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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM EDUCAÇÃO

AMANDA ABRAHÃO DE SOUZA

INCLUSÃO DE SUJEITOS AUTISTAS:

Concepções e embaraços na Educação Pública

MARIANA-MG

2023
UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM EDUCAÇÃO

AMANDA ABRAHÃO DE SOUZA

INCLUSÃO DE SUJEITOS AUTISTAS:

Concepções e embaraços na Educação Pública

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação


em Educação do Instituto de Ciências Humanas e
Sociais da Universidade Federal de Ouro Preto, como
requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em
Educação.

Orientadora: Profª. Drª. Carla Mercês da Rocha Jatobá


Ferreira.

Instituição financiadora: Universidade Federal de Ouro


Preto.

MARIANA-MG

2023
SISBIN - SISTEMA DE BIBLIOTECAS E INFORMAÇÃO

A159i Abrahão, Amanda.


AbrInclusão de sujeitos autistas [manuscrito]: concepções e embaraços
na educação pública. / Amanda Abrahão. - 2023.
Abr209 f.: il.: , gráf., tab..

AbrOrientadora: Profa. Dra. Carla Mercês da Rocha Jatobá Ferreira.


AbrDissertação (Mestrado Acadêmico). Universidade Federal de Ouro
Preto. Departamento de Educação. Programa de Pós-Graduação em
Educação.
AbrÁrea de Concentração: Educação.

Abr1. Inclusão escolar. 2. Educação inclusiva. 3. Psicanálise. 4. Autismo


em crianças. 5. Educação especial. 6. Autistas. I. Ferreira, Carla Mercês
da Rocha Jatobá. II. Universidade Federal de Ouro Preto. III. Título.

CDU 376(043.3)

Bibliotecário(a) Responsável: Iury de Souza Batista - CRB6/3841


MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
REITORIA
INSTITUTO DE CIENCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE POS-GRADUACAO EM EDUCACAO

FOLHA DE APROVAÇÃO

Amanda Abrahão de Souza

Inclusão de sujeitos autistas: concepções e embaraços na Educação Pública

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal


de Ouro Preto como requisito parcial para obtenção do título de Mestra em Educação

Aprovada em 27 de março de 2023

Membros da banca
Profa. Dra. Carla Mercês da Rocha Jatobá Ferreira - Orientadora - Universidade Federal de Ouro Preto
Profa. Dra. Margareth Diniz - Membro Interno Titular - Universidade Federal de Ouro Preto
Profa. Dra. Ângela Maria Resende Vorcaro - Membro Externo Titular - Universidade Federal de Minas
Gerais

A Profa. Dra. Carla Mercês da Rocha Jatobá Ferreira, orientadora do trabalho, aprovou a versão final e
autorizou seu depósito no Repositório Institucional da UFOP em 23/06/2023.
Documento assinado eletronicamente por Marlice de Oliveira e Nogueira,
COORDENADOR(A) DE CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, em 26/06/2023, às
10:44, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto
nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.

A autenticidade deste documento pode ser conferida no site


http://sei.ufop.br/sei/controlador_externo.php?
acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0 , informando o código verificador
0547192 e o código CRC 73688287.

Referência: Caso responda este documento, indicar expressamente o Processo nº 23109.008274/2023-39 SEI nº 0547192

R. Diogo de Vasconcelos, 122, - Bairro Pilar Ouro Preto/MG, CEP 35402-163


Telefone: (31)3557-9410 - www.ufop.br
AGRADECIMENTOS

Agradeço imensamente a todos aqueles que caminharam ao meu lado . Que me


ofeceram uma escuta amiga, que dedicaram um pouco de seu tempo para compartilhar
comigo dessa experiência que pude vivenciar durante a pesquisa. A todos aqueles que
dedicaram seus afetos, que me ofereceram acolhimento e carinho nesses últimos dois anos.

Agradeço também todos aos meus educadores, desde quando ainda aprendia a dar os
primeiros passos. Aos professores que passaram pela minha vida na Educaçâo Básica , que
me ensinaram que a escola é um lugar onde podemos sonhar, um lugar de afeto, de alegria,
de aprendizado e de esperança. Como diria Paulo Freire, um lugar para esperançar, para
construir a partir da coletividade.

À minha família. Minha mãe Erika, que me ensinou a ser forte, que sempre acredita
que eu posso alcançar os meus sonhos. Que apesar dos quilômetros que nos separam hoje,
nunca deixou de sonhar comigo por dias melhores e de, na presença, aproveitar comigo nosso
tempo juntas como grandes amigas.

Ao meu pai Orlando (em memória), que me ensinou sobre vulnerabilidade. Por ter me
oferecido muito carinho, o tanto quanto pôde. Carrego na lembrança e no coração todos o
momentos de felicidade que compartilhamos, todo aprendizado e companherismo que a vida
nos afereceu pelo tempo que o destino e as circunstâncias decidiram.

A minha tia Suely, que considero minha segunda mãe. Que sempre me apoiou, sempre
me ofereceu um porto seguro e um olhar de afeto. Que me ensina sobre amar o próximo,
sobre o quão grande o coração de alguém pode ser.

Aos meus irmão, Rafael e Matheus, que me ensinam sobre o que é a irmandade e amor
incondicional. Ter irmãos é aprender desde sempre a compartilhar, mas também a multiplicar.
Multiplicar as conquistas, multiplicar as recordações, multiplicar o amor.

Ao meu “paidastro” Piquinho, que me acolheu e acolhe como filha. Que dançou
comigo a valsa de formatura, que é ponta firme em qualquer tempestade e que, acima de tudo,
oferece presença e carinho sempre que pode.

Ao meu companheiro Arthur, que acompanhou de pertinho toda a jornada. Que


caminha comigo nessa montanha russa que é a vida, que é a pesquisa, e que é a Amanda.
Agradeço por podermos aprender juntos mais sobre o amor, sobre parceria e doação. Sobre
encontrar um fôlego novo a cada desafio.

À minha sogra Marli, que tão atenciosamente me apoiou na construção e finalização


da pesquisa. Que oferece palavras tão doces, assim como sua presença afetuosa e seu olhar
sereno, tornando qualquer espaço mais acolhedor.

Agradeço imensamente as amizades que construi ao longo de todos esse anos.


Amizades que me ensinaram que na vida é preciso ter coragem, empatia, compreensão e
cuidado. Sem eles, com certeza minha trajetória não seria a mesma. “Escolher as nossas
pessoas é o mais próximo que chegamos de controlar o nosso destino”1.

À minha orientadora Carla Ferreira, pela gentileza e serenidade que me ofereceu


durante esse desafio. Pela implicação e pelo cuidado. Por acreditar na potencialidade da nossa
pesquisa e por me oportunizar essa experiência de forma acolhedora e generosa.

Aos professores da Universidade Federal de Ouro Preto que contribuiram para a


construção desse trabaho ao longo das disciplinas, dos grupos de pesquisa e de estudos,
especialmente à professora Margareth Diniz, com quem aprendi muito e que também nos
presentiou com sua participação nas bancas de qualificação e de defesa da dissertação.

Agradeço também à professora Angela Vorcaro pelo aceite em partipar da tessitura do


trabalho, através das bancas de qualificação e de defesa. Foi uma honra poder compartilhar
esse momento com uma profissional a quem nutro tamanha admiração.

Por fim, agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Educação de Ouro Preto, que


possibilitou a realização desse sonho através do incentivo à pesquisa e do fortalecimento da
Educação Pública brasileira. Agradeço pela concessão da bolsa de estudos durante o
mestrado.

“Não há no mundo exagero mais belo que a gratidão.”

Jean de la Bruyere.

1
This is Us, Dan Fogelman, 2022.
RESUMO

As discussões e abordagens acerca do Autimo têm ganhado cada vez mais destaque nos
debates internacionais, nas políticas públicas e nas produções acadêmicas e científicas. As
ações institucionais e legais são resultados de muita luta por parte das associações, da
academia e das pessoas autistas e com deficiência, visando garantir seus direitos
constitucionais e promover políticas e práticas que sustentem um sistema de ensino de
qualidade para todos. A escola, que provavelmente se torna a segunda instituição
socializadora para essas crianças, desempenha um papel político, social, cultural e
educacional importante em suas vidas. A instituição pode participar e contribuir, juntamente
com a família, na formação desses sujeitos. Este trabalho teve como objetivo, por meio de
uma pesquisa qualitativa utilizando como procedimento metodológico a pesquisa
bibliográfica e uma abordagem psicanalítica, interrogar os processos educacionais, investigar
e analisar as tendências das pesquisas em relação à inclusão de crianças autistas no contexto
da Educação Pública. Buscamos, assim, problematizar, a partir do campo circunscrito, as
consequências teóricas para a compreensão do sujeito autista e seu papel na instituição
escolar, bem como os possíveis embaraços que se materializam nos aspectos normativos, nas
produções científicas e, consequentemente, no cotidiano escolar.

Palavras-Chave: Inclusão escolar; Autismo; Psicanálise; Escolarização.


ABSTRACT

Discussions and approaches about Autism have been increasingly discussed and have
gained support in international debates, public policies, and academic and scientific
productions. Institutionalized and legal actions have been the result of a lot of struggles
by associations, academia, and autistic individuals and those with disabilities to
guarantee their constitutional rights and promote policies and practices that support a
quality education system for all. The school, which will possibly become the second
socializing institution for these children, plays a political, social, cultural, and educational
role in their lives. The institution can participate in and build, together with the family,
the development of these individuals. The present work aimed, through qualitative
research, using as methodological procedure the bibliographical research and a
psychoanalytic reading to interrogate the educational processes, investigate and analyze
the research trends regarding the inclusion of autistic children in the context of Public
Education. Thus, we sought to tense, from the circumscription of the field, the theoretical
consequences for the understanding of the autistic subject and what it represents in the
school institution, as well as the possible difficulties that materialize in normative scopes,
scientific productions, and, consequently, in daily school life.

Keywords: School Inclusion; Autism; Psychoanalysis; Schooling.


LISTA DE FIGURAS

Figura 01 - Pesquisas sobre autismo e escolarização encontradas no Banco de Teses e


Dissertações da Capes entre os anos de 2015-2022 .............................................................. 114

Figura 02 - Pesquisas sobre autismo e escolarização elencadas no Banco de Teses e


Dissertações da Capes entre os anos de 2015-2022 .............................................................. 114

Figura 03 - Nuvem de palavras elaborada a partir das palavras-chaves elencadas nas


pesquisas sobre a temática do autismo e a escolarização, listadas no Banco de Teses e
Dissertações CAPES, publicadas entre os anos de 2015 a 2022
................................................................................................................................................ 118

Figura 04 - Artigos sobre autismo e escolarização, divididos por ano de publicação entre os
anos de 2015 e 2022 ............................................................................................................. 135

Figura 05 - Nuvem de palavras com as palavras-chave dos artigos elencados na Cientific


Eletronic Library Online (SciELO), a revista sobre infância com problemas Estilos da Clínica
da Universidade de São Paulo (USP) e o GT 15 da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação – ANPEd acerca do autismo e escolarização entre os anos de 2015 e
2022 ....................................................................................................................................... 137
LISTA DE QUADROS

Quadro I - Dissertações e teses com os descritores: Autismo e Inclusão .............................. 68

Quadro II - Dissertações e teses com os descritores: Autismo e Escolarização .................... 90

Quadro III - Dissertações e teses com os descritores: Autismo e Educação ....................... 102

Quadro IV - Consolidado dos dados obtidos junto ao banco de dados da SciELO ............ 120

Quadro V - Consolidado dos dados obtidos junto ao banco de dados da Revista Estilos da
Clínica ............................................................................................................................ 131

Quadro VI - Consolidado dos dados obtidos junto aos Anais da ANPEd ........................... 133
LISTA DE SIGLAS

ABPEE Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial

AEE Atendimento Educacional Especializado

AMA-SP Associação dos Amigos dos Autistas de São Paulo

ANPEd Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

ATE Acompanhamento Terapêutico Escolar

APAE Associaçãõ de Pais e Amigos dos Excepcionais

BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CAPSi Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil

CEP Comitê de Ética em Pesquisa

CID Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados


com a Saúde

Ciptea Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista

CNTE Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação

DSM Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and


Statistical Manual of Mental Disorders)

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

IBICT Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia

IBPT Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LBI Lei Brasileira de Inclusão

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional / 1996

MEC Ministério da Educação

MIEIB Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil

OMS Organização Mundial da Saúde


ONU Organização das Nações Unidas

PDE Plano de Desenvolvimento da Educação

PECS Picture Exchange Communication System

PNEE Plano Nacional de Educação Especial

PNEEPEI Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva

PSB Partido Socialista Brasileiro

SEDUC Secretaria de Educação do Estado

SCAA Sistemas de Comunicação Alternativos e Ampliados

SCALA Sistema de Comunicação Alternativa para o Letramento no Autismo

SciELO Cientific Eletronic Library Online

SRM Sala de Recursos Multifuncionais

STF Supremo Tribunal Federal

TEACCH Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com Déficits relacionados


com a Comunicação (Treatment and Education of Autistic and related Communication-
handicapped Children)

TEA Transtorno do Espectro Autista

TID Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

TGD Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD)

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura


(United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization)
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 08
1. CAMINHOS METODOLÓGICOS ............................................................................. 18
2. ENQUADRE HISTÓRICO E A EFETIVIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
EDUCACIONAIS DE INCLUSÃO ..................................................................... .......... 23
2.1 ENQUADRE HISTÓRICO E LEGISLATIVO .......................................................... 23
2.2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO FUNCIONAMENTO E CONSTRUÇÃO DAS
POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL ............................................................................. 38
2.2.1 Embaraços conceituais ....................................................................................... 43
2.2.2 A especificidade do autismo ............................................................................... 45
3. COMPREENSÕES INICIAIS SOBRE O AUTISMO .............................................. 49
3.1 PSICANÁLISE E A ESCOLARIZAÇÃO DOS ESTUDANTES AUTISTAS .......... 57
3.2 A CRIANÇA AUTISTA, SUA VOZ E O PROCESSO EDUCATIVO ...................... 62
4. ESTADO DA ARTE ...................................................................................................... 66
4.1 DISCUSSÃO ACERCA DOS ESTUDOS DESCRITOS NAS DISSERTAÇÕES E
TESES .............................................................................................................................. 67
4.1.1 Tendências das dissertações e teses analisadas ............................................. 113
4.2 O QUE DIZEM OS ARTIGOS ACADÊMICOS ...................................................... 120
4.2.1 Apontamentos das pesquisas ............................................................................ 134
5. A FORMAÇÃO DE PROFESSORES, AS CONCEPÇÕES SOBRE DÉFICIT E
DEFICIÊNCIA E O DISCURSO MÉDICO NA ESCOLARIZAÇÃO DOS
SUJEITOS AUTISTAS .................................................................................................. 139
5.1 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES ................................................................... 139
5.2 AS CONCEPÇÕES SOBRE DÉFICIT E DEFICIÊNCIA ..................................... 151
5.3. A INCIDÊNCIA DO DISCURSO MÉDICO NA EDUCAÇÃO .......................... 161
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 173
REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 180
APÊNDICES ..................................................................................................................... 191
APÊNDICE A – DADOS DO LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO ........................ 191
8

INTRODUÇÃO

Dos encontros.

Conforme me foi dito por um querido professor, durante o período em que eu cursava
Pedagogia, as trajetórias escolares e acadêmicas das pessoas provenientes das classes
populares costumam ser marcadas por instabilidade, não sendo lineares. Acredito que minha
trajetória tenha sido uma delas. Antes de encontrar meu caminho no campo da Educação,
passei por outros dois cursos em cidades diferentes, em busca desse encontro que só
aconteceria mais tarde. Foi somente em 2016, ainda incerta do encontro, me matriculei no
curso de Pedagogia na Universidade de São João del-Rei. . Não demorou muito para que eu
sentisse um senso de pertencimento e o desejo de permanecer ali, unindo-me à luta pela
Educação. No entanto, minha relação com a educação inclusiva e com os estudantes autistas
teve um ponto de partida diferente.

No segundo ano da minha formação como pedagoga, tive a oportunidade de realizar


um estágio voluntário de duas semanas como parte de uma disciplina do curso. Após essa
experiência, recebi um convite para trabalhar como auxiliar de sala de aula em uma pequena
escola de Educação Infantil, com pouco mais de 50 alunos matriculados. Foi nesse momento
que minha jornada no campo da Educação foi realmente consolidada e eu sabia que não
partiria dali. Naquela pequena casa adaptada, com corredores decorados com borboletas e
salas temáticas de contos de fadas, conheci profissionais que me acolheram calorosamente,
estabelecendo laços de amizade profundos, e as crianças que me encheram de amor e foram
igualmente nutridas por mim durante o tempo em que estive lá.

Entretanto, além desses encontros, outro aconteceu logo na primeira semana de


trabalho na escola. Um dos estudantes, a quem chamarei de João, chamou minha atenção
imediatamente. Ele se aproximou de mim com uma presença curiosa, buscou profundamente
os meus olhos, explorando cada vaso sanguíneo, cada tonalidade, cada detalhe, e passou os
dedos ao redor deles. Confesso que, naquele momento, fiquei imóvel, com várias sensações
percorrendo meu corpo, incapaz de compreender completamente o que elas significavam.
Depois de alguns minutos, João colocou as mãos ao redor do meu pescoço e rapidamente as
afastou, se distanciando de mim e não tendo mais contato durante o restante daquele dia.
9

Após o primeiro encontro com João, inquietações foram surgindo daquela interação
inesperada, e ao conversar com a diretora da escola ela me disse que ele é autista, assim como
outros três estudantes que estavam regularmente matriculados na escola, somando três
meninos e uma menina. Naquele momento eu ainda tinha um conhecimento limitado sobre o
autismo. Recordo que minha compreensão se encontrava um pouco nos dizeres do senso
comum, principalmente em relação aos esteriótipos de aversão ao toque e as
hipersensibilidades. No entanto, passei a ser atravessada por interrogações sobre a forma
como esse sujeitos pensavam e agiam diante da vida e nas relações cotidianas, o que dispertou
em mim um maior interesse em conhecê-los e saber mais sobre o assunto.

Conforme meu trabalho foi se desenvolvendo naquela instituição, mais se aguçava


minha curiosidade e a vontade de contribuir para que o espaço fosse mais acolhedor e
inclusivo para as crianças. Passado algum tempo, um fato acabou de assentar minha trajetória.
Foi oferecido, por uma associação de familiares e profissionais que atuam com sujeitos
autistas, uma conversa com as professoras dessa instituição onde eu atuava, que foi
prontamente bem recebida por todas as educadoras e pela diretora. A profissional que regia a
conversa era também mãe de uma criança autista, e compartilhou detalhadamente conosco
toda a sua trajetória. Foi um momento bem intimista, éramos apenas sete profissionais, e a
escola era localizada em uma casa adaptada, configurando para que aquela conversa se desse
de forma muito leve e confortável, sugerindo algo de familiar. Após as explanações e as
trocas ocorridas naquele dia, me senti extremamente envolvida com a temática e com o desejo
de saber mais e poder compreender melhor as vivências de escolarização e das múltiplas
possibilidades dentro do campo educativo.

Naquele momento, já me encontrava no processo de feitura do Trabalho de Conclusão


de Curso, que possuía outros sujeitos e objeto de pesquisa. No entanto, devido a várias
circunstâncias, que hoje considero engraçadas ao recordar e analisar, decidi recomeçar e
investigar o processo de escolarização de pessoas autistas, inspirada pelas conversas e
encontros diários com os estudantes autistas da instituição em que eu trabalhava naquele
momento. Foi uma grande mudança de rumo. Houve muito trabalho a ser feito, com metade
do prazo original e todas as limitações decorrentes disso. Havia muitos desejos e expectativas
em relação à pesquisa, mas tivemos que nos adaptar ao que era possível realizar dentro das
circunstâncias e do tempo escasso.
10

Após a conclusão da graduação, meu desejo de continuar no campo da Educação


permanecia forte. Por motivos pessoais, mudei-me para a cidade de Mariana-MG e comecei a
trabalhar na rede municipal de ensino como coordenadora em três escolas no Programa de
Tempo Integral do município. No entanto, apenas um mês após o início do trabalho, fomos
impactados pela pandemia da Covid-19, que interrompeu abruptamente as atividades
escolares em todo o país. Diante desse contexto incerto e devastador, ficamos paralisados por
um tempo.

Após esse período de paralisação, as instituições escolares começaram a buscar


maneiras de construir algo durante essa situação atípica. No âmbito do Programa de Tempo
Integral de Mariana, foi determinada a elaboração de cadernos pedagógicos pelos
coordenadores e monitores, a serem distribuídos aos alunos regularmente matriculados no
programa. Após dois meses nessa função, recebi o convite para atuar na Secretaria Municipal
de Educação de Mariana como apoio pedagógico na Educação Infantil. Nesse mesmo período,
a coordenação de Educação Inclusiva passou por uma mudança de gestão e estava sem um
profissional de apoio. Foi nesse momento que percebi a oportunidade de aprendizado e
compreensão de como as políticas públicas e os bastidores da Educação em uma secretaria
funcionavam, e me ofereci para atuar nessa área, juntamente com a Educação Infantil.

Os cinco meses de trabalho presencial foram de grande importância para a minha


pesquisa, pois pude vivenciar o funcionamento da Educação Inclusiva e da Educação Especial
de forma mais próxima. Essa experiência trouxe diversas nuances e questões que aumentaram
ainda mais minhas inquietações e o desejo de estar envolvida nesses espaços e contribuir de
alguma forma. Durante esse período, em parceria com a coordenadora, que se tornou uma
amiga, buscamos realizar ações que pudessem agregar valor à pasta de Educação Inclusiva.
Também realizamos levantamentos para compreender o funcionamento e as estruturas
burocráticas e práticas presentes nas escolas e nas políticas públicas municipais. Durante esse
trabalho, pude observar a especificidade dos casos dos estudantes autistas matriculados na
rede municipal de ensino até aquele momento.

Foi a partir desse movimento e das percepções adquiridas que a concepção da pesquisa
se fortaleceu e meus compromissos como pesquisadora se solidificaram. Sentindo meus pés
firmes, decidi avançar no estudo e compreender melhor as vivências de escolarização e as
múltiplas possibilidades dentro do campo educativo para os estudantes autistas.
11

Inquietações da pesquisadora

Ao lidarmos com as infâncias em situações de deficiência (PLAISANCE, 2015) ou


com necessidades educacionais específicas percebemos uma busca incessante para diminuir
as incertezas e o que nos soa de estrangeiro diante da diferença. Dito de outra forma, há uma
busca para se retirar as ausências, a alteridade radical que pertence aos sujeitos, ressoando na
diferença e na heterogeneidade que é tão rechaçada pelas formas que escolhemos, enquanto
sociedade, para compreender e demarcar todas as coisas. No entanto, muitas vezes, a carga de
informações e conhecimentos construídos em torno dessas situações que fogem dos padrões
de normalidade acaba servindo para controlar e dominar esses sujeitos. Essas abordagens
podem ser baseadas em perspectivas estereotipadas, preconceituosas ou que visam a
assimilação dessas crianças às normas dominantes. Isso pode resultar em práticas excludentes
e em uma falta de valorização das experiências e potencialidades individuais de cada criança.

De tal forma, não estaríamos, de fato, abertos para escutar e reconhecer o outro
inédito, inerente a todo aquele que chega, tampouco os que escapam aos padrões de
normalidade excludentes impostos pela sociedade, que muito têm a dizer e agir sobre si
mesmos, mas apenas ao que o nosso olhar se interessa e deseja acolher sobre esse outro, e
para além disso, nos movemos para que os nossos desejos sobre o que o outro é sejam
atendidos, para assegurar assim o nosso conforto.

Pensando na relação da infância, do autismo e da educação, frequentemente


testemunhamos nas escolas um reforço dessa realidade excludente, que não acolhe a
singularidade e a incerteza inerentes à presença dessas crianças no ambiente escolar. Diante
dessa inquietação, é necessário questionar como a educação, ao seguir as premissas de
construção de um projeto, retira o caráter inédito de cada sujeito e reafirma o pacto que
idealizamos enquanto sociedade, no qual definimos os sujeitos dentro de limitações e os
reduzimos a diagnósticos, estereótipos, representações sociais e lugares socialmente aceitos, a
fim de exercer controle e moldá-los para um futuro que desejamos edificar.

Diante dessas questões, a partir das indagações de Larrosa (2006) acerca da infância,
pensando aqui também as infâncias autistas, e em como as relações de ganância do saber e do
poder, do desejo de controlar e dominar os sujeitos através dos especialismos e dos
conhecimentos produzidos pela impossibilidade de sustentar o desconforto do não saber lidar
com a diferença que atravessam e são reproduzidos na escola, buscamos na Psicanálise outra
12

maneira de descortinar e investigar essas questões.

A psicanálise busca compreender os sujeitos em sua constituição psíquica, colocando


o próprio sujeito e sua singularidade como ponto de partida. Dessa forma, ela busca subverter
a visão de deficiência que se baseia em impedimentos, déficits e patologias. No caso
específico do sujeito autista, é importante reconhecê-los em sua forma única de se relacionar
com o mundo, compreendendo sua singularidade e utilizando-a a favor de possíveis ações e
intervenções que visem acompanhá-los, ao invés de buscarmos sua cura ou a extinção de seus
sintomas. Conforme destacado por Jerusalinsky, "a psicanálise oferece ao sujeito o maior
espaço de questionamento e liberdade que ele pode aspirar diante do seu grande Outro"
(JERUSALINSKY, 2012, p.122).

Assim, a psicanálise pode atuar como um alicerce para interrogar e poder, de certa
forma, romper com esses modelos já instaurados que ignoram os processos históricos e
sociais no desenvolvimento dos sujeitos e reduzem a sua natureza a determinados
conhecimentos, saberes e estigmas. Além disso, que possa compreender o desenvolvimento
humano pautado na combinação dos aspectos estruturais e instrumentais, ou seja, dos
elementos biológicos e do sujeito psíquico, e os instrumentos de socialização, interação e
linguagem do indivíduo no espaço (GUARESCHI, 2016). Ademais, a escola é um campo
fértil na manutenção e construção da linguagem e do simbólico que permeia todo
desenvolvimento dos sujeitos presentes nessa experiência e pode refletir de forma negativa ou
positiva no contexto escolar.

Diante desse contexto, podemos vislumbrar a possibilidade de adotar uma postura


ética em relação aos nossos alunos, que não nos paralise, mas nos guie na busca por uma
prática educacional e escolhas mais significativas. Essa postura ética deve compreender as
adversidades e dilemas que acompanham a profissão docente. Dessa forma, podemos respeitar
as estruturas fundamentais de cada sujeito, buscando subverter os padrões de normalidade que
ditam o que é considerado desejável, adequado e útil na vida dos indivíduos. Com a
perspectiva da psicanálise, passamos a enxergar as crianças não apenas através da etiologia
biológica, mas como sujeitos únicos e complexos, com corpos autênticos e singulares, capazes
de se expressar e que necessitam ser ouvidos e vistos. A partir dessa abordagem é possível
entrever um processo educacional que acolha a diversidade e a singularidade de cada aluno,
reconhecendo sua subjetividade e valorizando suas vozes no contexto educacional.
13

Situando a estrutura da pesquisa

As discussões e abordagens relacionadas ao autismo têm sido abrangentes e


significativas no campo da educação nas últimas décadas. Elas abarcam diretrizes
internacionais, políticas públicas e produção acadêmica e científica. A implementação de
ações institucionais e legislação são resultados de muita luta por parte de associações e de
pessoas em situação de deficiência, buscando garantir seus direitos constitucionais e
promover políticas e práticas que assegurem o acesso de qualidade para todos, incluindo
pessoas com autismo. É importante ressaltar que a inclusão do autismo nas políticas públicas
ocorreu tardiamente, especialmente no caso brasileiro.

Atualmente, o autismo é descrito nos manuais diagnósticos, como o DSM-5 de 2013, e


na Classificação Internacional de Doenças (CID-11 de 2022), como um transtorno de
neurodesenvolvimento. Ele abrange capacidades sociais, afetivas, comunicativas e padrões
comportamentais que podem ser restritos e/ou repetitivos em termos de interesses,
movimentos ou fala estereotipada. Essas características são englobadas no Transtorno do
Espectro Autista.

No Brasil, de acordo com o Projeto Autismo, do Instituto de Psiquiatria do Hospital de


Clínicas da USP, a cada 1.000 crianças, cinco são autistas e esse número tem maior incidência
no sexo masculino, em uma fração de quatro para um em relação ao sexo feminino. Segundo
Hubner (2013, apud TAMBARA, 2017, p. 29), em seu estudo realizado em Atibaia no Estado
de São Paulo, demonstrou que havia um autista para cada 113 pessoas. Contudo muitas dessas
crianças ainda estão excluídas do processo de escolarização.

A escola, que possivelmente se tornará a segunda instituição socializadora dessas


crianças, possui um papel político, cultural e educacional na vida delas. A instituição poderá
participar e contribuir, em conjunto com a família, para a formação destes sujeitos. É nessa
perspectiva que Serra (2010) descreve a Escola como

o único espaço social que divide com a família a responsabilidade de educar. Ela
favorece uma certa transitoriedade entre as diferenças individuais e as necessidades
do grupo, oferecendo ao indivíduo oportunidades de comportamentos mais
socializadores (SERRA, 2010, p.47).

Compreendemos que a inclusão é um direito fundamental que deve ser protegido e


fortalecido. No entanto, é importante reconhecer que os direitos e o funcionamento das
políticas públicas no cenário político brasileiro estão sujeitos a riscos e desafios, o que pode
14

ameaçar as conquistas alcançadas e a luta por uma educação inclusiva de qualidade, que seja
verdadeiramente inclusiva. Como menciona Plaisance:

A busca por uma sociedade inclusiva implica uma profunda transformação das
instituições, das práticas e dos modos de pensar. Nela, a educação ocupa um lugar
privilegiado. Longe da antiga cultura da separação presente na Educação Especial e
ultrapassando os limites da integração escolar, a Educação Inclusiva pode marcar
uma etapa decisiva no acolhimento de todos os educandos e, consequentemente,
inscrever-se plenamente na ambição democrática. (PLAISANCE, 2019, p.14)

De acordo com Sanches e Teodoro (2006), no movimento acerca da inclusão, o que


precedeu as discussões e deu início a esse processo foi relativo às pessoas com deficiência,
“por isso, muitos pensam que a inclusão escolar é para jovens em situação de deficiência, mas
não, ela deve contemplar todas as crianças e jovens com necessidades educativas” (p.69).
Diante a isso devemos acrescer a tal concepção todos e quaisquer indivíduos, compreendendo
que as necessidades educacionais estão presentes nas mais variadas formas no cotidiano
escolar. Ao longo da trajetória de escolarização, as vivências serão sempre heterogêneas e
múltiplas, assim como os desafios e as necessidades de cada sujeito

Para crianças autistas, o ingresso na escola pode significar uma primeira dificuldade.
A inclusão, neste sentido, não seria uma questão inicial, mas a própria integração. Através de
relatos analisados para a construção deste projeto, foi possível perceber estes e outros
aspectos que nos ajudam a problematizar essa etapa inicial formal de educação – aqui
entendida como primeiro contato do estudante com a escola pública.

Por outro lado, quando surge na vida de um professor a oportunidade de trabalhar


com uma criança autista, todo o contexto que abarca a instituição escolar passará por
transformações, tanto na práxis docente, como nas concepções pessoais humanas de todos os
sujeitos envolvidos na busca pela inclusão. Entretanto, tratando-se do contexto do iniciar de
uma trajetória escolar na escola pública, a inclusão ganha ainda mais importância podendo
significar um processo que marcará permanentemente o desenvolvimento do estudante autista.

Tendo este panorama em vista, chegamos à questão-problema de nossa investigação:


quais são as tendências das pesquisas acadêmicas em relação a inclusão das crianças autistas
no contexto da Educação Pública? Acreditamos na potencialidade dessa questão, vista como
uma oportunidade para abordar e problematizar diversas temáticas relacionadas, tais como a
influência do discurso médico na educação, os direitos das crianças autistas enquanto
cidadãos, a estrutura e a valorização da escola pública, bem como a formação docente.
15

Ao considerarmos os casos específicos de crianças com autismo, a entrada na escola


traz consigo várias mudanças no cotidiano da família. As características do autismo são
heterogêneas e não visam um processo de cura, mas sim um acompanhamento ao longo do
desenvolvimento. Nesse sentido, as intervenções e práticas pedagógicas precisam ser
adaptadas para abranger as múltiplas e complexas particularidades de cada sujeito.

Há muitos desafios durante o processo de inclusão, e a literatura atual em educação


indica a necessidade de uma mudança nos paradigmas e no funcionamento tradicional das
escolas. Essas mudanças devem abranger tanto as estruturas educacionais relacionadas às
práticas de ensino e aprendizagem quanto a manutenção dos espaços de interação familiar e
da comunidade escolar. O objetivo é criar uma rede resistente que garanta não apenas às
crianças autistas, mas a todas, uma aprendizagem de qualidade.

Diante disso, a importância de se questionar e analisar de que maneiras esses sujeitos


têm sido incluídos na rede pública de ensino. Essas crianças estao tendo seus direitos
respeitados? As famílias estão sendo acolhidas e orientadas em um diálogo com a escola?
Além dos questionamentos levantados anteriormente, ao adotarmos uma postura crítica para
essa etapa, consideramos que a pesquisa delineada possui um potencial significativo para a
comunidade científica, pois pode elucidar problemáticas subjacentes no cenário educacional
de inclusão de crianças com em situação de deficiência.

O objetivo geral da pesquisa foi compreender e analisar as tendências das pesquisas


em relação à inclusão das crianças autistas no contexto da Educação Pública, levando em
consideração, a partir da circunscrição do campo, as consequências teóricas para a
compreensão do sujeito autista e de seu papel na instituição escolar. Como objetivos
específicos, buscamos:

● Refletir sobre o enquadre histórico da Educação Especial e das Políticas Públicas


de Inclusão, destacando seus embaraços;
● Discutir como a interface entre Psicanálise, Educação e Autismo pode nos oferecer
outros caminhos para pensar o processo de escolarização desses sujeitos;
• Investigar as abordagens teóricas predominantesndas pesquisas no campo
educacional nos últimos sete anos, as tendências e concepções apresentadas acerca
do sujeito autista que frequenta o ensino público brasileiro compreendido entre a
Educação Infantil e os Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
16

Apresentamos uma proposta de investigação qualitativa, exploratória, valendo-nos de


uma revisão de literatura aliada ao método da pesquisa bibliográfica, por meio da construção
do Estado da Arte. Com essa estratégia, pretendemos construir uma pesquisa que possa gerar
análises e reflexões que contribuam para a compreensão do tema. Utilizamos como alicerce
ético e teórico para orientar as observações e as análises da pesquisa, as contribuições da
Psicanálise, buscando, a partir dessa interface, possibilitar um outro olhar aos processos
educacionais vivenciados pelos estudantes autistas, observando e problematizando as
particularidades e subjetividades dos aspectos normativos e do panorama da escola pública
brasileira em relação a esses sujeitos.

Iniciamos o trabalho com a apresentação do delineamento dos caminhos teórico-


metodológicos adotados na pesquisa, onde destacamos as estratégias escolhidas para a
construção do estudo, bem como as proposições que nortearam sua elaboração.

No segundo capítulo, realizamos um levantamento sobre o quadro legislativo que


abrange as pessoas em situação de deficiência, com ênfase nas especificidades do autismo.
Além disso, buscamos analisar a efetividade das políticas públicas educacionais de inclusão, a
fim de obter uma compreensão mais aprofundada da atuação dos aparatos legislativos
brasileiros e de como tais dispositivos e o discurso relacionado a eles afetam o cotidiano
escolar, a subjetividade dos indivíduos e as práticas inclusivas.

No terceiro capítulo, apresentamos reflexões preliminares sobre o autismo, sua


terminologia e as problemáticas envolvidas na construção e uso dos Manuais Diagnósticos e
Estatísticos de Transtornos Mentais e da Classificação Internacional de Doenças como
parâmetros para a identificação dos diagnósticos. Além disso, abordamos sua relação com as
intervenções e terapias cognitivo-comportamentais. Discutimos também os desdobramentos
que o discurso médico e a multiplicidade de abordagens e especialidades nesse campo podem
ter na realidade dos sujeitos, especialmente no contexto educacional.

Realizamos uma breve exposição sobre as contribuições que a Psicanálise pode


oferecer aos processos educativos, principalmente enquanto princípio ético norteador no
diálogo com os sujeitos, e os subsídios que ela pode nos oferecer para compreensão do
autismo, em uma perspectiva que interrogue a lógica da pedagogia contemporânea e dos
discursos fundamentados na concepção de déficit e de prejuízo, que tendem a deslegitimar a
subjetividade, a voz e os modos de existência das pessoas autistas.
17

Seguimos, no quarto capítulo, com a materialização do Estado da Arte, em que


realizamos a contextualização e discussão sobre os estudos publicados acerca da temática,
com o recorte temporal que compreende os anos de 2015 a 2022, incluindo as pesquisas
dispostas no Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (CAPES), o Cientific Eletronic Library Online (SciELO), a revista sobre
infância com problemas Estilos da Clínica da Universidade de São Paulo (USP) e o GT 15 da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd.

No quinto capítulo realizamos a discussão dos eixos de análise que abrangem:


formação de professores; concepções sobre déficit e deficiência; e o discurso médico na
escolarização dos sujeitos autistas, buscando compreender os atravessamentos dessas
categorias sobre os saberes escolares e as ações e práticas fomentadas pelos profissionais da
educação, além da forma como esses discursos tem se estabelecido no cotidiano escolar.

Finalizamos com as nossas considerações finais, expondo de maneira sintetizada as


discussões apresentadas ao longo do trabalho, bem como as reflexões construídas a partir das
investigações propostas, nas quais pretendemos abordar os desafios e complexidades que
envolvem a circunscrição e os embaraços da temática da escolarização dos sujeitos autistas.
Esperamos assim, contribuir para uma perpectiva de educação mais sensível, com a
fomentação de novas olhares e na ampliação do debate, apostando no sujeito e em uma
educação que seja para todos, mas também para cada um.
18

1 CAMINHOS METODOLÓGICOS

No presente estudo, pretendemos investigar as tendências das pesquisas relacionadas à


inclusão de crianças autistas no contexto da Educação Pública, abordando as implicações
teóricas para a compreensão do sujeito autista e seu papel na instituição escolar, bem como os
possíveis embaraços encontrados nos aspectos normativos, nas produções científicas e,
consequentemente, no cotidiano escolar. Para alcançar esse objetivo, realizamos uma leitura
que faz uso do referencial psicanalítico para interrogar os processos educacionais.

A partir das questões e dos objetivos propostos em nossa pesquisa, adotamos uma
metodologia de investigação qualitativa e exploratória, através da pesquisa bibliográfica. Para
compreensão de um processo complexo e heterogêneo a abordagem qualitativa se destaca
como a mais adequada, no sentido em que, como nos diz Gray (2012, p.135) “o papel do
pesquisador é obter um panorama profundo, intenso e ‘holístico’ do contexto em estudo,
muitas vezes envolvendo a interação dentro das vidas cotidianas das pessoas”. Portanto, a
escolha desse procedimento se dá à medida que permite ao pesquisador compreender o
fenômeno de forma mais aprofundada e ilustrativa. A pesquisa qualitativa tem em seu lócus
de estudo a fonte para sua coleta de dados e o pesquisador como principal ferramenta.

Segundo Silveira e Córdova (2009):


Os pesquisadores que utilizam os métodos qualitativos buscam explicar o
porquê das coisas, exprimindo o que convém ser feito, mas não quantificam
os valores e as trocas simbólicas nem se submetem à prova de fatos, pois os
dados analisados são não-métricos (suscitados e de interação) e se valem de
diferentes abordagens. (p.32)
Nesse sentido, a pesquisa qualitativa estrutura o estudo de modo a permitir uma
observação aprofundada da relação que os sujeitos têm desenvolvido com a inclusão no em
sua jornada escolar. Ela é exploratória, pois busca investigar e discutir de forma mais
detalhada as produções científicas, realizando uma sistematização das mesmas, propondo uma
organização e analisando as produções do campo, de acordo com os objetivos e o recorte
temático e temporal estabelecidos para a pesquisa.

Já a pesquisa bibliográfica, conforme definida por Gil (2010), é aquela que se baseia
em elementos previamente publicados, como teses, dissertações, artigos científicos, livros,
entre outros. Através dessas fontes, são realizadas discussões embasadas nas contribuições
dos respectivos autores, permitindo ao pesquisador analisar e promover uma discussão crítica
sobre a temática em questão. É importante ressaltar que a pesquisa bibliográfica se distingue
19

da revisão bibliográfica, uma vez que seu propósito central é:

Colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que já foi produzido na área em
questão. No entanto, [...]a pesquisa bibliográfica não é uma mera repetição do que já
foi dito e escrito sobre determinado assunto. Como todos os demais tipos de
pesquisa, a bibliográfica exige do pesquisador a reflexão crítica sobre os textos
consultados e incluídos na pesquisa (MOREIRA E CALEFFE, 2008, p.74).
Dessa forma, a pesquisa bibliográfica vai além da mera descrição ou transcrição do
banco de dados ou categorias levantadas. Ela exige organização, sistematização, análise e
posicionamento crítico que promovam discussões, com o objetivo de contribuir para o campo
científico, ampliando o debate e buscando identificar novos elementos, hipóteses,
questionamentos e inquietações a partir das pesquisas realizadas.

Considerando, portanto, os sujeitos autistas frente ao processo de escolarização,


principalmente no contexto do ensino público brasileiro, nossa proposta é discutir como esse
processo tem se desenvolvido por meio da identificação e caracterização dos mesmos. Para
isso, utilizaremos como base as produções científicas brasileiras que abordam essa temática
em classes comuns regulares.

Na construção do nosso Estado da Arte, iniciamos com um levantamento sistemático


dos dados. Primeiramente, verificamos as teses e dissertações disponíveis no catálogo da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), com um período de
análise entre os anos de 2015 a 2022. Utilizamos os descritores: autismo, escolarização,
educação e inclusão, associados entre si. Em seguida, realizamos uma busca sistemática no
banco de dados da Scientific Electronic Library Online (SciELO), a partir dos mesmos
requisitos utilizados anteriormente. Além dos descritores e do recorte temporal,
estabelecemos critérios de inclusão para selecionar os estudos. Priorizamos estudos
desenvolvidos no contexto brasileiro, realizados no âmbito do ensino público e que
abordassem a Educação Infantil e/ou os Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Também
realizamos pesquisas na Revista sobre Infância com Problemas Estilos da Clínica, da
Universidade de São Paulo (USP), e no GT 15 da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação (ANPEd), buscando trabalhos que estivessem em consonância com os
descritores e critérios estabelecidos.

Com base na organização das publicações levantadas, procedemos à análise dos


conteúdos. Realizamos leituras parciais e integrais dos trabalhos selecionados, buscando
compreender e verificar a abrangência do campo temático, bem como suas variações e
agrupamentos. Observamos o referencial teórico utilizado, as instituições de origem e as
20

regiões em que essas produções foram desenvolvidas, assim como seus principais eixos
temáticos. Por meio dessa sistematização, temos a possibilidade de identificar as tendências
apresentadas pelas produções e problematizar, por meio da análise de conteúdo, as
convergências e divergências das pesquisas. Além disso, podemos observar as relações que
têm sido estabelecidas no cotidiano escolar e nas linhas de pesquisa relacionadas à
escolarização de crianças autistas no contexto do ensino público brasileiro.

Como alicerce para orientar nossas observações e análise acerca do sujeito de estudo
da pesquisa, utilizamos a interface ética e teórica da Psicanálise, buscando, a partir dela,
subsidiar a nossa discussão no que se refere aos processos educacionais vivenciados pelos
estudantes autistas no âmbito do ensino público brasileiro, das questões teorizados nas
pesquisas publicadas nos últimos sete anos e descritas nas normativas que regem essa
temática.

De acordo com Pereira (2020), “a psicanálise e educação não é a psicanálise,


tampouco é a educação” (p.48). Essa interface incorpora elementos de ambas para que
possamos analisar e intervir da melhor maneira possível no contexto educativo, sem abrir mão
do rigor necessário. Segundo Marcos (2010), a pesquisa no campo da psicanálise deve operar
entre "as exigências científicas e o compromisso com a singularidade do sujeito" (p.103). A
psicanálise orienta nossa fundamentação teórica ao buscar compreender os fenômenos a partir
de uma postura ética que nos convoca a considerar o funcionamento global do sujeito
(MALEVAL, 2009). Interessa-se pelas questões subjetivas, pelas formas de interação entre os
sujeitos e pela maneira como respondemos aos impasses decorrentes dos fenômenos
psicossociais e do contexto histórico, social e cultural em que estamos inseridos (MARCOS,
2010).

De acordo com Silva (2013):

Na pesquisa psicanalítica, o(a) pesquisador(a) se utiliza metaforicamente de um


caleidoscópio para pensar na questão que é objeto de investigação, iluminando
ângulos até então pouco percebidos ou ignorados, através de ferramentas múltiplas
(SILVA, 2013, p.37).

No contexto escolar, podemos observar que, embora existam pesquisas que escapem à
lógica do discurso médico biologizante e da universalização do ensino, ainda prevalecem, no
cotidiano escolar, práticas e abordagens pedagógicas que negam a subjetividade e os modos
singulares de cada indivíduo. Essas práticas pedagógicas estão principalmente focadas na
ideia de universalidade, o que acaba desconsiderando as especificidades de cada sujeito Nesse
sentido, a pesquisa em interlocução com a psicanálise não se restringe a métodos e
21

metodologias para validar o universal e os resultados das pesquisas de onde surgem o dito
“saber universal”, mas se organiza pautada na verdade de cada sujeito (MARCOS, 2010).

Concordamos com a afirmação de Pereira (2020) de que "a educação, decerto, é para
todos, mas sempre um por um" (p.51). Isso significa que, embora a educação seja um direito
de todos, é necessário reconhecer e validar a singularidade de cada sujeito, levando em conta
suas necessidades, características e potencialidades.

Além da concepção de sujeito que nos é cara, a psicanálise interroga ainda os saberes
absolutos propostos pela ciência. A psicanálise reconhece a constante mudança na sociedade e
nas formas particulares de nos relacionarmos com a verdade. Ela implica em uma postura
ética que evoca o saber "não-todo", reconhecendo que sempre haverá lacunas e
questionamentos que não poderão ser totalmente respondidos. Essa abordagem é fundamental
na pesquisa, sendo uma parte essencial que permanecerá aberta e não será preenchida
(MARCOS, 2010). Conforme apontado por Guerra (2010), a psicanálise se apresenta mais
como uma linha de orientação do que uma verdade absoluta a ser validada ou descartada.
Mesmo que tenhamos hipóteses e direções para a pesquisa, a psicanálise nos leva a considerar
a complexidade do fenômeno estudado.

Destarte, a pesquisa em psicanálise não é definida pela utilização de instrumentos


específicos para a produção do conhecimento. Antes disso, ela parte do desejo do
pesquisador, que é impulsionado pelos questionamentos que sua investigação suscita
(MARCOS, 2010). Dessa forma, o pesquisador está intimamente implicado no campo de
investigação, experimentando os impactos do seu desenvolvimento e revelando a famigerada
ausência de neutralidade nas pesquisas. Como destaca Guerra (2010):

Da escolha de seu tema à escrita que o alinhava, o pesquisador funda um registro


que recolhe o real aí em jogo. E, especificamente da escrita psicanalítica no campo
científico, dá-se a transmissão possível desse resto real que ganha um tratamento
novo (p.142).

A escolha da psicanálise como abordagem em nossa pesquisa é reafirmada pela sua


capacidade de investigação minuciosa e pelo cuidado em reconhecer nossas próprias
limitações, assim como as limitações da própria pesquisa. A psicanálise nos permite dialogar
com o desejo e a posição do pesquisador, assim como com o sujeito da pesquisa. Ela também
nos instiga a refletir sobre o passado que nos trouxe até este momento da produção científica,
exigindo responsabilidade em relação aos efeitos de sua incorporação e uso na sociedade.
22

Como afirma Diniz (2016), essa abordagem nos leva a um acerto de contas com o
passado, reconhecendo as influências e trajetórias que nos levaram a esse ponto da produção
científica. É necessário assumir a responsabilidade pelas implicações e efeitos que essa
abordagem terá na sociedade (GUERRA, 2010).
23

2 O ENQUADRE HISTÓRICO E A EFETIVIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS


EDUCACIONAIS DE INCLUSÃO.

2.1 ENQUADRE HISTÓRICO E LEGISLATIVO

A história da Educação Especial e das Políticas Públicas de Inclusão e Saúde Mental


no Brasil foi marcada por intensas lutas e discussões que moldaram o cenário atual. No
contexto específico do autismo, as iniciativas governamentais para proteger esse grupo foram
tardias, e até o início do século XXI, os cuidados oferecidos a esses indivíduos eram limitados
a instituições filantrópicas como a APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) e
o Instituto Pestalozzi, bem como a organizações não governamentais geralmente mobilizadas
por familiares. Um exemplo desse movimento é a AMA-SP (Associação dos Amigos dos
Autistas de São Paulo), fundada em 1983, considerada o primeiro grupo organizado em prol
da assistência a pessoas com autismo no Brasil (OLIVEIRA et al., 2017).

Segundo Lima et al. (2014), até o final do século XX, a assistência pública às crianças
e adolescentes autistas era frequentemente limitada a tratamentos em "serviços-ilha", isolados
e pouco integrados a outros serviços. Além disso, muitas vezes eram encaminhados a
ambulatórios tradicionais com uma tendência a altos índices de medicalização. No entanto,
em geral, não havia acompanhamento adequado, resultando em um número significativo de
pessoas desassistidas pelo poder público.

Somente no início do século XXI, por meio da Portaria nº 3362, de 19 de fevereiro de


2002 (BRASIL, 2002), angariada pelas discussões realizadas na III Conferência Nacional de
Saúde Mental (2001), foi estabelecido no Brasil um projeto de saúde mental pública que
incluía o atendimento a crianças e adolescentes com autismo. Esse projeto previa a criação
dos CAPSi (Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil) (LIMA et al., 2017), seguindo os
princípios estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Conforme Couto
(2012):

A tomada de responsabilidade, pelo CAPSi, do tratamento de casos de ‘autismo e


psicose’ foi enfatizada logo ao início do processo de sua implantação, apenas pela
necessidade de ele não reproduzir a omissão de cuidado a esses casos, que
atravessara o sistema de saúde mental ao longo do século XX (COUTO, 2012, p.90).

2
Importante destacar que a Portaria nº 336, que normatiza a criação dos CAPSi ainda não traz no texto a
terminologia autismo, mas descreve o atendimento e acompanhamento de crianças e adolescentes em risco
psicossocial, com dificuldades em sustentar e se constituir no laço social (Couto, 2012).
24

De acordo com as informações encontradas, a primeira menção direta ao autismo em


documentos oficiais no campo educacional ocorreu no Censo Escolar3 realizado pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) em 2005. Nas
edições desse censo em 2005 e 2006, o termo "Autismo Infantil" foi utilizado no cadastro dos
estudantes com Necessidades Educacionais Especiais, de acordo com a terminologia da
época. Antes disso, conforme as definições expressas na Política Nacional de Educação
Especial de 1994, os indivíduos autistas eram classificados na categoria de "condutas típicas"
ou "portadores de problemas de conduta" (LAZZERI, 2010)

A partir do ano de 2007, o termo "autismo" foi substituído pelo termo "Transtornos
4
Invasivos do Desenvolvimento (TID)", conforme definido pelo DSM-III-R (Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - Terceira Edição Revisada). Essa categoria
englobava o Autismo Infantil, a Síndrome de Asperger, a Síndrome de Rett e o Transtorno
Desintegrativo da Infância. Em 2008, surgiu a terminologia "Transtornos Globais do
Desenvolvimento (TGD)", em conformidade com a nova Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI, 2008), que será abordada
posteriormente no estudo. Somente em 2009, o termo "autismo" foi retomado como uma
categoria dentro dos TGD, sendo descrito como "Autismo Clássico". Essa denominação se
manteve até 2018, com uma única modificação em 2011, quando o termo "Clássico" foi
substituído por "Infantil". A última modificação ocorreu em 2019, quando foi adotada a
designação "Transtorno do Espectro Autista (TEA)" de acordo com o DSM-V, sendo essa
também utilizada na CID-11.

A nomenclatura utilizada no Censo Escolar para designar os alunos público-alvo da


Educação Especial também passou por modificações. A partir de 2009, o campo
"Necessidades Educacionais Especiais" passou a ser denominado como "Aluno com
Deficiência, Transtorno Global do Desenvolvimento ou Altas Habilidades/Superdotação", em
conformidade com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva (PNEEPEI, 2008) (LAZZERI, 2010). Essa mudança refletiu a compreensão mais
abrangente da diversidade de necessidades educacionais dos estudantes com o objetivo de
reforçar o compromisso com a inclusão educacional.

3
O Censo Escolar é uma ferramenta de pesquisa estatística do campo educacional em âmbito nacional, realizado
anualmente. Compreende as instâncias municipais e estaduais, públicas e privadas. Contempla as diferentes
etapas e modalidades de ensino, incluindo a Educação Especial.
4
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, terceira edição – Revisão, publicado em 1989.
25

Em relação à Educação Especial e às perspectivas de uma educação inclusiva,


encontramos algumas passagens que esboçaram tais proposições, como no Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova (1932), em que há uma menção acerca do ideal de uma escola
para todos, na qual o Estado teria, entre suas funções, a de possibilitar uma escola comum e
acessível a todos os estudantes (AZEVEDO et al., 2010 in NASCIMENTO, 2019).

No início do século XX, temos a fundação do primeiro Instituto Pestalozzi brasileiro,


no Rio Grande do Sul (1926). Mais tarde, em 1932, a Sociedade Pestalozzi criada por Helena
Antipoff, em Belo Horizonte, sendo instituída a Sociedade Pestalozzi do Brasil em 1945. A
Associação reuniu intelectuais e profissionais que se dispuseram a discutir sobre as
concepções relativas aos até então chamados de “anormais”, seu acolhimento, questões de
cuidado e

Em 1954, iniciou-se a criação de institutos, escolas e classes especiais, bem como a


fundação da APAE - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, no Rio de Janeiro. Essa
associação foi concebida a partir do movimento assistencialista de pais, médicos e terapeutas
que buscavam uma organização para atender às necessidades das crianças com necessidades
especiais, especialmente os transtornos e deficiências mentais. No entanto, somente após a
publicação da Emenda Constitucional n.º 1 de 1969, o Brasil começou a tratar de forma mais
sistemática a educação desse público, com o objetivo de integrá-los, mas não de incluí-los
plenamente (FARAH e CUNHA, 2021). A emenda mencionava no Art.175 § 4º que "uma lei
especial irá dispor sobre a assistência à maternidade, à infância e à adolescência e sobre a
educação de excepcionais", e reafirmava no Art.176 que "a educação, inspirada no princípio
da unidade nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade humana, é um direito de todos e
dever do Estado, e será fornecida no lar e na escola" (BRASIL, 1969).

Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, impulsionada pelo


cenário pós-Segunda Guerra Mundial, foram estabelecidas diretrizes mais robustas em relação
à proteção e garantia dos direitos dos sujeitos (PIMENTA, 2019). No que diz respeito à
Educação, o Artigo 26 assegurou o direito à instrução, estabelecendo que esta deveria ser
gratuita, principalmente nos níveis elementares, obrigatória e fundamental. Além disso,
enfatizou a importância de uma formação que valorizasse e respeitasse os sujeitos, levando
em consideração questões raciais e religiosas, promovendo a tolerância e a amizade
(Resolução ONU n.º 217 A (III), de 10 de dezembro de 1948). A Declaração afirmou que
todos os indivíduos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, e o acesso e a permanência
na escola são considerados um desses direitos, servindo como base para o estabelecimento de
26

políticas e regulamentações posteriores à sua criação.

No Brasil, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi estabelecida de


forma enfática a obrigação do Estado e da família em promover uma educação para todos,
visando o desenvolvimento dos indivíduos para o exercício da cidadania e sua atuação no
mercado de trabalho. Essa normativa foi reforçada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
- ECA (BRASIL, 1990), Lei 8.069/90, que estabelece a responsabilidade dos pais ou
responsáveis de matricular seus filhos na rede regular de ensino. A Constituição também
define os princípios pelos quais a Educação deve ser pautada.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o
saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições
públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; (BRASIL,1988).

No artigo 208, inciso III, a Constituição Federal também assegura os serviços de


Atendimento Educacional Especializado (AEE) aos estudantes que apresentam necessidades
educacionais especiais, sendo esse atendimento realizado “preferencialmente” no ensino
regular.

Em 1994, durante a Conferência Mundial sobre Educação Especial em Salamanca, na


Espanha, foi promulgada a Declaração de Salamanca5. Essa declaração introduziu o conceito
de inclusão social como um processo indispensável que deve ocorrer por meio do ensino
regular, sem qualquer forma de segregação. O artigo 4º da declaração destaca que a Educação
Especial é uma fonte de benefício para todos os estudantes, reconhecendo que uma prática
centrada na criança fortalece todo o sistema educacional e, consequentemente, toda a
sociedade, ao valorizar as diferenças intrínsecas entre os indivíduos e respeitar suas
singularidades. A Declaração de Salamanca enfatiza a necessidade de mudança em relação à
inclusão social das pessoas com necessidades específicas, que por muito tempo foram
marginalizadas por uma sociedade que via suas diferenças como incapacitantes e
determinantes (ESPANHA, 1994).

5
Cabe salientar o aparente não comparecimento de um representante formal brasileiro, sendo que a Conferência
é considerada como um ponto chave da discussão sobre a inclusão nos contextos internacionais.
27

É importante reconhecer que as políticas de inclusão descritas nos documentos


internacionais, como a Declaração de Salamanca, estão inseridas em um contexto
socioeconômico específico. Essas conferências e tratados internacionais, produzidos na
década de 1990, foram influenciados pelas ideias neoliberais em ascensão, com a participação
do Banco Mundial e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO). No entanto, é necessário ter cautela ao analisar essas políticas,
considerando seu alinhamento com as reformas neoliberais. Alguns estudiosos, como Garcia
(2014) e Libâneo (2012), apontam para a importância de se examinar criticamente as políticas
de inclusão, levando em conta seu contexto e as possíveis implicações socioeconômicas.

Ainda que essas diretrizes pareçam expressar proposições democráticas e inclusivas, é


importante considerar que as diretrizes internacionais de inclusão podem conter aspectos
ocultos em seu discurso. Conforme mencionado por Coraggio (1996) e citado por Libâneo
(2012), essas diretrizes estão vinculadas a políticas de ajuste econômico, alinhadas aos
princípios neoliberais de mercado, com o objetivo de impulsionar a política econômica por
meio da instrumentalização das políticas sociais. Essa perspectiva crítica destaca a
necessidade de examinar cuidadosamente o contexto e os interesses subjacentes às políticas
de inclusão, a fim de compreender as implicações sociais e econômicas envolvidas.

A respeito disso, Cury (2008) vê, problematiza a forma como as normativas vieram se
estruturando, no intuito dessa dita universalização da educação de forma organizada,
sistemática e democrática, enquanto somos marcados pelas relações de desigualdade social,
impeditivos nítidos que se refletem na escola em variadas formas de exclusão, associadas,
principalmente, aos preceitos mercadológicos neoliberais que fundamentam as construções
das diretrizes educacionais. Nesse sentido, “a educação escolar, similar a outras dimensões da
vida sociocultural, então coexiste nessa contradição de ser inclusiva e seletiva nos modos e
meios dessa inclusão e estar, ao mesmo tempo, sob o signo universal do direito” (CURY,
2008, p.210).

A abordagem de Cury (2008) enfatiza as contradições presentes na estruturação das


normativas de educação, que buscam promover a universalização da educação de forma
organizada, sistemática e democrática, ao mesmo tempo em que somos confrontados com
desigualdades sociais evidentes que se refletem em impeditivos refletidos nas diversas formas
de exclusão presentes nas escolas. Essas exclusões estão associadas, principalmente, aos
princípios neoliberais de mercado que fundamentam as diretrizes educacionais. Nesse
contexto, a escola, assim como outras dimensões da vida sociocultural, convive com a
28

contradição de ser inclusiva e segregadora em suas práticas de inclusão, enquanto se mantém


sob o paradigma universal do direito à educação (CURY, 2008).

No Brasil, no mesmo período, foi desenvolvido o Plano Nacional de Educação


Especial (PNEE), que estabeleceu princípios, diretrizes e metas para orientar um processo de
"integração instrucional". Esse plano visava garantir condições de acessibilidade para
estudantes com necessidades especiais no ensino regular (NASCIMENTO, 2019). É
importante ressaltar que o termo "portadores de necessidades especiais" era utilizado na
linguagem legal brasileira na época, embora já houvesse discussões sobre inclusão e a
terminologia "portadores" não fosse mais adequada.

Dois anos depois, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB, nº 9.394/1996)6, que apresenta diretrizes para pensar os currículos e as estratégias de
estruturação que atendam, de forma geral, os estudantes brasileiros, além de reforçar o acesso
à educação básica como um direito obrigatório. No capítulo V, a lei aborda a Educação
Especial como uma modalidade de educação escolar, a ser realizada "preferencialmente" na
rede regular de ensino para estudantes “portadores necessidades especiais" a partir das
seguintes considerações:

§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular,


para atender as peculiaridades da clientela de educação especial.
§ 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços
especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for
possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.
§ 3º A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na
faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil (BRASIL, 1996).

A LDB também aborda os currículos, métodos, técnicas e recursos educacionais


específicos para atender aos estudantes do público-alvo da Educação Especial, bem como as
adaptações necessárias para aqueles que têm tempos de aprendizagem diferentes. Ela
menciona a contratação de professores especializados para atendimento na Educação
Especial, assim como a capacitação de professores para a “integração”7 desses estudantes na
sala de aula regular. A lei também ressalta que a modalidade de ensino especial deve estar
voltada para o campo do trabalho e que os estudantes têm direito aos benefícios de programas
sociais de acordo com seu nível de ensino regular. No entanto, o Art. 60 da lei prevê o
funcionamento de instituições privadas sem fins lucrativos que atendem ao público da
Educação Especial, com a possibilidade de apoio técnico e financeiro do Poder Público (LDB,
nº 9.394/1996). Isso acaba reforçando a atuação e a manutenção dessas instituições que

6
As considerações feitas sobre a LDB partem de seu texto original publicado em 1996.
7
Termo utilizado pela LDB.
29

oferecem uma educação especial segregadora, revelando um entendimento contraditório que


se repete em outros textos normativos.

No âmbito internacional, diversas políticas e declarações foram estabelecidas para


promover a inclusão social e educacional das pessoas em situação de deficiência. A
Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989) foi um marco nesse sentido, garantindo
os direitos das crianças. A Declaração de Santiago (Chile, 1998) enfatizou a luta contra a
discriminação e a integração dos grupos vulneráveis. A Carta para o Terceiro Milênio
(Londres, 1999) propôs estratégias para efetivar os direitos desse público, com base no
empoderamento. A Convenção Interamericana da Guatemala de 1999 (promulgada no Brasil
pelo Decreto nº 3.956/2001) discutiu ações para eliminar a discriminação das pessoas com
deficiência. A Declaração de Sapporo (Japão, 2002) abordou temas como acessibilidade,
inclusão e educação inclusiva. Esses são apenas alguns exemplos dos momentos em que
foram debatidas as condições da infância e o acesso à educação em todo o mundo (FARAH e
CUNHA, 2021).

Fazendo um comparativo entre os países da América Latina, a perspectiva inclusiva


varia refletindo a heterogeneidade dos contextos em cada nação. Diferentes abordagens e
práticas são adotadas, mesmo que a maioria dos países inclua a Educação Especial ou
demonstre preocupação com as necessidades educacionais especiais dos estudantes. Não há
um consenso unânime sobre o significado e a aplicação do conceito de inclusão, embora
existam pontos de semelhança entre eles (RICO, 2010; DOMÍNGUEZ; BOBADILLA, 2019).
Cada país lida com desafios específicos e busca soluções adequadas às suas realidades sociais,
econômicas e culturais.

É interessante observar que a aplicabilidade da inclusão nos diferentes níveis e etapas


de escolarização varia entre os países da América Latina. Um exemplo disso é o Equador, que
até 2010 aplicava a inclusão escolar apenas na Educação Infantil e no Ensino Primário. Por
sua vez, a Argentina estendia a inclusão também ao colegial, equivalente ao Ensino Médio
nos dias atuais. Já o Paraguai e o Uruguai incluíam a formação profissional, enquanto o Brasil
e a Venezuela já contemplavam o nível superior em suas políticas de inclusão (RICO, 2010).
Essas diferenças demonstram a diversidade de abordagens e o alcance da inclusão em cada
contexto educacional latino-americano.

Ao analisarmos as percepções de inclusão que estavam em evidência na formação de


professores nos países da América Latina observamos que elas variavam significativamente.
De acordo com Abdalla e Almeida (2020), na Argentina, a concepção de inclusão está mais
30

voltada para os processos escolares e para as necessidades educativas especiais. Na Colômbia,


a inclusão é entendida de forma multidimensional, englobando a diversidade e enfatizando o
compromisso social das políticas inclusivas. No Peru, há uma centralidade nas questões
curriculares, em diálogo com a comunidade, com um foco na concepção de diversidade
relacionada à interculturalidade. Já no Brasil, a perspectiva de inclusão é abrangente e envolve
diversos aspectos e concepções, como as discussões étnico-raciais, de gênero e orientação
sexual, classe social e necessidades educacionais específicas (ABDALLA; ALMEIDA, 2020).

O cenário da Educação Especial no Chile, conforme apontado por Garcia e López


(2019), apresenta particularidades em relação à incorporação do discurso inclusivo. Até o ano
de 20158, as políticas educacionais chilenas eram fortemente baseadas no conceito de
integração, por meio do Programa de Integração Escolar (PIE). Segundo as pesquisadoras
essas políticas favoreciam uma estrutura em que os sujeitos com necessidades especiais
permanentes9 eram mantidos nas escolas especiais, de forma que, embora incluídos na
estrutura da política de educação especial10, permaneciam exilados do ensino regular.

Retomando a organização das políticas brasileiras, após a promulgação da Lei de


Diretrizes e Bases (LDB) em 1996, o Brasil deu continuidade à implementação de políticas
voltadas para a inclusão educacional. Em 2003, foi criado o "Programa Educação Inclusiva:
direito à diversidade", que tinha como objetivo capacitar professores e gestores para lidar com
as mudanças ocorridas no campo educacional, especialmente em relação aos princípios da
educação inclusiva.

No ano seguinte, em 2004, o Ministério Público Federal promulgou o documento


intitulado “O Acesso de Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede
Regular”. Esse documento, também conhecido como "manual de educação inclusiva", teve
como o objetivo expandir os conceitos adequados, alinhados aos documentos internacionais,
informando aspectos jurídicos e educacionais, bem como as disposições pedagógicas, além de
dedicar um subitem à Educação Especial e ao AEE enquanto modalidade conforme o disposto

8
Em 2015 houve a publicação do texto, intitulado “Propuestas para avanzar hacia un sistema educativo
inclusivo en Chile: Un aporte desde la educación especial” que buscou alavancar a perspectiva inclusiva,
embora não tenha alterado a possibilidade de os estudantes estarem matriculados em escolas especiais
(GARCIA; LÓPEZ, 2019).
9
Pessoas com deficiências auditivas, intelectuais, visuais, transtornos específicos de linguagem, transtornos
motores, transtornos do espectro autista, grandes alterações na capacidade de interação e comunicação
(GARCIA; LÓPEZ, 2019).
10
O Decreto Supremo nº1 de 1998 do Chile que discorre sobre a Educação Especial especifica que: “Quando a
natureza e/ou grau de deficiência não possibilite a integração nos estabelecimentos comuns, a educação especial
será realizada em escolas especiais, o que deverá ser avaliado por equipes multiprofissionais do Ministério da
Educação” (GARCIA; LÓPEZ, 2019).
31

na LDB, que deveria acompanhar todas as etapas e níveis de ensino. (BRASIL, 2004).

Com a criação do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) em 2007, houve um


reforço das diretrizes existentes, buscando uma visão de educação democrática que
combatesse as desigualdades sociais e regionais presentes no contexto brasileiro. O PDE
também abordou a questão da Educação Especial e destacou a necessidade de superar a visão
segmentada que se havia criado em relação à educação regular. O plano buscou reconhecer
que as políticas de Educação Especial, na perspectiva da transversalidade, não estavam
efetivamente incorporando os princípios inclusivos e atendendo às necessidades educacionais
dos estudantes. Em muitos casos, essas políticas estavam restritas a apenas uma parte do
processo, sem abranger de forma integral a educação inclusiva. O PDE destacou a
importância de uma compreensão sistêmica da educação, capaz de superar as tensões entre o
ensino regular e o ensino especial presentes no cotidiano escolar.

No ano seguinte, em 2008, ocorreram dois movimentos direcionados à Educação


Especial: o Decreto nº 6.57111 e a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva (PNEEPEI). O Decreto nº 6.571 tratou do compromisso da União em
apoiar tecnicamente e financeiramente o sistema público de ensino no que diz respeito ao
atendimento educacional especializado (AEE) aos alunos com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. O objetivo era expandir a oferta
desse atendimento, além de estabelecer os objetivos do AEE e mobilizar ações que apoiassem
o processo relacionado ao mesmo, como a formação dos educadores e a acessibilidade
estrutural e formativa no ambiente escolar (BRASIL, 2008).

Já a PNEEPEI (2008), apresentada pelo Ministério da Educação/Secretaria de


Educação Especial, realizou uma análise legislativa sobre o histórico da Educação Especial no
Brasil, assim como uma caracterização das matrículas desse público-alvo. O texto da política
abrange diretrizes que ampliam o conceito do público-alvo da Educação Especial.

As definições do público alvo devem ser contextualizadas e não se esgotam na mera


categorização e especificações atribuídas a um quadro de deficiência, transtornos,
distúrbios e aptidões. Considera-se que as pessoas se modificam continuamente
transformando o contexto no qual se inserem. Esse dinamismo exige uma atuação
pedagógica voltada para alterar a situação de exclusão, enfatizando a importância de
ambientes heterogêneos que promovam a aprendizagem de todos os alunos.
(BRASIL, 2008, p.15)

11
Revogado pelo Decreto nº 7.611/2011.
32

O documento reafirmou a necessidade de transversalidade na Educação Especial,


compreendendo todas as etapas de ensino, bem como os serviços e recursos disponibilizados a
esses estudantes no ensino regular. Além disso, destaca a importância da formação de
professores, da relação entre família, escola e comunidade, da acessibilidade e da "articulação
intersetorial na implementação das políticas públicas" (BRASIL, 2008, p.14).

No que diz respeito às crianças diagnosticadas com autismo, a PNEEPEI revisita e


define o público-alvo da Educação Especial, incluindo os transtornos globais do
desenvolvimento, nos quais o autismo estava classificado nos manuais de diagnóstico. Isso
permitiu que esses sujeitos tivessem acesso aos recursos e serviços descritos na política. No
entanto, esse acolhimento efetivo só se tornou possível após a publicação da Lei nº
12.764/2012, conhecida como Lei Berenice Piana, que reconheceu o autismo como
deficiência para todos os fins legais (PIMENTA, 2019).

Em outubro de 2009, foi publicada a Resolução nº 4 pelo Conselho Nacional de


Educação - MEC, que aborda a implementação do Decreto nº 6.571/2008. Em seu Artigo 1º,
enfatiza a responsabilidade dos sistemas de ensino em matricular estudantes com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação na rede regular de
ensino, assim como no Atendimento Educacional Especializado, com o apoio das salas de
recursos multifuncionais. No entanto, o texto também menciona em seu Artigo 5º a
possibilidade de oferecer atendimento em instituições comunitárias, confessionais ou
filantrópicas, reconhecendo essas instituições como parte integrante dos documentos
normativos que tratam desse tema.

Com a implementação do Plano Nacional de Educação (2011-2020), elaborado pelo


Ministério da Educação, foram estabelecidas propostas e metas para a Educação no Brasil.
Dentre as 20 metas contidas no documento, a Meta 4 apresenta diretrizes específicas para os
alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação, na faixa etária entre 4 e 17 anos, em consonância com os
compromissos assumidos pelo país junto à Organização das Nações Unidas (ONU). Essa meta
destaca o compromisso de garantir um sistema de ensino inclusivo em todos os níveis e etapas
de ensino, além de reconhecer a educação como um direito inalienável (BRASIL, 2011).

O ano de 2012 foi de grande importância para as pessoas autistas. Nesse ano, foi
estabelecida a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do
Espectro Autista, por meio da aprovação da Lei nº 12.764, conhecida como Lei Berenice
33

Piana12. Essa lei desperta opiniões divergentes entre pesquisadores e ativistas, sendo
considerada por muitos como uma conquista significativa. No entanto, também trouxe à tona
o antagonismo entre famílias de autistas e profissionais da saúde mental (RIOS; CAMARGO
JR., 2019).

A Lei Berenice Piana discorre inicialmente sobre a configuração identitária do autismo


enquanto deficiência para todos os efeitos legais e versa posteriormente, em seu Artigo 3º,
sobre os direitos desses sujeitos. No Artigo 2º, a lei estabelece sete diretrizes que regem essa
política, com o objetivo de ampliar o acesso aos direitos das pessoas autistas e suas famílias.
Dentre essas diretrizes, destacam-se a promoção da intersetorialidade para impulsionar ações,
políticas e atendimento às pessoas autistas, o envolvimento da comunidade na sua construção,
a atenção às questões de saúde, incluindo o diagnóstico precoce e a assistência
multiprofissional, o estímulo à capacitação e formação de profissionais, e o incentivo à
pesquisa científica (BRASIL, 2012).

Embora a Lei Berenice Piana seja vista como uma conquista por grande parte da rede
que engloba o autismo, ela é alvo de críticas e apresentas problemas significativos.
Inicialmente, presenciamos o retorno do autismo ao rol das deficiências, envolto por esse
manto, um enquadramento que se deu muito mais por uma questão política do que clínica
(FERREIRA E VORCARO, 2019). Além disso, mesmo entre os pesquisadores que não
discutem a problemática do enquadramento do autismo enquanto deficiência, há discussões
sobre a falta de especificidade do texto em relação aos tratamentos, intervenções e ações do
poder público nesse sentido, o que deixa lacunas na forma como a legislação será estabelecida
e efetivada na realidade dos sujeitos. Conforme Rios e Camargo Jr. (2019) esclarecem:

[...] Considerando-se todos os benefícios garantidos pela Lei no 12.764, a história da


mobilização e das controvérsias que antecederam e sucederam sua aprovação
demonstra que, no cerne das reivindicações dos familiares, está a demanda por um
tratamento especializado para as pessoas com transtorno do espectro autista. O texto
da lei não é específico no que diz respeito a tratamentos, estabelecendo apenas que o
autista tem direito a “atendimento multiprofissional”. Para uma boa parte dos pais
ativistas, como Berenice Piana, e diversas associações de pais envolvidas na luta
pela aprovação da lei, isso deveria implicar a criação de centros especializados para
o tratamento para autistas (RIOS; CAMARGO JR., 2019, p. 1112).

Há também uma preocupação, especialemnte por parte das famílias, a respeito do


atendimento dos autistas nos CAPSi, uma vez que a instituição geralmente não possui
profissionais especializados, o que limita a dimensão dos atendimentos. Além disso, no que

12
Berenice Piana, mulher, militante, mãe de um autista e coautora da Lei nº 12.764, foi homenageada dando
nome a esta lei, uma vez que foi sua articuladora através de iniciativa popular na luta pelos direitos das pessoas
autistas.
34

diz respeito à escolarização, a Lei n°. 12.764 não é clara quanto aos atendimentos
especializados direcionados a esse público, bem como à disponibilização das equipes
multiprofissionais e dos profissionais de apoio que fazem o acompanhamento desses
estudantes no ambiente escolar (COSTA E FERNANDES, 2018). Tal política, embora
proponha uma equiparação dos direitos dos sujeitos autistas ao das pessoas com deficiência,
possui muitos hiatos sobre a forma como tal proposição será efetivada em todos os aspectos
em que ela apresenta (COSTA E FERNANDES, 2018; RIOS; CAMARGO JR., 2019,
PIMENTA, 2019).

Em dezembro de 2014, o Decreto nº 8.368 foi publicado para regulamentar a Lei


Berenice Piana, fornecendo direcionamentos mais específicos sobre o atendimento a pessoas
autistas. O decreto descreve de forma mais detalhada as competências do Ministério da Saúde.
Em relação à Educação, o Artigo 4º aborda a garantia de acesso dos alunos ao sistema
educacional público e gratuito, enfatizando a transversalidade da Educação Especial, desde a
Educação Infantil até o Ensino Superior (BRASIL, 2014). Com essa publicação, a
obrigatoriedade das escolas públicas regulares em receber alunos autistas se tornou mais
explícita, embora já fosse garantida por outras políticas e documentos legais.

Ao incluir o autismo no campo das deficiências, houve impactos concretos no


funcionamento das políticas públicas que vão além do discurso normativo. Podemos observar,
por exemplo, o uso do símbolo do autismo em placas de atendimento preferencial em locais
públicos, bem como outras ações tangíveis, principalmente nos setores da saúde e da
educação (PIMENTA, 2019). No entanto, como Pimenta (2019) aponta:

O risco de se tomar o autismo como uma deficiência é o de esquecer, pelo cotidiano


do uso, de que seja, apenas, “para todos efeitos legais” (Brasil, 2012). A implicação
trazida por tal lapso eclipsa o entendimento de que se trata de um modo particular de
estar no mundo e não deficiente (p.17).

Avançando para julho de 2015, foi decretada e sancionada a Lei 13.146, conhecida
como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência ou Estatuto da Pessoa com
Deficiência. Essa lei, conforme estabelecido em seu Artigo 1º, tem como objetivo afirmar e
garantir os direitos e liberdades fundamentais da pessoa com deficiência, com foco na
inclusão social e na cidadania, em conformidade com a Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados em 2008 (BRASIL, 2015). A
lei apresenta um texto mais abrangente, com uma abordagem didática e detalhada dos direitos
das pessoas com deficiência, fornecendo conceitos e diretrizes que devem orientar tanto as
ações do setor público quanto do setor privado no que diz respeito à inclusão.
35

Com referência ao processo de inclusão escolar, o Estatuto da Pessoa com Deficiência,


em seu Capítulo IV (Do Direito à Educação) descreve as normativas relativas ao acesso e à
permanência dos estudantes com deficiência, assim como o direito a um sistema educacional
inclusivo em todas as etapas de ensino e no aprendizado ao longo da vida, bem como o dever
do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade de contribuírem nesse processo.
O Artigo 28 do Estatuto detalha várias disposições sobre como assegurar, desenvolver,
implementar, acompanhar e avaliar o sistema educacional inclusivo, abrangendo 18 incisos
que abordam práticas e ações pedagógicas, formação de profissionais, manutenção de espaços
e recursos estruturais e tecnológicos, além de incentivar pesquisas que promovam o
desenvolvimento de novos recursos pedagógicos e tecnológicos, e a participação ativa de
estudantes e suas famílias na comunidade escolar. Essas disposições se aplicam também às
instituições privadas, proibindo a cobrança de valores adicionais em mensalidades, anuidades
ou matrículas para a oferta de serviços aos estudantes com necessidades específicas.

A Lei nº 13.977, também conhecida como "Lei Romeo Mion", foi sancionada em
janeiro de 2020 e trouxe alterações à Lei Berenice Piana (2012). Essa lei tem como objetivo
principal a criação da Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista
(Ciptea), emitida de forma gratuita. A Ciptea tem como propósito prioritário assegurar o
atendimento e os direitos integrais das pessoas autistas, especialmente nas áreas da saúde,
educação e assistência social, conforme estabelecido pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência
(2015). A Ciptea é um documento válido por cinco anos, que requer revalidação periódica, e
tem como finalidade fornecer um registro quantitativo do número de pessoas autistas em todo
o país. Além disso, a carteira contém informações sobre o indivíduo autista e seu responsável
legal, bem como o código de classificação do autismo na Classificação Internacional de
Doenças (CID).

As pesquisas que discutem os possíveis desdobramentos da Lei nº 13.977 ainda são


escassas, mas é possível observar problemáticas relacionadas à pouca especificidade presente
no documento oficial em relação à proposta de melhoria do atendimento integral aos sujeitos
autistas (SILVA e JÚNIOR, 2021). Além disso, a formatação do documento, que apresenta o
código do CID como um meio de identificação do sujeito, promove um discurso alinhado ao
modelo médico e à concepção do autismo como uma deficiência ou doença. Dessa forma, o
delineamento do Ciptea também tem implicações potencialmente problemáticas que podem
afetar a subjetividade e os processos identitários dos sujeitos autistas.
36

Ainda no ano de 2020, no mês de setembro, vivenciamos uma tentativa de retrocesso


dos direitos das pessoas com necessidades educacionais específicas com implementação do
Decreto 10.502/202013, promulgado pelo atual Presidente do país e pelo então Ministro da
Educação, Milton Ribeiro. Ministro que, longo de seu mandato, proferiu discursos
segregacionistas e capacitistas. O referido Decreto estabelece a Política Nacional de Educação
Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida (PNEE) com a intenção
de substituir a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
(PNEEPEI), vigente desde o ano de 2008.

Tal política tem como principal crítica a ampliação dos espaços de escolaridade, de
maneira que a escolarização dos estudantes em situação de deficiência, autistas e com altas
habilidades/superdotação possa ocorrer integralmente em instituições exclusivas, retirando-se
a obrigatoriedade das matrículas na rede regular de ensino, desvalorizando principalmente os
princípios da inclusão (ROCHA; MENDES; BROGLIA, 2021; SANTOS; MOREIRA, 2021).
O texto está descrito de tal forma que ampara o esvaziamento do atendimento desses
estudantes na escola pública comum, retornando para uma perspectiva segregadora,
propiciando a separação dos alunos público-alvo da Educação Especial em instituições
especiais isoladas. Além disso, o Decreto não descreve as formas de manutenção dos
recursos, nem os deveres do Estado no âmbito da educação pública, além de ampliar a
possibilidade de atuação das entidades privadas e filantrópicas, na medida em que permite que
elas concorram pelo financiamento público (LIMA; MORAES; LIMA, 2021; ROCHA;
MENDES; BROGLIA, 2021).

Após aproximadamente 60 dias de sua promulgação, o Decreto foi suspenso pelo


Supremo Tribunal Federal (STF) devido à indignação de diversos setores da sociedade e às
discussões geradas sobre o impacto dessa nova política na realidade das pessoas afetadas.
Houve manifestações de repúdio de inúmeros órgãos e entidades científicas, como a ABPEE
(Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial), a ANPEd14 (Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação) e a Campanha Nacional pelo Direito à
Educação, entre outros. O argumento apresentado pelo Supremo Tribunal Federal foi que esse
instrumento jurídico era inconstitucional, uma vez que violava as leis vigentes no país, como
a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, que possui status de Emenda
13
Embora o Decreto tenha sido publicado em 2020, Rocha; Gonçalves e Broglia (2021) nos alerta que sua
tramitação começou ainda no ano de 2018, contanto, inclusive com uma consulta pública de pouco acesso e
divulgação que contou com a participação de 8.329 pessoas de todo país, sendo que apenas 39% eram docentes.
14
A ANPEd foi habilitada como amicus curi (entidade que subsidiou o debate) na audiência pública referente a
Educação Especial e a constitucionalidade do Decreto 10.502/2020.
37

Constitucional. De acordo com essa decisão, os Decretos Presidenciais não têm competência
para alterar ou excluir direitos e obrigações estabelecidos em normas com força de lei
(ROCHA; MENDES; BROGLIA; 2021).

No entanto, estamos vivenciando um momento histórico em que há muitas


controvérsias em relação aos aspectos legislativos. De acordo com Rocha, Gonçalves e
Broglia (2021), o Ministério da Educação, conforme apontado pelo PSB Nacional (Partido
Socialista Brasileiro), continua descumprindo as determinações do Supremo Tribunal Federal
e tem reafirmado as medidas descritas no PNEE-2020, por meio de ações e divulgação nas
mídias sociais. Embora o Decreto esteja suspenso, ainda há um cenário de fragilidade e
insegurança em relação aos direitos das pessoas mencionadas no documento.

A "nova" Política Nacional de Educação Especial é caracterizada por um viés


privatista e anacrônico, representando um grande retrocesso em relação às políticas públicas,
aos esforços da sociedade e aos compromissos assumidos pelo país para superar a segregação
e a exclusão na Educação Especial (ABPEE, ANPEd, 2020; CNTE15, 2020). O que
observamos é um discurso que direciona o público-alvo dessa política de volta às escolas
especializadas, retomando um modelo biomédico de deficiência (ABPEE, ANPEd, 2020),
fortalecendo uma escolarização segregadora. Isso resulta em uma culpabilização dos sujeitos
pelo fracasso escolar, enquanto ignora as barreiras culturais e sociais excludentes e
conservadoras que permeiam todo o processo educacional (MIEIB16, 2020; Santos, Moreira,
2021).

Ademais, tal política se caracteriza mais um mecanismo de desmantelamento do papel


do Estado (ABPEE, ANPEd, 2020), negando os direitos e interesses de uma sociedade que
busca ser plural e progressista. Ela se utiliza da Educação Especial sob o pretexto da equidade
para promover a privatização da Educação (CNTE, 2020; MIEIB, 2020).

15
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação.
16
Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil.
38

2.2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO FUNCIONAMENTO E CONSTRUÇÃO DAS


POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL.

Ao longo deste capítulo, podemos perceber a extensão de documentos normativos e


diretrizes que tratam dos direitos das pessoas com deficiência, incluindo os sujeitos autistas,
por força de lei. A proteção jurídica oferecida a eles foi bastante negligenciada durante muito
tempo, o que impediu o acesso desses sujeitos a diversos bens e serviços públicos, mesmo
após a promulgação da Constituição de 1988, que garante a igualdade de direitos para todos
os cidadãos.

Observando o cenário legislativo atual, percebemos os avanços no detalhamento e


expansão dos textos normativos que tratam da proteção e garantia dos direitos das pessoas
com necessidades educacionais específicas. No entanto, ainda observamos no campo
educativo diversas discrepâncias em relação a essas legislações, resultando em um cenário
que continua marcado por situações de exclusão. Diante desse panorama, destacamos três
eixos de discussão para abordar essa questão: o campo jurídico e a gestão pública na
efetivação das políticas públicas no Brasil, os embaraços conceituais e o papel da educação
especial, e as pesquisas acadêmicas sobre inclusão com foco na escolarização de estudantes
autistas.

Ao analisarmos os documentos normativos relacionados à educação inclusiva, surgem


questionamentos pertinentes: por que ainda enfrentamos tantas dificuldades e barreiras na
realidade escolar quando se trata da efetivação de uma escola verdadeiramente inclusiva?
Apesar de contarmos com uma legislação abrangente sobre o assunto, mesmo que com
trechos e proposições questionáveis, por que observamos tão pouco progresso no âmbito
prático?

Conforme apontado por Costa e Fernandes (2018), no Brasil, embora exista uma
ampla gama de publicações que tratam dos direitos e diretrizes para proteção e inclusão social
e educacional das pessoas em situação de deficiência, e mesmo com avanços significativos
nos últimos anos, ainda há uma grande lacuna entre os objetivos e as proposições presentes
nas políticas públicas e os efeitos observados no cotidiano dos sujeitos, especialmente no caso
dos estudantes autistas. É evidente a enorme discrepância entre o que é estabelecido pela
legislação e a realidade do processo inclusivo brasileito.
39

Conforme apontado pelas autoras, a realidade enfrentada pelos sujeitos autistas ainda é
a exclusão, uma vez que a maioria das transformações desejadas no sistema inclusivo não saiu
do papel. Isso valida as discrepâncias existentes entre o quadro legislativo e as ações efetivas
voltadas para a materialização do que está descrito nas políticas públicas inclusivas, que têm
como objetivo atender a todos os sujeitos que são alvo dessas diretrizes.

Diante da atual configuração política do nosso país, é necessário ir além de


simplesmente "vedar atitudes discriminatórias, proibir a exclusão ou prever formalmente um
amplo e extenso rol de garantias", como destacado por Costa e Fernandes (2018, p.216). Uma
questão latente, especialmente em países em desenvolvimento, é a gestão dos recursos
públicos e a configuração política necessária para que as propostas presentes nas políticas
públicas sejam efetivamente implementadas pelo Estado, garantindo assim os direitos de
forma efetiva. Essas propostas estão sujeitas às decisões dos gestores públicos, que revelam os
interesses e a postura dos governantes, assim como suas prioridades.

Costa e Fernandes (2018) entendem que a

dimensão de direitos envolve demandas de caráter prestacional, implicando uma


atividade positiva do Estado que depende da disponibilidade de recursos para a
implementação de Políticas Públicas que permitam a efetividade material de tais
direitos, em consequência disso, o Estado passa a ser o meio para atingir o fim
almejado. Daí se constata a problematicidade da concretização dos direitos.
(COSTA e FERNANDES, 2018, p.217)

Conforme apontado pelas autoras, essa problemática está relacionada à conduta da


administração pública, que muitas vezes oferece condições precárias e ineficazes, mesmo
quando os direitos garantidos estão previstos de forma imperativa na legislação. O dinheiro
público frequentemente é alocado em grandes volumes para demandas menos urgentes, como
publicidade governamental e comunicação social, em vez de ser direcionado para áreas
prioritárias. Além disso, enfrentamos um cenário político permeado por desvios de dinheiro
público, corrupção e clientelismo em quantidades alarmantes.

Essas análises são corroboradas pelo fato de que, de acordo com o Instituto Brasileiro
de Planejamento Tributário (IBPT), o Brasil é um dos países com uma das maiores cargas
tributárias do mundo, porém, apresenta um retorno relativamente baixo em políticas de bem-
estar social, conforme destacado por Olenike et al. (2015, in Costa e Fernandes, 2018). Fato
que está diretamente relacionado à gestão das políticas públicas.
40

Diante dessa realidade, é notório no campo jurídico o aumento de ações judiciais em


que famílias se mobilizam na tentativa de garantir e efetivar seus direitos. Isso evidencia a
inércia, as barreiras e a luta contínua enfrentada pelas pessoas envolvidas com a Educação
Especial e com a Educação Inclusiva, que buscam ter acesso a garantias mínimas no exercício
de sua cidadania. Além disso, é importante refletir sobre as condições sociais e econômicas
que permitem que essas famílias se envolvam nesse processo jurídico, considerando as
exorbitantes desigualdades presentes na realidade brasileira.

Segundo Garcia (2017), ao analisar as condições de disputa17 das políticas públicas


educacionais de Educação Especial na perspectiva inclusiva dentro do contexto neoliberal, é
observado que tanto as políticas baseadas em matrizes autoritárias quanto democráticas estão
alinhadas com concepções liberais. Essas políticas são instrumentos de um projeto social
ainda conservador, que não busca a emancipação dos indivíduos e a redução da desigualdade
social e econômica, uma vez que esses são pilares do sistema capitalista. Nesse sentido,
muitas das políticas e ações que estão sendo implementadas no Brasil, com base em
conferências e diretrizes internacionais, embora se apresentem como propostas que visam
contribuir para um sistema educacional de qualidade e eficiência, especialmente em relação às
aprendizagens na escola pública e às demandas inclusivas, acabam reforçando a ideologia
dominante e práticas que reproduzem as desigualdades no campo educacional, diluindo o
papel do ensino (Libâneo, 2012).

De acordo com Libâneo (2012), “muitas das medidas adotadas pelas políticas oficiais
para a educação e o ensino têm o aspecto de soluções evasivas para os problemas
educacionais” (p.16). Essas medidas tendem a excluir os fatores internos das escolas que estão
relacionados ao desenvolvimento do ensino e da aprendizagem dos estudantes. O autor
também discute a forma como o discurso inclusivo tem sido incorporado às políticas públicas
brasileiras, alinhando-se às proposições do Banco Mundial e às reformas educacionais
neoliberais, que apresentam uma estrutura de manutenção das desigualdades sociais, que em
grande medida, operam com “mecanismos internos de exclusão ao longo do processo de
escolarização, antecipadores da exclusão na vida social” (p.24).

17
Conforme aponta a autora, essas disputas dizem respeito à maneira como as políticas são organizadas, à
caracterização do público-alvo, à compreensão dos serviços e funções dos atendimentos oferecidos e aos
parâmetros formativos de todos os profissionais que atuam nesse âmbito de extensão das políticas.
41

Charlot (2005), conforme descrito por Libâneo (2012), compreende o movimento


inclusivo decorrente da concepção de educação imposta pelos órgãos internacionais como
uma realidade na qual se

aumentam os índices de escolaridade, mas se agravam as desigualdades sociais de


acesso ao saber, pois à escola pública é atribuída a função de incluir populações
excluídas ou marginalizadas pela lógica neoliberal, sem que os governos lhe
disponibilizem investimentos suficientes, bons professores e inovações pedagógicas
(LIBÂNEO, 2012, p.23).

Essa configuração nos remete ao conceito de "inclusão excludente", conforme descrito


por Cury (2008), que se baseia no entendimento de Martins (1997). Nesse contexto, a
exclusão se refere às propostas precárias, marginalizadas e instáveis dessa inclusão, que
resulta na criação de novas categorias de desigualdade social relacionadas às demandas das
mudanças econômicas. Movimento que resulta na reserva de lugares residuais para
determinados grupos de pessoas, mantendo-as à margem da plena participação e do pleno
exercício de seus direitos.

É importante destacar que a perspectiva inclusiva adotada pelo Brasil, a partir das
discussões e dos tratados internacionais, envolve um contexto abrangente. Isso inclui, como
salientamos anteriormente, as discussões étnico-raciais, de gênero e orientação sexual, classe
social e necessidades educacionais específicas (ABDALLA; ALMEIDA, 2020), e não apenas
as pessoas público-alvo da Educação Especial. No entanto, nas políticas educacionais
construídas até os dias atuais, principalmente após os anos 2000, quando o governo de Luiz
Inácio Lula da Silva (2003-2006; 2007-2010) começou a fomentar o que se denominou como
"educação inclusiva" (KASSAR, 2011a), fica evidenciado que, embora tenha contemplado
documentos mais abrangentes nos Planos Plurianuais, como o Plano Brasil de Todos:
participação e inclusão - 2004-2007 e o Plano Desenvolvimento com inclusão social e
educação de qualidade - 2008-2011 (KASSAR, 2011b), as políticas e discussões estruturadas
tiveram uma ênfase maior em relação ao acesso e à permanência do PAEE. Essa ênfase foi
estabelecida a partir de análises sistematizadas na relação entre Educação Inclusiva e
Educação Especial (FRANCO; GOMES, 2020).

Essa configuração expressa uma fragilidade do sistema educacional inclusivo, uma


vez que a posição adotada pelo Brasil vai além do público-alvo da Educação Especial, o que
acaba resultando em uma abordagem "esvaziada" nesse sentido. Isso significa que os sujeitos
que estão fora desse escopo não têm sido contemplados de forma significativa nas políticas
educacionais vigentes no país. Concordamos com Franco e Gomes (2020) ao afirmar que é
necessário questionar os princípios dessas políticas, alinhados à perspectiva de
42

democratização educacional. É fundamental criar ações educacionais e escolares que


promovam o desenvolvimento de todos os sujeitos, garantindo a inclusão e condições de
acesso e permanência para todos os alunos, indistintamente.

Na especificidade da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva,


que é uma política central na realidade brasileira, observamos esse paradoxo, conforme
apontado por Silva (2010), citado por Neves, Rahme e Ferreira (2019, p.15): "uma vez que a
educação para todos acaba por fundar um espaço especializado para cada um, colocando o
âmbito do especial no lugar da inclusão". Apesar da retórica ilusória de eliminar a exclusão
educacional, o documento revela contradições. A implementação de uma política pública não
está isenta das influências históricas que moldaram a formação da nação. Dessa forma,
elementos de exclusão ainda estão presentes e podem ressurgir, causando equívocos e
ambiguidades que expõem aspectos segregacionistas, representando uma ameaça à dignidade
humana (NEVES, RAHME E FERREIRA, 2019).

Como possibilidade de contraponto a essa lógica, são necessárias políticas de


Educação Inclusiva e de Educação Especial que ainda não produzimos, embora elas possam
estar em "germe" (GARCIA, 2017). Demandamos, portanto, políticas que possam ponderar
sobre a complexidade que envolve desde as questões orgânicas dos sujeitos até a
contextualização histórica, social, política e econômica. Políticas que estejam comprometidas
com o Laço social e com a ética cotidiana, aspectos “essenciais à configuração da função
educativa e ao direito a experiências educativas singulares” (NEVES; RAHME E
FERREIRA, 2019, p.16). É preciso pensar um modelo de escola capaz de articular a formação
científica e cultural à social e afetiva, reconhecendo a diferença como uma condição inerente
ao ser humano, e não em caráter de excepcionalidade (LIBÂNEO, 2012). Dessa forma,
podemos vislumbrar uma concepção de educação que, embora condicionada, tenha autonomia
para mediar e atuar de forma relativa diante da realidade, compreendendo que a Educação,
por si só, não pode ser a única responsável pela transformação da sociedade diante do modelo
social em que vivemos (GARCIA, 2017).
43

2.2.1 Embaraços conceituais

Em relação aos embaraços conceituais e ao lugar do especial na educação,


inicialmente, retomaremos algumas discussões para conceituarmos a problemática que
envolve o termo "especial" e as políticas de inclusão escolar. De acordo com Voltolini (2015),
ao tratar da miséria ética na educação inclusiva, a discussão sobre a efetivação das políticas
públicas não se restringe somente às ações administrativas e de gestão. Mesmo em um cenário
em que as implementações de tais políticas ocorram da forma esperada, isso não garante que
as dinâmicas e o estabelecimento do laço social se alterem, uma vez que há "forças da
natureza" que afetam o convívio social e que vão alterar um sistema idealizado por ações
políticas de "gestão técnica dos problemas sociais" (VOLTOLINI, 2015, p.224).

Nesse ponto, podemos refletir sobre o funcionamento da linguagem em relação à


escolha das palavras e conceitos utilizados na construção das políticas públicas no Brasil e
como afetam e são afetados na sociedade. Conforme Plaisance (2015, p. 230), "as palavras
fazem as coisas, estruturam realidades sociais e até mesmo criam instituições." A história do
que compreendemos acerca da linguagem utilizada na Educação Especial e na expressão atual
"educação inclusiva" passou por várias terminologias que não são isentas de posicionamento
político, não são neutras, visto que as denominações que utilizamos funcionam como suas
representações. Designar não consiste “apenas em atribuir um nome, são também maneiras de
atribuir características às pessoas, quer isso seja explícito ou não para aquele que designa e
para o que é designado” (PLAISANCE, 2015, p.231) e tem desdobramentos amplos na
sociedade.

De tal forma que, quando nomeamos e conceituamos algo, esse processo confere
significados aos sujeitos, seja de forma direta ou indireta, e pode estabelecer estigmas. As
denominações, quando pensadas dessa maneira, “podem ser consideradas como matrizes
conceituais que engendram maneiras de agir em relação às pessoas; concretamente, modos de
relações interpessoais, práticas e até mesmo instituições” (PLAISANCE, 2015, p.231).

Na legislação brasileira, temos a Política Nacional de Educação Especial na


Perspectiva da Educação Inclusiva como principal documento normativo sobre a
escolarização dos estudantes com deficiência, altas habilidades/superdotação e autismo. Essa
conjunção não é sem efeitos. O autor argumenta que os conceitos de inclusão e educação
especial podem se mostrar opostos. Plaisance (2015) levanta questionamentos sobre essa
conjunção, uma vez que eles apontam para direções distintas e levam a políticas radicalmente
44

diferentes. No Brasil, o conceito de inclusão é utilizado para pensar um conjunto abrangente


de políticas que englobam diversos serviços e questões sociais, incluindo pessoas com
"necessidades especiais". Isso gera dúvidas sobre a coerência de utilizar ambos os termos,
especial e inclusivo, na mesma política, uma vez que eles se referem a paradigmas opostos.

No Brasil, conceito de inclusão foi utilizado como uma diretriz que deve orientar as
ações públicas de uma forma mais abrangente, sendo “tanto uma inclusão social quanto a
inclusão escolar” (PLAISANCE, 2019, p.11). A inclusão escolar, nesse sentido, é partícipe
dessa proposta, como um dos caminhos em que o sujeito pode alcançar seus direitos
fundamentais, de maneira que a diversidade possa ser vivenciada e valorizada no âmbito
educativo, trilhada em conjunto com as demais políticas públicas que discorrem acerca do
bem-estar e inclusão social.

Ao retomarmos a concepção da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva


da Educação Inclusiva, podemos observar que há uma combinação dos termos "inclusiva" e
"especial", sendo que a centralidade é atribuída à Educação Especial. A utilização do termo
"especial", embora se refira aos serviços educacionais específicos oferecidos aos alunos
considerados deficientes ou com necessidades educativas especiais, tem impactos na forma
como essas políticas se desenvolvem no ambiente escolar e na maneira como os estudantes
que se beneficiam delas, se percebem e se inserem no laço social (RAHME e VORCARO,
2015).

Além disso, na PNEEPEI, garante a manutenção das instituições especializadas, sejam


elas públicas ou privadas, como as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAEs),
entre outras. Para termos uma visão geral desse cenário, de acordo com informações do site
oficial da APAE, atualmente existem no Brasil 2.201 APAEs e entidades filiadas, presentes
em todos os estados brasileiros, que atendem aproximadamente 250.000 pessoas. Já a
Sociedade Pestalozzi, segundo uma entrevista concedida pela coordenadora geral na época ao
Programa Revista Brasileira em 2015, contava com 221 afiliadas e atendia cerca de 135.000
pessoas. Ambas as instituições são organizações filantrópicas especializadas no atendimento a
pessoas com deficiência.

Segundo Plaisance (2019), “de maneira geral, o qualificativo especial refere-se a uma
característica considerada diferente em relação à ordem comum ou habitual” (p.2). A partir do
trabalho de Woodill e Davidson (1989), o autor discute como o elemento "especial" pode ser
"mistificador", situando os sujeitos de forma objetificada no campo educacional e tornando-os
suscetíveis a práticas educacionais excludentes, além de criar e reforçar estigmas. Nesse
45

sentido, o termo pode funcionar como “um fator essencial para a manutenção de uma cultura
de separação” (PLAISANCE, 2019, p.2).

Coadunando com essa discussão, Rahme e Vorcaro (2015) argumentam que a


dinâmica discursiva em torno do termo "especial" revela como os saberes construídos sobre a
infância “considerada anormal, produzem um lugar institucional e social para essas pessoas” e
a forma como a instituição da educação especializada inclina-se a “cristalizar verdades sobre
um sujeito que não é, em sua totalidade, passível de apreensão” (p.181). Sendo assim, é
preciso compreender o lugar que o discurso da condição de especial acerca das crianças ditas
com deficiências ocupa no desenrolar das políticas públicas e das ações educativas, visto que
as representações sociais que se estabelecem sobre esses sujeitos dialogam primordialmente
com a situação de deficiência que as acometem, mais do que a própria representação do ser
criança. (PLAISANCE, 2005).

As análises realizadas sobre as denominações das políticas públicas e o impacto da


linguagem no exercício das leis e na inclusão diária nas escolas não sugerem que não tenha
havido avanços significativos no funcionamento das escolas e que essas políticas não tenham
contribuído para a redução das barreiras enfrentadas pelos alunos em situação de deficiência e
de suas famílias. O que está sendo estabelecido é que, além das ações administrativas e da
situação gestionária, existem questionamentos que vão além desse âmbito e estão
relacionados às dinâmicas estabelecidas no convívio social e na ideologia expressa na
estruturação e sistematização dos processos educacionais, pois, embora possam parecer
neutros, eles não são. Essas análises destacam a importância de considerar os significados
atribuídos às palavras e à linguagem utilizada, pois elas influenciam as percepções e as
práticas em relação à inclusão. Reconhecer essas dinâmicas sociais e ideológicas nos
processos educacionais é fundamental para promover uma inclusão efetiva e garantir que as
políticas públicas sejam implementadas de maneira abrangente e coerente.

2.2.2 A especificidade do autismo

No contexto dos estudantes autistas, as pesquisas incluídas no Estado da Arte do


trabalho destacam duas questões para se pensar a efetividade das políticas públicas em relação
a esse público. Em primeiro lugar, cerca de 46% das pesquisas apontam a formação inicial e
contínua dos profissionais da educação como o fator decisivo. Em segundo lugar, com cerca
46

de 39% das citações, destaca-se o impacto das representações sociais, estigmas e do modelo
médico construídos em torno do autismo nas diretrizes legais e no ambiente escolar cotidiano,
se revelando como barreiras significativas que dificultam a efetivação da inclusão nas escolas.
O primeiro aspecto destacado, relacionado às lacunas na formação inicial e continuada
dos profissionais da educação, é apontado como uma das principais barreiras para a efetivação
das políticas públicas de inclusão. Essa temática é amplamente citada pelos estudos como um
obstáculo que limita a implementação de práticas inclusivas nas escolas, devido ao despreparo
dos professores e à falta de compreensão sobre o autismo, o uso de recursos e o papel das
salas de recursos multifuncionais. Os relatos de professores e familiares evidenciam a
necessidade de uma formação mais adequada que aborde a compreensão do autismo, as
estratégias e recursos educacionais adequados para atender às necessidades dos alunos autistas
e o entendimento da modalidade de educação especial descrita nas políticas públicas.

A falta de conhecimento e de domínio sobre o autismo, suas características e


possibilidades pedagógicas por parte dos profissionais da educação gera um não-saber, que se
estabelece na realidade escolar (TAMBARA, 2017). Em muitos relatos, tanto os professores
quanto os familiares expressam suas angústias em relação à capacitação necessária para tornar
o processo inclusivo desses alunos mais significativo, principalmente no ensino e na
aprendizagem dos conteúdos curriculares. Oliveira (2017) relata que os professores
frequentemente agem por tentativa e erro, confiando em sua intuição para encontrar formas de
acolher os estudantes autistas. No entanto, isso pode levar a uma ênfase excessiva na
socialização em detrimento da aprendizagem dos conteúdos (OLIVEIRA, 2017; CAMARGO
et al., 2020). Essa ênfase desproporcional na socialização pode resultar em negligência em
relação ao ensino dos conteúdos, o que pode comprometer o processo de inclusão desses
alunos (OLIVEIRA, 2017; CAMARGO et al., 2020).

A partir dessa realidade vivenciada por grande parte dos professores e pela gestão
escolar, surgem tensões entre os profissionais que atuam nas salas de recursos multifuncionais
e os professores regentes de turma. Conforme Dambros (2018), é comum ocorrer nas escolas
uma responsabilização dos professores das SRMs pela escolarização dos estudantes autistas,
mesmo contrariando as diretrizes em vigor. Nesses casos, os atendimentos não ocorrem no
contraturno, e os alunos são retirados da sala regular para receber esse suporte (FREITAS,
2016; OLIVEIRA, 2017; DAMBROS, 2018; CAMARGO et al., 2020). Essa situação gera um
contexto de conflito, pois a retirada dos estudantes da sala regular para os atendimentos na
sala de recursos multifuncionais, o que prejudica sua participação e integração plena nas
47

atividades educacionais com os demais estudantes. Além disso, acarreta uma sobrecarrega nos
profissionais das SRMs e pode operar uma divisão e uma mal-estar entre eles e os professores
regentes de turma.

Para Ponce e Abrão (2019), a formação insuficiente e a falta de oferta de capacitação


de qualidade para os profissionais, embora, sozinhas, não sejam capazes de sanar todos os
entraves da inclusão dos estudantes autistas, tornam-se grandes barreiras para que possamos
discutir essa temática a partir de um novo olhar e de novas formas de vivenciar e construir as
práticas escolares. À vista disso, as lacunas relativas à formação inicial e continuada dos
profissionais da educação se conectam com o nosso segundo eixo citado pelas pesquisas: as
formas como as representações sociais e os estigmas construídos sobre o autismo se
movimentam nas práticas escolares e os misticismos que são fomentados a partir dos não-
saberes ou dos saberes constituídos no senso comum, geralmente pautado em dizeres
generalistas.

No campo educativo, ainda presenciamos um lugar de narrativas fantasiosas e


concepções confusas e equivocadas sobre o autismo, além da reprodução do discurso médico,
que é muito presente nos discursos do senso comum e no imaginário coletivo. Esse cenário
afeta diretamente as práticas e as ações escolares, uma vez que influencia a compreensão que
os profissionais da educação têm sobre a condição autística. Ponce e Abrão (2019) destacam
como as representações sociais e os estigmas relacionados ao autismo, que são demonstrados
de forma resistente na realidade escolar, refletem a concepção de normalidade excludente
presente no senso comum. Nesse sentido, tais discursos são disseminados e produzem uma
neutralização na identidade dos estudantes autistas, em que a busca por torná-los mais
próximos do padrão de normalidade desejado, com base em concepções equivocadas, acaba
por apagar sua individualidade (NOGUEIRA, 2019).

No que se refere às práticas e ações educativas, as pesquisas apontam uma


predominância de ações voltadas para questões de socialização, em detrimento das questões
cognitivas e de aprendizagem. Além disso, essas ações tendem a privilegiar princípios básicos
em nível introdutório, com atividades diferenciadas dos demais alunos, demonstrando poucas
expectativas em relação à possibilidade de aprendizagem, aquisição de conhecimentos e
produção criativa-cultural, abordagens que vão de encontro ao que preconizam as diretrizes de
inclusão. Esse descompasso reflete a falta de compreensão sobre o papel da inclusão e da
condição dos estudantes autistas, uma vez que a forma de atender às necessidades educativas
desses estudantes muitas vezes não dialoga com os princípios legais e acaba se tornando mais
48

uma barreira a ser superada, reforçando os estigmas e limitando o potencial desses sujeitos
(KUBASKI; POZZOBON e RODRIGUES, 2015; OLIVEIRA, 2017; SANTOS, 2017;
ANDRADE, 2019; DAMBROS, 2019; CAMARGO et al., 2020).

De acordo com Santos (2019), as diretrizes normativas que regem o atendimento


educacional aos estudantes autistas ainda atuam de maneira meramente simbólica, operando
mais no âmbito textual e burocrático do que efetivamente na promoção das políticas e na
renovação das práticas educativas, em conformidade com as normas e diretrizes retratadas em
contextos internacionais e nos preceitos constitucionais. Como resultado, temos um
atendimento fragmentado e insuficiente, com ações educativas limitadas. Os paradigmas
presentes no cotidiano escolar e a abordagem das políticas públicas brasileiras impedem a
apreensão da diferença e o atendimento às necessidades específicas dos indivíduos. Os
estigmas gerados e reforçados pelo sistema educacional limitam a experiência de ensino e
aprendizagem, tornando a escola uma instituição inacessível para esses sujeitos em uma
perspectiva inclusiva. Isso corrobora a noção de que eles precisam se adaptar e funcionar de
acordo com uma realidade desejada, baseada em parâmetros de normalidade excludentes
(FLORES, 2016; MOREIRA, 2019; SOUZA, 2019; WUO, 2019).

Nas últimas décadas, observamos a ampliação dos aparatos legais e das diretrizes que
visam a proteção e promoção dos direitos das pessoas em situação de deficiência e dos
autistas. A mudança dos parâmetros educativos para a perspectiva da educação inclusiva traz
muitas inferências para o campo, uma vez que discorre sobre uma nova concepção acerca do
adaptar. Nesse sentido, ocorre o deslocamento da adaptação centrada na criança em relação ao
meio para uma necessidade das intuições se adaptarem aos contextos educativos plurais
(PLAISANCE, 2015).

Como podemos observar, não se esgotam as lacunas existentes para se pensar a


efetividade das políticas educacionais. Há diversos vetores que dialogam e se atravessam na
realidade escolar, delimitando as práticas inclusivas. As ações do poder público, as
inconformidades de gestão e a ineficiência do Estado em garantir o direito dos sujeitos são
embaraços que cerceiam as ações escolares. Além disso, conforme Ebersold, Plaisance e
Zander (2016, p.30), "a abertura dos sistemas educativos à diferença, além da criação de
dispositivos ou da mobilização de técnicas ou procedimentos, depende das expectativas do
sistema escolar em termos de acesso, sucesso e inserção social" (in PLAISANCE, 2019, p.4).
49

3 COMPREENSÕES INICIAIS SOBRE O AUTISMO

As discussões e abordagens acerca do autismo vêm sendo cada vez mais debatidas e
têm alcançado respaldo nos debates internacionais, nas políticas públicas e em produções
acadêmicas e científicas. As ações institucionalizadas e legais têm sido fruto de muita luta das
associações, da comunidade acadêmica e dos próprios sujeitos, para garantir seus direitos
constitucionais e fomentar políticas e práticas que sustentem um sistema de ensino de
qualidade para esse público. Contudo, o campo educativo precisa considerar abordagens
necessárias para cada um, visto que a inserção da criança autista requer um olhar e escuta
atentos, para que não se opere em contraponto a sua exclusão (FERREIRA; VORCARO,
2019).

O autismo, os autismos18, ou ainda o Transtorno do Espectro Autista - TEA, conforme


descrito nos manuais diagnósticos (DSM-5; CID-11) e nos discursos médicos, tem sua origem
no termo grego "autos", que significa "por si mesmo". Essa terminologia foi cunhada por
Eugen Bleuler (1857-1939) em seus estudos sobre a esquizofrenia (FERREIRA E
VORCARO, 2019). Essa designação foi inicialmente pensada com base na noção de
autoerotismo discutida por Freud e fundamentada na ideia de "mesmo, de si mesmo"
(MALEVAL, 2003 in HOLANDA, 2014). No entanto, para Bleuler, o autismo permanecia
associado à esquizofrenia.

Mais tarde, em 1943, o psiquiatra austríaco Leo Kanner trouxe em seu trabalho uma
mudança significativa na concepção do autismo, promovendo novas abordagens no uso do
termo e na compreensão do que seria o autismo e sua etiologia. Ele apresentou uma nova
entidade nosológica, desvinculando-o da esquizofrenia (FERREIRA; VORCARO, 2019).

Kanner, em seu estudo pioneiro, analisou 11 crianças com idade inferior a onze anos,
que apresentavam como padrão de comportamento a "incapacidade de se relacionar de
maneira normal com pessoas e situações desde o início de suas vidas" (KANNER, in
OLIVEIRA, 2016, p.18). Ele entendeu que se tratava de uma condição inata, de origem
biológica. Entre os aspectos comuns observados nas crianças, destacaram-se o isolamento, as
estereotipias, a relação diferenciada com a linguagem e o tratamento com os outros nas
situações de socialização. A partir dessa análise pioneira de Kanner, o autismo foi dissociado

18
O termo no plural, autismos, evidencia os diferentes tipos de autismo. Utilizado por muitos autores,
principalmente no campo da Psicanálise, ele evidencia as diferentes expressões do autismo (FERREIRA E
VORCARO, 2019).
50

da esquizofrenia, com a qual estava anteriormente associado como parte de sua


sintomatologia. Embora o autor reconhecesse características semelhantes entre eles, ele
ressaltou que o autismo possuía singularidades que os incompatibilizam.

Um ano depois, o médico Hans Asperger (1944-1991) publicou "A psicopatia autista
na infância", no qual avaliou um grupo de crianças com as quais trabalhava e destacou
problemas relacionados à interação social, à comunicação (verbal e não verbal) e ao
comportamento. No entanto, seus estudos levaram a um novo quadro que mais tarde recebeu a
denominação de Síndrome de Asperger, mas que se assemelhava em grande parte ao autismo
analisado por Kanner, com base no conceito de “autismo de alto funcionamento” (WING,
1991 in FERREIRA E VORCARO, 2019).

O autismo, no entanto, só foi reconhecido nos documentos oficiais, desassociado das


concepções de esquizofrenia, a partir dos anos 80, quando foi classificado como "Transtorno
Invasivo do Desenvolvimento" (TID). Em 2013, foi incluído no Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais, na sua quinta edição (DSM-5), com a nomenclatura de
Transtorno do Espectro Autista (TEA). Essa nova classificação integra, entre outras
mudanças, a Síndrome de Asperger, o Transtorno Desintegrativo e o Transtorno Global do
Desenvolvimento (TGD) no quadro do autismo. Foram discutidas e continuam sendo
debatidas várias hipóteses e teorias sobre as proposições que discutam a temática do autismo,
com perspectivas diferentes e até mesmo problemáticas para chegar a essa classificação
atualmente adotada por muitos pesquisadores e profissionais, especialmente nas áreas de
saúde e educação.

Os apontamentos feitos por pesquisadores que investigam o autismo indicam um


possível aumento no número de crianças diagnosticadas com autismo ao longo dos anos. No
entanto, é necessário fazer essa constatação com cautela, conforme ressalta Lajonquière
(2019), pois estamos vivendo o que ele chama de "tempos do autismo", nos quais qualquer
sinal apresentado pelas crianças leva a encaminhamentos para cuidados médicos e muitas
vezes resulta em um diagnóstico de autismo. Ao longo das décadas, desde as primeiras
proposições de Kanner sobre o autismo, testemunhamos várias concepções e tentativas de
compreender o autismo, sua etiologia, diagnóstico e possibilidades de intervenção. Com as
novas formulações do DSM-5 e da CID-11, os parâmetros para o diagnóstico do autismo
foram ampliados e diluídos ainda mais dentro do conceito de espectro.
51

O autismo, na maioria das pesquisas, é comumente descrito como um transtorno do


neurodesenvolvimento que pode apresentar déficits ou prejuízos persistentes na comunicação,
no desenvolvimento social e comportamental, e/ou comportamentos restritos e repetitivos.
Essa descrição está em conformidade, sobretudo, com as definições encontradas nos Manuais
Diagnósticos e Estatísticos de Transtornos Mentais (DSMs).

Os Manuais Diagnósticos e Estatísticos de Transtornos Mentais são manuais


organizados pela Associação Americana de Psiquiatria, que estabelecem classificações e
critérios para transtornos mentais, baseados principalmente em sintomas observáveis. Esses
manuais foram criados com o objetivo de fornecer uma base unificada para o diagnóstico,
estabelecendo critérios específicos. Há cerca de 70 anos, eles têm sido revisados e utilizados
para identificar transtornos mentais e também como referência para acesso a auxílios e
programas destinados a esse público (LAURENT, 2014). Sua estrutura classificatória está
relacionada à Classificação Internacional de Doenças (CID), desenvolvida pela Organização
Mundial da Saúde (OMS).

É importante ressaltar que nas primeiras edições dos DSMs, como o DSM-I (1952) e o
DSM-II (1968), as condições etiológicas e o paradigma psicossocial recebiam mais ênfase no
tratamento dos transtornos mentais. No caso do autismo, o modelo nosográfico também
passou por modificações ao longo das publicações do DSM, evoluindo de um distúrbio
afetivo para um distúrbio adaptativo (PIMENTA, 2012).

A nova Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à


Saúde (CID-11), apresentada pela OMS e em vigor a partir de 1º de janeiro de 2022, unificou
diversos diagnósticos, seguindo a abordagem adotada na última revisão do DSM-5 em 2013, e
os interpretou na forma do Transtorno do Espectro Autista. A exceção é a Síndrome de Rett,
que foi classificada na categoria de condições com distúrbios de desenvolvimento intelectual
com características clínicas relevantes. Portanto, após as mudanças ocorridas na CID-11, as
seguintes classificações são utilizadas:

6A02 – Transtorno do Espectro do Autismo (TEA)


• 6A02.0 – Transtorno do Espectro do Autismo sem deficiência intelectual
(DI) e com comprometimento leve ou ausente da linguagem funcional;
• 6A02.1 – Transtorno do Espectro do Autismo com deficiência intelectual
(DI) e com comprometimento leve ou ausente da linguagem funcional;
• 6A02.2 – Transtorno do Espectro do Autismo sem deficiência intelectual
(DI) e com linguagem funcional prejudicada;
• 6A02.3 – Transtorno do Espectro do Autismo com deficiência intelectual
(DI) e com linguagem funcional prejudicada;
52

• 6A02.5 – Transtorno do Espectro do Autismo com deficiência intelectual


(DI) e com ausência de linguagem funcional;
• 6A02.Y – Outro Transtorno do Espectro do Autismo especificado;
• 6A02.Z – Transtorno do Espectro do Autismo, não especificado.

Nas publicações anteriores do DSM, o autismo foi inicialmente definido como um


sintoma da "Reação Esquizofrênica, tipo infantil" no DSM I (1952), e continuou a ser
considerado como uma sintomatologia da esquizofrenia na infância no DSM II (1968).
Posteriormente, passou a ser reconhecido como distúrbio global do desenvolvimento no
DSM-III (1980) e distúrbio invasivo do desenvolvimento no DSM-III-R (1989). Antes da
introdução da denominação "Transtorno do Espectro do Autismo" no DSM-5, o autismo era
incluído na categoria de transtornos globais do desenvolvimento no DSM-IV (1994).

É importante destacar, como apontado por Laurent (2014), que o DSM não é um
sistema classificatório qualquer. Seu uso e aplicação têm impacto nas intervenções
disponibilizadas pelos planos de saúde e também é utilizado como referência em questões
legais. No entanto, o autor também alerta para as problemáticas envolvidas na concepção
desse manual, uma vez que “pretende ‘administrar’ o campo da saúde mental de acordo com
um sistema que propõe classificações sob forma de hipóteses” (LAURENT, 2014, p.173).

De tal forma, essa "administração", que está alinhada a um sistema classificatório que
dispensa discussões teóricas mais profundas, uma vez que se alega ateórico, e se mantém de
forma que as discussões estejam centralizadas na quantidade de comportamentos e sintomas
observáveis que os sujeitos venham a apresentar, é necessária certa cautela e crítica sobre o
que tem se proposto enquanto hipóteses científicas, mas que na verdade se aproxima mais de
uma testagem em massa, além de um mecanismo de controle que tem efeitos segregadores e
pode ter consequências nocivas para os sujeitos a quem se diz identificar (HOLANDA, 2014;
LAURENT, 2014).

O aparente aumento dos casos de autismo apontados anteriormente pode ser pensado a
partir de diferentes aspectos. Podemos questionar a assertividade dos diagnósticos que têm
sido feitos, principalmente após as mudanças realizadas em tais parâmetros médicos, uma vez
que houve uma extensão das possibilidades de sintomas e características dentro do espectro
(LAURENT, 2014). Assim, esse movimento nos levou a duas reflexões importantes: os
diagnósticos têm sido feitos de maneira mais eficaz e, por isso, temos um aparente aumento
no número de casos? Ou, devido à abrangência e inespecificidade dos diagnósticos, temos
pessoas sendo diagnosticadas de forma equivocada?
53

Cabe ressaltar que é necessário fazer uma clara diferenciação entre o que esses ditos
aumentos sugerem. É possível afirmar com certa segurança (SANTOS; ELIAS, 2018) o
aumento exponencial das matrículas realizadas nas escolas regulares por estudantes autistas
nos últimos anos, principalmente após o ano de 2012 com a promulgação da Lei Berenice
Piana. Essa lei os inclui na modalidade da Educação Especial, reforçando seus direitos e
fortalecendo o movimento inclusivo nas escolas, uma vez que as normas sugerem que eles
sejam matriculados preferencialmente no ensino regular. No entanto, como descrevem Santos
e Elias (2018), é preciso estar alerta a esses números, visto que os dados colhidos pelos
autores acerca da caracterização das matrículas de alunos autistas nas regiões brasileiras
descrevem uma trajetória escolar irregular desse público, relatando aumentos e quedas
sequenciais. Esse dado interroga a relação de permanência desses alunos e a efetividade das
ações e práticas inclusivas estabelecidas no ensino regular ao longo do processo de
escolarização.

Além disso, é importante salientar que, embora a Lei Berenice Piana tenha garantido
legalmente o acesso dos sujeitos autistas às políticas que contribuem para sua formação e
experiência cidadã, essa medida acaba por normatizar o autismo nas políticas públicas,
colocando-o no rol das deficiências, proposição é acentuada pelo campo médico. Embora não
haja consenso entre os pesquisadores desse campo, essa caracterização acarreta consequências
significativas no tratamento do autismo em diversos contextos políticos, como no âmbito
educacional e da saúde.

Lajonquière (2019) traz reflexões importantes para pensarmos essas questões. Em seu
texto "As crianças, a educação e os sonhos adultos em tempos de autismo", o autor discorre
sobre o que ele considera uma "tara" que tem sido observada nos últimos anos em relação ao
autismo na sociedade, de forma semelhante à obsessão pelos extraterrestres na década de 60.
O autor faz um alerta sobre a maneira como esse questionável interesse pelo autismo,
combinado com os discursos médicos e os "tecnocientificismos" que nos cercam a todo
momento, contribuem para interrogarmos o que realmente estamos vivenciando nesses
tempos de autismo na modernidade. É relevante salientar, que segundo o autor, o evidente
aumento do interesse da sociedade pela temática do autismo, assim como as pesquisas e todo
o conhecimento construído em torno dele, não significa necessariamente que estejam sendo
considerados os interesses de cada sujeito autista de maneira adequada.
54

Diante desse dilema que pode vir a assombrar uma parte da população acerca das
formas que o autismo assume hoje na sociedade e das especulações e discursos acalorados
sobre sua propagação e aparente aumento como: as mudanças genéticas, a relação com o uso
de vacinas e a utilização dos agrotóxicos e fertilizantes na agricultura, entre outras muitas
possibilidades encontradas nos discursos, alguns de cunho científico e outros compartilhados
no senso comum, Lajonquière (2019) destaca apontamentos necessários para que possamos
organizar melhor nossas considerações sobre o assunto, especialmente no que diz respeito a
esse suposto aumento dos casos de autismo ou à necessidade de seu mapeamento para obter
respostas conclusivas. O autor apresenta a seguinte análise:

Pretender contabilizar todas as crianças, uma por uma, para sabermos que se têm
mais ou menos crianças sindrômicas que antes é impossível. Para além do tamanho
do levantamento, como estaremos certos de estar contabilizando o mesmo e não
coisas parecidas, mas não de fato a mesma coisa? Porém, supondo que mesmo essas
impossibilidades resolvidas, ainda teríamos que resolver a questão comparativa com
o passado. E aqui já é querer demais! Toda pretensão com vistas a elaborar um saber
total sobre os chamados fatores em causa do autismo infantil, ou de qualquer outra
dita síndrome, não passa de mais uma tola pretensão que acabará nos lançando
contra o famoso dilema, sobre o que veio primeiro: o ovo ou a galinha? Ou seja,
vivemos a vida com a criança desse jeito porque é autista? Ou é autista porque
vivemos a vida desse jeito com ela? (LAJONQUIÈRE, 2019, p.44)

Diante do cenário atual, podemos observar que, juntamente com o aumento da


preocupação em relação aos autismos, o que realmente aumentou consideravelmente foram as
diversas narrativas, especialidades e métodos de intervenção que buscam compreender e
abordar o autismo. No entanto, em grande parte dessas abordagens, o objetivo é adaptar o
sujeito às normas e comportamentos considerados desejáveis na sociedade.

Essa multiplicidade de teorias que têm surgido nos últimos anos, como apontado por
Ferreira e Vorcaro (2019), abrange concepções organicistas e genéticas, que veem o autismo
como uma deficiência pela perspectiva do déficit; as concepções desenvolvimentistas que
buscam fortemente métodos comportamentais; e a Psicanálise que se preocupa com a
constituição psíquica dos sujeitos. Essas diferentes perspectivas tornam o campo do autismo
extremamente complexo, destacando que mesmo entre os estudos relacionados, não há uma
única e assertiva definição do autismo em termos científicos precisos.

Conforme elucidado por Lajonquière (2019) “até agora todas as tentativas de se


justificar cientificamente todo tipo de idiossincrasias existenciais acabaram se revelando com
o tempo um fiasco” (p.44). Ele também afirma que “seja qual for a resposta que algum dia
venha a ser à problemática da etiologia do autismo, os destinos possíveis de uma criança
sempre nos dizem e nos dirão respeito” (p.44). Essas reflexões nos levam a considerar outro
55

aspecto importante, que é refletir sobre as intervenções e a realidade vivida por esses sujeitos
com base nas possibilidades que lhes são oferecidas no cotidiano.

Com o aparente aumento do número de crianças autistas diagnosticadas e a


consequente busca por intervenções, observamos uma ampla variedade de métodos e
intervenções disponíveis no mercado. Junto com essa diversidade, também ocorre uma
disseminação de teorias que se autodenominam "eficientes" e "cientificamente comprovadas".
Ao analisar os trabalhos publicados nos últimos anos, é possível notar um número
significativo de pesquisas e relatos de experiência que destacam o uso frequente de métodos e
terapias cognitivo-comportamentais (TCC).

Tais métodos, como o TEACCH (Treatment and Education of Autistic and related
Communication-handicapped Children - Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com
Déficits relacionados com a Comunicação), ABA (Applied Behavior Analysis - Análise do
Comportamento Aplicada), Floortime (tempo de chão) e o Programa Son-rise, são
predominantemente adaptativos e têm como objetivo extinguir comportamentos considerados
desviantes por meio de soluções reeducativas. Eles visam fornecer estratégias e ferramentas
aos indivíduos autistas para que possam se ajustar aos parâmetros normativos da sociedade,
especialmente no contexto educacional, que é o foco deste estudo. Laurent (2014), citando G.
Bernot (2012), destaca a ampla adoção das abordagens cognitivo-comportamentais, que
movimentam entre 15 e 42 bilhões de euros por ano19, demonstrando a influência e a presença
significativa dessas abordagens nas intervenções e acompanhamentos relacionados ao
autismo. Isso evidencia a força e o espaço que essas abordagens têm conquistado nesse
campo.

Conforme Holanda (2014), o crescimento das práticas e intervenções que visam o


ajustamento ao meio, com base em um bem-estar biopsicossocial fundamentado na
normatividade, também se reflete na forma como os manuais de diagnóstico e classificação
incorporam esse discurso. Apesar de se posicionarem como neutros, esses manuais produzem
diagnósticos baseados em “apresentações fenomênicas, na coleta de comportamentos
observáveis que podem ser variados, fazendo dele ‘uma decisão clínica um tanto arbitrária’
como afirmam representantes da psiquiatria” (p.104). Fernandes (2015) nos alerta ainda, que a
fundamentação dos critérios de classificação dos manuais diagnósticos, mais especificamente
dos DSM-5, estão alinhados às técnicas comportamentais, principalmente no que diz respeito

19
Bernot G., “Moi autiste, face à la guerre des lobbies”, Le Monde, março de 2012 (disponível na internet) –
citado por Laurent (2014).
56

a etiologia dos transtornos mentais, que estão afinados à perspectiva da organogênese e no


propósito dos tratamentos, geralmente concentrado na supressão dos comportamentos e
“sintomas” considerados como desviantes e anormais.

A problemática associada à ampla utilização dos métodos cognitivo-comportamentais


está relacionada ao fato de que eles tendem a se debruçar exclusivamente no aspecto
comportamental, visto como a única via possível de intervenção. Conforme mencionado por
Laurent (2014),

Começa-se, portanto, decretando que somente o aspecto comportamental é


objetivável e observável. Afirma-se, em seguida, que apenas a supressão do
comportamento tipo por inapropriado, obtida por um método que visa
especificamente a modificação comportamental, é, também, objetivável e
mensurável. Conclui-se daí, necessariamente, que somente um método dedicado a
erradicar (por punições e recompensas) cada aspecto comportamental considerado
desviante permite fazer aparecerem resultados objetiváveis e mensuráveis, com a
certeza de uma relação estrita de causa e efeito. (LAURENT, 2014, p. 135)

A ética nos métodos comportamentais é uma indagação que deve ser questionada,
como apontado por Laurent (2014). O autor destaca o relato de Michelle Dawson, uma
pesquisadora autista canadense, que questiona a posição ética dessas intervenções em um
artigo publicado em 200420. Dawson argumenta que o autismo vai além do comportamento e
enfatiza a importância de compreendermos as dinâmicas e o funcionamento do cérebro
autista, em vez de nos concentrarmos apenas em condicionar comportamentos e suprimir suas
formas de existir no mundo. A pesquisadora também levanta preocupações sobre as
consequências dessas abordagens comportamentais, argumentando que, embora possam ser
eficazes, ainda não se tem pesquisas científicas que abordem questões centrais para os sujeitos
autistas diante das supressões realizadas nessas intervenções. Essa falta de compreensão das
necessidades e perspectivas dos sujeitos autistas pode ter implicações negativas em seu bem-
estar e em seu desenvolvimento.

O contexto descrito, em que há essa preocupação evidente com os aspectos biologicos


e a busca por mecanismos que possam suprimir os ditos déficits que o sujeito autista possa vir
a apresentar, bem como comportamentos “indesejáveis” concebidos a partir de uma ótica
normalizadora, nos alerta para uma rede de “especulações que visam o organismo, o
transtorno em si, não levando de forma alguma (ou muito pouco) o sujeito em consideração”
(ROCHA LAGO, 2017, p.42). Isso nos leva a questionar novamente a relação entre os tempos
de autismo que vivenciamos, o possível aumento nos diagnósticos e suas consequências,

20
“Dawson. M., The misbehaviour of behaviourrists. Ethical challenges to the autismo-ABA industry – citado
por Laurent (2014).
57

especialmente no campo educacional, que tem sido um ambiente empírico privilegiado em


que esses processos se manifestam. Além disso, devemos nos atentar aos possíveis furos
diante da norma homogeneizante que prevalecem na dinâmica social, de forma que seja
possível escutar o sujeito diante de sua subjetividade e possibilitar uma configurção na qual
ele seja partícipe de tudo aquilo que, até então, tem sido falado por ele.

3.1 PSICANÁLISE E A ESCOLARIZAÇÃO DOS ESTUDANTES AUTISTAS

Antes de prosseguirmos nas possíveis relações que podem ser estabelecidas entre a
Psicanálise e o autismo, cabe ressaltar que não pretendemos nos aprofundar nas
especificidades da clínica com sujeitos autistas, bem como em suas características
pormenorizadas enquanto estrutura psíquica. No entanto, nos propomos a investigar, a partir
da interface com a Psicanálise, caminhos que nos ofereçam furos à lógica da pedagogia
contemporânea, às terapias comportamentais e ao discurso médico biologizante, que, em
grande parte, limita as crianças ao diagnóstico e nega sua posição enquanto sujeitos
(MANNONI, 1977).

Historicamente, desde o final do século XIX, vivenciamos uma relação com o discurso
médico em que ele ocupa um lugar de extrema relevância diante das dinâmicas da sociedade,
como apontado por Mannoni (1977) em sua obra "Educação Impossível", indicando-o como o
lugar da religião, em que alguns "adotarão até o título de catecismo" (p. 28). A partir desse
cenário, temos instaurado o lugar do saber científico que vai reger diversos setores da nossa
sociedade, incluindo, com entusiasmo, a Educação. Concordando com as observações de
Mannoni (1977) em seu trabalho e com a análise de Voltolini (2011) sobre esse movimento,
no qual vemos o desenvolvimento da Pedagogia como uma ciência que busca respostas,
levando o educador a eleger e construir metodologias eficazes para o maior número possível
de estudantes. Ao encontrar dificuldades nessas relações no interior da escola, muitas vezes
eles recorrem aos discursos médicos, com possíveis diagnósticos, e ao suporte dos chamados
profissionais especialistas.

Voltolini (2011) observa que o caminho de investigação da Psicanálise navega por


outras vias. Ela investiga e oferece outras formas de conceber os sujeitos, trazendo
questionamentos importantes e interrogando as práticas que enquadram os estudantes de
maneira massiva e que, de certa forma, neutralizam o sujeito diante de seu possível
58

diagnóstico. O objetivo não é encontrar um método ou estratégia correta, mas sim uma
interrogação para o entendimento do processo singular dos sujeitos e do processo educativo.
Propõe-se que, no que se refere à escolarização, possamos compreender e sustentar a
complexidade e a instabilidade (VOLTOLINI, 2004) que fazem parte do cotidiano escolar e
estarão presentes nas ações e práticas escolhidas no ato educativo. Partimos do pressuposto de
que o ato educativo não possui um manual (LAJONQUIÈRE, 1997), uma vez que não se trata
de fórmulas exatas que possam ser aplicadas em larga escala, pois estamos lidando o tempo
todo com a diferença inerente ao ser humano.

De tal forma, a teoria psicanalítica oferece um olhar ético de investigação sem, no


entanto, propor métodos cerrados. De acordo com Rocha Lago (2017), a Psicanálise carrega
consigo um

Compromisso ético ao considerar o sujeito em toda sua singularidade, não o


restringindo a um sistema de classificação diagnóstica, de modo que ao
enquadrarmos uma criança em determinado quadro diagnóstico, estamos oferecendo
um nome, além de lhe outorgar um lugar, definindo não só o que ela é, mas também
delimitando o que será (p.43).

Nesse lugar, a Psicanálise se posiciona ao compreender que as palavras exercem


efeitos sobre os sujeitos, sendo capaz de afirmar um porvir da subjetividade, bem como a
forma com que as narrativas são construídas em torno deles (LAURENT, 2014). Além disso,
de acordo com Kupfer (2000), os efeitos causados pelos estigmas socialmente construídos em
relação ao autismo têm um impacto direto na forma como os pais retratam seus filhos e na
maneira como eles são percebidos na sociedade.

Kupfer (1989), ao discorrer sobre o possível diálogo entre a Psicanálise e o ato de


educar, conclui que essa interlocução reflete-se em uma postura ética na forma como
podemos conduzir os processos educativos. Isso significa reconhecer a impossibilidade de
controlá-los, uma vez que não podemos determinar os efeitos produzidos em cada sujeito
pelas metodologias pedagógicas e pelas ações no campo da Educação, nem obrigar os alunos
a ter determinados comportamentos. É nesse ponto que a Psicanálise encontra seu lugar de
atuação.

A discussão sobre as incertezas inerentes ao processo educativo e a possibilidade de


desconstruir as ideias idealizadas e metodológicas que permeiam a Educação, sob o olhar da
Psicanálise, pode proporcionar um maior entendimento do outro e de nós mesmos. Isso parece
trazer uma perspectiva valiosa e necessária à Educação, levando a repensar os parâmetros nos
quais se baseia a Pedagogia atualmente. Muitas vezes, busca-se muitas respostas, mas
59

interroga-se pouco sobre as questões relacionadas à constituição do sujeito e suas


especificidades, resultando em uma escuta precária de seu próprio campo (VOLTOLINI,
2011). Nesse sentido, afirmamos a orientação psicanalítica que sugere que os profissionais da
educação não se preocupem tanto com os métodos, que muitas vezes são tentativas de impor,
a todo custo, determinados conhecimentos e práticas que são superestimados por eles. Essas
imposições limitam as invenções e a expressão dos estudantes (KUPFER, 1989).

Na interdisciplinaridade entre Psicanálise e Educação em relação aos sujeitos autistas,


o que se destaca é a importância da constituição psíquica do sujeito. Essa perspectiva permite
convidar os profissionais a trazerem essa abordagem para o primeiro plano, com o objetivo de
compreender as condições subjetivas e particulares dos estudantes (ROCHA LAGO, 2017).
Isso implica recusar a homogeneização que impõe uma única forma de ser autista, subjazendo
que não pode ser de outras formas (HOLANDA, 2014). De acordo com Pimenta (2019b) a
teoria psicanalítica se atenta a três questões primordiais das crianças autistas: a posição dela
diante do outro, sua relação com a linguagem e com a constituição do corpo.

A Psicanálise se concentra nas marcas simbólicas que são construídas nas relações
entre os sujeitos, reconhecendo cada um requer um direcionamento único, que necessita a
todo instante de uma “re-invenção” de metodologia, uma vez que cada pessoa autista possui
uma posição diferente no mundo e estruturações subjetivas distintas (JERUSALINSKY,
2012), ainda que denotem homologias de estrutura (LAURENT, 2014). Conforme Pimenta
(2019a), para a Psicanálise “qualquer intervenção que exclua o sujeito que lá está se mostra
em desacordo com seus princípios éticos” (p.1258). Embora a interação social consentida
possa ser um desafio para o sujeito autista, ao colocarmos sua particularidade como cerne do
processo, temos a possibilidade de atuar de acordo com suas próprias manifestações e
invenções, guiados pelo próprio autista.

Ferreira e Vorcaro (2019) ao analisarem a fala de psicanalistas na clínica, destacaram


que “o tratamento psicanalítico de autistas implica que seja preservado um vazio central de
saber para que a singularidade de cada criança possa interrogar a teoria e o saber já
cristalizado” (p.106 Fernandes (2015), ao relatar a forma como a psicanálise conduz o
tratamento com crianças autistas, compreende que ela oferece ferramentas nas quais as
dificuldades observadas podem e devem ser utilizadas a favor da atuação do profissional, de
maneira que as intervenções promovam mais uma “transformação das manifestações
sintomáticas do que sua extirpação” (p.302).
60

Nessa proposição, diferente das estratégias adotadas por grande parte das teorias
comportamentais, que buscam extirpar os comportamentos ditos “dissonantes”, tais
comportamentos se caracterizam como

saídas, invenções, estratégias compensatórias, que exigem um trabalhoso esforço


psíquico do sujeito e que, deve ser respeitado e sustentado pelo analista até que o
sujeito possa prescindir e construir novas medidas protetivas que não o encabule
(FERREIRA; VORCARO, 2019, p.105).
Embora as autoras relatem a experiência de psicanalistas na clínica com autistas, essa
perspectiva pode ser considerada no campo educativo, levando em conta a postura dos
profissionais da educação em relação aos estudantes e na busca por estratégias centradas no
sujeito. O que significa enxergar o estudante não como um objeto ou uma categoria
diagnóstica que o define como parte de uma "classe única", mas sim como um sujeito singular
que participa do mundo cultural e social e que possui seu próprio processo de aprendizagem,
ainda que se apresente de maneira diferente da maioria das crianças (JERUSALINSKY,
2015b).

O clínico seguirá alguns procedimentos com a pessoa com autismo. Muitos deles
podem ser transpostos para a atuação do educador em sala de aula, uma vez que este
reconheça o modo de funcionamento da criança com autismo e verifique o que se
torna pertinente no trato com seu aluno (PIMENTA, 2019b, p.15).
Além disso, a psicanálise interroga as implicações no campo educativo e o risco de
conceber os sujeitos autistas apenas pela perspectiva do déficit, ignorando o funcionamento
particular desses estudantes (PIMENTA, 2019b).

De acordo com Jerusalinsky (2015b), é essencial que alguém seja capaz de fornecer
traços e sinais acessíveis ao sujeito. Na escola, esse profissional poderia usar as pistas que a
criança oferece nas

formas de expressão e contato que o autista deixa entrever, sem pretender encaixá-lo
no processo de aprendizagem cumulativo e aproveitando as janelas pulsionais para
estabelecer pequenas pontes – das quais é preciso aceitar sua instabilidade tentando
puxá-las para alguma constância (JERUSALINSKY, 2015b, p.257).
A partir desse momento, ao captar e sustentar os momentos de conexão com o sujeito
autista, surge a oportunidade de estabelecer um "traço de reconhecimento recíproco" que
permita ao sujeito alcançar o outro que o interpela. Nesse sentido, “o autista não tem que ser
chamado, é o outro que precisa ir ao seu encontro para reinvocá-lo para dentro do contexto”
(JERUSALINSKY, 2015a, p.258).
61

As mediações realizadas com a contribuição da Psicanálise se colocam de forma


respeitosa, sem coagir o sujeito, validando sua proteção autística (MALEVAL, 2017), ao
mesmo tempo em que buscam se aproximar e ampliar seus recursos para estabelecer a
interação (PIMENTA, 2019b). Quando o educador no ato educativo se atenta ao estudante
autista dessa maneira, ele pode utilizar as invenções e interesses do sujeito para elaborar
estratégias e ações pedagógicas que possibilitem sua participação em determinadas atividades.
Além disso, pode se valer do recurso da compreensão periférica (PIMENTA, 2012), em que a
criança autista atende à demanda direcionada a outra criança, seja por meio de processos de
imitação ou pelo afrouxamento da presença invasiva do educador, que pode ser considerada
incômoda pelo autista (PIMENTA, 2019b).

Maleval (2017) enfatiza que a Psicanálise, como abordagem, pode alcançar os sujeitos
autistas ao confiar nas construções que eles tecem, o que favorece a instituição do laço
transferencial. Ela apresenta um olhar “original do autista”, enquanto um “trabalhador
incessante em seu propósito de regulação” (PIMENTA, 2003, p.136). Ao contrário dos
métodos comportamentais de aprendizagem que buscam uma técnica eficaz baseada em uma
perspectiva de problema e solução (LAURENT, 2014), que consederam o sujeito como
alguém desprovido de saber em que suas invenções são percebidas como obstáculos
(MALEVAL, 2017), a Psicanálise se preocupa em se aproximar dos sujeitos, reconhecendo
em suas singularidades, ações e estereotipias uma passagem viável da imitação à identificação
(JERUSALINSKY, 2015), guiada pelos interesses e sustentada pelos desejos do sujeito,
mesmo diante dos embaraços e impasses inerentes ao processo (CULLERE-CRESPIN,
2010).

Ao priorizar os saberes produzidos pelo sujeito em vez dos sintomas que ele apresenta,
abrimos espaço para uma diversidade de situações que “vão muito além do que pode ser
diagnosticado apenas com uma sigla, o que, por sua vez, pode dar lugar a soluções
inéditas”(CIRINO, 2015, p.38, in ROCHA LAGO, 2017, p.43). Nesse sentido, o
compromisso psicanalítico reside na aposta na criança (FERNANDES, 2015) em que
articulação entre os campos da Psicanálise e da Educação, aliada às pesquisas clínicas no
trabalho do educador na escolarização, sobretudo no processo inclusivo, permite que ele
amplie suas possibilidades de atuação. Assim como lhe confere maior autonomia para lidar
com as situações enfrentadas no cotidiano de sua prática (PIMENTA, 2019b), do mesmo
modo que sustenta as concepções do educador, para que não caia nas “tentações autoritárias
do modelo único” (LAURENT, 2014, p. 24).
62

3.2 A CRIANÇA AUTISTA, SUA VOZ E O PROCESSO EDUCATIVO

A teoria psicanalítica, a partir das proposições de Freud, nos oferece subsídios


importantes para compreender o sujeito sem que haja o apagamento de sua singularidade,
principalmente se pensarmos na construção dos processos educativos. Conforme Vorcaro
(2003), a maneira como o método freudiano se constituiu, sem que se tenha um método
passível de reprodução em massa, com poucas recomendações técnicas, impede sua
aplicabilidade, de forma que não possibilita a universalização do objeto e, portanto, seu
desaparecimento. Dessa forma, o percurso na clínica psicanalítica obriga que, a cada caso, se
recrie o método (VORCARO, 2003).

Apoiada nas contribuições de Lacan, Vorcaro (2003) ratifica que, no trabalho com
crianças no universo da psicopatologia, fundamenta-se nos processos de transmissão
simbólica que possibilita que elas construam de forma singular

“os tempos de sua estruturação para ultrapassar a condição real de objeto de um


outro, imaginarizar-se identificada ao lugar em que é posta até situar-se numa
posição de incomensurabilidade desde a qual pode desdobrar plenamente toda a
função significante” (p.94).

Tal configuração verifica-se na estruturação do sujeito autista, enquanto se estabelece


uma "insuficiência da extensão simbólica". Diante disso, na clínica, cabe ao analista
proporcionar condições para que essa extensão e a transmissão simbólica aconteçam, de
forma a recolocá-lo como sujeito de desejo em sua "herança de linguagem simbólica própria",
para que assim possa advir algo novo (VORCARO, 2003).

Catão e Vivès (2011) constatam, a partir das narrativas clínicas sobre as crianças
autistas, que elas não padecem de deficiência intelectual, confirmando as descrições de
Kanner em seus estudos sobre o autismo. O que se pode avaliar é que tal quadro possa vir a
integrar as características do sujeito, principalmente daquele que não se encontra em
tratamento. Contudo, tal condição estaria articulada de maneira secundária como efeito do não
uso de algumas zonas cerebrais (CATÃO; VIVÈS, 2011).

Refletindo sobre a concepção da voz do autista, a partir da teoria psicanalítica


lacaniana, Catão e Vivès (2011) questionam quais são os "tempos lógicos da estruturação do
sujeito psíquico" (p. 84), compreendendo que estes se estabelecem anteriormente ao sujeito do
inconsciente, caracterizando-se nos casos de autismo como algo "impossível de ser datado
cronologicamente" (p. 84). Nesse sentido, os autores identificam a voz como uma função
63

psíquica, assim como a escuta, que difere da audição. Enquanto uma é uma função psíquica, a
outra é uma função do órgão.

A voz se diferencia da fala, uma vez que esta última funciona como um instrumento
que confere sentido às funções do sujeito, conectando o "a-significar e o significante". A voz
é considerada o "terceiro termo deste nó" (Catão; Vivès, 2011, p. 84). Assim, a concepção de
voz na Psicanálise difere daquela utilizada no contexto cotidiano, pois não se reduz apenas às
características sonoras. “O som é a vestimenta imaginária da voz. A prosódia é seu registro
simbólico”. A voz é, assim, a primeira a ser constituída e também é articuladora “por
excelência da necessária incorporação da linguagem” (CATÃO; VIVÈS, 2011, p.85), que
possui dimensão de enunciação e endereçamento.

Desde antes de nosso nascimento, estamos imersos em um banho de linguagem


(CATÃO; VIVÈS, 2011). Isso inclui as crianças que não falam, que também estão imersas
nesse ambiente e se constituem na linguagem (Ávila, 1997). No entanto, como Catão e Vivès
(2011) esclarecem, essa imersão na linguagem precisa ser incorporada no real do corpo. A
dimensão enunciativa da voz está presente na maneira como nos constituímos diante das
relações estabelecidas entre os sujeitos. Segundo os autores, a incorporação da voz do Outro,
para que a encarnação da linguagem ocorra, requer o consentimento da criança, pois ela pode
recusar essa incorporação como uma forma de autodefesa. Para a criança autista, isso é
“proteger-se de toda e qualquer emergência angustiante do objeto voz” (MALEVAL, 2017,
p.91). Quando a criança responde a esse chamado, ocorre uma transformação de sujeito
"invocado" para "invocante" (CATÃO; VIVÈS, 2011, p.86).

Apoiando-nos nessas inferências, podemos questionar como ocorre a estruturação


psíquica nas crianças autistas a partir do encontro com a voz e o processo de enunciação. Ao
refletir sobre o comportamento dos autistas, Ávila compreende que a abertura sensorial
vivenciada por eles acarreta muitas vezes um “bombardeamento” de estímulos, o que
inversamente provoca uma busca de controle total sobre esses estímulos que os atravessam a
todo momento. Segundo o autor:

Esta criança está em choque. Ela se sente danificada, fraca e impotente. A reação,
para contra-atacar isso, foi desenvolver práticas que lhe dessem ilusão de ser
impenetrável, invulnerável, e estar no controle absoluto (ÁVILA, 1997, p.15).
De acordo com o autor, a criança autista desenvolve uma proteção, uma "carapaça",
que a isola do mundo exterior, ao mesmo tempo em que se torna uma barreira para o seu
acesso a ele. Dessa forma, podemos observar na estrutura autística uma defesa contra o
excesso de estímulos que, para os sujeitos autistas, poderiam desintegrá-los ou torná-los
64

estrangeiros a si mesmos na busca por se engajar nesse mundo (MALEVAL, 2017). O maior
dilema enfrentado por eles seria a perda se sua existência (ÁVILA, 1997).

Retomando a questão da fala, conforme apontado por Catão e Vivès (2011), ela não
pode ser considerada algo natural, mas sim uma conquista. “O exercício da função
performática da fala pela criança indica que ela conseguiu percorrer o caminho complexo e
sutil que a introduz no campo da linguagem” percorrendo do “barulho real ao som e a
música”, assim como “da música a fala” (p.87). Para que a fala se estabeleça, o sujeito precisa
utilizar sua voz, e isso não pode ser resultado de um processo de adestramento, mas sim da
estruturação do funcionamento psíquico.

De acordo com Maleval (2009 in CATÃO; VIVÈS, 2011), o sujeito autista sofre um
“excesso voz”. A criança autista não pode ser compreendida como alguém que não se
comunica (MALEVAL, 2017). Ela se comunica, no entanto, escolhendo não se engajar
totalmente com o Outro, recusando-se a se alienar completamente em seu campo. Muitas
vezes, ela recusa a posição de enunciador e a própria fala. Em muitos casos, quando um
autista fala, o faz de maneira que dilui a dimensão enunciativa, reproduzindo falas que se
desconectam da dimensão subjetiva, manifestando-se por meio de ecolalias e estereotipias
(CATÃO; VIVÈS, 2011).

A teoria psicanalítica, segundo Catão e Vivès (2011) propõe uma possibilidade de


saída da posição autística, de forma que possamos nos apresentar a elas de maneira não muito
presente, “furada”, que demande pouco ou nada, mas que possa se fazer atento às invenções
da criança autista e que às ateste como “produção de um sujeito suposto” (p.89). Nas
instituições escolares, mesmo sem a presença direta do psicanalista, ainda é possível realizar
uma escuta atenta que possa ter efeitos terapêuticos no processo educacional, permitindo que
as crianças autistas se insiram no laço social (ÁVILA, 1997).

Conforme pontuado por Ávila (1997), uma instituição adequada na atenção às crianças
autistas estaria disposta em sustentar uma profunda dúvida sobre o que se propõe. O autor
defende que essa instituição deveria abandonar as certezas, uma vez que sua abordagem
terapêutica não seria baseada em um método fixo, mas estaria submetida às particularidades
singulares de cada criança. Isso está em consonância com o método proposto por Freud, no
qual o tratamento é recriado a cada criança, sem a intenção de aplicá-lo a outros sujeitos. Isso
implica em se afastar de certos saberes pré-estabelecidos e recusar sua aplicabilidade
(VORCARO, 2003).
65

O objetivo no tratamento e na escolarização dos autistas é proporcionar a eles a


oportunidade de se aproximarem de si mesmos, de se enunciarem e de se tornarem produtores
de discurso, tanto para benefício próprio quanto em prol da comunicação, das trocas
simbólicas, do compartilhamento e da produção cultural. Essa busca talvez esteja no cerne de
toda a “tarefa humana do conhecer-se a si próprio” (ÁVILA, 1997, p.19).

Não há deficiência, déficit, tampouco doença que precise ser curada, ou


comportamento a ser corrigido. “No tratamento do autismo há um sujeito a ser escutado em
seu modo particular de funcionamento” (CATÃO; VIVÈS, 2011 p.89). Precisamos escutar
atentamente, mesmo em meio às palavras truncadas, ecolalias e estereotipias verbais, dando
espaço à experimentação da criança para que seja possível auxiliá-la na constituição de sua
voz, uma que “lhe seja própria” e que permita que ela escolha “nascer para a fala” (CATÃO;
VIVÈS, 2011).
66

4 ESTADO DA ARTE

Com o objetivo de compreender o panorama das publicações científicas brasileiras


relacionadas à escolarização de estudantes autistas, realizamos uma pesquisa e análise desses
estudos, utilizando como descritores os termos: autismo, escolarização, educação e inclusão,
combinados entre si. Para esse levantamento, utilizamos como fontes o Banco de Teses e
Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), o
Scientific Eletronic Library Online (SciELO), a revista sobre infância com problemas Estilos
da Clínica da Universidade de São Paulo (USP) e o GT 15 da Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação - ANPEd, que trata de discussões sobre a Educação
Especial.

Selecionamos pesquisas realizadas entre os anos de 2015 e 2022 como recorte


temporal, visando obter referências atualizadas e apresentar hipóteses e propostas que possam
contribuir para o trabalho com estudantes autistas e para a compreensão dessa temática na
atualidade. Essa escolha também considera o marco dos últimos sete anos após a
institucionalização da Lei Nº 13.146/2015 - Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que introduziu novas formulações e normas
relacionadas à inclusão, juntamente com outras diretrizes contempladas nos demais
documentos que discorrem sobre o tema.

Após realizar a pesquisa bibliográfica inicial utilizando os descritores mencionados,


foram encontrados 121 estudos acadêmicos. No entanto, após a leitura e análise dos trabalhos,
foi realizado um novo recorte, selecionando aqueles que abordam especificamente as
temáticas do processo de escolarização e inclusão de estudantes autistas na rede pública de
ensino, bem como os que se aproximam do referencial teórico utilizado. Esse processo
resultou em um total de 62 trabalhos que foram considerados para a finalização do Estado da
Arte. É importante ressaltar que, entre os artigos disponíveis na Scientific Eletronic Library
Online (SciELO), foram excluídos aqueles derivados das teses e dissertações descritas neste
trabalho.

Realizamos o Estado da Arte acerca dessa produção com o objetivo de compreender a


forma como ela tem se construído na realidade brasileira. De acordo com Romanowski e Ens
(2006), os Estados da Arte:
67

(...) podem significar uma contribuição importante na constituição do campo teórico


de uma área de conhecimento, pois procuram identificar os aportes significativos da
construção da teoria e prática pedagógica, apontar as restrições sobre o campo em
que se move a pesquisa, as suas lacunas de disseminação, identificar experiências
inovadoras investigadas que apontem alternativas de solução para os problemas da
prática e reconhecer as contribuições da pesquisa na constituição de propostas na
área focalizada (p.39).

Conforme Messina (1998, p.01) reitera:


um estado da arte é um mapa que nos permite continuar caminhando; um estado da
arte é também uma possibilidade de perceber discursos que em um primeiro exame
se apresentam como descontínuos ou contraditórios. Em um estado da arte está
presente a possibilidade de contribuir com a teoria e prática (in ROMANOWSKI E
ENS, 2006, p.40)

A escolha desse procedimento metodológico permite-nos conhecer e compreender de


forma ordenada as pesquisas que têm sido feitas sobre a escolarização das crianças autistas.
Isso possibilita uma investigação aprofundada dos referenciais teóricos, das práticas e ações
pedagógicas, bem como da relação docente e discente com essa temática. Além disso,
podemos avaliar as tendências do campo a partir da circunscrição do estudo, considerando os
diversos aspectos que compõem o fenômeno pesquisado, bem como criar hipóteses e
identificar possíveis lacunas que o campo venha a apresentar.

Dessa forma, a realização do Estado da Arte se revela como uma valiosa ferramenta
para a construção do conhecimento, proporcionando uma visão abrangente e atualizada do
cenário de pesquisa sobre a escolarização de crianças autistas no contexto brasileiro. Ao
identificar lacunas, tendências e contribuições existentes, abre-se espaço para o
desenvolvimento de novas discussões e investigações, bem como para a formulação de
propostas e intervenções que possam pensar em novas estratégias relacionadas às práticas
pedagógicas e às ações educacionais. A partir desse panorama, é possível dialogar com as
bases teóricas, direcionando nossos esforços para a construção de uma educação inclusiva e
de qualidade, buscando a participação ativa das crianças autistas no contexto escolar e social.

4.1 UMA BREVE DISCUSSÃO ACERCA DOS ESTUDOS DESCRITOS NAS


DISSERTAÇÕES E TESES.

Apresentamos a seguir os estudos realizados sobre as dissertações e teses coletadas no


Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), divididos de acordo com os pares de descritores utilizados.
68

Quadro I – Dissertações e Teses com os descritores: Autismo e Inclusão

PESQUISADOR(A) ANO TÍTULO IES NÍVEL


ACADÊMICO

NASCIMENTO, 2015 O acompanhamento Universidade Mestrado


Verônica Gomes. terapêutico escolar no Federal da Bahia
processo de inclusão de uma
criança autista

RODRIGUES, 2015 O processo de inclusão da Universidade Mestrado


Michely Aguiar. criança com autismo: Federal do Rio
mapeando práticas escolares e de Janeiro
seus efeitos

MONTE, Barbara 2015 Por trás do espelho de Alice: Universidade Mestrado


Terra do narrativas visuais como Federal do Rio
estratégias de inclusão de Grande do Sul
crianças com transtorno do
espectro do autismo

OLIVEIRA, Vivian 2015 Representações sociais de Universidade do Mestrado


Fátima de professores acerca dos seus Planalto
alunos com transtorno do Catarinense
espectro do autismo (TEA) no
processo de inclusão em
escolas públicas municipais
de Lages, SC

OLMEDO, Patrícia 2015 Sem comunicação, há Universidade Mestrado


Blasquez inclusão? Estadual do Rio
de Janeiro
Formação de educadores em
Comunicação Alternativa para
crianças com autismo
69

ALMEIDA, Tânia 2016 A comunicação casa-escola Universidade Mestrado


Santana de no contexto da inclusão de Federal de Santa
pessoas com TEA Maria

FREITAS, Angélica 2016 Os caminhos da exclusão no Universidade Mestrado


Regina Weeck. processo de inclusão escolar: Regional do
um estudo de caso de autismo Noroeste do
Estado do Rio
Grande do Sul

ROCHA LAGO, 2017 Inclusão e o outro com Universidade Mestrado


Maria Jéssica autismo: as vicissitudes de um Federal da Bahia
lugar sustentado pela escola

COSTA, Francisco 2017 Narrativas da inclusão de um Universidade do Mestrado


Mayccon Passos aluno autista: as crianças e Estado do Rio
seus modos de fazer Grande do Norte
inclusivos no contexto escolar

OLIVEIRA, Janiby 2017 A prática pedagógica do Universidade do Mestrado


Silva professor com o aluno autista Estado do Pará
no contexto da Escola
Inclusiva

LEAL, Anderson 2018 Modelo DIR/Floortime: bases Universidade Mestrado


Rubem Guimarães teóricas para a inclusão de Federal do Piauí
crianças com autismo na
educação infantil

OLIVEIRA, Sandra 2019 A inclusão da criança com Universidade de Mestrado


Regina de autismo na Educação Infantil: Brasília
compreendendo a
subjetividade materna
70

MONTEIRO, 2019 A inclusão escolar do aluno Universidade Mestrado


Fernanda Cristina com Transtorno do Espectro Estadual de
Bassetto Autista: novos desafios e Maringá
possibilidades

BASTOS, Rosângela 2019 Ações, relações e sentidos Universidade Mestrado


Porfírio produzidos pela comunidade Federal do
escolar sobre o processo de Amazonas
inclusão da criança com TEA

SANTOS, Lucirino 2019 Inclusão educacional da Universidade Mestrado


Fernandes. criança com autismo: estudo Federal da
das Tecnologias Assistivas Paraíba
para ambientes digitais de
Aprendizagem

PEREIRA, Gláucia 2019 Inclusão escolar e formação Instituto Federal Mestrado


Tomaz Marques integral da pessoa com o de Educação, profissional
Transtorno do Espectro Ciência e
Autista: caminhos possíveis Tecnologia de
Goiás

BARDINI, Márcia 2020 A Produção de Sujeitos Com Universidade do Mestrado


Dal Toé Nazário Diagnóstico de Transtorno do Extremo Sul
Espectro Autista no Contexto Catarinense -
da Escola Inclusiva: UNESC
narrativas de profissionais da
educação

BONVECHIO, 2021 Políticas Públicas para a Universidade Mestrado


Sandra Aparecida Inclusão do Estudante com Tuiuti do Paraná
Transtorno do Espectro
Autista na Educação Infantil
no Município de Colombo-PR

ROSADO, Adélia 2021 Concepções Docentes sobre Universidade Mestrado


Carneiro da Silva Inclusão se Crianças com Federal de
Autismo na Educação Infantil Campina Grande
71

GUARESCHI, Thais 2016 Inclusão educacional e Universidade Doutorado


autismo: um estudo sobre as Federal de Santa
práticas escolares Maria

DAMBROS, Aline 2018 Inclusão de alunos com Universidade Doutorado


Roberta Tacon. Transtorno do Espectro Estadual de
Autista: um estudo em Maringá
contexto de escolarização no
estado de São Paulo

NASCIMENTO, 2019 Por uma inclusão escolar Universidade Doutorado


Verônica Gomes artesanal: para além da Federal da Bahia
técnica, uma ética educativa

Fonte: Banco de Teses e Dissertações da Capes. Organização da autora

Nascimento (2015) analisou a forma como o acompanhamento terapêutico nas


situações de inclusão auxilia nesse processo, ao mediar a relação do sujeito com Transtorno
do Espectro Autista (TEA) com o meio e com seus pares. A autora adota a perspectiva da
educação terapêutica, na qual essa mediação atua “buscando a retomada da estruturação
psíquica e sustentando a construção, mesmo que mínima, de um sujeito que uma criança
possa estabelecer (Kupfer & Petri, 2000). O sujeito, nesse caso, refere-se à dimensão
simbólica, à constituição psíquica” (NASCIMENTO, 2015, p.13).

Para esse estudo, foi adotada uma abordagem qualitativa, valendo-se de um estudo de
caso único. Nele, a autora analisou o sujeito na interação com o acompanhamento terapêutico,
visando a subjetividade e as perspectivas inclusivas desenvolvidas a partir dos processos
característicos da criança. A pesquisa observou a relação da criança com a linguagem, o laço
social, o brincar e a aprendizagem, a fim de investigar os processos psicológicos que
permeiam a inclusão. Ao dialogar com a concepção clínica, o estudo aborda as demandas que
vão além do âmbito escolar e individual.

A autora parte da perspectiva de que o acompanhamento terapêutico escolar deve ser


entendido como uma prática que está relacionada à educação terapêutica, de modo que os
princípios de educar e tratar estejam vinculados. Nascimento (2015) destaca a necessidade de
72

esclarecer que o acompanhamento terapêutico escolar difere das concepções pedagógicas,


mas não se configura como uma prática clínica. Conforme descrito por ela, o
acompanhamento terapêutico escolar “está situado na proposta de uma educação terapêutica e
se pauta na perspectiva de uma educação estruturante” (NASCIMENTO, 2015, p.118).

A educação terapêutica é compreendida aqui com base nas contribuições de Kupfer


(1997). Nessa abordagem, não se busca apenas adaptar a criança ao que é socialmente
desejável, mas sim reconhecer sua posição como sujeito e oferecer-lhe o conhecimento como
um instrumento que promove seu desenvolvimento e afloramento. Diante disso, a ação da
pesquisa se movimenta no sentido em que concebe a inclusão como ato terapêutico, buscando
a organização dos processos simbólicos e da estruturação psíquica de maneira que enxerga o
sujeito para além do diagnóstico, mas como indivíduo presente e atuante em suas emoções e
propósitos.

Na sua pesquisa, Rodrigues (2015) buscou compreender o processo de inclusão,


levando em consideração as questões políticas, o atendimento escolar e os desdobramentos
culturais e pedagógicos estabelecidos e construídos pela instituição escolar que foi analisada.
O estudo foi realizado por meio de uma abordagem etnográfica, utilizando a observação não
participante e entrevistas semiestruturadas. A autora baseou-se na perspectiva omnilética21,
que serviu como alicerce para o processo analítico conduzido por ela.

A pesquisadora percebeu que os obstáculos presentes na realidade escolar são


influenciados por diversos fatores que vão além do ambiente escolar. Alguns desses
obstáculos identificados foram: preconceito, falta de apoio tanto por parte da instituição
quanto na formação dos professores, escassez de recursos e a ausência de cursos de formação
continuada relevantes. Dentre esses fatores, a falta de formação adequada se mostrou
especialmente evidente durante a pesquisa, destacando a importância de os educadores
adquirirem práticas educativas mais significativas que os capacitem para lidar com a realidade
escolar na perspectiva da inclusão.

Segundo Rodrigues (2015), uma das principais dificuldades no contexto da inclusão, a


partir da instituição analisada, é a criação e implementação de políticas e práticas pedagógicas
que estejam alinhadas diretamente com a perspectiva inclusiva para os sujeitos envolvidos na
educação especial. Além disso, é ressaltada a falta de comprometimento e interesse por parte

21
Perspectiva fomentada por Santos (2013) que descreve uma forma totalizante de se perceber as diferenças
como pertencentes a um cenário maior, considerando as dimensões culturais, políticas e práticas que se
comportam de maneira complexa e dialética.
73

dos funcionários na manutenção dos processos inclusivos já existentes e na necessidade de


reestruturações. Essa falta de engajamento se torna uma barreira ainda maior para todo o
contexto educacional, o que é preocupante em uma perspectiva de educação que valorize a
diversidade.

Monte (2015) realizou uma pesquisa qualitativa investigando o movimento de


inclusão de crianças autistas na educação infantil. O estudo de caso foi conduzido com três
sujeitos autistas na rede municipal de Porto Alegre - RS. A pesquisa se baseou em uma
análise das narrativas visuais, utilizando o sistema SCALA (Sistema de Comunicação
Alternativa para o Letramento no Autismo), com o objetivo de compreender como o processo
de inclusão ocorre na primeira etapa da educação básica.

De acordo com Monte (2015), a imaginação desempenha um papel crucial no processo


de escolarização dos sujeitos e está constantemente interligada com suas experiências
cotidianas. Nesse contexto, o uso de uma ferramenta que pode mediar essa dinâmica, mesmo
diante dos desafios que envolvem a interação e a comunicação, permitiu observar, juntamente
com outras estratégias utilizadas, as lacunas e os vazios que frequentemente atravessam o
processo de inclusão e marginalizam os sujeitos. Conforme menciona a autora “nos fabular
dos silêncios, dos balbucios, dos gestos, dos movimentos (des/in)controláveis – marcas não
sobre a pele visível, mas na alma” (MONTE, 2015, p.184).

A autora propõe uma reflexão sobre a formação continuada dos profissionais da


educação e a oportunidade de utilizar recursos que abram novos caminhos na escolarização.
Ela ressalta a necessidade de olhares mais atentos na primeira infância, estabelecendo uma
relação humanizada com os sujeitos, que vá além da abordagem clínica. Isso implica em
escutar além das palavras, interpretar o que não está explicitamente expresso, e promover um
processo de inclusão que seja dialógico e efetivo.

Oliveira (2015) dedicou-se a compreender a construção das representações sociais por


parte dos professores em relação aos alunos com TEA e como essas concepções influenciam o
processo inclusivo e as práticas pedagógicas adotadas por eles. O objetivo era identificar os
obstáculos ou estímulos que surgem a partir dessas representações e compreender as
consequências dessas relações, que podem tanto promover a inclusão quanto contribuir para a
exclusão. A pesquisa adotou uma abordagem qualitativa e utilizou o método de estudo de
casos múltiplos de acordo com Yin (2001).
74

A autora define representações sociais como o conjunto de saberes, crenças e


conhecimentos que são construídos socialmente e individualmente, influenciando a percepção
e concepção dos estudantes autistas. Essas representações desempenham um papel
fundamental nas práticas, ações e políticas educacionais que são adotadas em relação a eles.
Através da análise dessas relações, a pesquisa tem como objetivo compreender:

(a) como a significação é conferida ao objeto representado; (b) como a representação


é utilizada como sistema de interpretação do mundo social e instrumentaliza a
conduta; (c) como se dá sua integração em um sistema de recepção e como
influencia e é influenciada pelos elementos que aí se encontram (OLIVEIRA, 2015,
p.20,21).
Durante a análise da pesquisa, a autora constatou que as representações individuais
dos professores se diferenciavam das representações sociais coletivas. Em geral, a
representação social coletiva retratava o senso comum, que tendia a isolar a criança autista em
função do diagnóstico, enfatizando suas limitações. Além disso, havia um certo receio por
parte dos professores ao se depararem com esses alunos em sua jornada educacional. No
entanto, ao interagirem e atuarem junto aos alunos autistas, os professores puderam
desenvolver uma compreensão mais afetiva, o que permitiu questionar e desconstruir, em
certa medida, as concepções limitantes do senso comum. No entento, ressaltou que as
representações sociais ainda exerciam influência e orientavam, em certa medida, os processos
e práticas inclusivas desenvolvidas.

A autora também observou o impacto do processo inclusivo na saúde física e


psicológica dos professores. Durante a pesquisa, os professores demonstraram a necessidade
de expressarem suas frustrações e insatisfações, tanto em relação à sua preparação para lidar
com a inclusão, quanto ao suporte oferecido pela instituição escolar e pelos colegas de
trabalho. Isso ressalta a importância de momentos de troca e diálogo como forma de manter
uma prática escolar mais saudável. Esses momentos permitem aos professores compartilhar
suas dificuldades, buscar apoio mútuo e encontrar soluções coletivas para os desafios
enfrentados no contexto da inclusão, contribuindo para o bem-estar e a qualidade do trabalho
docente.

Olmedo (2015) investigou, por meio da construção e análise de um programa de


formação continuada para professores e mediadores na educação infantil, baseado na
comunicação alternativa e utilizando o PECS-Adaptado, os impactos desse estudo em
situações interacionais no âmbito escolar. A pesquisa, de cunho qualitativo, desenvolveu-se
75

em uma proposta quase experimental do tipo A-B-C22, considerando a creche como espaço
privilegiado para o desenvolvimento das crianças na infância.

Olmedo (2015) entende que a comunicação alternativa e aumentativa tem sido cada
vez mais indicada na literatura e utilizada como recurso importante e essencial para
complementar e dar suporte no processo de inclusão de crianças autistas. Isso amplia e
fortalece o uso da linguagem, especialmente quando esta se torna limitada, possibilitando uma
comunicação mais eficiente nas práticas e vivências escolares. O sistema escolhido, o PECS –
Picture Exchange Communication System, é um recurso de baixa tecnologia que, segundo a
autora, auxilia a superar os déficits presentes na oralidade dos alunos autistas. Ele permite que
essas crianças se expressem de forma mais funcional e aumentem o uso da linguagem oral,
tendo potencial para melhorar suas relações com seus pares.

Diante da pesquisa, a autora verificou que houve um interesse por parte dos
educadores em relação ao tema. No entanto, observou-se que muitos deles careciam de
conhecimentos e formação específica, tanto sobre o autismo quanto sobre a Comunicação
Alternativa e Aumentativa, que possibilitassem práticas e ações mais significativas no
cotidiano escolar. A autora destaca que esse processo beneficia não apenas os alunos com
TEA, mas toda a rede escolar, uma vez que promove uma maior interação e compreensão
desses alunos por parte de todos os profissionais envolvidos na escola. Contudo, a autora
ressalta as limitações do estudo devido ao tempo insuficiente para avaliar a efetividade da
proposta. Isso evidencia a necessidade de ações contínuas que apoiem a inclusão e uma escola
para todos.

Almeida (2016) realizou uma análise da relação entre escola e família como elementos
essenciais no processo de desenvolvimento de crianças com autismo, reconhecendo seu
potencial para impactar a realidade dessas crianças de várias maneiras. O objetivo do estudo
foi compreender como essa interação ocorre no contexto escolar, por meio de uma abordagem
qualitativa, utilizando estudo de caso múltiplo. O estudo envolveu pais e professores que
estavam presentes no processo de inclusão de crianças com TEA na educação infantil e nos
anos iniciais do ensino fundamental.

22
As propostas quase experimentais exprimem a impossibilidade do pesquisador em controlar todas as variáveis
do estudo. A configuração A-B-C evidencia as três etapas utilizadas pelo autor: observação, intervenção e
avaliação.
76

A autora reflete sobre o papel fundamental da família como o primeiro ambiente social
no qual o indivíduo interage, reconhecendo-o como sujeito e contribuindo para a construção
de sua identidade e subjetividade por meio dessas interações. A família se torna o referencial
direto para cada criança e exerce influência na maneira como o sujeito estabelece suas
relações com o mundo, moldando sua formação individual e coletiva, práticas culturais e
possíveis padrões de comportamento.

De acordo com Almeida (2016), a escola então se torna indissociável da família, no


sentido em que é necessário buscar uma comunicação que permita a cooperação e o diálogo
de forma a se estruturar práticas e ações apropriadas aos alunos autistas. A autora ressalta que
o processo de inclusão permeia diferentes momentos e espaços, mas destaca a importância da
comunicação entre família e escola como uma oportunidade de construir um processo de
inclusão colaborativo. Isso envolve a potencialização e implementação de estímulos e
estratégias mais eficazes e significativas para toda a comunidade escolar.

A pesquisadora também observou que essa interação entre família e escola pode gerar
descontentamento, afetando a relação entre ambas as partes. As famílias relataram a falta de
interesse e disponibilidade por parte dos professores, além de ansiedade e angústia após o
diagnóstico, enquanto a instituição escolar demonstrou rigidez na manutenção do diálogo e
nas preocupações da família. Os professores, por sua vez, demonstraram preferência pelo uso
de agendas como principal meio de comunicação e foco nas atividades relacionadas ao
aprendizado. Almeida (2016) destaca a ineficácia dessas relações, uma vez que as famílias
não se sentem atendidas em suas necessidades e demandas diante das informações recebidas
durante a escolarização de seus filhos autistas.

Em seu trabalho, Freitas (2016) aborda o acesso de crianças autistas à rede regular de
ensino, ressaltando sua natureza recente e os desafios envolvidos. A autora enfatiza que a
inclusão não pode ser compreendida de maneira uniforme, pois não existem caminhos únicos
para lidar com essa questão. O estudo foi realizado de forma qualitativa, com base em um
estudo de caso único, visando observar como o processo de escolarização se desenrola na rede
regular e como as práticas e políticas vivenciadas impactam a vida escolar desses alunos.

Na perspectiva da psicanálise, Freitas (2016) apresenta reflexões sobre o autismo,


explorando a constituição psíquica do sujeito autista com base na formulação do conceito de
sujeito e do inconsciente. A autora argumenta que a estruturação autística está ligada a não
instauração do circuito pulsional completo e ao processo de estádio de espelho em que “se o
espelho não for devidamente instaurado na criança, esta fica confinada ao espaço do real”
77

(FREITAS, 2016, p.58), repercutindo na maneira como essas crianças lidam e constroem sua
subjetividade.

Durante a pesquisa, a autora destaca alguns pontos relevantes. Primeiramente, foi


evidenciado um distanciamento entre as diretrizes educacionais garantidas no processo de
inclusão e o efetivo acesso a elas no caso estudado. Isso resultou em momentos de segregação
e exclusão, uma vez que o atendimento educacional especializado não ocorria no contraturno,
conforme estabelecido nos documentos oficiais. Além disso, a formação e capacitação dos
professores foram mencionadas como uma questão importante, uma vez que houve
constatação de desconhecimento em relação ao espectro do autismo e ao próprio conceito de
inclusão, contrariando os princípios que envolvem a inclusão escolar.

A autora ressalta a importância do investimento da escola no desenvolvimento dos


alunos autistas como algo imprescindível. Ela enfatiza que é por meio da interação com o
outro que o próprio sujeito se reconhece, e, nesse contexto, a escola desempenha um papel
fundamental. Portanto, é essencial que os profissionais envolvidos atuem como mediadores
ativos, reconhecendo o aluno autista como um sujeito único, com sua própria personalidade e
desejos. A autora também destaca a necessidade de as instituições escolares se organizarem
para vivenciar a inclusão em toda a sua potencialidade, o que pode ter efeitos expressivos na
realidade escolar.

Rocha Lago (2017) investigou, com suporte da interlocução Psicanálise/Educação, as


decorrências do processo de inclusão de uma criança autista, atentando à subjetividade como
catalisador desse movimento. A autora apresenta observações que dialogam com as demandas
do autismo, da educação inclusiva e da psicanálise, de forma a possibilitar novas inferências e
inquietações que reflitam nas ações e práticas do contexto escolar. A pesquisa teve um
delineamento qualitativo, utilizando-se do estudo de caso único, durante um semestre na rede
pública de ensino do Distrito Federal.

Com base em alguns conceitos de Freud e Lacan, bem como em seus comentadores
contemporâneos, compreende-se que o autismo está relacionado à falta de conexão das
operações psíquicas fundamentais. Rocha Lago (2017, p.27) argumenta que isso ocorre
devido ao "fracasso da montagem da unificação do corpo próprio devido à não instauração da
operação psíquica do estádio do espelho; e a falha da instauração do circuito pulsional". A
autora trabalha, então, com as questões centrais que fundamentam a concepção da
subjetividade dos sujeitos, as quais serão fundamentais na investigação sobre o autismo nas
interações com o outro e no processo inclusivo.
78

Rocha Lago (2017) reflete sobre as formas de abordagem em relação ao Transtorno do


Espectro Autista (TEA) e a necessidade de pensar em novas maneiras de compreender esse
transtorno. A autora destaca a importância de ir além do diagnóstico e da busca pela supressão
dos sintomas, e sim considerar o sujeito autista e sua subjetividade como participantes desse
processo, assim como a sua relação com o outro como mediador. Segundo a autora, com a
perspectiva da psicanálise, há um

compromisso ético ao considerar o sujeito em toda sua singularidade, não o


restringindo a um sistema de classificação diagnóstica, de modo que ao
enquadrarmos uma criança em determinado quadro diagnóstico, estamos oferecendo
um nome, além de lhe outorgar um lugar, definindo não só o que ela é, mas também
delimitando o que será (ROCHA LAGO, 2017, p.43).

Ainda em relação aos diagnósticos, Rocha Lago (2017) salienta que essa carga
científica que acompanha muitas vezes o discurso acerca dessa temática atua de forma que
deslegitima a subjetividade e a autonomia dos sujeitos. Além disso, essa configuração acaba
por recriar novos manejos e estratégias que irão afetar os sujeitos autistas na forma com a qual
lidam e constroem essa subjetividade negada. Dessa forma, essa caracterização diagnóstica
restringe tanto as ações e práticas dos educadores, como também a própria condição do aluno
diante dessas categorizações de sua existência, o que acaba por influenciar a forma como eles
se percebem nesse contexto.

Rocha Lago (2017) observou que o movimento que envolve as pessoas com autismo,
considerando o aumento significativo de casos nos últimos anos, tem levado à "naturalização"
de uma criança estigmatizada, como sugere a autora. Nesse sentido, a escola desempenha um
papel fundamental na manutenção e construção da linguagem e do simbólico que permeiam o
desenvolvimento dos sujeitos envolvidos nessa experiência, podendo ter reflexos negativos ou
positivos no contexto escolar. A autora ressalta a necessidade de uma perspectiva de educação
inclusiva que esteja pautada nos sujeitos, independente se essa escolha trará garantias na
práxis docente.

Costa (2017) analisou o processo de inclusão escolar a partir da perspectiva das


próprias crianças que convivem com estudantes com Transtorno do Espectro Autista,
investigando como as ações dessas crianças podem contribuir para esse movimento. O autor
buscou compreender como as narrativas e ações dos estudantes afetam a inclusão dos sujeitos
com autismo, adotando o método (Auto)Biográfico. Os participantes da pesquisa foram uma
criança com diagnóstico de autismo e seus colegas de classe. No delineamento da pesquisa,
foram realizadas observações participantes e construídas narrativas com quatro crianças.
79

O pesquisador observou que durante o processo de inclusão, as crianças estabelecem


interações por meio de trocas diárias e dinâmicas singulares, construindo relações e
significados valiosos que apoiam esse momento. O autor utiliza o conceito de "modos de
fazer" para destacar como as crianças, mesmo sem uma intenção direcionada à inclusão, têm
um impacto significativo na realidade ao seu redor, através de sua forma de existir no mundo.
O autor ressalta a fluidez da infância e destaca a dificuldade dessas crianças em realizar ações
inclusivas que possam ser descritas dessa maneira, uma vez que sua “simplicidade de entrega
e relação com outro possibilita a inclusão ao não erguer barreiras e atitudes discriminatórias”
(COSTA, 2017, p.88), geralmente sem uma intencionalidade voltada para práticas inclusivas.

Oliveira (2017) realizou uma pesquisa que analisou as práticas pedagógicas


envolvidas no processo de inclusão de um aluno autista em uma classe regular do ensino
público. O estudo baseou-se em documentos legais relacionados ao tema da inclusão, bem
como em autores que discutem sobre a inclusão e as práticas decorrentes dela. A pesquisa
adotou uma abordagem qualitativa, utilizando o estudo de caso como metodologia, e contou
com a participação de três professoras: a professora regente da turma, uma professora do
Atendimento Educacional Especializado e a professora de Educação Física.

A pesquisadora observou que a falta de formação dos educadores em relação às


práticas inclusivas, especialmente no que diz respeito aos estudantes autistas, foi a questão
que mais se destacou na construção da pesquisa. As professoras relataram que as práticas
pedagógicas adotadas eram baseadas em tentativa e erro, buscando ações que fossem
significativas para o desenvolvimento das crianças autistas. No entanto, de acordo com a
autora, essa abordagem pode resultar em ações que vão contra a inclusão, principalmente
quando se trata de adaptações nas atividades desses alunos, que muitas vezes apresentavam
conteúdos infantilizados e não condizentes com suas necessidades, podendo levar a resultados
segregadores e desestimulantes para esse público.

Nesse contexto, a autora reflete sobre as expectativas das professoras em relação ao


desenvolvimento dos alunos autistas. Ela observou que, embora houvesse preocupação com as
questões sociais promovidas pela escola, havia uma falta de perspectivas em relação às
demandas cognitivas e de aprendizagem. Da mesma forma, a avaliação desses alunos também
era comprometida, uma vez que as professoras não compreendiam como avaliá-los, uma vez
que o processo de ensino e aprendizagem não era o foco das ações e práticas de inclusão. Pelo
contrário, como destaca Oliveira (2017), as atividades direcionadas a esses alunos se
aproximavam do nível pré-escolar.
80

Leal (2018) investigou como as intervenções baseadas no modelo DIR/Floortime23


podem afetar e contribuir para o processo inclusivo de alunos autistas na Educação Infantil. O
estudo adotou uma abordagem qualitativa, exploratória, e utilizou o método bibliográfico. O
autor buscou materiais em português e inglês para examinar a estrutura teórica e prática desse
modelo e como as intervenções são realizadas.

O estudo adotou uma perspectiva desenvolvimentista, considerando também o


contexto social e histórico do Transtorno do Espectro Autista (TEA), bem como as estruturas
que envolvem as práticas e intervenções com esses alunos, com destaque para o ambiente da
Educação Infantil. O autor compreende o TEA como um transtorno com base neurobiológica,
resultante da interação entre fatores genéticos, biológicos, ambientais e sociais ao longo da
vida dos indivíduos. Além disso, ele enfatiza que o processo de escolarização, especialmente
na Educação Infantil, pode proporcionar o desenvolvimento integral das crianças, envolvendo
elementos corporais, sensibilidade, afetividade e cognição.

De acordo com o pesquisador, o modelo DIR/Floortime é uma abordagem que permite


compreender, potencializar e intervir nos processos de desenvolvimento infantil. Ele destaca
que esse modelo possui uma natureza tanto técnica quanto filosófica de intervenção. O uso
desse modelo possibilita traçar perfis de desenvolvimento específicos e individuais para cada
aluno, favorecendo um desenvolvimento mais satisfatório e significativo para as crianças
autistas. O modelo leva em consideração as particularidades do espectro autista, valorizando-
as na construção do processo de ensino e aprendizagem.

O autor ressalta a importância da perspectiva desenvolvimentista para compreender a


realidade escolar dos alunos autistas, de forma que considera e compreende os elementos
complexos e dinâmicos dos sujeitos, como fatores sensoriais, cognitivos, afetivos, de
comunicação e linguagem, bem como os fatores relacionais que permeiam todo o processo de
escolarização e do desenvolvimento infantil. Para isso, é fundamental que os profissionais que
atuam na educação estejam capacitados e adotem uma postura ativa, a fim de promover uma
inclusão articulada e comprometida de todos os envolvidos nesse movimento, incluindo as
famílias como parceiras nessa dinâmica.

Oliveira (2019) buscou compreender em sua pesquisa quais os elementos que


influenciam a configuração da subjetividade das mães diante do diagnóstico de seus filhos
autistas matriculados na rede regular de ensino, na etapa da Educação Infantil. A autora

23
Modelo criado por Stanley Greenspan e Serena Wieder. DIR: Desenvolvimento, Diferenças Individuais e
Relacionamento, utilizados na construção de perfis de desenvolvimento. Floortime, técnica de brincar no chão.
81

fundamentou seu trabalho na perspectiva da Teoria da Subjetividade de González Rey. O


estudo foi delineado como uma pesquisa qualitativa, utilizando o método de estudo de caso,
com a participação de duas mães que haviam recentemente recebido o diagnóstico de seus
filhos com Transtorno do Espectro Autista.

De acordo com a pesquisa, a subjetividade materna é profundamente afetada durante o


processo diagnóstico e de inclusão de crianças autistas. Historicamente, as mães já ocuparam
um lugar de culpabilização sobre as causas do autismo. Além disso, a autora também reflete
sobre a mística que envolve a maternidade no contexto social dessas mulheres, que naturaliza
a maternidade como vocação. Isso terá uma imposição ainda maior em relação às as mães de
crianças com autismo. Contudo, esse processo é atravessado por diversos conflitos,
sentimentos de aprisionamento, culpa, dependência, raiva, desconforto, tristeza, entre outros,
que podem afetar as trajetórias dessas famílias.

A autora destaca que o processo emocional das mães é influenciado por várias
questões. Suas experiências afetivas são moldadas pelos contextos sociais e históricos em que
estão inseridas, que carregam crenças, padrões, normas e princípios que moldam a sociedade
e constroem as subjetividades. Portanto, cada experiência carrega um traço característico e
único, visto a pluralidade social e cultural presente na estruturação simbólica dos sujeitos.

Na pesquisa realizada por Monteiro (2019), foram investigadas as estratégias e


métodos adaptativos utilizados nas escolas que atendem crianças autistas, bem como a
percepção das mães em relação ao processo de inclusão em diálogo com a escola. A pesquisa
também analisou como os estudos sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) têm sido
construídos e avaliou alguns métodos utilizados, como o Son-Rise, a abordagem responsiva, a
metodologia ABA (Análise Aplicada ao Comportamento), as PECS (Picture Exchange
Communication System) e o método TEACCH (Treatment and Education of Autistic and
Related Communication Handicapped Children). A pesquisa utilizou uma abordagem
metodológica teórico-bibliográfica e empírica, tendo como sujeitos da pesquisa mães de
crianças autistas em idade escolar.

Conforme a pesquisadora explicita, a família precisa ser ouvida durante o processo de


inclusão, dando destaque às mães, que geralmente tomam a frente da escolarização das
crianças autistas. Diante das particularidades do TEA, essa parceria com as mães pode
auxiliar para que esse processo se dê de maneira mais significativa e perceba a singularidade
de cada criança, com suas necessidades e potencialidades. A autora traz também a forma
como as mães buscam compreender o transtorno e obter mais conhecimentos, na tentativa de
82

atenuar as possíveis dificuldades no percurso. Nesse sentido, é na escola que essas crianças
estarão vivendo uma socialização que sai do âmbito da família e, consequentemente, desperta
nas mães expectativas acerca da oportunidade de mudanças sobre os padrões e perspectivas
construídas em relação ao autismo.

Monteiro (2019) entende que o encontro entre os profissionais que tratam do autismo é
muito importante na estruturação de manejo e estratégias que garantam estímulos e respostas
mais adequadas a cada criança. Assim, a escola seria esse lugar onde os saberes e ações se
convergem e se integram ao cotidiano escolar. Esse movimento, segundo ela, permite uma
cooperação em que todos os agentes serão beneficiados, à medida que, estreitando os laços e
as trocas, todo o processo poderá caminhar com mais segurança, permitindo que tanto os
profissionais quanto os familiares apreendam de maneira mais tangível o TEA, bem como a
especificidade de cada sujeito.

Bastos (2019) teve como propósito compreender as relações e práticas construídas no


contexto escolar na rede pública de ensino na perspectiva da inclusão de alunos com
Transtorno do Espectro Autista. A autora investigou quais os sentidos e anseios permeiam os
sujeitos envolvidos nesse processo. Para tal, a pesquisa foi delineada com uma abordagem
qualitativa, utilizando-se de um estudo etnográfico, apoiada no aporte teórico de González
Rey.

A autora desenvolve um estudo a partir da concepção da Psicologia Social com uma


perspectiva histórico-cultural, aproximando-se da teoria freiriana acerca da Educação
Emancipadora. Ela entende que a educação é um direito básico essencial para o
desenvolvimento dos sujeitos e que é por meio dela que o ser humano se constitui e se
configura através do tempo e da cultura.

De acordo com a pesquisadora, os processos subjetivos presentes no contexto da


inclusão de alunos autistas são permeados por emoções. Sensações de insegurança, medo,
desorganização e incapacidade, entre outros, são bastante presentes e afetam todos os agentes
envolvidos, desde a gestão da escola até os familiares e os próprios alunos. Bastos (2019)
destaca a importância dos sentimentos, especialmente da afetividade, na construção de
relações que auxiliem e fortaleçam as ações e práticas educativas, proporcionando vínculos
que tragam confiança e segurança para os sujeitos envolvidos no movimento inclusivo.
83

Por outro lado, a autora salienta que apenas a afetividade não é suficiente para apoiar
esse processo, uma vez que os estímulos e benefícios adquiridos podem ser desmantelados
diante dos obstáculos encontrados no cotidiano escolar. Todo o processo inclusivo é
complexo e envolve políticas educacionais, recursos didáticos e financeiros, entre outros, que
podem gerar conflitos na dinâmica escolar. Nesse sentido, é necessário buscar ações
empáticas e democráticas que considerem os sujeitos e promovam o diálogo, sempre
procurando atribuir significados humanizados que reconheçam a singularidade dos deles
diante do processo inclusivo.

Santos (2019) investigou em seu trabalho de que maneira as tecnologias assistivas,


mediadas pelo uso da internet, colaboram no desenvolvimento escolar de alunos autistas que
frequentam a Educação Infantil, bem como o cumprimento das políticas públicas relacionadas
a esse tema no contexto escolar. O estudo possui uma abordagem quali-quantitativa,
utilizando-se de pesquisa exploratória, apoiada em pesquisa bibliográfica, documental e
empírica. Os participantes do estudo foram seis professores atuantes nas salas de recursos
multifuncionais.

De acordo com a pesquisa, as tecnologias assistivas são instrumentos facilitadores que


podem proporcionar um processo de ensino e aprendizagem mais diversificados, baseado em
estruturas utilizadas em outros métodos, como ABA, TEACCH, PECS, entre outros. Nesse
contexto, as salas de recursos multifuncionais seriam ainda mais abrangentes se conseguissem
fazer uso desses recursos, numa perspectiva que considerasse a diversidade dos alunos. No
entanto, o acesso a essas ferramentas ainda é um desafio no cenário pesquisado. O autor
discorre sobre a ineficácia das políticas públicas em relação à escassez de recursos nas escolas
brasileiras. Observou-se a falta de material específico e o grande número de dispositivos
eletrônicos inadequados. Mesmo quando adequados, há dificuldade por parte dos docentes em
utilizá-los, o que demonstra um grande descompasso em relação às diretrizes e normativas
expressas na legislação que integram a educação inclusiva.

O autor afirma que "o conjunto normativo para o AEE se inclina mais para legislações
simbólicas, para demonstração ilusória da capacidade de ação do Estado (legislação-álibi)"
(SANTOS, 2019, p.160). Isso se reflete nos tratados jurídicos nacionais e internacionais que
regem a perspectiva inclusiva, mas que não garantem a efetivação deles na realidade escolar
cotidiana e na qualidade das ações e práticas educativas. Portanto, o autor constata que há
uma longa trajetória para que a inclusão se torne mais realista e palpável, sendo necessário um
olhar heterogêneo e amplo, no qual a diversidade possa ser genuinamente vivenciada.
84

Pereira (2019) desenvolveu um estudo sobre as possibilidades, no campo educativo, da


formação integral e inclusiva de alunos com Transtorno do Espectro Autista e como os
professores e o currículo lidam com essa temática. A autora delineou a pesquisa de forma
exploratória e documental, utilizando uma abordagem qualitativa. Foi realizado um
levantamento bibliográfico no período de 2012 a 2018, destacando o marco histórico da
promulgação da Lei Berenice Piana. Além disso, foi realizado um estudo de campo,
analisando os documentos oficiais relacionados à temática, bem como os relatos dos
profissionais envolvidos no processo de inclusão escolar desses alunos.

A pesquisadora concebe a formação integral dos sujeitos autistas com base na


perspectiva humana e individual deles. Nesse sentido, é necessário superar as limitações do
diagnóstico, não de maneira a negar as possíveis dificuldades que eles possam enfrentar, mas
sim compreender o sujeito em suas necessidades e desejos, como um participante ativo na
sociedade. A autora destaca a importância da formação integrada como uma ação na qual o
trabalho seja uma preocupação nos processos formativos, desde o ensino básico até o
profissional, reconhecendo a necessidade de um “um ensino de base fundante e não alienante
que preconize o trabalho como princípio educativo, planejado para a formação integral e
emancipatória do homem” (PEREIRA, 2019, p.49).

Pereira (2019) ressalta a necessidade de transformar as estruturas educacionais, de


modo que as práticas e ações se tornem verdadeiramente inclusivas. Ao longo da pesquisa,
destacou que o processo de escolarização na perspectiva inclusiva não pode se limitar apenas
às questões médicas, mas requer uma cooperação mútua entre a família, o setor público, a
sociedade e os profissionais da saúde e da educação. Sob essa perspectiva, a autora questiona
a tendência à medicalização dos indivíduos, que, juntamente com outras prerrogativas
médicas, resulta em um atendimento fragmentado e, muitas vezes, ineficaz no contexto
educacional dos alunos com Transtorno do Espectro Autista.

Baseando-se em relatos de profissionais que atuam na Educação, Bardini (2020


apresentou em sua pesquisa a maneira como os alunos diagnosticados como autistas vêm
sendo produzidos24 na escola (a partir da perspectiva da educação inclusiva) e como a
inclusão é percebida no ambiente escolar, incluindo seus percalços. O estudo adorou uma
abordagem qualitativa, com a coleta de dados realizada em duas escolas públicas estaduais,
contando com 14 educadores atuantes com alunos autistas (dois Assistentes Técnico-
Pedagógicos (ATP), dez Professores Titulares das séries finais do Ensino Fundamental e dois
24
Termo utilizado pela autora.
85

Segundos Professores25). A pesquisadora utilizou entrevistas semiestruturadas e grupos focais,


além de analisar os Projetos Políticos Pedagógicos das instituições como parte da
investigação.

No referencial teórico, a autora realiza uma discussão histórica sobre a concepção do


autismo, sua inclusão nos manuais diagnósticos e as mudanças nas percepções e terminologias
relacionadas a esse transtorno, que influenciaram as ações, práticas e políticas públicas
voltadas para essa população. Ela destaca as nuances da inclusão escolar que se materializam
na escola, revelando práticas excludentes. Além disso, a pesquisadora analisa a intervenção da
saúde no ambiente escolar, observando uma supervalorização do aspecto biológico, o que
resulta em um olhar patologizante e estigmatizante dos sujeitos, com base na busca por alunos
"ideais" e "normais" e na busca por essa "normalidade" nos processos pedagógicos.

Na análise dos dados coletados na pesquisa empírica, a pesquisadora constatou que os


educadores possuíam pouco conhecimento sobre o autismo e sobre a inclusão no ambiente
escolar. Os profissionais ressaltaram a necessidade de uma reconfiguração da organização
escolar, desde a estrutura física da sala de aula até a relação com a comunidade escolar e a
família. Bardini (2020) destaca o grande desafio enfrentado pela escola em relação à inclusão
de pessoas autistas, devido às contradições presentes no sistema de ensino, onde as políticas e
discursos relacionados à diversidade muitas vezes não consideram as diferenças entre os
alunos, professores e instituições escolares. A autora ressalta a persistência de uma
perspectiva de integração social, em que os alunos autistas são compreendidos com base em
diagnósticos e estigmas construídos pelo discurso médico, associando-os frequentemente a
concepções de incapacidade.

Na pesquisa conduzida por Bonvechio (2021), o objetivo foi investigar como as


políticas públicas educacionais abordam a inclusão de pessoas autistas na cidade de Colombo,
no estado do Paraná, com foco especial na etapa da Educação Infantil. A abordagem adotada
foi qualitativa, utilizando a revisão de literatura e a análise documental como métodos de
coleta de dados. A autora examinou as normativas e diretrizes que tratam do acesso e dos
direitos das crianças autistas em relação à sua educação, tendo como fundamento a
compreensão das desigualdades e do sistema excludente que operam na sociedade, visando
contribuir para a discussão e o aprimoramento das políticas públicas educacionais.

25
Esses professores tinham como função, orientar, supervisionar, oportunizar material, demandar
documentações gerais e também apoiar as assessorias da APAE na escola.
86

Na análise realizada, a autora identificou alguns pontos-chave que são relevantes para
a investigação no campo da inclusão das pessoas autistas no contexto educacional. Entre esses
pontos, destacam-se a relação entre exclusão e inclusão na educação, os desafios presentes na
legislação relacionada à inclusão e a especificidade do Transtorno do Espectro Autista. A
autora observou que a atuação do poder público tem sido insuficiente e de natureza
secundária, o que se reflete no âmbito municipal em um atendimento precário que não está em
conformidade com as diretrizes estabelecidas na legislação.

A pesquisa também destaca a formação dos professores como um fator relevante que
reflete as dificuldades encontradas no ambiente escolar, evidenciando falhas na
implementação das políticas públicas. A autora ressalta que a ausência de políticas de
formação contínua dos educadores contribui para a manutenção das desigualdades
educacionais, privilegiando certos grupos e excluindo os diferentes. Isso ocorre porque a
formação tende a homogeneizar os estudantes por meio de um modelo, tornando a inclusão
um problema em vez de um direito e uma prioridade da educação. A pesquisadora enfatiza a
necessidade de reflexão e defesa da inclusão escolar como um movimento em prol do direito
de todos à educação, além da importância crucial da implementação e promoção de políticas
públicas voltadas para essa temática e para as necessidades específicas dos estudantes autistas.

No estudo de Rosado (2021), foi investigada a perspectiva dos educadores da


Educação Infantil em relação à inclusão escolar de estudantes autistas. A pesquisa buscou
compreender como os educadores percebem as ações e práticas inclusivas e excludentes, bem
como sua percepção em relação ao processo de ensino e aprendizagem com crianças autistas.
Além disso, foi analisado como essas percepções se refletem nas formas de mediação
adotadas pelos educadores. A abordagem utilizada foi qualitativa, baseada na perspectiva
sócio-histórica de Vigotsky, na qual foram realizadas entrevistas semiestruturadas com duas
professoras que trabalham na rede pública municipal da cidade de Guarabira, na Paraíba.

Em seu trabalho, foi observado que as professoras da Educação Infantil estão


reconstruindo suas percepções sobre os estudantes autistas à medida que adquirem
experiência com eles no ambiente escolar. Essa reconstrução é baseada na mediação afetiva,
no respeito mútuo e no princípio da cooperação, o que tem possibilitado o desenvolvimento
de práticas educacionais mais significativas para todos os envolvidos no processo de ensino e
aprendizagem. No entanto, a autora ressalta a necessidade de formação especializada para as
professoras, a fim de lidarem de forma mais eficaz com os desafios encontrados na inclusão
educacional das crianças autistas. Essa formação especializada, segundo a pesquisadora,
87

contribuiria para a melhoria das práticas pedagógicas e para um atendimento mais adequado
às necessidades desses estudantes.

A autora destaca o esforço das educadoras em buscar novas estratégias e formas de


criar um ambiente escolar mais inclusivo. Elas reconhecem que a inclusão não se resume
apenas à presença dos estudantes autistas na escola, mas também implica sua participação
ativa no contexto educativo. Nesse sentido, as educadoras buscam superar barreiras atitudinais
e pedagógicas, a fim de proporcionar práticas menos excludentes que atendam aos interesses e
às necessidades específicas dos estudantes autistas. Essa busca por práticas inclusivas reflete o
compromisso das educadoras em promover uma educação que valorize a diversidade e
proporcione oportunidades equitativas de aprendizado para todos os alunos.

Na pesquisa de Guareschi (2016), a autora investigou as práticas escolares nas escolas


municipais de Santa Maria/RS, especificamente na Educação Infantil e nos anos iniciais do
Ensino Fundamental, com relação aos alunos autistas. A pesquisa foi conduzida por meio de
uma abordagem documental, analisando pareceres pedagógicos e planos de atendimento
educacional especializado elaborados por docentes da Educação Especial. A autora
fundamentou sua pesquisa em uma perspectiva que integra a Psicanálise e a Educação
Especial, buscando compreender o desenvolvimento infantil proposto por Coriat e
Jerusalinsky, bem como as questões relacionadas à construção da subjetividade dos sujeitos
autistas. Essa fundamentação teórica permitiu explorar as práticas educacionais e
compreender como as escolas abordam a inclusão e o apoio aos alunos autistas.

De acordo com as observações da autora, o discurso médico, ainda muito presente na


realidade escolar, exerce uma influência significativa na concepção e na implementação das
ações e práticas relacionadas à inclusão. Dessa forma, adota uma perspectiva biologicista e
individualizada em relação às questões que envolvem a educação de crianças autistas,
negligenciando seu caráter social. A autora também chama a atenção para a formação
acadêmica dos profissionais que trabalham com esse público-alvo, os quais tendem a receber
uma capacitação voltada para essa abordagem, baseada em uma compreensão médica dos
sujeitos.

É a partir dessa análise que a autora utilizará a psicanálise como alicerce para
compreender e superar esses modelos já estabelecidos, que desconsideram os processos
históricos e sociais no desenvolvimento das crianças autistas, reduzindo sua identidade ao
diagnóstico.
88

Nessa perspectiva, Guareschi (2016) compreende o desenvolvimento humano como


resultado da interação entre aspectos estruturais e instrumentais, isto é, a combinação de
elementos biológicos, o sujeito psíquico e os instrumentos de socialização, interação e
linguagem presentes no ambiente. A autora ressalta que esses elementos estão em constante
diálogo e podem influenciar uns aos outros. No caso do autismo, a autora entende que há
problemas na constituição subjetiva do sujeito e complicações nos aspectos estruturais. Isso se
reflete nas ações cotidianas relacionadas a habilidades motoras, cognitivas e afetivas, que,
embora possam estar presentes, apresentam certa desorganização em relação ao padrão
esperado.

Diante da análise realizada, a autora constatou a necessidade de adaptações nas


práticas escolares e destacou o papel dos estagiários na inclusão e escolarização dos alunos
autistas, indo além do que é descrito nas políticas de inclusão. Além disso, ressaltou a
importância do envolvimento dos alunos autistas com os demais colegas, pois isso contribui
para um desenvolvimento mais significativo. Os documentos utilizados na pesquisa, como
pareceres e planos pedagógicos, tiveram um impacto positivo na organização das práticas
escolares, abrindo novas oportunidades no contexto educacional. Por fim, a pesquisadora
enfatizou a importância do diálogo com a Psicanálise, que permite diferentes perspectivas de
discurso e ações que promovam a inclusão, levando a mudanças nas práticas educativas.,
ressaltando a importância de validar as configurações de contrução do laço social e os
processos simbólicos dos sujeitos, tornando o movimento de inclusão único em cada contexto
escolar.

Dambros (2018) conduziu uma análise em sua tese sobre como os processos
pedagógicos estão sendo desenvolvidos nas salas de aula regulares e como os estudantes
autistas estão experienciando o movimento de inclusão na educação. A pesquisa foi delineada
por meio de levantamentos bibliográficos e análise de documentos e dados oficiais
relacionados ao tema. Como parte da metodologia, a autora realizou pesquisas de campo em
duas escolas de Ensino Fundamental e duas escolas de Educação Infantil no município de
Lins, em São Paulo. Um total de 11 educadores foram entrevistados utilizando uma
abordagem de entrevista semiestruturada, com três eixos de discussão: o olhar do educador, o
olhar para a criança e o olhar para a escolarização.

A autora destaca que a forma como nos organizamos como sociedade, particularmente
a maneira como a escola conduz suas práticas, tem como resultado ações de curto prazo
permeadas por burocracia. Diante desse processo, as práticas educativas voltadas para alunos
89

com deficiência requerem ainda mais atenção, pois não se limitam apenas à inclusão desses
estudantes no ambiente regular da escola, mas envolvem uma prática social mais ampla.
Nesse sentido, ela ressalta a importância de o trabalho pedagógico estar fundamentado em
metodologias e recursos científicos, aliados a uma abordagem humanizada desses processos.
Além disso, é enfatizado o caráter cultural, em vez do biológico, que permeia todo o processo
de desenvolvimento das crianças inseridas em um contexto coletivo e que influencia as
formas pelas quais nosso sistema escolar funciona. No caso específico das crianças autistas,
elas também estão imersas nessa cultura, embora possam ter maneiras diferentes de se
apropriar das características do ambiente e das relações que se estabelecem durante o processo
de socialização dos sujeitos.

Conforme apontado por Dambros (2018), a formação dos professores é uma questão
de grande relevância, uma vez que esses profissionais enfrentam diversas dificuldades ao
trabalhar com estudantes autistas. Muitas vezes, sua formação é insuficiente e limitada, não
abrangendo uma educação integral para esse público no que se refere à socialização,
linguagem, cognição e desenvolvimento. Essa lacuna na formação contribui para a
perpetuação de estigmas e preconceitos, alimentando um misticismo em torno do autismo.
Diante dessas questões, a autora destaca a importância de disponibilizar publicações sobre o
autismo no cotidiano escolar, a fim de promover maior conhecimento e compreensão sobre o
tema. Além disso, ressalta a necessidade de uma configuração escolar inclusiva, que seja
integrativa e permeie toda a estrutura educacional de forma dialógica, de maneira que seja
caminhar em direção a uma realidade menos excludente e proporcionar uma educação mais
inclusiva para os sujeitos autistas.

Nascimento (2019) discute em sua tese a perspectiva da "inclusão artesanal" como


forma de reconhecer e investigar os elementos artesanais presentes na inclusão de sujeitos
autistas matriculados nas escolas regulares, tanto públicas quanto privadas. A autora baseia-se
na vivência do Acompanhamento Terapêutico Escolar (ATE) como referencial teórico e
prático para sua pesquisa. O estudo é de natureza qualitativa e utiliza o método de estudo de
caso, tendo como participantes dois alunos autistas acompanhados pelo ATE. A autora
enfatiza a importância da psicanálise como um recurso valioso que proporciona uma
percepção ética do sujeito e que está alinhada com a abordagem da "inclusão artesanal".
Através da psicanálise, é possível reconhecer o sujeito em sua complexidade psíquica e buscar
compreender a singularidade de cada indivíduo no contexto inclusivo
90

Com base em suas análises, a autora ressalta a concepção de Voltolini (2004b) de que
a psicanálise pode fazer furor à noção técnica que objetifica os sujeitos, possibilitando uma
postura ética e atenta à subjetividade destes, trazendo “uma política de identificação das
diferenças como aspectos singulares e não tipológicos” (NASCIMENTO, 2019, p.77). A
autora estabelece um diálogo com a perspectiva de Lajonquière (1999), que foge da dimensão
inclusiva que busca a adaptação dos sujeitos com base em diagnósticos, o que limita o escopo
do processo inclusivo. Dessa forma, a psicanálise proporciona um outro viés de percepção e
análise.

A autora entende a inclusão artesanal como uma postura indispensável que se


contrapõe ao modelo encontrado nas escolas, baseados em princípios homogeneizantes que
categorizam os sujeitos em “pacotes”26. Ela acredita que essa abordagem artesanal da
educação vai além das concepções técnicas que limitam as possibilidades dos sujeitos,
proporcionando oportunidades mais significativas no processo educativo. Isso implica em
uma mudança de uma postura técnica para uma postura ética. Nessa perspectiva, o sujeito
autista é visto como um agente ativo que participa e sustenta o caminho da experiência
educativa, em diálogo com a psicanálise. Como mensionado por Nascimento (2019) “dirige-
se e sustenta-se um caminho para a experiência educativa, mas não o sujeito autista” (p.202-
203). Além disso, a pesquisadora faz um alerta sobre as políticas, slogans e imperativos que
agrupam os sujeitos sob a ótica de uma “igualdade para todos”, ressaltando que esse discurso
pode ter consequências opostas, resultando no apagamento da subjetividade dos sujeitos.

Quadro II – Dissertações e Teses com os descritores: Autismo e Escolarização.

PESQUISADOR(A) ANO TÍTULO IES NÍVEL


ACADÊMICO

SOUSA, Deborah 2016 O Diagnóstico e a Universidade Mestrado


Lauriane da Silva escolarização: os sentidos Federal do Piauí
subjetivos constituídos por
mães de alunos com autismo

26
Termo utilizado pela autora.
91

TAMBARA, Marli 2017 Narrativas de mães de crianças Universidade Mestrado


Palomares com Transtornos do Espectro Cidade de São
do Autismo (TEA) acerca das Paulo
primeiras experiências
escolares de seus filhos.

FLORES, Marluce 2019 Aprendizagem e relações Universidade de Mestrado


Ferreira intersubjetivas de crianças Santa Cruz do
diagnosticadas com autismo Sul

NOGUEIRA, Julia 2019 Eixos de interesse como Universidade Mestrado


Candido Dias estratégia para o Federal de
desenvolvimento da Alfenas
aprendizagem de pessoas com
autismo

ANDRADE, Walna 2019 Histórias e memórias de Universidade Mestrado


Patrícia de Oliveira práticas educacionais Federal do
relacionadas às pessoas com o Sergipe
autismo em Sergipe (1962-
1993)

MOREIRA, Joana da 2019 Políticas públicas de inclusão Universidade Mestrado


Rocha e a escolarização de pessoas Federal Rural
com Transtorno do Espectro do Rio de
Autista (TEA): perspectivas Janeiro
histórico-políticas do
município de Duque de
Caxias/ RJ

CRESPO, Renata 2020 Comunicação e Interação Universidade Mestrado


Oliveira Social de Crianças com Federal de
Transtorno do Espectro do Pelotas
Autismo: possíveis efeitos de
uma intervenção mediada por
pares
92

MARTINS, Juliana 2020 Contribuições da Análise do Universidade Mestrado


dos Santos Comportamento Aplicada Federal de
(ABA) para adaptação Pelotas
escolar de crianças pré-
escolares com autismo.

TIRADENTES, 2020 Políticas Públicas Universidade Mestrado


Regina Oliveira Educacionais Inclusivas: A Federal do
legitimidade da escolarização Amazonas
dos indivíduos com autismo
nas escolas da Seduc em
Manaus

SANTOS, Emilene 2017 Os alunos com autismo no Universidade Doutorado


Coco primeiro ano do ensino Federal do
fundamental e os movimentos Espírito Santo
de construção das práticas
pedagógicas

BACARO, Paula 2020 Transtorno do Espectro do Universidade Doutorado


Edicléia França Autismo e Integração Estadual de
Sensorial: o processo de Maringá
aquisição da leitura e escrita
em uma abordagem
responsiva de aprendizagem

Fonte: Banco de Teses e Dissertações da Capes. Organização da autora

Sousa (2016) analisou os processos subjetivos desencadeados nas mães de crianças


autistas a partir do diagnóstico e de que maneira isso pode afetar o cotidiano escolar das
crianças. Para tal, a autora organizou o trabalho de forma qualitativa, valendo-se do estudo de
caso, trabalhando com três mães cujos filhos frequentavam o ensino público regular. Para a
análise dos resultados, foi utilizada a perspectiva construtivo-interpretativa, estruturada por
González Rey.

De acordo com Sousa (2016), dadas as características do espectro, que é heterogêneo e


não visa a cura, mas sim um tratamento constante, as intervenções se apresentaram como
múltiplas e complexas, sendo particulares a cada sujeito. Nesse sentido, o diálogo com a
93

família permite observar as implicações que o processo diagnóstico gera para elas, o que
repercute na forma como as crianças experimentam a inclusão no âmbito escolar. A autora
também reflete sobre os procedimentos desgastantes enfrentados pelas famílias na busca por
abordagens que possam proporcionar um melhor desenvolvimento e aprendizagem para seus
filhos. Além disso, destaca as situações de preconceito, exclusão e a visão clínica que se
restringe ao diagnóstico, não considerando o sujeito presente. A autora também ressalta as
questões do senso comum e das crenças dos profissionais da saúde e da educação, que afetam
a compreensão dos familiares e as abordagens decorrentes disso.

A autora compreende que o processo de escolarização será atravessado pelos impactos


presentes na subjetividade das mães, relacionados ao enfrentamento de angústias, medos e
incertezas que refletem a vulnerabilidade que muitas famílias encontram ao lidar com a
complexidade do espectro. Nesse momento, a escola desempenha um papel significativo, uma
vez que acompanha as hipóteses e pressupostos que envolvem a constituição do sujeito
autista, tanto em seu comportamento e relacionamento, quanto nas questões cognitivas.

Tambara (2017) realiza uma investigação sobre a compreensão das mães de alunos
com autismo em relação ao início do processo de escolarização de suas crianças na Educação
Infantil. A autora aborda conceitos relacionados à infância, à função das escolas na atualidade
e ao processo de inclusão, incluindo aqueles relacionados ao Transtorno do Espectro Autista
(TEA). A pesquisa foi conduzida de forma qualitativa, utilizando o método do estudo de caso,
por meio de entrevistas narrativas com mães de alunos autistas que estão na Educação
Infantil.

Em sua análise, a autora observou que a escola, com seu potencial socializador,
permite aos sujeitos vivenciarem a troca com o outro. Nesse sentido, a escola pode promover
o reconhecimento do sujeito e de suas famílias por meio do olhar e convivência com a
diversidade. É nesse momento que se torna possível identificar possíveis riscos no
desenvolvimento das crianças, como o autismo.

A autora observou que durante o período de descoberta e após o diagnóstico, a relação


entre a família e a escola se estreita e caminha em direção ao desconhecido. Há muitas
barreiras e desafios nesse processo, no entanto, a autora destaca a importância da família que
conhece e exerce seus direitos, mesmo sabendo que pode se deparar com a falta de preparo
por parte da instituição escolar. Segundo Tambara (2017), a principal queixa encontrada na
pesquisa é exatamente essa falta de preparo, em que os professores e gestores têm pouco
conhecimento sobre o assunto, o que resulta na ausência de ações e práticas pedagógicas que
94

possibilitem um verdadeiro processo de inclusão.

Em sua discussão, é destacado que o processo inclusivo não se limita apenas ao


contexto escolar, mas abrange também os aspectos sociais, políticos e econômicos que fazem
parte desse cenário, e que, em algumas situações, podem dificultar sua efetividade. Portanto,
esse movimento é complexo e envolve questões éticas, morais e legais que o permeiam,
requerendo uma transformação de paradigmas e ações na sociedade. O objetivo é buscar
vivências mais humanizadas e menos segregadoras, que permitam o estabelecimento de
relações saudáveis com a diversidade.

Flores (2019) investigou como a subjetividade e o processo de aprendizagem de


alunos autistas são construídos durante momentos de interação com outras crianças em um
espaço autopoiético. A autora utilizou oficinas que estimulam sentimentos de criação e
autonomia. Além disso, ela estabelece um diálogo com a teoria da Biologia do Conhecer de
Humberto Maturana e Francisco Varela (1980). A pesquisa foi estruturada como um estudo
cartográfico, enfatizando os elementos subjetivos, uma vez que estes não são padronizados
nem fixos.

A pesquisa destaca a constante redução da perspectiva de uma educação voltada para a


vida, na qual a autonomia e a criatividade desempenham papéis protagonistas no processo. No
contexto escolar, muitas vezes há uma estruturação que enfatiza apenas as habilidades e os
conteúdos acadêmicos, ignorando o fato de que o conhecimento abrange mais do que apenas
esse aspecto intelectual e envolve tudo o que compõe nossa identidade como sujeitos.
Contrariamente a isso, conforme relatado pela autora, testemunhamos um movimento em
direção à padronização, onde o interesse é que todos sejam iguais e acríticos em relação ao
que nos cerca e é imposto. Isso cria uma dificuldade evidente para a compreensão de outras
formas de existir em sociedade e interagir com seus pares.

Durante a pesquisa, Flores (2019) observou que as crianças autistas experimentam e


vivenciam o ambiente escolar com sua própria autonomia e [re]significam suas relações
durante o processo de escolarização. Conforme destacado pela autora, nas brincadeiras e
atividades proporcionadas, foi possível identificar a amplitude das possibilidades
educacionais que vão além da visão limitada de escolarização baseada apenas em habilidades
acadêmicas. Nesse sentido, a pesquisadora ressalta a necessidade de superar rótulos e o senso
comum que restringem os sujeitos com autismo e limitam suas particularidades. Ela constata
que, em um espaço autopoiético, é possível que os sujeitos demonstrem suas potencialidades e
sejam autênticos em suas trajetórias.
95

Nogueira (2019) realizou uma análise das características das ações, práticas e
estratégias pedagógicas acompanhadas por metodologias inovadoras na perspectiva inclusiva
de alunos com Transtorno do Espectro Autista. A pesquisa contou com a participação de 10
sujeitos, entre alunos e ex-alunos, que foram diagnosticados como autistas ou que se
identificam dentro do espectro. A autora utilizou a Epistemologia Qualitativa27 como base
para a delineação de sua pesquisa.

De acordo com a autora, o autismo não deve ser resumido ao diagnóstico, salientando
que existem dois aspectos importantes a serem considerados. Primeiro, acerca da
credibilidade dos manuais e diretrizes diagnósticas, que de acordo com Orrú (2016, p.42-43):

São passíveis de dúvidas, de confiabilidade e, principalmente, de validade. Eles são


organizados a partir de um consenso de um grupo de médicos da medicina
psiquiátrica. Ora, até que ponto esse grupo pode ou não estar equivocado com o
firmado em seu manual (DSM V), uma vez que o conjunto de sintomas constitui
conjecturas sobre um suposto transtorno psíquico? Se tais critérios são baseados em
fatos que não se tem como provar, também é fato que devemos explorar com espírito
crítico cada detalhe dos critérios listados para que não os valorizemos de maneira
universalista em detrimento das singularidades, da subjetividade de cada ser humano
(in NOGUEIRA, 2019, p.33).

No contexto do segundo aspecto, existe uma relação direta com as consequências dos
diagnósticos e a disseminação de uma perspectiva que reduz e neutraliza a identidade dos
sujeitos autistas. Essa perspectiva é baseada em um padrão de normalidade que acaba por
negar a individualidade desses sujeitos. A autora ressalta a importância de conhecer e
compreender as características do espectro autista, a fim de superar o senso comum e as
barreiras impostas pelo preconceito e pela falta de informações humanizadas sobre o tema.
Nessa perspectiva, o diagnóstico possibilitaria assegurar os direitos e propiciar um dispositivo
de conhecimento para os sujeitos.

Nogueira (2019) destaca que a utilização dos eixos de interesse pode ser um facilitador
na estruturação de práticas educativas que promovam a participação ativa dos alunos no
processo de aprendizagem. Essa abordagem também contribui para o desenvolvimento da
autonomia dos sujeitos e para a melhoria das relações estabelecidas nos momentos de
socialização. Segundo a autora, as metodologias inovadoras e inclusivas são diversas e
abrangentes, e têm como objetivo identificar e valorizar a singularidade das crianças. Essas
abordagens se baseiam na cooperação e na troca entre os sujeitos, levando em consideração
seus interesses individuais e proporcionando um desenvolvimento mais significativo.

27
Metodologia proposta por González Rey (2010), de caráter construtivo-interpretativo, que compreende o
conhecimento enquanto produção não linear, considerando pesquisador e sujeitos participantes como agentes
igualmente importantes na construção do conhecimento.
96

Andrade (2019) conduziu uma investigação sobre as práticas educativas inclusivas


com alunos autistas em Sergipe, no período de 1962 a 1993. A autora realizou um
levantamento bibliográfico abrangendo desde a clínica do autismo até o momento em que o
diagnóstico começou a ser utilizado na região. O objetivo foi analisar as metodologias e
estratégias utilizadas com esses alunos, além de examinar a relação entre a família e o Estado
nesse contexto.O estudo adotou uma abordagem de pesquisa histórica, utilizando narrativas,
legislações, regimentos e outras fontes relevantes para embasar a análise.

A autora destaca que, inicialmente, os diagnósticos relacionados ao espectro autista


eram limitados devido ao conhecimento ainda incipiente sobre o assunto, resultando na
categorização dos sujeitos como excepcionais. Nesse contexto, as ações voltadas para esse
grupo eram baseadas em tentativa e erro, com as práticas sendo moldadas ao longo do
processo. Um aspecto ressaltado pela autora é a luta das famílias, que desempenharam um
papel fundamental na conquista e garantia dos direitos, não apenas no campo da educação,
junto ao Estado. As famílias foram protagonistas na defesa dos direitos dos sujeitos autistas,
pressionando o Estado para que fossem desenvolvidas políticas públicas e ações que
garantissem o acesso à educação inclusiva e a outros direitos fundamentais.

No que tange às práticas educativas propriamente ditas, Andrade (2019) observou, a


partir dos relatos dos profissionais que participaram das entrevistas, a frequência de ações que
privilegiam as questões motoras e os princípios básicos do português e da matemática, ainda
em um nível introdutório. Ressalta-se que essa configuração se deve ao fato da presença de
alunos com deficiência intelectual, e a alfabetização ainda é uma preocupação distante nesse
contexto. Diante disso, a autora ressalta a importância de mediar o processo de ensino e
aprendizagem, a fim de encontrar um caminho que não limite a potencialidade do sujeito e
não exija mais do que ele possa conceber.

Em seu trabalho, Moreira (2019) investigou os desafios envolvidos na escolarização


de alunos com Transtorno do Espectro Autista na perspectiva da inclusão, utilizando como
embasamento teórico a Teoria Crítica. A autora observou como essa temática se desenvolveu
ao longo da história, seus marcos políticos e suas repercussões, e procurou compreender a
estruturação e as práticas educativas que permeiam a inclusão escolar de alunos autistas.
Moreira (2019) conduziu uma pesquisa qualitativa, utilizando entrevistas e questionários com
os docentes, e utilizou as ideias de Theodor Adorno, Damasceno, Bueno, Glat, Mazzotta,
Sassaki, Grandin, Panek, Andrade, Mendes, entre outros, durante as discussões.
97

A pesquisa apresenta uma análise do modo como as instituições lidam com a


diversidade. A autora argumenta que discursos normativos e excludentes estão presentes em
diversos setores da sociedade, e isso se reflete também na escola. Nesse sentido, a autora
aborda a ideia de barbárie e individualismo, enfatizando que esses conceitos não estão
restritos apenas ao ambiente escolar, mas são características mais amplas da sociedade.
Assim, há uma luta pela inclusão que vai além do âmbito escolar e que precisa mobilizar a
sociedade como um todo.

A pesquisa afirma que a escola tem o papel e a oportunidade de ir contra essa


tendência e oferecer aos sujeitos trajetórias alternativas para sua emancipação, desde que eles
se permitam e se reconheçam como agentes ativos e produtores da história. A partir disso, as
comunidades podem se reconfigurar em busca de formas mais humanizadas de convivência
em sociedade. No entanto, esse movimento requer grande empenho e luta, pois a escola
enfrenta muitos desafios, uma vez que ainda não está estruturada para explorar e valorizar a
diversidade.

Moreira (2019) observa que ocorreram muitas mudanças nesse cenário, com um
aumento significativo na visibilidade e nas oportunidades no contexto da inclusão ao longo
dos anos. Entretanto, juntamente com essas mudanças, também surgiram dificuldades e
fracassos. A autora aponta que os paradigmas ainda presentes na escola impedem que o
processo inclusivo seja efetivo, pois a escola não consegue atender às diversas necessidades
dos sujeitos de forma adequada. A autora ressalta a importância de as políticas educacionais
abordarem a questão da acessibilidade nas escolas, uma vez que, muitas vezes, o ambiente
escolar se torna inacessível para alunos com TEA.

Crespo (2020), em sua dissertação, analisou a utilização da intervenção mediada por


pares em crianças autistas matriculadas na rede regular de ensino municipal de Pelotas-RS,
verificando os efeitos dessa intervenção no número de ações comunicativas e interações
sociais. O estudo foi delineado de forma experimental, por meio de um estudo de caso,
envolvendo três alunos autistas (com idades entre quatro e cinco anos) e seus pares típicos28
que frequentavam as mesmas turmas. A pesquisa avaliou quantitativamente a comunicação e
integração das crianças autistas, observando dois contextos: atos verbais e não verbais, dentro
e fora de contexto.

28
Termo utilizado pela autora.
98

A pesquisadora compreende a intervenção mediada como uma estratégia que pode ser
utilizada como aliada na intervenção precoce de crianças autistas. Ela descreve essa
metodologia como uma ação na qual os estudantes "típicos" são instruídos a ensinar e/ou
apoiar as crianças autistas no desenvolvimento de suas habilidades sociais. Essa intervenção é
vista como um reforço de comportamento, onde os pares instruídos estimulam a criança
autista e ajudam a ampliar seu repertório em relação a certas competências e formas de
responder adequadamente a determinadas interações.

Crespo (2020) constatou em seu estudo um aumento das variáveis analisadas em


relação à comunicação dos alunos autistas-alvo da pesquisa, exceto em momentos que ela
chamou de "fora de contexto". Isso indica que os resultados contribuem para uma perspectiva
de replicação dessa metodologia em um contexto nacional, com base na avaliação estatística
das ações de comunicação e interação dos alunos autistas investigados, além do impacto
percebido pela pesquisadora durante o estudo de caso. No entanto, a autora destaca a
necessidade de mais pesquisas nesse sentido, com uma amostragem maior, a fim de
aprofundar o conhecimento sobre o tema.

Martins (2020) realizou uma pesquisa que se baseou em estratégias da Análise do


Comportamento Aplicada (ABA) para investigar o processo de adaptação de crianças autistas
no ambiente escolar, utilizando essa abordagem como uma ferramenta facilitadora. A autora
considerou três variáveis como referência para sua análise: o tempo de participação nas
atividades, o tempo em que os alunos ficaram envolvidos em comportamentos disruptivos
fora das atividades e a frequência de interação com os pares e professores. Essas variáveis
foram consideradas indicadores importantes para determinar se a criança autista estava
adaptada ao contexto educacional em questão. A dissertação adotou uma abordagem
qualitativa, utilizando o método de estudo de caso único, e teve como participantes três
crianças autistas em idade pré-escolar e suas respectivas educadoras no município de
Pelotas/RS.

De acordo com a autora, as ações e métodos utilizados durante a adaptação de crianças


autistas, especialmente na fase pré-escolar, precisam ser específicos de acordo com as
particularidades apresentadas por elas. Essas estratégias são consideradas fundamentais para o
sucesso do processo de adaptação escolar. Nesse sentido, a autora compreende que as
intervenções baseadas na Análise do Comportamento Aplicada (ABA), uma abordagem que
utiliza estratégias organizadas, objetivas e planejadas, podem desempenhar um papel crucial
no desenvolvimento das habilidades que podem ser afetadas pela condição do autismo, bem
99

como na adaptação desses estudantes ao ambiente escolar. Segundo a pesquisadora, as


principais características do método ABA incluem o aumento do repertório de
comportamentos e a redução da frequência e/ou intensidade dos comportamentos
considerados inadequados.

Através do estudo de caso realizado, a pesquisadora entende que as intervenções em


ABA contribuíram no processo de adaptação das crianças autistas, atuando principalmente
sobre os comportamentos que ela nomeia como disruptivos, produzindo inferências diretas na
participação desses alunos nas atividades escolares e na interação com seus pares e
educadores. De acordo com sua análise, duas das três professoras participantes do estudo não
observaram os indicativos de melhora29 das variáveis, conforme os dados de validade social.
Ela atribui isso ao tamanho da amostra e à pequena duração da pesquisa, aliada às
expectativas criadas pelas educadoras quanto às intervenções, que podem ter influenciado na
percepção delas sobre os pequenos avanços demonstrados pelos alunos. Porém, salienta que
as professoras destacaram a oportunidade de uma compreensão maior sobre a inclusão e a
necessidade de práticas e estratégias que deem suporte para esse processo nas instituições
escolares.

Na dissertação de Tiradentes (2020), o objetivo foi analisar as políticas educacionais


de inclusão aplicadas na escolarização de estudantes autistas e avaliar o papel dos documentos
nacionais e internacionais no desenvolvimento dessas políticas. Para isso, foi realizada uma
busca ativa nas diretrizes metodológicas do Ministério da Educação. A pesquisa foi conduzida
de forma qualitativa, com uma abordagem dialética, utilizando análise documental,
bibliográfica e pesquisa de campo. A pesquisadora realizou entrevistas semiestruturadas com
21 participantes, incluindo 14 professores (sendo sete de salas de recursos multifuncionais e
sete de salas comuns) e sete gestores, todos na cidade de Manaus-AM.

Após realizar o estudo bibliográfico e documental, a autora conclui que o processo de


escolarização de pessoas autistas é influenciado por um movimento global de inclusão, que
defende o direito de todos os indivíduos a aprenderem juntos, considerando aspectos políticos,
culturais, sociais e pedagógicos. Contudo, ao examinar a legislação e as diretrizes
educacionais do Ministério da Educação para pessoas autistas, a autora constatou a ausência
de propostas específicas que garantam um acompanhamento pedagógico abrangente e que

29
A autora atribui à melhora, as respostas dos questionários de validade social respondidos pelas professoras
participantes após a realização das intervenções propostas nesse estudo, contabilizando as aproximações dos
estudantes autistas com os demais e em relação às atividades realizadas, posteriormente representadas em
gráficos.
100

tenha um impacto significativo em seu desenvolvimento.

Durante a pesquisa de campo realizada nas escolas da Secretaria Estadual de Educação


(SEDUC) em Manaus-AM, Tiradentes (2020) constatou a falta de recursos e ações efetivas
por parte do Ministério da Educação nas escolas regulares, conforme mencionado pelos
entrevistados. Além disso, identificou uma grande carência de investimentos na formação
contínua dos educadores, o que dificulta a implementação de práticas docentes mais
significativas no processo de inclusão de pessoas autistas na educação. A pesquisa também
aponta divergências entre as normas federais e estaduais, começando pela exigência do laudo
médico no momento da matrícula e na solicitação de um profissional de apoio. Com base nas
análises realizadas, a pesquisadora concluiu que ainda existem políticas educacionais
insuficientes no que diz respeito à inclusão, as quais não fornecem um suporte completo e
garantido para o processo de escolarização de pessoas autistas.

Santos (2017) conduziu um estudo na cidade de Serra, no Espírito Santo, com o


objetivo de investigar os possíveis caminhos para o desenvolvimento de práticas pedagógicas
alternativas com crianças autistas nas turmas de 1º ano do ensino fundamental. Embasada na
abordagem histórico-cultural de Lev S. Vigotsky, a autora buscou compreender como os
alunos autistas eram inseridos nas práticas pedagógicas inclusivas. O estudo foi realizado por
meio da pesquisa-ação e contou com a participação de três alunos, distribuídos em duas
turmas em diferentes estágios. Além dos alunos, a pesquisa envolveu a equipe gestora, os
professores regentes, a professora do Atendimento Educacional Especializado e as estagiárias.

Na pesquisa, a autora destaca a ênfase dada pelos estabelecimentos de ensino aos


aspectos biológicos, o que resulta em uma negação das questões culturais, especialmente em
relação às formas de assimilação utilizadas por eles. Embasada nos estudos de Vigotsky,
Santos (2017) pontua que:

Nos apropriamos da cultura, aprendemos e nos desenvolvemos e participamos da


história da humanidade nas relações sociais que estabelecemos com os instrumentos,
os signos e os demais seres humanos. Assim, consideramos que a escola é um
espaço privilegiado para a criança compartilhar experiências sobre a sua cultura e
história de vida e, também, para criar condições para a apropriação de
conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade. (SANTOS, 2017,
p.70).

Com base em suas análises, Santos (2017) destaca a necessidade de criar condições no
processo educacional dos alunos autistas de modo que não haja culpabilização do sujeito com
base no diagnóstico, evitando assim a paralisação de qualquer ação educativa. Nesse sentido,
a autora ressalta a importância da formação humana que ocorre nas relações entre os sujeitos,
101

permeada pela linguagem, e questiona a postura dos educadores e a estrutura da escola em


relação a esses alunos, considerando as ações que são escolhidas e culturalmente reproduzidas
na escola. A autora acredita que o papel da escola não se limita apenas à socialização e ao
brincar, mas também possui uma função de formação social desses sujeitos. Isso implica que
os alunos autistas devem ter a oportunidade de se apropriarem dos processos cognitivos, da
aquisição de conhecimentos e da produção cultural. Para Santos (2017), é essencial que a
escola assuma esse papel e promova condições para que os alunos autistas desenvolvam suas
capacidades de forma integral.

Bacaro (2020) conduziu uma pesquisa em sua tese investigando como a intervenção
pedagógica baseada na abordagem responsiva de aprendizagem, utilizando material
estruturado, pode ser benéfica e eficaz para a aquisição da leitura e escrita em estudantes com
autismo, levando em consideração o uso da linguagem e a integração sensorial. Para atingir
esse objetivo, foram realizadas intervenções com cinco crianças autistas, em que as atividades
interativas tinham como objetivo fornecer subsídios para a apropriação da leitura e escrita,
através da conexão e do envolvimento das crianças durante as ações. A autora organizou sua
análise em torno das seguintes categorias: o retorno do sujeito em relação à linguagem, a
intervenção de modulação sensorial, a abordagem responsiva relacionada à ação interativa, o
uso de material estruturado e a aquisição da leitura e escrita.

Conforme o entendimento da autora, o fundamento da aprendizagem dos indivíduos


está direcionado às atividades psíquicas superiores, enfatizando a importância da organização
das atividades e das brincadeiras que fazem com que a criança interaja ativamente, aspirando
a uma aprendizagem e um desenvolvimento significativos. Nesse sentido, compreende que as
pessoas com autismo possuem comprometimentos geralmente relacionados à interação social
e à linguagem, o que resulta em atraso no processo de responsividade na realização de
diversas atividades, conforme as designações do DSM, CID e CIF (Classificação
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde). Sendo assim, a autora compreende,
por meio das contribuições de Mahoney e Perales (2005), que se houver um interesse maior
da criança na mediação estabelecida nessas atividades, consequentemente, essa
responsividade se amplia, influenciando o processo de ensino e aprendizagem dos indivíduos.

A partir das assertivas realizadas pela pesquisadora, o estudo demonstrou que as


crianças necessitam de abordagens diferentes de acordo com os níveis de desenvolvimento
que expressam, e que a questão primordial é a mediação que o educador oferece, e não as
atividades em si. Para Bacaro (2020), a sensibilidade e o conhecimento transmitidos pelos
102

mediadores são fatores essenciais que promovem maior significância no processo educativo.
Com base nas análises realizadas neste estudo, a autora destaca que é necessário ir além das
metodologias tradicionais, apostando na criação de estratégias que possam “bloquear”30 os
sintomas que estejam prejudicando a escolarização das crianças autistas, o que permitiria a
adoção de novas condutas e práticas que proporcionem melhorias no processo de ensino e
aprendizagem dessas crianças

Quadro III – Dissertações e Teses com os descritores: Autismo e Educação.

PESQUISADOR(A) ANO TÍTULO IES NÍVEL


ACADÊMICO

VIEIRA, Gisele de 2016 Políticas Públicas Educacionais Universidade Mestrado


Lima Inclusivas para a criança com Federal do
Transtorno do Espectro do Amazonas
Autismo na Educação Infantil
na Cidade de Manaus

FIEIRA, Jaqueline 2017 O desenvolvimento Universidade Mestrado


Tubin psicossexual na criança com Estadual do
autismo no espaço educativo: Oeste do
um estudo empírico- Paraná
bibliográfico à luz da
psicanálise

SADIM, Geyse 2018 Atendimento educacional Universidade Mestrado


Pattrizzia Teixeira especializado: organização e Federal do
funcionamento das salas de Amazonas
recursos multifuncionais aos
educandos com autismo na rede
municipal de Manaus

LIMA, Izabella 2019 A contribuição da ética da Universidade Mestrado


Lorrayne Santana de psicanálise para educação de de Brasília

30
Termo utilizado pela autora.
103

alunos com autismo

SILVA, Ivan Vieira 2019 Prática de Gestão do Centro Mestrado


da Conhecimento no contexto Universitário
escolar e a Educação Especial de Maringá
do estudante com Transtorno
Espectro Autista

SOUZA, Simone de 2019 Ressonâncias autobiográficas Universidade Mestrado


Paula Rocha em Educação: narrativas de Federal do
uma Professora-mãe sobre o Mato Grosso
autismo

RIBEIRO, Joane 2021 Tecnologia Assistiva e Universidade Mestrado


Lopes Atendimento Educacional Federal do
Especializado para alunos com Piauí
autismo na pandemia

SANTOS, Adriana 2021 Elaboração Conceitual em Universidade Mestrado


Prado Santana Alunos com Transtornos do do Vale do
Espectro Autista (TEA) por Itajaí
meio de Jogos Digitais

BRITO, Aída Teresa 2016 Prática educativa no AEE: os Universidade Doutorado


dos Santos. efeitos do manejo Federal do
comportamental no uso de Piauí
comunicação alternativa e
ampliada para o favorecimento
da comunicação dos alunos
com autismo

JADJESKY, 2020 O Aprendizado e o Universidade Doutorado


Izaionara Cosmea Desenvolvimento de uma Federal do
Criança com Espírito Santo
Diagnóstico de Autismo na
Educação Infantil
104

PEREIRA, Daniel 2022 Por entre olhares, o humano: Universidade Doutorado


Novaes Gomes processos de constituição de São Francisco
uma criança (com autismo) no
segundo ano do Ensino
Fundamental

Fonte: Banco de Teses e Dissertações da Capes. Organização da autora

Vieira (2016) analisou em seu estudo as políticas públicas educacionais inclusivas


voltadas para alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Educação Infantil na rede
de ensino municipal de Manaus. O objetivo foi compreender a integração dessas políticas com
os documentos oficiais nacionais e observar sua efetividade, ou falta dela, no processo de
escolarização. A pesquisa foi realizada de forma qualitativa descritiva, utilizando estudo
documental e bibliográfico para compreender esse cenário.

A pesquisadora analisou a maneira como as políticas públicas de inclusão foram


desenvolvidas, bem como a própria concepção da infância. Ela ressalta a crescente atenção
dedicada a essa questão, especialmente no que diz respeito às crianças autistas, que durante
muito tempo tiveram seus direitos negligenciados ou subestimados. Foi por meio de uma
intensa luta e mobilização política que conquistaram medidas que buscam assegurar e
legitimar o direito à implementação das políticas e normas que regem a educação inclusiva no
âmbito escolar.

Segundo a autora, a educação infantil também passou por uma construção recente,
uma vez que os primeiros documentos que abordam essa temática datam de 1961, ressaltando
a maneira comedida com que se discutia essa etapa da educação básica. É importante
ressaltar o caráter assistencialista que permeou a educação infantil por um longo período, em
que o cuidado era a principal função dessas instituições. Esse enfoque foi impulsionado pelo
contexto da industrialização brasileira, no qual as mulheres estavam cada vez mais presentes
no mercado de trabalho e precisavam de apoio nesse aspecto. Além disso, é relevante
considerar que inicialmente essa etapa de ensino não era oferecida pelo Estado, mas sim por
entidades privadas, filantrópicas e religiosas.

O estudo examinou as políticas públicas e abordagens implementadas na rede


municipal de ensino de Manaus, concluindo que, muitas vezes, essas políticas e práticas
pedagógicas locais não cumprem as diretrizes nacionais estabelecidas, o que pode resultar em
105

uma educação deficiente em relação aos direitos educacionais dos alunos autistas. A autora
enfatiza a importância de desenvolver mais propostas e embasamento teórico que possam
fundamentar as práticas e experiências de inclusão escolar, dada a complexidade e as
possibilidades que permeiam o campo da educação inclusiva.

Fieira (2017) conduziu uma investigação sobre as questões relacionadas à sexualidade


de crianças com autismo, focalizando seu desenvolvimento no contexto escolar. O estudo foi
delineado como uma pesquisa empírica e bibliográfica, adotando uma abordagem qualitativa.
A autora explorou a configuração histórica do autismo na clínica, tanto no campo da
psiquiatria quanto na psicanálise, destacando a interseção entre a sexualidade infantil e o
autismo sob a perspectiva psicanalítica. Além disso, o estudo apresenta um panorama
histórico da educação sexual e da inclusão, contextualizando seus marcos políticos e
conquistas ao longo do tempo.

De acordo com a pesquisadora, os estudos que abordam a relação entre sexualidade e


autismo são relativamente recentes, tendo sua primeira publicação em 1992, na Dinamarca,
por Haracopos e Pedersen (1992), que discorreram sobre o comportamento sexual de jovens e
adultos com autismo. A pesquisadora ressalta que a sexualidade possui um significado
singular para cada indivíduo com autismo. Ela alerta para o fato de que, nos casos de autismo,
as interações entre os registros do real e do simbólico influenciam o desenvolvimento da
sexualidade, e a compreensão do corpo e das experiências sexuais dos autistas não pode ser
reduzida apenas ao âmbito clínico.

A autora destaca as dificuldades que podem afetar esse processo, como as formas de
expressão e comunicação dos autistas, as relações que envolvem o contato físico, a maneira
como fantasiam e experimentam emoções e desejos, o que pode resultar em desafios para o
desenvolvimento da sexualidade. No entanto, ela enfatiza que isso não nega nem invalida a
existência da sexualidade nas pessoas com autismo, nem tampouco diminui sua identidade
enquanto seres sexuados.

Fieira (2017) destaca ainda que a questão da sexualidade no contexto do autismo é


frequentemente tratada como um tabu na escola, sendo abordada, na maioria das vezes, sob
valores morais opressivos, o que resulta em sua proibição ou repressão. Essa abordagem
reflete a manutenção de interesses de controle sobre os corpos, característicos do sistema
106

capitalista31. A autora também aponta a falta de preparo dos educadores ao lidar com esse
tema, muitas vezes gerando angústia e despreparo para dialogar com os alunos, embora
muitos professores reconheçam a importância da educação sexual. No entanto, isso também
evidencia a falta de compreensão e capacitação dos próprios professores em trabalhar com
uma educação sexual emancipatória, deixando de apreender seu potencial libertador.

Sadim (2018) realizou uma investigação sobre a organização e a forma como o


Atendimento Educacional Especializado (AEE) é oferecido nas Salas de Recurso
Multifuncionais a alunos com Transtorno do Espectro Autista na rede municipal de Manaus.
A pesquisa adotou uma abordagem qualitativa, com caráter descritivo, e foi orientada pelo
método dialético. Os participantes do estudo foram professores que atuam no AEE.

A pesquisadora identificou algumas contradições presentes nas instituições escolares


em relação à legislação, como a exigência de laudo médico como requisito para a participação
nas atividades do AEE. Ela observa que a falta de frequência é uma das maiores dificuldades
enfrentadas nesse atendimento, o que muitas vezes resulta no abandono por parte dos alunos.
Sadim (2018) também destaca a defasagem e a escassez de materiais necessários para práticas
e ações mais efetivas, além da falta de formação específica dos professores, mesmo que as
diretrizes legais apontem para essa necessidade para a atuação nas SRMs.

A autora ressalta que, apesar das limitações da pesquisa, é crucial questionar a eficácia
das políticas públicas de inclusão e sua interação com as práticas e ações inclusivas
implementadas nas escolas. Nesse sentido, ela destaca a importância dos educadores estarem
constantemente atentos ao seu papel como professores e à transformação do Atendimento
Educacional Especializado (AEE), a fim de proporcionar mais oportunidades de escolarização
e fortalecer o processo de inclusão. A autora sugere que seja dada uma atenção especial à
capacitação dos professores, considerando o espaço colaborativo e significativo que o AEE
oferece no diálogo com os alunos autistas e suas famílias.

Lima (2019) conduziu um estudo com o objetivo de compreender e analisar, com o


apoio ético da psicanálise, o processo de inclusão de um aluno com Transtorno do Espectro
Autista. A pesquisadora reconhece que a teoria psicanalítica, por meio do conhecimento da
prática clínica e do trabalho teórico, pode fundamentar e contribuir para as ações pedagógicas

31
A autora propõe uma investigação crítica acerca da forma como o capitalismo age no que diz respeito
moralização dos corpos, atuando de forma opressora e que busca atender uma demanda de dominação e
mercantilização desses corpos em prol da produtividade desejada, não se deslocando para uma perspectiva
emancipatória da sexualidade, o que se reflete nas ações e práticas pedagógicas encontradas nas instituições
escolares.
107

voltadas para esses alunos. O trabalho adotou uma abordagem qualitativa, utilizando um
estudo de caso com um aluno autista que frequentava a rede pública de ensino, juntamente
com sua mãe e três professoras. A observação participante e entrevistas foram utilizadas como
instrumentos metodológicos para coleta de dados.

No desenvolvimento da pesquisa, a autora nos convoca há observar os processos da


clínica do autismo, como propostos nos Manuais Diagnóstico e Estatísticos de Transtornos
Mentais, principalmente a partir do DSM- III. Segundo a autora, é necessário nos atentarmos
à propensão dos diagnósticos em massa, que ocasionam uma padronização dos sintomas,
fazendo com que o sujeito e suas particularidades se tornem invisíveis. Assim, a autora
destaca que o objetivo desses manuais não pode ser compreendido como algo neutro, como
pode parecer à primeira vista. Existe um padrão de normalidade que define o que é
considerado mais desejável, adequado e útil na vida dos sujeitos.

A autora também aborda a questão ética envolvida nas pesquisas relacionadas a


doenças mentais, apontando que a indústria pode exercer influência nesse processo e inserir
ações e estratégias que nem sempre beneficiam os sujeitos afetados por esses transtornos,
podendo afetar a maneira como esses casos são diagnosticados e tratados, bem como dar
ênfase na abordagem farmacológica, que tende a associar diretamente os transtornos ao uso de
medicamentos. Como citado pela pesquisadora: “essa é uma das faces da atual
mercantilização das esferas da vida humana." (LIMA, 2019, p.16).

Durante sua pesquisa, a autora observou que os métodos cognitivo-comportamentais


são amplamente utilizados como estratégia para trabalhar com alunos autistas, sendo por
vezes considerados a única forma de promover uma inclusão adequada para esses estudantes.
Entretanto, a autora ressalta a importância da psicanálise não como uma alternativa única, mas
como uma abordagem complementar, que busca investigar e compreender o processo singular
dos sujeitos envolvidos no ato de educar. Ela propõe que os profissionais da área
compreendam a complexidade e a imprevisibilidade das ações e práticas que permeiam o
ambiente escolar, a fim de promover uma inclusão mais efetiva e satisfatória.

Silva (2019) propôs, em sua pesquisa, a utilização de ações de Gestão do


Conhecimento no ambiente escolar, visando auxiliar o processo de escolarização de alunos
autistas na rede municipal de ensino, com ênfase no desenvolvimento da alfabetização durante
a etapa do Ensino Fundamental I. O estudo adotou uma abordagem quali-quantitativa,
utilizando o método de estudo de caso múltiplos, tendo como participante da pesquisa o
professor regente de turma responsável por esse grupo específico de alunos. Além disso,
108

foram considerados dados provenientes dos registros legais do município para enriquecer a
análise.

Conforme destacado pelo autor, as práticas de Gestão do Conhecimento desempenham


um papel fundamental no contexto escolar, pois têm o potencial de colaborar e organizar os
processos educacionais. Elas proporcionam aos estudantes uma estrutura que auxilia na
aquisição de conhecimento e no desenvolvimento das habilidades acadêmicas, tornando o
processo de ensino e aprendizagem mais efetivo. Nesse sentido, a Gestão do Conhecimento
atua como uma ponte, uma mediadora entre os diferentes saberes e as necessidades de
aprendizagem dos alunos, tornando esse processo mais acessível e adaptado às suas
necessidades individuais.

A pesquisa sugere a utilização de uma ferramenta conhecida como Repositório


Institucional (RI). Essa plataforma permite reunir de forma virtual os estudos e conhecimentos
que contribuem para uma área específica desejada. Dessa forma, o autor observa uma
oportunidade de organizar e adaptar essa plataforma de acordo com as necessidades da escola,
especialmente relacionadas à temática dessa pesquisa, propondo e compartilhando
conhecimentos que contribuam para o processo de ensino e aprendizagem de alunos com
Transtorno do Espectro Autista na Educação Básica.

Em seu trabalho, Souza (2019) propôs compartilhar sua trajetória como mulher-
professora-mãe de uma criança autista desde o nascimento até que ela atingisse a idade de seis
anos. O estudo se baseou em uma abordagem autobibliográfica que dialoga com autores da
fenomenologia e das perspectivas metodológicas da narrativa autobiográfica. A autora
buscou, por meio de um olhar crítico e sensível, construir uma narrativa que pudesse
colaborar e favorecer a compreensão do autismo e da inclusão, apresentando outras
perspectivas e possibilidades de sensibilização e aprendizagens mútuas no campo educativo.

Segundo a autora, a infância é uma temática que requer cuidado em sua abordagem,
mas ao longo da história tem passado por transformações, e atualmente é importante estar
atento ao espaço que ela ocupa na sociedade. A autora argumenta que a participação das
crianças nas dinâmicas sociais tem sido cada vez mais limitada. Ao focar sua atenção nas
crianças com deficiência, a autora observa que poucas mudanças ocorreram, pois ainda existe
uma padronização imposta pelo sistema, que exige que as crianças e suas famílias se adaptem
à "normalidade" do mundo, “no qual ela tem que pedir licença para fazer parte” (SOUZA,
2019, p.34).
109

Por fim, Souza (2019) acredita no poder do olhar sensível e amoroso para
compreender as perspectivas dos estudantes com Transtorno do Espectro Autista. Segundo a
autora, a jornada nunca é pré-determinada e as respostas não são prontas, mas é possível
percorrer um caminho atento e afetuoso, buscando novas e desconhecidas possibilidades que
favoreçam uma compreensão mais ampla do processo de ensino e aprendizagem para essas
crianças. A autora defende um deslocamento em relação aos rótulos que cercam as
deficiências e o autismo, buscando uma percepção mais humanizada, enxergando os sujeitos
em sua totalidade.

Ribeiro (2021) destaca que, em determinados casos, a inclusão escolar de crianças


autistas requer o uso de ferramentas que atuem como mediadoras nesse processo. Com base
nessa premissa e reconhecendo a importância dos profissionais do Atendimento Educacional
Especializado, a pesquisadora propõe identificar como a Tecnologia Assistiva (TA) foi
utilizada durante a pandemia da Covid-19. O estudo adota uma abordagem qualitativa e
descritiva, utilizando questionários e entrevistas semiestruturadas como instrumentos de
coleta de dados. Essas entrevistas foram conduzidas com duas educadoras que atuam no AEE,
uma na rede pública e outra na rede privada. A autora caracteriza o autismo em termos de
alterações sociocomunicativas, repertório restrito de atividades e interesses relacionados a
questões comportamentais.

A concepção de Tecnologia Assistiva trabalhada pela autora está alinhada com a


definição apresentada por Bersch (2013), que a entende como um campo de conhecimento,
tanto teórico quanto prático, que oferece ferramentas tecnológicas, procedimentos e serviços
desenvolvidos para facilitar e promover a aquisição de habilidades específicas, bem como
promover a autonomia de pessoas com deficiência e limitações funcionais. Ribeiro (2021)
destaca que, ao utilizar a Tecnologia Assistiva, o indivíduo é considerado como um usuário e
não como um paciente, pois ele busca resolver uma demanda particular através dessas
ferramentas e recursos.

Durante a análise dos dados coletados na pesquisa, a autora constatou que a


organização do ensino remoto durante a pandemia não foi capaz de atender às demandas dos
estudantes PAEE, sendo um desafio significativo para os educadores diante das diversas
limitações enfrentadas. Essas dificuldades foram agravadas pela ausência de políticas
governamentais que visassem criar condições mais favoráveis para o desenvolvimento desse
processo. No contexto do Atendimento Educacional Especializado (AEE), o uso da
Tecnologia Assistiva teve como foco a manutenção das habilidades já adquiridas pelos alunos
110

anteriormente. Em conclusão, a autora identifica uma enorme lacuna na realidade educacional


do país, resultando em um aumento da desigualdade social e educacional, com impactos
diretos sobre os alunos com autismo.

O estudo realizado por Santos (2021) teve como objetivo investigar a contribuição do
uso de jogos digitais como mediadores no processo de desenvolvimento de funções
intelectuais básicas em crianças autistas, por meio das atividades realizadas no Atendimento
Educacional Especializado (AEE). A pesquisa adota uma abordagem qualitativa e
colaborativa, utilizando uma metodologia exploratória. Para isso, a autora utilizou um jogo
chamado "Dr. Baguncinha", desenvolvido no Observatório de Políticas Educacionais da
UNIVALI. O estudo envolveu a participação de duas crianças matriculadas nos Anos Iniciais
do Ensino Fundamental que recebem atendimento no AEE, na rede municipal de ensino da
cidade de Pomerode/SC.

A autora entende que as dificuldades cognitivas e emocionais apresentadas por


estudantes autistas podem dificultar a compreensão e a elaboração de certos conceitos. Ela
utiliza os pressupostos da APA (Associação Americana de Psiquiatria) e dos Manuais
Diagnósticos como referência para descrever o autismo. Com base nessa premissa, a autora
observa que os jogos digitais são ferramentas poderosas, pois tornam o processo de ensino e
aprendizagem mais lúdico. No contexto específico do autismo, a utilização de imagens
ilustrativas variadas e recursos tecnológicos e digitais pode ser particularmente atraente e
interessante para esse público, representando uma alternativa promissora para o
desenvolvimento de novas práticas pedagógicas.

Através do uso do jogo mencionado, a pesquisadora constatou avanços significativos


nas funções cognitivas dos estudantes autistas no que diz respeito à formulação de conceitos.
Os estudantes tiveram uma participação ativa durante as intervenções, o que foi considerado
um resultado positivo. Além disso, as educadoras envolvidas no estudo superaram as
expectativas em relação ao projeto, visualizando novas possibilidades e caminhos para as
práticas e ações desenvolvidas no contexto do Atendimento Educacional Especializado
(AEE). Para a autora, estudos como esse e o uso de jogos digitais possibilitam uma "mudança
de perspectiva" em relação à abordagem pedagógica voltada para sujeitos autistas,
promovendo um maior diálogo entre o processo de educar e aprender.

Brito (2016) realizou uma análise das práticas educativas no Atendimento Educacional
Especializado (AEE) por parte de professores que utilizam os Sistemas de Comunicação
Alternativos e Ampliados (SCAA) na escolarização de crianças com Transtorno do Espectro
111

Autista, com o objetivo de auxiliar o desenvolvimento da comunicação funcional dessas


crianças. A pesquisa foi conduzida de forma quase experimental, seguindo o delineamento A-
B-A32. Os sujeitos do estudo foram oito professoras que atuam no AEE, juntamente com seus
alunos.

A autora argumenta que as práticas educativas baseadas na tecnologia comportamental


oferecem uma ampla gama de recursos para todos os envolvidos no processo de inclusão
escolar. Ela destaca que a abordagem comportamental proporciona várias possibilidades de
intervenção que podem ter um impacto positivo, e enfatiza a importância de os professores se
apropriarem cada vez mais das práticas de manejo comportamental. Segundo a autora, essa
estratégia de intervenção mostra resultados rápidos nos estudantes. Os alunos com Transtorno
do Espectro Autista (TEA) tendem a responder favoravelmente e de maneira funcional a esses
estímulos, o que também resulta em uma mudança na relação professor/aluno.

A autora conclui que o uso dos SCAA ainda é pouco frequente nas escolas, e tanto os
professores quanto os alunos ainda não estão plenamente familiarizados com essas estratégias,
o que limita a efetividade das práticas do Atendimento Educacional Especializado (AEE). No
entanto, com base em seu trabalho com as professoras, ela observou diferenças significativas
nas práticas antes e depois da utilização desses recursos, demonstrando que é possível
compreender, prevenir e modificar o comportamento por meio de um planejamento
sistemático. A autora ressalta que esse processo não é simples, requerendo estudo sobre os
determinantes do comportamento e como eles se manifestam no contexto escolar,
considerando as experiências dos diversos atores envolvidos nessa dinâmica.

Jadjesky (2020) desenvolveu uma tese com o objetivo de compreender os aspectos e


as formas como ocorre a aprendizagem e o desenvolvimento de uma criança autista
matriculada na Educação Infantil. A pesquisa foi conduzida nos anos de 2016 e 2017 em um
contexto municipal na cidade de Vitória/ES. A autora utilizou como embasamento teórico as
contribuições da teoria histórico-cultural de Lev S. Vygotsky. O estudo foi delineado de
forma qualitativa, utilizando o método do estudo de caso. Os participantes incluíram a criança
autista, as professoras regentes, a professora de Educação Especial, a assistente e as demais
crianças sem deficiência presentes na turma. A autora fundamentou a abordagem do autismo
com base nas diretrizes estabelecidas pelo CID-10 e na PNEEPEI.

32
Delineamento intrassujeitos com linha de base múltipla. A base A-B-A (linha de base, tratamento, linha de
base), indica os procedimentos de intervenção em mais de um sujeito, mais de um comportamento e mais de um
ambiente, ao mesmo tempo.
112

Para Jadjesky (2020), a perspectiva histórico-cultural propõe que o desenvolvimento


infantil seja compreendido para além de aspectos naturais ou biológicos, levando em
consideração também as relações sociais e o contexto social, político e educacional como
elementos estruturantes. Na especificidade das crianças com deficiência, é fundamental
considerar os aspectos culturais na concepção de ferramentas e ações de mediação que serão
utilizadas como alternativas pedagógicas para essas crianças. Especificamente na Educação
Infantil, a autora ressalta a importância de buscar diversidade nos recursos de aprendizagem e
desenvolvimento oferecidos às crianças com deficiência, baseando-se em ações intencionais
que reflitam o ambiente social e cultural em que estão inseridas. Isso é necessário para que
ocorra a apropriação da cultura no processo de ensino.

De acordo com a análise dos dados realizada por Jadjesky (2020), foi constatado que
na instituição escolar estudada há uma intencionalidade e uma vontade de acertar por parte
dos professores, buscando garantir aos estudantes, com ou sem deficiência, o acesso aos
conhecimentos produzidos e acumulados pela sociedade, levando em consideração a função
social da escola. No entanto, a autora destaca a necessidade de ressignificar as práticas e ações
pedagógicas voltadas para as crianças autistas, rompendo com percepções restritas, como a
ideia de alienação ao meio social. Conforme observado pela autora, as interações e
intervenções propostas no estudo resultaram em avanços significativos na forma de
relacionamento da criança autista analisada. Isso reforça a importância de investimentos na
formação dos educadores, a fim de desconstruir estigmas e preconceitos provenientes do
senso comum em relação ao autismo.

No estudo realizado por Pereira (2022), a questão central da pesquisa é compreender


como os saberes pedagógicos influenciam na constituição da criança autista. O autor parte do
pressuposto de que cada criança autista possui uma singularidade constitutiva, ou seja,
características e potencialidades únicas que devem ser consideradas no processo educacional.
Utilizando uma abordagem qualitativa e embasada na teoria histórico-cultural, o pesquisador
investigou o papel desempenhado pelas tarefas, saberes e práticas pedagógicas no
desenvolvimento da criança autista. O estudo foi realizado em uma sala de aula dos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental, com a participação ativa de uma criança autista, sua mãe e a
professora regente. Para coletar os dados, o pesquisador utilizou observações em sala de aula,
discussões com a professora, entrevistas com a criança autista e sua mãe, além de recursos
como áudios e vídeos gravados, fotografias e diário de campo. Esses materiais foram
analisados para identificar os indicadores do processo de desenvolvimento da criança autista,
113

considerando os impactos dos saberes pedagógicos e das práticas educacionais.

O autor destaca uma questão central em nosso sistema de ensino: a prevalência do


discurso clínico tradicional como base para ações e intervenções educacionais voltadas para
estudantes com autismo. Esse discurso se concentra principalmente no corpo biológico e se
dedica a abordar questões comportamentais. No entanto, o autor escolhe adotar um
pressuposto diferente, argumentando que a criança autista se singulariza por meio de suas
interações com o outro. Ele busca questionar os determinismos biológicos associados ao
diagnóstico, apoiando-se na pedologia33 (ciência da criança) para embasar o processo de
formação do sujeito da pesquisa e problematizar a concepção de "singularidades
constitutivas" presentes na teoria histórico-cultural.

Pereira (2022) constatou em seu estudo que os saberes pedagógicos atuam na


constituição da criança autista, uma vez que ela se singulariza de forma mais humanizada
quando participa das práticas escolares, caso as mesmas sejam pautadas na compreensão do
homem como aquele que se singulariza na relação com o outro e que, através desta, se
apropria dos conhecimentos produzidos pela humanidade. Contudo, o pesquisador salienta
que, junto a essa percepção, é preciso que o educador tenha uma práxis, construindo
regularmente a sua prática subsidiada por uma teoria de caráter crítico que pense a escola de
forma democrática e emancipadora. Além disso, ressalta a necessidade da inversão desse
olhar clínico voltado às crianças autistas, para que haja uma mudança de perspectiva sobre
elas, o que resultaria em uma abertura no campo pedagógico para diversas possibilidades de
intervenções e ações escolares.

4.1.1 Tendências das dissertações e teses analisadas

Diante das dissertações e teses analisadas no recorte da pesquisa, destaca-se que duas
regiões tiveram uma maior produção, sendo elas o Sul (com 16 publicações) e o Nordeste
(com 11 trabalhos publicados). No entanto, observou-se que todas as regiões tiveram
trabalhos realizados sobre a temática abordada por nós. A região Centro-Oeste teve quatro
pesquisas, o Norte teve cinco e a região Sudeste apresentou oito pesquisas no banco de teses e
dissertações da Capes. A partir desses dados, apresentamos a seguinte disposição gráfica:

33
A autora utiliza esse termo se referindo à abordagem científica pensada por Vygotsky, discorrendo sobre a
possibilidade de estudar as doenças e patologias ligadas ao infantil a partir do conceito de singularidade.
114

Figura 01 - Pesquisas sobre autismo e escolarização, encontradas nos Bancos de Teses e Dissertações da Capes
entre os anos de 2015-2022.

14 13

12

10 9

6 5 5
4
4 3 3
2
2
0 0
0
Sul Nordeste Centro-Oeste Norte Sudeste
Teses 3 2 0 0 3
Dissertações 13 9 4 5 5

Fonte: Banco de Teses e Dissertações da Capes 2015 – 2022, organização da autora.

Figura 02 – Pesquisas sobre autismo e escolarização divididas por ano de publicação, elencadas no Banco de
Teses e Dissertações da Capes nos anos de 2015 – 2022.

14

12

10

0
2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022
Teses 0 2 1 1 1 2 0 1
Dissertações 5 4 5 2 12 4 4 0

Teses Dissertações

Fonte: Banco de Teses e Dissertações da Capes 2015 – 2022, organização da autora.

Em relação ao ano das publicações, observamos que houve um número estável de


publicações no período de 2015 a 2017, embora não tenha havido produção de teses com essa
temática no ano de 2015. O número de trabalhos variou entre cinco e seis, seguidos de uma
queda no ano de 2018, com três pesquisas divulgadas. No entanto, ocorreu um aumento
115

expressivo de publicações no ano de 2019, quando foram divulgadas 13 pesquisas, sendo o


ano com o maior número de publicações, representando cerca de 30% do total. Em 2020
tivemos seis publicações, seguidas por quatro em 2021 e apenas uma no ano de 2022,
provavelmente devido às tramitações necessárias para a disponibilização dos trabalhos na
Plataforma Sucupira e no repositório dos Programas de Pós-Graduação.

Das 44 pesquisas analisadas, 27 foram realizadas em universidades federais, 7 em


universidades estaduais, 8 em instituições privadas, 1 em instituto federal e 1 em instituição
pública de direito privado34. No total, identificamos 30 instituições de ensino superior
diferentes onde esses trabalhos foram publicados. Quanto aos programas e áreas de
concentração de conhecimento onde esses trabalhos estão inseridos, observamos que a
maioria deles está no campo da Educação, representando aproximadamente 89% (39
pesquisas). Encontramos três trabalhos provenientes de Programas de Pós-Graduação em
Psicologia, sendo dois deles na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e um na Universidade
Federal do Amazonas (UFAM). Também identificamos uma pesquisa no Programa de Pós-
Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas da Universidade Federal da
Paraíba (UFPB) e um trabalho relacionado ao Programa de Pós-Graduação em Gestão do
Conhecimento nas Organizações do Centro Universitário de Maringá (Unicesumar).

Analisando os eixos temáticos abordados por cada pesquisa, identificamos seis


caminhos possíveis adotadas pelos autores para delimitar seus trabalhos. São eles:

1. Práticas pedagógicas e utilização das salas de atendimento educacional especializado,


políticas públicas e documentos legais relacionados à temática (15 pesquisas).
2. Estratégias e métodos de intervenção no atendimento a alunos autistas (12 pesquisas).
3. Contribuições da Psicanálise e perspectivas de uma educação terapêutica como
embasamento teórico (7 pesquisas).
4. Relação entre família e escola, com ênfase na subjetividade dos familiares,
especialmente das mães, como parte desse processo (5 pesquisas).
5. Construção das representações sociais pelos professores e seu impacto no processo de
inclusão (3 pesquisas).
6. Análise do contexto interacional das crianças autistas com seus pares, colegas e
professores como fator central (2 pesquisas).

34
As instituições públicas de direito privado com redação na Lei 7.596/87, são de personalidade jurídica de
direito privado, sem fins lucrativos, com autonomia administrativa e de patrimônio, custeadas com recursos da
União e de outras fontes.
116

Essas abordagens foram identificadas com base na frequência com que apareceram nas
pesquisas analisadas.

Constatamos que a maioria dos trabalhos se enquadra em duas das categorias


descritas: os trabalhos que discutem as práticas pedagógicas no contexto da inclusão e as
pesquisas que abordam estratégias e métodos adaptativos e de intervenção. Essas categorias
englobam 15 e 12 pesquisas, respectivamente, representando cerca de 61% do total de
trabalhos analisados. Essas constatações também foram observadas por outros pesquisadores,
como Neves, Antonelli, Girotto e Capellini (2014), Wuo (2019) e Rodrigues e Angelucci
(2018). Esses autores ressaltam que grande parte das pesquisas que abordam o processo de
inclusão de forma segmentada (conforme relatado por Wuo - 2019) se limita ao "arcabouço de
conhecimentos pedagógicos especializados, supostamente capazes de normalizar, cuidar ou
curar o estudante" (p. 220-221). Isso pode levar à legitimação de práticas microexclusivas que
se estabelecem no campo educacional.

Cabe destacar o número de trabalhos (sete pesquisas publicadas) que evidenciam a


Psicanálise, bem como perspectivas de uma educação terapêutica. Acreditamos que a
Psicanálise traz uma abordagem que se diferencia das maiorias das linhas teóricas aplicadas a
essa temática, posto que não traz diretamente uma definição do que seja o autismo, e não
elabora ou se dedica à criação de instrumentos metodológicos para “melhorar” ou “curar” o
autismo, tampouco uma forma única de incluir o sujeito no contexto escolar. Além disso, não
temos a perspectiva do autismo enquanto deficiência, mas como um modo de ser e estar no
mundo expressada pelo sujeito. Nas palavras de Ferreira e Vorcaro (2019) o ato de incluir
para a Psicanálise pressupõe

deixar cair o manto da deficiência que esconde a criança, sua potencialidade criadora
e seu trabalho de estar no mundo, de encontrar um sítio no complexo campo do
outro, de lidar com tudo aquilo que a aterroriza, mesmo que este trabalho não seja
facilmente identificável ou que seja confundido com expressão ou manifestação da
“doença”, como às vezes os autismos são vistos (FERREIRA; VORCARO, 2018,
p.111).

As discussões sobre a formação de professores, tanto inicial quanto continuada, são


muito presentes nos trabalhos analisados. Essa temática é considerada uma questão
consensual e recorrente nas pesquisas, sendo abordada a partir de diferentes perspectivas.
Diante desse cenário, observamos nos relatos dos educadores um discurso comum em que os
processos formativos pelos quais passaram não contribuíram significativamente para que se
sentissem seguros em suas ações e práticas. Além disso, relatam um sentimento de desamparo
em relação às suas necessidades de escuta e discussão, uma vez que esse espaço tem sido
117

percebido como limitado em uma parte significativa das escolas.

Dentre as questões que envolvem a atuação docente diante da inclusão, destacam-se as


perspectivas comportamentais e os métodos e estratégias intervencionistas, conforme
evidenciado anteriormente na análise dos eixos temáticos das publicações mencionadas. No
entanto, é importante repensar, como proposto por Pereira (2016), que esse movimento requer
uma redefinição do que nos torna humanos e dos processos educacionais, que vão além dessas
perspectivas e métodos para verdadeiramente tornar a escolarização inclusiva. Além disso, é
possível extrapolar a dicotomia entre aprendizagem e socialização, como sugerido por
Rodrigues e Angelucci (2018), ao considerarmos esse processo como "mais do que um
exercício de cidadania, ir à escola tem valor terapêutico: a escola pode contribuir para a
retomada ou reorganização da estruturação perdida da criança" (Bastos e Kupfer, 2010, p.
117).

É importante destacar as questões relacionadas ao diagnóstico e ao discurso médico


que exercem uma influência significativa no processo de inclusão das pessoas com autismo.
Nas pesquisas analisadas, encontramos perspectivas que se baseiam nessas concepções,
construindo suas análises a partir dos manuais diagnósticos e das explicações médicas. Essas
perspectivas são fortemente atravessadas pelas noções de déficit e deficiência, o que muitas
vezes resulta na redução da criança com autismo em sua subjetividade e capacidade. Essas
questões são questionadas por outras abordagens, principalmente a Psicanálise, que
problematiza essas perspectivas e busca uma compreensão mais ampla do sujeito autista.

O discurso médico pode ocasionar problemáticas latentes no processo de escolarização


dos alunos autistas, pois normatiza os sujeitos, padronizando-os e instituindo diretrizes de
tratamento que tendem a gerar um "apagamento" da subjetividade e da autonomia deles,
refletindo em ações e práticas homogeneizantes (Rocha Lago, 2017; Lima, 2019). Além disso,
existem apontamentos críticos relativos à dimensão da medicalização e à falta de neutralidade
desse processo. Uma vez que somos atravessados pelo capitalismo, que exerce seu poder na
indústria farmacêutica, reafirma-se institucionalmente um padrão de normalidade desejável
que muitas vezes é mantido e reproduzido no ambiente escolar (Lima, 2019).

Embora ainda haja presença de discursos médicos e a utilização de manuais


diagnósticos como parâmetros para discutir questões relacionadas à escolarização de alunos
autistas, observamos um número significativo de pesquisas que buscam desafiar esses
conceitos. Das cinco teses de doutorado analisadas, quatro subvertem essa lógica discursiva
do déficit e do modelo biomédico, sendo que duas delas utilizam a psicanálise como
118

abordagem teórica orientadora.

Para fornecer uma representação visual mais ilustrativa dos conceitos e termos
utilizados nas pesquisas mencionadas neste capítulo, elaboramos uma nuvem de palavras35
(Figura 03), empregando para tal, as palavras-chaves escolhidas pelos autores em seus
trabalhos. Tal estratégia nos permite visualizar e registrar as incidências das menções
realizadas nas pesquisas. Quanto mais um conceito é mencionado nos trabalhos, maior é a sua
fonte na nuvem, denotando a sua relevância nas discussões e evidenciando as perspectivas
mais frequentemente adotadas pelos pesquisadores.

Figura 03 - Nuvem de palavras, elaborada a partir das palavras-chaves elencadas nas pesquisas sobre a temática
do autismo e a escolarização, listadas no Banco de Teses e Dissertações CAPES, publicadas entre os anos de
2015 a 2020.

Fonte: WordArt.com, organização da autora.

Ao observarmos a configuração da nuvem de palavras, é possível notar uma ampla


variedade de conceitos e termos utilizados como descritores-chave para elucidar as pesquisas.
Essa diversidade indica a heterogeneidade do campo de estudo, revelando múltiplas
abordagens e possibilidades de análise nas pesquisas mencionadas sobre o autismo e a

35
A construção da nuvem de palavras foi possível através da utilização da plataforma virtual
WordArt.com, de manipulação gratuita. Para garantir uma melhor compreensão das incidências das
terminologias e conceitos utilizados pelos autores, a utilização de palavras e termos semelhantes foram
agrupados em um termo único. Como exemplo disso, temos as variações da nomenclatura Transtorno do
Espectro Autista e as designações que indicam as práticas pedagógicas como eixo discursivo nas análises dos
trabalhos.
119

escolarização. Além disso, a nuvem de palavras também demonstra uma grande variedade de
perspectivas que subsidiam as pesquisas nesse campo, evidenciando a existência de diferentes
eixos de investigação.

Ao considerarmos os conceitos e terminologias que receberam maior destaque, ou


seja, aqueles mais citados nas pesquisas, podemos destacar a perspectiva inclusiva, que está
predominantemente presente nos trabalhos analisados. Além disso, há discussões relevantes
sobre políticas educacionais e práticas pedagógicas no campo do autismo.

É importante salientar também a incidência do termo Psicanálise, destacando as


pesquisas que adotam essa abordagem teórica para refletir sobre o autismo e a escolarização.
Contrariando as análises anteriores, não identificamos como destaque as palavras e termos
relacionados aos métodos de intervenção e perspectivas comportamentais. No entanto, essa
caracterização pode ser explicada pela própria diversidade das pesquisas nesse campo, o que
dilui esses descritores em meio aos demais termos abordados.

De forma geral, as produções indicam avanços conquistados em relação às políticas


públicas e documentos oficiais que regem a educação inclusiva e abordam as especificidades
do autismo. No entanto, é importante ressaltar a distância que ainda existe nas escolas
brasileiras entre o que essas leis e diretrizes preveem e a realidade do cotidiano escolar, que
em muitos casos não está alinhada como deveria. Além disso, surgem algumas discordâncias
em relação à especificidade dos casos de autismo, principalmente após a promulgação da Lei
Berenice Piana (nº 12.764) em 2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos
Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Essa lei garante os direitos das
pessoas autistas, porém as caracteriza como pessoas com deficiência, o que é fortemente
questionado por algumas correntes, como a Psicanálise. Essa designação conduz e reforça,
mais uma vez, concepções e ações que estão enviesadas pela perspectiva do déficit.
120

4.2 O QUE DIZEM OS ARTIGOS ACADÊMICOS

Quadro IV – Consolidado dos dados obtidos junto ao banco de dados da SciELO.

PESQUISADORES(AS) ANO TÍTULO LOCAL DE PUBLICAÇÃO

TOGASHI, Cláudia 2016 As contribuições do uso da Revista Brasileira de


Miharu; comunicação alternativa no Educação Especial, Marília,
processo de inclusão escolar de v. 22, n. 3, p. 351-366, jul.-
WALTER, Cátia
um aluno com Transtorno do set., 2016
Crivelenti de Figueiredo
Espectro do Autismo

LEMOS, Emellyne Lima 2016 Concepções de pais e Fractal: Revista de


de Medeiros Dias; professores sobre a inclusão de Psicologia, v. 28, n. 3, p.
crianças autistas 351-361, set.-dez. 2016.
SALOMÃO, Nádia Maria
Ribeiro;
AQUINO, Fabíola de
Sousa Braz;
AGRIPINO-RAMOS,
Cibele Shírley

LIMA, Stéfanie Melo; 2016 Escolarização de alunos com Revista Brasileira de


LAPLANE, Adriana Lia autismo Educação Especial, Marília,
Friszman de v. 22, n. 2, p. 269-284, abr.-
jun., 2016

RODRIGUES, Isabel de 2018 Estado da arte da produção sobre Psicologia Escolar e


Barros; escolarização de crianças Educacional, SP. Volume 22,
diagnosticadas com TEA Número 3,
ANGELUCCI, Carla
setembro/dezembro de 2018:
Biancha
545-555.

VARGAS, Thamyres 2018 Mediação escolar: sobre habitar Revista Brasileira de


Bandoli Tavares; o entre Educação v. 23 e230084
2018
RODRIGUES, Maria
Goretti Andrade
121

TREVIZAN, Zizi; 2018 Psiquismo, linguagem e autismo: Educar em Revista, Curitiba,


contribuições da semiótica nos Brasil, v. 34, n. 71, p. 241-
PESSOA, Alex Sandro
contextos educativos 258, set./out. 2018
Gomes

WUO, Andrea Soares 2019 Educação de pessoas com Saúde e Sociedade, São
Transtorno do Espectro do Paulo, v.28, n.3, p.210-223,
Autismo: estado do 2019
conhecimento em teses e
dissertações nas regiões Sul e
Sudeste do Brasil (2008-2016)

CAMARGO, Síglia 2020 Desafios no processo de Educação em Revista Belo


Pimentel Höher; escolarização de crianças com Horizonte v.36 e214220
autismo no contexto inclusivo: 2020.
SILVA, Gabrielle Lenz
diretrizes para formação
Da;
continuada na perspectiva dos
CRESPO, professores
Renata Oliveira;
OLIVEIRA, Calleb
Rangel de;
MAGALHÃES, Suelen
Lessa

LEMOS, Emellyne Lima 2020 Transtorno do Espectro Autista e Revista Brasileira de


de Medeiros Dias; interações escolares: sala de aula Educação Especial, Bauru,
e pátio v.26, n.1, p.69-84, jan. mar.,
NUNES, Laísy de Lima;
2020
SALOMÃO, Nádia Maria
Ribeiro

SILVA, Mirella Cassia da; 2020 Uso de histórias sociais em sala Psicologia em estudo, v. 25,
de aula para crianças com e43094, 2020
ARANTES, Ana;
autismo
ELIAS, Nassim Chamel
122

RODRIGUES, Viviane; 2020 Implementação do PECS Rev. Bras. Ed. Esp., Bauru,
Associado ao Point-Of-View v.26, n.3, p.403-420, Jul.-
ALMEIDA, Maria Amelia
Video Modeling na Educação Set., 2020
Infantil para Crianças com
Autismo

SILVA Martony Demes 2020 Software mTEA: do Desenho Rev. Bras. Ed. Esp., Bauru,
da; Computacional à Aplicação por v.26, n.1, p.51-68, Jan.-Mar.,
Profissionais com Estudantes 2020
SOARES André Castelo
com Autismo
Branco;
BENITEZ Priscila

FRANCÊS, Lyanny 2021 As experiências nos espaços- Revista Brasileira de


Araujo; tempos da escola sob o olhar de Educação v. 26 e260026
uma criança com Transtorno do 2021
MESQUITA, Amélia
Espectro do Autismo
Maria Araújo

NUNES, Debora Regina 2021 Comunicação Alternativa para Rev. Bras. Ed. Esp., Bauru,
de Paula; Alunos com Autismo na Escola: v.27, e0212, p.655-672, 2021
uma Revisão da Literatura
BARBOSA, Joao Paulo da
Silva;
NUNES, Leila Regina de
Paula

SANTOS, Régia Vidal; 2022 Autismo na escola: da Rev. bras. Estud. pedagog.,
construção social estigmatizante Brasília, v. 103, n. 264, p.
MACEDO, Eunice;
ao reconhecimento como 466-485, maio/ago. 2022.
MAFRA, Jason Ferreira
condição humana

Fonte: Scientific Eletronic Library Online (SciELO). Organização da autora.

Togashi e Walter (2016) conduziram uma pesquisa que fazia parte de um estudo mais
amplo sobre a implementação de um programa de capacitação de professores envolvidos no
Atendimento Educacional Especializado e o uso do sistema PECS-Adaptado com alunos
autistas. O objetivo era investigar como os educadores estavam dando continuidade ao uso
das PECS-Adaptado e como isso impactava a relação dos alunos com a professora e a
123

estagiária presentes no local da pesquisa.

Uma das principais percepções registradas pelas autoras foi a importância da


comunicação como um elemento essencial para auxiliar nos processos de escolarização de
alunos que podem ter dificuldades na fala e nas relações sociais. Além disso, as leis e a
formação contínua dos educadores foram identificadas como chaves fundamentais para tornar
o movimento inclusivo mais significativo. No que diz respeito à comunicação, as autoras
destacaram a utilização da Comunicação Alternativa e Ampliada como uma aliada nesse
processo, sendo uma abordagem especialmente benéfica para os alunos que apresentam
disfunções na fala ou ausência de fala funcional, uma vez que favorece a comunicação com os
educadores, nas relações sociais e na aquisição e desenvolvimento da linguagem.

Lemos et al. (2016) realizaram uma pesquisa com o objetivo de analisar a


compreensão de pais e educadores sobre a inclusão de crianças autistas. O estudo contou com
a participação de seis professores de escolas regulares e oito familiares em João Pessoa-PB.
Os pesquisadores utilizaram entrevistas semiestruturadas, que foram submetidas à Análise de
Conteúdo.

Com base nos dados obtidos, Lemos et al. (2016) destacaram a importância de
questionar os estigmas construídos em torno do autismo e enfatizaram a necessidade de
inclusão desses sujeitos no ensino regular. Segundo os autores, é fundamental estabelecer uma
comunicação e participação efetiva entre os professores e os familiares dos alunos, a fim de
garantir um processo inclusivo satisfatório. Além disso, eles ressaltaram a urgência de ter a
presença de um psicólogo escolar para apoiar e orientar as práticas educacionais,
especialmente na perspectiva inclusiva.

Em sua pesquisa, Lima e Laplane (2016) analisaram o processo de escolarização de


alunos com autismo em uma cidade do estado de São Paulo. O objetivo do estudo foi
investigar as condições de acesso e permanência desses alunos nas escolas regulares,
observando se estão sendo oferecidos suportes terapêuticos e pedagógicos, e quais são eles. A
pesquisa foi realizada por meio de uma abordagem descritiva, utilizando os microdados do
Censo da Educação Básica entre 2009 e 2012, na cidade de Atibaia - SP.

De acordo com os dados levantados no estudo, o número de trajetórias incompletas e


parciais de escolarização de alunos autistas é maior do que o número de alunos que
conseguem concluir seus estudos, havendo uma baixa taxa de alunos autistas que chegam ao
ensino médio. As autoras observaram que é comum os alunos estarem matriculados em sua
124

série correspondente, mas serem realocados em outra sala de aula. Além disso, a frequência
dos alunos autistas nas salas de atendimento educacional especializado é baixa, e o governo
do estado demonstra ineficácia em fornecer suportes significativos diante dessa
realidade.Diante dessas constatações, as pesquisadoras destacaram a continuidade precária da
escolarização dos alunos autistas, bem como a falta de efetivação das leis e diretrizes que
deveriam garantir um processo inclusivo mais eficaz para esse grupo de alunos.

Rodrigues e Angelucci (2018) realizaram um mapeamento da produção acadêmica


brasileira que discute questões relacionadas à escolarização de alunos com transtorno do
espectro do autismo (TEA) nas escolas regulares, com o propósito de rascunhar um panorama
relativo a essa temática. As autoras utilizaram os termos "concepções sobre diagnóstico de
TEA e relação saúde-educação" e realizaram uma análise bibliométrica e de conteúdo,
totalizando 88 publicações.

As autoras destacaram que as pesquisas sobre a escolarização de alunos autistas


buscam analisar características específicas desse processo. A partir dessa constatação,
observaram que a noção de escolarização pode ter interpretações variadas, dependendo do
entendimento de estar e vivenciar o processo educativo. Além disso, perceberam que esse
contexto educacional pode ser compreendido de forma ampla, ultrapassando as esferas da
aprendizagem e da socialização, e envolvendo também as condições terapêuticas para as
crianças. Além disso, as autoras destacaram que a maioria das publicações concentra-se em
universidades públicas localizadas na região Sudeste do Brasil, com ênfase nas áreas da Saúde
e da Educação. Isso evidencia uma centralização geográfica e temática na produção
acadêmica sobre a escolarização de alunos autistas.

No estudo realizado por Vargas e Rodrigues (2018), foi feito um mapeamento dos
processos relacionados à mediação escolar no contexto de alunos diagnosticados como
autistas ou psicóticos. As autoras utilizaram a abordagem da cartografia (Deleuze e Guattari,
1995) para conduzir uma pesquisa-intervenção, acompanhando regularmente uma escola em
uma cidade do interior do estado do Rio de Janeiro ao longo de um ano.

Segundo as constatações das autoras, a presença do mediador escolar ainda é limitada


e não é garantida pela gestão pública, sendo geralmente ocupada por estudantes, como no
caso do município pesquisado. Vargas e Rodrigues (2018) consideram a mediação escolar
como um elemento de grande importância para o processo inclusivo, pois a veem como uma
atuação que é impulsionada pelo encontro com o outro. Essa perspectiva envolve o
reconhecimento dos sujeitos, indo além de estereótipos e concepções preconceituosas, e
125

promovendo um diálogo que vai além do papel de cuidado. As autoras enfatizam que a
mediação escolar não é considerada a única abordagem possível para o processo inclusivo,
mas ressaltam sua importância como uma possibilidade significativa para lidar com a
complexidade envolvida na inclusão.

Na pesquisa realizada por Trevizan e Pessoa (2018), investigou-se o desenvolvimento


das estruturas de pensamento e linguagem em um aluno com Transtorno do Espectro Autista
(TEA) no contexto educativo, a partir de um estudo maior realizado por Trevizan (2015-
2017). A pesquisa, de natureza qualitativa, contou com a participação de um aluno autista de
sete anos de idade e utilizou os pressupostos de análise semiótica de Bakhtin (2014) e
Vygotsky (1987, 1991) como base teórica.

De acordo com os autores, os processos de comunicação e interação social nos casos


de autismo se dão de maneira complexa, e a dificuldade identificada entre os sujeitos nesse
movimento ficou demonstrada durante a pesquisa nas análises semióticas observadas nos
dados coletados. Diante disso, os pesquisadores concluíram que as formas diferenciadas
como os sujeitos leem a realidade provocam impasses nas relações e no desenvolvimento da
linguagem e da comunicação. Enfatizaram a necessidade de adotarmos abordagens que vão
além das convencionais, a fim de estabelecer relações que considerem a inserção social dos
sujeitos a partir de sua complexidade. Nesse sentido, a família e a escola são apontadas como
atores-chave, sendo necessário que revisem suas concepções e adotem uma abordagem
educacional sociointeracionista, valorizando as raízes culturais do pensamento e da
linguagem.

No trabalho conduzido por Wuo (2019), por meio de uma pesquisa bibliográfica, o
autor buscou verificar e compreender o estado do conhecimento sobre o processo de inclusão
escolar de indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA). O estudo focou em teses e
dissertações publicadas em programas de pós-graduação na área de educação, disponíveis na
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) do Instituto Brasileiro de
Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), no período de 2008 a 2016, nas regiões Sul e
Sudeste do Brasil. O estudo foi realizado em duas etapas. Primeiramente, o autor realizou o
levantamento da bibliografia desejada, selecionando teses e dissertações relacionadas ao tema
da inclusão escolar de pessoas com TEA. Em seguida, ocorreu a análise de conteúdo dos
trabalhos selecionados.
126

Reconhecendo as limitações inerentes aos trabalhos do Estado da Arte ou Estado do


Conhecimento, o pesquisador destaca que muitas pesquisas ainda baseiam-se no discurso
biomédico ao abordar o autismo. Além disso, esses estudos frequentemente utilizam as
diretrizes especificadas em manuais diagnósticos oficiais, como o Manual Diagnóstico e
Estatístico de Distúrbios Mentais (DSM), que fornecem uma visão do autismo centrada em
noções de déficit e/ou prejuízo como características intrínsecas da condição. Isso, por sua vez,
reflete em um modelo de inclusão escolar que se baseia predominantemente em ações
pedagógicas pontuais, com o objetivo de adaptar o estudante aos padrões de normalidade
desejados.

Apesar de predominar o enfoque das áreas médicas, o estudo evidencia um aumento


das pesquisas em Educação sobre o autismo, destacando perspectivas críticas e alternativas
que propõem caminhos diferenciados para compreender o autismo. Essas abordagens buscam
ir além do diagnóstico, levantando questões sobre a estrutura escolar e realizando análises
sociais e históricas para entender como nos organizamos e agimos na sociedade,
especialmente no âmbito educacional. Embora muitas vezes ainda sejam abordadas sob a
perspectiva da deficiência, as pesquisas críticas, conforme mencionado por Wuo (2019),
buscam apreender a inclusão escolar como um processo social que se constrói no dia a dia da
escola. Elas vão além de ações estritamente metodológicas e não reduzem o processo
inclusivo a uma simples modalidade de ensino.

Camargo et al. (2020) buscaram compreender em seu estudo quais as principais


problemáticas enfrentadas pelos educadores no processo de escolarização de crianças com
Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) na rede regular de ensino. Para alcançar esse
objetivo, os pesquisadores utilizaram entrevistas semiestruturadas e realizaram a análise de
conteúdo das respostas obtidas. Participaram do estudo 19 educadores da rede pública que
trabalham com alunos autistas no município de Pelotas, Rio Grande do Sul.

Através dos relatos das professoras entrevistadas, os autores perceberam que a maioria
delas possui poucos conhecimentos e estudos acerca do autismo, especialmente no que diz
respeito às possíveis práticas e ações pedagógicas mais significativas para esses alunos. Além
disso, observou-se a persistência de concepções equivocadas em relação ao processo de
inclusão, resultando em atividades e propostas diferenciadas para esses alunos, o que, na
realidade, pode levar a um processo de exclusão. Os pesquisadores ressaltaram a importância
de ouvir os educadores para tornar o processo inclusivo mais concreto, garantindo que suas
necessidades também sejam atendidas, possibilitando a criação de conexões adequadas para
127

todos os sujeitos implicados no ato educativo.

Lemos, Nunes e Salomão (2020) conduziram uma investigação na qual observaram e


analisaram as interações entre alunos autistas, seus colegas e professores em ambientes
escolares, incluindo momentos em sala de aula e no pátio. As autoras realizaram oito
filmagens em duas escolas, com a participação de quatro professoras, quatro crianças autistas
e 42 crianças com desenvolvimento típico36, com idades entre 3 e 5 anos. A pesquisa foi
estruturada utilizando abordagens quantitativas e qualitativas, com base nos dados obtidos ao
longo do processo de investigação.

Com base nos dados coletados na pesquisa, as autoras destacaram a importância das
interações entre os alunos e a professora, especialmente em relação às atividades propostas e à
mediação oferecida pela educadora. Essas interações também influenciaram as relações
estabelecidas entre os alunos, resultando em benefícios não apenas para os alunos autistas,
mas também para as demais crianças. As autoras enfatizam a relevância desse método de
pesquisa, uma vez que ele permite uma compreensão mais aprofundada das interações reais
que ocorrem em sala de aula e no ambiente escolar. As autoras ressaltam ainda, a importância
de realizar mais pesquisas sobre esse tema, uma vez que existe uma escassez de estudos que
empregam abordagens observacionais em contextos naturalísticos.

Silva, Arantes e Elias (2020) propuseram-se a investigar os impactos da utilização de


histórias sociais e reforçamento diferencial no desenvolvimento dos comportamentos
socialmente adequados em crianças com Transtorno do Espectro Autista na sala de aula.
Participaram da pesquisa dois alunos autistas, nas idades seis e nove anos, que manifestaram
condutas inadequadas face à demanda social desejada no contexto de escolarização. Foram
identificados comportamentos-alvo específicos para cada aluno e inseridos nas histórias
sociais, que demonstraram possibilidades de comportamento e caminhos alternativos tidos
como adequados para eles.

Os autores identificaram resultados satisfatórios na utilização das histórias sociais


como estratégia de intervenção, demonstrando modificações nos comportamentos dos alunos
autistas em sala de aula, considerados inadequados. Esses comportamentos, conforme relatado
pelos educadores entrevistados, dificultavam a efetividade das atividades propostas. Os
pesquisadores enfatizaram a importância de empregar e promover técnicas e estratégias que
possam facilitar o processo de escolarização de alunos autistas, principalmente na rede regular

36
Termo utilizado na pesquisa.
128

de ensino. Isso possibilita um ambiente mais inclusivo e contribui para o sucesso acadêmico e
social dos alunos com TEA.

Rodrigues e Almeida (2020) analisaram no estudo, os efeitos produzidos a partir da


utilização do Picture Exchange Communication System (PECS) associado ao Point-of-view
Video Modeling (POVM) no desenvolvimento de habilidades relacionadas à comunicação,
tendo como participantes três crianças com o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista e
Necessidades Complexas de Comunicação. As autoras utilizaram uma abordagem
experimental com múltiplas sondagens e tratamentos alternados, incluindo o PECS, POVM e
habilidades de comunicação. A análise realizada levou em consideração as respostas avaliadas
como corretas dos participantes, utilizando números de pontos, escalas e porcentagens pré-
estabelecidas, além de um formulário de validade social37.

De acordo com as pesquisadoras, a utilização de ferramentas de comunicação


complementar e/ou suplementar, como o PECS, tem se mostrado efetiva no desenvolvimento
e aquisição de habilidades de comunicação em crianças que são o público-alvo do estudo.
Além disso, a associação dessas ferramentas ao POVM obteve um maior número de respostas
dentro do escopo esperado, o que as pesquisadoras chamaram de habilidades não previstas.
Elas destacam que a utilização dessas ferramentas em ambiente escolar é um desafio, uma vez
que muitas vezes é limitada devido à dinamicidade e às diversas demandas desse contexto. No
entanto, elas ressaltam que o uso dessas ferramentas promove benefícios significativos na
formação e aprendizagem dos participantes.

Silva, Soares e Benitez (2020) realizaram uma pesquisa na qual desenvolveram um


ambiente digital para a aplicação de programas de ensino por tentativas discretas, com base na
perspectiva da análise comportamental, denominado mTEA, propondo avaliar o uso desse
ambiente por educadoras que ensinavam estudantes autistas. O estudo contou com a
participação de cinco crianças autistas, com idades entre quatro e nove anos, e duas
profissionais que aplicaram as atividades com os alunos. As educadoras responderam a um
questionário para avaliar o programa. Para a análise dos dados, os autores selecionaram duas
categorias: o desempenho dos estudantes e a utilização do sistema pelas educadoras.

Conforme apontado pelos pesquisadores, o programa mTEA possui um diferencial


importante: a capacidade de elaborar atividades individualizadas para cada criança, levando
em consideração suas demandas singulares. Além disso, o programa permite o registro do

37
Questionário realizado com os participantes para que eles expressassem livremente suas percepções sobre o
estudo.
129

desempenho de acordo com os parâmetros definidos pelo educador. Outra característica


relevante é a possibilidade de uso do programa no ambiente familiar, permitindo que os pais
também possam realizar as atividades e acompanhar o desempenho das crianças. No que diz
respeito à análise dos dados coletados na pesquisa, Silva, Soares e Benitez (2020) concluíram
que, apesar de algumas limitações e necessidade de aprimoramentos, a utilização do mTEA
foi satisfatória, fornecendo um guia de acessibilidade visual e textual para os estudantes
autistas.

Francês e Mesquita (2021) fazem uma discussão sobre as experiências escolares


vivenciadas por crianças autistas a partir de seus olhares. Para isso, as autoras observaram os
espaços-tempo, as relações afetivas e as rotinas construídas na escola. A investigação utilizou
o método etnográfico, apoiado pelo referencial da Sociologia da Infância, e foi realizada por
meio de observação participante em uma escola pública de educação infantil. O participante
da pesquisa foi um estudante autista de seis anos de idade. Para a sistematização e análise dos
dados, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo discutida por Bardin (2011) e Franco
(2005).

As pesquisadoras abordam no estudo a importância de compreender a criança autista


como um sujeito de direito, que vivencia diferentes situações e estabelece diversas relações
com o meio e com as pessoas ao seu redor. Essas nuances são essenciais para se pensar nos
desafios educacionais diante da natureza dinâmica da instituição escolar, visando construir
espaços mais inclusivos que valorizem as potencialidades dos estudantes autistas. Nesse
sentido, destacam a imprescindibilidade de que se ampliem os estudos que tenham como
referência a voz e a posição da criança, valorizando sua singularidade e propondo uma
flexibilização da estrutura muitas vezes rígida da escola, assim como uma ressignificação das
ações e práticas escolares em prol de uma educação que utilize os espaços-tempos de forma
mais inclusiva e significativa para os estudantes.

Nunes, Barbosa e Nunes (2021) realizaram uma investigação acerca dos contextos de
uso da Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA) em ambiente estruturado,
especificamente em escolas, com estudantes autistas matriculados na rede regular de ensino.
Para isso, eles realizaram buscas no portal de periódicos e no catálogo de teses e dissertações
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal em Nível Superior (CAPES), abrangendo o
período de 2015 a 2018. A partir dessa busca, foram selecionados oito estudos que envolviam
participantes com idades entre 3 e 12 anos. Esses estudos foram realizados em salas de aula
do ensino regular e/ou em salas de Recursos Multifuncionais. Em dois dos trabalhos
130

selecionados, o uso da CAA também foi realizado em ambiente familiar.

Ao analisarem os dados, os autores destacam três pontos principais de discussão.


Primeiramente, eles observam que o uso da Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA) tem
sido superficial, focando principalmente em comportamentos relacionados à solicitação de
objetos, com pouca abordagem de aspectos pragmáticos mais amplos da comunicação. O
segundo ponto aborda a falta de intencionalidade em certas ações comunicativas, que carecem
de propósitos e objetivos bem definidos, não contribuindo efetivamente para o
desenvolvimento dos estudantes. Por fim, os autores ressaltam a falta de transcrições
completas dos atos comunicativos em situações de integração da comunicação, o que limita as
análises e compreensão dos contextos de uso da CAA.

Apesar dessas observações, os pesquisadores também destacam os efeitos positivos do


uso da CAA. Segundo eles, essa abordagem permite a ampliação do repertório de
comunicação dos estudantes, o aumento das situações de interação, a promoção da autonomia
e a organização da rotina na escola. Ressaltam a importância de difundir essa ferramenta no
contexto educacional brasileiro, incluindo o ensino e o uso dela na formação de professores.

A pesquisa de Santos, Macedo e Mafra (2022) discorre, por meio de um embasamento


teórico, sobre o reconhecimento do autismo como uma condição humana, questionando a
interpretação que o enquadra apenas como uma deficiência e uma coleção de déficits que
geram estigmas. Os autores utilizam, para isso, as contribuições dos estudos de Hannah
Arendt sobre a condição humana, as indicações de Iris Young sobre a comunicação entre as
diferenças e a justiça social, as inferências de Paulo Freire sobre a concepção relacional e
humanizadora presentes em sua obra, e a perspectiva sobre o autismo apresentada por Temple
Grandin.

Os pesquisadores reconhecem que a estrutura social atual em relação ao autismo é


inadequada, pois não valoriza as singularidades e potencialidades dos indivíduos autistas. Isso
resulta na negação de seus direitos como cidadãos e de expressão, impedindo sua participação
plena e igualitária na vida em sociedade em todas as suas esferas. Essa situação é influenciada
tanto por questões estruturais em nível macro como por entraves atitudinais. Eles defendem a
possibilidade de uma nova narrativa que explore as emoções, sentimentos e reações das
pessoas autistas, por meio de uma escuta empática e de qualidade. Essa abordagem busca
compreender e acolher as experiências autistas, promovendo uma escuta educativa que
favoreça o crescimento humano baseado na diversidade e na pluralidade. Para isso, os
pesquisadores afirmam a necessidade de compreender e investigar instrumentos que permitam
131

promover uma comunicação dialógica e o avanço, de todos nós, como seres humanos nas
relações sociais. Isso implica em superar barreiras comunicativas e estabelecer espaços de
diálogo inclusivos, onde as vozes das pessoas autistas sejam ouvidas e valorizadas.

Quadro V - Consolidado dos dados obtidos junto ao banco de dados da Revista Estilos
da Clínica – USP.

PESQUISADORES(AS) ANO TÍTULO LOCAL DE


PUBLICAÇÃO

LAJONQUIÈRE, Leandro de 2019 As crianças, a educação e os Revista Estilos da


sonhos adultos em tempos de Clínica, V. 24, n°1, p.
autismo 41-52.

PONCE, Joice Otávio; ABRÃO, 2019 Autismo e inclusão no ensino Revista Estilos da
Jorge Luís Ferreira regular: o olhar dos professores Clínica, V. 24, n°2, p.
sobre esse processo. 342-357.

Fonte: Revista sobre Infância com Problemas Estilos da Clínica. Organização da autora.

Lajonquière (2019), a partir do que ele vai nomear de “tempos de autismo”, faz uma
análise acerca do que é a criança moderna, através das formas como os adultos lidam,
percebem e projetam a infância. Ele questiona como o sujeito, influenciado pela cultura,
constrói sua presença no mundo por meio da linguagem e como essa relação afeta as
projeções de futuro que constantemente impactam os sujeitos em nossa sociedade. No
contexto educacional, o autor destaca que os mal-entendidos, que podem surgir, têm o
potencial de deslocar as crianças para um lugar de "divagantes do mundo". Ele sugere que as
crianças autistas talvez estejam se tornando espectadoras desse processo, ou seja, podem estar
sendo excluídas ou não plenamente envolvidas nas interações sociais e nas experiências
educativas.

O autor, fundamentado na Psicanálise e em sua extensa pesquisa, sugere que, embora


haja um aumento aparente do interesse pela temática do autismo, isso não necessariamente
reflete uma preocupação real e uma intenção genuína de promover mudanças significativas
132

para esse público. Ele compara essa situação ao interesse popular nos marcianos e
extraterrestres nos anos 60, sugerindo que o autismo pode ter se tornado uma espécie de
"tara".

No âmbito educacional, o autor vai discorrer sobre o que ele denomina de “ilusões
pedagógicas”, cujas consequências recaem diretamente sobre as crianças. Ele destaca a
influência significativa dos discursos tecnocientíficos, que buscam justificar todo e qualquer
comportamento observado nas crianças, geralmente fundamentados em concepções
biologizantes e psicologizantes. Lajonquière (2019) argumenta que essa ilusão decorre “tanto
na possibilidade quanto na necessidade de adaptarmos ou ajustarmos a educação a um sempre
suposto ser infantil já dado que nada deve aos sonhos do mundo adulto” (p.50). O autor
aponta que os pressupostos tecnocientíficos servem como um consolo para pais e educadores,
que buscam no contexto da modernidade respostas rápidas e soluções prontas para lidar com
os desafios educacionais.

Em seu estudo, Ponce e Abrão (2019) buscaram investigar as especificidades dos


casos de alunos autistas no contexto da inclusão educacional, considerando a efetividade das
políticas educacionais. Com ênfase na figura do professor, visto como um agente essencial no
processo de escolarização, os pesquisadores optaram por compreender a perspectiva desses
profissionais em relação à inclusão nas escolas regulares. Para realizar a pesquisa, os autores
utilizaram entrevistas semiestruturadas como instrumento metodológico. Foram entrevistadas
quatro professoras que trabalhavam com pelo menos um aluno autista, em uma cidade do
interior do estado de São Paulo.

A partir dos dados coletados e das entrevistas realizadas com as professoras, os


pesquisadores identificaram alguns pontos em comum em suas falas. Esses pontos destacam
questões relevantes relacionadas à inclusão de alunos autistas. Dentre eles, destacam-se: a
necessidade de formação especializada; a importância da interação com a família; a situação
de desamparo pedagógico vivenciado por elas diante das dificuldades do contexto inclusivo; a
pertinência da inclusão, principalmente no que diz respeito à socialização e à convivência
com a diversidade; e as desvantagens da inclusão, evidenciando a ausência de profissionais de
acompanhamento capacitados e a estrutura escolar direcionada para a educação de massa.

Os autores concluíram que, de forma geral, as professoras entrevistadas têm uma visão
positiva em relação ao movimento de inclusão, reconhecendo os benefícios sociais que ele
traz para o ambiente escolar. No entanto, eles também identificaram resistências presentes na
escola em relação às representações sociais e estigmas que ainda persistem nas relações
133

educativas, principalmente relacionados aos padrões de normalidade presentes no senso


comum e no imaginário coletivo. Com base nos resultados da pesquisa, Ponce e Abrão (2019)
enfatizam a importância de não pautar os alunos autistas apenas por suas possíveis
dificuldades educacionais e sociais, mas sim buscar novos caminhos no processo educativo
que respeitem as especificidades de cada aluno e promovam um diálogo efetivo com elas.

Quadro – VI – Consolidado dos dados obtidos junto aos Anais da ANPEd.

PESQUISADORES(AS) ANO TÍTULO LOCAL DE


PUBLICAÇÃO

KUBASKI, Cristiane; POZZOBON, 2015 Investigando a qualidade 37ª Reunião Nacional da


Fabiana Medianeira; RODRIGUES, da inclusão de alunos com ANPEd Anais da
Tatiane Pinto autismo nos anos iniciais ANPEd – GT 15.

Fonte: GT 15: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd. Organização da


autora.

Na pesquisa realizada por Kubaski, Pozzobon e Rodrigues (2015), foi analisada a


qualidade da perspectiva inclusiva de alunos autistas que frequentavam escolas regulares. Os
pesquisadores utilizaram uma abordagem qualitativa, por meio de um estudo de caso múltiplo
exploratório, empregando a técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (2009). A
pesquisa contou com a participação de quatro professoras, distribuídas em quatro escolas na
cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul. Como indicadores de qualidade, foram
considerados os seguintes quesitos: presença, participação, aceitação e aprendizagem. Através
da análise dos relatos dos educadores, os pesquisadores buscaram compreender como esses
aspectos se manifestavam no contexto educacional e qual a perspectiva inclusiva adotada
pelas escolas em relação aos alunos autistas.

As autoras identificaram, diferentes percepções por parte das professoras em relação à


escolarização de alunos autistas. As narrativas das educadoras revelaram tanto uma
compreensão das especificidades dos alunos no espectro autista, indo além do mero
diagnóstico, como também visões limitadas em relação ao potencial cognitivo desses alunos.
Questões relacionadas à comunicação dos alunos, seja verbal ou não verbal, também foram
abordadas, evidenciando a necessidade de considerar as particularidades dos alunos autistas
134

nesse aspecto. A falta de formação especializada sobre o autismo foi uma questão consensual
entre as professoras participantes do estudo, nenhuma delas possuía formação ou havia
realizado cursos específicos sobre o tema. Foi constatado um déficit na formação inicial das
professoras em relação ao autismo, apesar de relatarem ter obtido alguns sucessos na
adaptação dos alunos autistas em suas práticas educacionais.

Os descritores utilizados no estudo - presença, participação, aceitação e aprendizagem


- foram considerados relevantes, pois abrangem diferentes aspectos do processo inclusivo que
vão além da simples presença dos alunos no ambiente escolar. Esses descritores capturaram
elementos relacionados à participação ativa dos alunos autistas nas atividades, a aceitação por
parte dos colegas e professores, bem como o aprendizado de acordo com as necessidades
individuais dos alunos.

4.2.1 Apontamentos das pesquisas

Com base nas pesquisas levantadas nesta segunda parte do trabalho, podemos observar
um cenário regionalizado em relação às publicações sobre autismo e inclusão, diferente do
que pudemos observar nas teses e dissertações analisadas. A região Sudeste apresentou a
maior quantidade de publicações, com 14 trabalhos, seguida pela região Sul, com 4 pesquisas.
Não foram encontradas publicações em revistas de outras regiões do país. É importante
ressaltar que a maioria dos artigos foi publicada no estado de São Paulo, representando cerca
de 57% dos trabalhos elencados. Esses dados indicam que, embora as revistas estejam
sediadas nessas regiões, a submissão de trabalhos não se restringe apenas a pesquisadores e
estudos realizados nessas localidades. Além disso, esses resultados são específicos das
pesquisas analisadas neste estudo e não representam a totalidade das publicações sobre
autismo e inclusão no Brasil. É possível que haja outras pesquisas realizadas em diferentes
regiões do país que não foram contempladas na amostra deste trabalho.
135

Figura 04 – Artigos sobre autismo e escolarização, divididos por ano de publicação entre os anos de 2015 e
2022.

5% 5%
10%
16%

0%

16%
32%

16%

2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022

Fonte: Organização da autora

Analisando o ano de produção das 18 pesquisas analisadas, observamos um número de


publicações que se mantém em 16% (3) regularmente entre os anos de 2015 e 2019, com
exceção do ano de 2015, que teve a publicação única de Kubaski, Pozzobon e Rodrigues no
grupo de estudos 15 da ANPEd, e do ano de 2017, no qual não foram encontrados trabalhos
que se adequassem ao recorte teórico proposto. No ano de 2020, temos o maior contingente de
publicações, com seis pesquisas, seguido por duas publicações em 2021 e apenas uma em
2022. Quanto às áreas de conhecimento e ao foco de discussão das revistas, observamos que,
das 16 fontes das publicações, cinco são do campo da Educação, Educação Especial e
Pedagogia, três são do campo da Psicologia, uma se situa na área da Saúde e duas são da
revista Estilos da Clínica, que tem em seu escopo a infância com problemas, trazendo a
Psicanálise como eixo de discussão e dialogando com questões familiares e/ou escolares.

Quanto aos possíveis eixos temáticos discutidos nas pesquisas, identificamos seis
áreas de aprofundamento e análise abordadas pelos autores. Dessas, quatro se repetem em
relação às teses e dissertações estudadas. São elas:

1. Práticas pedagógicas e utilização das salas de atendimento educacional especializado,


em consonância com políticas públicas e documentos legais relacionados ao tema (5
estudos).

2. Estratégias e métodos de intervenção no tratamento de alunos com TEA (5 estudos).


136

3. Contribuições da psicanálise e perspectivas de uma educação terapêutica, que


desafiam a lógica do déficit e da deficiência (3 estudos).

4. Estado da Arte e Estado do Conhecimento (2 estudos).

5. Análise do contexto interacional das crianças autistas com seus pares, colegas e
professores como fator central (2 estudos).

6. Investigação da estrutura de pensamento e linguagem no autismo (1 estudo).

Após a leitura dos trabalhos relacionados, é evidente a recorrência do tema da


comunicação como um eixo central para se pensar a relação com o autismo nas escolas. A
comunicação foi frequentemente discutida como um fator que pode restringir ou ampliar as
possibilidades de inclusão no contexto educacional. No entanto, é importante ressaltar que as
abordagens e concepções em relação a esse eixo variam entre os autores, com entendimentos
variados sobre essa temática.

Durante a análise, percebemos uma discrepância no entendimento do conceito de


comunicação, fala e suas manifestações no contexto educacional. Destacamos duas
observações que chamaram nossa atenção: os estudos que sugerem uma deficiência nos
autistas, baseados na ideia de déficit, que buscam adaptar esses indivíduos à norma escolar
por meio de intervenções metodológicas e estratégias pedagógicas específicas; e as pesquisas
que reconhecem a complexidade da estrutura de fala e pensamento dos autistas, que não se
enquadram nos padrões de educação em massa frequentemente encontrados nas escolas. Essas
pesquisas indicam a necessidade de uma escuta atenta e um olhar sensível para as
singularidades dos autistas, a fim de deslocar o sujeito como elemento central na concepção e
implementação das práticas pedagógicas.

A partir dessa constatação, que foi amplamente abordada nos artigos, surge uma
segunda questão que se relaciona de certa forma com a primeira: as concepções que os
professores e pais possuem sobre o autismo, assim como as representações sociais e o
entendimento da inclusão que se manifestam nas escolas.

As percepções e conhecimentos dos educadores e pais sobre o autismo desempenham


um papel central na escolha das ações e estratégias adotadas no tratamento desses sujeitos. É
importante ressaltar que muitas pesquisas abordam essa questão, ainda que de forma indireta
ou diluída no discurso adotado. Os estigmas e concepções enraizados no senso comum,
frequentemente baseados em discursos médicos e manuais diagnósticos, exercem uma
influência direta nas práticas pedagógicas escolares. Essas percepções e concepções são o
137

ponto de partida para a construção dessas práticas e estão presentes nas discussões que delas
surgem.

Nesse contexto, surgem discussões que abrangem a percepção do processo inclusivo,


suas adequações e lacunas, bem como as ações de mediação escolar baseadas no cuidado e/ou
em estratégias pedagógicas, formação de professores (inicial e contínua) e na relação entre os
profissionais de saúde e a presença ou ausência de psicólogos escolares. Além disso, a função
da escola é objeto de debate, considerando a possibilidade de desempenhar um papel
terapêutico, conforme questionado por Rodrigues e Angelucci (2018), Lemos e Nunes, e
Salomão (2020). Esses últimos autores analisam as interações sociais entre crianças típicas e
atípicas no ambiente escolar e como essas relações podem potencializar o processo inclusivo.

Em relação à mediação escolar e às ações e políticas pedagógicas no campo da


pesquisa, surge a preocupação com a efetividade das políticas públicas vigentes e da
legislação correspondente. Essa questão é importante para analisar a ociosidade existente no
campo educacional em relação às diretrizes legais e questionar por que essa discrepância
ocorre. Conforme apontada em grande parte das pesquisas, é evidente que as leis não têm sido
implementadas de forma significativa e abrangente no contexto educacional, e as condições
nas quais a inclusão ocorre em muitas escolas estão muito aquém das expectativas após os
avanços legais alcançados e das discussões realizadas. No caso específico do autismo, as
barreiras podem ser ainda maiores.

Figura 05 – Nuvem de palavras com as palavras-chave dos artigos elencados na Scientific Eletronic Library
Online (SciELO), a revista sobre infância com problemas Estilos da Clínica da Universidade de São Paulo
(USP) e o GT 15 da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd acerca do
autismo e escolarização entre os anos de 2015 e 2020.

Fonte: WoardsArt, organização da autora


138

Na composição da nuvem de palavras gerada a partir das palavras-chave presentes nos


artigos acadêmicos das pesquisas, podemos observar a diversidade de conceitos e eixos
estruturais mencionados pelos autores na construção de seus trabalhos, refletindo a
compreensão da multiplicidade de perspectivas que permeiam a temática do autismo e da
educação escolar.

Ao analisarmos os conceitos que se destacaram na caracterização das pesquisas,


podemos observar o uso das expressões "Educação Especial" e "Inclusão Escolar", que se
contrapõem, ressaltando o caráter ambíguo e político que envolve essa temática, considerando
que no Brasil, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Inclusão está em
vigor desde 2008, como mencionado anteriormente ao discutir a interrelação entre esses
conceitos. Sendo assim, a perspectiva inclusiva é o principal conceito utilizado pelos autores
em suas pesquisas, conforme evidenciado na nuvem de palavras obtida a partir do banco de
teses e dissertações da CAPES. Além do termo "Inclusão Escolar", também são encontradas
as palavras "Inclusão" e a expressão "Educação Inclusiva" entre as terminologias presentes na
imagem.
139

5 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES, AS CONCEPÇÕES SOBRE DÉFICIT E


DEFICIÊNCIA E O DISCURSO MÉDICO NA ESCOLARIZAÇÃO DOS
SUJEITOS AUTISTAS.

Após a análise inicial das tendências das teses, dissertações e artigos acadêmicos
levantados no Estado da Arte, identificamos três categorias que perpassam os eixos
destacados anteriormente, com o objetivo de aprofundarmos nossos estudos. São elas:

1. A querela da formação de professores, uma temática que surge com grande relevância,
especialmente nas teses e dissertações;

2. As concepções em torno dos termos utilizados para definir e/ou abordar o autismo,
assim como a relação entre deficiência e déficit que incide sobre o sujeito;

3. O papel do discurso médico no processo de escolarização das crianças autistas, e como


ele tem influenciado os conhecimentos escolares e as práticas adotadas pelos
profissionais da educação, estabelecendo-se no discurso da comunidade escolar como
um todo.

As categorias mencionadas estão alinhadas e dialogam com nossas inquietações


enquanto pesquisadoras, uma vez que fornecem perspectivas estruturantes para repensar a
concepção de sujeito, ou do objeto da pesquisa (como evidenciado em parte significativa dos
trabalhos). Elas oferecem um panorama abrangente sobre a maneira como os sujeitos autistas
e sua condição vêm sendo nomeados, percebidos e discutidos, tanto em relação à formação e
capacitação dos educadores, quanto ao atravessamento do campo médico e dos manuais
diagnósticos na educação. Isso inclui a sua presença no aparato normativo e na materialidade
do cotidiano escolar, visto que tais categorias desdobram-se transversalmente em todos os
eixos considerados nas pesquisas analisadas.

5.1 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

A discussão em torno da formação docente tem sido uma questão recorrente tanto nas
pesquisas sobre educação, quanto no dia a dia das escolas, ao longo dos últimos anos. De
acordo com Lajonquière (2011), a temática da formação de professores tem ganhado
destaque, sobrepondo-se à questão que dominou por décadas o debate educacional: os
140

problemas de aprendizagem e o fracasso escolar. Bastos (2018) aponta que houve uma
mudança no enfoque do fracasso escolar, que anteriormente era atribuído principalmente aos
alunos. Atualmente, essa questão é abordada sob uma perspectiva jurídico-administrativa na
educação, o que tem gerado um desalinhamento na formação de professores em relação às
práticas e ações de ensino e aprendizagem. Conforme Bastos (2018, p. 127), "se os alunos não
aprendem, cabe ao professor adotar metodologias e estratégias de ensino mais eficazes".
Ponce e Abrão (2019) afirmam que, a partir do século XX, com a chamada "psicologização da
educação", o estudante passou a ser tratado como um objeto, sujeito à aplicação de métodos.
Esses métodos são adquiridos por meio de diversas formas de formação, o que acabou
reduzindo o papel do professor, colocando a chave do seu sucesso em uma categoria técnica
de atuação (Bastos, 2018).

Este discurso incide sobre a escola de maneira que a formação inicial, e


principalmente a formação continuada, se torna uma espécie de entidade divina poderosa que
poderia ser a salvadora da escola, detentora do problema do fracasso escolar (VOLTOLINI,
2018). Visualizamos no campo educacional atual um cenário de embate e acusações, centrado
nas reclamações que a escola faz do educador, que por sua vez, reclama sobre a falta de
formação profissional para atender as demandas da escola 'inclusiva' (LAJONQUIÈRE,
2011). Temos instaurado nas escolas e no debate, tanto das políticas públicas quanto no
cenário acadêmico, questões como: a qualidade da formação dos professores, qual o caráter
dessas formações, quais saberes e conhecimentos deveriam ser abordados, quais as
metodologias mais eficazes, qual a melhor ferramenta, entre outras problemáticas.

Com base nos trabalhos levantados em nosso Estado da Arte, podemos observar essa
tendência nas pesquisas. Cerca de 76% dos trabalhos abordaram a temática da formação de
professores, enquanto os 24% restantes (16) não discutiram essa questão. É importante
destacar que a maioria desses 16 trabalhos são artigos acadêmicos (12 pesquisas), que
possuem um recorte mais específico em relação às discussões escolhidas para serem
abordadas.

A partir da leitura e análise dos trabalhos relacionados a esse eixo observamos os


seguintes movimentos das pesquisas: aquelas que realizam uma leitura sobre a formação de
professores a partir das considerações expostas nas políticas e diretrizes educacionais,
adotando posicionamentos afins; as que consideram a formação inicial e continuada como
principais impasses da escola atualmente, ressaltando questões relacionadas às metodologias
(geralmente advindas das teorias comportamentais), ferramentas e recursos tecnológicos; os
141

trabalhos que indicam tal problemática, mas o fazem com ressalvas, principalmente no que
concerne à forma como tal movimento vem se materializando na comunidade escolar; e as
pesquisas que se posicionam criticamente a esse movimento, assinalando as contingências
desse discurso.

A legislação brasileira, conforme discutido no segundo capítulo do trabalho, possui


um longo escopo sobre a Eudcação Especial, a educação inclusiva e os direitos educacionais
das pessoas em situação de deficiência, tendo como marcos a Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI) de 2008 e o Estatuto da Pessoa
com Deficiência em 2015, e especificamente em relação aos sujeitos autistas, a Lei Berenice
Piana em 2012 que os reconheceu como pessoas com deficiência para todos os efeitos legais.

Nos textos normativos, é enfatizada de forma incisiva a necessidade e importância da


formação continuada, especialmente para os professores que trabalham na Educação Especial
e com estudantes autistas. Além disso, grande parte das resoluções exigem formação
especializada e a continuidade da formação de forma permanente, a fim de promover uma
escola inclusiva, estendendo esse papel para todos os educadores (VIEIRA, 2016;
TIRADENTES, 2020; RIBEIRO, 2021). Tambara (2017) destaca essa questão, ao refletir que,
embora tais exigências estejam presentes nos ditames legais da educação, o aparato
governamental não garante os recursos necessários para que esses parâmetros sejam
estabelecidos de fato na realidade escolar.

Vieira (2016) ainda ressalta que, em sua pesquisa específica, o município em questão
requer uma formação mínima diferente daquela proposta pelas diretrizes nacionais, o que
causa um desalinhamento ainda maior e questiona os direitos tanto dos educadores quanto dos
alunos. Tambara (2017) também evidencia essa discrepância ao observar, em sua pesquisa,
que dos cinco professores entrevistados, dois não possuem a formação específica exigida pela
legislação atual para atuar nas SRMs.

Sadim (2018) constata em seu trabalho, por meio da análise das políticas públicas
pertinentes, que, embora as normas estabeleçam tais exigências, a proposta de formação
oferecida aos educadores e à gestão escolar ainda não atende a essas demandas. Ribeiro
(2021) destaca essa questão ao relatar em seu trabalho que os gestores escolares afirmam de
forma unânime que as formações relacionadas à Educação Especial são oferecidas
principalmente aos professores das salas de recursos multifuncionais, sem abranger os demais
membros da equipe escolar. O mesmo foi observado por Tiradentes (2020), ao descrever a
insatisfação dos professores por não receberem formação e capacitação adequadas para
142

trabalhar na perspectiva inclusiva. Isso revela uma carência e falta de articulação na gestão do
estado do Amazonas, onde os educadores buscam maior apoio em suas práticas docentes, o
que poderia ser orientado, de acordo com a autora, pela Secretaria do Estado.

Segundo Ribeiro (2021) e Brito (2016), há um debate sobre a ineficiência das


formações iniciais, especialmente no curso de Pedagogia, em relação à Educação Especial
para o atendimento dos alunos com deficiência. Ribeiro (2021) destaca, com base nas
contribuições de Lustosa e Mendes (2020), a falta de exigência de estágios na área de
Educação Especial, a carência e/ou superficialidade da temática nas grades curriculares e a
escassez de discussões sobre a escola para todos a partir de uma perspectiva inclusiva. Esses
aspectos contribuem para uma formação de educadores ineficaz, refletindo na precariedade da
abordagem da Educação Especial no cotidiano escolar. Tiradentes (2020) também aborda essa
questão, questionando a viabilidade das exigências de articulação do professor, uma vez que a
formação especializada do professor não está incorporada nas políticas integradas dos
sistemas de ensino e das universidades, levando a um cenário deficitário em relação à
formação dos educadores.

Tiradentes (2020) e Ribeiro (2021) assinalam que o grande desafio posto para a
educação brasileira refere-se à implementação e efetivação das políticas educacionais
inclusivas e de Educação Especial. Essa ação ofereceria amparo pedagógico aos professores, à
estrutura escolar como um todo e também aos alunos autistas, proporcionando-lhes mais
oportunidades de aprendizagem e práticas mais significativas em sua escolarização. Conforme
Tambara (2017), a concretização da escola inclusiva passa diretamente pela efetivação das
políticas de formação de professores, uma vez que eles precisam estar preparados para lidar
com as diversas demandas relacionadas a esse modelo, principalmente no que diz respeito às
práticas pedagógicas adequadas para atender às pessoas autistas.

As pesquisas que possuem um escopo mais alinhado às perspectivas comportamentais


apontam que a formação continuada é imprescindível para uma escola inclusiva mais efetiva.
Brito (2016) descreve que o ganho no processo de ensino e aprendizagem precisa advir da
utilização de novas práticas e tecnologias alinhadas ao papel do mediador, a fim de
estabelecer estratégias de manejo com os estudantes. De acordo com a autora, a inclusão
depende das ações dos professores, uma vez que, munidos de conhecimentos que
fundamentam suas competências, possam determinar as abordagens pedagógicas adequadas
para o público-alvo da Educação Especial. Nesse sentido, a formação profissional deve
possuir um caráter permanente.
143

A pesquisadora afirma ainda que as formações observadas no campo educacional não


abarcam apresentações de como fazer ou, de fato, oferecem metodologias e práticas que
ampliam o conhecimento dos educadores para lidar com os estudantes autistas no cotidiano
escolar. Essa argumentação fica ilustrada a partir dos relatos das docentes entrevistadas pela
autora, onde elas afirmam não saber o que fazer, nem como fazer, ou ainda de que forma
deveriam direcionar as ações e práticas em relação aos estudantes autistas. Elas apresentam
demandas acerca de orientação e metodologias mais precisas para auxiliar o trabalho
pedagógico.

Conforme Olmedo (2015), Brito (2016) e Martins (2020), quando o educador tem
conhecimento de técnicas de intervenção eficientes, utilizando manejos comportamentais e
estratégias de comunicação alternativa, contribui para que ele tenha uma concepção mais
abrangente acerca da inclusão e torna esse processo mais viável. Olmedo (2015) afirma que o
desconhecimento desses fatores implica em dificuldades para os profissionais da educação,
que acabam comprometendo a interação com as crianças autistas, dificultando ainda mais o
desafio inclusivo nas escolas brasileiras. Silva (2019) e Martins (2020) observam que a
adaptação do estudante autista no ambiente escolar depende das ações planejadas no âmbito
pedagógico, as quais são afetadas diretamente pela questão da formação da equipe de
educadores das escolas, sendo um marcador de extrema relevância para o sucesso dessa
adaptação.

Os trabalhos de Sousa (2016), Nogueira (2019), Pereira (2022), Sadim (2018), Bardini
(2020), Jadjesky (2020), Santos (2017), Nascimento (2015), Rodrigues (2015), Guareschi
(2016), Pereira (2019) e Rodrigues e Angelucci (2018) apontam para a importância da
formação de professores, mas o fazem com diferentes ressalvas sobre a forma
institucionalizada com que esse processo vem sendo discutido e efetivado nas escolas e nas
políticas públicas educacionais.

Sousa (2016) e Pereira (2022), ao se debruçarem sobre as políticas de formação para


professores e observarem como a organização desse processo tem ocorrido na escola,
compreenderam que há, no campo, uma hegemonia da perspectiva tradicional. Essa
abordagem reflete um discurso clínico/pedagógico, em uma relação direta de estímulos e
respostas, que não consegue dialogar com as questões do cotidiano escolar e com a
diversidade histórica e cultural que marcam a vida dos sujeitos. Além disso, trata-se de
formações geralmente aligeiradas e focadas em conteúdos técnicos para a aquisição de
habilidades e competências, com pouco diálogo e engajamento entre os participantes (Santos,
144

2017). Sendo assim, é cada vez mais comum observarmos formações na modalidade a
distância, que, segundo Jadjesky (2020), representam a face da mercantilização e privatização
da educação em prol do lucro no sistema capitalista em que vivemos.

No cenário atual brasileiro, em que vigora a perspectiva política neoliberal, temos um


sistema educacional baseado na aquisição de habilidades e competências, em que o objetivo
tem sido o treinamento massivo dos profissionais (Pereira, 2022). Isso se encaixa no modelo
de sociedade desejado por aqueles que dominam os meios de produção e ditam o
funcionamento das instituições. Sousa (2016), com base em Dorziat (2011), alerta que,
embora tenhamos discursos progressistas, na prática, o que se materializa na realidade escolar
ainda é uma pauta voltada para o lucro e para a manutenção das desigualdades

assim, ao mesmo tempo em que constroem discursos sobre multiculturalidade,


instituem novos mecanismos subliminares de exclusão, por meio de falta de
condições adequadas, de currículos obsoletos, de compartimentalização de
responsabilidades, etc. (DORZIAT, 2011, p. 156, in SOUSA, 2016, p.47).
Jadjesky (2020), ao refletir sobre essa questão, denuncia que a educação formal,
dentro do sistema atual em que vivemos, passou a ser uma mercadoria na qual as empresas
enxergam um ambiente propício para obter lucro. Essa mercantilização resulta em formações
incompletas e precárias, muitas vezes voltadas apenas para atender às demandas imediatas,
como a obtenção de títulos, e para cumprir as exigências das políticas educacionais. No
entanto, não há uma avaliação teórica e aprofundada sobre a qualidade dessas qualificações, o
que impossibilita inferir que elas ofereçam benefícios significativos em relação à formação
docente. Conforme Mészáros (2008):

No reino do capital, a educação é, ela mesma, uma mercadoria. Daí a crise do


sistema público de ensino, pressionado pelas demandas do capital e pelo
esmagamento dos cortes de recursos dos orçamentos públicos. Talvez nada
exemplifique melhor o universo instaurado pelo neoliberalismo, em que “tudo se
vende, tudo se compra”, “tudo tem preço”, do que a mercantilização da educação.
Uma sociedade que impede a emancipação só pode transformar os espaços
educacionais em shopping centers, funcionais à sua lógica de consumo e do lucro
(p.16, in JADJESKY, 2020, p.20).

Rodrigues (2015), em diálogo com Garcia (2004), discorre sobre a proposta de


formação de professores descrita nos documentos normativos como uma lógica de
justaposição de educadores com formações diversificadas. Essa abordagem pressupõe que a
simples modificação do corpo docente seria suficiente para alterar a estrutura de
desigualdades educacionais que historicamente permeia o campo da educação. No entanto,
essa configuração apenas administra a desigualdade, não resultando em uma efetiva garantia
dos direitos educacionais dos estudantes autistas. Além disso, tem pouco impacto no cotidiano
145

escolar tanto desses sujeitos quanto dos educadores.

Os autores que abordam a temática da formação docente a partir dessa perspectiva


acreditam na potencialidade tanto da formação inicial quanto da formação continuada, bem
como no papel do Estado em fornecer essas ações. No entanto, eles ressaltam a necessidade
de mudanças na forma como esse processo tem se desenvolvido no contexto brasileiro. Esses
pesquisadores destacam a importância das políticas públicas na construção de uma escola
inclusiva, mas também enfatizam que os processos de formação vão além dos espaços formais
e teóricos de formação. Esse movimento é influenciado pelas experiências e trocas entre os
educadores, que se baseiam na realidade vivenciada na prática docente (SADIM, 2018;
JADJESKY, 2020). Para efetuar mudanças na estrutura atual, é necessário considerar o
trabalho colaborativo e a reorganização dos princípios da escola inclusiva.

Essa reorganização requer movimentos de escuta dos profissionais, diálogo sobre


concepções de ensino, parcerias com famílias, equipes gestoras e demais profissionais
escolares, além de espaços de estudos coletivos que validem as situações reais vivenciadas
nas instituições (RODRIGUES, 2015; SANTOS, 2017; SADIM, 2018; BARDINI, 2020;
JADJESKY, 2020). Segundo Nogueira (2019) e Rodrigues (2015), essa reformulação implica
refletir sobre a função social da escola, a fim de romper com a hegemonia das práticas
homogêneas e priorizar as necessidades dos educadores e dos educandos. Além disso, de
acordo com Bardini (2020), a reestruturação da concepção da formação dos educadores
também necessita refutar a ideia de que esta esteja alinhada a produção de diagnósticos no
âmbito escolar.

Nesse contexto, Angelucci e Rodrigues (2018) ressaltam que a formação docente


voltada para a especialização do professor generalista, que se baseia em características
diagnósticas e no discurso médico, desautoriza o professor, resultando em práticas que
enfatizam mais as limitações do aluno do que suas potencialidades. Pereira (2019) concorda
com essa perspectiva, afirmando que, embora as formações sejam emergenciais para
promover a inclusão escolar, é necessário enxergar a criança autista como um sujeito singular.
Também é importante reconhecer que o educador não pode ser um especialista em todas as
áreas, mas diante de sua própria incompletude, pode transformar sua prática em um
aprendizado constante, alinhado com sua formação, ética e com o seu fazer pedagógico.

Além disso, é importante destacar as considerações de Nascimento (2015), que, com


base em Kupfer e Petri (2000), nos alerta para a realidade da "inclusão a qualquer custo" que
enfrentamos nas escolas atualmente, na qual os educadores estão sob uma pressão imensa em
146

relação às formações e às determinações normativas da legislação brasileira. Contudo,


muitas vezes essas demandas não são acompanhadas por ações que facilitem de maneira
satisfatória a implementação da escola inclusiva, resultando em custos elevados em termos de
saúde mental dos profissionais da educação.

Fieira (2017), Lima (2019), Moreira (2019), Nascimento (2019), Ponce e Abrão
(2019) e Rosado (2021) adotam uma postura ainda mais crítica em relação ao papel redentor
que tem sido atribuído à formação de professores em relação aos problemas educacionais.
Moreira (2019) observa que a má formação dos educadores tem sido responsabilizada pelo
fracasso escolar e pelas mazelas do sistema educacional, destacando o baixo nível de
escolarização e a qualidade questionável dos cursos de formação. No entanto, a autora aponta
que ao atribuir todos os problemas da escola a uma única fonte de crítica, outras questões
relevantes são deixadas de fora.

Conforme observado por Nascimento (2019), a fragilidade das escolas brasileiras não
se deve apenas à questão da formação docente, mas é influenciada por diversos outros fatores,
como as condições estruturais das escolas, a falta de recursos institucionais, a falta de diálogo
e troca de experiências, bem como a ausência de compartilhamento nas tomadas de decisão,
entre outros. A realidade das escolas brasileiras, como está atualmente, segundo Moreira
(2019), exige algo que é impraticável, pois não há nenhuma formação que possibilite um
processo de escolarização saudável.

Fieira (2017) aborda a questão da formação docente em sua tese, trazendo dados
relevantes que nos levam a refletir sobre o lugar ocupado por essa temática. Segundo a autora,
os professores entrevistados em seu estudo possuíam formação e especialização no que diz
respeito à escolarização de crianças autistas. No entanto, eles ainda enfrentavam grandes
dificuldades em lidar com esses alunos em sua prática docente. Essa constatação revela uma
contradição em relação ao discurso dominante que culpa os professores pela falta ou
insuficiência de formação, uma vez que as educadoras pesquisadas possuíam especialização
na área. No entanto, essa formação não ofereceu as garantias necessárias em termos de
conhecimentos para lidar efetivamente com as crianças autistas no contexto escolar.
Corroborando essa posição, Ponce e Abrão (2019) argumentam que, embora uma
formação de qualidade possa contribuir para uma inclusão mais significativa do estudante
autista, ela por si só não será capaz de transformar todo o processo de escolarização e a
relação entre os sujeitos. Portanto, “considerar a necessidade de melhor formação dos
professores como apanágio de todas as dificuldades enfrentadas na inclusão, caminha no
147

sentido da idealização e da manutenção do narcisismo do professor em detrimento do desejo


do aluno” (PONCE E ABRÃO, 2019 p.354). Os autores também argumentam que a formação
docente tem sido influenciada por ilusões pedagógicas que não contribuem para que a criança
autista possa “usufruir de um lugar do qual o desejo seja possível” (PONCE E ABRÃO, 2019
p.348), em que:

pautado pelo discurso do mestre, daquele que tudo sabe, ou ainda na lógica da crise
na escola moderna, daquele que se encontra no declínio de seu saber, o professor
relega o aluno a uma posição de passividade em relação a sua própria aprendizagem
(PONCE E ABRÃO, 2019 p.348)

Fieira (2017) e Moreira (2019) discutem a concepção da formação e prática dos


professores, levando em consideração os interesses e a dominância do capital nos processos
formativos. De acordo com as autoras, o tipo de formação incentivada pelo sistema capitalista
busca profissionais com conhecimentos e habilidades técnicas especializadas, porém de
maneira fragmentada e alienada dos demais aspectos envolvidos na educação. Elas defendem
a necessidade de um modelo de escola que vá além dos interesses burgueses, que transcenda o
capital, a fim de proporcionar uma educação que qualifique para a vida. Moreira (2019),
citando Damasceno (2015), afirma que “[...] assumir um projeto de escola inclusiva significa
romper com a ideologia vigente de que a escola serve exclusivamente à manutenção da lógica
dominante, reproduzindo assim as contradições sociais” (p.29, in MOREIRA, 2019, p.135).

A partir das inúmeras adversidades que se apresentam no campo, muitas delas


ignoradas uma vez que se deposita nos educadores o discurso de culpabilização do fracasso
escolar, Moreira (2019) reflete que há um jogo de força e poder em que os elos mais fracos,
no caso os docentes e discentes, acabam sendo responsabilizados como podemos observar ao
longo da história da educação brasileira. A autora lança mão do seguinte questionamento: "um
professor com impecável qualificação consegue ensinar diante de tantos obstáculos? Existe
formação que dê conta de atender a tantas demandas simultâneas?” (MOREIRA, 2019, p.159)

Rosado (2021) enfatiza que a formação continuada é uma ferramenta importante para
que os educadores ampliem seus conhecimentos, no entanto, seu objetivo não deve ser o de
fornecer todas as respostas para os desafios que surgirão no dia a dia escolar, seja lidando com
crianças autistas ou não. Embora as capacitações possam trazer novos olhares e reflexões aos
professores, é importante ressaltar que cada sujeito é único, tanto os educadores quanto os
alunos, com suas próprias histórias e formas de aprendizado.
148

Lima (2019), sob uma perspectiva psicanalítica, sustenta que a educação está situada
no campo do impossível, sendo um trabalho manual. Nessa perspectiva, o que se pode
oferecer ao educador não é uma fórmula precisa ou ferramentas infalíveis para sua prática,
mas sim orientações sobre o que não fazer, como evitar seguir manuais que se
autodenominam detentores das respostas. Em consonância com a autora, acreditamos que o
educador precisa se reconhecer enquanto sujeito da falta, assim como todos nós, e esse
reconhecimento afetará diretamente o ato educativo.

O professor não detém todo conhecimento, seu saber é incompleto, e não há manual
no mundo que dê conta dessa incompletude. Da mesma forma, um professor nunca
conseguirá transmitir todo conhecimento ao aluno, sempre restará/faltará algo. É
nesse algo que reside a subjetividade (LIMA, 2019, p.43).
Concordamos com a autora no sentido de que a aposta do professor no estudante é
uma questão urgente e fundamental, para que ambos possam se tornar sujeitos de desejo no
processo educativo. Essa aposta implica reconhecer a singularidade de cada aluno, suas
potencialidades e dificuldades, e buscar estratégias pedagógicas que estimulem seu
desenvolvimento de forma conjunta. Onde o educador e o estudante possam se engajar
ativamente no processo de aprendizagem, compartilhando experiências, conhecimentos e
construindo saberes de forma colaborativa.

Talvez, assim, por meio da posição subjetiva desejante de um professor, não-todo,


que se dirige ao aluno supondo nele um sujeito e não um objeto, possa emergir, no
aluno, o desejo de repactuar com sua herança simbólica, à medida que reconheça no
professor um parceiro adulto acolhedor, cuja experiência e saber lhe conferem
autoridade, legitimada pelo aluno, para acompanhá-lo nas suas buscas e ajudá-lo a
reinventar o que está estabelecido. (LEGNANI; ALMEIDA, 2015, p. 36 in LIMA,
2019, p.45).
Nascimento (2019), que também parte de uma leitura psicanalítica em seu trabalho,
observa que os dispositivos que operam sobre o projeto educacional brasileiro possuem um
caráter moralizante, produzindo e reproduzindo discursos e práticas cristalizadas. Esses
dispositivos mantêm uma demanda que não interroga o sujeito sobre o seu próprio desejo. A
autora salienta que o projeto pedagógico não pode mais caminhar no sentido de uma
modelagem do próprio educador e dos discentes, uma vez que isso corresponde a um
esquecimento da práxis. Portanto, nos deparamos com a necessidade de um posicionamento
ético e libertário para o sujeito de desejo, que resguarde a alteridade e ofereça espaço para as
infinitas possibilidades que abarcam o campo educacional, inclusive acolhendo os conflitos e
angústias inerentes ao processo.

O projeto ético, como práxis, acolhe as angústias, os conflitos, o desejo, a fala e o


silêncio do par educativo, desfazendo ligações imaginárias, estilhaçando imagens
alienadas e alienantes do saber, do sujeito e do outro, promovendo a implicação do
sujeito nos seus atos (ALMEIDA, 2003, p. 187 in NASCIMENTO, 2019, p.122).
149

Acreditamos que a querela da formação de professores no campo educativo atual


perpassa por diversas questões, como pontuado pelos autores, principalmente pela
mercantilização da educação. Isso ocorre por meio do bombardeio de formações a distância,
com enfoque técnico e aquisição de competências sem reflexão sobre a prática. Além disso,
há a presença massiva das metodologias comportamentais, que acabam deslegitimando a
autonomia dos educadores e seu papel educativo na instituição escolar. Essa configuração, de
acordo com Voltolini (2018), surge em uma época em que observamos a escola sucumbir em
prol de uma ideologia de rendimento, eficácia e avaliação.

A respeito do entendimento sobre o "escolar", compreendemos, com base em Ferreira


e Vorcaro (2020), a escola como um espaço demarcado por uma "gramática singular, onde
tempo e espaço possuem contornos próprios" (p.60). Apropriar-se desses contornos significa
reconhecer o universo escolar. Segundo as autoras, esse reconhecimento na dinâmica e na
leitura dos tempos escolares não ocorre de maneira fortuita, mas implica um "rito de
passagem", de ao “ler os códigos escolares, se deixar conduzir” (p.60).

As pesquisadoras consideram um ponto de enredamento entre o escolar e o processo


de tornar-se aluno, que desencadeia efeitos subjetivos e possibilita aberturas para que este
adentre na cadeia de transmissão de saberes. Em vista disso, compreendem que a chegada do
sujeito à escola é um momento que não deveria ser minimizado.

Frequentar uma escola e experimentar o lugar de aluno provoca mudanças subjetivas


que exponenciam seu trânsito simbólico: desloca a criança de uma posição antes
restrita à de filho no mesmo movimento em que amplia seu universo ao ser
convocada a responder ao Outro social (FERREIRA E VORCARO, 2020, p.64).

Na especificidade das crianças em situação de deficiência, esse movimento pode


ganhar contornos maiores ao ser bem-sucedido. Entretanto, suas chances são comprometidas
pela forma como a perspectiva incapacitante e a tradição empirista relacionada ao emprego da
repetição no percurso escolar são aplicadas. Conforme pontuado pelas autoras, a monotonia e
a improdutividade das atividades oferecidas às crianças em situação de deficiência nada
dizem sobre o ato educativo. Salientam que as manifestações contrárias apresentadas pelas
crianças a esses mecanismos pedagógicos são comumente ignoradas pelos educadores, de
maneira que não passam a compor a demanda educativa, abolindo a possibilidade de
encontrar nelas algo que possibilite à criança estabelecer uma relação de confiança no ato
educativo.
150

Alinhadas à perspectiva psicanalítica, entendemos que o ato educativo deve ter como
princípio uma interpelação ética38 (VOLTOLINI, 2018), em que seja possível ouvir os
sujeitos envolvidos no processo de escolarização no caso a caso, sem padronizações.
Devemos levar em conta que, independentemente das ferramentas e saberes utilizados pelo
educador em sua prática, não existem garantias nem uma receita que possa ser replicada para
todos os estudantes autistas, em uma lógica homogeneizante. Corroboramos com Kupfer
(1989, p. 98) ao afirmar que os pedagogos não deveriam se preocupar “tanto com métodos,
que muitas vezes constituem tentativas de inculcar, a todo custo, um conhecimento
supervalorizado pelos professores”, mas sim de vivenciar, experimentar e construir junto com
seus estudantes o que faz sentido para eles e o que é possível em cada contexto.

Ainda segundo a autora:

o educador inspirado por ideias psicanalíticas renuncia a uma atividade


excessivamente programada, instituída, controlada com rigor obsessivo. Aprende
que pode organizar seu saber, mas não tem controle sobre os efeitos que produz
sobre seus alunos. Fica sabendo que pode ter uma noção, através de uma prova, por
exemplo, daquilo que está sendo assimilado, naquele instante, pelo aluno. Mas não
conhece as muitas repercussões inconscientes de sua presença e de seus
ensinamentos. Pensar assim leva o professor a não dar tanta importância ao conteúdo
daquilo que ensina, mas a passar a vê-los como a ponta do iceberg muito mais
profundo, invisível aos seus olhos (KUPFER, 1989, p.97)

Consideramos, conforme Voltolini (2018), que é necessário recuperar o lugar do


estudante para as crianças autistas, para que possamos também ver emergir o lugar do
professor e, consequentemente, algo relacionado ao educativo. “Não adiantaria muito
fomentar competências em um professor quando ele sente que sua função com determinado
aluno se encontra em suspensão. Como na vida, na profissão o ser também vem antes do ter”
(p.43).

Consentimos com Voltolini (2018) que devemos pensar, a princípio, em uma


“antiformação” docente, dispondo de duas considerações fundamentais:

1. um evitamento sistemático da colonização do outro, via teoria;


2. uma ética da relação com o outro, que como diz Levinas (2000, apud Skliar,
idem) implica a possibilidade do mistério (VOLTOLINI, 2018, p.47).

38
Voltolini entende, fundamentado nos estudos de Imbert (2001), que a interpelação ética à pedagogia e à
educação supõe diferenciar ética e moral. A moral se ocupa daquilo que é bom ou mal, a partir de valores de
determinada sociedade, enquanto a ética se debruça sobre as raízes do discurso, sua base discursiva
invariavelmente viciosa, situando os hábitos do campo e suas condições de possibilidade, interpelando essa
viciosidade.
151

Logo, diante do cenário em que se encontra a estruturação da educação brasileira, não


seria possível indicar ou conceber formatos de formação e/ou metodologias, ou ainda tentar
intervir nas que dispomos atualmente. Seria mais produtivo nos atentarmos às problemáticas
que envolvem o processo formativo como está posto, a partir da realidade dos educadores e de
seus educandos no cotidiano escolar. Acreditamos que, ao descortinar essas questões, seja
possível conceber outros caminhos mais interessantes para a formação docente. Conforme
Voltolini (2018), a formação de professores é estruturalmente continuada, uma vez que a
ordem do saber que subsidia o ser professor é de caráter interminável. Neste sentido, sempre
haverá a falta. No entanto, ela não pode ser paralisante, mas sim possibilitar caminhos de
elaboração, experiência e reformulação constante na práxis docente.

5.2 AS CONCEPÇÕES SOBRE DÉFICIT E DEFICIÊNCIA

A discussão acerca da concepção do autismo a partir da deficiência e a junção de


déficits e comorbidades associadas a ele, em determinados discursos e fontes teóricas, requer
uma leitura aprofundada, uma vez que tais perspectivas operam consequências diretas na
escolarização e na vivência dos sujeitos autistas. Conforme aponta Laurent (2014, p.176), “o
campo do autismo se tornou um dos grandes cenários de uma batalha entre modos de saber
bem diferentes”.

A problemática em questão é antiga no campo científico, atravessando a temática


desde a concepção da condição autística (PEREIRA, 2022). No entanto, após a promulgação
da Lei Berenice Piana, que considera o autismo como deficiência para todos os efeitos legais
(BRASIL, 2012), o autismo é oficialmente reintegrado ao campo das deficiências após uma
intensa batalha envolvendo pessoas autistas, pesquisadores, pais e profissionais de saúde. Essa
batalha engloba diversas concepções que se chocam em vários aspectos.

Nos trabalhos elencados, observam-se três categorias de análise para a discussão dessa
temática. Inicialmente, abordaremos as pesquisas que conceituam o autismo como deficiência
e descrevem suas características com base na noção de déficit. Em seguida, temos os
trabalhos que consideram o autismo como deficiência, porém discutem as arbitrariedades que
essa concepção pode exercer no campo escolar e na realidade desses sujeitos. Por fim, temos
as discussões que vão contra essa apreciação, não considerando o autismo como deficiência,
tampouco discutem suas características a partir da perspectiva de déficit, atraso ou categorias
152

semelhantes. Esses estudos apresentam argumentações críticas em relação a tais concepções.

A partir da primeira categoria observada, destacamos que ela representa


aproximadamente 68,3% das pesquisas levantadas, evidenciando a frequência com que esse
discurso aparece no cenário acadêmico brasileiro. Entendemos que essa perspectiva surge em
detrimento de duas situações. Primeiro, de forma mais explícita, baseia-se nas referências dos
manuais diagnósticos (DSMs) e na Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados com a Saúde (CID), assim como nas considerações da Associação
Americana de Psiquiatria (APA). Segundo, em decorrência das políticas públicas brasileiras,
especialmente após a promulgação da Lei Berenice Piana, em que ambas as situações podem
estar presentes simultaneamente nos trabalhos.

Em geral, essas pesquisas descrevem o autismo como um transtorno de


neurodesenvolvimento caracterizado por padrões repetitivos de comportamento e déficits na
comunicação social e na interação entre pares (VIEIRA, 2016; LEAL, 2018; SADIM, 2018;
BASTOS, 2019; FLORES, 2019; PEREIRA, 2019; SOUZA, 2019; BACARO, 2020;
CRESPO, 2020; LEMOS, NUNES e SALOMÃO, 2020; MARTINS, 2020; SILVA, SOARES
e BENITEZ, 2020; FRANCÊS e MESQUITA, 2021; NUNES, BARBOSA e NUNES, 2021;
SANTOS, 2021).

Além dessa descrição do autismo, destacam-se algumas terminologias associadas a


ele, tais como: atraso de desenvolvimento, presença de comportamentos inadequados,
defasagem de desenvolvimento e aprendizagem, desenvolvimento incapacitante,
anormalidades neurobiológicas, inabilidade para interagir socialmente, poda neural, atraso
social, déficits comportamentais, deformidade cognitiva, tendência ao retardo mental,
desordem neurológica, déficit de coerência central, déficit no componente cognitivo da
empatia; comportamentos sociais problemáticos esperados, comportamentos desadaptativos,
déficits executivos e atrasos nas competências linguísticas.

É importante destacar que a questão comportamental é muito latente nesse cenário e é


considerada um dos maiores desafios para a inclusão dos sujeitos autistas (OLMEDO, 2015;
MOREIRA, 2019). O termo "adequação" é recorrente nos trabalhos, onde há uma ênfase nos
métodos comportamentais, como a Análise de Comportamento Aplicada (ABA), PECS-
Adaptado, Floortime, entre outros (TOGASHI e WALTER, 2016; TAMBARA, 2017; LEAL,
2018; ANDRADE, 2019; MARTINS, 2020; SILVA, SOARES e BENITEZ, 2020). Esses
métodos são apontados como inovadores e tidos como caminhos possíveis e eficazes para
reverter, modificar e/ou extinguir “comportamentos disfuncionais”, para ganho de
153

desempenho, habilidades e para produzir comportamentos entendidos como adequados para


os estudantes no ambiente escolar e na convivência em sociedade.

Outro ponto relevante observado é a associação frequente entre o autismo e a


deficiência intelectual, que em alguns casos é respaldada por dados estatísticos, embora as
fontes não sejam referenciadas. Encontramos informações que indicam que de 60% a 80% das
crianças autistas apresentam comprometimento cognitivo (TAMBARA, 2017; BACARO,
2020; DAMBROS, 2018). Além disso, também é relatado que essas crianças frequentemente
apresentam comorbidades relacionadas, como TDAH, epilepsia, mutismo seletivo, depressão,
ansiedade e surdez (BACARO, 2020; SANTOS, 2021).

Podemos inferir, a partir dessa categoria de análise, que há um foco nos supostos
"comprometimentos" que os sujeitos autistas apresentariam em relação à sua condição. Há
uma descrição detalhada desses comprometimentos e uma busca por métodos, ferramentas e
estratégias que possam amenizar esses "déficits". Essa abordagem é subsidiada pelas
categorizações estabelecidas pelos manuais diagnósticos e pelo discurso médico, que orientam
uma quantidade significativa de trabalhos. Além disso, as políticas públicas brasileiras
também estão fundamentadas nesse paradigma, o que será discutido no próximo eixo.

Os trabalhos de Monte (2015), Sousa (2016), Rodrigues e Angelucci (2018), Trevizan


e Pessoa (2018), Nogueira (2019) e Pereira (2022) abordam a concepção do autismo como
deficiência, porém destacam que essa condição não deve ser pensada e discutida apenas a
partir da perspectiva do déficit e das determinações impostas pelas categorizações presentes
nos manuais diagnósticos e no discurso médico biologizante. Esses autores propõem que a
criança com autismo é um ser singular, que possui sua própria maneira de se apropriar do
espaço escolar e transcende as concepções encontradas no senso comum, nas representações
midiáticas e cinematográficas, assim como nos rótulos que a reduzem a determinadas
categorias de sujeito.

Pereira (2022) enfatiza que a vida dos sujeitos é influenciada pelo contexto histórico,
social e cultural. Nesse sentido, ele defende a necessidade de compreendermos a criança
autista além de seus "hábitos mecânicos", a fim de repensar a tipificação proposta pela clínica
tradicional, que se baseia exclusivamente na condição diagnóstica. Monte (2015) e Trevizan e
Pessoa (2018), que também adotam a teoria histórico-cultural, concordam com Pereira (2022)
e argumentam que o estudante com autismo não deve ser referenciado apenas por sintomas e
possíveis "falhas" que possam apresentar. Essa perspectiva reducionista baseada no déficit
deve ser superada, e é necessário trabalhar com o estudante autista na produção e
154

compartilhamento de sentidos, de maneira flexível e generosa, reconhecendo-o como um


sujeito além do seu diagnóstico.

Trevisan e Pessoa (2018) fundamentados nas contribuições de Chiote (2015)


entendem que “educar uma criança com deficiência não significa precisar usar uma educação
ortopédica, que vise a corrigir o defeito para adequar a criança ao meio”, mas propõe uma
“educação social que favoreça a criança a desenvolver as funções psicológicas superiores, a
partir de seu desenvolvimento cultural” (CHIOTE, 2015, p.39, in TREVISAN E PESSOA,
2018, p. 246). Eles enfatizam, portanto, a importância de compreender a cultura no
desenvolvimento das pessoas autistas, nas relações interpessoais e intersubjetivas, destacando
o papel da linguagem e sua função social no contexto escolar.

Pereira (2022) também ressalta que a busca por patologias e dificuldades inerentes aos
sujeitos autistas no contexto educacional não atende às suas necessidades. Ele compreende
que o desenvolvimento do estudante não é uma "evolução passiva", mas sim mediado pela
linguagem e pelos sentidos construídos nas relações interpessoais e nas singularidades que
delas emergem. Pereira argumenta que as tipificações presentes nos discursos, em detrimento
das potencialidades e dificuldades dos sujeitos autistas, tendem a padronizar, limitar e
aprisionar esses indivíduos, tomando como referência aquilo que eles não realizam. Essa
configuração resulta em práticas pedagógicas mecânicas, nas quais o sujeito autista é
objetificado e rotulado.

Sousa (2016) destaca que o motivo do fracasso escolar dos estudantes autistas não se
deve à suposta deficiência deles, mas sim a múltiplas variáveis do sistema escolar. Ao
centralizar suas ações a partir da concepção de déficit e deficiência, o sistema produz
currículos e metodologias inadequadas que não conseguem lidar com a diversidade e
singularidade das pessoas autistas. Isso ocorre porque estão presos a caricaturas resultantes da
natureza descritiva e classificatória dos diagnósticos. Pereira (2022) salienta que devemos
inverter essa lógica, dando prioridade à observação do aluno em vez de seu diagnóstico
clínico, trabalhando com as possibilidades em vez das limitações e intervindo na realidade de
cada caso. Nesse sentido, a intervenção requer uma conscientização de nós mesmos e do outro
como seres inacabados, em que a educação se estabelece como um processo permanente.

Conforme Rodrigues e Angelucci (2018) e Nogueira (2019), a consequência dessa


objetificação do estudante autista é a restrição que gera a necessidade de desvelar aspectos
que não estão diretamente relacionados ao processo de escolarização em si. O diagnóstico e os
determinismos em torno da condição autista não refletem a totalidade do que essas crianças
155

são, resultando apenas em uma visão fragmentada que as impede de serem compreendidas
como sujeitos. Essa configuração reducionista define o todo a partir de uma única
característica (RODRIGUES E ANGELUCCI, 2018; NOGUEIRA, 2019). Segundo Silva
(2014), tem ocorrido um “desaparecimento do individual e do singular em que até mesmo o
nome das pessoas desaparece, deixando de ser ‘Pedro’ e ‘Maria’ para serem ‘os autistas’ (p.34
in NOGUEIRA, 2019)”.

De acordo com Rodrigues e Angelucci (2018):

Pensar um projeto de escolarização é pensar quais as barreiras estão dificultando a


permanência e a fruição da escola, o aprender e o socializar para essa criança. E essa
barreira não é nem está na criança. Ela não é a criança. E, para ser identificada, pede
trabalho coletivo, a partir da produção de dúvida sobre como (e não, se é possível)
escolarizar crianças com autismo (RODRIGUES e ANGELUCCI, 2018, p.554).

Na terceira categoria de análise desse eixo, encontramos pesquisas que contestam a


concepção do autismo como uma deficiência com déficits inerentes à sua condição. Dentre os
autores que se fundamentam na teoria psicanalítica, destacam-se Nascimento (2015, 2019),
Guareschi (2016), Fieira (2017), Rocha Lago (2017), Lajonquière (2019), Lima (2019) e
Ponce e Abrão (2019). Além disso, Santos (2017), Oliveira (2019), Wuo (2019) e Santos,
Macedo e Mafra (2022) utilizam a perspectiva histórico-cultural e social, bem como as
contribuições de Hannah Arendt acerca da condição humana.

Para Santos (2017) e Oliveira (2019), que abordam o autismo sob a perspectiva da
teoria histórico-cultural, ele é considerado um sujeito histórico que se desenvolve por meio
das relações que estabelece e se apropria do ambiente em que vive, sendo ativo em nossa
sociedade. Santos (2017) argumenta que a forma como as pessoas o percebem e se relacionam
com ele estabelece condições para seu desenvolvimento. Portanto, quando o autismo é
compreendido sob a ótica do déficit, enfatizando o que falta, isso acarreta consequências que
limitam certos papéis que devem ser desempenhados por essas pessoas. Isso resulta em uma
privação do desenvolvimento cultural da criança, em que as diferenças são interpretadas como
obstáculos para sua participação na vida em comunidade.

Oliveira (2019) argumenta que, embora a inclusão do autismo na categoria de


deficiência possa ter trazido benefícios sociais e legais, essa classificação tem implicações na
posição desses sujeitos na sociedade. A autora destaca que a categorização do autismo como
uma deficiência traz consigo grandes problemáticas, uma vez que o aspecto mais importante
nesse contexto é a singularidade das pessoas autistas em relação aos padrões normativos
estabelecidos socialmente.
156

Com a marca da deficiência e do déficit incidindo sobre esses sujeitos, reproduz-se


uma concepção social que impacta negativamente em seu potencial, através do uso de
métodos educacionais estigmatizantes que são permeados pela ideia de que o sujeito autista é
deficiente e possui distúrbios e incapacidades. O caráter deficitário do autismo que tem sido
difundido resultou em sua compreensão pelo viés moral da incapacidade. Oliveira (2019)
menciona as palavras de Matos e Farias (2017) ao afirmar que:

A noção deficitária do autismo é uma proposição importante que comanda e detém o


saber sobre o outro a partir de noção fisiológica e comportamental. [...]. Em nome de
uma pretensão científica, a remissão dos sintomas passa a ser prioridade [...]. A
deficiência passa a ser algo externo, que deve ser apaziguado ou, se possível,
retirado de maneira rápida e eficaz. (p. 69, in OLIVEIRA, 2019, p.41).

Essa estruturação está presente nos campos clínico, educacional e social, alienando o
sujeito autista, que é visto como deficiente e limitado de várias maneiras. As intervenções são
direcionadas para a remissão dos supostos sintomas por meio de condutas normalizadoras
(OLIVEIRA, 2019). Santos (2017) compreende que a educação de pessoas autistas deve ser
baseada no desenvolvimento cultural, pois a forma como esse processo é vivenciado na escola
pode tanto possibilitar como restringir seu desenvolvimento. O autismo, nesse sentido, deve
ser entendido como uma das formas possíveis de constituição do sujeito, e os resultados serão
diferentes dependendo de como o subjetivamos e o inserimos nas relações sociais.

Wuo (2019), que utiliza a perspectiva social, entende que é necessário pensar o
autismo a partir das construções sociais, linguísticas e políticas, se queremos transpor a lógica
dicotômica entre a normalidade e a anormalidade proveniente dos discursos de ordem
biológica e médica. Nessa perspectiva, o autismo deixa de ser concebido pelo prisma do
déficit e se apresenta como diferença, condição inerente ao ser humano. Diante desse ponto de
vista, o autor questiona as bases epistemológicas que sustentam a culpabilização, ora do
estudante, ora dos educadores, ora dos familiares, reproduzidos a partir dos discursos
científicos.

O pesquisador argumenta que, sob uma orientação crítica que favoreça os aspectos
educacionais, sociais e históricos acerca da constituição dos sujeitos, é possível o afloramento
de novas perspectivas sobre a inclusão dos estudantes autistas. Uma vez que estudos
produzidos a partir dessa ótica entendem a escolarização como um processo construído
através das relações sociais, a educação inclusiva não se restringe a uma modalidade de
ensino, mas precisa ser interrogada enquanto política que pode transformar a realidade tal
como posta hoje.
157

Santos, Macedo e Mafra (2022), sob a perspectiva da Condição Humana de Hannah


Arendt, refutam a ideia de autismo enquanto "transtorno", "deficiência", "necessidade
educacional especial" e/ou "distúrbio". Eles concebem, assim como Santos (2017), Oliveira
(2019) e Wuo (2019), que os autistas, assim como todo ser humano, possuem especificidades,
fragilidades e potencialidades que são atravessadas pelas condições sociais e econômicas que
operam na sociedade historicamente.

Os autores nos propõem refletir sobre a abertura à história do outro, por meio da
escuta qualificada, que acolha e seja educativa, colocando em questão a "homogeneização
e/ou dissimulação da diferença". Eles defendem o reconhecimento dos sujeitos autistas a
partir de suas potencialidades, visão de mundo e saberes, buscando ferramentas que possam
promover trocas e desenvolvimento para todas as pessoas envolvidas nesse processo
relacional. Isso deve ser feito em uma perspectiva de educação libertadora, que privilegie o
desenvolvimento das pessoas autistas nos aspectos afetivos, intelectuais, laborais e
expressivos. Os autores reafirmam, de forma incisiva, que as dificuldades vivenciadas por
essas pessoas resultam substancialmente do cenário estrutural em que vivemos e dos sistemas
de crenças instituídos historicamente pela sociedade. Portanto, é necessária a revisão e
reconstrução dos nossos modos de comunicação e interação com a diversidade.

Os trabalhos alicerçados pela Psicanálise posicionam-se criticamente em relação à


visão deficitária e que enquadra o autismo como uma deficiência, pautada nos manuais
diagnósticos e no discurso médico. De acordo com Ferreira e Vorcaro (2019)

Apostando na diversidade de abordagens, a psicanálise recusa toda e qualquer


tentativa de incluir o autista em uma norma homogeneizante que cataliza e
instrumentaliza tais hipóteses causais para transformá-las em um vetor de
intensidade, direção e sentido único, o que exclui a experiência soberana da clínica
singular do sujeito (p.12)

Segundo Rocha Lago (2017), o imaginário e o discurso social operantes em nossa


sociedade, difundidos pelos diversos meios de informação, têm compreendido inúmeras
“(im)possibilidades” no campo do autismo, promovendo um ideal deficitário tanto em relação
à aprendizagem quanto à afetividade, geralmente associado às perspectivas psicopatológicas.

Corroborando nessa discussão, Fieira (2017) e Ponce e Abrão (2019) analisam que a
multiplicidade de pressupostos e de saberes acerca do autismo produziu representações sociais
sobre essa condição, promovendo concepções pautadas na perspectiva de déficit, relacionadas
apenas aos possíveis impedimentos que o sujeito possa vir a apresentar, e na suposta ausência
de subjetividade. Os discursos são centralizados na ideia de falta, sem espaço para reconhecer
158

a subjetividade e as potencialidades do sujeito. Fieira (2017) salienta ainda, que os termos


difundidos por abordagens como a psicologia, psiquiatria, pedagogia, neurologia, entre outras,
acabam contribuindo para a estigmatização do autismo. Geralmente, os aspectos negativos
recebem maior ênfase, contribuindo para a disseminação de representações sociais falaciosas
e inadequadas sobre o autismo.

Nascimento (2019) discorre que caracterizar o autismo, ou TEA, como deficiência é


substancialmente questionável, posto que ele não designa necessariamente as particularidades
referentes às deficiências, como a intelectual, auditiva, visual ou física. De acordo com a
autora em sua dissertação (2015), para a Psicanálise, o autismo é concebido com base na
constituição do sujeito psíquico, em que a aprendizagem se caracteriza como efeito da sua
inclusão no campo significante. De tal forma, voltamo-nos para as inscrições das marcas
simbólicas constituídas nas relações do sujeito com o outro, estabelecidas de forma singular
através das experiências de cada criança a partir de sua história e da produção de seus
sintomas.

A pesquisadora assinala que a ética suscitada pela psicanálise dialoga com a recusa
dos estereótipos que atribuem ao sujeito um lugar de descrédito e abandono. Ela compreende
que a incorporação do autismo no rol das deficiências possibilitou avanços legais. No entanto,
é essencial ampliarmos o debate sobre as implicações que isso causou no campo, a partir
dessa associação, e quais propostas e ações educacionais foram desenvolvidas desde então.

De acordo com Lima (2019), existe uma clara discordância de interesses presentes na
realidade escolar, na qual os estudantes autistas expressam o desejo por práticas pedagógicas
diferentes daquelas oferecidas pelos métodos cognitivo-comportamentais que predominam
nesse campo. Eles buscam um modelo de escola que promova a aprendizagem de novos
conhecimentos, em vez de simplesmente normalizar e adestrar seus comportamentos. A
autora argumenta que, quando as crianças autistas não se comportam conforme as
expectativas dos pressupostos pedagógicos vigentes, os educadores tendem a buscar nos
manuais, na ciência, na psicologia e na neurologia as razões de seu suposto fracasso. Isso leva
a uma série de investigações e especulações sobre as capacidades e habilidades cognitivas e
afetivas desses sujeitos, sugerindo a presença de comprometimentos e déficits.
Lajonquière (2019) nos ajuda a refletir sobre essa questão ao enfatizar que no ideário
pedagógico dominante nas escolas, existe um “justificacionismo” em que tudo aquilo que
ocorre na vida das crianças é explicado a partir de uma “hermenêutica psico-socio-lógica
qualquer” (p.49), na qual ao menor sinal de desacordo com o parâmetro de normalidade
159

vigente, é designado a elas um padecimento de déficits e de medicalização. Acerca desse


movimento, o autor reflete que

Por exemplo, as crianças não fazem mais travessuras merecedoras de um corretivo


qualquer, elas padecem de um déficit de atenção, objeto de resignação parental e
boas doses de Ritalina. Ou – pensa-se – que elas são como são porque agora são
sócio-historicamente deste outro jeito (LAJONQUIÈRE, 2019, p.49)
Entendemos, conforme aponta Guareschi (2016), que a leitura psicanalítica pode
operar uma ruptura com o discurso que tem predominado socialmente, pautado pelo modelo
médico, cujas bases são organicistas e centradas no diagnóstico e na concepção de deficiência
e déficits neurológicos, desconsiderando o quadro social e subjetivo em favor de uma
abordagem puramente clínica. Citando Vasques e Moschen (2012. p.443), Guareschi (2016)
destaca que:

Pelas lentes da psicanálise, os sentidos, as possibilidades de ser, saber e aprender


não se fixam somente nas condições orgânicas. Compreender a história
pessoal/social como uma narrativa a ser lida, escrita e inscrita a partir de múltiplas
vozes e olhares, permite pensar, por exemplo, que o que se constrói na relação com
o outro pode ser recontado, reconstruído, possibilitando outras significações e
sentidos. [...] As possibilidades educativas e de aprendizagem não residem única e
exclusivamente nas condições inerentes ao aluno, mas despontam como
possibilidades a serem construídas (ou não) a partir dos sujeitos e das instituições
(p.10).

Rocha Lago (2017) corrobora nesse sentido, afirmando que a psicanálise segue por um
caminho diferente. Ela busca a subjetivação do sujeito a partir do pressuposto de uma estruturação
subjetiva que permitirá que a criança autista se insira nas relações sociais e com outras pessoas,
criando suas próprias significações. Acreditamos, assim como a autora, que as estruturas no
sujeito autista não são cristalizadas, não são decididas39.Sob essa ótica, a escola pode
oportunizar condições para o estabelecimento do laço social e para a aprendizagem,
permitindo que o sujeito autista recupere seu desenvolvimento ou sustente o mínimo de
sujeito que possa ter se construído até o momento de sua escolarização.

O processo de aprendizagem das crianças autistas, conforme destacado por


Jerusalinsky (2015) e citado por Guareschi (2016), é instável, o que entra em conflito com o
modelo cumulativo de conhecimento predominante nas instituições escolares. Nesse sentido,
é necessário que nós, educadores, acompanhemos esse movimento, sem buscar adaptar ou
encaixar o estudante nos parâmetros de aprendizagem cumulativa, reconhecendo que essa

39
De acordo com Rocha Lago, a psicanálise opera com a concepção de estruturação não-decidida no tempo da
infância (BERNARDINO, 2006; CATÃO, 2015; JERUSALINSKY, 2015; KUPFER, 2010), compreendendo
que na infância o sujeito está sendo “constituído”. Dessa forma, a estruturação do sujeito não é entendida como
algo definido e/ou irreversível. Tal terminologia “estruturas não-decididas”, propõe uma perspectiva de estados
provisórios, visto o momento de inscrição do sujeito. Assim, pressupõe maiores expectativas de constituição das
crianças, denotando sua posição na linguagem e considerando a realidade do sujeito em desenvolvimento.
160

instabilidade é parte do processo singular de cada um. Rocha Lago (2017) nos esclarece que
todas as crianças aprendem, e na especificidade das crianças autistas, elas possuem algo da
linguagem e ilhas de inteligência resguardadas que quando não consideradas no enlace com o
outro, podem desaparecer ou traduzir-se em estereotipias.

Corroboramos com Fieira (2017) e Ponce e Abrão (2019) que o sujeito autista possui
habilidades e potencialidades assim como todas as crianças. A partir disso, é necessário
fomentarmos a positivação dessa criança, desmantelando o estigma social que opera sobre ela,
ao despertar o interesse e a curiosidade sobre o real do sujeito, visando sua emancipação e
considerando-o enquanto sujeito de desejo. Tal proposição só é possível mediante a rejeição
das idealizações pedagógicas e dos discursos homogeneizantes que ocupam, em grande parte,
a cena educativa. É essencial adotar um posicionamento ético que opere uma abertura ao
outro diante da compreensão de que podemos encontrar algo novo, algo diferente, que se
oponha às concepções engessadas que permeiam o autismo e negam ao sujeito a oportunidade
de se inserir no laço social e de usufruir plenamente do espaço escolar.

Concebemos como fundamental que o processo educativo seja capaz de dialogar com
a singularidade e com as especificidades de cada um, sem restringir os sujeitos às suas
possíveis dificuldades, visto que todos nós possuímos necessidades específicas em
determinados âmbitos de nossas vidas. Isso nos permite enxergar possibilidades e não
barreiras. A psicanálise nos convida a olhar e escutar esses sujeitos, a estar e agir para e com
cada um deles. Em conformidade com Fieira (2017), entendemos que a Psicanálise pode
oportunizar a criança autista uma posição em que ela seja capaz de conquistar sua autonomia,
mesmo que enfrente sofrimentos psíquicos, compreendendo o sujeito como um todo, não
segmentado tampouco objetificado em detrimento de seu suposto diagnóstico.

Apostamos, assim como Ferreira e Vorcaro (2019), que a perspectiva psicanalítica


pode proporcionar furos nas barreiras que impedem ou dificultam a inclusão do sujeito
autista, considerando que incluir é “deixar cair o manto da deficiência” (p.111) que oculta a
potecialidade e a participação do sujeito no mundo.
161

5.3 A INCIDÊNCIA DO DISCURSO MÉDICO NA EDUCAÇÃO

No terceiro eixo de discussão, faremos uma exposição sobre a incidência do discurso


médico na compreensão do autismo e na escolarização desses sujeitos, com base nas
pesquisas elencadas.

De acordo com Voltolini (2021), um discurso se descreve pelo

desejo de estabelecimento de uma ordem, que orienta percepções, postula princípios,


persegue meios para sua consecução. Ao contrário da concepção corrente que toma
o discurso como imaterial, opondo-se às ações – essas sim, sentidas como materiais
– vamos ver que o discurso é, antes de tudo, esta materialidade que torna possível
aquela do ato. Pensar a construção discursiva é pensar aquilo que materializa o
recorte do real que dá matéria para o ato (p.4).

Neste sentido o discurso médico e suas implicações no campo da educação não se


estabelecem de forma neutra, nem ocupam uma posição flutuante em relação aos sujeitos e às
estruturas construídas ao seu redor, como uma entidade viva com vida própria. Ele é
produzido e reproduzido pelos sujeitos e pelas instituições, a partir do modelo de sociedade
que vivemos e daquele que desejamos construir.

A presença pericial da medicina na escolarização, sob a necessidade dos famigerados


laudos reivindicados pela instituição escolar e validados pelos médicos, é uma realidade nas
escolas brasileiras. Como destacado por Voltolini (2021), esses laudos são mais utilizados
para fins classificatórios do que como base para um eventual tratamento, movimento que
marca o lugar e o destino do sujeito autista no processo educacional. O autor afirma que, uma
vez estabelecida a visão de cientificidade e seriedade desse discurso no imaginário coletivo,
ocorre uma naturalização dessa relação que desconsidera a imbricação histórica que a
autoriza.

Presenciamos um grande número de pesquisas, como observamos no eixo de análise


anterior, que utilizam o discurso médico como balizadores para a compreensão do autismo.
Os estudos que consideram o autismo como uma deficiência frequentemente incorporam o
discurso médico na construção do debate, seja por meio dos manuais diagnósticos ou pelo
texto legal das políticas públicas brasileiras de inclusão escolar, dada a relação entre o
discurso médico e o discurso jurídico e normativo (Voltolini, 2021). Uma vertente que se
destaca é a genética, conforme apontado nos trabalhos de Brito (2016), Tambara (2017),
Monteiro (2019), Bacaro (2020) e Ribeiro (2021), considerando-a como uma das principais
causas do autismo.
162

Monteiro (2019) compreende o autismo como uma desordem neurológica de origem


genética. Por outro lado, Brito (2016) afirma que cerca de 25% dos indivíduos com autismo
têm uma causa genética confirmada, mas esclarece que nenhum estudo publicado atualmente
determinou de forma conclusiva as causas dessa condição. Bacaro (2020), no entanto,
apresenta uma estimativa diferente, mencionando que aproximadamente 10 a 15% dos casos
de autismo são atribuídos a causas genéticas, incluindo marcadores genéticos e 10% de
anomalias cromossômicas. Porém ambas afirmam, assim como Tambara (2017), que o meio
ambiente e a epigenética também interferem de forma significativa, embora acreditem que a
influência genética possui uma relevância a ser considerada nas avaliações sobre as crianças
autistas.

Brito (2016) em sua análise destaca várias possíveis causas e evidências genéticas do
autismo, como a idade avançada dos pais, mutações genéticas, volume das amígdalas e
anomalias da substância branca do sistema límbico, entre outras, que indicam diferenças em
relação aos indivíduos considerados "saudáveis". O autor também observa que
aproximadamente 75% das pessoas autistas necessitam de atendimento e cuidados
permanentes ao longo da vida, sendo que o declínio cognitivo está presente em diferentes
graus. Bacaro (2020), por sua vez, aponta alguns fatores de risco associados ao autismo, como
medicamentos tomados pelas mães durante a gravidez, gestação tardia, prematuridade e baixo
peso ao nascer.

Ribeiro (2021) e Monteiro (2019) concordam com Brito (2016) ao discutir a presença
de assimetria cerebral e alterações na organização cortical em indivíduos autistas,
evidenciadas por meio de neuroimagens, que estão diretamente relacionadas aos sintomas
apresentados por eles, embora não seja possível estabelecer uma relação de causa e efeito
nesse aspecto. Em relação à deficiência cognitiva, Ribeiro (2021) descreve que 33% das
pessoas com autismo são afetadas por essa condição, enquanto 75% apresentam padrões e
estereotipias de verbalização.

Assim como Brito (2016), a autora destaca as descobertas genéticas e da neurociência


que englobam características universais comuns aos indivíduos autistas. Isso inclui o
processamento sensorial e motor, a autorregulação, os problemas comportamentais, os déficits
emocionais e cognitivos, a interação social, a linguagem/comunicação, as características
físicas e os problemas médicos associados. Tambara (2017), ao discutir as características
presentes nos indivíduos autistas, descreve que na “poda neural” das crianças autistas menores
de três anos de idade ocorrem transformações que alteram a estrutura cerebral de forma
163

diferente, modificando seu circuito cerebral, o que justificaria os regressos e as dificuldades


apresentadas por eles.

E qual seria a importância de tais apontamentos para a escolarização das pessoas


autistas? Os autores que adotam essa perspectiva de trabalho acreditam que os manuais
diagnósticos e o conhecimento das origens e das manifestações sintomáticas do autismo
proporcionariam melhores condições para que os profissionais possam intervir e criar
estratégias adequadas para atender os estudantes autistas. Esses conhecimentos serviriam,
assim, como referência e ponto de partida para suas ações e escolhas metodológicas (BRITO,
2016; BACARO, 2020).

Dambros (2018), Andrade (2019), Moreira (2019), Nogueira (2019) e Bardini (2020)
também destacam as concepções médicas e as diretrizes estabelecidas pelos manuais
diagnósticos. No entanto, eles ressaltam que tais discursos não devem limitar as ações
educativas, reduzindo-as aos estigmas que podem ser gerados, negando a potencialidade do
estudante autista e restringindo a possibilidade de atividades que os beneficiem (ANDRADE,
2019). De acordo com Moreira (2019), o laudo não deve ser visto como um documento que
atesta limitações, mas sim como uma ferramenta que auxilia na compreensão de uma
determinada situação.

Bardini (2020) enfatiza a importância de considerar as questões ambientais que vão


além dos protocolos dos manuais diagnósticos. Isso permitiria diminuir a visão patologizante
que recai sobre a condição autista, evitando a ênfase excessiva em comorbidades,
prognósticos e riscos, que têm uma abordagem estritamente biologizante. Nogueira (2019)
corrobora sob essa ótica, apoiando-se nas contribuições de Orrú (2017), ao entender que o
diagnóstico biomédico é relevante, mas não deve ser um mecanismo enrijecido que desiguala,
padroniza e fere o ser que é singular.

Sousa (2016), Oliveira (2019), Nogueira (2019) e Pereira (2022), que utilizam como
fundamento teórico para construção de suas discussões os pressupostos da teoria histórico-
cultural, observam uma problemática latente no campo educativo em relação às pessoas
diagnosticadas como autistas. Essa problemática diz respeito à primazia do discurso médico
em detrimento dos saberes pedagógicos e do lugar que a escola deveria ocupar na vida desses
sujeitos (PEREIRA, 2022). Neste sentido, a criança autista passa a ser objetificada pela
ciência, traduzida em um diagnóstico e sujeita às classificações e avaliações resultantes desse
diagnóstico (SOUSA, 2016).
164

Ao refletir sobre a temática, Nogueira (2019) pondera que o olhar médico possui um
recorte de atuação voltado para o desenvolvimento divergente daquele considerado típico.
Essa posição geralmente ocasiona uma descrição do sujeito com base nos parâmetros
constituintes do diagnóstico, desconsiderando as particularidades, os desejos e as frustrações
do sujeito. Por fim, é utilizado como um instrumento “desresponsabilizador” da sociedade em
seu caráter constitucional de formação cidadã, ignorando sua função no bem-estar social e nos
direitos e deveres de todos. De acordo com a autora, o parecer médico adquire um status de
confiabilidade sem igual, como se as informações contidas no laudo selassem o destino do
sujeito. Nas palavras de Orrú (2016)

Talvez por falta de conhecimento ou simplesmente pela reprodução histórica


cultural, o carimbo do profissional da saúde costuma ter um peso de confiabilidade
quase que inquestionável em nossa sociedade, e, logicamente, dentro do espaço
escolar, sendo a escola uma instituição considerada importante para a formação de
cidadãos (p. 39 in NOGUEIRA, 2019, p.35).

Sousa (2016), Nogueira (2019) e Oliveira (2019) destacam que o diagnóstico médico
não deve ser utilizado para descrever o sujeito, devido à sua confiabilidade questionável e à
estrutura de construção dos manuais diagnósticos. Embora o avanço da ciência moderna possa
contribuir para o conhecimento de certas condições, o ideal de progresso que a sustenta limita
a compreensão das situações específicas de cada caso (SOUSA, 2016). Conforme apontado
pelas autoras, os manuais diagnósticos são organizados a partir de um consenso de um
determinado grupo de médicos, predominantemente psiquiatras e neurologistas, sendo as
últimas edições influenciadas também pela neurociência, ocupando um lugar de destaque na
clínica e na cena educacional.

Trata-se de uma sistematização que se intitula a-teórica, que organiza e descreve os


sintomas e manifestações de síndromes e transtornos por meio de uma classificação
multiaxial, feita através da observação direta e de natureza nosográfica. Considera ainda, o
sintoma de maneira generalizada e não como uma expressão particular do indivíduo,
colocando a categoria diagnóstica à frente da “singularidade identificatória” de cada sujeito
(OLIVEIRA, 2019).

Neste sentido, Nogueira (2019) e Oliveira (2019) questionam até que ponto esses
manuais podem ser considerados como “verdade”, uma vez que os critérios estabelecidos são
questionáveis e não há unanimidade na comunidade científica sobre a condição do autismo,
sendo baseados em conjecturas impossíveis de validação. Conforme alerta Oliveira (2019),
mesmo com os avanços científicos, atualmente não existe nenhuma pesquisa que consiga
definir a etiologia do autismo. Não há, até o momento, nenhum marcador clínico universal
165

que possa determinar essa condição, nem metodologias ou métodos definidos para a
intervenção com esses sujeitos.

Sob essa perspectiva, Sousa (2016) salienta que o caráter descritivo dos manuais
diagnósticos e a visão biomédica não levam em consideração as questões subjetivas das
pessoas autistas. Essa postura resulta frequentemente na medicalização e adaptação do sujeito,
visando apenas controlar os supostos sintomas que não se enquadram na noção
“normalidade”, seguindo uma lógica psicométrica e reducionista, descrevendo o sujeito em
termos estritamente orgânicos. Há como consequência disso:

a subordinação do corpo ao saber médico, a transformação de sintomas antes


naturais e que fazem parte da subjetividade humana em medicadas, doenças
psicossomáticas e que precisam ser medicadas, corroborando então para a
supervalorização do diagnóstico sobre o paciente, da doença sobre o indivíduo, e
para o crescimento da indústria farmacêutica, servindo assim para interesses
políticos e de poder (SOUSA, 2016, p.60).

Como resultado do predomínio do discurso médico, Sousa (2016) observa que em vez
de considerar o desenvolvimento psíquico dos sujeitos em formação, presume-se a existência
de déficits neurológicos. Isso leva a um processo massivo de diagnósticos e discriminação em
relação às doenças40 mentais, resultando em uma busca incessante por explicações biológicas
e orgânicas que possam dar conta do mal-estar social contemporâneo. Nessa perspectiva, a
abordagem médica possui o poder de detectar os sintomas do sujeito e descrevê-los dentro de
sua própria linguagem e discurso, silenciando outras questões que envolvem a pessoa autista,
assumindo sua identidade.

A partir dessas análises, as pesquisas alicerçadas pela teoria histórico-cultural


compreendem que o diagnóstico e o discurso biomédico influenciam diretamente nas ações no
âmbito escolar e no entendimento que os educadores possuem sobre o autismo, corroborando
a reafirmação dos estereótipos e estigmas que reproduzem a patologização e culpabilização do
aluno. Isso instrumentaliza a aprendizagem deles por meio de ações pedagógicas mecânicas,
apreendidas através de metodologias pautadas nos ditames diagnósticos. Pereira (2022)
aponta que essa compreensão gera nos educadores um sentimento de não saber fazer, como se
somente o saber pedagógico não fosse capaz de oferecer subsídios para lidar com a temática
do autismo no processo de escolarização, gerando armadilhas teóricas e conceituais.

Sousa (2016) observa que a utilização do diagnóstico como parâmetro para o trabalho
docente gera uma inoperância das práticas e ações pedagógicas, impedindo os professores de
conhecer seus estudantes de maneira integral e singular. Nogueira (2019) salienta que ocorre
40
Termo utilizado pela autora.
166

uma adaptação dos conteúdos e uma tentativa de adaptação do sujeito, acarretando o oposto
do que se propõe: a exclusão de determinados sujeitos diante dos demais. De acordo com
Pereira (2022), há um hiato nesse processo em relação aos métodos utilizados, pois estes são
subordinados ao saber clínico, ao saber médico, que visa o controle e a resolução de conflitos
imediatos, os quais não conseguem suprir as demandas escolares.

A marca exacerbada exercida pelo o diagnóstico e o discurso médico sobre a


instituição escolar acaba operando uma racionalidade técnica que subjuga os saberes
pedagógicos, “como se a educação não repercutisse no processo de humanização do homem,
como se para sentir, demonstrar suas vontades e se posicionar no mundo, não fosse necessário
aprender” (PEREIRA, 2022, p.36). Neste sentido, o pensamento hegemônico predominate na
educação nos dias atuais parte do pressuposto descrito nos manuais, onde a criança autista
possui prejuízos e deficiências, principalmente em relação aos aspectos sociais da linguagem
(PEREIRA, 2022).

Segundo Sousa (2016), precisamos recuperar a noção de sujeito, o que implica recusar
as categorizações e classificações disseminadas pela linguagem da medicina e da psicologia
que dominam o senso comum. É necessário resgatar a singularidade necessária às práticas e
ações educativas. Sob a perspectiva histórico-cultural, os transtornos mentais não se traduzem
em doenças, mas são, sobretudo, uma configuração subjetiva em construção, que adquire
sentidos subjetivos conforme a relação dos sujeitos com o meio social e a cultura (SOUSA,
2016; NOGUEIRA, 2019). Neste sentido, a estruturação da escola a partir da descrição
médica se torna uma barreira impeditiva de mudanças efetivas no processo educativo, sob a
chancela de um olhar clínico tradicional no qual o sujeito, enquanto ser histórico e cultural,
não é percebido, reproduzindo continuamente uma lógica de "tipificação" (PEREIRA, 2022).

Precisamos, de acordo com Sousa (2016) e Nogueira (2019), transpor os achismos e


caricaturas pintadas pelos discursos descritivos e classificatórios predominantes no contexto
escolar e familiar, e, sobretudo, nos espaços de formação dos educadores que ainda discutem
aspectos ligados à ideia de normal e patológico. Segundo os autores, é imprescindível romper
com a crença que relaciona o insucesso e as barreiras encontradas na escolarização dos
sujeitos autistas às suas supostas limitações e anormalidades materializadas em seus corpos,
em detrimento das questões sociais e do respeito à diversidade.

Nos artigos publicados por Rodrigues e Angelucci (2018), Vargas e Rodrigues (2018)
e Wuo (2019), consideramos interessante destacar a posição dos autores em relação ao
discurso biomédico. Wuo (2019) aponta que o “TEA” compreendido sob a luz das teorias
167

ontológicas da doença pensadas por Canguilhem (1995), é concebido como um “ser” que,
desconsiderando as condições sociais, restringe o sujeito ao diagnóstico. Neste sentido a
inclusão escolar inclina-se a uma limitação de suas ações em relação ao arcabouço
pedagógico de saberes especializados, que estariam aptos a normalizar, cuidar ou até curar o
estudante. Sob essa ótica, observa-se no campo escolar a abertura a discursos que permitem e
legitimam as microexclusões, embora se mantenha o projeto de uma educação inclusiva.

Corroborando com a discussão, Rodrigues e Angelucci (2018) observam uma


tendência no campo escolar, destacando a percepção dos educadores ao acreditarem que, para
pensar sobre a escolarização dos sujeitos autistas, é necessário desvendar sua condição e ter
conhecimento sobre o diagnóstico antes mesmo de conhecê-los. Como resultado desse
movimento, as autoras salientam o apagamento da complexidade e da riqueza envolvida na
discussão acerca da estruturação da própria condição humana. Compreendem que a forma
como o discurso médico tem se estabelecido na instituição escolar não é operacional, pois
desconsidera as questões subjetivas, sociais e políticas, além de desimplicar o professor em
seu ofício de educar. Conforme Rodrigues e Angelucci (2018):

A manutenção da relação da Educação Especial com uma perspectiva de reabilitação


faz com que o professor suponha que precise se submeter a um saber biomédico para
poder ensinar seu aluno. Dessa forma, aquilo que se entende como escolarização de
crianças diagnosticadas com TEA continua a se manter muito próxima à clínica da
normalização (p.554).

A partir dessa perspectiva, Vargas e Rodrigues (2019) destacam que, embora o


conhecimento acerca do autismo esteja, em grande parte, sob a soberania das áreas médicas, é
urgente promover outros e novos caminhos para pensar a inclusão escolar das crianças
autistas, privilegiando as questões educacionais e pautada pelas condições sociais e históricas
vivenciadas por elas. Ratificamos a afirmação de Rodrigues e Angelucci (2018) ao
compreendermos a escola como instituição detentora de legitimidade e saberes suficientes
para realizar a inclusão de seus estudantes, partindo do princípio de um projeto de
escolarização fundamentado em discutir os obstáculos impeditivos acerca da permanência e
do desfrute da instituição escolar, incluindo os aspectos de ensino-aprendizagem e de
socialização.

Retomando a perspectiva psicanalítica, conduzimos a finalização do eixo sobre a


incidência do discurso médico na escolarização, destacando as considerações das autoras que
utilizam essa vertente teórica, bem como as nossas reflexões acerca da temática.
168

A partir do século XIX, as crianças em situação de deficiência passaram a ser objetos


de pesquisa, enfrentando um processo de classificação e categorização, no qual passaram a
ocupar espaços de borda nas escolas (NASCIMENTO, 2019). Pautadas pelo discurso médico,
as crianças passaram a ser classificadas como escolarizáveis ou não escolarizáveis, conforme
discutido por Kupfer & Petri (2000). Esse movimento gerou, segundo Nascimento (2019)
uma “cacofonia” de cenários, argumentações e diretrizes diagnósticas que se fraturou em
“deficiências mentais, nas dislexias, nas dislalias, nas psicoses, no autismo, nos problemas
emocionais e em outras disfunções” (NASCIMENTO, 2019, p.72)

De acordo com Nascimento (2015; 2019), fundamentada em Sibemberg (1998), com o


advento da medicina moderna (balizada pelo desenvolvimento tecnológico no século XX),
houve um aumento significativo dos estudos da neurociência, nos quais são discutidas
hipóteses sobre as áreas cerebrais atribuídas às interações sociais, à linguagem e às alterações
nos neurotransmissores. Assim, a partir dessa abordagem, o autismo é compreendido como
uma síndrome de base orgânica que engloba déficits afetivos, de comunicação e de
linguagem. Posteriormente, o campo das neurociências passa a interpelar o campo
educacional, suscitando estratégias e modelos comportamentais, bem como o uso de
medicamentos para “tratar”, ou seja, suprimir, determinados sintomas e características dos
sujeitos que são consideradas indesejáveis (NASCIMENTO, 2015; FIEIRA, 2017).

Lima (2019) assinala que, a partir da terceira edição do DSM, o manual rompeu
radicalmente com a psicanálise, buscando conferir um caráter mais “científico” à psiquiatria,
tornando-a mais objetiva e fundamentada em observações empíricas. Essa configurção
também se refletiu na educação, resultando em ações e práticas normalizadoras e adaptativas,
objetivando o que é subjetivo. Sob essa perspectiva, a autora argumenta que o DSM e as
teorias neurobiológicas contribuem para instituir uma categoria de criança que, ao receber um
diagnóstico, fica sujeita aos estigmas divulgados e reproduzidos pelas mídias.

De acordo com Laurent (2014), à medida que o manual foi sendo atualizado, ocorreu
uma aplicação mecânica de critérios cada vez mais abrangentes, sem levar em consideração
discussões teóricas. Com isso, vivenciamos uma crise em relação às disfuncionalidades
democráticas suscitadas pela gestão burocrática dos problemas sociais, que minimiza o que
Lacan nomeou como os efeitos segregativos da ciência. Segundo o autor:

A zona DSM pretende “administrar” o campo da saúde mental de acordo com um


sistema que propõe classificações sob a forma de hipóteses, que incorporam o estado
dos conhecimentos reconhecidos por consenso no momento em que os formula. De
fato, o DSM é um instrumento de gestão das populações que não pode lavar as mãos
169

no que se refere às consequências de seu autoritarismo classificatório, que avança


mascarado de falsa ciência. O sistema não cessa mais de testar e retestar o efeito de
massificação segregativa produzido em seu nome, e a tolerância social em relação a
esse efeito (LAURENT, 2014, p.173).

Ao refletirmos sobre a nova deseignação dos sujeitos autistas como Transtorno do


Espectro Autista (TEA), Guareschi (2016) indaga a influência do campo médico e sua adoção
pelas políticas públicas de inclusão no Brasil. Ela observa, na querela diagnóstica presente
nesse campo, a importância de dissernimento, conforme analisa Kupfer (2001), no qual “o
autista do neurologista não é o autista do psicanalista” (p.44). A pesquisadora salienta que,
embora tenhamos o domínio de certos discursos em nossa sociedade, não há consenso sobre o
diagnóstico do autismo, uma vez que o extenso número de casos relacionados a sujeitos com
TEA não corresponde àqueles nomeados pela psicanálise como autismo.

Nascimento nos auxilia a refletir sobre essa problemática, ao compreender tal


descompasso e discorrer sobre as consequências clínicas desse processo, onde “crianças que
estão psicóticas são tomadas por autistas e vice-versa, que às crianças que ‘não se sabe que
são’ são denominadas autistas, formando parte do TEA ou TGD” (BRUNER, 2015 in
NASCIMENTO, 2019, p.49). Além disso, destaca a ampliação significativa de diagnósticos
psicopatológicos, frequentemente sustentados a partir de sintomas isolados e/ou
fragmentados.

Fieira (2017), subsidiada pelas discussões de Pimenta (2003), considera que as


divergências e a multiplicidade de discussões sobre o autismo, compreendendo campos como
a biologia, a genética, a medicina, a psiquiatria, a psicanálise, entre outros, decorrem da
inexistência de comprovação científica quanto à etiologia do autismo, o que resulta na
inconsistência dos métodos e estratégias de tratamento. A autora considera a importância das
descobertas e discussões científicas nesse campo e reconhece a contribuição da Psicanálise,
enquanto discurso que rompe e desafia determinadas questões, porém não nega esse debate.
No entanto, ela busca ocupar uma posição que invista no laço social, visando encontrar um
espaço onde os sujeitos autistas possam ser compreendidos e ouvidos. Por meio da
psicanálise, falar sobre autismo implica considerar a posição subjetiva desses sujeitos.

Com isso, o quadro coeso e contínuo de “sinais” preestabelecidos, oferecido pelos


sistemas classificatórios, desdobra-se em diferentes imagens que surgem associadas
a outros tantos aspectos. Os sintomas são (re) tramados, assumindo diferentes
significações a partir da narrativa de cada sujeito (VASQUES, 2007, p. 31 in
FIEIRA, 2017, p.77).
170

Para refletirmos sobre a incidência e as consequências do discurso médico, bem como


a cristalização dos estigmas e estereótipos associados ao processo diagnóstico no campo
educacional, Guareschi (2016) oferece uma reflexão relevante ao traçar o histórico da
Educação Especial. Segundo a autora, essa modalidade de ensino surgiu de maneira
interligada à medicina, através dos estudos de Itard e sua experiência educacional com Victor
de Aveyron. Tal entrelaçamento operou marcas e estruturas organizacionais que atravessam a
Educação Especial, mantendo-se presente no modelo médico-pedagógico que ainda prevalece
no contexto escolar contemporâneo.

Conforme Michels (2011), citada por Guareschi (2016), o modelo educacional atual
fundamenta-se na ideia de que a causa do insucesso escolar está relacionada a questões
biológicas, somando-se a uma validação psicológica que enxerga o fracasso escolar como
resultado de características individuais, em vez de fatores sociais. As políticas públicas de
inclusão escolar, substancialmente influenciadas pelo saber médico, definem os sujeitos-alvo
da Educação Especial com base no discurso do Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM), elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA)
(GUARESCHI, 2016). Esse documento respalda a formação dos profissionais da educação,
priorizando os conhecimentos médicos em detrimento do enfoque pedagógico.

Lima (2019) corrobora com essa questão ao analisar como o saber médico e
psicológico passou a ocupar a realidade escolar, se tornanado parte do cotidiano das escolas.
A autora observa que diante do menor sinal de possibilidade de diagnóstico, inaugura-se uma
peregrinação à procura de manuais e técnicas orientadoras que indiquem como trabalhar com
esses sujeitos. Neste sentido, a pesquisadora identifica um movimento de desautorização dos
educadores em relação ao seu saber pedagógico no trabalho com os sujeitos autistas.
Movimento esse, que é alimentado pelas ações e formações promovidas pelas instituições
escolares, nas quais a inclusão é compreendida como algo viável por meio do uso de métodos
e técnicas comumente baseados na abordagem cognitivo-comportamental.

O paradigma que sustenta o ensino especial no Brasil atualmente é fundamentado nas


intervenções especializadas praticadas por especialistas que possuem um saber direcionado
para o tratamento das deficiências e suas supostas limitações. Esse movimento é circunscrito
por um reducionismo tecnicista que visa reparar ou compensar os déficits, onde o sujeito é
condensado à sua função lesada em relação ao seu diagnóstico, colocando o diagnóstico à
frente do sujeito, que tem suas ações observadas e justificadas sob a chancela de sua
“deficiência” (VOLTOLINI, 2004b, in NASCIMENTO, 2019). Segundo Silva (2014), citada
171

por Nascimento (2019), essa exacerbação tecnicista reflete a hegemonia de uma perspectiva
replicável e serial, originada na fabricação de objetos, o que entra em conflito com um ofício
que é eminentemente humano, a educação.

Corroboramos com as contribuições de Nascimento (2019), referenciada em Guarido


(2017), ao afirmar que:

Fechar o acontecimento do aprender ou não aprender em explicações fixas,


articuladas, muitas vezes, às noções apresentadas pelo discurso médico, reduz os
sujeitos ao que se declara nos diagnósticos e/ou laudos psicológicos, os quais
“resolvem” apenas aparentemente o problema e vão parar nas gavetas. Isso porque
os professores, em algum momento, se deparam com relatórios e laudos que apenas
classificam, mas nada revelam sobre os alunos (NASCIMENTO, 2019, p.101).

A inclusão escolar é, sem dúvida, um ganho inestimável para os sujeitos autistas, pois
busca reduzir a discriminação e a exclusão social. No entanto, a implementação dessa
perspectiva, por si só, não é capaz de dissolver os paradigmas que ocupam historicamente as
relações escolares e favorecem resistências à abertura de outras possibilidades e caminhos na
escolarização de sujeitos que furam a lógica pedagógica tradicional vigente (PONCE;
ABRÃO, 2019). Para vivenciarmos uma escola que promova a emancipação do sujeito, é
necessário rejeitar as idealizações pedagógicas e o discurso homogeneizante disseminado em
nossa sociedade. Uma vez presos a esse modelo, os educadores dificilmente conseguirão
transpor a negativa instituída para esse público em relação à construção do laço social, bem
como à sua forma singular de expressão, apreensão e percepção de mundo (PONCE;
ABRÃO, 2019).

Compartilhamos da visão de Fieira (2017) de que a psicanálise não ocupa um lugar de


passividade, tampouco de espera correspondência em relação às ditas comprovações
científicas médicas e neurológicas para explicar o autismo e sua etiologia, na busca de algum
método ou medicamento que erradique aquilo que não se enquadra nos padrões de
normalidade desejáveis na sociedade contemporânea. Conforme aponta Nascimento (2019), a
aposta da psicanálise, vai em direção ao sujeito, o que implica a própria criança, estar e falar
com ela, uma vez que apenas por meio desse endereçamento ela poderá advir e manifestar o
seu desejo (LAJONQUIÈRE, 2017, in NASCIMENTO, 2019).

Além disso, a perspectiva psicanalítica se direciona para a assistência ao


desenvolvimento da linguagem no sujeito, para que ele possa se aprimorar na construção dos
laços afetivos e na comunicação (FIEIRA, 2017). Isso ocorre em virtude da necessidade de
escutar esse sujeito e facilitar sua enunciação. Essa posição discorda da fala dos
“especialistas” e dos diagnósticos biomédicos que generalizam a criança autista,
172

desconsiderando sua subjetividade e enquadrando-as em níveis e categorias de sintomas e


comorbidades. Essas classificações são reproduzidas no processo educativo, tornando os
sujeitos autistas esvaziados, potencializando a segregação e, consequentemente, a exclusão.

Ratificamos a compreensão de Ponce e Abrão (2019) de que somente por meio de um


processo humanizado, considerando a relação entre os educadores e o sujeito autista no caso a
caso, e construindo a partir dessas relações as ações e práticas necessárias no cotidiano
escolar, é possível promover um processo de inclusão escolar efetivo e potencializador na
construção de novas perspectivas e de uma nova visão acerca do autismo.
173

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao momento de tecer nossos comentários finais sobre este trabalho, embora
estejamos longe de findar ou concluir qualquer discussão sobre a escolarização dos sujeitos
autistas. Reconhecemos a complexidade dessa temática, a nossa incompletude e ciclicidade da
vida sempre em transformação. Neste momento, gostaríamos de expressar nossa experiência
durante a pesquisa, os aprendizados adquiridos e os desafios que permearam o nosso ser
pesquisadora e as proposições que nos impactaram, refletindo em nosso posicionamento
diante dos embaraços colocados no campo do autismo atualmente.

Procuramos fomentar o diálogo entre a Educação e a Psicanálise, especialmente


naquilo que se refere à escolarização dos sujeitos autistas, com o objetivo de operar furos, ou
algumas fissuras sobre forma como o discurso médico, as teorias cognitivas-comportamentais
e os textos normativos têm se apropriado da discussão. Buscamos tensionar esse campo e
esperamos contribuir para pensarmos novas formas de estruturar o ambiente escolar e do ato
educativo. Propusemos, sobretudo, refletir sobre a escola como um espaço capaz de acolher o
sujeito, considerando suas especificidades e maneiras de se expressar e se posicionar diante
do contexto escolar como um campo social.

De acordo com Laurent (2014), “o campo do autismo se tornou um dos grandes


cenários de batalha entre modos de saber bem diferentes” (p.176). Com base nessa
enunciação, organizamos nosso trabalho com o objetivo de construir uma narrativa que
discuta os padrões excludentes presentes no cotidiano escolar, abordando as políticas públicas
e o arcabouço legislativo que sustentam a perspectiva da Educação Inclusiva e da Educação
Especial. Além disso, buscamos compreender as proposições teóricas oferecidas pelos autores
da Psicanálise, que são fundamentais para nossa compreensão do autismo. Posteriormente
adentramos ao Estado da Arte e à análise de dados referente às pesquisas consultadas,
destacando os seguintes eixos: a formação de professores; os preceitos de déficit e
deficiência; e a incidência do discurso médico na escolarização dos sujeitos da pesquisa.

No capítulo dedicado ao enquadre histórico e à efetividade das políticas públicas


educacionais de inclusão, trouxemos o escopo de nossa senda normativa, buscando
problematizar a maneira como a perspectiva inclusiva se incluiu no cenário brasileiro e as
dobraduras de sua incorporação. Salientamos as tensões envolvidas na publicação da Lei
Berenice Piana, que incluiu o autismo novamente ao rol das deficiências, ação que embora
174

tenha oferecido benefícios para esse público em relação à garantia de direitos, também
resultou em consequências diretas e efeitos estigmatizantes decorrentes da implicação dos
sujeitos autistas enquanto pessoas com deficiência.

Destacamos também as ameaças de retrocessos vivenciados durante o período do


Governo Federal de 2019 a 2022, com a tentativas de desmantelamento da Política de
Educação Especial na Perspectiva Inclusiva estabelecida a partir de 2008, além das
declarações deploráveis proferidas pelos dirigentes do país naquele momento. Fatos que
evidenciam a fragilidade das conquistas e dos direitos das populações historicamente
excluídas, alertando-nos sobre a necessidade de fortalecimento das redes de apoio e de luta
contra as estruturas opressoras que constantemente tentam negar os direitos de determinados
grupos na sociedade.

No mesmo capítulo, dialogamos sobre os embaraços conceituais e o lugar do termo


“especial” na educação, com o objetivo de ampliar a discussão sobre as terminologias
utilizadas para nomear esses sujeitos, além de estabelecer um debate sobre as dinâmicas e a
construção do laço social, que não podem ser modificados apenas por meio de mudanças
legislativas e da gestão técnica dos problemas sociais (VOLTOLINI, 2015).

No terceiro capítulo, apresentamos nossas considerações sobre o autismo, construindo


uma breve contextualização histórica que levou ao surgimento do termo e à compreensão da
condição autista. Posteriormente, realizamos uma discussão sobre os sistemas classificatórios
operantes no discurso médico e em grande parte das intervenções direcionadas a esse público,
ressaltando as problemáticas associadas ao uso desse sistema, e o questionamento em relação
aos “tempos de autismo” vivenciados na contemporaneidade. Nossa intenção foi refletir sobre
as possíveis saídas em relação à norma homogeneizante vigente, reconhecendo a
complexidade da temática, bem como a necessidade avançarmos além das classificações
padronizadas e nos engajarmoss em uma abordagem mais humanizada, que considere as
especificidades e necessidades dos sujeitos autistas.

Para alumiar nosso caminho, tecemos considerações acerca da potência subsidiada


pela Psicanálise nesta discussão, pois ela prioriza os saberes produzidos pelo próprio sujeito,
valorizando a pluralidade de maneira que extrapola as siglas e categorias diagnósticas
oferecidas como lugares identitários a esses sujeitos. A aposta feita a partir dessa perspectiva
reside na criança, na possibilidade de oferecermos a ela nossa presença e escuta possibilitando
efeitos terapêuticos e a sua inserção no laço social. Reafirmamos que não há deficiência,
déficit ou doença a ser extirpada, nem comportamento a ser adaptado e corrigido. Neste
175

sentido, a perspectiva psicanalítica nos orienta a enxergar e ouvir atentamente o sujeito


autista, experimentando caminhos onde seja possível a construção de espaços seguros para
ele, facilitando sua enunciação.

Apresentamos em seguida a composição do Estado da Arte, organizado a partir do


levantamento realizado no Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), no Scientific Eletronic Library
Online (SciELO), na revista sobre infância com problemas Estilos da Clínica da Universidade
de São Paulo (USP) e no GT 15 da ANPEd, que discute questões relacionadas à Educação
Especial. Inicialmente, trabalhamos com 121 pesquisas, todavia, após as leituras e análises,
finalizamos a pesquisa bibliográfica com 62 trabalhos, compreendidos entre o período de
2015 a 2022. Isso proporcionou um panorama de 7 anos após a institucionalização da Lei Nº
13.146/2015 – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, normativa que inclui os
sujeitos autistas.

Na análise inicial dos dados, observamos a presença de oito eixos de discussão, nos
quais estão contemplados os artigos acadêmicos e as teses e dissertações consultadas. São
eles: os trabalhos que discutem as práticas pedagógicas e a utilização das salas de atendimento
educacional especializado, políticas públicas e documentos legais relativos à temática (20); as
pesquisas que abordam e buscam estratégias e métodos de intervenção no trato dos alunos
autistas (17); as produções alicerçadas pelo aporte teórico e pelas contribuições da Psicanálise
e perspectivas de uma educação terapêutica (10); as publicações baseadas no envolvimento
entre família e escola, bem como a subjetividade dos familiares, principalmente as mães,
como atravessamento desse processo (5); as pesquisas fundamentadas no contexto
interacional das crianças autistas com seus pares, colegas e professores, como fator central de
análise (4); os trabalhos fundamentados na discussão sobre as representações sociais tecidas
pelos professores e a forma como elas interferem no processo de inclusão (3); as produções
tecidas a partir da construção do Estado da Arte ou do Estado do conhecimento (2); e aqueles
debruçados sobre a estrutura de pensamento e linguagem no autismo (1). Esses eixos foram
caracterizados com base da incidência observada nas pesquisas analisadas.

Constatamos que as produções apontam conquistas e avanços na educação pública


brasileira acerca da escolarização das pessoas autistas, principalmente quando se referem às
políticas públicas e normativas que regem a perspectiva de Educação Inclusiva e a
modalidade da Educação Especial. Entretanto, ressaltamos as lacunas que se materializam no
cotidiano escolar, onde a efetividade desses documentos, bem como das ações e práticas
176

direcionadas a esse público, ainda se encontram muito aquém das condições consideradas
necessárias ou até mesmo razoáveis para que o processo educativo seja experenciado de
forma significativa por eles.

As análises realizadas nos forneceram pistas para a estruturação o quinto capítulo, no


qual abordamos as narrativas apresentadas no levantamento bibliográfico. Por meio dessas
produções, investigamos as concepções e problemáticas que estão presentes nos discursos, nas
linhas teóricas e na construção das pesquisas acadêmicas. Estabelecemos um diálogo com a
Psicanálise com o objetivo de compreemder a concepção de sujeito e o compromisso ético na
Educação, nos debruçando sobre três eixos de análise que foram descritos anteriormente: a
formação de professores; a perspectiva de déficit e de deficiência; e a incidência do discurso
médico cognitivo comportamental incidindo no âmbito escolar.

No primeiro eixo, que trata da formação de professores, observamos a crença presente


em um grande número de trabalhos de que capacitação docente (tanto inicial quanto
continuada) é uma das principais, e por vezes a principal, demanda para efetivar os preceitos
da escola inclusiva na realidade escolar. No entanto, assim como observamos nas duas
categorias finais deste eixo, esse posicionamento também recebe críticas e tessituras de outras
possibilidades de pensar a temática da formação dos educadores. Reafirmamos a necessidade
de emersão do lugar do professor no ato educativo a partir de uma ética e da compreensão do
ofício de educar.

Compreendemos que a demanda de formação docente é legítima e possui sua


importância no cenário escolar, todavia ela não poder ser considerada como uma a única via
de redenção do sistema escolar, nem pode ser vista como a única e maior culpada pelo
fracasso escolar dos estudantes autistas. Conforme pontuado por Freud (1925, in KUPFER,
1989), a partir da perspectiva psicanalítica, propomos compreender o ofício de educar como
um ato impossível. Refletimos sobre a impossibilidade de atingir todas as nossas expectativas
como educadores e de alcançar todos os estudantes de maneira satisfatória. Reconhecemos
que o fracasso está implicado nessa profissão, pois é uma prática que lida com as relações
humanas, com os sujeitos que somos, cercados de imprevisibilidades e de formas singulares
de aprender, de nos apresentarmos e de apreender o mundo.

Assim, em nosso trabalho, não procuramos elaborar formatos, metodologias e manejos


que possam ser aplicados para uma melhor eficácia da formação docente. Em vez disso,
procuramos tecer um diálogo problematizando questões que atravessam o nosso modelo de
formação atual, acreditando que é a partir desse lugar que podemos descortinar questões que
177

podem desconstruir determinados discursos e operar algumas mudanças na forma como


concebemos essas formações. Conforme pontuamos anteriormente, entendemos a formação
dos educadores como um processo estruturalmente continuado, dada a ordem do saber basilar
do ofício educativo que é de caráter interminável (VOLTOLINI, 2018).

No eixo seguinte, que trata das concepções de déficit e deficiência, constatamos o


grande contingente de pesquisas que possuem o entendimento do autismo a partir da
deficiência (68,3%), tanto pela utilização dos manuais diagnósticos e do discurso biomédico
quanto pela discrição da letra normativa. Identificamos uma vasta especulação sobre as
possíveis causas do autismo, das “doenças” associadas, bem como das condições ditas como
estruturantes da condição de ser autista. Como ponto central deste trabalho, abordamos essa
temática sob a ótica psicanalítica, que não considera o autista como pessoa com deficiência,
apostando na singularidade do sujeito e recusando as perspectivas psicopatológicas baseadas
em visões deficitárias.

Concordamos com a afirmação de Laurent (2014) ao dizer que a “reconfiguração do


campo do autismo será um dos terrenos mais importantes na atenção aos sofrimentos da
infância por parte da burocracia sanitária” (p.179). A perda dessa pauta sobre os direitos da
pessoa autista na legislação brasileira, embora venha acompanhada da frase “para todos os
efeitos legais”, representa consequências diretas na vida desse público em diversos âmbitos,
promovendo o apagamento do sujeito por meio de políticas e ações que os universalizam,
influenciando práticas homogeneizantes e que desconsideram as invenções e potencialidades
singulares inerentes a cada um de nós.

Concluímos nossa análise com o debate sobre a incidência do discurso médico na


educação, apresentando um panorama sobre a presença pericial da medicina na definição do
autismo e sua operatividade na instituição escolar, assim como dos sistemas de classificação
(DSMs, CID, etc.). Nossa intenção foi construir uma crítica em diálogo com as pesquisas
levantadas no Estado da Arte, que apontam os desmandos da medicina moderna na
categorização e na classificação dos sujeitos, desdobrados na ênfase dada às pesquisas que
privilegiam os estudos da neurociência, da genética e da análise de comportamento para
explicar e “tratar” os supostos sintomas, déficits e comorbidades associadas ao autismo nessas
vertentes discursivas. Essas concepções, preceitos e opções de “tratamento” do autismo
adentraram profundamente as portas das escolas.
178

Ao analisarmos os três eixos abordados neste capítulo, pudemos observar como a


psicanálise nos interroga na pesquisa, trazendo a perspectiva do sujeito em contraponto às
linhas teóricas que o referenciam como objeto. Neste sentido, buscamos nos colocar entre o
rigor científico e a singularidade do sujeito, nos desbruçando sobre as possíveis dobraduras
identificadas no campo, com a intenção de refletir e debater sobre os fenômenos psicossocias,
históricos e culturais, adotando uma postura crítica em relação aos preceitos neoliberais
universalizantes que rechaçam a alteridade e a singularidade dos sujeitos. Conforme
argumenta Laurent (2014), “resistir às sereias que cantam a salvação pela solução reeducativa
em massa não será fácil” (p.159). No entanto, reafirmamos o compromisso ético no qual a
psicanálise nos implica, enquanto uma disciplina crítica que nos auxilia em conservar a
distância relacionada “aos desejos de erradicar a qualquer preço sintomas que incomodam, ou
de se conformar a eles” (p.161).

Concordamos com a afirmação de Voltolini (2021) de que a necessidade da criação de


políticas inclusivas já nos alerta para o fracasso da cultura inclusiva, que não é passível de
mudança estrutural por força de lei. É necessário realizar transformações sociais profundas
para que a inclusão se torne uma realidade em nossa sociedade. Ao longo desta jornada, nosso
objetivo foi ampliar a discussão sobre a inclusão dos sujeitos autistas, compartilhando nosso
olhar e nossas palavras sobre esse tema que consideramos tão fundamental para pensar a
diferença e a subjetividade das crianças no ambiente escolar. Sustentamos uma posição sobre
a educação inclusiva que possa contemplar o caso a caso: do estudante, do professor e da
escola. Acreditamos que a escuta atenta e a abertura ao outro são caminhos significativos e
potentes para que esta proposição possa ser alcançada.

Nas palavras de Jim Sinclair (1993) aos seus pais, retomadas por Maleval (2009,
p.377):

As nossas formas de travar relações são diferentes. Insistam nas coisas que a
perspectiva de vocês considera normais e vocês vão encontrar a frustação, a
decepção, o ressentimento – talvez, até mesmo, a raiva e o ódio. Aproximem-se com
respeito, sem preconceitos, e dispostos a aprender coisas novas, daí encontrarão um
mundo que jamais teriam podido imaginar41.
Enxergamos a escola como uma instituição que possui legitimidade para instituir seu
potencial emancipatório, crítico e político, tornando-se um espaço verdadeiramente inclusivo,
que promova as aprendizagens, os afetos e a instituição do laço social. Sabemos sobre os
imensos desafios e entraves para que essa escola exista, mas escolhemos esperançar

Jim Sinclair, texto “Don’t mourn for us”. Autista e ativista criador da “Autism Network International” junto à
41

Kathy Lissner Grant e Donna Williams.


179

(FREIRE, 1992).

Esperamos que esse trabalho possa ser mais um, embora não sejam muitos, a
contribuir na discussão sobre psicanálise e educação e a inclusão dos sujeitos autistas,
preenchendo o hiato de quatro anos sem publicações de teses e dissertações a partir dessa
interlocução. Durante nossa trajetória na construção desta dissertação, vivenciamos momentos
de angústia, alegria e descoberta em relação às crianças autistas, ao ofício de educadoras e à
nossa identidade como pesquisadoras, reconhecendo-nos como enquanto sujeitos incompletos
e repletos de desejos. Assim, desejamos que essa pesquisa possa provocar novos debates e
perspectivas sobre a inclusão, fomentando outros olhares sobre a escolarização das crianças
autistas e potencializando o diálogo tão enriquecedor entre Psicanálise e Educação na
compreensão das relações sociais e do ato educativo.
180

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APÊNDICE A: Dados do levantamento bibliográfico.

Consolidado dos dados obtidos junto à Plataforma Capes. Pesquisa realizada entre 01/04/2021 a 31/08/2021.

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inclusão de crianças com transtorno do espectro do autismo do Rio Grande do Sul

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transtorno do espectro do autismo (TEA) no processo de inclusão Planalto Catarinense
em escolas públicas municipais de Lages, SC
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do Rio de Janeiro
Formação de educadores em Comunicação Alternativa para
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