Você está na página 1de 8

_________________________________________________Evidências do Pinheiro Bravo em Portugal

EVIDÊNCIAS DO PINHEIRO BRAVO EM PORTUGAL – ASPECTOS HISTÓRICOS E


SUA EVOLUÇÃO

Ana Ganhão e Ângelo Carvalho Oliveira – Instituto Superior de Agronomia


Março de 2004

1. Evidências do Pinheiro Bravo

A primeira evidência do pinheiro bravo (Pinus pinaster Aiton), baseada apenas na


análise de carvões encontrados em estações arqueológicas, aparece na
Estremadura/Rio Maior e é datada do Plistocénico, há cerca de 33 000 anos BP. Os
fragmentos de carvões de pinheiro encontravam-se associados a outras espécies
(Quadro 1) onde se destaca o medronheiro, o freixo, o zambujeiro e carvalhos de folha
persistente. A segunda evidência data de 12 000–11 000 anos BP, correspondendo ao
fim do Plistocénico; a espécie parecia dominar associações compostas,
principalmente, por elementos mediterrâneos (Figueiral, 1993b). A terceira evidência é
encontrada na região de Tomar, onde alguns fragmentos de carvões de pinheiro foram
recuperados (20 400 BP) nas grutas do Caldeirão (Figueiral, 1995).

Quadro 1 – Espécies arbóreas e arbustivas encontradas em Rio Maior (Figueiral,


1995)

Espécies em associação com Pinus


Datação
pinaster
Arbutus unedo, Cistus sp., Erica arborea,
Fraxinus angustifolia, Leguminosas, Olea
europaea var. sylvestris, Pinus sp.,
Plistocénico
Quercus type ilex, Quercus suber,
Quercus sp., Rhamnus
alaternus/Phillyrea

Esta presença histórica do Pinus pinaster em Portugal é consistente com registos


palinológicos recentes (Diniz, 1986, 1992; Galopim de Carvalho, 1989) que também
indicam que esta espécie estava presente durante o Würm Médio (55 000–25 000
anos BP) e no final do Pleniglacial (25 000–15 000 anos BP) (Mateus et al., 1993).
Durante a última glaciação (Würm IV – 15 000-10 000 BP), o pinheiro bravo terá
praticamente desaparecido da Península Ibérica, mantendo-se, apenas, em pequenas
zonas de refúgio, ponto de partida para a sua posterior expansão (Oliveira et al.,
2000).

No nordeste (Mirandela), o pinheiro bravo foi identificado em amostras do Neolítico


final em Barrocal Alto (Figueiral, 1992). A sua presença foi também confirmada mais

__________________________________________________________________ 1
_________________________________________________Evidências do Pinheiro Bravo em Portugal

tarde, na mesma área, nos locais de Cunho e Buraco da Pala (Idade do Cobre e do
Bronze). Esta espécie coexistia com outras em dois tipos de associações vegetais - as
florestas de folha persistente, dominadas por Quercus ilex e Quercus suber e as
florestas de folha caduca com Corylus avellana e Crataegus. Outros locais do nordeste
(Chaves), incluindo S. Lourenço, Alto de Sta Ana (Figueiral, unpbl. data) e Vinha da
Soutilha (Vernet, 1986), também providenciaram evidências desta espécie durante as
Idades do Cobre e do Bronze (Figura 1). Na região da Beira Interior, a madeira da
Pinus pinaster era utilizada desde o fim da Idade do Bronze e o início da Idade do
Ferro, em três locais arqueológicos (Figura 1) - Alegrios, Castelejo e Moreirinha
(Figueiral, unpbl. data). No quadro 2 estão assinaladas as espécies que ocorrem na
vegetação florestal de Portugal, durante o Holocénico, associadas ao pinheiro bravo.

Figura 1 - Distribuição da Pinus pinaster de acordo com os dados da análise de carvões. 1 =


abundante desde o Paleolítico Superior; 2 = presente desde o Neolítico Inferior; 3 = presente
durante a Idade do Bronze Final / Idade do Ferro Inicial; 4 = extremamente raro desde a Idade
do Bronze Final até ao final do período Romano (in Figueiral, 1995).

__________________________________________________________________ 2
_________________________________________________Evidências do Pinheiro Bravo em Portugal

Quadro 2 – Espécies associadas ao pinheiro bravo durante o Holocénico (Figueiral,


1995)

Espécies em associação com Pinus


Datação
pinaster
Holocénico:
Arbutus unedo, Daphne gnidium, Eriça
arborea, Erica sp., Fraxinus cf. excelsior,
Leguminosas, Olea europaea var.
Neolítico e Calcólitico / Idade do Bronze
sylvestris, Pinus sylvestris, Pinus sp.,
Quercus suber, Quercus type ilex,
Quercus sp., Rosaceae pomoidea
Arbutus unedo, Erica arbórea,
Neolítico Final Leguminosas, Pinus sylvestris, Pinus sp.,
Quercus suber
Arbutus unedo, Erica arborea, Erica sp.,
Idade do Bronze Final / Idade do Ferro Leguminosas, Pinus sp., Quercus suber,
Quercus type ilex, Gimnospérmicas

No Sul de Portugal (noroeste Alentejano) os dados polínicos do Holocénico sugerem


uma oscilação da presença de pinheiro bravo, directamente associada às alterações
climáticas que ocorreram durante esse período. Enquanto que ao Holocénico Antigo,
período relativamente húmido, corresponde uma expansão máxima do pinhal bravo no
litoral (bacias do Tejo e Sado), no Holocénico Médio verifica-se o seu declínio,
fenómeno muito claro na mesma região. No Holocénico Recente-Antigo, período ainda
mais seco, ocorre um declínio ainda mais acentuado dos pinhais litorais e de
montanha, em parte relacionado com o crescente impacte humano. No Holocénico
Recente-Médio deu-se uma paludificação extensiva dos pântanos costeiros, o que
sugere um clima globalmente mais húmido. Inicia-se, então, uma desarborização
intensa da paisagem pelas comunidades do Bronze Final, em simultâneo com a
expansão do espaço rural durante a ocupação Romana (Mateus et al., 1993).

2. Evidências Filogenéticas do Pinheiro Bravo


De acordo com Petit et al. (2003), durante a última glaciação o pinheiro bravo terá
praticamente desaparecido da Península Ibérica, mantendo-se, apenas, em algumas
áreas de refúgio, ponto de origem para a sua posterior expansão. A partir da análise
do DNA mitocondrial (mtDNA) foram diferenciados três mitotipos: o marroquino, o
ocidental e o oriental, que explicam a presente distribuição do pinheiro bravo em três
regiões. O primeiro mitotipo, o marroquino, foi encontrado em todas as populações de
Marrocos excepto na Punta Cires. O segundo, o ocidental, está presente em todas as
populações da Península Ibérica, excepto na Catalunha, no nordeste de Espanha, e
nas populações de França continental excepto em duas mais a leste. Finalmente o
terceiro mitotipo, o oriental, é encontrado nas populações do sudeste de França,

__________________________________________________________________ 3
_________________________________________________Evidências do Pinheiro Bravo em Portugal

Corsega, Itália, ilha Pantelleria, Tunísia e Argélia (Figura 2 de Petit et al.,2003).


Segundo este autor terá sido a partir do ocidente da Península Ibérica que se terá
dado a expansão do mitotipo ocidental até França.

Figura 2 – Distribuição dos mitotipos do pinheiro bravo e as relações filogenéticas (Petit et al.,
2003)

3. História da Ocupação Florestal

Na Idade Média a tendência para a redução e fragmentação da área florestal mantém-


se com o aumento da procura de lenha, carvão, madeira, mel e frutos silvestres, e com
a expansão da pastorícia e da agricultura. Por esta altura, o rei D. Dinis, numa
tentativa de suster o avanço das areias do litoral e de produzir madeira para a
construção naval, decide prosseguir a plantação do pinhal de Leiria (Pinheiro, 2002).
Durante os Descobrimentos, um século mais tarde, é permitido o corte de madeira de
sobreiro, carvalho e pinheiro em todas as matas, particulares ou régias, para a
construção de navios. Em 1565 a célebre “Lei das Árvores” obriga à rearborização dos
baldios ou propriedades privadas, de todos os municípios, com pinheiro bravo,
castanheiro, carvalho ou outras espécies adaptadas aos solos (Leitão, 2000).

No início do século XIX, segundo Andrada da Silva (1815) e Varnhagem (1836), a área
arborizada em Portugal deveria ocupar, no seu todo, apenas 10% do território, estando
grande parte do País reduzido a “charnecas e serranias estéreis”, completamente
desarborizadas ou mesmo desprotegidas pelos matos ou outra vegetação mais densa.
Com Andrada e Silva (1805) iniciaram-se os primeiros trabalhos de fixação das dunas
litorais a Norte do Mondego, pela instalação de pinhais de protecção que visavam
impedir o avanço das areias sobre as terras agrícolas (Monteiro Alves et al., 2000).

__________________________________________________________________ 4
_________________________________________________Evidências do Pinheiro Bravo em Portugal

Nos finais do século XIX, em 1888, inicia-se a arborização estatal dos baldios serranos
das Serras do Gerês e da Estrela, e prossegue a arborização das dunas do litoral. Um
dos grandes marcos da evolução da política florestal é a Lei do Regime Florestal de
1901. Esta lei previa incentivos para os particulares arborizarem os seus terrenos e,
em caso de interesse público, submetia os terrenos de particulares e públicos ao
regime florestal (Pereira, 2001). No Quadro 3 apresenta-se a evolução da área
florestal de Portugal Continental desde o século passado. Verifica-se um crescimento
da área destinada à floresta.

Quadro 3 – Evolução dos grandes estratos de ocupação do solo em Portugal


Continental (1000 ha) (Monteiro Alves et al.,2000)

Estratos
Incultos
Incultos Incultos produtivos
Anos Agrícola Florestal
produtivos cultiváveis +
cultiváveis
18741 1900 600 2000 4000 6000
19022 3100 1900 1900 1500 3400
19203 2400 2000 1700 2400 4100
19344 3300 2500 1300 1400 2700
19395 3400 2500 1500 1200 2700
19706 4800 2800 500 800 1300
19807 4500 3000 - - 1200
19908 4200 3000 - - 1600
20019 2973 3349 - - 2055

Na passagem para o século XX a evolução da cobertura florestal do território nacional


passa por três fases seculares. A primeira fase de alteração substancial das paisagens
é a do alastramento do pinheiro bravo, predominantemente natural, ao emigrar das
dunas litorais para o interior, em todas as direcções. A segunda alteração é
determinada, não pela mudança duma espécie, mas pela forma da sua exploração.
Trata-se do sobreiro que, devido ao grande interesse comercial da cortiça, passa da
condição de floresta densa para a de montado aberto que se foi formando e que ainda
hoje se conhece. A terceira grande transformação, envolvendo centenas de milhar de
hectares, é a expansão do eucalipto desde os anos 50 do século XX (Monteiro Alves
et al., 2000). Pode, então, dizer-se que foi no século passado que teve lugar o grande
1
Pery, 1875.
2
C.A.F, 1910
3
Ezequiel de Campos, 1942
4
e 5 M.A. Gomes, 1945
6
J.C Cardoso, 1972
7
Perfil Florestal, 1984
8
DGF, 1992
9
3ª Revisão do Inventário Florestal Nacional, DGF 2001
10
Carta Agrícola de 1902, segundo leitura de Júlio Eduardo dos Santos – cit. Mendes de Almeida (1928).
11
Mendes de Almeida, 1928 e CESE, 1998

__________________________________________________________________ 5
_________________________________________________Evidências do Pinheiro Bravo em Portugal

período de expansão do pinheiro bravo, estando os grandes programas de


arborização promovidos pelo Estado na raiz do seu crescimento, (Pinheiro, 2002). No
quadro 4 podemos observar a evolução das áreas das várias espécies florestais em
Portugal.

Quadro 4 – Evolução das áreas das principais espécies florestais (Monteiro Alves et
al., 2000)
mil hectares (aprox.)
Espécies
Pinheiro
Anos Sobreiro Azinheira Eucalipto Outras Total
bravo
10
1902 430 366 417 - 743 1956
192811 1000 560 380 10 160 2050
194012 1161 690 360 - 256 2467
13
1956 1288 637 579 99 223 2826
198014 1300 650 535 215 310 3010
198815 1300 670 470 360 200 3000
199516 1140 720 460 690 270 3280
200117 976 713 462 672 379 3202

Na evolução das diferentes componentes da área florestal (quadro 4), verificamos que
o crescimento mais forte foi o que terá ocorrido, nas primeiras décadas do século
passado, com o pinheiro bravo. Em termos de área ocupada foi, pouco a pouco,
deixando para trás o sobreiro; com ele compete no que respeita a capacidade natural
de expansão, por via da sua grande adaptabilidade às mais diversas condições do
meio.

4. Referências Bibliográficas

- DGF, 2001. Inventário Florestal Nacional, 3ª revisão


- DINIZ, F., 1986. Paleoambiente vegetal do depósito quaternário se S. Torpes. Maleo,
2-13, 19 pp.
- DINIZ, F., 1992. Pollen analysis of Pleistocene sediments from the western coast of
Portugal. VIII. Int. Palynol. Cong., Aixen-Provence, Prog. Abstr.
- FIGUEIRAL, I., 1988/1989. Fraga D’Aia (S. João da Pesqueira). Primeiros resultados
antracologicos. Portugália N.S., 9/10:107-108.

12
CESE, 1998
13
SROA, 1970
14
“Estudos e Informação” 289, D.G.O.G.F, 1981
15
Inventário Florestal Nacional. DGF, 1989
16
Perfil Florestal. I. Produtos Florestais. 1998
17
3ª Revisão do Inventário Florestal Nacional, DGF 2001.

__________________________________________________________________ 6
_________________________________________________Evidências do Pinheiro Bravo em Portugal

- FIGUEIRAL, I., 1992. Primeiros resultados antracológicos do Planalto Mirandês: os


povoados do Barrocal Alto e do Cunho. In: M.J. SANCHES, Pré-história recente dop
Planalto Mirandês (Leste de Trás-os-Montes). GEAP, Porto, Monogr. Arqueol., pp. 155-
160.
- FIGUEIRAL, I., 1993b. Charcoal analysis and the vegetational evolution of North-West
Portugal. Oxford J. Archaeol., 12(2): 209-222.
- FIGUEIRAL, I., in press. Antracologia e Megalitismo: problemas e perspectivas. O caso
do núcleo de Chã de Parada (Serra da Abobeira). Portugália.
- FIGUEIRAL, I., 1995. Charcoal analysis and the history of Pinus pinaster (cluster pine)
in Portugal. Review of Paleobotany and Palynology 89: 441-454p.
- FIGUEIRAL, I., 1996. Wood resources in north-west Portugal: their availability and use
from the late Bronze Age to the Roman period. Veg. Hist. Archaeobot. 5, 121-129.
- GALOPIM DE CARVALHO, A.M., 1989. Investigação científica no Museu. Bol. Inf. Mus.
Nacl. Mineral. Geol., 5: 5-8.
- JACAMON, M., 1979. Guide de Dendrologie. ENGREF, Nancy, 2 vols.
- LEITÃO, N., 2000. A Floresta e os Florestais na História de Portugal (parte I). Naturlink
, a Ligação à Natureza.
- MATEUS, J.E.; QUEIROZ, P.F., 1993. Os estudos de vegetação quaternária em
Portugal; Contextos, Balanços e Perspectivas. Colibri: 105-131.
- MONTEIRO ALVES, A. A.; RADICH, M. C., 2000. Dois Séculos da Floresta em
Portugal. CELPA – Associação da Indústria Papeleira. Lisboa.
- OLIVEIRA, A. C., PEREIRA, J. S. e CORREIA, A. V. 2000. A Silvicultura do Pinheiro
bravo. Centro Pinus, Porto. 111 pp
- PAIS, J., 1989. Evolução do coberto florestal no Neogénico e no Quaternário. Comun.
Serv. Geol. Portugal., Vol. 75, 67-72.
- PAIS, J., 2001. Paleontologia e Paleobotânica. Dep. De Ciências da Terra. Univ. Nova
de Lisboa, Fac. De Ciências e Tecnologia.
- PEREIRA, J. C., 1915. A Propriedade Rústica.
- PEREIRA, C., 2001. A Propósito do Pinhal Português. Naturlink , a Ligação à Natureza.
- PETIT, R.J.; BURBAN, C., 2003. Phylogeography of maritime pine inferred with
organelle markers having contrasted inheritance. Molecular Ecology, 12, 1487-1495.
- PINHEIRO, L., 2002. O Pinheiro Bravo: ainda a nossa primeira essência florestal.
AGROPORTAL. Coimbra.
- RIBEIRO, O., 1970. Sertã: pequeno centro na área de xisto da Beira Baixa. Finisterra,
VI, n.º 9.
- SILVA, J. B. A., 1815. Memória sobre a necessidade e utilidade do plantio de novos
bosques em Portugal.
- VARNHAGEN, L. G., 1836. Manual de Instruções Práticas sobre a Sementeira, Cultura
e Corte de Pinheiros e Conservação da Madeira dos Mesmos.

__________________________________________________________________ 7
_________________________________________________Evidências do Pinheiro Bravo em Portugal

- VERNET, J.L., 1986. Analysis anthracologiques des stations préhistoriques de Vinha


da Soutilha (Mairos), Pastoria (Chaves) et Castelo de Aguiar (Vila Pouca de Aguiar). In:
S.O. JORGE, Povoados da Pré-história recente da região de Chaves. Vila Pouca de
Aguiar, pp. 1127-1131.

__________________________________________________________________ 8

Você também pode gostar