao lado de Rosaline no lago!

Pela parte da tarde do dia seguinte Caim e sua esposa partiram em direção a
floresta em busca de alguns frutos necessários para uma deliciosa sobremesa afim
de tentar animar Sara com a surpresa. O domingo seco e silente manifestava o luto
que os integrantes da família sentiam, os pássaros não se davam o prazer de
cantar, os sapos não se davam o prazer de rouquejar, nem ao mesmo os poucos
bodes que criavam não se davam o prazer de bodejar e assim se encontrava Sara
que não se dava o prazer de viver.

Em meio a tantos galhos secos o casal encontrara uma única maçã


pendurada à uma pequena centralizada árvore de macieira. Caim – mesmo tendo
concordado com Catherine em planejar a surpresa – na sua mais pura ganância
arrancou-a e comeu um pedaço daquele maduro fruto avermelhado. A mulher que
também movida pelo seu exagerado desejo, comeu a parte que restara.
Percebendo a ausência dos pais, partiu floresta a dentro em busca dos
mesmos. Não demorou muito para que a menina os encontrasse...mortos. Seus
corpos estavam caídos em frente a pequena e centralizada árvore de macieira,
sobre eles uma enorme serpente que se banhava no sangue escorrido da boca dos
cadáveres.
A escassa fauna e flora que restava na tenebrosa floresta presenciou as
fortes e escandalosas lágrimas de Sara naquela lutuosa noite de domingo.

Agora em casa observando as poucas estrelas daquela triste e silenciosa


madrugada pelos vãos das podres madeiras que formavam seu telhado, Sara
volteada pela culpa das mortes, não dormira nem sequer cinco míseros minutos.
Ainda faltando algumas horas para o amanhecer, a garota levantou-se de sua
desagradável cama e após muito vagar pela casa pegou alguns objetos e caminhou
em direção à grande arvore localizada à frente da vasta floresta. Sem mais rumo ela
olhava para a lua cheia relembrando os inesquecíveis momentos que passara com a
família na qual um dia esteve completa. Sob o iluminado luar seus longos e ruivos
cachos balançavam próximo aos galhos daquela enorme arvore onde nessa o corpo
de Sara era visto pendurado por uma resistente corda de linho encerrando assim a
drástica e decadente história que futuramente será contada de gerações a gerações
pelos futuros moradores daquelas malditas terras.

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