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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS – UNIMONTES

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CCH

GEOGRAFIA

DEPARTAMENTO: GEOCIÊNCIAS

DISCIPLINA: ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO ENSINO


FUNDAMENTAL E MÉDIO

PROFESSORA: JAQUELINE

ACADÊMICO: ALISSON YURI RAMOS DE SOUZA

RESENHA DO FILME “PRO DIA NASCER FELIZ”

PIRAPORA-MG

JULHO/2020
O filme/documentário, “Pro Dia Nascer Feliz” com direção de João Jardim, expõe
uma série de entrevistas em localidades diferentes do Brasil, trazendo um diagnóstico da
realidade educacional do país até o ano de 2006, que permanece nos dias atuais, e
provavelmente continuarão nas próximas décadas. As observações do documentário
estão relacionadas a configuração e estrutura do nosso ensino médio e fundamental, a
partir de reflexões e críticas, que inserem professores, alunos, gestores escolares numa
missão difícil de continuar caminhando rumo às melhorias e manter os sonhos vivos.

No começo do filme, com dados, de 2006, época do documentário, é apontado:


41% das crianças que entram nas escolas não conseguem concluir a 8ª série (o 9ª ano
hoje). E segundo o MEC, metade de alunos do ensino fundamental no Brasil não
conseguem ler e escrever de forma correta, sendo analfabetos funcionais. Essa realidade
consegue comportar também grupos da modalidade do Ensino Fundamental e até
Ensino Superior. Esses apontamentos iniciais no documentário nos revelam que desde
décadas e até hoje temos um enfrentamento grave para solucionar na sociedade
brasileira: a educação.

Doravante, o documentário entra em diferentes experiencias de alunos no Brasil,


avaliando os contrastes sociais e também a vida cotidiana do professor no contexto
escolar.

Observamos a primeira realidade, o documentário inicia explanando a realidade


das cidades mais vulneráveis socioeconomicamente do país, Manari, no estado do
Pernambuco. Nesse pequeno aglomerado urbano, o filme apresenta uma realidade
chocante de uma escola que recebe poucos recursos financeiros por parte do Estado, e
por isso oferece muito poucos aparatos e materiais para os alunos e profissionais que ali
estudam e trabalham. Alguns alunos estão à mercê de condições quase subumanas,
considerando a escassez de recursos básicos de saneamento básico e qualidade da
merenda escolar. Por outro lado, nota-se que apesar de todas dificuldades, cidadezinhas
como essas possuem talentos e pessoas dedicadas, que através de seus esforços se
destacam, mas por sua vez podem ser desvalorizadas, e a falta de incentivo não as
permitem sonhar. É importante ressaltar as dificuldades para ingressar no ensino médio
pelos jovens desta cidade, precisam se locomover através de ônibus que quase sempre
estão quebrados, e mesmo assim, a escola do ensino médio também vive uma realidade
desfavorável, com cenário semelhante. É surpreendente como não apenas alunos, mas
os professores também ficam com a sensação de impotência e frustração. Para Cardoso
et al (2012), o documentário vai expondo desigualdades, fazendo o espectador ter uma
visão crítica sobre as várias perspectivas que educadores e escolas enfrentam como a
evasão escolar, falta de incentivo e desânimo que acabam influenciando todos os
agentes do processo.

Em Duque de Caxias, Rio de Janeiro, um cenário peculiar é mostrado, a partir do


Colégio Estadual de Guadajara. É extraordinário quando se tem um ponto de venda de
drogas alguns metros do colégio, evidenciando um contraste que influencia diretamente
na vida dos jovens, mundos quase se colidindo. Nas salas de aulas existe uma enorme
dificuldade de concentrar o aluno, o que irrita a professora. Observa-se também que
alunos acabam sendo aprovados sem obter as notas suficientes, sem aprender o mínimo
necessário, para não falar que não aprendeu nada. É relevante por em destaque como a
violência influencia diretamente alguns alunos, e como escola e sociedade estão numa
linha tênue. Visto tamanhas circunstância, a escola exerce um papel propondo
estratégias pedagógicas para não deixar esse aluno se perder num “universo obscuro que
está do seu lado”, mediante oficinais de arte, dança e teatro.

A 50 km da grande capital São Paulo, tem a Escola Estadual Parque Piratininga ll,
numa região periférica da cidade de Itaquaquecetuba, que apresenta uma estrutura quase
que turística para a cidade. Nessa situação, que apresenta características já apontadas
nas outras anteriormente destacadas, vemos como a ausência de professores impacta no
cotidiano dos alunos. A gestora escolar acredita que a legislação dá alguns privilégios, o
que impulsiona a falta dos docentes, enquanto isso, uma determinada professora
contrapõe argumentando que a carga psicológica é severa, e a mesma precisa inclusive
acompanhamento terapêutico para não adoecer mentalmente. Essa discussão é
relevante, porque não há até hoje um amparo psicológico gratuito para os professores
por parte do Estado, e contradiz os “privilégios” da lei educacional que a gestora roga
no seu discurso a respeito da ausência dos professores no cotidiano escolar. Por falar em
questões psicológicas, vemos também alunos sofrerem com isso, apresentando algumas
sensações de angústias e barreiras introspectivas, atravessamento de fases.

Cada vez mais o documentário avança, você questiona como pode ser tão atual,
apesar de ter sido produzido há 15 anos aproximadamente. As desigualdades nunca
ficam ultrapassadas neste país. No cenário do colégio particular em São Paulo, nota-se
visivelmente como existe uma discrepância socioeconômica sobretudo de étnica, se
comparado ao colégio de Duque de Caxias no Rio de Janeiro e os demais. Ao tratar-se
da bolha social, as alunas do colégio discutem a relação do poder financeiro e a
exclusão social, exprimindo suas perspectivas. É interessante neste momento, pois
traçamos um paralelo com o texto Os Excluídos do Interior” do Bourdiei e Champagne
(2001). As alunas entrevistadas autoafirmam se encaixar entre os privilegiados, bem
aventurados, que por herança familiar seguirá caminhos semelhantes aos seus pais e
ascendentes. Os excluídos de periferias e interiores apontados no inicio documentário,
encontravam dificuldades tremendas, e suas respectivas escolas e professores também,
enquanto os privilegiados e “bem aventurados” nos seus contextos confortáveis
apresentam outros enfrentamentos diferentes. Analisando o texto citado e o próprio
documentário pode-se subir um questionamento: como seria caso esses excluídos
passassem a conviver com os privilegiados em escolas particulares, e vice-versa? Talvez
essa tentativa utópica de misturar dualidades de poder, classe e etnia resultaria em mais
preconceitos, desprezos e ódio, do que humanismo.

No entanto, na continuação, verificamos os alunos do colégio particular de São


Paulo e seus enfrentamentos relacionados a opressão e rigidez das políticas do colégio
que são severas e exigentes, resultando em sufoco psicológico, melancolia e depressão.
Como estão próximos de chegarem ao ensino superior, a pressão aumenta por resultados
satisfatórios que aumente a visibilidade do colégio, logo os gestores querem que seus
alunos estejam preparados para os vestibulares e exames, bem como terem bom
rendimento nas universidades, daí além do colégio, vem a pressão dos pais e da
sociedade. No Japão, por exemplo, acontecem muitos suicídios por tal razão.

A relação familiar impacta bastante na vida dos alunos, independentemente da


classe social, existem cobranças e ausências de cobranças, existem apoio incondicional
e desprezo, a família impulsiona aspectos positivos ou negativos. A vida e profissão dos
pais influencia no caminho e percurso dos alunos, alguns se inserem em escolas
renomadas e universidades de pontas, com ajuda financeira familiar. Outros precisam
trabalhar para sustentar suas famílias e terminam de estudar na oitava série. Essa relação
vira um ciclo impactante. Nas palavras de Bourdiei e Champagne (2001, p.484):

[...] os alunos oriundos de boas famílias receberam da família o senso de


investimento, assim como os exemplos e os conselhos capazes de sustenta-lo
em caso de incerteza, e estão assim em condição de investir na hora certa e
no lugar certo, neste caso nas ramificações apropriadas ,na escolas certas,
etc.; enquanto os oriundos de famílias pobres, e especialmente os filhos de
imigrantes na maioria dos casos abandonados a si mesmo já desde o primário
e obrigados a entregar suas escolhas à instituição escolar, ou ao acaso, para
encontrar-se seu caminho, num universo cada vez mais complexo, e por isso
votados a errar a hora e o lugar no investimento do seu reduzido capital
cultural.

Por questões históricas, acabamos por vivenciar tamanhas desigualdades sociais e


econômicas, e essa reprodução não cessa. As críticas do Bourdieu são visceralmente
visíveis no documentário, como a distribuição é desigual dos recursos e poderes, e o
impacto disso nos sistemas escolares. Cada realidade exposta no vídeo apresenta um
Habitus diferente, baseado nos recursos e culturas locais.

A legislação educacional do país, (LDB, 9394/96) prega igualdade nas condições


do ensino público para todos, com princípios que embora na teoria faz parecer que o
problema é fácil de ser resolvido, na prática contemplamos o inverso. O próprio Estado
não consegue fomentar a igualdade e condições de ensino para todos, vimos isso no
documentário, as diferenças dos recursos e sistemas entre as escolas, com várias
peculiaridades e necessidades discrepantes, compete ao poder público diminuir esse
hiato, impondo recursos às realidades mais vulneráveis. No entanto, isso é notório há
décadas, e o problema persiste, porque como Bourdiei infere, existem agentes que
detém recursos e poderes cuja tendência é deixar as coisas como estão, favorecendo-os.
O documentário do Jardim apresenta depoimentos fortes, realistas e principalmente
atuais, de alunos, professores e gestores escolares, abordando os setores públicos e
privados. É interessante a diferença cultural em cada colégio e cidade, os talentos e
dificuldades, questões extremas e sensíveis de se discutir, a simplicidade e ingenuidade,
humildade e orgulho, entre outros aspectos da vivência desses agentes do sistema
educacional. Aponta também como a vida de alguns alunos ficaram depois de um ou
dois anos da entrevista, no entanto, acabou ficando uma imagem meio negativa dos
professores com relação as faltas. Esse diagnóstico feito, escancara a escola como um
reflexo da sociedade, e o documentário fomenta várias pesquisas, que apresente
informações quantitativas e possa chegar a órgãos públicos.
REFERÊNCIAS

BOURDIEU, P.; CHAMPAGNE, P. Os excluídos do interior. In: BOURDIEU, P. (org.)


A miséria do mundo. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2001.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número 9394, 20 de


dezembro de 1996.

CARDOSO, R. L; CHER UTI, L. J. C; PONTE, M. K;. Pro dia nascer feliz Análise do
documentário. In: Revista Educação, Ciência e Cultura, v.17, n.2, dez. 2012. P.151-
152

_________. Coisas do Japão. 7 motivo para a taxa de suicídio no japão ser tão alta.
(2017) Disponível em: <https://coisasdojapao.com/2017/07/7-motivos-para-a-taxa-de-
suicidio-no-japao-ser-tao-alta-harakiri/> Acesso 14 julho 2020.

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