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MESA REDONDA

ENSINO DE TEATRO E FORMAÇÃO DOCENTE: PRÁTICAS E


CONTEXTOS NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Prof. Dr. José Simões de Almeida Junior (coord.)


Universidade Federal de Minas Gerais
Profª. Dra. Beatriz Cabral (Biange Cabral)
Universidade Estadual de Santa Catarina
Prof. Dr. Joaquim Cesar Moreira Gama
Universidade de Sorocaba
Profª Dra. Vera Lúcia Bertoni dos Santos
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Prof. Ms. Vicente Concilio
Universidade Estadual de Santa Catarina

O ESTÁGIO CURRICULAR EM TEATRO NA EDUCAÇÃO BÁSICA E


A FORMAÇÂO DOCENTE

Prof. Dr. José Simões de Almeida Junior (DMTE/FaE/UFMG)

Resumo: o estágio curricular é o espaço no qual se dá a iniciação à docência.


Espera que nele se vivenciem experiências que possam dar suporte para a sua
atuação profissional. É nesse momento que os futuros professores revelam as
suas potencialidades e, também, evidenciam os descompassos entre a prática
escolar e o processo de formação. Assim, o estágio funciona como um espaço da
preparação da prática docente, compreensão da dinâmica escolar, produção e
aplicação de diferentes metodologias. Ao mesmo tempo, é também o espaço de
diálogo entre o imaginário teatral esboçado na formação curricular da
licenciatura e as práticas teatrais contemporâneas, vivenciadas pelos alunos-
artista, e prática escolarizada do ensino de teatro. Responsável, também, em
estimular ou não a visibilidade da função Teatro no conjunto social
ultrapassando a função disciplinar e curricular.

Palavras-chave: estágio curricular; ensino de teatro; pedagogia do teatro

O aluno da licenciatura em Teatro encontra-se diante de uma série de


dificuldades e enfrentamentos para o exercício da profissão na Educação Básica.
Para além daquelas inerentes à condição docente e da própria realidade da
Educação. Dentre as quais se podem destacar a de identidade curricular1. Uma
vez que o futuro docente irá trabalhar numa disciplina (na maioria das escolas)

1
Não necessária mente por ordem de importância.
que não se chama Teatro, mas, sim, Arte2. Na qual o teatro é um dos conteúdos a
ser desenvolvido ao longo da formação do aluno. Do mesmo modo que os
conteúdos em dança, artes visuais e música. Seja, também, porque a disciplina
Arte é normalmente considerada não importante na formação dos alunos da
Educação Básica, ou seja, pela ausência de condições: materiais, espaciais e
logísticas para o teatro acontecer na escola, obrigando os professores a
constantes processos de adaptação, busca de soluções possíveis e improvisadas
para o exercício da profissão. Revelando a precariedade e os desafios a serem
enfrentados na sala de aula pelo docente de ensino de teatro, no âmbito da
Educação Básica.

Ao longo da formação do licenciando em teatro um dos momentos de


interlocução com a realidade educacional, especificamente com a sala de aula, se
dá no estágio curricular. Assim, nesse artigo se pretende refletir e discutir a
experiência do estágio curricular supervisionado3 como um dos espaços
importantes na formação docente para o exercício da experiência da docência.

A prática docente não é fácil como se imagina ou se faz crer. Não


basta estar à frente de uma sala, falar e escrever sobre algo que deve ser
aprendido ou então cursar as disciplinas da Faculdade de Educação para se
constituir docente. Tais premissas reforçam uma pretensa falta de especificidade
da docência, se constituindo num dos elementos que favorecem a desvalorização
da própria profissão docente.

O ensino de Arte e as suas linguagens preconizadas na legislação


educacional (LDB nº 9.394/96) criam, por vezes, um ambiente propício à
indiferenciação e a perda da identidade do licenciado em relação a sua área de
formação. Seja pela valência intertextual, e transdisciplinar inerente ao ensino
das artes em geral, ou seja, pela fragilidade e a disjunção vivenciadas pelo
licenciado na formação e integração ao ambiente escolar. Estão em jogo,
portanto, interagindo nesse processo o conjunto de imaginários: do aluno, da
instituição formadora, da escola e do próprio teatro no conjunto da sociedade.

2
Há poucas escolas nas quais encontramos a disciplina Teatro no currículo da Educação Básica,
geralmente, são escolas privadas
3
400 (quatrocentas) horas de estágio curricular supervisionado a partir do início da segunda
metade do curso; (RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 2, de 19 de Fevereiro de 2002)
O resultado desse modo de inserção do ensino de teatro no currículo
da Educação Básica é permeado de contradições. Muitas vezes tornam borrados
e sem contornos definidos os conteúdos, o conhecimento específico do ensino de
teatro, e a função desse professor no contexto escolar.

No bojo dessas ações, as constantes mudanças da legislação nos


últimos anos seguem alterando o panorama da inserção da arte no currículo
escolar, por exemplo, a lei nº 11.769, já sancionada, que promove a inserção do
ensino de Música no currículo da Educação Básica. Teríamos, portanto, no
currículo as disciplinas: Arte e Música. Todavia, o veto presidencial não
permitiu de fato a presença dessas duas disciplinas.

Nesse sentido, o projeto de lei (PLS nº 337/2006), em tramitação


(aprovado na comissão de Cultura e Esporte, em 2010) busca regulamentar a
obrigatoriedade do ensino de Teatro, Artes Visuais e Música. Podemos adicionar
a esta discussão as várias consultas ao CNE no sentido de garantir a
compreensão da Arte como um campo multidisciplinar.

Mesmo diante dos pequenos avanços na legislação e da busca da


garantia do ensino (efetivo) de Teatro nas escolas, na maioria delas, a lógica
polivalente ainda persiste impregnada no dia-a-dia do professor.

Confunde-se e empobrece, com tal procedimento, o potencial


transdisciplinar e interdisciplinar inerente ao ensino das artes. Imagina-se que o
aluno deveria saber um pouco de tudo em relação às Artes, isto é (um pouco de):
dança, teatro, artes visuais, música.

Como resultado temos a produção didática sem reflexão, sem


profundidade, em compartimentos que não dialogam. Nesse contexto, tenho
observado que o jovem licenciado em Teatro, frequentemente, não resiste e
permite a redução do ensino de teatro a ferramentas de apoio para as outras
disciplinas do currículo; ou ocupa-se da diversão na escola, em práticas fundadas
no ludismo. Distancia-se do desenvolvimento e aplicação do conhecimento
específico do Teatro e suas metodologias no ensino. Significa, pois, que o
profissional não consegue espaço para articular, desenvolver estratégias e
ensinar Teatro, sua área de formação.
Estas dificuldades não somente são resultado de um conjunto de
motivações já apontadas, mas, também, do descompasso entre formação
acadêmica proposta aos licenciados em Teatro e o mercado profissional (cf.
SANTANA, 2000), enfatizando, nalguns casos, a falta de especificidade da
licenciatura em teatro, pouco direcionadas à formação específica do professor de
Teatro. Certamente, como aponta Arão Paranaguá, muitos desses problemas já
são velhos conhecidos, encontram-se como formas cristalizadas e naturalizadas
- “dicotomia entre licenciatura e bacharelado; formação teórica versus prática”
(2000:10) - entre outras.

Nas anotações dos alunos de estágio (2010) encontramos os


problemas naturalizados do ambiente escolar, como: violência escolar; falta de
espaços adequados; polivalência; falta de tempo, etc. Num dos relatos temos:

Os alunos (dessa turma) são


indisciplinados, barulhentos, bagunceiros.
Além disso, eles já vêm de um registro de
violência. Levando, então, a maioria a
bater nos colegas, nas carteiras, gritar,
etc.(aluna I)

Noutro relato o aluno é defrontado com a complexidade e o


comportamento estratificado dos docentes,

A professora utiliza um controle constante.


Existe certa "dureza" nas relações com os
alunos. Como fazer para quebrar uma
barreira criada com o tempo? Existe outra
forma de trabalhar com os alunos? (aluno
II)

As duas breves considerações revelam aspectos (não totalizantes) de


exemplaridade do ambiente escolar e suas dificuldades. Demonstram a
fragilidade do docente iniciante diante das adversidades do ambiente escolar
consolidado (CABRAL, 2008, 40-41).

A maioria dos relatos e suas dificuldades não tratam de questões que


envolvem o ensino de teatro propriamente dito. Os estudantes vêem-se no
estágio curricular inseridos no contexto da escola e suas dinâmicas e, surgem,
então, outras questões: o que sabe ele acerca da juventude na escola? Da
família? Da violência escolar? Da cognição.

O estágio durante a licenciatura deve ser repensado. É necessário


fugir da lógica que Tardif nos aponta

Até agora, a formação para o magistério esteve dominada


sobretudo pelos conhecimentos disciplinares, conhecimentos
esses produzidos geralmente numa redoma de vidro, sem
nenhuma conexão com a ação profissional, devendo em
seguida, serem aplicados na pratica por meio de estágios ou
de outras atividades do gênero. Essa visão disciplinar e
aplicacionista da formação profissional não tem assim sentido
hoje em dia, não somente no campo do ensino, mas também
nos outros setores profissionais. (2002, p. 23)

É necessário fugir da lógica da aplicação. Nesse sentido, busca-se


considerar o estágio como um lócus de convergência e diálogo entre saberes,
crenças e experiências de cada um dos participantes, futuros professores.

Nesse contexto, a supervisão do estágio busca refletir e fomentar a


discussão acerca da experiência revelada pelos estagiários no antes. Isto é,
oriundas das práticas artísticas e culturais desenvolvidas ao longo do curso de
graduação e fora dele, na história de vida, e aquelas que se estabelecem no
momento da realização do estágio. Desse entrecruzamento de vivências e relatos
se organiza o modo de abordagem e as percepções acerca do território escolar
não com o intuito de repeti-las ou consolidá-las, mas de compreendê-las como
um vetor de possibilidade de atuação na sala de aula. Entendida como um
espaço-vivo, dinâmico e permeado de contradições. Nesse sentido, busca-se
romper com a lógica, muitas vezes estratificada dos discursos, acerca dos
insucessos do ensino de Teatro na Escola, tais como: “isso funciona, isso não
funciona”, “da minha sala”, “eu faço eu resolvo”, ou “do saber fazer
consolidado”.

Isso não significa que os problemas não existam e, em muitos casos,


eles não sejam crônicos. A abordagem proposta é considerar o problema do
ensino de teatro na escola como algo que se pode ter uma resposta; não se
encontra naturalizado na dinâmica docente ou ao qual se acostuma e segue
reclamando. Isto é, segundo Milton Santos em palestra proferida em 2009, na
ocasião da discussão do cidadão do Mundo: “em nosso trabalho devemos
aprender a recusa do fácil”

O professor de Teatro contemporâneo tem sido expresso como:


professor-artista; artista-professor, docente-artista, artista-docente, entre outras
denominações. No discurso enunciativo desses sujeitos encontramos o professor
e a prática pedagógica em diálogo com a experiência individual artística de cada
aluno. (mesmo considerando as diferenças pontuais entre cada uma delas)

Os conjuntos/conceitos das definições postulam que a vivência


artística possa e deva interferir e ou/contaminar a atividade docente na sala de
aula. Revelam a intencionalidade de não separar as práticas: artísticas e
pedagógicas.

Independente de tais denominações importa-nos que o licenciado seja


capaz de ensinar teatro no contexto curricular da educação básica. Esta é, para
mim, a questão central. É bem por isso, se acentua a importância do estágio
curricular na formação do licenciado em teatro.

O estágio curricular é o espaço no qual os alunos (em formação)


revelam as suas potencialidades e, também, as falhas no processo de formação. E
nele que o futuro professor poderá observar, discutir, propor e vivenciar um
conjunto de atividades e, fundamentalmente, desenvolver a autonomia como
docente. É nele, também, que podemos observar os acertos e o descompasso
entre o imaginário do aluno, a proposta curricular, o ambiente escolar e da
visibilidade do Teatro na sociedade.

Referências
CABRAL, Biange. O professor-artista: perspectivas teóricas e deslocamentos
históricos. Revista Urdimento, 2008,nº 10, p 35-44.
SANTANA, Arão Paranaguá de. Teatro e formação de professores. São Luis:
EDUFMA, 2000.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2002.
NÓVOA, António. Para uma formacion de profesores construída dentro de
la profession. Revista de Education 350, set-dez 1999. p. 203 -218.
Resolução CNE/CP nº 1/02 - Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação
de Professores.
Resolução CNE/CP Nº 2, de 19 de Fevereiro de 2002.
PREPARAÇÃO DE PROFESSORES DE TEATRO – ABORDAGENS
INTERCULTURAIS

Profª. Drª. Beatriz Cabral (Biange Cabral) (UDESC, PQ2/CNPq)

Resumo: A comunicação revisita 03 experiências interculturais no campo da


preparação do professor de teatro. As três situações permitiram visualizar e
discutir alternativas para estabelecer interações no âmbito da formação do
professor de teatro a partir da exploração de problemas éticos, políticos, estéticos
e artísticos, e observação das semelhanças e diferenças entre seus
enfrentamentos em distintos contextos culturais

Palavras-chave: pedagogia do teatro, formação docente, formação intercultural

Esta comunicação revisita 03 experiências interculturais no campo da


preparação do professor de teatro:

uma interação entre grupos de estagiários de três localidades distintas,


centrada em seus comentários sobre a narrativa das dificuldades
enfrentadas durante seu estágio e aquelas narradas pelos colegas das
demais localidades durante sua prática de ensino;

um projeto em que grupos de estagiários de dois locais distintos


exploram um mesmo argumento, criam uma cena e fotografam suas
ações centrais, enviando estas fotos a grupos do(s) outro(s) local/locais,
envolvidos na mesma pesquisa, para serem reinterpretadas cenicamente;

uma pesquisa sobre um fato real ocorrido em um local e encaminhado a


outros cinco locais para ser explorado através do drama e posteriormente
narrados em um congresso, onde um psicólogo, um educador e um
sociólogo analisariam o acontecimento real que deu origem às
experiências dramáticas.

As três situações permitiram visualizar e discutir alternativas para


estabelecer interações no âmbito da formação do professor de teatro a partir da
exploração de problemas éticos, políticos, estéticos e artísticos, e observação das
semelhanças e diferenças entre seus enfrentamentos em distintos contextos
culturais.
A primeira experiência refere-se a uma pesquisa que durante 5 anos
trocou relatos, caracterizados como narrativas pessoais de estágio de alunos de
licenciatura em teatro, entre três universidades do Canadá e Estados Unidos –
Joe Norris (Universityof Alberta), Carole Miller (Universityof Victoria) e Laura
McCammon (Universityof Arizona). As narrativas deram origem a estudos de
casos, no âmbito da formação do professor, entre três turmas de alunos de
universidades distintas, que os usaram durante as aulas de metodologia do
ensino. Em uma primeira etapa, cada estagiário relatou seu maior desafio
durante o planejamento de suas aulas e em seguida o maior problema de ensino
enfrentado durante o estágio. Na segunda etapa cada relato era enviado para um
estagiário do segundo grupo que o analisava a partir de seu ponto de vista: como
interpretou o desafio do colega e como teria enfrentado o problema. Os relatos
então foram encaminhados ao terceiro grupo que também analisaram o material
recebido, incluindo uma terceira percepção do desafio durante o planejamento e
do problema durante a realização do estágio. O resultado desta troca foi enviado
a professores-doutores em pedagogia do teatro, de países distintos, para serem
interpretados. Foi assim que tive acesso a este material, que foi organizado de
acordo com as aproximações entre o foco dos casos relatados: problemas de
planejamento, de conhecimento dos alunos, da gestão de trabalho em grupos, da
gestão de indivíduos, do esperado e do inesperado, das experiências anteriores
dos alunos, de problemas com a comunidade escolar.

A segunda experiência refere-se a um projeto piloto que realizei em


parceria com o Prof. Mark Danby (Queens University, Kingston, Canadá), entre
1997 e 1998, com trocas, via internet, entre alunos de licenciatura em teatro e
alunos da Universidade de Queens. Através de três encontros presenciais, entre
eu e o professor, em Kingston e em Florianópolis, preenchemos uma matriz
criada por Danby (Os Círculos do Drama), com 05 círculos concêntricos
sobrepostos, cada um com conceitos associados a uma esfera do tema Ética. Um
dos círculos continha os conceitos de ética discutidos nos PCNs Brasileiros:
solidariedade, diálogo, justiça e respeito mútuo (havia espaço para serem
acrescentados outros); o segundo círculo incluía os tipos de conflito possíveis de
serem identificados como comuns aos dois contextos culturais: corrupção,
intimidação, exclusão, discriminação, desrespeito, preconceito, desonestidade; o
terceiro círculo incluía possíveis origem para estes conflitos: familiar,
geográfica, social, étnica, política, religiosa; o quarto círculo incluía possíveis
motivações por trás deles: fisiologia, amor, segurança, auto-estima,
entretenimento, sucesso, ambição, inveja, integração, prazer; o quinto círculo
incluía o contexto onde seria desenvolvida a ação: jantar em casa de classe
média alta, enorme fila de ônibus, discussão em um bar da zona do mercado, etc.
Estes cinco círculos, se efetivada a pesquisa,seriam então cruzados
aleatoriamente, e cada grupo – de cada um dos locais envolvidos – receberia os
mesmos cinco conceitos obtidos neste cruzamento, uma palavra de cada círculo
– para com elas construir um argumento. O resultado seria a base de uma
apresentação cênica que incluiria necessariamente a apresentação do contexto da
cena (1º Ato), o problema central (2º Ato), o resultado alcançado – a resolução
do problema ou sua impossibilidade (3º Ato). De cada ato seria tirada uma foto e
remetida para os demais grupos envolvidos na troca intercultural que
interpretariam as fotos, em cena, acrescentando uma legenda para cada foto. As
imagens das cenas criadas a partir das fotos, no outro contexto cultural,
retornariam aos atores que haviam enviado as primeiras fotos, com a nova
interpretação e suas legendas. Este projeto, em anexo, foi vivenciado
experimentalmente; as fotos das cenas criadas pelos alunos do Curso Magister
de Laguna foram enviadas ao Canadá, e o Prof. Mark Danby escreveu a cada
equipe apontando os estranhamentos culturais percebidos no contexto
canadense. Este projeto de troca intercultural, via intercâmbio de imagens pela
internet, pretendia por um lado derrubar as paredes da sala de aula, e por outro
lado, ampliar e aprofundar as discussões sobre preocupações éticas nos dois
contextos culturais. A interrupção do projeto se deu em razão da aposentadoria
do professor canadense e sua mudança para outro país e ocupação.

A terceira experiência me foi proposta por Cornelia Hoogland,


pesquisadora da Universityof Western Ontario, CA, no início de 2003, e seu
resultado foi apresentado no V Congresso Internacional de Drama, Teatro e
Educação (IDEA 2004) em Ottawa/CA. Um painel, “Seis educadores em busca
de um drama e uma mulher em busca de si própria: abordagens teóricas e
metodológicas sobre uma história veiculada pela imprensa a respeito de um
suposto sequestro”, reuniu pesquisadores que investigaram, na teoria e na
prática, o material enviado por Hoogland: Beatriz Cabral (universidade do
Estado de Santa Catarina), Laura Cranme (malaspina University College),
Barbara MacQuarrie (Universityof Western Ontario), Tina Ruggirello
(Universityof Windsor) e Kara Smith (Universityof Windsor). A questão
proposta por Hoogland para o painel foi: Qual o papel da estética – i.é., as
qualidades emocionais e imaginativas da experiência – qual o seu lugar e onde
ela se situa em relação às preocupações éticas do envolvimento humano e da
representação? Que tipo, e por quais caminhos, a estética pergunta e explora
questões? Para tanto, ela solicitou a cada painelista que deixasse claro sua
perspectiva teórica, a pedagogia crítica e os fundamentos da pesquisa em artes.
Para tanto sugeriu que fossem focalizadas: Quais as questões de abertura ou
inicial da experiência? Como estas questões deram forma e alimentaram a
pesquisa? Quais aspectos da história foram acentuados pela abordagem e quais
os furos? Nossos diferentes processos e reflexões tiveram início, e foram
alimentados, por três notícias veiculadas pela imprensa canadense sobre um
sequestro, sendo a notícia 1 “Vítima de sequestro: ida e volta do inferno”. O
relato das experiências que realizei com duas turmas do Curso de Artes Cênicas
da UDESC, e apresentei no referido painel, estão em anexo.

Os três projetos apresentados acima se inseriram numa perspectiva


intercultural, no campo da preparação do professor, procurando privilegiar o
olhar estrangeiro, e focalizar o estranhamento dos professores face às
alternativas criadas pelos demais grupos.

O estímulo para a participação foi grande, e acreditamos, tenha sido


relacionado tanto com os temas selecionados para a troca intercultural, quanto
com a expectativa dos participantes em relação às interpretações dos demais
grupos, e com o fato das situações introduzidas aos grupos terem sido reais, isto
é, realmente acontecido.

O uso da internet tornou possível esta troca. Entretanto, à época – entre


1997 e 2004, a troca foi apenas por e-mail sem anexos – o material jornalístico
do experimento 3 e os textos do experimento 1 nos chegaram via correio.
Apenas a troca com Mark Danby foi inicialmente presencial e em seguida com
inclusão de fotos. A possibilidade de projetos desta natureza serem
implementados com participação via blogs, Orkut ou Facebook poderá incluir
também a presença dos alunos.

Referências

CABRAL, B. e DANBY, M. Anthropophagy accross the Equatorian Line. In:


Emerging Patterns for the Third Millennium. Eds: Evan Mwangi, Tobias
Otieno e Opiyo Mumma. Nairobi/Kenya, KDEA, 1999.
NORRIS, J., McCAMMON, L. & MILLER, C. (Eds.) Learning to Teach
Drama: a Case Narrative Approach. Portsmouth/NH: Heinemann, 2008.
HOOGLAND, C. (mediação), Cabral, B., Crammer, L. MacQuarrie, B.,
RUGGIRELLO, T, e Smith, K. Six educators in search of a drama and one
woman in search of herself: theoretical and methodological approaches to a
news story about an alleged kidnapping. Painel apresentado no % Congresso
Internacional da IDEA. Ottawa, Canadá, 2004.

A ENCENAÇÃO COMO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Prof. Dr. Joaquim Gama (Universidade de Sorocaba)

Resumo: Neste texto, são abarcadas discussões acerca da encenação como


prática pedagógica com vistas à formação do professor de Teatro. Essa
concepção de trabalho está apoiada na idéia de que no próprio desenvolvimento
da encenação está o campo de investigação prática e teórica do artista-docente.
Dentro dessa perspectiva, os processos de aprendizagens artísticas estão voltados
aos procedimentos didáticos utilizados no desenvolvimento do trabalho cênico,
nas opções estéticas e nos levantamentos bibliográficos que definem o
arcabouço teórico de uma encenação. Nesse trabalho, a formação de professores
de Teatro e a formação artística são indissociáveis. Assim sendo, nessa maneira
de encaminhar o processo de ensino e aprendizagem teatral, as práticas
pedagógicas estão fundadas em princípios que envolvem a Pedagogia do Teatro.

Palavras-chave: encenação; artista docente; pedagogia do teatro.

Em 2008, na Universidade de Sorocaba – UNISO, desenvolvemos o


projeto de encenação Chamas na Penugem com os alunos do curso de
Licenciatura em Teatro, sob a direção de Ingrid Koudela. O ponto de partida
para o projeto de encenação foi uma série de gravuras intituladas Os Sete Vícios
Capitais, de Peter Brueghel, o Velho (SELLINK, 2007). Com base em
procedimentos que envolveram a leitura de imagem, os jogos teatrais e
processos cênicos colaborativos, foi possível estabelecer um campo de
investigação teatral voltado à concepção da encenação como prática pedagógica.
Nesse sentido, os processos de aprendizagens artísticas foram voltados aos
procedimentos didáticos utilizados no desenvolvimento do trabalho cênico, nas
opções estéticas e nos levantamentos bibliográficos que definem o arcabouço
teórico de uma encenação. Nesse trabalho, a formação de professores de Teatro
e a formação artística estavam indissociáveis. Assim sendo, nessa maneira de
encaminhar o processo de ensino e aprendizagem teatral ganhou destaque em
práticas pedagógicas, fundadas em princípios que envolveram a Pedagogia do
Teatro.

O termo Pedagogia do Teatro, no Brasil, foi cunhado por Koudela, no


livro Brecht: um jogo de aprendizagem (1991) e está atrelado às análises da
autora sobre o caráter da peça didática.

Koudela (1991) afirma que por se tratar de um teatro que recorre


diretamente a procedimentos didático-pedagógicos, a peça didática desempenha
um papel importante no processo de democratização da arte. Na sua visão, trata-
se de uma proposta de educação alternativa e possibilita inúmeros
desdobramentos teóricos que contribuem para o esclarecimento de questões
ligadas a uma pedagogia do teatro.

Nesse sentido, o termo busca incorporar as novas dimensões da pesquisa


que vem sendo realizada na área do teatro e da educação, com vistas a não
romper com essas duas áreas4. Ao contrário, trata-se de compreender que é parte
inseparável do teatro a ação pedagógica que abrange desde a organização das
propostas estéticas de uma encenação até o encaminhamento delas junto aos
atuantes. Nessa direção, a Pedagogia do Teatro se inscreve dentro de uma visão
mais ampla. Ela não está limitada às condicionantes de conceitos estritos à
Pedagogia e à Didática. Suas propostas buscam sedimentar a epistemologia do

4
É preciso salientar que a grafia Teatro/Educação nos anos setenta, do século XX, passou a ser
utilizada como sinônimo de práticas teatrais realizadas nas escolas brasileiras, de educação
básica e que, no século XXI, não faz mais sentido tal denominação porque o Teatro na escola
vem, cada vez mais, estreitando as suas relações com o teatro de grupo, com propostas artísticas
experimentais e com atividades ligadas à ação cultural. O binômio Teatro/Educação acabou por
reforçar a ideia de uma educação por intermédio da arte, deixando em segundo plano o ensino e
a aprendizagem da linguagem teatral. As propostas lançadas nos documentos governamentais,
como os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999), após longa luta política de artistas
e educadores, passou a enfatizar a ideia de teatro como área de conhecimento.
conhecimento no próprio teatro e nos seus modos de produção e recepção
artística.

O termo Pedagogia do Teatro é utilizado em diferentes contextos. Para


exemplificar, destacamos o nome de Eugenio Barba, em A Arte Secreta do Ator
(1995). Ele também faz parte de referências relacionadas ao contexto alemão
Theaterpädagogik5, cuja denominação confere ao campo teórico-prático do
teatro, imbricações com a pedagogia e a educação.

Na formação de professores de Teatro, o termo tem trazido formulações


curriculares que abrangem a formação artística e docente de profissionais que
irão atuar em diversas áreas da cultura, da arte e da educação, sem criar uma
cisão entre o teatro e a pedagogia que envolve o fazer dessa linguagem.
Especificamente na Universidade de Sorocaba – UNISO, as propostas ligadas
aos novos paradigmas da Pedagogia do Teatro, vêm oportunizando a construção
de propostas artísticas e pedagógicas de valor significativo tanto ao Teatro como
para a Educação. Assim, a encenação Chamas na Penugem, além de se
configurar como um produto (GAMA, 2002) artístico, que pretendeu estabelecer
diálogos com propostas teatrais contemporâneas, foi também um trabalho que
focalizou a formação de professores de teatro em nível universitário. Dentro
desse âmbito, defendeu-se a ideia da formação do artista-docente (MARQUES,
2001).

O artista-docente é aquele que, além de voltar os seus objetivos para a


formação dos seus alunos, também está atento a sua formação, tanto artística,
como docente. Ele não só sabe ensinar arte como conhece arte e sabe produzi-
la.

Torna-se significativo que o artista-docente não se esqueça de incorporar


à organização do seu trabalho pedagógico em Teatro, princípios que também são
elementos constituintes da produção artística isto é: criação, invenção,
experimentação, etc. Isso significa pensar não em transmissão de conteúdos

5
Na revista especializada Zeitschrift Für Theater Pädagogik (Pedagogia do Teatro) é possível
encontrar artigos com diferentes vertentes e abordagens. Em geral, as publicações alemãs
dedicadas à Pedagogia do Teatro têm apresentado uma multiplicidade de métodos, formulações
teóricas e históricas, apontando para o seu caráter interdisciplinar.
artísticos, mas em proposições capazes de gerar outras criações artísticas, outros
olhares sobre a arte. Estabelece-se, dessa maneira, uma rede de conhecimento
na área do Teatro, amparada pela habilidade de perceber, conceber e produzir
arte. Sabe-se que a rede de conhecimento artístico extrapola para outras áreas do
conhecimento humano, pois o Teatro é transdisciplinar pela sua própria
natureza.

O artista-docente pode organizar suas proposições em oficinas de


trabalho, transformando a sala de aula em ateliês de criação, em espaços de
discussão e de fruição estética. Ele deve pensar em propostas que objetivem
compreender o processo de aprendizagem artística a partir da relação dialógica
entre aluno-professor-obra de arte.

As propostas teatrais, encaminhadas por Ingrid Koudela, na UNISO, têm


efetivado esse trabalho, valendo-se da concepção da encenação como prática
pedagógica.

Nesse contexto, a encenação como prática pedagógica compreende que o


próprio processo de construção de um espetáculo traz caminhos para
aprendizagem artística e a sua práxis, seja em escolas, espaços culturais ou
projetos de ação cultural. Assim sendo, não se trata de primeiro pensar numa
formação teórica e, posteriormente, na prática artística do aluno universitário,
para que possa atuar como artista e/ou docente. Ao contrário, a busca é pela não
dissociação entre teoria e a prática, compreendendo-as como partes constituintes
da aprendizagem e do ensino do Teatro.

Referências

ALMEIDA JR, José Simões de. Apontamentos acerca do espaço no teatro de


figuras alegóricas. In Anais do V Congresso Brasileiro de Pesquisa e Pós-
Graduação em Artes Cênicas. Belo Horizonte: UFMG/Escola de Belas Artes,
2008.
AYRES, Ramon. A instrução no Jogo Teatral no processo de criação da
montagem Chamas na Penugem. TCC apresentado à Universidade de
Sorocaba – UNISO. Orientação da Profa. Dra. Ingrid D. Koudela. Sorocaba:
UNISO, 2008.
BARBA, Eugenio. A arte secreta do ator. São Paulo: Hucitec/UNICAMP,
1995.
CATALUNHA, Robson. O processo de criação do espetáculo Chamas na
Penugem. TCC apresentado à Universidade de Sorocaba – UNISO. Orientação
da Profa. Dra. Ingrid D. Koudela. Sorocaba: UNISO, 2008.
GAMA, Joaquim Cesar Moreira. A abordagem estética e pedagógica do
teatro de figuras alegóricas: Chamas na Penugem. Tese de doutorado
apresentada à Escola de Comunicação e Artes, da Universidade São Paulo –
ECA/USP. Orientação Profa. Dra. Ingrid Dormien Koudela. São Paulo:
ECA/USP, 2010.
______. Produto ou processo: em qual deles estará a primazia? Sala preta -
revista do departamento de artes cênicas – ECA/USP. nº 2, p. 264 – 269. São
Paulo: ECA/SP, 2002.
______. Velha nova-história sobre o produto teatral: experimento com os
alunos do Ensino Médio. Dissertação apresentada à Escola de Comunicação e
Artes, da Universidade São Paulo – ECA/USP. Orientação Profa. Dra. Maria
Lucia S. B. Pupo. São Paulo: ECA/USP, 2000.
KOUDELA, Ingrid Dormien. A encenação contemporânea como prática
pedagógica. In Urdimento – Revista de Estudos em Artes Cênicas. Programa de
pós-graduação. Vol. 1, nº 10. Florianópolis: UDESC/CEART, 2008.
______. Teatro de figuras alegóricas. In: Anais do V Congresso Brasileiro de
Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas. Belo Horizonte: UFMG/Escola de
Belas Artes, 2008b.
______. Pedagogia do teatro. In: Anais do IV Congresso Brasileiro de Pesquisa
e Pós-Graduação em Artes Cênicas. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006.
______. Brecht: um jogo de aprendizagem. São Paulo: Perspectiva, 1991.

AÇÕES DE INICIAÇÃO DOCENTE EM TEATRO NA UFRGS

Profª. Dra. Vera Lúcia Bertoni dos Santos (UFRGS)

Resumo: A palestra reflete acerca das ações de iniciação à docência em teatro


que se realizam no Subprojeto de Teatro da UFRGS, vinculado ao Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID/CAPES/MEC).
Processadas na interação entre estudantes Bolsistas do Curso de Licenciatura em
Teatro da UFRGS e a comunidade escolar de uma tradicional instituição de
ensino público da cidade de Porto Alegre (RS), as ações em foco têm por
propósito qualificar a formação profissional na Universidade mediante a
inserção dos futuros professores de teatro na realidade da Educação Básica.
Nesse sentido desenvolvem-se ações de valorização do núcleo teatral da escola,
que compreendem: o estudo da memória da escola, com vistas ao
estabelecimento de vínculos com a sua trajetória relacionada ao ensino de teatro;
a instauração de medidas de conservação do espaço físico da sala de teatro; o
oferecimento de oportunidades de experimentação teatral aos estudantes de
ensino Fundamental e Médio; a promoção de experiências de docência refletida
aos licenciandos da UFRGS; e o fortalecimento das funções artísticas e culturais
da escola.

Palavras-chave: ensino de teatro; escola; formação docente.


Este texto apresenta um conjunto de ações de inserção escolar, ensino e
pesquisa em teatro, desenvolvido no decorrer do primeiro ano de funcionamento do
Subprojeto da área de Teatro do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à
Docência (PIBID), que se realiza na estreita colaboração entre estudantes do Curso de
Licenciatura em Teatro do Departamento de Arte Dramática do Instituto de Artes da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a comunidade escolar do
Instituto de Educação General Flores da Cunha (IE), uma tradicional Instituição de
Ensino da Rede Pública Estadual da cidade de Porto Alegre (RS).

A apresentação inicia-se por uma descrição mais ampla do PIBID, considerando


os objetivos do Projeto Institucional da UFRGS e os objetivos específicos do
Subprojeto da área de Teatro, bem como as possibilidades e desafios que a realidade da
Educação Básica Pública e da Instituição na qual o trabalho se insere significam à
docência em teatro; e desenvolve-se a partir de um breve apanhado das ações realizadas
pelos estudantes Bolsistas do PIBID Teatro da UFRGS.

Em linhas gerais, o PIBID constitui uma iniciativa de estímulo à docência em


âmbito nacional implementada pela Coordenação Geral de Desenvolvimento de
Conteúdos Curriculares e de Modelos Experimentais da Diretoria de Educação Básica
(DEB) Presencial, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal (CAPES) de Nível
Superior do Ministério da Educação (MEC).

Tal iniciativa vigora desde 2007 e abrange atualmente diversos estados do


Brasil, numa perspectiva de integrar o Ensino Superior e a Educação Básica através da
interação entre estudantes e docentes de cursos licenciatura de diferentes áreas do
conhecimento e a realidade educacional das Instituições de Ensino da Rede Pública
Estadual.

Nesse contexto, o Projeto Institucional da UFRGS6 tem por objetivos principais


o fortalecimento do processo de formação continuada de seus licenciandos, através do
incentivo precoce dos futuros professores em relação à carreira docente junto à escola
pública, e o estímulo ao magistério na Educação Básica da Rede Estadual de Ensino.
Vinculado a esses propósitos, o Subprojeto de Teatro da UFRGS trabalha na perspectiva
de valorização da prática e da reflexão do teatro no meio escolar e da inserção da
disciplina de teatro na Educação Básica.

6
Na sua segunda edição, que obteve aprovação a partir do resultado do Edital CAPES/DEB N°
02/2009 – PIBID e cumpre-se no período compreendido entre os anos de 2010 e 2012.
A equipe que desenvolve o trabalho é composta por dez estudantes Bolsistas de
Iniciação à Docência, discentes do Curso de Licenciatura em Teatro, um professor
Supervisor, pertencente ao quadro docente da escola sede do Subprojeto, e a professora
Coordenadora, responsável pela área do teatro, que integra o corpo docente efetivo do
Departamento de Arte Dramática da UFRGS.

A opção pelo Instituto de Educação General Flores da Cunha (IE) como sede do
Subprojeto de Teatro orientou a formulação dos objetivos do Plano de Trabalho do
PIBID, que se originaram de fatores relacionados à quantidade de possibilidades de
ação político-pedagógica e investigativa que o envolvimento com uma instituição
educacional do seu porte e da sua relevância histórica significa ao futuro professor de
teatro, em especial as ações referentes ao núcleo de teatro do IE – o Teatro Infantil
Permanente do Instituto de Educação (TIPIE).

Outro aspecto que influenciou nessa escolha foi o ideal de superação de desafios
impostos à ação docente em teatro no IE, dentre os quais se destacavam: a falta de
professores de teatro no quadro funcional da instituição, que inviabilizava a criação de
projetos curriculares de qualidade voltados à prática do teatro e à apreciação de
espetáculos, as condições adversas em que se encontrava da sala de teatro da escola e a
desativação do núcleo teatral da escola.

Desde 1956, quando fundado pela professora Olga Reverbel (1917-2008), o


TIPIE passou a desempenhar papel relevante no movimento de teatro estudantil do
estado, tendo ocupado papel de destaque nacional entre 1960 e 1970, referencial à
reflexão sobre o teatro na escola, quer pelo seu pioneirismo no que tange à inclusão do
teatro como disciplina curricular, quer pela sua projeção como um espaço teatral na
cidade de Porto Alegre, responsável pela difusão de espetáculos e pela promoção de
eventos de natureza artística e cultural. Entretanto, em função do descaso histórico das
políticas públicas relacionadas à educação, especialmente à educação em artes, o
trabalho dos docentes que sucederam Reverbel à frente da disciplina de teatro viu-se,
com o passar dos anos, limitado, reduzido de possibilidades, desestruturado e sem
respaldo à ação pedagógica, o que concorreu para a sua extinção. Privado de professores
de teatro no seu quadro docente, o IE encontra-se, no momento, impedido de oferecer a
disciplina no seu currículo, o que significa um retrocesso da condição precursora da
escola em relação ao ensino da arte.

Com vistas à retomada e à manutenção das funções artísticas, culturais e


patrimoniais do TIPIE, configuraram-se as ações do Subprojeto de Teatro da UFRGS,
cuja equipe assumiu a responsabilidade pelo desenvolvimento de atividades teatrais no
IE, por meio de experiências de ensino, aprendizagem, pesquisa, produção e difusão do
teatro, protagonizadas pela comunidade escolar do IE em parceria com estudantes de
Licenciatura em Teatro da UFRGS.

Nesse contexto, o estágio preliminar da interação entre os estudantes Bolsistas e


o PIBID ocorreu no primeiro semestre de 2010, motivado pela leitura coletiva e
discussão do Projeto Institucional do PIBID e do Subprojeto de Teatro e pelo
conhecimento dos principais documentos oficiais que regem a educação em âmbito
nacional e estadual7.

Essas iniciativas possibilitaram à equipe do PIBID definir formas de articulação


em relação às metas propostas pelo Subprojeto de Teatro, frente a objetivos específicos
da área, compreendidos em relação às demais disciplinas do conhecimento, e a
princípios mais amplos que norteiam o projeto pedagógico, os planos de ensino e as
propostas comunitárias da escola envolvida.

Como ponto de partida para o planejamento do trabalho no IE realizou-se uma


sondagem, mediante o levantamento dos interesses da escola em relação ao teatro, à
restauração do espaço físico do TIPIE e à identificação de tempos e espaços potenciais
ao trabalho teatral. O trabalho envolveu também uma avaliação do ambiente e do
funcionamento da escola, a fim de possibilitar a apreensão da sua realidade, o
conhecimento do Projeto Político Pedagógico da escola e do Calendário Escolar, e um
primeiro contato com o corpo docente da área de artes do IE.

A coleta desses dados desenvolveu-se através de visitas dos estudantes Bolsistas


e da Coordenadora à escola, da participação em reuniões de professores da área de artes
e de conversas com a Direção e com servidores responsáveis por diferentes setores, que
possibilitaram o reconhecimento do espaço físico da escola, especialmente da sala de
teatro do TIPIE, e da avaliação das possibilidades e dos desafios à prática do teatro na
escola.

Um dos primeiros fatores identificados como desafiador às ações do Subprojeto


é o fato do IE não dispor de um professor de teatro no seu quadro docente, que veio a
inviabilizar a possibilidade de estabelecer parceria com um docente especializado na
área para desempenhar a função de Supervisor dos Bolsistas PIBID em atividades na
escola. Nesse sentido, conta-se com a colaboração de um professor de artes visuais

7
Plano Nacional de Educação; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; Diretrizes
Curriculares Nacionais; Parâmetros Curriculares Nacionais; e Referenciais Curriculares do RS.
(também responsável pela disciplina de música, pois possui formação nas duas áreas), o
que configura um trabalho de mediação mais direcionado ao acompanhamento dos
estudantes Bolsistas em atividades artísticas de cunho interdisciplinar e a aspectos
estruturais e funcionais das relações entre as propostas do PIBID e a comunidade do IE,
em detrimento do diálogo efetivo acerca de elementos específicos do teatro que a
participação que um docente da área poderia significar.

Outra limitação importante ao trabalho eram as condições em que se encontrava


o TIPIE, que prejudicavam seriamente o desenvolvimento das atividades teatrais
previstas no PIBID. A situação de abandono e depredação da sala do teatro, que se
agravava pela falta de manutenção e limpeza e pelo uso inapropriado e desregrado do
seu espaço, foi enfrentada com o apoio da Direção do IE, que se prontificou a tomar
providências imediatas8 para minimizar os problemas evidenciados, até que a
recuperação do espaço do TIPIE, prevista no Subprojeto de Teatro do PIBID, fosse
efetivasse.

Acerca dos resultados da sondagem foram desenvolvidos registros e


relatórios e elaborou-se o mapeamento (planta baixa detalhada) do espaço
escolar e uma planilha com horários e contatos dos professores das disciplinas
artísticas, o que facilitou a localização e o trânsito dos estudantes Bolsistas do
PIBID no IE e viabilizou a sua inserção em projetos curriculares desenvolvidos
na escola.

Paralelamente a esse levantamento, outra proposta buscou a inserção dos


estudantes Bolsistas no cotidiano do IE, mediante a participação cooperativa em
experiências metodológicas atreladas a diversas disciplinas do currículo da escola (tais
como: artes visuais, música, língua portuguesa e história).

O planejamento dessas experiências docentes realizou-se em conjunto com os


professores das disciplinas e o trabalho envolveu observações e propostas de
colaboração e intervenção pedagógica, através da abordagem de jogos tradicionais,
dramáticos e teatrais, improvisações e criações cênicas a partir de elementos formais do
teatro, que foram registradas, avaliadas e compartilhadas no grupo de Bolsistas,
permitindo a compreensão de aspectos do funcionamento da sala de aula e a reflexão

8
Tais providências compreenderam o esclarecimento ao corpo docente da escola em relação à
mudança das normas de funcionamento do TIPIE e a instauração de medidas de controle do uso
sala (que passou a restringir-se a atividades acompanhadas por professores) e de manutenção do
seu espaço físico (retirada de entulhos e quinquilharias que estavam depositadas na sala,
substituição de lâmpadas queimadas e estabelecimento de uma agenda de limpeza).
sobre o ensino de teatro numa perspectiva global, focalizada na relação entre
conhecimentos de diversas disciplinas do currículo da escola.

Outra atividade que envolveu os Bolsistas no decorrer de primeiro ano


compreendeu uma investigação acerca da memória do IE e do TIPIE. O propósito dessa
atividade era fortalecer as relações de identidade entre a comunidade e o TIPIE, com
vistas a favorecer a implementação de ações de revitalização da prática teatral no
contexto da escola. O trabalho envolveu uma pesquisa histórica e documental que
consistiu em investigar o processo de constituição do TIPIE e a trajetória intelectual,
artística e política de sua fundadora.

Nessa busca, os Bolsistas contaram com a colaboração da funcionária


responsável pelo arquivo do IE, que os auxiliou no manuseio dos documentos
disponíveis; outros procedimentos foram adotados em relação ao material existente em
relação à autora, que incluíram a leitura das suas publicações e de outras obras que
mencionam o seu trabalho e a realização de fichas, resenhas e relatórios de leitura,
abrangendo as temáticas das publicações, o contexto histórico em que elas foram
concebidas, suas relações com a carreira da autora e com o público alvo e os vínculos de
cada obra com o trabalho desenvolvido por ela e suas alunas, estudantes do Curso de
Magistério, no TIPIE.

No decorrer das leituras constatou-se que a maioria dos livros de Reverbel


compreende jogos dramáticos e teatrais e encerra reflexões sobre o ensino do teatro em
diferentes níveis, abarcando desde a Educação Infantil até a formação de professores.
Notou-se, também, a preocupação constante da autora por ressaltar a importância do
teatro como um componente curricular e enaltecer os benefícios da prática teatral no
desenvolvimento de crianças e jovens, bem como a busca pela construção de um
método de ensino de teatro, pautada pela reflexão das suas experiências em sala de aula.
Também foram lidas obras dramatúrgicas de Reverbel, concebidas durante seu trabalho
no TIPIE.

Após o trabalho de sondagem referente à estrutura da escola, às atividades


artísticas desenvolvidas em diferentes disciplinas e à avaliação das intervenções
pedagógica ocorridas na sala de aula de alguns professores que se prontificaram a
colaborar com o PIBID, e, tendo concluído a coleta de dados para a reconstituição do
memorial do TIPIE, os estudantes Bolsistas puderam dedicar-se ao trabalho de iniciação
docente de cunho especificamente teatral, que se iniciou através de oficinas oferecidas a
alunos do IE, em horários alternativos (turno inverso) às suas atividades “de classe”.
A proposta inaugural de oficina foi desenvolvida logo no primeiro semestre do
Subprojeto e denominou-se Degustação Teatral, por constituir uma pequena mostra das
possibilidades de trabalho teatral a serem experimentadas no decorrer das atividades do
PIBID no IE. De modo geral, desenvolveram-se propostas de exploração das
capacidades motoras, corporais, lúdicas, expressivas, dramáticas e representativas
inerentes à formalização e à comunicação cênicas, com ênfase na aprendizagem da
socialização e da cooperação, aspectos fundamentais ao processo de construção de
conhecimento e à constituição de um grupo de jogo, e na formação de espectadores,
primordial à reflexão sobre o fenômeno teatral.

Essa experiência docente inicial permitiu estimar os interesses dos alunos do IE


em relação ao teatro e estabelecer um programa de oficinas que viesse ao encontro das
necessidades da comunidade escolar como um todo. O primeiro módulo do programa de
oficinas realizou-se no segundo semestre de 2010, através do oferecimento de aulas nos
turnos da manhã, tarde e noite, sob responsabilidade de duplas, ou trios, de Bolsistas,
revezados nas funções de ministrantes, observadores e relatores das propostas
pedagógicas desenvolvidas.

O planejamento e a avaliação das aulas das oficinas eram compartilhados em


reuniões sistemáticas com a presença de toda a equipe, o que possibilitava a preparação
de atividades e o compartilhamento de informações e experiências entre as diferentes
oficinas. No término das aulas desse primeiro módulo, coincidente com o final do ano
letivo na escola, realizou-se um evento intitulado Troca de Figurinhas, no qual foram
apresentados resultados cênicos obtidos em cada turma. O evento reuniu os integrantes
de todas as turmas e envolveu membros da comunidade escolar e da Direção do IE, que
receberam as propostas com grande entusiasmo.

As atividades pedagógicas nas oficinas do primeiro ano de atuação do PIBID no


IE mobilizaram a equipe em torno dos problemas ligados à manutenção do espaço físico
do TIPIE, que, embora tivessem sido um pouco atenuados em função do uso mais
criterioso da sala, ainda impunham muitas dificuldades à prática teatral. Frente a isso, a
equipe do PIBID passou a investir esforços na instauração de uma “política de
conscientização” da comunidade escolar como um todo em relação aos cuidados com o
espaço do teatro.

O trabalho de recuperação do TIPIE realizou-se entre janeiro e fevereiro de


2011, ou seja, no período de recesso das atividades letivas do IE, e teve por base uma
tomada preliminar de orçamentos para a recuperação do espaço físico da sala, estimados
desde a concepção do Subprojeto. Tais reparos9 envolveram medidas simples e pouco
dispendiosas, mas o resultado obtido foi decisivo ao fortalecimento das ações do PIBID,
de modo que, no segundo ano de atuação dos Bolsistas no IE, as atividades do PIBID
passaram a desenvolver-se num ambiente mais saudável e mais acolhedor à prática do
teatro, o que favoreceu a ação pedagógica e o processo de ensino e aprendizagem nas
oficinas.

Desdobradas em cinco turmas, organizadas de modo a contemplar demandas de


turnos e horários de diferentes segmentos da comunidade do IE, as oficinas de teatro do
segundo módulo (realizado no primeiro semestre de 2011) também foram ofertadas no
turno inverso das atividades de classe dos alunos interessados.

Os objetivos, conteúdos e procedimentos metodológicos do trabalho pedagógico


desenvolvido em cada turma foram estabelecidos e sistematizados levando em conta os
interesses dos alunos e as necessidades surgidas no andamento do trabalho, num
processo de avaliação continua das ações dos estudantes Bolsistas na condução das
propostas de ensino do teatro e do processo de aprendizagem dos sujeitos aos quais elas
se dirigiam.

Num rápido resumo dos objetivos traçados pelos estudantes Bolsistas em seus
Planos de Ensino: na Turma A (integrada por jovens em faixa etária entre 10 e 15 anos)
evidenciou-se o propósito de “estimular a criatividade e a imaginação através da
proposição de jogos e improvisações”, de modo a permitir aos alunos compreenderem-
se como “sujeitos do processo de criação teatral”. Na Turma B (da qual participaram
estudantes das séries finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio), o objetivo
pretendido foi a “interação dos alunos com os elementos da ação dramática, por meio de
jogos e improvisações teatrais”. Na Turma C (integrada por um grupo misto, de
crianças, jovens e adultos) o objetivo primordial foi “desenvolver a construção de
personagens através de improvisações” de “composições de figuras e máscaras” que
estimulassem o imaginário e favorecessem o surgimento de “um corpo vivo expressivo
e presente capaz de envolver-se por inteiro nas ações” e de “inserir-se no jogo e na cena
teatral”. Na Turma D (composta por estudantes do Ensino Fundamental de diferentes
idades), o objetivo evidenciado era ampliar a percepção, a sensibilidade e o
engajamento dos participantes através do jogo, do jogo dramático e do jogo teatral. E,
por fim, a oficina da Turma E, intitulada “Oficina de Voz para Professores”, cumpriu
uma demanda do corpo docente da escola por um trabalho de aprimoramento e
sustentação vocal.
9
Reboco e pintura das paredes e aberturas, reforma e lavagem de cortinas e recuperação do piso.
Diferentemente do sistema de oferecimento das oficinas, o trabalho dos
estudantes Bolsistas do PIBID na Educação Infantil do IE ocorreu no turno regular em
que as crianças frequentam a escola, de modo que as ações pedagógicas junto aos
alunos das quatro turmas contempladas realizaram-se no espaço da sala de aula, sob
supervisão das suas respectivas professoras regentes de classe. A meta do trabalho na
Educação Infantil foi “incentivar a exploração de capacidades criativas dentro do faz-
de-conta, através da experimentação de figuras e situações que alimentem o jogo
simbólico das crianças”, com vistas a desenvolver a “percepção, a expressividade
corporal, a imaginação e a ludicidade” das crianças envolvidas.

Em culminância às atividades das oficinas do segundo módulo realizou-se uma


segunda edição da mostra Troca de Figurinhas, que oportunizou outro momento de
troca de experiências, configurando uma proposta de integração de conhecimentos em
teatro aberta à comunidade escolar e apoiada pela Direção do IE.

A expectativa dos integrantes do Subprojeto de Teatro do PIBID é que a


consolidação das ações implementadas no IE e motive o surgimento de novos projetos
em torno do ensino e da aprendizagem de conhecimentos teatrais na escola,
evidenciando a necessidade de professores da área do teatro no seu quadro docente,
escola, o que acarretará o oferecimento regular da disciplina de teatro no seu currículo e
a manutenção das funções sociais, artísticas e culturais do TIPIE, refletindo-se na
ampliação do trabalho teatral no espaço escolar e no fortalecimento do teatro estudantil
noutras Instituições de Ensino Público do Rio Grande do Sul e do Brasil.

O EXERCÍCIO DA ENCENAÇÃO CONTEMPORÂNEA E A


PRÁTICA DOCENTE
Prof. Ms. Vicente Concilio (UDESC)

Resumo: Pretende-se promover uma reflexão sobre as implicações da prática


artística na formação do professor de teatro na contemporaneidade. A real
integração de propostas pedagógicas à criação teatral é um dos elementos
propulsores principais da renovação da prática do teatro ao longo de todo o
século XX. Tal constatação leva-nos a assumir uma postura, frente aos desafios
da formação docente na atualidade, que busca promover um vínculo entre as
experiências artísticas do futuro professor junto a suas práticas de estágio
curricular, de tal forma que os acadêmicos passem a valorizar a busca pelo
desenvolvimento de projetos que integrem ensino da linguagem teatral ao seu
projeto de pesquisa artístico. Tal tarefa apresenta dificuldades e especificidades,
e nosso intuito é mostrar como algumas experiências realizadas no curso de
Licenciatura e Bacharelado em Teatro da UDESC podem responder a tais
demandas, a partir de nossa experiência como professor de Montagem Teatral
para os alunos do curso.

Palavras-chave: Pedagogia do Teatro; formação docente; encenação.

Docência e prática artística são instâncias interligadas na formação


do professor de teatro na contemporaneidade. É corrente nos discursos dos
projetos pedagógicos dos cursos de Licenciatura em Teatro que o perfil do aluno
que se pretende formar abarque habilidades da docência de uma determinada
linguagem artística e também da criação de projetos artísticos instigantes nessa
mesma linguagem.

Essa busca pela formação específica em determinada linguagem


(teatro, artes visuais, música ou dança), ao contrário da antiga formação
polivalente; e a mudança do foco da formação, anteriormente apegada a
metodologias do ensino, e que agora estimula as descobertas do licenciando de
acordo com seus próprios interesses artísticos são fatores que renovam o perfil
atual do licenciando, mas essa mudança de perfil ainda gera desconforto na
relação entre a universidade e o espaço escolar. Isso porque na universidade os
discursos são muito mais progressistas e o debate teórico acerca da prática
docente não raro está demasiado distante da realidade escolar.

No caso da formação superior em Teatro oferecida pela Universidade


do Estado de Santa Catarina, na qual atuo há quatro anos, existe uma
especificidade que funciona a favor da visão de um professor de teatro que
articula sua prática artística à docência: trata-se de um curso que habilita todos
os acadêmicos a atuarem como bacharéis e licenciandos em teatro. Dessa forma,
o currículo equilibra disciplinas pedagógicas (metodologias e práticas de estágio
supervisionados), disciplinas teóricas (estética, crítica, história e dramaturgia) e
disciplinas práticas (improvisação, teatro de animação, interpretação, encenação
e montagem teatral). Nesse contexto, faz sentido defendermos a formação de um
professor que conecte sua ação pedagógica a sua prática artística, de tal forma
que ele encare seus alunos como parceiros no percurso da criação teatral e evite
construir fronteiras entre suas aspirações teatrais e a prática docente.
Da mesma forma, essa preocupação deveria estar evidente também
na estratégia docente dos professores universitários das disciplinas denominadas
práticas. Todos processos instaurados em disciplinas como interpretação,
encenação e montagem, por exemplo, são passíveis de gerarem modelos
interessantes para a prática docente dos alunos licenciandos.

Nesse sentido, a disciplina de Montagem Teatral, que consiste na


elaboração de um espetáculo teatral junto a um grupo de estudantes, constitui-se
espaço privilegiado para exercitarmos a noção de processo artístico aliado a uma
prática pedagógica. Essa noção é justificada sempre que nos relembramos do
quanto a reflexão pedagógica sobre a prática artística renova a linguagem teatral,
esgarçando seus limites e elaborando novas formas de produzir e pensar teatro.
Por essa razão, os núcleos teatrais de vanguarda sempre foram verdadeiros
celeiros de propostas pedagógicas: nas suas pesquisas por novas formas de
utilizar a linguagem cênica, constituíram-se muitas novidades que erigiram as
noções contemporâneas do fazer teatral.

Obviamente, construir um processo nesse formato contrapõe-se a um


modo de fazer que privilegie a decisão sobre a cena nas mãos de um diretor, que
traz noções pré-concebidas de como a cena será realizada, relegando aos atores a
função de executar suas propostas. Dentro de uma visão em que as decisões
sobre a cena são compartilhadas, originou-se a proposta que discorreremos aqui,
sobre a criação do espetáculo BadenBaden, que estreou em 15 de setembro do
presente ano, dirigida por mim e construída junto a 10 atrizes e futuras
licenciadas da UDESC.

Baden Baden

A encenação do texto “A peça didática de Baden Baden sobre o acordo”,


cujo processo é analisado neste texto, foi resultado de meu encontro com 10
atrizes. Ao longo do primeiro semestre de 2011, com o intuito de realizar um
processo de criação teatral na disciplina Montagem Teatral I, do Curso de
Licenciatura e Bacharelado em Teatro da UDESC, debruçamo-nos sobre o texto
de Bertolt Brecht a fim de construir um trabalho que valorizasse a criação
artística junto a um processo de reflexão. A ideia era promover um instigante
exercício de aprendizagem da linguagem teatral mediada pelas propostas do
dramaturgo alemão, através do exercício do jogo com a peça didática de Bertolt
Brecht.

O processo, então, partiu de um estudo teórico e prático das propostas


feitas por Brecht no que tange o universo de suas peças didáticas, ou peças de
aprendizagem. Apesar da alcunha nada atrativa, o intuito desses textos não era
promover a transmissão de ideias prontas para o público, mas sim proporcionar
reflexão acerca das relações entre os homens e também explorar o aprendizado
de aspectos formais da criação teatral com grupos de amadores, estudantes ou
membros de grupos corais.

Assim, o as peças didáticas serviriam como estruturas disparadoras de


análises das relações humanas ao mesmo tempo em que proporcionavam uma
aprendizagem da própria linguagem teatral. Ou seja, Brecht já sonhava com a
possibilidade de que todos pudessem fazer e aprender a fazer teatro, que não
seria mais privilégio de especialistas ou artistas profissionais.

As peças didáticas foram escritas entre 1928 e o começo da década


seguinte. São elas O vôo sobre o Oceano, A peça didática de Baden Baden sobre
o Acordo, Aquele que diz sim/Aquele que diz não, A exceção e a regra, Horácios
e Curiácios e A decisão, além dos fragmentos A decadência do egoísta Johann
Fatzer e O Maligno Baal, o Associal. Cada uma dessas peças versa sobre
distintas situações e foram elaboradas de acordo com o contexto que a geraram.
Assim, por exemplo, o Vôo sobre o Oceano é uma peça radiofônica, escrita para
ser transmitida via rádio, enquanto “Aquele que diz sim...” é uma ópera escolar,
escrita originalmente para ser representada por alunos do ensino regular.

Brecht, que na época era um jovem dramaturgo em ascensão e já versado


na teoria marxista, começava a sedimentar as propostas que resultariam nas
propostas do teatro épico (que mais tarde ele preferiria denominar teatro
dialético), cujas ideias reformulariam o teatro ocidental no período do pós-
guerra.

Suas peças didáticas foram escritas com o intuito de serem transformadas


pelas pessoas envolvidas no trabalho. Dessa forma, Brecht já anunciava algo
caro ao teatro contemporâneo, uma vez que ele entende que o texto é passível de
adaptação pelos artistas da cena, o que professa o fim da submissão da
encenação ao texto. O texto da peça didática então é alvo de análise e reescrita
pelos artistas, que com isso adquirem autoria sobre diversas instâncias da cena
teatral e podem se apropriar e questionar o discurso do autor, e não
simplesmente submeterem-se a ele.

Aliás, uma das estratégias elaboradas pelo dramaturgo em suas peças


didáticas é a construção de situações dramáticas pouco convencionais, o que
obriga os artistas a defenderem seu ponto de vista crítico em cena. Essa
estratégia, por exemplo, transformou a original “Aquele que diz sim” em uma
peça dupla, pois Brecht, ao responder às críticas dos estudantes que
representaram o texto pela primeira vez e que não concordavam com a atitude
condescendente do protagonista, escreveu “Aquele que diz não”, e definiu que as
duas obras sempre deveriam ser apresentadas juntas.

Além disso, há temas que permeiam toda essa dramaturgia, como a


relação sempre paradoxal do homem com a tecnologia, a exploração do homem
pelo homem, o conflito entre a tradição e novas possibilidades éticas, o conflito
do indivíduo perante o estado e a sociedade e, enfim, a questão do acordo.

Os escritos de Brecht sobre o trabalho com as peças didáticas chegaram


até nós através do trabalho de Ingrid Koudela, pesquisadora e encenadora cuja
obra sempre estabeleceu contatos com a teoria brechtiana e com o jogo teatral.
Em seu livro “Brecht: um jogo de aprendizagem” (1991), a autora analisa
escritos fundamentais de Brecht sobre suas peças didáticas e propõe um sistema
de trabalho que vincula o exercício da improvisação à prática com o texto das
peças didáticas. Tais propostas de improvisação estão fundamentadas nas ideias
de Viola Spolin, diretora e atriz que formulou os Theater Games, que são
desafios cênicos propostos a artistas-jogadores cuja tarefa seria a de resolvê-los
através da prática, uma vez que eles partem de elementos da linguagem teatral,
como o espaço, a ação cênica e o personagem.

Um dos resultados dessa junção entre as peças didáticas e o jogo teatral


foi a valorização do jogo com o texto e do surgimento de propostas
metodológicas que respondessem praticamente às sugestões ou reflexões feitas
por Brecht no que diz respeito ao exercício com suas peças didáticas, sobretudo
no que tange à noção do texto como “modelo de ação”.

Essas propostas podem ser sintetizadas da seguinte forma: a peça didática


é compreendida como um jogo de aprendizagem, no qual se constrói
conhecimento quando nela se atua, e não quando ela é assistida. Ou seja, sua
prática prescinde do público, embora ele possa existir. Os textos dramatúrgicos
são modelos de ação, a partir dos quais seriam exploradas ativamente as relações
entre os homens. Toda essa experimentação visa também a elaboração de efeitos
de estranhamento, ao mesmo tempo em que a fábula do modelo de ação é
apropriada e, simultaneamente, criticada e estranhada pelo grupo de atuadores.

A ideia de “modelo”, para Brecht, é diferente da noção de cópia. O


dramaturgo alemão compreendia a imitação como uma estratégia de aprendizado
que não renegaria o valor da obra de arte, mas sim recolocaria o papel dos
clássicos dentro de uma outra avaliação, ligada justamente a seu papel no
processo de construção na consciência crítica. Vejamos seu poema “Sobre a
Imitação”:

O que apenas imita, que nada tem a dizer


Sobre aquilo que imita, semelha
Um pobre chimpanzé que imita seu treinador fumando
E nisso não fuma. Pois nunca
A imitação irrefletida
Será uma verdadeira imitação (BRECHT, 2000).

De acordo com o poema, a imitação verdadeira não é um ato espontâneo.


Imitar é um ato que envolve pensamento crítico, ou seja, é de se esperar que a
reflexão promova o nascimento de uma verdade, não de uma mentira. O
chimpanzé do poema é, portanto, o avesso daquilo que significa imitação para
Brecht, pois o símio copia atos, e não teria como, evidentemente, fazer uso da
imitação para avaliar a lógica daquele a quem imita. Um ator-chimpanzé não
tem espaço no processo de criação tal qual compreendido por Brecht que, como
dramaturgo e diretor, sempre trabalhou muito próximo aos outros criadores da
cena.
O presente projeto partiu da busca por um discurso das atrizes ante o texto
de Brecht. A encenação nasceu de jogos propostos e construídos em conjunto
com as atrizes, que criaram pequenas composições a partir de fragmentos do
texto em conjunto com outras propostas sugeridas pela direção.

Dessa forma, pretendeu-se construir uma cena teatral que abarcasse o


potencial dos depoimentos cênicos criados pelas atrizes a partir de provocações
da direção, na busca constante de elaborar sentidos ao texto do dramaturgo
alemão.

A peça didática de Baden Baden sobre o Acordo é um texto fragmentado


na sua origem, revelando a busca por novas formas teatrais e a apropriação feita
por Brecht de formas típicas do show de variedades e dos populares cabarés
germânicos. Seu texto apresenta grandes blocos de falas que devem ser ditas por
coros, em contraste com pequenas intervenções de narradores e líderes do coro.

O texto de abertura, ou o quadro de abertura (uma vez que a dramaturgia é


feita por cenas autônomas, revelando a apropriação brechtiana da ideia de
montagem cinematográfica) é exatamente o mesmo trecho que encerra a peça
radiofônica “O voo sobre o oceano”, o que revela a relação umbilical entre esses
dois textos.

Por essa razão, a presente encenação parte de uma viagem proposta ao


público, que deve acompanhar os atores em uma espécie de procissão antes de
tomar contato com as cenas que fazem parte do texto. O intuito deste é
momento é instaurar, logo de início, uma relação de jogo e vivência com a
plateia, cujos integrantes aqui serão mais que meros espectadores: serão
verdadeiros parceiros na encenação.

Dessa forma, presta-se tributo a um dos fundamentos mais interessantes


do trabalho com a peça didática de Brecht: o de que não há, necessariamente,
divisão entre atores e espectadores. Obviamente, o resultado do trabalho com a
peça didática pode ser apresentado a uma audiência, mas a presença de uma
plateia não é obrigatória: o aprendizado verdadeiro acontece quando se atua.
A partir do momento em que o público passa a compartilhar do espaço
cênico com os atores, seu papel de espectador é interrogado, e uma espécie de
acordo sutil emerge entre plateia e atrizes. Durante toda a encenação, a plateia é
convidada a se posicionar ante as cenas, construídas de tal forma que a
totalidade do espaço onde o espetáculo acontece seja integrado à encenação.

Nesta encenação, optou-se por apresentar o texto praticamente na íntegra:


após a queda de um avião, seus tripulantes pedem ajuda a um grupo de cidadãos.
Tal coro decide questionar um grupo, denominado “multidão” (que na nossa
encenação é o papel assumido pela se os aviadores devem ser ajudados. Para
isso, são instaurados os “Inquéritos para saber se o homem ajuda o homem”: o
primeiro deles procura demonstrar que os avanços tecnológicos não causaram
impactos no cotidiano do povo, pois “o pão não ficou mais barato”; o segundo
inquérito expõe 20 fotografias que, segundo a rubrica do texto, “mostram como,
em nossa época, os homens são massacrados pelo homem”; e o terceiro inquérito
é uma esquete cômica na qual dois palhaços dilaceram um terceiro, o Sr.
Schmitt, inicialmente mais poderoso que os outros dois, mas que vai aos poucos
se tornando dependente daqueles na medida em que lhes pede ajuda e vai sendo
desmembrado por eles, até ser decapitado.

A multidão então decide negar ajuda aos aviadores. Surge então o


questionamento do ato de ajudar, compreendido como forma de manutenção da
ordem injusta tal qual a conhecemos. Ao refletir sobre a ajuda, apenas um dos
aviadores mantém sua posição de superioridade ante os demais. Ele quer manter
seus privilégios como resultado de seu feito inacreditável, o de ter atravessado o
oceano voando. Ele não aceita abrir mão de nada em nome da integração ao
grupo. Ao não aceitar sua morte (ou seja, ao não renunciar a nada), ele é
expulso. Aos outros, resta buscar, no exercício do abandono, a construção de um
outro mundo.

A encenação procurou, ao pesquisar novas maneiras de dialogar com a


plateia, valorizar a ação autônoma de espectadores que podem agir e decidir o
tempo todo. Já para as atrizes, o exercício da busca por esse contato efetivo com
o público constitui desafio que mantém a peça sempre viva e fincada na situação
presente com o público.
Quanto ao texto, a encenação valoriza a ideia de morte e de renúncia
consciente proposta como fundamental para compreender a noção brechtiana do
acordo. A pergunta que nos motiva seria: de que precisamos abrir mão para nos
sentirmos capazes de, conforme palavras do texto, “melhorarmos o mundo
melhorado”?

Vale enfatizar que, ao encarar o texto como modelo de ação, explicitando


a dificuldade de manter o discurso do autor de um texto, quando na verdade o
discurso da cena pretende enfatizar outros aspectos, abre-se espaço para uma
pedagogia do teatro que finca raízes na cena contemporânea e nas formas mais
instigantes do fazer teatral atual. Brecht, de certa forma, já antevia a diluição do
discurso do autor no discurso do grupo que compõe a cena. Ao propor que os
textos de suas peças didáticas sofressem constantes reescrituras pelos grupos de
atuantes, ele ofereceu, às suas peças didáticas, a possibilidade de serem
constantemente atualizadas, porque imperfeitas e abertas à constituição de uma
solidez urdida no trabalho coletivo.

Considerações finais

O exemplo da experiência que resultou no espetáculo BadenBaden


retoma princípios didáticos da proposta desenvolvida por Brecht para
desenvolver um processo de criação artística cuja autoria é compartilhada e,
justamente por isso, não pode prescindir da aprendizagem de seus participantes.
Uma vez envolvidos nessa prática, os artistas envolvidos estão realizando um
processo que pretende, ao mesmo tempo, construir uma obra artística, ao mesmo
tempo em que os instiga a refletir sobre os processos instaurados para tal fim.

Essa reflexão sobre o processo deve levá-los a interrogar não apenas os


princípios que levam à construção cênica, mas também a pesquisar de que
maneira o próprio trabalho cênico constituiu fonte de aprendizagem acerca de
sua futura atuação como professores de teatro, ou seja, como proponentes de
práticas teatrais junto a alunos das mais diversas idades e ciclos da educação
básica.

Esse aspecto, obviamente, foi ressaltado ao longo do processo, através de


avaliações que direcionavam as análises das atrizes para o fato de que todo
aquele trabalho poderia também servir como inspiração para suas futuras
experiências como professoras de teatro. Tal reflexão, obviamente, só se realiza
quando o ministrante da disciplina Montagem Teatral entende que sua disciplina
não é um território isolado no currículo do aluno, mas como integrante de um
sistema que pretende formar um professor que veja sua docência como práxis
artística, e sua prática artística também se desenvolva como pesquisa
pedagógica.

Referências
BRECHT, B. Poemas 1913-1956. São Paulo: Editora 34, 2000.
BRECHT, B. O Voo sobre o Oceano e A peça didática de Baden Baden
sobre o Acordo. In: Teatro Completo de Bertolt Brecht, Vol 3. Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1988.
KOUDELA, I. D. Brecht: Um jogo de aprendizagem. São Paulo: Perspectiva,
1991.

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