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UNIVERSIDADE FEDERAL RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO
CURSO DE PEDAGOGIA

ALEXANDRA MARIA PINHEIRO ROSA

O TRABALHO EM GRUPO NA FORMAÇÃO DAS/OS PEDAGOGAS/OS

NATAL
2023
ALEXANDRA MARIA PINHEIRO ROSA

O TRABALHO EM GRUPO NA FORMAÇÃO DAS/OS PEDAGOGAS/OS

Monografia apresentada ao curso de graduação


em Pedagogia, da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como requisito parcial à
obtenção do título de Bacharel/Licenciado em
Pedagogia.

Orientador(a): Prof(a). Dr(a). Adriane Cenci.

NATAL
2023
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Moacyr de Góes – CE

Rosa, Alexandra Maria Pinheiro.


O trabalho em grupo na formação da/o pedagoga/o / Alexandra
Maria Pinheiro Rosa. - 2023.
61 f.

Monografia (graduação) - Universidade Federal do Rio Grande


do Norte, Centro de Educação, Graduação em Pedagogia. Natal, RN,
2023.
Orientadora: Profa. Dra. Adriane Cenci.

1. Trabalho em grupo - TCC. 2. Trabalho coletivo - TCC. 3.


Aprendizagem - TCC. 4. Diálogo - TCC. 5. Vivência entre alunos -
TCC. I. Cenci, Adriane. II. Título.

RN/UF/Biblioteca Setorial Moacyr de Góes - CE CDU 37.091.322

Elaborado por Jailma Santos - CRB-15/745


ALEXANDRA MARIA PINHEIRO ROSA

O TRABALHO EM GRUPO NA FORMAÇÃO DO/A PEDAGOGOS/AS?

Monografia apresentada ao curso de Graduação


em Pedagogia, da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como requisito parcial à
obtenção do título de Bacharel/Licenciado em
Pedagogia.

Aprovada em: 12/07/2023

BANCA EXAMINADORA

______________________________________
Profa. Dra./Ma. Adriane Cenci
Orientador(a)
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

______________________________________
Profa. Dra./ Ma. Juliana de Melo Lima
Membro interno
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

______________________________________
Prof. Dr./ Me. Walter Pinheiro Barbosa Júnior
Membro interno
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
DEDICATÓRIA

As crianças e adolescentes que fazem parte da


Fundação Lar Celeste Auta de Souza, por terem
sido a razão do meu retorno à sala de aula.
AGRADECIMENTOS

Agradecer é um momento de nossas vidas em que nós temos que abandonar o posto
de produtor de tudo que nos permeia, para dar crédito àqueles que fizeram parte dessa produção.
Analisando a minha trajetória no curso começo por agradecer a minha família, por
estar sempre presente em todos os momentos, principalmente naqueles em que tive que
defender a educação pública e lutar por um reconhecimento para elas;
Aos meus filhos e netos, porque estiveram na minha vida, nos momentos em que era
preciso esquecer a sala de aula, tão estressante e cheia de responsabilidades – como é toda a
vida – para me dizer e mostrar que sou importante e que tenho assento preferencial em suas
vidas;
Às crianças, adolescentes, familiares, colaboradores, prestadores de serviços da
Fundação Lar Celeste por serem minhas interlocutoras, sempre que eu aprendia algo de “super
interessante” e queria ansiosamente aplicar e que tão lindamente compraram minha ideia, me
fazendo sentir parte da vida delas e por isso importante;
Ao meu companheiro, José Serra Neto, que esteve ao meu lado, que tantas vezes foi
me deixar e buscar, que pacientemente se disponibilizou a viver comigo essa experiência, que
compreensivamente se privou de minha presença, que aguentou todo o meu estresse e que, mais
que isso, me mostrou que sou capaz disso e de muito mais. Que me mostrou, inclusive, que
estaria comigo em todos os momentos da minha vida, principalmente os que eu dissesse que
tinha necessidade;
A Sayonara Freitas que me fez acreditar que poderia conseguir galgar um degrau
importante como esse;
A Paulo Freire, que com sua inacreditável obra me trouxe subsídios para acreditar em
uma educação do esperançar, do mudar, do libertar, do emancipar, com a beleza e a alegria que
lhes são peculiares e que eu acredito necessárias para a construção do conhecimento;
E finalmente, a Deus, que me deu a oportunidade de viver tudo isso, acompanhada por
essas pessoas maravilhosas as quais agradeci e, que com o livre arbítrio, me permitiu errar e
acertar, avançar e recuar em todas as situações que me foram vivenciadas.
Somente um ser que é capaz de sair de seu contexto, de “distanciar-se”
dele para ficar com ele; capaz de admirá-lo para, objetivando-o,
transformá-lo e, transformando-o, saber-se transformado pela sua
própria criação; um ser que é e está sendo no tempo que é o seu, um ser
histórico, somente este é capaz, por tudo isso, de comprometer-se.
Paulo Freire
RESUMO

Esta pesquisa tem por objetivo compreender a relação existente entre a intencionalidade dos/as
professores/as e a recepção/compreensão dos/as estudantes do curso de Pedagogia da UFRN,
presencial, turma 2018.1, acerca dos trabalhos em grupo e qual o impacto que essa relação ou
a falta dela ocasiona para o processo de ensino-aprendizagem desses/as estudantes. Para
alcançar essa compreensão, foi realizada uma pesquisa exploratória com 11 docentes que deram
aula para a referida turma ao longo do curso e com 23 estudantes que faziam parte da mesma
turma. O grupo de docentes e o grupo de estudantes responderam a questionário eletrônico,
organizado na plataforma Google Formulários. Os dados provenientes dessa ferramenta foram
organizados, com base na análise textual discursiva, em duas categorias: “trabalho em grupo
como trabalho coletivo” e “aprendizagem no trabalho em grupo”. As categorias mobilizam o
referencial teórico demonstrando que a atividade, por ser coletiva, tem cunho colaborativo e
que portanto, é perpassada por processos dialógicos. Com o envolvimento das/os membras/os
do grupo e com que as várias participações efetivas há a promoção de um repensar e um refletir
sobre os assuntos, que caminham para novas aprendizagens. Nessa direção, os resultados
obtidos apontam para o entendimento do trabalho em grupo como estratégia pedagógica de ação
coletiva que envolve o diálogo e a negociação. Durante a análise dos dados percebeu-se que,
por parte das/os docentes, há uma unanimidade na adoção do trabalho em grupo como estratégia
formativa; mas, entre os estudantes pesquisados, muitos apontam problemas, na maior parte das
vezes, relacionados à falta de colaboração dos colegas do grupo. Ademais, verificou-se, com as
pesquisas, que tanto as/os docentes quanto as/os estudantes identificaram o trabalho em grupo
como impulsionador da aprendizagem e propiciador de momentos de discussão e de
conhecimento de ideias advindas de vários sujeitos.

Palavras-chave: Trabalho em grupo. Trabalho coletivo. Aprendizagem. Diálogo. Vivência.


ABSTRACT

This research aims to understand the relationship between the intentionality of the teachers and
the reception/understanding of the students of the Pedagogy course at UFRN, face-to-face, class
2018.1, about group work and the impact that this relationship or lack of it affects the teaching-
learning process of these students. In order to reach this understanding, an exploratory research
was carried out with 11 professors who taught that class throughout the course and with 23
students who were part of the same class. The group of professors and the group of students
answered an electronic questionnaire, organized on the Google Forms platform. Data from this
tool were organized, based on discursive textual analysis, into two categories: “group work as
collective work” and “learning through group work”. The categories mobilize the theoretical
framework demonstrating that the activity, as it is collective, has a collaborative nature and that,
therefore, it is permeated by dialogic processes. With the involvement of the group members
and with the various effective participations, there is the promotion of rethinking and reflecting
on the subjects, which lead to new learning. In this direction, the results obtained point to the
understanding of group work as a pedagogical strategy of collective action that involves
dialogue and negotiation. During data analysis, it was noticed that, on the part of the teachers,
there is unanimity in the adoption of group work as a training strategy; however, among the
students surveyed, many point to problems, most of the time, related to the lack of collaboration
from colleagues in the group. Moreover, it was verified, with the researches, that both the
professors and the students identified group work as a driving force of learning and propitiator
of moments of discussion and knowledge of ideas coming from several subjects.

Keywords: Group wok. Collective work. Learning. Dialogue. Experience.


LISTA DE SIGLAS

E01 Estudante 01
E02 Estudante 02
E03 Estudante 03
E04 Estudante 04
E05 Estudante 05
E06 Estudante 06
E07 Estudante 07
E08 Estudante 08
E10 Estudante 10
E11 Estudante 11
E12 Estudante 12
E13 Estudante 13
E14 Estudante 14
E16 Estudante 16
E17 Estudante 17
E18 Estudante 18
E20 Estudante 20
E22 Estudante 22
P01 Professor/a 01
P02 Professor/a 02
P04 Professor/a 04
P05 Professor/a 05
P08 Professor/a 08
P10 Professor/a 10
QE08 Questão das/os estudantes 08
QE09 Questão das/os estudantes 09
QE13 Questão das/os estudantes 13
QE13.1 Questão das/os estudantes 13.1
QE15 Questão das/os estudantes 15
QE16 Questão das/os estudantes 16
QE16.1 Questão das/os estudantes 16.1
QE17 Questão das/os estudantes 17
QE17.1 Questão das/os estudantes 17.1
QE18 Questão das/os estudantes 18
QP03 Questão das/os professores 03
QP04 Questão das/os professores 04
QP5.1 Questão das/os professores 5.1
QP06 Questão das/os professores 06
QP11 Questão das/os professores 11
SIGAA Sistema Integrado de Gestão Acadêmica
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................. 11
2 REVISÃO DE LITERATURA......................................................................... 13
3 A CATEGORIA TRABALHO EM MARX PARA ENTENDER O
TRABALHO EM GRUPO: a sociedade sala de aula e o trabalho em
grupo ………………………………………………………………………….. 16
4 GRUPOS COMO ESTRATÉGIA FORMATIVA: quem usa, por que usa
e para quê usa? ................................................................................................. 21
5 TRABALHO EM GRUPO NA PERSPECTIVA COLABORATIVA E O
DIÁLOGO COMO DIMENSÃO ESSENCIAL: é dialogando que a
conversa vai tomando rumo …......................................................................... 24
6 O TRABALHO EM GRUPO NA FORMAÇÃO DOS PEDAGOGOS…...... 30
7 MÉTODOS E MATERIAIS: um bom diálogo requer saber como o assunto
foi desenrolado................................................................................................... 35
8 RESULTADOS: para onde o diálogo nos levou? ........................................... 38
8.1 Trabalho em grupo como trabalho coletivo .................................................... 39
8.2 Aprendizagem no trabalho em grupo .............................................................. 46
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 53
REFERÊNCIAS................................................................................................. 56
APÊNDICE A – ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA AS/OS
DOCENTES ...................................................................................................... 58
APÊNDICE B – ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA AS/OS
ESTUDANTES .................................................................................................. 59
11

1 INTRODUÇÃO

Em todos os momentos da minha vida escolar e acadêmica, praticamente em todos os


10 semestres desta última, no curso de Pedagogia, modalidade presencial, a minha turma
(2018.1) e eu, fomos submetidos a desenvolver trabalhos em grupo, extensos ou não, atividades
grupais em sala de aula, entre outras tantas atividades que impõem uma dinâmica grupal de
trabalho. Nesses momentos, foram formados grupos que destinavam-se a cumprir a atividade
proposta, tendo os/as estudantes as mais diversas justificativas para se agruparem, seja por
afinidade, seja para adequar o tamanho do grupo ou seja por serem alunos/as faltosos/as que,
de última hora, formam seus grupos.
Participante desses processos, vivenciei de várias formas esses momentos. Algumas
vezes se concretizando como um processo mais tranquilo e outras vezes como experiência
traumática, a depender do grupo formado. Disso eclodiu uma espécie de fobia a cada momento
de trabalhos dessa natureza, propostos pelos docentes.
Diante disso, foi crescendo a necessidade de entender que tipo de intencionalidade
impulsionava a escolha dos/as professores/as e como os/as estudantes recebiam essa
proposição, bem como que tipo de emoção experimentaram, que tipo de pensamentos eclodiram
na cabeça deles/as ao ter que desenvolver trabalhos com essa organização.
Permeado por uma atmosfera de angústias e contradições, esse documento
monográfico, intitulado “O trabalho em grupo na formação do/a pedagogo/a”, tem como objeto
de estudo o trabalho em grupo na formação da/o pedagoga/o. O contexto é o curso de
Pedagogia, turma 2018.1, modalidade presencial. A pesquisa busca contemplar a relação entre
a intencionalidade do/a professor/a ao propor um trabalho em grupo e a
receptividade/compreensão dos/as estudantes acerca dessa proposição. O trabalho traz à tona
os desdobramentos dessa relação, visto que são processos que vão resultar em processos
classificatórios, servindo de degrau para os próximos estágios da academia e para que obtenham
o título almejado, o certificado de conclusão do curso, o diploma.
Partindo dessas considerações, o objetivo desse trabalho é compreender a relação
existente entre a intencionalidade dos/as professores/as e a recepção/compreensão dos/as
estudantes do curso de Pedagogia, presencial, turma 2018.1, acerca dos trabalhos em grupo e
qual o impacto que essa relação ou a falta dela ocasiona para o processo de ensino-
aprendizagem desses/as estudantes. Para isso, procuramos conhecer a intencionalidade dos/as
professores/as ao propor trabalhos em grupo na sala de aula, conhecer, ainda, a compreensão
dos alunos sobre os trabalhos em grupo propostos pelos/as professores/as, debatendo a
12

concepção de grupos como estratégia formativa e trazendo para o debate conceitos e


formulações dos autores sobre o trabalho em grupo.
A reflexão sobre que relação se concretiza entre essa intencionalidade e essa
receptividade/compreensão, permitirá um diálogo subsidiado por algumas autoras e autores
como Liberali e Fuga (2018), Ninin e Magalhães (2017), Toassa e Souza (2010), Paulo Freire
(1979, 1983, 1997, 2011, 2017), Cohen e Lotan (2017), Bell Hooks (2013) e Marx em um
debate sobre trabalho, trabalho em grupo numa perspectiva colaborativa, a utilização de grupos
como estratégia formativa, discutindo conceitos como vida de relações, diálogo, experiências e
vivências. Com isso se pretende responder a seguinte inquietação: qual a relação existente entre
a intencionalidade dos/as professores/as e a compreensão dos alunos acerca das proposições
dos trabalhos em grupo e qual é o impacto que essa relação ou a falta dela ocasiona para o
processo de ensino-aprendizagem desses/as estudantes? Estará mesmo havendo a construção
do conhecimento, por parte dos/as estudantes, ao realizar uma atividade em grupo?
Trata-se de uma pesquisa exploratória. A construção dos dados será com questionários
eletrônicos feitos com os alunos/as, da turma 2018.1, que frequentam o curso, e com os
professores que lecionaram nessa turma. Perguntas abertas e fechadas compuseram o
questionário, deixando margem a respostas que se desdobraram e permitiram revelar nuances
mais particulares dessa intencionalidade e compreensão sobre a proposta.
Para aqueles que encontram na colaboração e no diálogo dimensões incontestáveis
para um bom trabalho em grupo, convidamos a leitura deste documento, pois “na medida em
que somos seres comunicativos, que nos comunicamos uns com os outros enquanto nos
tornamos mais capazes de transformar nossa realidade, somos capazes de saber que sabemos,
que é algo mais do que só saber”. (FREIRE, 2011, p. 167-168, grifos do autor)
13

2 REVISÃO DE LITERATURA

Após fazer pesquisas na internet e em livros sobre a temática por nós estudada,
encontramos as seguintes publicações: Planejando o Trabalho em grupo: estratégias para salas
de aula heterogêneas, escrito por Cohen e Lotan (2017), Análisis del trabajo en grupo como
estrategia formativa en las titulaciones de ciencias de la educación en la Universidad de
Córdoba, apresentada por Cabrera (2011), Reflexões sobre o trabalho em grupo com
licenciandos de uma universidade particular de São Paulo, realizado por Abrahão (2010), O
trabalho de grupo cooperativo nas disciplinas de História e Geografia, de Ribeiro (2013), “O
trabalho em grupo qualifica a aprendizagem”: realização de atividades pedagógicas
colaborativas e construção conjunta de conhecimentos na fala-em-interação de sala de aula,
escrito por Stein (2017), O trabalho em grupo como instrumento operatório no processo de
alfabetização: relações entre concepções e práticas pedagógicas, de Soares (2005), O trabalho
em grupo como metodologia de ensino em cursos e disciplinas on-line, de Inocêncio e
Cavalcanti (2005) e Trabalhos em grupo como estratégia pedagógica da prática docente na
educação infantil, de Freitas (2020).
Planejando o Trabalho em grupo: estratégias para salas de aula heterogêneas é um livro
de autoria de Elizabeth G. Cohen e Rachel A. Lotan (2017), que traz o trabalho em grupo como
ferramenta para conquistar a participação igualitária oferecendo percepções para a criação de
tarefas que atinjam esse fim. As autoras apontam o conceito de trabalho em grupo adotado e
elencam passos importantes que compõem essa ferramenta, para que os/as professoras/es
possam se sentir auxiliados pelo livro.
Análisis del trabajo en grupo como estrategia formativa en las titulaciones de ciencias
de la educación en la Universidad de Córdoba, é uma tese de doutorado, defendida por Maria
del Mar García Cabrera, em 2011, na Universidade de Córdoba, na Argentina. Nessa tese, a
autora faz uma abordagem dos conceitos acerca do trabalho cooperativo e após isso define uma
construção própria sobre o termo, bem como aponta que estudos demonstram ganhos cognitivos
e de saúde mental para os/as alunos/as que participam da atividade.
No documento escrito por Eduardo Ferreira Abrahão (2010), intitulado Reflexões
sobre o trabalho em grupo com licenciandos de uma universidade particular de São Paulo,
encontrei uma consonância de justificativa com o trabalho que realizamos, no sentido de que
há uma similaridade entre sua justificativa e a nossa. O autor realiza uma pesquisa, com a
utilização de questionário, com alunos de um curso de formação de professores, de uma
universidade particular de São Paulo, trazendo a discussão para o âmbito da mediação
14

professor-aluno, comunicação e resolução de conflitos e dinâmica em grupo. Alerta para o papel


importante do conflito para a ação cognitiva, além de observar a avaliação do/a professor/a
diante dos vários aspectos que perpassam essa atividade coletiva.
O trabalho de grupo cooperativo nas disciplinas de História e Geografia, é uma
dissertação de mestrado, formulada por Carla Patrícia Freixo Ribeiro, em 2013, que apresenta
essa atividade cooperativa como uma alternativa ao método tradicional de ensino, no qual o/a
professor/a expõe o assunto enquanto os/as estudantes recebem o conhecimento. Propondo
trabalho em grupo nas disciplinas de História e Geografia, a autora objetivou desenvolver nos/as
alunos/as competências que permitem interação e integração entre seus pares, no processo de
trabalho em grupo, inferindo que essa estratégia pedagógica favorece aos envolvidos
compartilharem, discutirem e construírem conhecimentos coletivamente.
Lendo “O trabalho em grupo qualifica a aprendizagem: realização de atividades
pedagógicas colaborativas e construção conjunta de conhecimentos na fala-em-interação de
sala de aula”, escrito por Fabíola Stein (2017), pudemos verificar que a autora observou que a
atividade em grupo propicia a construção de conhecimento quando os/as alunos/as atuam mais
autonomamente e proporcionam uma maior atuação individual quando comparado à sua
interação com os/as professores/as, pelo motivo de que há uma maior equivalência entre os
saberes causando uma melhor interação e discussão entre seus pares.
“O trabalho em grupo como instrumento operatório no processo de alfabetização:
relações entre concepções e práticas pedagógicas”, é uma dissertação de mestrado escrita por
Fátima Aparecida Soares, em 2005, faz referência ao Ensino Fundamental e trouxe à tona o que
os/as professores/as entrevistados/as pensam acerca do trabalho em grupo. No documento, a
autora faz um levantamento sobre as considerações do corpo docente sobre o trabalho em grupo,
identificando professoras que pensam ser uma ferramenta que causa indisciplina, uma
professora relatou a troca de ideias, mas nenhuma trouxe o conflito cognitivo para o debate,
como componente para construção de conhecimento.
Embora seja uma publicação que diz respeito à modalidade on-line, “O trabalho em
grupo como metodologia de ensino em cursos e disciplinas on-line”, elaborado por Doralice
Inocêncio e Carolina M. C. Cavalcanti, em 2005, traz argumentações que possibilitam verificar
a pertinência do trabalho em grupo para os processos de ensino e aprendizagem, por se tratar
de metodologia que possibilita o intercâmbio de ideias, a discussão de entendimentos e a
socialização de saberes, num processo roteirizado que é a modalidade de Educação à Distância.
A dissertação de mestrado produzida por Gleiciara Magalhães Freitas, em 2020,
intitulada “Trabalhos em grupo como estratégia pedagógica da prática docente na educação
15

infantil”, parte da hipótese de que a forma como é acompanhado o trabalho em grupo sofre
interferência da ausência de entendimento, do docente, sobre os elementos da gestão dessa
atividade. No decorrer da dissertação, a autora versa sobre a origem e concepção do trabalho
em grupo, as ferramentas que compõem essa atividade, bem como da função dos/as
professores/as e os limites e dificuldades para pôr em prática essa dinâmica.
Assim, podemos evidenciar, através dos trabalhos encontrados, que nosso trabalho de
pesquisa, sobre o estudo da relação existente entre a intencionalidade do/a professor/a ao propor
um trabalho em grupo e a fruição dos/as estudantes acerca dessa proposição, da turma 2018.1,
do curso de Pedagogia, na modalidade presencial e a compreensão dos/as alunos/as diante da
obrigatoriedade de executar esses trabalhos e atividades grupais é uma produção de relevância
porque traz perspectivas diferentes das já existentes. O entendimento acerca das intenções
individuais que movem cada estudante diante de uma atividade coletiva foi um dos motivadores
da realização deste estudo. Desse modo, podemos dizer que nosso objeto de estudo é original.
Aborda o trabalho em grupo no ensino superior, considerando as perspectivas docentes e
discentes.
16

3 A CATEGORIA TRABALHO EM MARX PARA ENTENDER O TRABALHO EM


GRUPO: A SOCIEDADE SALA DE AULA E O TRABALHO EM GRUPO

Utilizando-me da teoria marxista e dos autores que dela discorrem, este tópico será
destinado à discussão sobre a sociedade da sala de aula e de como ela se organiza para a
produção de trabalhos em grupo. Nesse ponto, faz-se necessária a discussão sobre o trabalho
em Marx, bem como entender as formas de relacionamento entre trabalho e indivíduo social,
para os quais recorreremos à Iamamoto (2011), Netto e Braz (2008) entre outros.
De acordo com Iamamoto (2011), Marx recorre a Aristóteles para afirmar que o
homem1 é um “ser social político”, porque vai além de ser um ser que vive em sociedade. Este
homem vive e produz rodeado pelos seus pares. No entanto, essa sociedade da qual ele faz parte
não é uma sociedade formada pura e simplesmente da união de homens, pessoas que convivem
entre si, mas dos frutos, conflitos, contradições e demais processos que perpassam essa
sociedade e a transformam.
Essa transformação vai ser possibilitada pelo trabalho, “categoria que, além de
indispensável para a compreensão da atividade econômica, faz referência ao próprio modo de
ser dos homens e da sociedade” (NETTO; BRAZ, 2008, p. 29) que faz com que o homem se
distinga de qualquer outra espécie, transforme a natureza, intencionalmente, e assim se
transforme novamente, num movimento que não cessa jamais.

Deve-se compreender que o homem possui a capacidade potencial de realizar-


se como ser livre e universal, ao efetivar-se, no curso histórico, e, ao mesmo
tempo, dar novos rumos à sua existência. Isso quer dizer que o homem está
em um constante processo de auto-construção, tanto em sua dimensão
subjetiva quanto intersubjetiva, possibilitada por sua atividade essencial, o
trabalho. É por meio dessa atividade, a qual Marx define como vital, que o
homem objetiva o seu espírito no mundo e materializa em objetos suas
inquietações, idéias e sentimentos, resultando daí os bens materiais
necessários à existência, bem como toda a riqueza social, que é “o trabalho
que se fixou num objeto, fez-se coisal (sachlich), é a objetivação
(Vergegenständlichung) do trabalho.” (MARX, 2004, p. 80 apud OLIVEIRA,
2010, p. 75).

É assim, nesse movimento, que o homem recria a realidade natural ao seu redor e
aprende com ela, modificando-se e recriando-a na companhia de outros homens, formando um
entrelaçamento de relações sociais, que vão transformando a história no tempo em que
reconfiguram a sociedade e modificam sua própria essência.

1 O termo homem a que nos referimos aqui diz respeito à espécie humana.
17

A categoria trabalho é discutida, levando-se em consideração a interação do homem


com a natureza, mas de uma forma que o distinga dos demais animais, que, para conseguir sua
sobrevivência, lançam mão de processos que conformam uma “herança determinada
geneticamente” (NETTO E BRAZ, 2008, p. 30, grifos dos autores), no seu ciclo de vida. Citam
por exemplo as abelhas na construção de suas colmeias, recolhimento de pólen e fabricação de
mel, o pássaro joão-de-barro que constroem suas casas, entre outros, numa relação direta entre
o animal e o meio ambiente onde habitam.
Para Marx (1983, apud NETTO; BRAZ, 2008, p. 31-32),

[...] O trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em


que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo
com a natureza. [...] Não se trata aqui das primeiras formas instintivas,
animais, de trabalho. [...] Pressupomos o trabalho numa forma em que
pertence exclusivamente ao homem. Uma aranha executa operações
semelhantes às do tecelão e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano
com a construção dos favos de suas colméias. Mas o que o distingue, de
antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua
cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-
se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e
portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da
matéria natural; realiza ao mesmo tempo, na matéria natural, o seu objetivo.
[...] Os elementos simples do processo de trabalho são a atividade orientada a
um fim ou o trabalho mesmo, seu objeto e seus meios. [...] O processo de
trabalho [...] é a atividade orientada a um fim para produzir valores de uso,
apropriação do natural para satisfazer a necessidades humanas, condição
universal do metabolismo entre o homem e a natureza, condição natural eterna
da vida humana e, portanto, [...] comum a todas as suas formas sociais.

A discussão sobre a categoria trabalho refere-se ao que é especificamente humano.


Historicamente estruturado, o trabalho modificou-se à medida em que ia rompendo os padrões
que inicialmente eram mais naturais e, a partir de transformações e reformulações, afastou-se
do modo estritamente natural. Netto e Braz (2008) apontam diferenças importantes para a
avaliação das diferenças entre as formas de atuação animal, do trabalho realizado pelos seres
humanos, são elas:

 em primeiro lugar, porque o trabalho não se opera com uma atuação


imediata sobre a matéria natural; diferentemente, ele exige instrumentos
que, no seu desenvolvimento, vão cada vez mais se interpondo entre
aqueles que o executam e a matéria;
 em segundo lugar, porque o trabalho não se realiza cumprindo
determinações genéticas; bem ao contrário, passa a exigir habilidades e
conhecimentos que se adquirem inicialmente por repetição e
experimentação e que se transmitem mediante aprendizado;
18

 em terceiro lugar, porque o trabalho não atende a um elenco limitado e


praticamente invariável de necessidades, nem as satisfaz sob formas
fixas; se é verdade que há um conjunto de necessidades que sempre deve
ser atendido (alimentação, proteção contra intempéries, reprodução
biológica etc.), as formas desse atendimento variam muitíssimo e,
sobretudo, implicam o desenvolvimento, quase que sem limites, de novas
necessidades. (NETTO; BRAZ, 2008, p. 30-31, grifos dos autores)

É imprescindível também ressaltar que, o trabalho implica mediação, uma objetivação,


e assim, supõe uma dimensão teleológica, além da transformação da matéria prima, que é
natureza em algum grau. Netto e Braz (2008) não veem importância aferir em que medida os
fins do trabalhador foram alcançados, para que o trabalho seja considerado como tal. Eles
destacam que a atividade é fruto de uma necessidade ou finalidade a ser alcançada, que
anteriormente se deu no campo das ideias, teve uma intencionalidade além de uma projeção
mental sobre a atividade a ser executada.
Outro ponto que é preciso ressaltar, é que, embora não recaia sobre se o produto
atendeu a esse ou àquele fim, a ideia que circunda sobre o conceito de trabalho é que ele envolve
uma intelectualidade dos sujeitos, no que tange a realizar escolhas que vão interferir
sobremaneira nos produtos. Escolhas essas que não são dadas apenas por apelos naturais, mas
que são pautadas em avaliações, planejamentos, obtenção de resultados, e que inevitavelmente
envolvem o conhecimento acerca da natureza a ser transformada e o conjunto de processos que
se dão nessa transformação - formação de grupos, comunicação dos conhecimentos - ou seja,
dos processos que dizem respeito à sociabilidade do ser humano, sendo assim, pode-se afirmar
que o trabalho é sempre uma ação que se faz coletivamente. (NETTO E BRAZ, 2008).
Essa dimensão teleológica da qual falamos anteriormente, envolve uma projeção
mental antecipada daquilo que vai ser feito, na qual o homem vê em sua tela mental aquilo que
um dia será o produto do seu trabalho, embora, no momento de sua realização não seja fielmente
o que ele tenha imaginado. “Sendo o trabalho uma atividade programática e de realização, seu
produto é objetivação, simultaneamente, das mãos e do cérebro, das aptidões corporais e
intelectuais do homem” (MARKUS, 1974, apud IAMAMOTO, 2011, p. 42, grifos da autora).
Essas modificações entre o pensado e o realizado se dão pela própria capacidade que este ser
tem de pensar as coisas, avaliar os processos de produção, a fim de atingir os objetivos para os
quais foram criados, e para isso ele toma decisões baseadas em suas análises. Nesse ínterim, ele
próprio sofre transformações originadas ou não no processo criativo, influenciando outras
pessoas.
19

Para Netto e Braz (2008), a sociedade, tal como a conhecemos hoje, foi fundada, nos
primórdios, pela instituição do trabalho, também diferente do que temos hoje. Os autores
retomam os tempos da pré-história, para identificar o surgimento das primeiras formas de
trabalho e só após isso, a organização coletiva, em torno das necessidades inicialmente básicas,
para desembocar na complexa teia de relações que envolvem a sociedade atual.

O ser que trabalha constrói para si, através de sua atividade, modos de agir e
de pensar, ou seja, uma maneira especificamente humana de se relacionar com
as circunstâncias objetivamente existentes, delas se apropriando tendo em
vista a consecução de fins propostos pelo sujeito na criação de objetos capazes
de desempenhar funções sociais, fazendo nascer valores de uso.
(IAMAMOTO, 2011, p. 42)

Percebe-se então, que o homem, ao estar inserido na sociedade, mediado pelo trabalho,
não o faz isolado de suas faculdades mentais. Utiliza ainda, sua dimensão histórica, na medida
em que para executar suas funções utiliza o conhecimento adquirido através dos tempos,
satisfazendo suas necessidades.
Por outro lado, ainda que o trabalho seja considerado uma categoria fundante da
sociabilidade humana, promove um outro tipo de sociabilidade que é a exclusão. Pois, ao
mesmo tempo em que se desenvolvem as forças produtivas e as capacidades humanas pelo
trabalho, ele também produz um alto nível de alienação (BARROCO, 2010). A autora afirma
que há uma subjetividade que vai fazer com que a alienação se recrie em novas formas e que
assim, invada todas as dimensões da vida social.
O trabalho alienado se dá a partir do momento em que há uma personificação das
coisas e uma coisificação do ser humano. Isto acontece à medida em que o trabalhador produz
mais e tem menos condições de consumir o que produz, além de se tornar mercadoria pela
venda de sua força de trabalho.
Para Marx, deveria haver uma unidade entre trabalho e ensino, no sentido de que o ser
tinha que completar-se através do trabalho, de atividades intelectuais e culturais e dos exercícios
físicos. “Marx une o ato produtivo e o ato educativo, explicando que a unidade entre a educação
e a produção material deveria ser admitida com um meio decisivo para a emancipação do
homem” (GADOTTI, 1995, p. 54).
No caso da sociedade da sala de aula, o trabalho em grupo envolve um contingente de
trabalhadores, que juntos vão pensar o produto desse trabalho. Esse produto, que é proposto
pela/o docente, tem por objetivo emancipar a/o estudante, através da aprendizagem, mas que
resulta também numa valoração, que é a nota. Tendo os trabalhadores do trabalho em grupo
20

suas subjetividades, vão demandar formas de trabalhar diferenciadas e subprodutos (partes do


trabalho final) também condizentes com a forma como trabalham. Diante do exposto,
depreende-se que, da mesma forma que o trabalho em grupo pode se transformar numa
estratégia que constrói, tem ele a capacidade de deseducar e produzir uma série de outros
desdobramentos, que serão discutidos ao longo deste documento.
21

4 GRUPOS COMO ESTRATÉGIA FORMATIVA: QUEM USA, PORQUE USA E


PRA QUE USA?

Neste tópico abordaremos a categoria grupo como estratégia formativa, trazendo para
o diálogo Cabrera (2011), que discute, entre outras coisas, conceituação sobre o tema e o
desenvolvimento da aprendizagem através do processo colaborativo. Outros autores como
Freire, Cohen e Lotan também fazem frente à discussão deste tópico.
É preciso tensionar nesse ponto, as diferenças existentes em sala de aula, para que se
possa entender que tipos de grupos são formados. Que especificidades são encontradas nesses
grupos, que vão dar o tom do trabalho realizado. Grupos são formados por individualidades que
se tensionam, se conflitam, desejos individuais que são colocados à prova para a produção de
um produto comum, que a depender do processo democrático de participação, tomam esse ou
aquele formato. Assim, discutiremos as diferenças na sala de aula, utilizando no debate as
contribuições de Passos (1999) e Pinto (199).
De acordo com Cabrera (2011), analisando o trabalho em grupo no ensino superior na
Universidade de Córdoba, para que os alunos possam conviver em uma sociedade complexa
como a que vivemos, as atividades cooperativas são as melhores opções. Na Universidade de
Córdoba, o ensino de graduação se dá por competências, cujas características são teóricas e
práticas, envolvendo saberes, atitudes, processos operativos e habilidades, ou seja, capaz de
promover conhecimentos que serão utilizados de forma qualitativa pelos graduados, a fim de
que sejam capazes de promover uma aprendizagem relevante, contemplando qualidades
humanas fundamentais (PÉREZ GÓMEZ et al, 2009, apud CABRERA, 2011). Segundo esta
autora, para que assim se faça, é necessária a ativa participação das/os estudantes, de forma
voluntária, observando pilares básicos como autonomia e responsabilidade, na composição de
seu aprendizado, que será a forma como vão capacitar-se para a sua vida profissional.
Dentre alguns princípios citados pela autora, como sendo indicações de Pérez Gómez
et al. (2009) estão:

 Los resultados finales del aprendizaje se refieren a las distintas


dimensiones de la persona: habilidades, emociones, valores,
conocimientos y actitudes, por lo que se requieren modalidades de
enseñanza que sean capaces de desarrollarlas en su totalidad.
 Aprender de manera consciente y afrontar de forma activa y reflexiva los
problemas reales significa, de algún modo, reaprender y reconstruir lo
que uno aprende en su vida cotidiana.
22

 El alumnado debe ir asumiendo progresivamente el control de su propio


proceso de aprendizaje, conociendo sus posibilidades y limitaciones y
actuando en consecuencia.
 Las tareas y actividades cooperativas son la mejor forma de aprender a
colaborar, herramienta básica para convivir en una sociedad compleja e
incierta.

Com os princípios elencados acima, podemos perceber que Cabrera (2011) traz a
responsabilidade da/o docente para que ele proponha situações em sala de aula que promovam
a autonomia e o desenvolvimento do discente, objetivando as competências que terão que ter
após concluírem a graduação e se colocarem no processo de trabalho, para o qual irão utilizar
as competências que ali foram adquiridas. Do mesmo modo, é necessário que destaquemos a
responsabilidade das/os discentes no tocante ao processo de aprendizagem. No entanto, é
importante ressaltar que, dentro dos princípios citados por Pérez Gómez et al. (2009, apud
CABRERA, 2011) está a formação de uma autonomia por parte das/os estudantes, na
construção da sua aprendizagem, mostrando a importância de se colocar como partícipe desse
processo de formação. Outra importante acentuação é dada na proposição, por parte da/o
docente, de atividades cooperativas para se aprender a colaboração, que de acordo com Cabrera
(2011) é uma ferramenta básica para a convivência em sociedade.
As autoras Cohen e Lotan (2017) apontam várias características do trabalho em grupo
e uma delas é a interdependência entre as/os componentes deste grupo, uma vez que a
complexidade do trabalho pode ter sido um dos pressupostos para o/a proposição deste tipo de
atividade pelo/a professor/a. Nesse caso, a divisão de tarefas é uma das demandas que se impõe
as/aos componentes do grupo de trabalho. A intencionalidade da/o docente vai estar
intimamente ligada à propositura do trabalho. Se a/o docente tem a intenção de aplicar um
trabalho mais complexo, cheio de detalhes e de processos, por ficar para as/os estudantes
também mais complicado, é preciso que a ferramenta pedagógica utilizada seja o trabalho em
grupo. Outro pressuposto para a utilização do trabalho em grupo, de acordo com as autoras, é a
de fazer com que as/os estudantes se comuniquem entre si, promovendo um ambiente de
socialização de ideias, com uma maior compreensão entre as/os estudantes, podendo promover
com isso uma potencialização do aprendizado.

O trabalho em grupo é uma técnica eficaz para atingir certos tipos de objetivos
de aprendizagem intelectual e social. É excelente para o aprendizado
conceitual, para a resolução criativa de problemas e para o desenvolvimento
de proficiência em linguagem acadêmica. Socialmente, melhora as relações
intergrupais, aumentando a confiança e a cordialidade. Ensina habilidades
para atuar em equipe que podem ser transferidas para muitas situações, sejam
23

escolares ou da vida. O trabalho em grupo é também uma estratégia para


enfrentar problemas comuns na condução da sala de aula, como manter os
alunos envolvidos com sua atividade. Mais importante ainda, o trabalho em
grupo torna mais acessíveis as tarefas de aprendizagem para um número maior
de alunos em salas de aula com grande diversidade de competências
acadêmicas e proficiência linguística. O trabalho em grupo produtivo aumenta
e aprofunda a oportunidade de aprender conteúdos e desenvolver a linguagem
e, portanto, tem o potencial para formar salas de aulas equitativas (COHEN E
LOTAN, 2017, s/p).

No entanto, as autoras chamam a atenção para o fato de que um trabalho em grupo que
não tenha uma estruturação e organização mais bem feitas poderá sustar o processo de
aprendizagem no assunto que se queira trabalhar, e, ao invés da/o estudante melhorar sua/eu
aprendizado, ela/e o estará prejudicando (Idem). Porém, na configuração de trabalho em grupo
na academia, esse controle vai estar, predominantemente, a critério das/os membras/os do grupo
de trabalho e não das/os docentes em si, que estarão mais preocupados com a intencionalidade
com que elaboraram o trabalho, do que com a execução deste.
O trabalho em grupo vai fazer parte da prática da/o docente, que pode adotá-lo como
estratégia, cuja prática de ensino estará ancorada em conhecimentos acerca do ambiente de sala
de aula, característica da turma/realidade da sala de aula, quantidade de pessoas e o que se
deseja alcançar. Pinto (1999, p. 109) expõe que a sala de aula é compreendida de uma série de
diferentes realidades, ou seja, “transformações familiares, à crise de valores, à desorganização
urbana, à rápida obsolescência dos conhecimentos etc.” e é preciso que a/o docente tenha
consciência disso.

Creio ser este o grande desafio para os professores hoje: a prática real da sala
de aula nos coloca diante de um cenário no qual ritmos de aprendizagem são
diferentes, experiências de vida são distintas, perfis cognitivos e
conhecimentos são diversos. E como construir juntos a carpintaria desse
cenário real? (PASSOS, 1999, p. 110)

Utilizando os pensamentos de Passos (1999), muitos mundos habitam as salas de aula


e se faz necessário que esse desafio seja trabalhado para que não se crie um abismo entre saberes
e vivências. Os mundos dos quais estamos falando dizem respeito às especificidades dos
indivíduos, estudantes trabalhadoras/es, mães e pais de família, marinheiras/os de primeira
viagem no processo formativo, pessoas com outras graduações e muitas outras especificidades
que não serão contempladas em sua totalidade.
24

5 TRABALHO EM GRUPO NA PERSPECTIVA COLABORATIVA E O DIÁLOGO


COMO DIMENSÃO ESSENCIAL: É DIALOGANDO QUE A CONVERSA VAI
TOMANDO RUMO

Trazendo para o debate o trabalho em grupo, que venha a discorrer sob a perspectiva
de heterogeneidade encontrada nas turmas e que foi verificada na turma de 2018.1, traçaremos
um diálogo com Cohen e Lotan (2017). As autoras discorrem sobre as características do
trabalho em grupo, as necessidades de atuação discente e as implicações de se trabalhar com
outras pessoas, ouvindo o que elas têm a dizer.
Também utilizando como fonte de inspiração um dos autores mais citados na história
da educação mundial, tomamos as palavras de Paulo Reglus Neves Freire (1983, 1983a, 2011,
2011a, 2017), para discutir, dentro da temática do trabalho em grupo, numa perspectiva
colaborativa, o conceito de diálogo, suas implicações para seres comunicativos que somos e os
desdobramentos que desse conceito emanam. Outras discussões do autor atravessam essa
proposição, tais como autonomia, afetividade e alegria no fazer, que vão determinar a qualidade
do trabalho realizado.
Para a compreensão desse tópico, iniciaremos trazendo as concepções que utilizaremos
do trabalho em grupo e da sua dimensão colaborativa. O que significa para nós dizermos o que
é um trabalho em grupo e assinalarmos o que estamos chamando de trabalho em grupo na
perspectiva colaborativa, para que entendamos a diferença entre as duas dimensões desse tipo
de proposição.
O trabalho em grupo, na concepção de Cohen e Lotan (2017), é uma ferramenta
poderosa, que promove a construção de uma aprendizagem ativa, oferecendo possibilidades de
atuação simultânea entre os indivíduos. As autoras partem do pressuposto de trabalho em grupo
como sendo “alunos trabalhando juntos em grupos pequenos de modo que todos possam
participar de uma atividade com tarefas claramente atribuídas” (s. p.), no qual se atribui ainda,
autonomia para a comunicação entre os participantes do grupo, para cometer erros e acertos
que vão demandar as/os alunas/os a construção da autoridade no assunto estudado. Para essas
autoras, quando posicionam-se, dando testemunho da sua compreensão, os sujeitos aprendem
mais uns com os outros, se modificam e modificam os seus pontos de vista. Essa afirmação
também pode ser percebida em Vigotski (1991), na sua concepção de desenvolvimento social,
cultural e histórico, que discorre acerca da importância do outro na construção do
conhecimento.
25

A autoridade, segundo Cohen e Lotan (2017), vai ser gerada a partir do momento em
que as/os participantes do grupo decidam em conjunto quais serão os melhores caminhos para
a confecção do trabalho, bem como estejam responsáveis por partes destinadas a cada um, as
quais terão que cumprir para que ao final, o trabalho seja entregue ao/a professor/a.
No entanto, as autoras chamam a atenção para o que não deve ser considerado o
trabalho em grupo, citado por elas como agrupamentos por habilidades ou agrupamentos
temporários para ensino personalizado ou ensino individualizado de leitura, nos quais não há
uma ação de comunicação de ideias, nem de suposições e nem tampouco de discussões acerca
dos assuntos proposto ao trabalho em grupo.
Para as autoras, nas ações em grupo também estão contidas ações colaborativas e
participativas, que só poderão ser realizadas através de momentos onde o grupo estará reunido,
presencial ou remotamente, pensando juntos, utilizando o diálogo como ferramenta essencial
para a comunicação das ideias de cada componente do grupo.
Nós concordamos com as autoras (COHEN, LOTAN, 2017) e utilizamos a concepção
de trabalho em grupo como sendo uma atividade que tem uma coletividade como pressuposto,
cujas partes constituintes devem estar imbuídas de trabalhar juntas para atingir um mesmo
objetivo, utilizando-se para isso a distribuição de partes das atividades a serem cumpridas, bem
como tendo o diálogo como elemento primordial para o êxito da atividade.
Na perspectiva de Freire (2011, p. 16), “(...) o diálogo é, em si, criativo e recriativo.
Isto é, em última análise, você está se recriando no diálogo de forma mais ampla do que quando
você escreve, solitário”. Sendo assim, ao comunicar as suas ideias, ao mesmo tempo em que
fazemos o outro - que são vários por se tratar de um grupo - entender o lugar de onde se fala,
chega dos outros a comunicação que a você fazem, num intercâmbio de ideias que, ao se
retroalimentarem, vão provocando um novo pensar, um novo momento no processo formativo
e de construção do conhecimento ou seja, na medida que comunicam o pensamento, através do
diálogo, transformam-se uns aos outros.
O que seria esse diálogo além de uma conversa entre pares? “É uma relação horizontal
de A com B” (FREIRE, 1983, p. 68) e acrescenta que envolve muito mais do que comunicar ao
outro, mas implica em comunicar nutrido de amor, onde um pensa criticamente no que o outro
disse, envolve esperança, humanidade, além de confiança, fé e empatia.

[...] o que ocorre aqui é que cada um de nós é estimulado a pensar e a repensar
o pensamento do outro. [...]O diálogo pertence à natureza do ser humano,
enquanto ser de comunicação. O diálogo sela o ato de aprender, que nunca é
individual, embora tenha uma dimensão individual. (FREIRE, 2011, P. 17)
26

Apenas com o diálogo é possível que se perceba a dominação, que pode estar em pauta,
de A em B, num caminho totalmente oposto e antagônico ao ato de comunicar-se e assim, ao
ser empático, humilde, afetuoso, amoroso, estando ainda na contramão de um trabalho em
grupo na perspectiva de colaboração. O diálogo, para Freire (2011), por ser um ato
comunicante, não implica dominação; implica entendimento das ideias, ponderação, reflexão
do que está sendo dito, para então ocorrer a transformação dos sujeitos. É no momento mesmo
do diálogo que ocorre a inclusão das pessoas do trabalho em grupo e a democratização do saber,
além do ganho cognitivo existente nesses momentos.

[...] deveríamos entender o “diálogo” não como uma técnica apenas que
podemos usar para conseguir obter alguns resultados. Também não podemos,
não devemos, entender o diálogo como uma tática que usamos para fazer dos
alunos nossos amigos. Isto faria do diálogo uma técnica para a manipulação,
em vez de iluminação. Ao contrário, o diálogo deve ser entendido como algo
que faz parte da própria natureza histórica dos seres humanos. É parte de nosso
progresso histórico do caminho para nos tornarmos seres humanos. [...] Isto é,
o diálogo é uma espécie de postura necessária, na medida em que os seres
humanos se transformam cada vez mais em seres criticamente comunicativos.
O diálogo é o momento em que os humanos se encontram para refletir sobre
sua realidade tal como a fazem e re-fazem. Outra coisa: na medida em que
somos seres comunicativos, que nos comunicamos uns com os outros
enquanto nos tornamos mais capazes de transformar nossa realidade, somos
capazes de saber que sabemos, que é algo mais do que só saber. De certa
maneira, por exemplo, os pássaros conhecem as árvores. Eles até se
comunicam entre si, usam uma espécie de linguagem oral e simbólica, mas
não usam a linguagem escrita. E eles não sabem que sabem – pelo menos até
agora, cientificamente, não temos certeza de que eles sabem que sabem. Por
outro lado, nós, seres humanos, sabemos que sabemos, e sabemos também que
não sabemos. Através do diálogo, refletindo juntos sobre o que sabemos e não
sabemos, podemos, a seguir, atuar criticamente para transformar a realidade.
(FREIRE, 2011, p. 167-168)

Nesse sentido, o autor vai dizer que o diálogo faz parte da vida do ser. Para Lotan e
Cohen (2017), quanto mais os alunos estão envolvidos em atividades dialógicas, mais eles
desenvolvem o aprendizado conceitual. Conversando, partilhando suas dificuldades e
problemas na execução das tarefas, verificando as experiências dos outros participantes, através
do trabalho em grupo vão ser possíveis que estes superem, sem a intervenção dos/as professores,
as dificuldades que estão encontrando inicialmente. De acordo com as autoras, quando os/as
aluno/as explicam com suas próprias palavras os conceitos que aprenderam é útil para
verificarem o seu aprendizado particular. Para Freire (2011a) deve-se ter disponibilidade para
o diálogo e para o risco que ele envolve, uma vez que é no contexto dialógico que os sujeitos
27

serão capazes de perceber sua incompletude e se sentir seguros para expressar a dúvida e a
ignorância. É no momento do diálogo que os sujeitos vão expor suas dúvidas e certezas. O que
é certeza para um pode ser dúvida para o outro e vice e versa, num jogo promissor entre o
ignorar e o conhecer, visto que ninguém sabe tudo e ninguém ignora tudo.
É possível afirmar que outro ponto importante no trabalho em grupo, na concepção
colaborativa, é o compromisso. Percebemos em Cohen e Lotan (2017) também essa exigência
pelo compromisso como fonte de sucesso do trabalho em grupo, quando colocam que as/os
alunas/os têm a responsabilidade pela entrega desse trabalho. Para Freire (1983, p. 15), “O
compromisso seria uma palavra oca, uma abstração, se não envolvesse a decisão lúcida e
profunda de quem o assume. Se não se desse no plano do concreto”. Esse plano concreto nós
identificamos como sendo o momento da realização do trabalho em grupo, que vai estar
embebido pelo ato compromissado, uma vez que sendo “próprio da existência humana, só existe
no engajamento com a realidade, de cujas ‘águas’ os homens verdadeiramente comprometidos
ficam ‘molhados’, ensopados. Somente assim o compromisso é verdadeiro” (FREIRE, 1983, p.
19, grifos do autor).
O compromisso, juntamente com o diálogo, vão ser a base do trabalho colaborativo.
Para que haja a colaboração, de fato, no trabalho em grupo, é necessário que as partes
envolvidas encontrem-se imbuídas da ação compromissada e também das característica
encontradas no diálogo que já foram citadas anteriormente. O diálogo e o compromisso são,
portanto, nas leituras que realizamos de Cohen, Lotan (2017) e Freire (2011), base do trabalho
em grupo, na perspectiva colaborativa porque compartilham objetivos comuns, desejos de que
o trabalho venha a obter o êxito diante das energias empregadas, comunicam os mais íntimos e
antigos saberes que construíram sobre o assunto no decorrer de suas vidas e, diante daqueles
momentos, destinados à discussão do assunto, constroem as ideias que utilizam para
confeccionar o produto final e entregá-lo a/o professor/a.
Nesta propositura, podemos perceber que o trabalho em grupo, numa perspectiva
colaborativa, passa a conter uma proposta de relações, porque é cobrado dos sujeitos agrupados,
com objetivos comuns, que tenham um comportamento de diálogo, partilha, participação e além
disso um posicionamento crítico em relação ao andamento que o trabalho está tomando. Essa
capacidade é discutida por Ninin e Magalhães (2017, p. 629), levando em consideração as
discussões feitas por Edwards, referindo a agência relacional que envolve a “capacidade do
sujeito para oferecer e solicitar apoio a outros sujeitos, envolvendo-se com o mundo por meio
de ações que levam em conta os posicionamentos dos outros participantes nas interações”.
28

O conceito de agência relacional, de acordo com as autoras, nos traz a ideia de que
esse sujeito, nesse trabalho em grupo, que também é colaborativo, vai estar em relação com
outro sujeito, aumentando nele a exigência e a capacidade de se colocar de forma crítica e
colaborativa, compartilhando seus conhecimentos sobre determinado trabalho ou atividade,
administrando as divergências que poderão surgir na execução. Sendo assim, segundo as
autoras, quanto mais se acentuam as diferenças de saberes entre os sujeitos, maior será a sua
necessidade de atuar conscientemente e de se movimentar no sentido de lidar com as
contradições (NININ; MAGALHÃES, 2017). Um processo de negociação entra em curso, uma
vez que as propostas, os discursos têm um fim específico, que é contribuir, colaborar, incluir o
conhecimento do sujeito num produto que, na sua essência, é coletivo. O pensar de cada sujeito
que forma esse todo grupal será posto na berlinda, para que a negociação de ideias se faça, antes
que seja aceito e incluído de fato na formulação e dê andamento à produção.
Ainda que estejamos falando do processo de formação profissional, no ambiente
acadêmico e se tratando de uma proposição grupal de trabalho, instituído pelo docente,
podemos utilizar a contribuição de Edwards (2007, apud, NININ; MAGALHÃES, 2017),
quando cita que a agência relacional encaixa-se em diferentes finalidades. No caso específico
da nossa formulação, também se verifica a necessidade dos participantes de entenderem a
dinâmica que envolve o trabalho em grupo. Que nessa dinâmica está inserida certo nível de
resistência, de negação, de ideias contrárias e de críticas, sendo esses momentos propícios para
as negociações, para a defesa das ideias propostas, para o conhecimento das ideias de todos os
participantes, levando em consideração que, num trabalho em grupo todos deveriam posicionar-
se, mais ou menos na mesma proporção, para que seja considerado mesmo uma atuação
coletiva, o que nas palavras de Edwards (2007, apud, NININ; MAGALHÃES, 2017), diferem
de um comportamento onde os sujeitos apenas cumprem tarefas ou ordens. Esse
posicionamento vai exigir uma reflexão sobre a forma como o sujeito se coloca neste trabalho,
como compreende a atividade em grupo, sua leitura também de mundo, ou seja,

[...] O fato de me perceber no mundo, com o mundo e com os outros me põe


numa posição em face do mundo que não é de quem nada tem a ver com ele.
Afinal, minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta mas a de
quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas
sujeito também da História. (FREIRE, 2011, p. 53)

Para Freire (2011), nós não estamos no mundo à passeio, somos seres de
enfrentamentos e posicionamentos. Temos um pensar certo que “não é que fazer de quem se
isola, de quem se ‘aconchega’ a si mesmo na solidão, mas um ato comunicante. Não há por isso
29

mesmo pensar sem entendimento, e o entendimento, do ponto de vista do pensar certo, não é
transferido, mas coparticipado” (FREIRE, 2011, p. 38, grifos do autor). Num trabalho coletivo,
com perspectivas colaborativas, é preciso repensar essa atitude passiva, de quem não tem nada
a ver com a situação. Isso é reforçado pela noção de relação que Ninin e Magalhães (2017)
trazem sobre a agência relacional. Não há a dimensão relacional sem que haja um vivência
coletiva, uma experiência de sujeitos com sujeitos, de intelectualidades, de conversas e tomadas
de decisões. Longe do diálogo não há dimensão relacional.
Ao entender o diálogo como essencial, compreendemos que se trata de um processo
não só comunicante, extensionista, mas participante, inclusivo, colaborativo. O diálogo será um
espaço no qual os indivíduos vão partilhar suas convicções, sua consciência de que sabe algo,
mas mais que isso, permeado pelo respeito de que os outros componentes do grupo também
sabem algo (FREIRE, 2011), podendo inclusive ser algo que podemos desconhecer, o que
constitui vasta possibilidade de desenvolvimento de habilidades e conhecimento coletivo.
Freire (2011, p. 133) entende que “o sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com
seu gesto a relação dialógica”.
30

6 O TRABALHO EM GRUPO NA FORMAÇÃO DAS/OS PEDAGOGAS/OS

Para embasarmos esse tópico traremos Liberali e Fuga (2018), que tratam do
desenvolvimento dos sujeitos como agentes transformadores, fazendo uma discussão sobre o
conceito de perejivanie, com base na obra de Vigotski. Ao dialogarmos, ainda, com Ninin e
Magalhães (2017), encontraremos no conceito de agência uma interatividade que consiste em
entender uma coletividade como lócus de atuação do sujeito que, consciente e intencionalmente,
age para atender às necessidades desta coletividade. Toassa e Souza (2010) vão entrar no debate
discutindo as ações coletivas, na perspectiva da colaboração, tendo como pano de fundo, assim
como Ninin e Magalhães (2017), os conceitos de agentes transformadores. A transgressão como
forma de perceber o enrosco da sociedade da sala de aula como alienador do processo formativo
traz para o debate, no documento monográfico, Bell Hucks (2013) para entender o movimento
libertador como necessário para a construção do conhecimento obtido através do trabalho em
grupo. E neste tópico também vamos refletir que tipo de profissional está sendo formado no
curso de Pedagogia, e para isso utilizaremos as contribuições trazidas por Assis (2007).
Ao trazermos o conceito de trabalho como uma ação de inteligibilidade dos sujeitos,
ou seja, uma ação que antes de ser efetivada já foi projetada no seu intelecto, nos reportamos à
contribuição de Liberali e Fuga (2018) e na importância que as autoras acentuam ao estudo
sobre perejivanie para a atuação de sujeitos no contexto escolar, trazendo essa reflexão como
forma de contribuir no processo constitutivo da dimensão agentivo-transformadora desses
sujeitos. Esse termo russo, cuja tradução tem mobilizado pesquisadores e tradutores, tem sido
apresentado, em português, como vivência, e em alguns casos, como experiência visceral,
vivência dramática (LIBERALI, FUGA, 2018).
Ao discutir o conceito de perejivanie, Veresov (2016, apud LIBERALI E FUGA,
2018) vai dizer que em russo, trata-se de um termo que envolve as dimensões social e
individual, no qual vai demonstrar as transformações ou formas como os sujeitos vão processar
as experiências vividas com essas relações. Mas não se encerra com essas palavras a discussão
realizada pelas autoras sobre o termo perezhivania. Estas vão dizer inclusive, que são várias
perezhivania, podendo se constituir como repertórios para serem utilizados em várias situações
e que seriam responsáveis pelo desenvolvimento dos sujeitos. Aqui enfatizando que os
momentos vividos pelas/os discentes são particularmente vividos, no qual cada pessoa, mesmo
vivendo situações e experiências iguais vivencia de modo diferente. Esta é a razão pela qual
trouxemos a discussão de perejivanie para a modalidade de trabalho em grupo, visto que, a
unidade grupal não se traduz em homogeneidade para cada componente. É preciso ressaltar que
31

perejivanie não é considerada igual para todos os envolvidos, e que é preciso um


compartilhamento entre vários eus, ou seja, um processo social, para que se desse a constituição
das perezhivanie, trazendo o espaço escolar como importante fomentador dessa construção.
Partindo do pressuposto de que a agência é um processo que envolve um sistema de
atividades como lócus de ocorrência, que é orientado e transformado por ações conscientes e
intencionais dos sujeitos que estão envolvidos nesse processo, entendemos a necessidade de
compreensão do conceito de agência relacional, que vai se caracterizar por uma ação coletiva
dos sujeitos (NININ; MAGALHÃES, 2017), que é a proposta desse documento, ou seja, o
trabalho coletivo, numa perspectiva de colaboração, que vai dar o tom a uma formação
profissional. Recorrendo a Edwards (2007), as autoras vão enfatizar que há aspectos do tipo
relacional de agência, que indica uma ação conjunta sobre o objeto de atividade, são eles:

• Possibilidade de contestar interpretações do objeto, enquanto se


trabalha a partir de um conjunto de valores profissionais;
• Mobilidade ou natureza da mudança do objeto;
• Fluidez das relações: colaborações podem ocorrer com diferentes
pessoas e relacionamentos diferentes podem se deslocar na ação;
• Localização de uma ação conjunta no âmbito dos sistemas
capazes de expandir a compreensão do objeto;
• Objetos expandidos ocorrem em sistemas em evolução (em
desenvolvimento colaborativo). (NININ; MAGALHÃES, 2017, p.
630)

Diante do que foi colocado, podemos perceber o quanto consciente e intencional é a


relação dos sujeitos que se envolvem num mesmo sistema de atividade. Envolve as habilidades
de entender o que está acontecendo, utilizando-se para isso construções epistêmicas já
consolidadas, de relacionar-se com diferentes sujeitos com diferentes leituras de mundo e do
próprio sistema de atividade, que no nosso caso será sua relação com a atividade em grupo
proposta e a forma como se relaciona com os demais discentes do grupo.
Ao encontrarmos, no conceito de agência, uma interatividade que consiste em entender
uma coletividade como lócus de atuação do sujeito que, consciente e intencionalmente age para
atender às necessidades desta, vamos fazer a conexão necessária com a atividade grupal
proposta dentro de sala de aula, no ensino superior, do qual estamos falando desde o início
desse trabalho.
O trabalho em grupo é uma atividade coletiva que se retroalimenta pelo individual,
uma vez que é formado pela união de sujeitos. Possui a dimensão cognitiva, então aquele que
estudou, argumentou alcança um conhecimento que quem não participa não alcança. Não
32

entrando em contato com as informações que o levariam ao conhecimento, não conheceu, não
articulou ideias, não argumentou, portanto não se deu a possibilidade de debater o objeto que
foi trabalhado com a dinâmica, da mesma forma que o participante real da atividade. No
entanto, esses sujeitos darão o tom nas atividades que alimentarão essa unidade grupal e como
resultado dessa alimentação, serão perpassados por essa experiência que, vivida coletivamente,
serão afetados de forma heterogênea. Quando trazemos o conceito de agência como “[...] um
processo de engajamento social temporariamente incorporado pelo sujeito, informado pelo
passado, orientado por uma avaliação do presente em direção a possibilidades futuras” (NININ;
MAGALHÃES, 2017, p. 627), estamos intencionando trazê-lo diretamente para o debate sobre
a atuação dos sujeitos nos grupos de trabalho e atividades em grupo promovidos dentro da
academia, e a influência desse tipo de metodologia para a formação da/o pedagoga/o, mais
precisamente daquelas/es que iniciaram seu processo formativo em 2018.1, na UFRN.
No ambiente educativo essa interação entre as/os profissionais se dará muito mais
intensamente e frequentemente, visto que as atribuições não cessam depois de terminada uma
atividade, tendo sempre mais outra e outra tarefa a ser cumprida. Então o processo de
colaboração será também muito mais presente nas atividades desenvolvidas pela/o pedagoga/o,
seja qual for a função que ela/e estiver desempenhando. Assim, colaborar exige:

• criar um contexto de confiança e respeito entre os participantes, em que,


intencionalmente, escutem uns aos outros e – com base em valores e
necessidades, medos, conhecimentos, desconhecimentos, dúvidas,
conflitos, emoções, questões problemáticas, concordâncias e
discordâncias – discordem do outro e repensem a si mesmos;
• desenvolver compromisso e responsabilidade na condução do projeto;
• construir mutualidade e interdependência produtiva, com vistas a
desenvolver uma visão compartilhada e transformadora, que coloque em
discussão diferenças, concordâncias e discordâncias, para atingir
conjuntamente resultados negociados;
• compartilhar outras maneiras de pensar, possibilitando a expansão dos
próprios entendimentos;
• criar contextos em que a linguagem seja organizada dialógica e
dialeticamente, isto é, por uma organização estruturada pela
argumentação;
• compartilhadar teorias e propostas sobre a reorganização de práticas
como atividades sociais;
• possibilitar a todos a possibilidade de falar, aprofundar, questionar os
sentidos atribuídos aos conceitos em foco, pedir esclarecimentos,
explicitar ideias e compreensões sobre o objeto em discussão, discordar,
retomar ou complementar ideias colocadas, descrever experiências como
formas de relacionar teoria e prática e propiciar compartilhamento de
novos significados, o que não conseguiriam sem o apoio dos colegas;
33

• criar contextos em que os conflitos cognitivos e afetivos não sejam


separados e levem à mútua internalização [...] (JOHN STEINER, 2000,
apud NININ, MAGALHÃES, 2017, p. 632-633)

Com o perfil da colaboração, necessário e pertinente ao trabalho em grupo, indicado


acima por Ninin e Magalhães (2017), traremos o caráter coletivo da atuação profissional da/o
pedagoga/o, para examinar a necessidade de experienciar situações que venham a proporcionar
situações que possibilitem o exercício em grupo.
De acordo com o Projeto Político Pedagógico e Curricular do curso de Pedagogia -
PPC (2017, p. 26), na modalidade presencial, o curso “[...] é uma licenciatura que forma a/o
pedagoga/o, isto é, a/o profissional do processo educativo que tem na docência a base de sua
identidade profissional”, além de atuar como organizador dos processos de aprendizagem de
pessoas, desde a Educação Infantil até o Ensino Fundamental I, e também nos processos
organizativos de escolas, mediador dos direitos educativos de pessoas hospitalizadas, em
cárcere privado, adolescentes em regime de privação de liberdade e em instâncias que
promovam a educação em contextos não escolares. Ainda de acordo com esse documento, o
egresso do curso também será capaz de “contribuir para uma sociedade justa, inclusiva e
solidária” (p. 26), denotando, então, o caráter de coletividade nos processos de trabalho da/o
pedagoga/o.
Para Rufino (2021, p. 17) “somos seres de experiência. Tudo o que se passa na vida
nos atravessa, nos altera e faz com que cada um de nós seja único, mas habitado por muitos - e
nessa multidão singular tecemos uma rede infinita de aprendizagens”. Dessas palavras
depreendemos que, na experiência que tivemos em um trabalho em grupo, seja qual for o nível
de participação e de colaboração que os/as participantes tenham, essas vão ficar marcadas em
nós e delas vamos sempre ter algum aprendizado que sirva para alguma situação que passemos
na nossa vida particular ou profissional.
E essas experiências, principalmente no trabalho em grupo como formador da pessoa
que deseja ser docente, é preciso que se evidencie, desde já, que não deve haver hierarquização
no grupo. Há uma liderança, sim, e isso é próprio da formação de grupos. Sempre tem uma
pessoa que se destaca por ter uma participação e uma colaboração que direcionam as/os demais.
No entanto, como a/o docente, esse líder deve ser considerado como as/os demais componentes
do grupo na partilha de seu conhecimento. Todas/os membra/o do grupo possuem
conhecimento que será interessante para a feitura do trabalho, este deve ser utilizado. Um
acordo entre as/os participantes deveria ser o de que a liberdade de expressar, através da palavra,
seus pensamentos, para viabilizar a produção coletiva do trabalho. Pensamentos diferentes
34

partilhados por pessoas diferentes são importantes, Porque “[...] embora diferentes entre si,
quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado
[...]. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 2011, p.
25).
Assim, pode-se dizer que as mediações feitas em um trabalho em grupo vão ser
coletivas e vão fazer com que cada indivíduo participante, comunicativamente, seja mediador
de cultura, trazendo para o grupo as informações adquiridas na sua performance/ação/reflexão
pelo mundo e, em contrapartida recebam, caso os outros indivíduos sejam igualmente
comunicantes, as mediações de suas vivências (SFORNI, 2008).
35

7 MÉTODO E MATERIAIS: UM BOM DIÁLOGO REQUER SABER COMO O


ASSUNTO FOI DESENROLADO

Sobre o método, Gil (1999) nos esclarece que é uma forma, um caminho para se atingir
determinado objetivo. A metodologia científica engloba um conjunto de procedimentos
intelectuais e técnicos que devem ser utilizados para que se chegue ao conhecimento daquilo
que se intenciona conhecer.
Nessa pesquisa para a construção do diálogo com o objeto de estudo, foi realizada uma
investigação do tipo qualitativa e exploratória com estudantes do curso de Pedagogia, turma
2018.1, bem como com os/as professores/as que lecionaram e ainda lecionam na turma.
Trata-se de abordagem qualitativa, uma vez que, os dados construídos foram
apresentados através de descrições verbais e não numéricas (GIL, 1999). E, dado o objetivo de
entender a relação existente entre intencionalidade dos/as docentes e
receptividade/compreensão dos/as estudantes sobre a proposta de trabalho em grupo, além das
peculiaridades e especificidades que perpassam esse relacionamento, a pesquisa exploratória
foi a que mais correspondeu às características do objeto de estudo.
O instrumental utilizado para a coleta dos dados foram dois questionários digitais,
organizados com a ferramenta Google Formulários. Foi elaborado um questionário para as/os
estudantes e outro para as/os docentes. Essa é uma ferramenta de pesquisa que tem suas
vantagens e limitações. Gil (1999) aponta como vantagens que os questionários abrangem um
maior número de pessoas e em lugares distantes, não necessitando de utilização de pessoal para
aplicá-lo, garantindo o sigilo sobre o respondente. Sobre as limitações desta ferramenta o autor
cita as seguintes: pessoas analfabetas são excluídas; não há ajuda caso o respondente não tenha
entendido a pergunta; não permite conhecer as circunstâncias em que o questionário foi
respondido; não há garantia de que se terá o questionário corretamente respondido, nem que ele
vá ser respondido; o número de perguntas deve ser limitado, para não correr o risco de de não
ser respondido; e a depender da interpretação das pessoas, proporciona resultados bastante
críticos em relação à objetividade (GIL. 1999, p. 129).
Antes de enviar os questionários aos participantes, aplicamos questionários teste. Eles
foram importantes para verificar o tempo aproximado para resposta e também para saber se as
perguntas estavam elaboradas de forma que o entendimento fosse possível. Enviamos o
questionário das/os estudantes para três estudantes, 02 mulheres e 01 homem, que não
pertenciam a minha turma - para não comprometer a pesquisa e também para não diminuir o
número de estudantes respondentes - explicando-os que se tratava de um questionário teste e
36

que se destinava a obter informações sobre o tempo gasto com as respostas, se as perguntas
estavam elaboradas de forma entendível e se tinham alguma sugestão para as perguntas, caso
as achassem confusas. Recebemos todas as respostas, sem nenhum comentário negativo sobre
as perguntas e também sem nenhuma sugestão de mudança. O mesmo procedimento foi
realizado para duas docentes, tendo sido respondido por apenas uma, que nos auxiliou em um
dos questionamentos, levando a ajustes no teor de uma pergunta. É importante salientar que
nós, eu e a orientadora dessa pesquisa, não fomos respondentes dos questionários, pois já
estávamos impregnados dos objetivos e da justificativa do projeto.
Com a aplicação dos testes, revisamos o questionário mais uma vez. Fizemos os
ajustes, adicionando as informações obtidas sobre o tempo estimado para as respostas com base
no tempo declarado pelos respondentes do teste. O roteiro desses questionários pode ser
consultado nos apêndices A e B.
Iniciou-se, então, a busca dos participantes da pesquisa. Fizemos uma lista em planilha
Excel, com todos os nomes e e-mails das/os estudantes da turma 2018.1, turno vespertino
presencial e das/os docentes que haviam lecionado nas turmas que eu havia feito parte. No total
entramos em contato com 50 estudantes e 43 docentes.
Buscamos pelos/as discentes no grupo de WhatsApp da turma, salientando que alguns
não estavam no grupo. O primeiro passo foi verificar quais eram as/os discentes que estavam
no grupo de WhatsApp da turma. Assim, enviamos um texto cordial, contendo o objetivo do
questionário, o público prioritário, o prazo final de recebimento das respostas, o link do
questionário digital destinado às/aos discentes e um agradecimento breve, para o grupo de
WhatsApp da turma. Como citado, haviam pessoas da turma que não estavam no grupo de
WhatsApp da turma, e a alternativa foi enviar o mesmo texto, com link e agradecimento para
os e-mails destas/es discentes.
Para os docentes enviamos, por e-mail, um texto cordial mais formal, contendo o
objetivo do questionário, o público prioritário, o prazo final de recebimento das respostas, o
link do questionário e um breve agradecimento pelas atenção e respostas. O questionário das/os
discentes ficou disponível por 09 dias. O da/os docentes ficou por 04 dias.
Não houve uma adesão esperada ao questionário, tanto por parte das/os estudantes
quanto das/os docentes. Era esperada uma adesão maior porque pensávamos que a empatia
das/os estudantes se apresentaria com maior expressão, visto estarem passando pelo mesmo
processo de construção dos seus trabalhos de conclusão de curso. Diante disso, passamos a
contatar as pessoas uma a uma, através de mensagens via WhatsApp. Foram 10 mensagens
extras enviadas para as/os estudantes por este aplicativo. Dessa vez, um apelo mais informal e
37

mais incisivo, deixando transparecer a necessidade da participação e das respostas. As/os


docentes, apenas 06 foram contatados por meio de mensagens via WhatsApp, visto não termos
acesso aos números de contato deles.
Conforme o prazo de fechamento dos questionários foi se aproximando, passamos a
interagir mais com as/os discentes, insistindo um pouco mais, repostando o pedido com o link
no grupo da turma e tentando mobilizar os mais próximos a sensibilizarem o restante da turma,
a fim de chegarmos a pelo menos metade das/os estudantes que faziam parte da turma. Com
as/os docentes refizemos as solicitações, mas a adesão foi baixíssima, chegando a vivenciar um
momento de constrangimento e vergonha diante da negação pública e explícita de
preenchimento por parte de uma docente. Dois docentes entraram em contato após o término
do prazo, sendo respondidos dessa condição e agradecidos pela interesse e atenção em
colaborar.
Com essa busca dos participantes, ao final obtivemos 23 respostas de discentes e 11
respostas de docentes. Identificamos cada respondente com um número e uma letra, por
exemplo, as/os estudantes foram identificados por E01, E02 e assim por diante. A mesma forma
de identificação foi adotada para as/os docentes, ou seja, P de professor adicionado a um
número, até o número total de professoras e professores respondentes, P01, P02… P11. Assim,
quando no texto aparecer o código QE09 quer dizer que estamos nos referindo a pergunta 09
do questionário das/os estudantes. Ao ler o código QP5.1, significa que a correspondência,
nesse caso, é a pergunta 5.1 do questionário das/os professores.
Essas respostas, dos/as alunos/as e professores/as compuseram o corpus da pesquisa.
Esse corpus foi analisado com base na análise textual discursiva, proposta por Moraes (2003).
O autor propõe um movimento de unitarização ou desconstrução dos corpus, seguido do
estabelecimento das relações entre as unidades, que é a categorização, para chegar ao novo
emergente, sendo a nova compreensão elaborada a partir dos dados e reflexão do pesquisador
(MORAES, 2003).
38

8 RESULTADOS: PARA ONDE O DIÁLOGO NOS LEVOU?

Os dois questionários foram divididos em 03 seções; o texto de abertura com a


recepção do e-mail, o perfil do docente e a seção que se refere ao trabalho em grupo
propriamente dito, cujo objetivo seria demonstrar a intencionalidade, a percepção dos docentes,
bem como a receptividade/entendimento das/os estudantes acerca do trabalho em grupo.
Para entendermos o relacionamento existente entre a intencionalidade na propositura
de trabalho em grupo por um/a docente e a receptividade das/os estudantes - objetivo dessa
pesquisa - é preciso que tenhamos o cuidado de esmiuçar as respostas dos questionários
enviados para as/os estudantes e para as/os professores, colocando-os um de frente para outro,
no sentido de contrastarmos o que respondeu cada um. Mas antes de iniciarmos essa pseudo
acareação, apresentaremos o perfil das/os participantes da pesquisa.
As perguntas referentes ao perfil das/os estudantes nos permitiram conhecer se está
inserida/o no mercado de trabalho, a faixa etária, a autodeclaração etnicorracial e de gênero,
faixa de renda, e, ainda, se estavam cursando pedagogia no momento em que responderam ao
questionário. Das/os 23 estudantes respondentes, a faixa etária é dos 22 aos 37 anos de idade,
tendo a maioria entre 22 e 24 anos de idade (15 respondentes). No momento da resposta ao
questionário 56,5% estavam trabalhando e 43,5% não estavam inseridas no mercado de
trabalho. Sobre a renda 43,4% (10 pessoas) têm uma renda per capita acima de 02 salários
mínimos, 30,4% (7 pessoas) têm renda per capita entre R$ 324,31 a 01 salário mínimo, e 26,1%
(06 pessoas) têm renda per capita acima de 01 salário mínimo até 02 salários mínimos. É um
grupo (o das/os respondentes) predominantemente composto por 78,3% de mulheres, (18
mulheres), e 21,7% de homens (05 homens). Quanto à autodeclaração etnicorracial, 52,2% (12
pessoas) se autodeclararam brancas/os, 34,8% (08 pessoas) se autodeclararam pardas/os e 13%
(03 pessoas) se autodeclararam pretas/os. 26,1% (06 pessoas) das/os estudantes respondentes
já haviam concluído o curso de pedagogia e 73,9% (17 pessoas) ainda estavam frequentando o
curso.
No perfil traçado para as/os docentes, as perguntas foram sobre o tempo de trabalho
no ensino superior, independente se tenha sido na UFRN e o componente que ministrou na
turma 2018.1 vespertino, presencial. Quanto ao tempo de trabalho em instituição de ensino
superior, perguntado as/os docentes, obtivemos o seguinte resultado: apenas 1 leciona há menos
de 1 ano e 6 meses, 1 leciona há 5 anos, 1 há 6 anos, 1 há 8 anos, 1 há 14 anos, 1 há 15 anos, 1
leciona há 19 anos, 2 lecionam há 24 anos, 1 há 29 anos e 1 leciona há 30 anos no ensino
superior.
39

Seguindo os passos de Moraes (2003), para análises de dados de pesquisa qualitativa,


numa perspectiva de compreensão desses dados, fizemos uma desmontagem dos textos
recebidos para estabelecimento de relações entre as respostas e assim, captarmos o “novo
emergente”, em outras palavras, destroçamos os textos, fizemos uma comunicação entre eles
através de categorização, para que pudéssemos atingir o objetivo do nosso trabalho que era a
compreensão da relação intencionalidade/receptividade de docentes e estudantes nos processos
de trabalho em grupo. Nesse movimento de desconstruir e reconstruir textos chegamos a duas
categorias de análise que são o trabalho em grupo como trabalho coletivo e a aprendizagem no
trabalho em grupo, que perpassaram o rol de respostas dos dois grupos pesquisados: docentes
e estudantes. Essas categorias organizam os dados que obtivemos nos questionários dos dois
grupos de participantes, articulando esses dados à reflexão teórica.

8.1 Trabalho em grupo como trabalho coletivo

A primeira categoria, que optamos por trabalhar, foi o trabalho em grupo como
trabalho coletivo. Essa percepção do trabalho em grupo aparece com muita frequência nas
respostas dadas pelas/os pesquisadas/os, às vezes de modo mais explícito, às vezes com
afirmações que indicavam tal percepção.
Dentro dessa perspectiva, um aspecto que surge é o diálogo como dimensão essencial,
discussão ancorada em Freire (2011). Na questão QE09 (Na sua concepção, o que é um trabalho
em grupo?), algumas respostas deixam bem explícita essa compreensão de atividade coletiva.
O estudante E01 respondeu: “Trabalho em grupo é uma perspectiva de atividade coletiva que
visa a compreensão de diferentes pontos de vista”. O mesmo raciocínio é colocado pela
estudante E06, que respondeu ser o “Desenvolvimento de atividade de modo coletivo e
colaborativo, onde há o envolvimento de todos de forma equilibrada”. Essa compreensão está
de acordo com Ninin e Magalhães (2017) que destacam as características do processo de
colaboração, como sendo perpassado por diálogos, oferecimentos e solicitações de apoio aos
demais sujeitos envolvidos. Percebam que a estudante E06 destacou a colaboração na sua
respostas, retomaremos a discussão desse ponto posteriormente.
Identificamos que há um entendimento nos dois grupos pesquisados, discentes e
docentes, sobre o caráter de coletividade que envolve esse tipo de estratégia pedagógica. Ao
perguntarmos as/os docentes “em que você se inspira para propor trabalhos em grupo?” (QP04),
estas/es reportam às características, teorias e teóricos que dizem respeito ao processo de
trabalho coletivo como propiciador dos processos de ensino e aprendizagem, ou em que cuja
40

teoria está a influência que os sujeitos do grupo de trabalho exercem uns sobre os outros. A
professora P04 respondeu “Na concepção interacionista de aprendizagem e na ideia de que o
trabalho coletivo é uma das características do trabalho docente” e a professora P08 disse que
era na “Perspectiva Sociointeracionista de Vigotski”.
Da mesma forma, percebemos que, na pergunta QP06 (Qual a sua intencionalidade ao
propor um trabalho em grupo?), o professor P05 diz que é “Partilha de saberes e construção
coletiva do conhecimento” e a professora P10 diz que

Ao propor trabalhos em grupo considero que os discentes terão oportunidade


de aprender com os seus pares principalmente, por meio do diálogo, de debater
pontos de vista, de negociar e decidir de forma mais coletiva sobre a produção
das atividades entre os integrantes. Assumirão o papel de protagonistas de
forma conjunta, colaborativa, em que um pode ajudar o outro, desenvolvendo
habilidade, produzindo conhecimento e refletindo sobre posturas, discursos
que auxiliarão no processo formativo e que serão necessárias na profissão,
principalmente.

É visível a identificação das/os respondentes sobre uma atividade que não deve ser
realizada por um único sujeito. Também há o entendimento de que no trabalho em grupo, por
se tratar de uma estratégia coletiva, as pessoas que compõem essa coletividade (grupo de
trabalho) devem fazer a atividade de forma conjunta.
De acordo com as respostas das/os estudantes, também está expressa a compreensão
que essa atividade é de cunho colaborativo. É o que afirma a estudante E16, quando diz que
“Constitui-se como uma ação colaborativa, onde todas as pessoas se envolvem e participam
ativamente na sua construção".
Lembraram que a estudante E06, anteriormente, citou essa palavra - colaboração - e
que ficamos de discutir depois? Especificamente aqui, utilizaremos o termo colaboração como
sinônimo para participação e contribuição (termos que apareceram nos questionários) visto que,
nas respostas dadas pelas/os estudantes, encontramos essa correlação. Nós entendemos, assim
como Ninin e Magalhães (2017, p. 632) que “Colaborar é esse processo de construção com
outros em que os sujeitos trabalham juntos na compreensão e transformação de si mesmos, de
outros, de seu contexto coletivo de ação e do mundo”. Isso difere da simples participação, que
pode ser entendida apenas como estar presente em determinada atividade. No entanto,
analisando as respostas das/os estudantes no questionário, verificamos que utilizam as duas
palavras como sinônimos, em certos momentos. Percebemos, pelas respostas dos professores e
estudantes, que o trabalho em grupo deve ter participação e colaboração. Essa colaboração, em
acordo com o pensamento de Freire, implica compromisso, uma análise desse sujeito da sua
41

inserção no mundo, e nesse caso, no trabalho em grupo, posto que “a primeira condição para
que um ser pudesse exercer um ato comprometido era a sua capacidade de atuar e refletir”
(FREIRE, 1982, p.17).
A nossa intenção principal é entender os relacionamentos existentes entre
intencionalidade dos professores e receptividade dos estudantes nos trabalhos em grupo. É por
isso que fazemos uma série de associações entre as respostas dos questionários dos dois grupos
e entre as respostas de diferentes participantes do mesmo grupo.
Continuando essa comunicação entre as respostas, percebemos que, na perspectiva
das/os estudantes, a colaboração é essencial. Tanto é que sua falta foi uma das queixas retratadas
na QE13.1 (Se você respondeu sim à questão anterior2, indique porque tinha vontade de fazê-
lo individualmente). As respostas - algumas delas discutidas na sequência - colocam dúvida
para a eficácia do trabalho em grupo como atividade coletiva, na nossa concepção. Levando em
consideração a participação nesta atividade, relataram situações nas quais a colaboração não se
deu proporcionalmente entre as/os participantes do grupo.
É possível que a participação citada tenha se configurado apenas com o nome no rol
de membros do grupo ou apenas na apresentação final do trabalho, como cita a estudante E11,
ao responder, na QE13.1, que “Em quase toda a minha graduação tive que fazer o trabalho
praticamente sozinha, sendo sempre grupo de 5 pessoas, 90% das vezes eu e outra colega
fazíamos sempre o trabalho inteiro”. Ou que tenham denotado a não participação das/os
membras/os do grupo como é o exemplo da estudante E16 respondendo que “Mesmo estando
ciente das possibilidades que o trabalho em grupo proporciona, o fato de alguns colegas não
colaborarem para o trabalho coletivo era algo que desmotivava bastante”. E a estudante E20
que fala que “Por haver pessoas que contribuíam minimamente, assim como pessoas que
desejavam fazer tudo sozinhas sem aceitar a opinião dos demais e fazendo o trabalho, como se
o trabalho em grupo que estava sendo proposto fosse de fato individual.” Nesse ponto
percebemos tanto o aspecto de negação da contribuição, como uma postura autoritária que toma
conta da atividade e não permite que as/os outras/os componentes façam a sua parte.
Continuando a análise da resposta da estudante E20, percebemos que há uma interferência no
processo de aprendizagem, provocada por uma postura autoritária e igualmente traumática para
a estudante.

2 Questão anterior, 13, Quando a/o docente propunha trabalho em grupo, você tinha vontade de fazê-
lo individualmente?
42

Também a estudante E17, na pergunta QE16.1 (Como você se sentiu com a


contribuição [ou ausência de contribuição] dos colegas nos trabalhos em grupo mencionada na
questão anterior?), respondeu que se “(...) sentia por muitas vezes estressada e sobrecarregada.
Inclusive comecei a terapia por conta de uma estafa relacionada aos trabalhos em grupo, tendo
em vista que, o curso de pedagogia tem como sua maior parte das atividades avaliativas, os
trabalhos em grupo”. Esse dado é preocupante e nos chocou porque traz indícios de que o
trabalho em grupo, nesse caso, extrapola as paredes da sala de aula e interfere na vida das/os
estudantes. Esse extrapolamento, no caso em questão, chegou a afetar a saúde mental da
estudante E17.
Para essa mesma pergunta, o estudante E03 respondeu que se sentiu “extremamente
chateado e com raiva em determinadas situações, principalmente pela falta de responsabilidade
e respeito que alguns colegas tiveram ao não justificar ou não contribuir com os trabalhos”.
Percebemos uma falta de diálogo das/os membras/os do grupo. A falta de comunicação, que
poderia mudar o sentimento e a experiência do estudante E03, uma vez que o que ele reclama
é da não justificativa das/os colegas sobre suas ausências e não contribuições.
E a estudante E14 respondeu que ficou “Decepcionada e com o sentimento de injustiça
mediante a situação”. No entanto, apenas a estudante E14 disse preferir fazer a atividade
sozinha, enquanto que o estudante E03 e a estudante E17 disseram que não tinham vontade de
fazer o trabalho individualmente (QE13), mesmo se sentindo chateados diante da situação de
não contribuição dos colegas.
Observando a pergunta QE16.1 (Como você se sentiu com a contribuição (ou ausência
de contribuição) vemos a influência dos trabalhos em grupo na vida das pessoas, fazendo com
que nos reportamos ao conceito de vivência (perejivanie), entendido como situação dramática,
que vai impactar e deixar marcas nos sujeitos, compondo seus repertórios de vida. Essa vivência
embora seja uma experiência vivida em um grupo de pessoas, vai ser uma construção particular
(LIBERALI, FUGA, 2018). Para ilustrar essa vivência e a influência do trabalho em grupo na
vida das pessoas, temos a estudante E22 dizendo que “Acabei precisando me esforçar e
trabalhar mais, por isso me desgastei mais.”. As estudantes E17 e E20, respectivamente,
sentem-se

Chateada. Entendo que todos tem suas diferentes demandas fora da faculdade,
mas também acredito que é necessário administrar o seu tempo e colocar os
trabalhos como uma obrigação a serem cumpridas, pois não é justo
sobrecarrega somente uma ou algumas pessoas e só participar na hora da
apresentação ou acrescentando o seu nome.
43

Participar de grupos de trabalho onde um componente não deu alguma


contribuição para mim nunca foi problema, pois sempre busquei ser
compreensível por acreditar que cada indivíduo possui seus motivos para não
conseguir cumprir com determinados compromissos. Contudo, o que mais me
incomodou foi participar de grupo onde não pude, enquanto componente do
mesmo, dar contribuições por não ser aceita pelos demais componentes.

Com essas palavras podemos perceber outro lado que o trabalho em grupo está
revelando: dos componentes autoritários. Eles não permitem outras ideias que não as suas e
promovem assim o não aprendizado, pela não permissão do outro comunicar as suas ideias.
Foi possível observar, cruzando as respostas às QE13 (Quando a/o docente propunha
trabalho em grupo, você tinha a vontade de fazê-lo individualmente?), QE15 (Qual critério você
utilizava para se inserir em um grupo para realizar o trabalho em grupo?) e QE16 (Você já
participou de um trabalho em grupo onde alguns componentes não deram sua contribuição?),
do grupo de estudantes, que embora na QE13, 12 pessoas (52,2%) tenham dito que não tinham
vontade de fazer o trabalho individualmente, na QE15 11 pessoas (48%) relatam que um dos
critérios adotados seria a participação de outros componentes no decorrer do trabalho e na
QE16, apenas 1 pessoa relata não ter participado de nenhum grupo que tenha havido ausência
de contribuição de algum/a participante. Por exemplo, ao mesmo tempo em que a E02, na
QE15, responde que o critério para inserção em grupo é a “proatividade”, para a QE16 ela
responde que “sim”, participou de grupo com participante que não colaborou na atividade, e na
QE13 ela respondeu que não tinha vontade de fazer o trabalho individualmente. O mesmo
exemplo aconteceu com a E23, que responde, na QE15 que a colaboração das pessoas é o
critério para escolha do grupo, relata que já participou de trabalhos onde não houve a
colaboração de componente do grupo, e na QE13 responde negativamente à vontade de fazer o
trabalho individualmente.
Ao relacionarmos essas três questões, QE13, QE15 e QE16, percebemos que embora
chateadas/os, tristes e injustiçadas/os, das/os 11 estudantes que disseram não querer fazer o
trabalho individualmente, 05 disseram também que o critério para se inserirem em grupos de
trabalho eram apenas por afinidade ou por vaga nos grupos.
A não participação de alguns colegas leva a estresse e sobrecarga, conforme foi
possível ver nas respostas à questão QE16.1. 06 pessoas indicam esse estado. Uma vez que, a
não participação de uma pessoa do grupo não significa que a parte da atividade que ela deva
desempenhar estará concluída, muito pelo contrário, essa parte será realizada por alguém que
já está responsabilizado por outra parte da atividade, tendo assim, que desempenhar um papel
44

mais oneroso e menos proporcional a quantidade de pessoas no grupo, explicando então, a


sobrecarga que alguns/mas estudantes relataram no questionário.
Essas inferências que estamos fazendo a partir dos dados, também nos remeteu a ideia
de que um questionário é menos eficaz para compreender o trabalho em grupo do que uma
entrevista, na qual poderíamos fazer contrapontos entre uma questão e outra e assim alcançar
uma análise mais aprofundada e robusta das respostas.
Entendemos que um processo coletivo pode ser mais fácil de ser executado, no sentido
de divisão de tarefas, com as facilidades de um mundo tecnológico no qual se pode acompanhar
em tempo real a colaboração que todas/os componentes do grupo estão tendo, através de
aplicativos online. Mesmo com essas facilidades, compreendemos que nem todas as pessoas se
comprometem com o trabalho. Além disso, os docentes não acompanham o processo de
construção, não veem quem participa ou não. Voltamos, assim, à ideia da participação não
proporcional das/os membras/os do grupo no trabalho.
A participação, o fazer junto, o colaborar nos vem muito forte na análise, considerando
a intencionalidade da proposição do trabalho em grupo respondida pelas/os docentes, na QP06,
(Qual a sua intencionalidade ao propor um trabalho em grupo?). Para essa pergunta, há
unanimidade das respostas, no sentido que a partilha dos conhecimentos e a participação
estejam presentes. Por exemplo, P01 disse que tinha a intencionalidade “Na interação, no
partilhamento de conhecimentos”, P02 disse que “A socialização dos alunos, bem como a
oportunidade de aprendizado mútuo”, P05 disse que sua intenção era a “Partilha de saberes e
construção coletiva de conhecimento” e P08 disse que sua intencionalidade era “Possibilitar a
troca, a interação, as discussões, a (re)elaboração conceitual, o trabalho colaborativo e a
construção coletiva”. Vemos então, pelas respostas dadas, que o trabalho em grupo é fruto de
uma necessidade ou finalidade, que antes de ser proposto foi impregnado de uma
intencionalidade e teve uma atividade mental que o precedeu (NETTO, BRAZ, 2008).
Entretanto, de acordo com o que as/os estudantes responderam na QE16 (Você
participou de um trabalho em grupo onde alguns componentes não deram sua contribuição?),
não é sempre que a partilha de conhecimentos acontece. Dos 23 respondentes, 22 disseram que
participaram de trabalhos em que algum colega não contribuiu. Assim, parece que a
intencionalidade das/os docentes, no contexto apontado, não se concretiza, no processo do
trabalho em grupo pelos estudantes, considerando a totalidade das/os integrantes do grupo, mas
parcialmente sim.
Enxergamos também que a intencionalidade das/os docentes sobre a colaboração no
trabalho em grupo não implica que esperem que todas/os membras/os do grupo colaborem
45

igualmente, de acordo com respostas à QP5.1 (Qual a sua intencionalidade ao propor um


trabalho em grupo?) e a noção que têm sobre a participação dos membros dos grupos, conforme
respostas à QP11 (Na sua percepção, todas/os as/os componentes do grupo participam na
mesma proporção nos trabalhos em grupo que você propõe?). Ao mesmo tempo em que
propõem a atividade para que a coletividade seja exercitada e desenvolvida, as/os próprias/os
docentes respondem que percebem que as/os componentes não participam na mesma
proporção, 90,9%. Talvez entendam que não há a necessidade de uma proporcionalidade de
atuação para a caracterização coletiva da atividade, sendo importante ou eficaz qualquer
atuação da/o componente na atividade. Refletimos ainda sobre se os professores sabem que
muitos estudantes ficam insatisfeitos com o trabalho em grupo. Se soubessem da insatisfação
e, principalmente, da não participação de membros do grupo, será que seguiram utilizando essa
estratégia? Seria interessante que as/os professoras/es tomassem conhecimento acerca do
andamento da atividade em grupo. Para que, diante de uma avaliação do grupo sobre o próprio
trabalho, os resultados pudessem ser mais condizentes com a intencionalidade que foi pensada.
Analisando as respostas das/os estudantes à questão QE18 (Na sua opinião, nos
trabalhos em grupo, a avaliação em forma de nota deveria ser a mesma para todos os
componentes? Justifique a sua resposta), foi onde pudemos perceber duas formas de se entender
a avaliação da atividade e os entraves nos processos ocorridos dentro do grupo de trabalho que
trouxeram desconforto para as/os estudantes e também uma compreensão daquilo que envolve
a intencionalidade do professor diante do que seja um trabalho em grupo.
Sobre a primeira perspectiva, 11 estudantes (47,8%) responderam que a nota das/os
alunas/os não deveriam ser a mesma. A estudante E06 diz que “Não, deveria ser avaliado por
etapa de acordo com o envolvimento dos integrantes”, a estudante E06 também responde
negativamente, completando que “... alguém sempre pega carona no esforço do outro” e a
estudante E08 vai mais além e responde que “Não deveria ser a mesma para todos os
componentes. Até mesmo nas apresentações é possível perceber aqueles que não contribuíram
com o trabalho. As notas para o grupo reforça a postura daqueles que não contribuíram”.
Na perspectiva de ser a mesma nota para todas/os, as/os estudantes refletem sobre a
intencionalidade da proposta, utilizando-a para justificar suas respostas, no entanto, não deixam
de fora a colaboração de todos para que aceitem uma nota comum. Por exemplo, o estudante
E03 responde:

Acredito que sim! Pois enquanto grupo todos devem possuir o mesmo
posicionamento frente ao tema trabalhado e apresentado. No entanto,
46

reconheço que existem problemas de contribuição, falta de diálogo e


desinteresse por parte de alguns integrantes certa vezes, em minha opinião o
ideal seria que se existe um problema com um ou mais integrantes e esse
problema não foi resolvido entre o grupo deve ser levado ao professor e juntos
decidirem o que fazer.

A participação e a colaboração de todas/os é uma preocupação que está presente nas


respostas, como é o caso da estudante E16, que semelhante ao estudante anterior responde:

Considerando os colegas que não colaboram, não acho justo que estes
possuam a mesma nota que uma pessoa que realizou as leituras, esteve
disposta a conversar/debater sobre a temática, foi organizada e fez o
trabalho antes do prazo. Essa pessoa foi dedicada e se dispôs a aprender,
não é justo que receba a mesma nota de alguém que só estava com o
nome no trabalho.

Como possibilidade para uma nota mais condizente com a participação, poderíamos
sugerir a adoção da autoavaliação, na qual cada membra/o do grupo atribui a sua nota,
considerando a própria participação na atividade. Ficaria a cargo da/o docente a avaliação sobre
a apresentação do trabalho das/os discentes, que é um passo do trabalho que ela/e teve condição
de acompanhar. Talvez, se configure como uma alternativa que contribuísse para um processo
mais justo.
Verificamos que há sim uma compreensão do trabalho em grupo como processo
coletivo, mas, a participação e colaboração de todas/os, presente na intencionalidade docente
ao propor a atividade grupal, deve existir.

8.2 Aprendizagem no trabalho em grupo

Outra categoria, que veio à tona com as respostas das/os estudantes e docentes
pesquisadas/os, diz respeito à aprendizagem no trabalho em grupo.
A aprendizagem no trabalho em grupo, ao nosso ver, com base no referencial estudado
(FREIRE, 2011; COHEN E LOTAN, 2017; NININ E MAGALHÃES, 2017), vai se dar pelas
características de coletividade, colaboração, compromisso e diálogo, porque será através destas
que as/os estudantes entrarão em contato com o pensamento e o conhecimento das/os
membras/os do grupo formado. Relembrando aqui as palavras de Freire (2011, p. 167) sobre
diálogo, “como algo que faz parte da natureza histórica dos seres humanos [...] é uma espécie
de postura necessária, na medida em que os seres humanos se transformam cada vez mais em
seres criticamente comunicativos”. Retomando também as palavras de Ninin e Magalhães
47

(2017) sobre a colaboração sua característica de interlocução entre os indivíduos, num contexto
de confiança, respeito, responsabilidade, compromisso etc. que tenha também como parte
integrante o compartilhamento de ideias, para aprimoramento mútuo das pessoas que estão em
relação.
Vemos o caráter de coletividade nas palavras das/os estudantes. E01 aponta que
“Trabalho em grupo é uma perspectiva de atividade coletiva que visa a compreensão de
diferentes pontos de vista”, E06 responde “Desenvolvimento de atividade de modo coletivo e
colaborativo, onde há o envolvimento de todos de forma equilibrada” e a estudante E13 diz que
“É quando todos os componentes colaboram de forma conjunta para a elaboração de um
trabalho, um ajudando/completando o outro”. Percebemos que compreendem que não basta
estar no grupo figurativamente, mas que há uma necessidade de que todos partilhem do
processo, fazendo-nos retomar o conceito de agência relacional, discutidas por Ninin e
Magalhães (2017), que vai levar em consideração as atitudes dos sujeitos no mundo,
envolvendo deles a capacidade de estarem em relação, oferecendo e solicitando seus
posicionamentos.
Essa participação ativa é uma das características da colaboração, que vai permitir que
as pessoas que estão inseridas no grupo de trabalho entrem em contato com as ideias do outro
e, assim, possam repensar as suas próprias ideias; que possam entrar em comunicação com
vários saberes para ter uma nova configuração de saber. Vai se dar, então, o movimento de
retroalimentação de saberes e concepções proporcionado pelo diálogo, nos quais os
dialogadores têm a possibilidade de se perceberem sempre a completar-se, sem nunca chegarem
a um conhecimento final, uma vez que somos seres inconclusos buscando, conscientemente, o
que nos complete (FREIRE, 2011).
Podemos enxergar nas respostas das/os docentes, na pergunta QP03, sobre adoção de
trabalho em grupo como estratégia pedagógica, que 100% das/os professoras/es responderam
que sim, mostrando que essa é uma prática que encontra credibilidade por partes delas/es e que
é frequentemente utilizada. E, levando em consideração o tempo de docência de cada
professor/a, não importa se leciona há 1 ano ou há 30 anos, a adoção de trabalho em grupo
como estratégia pedagógica é unânime. As respostas das/os estudantes sobre a QE08 (Você
participou de trabalhos em grupo durante o curso?) comprovam que essa estratégia é, de fato,
recorrente, uma vez que 100% das/os discentes responderam que sim.
No entanto, se essa forma de atividade é escolha unânime entre todas/os as/os
docentes, não encontra a mesma unanimidade entre as/os estudantes. Quando perguntado se
preferia fazer a atividade de forma individual ao ser proposta uma atividade em grupo (QE13),
48

47,8% responderam que sim, preferiam. As estudantes E06 e E16 relatam que a vontade de
fazer trabalho individualmente se deu pela falta de colaboração de alguns/mas componentes do
grupo. E06 indica que “Devido à falta de colaboração de alguns colegas os quais, por não serem
colaborativos, sobrecarregavam alguns companheiros do grupo.” e E16 que “Mesmo estando
ciente das possibilidades que o trabalho em grupo proporciona, o fato de alguns colegas não
colaborarem para o trabalho coletivo era algo que desmotivava bastante.”
Nesse sentido, observamos que a aprendizagem, como uma construção coletiva de
conhecimento que se concretiza na individualidade é prejudicada. Torna-se, muitas vezes,
frustrante, como relata a/o estudante E06, estressante, como responde a estudante E10, além de
proporcionar uma sobrecarga nas/os demais componentes do grupo de trabalho, como citou a
estudante E08. Tais respostas, reiteram a compreensão de vivência, como experiência
individual em uma situação coletiva, como explicam Liberali e Fuga (2018).
Isso é importante para o processo de aprendizagem vivido dentro da universidade, pois
esses momentos, ainda que negativos, serão criadores de sentidos e repertório para serem
usados no cotidiano da/o pedagoga/o. Ao participarem novamente de experiências como as
referidas, vão poder atuar com conhecimento de causa, modificando ou reiterando seus
posicionamentos.
Para o processo de aprendizagem no trabalho em grupo, a intencionalidade das/os
docentes tem um caráter decisivo. Os objetivos traçados por elas/es são definidos tanto pelo
que querem desenvolver nas/os estudantes, quanto pelas competências que devem ser
trabalhadas e contempladas ao final do curso. No entanto, essas experiências que
proporcionariam o desenvolvimento da aprendizagem podem, apesar da intencionalidade da/o
docente, não atingir o objetivo desejado.
Falamos isso porque, de acordo com respostas de parte das/os estudantes, a questão
QE13.1 participação e a colaboração não foi vivida proporcionalmente por todas/os. Por
exemplo, o P01 disse que propõe trabalhos em grupo com a intencionalidade de “interação, no
partilhamento de conhecimentos”. No entanto, a estudante E11 relatou que em quase toda a
graduação dela/e teve que desenvolver o trabalho, que deveria ser em grupo, sozinha, visto que
as pessoas que estavam inseridas no grupo do qual ela/e fazia parte não colaborava com a
atividade, fazendo com que procurasse uma ajuda terapêutica pela vivência traumática que teve
dessas experiências. Assim, esse processo, ao invés de ser um meio dialógico e promissor de
aprendizagem, tornou-se algo penoso e sofrível, trazendo transtornos para essa/e estudante,
fazendo-a/o acreditar que não houve aprendizado no trabalho em grupo. Ela responde na
questão QE17.1 (Como o trabalho em grupo contribuiu na sua Formação? Caso a resposta à
49

pergunta anterior3 tenha sido negativa, escreva “Não contribuiu”) dizendo que não houve
contribuição.
Outras/os estudantes trouxeram pontos de vista diferente referente a aprendizagem no
trabalho em grupo. O estudante E18, tem como pressuposto que o trabalho em grupo é uma
atividade coletiva com objetivos comuns, cuja intencionalidade da/o docente é “potencializar o
aprendizado exercitando a zona de desenvolvimento proximal dos alunos para que possam
aprender uns com os outros (Ou simplesmente para ter que corrigir menos trabalhos)” e que
também relata o caráter de comprometimento das/os componentes para se inserir em
determinado grupo (resposta dada à QE15). Essa resposta, do estudante E18, apresenta uma
similaridade com o que foi respondido por parte das/os docentes à questão QP06 (Qual a sua
intencionalidade ao propor um trabalho em grupo?), “Possibilitar a troca, a interação, as
discussões, a (re)elaboração conceitual, o trabalho colaborativo e a construção coletiva”, como
responde a P08 ou “Que as alunas aprendam compartilhando conhecimentos e experiências;
que experimentem o diálogo e o trabalho coletivo (...)” respondeu P04. Essa similitude entre as
respostas corrobora a resposta do E18 à QE 17.1 considerando que houve aprendizado com os
trabalhos em grupo que participou (resposta dada à QE 17.1 - “Me permitiu aprender com os
colegas.”).
A resposta do estudante E18 sobre a intencionalidade docente traz indícios de uma
contradição. Ele diz, inicialmente, que a/o docente entende ser o trabalho em grupo
“potencializar o aprendizado exercitando a zona de desenvolvimento proximal dos alunos para
que possam aprender uns com os outros [...]” mas completa “...(Ou simplesmente para ter que
corrigir menos trabalhos)” questionando a ideia de que a/o docente sempre entende o trabalho
em grupo como potencializador do aprendizado.
Na questão E10 (Ainda na sua concepção, para que o/a professor/a utiliza o trabalho
em grupo) é possível perceber que não há consenso entre as/os respondentes. Das/os 23
estudantes que responderam o questionário, 08 responderam que em sua opinião o/a professor/a
escolhia o trabalho em grupo como estratégia formativa para reduzir a quantidade de atividades
a corrigir, como foi o caso das/os estudantes E01, E05, E12, entre outros. A outra parte das/os
estudantes, ou seja, 15 apontaram várias opiniões sobre a pergunta. A estudante E04 faz uma
ponderação, dizendo: “Reduzir a quantidade de correções, proporcionar interação, dividir partes
da atividade que seriam realizadas em mais tempo com mais dificuldade por um único
estudante, promover o debate do tema entre os pares”. No mesmo entendimento do que nos

3 Você acha que o trabalho em grupo contribuiu para a sua formação durante o curso?
50

coloca Ninin (2013, apud SANTOS E MAGALHÃES, ) sobre a responsividade, deliberação,


alteridade, humildade, mutualidade e interdependência que devem estar contidas na
colaboração, tão importante para que o trabalho em grupo flua e atinja seus objetivos.
Olhando para minhas experiências com o trabalho em grupo, percebi que muitas das
respostas traumáticas das/os estudantes serviriam para serem adotadas como minhas palavras.
A minha indignação era tanta, que sempre que havia a proposição de um trabalho em grupo eu
questionava a possibilidade de fazê-lo individualmente e muitas vezes vibrava quando a/o
docente propunha uma atividade individual. Para mim era mais proveitoso, a aprendizagem
vinha, porque havia a leitura e a feitura do trabalho por todas/os as/os estudantes da sala de
aula.
Eu não entendia como as pessoas se inseriam em grupos de trabalho e nada
contribuíam. Formavam-se os grupos de aplicativos de mensagens para que a comunicação
fluísse, mas o que encontrávamos era um silêncio. Muitas vezes a/o componente apenas
colocava o nome no trabalho a ser entregue pelo Sistema Integrado de Gestão de Atividades
Acadêmicas - SIGAA e, no máximo, apresentava uma parte no dia destinado à apresentação
oral, fazendo com que os outros participantes se sentissem preocupados com a desconexão das
informações. Aqui, é perceptível uma crise ética. No sentido de uma conduta ética que estava
implícita entre as/os participantes do grupo, que por fazerem parte de um grupo estavam
fazendo parte ainda do que Cortella (2011) vai dizer que são de vários tipos de ética e que
atendem às circunstâncias. Seria lícito aos participantes do grupo omitirem-se de colaborar no
trabalho ao qual reuniram-se para fazer? Lançamos a reflexão. Segundo o autor, essa ética é
circunstancial, tem sua característica de historicidade e cultura; não é igual para todos e não
tem um padrão a ser seguido. Às vezes, pode ser até admissível que um ou outro componente
não participe, mas dê a sua justificativa, como relata o estudante E03, ao responder que “ficava
chateado e com raiva [...] para a falta de responsabilidade e respeito que alguns colegas tiveram
ao não justificar ou não contribuir com os trabalhos”, na QE16.1 (Como você se sentiu com a
contribuição (ou a ausência de contribuição dos colegas nos trabalhos em grupo mencionada na
questão anterior?). Talvez acontecesse para o E03 o mesmo que para a estudante E07, que ficava
“triste, mas quando eu percebia que a pessoa estava com dificuldades de participar e eu podia
ajudar eu não ligava”. A ética implícita nesse caso seria a de poder deixar de contribuir, mas
não poderia deixar de justificar a não contribuição.
Segundo Freire (2011, p. 53) “O fato de me perceber no mundo, com o mundo e com
os outros me põe numa posição em face do mundo que não é de quem nada tem a ver com ele.
Afinal, minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta, mas a de quem nele se
51

insere”. Assim, a participação no trabalho em grupo não é de alienação, mas é a de perceber-se


parte do grupo e, por isso, nele se inserir dando a sua contribuição.
Eu ficava me perguntando se as/os professores percebiam isso, uma vez que para ser
um trabalho em grupo todos deveriam participar, fazer juntos, fazer sua parte. Uma indignação
maior me percorria quando todas as pessoas do grupo, mesmo participando apenas com o nome
no trabalho, recebiam a mesma pontuação, visto que a pontuação é dada pela feitura do trabalho.
No entanto, uma das experiências positivas se deu em certo trabalho em grupo, do
componente curricular Alfabetização e Letramento. Passei três aulas sem compreender nada do
assunto estudado. Eu não havia sido impregnada, na concepção de Moraes (2003), dos
pressupostos cognitivos necessários, ou seja, estava totalmente alheia aquilo que estava sendo
partilhado em sala de aula. Então fiquei na responsabilidade de aplicar a parte prática, do
exercício daquilo que estava sendo ministrado em aula. O grupo de trabalho no qual eu estava
inserida era muito dialogador e participativo, ou seja, nós conversávamos bastante sobre o
assunto e éramos disponíveis uns aos outros. Após aplicar a parte prática com crianças da
Fundação onde trabalho, pude entrar em contato com o conhecimento que não havia sido
permitido (pela minha falta de compreensão do assunto) até o momento. Fomos para o diálogo,
tarde da noite estávamos a nos comunicar, via aplicativo de mensagem, intensamente, através
do qual eloquentemente eu comunicava minhas descobertas e era coberta por outras mensagens
também sobre o assunto. Para mim, estava totalmente implícita a importância do diálogo e do
trabalho em grupo para a aprendizagem dos sujeitos, corroborando, naquele momento, as
teorias sobre a aprendizagem no trabalho em grupo. Mas, a minha vivência particular não se
configura em parâmetro para ratificar esse trabalho, e por se tratar de uma experiência positiva,
soma a esse trabalho e as respostas que com ele tivemos.
Na QP06 (Qual a sua intencionalidade ao propor um trabalho em grupo?), percebemos
que houve uma resposta quase que unânime do trabalho em grupo como um processo coletivo
que contribui sobremaneira para a alavancagem do aprendizado das/os estudantes, na medida
em que “é excelente para o aprendizado conceitual, para a resolução criativa de problemas e
para o desenvolvimento de proficiência em linguagem acadêmica” (COHEN E LOTAN, 2017),
P01 indica como intencionalidade “A socialização dos alunos, bem como a oportunidade de
aprendizado mútuo.”, e P10 cita que

Ao propor trabalhos em grupo considero que os discentes terão oportunidade


de aprender com os seus pares principalmente, por meio do diálogo, de debater
pontos de vista, de negociar e decidir de forma mais coletiva sobre a produção
da atividade entre os integrantes. Assumirão o papel de protagonistas de forma
52

conjunta, colaborativa, em que um pode ajudar o outro, desenvolvendo


habilidades, produzindo conhecimentos e refletindo sobre posturas, discursos
que auxiliarão no processo formativo e que serão necessárias na profissão,
principalmente.

Na profissão, na escola, o tempo todo a/o pedagoga/o é chamado ao trabalho em grupo.


A definição das rotinas, o planejamento e os demais processos são trabalhos realizados em
grupo. Contudo, analisando o PPC do Curso de Pedagogia da UFRN não há nenhuma referência
ao trabalho em grupo como dimensão do trabalho da/o pedagoga/o.
Indicando essa unanimidade trazida pelas respostas das/os docentes, fazemos a
correlação com as respostas das/os estudantes à questão QE17 (Você acha que o trabalho em
grupo contribuiu na sua formação durante o curso?). Apenas 02 estudantes responderam que
não e 21 responderam que sim. Ainda que a maioria, 21 estudantes, tenha relatado ter existido
algum tipo de problema e apenas 02 não tiveram problema nenhum com o grupo de trabalho.
53

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como proposto no início deste documento, objetivamos verificar a relação existente


entre a intencionalidade das/os docentes e a receptividade/entendimento das/os estudantes a
respeito da estratégia de trabalho em grupo.
Por conseguinte, buscamos, através de questionário de pesquisa, captar dados que nos
trouxessem posicionamentos acerca dessa estratégia de ensino que alcança unanimidade entre
as/os docentes, mas que causa certo desconforto em relação as/os estudantes, para que
pudéssemos entender como se operava essa relação. O questionário adotado mostrou-se eficaz
para o tipo de análise proposta, ainda que em alguns momentos tenhamos sentido falta de
explorar e aprofundar uma ou outra resposta dada por professoras/es e estudantes.
Através das/os autoras/es fomos desenvolvendo as ideias que poderiam fazer com que
alcançássemos os objetivos pretendidos e nos trouxesse um entendimento maior acerca dos
conceitos e concepções envolvidas no trabalho em grupo, as vivências, a dimensão dialógica
dessa estratégia pedagógica a coletividade e os processos de ensino e aprendizagem que estão
por trás dessa ferramenta - trabalho em grupo.
Ao caminharmos entre os conceitos e os dados, verificamos que a intencionalidade
envolvida no trabalho em grupo está inteiramente ligada a disponibilidade para o diálogo, para
a colaboração, oportunizando o convívio entre os pares e possibilitando vivências que trarão
para as/oes estudantes um repertório particular, um acervo de experiências e resultados que vão
servir para a instância profissional. Contudo, nem sempre essa intencionalidade dos docentes
reverberava entre os estudantes. Os dados dos questionários dos estudantes mostraram que,
muitas vezes, trabalhos em grupo eram feitos sem diálogo, sem colaboração, pesando a
responsabilidade de trabalhar apenas para alguns componentes. Essa ausência de contribuição
dos componentes do grupo não se refletia na nota final, que era a mesma para todos.
O diálogo e a colaboração se mostraram como condições imprescindíveis para o bom
andamento dos resultados das propostas grupais de atividade, verificáveis tanto nas respostas
das/os docentes e estudantes quanto no referencial teórico adotado.
No decorrer desse trabalho de pesquisa meu caminho foi se enriquecendo. As formas
com que eu via a produção textual ia mudando à medida em que eu ia tendo que transformar os
dados que eu havia coletado em informações possíveis de serem lidas e entendidas e isso não é
uma tarefa fácil.
Ler os teóricos e discorrer sobre eles foi a parte mais fácil do processo de fazer, pois
as coisas estavam ditas. Mas fazer as perguntas certas, como dizia Freire (2017), não foi tarefa
54

fácil. Era preciso saber o que perguntar porque as perguntas precisavam falar umas com as
outras e essa comunicação precisava fazer sentido. E fizeram, no momento certo.
O momento mais desconcertante e mais aterrorizador se deu quando estava de posse
dos dados. Após as respostas chegarem até mim. Um silêncio ensurdecedor tomou conta da
minha mente. O que fazer com tanta informação? Que caminho tomar? Por onde começar? Por
fim, uma resposta: começa por onde te fizer mais sentido. Eu não sei, mas comecei e tudo
começou a fluir.
Eu senti muita angústia, um misto de ansiedade e desespero, posso afirmar. Mas algo
mais estava por vir, eu acreditei. Sim, porque o processo de planejar a pesquisa, confeccionar
o questionário, enviar para as pessoas responderem, analisar os dados e construir a monografia
acrescentaram muito conhecimento na minha jornada.
Primeiramente, era preciso entender a minha intencionalidade, para poder fazer as
perguntas corretas, a utilização do instrumento de coleta de dados mais apropriada aos meus
objetivos e até entender que contribuição todo esses processos trariam para a minha vida e
também para minhas colegas e meus colegas e para o curso.
Um ponto que saliento sobre o meu aprendizado é a necessidade de entender qual é a
intencionalidade de quem propõe uma estratégia como o trabalho em grupo, que me parece,
agora, depois das reflexões realizadas, primordial para que possamos desenvolver a atividade.
Pois, embora as/os estudantes não saibam quais sejam os motivos e objetivos, a/o docente tem
uma intencionalidade, se debruçou sobre aquela atividade e deseja que os objetivos pensados
sejam alcançados.
Outro ponto, agora tratando sobre as contribuições para o curso de Pedagogia e para
outros cursos, é que falar sobre essa estratégia pode servir para que ela seja amplamente
discutida dentro de sala de aula e que docentes e estudantes possam refletir juntos sobre
intencionalidades, alcances e conhecimentos sobre o trabalho em grupo. Visto que neste estudo
e nas fontes pesquisadas, este tipo de atividade se mostrou eficaz como potencializador do
aprendizado e das relações interpessoais dentro da sala de aula.
Por outro lado, podemos observar que o trabalho em grupo, no modelo que é realizado
em sala de aula, permite que o/a professor/a analise de forma coletiva o produto obtido, mas
não o permite perceber se todos/as os/as estudantes participaram da elaboração, tampouco se
os/as estudantes obtiveram um aproveitamento individual satisfatório, que talvez seja o
principal objetivo da proposição coletiva de trabalhos - o diálogo para compartilhamento dos
saberes, uma ação coletiva que vai expor a relação indivíduo/coletivo.
55

Diante de tudo que foi estudado, vendo as limitações apontadas pelo tempo e pelo
próprio objetivo do documento, percebo que outras possibilidades poderiam surgir, tais como
o estudo sobre a participação das/os estudantes no processo de planejamento e avaliação tanto
das atividades em sala de aula, quanto da própria modalidade de trabalho em grupo e seus
resultados, entrelaçados pela comunicação entre docentes e discentes nos processos de ensino
e aprendizagem dentro da academia.
56

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SOARES, Fátima A. O trabalho em grupo como instrumento operatório no processo de


alfabetização: relações entre concepções e práticas pedagógicas. 2005. 168 f. Dissertação
(Mestrado em Educação) - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Rio
Claro. 2005.

STEIN, Fabíola. “O trabalho em grupo qualifica a aprendizagem”: realização de atividades


pedagógicas colaborativas e construção conjunta de conhecimentos na fala-em-interação de
sala de aula. 2017. 186 f. Dissertação (Mestrado em Letras) - Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre. 2017.

TOASA, Gisele; SOUZA, Marilene Proença Rebello de. As vivências: questões de tradução,
sentidos e fontes epistemológicas no legado de Vigotski. Psicologia USP, São Paulo, 21(4),
757-779, 2010.
58

APÊNDICE A – ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA AS/OS DOCENTES

PERFIL

1. Há quanto tempo é docente do ensino superior?


2. Qual componente curricular você lecionou para a turma 2018.1, do curso de Pedagogia, turno
vespertino, presencial?

SOBRE O TRABALHO EM GRUPO

3. Você costuma adotar o trabalho em grupo como estratégia pedagógica?


4. Em que você se inspira para propor trabalhos em grupo?
5. Quando você adota um trabalho em grupo, dá a possibilidade dele ser feito individualmente?
5.1 Por qual motivo você aceita ou não aceita que trabalhos em grupo sejam feitos
individualmente?
6. Qual a sua intencionalidade ao propor um trabalho em grupo?
7. Como eram formados os grupos?
7.1 Explique porque adotava essa maneira de formar grupos.
8. Qual a quantidade de pessoas que você acha ideal para um bom trabalho em grupo?
8.1 Por que considera ideal essa quantidade de componentes num grupo?
9. Você costuma fazer avaliação com os grupos sobre a atuação dos componentes no processo
de trabalho em grupo?
10. Você adota uma avaliação única para todos os componentes do grupo?
10.1 Em que se baseia para fazer a avaliação do grupo (ou dos componentes)?
11. Na sua percepção, todas/os as/os componentes do grupo participam na mesma proporção
nos trabalhos em grupo que você propõe?
12. Na sua percepção a atribuição de uma mesma nota para todos os componentes do grupo
traduz a realidade do aprendizado obtido com a confecção do trabalho?
13. Na sua percepção, em que medida o trabalho em grupo contribui para a formação
profissional da/o pedagoga/o?
14. Você já recebeu a reclamação de algum grupo, de que haviam componentes que não
estavam colaborando com o trabalho em grupo?
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APÊNDICE B – ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA AS/OS ESTUDANTES

PERFIL

1. Nome (se preferir, não precisa se identificar)


2. Qual a sua idade? *
3. Você trabalha? *
4. Qual a renda per capita do seu grupo familiar? *
5. Com que gênero você se define? *
6. Como você se declara? *
7. Na data desta pesquisa você se encontra: *

SOBRE O TRABALHO EM GRUPO

8. Você participou de trabalhos em grupo durante o curso? *


9. Na sua compreensão, o que é um trabalho em grupo? *
10. Ainda na sua compreensão, para que o/a professor/a utiliza a metodologia de trabalho em
grupo?
11. Como você se sentia quando a/o docente propunha um trabalho em grupo? *
12. Como era a sua atuação no trabalho em grupo? *
13. Quando a/o docente propunha trabalho em grupo, você tinha a vontade de fazê-lo
individualmente?
13.1 Se você respondeu sim à questão anterior; indique porque tinha vontade de fazê-lo
individualmente
14. Ao longo do Curso, você costumava participar sempre do mesmo grupo ou houve mudança
dos componentes?
14.1. Por qual motivo houve a mudança dos componentes do grupo? Se não houve mudanças
escreva "Não houve mudanças".
15. Qual critério você utilizava para se inserir em um grupo para realizar o trabalho em grupo?
16. Você já participou de um trabalho em grupo onde alguns componentes não deram sua
contribuição?
16.1. Como você se sentiu com a contribuição (ou a ausência de contribuição) dos colegas nos
trabalhos em grupo mencionada na questão anterior?
17. Você acha que o trabalho em grupo contribuiu para a sua formação durante o curso? *
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17.1. Como o trabalho em grupo contribuiu na sua formação? Caso a resposta a pergunta
anterior tenha sido negativa, escreva "Não contribuiu".
18. Na sua opinião, nos trabalhos em grupo, a avaliação em forma de nota deveria ser a mesma
para todos os componentes? Justifique sua resposta.
19. Você vivenciou algum tipo de problema para realizar os trabalhos em grupo que as/os
docentes propuseram durante o curso?
19.1. Caso a resposta anterior tenha sido ¨SIM¨, você poderia relatar a situação? Caso tenha
sido não, responder "Não houve problema".

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